Psicoterapias Cognitiva e Construtivista - ABREU e ROSO
April 30, 2017 | Author: MayraCampana | Category: N/A
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista...
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PSICOTERAPIAS COGNITIVA E CONSTRUTIVISTA
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Psicoterapias cognitiva e construtivista : novas fronteiras da prática clínica [recurso eletrônico] / Cristiano Nabuco de Abreu ... [et al.]. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2012. Editado também como livro impresso em 2003. ISBN 978-85-363-2722-8 1. Psicoterapia cognitiva. 2. Psicoterapia construtivista. 3. Psicoterapia – Prática clínica. I. Abreu, Cristiano Nabuco de. CDU 615.851
Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052
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PSICOTERAPIAS COGNITIVA E CONSTRUTIVISTA NOVAS FRONTEIRAS DA PRÁTICA CLÍNICA CRISTIANO NABUCO DE ABREU MIRÉIA ROSO (E COLABORADORES)
VERSÃO IMPRESSA DESTA OBRA: 2003
2012
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©Grupo A Educação S.A, 2012
Capa Gustavo Macri Preparação do original Elisângela Rosa dos Santos Leitura Final Claudia Bressan Supervisão editorial Mônica Ballejo Canto Projeto e editoração Armazém Digital Editoração Eletrônica – rcmv
Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED EDITORA LTDA., divisão do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 – Pavilhão 5 Cond. Espace Center – Vila Anastácio 05095-035 São Paulo SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL
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Autores
Cristiano Nabuco de Abreu (org.), psicólogo – Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo.
Corinna Schabbel, psicóloga – The Fielding Institute – Califórnia.
Miréia Roso (org.), psicóloga – Ambulatório de Doenças Afetivas (GRUDA) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Daniel Boleira Sieiro Guimarães, psiquiatra – Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Aaron T. Beck, psiquiatra – Psychopathology Research Unit – Department of Psychiatry – University of Pennsylvania.
Eduardo Simon, psiquiatra – Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo.
Admar Cardoso Jr., psicólogo – Centro de Aperfeiçoamento Profissional (CEFAP).
Cristiana Vallias de Oliveira Lima, psicóloga. Cristopher Muran, psicólogo – Brief Psychoterapy Research Program – Beth Israel Medical Center; Albert Einstein College of Medicine.
Eliana da Silva Ramos Arruda, psicóloga.
Álvaro Pacheco Duran, psicólogo – UNICAMP.
Eliane Falcone, psicóloga – Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Augusto Zagmutt Cahbar, psicólogo – Sociedad de Terapía Cognitiva Posracionalista (Santiago).
Flávia Andrade, psicóloga – Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo.
Carlos Eduardo Gonçalves Reche, psiquiatra – Faculdade de Psicologia da Universidade do Estado de Minas Gerais; Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas.
Francisco Lotufo Neto, psiquiatra – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Carlos Eduardo Leal Vidal, psiquiatra – Faculdade de Medicina de Barbacena (Minas Gerais); Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas.
Helene Shinohara, psicóloga – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Carlos Eduardo Pires e Albuquerque, psicólogo – Consultores Associados Milton de Oliveira; Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas
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Henrique Alvarenga da Silva, psiquiatra – Departamento de Engenharia Biomédica da Universidade Federal de São João Del-Rei; Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas.
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Autores
Jeremy Safran, psicólogo – New School for Social Research (New York). Ivana Lia Rios Costa, psicóloga – Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional (CEFAP). Lígia Montenegro Ito, psicóloga – Laboratório de Investigações Médicas (LIM 23) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Lilian Erichsen Nassif, psicóloga – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais; Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas. Luciane Gonzalez Valle, psicóloga. Mateo Ferrer Farji, psicólogo – Sociedad de Terapía Cognitiva Posracionalista (Santiago).
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Mariangela Gentil Savoia, psicóloga – Ambulatório de Ansiedade (AMBAN) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Maurits Kwee, psicólogo – Waseda University; Advanced Research Center for Human Sciences. Myrian Vallias de Oliveira Lima, psicóloga. Raquel Gonçalves Wanderley, psicóloga – Núcleo Mineiro de Psicoterapias Cognitivas. Simone da Silva Machado, psicóloga – Universidade de Santa Cruz do Sul; Centro de Controle de Stress; Núcleo de Estudos e de Atendimento em Psicoterapias Cognitivas. Willem Kuyken, psicólogo – Psychology Department – Exerter University.
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Sumário
Prefácio ................................................................................................................................. 11 Táki Athanássios Cordás
Introdução ............................................................................................................................ 13 Miréia Roso e Cristiano Nabuco de Abreu
PARTE I Aspectos epistemológicos 1.
Verdade, conhecimento e emoção nas abordagens cognitivas ...................................... 21
2.
Cognitivismo e construtivismo ..................................................................................... 35
Henrique Alvarenga da Silva Cristiano Nabuco de Abreu e Miréia Roso
PARTE II Um estudo comparativo entre os modelos cognitivo e construtivista 3.
Terapia cognitiva: abordagem revolucionária .............................................................. 53
4.
Técnicas selecionadas da prática da terapia cognitiva .................................................. 61
5.
Construtivismo e prática clínica da rebiografia narrativa ............................................. 69
6.
Técnicas selecionadas da prática da terapia construtivista ........................................... 89
Aaron T. Beck e Willem Kuyken Helene Shinohara Maurits Kwee Simone da Silva Machado
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Sumário
PARTE III A terapia cognitiva dos transtornos psiquiátricos 7.
Fobia social ................................................................................................................ 101
8.
Transtornos alimentares ............................................................................................. 113
9.
Transtorno de pânico ................................................................................................. 125
10.
Depressão .................................................................................................................. 133
11.
Transtorno obsessivo-compulsivo ............................................................................... 139
12.
Dependência química ................................................................................................. 149
Mariangela Gentil Savoia Daniel Boleira Sieiro Guimarães Lígia Montenegro Ito Cristiana Vallias de Oliveira Lima Carlos Eduardo Leal Vidal e Raquel Gonçalves Wanderley Flávia Andrade e Eduardo Simon
PARTE IV A terapia construtivista dos transtornos psiquiátricos 13.
Fobia social ................................................................................................................ 159
14.
Transtornos alimentares ............................................................................................. 167
15.
Transtorno de pânico ................................................................................................. 181
16.
Depressão .................................................................................................................. 195
17.
Transtorno obsessivo-compulsivo ............................................................................... 203
18.
Alcoolismo ................................................................................................................. 215
Miréia Roso Augusto Zagmutt Cahbar e Mateo Ferrer Farji Luciane Gonzalez Valle Álvaro Pacheco Duran Carlos Eduardo Gonçalves Reche Lilian Erichsen Nassif
PARTE V Os modelos cognitivo e construtivista na terapia de casal 19.
Terapia de casal: enfoque cognitivo ........................................................................... 229
20.
Terapia de casal: enfoque construtivista ..................................................................... 237
Myrian Vallias de Oliveira Lima Corinna Schabbel e Eliana da Silva Ramos Arruda
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Sumário
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PARTE VI Novas fronteiras da prática clínica 21.
Modelos de estágios do processo de resolução da ruptura da aliança ......................... 251
22.
Empatia ..................................................................................................................... 275
23.
Religião, psicoterapia e saúde mental ........................................................................ 289
24.
Construtivismo e cultura organizacional .................................................................... 303
25.
Terapias cognitivas na oncologia ................................................................................ 315
26.
A pessoa do terapeuta e o processo de mudança em psicoterapia .............................. 325
Jeremy Safran e Cristopher Muran Eliane Falcone Francisco Lotufo Neto Carlos Eduardo Pires e Albuquerque Admar Cardoso Jr. e Ivana Lia Rios Costa Cristiano Nabuco de Abreu
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Prefácio
O uso de recursos psicológicos no tratamento dos quadros psiquiátricos e no auxílio à superação da dor e do desconforto humano remonta à Antigüidade Clássica, provavelmente antes da máxima socrática “Noxe te ixum” (Conhece-te a ti mesmo”). Esses procedimentos podem ser identificados nas mais diferentes formas de apoio, persuasão, confissão religiosa, obras literárias e uso de arte. De maneira sistemática, porém, o início do século XX marca o desenvolvimento da psicoterapia como teoria e prática pelas mãos de três homens: Freud, Jung e Adler. Cumpre ressaltar que Adler não recebeu o reconhecimento imediato nos círculos psicoterápicos de maneira tão ufanista quanto os dois primeiros, mas sua ênfase na importância do presente e do futuro em psicoterapia o tornam um pioneiro em aspectos que a terapia cognitivo-comportamental ressaltaria somente décadas depois. Mais de 700 “marcas” de psicoterapia estão no mercado, boa parte delas com corpos teóricos rudimentares ou com referenciais emprestados ou mal copiados de outras linhas psicoterápicas. Nesse sentido, a pesquisa sobre a efetividade das psicoterapias encontra objetores radicais particularmente entre determinados redutos psicanalíticos, bem como problemas metodológicos importantes, entre eles a escolha do método qualitativo ou quantitativo. No entanto, as psicoterapias de orientação comportamental e cognitiva buscaram precocemente sua validação científica e sua eficá-
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cia no tratamento de diversos transtornos psiquiátricos. O mesmo ainda não ocorreu com o construtivismo aplicado à psicoterapia. Apesar de sua reconhecida importância na área da educação, somente nas últimas duas décadas começou a ter uma base teórica cada vez mais sólida para sustentar a compreensão dos processos envolvidos na mudança humana e, portanto, aplicadas à psicoterapia. Vale abrir um parênteses neste prefácio para esclarecer que, quando falamos de terapia construtivista, não estamos falando apenas a respeito de uma mera vertente da terapia cognitiva, mas sim de uma abordagem que, em si mesma, apresenta variantes importantes. Para fins didáticos, as teorias construtivistas em psicoterapia podem ser divididas em duas variantes, que se diferenciam principalmente pelo conceito que têm do significado da realidade: o construtivismo radical e o construtivismo crítico. O construtivismo radical tem como referência a posição idealista, tal como na Filosofia, afirmando que não há realidade além de nossa experiência pessoal. Nesse sentido, o conhecimento não reflete uma necessidade ontológica objetiva, e sim a experiência tal qual a construímos. Sua maior e mais recente expressão são os trabalhos de Maturana e Varela e o conceito que utilizam de autopoiese (sistemas que se auto-organizam constantemente). O construtivismo crítico não nega a existência de um mundo real, mesmo que não pos-
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Prefácio
samos conhecê-lo diretamente. Nessa perspectiva, o indivíduo é um co-criador de sua realidade pessoal, ou seja, a realidade externa existe objetivamente, porém o conhecimento desta jamais será objetivo, e sim construído pelo objetivo, a partir de suas percepçõs e experiências. Muitos são os autores que partem dessa perspectiva teórica para formular suas teorias psicológicas construtivistas e, conseqüentemente, suas propostas terapêuticas. Alguns dos mais representativos na atual psicologia construtivista são Michael Mahoney (EUA), Vittorio Guidano (Itália), Óscar Gonçalves (Portugal), Jeremy Safran (EUA), Leslie Greenberg (Canadá) e Robert Neimeyer (EUA). Vários outros, entre eles brasileiros e colaboradores deste livro, têm contribuído para o desenvolvimento das teorias e psicoterapias construtivistas. Outro aspecto refletido por este livro é o da interdisciplinaridade dos estudos cognitivos, o qual tem crescido muito desde os anos 70. O que se chama hoje de ciência cognitiva dissemina sua influência e busca soluções em áreas tão extensas quanto a natureza do pensamento, das
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emoções, da lingüística, da filosofia e da psiquiatria. Com certeza, a psicoterapia cognitiva rege em sua aplicação todas essas áreas diretamente relacionadas ao ser humano que busca mudanças – talvez por isso o autor deste prefácio não seja nem psicólogo nem psicoterapeuta. Elogios à competência dos organizadores, Cristiano Nabuco de Abreu e Miréia Roso, e dos autores seria redundante uma vez que a importância científica e didática de seu trabalho é sobejamente conhecida. Assim, o melhor a fazer é agradecer profundamente a todos. Agradecer não apenas pela qualidade técnica incontestável desta obra, mas também pelo exemplo de diletantismo, pois não é possível usar outro termo para quem busca ensinar e discutir suas idéias. Táki Athanássios Cordás Coordenador Geral do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
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Introdução Miréia Roso Cristiano Nabuco de Abreu
A idéia de escrever este livro começou a desenvolver-se a partir de diversas discussões a respeito de como, enquanto terapeutas cognitivos, realizamos nosso trabalho na psicoterapia. É fato que, no Brasil, a formação da maior parte dos terapeutas ainda tem forte influência da psicanálise e pode-se considerar a terapia cognitiva como uma escola de psicoterapia ainda em expansão. Por isso, os clínicos que optaram por estudá-la e praticála ainda carecem de um modelo capaz de identificar sua prática de maneira genuína. É comum nos depararmos, em aulas e congressos no Brasil, com questões do tipo: “Será que este procedimento que estou realizando com meu cliente é realmente compatível com o modelo cognitivo?”, “Se opto por aplicar, por exemplo, técnicas comportamentais comprovadamente eficazes no tratamento de quadros ansiosos, ainda assim posso considerar a minha prática como basicamente cognitiva?”, “E se, em alguns casos, priorizo o enfoque das emoções, estaria mais identificado com um modelo cognitivo construtivista?”. Portanto, ao que tudo indica, estamos em um território mesclado por natureza, por terapeutas e pelo entendimento destes a respeito do que se considera sacramental dentro de cada autor cognitivo. Acreditamos não ser possível legitimar a nossa prática apenas seguindo um modelo teórico (na maioria das vezes “importado”), o qual
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nos é ensinado e não nos deixa tão confortáveis ao aplicá-lo (Abreu, 1996). É provável que muitos leitores, terapeutas cognitivos, já se tenham questionado a esse respeito, tal como nós já o fizemos inúmeras vezes. Foi precisamente por essa razão que optamos por organizar um livro que pudesse abranger diferentes visões de terapeutas cognitivos para que, assim, tivéssemos a oportunidade de vislumbrar nossa prática a partir dos diferentes pressupostos que possuímos – sejam eles objetivistas ou construtivistas. A TERAPIA COGNITIVA: HISTÓRICO E APLICAÇÕES A chamada revolução cognitiva teve início por volta de 1956, quando Skinner começou a incluir o comportamento verbal como tema de seus estudos. Isso revelava que os behavioristas começavam a reconhecer a necessidade de compreender os “processos internos” que governam o comportamento. A famosa “caixa-preta” passava a despertar o interesse dos pesquisadores. Os estudos do comportamento governado por regras são um exemplo disso. Em 1958, Wolpe introduzia a técnica da dessensibilização sistemática, a qual mostrava que era possível modificar uma resposta de ansiedade com procedimentos apenas cogni-
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tivos: treinava-se o paciente a relaxar, enquanto ele imaginava situações geradoras de ansiedade de modo a inibi-la. Foi a primeira forma de terapia verbal alternativa à psicanálise e estava baseada nos modelos de aprendizagem. A conclusão a que se chegava, a partir desses estudos, era a de não ser mais suficiente modificar o contexto de maneira a reforçar (positiva ou negativamente) uma resposta que precisava ser modificada; era necessário considerar também de que maneira o indivíduo percebia esse contexto. Em outras palavras, não era a situação (ou o contexto) a determinante do que as pessoas sentiam ou como se comportavam, e sim o modo como interpretavam tais situações. Foi exatamente isso que Beck afirmou em 1963, quando começou a publicar estudos sobre a relação entre o pensamento e a depressão. Alguns anos mais tarde, por volta de 1970, juntamente com Mahoney (1974) e Ellis (1985), influenciados pelo avanço dos estudos na área das ciências cognitivas, deram início à revolução cognitiva propriamente dita (Abreu e Shinohara, 1998). Até hoje, a terapia cognitiva tem como pressuposto a idéia de que os sentimentos e os comportamentos do indivíduo são determinados pelo modo como ele estrutura e interpreta o mundo através de seus pensamentos e de suas crenças. De maneira geral, a terapia cognitiva começou sendo aplicada no tratamento de transtornos psiquiátricos, primeiro através de terapia individual e, depois, de terapia em grupo. Hoje, ela também é aplicada na terapia de casais e de pessoas que buscam tratamento mesmo sem apresentar um diagnóstico psiquiátrico. Três aspectos principais caracterizam as terapias cognitivas e tornam sua aplicação cada vez mais freqüente: • Seu caráter breve: procura-se definir um foco e estabelecer objetivos para o tratamento.
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• Seu caráter pedagógico: parte do trabalho consiste em discutir com o cliente seu quadro clínico, a necessidade da medicação e os efeitos colaterais, bem como, sempre que possível, orientar a família. • Seu caráter multidisciplinar: a terapia participa de um trabalho em conjunto com outros profissionais (psiquiatras, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, etc.). Esses aspectos também justificam sua importante aplicação em projetos de pesquisa. A maior parte dos tratados referentes ao tratamento psicológico dos transtornos psiquiátricos reporta-se à terapia cognitivo-comportamental (TCC) desses transtornos. Geralmente, são descritos “pacotes” de tratamento nos quais se utilizam técnicas comportamentais e cognitivas cujo objetivo é o alivio de sintomas de um determinado transtorno psiquiátrico. Um exemplo é o tratamento do transtorno do pânico. O tratamento desse transtorno, em termos cognitivo-comportamentais, inclui a exposição a situações fóbicas de maneira gradual e sistemática, o gerenciamento da ansiedade através de técnicas de respiração e relaxamento e a modificação de crenças e pensamentos catastróficos associados ao aumento da ansiedade em determinadas situações. A eficácia desse tipo de tratamento foi extensivamente comprovada em inúmeros estudos no mundo inteiro. O que esse tipo de abordagem oferece como vantagem? A utilização de técnicas. Notese que o intuito aqui não é o tratamento do indivíduo como um todo, mas o tratamento de seu transtorno, o que é extremamente válido. Se trabalhamos em uma instituição e precisamos oferecer tratamento rápido e eficaz a pessoas que nos procuram em sofrimento, essa abordagem oferece-nos condições de fazer isso com sucesso. Outra qualidade desse tipo de abordagem é sua fácil aplicação em projetos
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de pesquisa. A psicologia mereceu o respeito que tem hoje quando provou que seus métodos eram válidos sob um ponto de vista científico, mesmo que esse ponto de vista tenha sido, até hoje, o positivista (o modelo médico de ciência). Já a indicação da terapia cognitiva de Beck se dá quando o objetivo principal é o alívio de sintomas através da modificação de crenças e pensamentos disfuncionais (Ver Capítulo 3). Aqui, a abordagem refere-se ao método cognitivo que segue um padrão bem-estruturado, no qual o terapeuta utiliza um roteiro que inclui a organização da agenda, a revisão e a prescrição da lição de casa, a discussão das tarefas e um resumo da sessão no final da mesma. O trabalho é educativo e está centrado nos problemas do aqui e agora, relevando menor atenção às recordações da infância (Bricker, Young e Flanagan, 1993). O modelo de Beck procura ensinar o paciente a: (1) observar e controlar os pensamentos automáticos negativos; (2) reconhecer os vínculos entre cognição, afeto e comportamento; (3) examinar as evidências a favor e contra pensamentos automáticos distorcidos; (4) substituir cognições tendenciosas por interpretações mais orientadas para o real e (5) aprender a identificar e alterar as crenças disfuncionais que o predispõe a distorcer suas experiências. Diversas técnicas são utilizadas para isso. As mais comuns são o diário de pensamentos, no qual o paciente registra pensamentos que alteraram suas emoções ao longo do dia a fim de avaliálos de maneira mais objetiva, e o questionamento socrático, através do qual o terapeuta auxilia o cliente na identificação das distorções de seus pensamentos e crenças, bem como na associação destas e do mal-estar que apresenta (Beck, 1998). Esse tipo de abordagem é útil quando a pessoa que procura tratamento sente-se confortável frente a uma abordagem mais racional, organizada e objetiva. No tratamento de transtornos psiquiátricos caracterizados por uma dificuldade de organização do paciente,
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como, por exemplo, a depressão, esse tipo de abordagem mostra-se extremamente útil, na medida em que ensina o paciente a organizar seu tempo e suas prioridades, dando-lhe instrumentos para observar-se de maneira mais concreta. Finalmente, a abordagem cognitiva-construtivista é indicada quando o objetivo é compreender a “construção de significados” que o indivíduo realizou ao longo de sua vida e que pode estar causando sofrimento. O foco dessa terapia incide sobre os esquemas emocionais que orientaram tal “construção”. Por isso, a maior parte das técnicas da terapia construtivista focaliza as narrativas que o cliente faz de sua história de vida e de suas experiências atuais. A história de vida tem especial relevância, uma vez que permite a compreensão do modo pelo qual tal construção foi sendo realizada. A abordagem construtivista é utilizada quando há necessidade de realizar um trabalho psicoterápico mais amplo e mais profundo, no qual as mudanças obtidas são muitas vezes mais duradouras. No tratamento dos transtornos de personalidade, nos quais as técnicas comportamentais e cognitivas têm-se mostrado insuficientes e muitas vezes pouco eficazes, a terapia construtivista poderia ser bastante promissora. Por que promissora e não eficaz? Porque ainda estamos no início do desenvolvimento de uma metodologia que nos permita validar procedimentos cuja prioridade é o indivíduo e sua história, e não a observação externa, o diagnóstico ou a aplicação de técnicas na realização de uma psicoterapia científica. Não que o diagnóstico, a generalização de dados ou a validação de técnicas sejam menos importantes; porém, em psicoterapia, isso está longe de ser suficiente. Esperamos que esta obra sirva de ponto de partida para novas reflexões e para o aprimoramento e o refinamento dos modelos cognitivos no Brasil e que possamos, no futuro, desenvolver um modelo nosso, que atenda às nossas necessidades.
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CONCLUSÃO Ainda restaram sem uma resposta questões importantes sobre o que determina a interpretação que uma pessoa faz das situações, ou mesmo a quais regras esse processo de atribuição de significados obedece. Beck, no início de seu trabalho, afirmava que são os esquemas cognitivos ou as crenças que determinam essa interpretação de um indivíduo sobre si mesmo e sobre o mundo. Mas, hesitando a outra ponderação, de onde provêm esses esquemas? Seriam eles apenas derivados de uma natureza cognitiva? Para Beck (1970), os esquemas são estruturas cognitivas abstratas, formadas segundo regras e pressupostos adquiridos durante o desenvolvimento, que geram padrões ou temas na percepção que o indivíduo tem de si mesmo e de suas experiências. Todavia, bem sabemos que algum tempo após publicada, muitos estudiosos já não aceitavam essa definição como completamente suficiente (Mahoney, 1998). Mesmo se fosse consenso que o comportamento do indivíduo é um reflexo da interpretação que ele faz de si mesmo e do mundo, hoje essa interpretação (de mão única) não pode não ser totalmente validada, pois a neurociência aponta para o fato de que as emoções também contribuem para a arquitetura da atribuição de significados (Damásio, 2001). Não seriam, portanto, os esquemas emocionais, construídos desde a infância que antecedem as interpretações cognitivas do indivíduo? Idéias dessa natureza foram as responsáveis pela origem da concepção construtivista, conforme veremos ao longo dos primeiros capítulos deste livro. Portanto, vale relembrar que hoje a terapia cognitiva apresenta duas possibilidades de compreensão e intervenção no processo de mudança psicológica, e ambas procuram identificar as formas de interpretação que o indivíduo faz de suas experiências. Quando falamos de terapia cognitiva, é necessário sempre considerar o ponto de vista do qual se parte, ou
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seja, qual é a conce(o)pção epistemológica adotada pelo clínico (Abreu, 2001). Cada um permite, de sua própria maneira, diversas possibilidades de entendimento, intervenção e objetivos terapêuticos (Mahoney, 1998). Concordamos com a afirmação de Miró (1998) de que explicar a mudança terapêutica, partindo de uma concepção histórica do sujeito, não deveria ser uma limitação para a psicoterapia científica, mas sim um horizonte, certamente mais coerente com as necessidades encontradas quando se trata de investigar cientificamente os processos de mudança envolvidos no trabalho psicoterapêutico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C.N. Panorama actual de la terapia cognitiva en sudamérica. Conferência apresentada no 1er. Simposio Reginal Sudamericano de Terapia Cognitiva, Argentina, 1996. ___________ . Psicoterapia construtivista: o novo paradigma dos modelos cognitivistas. In: RANGÉ, B. (Org.). Atualizações em terapia cognitivo-comportamentais. Porto Alegre: Artmed, 2001. p.62-76. ABREU, C.N.; SHINOHARA, H. Cognitivismo e construtivismo: uma fértil interface. In: FERREIRA, R.F.; ABREU, C.N. (Orgs.). Psicoterapia e construtivismo: considerações teóricas e práticas. Porto Alegre: Artmed, 1998. p.65-82. BECK, A.T. Thinking and depression I: idiosyncratic content and cognitive distortion. Archives of General Psychiatry, v.9, p.324-33, 1963. ___________ . Cognitive therapy: nature and relation to behavior therapy. Behavior Therapy, v.1, p.184200, 1970. BECK, J. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 1998. BRICKER, D.; YOUNG, J.; FLANAGAN, C.M. Schemas focused cognitive therapy: a comprehensive framework for characteriological problems. In: KUEHLWEIN, K.T.; ROSEN, H. Cognitive therapies in action: involving innovative practice. San Francisco: Jossey-Bass, 1993. p.88-125. DAMÁSIO, A. O aparecimento da consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
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ELLIS, A. Expanding the ABC of rational-emotive therapy. In: MAHONEY, M.; FREEMAN, A. (Eds.). Cognition and psychotherapy. New York: Plenum, 1985. p.337-348.
MIRÓ, T. Construtivismo terapêutico e psicoterapia científica. In: FERREIRA, R. F.; ABREU, C.N. (Orgs.). Psicoterapia e construtivismo: considerações teóricas e práticas. Porto Alegre: Artmed, 1998. p.97-110.
MAHONEY, M.J. Cognition and behavior modification. Cambridge: Ballinger, 1974.
WOLPE, J. A prática da terapia comportamental. São Paulo: Brasiliense, 1976.
MAHONEY, M.J. Processos humanos de mudança: as bases científicas da psicoterapia. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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PARTE I
Aspectos Epistemológicos
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1 Verdade, Conhecimento e Emoção nas Abordagens Cognitivas Henrique Alvarenga da Silva
CONSIDERAÇÕES INICIAIS Nas três últimas décadas, o aparato teórico da psicoterapia tem atravessado importantes revoluções epistemológicas. A psicoterapia comportamental incorporou gradualmente conceitos cognitivos e hoje é usualmente denominada de terapia cognitivo-comportamental. Essa nomenclatura evidencia uma fusão de teorias e práticas, além de mostrar que elas têm tido flexibilidade suficiente para suportar contínuas reformulações. Flexibilidade essencial para uma proposta teórica que deseja manterse atualizada em um momento em que as inovações nas ciências do homem e da mente têm sido tão rápidas. Assim como há alguns anos o comportamentalismo e o cognitivismo eram consideradas duas correntes contraditórias, hoje ainda percebemos haver uma distinção entre terapia cognitvo-comportamental e terapia cognitivoconstrutivista ou, mais simplesmente, entre teorias cognitivistas e construtivistas. Acreditamos que, apesar dessa atual distinção, essas duas propostas têm muito a se beneficiar uma da outra. A terapia cognitiva surgiu, sobretudo, a partir da prática clínica de terapeutas. Seus proponentes e desenvolvedores têm-se preocupado de maneira sistemática com sua eficácia te-
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rapêutica, e diversos trabalhos de pesquisa têm sido conduzidos nesse sentido. Como resultado disso, a terapia cognitivo-comportamental tem conseguido mostrar-se eficaz em uma série de transtornos psiquiátricos e alcançado seu lugar tanto na prática clínica quanto nas instituições de ensino. O construtivismo como forma de psicoterapia ainda é recente. No Brasil, é mais conhecida sua versão piagetiana, utilizada principalmente na área da pedagogia. Entretanto, nos últimos anos, sua construção teórica tem crescido significativamente e merece ser visitada. A psicoterapia cognitivo-construtivista faz parte de uma revolução epistemológica no campo das ciências cognitivas, assumindo como característica marcante a grande multidisciplinaridade. Ela surgiu a partir de contribuições das ciências biológicas, da filosofia, da lingüística, da antropologia, da computação e de vários ramos da psicologia. Fruto especialmente de questionamentos nas concepções básicas dessas áreas, representa o resultado de uma evolução histórico-científica que culmina com o encontro de diversas disciplinas no que se denomina ciência cognitiva ou, conforme Gardner (1996), uma nova ciência da mente. As idéias filosóficas não são apenas ornamentos ou comentários parasitas sobre os difíceis objetivos da ciência. É inevitável que toda
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ciência, inclusive a psicologia, comprometa-se com uma posição epistemológica clara, pois não existe ciência livre de filosofia. E é justamente o amplo trabalho filosófico que mantém unidos os múltiplos programas de pesquisa agrupados sob o nome de ciências cognitivas. Entretanto, é comum que, em vários ramos da ciência, os pressupostos teóricos fundamentais sejam os mais frágeis. Uma teoria sem alicerces bem-fundamentados é como um edifício erguido sobre areia movediça. A proposta cognitivo-construtivista fundamenta-se na concepção de que todo o processo de construção de significados realiza-se na interface entre a cognição, a emoção e a experiência, a partir da participação ativa do indivíduo, formando um conjunto de crenças que sustenta o processo de julgamento, a tomada de decisões e as ações do ser humano. Este capítulo pretende mostrar como a revolução epistemológica nas ciências naturais foi incorporada pela psicologia e traçar um breve percurso histórico desse processo. Serão discutidos os aspectos considerados essenciais na construção do significado e salientadas algumas particularidades da relação terapêutica oriundas dessa nova abordagem. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA EPISTEMOLOGIA CONSTRUTIVISTA O resgate histórico dessa evolução tornase complexo devido à sua não-linearidade, dado o grande isolamento inicial entre essas disciplinas. Apesar disso, acreditamos que a exposição desse processo, mesmo que simplificada, seja essencial para a sua compreensão. Afinal, as teorias não são criadas em um momento isolado; elas são desenvolvimentos históricos contínuos, em um processo de superação das contradições das teorias precedentes. É essencial ter em mente que as teorias são apenas instrumentos, e não respostas aos enigmas, necessitando estar constantemente em renovação, e que os verdadeiros avanços na história das ciências acontecem quando seus paradigmas são revistos, aprimorados ou substituídos (Kuhn, 2000). Assim, não basta a expo-
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sição das teorias; é necessário esclarecer seu desenvolvimento e seus efeitos. No ocidente, os primeiros modelos acerca do funcionamento da mente foram formulados por Sócrates, que considerava a razão e a consciência (psyché) como a essência do ser humano. Posteriormente, Platão denomina de “idéias” os conteúdos da consciência, considerando existirem fora do mundo físico (Benson, 1993). Segundo ele, o conhecimento pertenceria à “alma”, sendo apenas um “relembrar”. Desde o início do pensamento filosófico grego, já estava lançada a idéia de uma dicotomia entre uma mente não-física e um corpo físico. No século XVII, Descartes e Galileu fizeram a distinção precisa entre realidade física, passível de ser descrita pela ciência, e “realidade mental da alma”, considerada fora do campo da pesquisa científica (Reale e Antiseri, 1990). Ao afastar a mente da ciência, reduziase o campo científico e a complexidade dos problemas, o que facilitava seu desenvolvimento inicial. Esse dualismo foi útil durante algum tempo, pois ajudou a afastar a autoridade dos religiosos sobre os cientistas da época. A revolução científica que se iniciava tinha como traço mais característico seu método experimental, buscando suas verdades independentemente da metafísica e da fé e tendo como pretensão descrever uma realidade objetiva. Toda a ciência moderna baseia-se nessa noção da existência de uma realidade objetiva, regida por leis fixas, coerentes e universais, passíveis de serem conhecidas. O período moderno da filosofia foi, em grande parte, dominado pela idéia básica de que a mente caracteriza-se por espelhar a natureza, garantindo, assim, a representação correta da realidade (Rorty, 1979). A ciência seria a busca da certeza, da verdade objetiva. Nesse contexto, a atividade científica seria concebida como a descoberta dessas leis da natureza (da realidade), e o homem seria apenas um observador passivo, capaz de captar fenômenos que ocorrem sem a sua interferência. É indiscutível que tal conceito possibilitou avanços importantes nas ciências naturais, tendo sido bastante eficiente do ponto de vista pragmático. Até recentemente, esse ideal da
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ciência manteve seu caráter dominante. Contudo, mesmo muito antes do surgimento do método científico, diversos pensadores já se questionavam sobre a possibilidade de se adquirir essa almejada “verdade objetiva”, questionamentos esses que surgiram em diversos momentos através da história. No século XVIII, Vico (1999) sugeria que só era possível conhecer aquilo que se construiu, ou seja, que o conhecimento repousava em uma relação mútua entre conhecer e fazer. As questões acerca da origem, da essência e da certeza do conhecimento foram sistematicamente formuladas pela primeira vez por Lock (1973), em sua obra An essay concerning human understanding. O ramo da filosofia que assim surgia, conhecido como epistemologia, procurava saber se nossas representações internas eram precisas e até que ponto podiam espelhar a realidade externa. Sua preocupação fundamental é entender como se dá o conhecimento. As primeiras noções acerca do conhecimento postulavam que a verdade a ser conhecida era independente do homem. Essa independência era a marca registrada da realidade objetiva. De fato, a discussão sobre os conceitos de “verdade” e de “conhecimento” derivou em variadas linhas de pensamento, as quais se diferenciavam conforme o modo como entendiam a possibilidade de acesso a essa verdade. As dificuldades de separação entre o observador (o homem) e o objeto da observação foram expostas pela primeira vez por Kant (1997), em sua obra-prima Crítica da razão pura. No início do século XX, cresceram os questionamentos relativos às noções de verdade e objetividade, provocando verdadeiras revoluções científicas. Gadamer (2001) considerava que o conceito de verdade não poderia ser aplicado às ciências humanas. Quase repetindo as palavras de Vico (1999), o conhecer passa a ser definido por Dupuy (1996) como o ato de “produzir um modelo do fenômeno e efetuar sobre ele manipulações ordenadas”. Na biologia, Maturana (1988) e outros teóricos mostraram que o acesso de um organismo à realidade não é possível em termos absolutos, pois está sempre limitado pela estrutura biológica do organismo que busca conhecer.
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Na física, Max Planck desenvolveu a mecânica quântica, que introduzia a idéia de imprevisibilidade. A ciência começava a se interessar por fenômenos que não poderiam mais ser explicados por simples relações de causa e efeito. Em decorrência dessa mudança de perspectiva, passa a ser descrita como um diálogo com a natureza, as certezas dão lugar a possibilidades e probabilidades, e o futuro deixa de ser totalmente previsível. Esse movimento, que vem sendo esboçado desde o final do século XIX, passa a ser chamado de pós-modernismo. O processo de transformação dos pressupostos epistemológicos tem uma história paralela na psicologia. Em um primeiro momento, enquanto o paradigma dominante era a busca da verdade absoluta, o campo de observação ficou restrito aos fenômenos objetivos, ou seja, ao comportamento. Assim, Watson (1919; 1920) propôs que uma psicologia científica deveria restringir-se ao estudo do comportamento observável e que toda conduta humana deveria ser explicada em termos de estímulos e respostas aprendidas. As pesquisas sobre o aprendizado, desenvolvidas na Rússia principalmente por Pavlov (1927), foram muito bem recebidas pelos psicólogos nos Estados Unidos e ajudaram a promover a teoria comportamental. Skinner (1970; 1995), certamente um dos mais influentes behavioristas do século XX, considerava que as diferenças entre as pessoas eram devidas às diferentes histórias de estímulo e reforço. A versão britânica do comportamentalismo surgiu no início da década de 50, derivada sobretudo das idéias de Pavlov (1927), Watson (1920) e Hull (1943); nos Estados Unidos, foi impulsionada pelos estudos de Skinner sobre condicionamento (Rachman, 1997). Os problemas dos pacientes eram definidos pura e simplesmente como distúrbios de comportamento, e a solução proposta era um programa corretivo de condicionamento operante. De acordo com Eysenck (1960), o comportamento não era considerado um sintoma, e sim o próprio problema. A terapia comportamental era atrativa por se legitimar em sua posição científica, pretendendo ser uma ciência objetiva e insistindo na necessidade de fundamentação empírica. No
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entanto, apesar de seu grande progresso prático, houve um declínio crescente em sua produção teórica com o passar dos anos. A partir de 1970, essa estagnação teórica começou a se tornar fonte de insatisfação, pois uma série de questões simplesmente não encontrava respostas no âmbito desse paradigma (Rachman, 1997). Relações simplistas de causa e efeito mostravam-se cada vez mais insuficientes para explicar o comportamento humano: estímulos aparentemente idênticos provocavam respostas totalmente inesperadas. No início da década de 20, Vygotsky cunhou o termo mediação para descrever os processos através dos quais os organismos estabelecem as conexões entre os estímulos e as respostas (Cole, 1994). Entretanto, Vygotsky e Luria aplicaram o conceito de mediação quase que exclusivamente ao desenvolvimento dos processos mentais nas crianças. Aos poucos, a noção de que havia alguma forma de mediação entre os estímulos ambientais e as respostas apresentadas começou a ganhar destaque. Ficava cada vez mais evidente que o homem não reagia passivamente a estímulos ambientais, mas sim de acordo com sua interpretação desses estímulos, os quais podiam ser mais complexos do que se imaginava. Estudos com crianças demonstraram que, já por volta dos seis meses de idade, os estímulos desencadeadores de respostas comportamentais em bebês incluem complexas imagens mentais e, no segundo ano de vida, começa a se desenvolver a capacidade de pensamento simbólico. Portanto, desde cedo, o bebê passa a responder não a meros estímulos físicos, mas sim a estímulos que se revestem de significação (Bowlby, 1997). A nova psicologia emergente deparavase com um problema: como utilizar a metodologia científica se não há mais como observar objetivamente os fenômenos a serem estudados? A metodologia da ciência moderna mostrava-se, não apenas insuficiente, mas também inadequada ao estudo dos fenômenos mentais. Como todo o acesso que temos aos fenômenos subjetivos de uma outra pessoa passa, inicialmente, pela própria interpretação desta, a possibilidade de um conhecimento objetivo desmorona.
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O papel do observador adquire uma nova dimensão, pois não há mais observação desprovida de interferência. Todo contato com outro ser humano provoca inevitavelmente interferência e modifica o objeto da observação. Na interação humana, não há mais somente um observador, e sim um participante do processo. Prigogine (1996), prêmio Nobel de química, admite que, mesmo nas ciências naturais, como na física, existe sempre um vínculo entre o observador e o fenômeno e que todo processo de mensuração sofre a interferência do observador. O novo paradigma toma por objeto de investigação as relações entre os elementos e o observador, e não o objeto-em-si. O pensamento, a emoção e as sensações de um ser humano não são passíveis de observação direta, não podendo ser consideradas realidades objetivas a serem captadas. Dependem de sua exteriorização – comunicação – por meio do discurso. Nas palavras de Ricoeur (1999, p. 27-28): O que é experienciado por uma pessoa não pode se transferir totalmente como tal e como experiência para mais ninguém. A minha experiência não pode se tornar diretamente a vossa experiência. No entanto, algo se passa de mim para vocês, algo se transfere de uma esfera de vida para outra. Esse algo não é a experiência enquanto vivenciada, mas a sua significação. A experiência vivenciada, como vivida, permanece privada, mas seu sentido, a sua significação torna-se pública.
A aceitação do subjetivo como objeto de estudo da ciência tornou viável o surgimento e a incorporação de conceitos cognitivos à então vigente terapia comportamental. A estruturação metódica das sessões, sua base empiricista e a inclusão de exercícios comportamentais facilitaram a absorção acadêmica e profissional da nova forma de terapia, denominada de terapia cognitivo-comportamental. Um dos primeiros focos de atenção das terapias cognitivas foi a depressão, por ela envolver elementos cognitivos óbvios e não ter sido tratada com sucesso através da terapia comportamental. Beck (1967; 1976) e Ellis (1958; 1962) foram os dois teóricos pioneiros e mais influen-
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tes da terapia cognitiva. Segundo eles, os distúrbios emocionais são causados por processos cognitivos ou cognições disfuncionais; em outras palavras, pelos pensamentos ilógicos e irracionais. Para Ellis, os seres humanos apresentam a tendência de pensar irracionalmente, e suas propostas iniciais de tratamento cognitivo visavam à correção dos pensamentos ou das crenças disfuncionais através da maximização da racionalidade. A emoção é considerada uma conseqüência do pensamento, e o objetivo da terapia é torná-la mais “adequada” através da correção da lógica do pensamento. Para Beck (1997), a terapia cognitiva fundamenta-se na noção de que o estado de humor e o comportamento do indivíduo são em grande parte determinados pelo modo como ele estrutura o mundo. Além disso, considera que os transtornos emocionais são causados por constructos cognitivos disfuncionais e que a sua correção pode proporcionar a melhora clínica. Os terapeutas cognitivos usualmente empregam o termo cognições disfuncionais para se referirem às crenças rígidas, excessivas ou inapropriadas mantidas pelos pacientes. Um importante elemento do modelo cognitivo é o conceito de esquemas emocionais. Segundo Beck (1997), estes designam padrões cognitivos relativamente estáveis, responsáveis pela regularidade das interpretações do indivíduo em sua relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo. A importância das crenças pessoais já foi ressaltada também pelo filósofo espanhol Ortega y Gasset (1982), que as considera como o “extrato básico mais profundo da arquitetura de nossa vida”. Segundo ele, o diagnóstico de uma existência humana deve começar identificando o sistema de suas convicções e, para isso, sua crença fundamental. Essa distinção entre níveis de crenças é mantida e desenvolvida por Aaron Beck e outros terapeutas cognitivos. Beck (1997) denomina de crenças centrais aquelas mais fundamentais, geralmente desenvolvidas durante a infância, que influenciam o surgimento e a manutenção das crenças intermediárias e dos pensamentos automáticos. Uma das etapas essenciais do processo da terapia cognitiva consiste precisamente em aju-
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dar o paciente a compreender que suas crenças são apenas “idéias” e não “verdades”, sendo, assim, passíveis de modificação. A terapia cognitiva inicial reconhecia a influência do pensamento sobre a emoção, mas ainda não compreendia que as emoções também podiam influenciar os pensamentos. Uma série de estudos mais recentes têm demonstrado que o estado de humor pode influenciar significativamente os processos cognitivos envolvidos na interpretação e na avaliação da experiência (Teasdale, 1997). O PAPEL DAS EMOÇÕES A definição de termos como emoção, sentimentos e afetos sempre foi confusa na literatura. É provável que a dificuldade de defini-los e de observá-los objetivamente tenha servido para que a ciência moderna não se dispusesse a estudá-la e, talvez, para manter a crença de que a emoção seja prejudicial ao raciocínio. Damásio (2000) faz uma importante distinção ao designar por “emoção” um conjunto de reações corporais e por “sentimentos” a experiência mental privada da emoção. Assim, fica claro que a emoção não necessita de uma consciência para existir ou ser acionada. Por exemplo, quando nos damos conta de que estamos ansiosos, esse estado emocional já está presente muito antes de percebê-lo. Assim, a emoção e o sentimento fazem parte de um continuum funcional em constante relacionamento. A história do estudo das emoções mostra uma clara dicotomia. Resumidamente, podemos dizer que os dois pólos da questão caracterizam-se ou por negar sua importância ou por considerar a emoção fundamental para a vida. As teorias que consideram a emoção sem função ou significado são descendentes da doutrina estóica. Segundo essa tradição, a natureza dotou os animais com o instinto e o homem com a razão. O ideal estóico considera que o homem deve relacionar-se com seus semelhantes em atitude de total distanciamento, seja na política, no casamento ou nas ami-
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zades. De acordo com Zenão, fundador do estoicismo, as emoções são sempre – e só – perturbações do espírito e erros da razão, conduzem à infelicidade e devem ser destruídas, extirpadas e totalmente erradicadas. É conhecida como “doutrina da apatia estóica” a idéia de que a felicidade é apatia, insensibilidade e ausência de toda paixão (Reale e Antiseri, 1990). A existência de emoções nos animais parece ter facilitado o surgimento da idéia de que sejam estados biológicos inferiores. A negação de sua importância encontrou diversos adeptos na história, entre eles Descartes, Spinoza, Leibniz e Hegel. Para Descartes, a força da alma consiste em vencer as emoções. Por outro lado, diversos pensadores admitiam a importância das emoções. Pascal foi um dos pioneiros a dar primazia às “razões do coração, que a própria razão desconhece”, insistindo no valor e na função da emoção, que considerava como “fonte de conhecimento”. Shaftesbury foi provavelmente quem mais difundiu esse ponto de vista, tendo lançado também o conceito de balança ou equilíbrio das emoções (Abbagnano, 1999). As teorias científicas e filosóficas atuais partem da convicção de que não é possível compreender a existência do homem, seja como organismo, “eu” ou pessoa, sem levar em conta a experiência emocional. A negação da emoção pela ciência durante tanto tempo é quase incompreensível, dado o fato de que na prática clínica, tanto da psiquiatria quanto da psicologia, nós nos deparamos diariamente com ela. Até o final do século XIX, a emoção quase não tinha espaço em discussões científicas, muito menos em laboratórios de pesquisa. A partir da segunda metade do século XIX, partindo de paradigmas que aceitam a subjetividade, as emoções voltaram a ganhar espaço em discussões científicas. Um dos primeiros trabalhos científicos importantes foi o de Darwin (2000), que começou a estudar a expressão da emoção no corpo dos homens e dos animais. Mais tarde, a mesma corrente de investigação psicológica, considerando a estreita correlação entre os estados corporais e psíquicos, começou a ver nos
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estados somáticos mais do que apenas uma simples “expressão” das emoções. O psicólogo americano William James e o anatomista dinamarquês Carl Lange, trabalhando independentemente, propuseram que os estados corporais eram responsáveis pela indução dos sentimentos (Mahoney, 1998). Nessa linha de pensamento, ficamos tristes porque choramos, sentimo-nos assustados porque trememos. Essa teoria somática das emoções, embora hoje considerada incompleta, surgiu a partir da necessidade de estreitar as relações entre o corpo e a mente. Nas palavras de James (1976), “sem os estados corpóreos que se seguem à percepção, esta teria forma puramente cognitiva, pálida, descorada e desprovida de calor emocional”. A principal lacuna dessa teoria é que ela não explica a importância das emoções nem sua função biológica. Os últimos anos foram decisivos na compreensão da importância da emoção. A idéia popular de que ela interfere negativamente no pensamento foi refutada por diversos autores. Damásio (1998; 2000), Gazzaniga et al. (1998) e Bowlby (1990), entre outros, têm demonstrado que as emoções são essenciais nos processos de tomada de decisão. Bowlby (1990) propõe que grande parte do que chamamos sentimentos são fases de avaliações intuitivas de um indivíduo sobre seus próprios estados e desejos para agir, ou sobre a sucessão de eventos ambientais em que ele se encontra. Assim, atribuir um sentimento é fazer uma previsão sobre o comportamento subseqüente. Desse modo, pode-se compreender a importância da emoção nos processos de interação: somente um animal capaz de avaliar o estado de ânimo de outro estará apto a participar da vida social. Se considerarmos que alguém está enfurecido, ou nos afastamos, ou nos preparamos para esse confronto de uma maneira diferente daquela quando inferimos que está triste. Portanto, é essencial que possamos conhecer não apenas nossas próprias emoções, mas também inferir os estados emocionais daqueles que interagem conosco. Maturana (2001, p. 182) considera a emoção como disposições corporais dinâmicas que especificam os domínios de ações nos quais
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operamos em um instante, ou seja, são as emoções que guiam, momento a momento, nosso agir. Além disso, como são as emoções que especificam o domínio de relações a cada momento, é a emoção que define o curso de nossas vidas no âmbito individual e cultural: Ao não compreendermos os fundamentos emocionais do nosso agir, tornamo-nos prisioneiros tanto da crença de que os conflitos e problemas humanos são racionais, quanto da crença de que as emoções destroem a racionalidade e são fonte de arbitrariedade e desordem na vida humana.
De um ponto de vista evolucionista, Damásio (2000) acredita que a razão surge a partir da emoção e juntamente com ela. As emoções fazem parte de um aparato biológico que visa à sobrevivência, regulando o estado interno do organismo de modo que ele possa estar preparado para reagir. A maioria das reações emocionais, se não todas, resultam de uma longa história de minuciosos ajustes evolutivos. Entretanto, o impacto maior da emoção só foi atingido na natureza quando esta se tornou consciente. Ou seja, o ser humano, ao se dar conta da emoção, é capaz de refletir, planejar e superar a tirania das emoções. A razão, assim situada, não suprime a emoção, mas trabalha junto com ela. Por isso, os estados emocionais desempenham um importante papel nos intrincados processos de tomada de decisão, sendo componente essencial desses. A razão objetiva, sem emoção, não é suficiente para lidar com a complexidade e as incertezas dos problemas pessoais e sociais. Isso não significa que os processos lógicos sejam desnecessários, mas que ambos, tanto o processamento lógico quanto o processamento afetivo, agem conjuntamente. O processamento consciente das emoções, enquanto sentimentos, proporciona a ampliação dos mecanismos de resolução de problemas, isto é, sentir as emoções amplia o alcance delas, facilitando o planejamento de novas formas de ação, mais talhadas para a ocasião. Segundo a hipótese do “marcador somático”, desenvolvida por Damásio (1998), a emoção reduz o número de opções a serem
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analisadas pela consciência, reduzindo, assim, a complexidade do processo e agilizando o tempo de resposta. Sem essa redução, a quantidade de variáveis a serem analisadas cognitivamente seria excessiva (Mathews, 1997). Sem o estímulo e a orientação da emoção, o pensamento racional torna-se lento e desintegra-se. Embora as emoções possam dar origem a reações que, cotidianamente, descreveríamos como irracionais, sua ausência acarreta prejuízos maiores. A razão sozinha não é suficiente nem apropriada para um organismo que se vê diante de escolhas. A frase “um sentimento visceral” atinge um sentido praticamente literal para Damásio. Sem essa experiência visceral, corporal, não há como dar valor às opções que se apresentam. Como diria James (1967), opções puramente cognitivas seriam “pálidas, descoradas, desprovida de calor emocional”. Podemos agora acrescentar também que, sem a emoção, as informações ou as escolhas seriam desprovidas de “valor”. Segundo Abbagnano (1999), entende-se por emoção qualquer estado, movimento ou condição que provoque a percepção de valor (alcance ou importância) que determinada situação tem para sua vida, suas necessidades, seus interesses. Essa definição atual identifica a emoção como o que confere valor e matiz aos pensamentos. A CONSTRUÇÃO DO SIGNIFICADO A partir do momento em que os estados mentais e a emoção passam a ser considerados objetos de uma psicologia cognitiva, surge a seguinte questão: como são criados os significados? Qual a interferência desses significados na vida de cada um? Através de que processos se realiza a mudança? Uma psicologia centrada nos significados pode inicialmente causar uma sensação de desconfiança se ainda nos baseamos nas premissas da ciência moderna de que há uma causa verdadeira e objetiva para o comportamento do homem. Adeptos dessa postura objetivista poderiam alegar que o que as pessoas dizem não representam as verdadeiras causas de seus comportamentos, pois estas são inacessíveis à
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consciência. Até mesmo Freud aderiu a essa visão da ciência, que era a mais atual em sua época. Está claro que as pessoas não podem descrever corretamente a base de suas escolhas nem as tendências que influenciam a distribuição dessas escolhas. Porém, não há sentido em descartar as construções e as explicações pessoais baseadas na premissa de que não representam a verdade, pois é o mesmo que considerar sem valor as crenças individuais e as narrativas de vida de cada um. É justamente esse conteúdo mental que as teorias baseadas na ciência moderna descartavam ao serem aplicadas à psicoterapia. E é também esse conteúdo que as teorias chamadas pós-modernistas vêm trazer de volta à posição de destaque nas pesquisas, partindo de premissas completamente diferentes. Enquanto a ciência moderna descartava esses conteúdos pelo fato de não poderem ser verificáveis quanto à sua veracidade, as teorias de base cognitiva, sobretudo as de base cognitivo-construtivista, estão interessadas nas influências dessas construções sobre a vida do próprio indivíduo. Podemos dizer que a verdadeira revolução cognitiva deve-se à ênfase na construção dos significados. Em uma relação terapêutica, isso significa considerar de extrema importância a interpretação que o próprio paciente tem sobre suas experiências, sobre seu mundo e sobre si mesmo. Não se trata mais de descobrir os significados ocultos, mas de conhecer os processos de sua construção. É evidente que cada um é criador de sua própria rede de significados, sendo participante ativo desse processo. Construir algum sentido a partir da experiência é, antes de tudo, construir alguma forma de coerência (Gonçalves, 1998a). Na ausência de uma coerência interna, a vida transforma-se em um composto de experiências dissociadas que não podem ser compreendidas nem na sua singularidade nem na sua seqüência (Gonçalves, 1998b). O desenvolvimento de uma estrutura narrativa coerente é condição essencial de sobrevivência psicológica. Se não fôssemos capazes dessa organização, estaríamos perdidos na escuridão de uma experiência caótica (Bruner, 1997).
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Um sistema de crenças ou valores é capaz de conferir continuidade e coerência às nossas vidas, porque ajuda-nos a tomar decisões e a avaliar a importância das experiências pessoais. Schiller e Dewey alegavam que “as idéias tornam-se verdadeiras na medida em que nos ajudam a manter relações satisfatórias com outras partes de nossa experiência” (apud James, 1967). Ou seja, temos a tendência de aceitar melhor aquilo que está de acordo com nossas crenças e, ao aceitar, nós o validamos como verdadeiro. Na vida cotidiana, “verdadeiro” é apenas um adjetivo que qualifica uma crença, um julgamento ou um fato como sendo coerente com o que já conhecemos. Para Guidano (1988b), conhecer é a construção e a reconstrução contínua de uma realidade capaz de dar coerência ao curso da experiência. Assim, passo a passo, construímos nossos modelos de mundo, nossos modelos mentais, em grande parte em nível tácito. De acordo com Greenberg (1996), o desconforto ou os problemas emocionais resultam de dificuldades na organização das experiências em uma narrativa coerente. Nesse sentido, Festinger (1975) introduziu o conceito de dissonância cognitiva para se referir às relações discordantes ou contraditórias entre cognições, considerando-a um estado de tensão psicológica que motiva a busca da redução da contradição. Assim, quanto mais importantes forem essas crenças, maior o desconforto produzido pela dissonância entre elas. O desconforto surge quando há contradição entre a experiência em si e a explicação ou a elaboração dessa experiência, ou quando duas ou mais crenças revelam-se incompatíveis. A dissonância pode ser reduzida pela redução do número ou da importância das cognições incoerentes. Todavia, o conjunto de crenças de um ser humano não pode ser fácil nem intencionalmente modificado por outra pessoa. No construtivismo, não há uma busca focalizada na mudança de crenças; o objetivo não é apenas proporcionar novas “crenças funcionais”, mas também tornar o cliente consciente de seus processos de atribuição de significado
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e mais capaz de flexibilizar suas construções. Portanto, é imprescindível que tanto os processos cognitivos quanto os processos emocionais participem dessa organização, através de um processo dialético entre pensamento e sentimento para a construção de significado. É a elaboração cognitiva das emoções e dos sentimentos que tem o potencial de organizar a experiência de unidade entre corpo e mente, comportamento e cultura. A síntese dialética construtivista ocorre entre a experiência e a explicação, entre os conceitos e as experiências corporais. Quando a construção do significado não leva em consideração as informações geradas por processos afetivos, ou se deixa guiar por esquemas emocionais disfuncionais, não é capaz de proporcionar coerência e provoca desconforto. Nessa existência relacional, a natureza auto-interpretadora do ser humano toma uma posição de destaque, pois ele é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de sua investigação. No processo de relacionamento com diferentes aspectos de sua existência, os seres humanos estão sempre à procura de significados, sempre à procura de um sentido (Mahoney, 1988). Alguns autores propõem, inclusive, considerar o cérebro como um “dispositivo hermenêutico”. Todo o processo de conhecer realiza-se em uma relação dialética constante, na qual as contradições em que se enreda a realidade vão gradualmente sendo superadas. Hegel considerava a dialética como a própria natureza do pensamento, o qual se desenvolvia através de uma série de “momentos dialéticos” (Abbagnano, 1999). Sua dialética trata da construção do conhecimento e serve de elo de ligação entre todas as teorias construtivistas (Glassmann, 2000). As perspectivas cognitivo-construtivistas consideram que o ser humano está continuamente implicado em um processo ativo de organização emocional e cognitivo da experiência para entender e guiar sua relação com o mundo (Greenberg et al., 1996). A síntese organizada resultante desse processo é a própria experiência de estar-no-mundo.
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A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO SIGNIFICADO Diversas correntes de pensamento compartilham a noção de que não há sentido na idéia de um ser humano na ausência de um mundo no qual ele se insere. Ao mesmo tempo em que a sociedade nasce da interação entre indivíduos, ela retroage sobre ele e modela-o. Podemos dizer que a relação do homem com seu meio é uma relação de co-construção. Por diferentes ângulos, na biologia, na psicologia e na antropologia, vários pesquisadores concordam com o fato de que as evoluções culturais e genéticas são interligadas, em um processo denominado co-evolução gene-cultura (Wilson, 1999). Nas tentativas iniciais de se consolidar como uma disciplina científica, a psicologia buscou inicialmente as leis da atividade mental na estrutura do organismo. A noção vigente era que as respostas e as leis de toda atividade mental poderiam ser encontradas no indivíduo. Não há dúvida de que essa psicologia do indivíduo tenha contribuído em muito para o conhecimento do ser humano. Entretanto, a origem social dos processos mentais foi amplamente ignorada. O ser humano emerge dessa relação dialógica entre os diferentes níveis de sua existência biológica e cultural, não sendo possível reduzir sua essência a apenas um de seus aspectos. Schneirla (1972) julga pertinente falar de uma natureza do verme, de uma natureza da formiga ou, até mesmo, de uma natureza do pássaro, mas não de uma natureza humana, porque o homem “pode ter toda e qualquer natureza que permitam as condições de sua criação e de sua situação social” (Schneirla, 1972, p. 67). Além disso, a razão pela qual os seres humanos não possuem uma natureza psicológica específica é que a biologia influi de maneira radicalmente diferente sobre o comportamento animal e sobre o comportamento humano. Enquanto a maior parte do comportamento animal é determinada diretamente pela biologia, as ações humanas sofrem uma influência indireta e não-específica da biolo-
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gia. Enquanto nos animais inferiores encontram-se grandes repertórios de comportamentos relativamente estereotipados, nos mamíferos, como regra geral, o padrão adaptativo geral não está inicialmente formado ou está formado de maneira muito imprecisa. Para Ortega y Gasset (1982), o homem não é uma natureza, e sim uma história. Em outras palavras, “os seres humanos não terminam em suas próprias peles… não existe tal coisa como uma natureza humana independente da cultura” (Bruner, 1997). Diz-se, então, que o homem é um ente de relação. Para Buber (2000), o fundamento ou a essência de sua existência é a relação. Heidegger (1996) utiliza o termo Dasein, traduzido para o português como ser-no-mundo, para referir-se a um ser que se relaciona com o mundo, e não apenas se localiza neste, enfatizando a impossibilidade de sequer imaginar o homem isolado e independente do mundo. A natureza essencialmente relacional do ser humano baseia-se tanto nos aspectos culturais quanto nos aspectos biológicos. Mesmo antes da proposta evolucionista de Charles Darwin, já havia a noção de que a construção biológica de um organismo vivo pautava-se na relação deste com o meio ambiente. O genoma humano não especifica toda a estrutura do cérebro. Possuímos apenas cerca de 30.000 genes, número insuficiente para determinar a estrutura e a posição de todas as células em nosso organismo, muito menos no cérebro. Os genes nada mais são do que apenas uma receita básica para a construção de um ser humano. O cérebro possui aproximadamente 1011 neurônios, cada um podendo receber cerca de 10.000 a 100.000 conexões sinápticas, havendo, assim, um número astronômico de possibilidades de configuração desse sistema (Kandel et al., 1995). A informação contida na complexa rede neuronal excede em muito a quantidade que pode ser armazenada nos genes (Singer, 1986). Contudo, apesar de as informações genéticas não serem suficientes para proporcionar a configuração dessa rede, as conexões entre os neurônios não são realizadas aleatoriamente, mas seguem uma organização surpreendente.
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A capacidade de organização dos sistemas neuronais não se baseia apenas em padrões de ativação gerados espontaneamente na própria estrutura cerebral, pois requer informação externa. É através da experiência, da interação com o meio, que o padrão de conexões do sistema nervoso é modelado. Essa interação proporciona a informação epigenética necessária para a construção dessa estrutura. O sistema nervoso é um órgão estruturalmente dinâmico e seus mecanismos de auto-organização não se confinam aos estágios embriogênicos do desenvolvimento, uma vez que ocorrem durante toda a vida (Tononi et al., 1998). A interação é necessária para o estabelecimento da configuração das conexões e também para a manutenção de sua existência. O cérebro dos mamíferos apresenta uma natureza essencialmente construcionista (Purves et al., 1996). A atividade do organismo na sua relação com o meio, ao longo de sua existência, é que determina a forma de um grande número de circuitos e sistemas neuronais. Do ponto de vista do desenvolvimento evolutivo de seleção natural, o equipamento biológico humano evoluiu no sentido da flexibilidade, em oposição à rigidez inata de um determinismo biológico. Essa capacidade de remodelação pela experiência proporciona aos animais uma flexibilidade muito maior em sua relação com o meio ambiente. O aspecto genético é somente um esquema geral sobre o qual se desenrola a estruturação humana (da mente) a partir de um semnúmero de experiências no decorrer da história do indivíduo. Podemos dizer que o sistema nervoso central é uma matéria-prima moldada pela existência. Ele é uma estrutura elaborada, com muitas de suas partes já no lugar, porém é a experiência que afina esse “tosco aparelho” até que possa executar um trabalho de precisão (Crick, 1994). A importância dos eventos ambientais pode ser exemplificada com diversos casos. Por exemplo, a separação de uma ovelha recémnascida de sua mãe por poucas horas após o nascimento impede o desenvolvimento habitual de um comportamento de “brincar” que as ovelhas normalmente apresentam (Maturana,
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1988). Igualmente, o abandono de crianças pequenas tem profundas conseqüências sobre a formação de sua personalidade e seu modo de comportamento, pois a criança é privada de experiências sociais importantes em períodos cruciais de seu desenvolvimento. As crianças-lobo encontradas em 1922 no norte da Índia são um exemplo marcante desse fato (MacLean, 1977). As duas crianças encontradas haviam sido criadas por uma família de lobos até a idade de cinco e oito anos, respectivamente. A mais jovem faleceu pouco tempo depois de serem levadas para os cuidados de uma família missionária; a outra criança, apesar de ter vivido cerca de dez anos com essa família, não aprendeu mais que algumas poucas palavras e jamais se sentiu à vontade em um contexto humano. Com o passar do tempo, embora tivesse aprendido a andar sobre as duas pernas, diante de situações de estresse ou urgência, sempre voltava a correr com os quatro membros. A aplicação consistente da perspectiva evolucionista na compreensão dos processos mentais é bastante recente na história das neurociências. No início deste século, Durkheim (2001) postulou que os processos básicos da mente originavam-se na vida social. Um dos mais importantes trabalhos a respeito dos aspectos socioculturais do desenvolvimento cognitivo foi desenvolvido por Luria (1976) em uma remota região da antiga União Soviética. A psicologia soviética da época já considerava que a consciência não era algo inato, passivo e imutável, mas sim cunhada e moldada pela existência e usada pelo ser humano para guiálo na relação com o ambiente, sendo continuamente reestruturada por essa relação. Essa pesquisa demonstrou que a atividade cognitiva humana não é algo a priori, porque se estabelece no processo de desenvolvimento histórico e social, sendo codificada pela linguagem. Além disso, a evolução sócio-histórica não apenas introduz novos conteúdos no mundo mental do ser humano, mas também cria novas formas de atividade e novas estruturas de funcionamento cognitivo. De acordo com Vygotsky (1996), o comportamento do homem moderno não é produto apenas da evolução biológi-
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ca, ou resultado do desenvolvimento infantil, mas também produto do desenvolvimento histórico. Ao mesmo tempo em que a cultura emerge da ação humana, esta, por sua vez, emerge da cultura. A cultura encontra-se em um processo constante de recriação, na medida em que é interpretada e renegociada por seus membros (Bruner, 1998). CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos finalizar dizendo que a proposta teórica da terapia cognitivo-construtivista tem sido elaborada nas últimas décadas a partir da contribuição de diversas áreas e, apesar de recente, tem-se mostrado capaz de reunir, de forma consistente e coerente, uma ampla gama de evidências e de experiências sobre os processos humanos de mudança. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999. BECK, A. Depression. New York: Harper & Row, 1967. ___________ . Cognitive therapy and the emotional disorders. New York: International University Press, 1976. ___________ . Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1997. BECK, J. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1997. BENSON, H. Plato. In: SCOTT-KAKURES, D. et al. History of philosophy. New York: Harper Collins Publishers, 1993. BOWLBY, J. Apego: a natureza do vínculo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1990. v.1. ___________ . Formação e rompimento dos laços afetivos. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRUNER, J. Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1997. (Original de 1990.) ___________ . Realidade mental, mundos possíveis. Porto Alegre: Artmed, 1998. (Original de 1986.) BUBER, M. Eu e tu. São Paulo: Centauro, 2000. (Trad. da 8. ed. alemã de 1974.) COLE, M. Foreword. In: LURIA, A.R. Cognitive development.its cultural and social fundations. 8.ed. Cambridge: Harvard University Press, 1994.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS Ao longo dos últimos anos, a psicoterapia e todo o vocabulário simbólico que a define vêm sofrendo uma profunda alteração em seus fundamentos (Mahoney e Albert, 1996). Procurando acompanhar as evidentes transições históricas e as mudanças verificadas no campo das ciências humanas, foram feitas alterações significativas na prática clínica, levando consigo todas as concepções mais antigas que envolviam o conceito de mudança psicológica – um dos pontos cardinais do panorama psicoterapêutico. Essa paisagem veio a gerar a idéia deste livro. Nossa proposta é refletir sobre a multiplicidade cada vez mais evidente de conceitos como realidade, atribuição de significados, epistemologia e, mais pragmaticamente, situar tais debates nas abordagens cognitivas em psicoterapia. Em cada capítulo, o leitor encontrará paralelos entre a concepção cognitiva tradicional – também conhecida como cognitivoobjetivista e, a partir de agora, denominada por nós de cognitivista – e a concepção cognitivo-construtivista, que chamaremos de construtivista, abordando as mais variadas técnicas de psicoterapia, o papel e a pessoa do terapeuta, o tratamento de alguns transtornos psiquiátricos, as perspectivas futuras e, finalmente, os temas que abrangem as fronteiras mais recentes do campo das ciências humanas, contribuin-
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do, assim, para o propósito maior deste trabalho, que é o de ampliar nossa compreensão dos processos envolvidos na formação e na mudança do homem na pós-modernidade. Este é um período no qual os significados adquiriram um caráter quase absoluto de transitoriedade e multiplicidade, o que já nos impede de afirmar que vivemos em um universo único e singular. Vivemos, sim, mais em um multiverso rico, variado e diverso por natureza (Maturana e Varela, 1995). A seguir, desenvolveremos um paralelo em relação a algumas das concepções que alicerçam a teoria e a prática dos diferentes modelos cognitivos. Tais comparações não terão como intuito principal a elevação da concepção mais legítima, e sim o favorecimento da criação de uma visão mais panorâmica dos contrastes e das semelhanças existentes entre os modelos cognitivista e construtivista. O(S) CONCEITO(S) DE REALIDADE E A CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS
Cognitivismo Por muito tempo, acreditou-se que o saber (o conhecimento) era uma resultante direta da realidade ou do mundo externo que, ao incidir sobre nossos sentidos, semelhantemente a um raio de luz que incide sobre um antepa-
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ro, criava reflexos; estes, quanto mais perfeitos fossem, mais refletiriam a fonte e, portanto, mais apurado seria considerado o nosso conhecimento. Nessa concepção epistemológica objetivista, os significados que transitam em nossa mente são entendidos como fruto direto das representações extraídas da realidade externa, ou seja, no desenvolvimento de nossa cognição, exibimos uma inclinação natural para revelar internamente os significados da existência concreta externa. A partir dessa idéia (quase platônica) do conhecimento, o saber torna-se cada vez mais verdadeiro na proporção direta da habilidade de uma pessoa em descobrir (se possível, ao máximo) os conceitos já existentes no mundo exterior.1 Um simples exemplo dessa mecânica seria observado ao se indagar a alguém a respeito do significado da palavra pássaro. Rapidamente, veríamos essa pessoa atribuindo valores como voador, possuidor de penas e de bico, consumidor de insetos, etc. Portanto, testemunharíamos silenciosamente o trabalho da cognição em sua tentativa de fracionar esse estímulo da realidade externa, classificando-o em conjuntos de símbolos e conceitos para que os mesmos possam ser organizados depois, de modo a estarem em correspondência máxima com o mundo lá de fora. Assim, quanto mais elementos relacionados à categoria pássaro puderem ser coletados, mais completa será a descrição e, conseqüentemente, mais verdadeiro será o conhecimento adquirido – daí o uso da expressão cognitiva-objetivista para indicar a maneira pela qual o conhecimento humano estrutura-se em nossa cognição, ou seja, ao utilizar premissas empíricas e realistas da construção do conhecimento, evidencia-se a busca contínua daquilo que objetivamente existe no mundo.2 Em suma, nas concepções cognitivistas tradicionais, o significado que transita em nossas mentes é basicamente concebido como proveniente de um processamento conceitual da construção de significados, ou seja, o conhecimento dos estímulos ocorre através das regras formais do raciocínio analítico e do pensamento lógico. Assim, ao nos defrontarmos com o mundo, abstrairemos os conceitos possíveis, e nosso pensamento, em sua atividade, buscará clas-
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sificar tais eventos sob categorias como certo ou errado, bom ou mau, verdadeiro ou falso (Greenberg, Rice e Elliott, 1996). Segundo Beck (1964), não é a situação ou o contexto que determinam o que as pessoas sentem, e sim o modo como elas interpretam – e pensam – os fatos em uma dada circunstância. E, à medida que se depara com novas situações, o pensamento tentará extrair as padronizações percebidas de cada acontecimento, transformando as similaridades detectadas em padrões gerais de interpretação (Festinger, 1975). Tais padrões coordenarão o processo de percepção e de atribuição de significados, também chamado de rotulação, constituindo-se em uma verdadeira rede de significados em nossa estrutura cognitiva (Vygostky, 1991). Conhecidas como esquemas ou crenças pela terapia cognitiva, essas estruturas serão os padrões orientadores da percepção e da interpretação da experiência (Bem, 1973). A máxima cartesiana “Penso, logo existo” elucida adequadamente a maneira como nosso pensamento opera.3 Nos modelos tradicionais de terapia cognitiva, atribuiu-se ao pensamento um caráter determinante e à sua disfunção toda uma variedade de psicopatologias. Dessa forma, a razão foi elevada à categoria de destaque e a precisão de sua performance deu-nos a chave para o comando de uma boa saúde mental. Daí originou-se a máxima de que “Viver bem é o resultado de um pensar bem (ou corretamente)” (Mahoney, 1998).4 Assim, as concepções cognitivistas desenvolveram as mais diversificadas propostas e criaram ferramentas de ajuste cognitivo, como, por exemplo, os registros de pensamentos disfuncionais (Beck, 1995), as técnicas de reestruturação cognitiva (Beck e Freeman, 1993), o processo de identificação de crenças irracionais (Ellis, 1998) e toda uma variedade de técnicas que sustentaram – e ainda sustentam – a prática da correção ou da substituição dos padrões disfuncionais de pensamento por padrões mais funcionais de análise e de lógica. Por isso, torna-se fundamental para as referências cognitivistas objetivistas que as distorções do significado não evoluam a ponto de tornaremse mal-adaptativas.
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Em outras palavras, se o pressuposto epistemológico é de que o conhecimento é uma representação imediata do mundo exterior – dessa realidade que é única –, cabe ao terapeuta auxiliar o paciente no ajuste, no aperfeiçoamento ou na busca de padrões mais convergentes com a existência socialmente estabelecida. Dessa forma, o comportamento humano normal dependerá, teoricamente, da capacidade da pessoa de compreender a natureza do ambiente físico e social em que ela está situada (Beck e Alford, 2000).
Construtivismo Assim como a revolução cognitiva fez-se presente e alterou as bases das psicoterapias comportamentais na época de seu surgimento, os paradigmas construtivistas causaram uma segunda grande revolução na história das abordagens comportamentais (Abreu e Shinohara, 1998; Mahoney, 1998). Diferentemente das visões cognitivas objetivistas – segundo as quais se entende que a construção do significado ocorre evidentemente de maneira pessoal, porém transmitindo o mundo externo pelas atividades lógicas do pensamento –, as concepções cognitivas construtivistas pressupõem que o ofício da significação encontra-se primeiramente subordinado à influência das emoções, e não à dialética da razão. Em outras palavras, é através dos elementos propioceptivos e das estruturas vivenciais (aquelas que interpretam os estímulos pela experiência) que ocorrerá o processo de atribuição de significados (Thelen e Smith, 1995). Nessa nova concepção, o funcionamento cognitivo não mais se caracterizará pela simples manipulação automática de símbolos abstratos a fim de se atingir um sentido final e único, tal como advoga a referência objetivista. Na concepção construtivista, entende-se que a mente em funcionamento não só reflete o mundo exterior, mas também o transpõe, atribuindo significados que, muitas vezes, não são originários do estímulo em si. Assim, a realidade interna será vista como fundamentalmente derivada do modo pelo qual cada indivíduo
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sente emocionalmente o mundo, e não só como o concebe de maneira racional. Conforme Kant (1781), a mente não é uma cera passiva por sobre a qual a experiência e a sensação escrevem sua vontade caprichosa e absoluta; nem tampouco é um mero nome abstrato para a série ou o grupo de estados mentais; ao contrário, é um órgão ativo que molda e coordena as sensações em idéias, transformando a multiplicidade caótica da experiência em uma unidade ordenada de pensamento. O conhecimento, então, diferentemente das referências objetivistas, será compreendido como fruto de uma organização pessoal, arquitetada e organizada por cada pessoa. Adota-se como metáfora explicativa desse funcionamento o chamado princípio da multiplicidade (que representa, a possibilidade de múltiplas construções de sentido), e não mais o princípio da correspondência (que contempla apenas uma única construção quando utilizado pelas outras concepções epistemológicas). Para que possamos compreender um pouco melhor as premissas construtivistas, vale a pena nos aprofundarmos na dialética da construção de significados. De uma maneira geral, podemos dizer que existem dois tipos globais e complexos de atribuição de sentido, os quais retratam a maneira pela qual nosso organismo, como um todo, organiza-se em suas trocas com o mundo. O primeiro tipo de funcionamento é chamado de processamento conceitual e o segundo de processamento vivencial (Greenberg, Rice e Elliott, 1996). Na primeira configuração, um significado é obtido através da correspondência versus o contraste existente entre as nossas representações mentais e o mundo externo (de forma semelhante àquela descrita pelos modelos cognitivos objetivistas). Todavia, no processamento vivencial, a possibilidade de geração de significado não reside no estímulo em si ou na capacidade do pensamento em enxergá-lo, mas na percepção corpórea e tácita produzida pelo seu aparecimento. Na concepção construtivista, os significados serão construídos obedecendo a essa via de mão dupla, ou seja, extraindo dados do pro-
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cessamento conceitual e do processamento vivencial. Neste último, os significados gerados em nossa consciência advêm da percepção e da leitura dos conteúdos corpóreos, estando os mesmos em uma condição quase total de pré-conceitualidade e inconsciência. Nesse nível, não interpretamos as situações sob o ponto de vista lógico, e sim sob uma ótica emocional, isto é, os significados que serão produzidos por um evento serão fundamentados nos princípios experienciais das situações. Dessa maneira, uma vez sentida a informação, esse conteúdo será traduzido em aspectos de conforto ou desconforto e de segurança ou ameaça da integridade corporal. Um exemplo disso é a grande maioria das queixas ouvidas pelos profissionais. Nas mais diversas situações, freqüentemente escutamos queixas do tipo: “estou me sentindo sufocado(a) com tal situação”, “…Aquele lugar me causa um aperto no peito”, “Sinto que estou carregando o mundo nas costas…”, etc. Portanto, diversas traduções que fazemos dos eventos provêm inicialmente dos sinais corporais (também chamados de sensoriais) para que, posteriormente, possam vir a ser integrados e, então, explicados por nosso raciocínio analítico. Assim, primeiro sentimos algo para depois podermos pensar sobre seu conteúdo (Greenberg e Safran, 1987). Como imagem explicativa desse tipo de atividade (e oposta à máxima cartesiana anteriormente citada), descreveríamos a metáfora. “Existo, logo penso”5, sugerindo implicitamente que a emoção sempre criará “problemas” para o pensamento poder resolver. O que foi ordenado pela experiência pessoal do indivíduo torna-se verdadeiro e converte-se em um elemento soberano e determinante aos seus sentidos (mesmo que, aos olhos dos outros, possa parecer uma miragem). É, portanto, a partir da construção interna que os clientes atribuem os significados à realidade externa (Greenberg, 1998). Como afirma Guidano (1994, p. 72), “Somos prisioneiros capturados na rede de nossas teorias e expectativas”. Tal arquitetura pessoal de significados permite ao indivíduo levar consigo não uma cópia do mundo externo, mas uma representação ou “mapa” do mundo (o qual não é o
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mundo em si) desenhado a partir de sua teoria personificada de vida (Mahoney, 1998). O PAPEL DAS EMOÇÕES
Cognitivismo O modelo cognitivo objetivista parte do princípio de que as emoções são derivadas dos padrões de pensamento que, pautados nas crenças, direcionam a maneira como as pessoas interpretam as situações a que estão expostas. Os eventos em si não determinam diretamente como alguém se sentirá, mas, antes, são os juízos associados de valor que provocarão uma resposta emocional específica. Assim, para que uma emoção possa ser contextualizada, o terapeuta cognitivo sempre buscará verificar qual é a avaliação racional da situação que está sendo feita sob o ponto de vista do paciente (Beck, 1995). Por isso, embora a emoção seja considerada de grande importância para o profissional, sua função é indicar, como um sinalizador marinho, a presença de pensamentos e/ou crenças a ela associados. Por exemplo, quando o indivíduo depara-se com situações nas quais se revela o descontrole emocional, torna-se necessário o exame mais minucioso da crença subjacente ou mesmo de algum esquema (conjunto de crenças) que esteja servindo a propósitos de desadaptação. Em um caso como esse, entende-se que o filtro conceitual ou mesmo a lógica pessoal está trabalhando de uma maneira incorreta, porque desprovida de lógica, e levando o paciente a um inevitável e contínuo processo de sofrimento. A partir disso, ergue-se uma das premissas cognitivistas centrais de que tal crença é corrigida e submetida a uma (nova) avaliação mais correta da realidade.6 Assim, segundo Beck (1995), a terapia cognitiva normalmente visa a abrandar a aflição emocional, corrigindo as possíveis interpretações errôneas construídas pelo indivíduo. A emoção, portanto, torna-se disfuncional quando decorrente de pensamentos irrealistas ou absolutistas, interferindo, assim, na capacidade do paciente de pensar clara e objetiva-
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mente. Tendo em vista esse referencial terapêutico, entende-se que uma reflexão racional e um exame mais realista dos pensamentos (e/ ou das crenças) disfuncionais oferecem condições de reparar as emoções em desalinho com a vida de cada um. Este é o parecer que a terapia cognitiva objetivista emite a respeito da vida emocional.
Construtivismo De modo geral, a concepção cognitiva construtivista considera as estruturas emocionais um dos alicerces mais importantes para que a edificação do conhecimento humano possa acontecer. Segundo vários autores, a emoção, em maior ou menor grau, sempre contribuirá para a formação dos significados no sistema psicológico humano. Nesse sentido, seria virtualmente impossível considerar as estruturas cognitivas de significado sem que se agregue, de uma maneira ou de outra, o funcionamento emocional. Sem exceção, homens e mulheres de todas as idades, culturas, graus de instrução e níveis econômicos têm emoções, atentam para as emoções dos outros, cultivam passatempos que manipulam suas próprias emoções e, em grande medida, governam sua vida buscando certas emoções, enquanto procuram evitar outras desagradáveis (Damásio, 2000). O funcionamento emocional é de importância fundamental para a construção de significados, pois envolve certas atividades do hipotálamo e da amígdala e sua reação àquelas situações nas quais o organismo é colocado em condições de risco e de perigo (Damásio, 1994). Por isso, quando tais circunstâncias são detectadas, certos alarmes emocionais são disparados, dando origem às chamadas emoções primárias: a raiva, o medo e a tristeza. Esse mecanismo de ação “instantânea”, se podemos chamá-lo assim, habilita-nos, primeiro, a agir para, somente depois, podermos pensar um pouco mais sobre a condição perturbadora. Imaginem nossos ancestrais em uma floresta, ouvindo um ruído estrondoso que se aproxima velozmente. É mais interessante primeiro correr para depois, em um local mais seguro, po-
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der pensar melhor a respeito do que foi aquela ameaça. Tais dispositivos também podem ser notados quando estamos distraídos e uma pessoa conhecida subitamente aparece. Mesmo que saibamos que o estímulo (no caso, a pessoa) não é ameaçador, nossa estrutura emocional reagirá instintivamente para nos proteger, produzindo a reação comportamental de recuo ou distanciamento, apesar de “sabermos” que nada de mal poderia ocorrer. Em comparação com a cognição, a emoção é biologicamente mais antiga e entendida através de um sistema de ação rápida projetado para assegurar a manutenção da vida. Assim, no modelo teórico construtivista, as emoções não são nem racionais nem irracionais, mas sim adaptativas por natureza. Ao longo dessa explanação, uma pergunta poderá surgir sobre as emoções negativas: elas não seriam ruins e prejudiciais ao indivíduo que as experiencia? A réplica a esse questionamento é interessante, uma vez que, quando se argumenta a respeito das emoções boas e más (e, principalmente, as más), referimo-nos muito mais ao aspecto fenomenológico e subjetivo de vivenciar tal emoção do que a respeito de sua funcionalidade propriamente dita. Pelo fato de experimentarmos emoções que produzem desprazer, criamos uma perspectiva de interpretação (sociopessoal) de que as emoções negativas e intensas devem ser banidas, pois colocam em risco nossa integridade psicológica. Todavia, recentes pesquisas afirmam que as emoções não são, como muitas teorias psicológicas asseguraram e ainda atestam hoje, intrusas tóxicas que devem ser domesticadas ou eliminadas a qualquer custo, e sim importantes mensageiras que nos advertem do perigo e sinalizam como nos sentimos ou como experienciamos determinados contextos ou situações (Greenberg e Paivio, 1997). Seguindo essas mesmas premissas, não são nossos problemas afetivos que nos conturbam por sua existência, mas a dificuldade que manifestamos em compreendê-los em sua totalidade, ou seja, não são as emoções que nos afligem, e sim nossa dificuldade em entendê-las. Retornaremos a esse tópico mais adiante, porém podemos sintetizá-lo dizendo o seguinte: somos, no final das contas, o resultado de nossas
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emoções e de como lidamos com elas, isto é, somos aquilo que sentimos que somos. Assim, genericamente, diríamos que uma das metas dos modelos construtivistas é auxiliar os indivíduos na construção de um significado, utilizando as emoções como ponto de partida, desenvolvendo e encorajando uma postura de maior abertura para que essas emoções possam ser simbolizadas e, então, finalizadas em seu significado total. Ao ajudarmos os pacientes a se situarem nesse sistema contínuo de integração (razão e emoção), fatalmente os sentimentos “indesejados” perdem sua necessidade de expulsão ou de correção terapêutica (Greenberg, 2000). DISFUNÇÃO E PSICOPATOLOGIA
Cognitivismo Na concepção cognitivista, a psicopatologia será sempre considerada o resultado de crenças excessivamente disfuncionais ou de pensamentos demasiadamente distorcidos que, em atividade, teriam a faculdade de influenciar o humor e o comportamento do indivíduo, enviesando sua percepção da realidade (Beck e Freeman, 1993). Por isso, sua identificação e posterior modificação são elementos centrais para o tratamento, capazes de promover, segundo essa teoria, a redução dos sintomas. Por exemplo, no modelo de Beck (1976) e de Beck e colaboradores (1979), tais crenças são divididas em básicas (ou centrais) e periféricas (ou intermediárias), as quais resultam de pressupostos que desenvolvemos a respeito de nós mesmos, a respeito do mundo e do futuro, compondo em seu estágio final a estrutura cognitiva de valores que favorece a formação do que chamamos de experiência pessoal. Essas organizações de significado são necessárias para que se possa interpretar o mundo corretamente, pois auxiliam na previsão das atitudes e no sentido que atribuímos às experiências de vida, garantindo o perfeito funcionamento cognitivo. Entretanto, algumas premissas advindas desses mesmos constructos podem, em função de alguma circunstância específica, tornar-se muito repetitivas e, assim,
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conservarem-se pouco atualizadas, o que as induz a uma condição de contraprodução para o indivíduo. Operando, então, em um estado restritivo de atribuição de significados (por serem antigas), passam a atuar como uma camisa-de-força conceitual, gerando avaliações rígidas e absolutistas e criando um sentido distorcido das situações – o que as tornam extremamente resistentes à mudança e, por isso, classificadas como disfuncionais. Nesse sentido, muitas vezes as estruturas irracionais expressam-se inicialmente através de pensamentos negativos e, com o passar do tempo, são responsáveis pela ativação de emoções desadaptativas. De caráter invasivo e imediato, os pensamentos negativos automáticos (PNA) têm o poder de transformar a interpretação das experiências que uma pessoa desenvolve e, ao se constituírem de uma poderosa lente explicativa, afetam significativamente o comportamento de um indivíduo, gerando os já conhecidos sintomas. Assim, estabelece-se um verdadeiro efeito dominó: quanto mais se desenvolverem os sintomas, mais intensos se tornarão os PNA, em uma tentativa do organismo de procurar entender ou justificar as emoções presentes pouco compreendidas. Como efeito final, os pensamentos repetitivos vão “gentilmente convidando” os (novos) significados a se retirarem e, de forma progressiva, nossa estrutura cognitiva fica povoada pelas avaliações viciadas de significado, levando o indivíduo a comportar-se de maneira ilógica e irracional ou, segundo nosso ponto de vista, pouco atualizada, oferecendo condições para que se estabeleçam os transtornos de personalidade. Um típico exemplo desse processo é uma pessoa que possui uma crença central do tipo “Eu sou incapaz”. Isso gerará crenças intermediárias envolvendo condições de valor (incapacidade), como, por exemplo, “Se não entender algo de forma completa e perfeita... então sou burro”. Tal indivíduo, em uma situação qualquer, como em uma sala de aula, por exemplo, ao confrontar-se com o menor grau de dificuldade, será invadido por pensamentos automáticos (e, então, disfuncionais por limitarem sua perspectiva de avaliação) como: “Isso é muito difícil para mim... eu jamais entende-
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rei isso”. A presença desse pensamento evocará uma reação emocional de tristeza, disparando reações fisiológicas de ansiedade e dor de estômago, gerando atitudes e comportamentos que virão a culminar na efetiva incapacidade e na óbvia desistência do curso. Assim, quanto mais intensos forem os sintomas de desconforto em uma situação qualquer, maior será a incidência desses mesmo pensamentos automáticos disfuncionais, aumentando ainda mais a validade da crença central disfuncional (“Sou incapaz”), reforçando novamente os sintomas e mantendo indefinidamente o círculo vicioso em atividade. Portanto, fica evidente que a disfunção instala-se, nos modelos cognitivistas de Beck, a partir e em decorrência de algumas crenças centrais (ou até mesmo periféricas) que, não estando suficientemente flexíveis para esclarecer uma determinada situação, fomentam o surgimento dos viéses interpretativos. A visão da personalidade de cada pessoa levará em conta a história evolutiva desses padrões de pensar, sentir e agir de cada um. Contudo, nos casos em que a disfunção é estabelecida, tal tendência ao ajuste cognitivo apresenta-se de maneira mais lenta do que a velocidade necessária para acompanhar a mudança no meio e, assim, serão instituídos verdadeiros atrasos de interpretação, ou seja, o indivíduo ainda se encontrará preso a certos valores antigos ou mesmo “irracionais”. Cognitivamente falando, as crenças disfuncionais deslocam as estruturas mais adaptativas, compostas por crenças mais razoáveis e adaptativas, prevalecendo nos atos finais de significação. Temos aqui um dos campos mais férteis para a criação de transtornos de personalidade, uma vez que as crenças ou os esquemas imperativos dominam tiranicamente o horizonte interpretativo, gerando distorções de entendimento e aprisionando o indivíduo em perspectivas possíveis naquele momento, porém insuficientes para a compreensão.
Construtivismo Na concepção construtivista, as formas de entendimento da psicopatologia apresentam
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uma pequena variedade se contrastadas com as modalidades cognitivistas. Para o cognitivismo, o pensamento é o grande fiador da criação de significado, ao passo que para o construtivismo as emoções são consideradas uma das composições basais para a edificação de sentido e de significado. Desse modo, seria virtualmente impossível considerar, no âmbito do construtivismo, a formação de significado sem que, de alguma maneira, o funcionamento emocional fosse contemplado. Uma vez que a participação dos esquemas emocionais torna-se necessária para assegurar o desenvolvimento do indivíduo, toda forma de manifestação afetiva é vista como basicamente adaptativa e funcional. Como as reações emocionais são as companheiras mais antigas na vida humana (afetando a memória, o humor e a habilidade de realizar tarefas), sua compreensão e sua regulação tornam-se os objetivos mais desejados nessa forma de psicoterapia. Para alguns autores, as disfunções e os distúrbios emocionais surgem quando as pessoas não se sentem autorizadas a reconhecer, sentir ou até mesmo legitimar determinadas emoções (Greenberg e Pascual-Leone, 1997; Arciero e Guidano, 2000; Neimeyer, 2000). Assim, as emoções em si não são a fonte do sofrimento e do desequilíbrio, mas os pensamentos, a interpretação ou mesmo o surgimento de outras reações emocionais àquelas primeiras emoções que serão a fonte de grande parte das disfunções psicológicas (Greenberg, Rice e Elliott, 1996). Nesse sentido, é inevitável abordarmos a leitura ou o entendimento do indivíduo sobre sua experiência quando falamos a respeito das bases da psicopatologia. Por exemplo, um medo “infantil” apresentado por um adulto nada mais é do que uma reação desprovida de significado sob a ótica de um adulto, ou seja, muitas vezes sentimos algo que não nos sentimos autorizados a sentir. Como já dissemos, as emoções no construtivismo não são vistas como irracionais ou insensatas, porém sempre adaptativas; por isso, a experiência imediata (aquilo que está ocorrendo no momento em termos viscerais e emocionais) sempre precederá a experiência reflexiva (a interpretação e a avaliação que fazemos do que
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ocorreu), uma vez que primeiro sempre sentimos algo para depois podermos explicá-lo. Um indivíduo, então, poderá ficar facilmente desorientado quando a síntese desses dois processos (sentir + pensar) apresentarse disposta de maneira contraditória, incompatível ou mesmo inconsistente. Assim sendo, o perigo da instabilidade aparece quando as construções racionais de significado (a explicação) não levarem em consideração a experiência (corporal) imediata que está sendo vivida, ou seja, quando vier a ocorrer a falta de simetria entre os níveis, a razão quase sempre tenderá a permanecer como uma fonte soberana de entendimento. Portanto, não estamos interessados em corrigir o pensamento dos pacientes, e sim em ampliá-lo. Em vários casos de desequilíbrio, veremos os pacientes começarem a controlar suas emoções na tentativa aflita de impor algum significado mais restritivo ou ainda inacabado, mas que esteja de acordo com suas possibilidades (limitadas) de compreensão. Dessa maneira, em uma circunstância qualquer, podemos estar mais atentos aos dados sensoriais da experiência (sensações corporais) ou mais voltados aos aspectos conceituais (crenças) da situação (Greenberg e Paivio, 1997). Um exemplo da impossibilidade de construção de um significado global é facilmente observado em um caso de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Bem sabemos que uma das caraterísticas mais proeminentes desse quadro é a tendência a uma expressão restrita de afeto, possivelmente em função de o indivíduo ter vivido situações passadas nas quais sua emocionalidade foi punida ou extremamente desconsiderada. A melhor saída para assegurar sua integridade é um distanciamento de suas emoções, pois elas sempre estiveram associadas ao desequilíbrio e à supressão, o que o levará à adoção de um comportamento ritualístico, evitando o aparecimento de possíveis marolas emocionais. Ao serem evitadas ou até controladas, nenhuma intercorrência põe em risco o (pseudo) equilíbrio anteriormente obtido. Uma pessoa que apresente tal transtorno buscará ininterruptamente, em seu dia-a-dia,
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distanciar-se das situações confusas e imprevisíveis, desenvolvendo comportamentos perfeccionistas, repetitivos e até mesmo ritualísticos. Esse estreitamento racional, essa miopia psicológica, protegerá o paciente das situações nas quais o imponderável é uma possibilidade concreta e o surgimento de novas emoções traria as velhas sensações de desorganização, vergonha ou ansiedade cujo manejo seria difícil. Portanto, no construtivismo, os sintomas que se fazem presentes em um quadro de TOC raramente seriam vistos como vergonhosos ou mesmo indesejáveis, e sim como uma estratégia possível, porém não tão viável, de garantia de harmonização emocional. A patologia, então, estaria relacionada à incapacidade das pessoas de aceitar ou tratar seus sentimentos e suas emoções como necessidades básicas que devem ser ouvidas e respeitadas. Disfuncionais, portanto, não são as emoções, mas o fato de o indivíduo não se sentir autorizado a sentir tais conteúdos. Nos quadros de descontrole, ele não consegue funcionar de maneira integrada, na qual a experiência emocional é acolhida e bem tratada pelo pensamento. Esse descompasso funcional faz com que os moinhos de vento não circulem ou, na melhor das hipóteses, girem apenas com metade das pás. Com essa postura, procuramos resistir ao máximo à patologização das condutas aparentemente desadaptativas e descobrir para que propósito tal pessoa ficou “encalhada” em uma construção de significado restritiva, inacabada e limitadora, fazendo com que o processo de mudança permaneça em uma condição de estagnação e de impasse. É curioso constatar que as técnicas utilizadas aqui não visam a promover a redução dos quadros de organização, preocupação e controle, e sim a incentivar a vivência dessas emoções presentes e ainda não totalmente simbolizadas pela pessoa.7 Uma das suposições nucleares do construtivismo é considerar que, quanto maior o volume de informações disponibilizadas ao paciente, maior será a possibilidade de (re)construção de significados mais vastos. “Cada possibilidade nova que tem a existência, até a menos provável, transforma a existência inteira” (Milan Kundera).
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O PAPEL DO TERAPEUTA
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Na abordagem construtivista, o terapeuta possui várias atribuições, cada qual ordenada dentro de uma prática específica em cada proposta clínica (como, por exemplo, nos modelos pós-racionalistas, experienciais-vivenciais, narrativos, interpessoais, dos constructos pessoais, etc.). Entretanto, na maior parte dessas contribuições, é muito clara a idéia de que o clínico também possui um papel ativo, no qual cliente e terapeuta estejam no processo de mudança. Diferentemente das abordagens objetivistas, o construtivismo não se baseia em um processo de correção e de busca dos conteúdos ilógicos ou disfuncionais na vida subjetiva do paciente, e sim de análise, facilitação e ampliação dos significados restritivos aos quais ele se percebe atrelado. Nesse sentido, as premissas que norteiam o trabalho incluem a concepção de que tanto aquele que busca ajuda quanto aquele que a oferece são considerados igualmente “especialistas” nessa procura: o cliente possui um maior conhecimento das disposições e limitações de seu sistema de significados (é o “expert” de sua própria vida) e o terapeuta oferece instrumentos facilitadores da mudança. Essa perspectiva clínica recusa terminantemente os papéis atribuídos ao terapeuta como sendo o “guru”, o “guia” ou mesmo o “professor”, nos quais estariam embutidas as premissas de sabedoria e de autoridade. Como conseqüência, a terapia torna-se uma empreitada colaborativa e respeitosa de revisão do sistema de significados pessoais a partir do ponto de vista do próprio indivíduo, e não do clínico. Para isso, das muitas estratégias utilizadas, aquela que é adotada como metáfora raiz e mencionada em quase todas as propostas por favorecer a maximização da expressão pessoal é a técnica narrativa. É na linguagem que se constrói o significado, ou seja, é através da narrativa que se consegue sistematizar e organizar a experiência em curso. Segundo Gonçalves (1998), construir o sentido da experiência é, antes de mais nada, dar coerência a uma
Na abordagem cognitiva, o terapeuta tem um papel ativo, colaborativo e educativo, o qual foi muito bem sistematizado por Judith Beck (1997) e contempla as seguintes atribuições: 1. auxiliar o paciente na identificação dos pensamentos automáticos e das crenças disfuncionais a eles associadas; 2. propor técnicas de reestruturação cognitiva, visando à modificação desses mesmos pensamentos automáticos; 3. levantar hipóteses sobre a categoria de crença central (desamparo ou pouca amabilidade) da qual os pensamentos automáticos específicos parecem ter surgido; 4. especificar a crença central preponderante; 5. apresentar ao paciente sua hipótese sobre a crença central, solicitandolhe uma confirmação (ou não); 6. educar o paciente sobre crenças centrais em geral e sobre sua crença central específica, orientando-o a monitorar a(s) operação(ções) de sua crença central; 7. começar a avaliar e modificar a crença central junto com o paciente, auxiliando-o a especificar uma nova crença central mais adaptativa. Sendo assim, nessa concepção, terapeuta e paciente sempre trabalham juntos, planejando estratégias, identificando crenças, atuando sobre pensamentos disfuncionais e sobre estratégias necessárias para tais ajustes ou correções. Além disso, o terapeuta deve formular hipóteses sobre quais experiências contribuíram para o surgimento das crenças – sobre si mesmo e sobre os outros – apresentadas pelo paciente, além da história de vida pessoal.
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experiência ainda insípida e sem o significado completo. Embora o exame do funcionamento emocional seja enfatizado como uma das formas de trabalho, os métodos puramente expressivos ou catárticos não são considerados suficientemente válidos para que a mudança psicológica possa ocorrer de fato. Assim, quando o indivíduo está engajado em uma atividade de autoria, narrando a sua história, busca preencher os sentidos inacabados, concluindo o processo de simbolização da experiência emocional sempre a partir de seu ponto de vista, e não do profissional de ajuda. Quando esse princípio não é respeitado, predominando a visão do clínico na especificação da disfunção, ocorre aquilo que chamamos de resistência passiva: a dificuldade do cliente de entender a explicação de sua problemática ou mesmo a resistência em aderir a certas tarefas que lhe são prescritas. Isso se deve ao fato de cliente e profissional não comungarem do mesmo significado das experiências relatadas, e, nessa situação, o cliente não consegue demonstrar um nível mínimo de comprometimento ou de aderência ao processo de ajuda. No construtivismo, acredita-se na sabedoria que o sistema vivo possui em sua tentativa natural de adaptação ao ambiente denominada de autopoiese. Tal dinâmica sempre dependeu geneticamente da habilidade de se (re)organizar frente às rápidas mudanças que ocorreram ao longo de sua evolução. Assim, as perturbações nascidas “de fora” – no caso, o terapeuta – não têm o poder de interferir demasiadamente na ordem interna, mas sim instituir novas formas de organização, ou seja, as mudanças estruturais que ocorrem no indivíduo são precipitadas pelos estímulos, e não originadas por ele (Maturana e Varela, 1995). Resta, então, ao profissional aproximar-se ao máximo do campo fenomenológico do paciente e facilitar a manifestação dos novos processos de adaptação e filtragem, reorganizando e reacomodando de acordo com sua própria ecologia pessoal (capacidade e flexibilidade de adaptação). Um olhar de crédito e aceitação do clínico, e não de catalogação e prescrição à experiência do paciente, induz à diminuição da vi-
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gilância interpessoal, fazendo com que o vínculo desenvolvido entre ambos torne-se um importante delineador de trabalho. Assim, quanto mais rapidamente esse vínculo for construído, mais rapidamente os sintomas diminuirão (Horvath e Greenberg, 1994). O PROCEDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO
Cognitivismo Uma das principais características da terapia cognitiva é seu caráter breve e focal. Desse modo, o paciente é informado, logo no início do tratamento, de que a terapia tem uma função pedagógica destinada a ensiná-lo a detectar e reduzir seus sintomas, de maneira que, gradativamente, possa estar habilitado a conduzir a terapêutica sem a ajuda do profissional. Oferecer ao paciente um folheto impresso, contendo informações sobre a doença, a disfunção e os princípios gerais da terapia, torna-se muito útil para garantir uma maior compreensão do que foi abordado durante as consultas que se seguirão (Ito et al., 1998). Além disso, as sessões de terapia sempre serão estruturadas. Cada atendimento é iniciado com a elaboração de uma agenda na qual paciente e terapeuta sugerem os assuntos que gostariam de incluir, definindo prioridades e organizando o tempo que será dedicado a cada tópico. Também são incluídos nesse roteiro um resumo dos acontecimentos desde a última consulta, uma revisão da tarefa de casa realizada na semana anterior e a programação das atividades da semana seguinte. O clínico deve estar atento ao abordar os assuntos incluídos na agenda do dia para que os objetivos de reestruturação cognitiva com o paciente sejam contemplados. Ou seja, em cada assunto discutido, será possível identificar os pensamentos automáticos e os pressupostos disfuncionais respectivos, permitindo, assim, que o paciente faça um elenco de suas crenças básicas e tenha a possibilidade, na medida do possível, de modificá-las. No final de cada sessão, deve-se incluir um resumo do que foi discutido de modo a permitir que o paciente sintetize e registre claramente os aspectos cen-
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trais debatidos na sessão. Ao se observar essa seqüência de trabalho, o indivíduo consegue sistematizar as lições estudadas naquela sessão e a utilidade desse aprendizado para as situações futuras (Ito et al., 1998). A cada sessão, a terapia cognitiva ensina o paciente a colocar em foco seus pensamentos e suas crenças disfuncionais, identificando, avaliando e respondendo a cada situação disfuncional. O trabalho com os pensamentos automáticos é feito solicitando-se o preenchimento de um diário elaborado a partir das observações feitas pelo sujeito. Tal material serve como um guia para o planejamento do tratamento em que são anotadas as ocorrências de sintomas, as mudanças em seu humor e os pensamentos que lhe vieram à mente em um dado momento, além da data e do local. Uma vez que essa terapia estrutura-se por meio de um estilo focal, as tarefas escolhidas no início da terapia sempre corresponderão a um alvo que necessite de uma intervenção imediata, devendo, sempre que possível, respeitar o grau de capacidade do paciente para executálas, a fim de não gerar frustrações desnecessárias. Nesse processo psicoterápico, utiliza-se uma variedade de técnicas para mudar o pensamento, o humor e o comportamento daquele que busca ajuda. Vale lembrar que todas as técnicas comportamentais e cognitivas objetivam modificar os comportamentos e as crenças disfuncionais que mantêm os sintomas sempre em atividade. Técnicas como identificação de pensamentos negativos automáticos e conseqüente exploração de alternativas, juntamente com a análise de erros de lógica, são as ferramentas mais utilizadas nesse tipo de terapia. Além disso, o questionamento socrático – caracterizado por questões dirigidas pelo terapeuta de forma a levar o paciente a perceber as incongruências em seus pensamentos e em suas crenças – também é freqüentemente utilizado. Outra característica da psicoterapia cognitiva é sua ênfase no presente. O terapeuta procura fazer a avaliação mais realista possível das situações específicas que são, no momento, as mais aflitivas para o paciente. A atenção somente se voltará para o passado quando
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o trabalho presente resultar em pouca ou nenhuma mudança cognitiva, comportamental ou emocional, ou mesmo quando o clínico julgar importante entender como e quando as idéias disfuncionais originaram-se e como afetam hoje o indivíduo.
Construtivismo Na concepção construtivista, conforme explicitamos anteriormente, muitas são as propostas de trabalho existentes.8 Para Greenberg, por exemplo, a exploração e a mudança psicológica não acontecem apenas através da substituição de esquemas disfuncionais de pensamento por esquemas mais funcionais, mas através da exploração das prováveis contradições existentes no processo dialético entre a experiência (do sujeito) e o conceito (desenvolvido pelo indivíduo após ter vivido a experiência). Ao se integrar essas duas instâncias, a (re)construção de um significado global é favorecida. Sempre vivenciamos algo primeiro para, posteriormente, podermos falar algo a esse respeito. Essa é a premissa da formação do significado no modelo processual-vivencial. Por isso é que um argumento lógico, por mais verdadeiro que seja, dificilmente mostra-se eficaz no processo de mudança. Portanto, se desejarmos produzir qualquer tipo de alteração mais efetiva, devemos partir sempre dos níveis emocionais e vivenciais das situações para depois podermos alterar as premissas lógicas envolvidas em uma determinada situação. Por exemplo, uma pessoa que chega ao consultório afirmando deparar-se freqüentemente com situações desconfortáveis poderá, nesse momento, voltar sua atenção para um dos dois tipos de processamento de informações, isto é, poderá responder mais aos níveis processuais (conceituais) do problema ou voltar sua atenção aos níveis vivenciais (emocionais) da experiência. Tomando como base a idéia de que utilizamos essas duas fontes de informações ao construirmos os significados, a pessoa poderá, ao descrever essa situação, dizer “Sinto-me muito desconfortável... é como se eu sentisse um forte aperto no peito...”, que é uma descrição basicamente experiencial. Por
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sua vez, se ela considerar tal circunstância sob a ótica reflexiva, é muito provável que venha a declarar: “...Não consigo entender por que me sinto assim... não é certo sentir-me assim... não há motivos para isso. Afinal de contas, os adultos não devem sentir isso!”, que é uma descrição que contempla aspectos mais racionais do que experienciais. Na primeira descrição, são contempladas as sensações corpóreas (no caso, o “aperto no peito”), não chegando a se constituir ainda em uma crença. Na segunda descrição, já podemos ver indícios da formação de crenças (“...é errado sentir-se assim... os adultos não devem sentir isso...”). Se essa pessoa for atenta o bastante, talvez possa tomar consciência de que uma mesma situação pode evocar dois tipos distintos de leitura ou de processamento de informação; contudo, também é possível que nada venha a perceber pelo simples fato de que o “aperto no peito” não indica uma condição psicológica. Nesse caso, ao não considerar, por ingenuidade ou por opção, a duplicidade de sentido dessa construção, alguns fatos poderão ocorrer: se a pessoa for alguém que responde básica e preferencialmente aos significados conceituais (pensamento), é muito provável que a experiência vivencial não chegue a ser alcançada por ela, criando, assim, um obstáculo à formação do significado mais amplo. Então, o sentir-se desconfortável mais o pensar errado não produzirão um significado global agregado, e a pessoa muito provavelmente se tornará desorientada. Além disso, quando se confrontar novamente com uma situação como essa, se perceberá frente ao seguinte dilema: ou sente algo que não consegue dar nome (por ser emocionalmente incômodo), ou nomeia algo terrível de ser reconhecido (por exemplo, sei que os adultos não sentem isso, apesar de sentir-me assim). Se essa fusão não ocorrer, o processo de simbolização dos episódios de vida na consciência diminuirá progressivamente, desenvolvendo-se crenças muitas vezes incompatíveis e insuficientes para o entendimento da situação, invalidando-se e restringindo-se a compreensão das emoções experimentadas. Como a experiência sempre precede a explicação, a pes-
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soa fica desorientada por não conseguir compreender a situação como um todo (Greenberg, Rice e Elliott, 1996). A concepção construtivista entende que não são os pensamentos e nem mesmo as emoções disfuncionais per se que devem ser eliminadas e corrigidas, mas o pensamento desenvolvido sobre nossas emoções é que deve ser expandido, ampliado e mais refinado. Portanto, quando os clientes demostram medos ou angústias, uma postura interessante é permitir que a expressão emocional exista sem desqualificá-la ou alterá-la ao se basear em premissas de irracionalidade ou disfuncionalidade por parte do terapeuta: “Não sofremos por nossas emoções, sofremos pelo não entendimento de tais emoções” (Guidano, 1994, p. 34). Nesse sentido, pode-se auxiliar o paciente no processamento de novas sínteses dialéticas de significado, porém partindo sempre de seu sistema pessoal, e não do sistema do clínico, o qual é possuidor das intervenções mais válidas. No construtivismo, a aceitação do outro com todas as suas particularidades e idiossincrasias é o cerne do processo de mudança (Safran e Muran, 2000). O procedimento da psicoterapia baseada no construtivismo realiza, segundo Mahoney (no prelo), o trabalho dos três “Ps”. Assim, nos momentos iniciais do processo clínico, objetiva-se enfocar o Problema com todas as suas peculiaridades e variações; em um segundo momento, aprofunda-se a análise dos Padrões gerais, aqueles que mantêm o aparecimento dos problemas e que são compostos pelas repetições das dificuldades em questão; finalmente, desenvolve-se uma análise mais aprofundada dos Processos pelos quais tais padrões e problemas foram sendo construídos e manifestados ao longo da vida do indivíduo. Portanto, nesse último nível do trabalho, busca-se compreender as marés de ordem que são seguidas pelas marés de desordem – que, por sua vez, são seguidas pelas marés de ordem e assim sucessivamente –, as quais constituem a história de flutuações emocionais na vida daqueles que solicitam ajuda (Mahoney, 1998). A idéia de que existem fases de “ordem” e “desordem” permeando o desenvolvimento do homem e, portanto, suas possi-
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bilidades de mudança está na base do procedimento psicoterápico construtivista. Nessa abordagem psicoterápica, a mudança não é entendida como um processo linear em contínua expansão, e sim como um movimento no qual ocorrem diferentes formas de aberturas e fechamentos, todos mantendo as medidas básicas de proteção e coerência do sistema. Nenhuma é melhor, ambas são necessárias. Em suma, a psicoterapia construtivista parte do pressuposto de que “a experiência humana não é uma busca pela verdade, mas, ao invés disso, uma infinita construção de significados” (Gonçalves, 1994, p. 108). Portanto, as técnicas narrativas de Óscar Gonçalves, a construção da linha da vida de Michael Mahoney ou mesmo a técnica da moviola de Vittorio Guidano, entre outras, focalizam a história do desenvolvimento pessoal do indivíduo com seus processos de ordenação e contínua reordenação das experiências pessoais. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante salientarmos que nossas explicações não se baseiam na premissa da existência de uma forma mais refinada de se praticar a psicoterapia cognitiva, mas sim de que ambas as concepções partem de diferentes premissas epistemológicas para a sua prática clínica. Acreditamos que, nos modelos objetivistas, a ênfase no processo de mudança recai sobre as dimensões conceituais da experiência, ao passo que nos modelos construtivistas reforça-se uma prática mais voltada aos aspectos emocionais da experiência. Essa diferença de foco, em nossa opinião, é o divisor de águas da grande família cognitiva, não existindo, portanto, uma modalidade mais eficiente, e sim uma ampla variedade de conce(o)pções de como ocorre o funcionamento pessoal e a construção de sentido para cada um. A Figura 2.1 ilustra essa preferência terapêutica que cada autor cognitivista exibe no trabalho com seus pacientes, partindo da premissa de que o processo de mudança será mais beneficiado se se basear nos aspectos concei-
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tuais da experiência – preferidos pelos terapeutas objetivistas – até chegarmos aos processos emocionais da experiência – preferidos pelos terapeutas construtivistas. Na Tabela 2.1, é possível observar que a principal diferença entre as duas concepções está no enfoque dado à participação dos esquemas emocionais e, por isso, de sua contribuição na história de vida e na formação do indivíduo com seus problemas particulares (sintomas e/ou queixas). Provavelmente, os psicoterapeutas cognitivos mais objetivistas identificaram-se com algumas idéias construtivistas, assim como alguns clínicos construtivistas talvez tenham reconhecido a utilidade de uma postura mais objetiva e pragmática adotada pelos cognitivistas. Como dissemos no início deste capítulo, nossa intenção é refletir sobre as múltiplas possibilidades da teoria e da prática de nossa rica e plural descendência cognitiva. Assim, tomando de empréstimo da concepção construtivista a idéia de que o homem constrói, através da sua história, um conhecimento pessoal sobre si mesmo e sobre o mundo, podemos afirmar que toda concepção, todo conhecimento e toda compreensão de realidade serão sempre construções e interpretações feitas a partir do sujeito que as vivencia, tomando como ponto de partida sua história passada de interações, as quais inevitavelmente se tornam sua representação maior, seu mapa interno de mundo. Como diria Fernando Pessoa, “nós fabricamos realidades”. Assim, os diferentes capítulos deste livro também refletem as diferentes trajetórias apontadas pelas construções individuais, pessoais e profissionais de cada um de seus autores. Por isso, os aspectos que venham a se mostrar divergentes ou até mesmo complementares de ambas as concepções cognitivas descritas aqui servem para que cada um de nós, autores e leitores, ampliemos nossa própria construção de realidade e do império psicológico que aguarda ser conquistado por nós. Esperamos que isso tenha ocorrido ao longo deste capítulo e que essa experiência dialética tenha realmente ampliado o leque de atuação e conhecimento do leitor.
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Figura 2.1 Ênfases no trabalho terapêutico. Fonte: Adaptada de Zagmutt, LecAelier e Silva, 1999.
Tabela 2.1 Caracterização dos modelos cognitivistas e construtivistas de psicoterapia Teoria
Conceito de Realidade
Papel das Emoções
Patologia
Tratamento
Cognitivista
A realidade é externa, podendo ser objetivamente observada e acessada. É singular, estável e universal.
As emoções são derivadas dos pensamentos e das imagens mentais, assim como da interpretação das situações de vida.
As emoções negativas resultam dos padrões distorcidos e irracionais de pensamento (geradores da patologia).
A ênfase está na eliminação, no controle ou na substituição dos padrões negativos do pensamento. Propõese a identificação, seguida da alteração dos padrões irracionais por padrões mais lógicos e realistas.
Teoria
Conceito de Realidade
Papel das Emoções
Patologia
Tratamento
A realidade é uma construção sucessiva do próprio indivíduo para organizar sua experiência. É múltipla por natureza.
As emoções são processos primitivos e poderosos de conhecimento que refletem a organização e a desorganização da experiência individual. Influenciam os pensamentos na formação do significado na experiência.
Os padrões desadaptativos ou dolorosos da experiência emocional refletem as tentativas individuais (porém imperfeitas) de adaptação e desenvolvimento.
A ênfase está na experiência e na expressão apropriada das emoções, assim como na exploração do seu desenvolvimento (funções passadas e presentes na história de vida de cada um).
Construtivista
Fonte: Mahoney, 1998.
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NOTAS 1. Curiosamente, na língua portuguesa, utilizase o verbo refletir como sinônimo de pensar. (Dicionário de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa. 34ª Edição). 2. Isto obedece à metáfora do princípio da correspondência (a realidade externa), conforme proposto por Thelen e Smith (1995). 3. Outra metáfora de referência é aquela intitulada mundo-na-mente (Thelen e Smith, 1995). 4. Nisso repousa a origem da utilização do termo abordagens cognitivo-racionalistas (Mahoney, 1998). 5. Também denominada organismo-no-mundo (Thelen e Smith, 1995). 6. É muito típico ouvirmos terapeutas sugerirem a seus clientes que façam os chamados testes de realidade, com o intuito de verificar a autenticidade de seus padrões de pensamento. 7. Freqüentemente, o que é referido como uma emoção inclui a reação pessoal do indivíduo frente a tal emoção, assim como seu posicionamento frente à manifestação. Vale lembrar que muitas pessoas não experienciam a emoção em si, mas a conseqüência de sentir-se inábil para experienciá-la, como sentir medo de sua raiva, vergonha de seus medos ou raiva de suas tristezas, desenvolvendo uma reação “defensiva” às emoções primeiras – foco da psicoterapia. Por isso, existe a necessidade de separar as emoções primárias das secundárias para que a psicoterapia seja efetiva. Para um aprofundamento dessas idéias, sugerimos consultar Greenberg e Paivio (1997). 8. Optamos por manter a mesma referência teórica adotada até então para a descrição da proposta de trabalho, de modo que o leitor possa ter uma visão mais integrada, em vez de expormos um elenco de sugestões construtivistas, o que viria inevitavelmente a comprometer o entendimento global. Sendo assim, a escolha dessa proposta foi puramente casual.
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PARTE II
Um Estudo Comparativo entre os Modelos Cognitivo e Construtivista
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3 Terapia Cognitiva: Abordagem Revolucionária Aaron T. Beck Willem Kuyken
CONSIDERAÇÕES INICIAIS Os transtornos mentais representam um relevante problema de saúde pública. Boa parte das pessoas que procuram atendimento médico com um problema de saúde apresentam um transtorno mental primário ou secundário. Esses transtornos exigem uma terapia pragmática e padronizada, que possa ser aceita por uma grande variedade de pessoas e que tenha sua eficácia comprovada. A terapia cognitiva, desenvolvida há mais de 30 anos, vem procurando responder a esse desafio. No cerne dessa abordagem terapêutica, de embasamento teórico sólido e de eficácia comprovada, está uma idéia extremamente simples. As crenças que temos sobre nós mesmos, sobre o mundo e sobre o futuro determinam o modo como nos sentimos: o que e como as pessoas pensam afeta profundamente o seu bem-estar emocional. Como disse Hamlet, personagem de Shakespeare: “… nada é bom ou mau, o pensamento é que torna as coisas assim …”. É desse princípio que vem a idéia de que, examinando nossas crenças e, se apropriado, modificando-as, afetamos diretamente o nosso bem-estar emocional. A terapia cognitiva é um trabalho de exploração conjunta entre terapeuta e paciente das crenças deste e de
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suas implicações em qualquer estresse emocional que ele possa estar apresentando. RAÍZES HISTÓRICAS E FILOSÓFICAS DA TERAPIA COGNITIVA Fui (Beck) um dos pioneiros da teoria e da terapia cognitiva há mais de 30 anos. Treinado como psiquiatra no modelo freudiano, tentei analisar a base empírica da teoria da depressão de Freud quando percebi que os pacientes com depressão sofriam de um fluxo consciente de pensamentos negativos automáticos, tais como: “Minha parceira acha que não sou bom”, “Isso não vai dar certo”, ou ainda “Meu parceiro está pensando em me deixar”. Em meu primeiro trabalho, percebi que, quando ajudava os pacientes a mudarem seu diálogo interno (seus pensamentos), ajudava-os a se sentirem melhor. Por isso, eles são treinados a pensar como cientistas e a abordar pensamentos como “Isso não vai dar certo” de maneira científica, reunindo evidências que confirmem ou não tal pensamento. Desde sua concepção, a terapia cognitiva tem sido constantemente atualizada pelas observações clínicas, bem como pelas idéias sobre a psicologia cognitiva e social, e inúmeras pesquisas já
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foram realizadas testando seus princípios e comprovando a sua eficácia no tratamento de uma série de transtornos. PRINCIPAIS PROPRIEDADES DA TERAPIA COGNITIVA A terapia cognitiva tem como base a realidade objetiva, pois ajuda as pessoas na avaliação de seus pensamentos e de suas ações de maneira clara e realista. Uma pessoa que acredita ser basicamente incompetente, por exemplo, é questionada sobre quais são as características que alguém precisa apresentar para ser considerado competente e, então, analisa suas competências e seus sucessos de acordo com seus próprios padrões. Ao contrário das errôneas concepções populares sobre a psicoterapia (o divã, o tiquetaque do relógio que marca os 50 minutos de terapia), o paciente da terapia cognitiva tem maior chance de ficar sentado frente a frente com o terapeuta, semanalmente, trabalhando em um estilo de conversação cooperativa. Além disso, a terapia cognitiva tende a ser um trabalho de curto a médio prazo (em geral, de 16 a 20 sessões), cujo objetivo é aliviar o estresse a curto prazo e conferir às pessoas habilidades para operar mudanças a longo prazo. Em outras palavras, o objetivo é que o paciente torne-se seu próprio terapeuta. Assim como em outras formas de terapia, o relacionamento entre terapeuta e paciente é importante e proporciona um veículo para a melhora. O terapeuta deve ser capaz de criar calor humano e empatia genuínos no relacionamento, ao mesmo tempo em que mantém um papel ativo de questionamento que visa a oferecer ao paciente as ferramentas necessárias para que ele possa mudar seus pensamentos e seus comportamentos em uma direção mais adaptativa. Entretanto, diferentemente de outras abordagens terapêuticas, o bom relacionamento entre paciente e terapeuta é considerado um ingrediente necessário, mas não suficiente da terapia.
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Portanto, a terapia cognitiva é uma forma de terapia sistemática, baseada na realidade objetiva, cooperativa e focal. Focaliza o problema trazido pelo paciente, e sua duração depende do tempo necessário para a solução desse problema ou das dificuldades impostas por restrições financeiras. A TEORIA COGNITIVA DAS EMOÇÕES Desde sua concepção, a terapia cognitiva fundamenta-se na teoria cognitiva das emoções que está na base de muitos transtornos psiquiátricos e parte do pressuposto de que as emoções de uma pessoa são influenciadas por sua percepção dos acontecimentos. Ou seja, não é o acontecimento em si que determina o que a pessoa sente e faz, mas sim o significado que atribui a ele. A maneira como uma pessoa atribui significado aos eventos de sua vida é influenciada por suas crenças centrais a respeito de si mesma, dos outros e do mundo. Assim, as nossas crenças centrais (por exemplo, “Eu sou uma pessoa que sempre está bem”) ativam o modo como percebemos as situações que, por sua vez, determinam nossa reação emocional àquelas situações. Por exemplo, uma pessoa valoriza determinada amizade porque compartilhou bons momentos com o(a) amigo(a) e sempre recebeu seu apoio emocional e prático; porém, esse(a) amigo(a) diz que vai aceitar uma oferta de trabalho em outra parte do país. A pessoa, então, reage a esse acontecimento com um misto de tristeza – “Vou sentir saudades dos bons momentos” – e alegria – “Estou contente por meu amigo ter conseguido esse emprego, é o emprego certo para ele”. Esses pensamentos estão relacionados a crenças centrais sobre os outros, como “Amizade é importante” e “Amigos devem ficar próximos e apoiar emocionalmente as decisões um do outro”. Com base em tais crenças, seus pensamentos e seus sentimentos determinarão uma reação de ajudar o amigo a preparar a mudança. Esse exemplo ilustra que as crenças e as percepções de uma pessoa em relação a determi-
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nada situação desempenham um papel intermediário entre os acontecimentos e as subseqüentes emoções e comportamentos. A literatura sobre psicologia social e cognitiva tem contribuído bastante na compreensão dos princípios básicos da teoria cognitiva das emoções. A TEORIA COGNITIVA DOS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS O modelo cognitivo dos transtornos psiquiátricos é compatível com o modelo cognitivo da emoção normal, porém a diferença está no fato de que as crenças e as emoções nos transtornos tornam-se disfuncionais. Elas afetam o conceito que o indivíduo tem de si mesmo, tornando-o rígido e inflexível, mantendo, assim, o transtorno psiquiátrico. Beck e seus colaboradores demonstraram a relação entre os transtornos psiquiátricos e as crenças idiossincráticas que os caracterizam (Tabela 3.1). As pessoas com transtornos de humor, por exemplo, tendem a ver a si mesmas como pessoas indefesas e não-merecedoras de amor, o mundo como hostil e exigente e o futuro como irremediável. As pessoas com transtornos de ansiedade tendem a ver a si mesmas como vulneráveis, o mundo como ameaçador e perigoso e o futuro como incerto.
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A TEORIA COGNITIVA DOS TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE Mais recentemente, a teoria cognitiva tem-se expandido, procurando descrever e explicar os transtornos de personalidade. Talvez mais atual seja o transtorno da personalidade anti-social, mas também estão incluídos os transtornos bordeline, esquivo, narcisista, paranóide e dependente. Os transtornos de personalidade compreendem uma organização cognitiva, afetiva, comportamental e fisiológica relativamente estável que determina a maneira como alguém reage às exigências da vida. Uma pessoa com transtorno da personalidade dependente, por exemplo, pode apresentar crenças do tipo: “Não posso sobreviver sem a ajuda dos outros”. Essa crença faz com que ela se torne extremamente dependente dos demais, tanto para obter bem-estar emocional quanto para realizar suas atividades cotidianas. Segundo a teoria cognitiva, uma característica central dos transtornos de personalidade é a existência de um conjunto de crenças aprendidas durante o desenvolvimento, as quais influenciam a percepção dos acontecimentos, de modo que os eventos estão sempre confirmando as crenças mal-adaptativas. O paciente com transtorno da personalidade dependente do exemplo anterior, em uma
Tabela 3.1 Teoria cognitiva aplicada a diferentes transtornos psiquiátricos Transtorno
Conteúdo de Pensamento Típico
Depressão
Visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro
Transtorno de ansiedade generalizada
Medo de risco físico ou psicológico
Transtorno de pânico
Medo de acidente físico ou psicológico iminente
Transtorno alimentar
Medo descontrolado de não ser fisicamente atraente
Hipocondria
Preocupação com distúrbio médico insidioso sério
Transtorno da personalidade anti-social
Sensação de ser tratado de maneira injusta e de ter direito à sua parte justa, não importa por quais meios.
Distúrbios médicos nos quais os pacientes apresentam queixas de dor em graus significativos
Sensação de dor intolerável e impotência para controlá-la
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situação na qual está prestes a fazer um exame, pode acreditar que este estará além de sua capacidade, uma vez que não encontrou uma pessoa forte e confiável que o ajudasse a se preparar. Nesse caso, pode ser reprovado no exame por não fazer uso de sua capacidade para estudar e preparar-se adequadamente sem a ajuda de ninguém. PROCESSOS QUE MANTÊM AS CRENÇAS CENTRAIS, AS ATITUDES DISFUNCIONAIS E OS PENSAMENTOS NEGATIVOS AUTOMÁTICOS A teoria cognitiva sugere que as crenças mal-adaptativas são perpetuadas através de modos mal-adaptativos de processar informações. As pessoas ansiosas, por exemplo, tendem a estar sempre atentas às ameaças do ambiente; as pessoas deprimidas tendem a se responsabilizar por acontecimentos negativos; as pessoas com transtornos de personalidade
tendem a interpretar os acontecimentos como consistentes com seus comportamentos e crenças mal-adaptativos. Nesse sentido, a teoria cognitiva identificou vários erros ou distorções no pensamento, que perpetuam tais crenças, como a personificação, a antecipação e o pensamento do tipo tudo ou nada. A personificação, comum no pensamento característico da depressão, refere-se à tendência excessiva de auto-referência, ou seja, os acontecimentos estão sempre relacionados à própria pessoa. Por exemplo, uma pessoa deprimida, com baixa auto-estima, pode interpretar o atraso de um amigo para um encontro como “Não mereço o tempo dos outros”, em vez de imaginar que o amigo possa ter ficado preso no trânsito. A antecipação, erro de pensamento comum na ansiedade, refere-se à tendência de imaginar os resultados de acontecimentos futuros geralmente de maneira catastrófica. Por exemplo, ao pensar sobre uma apresentação que irá fazer, a pessoa imagina que desmaiará. O pensamento do tipo tudo
Tabela 3.2 Distorções cognitivas Distorção
Exemplo
Pensamento do tipo tudo ou nada: a pessoa vê as coisas em preto e branco.
“Meu desempenho não é perfeito; portanto, devo ser um fracasso total.”
Generalização exagerada: a pessoa vê um simples evento negativo como um padrão infindável de derrota.
“Estou sempre estragando tudo.”
Filtro mental: a pessoa percebe um detalhe negativo e estende-o a tudo, tornando todas as percepções da realidade obscurecidas.
Ao perceber que engordou um pouco, ela pensa: “Estou horrivelmente obesa”, ignorando outras partes de sua vida (tem um sorriso bonito, as pessoas gostam dela, tem um emprego ou está criando uma família).
Antecipação: a pessoa faz previsões negativas sobre o futuro, sem perceber que tais previsões podem ser imprecisas.
“Nunca conseguirei um emprego ou um relacionamento.”
Raciocínio emocional: a pessoa assume que as emoções negativas refletem necessariamente o modo dos acontecimentos.
“Estou sem esperanças; logo, as coisas são irremediáveis.”
Pensamento do tipo deveria: a pessoa tenta motivar-se com “devo” e “não posso”, como se tivesse de ser punida e castigada por alguma coisa.
“Não deveria sentar aqui; eu deveria arrumar a casa.”
Personalização: a pessoa vê-se como a causa de algum evento externo negativo, embora não seja responsável por ele.
Se alguém gritar com ela, pensa: “Fiz alguma coisa errada”, em vez de imaginar que o outro esteja passando por um momento ruim ou tenha um temperamento difícil.
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ou nada, freqüentemente encontrado nos transtornos de personalidade, refere-se à tendência de pensar dicotomicamente, como se só fosse possível enxergar as situações em branco e preto, sem nenhuma possibilidade de cinza no meio. Durante um período de estresse intenso, por exemplo, a pessoa enxerga-o como permanente e irremediável, não havendo solução para seus problemas. Por não conseguir enxergar um meio-termo, sua única saída é o suicídio. A ESTRUTURA DA TERAPIA COGNITIVA: TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS, TÉCNICAS COGNITIVAS E LIÇÃO DE CASA O objetivo principal da terapia cognitiva é identificar e modificar os comportamentos e as crenças mal-adaptativos. Uma variedade de abordagens terapêuticas podem ser usadas na terapia cognitiva, incluindo técnicas comportamentais e cognitivas. O primeiro grupo de abordagens focaliza o comportamento do paciente, partindo do princípio de que o monitoramento do comportamento e a ativação comportamental podem levar a ganhos substanciais em alguns casos. Pessoas com um quadro depressivo grave, por exemplo, muitas vezes se tornam retraídas e inativas, piorando ainda mais seu estado depressivo. Ao retrair-se, o deprimido percebe-se e rotula-se como “ineficaz” e alimenta sua depressão. Se a terapia tem como foco aumentar a participação do paciente em atividades prazerosas, este pode ser o primeiro passo no combate à depressão. Outras estratégias comportamentais incluem programar atividades, dividindo grandes tarefas (por exemplo, arranjar um emprego) em tarefas menores e mais viáveis (por ex., comprar o jornal com anúncios de emprego, preparar um currículo, etc.), e executar técnicas de relaxamento, dessensibilização sistemática em relação a situações temidas, dramatização de situações e treino de assertividade. O segundo grupo de abordagens concentra-se nas crenças mal-adaptativas do paciente. O questionamento e a exploração cuidadosa de suas crenças irrealistas e disfuncionais
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são realizados a fim de confrontá-las com a realidade, corrigir as distorções e modificar as crenças mal-adaptativas que perpetuam a angústia emocional. A terapia consiste em uma exploração conjunta das crenças da pessoa, o que propicia ao trabalho um espírito de descoberta guiada, através do qual as construções mal-adaptativas da realidade são gradualmente exploradas. Ao descobrir os significados maladaptativos atribuídos às experiências, a vida do paciente pode seguir com um “novo significado”, mais orientado para a realidade, para as satisfações e os objetivos da pessoa. Esse processo demonstra a relação entre as crenças mal-adaptativas, a angústia emocional e o comportamento. Um paciente cuja crença era “Eu tenho de colocar as necessidades dos outros sempre acima das minhas” sentia-se constantemente culpado e ressentido. Em conseqüência disso, empenhava-se ainda mais em satisfazer as necessidades de seus colegas de trabalho, de seus familiares e de seus amigos, a ponto de ficar exausto, perder de vista seus próprios objetivos e necessidades e, finalmente, sentirse deprimindo. O terceiro grupo de abordagens não ocorre no ambiente do consultório, mas sim entre as sessões, pois os pacientes realizam melhor as tarefas de auto-ajuda, chamadas “lições de casa”, as quais possibilitam a continuidade do trabalho no decorrer da semana. O papel do terapeuta assemelha-se ao de um treinador, orientando e questionando o paciente semana após semana. As tarefas são definidas em conjunto e elaboradas sob medida para o indivíduo, constituindo-se em propostas de execução viável, podendo variar desde a sugestão da leitura de um livro pertinente até a realização de uma tarefa até então protelada (por exemplo, telefonar a um amigo para resolver um conflito velado) e sua monitorização, ou seja, a observação dos pensamentos e das imagens que surgirem durante a preparação para a tarefa (por exemplo, “Meu amigo vai ficar furioso comigo”). Eu mesmo (Willem Kuyken) tratei de Thomas, um homem de 68 anos, casado, com mal de Parkinson diagnosticado quatro anos antes. O caso ilustra algumas das característi-
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cas da teoria cognitivo-comportamental e das abordagens da terapia cognitiva utilizadas, bem como o uso da lição de casa. Por causa da doença, Thomas tornara-se inseguro e temia a reação das outras pessoas em relação a ele em situações profissionais e sociais, evitando cada vez mais tais situações. Esse comportamento afetara profundamente o conceito sobre si mesmo e o deixara deprimido. A conceitualização cognitiva dos problemas de Thomas sugeriu que, em um nível profundo e central, ele possuía a crença de que sua aceitabilidade como pessoa estava condicionada a ser respeitado e considerado competente em todas as áreas e o tempo todo. Porém, o início e o progresso do mal de Parkinson haviam comprometido sua competência naquilo que acreditava serem áreas fundamentais, ativando suas crenças sobre a própria aceitabilidade. Ele era um marceneiro aposentado, e suas habilidades motoras estavam seriamente comprometidas. Conseqüentemente, começou a duvidar de seu valor pessoal e de sua aceitabilidade: “As pessoas pensarão que estou no fim da linha (‘sou uma pessoa de menor importância’) se souberem que tenho mal de Parkinson”. Como tentava disfarçar a doença e o impacto que ela lhe causava para seus amigos e familiares, Thomas começou a evitar diversas situações sociais. Esse afastamento mantinha seu temor e exacerbava sua depressão, uma vez que assim desperdiçava as oportunidades de checar se suas crenças eram verdadeiras ou não, ou seja, se as pessoas realmente o “descartariam”. Thomas compareceu a 16 sessões de terapia em um período de 8 meses. Inicialmente, as sessões eram semanais, depois passaram a ser quinzenais e, finalmente, mensais. As etapas da terapia cognitiva foram: 1. educação sobre ansiedade social, depressão e modelo cognitivo para seus problemas; 2. manutenção de um diário de pensamentos, sentimentos e comportamentos em uma variedade de situações perturbadoras que o ajudou a entender melhor suas crenças e o pa-
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pel delas em suas dificuldades psicológicas; 3. redução da esquiva de situações amedrontadoras através de lições de casa em que se expunha gradualmente a tais situações; e 4. orientação para que testasse e colocasse à prova as crenças centrais e condicionais inferidas na terapia. Quanto aos problemas apresentados, Thomas respondeu bem à abordagem pragmática do “aqui e agora” da terapia cognitiva. Ele identificou as seguintes estratégias da terapia cognitiva como sendo úteis para lidar com a ansiedade social: 1. o uso cuidadoso da autodescoberta; 2. o pensamento “e se” (ou seja, perguntar-se “e se as conseqüências temidas realmente acontecessem? O que elas teriam de tão terrível?”; e 3. a abordagem frontal, que consiste em enfrentar medos de maneira ousada e sem acanhamento. Armado com essas estratégias, Thomas participou de uma série de compromissos sociais (por exemplo, fazer um discurso na festa de despedida de um colega, visitar antigos colegas de trabalho, participar de várias festas de Natal) para testar o fundamento de suas crenças na realidade. Em cada uma dessas ocasiões, seu medo não foi comprovado. Na verdade, em várias delas, foi surpreendido pelo carinho com que seus amigos e colegas o receberam. Thomas utilizou uma metáfora – a da luta de boxe – para exprimir o que sentia: sentia-se mais capaz de enfrentar as situações difíceis, porque podia jogar à lona seu pensamento negativo. Ao final da terapia, não evitava mais as situações sociais e sua depressão havia melhorado muito. Por outro lado, o agravamento do mal de Parkinson apresentava desafios consideráveis, e, durante muitos anos, Thomas compareceu a sessões de reforço que o ajudavam a manter sua saúde psicológica a melhor possível, enquanto sua saúde física deteriorava-se.
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Em suma, a terapia cognitiva visa a ajudar as pessoas a desenvolverem crenças saudáveis sobre si mesmas como seres competentes e capazes de serem amados, além de conferir-lhes habilidades cognitivas e comportamentais para viverem suas vidas plenamente. APLICAÇÃO DA TERAPIA COGNITIVA A DIFERENTES PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL Eu (Beck) e meus colegas estamos aplicando a terapia cognitiva, no mundo todo, a uma grande variedade de problemas de saúde mental em crianças e adultos, como transtornos de humor, transtornos de ansiedade, transtornos somatoformes, transtornos alimentares, abuso de substâncias e transtornos de personalidade. A terapia cognitiva também vem sendo usada no hospital geral com o objetivo de: 1. melhorar a adesão à medicação, 2. enfrentar problemas de saúde mental secundários à doença ou à enfermidade e 3. melhorar os resultados do tratamento de doença coronária ou fibromialgia quando associada às terapias medicamentosas.
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RESULTADOS DE ESTUDOS CONTROLADOS A terapia cognitiva tem sido submetida a inúmeros estudos controlados, os quais procuram responder à seguinte pergunta: As terapias psicológicas funcionam? Um desdobramento dessa pergunta leva a duas outras: Quais terapias psicológicas funcionam melhor do que as outras? e Quais os fatores responsáveis pela mudança?. Após 25 anos de pesquisas cada vez mais sofisticadas, estas sugerem que a terapia cognitiva é significativamente eficaz no tratamento de uma variedade de problemas, como depressão, ansiedade generalizada, pânico, transtorno alimentar, abuso de substâncias, transtorno somatoforme, e, mais recentemente, no alívio de sintomas da esquizofrenia. As respostas para as perguntas sobre qual terapia funciona melhor e quais são os fatores responsáveis pela mudança ainda não são definitivas, pois dificuldades práticas, metodológicas, estatísticas e éticas comprometem os estudos controlados em psicoterapia. Com certeza, porém, a terapia cognitiva funciona pelo menos tão bem quanto outras formas de terapia no tratamento da maioria dos transtornos de ansiedade e de humor. De modo geral, estudos de metanálise de estudos controlados demonstram que a terapia cognitiva é tão eficaz no tratamento da depressão quanto a farmacoterapia, sendo ain-
Tabela 3.3 Transtornos eficazmente tratados com a terapia cognitiva em estudos controlados Transtorno
Observações
Depressão maior
Pacientes internados e externos, com recaída reduzida, quando em comparação com a farmacoterapia
Transtorno de pânico
terapia cognitiva > terapia de apoio terapia cognitiva > terapia comportamental e imipramina
Transtornos alimentares Transtorno obsessivo-compulsivo Hipocondria Transtorno de ansiedade generalizada Abuso de substâncias
terapia cognitiva > tratamento-padrão
Esquizofrenia
terapia cognitiva > tratamento habitual, mas ambos os tratamentos incluíram medicação antipsicótica
Transtornos médicos: dor crônica, hipertensão, síndrome de fadiga crônica, colite, enxaquecas e disfunção sexual
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da mais eficaz na redução de recaídas (30% contra 60%). O FUTURO A terapia cognitiva está sendo amplamente utilizada na área da saúde e da saúde mental em todo o mundo. Vários estudos atuais têm-se concentrado no uso da terapia cognitiva no tratamento de doenças clínicas, especialmente no cuidado primário, e no seguimento de pacientes com transtornos mentais que não respondem nem à farmacoterapia nem à psicoterapia.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECK, A.T. Depression: clinical, experimental and theoretical aspects. New York: Harper and Row, 1967. ___________ . Depression: causes and treatment. Philadelphia: University of Pensilvania Press, 1972. BECK, A.T.; EMERY, G.; GREENBERG, R. Anxiety disorders and phobias. New York: Basic Books, 1985. BECK, A.T. et al. Cognitive therapy of depression. New York: Wiley and Sons, 1979. BECK, J.S. Cognitive therapy: basics and beyond. New York: Guilford Press, 1995. CLARK, D.M.; FAIRBURN, C.G. (Eds.). Science and practice of cognitive behaviour therapy. Oxford: oxford University Press, 1997.
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4 Técnicas Selecionadas da Prática da Terapia Cognitiva Helene Shinohara
A terapia cognitiva tem-se destacado nos últimos 30 anos por sua ênfase na compreensão da influência do funcionamento cognitivo nos transtornos mentais e no desenvolvimento de um conjunto de técnicas terapêuticas eficazes. Nessa perspectiva, ela tem aberto um caminho promissor tanto para o terapeuta que trabalha com ela quanto para o cliente que dela se beneficia. Neste capítulo, algumas técnicas são especificamente selecionadas para ilustrar sua prática. A terapia cognitiva possui um conjunto de técnicas que visam a influenciar o pensamento, o comportamento e o humor; contudo, se aplicadas sem nenhuma compreensão do funcionamento cognitivo do cliente e de seu modo específico de ver o mundo, cairão em um tecnicismo árido e incapaz de produzir resultados satisfatórios. De modo geral, os objetivos das técnicas são eliciar, examinar, testar e modificar pensamentos e emoções, porém o cliente precisa acreditar que a terapia é perfeitamente adaptável às suas necessidades e à sua história de vida (Leahy, 1997). Assim, o terapeuta não é um mero aplicador de técnicas que funcionam independentemente de uma relação terapêutica singular e calorosa. As técnicas cognitivas visam a criar pontos de entrada para a organização cognitiva do cliente (Beck et al., 1979) e entender seu
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modo de construção da realidade. Principalmente através do questionamento, o terapeuta propõe-se a obter informações adequadas que o ajudem a entender a visão de mundo do cliente e a sua maneira de funcionar. Portanto, ele precisa aventurar-se nessa descoberta, trabalhar colaborativamente e estar envolvido com os padrões cognitivos específicos do cliente, funcionando mais como um guia e menos como um instrutor, questionando em uma atmosfera de compartilhamento. Em seu arsenal técnico, a terapia cognitiva lança mão tanto de técnicas cognitivas quanto de técnicas comportamentais e experienciais, tentando modificar os esquemas cognitivos do cliente. A interação entre pensamento, sentimento e comportamento permite a escolha de técnicas que, ao alterarem especificamente um deles, provoquem mudança nos outros. Dependendo do momento da terapia, das características do cliente ou de determinado objetivo, o terapeuta opta por trabalhar com uma dessas técnicas, na busca contínua por reestruturações cognitivas. TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS As técnicas comportamentais são empregadas, sobretudo, para que o cliente altere algum comportamento de seu repertório e pos-
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sa, com isso, reexaminar as crenças sobre si mesmo e sobre os eventos, obter evidências factuais para suas conclusões e reformular suas avaliações. As técnicas mais citadas são a exposição gradual, a modelação, os experimentos comportamentais, o relaxamento, o planejamento de atividades, as tarefas graduadas, o desenvolvimento e o treinamento de habilidades sociais e o auto-reforçamento. No contexto de condicionamento, as cognições podem ser vistas como estímulos condicionados, como uma resposta eliciada, como um operante ou como um meio de reforçamento ou punição (McMullin, 1996). Os terapeutas capazes de realizar análises funcionais com seus clientes poderão compreender melhor como determinadas crenças são mantidas. Acreditar, por exemplo, que “Sou uma pessoa muito frágil” pode estar sendo reforçado positivamente pelas atenções da família, pelos privilégios concedidos a si mesmo, e pode estar sendo reforçado negativamente pela redução da pressão em se tornar independente, pela diminuição da culpa de ser um eterno estudante. Essa mesma crença pode estar sendo punida com ansiedade, com medo do futuro e com o conseqüente afastamento de amigos. É importante trabalhar com o cliente para que ele comece a modificar as contingências de seu próprio ambiente. Os experimentos comportamentais são uma importante técnica avaliativa, pois testam diretamente a validade dos pensamentos. Ao sugerir um determinado experimento, o terapeuta tenta buscar elementos que possam confirmar ou desconfirmar as suposições do cliente. “Não adianta puxar conversa com meus colegas, porque eles não me darão atenção” é um bom exemplo de pensamento que pode ser testado. Se o cliente não apresenta déficit em habilidades sociais, pede-se a ele que se aproxime de vários colegas durante a próxima semana e registre quantos realmente não lhe deram atenção. Possivelmente ocorrerá uma reformulação do pensamento, pois haverá ao menos uma diversidade nas respostas dos colegas. Outra técnica comportamental extremamente poderosa é o auto-reforçamento. Em
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nossa sociedade, sentimo-nos pouco à vontade para parabenizarmos a nós mesmos. Apesar de os clientes apresentarem mais facilidade em se autodepreciar, o terapeuta precisa enfatizar a importância de autodeclarações positivas em relação a algum desempenho ou a alguma mudança cognitiva. Elaborar uma lista diária de suas realizações e conquistas oportuniza ao cliente perceber aspectos positivos pelas quais merece o devido crédito. Além disso, quando novas crenças mais realistas são reforçadas positivamente, a probabilidade de suas ocorrências no futuro aumenta, e o fortalecimento delas compete com a manutenção dos antigos pensamentos disfuncionais. TÉCNICAS EXPERIENCIAIS As técnicas experienciais são indicadas para estimular as emoções do cliente, bem como atingir e trabalhar as crenças centrais (Beck, 1997). Em geral, visam a desenvolver um entendimento diferente da experiência em questão, ajudando o cliente a reinterpretar determinado evento traumático. São citadas o role-playing, a dramatização de uma situação emocionalmente significativa e a visualização de memórias antigas na presença de afeto. Muitos pensamentos automáticos aparecem como imagens, e não na forma verbal. Técnicas que contenham ambos os aspectos produzem mudanças mais impactantes. Alguns clientes têm facilidade em trabalhar com imagens, enquanto outros não; por isso, é preciso estar atento a tal diferença antes da escolha de técnicas de visualização. O trabalho com memórias de eventos serve para identificar crenças antigas e abordar os aspectos emocionais delas. O cliente é instruído a imaginar a situação perturbadora atual e usar todos os seus sentidos para que a cena seja vívida. Ele, então, se concentra no significado, no tema mais central da imagem, e procura a lembrança de uma situação antiga que o represente. Perguntas guiam o cliente na reavaliação daquele evento, enfatizando-se, sobretudo, os sentimentos relacionados à crença. Ao explorar as raízes de suas crenças, o
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cliente pode desenvolver uma compreensão histórica de seu funcionamento cognitivo. Ao reavaliar suas experiências, pode resolver dificuldades derivadas de avaliações distorcidas ou emoções não-expressas. TÉCNICAS COGNITIVAS As técnicas cognitivas têm sido aprimoradas ao longo dos anos, procurando instrumentar os terapeutas para o trabalho de identificação, análise e reestruturação do sistema de crenças dos clientes. Podemos citar o questionamento socrático, o continuum cognitivo, a técnica do “como se”, a auto-revelação do terapeuta, a minuta da crença central, os contrastes extremos, a reatribuição, as metáforas, os testes históricos, as técnicas de contestação, os métodos paradoxais, a análise lógica, a técnica da flecha descendente, a solução de problemas, a colocação em perspectiva, etc. A fim de facilitar a explanação sobre as técnicas cognitivas, é melhor situá-las segundo seus objetivos. Em termos de processo terapêutico, podemos observar três momentos no trabalho com o cliente. No primeiro momento, o terapeuta ajuda o cliente a identificar os pensamentos e as crenças que estão relacionados com as emoções e os comportamentos trazidos como queixas. Podemos dizer que existem técnicas que são usadas para descobrir e registrar. No segundo momento, o cliente é ajudado a analisar os pensamentos para testar a validade ou utilidade deles, segundo a lógica própria do cliente, e não a do terapeuta. Assim, é o cliente que possui o julgamento final sobre tal pensamento ser ou não acurado. Uma série de técnicas facilita e promove tais avaliações. No terceiro momento, o terapeuta acompanha o cliente na identificação e na reformulação das crenças consideradas por ele como disfuncionais ou irrealistas. São usadas principalmente as técnicas de reestruturação cognitiva. Como sabemos, os pensamentos automáticos ocorrem por reflexo, sem raciocínio deliberado, sendo, portanto, involuntários. Não são razoáveis ou funcionais, são emocionalmente aflitivos e interferem na habilidade do cliente
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de realizar determinadas tarefas, embora pareçam bastante plausíveis e inquestionáveis para o próprio cliente. A tarefa de solicitação de registro desses pensamentos precisa ser precedida de demonstração da relação existente entre cognição, afeto e comportamento, usando de preferência exemplos recentes de situações trazidas pelo cliente. Somente após ter entendido a lógica do modelo cognitivo é que o terapeuta garantirá a colaboração do cliente no registro de pensamentos disfuncionais (RPD). Essa auto-observação deve ser estimulada já durante a sessão, no momento em que o terapeuta perceber mudanças ou aumento de emoções. Ao perguntar “O que está passando pela sua cabeça agora?”, o terapeuta não só sinaliza a ocasião para tal pergunta, como também inicia o processo de identificação dos pensamentos. Em geral, os pensamentos relevantes a serem trabalhados estão marcadamente associados a sensações desprazerosas. O RPD deve ser ensinado durante a sessão, utilizando-se inicialmente as quatro primeiras colunas (situação, pensamentos, sentimentos e comportamentos). Em etapas posteriores, quando o cliente tiver aprendido a questionar a validade ou a utilidade dos pensamentos, ele será orientado para o preenchimento das colunas restantes (evidências que os apóiam, evidências que não os apóiam, pensamentos alternativos e reavaliação do humor). Também não precisa ser exigida do cliente a anotação das colunas em ordem, já que, geralmente, eles têm mais facilidade de identificar primeiro as emoções (Greenberg e Padesky, 1999). Para avaliar os pensamentos identificados na sessão ou já registrados, é importante que o terapeuta não se esqueça de que eles são relevantes e aflitivos para o cliente. Cuidados com o questionamento devem ser tomados, seja porque o terapeuta não pode saber a priori se os pensamentos são ou não disfuncionais ou se contêm parcelas de verdade, seja porque disputar diretamente o pensamento vai contra o espírito de colaboração. As perguntas e os comentários do terapeuta são fruto de sua própria forma de ver o mundo, e, portanto, ele deve permanecer vigi-
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lante em relação à sua linha de questionamento, evitando colocar idéias na cabeça do cliente. Muitos são sugestionáveis ou desejam agradar ao terapeuta, dando as respostas que eles acreditam serem as mais esperadas. Blackburn e Twaddle (1996) sugerem que, em vez de o terapeuta interpretar os pensamentos e os comportamentos do cliente, seu papel é o de levantar questões para que o cliente faça descobertas por ele mesmo – um processo de descoberta guiada. Esse questionamento socrático facilita o entendimento das crenças do cliente sem que ele se sinta ameaçado ou julgado ao se revelar para o terapeuta. Perguntas sobre evidências a favor e contra aquele pensamento específico, se existem explicações alternativas, o que de pior ou de melhor poderia acontecer, quais as vantagens e desvantagens de continuar com ele, são formas de avaliar a validade e a utilidade dos pensamentos. A técnica de distanciamento, por meio da qual o cliente imagina que uma situação idêntica está acontecendo com um amigo e que ele o está aconselhando, possibilita a aproximação com argumentos opostos às suas crenças. Recursos que facilitem outras perspectivas acabam sendo poderosos instrumentos de mudança. A técnica de busca de interpretações alternativas envolve uma investigação ativa de outras interpretações ou soluções para os problemas. A primeira interpretação não é necessariamente a melhor, mas muitos clientes prendem-se a ela como se assim fosse acurada. Essas idéias ganham força e nem sempre é fácil mudá-las. Ao contrário, muitas vezes essa interpretação inicial é a pior delas, e os clientes precisam aprender a aguardar até que novas evidências ou informações sejam obtidas. Costumo lembrar aos clientes que os pediatras, ao serem acordados por mães aflitas com a febre alta dos filhos, respondem a elas que terão de aguardar até que algum outro fato apareça e eles possam suspeitar de amigdalite ou catapora. O cliente é orientado a registrar a situação e sua interpretação quando sentir emoções
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negativas, por exemplo. Procurará encontrar pelo menos algumas outras interpretações para o mesmo evento, porém também plausíveis. Então, o terapeuta ajuda-o a avaliar qual das interpretações tem mais evidência objetiva que a sustente, usando mais a lógica do que as impressões subjetivas. A técnica de reatribuição é empregada quando o cliente não atribuiu realisticamente ocorrências negativas à sua deficiência pessoal, seja por falta de habilidade ou esforço. Beck e colaboradores (1979) enfatizam que o objetivo não é isentar o cliente de responsabilidade, mas definir a gama de variáveis que contribuíram para aquele evento. Um gráfico em forma de torta provê um auxílio visual de todas essas variáveis e as proporções de influência que tiveram naquele resultado. Mudanças cognitivas mais significativas envolvem reformulação das crenças subjacentes e centrais do cliente, uma verdadeira revolução em seu paradigma pessoal. Burns (1980) faz uso da técnica da flecha descendente a partir de pensamentos automáticos que parecem diretamente derivados de crenças relevantes a serem trabalhadas. O terapeuta faz perguntas sobre o sentido daquele pensamento supondose que seja verdadeiro: “Se isto fosse verdade, então?...”, “O que há de tão ruim em...?”. Perguntas sobre o significado daquele pensamento para o cliente desvendarão crenças intermediárias; já perguntas sobre o que o pensamento sugere a respeito do cliente indicarão suas crenças centrais. McMullin (1996) afirma que as técnicas de contestação baseiam-se na lógica de que, quando o cliente discute repetidamente uma crença, esta se torna progressivamente mais fraca. As raízes dessas técnicas estão na filosofia: disputar, desafiar e discutir as idéias. As contestações são pensamentos que vão contra, que se opõem a uma crença irracional: “Isto não é verdade!”, “Ninguém aqui está prestando tanta atenção assim em mim!”. O terapeuta deve ajudar o cliente a produzir contestações que estejam calcadas em sua própria forma de ver o mundo, que sejam realistas e lógicas. O cliente deve encontrar seu repertório específi-
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co de contestações já que, sendo argumentos presentes na sua própria organização cognitiva, certamente elas serão mais efetivas. É preciso que se procure afirmações alternativas baseadas em evidências concretas: “É impossível estar sempre certo”, “Não se pode ser querido por todos”, etc. Cartões escritos podem funcionar como lembretes das afirmações a serem usadas em momentos de ativação da crença irracional. Ao trabalhar com as crenças centrais, a participação do terapeuta é muito mais persuasiva, dado que estas são mais rígidas, supergeneralizadoras e absolutistas. No entanto, as inferências do terapeuta devem ser consideradas como opiniões, e não como fatos. Beck e colaboradores (1979) alertam para o fato de que, quando ativada uma crença, o cliente processa informações que a apóiam, falhando em reconhecer e/ou distorcendo as informações que sejam contrárias. A sugestão de um trabalho conjunto de revisão das crenças mobiliza o terapeuta e o cliente em uma busca de crenças mais funcionais e menos rígidas. As perguntas nessa fase podem ser mais interpretativas, e não somente pedidos de informações extras sobre as situações. Estas devem desafiar as crenças, possibilitando a reorganização e a assimilação das evidências contraditórias. Por exemplo, o terapeuta pode perguntar diretamente sobre as crenças, pode formular perguntas que busquem alguma relação entre duas crenças, as quais possam conectar o passado com o presente, evidenciar contradições ou explicitar diferenças. CASO CLÍNICO A seguir, apresento um caso clínico e uma parte de sua sessão na tentativa de ilustrar algumas das técnicas discutidas neste capítulo. É importante salientar que se trata apenas de um fragmento de um processo em parte modificado. Teresa é uma mulher de 30 anos, que foi encaminhada para terapia com as seguintes queixas: medo intenso de estar infectada com
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o vírus HIV, apesar de testes com resultados negativos; história de ataques de ansiedade nos últimos meses disparados por desconfortos abdominais; comportamentos de verificação repetitiva de suas funções fisiológicas; dificuldade para manter atividade regular de trabalho e relações estressantes com a mãe e a irmã. A formulação de seu caso levou em conta fatos relevantes do passado, como ter sido considerada a filha inteligente, porém rebelde e difícil porque questionava os pais e respondia para eles. Sua irmã tinha uma história de internações por depressão, uso de drogas e, mais recentemente, AIDS, sendo considerada a filha coitada. Também tem um irmão que procurou ficar o mais afastado possível da família. Teresa destacou-se nos estudos, construiu um bom círculo de amigos, casou-se e teve filhos. A previsão de um dos pais sempre foi de que as coisas ruins que aconteciam à sua irmã seriam mais compreensíveis se acontecessem à Teresa. O outro progenitor parecia ter sentimentos contraditórios em relação às filhas, mas mantinha a idéia de que uma era a doente, que precisava ser poupada e cuidada, enquanto a outra era a que tinha condições de agüentar tudo. Teresa perdeu pessoas próximas por causa da AIDS. Em um de seus registros, a cliente anotou que, em um encontro recente com a irmã aidética, ela pensou: “Como ela está mal”, “E se isso acontecer comigo?”, “Eu também estou muito magra”. Sentiu muita ansiedade e culpa. Decidiu evitar contato com a irmã, ficou analisando obsessivamente suas próprias chances de ter contraído o vírus e sofreu desconforto abdominal. Anotou também que à noite se pegava lembrando da doença da irmã e das outras pessoas que morreram. Naquele momento, pensou: “Eu deveria ter sido e estar sendo mais solidária”, “Eu não posso estar bem e ela tão mal”, “Mais cedo ou mais tarde serei punida”. Sentiu novamente muita ansiedade e culpa. Não conseguiu dormir, ficou hipervigilante com seu corpo e chorou. Trabalhamos, então, com seus pensamentos e suas crenças.
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TRANSCRIÇÃO Terapeuta (T): Teresa, nas duas situações anotadas, você se sentiu muito ansiosa e culpada. Cliente (C): É. Eu me sinto assim o tempo todo, basta eu falar com a minha irmã ou lembrar os outros que morreram. T: E você fica checando se não há já algum sinal da doença em você, não é? C: Sim. Eu tomo conta principalmente do meu intestino, mas também do meu peso. Evito comer gordura e açúcar para não sentir nenhum mal-estar, nem ter diarréia. Mas acabo emagrecendo e isso também me preocupa... T: Nós já discutimos sobre o que é ansiedade e as estratégias que você tem usado para lidar com ela. Você tem treinado o relaxamento? C: Tenho, mas ainda não me sinto muito capaz de esperar a ansiedade baixar sem realizar minhas checagens. Tenho tentado pelo menos me concentrar em alguma outra coisa quando me pego vigilante. T: Bem, voltaremos a isso mais tarde. Vamos ver o que mais podemos compreender dos seus registros. Como tem sido para você ter uma irmã que você teve que internar várias vezes por causa da depressão e das drogas, teve que correr para evitar suas tentativas de suicídio, teve que agüentar suas agressões e agora tem que providenciar cuidados e dinheiro para seu tratamento? C: Ah!... Isso é terrível, porque me sinto mal de ver ela se acabando, mas o pior é ouvir ela ironicamente dizer que sou felizarda por não ter esses problemas. Então, eu fico realmente com medo. É como se ela estivesse rogando uma praga. T: Isso tem alguma relação com o que um de seus pais falava para você? C: Sim. Era como se eu merecesse passar por situações difíceis. Fico pensando se isso não vai acabar acontecendo mesmo. T: Por que é você quem merece? C: Porque eu respondia, não me sujeitava às ordens cegamente, não era boazinha como queriam no colégio. Apanhei muito. E o engraçado é que eu nem era tão rebelde como diziam: fumei maconha só uma vez, transei
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com pouquíssimos caras, destaquei-me nos estudos, cuido bem dos meus filhos... T: Então, parece-me que você está dizendo que realmente não merece. C: É. Eu, na verdade, sou muito mais certinha do que meus irmãos e amigos. Mas eu sou muito agressiva às vezes. Tenho raiva deles e não devia ter. Vou agüentando, mas, de repente, solto tudo. E também tem aquilo de eu não ter ficado junto daquele meu amigo quando ele estava morrendo. T: Mas você me disse que não sabia que ele tinha AIDS. C: Mas eu devia ter percebido. Ele emagrecendo, e eu fazendo comentários indelicados. No fundo eu sou má! T: E por isso você tem certeza de que acabará sendo punida? C: Sim. Algo de ruim vai me acontecer. T: Deixe-me ver se entendi. Você é má porque fica com raiva quando abusam de você e também porque não ajuda alguém que você não sabe que está doente?! C: Falando dessa maneira, parece mesmo absurdo. Mas é difícil não acreditar no que ouvi minha vida inteira. T: Talvez você possa começar a fazer sua própria avaliação de si mesma. C: Eu sei que tenho defeitos e qualidades como qualquer ser humano. Às vezes erro, às vezes não percebo as coisas... Eu sei disso, mas é difícil mudar. T: Claro que é difícil, mas não impossível. Você poderia, por exemplo, escrever algum lembrete para usar na hora em que se pegar pensando do outro jeito... C: É uma idéia. Vou experimentar. Já conhecendo Teresa há algumas sessões, estava ficando claro seu modo de funcionar. Suas crenças centrais são de que é má e egoísta; portanto, sem condições de ser uma pessoa de quem se goste. Se as pessoas gostam dela, no mínimo, é porque estão enganadas a seu respeito. Teresa também acredita que não se pode ser feliz em um mundo de dores sem culpa e que um dia as histórias se inverterão e algo de ruim acabará acontecendo com ela. Suas estratégias de controle das funções fisiológicas aliviam temporariamente as preo-
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cupações e a ansiedade de que algo de muito grave está ocorrendo ou virá a ocorrer. Ser exigente consigo mesma e desvalorizar-se também ajudam a diminuir a culpa por ter a saúde, o casamento, os filhos e a casa que os outros não têm. Por não ser assertiva, acaba fazendo para os outros coisas que, muitas vezes, não quer; por ficar com raiva de lhe pedirem favores com freqüência, confirma a crença de que é horrorosa por dentro. Poder compreender a relação entre suas crenças, seus sentimentos e seus comportamentos foi útil para Teresa. Além disso, orientoume nas sugestões de experimentos comportamentais que permitiam avaliar suas crenças, na linha de questionamento a adotar e na escolha de outras técnicas. A relação terapêutica era bastante amigável e de confiança mútua. No decorrer da terapia, mudanças foram sendo percebidas: suas crises de ansiedade diminuíram, e ela lidava melhor com essa situação; voltou a se alimentar normalmente; deu novo rumo a sua vida profissional; enfrentou algumas discussões com os pais; passou a dar mais limites à irmã e conversou com o irmão sobre as relações familiares. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como o próprio título do capítulo sugere, tivemos de selecionar, arbitrariamente, algumas dentre as múltiplas técnicas da terapia cognitiva, o que não foi tarefa das mais fáceis. Em cada livro, observamos uma variedade in-
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crível de técnicas sendo desenvolvidas por terapeutas cognitivistas do mundo todo. Muitas aparecem devidamente publicadas pelo próprio autor, e outras surgem a partir das adaptações feitas nas discussões com colegas. Por esse motivo, as referências exatas, às vezes, se perdem. É necessário que permaneçamos continuamente nos aperfeiçoando com a ajuda de manuais e compêndios de técnicas da terapia cognitiva, mas principalmente que não nos esqueçamos de usá-las com bom senso e criatividade, com perícia e sensibilidade, em um clima de encontro genuíno. Como verdadeiros terapeutas cognitivistas! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECK, A.T. et al. Cognitive therapy of depression. New York: Guilford Press, 1979. BECK, J. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 1997. BLACKBURN, I.; TWADDLE, V. Cognitive therapy in action. London: Souvenir Press, 1996. BURNS, D.D. Feeling good: the new mood therapy. New York: Avon Books, 1980. GREENBERG, D.; PADESKY, C.A. A mente vencendo o humor. Porto Alegre: Artmed, 1999. LEAHY, R. Practicing cognitive therapy. New Jersey: Jason Aronson, 1997. McMULLIN, R.E. Handbook of cognitive therapy techniques. New York: W. W. Norton & Company, 1996.
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5 Construtivismo e Prática Clínica da Rebiografia Narrativa Maurits Kwee
CONSIDERAÇÕES INICIAIS Este capítulo discute um método pósmoderno de reconstruir a história de vida pessoal do paciente, o qual ficou conhecido no construtivismo como rebiografia narrativa. A rebiografia narrativa é um método multifuncional, que pode servir como uma porta de entrada – ou uma avaliação – e como uma terapia em si. O procedimento consiste em duas partes entrelaçadas e mistas: uma patografia referente a um transtorno e uma biografia que forma o contexto dos sintomas. O princípio central, na maneira como tenho utilizado a rebiografia narrativa nos últimos 25 anos, é encontrar significado no sofrimento do paciente através de um empreendimento cooperativo. O significado do transtorno emocional é buscado em histórias, principalmente de relacionamentos em si mesmos e com as pessoas importantes de sua vida. O terapeuta é um coconstrutor que dirige as histórias contadas pelo paciente no processo criativo de descobrir, fazer, ponderar e concluir uma narrativa pessoal curativa. Com esse ponto de vista, as cognições, assim como a ideação irracional, são mais do que pedaços frouxamente conectados de informações digitais explícitas, palavras absolutistas e frases que precisam ser questionadas ou discutidas. São, também, padrões afetivos, co-
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erentes, inter-relacionados, auto-organizados e análogos de conhecimento tácito e de histórias. Uma história tão complexa é mais do que a soma de suas partes. A intervenção, portanto, não se concentra apenas nos níveis microscópicos, como de hábito na reestruturação cognitiva. Se indicado, o terapeuta também se empenha em uma mudança nos níveis macroscópicos, os quais contêm a história da vida emocional do paciente, de interações contínuas com as pessoas importantes em sua vida, inclusive consigo mesmo. Durante o processo terapêutico, as mudanças emocionais surgem ao conferir novos significados a velhas histórias. Em uma jornada de vida, habilita-se o paciente a descobrir novos enredos, contornos e motivos, bem como a construir histórias completas, sadias, abrangentes, coerentes, progressivas e estáveis. Ao criar um enredo, a verdade dos eventos do paciente em um determinado tempo e espaço ainda é, necessariamente, uma mistura de realidade e ficção. Através da técnica de reestruturação (dar novos contornos a velhas histórias), os motivos, os conflitos, os dilemas e as contradições podem ser reajustados ou aceitos de maneira benéfica. É a parte adaptativa e saudável do paciente que é invocada. Nessa perspectiva, os transtornos emocionais, que se apóiam em sintomas, na resistência ao tratamento ou na falta de motiva-
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ção, são todos vistos como modos funcionais de proteger a pessoa do perigo e preservar a sua integridade pessoal. A boa terapia é precisa. Uma sessão não deve conter testes psicológicos desnecessários, métodos demorados ou redundantes, técnicas sem utilidade, silêncios prolongados e quanto menos retórica melhor. Ela não requer que o terapeuta releve detalhes importantes, nem que deixe passar a profundidade em nome da brevidade, mas que toda intervenção diga alguma coisa. (Lazarus, 1997, p. 31)
UMA PERSPECTIVA PÓS-MODERNA O pós-modernismo é um ramo filosófico que surgiu do presente Zeitgeist na virada deste milênio, não sendo a concepção de um único teórico. Nas ciências sociais, uma perspectiva pós-moderna adotou o construtivismo, uma metateoria que contesta de maneira difusa as premissas tradicionais como o positivismo, a objetividade e o racionalismo. Conseqüentemente, na psicologia, as metáforas derivadas das ciências naturais foram substituídas por metáforas derivadas da história, da literatura e da biografia construídas com histórias. No pensamento narrativo, Verstehen (compreensão) é tão valiosa e legítima quanto Erklaeren (explicação). Tal noção torna adequado ter uma opinião intersubjetiva falsificável da realidade e seguir uma causalidade linear no contexto de um tipo circular de causalidade. As formas construtivistas de terapia que lidam com a construção de significado pelo homem como narrador estão progressivamente ganhando impulso e entrando em voga. Nesse campo de ação, a realidade é uma construção social relativa no que concerne ao contexto: cultura, pessoa, espaço e tempo. Os humanos são seres pró-ativos, complexos e auto-organizadores, que possuem a habilidade de comunicar-se através de mecanismos de feedback e feedforward. As pessoas são estruturas dinâmicas em desenvolvimento, que se encaixam para formar “todos” mais ordenados natural e socialmente e inseridos em sistemas hierárqui-
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cos. Os indivíduos constroem sua própria realidade criando e antecipando ativamente, e não apenas processando passivamente em um diálogo interno. A realidade é uma questão de fatos e representações cognitivas, assim como uma questão de experiências e significados subjetivos. Assim, uma terapia construtivista pode incluir uma abordagem racionalista-empiricista, cognitivo-comportamental, com suas técnicas comprovadas, freqüentemente necessárias no processo de livrar-se dos sintomas. Embora seja consistente com uma hermenêutica construtivista, uma mudança de foco para a aplicação de sentido e de significado não torna irrelevante a acumulação e a análise dos fatos. Tal busca por significado não é um substituto que permite ao paciente continuar evitando ou agarrando-se aos sintomas. Isso implica abrir novos horizontes para uma reavaliação de questões (não-comportamentais) muito diversas, como o simbolismo ou o significado dos sintomas, o desenvolvimento emocional durante a vida, as novas conceitualizações do self, os processos experimentais e inconscientes, a autoconsciência ou mesmo a espiritualidade. O construtivismo também pode fornecer ao terapeuta cognitivo-comportamental, e a outros terapeutas, a base para trabalhar na mudança da personalidade (Mahoney, 1993; Neimeyer, 1995). O pós-modernismo – inclusive o póspositivismo e o pós-objetivismo – é uma visão de mundo instigada por filósofos franceses, entre eles Derrida, Foucault e Lyotard. Tal perspectiva questiona os valores absolutos do positivismo lógico, da realidade objetiva e das generalizações científicas que vão além do tempo, do espaço e da cultura, implicando a relatividade, ou seja, a temporaneidade do conhecimento do cientista e a impossibilidade de saber tudo sobre alguma coisa. Ao contrário, enfatiza a utilidade (neopragmática) como um critério para a adequação do conhecimento científico. Ao incluir o modernismo como uma solução útil, porém insuficiente, para conceber a realidade, os pós-modernistas refutam a idéia moderna de que o progresso científico, e não o progresso tecnológico, virá de um maior conhecimento de como manejar o universo por si próprio. Como o conhecimento humano de-
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pende do contexto, do espaço e do tempo, ele é necessariamente interpretativo e inerentemente incapaz de desenvolver um mundo reconhecível. Não consideramos a realidade como um dado objetivo, subjetivo ou mesmo intersubjetivo, e sim como um processo complexo de construção cognitiva, social e cultural. Os processos cognitivos do indivíduo fazem uso do veículo sociocultural da linguagem, central em toda construção da realidade. Segundo Gergen (1982) e Gergen e Gergen (1988), as seguintes premissas são eminentes: 1. as representações substituem a realidade; 2. as representações são artefatos do grupo ou da comunidade social; 3. a reflexão irônica do self é central para lidar com as representações; 4. a ironia implica uma perda de fé na autoridade, mesmo na ciência, e uma abordagem pluralista dos valores humanos. O pós-modernismo e o construtivismo sugerem que a realidade está encarcerada em representações casu quo: redes sociais e individuais de linguagem e textos construídos. A realidade do indivíduo, definida como uma construção sociocultural e lingüística, deixa todas as possibilidades abertas para interpretações e valores coexistentes. A realidade dos seres humanos pode ser entendida como todas as suas experiências pessoais ditas ou escritas em um histórico ou um conjunto de histórias. Estas, portanto, refletem processos de construção, desconstrução e reconstrução de experiências significativas e idiossincráticas no tempo. Seus significados dependem do contexto e das interpretações de quem as conta, exatamente como no ditado “Pimenta nos olhos dos outros não arde”. Assim, não existem interpretações absolutamente corretas. A essência é dar sentido à construção de experiências significativas de eventos passados, presentes e futuros através da linguagem verbal e não-verbal e da comunicação pessoal. Tal abordagem permite que o psicoterapeuta não seja mais apenas um especialista de saúde mental, mas também – como Sócrates – um especialista na irônica sa-
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bedoria do não-saber (que é diferente de nada saber) (Kwee, 1982). A psicologia pós-moderna é iconoclasta quando rompe com os interesses fixos. A rebiografia narrativa é a reparação da história de vida emocional do paciente para tornar-se um todo coerente, o qual é mais do que a soma de declarações pessoais irracionais fragilmente conectadas. Não há crédito, por exemplo, em verdades eternas, leis passíveis de generalização do comportamento humano e prescrições metodológicas que esperam obter uma linguagem pura de observação. Ao contestar a visão de mundo do objetivista, o escopo epistemológico construtivista supõe que a realidade definitiva não será encontrada “lá fora”, mas sim – embora limitada pelo contexto e pelas fronteiras socioculturais – construída dentro da pessoa através da comunicação pessoal. O conhecimento tácito (não-consciente e não-verbal) também é considerado um processo de organização importante do saber e da existência. O processo construtivista é um arco circular auto-reflexivo, incluindo uma função linear, em vez de uma função linear, indicando que toda percepção é uma construção criativa. Construir uma realidade aceitável das experiências de vida de uma pessoa é um processo criativo e heterogêneo que enfatiza as diferenças e as distinções, assim como as semelhanças e as analogias. Isso exige uma metodologia nãolinear ou uma lógica não-aristotélica, que permita várias construções mutuamente não-exclusivas ao mesmo tempo. Como seres autoreflexivos, os humanos são capazes de vincular o tempo através da reflexão sobre os eventos e de catapultá-los do presente para o passado (e vice-versa) e do presente para o futuro (e vice-versa). Uma questão relevante na psicoterapia é a construção de inferências sadias nas realidades clínicas que só podem ser interpretações arbitrárias, imagens subjetivas ou opiniões pessoais. Se, no estudo da experiência humana, o observador não puder ser separado do observado, há de se assegurar um mínimo de sanidade. Como abstrair de maneira sadia quando as possibilidades são inúmeras? Pelo menos duas ordens de realidade no processo de abstração podem ser diferenciadas em qualquer reação emocional. As primeiras or-
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dens são as percepções silenciosas e as descrições objetivas do observado. As segundas ordens referem-se às interpretações e às avaliações, principalmente dos significados que atribuímos às coisas ou aos acontecimentos. É no domínio dessa segunda ordem que surgem os problemas emocionais e relacionais. A terapia, então, é a arte de aplicar o relativismo ao substituir uma construção inadequada da realidade por outra melhor. Um procedimento é remodelar a visão de mundo do paciente, fornecendo novas experiências comportamentais, afetivas e cognitivas significativas. Embora a nova visão de mundo ainda seja uma outra construção passível de avaliação, ela é, no mínimo, menos dolorosa (Korzybski, 1933; Watzlawick, 1992). CONSTRUTIVISMO E PSICOTERAPIA Várias escolas e abordagens terapêuticas diferentes podem ser agrupadas sob o título de novo olhar de um modelo construtivista metateórico. Sob esse ponto de vista, o paciente é considerado um ser pró-ativo e auto-organizado que vive em uma sociedade pluralista de espaço cibernético, consumismo, mobilidade, democracia, liberdade religiosa, enfim, um oceano de opiniões e valores. As crenças tradicionais começam a estremecer, e há uma tendência crescente que põe em risco os interesses socioculturais fixos. Assim, mesmo o conhecimento científico é considerado produto de um contexto, isto é, um determinado tempo e espaço na história cuja influência depende da ideologia e das práticas dominantes. Vivemos em um multiverso de muitas visões de mundo possíveis, enquanto o universo bem conhecido está desmoronando (Maturana, 1988). Os psicoterapeutas podem precisar de uma abordagem que ajude o paciente a desenvolver e construir suas porções modeladora e construtora de significados. Segundo Neimeyer (1993a; 1995), há quatro abordagens construtivistas à prática clínica, as quais compartilham o objetivo de um estilo criativo, reflexivo e exploratório de trabalhar, em vez de um estilo corretivo, pessimista ou diretivo. Tais abordagens são:
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1. terapia do constructo pessoal; 2. terapia construtivista familiar; 3. terapia cognitiva estrutural-evolucionária; 4. terapia reconstrutiva narrativa. A teoria do constructo pessoal de George Kelly considera a terapia uma ciência pessoal. Invocando a metáfora de Korzybski (1933), ele afirma que as pessoas desenham mapas para delimitar o território. Elas são como cientistas que (in)validam suas hipóteses e acabam por revisar e atualizar seus mapas a fim de encontrar a evidência de um mundo em constante mutação. Essa visão é semelhante àquela de Jean Piaget (1973), um construtivista avant la lettre, que estava convencido de que as pessoas nunca conhecerão a realidade como ela realmente é, mas somente como é percebida. As crianças não formam primeiro um modelo representativo do mundo, e sim criam ou inventam a realidade através da exploração, da realização e da ação. As estruturas cognitivas são continuamente (re)construídas através de uma interação dialética entre os processos de acomodação e de assimilação que se contrabalançam. Da mesma forma, Kelly (1955) argumenta que os indivíduos constroem uma compreensão do mundo pessoal significativa através do contexto e também de descrições estruturadas e basicamente duais do mundo (por exemplo, bom/mau, bonito/feio ou sucesso/fracasso). Modelar e acentuar diferenças contrastantes pode ajudar a estabelecer o significado. O homem como cientista tenta dar sentido, ordenar ou prever experiências pessoais e sistemas unitários complexos através da experimentação comportamental, assim como na técnica do papel fixo (DelMonte, 1989). A terapia construtivista familiar começou a surgir nos anos 80, como uma reação à abordagem à terapia familiar da teoria dos sistemas. Recentemente, vários autores criticaram a metáfora da família como um sistema autoestabilizador e a noção de que os sintomas preservam a homeostase (Dell, 1985; Hoffman, 1985; Goolishian e Anderson, 1987). Ao invés disso, um processo recorrente no qual todos os
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participantes influenciam-se mutuamente é iminente. Não é o sistema que cria o problema, e sim o problema que constrói o sistema. Pelo fato de que nesse ponto de vista as observações não são independentes do observador, a cognição substitui o comportamento como o foco central de atenção. Portanto, o objetivo da terapia familiar tornou-se a linguagem: a exploração verbal e não-verbal orquestrada de significados e constructos sobre as pessoas envolvidas. Uma característica importante dessa abordagem é a elaboração de uma conversação na qual o terapeuta é participante caracteristicamente neutro na família, o qual testa as hipóteses pelo questionamento circular e, ao proceder desse modo, revela um caleidoscópio semântico de significados. Com base na construção social da realidade, isso vai além da analogia cibernética. Uma forte corrente do construtivismo está crescendo na tradição cognitiva comportamental. Mahoney (1988; 1995b) observou que muitos terapeutas cognitivistas querem ser vistos como construtivistas, em vez de racionalistas. Aparentemente, proponentes supostamente racionalistas e objetivistas revelam-se construtivistas. Meichenbaum (1992; 1993) descreve três análogos principais para explicar o papel da cognição na mudança comportamental. A revolução cognitiva nos anos 70 iniciou uma evolução no trabalho que começou com o condicionamento como a metáfora-guia. As leis de aprendizado, encontradas nos estudos com animais, foram declaradas aplicáveis ao comportamento humano. A seguinte metáfora é o processamento de informações: a mente é um computador que processa as informações e pode distorcer a realidade através de erros irracionais ou disfuncionais. A metáfora em nossa corrente é a construção da narrativa: os pacientes são arquitetos e construtores de sua própria realidade. Esta inclui a angústia emocional, considerada um processo de cura ao mesmo tempo adaptativo e reconstrutor. As crenças irracionais podem servir a um objetivo funcional. Uma corrente específica concentra-se no desenvolvimento estrutural reconstrutivo da personalidade, ocorrendo uma exploração dos primeiros estágios e dos relacionamentos emocionais intensos (afetos, vínculos). O terapeuta
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é um co-construtor que assiste a todas as mudanças relevantes da vida serem abrangidas na narrativa (Guidano e Liotti, 1983; Guidano, 1991). Tal terapia reconstrutiva narrativa flui de fontes como a psicologia clínica, evolucionária, social, cultural e perene (Kwee e Holdstock, 1996). O campo da hermenêutica, que abrange a interpretação das escrituras bíblicas, está relacionado a isso. Mais recentemente, também se refere ao estudo da experiência subjetiva ao ler textos sem cunho religioso. A psicologia narrativa (Bruner, 1990; Howard, 1989) e a hermenêutica (Messer, Sass e Woolfolk, 1988) podem lidar de maneira promissora com a construção de significados das histórias biográficas. O modelo de busca humana por entender as situações difíceis da vida implica especialmente a história contada pelos pacientes a respeito de seus sintomas. Uma implicação prática importante de tal analogia narrativa construtiva da cognição é que paciente e terapeuta podem colaborar na reparação reconstrutiva de tais narrativas. O terapeuta ajuda o paciente ao encorajá-lo a contar, alterar e finalizar as histórias carregadas de sentimentos. Ao contar novamente, o paciente constrói um novo mundo assuntivo, o que ajuda a explicar o significado pessoal de seus sintomas e torna concebíveis as etapas necessárias para a mudança (Meichenbaum, 1993). A escolha de técnicas específicas pode seguir-se naturalmente a partir do conto abrangente e coerente recontado. PSICOLOGIA NARRATIVA Um modo especial de construtivismo é a construção ou a narração de histórias, o qual pode ser classificado sob o título da psicologia narrativa, uma forma da psicologia cognitiva que, ao mesmo tempo, vai além dela. Ao importar uma visão narrativa, pode-se até falar em uma revolução contextual que começa a mudar o perfil da psicologia como um todo e inicia na psicologia cultural, social e da personalidade (Bruner, 1990; Gergen, 1982; Gergen e Gergen, 1988; Howard, 1989; Mair, 1988; Polkinghorne, 1988; Sarbin, 1986). A psicologia narrativa coloca as histórias contadas pe-
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las pessoas a si mesmas e aos outros no centro. As pessoas constroem suas maneiras de ver o mundo (realidade e significado) através de relatos narrativos, utilizados como diretrizes importantes para levar a vida. Isso sugere que a estrutura da vida humana toma uma forma narrativa. Tal perspectiva enxerga a personalidade, ou individualidade, como uma construção da história de vida, o transtorno emocional como um desvio da história de vida e a psicoterapia como uma reparação da história de vida (Howard, 1991). A psicologia narrativa considera todo pensamento organizado, inclusive a ciência, como uma forma de contar histórias. Segundo Howard (1991), as histórias que a ciência tem para contar não são necessariamente mais verdadeiras do que qualquer outra. Embora as histórias científicas sejam provavelmente as melhores análises que se possa fazer para explicar os relacionamentos de causa e efeito, as questões envolvidas no significado da vida não são resolvidas por meios científicos. Como Pavlov ou Skinner podem ajudar em assuntos como divórcio, aborto ou eutanásia? O conhecimento científico é insuficiente quando a sabedoria torna-se necessária. A abordagem narrativa das ciências humanas (doutrina do espírito) é menos conhecida do que a abordagem lógico-científica das ciências naturais (doutrina da natureza). As humanidades dão ênfase a uma organização narrativa do funcionamento cognitivo, o que difere qualitativamente de uma maneira de pensar de proposição abstrata (Bruner, 1990). O modo de pensar uma história baseiase nas imagens, na relatividade e nos análogos do hemisfério direito do cérebro, ao passo que a ciência exata confia no raciocínio digital do hemisfério esquerdo do cérebro (Vitz, 1990). Esses dois modos de pensar são irredutíveis um ao outro, embora seja um ideal do clínico misturar o conhecimento do cientista com a sabedoria do profissional prático. Essa é a melhor garantia de que se pode responder a perguntas tão difíceis quanto o modo como as pessoas devem viver suas vidas. Como diz Mair (1988, p. 127): Nós vivemos as histórias e através delas. Elas evocam mundos. Não conhecemos o mundo a
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não ser como um mundo de histórias. As histórias trazem informações à vida. Elas nos unem e nos separam. Nós habitamos grandes estórias da nossa cultura. Vivemos através das histórias. Somos vividos pelas histórias de nossa raça e pátria.
A sabedoria sobre nós mesmos é perceber os temas e os enredos de nossas próprias narrativas e de nossos papéis como protagonistas. Nessas narrativas pessoais, o significado tornase conhecido no contexto em que as histórias de eventos significativos ocorrem. Uma história sempre inclui um cenário e personagens com suas ações, intenções e emoções específicas em um determinado tempo e espaço (Bruner, 1990). Quando uma pessoa organiza sua vida como uma história, torna-se necessária uma reconstrução de experiências. Dessa maneira, o paciente junta as peças e forma um todo significativo. Na verdade, é isso que acontece também quando apreciamos um filme, uma peça de teatro, uma novela, um romance ou até mesmo um gibi. Os livros religiosos atraem por conter histórias significativas, que servem como diretrizes a seus adeptos. A existência humana tornase compreensível quando concebida como uma história em desenvolvimento. Alguns autores (McAdams, 1995) sugerem que a identidade de uma pessoa – ou devemos dizer sua alma? – é igual à história de sua vida. A qualidade de uma história de vida depende da coerência, da consistência, da clareza, da pungência e do impacto emocional. De um ponto de vista psicológico narrativo, a psicoterapia é uma arte, tal como preparar o vinho. Qualquer bom artista combina a vocação artística com as habilidades técnicas. Tal combinação é necessária desde o começo, quando o paciente conta sua história: esta é saudável ou doentiamente condicionada? No caso de problemas profundamente instalados, indica-se um reparo narrativo total, que também se aplica quando a história de vida contém elementos constrangedores, bloqueadores, limitadores, de negação ou outros que desqualifiquem o indivíduo, prejudicando sua integridade. O diagnóstico da narrativa é um processo dinâmico e deve continuar até o fim da terapia.
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Segundo Meichenbaum (1993), o reparo narrativo concentra-se na sanidade das metáforas do paciente. Por exemplo, qual o preço emocional que um paciente paga quando fala em “Não deixar pedra sobre pedra” ou “Me comer por dentro”? O terapeuta é um colaborador reflexivo ao ajudar o paciente a alterar as imagens autodestrutivas. As histórias dolorosas são reformuladas pela interpretação das reações anormais do paciente como sendo normais em circunstâncias angustiantes anormais. Ao contar e recontar, os pacientes gradualmente passam a compreender o significado de seus problemas, viabilizando, assim, as possíveis soluções. A recomendação é enfatizar a função dos sintomas e a capacidade do paciente de lidar com eles durante todo o processo narrativo. PACIENTES COMO NARRATIVAS A psicologia narrativa vê o paciente como homo fabulans (contador de histórias). O verbo narrare, do latim, significa contar uma história, representar o que aconteceu, retomar, recuperar ou restabelecer. O protagonista, ou seja, o paciente, conta algum fato normalmente do passado. Portanto, é sempre uma reprodução inferida pela interpretação de quem conta a história. As histórias contadas em terapia geralmente não são registros de observação objetiva, mas reconstruções de um acontecimento carregadas de sentimentos. Por isso, a definição de uma história tem várias facetas. Nesse contexto, o interesse é por histórias irrestritas, idiossincráticas e emocionalmente carregadas – reflexões de indivíduos que procuram alívio para seu sofrimento emocional. De certa forma, os pacientes são a própria história, textos personificados que precisam ser compreendidos como um poema (Gergen e Gergen, 1988). As histórias contadas pelo paciente normalmente são fragmentadas, desordenadas, incompreensíveis, fatais, absurdas, frustrantes ou apenas muito tristes, pois, do contrário, não haveria a necessidade de consultar um terapeuta. Muitas vezes, o paciente conta histórias unidimensionais, restritas, incoerentes demais para serem ouvidas,
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a não ser por um terapeuta. Dar ao paciente a oportunidade de contar é conceder-lhe um espaço para respirar de maneira socialmente aceitável. Os pacientes já tentam criar ordem nas realidades construídas por eles ao criar coesão de tempo e espaço em suas versões altamente subjetivas dos eventos significativos. Ao contar a história toda, o paciente torna-se um ator que participa ativamente de sua própria história de vida e começa a dar sentido fora do infortúnio, criando assim um texto falado ou escrito. Se algum texto necessita ou não de cura, isso depende da avaliação que toma a forma de análise de texto. O método de análise de texto é a hermenêutica (do grego hermeneuin, que significa “explicar”). A leitura heurística (do grego heuriskein, que significa “encontrar”) precede o processo hermenêutico. A forma de ler ou ouvir do terapeuta está voltada para a exploração das representações mentais da realidade, ou seja, dos fatos do paciente. A hermenêutica encontra e coleta as ambigüidades, as lacunas, os paradoxos, as excentricidades e as peculiaridades idiossincráticas, reunindo-os para formar um todo coerente, significativo, que faça sentido. Por exemplo, fazendo perguntas como: Qual é a história de um sintoma em particular? O que esse sintoma significa? Qual é o seu contexto? Onde se situa? Onde se apóia? Qual é a sua implicação interpessoal? O que isso simboliza?, etc., o terapeuta vive dentro do paciente para personificar sua narrativa. Originalmente, a hermenêutica é a especialização na interpretação das escrituras sagradas. Porém, foi recentemente ampliada para o estudo de textos seculares. A pergunta essencial é: Como a interação do leitor com o texto cria uma rede única de significado? O leitor moderno alude ao fato de o significado residir no texto e estar à espera de ser decodificado pela leitura objetiva. O leitor pós-moderno desafia os limites entre a leitura subjetiva e objetiva. A hermenêutica requer a participação ativa do leitor para estar dentro do texto e ter liberdade para entender seja lá o que for texto (Mahoney, 1995b). É preciso ter uma compreensão do círculo hermenêutico, um processo cognitivo que opera dialeticamente e que
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requer que as novas partes sejam incorporadas nos todos existentes. Segundo Gonçalves (1995, p. 202), uma alternativa hermenêutica desenvolve-se: (...) de uma textualização baseada na escrita e no escritor para uma textualização baseada no ato de escrever; de uma individualidade baseada na distinção do sujeito/objeto para uma individualidade baseada no projeto; e da epistemologia e ontologia baseadas no absolutismo e relativismo para uma alternativa dialética.
O terapeuta é um co-construtor que representa o contexto social da história do paciente e que está interessado naquilo que está oculto. Ao usar táticas não-lógicas (associando, calcando, usando evasivas, invertendo, fantasiando, simbolizando), terapeuta e paciente buscam descobertas, significados outros que não aqueles que trouxeram o problema. Como esse processo depende de descobertas inesperadas, descobertas casuais ou golpes de sorte, tal conversa requer uma arte para a qual não há um protocolo preciso disponível. O paciente é a única pessoa que pode contar qual interpretação faz sentido às velhas histórias. Enquanto explora as lacunas no texto, o paciente descobre os novos significados. Dessa forma, a terapia torna-se a reconstrução do cenário da história de vida, uma narrativa na qual o paciente é um texto personificado para ser entendido, no final, por ele próprio. Como já comentava Hegel no século XIX, um self individual não pode existir antes da interação dialética com outros indivíduos. Em outras palavras, a terapia, como um processo dialético entre paciente e terapeuta, é um pré-requisito para construir uma narrativa pessoal curativa. A NARRATIVA PESSOAL CURATIVA A narrativa pessoal é um termo cunhado por Hermans e Hermans-Jansen (1995), cuja metáfora baseia-se nos trabalhos de James (1890), Pepper (1942) e Sarbin (1986). Nos estudos do self, James (1890) fez uma distinção entre o “Eu” subjetivo que vive a experiên-
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cia e o “mim” (“meu”) objetivo que o explica. Sarbin (1986) explica esse ponto ao criar uma metáfora do “mim” como o ator e do “Eu” como o autor. Assim, o “Eu” constrói uma história através do espaço e do tempo, enquanto o papel principal é representado pelo “mim”. Este interage com outras pessoas significativas, como o meu marido, a minha mãe, o meu amigo, o meu vizinho, etc., antagonistas que fazem parte de mim. Esse “mim” que reconta a experiência do “Eu” é capaz de justificar retoricamente por que alguma coisa foi necessária. Aqui, o porquê não se refere à causalidade, mas sim às razões psicológicas, morais e sociais. O “mim” é também capaz de ligar-se ao tempo, como se apontando para o futuro. Parafraseando Bruner (1990), quando alguém diz “Eu sempre fui uma criança muito valente”, esse resumo do passado pode ser tomado como uma profecia para o comportamento futuro. A narrativa pessoal implica um self que dialoga, que utiliza a conversa consigo mesmo, pressupondo uma relação entre “Eu” e “eu mesmo” (“mim” ou “meu”). Essa conversa interior é análoga à conversa externa ao contar a história, a qual sempre envolve alguém que conta e alguém que ouve em uma interação dinâmica. Segundo Watkins (1986, apud Hermans e Hermans-Jansen, 1995, p.10), as conversas imaginárias formam uma grande parte de nossas construções narrativas: Mesmo quando estamos visivelmente em silêncio, nos pegamos nos comunicando com nossos críticos, nossos pais, nossa consciência, nossos deuses, nosso reflexo no espelho, a foto de alguém de quem sentimos saudades, uma imagem de um filme ou de um sonho, nossas crianças ou nossos animais de estimação. Quando planejamos visitar nossos amigos, na verdade, nós os vemos e ouvimos em nossa imaginação antes de encontrá-los e, quando partimos, narramos partes da conversa. Certamente, as interações imaginárias têm forte influência nas interações reais.
Em virtude da natureza histórica da narrativa, contar uma história combina fato e ficção. Só é possível entender eventos históricos em um contexto de espaço e tempo, invocan-
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do uma abordagem contextual ou de contextualismo (Pepper, 1942). Nessa metáfora, o mundo é imaginado como um fluxo contínuo e em constante mutação de vários eventos resultantes, todos intrinsecamente interligados. De acordo com o pensador contextual, os eventos têm várias causas. O foco está na síntese, em vez de na análise dos elementos distintos de um evento. O significado muda de acordo com o seu contexto. Um evento em particular pode ter diferentes significados no tempo, dependendo do narrador que conta a história. Contado como uma história, um evento é parte de um todo padronizado. O self vive em uma multiplicidade de mundos com uma multiplicidade de autores, cada um contando uma história relativamente independente sobre o mesmo “mim” em desenvolvimento. Um narrador pode até mesmo contar a mesma história com significados contrastantes em diferentes fases da vida. Fazer com que um paciente conte uma história originalmente triste de modo a se sentir integral é o que a narrativa pessoal curativa tenta alcançar. O processo terapêutico de dar sentido ocorre de uma interação dialética entre o paciente que narra e o terapeuta que interpreta. O terapeuta construtivista é um perito em histórias de vida e na tentativa de ajudar a discernir das narrativas funcionais e disfuncionais. Na maioria das vezes, o paciente apresenta uma história fragmentada, que é o reflexo do estado e da condição em que ele se encontra. Porém, conforme a história é contada e recontada, ele encontrará o enredo principal que a torna compreensível. DA PATOGRAFIA À AUTOBIOGRAFIA Quando perguntamos aos pacientes a razão de terem vindo à primeira consulta, eles respondem, sobretudo, contando sobre seus sintomas e suas queixas. Em minha prática, trabalho somente com pacientes que sofrem de algum transtorno, normalmente um transtorno de ansiedade que muitas vezes é acompanhada de depressão. O relato escrito ou oral de um paciente sobre um transtorno psicológico é chamado de patografia. A patografia
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não é isolada do contexto, pois faz parte da história autobiográfica do paciente ou da narrativa pessoal da história de vida. Ela se constitui em uma ordenação realizada pelo terapeuta da apresentação fragmentada feita pelo paciente de todos os sintomas envolvidos em termos topográficos e quantitativos. É necessário habilidade para classificar os sintomas apresentados de modo que sejam comunicáveis (APA, 1994). Como ligar a patografia à autobiografia? Entre elas, existe uma ligação multifuncional, que procura entender o significado de um evento em um fluxo de eventos dentro de um todo padronizado pelo espaço e pelo tempo. A metáfora central que faz a ponte entre as duas é a multifuncionalidade. Função é o termo usado para designar os inter-relacionamentos entre os fatores antecedentes e subseqüentes (como o velho esquema S-O-R) como a unidade básica da análise. Na agorafobia, isso pode representar, por exemplo: uma configuração de estímulo S (perceber a rua) e uma condição organísmica O (“Eu não posso desmaiar”) como o fator antecedente e um padrão de resposta R (medo e evitação) como o fator conseqüente. Os eventos autobiográficos angustiantes podem ser todos fatores antecedentes, ao passo que as condições patográficas são, na maioria das vezes, fatores conseqüentes. As conseqüências são mais con-seqüências que se tornam compreensíveis como uma função dos eventos históricos. A perspectiva contextual pode elucidar determinado sintoma como uma reação normal a uma situação anormal. Consideremos a compulsão por limpeza como função de um trauma de incesto ou a depressão como função de uma tristeza patológica. Dependendo de seu contexto, o significado de determinado sintoma ou de um evento da vida pode ser diferente para o mesmo indivíduo em períodos diferentes de sua vida (Mahoney, 1995c; Spaulding, 1995). Para conduzir uma terapia completa, os sintomas têm de ser entendidos no contexto de uma narrativa significativa. Por isso, as abordagens patográficas e biográficas são necessárias para entender o paciente completamente (Marx, 1990; Post, 1994; Verhulst e Tucker, 1995). As experiências centrais da vida que marcam a
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exacerbação dos sintomas podem fornecer os elementos necessários para construir uma narrativa da história de vida. Uma autobiografia escrita pode ser a preparação do paciente para uma narrativa oral contada na sessão de terapia. A autobiografia é um instrumento versátil e introspectivo que pode ser abrangente, tópico, estruturado, desestruturado ou uma combinação de algumas dessas características (Annis, 1967). Normalmente, a redação da autobiografia é dada como lição de casa. Caso o paciente não tenha habilidade suficiente de escrita, a autobiografia também pode ser gravada em fita cassete. Essa lição de casa é uma preparação para o processo dialético que ocorrerá na sessão. O terapeuta pede ao paciente para englobar uma ampla variedade de experiências pessoais, desde seu nascimento até o presente. Tal narrativa da história de vida deve ser abrangente e inclui assuntos específicos. Um tópico pode pertencer à autobiografia sempre que tocar uma das seguintes emoções: depressão, medo, raiva, tristeza, alegria, amor ou até mesmo silêncio (Kwee, 1996a). Pode ser um tema, um episódio ou um evento que apresente importância emocional, como, por exemplo, adoção na infância, trauma de incesto, medo de fracassar, medo de ser intimidado, primeiro beijo, desarmonia no casamento, estresse no trabalho, etc. Dessa forma, a patografia tornase incutida em uma autobiografia que deve ser transformada em uma narrativa pessoal coerente e estruturada durante o tratamento (Sommer e Osmond, 1983). A JORNADA DE VIDA A abordagem de uma história de vida requer uma narrativa cronológica com perspectiva evolutiva do tempo de vida e um conhecimento adequado da psicologia evolucionária. Paciente e terapeuta colaboram como peritos em seus respectivos domínios: viver experiências para o paciente, explicar para o terapeuta. O terapeuta oferece ao paciente novas possibilidades para responder e reagir com base em sua especialidade, em seu conhecimento clínico e teórico. Ao avaliar o contexto dos sinto-
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mas, todas as experiências emocionais significativas durante o curso de vida do paciente precisam ser examinadas minuciosamente. Existem várias metáforas para a história de vida, como, por exemplo, a metáfora das quatro estações, que sugere as várias fases do ciclo da vida. A metáfora raiz de uma jornada avança ao caminhar através dos relatos autobiográficos. Uma metáfora de jornada sugere que o paciente é um viajante e que o terapeuta é um acompanhante de viagem com as habilidades de um guia. Esses papéis implicam que a reconstrução da vida como uma jornada ocorre em uma outra jornada na psicoterapia. Conforme a vida evolui, são necessários novos mapas que sejam terapêuticos e que possam encaixar-se nos territórios em constante mutação (Carlsen, 1995). A metáfora de uma jornada é inclusiva e central para compreender a psicologia de desenvolvimento durante a vida de um indivíduo. Muitas outras metáforas úteis podem derivar desta, como mapa, itinerário, provisão, momento decisivo, barreira, penhasco, colina, deserto, oásis, destino, etc. (Mahoney, 1995b). É importante fazer uma distinção entre o curso da vida e o ciclo de vida em uma história de vida. Enquanto o curso da vida é uma construção idiossincrática do paciente, o ciclo de vida é a teoria do terapeuta sobre uma ordem subliminar daquele curso. Um ciclo de vida implica a idéia de seqüências passíveis de definição que completam o ciclo. Embora o curso da vida de cada indivíduo seja único, todos passam por transições evolutivas semelhantes durante a vida. Ao enfatizar o fato de dar significado, o terapeuta construtivista está interessado em identificar dores crescentes que ocorrem em qualquer história de vida. Lembrar eventos do passado abriga um processo implícito de esquecer. O terapeuta construtivista considera as defesas como um desvio necessário que o paciente tem de fazer para afastar-se do medo antes de poder retornar à estrada principal (Birren e Hedlund, 1987). As memórias esquecidas podem ser recuperadas ao longo de diferentes linhas, uma das quais é a teoria dos esquemas (Neisser, 1967). Vários esquemas foram estudados, como os
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esquemas interpessoais e afetivos e o esquema pessoal. Para entender o processo de relembrar eventos e experiências, os esquemas narrativos são compulsórios. Um esquema narrativo é uma forma superordenada de representação que tem a capacidade de estruturar, armazenar e abarcar experiências como um todo significativo. Como uma representação estruturalmente organizada de episódios importantes de experiências, um esquema narrativo contém inerentemente um tema ou um enredo. Ao reconstruir memórias como uma jornada de vida, um processo de rememorar é ativado (Russell e Van den Broek, 1992). O conceito de estrutura narrativa abre novos prismas para identificar o mecanismo de funcionamento da reestruturação narrativa que está pronta para uso prático. REBIOGRAFIA NARRATIVA O termo psicoterapia narrativa não é usado aqui para evitar a idéia de divulgar ainda outra escola de terapia. A identificação da reestruturação narrativa, semelhante à reestruturação cognitiva como mecanismo de funcionamento subjacente, torna compreensível a aplicação da rebiografia narrativa como uma técnica inovadora. O ecletismo técnico fornece uma estrutura adequada para incluir a rebiografia narrativa na prática do psicoterapeuta de qualquer escola. A rebiografia narrativa consiste em: 1. reunir a autobiografia do paciente por escrito ou gravada em fita cassete; 2. avaliar e identificar as verdades emocionais atuais ligadas aos fatos históricos; 3. encontrar metáforas, palavras-chave, imagens, fantasias, sonhos, etc., assinalando os significados pessoais ou interpessoais; 4. fornecer contexto, apontando os momentos psicológicos cruciais de deslocamento ou exacerbação dos sintomas;
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5. descobrir os elos perdidos e as lacunas, os eventos e as experiências que estão entrelaçados com os sintomas; 6. explicar que os sintomas são uma reação ponderadora para os eventos desequilibrados da vida; 7. reconstruir a história de vida, atribuindo novo sentido e significado a antigas histórias em um novo texto. Esses assuntos ocorrem em um processo gradual intricado, no qual aspectos sutis são entrelaçados e não podem totalmente ser separados. Tipicamente, as narrativas de uma jornada de vida contém uma série de crônicas sobre os eventos emocionais próprios e interpessoais. A aplicação da rebiografia narrativa requer diretrizes que o terapeuta respeita (White e Epston, 1990). Para começar, a narrativa da história de vida é uma história principal construída a partir de histórias menores. Uma narrativa conecta experiências através do tempo e do espaço, tendo começo e fim. Entre eles, existe um protagonista que se relaciona com vários outros antagonistas. Como ressaltado anteriormente, a narrativa apresenta um contexto e um desenvolvimento (um tema, uma linha, um enredo) que leva a um clímax, normalmente o início dos sintomas. A princípio, o paciente conta uma história incoerente e, muitas vezes, incompreensível. O processo de rebiografia é essencialmente uma reconstrução, de modo que o paciente reavalia e interpreta novamente as experiências do passado presentes ainda hoje. Durante esse processo de revisão, a ênfase está na: 1. personificação genuína das experiências únicas do paciente pelo terapeuta; 2. busca de uma relação entre os eventos em um determinado período; 3. exploração de todas as possibilidades e perspectivas concebíveis; 4. preferência de um estado de espírito condicionado (por exemplo, possivelmente, talvez, provavelmente, etc.);
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5. descoberta de detalhes ausentes, silenciosos ou não, declarados da narrativa; 6. busca de significado, oferecendo idéias para fazer sentido (por exemplo, a identificação); 7. liberdade de construir metáforas de interpretações múltiplas e de significados de múltiplos valores. Como observado por Guidano (1995b), a rebiografia narrativa lida com o relacionamento de toda uma vida entre o “Eu”, que tem a experiência imediata, e o “mim”, que explica simbolicamente. A reestruturação de uma memória é o resultado de uma mudança na avaliação feita pelo “mim” sobre o meu “Eu”. Como boa parte do material apresentado refere-se ao passado, o paciente pode persistir em explicações para esse fim gastas pelo tempo. O terapeuta, então, cria oportunidades para o paciente ao tomar uma posição exploratória, inquiridora e elaborada. Ele quer entender a dificuldade que surge para abandonar um antigo sentido familiar em troca de um novo significado desconhecido (Neimeyer, 1993). Construir envolve um aprendizado social, e ambos têm a novidade como inerente. Isso significa ver e ouvir alguém fazer ou dizer alguma coisa que antes não se podia penetrar. O feedback interpessoal é o mecanismo mais importante para implementar o aprendizado terapêutico (Lyddon, 1993). O feedback que chega é combinado com o rejeitado ou aceito e comparado, devendo, portanto, ser construtivo e compreensivelmente correto para o paciente. De um ponto de vista multimodal, há sete tipos de feedback resumidos no BASIC-ID, que contribuem para o processo de aprendizado durante a rebiografia narrativa: B – o feedback comportamental ou de representação encoraja o paciente a alcançar a eficácia pessoal; A – o feedback afetivo ou retirado da experiência capacita o paciente a apropriar-se de sentimentos esquecidos há muito tempo; S – o feedback sensorial ou empírico refere-se à evidência baseada em fatos e em testes objetivos;
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I – o feedback de imagens ou simbólico refere-se aos significados metafóricos fora da estrutura de referência do paciente; C – o feedback cognitivo ou conceitual abrange interpretações ou avaliações lógicas que o paciente não costumava ter; I – o feedback interpessoal oferece ao paciente uma nova experiência que contradiz os antigos padrões; D – as drogas representam o feedback que aponta as questões biológicas que lidam com a saúde, a doença ou os fatores provocadores de doenças. SINTOMAS COMO METÁFORAS Na verdade, não percebi que estava usando a rebiografia narrativa até ler a bibliografia disponível. Apliquei essa técnica inovadora em um ambiente individual de uma prática particular e em um ambiente de grupo como chefe de uma clínica de internos para terapia comportamental (do tipo multimodal) durante 25 anos. A rebiografia narrativa no segundo ambiente será descrita em seguida. O motivo principal ao aplicar a rebiografia narrativa é a reparação da história de vida emocional do paciente para tornar-se um todo coerente, o qual é mais do que a soma de declarações pessoais irracionais fragilmente conectadas. Começo reunindo todas as informações relevantes de forma verbal e escrita estruturada e desestruturada que se dá como um esforço cooperativo em um ambiente individual. De fato, a rebiografia narrativa já ocorre em várias sessões durante essa fase preparatória antes da sessão em grupo especial para a rebiografia narrativa. Peço ao paciente para escrever sobre sua história de vida emocional. Quando está pronto, faço uma entrevista/conversa de aproximadamente duas horas com ele e gravo em vídeo. Esse procedimento acontece em um grupo aberto com 18 pacientes e 6 colegas de trabalho (um psicólogo clínico, alunos de pós-graduação e terapeutas de acompanhamento que trabalham sob minha supervisão). Depois disso, uma cópia do vídeo – o produto mais concreto do tratamento – é dada ao paciente para assistir e avaliar em casa, por exemplo, com a
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família. Também é utilizada como base para futuros reparos terapêuticos e para fins de (re)construção e educação. A estrutura da sessão em grupo consiste em duas partes, cada uma com duração de 40 minutos. Entre essas partes, há uma sessão de feedback de 10 minutos, durante a qual os participantes do grupo podem falar, perguntar e compartilhar tudo o que quiserem. Na primeira parte, converso com o paciente sobre sua patografia ao mesmo tempo em que uso metáforas para ligar os sintomas aos seus problemas inter e intrapessoais. Na segunda parte, discuto a autobiografia e investigo todas as experiências emocionais significativas durante a vida do paciente. A sessão termina com um período de 30 minutos de feedback de compartilhamento, durante o qual cada participante do grupo tem de dar algo em troca. Começo a sessão perguntando ao paciente sobre os sintomas, que são a única razão para um paciente ser admitido na clínica. A maioria dos pacientes sofre de transtornos de ansiedade, principalmente transtornos obsessivo-compulsivos, pânico, fobias e depressões. Então, procuro delinear um esboço dos sintomas através de uma descrição formal guiada pelos critérios do DSM-IV (isso leva em torno de 20 minutos). Assim, um paciente pode sofrer de uma transtorno obsessivo-compulsivo relacionado a veneno. Uma visão geral metafórica implica no desmascaramento de todos os significados (inter)pessoais possíveis, como, por exemplo, o “sentir-se venenoso” implicando raiva. Um agorafóbico e um claustrofóbico que se sente capturado em todos os tipos de situação pode sentir-se prisioneiro no barco de Himeneu, implicando problemas conjugais. Uma pessoa deprimida desistiu de lutar contra os “golpes e espinhos da sorte ultrajante”. Tais (re)interpretações são apresentadas cuidadosamente para testar a receptividade para outros significados. O terapeuta nunca sabe mais ou melhor que o paciente, o qual tem a liberdade de rejeitar ou aceitar um significado. Aceitar sempre significa dar sentido aos sintomas. Em seguida, investigo os sintomas, examinando primeiro as conseqüências que podem obstruir o progresso terapêutico. Um sintoma é uma função de fatores antecedentes e conse-
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qüentes. Os segundos são as respostas emocionais e comportamentais em um modelo S-O-R cognitivo comportamental que prolonguei para um modelo circular. Concentro-me principalmente nos chamados ganhos secundários e primários. O ganho secundário inclui reações recompensadoras pelos membros da família que tentam ajudar, às vezes, ingenuamente. Por exemplo, controlando-se ou lavando as mãos compulsivamente pelo acompanhamento de um agorafóbico no ônibus ou fazendo compras para um paciente depressivo. O ganho primário ocasiona uma redução de reforço da tensão devido à fuga ou à evitação. Esses ganhos levam, em última análise, a uma generalização de condições de estímulos, ou seja, a um aumento nos antecedentes que evocam medo e depressão. Assim, um ciclo é estabelecido, o qual segue uma volta circular causal. A causalidade circular abriga características sistêmicas na qual a causa é o efeito e o efeito é a causa. Meus pacientes reconhecem e confirmam uma metáfora de ser pego em ciclos viciosos na maioria das vezes.1 Nos 20 minutos subseqüentes, observo de perto o momento psicologicamente mais relevante: o início dos sintomas, que pode ter ocorrido repentina ou gradualmente. No segundo caso, o paciente não está completamente consciente quando o transtorno começa. Um paciente pode contar uma história de ser perfeccionista antes de notar o transtorno obsessivo-compulsivo atual. Um paciente pode ter inclinações ansiosas antes de tornar-se agorafóbico. Outro paciente já se sentia triste antes de desenvolver depressão. É importante salientar que o terapeuta não procura fatos históricos, mas está interessado principalmente na importância emocional ligada a alguma cronologia. Se o início é repentino, um período da vida pode ser apontado freqüentemente, no qual os sintomas são desarticulados. Esse pode ser o caso, por exemplo, quando o paciente é estuprado, embora nunca tenha conhecido ansiedades antes. Contudo, as posturas bemdefinidas são mais excepcionais do que a regra. Um estupro pode ser incestuoso, precedido por uma puberdade difícil em casa e um longo episódio de intimidação na escola. Histórias aparentemente claras podem ficar con-
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fusas e tornar necessário perguntar o que, onde, quando, quem e como. A busca por antecedentes mais importantes utiliza a seguinte metáfora: os sintomas não caem do céu azul, eles são mais como ervas daninhas que crescem no solo fértil da miséria emocional, às vezes devido à capacidade inadequada de resolver problemas emocionais. Portanto, uma cura sólida deve, portanto, incluir a resolução de problemas de todas as enfermidades emocionais significativas. Sugiro que os principais problemas emocionais precedem ou acompanham o surgimento ou a exacerbação dos sintomas. As experiências emocionais menores estão aptas a serem a desarticulação do tipo gota d’água e, posteriormente, podem tornar-se fatores mantenedores dos sintomas. Os fatores de personalidade também podem não deixar clara a intensidade emocional de algumas dessas experiências de modo a se tornarem ocultas. Paciente e terapeuta podem chegar a um cruzamento perigoso aqui. O paciente defronta-se com a escolha por uma metáfora orientadora para os sintomas em relação aos eventos estressantes da vida. Apresentar os sintomas pode ser estonteante, de modo que os problemas emocionais subliminares permanecem ocultos na consciência. As reações defensivas continuam sendo problemas não-resolvidos ou insolúveis longe da consciência. Para transpor tais defesas, o terapeuta – um companheiro de viagem experiente – orienta o paciente fazendo uso de metáforas. Minhas metáforas favoritas são a torre de Pisa e o velho ditado “Não jogue fora os sapatos velhos antes de ter novos”. A torre de Pisa representa um prédio estável, porém torto, que pode desmoronar um dia. Ter sintomas é estar em um estado de equilíbrio instável: em pé, mas por quanto tempo? Restaurar é arriscado por muitas razões. A torre de Pisa, então, não será mais a torre de Pisa. Além disso, a restauração poderia destruir vergonhosamente o monumento. Não é rotineiro que o paciente aceite um novo significado, em especial quando encontrou um modus vivendi para conviver com seus sintomas mais antigos. Trocar os sapatos velhos por novos que apertam dificilmente é uma melhora. Portanto, o terapeuta estimula uma
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troca de narrativa descobrindo de forma criativa melhores perspectivas junto com o paciente, se ele muda o significado dos sintomas. Tal troca acontece normalmente quando o paciente pode entender sua patografia em um contexto biográfico. Para promover essa troca, inclui-se um período de 10 minutos de feedback. Todos os participantes do grupo ajudam o paciente a ver através de pontos cegos, discutindo, compartilhando, perguntando ou aconselhando. Após esse período de feedback, continuo a sessão estruturando os sintomas na autobiografia do paciente, o que acarreta incorporar os sintomas no contexto de problemas emocionais significativos durante toda a vida. Essa parte dura aproximadamente 40 minutos, durante os quais abordo os problemas inter e intrapessoais do paciente na ordem cronológica. Por exemplo, examino os relacionamentos entre pais e filho e entre irmãos quando os sintomas desenvolveram-se pouco depois de sair de casa. Quando os sintomas apareceram durante o casamento, reviso o comportamento do cônjuge e a criação dos filhos. Procuro examinar os vínculos significativos durante a vida do paciente. Entretanto, via de regra, ele não se socializa com mais de sete pessoas intensamente em um certo período de tempo. Outra diretriz que sigo é que as emoções sempre acontecem em uma relação, seja com outros (50%) ou consigo mesmo (50%). Para a maioria dos meus pacientes, ter um relacionamento consigo mesmo é uma nova esfera de ação. Explico essa metáfora dizendo que uma pessoa casase, em primeiro lugar, consigo mesma. Quem tomará conta de mim, como adulto, se eu não tomar? Quem escovará meus dentes? Quem me alimentará? Nós nos encontramos até mesmo em nossos sonhos. A comunicação pessoal entre o “eu” e o “mim” continua durante 24 horas por dia. Como uma conversa consigo mesmo inclui memórias, não existe nenhum tabu para discutir os eventos passados, uma vez que o paciente sente-se perturbado por esses eventos no presente. Concluo a rebiografia narrativa com um segundo período de feedback com duração de 30 minutos. A ênfase está no conselho – dado por todos os participantes do grupo – o qual
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pode tomar várias formas. Prefiro usar uma história “sábia” ou uma piada que contenha uma mensagem educacional como feedback de fechamento (uma coletânea de tais histórias e piadas pode ser encontrada em Kwee, 1996b; Kwee e Ellis, 1998). A DESCOBERTA DE SENTIDO Há muito mais a dizer sobre como conduzo a rebiografia narrativa, mas é impossível dizer tudo o que acontece durante essas sessões. Mais de 200 vídeos estão disponíveis para observar os detalhes de minuto a minuto. Uma sessão de duas horas pode não parecer especialmente longa para cobrir a vida toda de um indivíduo; porém, dependendo da habilidade do terapeuta e da cooperação do paciente, a técnica pode funcionar como uma panela de pressão. Aqui, descreverei alguns outros assuntos relevantes da hermeneuin, a descoberta do sentido ou do significado através da narrativização. Esse processo pressupõe uma visão dinâmica do significado que – por sua natureza relativista – estará sempre em movimento. Como terapeuta co-construtor, tento trazer à tona as verdades retiradas da experiência do paciente através do chamado diálogo socrático. Sócrates foi um filósofo grego que viveu no século V a.C. Ele divulgou a filosofia em que a sabedoria é, em essência, o “não saber”, diferente do não saber nada ou do ser ignorante. “Não saber” é admitir que cada um tem sua própria verdade, a qual somente pode ser conhecida por aquele determinado indivíduo. Sócrates foi o primeiro médico da alma que usou significados verbais como sua principal ferramenta. Ele estava muito além de seu tempo ao proclamar que a verdade é um conceito relativo dependente do contexto. Um diálogo socrático não se destina a justificar os dogmas de alguém, e sim a construir valores, o que é feito ou não é feito e a descobrir que nosso único saber é o “não saber”. Verdades absolutas não existem em um mundo cheio de contradições relativas; assim, diferentes narrativas sobre a verdade coexistem, dependendo do narrador (Overholser, 1993; 1995).
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Os sintomas são como uma cortina de fumaça que esconde uma vida emocionalmente desordenada. Através da rebiografia narrativa, tento integrar a patografia fragmentada, mantida fora da consciência, em um contexto autobiográfico. Traçar linhas entre os eventos e as emoções e os pedaços soltos das histórias é como construir um mapa que se encaixa em qualquer território em mutação. É impossível desenhar o mapa final. Os mapas servem como hipóteses a serem testadas. Por não ser o território, apenas ter o mapa não equivale a cruzar a distância. De onde vem o paciente? Onde ele se encontra agora? Onde encontrar seu destino? Embora a ênfase esteja na reconstrução da história de vida, a rebiografia narrativa não é somente uma narrativa pessoal, mas também um plano de tratamento implícito. Dessa forma, além da redução dos sintomas através da prevenção da reação, da exposição in vivo ou da programação de eventos agradáveis, outras medidas adequadas são freqüentemente prescritas. A prescrição depende dos problemas emocionais identificados no mapa ou no plano de tratamento. Uma perspectiva evolutiva pode revelar uma abundância de problemas: adoção indevida, homossexualidade latente, crise da meia-idade, tristeza patológica, desarmonia conjugal, etc. A rebiografia narrativa é uma estrutura epistêmica que busca um contexto para dar significado a partir dos sintomas, sem excluir a aplicação de técnicas comprovadas e empiricamente eficazes. Os terapeutas construtivistas não têm de ser cautelosos ao usar as técnicas, pois elas não funcionam por si mesmas: é o terapeuta quem faz algo com a técnica. TUDO ISSO IMPORTA? A rebiografia narrativa também encontra seu uso em ambientes individuais de pacientes não-hospitalizados. Essa aplicação requer várias sessões e é um tanto longa por natureza. Pode-se considerar que o procedimento para (re)construir uma história de vida ocorre através de pedaços e pode, portanto, abarcar todo um processo de terapia. A lição de casa é intensiva e pode tomar muitas horas do pacien-
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te, por exemplo, para preencher o Questionário Multimodal da História de Vida e para escrever sua própria história de vida emocional. Em um ambiente de grupo de pacientes internos como o nosso, a rebiografia narrativa acontece em uma sessão elaborada que funciona como um catalisador. Em um grupo de pacientes internos, a rebiografia narrativa acontece no final da décima segunda semana de um período máximo de admissão de 36 semanas, constituindo-se na estrutura para a terapia com pacientes internos. É um plano de tratamento que torna o sucesso da aplicação das técnicas possível e é, simultaneamente, uma técnica em si. O que forma a essência da minha abordagem é a combinação do processo dialético de dar significado criativamente e do ecletismo técnico. Assim, embora a rebiografia narrativa seja uma parte essencial, o tratamento completo consiste em mais intervenções. Lazarus (1989) descreveu 39 das técnicas mais usadas, todas praticadas em nossa clínica. Além dos grupos da rebiografia narrativa para o automonitoramento, são feitos treinamento de relaxamento, treinamento de assertividade e terapia racional emotiva. Esses grupos abrangem 50% das atividades, ao passo que os outros 50% consistem em sessões individuais diárias, mais a lição de casa. Durante essas sessões, utiliza-se toda a gama de técnicas multimodais, a maioria de natureza cognitivocomportamental. Todas as técnicas comprovadamente eficazes na pesquisa empírica são utilizadas, como a prevenção de resposta, a exposição in vivo, a programação de atividades, bem como as estratégias paradoxais, várias táticas de imagens e a técnica da cadeira vazia. Entretanto, a rebiografia narrativa foi mais profundamente elaborada em um ambiente individual após a sessão plenária ser considerada o guia para o tratamento completo. Qual é a eficácia de todos esses esforços? Uma pesquisa prospectiva de acompanhamento de minha abordagem multimodal de dar significado é uma maneira de fornecer uma resposta. Primeiro, conduzi um estudo de acompanhamento preliminar de nove meses, revelando que, de acordo com padrões rigorosos, a maioria dos 84 pacientes obsessivo-com-
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pulsivos crônicos e agorafóbicos teve um efeito saudável devido a essa abordagem. Subseqüentemente, um grupo de pesquisadores conduziu um segundo estudo de acompanhamento de até 10 anos (1982-1992) depois da alta hospitalar. Esse estudo foi mantido pelo ministério da saúde holandês e realizado por pesquisadores independentes. Um relatório foi publicado em Kwee e Kwee-Taams (1994) e é resumido a seguir. Naqueles 10 anos, eu e meus colegas (um psicólogo clínico, alunos de pósgraduação e terapeutas de acompanhamento) tratamos 153 pacientes. Essa amostra incluiu 97 mulheres e 56 homens com média de idade de 34 anos (SD 9). A maioria deles pertence a uma classe socioeconômica média baixa de trabalhadores com um nível médio de educação e de renda. Os diagnósticos que se aplicam a eles são: transtornos obsessivo-compulsivos (40%), pânico com agorafobia (27%), outros transtornos de ansiedade (16%), distimia (10%), outros transtornos (7%). A média de duração dos sintomas era de 10 anos (SD 7). Conduzo as sessões da rebiografia narrativa em grupos plenários. Cada paciente retorna duas vezes durante o período de admissão, após 12 semanas e pouco antes de serem dispensados. Para a maioria dos pacientes, esses dois retornos formam o clímax de todo o período de tratamento, cuja média de duração é de 6 meses. Além disso, conduzo outras duas sessões de grupos plenários semanalmente para avaliar o progresso de cada paciente. Um grupo alude à auto-observação, isto é, ao automonitoramento e ao auto-registro do fim de semana (que todos eles sempre passam em casa). Em outro grupo, discute-se a semana terapêutica. Todos os pacientes têm sessões individuais semanalmente com um psicólogo clínico, o qual conduz os grupos de terapia racional emotiva, os treinamentos de relaxamento e a assertividade. Os estudantes graduados e os terapeutas de acompanhamento, que servem de co-terapeutas, fazem sessões comportamentais puras diariamente. Sendo responsável pelo início e pelo término das entrevistas, senti a necessidade, desde o começo, de provar nossos sucessos e nossos fracassos. É por isso que a pesquisa de resultado e de acompa-
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nhamento tornou-se uma parte intrínseca da prática diária do departamento. O método no estudo de acompanhamento de 10 anos utiliza questionários para medir os vários alvos para a terapia de mudança. São eles: o Inventário Obsessivo-Compulsivo de Maudsley (Rachman e Hodgson, 1980); o Questionário do Medo (Marks e Matthews, 1979); o Inventário de Ansiedade de Estado-Traço (Van der Ploeg, Defares e Spielberger, 1980); o Inventário da Depressão de Beck (Beck et al., 1961) e a Lista-90 de Verificação de Sintomas (Derogatis, 1990; Arrindell e Ettema, 1986). Esses questionários são preenchidos na admissão e na alta, além de no acompanhamento, até 10 anos após a alta. A média do período de espera foi de 16 semanas e a média do período de tratamento foi de 27 semanas. O Índice de Mudança Confiável (uma versão de computador melhorada daquela projetada por Jacobson Truax) foi desenvolvido e aplicado por Hageman e Arrindell (1993). O efeito geral foi que 75% apresentavam uma melhora significativa quando receberam alta e 63% no acompanhamento de 1 a 10 anos após a alta. Respectivamente, 21% e 34% permaneceram sem mudanças, enquanto 4% e 3% parecem ter deteriorado. Em geral, o paciente que não obteve sucesso é aquele que encontrou um modus vivendi satisfatório com os sintomas ou que teve recaída na antiga maneira de conviver com os sintomas. Considerando a gravidade e a intensidade do estado crônico dos sintomas, além do fato de nossos pacientes não terem melhorado durante o período de espera, apesar da média de três tratamentos anteriores sem sucesso, tais resultados sugerem que o tratamento multimodal do paciente interno, as várias técnicas, as sessões individuais e em grupo, incluindo o auge do tratamento – a rebiografia narrativa – foi um empreendimento que valeu a pena. NOTA 1. Para uma descrição completa desse modelo circular, consultar Kwee e Lazarus (1996).
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6 Técnicas Selecionadas da Prática da Terapia Construtivista Simone da Silva Machado “Ser terapeuta é um desafio em si e para si próprio.” Michael Mahoney CONSIDERAÇÕES INICIAIS O contexto das psicoterapias cognitivas vem apresentando um trânsito de mudanças extremamente interessante, no qual a ênfase desloca-se da antiga disputa de paradigmas técnicos para um processo maturacional pela essência de cada aporte teórico, buscando, assim, um entendimento mais consistente do processo psicoterápico proposto por cada vertente clínica. Os estudos atuais apresentam questionamentos progressivos em relação à prática clínica, enfatizando a importância de um maior empenho no que tange à inter-relação entre manejo técnico e vinculação teórica consistente (Brunner, 1997; Feixas e Villegas, 1998; Ferreira, 1998; Mahoney, 1998; Miró, 1997; Baringoltz, 1998). Nesse cenário, pesquisadores e terapeutas cognitivistas concordam que, em prol de uma maior consistência científica, não podemos mais conceber uma prática clínica alicerçada somente em intervenções e estratégias técnicas. A problemática não está na intervenção ou na técnica em si, mas na utilização da técnica por parte de alguns terapeutas que desconhecem que ela está inserida em um contexto histórico-social e fundamentada em uma visão específica de ser humano.
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Alguns aportes técnicos não apresentam de forma específica a base ontológica e epistemológica à qual estão vinculados; algumas vezes, nem mesmo seus praticantes têm clareza da importância desses alicerces. Esse fato torna tênue os fundamentos que estruturam uma técnica, dificultando alterações que podem ser feitas na mesma e criando pouco espaço para profissionais gestores de novas idéias. É importante salientar que, ao utilizar uma determinada técnica, é fundamental que o terapeuta esteja ciente de que ela faz parte de uma rede de conhecimento que interliga ontologia, epistemologia, aportes teóricos, contexto histórico-social da díade terapeuta e cliente (Mahoney, 1998; Brunner,1997; Schabbel, 1999; Machado, 1999b; Guidano,1991), além de um processo comunicacional existente nessa relação (Stemberger, 2000). A técnica pela técnica não tem sentido, pois, sem um entendimento epistemológico, qualquer estratégia de intervenção enfraquece. É como um corpo anêmico, sem vitalidade. Por isso, no processo terapêutico, a técnica é apenas um meio intervencional, importante sim, mas não o principal alicerce do contexto clínico. Segundo Castro (1978), estratégia ou técnica é a ação metodológica de uma teoria. Esta, por sua vez, não existe sem uma base ontológica e epistemológica que a fundamen-
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te. Portanto, existe aqui uma rede indissolúvel: “ontologia & epistemologia & teoria & contexto histórico-social & contexto pessoal & técnicas”. Sendo assim, ao falarmos sobre técnicas psicoterápicas, estamos necessariamente falando da metodologia utilizada no processo terapêutico de uma pessoa, que está vivendo um determinado momento em sua vida e que experencia nesse contexto a inter-relação com a prática de uma teoria psicológica, juntamente com as diversas singularidades existentes na díade terapeuta-cliente, formando o que poderíamos chamar de rede de significados interativos e particulares.1 Essa parceria entre terapeuta e cliente poderá transitar por diversas intervenções técnicas; porém, sempre estará implícita nesse contexto a particularidade da rede à qual estão vinculados. Cabe aqui lembrar uma frase de Mahoney (1998), que diz não ser contra a técnica, mas sim contra a tecnocracia. A tecnocracia aprisiona o setting terapêutico e não oportuniza uma flexibilidade maior na díade terapeuta-cliente. Muitas vezes com a preocupação excessiva de estar aplicando bem a técnica, o terapeuta fica preso a comportamentos automatizados e repetitivos, reduzindo significativamente suas possibilidades interativas (Machado, 1999b). Surge então uma pergunta: como podemos utilizar os benefícios das técnicas, mantendo nossa capacidade de escolha, argumentação e respeitando essa rede de significados interativos e particulares? Talvez um possível caminho seja o de ampliar o conhecimento do terapeuta em relação à sua escolha teórica e técnica. Um conhecimento consistente e detalhado da teoria e do manejo técnico escolhido seguramente auxiliará o clínico em sua formação profissional. Entretanto, é necessário que essa formação seja aqui entendida como um fenômeno mais amplo do que apenas a reprodução de uma ação. Formar uma ação é ter a capacidade de realizar uma interlocução criativa e crítica com o conhecimento, e não apenas reproduzi-lo. Nesse prisma, a ênfase recai sobre a questão da escolha, pois compreender como escolhemos é o primeiro passo para fazermos escolhas consistentes. Metaforicamente, poderíamos dizer que um viajante primeiro
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decide se quer ou não viajar e só depois decide para onde viajará. De acordo com Guidano (1991), o observador não é imparcial em sua observação, pois sempre existe um processo de auto-referência na relação que se mantém com a realidade. Sendo assim, no intuito de ampliar seu conhecimento em relação à sua escolha teórica e técnica, o terapeuta deverá estar ciente de que em seu caminho os locais visitados deverão disponibilizar a possibilidade de interagir com os fundamentos de uma teoria psicológica, com os aportes técnicos da mesma e com os intercâmbios necessários entre os profissionais da área em questão. Simultaneamente a esse processo, deverá estar atento aos aspectos tácitos de suas escolhas e da própria escolha de ser um terapeuta (Abreu, 2000; Fernandez-Alvarez, 1992; Lamberto, 1998; Machado, 1999b; Mahoney e Neimeyer, 1997; Schabbel, 1999). Corroborando esse posicionamento, pesquisas na área de psicoterapia demostraram que a escolha por um determinado viés teórico está diretamente vinculada a elementos tácitos da personalidade de cada terapeuta (Mahoney, 1998; Schabbel, 1999; Baringoltz, 1998). Escolhemos um aporte teórico não porque nossa concepção de ser humano encaixase nos fundamentos centrais de uma teoria, mas sim porque os fundamentos dessa teoria vêm ao encontro de nosso entendimento de ser humano, ou seja, de nossa ontologia. Portanto, o centro dessa escolha é a própria pessoa; é o conhecimento de quem somos que nos alicerça para fazer essas escolhas. Teóricos e terapeutas construtivistas enfatizam a importância das questões epistemológicas e resgatam a compreensão da pessoa em uma perspectiva pró-ativa de desenvolvimento (Abreu, 2001; Fernandez-Alvarez et al., 1997; Gonçalves, 1995; Mahoney e Niemeyer, 1997; Fernandez-Alvarez, 1992; Guidano, 1991). A idéia de pró-atividade está ligada a processos experenciais, ou seja, a pessoa é entendida como um organismo integrado e em contínuo desenvolvimento. O terapeuta é uma pessoa e, como tal, deve estar ciente de sua escolha epistemológica e dos intercâmbios provenientes desta em sua prática clínica; ocor-
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rendo isso, a utilização de uma técnica estará bem fundamentada. Ao revisar a literatura referente às psicoterapias construtivistas, encontramos atualmente autores que integram de forma consistente esses intercâmbios, aliando criatividade a claros aportes teóricos no empenho de elaborar meios narrativos para alcançar fins terapêuticos. Com a colaboração desses autores (Feixas e Villegas, 1998; Greenberg, 1996; Guidano, 1993; Mahoney, 1998), estudos vêm sendo ampliados no sentido de auxiliar tanto o terapeuta quanto o cliente na observação sistêmica e sistemática dos processo pessoais do cotidiano. O método de corrente de consciência (Mahoney, 1998) é um exemplo desses estudos, pois nele o cliente é convidado a participar e a seu modo relatar os pensamentos, as sensações corpóreas, as emoções, as imagens, as lembranças de uma determinada situação ou do contexto de seu cotidiano. Nesse processo, a intervenção do terapeuta é mínima; ele participa apenas como um facilitador, utilizando quando necessário intervenções estilo feedback. Na prática construtivista, terapeuta e cliente entendem a linguagem como um processo comunicanional que vai além do ato de falar e é resgatado em toda e qualquer forma de expressão, seja ela verbal, gestual ou tácita. Esse entendimento está alicerçado em uma ontologia existencialista e em uma visão epistemológica de um ser humano essencialmente conhecedor. É na interação com seu meio fenomenológico que a pessoa significa e ressignifica constantemente seus valores e saberes. Segundo Kelly (1969), o ser humano é como um cientista que cria hipóteses sobre seu cotidiano, validando-as e invalidando-as durante toda a sua vida. No desenvolvimento humano, cada pessoa é narrador de sua própria história de vida, a maneira como ela interpreta e interage com as situações de seu cotidiano cria seqüências significativas e constitui um sentido de si mesma, enquanto protagonista de sua autobiografia. Baseados nesses conceitos, os terapeutas construtivistas organizam sua prática clínica, definindo como eixo central uma abordagem
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direcionada ao processo de desenvolvimento e conhecimento da cognição humana. A partir de uma perspectiva mais ampla do aspecto comunicacional, buscam favorecer uma sintonia com as questões tácitas, algumas vezes pouco articuladas no comportamento do cliente. Para Neimeyer (1998), diferentes linhagens ou tradições do construtivismo tendem a enfatizar abordagens levemente diferentes com relação à intervenção, sobretudo em nível técnico concreto. Como terapeuta e pesquisadora cognitivista, verifico que durante o setting terapêutico cada díade terapeuta-cliente organiza implícita (aspectos tácitos, rede de significados interativos e particulares) e explicitamente (foco de tratamento, técnicas utilizadas, tempo, etc.) sua forma de experienciar o processo psicoterápico. Esse contexto complexo está repleto de possibilidades de estudos e descobertas e cabe a nós – professores / pesquisadores, psicoterapeutas e estudiosos das inúmeras vertentes das psicoterapias cognitivas, bem como, das ciências da cognição – continuarmos empenhando nossos esforços conjuntos nessa trajetória de estudos. Acredito que nossa constante reflexão sobre esse cenário não nos levará a um patamar de saber único, e sim a um processo flexível, interativo e permanente de conhecimento, pois o saber não está e nem deve estar aprisionado em verdades absolutas. Saber é talvez a possibilidade e a capacidade de termos inúmeras possibilidades de continuar a perguntar. O PROCESSO TERAPÊUTICO EM PSICOTERAPIA COGNITIVO-CONSTRUTIVISTA Com o objetivo de tornar mais acessível o processo clínico aos leitores, elaborei uma explanação da prática em psicoterapias construtivistas fundamentada nos aportes teóricos dessa abordagem terapêutica e em minha experiência como terapeuta, professora universitária e supervisora clínica. Optei por realizar uma explanação feita na primeira pessoa; essa escolha não é apenas uma escolha gramatical,
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mas também uma escolha vinculada ao que anteriormente chamei de rede de significados interativos e particulares. Concordo com Mahoney (1998) quando ele diz que, ao informamos uma experiência terapêutica, não estamos colocando-a como uma única possibilidade, ou mesmo ditando regras exatas para a realização da mesma; apenas estamos descrevendo uma experiência significativa para nosso aprendizado enquanto pessoa e profissional. Como pesquisadora, acredito que é a interlocução dessa rede de significados interativos e particulares com o estilo próprio de cada terapeuta que dará os tons e os subtons que formarão o processo terapêutico. Sendo assim, cada leitor fará uso das informações de acordo com sua própria rede de significados interativos e particulares, transitando pela teoria e pelas técnicas a fim de poder acrescentar em sua prática mais questões a serem abordadas. Neste capítulo, apresentarei uma trajetória de psicoterapia individual com base na abordagem construtivista, considerando os processos experienciais de mudanças da cliente, bem como algumas das técnicas utilizadas nesse caminho terapêutico.
Os medos de Nice Nice2 buscou atendimento psicoterápico por indicação de seu cardiologista. Após meticuloso exame clínico, ele diagnosticou que as freqüentes crises de hipertensão e o mal-estar relatado pela paciente poderiam estar relacionados a um alto nível de ansiedade ou a contínuos períodos de estresse, já que organicamente ela não apresentava nenhuma patologia clínica no sistema cardiovascular. Os exames clínicos estavam normais para sua idade, na época tinha 35 anos, porém Nice relatava sentir vertigens, espasmos musculares, falta de ar, palpitações constantes, dores de cabeça e muita dificuldade de concentração. Com freqüência, apresentava um aumento em sua pressão arterial: 13/8 a 17/11. Em uma dessas crises, sua pressão chegou a 19/14, sendo imediatamente hospitalizada por dois dias, conforme prescrição médica.
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Antes de indicar um atendimento psicoterápico para Nice, seu médico realizou, durante seis meses, um acompanhamento clínico quinzenal no intuito de verificar seu estilo de vida, seus hábitos alimentares, suas rotinas ocupacionais (trabalho, estudos) e suas escolhas de lazer. Durante esse período, a história clínica da família da cliente também foi investigada e, segundo seu médico, não foi encontrado nenhum outro familiar com quadro de hipertensão ou mesmo problemas cardíacos. Simultaneamente a esse acompanhamento, foram prescritos dois medicamentos para o controle da hipertensão, além de outras orientações clínicas de rotina (dieta nutricional controlada, exercícios físicos com orientação de profissional de educação física, etc.). Mesmo com todos os cuidados clínicos, o quadro sintomatológico de Nice continuava oscilando, o que gerou questionamentos a ela e ao seu médico. Este, acostumado a um trabalho interdisciplinar, sugeriu, então, um atendimento psicoterápico. Na primeira consulta psicoterápica, Nice estava bastante ansiosa, demonstrava preocupação em descrever com clareza sua história e enfatizava as informações obtidas junto ao seu médico. Nesses momentos, relatava sentir palpitações, dificuldades de concentração e suor nas mãos, enquanto seus gestos eram tensos e, por várias vezes, inspirava profundamente a fim de respirar melhor. Durante sua narrativa, relatava medos constantes quanto ao seu diaa-dia; o tom de julgamento em relação à sua exposição verbal era evidente e, com freqüência, comentava que, na maior parte do tempo em que conversava com alguém, sempre falava de forma confusa. Ela repetia “Eu falo de forma confusa, sou difícil de me fazer entender”. Com o objetivo de diminuir sua ansiedade e proporcionar fluidez no vínculo terapêutico, comentei que até aquele momento eu estava conseguindo acompanhar seu raciocínio, percebia sua ansiedade, porém acreditava que ela estava sendo bastante clara ao expor as situações de seu cotidiano. Comentei também que, caso eu tivesse alguma dúvida, perguntaria a ela, uma vez que em uma conversa é necessário o investimento de duas pessoas – e nós estávamos fazendo isso.
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Ao fazer esse comentário, optei por utilizar uma intervenção estilo feedback, que proporciona um retorno clarificador ao conteúdo trazido pelo cliente e, ao mesmo tempo, torna mais consciente o conteúdo empático que transita no setting terapêutico. Essa intervenção pode ser extremamente facilitadora em situações de ansiedade, já que em momentos de tensão a capacidade de concentração e os processos de cognição tornam-se mais frágeis, dificultando a compreensão da pessoa sobre seu contexto. Acredito ser de vital importância que o terapeuta cognitivista tenha claro, ao fazer uma intervenção, qual o objetivo desta e quais os processos cognitivos que estão sendo mobilizados. Deve estar sempre atento à integralidade da linguagem do cliente, buscando compreender a narrativa como um todo significativo. No decorrer do primeiro mês de consulta com Nice, várias vezes utilizei esse estilo de intervenção, e percebemos que o processo dialógico tornava-se mais tranqüilo para ela quando essas intervenções eram realizadas. Algumas vezes, Nice utilizava-se desse feedback para explanar como tinha entendido algum comentário meu durante a consulta. Aos poucos, o vínculo terapêutico fortaleceu-se, e optamos por continuar a parceria interdisciplinar com o médico cardiologista, pois percebíamos que essa unidade poderia vir a auxiliá-la. Ao final do primeiro mês, concluímos que Nice apresentava índices alternados de ansiedade e medos em geral, mas ainda não caracterizavam nenhum transtorno psicológico de acordo com o DSM-IV. Conversamos sobre essa avaliação e optamos (terapeuta-cliente) por aumentar os exercícios de relaxamento muscular progressivo e introduzir a técnica de relaxamento progressivo sonoro (Machado, 1999c). A opção por essas duas técnicas ocorreu como resultado de uma consulta na qual a ênfase foi diminuir a ansiedade, utilizando durante essa consulta a estratégia de Resolução de Problemas. Nice obteve bons resultados nesse procedimento clínico. No terceiro mês de atendimento, o estado de ansiedade de Nice havia reduzido consideravelmente. A cliente tinha consciência dos pensamentos e das situações que a levavam a
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sentir ansiedade e medo, embora apresentasse durante a consulta as seguintes expressões: “Sei que não me sinto ansiosa ultimamente, mas parece que não posso me sentir assim”, “É engraçado pensar que eu sou corajosa (rindo um tanto quanto nervosa)”, “Às vezes, fico com uma sensação de será verdade isso…?”. Diante dessas indagações, sugeri a ela que escolhesse uma música que representasse o que vinha experienciando nesses momentos, gravasse em uma fita cassete e a trouxesse para a próxima sessão. A opção por esse procedimento ocorreu em função dos resultados positivos que a cliente obteve com o relaxamento progressivo sonoro e do seu crescente interesse por músicas. Sabemos que uma intervenção não se apresenta sozinha, sendo contextualizada e interligada às crenças e aos aspectos tácitos da díade terapeuta-cliente; sendo assim, estes devem ser os pilares nos quais se alicerçará a técnica. Após ter esclarecido detalhadamente na consulta os exercícios fortalecedores3, durante aquela semana, Nice escolheu em casa uma série de músicas. Na consulta seguinte, relatou que cada vez que ouvia uma delas era como se estivesse ouvindo parte de sua história de vida. Durante alguns encontros, constatamos que, tal qual a organização das músicas, a narrativa de Nice apresentava-se como um emaranhado de expressões, sentimentos e dúvidas. As músicas selecionadas eram de diversos estilos e, a todo momento que Nice comentava uma delas, eu percebia que era aberta uma rede mnemônica ligada à sua história de vida: não a uma etapa de vida em particular (a música não estava relacionada a uma situação), mas sim a um estado de questionamento sobre suas escolhas, suas expectativas e seus medos. Tomando por base a estrutura da teoria do apego (Greenberg, 1996) e a modalidade narrativa de intervenção (Gonçalves, 1998), sugeri que Nice transcrevesse todas as músicas para que posteriormente as lêssemos como se fossem cartas. A idéia era dar forma a essa narrativa, visualizar em que ponto começava, como era experienciada e onde se encontrava Nice naquele momento. Assim, ela teria uma oportunidade de tentar recontar sua história da maneira como a experienciou. Nice gostou da idéia e, conforme o combinado, trouxe as
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músicas transcritas; junto com as cartas, trouxe também uma fita gravada com uma nova seqüência musical, e na caixa estava escrito “Agora eu é que canto”. Comentei que havia achado bem sugestivo o nome e perguntei o que ela queria dizer com aquilo. Falou-me que, ao ouvir, transcrever e reler as músicas, foi organizando uma linha de vida – havíamos realizado uma atividade desse tipo em alguns encontros anteriores – e colocando as letras das músicas como percepções que tinha ao recordar determinados momentos. Nesse processo, Nice foi resgatando sua memória dos eventos, pois anteriormente sentia sua história, mas não conseguia ligar os fatos às percepções experienciadas. As “cartas” serviram como indicadores nessa caminhada e, quando resolveu gravar a fita na seqüência compreendida de acordo com sua narrativa pessoal, o efeito final acabou sendo muito interessante. A seqüência desarmoniosa e rígida que aparecia na primeira fita foi substituída por uma seqüência engajada, sonoramente bela e dinâmica; as músicas enlaçaram-se, formando um ritmo próprio, o qual ela chamou inicialmente de “os barulhos de Nice” (muito bem apropriado, diga-se de passagem, para a força que aquelas músicas representavam). Eram músicas intensas, com melodias fortes, organizadas como uma grande orquestra de instrumentos e vozes (sambas, rock, jazz, clássicos de Wagner que se alternavam harmoniosamente), representando toda a força de vida de Nice. Após trabalharmos mais algumas sessões nessa técnica, Nice renomeou sua fita, colocando uma faixa desenhada por ela mesma em cortiça com o seguinte dizer “Estilo Nice”. As técnicas de reconstrução de significados fundamentadas nos estudos de Mahoney e Neimeyer (1997), Kelly (1969) e Gonçalves (1998) foram utilizadas como indicadores no processo terapêutico de Nice com o objetivo de propiciar diferentes prismas de um cenário por ela tão conhecido (estado de ansiedade/ medo) e, ao mesmo tempo, tão pouco compreendido. No sexto mês de atendimento após contato com o cardiologista, verificamos – a tera-
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peuta, a cliente e o médico ou, como dizia Nice, “o trio” – que ela não apresentava mais sintomas de desconforto físico intenso, tinha a pressão arterial normalizada e mantinha um ritmo de vida saudável para sua idade (fazia caminhadas freqüentes, tinha uma alimentação saudável, praticava aulas de dança). Sendo assim, resolvemos concluir os atendimentos com o cardiologista. Nice continuava a utilizar os sons para exercícios de relaxamento e já mantinha uma rede de amigos e atividades que lhe dava muita satisfação. Quando em momentos de tensão ou mesmo de tristeza, comum a todos os mortais (grifo da cliente), costumava realizar os exercícios ou ouvir sua fita. Superado o constrangimento inicial das primeiras consultas, ela telefonava para mim e conversávamos um pouco; às vezes, até marcava algum horário. CONSIDERAÇÕES FINAIS A história de Nice, no decorrer desses 10 meses de tratamento, foi marcada por momentos importantes de serem relatados aqui. Inicialmente, em função do quadro clínico que apresentava, ela entrou em atendimento psicoterápico em busca de uma causa, já que seu foco era saber “Por que eu passo por isso?” (referindo-se à ansiedade e aos medos). No decorrer do primeiro mês de atendimento, o objetivo da terapia foi o entendimento e a redução desses momentos de angústia, bem como a segurança de que ela estaria acompanhada por profissionais que a percebiam como uma pessoa única, integral, e que durante o tratamento fariam uma parceria com ela. Essa abordagem fundamentou-se nos aportes da teoria construtivista, na flexibilidade que a mesma apresenta de podermos transitar por intervenções e técnicas de outras abordagens cognitivistas com o objetivo maior de contemplar o self integralmente. Em função do quadro físico e emocional apresentado pela cliente, optei como eixo central pela possibilidade de integração de duas vertentes técnicas: a resolução de problemas (terapia cognitiva) e o relaxamento progressivo (terapia cognitivo-comportamental), aportes
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técnicos que, a meu ver, são extremamente facilitadores nas situações em que a ansiedade está presente (Beck, Scott e Williams, 1994; Datillo e Freeman, 1995). Paralelamente a essas estratégias técnicas, durante os demais encontros o procedimento terapêutico foi estruturado nos aportes das teorias de reconstrução narrativa, corrente de consciência e teoria do apego, como já mencionado. No decorrer de sua trajetória terapêutica, a história de Nice foi sendo desvelada aos poucos e, em alguns momentos, de forma bastante sofrida. Descendente de uma família de imigrantes, ela fora criada com muitos dogmas a serem seguidos, pois a família tinha conceitos bastante rígidos em relação à educação e ao comportamento social. Quando criança, Nice era considerada muito agitada, estava sempre inventando brincadeiras, algumas delas bastante arriscadas na opinião de sua família (subia em árvore, fazia malabarismos de circo, contava histórias de fantasmas, dançava e cantava muito, etc.). Até os oito anos, tinha o apelido de Saci, porque, segundo ela, era “Um agito só dentro de casa, estava sempre rindo alto e inventando novidades”. Durante o processo terapêutico, Nice lembrou-se de ter apanhado algumas vezes, porém relatou que isso não lhe preocupava; o que realmente a deixava assustada era quando seus pais a silenciavam, havendo situações nas quais ficaram semanas sem falar com ela. Nesses períodos, experienciava muitos medos e fazia promessas do tipo “Nunca mais eu vou gritar”, “Vou parar de ficar saltando de um lado para outro”. Os anos passaram e realmente Nice não gritou mais – de uma certa maneira aprendeu a “engolir” sua agitação, sua alegria e sua descontração, começando a explodir internamente. E foi assim que ela chegou à terapia, fechada, com medos e com freqüentes momentos de ansiedade e desconforto. Foi através do contato com vozes, sons, ruídos e do conhecimento progressivo das sensações de seu corpo que Nice recontou sua história e pôde, finalmente, escolher entre parar de gritar internamente e começar a conversar em alto e bom tom consigo mesma e com o mundo.
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Na última consulta, Nice entregou-me uma fita com várias músicas gravadas e disse que havia feito uma para seu ex-cardiologista e outra para ela também, cada uma com músicas que diziam muito a seu respeito e como as vivenciou em seu convívio conosco. Ouvimos juntas a fita durante a consulta, e perguntei qual nome ela daria a essa fita. Nice sorriu alto e disse: “Estilo Nice em alta voz! Poderia ser diferente?”. Com certeza, respondi, não poderia ser outro nome. Finalizando este capítulo, gostaria de enfatizar que toda a iniciativa de estudos, pesquisas e reflexões sobre o processo psicoterápico seguramente fortalecerá o contexto científico das psicoterapias cognitivas se estiver alicerçada em quatro pilares: o conhecimento epistemológico, a reflexão crítica, o intercâmbio de idéias e a flexibilidade de opiniões. NOTAS 1. Considerando a necessidade de uma nomenclatura mais específica em relação aos aspectos: ontologia / epistemologia / teoria / contexto histórico-social / díade terapeuta-cliente/ técnicas, está sendo introduzida pela primeira vez no meio científico dos estudos em psicoterapia a expressão rede interativa de significados particulares. Cabe salientar que a temática em si já é bastante discutida entre os estudiosos das ciências humanas, bem como entre pesquisadores e terapeutas construtivistas (Mahoney, 1997; Fernandez-Alvarez et al., 1997; Guidano, 1991), porém não havia até o momento um vócabulo específico para a mesma. Sendo assim, o objetivo da presente nomenclatura é facilitar o intercâmbio entre profissioanis da área em situações em que esse tópico esteja sendo abordado. 2. Utilizou-se aqui um nome fictício a fim de proteger a identidade da cliente, a qual autorizou a descrição de sua história com o objetivo de ampliar os estudos em psicoterapias cognitivas. 3. Nomenclatura utilizada pela autora para indicar os exercícios extraconsulta, também denominados na terapia cognitiva de modelo Beck de tarefas de casa.
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PARTE III
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7 Fobia Social Mariangela Gentil Savoia
Na abordagem cognitivo-comportamental, a fobia social pode ser caracterizada como uma resposta de ansiedade intensa a estímulos sociais percebidos como aversivos. Os estímulos – como, por exemplo, falar em público – eliciam ansiedade social na maior parte das pessoas afetadas. A ansiedade social decorrente desses estímulos passa a ser patológica devido à ocorrência de comportamentos de fuga e esquiva, que impedem a pessoa de desempenhar seus papéis sociais satisfatoriamente. Isso pode ocorrer em uma grande variedade de situações de contato interpessoal ou de desempenho, ou mesmo ambas, acarretando sofrimento excessivo ou interferindo de forma acentuada no diaa-dia da pessoa. O medo que ela tem, na verdade, é de ser avaliada, de se comportar de um modo humilhante ou embaraçoso, persistindo sentimentos de incapacidade, desaprovação e rejeição por parte dos outros. Os critérios diagnósticos do DSM-IV (APA, 1994) para a fobia social incluem os seguintes exemplos: ser incapaz de falar ao se apresentar em público, engasgar-se com o alimento ao comer na frente dos outros, ser incapaz de urinar em banheiro público, tremer as mãos ao escrever em presença dos outros e dizer coisas tolas ou não ser capaz de responder a questões em situações sociais. Na maioria das vezes, o início do quadro ocorre na puberdade. Na população em geral, a incidência maior é sobre as mulheres; na população clínica, sobre os homens. Ainda hoje
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se exige do homem um certo arrojamento, ao passo que uma mulher tímida e recatada é mais bem-aceita; talvez isso explique a maior procura de homens para tratamento. Problemas com álcool são citados em alguns estudos que abordam a fobia social. Na maioria deles, o início dos sintomas fóbicos precedeu o início dos problemas com álcool (Mullaney e Trippett, 1979; Schneier et al., 1992; Amies et al., 1983; Lotufo-Neto e Gentil, 1994). É compreensível o abuso de álcool nos fóbicos sociais pelo fato de causar desinibição. FATORES PREDISPONENTES A fobia social pode desenvolver-se como conseqüência de uma ou mais experiências de condicionamento traumático (Barlow, 1988; Öst e Hugdahl, 1981; Hudson e Rapee, 2000). A aprendizagem por modelação é uma das possibilidades de aquisição de fobia social (Caballo, 1995). Os pais de sujeitos com esse tipo de transtorno costumavam evitar situações sociais, o que os tornava modelo em situações sociais futuras. A relação entre os temores dos pais e dos filhos também pode ser resultante de processos de informação, influências genéticas ou experiências traumáticas semelhantes. O encorajamento dos pais na sociabilidade dos filhos gera oportunidades para a aquisição de habilidades sociais.
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As crianças propensas à timidez são aquelas temperamentalmente medrosas e inibidas em novas situações, cujos pais fortalecem essas reações pelo modo como educam os filhos. Esses pais são percebidos como não-disponíveis e não-responsáveis, o que gera sentimentos de insegurança. Tais sentimentos generalizam-se para outros relacionamentos e podem produzir crença complementar de baixa autoconfiança e de incompetência (Falcone, 2000). A socialização dos papéis sexuais também pode estar associada à timidez. É mais apropriado para as garotas do que para os garotos serem vistas como tímidas. Os pais são mais propensos a advertir seus filhos do que suas filhas por comportamento tímido e inibido (Bacon e Ashmore, 1985). Crianças e adolescentes tímidos parecem estar mais propensos a experimentar relações negativas com seus colegas, possivelmente porque a inibição e o retraimento da criança tímida é percebido pelo grupo de colegas como desviante do comportamento social apropriado à idade, sendo respondido com negligência, rejeição ou maustratos (Hudson e Rapee, 2000). A compreensão dos aspectos que contribuem para o desenvolvimento da fobia social pode ser o primeiro passo para possíveis intervenções preventivas. Destacamos neste tópico os aspectos que dizem respeito à história de
vida e, a seguir, faremos referência aos aspectos de personalidade. FATORES DE PERSONALIDADE Uma questão freqüentemente abordada é a que diz respeito a fatores de personalidade: existem traços de personalidade que predispõem à fobia social? Para responder a essa pergunta, desenvolveu-se um estudo para avaliar os traços de temperamento e caráter de pacientes fóbicos sociais por meio do Inventário de Temperamento e Caráter, desenvolvido por Cloninger e colaboradores (1993)1 e validado para o português por Fuentes e colaboradores (2000). Verificou-se que esses pacientes apresentaram diferenças significativas comparados com a população geral em todos os itens. Os itens que ficaram acima da média foram esquiva ao dano (ED), dependência de gratificação (DG), persistência (PE); os itens que ficaram abaixo da média foram autodirecionamento (AD), busca de novidades (BN), cooperatividade (C) e autotranscendência (AT). Esses dados demonstram que as características de personalidade do fóbico social estão intrinsicamente relacionadas ao medo da avaliação negativa, uma das cognições mais importantes desses pacientes. Resta saber se, ao
Tabela 7.1 Médias e desvio-padrão Cloninger Item Média Desvio-padrão
BN
ED
DG
PE
AD
C
AT
19,2
12,6
15,5
5,6
30,7
32,3
19,2
6,0
6,8
4,4
1,9
7,5
7,2
6,3
AD
C
AT
Tabela 7.2 Inventário de temperamento e caráter dos pacientes fóbicos sociais Item Média Desvio-padrão Teste T
BN
ED
DG
PE
15,15
24,52
23,98
7,35
24,41
28,79
13,10
4,47
5,27
9,19
2,47
9,38
6,44
5,90
4,555
- 11,740
- 8,641
- 5,296
4,897
3,163
6,210
P= 0,000
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mudar tal cognição, eles modificariam seu comportamento e, conseqüentemente, seus fatores de personalidade (Savoia et al., 2000). Outra questão relacionada à personalidade diz respeito aos transtornos de personalidade. Há sobreposição de critérios entre eles e a fobia social, principalmente quanto ao transtorno evitativo e de dependência (Barros Neto, 1996; Savoia et al., 2000). A nosso ver, isso demonstra que os critérios diagnósticos devem ser utilizados como referência, e não como descrições comportamentais. Ao propormos uma intervenção, é imprescindível que realizemos uma análise funcional cuidadosa, tendo em vista que a compreensão dos aspectos que mantêm esses transtornos possibilita melhores formas de intervenção terapêutica. TERAPIA COMPORTAMENTAL COGNITIVA A terapia focaliza a extinção da resposta de ansiedade nas situações sociais, promovendo a possibilidade de enfrentamento e a mudança da avaliação cognitiva da situação social. Diversas técnicas comportamentais e cognitivas foram propostas e divulgadas como eficazes para o tratamento da fobia social, entre elas: a terapia baseada em exposição ao vivo, a terapia de base cognitiva, o treinamento de habilidades sociais e a terapia comportamental cognitiva em grupo. Das técnicas propostas, a exposição ao vivo às situações temidas é a técnica reconhecida como central e eficaz na redução das reações de ansiedade fóbica (Barlow, 1988). Em nosso meio, Rangé (1984) sugere um tratamento combinado de exposição ao vivo, treino de habilidades sociais e reestruturação cognitiva. O treino de habilidades sociais capacita o indivíduo com repertórios comportamentais adequados para lidar com as diversas situações sociais, o que auxilia na redução da ansiedade antecipatória. A reestruturação cognitiva, por sua vez, envolve uma análise das interpretações catastróficas, da crenças subjacentes e dos experimentos de teste de realidade. Stravynsky e colaboradores (1982) compararam o treino de habilidades sociais com a reestruturação cognitiva, porém não encontra-
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ram evidências de contribuição positiva de reestruturação cognitiva. Butler e colaboradores (1985) compararam a exposição ao vivo com a exposição mais manejo de ansiedade. Ambos os grupos mostraram diferenças significativas quando comparados com um grupo-controle. Em nosso meio, Emmelkamp e colaboradores (1985) compararam exposição ao vivo, terapia racional emotiva e treino auto-instrucional. O grupo de terapia racional emotiva teve resultados melhores do que o grupo de treino autoinstrucional; já os resultados do grupo de exposição foram melhores do que os dos outros dois grupos combinados. Heimberg e colaboradores (1998) compararam os efeitos de uma intervenção cognitivo-comportamental com um grupo placebo. O tratamento placebo consistia em apresentações didáticas sobre vários aspectos de ansiedade e discussões grupais sobre situações difíceis. O grupo de terapia cognitivo-comportamental mostrou resultados significativamente superiores no pós-tratamento. Um caso atendido por nós será utilizado com exemplo das propostas terapêuticas apresentadas no decorrer deste capítulo. M., sexo masculino, 33 anos, analista de sistemas, relatou como queixa ser tímido, reservado, preferindo trabalhar com máquinas a trabalhar com pessoas. Apresentava sintomas de ansiedade social como ficar vermelho, sentir palpitação, e ficar branco na hora de falar com as pessoas. M. é o filho mais velho de uma família de quatro irmãos e tem problemas de relacionamento com os pais. O pai abandonou a sua mãe quando ele tinha 18 anos. Passou a se sentir responsável pela família e resolveu assumi-la. Cerca de dois anos depois, o pai retornou e M. sentiu-se sem função na família e excluído. Manifestações de carinho e apreço não eram comuns em casa durante a sua infância e adolescência. O paciente apresentava um déficit de habilidades sociais e vivia assoberbado de trabalho por não ter coragem de dizer não ao chefe. Apresentava dificuldades de manter um relacionamento amoroso com as mulheres e a freqüência média de seus relacionamentos sexuais era de duas vezes ao mês; tinha pouco amigos, saía com um grupo do trabalho para uma happy hour uma vez por semana. Visitava os pais, que
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moravam na praia, no final de semana e dormia o tempo todo.
Exposição ao vivo Diversos estudos examinaram a eficácia da exposição, em sua forma pura, no tratamento da fobia social (Al-Kubaisy et al., 1992; Alstrom et al., 1984; Turner et al., 1994; Wlaslo et al., 1990). Esses estudos envolvem algumas técnicas em comum: inicialmente, elabora-se uma lista de situações eliciadoras de ansiedade fóbica em colaboração com o terapeuta e o paciente e, em seguida, faz-se uma hierarquização dessa lista. O paciente faz uma confrontação progressiva, sistemática e prolongada das situações temidas, trabalhando da situação que elicia menor ansiedade para a mais ansiogênica. Essa exposição deve provocar sintomas de ansiedade e necessita do engajamento do paciente. Espera-se que, ao longo do tratamento, ocorra uma habituação e o paciente não tenha respostas de ansiedade frente a esses estímulos sociais e, conseqüentemente, as res-
Hora /Local
postas de fuga e/ou esquiva a essas situações também se extingam. Como exemplo, podemos citar a hierarquia, o medo de falar com pessoas, desenvolvida com M.: 1. pedir informações (sobre a localização de uma rua, sobre as horas, etc.); 2. pedir favores; 3. falar em reuniões de trabalho; 4. falar com pessoas estranhas em lugares públicos (por exemplo, na fila de um banco); 5. falar em reuniões sociais (com poucas pessoas); 6. falar em público. Uma das formas de avaliar se a exposição está realmente interferindo no comportamento do paciente é através da automonitoração. Ele registra as situações em que se expôs e qual foi o seu nível de ansiedade medido pelo Subjective Disconfort Schedule (SUDS). No exemplo acima, com relação ao primeiro item (pedir favores), tivemos o seguinte registro:
Descrição da situação
Nível de ansiedade
Última consulta
Perguntei à secretária como estavam as nossas contas.
2
Hora do almoço no dia seguinte
Perguntei ao garçom como era determinado prato.
4
Dia 11
Perguntei ao agente de viagens se as reservas estavam certas.
2
Dia 14 (14h no aeroporto de Natal)
Perguntei ao motorista de ônibus se ele ia para o meu hotel.
0
Dia 14 (16h no hotel)
Perguntei ao recepcionista se havia algum ponto turístico nas proximidades.
3
Dia 14 (18h no hotel)
Perguntei ao recepcionista se havia uma locadora nas proximidades.
2
Dia 14 (23h30min no posto de gasolina)
Perguntei ao frentista como poderia chegar ao aeroporto.
1
Dia 14 (23h45min no estacionamento do aeroporto)
Perguntei ao encarregado qual era o horário de fechamento.
1
Dia 15 (1h30min no hotel)
Perguntei ao recepcionista se havia algum restaurante aberto.
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Por meio do registro, podemos verificar com o paciente o nível de ansiedade causado por determinada situação: no exercício de exposição, ela aumenta até um determinado nível, mantendo-se em um platô, e, após um certo período de tempo, apresenta um declínio de intensidade. Em geral, na próxima exposição, o paciente iniciará em um nível inferior de ansiedade em relação à primeira, e assim sucessivamente, como podemos observar na Figura 7.1. A exposição é mais difícil de ser realizada em pacientes com fobia social do que com outros transtornos ansiosos, tendo sido descrita na literatura com mais de uma década de atraso em relação ao emprego da exposição para agorafobia ou transtorno obsessivo-compulsivo.
Figura 7.1 Curva de habituação.
A utilização da técnica de exposição em fobia social é mais complexa, uma vez que esse transtorno apresenta características que dificultam a utilização do procedimento. A imprevisibilidade de algumas situações sociais quanto à sua ocorrência (por exemplo, festas) e a curta duração de outras (por exemplo, assinar em público) dificultam a habituação (Butler, 1985), pois os pacientes muitas vezes não se esquivam das situações. Sabe-se que a exposição eficaz deve ser feita com freqüência elevada e por tempo prolongado. Em parte, o problema pode ser contornado com algumas adaptações, construindo-se uma hierarquia com um tema comum. Foi solicitado a M., por exemplo, pedir favores (independentemente da situação): 1. pedir uma explicação a um colega de trabalho;
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2. pedir ajuda a um irmão na decoração do apartamento; 3. pedir ao chefe para marcar suas férias; 4. pedir uma revista emprestada à secretária do consultório. Desse modo, procura-se fazer com que o paciente comece a se expor com as pessoas com quem tem menor dificuldade e, gradualmente, avance em direção às pessoas com quem tem maior dificuldade. Quanto à duração restrita de algumas situações, o problema pode ser compensado através de um aumento na freqüência da exposição (por exemplo, fazer elogios várias vezes ao dia) da exposição de forma não-sistematizada, ou da realização (por exemplo, falar, cumprimentar, elogiar, participar de reuniões, etc.). Boa parte das dificuldades relativa à exposição é minimizada, conforme veremos adiante, quando o procedimento é realizado em grupo. O simples fato de estar em meio a outras pessoas já funciona como um procedimento de exposição. A exposição pode ser feita de forma assistida. Por exemplo, M. apresentava dificuldades de ir almoçar com os colegas de trabalho, porque uma das colegas falava alto demais e chamava a atenção de todos no restaurante, o que o fazia morrer de vergonha. Então, a terapeuta saiu com ele em duas ocasiões nas quais foi testada essa dificuldade. Foram a um café, onde ele pediu um café com espuma de leite e a terapeuta pediu um café puro. Ao chegar o pedido, a terapeuta solicitou que fosse colocada espuma no dela também, falando em tom mais alto do que o usual. Todos escutavam a conversa dos dois, que versava sobre amenidades veiculadas na TV. Na saída, durante o caminho, a terapeuta conversou com o faxineiro de uma instituição que jogava um quadro no lixo. Pararam em um pub que estava para ser inaugurado e conversaram com o proprietário, que prontamente quis mostrar a eles o local. Na outra saída, a terapeuta derrubou uma estante de revistas. Em nenhuma das situações, eles foram punidos; ao contrário, no último caso, o dono do café disse que ele também era um pouco desastrado. O paciente pode verificar que o seu medo era infundado, que
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acidentes acontecem, que solicitar a troca de um pedido, mesmo que estivesse de acordo com o solicitado, não era o fim do mundo. M. verificou também que a vergonha que sentiu era menor do que a vergonha que, na verdade, imaginava sentir, segundo ele em um nível próximo de 1. A partir de então, as tarefas dele eram almoçar com uma amiga espalhafatosa, o que, aliás, foi divertido. Foi solicitado a procurar mesas mais centrais do que as escondidas no fundo do restaurante para ser foco de atenção. Como podemos perceber, em alguns casos o acompanhante terapêutico tem-se mostrado útil na exposição assistida.
Treino de habilidades sociais A habilidade social foi definida por Caballo (1993) como o conjunto de comportamentos manifestados por uma pessoa em um contexto interpessoal que expressa sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos de um modo adequado à situação, com respeito aos demais. Geralmente, resolve os problemas imediatos da situação, com probabilidade de minimizar problemas futuros. O treino de habilidades sociais tem sido indicado para tratamento da fobia social porque, em geral, os fóbicos sociais apresentam déficits de habilidades sociais que dificultam as situações de exposição. Um repertório de habilidades sociais pode não só facilitar a exposição, como também auxiliar na modificação das crenças disfuncionais devido à redução de ansiedade no contato interpessoal. Em uma investigação (Savoia et al., 2000), observou-se que esse treino propiciou aos pacientes um repertório adequado para a exposição e aumentou a confiança deles para enfrentar as situações sociais. Segundo Turner et al. (1995), o treino de habilidades sociais consiste em um modelo de contracondicionamento. Malerbi e colaboradores (1999) utilizam como instrumento de medida de habilidades sociais a Escala Multidimensional de Expressão Social (EMES-M), desenvolvida por Caballo (1993). Os itens avaliados nessa escala são: falar em público, interagir com superiores, defender direitos, expressar sentimentos, aceitar e
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Escores: 1 – Caballo: 140,57. 2 – Grupo fobia social (antes do treino de habilidades sociais): 100,5. 3 – Grupo fobia social (após o treino de habilidades sociais): 126,75.
Figura 7.2 Escores de habilidade social.
fazer elogios, tomar iniciativa em relação ao sexo oposto, etc. A média inicial da EMES-M dos pacientes estudados foi de 100,5. Após o treino de habilidades, a média passou a 126,75. Savoia e Barros Neto (2000) apresentaram uma revisão sobre o treino de habilidades sociais para fobia social. Os autores descrevem as classes de resposta que definem habilidades sociais: iniciar e manter uma conversação, falar em público, fazer e aceitar elogios, pedir favores, expressar sentimentos, defender os próprios direitos, fazer e receber críticas, recusar pedidos, fazer acordos e expressar opiniões pessoais. Os componentes da habilidade social incluem a comunicação não-verbal e o comportamento verbal. Os padrões comportamentais resultantes desses componentes são o assertivo (que se expressa), o não-assertivo (que evita confrontações) e o agressivo (que explode). O procedimento de treino de habilidades sociais geralmente se inicia por uma avaliação minuciosa e detalhada da situação-problema, de forma que possa ser feita uma análise funcional. Nesse momento do processo terapêutico, descreve-se não só o problema de inabilidade, mas também as situações em que ele se apresenta e as conseqüências que tem para o paciente. Um dos tópicos importantes a ser investigado na análise funcional é a identifica-
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ção dos pensamentos disfuncionais que podem estar influenciando e desencadeando o comportamento socialmente inadequado do paciente. Os fóbicos sociais têm algumas cognições que os impedem de se engajar em comportamentos sociais, por exemplo: preocupação exacerbada de que os outros percebam a sua ansiedade, preocupação com sua atividade autonômica, temor da avaliação negativa, sensação de ser inferior ou menos capaz que os demais, atenção seletiva para aspectos negativos da situação, fantasias negativas que produzem ansiedade antecipada, conceitos rígidos sobre a conduta social apropriada, sensibilidade excessiva à desaprovação e à crítica. A partir da descrição do que o paciente normalmente faz nas situações de inabilidade social, deve-se avaliar os possíveis comportamentos que ele possa ter na situação e também considerar as limitações impostas pela realidade. Por exemplo, seria de pouco bom senso ser assertivo em um assalto ou ao receber uma incumbência desagradável de um superior. Após o levantamento das possíveis conseqüências a curto e longo prazo das diferentes possibilidades de ação, decide-se por um determinado comportamento e passa-se a treiná-lo. Entre as estratégias para treino de habilidades sociais, está o ensaio comportamental, que consiste na descrição da situação-problema e na representação do que o paciente normalmente faz. Após a escolha da resposta adequada, que é dramatizada, pode-se fazer a inversão de papéis entre terapeuta e paciente e a representação exagerada de papéis, terminando com o ensaio da resposta escolhida pelo paciente. Quando realizada em grupo, essa técnica é mais eficaz, porque os membros do grupo participam da dramatização, propiciando várias interpretações da mesma situação e a possibilidade de incluir diversos papéis que uma situação complexa pode oferecer. Por exemplo, quando alguém “fura” uma fila, temse a oportunidade de fazer uma fila e treinar o comportamento adequado para essa situação. Da mesma forma, pode-se criar uma simulação de festa no grupo com a representação de várias situações ansiogênicas, como, por exemplo, conversar, comer e beber, o que não seria possível em uma terapia individual.
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Uma das situações freqüentemente ensaiadas é a de iniciar e manter uma conversação. Os pacientes são orientados no sentido de fornecer informação gratuita e pessoal, em vez de demonstrar um comportamento retraído com respostas curtas, vagas, que podem ser interpretadas pelo interlocutor como desinteresse pela conversa. Os comportamentos treinados em sessão deverão ser trabalhados também fora dela. Algumas vezes, solicita-se ao paciente que faça registros e observe o seu comportamento; em outras, solicita-se que emita comportamentos que não fazem parte do seu repertório, como pedir uma informação em um balcão de shopping, por exemplo. No caso de M., o treino de habilidades sociais envolveu fazer elogios, pedir informações e fazer valer os seus direitos. Com relação ao comportamento amoroso, o treino incluiu comportamento não-verbal, treino de paquera e abordagem. Com relação aos pais, treino de manifestar afetividade, programações de lazer e também fazer valer os seus direitos. Um dos aspectos da habilidade social que M. não sabia expressar era afetividade; por isso, foi solicitado a dizer o que sentia e mesmo expressá-lo fisicamente, como dar um abraço nos pais, nos amigos, nas pessoas em geral.
Reestruturação cognitiva As cognições que geralmente ocorrem com os fóbicos sociais são: preocupação de que os outros percebam a sua ansiedade; preocupação com a atividade autonômica; temor da avaliação negativa; diálogo interno de autoverbalizações negativas; atenção seletiva para os sinais socialmente ameaçadores; sensação de ser inferior ou menos capaz que os demais; tendência a perceber críticas e desaprovações que não estão realmente presentes; tendência a rebaixar a eficácia do próprio comportamento; padrões excessivamente elevados para o próprio desempenho; atenção seletiva para os aspectos negativos da atuação; dificuldade em integrar partes da informação sobre a própria atuação; percepção de falta de controle sobre o próprio comportamento; memória seletiva da
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informação negativa sobre si mesmo e da própria atuação; fracasso em prestar atenção às informações objetivas sobre a própria atuação; fantasias negativas que produzem ansiedade antecipada; conceitos rígidos sobre a conduta social apropriada; sensibilidade excessiva à desaprovação e à crítica; superestimação da probabilidade de ocorrência de eventos sociais desagradáveis. A proposta da reestruturação cognitiva é identificar, dentre as cognições citadas, aquelas que o paciente apresenta. Os pensamentos disfuncionais ansiogênicos permitem ao terapeuta identificar as crenças centrais, procedimento realizado por meio da automonitoração e do questionamento socrático. Solicita-se ao paciente que faça um registro das situações, dos pensamentos e dos sentimentos para que se possa identificá-los como crenças centrais (perdedor, rejeitado, solitário, inferior, etc.) e distorções cognitivas (personalização, tudo ou nada, catastrofização, etc.). A partir dessa identificação, pode-se partir para os procedimentos terapêuticos. Trabalhou-se com M. a técnica de análise da lógica inadequada para que algumas cognições viessem a ser modificadas. Por exemplo, o cliente relatava não ser capaz de fazer uma palestra em sua empresa, pois os diretores estariam presentes e ele temia que o avaliassem como incompetente. Levantou-se quais os argumentos lógicos para que tivesse esse pensamento através de experiências passadas similares e pôde-se verificar que foi capaz de apresentar seminários na faculdade e até mesmo apresentar relatórios em reuniões da empresa, situações nas quais teve um bom desempenho. A partir desse trabalho, o paciente – que relatava 90% de certeza de que não seria bem-sucedido – modificou essa medida para 50%, diminuindo em muito a sua ansiedade, o que lhe possibilitou enfrentar a situação mais tranqüilo e, portanto, obter reforçamentos por seu desempenho. Aliado a esse procedimento, foi elaborado um cartão de enfrentamento, no qual as qualidades que apresentou nos seminários e nas reuniões anteriores foram anotadas e guardadas em sua carteira para que pudesse lê-lo antes da reunião.
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Em um outro momento do processo psicoterápico, trabalhou-se com o chamado teste de realidade. Muitas vezes, M. superestimava a probabilidade de ocorrência de eventos sociais desagradáveis, como em uma festa. Conseqüentemente, esquivava-se de todas para as quais era convidado. Solicitou-se a que ele enfrentasse uma situação e observasse o que realmente acontecia. Um amigo convidou-o para ir a uma danceteria (iriam os dois, a namorada do amigo e uma amiga que ela apresentaria M.). Habitualmente, ele recusaria esse tipo de convite, mas constituía-se como situação ideal do que vínhamos trabalhando. Além disso, M. estava freqüentando aulas de dança de salão, pois imaginava que saber dançar era um requisito importante para relacionar-se com o sexo oposto. Então, aceitou o convite; ficou ansioso, é verdade, porém foi menos ansiogênico do que imaginava. Em alguns outros momentos, precisamos modificar as idéias de ansiedade dos nossos pacientes. M. acreditava que conversar tem por objetivo uma razão de troca, deve ter conteúdo, “não pode ser papo furado”. Com isso, não aumentava o seu círculo de amizades e não conhecia pessoas novas. Quando tinha de iniciar ou manter uma conversação, sua ansiedade era exacerbada, pois tinha que falar assuntos consistentes e profundos. Verificou-se com ele o quanto essas idéias eram irracionais e chegou-se às seguintes constatações: 1. falar sobre amenidades com os amigos é algo natural (como em uma happy hour); 2. perder a chance de conhecer outras pessoas é uma conseqüência dessa idéia infundada; 3. coisas “não-práticas” também fazem parte da vida; 4. aceitar o fato de que jogar conversa fora traz descontração. Outros pensamentos automáticos que ele apresentava eram: “Eu não posso fazer nada errado; se o fizer, será uma catástrofe”, “Todos estão me observando e me julgando”. Segun-
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do M., a sensação que tinha era: “O mundo é um tribunal”.
Terapia em grupo A principal vantagem da terapia em grupo em relação à terapia individual para o fóbico social é que o grupo funciona como uma situação social vivida pelo paciente e observada pelo terapeuta. A terapia em grupo facilita o trabalho de exposição, já que as tarefas podem ser ensaiadas no grupo, com os membros desempenhando um papel ou servindo de audiência. As situações temidas e evitadas são recriadas no grupo de forma a sedimentar as cognições recém-adquiridas na própria sessão, além de submeter o indivíduo a exercícios de exposição a situações sociais temidas. O grupo é apontado como o melhor método de integrar as parcelas cognitiva e comportamental nesse tipo de terapia (Heimberg et al., 1998). De acordo com a revisão de Falcone (1995), entre as vantagens do tratamento da fobia social em grupo foram descritas: maior variedade de ensaio comportamental com um número maior de pessoas; generalização mais rápida dos ganhos terapêuticos; maior quantidade de feedback efetivo dos desempenhos (reforço social); maior experiência com um número maior de situações-problema e mais suporte para solucioná-las; maior disponibilidade de modelos múltiplos; intensificação da aprendizagem de discriminação e maior generalização de novos comportamentos de enfrentamento para uma faixa mais ampla de situações. Além das vantagens do grupo como recurso terapêutico, Heimberg (1993) aponta que o grupo também é uma boa maneira de o terapeuta monitorar se o paciente está assimilando o tratamento adequadamente. Assim, é muito mais difícil para o terapeuta perceber se o paciente em terapia individual aprendeu adequadamente a aplicar suas tarefas cognitivas em situações de vida real, já que o terapeuta não poderá acompanhar a prática comportamental. No grupo, essa possibilidade é concretizada: o terapeuta pode colocar-se no papel
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de espectador, enquanto os pacientes ensaiam as situações sociais ansiogênicas e põem em prática os novos comportamentos sociais aprendidos. Na literatura, há descrições de recursos terapêuticos no manejo da fobia social que só são possíveis nas terapias em grupo. Albano e colaboradores (1995) citam um exemplo em que os terapeutas estabeleciam pausas ao longo da sessão. Durante essas pausas, aspectos do tratamento eram revistos informalmente, através de exercícios de “miniexposição” que tinham como alvo déficits sociais específicos de cada membro do grupo; esses exercícios eram compartilhados com o grupo inteiro. Assim, na presença do terapeuta, o paciente pode, durante o ensaio, refutar cognições problemáticas, perceber a relevância dessas cognições em relação à ansiedade e à esquiva (já que elas virão à tona no momento do ensaio, em uma situação “controlada”, mas que serve de treino para a vida real) e enfatizar o impacto da mudança dessas cognições ou até mesmo a sua extinção para possibilitar respostas comportamentais mais adaptativas. O fato de o grupo ser uma forma de exposição contínua a uma situação social (o próprio grupo), de facilitar a execução de situações práticas propostas e de possibilitar ao terapeuta a supervisão em “tempo real” é enfatizado por Dyck (1996). Segundo esse autor, tais situações presenciadas pelo terapeuta têm valor maior do que aquelas desempenhadas pelo paciente fora das sessões e apenas relatadas ao terapeuta, no caso da terapia individual. Enfim, essa modalidade apresenta uma relação custo-benefício maior que a modalidade individual. Além disso, sempre há a possibilidade de se criar situações através do ensaio comportamental (por exemplo, fazer um discurso para o grupo ou realizar uma festa). Quando esse ensaio é feito em grupo, é facilitado pela possibilidade de serem representados vários papéis em uma mesma situação, tornando-a mais próximo do real. Embora esse formato de terapia seja o mais indicado, dificilmente, no consultório, temos a oportunidade de formar grupos de fóbicos sociais, o que é mais fácil em institui-
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ções pelo número de pessoas que nos procuram. A partir de todas essas considerações, podemos concluir que as técnicas podem ser aplicadas isoladamente ou em conjunto, dependendo da análise detalhada das dificuldades apresentadas por cada paciente; portanto, é imprescindível que a análise funcional preceda qualquer intervenção. A automonitoria e as tarefas de casa também são importantes nesse modelo terapêutico, o que implica o engajamento do paciente em seu tratamento.
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NOTA 1. O autor apresenta um modelo psicobiológico de temperamento e caráter ao descrever sete dimensões de personalidade independentes umas das outras: quatro dimensões de temperamento que envolvem respostas automáticas a estímulos perceptivos (busca de novidades, esquiva ao dano, dependência de gratificação e persistência) e três dimensões de caráter baseadas em conceitos, experiências conscientes representadas sob a forma de palavras, imagens e relações funcionais (autodirecionamento, cooperatividade e autotranscendência).
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8 Transtornos Alimentares Daniel Boleira Sieiro Guimarães
CONSIDERAÇÕES INICIAIS Os distúrbios alimentares, tais como descritos na CID-10 (OMS, 1993), compreendem a bulimia nervosa, a anorexia nervosa e os transtornos alimentares “atípicos”, isto é, que não estão incluídos nas duas categorias acima. Os manuais tradicionais sobre esse tema sempre enfocam uma descrição clínica, argumentos teóricos a respeito do modelo cognitivo, dados sobre sua eficácia no tratamento de quadros de bulimia nervosa e discussão sobre um programa específico que determinado autor utiliza em seu trabalho. Neste capítulo, mantendo um espírito clínico, procurarei abordar os tópicos acima, comentando não só a compreensão e os métodos de tratamento, mas também os limites e as dificuldades práticas envolvidas. A BULIMIA NERVOSA E O MODELO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL A bulimia nervosa é um transtorno psiquiátrico caracterizado pelo rápido consumo de grande quantidade de alimentos em um período limitado de tempo de forma descontrolada (binge-eating), associado a comportamentos direcionados ao controle de peso e compensatórios aos episódios (como vômitos autoinduzidos, abuso de laxativos, diuréticos e moderadores de apetite, exercícios excessivos,
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etc.), motivados por uma preocupação excessiva com a imagem corporal (APA, 1994). Sua evolução é crônica e muitas vezes incapacitante, atingindo uma parcela restrita, porém importante, da população: adolescentes e mulheres jovens em idade produtiva, sendo o transtorno alimentar mais comum. Os prejuízos a curto, médio e longo prazo do ponto de vista físico, nutricional e psicosocial causados por esse transtorno têm sido amplamente documentados pela literatura desde a descrição original de Russell (1979). Entre as alternativas mais eficazes de tratamento, destacam-se as psicoterapias. As literaturas norte-americana e européia têm avaliado principalmente programas de terapia cognitivo-comportamental (TCC), bastante viáveis em termos de realização e eficácia (Guimarães et al., 1998). As abordagens cognitivo-comportamentais para bulimia nervosa são explicadas às pacientes explicitamente, assim como a razão para os procedimentos do tratamento; o objetivo não é apenas mudar comportamentos alimentares da paciente, mas também modificar suas atitudes diante da imagem corporal e, quando relevante, muitas outras distorções cognitivas fundamentais. O modelo de tratamento baseia-se na teoria desenvolvida por Beck e colaboradores (1982) para tratamento da depressão, adaptada para o tratamento dos transtornos alimentares por autores como Fairburn (1985), com as seguintes características: uso de técnicas
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como reestruturação cognitiva, automonitoração de pensamentos relevantes e de comportamento; psicoeducação; uso de medidas de autocontrole para estabelecer um padrão regular de alimentação; educação alimentar; medidas para eliminar dietas; uso de técnicas de prevenção de recaídas; treinamento em resolução de problemas e exposição com prevenção de resposta. Além disso, é um processo ativo, com responsabilidades compartilhadas com o paciente para a mudança desejada, em que o terapeuta provê informação, auxílio, suporte e encorajamento. Três estágios são definidos nos programas ambulatoriais: no primeiro, a visão cognitiva da bulimia nervosa é sublinhada, e técnicas comportamentais são usadas para o paciente recuperar o controle sobre a alimentação. No segundo, enfatiza-se o exame e a modificação de pensamentos e atitudes problemáticos. No terceiro, os procedimentos comportamentais são usados para evitar qualquer tendência para dietas e modificar preocupações com a imagem corporal. Finalmente, o foco é a manutenção da mudança. Existem características psicopatológicas fundamentais que devem ser levadas em consideração para o tratamento da bulimia nervosa. A principal delas é a presença de idéias sobrevalorizadas concernentes à forma e ao peso corporal. Segundo o modelo cognitivocomportamental, essas idéias são cognições distorcidas, presentes de maneira estereotipada e automática, que provocam comportamentos alimentares igualmente distorcidos, como a adoção de regras dietéticas rígidas e inflexíveis, baseadas na realização de jejuns, vômitos autoprovocados, abuso de laxantes, diuréticos e moderadores de apetite. Ao ocorrerem transgressões desses hábitos alimentares, como acontece durante os binges, com a ingestão exagerada e rápida de alimentos altamente calóricos, as pacientes agem como se tivesse ocorrido um abandono completo do controle alimentar, o que aumenta os sentimentos de impotência e sofrimento. Fatores fisiológicos também facilitam a ocorrência de binges, principalmente os jejuns
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prolongados feitos pelas pacientes e as perdas de eletrólitos, água e nutrientes causadas pelos comportamentos purgativos. Por isso, um dos objetivos do tratamento é a mudança dos hábitos alimentares, a fim de reverter os prejuízos nutricionais e físicos causados às pacientes. Um outro ponto fundamental é a modificação das idéias sobre imagem corporal, as quais determinam a perpetuação desses comportamentos, o que se consegue apenas pela modificação e pela correção das distorções cognitivas de tais pacientes (ver Quadro 8.1). Outros sintomas, como humor depressivo e ansiedade, ocorrem de forma secundária ou associada ao quadro clínico, acarretando a presença de baixa auto-estima, isolamento social, alteração da concentração, intensas dificuldades de relacionamento familiar e interpessoal. Esses fatores ambientais tornam-se os principais gatilhos ambientais para que a paciente apresente binges. Eles despertam sentimentos de culpa, vergonha e insatisfação nas pacientes que se vêem ainda mais ameaçadas pela possibilidade de ganhar peso, adotando os comportamentos purgativos, como modo de compensar os excessos e controlar seu peso. Porém, tal atitude somente agrava o quadro clínico e os sentimentos de fracasso e baixa auto-estima, levando a um novo ciclo de dietas, binges e técnicas de purgação (Fairburn et al., 1989; Cordás et al., 1998a). A Figura 8.1 apresenta, esquematicamente, o modelo cíclico de manutenção dos sintomas de bulimia nervosa, que é a base das condutas e técnicas aplicadas. É importante ressaltar que esse modelo foi proposto em um dos primeiros manuais de tratamento cognitivocomportamental para transtornos alimentares (Garner e Garfinkel, 1985), como explicação da manutenção do quadro clínico dos sintomas da bulimia nervosa, e não como modelo etiológico. Os estudos clínicos atuais, alicerçados em pesquisas retrospectivas a respeito da etiologia e da evolução do quadro clínico, apontam a prática de dietas como sintoma inicial do transtorno, embora não esteja estabelecido se por fatores socioculturais, como o “culto à magreza”, por fatores psicodinâmicos e famili-
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Figura 8.1 Modelo cognitivo de manutenção de sintomas de bulimia nervosa (adaptada de Fairburn (1985).
ares, ou até mesmo por fatores genético-biológicos. Os principais autores na área defendem uma etiologia multifatorial decorrente de questões socioculturais, pessoais e biológicas como predisponentes ao surgimento do transtorno (Cordás et al., 1998b). Em geral, todos os programas que utilizam a TCC incluem um diário de automonitorização do comportamento, o qual serve como parâmetro para a freqüência dos com-
portamentos alterados e como índice de evolução. A automonitorização apresenta a vantagem de ser um procedimento terapêutico em si mesmo (Agras et al., 1989), o que pode ser considerado uma desvantagem em termos de “pureza” metodológica, na medida em que o grupo placebo utiliza um procedimento considerado ativo. Um modelo de diário alimentar e instruções para sua utilização são apresentados no Quadro 8.1:
Quadro 8.1 Instruções para monitoração utilizando diário alimentar • O propósito da monitoração é permitir um quadro detalhado de seus hábitos alimentares, sendo fundamental ao tratamento. Em um primeiro momento, escrever tudo o que você comeu pode ser inconveniente e irritante, mas logo se tornará automático e de grande valor. • Um exemplo de folha do diário alimentar é mostrada a seguir. Uma página separada para cada dia deve ser usada, indicando dia da semana e data de início. Uma outra coluna deve indicar todas as comidas e líquidos consumidos durante o dia, devendo ser anotado tão logo seja feita a refeição. Recordar o que você comeu algumas horas antes não é suficiente; por isso, você deve carregar sempre o seu diário de monitoração. Calorias não devem ser anotadas, e sim uma simples descrição do que você comeu. As refeições devem ser assinaladas, sendo uma refeição todo “episódio isolado de alimentação que foi controlada, organizada e comida de forma adequada”. • Na primeira coluna, você pode especificar o local em que se alimentou e, se for em casa, em qual aposento. Deve apontar com asteriscos ou com um “sim” na coluna “B” (bulimia) se achou que a refeição foi excessiva, anotando tudo de que se alimentou durante binges. Anotar em outra coluna se houve episódios de vômitos, se estava com fome, se fez uso de laxantes, diuréticos ou anorexígenos. Também devem ser anotados pensamentos e sentimentos que você julga terem influenciado sua alimentação. Anote seu peso toda vez que for se pesar. Em todas as entrevistas, haverá uma cuidadosa revisão do seu diário. Não se esqueça de levá-lo à consulta.
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Exemplo de diário alimentar: Data e horário da refeição
O que comeu? (quantidade e tipo de alimento)
Fome (0-10)
B (S/N)
V ou Lx (S?N)
O que pensou e sentiu antes do episódio?
O que pensou e sentiu depois do episódio?
Quadro 8.2 Exemplos de distorções cognitivas na bulimia nervosa • Abstração seletiva: basear uma conclusão em detalhes isolados, ignorando evidências importantes e contraditórias. Por exemplo: “O único jeito da minha vida estar sob controle é comendo”, “Sou especial se sou magra”. • Generalização: extrair uma regra com base em um evento e aplicar a situações diferentes. Por exemplo: “Quando eu comia carboidratos, eu era gorda; então, devo evitá-los para não ficar obesa”. • Magnificação: superestimação do significado de eventos indesejáveis, motivo pelo qual os estímulos obtém significados que não são reforçados pela análise objetiva. Por exemplo: “Ganhei quatro quilos, então não posso mais usar shorts”, “Não vou agüentar se alguém comentar que engordei”. • Raciocínio dicotômico ou do tipo “tudo ou nada”: pensar em termos absolutos ou extremos, sem gradações, apenas certo ou errado. Por exemplo: “Se eu não tiver controle completo, perderei todo o controle”, “Se eu não dominar essa área da minha vida, perderei tudo”. • Personalização e auto-referência: interpretações egocêntricas de eventos impessoais ou superestimação de eventos relacionados a si própria. Por exemplo: “Duas pessoas riam e conversavam, provavelmente me achando pouco atraente; também ganhei dois quilos...”, “Eu me embaraço quando me vêem comendo”. • Pensamento mágico: acreditar em relação causa-efeito de eventos não-contingentes. Por exemplo: “Se eu comer doce, ele vai virar gordura no meu estômago”.
Assim, a existência de diversos fatores que provocam dificuldades ao longo do tratamento psicoterápico para pacientes bulímicas torna extremamente complexa a avaliação da eficiência clínica do tratamento. Parece ser razoável supor que o próprio terapeuta, se for capaz de identificar as dificuldades descritas e de lidar com elas, dentro das limitações do tratamento de que ele dispõe, será capaz de definir qual é a efetividade do tratamento realizado para determinada paciente, no qual diversos fatores individuais provocarão diferentes reações no início, ao longo e no final do tratamento. Wilson (1996), analisando o fato de que muitos programas de TCC são baseados em um manual padronizado, que determina técnicas empregadas, tempo e temas das sessões para todos os pacientes, e de que outros tratamen-
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tos são aplicados de uma maneira altamente individualizada, não verificou nenhum fator que pudesse predizer qual paciente adapta-se melhor a cada um desses estilos de tratamento. Por isso, defende o estabelecimento empírico de correlações entre tratamentos e perfis operacionalmente definidos das relações problemas/paciente a fim de que o melhor tratamento disponível para o paciente seja utilizado, dentre as várias formas de aplicação da TCC. Desde 1992, o Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo oferece tratamento multiprofissional e gratuito, tanto em nível ambulatorial quanto hospitalar, devido à crescente demanda de pa-
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cientes com transtornos alimentares em nosso meio (Cordás et al., 1993). O AMBULIM começou a utilizar um modelo de atendimento ambulatorial para bulimia nervosa baseado em técnicas cognitivo-comportamentais, com duração de 12 semanas, desenvolvido e validado por Cordás (1995), além de abordagens psicoterapêuticas de base psicanalítica, individual, grupal e familiar. A iniciativa pioneira do AMBULIM permitiu a elaboração do Programa Ambulatorial de 12 Semanas, uma abordagem ambulatorial que utiliza técnicas de TCC, as quais podem ser associadas à farmacoterapia com sucesso comprovado. Essas características facilitam sua divulgação e aplicação em outros serviços que contem no mínimo com atendimento médico, psicológico e nutricional. Tem duração limitada e breve (três meses), é de fácil treinamento e execução, podendo ser efetuado por terapeutas experientes ou médicos residentes em psiquiatria. Na pesquisa de Cordás (1995), o programa demonstrou eficácia ao final e após um ano do tratamento. Inclui atendimento nutricional, técnicas de automonitoração (diário alimentar), informações, técnicas de reestruturação cognitiva e prevenção de resposta. Esse programa necessita de cooperação e participação do paciente nas tarefas de casa, podendo ser feito individualmente ou em grupo. A prática clínica, quando utiliza-se de psicoterapias como a TCC, baseia-se na construção de uma relação terapêutica entre o paciente e o terapeuta, constituída de confiança, respeito mútuo e colaboração. Os tratamentos que utilizam as técnicas cognitivas tradicionalmente dão maior liberdade de ação ao terapeuta, que funciona como catalisador e grande reforçador das mudanças na paciente – principais metas do tratamento. A paciente também adquire, com o tempo, uma autonomia cada vez maior para elaborar e aplicar tais mudanças em situações de sua vida, desenvolvendo novas formas de pensar e resolver seus problemas, percebidas e postas em prática no processo de terapia. No caso da bulimia nervosa, observam-se transformações visíveis no modo como a paciente encara a questão do comportamento alimentar, na sua relação com
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a forma e o peso corporal e na educação nutricional. No entanto, podem acontecer diversos problemas ao longo do tratamento que, se não forem considerados, comprometem a sua eficiência na prática clínica cotidiana. Guimarães e Ades (1997) discutem essa questão, apontando no decurso do tratamento que utiliza TCC quais os problemas mais freqüentemente encontrados e passíveis de serem generalizados para todos os modelos psicoterápicos de tratamento em bulímicas. Os autores propõem uma distinção desses problemas de acordo com o momento do tratamento em que ocorrem. No início do tratamento, é muito comum o nãoengajamento de algumas pacientes que são incapazes de cumprir quaisquer preceitos básicos da TCC, o que impede que um tratamento formal desse tipo possa sequer ser iniciado. Coker e colaboradores (1993) verificaram nas pacientes que não se engajam no tratamento (non-engagers) uma história prévia de dependência química, episódios de auto-agressão, abuso de laxativos, maior tempo de duração da doença e maiores escores na Escala Hamilton para Depressão, quando comparadas às pacientes que se engajam no tratamento, independentemente do resultado deste. Um achado importante foi a freqüência 10 vezes maior de transtorno de personalidade borderline nas pacientes non-engagers. Por isso, Wilson (1996) cita alternativas mais baratas e simples que podem ser tentadas antes de se iniciar um programa psicoterápico formal para pacientes bulímicas, tais como: auto-ajuda orientada, mas não-supervisionada (unsupervised guide-help), programas psicoeducacionais breves em grupo e versões abreviadas de um programa cognitivo-comportamental administrado por leigos. A TCC, por exemplo, poderia ser reservada para casos nos quais essas modalidades fossem contra-indicadas ou fracassassem. Uma vez iniciado o tratamento, a paciente pode apresentar uma resistência à terapia, também chamada de reactância ou não-adesão. O terapeuta percebe esse problema através dos mais diversos comportamentos da paciente, como atrasos, não-realização de tarefas, adiamentos, solicitação de favores pessoais,
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sedução, recusa explícita em cooperar. A resistência pode ser fruto de reações do terapeuta: críticas a opiniões da paciente, formalismo, interrupções, hesitação, insegurança, não-preenchimento de expectativas, pressão por tarefas não-cumpridas na TCC (Rangé, 1995). A resistência também pode ocorrer por receio, tanto da paciente quanto da família, em abandonar comportamentos e modos de pensar habituais, ou por necessidade de interagir de forma diferente entre si e mudar suas atitudes. Um outro problema importante que surge no decorrer do tratamento é a desmotivação da paciente. Sabe-se que os graus de motivação para psicoterapia são variados e mudam conforme a etapa de tratamento, podendo variar de animosidade explícita até negativismo, resistência passiva, neutralidade ou pleno reconhecimento das dificuldades (Guimarães e Ades, 1997). Rangé (1995) apresenta como variáveis importantes para a motivação na psicoterapia o grau de sofrimento e a crença no tratamento por parte da paciente; quando em baixos níveis, esses dois fatores podem provocar desmotivação, resistência ao tratamento e maior possibilidade de abandono. O abandono pode ser definido como o fato de uma pessoa deliberadamente se retirar da terapia em algum momento, seja explicitamente contra a posição do terapeuta, seja implicitamente pelo cancelamento de sessões ou sua não-renovação. De modo geral, o paciente que abandona o tratamento ainda precisa deste, mesmo após a última sessão à qual compareceu. Rangé (1995) aponta freqüências de 20 a 57% de abandonos, após a primeira sessão em atendimento psiquiátrico, e de 32 a 79%, após alguns meses de psicoterapia de grupo, o que indica um número significativo de abandonos em todas as formas de práticas psiquiátricas e psicoterápicas. Os abandonos – ou drop-outs – também ocorrem ao ser aplicada a TCC em situações de pesquisa, sendo raro alcançar 100% de conclusão do tratamento pelas pacientes. O principal problema que ocorre, uma vez que a paciente tenha adesão e complete o tratamento, é a não-resposta. As pacientes “nãorespondendoras” podem ser de três tipos: a) totalmente refratárias (sem nenhuma resposta ao tratamento); b) parcialmente responsivas
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(persistem bulímicas, mas com menor grau de sintomas) e c) subclínicas (não apresentam sintomas suficientes para caracterizar a bulimia nervosa, porém persistem com problemas específicos). Pacientes que apresentam baixo peso ou peso em excesso, que apresentam baixa auto-estima e, principalmente, transtornos de personalidade (mais comumente os do tipo borderline) têm sido definidas como de pior prognóstico, pois a TCC alcança piores resultados (Wilson, 1996). Famílias controladoras, superorganizadas e conflituosas são preditores de menor redução na freqüência de binges e cognições distorcidas (Blouin et al., 1994). As principais alternativas terapêuticas nesses casos refratários à TCC são o uso associado ou em substituição de medicações como fluoxetina, as psicoterapias psicodinâmicas orientadas para conflitos e dificuldades interpessoais (terapia interpessoal e psicanálise) ou mesmo a realização de um programa de TCC em regime hospitalar (Wilson, 1996; Guimarães e Ades, 1997). Embora o papel da TCC no tratamento da bulimia nervosa seja fundamental, são necessários mais pesquisa e critérios de avaliação dos resultados de programas de atendimento para ampliar o alcance e a importância dessa modalidade de tratamento. A ANOREXIA NERVOSA E A ABORDAGEM COGNITIVO-COMPORTAMENTAL Uma paciente com anorexia nervosa caracteriza-se por apresentar manutenção voluntária de um peso abaixo de 85% do mínimo esperado para sua estatura e idade; portanto, em geral, apresenta-se em precário estado clínico e nutricional. Nosso caso ilustrativo é o de uma jovem, com idade em torno de 20 anos e uma história crônica de prática de dietas (muitas vezes motivada por familiares e amigas). Realiza jejuns constantes quando se percebe “mais gorda que o habitual” ou quando está “inchada”, além de recusar deliberadamente a alimentação, esquivando-se inclusive do contato social, sobretudo nos horários de refeição. No decorrer da história, percebe-se além de sinais de desnutrição, uma ausência prolon-
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gada dos ciclos menstruais (amenorréia). A paciente parece não se incomodar com tais indícios e, apesar do físico frágil, parece bastante ativa, chegando a fazer longas caminhadas ou ginástica, sempre com a intenção de se sentir “leve”. A partir desse caso típico, podemos pressupor algumas características importantes para a abordagem clínica. Trata-se de uma paciente que mantém um comportamento alimentar anômalo (prática de dietas e jejum) com um prejuízo físico (perda de peso), mas cujo perfil não corresponde ao de um indivíduo em sofrimento. A paciente parece inclusive ter a crença de que a manutenção de seus hábitos alimentares possa trazer-lhe algum benefício. Um modelo de compreensão da manutenção da anorexia nervosa é esboçado na Figura 8.2. Do ponto de vista do tratamento, é fundamental que a paciente compreenda que seu comportamento cíclico mantém e pode agravar os sintomas. O elemento-chave para lidar com esse tipo de paciente é a sua percepção dos reais danos envolvidos e a sua colaboração (e não por simples coação, como já se tentou nos moldes originais de tratamentos de recuperação) para se obter a meta principal: a restauração de um peso compatível com a normalidade e de hábitos alimentares mais saudáveis. De acordo com Kleifield e colaboradores (1996), para se obter uma relação terapêutica, é necessário demonstrar respeito pela dependência do paciente a seus comportamentos, pelo desespero com o qual se apega a eles
e pelo medo de abandoná-los; recordar ao paciente como a doença prejudicou-o; ajudar o paciente a adotar uma expectativa de que poderá lidar de forma nova, segura e efetiva com sérios problemas vitais. Lidar com pacientes anoréxicos significa saber que, por conta da restrição dos seus conteúdos vivenciais e da supervalorização da obtenção de um corpo magro, o terapeuta oscilará entre o papel de um apoio e colaborador (para a mudança) ou um grande obstáculo (para se manter magro). Uma parte considerável dos pacientes comporta-se de um modo que dificulta ou impossibilita a manutenção do tratamento em regime ambulatorial. Perda de peso, distúrbios metabólicos, sintomas depressivos, risco de suicídio e disfunção do ambiente familiar são causas freqüentes de internação hospitalar. Nesse sentido, existem locais com equipes multiprofissionais capacitadas, que contam com psiquiatras, psicoterapeutas individuais, grupais e familiares, nutricionista e pessoal de enfermagem. Porém, as pacientes também são problemáticas nesse espaço: mesmo em um local onde exista vigilância contínua a fim de evitar a perda de peso que a paciente possa provocar com seus comportamentos, haverá uma dificuldade para evitar que, por força de seus hábitos anteriores, ela resista a ser realimentada e retornar a um peso maior. Por motivos fisiológicos, a realimentação não pode ser muito rápida, o que de certa foma pode ser aproveitado para a paciente adaptar-se às mudanças corporais e reinterpretá-las não como
Figura 8.2 Modelo cognitivo da manutenção da anorexia nervosa (adaptada de Kleifield et al. ,1996).
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uma engorda, mas como uma reabilitação com efeitos físicos, cognitivos e emocionais. De modo geral, os pacientes anoréxicos beneficiam-se de técnicas mais comportamentais no início do tratamento, como restrição do uso dos comportamentos para redução de peso ou mesmo purgação, através de vômitos autoinduzidos e uso de laxantes e diuréticos. As refeições devem ser monitoradas e o consumo deverá obedecer ao cardápio prescrito pela nutricionista. Caso o paciente alimente-se de forma inadequada ou bizarra (separação de tipos de alimento, extrema lentidão ou simples recusa), um auxiliar ou familiar deverá estar presente e servir como modelo, discutindo com o paciente as suas dificuldades. O contato do paciente com os alimentos e o aprendizado sobre o conteúdo e o valor nutricional deles é um fator que auxilia a derrubar algumas distorções e preconceitos, como dividir os alimentos em “pesados” e “leves” e contar desnecessariamente as calorias das refeições. Uma nutricionista ou profissional de enfermagem podem ajudar o paciente no processo de pesagem para discutir seus temores e seus pensamentos logo após. Em um tratamento de internação total ou parcial, o critério principal de alta é alcançar um peso dentro de um limiar saudável e ser capaz de manter esse peso através das mudanças recém-aprendidas, como a necessidade de rotinas e horários, a adequação do conteúdo alimentar, o uso de técnicas de solução de problemas e a redução de estresse. Na manutenção ambulatorial e no tratamento com pacientes crônicos, as técnicas cognitivas ganham importância, pois ajudam a identificar pensamentos problemáticos que desencadeiem uma preocupação com o peso ou a imagem corporais, auxiliam no questionamento e no uso de recursos para lidar com esse pensamento e, em seguida, apresentam uma alternativa a comportamentos adequados que não inclua práticas de jejum e restrição de dieta. A monitoração através do diário alimentar é uma tática importante para checagem do padrão alimentar e seguimento no domicílio das estratégias aprendidas.
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Os dados de literatura sobre programas exclusivamente cognitivo-comportamentais para anorexia nervosa são restritos e, por isso, esse modelo é um acessório em um programa de recuperação de peso que, muitas vezes, necessitará do espaço de internação parcial ou total. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGRAS, W.S. et al. Cognitive-behavioural and response prevention treatments for bulimia nervosa. Journal of Consulting and Clinical Psychology, v.57, p. 215-21, 1989. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4 ed. Washington, D.C., 1994. BECK, A.T. et al. Terapia cognitiva da depressão. Zahar: Rio de Janeiro, 1982. BLOUIN, J.H. et al. Prognostic indicators in bulimia nervosa treated with cognitive-behavioral group therapy. International Journal of Eating Disorders, v.15, p. 113-123, 1994. COKER, S, et al. Patients with bulimia nervosa who fail to engage in cognitive behavior therapy. Int. J. Eat. Dis., v.13, n.1, p.35-40, 1993. CORDÁS, T.A. Avaliação da eficácia terapêutica de dois modelos de atendimento em bulimia nervosa. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 1995. (Tese de doutorado.) CORDÁS, T.A. et al. Bulimia in the third world: why not? A brazilian experience. Abstracts of the 9th World Congress of Psychiatry, Rio de Janeiro, Brasil, 1993. CORDÁS, T.A. et al. Transtornos alimentares. In: ITO, L. (Org.). Terapia cognitivo-comportamental para transtornos psiquiátricos. Porto Alegre: Artmed, 1998a. p.135-159. CORDÁS, T.A. et al. Anorexia e bulimia. O que são? Como tratar. Um guia de oreintação para pais e familiares. Porto Alegre: Artmed, 1998b. CROW, S.C.; MITCHELL, J.E. Integrating cognitive therapy and medications in treating bulimia nervosa. The Psychiatric Clinics of North, v. 19, 4, p. 75560, 1996. FAIRBURN, C.G. Cognitive-behavioral treatment for bulimia. In: GARNER, M.; GARFINKEL, P.E.(Ed.). Handbook of psychotherapy for anorexia nervosa and bulimia. New York: Guilford Press, 1985. p.160-91.
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista FAIRBURN,C.G.; COOPER, P.J. Eating disorders. In:HAWTON, K. et al. (Orgs.). Cognitive behaviour therapy for psychiatric problems. Oxford: Oxford University Press, 1989. p. 277-314. GARNER, M.; GARFINKEL, P. E. (Orgs.). Handbook of psychotherapy for anorexia nervosa and bulimia. New York: Guilford Press, 1985. p.431-57. GUIMARÃES, D.B.S.; ADES, L. The effectiveness of cognitive-behavioral therapy for bulimia nervosa: the clinical point of view. Apresentado como palestra no “Simposio Internacional de Anorexia Nerviosa y Bulimia”, Mendoza, Setembro, 1997. GUIMARÃES, D.B.S. et al. Tratamentos psicoterápicos. In: CORDÁS, T. A. Bulimia Nervosa: diagnóstico e propostas de tratamento. São Paulo: Lemos, 1998. p. 67-80.
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KLEIFIELD, E.I.; WAGNER, S.; HALMI, K.A. Cognitive-behavioral treatment of anorexia nervo-
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ANEXO I PROGRAMA DE ATENDIMENTO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA BULIMIA NERVOSA DO AMBULATÓRIO DE BULIMIA E TRANSTORNOS ALIMENTARES (AMBULIM) DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HC / FMUSP SEMANA 0 – A avaliação pelo médico, exame físico, exames complementares. O paciente recebe o guia de orientação (ANEXO II) e lhe é solicitado o preenchimento do diário alimentar de avaliação semanal. O contrato terapêutico é realizado. SEMANA 1 – Tema proposto para discussão: “O que é a doença e suas causas (teoria do “set point”), suas complicações psicológicas e físicas”, incluindo a exibição de slides ilustrativos. Discussão do diário alimentar. Orientação para suspensão de laxantes, diuréticos e outros recursos direcionados para evitar o ganho de peso. Tarefa solicitada para a próxima semana: “trazer por escrito o que entendeu a respeito de seu problema e que sentido faz em sua vida o que foi dito. SEMANA 2 – Discussão do diário alimentar. Discussão da tarefa proposta na semana anterior, retomando a discussão sobre o que é a doença e suas possíveis causas. Relembrados os tópicos do guia de orientação. (Anexo) SEMANA 3 – Discussão do diário alimentar. Orientação sobre ansiedade, propondo a discussão sobre o que é, como a ansiedade pode estar ligada ao seu comportamento alimentar e como é possível lidar com as sensações ansiosas. Treino de relaxamento. Tarefa solicitada para a próxima semana: “deverá trazer por escrito alternativas sobre o que fazer quando sentir-se ansioso ou irritado, em vez de comer”. SEMANA 4 – Discussão do diário alimentar. Discussão da tarefa proposta para a semana anterior. Discussão de dois temas: “O corpo é tão elástico como se quer (os limites orgânicos, o corpo idealizado)” e as fantasias de que o emagrecimento pode trazer felicidade”. Tarefa solicitada para a próxima semana “trazer por escrito “O que eu vou ganhar se emagrecer?” SEMANA 5 – Discussão do diário alimentar. Discussão da tarefa proposta na semana anterior. Discussão sobre os vômitos (se ainda presentes), com tentativa de introduzir procedimentos para prevenção de resposta. Tarefa solicitada para a próxima semana: “trazer por escrito uma lista de dez qualidades que julga ter”. SEMANA 6 – Discussão do diário alimentar. Discussão da estruturação do tempo livre e da tarefa proposta na semana anterior. Tarefa solicitada para a próxima semana: deverá trazer por escrito um texto com duas colunas, a primeira citando razões para continuar bulímico e a segunda com razões para abandonar esse comportamento. SEMANA 8 – Orientação familiar. Discussão do diário alimentar. Discussão da tarefa proposta na semana anterior. Solicita-se a vinda da família ou cônjuge para a próxima semana. SEMANA 9 – Orientação familiar. SEMANA 10 – Discussão do diário alimentar. Discussão com o paciente da reunião familiar. SEMANA 11 – Discussão do diário alimentar. Discussão do tema trazido pelo paciente (tema livre). SEMANA 12 – Discussão a respeito da evolução e das possibilidades de recaída.
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Orientação nutricional SEMANA 0 – (Pré-Tratamento): Peso. Anamnese alimentar – alimentos que evita, e por que razão. Dietas já realizadas, crenças e tabus alimentares. Orientação reforçando a solicitação médica para a feitura do diário alimentar. SEMANA 1 – Peso Por meio do diário alimentar, discutir os hábitos e as principais crenças. Orientação dos horários adequados para as refeições, tentando introduzir um padrão alimentar regular. Conceito de fome e saciedade. SEMANA 2 – Peso Avaliação do diário alimentar, reforçando os horários corretos para as refeições e a reintrodução paulatina de alimentos considerados perigosos. ABC da nutrição, explanando a respeito dos constituintes básicos de uma boa alimentação. SEMANA 4 – Peso Avaliação do diário alimentar, rediscutindo não apenas os horários, mas enfatizando quantidades. Como fazer compras alimentares. SEMANA 6 – Peso Avaliação do diário alimentar discutindo as possibilidades de substituição de alimentos. SEMANA 8 – Peso Avaliação do diário alimentar e da lista de substituições, restaurantes e lanchonetes. SEMANA 12 – Peso diário alimentar Discussão de uma dieta trazida pelo paciente. Material impresso explicativo sobre princípios nutricionais serão dados no decorrer das sessões.
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ANEXO II GUIA DE ORIENTAÇÃO PARA PACIENTES COM BULIMIA NERVOSA ATENDIDAS NO AMBULATÓRIO DE BULIMIA E TRANSTORNOS ALIMENTARES (AMBULIM) DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HC / FMUSP Lembre-se de que isso é muito importante Planeje antecipadamente o que e quanto você vai comer 1. Pare para pensar durante alguns períodos do dia como você está lidando com seu problema. Algumas das suas técnicas podem estar funcionando bem. Outras não. É necessário discutir isso com seu médico. 2. Planeje os seus dias antes, logo pela manhã ou na véspera evite longos períodos do comportamento não planejado ou sem atividade definida. 3. Use o diário de comportamento alimentar de maneira mais completa possível, levando-o a todos os lugares. 4. Tente comer sempre acompanhado, nunca só. 5. Não faça nada enquanto estiver comendo, exceto conversar com quem está comendo com você. Não veja televisão, não leia; ouvir música é possível, desde que isso não atrapalhe a sua concentração. Concentre-se no que come, mastigue lentamente e degluta seu alimento. 6. Planeje diariamente suas refeições e horários. O esquema usual é de três refeições: café da manhã, almoço e jantar. Dois lanches entre as refeições podem ser feitos com conteúdo e horários planejados. Lembre-se: jejuar estimula os episódios de bulimia. 7. Combine com sua família, ou se você mesmo faz as compras em sua casa, não acumule um grande estoque e não compre alimentos que você identifica como “perigosos”. 8. Carregue menos dinheiro possível se você costuma comer “demais” fora de casa. 9. Identifique os períodos de maior risco e planeje atividades não-compatíveis com o comer, como encontrar amigos, fazer ginástica ou tomar um banho, ler, etc. 10. Evite o mais possível áreas “perigosas” como cozinha, entre as refeições. Se necessário, quando sentir dificuldades de controle, saia de casa imediatamente. 11. Não se pese mais do que uma vez por semana, se necessário pare de se pesar indefinidamente. Não pense em perder peso nesse momento do tratamento. 12. Se você está pensando muito a respeito de seu peso e de seu corpo, pode ser que você esteja ansiosa (o) ou deprimida (o). Você se sente gorda (o), feia(o) quando encontra dificuldades? Discuta isso com seu médico. 13. Faça exercícios regularmente. Exercícios regulares aumentam o metabolismo basal e ajudam a diminuir o apetite, particularmente, por doces. Exercícios não são para perder peso. 14. Em mulheres, é muito importante estar atenta ao período pré-menstrual e da menstruação. 15. Não beba álcool, pode aumentar seu apetite e diminuir seu controle. 16. Reveja sempre os problemas físicos que a doença causou ou pode lhe causar. Você se lembra como pode ficar seu rosto? 17. O controle que você está tentando não é fácil, é necessário trabalhar hora após hora, mais do que dia a dia. Uma falha não justifica desistir e entregar-se a uma sucessão de falhas. Você perceberá com o tempo que cada tempo conseguido com alimentação normal reforçará seus hábitos de alimentação saudável.
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9 Transtorno de Pânico Lígia Montenegro Ito
O modelo cognitivo-comportamental do transtorno de pânico (TP) procura integrar as abordagens biológica e sociopsicológica em seus procedimentos terapêuticos. O ataque de pânico, elemento central desse transtorno, é considerado uma reação de alerta do organismo que pode ocorrer devido a situações externas, percebidas pelo indivíduo como ameaçadoras, ou sem causa aparente, por influência de fatores biológicos. Possuir história pessoal ou familiar de algum transtorno ansioso e submeter-se a um período de estresse são fatores que contribuem para o aumento da ansiedade geral e facilitam o desencadeamento do primeiro ataque. Com a repetição, esses ataques ficam condicionados a desencadeantes externos (locais ou situações) ou internos (pensamentos ou sensações corporais) que, avaliados negativamente pelo indivíduo, representam sinal de perigo iminente, de morte, de estar enlouquecendo ou perdendo o controle. Essas sensações levam a um aumento da ansiedade subjetiva, dos sintomas físicos e das antecipações catastróficas, e a pessoa torna-se apreensiva, em vigia constante, antecipando os sinais de um novo ataque. Ela pode apresentar comportamentos de esquiva e fobias de situações nas quais pense que um ataque ocorrerá, de lugares de onde seja difícil fugir ou escapar, de condições em que não possa receber ajuda imediata em caso de necessidade, de sair ou ficar sozinha.
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A Figura 9.1 apresenta esquematicamente o modelo cognitivo-comportamental do TP.
Pessoa com predisposição a ter uma reação ansiosa
! Período de estresse
! Ataque de pânico em situação de perigo
de origem biológica
! Ataques de pânico condicionados a
! Estímulos ou situações externas
Cognições ou sensações corporais
! Aumento da vigia
Cognições catastróficas
! Ansiedade antecipatória
Sintomas físicos
! Transtorno de pânico
! Ansiedade generalizada
Esquiva fóbica
Farmacodependências
Depressão
Outras complicações
Figura 9.1 Modelo cognitivo-comportamental do transtorno de pânico (Clark, 1986; Barlow, 1988).
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A terapia cognitivo-comportamental (TCC) do TP é composta por um conjunto de procedimentos que são utilizados de forma integrada e podem, para fins didáticos, ser subdivididos entre aqueles que auxiliam o paciente a lidar com os sintomas físicos da ansiedade, como o relaxamento e as técnicas cognitivas; e aqueles que visam à redução da esquiva fóbica, como a terapia de exposição aos estímulos desencadeantes dos ataques de pânico, e à modificação dos pensamentos disfuncionais, como a reestruturação cognitiva (Craske e Barlow, 1993; Lotufo-Neto e Ito, 1997). O tratamento é breve quando focaliza a redução da ansiedade geral, dos ataques de pânico e da esquiva fóbica, com duração em torno de 15 a 20 sessões. As metas da terapia são decididas em comum acordo, ou seja, terapeuta e paciente trabalham juntos em colaboração, planejando estratégias para lidar com as dificuldades enfocadas. A auto-aplicação, entre as consultas, das técnicas aprendidas é essencial para o sucesso do tratamento e fundamental para a manutenção da melhora clínica a longo prazo. As sessões são planejadas através de uma agenda que contém os alvos e as metas a serem alcançados no dia, os procedimentos que serão apresentados, a revisão de diários com as respectivas tarefas de casa, os acontecimentos importantes relacionados ao tratamento e o planejamento dos próximos passos. As tarefas de casa são fundamentais para que o paciente possa praticar os procedimentos aprendidos em consulta e verificar o grau de seu aprendizado no manejo da ansiedade e dos desencadeantes dos ataques de pânico. A utilização de diários que contêm a coleta acurada e consistente de dados durante todo o programa de tratamento permite identificar problemas e dificuldades na realização dos exercícios, adaptar as estratégias usadas e avaliar o progresso alcançado. A primeira etapa da terapia é avaliar todos os componentes do transtorno de pânico, como duração, freqüência e principalmente os desencadeantes do quadro, como fatores de estresse, dificuldades interpessoais, pensamentos ansiogênicos, sensações corporais, ansiedade antecipatória, esquiva fóbica, ataques de pânico limitados, situacionais e espontâ-
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neos. Fatores como presença de depressão ou outras patologias associadas, necessidade de medicação antidepressiva e manejo adequado de tranqüilizantes devem ser avaliados e tratados adequadamente. Problemas decorrentes de complicações desse transtorno, como os de origem familiar e conjugal, devem ser identificados e enfocados na fase inicial da terapia. Dificuldades de ordem diversa podem ser abordadas rapidamente; porém, se requererem maior tempo e atenção, os pacientes deverão ser encaminhados para uma psicoterapia mais abrangente no momento apropriado. Concluída a avaliação, inicia-se a fase de informação ao paciente de todos os aspectos da doença. O modelo cognitivo-comportamental do TP é apresentado, destacando-se o papel dos pensamentos e dos comportamentos disfuncionais no desencadeamento de um ataque de pânico e o papel das técnicas da terapia na modificação dos padrões adquiridos e condicionados. Essas explicações são repetidas ao longo do tratamento, sempre que necessário. A repetição é útil para o aprendizado do paciente, pois a ansiedade presente no início do tratamento pode prejudicar a atenção e a concentração. Nas primeira etapa da terapia, o paciente é informado sobre a hiperventilação, sua relação com os sintomas físicos do TP, e é treinado em exercícios de relaxamento muscular (Jacobson, 1938) e de controle da respiração (Barlow e Craske, 1988) para a redução e o alívio da tensão e da ansiedade geral. É importante ressaltar que, para um bom resultado terapêutico, esses exercícios devem ser praticados diariamente, nas mais diversas situações, até que o paciente esteja apto a utilizá-los nas situações desencadeantes de ansiedade ou de ataques de pânico. Em geral, duas a três sessões podem ser dedicadas a essa abordagem dos sintomas físicos da ansiedade, sendo também importante nessa fase estimular o paciente a desenvolver alguma atividade esportiva como forma de combater o estresse e a ansiedade. A seqüência de procedimentos a ser utilizada deve respeitar a predominância de sintomatologia do indivíduo. No início do tra-
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tamento, é preferível fornecer ao paciente estratégias de fácil compreensão e pronta execução, as quais facilitem o restabelecimento da sensação de controle e da autoconfiança. O paciente deve perceber que grande parte de seus comportamentos e pensamentos estão implicados na ativação e desativação de seu sistema de alerta e que, com a terapia, é possível intervir nesse processo. Técnicas cognitivas que bloqueiem expectativas negativas, como frases prontas escritas ou mentalizadas, sobre o caráter temporário e inofensivo da ansiedade são úteis e têm forte efeito quando associadas aos exercícios de relaxamento. No entanto, uma vez que um ataque de pânico tenha sido deflagrado, a melhor conduta é deixá-lo passar sozinho, pois a luta contra o mesmo apenas gera mais tensão e prolonga o estado ansioso. O confronto dos estímulos desencadeantes dos ataques de pânico deve ser feito inicialmente com o paciente imaginando-se nas situações ansiogênicas e descrevendo-as da maneira mais real possível. Sentado em uma poltrona e relaxado, o paciente deve descrever detalhadamente as sensações físicas, os pensamentos catastróficos e os comportamentos adotados na situação, como se estivesse ocorrendo naquele exato momento. Esse procedimento tem a finalidade de evocar o medo e as expectativas negativas do paciente e, através do enfrentamento, ajudar a reduzir a freqüência e a intensidade da ansiedade antecipatória. Diversas situações de dificuldade devem ser confrontadas na imaginação até que o desconforto diminua e o paciente sinta que pode tolerar a prática da exposição interoceptiva e da exposição ao vivo. Na exposição interoceptiva, tenta-se reproduzir as sensações físicas que desencadeiam ou acompanham o ataque de pânico. O modo mais fácil de provocá-las é através da hiperventilação e de exercícios como girar em uma cadeira, segurar a respiração com o tórax cheio de ar, esvaziar o tórax e cruzar os braços ao seu redor, contraindo os músculos para dentro, correr sem sair do lugar, evocando pensamentos catastróficos durante os mesmos. Pedese para o paciente praticar um exercício por alguns segundos, até a ocorrência de uma sen-
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sação física acompanhada de medo, e aguardar até que tal sensação desapareça. Esse exercício deve ser praticado primeiro na presença do terapeuta e depois como tarefa de casa. A finalidade desse tipo de exposição é treinar o paciente a enfrentar os sintomas, de forma controlada, para que ele esteja apto a lidar com uma crise de ansiedade quando esta ocorrer nas diversas situações. Esse tipo de exposição demonstrou ser eficaz na redução dos ataques de pânico (Ito et al., 1995). A exposição ao vivo é essencial no tratamento do medo e dos sintomas de esquiva. O paciente permanece em contato por tempo prolongado nas situações temidas até que a ansiedade diminua, cesse ou habitue. Na aplicação dessa técnica, o paciente constrói uma lista com as situações desencadeantes dos ataques de pânico descritas em ordem hierárquica, ou seja, começando com a que evoca o menor grau de ansiedade e enumerando-as até a de maior intensidade, podendo incluir locais físicos, como supermercados e shopping centers, situações de estresse, como reuniões de trabalho, conflito em relações interpessoais, pensamentos e sensações corporais. A auto-exposição deve ser estimulada, embora nas primeiras vezes o paciente possa ser acompanhado por um familiar ou um amigo. O acompanhante, instruído pelo terapeuta, deve ter conhecimento sobre a doença e os princípios do tratamento; também deve ser firme, porém compreensivo, oferecendo suporte e lembrando o paciente de que, ao enfrentar a situação, o medo será reduzido. Durante todas as tarefas de exposição, o paciente deve preencher, em seu diário, o grau de ansiedade vivido durante o confronto com o estímulo temido e 15 ou 20 minutos após a fim de verificar o processo de habituação. Também deve constar no diário, de maneira sistemática, a ocorrência de pensamentos associados à ansiedade. O paciente deve reconhecer como os pensamentos e a conversa consigo mesmo podem influenciar negativamente suas emoções (Beck et al., 1979; Beck e Emery, 1985) e interferir no processo de habituação da ansiedade. O terapeuta define os pensamentos negativos automáticos e orienta o paciente a identificá-los e monitorá-los antes e durante
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uma crise de pânico. Perguntas como “O que você conversava consigo mesmo na situação?”, “O que você imaginava que poderia acontecer?” podem facilitar a identificação dos processos cognitivos associados à ansiedade. As técnicas cognitivas descritas a seguir são ensinadas ao paciente para serem aplicadas na vigência de ansiedade e durante as situações de exposição. Na sessão, paciente e terapeuta examinam os pensamentos negativos automáticos coletados na vigência de ansiedade ao longo de uma semana. O paciente é estimulado a explorar alternativas para esses pensamentos, questionando sua veracidade e reduzindo, assim, o caráter catastrófico dos mesmos. Exemplos recentes na vida do paciente podem ser avaliados, como, por exemplo, alguma situação em que ele previu um resultado desagradável que posteriormente não ocorreu, porque ajudam a ilustrar a rigidez do pensamento ansioso. A seguir, ensina-se o paciente a analisar os pensamentos como uma hipótese a ser testada, e não como um fato definitivo. Para isso, deve reconhecer os principais erros de lógica cometidos, como chegar a uma conclusão sem ter evidências e sem considerar todos os aspectos da situação; fazer uma previsão baseado em um número limitado de eventos passados; confundir probabilidade de ocorrência de um evento com certeza de sua ocorrência; pensar em termos de tudo ou nada, negando as nuances ou formas intermediárias de acontecimento, etc. A análise dos erros de lógica auxilia na percepção do caráter disfuncional e irreal dos pensamentos associados à ansiedade, os quais produzem mal-estar e colaboram para a manutenção do quadro. A abordagem dos processos cognitivos relacionados à ansiedade também inclui a discussão detalhada dos fatores temidos, examinando medidas de atitudes ou comportamentos que podem ser tomados e que não foram levados em consideração anteriormente. Delinear as conseqüências específicas do acontecimento temido facilita a conscientização de que há alternativas e de que as conseqüências são manejáveis, suportáveis e limitadas no tempo. Além disso, deve-se estudar as situações sobre as quais o paciente não tem controle ou res-
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ponsabilidade e focalizar aquelas em que pode atuar de maneira mais eficaz, ou que apresentem maiores chances de mudança. No teste de hipótese, o paciente deve examinar se uma determinada antecipação é verdadeira ou não através de uma experiência planejada, onde tenha condição de sucesso. O próprio diário de tarefas de casa pode conter evidências de que, apesar dos sintomas de pânico e ao contrário de suas expectativas negativas, o paciente é capaz de realizar atividades de maneira satisfatória. A auto-sugestão pode ser útil para ajudar a lidar com medos, crenças ou tarefas que desencadeiem ansiedade. O paciente deve formular frases que melhorem o seu autocontrole quando se prepara para o confronto com uma situação temida, quando se depara com o estresse e após enfrentar a situação temida. Ele deve lembrar que tem controle sobre si próprio, mesmo na vigência de um ataque de pânico: apesar do desconforto provocado pela situação, pode, conversando consigo mesmo, entrar e conseguir permanecer na mesma. É o confronto com a situação e a avaliação correta e realista dos sintomas físicos e dos pensamentos associados que produz os melhores efeitos terapêuticos. A parada do pensamento e as técnicas de focalização da atenção têm o objetivo de aumentar o controle do paciente sobre seus pensamentos e suas imagens. A ruminação ansiosa pode ser interrompida com a imaginação da palavra “PARE!” ou com a visualização de um sinal de trânsito aceso no vermelho. Após a interrupção, a atenção deve estar voltada para os detalhes da atividade que está sendo realizada. Deve-se evitar a distração com pensamentos de que não se está na situação, ou de que não sente as sensações corporais do pânico. O ideal é perceber as sensações, lidando com os pensamentos catastróficos irrealistas que as acompanham. Os métodos descritos são aplicados a partir do material coletado semanalmente e descrito nos diários do paciente. A ordem de aplicação ocorre de acordo com o andamento da terapia, em que a reestruturação cognitiva está relacionada à modificação de comportamentos como medo e esquiva (Clark, 1989). Se o objetivo estende-se para a modificação das
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“crenças básicas”, que foram adquiridas precocemente na vida do indivíduo e que modulam o seu modo de perceber, sentir e lidar com o mundo, é necessária uma abordagem cognitiva de enfoque mais amplo. Nesse caso, é preciso investigar profundamente a história de vida da pessoa para identificar como suas crenças formaram-se e consolidaram-se ao longo do tempo. O tratamento é concluído quando as metas tiverem sido atingidas. Alguns sintomas ainda podem persistir nessa fase, mas não devem causar prejuízo. O paciente é orientado a dar continuidade ao emprego das técnicas aprendidas e alertado sobre a possibilidade de recaída. É importante que o terapeuta discuta com o paciente suas expectativas em relação à manutenção de sua melhora clínica, enfatizando a aprendizagem de controle dos sintomas e as habilidades adquiridas ao longo do processo de terapia. É útil oferecer um folheto impresso, contendo os principais passos do tratamento e lembretes importantes sobre o manejo das técnicas, para que possa ser utilizado, se necessário, na recorrência do quadro. Sessões de seguimento ajudam a esclarecer dúvidas do paciente em relação às tarefas desempenhadas no pós-tratamento e auxiliam no manejo dos aspectos de maior dificuldade. Para que a autoconfiança e a independência do paciente sejam estimuladas, as sessões de seguimento devem ser espaçadas, com periodicidade quinzenal e depois mensal, até a alta propriamente dita. No tratamento desse transtorno, a TCC produz inúmeros benefícios para a grande maioria dos pacientes, reduzindo significativamente os sintomas clínicos. Os ganhos terapêuticos obtidos produzem, em geral, aumento da autoconfiança, assertividade e auto-estima, melhorando a qualidade de vida desses pacientes. De fato, é comum o relato de estabilidade do humor em decorrência da sensação de controle sobre os sintomas ansiosos após a TCC. No entanto, algumas dificuldades podem surgir durante a terapia, as quais devem ser abordadas precocemente para que não interfiram na evolução do tratamento. A TCC tem interação positiva com antidepressivos, mas
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seus efeitos podem ser anulados na vigência de altas doses de benzodiazepínicos e álcool, uma vez que essas substâncias impedem o processo de habituação e a aquisição de aprendizado (Marks, 1987). O paciente que comparece à consulta sob o efeito de tranqüilizantes deve ser alertado sobre a impossibilidade de realização do trabalho nessas condições. Pacientes com longo tempo de duração da doença compreendem o princípio do tratamento e aprendem a controlar sua ansiedade durante os procedimentos executados na consulta, porém são incapazes de reproduzir tal atitude ao vivo nas situações temidas. Isso pode ocorrer em função de inúmeras variáveis, como dependência desenvolvida junto aos familiares, esquiva como um hábito ou ainda acomodação à limitação. Essas e outras possibilidades devem ser enfocadas durante a terapia e analisadas como um obstáculo à melhora do transtorno. Procedimentos como a exposição podem ser rigorosos e requererem várias tentativas por parte do paciente, até a obtenção do alívio de sintomas. Não é raro o paciente despender vários meses de dedicação intensa para completar tarefas mais difíceis. Além disso, a TCC é considerada como um tipo de terapia de alta demanda, pois exige participação ativa do paciente, através da execução de tarefas prescritas, como lição de casa e preenchimento de diários, que funcionam como coleta de informação sobre o problema e orientam o andamento da terapia. O terapeuta deve incentivar cada etapa percorrida pelo paciente e a adesão às técnicas, enfatizando a importância da aquisição da nova aprendizagem no processo de enfrentamento do medo. O esforço sistemático e o desconforto decorrentes da exposição podem, inicialmente, produzir a intensificação momentânea de sintomas de ansiedade, os quais tendem a desaparecer ao longo do tratamento. Entretanto, essa reação inicial pode ser responsável pela rejeição ao tratamento, incluindo abandono e não-adesão. O terapeuta deve antecipar esse tipo de dificuldade para o paciente e mostrar-se disponível a dar suporte, tanto pessoalmente quanto por meio de contatos telefônicos, sempre que necessário.
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Uma vez que os resultados terapêuticos da TCC tendem a ser específicos aos problemas enfocados, a evolução em áreas que não são priorizadas no tratamento pode ser restrita. Como conseqüência disso, muitos pacientes apresentam melhora parcial do quadro, fator que pode estar relacionado a uma recaída. Para esses casos, algumas sessões de reforço podem auxiliar no restabelecimento da autoconfiança e facilitar a adesão ao retorno para o programa de tratamento. Após o término da terapia, muitos pacientes ainda apresentam sintomas residuais de ansiedade, como apreensão, intolerância e impaciência, que às vezes são interpretados como presságios de um ataque. Embora tenham aprendido a impedir a ocorrência de um ataque de pânico, sentem-se decepcionados e queixam-se de não ter atingido a “normalidade”. O esclarecimento desses sintomas e a discussão sobre o tempo requerido para maior estabilidade do humor podem oferecer alguma tranqüilidade, mas uma possível recaída é sempre vista com medo, frustração e desânimo. Estudos recentes têm-se dedicado à investigação dos aspectos envolvidos na resposta ao tratamento e ao aperfeiçoamento das técnicas cognitivo-comportamentais. Os resultados sugerem que a gravidade geral da doença, envolvendo longa duração, disfunção cognitiva, déficits comportamentais graves, dificuldades interpessoais, conjugais e familiares, e não apenas um aspecto isolado, podem contribuir para a resposta terapêutica, independentemente do tipo de tratamento utilizado (Basoglu et al., 1988). A comorbidade com outros quadros psiquiátricos, como alcoolismo, uso de drogas e transtornos de personalidade, também são um obstáculo ao tratamento. Por outro lado, características como responsabilidade pessoal para mudança, otimismo em relação a abordagens psicoterapêuticas, compreensão e aceitação do modelo da TCC podem facilitar a resposta terapêutica. De qualquer forma, o diagnóstico preciso, a avaliação detalhada do problema e o exame de critérios como obstáculos e aspectos facilitadores devem ser considerados na indicação de um paciente para essa abordagem terapêutica.
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Vale ressaltar que o terapeuta que utiliza os recursos técnicos da abordagem cognitivocomportamental deve estar atento a outras áreas de dificuldade do paciente que possam emergir ao longo da terapia e que não constituíam o enfoque principal. A identificação desses aspectos e do papel do problema que o trouxe à consulta deve ser considerada em cada circunstância particular. É importante ajudar o paciente a reconhecer essas questões e, quando necessário, encaminhá-lo a uma terapia psicológica mais abrangente para que o problema seja abordado. Investigações futuras devem identificar as características de pacientes com transtorno do pânico que não respondem especificamente à TCC e determinar como esse tratamento pode ser aprimorado. A aplicação de uma terapia, respeitando-se as particularidades de cada caso e procedenco-se à escolha da técnica de acordo com a predominância sintomatológica, pode resultar em maior efeito terapêutico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARLOW, D.H. Anxiety and its disorders: the nature and treatment of anxiety and panic. New York: Guilford, 1988. BARLOW, D.H.; CRASKE, M.G. Mastery of your anxiety and panic: manual available from the Center for Stress and Anxiety Disorders, 1535 Western Avenue, Albany, New York 12203, 1988. BASOGLU, M. et al. Predictors of improvement in obsessive-compulsive disorder. Journal of Anxiety Disorders, v.2, p.299-317, 1988. BECK, A.T. et al. Cognitive therapy of depression. New York: Guilford Press, 1979. BECK, A.T.; EMERY, G. Anxiety disorders and phobias: a cognitive perspective. New York: Basic Books, 1985. CLARK, D.M. A cognitive approach to panic. Behaviour Research and Therapy, v.24, p.461-470, 1986. CLARK, D.M. Anxiety states: panic and generalized anxiety. In: Hawton, K. et al.(Eds.). Cognitive behaviour therapy for psychiatric problems: a practical guide. Oxford: University Press, 1989. p.52-96.
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista CRASKE, M.G.; BROWN, T.A.; BARLOW, D.H. Behavioural treatment of panic disorder: a two-year follow-up. Behaviour Therapy, v.22, p.289-304, 1993. ITO, L.M. et al. Does exposure to internal cues enhance exposure to external cues in agoraphobia with panic? A pilot control study of self-exposure. Psychotherapy and Psychosomatics, v.65, p.24-28, 1995.
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JACOBSON, E. Progressive relaxation. Chicago: University of Chicago Press, 1938. LOTUFO-NETO, F.; ITO, L.M. Transtorno de pânico com agorafobia. In: ITO, L.M. (Ed.). Terapia cognitivo-comportamental para os transtornos psiquiátricos. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1997. MARKS, I.M. Fears, phobias and rituals. Oxford: Oxford University Press, 1987.
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10 Depressão Cristiana Vallias de Oliveira Lima
CONSIDERAÇÕES INICIAIS A depressão é um transtorno de humor que tem como principais sintomas: tristeza, perda de interesse e de prazer, sensação de vazio, apatia e falta de energia. Associados a isso, podem surgir sentimento de culpa e pensamentos negativos, como ser um fardo para a família e não tem valor como pessoa. Os indivíduos deprimidos podem tornarse irritados, ansiosos e excessivamente críticos consigo mesmos. Sintomas somáticos podem incluir insônia, perda de peso, concentração diminuída, retardo psicomotor e diminuição da libido. A desesperança também pode crescer, levando a um desejo de morte, ou seja, a pensamentos suicidas. Pesquisas revelam que o tratamento conjugado de medicação e terapias em especial, a chamada terapia cognitiva, é o mais eficaz e rápido para uma melhora ou remissão do quadro de depressão (Peso et al., 1997; Blackburn e Moore, 1997). Para a prevenção de novos episódios depressivos, a terapia cognitiva é mais efetiva do que o tratamento medicamentoso (Teasdale et al., 1995). O MODELO COGNITIVO DA DEPRESSÃO A terapia cognitiva fundamenta-se na premissa de que o comportamento e a emoção de
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uma pessoa são determinados, em grande parte, pela forma como ela estrutura o mundo em termos de suas cognições, abrangendo eventos verbais ou pictóricos no fluxo da consciência. O modelo cognitivo de Aaron Beck (Beck et al., 1997) pressupõe dois elementos básicos: 1. Tríade negativa: consiste na tendência da pessoa deprimida a possuir uma visão negativa de si mesma (ela se percebe como inadequada, doente, incapaz, carente ou fraca); uma visão negativa do presente (não consegue perceber o valor das atividades que realiza, das relações que estabelece, e vê o mundo como fazendo exigências exageradas sobre si e apresentando obstáculos insuperáveis para atingir suas metas de vida) e uma visão negativa do futuro (não acredita que a situação atual possa mudar; por isso, não faz planos para o futuro). 2. Distorções cognitivas: são erros sistemáticos na percepção e no processamento de informações. Na depressão, essas distorções caracterizamse como uma estruturação das experiências do indivíduo de uma forma absolutista, moralista, invariante e irreversível (Beck, 1999).
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Mediante a investigação do conteúdo das cognições dos pacientes deprimidos, Beck e colaboradores (1997) criaram uma tipologia das distorções cognitivas: a) Inferência arbitrária: conclusões tiradas sem evidências reais. Por exemplo: uma pessoa é chamada pelo chefe e, ao receber o recado, o primeiro pensamento que lhe vêm é: “Vou ser despedido, fiz alguma coisa errada”. b) Abstração seletiva: fixação em um detalhe do contexto global, sem considerar outros fatores. Por exemplo: uma pessoa vai a uma festa e, ao chegar, passa por alguma situação constrangedora (derrubar um copo de vinho no vestido). No dia seguinte, perguntada sobre a festa, diz que foi péssima, não levando em conta que após o incidente divertiu-se muito. Essa pessoa fixou-se apenas no primeiro evento como o “único” negativo da noite. c) Supergeneralização: estabelecimento de regras e de conclusões gerais baseadas em um ou mais incidentes isolados e aplicação do conceito indiscriminadamente a situações relacionadas (ou não). Por exemplo: uma pessoa faz um jantar e percebe que colocou sal em excesso na carne; então, ela pensa: “Eu não sirvo mesmo pra nada, não faço nada direito”. d) Maximização e minimização: dificuldade em avaliar o significado e a magnitude do evento. Por exemplo: uma professora é escolhida para ser paraninfa de uma formatura e pensa: “Eles devem ter me escolhido porque não me conhecem muito bem”. e) Personalização: tendência para relacionar eventos externos à sua própria pessoa, mesmo que sem base para estabelecer tal relação. Por exemplo: um funcionário cumprimenta um colega de serviço, mas este não lhe diz nada e fica com a cabeça abaixada. Então, o
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primeiro pensamento que lhe vem à cabeça é: “Ele não deve gostar muito de mim”, embora não haja evidências suficientes para chegar a tal conclusão. f) Classificação dicotômica: tendência a pensar em termos de extremos. Por exemplo: “Eu sou um péssimo profissional, péssimo pai e péssimo marido”. As distorções cognitivas permeiam todos os sintomas afetivos, comportamentais e motivacionais da pessoa deprimida. São compostas por pensamentos automáticos negativos (pensamentos rápidos, breves, de conteúdo negativo, os quais invadem a consciência) e por esquemas disfuncionais (padrões cognitivos estáveis, adquiridos no decorrer da vida do indivíduo, desde a sua infância, pelos quais avalia e categoriza suas experiências). A TERAPIA COGNITIVA As sessões terapêuticas devem ser estruturadas, porém com uma flexibilidade maior, ou seja, o terapeuta pode utilizar os 15 minutos iniciais da sessão para que o cliente fale livremente de seus sofrimentos e de suas angústias e depois retornar aos itens convencionais que compreendem: a) verificar o humor: através de escalas como o Inventário para Depressão de Beck (Beck et al., 1961) e a Escala Hamilton para Depressão (Hamilton, 1960). O terapeuta também pode criar com o cliente uma escala individual, levando em conta as características da depressão desse cliente; b) fazer uma ponte com a sessão anterior; c) estabelecer uma agenda para a sessão; d) verificar as tarefas de casa; e) conversar sobre os tópicos da agenda; f) definir uma nova tarefa para a semana; g) oferecer feedback e um resumo final da sessão: através disso, o terapeuta avalia não só os ganhos e as dificuldades encontradas durante o atendimen-
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to, mas também a compreensão do cliente sobre o que foi abordado durante a sessão.
Estrutura das sessões Nas primeiras sessões, realiza-se uma avaliação do caso, denominada de conceituação, que é uma definição dos problemas do cliente segundo os princípios da terapia cognitiva. Tal conceituação fornecerá para o terapeuta uma estrutura para o entendimento do cliente, podendo responder a perguntas como: Qual o diagnóstico do cliente? Quais crenças disfuncionais estão associadas ao quadro de depressão? Quais reações (fisiológicas, emocionais e comportamentais) estão associadas ao seu pensamento? Quais mecanismos cognitivos, afetivos e comportamentais foram desenvolvidos para enfrentar as crenças disfuncionais? Quais aprendizagens e experiências antigas contribuíram para o surgimento de seus problemas atuais?. Dessa forma, o terapeuta começa a construir uma conceituação cognitiva durante seu primeiro contato com o cliente e continua a defini-la até a última sessão (Beck et al.,1997). Nas depressões, sobretudo naquelas consideradas graves, é importante que haja inicialmente uma preocupação com o alívio de sintomas e que as queixas sejam traduzidas em problemas solucionáveis para o cliente (definição dos problemas-alvo). Por exemplo, uma cliente chega à sessão com a seguinte verbalização: “Estou achando minha vida uma droga, eu não faço nada direito e também me sinto muito sozinha”. Outro ponto de fundamental importância é o de educar o cliente sobre o modelo da terapia cognitiva e sobre o seu transtorno (no caso, o depressivo). Isso se dá através de exemplos trazidos pelo cliente, através de folhetos ou da leitura de uma bibliografia indicada pelo terapeuta. Nas sessões intermediárias, deve-se ensinar o cliente a observar seus pensamentos automáticos, ensinando-o a identificá-los e dis-
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tinguindo-os de suas emoções. Para tanto, utilizam-se aquelas situações que foram trazidas pelo cliente em terapia por meio da técnica do registro de pensamento automático (RPA). Com clientes muito deprimidos, usa-se um RPA mais simplificado, assim como a solicitação de metas menos exigentes (por exemplo, registrar dois pensamentos por dia ligados à depressão e/ou observar os pensamentos durante 30 minutos). Ao se fazer isso, apresenta-se ao cliente o conceito de distorções cognitivas e algumas técnicas cognitivas (por exemplo, o questionamento socrático, o RPA, a reatribuição cognitiva), que permitam avaliar a precisão dos pensamentos automáticos e das bases nos quais os mesmos estão fundamentados. Em um segundo momento, associam-se as distorções cognitivas aos esquemas cognitivos mais amplos. Dados da história pessoal são levantados para que se tenha um apanhado do desenvolvimento pessoal do cliente e dos fundamentos de sua identidade. É nessa fase que se reorganiza a disposição de suas crenças disfuncionais. A abordagem terapêutica que compreende as técnicas a serem utilizadas é escolhida ou mesmo modificada de acordo com as necessidades específicas de cada cliente. Nas depressões, o terapeuta concentra-se primeiro em diminuir seu isolamento e tenta engajá-lo em atividades que sejam mais construtivas. Algumas técnicas comportamentais (por exemplo, o agendamento de tarefas, a técnica de domínio e prazer) são usadas com o objetivo de produzir mudanças de atitudes negativistas, servindo como experimentos projetados para testar a validade das hipóteses ou das idéias que o cliente traz a respeito de si mesmo e do mundo. Todavia, nesse tipo de transtorno, o cerne do trabalho do terapeuta cognitivo baseia-se em algumas técnicas que visam a reestruturar a organização cognitiva do cliente, aquela estrutura que vem apresentando-se de maneira desfuncional. Descreveremos a seguir algumas das técnicas citadas.
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Técnicas comportamentais No agendamento de tarefas (Beck et al., 1997), o cliente anota diariamente o que fará dutrante o dia, de preferência de hora em hora (por exemplo: 8h – tomar café / 9h – ver TV / 10h – andar). O uso de agendas serve para neutralizar a perda de motivação, assim como a inatividade e a preocupação do cliente com idéias depressivas. A técnica permite que ele mantenha um certo nível de atividade, porém é importante enfatizar que ninguém realiza efetivamente tudo o que planeja ou, mesmo que não obtenha êxito, deve lembrar que tentar cumprir os planos é um dos passos mais importantes nesse momento. Essa técnica ainda tem a vantagem de ajudar o cliente a testar seus pensamentos negativos e a extrair evidências concretas para refutar alguns de seus pensamentos. A técnica de domínio e prazer (Beck et al., 1997) visa a identificar o fato de que alguns clientes engajam-se em atividades que sentem pouco prazer e, freqüentemente, essa falha de gratificação é resultante de pensamentos negativos que neutralizam qualquer sentimento de prazer, contribuindo para o estado de depressão. O terapeuta, então, pede ao cliente para escrever o grau de domínio e de prazer que está associado às atividades realizadas por ele. O termo domínio refere-se a um sentimento de realização durante o desempenho de uma atividade específica, e o prazer refere-se aos sentimentos agradáveis associados a essa mesma atividade. Portanto, ambos podem receber graus (notas atribuídas) que vão de uma escala de 0 até 5 pontos, onde “0” representa o mínimo, e “5”, o máximo. Ao utilizar uma escala graduada, o cliente é levado a perceber e/ ou admitir seus sucessos parciais e a reconhecer os pequenos graus de prazer desfrutados durante o dia, conforme abaixo exemplificado:
Assistir à TV .................... Andar .............................
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Técnicas de reestruturação cognitiva O método socrático (Seeskin, 1987) é um questionamento sistemático, cujo objetivo é o de desenvolver no cliente um raciocínio autônomo, por meio do qual ele possa questionar algumas de suas evidências, criando, assim, alternativas de pensamentos e novas avaliações das conseqüências de seu modo de pensar. Enfatizamos o uso de uma avaliação racional com a possibilidade de transformar o sofrimento pessoal do cliente em movimentos de autoexploração. Por exemplo, se um cliente afirma na sessão: “Hoje é meu aniversário e ninguém me telefonou... portanto, ninguém gosta de mim”, talvez o clínico possa formular algumas perguntas estratégicas: O que seria um bom amigo para você? Como são seus amigos atuais (suas características presentes e passadas)? Você sempre consegue preencher esses critérios na vida real para encontrar um verdadeiro amigo? Assim, deve-se ter cuidado ao usar o questionamento socrático no sentido de favorecer algumas reflexões, e não transformar a sessão em um interrogatório pessoal. Na técnica da reatribuição cognitiva (Beck, 1999), o terapeuta e o cliente reexaminam os fatos relevantes para tentar definir a multiplicidade de fatores externos que contribuíram para a criação da experiência adversa. Os clientes deprimidos são mais propensos a desenvolver uma autocrítica exacerbada e uma recriminação pessoal intensa, movimento resultante das conseqüências negativas dos eventos que ocorreram “fora de seu controle”. Obtendo um maior grau de objetividade na análise das situações, o cliente pode reavaliar seus pensamentos e buscar formas alternativas de evitar as situações ruins, prevenindo suas recorrências. Vejamos o exemplo de um cliente que, afirmando ter tido gastos excessivos em seu cartão de crédito após uma viagem, chega à sessão angustiado e diz: Cliente (C): Eu não faço nada direito... eu estou ferrado. Aquela viagem que fiz foi um grande erro, fui muito inconseqüente!
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Terapeuta (T): Por que você está sendo tão negativo e duro com você mesmo? Cliente (C): Aquela viagem que eu fiz com minha esposa aos Estados Unidos no mês passado, lembra? Eu paguei tudo no cartão de crédito e agora o dólar subiu e estou tendo que pagar muito, mas muito mais! Como fui burro! Aliás, como eu “sempre” sou burro! Terapeuta (T): Você lembra como foi o processo de decisão da viagem? Cliente (C): Acho que sim... me lembro de que conversei com minha esposa e com meu cunhado que trabalha numa agência de turismo para ver se os preços estavam bons. Terapeuta (T): E quais foram as informações que você obteve? Cliente (C): Hum... que era um bom período e que o dólar estava bem estável. Terapeuta (T): Então, você tinha todas as informações necessárias para tomar sua decisão, não foi? Cliente (C): Acho que sim, mas acabei me ferrando... como sempre! Terapeuta (T): Teria algo que você pudesse fazer para evitar o que está acontecendo agora? Cliente (C): Acho que não... Terapeuta (T): É... eu também acho que não. Então, vamos avaliar o porquê de você estar se achando “tão” incompetente? O terapeuta ajuda o cliente a identificar as possíveis causas de sua dificuldade, enfocando o papel de sua autocrítica negativa e, com isso, externando a causa de sua angústia. Na técnica do registro de pensamento automático (RPA), já citada, o cliente aprende a observar, identificar e reestruturar seus pensamentos automáticos, assim como as emoções que estão associadas a eles.
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Voltando à estrutura geral da terapia, as sessões finais são direcionadas aos ganhos terapêuticos e à prevenção da recaída. No decorrer das sessões, o terapeuta reforça as melhoras progressivas do cliente. Se a depressão melhorou e o terapeuta percebe que o cliente aprendeu as técnicas necessárias para lidar com os aspectos cognitivos e comportamentais do seu transtorno de humor, ele vai preparando o cliente para o término da terapia, ou seja, vai revisando as técnicas aprendidas e enfatizando que elas poderão ser usadas em diversas situações. Presume-se que o cliente deixe a terapia com os aspectos fundamentais da terapia cognitiva bem-incorporados para que nas situações de tensão possa rapidamente: a) decompor os grandes problemas em componentes menores ou mais manejáveis, b) gerar respostas alternativas para os problemas, c) identificar, testar e responder aos pensamentos automáticos e às crenças disfuncionais e d) usar o RPD. Vale lembrar que, nessa fase, o terapeuta vai espaçar as sessões até decidir o momento de término definitivo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A terapia cognitiva tem-se mostrado benéfica para os clientes com depressão, porque instrumentaliza-os a serem seus próprios terapeutas, ensinando técnicas para reestruturar suas cognições em três diferentes patamares: pensamentos automáticos, distorções cognitivas e esquemas (ou crenças). Com isso, ao alterarmos suas emoções e seus comportamentos, podemos muni-los para melhorar sua qualidade de vida. Essas mudanças ocorrem em um tempo e em um ritmo diferentes para cada cliente. Algumas vezes, os clientes não respondem à terapia cognitiva por diversos motivos: dificuldade em estabelecer um vínculo cooperativo, dificuldades intelectuais, transtornos de personalidade associados, piora no quadro depressivo, etc. No entanto, a terapia cognitiva enfatiza e valoriza a importância do vínculo terapêutico e os aspectos humanos dessa interação, respeitando o cliente como pessoa e
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tentando, sempre que possível, ter uma visão global do paciente e de sua problemática. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECK, A.T. et al. Terapia cognitiva da depressão. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1997. ___________ . A inventory for measuring depression. Archives of General Psychiatry, v.4, p.561-571, 1961. BECK, J. S. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 1999. BLACKBURN, I.M.; MOORE, R.G. Controlled acute and follow-up trial of cognitive therapy and pharmacotherapy in out–patients with recurrent depression. British Journal of Psychiatry, v.1, p.328334, 1997.
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HAMILTON, M. A rating scale for depression. Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, v. 23, p.56-62, 1960. PESO, P.L. et al. A prospective test of criteria for response, remission, relapse, recovery and recurrence in depressed patients treated with cognitive behavior therapy. Journal of affective disorders, v.43, p.131-142, 1997. SEESKIN, K. Dialogue and discovery: a study in socratic method. Albany: State University of New York Press, 1987. TEASDALE, J.D. et al. How does cognitive therapy prevent relapse and why should attentional control (mindfulness) training help? Behavior Research Therapy, v. 33, n.1, p.25-39, 1995.
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11 Transtorno Obsessivo-Compulsivo Carlos Eduardo Leal Vidal Raquel Gonçalves Wanderley
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
QUADRO CLÍNICO
Embora o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) esteja recebendo maior atenção recentemente, quadros clínicos idênticos aos observados hoje foram descritos há mais de 300 anos. Essas descrições iniciais focalizaram diferentes aspectos da síndrome, refletindo a cultura prevalente de cada observador (Insel, 1990). Em uma concepção médica, a primeira descrição de um quadro obsessivo, na literatura psiquiátrica, foi realizada por Esquirol em 1838 (Jenike, 1995). A partir de então, outros relatos foram feitos, variando também com o momento histórico e a orientação teórica predominante. No entanto, essas diferentes perspectivas compartilharam um ponto comum: considerar o TOC como um dos transtornos mais resistentes ao tratamento, sendo invulnerável a toda classe de psicoterapias, por mais prolongadas e profundas que fossem (Fernandez, 1977). Essa postura perdurou até a década de 80, quando o desenvolvimento de novos fármacos e o aprimoramento das técnicas cognitivo-comportamentais promoveram o alívio sintomático dos pacientes e melhoraram o prognóstico a longo prazo.
O TOC caracteriza-se pela presença primária de obsessões ou compulsões persistentes e recorrentes, que consomem tempo, causam sofrimento e interferem de forma significativa nas relações sociais e nas atividades do indivíduo. As obsessões são idéias, pensamentos, impulsos ou imagens persistentes, experimentadas como intrusivas, inadequadas e desagradáveis, reconhecidas como produtos da própria mente que o paciente tenta ignorar, suprimir ou neutralizar com algum outro pensamento ou ação. As compulsões são comportamentos ou atos mentais repetitivos que o indivíduo é levado a executar com o objetivo de prevenir ou reduzir a ansiedade ou o sofrimento, geralmente em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que devem ser seguidas rigidamente (APA, 1994). Entretanto, a simples presença de compulsões e/ou de obsessões não é suficiente para estabelecer um diagnóstico, sendo necessário que os sintomas estejam presentes na maioria dos dias por, no mínimo, duas semanas consecutivas e sejam uma fonte de angústia ou de interferência nas atividades. Além disso, os sin-
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tomas devem ser reconhecidos como próprios do indivíduo (OMS, 1993). Nesse sentido, vale lembrar que outros transtornos, como depressão e esquizofrenia, podem cursar com sintomas obsessivos e que estes podem ser manifestações normais em certas fases da vida, como infância, gravidez e puerpério (Torres e Smaira, 2001). O TOC pode manifestar-se sob várias formas clínicas, sendo mais freqüente a ocorrência simultânea de obsessões e compulsões, embora existam pacientes só obsessivos e, mais raramente, só compulsivos (Torres, 2001). Entre os sintomas mais comuns, são citadas as obsessões de contaminação e agressão e as compulsões de limpeza e verificação, que têm se mostrado como sintomas universais do TOC, independentemente de diferenças geográficas, históricas, étnicas, culturais e econômicas (DelPorto, 2001). No Quadro 11.1, estão listados os sintomas mais comumente observados nos pacientes, agrupados em forma resumida, seguindo-se o modelo apresentado na lista de sintomas da Escala de Obsessão e Compulsão de Yale-Brown (Asbahr, 2000).
Em quase todos os pacientes, as obsessões e as compulsões são múltiplas, com variação na intensidade, no tema ou no tipo de sintoma com o passar do tempo, observando-se desde formas mais leves até quadros graves e incapacitantes (Torres, 2001). Esses pacientes podem apresentar períodos de melhora ou piora dos sintomas, mas sem que ocorra remissão completa na grande maioria dos casos (Miranda e Bordin, 2001; Skoog e Skoog, 1999). Na prática, observa-se que determinadas situações ou eventos de vida podem precipitar, agravar ou mesmo amenizar a sintomatologia. EPIDEMIOLOGIA O TOC é uma doença crônica, que atinge igualmente a ambos os sexos e que inicia, na maioria dos casos, na infância ou na adolescência, tendo início mais precoce nos homens (Del-Porto, 2001; Hounie et al., 2001; Lensi et al., 1996). O surgimento dos sintomas após os 50 anos está geralmente associado a distúrbi-
Quadro 11.1 Principais sintomas observados no transtorno obsessivo-compulsivo Obsessões Obsessões de agressão: medo de se ferir ou de ferir os outros, medo de imaginar cenas violentas, medo de dizer obscenidades involuntariamente, medo de roubar ou furtar, medo de ser responsável por algo de terrível que aconteça. Obsessões de contaminação: preocupação ou nojo por excrementos ou secreções do corpo, preocupação com sujeira ou micróbios, preocupação em ficar doente por contaminação, preocupação excessiva com artigos domésticos ou com animais. Obsessões sexuais: pensamentos, imagens ou impulsos sexuais perversos ou proibidos. Obsessões religiosas: preocupação excessiva com sacrilégios, com blasfêmias, com a moralidade, com a dicotomia certo/errado. Obsessões gerais: necessidade de simetria ou de exatidão; colecionismo; sons, palavras, números ou músicas intrusivos. Compulsões Compulsões de limpeza/lavagem: lavagem excessiva ou ritualizada das mãos, higiene pessoal ritualizada ou excessiva, limpeza excessiva da casa. Compulsões de verificação: verificação de fechaduras, fogão, utensílios domésticos; verificar se não feriu outras pessoas, verificar se não cometeu erros. Rituais de repetição: reler, apagar ou escrever, necessidade de repetir atividades rotineiras. Compulsões de contagem: objetos, números, palavras e repetição de palavras ou versos que são ditos para o próprio paciente, sem externá-las. Compulsões gerais: necessidade de tocar, falar, perguntar; necessidade de efetuar listas excessivas.
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os neurológicos (Weiss e Jenike, 2000; Scicutella, 2000). Até meados da década de 80, o TOC era considerado uma doença rara e, somente após estudos mais recentes, passou-se a dar maior importância ao transtorno e às doenças relacionadas a ele (Del-Porto, 2001). Atualmente, apesar das diferenças existentes entre alguns estudos, podemos estimar a prevalência do TOC entre 1 a 3% da população (Stein et al., 1997; Fireman et al., 2001; Araújo, 1998). Pelo sofrimento que causa ao paciente e aos familiares, bem como pelos prejuízos que acarreta na vida do indivíduo, o TOC representa uma doença de grande importância para a saúde pública, situando-se entre as 10 doenças (de todas as especialidades) que têm maior impacto sobre a incapacitação social (DelPorto, 2001).
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res de quadros obsessivos, interferindo no curso, na evolução, no prognóstico e na resposta ao tratamento (Petribú, 2001). De fato, cerca de metade dos pacientes apresentam algum transtorno comórbido, principalmente depressão, e um número significativo – 50 a 80% – preenche critérios para algum transtorno de personalidade (Baer, Jenike e Ricciard, 1990; Joffe, Swinson e Regan, 1988). Em ambos os casos, mas sobretudo com relação aos transtornos de personalidade, a comorbidade associa-se a uma pior resposta ao tratamento farmacológico e cognitivo-comportamental. Entre os transtornos de personalidade, o que parece estar associado de forma mais consistente e com maior resistência ao tratamento é o transtorno de personalidade esquizotípico (Jenike et al., 1986). TRATAMENTO
ETIOLOGIA O TOC é uma doença heterogênea, de origem multifatorial, não havendo uma causa única e comprovada que explique sua etiologia (Shavitt et al., 1997). Na sua origem, são considerados aspectos genéticos, neuroimunológicos, neuroquímicos, neuroanatômicos e neuropsicológicos, os quais, em separado ou em conjunto, poderiam explicar as diferentes manifestações clínicas e as respostas distintas aos tratamentos empregados. Nesse sentido, os estudos atuais encaminham-se para a identificação de subgrupos homogêneos de pacientes com TOC, o que pode contribuir para o estabelecimento de esquemas terapêuticos mais específicos e eficazes. Esses subgrupos estão delimitados pela presença de determinadas características, como presença ou não de tiques, idade de início dos sintomas, presença de febre reumática e capacidade crítica do paciente com relação aos seus sintomas (Hounie et al., 2001; Shavitt et al., 1997). COMORBIDADE A presença de outros transtornos é freqüentemente observada em pacientes portado-
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Basicamente, são duas as estratégias terapêuticas de eficácia demonstrada no tratamento do TOC: a farmacoterapia com inibidores de recaptação de serotonina e a terapia cognitivo-comportamental, empregadas em associação ou isoladamente. Neste capítulo, abordaremos apenas o tratamento psicoterápico. As primeiras abordagens terapêuticas não-farmacológicas do TOC que se mostraram eficazes foram introduzidas por Meyer, na década de 60, que utilizou as técnicas de exposição e prevenção de resposta, obtendo bons índices de sucesso (Meyer, 1966; Meyer e Levy, 1971). A partir desse trabalho, o aprimoramento das técnicas cognitivas e comportamentais levou a uma melhora considerável no prognóstico dos pacientes. Na verdade, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) é considerada o tratamento de primeira escolha para o TOC, sendo indicada isoladamente para os casos mais leves e associada à farmacoterapia nos casos mais graves (March et al., 1997). Em alguns estudos, a eficácia do tratamento a longo prazo é bem maior com técnicas de exposição do que com psicofármacos (Marks e Sullivan, 1988).
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No entanto, um percentual considerável de pacientes com TOC apresenta sintomas incapacitantes a longo prazo, em que pese o tratamento combinado farmacológico e psicoterápico. Nesse sentido, são apontados alguns fatores que poderiam estar relacionados a um melhor prognóstico e melhores resultados no tratamento, como início mais tardio do quadro, menor gravidade dos sintomas, ausência de transtorno de personalidade, curso episódico, bom ajustamento social e menor duração da doença (Hounie et al., 2001; Keijsers, Hoodguin e Schaap, 1994). Porém, não há um consenso sobre quais fatores podem ser efetivamente considerados como preditores de boa ou má resposta ao tratamento. Em um estudo envolvendo pacientes com TOC por um período de 40 anos, observou-se melhora sintomática em 83% da amostra, com recuperação total em 20% e recuperação parcial com sintomas subclínicos em 28%. Nesse estudo, o início precoce da doença, a presença de sintomas mistos, o baixo nível de funcionamento social e o curso crônico correlacionaramse com taxas menores de redução dos sintomas (Skoog e Skoog, 1999). Com relação aos sintomas, as condutas ritualísticas parecem ser mais responsivas às técnicas cognitivo-comportamentais. Mudanças nos pensamentos obsessivos são menos observadas com a TCC. A presença de obsessões de conteúdo sexual ou religioso associa-se a um pior prognóstico a longo prazo (Alonso et al., 2001). MODELO TEÓRICO DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL A terapia cognitiva foi desenvolvida na década de 60 por Aaron T. Beck, sendo originalmente criada para o tratamento de pacientes deprimidos. Desde aquela época, o seu modelo conceitual e os procedimentos técnicos vêm sendo ampliados e adaptados para um grande número de condições psiquiátricas (Dobson e Franche, 1999; Beck, 1997). Em linhas gerais, o modelo cognitivo baseia-se na hipótese de que as emoções e os comportamentos são influenciados pela maneira
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como o indivíduo estrutura o mundo, como percebe e interpreta uma dada situação, através de seus pensamentos e de suas crenças. Segundo essa teoria, existem dois tipos básicos de cognições: os pensamentos automáticos, que são palavras, idéias, imagens ou lembranças que as pessoas têm a todo instante e que surgem espontaneamente, como uma segunda linha de pensamento; em geral, passam despercebidos e estão associados a emoções intensas e à interpretação dos acontecimentos (Neto e Baltieri, 2001); e os esquemas cognitivos básicos, que são aprendidos e formados com base nas experiências de socialização, principalmente nos primeiros estágios do desenvolvimento (Dobson e Franche, 1999; Beck, 1997; Wielenska, Araújo, e Bernik, 1998; Neto e Baltieri, 2001). Um esquema é um corpo de conhecimentos armazenados que interage com a codificação, a compreensão e a recordação, guiando, assim, a atenção, a interpretação e a memória. Esses esquemas podem ser entendidos como a estrutura básica da pessoa que a coloca em relação com o mundo, orientando e organizando sua experiência. Tais esquemas podem ser adaptativos, flexíveis e orientados para a realidade ou, em função da predisposição genética e de experiências negativas, bem como do significado dessas experiências para o indivíduo, constituírem-se como esquemas rígidos, desadaptativos e disfuncionais. Em suma, podemos dizer que a ativação pronunciada desses esquemas cognitivos na presença de eventos estressantes eliciam a formação de pensamentos automáticos disfuncionais que podem contribuir para o surgimento ou a manutenção de transtornos mentais. No terreno da psicopatologia, o modelo cognitivo enfatiza o potencial dos pacientes para perceber e interpretar negativamente o ambiente e os fatos que o rodeiam. Beck e colaboradores (1997) descreveram vários processos cognitivos que podem conduzir as emoções, os comportamentos e as conseqüências motivacionais negativas. Nesse processo, estão incluídos erros como a generalização excessiva, a magnificação de um acontecimento, a personalização, o pensamento absolutista dicotômico, a inferência arbitrária
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e a abstração seletiva. Embora esses processos tenham sido descritos inicialmente para a depressão, eles podem ser formulados para outros transtornos e devem ser considerados no tratamento. A terapia cognitiva enfatiza a identificação e a modificação desses processos e de outros padrões cognitivos disfuncionais. Embora o foco principal da terapia seja o aspecto cognitivo, o modelo cognitivo da disfunção supõe uma inter-relação entre afeto, comportamento e cognição, visando a produzir mudanças nessas três áreas em uma perspectiva integradora. David Shapiro, em 1965, foi o primeiro teórico a discorrer sobre o TOC do ponto de vista cognitivo, relatando: 1. um estilo de pensamento rígido, intenso e voltado inteiramente para o interior, como se sua atenção focalizasse somente o que se passa em suas idéias; 2. ausência de escolha e vontade própria, na qual todas as regras devem ser rigidamente seguidas; 3. perda do senso de realidade, faltando uma base na qual ações, emoções e crenças possam apoiar-se. (Beck e Freeman, 1993). Nesse tipo de transtorno, sugere-se que os pensamentos intrusivos não tenham uma conotação afetiva automática, porém adquirem propriedades emocionais como resultado da avaliação feita pelo indivíduo, podendo assumir afeto positivo, negativo ou neutro. A interação do pensamento intrusivo com as crenças de responsabilidade em indivíduos hipersocializados resulta no padrão característico do comportamento compulsivo, que neutraliza tal pensamento (Salkovskis, 1994). Os pensamentos intrusivos evocam respostas cognitivas sob a forma de pensamentos negativos relacionados à responsabilidade ou à culpa por danos à própria pessoa ou a terceiros (Ito, 1996). Outras características dos pacientes são uma avaliação exagerada e irrealista dos riscos, a dúvida patológica e a sensação de incompletude (Wielenska, Araújo e Bernik, 1998).
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Os pensamentos automáticos negativos desempenham um importante papel, influenciando a realização e a manutenção dos rituais compulsivos. Por exemplo, os rituais de limpeza sofrem influência das cognições sobre contaminação e das antecipações catastróficas sobre as conseqüências para si e para outros, caso não sejam realizados (Neto e Baltieri, 2001). Algumas crenças falsas têm sido identificadas como mantenedoras de tais pensamentos e compulsões: preciso ter garantias, não consigo suportar a ansiedade/desconforto, não posso cometer erros, sou responsável por causar danos, sou culpado por não evitar os danos, pensar é o mesmo que agir, é terrível tomar a decisão errada, toda situação tem um certo e um errado, devo ter controle sobre tudo e o tempo todo, estou em perigo constante, sou responsável pelos outros, devo ser perfeito (Neziroglu, 1992). A modificação desses esquemas de pensamento pode aumentar a eficácia terapêutica, através do emprego de técnicas específicas, focalizando os pensamentos automáticos distorcidos, examinando as evidências que apóiam ou refutam tais pensamentos, modificando as crenças disfuncionais e procurando substituir as cognições errôneas por interpretações mais adaptativas e orientadas para a realidade (Beck, 1997; Beck e Freeman, 1993). Pacientes com TOC parecem acreditar que o mundo é um lugar potencialmente perigoso, o qual precisa ser controlado. Seis tipos de domínios cognitivos estão associados ao TOC: 1. 2. 3. 4.
responsabilidade; estimativa da ameaça; perfeccionismo; supervalorização do papel dos pensamentos; 5. controle sobre os pensamentos; 6. tolerância por ambiguidade (Neto e Baltieri, 2001). No enfoque comportamental, considera-se que as obsessões são estímulos condicionados adquiridos através dos mecanismos do condicionamento clássico e operante, provocando ansiedade e des-
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conforto, e que o alívio da ansiedade reforça o comportamento compulsivo (Dobson e Franche, 1999). A terapia comportamental tem seu fundamento na teoria da aprendizagem, desenvolvida por Pavlov e Skinner, a qual considera a ansiedade uma resposta aprendida. As pessoas parecem desenvolver especificamente o TOC quando elas aprendem que alguns pensamentos são perigosos ou inaceitáveis e, ao mesmo tempo, querem prevenir-se quanto às surpresas que esses pensamentos podem causar-lhes, desenvolvendo a ansiedade sobre a recorrência de tais pensamentos. Assim, as estratégias que o indivíduo utiliza para livrar-se da ansiedade, se bem-sucedidas, passam a ser mantidas (Kerbany & Wielenska, 1999). Os pacientes geralmente realizam as compulsões para aliviar a ansiedade produzida por suas obsessões. Ou seja, como as repetições das ações e dos rituais produzem um alívio imediato da ansiedade (reforço positivo), eles passam a utilizá-los habitualmente para impedir a exposição do suposto risco, certificar-se da ausência do perigo e reduzir os sintomas de ansiedade. No entanto, nem todas as pessoas com obsessões desenvolvem compulsões. Os fundamentos básicos das estratégias comportamentais para o TOC são os princípios da extinção e da habituação. A extinção refere-se ao processo pelo qual os fatores ou as circunstâncias que reforçam a repetição de comportamentos são removidos. Assim, os pensamentos e/ou os comportamentos que não são reforçados tendem a diminuir de freqüência. Já a habituação relaciona-se à tendência biológica cerebral de não focalizar uma informação quando a mesma é continuamente presente. A exposição e a prevenção de resposta são consideradas as técnicas comportamentais de escolha para os pacientes obsessivos. A técnica de exposição consiste basicamente em colocar o paciente na situação desencadeante da ansiedade e lá permanecer até que os sintomas físicos e as sensações desagradáveis diminuam de intensidade (Beck e Freeman, 1993). A exposi-
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ção repetida ao estímulo temido e o impedimento do comportamento compulsivo promovem a habituação, levando à extinção gradual da ansiedade e das obsessões (Salkovskis, 1994; Ito, 1996; Neziroglu, 1992). Atualmente, as técnicas comportamentais são empregadas junto com a abordagem cognitiva. Nesse sentido, o enfoque cognitivo é especialmente útil nas seguintes condições: 1. no desenvolvimento de estratégias que podem ser usadas para permitir a realização de técnicas comportamentais, incluindo estratégias para facilitar a avaliação, evitar desistências e melhorar a adesão ao tratamento, bem como maximizar a efetividade da exposição e a prevenção de resposta; 2. no intuito de tornar as técnicas comportamentais mais efetivas, com o emprego de modalidades que objetivam permitir aos pacientes modificar as avaliações negativas dos pensamentos obsessivos e causar mudanças mais gerais nas crenças relacionadas à responsabilidade; 3. no tratamento em si mesmo, sobretudo para pacientes não-responsivos ou resistentes à terapia comportamental (Salkovskis, 1994). Antes de iniciar qualquer procedimento, o terapeuta deve proceder a uma análise cognitivo-comportamental do paciente, enfocando os seguintes aspectos (Wielenska, 2001): avaliação global do funcionamento do paciente, nível de gravidade do TOC, caracterização dos sintomas (início, freqüência, duração, eventos antecedentes e conseqüencias do comportamento), comorbidade psiquiátrica, tratamentos prévios, expectativas em relação à terapia, funcionamento da família e sua relação com o comportamento ritualístico, explicação dos objetivos e do tipo de tratamento. Na primeira avaliação, é fundamental ter uma postura acolhedora, empática e pedagógica, explicando ao paciente e aos familiares o
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que é o TOC, no sentido de diminuir ou amenizar as dúvidas e os preconceitos com relação ao transtorno, o que acreditamos já contribuir para reduzir a ansiedade e a culpa inerentes aos quadros obsessivos, além de favorecer uma aliança terapêutica segura. Os pacientes com TOC geralmente interpretam seus pensamentos como indicativos de que ficarão loucos. Outra interpretação errônea é considerar que o pensamento corresponde a um desejo ou a uma possível ação. Assim, um pensamento intrusivo sobre ferir ou matar o filho significa que ele realmente vai fazer isso. Os pacientes acreditam que o pensamento é um preditor do comportamento e, sendo assim, tornam-se responsáveis pela prevenção das conseqüências. Parte do processo também implica mostrar ao paciente que os pensamentos intrusivos fazem parte do nosso cotidiano, seja como pensamentos positivos ou mesmo como pensamentos negativos sobre situações realmente perigosas. Além de ensinar aos pacientes a respeito do TOC, deve-se ainda apresentar o modelo cognitivo-comportamental para o tratamento e estabelecer objetivos terapêuticos de comum acordo, os quais sejam relevantes e manejáveis em uma ordem de prioridade. Formada e assegurada a aliança terapêutica, os problemas a serem abordados são monitorados pelo paciente por escrito, no espaço entre as sessões, de forma a permitir conhecer como são seus pensamentos e seus sentimentos no momento em que ocorre o problema. Após a verificação dos pensamentos automáticos descritos, determinam-se as suposições ou os esquemas subjacentes aos vários pensamentos automáticos, auxiliando o paciente no entendimento de como ele aprendeu o esquema que utiliza. O trabalho terapêutico consiste, então, em ajudar o paciente com TOC a identificar e compreender as conseqüências negativas de tais suposições ou esquemas e a desenvolver modos de refutá-las, de maneira que não controlem os sentimentos e o comportamento do paciente, acarretando os problemas que o trouxeram à terapia. Estruturar as sessões é um passo de grande importância no trabalho com esses pacien-
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tes, devido às características dos obsessivos. Por isso, os pacientes com TOC são forçados a escolher e abordar um dos problemas específicos, além de ajudá-los a estruturar sua vida, até atingir um nível de melhora considerável e aceitável. Muitas técnicas podem ser úteis, como o relaxamento, uma vez que os pacientes tornamse mais descansados e menos ansiosos para desenvolver suas atividades, e as técnicas de interrupção de pensamentos ou técnicas de distração, que os ajudam a enfrentar suas preocupações e ruminações crônicas, redirecionando os processos de pensamento. Outra técnica muito utilizada e de grande valor para os pacientes com esse transtorno é a tarefa gradual, na qual o objetivo é subdividido em passos específicos definidos, controlando o pensamento e demonstrando que as ações são realizadas por graus de progresso, não sendo efetuadas com perfeição ou de modo inteiramente correto desde o início. Recomenda-se que, ao término da terapia, os pacientes com TOC sejam instruídos a respeito de possíveis recorrências de um problema, e de como podem utilizar sozinhos as técnicas aprendidas durante o processo terapêutico ou buscar ajuda em sessões adicionais e ocasionais de reforço (Beck e Freeman, 1993). Cabe ressaltar ainda a importância de orientação aos familiares. Os membros da família de uma pessoa com TOC podem sentir ou desenvolver raiva e grande incômodo em relação ao paciente, ou mesmo se acomodarem aos rituais e comportamentos compulsivos, produzindo modificações importantes na organização familiar. O entendimento dos padrões de comportamento e do funcionamento da família na interação com o paciente pode ser de grande valia para o sucesso terapêutico. Finalizando, também consideramos importante desmistificar a idéia de que a TCC promove apenas um alívio temporário, ocorrendo uma substituição dos sintomas com o tempo. Estudos prospectivos de dois ou mais anos de duração mostraram que a melhora nos rituais foi mantida em quase todos os pacientes (Wielenska, 2001).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A TCC possui, em todo o seu escopo, ferramentas necessárias e extremamente satisfatórias para beneficiar a vida dos pacientes com TOC, corrigindo os comportamentos desadaptados. A combinação dos dois enfoques ajuda a enfraquecer a conexão entre as situações que estão incomodando e as reações habituais a elas, como confrontar o medo, a depressão, a raiva ou os comportamentos de derrota e danos a si mesmo; ajuda a ensinar como sentirse melhor, pensando mais claramente e decidindo as ações da melhor maneira; propicia a aprendizagem de como certos pensamentos, moldados pelas experiências anteriores, estão causando os sintomas, trazendo para o dia-adia as distorções incômodas dos comportamentos sem nenhuma razão aparente, ou mesmo provocando reações inconvenientes para si mesmo e para as outras pessoas. No entanto, apesar das evidências, a TCC ainda é pouco empregada no nosso meio, tanto para o TOC quanto para outros transtornos que podem beneficiar-se dessa abordagem. Possíveis causas seriam os preconceitos com relação à técnica, as dificuldades no manejo da técnica e, por último, talvez como conseqüência das anteriores, o pequeno número de terapeutas cognitivo-comportamentais existentes no Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALONSO, P. et al. Long-term follow-up and predictors of clinical outcome in obsessive-compulsive patients trated with serotonin reuptake inhibitors and behavioral therapy. Journal C. Psychiatry, v.62, n.7, p.535-40, 2001. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (1994). Fourth Edition. Washington, DC, American Psychiatric Association. (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4.ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.)
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12 Dependência Química Flávia Andrade Eduardo Simon
ASPECTOS COGNITIVOS NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA A dependência química é vista como um problema complexo e com vários determinantes, incluindo aspectos sociais, genéticos, biológicos, culturais e socioeconômicos. Dentre eles, podemos salientar a história familiar do indivíduo, a pressão cultural do meio em que vive, seus traços de personalidade, os distúrbios afetivos que possa apresentar e o grau de facilidade para conseguir a droga. Pensamentos ou cognições estão presentes nesses determinantes da dependência (Beck et al., 1992). Existem inúmeras explicações para entender o que leva uma pessoa a usar drogas e tornar-se dependente. Em geral, o processo de dependência pode ser entendido em termos de fórmulas simples, até mesmo óbvias. Uma razão básica para começar a usar drogas ou álcool é a busca de prazer. Se não levarmos em conta o fato de o efeito da droga ser prazeroso para o usuário, não estaremos compreendendo o papel desempenhado por ela para o paciente. A busca da euforia ou do bem-estar que a droga oferece e a possibilidade de compartilhar tais sensações com os companheiros de uso são extremamente sedutores (Stimmel, 1991). Aliado a isso, há uma grande expectativa de que a droga será capaz de aumentar a criatividade e o desempenho social.
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MOTIVAÇÃO E MUDANÇA Segundo Miller e Rollnick (1991), a maioria dos pacientes é ambivalente a respeito da mudança, e a motivação para isso é um estado que pode flutuar de uma hora para outra. Os dependentes chegam ao tratamento por diversos motivos: podem ter sido “forçados” por familiares ou amigos, podem ter visto sua vida deteriorar-se, etc. Ao iniciarem o tratamento, porém, esses pacientes geralmente já estão estigmatizados e em um ponto no qual já ocorreram diversos prejuízos e perdas. Segundo Washton (1989), cerca de 50% dos dependentes de cocaína abandonaram tratamentos prévios nas três primeiras semanas. É importante que o terapeuta identifique o estágio de mudança em que se encontra o paciente a fim de possibilitar o uso de técnicas mais adequadas para cada um deles. Prochaska e colaboradores (1992) identificaram cinco estágios para mudança: • Pré-contemplação Neste estágio, os pacientes não reconhecem que têm um problema. Eles são os menos motivados e geralmente são trazidos pelos familiares. • Contemplação Neste estágio, os pacientes estão dispostos a examinar os problemas rela-
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cionados à dependência e consideram a possibilidade de parar com as drogas. Existe uma ambivalência a respeito da situação: começam a reconhecer que pode haver um problema, mas podem não estar fazendo nenhuma ação para parar. Estão mais sujeitos a responder positivamente à confrontação e à educação do que aqueles no estágio pré-contemplação. • Preparação Neste estágio, os pacientes desejam fazer mudanças, mas podem ter dificuldade em como fazê-lo, estando mais dispostos a aceitar ajuda. • Ação Na ação, os pacientes fazem um acordo para mudar e começam a alterar seu comportamento. Essa fase pode ser particularmente estressante, necessitando de mais suporte e encorajamento por parte do terapeuta (Prochaska et al., 1992). O paciente está tendo que mudar seu estilo de vida, afastarse de seus “amigos”, descobrir as crenças que perpetuam o uso das drogas e modificá-las. • Manutenção Os processos iniciados nos estágios anteriores continuam durante a manutenção. Conforme Prochaska e DiClemente (1986), a maior parte dos pacientes não progride linearmente através dos estágios de mudança. O paciente, portanto, pode entrar e sair (recair) a qualquer momento. A importância desses estágios para o terapeuta é saber identificar em qual deles o paciente está inserido quando chega ao tratamento (e depois de seu progresso) a fim de utilizar as técnicas e os exercícios mais adequados, bem como engajar o paciente no tratamento o mais rápido possível, diminuindo, assim, o risco de abandono.
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A TERAPIA COGNITIVA Mesmo quando abstinente, as crenças do indivíduo sobre si e sobre o mundo dificultam seu retorno à sociedade, resultando em pessimismo e falta de motivação. Ele vê seu futuro como um continuum de fracasso. Ao se ver como um “perdedor”, qualquer ação que venha a tomar para corrigir a situação será totalmente ineficiente (Beck, 1976). Conseqüentemente, não tem motivação para formular objetivos e engajar-se em atividades construtivas. Condicionado a essas crenças, o paciente envolve-se no mesmo comportamento que o ajudou a gerar suas crenças iniciais, reforçandoas. O resultado, então, é um ciclo vicioso. No modelo cognitivo da dependência, o paciente não é visto como responsável pelo desenvolvimento do problema, e sim por sua mudança, sendo considerado capaz de fazê-lo através de seu esforço próprio. Assim, a terapia cognitiva é baseada no pressuposto de que o paciente é dependente devido ao modo como constrói a si próprio e o mundo e ao modo como desenvolveu padrões específicos de interpretação (Beck et al., 1992). Na terapia, o paciente é ajudado a descobrir, examinar e modificar sua tendência de interpretar os eventos de forma negativa, aprendendo a se ver de forma mais positiva, em vez de como uma pessoa sem capacidade e potencial para a mudança. Na terapia cognitiva, a maneira pela qual as pessoas interpretam situações específicas influencia seus sentimentos, suas motivações e suas ações. As interpretações são modeladas em vários momentos por crenças relevantes que são ativadas em determinadas situações, como: “Eu ficarei mais relaxado se tomar uma cerveja”, “Quando eu cheiro [cocaína], as pessoas gostam mais de mim”. Indivíduos com essas crenças específicas estão mais vulneráveis a se tornarem dependentes. Ativadas sob circunstâncias preditivas, essas crenças aumentam a probabilidade da continuação do uso de substâncias (Beck et al., 1985).
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Aliada a isso, a terapia cognitiva procura reduzir o excesso de reações emocionais e de comportamentos autodestrutivos ao modificar pensamentos e crenças mal-adaptativos que precedem tais reações (Beck, 1976; Beck et al., 1997). Assim, o paciente entra em contato com os problemas que levam a um sofrimento emocional e aprende a ter uma visão mais crítica sobre a dependência e a busca por prazer ou alívio dos sofrimentos. Algumas estratégias cognitivas ajudam a reduzir as fissuras e, ao mesmo tempo, a estabelecer um sistema de autocontrole mais forte. Além disso, a terapia cognitiva ajuda o paciente a combater outros transtornos, tais como a depressão, a ansiedade e a raiva, os quais estão freqüentemente presentes e mantêm a dependência como um todo. A terapia cognitiva pode ser compatível com diversas outras modalidades de tratamentos: ambulatorial, individual, em grupo, familiar, hospitalar, farmacológico e em grupos de auto-ajuda. O que ela tem a oferecer é a ênfase 1) na identificação e na modificação de crenças que aumentam as fissuras, 2) na atenuação do estado afetivo negativo (raiva, ansiedade e desesperança), 3) no aprendizado de várias técnicas cognitivas e comportamentais, ou seja, não contando somente com a força de vontade para ficar e manter-se abstinente e 4) no auxílio aos pacientes para irem além da abstinência e realizarem mudanças positivas fundamentais no modo como vêem a vida e o futuro, levando-os a um novo “estilo de vida” (Beck et al., 1992). AS CRENÇAS NA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Por definição, os dependentes são pessoas com dificuldades para interromper permanentemente o uso de drogas (APA, 1994). Eles podem ter começado a usá-las voluntariamente e acreditam poder parar quando quiserem. Aos primeiros sinais de problemas decorrentes da dependência (por exemplo, familiares, profissionais, médicos), optam por ignorá-los ou
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minimizá-los, atribuindo-os a alguma outra razão menos importante. Um fator que ajuda o paciente a manter o uso da droga é a crença de que a abstinência produzirá efeitos colaterais intoleráveis. Pessoas com problemas mais adversos na vida são mais propensas a se tornarem dependentes do que pessoas satisfeitas com a vida (Peele, 1985), muitas vezes por buscarem um alívio temporário para sentimentos como ansiedade, tensão, tristeza ou tédio. Pessoas com baixa auto-estima podem ter a crença de que a droga melhorará seu moral, possibilitando a inserção em um novo grupo social em que o único pré-requisito para ser aceito é o uso. A rede de problemas internos e externos que levam ao uso e, mais tarde, mantêm o uso compulsivo da droga é uma das características mais presentes na dependência. Outras características como baixa tolerância à frustração, falta de assertividade e baixo controle dos impulsos também são fatores determinantes. Peele (1985) diferencia as características de um dependente e de um usuário. Segundo ele, os dependentes atribuem valores importantes às drogas, ao passo que os usuários ocasionais dão importância a outros valores, como a família, os amigos e o trabalho. Um obstáculo importante para cessar o uso é a rede de crenças disfuncionais que gira em torno do uso das drogas, como, por exemplo: “Eu nunca serei feliz se não as usar”. Crenças como essas devem ser consideradas com muita seriedade, pois o paciente provavelmente, durante o curso de sua dependência, interpretou como tendo sido este o único momento em que foi “feliz”. A suspensão da droga é vista como uma privação de satisfação ou uma ameaça ao bem-estar funcional (Jennings, 1991). Alguns pacientes tentam parar por conta própria; porém, quando surge a fissura e não conseguem resistir a ela, podem vivenciar os sentimentos de decepção e sofrimento como sendo intoleráveis, o que gera pensamentos do tipo “Eu não consigo lidar com esse sentimento”, o que os deixam ainda mais frustrados e tristes.
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Os pacientes geralmente têm um aglomerado de crenças que se tornam mais fortes quando resolvem interromper o uso de drogas. Elas giram em torno da antecipação da abstinência, como: “Se eu não usar, não vou conseguir agüentar a dor”, “Não há nada que valha a pena”, “O que vou fazer?”, “Vou perder todos os meus amigos e acabar só” (Beck et al., 1985). Já outro grupo de crenças gira em torno da sensação de desesperança do paciente em relação às fissuras (Beck e Emery, 1977). Elas fazem com que o paciente acredite que não conseguirá controlar-se, o que acaba, por si só, confirmando a crença de que não é capaz de superar a dependência. As crenças também modelam as reações de um indivíduo às reações fisiológicas associadas à ansiedade e à fissura (Beck et al., 1985). Crenças do tipo “Eu não consigo lidar com a ansiedade” influenciam as reações dos pacientes a essas sensações. As crenças ligadas à dependência (as aditivas) parecem derivar de uma ou mais combinações de crenças centrais. O primeiro grupo de crenças centrais refere-se à sobrevivência pessoal, ao desempenho, à liberdade e à autonomia, como “Eu sou fraco, inferior, inapto, fracassado, desconsolado, aprisionado, derrotado”. O segundo grupo de crenças está ligado ao vínculo afetivo com outras pessoas ou a um grupo, havendo a preocupação de ser amado ou aceito e o medo de ser rejeitado. A mesma constelação de crenças centrais, crenças aditivas e fissuras pode ser aplicada a qualquer fator instigante ou a qualquer droga. A seqüência geralmente procede das crenças centrais – como uma visão negativa de si próprio (indesejado, sem esperanças), do ambiente (opressivo) e/ou do futuro (desesperança) –, dos sentimentos desagradáveis – como disforia ou ansiedade, o que leva o indivíduo propenso ao vício experienciar – das fissuras e da dependência psicológica nas drogas – como “Eu preciso da cocaína para me sentir melhor” (Beck et al.,1992). Embora as crenças centrais representem a base das crenças aditivas, elas podem não estar visíveis se o paciente estiver deprimido, deixando as crenças aditivas mais acessíveis. Estas, então, podem ser ativadas por uma se-
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qüência específica, sendo as crenças antecipatórias as primeiras. No começo, assumem a forma do tipo “Será divertido fazer isso, não tem problema experimentar”. À medida que o paciente adquire prazer com a droga, ele vai romantizando aquelas crenças preditivas de gratificação ou fuga: “Eu terei uma hora de puro prazer... Ficarei menos ansioso ou triste”. Outras crenças são preditivas de aumento de sociabilidade ou eficiência, como, por exemplo: “Terei melhor desempenho no trabalho, serei mais divertido e as pessoas gostarão mais de mim”. Os pacientes dependerão mais da droga para contrabalançar os sentimentos de sofrimento e acabarão criando crenças de “conforto”, tal como “Eu preciso da cocaína para funcionar... não posso continuar sem... não consigo lidar com a fissura”. A qualidade imperativa dessas crenças faz com que o paciente acredite não haver outra opção, levando-o a iniciar o processo de desenvolvimento da fissura. Outro importante ponto é que os dependentes têm alguns conflitos quanto a usar ou não as drogas. Em geral, criam crenças permissivas ou facilitadoras, como “Eu mereço, eu consigo controlar”, “Todo mundo está usando”, “É só hoje”, “Já que estou me sentindo mal, posso usar”. Tais crenças acabam por diminuir a culpa do usuário. Um exemplo disso é aquele paciente que alega estar em um bar com amigos, afirmando ser “grosseria” não aceitar as bebidas servidas à mesa. Em sua opinião, isso tira sua parcela de “culpa” no processo (“O culpado por minha recaída foi o garçom”). O fato concreto da recaída é que o paciente estava no bar (onde sabia que não poderia estar) e com amigos (com os quais sabe que não deveria estar). A RECAÍDA Comumente, o dependente começa a tomar pequenas decisões que acabam levando a uma recaída. Essas decisões são chamadas de Decisões Aparentemente Irrelevantes (DAI) (Marllat e Gordon, 1980). O indivíduo começa a preparar lentamente o terreno para uma possível recaída, tomando uma série de DAIs,
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cada uma das quais move o indivíduo um passo à frente em direção à perda de controle. A vontade – ou a fissura – pode tomar a forma de distorções cognitivas que preparam ou “dão” permissão para uma nova recaída, tais como a negação, a racionalização ou as DAIs. Às vezes, o dependente pode não estar totalmente consciente da motivação subjacentes às DAIs. São atitudes tão pequenas que aparentam ser irrelevantes aos olhos do próprio dependente quanto aos olhos das pessoas próximas. Se as racionalizações conseguem convencer a todos, a DAI é “justificada” sem desencadear quaisquer alarmes de culpa ou vergonha (Marlatt, 1982). Como o dependente faz essa “preparação” para a recaída, pode ser capaz de assumir a responsabilidade pessoal por esta. Por ter se colocado em uma situação de alto risco, ele pode afirmar que foi “sobrepujado” pelas circunstâncias que tornam “impossível” resistir a tal recaída (Martlatt, 1985). Na seqüência, o dependente desenvolve um plano de ação para conseguir a droga e consumi-la. Esse plano consiste em planejar cognitivamente como conseguirá a droga, onde e como comprará (ligar para o traficante, encontrar-se com ele) e o que precisará fazer para despistar os familiares ou amigos. Uma vez elaborado o plano, ele sai em busca de sua concretização. Como resultado, o paciente pode ter um lapso ou uma recaída. O lapso é definido como o uso da droga seguido de um novo período de abstinência, ao passo que a recaída é o retorno ao uso freqüente da substância. Na terapia cognitiva, a recaída é vista como uma forma de aprendizado, e não como uma “sem-vergonhice” ou falta de caráter. O importante é entender o que e quando aconteceu, possibilitando a abordagem na sessão. A recaída é esperada durante o tratamento e não representa um insucesso ou um motivo para interrompê-lo. O paciente oscila entre usar e não usar a droga durante vários estágios do tratamento. Cada crença pode ser ativada durante diferentes circunstâncias ou ao mesmo tempo. A balança entre a força relativa de cada crença em um dado momento e a disponibilidade da droga influenciará a decisão do paciente de usar a droga ou permanecer abstinente (Beck et al.,
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1985). Dependendo do grau de desconforto e da capacidade do indivíduo de lidar com ele, pode acabar facilitando o uso da droga como uma forma de alívio. Dependendo do estágio em que se encontra o paciente, esse conflito gera mais desconforto, podendo levá-lo a buscar a droga como forma de alívio. No estágio da pré-contemplação, por exemplo, quase não há desconforto. Entretanto, se o dependente está no estágio da ação ou da manutenção, o desconforto pode ser grande. Já o paciente menos preparado, ou seja, aquele que ainda não lidou com suas crenças básicas e aditivas, pode recair mais facilmente, mesmo que tenha estabelecido um plano de ação comportamental de prevenção de recaída com o terapeuta no início. Na terapia, os pacientes aprendem a lidar com esse desconforto e a testar (e reestruturar) suas crenças de que a droga é a melhor maneira de lidar com o mal-estar emocional. A fissura é ativada em uma situação estimulante específica e pode aparentar ser um reflexo a tal estímulo. Contudo, entre o estímulo e a fissura há uma crença de que é ativada pela situação. Dessa crença deriva um pensamento automático. Tal seqüência ocorre tão rapidamente que, muitas vezes, é vista como um reflexo condicionado associado ao consumo (O’Brien, 1992). O pensamento automático parece ser instantâneo, podendo ser capturado somente se o paciente aprender a focalizar na seqüência de eventos (Beck et al., 1992). Porém, ao contrário do que muitos dependentes pensam, a fissura passa. Isso pode ser uma novidade para muitos dependentes, pois a maioria deles sempre se entregou a ela. As situações que podem ajudar a desencadeá-la são algumas situações internas (emoções) e externas (colher, banheiro, bebida, etc.). As crenças aditivas e as fissuras geralmente são ativadas em situações específicas, quase sempre previsíveis, também chamadas de estímulos de situação (Moorey, 1989). Dependendo do humor e do autocontrole, o risco varia consideravelmente. O paciente pode ter sucesso ao lidar com uma situação uma vez e, em uma nova ocorrência, pode ter uma recaída. Marlatt e Gordon (1985) chamam essas situações de alto risco.
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Uma importante meta da terapia cognitiva é ajudar o paciente de duas maneiras: a primeira é reduzir a intensidade e a freqüência das fissuras ao enfraquecer as crenças subjacentes, e a segunda é ensinar ao paciente técnicas específicas para controlar suas fissuras ou lidar com elas (Beck et al., 1992). Resumidamente, o objetivo é reduzir a pressão e aumentar o controle. O terapeuta também precisa lidar com a existência de comorbidades com outros transtornos psiquiátricos. Por apresentar concomitantes biológicos, sociais e psicológicos, a dependência química é um transtorno muito difícil de ser tratado, normalmente não sendo suficiente a focalização nos pensamentos do paciente. A terapia também deve intervir no comportamento, como controle de estímulo, treinamento de habilidades sociais, automonitoramento, relaxamento e contrato de contingência. Para corrigir o padrão errôneo de crenças que contribuem para a dependência, o terapeuta, juntamente com o paciente, designa tarefas que esclarecem e testam as interpretações de suas experiências (Beck e Emery, 1977). Terapeuta e paciente examinam a seqüência de eventos que levam ao uso da droga. Tal seqüência, explicada anteriormente, revela os valores que o paciente deposita nas drogas, ou seja, as crenças que tem sobre elas. Ao mesmo tempo, o terapeuta ensina o paciente a avaliar e considerar as maneiras pelas quais o pensamento falho produz estresse e sofrimento (Beck e Emery, 1977). Além disso, ajuda a modificar os pensamentos automáticos sobre si e sobre a droga. Através do ensaio e da prática, os pacientes aprendem a criar um sistema de controle ao se deparar com a fissura. Outra técnica usada é a avaliação de vantagens e desvantagens a curto e longo prazo. Quando as crenças aditivas são ativadas, ocorre o bloqueio cognitivo, que inibe a atenção e a consciência sobre as conseqüências a longo prazo do uso de drogas, aumentando os focos nas estratégias instrumentais imediatas, como pegar dinheiro para comprar drogas. Por bloquear a incongruência, esse fenômeno é chamado de bloqueio cognitivo. Essa técnica fornece informações relevantes sobre as crenças aditivas e básicas do paciente, sendo impor-
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tante realizá-la com o paciente para que ele consiga parar e avaliar as conseqüências do seu uso. A terapia cognitiva ajuda o paciente a encontrar uma maneira mais satisfatória de lidar com os problemas e os sentimentos desagradáveis sem ter de recorrer às drogas em busca de alívio. Uma das características principais da terapia cognitiva é o uso do questionamento socrático, o qual ajuda o paciente a examinar áreas de bloqueio, como a freqüência e a quantidade de droga usada, perdas devido ao uso, etc., auxiliando-o a gerar opções e soluções novas. Tal abordagem interrompe o padrão impulsivo de agir do paciente, fazendo-o questionar e avaliar objetivamente suas crenças e suas atitudes (Beck, 1976). É comum que o paciente dependente volte-se para as drogas quando tem algum problema, muitas vezes por não dispor de outra opção. O tratamento precisa ensiná-lo a resolver seus problemas sem ter de recorrer às drogas. O que parece óbvio para nós pode não ser para ele. O tratamento também deve focalizar a ajuda ao paciente para que encontre outras fontes de prazer, pois na sua vida tudo gira em torno dessa temática. Ele não conhece muitos meios de obter prazer que não seja através do uso das drogas. Amigos e lugares, na grande maioria, estão no mesmo meio que o seu. Também é preciso ensinar a agir de forma assertiva. Esta é uma ferramenta importante, já que ele tem dificuldade de recusar a droga por inúmeras razões: pela fissura ou por suas crenças (considerar-se inadequado, fracassado, não importante o suficiente, não merecedor de amar, etc.). O importante é que o paciente aprenda a se sentir confortável para conseguir expor suas idéias e seus sentimentos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A aplicação terapêutica desse modelo envolve associar mais importância na modificação do sistema de crenças do indivíduo do que simplesmente fazer com que ele evite as situações de alto risco. A terapia cognitiva focaliza a modificação de cada categoria de cren-
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ças, antecipatória e permissiva, com as crenças centrais que potencializam o uso das crenças aditivas (Beck et al., 1992). O processo de mudança envolve mais do que modificar as crenças. Terapeuta e paciente devem trabalhar juntos para melhorar o sistema de controle e aprender técnicas para lidar com a dependência, fazendo com que o paciente esteja preparado, tanto do ponto de vista comportamental quanto cognitivo, para ser capaz de prevenir a recaída. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION: Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (1994). Fourth Edition. Washington, DC, American Psychiatric Association. (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4.ed.rev. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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PARTE IV
A Terapia Construtivista dos Transtornos Psiquiátricos
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS A fobia social é um diagnóstico psiquiátrico e, como tal, requer critérios objetivos que descrevam os comportamentos e os sintomas que caracterizam esse quadro. Os manuais de classificação diagnóstica psiquiátrica têm exatamente esta função: descrever objetivamente os diferentes transtornos e definir os critérios para realizar o referido diagnóstico. Os mais utilizados são o DSM-IV-TR (APA, 2002) e a CID-10 (OMS, 1993). Na concepção construtivista, o foco do tratamento da fobia social volta-se mais para os processos pelos quais os comportamentos e os sintomas foram sendo “construídos” pelo indivíduo ao longo de sua vida do que para os diagnósticos psiquiátricos cuja ênfase é mais descritiva, ou seja, a identificação diagnóstica parte sempre do olhar do profissional. Portanto, nesse enfoque psicoterapêutico, o indivíduo é a fonte maior de conhecimento na compreensão de sua patologia, por ser ele capaz de indicar os significados que lhe são restritivos (Abreu e Roso, no prelo). Por isso, os procedimentos psicoterápicos construtivistas levam muito mais em conta a história de vida como um todo, e não apenas o recorte temporário dessa história, o qual é necessário quando a finalidade é fazer um diagnóstico psiquiátrico (Guidano, 1994).
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Esse é um ponto polêmico, pois nele se insere uma das mais importantes discussões da psicologia moderna. Como já havia assinalado Miró (1994), como seria possível considerar uma psicoterapia que prioriza o indivíduo e sua história, não desconsiderando um diagnóstico já validado por uma psicoterapia científica? É importante esclarecer que a concepção construtivista, de maneira alguma, invalida a postura científica em psicoterapia, embora o conceito de ciência aqui descrito não seja entendido nos moldes positivistas de ciência, nos quais a observação externa, a generalização dos dados e a mensuração quantitativa da eficácia de técnicas são os aspectos centrais. Acreditamos que cabe aos psicoterapeutas comprometidos com a psicoterapia cientifica refletir sobre como as explicações da ciência são validadas e a possível relação destas com o trabalho clínico (Neimeyer e Raskin, 2000). Essa reflexão é necessária para que não nos limitemos a converter a área em tecnologia aplicada, esquecendo o propósito mais importante da ciência, que é a busca de melhores explicações para as mudanças obtidas pelos seres humanos. Como salienta Miró, necessitamos de um método que nos permita reconhecer nossa participação, enquanto psicoterapeutas, na construção das realidades em que vivemos. Como não é o propósito deste capítulo discutir as possibilidades e as limitações da psicoterapia enquanto ciên-
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cia (e que mereceria um livro à parte), concluirei com a seguinte afirmação: explicar o caminho da mudança terapêutica partindo de uma concepção histórica do sujeito não é uma limitação para a psicoterapia científica, e sim um horizonte mais coerente com as necessidades que encontramos na investigação da prática clínica. É com esse intuito que o presente capítulo foi idealizado. Será descrito um procedimento construtivista para o tratamento de um indivíduo, que chamaremos de N., com o diagnóstico psiquiátrico de fobia social, e, a partir desse enfoque, serão discutidas as mudanças obtidas com essa modalidade de intervenção. O PROCEDIMENTO PSICOTERÁPICO CONSTRUTIVISTA Como já foi apresentado no Capítulo 2, a psicoterapia de base construtivista realiza, segundo Mahoney (no prelo), o trabalho dos três Ps: nos momentos iniciais do processo clínico, objetiva-se enfocar o Problema com todas as suas peculiaridades e variações. Em um segundo momento, ocorre o aprofundamento da análise dos Padrões gerais, aqueles que mantêm o surgimento dos problemas e que são compostos pelas repetições das dificuldades em questão. E, finalmente, desenvolve-se uma análise mais aprofundada dos Processos pelos quais os padrões e os problemas foram sendo construídos e manifestaram-se ao longo da vida do indivíduo. O PROBLEMA DA FOBIA SOCIAL [DE N]. N. tem 35 anos, casado e é um jornalista bem-sucedido. Procurou o tratamento há um ano, por sentir-se extremamente incomodado com sua “timidez”. Apesar de seu sucesso profissional, havia recusado várias promoções ao longo de sua carreira por temer as situações nas quais tinha de se expor, como falar em público. Sua ansiedade aumentava nessas ocasiões, e ele tremia, gaguejava, ficava vermelho. Isso o deixava tão perturbado que chega-
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va a perder a concentração e sua fala tornavase confusa e desconexa. Uma maneira de obter mais informações a respeito do problema de N. era procurar experimentar as situações nas quais se sentia ansioso e, assim, observar o que ocorria. Dada a experiência que tive com as técnicas comportamentais, particularmente as de exposição no tratamento de quadros ansiosos, optei por utilizar tais recursos. Na concepção construtivista, as técnicas são entendidas como exercícios ritualizados, que podem ajudar a estimular e estruturar explorações importantes no desenvolvimento pessoal (Mahoney, no prelo). Por isso, é possível utilizar não apenas técnicas comportamentais e cognitivas clássicas, como também quaisquer outras técnicas que permitam atingir esses objetivos. A diferença é que o procedimento psicoterápico não prioriza o uso da técnica, pois ela é apenas um instrumento que pode ser eficaz na redução de um determinado sintoma, embora também possibilite obter informações e vivências que obedeçam ao objetivo mais amplo dessa psicoterapia, que é compreender e ampliar o sistema de significados que aquele indivíduo organiza. Sendo assim, expliquei a N. que uma maneira de verificar o sentido de sua ansiedade era expondo-se a situações fóbicas. Ele concordou, passando a se expor deliberadamente às situações nas quais sua ansiedade aumentava, ou seja, procurando freqüentar todas as reuniões a que tinha acesso em seu trabalho – elas eram diárias – e falar sempre que tivesse uma opinião a dar. Pedi-lhe que experimentasse sua ansiedade nessas ocasiões e continuasse a vivenciá-las até que a ansiedade apresentasse qualquer sinal de diminuição. N. seguiu o procedimento e anotava em um diário tudo que havia feito e o resultado obtido. A exposição às situações fóbicas tornou-se um recurso útil de aprendizado, pois, além de prover certa redução de sua ansiedade (naturalmente provocando uma habituação), também se mostrou um ótimo recurso na experimentação de suas emoções, bem como das possibilidades e das limitações que elas constituíam. Por isso, começamos a discutir seus sucessos e suas dificuldades nesses termos, ou seja, cada exposi-
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ção oferecia lições sobre como era N. ao enfrentar seu medo. Uma das características mais significativas da ansiedade desse cliente era aumentar nas ocasiões em que ele percebia ter uma opinião contrária àquela que estava sendo compartilhada pelos demais. Mesmo que não expusesse sua opinião, o simples fato de discordar “internamente” dos demais o ruborizava, provocando um aumento em sua ansiedade. N. também observou ter sentimentos de vergonha por esse rubor e percebia-se como “bobo e inadequado” nessas situações. A eficácia das técnicas de exposição para redução de sintomas fóbicos, bastante conhecidas na área por seu sucesso, fez com que os sintomas de N., obviamente, melhorassem. Gradativamente, foi sentindo-se menos ansioso nas reuniões profissionais e começou a emitir algumas de suas opiniões; como conseqüência disso, suas idéias foram sendo articuladas de modo cada vez mais coerente, uma vez que a ansiedade interferia menos em sua concentração e em seu raciocínio. Porém, apesar da melhora obtida com esse procedimento, o objetivo da terapia ainda não havia sido atingido, pois ainda não havíamos compreendido o significado dos problemas de N. Ele ainda se sentia ansioso e desconfortável, recusando novamente uma promoção (que implicava dar palestras e participar de reuniões com a diretoria do Jornal em que trabalhava). Como o problema de N. já parecia bastante claro e detalhado para ele e para mim, decidimos ampliar nossa compreensão, passando a analisar os padrões gerais relacionados aos sintomas fóbicos apresentados. OS PADRÕES GERAIS DA FOBIA SOCIAL Ao longo da análise do problema propriamente dito, N. também já havia observado a relação entre alguns dos aspectos levantados nas experiências vivenciadas e outras situações de sua vida. Por exemplo, ele se sentia desconfortável frente a algumas atitudes de sua esposa, atitudes das quais também discordava. Nessas ocasiões, sentia-se da mesma maneira que nas situações sociais e profissionais, ou seja, percebia-se “bobo e inadequado”. N. descrevia a esposa como uma pessoa fútil, que pensava
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ter o direito de impor suas vontades em qualquer ocasião, falando o que pensava e não medindo as conseqüências disso, inclusive perante os filhos, o que fazia N. ficar ainda mais constrangido. Mesmo assim, sua impressão era a de que ele era inadequado. Na companhia de amigos ou parentes próximos, com quem não apresentava nenhum sintoma fóbico, sentia o mesmo desconforto quando eles emitiam alguma opinião da qual discordasse. N. atribuía a todas essas situações o mesmo significado: discordar significava perceber-se “bobo e inadequado”. Se estivéssemos trabalhando em uma terapia cognitiva objetivista, essa seria provavelmente uma crença a ser modificada, por meio de procedimentos apropriados para isso, conforme apresentados na parte inicial deste livro. Na concepção construtivista, entretanto, o foco não está na modificação das crenças, e sim no modo como essa crença foi construída ao longo da vida. Portanto, era preciso descobrir como N. havia organizado seu sistema de significados de modo a perceber-se assim. Então, este era o momento apropriado para iniciar a terceira etapa da psicoterapia, que consiste na análise dos processos pelos quais os padrões e o problema de N. foram sendo edificados. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS NA FOBIA SOCIAL Para compreender melhor essa fase, é necessário abordar aqui um pressuposto importante da concepção construtivista. Segundo Guidano (1994), o desenvolvimento psicológico humano ocorre em função de um processo constante de ordenação das experiências que o indivíduo faz ao longo de sua vida. Assim, ao vivenciarmos uma circunstância, nossa reação emocional abre espaço para que venhamos a desenvolver uma explicação daquele episódio, atribuindo, então, coerência e sentido à experiência em curso. Logo, sempre experienciaremos algo primeiro para depois podermos falar algo a seu respeito. A partir dessa dialética – viver e explicar – é que se originam os padrões de significado pessoal, pois
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sempre partem da maneira como cada pessoa percebe e narra sua realidade interna. Em outras palavras, o modo como um indivíduo experimenta uma situação é afetado diretamente pela forma como narra o devido acontecimento. Para compreender o processo através do qual N. foi construindo os significados de ansiedade que estavam relacionados ao seu medo (e, conseqüentemente, aos seus sintomas), utilizei os recursos da terapia cognitiva narrativa (Gonçalves, 1998). Em síntese, o procedimento da terapia narrativa segue uma seqüência de cinco etapas: recordação, objetivação, subjetivação, metaforização e projeção. Vejamos cada uma delas. 1. Recordação: pede-se ao cliente que enumere em pedaços de papel a sua idade (de 0 até a idade atual) e que registre, pelo menos, um episódio de que se lembre e que lhe pareça significativo para cada ano de sua vida. É importante esclarecer que não se registrem fatos, mas sim episódios. Por exemplo, se o indivíduo lembrase que aos 10 anos estava na 4a série (fato), deve registrar uma cena de que se lembra estando na 4a série, com todas as características a que tiver acesso no momento (episódio): “Eu estou entrando na sala de aula, os colegas estão olhando para mim, e a professora está perguntando o meu nome”. Ao longo dessa revisão histórica, cliente e terapeuta buscam uma coerência narrativa, isto é, o tema que se torna recorrente ao longo dos episódios e que caracteriza a forma como ele construiu o conhecimento que tem de si mesmo e da realidade, a forma como “percebe a si mesmo”. O processo de recordação termina com a identificação de um episódio, dentre os vários recordados, que melhor ilustre esse tema recorrente e participativo. Esse episódio é chamado de episódio prototípico.
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2. Objetivação: o indivíduo é levado a experimentar a multiplicidade da realidade externa através das capacidades sensoriais. O objetivo é fazer com que ele perceba a complexidade e a versatilidade de suas experiências do ponto de vista sensorial: o que vê, o que ouve, além de odores, sabores e percepções táteis e cinestésicas que a experiência lhe proporciona. Assim, alguns episódios são escolhidos, e o cliente é levado a recordar essa experiência sensorial experimentada em cada um deles. O mesmo é feito com o episódio prototípico. Essa etapa propicia ao indivíduo dar-se conta de que a realidade é um contexto criador de uma grande diversidade de experiências, muitas vezes ainda não percebidas, uma vez que nossa tendência é a de limitar o foco da percepção às informações que reforçam a maneira pela qual atribuímos significados à realidade (percepção de ameaça, tristeza, insatisfação, etc.). 3. Subjetivação: a experimentação é ampliada e abarca as experiências emocionais e cognitivas inerentes aos episódios escolhidos. O cliente é encorajado a experimentar as emoções e os pensamentos que observou nos diferentes episódios. Essa etapa visa a capacitá-lo a ampliar e flexibilizar as possibilidades de percepção emocional e cognitiva de uma mesma situação. Dito de outro modo, viver uma realidade múltipla – como a nossa – é estar capaz de construir múltiplas versões dessa realidade. Essa fase termina com a subjetivação do episódio prototípico. 4. Metaforização: as metáforas são condensadores de significados. Depois que o cliente aprofundou-se na diversidade da experiência sensorial, cognitiva e emocional, solicitase a ele que simbolize essas expe-
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riências através da criação de metáforas, por exemplo, atribuindo significados metafóricos aos episódios que escolheu e ao episódio prototípico (“Se esse episódio fosse um filme ou um livro, que nome ele teria?”). A metáfora atribuída ao episódio prototípico é chamada de metáfora raiz e simbolizará o tema que permeia toda a construção de significados ao longo da vida desse indivíduo. Alguns exemplos de metáforas são: “Em minha vida, estou sempre me submetendo aos demais” (metáfora: o capacho); “Percebo que fico sempre dividida entre ser adequada às regras e me rebelar” (metáfora: Dr. Jackil e Mr. Hide”). O cliente é, portanto, estimulado a darse conta do processo de ser “autor” de sua história de vida, uma vez que se limitou a construí-la no âmbito de um tema único, e é convidado a explorar novas formas de significação. 5. Projeção: pede-se ao cliente que crie suas próprias memórias do futuro. Intencionalmente, ele propõe novas metáforas para si mesmo e para o seu dia-a-dia, de modo a possibilitar novas sensações, novas emoções, novas cognições e novos significados às experiências que ainda estão por vir. Finalmente, é solicitado a construir uma metáfora alternativa à metáfora raiz e que, com essa metáfora em mente, parta para uma (nova) revisão histórica, de modo a buscar em sua vida episódios que possam ilustrar essa nova forma de significação. O indivíduo percebe que é possível reconhecer no passado outros temas, dependendo do ponto de vista metafórico de partida, e assim encontrar raízes em sua história que acomodem sua forma alternativa de significar sua realidade. Além disso, pede-se a ele que
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identifique em seu dia-a-dia experiências que exemplifiquem a metáfora alternativa, criando intencionalmente experiências desse tipo. Para exemplificar o procedimento utilizado, e tendo como base a terapia cognitiva narrativa, pedi que N. registrasse episódios de que se lembrasse dos 0 aos 35 anos, pelo menos um para cada ano. Então, ele começou a contar seus episódios em uma ordem cronológica, de modo que pudéssemos observar juntos como a construção de sua história foi sendo feita e que tema (ou temas) essa história evidenciava. Eventualmente, escolhíamos um episódio que lhe parecesse mais significativo, utilizando os procedimentos de objetivação e subjetivação. Assim, N. relatava o episódio no presente, de olhos fechados, e observava todas as características daquela situação, como sons, cheiros, estímulos visuais, gostos e, mais tarde, os pensamentos que lhe ocorriam, bem como as sensações corporais e a emoção sentidas. Com isso, a experiência daquela situação era ampliada, e N. percebia novas informações e significados atribuídos àquela lembrança. Logo foi possível identificar que o tema recorrente, na maior parte dos episódios em sua vida, era o de sentir-se acuado sempre que reconhecia ter uma opinião. Na infância, muitos episódios referiam-se a situações vividas com o pai, um homem bem-sucedido e extravagante, que estava sempre chamando a atenção de todos, comprando carros novos e comportando-se de maneira excêntrica. Separou-se da mãe de N. quando ele tinha seis anos, porque ela não suportou o estilo de vida e o comportamento do marido. A mãe, de origem portuguesa, era dona de casa, cuidava dos filhos e gostava de levar uma vida pacata, junto à família. N. descrevea como uma mulher frágil e triste, porém orgulhosa; por isso, preferiu a separação às traições. Após o divórcio, o pai ficava com N. e os irmãos nos finais de semana, que logo se tornaram grandes atrações em sua vida. Sempre havia uma surpresa ou um programa interessante. N. sentia verdadeira paixão e admira-
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ção pelo pai, mas a mãe continuava sendo seu porto seguro – por ser mais constante e estar sempre disponível nos problemas do dia-a-dia. A mãe de N. sentia muito medo de que os filhos, atraídos pelo estilo de vida do pai, decidissem um dia vir a morar com ele. Por isso, estava sempre criticando-o e chamando a atenção para a sua instabilidade, a sua falta de rotina e os seus hábitos boêmios. O medo de perder os filhos era tão grande, que ela os repreendia quando mostravam qualquer interesse ou afeto pelo pai. N. registrou um episódio em que lembrava ter ganho do pai, aos 10 anos, um carrinho com controle remoto, o qual mostrava para os amigos com orgulho (na época, esses carros eram caros e raros). A mãe repreendeu-o na frente dos demais dizendo: “Como você pode ficar tão feliz por estar sendo comprado pelo seu pai? É isso que você vale, um carrinho de brinquedo?”. Esse episódio marcante foi rapidamente escolhido como o episódio prototípico: a proibição de “sentir e expressar seus sentimentos” era um dos temas recorrentes de sua vida. N. jamais conseguiu “brigar” com a mãe e dizer o que pensava a respeito do pai, pois também não confiava nele o suficiente para ficar sob seus cuidados. Percebeu, então, que, na verdade, sentia-se incapaz de viver sem a proteção da mãe, ao mesmo tempo em que desejava ser independente para poder optar por ficar mais tempo com o pai. A ambivalência entre o desejo de autonomia e o medo de ficar desprotegido é muito comum em indivíduos com quadros fóbicos. Segundo Guidano (1994), o contexto familiar do indivíduo que apresenta uma organização fóbica do significado pessoal caracteriza-se por um bloqueio, muitas vezes sutil, da atividade autônoma de exploração do mundo exterior. Esse bloqueio não é sentido como uma proibição, mas como uma atitude protetora e cuidadosa. Entretanto, isso faz com que perceba uma suposta debilidade e vulnerabilidade em si mesmo. Em alguns casos, o bloqueio da autonomia ocorre em um contexto familiar percebido como frágil, no qual a ameaça de uma separação é constante. Um dos cuidadores ou ambos são percebidos como enfermos ou vítimas de um casamento infeliz e, por isso, parecem po-
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der sucumbir a qualquer momento. Separarse do progenitor e explorar a própria autonomia pode significar perdê-lo e, com isso, ficar desprotegido. A atitude hipercontroladora de si mesmo e da realidade é a estratégia que permite alcançar um equilíbrio estável e dinâmico frente às necessidades opostas de liberdade e proteção. Esse tema – desejo de autonomia versus necessidade de proteção – estava bem-identificado no episódio prototípico de N.; por isso, iniciamos prontamente a etapa de metaforização. Ao realizarmos os exercícios, N. escolheu como metáfora raiz “O Enforcado”. Essa metáfora representava para ele o modo como sentia a dificuldade em expressar suas emoções: discordar da mãe ou sentir algo que ela não aprovasse. Percebemos que seu medo de ter uma opinião contrária à de alguém era gerado exatamente pela emoção despertada nas situações de desproteção, ou seja, era a geradora da baixa auto-estima traduzida pela afirmação “sou bobo e inadequado”. Ao longo desse processo, a compreensão do significado que N. foi construindo ao longo de sua vida a respeito de si mesmo provocou uma grande sensação de alívio. Alívio por conseguir dar uma coerência ao longo de sua história e alívio por sentir-se “autor” dessa história e, portanto, capaz de modificar seu enredo, se necessário. Como afirma Guidano (1994), não sofremos pelas nossas emoções; sofremos pelo não-entendimento dessas emoções. Na etapa de projeção, N. criou episódios alternativos em que se sentia mais seguro para expor suas opiniões. Sua metáfora alternativa foi “O Do Contra” e, na revisão de sua história, N. foi capaz de identificar vários episódios em que tinha emitido opiniões contrárias (na escola, com os amigos, por exemplo) e nem por isso havia ficado desprotegido ou sozinho. Contudo, em um primeiro momento, não havia ainda focalizado suas lembranças nesses episódios alternativos. N. começou, então, a provocar situações em que tivesse a oportunidade de expor suas opiniões (em ser do contra). Com os amigos ou com os colegas, iniciava discussões sobre política, futebol e outros temas freqüentemente polêmicos. Nessa fase, seus sintomas de an-
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siedade já haviam atingido a completa remissão. Em comum acordo com o psiquiatra que o acompanhava, foi sendo retirada a medicação antidepressiva que tomava desde o início da terapia, que durou pouco mais de um ano. Acompanhei-o nessa retirada em consultas quinzenais, que logo passaram a ser mensais. Atualmente, dois anos após o término da terapia, tenho contato com N. a cada seis meses, por telefone ou mesmo no consultório. Ele se separou da esposa, mas mantém um bom relacionamento com ela e com os filhos. Assumiu o cargo de diretor em seu jornal e, até hoje, não apresentou mais qualquer sintoma fóbico. É necessário acrescentar ainda que o papel do terapeuta na psicoterapia construtivista não foi diretamente abordado na descrição do presente caso, não por ser menos importante, mas porque o enfoque escolhido foi a descrição de um procedimento prático em psicoterapia. Mesmo assim, procurei descrever o caso deixando clara a postura ativa e colaborativa de ambos na exploração da história e da construção de significados de N. Em muitos momentos, eu levantava hipóteses sobre possíveis significados em sua história das quais ele discordava. Nem é necessário dizer o quanto “discordar de mim” possibilitou uma boa oportunidade para lidar com o tema central de sua vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS A criatividade inerente ao processo de existir resulta da existência de uma infinidade de locais de procura. O reconhecimento de que é a incerteza quanto àquilo que se vai encontrar que faz do ato de procura um verdadeiro ato criativo. (Gonçalves, 1998)
Conforme apresentado no início deste capítulo, o caso de N. ilustrou o procedimento utilizado no enfoque construtivista frente a um quadro de fobia social. É importante salientar que tal concepção clínica tem por objetivo, além de modificar os diferentes problemas e sintomas apresentados por um indivíduo, compreender como esses problemas e sintomas fo-
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ram sendo construídos, desenvolvidos ao longo de sua história. Não se trata, porém, de encontrar somente a gênese desses problemas ou sintomas, uma vez que não é mais possível falar em uma única causa quando se trata de transtornos psicológicos ou psiquiátricos. Assim, a hipótese da tríade biopsicossocial na etiopatogenia de todos os transtornos psiquiátricos é aqui assumida. Compreender como um quadro psicopatológico foi sendo construído na vida de um indivíduo ajuda-nos a esclarecer os fatores psicológicos envolvidos no desenvolvimento da condição sem, com isso, desmerecer ou negar a impôrtancia dos fatores biológicos e sociais também envolvidos. O caso de N. permitiu ainda ilustrar como as técnicas podem ser utilizadas em uma abordagem construtivista. Diversas técnicas, de diferentes referenciais teóricos, podem ser utilizadas como instrumentos que possibilitem experimentar e ampliar os significados atribuídos pelo indivíduo às suas experiencias, de modo que ele consiga perceber-se como autor de sua própria história, inclusive da história que ainda está por ser escrita. Finalmente, já que sempre nos comprometemos com uma postura científica em psicoterapia e, portanto, com uma reflexão inevitável sobre as explicações que são validadas com nosso trabalho, o caso de N. confirma a hipótese de Guidano (1994) sobre a organização fóbica do significado pessoal. Nessa hipótese, o aspecto invariável que caracteriza o padrão de apego familiar de indivíduos com uma organização fóbica do significado pessoal é a inibição indireta da autonomia, que resulta tanto de uma atitude superprotetora das figuras parentais quanto da percepção dessas mesmas figuras como bases inseguras. Os sintomas de N. refletiram claramente o bloqueio de sua autonomia pelo contexto familiar em que viveu. Na medida em que a terapia permitiulhe a compreensão desse contexto, ele pôde ressignificar suas experiências, ampliá-las e explorar outras possibilidades de as experimentar, modificando-se. Finalmente, em se tratando de uma abordagem construtivista, vale a pena lembrar de um pressuposto fundamental a essa abordagem introduzido por Maturana e Varela (1995) de
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que todo organismo se auto-organiza constantemente e toda nova experiência é assimilada e integrada em nossa estrutura (processo também chamado de auto-organizático). Assim, a cada nova vivência, o organismo modifica-se, integrando tal episódio em sua estrutura. Sendo assim, as pessoas que acompanho na clínica também provocam importantes mudanças em minha pessoa. Afinal, como afirma James Bugental (citado por Mahoney, 1998): “Dois estranhos colocam-se face a face por força de um encontro previamente combinado; seu propósito, lutar com a própria vida; sua meta, sobrepujar as mazelas de um deles; seu risco, que um ou ambos descubram que a vida é repleta de dor e ansiedade por um certo período de tempo; sua certeza, a de que, se persistirem com boa-fé nessa luta, ambos se modificarão em alguma medida”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C.N.; ROSO, M. As vertentes da terapia cognitiva. Jornal Mineiro de Psiquiatria. (No prelo.)
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14 Transtornos Alimentares* Augusto Zagmutt Cahbar Mateo Ferrer Farji
A PSICOPATOLOGIA HOJE O programa metodológico que predomina nos enfoques clínicos e psicopatológicos tradicionais mais importantes não parece dar conta suficientemente da complexidade da experiência humana. Essa atitude revela-se na tendência em reduzir a complexidade e a particularidade de cada quadro clínico a uma descrição do resultado do processo que deu origem ao transtorno, evitando centrar-se na etiologia do quadro clínico. É como se as condutas, as emoções, as imagens, os processos de pensamento, etc., vistos como anormais, invadissem de fora a pessoa, definida a priori como uma entidade passiva diante da “doença”, transformando-a de sadia em doente. Uma metodologia clínica desse tipo, essencialmente “a-teórica” e descritiva, fecha-se em si mesma como um sistema de arquivos no qual se pode conhecer somente aquilo que já se conhece e descobrir aquilo que já foi descoberto. Isso se contradiz com o critério para considerar uma disciplina como científica, ou seja, cumprir com o critério de desenvolver modelos explicativos falsificáveis, unitários e exaustivos (Guidano, 1995a). Conseqüentemente,
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parece ser uma tarefa central para o desenvolvimento da nossa disciplina mudar da ótica atual para uma perspectiva que permita gerar uma metodologia capaz de explicar como a pessoa que sofre um transtorno mental, emocional ou de conduta chegou a ter esse sofrimento e como se encontra aprisionada nele. Em outras palavras, uma metodologia clínica cujo enfoque esteja nos processos pessoais, e não na doença em si (Guidano, 1995b). OS TRANSTORNOS ALIMENTARES PSICOGÊNICOS O tema central comum para todos os transtornos clínicos compreendidos no que Guidano chama de Organização de Significado Pessoal (OSP) de Transtornos Alimentares Psicogênicos (DAP), com diversos perfis de superfície, é a presença de um sentido de si mesmo muito pouco claro e indefinido, que surge da ambigüidade dos vínculos precoces com os pais. O aspecto fundamental para compreender os desequilíbrios da OSP “do tipo DAP” é a excessiva vulnerabilidade aos juízos exter-
A presente proposta clínica baseia-se na concepção pós-racionalista de psicoterapia.
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nos e a estrutura das diversas estratégias tacitamente utilizadas para manejar as perturbações emotivas encontradas nas instabilidades dos juízos externos que ameaçam o sentido de si mesmo estabelecido. Os eventos críticos disparadores dos desequilíbrios clínicos nos DAP são de duas fontes: ou experiências de decepção da figura de referência, ou o surgimento de situações de exposição social que rompam o equilíbrio entre a necessidade absoluta de aprovação externa e o medo de ser invadido ou desconfirmado pelos outros significativos. O nome OSP de transtornos alimentares psicogênicos provém dos primeiros trabalhos do grupo pós-racionalista no Centro de Terapia Cognitiva de Roma, em uma pesquisa clínica que se estendeu por oito anos (De Marchis, 2000). Os pesquisadores perceberam que, por trás do tema das DAP, existia muito mais que uma problemática alimentar e que os transtornos alimentares são somente algumas das modalidades de desequilíbrio sofridas pelas pessoas que apresentam esse modo de organizção da experiência pessoal. Em geral, salvo exceções, os transtornos clássicos, tais como anorexia, bulimia e obesidade psicogênica, apresentam-se quase exclusivamente em mulheres. Com freqüência, a presença de um transtorno alimentar em homens, em particular o quadro anoréxico, ocorre quase unicamente em homossexuais. A mesma modalidade de significado pessoal é observada nos homens, porém sob a forma de problemas sexuais, sociais, profissionais, e para ambos os sexos todos os temas que se relacionam ao rendimento. O aspecto principal nessa organização é a dificuldade estrutural que as pessoas têm para se diferenciar de uma referência externa, pois o caminho evolutivo que leva a esse tipo de OSP segue uma linha comum. Os vínculos precoces dessas pessoas normalmente se caracterizam por uma mãe ambígua e contraditória, que oscila em suas atitudes para com a criança. Essa oscilação da figura de referência interfere na necessidade da criança de ter um sentido estável e definido de si mesma. Assim, sua única viabilidade é aderir completamente às expectativas da mãe,
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momento a momento, em um vínculo emaranhado e confuso (Guidano, 1994), no qual a criança não tem opção de desenvolver um sentido autônomo e diferenciado de si mesma frente ao mundo. Agregado a isso, some-se um estilo familiar que lhe impõe constantemente critérios, emoções e sentimentos, confirmando tacitamente sua dependência. Esse tipo de família não admite critérios autônomos, de modo que coincidir com o outro e agradar-lhe é a única forma de amor possível. Por volta dos cinco anos, quando a criança deveria ter uma leitura mais amadurecida de seus estados internos, ela encontra-se completamente aderida ao vínculo que é marcado por um emaranhado a essa figura de referência. Qualquer decepção dessa figura idealizada provocará uma desestabilização da própria autopercepção. Quando a coordenação com a figura materna falhar, como é de se esperar, a criança contará apenas com as introjeções e os sentimentos pessoais elementares, pois nunca foi muito voltada “para dentro” em função das demandas familiares. Portanto, as atividades alimentares e musculares passam a ser a fonte de seu reconhecimento emocional das experiências em curso e uma das únicas formas de estabilização de um sentido de si, mesmo angustiantemente difuso e oscilante. Nesse caso, os processos de identificação e de diferenciação com os pais, que são processos complementares nas primeiras fases da vida, começam a tornar-se desarmônicos e contínuos. Vale lembrar que os processos de identificação permitem à criança orientar-se externamente para reconhecer os estados internos do outro, para poder reconhecê-los em si mesma. Como os processos de diferenciação são aqueles que afastam a pessoa da fonte de identificação em uma tendência para o mundo interno, no qual ocorre um autoconhecimento, para as crianças com DAP, esse segundo processo de diferenciação sofre interferência de sentimentos e critérios impostos pela mãe e pela família. Então, a criança desenvolve uma orientação predominantemente externa – quando precisaria ser interna – de seus processos de conhecimento a respeito de si mesma e do mundo (Arciero, 2000). Isso lhe gera uma
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oscilação emocional de esquemas opostos, ou seja, oscilando entre estar ligada externamente e estar ligada internamente. Caso se perceba ligada mais ao mundo externo, a criança experimentará um sentimento de ineficiência pessoal (seu sentido de si mesmo não pertence a ela, mas vem do outro). Caso se perceba ligada mais ao mundo interno, obterá um sentido maior de individualidade, porém ao preço de um sentimento de vazio e de falta de autoconfiança, o que lhe causará uma baixa capacidade de diferenciação emotiva. No entanto, como as experiências emotivas são inescapáveis, quando a criança não consegue manejar um bom nível de confirmação da figura de referência, ela pode usar estratégias que evitem situações que disparem sentimentos de uma autonomia perigosa (externamente fundada), ou mesmo apresentar atividades destrutivas em que freqüentemente pode usar os mesmos componentes motores e viscerais aos que tem fácil acesso para reconhecer-se, tais como na atividade alimentar. Assim, a criança mantém um bom equilíbrio e evita ter a experiência ameaçadora de experimentar uma percepção confusa e oscilante de si mesma, ao confiar somente em marcos de referência externos, nos quais o autoreconhecimento coincide com as expectativas percebidas de uma figura de referência à qual procura corresponder sistematicamente. Tal equilíbrio, porém, é rompido na adolescência, com o surgimento do pensamento abstrato e a inevitável relativização dos pais e da família. Este é um momento crítico, que coloca à prova a capacidade para manter um sentido estável de si mesmo perante a decepção das figuras idealizadas dos pais e da família, que até esse momento sustentavam a sua identidade. Como a criança não possui outra viabilidade além de se envolver estreitamente com uma figura de referência, sua estratégia para obter uma percepção estabilizada de si é através da obtenção de vínculos afetivos próximos, alternativos à sua mãe, mas dessa vez prevendo a decepção com uma série de estratégias em que se exponha o mínimo e que o outro se mostre ao máximo, procurando, assim, garantias contra essa experiência ameaçadora.
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ANOREXIA, BULIMIA E OBESIDADE COMO UM CONTÍNUO ATRIBUICIONAL A decepção adolescente da pessoa do tipo DAP pode resultar de duas maneiras diferentes: ou atribuir a turbulência experimentada a uma realidade enganosa e decepcionante em si mesma, ou atribuir essa experiência negativa a si mesmo. Em ambos os casos, essa diferença atribuicional é muito importante para entender as diferentes modalidades dos desequilíbrios dos transtornos alimentares (Maselli e Cheli, 2000). No caso de fazer uma atribuição externa, a pessoa tende a ver os outros como invasivos e enganosos, desenvolvendo estratégias ativas para combater essa realidade. Isso gera uma atitude mais ativa – tanto psicológica quanto fisicamente – diante da decepção percebida. As estratégias estão centradas em se perceber portador de um modo de ser que é visto como inadequado, mas que pode ser modificado. É o padrão que subjaz aos transtornos anoréxicos, nos quais há uma atividade motora aumentada e uma responsabilização dos demais pela experiência de decepção e desconfirmação, o que é acompanhado por um sentido de luta. No caso de fazer uma atribuição interna, a pessoa tende a evitar os sentimentos de ineficiência e vazio, atribuindo-os a traços negativos pessoais específicos que lhe devolvem o sentido de controle. Esse é o padrão que dá lugar aos transtornos de obesidade, com uma atitude física e psicologicamente passiva; a atribuição causal é de responsabilidade interna, constitutiva e estável, acompanhada por um sentido de derrota e de inevitabilidade da desconfirmação e das decepções: “Porque sou assim, gorda, e não posso fazer nada. Nasci assim, e não tem remédio”. Em ambas as situações, a decepção e os sentimentos de vazio e ineficácia são transformados em experiências manejáveis ao assumir uma atitude centrada no temor de uma imagem corporal inaceitável. No padrão anoréxico, luta-se ativamente para supercontrolar os impulsos biológicos e, assim, recuperar o controle sobre um sentido de continuidade experiencial; no padrão obeso, a atitude para a vivência
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intolerável de decepção é a passividade, em uma estratégia em que há a retomada do controle do sentido de continuidade experiencial, circunscrevendo o mal-estar global de si mesmo a um aspecto específico negativo de si mesmo, tal como a obesidade. Já o padrão bulímico situa-se em um ponto intermediário, com grandes oscilações entre fazer atribuições internas ou externas de suas experiências discrepantes. Isso pode explicar a particular dificuldade relacional que oferecem esses pacientes, tão sistematicamente conflitantes, tanto na sua vida pessoal quanto na terapia. Dessa forma, podemos entender os três padrões clínicos como emergindo de uma etiologia comum. As diferenças clínicas observáveis podem emergir dos diferentes estilos atribuicionais que apresentam os diversos desequilíbrios e que se distribuem em um contínuo, tal como se observa na Figura 14.1. O MÉTODO TERAPÊUTICO Guidano propõe direcionar-se ao desenvolvimento de uma teoria exaustiva e unitária do funcionamento da mente humana, que seja aceita pela comunidade de especialistas (como
acontece com outras disciplinas mais “duras”) e que possa gerar um enfoque terapêutico único, aplicável a qualquer contexto, tanto individual com problemática existencial, neurótica ou psicótica, quanto de casal ou de família (Guidano, 1995a). Em primeiro lugar, o terapeuta pós-racionalista não se pergunta “A que quadro correspondem os sintomas que vejo?”, e sim “De que maneira esse sintoma expressa o modo particular com o qual o paciente mantém seu sentido experiencial?”. Nessa perspectiva, uma intervenção terapêutica não tem como objetivo central desenvolver e aplicar técnicas específicas para modificar quadros específicos, porém desenvolver uma metodologia de intervenção estratégica orientada a intervir nos processos autoconscientes do indivíduo. De fato, na prática clínica real, tanto nos transtornos alimentares quanto em qualquer quadro clínico, o que podemos ver é uma heterogeneidade sintomática que torna muito difícil realizar a ilusão de aplicar uma técnica específica a um quadro específico. A complexidade e a plasticidade humanas escapam a tal pretensão, geralmente mais real nos textos e nas palavras do que na realidade de nossa prática profissional diária.
Figura 14.1 Estilos atribuicionais nos distúrbios alimentares. Fonte: Maselli e Cheli (2000).
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O terapeuta pós-racionalista não se interessa por diagnosticar anorexia, bulimia ou obesidade de forma transversal, tal como ocorre nos DSM, porém lhe interessa fazer um diagnóstico processual que considere o momento de vida do paciente e os elementos disparadores e mantenedores dessa sintomatologia (Guidano, 1995b). Por exemplo, no caso característico de um desequilíbrio anoréxico, que envolve uma decepção das figuras parentais (que é em si um aspecto inevitável da experiência adolescente), esse acontecimento pode disparar tal sintomatologia como conseqüência de uma ruptura afetiva. O terapeuta pós-racionalista preocupa-se em gerar as melhores condições possíveis para disparar uma reorganização pessoal. Essas condições podem ser propiciadas no seio de uma relação terapêutica realmente comprometida, entendida como uma disposição permanente do terapeuta para simular os processos do paciente, representando a forma como este pode estar vivendo-os como observador, e operar sobre esse sistema. As condições consistem em levá-lo a experimentar eventos afetivamente carregados e gerar uma condição auto-referencial, na qual lhe seja impossível deixar de reconhecer como próprios os aspectos emotivos que emergem nesse trabalho. A METODOLOGIA AUTO-OBSERVACIONAL A auto-observação (Guidano, 1994) é o método unitário utilizado na fase de avaliação e na intervenção em si, o qual permite a análise dos dois níveis de processamento da informação e da relação que existe entre estes para a pessoa. A operação na interfase entre experiência imediata e a explicação permite ao paciente analisar os acontecimentos de interesse clínico. Todo problema terapêutico é reconstruído em termos dos eventos seqüenciais aos quais pode referir-se utilizando uma linguagem cinematográfica, uma vez que a unidade de análise nesse método é a imagem – razão pela qual a técnica é chamada de moviola1(Guidano, 1987). O paciente é conduzido a reconstruir a seqüência de cenas em uma espécie de visão
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panorâmica, revisando de trás para frente o evento estudado e detendo-se em pontos críticos que se focalizam nos detalhes (zooming out). Assim, a cena será enriquecida com novos detalhes (Guidano, 1987) que não haviam sido atendidos nem considerados pelo paciente, e será reinserida na seqüência (zooming in), o que vem a facilitar as distinções de mais detalhes experienciais nas cenas subseqüentes, aumentando os níveis de flexibilidade e de abstração narrativa. O interesse centra-se em reconstruir a experiência em curso e a modalidade por meio da qual o cliente refere-se a essas experiências. Treina-se o paciente a focar o trabalho na autoobservação, fazendo-o notar que podem ser elaborados dois questionamentos básicos: o porquê do que ocorre, quer dizer, como ele explica o vivido, e como foi vivenciada a situação, à luz dos detalhes experienciais. Junto com este primeiro tipo de distinção, o paciente é levado a focalizar sua experiência a partir de dois pontos de vista: o ponto de vista subjetivo, ou como ocorre a cena em primeira pessoa, e o ponto de vista objetivo, ao olhar a cena de fora, tal como quando as pessoas comentam sobre uma cena de um filme ou de uma peça de teatro, em que os dados manifestados pela personagem caraterizam uma parte da sua experiência interna. Uma forma especial de aplicar esse método é o treinamento em heterorreferencialidade – aspecto central utilizado especialmente nos pacientes DAP. O mecanismo de auto-observação consiste em que o paciente conscientize-se de como as atitudes, os comentários ou as condutas dos outros mudam o sentido de si mesmo (se “a” se comporta assim, o que ocorre comigo?) e treinar um ponto de vista alternativo que tem como objetivo torná-lo independente do parâmetro externo (se “a” se comporta assim, o que ocorre então com “a”?). Assim, o paciente vai progressivamente aumentando o contato com seus parâmetros de referência internos pouco percebidos até então. Já na fase de reconstrução da história do desenvolvimento do paciente, o ponto de vista de análise é duplo. Por um lado, investiga-se como ele se vê de fora com os olhos de uma criança da mesma idade que corresponde à
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cena reconstruída e, por outro lado, como ele se vê de fora nessa cena com os olhos do presente, ou seja, com toda a sua experiência, o seu conhecimento de mundo e os novos pontos de vista desenvolvidos no curso vital. Nesse método, não estamos interessados em debelar uma “verdade” oculta aos olhos do paciente, e sim em alcançar maior flexibilidade e maiores distinções na experiência, diferenciando a experiência da explicação que a ordena e tomando constantemente uma dupla perspectiva, objetiva e subjetiva da sua experiência em curso. Isso é feito para se alcançar o reconhecimento de uma gama mais ampla de ingredientes experienciais que venham a desafiar a auto-imagem até então estabelecida. O PROCESSO TERAPÊUTICO Se considerarmos que qualquer reordenamento racional cognitivo (nível narrativo explícito) consiste em operar com as regras lógico-semânticas para tornar consistente o fluxo da experiência imediata e a continuidade da nossa avaliação do mundo e que esse reordenamento, mais do que representar uma realidade já dada de acordo a uma lógica de correspondência externa, corresponde à construção e à reconstrução de uma realidade capaz de tornar consistente a experiência em andamento, então o objetivo central da estratégia terapêutica é guiar o paciente para abordar aspectos da experiência que não tenham sido processados e/ou completamente compreendidos. Os padrões de autoconsciência (de autoreferência ou de coerência) tendem a ser mais confirmativos do que exploratórios e, inclusive, capazes de manipular a experiência imediata, à medida que se auto-referencia e reordena para, assim, impedir o surgimento na consciência de dados que sejam irrelevantes ou que desafiem a avaliação de si mesmo ou da situação formalizada até esse momento. Portanto, o processo terapêutico consiste em provocar mudanças progressivas nesses padrões de coerência, incrementando, paulatinamente, a compreensão por parte do cliente do modo como ordena (e reordena) o fluxo da experiência. Dessa forma, amplia-se a compreensão dos
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padrões básicos que vem empregando para auto-referir-se na experiência imediata, o que finalmente facilita o reconhecimento de outras tonalidades emocionais. Em síntese, a mudança terapêutica significativa coincide com uma mudança no nível e na qualidade da autoconsciência. Isso corresponde a um aumento da flexibilidade e da abstração da avaliação do nível explícito (“mim” – aquele que pensa e explica), do nível tácito de experiência (“eu” – aquele que sente e experimenta). Por um lado, esse aumento da flexibilidade vai desafiando a imagem soberana (consciente de si mesmo), de maneira que os afetos que se percebem como estranhos e irreais passem a ser avaliados como emoções pessoais reais e, agora, auto-referidas ao próprio sentido de continuidade e unicidade. Por outro lado, ao modificar o ponto de equilíbrio na relação “mim-eu”, o cliente aumenta a sua compreensão de como ocorrem e se manifestam os sentimentos oscilantes discrepantes, melhorando a sua capacidade de auto-regulação da emotividade, vale dizer, da experiência subjetiva (Guidano, 1998). A auto-observação é o método essencial para a avaliação e a intervenção terapêutica. Assim, operando na interface entre a experiência imediata (“eu”) e seu reordenamento explícito (“mim”), vão sendo reconstruídos os acontecimentos de interesse terapêutico, facilitando-se a observação de ambos os níveis de processamento e os padrões de coerência da relação existente entre os mesmos. O terapeuta atua como um perturbador estrategicamente orientado, estabelecendo as condições capazes de provocar a reorganização, mas não controlando nem determinando o resultado final do processo, sendo que a sua meta é orientar o cliente a compreender os padrões que ele emprega para auto-referir-se em suas experiências imediatas. Mais do que estar centrado em modificar as crenças que o cliente tem, o clínico o guia para perceber como age para significá-las. Para alcançar esse objetivo, é indispensável que o terapeuta conheça a dinâmica das principais organizações de significado pessoal, bem como os desafios evolutivos que enfrentam em sua progressão ontogenética ao longo do ciclo vital.
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Então, utilizando a técnica da moviola (estratégia de auto-observação), o terapeuta, usando os problemas presentes e os eventos em que ocorre a discrepância emocional, promove novos níveis de compreensão e possibilita que os processos de auto-organização do cliente influam no rumo da terapia. Assim, as perturbações emocionais que geram uma mudança efetiva em terapia provêm de dois processos básicos: 1. Um efeito discrepante, derivado das explicações do terapeuta, levandose em conta que tudo o que ele faz, seja mediante uma comunicação verbal e/ou não-verbal, incluindo a estratégia de auto-observação, já é uma forma de explicação para o cliente. Esse efeito discrepante é capaz de suscitar uma modificação apreciável do ponto de vista que o cliente mantém de si mesmo. Embora as explicações com efeitos discrepantes sejam uma solução necessária para ativar a perturbação desafiante terapêutica, elas não bastam em si para desencadear um efeito reorganizador. 2. Um nível estável e apreciável de compromisso emocional na relação terapêutica, que impulsiona uma codificação auto-referencial global e imediata do ponto de vista questionador (uma perspectiva alternativa à “verdade” sustentada pelo paciente), provocando a percepção das possíveis discrepâncias. Independentemente do seu conteúdo específico, uma nova perspectiva questionadora pode produzir um efeito discrepante somente através do nível de auto-referencialidade que se adquire em função da qualidade da reciprocidade emocional estruturada até esse momento no contexto interpessoal. Nesse sentido, é básica a qualidade do compromisso emocional do terapeuta naquilo que diz ou faz, evidenciando que participa de uma relação real, pois isso
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representa uma garantia para o paciente de que o terapeuta está disposto a cumprir seu oferecimento ao aceitá-lo. Aos olhos do cliente, tal fato implica uma possibilidade confiável de explicação e experiência alternativa de seus problemas atuais. A ESTRATÉGIA TERAPÊUTICA A estratégia terapêutica conta com três fases principais: a preparação do contexto clínico e interpessoal (fase 1), a construção do dispositivo terapêutico(fase 2) e o impedimento da análise evolutiva (fase 3).
Preparação do contexto clínico e interpessoal (Fase 1) Dependendo do nível de conhecimento que o paciente tenha do seu problema e da atitude de cooperação, essa fase pode levar de uma a sete sessões. O objetivo central em construir uma relação interpessoal que facilite a exploração da vivência tem o propósito de reformular o problema apresentado pelo paciente para facilitar a utilização da estratégia de auto-observação, ou seja, favorecer que o clínico possa atuar na interface entre experiência/explicação. Nesse sentido, a operação básica consiste em redefinir o problema sob os aspectos “internos” e relacioná-lo, na medida do possível, a seu modo de ser (por exemplo, sentimentos intrínsecos do modus operandi do sujeito que ainda não suficientemente reconhecidos ou explicados) e em contraste à definição externa que o cliente normalmente experimenta e apresenta (como sintomas estranhos, idéias de doença ou outras noções vinculadas a aspectos “externos” à sua maneira de ser). Vejamos um exemplo: Pâmela, uma jovem de 16 anos, cursa a 2a série do ensino médio e é filha única do casal. Seu pai, de 55 anos, é publicitário, trabalha com negócios imobiliários e tem um filho de 22 anos, fruto de um outro relacionamento. A mãe, de 44 anos, também é publicitária e conheceu o pai de Pamela quando foi sua aluna. Em meados
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do verão, oito meses atrás, a jovem começou a fazer uma dieta e, dado seu descontentamento com os resultados, consultou uma nutricionista. Esta disse-lhe que tem facilidade para assimilar os alimentos; porém, com paciência e uma dieta alimentar adequada, Pâmela poderia manter-se bem (considerando-se as variáveis altura/peso dentro dos padrões normais). A partir dessas orientações, Pâmela começou uma dieta restringindo quase totalmente a ingestão alimentar e iniciando, assim, um quadro anoréxico clássico que a levou a perder de 8 a 10 kg em três meses, com amenorréia, etc. Juntamente com sua tentativa de não comer, começou a ser alterada a relação emocional com os pais e em especial com a mãe, que a pressiona a comer, fazendo com que todo o relacionamento gire em torno do tema da alimentação. Diante da clássica pergunta “quais problemas a trouxeram aqui?”, a paciente afirma que os pais a obrigaram e manifesta uma atitude desafiadora e hostil para com a terapia, pois sente que a intenção dos progenitores era a de lhe fazer subir de peso – o que faria com que ela viesse a engordar. No decorrer dessa primeira sessão, começou a evidenciar-se, aos olhos da paciente, que, já antes do verão, como também durante essa época, ela manifestava um certo nível de angústia e tensão (sentia-se confusa, insegura e vazia) ao ter que enfrentar situações sociais. O terapeuta analisa nesse momento suas dificuldades de integração com o mundo social, o que desperta o imediato interesse da paciente em conversar sobre as suas dificuldades de enfrentamento de tais situações sociais. O passo seguinte consistiu em reformular a sua dificuldade de relacionamento social em termos de sensibilidade à avaliação e, para isso, começaram a reconstruir cenas nas quais tal dificuldade se manifestava. Nessas cenas, Pâmela percebia-se como muito vulnerável e sem controle da imagem que os outros tinham de si mesma e do seu rendimento social, reconhecendo-se permanentemente com “fome” de tudo, ou seja, sem personalidade, sem vontade e sem motivação. Verifica, inclusive, que os outros são mais expansivos, que ela raramente tem o que dizer nas situações de convívio. Por
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essa razão, antecipa uma atitude excludente da parte dos outros, que irão rejeitá-la e avaliála de forma negativa e, como conseqüência, prefere isolar-se ou participar o menos possível de eventos com pessoas nas quais não confia ou com as quais não se sente bem. O terapeuta tinha especial cuidado de não desafiar o ponto de vista sustentado por Pâmela, cujo aspecto central em seus sentimentos e dificuldades era a falta de aceitação. Do ponto de vista clínico, uma das saídas era reduzir objetivamente os atributos estéticos e intelectuais (provindos do “exterior” da paciente), além de promover uma mudança de perspectiva (para o “interior”), na qual os problemas se relacionavam mais aos aspectos derivados de sua hipersensibilidade aos juízos dos outros do que à sua aceitação corpórea ou intelectual. Reformulado dessa maneira, o problema é internalizado, e assim se pode redefinir um palco para que possa acontecer uma autoobservação de uma exploração colaborativa entre o cliente e o clínico. Ao longo desse processo, que durou cerca de três ou quatro sessões, cada vez que o terapeuta indagava a respeito de algum aspecto específico indicado por ela, a paciente respondia vagamente, oferecendo explicações em forma mecânica e consensual ao grupo de referência. A exploração de seus sentimentos sempre dava lugar a respostas também muito vagas, tais como “desconforto”, “mal-estar”, “desagrado”, etc., e, apesar de ter consciência de que esses sentimentos eram mais intensos em situações sociais, ainda não era capaz de explicar as razões para que isso ocorresse. Essas cenas, portanto, transformaram-se no foco de atenção da auto-observação da paciente, que pôde reconhecer, a partir dessa estratégia, que as experiências emotivas eram a base da sua reticência a se relacionar mais diretamente com os seus companheiros. Vale ressaltar novamente que a estratégia do terapeuta foi desenvolvida de modo a evitar o confronto dialético com a paciente ou a tentativa de persuadi-la, direta ou indiretamente, no sentido de que o seu problema seria o excesso de peso do juízo externo em sua vida ou mesmo a existência de crenças irracionais. Essa reformulação foi produto da reformulação das próprias experiências
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reconstruídas e reconhecidas pela paciente, o que evitou o risco comum de que os resultados obtidos fossem somente produto de um acordo verbal, dada a vaguidão e a disposição a satisfazer desses pacientes devido à sua hipersensibilidade ao juízo alheio e, por conseguinte, também ao possível juízo de seu terapeuta. Dessa maneira, o terapeuta comporta-se como um perturbador estrategicamente orientado ao definir o contexto terapêutico como um âmbito destinado à compreensão e à indagação, e não como um palco no qual o cliente será tranqüilizado e/ou receberá soluções técnicas (que geralmente correspondem ao que o cliente espera obter em terapia). Portanto, as explicações ou as reformulações discrepantes, que ocorrem em um contexto emocional interativo adequado, modificarão o ponto de vista do cliente sobre sua problemática. Procura-se, assim, reduzir a discrepância entre a experiência e a explicação dessa mesma experiência. Na busca de tais objetivos, após a pergunta “o que a trouxe aqui?”, o terapeuta deve observar dois aspectos. Em primeiro lugar, formular rapidamente uma hipótese a respeito da OSP particular daquele paciente, o que lhe permitirá orientar-se para reformular o problema apresentado e evitar assumir atitudes inoportunas diante das emoções perturbadoras do cliente, como adotar uma atitude crítica e/ou preocupada, pois confirmariam o sentido de estranheza com que ele percebe essas emoções, ou atitudes que se oponham e/ou sejam desafiadoras à sua coerência pessoal. Em segundo lugar, não deve tentar corrigir nem confirmar as afirmações do cliente, evitando entrar em discussões que, em nossa opinião, não modificam o que ele experimenta, mas que podem definir o contexto terapêutico como competitivo e puramente verbal. Nessa perspectiva, define-se o contexto interpessoal como uma colaboração recíproca e o relacionamento terapêutico como uma ferramenta de indagação, que permite pesquisar ao máximo seu significado pessoal. Assim, terapeuta e paciente, trabalhando conjuntamente, constroem uma compreensão que até esse momento está ausente, procurando construir um ponto de
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vista, tanto alternativo quanto comprometido, que desloque o foco da atenção do cliente para outros aspectos de si mesmo, até então não accessíveis.
Construção do dispositivo terapêutico (Fase 2) Essa fase divide-se em duas etapas. Na primeira etapa, que tem duração de quatro a oito meses, o enfoque é a reordenação da experiência imediata. Normalmente, as sessões são semanais, de modo que o paciente tenha um papel mais ativo na terapia. Os objetivos centrais dessa fase são reconstruir o padrão de coerência atual do cliente e os fatores que fazem com que seu desequilíbrio possa estar suscitando os problemas. No início, pede-se ao cliente que observe e anote os acontecimentos significativos da semana, escolhidos segundo a reformulação inicial do problema. Esses eventos são divididos em seqüências de cenas, analisadas pelo método de auto-observação. O cliente é treinado para distinguir os diferentes aspectos da experiência subjetiva, até que consiga levar o foco da atenção a um desses aspectos e reconstruí-lo de diversos pontos de vista. Utilizandose a técnica da moviola, o cliente é instruído, desde as sessões iniciais, a enfocar em cada cena a diferença entre a experiência e a sua explicação, tanto durante a cena quanto depois dela, e a introduzir a distinção entre o “como” (a experiência) e o “porquê” (de sua explicação). O “como” está relacionado à construção (os ingredientes) da experiência subjetiva (por exemplo, padrões dinâmicos da imaginação, tendência à ação, sentimentos multifacetados, sentido de si mesmo experimentado, etc.) e também ao modo como ela se produz, ou seja, a situação ou os acontecimentos que geraram a percepção discrepante e o seu reconhecimento pelo sujeito. Nessa etapa, o problema inicialmente proposto como uma atitude conectada ao âmbito externo (um problema objetivo) começa a ser progressivamente entendido como conectado ao âmbito interno (relacionado com o manejo de certos aspectos imediatos da experiência subjetiva). Por
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fim, o trabalho da moviola estará orientado a enfocar a discrepância entre a experiência imediata e o seu reordenamento explícito, com o objetivo acordado de reconstruir o padrão de coerência entre ambos os níveis de experiência (experimentar e explicar). Voltando ao exemplo de Pâmela, constatamos que ela atribui sua insegurança social ao fato de “ter engordado fisicamente”, conectando mais fortemente ao âmbito externo. Nas sessões iniciais, já se havia reformulado o seu problema em termos de sua permeabilidade aos comentários e às atitudes dos outros, entre os quais se destacam os da mãe e os de seus pares, em especial de suas companheiras, que representam seu modo de ser e de sentir-se com os demais. A paciente custava a reconhecer o efeito emocional negativo que lhe geravam os comentários de sua mãe e os sentimentos de confusão que eram experimentados. Passando esta e outras cenas através da moviola, Pâmela tornou-se cada vez mais capaz de reconhecer como seus estados afetivos internos (e, inclusive, o seu ponto de vista sobre os fatos) iam sendo influenciados e, muitas vezes, determinados pela visão e pelas atitudes dos outros. Uma vez que se tornou capaz de perceber tais distinções, ela começou a ser treinada no exercício da heterorreferencialidade em termos de desassociar o sentido de si mesma dos parâmetros externos, ou seja, desvincular “quem sinto que sou” de “como os outros me percebem”. Nesse treinamento, a ação e a atitude do outro são tomadas como informações sobre a outra pessoa, e Pâmela conseguiu dar-se conta de que, nas situações de conflito com a mãe, esta tendia a extremar e exagerar sua resposta emocional de maneira a manipular os seus comportamentos. Portanto, amplia-se progressivamente o foco sobre os sentimentos perturbadores e seus vínculos com outros aspectos da experiência imediata, fazendo-se com que o cliente compreenda como todo estado emocional é sempre uma construção contínua, que abrange processos de reconhecimento e auto-referência. Com a reconstrução do modo como o cliente elabora crenças e expectativas a partir da experiência imediata (ou seja, a experiência em
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andamento), começam emergir os limites da sua auto-imagem atual frente aos padrões de auto-engano (pontos de vista “externos” utilizados até então como referência de conduta e de ação). Em síntese, esse processo consiste em promover no paciente uma maior independência em seu ordenamento dos significados, partindo agora do sentido de si mesmo (“como eu me sinto ser”) e não mais de parâmetros externos (“como os outros me vêem”), o que gera um aumento de flexibilidade pessoal. Alcançada uma certa capacidade de heterorreferencialidade, começou-se a reconstruir as cenas do surgimento do problema de Pâmela. Ela estudava em um colégio de alto nível socioeconômico e percebia que suas companheiras preocupavam-se com aspectos mais centrados na imagem corporal, o que lhe gerava uma experiência de não se sentir incluída no grupo. Começa, então, a experimentar uma profunda sensação de fracasso e de inferioridade em relação aos outros, pois nunca havia se preocupado com essas questões anteriormente. Repetidamente, relata recordações (imagens) nas quais vê a si mesma muito vulnerável no relacionamento com suas colegas. No final das férias, ao reiniciar o ano escolar, inicia-se o quadro anoréxico, pois desenvolve imagens antecipatórias recorrentes de que se perceberia em desvantagem em comparação aos outros (até mesmo o fato de assistir à televisão afetava-lhe, pois Pâmela começou a se comparar com personagens da televisão, sentindo-se mais uma vez inferiorizada). A mudança do foco sobre si mesma atingida pela cliente nessa etapa provoca um reordenamento da experiência imediata, pois agora pode reconhecer e auto-referir emoções e sentimentos anteriormente desatendidos ou excluídos da consciência. Assim, passamos à etapa seguinte dessa mesma fase, explicitando de que modo os padrões de significado pessoal permitem a estruturação dos laços afetivos capazes de manter a coerência do sentido atual de si mesma. Na segunda etapa, ocorre a reconstrução do estilo afetivo, isto é, trabalha-se para que o cliente alcance uma compreensão do modo como começa, mantém e termina os vínculos afetivos e, em especial, compreenda a relação existente entre seu estilo afetivo parti-
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cular e sua problemática atual. A experiência clínica mostra que as perturbações emocionais normalmente coincidem com uma mudança abrupta da imagem das figuras mais significativas na vida dos clientes, seja por acontecimentos percebidos (decepções ou frustrações), seja pelo produto do crescimento pessoal da pessoa, o que os faz mudarem de perspectiva, tal como ocorre na adolescência. Dado que a imagem da figura significativa está intrinsecamente vinculada à autopercepção e à imagem de si mesmo, uma mudança de percepção dessa figura leva necessariamente à uma reformulação da imagem pessoal, pois são unidades coparticipativas. A reconstrução, através da moviola, do curso cronológico de aparecimento das perturbações, destacando a correlação entre o desequilíbrio percebido e a mudança de imagem do companheiro, ajuda o cliente a compreender que o surgimento de sentimentos perturbadores é paralelo, muitas vezes, à mudança de percepção do companheiro. Nessa altura, fica cada vez mais evidente que o problema original coincide com a exclusão de suas percepções pessoais em detrimento das opiniões externas, levando-o a uma ordenação errônea dos significados. Começamos, então, com uma análise detalhada da história afetiva do cliente, ou seja, buscamos seqüências que contenham cenas significativas que podem ser submetidas ao escrutínio da moviola. Ao desenvolver com os pacientes essa técnica, podemos ajudá-los a perceber: 1. As variáveis que subjazem ao “debut sentimental”, já que o início da vida sentimental e afetiva constitui uma espécie de ensaio geral da carreira amorosa que a pessoa começa e que permite vislumbrar o conjunto de ingredientes básicos para gerar um estilo afetivo específico e definido com uma pessoa – produto da percepção dos olhos do cliente. Da mesma forma, todas as relações que o cliente define como significativas serão passíveis dessa mesma reconstrução.
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2. A reconstrução dos critérios pelos quais ele pode diferenciar as relações significativas daquelas não-significativas, na seqüência das relações como um todo em sua vida. Esses critérios permitem-nos destacar os padrões de classificação dos casais (seguros ou inseguros) que mais se mostram coerentes com o estilo de vinculação que gradualmente tem sido estruturado como “comum” pela pessoa. 3. O modo como cada relação significativa formou-se, manteve-se e dissolveu-se. Conjuntamente, analisase como cada relação foi experimentada, avaliada e auto-referida pelo indivíduo (por exemplo, “Foi uma relação boa, mas muito tensa…”). Ao fazermos isso, vamos explicitando ao cliente seu estilo afetivo mais comum, o qual também produz experiências emocionais recorrentes e capazes de estabilizar ou desenvolver um sentido atual de si mesmo.2 Nessa etapa, obtém-se o reconhecimento dos diferentes estados emocionais ao longo de um vínculo afetivo e percepção do outro significativo como regulador da autopercepção. No caso de Pâmela, cujo “debut afetivo” ainda não ocorreu, o aspecto mais importante no estilo afetivo foi a brusca mudança de imagem em relação à figura paterna, o que coincide temporalmente com o início do quadro clínico. Por isso, mais do que estudar uma carreira afetiva ainda inexistente, o foco recaiu em como havia sido estruturado o relacionamento com o pai e como o desequilíbrio dessa imagem se relacionava com o início do quadro clínico. Apesar de todas as dificuldades relacionais normalmente encontradas entre pais, e apesar da pressão da mãe de Pâmela para envolvê-la como sua aliada na oposição ao pai, a jovem sempre manteve uma visão do mesmo como alguém absolutamente incondicional a ela, alguém de sucesso e de proteção absoluta.
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Bem-sucedido social e profissionalmente, admirado e reconhecido, ele era uma boa garantia de apoio para enfrentar o mundo social. Porém, ao acontecer o fracasso econômico do pai, ele deixa de lhe aparecer como uma figura absoluta de sustentação de sua auto-imagem, experimentando-se a si mesma como mais vulnerável diante de seus pares. Dessa forma, Pâmela foi conectando-se ainda mais ao que lhe acontecia internamente, ou seja, à sua maneira própria e idiossincrática de se ver e de estruturar as suas relações afetivas com o grupo. No fim dessa etapa, a paciente já mostrava uma melhora na relação com ambos os pais, estava regularizando seus ciclos menstruais e tinha atingido um peso de 47 kg (2 kg a menos do esperado para o seu tamanho). Além disso, conseguimos um desaparecimento quase total dos problemas sintomáticos ou das perturbações originais em relação a esses novos níveis de auto-referência, criando uma nova atitude em relação à realidade e à descoberta de novos âmbitos de experiência.
Empreendimento da análise evolutiva (Fase 3) A etapa de reconstrução das experiências imediatas da história do desenvolvimento dura de três a seis meses. Começa com a identificação dos acontecimentos significativos em termos de estruturar a história evolutiva em relação às cenas que serão posteriormente passadas pela moviola. CONSIDERAÇÕES FINAIS Devemos considerar que, já no início da terceira fase, o paciente tenha atingido novos pontos de vista sobre si mesmo, o que é uma condição necessária para realizar o trabalho terapêutico, a fim de evitar-se que esse processo transforme-se em um simples recontar biográfico. Ao longo da seqüencialização da história de vida, devemos destacar que essas lembranças costumam ser, na maioria das vezes, vagas e imprecisas, estando sobrepostas entre
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si apresentando muito menos detalhes que as cenas das etapas anteriores. Na execução desse objetivo, o terapeuta encontra-se com a dificuldade de que o paciente “construiu” uma versão de sua história de vida, enfeitada pelas explicações pontuais, de maneira tal que, ao longo dos anos, explicações consistentes são ornamentadas com a imagem construída, dando mais riqueza à sua narrativa. De qualquer maneira, percebemos que as lembranças de suas relações de apego (aquelas afetivamente significativas) são, no caso, avaliadas e auto-referidas enganosamente, gerando explicações discrepantes com a experiência que tais lembranças evocam. Devemos considerar que, em geral, os pacientes supõem que os fatos sobrepõem-se às explicações, em lugar de haver consciência de que essas explicações constroem-se a partir das experiências vividas. Nesse sentido, o terapeuta, realizando uma contínua diferenciação entre experiência imediata e sua posterior explicação, possibilita ao paciente reconhecer as experiências discrepantes existentes em sua vida. Portanto, as lembranças que são significativas correspondem àquelas que suscitam sensações e emoções que não podem ser explicadas de forma exaustiva. Segundo Balbi (1994), na eleição dos eventos significativos a serem reconstruídos, deve-se considerar: (a) o conhecimento das etapas de desenvolvimento e os problemas específicos de cada uma das organizações de significado pessoal; (b) a relação entre a reação emocional e o nível de discrepância entre esta e a sua explicação, gerados no paciente por cada uma dessas lembranças, e (c) os modos específicos de auto-engano que o terapeuta já conhece do paciente e os quais também pode antecipar como próprios do processo pessoal que está em jogo em cada lembrança. O trabalho de recompilação de eventos significativos da história evolutiva considera sempre as três etapas maturacionais: da infância e dos anos pré-escolares (de 0 a 6 anos), da segunda infância (de 7 a 12 anos) e da adolescência e juventude (de 13 a 20 anos). Em cada uma dessas etapas, reconstrói-se primeiro uma visão panorâmica, que permite lo-
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calizar os acontecimentos reformulados como significativos na trama evolutiva, para depois focalizar cada um destes pela técnica da moviola, ocorrendo a reconstrução dos padrões vinculares. No caso de Pâmela, a primeira etapa maturacional está em estreita relação com a separação de seus pais. Aos 6 anos, recorda-se de eventos como a não-permissão de sua mãe para expressar afeto pelo pai. Um acontecimento específico de fácil recordação é quando a mãe afirma: “Ele é um desgraçado, não é capaz de se preocupar com você”. Em uma das visitas ao pai, ela conhece o seu irmão, então com 12 anos, cuja existência ela e a mãe ignoravam. Esse fato foi referido como um episódio agradável, pois o irmão recentemente descoberto era para ela um bom companheiro de jogos quando visitava seu pai. Em geral, Pâmela lembra a sua infância como muito boa e feliz, apesar desses eventos e de sua alegria desaparecer rapidamente quando a mãe recomeçava a criticar seu pai. Nesses momentos, sentia que a mãe conseguia convencê-la e acabava por não saber o que era ou não verdade, ficando perplexa, irritada e confusa. A etapa entre 8 e 12 anos está marcada pelo restabelecimento da relação dos pais, primeiro como amigos e depois como um novo casal. Ela percebe que os dois estão mais preocupados em estar bem entre eles e começa a sentir que perdeu o privilégio anterior de ter um tempo exclusivo com cada um. Começa a sentir o pai diferente, como se já não lhe deixasse fazer tudo o que ela queria, de forma a satisfazer sua mãe. Por outro lado, afirma gostar de que os pais ficassem juntos, porque assim deixaria de se sentir diferente perante as amigas e seria mais aceita socialmente. A fase entre os 13 anos até o presente caracteriza-se pela relativização da imagem do pai, figura que ela lembra ter idolatrado e idealizado. Ao reconstruir cenas dessa fase, Pâmela reconhece que qualquer questionamento da imagem do pai era vivido como uma grande experiência dolorosa, inaceitável, apresentando dificuldade em reconhecer os aspectos negativos. Embora tivesse a sensação de ser ela
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mesma quem vem a descobrir posteriormente que o pai não era tão perfeito, a sensação de solidão e confusão toma lugar em sua vida. Como sempre considerara o pai como um apoio em oposição à sua mãe, agora estava mais perdida. Tal condição contribuiu para que se aliasse à sua mãe em oposição ao pai. Os eventos que dispararam esses episódios ocorreram quando Pâmela estava prestes a completar 14 anos e o relacionamento dos pais havia novamente se deteriorado, provocando uma mudança irreversível de sua imagem e surgindo uma série de questionamentos a respeito de seu pai. O que ela agora reconhece nessa decepção é que isso lhe gerou um duplo sentido de vulnerabilidade: primeiro diante de sua mãe e depois diante de seus pares, momento em que surge seu transtorno alimentar. NOTAS 1. Moviola é um antigo equipamento utilizado nas salas de projeção, cuja finalidade era editar as diferentes partes dos filmes (os chamados rolos) em uma seqüência única. 2. As “figuras significativas” também se modificam com o passar do tempo, isto é, o papel ocupado inicialmente pelos pais passa a ser ocupado posteriormente pelos melhores amigos para depois ser preenchido pelo cônjuge. Assim, um verdadeiro continuum relacional é constituído, daí a importância das figuras significativas na fase adulta.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS A ansiedade está presente em muitos de nossos comportamentos. Ela é responsável por alertar quando o nosso organismo está em perigo, servindo como impulso e motivação, a fim de preservá-lo. Portanto, quando se instala, ativa mecanismos em nosso cérebro, e o corpo prepara-se para defender-se. Quando a ansiedade é excessiva ou inoportuna, por não haver razão para que estejamos em alerta, faz com que soframos, tal como acontece nos chamados transtornos fóbicos (agorafobia, fobia social e específica) e nos estados de ansiedade (transtorno de pânico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de estresse agudo). Os indícios cognitivos conseqüentes da ansiedade incluem preocupação, ruminação e distratibilidade e originam-se do fato de que os indivíduos ansiosos estão sempre esperando que algo ruim aconteça a eles, vivem constantemente em estado de alerta e preocupamse com uma “catástrofe” que está prestes a sobrevir. Os principais sintomas de humor são tensão, pânico, agitação e apreensão. Na ansiedade, dois tipos de sintomas somáticos são observados: os sintomas somáticos imediatos (sudorese, boca seca, respiração curta, freqüência cardíaca acelerada, aumento da pressão sangüínea e tensão muscu-
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lar) e os sintomas somáticos atrasados, que resultam em tensão ou estimulação prolongada (fraqueza muscular, cólica intestinal, dores de cabeça e pressão sangüínea elevada). Já os sintomas motores podem ser exemplificados por inquietação e tamborilar dos dedos das mãos ou dos pés. Em um quadro de transtorno de pânico, o indivíduo experimenta períodos breves, mas intensos, de ansiedade que não estão relacionados a qualquer evento específico; portanto, a causa da ansiedade nessas situações é indeterminada. Esse transtorno é um problema psicológico comum, ocorrendo em 1 a 3% da população mundial, sendo mais habitual em mulheres jovens entre a faixa de 20 a 40 anos (APA, 2002). Sua característica principal é a presença de ataques de pânico que surgem de repente e que se repetem, seguidos ao menos de um mês de persistente preocupação: a de ter outro ataque. O pânico caracteriza-se por sentimentos intensos de medo, apreensão ou sensação de desconforto, acompanhados de sintomas físicos, como palpitações, suor frio, tremores e falta de ar, em que o indivíduo também pode sentir tonturas, náuseas e dores abdominais. Essa sintomatologia leva à sensação de morte ou perda total de controle da situação, tendo início súbito e atingindo seu ponto máximo em poucos minutos. A pessoa tem ainda a sensação de perigo iminente e o desejo incontrolável de fugir e se proteger.
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O pânico deve ser sempre definido de maneira bem-distinta de outras manifestações psicológicas, como, por exemplo, fobias e outros transtornos de ansiedade, intoxicações por cafeína e outros estimulantes ou retirada abrupta de medicação tranqüilizante (sedativos e hipnóticos). Às vezes, problemas orgânicos, como hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, feocromocitoma, doenças do labirinto e cardiopatias, podem ser erroneamente tratados como pânico. VISÃO CONSTRUTIVISTA DO TRANSTORNO DE PÂNICO No construtivismo, os significados pessoais não são fruto somente das crenças ou dos valores adquiridos; muitas vezes, sua origem está nas experiências e em suas representações corporificadas. Os significados que criamos, em geral, partem das estruturas corpóreo-emocionais da experiência, e não dos processos essencialmente racionais. Isso faz com que estejamos “contaminados” por características subjetivas, e não apenas representativas da realidade externa, o que nos incapacita a sermos observadores neutros. Esse processo é bem mais amplo do que simplesmente refletir sobre os significados do mundo externo, porque atribuímos muito mais sentidos aos eventos do que aqueles já articulados “fora de nós”, ou seja, nossa cognição é pró-ativa e vai além do que a realidade externa revela. Estamos contaminados por nossas histórias e percepções. Nosso mundo interno é oriundo, fundamentalmente, de uma construção pessoal singular, sentida, e não unicamente pensada (Greenberg e Elliott, 1997). Em oposição às visões tradicionais da terapia cognitiva objetivista, nas quais os pensamentos disfuncionais ou as crenças irracionais levam-nos às emoções desadaptativas, nas concepções construtivistas, as emoções são as estruturas efetivas da formação de significado, havendo uma excelência representacional do abstrato sobre a forma de perceber a realidade. O que foi construído como verdadeiro pelo indivíduo converte-se em um elemento poderoso e efetivo aos seus sentidos, mesmo que
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aos olhos do terapeuta possam parecer irracionais. A partir da construção interna é que os clientes atribuem os significados a tudo o que os circunda. Nossos limites individuais são permeados pela rede de nossas teorias e expectativas (Abreu, 2001). A psicoterapia construtivista procura compreender e ampliar os padrões de significados emocionais, mas não acredita que sejam os responsáveis pelo sofrimento emocional. A experiência individual é proveniente de um processo biologicamente evolutivo, em que a realidade que vivemos é interpretada por nós através de nossa estrutura cognitiva e emocional, e os significados finais são o produto de atribuições pessoais de caráter abrangente. Através deles, criamos um mundo onde os significados não são estabelecidos de maneira universal e abstraídos pela razão, mas sim um mundo pessoal, com um sentido próprio para aquele que o estrutura. O organismo é ativo às interferências do meio e constrói além daquilo que lhe é fornecido (Abreu, 2001). Por esse motivo, o construtivismo compreende os transtornos mentais de uma maneira distinta das outras abordagens terapêuticas, defendendo a idéia de que o transtorno surge para equilibrar a interpretação pessoal da realidade, e não para desordenar o sistema vivo. Portanto, se o “transtorno” for eliminado subitamente, será criado um caos interno muito mais doloroso do que o transtorno em si. A mudança torna-se ainda mais difícil pelo fato de o transtorno ser, momentaneamente, um alicerce básico da dinâmica de significados do indivíduo que, apesar do sofrimento gerado, é a melhor ordenação que estruturas emocionais puderam atingir em determinada situação pelo indivíduo. Todavia, vale lembrar que um organismo humano não conseguirá “construir” um transtorno mental se as características biológicas favoráveis a essa construção não estiverem presentes (Greenberg, 1994). O construtivismo aceita e respeita a patologia como parte integrante do indivíduo em sua tentativa de auto-organização, entendendo, assim, que ela não deve ser atacada como um vilão a ser destruído, uma vez que o organismo necessita dessa existência “incompleta” para manter-se ordenado dentro de seus limi-
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tes possíveis, mas não suficientes. Conforme Mahoney (1991, p. 43): “A lógica de vida dos indivíduos deve ser honrada, ela pode ser expandida para acomodar novas possibilidades de experienciar, e ainda, como é o que está à mão, é nela que você deve basear-se no trabalho psicoterapêutico”. Segundo Guidano (1994), não devemos matar o mensageiro sem antes receber sua mensagem. Portanto, devemos primeiro compreender para que serve essa vivência de transtorno na história de vida do indivíduo a fim de que, posteriormente, possamos (re)construir os significados emocionais que abrangem sua dor e criar novos caminhos de compreensão. A desordem e o estresse são aspectos necessários da vida em processo, e o construtivismo é a única perspectiva contemporânea que respeita a sabedoria do sistema vivo, no que tange à sua história singular de adaptação ao resistir à tentação de patologizar todo transtorno e toda disfunção. (Mahoney, 1991, p. 43)
Tal proposta é baseada em um colaborativismo empírico, no qual o psicoterapeuta e o cliente estão unidos em busca de uma avaliação do papel dos problemas na história de vida do cliente e, de forma mais ampla, da compreensão da dinâmica da ordem e da desordem nessa história. Então, visto que o construtivismo respeita a singularidade de cada pessoa, é muito difícil criar um roteiro terapêutico preestabelecido de como será a atuação do clínico. Nesse sentido, relatarei a descrição de um caso clínico para ilustrar como um de meus clientes beneficiou-se dessa modalidade de intervenção. Não pretendo, com essa descrição, criar um roteiro de como se deve tratar tais casos, já que estaríamos invalidando a postura da metateoria construtivista. Minha proposta é contribuir com uma descrição da atuação terapêutica em um caso de transtorno de pânico. O PONTO POR PONTO DE UM CASO João, 30 anos, casado, dois filhos, bemsucedido profissionalmente, pratica esportes
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freqüentemente, experimentou seu primeiro ataque de pânico há cinco anos, durante o enterro da mãe de um amigo. No início do trabalho terapêutico, os ataques ocorriam em qualquer situação, até mesmo dormindo, pelo menos duas vezes por semana. João vivia amedrontado com a possibilidade de vir a sentir-se mal novamente, mas não aceitava medicar-se, pois havia feito tratamento farmacológico há quatro anos e os ataques voltaram depois de um ano, logo após o final do tratamento. Expliquei-lhe a eficácia e o funcionamento dos medicamentos, bem como os ganhos que o tratamento em conjunto proporcionariam a ele. Embora um pouco resistente, ele acabou aceitando a minha sugestão.
Fase de estabelecimento do vínculo terapêutico Um relacionamento terapêutico pode criar uma importante base interpessoal, na qual o cliente pode vir a explorar e experimentar as suas experiências pessoais com mais segurança e confiança. A habilidade do clínico em encorajar e construir uma aliança terapêutica forte e duradoura torna-se uma importante ferramenta para que bons resultados sejam alcançados, muito mais eficiente do que a mera aplicação de técnicas específicas, interpretações ou mesmo o uso de arcabouços teóricos (Greenberg e Kahn, 1998). No primeiro encontro que tive com João, ele se demonstrou cansado de sofrer, não agüentando mais estar sempre em alerta e sentindo que viria a morrer ou enlouquecer. Abaixo, descrevo um dos momentos nos quais o vínculo terapêutico começou a ser estabelecido: Cliente (C): Eu não suporto mais a mim mesmo. Sinto que sou uma bomba-relógio. Não acredito que você ou ninguém possa me ajudar, pois tenho consciência de cada milímetro do meu corpo e sei bem que a qualquer momento vou me sentir mal novamente. Além disso, minha vida é uma porcaria. As pessoas experimentam essa sensação de morte uma vez na vida, eu a sinto semanalmente e não
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Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. posso mais controlar nada em minha própria vida. Terapeuta (T): Apesar de nunca ter sentido isso, posso imaginar o quanto essa experiência o amedronta e faz com que você se sinta uma porcaria. C: É assim que me sinto, um deficiente mental, físico e até espiritual. (choro) T: (silêncio) João, embora você diga que não acredita em mais nada, eu acho que, se você veio até aqui, é porque no fundo ainda quer crer em algo. Eu acredito sinceramente que nós podemos tentar sair dessa. C: Quanto tempo demora para eu ficar bom? T: Não sei, cada pessoa tem uma velocidade interna de mudança. E, se eu lhe falasse em prazos, estaria mentindo. E tem mais uma coisa: talvez seja desconfortável em algum momento passar por esse processo de mudança, às vezes você achará que está piorando, outras vezes sentirá que está bem, em outros momentos acreditará que estará tendo recaídas... Infelizmente ou felizmente, eu acredito que uma das grandes possibilidades de mudança ocorre através da criação de um novo significado para o seu sofrimento. C: O que poderia ser mais desagradável do que acordar e dormir com esta porcaria? T: Esta porcaria não é um ser à parte de você, ela faz parte de você, ela surgiu em sua vida porque provavelmente foi a única saída que você pode construir para manter o equilíbrio, mesmo que talvez não tenha sido a mais adequada. C: (silêncio) “Eu acho que posso confiar em você, vou lhe dar essa chance. T: Posso fazer uma pergunta antes de iniciarmos? Me dar essa chance ou nos dar essa chance? C: É... nos dar essa chance.
Fase de exploração empática ou de implicação No início do trabalho, é necessário desmistificar o que o cliente “sabe” ou não sobre o seu transtorno e as implicações para sua vida. Indivíduos que vivenciam transtornos do pânico normalmente lêem muito sobre o assunto, e, como muitas vezes as informações não são precisas, é preciso esclarecê-lo e informá-lo nesse primeiro momento. É fundamental ex-
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plicar o que é ansiedade, respostas de luta e fuga, como se dá a reação adrenérgica, quais são as conseqüências físicas dessa alquimia interna e sanar todas as dúvidas que possam surgir. Também é propício que sejam ensinadas algumas técnicas de relaxamento e de respiração, que podem funcionar como aliadas ao combate das crises. T: Na verdade, tudo o que você sente é bem real, pois todas as pessoas também sentem isso em uma situação ameaçadora, como, por exemplo, durante um assalto. Assim, caso a ansiedade não existisse, nosso organismo não poderia estar tão preservado. O que acontece é que você percebe sua ansiedade com maior grau de intensidade e talvez até sem um motivo aparente... Não é a morte da mãe do seu amigo, o trânsito, a fila do banco ou o fato de estar num avião que proporcionam o seu sofrimento, mas talvez a interpretação feita por você... E isso é bom, pois a saída partirá de você mesmo. C: Então, eu sou prisioneiro da minha interpretação dos eventos? É isso?” T: Provavelmente! Por algum motivo, que ainda não sabemos, você construiu significados que lhe fazem crer que está constantemente sob ameaça. C: E… como você vai me ajudar? T: Não sei ainda, mas juntos tentaremos compreender a natureza de suas experiências de pânico para, posteriormente, ressignificá-las. C: Obrigado por ser clara e honesta comigo... Isso faz com que eu possa acreditar em você.
Uma vez estabelecido o contato com o cliente, concentrei-me em introduzir um marco de referência interna, ou seja, selecionei a parte da mensagem que foi expressa mais intensamente e que parecia estar mais vívida na narrativa do cliente (por exemplo, “Minha vida é uma porcaria”, “Não posso mais controlar nada em minha própria vida”). As melhores janelas de intervenção surgem quando se explora a experiência vivencial – emoções – dos acontecimentos. T: Fale-me de algum momento de sua história em que você acredita ter sentido esse mesmo medo.
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista C: Quando meu irmão nasceu, eu tinha dois anos. Ele tinha graves problemas respiratórios. Sofreu algumas cirurgias, acho que fiquei com medo de que ele morresse. T: Com dois anos?..... C: É... Na verdade, meus pais me abandonaram por conta de meu irmão ser muito frágil... T: Como é estar abandonado? C: É muito ruim... (diminuindo o tom da voz) T: Então, diga como é sentir-se ruim. C: Sinto um nó apertado na garganta, como se chegasse a me faltar o ar... Dá um medo danado de sentir isso, tem um gosto ruim. Por favor, me ajude! T: Claro, você não está sozinho (silêncio)... Isto, por acaso, não lhe parece algo semelhante com o início de uma crise de pânico? C: Sim, mas é mais fraco, embora tenha o mesmo gosto. T: É possível que essa sensação, das crises, seja uma velha amiga sua? O que você acha? C: Ah... com certeza! A vida inteira eu senti esse medo, sempre tive a sensação de que queria fugir de algo que não sabia o que era.
Fase de iniciação da tarefa ou de identificação do indicador e colaboração na tarefa Acreditamos que, para ocorrerem mudanças emocionais, devemos ativar as estruturas de significado geradoras da experiência emocional no momento do processo psicoterápico, e não apenas estimular um processamento passivo de informações através dos pensamentos. Segundo Greenberg e Forester (1996), as emoções são reações integradoras, de base orgânica, das nossas percepções do mundo e de nós mesmos. Elas existem para integrar o social, o biológico, o cognitivo, o motivacional e o fisiológico em uma resposta complexa, que sintetiza vários níveis de processamento de informações. Portanto, as emoções são tendências relacionais à ação, estabelecidas no sistema de aprendizagem do indivíduo, mantidas através de experiências que são adaptativas ou que interrompem nossas relações com o ambiente quando nos causam desconforto. São formas ancestrais de prontidão para a ação que, no passado, garantiram nossa sobrevivência. Elas
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são a base da nossa conexão social, sinalizando constantemente nossas relações sociais, sobretudo as mais íntimas, e avisando-nos constantemente se nossos limites internos estão sendo ou não rompidos, se fizemos alguma coisa errada ou mesmo se tudo está bem e não precisamos fazer nada. Experiências sem emoções não são exatamente aquelas que nós, seres humanos, estamos acostumados a ter, pois, na realidade, são as emoções que nos dão as bases para que estabeleçamos os relacionamentos (Greenberg e Kahn, 1998). Em termos fisiológicos, quando o estímulo chega ao cérebro, vai direto às amígdalas; se elas julgarem que se trata de uma ameaça, mandarão mensagens ao corpo todo para ficar em alerta. Só depois que as amígdalas fizeram seu julgamento, o córtex frontal, responsável por perceber cognitivamente o perigo, começa a entender que estímulo é aquele. Durante esse processo de alertar e entender o estímulo, o corpo já está se preparando para lutar ou fugir. Esse esquema de funcionamento físico comprova a primazia das emoções no comportamento humano (Damásio, 1994). Quando as emoções agrupam-se em tonalidades semelhantes, construímos estruturas de sintetização internas que processam, de um modo pré-consciente, várias fontes de informação cognitiva, afetiva e sensorial, proporcionando-nos o sentido pessoal de significado e organizando nossa forma de agir (Greenberg e Kahn, 1998). Ou seja, em um momento de nossas vidas, podemos estar condicionados emocionalmente a responder de uma maneira enviesada a certas situações. No processo psicoterapêutico, mobilizamos o cliente a experimentar suas estruturas pessoais de um modo emocional e no momento presente. Assim, ampliamos seu conhecimento sobre a sua forma emocional de reagir, possibilitando que ele a vivencie novamente e que, com nossa ajuda, a mesma assuma uma forma diferente. A (re)construção de significados no construtivismo é um processo que visa a sintetizar continuamente as informações situacionais que são provenientes das estruturas emocionais para que depois as estruturas mais racionais e lógicas de significado possam completar o sen-
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tido pessoal. A consciência é, então, a arena onde emoção e razão encontram-se. T: Então, vamos tentar compreender o que lhe faz impotente perante esse medo. C: (após alguns minutos de silêncio) Eu sempre quero controlar tudo. A hora de chegar, a promoção no meu trabalho, a minha felicidade... Eu não lido com a impotência. (silêncio) T: Repita a sua última frase e veja qual é a sensação que ela lhe traz. (Neste momento, eu tentava entrar em contato com as emoções que o cliente vivenciava sobre o tema) C: Eu não lido com a impotência. (começa a chorar, os músculos da face enrijecem, e parece escorregar pela poltrona ficando mais frágil) T: Eu sei que isso é muito desconfortável, mas tente perceber melhor essa dor... Você conseguiria descrevê-la para mim? C: Hum-hum... (com voz muito baixa). É uma dor no peito apertada, chega a dar falta de ar, taquicardia, meu corpo formiga.
Após esse momento, no qual o cliente focaliza sua ansiedade, usei como recurso uma técnica comportamental para aliviar o que ele estava experimentando a fim de que a sensação não ficasse insuportável. O objetivo aqui não é provocar uma catarse ou um novo ataque de pânico (pois isso não é um fim em si mesmo), mas fazer com que a percepção sobre as emoções “ruins” permaneça um maior tempo para que o cliente perceba algum outro detalhe que possa vir a ser mais significativo diante de seus olhos. C: (depois de alguns momentos em silêncio) Passou... estou cansado disso. Desde pequeno, meus pais me diziam o quanto eu deveria ser bom e parece que eu acreditei nisso. Talvez o meu problema não seja só este medo, pois acho que ele parece ser uma conseqüência... aquilo que você já tinha me falado, lembra? Sinto-me, às vezes, muito impotente para ser bom o suficiente como sempre esperaram de mim.
Nesse momento, podemos perceber que o cliente começa a demonstrar uma progressiva alteração de consciência em sua vivência (“Talvez o meu problema não seja só este me-
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do...”). É importante notar que não se procura mudar a interpretação da vivência de João através da inclusão de novas explicações do clínico, mas sim a partir de sua percepção da sua própria reação.
Fase de evocação e ativação ou de entrada viva e de preparação do esquema emocional É sempre de grande valia utilizarmos outras formas de ativação dos esquemas emocionais, pois somente um diálogo do tipo socrático é mais facilmente manipulável pelo cliente, ou seja, distancia-o de suas sensações, pois racionalizam-se os sentimentos. Na história de João, ele acrescenta agora em sua descrição o fato de ser controlador; portanto, devemos esforçar-nos para encontrar mecanismos que toquem seus conteúdos emocionais e suas ligações com essa explicação. Sugeri a João que pedisse às pessoas que amava ou considerava, que me escrevessem cartas falando sobre o seu problema. Depois, essas cartas foram lidas na sessão e discutidas por nós. Esposa: “João é uma criança crescida. É dócil, mas tenta ser forte. É indeciso, mas quer ser seguro o tempo todo. Ele tem medo de morrer... Pede muita opinião para o pai dele, isso muitas vezes atrapalha a nossa relação. Eu gostaria de falar a ele que eu o amo muito e que estou confiante que vai resolver esse problema.” Pai: “Eu sempre deixei João ser e fazer o que bem entende. Não sei o motivo de ele ser infeliz, afinal é bem-sucedido e tem uma linda família.” Mãe: “João sempre foi muito calado, meio triste. Sempre tentei colocá-lo em esportes em grupo para tentar soltá-lo mais, acho que ele é muito fechado e tímido. Ele está sempre tenso e só relaxa quando pratica seus esportes. Estou muito preocupada. Outro dia, ele estava com dor de garganta e começou a passar muito mal e eu quis levá-lo ao hospital, pois achei que estava sofrendo um infarto. O médico disse que estava tudo bem e que ele só estava estressado. Espero que você possa ajudar o meu menino.”
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista Amigo de Infância: “João é uma das pessoas mais fiéis que eu conheci em toda a minha vida. Ele é calado, mas muito amigo. Eu o conheço bem e sei que é bastante controlador, está sempre se esforçando para correr o mínimo de riscos possíveis. Se ele ‘quebra a cara’ fica desesperado, como se tudo tivesse que dar certo o tempo todo. Trabalhamos juntos e sob muita pressão, mas percebo que a pressão para ele é pior do que para mim. Ele já se cobra o suficiente sozinho, imagine com o nosso diretor ‘no pé’. Percebo também que ele sempre quer fazer antes do outro, por exemplo, esta semana eu disse que queria um livro e no dia seguinte ele me deu o tal livro. Ele cuida mais dos outros do que de si mesmo.”
Através da leitura das cartas, tentamos fazer uma exploração desses depoimentos; meu cliente e eu procuramos chegar à consciência dos aspectos da experiência dele na visão dessas pessoas. O objetivo era compreender o que significava ser visto dessa forma, o quanto ele concordava com esses depoimentos, como se via e os outros o viam e, principalmente, quais os significados implícitos nos relatos que ele acreditava favorecerem a sua experiência de pânico. O psicoterapeuta deve concentrar-se na introdução dos marcos de referência interna do cliente e tentar sua compreensão, pontuando e selecionando a parte da mensagem que foi expressa de maneira mais intensa e decisiva para a significação do discurso. É importante lembrar que o papel do terapeuta é ativo ao facilitar a reorganização dos esquemas emocionais, através da busca constante de contextos pessoais. O objetivo não é interpretar o significado da experiência do cliente, nem tentar modificar as crenças e os esquemas ou mesmo desafiá-los, uma vez que não se pode conhecer diretamente o mundo subjetivo do cliente. Portanto, diríamos que é necessário que o terapeuta mobilize-o a assumir o papel ativo de investigador de suas próprias vivências emocionais. Não se pode dirigir ou modificar a experiência do outro mediante simples instruções, pois uma pessoa é um sistema auto-organizado e “aberto”: somente aquelas informações que mantenham seu sistema pessoal de coe-
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rência interna serão mantidos no mundo de significações do indivíduo. Como a participação dos esquemas emocionais é necessária para que o desenvolvimento do indivíduo esteja assegurado, toda forma de manifestação afetiva é vista como basicamente adaptativa e funcional. Como as reações emocionais são as companheiras mais antigas presentes na vida humana (afetando a memória, o humor e a habilidade em resolver tarefas), sua compreensão e sua regulação tornamse os objetivos mais desejados nesse tipo de psicoterapia. Para alguns autores, as disfunções e os distúrbios emocionais surgem quando as pessoas não se sentem autorizadas a reconhecer, sentir ou legitimar determinadas emoções (Ver Capítulo 2). Assim, não são as emoções em si a fonte do sofrimento e do desequilíbrio, mas os pensamentos, a interpretação ou mesmo o aparecimento de outras reações emocionais a respeito dessas emoções primeiras, que serão a fonte de grande parte das disfunções psicológicas. Nesse sentido, é inevitável que abordemos a leitura ou o entendimento que o indivíduo faz de sua experiência ao falarmos de disfunções. Por exemplo, um medo infantil apresentado por um adulto nada mais é do que uma reação desprovida de significado sob sua ótica, ou seja, muitas vezes sentimos coisas que não nos autorizamos a sentir. E, assim, considera-se que a experiência imediata (aquilo que está ocorrendo no momento em termos viscerais e emocionais) sempre precederá a experiência reflexiva (a interpretação e a avaliação que fazemos do que ocorreu), já que primeiro sentimos algo para depois podermos explicá-lo.
Fase de exploração vivencial ou atender diferencialmente e simbolizar a construção dialética Um indivíduo poderá torna-se facilmente desorientado quando a síntese desses dois processos (sentir + pensar) apresenta-se disposta de maneira contraditória, incompatível ou mesmo inconsistente. Assim, o perigo da instabilidade aparece quando as construções
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de significado racionais (a explicação) não levam em consideração a experiência (corporal) imediata que está sendo vivida. Quando vier a ocorrer falta de simetria entre os níveis, a razão tenderá a permanecer como uma fonte soberana de entendimento. Não estamos interessados em corrigir o pensamento dos pacientes, mas sim empenhados em ampliá-los. Em muitos dos casos de desequilíbrio, veremos que os pacientes começam a controlar as suas emoções na tentativa aflita de impor algum significado mais restritivo ou mesmo ainda inacabado, mas que esteja de acordo com as suas possibilidades (limitadas) de compreensão (Ver Capítulo 2). A estratégia do terapeuta, nessa fase, consiste em facilitar o processo vivencial do cliente, ajudando-o a focar sua atenção nos diferentes aspectos que compõem a sua experiência subjetiva. O foco preferencial da atenção estimulará uma maior e mais profunda autoexploração, contribuindo para a edificação de um novo sentido dialético de sua experiência para reorganizar os esquemas emocionais centrais. Vale lembrar que o objetivo é o cliente simbolizar, na consciência, suas reações subjetivas imediatas, experimentando e construindo uma nova visão da experiência de si mesmo e do mundo. Identificamos quatro passos para obtermos essa nova visão: focar, buscar o sentido vivencial, expressar ativamente os significados e manter o contato interpessoal. Então, sugeri ao cliente que desenhássemos juntos uma linha que representasse sua vida. Ela deveria conter marcos, no decorrer do tempo, dos acontecimentos importantes, bons ou ruins, de sua história. Depois de feita a linha, com os marcos do nascimento até o presente, pedi que o cliente atribuísse emoções para cada evento descrito.
Fase de mudança de esquema ou fase de resolução (consciência, compreensão ou reavaliação positiva) Ao surgir uma experiência nova na exploração vivencial, momento a momento, os esquemas do cliente sobre si e sobre os outros começam a mudar. Pesquisas demonstram que
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a mudança é a criação de uma nova consciência, é uma visão nova de si mesmo no mundo ou uma visão nova do mundo e dos demais, com maior compreensão e maior auto-aceitação do indivíduo. Mahoney (no prelo) cita que, quando o cliente muda, o que efetivamente se transforma não são as suas emoções, seus comportamentos ou seus sentimentos, e sim sua relação com as emoções, os pensamentos e os comportamentos. O cliente percebe como estava valorizando e reagindo ao que outras pessoas lhe faziam, no nosso exemplo, o fato de seus pais o ignorarem. É como se, finalmente, dissesse: “Agora consigo me dar conta de como (ou por que) isso acontece comigo”, “Como isso foi sendo gerado (pela repetição) ao longo de minha vida”. C: As coisas parecem mais leves, mas ainda sinto que a relação com meu pai me incomoda bastante.
Neste momento, então, utilizei-me da técnica da “cadeira vazia” para que o cliente ampliasse a consciência emocional envolvida nessa relação com seu pai: T: Imagine que nesta cadeira à sua frente está sentado o seu pai.... Diga algo a ele. C: Desculpe pai. (silêncio) T: Desculpas? Fale algo mais para ele. C: Desculpe por eu não ser o que você esperava que eu fosse. T: Agora troque de cadeira com seu pai, assuma o papel dele e prossiga o diálogo. C: (como pai): Eu te desculpo, mas você precisa ser mais forte. T: (Apontei a outra cadeira, sugerindo novamente a inversão de papéis.) C: A vida inteira eu quis provar ser forte, estou cansado. Você e a mamãe me abandonaram para cuidarem do meu irmão. Eu tinha apenas dois anos. C: (como pai) Nós não fizemos nada contra você. Precisávamos cuidar do seu irmão, você por acaso queria que ele morresse? C: (silêncio) Sim! (choro) Sim, eu queria que ele morresse, quem sabe vocês não teriam me deixado tão sozinho! Eu sempre tentei chamar atenção de vocês, mas vocês nunca tinham tempo para me ouvir, para me abraçar e para me amar!
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Figura 15.1 Descrição da percepção individual (subjetiva) do cliente a respeito dos episódios descritos em sua vida.
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Figura 15.2 Descrição (objetiva) dos acontecimentos em sua vida.
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista T: Então, diga a ele que você gostaria de ser amado. C: Pai, me ame, por favor. (chorando) C: (como pai) Eu te amo, filho, mas não sei o que você quer mais de mim. C: Quero que me enxergue, me toque, me aceite... (chorando muito) T: Vamos continuar mais um pouco? Você acha que dá? C: (Diz que sim com a cabeça.) T: Sei que dói, mas é sentindo tudo isso que você poderá mudar. Você está com medo e triste, fale mais dessa tristeza para seu pai. C: Dói muito ser rejeitado por você, pai. Você sempre é distante e cheio das verdades. Eu estou abrindo meu peito para você e, mesmo assim, você não amolece. C: (como pai) Não seja ingrato. C: Ingrato, eu?! Eu faço tudo para fazer você feliz, mas nada é o suficiente.
O rosto do cliente contraiu-se, sua voz intensificou-se e seu corpo pareceu ficar maior. Esta é uma manifestação corporal de um dos pontos centrais para a vida subjetiva do cliente, é onde as emoções fazem-se presentes de forma mais intensa e, assim, devem ser focadas e ampliadas. T: Focalize o que você está sentindo agora. C: Eu não sei! T: Use uma imagem para falar dessa sensação. C: É um vulcão em erupção. Tem uma força muito quente explodindo o meu peito. T: Fale disso para ele. C: Pai, você me dá nojo, você não olha para mim, você não sabe me amar! (o cliente levanta-se da cadeira e abre os braços) Eu preciso de ar e de espaço. Saia das minhas costas. Eu não devo nada a você. Sinto raiva, muita raiva! Você quer que eu resolva as suas frustrações na minha vida. Eu não tenho que agradar você. Eu quero me agradar. (choro compulsivo)
O cliente sentou-se no chão, encolheu-se em frente à poltrona e ficou em silêncio. Deixei-o nesse contato por alguns minutos, aproximei-me e sentei-me a seu lado no chão. T: Você quer um abraço? C: Sim... eu preciso.
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Nós nos abraçamos, e o cliente continuou chorando muito por mais um tempo, até se acalmar um pouco. T: Agora, quero que, à noite e em sua casa, escreva o que aconteceu aqui com você... C: Doeu muito, mas pareço ter tirado 100 quilos das minhas costas.
Pós-resolução ou fase de prosseguir (criar uma nova perspectiva de significado) Esta fase é uma espécie de revisão do que aconteceu e de exploração das implicações das mudanças alcançadas. É quando o cliente tenta criar uma nova perspectiva para o seu mundo significativo; medita depois da sessão e começa, geralmente através de tentativas, a generalizar suas mudanças para outras áreas de sua vida fora da terapia. Os processos de pós-resolução podem tomar diversos rumos, porém um dos mais comuns é aquele no qual o cliente passa a levar mais em conta os processos vivenciais, confiando mais em suas experiências, fazendo uso das informações emocionais e desenvolvendo uma perspectiva “desencarnada” e mais consciente do seu modo usual de construir suas significações. Finalmente, fora da terapia, o cliente continua esse processo de colocar em prática mudanças gerais em suas experiências emocionais e específicas de seu comportamento e interrelacionamento, experimentando um alívio maior dos sintomas. C: Na sessão passada, você me pediu que eu escrevesse sobre as coisas que senti. Aqui está. T: Quer ler para mim? C: A vida inteira achei que precisava sempre fazer as coisas certas para ser percebido e amado. Por isso, controlava tudo a fim de que as coisas dessem certo. Controlei e controlei a minha vida e ela insistia em me mostrar que esse método não dava certo. O auge do meu descontrole foi percebido nas minhas crises de pânico. Meu pai sempre me obrigou a ser forte e me fez acreditar que isso era uma boa coisa para se fazer. Ele estava errado. A vida
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Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. não é uma obrigação, a vida é um convite a novos caminhos. Podemos errar ou acertar, mas o importante é continuar aprendendo e sentindo. Sempre sufoquei a minha raiva por ele ser um pai ausente, pois me sentia culpado de ter raiva do meu pai. Sufoquei cada milímetro da minha dor, controlei cada sentimento ruim, calei todas as minhas falas... Eu cresci, me tornei o tal homem de sucesso que meu pai queria. Por não querer olhar mais para os meus sentimentos, vivi só pensando. De tanto não sentir, já não sabia mais como fazê-lo. Fui me lembrar de sentir quando o pânico apareceu em minha vida. Construí, como você disse, uma gaiola de ouro e pedras preciosas para viver. Por estar preso na gaiola preciosa, esqueci que era uma gaiola que me aprisionava e me fazia cada vez mais desaprender a voar. Nesse exercício que fizemos juntos, percebi toda a minha raiva contida. Não é raiva só do meu pai, é raiva por não me achar “bom o suficiente”. Agora percebo que não tenho que ser “bom o suficiente”. Sabe por quê? Eu necessito ser bom para mim mesmo, isso é uma conquista diária até a minha morte. Morte real, e não essa morte subjetiva que eu criei. Eu não preciso mais do pânico para sentir. Eu sinto e sei que me permito sentir. Não sei como agradecer a você por me devolver a minha vida. Você é e será sempre a pessoa que me relembrou o prazer de estar vivo. Obrigado! T: A melhor forma de me agradecer é eu ver que cada vez mais você está feliz e percebendo como ser feliz.
CONSIDERAÇÕES FINAIS As experiências emocionais e as suas mudanças são um fenômeno central em psicoterapia. No processo de mudança, o psicoterapeuta usa uma variedade de métodos dirigidos à captura de experiências emocionais do cliente. Acredita-se que o caminho no qual os indivíduos simbolizam suas experiências através da linguagem terá um impacto em sua experiência emocional, fazendo-o buscar uma nova adaptação.
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Uma das atitudes que ensinamos a nossos clientes é aceitarem os sentimentos e a natureza de sua mudança, que eles podem vir e ir, aparecer, desaparecer e mudar com o tempo. O processo natural das emoções pode ser representado por um conjunto de fases: emergir, dar-se conta, apropriar-se, expressar e finalizar. Isso ajuda as pessoas a aprenderem como integrar as emoções que as fazem sofrer, não permitindo que elas se tornem patológicas, como no caso do transtorno de pânico, ou criando uma nova saída para aquilo que já não é viável à sua forma de existência. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, C.N. Psicoterapia construtivista: o novo paradigma dos modelos cognitivistas. In: RANGÉ, B. (Org.). Atualizações em terapia cognitivocomportamental. Porto Alegre: Artmed, 2001. AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION. Diagnostic and statical manual of mental disorders. 4. ed. Washington, DC, 1994. DAMÁSIO, A. Descartes’ error: emotion, reason, and the human brain. New York: Putnam, 1994. GREENBERG, L.S. Emotion and change processes in psychotherapy. In: LEWIS, M.; HAVILAND, J.M. (Comps.). Handbook of emotions. New York: Guilford Press, 1993. ___________ . The investigation of change: its measurement and explanation. In: RUSSELL, R.L. (Comp.). Reassessing psychotherapy research. New York: Guilford Press, 1994. ___________ . The use of observational coding in family therapy research: comment on Alexander and others. Journal of Family Psychology, v.9, n.4, p.366370, 1995. GREENBERG, L.S.; FORESTER, F.S. Resolving unfinished business: the process of change. Journal of Consulting and Clinical Psychology, v.64, n.3, p.439-446, 1996. GREENBERG, L.S.; ELLIOTT, R. Varieties of empathic responding. In: BOHART, A.; GREENBERG, L.S. (Comps.). Empathy reconsidered. Washington, DC: American Psychological Association, 1997. GREENBERG, L.S.; KAHN, S. Integrating emotion in psychotherapy integration. Journal of Psychotherapy Integration, v.3, n.3, p.249-265, 1998.
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16 Depressão Álvaro Pacheco Duran
É preciso contornar uma possível contradição entre a perspectiva construtivista e o conceito de transtorno psiquiátrico entendido como categoria nosológica. A contradição estaria tanto na posição a respeito das possibilidades e necessidades de categorização – o construtivismo pende claramente para uma visão idiográfica, e a psiquiatria, em geral, para uma visão nomotética – quanto na dimensão patologizante, intrínseca à psiquiatria e exterior à visão construtivista. A segunda contradição é que, ao se colocar no contexto de um paralelo prático entre terapias, sugere-se uma distinção entre prático e algo diferente de prático, talvez teórico, o que contrariaria os termos construtivistas. Nesses termos, qualquer fato em relação ao qual podemos ser práticos, isto é, em relação ao qual podemos agir com algum grau de eficácia, só é conhecido enquanto inserido em um universo simbólico, uma teoria, explícita ou implícita, que o define como tal em suas relações com outros fatos também nela definidos, inclusive a ação e seu autor. Assim, o fato, a ação sobre ele (prática), bem como o sujeito dessa ação, habitam uma realidade que não é dada externamente, mas significada, construída (teoria). Em outras palavras, do ponto de vista construtivista, a prática só pode ser discutida no interior do universo simbólico que lhe dá significação e seria contraditório, portanto, destacála desse universo para fins de comparação com práticas referidas a outro universo.
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Tais contradições serão ultrapassadas se tomarmos o termo depressão não como designativo de um objeto da realidade a respeito do qual devemos descobrir, afirmar e fazer algo – sentido que estaria subjacente ao tema e que é adequado à perspectiva cognitivista – e sim se o tomarmos, adotando o modo construtivista de ver, como designativo de um objeto da cultura que serve de ferramenta simbólica para dar significado a certas experiências do viver coletivo, criando, portanto, possibilidades de ação. DOIS SISTEMAS DE SIGNIFICAÇÃO No interior da cultura, aí incluída a ciência, um elemento aparentemente idêntico pode ser significado de formas diferentes e, em conseqüência, ter importâncias diferentes, dependendo de sua imersão em um ou outro sistema de significados. No caso que nos interessa, seria interessante um rápido olhar geral para os sistemas constituídos pelas opções cognitivista e construtivista e para o lugar da depressão em cada uma. O pensamento cognitivista, respeitando os cânones epistemológicos objetivistas de ciência, é compatível com a visão de transtorno psiquiátrico e volta-se para sua remoção. A partir desse ponto de vista (e não somente desse), a depressão aparece como um processo externo ao observador, no observado. Cabe ao
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observador – o terapeuta – conhecer o processo e alterá-lo na direção de processos saudáveis. Nesse caso, o processo patológico (uma distorção cognitiva) produziria os sintomas que justificariam a intervenção. O pensamento construtivista, discordando de princípios epistemológicos objetivistas para a ciência, pressupõe a natureza proativa dos processos cognitivos, a existência de uma estrutura morfogênica nuclear e a natureza auto-organizadora do desenvolvimento (Mahoney, Miller e Arciero, 1995). Desse modo, o construtivismo encara os “transtornos” como não-patológicos, como desdobramentos necessários de modos peculiares de significar a experiência, sendo que a significação da experiência não é entendida em termos cognitivos estritos, mas em termos de uma dinâmica afetivo-cognitiva. Assim, busca promover a autocompreensão, vendo na identificação dos processos construtivos que se encontram na base das dificuldades de viver uma possibilidade de reestruturação pessoal. A partir dessa perspectiva, o termo depressão tem o significado de um processo interno1 a um “observador” e tem a função de organizar algumas de suas experiências de contato com o mundo exterior. De modo muito simplificado, a depressão poderia ser considerada como uma categoria de que certas pessoas lançam mão para entender e tentar atuar sobre certo modo percebido de pensar, sentir e agir de certas outras pessoas. Nesse sentido, a depressão estaria em quem usa a categoria, e não em quem é categorizado. De início, portanto, o construtivismo, já por tratar a depressão – e outros “transtornos” – em termos de objeto cultural, tira desse objeto a sua presumida objetividade naturalista. Além disso, as propostas teóricas filiadas à epistemologia construtivista não têm dado a ele um papel proeminente como elemento estruturante do conhecimento clínico. As distinções entre essas abordagens podem ser examinadas com referência aos cinco níveis em que, segundo Feixas e Villegas (1993), situam-se as opções terapêuticas: metateórico ou epistemológico, teórico, clínico, estratégico e técnico. Opções em um nível delimitariam a amplitude de opções possíveis em níveis inferiores.
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A primeira e mais fundamental diferença reside no nível mais geral, metateórico, pois a peculiaridade mais importante do construtivismo está em sua opção realizada nesse nível. Tal opção constitui uma ruptura em relação a posturas científicas geralmente mais aceitas sobre a natureza e a possibilidade do conhecimento, inclusive aquelas que dão suporte ao cognitivismo: encara o conhecimento como uma criação, destinada a organizar a experiência pessoal, e não como o desvelamento de uma realidade independente de quem conhece. Nessa abordagem, as opções clínicas, as estratégicas e as técnicas configuram-se por coerência com o nível mais abrangente, epistemológico, sem constituírem dimensão definidora por si sós. Assim, no nível teórico, a construção do conhecimento aparece, em geral, como vinculada a processos afetivos tácitos, coerentemente com a perspectiva autoorganizadora adotada. Esta constitui uma das importantes diferenças entre as duas abordagens, dado o apelo racionalista das explicações teóricas do cognitivismo. Ao lado da dimensão epistemológica que estaria na base da distinção entre as duas abordagens, há uma dimensão ética decorrente. Ontologicamente, acreditamos na existência de uma realidade exterior. Epistemologicamente, porém, partimos do ponto de vista de que o “conhecimento-da-realidade” (aquilo que o mundo experimentado é para quem o experimenta) nunca constitui uma reprodução, nem fiel nem distorcida, da realidade, mas resulta sempre de uma construção pessoal, ou melhor, uma co-construção, uma vez que se realiza ancorada nas experiências de interação social. Em conseqüência, seremos eticamente cuidadosos tanto ao julgar aquilo que pensamos ser o conhecimento de um paciente quanto ao participar, como terapeutas, de interações co-construtivas com ele. Nessa perspectiva, não estamos em condições de fazer afirmações seguras sobre a veracidade ou não de seus julgamentos, percepções e crenças e, em termos éticos, não podemos agir corretivamente em função de tais afirmações. É importante notar aqui que a referência ao construtivismo, no singular, é apenas retórica, como diz Neimeyer (1997). A análise de
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Grandesso (2000) sobre as epistemologias pósmodernas demonstra a multiplicidade de enfoques e as dificuldades de sistematização. A tentativa de Neimeyer (1995) de identificar as principais metáforas que congregam os construtivistas permite-nos indicar a vertente predominante neste capítulo: a metáfora da terapia enquanto desenvolvimento do self, a qual tem o seu foco em estruturas nucleares em evolução, aproximando-se das perspectivas dinâmica e de desenvolvimento ao longo da vida (life-span). A CONSTRUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO PESSOAL Guidano (1991), um dos principais representantes da vertente acima referida e criador da terapia pós-racionalista, entende o self em uma perspectiva inspirada em Mead e James: como um entrejogo contínuo e circular envolvendo a experienciação “Eu”, que corresponde ao nível do conhecimento tácito, corpóreo, de natureza afetivo-emocional, e a explicação “Mim”, que corresponde ao nível do conhecimento consciente, de natureza lingüística. O conhecimento tácito é inquestionável: experimentamos afetivamente uma circunstância da maneira como a experimentamos e só podemos compreender conscientemente o que experimentamos através de algum tipo de assimilação ao nosso universo simbólico preexistente que, dessa forma, pode alterar-se. Esse entrejogo permite a organização dinâmica consistente dos significados da experiência individual, promovendo o desenvolvimento de diferentes organizações de significado pessoal, das quais é possível identificar quatro tipos principais: organização depressiva, organização fóbica, organização obsessivo-compulsiva e organização de desordens alimentares. Tais organizações não se constituem, segundo Guidano, em conteúdos de conhecimento, mas em processos de ordenação, não havendo, portanto, nenhum tipo de conteúdo de conhecimento que lhes seja específico. Em princípio, são normais, psicóticas ou neuróticas, podendo variar entre essas dimensões dependendo da flexibilidade, da resiliência e da
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generatividade com que se desenvolvem ao longo da vida. O processo terapêutico proposto por Guidano volta-se para a análise do desenvolvimento pessoal, através da focalização de momentos críticos, afetivamente marcados. Usando como recurso básico a “técnica da moviola”, o terapeuta conduziria o paciente no percurso de sua história de experiências, solicitando movimentos de zoom in e zoom out, que permitiriam aprofundamentos e distanciamentos durante os quais os processos complementares de experienciar e explicar, bem como a relação entre eles, seriam revisitados e revistos, no contexto de um diálogo terapêutico emocionalmente impregnado, permitindo uma reorganização dos significados da experiência pessoal, ou seja, uma ressignificação afetivocognitiva de si mesmo e de seu mundo. O modo como pessoalmente entendemos esse procedimento enfatiza uma idéia de replicação de experiências anteriores que não resulta em sua mera reprodução no sentido de viver outra vez o que já foi vivido. Resulta, antes, em uma forma de reexperiência, com uma dimensão de novidade que é o que cria a oportunidade de ressignificação. A possibilidade do novo é ensejada, em primeiro lugar, por recursos da própria dinâmica experiencial: ao visitar o passado, partindo do que somos hoje, podemos vivê-lo de outro modo porque as experiências intermédias encaminharam-nos para um novo sentido de nós mesmos e do mundo perante o qual o passado pode ganhar outro significado. Em segundo lugar, porque essa reexperiência ocorre em um contexto especial em que o terapeuta pode ajudar o paciente a enfocar aspectos da experiência original que, por alguma razão, estavam desfocados e em que, por ser um contexto afetivo, compreensivo, de apoio, permissivo (o terapeuta não julga a experiência do paciente, aceita-a) dá condições ao paciente de confrontar, com mais segurança, aspectos difíceis que geram desconforto emocional por contradizerem a coerência já estruturada de significados pessoais. Na medida em que a construção da experiência significativa repousa sobre a dinâmica entre o domínio emocional “Eu” e a auto-imagem consciente “Mim”, uma vez que pensar usualmente
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muda os pensamentos e apenas sentir pode mudar emoções, a relação terapêutica busca dar condições para um ressentir da experiência original. Parece-nos ser esse um dos sentidos em que Guidano define o terapeuta como um “perturbador estrategicamente orientado” (1991, p. 111). Esse processo, afetivamente marcado, não pretende pôr em xeque – e alterar – a correspondência entre o modo como o paciente compreende sua realidade e “a realidade objetiva”, seja em termos da apreensão do mundo, seja em termos da apreensão de si mesmo, nem pretende controlar as emoções perturbadoras do paciente. Balbi (1994, p. 90) diz que “o objetivo da terapia não será a de que o paciente mude suas crenças, mas que aumente a consciência do modo como as elabora”. Tal consciência, que inclui a compreensão da dinâmica de suas emoções, é a base de uma reorganização que permite novas formas de agir e/ou sentir e/ou pensar do paciente. ORGANIZAÇÃO DEPRESSIVA A idéia de autoconstrução presente no pós-racionalismo de Guidano supõe dois processos construtivos, de experienciação e de explicação, que operam no sentido da obtenção de consistência e continuidade do self. Isso implica a suposição de um modelo construtivo de desdobramento em que cada momento da construção decorre do sistema de constructos anteriores em interação com uma perturbação presente. A perturbação será apreendida – ou não – pelo sistema que a significará como uma experiência e eventualmente ressignificará a si mesmo, em algum grau, no processo de apreensão. Tanto a significação da experiência presente quanto a ressignificação do sistema ocorrem sempre dentro de limitações sistêmicas inerentes, anteriormente estabelecidas. Dessa forma, ao mesmo tempo em que o sistema se constrói, em expansão, também se constrange, limitando as suas possibilidades de desenvolvimento. Para Guidano (1991), a fase inicial do processo construtivo está ligada às relações
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iniciais de apego que estabelecem as bases para o referido desdobramento. No caso da organização depressiva, essas relações teriam sido percebidas pela criança como perdas (morte, separação, negligência ou rejeição), tendo como conseqüência uma estratégia defensiva que evitaria o contato, bem como as expressões de desagrado e afeição. Assim, por um lado, seriam evitados comportamentos que não resultariam em apoio e originariam tristeza e raiva, e, por outro, seriam evitadas expressões emocionais negativas que tornariam a rejeição ainda mais provável. Tal estratégia de autocuidado acabaria por estabilizar a experiência de solidão da criança. A centralidade da perda resultaria em uma estruturação de “cenas prototípicas”, abstraídas da experiência da criança, que oscilariam entre desamparo/tristeza, de um lado, e raiva, de outro, e que se tornariam ingredientes básicos da consciência da criança. O “Eu” emergente refletiria a experiência de “estar sozinho em um mundo totalmente incontrolável e não-confiável, em que esforços e conseqüências são (...) não-relacionados” (Guidano, p. 37). O “Mim” se desenharia em uma auto-imagem negativa que subestimaria seu valor pessoal e sua capacidade de ser amado, percebendo-se como a causa das experiências de rejeição. A auto-estima, por sua vez, se basearia em corrigir seus aspectos negativos e, assim, seria possível manter um contato aceitável com os outros. O desenvolvimento seguinte tenderia a confirmar e estabilizar o sentido de estar no mundo em termos de perdas, rejeições e fracassos inevitáveis “Eu”, bem como o sentido negativo de si e a auto-atribuição “mim”. O reconhecimento e a avaliação da experiência imediata corrente seriam sempre auto-referidos a partir da tensão entre esses dois pólos. Como já foi dito, essa (ou outra) organização pessoal não pode, em princípio, ser considerada como “patológica”. Em uma progressão positiva, o tema da perda poderia ser continuamente diferenciado e integrado até o ponto de ser percebido como uma das categorias de experiência, ao invés de um destino pessoal de rejeição e solidão. Porém, o desen-
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volvimento no processo de significar a experiência também poderia ir na direção do enrijecimento da organização depressiva, deixando outras categorias de experiência fora das possibilidades de significação e estreitando o horizonte pessoal ao destino do sofrimento que, em algum momento, poderia vir a ser intolerável. A QUESTÃO DA TÉCNICA Essas posições constituem um desdobramento possível, no nível teórico, dos princípios construtivistas metateóricos. Nem por isso exigem decorrentes técnicos específicos: o atendimento psicoterápico do depressivo, do ponto de vista construtivista, realiza-se, em linhas gerais, da mesma forma e busca os mesmos objetivos que o atendimento de pacientes nãodepressivos, ou seja, um processo reconstrutivo, reorganizativo, do sistema de organização do significado pessoal, permitindo novas diferenciações, ampliando e flexibilizando as possibilidades de significação da experiência. Para isso, é crucial que o terapeuta assista o paciente no exame do processo construtivo em vigência ou, mais que isso, na revivência do processo, o que significa olhá-lo criticamente e experimentá-lo afetivamente para poder reconstruí-lo. Por outro lado, são múltiplas as possibilidades de trajeto. O recurso técnico da moviola, procedimento básico da terapia pósracionalista, constitui uma solução possível para o desafio de atingir os objetivos terapêuticos, assim como podem ser outros recursos propostos por outros autores ou desenvolvidos pelo profissional na construção de seu estilo pessoal de desempenho profissional. É importante salientar que o psicoterapeuta credencia-se para co-participar desse caminho de reconstrução não tanto através de domínio técnico especializado mas, fundamentalmente, de um bem-articulado, integrado e flexível sistema de organização da sua experiência teórico-clínica e pessoal. Isto é, seu principal equipamento será um pensamento construtivista, e não um repertório de técnicas padronizadas. Poderá até usá-las, mas não será
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por meio delas que constituirá sua competência no campo construtivista. DEPRESSÃO COMO REAÇÃO SECUNDÁRIA Entre os autores filiados à vertente da psicoterapia como desenvolvimento do self, Guidano é um dos que dá mais destaque ao termo depressão. Além da importância intrínseca de seu trabalho, essa é uma das razões da atenção atribuída às suas propostas ao longo deste capítulo. De qualquer forma, ele e os demais autores não dão tratamento teórico específico ao tema, embora esteja presente em nível descritivo em seus trabalhos. O nível explicativo seria enfatizado, em cada caso, por processos mais gerais de construção da experiência. Greenberg e Paivio (1997), por exemplo, autores de uma proposta muito rica de sistematização teórica e terapêutica, focalizada no processo emocional, referem-se à depressão como reação secundária a uma complexa seqüência cognitivo-afetiva. Segundo eles, a apreensão de perda ou falha, em resposta a um evento, gera uma emoção de tristeza/angústia, com sua correspondente tendência ao retraimento, que constitui a resposta emocional primária. Em uma resposta depressogênica disfuncional, essa tristeza/angústia ativa um sentimento de self fraco e mau (esquema emocional desajustado baseado em uma história de perdas ou injúrias), de medo e vergonha, além de pensamentos automáticos. Portanto, a ativação, pela emoção primária, de um esquema emocional central desajustado é fundamental para a produção tanto de um conjunto persistente de cognições negativas quanto do sentido de self fraco e mau, característicos da depressão. O esquema emocional preexistente constitui a vulnerabilidade à depressão. Assim, a ativação dos pensamentos negativos (que atuam para manter, e não para produzir a depressão) e do sentido de self fraco e mau dá origem à resposta emocional secundária de desamparo e depressão duradoura. Além disso, o processo da depressão envolve um segundo nível de auto-avaliação, em que o self é
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percebido como mau por estar deprimido, o que resulta em um monitoramento cada vez mais coercitivo e crítico, no sentido de sair da depressão, o que resulta em novas experiências de fracasso ou desvalorização, por sua vez evocadoras dos mesmos esquemas emocionais relacionados a fracasso e perda. O tratamento da depressão proposto por Greenberg e colaboradores (1996) envolve a intensificação da consciência da experiência do desamparo – e não a sua evitação – através do diálogo e das técnicas de sua terapia vivencial que não são específicas à depressão ou a outro problema clínico, mas são orientadas pelo tipo de dinâmica emocional que se revela no processo terapêutico. Extremamente criativas e simples, como o recurso de pedir ao paciente que dialogue com “um outro” ou “uma parte de si mesmo” que ocupariam uma cadeira vazia ao lado, tais técnicas buscam colocá-lo em uma condição mais favorável de auto-observação e vivência emotiva. No caso da depressão, o aprofundamento do sentimento de desamparo do paciente também promove o acesso a outras emoções, a crenças sobre si e os outros, a desejos e necessidades não-satisfeitas e a medos e barreiras para atingi-los. Assim, aumenta a compreensão do que está gerando seu desamparo e a consciência de suas necessidades enquanto provedoras de recursos eventualmente capazes de reestruturá-lo, tais como “uma raiva não expressa, um desejo de contato ou um desejo de viver e gozar a vida” (Greenberg, Rice e Elliott, 1996, p. 191). A FUNÇÃO DA DEPRESSÃO Temos dirigido a discussão da abordagem construtivista da depressão para a ênfase na perspectiva genérica, não-especializada, que, a nosso ver, é característica da abordagem. No entanto, como já dissemos, o termo depressão, enquanto objeto cultural, revela a existência de importantes distinções nos processos sociais e individuais de construção tanto do conhecimento pessoal quanto coletivo. No aqui-agora do universo lingüístico em que habitamos, é inevitável que ele seja incor-
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porado ao nosso sistema de significação. Não no sentido mecanicista e simplista de que, enquanto herdeiros culturais, seríamos forçados a aprender o particular significado que lhe foi dado antes e por outros. Mas no sentido de que, no processo de co-construção de nosso universo pessoal de significados – que é, ao mesmo tempo, parte do processo atual de construção da cultura –, estamos envolvidos com uma infinidade de outras experiências de distinção, muitas das quais estão, de alguma forma, associadas aos significados desse termo e ele acaba, então, sendo necessário para a coerência de organização dessas experiências. As distinções envolvidas em tristeza, afastamento, perda, emoção, valor pessoal, desejo suicida, ou em alegria, disposição, perseverança, etc., são exemplos do que temos co-construído na nossa cultura e estão semanticamente associados à depressão. Cada um deles não pode, simplesmente, ser descartado sem causar alguma desorganização nas relações que os une e que constituem parte de seus significados. O termo depressão tem sua função nesse universo de relações e parece-nos que, do ponto de vista construtivista, pode ser descritivamente útil, permitindo denotar padrões razoavelmente consistentes de sentimentos, pensamentos e ações que justificam cuidados clínicos. A partir daí, a problematização dos termos e da relação conhecimento-realidade, que constitui a peculiaridade metateórica construtivista, é trazida para o centro da situações vivenciadas na terapia. Disso decorre uma legitimação do cliente em que seu “desvio” ou “transtorno” – sua depressão – não são vistos como causa ou manifestação de uma disfunção, nem como algo a ser sumariamente eliminado (Mahoney, 1998). O sintoma – a depressão – seria inerente à lógica do sistema. COERÊNCIA DO SINTOMA De acordo com Ecker e Hilley (2000), os constructos (estruturas de conhecimento) que têm poder maior e mais amplo sobre o comportamento e a experiência pessoal são inconscientes. Segundo eles, o conceito fundamental deve ser o da coerência do sintoma: o sintoma
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é produzido como uma característica necessária de uma construção convincente da realidade e é produzido porque há pelo menos uma construção inconsciente em que o sintoma é compelidamente necessário. Para esses autores, há um padrão hierárquico da estrutura profunda dos constructos. Em nível inconsciente, temas ontológicos centrais seriam a base para o desenvolvimento de certos propósitos de vida que, ainda em nível inconsciente, se aplicariam a contextos concretos e produziriam, então, em nível consciente, as respostas manifestas na forma de pensamentos, sentimentos e/ou comportamentos que constituiriam os sintomas. Tais sintomas seriam funcionais quando realizassem diretamente o propósito de vida inconsciente ou não-funcionais quando fossem derivados do modo como se realiza o propósito de vida. Além de ilustrarem um modo de estruturação teórica construtivista, essas referências chamam a atenção para uma atitude terapêutica fundamental que resume, em boa parte, o que procuramos enfatizar: tomar o sintoma como decorrência de uma necessidade da organização pessoal, não devendo ser tecnicamente suprimido sem que tal necessidade seja identificada e compreendida. Um exemplo, para finalizar, talvez esclareça melhor o que estamos pretendendo dizer. M. era uma mulher de 35 anos, casada, sem filhos, que relatava bom relacionamento com o marido quando nos procurou por problemas no trabalho. Tinha sido sempre muito bem-sucedida como professora de bons colégios, sendo especialmente benquista por colegas e diretores. Recentemente contratada para ocupar um cargo de coordenação por uma escola que buscava escalar os primeiros postos na preferência da classe economicamente mais alta, vinha apresentando sintomas depressivos intensos relacionados à percepção de falhas na execução de seu trabalho e à possibilidade de perder a sua posição. Seus sintomas incluíam sobretudo crises incontroláveis de choro, pensamentos autodepreciativos e de antecipação dos efeitos negativos de uma futura perda do emprego. A exploração de sentimentos e pensamentos que foram postos em foco durante a parte
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mais inicial da terapia permitiu a identificação de emoções (por exemplo, medo e ansiedade) e pensamentos (por exemplo, de incapacidade pessoal e de regras implícitas de auto-avaliação), bem como a composição de um quadro razoavelmente abrangente de seu funcionamento atual (incluindo, por exemplo, o exercício crítico exacerbado e continuado sobre si mesma), do que decorreu um abrandamento praticamente completo dos sintomas relatados. No entanto, a continuação da terapia e a exploração cada vez mais aprofundada dos processos iniciais de construção de sua experiência levaram a relações mais importantes e esclarecedoras. Ela sempre havia relatado um apego muito forte com a mãe, que a tinha criado sozinha em virtude do falecimento do pai antes de seu nascimento. A mãe era descrita, com admiração, como alguém de grande competência e muitas virtudes, além de sempre estar próxima dela. Na parte mais final da terapia, entretanto, no processo de percorrer sua historia experiencial em busca de sentimentos e emoções semelhantes àqueles sentidos em episódios mais recentes, indo e vindo da e para a infância, a narrativa foi tomando outros tons e ficando cada vez mais claro que a “perfeição” do relacionamento com a mãe foi, em boa parte, conseguido através de um ajuste muito fino ao que pareciam ser as expectativas da mãe e os seus critérios de desempenho para a filha e que esse ajuste era resposta ao risco sentido de um afastamento da mãe caso a filha se distanciasse desses critérios. Parece que o comportamento afetuoso da mãe era, então, percebido como validador desses esforços de ajuste. A reprodução desse padrão foi percebida em muitos relacionamentos subseqüentes e, assim, identificada a necessidade de manutenção do vínculo. A crise depressiva só ocorreu em uma situação na qual o outro comportou-se no relacionamento de um modo percebido como indício de rompimento do vínculo. A tomada de consciência dessa necessidade de preservação do vínculo afetivo como pervasiva na história pessoal deu à paciente um outro sentido de si e permitiu um bem-estar psicológico em nível superior ao que inicialmente foi conseguido
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com a simples remissão dos sintomas. Embora os sintomas estivessem associados a falhas de desempenho e pensamentos autogerados, tais falhas e pensamentos eram parte dos processos de ajuste para evitar a perda que, embora nunca ocorrida em sua história, sempre esteve presente em sua organização pessoal.
GRANDESSO, M.A. Sobre a reconstrução do significado: uma análise epistemológica e hermenêutica da prática clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. GREENBERG,L. S.; PAIVIO, S. Working with emotions in psychotherapy. New York: Guilford, 1997. GREENBERG, L.S.; RICE, L.N.; ELLIOTT, R. Facilitando el cambio emocional: el processo terapeutico punto por punto. Barcelona: Paidós, 1996.
NOTA 1. A internalidade do processo não o torna predominantemente ou necessariamente idiossincrático, pois construiu-se com base em semelhanças da espécie e ao longo das trocas sociais do “observador” com seu meio social, através de múltiplas negociações e regulações mútuas, o que lhe confere alto grau de generalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALBI, J. Terapia cognitiva posracionalista: conversaciones con Vittorio Guidano. Buenos Aires: Biblos, 1994. ECKERT, B.; HILLEY, L. The order in clinical “disorder”: symptom coherence in depth-oriented brief therapy. In: NEIMEYER, R.A. ; RASKIN, J.D. (Eds.). Constructions of disorder. Washington, D.C.: American Psychological Association, 2000.
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GUIDANO, V.F. The self in progress. New York: Guilford, 1991. MAHONEY, M.J. Psicoterapia construtivista. In: FERREIRA, R.F.; ABREU, C.N. (Eds.). Psicoterapia e construtivismo. Porto Alegre: Artmed, 1998. p.110-120. MAHONEY, M.J.; MILLER, H.M.; ARCIERO, G. Constructive metatheory and the nature of mental representation. In: MAHONEY, M.J. (Ed.). Cognitive and constructive psychotherapies. New York: Springer, 1995. p.103-120. NEIMEYER, R.A. Problems and prospects in constructivist psychotherapy. Journal of Constructivist Psychology, v.10, p.51-74, 1997. NEIMEYER, R.A. Constructivist psychotherapies: features, foundations and future directions. In: NEIMEYER, R.A.; MAHONEY, M.J. (Orgs.). Constructivism in psychotherapy. Washington: American Psychological Association, 1995. p.11-38.(Tradução brasileira: Construtivismo em psicoterapia. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1997).
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS Quanto mais aprendo sobre o distúrbio obsessivo-compulsivo, menos certeza tenho de onde termina o verdadeiro distúrbio e onde começa o espectro dos estilos, hábitos e predileções compulsivas. (Rapoport, 1990, p. 177)
O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) apresenta uma característica que o distingue dos demais distúrbios psíquicos e, ao mesmo tempo, dificulta seu diagnóstico: uma boa parte dos indivíduos tem uma ou até mais manias ou costumes com características obsessivas ou compulsivas. As obsessões do cotidiano chegam a identificar algumas pessoas, como “José é muito organizado”, “Maria é perfeccionista”. Algumas compulsões também podem fazer parte de nossa vida sem que necessariamente sejam consideradas passíveis de serem diagnosticadas e tratadas, como, por exemplo, a filatelia, um tipo de colecionismo tido como saudável. A principal diferença entre obsessões e compulsões comuns e a patologia TOC está no caráter ilógico dos pensamentos ou das condutas de um indivíduo, na falta de congruência destes com a sua história de vida (Lima, 1996) e na falta de recursos para que essa pessoa possa extingui-los, embora reconheça sua característica excêntrica. É importante observar que, nos casos de pacientes com manifestações
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do TOC de extrema gravidade ou nos casos mais crônicos, tal crítica pode estar rebaixada. Outra diferença é que no TOC os pensamentos obsessivos e o comportamento compulsivo conduzem a uma extrema ansiedade, o que muitas vezes leva o indivíduo a procurar tratamento (Sonenreich et al., 1999). As obsessões apresentam forma e conteúdo extremamente variados. Quanto à forma, podem ser de dúvida, de medo, de ruminação e de impulsos; quanto ao conteúdo, podem ser de sujeira, de temas inanimados, de trabalho, de saúde, de finanças, de relacionamentos, entre outros. Muitas vezes se confundem com o próprio fluxo normal dos pensamentos (Lotufo Neto et al., 1997), e o mesmo indivíduo pode apresentar obsessões de mais de uma forma ou de conteúdo diferentes, como uma criança de 10 anos que ora mantinha pensamentos de que, se não contasse tudo o que fizesse ou imaginasse para sua mãe, esta deixaria de amá-la, e ora a idéia de que seria contaminada se encostasse em qualquer pessoa. O ato compulsivo tem como característica a repetitividade e a intencionalidade, que pode ou não servir para evitar o pensamento obsessivo ou as conseqüências que o indivíduo acredita que esses pensamentos podem causar. É geralmente precedido por uma sensação de urgência antes do ato e uma certa resistência em executá-lo. A resistência é vencida e seguida de um alívio momentâneo da ansiedade após o ato (Wielenska et al., 1995). Entretan-
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to, muitas vezes o ato compulsivo pode não aliviar a ansiedade, e sim aumentá-la (Kaplan e Sadock, 1997). A menina citada acima passava quase todo o tempo em que estava em casa correndo atrás da mãe para lhe contar seus atos e seus pensamentos. Se a mãe se escondesse para não ouvir, ela gritava pela casa, chegando a gritar a mesma coisa várias vezes até que sentisse alívio. Para livrar-se das obsessões de medo de contaminação, tomava vários banhos de longa duração diariamente. Deve-se estar atento para sinais que podem ser indicativos do momento em que os costumes deixam de ser apenas traços da cultura ou da personalidade e passam a ser manifestações do TOC. Os sinais a serem observados são: 1. Longos períodos de tempo inexplicáveis. 2. Fazer coisas repetidas vezes. 3. Questionamentos constantes acerca da própria necessidade de reasseguramento. 4. Tarefas simples levando mais tempo que o usual. 5. Atrasos permanentes. 6. Preocupação exagerada com detalhes e coisas menores. 7. Reações emocionais extremas a coisas menores. 8. Incapacidade de dormir adequadamente. 9. Ficar acordado até tarde para terminar de fazer coisas. 10. Mudança significativa nos hábitos alimentares. 11. O dia-a-dia se transforma numa luta. 12. Evitação. (Van Nopper et al., 2000, p. 156)
Pelos sinais citados, é possível verificar se o TOC passa a assumir um espaço e uma importância significativos na vida do indivíduo que o apresenta. Como o caso da professora que levava todos os cadernos de seus alunos para casa e ficava até de madrugada “fechando os os e os as” porque, se ficassem “abertos”, poderiam prejudicá-los de alguma forma; ou do estudante que arrumava todos os objetos de seu armário, durante horas, direcionandoos para a cidade onde sua namorada morava, a 500 Km de sua casa, para não correr o risco de perdê-la.
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A abordagem terapêutica do TOC foi amplamente divulgada na década de 80, época do reconhecimento da clomipramina como eficaz em seu tratamento. Porém, a euforia daquela época transformou-se hoje em cautela pela constatação de que, em muitos pacientes, o tratamento não elimina os sintomas, apenas os alivia, e as recaídas são comuns após a suspensão do tratamento (Sthal,1998). Quanto ao tratamento psicoterápico, a terapia cognitiva tem uma aplicabilidade limitada no tratamento do TOC. A própria literatura especializada nessa linha terapêutica evidencia um maior emprego de técnicas comportamentais, em detrimento da abordagem cognitiva isolada (Araújo, 1998; Baer, 1993; Lotufo Neto et al., 1997; Salkovskis e Kirk, 1997). Mesmo com a adoção da terapia comportamental exclusiva, surge um outro entrave no tratamento do TOC: um índice de abandono de tratamento e de recusas em segui-lo muito alto. Com isso, entre os pacientes que procuram tratamento, menos de 50% apresentam melhora (Salkovskis e Kirk, 1997). O construtivismo surge como uma possibilidade de ampliação dos recursos da terapia cognitiva para o tratamento do TOC. Este capítulo abordará a prática clínica da abordagem construtivista no TOC. O construtivismo não visa à correção de comportamentos inadequados ou pensamentos irracionais. A finalidade precípua é a de promover uma ampliação nas possibilidades do cliente, justamente uma das limitações do indivíduo com TOC. No entanto, dependendo da gravidade dos sintomas, pode-se lançar mão de técnicas comportamentais em conjunto, sobretudo no início do tratamento. Alguns pacientes apresentam um comprometimento tão grave que vivem praticamente em função das obsessões e das compulsões; nesse caso, a escolha do tipo de terapia deve levar em conta o nível de limitação no qual se encontra o indivíduo. Preconiza-se um emprego de terapia comportamental exclusiva aos mais comprometidos, passando para a abordagem cognitiva naqueles que conseguem sair das operações concretas próprias do TOC mais grave, e o uso do construtivismo para os pacientes melhor adaptados ao trabalho de reconstrução de seus construtos (Ito e Lotufo Neto, 2000).
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista
ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA DO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO Nós, seres humanos, não somos racionais. Nós, seres humanos, somos animais que utilizam a razão, a linguagem, para justificar nossas emoções, caprichos, desejos (...) e, nesse processo, nós os valorizamos porque não percebemos que nossas emoções especificam o domínio da racionalidade que usamos em nossa justificação. (Maturana, 1999, p. 186)
O construtivismo entende o indivíduo como “solucionador de problemas ativo e construtivo” (Gardner, 1996, p. 108). Um indivíduo que se forma, reage e comporta-se não apenas como receptor e reagente ao meio externo, mas também como um sujeito participativo na organização e na reorganização de seus próprios padrões de funcionamento, através de suas relações com o meio. Nesse sentido, a abordagem construtivista valoriza os processos tácitos, ou abstratos ou supraconscientes, e uma visão do mundo e da realidade única a cada sujeito. Para o construtivismo, esses processos são predominantes sobre os processos concretos, explícitos ou conscientes (Mahoney, 1998). Os processos tácitos são construídos desde o nascimento. Do ponto de vista biológico, isso ocorre a partir de um sistema de transmissão básica entre os neurônios, recebidos geneticamente, que controla sistemas de vida vegetativa e determinados traços de temperamento (Damásio, 2000). A cada nova experiência vivida, formam-se novos circuitos, como caminhos de ligação entre os neurônios. Os novos circuitos só serão gravados e reutilizados quando necessário, desde que sejam mantidos em segurança os circuitos básicos, adquiridos na evolução humana, e o conjunto de circuitos anteriores. Cada indivíduo detém uma seqüência única de experiências e de trocas com o meio e com a cultura, formando esquemas de circuitos neuronais que, por sua vez, servirão como base biológica do self. O controle de escolha de circuitos válidos e rejeitados é feito pelo sistema límbico, que coordena as emoções (Le Doux, 1998). Às seqüências de eventos bioló-
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gicos correspondem eventos mentais que constituirão o caminho do desenvolvimento psíquico. Este vai desde a elaboração de respostas elementares, as avaliações simples da percepção, seguindo-se para avaliações mais complexas, as formações de memória e integração de idéias, passando a compor nossos significados e daí à construção do self (Greenberg e Paivio, 1997), visto no construtivismo como um processo em constante desenvolvimento (Guidano, 1998). O construtivismo considera a emoção como moduladora de nossa construção de significados, diferentemente do cognitivismo, em que há um predomínio da razão ou do pensamento. Um indivíduo escolhe um caminho, toma uma decisão ou aceita uma mudança se sua emoção assim autorizar. Segundo Maturana (1999, p. 170), “a existência humana se realiza na linguagem e no racional, partindo do emocional”. Em outras palavras, uma ação é precedida por uma consulta da razão à emoção (ou do processamento conceitual ao processamento vivencial), a qual permite a realização daquela ação, se o organismo suportála. Podemos ainda considerar a emoção como a interlocutora da realidade externa e interna. Essa interlocução constante constrói e mantém significados. Para o construtivismo, a psicoterapia pode ser entendida como um processo interpessoal com o objetivo de produzir mudanças, e os esquemas emocionais como os responsáveis pelas ações envolvidas nos mecanismos de mudança. Sendo assim, a psicoterapia deve constituir-se no processo de ativar, facilitar e reorganizar os esquemas emocionais (Greenberg et al., 1996). CONSTRUTIVISMO E TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO No modelo construtivista, os sintomas ou as reações disfuncionais não são interpretados como um foco a ser eliminado pela psicoterapia, para “melhorar” a conduta do sujeito. Com a postura de legitimação do cliente, o desvio é considerado como parte da lógica do seu sistema (Duran, 1998). O indivíduo descreve-se
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com sintomas que o identificam como obsessivo-compulsivo, com obsessões do tipo pavor de contaminações com coisas sujas e com micróbios, ou dúvidas sobre assuntos com os quais não têm nenhuma necessidade de se preocupar, ou ainda com atos compulsivos, como lavar-se constantemente, ou mesmo com sintomas de depressão, como sentir-se desmotivado ou sem energia, que com freqüência aparecem no TOC (OMS, 1993). O terapeuta construtivista escuta-o empaticamente, evitando correr o risco de complementar sua patologia restringindo-o como doente (McNamee e Gergen, 1998). A disfunção biológica é valorizada, mas como uma restrição ou condição da ação (Bruner, 1997), e, nesse sentido, a terapia construtivista coaduna-se com a intervenção medicamentosa como facilitadora do processo terapêutico (Reche, 2001). A construção de um funcionamento restritivo e ritualístico pode ser entendida como uma tentativa de o indivíduo reorganizar-se internamente (Abreu e Shinohara, 1998). Suas posições obsessivas protegem-no de uma possível desorganização ou instabilidade insuportável, e ele só procura ajuda quando o esquema emocional depressivo não se ajusta mais e torna-se incompatível com sua vida de relações. A proteção que o TOC promove não é entendida como os mecanismos de defesa da psicanálise. O indivíduo incorpora o TOC na sua organização interna; retirá-lo baseado em um argumento de autoridade do terapeuta, que tudo sabe, seria semelhante a mostrar-lhe um mundo do qual ele não faz parte, provocando no cliente um estado de desequilíbrio (Bruner, 1997), que, no obsessivo-compulsivo, pode levar à depressão, com os riscos de suicídio próprios dessa patologia (Kaplan e Sadock, 1997). O indivíduo deprimido, quando toma medicação para sair de uma depressão grave, após um breve período de melhora pode chegar ao auto-extermínio (Feijó, 1998). A explicação mais freqüente para essa evolução catastrófica baseia-se na correção da lentificação psicomotora, ou seja, enquanto está deprimido, ele está tão lentificado que não conseguiria passar da idéia de suicídio ao ato, e o ato suicida tornarse-ia viável ao ser corrigida a velocidade de seus processos psíquicos. Uma outra forma de
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entender o que ocorre com um indivíduo que melhora da depressão e desiste da própria vida refere-se à desorganização interna que tal melhora pode causar. No TOC, o indivíduo apresenta limitações na construção de novos significados, suas atitudes deixam de ser narrativas, com pouca flexibilização e tendência a uma temática única (Gonçalves, 1998). Estar aberto a novas experiências e à produção de narrativas mais complexas está vinculado a um funcionamento com possibilidade de vivenciar as emoções, o que é proibitivo para o obsessivo-compulsivo. Com o arrefecimento das emoções no TOC, o sujeito fecha-se e organiza-se com menor capacitação à aprendizagem de uma nova forma de ver o mundo. Empregar uma abordagem terapêutica de postura didática e tentar atingir esse sujeito pela razão poderá não fazer ressonância em suas estruturas mais internas, mantendo sua superficialidade e reforçando a proteção na qual se coloca. As obsessões e as compulsões têm justamente a finalidade de impedir a “entrada” em níveis mais profundos. Muitas vezes, aquilo que é interpretado como uma evolução favorável pode estar escondendo uma “sofisticação dos rituais e das compulsões” (dizeres de uma paciente após meses de terapia comportamental-cognitiva) para que nem o terapeuta e nem o próprio paciente percebam a manutenção dos esquemas anteriores, exigindo procedimentos terapêuticos que disponham de alto conteúdo emocional para acessar sua organização central. A PRÁTICA CONSTRUTIVISTA NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO O TOC representa para o indivíduo um funcionamento extremamente angustiante, com perda de referências e constantes sensações de desamparo, pela desestabilização de seus constructos, com sensações constantes de um distanciamento entre os projetos de vida e o modo de existir (Sonenreich et al., 1999). Além disso, há uma certa vergonha por suas condutas e um receio de não ser compreendi-
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do, levando a uma manutenção de seus sintomas em segredo. O terapeuta que se propõe a auxiliar no tratamento de alguém nesse estado deve primar por uma relação de respeito, em que compartilhar seja a palavra-chave. A atitude do terapeuta será a de um colega de vôo em uma viagem que farão juntos. Durante a jornada, haverá períodos de turbulência e insegurança alternados por períodos de calmaria. O roteiro da viagem será discutido e rediscutido constantemente, mas sempre ficando claro que o piloto é o cliente, ou seja, é ele quem dirige seu destino. Entretanto, a escuta do terapeuta não será passiva, desconstrutiva (Santos, 1999) ou flexibilizadora, favorecendo a elaboração de um roteiro no qual o cliente experimentará mais rotas e caminhos com um leque maior de emoções. O terapeuta ainda o ajudará em um pouso com o horizonte aberto e com possibilidade de novas decolagens. Na prática da terapia construtivista, podese adotar uma esquematização do processo terapêutico em etapas. É importante observar que o objetivo dessa divisão não é delimitar o curso da terapia, tornando-a linear ou padronizada. As etapas servem para facilitar a percepção dos andamentos, estacionamentos e retrocessos naturais e necessários nesse processo, como uma espécie de mapeamento do vôo que paciente e terapeuta farão juntos. As etapas na terapia construtivista são: identificação do modelo de funcionamento, significação do modelo, ressignificação e reconstrução de significados.
Identificação do modelo de funcionamento Esta etapa pode ser dividida em duas fases: a montagem da história do cliente e os entrelaçamentos. Na primeira fase, há uma mensagem comum entre as pessoas que procuram ajuda em uma psicoterapia. Suas palavras iniciais parecem estar camuflando uma fala do tipo: “Eu tenho alguma coisa na minha vida que repete, repete, repete... Não sei bem ao certo o que é, mas sei que não quero mais isso repetindo-se”.
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Nessa primeira fase, o terapeuta terá um papel de acolhedor e facilitador. Através de uma relação empática, ele se posiciona em uma escuta inicialmente mais passiva e auxiliará o cliente a montar peças do quebra-cabeça de sua história, ainda não muito preocupado em fazer devolutivas ou intervenções, salvo as que forem necessárias para pontuar para o cliente a credibilidade que dá à sua história, independentemente de sua veracidade. O que importa é que esta é a história que o cliente vivencia e que será o campo a ser trabalhado. O terapeuta revisa alguns pontos da história com o cliente a fim de confirmar a sintonia dos dois, deixando claro como está percebendo o relato da sua história e se confere com aquilo que o cliente quer dizer, validando suas narrativas. Apesar de o foco do construtivismo ser o subjetivo, essa etapa tende a manter o discurso no objetivo, no concreto. Nesse momento, quando surgem as emoções, elas tendem a ser intensas, porém superficiais, como um pedido de acolhimento e um teste do reconhecimento de sentimentos. O terapeuta levará em conta o fato de que as emoções dos obsessivo-compulsivos já são pouco validadas no meio em que eles vivem. Desde o início, o terapeuta demonstra ao cliente os objetivos e a estrutura do processo terapêutico. As tarefas de casa e as técnicas terapêuticas não são colocadas como uma imposição, mas são discutidas com o cliente, ressaltada sua importância e verificada a sua aceitação. Com o modelo médico, ao qual o cliente geralmente está acostumado, e com os meios de comunicação divulgando cada vez mais reportagens a respeito dos transtornos psiquiátricos, há uma tendência de o cliente manterse em torno de queixas de sintomas nas primeiras sessões e confrontá-las pode representar para ele uma desconfirmação daquilo que sente. O diagnóstico psiquiátrico é acatado pelo construtivismo e serve também como ponto de partida para facilitar a compreensão do quadro atual do cliente e traçar planos para o processo terapêutico. No entanto, o mais importante para o terapeuta construtivista não são os sintomas do TOC, ou decorrentes dele, e sim como isso é impresso na vida do cliente, ou
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seja, o que os sintomas passaram a significar para ele. Além de conhecer como o cliente constrói sua história, o objetivo dessa etapa é saber a visão que ele tem de si próprio e do mundo. Na história do cliente, o terapeuta coleta informações relacionadas ao TOC: quando apareceu, em que circunstâncias, fatores agravantes, evolução do quadro, além de sua vida de relações profissional, social e familiar. Nesse sentido, podem ser empregadas técnicas com o objetivo de facilitar a organização da história do cliente, como a da linha da vida. Essa técnica consiste em colocar em uma seqüência de fácil visualização do cliente situações que ele considere marcantes em sua vida. Utilizando-se de um quadronegro ou de uma folha em branco, o terapeuta solicita-lhe que cite aleatoriamente os fatos que lembrar, sem necessidade de uma ordem cronológica. Podem ser significativos os eventos lembrados de imediato (nenhum evento é o primeiro a ser lembrado por acaso) ou os agrupamentos de dados importantes em determinadas épocas. É necessário identificar a emoção envolvida em cada evento, voltando-se mais tarde para revê-las. Na segunda fase, a de entrelaçamentos, o terapeuta percebe um fortalecimento do vínculo inicial e passa, então, a facilitar para o cliente as conexões de episódios da sua vida que apresentam características de similitude. As semelhanças podem aparecer em forma de cognições ou emoções que ressurgem em eventos cronologicamente distintos, agrupando-se fatos do passado ou demonstrando-se a ligação entre estes e situações atuais descritas. O indivíduo com TOC tende a estar deprimido quando procura terapia e, portanto, tende a ater-se mais a relatos com predomínio de emoções e pensamentos negativos (Clark e Fairburn, 1997). Considerando o estado restritivo que o TOC impõe ao cliente, já nessa fase, o terapeuta auxilia-o a descrever seus relatos, fazendo com que ele utilize um maior espectro de sensações, por exemplo, perguntando o que percebeu no momento da situação que descreve, tais como sensações corporais, cores, cheiros ou sentimentos.
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Algumas técnicas podem auxiliar o terapeuta a fazer esses entrelaçamentos, como a da descrição da imagem no espelho (Mahoney, 1998): o cliente é colocado em frente a um espelho real ou imaginário e passa a descrever o que vê e o que sente com o que vê. Por exemplo, no momento em que citar passagens de sua infância, o emprego da técnica ajuda-o a perceber a imagem que faz de si quando era criança, podendo ser interessante uma comparação com a forma atual de o cliente enxergar-se. A técnica do anúncio classificado facilita-lhe identificar a evolução que fez de sua imagem. O terapeuta pede para o cliente imaginar que vive em um local onde o setor de classificados dos jornais é algo levado muito a sério e a forma mais comum de as pessoas iniciarem qualquer tipo de relacionamento. Ele deverá, então, escrever em um cartão como se percebe, sua constituição física, seus gostos, suas qualidades e seus defeitos.
Significação do modelo Na fase de entrelaçamentos, o cliente já é incentivado a perceber as emoções e as cognições que se repetem em seus eventos importantes como elementos constituintes da sua construção de significados. Assim, começa a identificar que mantém essas emoções e cognições negativas como organizadores de sua estrutura, e não como elementos disfuncionais (Abreu e Shinohara, 1998). O objetivo da significação do modelo é auxiliar o cliente a descobrir qual a finalidade de seu modelo de funcionamento obsessivocompulsivo. O terapeuta troca o “por quê?” pelo “para quê?”. O “por quê?” conduz a respostas explicativas, com justificativas racionais, elaboradas com conceitos. O obsessivo-compulsivo tem uma resposta pronta para dar a si mesmo – e a quem for preciso – do porquê de seus rituais. A senhora N., de 45 anos, lavava as mãos e os braços constantemente, apresentando lesões na pele que causavam febre e levaram à sua internação pelo risco de desenvolver erisipela. Ela tinha uma certeza de que real-
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mente precisava lavar-se muito porque morava em uma região com grande concentração de pó. Só não conseguia explicar o porquê de seus familiares também não se limparem tanto e nem o motivo de seu bairro – situado em uma cidade pequena do interior – ser tão sujo. Depois de algum tempo longe de casa, e em uma situação na qual não poderia lavar-se tanto e nem dar os oito banhos diários que dava em seu filho, a senhora N. conseguiu falar à estagiária de psicologia que a acompanhava no hospital do medo de sujar-se e contaminar seu filho temporão, revelando, assim, sua incapacidade para criá-lo e seu desejo de que ele não tivesse nascido. Entretanto, nem sempre vai haver uma condição clínica que afastará o indivíduo de seus rituais, como no caso da senhora N., abreviando o processo terapêutico, embora uma mudança de postura do terapeuta, no momento adequado, possa desempenhar esse mesmo papel. O “para quê?” desmonta a preparação racional da resposta, levando a conteúdos mais vivenciais, favorecendo uma entrada em estruturas mais internas (Greenberg e Paivio, 1997), se empregado nessa etapa em que o vínculo já está estabelecido. A atitude do terapeuta passa a ser mais invasiva, mantendo a empatia necessária. Aqui, a linguagem não-verbal e a expressão corporal são exploradas, pois podem ser sinalizadores do surgimento de lembranças significativas: “A linguagem do corpo é muito expressiva porque freqüentemente traduz o estado emocional do indivíduo” (Sanvito, 1998, p. 54). Durante as sessões, os momentos mais carregados de expressões não-verbais devem ser os mais trabalhados, mantendo-se uma tensão sem, no entanto, buscar-se a catarse, que pode fazer o paciente retornar a estruturas mais superficiais. O terapeuta deve ter o bom senso de perceber o limite do paciente de manter-se sob tensão. O cliente é convidado a falar de acontecimentos do presente, vividos na semana que antecede a terapia. Durante seus relatos, o terapeuta mantém o incentivo da detecção de cognições e emoções que possam ser comparadas à de episódios descritos na primeira eta-
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pa. A associação de eventos atuais com anteriores pelos esquemas emocionais pode ser obtida com o emprego de dramatizações (Rangé, 1995). Com isso, o cliente vai criando condições de fazer esse procedimento sem o auxílio do terapeuta, ou seja, ele passa a perceber fora do ambiente terapêutico seus esquemas emocionais e racionais. Adaptações de técnicas da terapia cognitiva, como o registro de atividades diárias (Beck, 1995), podem ser úteis para facilitar esse processo.
Ressignificação A etapa de ressignificação é caracterizada por um revisão que o cliente faz de seu modelo de funcionamento. Nessa altura da terapia, ele já identificou esse modelo e o significado para sua vida até aqui. Teoricamente, então, ele deveria ser capaz de construir novos significados, mais “saudáveis”, menos “disfuncionais”. O terapeuta não deve esquecer que o paciente esteve vivendo por algum tempo com seu funcionamento obsessivo e que, de certa forma, estava adaptado a ele, sendo tal modo de viver patológico ou não. É importante sempre estar atento ao fato de que, por algum motivo, o paciente não procurou ajuda antes ou, em outros casos, foi tratado com abordagens terapêuticas diferentes, com pouca ou nenhuma modificação interna. Nessa etapa, muito freqüentemente surge com maior intensidade algo que, se não for trabalhado de maneira adequada, dificultará o processo terapêutico: a resistência a mudanças O sofrimento que o TOC promove no indivíduo é bastante intenso. No entanto, ele aprendeu a viver assim, sua estrutura interna em boa parte foi construída com seus rituais. O indivíduo procura terapia quando seu funcionamento depressivo não lhe serve mais, quando seu sistema de construção de significados encontra-se perturbado (Abreu e Shinohara, 1998). Apesar de sua intenção verdadeira de abrir mão desse modelo atual, ele reagirá como se estivesse em um momento de inércia psíquica e tenderá a manter seus esquemas anteriores (Reche, 2000). Racional-
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mente, ele estará envolvido no esforço de uma mudança, porém “as decisões humanas nunca são completamente racionais, estando sempre coloridas por emoções, e o pensamento humano está sempre encaixado nas sensações e nos processos corporais que contribuem para o pleno espectro da cognição” (Capra, 2001, p. 216). O construtivismo entende a construção de significados como parte da unidade organizada que forma o self. O cliente pode perceber a possibilidade de mudanças que ele vislumbra nessa fase como um ameaça ao self e poderá desenvolver condições autoprotetoras (Neimeyer, 1997). O terapeuta, por sua vez, estará auxiliando o cliente a perceber seus mecanismos de resistência, sendo esperado que a terapia estacione ou regrida quando atinja a etapa de ressignificação. O terapeuta terá a sensibilidade de identificar esses movimentos oscilatórios do processo terapêutico e de reconduzir pacientemente a etapas anteriores, fortalecendo o cliente a seguir em frente, no seu próprio ritmo. O sentimento de culpa é um dos sintomas presentes no TOC mais incorporados à organização interna do cliente. Entretanto, enquanto se dá conta desse sentimento, ele pode aumentar sua culpa ou transportá-la para pessoas ligadas a ele e identificadas como participantes do seu processo de construção de significados. Então, o terapeuta o ajudará na compreensão emocional e racional das circunstâncias que teriam motivado suas ações e a do outro, como forma de deixar de atribuir culpa, o que aliviará sua resistência e facilitará a ressignificação. F. é uma secretária de 35 anos, que procurou tratamento após ter se envolvido em dívidas por comprar compulsivamente. Na tentativa de esconder suas compulsões, passou a pedir dinheiro a agiotas até perder totalmente o controle da situação. Durante a terapia, foram constatadas outras compulsões, como banhos demorados, com rituais de limpeza, e algumas raras obsessões, como preocupações excessivas com o corpo. No decorrer do processo, passou a controlar suas compulsões, apesar de confessar que apenas trocou algumas delas por outras mais aceitas socialmente.
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F. conseguiu identificar o seu modelo de funcionamento e percebeu esquemas familiares obsessivos, que estariam ligados a uma crença de ser perfeita para ser aceita. Contudo, as compulsões a comprar destoavam de seu modo de viver. Em um determinado momento, quando a terapia parecia estar correndo muito bem, F. passou a ter reações de extrema raiva, tornando-se agressiva na família e no seu trabalho. Nas sessões que se seguiram a esse período, ela foi detectando que o sentimento subjacente àquele ódio era de culpa e de medo. O medo remeteu-a à infância e, em uma sessão, usando a técnica do diálogo das cadeiras (Greenberg et al., 1996), F. assumiu a posição dela mesma com cinco anos e também a de sua mãe, que nessa época acabara de ter outro filho. Assumindo o papel da mãe, F. pôde entender as dificuldades que ela sentia em cuidar dos filhos e, no papel dela mesma como criança, pôde aliviar o medo por sentir-se amada pela mãe. Ela já havia percebido, anteriormente, que fazer tudo certo era a fórmula para ser aceita pela família, mas não o suficiente para ser vista pela mãe, e que a transgressão do funcionamento familiar, como as compulsões a comprar, era a saída que ela havia encontrado para ser parte importante naquela família. A raiva também tinha a ver com a culpa pelo longo tempo durante o qual esse foi o seu modelo de funcionamento em todas as relações sociais, profissionais e afetivas, além da descoberta das perdas que teve com esse modelo que adotou. O contato com tais emoções possibilitou uma perspectiva da substituição verdadeira daqueles significados, facilitando a reconstrução de seu modelo de funcionamento.
Reconstrução O indivíduo com TOC tende a apresentar uma forma linear de construir suas estruturas e de visualizar seu futuro. Com a identificação do seu modelo de funcionamento, com a descoberta do significado desse modelo, com o reconhecimento de suas resistências e com a percepção da viabilidade de ressignificação, ele
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passa a ampliar suas possibilidades. As limitações que impunha a si próprio deixam de fazer sentido e ele inicia uma reconstrução de seus significados. Na última etapa da terapia, o terapeuta incentiva o cliente a viver experiências atuais, compreendendo os significados dentro de contextos, com uma postura de maior flexibilidade. O cliente passa a ter consciência da emoção e da razão, podendo estabelecer um equilíbrio entre ambas (Greenberg, 1998). A difícil negociação do término da terapia faz parte dessa etapa. No modelo construtivista, os critérios envolvidos como definidores do encerramento da relação terapêutica não incluem apenas a melhora dos sintomas, mas também uma capacitação do cliente de prosseguir seus novos vôos sem o terapeuta. A terapia deve durar enquanto for geradora de novos significados (Santos, 1999). CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão do tempo passou a ofuscar o objetivo das terapias, com a proliferação de livros e técnicas de auto-ajuda e com a pressão exercida pelos seguros de saúde. Cada vez mais, as pessoas chegam ao terapeuta com uma pergunta inicial: “Quanto tempo vai durar este tratamento?”, a qual encobre uma outra questão: “Quanto tempo vou levar para mudar?”. A finalidade última de qualquer processo terapêutico é o de promover mudanças. Mas que mudança é essa que o indivíduo deseja? Uma terminologia própria da engenharia pode ser utilizada para explicar alguns tipos de mudanças. É possível comparar as mudanças de um indivíduo com as deformações dos materiais. Os corpos deformáveis são divididos em plásticos – aqueles corpos que, uma vez deformados, não voltam mais à sua forma original – e materiais elásticos – aqueles corpos que, ao sofrerem uma deformação, voltam à sua forma de origem ao fim da aplicação da força que produziu tal deformação. As mudanças também podem ser divididas aqui em: elásticas e plásticas. As mudan-
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ças elásticas são aquelas observadas no indivíduo que vai a um curso de motivação pessoal no final de semana e diz que está completamente modificado ao retornar do curso. Porém, no primeiro episódio estressante, cessa a força que o motivou, e o indivíduo retorna ao seu funcionamento anterior. Como acontece nos materiais, as mudanças elásticas são rápidas, fáceis, mas não duram e voltam à forma anterior. As mudanças plásticas ocorrem lentamente, com alto teor emocional, com resistências a serem vencidas; no entanto, quando acontecem, se não são permanentes, pelo menos são extremamente duradouras. Apenas tensões novas e de grande intensidade podem fazer com que o indivíduo modifique-se novamente, voltando a ter outro funcionamento, que raramente será semelhante àquele do início da mudança plástica. Ainda empregando termos da engenharia de materiais, a resistência da estrutura do indivíduo é que determina a sua capacidade de resistir aos esforços solicitantes, sem se romper, garantindo a integridade de sua estrutura como um todo. E, dentre os distúrbios psíquicos, o TOC é daqueles que se encontram mais enraizados no próprio funcionamento do indivíduo, o que aumenta sua resistência as mudanças. Para ser plástica, uma mudança deve ser produto de uma terapia que promova modificações em estruturas internas básicas do indivíduo, trabalhando com suas resistências. Para serem efetivas, essas mudanças devem produzir uma sensação de desorganização, de desconstrução. Não há mudança sem angústia (Mahoney, 1998). Um indivíduo com TOC já se encontra bastante angustiado. O terapeuta que opta pela abordagem construtivista deve saber que o caminho da reconstrução de significados passa pela desestruturação de antigos conceitos e pode promover um mal-estar temporário. Por isso, deve estar preparado para um percurso desgastante, embora compensador, em que o vínculo e a empatia serão os princípios orientadores do processo terapêutico.
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O homem que, para esquecer uma infelicidade, diverte-se ou tenta anestesiar-se pela narcotização não resolve nenhum problema, não acaba com uma infelicidade; acaba, sim, e simplesmente, com uma conseqüência da infelicidade: o mero estado afetivo de desprazer. Quando apenas se diverte ou se narcotiza, o homem “não quer saber de nada”. Tenta fugir à realidade. Vai-se refugiar, por exemplo, na embriaguez. (Frankl, 1989, p. 153)
ALCOOLISMO: DO MODELO MORAL AO MODELO DE COMPORTAMENTO ADICTIVO As primeiras informações sobre o uso do álcool datam do ano 6.000 a.C, sendo um dos costumes mais antigos e de maior popularidade em todas as civilizações. Contudo, o termo “alcoolismo”, proposto pelo médico sueco Magnus Huss, surgiu somente em meados do século XIX, popularizando-se de forma a designar um importante fenômeno médico e social que, antes mesmo de seu surgimento, vem, há séculos, desafiando a ciência e gerando várias concepções e modelos teóricos que buscam sua compreensão. O modelo moral de adicção é uma visão baseada em pressupostos religiosos que alcançou seu ápice nos Estados Unidos há cerca de um século, mas que, infelizmente, ainda nos dias atuais, pode ser encontrado entre leigos
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e também entre profissionais da saúde. Segundo as teorias explicativas pautadas nessa linha de pensamento, o uso abusivo de qualquer substância é entendido como um problema de controle de impulsos. O indivíduo com adicção é alguém a quem falta “fibra moral” para resistir às tentações e que não tem controle apropriado sobre suas ações. Ao alcoolista falta caráter, moral ou força de vontade, sendo incapaz de resistir à tentação de consumir o álcool. Em contrapartida, no final dos anos 40, Jellinek e seus colaboradores do Centro para Estudos do Álcool, de Yale, apresentaram uma nova visão do problema, que passa a ser concebido como doença: Os comportamentos aditivos estão baseados em uma dependência física subjacente e a atenção é focalizada sobre fatores fisiológicos predisponentes que se presume ser geneticamente transmitidos. (Marlatt & Gordon, 1993, p. 6).
Essa visão de Jellinek foi sancionada em 1956, pela Associação Médica Norte-Americana, que oficializou o alcoolismo como uma doença, estabelecendo, então, o modelo médico de adicção, o qual teve o mérito de levar inúmeras pessoas a procurar assistência médica, na medida em que absolveu o alcoolista da responsabilidade pessoal ou da culpa moral por sua condição. Entretanto, ocorre uma clara
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contradição nesse modelo, já que, embora aceitando que a etiologia do alcoolismo esteja além do controle ou da responsabilidade do indivíduo, seu tratamento normalmente requer total abstinência do álcool como única forma de evitar o problema, ou seja, exige do indivíduo exatamente o controle sobre o comportamento de beber. Outra contradição criada por esse modelo médico recai, ironicamente, sobre o fato de se ter absolvido o alcoolista da responsabilidade ou da culpa pelo seu comportamento, como atribuído a ele no modelo moral. Contudo, ao entender que seu problema com o álcool é o resultado de uma doença, o indivíduo tende a assumir o papel passivo de vítima e a explicar as recaídas como mais um sintoma de uma inevitável doença. Atualmente, os adeptos da teoria da aprendizagem social, da psicoterapia cognitiva e da psicologia social propõem o modelo de comportamento adictivo como uma abordagem alternativa aos modelos moral e médico. A partir desse modelo, os comportamentos adictivos são entendidos como hábitos hiperaprendidos e mal-adaptativos que podem ser analisados e modificados a partir do estudo dos seus determinantes: antecedentes situacionais e ambientais, crenças, expectativas, história familiar e experiência de aprendizagem anterior com a substância psicoativa. Da mesma forma, há o interesse pela definição das conseqüências do comportamento de uso de substâncias, sejam elas reforçadoras (contribuindo para o aumento do uso) ou negativas (inibindo o comportamento). Apesar da ênfase na análise do comportamento adictivo, esse último modelo não negligencia os aspectos fisiológicos envolvidos no processo, mas explica-os como um estado de doença produzido pelo comportamento adictivo prolongado. Para os teóricos da área, como Marlatt e Gordon (1993), isso não implica que tal comportamento seja uma doença ou um quadro secundário a um transtorno fisiológico. Afirmam ainda que a tendência de se enfatizar os fatores fisiológicos nega a possibilidade dos comportamentos adictivos serem determinados sobretudo pelas expectativas do
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indivíduo (antecipação dos efeitos desejados da ação). Uma crítica feita ao modelo de comportamento adictivo é que o mesmo seria uma regressão ao modelo moral, na medida em que responsabilizaria o indivíduo, culpando-o pela aprendizagem do seu comportamento. Tal argumento, contudo, baseia-se na falsa suposição de que as pessoas são responsáveis pela escolha das suas experiências passadas de aprendizagem. Porém, os teóricos comportamentais definem a adicção como: (...) um padrão de hábito poderoso, um ciclo vicioso adquirido de comportamento autodestrutivo perpetuado pelos efeitos coletivos do condicionamento clássico (tolerância adquirida mediada, em parte, por respostas compensatórias condicionadas aos efeitos nocivos da substância adictiva) e reforço operante (tanto o efeito positivo do efeito máximo da droga quanto o efeito negativo associado ao uso da droga como um meio de escapar ou evitar estados disfóricos físicos e/ ou mentais – incluindo aqueles associados com os efeitos posteriores negativos do uso anterior da droga). (Marlatt e Gordon, 1993, p. 10)
Portanto, o fato de um comportamento adictivo ser explicado como um padrão de hábito hiperaprendido não significa que o indivíduo seja responsável por sua aquisição, uma vez que outros fatores estão envolvidos, como condicionamentos clássico e operante, expectativas e crenças sobre o efeito de diminuição da ansiedade e antiestressante das drogas, além da aprendizagem social e da modelagem. Entretanto, apesar de não ser responsabilizado pelo aprendizado do comportamento adictivo, o indivíduo, nesse modelo, assume um papel ativo e a responsabilidade pela mudança de hábitos. Como se pode perceber, todos esses modelos propiciam uma ampliação de perspectivas, possibilitando-nos entender o alcoolismo sob vários pontos de vista, seja como síndrome, como sintoma comportamental ou ainda como questão moral. Ao longo dos tempos, existiram várias explicações teóricas para o fenôme-
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no, conforme o modelo que estivesse prevalecendo na ocasião. Atualmente, no entanto, existe uma forte tendência em se considerar o problema através de um enfoque biopsicossocial, o qual propõe um entendimento global do indivíduo alcoolista, podendo-se dizer que seria o início de um novo modelo de compreensão que, inclusive, mais se aproxima da nossa compreensão do alcoolismo. Dessa forma, faremos uma descrição mais aprofundada do mesmo, abordando também explicações teóricas de caráter biológico, de caráter psicológico e outras de caráter social.
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O conjunto de critérios adotados, tanto para a dependência de substância quanto para o abuso de substância, baseia-se hoje em um modelo biopsicossocial, segundo o qual múltiplos fatores (genéticos, psicológicos, sociológicos e farmacológicos) contribuem para a formação dos quadros clínicos relacionados ao uso de substâncias. Conforme Kaplan (1999), não é certo dizer que todos os indivíduos que se tornam dependentes de uma mesma droga experienciam seus efeitos do mesmo modo ou são motivados por fatores iguais. Além disso, em estágios diferentes do processo de dependência, diversos fatores podem ter seu nível de importância alterado.
elemento central salientado pelo autor é o próprio comportamento de uso da droga, sendo que a decisão de usá-la depende de situações sociais e psicológicas imediatas, assim como da história de vida da pessoa. O uso da droga eleita dá início a uma seqüência de eventos (prazerosos ou não) que, através de um processo de aprendizagem, pode resultar em maior ou menor probabilidade de que o comportamento de uso seja repetido. Além disso, para algumas drogas, como, por exemplo, o álcool, o uso inicia também processos biológicos relacionados à tolerância e à dependência fisiológica. É importante mencionar que, acima de determinado limite, a dependência geralmente torna-se, por si só, um motivo para o uso recorrente da droga. Kaplan (1999) considera, ainda, que a decisão de não usar determinada substância também gera conseqüências aversivas ou reforçadoras, havendo evidências de que, quando as recompensas pelo não-uso da droga são altas, a probabilidade de reincidência do uso é reduzida. No entanto, álcool, barbitúricos, maconha, etc., podem prejudicar significativamente as habilidades cognitivas que estariam relacionadas com essa capacidade de tomar decisões. Os fatores culturais, sociais e ambientais, tais como comportamento dos companheiros, leis, custo e disponibilidade da substância, podem influenciar a experimentação inicial da droga (incluindo álcool e tabaco) e a continuação do seu uso. Um exemplo disso refere-se ao fato de que:
A disponibilidade da droga, sua aceitação social e a pressão por companheiros podem ser os principais determinantes da experimentação inicial com uma droga, mas outros fatores, tais como personalidade e biologia individual, provavelmente são mais importantes com relação ao modo como os efeitos de determinada droga são percebidos.
quando a disponibilidade do álcool é aumentada pelo aumento no número de locais onde pode ser vendido ou quando horários de venda são ampliados, o consumo tende a subir. Quando o custo do álcool ou do tabaco é aumentado em relação aos rendimentos disponíveis (por exemplo, pelo aumento de impostos) o consumo cai.
(Kaplan, 1999, p. 828)
(Kaplan, 1999, p. 828)
Além desses últimos fatores mencionados, Kaplan (1999) também aponta para outros que também podem interagir no desenvolvimento da dependência de substância. Em síntese, o
Os efeitos subjetivos das drogas são, em muitas circunstâncias, descritos como causadores do consumo por produzirem estados internos diferenciados. No caso do álcool, por
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exemplo, seus efeitos, descritos de variadas formas pelos usuários, são relaxantes na maior parte dos casos. Essa variabilidade dos efeitos parece depender da personalidade do usuário; contudo, pessoas com problemas relacionados ao álcool freqüentemente relatam que este diminui seus sentimentos de nervosismo e ajuda a lidar com os estressores da vida cotidiana. Todavia, podemos encontrar várias explicações para a etiologia do alcoolismo, em geral não havendo unanimidade entre elas, existindo correntes adeptas das explicações exclusivamente biológicas, outras que enfatizam as descrições psicológicas, ou ainda as que priorizam os fatores socioculturais. As teorias biológicas defendem o pressuposto de que o alcoolismo desenvolve-se devido a fatores biológicos inatos do indivíduo. Essa hipótese baseia-se na característica da perda de controle sobre o consumo do álcool, apresentada pelos alcoolistas, a qual decorreria de uma reação fisiológica em cadeia, iniciada pela ingestão de uma quantidade de álcool que seria responsável pelo aumento do consumo dessa substância. Vários processos fisiológicos foram propostos como explicação do fenômeno da perda de controle, desde alterações do metabolismo celular, passando pela inibição de centros cerebrais de controle, até a ativação de circuitos neuronais localizados no hipotálamo que desencadeariam a compulsão pelo álcool. Adeptos dessa corrente biológica sugerem que fatores genéticos modulam a vulnerabilidade ao desenvolvimento do alcoolismo. Nesse enfoque, uma das características amplamente estudadas refere-se ao acúmulo de acetaldeído após a ingestão do álcool. Isso ocorre devido à não-metabolização dessa substância em acetato, através da enzima acetaldeído desidrogenase, cujo nível de atividade é determinado geneticamente. Acredita-se que o acúmulo de acetaldeído, após o consumo de álcool, em pessoas com baixa atividade de acetaldeído desidrogenase, provocaria efeitos desagradáveis, que funcionariam como uma defesa natural do organismo contra o consumo excessivo do álcool. Entretanto, segundo Ramos e Bertolote (1997), as pesquisas sobre a determinação
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genética do alcoolismo, apesar de distinguirem as diferenças biológicas entre dependentes e não-dependentes do álcool, admitem que tais diferenças não implicam uma predisposição orgânica ao alcoolismo propriamente dito, mas sim diferentes probabilidades de as pessoas fazerem uso contínuo do álcool, que é condição necessária, embora não suficiente, para o desenvolvimento do alcoolismo. Significa que as características biológicas propiciam o desenvolvimento da dependência, sendo mais um fator de vulnerabilidade, mas nãodeterminante. BASES PSICOLÓGICAS DA ADICÇÃO AO ÁLCOOL
Modelo cognitivo-comportamental As explicações psicológicas para a gênese do alcoolismo, mesmo não negando a importância dos fatores biológicos, enfatizam os processos psicológicos, descritos à luz dos preceitos de cada referencial teórico, como determinantes do desenvolvimento da dependência de álcool. As abordagens cognitivo-comportamentais, por exemplo, que compõem o modelo de comportamento adictivo, encaram a dependência de substâncias como um padrão de hábito hiperaprendido e mal-adaptativo, passível de modificação a partir da análise e da manipulação dos estímulos desencadeadores (situações de alto risco), dos fatores de reforçamento (status especial, aprovação dos amigos, etc.), da função do álcool na vida do indivíduo (redução da ansiedade, facilitação da interação social, etc.) e, mais tarde, do efeito de manutenção do consumo através do reforçamento negativo (alívio de sintomas de abstinência). Aliadas a isso, existem as motivações, as expectativas e as crenças sobre os efeitos do álcool, que são comprovadamente formadas em idade anterior ao uso da substância. Portanto, a ênfase nesse caso recai sobre o estudo dos determinantes dos hábitos adictivos, abrangendo antecedentes situacionais e ambientais, crenças e expectativas, história familiar individual e experiências de aprendiza-
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do com a substância psicoativa ou atividade. Além dos efeitos da droga sobre a própria atividade, é dada atenção às reações sociais e interpessoais experienciadas “pelo indivíduo antes, durante e depois de se engajar num comportamento adictivo. Os fatores sociais estão envolvidos tanto no aprendizado inicial de um hábito adictivo quanto no desempenho subseqüente da atividade, uma vez que o hábito tenha sido firmemente estabelecido” (Marllat e Gordon, 1993, p. 9). Propôs-se, então, uma categorização de situações de alto risco após a realização de um estudo em que foram analisados 137 episódios de recaída, extraídos de três amostras: alcoólicos, adictos em heroína e fumantes de cigarro. Estão incluídos nessa categorização dois determinantes, quais sejam: 1. Determinantes intrapessoais-ambientais: estão associados aos fatores internos do indivíduo e/ou às situações ambientais não-pessoais, incluindo reações a eventos interpessoais no passado relativamente distante. 2. Determinantes interpessoais: implicam a influência de interação recente com outra pessoa que exerce influência sobre o indivíduo. Ambas as categorias são compostas por subcategorias. No caso da primeira categoria, podemos citar o enfrentamento de estados emocionais negativos (frustração e/ou raiva e outros estados emocionais negativos); o enfrentamento de estados físicos e fisiológicos negativos (estados físicos associados ao uso anterior de substância psicoativa e enfrentamento de outros estados físicos negativos); a intensificação de estados emocionais positivos; o teste do controle pessoal e a rendição às tentações ou à compulsão (na presença de sinalizadores da substância ou na ausência de sinalizadores da substância). Já na segunda categoria, estão o enfrentamento de conflito interpessoal (enfrentamento de frustração e/ou raiva ou enfrentamento de outro conflito interpessoal), a pressão social (pressão social direta e indireta) e a intensificação de estados emocionais positivos
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Modelo psicanalítico O estudo das características de personalidade como fator etiológico do alcoolismo também tem sido bastante explorado pelos adeptos da vertente psicológica. Para os psicanalistas, a psicopatologia é a principal motivação subjacente tanto para o uso inicial quanto para sua continuação. Eles postulam que, farmacológica e simbolicamente, algumas substâncias ajudam o Ego a controlar os afetos dolorosos impossibilitados de serem manejados adequadamente em decorrência de fragilidades egóicas apresentados pelo usuário, possibilitandolhe sedar a angústia de castração. Nesse sentido, o álcool pode ser utilizado como auxiliar na diminuição do nível de estresse em pessoas com superegos rígidos e autopunitivos. Outros psicanalistas sugerem a hipótese de que alguns alcoolistas apresentam fixação na fase oral do desenvolvimento, recorrendo ao álcool para aliviar suas frustrações, sendo a boca sua principal fonte de gratificação. Outros argumentam ainda que o alcoolista consome a droga impulsionado pela sua necessidade de poder, ou mesmo como um protesto hostil contra a sociedade, projetando sobre ela o ódio que o alcoolista dispensa a seu pai. Fala-se também em uma agressividade sádica e em tendências autodestrutivas, implicando um suicídio inconsciente.
Outras contribuições Alonso-Fernández (1979) propõe a distinção entre três tipos de bebedores quanto à etiologia, à vivência da alcoolização, ao modo de beber e à vinculação do indivíduo com o álcool. São eles: o bebedor excessivo regular, o alcoolista propriamente dito1 e o bebedor enfermo psíquico. Nos três casos, o álcool exerce o papel de modificador da realidade, mas com significados diferenciados em cada um dos tipos. O bebedor excessivo regular é aquele que ingere cotidianamente uma quantidade de álcool suficiente para acarretar riscos à saúde, sem nunca (ou quase nunca) incorrer na embriaguez, não havendo, inclusive, falta de con-
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trole frente ao consumo do álcool. Entretanto, esse indivíduo tende mais facilmente a desenvolver uma dependência biológica para o álcool após muitos anos de consumo. Quanto à sua etiologia, observa-se que não há uma personalidade típica dos bebedores excessivos regulares, podendo-se encontrar todo tipo de personalidade entre eles, embora ocorra principalmente nos hipertímicos. Assim, os fatores socioculturais adquirem maior relevância, através da indução realizada pela mídia e da imitação como um fator gregário, na medida em que o ato de beber tem o poder de desenvolver laços interpessoais. Contudo, cabe à personalidade desses indivíduos a decisão de incorrer no abuso de álcool ou não. Nesse sentido, fala-se de uma “personalidade préabusiva”, em que participam tanto fatores individuais quanto externos diversos. Para esse tipo de usuário, os efeitos do álcool proporcionam a vivência de consolidação de um mundo extremamente aprazível e uma sensação de bem-estar através dos efeitos euforizantes da substância etílica. Já o alcoolismo propriamente dito manifesta-se pela embriaguez repetida ou, dizendo de outra forma, pela entrega irregular à bebida. Estabelece-se desde os primeiros contatos do indivíduo com o álcool, isto é, antes mesmo do surgimento de uma dependência física e, em geral, em idade cronológica precoce. Ocorre um desejo urgente de consumir álcool, que surge recorrentemente como uma necessidade psicológica, delineando-se, então, a dependência psíquica que caracteriza o alcoolismo primário. O alcoolista propriamente dito encontrase absorvido por uma “constelação básica de personalidade”, constituída pelas vivências decorrentes do sentimento de solidão, isolamento e desesperança, em uma temporalidade na qual impera o presente anônimo e passivo. A ausência de esperança e o sentimento de solidão situam-se como o núcleo básico da personalidade pré-alcoólica, estando esse núcleo envolto por um fastio e uma indiferença que
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podem ser encontrados na descrição dos fenômenos próprios do “tédio vital”: O problema do adoecimento toxicômano não é a dor mesma, mas a insuportabilidade da dor. O sujeito que pode produzir um alcoolismo experimenta seu isolamento como insuportável, por não dispor do suporte individual proporcionado pela esperança e os projetos bem-organizados que costumam emanar da mesma. (...) Na personalidade pré-alcoolista, a confiança em chegar à meta proposta não pode se estabelecer porque a conjuntura presente é vivida passivamente e o passado hospeda muito mais desenganos e fracassos que êxitos. (Alonso-Fernández, 1979, p. 454).
Desde a infância, o indivíduo propenso ao alcoolismo propriamente dito mostra-se pouco afeito ao encontro e ao diálogo. Apresenta exagerada necessidade de dependência, mas normalmente procura negar essa necessidade, assumindo um comportamento de recusa ao contato humano e à participação em grupos, mantendo uma conduta aparentemente autônoma e independente. Além disso, observa-se uma escassa integração da personalidade, cuja origem pode ser atribuída à repressão de conteúdos psíquicos e ao déficit da capacidade de planejamento. Esse déficit, por sua vez, é explicado pela ausência de um sentimento prospectivo que permite ao indivíduo engajarse em planos, objetivos, e ter a confiança de poder realizá-los, uma vez que o alcoolista propriamente dito vive o presente passivamente e o pretérito reserva-lhe mais desenganos e fracassos do que êxitos. Do ponto de vista existencialista, a partir da teoria de Frankl (1991), o objetivo do homem é o de realizar um sentido e de realizar valores, e não o de realizar a si mesmo. Ao realizar um sentido, a auto-realização surge espontaneamente. Porém, essa busca de sentido pode ser frustrada, gerando um sentimento de que sua existência não possui um “porquê”. Ele é confrontado, então, “com um fenômeno que na
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logoterapia2 denominamos vácuo existencial, o vazio interior e a falta de conteúdo, o sentimento de perda da existência e do conteúdo da vida” (Frankl, 1991, p. 69). Portanto, esse sentimento não é uma patologia em si, um mero sinal e sintoma de uma neurose, mas a prova da humanidade da pessoa: “embora não seja causado por nada patológico, este sentimento bem pode causar uma reação patológica, em outras palavras, é potencialmente patogênico” (Frankl, 1999, p. 121). Para o autor, o alcoolismo seria uma forma latente de frustração existencial, traduzido pelo sentimento de vacuidade e de falta de sentido. No alcoolismo, a busca frustrada de sentido dá lugar à busca exagerada do prazer, mas de um prazer “negativo”, ou seja, uma simples libertação do desprazer. Apesar de todos os esforços em se descrever uma personalidade própria do alcoolista que seja, inclusive, responsável pelo desenvolvimento do quadro mórbido, não há, até o momento, evidências seguras de sua real existência. Pela dificuldade de se realizar estudos longitudinais que possibilitem o conhecimento das características de personalidade de um indivíduo antes do início do consumo do álcool, normalmente não se pode distinguir se os sintomas ou as modificações psíquicas preexistem ao alcoolismo ou surgem em decorrência da deterioração produzida pelo consumo alcoólico. Soma-se a isso o fato de as investigações sobre essa questão invariavelmente apresentarem distorções ideológicas próprias a cada abordagem psicológica. A DEPENDÊNCIA QUÍMICA E A INFÂNCIA Conforme Abreu (2001), na teoria do apego ou da vinculação, postulada por Bowlby, a qualidade dos relacionamentos que tivemos com nossos cuidadores gera representações internas dessas relações. Introjetadas na estrutura da personalidade do indivíduo, essas representações atuam como um protótipo para nossas relações sociais na vida adulta. Portan-
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to, é de extrema importância o quanto os bebês aprendem a confiar em suas figuras de vinculação, considerando-as fontes de segurança e apoio. Sabe-se que a qualidade dos primeiros vínculos afetivos tem sido preditiva para vários transtornos psicológicos e, segundo tal premissa, Abreu propõe que os usuários de drogas provavelmente entendem ter sofrido algum tipo de falha nos cuidados primários; assim, as dificuldades ou as privações vivenciadas a partir do vínculo com os cuidadores pode ter gerado problemas na idade adulta: Essas experiências de vinculação insegura criam uma brecha para que os drogaditos construam em sua vida significados que, invariavelmente, contenham regras e premissas que foram extraídas dessas relações e, assim, todos os significados finais edificados correrão sobre os trilhos de uma vida emocional marcada por uma interpretação que os faz crer na existência do desrespeito e da desconsideração dos outros sobre sua pessoa. (Abreu, 2001, p. 159)
Desse modo, é possível perceber o quão complexo é o problema da dependência e/ou do abuso de álcool, sendo necessário considerarmos vários e diferentes aspectos quando nos referimos ao seu tratamento: A noção de dependência não é uma propriedade de qualquer elemento isolado, mas é uma abstração inferida a partir das relações entre os elementos de um sistema. Embora seja conveniente para os médicos e leigos ver a dependência como algo localizado dentro de uma pessoa (e isso é exigido pelo DSM-IV), qualquer interpretação que dê demasiada ênfase a um aparte do sistema, quer seja à biologia ou à pessoa, às influências sociais ou ao comportamento, está deixando de fora parte da natureza da dependência. (Kaplan, 1999, p. 835)
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A PSICOTERAPIA COGNITIVA
O enfoque objetivista Tradicionalmente, a dependência de álcool tem sido tratada na literatura e na clínica sob o ponto de vista da abordagem cognitivocomportamental,3 que tem um caráter objetivista, ou seja, pressupõe a existência de uma realidade externa passível de ser apreendida e privilegia o pensamento, entendendo-o como o aspecto mais importante na determinação das nossas vivências (Ferreira e Abreu, 1998). Portanto, optamos por descrever, ainda que brevemente, como tem sido tratada a dependência de álcool sob o enfoque objetivista para que o leitor possa compreender, mais adiante, a proposta do enfoque construtivista. Em linhas gerais, após a realização de um diagnóstico do problema e a definição do estágio de prontidão do indivíduo para o tratamento de sua dependência, inicia-se o processo, utilizando-se técnicas motivacionais (Laranjeira e Nicastri, 1996). Através delas, damos informações gerais sobre o diagnóstico, esclarecendo dúvidas, prestando informações que impedem a formação de interpretações estigmatizantes, desconstruindo mitos sobre o assunto e modificando algumas informações prévias do paciente que, muitas vezes, contribuem para a produção de crenças irreais e pensamentos disfuncionais. Outra maneira de motivá-lo a deixar o álcool é estabelecer um paralelo entre os prós e contras do seu uso, discutindo-se os fatores que ajudam a mantêlo ou que dificultam a sua decisão de parar. Portanto, o tratamento requer a abstinência total e permanente por parte do paciente. A necessidade da abstinência reside sobretudo no fato de que, uma vez estabelecida a dependência, ela sempre existirá. Isso deve ser esclarecido ao paciente para se evitar a crença de que, após um período sem o uso da substância, ele poderá retomar seu hábito e saberá controlar o próprio comportamento. É importante não se perder de vista os aspectos da saúde física e social do paciente, que, em geral, sofre conseqüências graves em função da dependência de substância. Além do tratamento das seqüelas clínicas, é necessário
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um trabalho de reabilitação, na medida em que a vida de um usuário pode ser comprometida em relação aos seus vínculos familiares e sociais. Alem disso, há uma tendência do dependente de álcool a se afastar das pessoas com quem tem vínculos significativos, pois sua vida passa a girar em torno da procura pelo álcool. Muitos psicoterapeutas não descartam – e até mesmo incentivam – a participação dos familiares no tratamento do dependente.4 Este também é estimulado a rever seu círculo de amizades e a refazer laços antigos ou a criar outros novos, os quais em nada contribuam para o uso do álcool. Em alguns casos, pede-se ao paciente para evitar o contato com as pessoas com quem costumava beber e os locais que freqüentava para esse fim. Todas as outras conseqüências, como perda do emprego, problemas legais, financeiros, etc., devem ser avaliadas em conjunto com o paciente, procurando-se maneiras viáveis de solucioná-las. Concomitantemente, enfoca-se a prevenção das recaídas, que consiste na identificação das situações de riscos, na criação e na prática de comportamentos a serem adotados nessas situações e no estabelecimento de auto-recompensas. Para isso, podem ser utilizadas várias técnicas, como, por exemplo, a automonitoração, solicitando-se ao paciente que anote as circunstâncias (Com quem estava? O que estava fazendo? O que estava sentindo?), o horário e o local em que teve o impulso de usar o álcool, discutindo-se as estratégias adotadas e as que poderão ser mais funcionais em ocasiões semelhantes. É de extrema importância avaliar os pensamentos disfuncionais do paciente que podem surgir nessa automonitoração, tais como: “Um copo só não vai fazer mal”. Da mesma forma, as emoções têm um papel fundamental na prevenção de recaída, pois estados afetivos desfavoráveis podem configurar-se como situações de risco para o uso do álcool. O paciente deve ser levado a aprender formas de lidar com a “fissura” (forte sensação de compulsão para usar a substância), o que o psicoterapeuta poderá fazer habilitando-o em técnicas de relaxamento (Caballo, 1996), ou instruindo-o a adotar a estratégia de abandonar a situação que elicia a fissura. Também
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deverá haver um aprendizado de novos comportamentos e habilidades sociais para que o paciente tenha instrumentos que o permitam construir novas maneiras de obtenção de prazer. A finalidade da terapia cognitivo-comportamental, nesse caso, é eliminar o comportamento disfuncional, ou seja, a dependência de álcool, e substituí-lo por outros mais funcionais, instrumentalizando o paciente com recursos e estratégias para enfrentar as situações de risco e adaptar-se a uma nova vida do ponto de vista psicossocial.
O enfoque construtivista O construtivismo oferece-nos uma visão diferente da visão cognitiva objetivista, por postular que atribuímos significados pessoais à realidade, em uma construção contínua de nossa individualidade, com o intuito de ordenar nossa experiência. Os construtivistas questionam a primazia do pensamento sobre a interpretação de nossas experiências de vida, por entenderem que nossa percepção emocional, desenvolvida tacitamente, é o fator primordial na construção e na atribuição de significados (Abreu, 2001). Dessa forma, o foco da psicoterapia recai sobre as emoções, as quais podem favorecer a adaptabilidade do indivíduo, uma vez que são informações importantes que podem motivar ações em prol da satisfação das nossas necessidades, assegurando nossa sobrevivência. Contudo, não havendo uma compreensão adequada do organismo sobre suas emoções, pode ocorrer a formação de padrões patológicos de funcionamento, na medida em que há uma tendência do indivíduo em recorrer à intelectualização das sua vivências emocionais, restringindo o contato consigo mesmo e com a situação presente. Na visão construtivista, no caso desse transtorno, o objetivo da psicoterapia diferencia-se, apesar de não desconsiderar os riscos que a dependência de álcool pode trazer à vida do indivíduo e de outros, assim como os aspectos biológicos envolvidos na constituição da patologia. Portanto, a psicoterapia cognitivoconstrutivista não descarta a necessidade da abstinência da substância e as técnicas para a
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sua manutenção, mas vai além, ao entender que existe uma dificuldade do dependente alcoólico em processar os significados de suas vivências emocionais. Existem duas formas de nos organizarmos frente ao mundo e de gerarmos significados sobre os acontecimentos.5 Uma dessas formas seria a conceitual (ou reflexiva), que segue as regras formais do raciocínio analítico, classificando e criando conceitos sobre os eventos por nós percebidos, a partir das bases lógicas do entendimento. Como bem nos explica Abreu (2001, p. 156), ao falarmos de processamento conceitual “nos referimos à maneira pela qual o conhecimento proveniente dos estímulos é processado em nossa consciência ao obedecer às regras formais do raciocínio analítico”. Através do pensamento, ocorre uma classificação dos significados extraídos por nós a partir das experiências vividas, de modo a se estabelecer regularidades entre tais significados, que formarão novos conceitos e atualizarão os antigos. Nossa outra forma de organização de significados é aquela chamada de vivencial (ou imediata), pela qual os significados gerados não seguem os critérios lógicos de avaliação, mas são criados através do que sentimos, ou seja, do quanto uma situação parece-nos confortável ou não, segura ou insegura. Diferentemente do processamento conceitual, o processamento vivencial “suscita informações a partir de ‘como’ as coisas nos chegam, como se fôssemos guiados por um ‘barômetro emocional’ (corporal) que é direto e vulnerável às flutuações emocionais dos acontecimentos (p. ex.: ‘estou com medo’)” (Abreu, 2001, p. 178). Assim, nesse tipo de processamento, o significado das situações vividas é produzido através da simbolização dos conteúdos tácitos ou implícitos, pautados nos princípios emocionais das experiências. Ele nos ajuda a garantir a sobrevivência ao nos proporcionar uma maneira mais adaptativa de reconhecimento, já que as avaliações são mais rápidas e imediatas, se comparadas ao nível conceitual. Entendemos, pois, que existe uma necessidade primordial de integração entre as maneiras de processar as experiências em curso. Assim, nossa consciência é entendida como a
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arena na qual se encontram os dois níveis. Atualmente, os estudos na área da neurociência proporcionam bases mais concretas para tal entendimento. Damásio (2000), por exemplo, quando fala do surgimento da consciência para a manutenção da sobrevivência do homem, faz uma diferenciação entre a consciência central, que é um fenômeno estritamente biológico e independente da memória, do raciocínio e da linguagem, e a consciência ampliada, que é um fenômeno biológico complexo dependente da memória convencional e operacional e intensificada pela linguagem. Aos dois tipos de consciência correspondem, respectivamente, dois tipos de self: o central e o autobiográfico. Enquanto o primeiro é uma entidade transitória, o segundo está ligado à idéia de identidade e depende das lembranças sistematizadas das situações de que a consciência central participou. Portanto, os dois tipo de self estão interrelacionados e visam à nossa adaptação ao mundo, proporcionando-nos uma visão do passado, do presente e do futuro, sem nunca esquecer que a consciência não pode ser dissociada das emoções, pois é ela que permite que a emoção, por intermédio do sentimento, permeie o processo de pensamento, ao que Damásio (2000, p. 52) acrescenta: Imagino que a consciência possa ter prevalecido na evolução porque conhecer os sentimentos causados pelas emoções era absolutamente indispensável para a arte de viver e porque a arte de viver foi um tremendo sucesso na história de natureza.
Também podemos entender essa idéia através do conceito de esquemas emocionais, proposto por Greenberg e colaboradores (1996), que se refere a uma complexa estrutura de sintetização que integra cognição, motivação, afeto e ação. Baseadas nas emoções, essas estruturas esquemáticas integram automaticamente a informação proposicional, sensorial e proprioceptiva para produzir um sentido geral ou um sentimento. Isso é diferente, portanto, das estruturas puramente cognitivas, que produzem somente pensamentos ou idéias. As estruturas emocionais também organizam e estabilizam nossas reações emocionais de forma
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automática. Conforme Greenberg e colaboradores (1996, p. 23): Definimos os esquemas emocionais como estruturas de sintetização interna que processam de um modo pré-consciente uma variedade de fontes de informação cognitiva, afetiva e sensorial que nos proporcionam nosso sentido pessoal de significado.
É possível perceber, então, que há necessidade de um processamento de informações que inclua as emoções. Tal processamento, denominado por Greenberg e colaboradores (1996) de “processamento de informação afetiva”, não é vivido passivamente pelo indivíduo, e sim ativamente, construindo significados emocionais a partir de crenças, valores e esquemas emocionais anteriores. Assim, é preciso um direcionamento da atenção para determinados aspectos de uma dada vivência emocional. Dessa forma, o objetivo da psicoterapia construtivista é facilitar a mudança emocional a partir da ativação, na terapia, das estruturas de significado geradas pela experiência emocional a fim de que essa experiência possa ser explorada e reorganizada pela cognição. Para tanto, o psicoterapeuta deve oferecer novas direções da atenção do paciente, no que diz respeito às atribuições de significado durante o processamento de informação afetiva. Acredita-se que, ao se fazer uma mudança no processamento cognitivo/afetivo, haverá uma mudança no significado emocional e, conseqüentemente, uma mudança terapêutica mais efetiva. No caso dos dependentes de álcool, vemos a sua dificuldade em processar os conteúdos aos níveis vivencial e conceitual, havendo uma dissonância entre as emoções e os padrões racionais, gerando, assim, um padrão desadaptativo de existência (Abreu, 2001). Os efeitos do álcool, bem como de outras drogas, favorecem a diminuição da incompatibilidade entre esses dois níveis e permitem que o indivíduo experimente determinadas emoções que não seriam suportáveis de outra forma, na medida em que a substância psicoativa diminui a in-
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tensidade dos padrões racionais e “libera” os conteúdos emocionais. É interessante notar que os efeitos do álcool e de outras drogas, ao agirem sobre o córtex frontal, provocam o que Damásio (1996) denominou de “miopia para o futuro”, a ponto de só o presente ser processado com clareza, havendo também uma redução da capacidade de antecipação de conseqüências e de julgamento moral. Com o álcool, então, é possível sentir e dar significado às emoções que “sob nossa ótica, portanto, desadaptativo não é o comportamento de drogar-se, mas a busca sistemática dessa via de expressão como uma tentativa de restituição das emoções (ainda que de maneira restrita)” (Abreu, 2001, p. 166). Ao enfatizar as emoções na produção dos transtornos apresentados pelos pacientes, já que elas se mostram tão importantes na manutenção da nossa sobrevivência, o psicoterapeuta construtivista, através da relação terapêutica, possibilita ao dependente de álcool um vínculo seguro, por meio do qual ele pode experimentar e tomar contato com suas emoções, ressignificando-as (cognitivamente) de forma mais adaptativa, em um processo de co-construção. Assim, o terapeuta também participa como um facilitador de organização de novos significados que possibilitem a diminuição da dissonância entre os aspectos emocionais e racionais da experiência, a ponto de a droga não mais ser necessária para esse fim e, por conseguinte, perder sua função. Para tanto, é importante validar os conteúdos emocionais que emergem das experiências singulares do paciente e respeitar as construções de significados que ele próprio poderá fazer ou refazer. Tais construções podem ser facilitadas pelo terapeuta através das técnicas adotadas pela psicoterapia construtivista, como as narrativas, a linha da vida, a moviola, etc. É sempre importante, também, a observação da linguagem não-verbal do paciente, pois os indicadores corpóreos são importantes fontes de informação dos conteúdos emocionais. Tudo isso tem a finalidade de proporcionar ao dependente de álcool, assim como de outras drogas, o acesso aos próprios esquemas emocionais e uma (nova) simbolização das suas expe-
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riências, tornando-o capaz de reorganizar as antigas estruturas esquemáticas, cujos significados limitantes são aliviados pela ingestão excessiva de bebidas alcoólicas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como se trata de um tema bastante complexo e pleno de variáveis, o tratamento da dependência e do abuso de álcool requer que o terapeuta cognitivo-construtivista conheça bem o problema do ponto de vista fisiológico, social, psicológico, jurídico, econômico, político, etc., procurando sempre ter uma visão sistêmica que permita incluir não só a subjetividade do paciente, mas também os demais campos da sua vida, os quais o influenciam e são por ele influenciados. A prática clínica com esses pacientes demanda muita disponibilidade e criatividade do psicoterapeuta, que, portanto, deverá utilizarse das técnicas, sejam elas cognitivo-comportamentais ou cognitivo-construtivistas, que melhor poderão auxiliar o paciente a encontrar novas maneiras de expressão e de ressignificação das suas emoções. Entendemos, contudo, que a psicoterapia para dependentes de álcool, assim como de outras drogas, não deve menosprezar a importância da abstinência, da prevenção da recaída e da reabilitação psicossocial, embora não deva se restringir a isso. É preciso ir além e realmente possibilitar um processo de mudança de visão do mundo pelo dependente de álcool, ou melhor, “do seu mundo”, para que a droga perca sua função de ponte entre ele, seus sentimentos, sua razão e o mundo e ele possa encontrar formas mais adaptativas para viver. NOTAS 1. Tradução livre do termo espanhol bebedor alcoolómano, utilizado pelo autor. 2. Criada pelo psiquiatra Viktor Frankl, a logoterapia é uma psicoterapia centrada no sentido, isto é, o ser humano é responsável pelo sentido potencial de sua vida e precisa realizálo, seja através da criação de um trabalho ou
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da realização de uma ação, seja no amor ou mesmo na transformação da tragédia pessoal em triunfo. 3. Há, inclusive, pesquisas já realizadas sobre a efetividade da psicoterapia cognitivo-comportamental no tratamento desse tipo de transtorno, conforme Marlatt e Gordon (1993) e Marques (1997), entre outros. 4. Além da participação em psicoterapia de família, existem grupos de auto-ajuda que podem ser indicados aos familiares dos dependentes, tais como Al-Anon (cônjuges) e AlAteen (filhos). 5. Para um aprofundamento dessas questões, sugerimos a leitura do Capítulo 3 deste livro.
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PARTE V
Os Modelos Cognitivo e Construtivista na Terapia de Casal
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19 Terapia de Casal: Enfoque Cognitivo Myrian Vallias de Oliveira Lima
CONSIDERAÇÕES INICIAIS De acordo com Epstein e Schlesinger (1995), “os problemas conjugais estão entre os principais agentes de estresse, juntamente com os transtornos afetivos”. Na prática clínica, observamos que relacionamentos ruins conduzem à depressão e à ansiedade, as quais agravam dificuldades já existentes na relação. Daí a importância, durante a avaliação terapêutica, de serem enfocados os problemas do casal e da família, havendo uma sintonia entre psiquiatras e psicoterapeutas na análise dos casos e em seu encaminhamento. Nos dias de hoje, há um juízo generalizado de que o casamento está falido. De fato, vários eventos pressionam a família, alterando-a em suas características: dificuldades econômicas, desemprego, participação crescente da mulher no mercado de trabalho, problemas com drogas, entre outros. Porém, o maior agente desestabilizador advém da incapacidade do casal de enfrentar os agentes de estresse. É fundamental frisar que nem sempre os agentes estressores são acontecimentos maléficos, pois podem fazer parte das mudanças de desenvolvimento comuns e previsíveis que ocorrem nos membros da família: melhoria da posição econômica, retorno da mulher ao trabalho ou aumento considerável de seus ganhos, casamento dos filhos, troca do local de residência, crescimento emocional e intelectual de um dos cônjuges, etc. Por isso, quando há uma
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intervenção terapêutica, o que se objetiva não é necessariamente uma minimização dos agentes estressores na vida do casal, mas sim ajudálos a enfrentar com competência as pressões resultantes dos acontecimentos negativos ou simplesmente normativos e positivos. Em geral, observamos que os agentes estressores resultam das interações cotidianas do casal. Nesse caso, os focos de intervenção são os padrões de comportamentos causadores de estresse. Ao longo de minha prática clínica, tenho observado que as principais causas que levam as pessoas a procurarem especificamente terapia de casal são, por ordem de freqüência: 1. encaminhamento de outros profissionais: médicos, psicólogos, etc.; 2. conflitos gerados por uma comunicação inadequada; 3. desconhecimento de necessidades e desejos individuais; 4. divergências quanto a valores básicos; 5. dificuldades para lidar com situações estressoras (baixa resistência à frustração); 6. encaminhamento dos filhos ou de outros familiares. Muitas pessoas não estão contentes consigo mesmas, mas nutrem a expectativa de serem felizes com o outro ou, o que é mais grave, cobram do outro seu sentido de vida e sua
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felicidade. Algumas vezes, a procura terapêutica ocorre pela dificuldade em optar entre ficar ou se separar. Além do medo do futuro – a solidão, as dificuldades econômicas, o medo da culpa, o medo de se encarregar sozinha(o) da educação dos filhos – há a dificuldade em aceitar a verdade acerca do outro ou de si mesmo. Segundo Beck (1998), os problemas mais comuns no casamento são: 1. o pensamento negativo; 2. a oscilação da idealização para a desilusão; 3. o atrito gerado por perspectivas diferentes; 4. a imposição de expectativas e regras rígidas; 5. a estática na comunicação; 6. os conflitos ao se tomar decisões importantes e a quebra do companheirismo; 7. o papel dos “pensamentos automáticos”; 8. as distorções e os vieses de pensamentos; 9. a hostilidade. TERAPIA COGNITIVA DE CASAL: BREVE HISTÓRICO E VISÃO GERAL Beck (1988), em suas pesquisas sobre o uso da terapia cognitiva, demonstrou que os casais problemáticos apresentam o mesmo tipo de distorções cognitivas que os deprimidos e os ansiosos. A partir dessa constatação, procurou utilizar a terapia cognitiva com casais. Nela, há uma ênfase nos seguintes elementos: ambiente (história de desenvolvimento e cultura), biologia, afeto, comportamento e cognição e nas interações entre eles. Segundo Dattilio e Padesky (1995), a terapia cognitiva de casal enriquece o modelo comportamental do qual empresta o método cientifico, o enfoque na mudança dos comportamentos e várias técnicas e estratégias, por enfatizar a compreensão do diálogo interno e seu processo. Assim, ajuda os casais a redirecionarem seus pensamentos, suas atitudes e seu comportamento (Freeman, 1983), a canaliza-
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rem suas emoções de forma positiva e a se desenvolverem como pessoas. No modelo cognitivo, a resposta emocional e comportamental de uma pessoa a um estímulo externo ou interno é mediada por sua percepção e por sua interpretação do estímulo, em lugar de eliciada diretamente pelas características dos estímulos. Como a satisfação no casamento é um estado subjetivo, é compreensível que, para compreender e mudar relações ruins, seja dada atenção aos eventos cognitivos no casamento (Epstein e Schlesinger, 1995). Beck (1988) delineou os aspectos teóricos e práticos da terapia cognitiva de casal, mas foram Dattilio e Padesky (1995) que a sistematizaram. Assim, a terapia cognitiva de casal objetiva: 1. o desenvolvimento de habilidades para resolver problemas; 2. a melhora na comunicação; 3. a clarificação de expectativas irreais, atribuições casuais e interpretações errôneas; 4. a reestruturação cognitiva individual; 5. a possibilidade de um espaço para o desenvolvimento emocional de cada cônjuge em respeito à sua individualidade. O desenvolvimento de habilidades para resolver problemas pode proporcionar um recurso importante para os casais. Enquanto a expressividade e a capacidade de escutar permitem que os cônjuges troquem informações sobre seus pensamentos e suas emoções relacionados às próprias experiências pessoais, a resolução de problemas é um tipo específico de comunicação na qual o casal é mais eficiente quando utiliza uma abordagem cognitiva para identificar soluções possíveis para os problemas. As habilidades de comunicação e resolução de problemas estão entre os recursos mais importantes que podem ser fortalecidos por meio das intervenções cognitivas. A capacidade de um casal trabalhar junto, cooperativamente, para identificar e solucionar as fontes de estresse em suas vidas depende de
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sua capacidade de trocar informações eficientemente. Os cônjuges também são auxiliados “na avaliação de como suas suposições e seus padrões foram moldados por suas experiências e podem examinar se estes foram anteriormente realistas ou adequados em suas vidas e ajustam-se às circunstâncias atuais de relacionamento” (Epstein e Schlesinger, 1995). Os terapeutas ajudam o casal a reescrever padrões e suposições rígidos, criando perspectivas mais atuais e consistentes com os valores básicos de cada pessoa. A terapia cognitiva de casal não propicia apenas mudanças superficiais e sintomáticas. Além da ajuda ao cliente para que aprenda métodos para lidar com os problemas do aqui e agora, o terapeuta preocupa-se em buscar as fontes dos problemas, ou seja, ele trabalha primeiramente com os pensamentos automáticos (idéias, imagens, sentimentos) específicos à situação e com as suposições subjacentes (regras, crenças) que ajudam a organizar as percepções e são as raízes dos pensamentos automáticos. Em um nível mais profundo, lida com esquemas, crenças básicas inflexíveis e incondicionadas. Por exemplo: 1. Meu marido ainda não chegou para o jantar. Ele não se preocupa comigo (pensamento automático). 2. Não dá para confiar nos homens (crença). 3. Ninguém nunca gostará de mim (esquema). Os esquemas resultam das experiências pessoais durante o desenvolvimento e das influências dos pais e do meio. São a base para a codificação, a categorização e a avaliação das experiências ao longo do curso da vida (Dattilio e Padesky, 1995). RELACIONAMENTO ENTRE CLIENTE E TERAPEUTA O relacionamento entre cliente e terapeuta deve ser colaborativo e oferecer um espaço no qual o casal possa aprender os processos
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para a identificação e a testagem da validade das crenças pela coleta de evidências adicionais. Esse aprendizado não visa apenas à mudança das crenças disfuncionais atuais, mas tem uma finalidade preventiva, uma vez que o casal muda seu estilo geral de pensamento e, conseqüentemente, passa a ver os eventos de sua vida de forma diferente. Na maioria das vezes, a tarefa do psicólogo é reafirmar verdades que o cliente já sabe e confirmar suas conclusões. É preciso ter cuidado para não querer “proteger” o cliente e incitá-lo a se separar. ESTRUTURAÇÃO DA TERAPIA Em geral, as sessões de terapia cognitiva de casal são semanais e têm de uma hora a uma hora e meia de duração. Sua freqüência depende da natureza e da gravidade dos conflitos do casal. Normalmente, são em número de 12 a 15 sessões, porém algumas situações requerem mais. À medida que a terapia progride, podem ser espaçadas, passando a ser quinzenais ou mensais. A entrevista inicial é conjunta. Isso permite que se avalie o quanto e como o casal se comunica, pondo em evidência as dificuldades maiores de um em relação ao outro. Nessa primeira sessão, estabelece-se uma agenda e estipulam-se as regras básicas do atendimento, por exemplo, qualquer assunto que seja falado e que magoe o outro, ou que este não alcance o sentido, deverá ser esclarecido durante a sessão. Explica-se o que é a terapia cognitiva de casal e a relevância das tarefas de casa no tratamento. É importante que o casal compreenda que a boa comunicação não significa concordância, e sim envolve aprender a falar e ouvir de modo que haja compreensão e solução conjunta de problemas (Dattilio e Padesky, 1995). Durante o período de avaliação, caso o casal tenha filhos, é enriquecedor para o processo terapêutico trazê-los para uma sessão a fim de que coloquem suas percepções e suas dificuldades em relação aos pais e aos irmãos. Não são levantadas só dificuldades, mas também os aspectos positivos do relacionamento
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familiar. Em uma etapa posterior, os filhos podem ser trazidos para uma avaliação dos progressos e feedback para os pais, sendo orientados a não tomar partido de um ou outro, caso haja contendas, e a reforçar as melhorias na relação familiar. De modo geral, eles se sentem felizes por serem incluídos, mesmo porque algumas vezes são os incentivadores para a procura de terapia. Para os filhos, nunca é colocado só o casal como o foco terapêutico, mas a família como um todo. Existem algumas regras básicas para sessões conjuntas, como, por exemplo, o terapeuta decide quando as sessões conjuntas ocorrerão com base nas necessidades de cada um dos cônjuges, e quando algumas arestas individuais já estiverem aparadas, a fim de que as sessões sejam produtivas. Pede-se ao casal para anotar, em separado, os eventos perturbadores da semana e trazê-los para a sessão, evitando discuti-los a sós. Estabelece-se uma agenda no início da sessão, a partir do rol de problemas e pedidos. Dessa maneira, as necessidades de cada um serão preenchidas. O terapeuta também pode levantar tópicos que considere importantes. Fazem-se turnos e discute-se cada problema por vez. Leva-se cada um a expressar claramente o problema ao outro e a recolocá-lo se for necessário a fim de que seja bem-compreendido. Tanto o problema quanto a emoção provocada por este deverá ser expressa. Assim, conduz-se o casal a levantar possíveis soluções para o problema apresentado, e o terapeuta só contribui em último caso. Além disso, reforçam-se os aspectos positivos do relacionamento, resumemse os eventos agradáveis que aconteceram na última semana e transformam-se as queixas em pedidos. Após a sessão conjunta, é feita uma sessão individual com cada cônjuge, o que facilita observar as mudanças ocorridas nas verbalizações e na expressão emocional na ausência do parceiro. Sendo necessário, complementase a sessão individual com outras individuais antes das sessões conjuntas. A terapia conjugal será um fracasso se não houver o estabelecimento de um espaço colaborativo através da reestruturação cognitiva. Daí a importância, nos estágios iniciais da terapia cognitiva de
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casal, das sessões individuais para alguns casais. De acordo com Abrahams (1983), o enfoque em si mesmos, a construção de expectativas positivas em relação à viabilidade do casamento e a construção da credibilidade na competência do terapeuta e na utilidade da terapia são pré-requisitos essenciais para o sucesso da terapia cognitiva de casal. ESTÁGIOS DA INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA
História e conceituação dos problemas do casal Para a coleta de dados, além da observação do terapeuta e da análise do conteúdo das sessões, utiliza-se o questionário de Beck (1998) para detectar os estilos de falar e escutar, que podem impedir o intercâmbio de idéias e informações, e para avaliar a interferência dos problemas psicológicos. Na sessão inicial, a atenção é centrada na obtenção do histórico de vida de cada um dos cônjuges: informações sobre o passado, modo como o casal conheceu-se, detalhes do período de casamento, uniões pré-existentes, número de filhos, casos de doenças. O problema atual é investigado em relação aos sintomas (afetivos, fisiológicos, cognitivo e comportamental), à duração, à similaridade com outros problemas no passado, às situações nas quais ocorre, às situações que o aumentam ou enfraquecem, aos pensamentos e imagens que vêm à mente nessas situações e o que tem sido feito para melhorar o problema. São investigados: áreas de conflitos, problemas de comunicação, problemas de relacionamento com filhos e parentes, vida social, problemas sexuais, problemas individuais que possam gerar conflitos. Para se evitar o agravamento da relação do casal, algumas questões são colocadas individualmente, como, por exemplo, o uso de álcool ou outras drogas e relações extraconjugais. Agiliza-se o processo de avaliação pela utilização da escala de Beck. Por meio dela, verifica-se a concordância ou a discordância entre os parceiros no que diz respeito à condu-
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ção das finanças familiares, à recreação, à religião, à demonstração de afeto, às amizades, às relações sexuais, às convenções sociais, à filosofia de vida, à maneira de lidar com os sogros, aos desejos, aos objetivos e aspectos considerados importantes, à duração do tempo despendido juntos, à tomada de decisões, às tarefas domésticas, às atividades, às decisões profissionais, etc. Também são avaliados os problemas no estilo de comunicação, bem como os psicológicos em relação a estes. É dada atenção especial às expressões de amor entre o casal (sentimentos calorosos, expressões de afeto, carinho, aceitação, tolerância, empatia e sensibilidade).
Aumento dos comportamentos positivos no relacionamento Visa a restaurar uma base positiva para o relacionamento e ajuda a estabelecer uma expectativa positiva para a mudança.
Trabalhar a hostilidade Logo no início, deve-se cuidar para que o casal aprenda a expressar descontentamento ou raiva de maneira adequada. O treino de asserção emocional é fundamental.
Identificação e clarificação dos pensamentos negativos O casal é levado a discriminar, testar e corrigir os seus pensamentos automáticos, de viva voz, durante a sessão e em casa. Algumas técnicas podem ser usadas por cada parceiro separadamente; outras funcionam melhor quando aplicadas pelo casal. No intervalo das sessões, são usadas anotações diárias dos pensamentos negativos e posteriores classificações das distorções. Esses registros são verificados pelo terapeuta. Quando o casal identifica as situações perturbadoras, é levado a examinar o significado que atribui a elas. Por exemplo, suponhamos que o marido respondeu ao telefonema
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da mulher de maneira seca. O pensamento dela pode ser: “Ele não quer falar comigo”. Em seguida, pode haver toda uma cadeia de reações do tipo: 1. Será que ele está zangado comigo por algum motivo? (ansiedade) 2. Ele não tem o direito de agir assim comigo! (raiva) 3. Meu marido é sempre indelicado. (supergeneralização) 4. Nosso casamento é um fracasso. (catastrofização) Em lugar de aceitar tais pensamentos como verdadeiros, o casal é levado a examinálos e a procurar por evidências contraditórias mais lógicas, sendo orientado a fugir das reações agressivas, como retaliação, defesa ou afastamento. Se agir assim, validará as interpretações negativas, as quais, por sua vez, podem tornar-se convicções fixas. O cliente é orientado a avaliar a exatidão de suas interpretações ou elaborações e aprende a distinguir se suas interpretações representam erro de pensamento (distorções cognitivas).
Ensino de habilidades de comunicação O desenvolvimento da comunicação permeia todo o processo de terapia e utiliza, além dos métodos tradicionais de treino de comunicação, os enfoques cognitivos para a identificação e o teste de crenças.
Ensino de estratégias para a solução de problemas O casal é levado a: definir o problema em termos comportamentais específicos; descobrir alternativas de solução; selecionar a alternativa mais adequada, levando em consideração não só o problema em si, mas também as características pessoais dos cônjuges; identificar e testar crenças que interfiram em seu relacionamento; implementar a alternativa escolhida e avaliá-la quanto à sua eficácia.
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Identificação e mudança de atitudes disfuncionais e de suposições centrais Esta etapa garante a manutenção e a generalização dos ganhos terapêuticos.
Prevenção de recaída A cada sessão, faz-se uma revisão dos princípios e das estratégias aprendidos, marcandose consultas follow-up após o término. RELATO DE UM CASO CLÍNICO Marta (35 anos) procurou terapia porque queria adquirir coragem para se separar de João (37 anos), com quem se casou muito cedo (17 anos), quando ele ainda trabalhava com o pai, que era comerciante. Tiveram dois filhos Pedro (17 anos) e Marina (16 anos). O principal problema era o alcoolismo do marido (vários membros da família dele tinham o mesmo problema), o qual havia recém-chegado de uma clínica, na qual passou três meses, após a saída da esposa e dos filhos de casa. Marta o percebia como explosivo e insensível, passando a evitar a vida social por pânico de uma possível recaída dele. Quando João atrasava-se para chegar ou quando viajava, só conseguia pensar que estava bebendo. Na sessão conjunta, João expressou que gostava muito de Marta e dos filhos, mas que o exasperava sentir que ela não confiava nele. Sentia-se controlado, o que o irritava. Por outro lado, ela não compreendia que, como ex-alcoólico, ele tivesse que fugir de certas situações sociais, pois estas dificultavam o seu controle. Na sessão individual, João relatou que Marta esquivava-se do relacionamento sexual quando zangada. Disse que sempre fora fechado e de poucos amigos e muito trabalho. Durante as sessões, ficou bem clara a dificuldade de comunicação do casal. No transcorrer do diálogo entre os dois, eram feitos cortes para que percebessem e corrigissem os erros. Inicialmente, o foco terapêutico foi o problema com a bebida e as conseqüências emo-
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cionais para o casal. O primeiro exercício consistiu em ligar as reações emocionais aos pensamentos automáticos, ou seja, identificar a reação emocional desagradável, relacionada a uma determinada situação, e detectar o pensamento automático que unia os dois. Marta, por exemplo, estava esperando João para o jantar. Ela olhou para o relógio e sentiu raiva. João, por sua vez, que estava a caminho de casa, sentiu-se ansioso. Situação relevante ou evento
Reação emocional
Marta observa que João está atrasado.
Raiva
João percebe que está atrasado.
Ansiedade
Em seguida, identificam a interpretação da situação relevante (pensamento automático) e o significado simbólico atribuído por cada um.
Situação relevante ou evento
Pensamento automático
Reação emocional
Marta observa que João está atrasado.
Ele está novamente bebendo.
Raiva
João percebe que está atrasado.
Marta não acreditará que eu estava trabalhando.
Ansiedade
O casal aprendeu a responder aos pensamentos automáticos e a dar uma resposta racional aos pensamentos negativos através de um diálogo interior. Usando o registro do pensamento automático de Marta: Reação emocional
Pensamento automático
Respostas racionais
Raiva
Não é justo eu esperar.
Há muitos imprevistos no seu trabalho. Ele não bebe desde que saiu da clínica.
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Marta e João sofriam muito por antecipação às respostas desfavoráveis um do outro. Durante as sessões, eram levados a testar suas previsões, conversando e expondo seus pensamentos e suas emoções. Considerando a previsão de um ângulo mais objetivo, o medo de uma determinada conseqüência logicamente diminui. Quando o relacionamento deteriora-se, os parceiros passam a ver um ao outro através de um quadro negativo, que se compõe de traços desagradáveis que cada um atribui ao outro. Marta e João não fugiam à regra. Por isso, foram orientados a uma reformulação, ou seja, a considerar as qualidades negativas em um enfoque diferente (reverso). Muitas vezes, as mesmas qualidades que atraíram o casal um para o outro passam a ser vistas como negativas. Por exemplo: Visão negativa
Reverso
Ela é controladora.
Ela se preocupa com o meu bem-estar.
Ele é anti-social.
Ele está esquivando-se de uma situação que o levará a beber.
Foi feito com o casal um exercício prático para ajudá-lo a categorizar seus próprios pensamentos, utilizando-se os registros trazidos e os acontecimentos ocorridos durante a sessão. As distorções cognitivas mais comuns eram hipergeneralização, leitura mental, predição negativa, personalização e inferência arbitrária. Segundo Freeman (1983), a fonte das distorções são sistemas de crenças irracionais, os quais incluem a aprendizagem social e religiosa e a internalização de códigos legais. Durante o tratamento, primeiro são verificadas as distorções e, posteriormente, as crenças subjacentes.
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Situação relevante João gritou comigo.
Pensamento automático Distorção Ele sempre se zanga comigo.
Hipergeneralização
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Crença subjacente Nunca serei feliz.
Durante a sessão com os filhos, estes disseram que a mãe era muito companheira, podiam sempre contar com ela, mas era muito preocupada – tinham que lhe dar conta de todos os seus passos. Apesar do problema da bebida, admiravam muito o pai, considerando-o trabalhador e empreendedor. Com Marta, foram enfocados individualmente sua dificuldade de aceitação do pai, o controle da sua ansiedade, o maior desenvolvimento de sua auto-estima e assertividade. Com João, os objetivos foram o fortalecimento do autocontrole, a sua maior valorização como pessoa e a compreensão da psicologia feminina. Após l6 sessões, os objetivos do casal foram atingidos. João progrediu muito na maneira de tratar Marta. Ambos melhoraram na discriminação de suas emoções, na valorização destas e na expressão adequada para o parceiro. Foi dada atenção especial à assertividade. Marta continuou em atendimento individual por mais 40 sessões. CONSIDERAÇÕES FINAIS A terapia cognitiva de casal pode ser utilizada não só com casais que estão experienciando conflitos e angústias crônicos, como também para lidar com os fatores de relacionamento que contribuem para o funcionamento desorganizado em um estado de crise. O casal é levado a uma mudança de percepção do relacionamento e é encorajado a pensar de maneira clara e direta, o que previne julgamentos errôneos e falhas na comunicação.
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Além disso, a terapia cognitiva de casal procura ensinar aos cônjuges a dinâmica do casamento: como construir planos e tomar decisões em conjunto, como tornar a vida a dois mais prazerosa, como compreender as necessidades e as sensibilidades do parceiro, como vencer as resistências que o impedem de melhorar seu relacionamento. Passam a reconhecer que têm alternativas, e não são simplesmente vítimas, e a se perceberem como pessoas – com identidade própria, sonhos, necessidades. A terapia cognitiva de casal leva o casal a utilizar a crise conjugal como fator de crescimento e aquisição de um nível mais satisfatório de funcionamento. Por suas características ativas e estruturadas, ela é eficaz quando certos fatores ameaçam desestabilizar o relacionamento do casal (função preventiva) e quando os casais já estão em crise e desejam readquirir a estabilidade. Em se tratando de casais que optam pela separação, esses adquirem um repertório que os capacita a não reincidirem nos mesmos erros em uma relação futura e a lidar com o estado de separados com segurança e tranqüilidade. A terapia cognitiva de casal, fi-
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nalmente, contribui para uma melhora no relacionamento familiar, uma vez que os pais passam a generalizar seus ganhos para todos os membros.Vários estudos demonstram a eficácia da abordagem cognitiva nos problemas conjugais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAHAMS, J.L. Cognitive-behavioral strategies to induce and enhance a collaborative set in distressed couples. In: FREEMAN, A. (Ed.). Cognitive therapy with couples and groups. New York: Plenum Press, 1983. p.125-155. BECK, A.T. Para além do amor. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1998. DATTILIO, M.F; PADESKY, C.A. Terapia cognitiva com casais. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1995. EPSTEIN, N.; SCHLESINGER, R. Problemas conjugais. In: DATTILIO, F.M.; FREEMAN, A. (Orgs.). Estratégias cognitivo-comportamentais para intervenção em crises. Campinas: Psy II, 1995. v.2, p.343365. FREEMAN, A. Cognitive therapy: an overview in cognitive therapy with couples and groups. New York: Plenum Press, PPS, 1983.
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20 Terapia de Casal: Enfoque Construtivista Corinna Schabbel Eliana da Silva Ramos Arruda
Segundo Platão, em O Banquete, havia numa época três espécies de seres: 1º o homem; 2º a mulher; 3º o andrógeno: o homem-mulher. Eram seres que viviam unidos. Porém ambiciosos, tentaram alcançar os céus, e Zeus, para punir tamanha ousadia, partiu-os ao meio, pedindo, em seguida, a Apolo, que cicatrizasse a ferida. Entretanto, as metades sentiam falta uma da outra e passaram a se procurar desesperadamente. Encontrando-se, abraçaram-se, chorando, e assim deixaram-se ficar, cheias de saudade e paixão, até morrerem. Platão
As terapias comportamentais cognitivas têm sido reconhecidas como uma abordagem importante no atendimento de casais em crise conjugal. Albert Ellis (1977), através dos preceitos do modelo racional emotivo, concluiu que os problemas conjugais não são apenas uma conseqüência do comportamento disfuncional de um ou de ambos os parceiros; esses comportamentos também recebem influência de fatores externos, vistos sob aspectos particulares de cada um. Tais influências, então, colaboram para a formação de crenças irracionais, definidas como pensamentos exagerados, inapropriados, rígidos e ilógicos, que produzem decepções e frustrações, além de criar e manter um círculo vicioso de perturbação das relações.
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Pesquisas e observações feitas por terapeutas comportamentais concluíram que a discórdia conjugal contribui para o empobrecimento da qualidade dos relacionamentos entre pais e filhos. Os tratamentos sugeridos para casais em conflitos basearam-se nos preceitos da teoria da aprendizagem com ênfase no condicionamento operante e na teoria de intercâmbio social (Gordon e Davidson, 1981), mas incorporando também as teorias da comunicação e do desenvolvimento de habilidades na resolução de problemas (Jacobson, 1981; Jacobson e Margolin, 1979). As intervenções terapêuticas que utilizam fatores cognitivos e comportamentais vêm sendo utilizadas por terapeutas familiares sistêmicos ao longo dos anos (Satir, 1964); porém, somente no fim dos anos 70, os pesquisadores clínicos introduziram componentes cognitivos como auxiliares na terapêutica comportamental com casais. Os resultados sugerem que a reestruturação cognitiva acentua a efetividade da terapia comportamental tradicional (Margolin, Cristensen e Weiss, 1978). Na década de 80, desenvolveu-se o modelo de terapia cognitiva para casais enfatizando a necessidade de incluir na terapêutica o foco tanto na estrutura cognitiva quanto no comportamento de cada um dos parceiros. Foram utilizadas intervenções oriundas da terapia cogni-
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tiva de Beck associadas à terapia sistêmica de casal (Jacobson, 1981; Epstein e Baucom, 1989; Dattilio e Padesky, 1990). Na década de 90, a terapia sistêmica familiar e de casal entra em uma fase importante de transformação, em que a segunda cibernética inspira uma postura epistemológica construtivista. A ênfase no fato de o terapeuta participar da construção de novas crenças revela não só o seu papel como co-construtor da realidade observada, como também provoca o redescobrimento da importância da dimensão histórica, narrativa e lingüística da terapia sistêmica, que acompanha o processo de mudança discursiva, semântica e narrativa, próprio a toda psicologia contemporânea. A conexão de significado e ação, contexto e significado, coloca o modelo sistêmico em uma “encruzilhada entre os terapeutas que entendem a organização familiar como alianças de poder e comportamento coordenados funcionalmente e aqueles que consideram a família como sendo um sistema que compartilha crenças que dão sentido ao sintoma” (Anderson e Goolishian, 1988, p. 283). Examinando os antecedentes da terapia de casal sistêmica, cujos primórdios remontam aos anos 40, pudemos perceber que, embora haja diferenças consideráveis conforme a operacionalização do processo terapêutico diante da perspectiva teórica adotada (estrutural, estratégica, narrativa, psicodinâmica, comportamental e cognitiva), o objetivo maior comum a todas elas é a mudança no comportamento dos parceiros, visando a uma readequação da dimensão relacional. O CONTEXTO CLÍNICO Os terapeutas construtivistas podem valorizar a integração, privilegiando as divergências trazidas pelo próprio casal, bem como operacionalizar os conteúdos da sessão, construindo e experienciando soluções. O trabalho também permite focalizar os significados, desconstruindo-os e permitindo que as novas significações surjam, as quais se tornam mais flexíveis e operacionais (Combs e Freedman, 1994).
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Do ponto de vista epistemológico, desvinculou-se de teorias objetivistas como a teoria geral dos sistemas e a terapia comportamental cognitiva, adotando conceitos baseados na biologia do conhecimento (Maturana e Varela, 1987) e nos modelos de psicoterapia pós-racionalistas que valorizam a dimensão histórica, narrativa, lingüística e emocional das interações humanas (Gurman, 1995; Guidano, 1994; Mahoney, 1998; Gonçalves, 1998; Greenberg e Johnson, 1988). Considera-se o conhecimento como um processo evolutivo, no qual o organismo, um ser epistêmico1, ordena e reordena sua experiência para, fundamentalmente, dar continuidade à vida, mantendo o sentido de unidade, continuidade experiencial e narrativa diante dos desafios do ambiente mutável e perturbador. A construção do conhecimento também é considerada um processo evolutivo, porém restrito à biologia e ao caráter subjetivo da experiência, que se inicia com um alto grau de dependência, em que o ser humano necessita de uma figura de proteção, tanto para a sobrevivência física quanto para o desenvolvimento de uma identidade emocional estável e conhecida, a partir de figuras vinculares, para alcançar um grau de independência. Isso significa que a terapia com casais não deve e nem pode oferecer soluções fáceis, pois a organização da experiência é pessoal, da mesma maneira que a angústia psicológica vivida em situações de crise. Assim, é como estar no cume de uma montanha diante de um abismo: de um lado, há penhascos e rochas; de outro, o abismo. Em algum lugar, porém, há um caminho de saída mais seguro. A crise forma-se como o nevoeiro, e a pessoa não vê a saída, porque as brumas confundem sua visão. No entanto, se ficar parada, morrerá de frio; logo, terá que fazer algo, buscar uma saída: a terapia (Mahoney, 1998). A percepção enquanto ação é um fenômeno cognitivo essencialmente operatório e transformador, em que os objetos perceptivos surgem na convivência e, conseqüentemente, na linguagem. Perceber é detectar as possibilidades (estruturalmente determinadas) do meio circundante a partir de correlações sensóriomotoras congruentes (Maturana e Mpodozis,
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1987). Os processos de assimilação e acomodação incluem, portanto, o experienciado em um espaço conceitual ou pré-conceitual, provocam alterações estruturais no organismo e, em decorrência disso, a diferenciação emocional e a reflexão respaldam uma modalidade de codificar a realidade de acordo com a experiência subjetiva, que é reformulada e reordenada no nível explicativo-consciente-lingüístico e que oscila conforme a experiência imediata vivida momento a momento. A experiência humana emerge de um processo de regulação contínuo, que alterna o experienciar e o explicar e constitui-se na práxis do viver (Maturana e Varella, 1987), em que o subjetivo e objetivo, o falso e o verdadeiro, o real e o irreal, o certo e o errado constituem os níveis de reordenamento simbólico através da linguagem. Assim, cada ser é um contador de histórias que ordena e reordena seu conhecimento com o intuito de dar consistência às experiências vividas (Guidano, 1994; Maturana e Varela, 1987). Na práxis do viver, desenvolvemos um sentido de EU estável e ajustado conforme suas possibilidades, o qual produz e mantém uma continuidade narrativa única. Como narradores de nossa própria história, estruturamos uma trama em que se encontram duas experiências simultâneas: a linguagem e as emoções. A tensão gerada entre o falar e o emocionar é parte de um processo aberto que integra elementos externos (família, sociedade e aspectos culturais) e elementos internos do organismo (experiência subjetiva e biologia), que não busca uma verdade objetiva, e sim uma realidade que permita a continuidade do viver em uma corporalidade integrada, um fenômeno complexo, originado em nossa percepção e vivido nas relações que estabelecemos (Guidano, 1994; Varela, Thompson e Rosch, 1992; Varela, 1999). Viver em relação implica a construção de um conhecimento de nós mesmos e do mundo circundante a partir de atividades inter-relacionais nas quais se criam e recriam diferentes categorias da experiência intersubjetiva, como o verdadeiro ou o falso, o real ou o irreal, o certo ou o errado, o subjetivo ou o objetivo, a vivência e a explicação, e assim por diante.
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Quando se considera a vida como uma narrativa, o espaço relacional forma-se como um espaço para os diálogos, com força de argumentação, em que histórias são contadas tanto em primeira quanto em terceira pessoa. O que leva alguém a sentir uma forte atração, rejeição ou indiferença em relação às pessoas ao redor? O que transforma algumas relações em vínculos amorosos e outras em controvérsias ou disputas? Sabe-se que cada pessoa constrói seu mundo (ou seus mundos) de uma maneira única e particular; ao mesmo tempo em que compartilha experiências com os demais, torna as relações possíveis de serem vivenciadas. Sem dúvida, todas são histórias construídas e dependentes em sua criação: é na manutenção das histórias que se constituem as experiências e a visão de realidade. Devido à complexidade das relações, o terapeuta é levado a trabalhar com elas levando em consideração a experiência humana e o papel de cada um no corpo das suas relações. A partir da experiência imediata, cada um constrói e desconstrói em busca de novas sínteses de reconstrução, que serão questionadas em momentos de crise, possibilitando as transformações, as reorganizações e as mudanças terapêuticas (Maturana e Varela, 1987; Mahoney, 1998; Gonçalves, 1998). Assim, o envolvimento afetivo de duas pessoas conjuga dois EUS para construir um NÓS. Conjugar tem o significado de unir, ligar e abrange toda e qualquer formação de pares que se unam ou tentem unir-se com pretensões amorosas. O encontro abre um espaço para a construção do NÓS, e, nesse encontro de subjetividades, pode-se configurar o momento de crise em que três biografias são escritas: as autobiografias e a biografia da relação. Trata-se de um processo dialético no qual cada experiência é significada hermeneuticamente, ou seja, são atribuídas significações pessoais aos episódios vividos. O conhecimento do mundo ocorre através da linguagem e do significado que se atribui a elas. Nesse sentido, a emoção ocupa um espaço fundamental por permear a fala (Maturana e Varela, 1987), o que constitui o humano enquanto autobiografia (Gonçalves, 1998), através de um processo de interpretação do sentido das palavras. Maturana e Varela (1987) levantam a questão da “biolo-
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gia do amor”, propondo a ênfase na afetividade e na emoção no trabalho terapêutico que corresponde à legitimação do outro. O vínculo amoroso é criado e recriado a partir do encontro. O amor é uma emoção que constitui a corporalidade e que possibilita aceitar o outro como um legítimo na convivência cotidiana. Porém, o vínculo amoroso entre EUTU constrói-se com o que somos, e não com o que queremos ser. O cotidiano relacional é construído a partir da percepção EU-OUTRO, fluindo em emoção e em linguagem, tornando possíveis os encontros entre pessoas e elaborando visões de ser, pertencer e relacionar. A curiosidade pelas diferenças cria e recria o amor, feito de paixão, de cuidado e obrigação, de dependência, de lealdade e competição. Também interferem nas relações amorosas as mudanças de significado ocorridas no contexto, como mudanças do perfil demográfico, competitividade social e diversidade nos modelos de família, mudanças essas que desafiam, a cada instante, crenças, comportamentos, moral e sentimentos, os quais, embora apareçam como que desvinculados de uma época histórica, ainda estão enraizados nos mitos e nas pautas relacionais das famílias de origem. Um par existe e funciona a partir de uma interação única e inigualável, peculiar e exclu-
siva, que surge entre os dois e constitui uma unidade que possui autonomia com características organizacionais e estruturais próprias. Com o passar do tempo, as vivências em comum geram a biografia do par. Os projetos que compartilham e perseguem, as reconstruções que se permitem usar e o modo como é ontologicamente significado o amor e a relação nessa biografia do par são elementos constitutivos do cotidiano. Se existem e, inclusive, se atrapalham, foram construídos pela dupla e não podem ser vistos como algo externo que possa ser extirpado com facilidade. Quando um casal busca auxílio terapêutico, surgem, em um primeiro momento, expressões com significados bastante desgastados, como “É culpa da rotina”, “É ele que não presta atenção no que faço”, “Ela é implicante o tempo todo”, e tantas outras expressões que denunciam o quanto é difícil acomodar à experiência a própria narrativa, de forma a sustentar uma vida compartilhada com um outro, que também traz a sua própria narrativa e as próprias dificuldades. Muitas vezes, um problema, inicialmente, é de apenas um; porém, dependendo de como o outro o aborde ou maneje, passa a ser dos dois, do espaço relacional, do NÓS (ver Figura 20.1). Com a convivência, cada par estabelece um padrão de interação único, uma narrativa compartilhada que engloba as características indi-
Figura 20.1 Esquema do processo de construção do NÓS.
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viduais, suas facilidades e suas dificuldades, sua força e sua fragilidade, suas crenças e seus valores para com a relação, criando, assim, um campo relacional exclusivo daquele par. Esse será o referencial a ser cuidado em terapia. O campo relacional também tem uma estrutura e uma organização que não são apenas a somatória das subjetividades do par, e sim uma intersubjetividade criada a partir de tensões dialéticas que atendem a três circularidades: a lógica ou a auto-referencial, a limitante e a reflexiva. Em situações de crise, as interações cotidianas provocam a busca de novas sínteses, novas construções. REORGANIZAÇÃO DOS MOMENTOS DE CRISE: A TERAPIA O modelo ora proposto cuida tanto do tratamento quanto dos resultados, uma vez que a epistemologia construtivista visa, principalmente, à compreensão da adequação/ inadequação de um determinado comportamento na dimensão relacional. Propomos também a alteração do termo casal para par, o que permite o atendimento de pessoas que coabitam, podendo ser do mesmo sexo ou não, e de pessoas que estariam decidindo quanto à possibilidade de vir a coabitar. Os termos par e parceria ampliam o significado de co-responsabilidade, pois levam em conta a individualidade e a co-construção da relação. Além disso, apresentam outras duas características: por um lado, quebram a rigidez do contrato matrimonial e, por outro, flexibilizam o con-
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trato terapêutico – o setting – por permitirem atender à demanda particular de cada caso pela inserção de sessões individuais sempre que necessário. O espaço terapêutico é aqui visto como triádico (o par e o terapeuta): as narrativas desenvolvem-se ancoradas em convenções sociais, culturais, históricas e lingüísticas dos envolvidos (Botella, 1999). O terapeuta incluise no mesmo contexto, ora como observador e ora como co-autor da narrativa. A aliança terapêutica resulta da negociação de um fluxo de metas e tarefas implícitas à terapia, acrescida de um vínculo emocional entre os participantes. O modelo discursivo e contextual do significado é baseado na linguagem, considerada como um mecanismo de apropriação do mundo externo, através do qual os significados são construídos, revisitados e reconstruídos na conversação, no qual os jogos relacionais são criados e recriados a cada novo encontro. A linguagem é um jogo, a princípio sem regras, aberto e criativo. Com o passar do tempo, criam-se regras mais definidas, que formam o espaço conversacional, um campo de sentido em que os jogos estabelecidos e os significados compartilhados favorecem a coordenação das ações e os encontros. Por outro lado, os desencontros são construídos a partir de significados nãocompartilhados, de jogos em que as regras são desconhecidas para um dos parceiros, criando bloqueios, distorções na comunicação e conflitos. Compartilhamos com Neimeyer e Raskin (2000) a idéia da importância da reorganiza-
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ção subjetiva para que se amplie a compreensão da narrativa. Daí a necessidade de sessões individuais – já que, além do componente relacional, as crises desencadeadas são fomentadas por discussões continuadas, decorrentes do fato de que cada um acredita na sua posição e defende-a, preocupando-se mais com a prevalência desta do que com a reconstrução da relação. Também há momentos em que a persistência da crise é respaldada por conteúdos tácitos da família de origem, caso em que um atendimento individual possibilita a desconstrução e a compreensão dessa narrativa particular com a preservação da identidade de cada um dos parceiros. Esse tipo de intervenção é chamado de efeito dominó, pois, trabalhando uma das partes, reorganiza-se o todo: consideramos que, para se ter a compreensão da relação como um todo, o trabalho triádico pode, em alguns momentos, criar resistências, hiatos e duplos vínculos desnecessários. MOMENTOS TERAPÊUTICOS As vinhetas escolhidas mostram o quanto a narrativa expressa o cotidiano vivido pelo par e o quanto a linguagem e as emoções trazidas estão baseadas na percepção de si, do outro e da rotina de convivência. Além disso, ilustram o quanto os processos são variáveis e factíveis de reorganização, estando correlacionados ao contexto passado e presente, à experiência subjetiva e intersubjetiva, os quais facilitam ou dificultam o estar no aqui e agora.
Caso 1 – A reconstrução C (28 anos, feminino) e D (36 anos, masculino) Após uma separação de seis meses, voltam à terapia por terem tomado a decisão de ficarem juntos: D: Procuramos você de novo porque temos nos encontrado. É como se tivéssemos voltado a namorar. É difícil lidar com isso. Estar com ela, amar, mas ter que ir embora de casa todo fim de noite...
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Terapeuta (T): Você chamou a casa que moraram de “sua” casa, é isso? D: Não tinha notado... isso te incomoda, C? C: Não, é isso mesmo. Sempre chamo D para matar baratas... (risos). Acho que o sexo nos prende muito. Não consigo ficar sem o amor dele. Ainda o amo muito... D: Não é só o sexo. É amor mesmo. T: E então, para você C, como é ele “ter” que ir embora no final da noite? C: “Às vezes é difícil. Outras, sinceramente, não. Tenho medo de que os problemas cotidianos – as discussões por falta de dinheiro, o fato de querermos ter um filho, mas nessas condições... o meu trabalho desgastante, que eu odeio – tirem de novo o encanto do nosso dia-a-dia.” T: Tirar o encanto... e então... D: Ela deveria se preocupar mais com nossa relação do que com dinheiro e trabalho. Me sinto cobrado, incompetente... T: Você falou do que ela deveria... D: “(risos) É, touché... eu tenho que entender a angústia dela quando faz contas. E reprogramar minha vida profissional. C: Não quero que você se sinta assim... uma droga... mas está difícil... Como pensar em engravidar nessa situação? D: Estamos nós dois muito confusos. Preciso ter mais coragem, ser mais empreendedor. Acho triste um problema externo acabar com um amor. Sei lá se o problema é externo. Só sei que a gente se ama. C: Eu me sinto completa com ele. Ele sempre me aceitou como sou. Até quando estou chata, não é amor? T: E você, C, acha que o aceita como ele é? C: (silêncio, sorriso) Sim, agora sim. Mas preciso que ele mostre mais atitude, mais garra, mais vontade de trabalhar, mais ambição. Já conversamos que eu acho que estar tanto no centro (espírita) deixou-o assim, sem muita ambição material. E ele concordou... T: Vocês estão falando em problemas externos. Vamos falar um pouco mais sobre isso. D: Não quero falar nisso agora... (silêncio) T: O que você sugere? D: É coisa minha... acho que C entende se eu quiser falar só com você ... (silêncio) C: Se ajudá-lo a se entender melhor, eu acho ótimo, pois já não agüento mais a ladainha da família dele ...
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Caso 2 – Projetos: crise, alternativas e decisões C (20 anos, feminino) e H (30 anos, masculino) 12ª sessão (individual): H: Estou muito confuso. Escolhi casar-me com C, ela é a mulher da minha vida. Mas se eu casar agora, no ano que vem, estarei perdendo a energia, dinheiro e tempo, e não poderei realizar meu projeto de trabalho... Tenho que estar 100% dedicado ao meu trabalho e acho errado continuar com ela, estou muito nervoso e acho que não terei tempo para lhe dar atenção. Sou um empresário, não vou ter tempo para C. T: Será que é só assim que funciona? Ou preto ou branco, ou dá para você pensar que está resolvendo várias coisas em sua vida e a palheta pode ter outras cores de tinta? H: Gostei! Isso que você falou é tudo! Mas agora você me confundiu mais! O que posso fazer? Não quero sentir que estou enrolando C e a fazendo perder tempo comigo. Não sei quanto tempo demora para poder montar meu negócio e poder me comprometer e casar com ela. Me sinto culpado. Acho melhor acabar tudo. T: Você quer casar e quer romper a relação... que tal dividirmos com ela suas preocupações, suas dúvidas e sua culpa? Você tem vontade de falar com ela sobre isso? H: E se eu chorar? T: Vai mostrar que é ser humano...
13ª Sessão (conjunta): H começa relatando o que C refletiu a respeito de suas dúvidas C: Não entendo. Não sinto que você esteja me enrolando, mas... será que seus pais não cobram muito ter que casar logo? Será que você está se sentindo culpado? T: Lembro que já discutimos isso antes e que você (H) se preocupava muito com sua imagem, principalmente por sua mãe e tia acharem que você iria enrolá-la. E lembro que C não se importou com isso daquela vez... C: Foi... e ainda não vejo assim. Ele me enrolaria se não gostassse de mim e quisesse ficar comigo. Além disso, não estou correndo contra o relógio, quero casar, mas não assim. Quem se cobra é você!
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H: Eu não sei. Sinto muita culpa (choro), tem muita coisa da minha família... que droga! Não estou enrolando você mesmo! (silêncio) (olhando para C)... Você é linda e pode perder um tempão comigo me esperando. C: E daí, eu tenho tempo e tenho paciência! T: (falando para H) Você parece mesmo angustiado. Está percebendo a disponibilidade de C? Para que continuar sentindo-se o coelhinho do relógio da Alice? (metáfora já trabalhada anteriormente) H: É que eu não acho justo ela agüentar minhas crises, de raiva, frustração, medo de falhar... (choro) T: Do que vocês precisam agora? C: Do amor dele. E de parar com tanta “paranóia”. H: De um tempo mesmo (choro). Preciso ficar sozinho. Para me sentir mais calmo de novo, sem nada, sem você, sem nada que eu sinta que me pressione mais. T: E então, C, o que você acha? C: Não quero perdê-lo (choro)... será difícil me afastar dele. Mas se é o que ele quer agora, se é preciso... H: (Choro) É só por um tempo... não sei... talvez até eu me aliviar.”
14ª sessão (conjunta) Após dois meses de interrupção para terapia individual. T: Parece que vocês estão mais centrados, mais fortes. E juntos, como estão? C: Sofri muito, não podia ligar para ele quando eu queria, mas ele me ligava e conversávamos muito. Penso que soube respeitar o momento dele. Agora estou mais à vontade. Acho que agüentei bem, chorei, me sentia perdida, mas fui forte. Uma heroína. T: Parabéns, C. Você foi mesmo muito forte, teve muita coragem. Como você se sentiu nesse tempo, H? H: Senti muita falta dela. Vi o quanto ela é importante. Também dou parabéns, ela é uma mulher forte – antes eu não a via assim – me respeitando e me agüentando nas crises. Eu também segurei muitas crises dela. É, vai dar! Também descobri que não preciso eliminá-la da minha vida para conseguir o que quero. Será que você vai me agüentar agora, C?
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Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. T: Você se acha tão difícil assim de ser “agüentado”? (risos) C: Eu respondo: Vamos tentar? Você me testou... ... T: Vocês estão tomando decisões importantes e compartilhando a responsabilidade de assumir o que escolheram. Estou realmente gratificada por compartilhar esse momento com vocês. Em uma palavra, como se percebem agora? C: Feliz. H: Seguro. Por que uma palavra só? T: Quer usar outras?... H: Sim... também estou feliz, aliviado, ainda com medo de não poupá-la das crises, mas agora acho que o dragão é menorzinho... é só um lagartinho...
Caso 3 – Ressignificação: liberdade ou amor? B (73 anos, feminino) e M (76 anos, masculino) 5ª sessão (individual): B: Fui vítima de um carcereiro durante toda a minha mocidade. Na meia-idade, acabei tendo depressões e me trato até hoje, pois minha vida não tem sentido sem ele. Tudo o que faço é para M... tudo em nome dele... e sempre foi assim. Para não brigar, me anulei uma vida toda.” T: Você se deixou ser vítima em nome da “paz”... É isso? Ele também pagava um preço, pois fazia um esforço em se controlar. Mas você permitiu. O que acha que fez para permitir? B: Não sei... acho que sou mesmo submissa (silêncio). É, eu também me sentia segura, protegida, cuidada, preservada! (silêncio) Eu me sentia e me sinto até hoje muito amada por ele. E também o amo. Mas fico triste de ver o quanto sou dependente. Confundi amor com proteção e controle. T: Só você é dependente? Ou o carcereiro também é preso ao prisioneiro na tentativa de mantê-lo assim... controlado? B: Ele é extremamente dependente de mim. Até para tomar seus remédios.
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8ª Sessão (conjunta): M: Não acho que errei. Só tive o cuidado de preservar meu bem mais valioso, meu casamento e a mulher que amava, que amo. Isso é ser ruim? B: É ser egoísta. Você não via as minhas necessidades: sair, ter minhas amigas e não só os seus, respirar outro ar que não fosse o seu. T: Como você vê isso, M? A questão não é valor pessoal, ser ruim ou ser bom, mas posturas e atitudes... Tentar preservá-la requeria da sua parte um grande esforço. O que você sentia? M: É difícil um homem assumir sua fraqueza, mas era medo. Sim, sou medroso mesmo... e daí? Tenho medo de morrer, de viver, de ficar doente, de perder as pessoas. Já perdi muito na vida. Tudo o que conquistei foi com grande esforço. Eu não sentia que errava, me achava sim um pouco rígido, durão. Mas também sou muito carinhoso com B. Ela era linda, e eu tinha medo de perdê-la... B: Você quase me perdeu mesmo por me sufocar. T: E o ar que respiram agora, como é? M: Hoje eu evoluí, ela pode sair com as amigas novas, fazer visitas, ir a aniversários, usar a roupa que quiser – ela sabe ser uma senhora distinta. Hoje não tenho mais medo, dou mais liberdade a ela. Ela foi passar o dia na casa de campo de uma amiga. Tem feito pequenas viagens sem mim. B: Só que hoje sou uma velha... Por isso você não tem mais medo. Agora não tem graça essa liberdade. Meu tempo passou. T: Você se distraiu, teve prazer nesses passeios? B: Muito. Adorei. Mas ainda lamento o tempo que passou. Ainda sinto que minha vida não tem sentido sozinha. T: Você quer dizer como indivíduo? Pessoalmente não vê sentido? B: Só com M. M: Estou me sentindo um carrasco. Não estou entendendo você, querida. Você se sente bem com liberdade, mas para mim o principal sentido da vida é você! B: Exato! Para mim poderia ser o principal, mas não o único. T: E o que você gostaria de fazer hoje só para você, algo que lhe desse prazer, que tivesse sentido?
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista B: Preciso pensar... (silêncio) Talvez voltar a pintar, um curso de arte, sei lá. M: Por que curso? Para sair de casa? B: Talvez para fazer algo diferente longe de você.
Hoje B tem algumas atividades sem M. Caso 4 – Casamento e ressignificação de projetos individuais P (42 anos, feminino) e N (44 anos, masculino)
T: Qual seria então atualmente o significado de “estar casado” para vocês? P: Eu me sinto relativamente segura, definida socialmente enquanto mulher casada que tem uma família. Por outro lado, me sinto sozinha, sem um companheiro que me acompanhe em tudo, nas situações sociais – vou sempre sozinha, na morte de meu avô, quando minha filha foi internada... Sempre foi assim. N: Não sei dizer. Sou companheiro quando posso... acho que é bom estar casado, porém sinto falta de mais emoção. Parece que P nunca está disposta para os meus desejos. Sexualmente é como se fosse um sacrifício para ela. P: Não é bem assim. Você me ignora o dia todo e depois vem. Quando você quer, geralmente eu já estou cansada. N: E quando você quer – se é que quer – nunca me procura. Estamos mesmo sozinhos. P: Eu me sinto casada fora de casa e em casa com um marido morto. Ele não é marido para mim. É alguém que vive na minha casa como um hóspede, pior, hóspede agita mais, ele se diverte sozinho. Sei lá o que faz. Deve ter outra... quer saber? Agora não importa mais. N: Você também não é uma mulher para mim. Você também não gosta do que eu gosto, e daí? T: Poderíamos pensar que vocês dois estão casados com o casamento, e não um com o outro? P: Exatamente isso. Não tem sentido estarmos juntos. Mas acho difícil encarar uma separação. Dá tanto trabalho... N: Viu como ela é fria? Só pensa no trabalho. P: Não!... Estou pensando em tudo, até no sofrimento, no sentimento.
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N: É, iremos sofrer. Mas... já estamos sofrendo. Eu e você só estamos machucando um ao outro.
Relatam o quanto o sentimento de admiração e de amor que sentiam um pelo outro havia “sumido”, que não era possível resgatar nada disso. Essa situação deu espaço para frustrações, queixas, decepções e desencantos recíprocos. A terapia seguiu para ambos refletirem o que precisariam enfrentar caso se separassem e também caso ficassem juntos, que transformações seriam necessárias. Após três sessões, vieram decididos a se separar: P: É melhor. Eu sou forte e agüento. Desde que você não me encha... que saia logo de casa. N: Depois sou eu o egoísta? T: Neste momento, vocês pensarão em construir suas vidas separados, mas também podem pensar em como ficará o outro. Enfim, como considerar a si próprio e respeitar o outro em seus projetos. N: Derramaremos muitas lágrimas. O pior agora é não ter meus filhos diariamente. Tenho certeza, agora, de que esta é a melhor opção para todos.
Caso 5 – Casamento, liberdade e biografia B (55 anos, feminino) e G (58 anos, masculino) Última sessão (conjunta): B: Eu me sinto feliz na minha vida... realizada. Nós dois nunca tivemos grandes problemas. O difícil era lidar com meu filho, mas agora ele casou. Vivemos bem, nos respeitamos e damos muita liberdade um para o outro. T: E você, G? G: Também. O casamento é bom para mim. Meu porto seguro. Como um herói que sai em aventuras e volta. Me tranqüiliza e tenho liberdade. Também a deixo solta. B: As pessoas acham que não somos fiéis. Imagine! Claro que somos. Nem ligo...
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Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. G: Usamos a liberdade para fazer o que gostamos. B nada, joga cartas, pinta, cuida do jardim. Eu leio, vou a eventos artísticos. Faço coisas de que ela não gosta e que não aprova, mas não chega a ser um problema. B: Eu não ligo. Mas tem gente que deve ligar. Para mim, ele é homem. Apesar de só ter homossexuais naquele lugar. Só acho que ele se veste de uma forma meio exótica. Podia ser mais convencional. É coisa de artista... ... T: Vocês sentem que estão construindo e realizando seus projetos? G: Sim. Todos. Só quero mais trabalho e mais alívio financeiro. B: É, só falta isso. G: Você foi muito importante para nós dois. Ajudou muito. Repensamos muita coisa. Podemos procurá-la se for preciso? E também podemos procurá-la sozinhos... se o outro concordar?”
Conforme observado, a terapia enfatiza sempre o fluxo, o movimento e o estilo de linguagem dos clientes. Tanto nas sessões conjuntas quanto nas sessões individuais, as interações visam a ampliar os recursos, ou seja, utilizar todos os elementos que contribuem para tornar a narrativa mais completa, mais concisa. Isso inclui a maneira de pensar, de sentir, as matrizes de aprendizagem individuais, os conteúdos da família de origem e dos amigos. Em resumo, tenta mobilizar todos os elementos que constituem a identidade pessoal de cada um e que na relação constroem um NÓS com elementos comuns a cada um, acrescidos de novos elementos criados juntos, os quais fazem sentido na convivência. O relacionamento a dois, em alguns casos, pode trazer uma quebra de expectativas ou a não-realização de esperanças, de anseios mútuos e, conseqüentemente, a frustração. Cada um parte para um relacionamento vendo o outro como se fosse um “mágico”, com poderes de realizar uma série de expectativas que variam muito no tempo, em nível de importância e conforme o grau de conscientização de cada um. Quando o mágico transforma-se em comum, muitos relacionamentos mantêm-se apoiados no lado societário do vín-
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culo: manter a casa, pagar as contas, cuidar dos filhos, etc. Assim, a relação afetiva fica excluída, instala-se a rotina e a vida afetiva e sexual do par fica confundida com a administração da casa e o gerenciamento financeiro do lar. Instalada a rotina, o casal queixa-se, não reconhecendo que ambos são os verdadeiros responsáveis pela construção e pela manutenção do cotidiano. Quando se desenvolve a narrativa do conflito, ela é contundente. Diante do amor e das expectativas frustradas, os valores culturais conduzem, por um lado, para uma acomodação e persistência ou, por outro lado, a uma renovação individual, que levará cada um a enfrentar o problema de forma a encontrar a alternativa que mais lhe convenha e, quase sempre, com prevalência do EU em detrimento do NÓS. Não havendo mais um nível satisfatório de trocas, de reciprocidade, e faltando gratificação nas ações cotidianas, a comunicação fragmenta-se e a convivência torna-se desorganizada. Cabe ao terapeuta conduzir seus clientes à compreensão da narrativa, utilizando para isso os elementos comuns ao par e particulares de cada um que levarão à percepção do problema, do conflito, da rotina e, por conseqüência, à narrativa alternativa com uma nova coerência que retoma o argumento principal: a biografia da relação, e não mais a biografia do conflito ou do problema. CONSIDERAÇÕES FINAIS O construtivismo vem se desenvolvendo como uma metateoria cuja proposta foge à visão moderna que ainda é predominante na sociedade. O ser humano vive uma transição paradigmática, o que significa que, muitas vezes, a forma de conceber a terapia não é compreendida no início do processo. Porém, uma vez que se estabeleça o encontro triádico, as particularidades, as diferenças e as construções narrativas trazidas por cada um dos participantes emergem, facilitando o atuar construtivista. Pode-se dizer que, a cada novo encontro, trabalha-se com “a incerteza quanto àquilo que se vai encontrar e que faz do ato de procura
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(estratégias, intervenções, significados) um verdadeiro ato criativo”(Gonçalves, 1998, p. 52). A experiência humana, vista como produto emergente de um processo de regulação que implica tanto a auto-regulação quanto a heterorregulação, cria padrões que tecem um discurso narrativo, o objeto da terapia. Através de uma orientação evolucionista, o mito de Penélope traz em sua narrativa a metáfora da construção e reconstrução do si mesmo (Guidano, 1994). Ela trabalhava continuamente, cumprindo o piedoso dever de tecer a mortalha para o seu sogro, mas desmanchava às escondidas, no silêncio da noite, o que havia tecido durante o dia. Em nossa práxis diária, repetimos a ação criativa de Penélope: o desmanchar às escondidas, no silêncio da noite, constitui a reflexão, o monólogo interior que possibilita a reorganização da autobiografia e da biografia do par. Mesmo não havendo mudanças observáveis, o tecido é outro. Embora a ênfase seja a terapia de pares, em que linguagem e emoção são consideradas partes constitutivas do caráter subjetivo e intersubjetivo da experiência humana, a terapia prioriza a teleonomia (ausência de um objetivo universal) em detrimento da teleologia, permitindo a construção de um espaço de trabalho livre e criativo dentro das possibilidades do momento. Como metáfora, ser e estar no mundo em narrativa significa escolher e preparar o fio, descobrir as cores que temos disponíveis, quais espaços serão preenchidos, os pontos escolhidos, que nós serão desfeitos e refeitos ou emendados para compreender e dar continuidade a essa tapeçaria chamada vida.
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NOTA 1. Termo cunhado inicialmente por Piaget (1963). A epistemologia genética é de natureza interdisciplinar, na tentativa de explicar como o conhecimento se desenvolve, já que este não poderia ser concebido como algo determinado nas estruturas internas do indivíduo, pois estas são o resultado de uma construção efetiva e contínua da interação do sujeito com seu meio.
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PARTE VI
Novas Fronteiras da Prática Clínica
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21 Modelos de Estágios do Processo de Resolução da Ruptura da Aliança* Jeremy Safran Cristopher Muran
Neste capítulo, vamos destacar dois modelos de estágios do processo que podem ser usados para entender algumas maneiras características pelas quais as rupturas da aliança terapêutica são resolvidas em psicoterapia. Os modelos de estágios do processo são esquemas que têm sido empiricamente desenvolvidos para retificar os padrões recorrentes de mudança que acontecem durante os atendimentos (Greenberg, 1986; Rice e Greenberg, 1984; Safran, Greenberg e Rice, 1988). Os pesquisadores do processo psicoterápico verificaram que o desenvolvimento de tais esquemas fornece uma forma útil de modelamento de importantes mecanismos de mudança em psicoterapia. Então, o processo clínico pode ser visto como uma seqüência de estágios recorrentes que acontecem em padrões identificáveis. Através da identificação desses estágios e da modelação dos padrões de transição entre eles, os pesquisadores têm desenvolvido mapas que podem sensibilizar os clínicos para os padrões que provavelmente ocorrerão no futuro e, assim, auxiliar na criação de um bom prognóstico. O objetivo não é o de oferecer modelos ri-
gidamente adotados, mas sim o de ajudar os clínicos a desenvolver habilidades de reconhecimento de padrões que podem facilitar o processo de intervenção. Devemos enfatizar que, embora esses modelos tenham valor heurístico, eles são supersimplificações de processos mais complexos. O desenvolvimento dos modelos (Safran et al., 1990; Safran e Muran, 1996; Safran, Muran e Samstag, 1994) é o produto de mais de uma década de pesquisa, a qual tem sido guiada pelo paradigma de pesquisa em psicoterapia desenvolvida por Leslie Greenberg e Laura Rice (Greenberg, 1986; Rice e Greenberg, 1984; Safran, Greenberg e Rice, 1988). Essa abordagem combina a rigorosa análise de casos únicos, usando tanto procedimentos qualitativos quanto quantitativos, com estudos de verificação de modelo que testam hipóteses sobre os padrões de mudança, usando dados agregados. Heather Harper (1989a; 1989b) organizou as rupturas em dois subtipos: afastamento e confronto. Nas rupturas de afastamento, o paciente afasta-se ou descompromete-se parcialmente do terapeuta, de suas próprias emo-
Reeditado com a permissão da The Guiford Press (New York) da obra de Safran, J. e Muran, J.C. (2000). Negotiating the therapeutic alliance: a relational treatment manual, Capítulo 5 (p. 140-174).
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ções ou de alguns aspectos do processo terapêutico. Tais rupturas podem manifestar-se de diferentes formas. Em alguns casos, é totalmente óbvio que o paciente tenha dificuldade em expressar suas preocupações ou necessidades no relacionamento – por exemplo, um paciente pode expressar suas preocupações de uma maneira indireta ou qualificada. Em outros casos, o paciente acomoda-se aos desejos que percebe por parte do terapeuta de tal maneira que o clínico pode ter dificuldade em reconhecer a acomodação do paciente. Não é incomum que paciente e terapeuta formem uma pseudoaliança que corresponda ao tipo de falsa autoorganização do self descrita por Winnicott (1960). Em tais casos, o progresso terapêutico pode estar acontecendo em um nível, enquanto a terapia perpetua algum outro aspecto mais redundante (de autodefesa, por exemplo) e pouco funcional. Nas rupturas de confronto, o paciente expressa diretamente a ira, o ressentimento ou a insatisfação com o terapeuta ou com algum outro aspecto da terapia. Na Tabela 21.1, vemos alguns exemplos das rupturas de afastamento e de confronto. Vale lembrar que cada
ruptura começa com uma marca específica (Rice e Greenberg, 1984), através de uma afirmação do paciente ou de uma ação que sinalize o começo do evento em que a ruptura começa a ocorrer. Dessa forma, as rupturas de afastamento e confronto refletem as diferentes maneiras de enfrentamento da tensão entre suas necessidades dialeticamente opostas por ação e ligação. Nas rupturas de afastamento, os pacientes lutam por relação em detrimento da necessidade por ação ou autodefinição, ao passo que nas rupturas de confronto, os pacientes negociam o conflito favorecendo a necessidade por ação ou autodefinição e superando a necessidade de relação. Provavelmente, diferentes pacientes apresentam uma predominância de um tipo de ruptura sobre outra; essa predominância reflete diferentes características dos estilos de enfrentamento ou adaptação. Entretanto, durante o tratamento, ambos os tipos de rupturas podem emergir com um paciente, ou ambas as características de afastamento e confronto podem contribuir para um impasse específico. Os vários estágios dos modelos podem ser conceitualizados como diferentes fases críticas
Tabela 21.1 Exemplos de marcas de ruptura Ruptura de Afastamento
Ruptura de Confronto Queixam-se de...
Negação (p. ex., o paciente nega um estado de sentimento como raiva que estava manifestamente evidente).
A pessoa do terapeuta (p. ex., o paciente ataca a maneira reservada do terapeuta como sendo muito passiva).
Resposta mínima (p. ex., o paciente responde com respostas curtas para dar fim às questões exploratórias do terapeuta).
A competência do terapeuta (p. ex., o paciente considera os comentários do terapeuta inúteis e questiona sua capacidade).
Mudança de tópico (p. ex., o paciente explora um assunto e, então, repentinamente muda o foco para algo que não tem nada a ver com essa questão ou relaciona-se a ela remotamente).
Atividades da terapia (p. ex., o paciente fica irritado com as questões do terapeuta relativas aos estados de sentimento internos e admira-se em voz alta sobre sua relevância).
Intelectualização (p. ex., o paciente discute uma experiência dolorosa de uma maneira intelectualizada ou desprendida).
Ficar em terapia (p. ex., o paciente confronta o terapeuta com dúvidas sobre continuar a terapia).
Contar uma história (p. ex., o paciente compõe histórias muito elaboradas para explicar uma simples experiência).
Parâmetros da terapia (p. ex., o paciente queixa-se da inconveniência do tempo da sessão).
Falar a respeito de outros (p. ex., o paciente gasta uma quantidade de tempo incomum falando a respeito de outras pessoas e do que elas fazem).
Progresso em terapia (p. ex., o paciente queixa-se da falta de ganhos significativos no tratamento).
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para que o paciente comprometa-se em diferentes pontos no processo de resolução e intervenções por parte do terapeuta que possam ser facilitadoras. As tarefas dos pacientes não são “tarefas” no sentido de ações intencionais, mas significam complexas operações intrapsíquicas e negociações interpessoais. Os dois modelos que destacamos são análogos aos protótipos na visão de Eleanor Rosch (1988). Nenhum estágio é desfavorável no processo de resolução, e os estágios não estão necessariamente nas seqüências precisas de previsão. Contudo, esses modelos tendem a captar algo essencial para o processo de resolução em um sentido probabilístico. UM MODELO DE RESOLUÇÃO PARA RUPTURAS DE AFASTAMENTO O modelo de resolução para rupturas de afastamento consiste em cinco estágios (Figura 21.1), e cada estágio envolve uma tarefa para
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um paciente em particular e intervenções específicas do terapeuta que observamos serem facilitadoras. As intervenções específicas que descrevemos neste capítulo não pretenderam constituir uma exaustiva lista, sendo apresentadas apenas como exemplos.
Estágio 1: marca de afastamento O primeiro estágio é sinalizado pelo paciente com a marca de afastamento. Por exemplo, ele concorda com o que o terapeuta diz, acatando sua interpretação de um modo aquiescente. Esse tipo de afastamento muitas vezes é parte de uma representação de papel em que o terapeuta encaixa-se na matriz relacional do paciente e responde ao seu comportamento submisso ou passivo através de quaisquer indicações (sutis) de preocupação, ou agindo de uma maneira extremamente diretiva ou dominante. Por exemplo, no caso em que o paciente responde a uma interpretação de uma maneira concordante, e o terapeuta continua a construir sua interpretação. Nos termos da Característica de Relacionamento Principal Conflituoso,1 o paciente que marca o afastamento pode ser conceituado como uma resposta de self, uma maneira característica de responder antecipadamente ao fato de não ter satisfeito um desejo fundamental. As ações de encaixe do terapeuta podem ser conceituadas como uma resposta do outro.
Estágio 2: desconexão e acompanhamento da marca de ruptura
Figura 21.1 Modelo de resolução de ruptura para rupturas de afastamento.
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Neste estágio, o terapeuta começa a dar atenção à ruptura e ao estabelecimento de um foco no aqui-e-agora do relacionamento terapêutico. À medida que ele se encaixa na matriz relacional do paciente, precisa começar a desenvolver alguma percepção de sua participação nessa mesma matriz. Embora para propósitos heurísticos estejamos discutindo esse processo de desconexão como se fosse um discreto passo em um caminho linear, é importante ter em mente que o processo de desconexão nunca se completa como um todo. Du-
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rante o processo de resolução, terapeuta e paciente circulam para frente e para trás, transitando entre o maior e o menor grau de desconexão. Nas situações em que a marca de afastamento é particularmente sutil, a percepção do terapeuta de seus próprios sentimentos ou tendências de ação pode ser o melhor indicador de que algo esteja acontecendo que justifique a exploração. Por exemplo, o terapeuta pode achar que está trabalhando mais duro do que o normal para aconselhar, porém está menos atento às preocupações do paciente do que normalmente estaria com outros, ignorando, assim, as preocupações do paciente ou mesmo levando-o a aceitar uma interpretação específica. Nas situações em que o paciente afasta-se através da dissociação de sentimentos de ameaça em relação ao terapeuta, este pode perceber repentinamente que está perdendo o interesse pelo paciente ou que está desviando sua atenção. Uma vez que o terapeuta comece a perceber o ciclo de estar representando, suas tarefas desconectam-se da prática, e ele começa a explorar os sentimentos que estão sendo evitados pelo paciente. Vale lembrar que esses dois processos podem ser interdependentes. Por exemplo, um terapeuta que percebe que sua atenção está sendo desviada pode começar a metacomunicar-se mostrando sua experiência para o paciente e explorando tal experiência. O terapeuta pode dizer: “Estou percebendo que minha atenção está desviando-se. Não tenho certeza do que está acontecendo, mas acho que deve ter algo a ver com um tipo de distância que existe em sua voz. Você teria alguma idéia do que esteja acontecendo agora?”. Em resposta, o paciente pode reconhecer que está afastando-se do terapeuta porque sente-se machucado por algo que ele tenha dito. Durante esse estágio, é importante direcionar a atenção do paciente ao aqui-e-agora da relação terapêutica. Intervenções úteis consistem em afirmações como: “O que você está experienciando?”, ou “Eu acho que você está se afastando de mim”, ou mesmo “Como você se sente sobre o que está acontecendo entre nós agora?”. É importante para o terapeuta manter uma instância curiosa e empática em relação
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ao paciente e estar aberto e receptivo a quaisquer sentimentos negativos que venham a emergir. É comum nesse ponto que o paciente fale em termos gerais sobre sentimentos negativos, ao invés de tentar confrontá-los diretamente com o terapeuta. Por exemplo, o paciente pode criticar a profissão de saúde mental e, em resposta, o terapeuta pode considerar útil explorar a relevância desses sentimentos na presente situação. O terapeuta pode dizer: “Se você estiver disposto, gostaria que tentasse deixar um pouco mais claro o que está dizendo. Esses conceitos também se aplicam a mim?”. Essa exploração pode ser conduzida de um modo não-controlado, respeitando qualquer decisão por parte do paciente e não discutindo sentimentos negativos em relação ao terapeuta no presente contexto. É particularmente importante com pacientes que tendam a ser submissos, pois levar o paciente a explorar algo que ele não esteja pronto simplesmente o convida a maiores níveis de submissão. O terapeuta deve ter em mente a possibilidade de contribuir com uma nova variação de representação nas suas tentativas de restabelecer o contato com aqueles pacientes que estejam afastando-se. Embora tenhamos destacado o papel do terapeuta no processo de desconexão, não é nossa intenção descrever esse processo como um empreendimento unilateral. Ele invariavelmente inclui a disposição do paciente em participar de um processo de investigação colaborativa sobre a natureza da matriz interativa. De alguma maneira, o paciente também deve estar disposto e ser capaz de sair rapidamente da representação para começar a exploração do que está acontecendo na relação terapêutica. O estágio de desconexão é seguido por dois caminhos paralelos de exploração. O primeiro é chamado de caminho experiencial e envolve a exploração de pensamentos e sentimentos associados à ruptura (Estágios 3 e 5). O segundo chama-se caminho evitativo e envolve a exploração dos processos internos e das operações defensivas que interferem ou interrompem os sentimentos e os pensamentos associados à experiência de ruptura (Estágio 4). O caminho experiencial pode ser subdividido
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em dois estágios sucessivos: Estágio 3 (assertividade qualificada) e Estágio 5 (assertividade).
Estágio 3: assertividade qualificada Neste estágio, o paciente começa a expressar pensamentos e sentimentos associados à experiência de ruptura. No entanto, eles estão misturados com características da marca inicial de ruptura. Por exemplo, o paciente começa a expressar sentimentos negativos, porém qualifica a afirmação negativa e volta atrás (por exemplo, “Estou me sentindo um pouco irritado, mas isso não é tão importante”). Ele entra em contato com – e expressa – desejos fundamentais que são tipicamente auto-assertivos e que muitas vezes estão associados a sentimentos de raiva. Contudo, tal conteúdo torna-se muito evocador de ansiedade, e o paciente realmente se afasta de experienciar tais sentimentos. Diversas intervenções terapêuticas podem ser úteis no contexto desse tipo de assertividade qualificada. Elas estão agrupadas sob o nome geral de assertividade facilitadora, e o princípio mais importante é o de empatizar com e demonstrar um genuíno interesse e/ou curiosidade pelos sentimentos negativos que estão sendo veiculados de maneira indireta. Uma intervenção possível envolve a diferenciação e a exploração de diferentes estados do self. Quando o paciente qualifica suas afirmações ou indica que está incerto ou em conflito em relação a seus sentimentos (negativos), o terapeuta pode reconhecer ambos os lados e, então, focalizar-se seletivamente nas inquietações do paciente, ou seja, na dificuldade em reconhecer ou articular tais sensações. Por exemplo, o terapeuta pode dizer: “Entendo que você esteja incerto sobre a importância das suas inquietações. Entretanto, se você estiver disposto, eu gostaria de ouvir mais a respeito delas”. Ou ainda: “Parece que você tem duas perspectivas nessa questão. Uma parte de você sente que não é muito importante, mas a outra parte tem algumas inquietações. Se você estiver disposto a ir um pouco mais a fundo, sugiro que tente deixar de lado o sentimento de ‘não é muito importante’ por um momento e possibi-
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lite-me ouvir mais da parte que está incomodada”. Outra intervenção muito útil consiste em dar feedback ao paciente sobre a maneira como ele qualifica ou suaviza sua afirmação para aumentar sua percepção desse processo. Por exemplo, o terapeuta pode afirmar: “Minha sensação é que você começa a expressar alguns sentimentos negativos, mas então pára, colocando-os de lado. Você percebe isso?”. Se o paciente conseguir tornar-se mais consciente dessa operação defensiva, o terapeuta pode começar a explorar os processos internos associados a tal evitação. Por exemplo, ele pode perguntar: “Você tem noção do risco que correria colocando as coisas de uma maneira nãoqualificada?”. Uma terceira intervenção consiste em sugerir um experimento de percepção. Ela envolve o encorajamento do paciente em experimentar sentimentos diretamente expressos com relação às hipóteses (do terapeuta) que estão sendo diretamente evitadas e, então, atentar para quais sentimentos são evocados pelo experimento. Em alguns casos, o experimento provoca ansiedade, que pode levar a uma exploração dos processos internos associados à evitação. Por exemplo, o paciente diz: “Estou me sentindo um pouco frustrado com a maneira como as coisas estão caminhando na terapia, mas sei que não existe um remédio mágico”. O terapeuta, então, responde: “Eu gostaria de saber se você está disposto a tentar dizer alguma coisa como uma forma de experimentar suas sensações. Tente dizer ‘eu espero mais de você’ e veja como se sente”. O paciente poderá responder: “Eu não posso dizer isso”. O terapeuta, então, perguntaria: “Por que não? O que acontece com você quando pensa em dizê-lo?”. O paciente pode responder: “Eu começo a me sentir infantil”. Subseqüentemente, essa admissão leva a uma exploração da severidade do paciente e a uma atitude desaprovadora em relação às suas próprias necessidades. Em outros casos, o experimento ajuda a aprofundar a percepção e o reconhecimento do paciente de sua experiência de evitação. No exemplo anterior, ele poderia, por exemplo, repetir a frase “Eu espero mais de você” ou alguma variação disso. Então, quan-
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do o terapeuta pergunta “O que você experiencia quando diz isso?”, o paciente entra em contato com o seu desejo negado.
Estágio 4: evitação Em um típico processo de resolução, a exploração dos procedimentos de ruptura de caminho experiencial torna-se bloqueada de um certo ponto em diante. O bloqueio é indicado pelo paciente através de estratégias de enfrentamento, verbalizações defensivas e ações que funcionam para evitar ou administrar emoções associadas à experiência de ruptura. Exemplos de estratégias de enfrentamento disfuncionais incluem mudança de tópico, falar em um tom de voz fraco e em termos gerais, ao invés de assuntos específicos do aqui-e-agora do relacionamento terapêutico. O caminho evitativo envolve a exploração de crenças, expectativas e outros processos internos que inibem o reconhecimento e a expressão de sentimentos e necessidades associados à experiência de ruptura. Existem dois subtipos principais: o primeiro consiste em crenças e expectativas sobre a resposta do outro que interfere na exploração do caminho experiencial. Por exemplo, o paciente que pensa que as expressões de ira evocam retaliação por parte do outro terá dificuldade em reconhecer e expressar os sentimentos de raiva, enquanto o paciente que acredita que as expressões de vulnerabilidade e necessidade resultarão em abandono terá dificuldade em expressar tais sentimentos. As respostas do terapeuta mais facilitadoras nesse contexto são a empatia de exploração e sustentação. Suponhamos que o paciente critique os terapeutas de uma maneira geral, mas tenha dificuldade de criticar diretamente seu próprio terapeuta. Nesse caso, o terapeuta pode responder: “Percebo que você está falando dos terapeutas em geral, mas não especificamente sobre mim. Qual a sensação do risco que estaria correndo de falar especificamente sobre mim?”. Em outro exemplo, o paciente começa a pedir que o terapeuta seja mais prestativo e então qualifica sua necessi-
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dade, por exemplo, “Isto não é muito importante”. O terapeuta responde: “Percebo que você está qualificando ou diminuindo sua necessidade. O que você acha que faz com que seja difícil pedir sem qualificar?”. As explorações desse tipo são melhor conduzidas no momento mais próximo de ocorrer a evitação. Além disso, elas podem ser ditas de uma maneira que encoraje o paciente a descobrir sua experiência no momento (por exemplo, “Tenho medo de ofendê-lo”), ao invés de uma especulação intelectualmente mais distante (por exemplo, “Isso se relaciona com o meu medo de figuras de autoridade”). Uma instância de empatia sustentada pelo terapeuta é fundamental nesse ponto. É importante que ele não desafie os medos do paciente de nenhuma maneira, visto que isso apenas trará dificuldade (para ele e para o cliente) de articulá-los completamente. Sem tal articulação, o paciente perderá a oportunidade de avaliar seus medos com mais detalhes à luz das ações atuais do terapeuta. O segundo subtipo de evitação consiste nas auto-incertezas ou autocríticas, cuja função é bloquear a exploração do caminho experiencial da ruptura. Por exemplo, o paciente que acredita ser infantil por querer ajuda e, ao mesmo tempo, não ser capaz de expressar suas necessidades ao terapeuta, ou o paciente que acredita ser imaturo por ficar com raiva e achar que terá dificuldade em expressar tais sentimentos. Esse tipo de autocrítica pode ser entendida no desenvolvimento como respostas introjetadas ou negativas do outro que foram internalizadas. Isso acontece com mais freqüência quando o terapeuta sente-se ameaçado pelos sentimentos negativos ou desejos que seus pacientes estejam evitando. Em geral, é útil para o terapeuta ajudar o paciente a diferenciar e explorar diferentes estados do self nesse contexto. O terapeuta pode conduzir a atenção do paciente de maneira que ele mude para um estado de autocrítica quando começa a entrar em contato com sentimentos de assertividade e ajudá-lo a compor sua experiência como um conflito entre duas partes diferentes do self. Ele pode, então, pedir ao paciente que fale diretamente
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de cada aspecto seu, alternando entre a parte que deseja ser assertiva e a parte que crítica esse desejo. Assim, um diálogo pode ser estabelecido entre os dois aspectos do self que permitem ao paciente realmente vir a ter uma experiência tangível e integrada. Conforme o paciente explore sua evitação, ganha a percepção dos processos que interferem em sua experiência e desenvolve a noção de propriedade desses processos. Ele pode voltar ao caminho experiencial espontaneamente, ou o terapeuta pode redirecionar a atenção a esse caminho uma vez mais. Em geral, um processo de resolução envolve uma alternância entre os caminhos experiencial e evitativo, com a exploração de cada um deles funcionando para facilitar uma profundidade de exploração do outro.
Estágio 5: auto-assertividade Neste estágio, o paciente acessa e expressa necessidades fundamentais para o terapeuta. Nos termos dessa proposta, esse ato de autoassertividade seria conceitualizado como a expressão do desejo fundamental. Algumas vezes, pode ser difícil para o terapeuta distinguir entre esse tipo de assertividade pessoal e a assertividade anterior, que acontece no Estágio 3. A auto-assertividade acarreta uma aceitação da responsabilidade pelas necessidades e pelos desejos do indivíduo, ao invés de uma expectativa de que o outro automaticamente saberá quais as necessidades do indivíduo, ou que seja obrigado a satisfazê-las. Portanto, isso implica um certo grau de individuação do paciente em relação ao terapeuta. Em contraste, a expressão dos desejos e das necessidades no Estágio 3 muitas vezes tem um tom de desculpa, apologia ou reclamação. Ela é mediada pela autocrítica ou pela expectativa do paciente de que suas necessidades não serão satisfeitas. Por isso, é mais parecida com a expressão de obrigação do que a expressão de necessidade (Ghent, 1992; 1993). Uma vez que o paciente tenha começado a ser assertivo e a expressar um desejo fundamental, convém que o terapeuta responda
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de uma maneira empática e não-julgadora. Esse tipo de resposta desempenha um papel importante, provocando expectativas – tanto conscientes quanto inconscientes – que tenham sido difíceis para o paciente colocar sua assertividade em primeiro lugar. Um padrão comum para os pacientes é inicialmente serem assertivos de uma forma estruturada por seu esquema relacional característico – por exemplo, um paciente cujo pai era crítico e tirano pede ao terapeuta que seja mais confrontador. Quando a assertividade do paciente é assim, o terapeuta deve tentar empatizar-se com o seu desejo, ao invés de interpretá-lo imediatamente como uma reflexão de um esquema relacional antigo. A última resposta corre o risco de desencorajar o paciente a ser mais assertivo e também pode levá-lo a submergir em seus desejos fundamentais. Em contraste, quando o terapeuta empatiza com os desejos do seu paciente, ajuda-o a ser mais assertivo de um modo menos estruturado de seu antigo esquema. Nesse caso, o paciente pode realmente ser capaz de pedir ao terapeuta que seja mais apoiador. ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Para melhor ilustrar o modelo de resolução de afastamento delineado na Figura 21.1, exemplificaremos com uma transcrição obtida na quinta sessão de um tratamento. Elisa, 32 anos, buscou tratamento por causa de uma falta geral de direção em sua vida e por sua dificuldade específica de conseguir manter um relacionamento afetivo (romântico). Ela descreve uma história anterior de abandono: seu pai deixou a família quando tinha 8 anos, e sua mãe morreu de câncer quando tinha 10 anos. A paciente e sua irmã mais nova foram criadas por uma tia, que não era casada. Enquanto a irmã casou antes dos 20 anos, Elisa continuava solteira e morando com sua tia. A paciente começou a quinta sessão dizendo que sua agenda no trabalho era complicada e seria difícil marcar um encontro regular.
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Estágio 1: marca de ruptura de afastamento Elisa (E): Será difícil marcarmos algo... Terapeuta (T): Você está querendo dizer que sua agenda está sempre mudando? E: Humm... É isso mesmo. T: Eu posso entender que isso seja mesmo um problema. E: Dá para fazer algo por correspondência? (risos) T: Não... E: Alguns livros bons para ler? Eu não sei mais o que fazer. Tudo o que posso fazer é ouvir e ver quando eu puder... Quando estiver na área ou algo assim, se pudermos trabalhar dessa maneira. T: Então, talvez você esteja pensando... se sair você é livre e, às vezes, poderia fazer uma visita ocasional? E: Sim... você pode fazer assim? T: Humm... não. Não acho que assim possa lhe ser útil. E: Bem, você pode pensar em alguma outra coisa que poderia ajudar? T: Eu não estou bem certo do que sugerir. Que tipo de coisa você teria em mente? E: Não sei. Estou apenas perguntando. Eu achava que talvez você tivesse um conhecimento mais extenso do que acontece aí fora. Algo que se encaixasse nas minhas necessidades. T: Existem pessoas que têm horários à noite. Talvez o melhor a fazer seria ver se isso seria possível para você. (Elisa está sendo atendida apenas em horários diurnos) E: Você pode sugerir alguns nomes para mim? T: Provavelmente eu posso sugerir um ou dois. E: Outro?… Quer dizer que eu teria que falar novamente sobre mim? T: Acho que sim. E: Não sei... não sei… há sempre um dilema. Algo sempre volta à tona.
Estágio 2: desconexão e acompanhamento da ruptura T: Estou um pouco curioso e surpreso porque, quando começamos, você sabia que começaria num novo emprego. E: Sim, mas eu não sabia exatamente como seria minha agenda. T: Nada mais lhe ocorre? E: Não. O que você faria se estivesse na minha situação?
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T: Para ser franco, não sei… E: Bem, de qualquer maneira, estou apenas fazendo o que é certo... certo para mim no momento. T: Puxa… eu estou aqui me perguntando o que está acontecendo com você por dentro? E: E eu me perguntando o que você está pensando?… T: Eu percebo que estou me sentindo como tendo um tipo de impedimento com você. Isso se encaixa em sua experiência? E: Sim, um pouco. T: Você poderia dizer mais alguma coisa? E: Bem, eu não tenho certeza de que você esteja conseguindo me dar realmente aquilo que preciso. Talvez isso tenha acontecido já na última sessão também.
Ao invés de admitir diretamente sua frustração com a última sessão, Elisa começa esta sessão indicando que sua agenda pode dificultar futuros encontros. Ela não diz abertamente que quer terminar o tratamento, mas sugere que poderia terminar (por exemplo, perguntando sobre terapia por correspondência ou livros relevantes) e então pergunta ao terapeuta se ele pode acomodar-se à sua agenda irregular. Quando o terapeuta descarta essa possibilidade, ela continua a buscar a direção do terapeuta em termos de uma possível referência. O terapeuta parece estar encaixado em uma representação de papel em que responde à raiva não-instituída de Elisa e às necessidades posteriores de acomodação e orientação com irritação e impedimento. Ele finalmente articula sua percepção de que está sendo limitante, começando, assim, o processo de desconexão. Esse procedimento ajuda Elisa a reconhecer mais diretamente sua frustração.
Estágio 4: evitação E: Penso que talvez eu realmente não esteja dando uma chance às coisas. Isso acontece comigo o tempo todo. Eu sempre me questiono. T: Você começa a se sentir frustrada, mas isso parece como você começando a se questionar, é isso? E: Sim. T: É como se houvesse dois lados de você empenhados numa pequena batalha. Faz sentido? E: Sim.
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Estágio 3: assertividade qualificada T: Qual desse dois lados você está sentindo como o mais forte agora? E: Um pouco frustrada... mas talvez eu esteja precisando. T: Você está aberta a explorar sua frustração um pouco mais?
Estágio 4: evitação E: Não sei… T: Alguma noção de quais são suas reservas? E: Bem, eu não queria dizer algo que você tomasse de maneira errada. T: O que poderia acontecer se eu tomasse de maneira errada? E: Não sei... Você poderia tomar como algo pessoal. T: E o que é que tem se eu tomasse como algo pessoal? E: Eu poderia ofendê-lo… (longa pausa e Elisa parece pensativa). T: Alguma noção do que você está experienciando agora?
Este segmento vai para frente e para trás na exploração da evitação e da experiência. Depois de começar a expressar sua frustração, Elisa começa a duvidar de si mesma. O terapeuta intervém apenas ajudando a classificar os dois diferentes estados do self de Elisa (experiência versus auto-incerteza) e começando a explorar o estado que emerge como mais figurativo no momento (frustração). Isso evoca ansiedade e também evitação por parte de Elisa, o que é subseqüentemente explorado em maior profundidade. Através desse processo, a paciente é capaz de articular seu medo de machucar o terapeuta e de se expressar diretamente através de seus sentimentos negativos.
Estágio 5: auto-assertividade E: Talvez com um pouco de raiva. T: Humm... você poderia colocar alguns dos seus sentimentos em palavras? E: Por que eu deveria me preocupar com os seus sentimentos? Eu não vejo nenhum pro-
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gresso! Eu quero saber o que me fará funcionar melhor. Como eu gostaria que você me dissesse o que me faz parar de ser uma pessoa funcional. Por que sempre estou nesses apuros? Eu quero que você me diga o que fazer. T: Ok. Então, vamos ver se estou entendendo o que você está dizendo. E: Como assim? T: Você vai me dizer, por favor, se estou ou não entendendo?! Você está dizendo, “eu quero saber o que está acontecendo... o que me bloqueia de fazer o que eu quero, ou de ser mais feliz e satisfeita”. E: Sim. T: E “eu quero que você me diga ou que me mostre uma maneira”... algo desse tipo. Você poderia dizer um pouco mais a esse respeito? E: Basicamente, eu quero ouvir o que você tem para dizer. Estou expondo os fatos para você e acho que você sabe quais são meus insights... Eu quero que você se comprometa e diga-me o que pensa. (Neste ponto, ela faz um gesto empático com a mão). T: (O terapeuta espelha o gesto). Quando você faz esse gesto, que tipo de sentimentos vêm com ele? E: Eu não sei. É como... “é o seu show” ou algo parecido. T: “É o seu show?” E: Sim... você sabe... a bola está na sua quadra. T: Ok... “A bola está na sua quadra”. Isso parece como se o sentimento fosse que eu estou “mandando a bola de volta para sua quadra”, ao invés de me responsabilizar por ajudá-la… É isso? E: Sim... eu acho que é isso. T: O que você está experienciando neste momento? O processo de articulação explícita do seu medo de ferir os sentimentos do terapeuta espontaneamente acabam por ajudar Elisa a entrar em contato com sua raiva ao sacrificar suas próprias necessidades. Em resposta à empatia e à exploração do terapeuta, ela finalmente consegue articular explicitamente a necessidade que tem estado implícita em sua comunicação. Prestando atenção ao gesto da mão de Elisa, o terapeuta ajuda-a também a articular sua necessidade (“É seu show” e “A bola está na sua quadra”). O terapeuta, então, empatiza com a experiência básica dessa
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UM MODELO DE RESOLUÇÃO PARA RUPTURAS DE CONFRONTO
Estágio 4: evitação E: Eu sinto vergonha. T: Do que você sente vergonha? E: Bem... Isso parece um pouco ridículo. É quase como admitir que estou derrotada e estou pedindo ajuda… T: Pedindo ajuda? Como assim? E: Como quando se é criança. Indo pedir ajuda às pessoas para indicar um caminho ou algo assim. Você fica um pouco hesitante, talvez um pouco envergonhada, você sabe… insegura. Por que elas iriam ajudá-la?
O estado empático do terapeuta parece ter evocado alguma experiência em Elisa de não satisfazer sua necessidade básica e conseqüente ansiedade e auto-recriminação. Em resposta à exploração do terapeuta, ela também é capaz de começar a articular o medo de abandono (embora uma exploração detalhada desse medo no relacionamento com o terapeuta tenha esperado por sessões posteriores). Após esta sessão, Elisa comprometeu-se novamente com o tratamento e sua agenda nunca mais apareceu como uma questão impeditiva. Embora em muitas rupturas de afastamento a expressão de sentimentos negativos em relação à terapia ou ao processo terapêutico que não tenham sido reconhecidos constitua o estágio final do processo de resolução, esse exemplo termina com uma exploração preliminar das necessidades de cuidado da paciente que sempre foram negadas. Tal característica emergiu como particularmente importante para Elisa, cujas expectativas de abandono desempenharam um importante papel na perpetuação da oscilação entre a confiança ressentida e as necessidades indiretas de cuidado. Ainda que sua raiva tenha emergido como uma reação secundária a um desejo básico por cuidado, a expressão direta dessa necessidade constituiu um importante ato de auto-assertividade no contexto desse pro-
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cesso de resolução, ao invés da expressão indireta.
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As rupturas de confronto provavelmente despertam intensos e perturbadores sentimentos de raiva, impotência, culpa e até mesmo desespero nos terapeutas. Enquanto tais sentimentos são uma resposta comum também às rupturas de afastamento, muitas vezes o terapeuta está sendo o objeto de intensa agressão por um período prolongado de tempo particularmente difícil de lidar. Frente a tais sentimentos intensos e perturbadores, convém lembrar que o mais importante não são as intervenções terapêuticas específicas aplicadas, mas todo o processo de sobrevivência. Tolerar os sentimentos de crítica e raiva dos pacientes é uma tarefa difícil. É inevitável que o terapeuta responda como ser humano com sua própria raiva e defensividade. Todavia, deve estar consciente dos difíceis sentimentos que emergem quando experiencia o fato de ele mesmo ser objeto dessa agressão e deve estar disposto a reconhecer suas contribuições para novas interações no futuro. Sua tarefa é não permitir ou transcender os sentimentos de raiva ou defensividade, e sim demonstrar uma boa vontade consistente para agarrar-se ao paciente e trabalhar em direção a um entendimento do que está acontecendo entre ambos diante de quaisquer sentimentos difíceis que venham a emergir. O modelo de resolução de rupturas de confronto assemelha-se em muitos aspectos ao modelo de resolução para marcas de afastamento. Ele começa com a marca de ruptura no Estágio 1 e continua com o processo de desconexão no Estágio 2. Também inclui os dois caminhos paralelos de exploração: o caminho experiencial e o caminho evitativo. Contudo, difere em outros aspectos. Primeiro, a extensão com que o paciente apresenta agressão intensa, sendo que os processos de desconexão e de sobrevivência da sua agressão durante um longo período de tempo tornam-se mais centrais. Segundo, a ênfase no Estágio 3 recai na elucidação da construção da situação por par-
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te do paciente, ao invés de ajudá-lo a começar a ser assertivo e individualista. Por exemplo, o paciente pode começar a colocar em palavras a maneira como se sente desapontado com o terapeuta. Terceiro, os desejos e as necessidades emergentes no estágio final geralmente acarretam um desejo por contato ou cuidado, ao invés de um desejo por individuação. Quarto, fazemos uma distinção entre a evitação de agressão do paciente (Estágio 4) e sua evitação de sentimentos vulneráveis (Estágio 5). Nesses termos, uma marca de confronto pode ser conceitualizada como uma resposta agressiva de self que é perpetuada por um ciclo vicioso no qual o paciente acredita que seu desejo por cuidado continuará a não ser satisfeito, que os outros responderão com abandono, violação ou retaliação e que a única esperança de sobrevivência e possível remediação da situação consiste na autoproteção e na ten-
tativa de coação do outro em satisfazer suas necessidades. Por isso, nos termos de Ghent (1992), apresenta-se ao terapeuta uma expressão de necessidade que encobre uma necessidade básica. Como ilustra a Figura 21.2, a progressão comum na resolução das rupturas de confronto consiste em um movimento em direção aos sentimentos de raiva (Estágio 1), aos sentimentos de ser ultrajado, desapontado ou machucado (Estágio 3), para entrar em contato com a vulnerabilidade e os desejos básicos de cuidado (Estágio 6).
Estágio 1: marca de ruptura de confronto As rupturas de confronto começam como uma variante da habitual resposta de self do paciente. Por exemplo, o paciente tem longo impedimento de um desejo de ser cuidado e
Figura 21.2 Modelo de resolução de ruptura para rupturas de confronto.
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uma prontidão em perceber o terapeuta como mais um na longa linha de pessoas que falharão com ele. Por isso, entra no relacionamento terapêutico com uma reserva de conhecimentos de desapontamento e raiva, esperando ser atingido pelas inevitáveis falhas e omissões do terapeuta. Quando as rupturas de confronto acontecem, pode ser difícil, senão impossível, para o terapeuta evitar responder às necessidades e às críticas do paciente defensivamente, dando assim a esperada resposta do outro. Como Henry, Schacht e Strupp (1986) têm mostrado, é muito comum que as interpretações do terapeuta transmitam sutis mensagens de censura e depreciação ao paciente, ou consistam em complexas comunicações que simultaneamente transmitam mensagens de ajuda e de crítica.
Estágio 2: desconexão Quando acontece a desconexão, o processo de exploração da matriz interativa torna-se a prioridade do terapeuta. O seu primeiro passo no trabalho com a ruptura de confronto envolve a desconexão do ciclo vicioso de hostilidade e contra-hostilidade que está sendo representado pela metacomunicação do paciente sobre o confronto atual. Como discutimos no contexto das rupturas de afastamento, embora estejamos representando a desconexão como um estágio distinto, o processo de resolução total envolve um futuro ciclo de ida e volta entre os maiores e menores graus de conexão. Durante o processo de desconexão, muitas vezes é importante para o terapeuta reconhecer a responsabilidade por sua contribuição para a interação. Por exemplo, o terapeuta pode dizer: “Penso que o que está acontecendo é que eu tenho me sentido criticado por você e tenho respondido tentando culpá-lo pelo que está acontecendo na nossa interação”. Também pode ser extremamente útil nesse contexto que comente a experiência de confronto mútuo. Por exemplo, o terapeuta pode declarar: “Sinto como se eu e você estivéssemos em um poderoso confronto agora: eu tentando responsabilizá-lo por suas
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frustrações com a terapia e você tentando incutir-me culpa”. O terapeuta que se sente pressionado a provar ao paciente que a terapia ajudaria pode comentar sobre o seu dilema, ao invés de responder a essa pressão com tentativas inefetivas de persuasão ou com uma defensividade raivosa. Por exemplo, o terapeuta pode pontuar: “Estou me sentindo pressionado a convencê-lo de que posso ajudá-lo, mas sinto que nada do que eu diga irá obrigá-lo a isso”. O terapeuta que se sente criticado ou atacado pode comentar sobre essa experiência, ao invés de defender-se ou contra-atacar. Por exemplo: “Eu me sinto cauteloso em dizer qualquer coisa, porque sinto-me criticado quando eu tento responder às suas questões ou opiniões”. Esse tipo de metacomunicação pode servir para várias funções. Primeiro, pode ajudar o terapeuta a restabelecer o espaço interno que está em colapso. Segundo, pode fornecer ao paciente um feedback que o ajude a reconhecer os sentimentos negativos em relação ao terapeuta que estão negados. Terceiro, pode ajudar o paciente a assumir suas ações. Abaixo, descrevemos algumas outras possibilidades: 1. Restabelecimento do espaço interno. Quando o terapeuta é objeto de intensa agressão, pode paralisar-se por seus próprios conflitos internos relativos aos seus sentimentos agressivos, o que pode tornar impossível sua reflexão. Sob tais circunstâncias, é inevitável que aconteça um colapso no espaço interno ou no espaço analítico, isto é, o tipo de consciência dupla necessária para ser um observadorparticipante. O simples processo de articulação dos aspectos de sua experiência que sejam ameaçadores nesse contexto – “dizer o indizível” – pode iniciar o processo de libertação do terapeuta e restaurar o espaço analítico. Tal articulação não envolve a dispensa de sentimentos hostis em relação ao paciente; mais do que isso, o terapeuta deve tentar articular aspectos seletivos de sua experiência da situação de um modo tão diplomático quanto possível. Muitas vezes, é útil que ele transmita alguma noção de seus sentimentos de conflito sobre a situação. Por exemplo, o terapeuta pode revelar: “Estou realmente me sentindo atacado e
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estou lutando para não responder defensivamente”, ou “Estou relutante em dizer algo por medo de provocar outro ataque seu”, ou “Estou me sentindo atacado e com um pouco de raiva, mas estou com medo de mostrar minha raiva por medo de aumentar as coisas entre nós”. 2. Fornecer feedback para o paciente. Fornecer feedback ao paciente agressivo sobre seu impacto pode ajudá-lo a começar a ver sua contribuição para a interação. Concordamos com teóricos como Carpy (1989), Epstein (1977) e Gabbard (1996), que tentam interpretar a raiva do paciente como reflexo de uma dinâmica interna, visto que a agressão projetada pode deteriorar o processo terapêutico. Esse tipo de interpretação sugere que a raiva reside apenas no paciente, não no terapeuta, e pode funcionar como uma forma de expressar os sentimentos de raiva do terapeuta de uma maneira negada. Porém, dar um feedback desse tipo nem culpa o paciente pela interação, nem pretende colocar o terapeuta fora da interação, pois equilibra-se em algum tipo de situação terapêutica que seja mais neutra. Além disso, quando o terapeuta luta com o processo de articular selecionados aspectos de seus sentimentos de dor e conflito sobre uma interação agressiva, o esforço em si transmite ao paciente a mensagem sadia de que sentimentos agressivos não são tão tóxicos assim, podendo-se falar e lidar com eles explicitamente. Isso pode realmente ajudá-lo a se sentir mais confortável sobre o completo reconhecimento de seus próprios sentimentos de raiva. 3. Ajudar o paciente a assumir suas ações. As rupturas de confronto ocorrem em termos contínuos de como – direta ou indiretamente – o confronto inicial é expresso. Quando o confronto direto acontece de maneira mais direta, o terapeuta não precisa começar facilitando uma expressão mais direta da necessidade básica ou dos sentimentos negativos. No entanto, em muitos casos, o confronto inicial está misturado com características de marca de afastamento. Quando isso acontece, o terapeuta pode ficar envolvido em uma representação de papel que é particularmente difícil de se ver,
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porque o paciente está comunicando-se de um modo complexo e incongruente. Por exemplo, ele pode criticar a terapia, mas ao mesmo tempo negar que esteja infeliz com as coisas como são. Nesse caso, a primeira tarefa do terapeuta, como parte do processo de desconexão, é tentar esclarecer a natureza da comunicação incongruente que está acontecendo. Esse processo ajuda o paciente a expressar os sentimentos negativos básicos de maneira direta, assumindo, assim, suas ações. Por exemplo, o primeiro passo no trabalho com um paciente que expressa sarcasticamente seus sentimentos negativos em relação ao terapeuta, mas ao mesmo tempo age de um modo conciliador, é ajudá-lo a reconhecer os sentimentos de raiva que fundamentam o sarcasmo e expressá-los diretamente. O primeiro passo no trabalho com o paciente que está implicitamente fazendo exigências do terapeuta é ajudá-lo a fazer as exigências mais explicitamente. Uma intervenção útil para facilitar esse processo é que o terapeuta descubra o impacto que o paciente tem sobre ele. Por exemplo, o terapeuta pode dizer: “Sinto-me atacado e protegido ao mesmo tempo”, ou “Sinto como se você, de uma maneira muito cuidadosa, estivesse tentando fazer com que eu faça mais por você”. Assim como no caso do modelo de afastamento, intervenções desse tipo podem levar a uma exploração da experiência associada à ruptura ou à evitação de tal experiência. Também como no caso do modelo de afastamento, essa fase do processo de resolução envolve uma oscilação de ida e volta entre os caminhos experiencial e evitativo. A transição para o Estágio 3 é facilitada por diversos processos que acontecem no Estágio 2. Por exemplo: 1. O terapeuta pode começar o processo de articulação que realmente está acontecendo na interação e explorar a construção que o paciente faz dele pela metacomunicação sobre a interação, e não pela simples retaliação ou afastamento. Por exemplo, o terapeuta diz: “Tenho a sensação de que tudo o que eu digo você acha que é da maneira errada. Isso se encaixa em sua experiência?”. O paciente,
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conjecturalmente, reconhece que isso acontece, e o terapeuta pede-lhe que elabore essa experiência. Ou o paciente pede uma explanação de como o terapeuta trabalha, e o terapeuta responde: “Embora eu ache importante responder à sua questão, tenho a sensação de que você não aceitará nada do que eu diga. Isso se encaixa em sua experiência?”. Em resposta, o paciente reconhece que pode existir algo na percepção do terapeuta. A exploração futura subseqüentemente ajuda o paciente a articular a construção associada com não achar nada aceitável (por exemplo, uma sensação de futilidade e desesperança). 2. O terapeuta reconhece o impacto do paciente sobre ele, incluindo quaisquer sentimentos de vulnerabilidade ou impotência que apresente. Assim, o terapeuta pode diminuir o ataque e preparar o terreno para a exploração da construção que o fundamenta. 3. O terapeuta pode ajudar o paciente a confrontá-lo mais diretamente, caso esteja fazendo isso de maneira indireta. Dessa maneira, ele desenvolverá uma maior consciência dos sentimentos que motivam o confronto, facilitando, assim, o acesso aos processos de construção básicos. 4. Às vezes, a habilidade do terapeuta em expressar seus próprios sentimentos de raiva de um modo reflexivo ou de reconhecer seus próprios conflitos em relação ao seus sentimentos pode ajudar a estabelecê-lo como pessoa real para o paciente, ao invés de objeto. Além disso, em contraste com as tentativas de interpretar a raiva do paciente ou de ocultar seus próprios sentimentos perturbadores, esse tipo de reconhecimento pode ajudar o paciente a experienciar seu próprio poder, dando-lhe a necessária segurança para começar a explorar sua construção básica. Expressando seus sentimentos negativos e agressivos de um modo regulado, o terapeuta pode desempenhar um importante papel na desintoxicação da agressão do paciente em relação a ele, fornecendo um modelo por meio do qual a agressão pode ser processada sem ser catastrófica (Carpy, 1989; Winnicott, 1965). 5. Quando o terapeuta reconhece sua própria contribuição para a interação, a experiência de que o paciente tenha um sentimento
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persecutório ou de ataque pode diminuir. Como resultado, ele pode sentir menos necessidade de se proteger do ataque, permitindo, então, que comece a explorar sua construção da situação de uma maneira mais diferenciada.
Estágio 3: exploração de construção A tarefa do terapeuta no Estágio 3 é ajudar o paciente a começar a revelar sua construção da interação. Por exemplo, a experiência do paciente em relação ao terapeuta é de que este o culpa pelo fato de o tratamento não estar progredindo mais rapidamente, ou recusa-se a fornecer a direção necessária. A tarefa do terapeuta aqui é elucidar as nuances das percepções do paciente (que, muitas vezes, estão associadas aos sentimentos de raiva, ultraje ou desapontamento). Esse processo de revelação envolve uma exploração fenomenológica da experiência consciente do paciente e uma articulação do que está à margem da consciência, mas não completamente explícito. Ele não envolve interpretações que precisam de inferências sobre as dinâmicas inconscientes. Como discutimos anteriormente, as interpretações da raiva do paciente em termos de agressão negada ou inveja normalmente não são úteis nesse estágio. Do mesmo modo, tentar desviar a raiva do paciente, interpretandoa como uma resposta à necessidade básica ou à vulnerabilidade, normalmente não é produtivo. Como sugerem alguns autores (Gray, 1994; Busch, 1995), tentar desviar a experiência consciente do paciente pode ser encarado por ele como uma atitude não-empática e sem poder. Além disso, tal tentativa pode ser motivada, em parte, pelas tentativas do terapeuta de sair da linha de fogo e colocar-se de volta no controle. É importante que o paciente experiencie qualquer sentimento de raiva, dor ou desapontamento como válido, aceitável e tolerável, antes que possa começar a explorar os desejos primários que são mais vulneráveis por natureza. O reconhecimento das necessidades básica de um tipo mais vulnerável deve emergir de uma maneira orgânica fora do relacionamento terapêutico quando o paciente e o terapeuta lutam juntos para trabalhar atra-
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vés de qualquer ciclo agressivo que esteja sendo explorado. Quando o terapeuta consegue começar a perceber sua própria contribuição à matriz interativa, pode ser útil reconhecer essa contribuição abertamente. Quando não pode inicialmente ver sua contribuição para a situação, deve encorajar o paciente a articular sua percepção de como o terapeuta tem contribuído (Aron, 1998). Nesse processo, é importante que o terapeuta esteja aberto a aprender algo novo sobre si mesmo e sua contribuição para a interação, ao invés de pensar no processo como exclusivamente uma maneira de exploração do processo de construção básica do paciente. Essa abertura pode transformar a situação através da redução da necessidade do paciente de ser defensivo e fazer com que seja mais fácil verbalizar as sutis percepções que podem ser difíceis de serem articuladas completamente na ausência de uma audiência receptiva. Por exemplo, em um caso no qual o paciente sentia que seu terapeuta era insensível e rígido para reformular seu horário ao marcar uma nova sessão, foi importante para o terapeuta estar aberto ao reconhecimento dessa possibilidade para facilitar a exploração do conceito do paciente de que o terapeuta não cuidava dele. Tal situação levou a uma exploração da descrença do paciente no cuidado das pessoas em geral. Em outro caso, em que a terapeuta tinha dado à luz recentemente, foi importante para ela ouvir e aprender sobre como mudou sua conduta em relação ao paciente antes que ele pudesse entrar em contato e explorar medos relativos à disponibilidade emocional dos outros. Quando o paciente articula as nuances de suas percepções, o terapeuta começa a entendê-lo a partir de um ponto interno de referência. Quando isso acontece, é menos provável que o terapeuta tome as coisas como pessoais e responda defensivamente. Ao mesmo tempo, o paciente começa a se sentir entendido e validar-se, e um pouco de sua fúria e raiva contidas começam a dissipar-se. Em alguns casos, a habilidade do terapeuta em ajudar o paciente a revelar sua construção e empatizar com sua experiência constitui o fim do processo de resolução. Em outros casos, as coisas encaminham-se para uma exploração
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mais profunda dos desejos básicos de uma natureza mais vulnerável (Estágio 6), um processo que será discutido a seguir.
Estágio 4: evitação de agressão Durante os Estágios 2 e 3, é importante para o terapeuta monitorar as mudanças sutis dos estados de self do paciente em uma base futura. Até mesmo aqueles pacientes que são muito agressivos ou hostis com o terapeuta experienciarão momentos de ansiedade ou culpa em relação à expressão de tais sentimentos agressivos e tentarão anular a ofensa que sentem, fazendo isso para justificar suas ações ou tentativas de despersonalizar a situação e neutralizar o perigo sentido. Se o terapeuta sente-se muito dominado por sua própria emocionalidade, responderá mais intensamente à agressão do paciente, podendo ter dificuldade em trilhar novas mudanças. Conseqüentemente, perderá uma importante oportunidade de explorar um modo habitual de funcionamento do paciente. Este pode ir e voltar em um ciclo entre um estado de raiva em relação ao terapeuta, culpando sua expressão de agressão, e um estado de raiva detonado pelos sentimentos de culpa que são experienciados como intoleráveis (Horowitz, 1987). Nesse tipo de situação, é bastante útil que o terapeuta percorra essas sutis mudanças nos estados de self e ajude o paciente a perceber os processos internos que levam a tais mudanças.
Estágio 5: evitação de vulnerabilidade Um segundo tipo de evitação que às vezes emerge durante a resolução de rupturas de confronto consiste no afastamento defensivo dos sentimentos vulneráveis. Em algumas situações, o paciente começará a entrar em contato com sentimentos vulneráveis e, então, voltará a um estado mais seguro e familiar de agressão. Quando isso acontece, pode ser útil para o terapeuta trilhar a mudança e tentar direcionar a atenção do paciente para ela. Por exemplo, o terapeuta pode
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notar: “Minha sensação é de que você entrou em contato com alguma tristeza aqui e repentinamente mudou para uma instância mais dura e agressiva. Você teve alguma percepção disso?”. Se o paciente for capaz de começar a perceber a mudança, o terapeuta pode explorar seus processos internos. Por exemplo, o terapeuta pode perguntar: “Você tem alguma noção do que aconteceu dentro de você um pouco antes da mudança?”. Primeiro, o paciente terá dificuldade em começar a perceber esse tipo de mudança. Mesmo quando ele comece a perceber mais, continuará a ter dificuldade em identificar quais são os sentimentos internos relevantes que a disparam. Entretanto, com o passar do tempo, ele pode desenvolver algumas facilidades ao trilhar suas mudanças no estado de self e começar a explorar os processos internos que detonam essa mudança (por exemplo, sentimentos de abandono ou autocrítica por ser vulnerável).
Estágio 6: vulnerabilidade As necessidades primárias e os desejos que fundamentam a agressão do paciente podem levar um longo tempo para emergir (meses ou anos); em alguns casos mais extremos, eles nunca emergem. Quando o terapeuta demonstra, consistentemente, durante um extenso período de tempo, uma disposição para levantar os conceitos que fundamentam a agressão do paciente, tenta entendê-los a partir do ponto interno de referência do paciente, tem boa vontade em explorar e reconhecer sua própria contribuição para a interação e habilidade de sobreviver à agressão do paciente, esses fatores preparam o terreno para os sentimentos e os desejos vulneráveis que ainda não emergiram defensivamente. No início, eles emergem em forma de reconhecimento de um desespero. Em contraste com os estágios anteriores do processo de resolução, nos quais o desespero pode emergir de um modo cínico e raivoso que afasta os outros, a partir de agora o relacionamento desenvolve-se para um ponto em que existe algo diferente tanto sobre o paciente quanto sobre o terapeuta. Com o passar do
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tempo, o paciente confia no terapeuta a ponto de poder começar a deixá-lo entrar na dor e na tristeza associadas ao seu desespero, e o terapeuta desenvolve-se a ponto de ter uma apreciação mais profunda do paciente como um todo e é mais capaz de empatizar com seu desespero. A experiência do terapeuta em tentar cuidar do paciente em sua dor e em seu desespero pode ser uma nova experiência importante para aquele paciente que permite, pela primeira vez, escapar de seu sentimento de isolamento e começar a ter mais compaixão por si mesmo. Isso, por sua vez, facilita o emergir das necessidades básicas por cuidado que têm sido negadas. É importante para o terapeuta responder a quaisquer estados primários e de sentimentos mais vulneráveis que apareçam nesse contexto de uma maneira empática e validadora. Esses sentimentos não devem ser vistos como necessidades infantis arcaicas, que devem ser entendidas e renunciadas, ou até mesmo como o desenvolvimento de desejos remobilizados, mas como desejos humanos normais de cuidado e apoio. Em alguns casos, pode ser interessante que o terapeuta gratifique o desejo do paciente. Por exemplo, um paciente que sempre teve grande dificuldade em reconhecer e expressar as necessidades básicas, eventualmente chegou a um ponto na terapia em que começou a entrar em contato com algumas dessas necessidades. Em uma sessão, ele pediu diretamente alguns conselhos ao terapeuta sobre como lidar com um conflito com um amigo – algo que ele nunca havia feito. O terapeuta respondeu dando-lhe o conselho e perguntando como ele se sentiu. Ele respondeu abrindo-se, contando como entrou em contato com a confiança e a gratidão em relação ao terapeuta por estar disposto a agir em seu favor e com o desejo básico de cuidado que motivou tal questão. Em situações nas quais o terapeuta não é capaz – ou não quer – de gratificar o desejo básico, convém que ele seja empático e compreensivo enquanto, ao mesmo tempo, deixa claro quais são os seus limites. Por exemplo, pode ser importante para o paciente reconhecer seu desejo de que o terapeuta magicamente o transforme e que empatize com esse dese-
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jo, ao invés de invalidá-lo. Ou o terapeuta pode não conceder quando o paciente quer estender o tempo da sessão, mas empatiza com o desejo. Ou o terapeuta pode empatizar com o desejo de contato pessoal entre as sessões sem concordar com isso e sem denegri-lo como algo meramente transferencial. Em tais casos, é importante empatizar com o desejo básico, a dor e a frustração que são resultados inevitáveis de se ter um desejo não realizado. Durante esse processo, o paciente gradualmente passa a experienciar seu terapeuta como alguém que está ali para ele. ILUSTRAÇÃO CLÍNICA Freqüentemente, as rupturas de confronto são resolvidas durante várias sessões, quando o terapeuta e o paciente, gradual e repetidamente, trabalham nos estágios anteriores do processo de resolução, construindo, assim, a confiança necessária para trabalhar nos estágios posteriores. Contudo, em alguns casos, esse processo pode levar meses ou anos. Nas transcrições a seguir, ilustramos o processo de resolução de ruptura com revelações feitas durante várias sessões para a paciente identificada como Joan. PRIMEIRO EPISÓDIO
Estágio 1: marca de ruptura de confronto Joan (J): Na semana passada, você me perguntou como eu entendo que a terapia funciona. E você não me deu muito retorno. E agora é minha vez. Eu quero saber como a terapia que você faz se baseia e como me ajudará a resolver meus problemas.
Estágio 2: desconexão Terapeuta (T): Eu me sinto questionado. J: Você teve sua chance a semana passada. Esta semana é minha. Nós não vamos perder tempo esta semana!
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T: Bem, eu vou tentar te dar uma breve resposta… Basicamente, a maneira como eu trabalho envolve trabalhar com você para ajudála a tomar consciência dos padrões de autoproteção presentes nos seus relacionamentos com as outras pessoas. Normalmente, isso envolve a exploração dos seus sentimentos e pensamentos em situações-problema. Além disso, muitas vezes, uma grande quantidade de tempo é gasta ao explorarmos coisas que acontecem em nosso relacionamento e que nos ajudam a esclarecer pontos de atrito em outros relacionamentos. J: Mas como isso vai me ajudar?… T: Bem... é difícil responder-lhe de uma maneira abstrata. J: Eu não estou interessada numa resposta abstrata. Eu quero uma resposta direta, concreta. T: Eu gostaria de responder sua questão, mas me sinto tão pressionado que é difícil pensar claramente agora. J: Então, diga algo que me mostre como trabalharemos para que eu possa ver o que está acontecendo. T: Veja... mesmo que eu diga... continuo sentindo o mesmo tipo de pressão. J: Então, diga algo significativo. T: Eu gostaria, mas me parece que, por mais que eu tente, nada do que eu diga a satisfará. Agora eu estou um pouco confuso. J: Bem, eu não quero desistir.
Ao invés de responder diretamente ao conteúdo da questão de Joan, o terapeuta metacomunicou seus sentimento de estar “sendo questionado”. Isso serve para uma série de funções. Primeiro, o processo de reconhecimento de um sentimento desconfortável ajuda a reabrir o espaço interno e deixar o terapeuta livre para observar mais claramente o que pode estar acontecendo na interação, em vez de responder inconscientemente ao seu sentimento de pressão. Segundo, começar a descobrir as implicações relacionais da questão de Joan, como evidenciado por sua resposta “Você teve sua chance a semana passada. Esta semana é minha. Nós não estaremos perdendo tempo esta semana!”. Isso sugere que a questão de Joan não é algo que vem genuinamente de um lugar de abertura e curiosidade, mas da raiva
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pela prova de que o terapeuta pode ajudá-la. Contudo, o terapeuta vê sua questão como uma avaliação, que ele pode estar errado em sua suspeita de que nenhuma resposta será satisfatória para ela. Além disso, não responder ao conteúdo manifesto da questão pode ser experienciado pela paciente como desrespeito. Entretanto, a resposta de Joan (“Mas como isso vai me ajudar?” e “Então, diga algo significativo”) aprofunda a sensação do terapeuta de que nada do que ele diga irá satisfazê-la. Descobrir sua experiência de estar emperrado leva a uma mudança. Joan desiste e começa a expressar seu medo de não estar sendo ajudada. Talvez, exista um elemento de acomodação ou confiança em sua desistência.
Estágio 3: exploração de construção T: Parece-me que estamos compartilhando um dilema aqui. Minha sensação é de que ambos estamos trabalhando o mais duro que podemos, mas que de alguma maneira estamos emperrados, não é mesmo? J: Você não acha que desperdiçamos a sessão da semana passada? T: Está muito claro para mim o fato de que você não ficou feliz com a sessão da semana passada e é isso que conta. J: Sim... T: Você estaria disposta a me dizer mais sobre como foi a sensação de termos uma consulta desperdiçada? J: Nada ainda funciona em minha vida. Quando eu desisto, como fiz semana passada, nada mais funciona. T: Humm... o que você está fazendo agora? J: Bem... eu acho que estou desistindo um pouco. T: E como é isso para você? J: Eu começo a me sentir comprometida. É como se eu tivesse que me permitir fazer uma lavagem cerebral para ser ajudada. T: Isso não parece muito bom. J: Não… T: Entendo… corremos o risco de supersimplificar. Parece-me que você tem duas estratégias básicas para conseguir o que quer das pessoas e sua sensação é a de que nenhuma delas realmente funciona. Uma delas seria se permitir “fazer uma lavagem cerebral” para
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comprometer-se com algo, e a outra é sair como um touro... J: Isso!… “Dando tiros”… (Risos) T: Dando tiros. J: A primeira estratégia é pior, porque eu acabo me machucando e me sinto pior depois. T: Então, sair agredindo os outros (“dando tiros”) é, dos males, o menor? J: Sim. T: Ok... eu não sei qual dessas duas estratégias é uma alternativa para você, mas estou disposto a trabalhar com você para encontrar uma que seja boa. Isso parece vantajoso para você? J: Sim.
O terapeuta começa esse segmento estruturando a situação em termos mútuos para facilitar o desenvolvimento da aliança (“Nós compartilhamos um dilema aqui”). Em resposta a essa prova, Joan consegue articular seu dilema de ter que escolher entre duas estratégias que não funcionam para ser ajudada: ou comprometer-se e permitir-se uma “lavagem cerebral” ou ser agressiva. Embora isso seja apenas o início, começamos a ter uma pequena noção do esquema relacional da paciente. Provando a experiência de Joan no momento, o terapeuta esclarece que até mesmo essa mudança momentânea de sua instância agressiva é experienciada por ela como um compromisso, mas, empatizando com esse dilema (“Isto não soa muito bem”), ele pode reduzir o obstáculo que tal esquema potencialmente apresenta para o senso de colaboração que está começando a desenvolver. Ele tenta facilitar o desenvolvimento de uma aliança, sugerindo uma meta terapêutica que faça sentido para Joan nesse contexto: trabalhar juntos para descobrir uma alternativa para suas atuais estratégias: ou de comprometer-se ou de aproximar-se das outras pessoas (“dando tiros”).
Uma Semana Depois J: Eu não tive chance de fazer o que imaginei que faria, porque estive muito ocupada. T: Desculpe, mas eu não estou entendendo… J: Bem, minhas diferentes táticas. Lembra-se... uma tática não funciona, a segunda também
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista não funciona, então ficamos de tentar uma terceira! T: Entendi, você está dizendo que não tem a sugestão de outra estratégia que lhe fosse viável.
Estágio 1: marca de ruptura de confronto J: Ah, sim eu tenho! Apenas não tive chance de fazer porque foi uma semana muito ocupada, mas definitivamente vou colocá-la em prática na próxima semana (sorrindo). T: Percebo que você está sorrindo agora. Você percebeu? J: Sim. T: Sim? Qual a sua experiência por trás deste sorriso? J: Estou dizendo a você aonde se encontra a estratégia e também não estou dizendo. Sabe… você não terá o melhor de mim.
Esta sessão começa com uma marca de confronto misturada com características de uma marca de afastamento. O terapeuta facilita uma expressão mais direta da agressão da paciente, chamando a atenção de Joan para uma marca interpessoal – seu sorriso incongruente – e explora sua experiência. Em resposta, ela expressa seus sentimentos agressivos e de autoproteção de um modo mais direto: “Estou dizendo a você aonde se encontra a estratégia e também não estou dizendo. Sabe… você não terá o melhor de mim”.
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T: Espere um pouco! Agora estou me sentindo como qualquer outro, englobado na massa que deixa tudo para lá. J: Por que não? Você é uma pessoa. Você faz parte da humanidade. Por que não deveria ser englobado na massa? T: Mas eu não estou sentindo que sou tratado como uma pessoa. Parece que você está me englobando na massa. J: Olhe para você! Você é como todo mundo. Você sabia que a coisa não estava funcionando há tempos e o que fez a respeito? A mesma coisa que todo mundo faz. Nada! Você merece ser englobado na massa. Ou, então, faça alguma coisa para que não mereça! T: Estou me sentindo relutante em abrir a boca. J: Sim... bem... você apenas usou uma das minhas tiradas (parecendo encabulada).
Em resposta à tirada de Joan, o terapeuta revelou sua experiência de estar “englobado na massa”. Existe algo impessoal no seu ataque, como se o terapeuta fosse simplesmente outro exemplar do objeto perpetrador, em vez de um indivíduo específico com quem ela está brava por causa de seus atos. Seus comentários, porém, ao invés de ajudar a desconectála da interação, enfureceram-na. Todavia, quando o terapeuta comenta sua “relutância em abrir a boca” por medo de detonar outra tirada, algo acontece e muda.
Estágio 4: evitação de agressão Estágio 2: desconexão T: Humm... é isto... J: Da mesma maneira que não existe uma boa razão para você não ter consertado o bebedor lá fora. (Joan está referindo-se a um bebedor na sala de espera que esteve quebrado por um tempo. Ela perguntou ao terapeuta de passagem, no início da sessão, se ele sabia que estava quebrado e ele casualmente respondeu que sabia que já estava quebrado há um tempo.) Você sabia que não estava funcionando e não fez nada. Você não disse ter tentado consertá-lo? Puxa vida… você é como todo mundo… que deixa tudo para lá. Eu estou doente e cansada das pessoas me tratarem como lixo!
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T: O que está acontecendo com você agora? J: Estou me sentindo nervosa. T: Por que você está nervosa? J: Eu revelei a você meu eu interior e eu sei que as pessoas não gostam de obstáculos como esses. Mas eu realmente não me importo, porque elas merecem isso. T: Você acha que eu sou um obstáculo para você agora? J: Eu sou cuidadosa quando faço isso e o faço apenas para as pessoas que posso manter distantes assim. T: Você não está respondendo à minha pergunta. J: Eu nunca respondo perguntas (sorrindo). Eu sempre as evito.
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Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. T: Você tem alguma objeção em responder a essa pergunta agora? J: O que eu realmente sinto é inaceitável para as pessoas. T: Se possível, eu gostaria de personalizar isso. Você acha que o que sente seria inaceitável para mim? J: Sim. Eu estou de “saco cheio” do mundo e tenho fantasias do que eu gostaria de fazer às pessoas… T: O que você gostaria de fazer comigo? J: Eu não sei. Não é a pessoas específicas no mundo. Bem, é claro, se eu pudesse fazer o que gostaria de fazer com você, eu lhe daria uma porrada e faria você me dar presentes da maneira que eu quero (olha para fora e sorri quando diz isso). T: Você estaria disposta a realmente olhar para mim quando diz isso? J: (Sorrindo) Ao invés de olhar para fora, onde é mais seguro e mesmo impessoal? T: Você tem noção do que estaria evitando ao não olhar para mim? J: Eu acho que é difícil para mim expressar minha raiva em relação a você e dizer-lhe o que quero, se eu viesse a me referir a você como uma pessoa. É mais fácil pensar em você como uma entidade – como uma pertencente à massa da humanidade que está lá fora. T: Você pode me dizer mais sobre sua dificuldade em se referir a mim como uma pessoa agora? J: Não sei, mas há algo a fazer com o conhecimento de que você é como qualquer outra pessoa. Eu não posso depender de ninguém.
Em resposta ao último esforço do terapeuta de metacomunicar-se, Joan torna-se autoconsciente e ansiosa sobre o impacto de seu ataque ao terapeuta. Ele tenta explorar a natureza de sua evitação, e ela responde de uma maneira generalizada (por exemplo, “As pessoas não gostam de ser obstáculos” e “O que eu realmente sinto é inaceitável para as pessoas”). O terapeuta tenta manter a exploração baseada no aqui-e-agora da interação para reduzir a possibilidade de intelectualização e promover a descoberta experiencial (por exemplo, “Você acha que o que sente seria inaceitável para mim?”). Em resposta à insinuação global de Joan sobre suas fantasias agressivas em relação ao mundo, o terapeuta
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novamente a redireciona para o aqui-e-agora do relacionamento terapêutico (“O que você gostaria de fazer comigo?”). Quando Joan afasta-se, quando ela raivosamente expressa seu desejo de que o terapeuta lhe dê presentes, o terapeuta volta sua atenção para o afastamento e explora sua evitação. Esta é um ilustração do tipo de mudança rápida nos estados de self descritos anteriormente. Em resposta, Joan pode começar a articular a natureza de sua evitação de maneira mais completa. Sua afirmação de que é mais fácil ver o terapeuta como “uma das massas da humanidade”, e não como uma pessoa, apóia as intuições iniciais do terapeuta sobre “estar englobado na massa”. Ela também sugere o medo básico de abandono que lhe dificulta ser mais vulnerável com o terapeuta. DOIS MESES DEPOIS Joan chega 10 minutos atrasada para a sessão e começa sem dizer nada sobre isso.
Estágio 1: marca de ruptura (confronto misturado com características de afastamento) J: Eu copiei o que estava escrito no livro a semana passada, mas caiu da minha bolsa e eu não acho. T: O que você quer dizer com “o que tinha escrito no livro”? J: Eu já falei sobre o livro. (A paciente está referindo-se a um livro do qual ela já tinha falado anteriormente, que fornece uma avaliação popular de uma psicoterapia bem-sucedida, embora o terapeuta ainda não tenha compreendido.) O que há no livro?
Estágio 2: desconexão T: Estou achando você um pouco crítica agora. J: Você está sempre me fazendo perguntas sem sentido. Eu quis dizer exatamente o que eu disse! Ora, o que haveria no livro? T: Eu vou dizer o que estou achando, posso? Estou achando que você...
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Psicoterapias Cognitiva e Construtivista J: Eu disse que copiei o que estava no livro. É um livro sobre psicoterapia! T: Eu vou dizer o que está acontecendo comigo. Minha experiência é que você está sugerindo algo e eu tenho... J: Qual a dificuldade? O que “livro” significa? O que “psicoterapia” significa? O que “copiar” significa? Eu não estou entendendo o que é tão difícil de entender... “que saco”! Eu estou usando palavras... então por que as pessoas têm dificuldade em me entender? Eu quero dizer exatamente o que eu digo! Quando eu me explico, as pessoas dizem que eu estou divagando e se cansam e não me escutam. Quando corto as palavras desnecessárias, elas não entendem o que eu digo. Então, o que há no livro? O que é dito no livro???
Joan começa a sessão de uma maneira crítica. O terapeuta, quando afirma que ela está sugerindo algo negativo, é genuinamente confundido e tenta esclarecer. Joan continua a ser crítica e seus comentários começam a ter um tom de rebaixamento (“O que há no livro?”). Na tentativa de metacomunicar-se, o terapeuta reflete a qualidade crítica da comunicação da paciente, mas não diz nada sobre seu tom de raiva rebaixadora ou de sua própria resposta afetiva a isso. Talvez ele se sinta muito pressionado e ansioso sobre sua própria resposta interna para comentar isso? Em resposta, Joan intensifica seu ataque.
Estágio 2: desconexão T: Eu não gosto de ser tratado assim. J: Então também não me trate assim! E não me pergunte o que eu quero dizer! Como é que você não entendeu o que eu quis dizer?! Estou tentando achar o que você não entende. A palavra “livro” ou a palavra “copiar”? O que é que você não entende disso? T: Você está me rebaixando agora e eu não gosto disso. J: Eu não gosto que você me rebaixe também. E o que você quis dizer com “eu não entendo você?”. T: Estou receoso em dizer qualquer coisa agora, porque eu... J: O que há para ficar receoso? Por que você não pode explicar o que quis dizer com “você
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não entende”? A menos que tenha sido apenas uma estratégia de terapia! T: Veja... minha sensação é de que qualquer coisa que eu dissesse provocaria você novamente, então estou hesitante (silêncio de aproximadamente um minuto). Durante esse silêncio, pensei em coisas para dizer, mas eu me sinto preocupado que você tome de maneira errada qualquer coisa que eu diga. J: Qual a diferença? Estou sempre dizendo isso, não é? “Não subestime as pessoas e não as trate como idiotas”. Quando eu tento tratálas como se elas soubessem o que está acontecendo, elas dizem que estou jogando…
O terapeuta finalmente direciona o aspecto hostil da comunicação de Joan e sua própria resposta a ele (“Eu não gosto de ser tratado dessa maneira” e “Você está me rebaixando agora e eu não gosto disso”). Começando a reconhecer explicitamente alguns de seus próprios sentimentos negativos, afirmando-se e comentando a hostilidade de Joan, o terapeuta começa a restabelecer o espaço interno para si mesmo, no qual ele pode proceder sua experiência mais completamente e estar mais presente na interação com a paciente. Isso pode ser entendido como um “ato de liberdade”. Além disso, começando a comunicar alguns dos seus sentimentos negativos para Joan de uma forma modular, ele se restabelece como um sujeito para ela, e não como um objeto. A habilidade de expressar seus próprios sentimentos negativos de uma maneira modular também desempenha um papel de realmente ajudar Joan a desintoxicar-se de seus próprios sentimentos negativos. A resposta imediata de Joan é de contraculpa (“Eu não gosto que você me rebaixe também”) e contínua provocação (“E o que você quis dizer com ‘eu não entendo você?’”). O terapeuta, percebendo que qualquer resposta direta manteria ou aumentaria o ciclo atual, metacomunica seu dilema (“Minha sensação é de que qualquer coisa que eu dissesse provocaria você novamente, então estou hesitante”). Depois, ele quebra o silêncio que se segue metacomunicando seu dilema (“Durante esse silêncio, pensei em coisas para dizer, mas eu me sinto preocupado que você tome de ma-
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neira errada qualquer coisa que eu diga”). Isso funciona para prevenir o silêncio de transformar-se numa luta poderosa sobre quem quebrará o silêncio e para reassegurar a Joan que ele não está abandonando-a completamente. Sua resposta (“Qual a diferença?”) sugere que ela pode experienciar esse comentário como uma tentativa de reasseguramento, e seu tom começa a mudar da raiva para a desesperança.
Estágio 3: exploração de construção T: Parece que nada do que você faz funciona, não é? J: Cada vez mais eu me convenço de que não é um sentimento. É um fato. T: Está censurado se você faz e, ao mesmo tempo, se você não faz… J: É isso. Então, qual a diferença? T: Você se sente abandonada? J: É claro. Eu venho batendo a cabeça a vida toda. Eu li ontem no jornal sobre um vidente que previu todo tipo de desastres no passado e agora ele está prevendo outra queda na economia e todo tipo de desastres globais. E, você sabe, eu acho que ele está certo… T: Que tipo de previsões você está fazendo para si mesma? J: Eu não vou mais me preocupar. Vai ser sempre o mesmo lixo (baixando muito a voz). T: É como se fosse um sentimento de desesperança? J: É… eu acho. T: E você está se sentindo muito desesperançosa sobre as coisas entre nós aqui na terapia, é isso? J: Ah sim!… Eu desisti de nós a semana passada. Após aquela ruptura que você administrou duas semanas atrás, lembra? E depois você jogou tudo fora. Claro, é por isso que eu não me preocupei de fazer um esforço para chegar na hora hoje. T: Então, você se sentiu desesperançosa ao vir aqui hoje? J: Bem, eu estava desafiadora... queria ver aonde iríamos chegar, mas pensando bem… que diferença faz se eu chego ou não na hora? Dez minutos aqui a mais ou a menos não farão nenhuma diferença. T: Humm... Então você está se sentindo desesperançosa e desafiadora? J: Sim.
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A exploração dos sentimentos de desesperança de Joan sobre a atual interação leva a um sentimento mais geral de desesperança em relação ao futuro. Conforme começa a entrar em contato com seus sentimentos de desesperança, Joan começa a externalizar os sentimentos em termos de um artigo que leu no jornal. O terapeuta redireciona-a a um foco interno e, então, enfoca o relacionamento terapêutico. Em resposta, ela começa a falar de seus sentimentos de desapontamento sobre não sentir que estão mantendo o progresso que fizeram há duas sessões e reconhece espontaneamente que seu atraso na sessão foi uma reflexão de sua desesperança e de seu desafio.
Estágio 1: marca de ruptura de confronto J: Nós já passamos por isso antes e não nos levou a lugar nenhum.
Estágio 3: exploração de construção T: A você parece fútil? J: Sim. Eu não posso me dar ao luxo de continuar assim, sem fazer nada. T: Eu ouço uma real sensação de desespero no que você está dizendo. J: Acho que sim. Estou afastada do trabalho há um ano e meio, e as pessoas começam a se perguntar o que há de errado comigo. E temos tido sessões importantes, mas eu ainda não sinto as coisas mudando. T: Você está disposta a me falar mais sobre seu sentimento de desespero?
Estágio 5: evitação de vulnerabilidade J: Não sei. Eu tento não pensar sobre isso. T: O que aconteceria se você explorasse isso mais profundamente comigo, agora? J: Eu acho que começaria a me sentir ainda mais desesperançosa e então ficaria fraca e patética. T: É muito desconfortável entrar no sentimento de desesperança comigo? J: Sim, eu não tenho certeza se confio em você estar aqui para mim (voz começa a perder o vigor).
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Estágio 6: vulnerabilidade T: O que você está experienciando? J: Eu me sinto triste. T: Você pode dizer mais sobre essa tristeza? J: Eu me sinto machucada e sozinha e não sei para que lado ir (começa a soluçar).
Esse estágio inicia com um impasse habitual para Joan e o terapeuta, havendo uma exploração da construção de Joan da futilidade da situação. Como o terreno já havia sido preparado em sessões anteriores, não foi necessário um extenso processo de desconexão de uma representação de papel, sendo que a exploração moveu-se muito rápido para seus sentimentos básicos de desespero. Quando Joan toca nesses sentimentos, ela primeiro evita a perspectiva de explorá-los mais completamente. Em resposta à prova do terapeuta, ela começa a entrar em contato com seus sentimentos de abandono, o que facilita sua habilidade em acessar os sentimentos básicos de vulnerabilidade e a necessidade de cuidado. NOTA 1. No original, Core Conflictual Relationship Theme (CCRT).
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22 Empatia Eliane Falcone
CONSIDERAÇÕES INICIAIS Estudos que investigaram os efeitos sociais da empatia (Brems, Fromme e Johnson, 1992; Burleson, 1985; Davis e Oathout, 1987; Ickes e Simpson, 1997; Long e Andrews, 1990) sugerem que as pessoas empáticas despertam nos outros afeto e simpatia, são mais populares e ajudam a desenvolver habilidades de enfrentamento, bem como reduzem problemas emocionais e psicossomáticos nos amigos e familiares. Além disso, a empatia é preditiva de ajustamento marital, contribuindo para a satisfação no relacionamento conjugal (Davis e Oathout, 1987; Ickes e Simpson, 1997). Os indivíduos empáticos comportam-se de tal maneira que tornam as relações mais agradáveis, reduzindo o conflito e o rompimento (Davis, 1983). A habilidade de “ler” e valorizar os pensamentos e os sentimentos das outras pessoas é o que provavelmente torna esses indivíduos mais bem-sucedidos em suas relações pessoais e profissionais (Ickes, 1997). A empatia manifestada pelo terapeuta e os seus efeitos na mudança do cliente também têm sido objeto de uma variedade de estudos que apontam ser essa habilidade de interação necessária para a eficácia do tratamento (Barrett-Lennard, 1993; Carkhuff, 1969; Goldstein e Myers, 1991). Pesquisas que investigaram os aspectos comuns entre terapeutas de diferentes abordagens teóricas verificaram que esses profissionais compartilham a mes-
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ma opinião no que diz respeito aos efeitos terapêuticos positivos da empatia (Reisman, 1986; Strupp, 1958; Sudland e Barker, 1962; Wogan e Norcross, 1983). O reconhecimento desses efeitos tem motivado a criação de definições mais detalhadas da empatia e de programas de treinamento que visam a desenvolver essa habilidade no terapeuta (Carkhuff, 1969; Egan, 1994). Este capítulo pretende apresentar, com base em uma revisão da literatura, o conceito e as etapas da empatia que favorecem a comunicação interpessoal. Posteriormente, serão citados exemplos ilustrativos dos diversos tipos de declarações empáticas e não-empáticas que podem ser manifestadas pelos psicoterapeutas. Finalmente, serão feitos alguns comentários sobre o papel curativo da empatia e os seus limites na mudança do cliente. O CONCEITO DE EMPATIA O termo “empatia” originou-se do vocábulo alemão “einfühlung”, o qual foi utilizado pela primeira vez por Robert Vischer, em 1873, em seu tratado de psicologia da estética e da percepção formal. A psicologia da estética de Vischer incluía uma autoprojeção no objeto artístico. Mais tarde, Titchener (1909, citado em Wispé, 1992) criou o termo “empatia” como uma versão de “einfühlung”, pensando que seria possível conhecer a consciência de outra
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pessoa através da imitação interior ou do esforço da mente. Em outras palavras, a seriedade, a modéstia, a arrogância, a cortesia e a dignidade podiam ser não somente percebidas, como também sentidas, pelo esforço da mente. Desde então, a empatia tem sido objeto de estudo da psicologia nas áreas evolutiva, social, da personalidade e clínica (Eisenberg e Strayer, 1992). No campo da psicoterapia, a obra mais relevante sobre a empatia foi a de Carl Rogers (1951, 1975), segundo o qual o termo “empatia” significa “perceber o marco de referência interior da outra pessoa com precisão e com os componentes emocionais que lhe pertencem, como se fosse essa pessoa, porém sem nunca perder a condição de ‘como se’”. Posteriormente, após reconhecer que a empatia deveria estar baseada em uma ação comportamental (Barkham, 1988), Rogers (1975, p. 4) apresenta as etapas do processo empático: (a) captar o mundo perceptual da outra pessoa e familiarizar-se com ele, sem julgá-la; (b) comunicar ao outro a própria percepção do mundo deste, observando elementos que o outro teme, e (c) verificar com o outro a correção de tais percepções e deixar-se guiar por suas respostas deste. Os estudos sobre empatia têm enfrentado problemas conceituais que dificultam as tentativas de avaliar e de treinar essa habilidade. Um desses problemas refere-se às divergências entre alguns pesquisadores, que seguem duas perspectivas diferentes: a perspectiva cognitiva e a perspectiva afetiva. A perspectiva cognitiva enfatiza a capacidade de uma pessoa de se colocar no lugar de outra e de entender e predizer, de forma acurada, os seus sentimentos e pensamentos, podendo ou não experimentá-los. A perspectiva afetiva considera que a empatia compreende experimentar uma emoção congruente, porém não necessariamente idêntica à da outra pessoa. Estudos recentes sugerem que a empatia engloba elementos cognitivos e afetivos. O componente cognitivo é caracterizado pela adoção de perspectiva, que corresponde, para alguns autores (Davis et al., 1987; Long e Andrews, 1990; Zillman, 1991), a uma disposição para se colocar no lugar da outra pessoa
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e de modificar o próprio comportamento como conseqüência. Outros autores (Ickes, 1997; Eisenberg, Murphy e Shepard, 1997) consideram a adoção de perspectiva como a capacidade de inferir precisamente os sentimentos e os pensamentos de outra pessoa, sem a necessidade de se colocar no lugar dela. Além disso, as pessoas podem tomar conhecimento do estado interno de alguém através de associações e deduções mentais (Higgins, 1981; Karniol, 1982). Um indivíduo, por exemplo, pode entender a perspectiva de um indigente ao buscar informações retidas na memória sobre os efeitos da pobreza, bem como as emoções associadas a uma vida de miséria (Eisenberg et al., 1992). O componente afetivo da empatia caracteriza-se por uma tendência a experimentar sentimentos de simpatia, de compaixão e de preocupação com o bem-estar da outra pessoa (Davis et al., 1987). Essa tendência é conhecida como comportamento prossocial (Mehabian e Epstein, 1972; Thompson, 1992). A visão de que a empatia envolve elementos cognitivos e afetivos favorece uma melhor compreensão sobre o comportamento empático. Feschbach (1992) propõe um modelo cognitivo-afetivo de integração, no qual a empatia é postulada como uma função de três fatores: (a) uma habilidade cognitiva para discriminar chaves afetivas nos outros; (b) uma habilidade cognitiva mais madura, que envolve assumir o papel da outra pessoa e (c) uma disposição para responder emocionalmente ou uma habilidade afetiva de experienciar emoções. Lennon e Eisenberg (1992) identificaram três tipos de reações emocionais frente às emoções ou às situações de outra pessoa (especialmente as negativas). A primeira, chamada de mal-estar pessoal, corresponde a uma experiência vicária da emoção de outra pessoa que é vivenciada com um sentido de autopreocupação. Esse tipo de resposta não gera preocupação pelo outro e não medeia uma conduta altruísta. A segunda, chamada de contágio emocional, refere-se à experiência vicária de um afeto que reproduz a emoção do outro. A terceira, chamada de preocupação genuína pelo outro ou de simpatia, corresponde a uma preocupação empática ou simpática. Nesse tipo
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de resposta, a preocupação encontra-se mais no outro do que no empatizador, não havendo uma correspondência exata entre as emoções da díade. Davis (1983) apresenta um modelo multidimensional, em que a empatia possui três facetas distintas. A primeira delas corresponde à adoção de perspectiva, compreendida como uma tendência cognitiva de se colocar no lugar de outra pessoa e de ver as coisas a partir do ponto de referência dela. Essa faceta da empatia também é conhecida como empatia cognitiva. A preocupação empática, caracterizada por uma tendência a experimentar sentimentos de simpatia e compaixão pelos outros, compreende a segunda faceta da empatia e também é conhecida como empatia emocional. Finalmente, o mal-estar pessoal, que expressa uma tendência a experimentar sentimentos de desconforto e apreensão na presença do sofrimento de outra pessoa, corresponde à terceira faceta da empatia. O malestar pessoal também é considerado como empatia emocional, embora os sentimentos de desconforto e apreensão sejam mais pessoais e egoístas, não constituindo, portanto, sentimentos pela vítima. Cada uma das três facetas propostas por Davis parece variar entre as pessoas, ou seja, alguns indivíduos podem apresentar um nível mais elevado de adoção de perspectiva, enquanto outros podem manifestar um nível mais elevado de preocupação empática ou de malestar pessoal. O papel relativo de cada uma dessas facetas parece variar com a situação, a idade e as características pessoais de cada indivíduo (Feschbach, 1997). Desse modo, a empatia parece englobar tanto um componente cognitivo quanto um componente afetivo. O primeiro, conhecido como adoção de perspectiva, caracteriza-se por uma capacidade de compreender a perspectiva e os sentimentos dos outros, seja através de processos inferenciais, de representações armazenadas na memória ou de colocação no lugar da outra pessoa. O segundo, menos elaborado e sofisticado, é conhecido como comportamento prossocial e caracteriza-se por sentimentos de compaixão e simpatia pela outra pessoa, além de preocupação
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com o seu bem-estar. O contágio emocional e o mal-estar pessoal não correspondem a manifestações empáticas. Essas reações são consideradas pré-empáticas e manifestam-se no início do desenvolvimento, quando a criança ainda não possui respostas cognitivas mais complexas (Thompson, 1992). A adoção de perspectiva e o comportamento prossocial não são suficientes para a manifestação do comportamento empático. Algumas pessoas podem ser capazes de compreender o estado interno de alguém e de sentir verdadeiro interesse em ajudar, porém não manifestam essa compreensão ou o fazem de forma não-empática. A habilidade empática também consiste em transmitir um reconhecimento explícito e uma elaboração dos sentimentos e da perspectiva da outra pessoa, de tal maneira que ela se sinta compreendida e que isso a ajude a obter um maior entendimento sobre seus sentimentos (Barrett-Lennard, 1993; Egan, 1994). Burleson (1985) refere-se a essa habilidade como uma estratégia sensível de consolar. Através da expressão empática, é possível inferir a acuidade da percepção do indivíduo que empatiza (Ickes, Marangoni e García, 1997). Resumindo, o comportamento empático pode ser entendido de acordo com o modelo cognitivo, em que o componente cognitivo está relacionado ao processamento da informação, o que inclui atenção, memória, motivação, etc.; o componente afetivo é identificado pelas emoções e pelos afetos decorrentes das interpretações; o componente comportamental refere-se às expressões verbais e não-verbais de entendimento empático. AS ETAPAS DA EMPATIA O comportamento empático caracterizase pela habilidade em compreender precisamente os sentimentos e a perspectiva da outra pessoa e de transmitir entendimento de tal maneira que ela se sinta verdadeiramente compreendida e acolhida. A forma mais elaborada e sofisticada de empatizar conduz a um maior entendimento na relação, levando à intensificação do afeto e ao alívio da angústia da outra
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pessoa, além de tornar o empatizador mais aceito e com a auto-estima elevada (BarrettLennard, 1993; Burleson, 1985). Durante toda a interação, o empatizador expressa compreensão e aceitação, tanto de forma verbal quanto de forma não-verbal, sendo que cada uma dessas formas predominará conforme o momento da interação. A habilidade empática ocorre em duas etapas. Na primeira etapa, o indivíduo que empatiza está envolvido em compreender os sentimentos e as perspectivas da outra pessoa e, de algum modo, experienciar o que está acontecendo com ela naquele momento. A segunda etapa consiste em comunicar esse entendimento de forma sensível (BarrettLennard, 1993; Greenberg e Elliott, 1997). A compreensão empática inclui prestar atenção e ouvir sensivelmente, enquanto a expressão empática inclui verbalizar sensivelmente. Cada uma dessas etapas será especificada a seguir.
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Prestar atenção Segundo Barrett-Lennard (1993), para que ocorra empatia, é necessário estar atento de um modo bastante especial. Nesse sentido, prestar atenção em alguém significa estar com esse alguém fisicamente e psicologicamente. A atenção empática é adotada por algumas pessoas com maior freqüência ou sinceridade do que por outras, sendo que certas pessoas o fazem muito seletivamente. Em geral, os indivíduos possuem a capacidade que se inclui nesse repertório, seja ela expressa raramente ou freqüentemente (Barrett-Lennard, 1993). A atenção empática é apreciada pela outra pessoa, que se sente mais encorajada a se abrir e a explorar as dimensões significativas de sua situação-problema (Egan, 1994). Alguns comportamentos demonstram atenção empática: 1. Fitar diretamente a outra pessoa, adotando uma postura que indique envolvimento e evitando ficar muito afastado. A orientação corporal deve sugerir envolvimento, estar com o outro. Caso a atitude de fitar provoque algum tipo de constrangi-
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mento, o ideal é posicionar-se em ângulo. Adotar uma postura aberta, pois braços e pernas cruzados podem sinalizar menos envolvimento e disponibilidade. Inclinar-se em direção ao outro com a parte superior do corpo (inclinar-se demais pode intimidar). A inclinação dá um sentido de flexibilidade ou responsividade corporal que aumenta a comunicação com o outro. Manter contato visual, evitando desviar o olhar com freqüência, o que não significa olhar fixamente. O bom contato visual sugere interesse em ouvir o que o outro tem a dizer. Desviar o olhar com freqüência sugere relutância ou desconforto em estar com a pessoa. Adotar uma postura relaxada, o que significa não ficar inquieto ou se engajar em expressões faciais distraídas. Isso pode levar o outro a supor que o ouvinte está pouco interessado. Estar atento às próprias reações corporais e emocionais provocadas pelo comportamento da outra pessoa – observar sentimentos de raiva, ansiedade, etc. – e os efeitos desses sentimentos no próprio corpo, procurando controlar essas manifestações externas para se dar tempo de refletir.
Além de demonstrar atenção, o empatizador deve procurar identificar as mensagens não-verbais da outra pessoa que expressam emoções. As mensagens não-verbais podem substituir, repetir, enfatizar ou contradizer a mensagem verbal (Matos, 1997). Estudos mostram que, quando as mensagens verbal e nãoverbal são contraditórias, o crédito deve ser dado à mensagem não-verbal. O rosto é a principal área sinalizadora de emoções, embora possa ser melhor controlado. Assim, a verdadeira emoção pode ser identificada pela voz e pela parte do corpo situada abaixo do pescoço (Argyle, 1988).
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As mensagens não-verbais que podem ser manifestadas pela outra pessoa englobam o comportamento corporal (postura, movimentos corporais), as expressões faciais (sorrisos, cenho franzido, sobrancelhas arqueadas, lábios contraídos), a relação entre a voz e o comportamento (tom de voz, intensidade, inflexão, espaço entre as palavras, ênfases, pausas, silêncios e fluência), as respostas autonômicas observáveis (respiração acelerada, rubor, palidez, dilatação da pupila), as características físicas (altura, peso, compleição) e a aparência geral (adornos e vestuário).
Ouvir sensivelmente Ouvir sensivelmente não significa ser capaz de reproduzir o que alguém acabou de falar, mas sim dar ao outro a oportunidade de ser ouvido em seus próprios termos, sem ser julgado. Significa estar em contato com e conhecer a realidade do outro, considerando que essa realidade não é imutável. O ouvir mais profundo não vem da intenção deliberada de promover mudança em alguém (BarrettLennard, 1988). O bom ouvinte é aquele que aprecia a outra pessoa tal como ela é, aceitando os seus sentimentos e as suas idéias, tais como eles são. Como conseqüência, a pessoa sente-se entendida, reconhecida, aceita e valorizada. O ouvir empático significa suspender o próprio desejo e julgamento e, ao menos por alguns minutos, existir para a outra pessoa (Nichols, 1995). O ouvir sensível ou empático provoca efeitos positivos, tanto para quem ouve quanto para a outra pessoa. Conforme Barrett-Lenard (1988), tais efeitos incluem: cura e crescimento pessoal (ser ouvido reduz o medo e aumenta o autoconhecimento); enriquecimento do relacionamento (cada membro da díade torna-se aberto a ouvir); redução de tensão e solução de problema (a capacidade de ouvir profundamente a outra pessoa e de apreciar a sua realidade é crucial para promover mudança) e desenvolvimento do conhecimento (aumento do conhecimento da natureza humana). Convém salientar novamente que, quando uma pessoa é ouvida sensivelmente, ela se
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sente validada, valorizada, e isso promove autoaceitação e auto-afirmação (Nichols, 1995). Por isso, em terapia, costuma-se afirmar que o ouvir empático possui um efeito curativo (Bohart e Greenberg, 1997; Bohart e Tallman, 1997). Jordan (1997) afirma que o ouvir empático ajuda a reduzir a vergonha psicológica. Quando envergonhadas, as pessoas sentem dificuldade de acreditar que aqueles aspectos rejeitados por elas mesmas sejam aceitos pelos outros e, como conseqüência, sentem-se de fora, desconectadas. Para manter o relacionamento, elas sentem que devem ocultar essas partes repudiadas. Na terapia, o cliente que é ouvido empaticamente, desenvolve a coragem de se expor mais. Assim, a experiência de vergonha reduzida aumenta a abertura e a auto-revelação. Quando alguém experimenta a presença empática de outro, torna-se mais empático consigo mesmo, reduzindo o autojulgamento severo, e com os outros, facilitando o relacionamento. Os clientes podem aprender a autoempatia com os seus terapeutas para reduzir a autocrítica excessiva e desafiar pensamentos disfuncionais (Safran e Segal, 1990). Além disso, eles também podem modelar-se no terapeuta e aprender a ouvir a si mesmos mais empaticamente na solução de problemas (Barrett-Lennard, 1997). Da mesma forma que ser ouvido promove auto-apreciação, não ser ouvido gera sentimentos de exclusão, desvalorização e inadequação. Nas relações interpessoais, existem circunstâncias nas quais o ouvir torna-se difícil. Isso geralmente ocorre quando a outra pessoa é excessivamente detalhista, tornando a conversa cansativa e desinteressante; é egoísta, fazendo com que o assunto gire apenas em torno dela, ou quando o ouvinte está sobrecarregado de problemas que dificultam a sua atenção; interpreta erroneamente a fala da outra pessoa como algo pernicioso, ameaçador ou enfurecedor; está mais preocupada em controlar, instruir ou mudar a outra pessoa e preocupa-se em ensaiar o que vai dizer a seguir, em vez de prestar atenção no discurso da outra pessoa (Nichols, 1995). Em situações de conflito, o ouvir sensível também promove efeitos positivos na interação, à medida que reduz a querela e a probabi-
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lidade de rompimento. Ouvir sensivelmente, demonstrar compreensão e aceitação a uma pessoa que está furiosa, tem o poder de reduzir a sua raiva, tornando-a também mais disponível para ouvir. Da mesma maneira, procurar compreender as razões do comportamento de alguém que provocou mágoa e raiva pode reduzir esses sentimentos e facilitar um diálogo de entendimento (Goleman, 1995; Nichols, 1995). As emoções envolvidas nas interações em que há conflito costumam ser contagiosas, escalando através de uma série de ações e reações que podem levar a um desastre emocional, tal como um rompimento definitivo da relação (Nichols, 1995). Tais manifestações são explicadas pelos estudos sobre sincronia emocional (Levenson e Ruef, 1997). As mensagens não-verbais refletem como a pessoa está expressando o conteúdo da fala (tom e entonação da voz, expressão facial, gestos, etc.) e contagiam a outra pessoa, como uma orquestração (Goleman, 1995). A crença subjacente envolvida na interação de conflito é a de que, ao aceitar o argumento do outro, a pessoa estará reconhecendo o seu erro e perderá a razão. Assim, ela insiste em manter os seus argumentos para ficar com a última palavra. Nesse tipo de interação, ambas as partes ficam impedidas de ouvir e sentem-se incompreendidas. Se, ao contrário, a pessoa acredita que abrir mão da própria perspectiva para entender o outro não significa perder a razão, ela permite que o interlocutor, ao se sentir ouvido e compreendido, disponha-se a ouvir e a compreender. Como afirma Nichols (1995, p. 112), “a qualquer momento em que você demonstra disposição para ouvir com um mínimo de defensividade, crítica ou impaciência, você está dando o presente do entendimento e adquirindo o direito de ter a recíproca”. Assim, a habilidade em ouvir depende do esforço em resistir ao impulso de reagir emocionalmente à posição de alguém que manifesta uma perspectiva muito diferente. Do contrário, o impulso para tomar atitudes que reduzam ou evitem a emoção do momento torna a pessoa pouco flexível, aumentando o conflito na interação.
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Uma estratégia para poder ouvir e compreender melhor a outra pessoa é buscar as mensagens centrais que estão sendo expressas em termos dos seus sentimentos, desejos e perspectivas. De acordo com Egan (1994) e Guerney (1987), os comportamentos envolvidos no ouvir sensível são: a) deixar de lado, por alguns instantes, as próprias perspectivas, desejos e sentimentos e voltar-se inteiramente para as perspectivas, os desejos e os sentimentos da outra pessoa; b) observar e ler os comportamentos nãoverbais que a outra pessoa está manifestando enquanto fala (tom de voz, olhar, postura, gestos, etc.), através dos quais sejam identificadas as emoções; c) colocar-se no lugar da outra pessoa, buscando identificação com os sentimentos, as percepções e os desejos dela; d) elaborar mentalmente uma relação existente entre o sentimento da outra pessoa, o contexto e o significado desse contexto para ela.
Verbalizar sensivelmente A função da verbalização empática é fazer com que a outra pessoa sinta-se compreendida, além de ajudar a explorar as suas preocupações de forma mais completa. Embora as etapas anteriores (prestar atenção e ouvir) possam sinalizar compreensão, aceitação e acolhimento, através da comunicação não-verbal (acenar com a cabeça, usar vocalizações breves tais como “sim”, “hum-hum”), a verbalização empática é a maneira mais eficiente de demonstrar compreensão. Burleson (1985) afirma que algumas pessoas empregam estratégias altamente sensíveis de conforto verbal, as quais legitimam e elaboram os sentimentos da outra pessoa, enquanto outras utilizam estratégias menos sensíveis, as quais tendem a desvalorizar a legitimidade e o significado dos sentimentos do outro. As-
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sim, as estratégias de consolo mais sofisticadas e sensíveis: a) promovem um maior grau de envolvimento com a outra pessoa e com o seu problema (tentam explicar os sentimentos e as perspectivas do outro); b) são mais neutras na avaliação, descrevem e explicam os sentimentos do outro e as situações que produzem esses sentimentos; c) tendem a focalizar as causas próximas ao estado de angústia da outra pessoa (reações cognitivas e afetivas frente a certos eventos); d) aceitam e legitimam o sentimento do outro, bem como o seu ponto de vista; e) contêm uma explicação cognitiva dos sentimentos experienciados pela outra pessoa (indivíduos angustiados costumam carecer de um entendimento dos próprios afetos) e a explicação desses estados afetivos pode ajudá-la a entender ou encontrar uma explicação para os próprios sentimentos, distanciando-se mais dos mesmos. As estratégias de consolo menos sofisticadas ou não-sensíveis: a) focalizam-se no evento em si; b) impõem o próprio ponto de vista; c) desconsideram ou ignoram os sentimentos e a perspectiva da outra pessoa; d) tentam minimizar o problema e/ou estão mais centradas em dizer ao outro o que fazer ou como sentir-se. Durante uma situação interpessoal de ajuda, quando alguém está contando um problema, não é raro que o ouvinte procure aliviar o sofrimento da outra pessoa, dando um conselho ou uma sugestão. Entretanto, nesse momento, a outra pessoa pode estar mais preocupada em ter os seus sentimentos e as suas perspectivas legitimados. Um conselho ou uma sugestão não-solicitados provavelmente farão
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com que o interlocutor sinta-se incompreendido. Outro recurso utilizado pelo ouvinte é o de tentar minimizar o problema, sugerindo que o interlocutor “Não precisa ficar tão preocupado” ou que “A situação não é tão grave”. Esse tipo de verbalização desvaloriza os sentimentos e a perspectiva da pessoa-alvo. Em outras situações, o ouvinte começa a contar uma experiência pessoal semelhante àquela relatada pela outra pessoa para tentar sugerir uma solução. Essa estratégia desvia o foco de atenção para fora dos sentimentos e das perspectivas do interlocutor (Burleson, 1985; Guerney, 1987; Nichols, 1995). As perguntas também devem ser evitadas durante a interação empática, porque desviam o foco de atenção da apreciação dos sentimentos e das perspectivas da outra pessoa, direcionando a conversação para os pensamentos do ouvinte. Algumas perguntas podem ser pertinentes para esclarecer algo que já foi dito; porém, quando formuladas para buscar novas informações, elas se tornam inadequadas. Durante a verbalização empática, o foco de atenção está inteiramente voltado para o sentimento e a perspectiva da outra pessoa frente à situação-problema, sem que se faça qualquer julgamento, aceitando e legitimando os seus sentimentos (Egan, 1994, p. 112). Esses podem ser legitimados de forma indireta, quando o empatizador não especifica o sentimento (por exemplo, “Eu posso imaginar como você está se sentindo”, “As coisas não estão indo nada bem para você, não é mesmo?”), ou de forma direta, quando o empatizador especifica o sentimento (por exemplo, “Eu percebo que isso está deixando você triste”, “Você deve estar se sentindo indignado”). A pessoa sente-se profundamente compreendida quando o empatizador consegue relacionar o sentimento, o contexto e a perspectiva desta. (por exemplo, “Você se sente triste porque mudar significa deixar todos os seus amigos”). Antes de manifestar compreensão sobre a experiência da outra pessoa, deve-se evitar declarações que sejam socialmente indesejáveis, como, por exemplo, dizer que ela está “com inveja” ou está “furiosa”. As pessoas são
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inclinadas a não reconhecer nelas mesmas atitudes ou sentimentos socialmente indesejáveis (Guerney, 1987). Assim, a empatia básica acontece quando o empatizador percebe os sentimentos da outra pessoa e relaciona esses sentimentos com a perspectiva e o contexto desta, comunicando o seu entendimento a seguir. A empatia acurada ocorre quando as percepções do empatizador estão corretas, isto é, quando elas refletem o mundo tal como a outra pessoa vê. Nesse momento, ela responde: “É isso mesmo!”, ou “Você acertou em cheio!” (Egan, 1994, p. 115). Após declarar o seu entendimento acerca dos sentimentos e dos pensamentos de uma pessoa, o empatizador pode constatar que não foi acurado. Em geral, isso acontece quando a outra pessoa diz de forma clara que não é exatamente aquilo que ela queria dizer, pára de falar e olha em volta, ou tenta completar a fala do empatizador. Nesse momento, é importante seguir o rastro e aprender com os próprios erros. Um exemplo de verbalização empática dirigida a uma pessoa que está triste por não ter conseguido passar em um concurso público pode ser: “É muito duro estudar tanto para um concurso e não passar. Eu sei o quanto você investiu em seus estudos e deve estar sentindo-se magoado e injustiçado por não ver os seus esforços reconhecidos, não é mesmo?”. Nesse caso, os sentimentos e a perspectiva da pessoa são identificados, validados e relacionados. Um exemplo de verbalização nãoempática pode ser: “Não há razão para ficar deprimido. Você poderá fazer outros concursos”. Nesse tipo de verbalização, o sentimento e a perspectiva da outra pessoa são desvalorizados. O indivíduo é considerado inadequado por “exagerar” em seu sentimento e por “supervalorizar” a importância do concurso. Em situações em que há conflito, quanto maior é a divergência de opiniões, mais importante é reconhecer o que a outra pessoa diz, antes de apresentar o próprio ponto de vista. Quando a outra pessoa sente-se magoada, torna-se fundamental demonstrar compreensão e aceitação de seus sentimentos e perspectivas, sem apresentar qualquer justificativa, antes de
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se certificar de que ela se sentiu realmente compreendida e validada. Nichols (1995, p. 114-115) fornece exemplos de declarações empáticas em situações de conflito, tais como: “Deixe-me ver se eu entendi o que você está dizendo. Você sente que é sempre você quem toma a iniciativa para nós nos encontrarmos e que isso faz você querer saber se eu realmente quero estar com você. Estou certo?”, ou “Então, todo esse tempo você vem sentindo que eu estou furioso com você e que, por essa razão, deixei de ser afetuoso. Não é de admirar que você esteja chateada. Você deve estar se sentindo magoada há bastante tempo”. Declarações desse tipo tendem a reduzir a ansiedade da outra pessoa, tornando-a mais disponível para ouvir e para autoverbalizar. Nem sempre a comunicação empática ocorre através da verbalização. Algumas vezes, o entendimento é comunicado sem haver necessidade de palavras. Para ilustrar essa afirmação, Egan (1994) cita o olhar de cumplicidade de uma esposa que vê o marido preso em uma conversação com uma pessoa com a qual ele não quer estar. Esse simples olhar pode expressar palavras que reconhecem os sentimentos do marido, bem como o desejo de que ele seja retirado diplomaticamente daquela situação. Esse tipo de comunicação é mais comum em relacionamentos mais íntimos, como as relações conjugais e as relações de amizade, e envolvem outras variáveis, além da capacidade pessoal de inferir os pensamentos e os sentimentos dos outros. DECLARAÇÕES TERAPÊUTICAS EMPÁTICAS E NÃO-EMPÁTICAS No contexto de interação terapeuta-paciente, existem várias formas de verbalizar empaticamente. Com base em informações extraídas da literatura (Bohart e Tallman, 1997; Burleson, 1985; Greenberg e Elliott, 1997; Linehan, 1997), será apresentado a seguir um sistema de classificação de verbalizações terapêuticas, que pode ser útil para avaliar e treinar essa habilidade em terapeutas e profissionais de ajuda.
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Verbalizações empáticas Estão centradas nos sentimentos e na perspectiva do cliente, sem julgar, aceitando e legitimando esses sentimentos e perspectivas. Procuram dar uma explicação cognitiva dos sentimentos experienciados pelo cliente, ajudando-o a atingir uma compreensão mais clara sobre si mesmo. As respostas empáticas são baixas em inferência e focalizam-se no ponto de referência do cliente (no que está explícito ou implícito). Responder empaticamente requer ouvir o que está sendo dito ou expresso e focalizar-se no que isso significa – implícita ou explicitamente – para o cliente.
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2) O terapeuta transmite entendimento, usando metáfora, linguagem expressiva, imagem evocativa ou falando como o cliente (evocação empática).
Exemplo 1 C: Sim, isso não é fácil. É a solidão que está aqui e eu acho que o que estou procurando é consolo, que alguém me diga que não tem problema, uma certeza estabelecida, eu suponho. T: Sim, alguém para dizer: “Sim, está tudo bem, Cláudia”.
Exemplo 2 C: Como você sabe, meu ambiente tem sido realmente muito bom, como ter um grupo de apoio, eu estou gostando disso, mas ainda me sinto... T: Quando você conta com você mesma, há um sentimento real de estar sozinha.
1) O terapeuta transmite um entendimento acurado dos sentimentos, dos pensamentos, dos desejos, das suposições e dos comportamentos do cliente, tentando chegar a um entendimento compartilhado. Esse entendimento baseia-se na experiência explícita sentida pelo cliente e/ou do que está implicado, mas não situado. O terapeuta procura verificar se o que ele disse faz sentido para o cliente, possibilitando e aceitando a discordância do mesmo (entendimento empático ou reflexão acurada).
3) O terapeuta transmite entendimento, selecionando aquilo que é mais pungente, não claro, idiossincrático ou implícito, naquilo que o cliente diz para promover descoberta de algo novo ou para ver algo de uma nova maneira (exploração empática).
Exemplo 1
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C: Há momentos em que eu fico tão cansada em assumir tantos compromissos que eu penso em sair um pouco dessa pressão de ter que cumprir tudo. Mas me incomoda o fato de querer me livrar... de não assumir as minhas responsabilidades. T: Parece que você pensa: “Na medida em que eu quero me aliviar de tantos compromissos, pressões e obrigações, isso significa que sou irresponsável”. Seria algo assim?
Exemplo 2 C: Eu estou triste hoje – eu quero dizer que estou solitária. Eu tenho comido muito e não sei se estou preenchendo um vazio. T: Hum-hum, sentindo-se vazia.
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C: Eu percebo que estou tomando conta de todo mundo, talvez eu esteja esperando alguma coisa de volta. T: Então, você sente como se estivesse dando e dando e coisas desse tipo. Então, pensa: “E quanto a mim?”.
Exemplo 2 C: Embora eu me sinta contente, porque realmente tenho amigos agora com quem eu logo vou conversar, mas depois, quando estou sozinha, vem a solidão. T: Há algo sobre estar sozinha agora que é muito difícil.
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4) O terapeuta transmite entendimento, complementando a frase do cliente, quando ele está fazendo um esforço para explicar o que está querendo dizer (complementação comunicativa).
Exemplo 1 C: Quando ela me deixou, eu me senti como se tivesse levado um... um... T: Um soco no estômago. C: Isso mesmo!
assim, estou achando que ele não gosta mais de mim. (O foco de atenção está na angústia provocada pela mudança do comportamento do namorado.) T: Você lembra de ter se sentido rejeitada por seus familiares quando era pequena? (Desvio do foco de atenção para especular uma possível causa para a cliente sentir-se rejeitada “sem razão concreta”.) T: Essa sensação de não ser gostada tem ocorrido na interação com outras pessoas ou somente com o seu namorado?
2) O terapeuta impõe o próprio ponto de vista.
Verbalizações não-empáticas Tendem a se centrar no evento, no próprio ponto de vista, em novas informações ou em teorias, desviando arbitrariamente o foco de atenção dos sentimentos e da perspectiva do cliente.
Variedades de verbalizações não-empáticas 1) O terapeuta focaliza-se no evento, explorando os dados a respeito, sem considerar ou valorizar os sentimentos e as perspectivas do cliente, ou faz perguntas para buscar novas informações, desviando o foco de atenção da apreciação dos sentimentos e das perspectivas do cliente.
Exemplo 1 C: Ontem, quando encontrei minha amiga a caminho da sala de aula, ela me cumprimentou muito rapidamente. Fiquei chateada com o fato de ela não me dar atenção. T: Ela estava sozinha ou acompanhada?
Exemplo 2 C: Meu namorado costumava me telefonar todos os dias. Ultimamente, ele telefona umas três vezes por semana. Eu sei que ele anda sobrecarregado com os estudos. Mas, mesmo
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Exemplo 1 C: Ontem, o professor de estatística não deu aula e eu aproveitei o tempo para estudar. Só que alguns colegas começaram a falar alto e rir e eu não consegui prestar atenção no que estava lendo. Então, fechei o livro e fiquei de mau-humor o resto do dia. T: As pessoas são assim mesmo. Elas só percebem que incomodam quando a gente reclama.
3) O terapeuta não se baseia no que o cliente está experienciando, mas sim em teorias que norteiam a sua abordagem ou em sua própria perspectiva ou experiência.
Exemplo 1 C: Eu tive um atrito com o meu professor hoje. Eu achava que tinha a resposta certa, mas meu professor não me ouviu. Aí, eu fiquei triste. Quando eu contei o fato para minha mãe, ela me repreendeu, dizendo que eu não devia aborrecer os mais velhos, que eu devia respeitá-los. Fiquei chateada. Pensei que ela pudesse me entender. (O foco de atenção da cliente está na angústia provocada pela mãe.) T: Você ficou com raiva de seu professor porque ele lembrou sua mãe. (Desvio do foco de atenção para uma explicação causal.) T: Eu penso que você se sentiu incompreendida por sua mãe, do mesmo modo que se sentiu incompreendida por seu professor (entendimento empático).
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4) O terapeuta dá uma sugestão ou um conselho sobre como o cliente poderia fazer para se sentir melhor ou superar determinado problema.
Exemplo 1 C: Ontem, na aula de estatística, tive uma dúvida, mas não tive coragem de perguntar. Achei que o professor pensaria que eu sou burra. T: Você já pensou na possibilidade de perguntar a ele particularmente, depois que acabar a aula?
OS LIMITES DA EMPATIA Embora exista uma concordância entre os pesquisadores sobre o valor da empatia do terapeuta como um poderoso agente de mudança, algumas divergências são encontradas quanto ao fato de esta ser suficiente para o sucesso do tratamento. Bohart e Greenberg (1997) propõem que, através da manifestação de empatia, o terapeuta ajuda o cliente a sair de uma posição de avaliação negativa, rejeição ou desaprovação da própria experiência para uma posição de aceitação. Assim, a empatia constitui um ingrediente central na tentativa de entender como a terapia funciona. Quando o terapeuta mergulha no mundo do cliente para tentar entender como este o vê, colocando isso em palavras e checando os seus entendimentos, essa atitude parece ser curativa. Por outro lado, Goldstein e Myers (1991) consideram que os níveis elevados de demonstração de empatia na relação terapêutica podem ser vistos como uma condição necessária, porém não suficiente para a mudança do cliente. Beck e colaboradores (1982) consideram a empatia do terapeuta como fundamental para a aliança terapêutica, pois propicia a utilização de outras intervenções para atingir um efeito no tratamento. Ao tratar pacientes seriamente suicidas, Linehan (1997) aponta um conflito entre focalizar o tratamento na mudança do cliente e focalizar o tratamento na empatia. A focaliza-
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ção na mudança costuma precipitar o não-cumprimento, o retraimento e até mesmo o abandono do tratamento. A focalização na empatia costuma ser experimentada pelos pacientes como invalidante, por não atendê-los na sua necessidade imediata de sair da incessante dor presente. Como uma tentativa de solucionar esse conflito, Linehan desenvolveu uma estratégia de tratamento que integra seis tipos de validação, a qual é fortemente relacionada à empatia, com estratégias de mudança que incluem vários procedimentos cognitivos e comportamentais. Muitos estudos são necessários para esclarecer o papel da empatia do terapeuta na mudança do cliente. Dada a complexidade dos transtornos psicológicos existentes, a variedade do nível de gravidade desses transtornos e as diferenças pessoais de cada cliente, é provável que cada caso solicite maior focalização na empatia ou na mudança. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste capítulo foi apresentar um estudo sistematizado da empatia, com os seus componentes cognitivos, afetivos e comportamentais, além de fornecer informações sobre os vários tipos de declarações empáticas que ocorrem na interação terapeuta-paciente. Espera-se que tenha contribuído, através das descrições e dos exemplos, para demonstrar como um terapeuta pode comportar-se de maneira empática com o seu cliente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARGYLE, M. Bodily communication. 2. ed. New York: Methuen & Co., 1988. BARKHAM, M. Empathy in counselling and psychotherapy: present status and future directions. Counselling Psychology Quarterly, v.1, p.407-428, 1988. BARRETT-LENNARD, G.T. Listening. Person Centered Review, v.3, p.410-425, 1988. ___________ . The phases and focus of empathy. The British Psychological Society, p.3-13, 1993.
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23 Religião, Psicoterapia e Saúde Mental Francisco Lotufo Neto
No relacionamento entre cultura e saúde mental, a religião é, sem dúvida, uma das variáveis mais importantes, porém pouco estudada (Tseng, 1999). Examinaremos alguns estudos sobre esse tema. A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO SOBRE A SAÚDE A Psiquiatria e a psicologia são ciências novas, praticamente nascidas no século passado. Seu relacionamento com a religião tem sido conturbado, com desconfianças e hostilidades de ambos os lados. Os escritos de Freud, pai da psicanálise, considerando a religião uma ilusão e o transtorno obsessivo-compulsivo da humanidade certamente não contribuíram para um melhor entendimento. Albert Ellis (1983), criador da terapia racional emotiva, em seu estilo contundente, afirmou precipitadamente ser a religião causadora de patologia e neuroses. Mais tarde, diante das evidências em contrário apresentadas por Malony (1988), que estudou pacientes da própria clínica de Ellis e mostrou que os religiosos apresentavam maior progresso e saúde, foi possível reconhecer seu engano.
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Os principais argumentos dos que afirmam que a religião é prejudicial são os seguintes: • gera níveis patológicos de culpa; • promove o autodenegrir-se e diminui a auto-estima, através de crenças que desvalorizam nossa natureza fundamental; • estabelece a base para a repressão da raiva; • cria ansiedade e medo através de crenças punitivas (por exemplo, inferno, pecado original, etc.); • impede a autodeterminação e a sensação de controle interno, sendo um obstáculo para o crescimento pessoal e o funcionamento autônomo; • favorece a dependência, o conformismo e a sugestionabilidade, com o desenvolvimento da confiança em forças exteriores; • inibe a expressão de sensações sexuais e abre caminho para o desajuste sexual; • encoraja a visão de que o mundo é dividido entre “santos” e “pecadores”, o que aumenta a intolerância e a hostilidade em relação “aos de fora”;
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• cria paranóia com a idéia de que forças malévolas ameaçam nossa integridade moral; • interfere no pensamento racional e crítico.
são multidimensionais, mais complexos que o simples freqüentar um serviço religioso e conformar-se a certas crenças. Malony (1992), em uma perspectiva cristã, denominou-os “teologia funcional”:
Por outro lado, os argumentos dos que consideram que a religião tem um impacto positivo sobre a saúde são os seguintes:
• Consciência de Deus: o grau em que a pessoa experimenta uma sensação de deslumbramento e a sensação de ser uma criatura no relacionamento com o divino (reverência versus idolatria). • Aceitação da graça e do amor incondicional de Deus: o grau em que a pessoa vivencia e compreende o amor e a benevolência de Deus (confiança e sensação da presença da providência divina versus independência e desesperança exageradas). • Arrependimento e sentir-se responsável: o grau em que a pessoa assume responsabilidade pelos seus próprios sentimentos e comportamentos (redenção, justificação, perdão e mudança versus falta de consciência, irresponsabilidade, amargura e vingança). • Conhecimento da liderança e da direção de Deus: o grau em que a pessoa confia, espera e vive a direção de Deus em sua vida (fé versus desespero). • Envolvimento com a religião organizada: o grau quantitativo, qualitativo e motivacional em que a pessoa está envolvida com a igreja (compromisso, participação e associação versus isolamento e solidão). • Vivência da comunhão: o grau em que a pessoa relaciona-se e tem uma noção de identidade interpessoal (comunhão com outros versus estar centrado em si mesmo e em seu orgulho); • Senso ético: o grau em que a pessoa é flexível e comprometida com a aplicação de princípios éticos em sua vida diária (noção de vocação e de viver os valores da vida versus perda de sentido e perda do sentimento de dever).
• reduz a ansiedade existencial ao oferecer uma estrutura cognitiva que ordena e explica um mundo que parece caótico; • oferece esperança, sentido, significado e sensação de bem-estar emocional; • ajuda as pessoas a enfrentarem melhor a dor e o sofrimento, através de um fatalismo reassegurador; • fornece soluções para uma grande variedade de conflitos emocionais e situacionais; • soluciona o problema perturbador da morte, através da crença na continuidade da vida; • dá às pessoas uma sensação de poder e controle, através da associação com uma força onipotente; • estabelece uma orientação moral que suprime práticas e estilos de vida autodestrutivos; • promove a coesão social; • fornece identidade, satisfazendo a necessidade de pertencimento, ao unir as pessoas em torno de uma compreensão comum; • fornece as bases para um ritual catártico coletivo. RELIGIÃO MADURA E SAUDÁVEL Para Pruyser (1968), eminente psicólogo da Clínica Menninger, os componentes de uma teologia são idealizados para formar um plano de vida que, se praticado, pode trazer alegria e satisfação ao que crê. Toda religião contém esses elementos, e sua integração a um estilo de vida é o determinante da relação positiva entre religião e saúde mental. Esses elementos
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Malony (1992) acrescentou uma oitava categoria, uma vez que a pessoa madura do ponto de vista religioso deve ser tolerante e
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não ser pré-julgadora: o grau em que ela está crescendo e abrindo-se a novidades em sua fé (humildade e interesse por mudanças versus mente fechada e autoritarismo). EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS Quando esse assunto é estudado, as evidências são amplamente favoráveis à valorização da religião no trabalho psicoterápico. Procurando deixar os preconceitos de lado, diversos cientistas procuraram avaliar em suas pesquisas a influência da religião sobre a saúde mental. Os resultados, embora não-conclusivos, são desafiadores: a religião está associada ao bem-estar, à saúde física, à diminuição da mortalidade, ao melhor controle da pressão arterial, à maior capacidade de enfrentar o estresse, à maior satisfação conjugal e sexual. Em relação à saúde mental, notou-se um maior ajustamento pessoal, bem como menos dias de internação em clínicas psiquiátricas. Koening (1992) revisou extensamente os trabalhos que relacionam saúde e religião em idosos, observando que: • O compromisso religioso maduro e dedicado, sob a forma de crenças e atividades baseadas na tradição judaicocristã, está relacionado a um maior bem-estar e a menores níveis de depressão e ansiedade. • Esses trabalhos operacionalizaram a religião como atividade religiosa organizacional (freqüência à igreja e a outras atividades relacionadas); atividade religiosa não-organizacional (oração, leitura das escrituras, acompanhamento de programas religiosos pela televisão ou pelo rádio); rituais religiosos (sacramentos, leis sobre dieta, modo de vestir); crenças religiosas, religiosidade intrínseca e força do compromisso religioso. Além disso, enfatizaram o uso de qualquer uma dessas formas de expressão religiosa como ajuda para enfrentar o estresse psicológico.
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• A freqüência à igreja correlaciona-se de maneira consistente a fatores como ajustamento pessoal, felicidade ou satisfação na vida, bem-estar, menor taxa de suicídio, menos sintomas depressivos, menor ansiedade em relação à morte e melhor adaptação a períodos de luto em idosos que estão morando tanto na comunidade quanto em uma instituição. • O envolvimento na comunidade religiosa provê companhia e amigos de idade parecida e com os mesmos interesses; um ambiente que fornece apoio para amenizar mudanças estressantes na vida; uma atmosfera de aceitação, esperança e perdão; uma fonte prática de assistência, quando necessário; uma visão comum do mundo e uma filosofia de vida. • Estudos procuraram controlar freqüência a cultos, uma vez que, entre idosos, este pode ser um importante viés, pois freqüenta quem tem boa saúde física, a qual se relaciona sempre positivamente com bem-estar. Assim, a freqüência a serviços religiosos pode ser apenas um sinal de boa saúde física e nada ter a haver com boa saúde mental. Mesmo quando isso é controlado, mantém-se a relação entre freqüência a cultos e saúde mental. Outra área em que a religião é importante é no tratamento da dependência de álcool e drogas. Duas são as explicações para o efeito da religião sobre a supressão do uso de substâncias: a função de controle social que a religião exerce, desencorajando desvios, delinqüência e comportamentos autodestrutivos, e o desenvolvimento de recursos pessoais (sucesso acadêmico, valores pró-sociais, competência social) e ambientais positivos (harmonia familiar, comunicação entre pais e filhos, apoio dos pais, apoio de outros adultos). O papel da religião contra o uso relaciona-se também ao grau em que essas normas sobrepõemse, ou são contrárias às normas culturais. Ou
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seja, a religião tem maior efeito quando há diferentes opiniões na sociedade sobre o uso da substância em questão, e menor efeito quando há acordo com outros mecanismos de controle social que desencorajam o uso. Não se sabe como a religião promove os recursos pessoais e sociais que agem na prevenção. O exemplo mais bem-sudedido do papel da religião é o movimento internacional dos Alcoolistas Anônimos, que surgiu inspirado por uma reunião religiosa de reavivamento, baseando-se para estruturar sua organização e seus princípios. Com freqüência, os AA e outros grupos de auto-ajuda iniciam ou encerram suas reuniões com a bela oração de Reinhold Niebuhr: “Senhor, dê-me a serenidade de aceitar as coisas que não posso mudar, a coragem de mudar aquilo que posso e a sabedoria para saber a diferença”. O décimo primeiro passo dos AA diz: “Procuramos através da oração e da meditação melhorar nosso contato consciente com Deus, como quer que O entendamos, orando somente pelo conhecimento da Sua vontade para nós e pelo poder de levá-la adiante”. Os outros princípios procuram ajudar a pessoa em sua grande luta espiritual para sobrepujar a força do alcoolismo e de outros vícios. É importante salientar que, apesar da extensa literatura disponível sobre o papel da religião no uso de substâncias, esses trabalhos não estão presentes nas principais revisões sobre o assunto, tendo, portanto, pouca influência no estabelecimento de políticas sociais, planejamento comunitário ou desenvolvimento de programas. Esse esquecimento irresponsável deve ser sanado. RELIGIOSIDADE INTRÍNSECA E COMPROMISSO RELIGIOSO Alguns autores propõem dois tipos de religiosidade: a intrínseca e a extrínseca. Na religiosidade intrínseca, a pessoa realmente acredita e procura viver sua fé, sendo o princípio motor de sua vida. Na extrínseca, a religião é um meio para atingir outros fins. Por exemplo, uma conversão com finalidade de
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casamento, a freqüência ao serviço religioso por status ou porque é bom para os negócios. Há aqueles ainda que acrescentaram um terceiro tipo: a religião do tipo busca. A religiosidade intrínseca correlaciona-se sistematicamente com a saúde e a saúde mental. A religiosidade extrínseca é aquela que dá um mau nome à religião, pois está relacionada à intolerância e ao preconceito. Uma medida indireta boa da religiosidade intrínseca é o compromisso religioso, a freqüência com que a pessoa pratica os rituais de sua religião (oração, serviços religiosos, literatura, hora devocional, etc.). Gartner e colaboradores (1991) analisaram cerca de 200 artigos recentes e as revisões prévias e concluíram que o compromisso religioso tem uma relação positiva com os seguintes aspectos: saúde física, bem-estar, prognóstico de doenças, satisfação conjugal, diminuição da mortalidade, menores índices de suicídio, uso de drogas, uso de álcool, delinqüência, depressão e divórcio. MECANISMOS ATRAVÉS DOS QUAIS A RELIGIÃO INFLUENCIA A SAÚDE As constatações do benefício da religião levaram os cientistas a tentar entender por que a religião age desse modo sobre a saúde. Diversos mecanismos através dos quais a religião pode influenciar a saúde física e mental foram encontrados:
Comportamento e estilo de vida As prescrições bíblicas de 3.000 anos atrás sobre dieta, circuncisão, preparo da alimentação, limpeza e sexualidade foram importantes para prevenir infecções, doenças sexualmente transmissíveis e câncer em um período no qual o conhecimento científico e a medicina preventiva ainda não estavam desenvolvidos. O mesmo pode ser dito das prescrições do Alcorão. Outra recomendação médica freqüente é o componente da prática espiritual – o dia semanal de descanso –, como relaxar o corpo e a
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mente, refrescar e restaurar as forças, adorar a Deus, estabelecer comunhão com a família e os outros fiéis. Hoje outras doenças são prioritárias, muitas delas relacionadas aos estilos de vida contemporâneos (estresse, dependência de substâncias, alimentação excessiva, comportamento sexual). Estes podem ser vistos como violações de leis e práticas espirituais, que prescrevem moderação no comportamento sexual e alimentar, advertem contra o beber excessivo, contra o perseguir incessante do dinheiro e poder, a competição, as emoções negativas (hostilidade, raiva, ressentimento e culpa), narcisismo e incapacidade de amar. Há um apelo claro à moderação, com implicações importantes para a saúde. Um exemplo da aplicação de princípios semelhantes ou claramente religiosos à prática médica é o programa de Thorensen e colaboradores (1985) para ensinar pessoas com doença coronariana a modificar seu comportamento. Esse programa reduziu consideravelmente a mortalidade dos seus participantes e propunha: • aprender a dar e receber amor diariamente; • ver o mundo não como um lugar hostil que precisa ser combatido, mas como um lugar que pode ser amoroso, cooperativo, pacífico e feliz; • orar (os pacientes julgaram ser a parte mais valiosa do programa); • desenvolver humildade e paciência (entrar na fila mais comprida e lenta do supermercado, aprendendo a tolerar e ter prazer na espera); • modelar o comportamento de amar e aceitar (treino em sorrir); • deixar de brincar de deus (aprender a deixar de controlar o ambiente e a aceitar suas limitações pessoais). Nesse programa, o conceito de “graça”, tão caro a Paul Tournier (1965), foi introduzido de maneira secular: é sábio e desejável receber as coisas maravilhosas que a vida oferece, as quais não precisam ser ganhas (amor,
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serenidade, descanso, riso, alegria, divertimento, família, crianças, animais, plantas, beleza, vida); é aconselhável o encorajamento da vida simples e abundante, através de uma postura de paciência e aceitação com humildade, amor, alegria, serviço desinteressado aos outros e obediência suave aos preceitos espirituais, recebendo em troca as bênçãos decorrentes. Após quatro anos de seguimento, esse projeto demonstrou 50% de redução na morbidade e mortalidade coronariana, melhora que não ocorreu no grupo-controle.
Apoio social Pertencer a um grupo religioso e participar dele pode trazer conseqüências psicossociais saudáveis que influenciam positivamente a saúde. A religião promove coesão social, sensação de pertencimento, incorporação e participação, sanciona a continuidade dos relacionamentos, dos padrões familiares e de outros sistemas de apoio. Através do desenvolvimento da comunhão e do companheirismo, provê apoio social, modera o estresse e a raiva, bem como enfatiza estilos mais reflexivos de lidar com as situações e de se adaptar aos problemas. O apoio social correlaciona-se com a saúde e pode atuar de diversas maneiras: • a aderência a programas promotores de saúde é favorecida; • a comunhão regular com os demais é característica importante de muitos sistemas religiosos, sendo fundamental em momentos de solidão, depressão e morte de pessoa próxima; • o processamento cognitivo e as crenças influenciam o modo de lidar com o estresse, ou seja, as crenças da pessoa e suas interpretações em relação ao sofrimento e à vida são cruciais para a maneira de lidar com as dificuldades. • a experiência religiosa e o companheirismo, talvez por vias psiconeuroendocrinológicas, sirvam para bloquear
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ou inibir o impacto de emoções deletérias, como a ansiedade e a anomia. Embora o apoio social seja reconhecido como uma conseqüência importante da religião, parece não ser o principal meio através do qual ela exerce sua ação sobre a saúde. Um estudo comparando a religião com freqüentadores de clubes que também oferecem apoio social mostrou que, mesmo assim, a religião era superior. Algo mais existe nela...
Sistema de crenças As crenças religiosas podem gerar tanto paz, autoconfiança e sensação de propósito na vida, quanto culpa, depressão e dúvidas. O efeito benéfico da religião pode advir de o indivíduo perdoar a si mesmo e aos outros, desenvolver autoconceitos emocionais mais saudáveis e doar-se de modo não-egoísta. Historicamente, a religião é benéfica à saúde mental por fornecer cognições fora do ordinário. Cada vez mais pessoas abandonam a religião organizada quando ela perde a sua utilidade como instrumento explicativo.
Rituais religiosos Evidências empíricas da psiquiatria e da medicina de cuidados primários mostram que os rituais estão invariavelmente associados com benefício. Os rituais religiosos públicos e privados são métodos poderosos para manter a saúde mental e para prevenir o início ou a progressão de distúrbios psicológicos. Eles ajudam a pessoa a enfrentar sentimentos como terror, ansiedade, medo, culpa, raiva, frustração, incerteza, trauma e alienação, bem como a lidar com emoções e ameaças universais e oferecem um mecanismo para delas distanciar-se. Reduzem a tensão pessoal e a agressividade, os rituais moderam a solidão, a depressão, a anomia, a sensação de não ter saída e a inferioridade. Schumaker (1992) diz que a ausência de religião priva a pessoa dos benefícios produzidos pelos rituais encenados pela maioria, ca-
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minhos antiqüíssimos para a saúde psicológica, pois incorporam cognições, filiação social, ação coletiva e catarse.
Oração A oração é uma das formas mais antigas de intervenção terapêutica e continua sendo freqüentemente utilizada, inclusive pelos médicos (dois terços de uma amostra de 126 médicos relataram rezar pelos seus pacientes). Byrd (1984) acompanhou por 10 meses 393 pacientes admitidos em unidade coronariana, dividindo-os em dois grupos. Os nomes dos pacientes de um dos grupos foram fornecidos a participantes de um grupo que se reunia sistematicamente para interceder através da oração. Em síntese, um grupo de cristãos fora do hospital orou sobre as pessoas de um dos grupos. Os que receberam oração apresentaram menos edema pulmonar, foram entubados com menor freqüência e precisaram de menos antibióticos. Alguns autores concluem que não orar pelos pacientes é o mesmo que evitar ministrar uma droga ou um procedimento cirúrgico eficaz. Recomendam, então, que se siga a tradição da medicina, indo ao cerne dos dados obtidos cientificamente sem contorná-los, não importando o quão desconfortável isso possa ser, pois as evidências a favor da eficácia da oração não podem ser ignoradas.
Meditação Um dos principais objetivos de muitos sistemas de prática espiritual é propiciar a vivência de paz interior em seu sentido mais amplo e profundo. A literatura sobre os benefícios da meditação é muito extensa e seus benefícios já são reconhecidos por todos.
Confissão “É somente com ajuda da confissão que sou capaz de me atirar nos braços da humanidade, livre finalmente do fardo do exílio mo-
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ral”. Essa frase do psiquiatra Jung mostra a importância da confissão para a saúde. A confissão reduz a raiva, aumenta a simpatia e reduz as repercussões negativas do ato e a culpa, tendo um valor catalítico e um efeito positivo no ato de enfrentar os problemas com sucesso, no ajustamento e na evolução terapêutica.
Perdão Está relacionado com a culpa, a vergonha e a reconciliação, mas principalmente com a segunda. A vergonha é a realização de que os outros nos estão vendo como realmente somos, e não como gostaríamos que nos vissem. O perdão é o reconhecimento de que, na verdade, somos mais parecidos com quem nos ofendeu do que diferentes.
Conversão A conversão religiosa e as experiências religiosas intensas parecem ter um efeito benéfico, reduzindo sintomas patológicos. Nas igrejas, é possível já presenciar mudanças intensas na vida de pessoas após a experiência de conversão.
Exorcismo Consiste em invocar o nome de Deus para expulsar um espírito maligno que se crê habitar ou possuir uma pessoa, um local ou um objeto. Sem levar em consideração a dimensão espiritual, os mecanismos psicológicos do exorcismo são os seguintes: • a eficácia apóia-se sobre o efeito placebo: funciona porque as pessoas acreditam que vai funcionar; • o resultado é influenciado por fatores e processos psicológicos (percepção, crença, expectativa, motivação, dramatização e reforçamento);
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• a doença recebe um nome (possessão), o rótulo é manipulado e um novo nome é usado (curado, exorcizado, expulso); • a falta de cura não é atribuída ao sistema terapêutico, quando o tratamento não funciona imediatamente, mas sim ao curandeiro ou ao remédio; • o vínculo é importantíssimo na relação terapeuta-cliente. Na prática clínica, tem sido demonstrado que o calor humano, a empatia e o interesse genuíno produzem melhores resultados. No meio mágico, contam a onipotência e o carisma do curandeiro (a auto-apresentação como poderoso, autoconfiante e onipotente); • remissão espontânea de sintomas psicológicos; • o exorcismo permite vivenciar novamente uma intensa experiência emocional na tentativa de solucionar um problema psicológico e liberar as emoções acumuladas através de uma descarga catártica.
Liturgia Envolve a participação ativa e consciente da assembléia através da leitura de textos sagrados, louvor através de hinos, salmos e cânticos, oração silenciosa e em grupo, e celebração de sacramentos (na religião cristã, há o batismo, a confirmação, a eucaristia, a reconciliação, o matrimônio, o sacerdócio e a unção dos enfermos). A liturgia apropriada ao momento de vida da congregação ou da família facilita a catarse emocional. O ministro religioso é treinado a planejá-la de acordo com os períodos de celebração ou contrição, seguindo os ritos de passagem (no ocidente, o nascimento, o aprender a ler, o início da adolescência ou da vida adulta, a entrada na universidade ou no mercado de trabalho, o casamento, a separação, a aposentadoria, a saída dos filhos de casa, a morte, as lembranças dos entes queridos, etc.).
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A bênção
mentar a consciência da presença de Deus e o relacionamento com Ele.
Bênção, passes, imposição das mãos e unção dos enfermos são práticas comuns em diversas religiões desde a antigüidade. São formas, atos ou palavras para comunicar poder às pessoas em nome de Deus, ou uma expressão de confiança entre elas. Fazem parte do trabalho pastoral, e a intenção é transmitir a promessa de força que será encontrada, não em quem a expressa, mas em Deus, em nome de quem as palavras estão sendo ditas. O ato de benzer é uma das práticas mais presentes na nossa medicina folclórica. É um ato de súplica, de imploração, de pedido insistente aos deuses para que eles se tornem mais presentes, para que tragam boas novas e benefícios. É um instrumento para produzir solidariedade, um elemento que aglutina as pessoas, que repara a tragédia, a dor, a aflição e o sofrimento.
A direção espiritual É descrita como um relacionamento que tem por objetivo o desenvolvimento do self espiritual. Isso inclui a construção de um forte relacionamento com Deus e o desenvolvimento de uma vida pessoal plena de sentido. Toma diferentes formas dependendo das crenças religiosas, mas o diretor espiritual tem em seu repertório de comportamentos o uso de encorajamento, apoio e confronto, visando a criar um clima de confiança que conduza o orientando a correr riscos e a crescer. Julian (1992) define o alvo da direção espiritual como sendo o de aprofundar o relacionamento de uma pessoa com Deus. Ajudar a pessoa a prestar atenção à comunicação pessoal de Deus, e a responder, crescendo em intimidade com Ele e vivendo as conseqüências desse relacionamento. O foco da direção espiritual recai em temas espirituais, a oração, a leitura das escrituras e a literatura religiosa, os exercícios de visualização, o uso de um diário e outras práticas religiosas usadas para au-
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Idioma para expressar o estresse e promover ajustamento pessoal A religião pode ser utilizada como um idioma para expressar o sofrimento em momentos de desorganização social e insatisfação, através de comportamentos que a psiquiatria pode interpretar como sendo dissociativos. Outros mecanismos como técnicas de alteração de consciência, experiências místicas, experiências de proximidade com a morte, influências superempíricas e sobrenaturais também são descritas. Há um poder ativo que transcende ou existe independentemente do mundo natural, que escolhe quando e por que abençoar ou dotar indivíduos ou grupos de pessoas com saúde. Essa visão de mundo é enfatizada pelas tradições judaico-cristã e islâmica. Enfatiza a transcendência de Deus, a sua presença e o seu poder atuando na natureza e na história. Esse poder divino está acima das leis naturais e não pode ser objeto de escrutínio científico e experimentação. TERAPIAS COM INFLUÊNCIA RELIGIOSA PRATICADAS NO BRASIL O cadinho religioso que é o Brasil refletese nas práticas terapêuticas adotadas. Diversas são as psicoterapias com influência religiosa, algumas aqui criadas, outras importadas, mas com grande penetração; algumas praticadas por profissionais, outras por leigos. Alguns exemplos são:
Terapia noossofrológica É mais conhecida pelo nome da clínica onde é praticada, “Mens Sana”, e pelo seu criador, Frei Albino Aresi, já falecido. Associa métodos psiquiátricos e psicológicos conven-
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cionais e poderes paranormais para diagnóstico e cura. Após uma triagem médica e uma entrevista psicoterápica, o paciente pode ser encaminhado a uma série de serviços, tais como: • Psicorelax: aparelho que produz vibrações suaves, por meio das quais o paciente recebe sugestões, musicoterapia e cromoterapia. • Psicotron: colchão vibratório operado por pessoa paranormal, chamada de sensitiva, que detecta fatos do inconsciente. Um relatório é preparado e encaminhado ao terapeuta, o que apressaria o processo psicoterapêutico ou o tornaria mais eficiente. • Outras técnicas são o pulsotron, a regressão de idade, a fisioterapia, a massagem, os medicamentos, a terapia religiosa e os cursos psicoprofiláticos. Essa forma de tratamento teve maior difusão nas décadas de 60 e 70, com clínicas em algumas das principais cidades brasileiras. A morte do seu carismático fundador fez com que perdesse sua força, embora as clínicas continuem funcionando.
Trilogia analítica Fundada por Norberto Keppe, recebeu primeiro o nome de psicanálise integral. Depois, Trilogia, porque pretende a união da ciência, da filosofia e da espiritualidade, e Analítica pois são analisados todas as partes ou fatos para corrigir os erros de cada campo e promover o desenvolvimento de uma ciência mais completa. A Trilogia Analítica, segundo o seu criador, unifica a ciência, a filosofia e a teologia; o sentimento, o pensamento e a ação, visando à unificação dos homens, das raças e das nações. Psicoterapia Trilógica é o processo de conscientização da dialética errônea, sendo que a recuperação e o desenvolvimento da huma-
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nidade dependem dessa percepção. A terapia adota o método dialético, a união do sentimento verdadeiro (amor) com o pensamento verdadeiro, chegando à consciência que possibilitará o agir correto. Além da terapia, o movimento idealizado por Keppe propôs uma maior influência renovadora sobre a sociedade através de empresas e residências trilógicas. Alguns conceitos fundamentais são: • A doença é uma privação da saúde, enquanto as neuroses e as psicoses são uma atitude e não têm existência própria. As neuroses surgem quando somos obrigados a viver uma existência fantasiosa, em desacordo com nossa vontade genuína. Os psicóticos são os que mais desejam poder e vivem essas fantasias de grandeza. • A teomania é a tentativa de sermos como deuses, poderosos e ilimitados. Se o grau de idealização que a pessoa faz de si mesma for muito grande, sua censura será muito forte e não terá tolerância em admitir seus erros, pois gosta de se crer “Deus ou anjo”. Consiste no desejo escondido em todos os corações humanos de ser poderoso como um Deus. • Aquilo que não gostamos de perceber, tentamos esquecer, tirar do campo da consciência, tendo como resultado a alienação. A inconscientização dos sentimentos de culpa por excesso de censura criam doenças físicas, mentais e sociais. A principal razão da negação do sentimento de culpa é a teomania. A Trilogia Analítica teve boa expansão em São Paulo, alguns simpatizantes no exterior, sendo que seu fundador e alguns de seus seguidores mudaram-se para os Estados Unidos na tentativa de divulgar suas concepções. Ao ir a um congresso na Europa, dois dos principais líderes do movimento foram detidos pela polícia americana sob a acusação de evasão de divisas. Essa detenção teve grande repercus-
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são na imprensa da época e ocasionou perda no vigor do movimento.
Psicotranse Fundada pelo médico Eliezer Mendes, propõe a cura do equilíbrio energético, utilizando os processos mediúnicos. Prega o conhecimento do manancial incalculável de psicoterapia das religiões mediúnicas. Nessa forma de psicoterapia, a esquizofrenia e a epilepsia são fenômenos parapsicológicos que acometem indivíduos em viagens por universos paralelos. São ocasionadas por desequilíbrios na captação de energias estranhas subconscientes ou exteriores. A terapia adaptou técnicas de hipnose, parapsicologia, terapia reichiana, regressão de memórias e a vidas passadas e terapia primal. Tem forte influência da Umbanda, usando técnicas de indução de transe. Utiliza também o trabalho de sensitivos, que captam a loucura do paciente (energias que perturbam o paciente) através da transidentificação (o sensitivo vivencia os pensamentos e sentimentos de uma pessoa viva ou morta) e da transmutação (o sensitivo aprende a expressar o que sente, capta e simultaneamente transforma os distúrbios que recebeu em algo que não lhe deixará resquícios energéticos). Por esse processo, o doente é liberto dos males que o acometem. Eliezer Mendes (1987) propõe também uma ação profilática, uma vacinação energética para todo tipo de doença.
Terpsicore-transe-terapia Criada por David Akstein (1994), médico psiquiatra e estudioso do fenômeno de transe dos cultos afro-brasileiros. Não usa o aspecto místico ou religioso. Através do transe cinético, ocorre liberação emocional e pela dessensibilizaão uma restruturação da personalidade e harmonização psicobiossocial. Terpsicore, deusa mitológica da dança, foi o motivo da denominação. Utiliza técnicas de
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indução de transe e musicoterapia, integrando-as no tratamento, que é eminentemente não-verbal (Akstein, 1994).
Nova era A “Nova Era” é a herdeira atual dos movimentos gnósticos. Algumas ênfases do movimento são as idéias de que a humanidade está próxima de uma transformação econômica, militar, social, e de que problemas políticos serão solucionados através da liberação do potencial humano. As idéias em geral são monistas ou panteístas. Propõe o abandono de uma visão materialista e a vivência de uma nova consciência, que pode ser adquirida ou desenvolvida através da meditação, das artes marciais, da hipnose, das drogas, dos trabalhos corporais, etc. O sobrenatural é herdado e pode ser detectado ou utilizado através de telepatia, percepção extra-sensorial, transmigração de almas, profecias, cura pela fé, energias, vibrações, toques terapêuticos, astrologia, tarô, búzios, etc. As relíquias e os objetos sagrados têm grande importância, e seus adeptos colecionam amuletos, pirâmides e cristais (Luz, 1986; 1989). Diversos são os terapeutas que procuraram integrar seus conhecimentos psicológicos com essas práticas, o que motivou uma tomada de posição desfavorável dos Conselhos Federais de Medicina e Psicologia.
Terapia de vidas passadas Originária dos Estados Unidos, é talvez a modalidade que mais se desenvolveu entre nós, pela grande penetração das religiões mediúnicas em nosso meio. É a mais bem-organizada, com associações, publicações periódicas e treinamento de terapeutas. Pesquisa não só as memórias da vida atual, mas também as reminiscências da vida intrauterina e de vidas pregressas. Nessas memórias, surgiriam as causas e os porquês dos sintomas e das patologias.
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O procedimento técnico inclui anamnese, focalizando sinais de materiais reprimidos: frases incongruentes, repetidas, desesperos absurdos, queixas estranhas. Através de indução hipnótica, processa-se regressão no tempo à procura de momentos em que ocorreram traumas. O material não é interpretado, mas descarregado. O paciente é induzido a repetir a emoção sentida nos momentos dramáticos da regressão até que a angústia desapareça. Traumas podem ter ocorrido em diversas vidas e memórias traumáticas podem ser reavivadas por acontecimentos perinatais, devendo tudo isso ser explorado e trabalhado. As principais indicações seriam as fobias, a histeria e os sintomas psicossomáticos (Pincherle, 1990).
Cura interior Fundado por Ruth Carter Stapleton, irmã do ex-presidente norte-americano Jimmy Carter, tem grande penetração entre nós no meio evangélico, mas principalmente no carismático católico. Enfatiza o papel da oração e da influência do Espírito Santo e a importância da cura para a comunidade cristã. Usa algumas idéias de Freud, como as experiências da infância que influenciam o comportamento e o pensamento adulto, e de Missildine, como ajudar as pessoas a identificar, compreender, respeitar, aprender a lidar com a criança do passado. A cura interior parte dos seguintes pressupostos: os problemas atuais surgem de memórias traumáticas, escuras e dolorosas, enraizadas profundamente na mente, as quais influenciam nosso comportamento e interferem em nossa felicidade. Essas memórias podem ser curadas através de experiências com o Espírito Santo. Para isso, ajuda-se as pessoas a encontrar suas memórias dolorosas e a expressá-las, podendo, então, ser levadas a Cristo em oração para que Ele traga cura, restauração, amor e perdão. Usa-se louvor, oração, perdão e técnicas de visualização, quando se imagina Cristo interferindo na situação dolorosa, trazendo amor, perdão, força e libertação.
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Aconselhamento noutético Fundado por Jay Adams (1980), pastor fundamentalista norte-americano, tem grande penetração entre os pastores evangélicos brasileiros, que adotam suas idéias e seus métodos para realizar aconselhamento. Os pressupostos são: • a Bíblia, o Velho e Novo Testamento contêm tudo o que é necessário para a vida e para o bem; • o objetivo do tratamento é mudar o modo como as pessoas vivem, e o padrão para a mudança é a Bíblia; • se a pessoa vive de modo inconsistente com o padrão bíblico, ela precisa mudar (noutesia); o terapeuta deve confrontá-la em amor; • o amor deve ser a verdadeira motivação do terapeuta; • todos os problemas não-orgânicos têm origem no pecado, e a vida pecaminosa é o foco central do aconselhamento. • a pessoa deve converter-se, confessar seus pecados, perdoar e ser perdoada, além de escolher alternativas de comportamento que agradem a Deus; • o objetivo terapêutico é agradar a Deus, e não aliviar sintomas ou problemas. O autor tem posição radical contra a psicologia e psiquiatria tradicionais, achando que sua abordagem é suficiente. Abordagem muito semelhante é também proposta no Irã pelos religiosos muçulmanos fundamentalistas.
Cientologia Fundada por L. Ron Hubbard, escritor norte-americano de ficção científica, a cientologia está presente entre nós, mas com pequena influência. Iniciou-se como técnica de tratamento, denominada dianética (a ciência moderna da saúde mental), mas passou, para
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evitar a pressão da Food and Drug Administration (FDA), a ser um movimento religioso. As clínicas tornaram-se templos, e os terapeutas, sacerdotes. As pessoas devem passar por uma auditoria, inicialmente um questionário, depois um aparelho, denominado e-meter. A infelicidade seria derivada de aberrações mentais (engramas) provocadas por traumas precoces. Os humanos seriam constituídos por espíritos (thetans) expulsos da terra há 75 milhões de anos por um governante galáctico chamado Xenu. O aconselhamento através do e-meter pode quebrar os engramas, melhorando a inteligência e a aparência. COMO O SINCRETISMO ENTRE TERAPIA E RELIGIÃO DEVE SER AVALIADO? Proponho adotar os seguintes critérios (Larson et al., 1998): • Critério científico: (avaliação dos resultados e do processo): descrição do tratamento, se possível com um manual, e especificação dos fatores clínicos que serão afetados. Se o tratamento funciona, usando desenhos de pesquisa adequados? Como o tratamento compara-se aos outros? Quais são os ingredientes clínicos fundamentais? Como interage com variáveis do tipo qualidades do terapeuta e condições interpessoais? Qual a população-alvo? Como medir as mudanças?, entre outras questões. • Critério epistemológico: se a terapia está aberta a críticas e à evolução, se dialoga com as neurociências e a psicologia, se a análise teórica é baseada nos conhecimentos médicos e psicológicos. • Critério ético: se há controle dos terapeutas, se é possível averiguar fatos apregoados, se o tratamento é patenteado, se está envolvido em problemas legais, se funciona como culto totalitário, se explora pacientes e terapeutas.
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• Critério administrativo e organizacional: preparo e formação dos terapeutas, financiamento. • Critério psicopatológico: sistema teórico paranóide, explicações delirantes sobre o grupo, a saúde mental de liderança. • Critério cultural: sensibilidade cultural, não-elitista, respeito ao conceito de self da comunidade, linguagem simbólica adequada, cuidados com o popularesco. • Critério teológico: insere-se em uma tradição teológica. Nenhuma dessas práticas passa incólume por tais crivos. Entretanto, as práticas psicoterápicas convencionais aceitas pelas academias e pelos conselhos regionais e federais também não passam. O campo da interação religião, saúde mental e psicoterapia está aberto para ser estudado. A variável religiosa, por sua enorme influência na vida das pessoas, precisa ser levada em consideração na compreensão dos problemas, no entendimento epistemológico do paciente, na formulação de suas histórias e narrativas. A dimensão religiosa é útil na terapêutica, ajudando na formação de imagens e metáforas que podem auxiliar a pessoa a mudar e viver plenamente. A religiosidade nãosaudável é um sintoma como os outros, que precisa ser trabalhado e analisado. Assim, a Psicologia e a Psiquiatria não podem relegar mais essas experiências ao segundo plano. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADAMS, J. Conselheiro capaz. São Paulo: Vida, 1980. AKSTEIN, D. Un voyage à travers la transe. Paris: Sand, 1994. ALMEIDA, A.M. et al. Núcleo de estudos de problemas espirituais e religiosos. Revista de Psiquiatria Clínica, v.27, p.113-115, 2000. ARESI, A. Método de terapia noossofrológica das Clínicas Frei Albino. São Paulo: Mens Sana, 1984. BYRD, R.C. (1984). Positive therapeutic effects of intercessory prayer in a coronary care unit population. Circulation 70, 212 (abstract). Suppl. 2.
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24 Construtivismo e Cultura Organizacional Carlos Eduardo Pires e Albuquerque
OS MODELOS MENTAIS O termo “modelo mental” foi destacado por Senge (1990, p. 17), que o definiu como “imagens internas profundamente arraigadas de como o mundo funciona, imagens que nos limitam a maneiras habituais de pensar e agir”. O termo já havia sido tratado há muitos séculos pelos filósofos gregos; o conceito, portanto, não é novo. Já foi chamado de script de vida, crenças, padrões mentais e esquemas cognitivos, entre outros. O seu significado tem algumas variações, mas na essência é o mesmo. Esse conceito tem uma importância fundamental nos estudos do construtivismo, tal como veremos neste capítulo. O modelo mental funciona como uma referência para todas as coisas. Ele inevitavelmente interfere na interpretação que as pessoas têm da realidade. Algumas vezes, essa interferência acontece com muita intensidade, e outras vezes, não. Entre nós e a nossa “realidade” exterior, há uma barreira psicológica, um filtro cognitivo que nos faz interpretar tudo com que entramos em contato. Podemos dizer que a nossa reação ao ambiente é decorrente das percepções internas que temos a respeito dos acontecimentos. Assim, esse ambiente, tal qual percebemos, é uma criação dos nossos modelos mentais internos – uma extensão nossa. É como um pano de fundo no qual projetamos tudo o que percebemos a respeito da realidade.
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Se você olha uma paisagem e, ao mesmo tempo, ouve uma música que o marcou positivamente no passado, a tendência é ver beleza nessa paisagem. De alguma forma, o cérebro “fixa” as experiências mais marcantes que terão influência sobre percepções futuras. A partir delas, toda vivência irá sobrepor-se a essas referências internas. Ou, ainda, toda vivência estará, de alguma maneira, contaminada por essas referências. Uma pessoa hipotética, que não tivesse registro de nenhuma experiência anterior da realidade externa, talvez um “marciano” visitando nosso planeta, ao assistir a um jogo de futebol, ficaria estarrecida. O que ela veria? Pessoas apaixonadas gritando por seu time, discutindo os lances com uma inacreditável “distorção” dos fatos. Ela teria muita dificuldade de compreender o que estava acontecendo, talvez por não saber que todas as pessoas estão movidas por seus modelos mentais públicos e pessoais. OS MODELOS MENTAIS E AS DIFERENÇAS HUMANAS As pessoas são diferentes em seus modelos mentais. Ninguém os tem idênticos. Podem existir semelhanças, o que, aliás, é o que viabiliza a vida em grupo. Os valores culturais estão baseados em modelos mentais semelhantes. Porém, quando nos aprofundamos na in-
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teração com alguém, percebemos tamanha sofisticação, minúcias e detalhes em seus modelos mentais que ficamos surpresos de constatar como é possível que uma pessoa entendase com outra. Sabemos que fortes diferenças de modelos mentais provocam conflitos entre as pessoas, entre as organizações e até mesmo entre países. Apesar de as realidades pessoais serem diferentes, algumas pessoas tendem a encarálas como corretas e únicas, ou seja, como uma verdade absoluta. Todos aqueles que não comungam essas verdades estarão errados e devem ser ensinados e, se não quiserem aprender, “eliminados” de algum jeito. Os modelos mentais não são imutáveis. Assim, não podem ser verdades absolutas. O que notamos é que os seres humanos são eternos construtores desses modelos. Ao receber estimulações do meio ambiente, estão reconstruindo-os a todo momento. São inúmeras as estimulações ambientais possíveis em uma realidade qualquer. Variáveis de contexto como situação econômica, saúde, projetos de futuro, clima, noticiários e inúmeras outras se unem a predisposições psicológicas e características de personalidade (não menos inúmeras) para provocar uma interpretação e conseqüente conclusão. Todos estamos reconstruindo a realidade a cada momento. LABILIDADE E RIGIDEZ NAS ORGANIZAÇÕES Não somos seres completamente passivos, que recebem estímulos do meio ambiente e agem de acordo com eles. Conforme Mahoney (1998, p. 60), “o construtivismo é uma perspectiva epistemológica baseada na asserção de que o indivíduo ativamente cria realidades às quais ele responde”. Por outro lado, também não somos absolutamente rígidos em nossos modelos, de forma a não permitir reavaliá-los pelas mudanças que o ambiente traz. Na verdade, parece que, quando essa balança pende exageradamente para um desses lados, encontramo-nos em dificuldades.
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Se nos conduzimos com extrema flexibilidade, como quando sujeitos a uma massiva enxurrada de mudanças, como as que nos envolve hoje com a chamada globalização, nossos valores ficam ameaçados. Segundo Sennett (2000), esse excesso de mudanças provoca uma forte conseqüência em nosso caráter, pois compromete os valores que são os nossos formadores de modelos mentais. O que se depreende é que os modelos mentais precisam de alguma firmeza. Eles são a base para a formação dos valores e promovem a identidade cultural. Paradoxalmente, quando a balança pende para o outro lado e fazemos de nossos modelos mentais “verdades absolutas”, temos grande dificuldade para entender as mudanças e promovê-las. É grande a reação social atual na procura dessa “estabilidade” valorativa, na busca por seitas e religiões que pregam a permanência ou a eternidade das coisas (Oliveira, 2000). E tais “verdades absolutas” dão origem aos dogmas. É interessante notar que os modelos mentais criam vida própria. Quando um consultor com credibilidade faz um diagnóstico muito detalhado de uma organização, esse diagnóstico pode acabar criando uma “verdade” própria. A partir dele, passa-se a “forçar” uma percepção dessa organização em direção às características desse diagnóstico. O modelo é como que engessado e todo comportamento, mesmo que adequado, passa a ser distorcido para fazer sentido em vista do que passou a ser adotado como verdade. Se esse consultor afirma que a organização deve terceirizar seus serviços administrativos para se tornarem mais competitivos no mercado, então todos os problemas que acontecem parecem ser motivados pela não-terceirização. O mesmo acontece com as pessoas que recebem um “rótulo” de, por exemplo, agressivas. Até suas colocações ponderadas passam a ser vistas como um disfarce de sua agressividade ou como parte de alguma trama escondida. Essas percepções “forçadas” denotam uma necessidade que as pessoas têm de combinar o que elas presenciam com o que acreditam. Agindo assim, o que percebem passa a fazer sentido.
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A DINÂMICA DOS MODELOS MENTAIS Quando uma estimulação externa é muito diferente daquela a que estamos familiarizados, ela pode passar despercebida, gerar forte oposição ou, ainda, ridicularizações. O elevado grau de desconfiança gerado nas empresas pela busca de implantação do modelo japonês na década de 80 é um bom exemplo disso. O livro Teoria Z (Ouchi, 1980) era a bíblia do administrador. Ele descrevia como uma administração devia ser naquela década. A reação da massa trabalhadora era, via de regra, de que “aqui isso não funciona”. Seus modelos mentais não combinavam com os postulados então exigidos. Quando pensamos nos modelos mentais existentes nas empresas, constatamos que podem servir, por um lado, de grandes dificultadores do seu desenvolvimento e, por outro, de grandes facilitadores. Vejamos mais de perto dois exemplos: o modelo mental de alguns funcionários com relação ao cliente é de que este cliente “é um chato”. Crenças como essa ainda existem apesar da grande ênfase que vem sendo dada ao cliente nos tempos atuais. Esse modelo é certamente um grande dificultador para a permanência dessa empresa no mercado. Outro modelo mental, agora com relação ao gerenciamento de pessoal, é o de que devemos considerar a participação de todos os envolvidos para a implantação de um novo negócio e este, por sua vez, pode ser facilitador. De uma forma geral, o que vai determinar se o modelo mental é dificultador ou facilitador talvez seja a sua rigidez ou labilidade excessiva em função do contexto como um todo. O que é bom para um contexto pode ser ruim para outro e vice-versa. De um jeito ou de outro, é necessário o desenvolvimento de uma criticidade tanto para considerar as mudanças do meio quanto para desconsiderá-las. Essa transitoriedade ou esse rigor dependem da potência como os modelos foram construídos na história de cada pessoa ou organização. Essa história é cumulativa. As experiências vão sobrepondo-se e adquirindo cada vez uma nova face. Portanto, as pessoas
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nas organizações constroem os seus modelos mentais, que podem ser rígidos ou lábeis, e esses modelos compõem suas identidades e, por conseqüência, a cultura da organização. A CONSTRUÇÃO DOS MODELOS MENTAIS TRADICIONAIS NAS ORGANIZAÇÕES Como vimos, os modelos mentais são poderosos direcionadores de comportamento. Quando rígidos, eles fazem com que as pessoas repitam, como um disco quebrado, velhos padrões de comportamento em situações que são novas, o que provocará uma resposta sem sintonia com a realidade que está sempre mutante. Segundo Mahoney (1998, p. 249): “os indivíduos geralmente tentam recobrar o equilíbrio psicológico por meio de estratégias familiares que foram utilizadas para enfrentar os desafios anteriores da vida”. Assim, sabemos que mudar esses modelos mentais não é tarefa fácil, pois existe toda uma história cultural por trás deles. A partir da Revolução Industrial, quando a geração de bens passou da produção artesanal para a produção em série, a preocupação com a produtividade tornou-se uma constante. Muitas foram as teorias que buscaram explicar o comportamento humano a fim de que melhor se atingisse a produtividade. Desde as escolas científicas, clássicas e de relações humanas com Taylor (1947), Fayol (1954) e Mayo (1945) até posteriormente com autores mais voltados para o gerenciamento propriamente dito, como MacGregor (1960) com sua Teoria X e Y, Maslow (1970) com sua Pirâmide Motivacional, Herzberg (1966) com Higiene e Motivação, Likert (1961) com o Modelo Participativo, Argyres (1964) com seu estudo de Competência Interpessoal, dentre outros, a preocupação sempre foi como conseguir melhores resultados através das pessoas. E isso implica, muitas vezes, lidar diretamente com os traços culturais e indiretamente com os modelos mentais. A cultura em que vivemos influencia a visão organizacional. Ao pensar um pouco nas
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origens históricas da cultura ocidental, encontraremos uma forte influência romana dos séculos VII a.C. até III d.C. Os romanos, especialistas em tática de guerra e conquista, difundiram pelo mundo o seu produto – a “pax romana”. Para difundir essa “paz”, eles invadiam e conquistavam militarmente um povo e procuravam não se intrometer em seus negócios internos (como a religião, por exemplo), a menos que interferissem na arrecadação dos impostos, em que eles agiam com uma ferocidade exemplar. Sua influência difundiu-se deixando marcas profundas sobre como se deve lidar com as pessoas para que elas ajam de acordo com os seus desejos. Constataram que, se colocadas “em seus devidos lugares”, as pessoas obedeciam piamente às ordens. Por medo de serem punidos, os povos dominados não percebiam outra alternativa senão a de se submeterem. Essa influência era tão marcante que, para alguns historiadores, pertencer à civilização romana era considerado vantajoso. Toda essa submissão foi reforçada em nível religioso com a ascensão do Catolicismo Medieval, que pregava também a importância da obediência cega àqueles que eram intitulados emissários de Deus, seus dignos representantes aqui na Terra. A desobediência às palavras dos representantes de Deus era chamada de pecado e a punição, exemplar, consistia tanto nas torturas da inquisição quanto na possibilidade de enfrentar um inferno escaldante e de sofrimentos eternos. Em várias partes do mundo, o tribunal da inquisição foi um forte exemplo de imposição que promoveu várias chacinas, como bem descrevem Baigent e Leigh (2001): “a Inquisição foi responsável pela tortura e morte de centenas de milhares de pessoas – a maioria inteiramente inocentes...”. Por ocasião da mudança do modelo artesanal do feudalismo para o de produção em série, as empresas emergentes viram-se em uma situação inusitada: como trabalhar com tanta gente junta no mesmo espaço. Para isso, espelhou-se nessas duas organizações que existiram no passado, mas que continuavam existindo no presente. Ambas tinham uma estrutura muito bem-delineada. O clero católico e a organização militar contavam – e contam com uma estrutura extremamente rigorosa, com
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uma hierarquia milenar e com sua “produtividade” baseada no “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Fazendo uma reflexão sobre o desenvolvimento das organizações brasileiras, Oliveira (1997, p. 8) diz: “Ao fazer uma análise da nossa história, constatamos que do colonizador português herdamos a tradição elitista e autoritária dos valores greco-romanos. O colonizador legou-nos ainda o catolicismo medieval e a visão elitizante da cultura européia”. Esse estado de coisas caracterizava a cultura de trabalho dominante e acreditava-se que era assim que os resultados aconteciam. O ser humano era visto como um ser que precisava de uma liderança rígida que conduzisse todos os seus passos, eventualmente premiasse e freqüentemente punisse. Soma-se a isso o fato de que a cultura social, de uma forma geral, também mantinha um modelo de educação de filhos rigoroso baseado na disciplina e no medo (confundido muitas vezes com respeito). O medo, como se sabe, é um poderoso disciplinador. É muito fácil constatar como a criança aprende o que fazer e o que não fazer sob ameaça. Com esse breve retrospecto histórico, podemos vislumbrar em muitas das nossas organizações uma cultura caracterizada por modelos mentais bem-definidos como os abaixo descritos: • o ser humano é preguiçoso e indolente; • seu interesse imediato é ganhar dinheiro; • ele só está interessado naquilo que lhe diz respeito diretamente; • uma liderança forte, que mostre aos indivíduos quem manda, torna-se necessária; • alguns pensam, planejam e mandam; outros executam e obedecem. Durante algum tempo, esse modelo cultural parece ter funcionado. Para um modelo organizacional vir a funcionar, ele tem de interagir com o ambiente. Como o ambiente social estimulava tais crenças, havia uma conformidade cultural que legitimava essa situa-
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ção. No entanto, o ambiente tem mudado incessantemente e muitas organizações não acompanharam essa mudança. Pode-se dizer que algumas continuam ainda com técnicas medievais de gestão. Grande parte dos gerentes seguem modelos autoritários, como destaca Oliveira (1997, p. 14): “A gerência tornouse autoritária, centralizada, desconhece técnicas motivacionais, valoriza o comportamento burocrático e, conseqüentemente, prioriza a eficiência em detrimento da eficácia”. Quando a organização não segue os tempos, torna-se disfuncional ou desajustada. Nesse sentido, deve buscar mudança de seus padrões. Diante de toda essa realidade histórica, de centenas de anos, parece-nos quase impossível superar tais modelos. São séculos de massiva influência. Todo profissional que trabalha com a mudança tem de estar preparado para muitos momentos de frustração se não compreender profundamente as dificuldades que o esperam em qualquer projeto. O que se percebe aqui são verdades pessoais implantadas por séculos de influência cultural. Paradoxalmente, temos a nosso favor a incrível inquietação do ser humano, as mudanças que o meio externo tem exigido a todo instante, a aspiração humana de “vir a ser” e uma inacreditável plasticidade do cérebro. A CULTURA ORGANIZACIONAL “IDEAL” Com a ciência clássica de Newton, a natureza passou a ser “desvelada” e com a matemática tornou-se possível prever os fenômenos e agir sobre eles. Nesse raciocínio, há o pressuposto de que existe uma verdade a ser descoberta e de que o método científico consiste em buscá-la. Com o objetivo de serem reconhecidas como ciência, as disciplinas humanas seguiram o mesmo pensamento. Assim, haveria um modelo de comportamento que se deveria buscar – um padrão de normalidade – e tudo que se desviasse desse padrão seria considerado anormal ou doentio. As disciplinas organizacionais também passaram a buscar padrões tidos como ideais.
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Prigoggine (1996) ensina que a ciência clássica funciona para modelos simples e não para fenômenos complexos. O ser humano é um dos fenômenos mais complexos da natureza e, portanto, está fora de um raciocínio mecânico e idealista. Conclui-se daí que não há uma verdade idealizada a se buscar. A necessidade de superação de modelos tradicionais leva em conta que eles podem ter perdido sua funcionalidade. Na busca de sua superação, podemos dizer que não existe um modelo cultural ideal que possibilitará a todas as organizações serem bem-sucedidas. Apesar de estar muito difundida na nossa cultura a importação de modelos, acreditamos que os modelos “ideais” são aqueles escolhidos pela própria cultura da organização. A organização torna-se expert de si mesma, ou seja, elabora seu modelo teórico científico que explica os fenomenos a partir de sua própria experiência. Várias vezes, observamos a dificuldade que as pessoas têm de aceitar modificações ou explicações de seus problemas quando elas vêm de um especialista de fora. Testes e questionários são usados para, a partir de gabaritos externos (geralmente de outros países, bem-distantes), chegar-se a diagnósticos “científicos”. Quando esses diagnósticos organizacionais são confeccionados por consultores a partir de suas observações, os questionamentos são inúmeros. As fórmulas milagrosas de resolução dos problemas alheios multiplicam-se em todos os âmbitos. São receitas de felicidade pessoal e sucesso profissional e organizacional que funcionam muito bem para os próprios autores. Para que seja reconstruída a organização a partir de uma realidade própria que se mostra incompatível com as exigências do ambiente, é preciso que se faça um constante diagnóstico de processo, que haja uma constante estimulação da criticidade, que ocorra a compreensão da realidade própria diante do que está acontecendo no meio ambiente. Em suma, no construtivismo, busca-se promover uma reforma a partir do “interior” da organização em seu contato com o “exterior”, e não uma reforma vinda do “exterior” imposta por um técni-
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co de organizações. Essa segunda alternativa parte do pressuposto de que, se uma determinada mudança deu certo em determinadas organizações, dará certo em outras também. Há nessa prática uma desconsideração da construção cultural específica de cada empresa. Cada organização pode ser considerada como uma construção ideológica própria. Ela é dotada de sua própria realidade. A função de um profissional externo à empresa e voltado para a mudança é muito mais a de um colaborador e facilitador da reconstrução em novos termos, que estejam mais sintonizados e sejam funcionais para com a realidade. A construção cultural provoca comportamentos compulsivos, persistentes e restringe a capacidade de perceber o que não está em seus postulados. Como vimos, a maneira cultural de se lidar com a realidade, tendo por base o pensamento objetivista, transforma-a em verdade absoluta e faz com que seus membros acreditem nela. Atividades voltadas para repensar a organização desenvolvem a criticidade e provocam a consciência do comportamento. Essa consciência do momento da organização leva à possibilidade de mudanças. A partir da compreensão de sua dinâmica interna, a organização pode buscar novos modelos, mais adequados ao momento em curso. Além disso, momentos dedicados a essa exploração consciente provocam um comprometimento com a empresa. Ao organizar suas vivências, trocar idéias e dividir percepções, as pessoas ficam cada vez mais envolvidas com a empresa. Essa dinâmica é importante porque as mudanças organizacionais processam-se em grupo. A mudança de modelos deve ser uma mudança que torne possível a convivência consigo e com os outros e que desenvolva uma aceitação do outro como um outro diferente. E que, apesar das diferenças, pode-se perseguir os mesmos objetivos. Contudo, as mudanças de modelos não são fáceis e provocam uma angústia em decorrência da perturbação significativa da realidade construída pela organização. São momentos de ruptura de padrões anteriores, em função do surgimento de novos, que propiciam que a ameaça esteja presente.
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Quando as pessoas podem apoiar-se umas nas outras, dividir suas ansiedades e seus medos, sentem-se mais seguras. Com exercícios dessa natureza, desenvolvem uma empatia mútua e uma certa cumplicidade, além de responsabilidade pelos desígnios da empresa. Acrescenta-se a isso o fato de que toda mudança interfere na identidade das pessoas. Essa identidade está diretamente ligada aos movimentos de que ela participa. Ser funcionário de uma empresa ocupa grande parte do tempo físico e psicológico das pessoas; portanto, é um forte formador de identidades. Quanto mais essa identidade é trabalhada, mais conscientes as pessoas se tornam. NARRATIVAS HISTÓRICAS NAS ORGANIZAÇÕES: O PAPEL DAS EMOÇÕES O ordenamento das experiências e dos modelos mentais dos funcionários provoca um exercício de “historização” da empresa. As narrativas históricas são carregadas de conteúdo emocional e geram um processo de experiência emocional, uma vez que os envolvidos passaram por momentos de muita tensão no curso de sua história. A energia emocional liberada nesses momentos cria condições para uma maior compreensão da importância que é dada às coisas no contexto dessa organização e também desenvolve a possibilidade de criação de fortes laços afetivos, pois todos dividem com todos os seus momentos carregados de emoção. No entanto, trabalhar o aspecto emocional nas empresas gera um outro fator dificultador, o qual está implícito no conjunto de modelos mentais incorporados a partir da nossa cultura. Desde os gregos, há aproximadamente 500 a.C., desenvolveu-se uma forte ênfase no aspecto racional do ser humano. Na Idade Média, houve um reforço dessa racionalidade com a negação do corpo, que é onde se situam as emoções. Estas devem ser firmemente contidas por deturparem a razão e por levarem o homem à perdição. O corpo passou a ser visto como a sede das paixões mundanas (ver Capítulo 1).
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No início do Renascimento, Descartes elabora sua famosa máxima: “Penso, logo existo”. “Penso”, e não “sinto”. E assim desenvolve seu modelo científico cartesiano, enfatizando o determinismo e o reducionismo (estudo das partes para compreender o todo). Tudo muito metódico e analítico. Os iluministas seguiram esse caminho. Enfim, toda a nossa ciência foi baseada nesses postulados racionalistas, ficando o estudo das emoções para segundo ou último plano. É muito comum presenciarmos pessoas pedirem desculpas por se emocionarem. A emoção passou a ser motivo de vergonha, e, por isso, as pessoas escondem-se quando emocionadas. O que se constata é que toda superação de modelos mentais seguirá basicamente os mesmos passos da implantação dos modelos anteriores. Como vimos anteriormente, as emoções são as energias vitais que determinam a incorporação dos modelos mentais. Nas palavras de Greenberg, Rice e Elliott (1996, p. 86): A experiência clínica tem demonstrado que o conhecimento intelectual acerca do si-mesmo, ainda que possa resultar num atrativo para os clientes, não produz uma mudança nem profunda e nem duradoura. Esse tipo de conhecimento não afeta as estruturas emocionais que determinam o comportamento. Para tanto, consideramos que a chave para a mudança é proporcionada pelos esquemas emocionais relevantes para o si-mesmo que se encontram no núcleo do indivíduo. Esses esquemas formam-se a partir das interações carregadas de afetividade com o meio ambiente e estão no centro do bom funcionamento ou mau funcionamento do organismo. As estruturas emocionais são essenciais para guiar e criar a nossa experiência vivida.
Superar valores culturais construídos no decorrer de muito tempo não é tarefa fácil. Profissionais da área de recursos humanos precisam esforçar-se para perceber que as emoções estão na base de todas as mudanças. Assim refletindo, podem ajudar nos processos de desenvolvimento de suas culturas. Sensibilizando e esclarecendo esse fato internamente em suas empresas, estarão trabalhando por uma cultura mais rica e adaptativa, pois as
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emoções estão na base de todo processo de aquisição e manutenção do conhecimento. Sem essa compreensão da emocionalidade como uma ferramenta de adaptação, permaneceremos na mesmice, os novos padrões não serão desenvolvidos e continuaremos sendo vistos como bons teóricos (no sentido pejorativo do termo). A CONSTRUÇÃO DE VALORES E O FUTURO É comum pensarmos que o comportamento humano é decorrente de experiências passadas que vão acumulando-se e produzindo a personalidade das pessoas. Com efeito, isso procede. Somos, em parte, uma resultante de nosso passado. No entanto, não somos só fruto do passado. O nosso comportamento também é resultante do nosso futuro, ou melhor, da nossa expectativa de futuro. O que queremos está no futuro e muito do que fazemos no presente é para buscá-lo. Não podemos perder de vista que o que escolhemos no futuro tem muito a ver com o que vivemos no passado. Assim, passado, presente e futuro fundem-se na construção da personalidade. Se observarmos uma pessoa muito carente afetivamente, poderemos constatar que ela passa grande parte de seu tempo em uma busca futura de reconhecimento. Outras envolvemse em uma insana procura de segurança através de comportamentos (obsessivos) na busca de ordem. Outras ainda, na ânsia de serem muito importantes, desmancham-se em favores para terceiros. No comportamento organizacional, sabese hoje que muito do que os empregados fazem está diretamente ligado ao que se espera deles (futuro). Aliás, grande parte da angústia organizacional está na falta de clareza do que se espera das pessoas. É tão comum ouvirmos “Não sei o que o meu chefe quer de mim...”. Quando a expectativa não é clara, gera insegurança. Em organizações com uma cultura fortalecida, esse problema não ocorre. Os valores são bem definidos e difundidos entre as pessoas. Elas têm internalizado o que se espera de-
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las. Assim, se o atendimento ao cliente é um grande valor em uma empresa, não é preciso escrever isso em lugar nenhum, porque no diaa-dia, em todas as relações, esse valor torna-se demonstrado. Em outras organizações nas quais a cultura não está fortalecida, os valores são pouco definidos, e proliferam os problemas. Se não está claro que se dá muita importância, por exemplo, ao desenvolvimento pessoal, então as pessoas não buscarão formas de se desenvolverem. Se não está claro o que se quer, as pessoas irão comportar-se, algumas vezes, conforme se espera delas – acertando – e, outras vezes, em desacordo com o que se espera delas – errando. Então, acertar ou errar passa a ser uma loteria. A construção de uma cultura organizacional forte, bem-desenvolvida, requer tempo despendido em atividades que repensem e ressintam a organização, além de relações mais transparentes e abertas. Exige também um corpo de direção que sabe o que quer para, em seguida, estimular para baixo e aceitar influências de baixo para cima. Quando isso acontece, a direção é a primeira a agir conforme os valores desejados. Embora o comportamento compatível com o valor possa começar de uma exigência das cadeias hierárquicas superiores, como é muito comum, as pessoas não mudarão seu modo habitual de agir porque veio uma ordem de cima. Não é assim que se constroem valores culturais fortes. A CONSTRUÇÃO DE VALORES E A EQUIPE Na raiz de todo aprendizado de comportamento, está um forte componente emocional. Diríamos que todo aprendizado importante ocorre sob forte componente emocional: aquilo que se aprende com emoção não se esquece. Compreender que o cliente é importante passa por um aprendizado de que as pessoas são importantes. Exigir de uma hora para outra de alguém que não aprendeu a valorizar o outro que agora passe a dar atenção ao cliente revela um desconhecimento do cognitivismo
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humano. Considerar as pessoas importantes passa pela qualificação que fazemos delas, bem como de experiências que vivenciamos juntos. Quando se trabalha a cultura, vários aspectos do emocional aparecem. Na história comum que as pessoas têm na sua empresa, há muita experiência traumática e muita experiência vitoriosa. No decorrer do tempo, apareceram muitas pessoas significativas e outras nem tanto. Há um universo enorme que só pode ser compreendido por aqueles que passaram 8 a 10 horas diárias durante anos e anos juntos. É essa convivência que gera a emoção pura. Quando essas pessoas reúnem-se para expor seus momentos, estão falando de sua identidade adquirida nessas organizações. Assim, se em toda uma vida organizacional o importante foi a produtividade e quase nenhuma importância era dada à segurança industrial ou à ecologia, então é preciso abrir momentos para se repensar a nova demanda de valores. A construção desses novos valores passará por uma análise rigorosa das pessoas, sendo discutidos a importância e os motivos desses mesmos valores, ou seja, será oportunizado espaço para o surgimento de uma ecologia humana e/ou empresarial. Não haverá envolvimento para com a cultura se as pessoas não estiverem unidas. Assim, esse envolvimento valorativo também passa pela busca de união dos envolvidos. E esse espírito de equipe só existirá se as pessoas considerarem-se e respeitarem-se como seres humanos, e não como máquinas ou números de crachás. Sabemos que o ser humano é dotado de sentimentos e emoções; por isso, considerar um ao outro como pessoa é qualificar seus sentimentos. A CONSTRUÇÃO DE RÓTULOS EM ORGANIZAÇÕES Uma forte característica cultural em equipes de trabalho que dificultam o desenvolvimento da equipe é a facilidade com que as pessoas colocam-se rótulos, estimulando, assim, a construção de suas realidades. O rótulo de uma garrafa é o papel que se coloca por fora, fazen-
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do referência ao que está dentro, embora não seja necessariamente o que está dentro. Nas relações interpessoais, porém, é comum o rótulo ser interpretado como uma evidência da pessoa. Pais desavisados rotulam seus filhos sem parar. “Burro”, “moleque”, “esperto”, “cruel”, “bobo”, “trapalhão” e tantos outros. Às vezes, fazem referência ao futuro da criança. “Você nunca vai dar nada na vida”, “Desse jeito vai ser mesmo um vagabundo”. Essas atribuições geram expectativas de comportamento e possíveis profecias que poderão ser realizadas, uma vez que a construção da personalidade do indivíduo passa pelas expectativas que as pessoas mais importantes afetivamente lhe atribuíram. O rótulo gera relações específicas. Em estudos feitos em sanatórios, demonstrou-se que pessoas tidas como normais na sociedade e que se aventuraram em experiências nos sanatórios, passando-se por enfermos, foram consideradas doentes mentais pelo corpo clínico do hospital. Se estavam em um hospital, então, deviam comportar-se como doentes. Assistimos todo tempo a esse tipo de rotulação com relação ao poder. Gerentes que de algum modo construíram ou ajudaram a construir uma imagem de “autoritários”, “estúpidos” ou “mandões”, por mais que se esforcem, muitas vezes não conseguem livrar-se desses estigmas. Um comportamento mais delicado é interpretado como estratégia para, no futuro, ter material para se punir alguém. Não raras vezes, as pessoas surpreendem-se quando têm uma relação mais próxima com esses rotulados: “Eu fazia uma idéia completamente diferente de você! Você é como qualquer um de nós”. Nas indústrias, é muito comum as rixas entre as áreas de manutenção e operação. Também todos conhecem o que a administração das empresas pensam a respeito dos diretores dos sindicatos, bem como os diretores dos sindicatos pensam a respeito da administração das empresas. É comum divisões entre nível superior e níveis técnicos ou administrativos. Em qualquer dos casos, é comum ouvirmos as frases começarem com: “Esse pessoal da... é as-
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sim mesmo”. Pura manutenção de rótulos que só dificultam cada vez mais as interações. A expectativa que fazemos a partir daquilo que acreditamos dita o tom de nossa interação com os outros. Se queremos construir realidades organizacionais que nos levem à excelência dos resultados, devemos trabalhar nessa expectativa. O produto japonês antes da “revolução” da Qualidade Total, introduzida por Deming (1982), era considerado inferior e até mesmo uma referência de artigo ruim. Por certo, muito trabalho foi necessário para mudar essa imagem. Hoje, sabemos que certos rótulos representados pelas marcas das empresas valem até mesmo mais que as próprias empresas. A ciência do marketing trabalha exaustivamente pela construção de imagens a partir da marca. Um rótulo ou marca forte leva as pessoas a acreditarem em um produto forte. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como vimos, o que se espera das pessoas leva a um forte fator desencadeador de comportamentos. Gerentes que esperam pouco de seus empregados têm empregados medíocres. Gerentes que esperam muito têm empregados brilhantes. Um clássico estudo de Rosenthal (1976) mostrou isso claramente. Rosenthal, trabalhando com professores primários, disse a eles que alguns alunos eram superdotados intelectualmente e outros não. Esses grupos de alunos foram escolhidos aleatoriamente, não havendo nenhuma diferença significativa em termos de inteligência entre os dois grupos. O resultado foi que os alunos que os professores aprenderam que eram superdotados intelectualmente saíram-se melhor nas atividades e eram avaliados muito mais positivamente do que os alunos do outro grupo. Quando foi dito aos professores que não havia diferença entre os dois grupos, eles ficaram chocados e juraram tratar todos igualmente. Porém, uma análise mais atenta mostrou que isso não correspondia à realidade. Aos alunos tidos como superdotados, havia mais atenção e sobretudo mais reforço. E essa atitude
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era inconsciente por parte dos professores. Eles construíram mentalmente uma realidade e passaram a agir de forma que fizesse sentido para eles. Acreditar em alguém e demonstrá-lo emocionalmente faz a diferença. Se o trato com as pessoas é de acreditar em seu desenvolvimento, então as chances de esse desenvolvimento acontecer aumenta, porque essa crença (que nem sempre é consciente), é acompanhada por uma série de comportamentos validativos. Todos sabemos que trabalhar com alguém que acredita em nós e demonstra que poderemos ter um futuro melhor se nos esforçamos é altamente motivador. Em outro estudo clássico, o psiquiatra Frankl (1987) relata um caso impressionante. Um companheiro seu no campo de concentração perdeu a vontade de viver e passava os dias prostrado, deitado, definhando. Diante daquele quadro, Frankl disse a ele que tivera um sonho profético: no dia 30 de março, os aliados os libertariam e todos os sofrimentos acabariam. Quando o dia 29 de março chegou, os aliados estavam longe e não havia nem sinal de libertação. Esse prisioneiro começou a ter febre alta e, no dia 30, começou a delirar gravemente, vindo a falecer no dia 31 de março. Para Frankl, ficou claro que seu companheiro morreu de falta de esperança, de perda de fé no futuro. Em linguagem construtivista, talvez possamos dizer que morreu porque sua construção ruiu. O que podemos deduzir de todos esses exemplos é que o ser humano é um incansável construtor de realidades. O tipo de construção que faz para si pode determinar seu céu ou seu inferno. Em seminários, às vezes convidamos pessoas “tímidas” para apresentarem algum trabalho. Todas dizem depois que ficaram muito tensas e, antes da apresentação, tiveram pensamentos como: “Na minha vez de falar, vou dar o maior vexame...”, “Vou ter um branco”, “Todos vão rir de mim”. Em todos esses exemplos vivenciais, está a forte presença das relações afetivas e da emocionalidade tão excluída. Tanto a cultura quanto os rótulos ditados por relações interpessoais negativas e as visões
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de futuro estão impregnadas de investimento emocional. Não se constrói uma cultura – nem o futuro – sem relações afetivas interpessoais. As mudanças culturais devem considerar a perspectiva de futuro. Gerar projetos com energia influencia as pessoas a buscá-los e a se auto-organizarem diante de um ambiente que estimula cada vez de forma diferente. É muito sintomático que a depressão caracterize-se pela perda de fé no futuro. O deprimido não faz projetos: ele se prostra, como o colega de infortúnio de Frankl, e espera o seu fim. Organizações deprimidas revelam seu estado pelo discurso de seus empregados. Estão sempre falando do passado, mantendo um modelo mental rígido e imutável: “Antigamente é que era bom”, “Depois que fulano ou sicrano saiu, tudo piorou”. O passado é realmente importante, mas como memória referencial e não como dogmatismo impeditivo de novas tentativas. Considerar a experiência passada para tomar decisões do presente é utilizá-la apenas como uma referência. A nossa busca deve ser a de entender os modelos mentais dos indivíduos que dão origem à cultura da organização para entender, entre outras coisas, a chamada “resistência à mudança”. Estar ciente de que intervenções puramente racionais não promovem reconstruções de modelos arraigados, pois estes foram construídos em um contexto no qual a emoção e o afeto estavam sempre presentes. Percebemos que o ambiente é instável e perturba a organização dos modelos mentais. Isso vai exigir uma nova organização que, como vimos, não se dará somente por meio de aspectos racionais, e sim pelas relações afetivo emocionais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, C.E.P. A crença é a diferença. Belo Horizonte: Ophicina de Arte e Prosa, 1998. ARGYRES, C. Integrating the individual and the organization. New York: Wiley, 1964. BAIGENT, M.; LEIGH, R. Inquisição. Rio de Janeiro: Imago, 2001.
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25 Terapias Cognitivas na Oncologia Admar Cardoso Jr. Ivana Lia Rios Costa
CONSIDERAÇÕES INICIAIS Desde o surgimento das propostas cognitivas em psicoterapia, muito se tem pesquisado e comprovado sobre sua eficiência para o tratamento de diversos transtornos, como depressão e ansiedade (Beck, 1994; Beck, 1997; Dattilio e Freeman, 1998; Scott, 1994). Esses resultados têm incentivado vários pesquisadores e psicoterapeutas a ampliarem o leque de possibilidades de aplicação das terapias cognitivas. Beck (1994) identificou três aspectos para a extensão da prática psicoterapêutica a uma nova área: 1) o sucesso no tratamento de casos clínicos isolados (etapa semelhante à que é relatada sobre os trabalhos dos pioneiros das terapias cognitivas e da psico-oncologia1); 2) a série clínica, que consiste em um número bastante significativo de casos atendidos com sucesso e que dão margem às primeiras teorias e 3) o momento da testagem metódica das teorias, levando ao refinamento e à instituição do campo teórico. Nas palavras de Beck (1994, p. x), é “um amplo estudo de resultados, no qual um grande número de pacientes, similarmente diagnosticados, é distribuído de forma aleatória a grupos cuidadosamente avaliados e comparados com os pacientes em condições controladas”. É dessa maneira que as pesquisas relacionadas à utilização das terapias cognitivas no tratamento de pacientes fisicamente enfermos
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têm-se desenvolvido nos últimos anos. São recentes, mas os seus resultados são muito promissores. Neste capítulo, faremos um esboço das contribuições das terapias cognitivas nos cuidados aos pacientes oncológicos. O diagnóstico de câncer é uma experiência devastadora na vida de pacientes e familiares. Por esse motivo é que encontramos nesse público uma grande demanda para suporte psicológico, constituindo-se em um período de mudanças significativas na vida das pessoas envolvidas. Muito comuns aos pacientes e aos familiares são as distorções cognitivas que comprometem o engajamento no tratamento e provocam ainda mais desconforto. O câncer é uma doença letal, e não cabe aqui uma atitude de otimistas tolos. Deveremos intervir de forma objetiva e realista, de acordo com o quadro do paciente, mas nunca deixando de lado a esperança que é, ao nosso ver, o grande mediador de toda e qualquer cura. PSICO-ONCOLOGIA: UM PARADIGMA BIOPSICOSSOCIAL Desde épocas remotas, houve uma alternância nas diversas concepções acerca da saúde e da doença e, especialmente, sobre o papel das emoções nos processos de recuperação. A medicina chinesa, há mais de 5.000 anos, já
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relacionava estados emocionais ao surgimento de inúmeras doenças orgânicas. Entre os gregos, Hipócrates (460-377 a.C.) propunha que mente e corpo estariam estritamente relacionados. Mais tarde, Nicon de Pérgamo (131-200 d.C.), também conhecido como Galeno, apontou para uma “inter-relação entre depressão e câncer” nas mulheres por ele tratadas (Peres e Martins, 2000). Na Idade Média, a igreja passou a ter grande influência sobre as concepções de saúde e de enfermidade. Nessa nova concepção, impregnada de crenças religiosas, acreditavase que os processos orgânicos da enfermidade eram nada mais do que o resultado da influência de entidades demoníacas ou da punição divina por pecados praticados pelos humanos. A prática médica também passou a ser controlada pela igreja, que visava a “curar doentes por meio de tortura do corpo para libertá-los da possessão de espíritos malignos” (Gimenes, 1994, p. 37). Nesse período, somente São Tomás de Aquino (século XIII) propôs uma visão diferente desta. Para ele, corpo e mente funcionavam de forma inter-relacionada, ou seja, como um todo indivisível. Já no século XVII, Reneé Descartes propõe seu modelo, enfatizando que o ser humano é formado por duas partes não-intercambiantes: o res-cogitans, parte abstrata-mente, e o res extensa, parte concreta-corpo. Esse modelo foi sendo incorporado pela medicina, o que culminou em uma prática mais voltada para os processos orgânicos do adoecer, do que para a pessoa que propriamente adoecia. Nos séculos XVIII e XIX, o desenvolvimento do microscópio, da anatomia, da fisiologia e das técnicas cirúrgicas levou ao desenvolvimento do modelo biomédico. Tal modelo propõe que as doenças são males do corpo, mas sem a mediação dos aspectos mentais, emocionais e sociais. É um modelo ainda muito difundido nos dias de hoje, em que a tecnologia substituiu a relação médico/paciente pela mecânico/máquina.2 Apesar da força desse modelo, um novo paradigma vem surgindo e ganhando sua própria força a cada vez que o modelo antigo não consegue mais explicar os fenômenos de maneira convincente. O paradigma emergente propõe a inclusão dos aspectos psicológicos e
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sociais tanto na etiologia quanto no desenvolvimento das doenças (Vasconcelos, 2000). O marco inicial dessa nova concepção é quando Freud, no final do século XIX, propõe em seus estudos sobre histeria que sintomas físicos podem aparecer sem causas orgânicas devido aos processos inadequados de expressão emocional (Carvalho e Carvalho, 1998; Gimenes, 1994). Freud fez com que a atenção dos médicos começasse a se voltar novamente para os pacientes, resgatando uma visão mais integrada da pessoa enferma (Peres e Martins, 2000). Esse novo modelo reconhece as características individuais dos pacientes, tais como personalidade, relações sociais e outras juntamente com os processos biológicos, como co-responsáveis pelo que se convenciona chamar de saúde e doença. Com o desenvolvimento da psicologia, da sociologia e de outras ciências, começam a surgir movimentos dentro da nova visão, que se constituem como campos distintos de aplicação e pesquisa. São eles: a medicina psicossomática, a medicina comportamental e a psicologia da saúde. A medicina psicossomática surge a partir das idéias de Freud, que foram posteriormente desenvolvidas por vários médicos, especialmente Franz Alexander e Franders Dumbar. Utilizando estritamente o referencial psicodinâmico, esse movimento “preocupa-se com a relação entre fatores sociais e psicológicos, funções biológicas e fisiológicas, assim como o desenvolvimento de doenças físicas diversas” (Gimenes, 1994, p. 39). No início dos anos 70, surge a medicina comportamental. Esse campo tem como referencial teórico a psicologia comportamental, mas também sofreu influências da fisiologia experimental de Feré, Canon e Seley (Vasconcelos, 2000; Gimenes, 1994). Já a psicologia da saúde surge no final da década de 70 e tem seu desenvolvimento especificamente no âmbito da psicologia. Segundo Miyazaki, Domingos e Caballo (2001, p. 463) “a novidade da psicologia da saúde não reside tanto na temática de estudo, mas (...) na aplicação de métodos, modelos e procedimentos da psicologia científica à área da saúde geral”. Assim, em psicologia da saúde, busca-se a compreen-
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são do papel das variáveis psicossociais no contexto saúde/doença, tendo como objetivos a prevenção, o manejo e o enfrentamento da doença. Sarafino (em Gimenes, 1994, p. 41) destacou que “em último plano os três campos citados distinguem-se apenas sob o ponto de vista organizacional (e marcos teóricos), porém todos partem da opinião de que saúde e doença refletem a relação dos fatores biológico, psicológico e social”. Como fruto do desenvolvimento do modelo biopsicossocial, surge a psico-oncologia. Sua sistematização começa a partir do reconhecimento de que a instalação, a manutenção e a remissão do câncer estão intimamente relacionadas com os fatores psicossociais (LeShan, 1987; Simonton, Simonton e Creighton, 1987; Bizzarri, 2001). Paralelamente ao desenvolvimento do modelo biopsicossocial, o surgimento e o desenvolvimento da oncologia como especialidade médica foi muito importante para a psicooncologia. Gimenes (1994) destaca três momentos: (1) o desenvolvimento das técnicas cirúrgicas para a remoção dos tumores (18901920); (2) o desenvolvimento da radioterapia como opção de tratamento paliativo (1920) e (3) o advento da quimioterapia na década de 40. Essas modalidades de tratamento apresentavam, em seu início, uma série de complicações, que foram sendo revertidas com os seus respectivos e contínuos desenvolvimentos técnicos e hoje se constituem em formas bastante eficazes de tratamento. Ao longo das últimas décadas, tais avanços aumentaram significativamente as taxas de sobrevida e de cura. Assim, a qualidade de vida do paciente, seu bemestar físico, psicológico e social, e não simplesmente a quantidade, passam a ser um foco de preocupação da equipe de saúde, a qual agora tende a aumentar para além da oncologia e da enfermagem, congregando psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, entre outros (Carvalho e Sougey, 1995). A definição de psico-oncologia varia muito de acordo com quem a define, sua formação e seu país de origem. Adotamos aqui a definição proposta por Gimenes por considerarmos
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ser a mais ampla e importante. Para a autora (1994, p. 46): “A psico-oncologia representa a área de interface entre a psicologia e a oncologia e utiliza conhecimento educacional, profissional e metodológico proveniente da psicologia da saúde para aplicá-lo: 1. Na assistência ao paciente oncológico, à sua família e aos profissionais de saúde envolvidos com a prevenção, o tratamento, a reabilitação e a fase terminal da doença. 2. Na pesquisa e no manejo de variáveis psicológicas e sociais relevantes para a compreensão da incidência, da recuperação e da sobrevida após o diagnóstico do câncer. 3. Na organização de serviços oncológicos que visem ao atendimento integral do paciente (físico e psicológico), enfatizando de modo especial a formação e o aprimoramento dos profissionais de saúde envolvidos nas diferentes etapas do tratamento.”
Vale destacar que a psico-oncologia, sendo uma subespecialidade da psicologia da saúde, abre o campo para contribuições das diversas concepções psicológicas (cognitiva, gestalt, logoterapia, etc.), o que não ocorreria caso fosse vinculada à medicina psicossomática ou à medicina comportamental. Tal como estas últimas, a psico-oncologia propõe-se a trabalhar interdisciplinarmente, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes oncológicos. O CÂNCER E AS EMOÇÕES Quando falamos dos aspectos emocionais relacionados ao câncer, temos duas maneiras de compreendê-los. A primeira, como na medicina chinesa e nas visão de Hipócrates e Galeno, propõe que os aspectos emocionais têm um papel tão importante no desenvolvimento do câncer quanto os aspectos orgânicos. A segunda corrente rejeita que as emoções venham a ter algum papel na etiologia do câncer, mas propõe que o diagnóstico, seu tratamento e suas implicações sociais (discriminação, perda do emprego, status, etc.) podem desencadear graves transtornos psiquiátricos.
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A psiconeuroimunologia do câncer Muitos clínicos e pesquisadores têm observado ao longo da história a inter-relação dos aspectos emocionais com os processos de adoecimento. Contudo, foi a partir dos trabalhos do endocrinologista Hans Selye sobre o estresse, realizados na década de 40, que surgiram as primeiras teorias científicas sobre a integração mente/corpo. Várias outras áreas, como a psicologia e a sociologia, começam a se interessar e a contribuir para o desenvolvimento de pesquisas, tomando por base os trabalhos de Selye. Surge, então, a psiconeuroimunologia. Essa nova ciência estuda “os efeitos dos processos psicológicos e neurais sobre as atividade do sistema imune e, conversivamente, do sistema imune sobre o sistema nervoso central” (Deitos e Gaspary, 1996, p. 127). Assim, estressores psicossociais que geram necessidades adaptativas, que por sua vez geram alterações comportamentais e emocionais, provocam alterações neuroendócrinas. Esses eventos têm sido implicados com a predisposição e a progressão de diversas doenças, inclusive as neoplásicas. Conforme Vasconcelos (2000), os hormônios do estresse (adrenalina, noradrenalina, cortisol e aldosterona) são responsáveis por uma parcela da imunossupressão. Além destes, temos ainda os hormônios do estresse secretados pela hipófise, que ativarão todas as glândulas do organismo, sem falar nos préhormônios do estresse que são secretados pelos núcleos hipotalâmicos. Portanto, hoje, de acordo com os recentes avanços das neurociências, sabemos que “células imunológicas produzem neurotransmissores (...) e que neurônios, por sua vez, também secretam imunoptídios” (Vasconcelos, 2000, p. 37), possibilitando a comunicação entre os sistemas nervoso e imune.
Personalidade e enfrentamento Há relatos de clínicos que observaram a relação de certos traços de personalidade com o adoecimento. Porém, na década de 60 é que
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começam a surgir os primeiros estudiosos interessados em pesquisar a relação entre os fatores de personalidade e câncer (López et al., 1998; Herrera, Rodríguez e Bermúdez, 1999). Kissen e colaboradores (1962; 1969) encontraram uma relação negativa entre ansiedade, neuroticismo e câncer de pulmão. Em seus trabalhos, Greer e Morris (1975) observaram uma maior supressão emocional em mulheres com câncer de mama em comparação com mulheres com patologia mamária benigna. LeShan (1987) assinala que características como perda do sentido da vida e inabilidade para expressar sentimentos negativos, como a raiva, são características dos pacientes oncológicos. Temoshok (1992) encontrou, em suas pesquisas, um tipo característico de personalidade que chamou de tipo C. Suas características marcantes são dificuldade de auto-afirmação, raiva não-expressa, ansiedade reprimida e um profundo sentimento de desesperança. Grossarth-Maticed e colaboradores (1988) encontraram quatro tipos de personalidade. O tipo 1 é composto por pessoas idealizadoras, dependentes de outras pessoas, que apresentam dificuldades de enfrentar o estresse resultante da rejeição de pessoas significativas. O tipo 2 procura distanciar-se de pessoas e situações que são fontes de frustração, reagindo com hostilidade por sua falta de assertividade. O tipo 3 é bem parecido com o 2, mas reage com ambivalência (idealização versus ódio). O tipo 4 é autônomo e reage de forma mais realista a situações de frustração. Os autores verificaram que o tipo 1 está mais predisposto ao câncer, enquanto o tipo 2, às doenças cardíacas. Os tipos 3 e 4 parecem estar protegidos dessas doenças. Instrumentos de avaliação da personalidade como o Inventário Multifásico Minnesota de Personalidade (MMPI) têm sido utilizados em estudos prospectivos que investigam o humor depressivo e sua relação com o desenvolvimento do câncer. Stekell e colaboradores (em Carvalho e Sougey, 1995) observaram que havia alguma relação entre os níveis de depressão em indivíduos do sexo masculino e o desenvolvimento de algum tipo de câncer e mortalidade em 20 anos de evolução. Hahn e colaboradores (1988) também utilizaram o MMPI
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para avaliação de 8.932 mulheres e concluíram que a depressão é um fator de risco. Eysenck (1988, em Falcone 1995) pondera que a ocorrência do evento não é suficiente para que haja o estresse, mas também depende da personalidade que reage. A essa reação chamaremos de enfrentamento. Existem muitos conceitos de enfrentamento que partem de diferentes teorias psicológicas. Adotaremos aqui a proposta de Folkman e Lazarus, segundo a qual o “enfrentamento é definido como o conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizados pelos indivíduos com o objetivo de lidar com demandas específicas, internas ou externas, que surgem em situações de estresse e são avaliadas como sobrecarregando ou excedendo seus recursos pessoais” (em Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira, 1998, p. 276). Os autores dividem o enfrentamento em duas categorias funcionais: o enfrentamento focalizado no problema e o enfrentamento focalizado na emoção. O enfrentamento focalizado na emoção são os esforços para a regulação do estado emocional relacionado ao estresse (por exemplo, diminuir a tensão corpórea). Podem ser ações como fazer uma caminhada, assistir a um filme, fumar um cigarro ou consumir bebida alcoólica. Já o enfrentamento focalizado no problema é definido como esforço para modificar a situação que deu origem ao estresse, a qual pode ser direcionada internamente – há uma redefinição do elemento estressor (reestruturação cognitiva) – ou externamente – há uma ação direta na fonte externa de estresse. O enfrentamento focalizado tanto no problema quanto na emoção passa por duas formas de avaliação. Na avaliação primária, os sujeitos avaliam o risco envolvido na situação, enquanto na avaliação secundária os sujeitos avaliam quais são os recursos existentes e as opções para lidar com a situação. Indivíduos considerados maus enfrentadores, como os de tipo 1 e tipo C, estão mais propensos a desenvolver câncer pela dificuldade em lidar com as situações estressantes, o que ocasiona a disfuncionalidade do sistema imunorregulatório. Também cabe ressaltar que o câncer é uma doença multifatorial. Conforme Moreira (1997), além dos processos imunorregula-
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tórios, são variáveis implicadas nesse processo a suscetibilidade individual, os fatores genéticos, a idade, o sexo, o tempo de exposição aos agentes carcinógenos (fumo, álcool), que, juntamente com a forma como a personalidade reage ao estresse, determinarão o desenvolvimento do câncer.
O câncer como um evento estressante Vimos anteriormente a relação entre personalidade, enfrentamento e câncer. Porém, muitos pesquisadores e clínicos ainda rejeitam tal relação, alegando problemas metodológicos nas pesquisas que a fundamentam (Palmeira, 1997). Eles propõem que o câncer é o próprio estressor. Para pacientes e familiares, o câncer é uma experiência mais desagradável que outras doenças. Inúmeras pesquisas têm evidenciado que pacientes oncológicos apresentam maiores índices de transtornos psiquiátricos que a população em geral. Derogati, Morrow e Fetting (1983, em Deitos e Gaspary, 1997), em suas pesquisas avaliando a população oncológica com distúrbios psiquiátricos, verificaram que 68% apresentavam transtornos de desajustamento, 13% transtorno afetivo maior, 8% transtornos mentais orgânicos, 7% transtornos de personalidade e 4% transtornos de ansiedade. Cerca de 85% desses pacientes apresentavam depressão ou ansiedade como sintoma principal. Morris e colaboradores (1977, em Falcone, 1995) verificaram que 25% dos pacientes apresentavam transtorno depressivo ou ansiedade após mastectomia. Souza e colaboradores (2000) encontraram prevalência de 21,42% de depressão maior e/ou ansiedade generalizada em mulheres com câncer de mama. Outros autores, como Holand e colaboradores (1979, em Scott, 1994), também constataram altos índices de depressão e ansiedade em pacientes com câncer de intestino. Carvalho e Sougey (1995) encontraram ainda altos índices de transtornos psiquiátricos (mais de 50%) em pacientes com algum tipo de câncer, sendo que 25% apresentavam depressão.
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Por outro lado, é importante ressaltar que muitos outros pacientes não chegam a manifestar nenhum tipo de transtorno psiquiátrico. Simonton e colaboradores (1987) e LeShan (1987) relatam casos de pacientes que, com a sua vontade de viver, reverteram prognósticos desfavoráveis de câncer. Eles observaram que outro grupo de pacientes com prognósticos muito favoráveis, mas que aceitavam estoicamente o câncer, apresentavam alta mortalidade. Os que apresentavam projetos importantes para o futuro, espírito de luta ou negação alcançavam sobrevida (e até cura) com boa qualidade de vida. Quanto à depressão em pacientes com câncer, temos a tendência de compreendê-la de duas maneiras distintas: a reação psicológica ao diagnóstico e aos procedimentos médicos desconfortáveis e o efeito da medicação e da deterioração da própria doença. De qualquer forma, ambas levam à procrastinação do tratamento desse transtorno. E “mesmo os que não apresentam um transtorno mental reconhecido, necessitam de apoio psicológico e compreensão de seu mecanismo adaptativo para ajudá-los em todas as difíceis etapas por que passarão” (Carvalho e Sougey, 1995, p. 460). MODALIDADES DE TRATAMENTO: PSICOFARMACOTERAPIA E TERAPIAS COGNITIVAS Para o tratamento dos transtornos psiquiátricos, existem duas modalidades que podem ser oferecidas: farmacoterapia e psicoterapia. No tratamento farmacoterápico, existe a vantagem de que, na falta de um psiquiatra, um oncologista ou outro clínico pode prescrever a medicação, além de existir uma grande variedade de drogas com diferentes tipos de princípios ativos. Todavia, algumas desvantagens podem ser apontadas pelo fato de que, dependendo do agente quimioterápico utilizado no tratamento, este pode reduzir o espectro dos possíveis princípios ativos (por apresentarem inúmeros efeitos colaterais e diversas interações bioquímicas). Por isso, em algumas situações específicas, o tratamento farmacológico pode aumentar a passividade do paciente frente
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à sua doença. Vale lembrar que várias pesquisas demonstram que os clínicos em geral pouco diagnosticam os transtornos depressivos e, inclusive, apresentam uma tendência a valorar a sintomatologia ansiosa do paciente deprimido, prescrevendo mais ansiolíticos do que antidepressivos. Muitas vezes, as doses receitadas são subterapêuticas ou ministradas por tempo insuficiente (Carvalho e Sougey, 1995). Relacionamos aqui as terapias cognitivas como a segunda modalidade possível de tratamento. Os pacientes que usualmente recebemos no serviço de psicologia do Instituto de Radioterapia no qual atuamos3 apresentam as mais diversas queixas, e uma das mais freqüentes é sobre o próprio processo radioterápico (Paula Jr., 1998). É muito comum os pacientes que se submetem a essa modalidade de tratamento fazerem referência aos episódios do césio-137, em Goiânia, e o da usina nuclear de Chernobyl, na Rússia, afirmando: “Como uma coisa que mata pode curar um câncer?”. Trabalhamos com esses pacientes de forma pedagógica, explicando da maneira que lhes seja a mais compreensível o funcionamento da radiação e seus benefícios, confrontando sempre com as informações ou crenças distorcidas que possuem a respeito de sua doença e a respeito do tratamento em si. É muito comum os pacientes apresentarem distorções cognitivas do tipo “inferência arbitrária”, em que as mudanças no comportamento de familiares e amigos são interpretadas como afastamento. Quando proporcionamos uma análise mais abrangente, novas explicações são geradas, como: “Eles podem não estar sabendo como me tratar e com medo de me magoar” ou “Eu posso ter mudado algo na minha forma de me relacionar com eles e, por isso, estão distanciados”. Nesse momento, procuramos incentivar nossos pacientes a testarem essas novas hipóteses e a procurarem familiares e amigos, travando um diálogo franco e aberto. Também é muito comum a presença de “catastrofização”, com a tendência à hipervalorização dos aspectos negativos da situação. O câncer pode ser mortal, mas a maioria dos tipos é plenamente tratável com índices de cura altíssimos. Mesmo assim, vários pacientes de-
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senvolvem crenças de “catástrofe iminente”, gerando mais desconforto para si, para seus familiares e para a equipe. Temos alcançado bons resultados com a discussão e a apresentação de informações reais sobre o tratamento, estatísticas de cura, incentivo ao diálogo com outros pacientes já curados e em final de tratamento para encorajamento adicional. Várias outras distorções cognitivas aparecem no manejo dos pacientes oncológicos e seus familiares, e as intervenções variam muito de um para outro. Outra grande dificuldade encontrada pelo paciente é o manejo de sua dor. Nesse caso, primeiro aplicamos e ensinamos técnicas de controle que podem ser praticadas em casa e no trabalho. Outra forma de intervenção é o uso do registro diário das crenças associadas à dor. Tal registro é feito em um formulário, no qual os pacientes registram data e hora em que sentiram dor, descrevendo aspectos como intensidade, situação, pensamento automático associado, emoção e comportamento. Uma paciente, por exemplo, relatava que, mesmo com uma dor intensa, ia ao trabalho normalmente. Porém, seu desconforto aumentava consideravelmente quando tinha que apresentar sua ficha de produção ao seu superior e seu desempenho caía significativamente apesar de seus esforços, o que a deprimia e envergonhava. Durante uma consulta, foi proporcionada uma reflexão sobre sua atuação versus produtividade. Após ter admitido que estava fazendo mais do que o esperado, era compreensível e natural que sua produtividade caísse. Com o uso do questionamento socrático, chegou a detectar sua crença central de “dominação e orgulho”. O que mais lhe frustrava, portanto, era o fato de estar sendo ajudada, e não a queda de produção laboral em si. Respostas positivas foram geradas para essa questão e implementadas imediatamente. A paciente também concluiu que estava trabalhando em excesso e dedicando pouco tempo ao tratamento e a si mesma. Hoje tem uma carga horária menor na empresa e dedica-se a assuntos ligados ao autocuidado – sua dor pouco a incomoda agora. Muitos pacientes também apresentam náusea antecipatória nos dias anteriores à quimio-
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terapia, além de episódios de pânico nas sessões de radioterapia. Nesses casos, temos utilizado a técnica de dessensibilização sistemática com bastante sucesso. Um estudo muito interessante de Grossarth-Maticed e colaboradores (1988) parece demonstrar como a personalidade e o enfrentamento estão relacionados com o desenvolvimento do câncer e como as terapias cognitivas poderiam atuar de forma preventiva. Em um estudo prospectivo com um grupo de 50 pares de sujeitos predispostos ao câncer, selecionados aleatoriamente e classificados de acordo com as tipologias mencionadas (tipos 1, 2, 3 e 4), aplicou-se a terapia cognitivo-comportamental somente em um dos indivíduos de cada par. O grupo tratado, em comparação com o que não se tratou, apresentou redução significativa da incidência e da mortalidade por câncer. Podemos supor que a terapia foi eficiente ao possibilitar aos pacientes a modificação de como enfrentavam os eventos, favorecendo uma avaliação adequada e realista das situações e dos recursos para lidar com agentes e situações estressantes. Possibilitou ainda uma melhor avaliação dos recursos pessoais e da rede de apoio social. Quando fracas ou inadequadas, eram fortalecidas e reavaliadas. Também ajudou na implementação de estratégias de enfrentamento ajustando seus focos da maneira mais adaptativa possível, possibilitando, assim, bons níveis imunorregulatórios. Em geral, as terapias cognitivas apresentam as seguintes vantagens: • Ajudam a melhorar a auto-estima dos pacientes, a corrigir erros cognitivos que geram distorções sobre si mesmo, sua doença e seu tratamento, ou seja, auxiliá-los a “integrar a evolução da doença com as novas experiências de vida” (Carvalho e Sougey, 1995, p. 465), além de gerar novas disposições de enfrentamento. • Podem ser desenvolvidas individualmente ou em grupo. A modalidade em grupo favorece aos pacientes compartilhar suas experiências e suas estra-
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tégias de enfrentamento, além de melhorar a sua socialização. • Não apresentam contra-indicações e podem ser utilizadas técnicas que diminuem os efeitos negativos do tratamento (por exemplo, vômito antecipatório) e da própria doença (por exemplo, dor), dispensando ou diminuindo a ingestão de medicamentos. • Possibilitam ao paciente espaço de reflexão e avaliação de prós e contras dos procedimentos médicos, a avaliação de sua própria qualidade de vida de acordo com os critérios que julgar mais importantes e de poder se tornar o “gerente” do seu próprio tratamento. • Podem ser estruturadas com número limitado de sessões, o que pode ser positivo em termo de custo/benefício se comparado ao farmacológico. CONSIDERAÇÕES FINAIS Acreditamos que as terapias cognitivas são eficientes para a redução dos níveis de depressão e ansiedade dos pacientes oncológicos. Lidar com o câncer é uma realidade muito dura para o paciente, para sua família e para a equipe de saúde, mas essa realidade pode ser ainda mais sombria se o paciente for deixado à deriva em seu próprio sofrimento e desinformação. Certa vez, enquanto eu (Admar Cardoso) visitava uma paciente internada no hospital, deu entrada na mesma enfermaria uma senhora (que chamarei de Sofia) de mais ou menos 48 anos. Estava acompanhada de inúmeros familiares e chorava bastante, requisitando a atenção de todos que ali estavam. Bradava que iria morrer e que seu caso não tinha solução. Era um quadro que mobilizava todas as pacientes da enfermaria, o que era muito ruim para todas elas. Observei que a paciente falava tudo aquilo olhando diretamente para mim. Tive a oportunidade de conversar com uma das auxiliares de enfermagem presentes que conhecia o caso de Sofia. Ela tinha um tu-
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mor de mama muito pequeno, que possibilitava uma cirurgia bastante conservadora. Após a cirurgia, ela passaria por algumas aplicações de quimioterapia para prevenir o risco de alguma metástase. Pareceu-me de início (como veio a se confirmar no desenrolar) um quadro de catastrofização; porém, como não era minha paciente, achei que não seria adequado fazer alguma intervenção. Findo o período de visitas, tratei de despedir-me da minha paciente e, quando me dirigia para a saída, que ficava ao lado da cama de Sofia, ela disse olhando em meus olhos: “Eu vou morrer, não é mesmo, doutor?!”. Como a pergunta foi dirigida a mim, tratei logo de responder: “E quem foi que lhe disse isso?” Ela empalideceu. Aquela situação toda acabou funcionado como uma tarefa de casa – passar o restante do dia pensando em como havia chegado àquela conclusão. No outro dia, Sofia relatou que estava mais tranqüila e que realmente ninguém disse que seu caso era grave, ou mesmo que poderia vir a falecer. Em um breve período, foi proporcionado a ela avaliar suas expectativas e informações a respeito do câncer e dos tratamentos a que poderia ser submetida. Suas dúvidas foram sanadas, o que causou muito alívio, pois as informações que recebeu de vizinhos e parentes eram inadequadas (que ela morreria, que se sobrevivesse não seria mais atraente para o marido, etc.). Foram minutos muito bem-aproveitados por ambos. Na manhã seguinte, ela foi operada. Em outros dois encontros casuais no hospital, quando visitava minha paciente, encontrei Sofia recebendo quimioterapia com a aparência muito serena e mostrando-se bastante colaborativa. Relatou algum incômodo com o tratamento, mas se dizia muito feliz. Escolhemos apresentar esse caso como ilustração pelo fato de que, em poucos momentos, um terapeuta de orientação cognitiva pôde proporcionar a uma paciente com câncer um suporte psicológico que se mostrou eficaz em seu seguimento (a paciente não mobilizou mais a equipe de enfermagem e as colegas de enfermaria, além de demonstrar uma boa adesão ao tratamento, o que, de início, pareceu pouco possível). Nesse caso, o atendimento realizado não seguiu a estrutura usual das terapias
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cognitivas (local adequado, agendamento, sessões semanais, tempo maior para estabelecimento de vínculo, etc.). Se seguidas as premissas estruturais, a terapia pode realizar um trabalho muito mais amplo, possibilitando ao paciente rever sua teia de significados ou avaliar suas crenças disfuncionais. NOTAS 1. De acordo com a ortografia da língua portuguesa, o termo correto seria psiconcologia. Porém, adotamos a forma hifenizada por ser a mais usual e adotada pela Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO). 2. O excesso de tecnologia que ora vivenciamos na Medicina tem proporcionado um gradual afastamento do médico e de seu paciente – um processo mecânico e desumanizador da Saúde (ver LeShan, 1987). 3. Instituto de Radioterapia São Francisco, em Belo Horizonte (Minas Gerais).
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS Alguns clínicos e teóricos da psicoterapia acreditam que o relacionamento que se desenvolve entre o terapeuta e o cliente é a essência de um tratamento efetivo. Outros acreditam que, embora o relacionamento não seja uma condição básica, ele fornece uma significativa alavanca para que sejam implementadas as técnicas terapêuticas utilizadas na promoção da mudança no paciente (Beck, 1995). Independentemente do posicionamento adotado, se o relacionamento é um dos ingredientes essenciais da psicoterapia ou um método utilizado para se chegar a um fim, existe uma notável concordância de que a relação indivíduo-profissional desempenha um papel importante no tratamento psicológico. A literatura a respeito dessa(s) habilidade(s) terapêutica(s) é escassa, e a maioria dos clínicos ainda não é capaz de verbalizar ou operacionalizar concretamente as bases nas quais sua postura interpessoal é construída frente aos diferentes tipos de clientes. Embora muitos profissionais experientes possam intuitivamente tentar moldar a sua postura relacional com cada um, existem poucas publicações que sistematizem esse processo. Além disso, a demanda exigida pela psicoterapia (em termos de atuação do profissional) é significativamente alterada com o passar do tempo. Ou seja, as
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posições adotadas inicialmente pelo clínico no processo de ajuda diferem daquelas que deveriam ser adotadas a médio e a longo prazo para que o processo continuasse a ser efetivo (Abreu, 1995). Infelizmente, percebemos que a grande maioria dos profissionais posiciona-se de maneira incerta e até desinteressada frente a essas questões, continuando a exibir sempre os mesmos estilos de comportamento do início ao final do tratamento. Portanto, a falta de habilidade do clínico em identificar, sistematizar e criar um contexto de segurança e facilitação à exploração pessoal, por exemplo, pode corroborar o aparecimento de atitudes que criem uma predisposição do cliente em se opor ao ponto de vista do terapeuta (Mallinckrodt, 1996), assim como induzir a um relacionamento fracassado e pouco favorecedor de alterações pessoais. A RELAÇÃO DE AJUDA: INDO MAIS ALÉM DO POSICIONAMENTO INTUITIVO Um conceito mais recente que poderia explicitar melhor as trocas que ocorrem na relação entre o clínico e o paciente é o da aliança terapêutica. Safran, Muran e Samstag (1994) afirmam que a idéia da aliança terapêutica originou-se no início da literatura psicanalítica e, nos últimos 10 anos, tem-se tornado um tópi-
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co de crescente interesse entre os teóricos da clínica e pesquisadores em geral. Outro importante colaborador no desenvolvimento dessa proposta foi Bordin (1979), que sugeriu ser a aliança um aspecto fundamental nas mais variadas formas de sucesso em psicoterapia, afirmando que ela é uma resultante direta do grau de concordância estabelecido entre o paciente e o terapeuta a respeito da tarefa, da meta e dos vínculos envolvidos no processo clínico. Embora uma aliança positiva não ocorra imediatamente após o início da terapia, algumas investigações sugerem que seu desenvolvimento é necessário antes que se possa esperar qualquer tipo de êxito no processo de ajuda. Assim, seria razoável pensar na aliança como uma série de janelas de oportunidades que vão se abrindo e decrescendo em tamanho a cada sessão, pedindo por inevitáveis ajustes nos procedimentos adotados pelo terapeutas no trato com seus clientes (Bordin, 1994). Logo, pode-se concluir que os elementos técnicos jamais deveriam ser isolados dos componentes de relacionamento, pois ambos são fatores interdependentes e mutuamente catalíticos de um bom resultado. Henry e Strupp (1994) sugeriram quatro características principais para que a constituição da aliança de trabalho possa ocorrer facilmente: 1. O terapeuta age como fomentador das qualidades humanas. 2. Tais qualidades, uma vez desenvolvidas, permitem um melhor acesso ao cliente, pois está sendo utilizada a mesma base emocional na qual o relacionamento entre pais e filhos foi estabelecido. Assim, o clínico utiliza tal ligação como modelo e ferramenta de um processo de mudança. 3. No contexto do relacionamento terapêutico, ocorre um novo aprendizado experiencial que, antes de mais nada, é aperfeiçoador dos velhos relacionamentos, pois através do processo de desenvolvimento, imitação e identificação com o clínico surgem novas maneiras possíveis de o cliente posicionar-se em uma interação.
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4. O sucesso é fruto direto desse aprendizado e dependente das qualidades preexistentes do paciente que permitem, pelo menos, o desenvolvimento de um primeiro nível de confiança e abertura. Portanto, tanto o paciente quanto o terapeuta são considerados co-responsáveis pela formação de uma boa aliança. Alguns autores chegam a afirmar que a busca de auxílio através da psicoterapia pode denotar no passado a dificuldade em estabelecer bases relacionais seguras e estáveis (Holmes, 1993). Outro importante ponto a ser considerado é que os tipos de relacionamento (e as problemáticas a eles associadas) que o cliente traz ao contexto clínico podem tornar-se, em certos momentos, uma questão secundária (embora não sem importância) se comparados ao processo de relacionamento estabelecido entre o cliente e o terapeuta. Se o clínico posicionar-se de maneira insensível, tornando-se impermeável à leitura das estruturas (com os problemas subjacentes) que o cliente carrega, o processo de mudança estará seriamente comprometido. Na maioria das vezes, tal laço torna-se muito mais responsável pela mudança pessoal do que aqueles expressos em sua história de vida, independentemente da etiologia envolvida no processo terapêutico (Henry e Strupp, 1994). Contemplamos, então, na psicoterapia a utilização da conexão e do relacionamento entre aquele que busca e aquele que oferece ajuda, um dos elementos autenticamente facilitadores do processo de mudança. Nesse sentido, as histórias de relacionamento passadas, tanto as do paciente quanto as do terapeuta, assumem o papel de variáveis altamente relevantes no estabelecimento dessa nova relação, determinando significativamente a alta probabilidade de resultados benéficos ou destrutivos para a psicoterapia. Portanto, recai sobre o profissional de ajuda não somente a responsabilidade de conduzir o processo de maneira que a aliança venha a ser estabelecida, mas também a de zelar por uma atmosfera de apoio e de camaradagem,
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integrando a sua história passada para que ela se torne um elemento dinamizador e nãolimitador. Se o clínico for efetivamente mais amistoso (e não somente aparentar amizade), é provável que o cliente tenda a considerar com mais tranqüilidade suas colocações, sentindose menos vigiado e, assim, a interação tornase um elemento fomentador e, por que não dizer, previsor de bons resultados. Henry e Strupp (1994) afirmam haver um relacionamento sistemático entre as reações pessoais do terapeuta e a qualidade de suas comunicações, impressões diagnósticas e planos de tratamento. Por exemplo, atitudes negativas em relação ao paciente foram freqüentemente associadas a comunicações nãoempáticas e julgamentos clínicos desfavoráveis. Outros dados sugerem que, quando o cliente percebe seu terapeuta como mais controlador e menos sociável, na realidade, o que pode estar ocorrendo é que o terapeuta está tratando seu cliente com muito mais cautela e pontuando as reações negativas muito mais incisivamente do que as positivas (Multon, Patton e Kivlighan, 1996). Portanto, muito mais do que podemos imaginar, os fatores pessoais do clínico contribuem expressivamente para o resultado final da psicoterapia. EM FOCO: O PROFISSIONAL Quando pensamos no processo terapêutico e nos muitos artigos existentes sobre o assunto, percebemos que a ênfase recai quase sempre sobre o cliente. Por exemplo, quando Rogers (1957) enfoca o processo terapêutico, ele utiliza para descrevê-lo alguns conceitos como “processo empático”, “referência positiva incondicional”, “congruência” e “aceitação incondicional”. Esses entendimentos, porém, definem quase que exclusivamente a postura do terapeuta, e não o relacionamento entre terapeuta e cliente. Ou, se aprofundarmos nossa análise, notaremos que alguns aspectos definem, em sua maioria, apenas os nossos clientes. Na literatura existente, não encontraremos muita informação sobre a influência mútua dos comportamentos do cliente e do tera-
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peuta. Tradicionalmente, conhecemos o conceito de transferência significando conflitos passados relativos a relacionamentos anteriores expressos através de pensamentos, atitudes e comportamentos transferidos ao terapeuta. Por outro lado, o conceito complementar de contratransferência sugere que não só os clientes experienciarão alguns sentimentos em relação ao terapeuta, mas também o terapeuta experienciará sentimentos em relação ao paciente (Gelso e Carter, 1994). Temos, então, duas forças opostas influenciando os resultados da terapia: cliente de um lado e terapeuta de outro (Hermann, 1997). Lazarus (1993) afirma que a pessoa do terapeuta tem sido muito negligenciada e diversas questões existentes sobre o ambiente criado pelo terapeuta ainda não foram respondidas. Por exemplo, devemos encorajar a expressão das emoções negativas de nossos pacientes em todos os casos? Devemos demonstrar nossos sentimentos de aprovação todo o tempo? O que devemos fazer com nossos sentimentos de frustração quando o processo não caminha? Na literatura (Abreu, 2000; Neimeyer e Mahoney, 1997; Safran, 1998a), geralmente encontramos artigos em que os clientes são considerados indivíduos com bases singulares, crenças, reações, narrativas, etc., e o terapeuta é visto como alguém que deve respeitar e compreender essa variação pessoal. Mas como podemos ser tão flexíveis, considerando que também temos nossos estilos pessoais? Como podemos lidar com a diversidade humana se sempre somos os mesmos em nossa singularidade? Qual é o limite de nossa maleabilidade pessoal e profissional? Evidentemente, tentamos desenvolver alguma flexibilidade, como apontado por Lazarus (1993), quando diz que supostamente deveríamos seguir o exemplo do camaleão para a obtenção de um bom resultado na psicoterapia, isto é, adaptarmo-nos a cada situação, ao invés de ajustar nossos clientes ao nosso tratamento. Mas será que não existe limite para isso? Mahoney (1991) também aborda esse tema ao questionar quais seriam os critérios para nos definirmos em equilíbrio e harmonia com nossos clientes. Parece-nos haver um grande número de indicadores a respeito da vida pessoal
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e profissional do clínico que ainda permanecem obscuros e sem respostas (Mahoney, 1998). A terapia comportamental oferece alguma contribuição a esse respeito, por exemplo, afirma que a terapia tem bons resultados quando o terapeuta é amigavelmente dominante e o cliente é amigavelmente submisso (De Vogue e Beck, 1978). Embora as pessoas submissas sejam mais fáceis de tratar em terapia do que as pessoas hostis (Horowitz, Rosenberg e Bartholomew, 1993), existe uma bordagem ideal para essa questão? Nós realmente seríamos úteis ao cliente mantendo-o submisso por longos períodos, como descrito por alguns autores? Nos estudos sobre a aliança propostos por Horvath e Greenberg (1994), vemos que, quando ocorrem similaridades entre ambos e o terapeuta é capaz de criar uma boa relação com o cliente, os resultados serão inevitavelmente positivos. Outra perspectiva surpreendente sugere ainda que o terapeuta possua um alto nível técnico, ainda que tal condição não seja uma garantia de que a psicoterapia realmente se tornará efetiva, a menos que o terapeuta seja carinhoso e empático. Assim, os resultados positivos estão sempre associados aos pacientes que descrevem seus terapeutas como carinhosos, atenciosos, interessados e respeitadores. Para enfatizar a existência dessa co-dependência, existe uma importante teoria chamada teoria interpessoal, que, dentre outras coisas, sugere que, quando duas pessoas estão interagindo, elas influenciam seus comportamentos mutuamente. O comportamento de uma pessoa evocará certas reações na outra, isto é, quando a pessoa “A” é ríspida com a pessoa “B”, a pessoa “B” certamente ficará mal-humorada ou se justificará. O conhecido princípio complementar, que faz parte dessa teoria, tem sido usado para conceituar o dilema dos depressivos. Quando uma pessoa depressiva expõe seu desconforto, dando a impressão de submissão e desamparo, o ouvinte, em muitos casos, reage com atitudes dominadoras no desejo de reduzir o desconforto do depressivo. No entanto, essa reação de dominação atrai sentimentos de submissão e desamparo, reforçando os sentimen-
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tos depressivos nas pessoas já deprimidas (Horowitz, Rosenberg e Bartholomew, 1993). Entretanto, torna-se óbvio que o vínculo desenvolvido entre o clínico e o cliente é extremamente importante para o processo terapêutico e, quanto mais rápido esse vínculo é construído, mais rápido os sintomas diminuirão. Segundo um estudo descrito por Henry e Strupp (1994), os terapeutas que experienciam eventos desagradáveis com seus pais na infância são aqueles que expressam mais crítica e negligência com seus pacientes, contribuindo para a criação de um alto nível de comportamento interpessoal desafiliativo em suas consultas. Além disso, as pesquisas mostraram ser esses terapeutas mais hostis e dominadores do que outros, fazendo com que seus clientes desenvolvessem níveis mais altos de autocrítica e, ao mesmo tempo, que toda tentativa de mudança viesse associada a sentimentos de culpa. Dessa forma, a atitude pessoal do terapeuta vem a contribuir de alguma maneira, para os resultados finais da terapia (Horvath e Greenberg, 1994). Para apoiar essas suposições, outra pesquisa mencionada por Dunkle e Friedlander (1996) mostrou que a base negativa estabelecida na relação terapêutica contribuiu para resultados pobres no fim do processo, havendo pouca ou nenhuma mudança pessoal. Inversamente, terapeutas que experienciaram altos níveis de apoio pessoal e sentiam-se confortáveis com a proximidade em suas histórias de vida foram mais capazes de criar um bom vínculo no início do tratamento, raramente mostrando qualquer tipo de hostilidade com os clientes. Assim, as bases pessoais, tanto do terapeuta quanto do cliente, interferirão no bom ou no mau resultado do tratamento. Podemos concluir que, se os terapeutas não entendem suas próprias questões, desenvolvendo uma coerência pessoal, eles acabarão contribuindo para o surgimento dos resultados negativos. E, quando falamos nessas bases pessoais (e na história de vida pregressa), é inevitável que pensemos nos modelos internos de trabalho, conforme já amplamente discutido por Bowlby (1969; 1988). Bowlby afirmou que um padrão de resposta interno é desenvolvido de acordo
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com a qualidade do apego (ou vinculação) que uma pessoa experienciou com seus pais na infância – conforme a teoria do apego (Multon, Patton e Kivlighan, 1996). A TEORIA DO APEGO: ALGUMAS NOÇÕES A teoria do apego sugere que experiências interpessoais durante a infância e a adolescência contribuem para o desenvolvimento de modelos internos de trabalho que incluem a representação mental de si mesmo, dos outros significativos e do relacionamento entre eles. Uma grande parte da pesquisa sobre o apego está baseada na suposição de que as separações provocam a ativação do sistema comportamental de apego. Assim, espera-se que separações (reais ou imaginárias) evoquem pensamentos, reações emocionais e comportamentos que reflitam as estratégias passadas (modelo interno de trabalho) das pessoas e a maneira como elas viam (e vêem) o mundo (Mayseless, Danielli e Sharabany, 1996). Cada situação que enfrentamos na vida é construída com base nesses modelos representacionais, ou seja, a informação que recebemos através de nossos órgãos do sentido é selecionada e interpretada sempre com base nesses modelos de atuação (Collins, 1996). Se a criança, por exemplo, sente algum tipo de medo nas situações de ameaça, ela procurará um dos pais e testará suas reações sobre a situação e sobre si mesma, edificando, assim, tais estruturas de reação. A teoria propõe a existência de três estilos gerais referentes às sensações experimentadas na ativação do sistema comportamental de apego em função da disponibilidade materna: o apego seguro, o inseguro-evitativo e o inseguro-ambivalente (Ainsworth et al., 1978). Bebês seguros parecem perceber seus cuidadores como fontes confiáveis de proteção e segurança. Essas crianças buscam ativamente o contato com seus cuidadores quando estressadas e são prontamente acalmadas e reasseguradas por esse contato, explorando confiantemente o ambiente. Ao contrário, bebês com padrão de apego inseguro-ambivalente, quando estressados, mostram comportamento ambivalente em relação ao cuidador. Tais bebês
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buscam contato corpóreo nas situações de medo; todavia, tal aproximação vai acompanhada de raiva, resistência e de não-exposição ao desejo de aproximação. Finalmente, bebês que mostram um padrão inseguro-evitativo evitarão contato com o cuidador quando estressadas, nas situações de ameaça e de estresse, além de mostrarem os níveis mais baixos de expressividade emocional. Bartholomew (1993) diz que nem os bebês ambivalentes nem os evitativos, quando estressados, parecem usar os cuidadores de maneira bem-sucedida para ganhar segurança. Além disso, ambos os grupos de bebês inseguros mostram déficits ao usarem suas figuras de apego como uma base de exploração segura. A relação dessas experiências com a vida do psicoterapeuta é que, na vida adulta, tais estilos de afiliação não desaparecem, e sim tendem a se perpetuar nas mais variadas condições (nos relacionamentos afetivos, no enfrentamento do estresse, nas atitudes profissionais, nas crenças religiosas, na transmissão de valores intergeracionais, etc.). Assim, os adultos seguramente apegados (semelhante ao que ocorre na infância), frente a uma situação estressante, muito possivelmente esperarão ser ajudados nos momentos de necessidade, pois acreditam que um outro significativo aparecerá e estará disponível quando venham a necessitar. Então, esses indivíduos facilmente buscarão (sem receios) apoio social para lidar com o estresse. Em contraste, pessoas evitativas, que tiveram expectativas negativas sobre a disponibilidade dos outros, tenderão a usar suas próprias estratégias de enfrentamento, ao invés de buscar apoio social. Indivíduos ambivalentes buscarão apoio intensivamente (mais até do que os seguros), mostrando altos níveis de emoções e ansiedade. Em resumo, os adultos, assim como as crianças, exibirão diferentes estilos de apego no trato com seu meio social (Mikulincer e Orbach, 1995). Nessa perspectiva, seria lógico considerar que as mesmas tendências aparecessem no ambiente terapêutico? Ao assumir a idéia de que os adultos também carregam esses modelos operacionais, inevitavelmente nos depararemos por um lado, com a idéia de que os pacientes explicitam suas estratégias de ligação
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com seus terapeutas (Multon, Patton e Kivlighan, 1996; Bowlby, 1969; 1988). Contudo, se a premissa de manutenção dos estilos de vinculação estiver correta, talvez o terapeuta também demonstre, por outro lado, alguma flutuação em seu padrão de ligação com o paciente. Mahoney (no prelo) afirma que, ao edificarmos nossa vida, projetamos para o futuro exatamente aquelas experiências que somos capazes de nos recordar. Assim, uma pessoa somente poderá imaginar receber afeto na medida em que pode lembrar-se dessa experiência. Como, então, um adulto-terapeuta seria capaz de reconhecer – e mesmo favorecer – a manifestação de certos aspectos emocionais (confiabilidade, segurança, etc.) necessários a seus pacientes se esses aspectos nunca estiveram presentes em sua história pregressa de ligações? Como um profissional poderá oferecer-se como uma base segura para seu cliente se em seu passado nunca recebeu isso? Assim como o cliente explicita suas estratégias pessoais no consultório, é muito provável que o profissional de ajuda também manifeste, de forma não tão neutra, um determinado padrão de vinculação com seu cliente. Uma vez que em sua história de vida o profissional também desenvolveu um certo estilo de vinculação, é bem provável que suas características estejam presentes na nova relação, direcionando a maneira como esta será estabelecida, mesmo que em um contexto “profissional”. De fato, segundo Liotti (1991), há um relacionamento sistemático entre as reações pessoais do terapeuta e a qualidade de suas comunicações, impressões diagnósticas e planos de tratamento. Hesse (1996) sugere que, se o terapeuta tem um modelo interno de trabalho (um padrão de relação) diferente do cliente, provavelmente enfocará aqueles aspectos associados ao seu modelo pessoal, ao invés de o modelo do paciente. OS MODELOS DE APEGO DO CLÍNICO E AS INTERFERÊNCIAS NO PROCESSO TERAPÊUTICO Muito pouco foi pesquisado para identificar como o modelo de apego do clínico influen-
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cia o desenvolvimento do tratamento (Multon, Patton e Kivlighan, 1996). Uma pessoa, por exemplo, que apresenta um modelo evitativo dificilmente se aproximará de outras com modelos ambivalente e/ou seguro, pois, sendo evitativa, naturalmente rejeitará as tentativas de contato mais presentes nessas outras pessoas (Horowitz, Rosenberg e Bartholomew, 1993). Portanto, vale uma pergunta: se estivermos sendo submetidos a uma terapia com um clínico evitativo, como seria o tratamento por ele oferecido? Como seriam suas idéias e suas visões a respeito das melhores estratégias de mudança a serem obtidas pelos pacientes? Como seriam suas idéias e suas visões a respeito das relações afetivas de seu paciente? A questão é que, possivelmente, como tal clínico não teve modelos seguros de apego com seus pais na infância, não terá uma fácil ativação de seu sistema de apego na idade adulta e, obviamente, no ambiente terapêutico. Conforme já mencionado, separações sistemáticas vividas por uma criança na primeira infância podem favorecer o surgimento de determinadas reações psicológicas que serão marcadas pela manifestação de comportamentos de desapego e de refração. Dessa maneira, aquela criança (o clínico de hoje) progressivamente excluirá ou se afastará de todas as circunstâncias que possam vir a ativar os seus sistemas de apego, uma vez que, se ativados, não seriam – como nunca foram em seu passado – satisfeitos, o que gera desconforto. Então, nessa tentativa de proteção do sistema pessoal, esse profissional excluirá ativamente toda informação que venha a provocar a manifestação de sistemas comportamentais de busca de segurança e, assim, evitará o seu sofrimento íntimo, mantendo-se evitativo às situações de necessidade e de aproximação de seu cliente. Sob a ótica do processamento cognitivo, haverá sempre uma recusa de toda informação relativa e associada aos acontecimentos de afiliação. Esses fatores levam-nos a uma dramática variação de cada terapia em função de cada terapeuta, muito mais pautada nos aspectos “subjetivos” do que poderíamos imaginar. Por exemplo, clínicos efetivos (e seguros) intervieram mais com aqueles clientes que mais necessitaram deles, ao passo que os clínicos
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inefetivos (inseguros) intervieram mais com aqueles pacientes que menos necessitaram de sua ajuda (Dozier, Cue e Barnett, 1994, p. 798). Já as introjeções mais positivas afetam a habilidade do terapeuta em conectar-se emocionalmente com o cliente. Segundo Bowlby (1977), as crenças das crianças sobre se elas são merecedoras de cuidado e apoio de outras pessoas são carregadas até a idade adulta. Por isso, terapeutas com mais apoio social – amigos, membros da família, colegas – teriam mais habilidade na criação de relacionamentos íntimos com seus clientes logo no início da terapia. Alguns dados apontaram que o vínculo componente da aliança foi previsto unicamente pela extensão e pela qualidade da rede social do terapeuta, bem como por sua habilidade em desenvolver relações próximas com outras pessoas. Clientes cujos terapeutas reportaram mais conforto com intimidade avaliaram o vínculo terapêutico mais favoravelmente (Dunkle e Friedlander, 1996). Por outro lado, terapeutas que passaram por experiências negativas de apego são os que, muito provavelmente, mostrarão os mais altos níveis de hostilidade em relação aos seus clientes (Dunkle e Friedlander, 1996). Assim, tais profissionais terão maior dificuldade do que aqueles que tiveram uma boa base de se tornarem uma base segura para seus clientes (Dozier, Cue e Barnett, 1994). Conseqüentemente, a psicoterapia conduzida por esse profissional terá maiores chances de se tornar inefetiva, marcada por uma aliança pobre, caracterizada por altos níveis de hostilidade sutil, explanações muito complexas e complementaridade negativa (Horvath e Greenberg, 1994). Uma vez que esses profissionais são clínicos inseguramente apegados, ao responderem às estratégias dos clientes, acabam mantendo o ciclo interpessoal disfuncional, pois as expectativas negativas dos clientes serão sempre supridas, validando suas interações desadaptativas passadas (Safran e Segal, 1991; Safran, 1998b). Todavia, tais considerações não se limitam somente ao modelo de apego do clínico, mas também às conseqüências práticas para os planos de tratamento. Assim, se o terapeuta é muito crítico, estabelecendo excessivas deman-
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das para mudança, agindo descuidadamente em relação às dificuldades que o cliente esteja experimentando, muito provavelmente este atribuirá características situacionais negativas ao seu terapeuta e à interação como um todo, o que na realidade pode estar ocorrendo de fato. Assim, a organização do apego do clínico está relacionada diretamente à intensidade e à qualidade de suas intervenções (Dozier, Cue e Barnett, 1994). Como o clínico não possui um limiar razoável de ativação de seus sistemas de apego, não estará tão sensibilizado às questões de busca de apoio e de segurança. “Se os clientes acreditam, indiferente à exatidão dessa crença, que o terapeuta não está agindo em seus melhores interesses, transformações pró-terapia serão menos prováveis de ocorrer e os clientes se comportarão de acordo com como percebem seus próprios resultados” (Dolce e Thompson, 1989, p. 120). Da mesma forma, certos processos similares de transformação advindos da terapia também ocorrerão a partir da perspectiva do clínico. O terapeuta observará intimamente o comportamento do cliente, fazendo avaliações de suas características disposicionais, as quais, por sua vez, influenciarão a maneira como o terapeuta procederá em relação ao andamento da terapia. Ou seja, um cliente não tão motivado (ou concordante) será percebido como não-propenso ou até mesmo pronto para a mudança, induzindo o terapeuta a dedicar menor grau de esforço no sentido de atingir completamente o problema apresentado (Dolce e Thompson, 1989). Portanto, talvez o cliente não coopere em função de não estar sentindo-se acolhido e respeitado, e não apenas por ser “resistente”, como exaustivamente apontado na literatura. Assim, o resultado final da terapia pode ser considerado, em geral, altamente interdependente quanto à relação estabelecida entre o cliente e o terapeuta. Esse cenário ilustra que o padrão de interação pode flutuar e, ao mesmo tempo, oferece valiosas perspectivas de progressos do tratamento como um todo. Muito embora a literatura defenda a idéia de haver uma postura universal com todos os clientes, acreditamos que o terapeuta mais ex-
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periente acesse e observe uma variedade de comportamentos do cliente e procure ajustar seus próprios estilos durante a terapia como um todo. Segundo Dolan, Arnkoff e Glass (1993), o grau ideal de comparação ou complementação entre terapeuta e cliente pode ser diferente nos primeiros estágios da terapia, quando a criação de uma aliança terapêutica é a tarefa essencial do clínico. “Ser um bom ouvinte, ter interesse e respeito são importantes ingredientes para a terapia com todos os clientes. Mas, porque os clientes variam em seus estilos interpessoais, os terapeutas deveriam ajustar seu próprio estilo para servir às necessidades do cliente” (Dolan, Arnkoff e Glass, 1993, p. 411). Portanto, são necessários estudos futuros para guiar os terapeutas sobre como melhor fornecer as condições facilitadoras necessárias para ajudar os clientes no processo de mudança, ou seja, ajudá-los a remediar seus déficits em suas habilidades sociais e, indo um pouco mais além, determinar se esse trabalho pode ser feito, com quem e sob quais condições seria melhor realizado. As pessoas são fortemente influenciadas pelos modelos de trabalho dos outros (por exemplo, expectativas sobre se é provável que os outros forneçam conforto e cuidado se solicitado); por isso, o apoio social disponível e percebido pode depender da postura adotada pelos clínicos no trato com seus clientes. Logo, as reações dos clientes com suas próprias emoções são significativamente influenciadas pelos níveis de consciência e conforto estabelecido com seus terapeutas e sua própria emocionalidade (Mahoney, no prelo). CONSIDERAÇÕES FINAIS Segundo Lazarus (1993, p. 405), um terapeuta genuinamente efetivo, para valorizar a concordância do tratamento e compensar as possíveis resistências, precisaria demostrar uma ampla variedade de técnicas à sua disposição (isto é, procurar desenvolver um ecletismo técnico) e um repertório flexível de estilos de relacionamento e posturas para adaptar as diferentes necessidades e expectativas dos clientes. Isso poderia incluir vários aspectos, mas
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também abrangeria questões como o nível de formalidade ou informalidade a ser adotado frente ao cliente; o grau no qual revelar informações pessoais; a extensão na qual introduzir diferentes tópicos da conversação e, no geral, quando e como ser diretivo, apoiador ou mesmo reflexivo. A respeito de nossos relacionamentos, o princípio complementar torna-se muito mais presente do que o princípio da similaridade, que guia e direciona nossa relação em psicoterapia. Talvez a escolha dos pacientes em relação aos nossos serviços seja muito mais uma opção por um terapeuta complementar ao seu estilo de apego do que por um profissional que seja similar aos seus padrões de relação. Nesse sentido, se o clínico não atentar para essas silenciosas e sutis negociações, provavelmente as expectativas do cliente não serão tão satisfeitas, favorecendo a criação de um ambiente desconfortável durante o processo de ajuda. Os resultados de várias pesquisas sugerem que, para que sejam obtidos bons resultados no tratamento, a pessoa do terapeuta é tão importante quanto a pessoa do cliente. Alguns estudos têm mostrado um relacionamento sistemático entre a reação pessoal do terapeuta com o cliente, a qualidade de sua comunicação, as impressões diagnósticas e os planos de tratamento. Reações negativas do cliente tendem a ser associadas a comunicações nãoempáticas e a julgamentos clínicos desfavoráveis (Henry e Strupp, 1994). Acreditamos ser extremamente importante que nós, profissionais, possamos desenvolver um entendimento mais amplo sobre fatores considerados inespecíficos na psicoterapia, assim como sobre nossos próprios sistemas de apego e também os de nossos clientes. Mesmo que isso possa ser, à primeira vista, de difícil apreensão, uma boa idéia seria tentar desenvolver uma postura mais flexível para que pudéssemos, com maior habilidade, adaptarmonos aos estilos de apego dos clientes, em vez de esperar inocentemente o oposto. Para que seja evidenciada a força dessas premissas em um questionário medindo a força da aliança e do papel do terapeuta, fatores descritos como “extremamente importantes” e “muito importantes” por no mínimo 70% de
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pacientes que apontaram seus tratamentos como bem-sucedidos em, pelo menos, duas diferentes abordagens terapêuticas (Raue e Goldfried, 1994, p. 139), incluíram: • a personalidade do terapeuta; • ser ajudado pelo terapeuta a entender seus próprios problemas; • ser encorajado pelo clínico a enfrentar gradualmente os fatos que o incomodavam; • ser capaz de falar a uma pessoa que os entendia; • ter alguém que os ajudasse a se entender. Contrário ao que costumávamos aprender enquanto graduandos, os clínicos não são pessoas neutras ou imparciais. Portanto, qualquer definição mais ampla do processo terapêutico deve incluir os estilos pessoais do terapeuta e suas interferências para o processo de ajuda. Por um lado, o tratamento terapêutico pode ser benéfico ao cliente, pois ele experienciaria um relacionamento que é qualitativamente diferente dos relacionamentos vivenciados na infância, contribuindo para transformar padrões interpessoais mal-adaptativos (Bowlby, 1977; Safran, 1998b; Henry e Strupp, 1994). Por outro lado, o processo de ajuda também pode revelar-se bom para o terapeuta porque oferece uma base em que o profissional também pode, progressivamente, experienciar novas formas de vínculos e suas eventuais conseqüências. As últimas, por sua vez, ampliam os modelos internos do terapeuta e alargam os horizontes de suas experiências pessoais (muito semelhante ao que ocorre nos pacientes). Nesse sentido, é inevitável que tanto os clínicos quanto os pacientes deixem a terapia com algumas estruturas de significados razoavelmente alteradas. Isso pode ser facilmente verificado, uma vez que o terapeuta vai passando pelos testes e pelas “avaliações” realizadas pelo cliente, tornando-se (ou não) uma valiosa fonte de informação.1 Um terapeuta genuíno reconhece a intersubjetividade da experiência humana. Isso signi-
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fica que, dentre outras coisas, sempre existem “convidados especiais” no consultório. Os clientes sempre trazem com eles seus “outros significativos” e o mesmo é verdadeiro para nós como terapeutas. Nossos pais, famílias, amigos, inimigos e professores estão todos lá. Contudo, nós raramente temos consciência de suas presenças e, é claro, isso é adaptativo. Mas também significa que o consultório e o relacionamento terapêutico estão fortemente povoados por memórias, antecipações e personagens do presente cujas maneiras de relacionar-se conosco são inegavelmente poderosos ao influenciar como nos relacionamos com as outras pessoas. (Mahoney, no prelo)
Tanto o terapeuta quanto o cliente contribuem para o processo interpessoal (Baringoltz, 1998), carregando com eles suas próprias histórias, suas crenças e suas emoções – cada um tentando encaixar essa nova situação às suas experiências anteriores, cada um tentando “atrair” o outro para seu papel complementar. Dessa forma, a vida dos terapeutas e a vida de seus pacientes não estão separadas; na verdade, elas estão conectadas. Muitas vezes, os psicoterapeutas fazem uma diferença significativa na vida de seus clientes, assim como muitos pacientes fazem alguma diferença na vida de nós, terapeutas (apesar disso ser raramente assumido). Assim, os clientes não são os únicos que mudam na psicoterapia. Os terapeutas também mudam através do seu trabalho. Não se pode estar inconsciente – deixando o envolvimento emocional de lado – de que vivemos muitas vidas e que pessoalmente somos muito afetados por elas. Por isso, também nos beneficiamos das histórias de nossos pacientes e também nos traumatizamos com memórias que se tornam permanentes e partes de nós para o resto de nossas vidas (Mahoney, no prelo). Essa deveria ser uma das mensagens mais básicas para todos que se consideram “cuidadores” em geral. Não se pode estar profundamente comprometido (em qualquer profissão que seja) sem que sejamos profundamente tocados por ela. Encerramos com a citação de Apollo, lembrada por Mahoney (no prelo):
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Cristiano Nabuco de Abreu, Miréia Roso & cols. Todos os fechamentos são aberturas. Todos os finais são inícios. Tudo depende de nossa perspectiva e de nossa posição que nunca são as mesmas. Alguém que nos toca profundamente – para melhor ou pior – nunca nos deixa completamente. Carregamos esse alguém em nosso coração, assim como ele nos carrega no seu. Espaço e tempo não importam. Tempo e espaço nos fornecem as únicas oportunidades que conhecemos de nos sentirmos vivos. Sejamos gratos por qualquer vislumbre com o qual somos agraciados. Sejamos sempre gratos... você gostaria de dançar?
NOTA 1. Nota-se isso quando os clientes afirmam falar “mentalmente” com seus terapeutas em situações de dificuldade ou de tensão, o que indica o estabelecimento de uma boa e confiante aliança de trabalho. No que diz respeito ao outro lado, o do terapeuta, muitas vezes podemos observá-los mentalmente ensaiando algumas falas com aqueles clientes mais “resistentes” ou “difíceis”, em uma tentativa de encontrar a melhor maneira de serem eficazes e mais “compreendidos”.
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