Psicologia Geral I PDF

May 6, 2024 | Author: Anonymous | Category: N/A
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PSICOLOGIA GERAL

autor do original

JOSÉ URBANO BROCHADO JUNIOR

1ª edição SESES rio de janeiro  2015

Conselho editorial  sergio cabral, claudete veiga, claudia regina de brito Autor do original  josé urbano brochado junior Projeto editorial  roberto paes Coordenação de produção  rodrigo azevedo de oliveira Projeto gráfico  paulo vitor bastos Diagramação  fabrico Revisão linguística  aderbal torres bezerra Imagem de capa  nome do autor  —  shutterstock

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) U72p

Urbano, José Psicologia geral I / José Urbano.



Rio de Janeiro : SESES, 2014.



216 p. : il.



isbn: 978-85-60923-48-9



1. Psicologia. 2. Comportamento. 3. Desenvolvimento. I. SESES. II. Estácio. cdd 150

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063

Sumário Prefácio 9

1. História e Desenvolvimento da Psicologia A história da psicologia O objeto de estudo da psicologia As origens da psicologia As psicologias

2. O Estudo do Comportamento Humano As origens do Behaviorismo Como estudar o comportamento? A análise do comportamento Comportamento reflexo Reflexos condicionados

12 12 16 19 29

40 41 42 44 46 47

Comportamento operante 50 A lei do efeito de Edward Lee Thorndike (1898) 51 Reforço 53 A coerção e suas consequências 58 Extinção 61 Modelagem 63 Críticas ao Behaviorismo 64 Aproximação aos fenômenos cognitivos 66 A Psicologia Cognitiva: conceitos básicos 67 A Teoria Social Cognitiva 69

3. O estudo do Inconsciente e a Busca da Saúde Mental

86

Introdução 87 A concepção de homem antes de Freud 88 Origens da Psicanálise: Sigmund Freud 90 Da patologia à normalidade 95 Três ensaios sobre a sexualidade (1905) 98 Modelo topográfico do sistema psíquico 104 Mecanismos de defesa 108 Modelo estrutural do aparelho psíquico 110 Psicanálise, saúde mental e Serviço Social 112

4. Estudos do Desenolvimento Humano

120

Introdução 120 Questões básicas do desenvolvimento humano 121 O debate hereditariedade versus ambiente 125 Desenvolvimento psicossocial 126 Desenvolvimento infantil 130 O desenvolvimento moral 137 Juventudes 141 A maturidade sob o vértice psicossocial Os (des)encontros com o tempo: a velhice Negligência, maus-tratos e seus efeitos no desenvolvimento da criança e do adolescente

153 156 161

5. Percepção e Motivação na Construção e no Desenvolvimento Humano

170

Personalidade 171 Inteligência 175 Aptidões e habilidades 178 Percepção 184 Atitudes 189 Motivação 191 Teorias de processo 202 Sistema Motivacional Estratégico 205

Prefácio Prezados(as) alunos (as) A disciplina de Psicologia Geral objetiva construir uma visão total sobre a importância do estudo do comportamento humano. Para isso vamos, primeiramente, lançar um olhar para a construção desse campo de estudos. Vamos pensar sobre a construção da Psicologia como uma ciência. Sim, psicologia é ciência! A psicologia possui uma história, um desenvolvimento, até chegar às teorias e abordagens contemporâneas. Vamos fazer um passeio por essa história e perceber o ser humano segundo diversas teorias que nos auxiliam a compreender toda a complexidade da nossa subjetividade. Vamos ver que as pessoas se caracterizam por serem únicas – com percepções, inteligências, emoções e sentimentos que compõem sua personalidade. Mas como lidar com todas essas características pessoais no mundo das organizações? Será possível lançar um olhar atento a essas características e buscar selecionar a pessoa certa para o lugar certo na organização? A psicologia organizacional nos ajuda a pensar sobre isso. Vamos responder a essa, e outras questões, no estudo do comportamento individual e também no estudo do comportamento em grupo. Vamos ainda refletir sobre Psicanálise, Behaviorismo, Psicologia Cognitiva, Psicologia do desenvolvimento, e muito mais! Falar sobre o comportamento humano é sempre algo extremamente interessante. E nessa disciplina você será convidado a pensar sobre você e os outros em todos os espaços.

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1 História e Desenvolvimento da Psicologia

1  História e Desenvolvimento da Psicologia Todos nós observamos o comportamento humano. Visualizamos o nosso próprio comportamento e também o comportamento dos outros. Essa observação do dia a dia tem o seu valor e nos ajuda a saber como devemos agir em determinadas situações. Mas há um estudo sistemático, organizado e metódico do comportamento humano, que segue o método científico e com suas descobertas e resultados colabora para que tenhamos informações mais precisas sobre o comportamento humano. Essa ciência denomina-se Psicologia e foi construída a partir de experimentos e pesquisas sobre o modo de funcionamento do ser humano no mundo. A psicologia possui uma história que se desdobra em múltiplas teorias e abordagens, a qual vamos conhecer agora.

OBJETIVOS •  Compreender o que é Psicologia. •  Entender a Psicologia como uma ciência. •  Conhecer a história e o desenvolvimento da Psicologia Científica. •  Compreender as diversas aplicações da Psicologia.

REFLEXÃO Você já ouviu alguém dizer a palavra Psicologia. Todos parecem ter algum conhecimento sobre ela. Mas será que você realmente sabe o que significa Psicologia? Será que as pessoas já leram algum livro de psicologia e compreendem o que é comportamento? Certamente você tem algum conhecimento na área, mas acredito que iremos descobrir novos olhares sobre o que realmente essa ciência significa. Afinal, como e por que estudar o comportamento humano? A psicologia que você irá encontrar nas próximas páginas vai responder a essas e outras questões. Vamos lá!

1.1  A história da psicologia Vamos começar nossa conversa com uma pergunta. É muito importante que você realmente pare e tente responder a essa questão.

12 •

capítulo 1

O que é Psicologia? Tente responder para si mesmo. Tenho certeza de que você tem uma resposta para essa pergunta. É claro que vamos responder também, de forma científica, mas é fundamental partirmos da sua resposta para a construção desse conhecimento. Digo que você tem um resposta, pois a Psicologia está amplamente presente na vida de todas as pessoas. Todos falam sobre ela, e de certa forma possuem uma resposta para essa questão. Essa psicologia que a grande maioria das pessoas conhece é a chamada psicologia do senso comum, uma forma de apropriação superficial e generalizada de alguns dos conceitos que fazem parte do saber da psicologia científica. “[...] senso comum é o conhecimento adquirido por tradição, herdado dos antepassados e ao qual acrescentamos os resultados da experiência vivida na coletividade que pertencemos” (ARANHA e MARTINS, 1986, p.35). Sim, já começamos a responder também a pergunta. A psicologia é uma Ciência, e como tal possui uma série de características específicas para compor seu corpo de saberes. Quando falamos em Ciência, estamos nos referindo a um processo de investigação da realidade que utiliza métodos e técnicas próprios, construídos de forma sistemática. A aplicação desse método – chamado de método científico – leva à construção de um corpo de saberes organizados, fruto da pesquisa científica que vem a compor o conhecimento dessa área do saber. No nosso caso, o das Ciências Psicológicas, ou Psicologia. A questão do “método científico” tem constituído uma das principais preocupações dos filósofos, desde que a ciência ingressou em uma nova era (ou nasceu, como preferem alguns), no século XVII. Formou-se em torno dela e de outras questões correlacionadas um ramo especial da filosofia, a filosofia da ciência. Investigações pioneiras sobre o “método científico” foram conduzidas por Francis Bacon (1561-1626). Secundadas no século XVII por declarações de eminentes cientistas, como Galileo, Newton, Boyle, e, no século seguinte, pelos Enciclopedistas, suas teses passaram a gozar de ampla aceitação até nossos dias, não tanto entre os filósofos, mas principalmente entre os cientistas, que até hoje muitas vezes afirmam seguir o método baconiano em suas pesquisas. Isso é singular, visto que os estudos recentes em história da ciência vêm revelando que os métodos efetivamente empregados pelos grandes construtores tanto da ciência clássica quanto da moderna têm pouca conexão com as prescrições do filósofo inglês. (CHIBENI, s.d. p.1,2)

capítulo 1

• 13

A palavra Ciência nasce do latim, scientia, que podemos entender como conhecimento. Para que um conhecimento seja considerado científico, é preciso que siga algumas normas estabelecidas ao longo da construção do que chamamos de ciência na atualidade. Segundo (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 24): Objeto específico, linguagem rigorosa, métodos e técnicas específicas, processo cumulativo do conhecimento, objetividade fazem da ciência uma forma de conhecimento que supera em muito o conhecimento espontâneo do senso comum. Esse conjunto de características é o que permite que denominemos científico a um conjunto de conhecimentos.

Os psicólogos, segundo Morris e Maisto (2004), buscam respostas às questões do comportamento e dos processos mentais utilizando o método científico. Por exemplo, coletando dados por meio da observação, que deve ser cuidadosa e sistemática, desenvolvem teorias sobre o que foi observado, estabelecem previsões embasados nessas teorias buscando a comprovação das hipóteses levantadas, que devem ser testadas sistematicamente e acompanhadas de experimentos adicionais. Assim, como todos os cientistas, os psicólogos utilizam o método científico para descrever, compreender, prever e, finalmente, alcançar algum nível de controle sobre o assunto que estão estudando.” (MORRIS e MAISTO, 2004, p. 7)

A construção do conhecimento científico se dá a partir de fontes consideradas também científicas. Assim, construímos o corpo de saberes de forma cumulativa, que busca a objetividade e o distanciamento com o objeto pesquisado, o que muitas vezes não é nada fácil, pois sendo a Psicologia uma ciência que busca entender e explicar o comportamento Humano no mundo, há sempre a figura do pesquisador, também humano e também no mundo! E aí encontramos um importante dilema, que deve receber todo o cuidado. O pesquisador deve buscar manter um distanciamento de suas emoções, sentimentos e crenças para que o conhecimento, fruto de sua pesquisa, possa ter neutralidade e a objetividade necessária para se fazer científico – e ser reproduzido por outro pesquisador, que, utilizando os mesmos métodos e técnicas, precisa chegar ao mesmo resultado.

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capítulo 1

Sem entrarmos na análise das diferentes teorias psicológicas, podemos dizer que a Psicologia é a ciência que estuda o comportamento, principalmente, do ser humano. As divergências teóricas se refletem no que consideram “comportamento”, porém para nós bastaria dizer que é toda e qualquer ação, seja a reflexa (no limiar entre a psicologia e a fisiologia), sejam os comportamentos considerados conscientes que envolvem experiências, conhecimentos, pensamentos e ações intencionais, e, num plano não observável diretamente, o inconsciente (LANE, 2006, p. 7).

Figura 1 – Símbolo da Psicologia moderna

Seguindo todos esses princípios é que a psicologia começa a compor-se como uma área especificamente ligada às ciências humanas, e também transitando pelas ciências biológicas. Para Davidoff (2001), ciência é o formato de pesquisa que oferece procedimentos disciplinados e racionais para a condução de investigações válidas e a edificação de um corpo de informações coerente e coeso.

Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Ciência é um conjunto organizado de conhecimentos relativos a certas categorias de fatos ou fenômenos. Toda ciência, para definir-se como tal, deve necessariamente recortar, no real, seu objeto próprio, assim como definir as bases de uma metodologia específica: ciências físicas e naturais. / Conjunto de conhecimentos humanos a respeito da natureza, da sociedade e do pensamento, adquiridos através do desvendamento das leis objetivas que regem os fenômenos e sua explicação.

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Segundo Davidoff (2001), atualmente a psicologia é definida como a ciência que foca seus estudos no comportamento – e a ideia de comportamento aqui engloba tudo o que animais, inclusive o ser humano, fazem: pensamentos, ações e atitudes, sentimentos, emoções, formas de comunicação, processos de desenvolvimento, etc – dos processos mentais de todos os animais. Consideramos como processos mentais as atividades cognitivas, como sonhar, desejar, fantasiar, perceber, lembrar, raciocinar e resolver problemas.

1.2  O objeto de estudo da psicologia Sendo, portanto, a Psicologia uma Ciência, assim como todas as outras Ciências, deve possuir um objeto de estudo claramente definido. E então trazemoslhe uma nova pergunta: Qual é o objeto de estudo da Psicologia? Se você respondeu o comportamento humano, está correto! Mas se respondeu que o objeto de estudo da psicologia é a personalidade, também está correto! E ainda se respondeu que é o inconsciente, ou os encontros humanos, ou a mente humana, ou os processos mentais, ou a consciência, ou os aspectos do pensamento... Também está correto! Como assim? Acontece que, segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999), existe uma grande diversidade de objetos de estudo para a Psicologia, principalmente pelo fato de ser esta uma ciência considerada como relativamente muito recente. E assim ainda não teve o tempo suficiente para configurar com exatidão seu objeto de estudo. Os mesmos autores apontam ainda a influência do pesquisador, e sua concepção de ser humano, na busca desse objeto de estudo (lembra da busca pela objetividade?), pois é o ser humano pesquisando sobre si mesmo. Na busca por um objeto de estudo específico, que possa abranger toda a complexidade humana e científica, a Psicologia fica com a subjetividade. Para (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 27.28): A Psicologia colabora com o estudo da subjetividade: é essa a sua forma particular, específica de contribuição para a compreensão da totalidade da vida humana. Nossa matéria-prima, portanto, é o homem em todas as suas expressões, as visíveis (nosso comportamento) e as invisíveis (nossos sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos todos assim) — é o homem-corpo, homem-pensamento, homem-afeto, homem-ação e tudo isso está sintetizado no termo subjetividade.

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Figura 2 – Atualmente, a psicologia possui como objeto de estudo o corpo, o pensamento, o afeto, a ação humana em toda a sua diversidade.

[...] assim como a massificação pode ser decorrente da aceitação sem crítica dos valores impostos pelo grupo social, também é verdade que a vida autêntica só pode ocorrer na sociedade e a partir dela. Aí reside justamente o paradoxo de nossa existência social, pois, como vimos, o processo de humanização se faz pelas relações entre os homens, e é dos impasses e confrontos dessas relações que a consciência de si emerge lentamente. O homem move-se, então, continuamente entre a contradição e sua resolução (ARANHA e MARTINS, 1986, p.7).

A subjetividade enquanto objeto de estudo da psicologia engloba o ser humano nas dimensões de tudo aquilo que é comum à nossa espécie e ainda de tudo aquilo que é único em cada ser. A subjetividade é o estudo, portanto, de que nos torna todos iguais e ao mesmo tempo todos diferentes. A subjetividade é o estudo de tudo que posso observar no comportamento humano: suas ações, atitudes, diálogos, e ainda tudo o que não posso ver, mas que compõe de forma única cada sujeito, como suas emoções, pensamentos, desejos e sonhos. Subjetiva é a nossa construção interna. Temos um mundo interior que vai sendo construído a partir dos nossos encontros com o mundo externo. E essa construção se dá de forma única em cada sujeito. Essa forma singular de existir, que me difere de todos os outros sujeitos, é o que chamamos também de subjetividade.

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Portanto, lembre-se de que o objeto de estudo da Psicologia é a subjetividade. Mas para chegarmos a essa definição não foi algo fácil e rápido. O homem é um animal histórico, o que quer dizer que estamos sempre inseridos em um lugar e em um tempo, e assim somos diretamente influenciados por essas questões em nossa forma de agir, pensar, sentir e produzir conhecimento. Portanto, a psicologia possui uma história (considerada recente como já vimos). Para compreendermos a história da psicologia, é preciso visitarmos a Grécia Antiga, antes de Cristo. Para o Ocidente, os gregos tiveram fundamental importância em muitos aspectos do conhecimento, e na área da psicologia não é diferente. É nessa época que a Filosofia se apresenta como importante fonte na busca pela compreensão da realidade, e nessa busca por respostas é que o modo de existir humano, e seus significados, foi também observado e questionado. Por volta de 700 anos antes de Cristo, os gregos viviam um momento de grande riqueza produtiva em diversas áreas, como a agricultura, a arquitetura, as artes, a política, a matemática e a filosofia. Essa intensa e profunda produção e que nos trouxe nomes até hoje consagrados, como Sócrates, Platão e Aristóteles. É importante lembrar que, segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999), mesmo antes de Sócrates, com os chamados sofistas ou filósofos pré-socráticos, já existia a discussão no sentido de pensar a relação do ser humano com o mundo. Aliás, para Davidoff (2001), o ser humano, desde nossos ancestrais mais antigos, há alguns milhões de anos, já buscava entender a si próprio e aos outros.

Figura 3 – Partenon na Grécia Antiga, considerado o berço da civilização ocidental.

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1.3  As origens da psicologia

chamamos de psicologia. Na Grécia Antiga, considerada o berço da civilização moderna ocidental, Sócrates (469-399 a.C.), por exemplo, buscava pensar sobre importantes características da espécie humana e atribuiu à razão a diferença entre o ser humano e as demais espécies animais. Para ele, o fato de o ser humano possuir um pensamento racional faria com que os instintos ficassem em segundo plano e assim a espécie humana deixaria para trás o pensamento irracional.

© PHOTOGUERILLA | DREAMSTIME.COM

Mas voltemos aos pré-socráticos. O mundo existe independentemente de nossa percepção? Essa e outras questões poderiam embasar discussões entre filósofos idealista e materialistas sobre a relação entre a percepção e a atribuição de significados ao mundo externo. Todos sabem que esse é um período bastante fértil para a Filosofia, que, com seu questionamento constante e sua problematização da realidade, obteve nessa época histórica bases importantes para sua construção enquanto área do conhecimento. Porém, é justamente dessa postura investigativa que vai nascer também as bases da Psicologia. Os questionamentos filosóficos colocaram em voga a discussão sobre corpo e alma. O corpo físico e a mente tornaram-se objeto de estudo dos antigos filósofos e, dessa forma, começa-se a estruturar o que seriam as bases da psicologia. A palavra psicologia deriva do grego psyché, que significa alma, e também de logos, que podemos entender como estudo ou razão. Assim, podemos entender a etimologia da palavra psicologia como o estudo da alma. Alma, nesse contexto da Grécia Antiga, pode ser compreendida como algo próximo do conceito de mente, englobando o mundo interno de cada sujeito, com seus pensamentos, sentimentos, personalidade, desejos e percepções. Muitos pensadores, cada um no seu tempo e lugar, contribuíram para a construção de saberes que foram construindo o que hoje

Figura 4 – Sócrates (469-399 a.C.), considerado um dos primeiros a buscar compreender a alma humana.

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“Sócrates abre um caminho que seria muito explorado pela Psicologia. As teorias da consciência são, de certa forma, frutos dessa primeira sistematização na Filosofia.” (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 41). Platão (427-347 a.C.) também se preocupou com as questões ligadas à razão. Foi Platão quem definiu que o pensamento racional provinha da alma e que esta está localizada na cabeça humana. © VLADIMIR KOROSTYSHEVSKIY | DREAMSTIME.COM

Platão (427-347 a.C.) procurou definir um “lugar” para a razão no nosso próprio corpo. Definiu esse lugar como sendo a cabeça, onde se encontra a alma do homem. A medula seria, portanto, o elemento de ligação da alma com o corpo. Este elemento de ligação era necessário porque Platão concebia a alma separada do corpo. Quando alguém morria, a matéria (o corpo) desaparecia, mas a alma ficava livre para ocupar outro corpo (BOCK,

Figura 5 – Platão (427- 347 a.C.) e a

FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 42)

ideia de que a razão caracteriza o ser humano.

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Ainda na Grécia Antiga (fonte inesgotável de saberes), mais um importante filósofo contribuiu

Figura 6 – Aristóteles (384322 a.C.) e a ideia de que corpo e alma não são separados. A fonte para o conceito de um ser integral e indivisível.

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com suas reflexões para a busca da compreensão do ser humano, para a filosofia e para a construção das bases da psicologia: Aristóteles (384-322 a.C). Aristóteles mudou o rumo do pensamento de Platão por conceber que corpo e alma não são coisas separadas. Para esse pensador, tudo o que vive possui a sua psyqué (alma). Isso traz uma nova perspectiva para o pensamento e a concepção de ser humano. Vale lembrar que Platão era discípulo de Sócrates e que Aristóteles era discípulo de Platão. E assim o conhecimento da psicologia vai gradativamente se construindo.

Aristóteles (384-322 a.C), discípulo de Platão, foi um dos mais importantes pensadores da história da Filosofia. Sua contribuição foi inovadora ao postular que alma e corpo não podem ser dissociados. Para Aristóteles, a psyché seria o princípio ativo da vida. Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se alimenta possui a sua psyché ou alma. Dessa forma, os vegetais, os animais e o homem teriam alma. Os vegetais teriam a alma vegetativa, que se define pela função de alimentação e reprodução. Os animais teriam essa alma e a alma sensitiva, que tem a função de percepção e movimento. E o homem teria os dois níveis anteriores e a alma racional, que tem a função pensante. Esse filósofo chegou a estudar as diferenças entre a razão, a percepção e as sensações. Esse estudo está sistematizado no Da anima, que pode ser considerado o primeiro tratado em Psicologia (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 42).

Percebemos que a psicologia, apesar de ser considerada uma ciência recente, tem seu corpo teórico sendo desenhado a milhares de anos atrás. Em outros lugares e outros tempos, vários outros pensadores, de diferentes formações, contribuíram também para a reflexão sobre a condição humana e seus desdobramentos na construção da subjetividade (mas ainda não considerávamos nessa época a subjetividade como objeto de estudo da psicologia – até porque essa ainda não existe enquanto ciência nesse momento histórico!). Os povos romanos também contribuem com seus saberes para a construção da psicologia e, após o advento do cristianismo, a igreja, que durante um longo período monopoliza os saberes, com seus representantes partem igualmente no rumo dos estudos do psiquismo humano. Podemos citar os estudos de Santo Agostinho (354-430) que, assim como Platão, considera a cisão entre o corpo e a alma, mas, para o filósofo cristão, a alma seria uma manifestação divina no ser humano. Outro pensador importante para a psicologia é São Tomás de Aquino (12251274). Para Bock, Furtado e Teixeira (1999), São Tomás de Aquino inspirou-se no filósofo grego Aristóteles para pensar a distinção entre essência e existência. Para São Thomas de Aquino, o ser humano, na sua essência, busca a perfeição através de sua existência. “São Tomás de Aquino encontra argumentos racionais para justificar os dogmas da Igreja e continua garantindo para ela o monopólio do estudo do psiquismo.” (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 44).

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Após a Idade Média entramos, na Europa, em um período conhecido como Renascimento. Nesse período, o ser humano ganha novos olhares e é colocado em uma situação de grande valorização e estudo. É nesse momento que a ciência, como área de conhecimento, se fortalece como importante forma de estudo dos fenômenos. Inclusive em relação ao psiquismo. É durante esse momento histórico que o filósofo René Descartes (1596-1659) promove a ideia de separação entre corpo e alma (psyché). Com isso, segundo Bock, Furtado e Teixeira (1999), é possível dar início a novos estudos sobre o funcionamento do corpo humano (e seu cérebro), possibilitando o avanço de ciências como a Fisiologia e a Anatomia, que muito contribuem para a construção dos saberes da Psicologia. Chegamos ao século XIX e a ciência vai ganhando cada vez mais espaço como forma de entender e explicar o mundo externo e interno Figura 7 – René Descartes (1596do ser humano. Com as novas exigências do ca- 1659), com a ideia da separação pitalismo, a ciência passa a ser ainda mais valo- entre o corpo e a alma humanos, rizada como forma de contribuir para as novas promove novas possibilidades de necessidades da produção de mercadorias e a estudos científicos. nova ordem econômica e social mundial. No mundo feudal, as coisas estavam determinadas de modo mais cristalizado e inquestionável. Com as mudanças sociais, o mundo entrou em processo de movimento e com ele apareceram as perspectivas de pensamento e as concepções humanas. O capitalismo criou novas necessidades, desejos e formas de agenciamentos humanos, fazendo de quase todos consumidores em potencial. O ser humano já não é mais considerado o centro do universo – começo da derrocada do antropocentrismo – e a noção de liberdade começa a tomar força. Para Bock, Furtado e Teixeira (1999), nesse momento o conhecimento torna-se mais independente da fé e os dogmas começam a ser questionados e a racionalidade do ser humano passa a ser a grande possibilidade de construção do conhecimento.

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Estavam dadas as condições materiais para o desenvolvimento da ciência moderna. As ideias dominantes fermentaram essa construção: o conhecimento como fruto da razão; a possibilidade de desvendar a Natureza e suas leis pela observação rigorosa e objetiva. A busca de um método rigoroso, que possibilitasse a observação para a descoberta dessas leis, apontava a necessidade de os homens construírem novas formas de produzir conhecimento — que não era mais estabelecido pelos dogmas religiosos e/ou pela autoridade eclesial. Sentiu-se necessidade da ciência. (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999 p. 48).

surgimento oficial. Algumas décadas depois desses experimentos, sofreria a influência de dois outros nomes que muito contribuíram para seu aparecimento. O primeiro nome então é Wilhelm Wundt (1832 – 1926), considerado o fundador da psicologia moderna ou científica. “Wundt cria na Universidade de Leipzig, na Alemanha, o primeiro laboratório para realizar experimentos na área de Psicofisiologia.” (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1991, p. 50). Esse médico e professor demostrou intenso interesse pelos estudos dos processos humanos mentais. Segundo Davidoff (2001), vale lembrar que na época dos trabalhos desenvolvidos por Wundt a psicologia

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É a partir daí que a ciência, que vem ganhando cada vez mais e mais espaço nos estudos da realidade, concentra seus esforços em entender o comportamento humano focando sua atenção nos mecanismos do cérebro e seu funcionamento. A fisiologia, a anatomia, a neuroanatomia e a neurofisiologia ganham força e começam a contribuir significativamente para a construção da psicologia como uma ciência moderna. Diversos cientistas debruçam-se sobre pesquisas ligadas ao comportamento humano, na busca de mensurá-los e assim estabelecer status de verdade a suas descobertas. Gustav Fechner, durante a década de 1850, pesquisou as relações entre os estímulos físicos e as sensações, dando origem ao que se chamou de psicofísica. Para Davidoff (2001), Fechner desenvolveu técnicas engenhosas, atreladas a procedimentos experimentais e matemáticos para descobrir respostas precisas ligadas a essa relação entre as sensações e os estímulos físicos visuais e auditivos, por exemplo. A psicologia estava cada vez mais próxima de seu

Figura 8 – Wilhelm Wundt (1832 – 1926) é considerado um dos principais criadores da psicologia científica.

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ainda não existia e seus estudos estavam diretamente ligados à fisiologia. E o desejo do pesquisador era justamente estabelecer a psicologia como uma área independente da ciência – a psicologia da consciência humana –, utilizando o método científico, a observação rigorosa e a introspecção analíticas. A psicologia de Wundt foi logo adotada, disseminou-se com especial rapidez pela Europa, pelos Estados Unidos e pelo Canadá. O laboratório de Wundt inspirou esforços semelhantes no mundo todo. Foi essa influência universal que conferiu a Wundt o título de ‘fundador da psicologia científica’ (DAVIDOFF, 2001, p. 11).

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O Funcionalismo é considerado a primeira sistematização genuinamente americana de conhecimentos em Psicologia. Uma sociedade que exigia o pragmatismo para seu desenvolvimento econômico acaba por exigir dos cientistas americanos o mesmo espírito. Desse modo, para a escola funcionalista de W. James, importa responder “o que fazem os homens?” e “por que o fazem?”. Para responder a isto, W. James elege a consciência como o centro de suas preocupações e busca a compreensão de seu funcionamento, na medida em que o homem a usa para adaptar-se ao meio. O Estruturalismo está preocupado com a compreensão do mesmo fenômeno que o Funcionalismo: a consciência. Mas, Figura 9 – William James diferentemente de W. James, Titchner irá estudá- (1842 – 1910) é considerado -la em seus aspectos estruturais, isto é, os estados outro dos principais criadores elementares da consciência como estruturas do da psicologia científica. sistema nervoso central. Esta escola foi inaugurada por Wundt, mas foi Titchner, seguidor de Wundt, quem usou o termo estruturalismo pela primeira vez, no sentido de diferenciá-la do Funcionalismo. O método de observação de Titchner, assim como o de Wundt, é o introspeccionismo, e os conhecimentos psicológicos produzidos são eminentemente experimentais, isto é, produzidos a partir do laboratório (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p.52). Chegamos ao século XX e a psicologia se desenvolve cada vez mais. Segundo Morris e Maisto (2004), com o surgimento de novas tecnologias de pesquisa e com as novas abordagem de estudos que nascem.

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A psicologia ganha novos colaborações de outras ciências e passa a redefinir a si mesma em um processo quase constante. É nesse momento histórico que surgem vários movimentos, que possuem concepções diferentes do ser humano e seu modo de funcionar. Cada movimento possui um corpo de conhecimentos específicos e métodos e técnicas próprios utilizados na construção desses saberes que buscam entender e explicar o comportamento humano e toda a sua complexidade. O século XX é marcado por essa rica e complexa construção de teorias para a psicologia, importante marca dos estudos das ciências psicológicas na modernidade e na pós-modernidade. A psicologia que se constituiu das escolas estruturalistas e funcionalista – há também a escola associacionista – passa agora a compor-se a partir da construção de diversas teorias que entendem e explicam o funcionamento humano – e de outros animais – de formas diferentes. Podemos citar alguns desses movimentos teóricos como os considerados mais importantes e influentes na psicologia moderna: o Behaviorismo ou Comportamentalismo – também conhecido como teoria S-R de Estímulo e Resposta, vindo do inglês Stimuli-Respond, a teoria cognitivista, a teoria humanista, a Gestalt e, ainda, uma das mais conhecidas e que desperta muita curiosidade no senso comum, a Psicanálise. O Behaviorismo, que nasce com Watson e tem um desenvolvimento grande nos Estados Unidos, em função de suas aplicações práticas, tornou-se importante por ter definido o fato psicológico, de modo concreto, a partir da noção de comportamento (behavior). A Gestalt, que tem seu berço na Europa, surge como uma negação da fragmentação das ações e processos humanos, realizada pelas tendências da Psicologia científica do século 19, postulando a necessidade de se compreender o homem como uma totalidade. A Gestalt é a tendência teórica mais ligada à Filosofia. A Psicanálise, que nasce com Freud, na Áustria, a partir da prática médica, recupera para a Psicologia a importância da afetividade e postula o inconsciente como objeto de estudo, quebrando a tradição da Psicologia como ciência da consciência e da razão (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 54). É no início do século XX que, fortemente influenciado pelas ideias de Wilhelm Wundt e William James da psicologia da consciência, John Watson (1878-1958), segundo Davidoff (2001), investe na construção de uma psicologia caracterizada pela utilização de métodos objetivos e atuante em comportamentos observáveis, rejeitando aspectos que dependiam da introspecção, pois assim a psicologia receberia finalmente o status de ciência. É assim que, durante as primeira décadas do século XX, nasce o movimento Behaviorista. capítulo 1

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Nesse mesmo período, em Viena, o médico Sigmund Freud (1856-1939) desenvolve ampla pesquisa sobre o tratamento de sintomas ligados a problemas do sistema nervoso. Freud percebe que atuar apenas nos sintomas, prática da época, não provoca mudanças na saúde do paciente, uma vez que esses sintomas sempre retornavam, da mesma ou de outra forma. Sua atenção está então voltada para as desordens neuróticas, e Freud começa a desenvolver suas pesquisas apontando para a importância de questões emocionais vividas pelos pacientes e que se manifestavam em sintomas corporais. Na construção da teoria psicanalítica, Fred utiliza diversas técnicas e métodos, passando pela hipnose (que logo foi abandonada por não atingir de modo satisfatório os objetivos do tratamento), pela associação livre, em que o paciente era estimulado a falar livremente sobre suas questões, e pela interpretação dos sonhos (título inclusive de uma importante obra escrita pelo pai da psicanálise). Freud construiu uma das mais importantes teorias do século XX, voltando sua atenção para questões como o desejo, o medo, os conflitos, os sonhos e a personalidade. Sigmund Freud formulou teorias para explicar o funcionamento do aparelho psíquico a partir dos conceitos de consciente, pré-consciente e inconsciente. Formulou também uma estrutura sobre o funcionamento do aparelho psíquico a partir dos conceitos de EGO, ID e SUPEREGO.“Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente inconsciente” (LAPLANCHE e PONTALIS, 1967, p. 307) Na direção contrária do behaviorismo, a teoria psicanalítica propunha um olhar atento às questões introspectivas, uma vez que trazer para o consciente os conteúdos inconscientes é o foco da teoria e do método psicanalítico para o estudo da personalidade – classificada em normal e anormal. Muito ainda será tratado aqui sobre essa teoria. Outra importante corrente da psicologia é a teoria humanista Abraham Maslow (1980-1970) foi um dos homens que participou da construção dessa que, segundo ele, era a terceira força da psicologia (considerando como as duas primeiras forças da psicologia científica o behaviorismo e a psicanálise). Fortemente influenciada pela filosofia fenomenológica, o humanismo

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Figura 10 – Sigmund Freud (1856 – 1939) provoca uma nova revolução na forma de percebermos o funcionamento humano.

parte da premissa de que cada pessoa é única e assim percebe o mundo externo de maneira também única. (DAVIDOFF, 2001, p. 14) aponta que para o humanismo “a interpretação subjetiva é centralizada em toda atividade humana e não pode ser ignorada”. A psicologia humanista acredita que o papel da psicologia é colaborar nos processos de autoconhecimento para que cada sujeito possa, a seu modo e de forma global, desenvolver-se ao máximo. Os métodos utilizados para essa corrente não são considerados o foco do trabalho, uma vez que a psicologia humanista utiliza ampla variação de métodos, técnicas e instrumentos, considerando inclusive a intuição humana na busca dos estudos da individualidade e da singularidade. A Gestalt é mais uma das correntes da psicologia. A Psicologia da Gestalt é uma das tendências teóricas mais coerentes e coesas da história da Psicologia. Seus articuladores preocuparam-se em construir não só uma teoria consistente, mas também uma base metodológica forte, que garantisse a consistência teórica (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 76).

Essa teoria, fortemente influenciada pelas leis da psicofísica, teve nomes como Ernst Mach (1838-1916) e Christian von Ehrenfels (1859-1932) dedicandose aos estudos da relação entre dados psicológicos e dados físicos, produzindo o que seriam os primeiros passos da teoria da Gestal. Mais tarde, nomes como Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Köhler (1887-1967) e Kurt Koffka (18861941), segundo (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999), com base nos estudos psicofísicos já produzidos que buscavam relacionar forma e percepção, construíram a base da Gestal agora como uma teoria eminentemente psicológica. O foco da teoria da gestalt está na percepção, na sensação e nos processos psicológicos envolvidos nessa relação. A percepção não é vista como um processo passivo, pois, segundo Morris e Maisto (2004), nossos sentidos captam apenas os dados brutos oferecidos pelo ambiente, e cada sujeito vai atribuir um significado a esses dados, interpretando-os. A Teoria da Gestalt apontou determinadas leis que regem a percepção, facilitando a compreensão das imagens e atribuindo significado a elas. Essas leis apontam o chamado como ocorre o comportamento tido como natural para o cérebro. Os elementos presentes em cada estímulo, visual, por exemplo, são agrupados de acordo com as características que possuem entre si, como semelhança, boa continuidade e proximidade nesse processo de atribuição de significado. capítulo 1

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Percepção, como processo ativo de cada sujeito consiste na seleção, na interpretação e na organização das informações obtidas pelos sentidos e vivenciadas como sensações. Assim, é através da percepção que as pessoas organizam e interpretam as suas impressões sensoriais para poderem então atribuir significados ao mundo. A percepção é o processo por meio do qual as sensações são interpretadas, usando-se o conhecimento e a compreensão do mundo, de tal forma que o transforme numa experiência significativa. Assim sendo, a percepção não é um processo passivo de simplesmente absorver e decodificar as sensações que aparecem (...) o cérebro apreende as sensações e cria um mundo coerente, frequentemente percebendo a informação que falta e usando a experiência passada para dar sentido àquilo que se vê, se ouve ou se toca (BERSTEIN apud BERGAMINI, 2006, p.108).

Assim, se quisermos estabelecer mais uma comparação entre as teorias, podemos pensar, ou talvez seja mais adequado utilizar a palavra perceber, que a percepção está para a Gestalt como o inconsciente está para a psicanálise. A percepção é o ponto de partida e também um dos temas centrais dessa teoria. Os experimentos com a percepção levaram os teóricos da Gestalt ao questionamento de um princípio implícito na teoria behaviorista — que há relação de causa e efeito entre o estímulo e a resposta — porque, para os gestaltistas, entre o estímulo que o meio fornece e a resposta do indivíduo, encontra-se o processo de percepção. O que o indivíduo percebe e como percebe são dados importantes para a compreensão do comportamento humano. O confronto Gestalt/Behaviorismo pode ser resumido na posição que cada uma das teorias assume diante do objeto da Psicologia — o comportamento, pois tanto a Gestalt quanto o Behaviorismo definem a Psicologia como a ciência que estuda o comportamento. O Behaviorismo, dentro de sua preocupação com a objetividade, estuda o comportamento através da relação estímulo-resposta, procurando isolar o estímulo que corresponderia à resposta esperada e desprezando os conteúdos de “consciência”, pela impossibilidade de controlar cientificamente essas variáveis. A Gestalt irá criticar essa abordagem, por considerar que o comportamento, quando estudado de maneira isolada de um contexto mais amplo, pode perder seu significado (o seu entendimento) para o psicólogo. Na visão dos gestaltistas, o comportamento deveria ser estudado nos seus aspectos

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mais globais, levando em consideração as condições que alteram a percepção do estímulo (BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 1999, p. 77-78). Sendo a percepção um processo ativo de atribuição de significados à realidade, é importante lembrar que, muitas vezes, segundo Bergamini (2006), não percebemos o mundo ao nosso redor da forma como ele pode ser. A percepção está sujeita a uma série de distorções que podem nos levar a perceber os estímulos, coisas e pessoas, de uma forma bem diferente daquela como se apresentam. As distorções perceptivas se dão através de enganos cometidos principalmente por questões projetivas, que “ocorre quando o percebedor atribui à pessoa suas próprias características pessoais” (BERGAMINI 2006, p. 109).

Figura 11 – Nosso sentidos podem nos enganar e nem sempre o que percebemos é o que realmente existe.

1.4  As psicologias Há várias outras correntes que concebem o ser humano e a busca pelo bem-estar de forma diferentes, formando um rico e amplo corpo teórico das ciências psicológicas, mas, além das diversas correntes teóricas, a psicologia se desdobra também em diversas áreas de estudo. Podemos fazer aqui uma pequena lista apontando uma parte do que é abrangido pela psicologia na atualidade:

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•  A psicologia do desenvolvimento Que estuda o desenvolvimento humano em suas diversas fases (pré-natal, infância, adolescência, juventude, adulta, e ainda a chamada terceira idade) apontando questões ligadas ao desenvolvimento físico motor, cognitivo, afetivo e social. •  A psicologia clínica Que atua no espaço clínico com processos de psicodiagnósticos, aconselhamento, terapias (breves ou por longos períodos) atuando de forma terapêutica nos processos e tratamentos de distúrbios psicológicos ou operando sobre os problemas e questões “normais” de todos nós no nosso dia a dia (como questões existenciais, de relacionamento, de escolha de carreira), quando se faz necessária a colaboração de um profissional. •  A psicologia do esporte Atua em equipes esportivas ou atletas individuais trabalhando questões de ordem motivacional, de liderança ou situações de grupo. A psicologia do esporte tem se mostrado de grande relevância nessas questões e fortalecendose como uma promissora área de atuação dos profissionais da psicologia. •  A psicologia experimental A partir de experimentos, a psicologia experimental debruça-se sobre questões ligadas à compreensão dos mecanismos de memoria, percepção, motivação e também aprendizagem. •  A psicologia da personalidade Somos todos diferentes. Esse é o principio do estudo da personalidade. Como cada sujeito escreve sua identidade. Traços como a agressividade, a ansiedade, a amabilidade são singulares em cada pessoa e, juntamente com outras características, vão construindo nosso modo de ser, nossa personalidade. •  A psicologia social O ser humano é um animal social. A partir dessa máxima, a psicologia social estuda a influência comportamental que as pessoas têm umas sobre as outras. As formas de preconceitos e os processos de conformidade grupal são temas de grande relevância na psicologia social da atualidade.

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O enfoque da Psicologia Social é estudar o comportamento de indivíduos no que ele é influenciado socialmente. E isto acontece desde o momento em que nascemos, ou mesmo antes do nascimento, enquanto condições históricas que deram origem a uma família, a qual convive com certas pessoas, que sobrevivem trabalhando em determinadas atividades, as quais já influenciam na maneira de encarar e cuidar da gravidez e no que significa ter um filho (LANE, 2006, p. 8,9).

Para Aranha e Martins (1986), as diferenças existentes no comportamento humano dos diversos grupos sociais resultam da forma como os sujeitos organizam as relações entre si, suas regras, valores e crenças. E essas “nortearão a construção da vida social, econômica e política” (p.7). •  A psicologia organizacional No mundo das organizações, a psicologia se faz amplamente necessária, atuando em processos de recrutamento, seleção de pessoal e principalmente nos processos de treinamento e capacitação de colaboradores na busca de melhorias para a produtividade, diminuição da rotatividade e o absenteísmo e ainda o aumento da satisfação e da qualidade de vida do trabalhador. •  A psicologia da aprendizagem Busca estudar, entender e explicar os processos de aprendizagem. As pessoas aprendem de formas diferentes, e, conhecendo esses processos, é possível planejar com maior eficácia processos de ensino em diversos âmbitos. •  A psicologia da educação Esse corpo teórico busca pesquisar questões ligadas à aprendizagem, mas considerando também a psicologia do desenvolvimento e a psicologia escolar com todos os seus desdobramentos. •  A psicologia jurídica Atua no contexto jurídico proporcionando nele a aplicação dos conhecimentos da Psicologia, principalmente em espaços de atuação do judiciário, como, por exemplo, na vara de infância e juventude, na vara de família e na defensoria pública.

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Podemos perceber que a psicologia atua em muitas frentes. Essa lista não acaba aqui, poderíamos continuar, pois em todos os espaços humanos – e de outros animais – o estudo do comportamento pode nos ajudar a compreender e assim atuar de forma efetiva e mais significativa na busca da mudança ou manutenção da atuação e do bem-estar humano.

Dividimos a psicologia em várias psicologias, mas vale lembrar que ela ainda é também um corpo único, de diálogo e construção entre essas várias psicologia, como nos ensina (LANE, 2006, p.9). As leis gerais da Psicologia dizem que se apreende quando reforçado, mas é a história do grupo ao qual o indivíduo pertence que dirá o que é reforçador ou o que é punitivo. O doce ou o dinheiro, o sorriso ou a expressão de desagrado podem ou não contribuir para um processo de aprendizagem, dependendo do que eles significam em uma dada sociedade. Assim também aquilo que “deve ser apreendido” é determinado socialmente.

Percebemos nesse caso, por exemplo, a ligação direta que existe entre a psicologia da aprendizagem, em um enfoque behaviorista, e a psicologia social, em um enfoque sócio-histórico do sujeito. Verificamos assim que os conhecimentos construídos e acumulados pela psicologia ao longo de sua história podem contribuir em diversas áreas de atuação profissional. O profissional da psicologia hoje pode desempenhar suas funções em muitos espaços, e, além dele, diversos outros profissionais podem (e devem!) fazer uso dos seus conhecimentos no ambiente de trabalho, atuação profissional, nas relações interpessoais da vida privada ou corporativa, e mesmo na busca do autoconhecimento. A psicologia do século XXI se faz como algo vivo, em constante processo de construção. E utiliza diversos métodos de pesquisa, aprovados pelo método científico. Segundo Morris e Maisto (2004), alguns dos principais métodos de pesquisa atualmente utilizados pela psicologia são; a observação, a entrevista, os testes, o estudo de casos, a pesquisa correlacional, os experimentos, entre outros, realizando-se pesquisas de campo e de laboratório.

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Alguns temas têm se mostrado como emergentes nos estudos da psicologia do século XXI. Entre eles, podemos citar as questões ligadas à diversidade humana. Ainda de acordo com Morris e Maisto (2204), existe uma intensa diversidade de comportamentos e pensamentos na espécie humana, considerada sob o aspecto do comportamento individual ou em grupo. As questões de gênero, de diversidade sexual, de etnia e cultura (crenças, valores, normas e morais). Conhecer, compreender e respeitar as diferenças humanas existentes em grupos e subgrupos em uma sociedade tão rica e diversificada como a humana são ações que vêm se tornando os grandes desafios da psicologia na pós-modernidade.

ATIVIDADE Nós pedimos com insistência Não digam nunca: isso é natural! Diante dos acontecimentos de cada dia. Numa época em que reina a confusão. Em que corre o sangue, Em que se ordena a desordem, Em que o arbitrário tem força de lei, Em que a humanidade se desumaniza, Não digam nunca: isso é natural! Bertolt Brecht 1.  O que é psicologia? 2.  Por que a psicologia é considerada uma ciência? 3.  Qual a relação do poema acima, de Bertolt Brecht, e os conceitos trabalhados neste capítulo? 4.  Para você, atualmente, em quais espaços humanos a psicologia se faz mais necessária. Explique sua resposta.

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REFLEXÃO Percebemos que a psicologia é uma ciência. E como tal utiliza o método científico para sua produção de conhecimentos. Mas, como todos sabemos, o ser humano é um animal bastante complexo. E assim o estudo de sua subjetividade não poderia ser menos complexa. A psicologia possui atualmente diversas teorias e perspectivas de estudo. Formou-se ao longo dos tempos de forma múltipla. Dialoga com diversas áreas e pode contribuir para o estudo do comportamento (visível e não visível) em diferentes espaços. A psicologia está presente na escola, no trabalho, na clínica, no hospital, no serviço social, na administração, na gestão de pessoas. Enfim, a psicologia é uma ciência que se caracteriza pela multiplicidade, assim como a espécie humana.

A psicologia e o misticismo A Psicologia, como área da Ciência, vem se desenvolvendo na história desde 1875, quando Wilhelm Wundt (1832-1926) criou o primeiro Laboratório de Experimentos em Psicofisiologia, em Leipzig, na Alemanha. Esse marco histórico significou o desligamento das ideias psicológicas de ideias abstratas e espiritualistas, que defendiam a existência de uma alma nos homens, a qual seria a sede da vida psíquica. A partir daí, a história da Psicologia é de fortalecimento de seu vínculo com os princípios e métodos científicos. A ideia de um homem autônomo, capaz de se responsabilizar pelo seu próprio desenvolvimento e pela sua vida, também vai se fortalecendo a partir desse momento. Hoje, a Psicologia ainda não consegue explicar muitas coisas sobre o homem, pois é uma área da Ciência relativamente nova (com pouco mais de cem anos). Além disso, sabe-se que a Ciência não esgotará o que há para se conhecer, pois a realidade está em permanente movimento e novas perguntas surgem a cada dia, o homem está em movimento e em transformação, colocando também novas perguntas para a Psicologia. A invenção dos computadores, por exemplo, trouxe e trará mudanças em nossas formas de pensamento, em nossa inteligência, e a Psicologia precisará absorver essas transformações em seu quadro teórico. Alguns dos “desconhecimentos” da Psicologia têm levado os psicólogos a buscarem respostas em outros campos do saber humano. Com isso, algumas práticas não psicológicas têm sido associadas às práticas psicológicas.

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O tarô, a astrologia, a quiromancia, a numerologia, entre outras práticas adivinhatórias e/ ou místicas, têm sido associadas ao fazer e ao saber psicológico. Estas não são práticas da Psicologia. São outras formas de saber — de saber sobre o humano — que não podem ser confundidas com a Psicologia, pois: •  não são construídas no campo da Ciência, a partir do método e dos princípios científicos; •  estão em oposição aos princípios da Psicologia, que vê não só o homem como ser autônomo, que se desenvolve e se constitui a partir de sua relação com o mundo social e cultural, mas também o homem sem destino pronto, que constrói seu futuro ao agir sobre o mundo. As práticas místicas têm pressupostos opostos, pois nelas há a concepção de destino, da existência de forças que não estão no campo do humano e do mundo material. A Psicologia, ao relacionar-se com esses saberes, deve ser capaz de enfrentá-los sem preconceitos, reconhecendo que o homem construiu muitos “saberes” em busca de sua felicidade. Mas é preciso demarcar nossos campos. Esses saberes não estão no campo da Psicologia, mas podem se tornar seu objeto de estudo. É possível estudar as práticas adivinhatórias e descobrir o que elas têm de eficiente, de acordo com os critérios científicos, e aprimorar tais aspectos para um uso eficiente e racional. Nem sempre esses critérios científicos têm sido observados e alguns psicólogos acabam por usar tais práticas sem o devido cuidado e observação. Esses casos, seja daquele que usa a prática mística como acompanhamento psicológico, seja o do psicólogo que usa desse expediente sem critério científico comprovado, são previstos pelo código de ética dos psicólogos e, por isso, passíveis de punição. No primeiro caso, como prática de charlatanismo e, no segundo, como desempenho inadequado da profissão. Entretanto, é preciso ponderar que esse campo fronteiriço entre a Psicologia científica e a especulação mística deve ser tratado com o devido cuidado. Quando se trata de pessoa, psicóloga ou não, que decididamente usa do expediente das práticas místicas como forma de tirar proveito pecuniário ou de qualquer outra ordem, prejudicando terceiros, temos um caso de polícia e a punição é salutar. Mas muitas vezes não é possível caracterizar a atuação daqueles que se utilizam dessas práticas de forma tão clara. Nestes casos, não podemos tornar absoluto o conhecimento científico como o “conhecimento por excelência” e dogmatizá-lo a ponto de correr o risco de criar um tribunal semelhante ao da Santa Inquisição.

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É preciso reconhecer que pessoas que acreditam em práticas adivinhatórias ou místicas têm o direito de consultar e de serem consultadas, e também temos de reconhecer, nós cientistas, que não sabemos muita coisa sobre o psiquismo humano e que, muitas vezes, novas descobertas seguem estranhos e insondáveis caminhos. O verdadeiro cientista deve ter os olhos abertos para o novo. Enfim, nosso alerta aqui vai em dois sentidos: •  Não se deve misturar a Psicologia com práticas adivinhatórias ou místicas que estão baseadas em pressupostos diversos e opostos ao da Psicologia. •  “Mente é como paraquedas: melhor aberta.” É preciso estar aberto para o novo, atento a novos conhecimentos que, tendo sido estudados no âmbito da Ciência, podem trazer novos saberes, ou seja, novas respostas para perguntas ainda não respondidas. A Ciência, como uma das formas de saber do homem, tem seu campo de atuação com métodos e princípios próprios, mas, como forma de saber, não está pronta e nunca estará. A Ciência é, na verdade, um processo permanente de conhecimento do mundo, um exercício de diálogo entre o pensamento humano e a realidade, em todos os seus aspectos. Nesse sentido, tudo o que ocorre com o homem é motivo de interesse para a Ciência, que deve aplicar seus princípios e métodos para construir respostas. BOCK,A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo. Ed. Saraiva, 1999. p. 31-34.

LEITURA •  BOCK,A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. de L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Ed. Saraiva, 1999. O livro Psicologias apresenta de forma introdutória diversos conceitos da Psicologia. Escrito de forma simples e acessível, conceitos complexos são tratados de forma clara e prazerosa. O livro traz ainda diversas indicações de filmes, livros, músicas, poesias e imagens que ilustram os conceitos trabalhados. Dividido em três partes, logo na primeira é feita a caracterização da Psicologia como ciência, suas principais teorias, oferecendo ainda sua construção histórica, como vimos neste capítulo. Na segunda parte, são tratados temas atuais da psicologia, como inteligência, sexualidade e vida afetiva. Na terceira e última

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parte, o livro oferece uma reflexão dos temas produzidos pela cultura, como família, escola, violência, adolescência e as contribuições da psicologia para com esses assuntos. A leitura dessa obra pode oferecer a construção de uma visão diferenciada do ser humano e sua participação nos grupos e fenômenos sociais. •  ARANHA, M. L. A. e MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1986. Para aprofundamento dos conceitos de Filosofia e sua relação com a ciência – o método científico – e o senso comum, indicamos a leitura do livro Filosofando, que de forma clara e objetiva conta a história dessa área do conhecimento que impulsiona todas as outras, questionando e problematizando os fenômenos que nos cercam. O livro colabora com a construção de uma percepção crítica da realidade tratando de temas como cultura e ideologia e propondo uma visão transdisciplinar da realidade que possibilite ao ser humano a transcendência de pensamento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, M. L. A. e MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à Filosofia. São Paulo, Moderna, 1986. BERGANIMI, C. W. Psicologia aplicada à Administração de Empresas – Psicologia do Comportamento Organizacional. São Paulo: Atlas, 2006. CHIBENI, SILVIO SENO. O que é ciência? Departamento de Filosofia – IFCH – Unicamp. Disponível em: . Acesso em: 5 maio 2014. DAVIDOFF, Linda L. Introdução à psicologia: Terceira edição. Tradução Lenke Peres. São Paulo: Pearson Makron Books, 2001. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Ed. Positivo. 3. ed., 2004. LANE, Silvia T. Mauer. O que é psicologia social / Silvia T. Maurer Lane. — São Paulo: Brasiliense, 2006. — (Coleção primeiros passos, 39).

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LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. Trad. Pedro Tamen. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1967. MORRIS, Charles G. MAISTO, Albert A. Introdução à Psicologia. Tradução Ludmilla Lima, Marina Sobreira Duarte Baptista. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO No próximo capítulo vamos pensar sobre uma importante abordagem da psicologia, o behaviorismo. Vamos conhecer os principais conceitos ligados a essa tão importante escola que estuda o comportamento humano. Vamos também olhar criticamente tais conceitos na percepção da Teoria Social Cognitiva e da Psicologia Cognitiva.

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2 O Estudo do Comportamento Humano

2  O Estudo do Comportamento Humano Como sabemos, a psicologia é composta de diversas teorias e saberes. Muitas vezes, são escolas com pensamentos diferentes sobre o modo de funcionamento humano. Uma importante escola é o Behaviorismo ou Comportamentalismo. Vamos estudar o comportamento humano partindo dessa teoria que muito contribui para o corpo de saberes de toda a psicologia. Vamos ainda refletir sobre a Psicologia Cognitiva e suas ideias, que nos convida a olhar as relações a partir da Teoria Social Cognitiva. Sabe o que essa teoria diz? Para responder a essa e a outras questões sobre o comportamento humano, é só começar a ler neste capítulo.

OBJETIVOS •  Compreender os principais conceitos ligados ao behaviorismo. •  Apreender o modelo experimental para estudo do comportamento. •  Conhecer as principais críticas às ideias de Skinner. •  Conhecer e ser capaz de situar as diferenças teóricas entre o Behaviorismo e a Psicologia Cognitiva. •  Apreender conceitos básicos da Psicologia Cognitiva e da Teoria Social Cognitiva proposta por Albert Bandura.

REFLEXÃO Vamos fazer um pequeno experimento nesse instante. Para que funcione, é preciso que você colabore: tente parar a leitura deste livro por um instante e reflita na quantidade de coisas que você já fez hoje. Independentemente do que tenha realizado seguramente, elas se resumem em “comportar-se”. Mas como funciona nosso comportamento? Por que é importante estudá-lo? Pare nesse momento e responda a cada uma das perguntas antes de continuar sua leitura. Alguma vez você teve um esquecimento repentino de algo que gostaria de falar? Diante de uma tarefa, sentiu-se incapaz e desmotivado para cumpri-la? Todos os dias nos referimos às pessoas não apenas pelo que elas fazem (comportamento), mas também pelos pensamentos e sentimentos que esboçam. Você sabia que estas questões e fatos podem ser explicados por conceitos da Psicologia Cognitiva? Ficou curioso? Neste capítulo, você aprenderá o que é comportamento e como

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o pensamento, crenças, expectativas, dentre outros fatores, explicam o comportamento dos indivíduos e dos grupos em determinado ambiente. Vamos lá!

2.1  As origens do Behaviorismo É sempre relativamente incerto traçar a origem de determinada escola de pensamento, em geral, os historiadores da ciência, ao se debruçarem sobre os escritos dos autores, sua biografia, documentos, dentre outros registros, elegem um marco, um fato que seja representativo de um movimento, isto é, de uma corrente articulada de pensadores ou cientistas que propuseram algo novo ou ideias que quando justapostas contêm diretrizes comuns. Esta constatação aplica-se ao surgimento do Behaviorismo, também chamado de Comportamentalismo, Análise Experimental do Comportamento ou Psicologia Comportamental. Os historiadores apontam John Broadus Watson (1878-1958), psicólogo americano, como o autor inaugural desta escola da Psicologia, ao publicar, em 1913, o artigo “Psychology as the behaviorist views it”. Em inglês, behavior significa comportamento, origem da expressão “behaviorismo”. Para Watson, a Psicologia deveria voltar-se ao estudo do comportamento, unidade observável (a maioria das ações dos organismos podem ser visualizadas) e mensurável (as ações, respostas dos organismos podem ser medidas) de forma experimental. Tais atributos proporcionavam, segundo ele, status científico à Psicologia (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999). Ou seja, suas descobertas podem ser consideradas válidas, pois se pautam em explicações causais fruto do estabelecimento da relação entre variáveis, no caso, condições do ambiente e do comportamento, como você notará ao longo desse capítulo. Watson contrapunha-se à definição de que a Psicologia deveria estudar a mente, as sensações ou a introspecção, categorias por ele e seus seguidores consideradas “subjetivas”, ou seja, influenciáveis pelo pesquisador e de difícil mensuração. Dessa forma, rompia com a tradição que a Psicologia vinha seguindo na Europa desde o século XIX, em que esta disciplina voltava-se ao estudo das sensações e da introspecção. Ao estabelecer o comportamento como objeto da Psicologia, os behavioristas buscam o estudo de uma entidade concreta (visível) que pode ser controlada em situações experimentais, a fim de descobrir seus princípios. As ideias de Watson aperfeiçoaram-se ao

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longo do século XX, primeiramente por pesquisadores americanos, cabendo a Burrhus Frederic Skinner sua operacionalização em conceitos precisos e rigorosos, conforme você estudará.

2.2  Como estudar o comportamento? Conforme você notou, os behavioristas defendem que o comportamento deve ser o objeto de estudo da Psicologia, isto significa que esta disciplina deve formular leis e princípios que o expliquem. Para Catania (1988), “o comportamento por si só constitui um assunto de importância fundamental, ele não é um meio indireto de estudar outra coisa, como a cognição, a mente ou o cérebro” (p. 5, tradução nossa). Mas se os psicólogos estudam o comportamento, de que forma devem fazê-lo? Os físicos, biólogos, químicos muitas vezes realizam experimentos para comprovar ou negar suas hipóteses (ideias). Quando uma hipótese é comprovada mediante a realização de experimentos sistemáticos cuidadosamente preparados, pode-se dizer que um cientista descobriu determinado princípio que ordena um evento. Por exemplo, a Primeira Lei de Newton é válida e se refere à organização do mundo, no caso, aos fatores que explicam a inércia e o movimento dos corpos. Os behavioristas a partir dos resultados de seus experimentos formulam princípios que regem (organizam) o comportamento. Estes fatos relacionam-se ao objetivo da ciência: “compreender e controlar o que constitui seu objeto” (BACHARACH, 1969, p. 28), em outras palavras, explicar os princípios que regem seu objeto a fim de controlá-lo, isto é, empregar procedimentos que possam modificá-lo, no caso do Behaviorismo. Como mudar o comportamento de uma criança que apresenta baixo rendimento acadêmico? Como modificar o comportamento de um fumante que deseja parar de consumir nicotina? Como instituir regras e fazer com que determinado grupo as obedeça a fim de ter acesso a determinado benefício social? Por exemplo, no caso do Programa de Transferência de Renda Bolsa Família do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do Governo Federal, para que as famílias recebam o montante, é preciso que mantenham seu cadastro atualizado, assim como matriculem e mantenham seus filhos (crianças e adolescentes) na escola, além da exigência de que infantes de até seis anos, gestantes e mulheres que estejam amamentando procurem atendimento regular na rede de atenção básica à saúde (MODESTO, 2010).

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Note a quantidade de regras que instituem o comportamento das famílias assistidas pelo Programa Bolsa Família. Para receberem o benefício, elas têm de cumprir critérios estabelecidos pelo Governo Federal que visam à proteção da infância e adolescência por meio do acesso à educação e à saúde, além do consumo de bens importantes para o sustento material do grupo propiciado pela bolsa. Ou seja, pode-se verificar que o controle do Estado, dos grupos, neste caso e em muitos outros, baseia-se em princípios da Psicologia Comportamental, ainda que aparentemente eles não sejam claros a todos. Mas o que isto tem a ver com experimentos? Muitas vezes o pesquisador behaviorista realiza-os com organismos mais simples (ratos, cachorros, macacos, pombos) a fim de estudar determinado princípio que também organiza o comportamento humano. De acordo com Skinner (2003), o método experimental possibilita o uso de instrumentos que esclarecem de quais variáveis o comportamento é função, ou seja, quais fatores estão determinando-o. “Nem todos os processos comportamentais são fáceis de estabelecer no laboratório” (p. 40), o comportamento humano é complexo e variável, mas isto não significa que seus fatores básicos sejam necessariamente diferentes daqueles que instituem o comportamento animal. “Estudamos o comportamento de animais porque é mais simples. Os processos básicos descobrem-se mais facilmente e podem ser registrados durante períodos de tempo mais longos. [...] As condições podem ser mais bem controladas” (SKINNER, 2003, p. 41).

Figura 1 – Imagem ilustrativa de uma caixa de Skinner. O comportamento de um animal simples, como o pombo, pode ser estudado mediante controle das variáveis (condições do ambiente X resposta emitida pelo organismo) e registro (quantidade) das respostas (bicadas à barra, por exemplo) ao longo do tempo.

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De acordo com Carvalho Neto (2002), embora a experimentação constitua o procedimento ideal para o estudo do comportamento, com base nos motivos expostos anteriormente, há meios para a realização de investigações empíricas para além do laboratório, “desde observações sistemáticas do comportamento em ambiente natural na busca de regularidades (mas sem a manipulação de variáveis) até procedimentos de coleta em contextos semiexperimentais, como em certas instituições educacionais e terapêuticas” (p. 16). Ou seja, embora os behavioristas deem preferência ao método experimental, há outros meios de estudar o comportamento (observação, intervenção) que também propiciam conhecimento a respeito dele.

2.3  A análise do comportamento Para os behavioristas, o objeto da Psicologia, ou seja, aquilo a que esta disciplina se dedica a pesquisar é o comportamento dos organismos. No entanto, se no senso comum este termo detém significados variados, sua análise científica requer uma definição precisa e rigorosa. Conceituar o que é comportamento é algo controverso entre os behavioristas, de acordo com Zilio (2010). Segundo Lopes (2008), que analisou este termo em diversas obras de Skinner, de modo amplo o comportamento pode ser definido como uma “relação entre organismo e ambiente, sem prioridade de existência [destes] elementos” (p. 3), ou seja, o termo implica na interação de determinado organismo com o ambiente e vice-versa. No entanto, para que esta relação se dê, o primeiro deve ser dotado de uma coordenação sensório-motora, ou seja, deter receptores biológicos capazes de perceber o segundo e ser por ele afetado. Ainda segundo Lopes (2008), o comportamento é dinâmico, dá-se por um fluxo. Além de estarmos seguidamente nos comportando em determinado ambiente, nem sempre emitimos determinado comportamento da mesma forma. Por exemplo, o modo como você coçou seus olhos agora a pouco pode não ser o mesmo como o fez ontem, ou seja, uma mesma ação é variável em sua topografia (forma). Assim, conforme Lopes (2008), para estudar o comportamento, o psicólogo deve dividi-lo em determinadas unidades de análise descritas a seguir. •  Estímulo (S) - eventos antecedentes que constituem ocasião para o comportamento, são condições tanto do ambiente externo ao organismo (som, luz, odor, temperatura) como do próprio corpo (sensação de dor, transpiração, fome, sede) (BALDWIN; BALDWIN, 1986).

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•  Resposta (R) - refere-se a um determinado comportamento, são “instâncias do comportamento” (SKINNER, 2003), ações com movimento (pedalar, dirigir, piscar os olhos) ou sem movimento (ficar em pé, ouvir uma música, resolver um problema matemático). •  Consequência (C) - são os resultados do evento, é o efeito da resposta, por exemplo, uma criança tira nota máxima em uma prova e como gratificação ganha um brinquedo de sua mãe (BALDWIN; BALDWIN, 1986).

Figura 2 – O comportamento tanto humano quanto animal se dá por um fluxo de ações. Para estudá-lo, os behavioristas escolhem determinada resposta (por exemplo, saltar) e analisam quais seus efeitos (consequências) e fatores antecedentes (estímulos).

Conforme se argumentou, os conceitos da Psicologia Comportamental requerem precisão e rigor a fim de que seu objeto de estudo possa ser estudado cientificamente. Dessa forma, os behavioristas caracterizam o comportamento de acordo com a hereditariedade, aprendizagem, dentre outros fatores. Por ora, pense em algumas ações comuns em seu dia a dia: comer uma fruta, lavar louça, ler um livro, escrever um bilhete. Agora reflita sobre outras, tais como: lacrimejar ao cortar uma cebola, salivar diante de um prato apetitoso, tiritar de frio, espirrar se uma pena tocar seu nariz, ter um sobressalto (susto) diante de um barulho forte. O que há de diferente entre lavar louça e salivar diante de um alimento apetitoso? Trata-se do que você aprenderá a seguir!

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2.4  Comportamento reflexo Conforme você apreendeu, os behavioristas estão interessados em analisar a interação entre organismo-ambiente. De acordo com Millenson (1975), talvez a relação mais simples dessa modalidade seja o reflexo. Seguramente você já ouviu falar desta palavra, no senso comum muitas vezes diz-se que os idosos “perdem os reflexos” ou que Taffarel, goleiro da seleção brasileira na Copa de 1994, tinha “excelentes reflexos”. Mas em termos comportamentais como este termo pode ser conceituado? Os bebês logo que nascem quando lhes é oferecido o peito materno, passam a sugá-lo e a se alimentar, imaginem se uma mãe tivesse de ensinar o ato de sucção a seu filho (MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Da mesma forma, quando estamos em um ambiente com excesso de luz direta nos olhos, nossas pupilas se contraem. Note bem, a contração pupilar independe de nossa vontade, assim como o bebê não aprende a sugar o seio materno. O quadro a seguir descreve alguns tipos de reflexos comuns à espécie humana, ressalta-se que os animais também dispõem de comportamentos reflexos.

NOME DO REFLEXO

Lacrimal

ESTÍMULO ELICIADOR INCONDICIONADO (SI)

PELAS LEIS DO REFLEXO CONDUZ À

Sumo de cebola nos olhos

RESPOSTA INCONDICIONADA (RI) Lacrimejar

Salivar

Alimento na boca

Salivação

Tiritar

Frio

Tremor / palidez

Patelar

Pancada no joelho

Flexão do joelho

Quadro 2.1 – Sequência comum de reflexos.

Fonte: Adaptado de Millenson (1975, p. 44).

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Os reflexos são eliciados por estímulos incondicionados, isto é, a presença do estímulo eliciador dispara a resposta incondicionada (BALDWIN; BALDWIN, 1986). Isto significa que os estímulos incondicionados são eliciadores (produtores, disparadores) de respostas incondicionadas, de maneira que ao surgirem no ambiente em determinadas condições inevitavelmente levam o organismo a eliciar o comportamento reflexo. Basta você refletir: há como não salivar se um alimento é colocado em sua boca? Há como não tiritar de frio se a temperatura estiver muito baixa e você não dispuser de agasalhos? Há como não lacrimejar ao cortar cebolas? “O termo incondicionado é usado porque a eliciação do reflexo não depende de experiências anteriores, mas apenas da herança do animal [...] [que] nasce com o reflexo e tudo o que é necessário para eliciá-lo é apresentação do estímulo eliciador” (FERSTER; CULBERTSON; PERROT-BOREN, 1977, p. 45). De acordo com Moreira e Medeiros (2007), as espécies animais são dotadas de comportamentos reflexos inatos que constituem “uma ‘preparação mínima’ que os organismos têm para começar a interagir com seu ambiente e para ter chances de sobreviver” (p. 17). Portanto, lembre-se de que os reflexos são herdados biologicamente e representam uma pequena parcela dos comportamentos que emitimos diariamente. Como afirmam Ferster, Culbertson e Perrot-Boren (1977), a topografia do reflexo (isto é, a maneira como a resposta ocorre) é fruto da biologia do organismo e da modalidade do estímulo incondicionado. Dessa maneira, dado o papel da hereditariedade e a composição biológica da espécie, segundo Baldwin e Baldwin (1986), os reflexos não podem ser modificados. Por exemplo, há diversas formas de preparar alimentos e fazer as refeições, mas diante da comida na boca o corpo sempre produzirá saliva e reflexos digestivos que são quase sempre invariáveis.

2.5  Reflexos condicionados Agora que você já sabe o que são reflexos, pense nas seguintes situações exemplificadas por Moreira e Medeiros (2007): você transpira e treme ao escutar o ruído dos equipamentos utilizados por um dentista? Você sofre de alguma fobia? Você tem náuseas ao sentir o cheiro de certos alimentos? Provavelmente, você respondeu afirmativamente a algumas destas indagações. Mas até determinado momento de sua história de vida você responderia negativamente a elas.

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De acordo com Moreira e Medeiros (2007), além de serem dotados de comportamentos reflexos (hereditários), os animais são capazes de aprender novos reflexos, isto é, detêm “a capacidade de reagir de formas diferentes a novos estímulos” (p. 29). Como apontam os autores, os reflexos correspondem a certas respostas dos organismos a estímulos presentes em seu ambiente. No entanto, para Skinner (2003), como o meio externo modifica-se de geração para geração, “respostas reflexas apropriadas não se podem desenvolver sempre como mecanismos herdados” (p. 60).

CONEXÃO Assista ao vídeo “O cão de Pavlov” (http://www.youtube.com/watch?v=YhYZJL-Ni7U) e conheça como este pesquisador elaborou o experimento que deu origem ao condicionamento pavloviano que se refere à aprendizagem de reflexos.

Assim, pode-se apreender da análise destes autores que o condicionamento possibilita que as espécies reajam a modificações do ambiente a partir da aprendizagem de novos reflexos, isto é, determinada resposta passa a ser eliciada na presença de um estímulo que inicialmente não era capaz de causá-la. Esta conclusão foi descoberta de modo relativamente acidental por Ivan P. Pavlov (1849-1936), médico russo, especializado no estudo da fisiologia digestiva. Segundo Skinner (2003), Pavlov, interessado em estudar processos digestivos, particularmente as situações em que os sucos gástricos são produzidos, notou que muitas vezes o animal secretava saliva mesmo na ausência de alimento em sua boca. Segundo Moreira e Medeiros (2007), o pesquisador observou que o cão (espécie utilizada em seus experimentos) muitas vezes salivava ao ouvir o som de seus passos, ao ver o recipiente com comida ou até mesmo nos horários próximos aos quais os experimentos eram realizados. Ora, como você estudou, a salivação é um reflexo hereditário, a presença do alimento (estímulo incondicionado) elicia a salivação (resposta incondicionada). No entanto, quando estamos diante de um prato apetitoso, nós salivamos, mesmo que não o tenhamos provado. Por que isto ocorre? Para responder a tal pergunta, Pavlov delineou o experimento a seguir.

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Em lugar de ocasiões acidentais nas quais um estímulo poderia preceder ou acompanhar a comida, Pavlov preparou esquemas precisos nos quais os estímulos controláveis e o alimento eram apresentados em determinada ordem. Sem influenciar o cão de nenhuma outra maneira, podia produzir um som e inserir o alimento na boca do animal. Deste modo pôde mostrar que o som adquiriu a propriedade de eliciar a secreção [...]. O processo de condicionamento [consiste] na substituição de estímulos. Um estímulo antes neutro [som] adquire o poder de eliciar a resposta [salivação] que originalmente era eliciada por outro estímulo [alimento] (SKINNER, 2003, p. 58, grifos do autor).

Som (Estímulo neutro / condicionado)

Alimento (Estímulo incondicionado)

Salivação (Resposta incondicionada / condicionada)

Figura 3 – Esquema do condicionamento pavloviano.

Observe na figura 3 que um estímulo neutro (som) inicialmente não produzia a resposta de salivação. Pavlov emparelhou (associou) o estímulo neutro ao estímulo incondicionado (alimento) diversas vezes. A salivação primeiramente era produzida apenas na presença do alimento na boca do cão, portanto, tratava-se de uma resposta incondicionada fruto de um reflexo incondicionado. Após a repetição do emparelhamento do estímulo neutro (som) ao estímulo incondicionado (alimento), o animal passou a salivar (resposta condicionada) quando o som, agora estímulo condicionado, era apresentado (MOREIRA; MEDEIROS, 2007). “[...] o condicionamento foi estabelecido, ou melhor, houve a aprendizagem de um novo reflexo, chamado de reflexo condicionado [...]: uma relação entre um estímulo condicionado e uma resposta condicionada” (MOREIRA; MEDEIROS, 2007, p. 32).

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2.6  Comportamento operante

WIKIMIDIA

Agora que você já sabe o que é um comportamento reflexo, reflita a respeito da ocorrência deste em seu cotidiano. Quantas vezes por dia você leva um sobressalto diante de um barulho? Ou qual a quantidade de ocasiões diárias em que lacrimeja ao cortar uma cebola? Ou tirita de frio? Por outro lado, quantas vezes a cada dia você escova seus dentes, telefona a alguém, escreve um e-mail, assiste a uma aula? Como pode notar, os comportamentos reflexos correspondem apenas a uma pequena parcela das respostas que cotidianamente emitimos (ROSE, 1997), sendo a maior parte delas de outro tipo, como você estudará a seguir. A noção de comportamento operante foi desenvolvida por Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), psicólogo americano, que exerceu grande parte de sua carreira acadêmica na Universidade de Harvard. Seus estudos proporcionaram à teoria behaviorista grande destaque, ao formular de modo experimental os princípios que governam o comportamento, além de ao longo de sua obra propor aplicações desta teoria em diversos contextos humanos a fim de instaurar o planejamento cultural. Segundo Carvalho Neto (2002), Skinner estudou inicialmente a história do conceito de reflexo na Fisiologia e Psicologia, assim como “criou e adotou recursos metodológicos e técnicos em uma ampla linha de pesquisa experimental em laboratório” (p. 14).

Figura 4 – Burrhus F. Skinner (1904-1990), psicólogo americano, precursor do Behaviorismo radical.

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Dentre as noções formuladas por Skinner, dá-se destaque ao comportamento operante que diz respeito à ação que “opera no ambiente” de forma a produzir consequências. Por exemplo, uma pianista opera no ambiente (manipula o teclado do instrumento) o que leva à produção de música. Os comentários daqueles que a ouvem constituem as consequências que influenciam seu comportamento de tocar piano. Os elogios recebidos reforçam a tendência da pianista em continuar tocando. Por outro lado, caso tenha produzido uma música de qualidade ruim, ela será criticada e o comportamento de tocar piano poderá ser punido (BALDWIN; BALDWIN, 1986). Para Moreira e Medeiros (2007), o comportamento operante corresponde àquele que “produz consequências (modificações no ambiente) e é afetado por elas” (p. 47). Segundo os últimos autores, é com base nesse conceito que podemos explicar como aprendemos habilidades e conhecimentos, por exemplo, falar, ler, abstrair, raciocinar. De acordo com Rose (1997), tais comportamentos são denominados operantes a fim de demarcar que operam no ambiente. Para o referido autor, os operantes correspondem à maioria das ações visíveis dos seres humanos. No entanto, o pensamento também se relaciona a desempenhos operantes, ainda que seja invisível para os outros, por exemplo, quando alguém fala para “si próprio”, o comportamento de falar continua a ocorrer, mas de maneira não perceptível ao público visto que sua magnitude está reduzida. Outro exemplo também mencionado por este autor refere-se a uma criança que aprende a ler em silêncio ou um músico que é capaz de solfejar notas de modo inaudível aos outros. “Estes comportamentos invisíveis são denominados de comportamentos encobertos” (ROSE, 1997, p. 80).

2.7  A lei do efeito de Edward Lee Thorndike (1898) De acordo com Skinner (2003), foi Thorndike, em 1898, um dos primeiros cientistas a empreender uma tentativa séria na investigação de mudanças no comportamento resultante de suas consequências. Thorndike realizou um experimento em que colocava um gato num alçapão do qual só conseguia escapar ao abrir sua porta. O pesquisador registrou que o animal emitia diversos comportamentos, sendo que apenas determinados o levavam a abrir o alçapão. Após introduzir por sucessivas vezes o felino no mesmo recipiente, constatou que

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a resposta que o levava a abrir o alçapão e a escapar passou a ser emitida mais rapidamente até um momento em que velozmente o animal conseguia fugir. “A este fato, que o comportamento se estabelece quando seguido de certas consequências, Thorndike chamou ‘Lei do Efeito’” (SKINNER, 2003, p. 66). Vamos pensar em um exemplo a respeito disto? Suponhamos que você tenha comprado uma camiseta nova e que certa noite, ao sair com ela, todos comentem que você está bonito(a), que a cor da roupa realça sua beleza, etc. Você tenderá a utilizar esta mesma camiseta em situações semelhantes a fim de ser elogiado novamente, correto? No entanto, caso seus amigos tivessem comentado várias vezes que você “não fica bem” com esta camiseta, provavelmente iria deixar de usá-la por um tempo. Note, portanto, que o comportamento (vestir determinada camiseta) quando seguido de consequências positivas (agradáveis) tenderá a ser repetido, por outro lado, quando decorrido de consequências negativas (desagradáveis) tenderá a não ser mais repetido. Em termos operacionais, a Lei do efeito de Thorndike pode ser sintetizada da seguinte forma: comportamentos que levam a bons efeitos tenderão a ter sua frequência aumentada, ao passo que comportamentos que levam a maus efeitos tenderão a ter sua frequência diminuída (BALDWIN; BALDWIN, 1986). Skinner baseou-se nessas conclusões, bem como nos estudos de Pavlov, para formular o conceito de operante, passando a interessar-se não apenas pelas consequências dos comportamentos, mas também por suas situações antecedentes, ou seja, pelos estímulos que o precedem. Ficou difícil? Baldwin e Baldwin (1986) dão um exemplo bastante simples a respeito dos estímulos anteriores à determinada resposta. Um comportamento pode levar a consequências positivas em algumas situações e a consequências negativas em outras. Vejamos: ao dirigir, pisar no acelerador traz consequências positivas quando o sinal está verde, e causa efeitos negativos caso ele esteja vermelho. A luz verde ou vermelha constitui um sinal que ajuda os motoristas a discriminarem se pisar ou não pisar no acelerador levará a efeitos positivos ou negativos. Imagine como seriam nossas cidades se não houvesse sinal ou qualquer outro instrumento que demarcasse quando a passagem está livre ou impedida para condutores ou pedestres? Esta organização só é possível em virtude das pistas situacionais (semáforo verde ou vermelho) que antecedem nossa resposta (pisar ou não no acelerador). Assim, de acordo com Baldwin e Baldwin (1986), o comportamento é determinado tanto por estímulos antecedentes que se manifestam antes dele como por seus efeitos, ou seja, pelas consequências posteriores. Lembre-se sempre de

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que os estímulos antecedentes vêm antes do comportamento, enquanto que as consequências decorrem depois dele. Recorde-se também que os estímulos antecedentes não necessariamente implicam na ocorrência do comportamento, eles apenas estabelecem a ocasião para ele (BALDWIN; BALDWIN, 1986). Por exemplo, uma pessoa pode gostar de falar alto, no entanto, caso ela esteja em um teatro, assistindo a uma peça, provavelmente tenderá a ficar calada, pois enquanto vemos a um espetáculo artístico fazer barulho não é algo comum. No entanto, terminado o evento, ela poderá sair com seus amigos, ir para um bar e falar alto. No comportamento operante as consequências influenciam: (a) a frequência futura da resposta (maior ou menor), e (b) se determinados estímulos antecedentes estabelecem ocasião para a repetição ou não do comportamento futuramente. Assim, a probabilidade de determinada resposta ser repetida ou evitada é determinada pela consequência que a seguiu. As consequências que levam o comportamento a ter sua frequência aumentada são chamadas de reforçadoras, já aquelas que o levam a ter sua probabilidade diminuída são denominadas punidoras. Um treinador de um time pode tentar diversas estratégias para melhorar o desempenho da equipe, aquelas que obtiverem sucesso tenderão a serem repetidas (reforçadoras), já as que fracassarem tenderão a serem abandonadas (punidoras) (BALDWIN; BALDWIN, 1986). A seguir, apresentaremos conceitos que estruturam o comportamento operante, isto é, procedimentos detalhados que evidenciam a ideia de que esse é determinado pelos estímulos que o antecedem e por suas consequências, conforme Baldwin e Baldwin (1986) apontam.

2.8  Reforço Em termos behavioristas, intitula-se reforço as “consequências [que] aumentam a probabilidade de o comportamento voltar a ocorrer” (MOREIRA; MEDEIROS, 2007, p. 51). Ainda de acordo com estes autores, o reforço implica a relação entre organismo e ambiente, na qual o primeiro emite um comportamento que leva a modificações no segundo. No caso, as mudanças provocadas no ambiente elevam a probabilidade do comportamento que as determinou repetirse (MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Segundo Oliveira (2003), reforço consiste na operação que leva ao aumento da frequência de determinado comportamento. Lembre-se sempre de que reforçar implica fortalecer determinado comportamento, ou seja, aumentar a chance de que esse seja emitido futuramente. Existem duas modalidades de reforço: positivo e negativo, ambas elevam capítulo 2

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a probabilidade de que a resposta seja repetida posteriormente. No entanto, o reforçamento positivo requer o surgimento de um estímulo reforçador (consequência reforçadora, agradável), já o reforçamento negativo requer o fim de um estímulo aversivo (desagradável) (BALDWIN; BALDWIN, 1986). Por exemplo, ser premiado por quebrar um recorde na prova de natação estabelece reforçamento positivo para treinos sistemáticos, receber um bônus salarial conforme a produção estabelece reforçamento positivo para maior dedicação ao trabalho, receber uma nota alta em uma prova estabelece reforçamento positivo para continuação dos estudos. Por outro lado, o término de uma campainha desagradável estabelece reforçamento negativo para desligar o despertador ao ouvi-la pela manhã, sentir calor estabelece reforçamento negativo para ligar o ar condicionado, o início de um incêndio em uma sala estabelece reforçamento negativo para correr e salvar-se. Sair de casa em um dia nublado estabelece reforçamento negativo para carregar um guarda-chuva ou capa protetora dentro da mochila. 2.8.1  Reforço positivo Você se lembra de que os pesquisadores behavioristas fazem diversos experimentos a fim de testar suas hipóteses (ideias)? Vamos tratar de um agora! Para explicar no que consiste o reforço positivo, apresenta-se um experimento bastante comum: a aprendizagem da resposta de pressão à barra na caixa de Skinner por um rato. De acordo com Millenson (1975), no caso em questão, coloca-se um rato faminto (privado de alimento) na referida caixa e executam-se alguns procedimentos. Inicialmente, observa-se por 15 minutos (em média) o animal nesta caixa, sem prover qualquer alimento. Ele explorará o ambiente por meio da produção de diversos comportamentos, tais como, cheirar os cantos do recipiente, levantar as patas dianteiras, pressionar ocasionalmente a barra, dentre outros. Decorrido este período, passa-se a fornecer uma pelota de alimento imediatamente após cada pressão à barra. Segundo o referido autor, “pela primeira vez na história do rato, o comportamento de pressionar a barra tem a consequência especial de produzir alimento. [...]. Logo o animal estará ativamente ocupado com comportamentos de pressionar a barra e comer” (p. 79) e seu comportamento modificar-se-á em questão de minutos. Pode-se afirmar que o rato aprendeu a pressionar a barra a fim de conseguir alimento.

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Trata-se de um clássico exemplo de reforçamento positivo, visto que a resposta de pressionar a barra foi reforçada mediante a apresentação da consequência agradável (alimento), dessa forma, a frequência de respostas de pressão à barra tenderá a aumentar. De acordo com Baldwin e Baldwin (1986), as pessoas em geral dão preferência por aprender via reforçamento positivo, pois ele promove experiências prazerosas, trata-se de um método eficaz para auxiliar na aprendizagem de habilidades de forma mais agradável. Por exemplo, uma criança que aprende a executar algumas tarefas domésticas via reforçamento positivo (comentários agradáveis e carinhosos dos pais) achará bom auxiliá-los; pais que demonstram uma atenção afetiva para seus filhos como reforçamento positivo quando esses se comportam de modo cortês e cooperativo, terão uma prole que gosta de tratar as pessoas bem (BALDWIN; BALDWIN, 1986). Observe a esquematização desse conceito no diagrama a seguir. Tente pensar em situações comuns em sua vida em que comportamentos mantidos por reforçamento positivo estejam presentes.

REFORÇO POSITIVO Resposta

Produz Estímulo reforçador (SR)

Efeito esperado Aumento da frequência

Fonte: Adaptado de Oliveira (2003).

2.8.2  Reforço negativo Segundo Baldwin e Baldwin (1986), o reforçamento positivo pro-move experiências agradáveis em nossas vivências, ao passo que o reforçamento negativo decorre quando fugimos ou evitamos experiências desagradáveis (aversivas). Por exemplo, quando você retira uma ferpa de seu dedo, sente grande alívio, pois o incômodo por ela causado dissipou-se; quando você sente dor de cabeça e toma um analgésico para amenizá-la e deixa de sentir algo que lhe desagrada. Trata-se de exemplos que implicam o que os psicólogos intitulam como fuga (escapar) de situações desagradáveis.

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Por outro lado, você pode também evitar ocasiões dessa natureza, o que os behavioristas chamam de esquiva. Quando você evita pegar em um pedaço de madeira que contém ferpas ou evita situações que lhe “causem dor de cabeça”. Independente da classe operante (fuga ou esquiva), o efeito desses procedimentos sobre o desempenho do organismo é o aumento na probabilidade de emissão da resposta que levou à supressão (retirada) do estímulo aversivo, por isso trata-se de um reforço, pois ocorre um aumento na frequência de dado comportamento (MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Portanto, o reforçamento negativo compõe duas classes de comportamento: fuga (respostas que possibilitam fugir de estímulos aversivos depois que esses estão presentes) e esquiva (respostas que possibilitam prevenir o aparecimento de estímulos aversivos antes que esses estejam presentes) (BALDWIN; BALDWIN, 1986). Conforme Moreira e Medeiros (2007), “os organismos tendem a evitar ou fugir daquilo que lhes é aversivo” (p. 64), embora “vários de nossos comportamentos cotidianos produzem supressão, adiamento ou cancelamento de estímulos aversivos do ambiente, e não a apresentação de estímulos [consequências] reforçadores” (p. 66). Um comportamento é considerado fuga quando certo estímulo aversivo (desagradável) consta no ambiente e o organismo emite uma resposta que o retira desse. No caso de um adolescente que usa determinado medicamento para tratar feridas de acne (estímulo aversivo) presentes em seu rosto, a resposta de passar o creme é caracterizada como fuga em virtude da retirada do estímulo desagradável evidente (acne). Por outro lado, a esquiva perfaz respostas que evitam ou postergam (atrasam) o contato com o estímulo desagradável. Ou seja, esta modalidade de comportamento decorre quando o estímulo aversivo não consta no ambiente e a emissão de respostas de esquiva possibilita que esse não surja ou demore a fazê-lo. Por exemplo, o referido adolescente pode manter determinada dieta a fim de evitar o aparecimento de acne em seu rosto, fazer dieta constitui uma resposta de evitação (esquiva) ao surgimento do estímulo aversivo (MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Observe no diagrama a seguir a operacionalização dos conceitos tratados, procure pensar em situações do seu dia a dia que envolvem estes procedimentos.

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REFORÇO NEGATIVO Estímulo aversivo presente (Sa) – Resposta



interrompe

Efeito esperado

ou cessa o

Aumento da

+S

frequência

a

Fonte: Adaptado de Oliveira (2003). Situações aversivas e agradáveis estão presentes em nossas vidas, você pode ganhar um prêmio em função de sua produtividade no trabalho e no mesmo dia ter de enfrentar um grande congestionamento para chegar até sua casa. Cabe ressaltar que os princípios da Psicologia Comportamental podem ser aplicados em diversos contextos: organizações (empresas), escolas, serviços de saúde e demais instituições, mediante rigorosa análise dos fatores envolvidos na relação organismo/ambiente. A fim de que os conceitos tratados sejam bem apreendidos por você, leia com atenção o trecho seguinte. Segundo Moreira e Medeiros (2007): Tanto o reforço positivo como o reforço negativo aumentam a probabilidade de o comportamento voltar a ocorrer: a diferença está apenas no fato de a consequência ser a adição ou a retirada de um estímulo do ambiente: •  Reforço positivo: aumenta a probabilidade de o comportamento voltar a ocorrer pela adição de um estímulo reforçador no ambiente. •  Reforço negativo: aumenta a probabilidade de o comportamento voltar a ocorrer pela retirada de um estímulo aversivo (punitivo) do ambiente (comportamentos de fuga e esquiva) (p. 69, grifo dos autores).

Mas como lidamos com situações em que somos diretamente punidos por algo que fizemos? Trata-se do que aprenderemos a seguir!

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2.9  A coerção e suas consequências De acordo com Skinner (2003), “a técnica de controle mais comum na vida moderna é a punição” (p. 198). Trata-se de um procedimento familiar a todos nós, segundo o autor. Caso uma criança não emita comportamentos adequados, há pais que a agridem. No contato cotidiano as pessoas são controladas por meio de censuras, desaprovações ou expulsões. A punição é utilizada para diminuir a tendência de que determinado organismo se comporte de certo modo. Para Skinner, “o reforço estabelece essas tendências; a punição destina-se a acabar com elas” (p. 199). Ainda conforme o autor supracitado, os pesquisadores têm levantado sérios questionamentos a respeito desse procedimento, vejamos alguns. A punição deve ser aplicada imediatamente ao comportamento punido? O indivíduo deve estar ciente do motivo pelo qual está sendo punido? Quais os procedimentos punitivos mais eficazes e em quais situações devem ser utilizados? Estas indagações decorrem da constatação de que a punição tem consequências negativas. Segundo Skinner (2003), “a longo prazo, a punição, ao contrário do reforço, funciona com desvantagem tanto para o organismo punido quanto para a agência punidora” (p. 199). Esta conclusão provém da evidência de que os estímulos aversivos (desagradáveis) originam emoções, tais como a tendência do indivíduo fugir ou retrucar, além de grande ansiedade. As pessoas têm se questionado há muito tempo se não haveria um procedimento melhor que a punição ou se essa poderia ser aperfeiçoada (SKINNER, 2003). Diante do exposto, você conseguiria mencionar ocasiões de sua vida em que algum comportamento que emitiu foi punido? Por exemplo, caso tenha recebido multa por ter cometido alguma infração no trânsito, ou quando na infância recebeu uma advertência severa de seus pais em virtude de algo que fez e que era considerado errado por eles. Podemos refletir também sobre o quanto as instituições sociais que nos rodeiam também fazem uso de mecanismos coercitivos como a punição. Aqueles que infringem determinada lei podem ser punidos de diversas formas, reclusão, multas, perda de direitos, etc. Ou para que tenhamos acesso a determinado benefício (bolsas, auxílios governamentais) temos de obedecer a certas condições para que não o percamos (punição). A seguir, você aprenderá como o conceito em questão é operacionalizado pelos behavioristas.

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2.9.1  Punição positiva e negativa Conforme Moreira e Medeiros (2007) há duas modalidades de punição: positiva e negativa. Na punição positiva determinado comportamento leva ao aparecimento de um estímulo que diminui a tendência de que esta resposta seja emitida futuramente. Por exemplo, um homem alérgico a camarão ingere esse alimento e passa mal, após essa ocasião, ele tenderá a não comê-lo. O comportamento de ingerir esse fruto do mar teve como consequência a presença de sintomas desagradáveis. Como ocorreu redução na chance de produzir o referido comportamento, diz-se que esse foi positivamente punido. Ainda segundo os autores, no que se refere à punição negativa, determinado comportamento tem como consequência a remoção de consequências reforçadoras, o que diminuirá a tendência de que ele seja emitido posteriormente. Por exemplo, uma criança apresentou condutas consideradas erradas por seus pais, como consequência deixou de ganhar sua mesada por um mês. Nesse caso, como não recebeu dinheiro, deixará de consumir coisas que lhes são importantes (reforçadores positivos) (MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Ou seja, não receber a referida quantia leva à remoção de consequências reforçadoras (comprar balas, lanches, brinquedos) e à tendência de não emitir comportamentos reprovados por seus pais, caracterizando uma punição negativa. O trecho a seguir esmiúça as características de cada um desses procedimentos, leia-o com atenção. De acordo com Moreira e Medeiros (2007): É importante notar que a punição, seja positiva, seja negativa, resulta, por definição, na redução da frequência ou da probabilidade do comportamento. Os termos “positivo” e “negativo” indicam apenas apresentação ou retirada de estímulos, respectivamente [...]. •  Punição positiva: diminui a probabilidade de o comportamento ocorrer novamente pela adição de um estímulo aversivo (punitivo) ao ambiente. Punição negativa: diminui a probabilidade de o comportamento ocorrer novamente pela retirada de um estímulo reforçador do ambiente (p. 71, grifo dos autores).

Para Millenson (1975), o procedimento de punição é rotineiramente utilizado não por ser totalmente eficaz, mas porque “(a) tem um efeito imediato; e (b) sua liberação e/ou efeitos colaterais são quase sempre positivamente reforçadores para a pessoa que administra a punição” (p. 399). Segundo o referido

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autor, as consequências da punição são facilmente visíveis: uma criança que dá risadas em uma igreja pode ficar em silêncio mediante um beliscão, um cão que em geral pula nas visitas pode ser controlado por meio de uma pancada. No entanto, tanto a criança quanto o cachorro “não serão permanentemente curados de seus comportamentos indesejáveis através da punição” (p. 399), mas os comportamentos desagradáveis serão temporariamente removidos. Dessa forma, a remoção das respostas não desejadas leva ao reforçamento positivo do comportamento de punir emitido pelo agente punidor, de maneira que este desempenho torne-se mais provável em situações semelhantes (MILLENSON, 1975). Isto é, como a punição implica na remoção imediata do comportamento punido (o indivíduo deixa de emitir a resposta), o comportamento de aplicar o “castigo” é reforçado positivamente, pois obteve sucesso. De acordo com Oliveira (2003), na punição negativa, um estímulo positivo resultante de outro comportamento que já está presente, é retirado ou perdido após a ocorrência do comportamento punido. Portanto, o estímulo agradável (positivo) faz-se presente e determinada resposta leva à sua perda. Por exemplo, quando se paga uma multa, você detém certa quantidade de dinheiro e seu comportamento de dirigir em velocidade alta leva à perda deste por meio do pagamento da taxa. Nesse caso, mediante a punição negativa, há a remoção de estímulos agradáveis (positivos) obtidos a partir de outros comportamentos emitidos anteriormente (OLIVEIRA, 2003). Como perdeu certo montante, é possível que você deixe de consumir determinadas coisas que lhe trouxeram satisfação em outras situações. Para apreender com clareza o conceito de punição, observe o seguinte diagrama.

PUNIÇÃO POSITIVA Resposta

Produz Sa (Estímulo aversivo)

Fonte: Adaptado de Oliveira (2003).

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Efeito esperado Redução da frequência (efeito imediato, mas temporário)

PUNIÇÃO NEGATIVA Resposta A

Estímulo reforçador – Resposta B (SR)

perda ou remoção do SR

Efeito esperado Redução da frequência (efeito imediato, mas temporário)

Fonte: Adaptado de Oliveira (2003).

A punição não é o único procedimento capaz de reduzir a frequência de uma resposta, sendo que muitas vezes seu efeito é imediato, mas temporário, tal qual aponta Oliveira (2003), pode-se também extinguir sua ocorrência por meio de outras técnicas, conforme você aprenderá a seguir.

2.10  Extinção Segundo Catania (2000), as consequências de diversas respostas que emitimos mantêm-se constantes durante nossa existência. Por exemplo, vamos ao banco e conseguimos retirar dinheiro no caixa eletrônico, ligamos o chuveiro e a água cai para que possamos tomar banho, apertamos um botão e a televisão liga, estendemos a roupa no varal e após certo tempo ela estará seca. Percebam como nossa rotina está permeada por ações contingentes, isto é, fazemos algo (X) e o ambiente nos proporciona a consequência (Y) que é função de nossa resposta. Imagine, por exemplo, se todas as vezes em que você precisasse pegar um ônibus não soubesse se ele passaria ou não naquele dia. No entanto, conforme Catania (2000), para outros operantes que emitimos ao longo de nosso desenvolvimento (infância, juventude, maturidade, velhice), as consequências mudam. Certas respostas reforçadas ao largo da infância frequentemente não são mais reforçadas na maturidade. No sistema educacional rotineiramente as crianças recebem estímulos reforçadores (elogios, notas) após resolverem determinado problema. Passado certo tempo, estes reforçadores (consequências) deixam de ser empregados, na esperança de que outros “mais naturais” os substituam e mantenham o referido comportamento. “Quando uma resposta é reforçada, sua probabilidade aumenta. Mas esse aumento não é permanente: o responder volta aos níveis anteriores, tão logo o reforço seja suspenso” (CATANIA, 2000, p. 92).

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O procedimento em que o reforço é suspenso denomina-se extinção. Quando a resposta volta a seus níveis anteriores (antes da ocorrência do reforçamento), pode-se dizer que foi extinta. O retorno da resposta à taxa de frequência anterior à aplicação do reforço evidencia que os efeitos do reforçamento “são temporários”, conforme Catania (2000, p. 92). Ainda segundo este autor, “o responder é mantido apenas enquanto o reforço continua, e não depois que ele é suspenso. Assim, a redução no responder durante a extinção não é um processo especial que requeira um tratamento separado, é uma das propriedades do reforço” (p. 92). A seguir, descrevemos um exemplo bem claro dos efeitos da extinção. Lembra-se do experimento em que o rato recebia alimento após a resposta de pressão à barra? Pode-se extinguir este comportamento, caso o alimento deixe de ser apresentado após o animal ter pressionado a barra da caixa de Skinner. Note que havia um padrão de reforçamento positivo instalado (quando o animal pressionava a barra, recebia alimento). Retirado o estímulo reforçador (alimento), aos poucos, a quantidade de vezes em que o animal pressiona a barra diminuirá chegando a seu nível operante, isto é, à taxa manifestada anteriormente à instalação do reforçamento (caso pressionar a barra, receberá alimento), trata-se do que se pode deduzir das afirmações de Millenson (1975). Oliveira (2003) define extinção como não aplicação do reforço após determinado comportamento, cujo efeito é lento e gradual, sendo que anteriormente o estímulo reforçador era aplicado após cada emissão da resposta. Esse procedimento não tem aplicação experimental apenas. Por exemplo, caso uma criança tenha aprendido a “fazer birra” para conseguir algo de seus pais, aos poucos, estes podem extinguir o referido comportamento deixando de lhe dar atenção quando o manifesta. Ou seja, a resposta de “fazer birra” deixará de ser reforçada positivamente caso a mãe ou o pai não deem mais atenção ao bebê nessas situações. O infante paulatinamente passará a emitir outros comportamentos que demonstrem que algo o desagrada. Outro exemplo: você telefonava rotineiramente a um amigo, certa vez, ele não o atende, no dia seguinte, você tentou novamente e não obteve sucesso. Com o passar do tempo, a frequência de telefonemas diminuirá caso o telefone nunca seja atendido até o momento em que você deixe de ligar para ele. O diagrama abaixo esquematiza esse conceito.

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EXTINÇÃO No passado Resposta A

Estímulorefor-

cessa ou inter-

Efeito esperado

çador (SR) –

rompe o padrão

Redução da frequência

Resposta A

de reforçamento

(efeito lento e gradual)

Fonte: Adaptado de Oliveira (2003).

2.11  Modelagem Os conceitos apresentados, dentre outros, fundamentam o comportamento operante e possibilitam que os psicólogos façam uso de técnicas de manipulação do comportamento. Ainda que muitos experimentos que evidenciem esses procedimentos sejam realizados com animais inferiores, de acordo com Sidman (1972), eles possibilitam “a descoberta e o isolamento de processos de comportamento cuja importância para os seres humanos pode depois ser avaliada, sob condições mais complexas” (p. 217). Um desses processos denomina-se modelagem em que baseado no princípio do reforçamento, o pesquisador modela o comportamento partindo do conjunto de respostas instaladas no repertório do organismo (SIDMAN, 1972). Em outras palavras, o psicólogo baseia-se nos comportamentos já emitidos pelo animal (antes do reforçamento) e aos poucos reforça positivamente respostas que se aproximem daquela esperada. Embora estejamos nos referindo a experimentos com animais, este princípio também pode ser aplicado em seres humanos, por exemplo, na clínica psicológica, no tratamento de comportamentos fóbicos. Segundo Sidman (1972), “a modelagem é conseguida reforçando-se aproximações cada vez mais próximas do comportamento com que o experimentador deseja finalmente trabalhar” (1972, p. 218). Trata-se de um princípio utilizado no adestramento de cães, por exemplo. Suponhamos que um adestrador deseje ensinar um cachorro a pular um obstáculo, aos poucos ele reforçará respostas que se aproximem da almejada dando um pedaço de carne ao animal (recompensa), até que ele emita o comportamento estipulado.

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CONEXÃO Assista ao vídeo “Skinner - Modelagem” para verificar a aplicação do referido conceito no estabelecimento de determinadas respostas em pombos e humanos. Acesse o link:

2.12  Críticas ao Behaviorismo Embora o Behaviorismo ainda seja uma abordagem extremamente utilizada na Psicologia por meio de pesquisas e da aplicação de seus conceitos em organizações, instituições, escolas, hospitais e clínicas psicológicas, dentre outros locais, ao longo do século XX esta teoria foi alvo de severas críticas. Muitas delas direcionadas ao fato de que a Psicologia Comportamental, sobretudo a teoria de B. F. Skinner, restringia sua análise à relação ambiente/comportamento, pois negava que fatores mentais (percepção, pensamento, memória, dentre outros) também compusessem seus determinantes. Segundo Carvalho Neto et al. (2012), ao longo de sua obra, Skinner argumentou que categorias como “mente”, “instinto”, “necessidade” e “vontade”, não poderiam ser consideradas explicativas do comportamento, visto que não são concretas e passíveis de manejo experimental. Isto é, não poderiam ser identificadas e mensuradas de modo objetivo (concreto), condição imposta a qualquer ciência considerada natural, como a Biologia, a Física e a Psicologia, segundo ele. Para Skinner, o mentalismo, corrente teórica segundo a qual o comportamento é também causado por fatores internos (mentais) “não seria científico por conta de seu suposto comprometimento com o dualismo entre mente e corpo. Nesse caso, haveria a dicotomia entre mundo físico e mundo mental, cada qual possuindo naturezas e mecanismos reguladores distintos” (CARVALHO NETO et al., 2012, p. 21). Ou seja, grosso modo, explicações mentais para as ações humanas levariam o Behaviorismo a sucumbir à divisão entre mente e corpo, conforme historicamente outras correntes da Psicologia vinham fazendo, o que para Skinner implicaria, dentre outras razões, em dificuldades no estudo do comportamento cujas causas para ele deveriam ser buscadas na interação deste com o ambiente.

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A separação mente-corpo constitui um debate fundamental para a Psicologia e Filosofia, pois se questiona se estas unidades seriam separadas e distintas ou integradas. No decorrer da maior parte da história do pensamento, propôs-se que a mente e o corpo correspondem a elementos separados, tendo a primeira controle sobre o segundo. Coube ao filósofo René Descartes (1596-1650) formular a primeira teoria que defendia a interligação mente e corpo, dada a capacidade da mente afetar o corpo e vice-versa. Por exemplo, ele propunha que as paixões (amor, ódio, tristeza) originavam-se corporalmente, mas eram capazes de modificar os estados mentais (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). Esta complexa questão continua instigando cientistas e filósofos e afeta as práticas psicológicas, dentre outras profissões.

Como a Psicologia é uma área do conhecimento múltipla, isto é, composta por diversas correntes teóricas que detêm diferentes concepções sobre seu objeto de estudo (comportamento, cognição, inconsciente), novos pensadores americanos, no decorrer do século passado, recuperaram a importância do estudo da mente e sua influência no comportamento. Portanto, é importante que você esteja ciente de que o Behaviorismo é apenas uma dentre tantas teorias que compõem a Psicologia, sendo que cada uma delas apresenta conceitos próprios, como você notará ao longo do curso. Voltando às críticas endereçadas ao comportamentalismo, ao longo da primeira metade do século XX, pesquisas evidenciaram que a maneira como determinada situação é percebida pode ser capaz de influenciar o comportamento (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). Isto é, as crenças e expectativas que um indivíduo detém são fatores que interferem em suas ações. De acordo com Gazzaniga e Heatherton (2005), por volta da década de 1920, Edward Tolman, dentre outros pesquisadores, evidenciaram que os animais podiam aprender baseados na observação do comportamento de outros, o que parecia controverso com relação ao behaviorismo, pois eles não estavam recebendo recompensas. Foram realizados variados estudos durante a primeira metade do século que evidenciaram a importância das funções mentais na compreensão do comportamento. Foi nesse contexto, nos anos 1950, que cientistas fundaram a Psicologia Cognitiva, dedicando-se ao estudo das funções mentais superiores, tais como, memória, pensamento, linguagem, inteligência, dentre outras (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). Dada a importância da cognição para os psicólogos, a seguir você aprenderá conceitos importantes a respeito dela.

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2.13  Aproximação aos fenômenos cognitivos

WIKIMIDIA

Antes de tratarmos da abordagem cognitiva, pense em algumas situações comuns à sua vida. Você já se questionou quais são os processos mentais envolvidos no ato de ler, isto é, de decodificar símbolos escritos (letras, números) e compreender seu sentido com base em uma linguagem? Alguma vez você sentiu o cheiro de um perfume e se lembrou de um namorado(a) que teve? Ou ao ver uma fotografia de sua infância, passou a lembrar com era sua vida quando criança? Aliás, quais são suas primeiras lembranças? Você já viu determinada pessoa na rua e julgou que a conhecia, mas quando dela se aproximou notou que era um desconhecido? Para entendermos por que esses fatos ocorrem em nossa mente, é preciso que estudemos a cognição, isto é, “os processos internos envolvidos em extrair sentido do ambiente e decidir que ação deve ser apropriada. Esses processos incluem atenção, percepção, aprendizagem, memória, linguagem, resolução de problemas, raciocínio e pensamento”, segundo Eysenck e Keane (2007, p. 11). Cada fenômeno mencionado (atenção, percepção, etc.) compõe conceitos específicos e complexos que não serão abordados nesse capítulo, pois ultrapassam nossos propósitos, portanto, vamos nos ater às questões gerais da cognição. Para isto, repare nas imagens a seguir.

Figura 5 – Nesta figura visualizam-se dois perfis e uma taça ao mesmo tempo, trata-se de uma ambiguidade perceptiva.

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Figura 6 – A leitura dos escritos da imagem depende do processamento cognitivo de estímulos visuais.

Fonte: Figura baseada em Eysenck e Keane (2007, p. 12). Na figura 2, de acordo com Eysenck e Keane (2007), é bastante provável que você tenha lido “Paris in the spring”. Visualize com cuidado a figura novamente e note que a palavra “the” foi repetida. Por que isto ocorreu? Segundo os autores citados, a expectativa pelo fato de ser uma frase conhecida “dominou a informação disponível no estímulo” (p. 12). Grosso modo, esta evidência comprova que a expectativa que temos de uma situação, afeta nossa resposta. Agora que você notou a importância dos fenômenos cognitivos em seu cotidiano, vamos estudar os conceitos básicos a respeito deles!

2.14  A Psicologia Cognitiva: conceitos básicos Na década de 1950, com o desenvolvimento da informática, pesquisadores americanos passaram a formular modelos cujas proposições afirmavam que a mente funciona de modo semelhante a um computador. Conforme Gazzaniga e Heatherton (2005), “essas teorias cognitivas de processamento da informação veem o cérebro como o hardware que opera a mente como se esta fosse o software; o cérebro recebe a informação como um código, processa-a, armazena seções relevantes e recupera informações conforme necessário” (p. 55, grifo dos autores). Em um primeiro momento, apesar da importância do cérebro nos mecanismos cognitivos, os psicólogos dedicaram-se mais aos fatores psicológicos, ou seja, ao software. Para isto, utilizaram a metáfora do computador: a

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mente seria capaz de tornar inteligível (traduzir) os códigos (estímulos do ambiente) com base em processos mentais (memória, percepção, pensamento, atenção, dentre outros) (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). A partir da década de 1980, com os avanços da Neurociência, os cognitivistas uniram seus esforços com os dos neurocientistas a fim de compor um modelo integrado da mente e do cérebro, órgão que possibilita atividades tais como o pensamento, a linguagem e a memória. Procedimentos baseados em mapeamentos de imagem cerebral propiciaram sinais empíricos de que as instâncias mentais podem ser investigadas de modo concreto a partir do cérebro (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). De acordo com autores citados por Neufeld, Brust e Stein (2011), a Teoria do Processamento da Informação investiga os processos em que um input (estímulo sensorial) “é transformado, reduzido, elaborado, armazenado, recuperado e usado” (p. 104). Para essa corrente teórica, grosso modo, a mente detém indicadores cognitivos influenciados por mecanismos mentais que originam códigos aplicáveis no cotidiano, pois nos capacitam ao trabalho, estudo, tomada de decisões, dentre outras atividades (NEUFELD; BRUST; STEIN, 2011). Segundo Gazzaniga e Heatherton (2005), a Psicologia Cognitiva pauta-se “na posição de que a mente abriga representações mentais das informações” (p. 258), em que o “ato de pensar”, ou seja, a cognição está baseada nessas representações.

CONEXÃO O modelo da mente como um computador, a inserção cada vez maior da tecnologia em diversos âmbitos da nossa existência, é objeto de análise da arte. Gilberto Gil, cantor brasileiro, compôs a música “Cérebro eletrônico” em 1969, nela o artista retrata como os recursos da informática estão presentes em nosso cotidiano, no entanto, há propriedades da vida humana, do desejo humano, que a técnica não é capaz de instrumentar, segundo ele. Ouça esta música no link:< http://www.youtube.com/watch?v=JFAHDYEMHEE >

Segundo Santaella (2005), o modelo da mente como um sistema processador de informações possibilitou a aglutinação de ideias no campo da Psicologia Cognitiva. No entanto, para que este mecanismo funcione é necessário que as informações sejam representadas pela cognição humana, isto é, que elas tenham sentido e significado. Assim, os processos cognitivos humanos são do-

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tados de intencionalidade, visto que a informação armazenada pelo sistema é sobre alguma coisa. Para Santaella (2005) [...]a essência de um sistema processador de informação [...] está no fato de que ele codifica informação sobre o mundo, opera sobre essa informação de algum modo que pode ser caracterizado como significativo e está estruturado como conjunto de partes interatuantes, funcionalmente organizadas (p. 60).

Em termos práticos, você já pensou em como nossa mente é capaz de organizar a multiplicidade de estímulos e informações do ambiente? Enquanto você lê este livro, quais processos cognitivos estão decorrendo para que os inputs do ambiente (estímulos sensoriais) possam ser processados por sua mente a fim de que você o compreenda? A Teoria do Processamento da Informação, grosso modo, objetiva explicar como a mente é capaz de traduzir, interpretar os códigos do ambiente (inputs) de maneira que sejam representados, ou seja, que possam ter sentido e significado. Para isto, há uma multiplicidade de mecanismos cognitivos (memória, atenção, pensamento, dentre outros) que coexistem a fim de que esta tradução, ou seja, o entendimento do que é o mundo, a percepção do ambiente, seja possível. Esses processos são compartilhados pelos indivíduos em determinado contexto cultural de modo que possam viver em comum, uma vez que há representações e significados partilhados por todos os membros de um grupo. Por exemplo, em nossa realidade sociocultural, a palavra “cadeira” remete a um móvel, com anteparo e assento, utilizado para sentar. Caso você vá a uma loja para comprar uma cadeira, assim que disser esta palavra, o vendedor entenderá do que você precisa. Isto é possível uma vez que nossa mente contém processos de interpretação dos códigos sensoriais (inputs) que promovem, juntamente com outros mecanismos cognitivos (atenção, memória, percepção), uma linguagem comum entre todos os indivíduos de um grupo sociocultural.

2.15  A Teoria Social Cognitiva Conforme foi apresentado no capítulo anterior, para o Behaviorismo, o comportamento é fruto da interação entre organismo e ambiente (LOPES, 2008). Você deve se recordar de que para esta teoria apenas o controle ambiental e

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sua relação com as respostas emitidas pelo organismo são considerados objetos científicos, pois são concretos e, assim, podem ser mensurados. Fatores internos ao indivíduo, tais como, atenção, memória, afeto, dentre outros, dizem respeito a elementos “mentais” que não podem ser vistos ou medidos. Por outro lado, diante das críticas dirigidas ao Behaviorismo, unidos às correntes da Psicologia dedicadas ao estudo da “mente”, pesquisadores passaram a estudar a influência dos aspectos cognitivos no comportamento, ou seja, de que modo esse é modificado a partir das expectativas, crenças, experiências passadas tanto do sujeito como daqueles com quem ele interage, dentre outros fatores. Um dos expoentes da Teoria Social Cognitiva é Albert Bandura, nascido em 1925, no Canadá, professor da Universidade de Stanford (EUA). Já nos anos iniciais de sua carreira, este pesquisador discordava de alguns pressupostos do Behaviorismo de Skinner. A fim de comprovar suas críticas, passou a desenvolver experimentos, junto com seus alunos, com o propósito de evidenciar o papel de mecanismos cognitivos na aprendizagem que para ele não poderia ser explicada apenas pelo reforçamento. Para Álvaro e Garrido (2006), a teoria de Bandura defende que “a pessoa não responde de maneira mecânica aos estímulos do ambiente, nem a mente humana é um simples sistema computacional, onde o processamento automático da informação (input) gera determinado resultado (output), sem que aparentemente intervenha a consciência” (p. 262). Segundo Bandura (2008a), a teoria da aprendizagem social1 propõe que o comportamento é fruto do determinismo recíproco, isto é, da probabilidade de associação entre eventos cognitivos, ambientais e comportamentais afetarem-se mutuamente em graus variados. Assim, comportamento, cognição e ambiente constituem fatores que influenciam os contextos humanos. Os indivíduos reagem aos estímulos externos com base em “processos cognitivos intermediários”. Para Bandura (2008a): [...] o comportamento e as condições ambientais funcionam como determinantes que interagem de forma recíproca. Os fatores pessoais internos (por exemplo, concepções, crenças, percepções pessoais) e o comportamento também agem como determinantes recíprocos uns dos outros. Por exemplo, as expectativas de eficácia e de resultados das pessoas influenciam a maneira como elas agem, e os efeitos ambientais criados por suas ações, por sua vez, alteram suas expectativas (p. 46).

1  Outra denominação da Teoria Social Cognitiva.

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O diagrama abaixo ilustra a tese do determinismo recíproco.

Figura 7 – Representação dos fatores atuantes no modelo do determinismo recíproco de acordo com Bandura.

Fonte: Figura adaptada de Bandura (2008a, p. 45). Conforme você pode notar, o esquema da figura 3 evidencia que a interação entre o indivíduo e o meio externo (ambiente) é mediada por aspectos cognitivos (mente). Há uma influência mútua entre os elementos dispostos: comportamento, cognição, ambiente, visto que todos são importantes na determinação das ações humanas. Para Bandura (2008a), os aspectos cognitivos indicam quais elementos do ambiente serão observados e de que modo serão percebidos. Por exemplo, quando você navega na internet, há uma variedade de páginas que você pode acessar conforme o tema (notícias, redes sociais, fofocas sobre celebridades, esportes, lazer, cultura, conhecimento geral, etc.), no entanto, dependendo de seu interesse e motivação, você entrará em alguns sites e não em outros. Pode ser que durante a semana você acesse frequentemente a conta do e-mail institucional da organização em que trabalha, por outro lado, aos sábados e domingos, é mais provável que você navegue em páginas dedicadas ao lazer e evite acessar sua conta de mensagens ou sistemas relacionados ao trabalho. Note, portanto, que o comportamento de navegar na internet é determinado por fatores cognitivos, no caso, o interesse e motivação conforme sua rotina semanal. Bandura (2008a) propõe que “a influência relativa que esses três conjuntos de fatores [comportamentais, cognitivos e ambientais] interconectados exercem varia em diferentes indivíduos e sob diferentes circunstâncias” (p. 46). Em algu-

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mas situações, os eventos do ambiente apresentam restrições tão fortes ao comportamento que passam a ser seu principal determinante. Por exemplo, quando um grupo de pessoas sofre um acidente e fica à deriva no mar, independente da diversidade de seus componentes cognitivos e de suas experiências passadas, elas passarão a nadar desesperadamente. Nesse caso, o ambiente, um dos três elementos que afeta os indivíduos, terá papel preponderante. Já em outras ocasiões, fatores do ambiente, comportamentais e cognitivos desempenham grau de influência semelhante. No caso do comportamento de assistir à televisão, o gosto (aspecto cognitivo) determina quais programas serão vistos, embora haja vários canais disponíveis, o ambiente de cada pessoa modificar-se-á conforme o escolhido. Quem assiste a um programa de culinária tem sensações e pensamentos relativamente diferentes daquele que assiste a um filme de terror. Nesse exemplo, os três referidos componentes afetam-se de modo integrado (BANDURA, 2008a). Note, portanto, que os fatores ambientais, cognitivos e comportamentais são responsáveis de modo recíproco pelas ações humanas, no entanto, o grau de influência de cada um varia conforme a circunstância. Álvaro e Garrido (2006) afirmam que segundo Bandura, a capacidade de ação dos humanos provém de cinco fatores básicos, a saber: (a) intencionalidade/capacidade simbólica, por meio da qual se pode “dar sentido, forma e contiguidade à experiência” (p. 262); (b) capacidade vicária, que possibilita a aprendizagem a partir da observação do comportamento do outro; (c) capacidade de previsão, “que guia e motiva antecipadamente as ações e forma expectativas sobre as consequências da ação” (p. 263); (d) capacidade autorreguladora, mediante a qual se pode ter controle de pensamentos, sentimentos, motivações; (e) capacidade autorreflexiva, que possibilita que se tenha consciência da experiência vivida e do pensamento. Conforme você notará, cada uma destas capacidades desempenha de modo integrado papel fundamental na mediação comportamento/ambiente. A seguir, vamos discutir cada uma delas. 2.15.1  Intencionalidade/capacidade simbólica Os seres humanos agem sobre o mundo de modo intencional, ou seja, seus atos são dotados de sentido e intenção (BANDURA, 2008b). Segundo o autor citado, “uma intenção é uma representação de um curso de ação futuro a ser seguido. Ela não é uma simples expectativa ou previsão de ações futuras, mas um compromisso pró-ativo com sua realização” (p. 74). É preciso, portanto, diferençar

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ação de intenção, pois se trata de episódios separados no tempo, sendo que a última é dotada de componentes automotivadores que influenciam a possibilidade de que a primeira ocorra futuramente.

Figura 8 – De acordo com a Teoria Social Cognitiva, a comunicação humana é fruto da intencionalidade/capacidade simbólica, um dos fatores da capacidade de ação.

Dessa forma, segundo Bandura (2008b), os atos humanos detêm propósitos, uma vez que “as intenções envolvem planos de ação” (p. 74). Grande parte dos atos humanos estão relacionados a outras pessoas como participantes de atividades conjuntas que “exigem o comprometimento com uma intenção compartilhada e a coordenação de planos de ação interdependentes” (p. 75), o que caracteriza atuações cooperativas em que é necessário unir interesses pessoais aos objetivos de natureza coletiva. Para Bandura, os indivíduos são capazes de simbolizar, o que lhes permite compreender o significado de seu ambiente, solucionar problemas, comunicar-se. Dessa forma, “os símbolos são o veículos do pensamento, e simbolizando suas experiências, as pessoas podem proporcionar estrutura, significado e continuidade para suas vidas” (PAJARES; OLAZ, 2008, p. 100). Assim, por meio da intenção, os sujeitos podem compor planos que influem em suas ações. A intencionalidade, a capacidade humana de dar significado às coisas, se dá a partir do uso de símbolos, códigos compartilhados que são interpretados pelo sujeito e formados no contexto sociocultural (ambiente). capítulo 2

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O conceito de representação relaciona-se ao conceito símbolo, pois para que um objeto seja representado na mente, na forma de uma ideia, é preciso que a palavra o nomeie, ou seja, atribua um significado a ele. Os objetos concretos (livro, cadeira, mesa) ou abstratos (ideia de amor, amizade, ódio, paixão) são representados em nossa mente, a partir de nossa capacidade de conhecer (pensamento) que é um dos componentes da cognição (ARANHA; MARTINS, 1998). De acordo com Aranha e Martins (1998), “os nomes, ou as palavras, [...] fixam na memória, enquanto ideia, aquilo que já não está ao alcance dos sentidos, criando um mundo estável de representações que nos permitem falar do passado e fazer projetos para o futuro” (p. 56).

2.15.2  Capacidade vicária A partir de experimentos realizados durante a década de 1960, Bandura apresentou dados que se contrapunham à ideia de que a aprendizagem ocorre apenas pelo reforçamento de respostas em tentativas de ensaio e erro, tal qual propunha o Behaviorismo (COSTA, 2008). Isto é, para esta abordagem, o indivíduo ao longo do processo de aprendizagem emitiria determinados comportamentos, sendo que aqueles considerados “corretos” seriam reforçados, ao contrário dos incorretos. Conforme você estudou no capítulo anterior deste livro, o reforço positivo tem como consequência o aumento na frequência de determinada classe de resposta, certo? Logo, para os comportamentalistas a aprendizagem não poderia ser explicada com base em fatores cognitivos (mentais), mas apenas pelos princípios do comportamento operante ou dos reflexos condicionados. Esta ideia contrariava Bandura, pois não leva em consideração a capacidade humana de aprender por imitação ou por modelos. Por exemplo, caso você queira aprender a costurar, é bem provável que o fato de ver alguém remendando uma roupa lhe permita ter uma vaga ideia de como se deve segurar uma agulha ou passar a linha nela. Logo, em determinada ocasião, você poderá tentar costurar com base na imitação ou no modelo que registrou em sua memória de alguém costurando. Segundo Bandura, a aprendizagem vicária2 diz respeito ao processo em que “novas respostas são adquiridas ou respostas já existentes são modificadas em

2  De acordo com o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1995), vicário refere-se àquele “que faz as vezes de outrem ou de outra coisa; diz-se do poder exercido por delegação de outrem” (p. 672). Salientamos que aprendizagem vicária pode ser também denominada aprendizagem vicariante.

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decorrência da observação do comportamento de outras e de suas consequências reforçadoras, sem que haja desempenho aberto do observador durante o período de exposição ao modelo” (COSTA, 2008, p. 134). Na aprendizagem vicariante, a capacidade de emitir respostas ou de imitá-las com base em um modelo, é fruto da semelhança na estimulação e de processos cognitivos. Isto é, o aprendiz ao observar um modelo em determinada situação, é capaz de aprender quando se encontra diante de estímulos parecidos com aqueles que constavam na ocasião de aprendizagem. Como isto ocorre? Grosso modo, o indivíduo detém a capacidade de simbolizar os estímulos presentes na ocasião de aprendizagem de modo a aplicar estes símbolos em situações de estimulação semelhante (COSTA, 2008). Repare novamente na importância que o teórico atribui à intencionalidade e aos recursos simbólicos presentes nas ações humanas que, dessa forma, são dotadas de propósitos e sentido (significação). Para Gazzaniga e Heatherton (2005), Bandura comprovou a aprendizagem vicária a partir de um experimento em que crianças assistiam a um vídeo no qual um adulto-modelo brincava de modo agressivo com um João-bobo. O filme era composto de três finais diferentes: (1) o modelo não recebia nenhuma consequência após o espancamento do boneco, (2) o modelo era elogiado e recebia doces, (3) o modelo era espancado e advertido verbalmente. As crianças foram divididas em três grupos conforme o final do vídeo a que assistiam, sendo levadas a uma sala em que também havia um João-bobo. Aquelas que observaram o adulto sendo elogiado emitiram maior taxa de comportamentos agressivos em relação ao boneco do que as outras. Estas últimas crianças não aprenderam a agredir o João-bobo? Muito pelo contrário, em outra situação, receberam presentes para imitar o comportamento de espancar o boneco, e todas conseguiram fazê-lo. De acordo com Gazzaniga e Heatherton (2005), “é importante distinguir entre a aquisição de um comportamento e seu desempenho. Todas as crianças aprenderam o comportamento, mas apenas as que viram o modelo ser recompensado executaram o comportamento” (p. 201-202, grifos dos autores).

CONEXÃO Você pode assistir a imagens do vídeo do experimento realizado por Bandura e seus alunos com crianças e o boneco João-bobo, ao clicar no seguinte link:

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2.15.3  Capacidade de previsão Para Bandura (2008b), o modo como o indivíduo se projeta no tempo baseia-se em planejamentos futuros e manifesta-se de diversas formas. Os indivíduos propõem objetivos a si mesmos, estabelecem as prováveis consequências de suas ações, planejam-nas de modo a obterem êxito e a evitarem o fracasso. Por exemplo, quando vamos nos preparar para um concurso, estudamos bastante a fim de que sejamos aprovados. Para isto, organizamos uma agenda de estudos e de aulas. Além disso, prevemos que caso consigamos resultado positivo na prova, teremos melhorias materiais, dentre outras, em nossas vidas. Nas palavras de Bandura (2008b): Pelo exercício do pensamento antecipatório, as pessoas se motivam e guiam suas ações em antecipação aos eventos futuros. Quando projetada para um período de tempo prolongado com relação a questões importantes, uma perspectiva antecipatória proporciona direção, coerência e significação para a vida do indivíduo. À medida que as pessoas avançam em suas vidas, elas continuam a planejar para o futuro, reorganizar suas prioridades e estruturar suas vidas (p. 75).

Os acontecimentos futuros antecipam-se na mente, “são representados cognitivamente no presente” (p. 75), pois são previstos e transformados em fatores motivadores e que influenciam o comportamento atual. Os indivíduos apresentam a capacidade de se auto-orientar já que preveem as consequências de seus atos, o que passa a motivar e a direcionar seu comportamento. No entanto, as ações humanas não são apenas resultado da antecipação de consequências reforçadoras ou punitivas externas, pois além da auto-orientação, as pessoas detêm a capacidade de dirigir seus comportamentos com base em autoavaliações (BANDURA, 2008b), como veremos nos itens a seguir. 2.15.4  Capacidade autorreguladora Os sujeitos regulam o padrão de seus comportamentos em função de condições ambientais e cognitivas (BANDURA, 2008b). Segundo o modelo do “determinismo recíproco”, nossas ações são afetadas pelo ambiente e por nossas capacidades cognitivas. Esta ideia está sendo explicada em detalhes a fim de que você compreenda como a regulação comportamento / ambiente / cognição ocorre.

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Conforme Bandura (2008b), os sujeitos não apenas planejam e antecipam suas ações. Após estabelecerem um plano, eles devem se empenhar em esforços e comportamentos adequados que os levem às metas propostas. Para isto, são necessários processos de autorregulação do pensamento à ação. De acordo com Polydoro e Azzi (2008), este conceito refere-se ao “mecanismo interno consciente e voluntário de controle, que governa o comportamento, os pensamentos e os sentimentos pessoais tendo como referência metas e padrões pessoais de conduta a partir dos quais se estabelece consequência para o mesmo” (p. 151). Para as autoras, os procedimentos de autorregulação se fazem presentes ao longo de toda a vida dos indivíduos e possibilitam que esses avaliem sua conduta regularmente. Segundo Pajares e Olaz (2008), as pessoas detêm funções autorreguladoras que possibilitam a modificação de seu próprio comportamento. O modo como cada sujeito regula suas ações depende da capacidade de se auto-observar e de se automonitorar, a partir da condição de avaliar suas condutas e escolhas. 2.15.5  Capacidade autorreflexiva Além de mecanismos que permitem monitorar suas ações, conforme exposto anteriormente, os indivíduos são dotados da capacidade autorreflexiva, ou seja, examinam seu próprio funcionamento. Segundo Bandura (2008b), “pela autoconsciência reflexiva as pessoas avaliam suas motivações e valores, bem como o significado das buscas de suas vidas. É nesse nível superior de autorreflexão que os indivíduos abordam conflitos entre incentivos motivacionais e decidem agir em favor de um ou de outro” (p. 78). Ainda segundo este autor, com base no referido recurso cognitivo, pode-se avaliar a adequação entre o pensamento prospectivo (que prevê as consequências) com os efeitos dos próprios atos (resultados já existentes). Para Bandura (2008b), dentre os recursos reflexivos, as crenças pessoais ocupam papel central, pois possibilitam “comparar” aspectos pessoais (cognitivos) com elementos do ambiente. Para que os indivíduos empenhem-se em seus objetivos, é preciso que acreditem ter condições de alcançar os resultados esperados e, assim, se precaver dos insucessos, o que lhes permite superar as dificuldades existentes. Por exemplo, para que você se esforce a estudar determinada disciplina do curso de Serviço Social, é necessário ter certa convicção (crença) de que isto lhe propiciará ser aprovado no módulo e, futuramente, obter o diploma que lhe confere direito de exercer a profissão de assistente social. Segundo Bandura (2008b), ainda que outros aspectos possam servir como mocapítulo 2

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tivadores, os sujeitos devem ter a crença básica de que são capazes de perseguir e alcançar seus objetivos, isto é, de que têm “poder para produzir efeitos por meio das próprias ações” (p. 78), a este fenômeno dá-se o nome de autoeficácia. De acordo com Pajares e Olaz (2008): Essencialmente, as crenças de autoeficácia são percepções que os indivíduos têm sobre suas próprias capacidades. Essas crenças de competência pessoal proporcionam a base para a motivação humana, o bem-estar e as realizações pessoais. Isso porque, a menos que acreditem que suas ações possam produzir os resultados que desejam, as pessoas terão pouco incentivo para agir ou perseverar frente a dificuldades (p. 101).

De acordo com Álvaro e Garrido (2006), as crenças do indivíduo a respeito de sua eficácia provêm de sua história pessoal conforme os êxitos e fracassos que obteve em determinada atividade, visto que o sucesso contribui para a sensação de confiança em si mesmo, ao contrário do fracasso. Além disso, a capacidade vicária é também fonte de autoeficácia, dada a possibilidade de aprender por modelos sociais (imitação). Quando o indivíduo verifica que alguém conseguiu realizar algo que ele também almeja, sua força de autoeficácia é fortalecida desde que o modelo tenha características semelhantes às dele. Em síntese, a Teoria Social Cognitiva propõe que as ações humanas resultam da integração do comportamento com os aspectos cognitivos (pessoais) e do ambiente (meio). Os três fatores determinam-se e influenciam os atos humanos em cada situação. Dada sua capacidade simbólica/intencional, os indivíduos não apenas planejam seus objetivos, como também avaliam as condições atuais de seu meio (características do lugar que estão), e suas chances de sucesso ou fracasso em realizar algo. Para isto, contribuem as crenças de autoeficácia, a capacidade de acreditar nos recursos que se têm.

CONEXÃO Acesse o link: e observe como os personagens Calvin e Haroldo expressam três elementos do determinismo recíproco: ambiente (escola), comportamento (não fazer a prova) e cognição (colar ou não colar). Repare como os três componentes estão integrados à situação vivida pelo personagem. Autor: Bill Watterson.

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ATIVIDADE 1.  Defina o conceito de comportamento operante. 2.  Os funcionários de uma fábrica devem chegar às 7 horas da manhã para trabalhar. No entanto, a maioria tem chegado às 7:15 da manhã. Para modificar esse comportamento, o gerente decidiu utilizar o conceito de “reforço positivo”. Com base nesta informação: a) defina o que é reforço positivo. b) dê um exemplo de como o gerente pode utilizar este conceito para fazer com que os funcionários cheguem no horário adequado. 3.  Defina o conceito de punição positiva e punição negativa e dê umexemplo a respeito de cada um. 4.  Por quais razões Skinner acredita que a mente não poderia ser considerada uma categoria explicativa do comportamento? 5.  Explique o modelo do determinismo recíproco proposto por Bandura. 6.  Explique o que é autoeficácia.

REFLEXÃO Conforme você estudou ao longo desse capítulo, o Behaviorismo é uma área da Psicologia que visa, a partir da realização de experimentos e intervenções controladas, “descobrir” princípios que organizam o comportamento. Atualmente, esta teoria vem sendo utilizada em diversos setores: organizações, hospitais, escolas, dentre outros. A Psicologia Comportamental nos coloca diante da questão do controle, pois evidencia que nossas ações diárias são ordenadas de forma contingente. Por outro lado, esta teoria vem recebendo diversas críticas por parte de psicólogos, filósofos, dentre outros pesquisadores, que afirmam que ela reduz o ser humano à associação “estímulo-resposta”, negando qualquer elemento afetivo, cognitivo (mental) em suas ações. Portanto, estudar o controle do comportamento nos proporciona discutir se somos controlados ou se temos alguma margem de liberdade em nossas ações. Vimos ainda que os elementos do determinismo recíproco encontram-se integrados em nossas vidas, uma vez que diariamente você está imerso em componentes ambientais, cognitivos e comportamentais mesmo que não tenha consciência disto. Com base nesse conceito da

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Teoria Social Cognitiva, você pode refletir sobre as diversas situações profissionais e pessoais com as quais você se depara diariamente.

LEITURA O livro Princípios básicos de análise do comportamento, de Márcio Borges Moreira e Carlos Augusto de Medeiros, apresenta em linguagem acessível e de modo prático as principais contribuições teóricas e conceituais do Behaviorismo. •  MOREIRA, M. B.; MEDEIROS, C. A. Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007. O artigo “Seleção por consequências”, assinado por Skinner e publicado originalmente na prestigiada revista Science, em 1981, apresenta explicações aprofundadas sobre como o comportamento mantido pelas contingências ambientais. •  SKINNER, B. F. Seleção por consequências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 129-137, 2007/1981. Disponível em: . O livro Teoria social cognitiva: conceitos básicos apresenta uma coletânea de textos de Bandura e de professores brasileiros, argentinos e americanos a respeito desta corrente da Psicologia. Nessa obra, você conhecerá com maior profundidade as propostas de Bandura a partir de importantes trabalhos de sua autoria, além de outros assinados por pesquisadores que são expoentes nessa área da Psicologia. •  BANDURA, A. O sistema do self no determinismo recíproco. BANDURA, A.; AZZI, R. G.; POLYDORO, S. et al. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed, 2008.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ÁLVARO, J. L.; GARRIDO, A. Psicologia social: perspectivas psicológicas e sociológicas. São Paulo: McGraw-Hill, 2006. ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Temas de filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1998. BANDURA, A. O sistema do self no determinismo recíproco. In: BANDURA, A.; AZZI, R. G.; POLYDORO, S. et al. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed, 2008a. p. 43-67. ______. A teoria social cognitiva na perspectiva da agência. In: BANDURA, A.; AZZI, R. G.; POLYDORO, S. et al. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed, 2008b. p. 69-96. ______. O exercício da agência humana pela eficácia coletiva. In: BANDURA, A.; AZZI, R. G.; POLYDORO, S. et al. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed, 2008c. p. 115-122. BACHARACH, A. J. Características e objetivos da ciência. In: _____. Introdução à pesquisa psicológica. São Paulo: Herder, 1969. p. 25-51. BALDWIN, J. D.; BALDWIN, J. I. Behavior principles of every day life. Santa Barbara: University of California, 1986. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999. BORGES, N. B. Análise aplicada do comportamento: utilizando a economia de fichas para melhorar desempenho. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 31-38, 2004. CARVALHO NETO, M. B. Análise do comportamento: behaviorismo radical, análise experimental do comportamento e análise aplicada do comportamento. Interação em Psicologia, Curitiba, v. 6, n. 1, p. 13-18, 2002.

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MODESTO, L. Bolsa família: regras e resultados. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2010. Disponível em: . Acesso em: 1 out. 2012. MOREIRA, M. B.; MEDEIROS, C. A. Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007. NEUFELD, C. B.; BRUST, P. G.; STEIN, L. M. Bases epistemológicas da psicologia cognitiva experimental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 27, n. 1, p. 103-112, 2011. OLIVEIRA, L. M. Manuscritos não publicados: disciplina Psicologia Geral e Experimental I oferecida no curso de graduação em Psicologia do Departamento de Psicologia da FFCLRP-USP. Ribeirão Preto, SP: FFCLRP-USP, 2003. PAJARES, F.; OLAZ, F. Teoria social cognitiva e autoeficácia: uma visão geral. In: BANDURA, A.; AZZI, R. G.; POLYDORO, S. et al. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 97-114. PIANA, M. C. O serviço social na contemporaneidade: demandas e respostas. In: _____. A construção do perfil do assistente social no cenário educacional. São Paulo: Ed. UNESP, Cultura Acadêmica, 2009. p. 85-117. POLYDORO, S. A. J.; AZZI, R. G. Autorregulação: aspectos introdutórios. In: BANDURA, A.; AZZI, R. G.; POLYDORO, S. et al. Teoria social cognitiva: conceitos básicos. Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 149-164. ROSE, J. C. Que é comportamento? In: BANACO, R. A. (Org.). Sobre comportamento e a cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. São Paulo: Arbytes, 1997. p. 79-81. SANTAELLA, L. Mente modular, sentidos dominantes e as três matrizes. In: _____. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual, verbal. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, FAPESP, 2005. p. 55-80. SIDMAN, M. Nem todo controle é coerção. In: _____. Coerção e suas implicações. Campinas, SP: Editorial Psy, 1995. p. 44-64.

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______. Técnicas operantes. In: BACHARACH, A. J. (Org.). Fundamentos experimentais da psicologia clínica. São Paulo: Herder, 1972. p. 215-266. SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ZILIO, D. Fundamentos do behaviorismo radical. In: _____. A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente. São Paulo: Ed. UNESP / Cultura Acadêmica, 2010. p. 63-140.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO No próximo capítulo vamos pensar sobre uma importante abordagem da psicologia, a psicanálise. Vamos conhecer os principais conceitos ligados a essa tão respeitável escola que estuda o inconsciente. Vamos também pensar sobre a busca da saúde mental na perspectiva psicanalítica.

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3  O estudo do Inconsciente e a Busca da Saúde Mental OBJETIVOS •  Conhecer os principais conceitos da teoria da psicanálise e ser capaz de reconhecer como se dá o funcionamento mental, bem como sua dimensão inconsciente. •  Aprender o conceito de Personalidade segundo Freud. •  Conhecer como se dá o funcionamento mental, bem como sua dimensão inconsciente. •  Compreender que o inconsciente não é uma região em simples oposição à consciência, dado que há uma complexa relação entre diferentes instâncias psíquicas, pois pode haver conflito entre distintas regiões inconscientes. •  Verificar que a mente mantém relação com o ambiente externo, incluindo seus aspectos culturais.

REFLEXÃO Alguma vez você teve algum sonho cujo “significado” não conseguiu entender? Já disse uma coisa para alguém que não era exatamente o que tinha intenção de dizer? Geralmente, pensamos que os sonhos e pequenos erros cotidianos não dizem nada sobre nossa vida e personalidade, mas será mesmo assim? Alguma vez você “ouviu” uma “voz” dentro da sua cabeça lhe dizendo o que é certo ou errado? Você já fez algo que sua família não aprova e, antes mesmo de seus pais o saberem, sentiu-se culpado? Aproveite o estudo deste capítulo, a Psicanálise, para relembrar suas relações com suas figuras de autoridade presentes na família, nas instituições educacionais e nas organizações. Assim, com base na leitura deste capítulo, você poderá compreender, ainda que parcialmente, a importância destes vínculos para que você pudesse entender o que era “certo” ou “errado”, sobretudo na infância e na juventude, além das ocasiões em que teve de frear seus desejos a fim de ser “agradável” aos outros. É provável que após a leitura deste capítulo você possa ver a sua vida – e a dos outros – com “novos olhos”!

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3.1  Introdução Geralmente, quando vamos explicar para alguém o motivo de certo comportamento ou sentimento, justificamo-nos dizendo que isso acontece porque temos “determinada personalidade”. Uma pessoa dá risada, está sempre de bom humor, faz amizades rapidamente porque é alegre, extrovertida, “de bem com a vida”. Ou um chefe dá ordens aos berros, não conversa com seus funcionários, cobra prazos impossíveis de serem cumpridos, porque é uma pessoa “nervosa”, estressada e que “só pensa no trabalho”. Por que uma pessoa pode ser classificada como “de bem com a vida” e outra como “nervosa”? E por que ela pode ser alegre e expansiva em uma situação, mas de repente ficar tímida em outra? Ou de que modo o chefe acima referido pode repentinamente chegar ao escritório de bom humor? Como explicar estas mudanças? É claro que muitas vezes passamos por situações que mudam nosso humor. Quem não ficaria alegre ao ganhar na loteria ou triste pela perda de um ente querido? Entretanto, como explicar aquele dia em que você acorda de mau humor sem ter motivo, ou quando tem vontade de chorar, entre outros comportamentos e emoções sem explicação? A Psicanálise é um dos ramos da Psicologia que investiga a formação da personalidade, entendida como a forma mais ou menos constante pela qual as pessoas percebem, sentem e agem diante do mundo (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999). Por tratar de fenômenos inconscientes, como você notará adiante, a teoria psicanalítica possibilita a compreensão de comportamentos e sentimentos que parecem não ter sentido algum para o indivíduo, por exemplo: erros cometidos ao ler uma palavra ou ao escrever, esquecimentos, sonhos, dentre outros fenômenos do dia a dia. A Psicanálise também se dedica à compreensão e tratamento de diversos sintomas patológicos. A psicopatologia estuda o que se passa no indivíduo com sofrimento mental. O que identifica a presença de uma doença mental, ou seja, de uma psicopatologia, é a presença de sintomas (pensamentos, comportamentos e sentimentos que caracterizam a doença e geram alguma forma de sofrimento ou prejuízo mental). Este conhecimento é importante ao assistente social, principalmente quando trabalha em serviços de Saúde Mental (ambulatórios e hospitais psiquiátricos, grosso modo), e tem de lidar com o sofrimento psíquico dos pacientes, com seu raciocínio confuso ou mesmo psicótico e seus comportamentos tidos como estranhos.

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Ficou curioso? Acompanhe um pouco desta jornada pelas profundidades do psiquismo humano, que se iniciou no final do século XIX e segue até hoje.

3.2  A concepção de homem antes de Freud Para entendermos qual a importância de Freud para nossa época, precisamos conhecer um pouco quais eram as concepções de homem que dominavam a ciência e a Filosofia, antes mesmo da Psicologia surgir como ciência, o que só decorreu em 1879, com a criação do Laboratório de Psicologia Experimental de Wundt, na Alemanha, de acordo com Silva e Corgozinho (2011). Para isto, vamos falar um pouco de história, e voltar ao final da Idade Média e início da Moderna, onde importantes mudanças ocorreram no campo do conhecimento, da razão. Na Idade média, o ser humano era então o centro da criação de Deus, posição privilegiada que contribuiu para o que se pode chamar, de acordo com Freud, de “narcisismo1 universal dos homens” (1917/2006, p. 149)2, isto é, o sentimento de superioridade da “raça humana”. Para Freud, ao longo da Idade Moderna e da Contemporânea o referido narcisismo persistiu, mas aos poucos passou por duros golpes que diminuíram cada vez mais sua força no pensamento dos indivíduos. Primeiramente, ele aponta para o “golpe cosmológico” (1917/2006, p. 150), ocorrido quando Copérnico comprovou que o planeta Terra não ocupa o centro do universo, mas que gira em torno do Sol, contrariando o conhecimento estabelecido da época. O homem deixou de ocupar o centro do universo, mas ainda se via como “raça dominante” do planeta, acima dos animais e diferente deles, racional, portador de uma alma imortal (FREUD, 1917/2006). Foi nesta ilusão de superioridade que incidiu o segundo golpe, de natureza biológica. Charles Darwin, fundamentado em sua teoria evolucionista, comprovou a descendência comum do ser humano com os animais. Hoje se sabe que em termos genéticos o homem é quase idêntico aos macacos. Segundo Freud, sua teoria desferiu o terceiro golpe no narcisismo humano, desmentindo a pretensão de que este tinha de ser o dono de sua própria 1  Característica psicológica marcada pela superestimação do eu a despeito dos outros. Este fenômeno foi descrito baseado no mito de Narciso, que ficou tão encantado com a sua beleza refletida no lago que acabou afogando-se. 2  Neste livro, para facilitar a identificação dos textos mencionados, nas citações à obra de Freud consta o ano de publicação original do estudo em questão seguido da data de publicação da edição consultada. Nas referências, procede-se de maneira semelhante.

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mente, de ter consciência absoluta de quem era e de seus conteúdos psíquicos. Antes de entender a profundidade deste golpe psicológico (FREUD, 1917/2006), é preciso compreender historicamente a importância que a Filosofia e a ciência atribuem à razão como faculdade que define a essência do homem. O fim da Idade Média é marcado por importantes mudanças na forma de expressão da razão humana, ou seja, de nossa capacidade de acessar um conhecimento que seria universal e independente das condições particulares de vida de cada pessoa (ABBAGNANO, 2007). O período medieval da história europeia marca a preponderância do imbricamento (associação) da filosofia grega à religião cristã. Sob a tutela da igreja católica, diversos pensadores como Agostinho e Tomás de Aquino usavam argumentos racionais no sentido de ratificar as verdades da fé cristã. Já a Idade Moderna passou por um processo de questionamento da filosofia medieval cristã, que inibia o avanço do conhecimento caso esse questionasse os dogmas religiosos. Foi neste clima que o pensamento científico foi ganhando forma. A Idade Moderna culminou no Iluminismo, movimento cultural que enfatizava o poder da razão3 na busca pela verdade e pelo conhecimento, período do surgimento das primeiras enciclopédias e das revoluções contra os regimes totalitários, como a Revolução Francesa, que marca o início da Idade Contemporânea. Nesta época, o poder da razão era soberano, julgava-se que a consciência tinha per se a capacidade para alcançar o conhecimento da realidade do mundo. A máxima de Descartes – “Penso, logo existo” – traduzia o poder do pensamento racional, pois significa que é ele quem funda nossa possibilidade de conhecimento do mundo e também nossa existência. Portanto, pode-se dizer, grosso modo, que a cultura iluminista coloca a razão como a principal ferramenta de acesso à verdade. Todo erro, toda ilusão seria uma deturpação, um desvio do pensamento, geralmente influenciado pela percepção ou pelo sentimento. Ainda hoje se pensa assim, muitos dizem que toda emoção intensa por demais nos deixa cegos, ou seja, nos impede de pensar. Pode-se notar esta ideia nos versos da poesia intitulada “Fanatismo” da poeta portuguesa Florbela Espanca (1894-1930): “Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida, Meus olhos andam cegos de te ver! Não és 3  Segundo Abbagnano (2007, p. 835), a razão é “referencial de orientação do homem em todos os campos em que seja possível a indagação ou a investigação, [...] uma ‘faculdade’ própria do homem, que o distingue dos animais”. O importante nessa concepção, segundo Abbagnano, é que a razão nos liberta da ilusão e do mito, “permitindo estabelecer um critério universal ou comum para a conduta do homem em todos os campos”.

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sequer razão de meu viver, Pois que tu és já toda a minha vida!”. De acordo com os iluministas, com o exercício da razão e com a utilização de um método rigoroso de pensamento e de pesquisa científica, tais desvios seriam eliminados. Imagine nossa mente como uma casa, e nós estamos dentro dela. Para ver o que está fora, olhamos pela janela. A razão seria o límpido vidro que nos permite ver perfeitamente o exterior. As emoções seriam como uma poeira que embaça o vidro e dificulta a visão do que é verdadeiro. Para podermos enxergar novamente, temos que limpar as janelas, ou seja, eliminar nossas emoções e opiniões pessoais, buscando uma verdade universal. É com relação a esta ideia que Freud coloca a Psicanálise como revolucionária. Ele mostra, por meio de sua teoria, que “o ego não é o senhor de sua própria casa” (FREUD, 1917/2006, p. 153). Com esta frase, o autor aponta que há na mente humana conteúdos desconhecidos pelo indivíduo, que o ego, sede da razão, não domina todo o funcionamento mental, e geralmente se encontra subordinado a processos mentais decorrentes de impulsos e desejos pessoais do indivíduo. Voltando ao exemplo da mente como uma casa, para Freud, nossas janelas não seriam totalmente transparentes. Feitas de um vidro turvo, nossas janelas mentais distorcem o que vemos, conforme nossos desejos, emoções e traumas. Nossa mente é, portanto, dividida em diferentes partes que entram em conflito entre si, e o que temos consciência é somente dos restos dessa batalha. Com base nas ideias expostas, você conhecerá a seguir quem foi Freud e quais são os principais conceitos da Psicanálise. Será apresentado em maiores detalhes como a mente está divida e como ela funciona, constituindo a personalidade de cada um de nós como singular, isto é, única.

3.3  Origens da Psicanálise: Sigmund Freud Sigmund Freud (1856-1939) nasceu em Freiberg, atual República Tcheca, mas mudou-se muito cedo para Viena. Aos 17 anos ingressou na faculdade de Medicina de Viena, e ganhou relativa notoriedade com seus estudos sobre neurologia e fisiologia, resolvendo especializar-se em Psiquiatria. O trabalho clínico na área das doenças mentais nesta época não detinha grandes técnicas para lidar com os distúrbios chamados de “neuropsicológicos”, geralmente empregavam-se banhos, massagens, repousos e alguns barbitúricos4 (ZIMERMAN, 1999, p. 43). 4  Remédios de ação sedativa e calmante.

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WIKIMIDIA

Figura 1 – Sigmund Freud, em 1922, pensador fundamental da Modernidade, fundador da Psicanálise.

ATENÇÃO Hipnose refere-se a uma técnica em que o hipnotizador induz na pessoa um estado alterado de consciência (semelhante ao sono) tornando-a sugestionável, pois passa a recordar-se de fatos que não tinha acesso de modo consciente. Há casos em que pode acatar ordens e segui-las, mas quando desperta não consegue lembrar-se do que houve e do que fez, a não ser que o hipnotizador ordene que ela preserve a lembrança do fato.

Entretanto, na França, o psiquiatra Jean Charcot empregava a técnica da hipnose para eliminar sintomas da histeria, doença cujo nome vem de histeros, que significa útero, em grego, pois era atribuída normalmente às mulheres (ZIMERMAN, 1999). A histeria caracteriza-se por sintomas psicológicos (amnésia/esquecimentos, sonambulismo, mudanças na personalidade) e somáticos (anestesia e perda de movimento de parte do corpo, cegueira psíquica, tremores e tiques, dentre outros), sem que haja nenhuma causa orgânica. Ao final de sua residência médica, Freud ganhou uma bolsa para estudar em Paris com Charcot, e pôde ver como a hipnose era capaz de remover os sintomas histéricos.

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Quando retornou a Viena, Freud passou a utilizar a hipnose em sua clínica. Nesse período publica a obra “Estudos sobre a Histeria” (1893-1895/2006), que escreveu em conjunto com outro psiquiatra, Josef Breuer. Os casos clínicos nela apresentados mostram como Freud foi aperfeiçoando sua técnica e sua compreensão dessa patologia, momento importante para o desenvolvimento da psicanálise enquanto ciência psicológica e forma de tratamento. Um dos casos atendidos por Breuer, Anna O., e relatado na obra, possibilitou uma análise minuciosa de como os sintomas da paciente estavam ligados a lembranças traumáticas. Acompanhe a seguir um pouco mais desse estudo. Anna O. desenvolveu seus sintomas histéricos na época em que cuidava de seu pai, gravemente enfermo. A moça apresentava vários sintomas, como paralisia dos membros superiores e inferiores e do pescoço, em diferentes graus, dificuldade para beber e comer, sonambulismo, confusão mental e estados de absence5. Não havia nenhuma patologia orgânica confirmada, e a paciente não conseguia compreender conscientemente a origem de seus sintomas. Todavia, sob o efeito da hipnose, ela pôde associar tais efeitos a lembranças que foram especialmente traumáticas. Por exemplo, a paciente passou pouco mais de um mês sem conseguir beber nada, mesmo tendo muita sede. Ela sobrevivia à base de líquidos obtidos em frutas, como o melão. Certa vez, durante a hipnose, demonstrando grande repugnância, ela se lembrou de um dia em que viu sua empregada dar água para um pequeno cachorro, que a paciente detestava, em uma xícara. Quando despertou do estado hipnótico, Anna O. pediu água e bebeu-a sem problemas. Destaca-se que não foi a mera lembrança do fato que eliminou o sintoma, mas sim a descarga afetiva associada ao acontecimento e liberada na ocasião de sua recuperação na memória (FREUD; BREUER, 1893-1895/2006). Freud notou que nas pacientes histéricas experiências traumáticas criavam uma espécie de dissociação psíquica: uma parte de seus conteúdos mentais era mantida separada, reprimida, como se estivesse sido esquecida, mas ainda exercia seus efeitos na consciência, de modo simbólico. A repugnância de Anna O. no momento em que viu o cachorro tomando água na xícara foi imediatamente reprimida, tal era sua preocupação com a saúde de seu pai, mas retornou de forma simbólica, como uma recusa em beber água (FREUD; BREUER, 1893-1895/2006). A necessidade de descarga desta emoção represada foi o que motivou a formação do sintoma. Esse se torna um substituto do desejo, troca sua expressão normal por algo que a simbolize. No caso do sintoma de Anna O., o que estava reprimido 5  “Alteração de personalidade acompanhada de confusão” (FREUD, 1910/2006, p. 29).

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era a cólera que ela sentiu pela empregada e que foi abafada, pois, segundo Freud e Breuer (1893-1895/2006, p. 69), ela “quisera ser gentil”. A análise de outras queixas da referida paciente forma um processo parecido, no qual uma memória é reprimida e retorna sob a forma de um sintoma. Conclui Freud que: Todos os seus sintomas voltavam a fatos comovedores que experimentara enquanto cuidava do pai; isto é, seus sintomas tinham um significado e eram resíduos ou reminiscências daquelas situações emocionais. Verificou-se na maioria dos casos que tinha havido algum pensamento ou impulso que ela tivera de suprimir enquanto se encontrava à cabeceira do enfermo, e que, em lugar dele, como substituto do mesmo, surgira depois o sintoma (FREUD, 1925/2006, p. 27, grifo nosso).

Nesse momento, Freud dá início às suas primeiras elaborações sobre o mecanismo psíquico que envolve as patologias psicológicas. Entretanto, tal teoria só se mostra mais completa quando ele realiza profundas modificações em seu método, abandonando a hipnose, pois nem todos os pacientes podiam ser hipnotizados, e na maioria das vezes esta técnica não alcançava profundamente a mente a ponto de atingir as diversas lembranças ligadas aos sintomas. Freud passou a utilizar uma técnica mais ativa: dizia ao paciente que ele era capaz de lembrar-se da situação que originou o sintoma, caso realizasse algum esforço para tal. Assim, tocava a testa do paciente e dizia que quando fizesse isto, ele se lembraria. Notou, então, com essa técnica, algo que a hipnose ocultava: toda situação esquecida remetia a uma situação aflitiva ou vergonhosa para o paciente (FREUD, 1925/2006). Para que esse conteúdo voltasse a se tornar consciente, era necessário grande esforço por parte do paciente e do analista (um médico à época do estudo), a fim de conseguir superar essa “força” que impedia o retorno do esquecido, denominada resistência por Freud. A partir deste fato, ele elaborou sua teoria sobre a repressão a ser tratada adiante. Entretanto, por ideia de uma de suas pacientes, Freud modificou novamente seu método. Ela reclamou da insistente interferência de Freud em sua fala, questionando-a a todo o momento, e disse que seria melhor se ela pudesse falar livremente. O médico aceitou o pedido da enferma, e percebeu que, quando estas associavam livremente em seu discurso, o conteúdo esquecido começava espontaneamente a emergir, e a riqueza das ligações simbólicas entre os diferentes acontecimentos da vida dos pacientes permitia uma aná-

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lise mais profunda de sua patologia. A esse método Freud intitulou de associação livre, técnica de certa forma ainda hoje empregada pelos psicanalistas. Desde a época da hipnose, Freud utilizava-se de um divã, para manter os pacientes deitados durante o processo analítico. Mesmo quando abandonou esta técnica e criou o método associativo, ele manteve o uso do divã, geralmente sentando-se fora da visão do paciente, deixando-o mais à vontade e auxiliando a queda das resistências internas.

Figura 2 – Geralmente, no atendimento psicanalítico, o paciente deita-se em um divã, e passa a falar livremente, havendo poucas intervenções do terapeuta, que faz questões, destaca pontos importantes e mostra o significado de alguns comportamentos e sentimentos.

Segundo LAPLANCHE e PONTALIS (1988, p. 71-72), a associação livre é “um método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que acodem ao espírito, quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma espontânea”. Essa expressão deve ser livre, pois se tenta eliminar qualquer escolha voluntária do que vem à mente, abrindo-a assim aos efeitos da relação entre nossa consciência e os conteúdos inconscientes.

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3.4  Da patologia à normalidade De acordo com FREUD (1925/2006, p. 47-48), o método da associação livre e a interpretação dos sintomas com base na história individual ampliou definitivamente o alcance da teoria psicanalítica. Até esse momento, toda análise empreendida por ele dirigia-se apenas para as neuroses, ou seja, seu modelo de funcionamento psíquico sobre a divisão da mente em instâncias dissociadas (separadas) se referia somente à formação de sintomas psicopatológicos. Entretanto, Freud não observava somente as manifestações mentais patológicas, mas sempre observou as mais diversas formas de expressão do psiquismo, inclusive nas pessoas tidas como normais, percebendo uma similaridade entre o esquema teórico de compreensão das neuroses e o funcionamento psíquico normal. Primeiramente, vamos retomar as descobertas freudianas tratadas até agora e que podem ser resumidas em sua teoria da repressão: quando, em determinado momento, surge no paciente um desejo ou impulso tido como inaceitável para ele, devido à sua educação moral (punições, regras), por exemplo, há um conflito interno que resulta na repressão desses impulsos, que passam a viver em uma esfera separada da mente. Tal desejo é imediatamente esquecido, mas nem por isso ele deixa de existir, pois continua a agir internamente, fora da consciência, visando a sua satisfação (FREUD, 1910/2006). Ele se transforma e se disfarça, tornando-se quase irreconhecível à consciência, podendo aparecer na forma de um sintoma. Mesmo disfarçado, o sintoma encontra-se ligado ao desejo original e à dor que este representa, de modo que o paciente passa a ter um sofrimento interminável. A Psicanálise, por meio da associação livre, objetiva encontrar as ligações entre o sintoma e os fatos esquecidos ligados ao sintoma. Devido ao processo inconsciente que procura manter este conteúdo fora da consciência, há ação da resistência que intenta bloquear as associações e impedir a descoberta do conteúdo inconsciente. Por meio da interpretação das associações e das resistências do paciente, Freud conseguia que aquele aos poucos se recordasse dos eventos traumáticos e assim compreendesse o sentido de seus sintomas, que eram então eliminados. É importante destacar que esta teoria ainda é parcial, e será modificada e complementada no decorrer das pesquisas de Freud. Mas até agora, é preciso que você compreenda que há um funcionamento mental fora de nosso controle consciente que procura, por um lado, satisfazer certos impulsos e, por outro, impedir que eles provoquem sofrimento. No caso de Anna O., caso a ideia percapítulo 3

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turbadora tivesse se tornado consciente antes do processo descrito, ela poderia ter sido aprovada ou reprovada pelo julgamento racional, e assim poderia ser até esquecida. Mas o esquecimento proporcionado pela repressão preserva este impulso ou lembrança inata no inconsciente que acaba provocando os sintomas, como aqueles que afetaram a referida paciente. Pode-se afirmar que nosso corpo e nossa mente encontram formas indiretas de se expressar. E isso não se restringe à patologia. Quantas vezes, no seu dia a dia, você não mudou a forma de dizer alguma coisa, dizendo indiretamente algo que não seria conveniente deixar às claras, ou mesmo para ser irônico ou contar uma piada? A este respeito, veja o exemplo abaixo da série de televisão “Chaves”6: “Senhor Barriga, o senhorio, ao Chaves: — Vou mandar consertar as fachadas da dona Florinda e da dona Clotilde. — Bem que as duas estão precisando”. (grifo nosso)

O que temos aqui é um chiste, tal como descrito por Freud. Chistes são aquelas piadas que surgem repentinamente em um diálogo, e que provocam grande efeito de riso, pelo duplo sentido dado à determinada expressão. No caso acima apresentado, Sr. Barriga estava aludindo à fachada das casas de Dona Florinda e de Dona Clotilde, enquanto senhorio (quem aluga as casas da vila) e responsável pela manutenção das residências. Para Chaves, personagem principal da história, o termo “fachada” passa a ter outro sentido, referindo-se esteticamente às suas faces envelhecidas. O que proporciona o efeito cômico é a frase “as duas estão precisando”, pois a expressão “as duas” refere-se diretamente às pessoas, e não às suas casas. Há, portanto, um uso, no dia a dia, da substituição simbólica, objetivando-se expressar algo que não poderia ser claramente dito (que Dona Florinda e Dona Clotilde são feias, segundo a opinião de Chaves). Para Freud (1905/2006b), o riso provocado pelo chiste é devido à descarga de um desejo antes reprimido, e que agora encontra satisfatória expressão consciente. Para a Psicanálise, praticamente toda forma de fenômeno psíquico (percepções, fantasias, intuições, julgamentos, mesmo certos comportamentos com o seu significado para o sujeito) tem sentido, sendo determinado por um conjunto de lembranças e afetos ligados. Já no início do século XX, Freud publica inúme6 http://www.geocities.ws/jonascimento/livro/humor.html

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ros estudos sobre a dinâmica psicológica geral, tanto nos neuróticos quanto nos normais. As principais obras são “A interpretação dos sonhos” (1900/2006), “Os chistes e sua relação com o inconsciente” (1905/2006) e “Psicopatologia da vida cotidiana” (1901/2006), que demonstra que os atos falhos (troca de palavras na fala e na escrita, gestos impensados) e esquecimentos detêm um sentido de acordo com a vida pessoal de cada um. Cabe destacar que sua obra sobre os sonhos é tida como uma de suas maiores contribuições à história do pensamento, nela, o autor aponta que os sonhos não são somente resíduos de memórias do que aconteceu no dia anterior, mas que expressam um desejo reprimido do paciente. A partir da análise que empreendeu de seus próprios sonhos, somada às suas descobertas clínicas, Freud pôde elaborar seu primeiro modelo de funcionamento mental, que será discutido adiante. Antes, é preciso verificar a segunda descoberta importante de Freud, relativa ao papel da sexualidade na formação dos sintomas e nos fenômenos psicológicos aqui citados.

Figura 3 – As obras de arte do movimento surrealista, em especial de Salvador Dalí (19041989), pintor catalão, foram inspiradas na teoria psicanalítica da interpretação dos sonhos.

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3.5  Três ensaios sobre a sexualidade (1905) No tópico anterior, pudemos notar que todos nós não temos conhecimento de tudo aquilo que está por trás de nossos comportamentos, afetos e pensamentos. Atos que parecem aleatórios, acidentais, na verdade têm um sentido, com base em nossas vivências passadas. Sabemos que há algo oculto em nossa mente, mas qual é sua natureza? Apesar de seus estudos sobre as neuroses, entre elas a histeria, ter lhe propiciado uma forma de compreender como se dá a formação dos sintomas, faltava ainda a Freud o estudo da etiologia7 das neuroses (FREUD, 1925/2006), ou seja, delinear precisamente suas causas, o que torna uma pessoa vulnerável ou não a esse tipo de distúrbio psicológico. Durante o tratamento de seus pacientes, ele percebeu que os conteúdos e lembranças de origem sexual eram constantemente ligados aos sintomas. Freud inferiu, com base nos casos atendidos, que não eram todos os tipos de excitação emocional que se reprimidos levavam às neuroses, mas essencialmente os de origem sexual (FREUD, 1925/2006, p. 30). Assim, ao rever sua teoria da repressão, constatou que o conflito psíquico que envolveria as neuroses seria aquele “entre os impulsos sexuais e suas [do paciente] resistências à sexualidade” (FREUD, 1925/2006, p. 38). Ao pesquisar as lembranças sexuais dos pacientes, essas levavam Freud a cenas localizadas cada vez mais no início da vida, isto é, nas vivências da primeira infância. Cabe fazer um adendo histórico. Antes de Freud, as principais teorias acerca da sexualidade humana a tratavam como um instinto puramente biológico, centrado na reprodução da espécie e assim no prazer genital, iniciando-se com a maturação da puberdade. Entretanto, hoje é sabido, em grande parte devido a Freud (1905a/2006), que desde a tenra infância os bebês têm uma forma de vida sexual, ou seja, realizam atividades cujo único objetivo é obter prazer. Toda forma de estimulação de certas zonas sensíveis, conhecidas como zonas erógenas, é realizada por eles, desde o sugar o dedo até a masturbação infantil. Com isso, podemos perceber as dificuldades que Freud deve ter encontrado na época ao postular que havia vida sexual na infância. Entretanto, ele verificava na análise de seus pacientes a importância de determinadas vivências sexuais, causando a impressão de que sobreviveram inconscientes por toda a vida dos pacientes, levando ao surgimento da patologia neurótica mais tarde. Para entender a etiologia das neuroses, ou seja, como certas vivências sexuais 7  Estudo das causas de uma patologia.

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causavam sintomas, e porque esses só se desenvolviam mais tarde, precisamos primeiro compreender como age a sexualidade no homem. Na obra “Três ensaios sobre a sexualidade” (1905/2006a), Freud elabora a teoria do desenvolvimento da sexualidade. Para o autor, esta não se refere apenas a um instinto biológico ligado à reprodução, mas a um universo de vivências corporais por meio das quais o indivíduo busca obter prazer. No recém-nascido, ele percebe que a função sexual encontra-se mais ligada às propriedades vitais do corpo, como a alimentação e a excreção (FREUD, 1925/2006). Quando sentimos fome, ou estamos com vontade de ir ao banheiro, instala-se no corpo um estado de tensão, que aumenta progressivamente, até que finalmente, quando comemos ou utilizamos o sanitário, essa tensão se encerra e um estado de alívio e prazer se instala. É a partir deste prazer biológico que se inicia o desenvolvimento sexual dos imaturos. No início, a relação com o seio é muito importante. O bebê, com fome, ao ser colocado junto ao seio suga-o com força. Com o tempo, o bebê passa a fazer uso de atividades substitutivas para complementar esse prazer, com a chupeta ou o dedo, o chamado “chuchar” (FREUD, 1905/2006, p. 169). O sugar, que antes propiciava prazer devido ao fim da fome, agora o provoca por si só, excitando a mucosa bucal, muito sensível a estimulações. A boca se torna uma forma de relação com o mundo, e o bebê leva tudo à boca para conhecer sua forma, textura e gosto. Além disso, ele aprende a proporcionar a si mesmo uma atividade prazerosa – Freud descreve a sexualidade nessa fase como autoerótica. De acordo com Freud, a sexualidade não é um movimento contínuo e regular, pois ela: [...] tem de passar por um longo e complicado processo de desenvolvimento antes de tornar-se aquilo com que estamos familiarizados como sendo a vida sexual normal do adulto. Começa por manifestar-se na atividade de todo um grande número de instintos componentes. Estes estão na dependência de zonas erógenas do corpo; alguns deles surgem em pares de opostos (como o sadismo e o masoquismo ou os impulsos de olhar e ser olhado); atuam independentemente uns dos outros numa busca de prazer e encontram seu objetivo, na maior parte, no corpo do próprio indivíduo. Assim, de início a função sexual é não centralizada e predominantemente autoerótica. (FREUD, 1925/2006, p. 40).

Atualmente, considera-se que o termo “instinto” acima mencionado não se refere ao instinto biológico tal como compreendia a Biologia da época, que demarcava geneticamente os comportamentos. Hoje em dia, usa-se o termo capítulo 3

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pulsão8, de modo que os “instintos componentes”, citados na frase acima, são chamados de “pulsões parciais” (FREUD, 1905/2006a, p. 159). Não nascemos com uma estruturação de nossa vida pulsional, essa estrutura se forma com o tempo e com as experiências do sujeito. Esse processo, compreendido como o desenvolvimento libidinal9, foi mapeado por Freud, que evidenciou suas regularidades em determinadas épocas da vida onde há o domínio de um conjunto de pulsões ligadas a uma determinada zona erógena (parte do corpo fonte de prazer sexual). Assim ele organizou as fases de evolução da libido, com o tipo de pulsão e as características de personalidade às quais ela se refere. Uma pessoa, que tenha tido uma fixação em alguma dessas zonas erógenas (ponto de cristalização da libido devido a algum trauma ou dificuldade no desenvolvimento), pode ter uma marca de caráter a ela vinculado. Além disso, quando a neurose se instala em uma pessoa, a libido reflui para esse ponto de fixação, e é por isso que o neurótico “está marcado por experiências infantis”, pois “mantém-se ligado, de forma mais ou menos disfarçada, a modos de satisfação, a tipos arcaicos de objeto ou relação” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1988, p. 251).

Figura 4 – Apesar das críticas veementes que recebeu, a teoria psicanalítica conquistou diversos seguidores. Nesta imagem, em 1922, Freud posa com alguns de seus colaboradores: Sàndor Ferenczi e Hanns Sachs (sentados), Otto Rank, Karl Abraham, Max Eitingon e Ernest Jones (em pé).

8  A pulsão é um conceito que tem tanto uma fonte biológica (um impulso que busca satisfação) quanto uma fonte “ideacional”, que é o sentido/significado daquele impulso para nós (FREUD, 1915/2006). 9  Libido refere-se ao nome que o autor dá para energia sexual.

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A seguir expomos sequencialmente as fases de evolução da libido: •  Oral: O bebê recém-nascido é totalmente dependente de seus cuidadores, principalmente a mãe. A principal forma dele se relacionar com o mundo se dá pela boca, por onde recebe o leite (incorpora coisas boas de sua mãe) e chora de desprazer. Essa condição passiva, caso haja fixação da libido, pode levar futuramente ao desenvolvimento de uma personalidade marcada pela atitude de recepção (MERLEAU-PONTY, 1990): desejo violento e imediato, dificuldades de frustração, sentimento de impotência, infantilismo, gula, comportamentos de alcoolismo ou fumo (FREUD, 1905/2006a). Ao desenvolver a dentição, o bebê morde o seio, o que representa uma forma violenta de incorporação do objeto amado (a mãe e seu seio), relacionada às manifestações canibalescas presentes em determinadas culturas. Ademais, esta atitude pode guardar relação com um posterior comportamento sádico: tendência à destruição, ao ciúme, à hostilidade, intolerância à solidão, pessimismo, inveja e atitude possessiva. •  Anal: Entre os dois e quatro anos de idade, inicia-se o controle dos esfíncteres, uma das primeiras grandes intervenções culturais no corpo. O adulto permanece atento à vontade da criança de evacuar e a ensina a usar o vaso sanitário. Esta atenção, unida ao próprio prazer da estimulação que o ato de evacuar proporciona, estimulam a criança. Nesta ocasião, iniciam-se muitos jogos de segurar e de soltar os excrementos, de brincar com eles, oferecer como presentes (FREUD, 1905/2006a). As fezes só são motivo de asco para os adultos, que passaram por uma intensa educação higiênica, para a criança, elas são uma parte dela mesma, uma “obra”, algo que fez por si própria. A educação atribui aos excrementos um caráter negativo, como se fosse venenoso. A atitude anal-sádica (reter-soltar os excrementos) está ligada a traços de personalidade como: narcisismo, obstinação, interesse por dinheiro, avareza-consumismo, meticulosidade, preocupação excessiva com limpeza (MERLEAU-PONTY, 1990). Fixações nesta fase se relacionam ainda com os transtornos obsessivos compulsivos em que alguns sintomas podem ser rituais de assepsia, de acumular coisas, dentre outros.

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•  Fálica: Nessa fase os genitais, em especial o masculino (FREUD, 1923/2006a), são a principal zona erógena e de atenção. Iniciam-se as primeiras atividades masturbatórias (que é diferente da adolescente). É o período onde também se iniciam as primeiras curiosidades infantis sobre o surgimento dos bebês e sobre a diferença sexual. Um fenômeno essencial nesta etapa, descrito por Freud como o grande estruturador da sexualidade e da personalidade, é o complexo de Édipo (FREUD, 1923/2006a): a criança desenvolve um ciúme da relação dos pais, e demonstra sentimentos de amor por um dos pais e rivalidade pelo outro. Nessa fase, faz-se mostrar também o complexo de castração, ou seja, o medo da criança de perder o falo. •  Tal receio surge com as primeiras comparações entre os sexos, quando o menino percebe que nem todos têm pênis (é comum os garotos imaginarem que suas mães e as meninas em geral tenham um). A primeira explicação desta diferença se dá pela ideia de castração: se a menina não tem pênis, é porque foi castrada. O menino desenvolve, então, um medo de que isso ocorra com ele caso insista em disputar com um dos pais o amor pelo outro. Há um dilema entre abandonar seu objeto de amor (um dos pais) ou correr esse risco, cuja resolução resulta em uma diminuição geral das atividades libidinais e na entrada no período de latência.

CONEXÃO Dada sua erudição, Freud inspirou-se na mitologia grega para propor o complexo de Édipo, dentre outras análises temáticas em sua obra. Na arte, há diversas obras que se inspiram na teoria psicanalítica, filmes, pinturas, músicas. Por exemplo, o cantor brasileiro Chico Buarque (1944) compôs a letra “Você, você” para uma canção, em que trata do vínculo edípico entre um menino, seu neto, no caso, e sua mãe, sua filha. O garoto está à procura dela a todo tempo, mesmo em sua ausência, segue seus sinais embebido pelo amor que sente por ela e pelo ciúme em relação ao pai: “Onde é que você some? Que horas você volta?” (Chico Buarque - Você, você). Acesse o link: e ouça esta canção.

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Segundo LAPLANCHE e PONTALIS (1988, p. 225), falo refere-se a um termo da Grécia e Roma antigas, indicativos do órgão sexual masculino. Na Psicanálise, ele representa a função simbólica desse órgão para nosso psiquismo, torna-se símbolo de algo muito valorizado tanto pelo sujeito quanto para suas figuras parentais. Sua presença ou ausência é o que marca a diferença sexual para as crianças, o que está ligado ao complexo de castração, que é, grosso modo, o medo de perder o falo, no menino, ou o sentimento de ter sido privado do seu, na menina.

•  Latência: Esse é o período entre os seis e onze anos, no qual decaem os interesses sexuais, e a energia da libido é desviada para as atividades escolares e de conhecimento em geral. Claro que ainda é possível que ocorram atividades autoeróticas e outras explorações sexuais, mas essas são bem menos frequentes. Com o final do complexo de Édipo10, forma-se o superego (instância psíquica que será apresentada posteriormente), os desejos e as fantasias sexuais são sublimados (grosso modo, desviados) para formas mais socialmente aceitas (FREUD, 1923/2006b). •  Puberdade e Fase Genital: os processos biológicos da puberdade fazem com que o indivíduo desperte novamente para seu potencial sexual, relativamente silenciado na etapa anterior, e abre-lhe a possibilidade de reprodução (FREUD, 1905/2006a). Dessa maneira, o adolescente revive os conflitos anteriores (relacionados ao complexo de Édipo), e busca uma solução que estrutura de forma mais permanente seu caráter e desejos sexuais. Nessa fase, a relação com o objeto deixa de ser somente de posse e passa a ser também de doação (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 10), assim, a relação de parceria sexual passa a ser mais forte. É uma fase marcada pela ternura, com a sublimação11 do desejo sexual, desviado dos pais para pessoas que não pertencem ao grupo familiar. 10  O complexo de Édipo, segundo Freud (1924/2006, p. 193), em um desenvolvimento normal, termina por conta própria, “pelos efeitos de sua impossibilidade interna”. Entre o medo da castração e o amor pelo pai ou pela mãe, vence na criança o cuidado narcísico de si, e ela desiste desse objeto de amor, substituindo-o posteriormente por outros que o simbolizem.

11  Segundo Laplanche e Pontalis (1988), sublimação diz respeito ao desvio do alvo sexual de uma determinada pulsão, que passa a ser satisfeita via objetos e atividades socialmente valorizados, como a arte.

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Cumpre destacar que Freud, apesar de ter discutido as fases do desenvolvimento libidinal cronologicamente, atribuindo-lhes determinadas faixas etárias, não defendia que estas fossem analisadas conforme um determinismo rígido.

3.6  Modelo topográfico12 do sistema psíquico Em uma casa, separamos áreas mais íntimas, os quartos e seus armários, por exemplo, e áreas sociais, como a sala, a cozinha. Estas divisões servem para manter na privacidade objetos mais íntimos e deixar à vista aquilo que há de decoração, feitos para serem mostrados socialmente, para deixar a casa mais bonita e agradável, tanto para seus proprietários quanto para as visitas. Sem ser reducionista, este exemplo evidencia como a mente é dividida. Há áreas ocultas (dos outros e de nós mesmos) e áreas claras, das quais temos ciência. A teoria freudiana faz um estudo profundo dessa divisão mental. Para Freud, o sonho é importante devido a dois fatores. Em primeiro lugar, ele sacia o desejo frustrado de modo fantástico (alucinado), por outro, preserva o sono, que seria prejudicado por tais impulsos. Principalmente, no caso dos adultos, há maior censura inconsciente para determinados desejos, de modo que estes não podem aparecer claramente no sonho. O desejo passa por um processo de deformação onírica (FREUD, 1900/2006), por meio de dois mecanismos principais: o deslocamento (quando o sentido ou afeto ligado a um objeto ou lembrança é deslocado a outro insignificante, como forma de “ocultá-lo”, o que realmente incomoda o sujeito), e a condensação (ligação de diversas imagens e significados em um só, unindo-os por uma associação mental). Para Freud, o sonho é a principal via de acesso ao inconsciente (FREUD, 1900/2006). Ele percebe que os sintomas neuróticos, os atos falhos, esquecimentos e os chistes têm um funcionamento semelhante, baseados em um conflito interno do sujeito, que só pode conhecer seus produtos finais. O real significado por trás deste conflito permanece longe da consciência, dado que a mente pode entrar em confronto consigo mesma no plano inconsciente.

12  Topos, do grego, significa “lugar” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1988, p. 656). O modelo topográfico da mente representa uma divisão do conteúdo mental como se esse ficasse “localizado” em diferentes partes do psiquismo, submetido então a diferentes leis.

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Figura 5 – Édipo e a Esfinge (Metropolitan Museum of Art) de Gustave Moureau (1826-1898), pintor francês. Na lenda grega, após matar um homem sem ter conhecimento de que este era seu pai, Édipo se depara com uma esfinge que aterrorizava Tebas. Ele a derrota resolvendo o enigma que ela propõe a todos: “qual animal tem quatro patas de manhã, duas ao meio-dia e três ao anoitecer?”. Este animal é o homem, que quando bebê engatinha, quando cresce passa a andar sobre suas duas pernas e, na velhice, muitas vezes precisa de uma bengala.

Para melhor representar estas descobertas, Freud concebe um modelo mental em que divide a mente em três instâncias diferentes, como se fossem três localidades. Há, assim, três locais diferentes em nossa psique, que se intercomunicam, mas que detêm leis (regras) próprias de funcionamento em cada parte. Este modelo é apresentado a seguir. •  Consciente: região que se encontra mais próxima da percepção (FREUD, 1900/2006). Segundo Zimerman (1999), ela recebe as excitações que provêm tanto do exterior, das atividades perceptivas, quanto do interior, das pulsões

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provindas do inconsciente. A instância consciente regula também as atividades de cognição, motricidade, juízo crítico, dentre outras. Seu modo de funcionamento é chamado de “processo secundário”, pois leva em consideração o “princípio de realidade”, que se refere ao fato de que nem sempre a pessoa pode satisfazer imediatamente seus desejos (ZIMERMAN, 1999). Quantas vezes você gostaria de poder sair ou viajar durante a semana, mas fica frustrado, pois tem de esperar o final de semana para poder se divertir? Esta é a realidade da vida de muitos que têm de aguentar um pouco de desprazer (o trabalho durante a semana) para poder se divertir no fim de semana (pois o trabalho lhes proporciona rendimentos necessários para estas atividades). O processo secundário que se liga à realidade, leva em consideração este fato, e controla os desejos mantendo uma lógica de pensamento que lhe permite pensar, no caso do exemplo citado: “vou trabalhar direito durante a semana, pois assim já na sexta à noite posso ficar despreocupado!”. Isto não significa que o trabalho é sempre um fardo, há muitas atividades prazerosas relacionadas a ele, mas há tarefas cumpridas ao longo da jornada que também proporcionam desprazer. •  Pré-consciente: age como um filtro que delimita o que pode se tornar consciente com base na ação da censura (ZIMERMAN, 1999). O pré-consciente armazena determinadas memórias, as “representações”, ou seja, a imagem mental, das palavras ouvidas e do sentido dado por meio da linguagem que pode ser resgatada, como a memória de um computador, que pode ser consultada pela consciência. •  Inconsciente: a descoberta mais importante de Freud. Ao discutir a formação dos sintomas neuróticos, ele percebe que estes representam lembranças ocultas da pessoa, disfarçadas, como, por exemplo, as somatizações. Assim, podemos nos perguntar: como guardamos dentro da gente algo que foi esquecido, que não pode ser acessado pela consciência? É como se o esquecimento fosse uma forma de preservar a lembrança. Nos sonhos ocorre a mesma coisa. Freud (1900/2006) menciona haver um conteúdo manifesto do sonho, que são as imagens estranhas e confusas de que nos lembramos, e seu sentido real, como um conteúdo latente, ao qual não temos acesso direto.

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Tais conteúdos estão reprimidos e localizados no inconsciente. É nele também que se originam as pulsões, algumas emergem mais livremente à consciência, outras só surgem após serem deformadas para, deste modo, serem aceitas, pois deixam de lembrar diretamente sua meta original. Há outras que permanecem inconscientes, sem conseguir ultrapassar a censura da pré-consciência. De acordo com Zimerman (1999), o inconsciente funciona segundo o que Freud denominou como “processo primário”, que responde ao “princípio do prazer”: as pulsões buscam satisfação imediata, sem considerar a realidade. Pense naquela criança mimada que quer tudo na hora em que tem vontade, e que não “liga” se, por exemplo, são 22 horas e as lojas do shopping estão fechadas. Para conseguir satisfazer-se, a pulsão segue no inconsciente uma lógica diferente daquela do nosso pensamento, baseada em dois processos. O deslocamento, no qual a energia afetiva que motiva determinado desejo é deslocada para outro desejo ou objeto, podendo, assim, ser indiretamente satisfeita, e a condensação, na qual um objeto ou representação pode ter significados diferentes (ZIMERMAN, 1999). O intuito destes processos é conseguir vencer a resistência pré-consciente e passar para a consciência.

Figura 6 – Para Psicanálise, o psiquismo pode ser comparado a um iceberg. Só podemos ter acesso a uma pequena parte do que acontece em nossa mente (a ponta do iceberg) enquanto a maior parte fica abaixo na superfície, inconsciente.

Podemos, então, compreender mais completamente como Freud entende o funcionamento mental e a formação dos sintomas, dos sonhos, esquecimentos, atos-falhos, etc. O inconsciente funciona como uma espécie de armário que

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utilizamos para esconder a bagunça de uma casa (repressão). Quem vem nos visitar nota uma sala relativamente organizada, e pensa que a bagunça, algo desagradável de se ostentar, não existe. Entretanto, ela só foi escondida, tanto do olhar dos outros como do nosso e, caso nos esqueçamos e abramos o armário, podemos acabar soterrados. Assim, para nos lembrarmos disto, deixamos um lembrete colado em uma das portas onde está escrito “não abra”. O bilhete é um símbolo que por um lado mantém a lembrança da bagunça e, por outro permite mantê-la a distância. Nesse exemplo, chamamos o ato de “enfiar a bagunça no armário” de repressão, um dos meios de defesa que nosso pré-consciente se utiliza para nos manter distantes de certas pulsões do inconsciente (aquelas que são de certa forma condenadas pelo sujeito ou pela sociedade em geral).

3.7  Mecanismos de defesa Freud, e posteriormente sua filha, Anna Freud (1936/2006), enumerou alguns mecanismos de defesa: processos utilizados por nossa mente para barrar pensamentos e afetos que causariam demasiada angústia ao ego. Como no futebol, os mecanismos de defesa impedem que os desejos do id (que seria o time adversário), expressem conscientemente seus impulsos (o que seria o gol) – para cada tipo de “jogada” do id e dependendo do tipo de personalidade geral da pessoa, o ego empregaria uma forma diferente de defesa, ou seja, uma “estratégia” diferente. Laplanche e Pontalis (1988) mostram que essas formações mentais são uma forma de proteção contra impulsos que podem por em risco a integridade do ego, e assim do indivíduo como um todo. A seguir serão mencionadas apenas algumas defesas, pois o exame completo de cada uma ocuparia um espaço muito extenso para nosso propósito. •  Repressão: conceito anteriormente citado, pode ser também intitulado como recalque, e indica que o conteúdo desagradável foi “esquecido”, mantido inconsciente, como se não existisse (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999). •  Projeção: aquilo que o indivíduo não suporta nele e atribui ao outro, sem perceber que esse é um desejo ou uma ideia sua (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999). No exemplo acima, corresponderia ao fato de, em vez de tentar esconder a bagunça dentro do armário, a pessoa poderia dizer que aquela situação não é culpa dela, e sim de seu cachorro.

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•  Introjeção: a mente incorpora características do outro e as introduz em sua personalidade. Seguindo o exemplo do armário, caso a bagunça seja mantida na sala e, assim, não seja nele colocada, o indivíduo poderia internalizar o espanto da visita frente à desorganização, e agiria em atitude recriminadora de si mesmo por seu modo desleixado. •  Racionalização: consiste na construção de uma argumentação intelectualizada, de certo modo convincente, uma justificação que encobre o real motivo (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999). Ocorreria, voltando ao exemplo, caso o dono da casa conversasse com seu convidado sobre as dificuldades impostas pelo sistema capitalista e seu efeito deletério para o tempo, impedindo-o de se dedicar a atividades tão simples, como as de manter uma casa organizada. •  Regressão: defesa que consiste em um retorno da mentalidade do sujeito às etapas mais primitivas de seu desenvolvimento, demonstrando reações mais infantis (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999). No exemplo, a pessoa poderia chorar na frente de seu convidado demonstrando saudade de quando morava com sua mãe que mantinha a casa arrumada.

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•  Formação reativa: se o desejo insuportável dirige-se para certa direção, o sujeito age na direção oposta, de modo exagerado. Segundo exemplo de Bock, Furtado e Teixeira (1999), seria como uma mãe que age de modo superprotetor com seus filhos, pois inconscientemente sente certa raiva deles por terem lhe trazido dificuldades na vida.

Figura 7 – Sigmund Freud e sua filha Anna Freud (1895-1982) que também atuou como psicanalista.

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Como você pôde notar, a teoria psicanalítica propõe diferentes mecanismos de defesa para o ego lidar com os impulsos inconscientes. A seguir, você conhecerá como o aparelho psíquico está organizado, segundo Freud.

3.8  Modelo estrutural do aparelho psíquico Em 1923, Freud publica “O Ego e o Id” (1923/2006), obra na qual faz uma revisão de seu primeiro modelo psíquico (topográfico). Com o decorrer da prática clínica, ele percebe que aquele é muito simples, e não permite descrever alguns fatos da mente. Durante o processo de associação livre na análise, muitos pacientes não conseguem seguir adiante, ou dizem que nada mais vem à cabeça, ou inconscientemente vão se desviando do tópico da conversa para algum tema mais superficial e cotidiano. Esse fenômeno é denominado resistência, uma das manifestações que leva Freud (1923/2006) a repensar seu modelo psíquico. Antes, Freud imaginava que a censura (que gera a resistência) partia do préconsciente e da consciência, e que do inconsciente emergiam as pulsões reprimidas pela repressão. É comum durante a análise que o paciente em associação livre vá encontrando maiores dificuldades quanto mais se aproxima do conteúdo recalcado. Isto decorre em função da resistência, força que se contrapõe ao que foi reprimido para mantê-lo inconsciente. Entretanto, esta força mesma é inconsciente, o paciente não entende por que não consegue seguir adiante em suas associações. Ora, como algo inconsciente pode reprimir outro conteúdo inconsciente? Foi em resposta a esse e a outros questionamentos – longos demais para serem aqui expostos, recomendamos neste sentido a leitura de “O ego e o id” (FREUD, 1923/2006) – que o psicanalista elaborou seu modelo estrutural, mantendo a divisão entre inconsciente / pré-consciente / consciente, mas incluindo nesses sistemas divisões estruturais, que podem entrar em conflito entre si, conforme descrito a seguir. •  Id: instância de onde se originam as energias psíquicas (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999), de onde partem as pulsões, grosso modo, os instintos representados na mente. As pulsões podem pertencer a dois grupos: pulsões de vida (sexuais, narcisistas, autoconservadoras) e pulsões de morte (relacionadas à agressividade) (FREUD, 1920/2006). Totalmente inconsciente, é nele que vigora o processo primário, com seus deslocamentos e condensações, regidas pelo princípio do prazer.

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•  Ego: estrutura em parte inconsciente, mas que detém contato direto com o pré-consciente e a consciência (FREUD, 1923/2006). Segundo Zirmerman (1999), é uma instância “mediadora, integradora e harmonizadora entre as pulsões do id, as exigências e ameaças do superego e as demandas da realidade exterior” (p. 84). Assim, é o ego quem lida com a percepção, o pensamento, o julgamento crítico, e também é a partir dele que se exercem as defesas citadas anteriormente (ZIMERMAN, 1999). Deve-se salientar que o ego não é totalmente separado do id, mas sim uma diferenciação dele, devido às exigências da realidade, que nem sempre oferece condições para que as pulsões sejam imediatamente saciadas (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999). •  Superego: instância que se utiliza das forças do id, mas que se constitui diferenciando-se do ego (FREUD, 1923/2006). Ele se forma por meio do processo de identificação: a criança, durante as relações que tem com os pais e outras pessoas, identifica-se com alguns de seus aspectos (características), havendo uma interiorização desses. O indivíduo guarda, então, dentro de si, objetos internalizados, que são símbolos das pessoas com as quais ele se relaciona. Assim, não só nos relacionamos com as pessoas reais, mas também com os objetos. Podemos ter um pai e uma mãe real, mas também temos pais internalizados, com quem nos relacionamos. Quantas vezes estamos sós e ouvimos em nossa cabeça “vozes internas” julgando se o que fizemos foi certo ou errado? Estas vozes não parecem ser nossos pais, dizendo o que é errado? Elas provêm de tais objetos, que acabam compondo nosso superego, instância que absorve as regras e leis sociais e atua como um juiz, que julga nossos comportamentos, podendo nos gerar culpa.

CONEXÃO As três instâncias psíquicas (id, ego e superego) vivem em constante conflito entre si. Nas pessoas “normais”, este é resolvido de forma satisfatória, havendo um “acordo” interno em que cada parte da mente tem saciada uma porção de suas demandas. Entretanto, nas doenças psicopatológicas, como as psicoses, esse equilíbrio é dificilmente atingido. Assim, o conflito toma proporções tão grandes que resulta em uma espécie de fragmentação mental. Nos casos psicóticos, esse desfalecimento acarreta em incapacidade de distinguir entre o que é real

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(mundo externo) e o que é imaginário (fantasias internas da mente). Assim, surgem as alucinações (quando a pessoa vê, ouve ou sente coisas que não existem) e delírios (pensamentos irreais sobre estímulos reais – como alguém que ouve a sirene de um carro de polícia e acha que estão atrás dele, mesmo sem ter cometido crime algum). O filme “Cisne Negro” (Black Swan) (Darren Aronofsky, EUA, 2011) conta o drama de uma bailarina que luta em busca de um importante papel em sua companhia de balé, sofrendo pressões tanto do diretor quanto de sua mãe, de modo que passa a apresentar sintomas psicóticos. Para assistir ao trailer, acesse o link:

3.9  Psicanálise, saúde mental e Serviço Social A partir dos conceitos discutidos, o conhecimento psicanalítico teria alguma utilidade para quem trabalha no campo do Serviço Social? Ora, a Psicanálise enfoca a singularidade do sujeito, pois se detém em sua história individual, no quanto ela contribui para a formação de sua personalidade. Já o Serviço Social, tal como exposto por Eidelwein (2007), tem como objeto de estudo “a questão social em suas múltiplas expressões” (p. 300). Aparentemente, há uma discordância entre as duas modalidades de estudo (um parte do individual e outro do coletivo), no entanto, há importantes pontos de contato entre elas, conforme será abordado a seguir. Conforme você estudou, Freud não deixou de pensar sobre a dimensão social dos vínculos humanos. Importantes trabalhos como “Psicologia de grupo e análise do ego” (1921/2006), “O futuro de uma ilusão” (1927/2006) e “Mal-estar da civilização” (1930/2006) mostram de forma clara as repercussões da teoria psicanalítica na questão social. Pode-se ao menos evidenciar que se no campo teórico é complexo traçar pontos de contato entre estas disciplinas (Psicanálise, Antropologia, Sociologia e Serviço Social), embora fatalmente eles existam, no domínio da prática profissional trata-se de questão prioritária, sobretudo quando nos referimos aos serviços de saúde mental . Segundo Robaina (2010), a mudança do modelo asilar de saúde mental para o de atenção psicossocial, pautada na desinstitucionalização e na criação dos CAPS (Centro de Assistência Psicossocial), foi marcada pelo domínio dos saberes psi. A atuação clínica, voltada para a individualidade do paciente, é central na forma de atuação nesses centros. Se por um lado esta abordagem elimina a visão massificadora do modelo asilar, atentando-se para a singularidade do paciente, ao focar-se no atendimento clínico, ela parece deixar de lado a dimensão social, foco da atenção do Serviço Social (ROBAINA, 2010).

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Pontua-se a necessidade de uma base multidisciplinar no atendimento em saúde mental, tal como prevê sua atual proposta psicossocial. Para isto, é importante um movimento de contato entre os especialistas e suas disciplinas, cada qual contribuindo com sua visão para a constituição de uma prática conjunta, crítica e ampla. Cabe ressaltar que, de acordo com Robaina (2010), há o predomínio da formação psicanalítica no modelo de saúde mental brasileiro, fato que torna importante o conhecimento de seus pressupostos por parte do assistente social. Ou seja, o referido profissional deve conhecer a visão de homem que pauta a Psicanálise, tanto para poder conhecer em profundidade sua prática, quanto para criticar sua ação, caso ela perca de vista as vicissitudes características da condição social do paciente. Convém destacar, juntamente com Rosa e Lustosa (2010), que a consolidação da formação do assistente social para atuação em saúde mental passa tanto por uma dimensão teórico-conceitual (que permite amplificar o debate sobre a “experiência humana”) quanto por uma dimensão técnico-assistencial (buscando os fundamentos históricos da prática profissional). Dessa maneira, o conhecimento da Psicanálise, além de permitir nova visão sobre o desenvolvimento afetivo e psicológico do sujeito, ao mostrar que sua história individual determina sua forma de sentir e pensar, evidencia também que o verdadeiro saber sobre ele está oculto e deve ser interpretado. Além disso, dada a importância da Psicanálise no campo da saúde mental, compreendê-la torna-se um importante instrumento de diálogo no trabalho em equipes multidisciplinares na prática de saúde mental. Neste último ponto, a visão calcada no social do assistente pode contribuir de modo profícuo com o saber clínico, agregando uma visão mais ampla que aquela do indivíduo isolado, desta feita não mais restrito às suas pulsões e traumas, uma vez contextualizado conforme as demandas da estrutura social vigente.

ATIVIDADE 7.  Qual a inovação da Psicanálise em sua forma de compreender a mente humana quando comparada ao pensamento dominante na Idade Moderna? 8.  Segundo a Psicanálise, pode-se dizer que há comportamentos aleatórios, acidentais, sem nenhum significado? Explique, demonstrando como Freud justifica seu ponto de vista a respeito.

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1.  Explique os seguintes elementos do modelo psicanalítico de mente: consciente, préconsciente e inconsciente. 2.  Quais características da civilização, segundo Freud, a tornam rival da felicidade humana (satisfação das pulsões)?

REFLEXÃO Conhecer a Psicanálise é uma forma de habilitar-se para compreender que os sujeitos não têm plena ciência do sentido de seus sentimentos e comportamentos, pois grande parte deles é inconsciente. Para refletir sobre o grau de sofrimento de uma pessoa, ou para entender o motivo de certa situação ser ou não traumática a ela, é preciso ir além do que ela fala verbalmente. Temos de ler as entrelinhas, a linguagem corporal, os sentidos ocultos em sua fala e em seu sofrer, colaborar para que o sujeito possa dar um sentido à sua dor que, mesmo sendo causada por alguma situação social, o afeta dada a singularidade de sua vida. A Psicanálise cria um diálogo entre a estrutura interna da mente e as estruturas sociais. Ela coloca um caminho de duas vias: tanto a herança biológica atua na forma pela qual o humano se relaciona com os outros (através de suas necessidades pulsionais), como a civilização impõe certas restrições e acaba por ser internalizada pela mente do sujeito (na criação do superego). É importante compreender a complexa relação entre o psíquico e o social, e principalmente os prejuízos psicológicos permanentes que determinadas situações e problemas sociais (como a negligência dos pais em relação aos filhos, o abuso sexual infantil, a violência) podem causar para o indivíduo.

LEITURA •  FREUD, S. Cinco lições de psicanálise (Durval Marcondes, J. Barbosa Corrêa, trads.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XI. (Original publicado em 1910). Para quem nunca leu nenhum texto sobre Psicanálise, especificamente algum escrito por Freud, recomendamos a leitura das Cinco lições de Psicanálise (1910/2006), texto decorrente de palestras realizadas por Freud com o intuito de apresentar ao público as principais descobertas desta disciplina. Trata-se de uma importante oportunidade para que você experimente o estilo de escrita do criador da Psicanálise, e seguir junto com ele pelas principais

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características desta teoria..

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ARAÚJO, L. A. Poderosa Afrodite: uma tragédia cômica. Archai, n. 7, p. 102-108, jul./dez. 2011. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. EIDELWEIN, K. Psicologia social e serviço social: uma relação interdisciplinar na direção da produção de conhecimento. Revista Textos & Contextos, v. 6, n. 2, p. 298-313, jul./dez. 2007. FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Porto Alegre: Artmed, 2006. (Original publicado em 1936). ______. Além do princípio do prazer (Eudoro Augusto Macieira de Souza, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XVIII. (Original publicado em 1920). p. 11-75. FREUD, S. A interpretação dos sonhos (Walderedo Ismael de Oliveira, trad.). In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. IV e V. (Original publicado em 1900). ______. Psicologia de grupo e análise do ego (Eudoro Augusto Macieira de Souza, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XVIII. (Original publicado em 1921). p. 77-154. ______. Psicopatologia da vida cotidiana (Vera Ribeiro, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. IV. (Original publicado em 1901). ______. Três ensaios sobre sexualidade (Vera Ribeiro, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006a. v. VII. (Original publicado em 1905). ______. Três Ensaios sobre sexualidade (Vera Ribeiro, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006a. v. VII. (Original publicado em 1905). p. 117-231.

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______. Os chistes e sua relação com o inconsciente (Margarida Salomão, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006b. v. VIII. (Original publicado em 1905). ______. Cinco lições de psicanálise (Durval Marcondes, J. Barbosa Corrêa, trads.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XI. (Original publicado em 1910). ______. Os instintos e suas vicissitudes (Thelmira de Oliveira Brito, Paulo Henriques Brito, Cristiano Monteiro Oiticica, trads.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XIV. (Original publicado em 1915). ______. Uma dificuldade no caminho da psicanálise (Jayme Salomão, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XVII. (Original publicado em 1917). ______. Além do princípio do prazer (Eudoro Augusto Macieira de Souza, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XVIII. (Original publicado em 1920). ______. A organização genital infantil: uma interpolação na teoria da sexualidade (Eudoro Augusto Macieira de Souza, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006a. v. XIX. (Original publicado em 1923). ______. O ego e o id (Eudoro Augusto Macieira de Souza, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006b. v. XIX. (Original publicado em 1923). ______. A dissolução do complexo de Édipo (Eudoro Augusto Macieira de Souza, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XIX. (Original publicado em 1924). ______. Um estudo autobiográfico (Jayme Salomão, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XX. (Original publicado em 1925). ______. O futuro de uma ilusão (José Octávio de Aguiar Abreu, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XXI. (Original publicado em 1927). p. 11-63. ______. O mal-estar na civilização (José Octávio de Aguiar Abreu, trad.). In: FREUD, S. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. XXI. (Original publicado em 1930). p. 64-148. LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise (Pedro Tamen, trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1988.

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MERLEAU-PONTY, M. Merleau-Ponty na Sorbonne: resumos de cursos de psicossociologia e filosofia (Constança Marcondes Cezar, trad.). Campinas, SP: Papirus, 1990. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Brasília, DF, 2005. Disponível em . Acesso em: 30 Out. 2012. ROBAINA, C. M. V. O trabalho do serviço social nos serviços substitutivos de saúde mental. Serviço Social & Sociedade, n. 102, p. 339-351, 2010. ROSA, L. C. S.; LUSTOSA, A. F. M. Formação profissional do assistente social para atuar na saúde mental: elementos para o debate contemporâneo. Serviço Social & Realidade, v. 19, n. 2, p. 203-218, 2010. SILVA, J. V.; CORGOZINHO, J. P. Atuação do psicólogo, SUAS/CRAS e psicologia social comunitária: possíveis articulações. Psicologia & Sociedade, v. 23, n. especial, p. 12-21, 2011. VILHENA, J. et al. À la recherche d’une écoute: la clinique psychanalytique dans la banlieue de la citoyenneté. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 14, n. 2, p. 283-297, 2011. ZIMERMAN, D. E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica. Porto Alegre: Artmed, 1999.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO No próximo capítulo vamos pensar sobre o desenvolvimento humano. Vamos conhecer os principais conceitos ligados a Psicologia do Desenvolvimento. Vamos discutir questões ligadas às características da infância, adolescência, maturidade e velhice.

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4 Estudos do Desenolvimento Humano

4  Estudos do Desenolvimento Humano OBJETIVOS •  Apreender os conceitos básicos da Psicologia do desenvolvimento, particularmente aqueles relativos ao desenvolvimento psicossocial e moral do ser humano. •  Compreender as fases do desenvolvimento infantil e reconhecer os fenômenos característicos da infância, assim como apreender as características psicossociais da adolescência, maturidade e velhice. •  Entender que o desenvolvimento humano integra em um mesmo processo aspectos físicos, psíquicos e sociais, e que suas subdivisões perfazem a inserção em um conjunto maior. •  Refletir sobre a importância das noções de desenvolvimento humano no trabalho com crianças e adolescentes em situação de maus--tratos e negligência.

REFLEXÃO Como foi sua infância? Você se lembra da sua altura, de como via o mundo “de baixo”? Lembra-se do que era importante para você, das brincadeiras, dos colegas, da primeira vez que foi à escola? Reveja suas fotos antigas, coloque-as em ordem, por idade. Repare no que mudou e no que permaneceu semelhante. Aproveite essa viagem de volta ao passado e pense se há algo desta época que você sinta ter influenciado sua vida até hoje.

4.1  Introdução Quanta saudade nos desperta ao olharmos um álbum de fotografias! As fotos de nossa infância nos trazem inúmeras lembranças: nosso presente de natal preferido, a escola, as brincadeiras. Percebemos como mudamos e como nossos interesses se modificam com o tempo. Quando crianças, estamos preocupados em brincar, e geralmente temos amigos(as) do mesmo sexo. Os meninos e as meninas formam grupos separados e evitam brincadeiras em conjunto. Quanta diferença de quando nos lembramos do início da adolescência, onde começamos a compartilhar tempo com colegas do sexo oposto. Olhar para nosso passado é perceber como uma pessoa é ao mesmo tempo, um indivíduo

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singular, com seu temperamento, suas feições, e um ser que cresce e muda de forma intensa. Quem tem filhos pode perceber melhor o quão rápido eles se “transformam”, ao mesmo tempo em que cada um parece ter “algo” imutável, algo que parece ser o que o define e o diferencia dos outros. A Psicologia do Desenvolvimento é a área que estuda as constâncias e as variações pelas quais o sujeito passa no decorrer do tempo (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008). Ela estuda o desenvolvimento das diversas funções psíquicas que integram a mente do indivíduo, como a cognição (capacidade de conhecimento, processamento de informações, ligadas à inteligência e à percepção), as emoções, as relações com os pais, família, grupos e outras pessoas. Entretanto, é importante compreender o desenvolvimento físico, como o corpo cresce e amadurece com o tempo, já que uma pessoa é uma totalidade integrada entre corpo e mente, sendo impossível definir uma coisa separada da outra, o que redundaria em um reducionismo e em uma simplificação grosseira. Neste capítulo, iremos abordar o desenvolvimento do ser humano tendo como foco sua dimensão psicossocial, ou seja, como o psiquismo se desenvolve na relação do indivíduo com o contexto social (ambiente) e com as outras pessoas. Este enfoque não desconsidera outros possíveis, e o texto abordará, quando necessário, as mudanças pelas quais o indivíduo passa em sua esfera física, cognitiva e sexual, entre outras, para complementar a visão psicossocial. O intuito da referida estratégia teórica é fornecer subsídios ao assistente social para compreender como o sujeito desenvolve o contato com o outro e como se insere na sociedade, além de mostrar como esta interfere e modifica o curso do desenvolvimento, temas essenciais para a atuação na assistência.

4.2  Questões básicas do desenvolvimento humano Conforme apresentado acima, o homem é um ser que se modifica com o tempo, não de forma aleatória, mas seguindo padrões: em parte segundo sua espécie (determinações biológicas), assim como de acordo com a cultura na qual está inserido. O estudo do desenvolvimento pauta-se em alguns princípios resumidos por Baltes, Lindenberger e Staudinger (1998 apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008, p. 48): •  Cada período da vida é influenciado por seu passado, pelas particularidades dos eventos que influenciaram o indivíduo, e pelas possibilidades futuras. •  Cada período tem suas características peculiares, mas nenhum tem maior importância que outro. capítulo 4

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•  O desenvolvimento detém uma faceta biológica e uma cultural (cada abordagem acaba dando ênfase a um ou a outro elemento destes polos, mas é impossível desconsiderar completamente um deles). •  O desenvolvimento é multidirecional e multidimensional: há processos de crescimento (ganhos) e de declínio de alguma função (perdas), além de pontos de equilíbrio e de relativa estabilidade. •  O desenvolvimento é plástico, ou seja, não é rigidamente determinado nem segue um processo restrito e imutável. O desempenho de uma capacidade pode ser ampliado ou dificultado conforme a experiência do indivíduo.

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Pode-se notar que o estudo do desenvolvimento humano é um campo complexo. Imagine um bebê, e quantas coisas ele tem para aprender! Seu corpo está a cada dia ganhando força e destreza, e sua mente pode então, cada vez mais, explorar os estímulos que o mundo fornece, o que influi na forma com que ele conhece as coisas. Mas é imprescindível perceber que o bebê não está crescendo sozinho, pois está rodeado de adultos, que podem atrasar ou acelerar seu desenvolvimento, guiando-o para determinadas direções e experiências.

Figura 1 – Durante as brincadeiras o bebê experimenta e conhece o mundo a sua volta, ampliando, desta forma, suas possibilidades de atuação no ambiente.

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Imagine o quanto o referido bebê cresce! Seu tamanho aumenta diariamente, e sua força muscular também. Nesse nível de análise, nada de novo surge, visto que a criança apenas aumenta de tamanho ou de força. Essa é uma mudança quantitativa, ou seja, ela ganha maior capacidade em funções que já possui (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008). Por outro lado, imagine o mesmo bebê dizendo sua primeira palavra. Esse momento inaugura algo novo, pois o bebê, que antes somente compreendia algumas intenções humanas e imitava-as na tentativa de mostrar seus desejos, passa a fazer uso da linguagem, função totalmente nova para ele. Pode-se dizer então que ele passou por uma mudança qualitativa. Dessa forma, segundo Papalia, Olds e Feldman (2008), há uma mudança “no tipo, na estrutura ou na organização. Ela é marcada pelo surgimento de novos fenômenos que não podem ser facilmente antecipados com base no funcionamento anterior” (p. 50). Ao observar o movimento do desenvolvimento, os cientistas se perguntam se ele é contínuo ou se ocorre por fases. Caso seja definido como contínuo cada função estudada passaria principalmente por modificações quantitativas conforme sua idade, sem haver mudanças bruscas ou interrupções do processo no tempo. Por outro lado, afirmar que o processo segue fases, exige a descrição das mudanças qualitativas que definem cada uma delas. Nesse sentido, verifica-se que há descontinuidades no desenvolvimento, ou seja, mudanças que tornam uma época da vida diferente da outra, regida por leis e processos próprios. Enquanto disciplina científica, a Psicologia do Desenvolvimento trabalha entre essas duas formas de abordagens das mudanças pelas quais passam uma pessoa (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008). Algumas de suas características, como a altura e o peso correspondem ao crescimento quantitativo, contínuo, ao passo que outras, como o desenvolvimento sexual e o cognitivo, passam por fases mais ou menos definidas, apresentando entre elas importantes mudanças qualitativas. Para o estudo do desenvolvimento, a Psicologia utiliza-se de metodologia longitudinal (ou seja, observa determinada pessoa durante um longo período de sua vida), ou de metodologia transversal (observando pessoas diferentes, em idades diferentes). O estudo longitudinal, por verificar as mudanças pela qual passa cada indivíduo estudado, permite observar cuidadosamente o movimento do desenvolvimento, mas segue como modalidade de pesquisa cara e complexa. O estudo transversal é mais utilizado, pois possibilita a observação da característica estudada em um conjunto maior de pessoas. Partindo das reflexões acima, percebe-se o quão complexo é o desenvolvimento humano, fato que nos impede de apresentar todas as suas particularidades. Por esse motivo, decidiu-se por privilegiar teorias que permitem comprecapítulo 4

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ender como se dá, nesse processo de mudanças, a interação entre o psiquismo humano e sua relação com o outro (sejam os pais, a família, os amigos, e mesmo as instituições sociais e culturais). Compreender que durante a vida há grandes transformações na forma pela qual determinado indivíduo percebe, sente e se relaciona com o outro é muito importante para as profissões que lidam com pessoas em todas as fases de sua existência (da infância à velhice). Pode-se, assim, tratar cada um conforme as possibilidades e limitações que detém, de acordo com sua faixa de desenvolvimento. Imagine, por exemplo, a tarefa de explicar um problema matemático de álgebra a uma criança de três anos. Isto soa como impossível, pois ela ainda não tem capacidade para compreender raciocínios abstratos. O mesmo serve para outros aspectos da personalidade das pessoas, como a capacidade de empatia, ou seja, de se colocar no lugar do outro e assim compreender o que ele está sentindo. É possível, por exemplo, que uma criança seja empática com alguém que acabou de perder um ente querido? Qual sua capacidade de compreender a dor do outro? Vemos então a importância de identificar as possibilidades de compreensão de cada pessoa, pois de nada adianta forçar alguém a agir por meio de habilidades que ainda não detém. Seria como cobrar que um bebê de três meses respondesse a um adulto por meio da fala, o que ele ainda não está preparado para fazer. A fim de melhor compreender as particularidades de cada fase da vida, pode-se dividi-la em quatro etapas gerais1: infância (que será discutida no presente capítulo), adolescência, maturidade e velhice (que serão tratadas no próxima capítulo). Tais períodos não são constituídos por mudanças biológicas evidentes no corpo do ser humano, mas são construções sociais que facilitam nosso estudo. Não há nenhum marcador específico que determina, por exemplo, a idade exata para a passagem da adolescência para a idade adulta. É a partir de nossas vivências culturais que marcamos essas fases, conforme a crença comum das pessoas. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2008), há sociedades diferentes da nossa que só categorizam duas fases da vida (a infância e a idade adulta), enquanto outras, como os “Swazi” africanos, definem oito. Entretanto, antes de abordar o que acontece no desenvolvimento psicossocial de cada fase,

1  A Sociologia compreende as referidas etapas como diferentes gerações, isto é, grupos específicos dotados de características comuns, tais como, faixa etária, aspectos físicos e cognitivos, mas, em especial, marcados por identidade social comum decorrente do processo de socialização. Dessa forma, infância, juventude, maturidade e velhice podem corresponder a diferentes gerações conforme o contexto sociocultural em que se vive.

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você deve ainda compreender os principais fatores que o influenciam.

4.3  O debate hereditariedade versus ambiente Dentre os diversos autores que se propõem a estudar desenvolvimento humano, um dos grandes debates refere-se ao papel da hereditariedade (características inatas) e do ambiente (aspectos culturais, externos) como seus determinantes. Muitas teorias dão ênfase em um desses aspectos, e trata o outro como sem importância, ou quando muito implicado apenas em variações superficiais do comportamento. Há ainda teorias que tentam compreender a complexa relação entre os dois. A figura 2 apresenta algumas teorias sobre desenvolvimento e o peso que a natureza e a cultura ocupam em seus pressupostos.

B Maturação Biológica

A B

Aprendizagem

A B

Construtivismo A Contexto cultural A: Fatores ambientais B: Fatores biológicos

B CUA

C

C: Cultura CUA: Características universais do ambiente

Figura 2 – Gráfico indicativo do peso das influências biológicas e ambientais no desenvolvimento humano, segundo as teorias da Maturação Biológica, da Aprendizagem, do Construtivismo e do Contexto cultural.

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Fonte: Figura baseada em Cole e Cole (2004, p. 55). Como se pode notar, há teorias que explicam o desenvolvimento como processo controlado pela hereditariedade, e compreendem que o sujeito adquire maturação biológica para exercer determinada função, ou seja, em um momento de seu desenvolvimento seu corpo ou seu cérebro atinge o nível que o possibilita para tal. A experiência e a relação com o ambiente pode somente maximizar esse processo, mas tem de respeitar o tempo do organismo. Antes da maturação, pouco se ganharia tentando treinar a referida função. Geralmente, é isto que propõe as teorias sobre o desenvolvimento físico: depois do nascimento até os dois anos de vida, o crescimento do sistema nervoso continua (aumento das conexões entre os neurônios). Conforme a criança completa este processo, ganha novas habilidades motoras, perceptivas e cognitivas (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008). Por outro lado, há teorias como as de aprendizagem, que acentuam o peso das experiências do indivíduo na relação com o ambiente. Essas teorias partiram da ideia do filósofo John Locke de que a mente é uma “tábula rasa”, uma folha em branco, onde cada experiência imprime uma nova aprendizagem, e, assim, impele o sujeito ao desenvolvimento (BARROS, 1988). Atualmente, propõe-se que nenhuma teoria deva se basear completamente em uma destas influências e desconsiderar a outra. Já há o consenso de que ambas (hereditariedade e ambiente) contribuem para o desenvolvimento do indivíduo. Cada abordagem, conforme seu enfoque, aponta o peso que tais influências têm sobre o comportamento. Entretanto, as teorias mais completas são aquelas que buscam mostrar como os dois referidos fatores se encadeiam no processo.

4.4  Desenvolvimento psicossocial Segundo Papalia, Olds e Feldman (2008), o desenvolvimento se dá basicamente em três aspectos: físico, cognitivo e psicossocial. Este último, objeto do presente capítulo, refere-se ao processo de mudanças e de estabilidade da personalidade do indivíduo e da forma a partir da qual ele trava seus relacionamentos sociais. O filósofo Merleau-Ponty (1990) afirma que há uma relação interna entre o modo como o bebê se conhece enquanto corpo (inicialmente, o recém-nascido não tem uma “imagem mental” da unidade de seu corpo, o que ele constrói conforme aprende a pegar objetos, andar, etc.) e o modo como ele conhece o outro. Ao

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nascer, a criança não consegue saber que sua mãe e as outras pessoas ao seu redor são seres que, como ela, têm sentimentos, pensamentos, muitas vezes diferentes dos dela. Esta evidência é comprovada pelos estudos do fenômeno “egocentrismo infantil”: a criança acha que seu pensamento não é apenas seu, mas que também habita a mente das outras pessoas, ou seja, o seu ponto de vista sobre o mundo é o mesmo dos outros. Jean Piaget (1896-1980), epistemólogo suíço (pesquisador que estuda o processo de conhecimento no homem), realizou vários experimentos com crianças buscando compreender como funcionava sua capacidade de cognição, ou seja, quais eram as formas de pensamento possíveis em cada idade. Ele estruturou quatro períodos do desenvolvimento cognitivo. No período pré-operatório, as crianças têm dificuldade de variar seus pontos de vista na solução de um problema. Verifica-se então nessa fase o egocentrismo, ou seja, a incapacidade de se colocar na perspectiva do outro, constatação evidente no experimento piagetiano descrito a seguir. Colocam-se três objetos em uma mesa, um avião perto da criança, no meio da mesa um carrinho e na outra ponta, perto do experimentador, um boneco. Se lhe é perguntado qual objeto está mais perto dela, ela responderá facilmente: o avião. Ao perguntar qual objeto está mais perto do examinador, ela também dirá que é o avião, pois não consegue imaginar a mesa como se estivesse sentada no lugar dele.

No decorrer do desenvolvimento, o bebê não só aprende a andar, a falar e outras atividades físicas e cognitivas, mas também a reconhecer que não está sozinho, e que depende do outro para sobreviver: seus pais, sua família, seus colegas de escola, professores, pessoas que pensam, sentem e escolhem coisas diferentes. Para que haja o estabelecimento psíquico dessa relação de alteridade (diferença eu-outro), é importante que o bebê se veja também como alguém, como um ser total, com seus pensamentos, sentimentos e vontades. Para abordar o desenvolvimento psicossocial em todas as etapas da vida, parte-se aqui dos conceitos estabelecidos por Erik Erikson (1902-1994), psicanalista alemão. Segundo ele, o desenvolvimento da personalidade de uma pessoa é vitalício, ou seja, ocorre durante toda sua vida, pois não estaciona com a maturidade (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008). O referido processo se dá sempre na interação do indivíduo com a sociedade, ou seja, na relação dele com os outros e com as instituições nas quais se insere (família, escola, trabalho, etc.), daí o termo psicossocial, pois engloba ambas as esferas.

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WIKIMIDIA

Figura 3 – Erik Erikson (1902-1994), alemão, psicanalista, passou grande parte de sua carreira acadêmica lecionando em universidades dos EUA (Berkeley e Yale), formulou a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial.

Partindo da Psicanálise, Erikson defende que o desenvolvimento psicossocial se dá em consonância com o desenvolvimento do ego, parte da mente que busca conciliar as demandas provindas de duas outras instâncias mentais, o id e o superego, e da realidade exterior, tal como foi discutido no capítulo anterior, sobre Psicanálise (FREUD, 1923/2006a). O fortalecimento do ego no decorrer do desenvolvimento da personalidade favorece a formação da identidade pessoal, ou seja, dos sentidos que o indivíduo incorpora e acredita serem descritivos do que ele é, do seu “jeito de ser” (ERIKSON, 1972). A identidade funda-se no modo como o sujeito vê a si mesmo e também seus familiares, outras pessoas e instituições ao seu redor. Refere-se também ao modo como ele se relaciona com o ambiente (instituições, grupos sociais, outros indivíduos), a partir dos valores que incorporou a respeito de cada um. Por exemplo, alguém pode ser seguro de si, ter a noção de que tem capacidade para realizar seus desejos, estabelecer relações satisfatórias com os outros. Entretanto, se a confiança em si for excessiva, se tornará irreal, pois seu portador não reconhecerá os pontos e os defeitos que possui e que precisa melhorar, assumindo uma posição narcisista, tomando a si mesmo e a seus desejos como ponto de referência. Ao contrário, caso não tenha confiança em suas capacidades internas, este indivíduo torna-se tímido, pensa que é fraco, incapaz, e que não tem capacidade para superar seus problemas. Essas três formas de pensamento permeiam aquilo que está sendo chamado de identidade.

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Segundo Erikson (1976), o ego “preserva a topologia social do meio ambiente de sua infância, assim como a imagem de seu próprio corpo, com suas conotações sociais” (p. 224-225). Isto significa que o ego, cuja formação e desenvolvimento contribuem essencialmente para o desdobramento da dimensão psicossocial do homem, incorpora aspectos e sentidos sociais, mesmo na relação que mantém com seu próprio corpo. Assim, a infância atua na formação de um “eu” corporal e seu correlativo externo, o “outro”. Esta constituição está interligada à relação da criança com seus pais e demais figuras de autoridade, irmãos e pares. Essa identidade psicossocial vigora até a adolescência, passando nesta etapa por uma revisão dramática. Vamos retomar um pouco do que vimos sobre Psicanálise e sua concepção de estrutura mental. Freud cria um modelo da mente dividida em diferentes áreas, cada uma funcionando de forma interdependente, e muitas vezes entrando em conflito entre si. O id é nossa parte pulsional, mais animal, que almeja realizar seus desejos sexuais e agressivos a todo custo. O superego é o que incorporamos de nossa relação com os pais e outras figuras de autoridade, ele inclui as lei sociais e age como censor individual, nos impondo o que acha certo, seus modelos ideais de perfeição. Já o ego é a parte de nossa mente mais ligada à consciência, e busca realizar um acordo entre id, superego, e também com o mundo externo, já que ele também demanda, facilita ou impede a satisfação do desejo. O ego possui mecanismos de defesa, que tentam diminuir o impacto desse conflito. Quanto mais fortalecido, melhor adaptada será esta instância para lidar com as pressões internas e externas. Assim, a pessoa correrá menos riscos de adquirir algum tipo de psicopatologia.

Erikson (1976) aponta que no decorrer do desenvolvimento o indivíduo se depara com uma série de crises específicas que marcam cada fase do ciclo vital2 e que continuam tendo alguma importância durante toda sua existência. Em tais períodos, o ego entra em um período crítico. A noção de crise é importante em Erikson: não é sinal patológico e não tem necessariamente um sentido

2  Ciclo vital refere-se ao conjunto de fases pelas quais uma pessoa passa no decorrer de sua vida. A divisão da vida em etapas depende em parte da teoria adotada para explicar seu desenvolvimento, mas também leva em consideração as representações de uma sociedade sobre o tema. Basicamente, no Ocidente, a vida é segmentada em quatro fases que serão abordadas na presente unidade e na próxima: infância, adolescência, maturidade e velhice. Para Erikson (1976), o ciclo vital se dá na sucessão de oito crises psicossociais que marcam os períodos críticos do desenvolvimento humano.

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negativo na vida do ser humano, antes de tudo é oportunidade de crescimento. Por exemplo, quando você terminou o ensino médio e não sabia o que fazer, se somente trabalharia ou se faria faculdade? Pode ser que este momento tenha sido angustiante, mas é também o término da escola que lhe impulsiona a tomar uma decisão sobre seu futuro e, com isso, lhe dá a possibilidade de “crescer”. É nessa acepção que Erikson (1972) trata de crise, um momento do desenvolvimento no qual o indivíduo se defronta com uma atitude básica e com um medo básico. Aprender essa atitude e superar o referido medo lhe proporciona um ganho em direção à busca de uma identidade bem estruturada e a bons relacionamentos com os outros. Entretanto, caso essas crises não sejam bem resolvidas, elas aumentam a vulnerabilidade do sujeito e enfraquecem o ego, dependendo do medo característico da fase em questão. É, então, a partir de períodos críticos que se pode falar em “crescimento humano do ponto de vista dos conflitos”, que se dá acompanhado de “um sentimento maior de unidade interior, um aumento de bom juízo e um incremento na capacidade de ‘agir bem’, de acordo com seus próprios padrões e aqueles padrões adotados pelas pessoas que são significativas para ela” (ERIKSON, 1972, p. 90-91). Nesse capítulo, no decorrer da discussão sobre a infância, e no capítulo posterior, quando se tratará da adolescência, da maturidade e da velhice, as crises essenciais de cada uma dessas etapas serão apresentadas, de modo a compreender mais profundamente como se dá o desenvolvimento psicossocial do homem.

4.5  Desenvolvimento infantil A infância é um período de grandes mudanças tanto físicas quanto psicológicas. Muitas das experiências deste período prolongam seus efeitos por toda a vida do sujeito. Por ser uma etapa complexa, apresenta-se a divisão da infância realizada por Papalia, Olds e Feldman (2008): do nascimento aos três anos; dos três aos seis anos (período pré-escolar); e dos seis aos onze anos (período escolar). As idades estipuladas não devem ser consideradas rigidamente, e os fenômenos descritos em cada período não estão estritamente contidos dentro de cada limite. Como salientado anteriormente, serão relatados neste capítulo conceitos que permitam compreender como se dá o desenvolvimento psicológico da criança em contato com o meio social. Inúmeros estudos descrevem as variadas facetas do desenvolvimento (físico, motor, cognitivo, entre outros), e seria muito extenso apresentar estas várias abordagens aqui. O recorte estabelecido, portanto, pretende fornecer conceitos úteis sobre desenvolvimento para a prá-

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tica profissional do Serviço Social. 4.5.1  Do nascimento aos três anos Você já viu um recém-nascido? Se deixado sozinho, ele não terá nenhuma condição de sobrevivência. Vemos esta afirmação como algo óbvio, mas se realizada uma comparação com o reino animal, nota-se que a dependência do bebê humano é extrema. Um potro, logo que nasce, em poucas horas, está em condições de andar e seguir sua mãe. O bebê humano só caminha por volta dos 12 a 14 meses (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008). As consequências psicológicas da dependência são inúmeras. O bebê tem de passar muito tempo com sua mãe ou seus cuidadores, e caso sinta fome ou algum desconforto, deve sinalizá-lo ao adulto para que ele alivie seu sofrimento. De que forma o bebê se comunica? O recém-nascido detém um pequeno e poderoso repertório de expressão emocional, é por meio do choro e de suas feições que a mãe interpreta as necessidades do bebê e busca saciá-las, assim como ele também é sensível às expressões dela. Esta conexão emocional é importante para o desenvolvimento do neonato3. O contato afetivo com a mãe ou com quem ocupa a posição de cuidador é essencial para seu desenvolvimento emocional e social. Segundo Erikson (1976): “A primeira realização social da criança, então, é sua voluntária disposição em deixar a mãe de lado sem demasiada ansiedade ou raiva, por ela se ter convertido em uma certeza interior, assim como em uma predizibilidade exterior” (p. 227). O recém-nascido sente que seu conforto depende de alguém exterior (a mãe ou alguém que ocupa função semelhante). Para Erikson (1976), a primeira crise que a criança enfrenta é a de confiança básica versus desconfiança básica. Com tamanha dependência do outro, se o bebê confia demais que a mãe irá aplacar suas necessidades e esta lhe falta, seu sofrimento será muito intenso. A melhor forma de proteção que ele possui (e que nós adultos preservamos em parte, e que mesmo nos animais pode ser observada) é a desconfiança que quando excessiva afasta-o dos benefícios do contato com o outro. Assim, é importante o estabelecimento de um equilíbrio entre confiança e desconfiança, o que permitirá que a criança internalize a crença de que a mãe, dentro de determinados limites, irá

3  Expressão utilizada para designar o recém-nascido quando tem até quatro semanas de vida.

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livrá-la de seus desconfortos (fome, cólicas, calor, frio, etc.). Segundo Papalia, Olds e Feldman (2008), o momento da alimentação é aquele que une de forma mais clara o conflito confiança versus desconfiança. Se o bebê confia que a mãe o alimentará quando ele precisar, pode agir socialmente, isto é, brincar com outras pessoas e deixar que sua mãe se afaste dele por um tempo. O período do nascimento aos 18 meses é geralmente marcado pela presença dessa crise psicossocial (confiança básica versus desconfiança básica), cuja superação fortalece o ego e desenvolve o sentimento de confiança nos laços afetivos mais importantes da criança (com seus pais e cuidadores). Mas se há um fracasso em seu desenvolvimento, o sentimento que vigora é o da desconfiança, e o bebê pode manifestar retraimento social ao longo da infância. Até o fim desse período, a criança deverá ter passado por um grande desenvolvimento motor, aprendendo a andar, por exemplo, e pode assim explorar o mundo ao seu redor. Após um ano de idade sua curiosidade e potencial de exploração aumentam o que redunda no crescimento de seu desejo por independência. O filósofo Merleau-Ponty (1990) discute a teoria de um dos mais importantes psicólogos do desenvolvimento, Henri Wallon (1879-1962), demonstrando a ligação que existe entre a compreensão que a criança tem de seu corpo e a compreensão de que há outra pessoa, diferente dela. Um recém-nascido não tem controle de seu corpo. Aos poucos, com os cuidados maternos e com a maturação física, ele vai sentindo seu corpo, e construindo mentalmente um esquema interno de como é este, por exemplo, onde estão seus membros. O referido esquema corporal é importante para que o bebê desenvolva o sentimento de “individualidade”, de unidade corporal. Para Merleau-Ponty (1990), na medida em que o bebê tem uma noção de como é seu corpo, ele pode compreender que é um ser único, separado do mundo e dos outros. Entre um ano e meio e dois anos, a criança se desenvolveu a ponto de ter maior noção de seu corpo, e ganha autonomia e poder para explorar o mundo. Nesse sentido, Erikson (1976) trata da emergência da segunda crise psicossocial da infância, autonomia versus vergonha e dúvida. Nessa fase, o infante começa a contrariar os pais ou cuidadores, resistindo, por exemplo, quando eles irão vesti-lo. Conforme foi visto no capítulo referente à Psicanálise, enquanto que a etapa confiança versus desconfiança coincide com o estágio de desenvolvimento oral da sexualidade humana (na qual a amamentação é o principal meio de contato com a mãe e a boca é sua grande fonte de prazer), a fase da autonomia versus ver-

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gonha e dúvida coincide com a educação dos esfíncteres – estágio anal, de acordo com Freud (1905/2006). Deixar de depender dos pais para evacuar e urinar é um importante ganho de autonomia para a idade. Entretanto, essa é a fase na qual os pais mostram à criança que os excrementos são sujos e lhe ensinam técnicas de asseio. Com base nessa educação, surgem, então, os sentimentos de asco (da urina e das fezes) e de vergonha, juntamente com o de dúvida. A educação dos esfíncteres é uma maneira de incorporar na mente da criança o autocontrole, o que também corresponde a uma forma de autonomia, pois ela passa a tentar controlar-se por si mesma. Esta situação pode ser notada quando, por volta dos dois anos, a criança começa a desafiar os pais, a dizer “não” para eles. Trata-se do comportamento que caracteriza a referida crise eriksoniana (autonomia versus vergonha e dúvida). Vamos agora explorar como se dá a resolução do conflito em questão. No comportamento dos pais pode haver dois extremos nos modos de educação dos filhos neste período: um controle extremo ou deixar a criança ter plena liberdade para fazer o que quiser. Erikson (1976) mostra que ambos podem causar prejuízos na educação: o controle auxilia a criança a moderar seus comportamentos, e a adquirir um controle interno sobre seus atos, o que é desejável e importante para seu desenvolvimento. Por outro lado, se o controle é extremo, ele inibe a autonomia, e aumenta os sentimentos de dúvida e vergonha. A criança excessivamente controlada pode se tornar tímida, duvidar de seu próprio julgamento. Já a liberdade dada à criança permite que ela explore o mundo, as restrições e as consequências de seus atos. Mas se não há certa autoridade por parte dos pais ou cuidadores, ela não compreenderá quais os limites para suas

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ações, o que pode levá-la a experimentar dificuldades futuramente.

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Figura 4 – Do nascimento até por volta dos três anos, a criança vivencia desde a extrema dependência das figuras de cuidado até uma autonomia relativa, de acordo com a Teoria do Desenvolvimento Psicossocial de Erikson.

Assim, intui-se que o controle deva ser moderado e, como diz Erikson (1976), “firmemente tranquilizador” (p. 231). O controle dosado e firme pode ajudar a criança a desenvolver o sentimento de autonomia, enquanto que falhas nesse processo podem enfatizar um sentimento de vergonha (BARROS, 1988). Em suma, o período que corresponde aproximadamente do nascimento aos três anos requer a passagem de uma situação de desamparo, ou seja, de dependência absoluta da mãe ou dos cuidadores, para uma relativa autonomia. Nesse ínterim a criança aprende a andar e a falar e, assim, a expressar melhor seus desejos. Ela passa a compreender que seus pais, irmãos, cuidadores e familiares, não são somente seres diferentes dela, mas que sentem, pensam e agem independentemente (capacidade de discriminação entre eu e outro que se desenvolve durante toda infância). Papalia, Olds e Feldman (2008) mostram, conforme os estudos de Piaget, que até aproximadamente os seis anos de idade o pensamento da criança é marcado pelo egocentrismo, ou seja, ela não consegue pensar como o outro, não se coloca no lugar dele. Há um grande avanço na socialização, mas os pais ainda são as figuras mais importantes na sua vida social. Um relacionamento estável com essas figuras, mesclando a segurança do contato com a liberdade da exploração, facilita que os pequenos abram sua rede de relações para outras pessoas. A relação com a mãe é geralmente mais importante nesta fase, pois o vínculo frutificado no amamentar e nos primeiros cuidados do bebê é muito forte. Mas o pai começa a surgir como figura importante, na qualidade de cuidador da criança, e como alguém que com ela disputa a atenção da mãe. Entretanto, é somente na fase seguinte que iremos notar um efeito maior desta relação intrafamiliar. 4.5.2  Dos três aos seis anos de idade Uma criança por volta de seus três anos é bastante ativa e vigorosa em suas explorações. Caso tenha tido boas resoluções das crises anteriores, tem relativo conhecimento de seu “novo poder locomotor e mental”, segundo Erikson (1976, p. 235). Acrescido a isto, ela ganha um sentido de propósito, ou seja, suas atividades corporais podem ser utilizadas para alcançar uma finalidade. Por exemplo, anteriormente a esse período, você vê um bebê e o vê engatinhar mo-

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vido pela curiosidade, pegando brinquedos e levando-os à boca, ou jogando-os e rindo com o resultado. Agora, a criança planeja ações mais complexas. Também percebe as consequências sociais de suas ações, a aprovação ou reprovação dos pais e cuidadores. Erikson (1976) trata da emergência de uma nova crise: iniciativa versus culpa que coincide com a fase fálica, tal como descrita por Freud (1923/2006b). Nela destaca-se o Complexo de Édipo (no qual o menino mostra um especial amor pela mãe e a menina pelo pai; e um sentimento de rivalidade e de agressividade do menino pelo pai e da menina pela mãe). Segundo Papalia, Olds e Feldman (2008), há um conflito entre duas partes na mente da criança, uma que quer explorar ao máximo as novas possibilidades que seu corpo lhe dá, e outra que busca aprovação social e tem medo de ser punida. Trata-se, portanto, do momento ligado ao sentimento de culpa. Sabe-se que a resolução do Complexo de Édipo se dá com o abandono desse desejo por parte da criança e com a identificação do menino com o pai e da menina com a mãe. Assim, o menino, que antes separava os pais quando eles trocavam carinho, ou que dizia que iria casar com sua mãe, acaba se identificando com o pai, e quer ser igual a ele, ter sua profissão etc. Nesse período, caso a criança tenha aprovação dos pais em suas experiências/brincadeiras, aumenta sua autoestima, o que diminui os efeitos danosos de um excesso de culpabilidade, que tende a criar uma inibição, certa descrença em seu potencial. Por outro lado, a aprovação em excesso e sem firmeza e interesse por parte dos pais pode levar a um excesso de esforço do infante em se exibir e competir com os outros, como se tivesse de se provar e ser aprovado em todo momento (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008). Nessa etapa se constitui uma importante diferenciação de gênero. Segundo Freud (1905/2006), as crianças começam a exibir grande curiosidade sexual, perguntando de onde vêm os bebês, e explorando as diferenças sexuais entre meninos e meninas. Tal como descrito acima sobre o Complexo de Édipo, sua resolução resulta na identificação do menino com o pai e da menina com a mãe. Ou seja, o menino absorve para si o modo de ser do pai, e a menina faz o mesmo com a mãe. Consta, portanto, uma tendência que se mostra relativamente universal: a separação entre os sexos durante as brincadeiras (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008).

CONEXÃO capítulo 4

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Há teorias que criticam a concepção identitária (que parte da identificação) para construção do gênero. Umas delas é a Teoria Queer que não se limita às categorias estanques masculino/feminino, pois defende que as concepções de gênero variam conforme o contexto histórico-cultural e seus regimes de poder. Além disso, essa corrente do pensamento afirma que as proposições da Psicanálise tradicional sobre sexualidade e desejo humano centram-se na norma heterossexual que aponta como “desviantes” gays, lésbicas, dentre outros(as), por não seguirem “o padrão” da diferença masculino-feminino em seus relacionamentos e práticas sexuais. Para uma leitura mais aprofundada dessa questão, leia o artigo “Teoria queer – uma política pós-identitária para a educação”, de Guacira Lopes Louro, importante teórica brasileira a respeito desta temática. Acesse o link:

4.5.3  Dos seis aos onze/doze anos Ainda que muitas crianças atualmente comecem a frequentar instituições de ensino desde o início da vida, a creche, a instituição escolar passa a ser central em seu desenvolvimento psicossocial por volta dos seis anos (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008). Segundo Freud (1923/2006b), no período intitulado latência, a criança tem sua curiosidade sexual diminuída consideravelmente, e passa a ter interesses direcionados às atividades escolares e à relação entre os pares. A família deixa de ser tão central em seus relacionamentos sociais, dessa feita aberto aos amigos e professores. Já na idade entre os três e seis anos, verificam-se os efeitos benéficos da aprovação dos pais sobre as atividades infantis, sobretudo as criativas. No entanto, a autoestima continua sendo trabalhada após os seis anos, principalmente ligada a atividades que tenham papel social mais definido. É a idade de sentir-se produtivo, ou seja, de trabalhar em atividades valorizadas socialmente. A escola, na nossa cultura, se torna a grande fonte dessas atividades, é nela que as crianças aplicam sua vontade de produzir e ser reconhecida socialmente. Cumpre destacar que há povos cujas atividades sociais infantis são de natureza diferente da educacional que conhecemos. Caso a criança não se sinta adequada às atividades sociais propostas, pode haver o surgimento de um sentimento de inferioridade (ERIKSON, 1976): a questão não é mais a aceitação e a aprovação dos pais, mas sua correspondência ao que é socialmente valorizado, ao que ela encontra nos grupos de pares e na relação com os professores. Uma adequação satisfatória a essas atividades lhe desperta o

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sentimento de domínio. Leva-se em consideração, com base em Erikson (1976), que esta etapa tem importante peso no desenvolvimento social, pois as atividades socialmente aceitas (as brincadeiras escolares, a aprendizagem da leitura, os trabalhos de escola) são realizadas junto ou ao lado dos outros, e o trabalho em grupo vai se tornando mais importante para o desenvolvimento infantil.

4.6  O desenvolvimento moral Erikson dedica-se ao estudo do conceito de identidade com base no desenvolvimento psicossocial que destaca o papel da relação socioafetiva com os outros. No entanto, outra característica permeia as relações sociais e as decisões que a pessoa toma em relação aos outros e às instituições: o julgamento moral. Em geral, as pessoas creem que o “certo” e o “errado” são categorias imutáveis e absolutas, isto é, que valem universalmente para todos. Por exemplo, você sabe que não se deve roubar nem matar, mas o que acontece quando o indivíduo encontra-se em uma situação limítrofe, quando as noções do que é certo e do que é errado não estão muito claras? Como você julga o comportamento de alguém que roubou alimento para alimentar seus filhos que passam fome, ou de um indivíduo que mata o assassino de seu filho? Estas situações geram discussões morais, pois as opiniões de cada um a respeito são divididas, não são únicas. Mas como será que as pessoas conseguem decidir qual lado irão defender, qual é o raciocínio realizado? Nem todos detêm a mesma forma de pensar quando vão julgar uma ação. As teorias do desenvolvimento moral buscam compreender o que influencia o indivíduo a tomar decisões relativas a problemas morais, e se esta forma de pensamento varia com o tempo. Lawrence Kohlberg (1927-1987), psicólogo estadunidense, professor da Universidade de Chicago e Harvard, foi um dos principais estudiosos da área, realizou experimentos com crianças e adultos de vários países, a fim de encontrar um esquema cognitwivo4 que estivesse presente em todas as pessoas. Sua intenção era explicar não o porquê delas tomarem determinada decisão moral, mas entender como os indivíduos justificam suas decisões, o que levam em consideração ao julgar uma ação.

CONEXÃO 4 

São padrões mais ou menos estáveis e organizados de comportamento, utilizados por uma pessoa quando tem de

pensar uma questão ou resolver um problema (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008).

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O artigo “Continuidade/descontinuidade no envolvimento com o crime: uma discussão crítica da literatura na Psicologia do Desenvolvimento” (SILVA; ROSSETTI-FERREIRA, 2002) discute a literatura a respeito da prática de atos infracionais de acordo com teorias da Psicologia do Desenvolvimento. A questão da delinquência é um tema complexo e multifatorial e que diariamente está em destaque na mídia. Acesse o link: . Vale a pena ler!

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Kohlberg baseia sua teoria nos estudos de Piaget, que estudou o desenvolvimento cognitivo, ou seja, a forma como aprendemos a pensar, a resolver problemas. Tal qual Piaget, ele dividiu o desenvolvimento em diferentes fases, onde cada uma é marcada por uma forma básica de raciocínio (BARROS, 1988). Para ele, as referidas etapas se sucedem na mesma ordem: não há como pular um estágio e atingir o posterior. São seis estágios divididos em três grupos e descritos a seguir. •  Pré-convencional: etapa na qual os valores morais dependem de uma autoridade externa à qual a criança obedece. •  Convencional: neste nível o indivíduo leva em consideração o que os outros pensam dele, na ocasião em que deve cumprir as leis. •  Pós-convencional: aceitação consciente dos valores morais.

Figura 5 – Kohlberg estudou a composição do raciocínio moral em crianças em fase de escolarização.

Nem todas as pessoas atingem todos os níveis de desenvolvimento, quanto mais alto o estágio maior o potencial de abstração (capacidade de pensamento

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simbólico que não requer objetos concretos) exigido. Segundo Barros (1988), no momento de justificar suas escolhas morais, as pessoas passam, conforme seu desenvolvimento, do apoio das figuras diretas de autoridade para o apoio em regras de conotação mais universal, como a Constituição do país ou a Organização das Nações Unidas. O medo de punição externa diminui e aumenta a incidência de culpa, ou seja, da autocondenação. Cumpre ressaltar que Freud (1930/2006) também mostra esse processo na formação do superego, instância psíquica que internaliza as leis sociais e de onde provém o sentimento de culpa (como se não fosse mais seu pai verdadeiro/concreto que lhe condenasse e castigasse, mas seu “pai” internalizado/abstrato, que foi incorporado pela mente e que julga seus comportamentos). O estudo de Kohlberg (BARROS, 1988) verifica a emergência do raciocínio moral a partir de crianças em nível escolar, ou seja, por volta dos seis e sete anos. Até os nove, verifica-se que as crianças estão em estágio pré-convencional. A seguir, descreveremos com mais detalhes estes estágios. No primeiro estágio da moralidade pré-convencional, são as consequências físicas que são levadas em consideração no julgamento moral. A criança explica o que é “bom” ou “mal”, pois leva em consideração as punições que pode receber. A esse respeito, há um exercício muito citado e que foi utilizado por Kohlberg (BARROS, 1988): um homem tem uma esposa doente, e um farmacêutico inventou um remédio que pode curá-la, mas está vendendo-o a preço exorbitante. O marido tenta juntar o montante necessário para comprá-lo, mas só consegue metade da quantia. Implora ao farmacêutico que lhe dê um desconto na compra do medicamento para salvar sua mulher, mas aquele recusa e diz que o remédio é dele e que ganhará muito dinheiro com sua venda. O homem, então, decide roubar a farmácia e pegar o remédio. Pergunta-se aos participantes do estudo se eles consideram a atitude do marido correta ou errada, e pede para que justifiquem a resposta. Lembre-se de que o que importa não é se o sujeito considera a ação do homem como certa ou errada, mas a justificativa que dá. No caso da criança no primeiro estágio (da moralidade pré-convencional), geralmente ela diz que se ele roubar vai ser preso ou punido de algum modo, ou que se ele não roubar também vai ganhar algum tipo de punição. Nessa etapa do desenvolvimento vemos uma conjunção entre o aspecto cognitivo-moral e o psicossocial, pois os pais ainda são importantes figuras para as crianças, que estão saindo da crise de iniciativa versus culpa. Mesmo tendo maior capacida-

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de de simbolização, os infantes traduzem as ações morais pelas consequências concretas, e a culpa é traduzida em punição. Já no segundo estágio do desenvolvimento moral (da moralidade pré-convencional), a criança por volta dos nove ou dez anos preocupa-se com os proveitos que se pode tirar da situação, se eles serão maiores ou menores que as punições possíveis (BARROS, 1988). Há também uma satisfação em cumprir atos tidos como moralmente corretos. Como resposta do exemplo acima, esse grupo diria que ser preso (punição) não seria tão grande diante da importância da vida da esposa, ou que não valeria a pena ele roubar se ficasse na cadeia e ela morresse, pois assim nada teria sido solucionado e os dois ainda ficariam longe um do outro. Entre os nove e quinze anos geralmente a criança ou o adolescente entra no primeiro estágio da moralidade convencional, segundo a classificação de Kohlberg (BARROS, 1988). Nessa etapa, há maior abstração na oportunidade de considerar a questão do “certo” e do “errado”. As crianças aprendem a noção de que há uma lei e uma ordem social que é preciso cumprir. Ser “bom menino” torna-se importante nesse período, e a aprovação/reprovação dos pais e professores pesa mais no julgamento. Com relação ao exemplo acima tratado, a criança levará em conta o que as pessoas pensarão do homem que roubou, se elas irão tomá-lo como um ladrão ou não, dada a gravidade da situação.

CONEXÃO Acesse o link a seguir e veja o quadrinho: A personagem Mafalda evidencia a internalização das regras sociais, o que corresponde ao terceiro estágio de moralidade proposto por Kohlberg. Também corresponde ao desenvolvimento psicossocial de Erikson (iniciativa versus culpa), ao indicar a tomada de independência da criança com a progressiva interiorização das regras sociais, o que passa a ocorrer, após a dissolução do complexo de Édipo, segundo a Psicanálise. Autor: Quino

Dois pontos são importantes sobre os estudos de Kohlberg. Em primeiro lugar, apesar de o julgamento moral se referir à esfera cognitiva, ou seja, ao pensamento, ele não deixa de ser influenciado pela dimensão psicossocial. Percebe-se que as relações sociais assumem um peso cada vez maior nas considerações morais, e a criança vai incorporando, por meio de uma identificação

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afetiva, os valores e papéis que as forças sociais dispõem regularmente.

4.7  Juventudes Delimitar as características gerais que compõem a juventude não é algo simples, uma vez que este grupo apresenta particularidades, de acordo com diferenças de classe, repertório cultural (estilo de vida), gênero, dentre outros. De certa forma, todas as etapas do desenvolvimento humano, entendidas como gerações para a Sociologia, não são de simples definição. Embora tenham traços gerais, comuns, cada uma deve ser analisada segundo as distinções acima citadas (gênero, classe, estilo de vida, dentre outras) que dão às transformações psicológicas do indivíduo tons particulares.

CONEXÃO Para refletir a respeito da constituição da identidade e da masculinidade entre jovens, leia o artigo “Sociabilidade grupal entre jovens de camadas populares: subjetividade e gênero” (RISK; ROMANELLI, 2008). Os autores discutem o papel da família e do grupo de pares na socialização da juventude, em especial, na construção do gênero masculino (conjunto de determinantes sociais e históricos que orientam as representações e ideias relacionadas ao corpo masculino e as práticas que o definem como tal). Acesse o link:

4.7.1  As tramas psicossociais da adolescência O início da adolescência é facilmente observável pelas mudanças fisiológicas da puberdade, o corpo do jovem aos poucos se modifica e acaba por adquirir propriedades do organismo adulto. Assim, o início desse período do ciclo vital muitas vezes é definido pela puberdade. De acordo com Levisky (1998), a adolescência é caracterizada por uma “revolução biopsicossocial”, em que ocorrem mudanças biológicas no corpo (puberdade) e alterações psicológicas dentro de uma cultura e sociedade específicas. Em termos sociais, para Calligaris (2000), trata-se de um processo que se instaurou com a modernidade tardia, no século XX, influenciado pela industrialização e pelo desenvolvimento da burguesia. Ao contestar as posições tradicionais da Psicologia do Desenvolvimento, Bair-

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rão (2005) afirma que: A adolescência não é uma etapa do desenvolvimento nem se prende a uma idade, embora culturalmente se assinale a algumas. Não corresponde a nada de positivamente dado, mas antes é um estado de liminaridade entre o infantil e o adulto. Trata-se muito mais de um processo social, que implica uma passagem do sujeito de uma posição na ordem cultural de criança para a de adulto, dependente de operações simbólicas que transcendem o psiquismo individual, do que de um momento ontogenético do desenvolvimento humano.

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Para Calligaris (2000), as forças sociais impõem ao adolescente uma moratória. Isto é, apesar de já ter assimilado certos valores da sociedade em que vive, bem como de seu corpo estar pronto para o trabalho e o sexo, lhe é imposto um tempo de espera, um tempo de aprendizagem, em que não poderá desempenhar atividades “adultas”, ou se o fizer, essas terão status marginal. Esse tempo de espera (moratória) é razão suficiente para que ele se rebele contra os adultos, afinal, o jovem já pode ser desejável (seu corpo está pronto para o sexo) e invejável (seu corpo está pronto para o trabalho e dessa forma para conseguir status socioeconômico). No entanto, ele terá de suportar um tempo de espera em que se “prepara” para o exercício regular e socialmente aprovado dessas atividades5.

5  Conforme você lerá adiante neste capítulo, os critérios para definir a condição de adulto não são simples ou evidentes, por exemplo, entre as camadas médias brasileiras.

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Figura 6 – Embora haja determinantes psicossociais comuns, a juventude constitui-se de modo diverso de acordo com marcadores como classe social, gênero, estilo de vida, dentre outros.

Cumpre ressaltar que as teorias psicossociais que serão apresentadas a seguir a respeito da adolescência, em geral, baseiam-se em dados da prática clínica do psicanalista ou psicólogo que atende jovens pertencentes às camadas médias, em que a juventude é vivida como um tempo de “espera”, espécie de preparação para a vida adulta (moratória social), o que leva a certos conflitos bastante específicos. No que se refere aos adolescentes das camadas populares muitas vezes a moratória social é marcada pela necessidade de conciliar os estudos com o trabalho, dentre outras atividades. Ou seja, entre eles, os indivíduos passam a ter responsabilidades adultas mesmo antes dos 18 anos, o que leva a algumas diferenças no modo de vivenciar esta etapa. De modo geral, embora em condições sociais diferentes, pode-se afirmar que a construção da identidade adulta, o confronto com a família, além de certa confusão com relação aos papéis6 que desejam e que têm condições se desempenhar são comuns para ambos os grupos de jovens. 4.7.2  Crises psicossociais Durante a referida moratória o jovem terá de enfrentar conflitos psicossociais. Segundo Erikson (1976a), conforme analisado na unidade anterior, o desenvolvimento ao longo do ciclo vital é marcado por crises psicossociais que se fundamentam na relação entre a personalidade do indivíduo e o contexto cultural em que ele está imerso. Para esse autor, é na interação com as figuras parentais que a criança aprende a se relacionar com a sociedade. No caso da adolescência, é por meio da resolução do Complexo de Édipo que o adolescente vai formar uma personalidade que lhe dê segurança e a estruturação necessária para inserir-se plenamente no mundo adulto. Ao chegar à adolescência, de acordo com Erikson (1976b), o indivíduo passou por várias crises7 (apresentadas na unidade anterior), que levaram ao de6  Conjunto de expectativas e responsabilidades atribuídas a alguém conforme o contexto em que se encontra. Por exemplo, o papel de pai diz respeito às atitudes e representações esperadas com relação à paternidade. 7  Confiança básica versus desconfiança, autonomia versus vergonha e dúvida, iniciativa versus culpa, indústria versus inferioridade (ERIKSON, 1976b).

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senvolvimento de sua relação com o mundo, com os pais e com o grupo de pares (amigos). Nessa etapa, ele tem de atualizar e refletir sobre as características conquistadas ao longo da infância, além de ser afetado pelas dificuldades que permearam seu desenvolvimento em função dos conflitos anteriores. Do nascimento ao início da adolescência, as crises infantis impõem um desafio ao sujeito, de modo que sua resolução, caso decorra de modo favorável, permite-lhe incorporar características importantes para o desenvolvimento saudável de sua identidade. Se tiver obtido relativo sucesso nessas etapas, pode-se dizer que o adolescente emerge da infância confiante quanto às suas relações com o mundo e com as figuras parentais. Espera-se que na saída da infância, o indivíduo seja capaz de desenvolver autonomia e iniciativa na exploração do mundo e que tenha aprendido a lidar com operações instrumentais (cognitivas). Portanto, a adolescência é uma importante época de integração das etapas anteriores do desenvolvimento, inclusive de revisão do desenvolvimento sexual, conforme proposto por Freud, é nessa etapa que se dá a formação da personalidade adulta (ERIKSON, 1976b). As crises infantis, quando solucionadas de modo positivo, auxiliam o indivíduo a ter confiança na exploração de suas potencialidades e nas experiências que o ambiente externo proporciona. Ademais, constituem a base para a integração do indivíduo à sociedade, pois é nas primeiras experiências escolares da infância que aos poucos a criança começa a se interessar por atividades socialmente aceitas. A puberdade é um período de intenso desenvolvimento, as mudanças corporais introduzem novas sensações no adolescente, levando-o a uma nova crise (identidade versus confusão de identidade), tal como descreve Erikson (1976b). O desenvolvimento sexual, mais do que uma maturação biológica do corpo para a procriação, modifica toda a estrutura corporal e o torna mais evidentemente sexuado. A ênfase na genitalidade que o desenvolvimento biológico introduz está intimamente ligada a um processo psicológico de revisão: o adolescente de certa forma “perde” o corpo infantil, o que leva a um processo de luto. Entende-se a genitalidade como o aspecto da sexualidade voltado para o vínculo com o outro, manifestado pela importância das parcerias sexuais nessa época. O adolescente tem de preparar-se para a entrada no mundo adulto, o que coloca em questão seu papel na sociedade. Há, portanto, para Erikson (1976b), uma revisão da identidade pessoal, sexual e ocupacional. É preciso que o adolescente integre a nova estruturação de sua sexualidade no ego, ou seja, ele deve ser capaz de aos poucos elaborar as mudanças corporais e, sobretudo, o modo como se relaciona afetiva e sexualmente com

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o outro (ERIKSON, 1976b). Nessa época, o jovem revisa todo o processo de desenvolvimento sexual que culminou na dissolução do Complexo de Édipo, quando a criança abandona os pais como objetos privilegiados de desejo, abrindo-se a novas fontes de satisfação libidinal fora da família. De acordo com Erikson (1976b), a crise própria da adolescência refere-se à identidade versus confusão de identidade. No processo de revisão da identidade (conflito e perda das características infantis) pode ocorrer a confusão de papéis por parte do adolescente. Em geral, o âmbito mais atingido por esse conflito é o da identidade ocupacional, pois se verifica sensíveis dificuldades no processo de escolha profissional ou ocupacional, no caso do jovem que procura sua profissionalização via ensino técnico. Cabe ressaltar que a estrutura educacional contribui para acentuar esta questão, por exemplo, ao impor como dever, sobretudo entre os jovens das camadas médias, a escolha de uma carreira para prestar o exame vestibular, o que aumenta a pressão do jovem pela “escolha certa”. Com relação à sexualidade, o conflito entre os papéis pode surgir quando há divergências entre as expectativas sociais e as identidades sexuais e de gênero e na orientação sexual (ERIKSON, 1976b). Por exemplo, é comum encontrar em adolescentes gays conflitos na esfera da “aceitação social” de sua diversidade. De acordo com Miskolci (2009), muitas pessoas julgam que a sexualidade diz respeito apenas a atos sexuais. No entanto, trata-se de uma expressão ampla, pois a maneira como os sujeitos constituem vínculos, expressam amor e desejo, estrutura suas vidas. Assim, “a sexualidade se revela uma questão que vai muito além de decisões privadas, pois ela é criada e moldada pelo convívio no espaço público em processos de socialização diversos” (p. 127). Dessa forma, de acordo com esse autor, os padrões de sexualidade que no senso comum são tidos como “naturais e imutáveis” são determinados historicamente em um processo específico que “privilegiou determinadas identidades e tipos de relacionamento em detrimento de outros” (p. 131). Nesse processo, há “contestações visíveis no modo como as pessoas transgridem cotidianamente essas identidades, vivenciando novas formas de ser homem ou mulher, como atestam gays e lésbicas” (p. 132)

Dessa forma, o jovem experimenta uma série de identidades diferentes que podem ser definidas como: transitórias (modelos vividos pelo indivíduo por um determinado tempo); ocasionais (identidades assumidas diante de situações novas, por exemplo, conquista de uma namorada, primeiro emprego,

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etc.); e circunstanciais (identidades que variam segundo o grupo circunstancial em que se encontra, por exemplo, o adolescente pode ser “rebelde” em casa e submisso ao grupo de pares, etc.) (KNOBEL, 1981). Esse conjunto de papéis diferentes perfaz a crise da confusão de identidade. No entanto, aos poucos, o jovem pode constituir um senso de identidade a partir da revisão das características infantis e do jogo de papéis experimentado na adolescência (ERIKSON, 1998). Assim, a identidade pode se formar como “experiência contínua de um ‘eu’ consciente [pois] a adolescência abriga certo senso de existência, ainda que fugaz” (p. 64). Adiante, será apresentada como se dá a transição da adolescência para maturidade, processo que exige a consolidação da identidade. 4.7.3  A relação com os pais e as manifestações da sexualidade Quanto ao desenvolvimento sexual, conforme a perspectiva psicanalítica, há a evolução do autoerotismo à heterossexualidade, por meio de um oscilar permanente entre a masturbação e o princípio do exercício genital, que durante a adolescência detém caráter mais exploratório (KNOBEL, 1981). Aos poucos quando começa a aceitar sua genitalidade8, o adolescente passa a buscar um parceiro(a), de modo tímido, mas intenso. Nessa fase começam os primeiros contatos superficiais que aos poucos se aprofundam, preenchendo sua vida sexual. O desprendimento dos pais é um acontecimento de fundamental importância para a vida do ser humano, pois é a partir dele que o indivíduo poderá estabelecer sua identidade adulta e investir num relacionamento maduro com alguém. Segundo Knobel (1981), a separação dos pais infantis internalizados, que são incorporados pela criança como objetos aos quais estão associados afetos, bem como dos pais externos, é necessária para que a personalidade seja capaz de integrar novas experiências afetivas. Conforme o mesmo autor, ao longo da adolescência, “a presença externa, concreta, dos pais começa a ser desnecessária. Agora a separação destes não só é possível, como necessária. As figuras paternais estão internalizadas, incorporadas à personalidade do sujeito” (p. 36). O desprendimento dos pais é crucial para o estabelecimento da identidade adulta. Esse processo ocorre segundo três etapas fundamentais ao longo da vida: 8  De modo geral, genitalidade refere-se primeiramente ao caráter genital da sexualidade, tendo como centros principais de prazer os genitais e principalmente a relação com o outro. Na adolescência, a sexualidade passa a dedicar-se ao vínculo e não mais ao autoerotismo.

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a primeira é o nascimento, a segunda ocorre no final do primeiro ano de vida, motivada pela eclosão da genitalidade, da dentição, da linguagem, da capacidade de se posicionar em pé e de andar, e a terceira deslinda-se na adolescência. Com a puberdade, faz-se possível a consumação real do incesto, concomitantemente, o adolescente define seu papel procriador, e assim, evita essa possibilidade. Desse modo, inicia a busca de um objeto de amor no mundo externo, o que só será possível caso se concretize a separação dos pais internalizados9 (ABERASTURY, 1988). No entanto, não se trata de um processo simples, pois os pais também se apresentam ambivalentes e resistentes em aceitar o crescimento e a independência de seus filhos (ABERASTURY, 1988). Conforme afirmado por Knobel (1981), com a maturidade genital, os pais também passam por uma revisão de suas situações edípicas conflitivas, o que, em muitos casos, é vivenciado como fonte de angústia e temor, dado que a isso se somam as questões referentes ao surgimento de um concorrente (o filho) agora apto a substituí-los.

Figura 7 – Na juventude, é comum a eclosão do confronto entre gerações, o que evidencia a complexidade dos vínculos familiares, nem sempre harmônicos, como esperado no senso comum.

9  Isto é, paulatinamente o jovem constitui uma identidade própria manifestada por seus gostos, preferências e características de personalidade de modo independente àquelas de seus pais, embora muitos dos traços incorporados durante a infância com base no vínculo estabelecido com esses também se mantenham ou são revisados.

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Em outras palavras, os pais também vivem os conflitos dos filhos, pois eles também necessitam se desprender da imagem daqueles enquanto crianças e concebê-los como adultos, fato que lhes impõe certa renúncia e evidencia a necessidade de enfrentar o envelhecimento e a morte. Nesse momento, os progenitores têm de aceitar a perda da imagem idealizada que seus filhos têm deles, como também devem aceitar o aparecimento de uma relação permeada por críticas e ambivalências. O crescimento dos filhos, suas capacidades e sucessos, neles provocam uma reavaliação de suas próprias capacidades, o que pode gerar sentimentos ambíguos de inferioridade e frustração (ABERASTURY, 1988). De acordo com Roudinesco (2003), “todos os pais têm o desejo de que seus filhos sejam ao mesmo tempo idênticos a eles e diferentes. Daí uma situação inextricável na qual a revolta e a separação são tão necessárias quanto a adesão a valores comuns, até mesmo a uma certa nostalgia de um passado idealizado” (p. 195).

CONEXÃO A personagem Mafalda, apesar de ainda ser uma menina, evidencia o elemento contestador na relação entre pais e filhos. Autor: Quino. Disponível em:

Conflitos de ordens diversas são comuns na família, pois os jovens em várias ocasiões contestam as orientações parentais, que lhes parecerem caducas ou porque diante delas se sentem tratados como “crianças”. Muitas vezes valores, ideias e gostos dos pais são também rejeitados pelos adolescentes, pois convivem com referenciais culturais relativamente diferentes dos de seus progenitores, dada a renovação dos códigos transmitidos pelas agências socializadoras (escola, mídia, religiões, dentre outras) ao longo do tempo. De acordo com Romanelli (1998) “A existência do confronto significa que as relações intergeracionais não são mera atualização de estruturas dadas, mas abrem caminho para alterações, cujo alcance e extensão dependem da forma de questionamento que elas suscitam entre jovens e adultos e das soluções propostas” (p.

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125). Por exemplo, os pais podem achar tarde o horário que seus filhos saem para passear nos finais de semana quando comparado ao de seu tempo, ao passo que para estes trata-se apenas do horário no qual todos estão na rua, nos bares, boates, etc.

CONEXÃO Para aprofundar seus conhecimentos sobre a condição da juventude urbana brasileira, particularmente àquela pertencente às periferias, leia o artigo “Os riscos da juventude” (PEREIRA, 2010). O estudo investigou relações de sociabilidade entre jovens da periferia da capital paulista. O autor parte do discurso oficial sobre a noção de risco/vulnerabilidade tributada pelo poder público e por seus operadores à juventude que habita as periferias, a fim de discutir de que modo a categoria “risco” é elaborada pelos jovens em questão. Acesse o link:

Além da confrontação com os familiares, o contato com o grupo de amigos (vizinhos, colegas da escola, do clube, do trabalho, das instituições religiosas, associações estudantis) é importante para constituição da identidade, pois nele os jovens não apenas mantêm relações de amizade como também se identificam com suas características (gostos e preferências) de modo a constituir aos poucos um jeito de ser próprio. Nesse processo, é comum que os grupos tenham um estilo particular (por exemplo, roupas, acessórios, preferências musicais, etc.) que o identifique10, e se comparem a outros que não apresentam suas características. Dessa forma, os adolescentes sentem-se semelhantes àqueles que detêm atributos parecidos com os seus e diferentes dos que não os têm. No entanto, há o sentimento comum de que independente dos grupos a que pertençam, sentem-se jovens, experiência que dá intensidade às suas vidas, onde a morte e o fim são termos improváveis ou distantes. Ou seja, por mais que haja distinções de estilo (gostos), somadas à diferença de classe, segundo Margulis e Urresti (2008), a juventude detém um caminho de possibilidades abertas, a esperança, da qual decorre o 10  De modo genérico, as tribos urbanas expressam esta modalidade de grupo em que os adolescentes se identificam pelos produtos e serviços que consomem (roupas, músicas, locais de lazer), bem como por atitudes, valores, ideias e representações relativamente particulares.

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sentimento de invulnerabilidade e de segurança que em geral é apresentado pelos jovens, como se a morte fosse como algo longínquo, inverossímil, próprio aos mais velhos, às gerações anteriores.

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CONEXÃO No conhecido poema “Quadrilha”, publicado no livro estreia “Alguma poesia” (1930), o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) traça os encontros e desencontros românticos e trágicos do amor, comuns na juventude e também na maturidade. Acesse o link: e assista a uma animação inspirada nesta poesia e declamada pelo próprio Drummond.

4.7.4  A transição para maturidade Os marcadores sociais de passagem da juventude para idade adulta variam conforme o contexto sociocultural. No caso da sociedade ocidental, há uma série de características que ao longo do século XX passaram a delimitar cada uma destas etapas. Ou seja, conforme destacado anteriormente, os elementos psicológicos do desenvolvimento humano durante o ciclo vital são também fruto de fatores e condições sociais (história, estrutura de classe, gênero, etnia), de maneira que a análise das mudanças subjetivas (no “jeito de ser”) de um indivíduo ao longo da vida deve levar em conta as condições sociais em que elas decorrem. De acordo com Andrade (2010), Na fase do ciclo vital que corresponde à passagem da adolescência para a idade adulta, ocorrem transições traduzidas no desenvolvimento, realização e consolidação da identidade pessoal e social do sujeito, que culminarão com a aquisição do estatuto social de adulto. Este último é sustentado pelo alcance de uma posição social decorrente do desempenho de papéis profissionais e familiares, que simultaneamente assinalam o final da juventude e caracterizam a idade adulta (p. 255).

No entanto, atualmente nas sociedades ocidentais, particularmente entre as camadas médias, a passagem da juventude para a idade adulta não é de fácil delimitação, visto que os jovens tendem a prolongar seus estudos, a adiar o ingresso no mercado de trabalho e acabam por experimentar formas de relacionamento afetivo-sexuais que não necessariamente implicam formação de uma nova família. Há alguns que permanecem na casa dos pais por longo tempo e aos estudos de graduação sucedem-se experiências profissionais ou formação

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em nível de pós-graduação que não rigorosamente culminam na completa independência financeira. Portanto, pode-se aventar que dentre esta faixa etária das camadas médias, experiências e códigos relacionados à juventude (morar na casa dos pais, prolongamento dos estudos, certa liberdade, por exemplo), conjuminam-se às vivências da maturidade (trabalhar, ter rendimento próprio, relacionamentos afetivo-sexuais mais duradouros), sendo difícil definir o estatuto etário (se jovens ou adultos) deste grupo social. De acordo com Guerreiro e Abrantes (2005), que pesquisaram as transições para a vida adulta entre diversas camadas sociais de Lisboa, de acordo com critérios de educação, trabalho, família e gênero, tais mudanças constituem não um momento de passagem, mas sim um percurso. A passagem do “estágio” infantil para o adulto constrói-se processualmente, um período marcado por condições, oportunidades e dificuldades próprias. Assim, as transições seriam marcadas por dois tempos, um ligado ao divertimento, experiências e aventuras, outro relacionado à estabilidade e ao desejo de ter filhos. Para esses autores, tais padrões variam de acordo com “as origens sociais, os percursos de escolaridade, as oportunidades e as condições de emprego, os modelos culturais, os papéis de gênero e as redes de apoio formais e informais” (p. 170). Por outro lado, dentre as camadas populares brasileiras, os padrões de transição da juventude para idade adulta podem ser relativamente distintos do quadro acima, conforme pesquisa de Leal e Fachel (1999). Essas autoras investigaram aspectos da sexualidade e estratégias matrimoniais empreendidas por jovens e adultos, de ambos os sexos, pertencentes às camadas populares de Porto Alegre-RS. Ainda que as análises médicas e psicológicas venham tratando de certo alargamento do tempo da juventude, manifestado pela prorrogação da adolescência e postergação do ingresso no universo adulto, esse fato não foi verificado em sua pesquisa junto aos grupos populares. Com o propósito de não estabelecerem faixas de idade arbitrárias, as autoras demarcaram as “fases” entre a adolescência e maturidade a partir da trajetória de vida dos participantes. Desse modo, as mulheres definiram a menarca, a primeira relação sexual e a maternidade como momentos importantes para construção da maturidade. Já os homens declararam que “amadurecem” física, moral e emocionalmente, a partir de suas relações sexuais e demais experiências que redundam no casamento. Fundamentadas nos dados coletados, as pesquisadoras elencaram as seguintes categoriais que demarcam as trajetórias: (a) jovem, caso em que o participante está na condição de filho(a), solteiro(a) e cuja manutenção mate-

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rial está sob responsabilidade da esfera doméstica ascendente; (b) dependente, quando o entrevistado(a) é casado mas reside na unidade de origem ou do progenitor da(o) esposa(o); (c) independente, quando reside sozinho, com cônjuge ou com sua família descendente (LEAL; FACHEL, 1999). Conforme se pode notar, marcadores como classe social, gênero, dentre outros, delimitam o modo como os grupos sociais irão vivenciar a transição da juventude à idade adulta, o que se reflete também no desenvolvimento de suas características psicológicas. Portanto, as modificações em nosso “jeito de ser”, as mudanças em nossas características de personalidade, nosso amadurecimento e nosso envelhecimento, não são mera ocorrência psicológica, pois são também influenciadas pelo contexto sociocultural em que vivemos.

4.8  A maturidade sob o vértice psicossocial Em termos psicossociais, após o término da adolescência, o indivíduo pode ser classificado como “adulto jovem” e, posteriormente, como “adulto”. É a partir da crise identitária da juventude, que, enfim, o adulto jovem pode deter um senso de identidade. Dessa forma, ele está ávido para fundir e compartilhar sua identidade com outrem seja no trabalho, nas amizades e no âmbito da sexualidade (ERIKSON, 1998). A paixão e a intimidade revelam a capacidade de comprometer-se com relações concretas “que podem exigir sacrifícios e compromissos significativos” (p. 62). Para Erikson (1976b), esta fase é caracterizada pela crise intimidade versus isolamento. A primeira caracteriza-se pela condição de não apenas ser capaz de manter relacionamentos afetivo-sexuais íntimos, como também de manter “uma autêntica e mútua intimidade psicossocial com outra pessoa, seja na amizade, em encontros eróticos ou em inspiração conjunta” (p. 136). O segundo polo da crise dá-se quando o indivíduo não concretiza as esperadas relações íntimas, levando à busca de vínculos interpessoais estereotipados que podem acarretar em um profundo sentimento de isolamento. Esta condição caracteriza-se pelo medo de dividir sua intimidade com o outro, pelo receio de ter filhos e responsabilidades de cuidado, trata-se do medo de não ser reconhecido, de não receber afeto e atenção (ERIKSON, 1976b, 1998). Portanto, o conflito entre intimidade e isolamento, como qualquer crise psicossocial identificada por Erikson (1998, 1976b), constitui o confronto entre tendências da personalidade do indivíduo. Ou seja, o sujeito vê-se assolado

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pelo desejo de manter relações íntimas e relações de amizade autênticas, assim como pelo medo de compartilhar sua identidade e aspectos de sua intimidade com outrem nestes vínculos. Dessa contenda pode emergir “o amor como dedicação mútua” (ERIKSON, 1976b, p. 138) fruto do desejo de manter relações de intimidade, em que pese os conflitos do isolamento a ele associado. O enlevo amoroso aglutina a capacidade de compartilhar a intimidade com o amado(a) e, posteriormente, o desejo de ter filhos, de criar, cuidar e produzir (trabalho), que o referido autor intitula como “generatividade”. De acordo com Erikson (1998), a intimidade inicialmente deve possibilitar uma espécie de ideal associativo que roga por relações fechadas em que se podem manifestar características privadas. Em outras palavras, nessa etapa, procura-se não apenas por relacionamentos afetivo-sexuais extremamente íntimos, como também por grupos de amizade mais restritos, em que se pode ter maior liberdade para compartilhar sentimentos e ideias bastante pessoais. No âmbito das relações amorosas, segundo Erikson (1998), nessa fase as pessoas “precisam fundir seus costumes habituais para formar um novo meio para elas mesmas e seus filhos: um meio que reflete a mudança (gradual ou radical) de costumes e as alterações nos padrões dominantes de identidade trazidas pela mudança histórica” (p. 63). Trata-se, portanto, da formação da família. Da “superação” do confronto intimidade versus isolamento, emerge a generatividade, segundo Erikson (1976b), “a preocupação em estabelecer e orientar a geração seguinte” (p. 138). Isso não significa que este impulso à procriação e à orientação dos imaturos, necessariamente deva levar à maternidade ou paternidade, há pessoas que destinam este desejo a ações altruístas (práticas associativas que objetivam o bem comum). Com o advento da generatividade, o adulto jovem será, então, apenas um adulto que pode amar, produzir, criar e ter filhos, e ao atingir a “meia-idade” poderá passar a conviver com o sentimento de estagnação, de que não tem mais o mesmo vigor dos anos da maturidade inicial. Além disso, muitas vezes, terá de conviver com as mudanças nos papéis familiares acarretadas pelo crescimento dos filhos, conforme você aprenderá adiante. Em resumo, pode-se afirmar que os anos após o final da adolescência, caracterizam-se pelo impulso à intimidade, ao desejo de manter relações de proximidade afetivo-sexual, assim como de ter amigos próximos, com quem se compartilha ideias e atributos privados. Por outro lado, há também o receio de dividir sua identidade com o outro e de não ser por ele reconhecido, isto é, de não receber afeto, atenção, cuidado, o que pode culminar no isolamento,

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espécie de defesa diante do medo de não ser amado e acolhido. Passado esse conflito, pode-se, então, regulamentar o vínculo amoroso seja na forma do casamento ou de uniões consensuais, em que o casal divide sua intimidade e, quando deseja, tem filhos. Nessa etapa, aos poucos, o indivíduo consolida-se ocupacionalmente e profissionalmente, o que também é fruto da condição de criar e produzir novas ideias, elementos da generatividade. Um contraponto crítico a estas ideias pode ser feito segundo as proposições da Teoria Queer, que tem Judith Butler (2008) como uma de suas principais autoras. A teoria do desenvolvimento psicossocial de Erikson, ao propor o confronto intimidade versus isolamento como importante fator para generatividade (capacidade de gerar e cuidar dos filhos), fundamenta-se, grosso modo, na premissa de que o desenvolvimento humano “objetiva” a constituição de relações familiares procriativas. Dessa forma, as modificações na subjetividade intentariam a constituição de vínculos monogâmicos e heterossexuais, quando há formas de ligações afetivas que não necessariamente expressam características rigorosamente heteronormativas, por exemplo, as relações entre gays, lésbicas. Não se pode definir que o desenvolvimento humano presuma a constituição do desejo heterossexual e suas manifestações, diante da vigente variabilidade de práticas afetivosexuais socioculturalmente construídas. Sugere-se, portanto, que a teoria de Erikson, em alguns momentos, parece reduzir o desenvolvimento humano a manifestações psicossociais de fundo heterossexista.

Paulatinamente, o sujeito chega à “meia-idade”, expressão repleta de significados, de acordo com Py e Scharfstein (2001). Segundo as autoras, o termo pode se referir ao fato de que se atingiu a metade da trajetória de vida, embora ninguém saiba quando morrerá, sendo impossível determinar em que época se atinge a metade do ciclo vital. A meia-idade é, portanto, uma construção sociocultural que visa a determinar de forma imprecisa as características pessoais daqueles que têm por volta de 40 ou 50 anos, constatação que se pode apreender das ideias dessas pesquisadoras. “Seguindo este raciocínio, poderíamos pensar na chamada meia-idade como uma etapa transitória entre a vida adulta e a velhice” (p. 129). Nessa fase, se de um lado não se tem a força e vitalidade do corpo jovem, por outro, a deterioração do corpo velho ainda não se faz presente. É comum nesse período a ocorrência de separações conjugais, segundo Py e

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Scharfstein (2001), “pois se torna insuportável para alguns se verem envelhecendo através da imagem especular do outro” (p. 130). Dessa forma, os homens, por exemplo, procuram parceiras mais jovens a fim de “aplacar o temor de tornar-se velho” (p. 130). Tentativa semelhante decorre entre as mulheres que se tornam mães temporãs ao engravidarem “tardiamente”. Em ambas as ocasiões há o intento de não perder o que foi vivido, como se fosse possível “parar o tempo” a fim de evitar as perdas decorrentes da idade e as angústias delas decorrentes. Conforme Py e Scharfstein (2001), “adia-se a confrontação com a finitude e, consequentemente, perde-se a oportunidade de fazer mudanças internas que, mais cedo ou mais tarde, tornar-se-ão inevitáveis” (p. 130). Essa condição do ciclo vital em que há o anseio de interromper a força do tempo que limita o corpo e modifica a tudo, pode ser aludida em um trecho do poema “Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo” de Álvaro de Campos (PESSOA, 1992), heterônimo de Fernando Pessoa, em que se diz “Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou. Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma. Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim” (p. 44).

4.9  Os (des)encontros com o tempo: a velhice O número de idosos no Brasil tende a crescer nas próximas décadas, conforme projeção apresentada por Carvalho e Rodríguez-Wong (2008) baseada em estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Divisão de População da Organização das Nações Unidas, publicadas em 2004. Dados prospectivos organizados por esses autores evidenciam que dentre pessoas “residentes no Brasil em 2005, em torno de 87% estarão vivas em 2025 (população, então, com vinte ou mais anos), e de 61%, em 2050 (população, então, com cinquenta anos ou mais de idade)” (p. 598). Nota-se, portanto, que a população brasileira ao longo das próximas décadas envelhecerá paulatinamente, o que implica a necessidade de planejamento por parte do governo a fim de assistir este grupo. Seguramente você já conviveu com pessoas idosas, avôs, avós, tios, vizinhos, e pôde notar que eles, como qualquer geração (infância, juventude, maturidade), apresentam características particulares. Alguns têm a locomoção prejudicada, outros não; alguns se queixam e parecem ser melancólicos, outros não; alguns moram sozinhos e não têm auxílio de um cuidador, outros não. Estes são apenas alguns exemplos! Nesta seção, você compreenderá quais são os elementos psicossociais que caracterizam o desenvolvimento do idoso.

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Em termos biológicos, o envelhecimento corresponde aos processos de modificação do organismo que decorrem posteriormente à maturação sexual, levando à redução da probabilidade de manter-se vivo, segundo Neri (2001). Para essa autora, “esses processos são de natureza interacional, iniciam-se em diferentes épocas e ritmos e acarretam resultados distintos para as diferentes partes e funções do organismo” (p. 27). Atualmente, as teorias psicológicas consideram que tanto o desenvolvimento como o envelhecimento são eventos adaptativos, isto é, constam ao largo do ciclo vital mediante a contenda permanente entre ganhos e perdas. No entanto, durante a infância a possibilidade de mudanças desenvolvimentais caracterizadas como “ganhos” são mais comuns do que na velhice, em que as “perdas” são notáveis. Esta constatação é fruto da premissa de que o desenvolvimento toma como referência os padrões relativos ao organismo adulto sadio que deve ser produtivo e socialmente inserido (NERI, 2001). As variáveis biológicas impõem a restrição final para a longevidade do organismo (NERI, 2001). Ou seja, os fatores corporais condicionam o ser humano à morte, ao fim. Todavia, segundo Neri (2001), os recursos educacionais, sociais, a saúde física e mental, o estilo de vida, são elementos fundamentais “na determinação do ritmo e dos produtos do envelhecimento” (p. 30). As habilidades cognitivas básicas podem ser conservadas quando os componentes biológicos e o trabalho intelectual são preservados. Dessa maneira, “pode haver crescimento das especialidades cognitivas manifestas no domínio profissional, da vida diária e na sabedoria em relação a questões existenciais” (p. 30). A personalidade mantém sua organização e mecanismos ao longo da velhice mediante a preservação da integridade do corpo e dos contatos sociais. Em termos sociais, em geral, estipula-se que a velhice iniciase por volta dos 60 ou 65 anos, pois se trata do período em que as pessoas aposentam-se, somado às manifestações da deterioração do corpo e a modificações nos papéis sociais desempenhados pelos mais maduros (NERI, 2001). Atualmente, na sociedade moderna e capitalista, notamos que a publicidade e a mídia reforçam a importância do idoso manter atributos “juvenis”, por exemplo, deter aptidão para utilizar os recursos da informática, arriscar-se, assim como utilizar produtos estéticos que consigam retardar os efeitos do tempo, considerados deletérios. Mas, em termos psicológicos seria possível definir um envelhecimento bem-sucedido, saudável? Segundo Teixeira e Neri (2008), esta definição compõe condições individuais, sociais, ambientais e de saúde. Além disso, para determiná-la, é preciso também considerar a própria percepção do indivíduo conforme seu bem-estar subjetivo. Ou seja, de acordo com

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essas autoras, deve-se levar em conta a apreciação individual diante das modificações frutificadas pelo envelhecimento e suas consequências. “O objetivo de muitos idosos e profissionais tem sido a promoção de saúde e bem-estar nessa fase da vida, seja referindo-se ao envelhecimento saudável, produtivo, ativo ou bem-sucedido” (TEIXEIRA; NERI, 2008, p. 91). Cumpre ressaltar, de acordo com Neri (2001), que mediante o aumento do período dedicado ao envelhecimento, grupos heterogêneos (distintos) de idosos são formados com base em diferenças operadas por categorias como classe social, saúde, educação, história pessoal e contexto sociocultural. Por exemplo, o envelhecimento do homem é relativamente diferente do da mulher, assim como as oportunidades materiais de idosos das camadas médias são diversas daquelas dos pertencentes às camadas populares. Em termos sintéticos, conforme Neri (2001), a velhice corresponde à etapa derradeira do ciclo vital, caracterizada por modificações de diversas ordens nos papéis sociais desempenhados, assim como por restrições psicomotoras, dentre outras. 4.9.1  Aspectos psicossociais da velhice De acordo com Erikson (1998), ao final da idade madura, o indivíduo pode sentir-se premido ao retraimento social, como se pudesse experimentar a ideia de que não é mais “tão necessário”, de não mais estabelecer relações de pertença. A capacidade de gerar filhos e deles cuidar já não é mais esperada nessa etapa, o que pode dar aos idosos a ideia de que não são mais úteis, sobrelevada caso eles percebam que não são mais desafiados pelos eventos da vida, levando ao sentimento de estagnação. Vive-se, então, a crise da generatividade versus estagnação. A primeira corresponde à capacidade de produzir, procriar, criar, estar apto para originar novos indivíduos e de enriquecer sua própria identidade com novos atributos. Já a segunda refere-se ao sentimento de que a vida já não apresenta desafios e às frustrações de ordem sexual e generativa (ERIKSON, 1998). Em outras palavras, os mais velhos podem às vezes sentir que o fato de não serem capazes de gerar descendentes, de trabalhar com a mesma força física e vitalidade da maturidade representa o início do fim, somado às modificações severas no âmbito familiar (os filhos podem sair de casa, casarem-se ou não) e profissional (aposentadoria). De acordo com Erikson (1998), grosso modo, tais fatos corresponderiam a uma espécie de “ausência de envolvimento vital” (p. 57), no caso de idosos que parecem estar em luto “não só pelo tempo perdido e o espaço esvaziado, mas

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também [...] pela autonomia enfraquecida, iniciativa perdida, intimidade ausente, generatividade negligenciada” (p. 57). Nessa etapa do ciclo vital, é comum fazer uma revisão do que foi vivido no que tange às oportunidades experimentadas e aquelas perdidas, um balanço que pode levar ao desgosto e ao desespero, não há mais tempo útil para provar “caminhos alternativos”.

Figura 8 – A velhice é momento de percepção aguda da passagem do tempo, de confronto e renovação das experiências passadas.

Segudo Erikson (1998), a última crise do ciclo vital funda-se na tensão integridade versus desespero. Integridade exige “sabedoria”, isto é, ser capaz de ver, ouvir, olhar e lembrar. A integridade corresponde à necessidade de contato e toque, “é necessário o tempo de uma vida para aprender a ter tato e isso exige paciência e habilidade” (p. 95). Por volta dos 80 e 90 anos, o declínio das capacidades toma grande parte da atenção do indivíduo, que se prende às “preocupações de funcionamento cotidiano [...]. Naturalmente, o desespero em resposta a esses eventos mais imediatos e agudos é composto por avaliações do self e da vida anteriores” (p. 95). Na referida faixa etária, pode-se ter experimentado muitas perdas em relações distantes ou íntimas, profundas (pais, parceiros, filhos que se vão). “Existe muita tristeza a ser enfrentada e também um claro anúncio de que a porta da morte está aberta e não tão longe” (p. 95).

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Curiosamente, para Erikson (1998), lidar com estas dificuldades e perdas pode ser um “apoio” para depender, ou seja, motivam que os idosos mantenham sua capacidade de enfrentamento diante da vida. Conforme este autor e o conteúdo da unidade anterior do livro, desde criança o indivíduo deve construir uma confiança básica, a crença no ambiente, na vida, em certa estabilidade do mundo, e também de que é capaz por si próprio de se cuidar e de prover sua existência material e afetiva com apoio dos outros, é com base nesta confiança que se pode persistir durante todo ciclo vital, embora com doses de desconfiança também em vários momentos. Portanto, é preciso que este importante elemento afetivo seja mantido na personalidade dos idosos, a fim de que haja razões para viver na expectativa de “novas graças” que revistam de intensidade o existir. O retraimento social e físico vivido na velhice, em que pese suas perdas, constitui a oportunidade silenciosa para dar novos significados à própria existência frente à finitude que se aproxima, trata-se do que Erikson (1998) intitulou como gerotranscendência. Após conhecer as características psicossociais do desenvolvimento humano ao logo do ciclo vital, a seguir, convidamos você a refletir sobre situações em que crianças e adolescentes enfrentam danos que podem acarretar prejuízos em seus recursos psicológicos e sociais.

CONEXÃO O ciclo vital e, assim, suas perdas e ganhos, não é possível sem a existência do tempo, duração que transcorre continuamente do ponto de vista físico (concreto) da vida de cada organismo. Mas o tempo é também memória, a capacidade de recordar o vivido, o que se foi. Da mesma forma em que é individual (de uma única pessoa), a memória é também social, pois seu conteúdo é partilhado por aqueles que juntos viveram fatos passados. É social, pois estrutura-se no ritmo cadenciado das grandes cidades, da produção, dos compromissos que muitas vezes solapam a capacidade de experimentar e conviver a fundo com o reconfortante torpor do tempo. Estas questões podem ser aprofundadas a partir da leitura do artigo “A pesquisa em memória social” da autoria de Ecléa Bosi. Neste estudo, discute-se o conceito de memória para Psicologia Social, bem como aspectos metodológicos sobre as investigações a respeito da história de vida ou memória social de grupos e indivíduos. Acesse o link: . Vale a pena ler!

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4.10  Negligência, maus-tratos e seus efeitos no desenvolvimento da criança e do adolescente Ao tratar dos principais riscos psicossociais enfrentados na infância e adolescência, é importante destacar os casos de maus-tratos e de negligência. Quando se avalia os diversos tipos de violência contra crianças e adolescentes, verifica-se que elas são da seguinte natureza11: abuso físico (uso da força ou da punição física, com seus danos psicológicos e corporais); negligência (descuido ou descaso com a segurança, a higiene, a escolaridade e a saúde, dentre outros); abuso psicológico (humilhações, xingamentos, qualquer ato que intimide ou envergonhe); e abuso sexual (carícias, insinuações, exposições ou qualquer tipo de contato que tenha conO assistente social não apenas tem amparo profissional para trabalhar em serviços específicos de enfrentamento à violência, nos quais lida com as denúncias de maus-tratos e de negligência, como também pode e deve identificar, caso trabalhe em outras instituições, a ocorrência desta modalidade de violência. Por exemplo, de acordo com Monteiro (2010), o plantão social constitui espaço profícuo para esse tipo de investigação. Este é realizado em unidades de atendimento de urgência na saúde, no qual o assistente social atende os usuários e seus familiares no intuito de cuidar de suas necessidades sociais, democratizando o atendimento, informando e assim facilitando a estes a utilização das ferramentas governamentais que possibilitem lhes dar apoio social e financeiro, entre outros. Segundo Monteiro (2010), Gomes, Junqueira, Silva e Junguer (2002), há por parte dos profissionais de assistência social grande dificuldade na percepção de casos de maus-tratos e negligência, devido aos empecilhos de identificação intrínsecos ao problema, que ocorre geralmente na esfera privada do lar. Assim, é por meio de sinais indiretos que se deve avaliar a possibilidade da criança estar sofrendo alguma forma de violência, que muitas vezes é perpetrada pelos próprios pais.

11  Conforme ordem crescente dos casos denunciados.

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.WIKIPEDIA

Figura 9 – Uma das tragédias brasileiras referente aos maus-tratos na infância decorreu em julho de 1993, nas imediações da Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro. Seis menores e dois sem-teto foram covardemente assassinados. Nesta foto, retrata-se o memorial em homenagem às crianças e aos homens mortos nesta execrável chacina.

De que forma a Psicologia do Desenvolvimento aborda os casos de maustratos e negligência? É imprescindível notar que a criança que passa pelas experiências traumáticas de violência carrega-as como marcas no seu desenvolvimento, e podem apresentar patologias psíquicas ou ter sua personalidade modificada no futuro. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2008), uma série de consequências podem ser enumeradas devido à violência contra a criança: atraso no aprendizado da fala, dificuldades escolares, baixa autoestima, relação ambivalente com os pais (envolvendo o amor por eles e também medo), privações sociais. O infante pode também tornar-se retraído ou muito agressivo, quando replica as ações que sofre em casa em outros contextos sociais. Deve-se levar em consideração que o ato não é violento em si, pois este julgamento depende também da interpretação da criança sobre seu significado (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2008). Caso o interprete como rejeição por parte dos pais, ele terá efeitos mais danosos do que quando é visto como uma fraque-

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za ou dificuldade própria de seus progenitores. Ao analisar casos dessa natureza, deve-se também levar em conta o momento do desenvolvimento no qual a criança está. As crises descritas por Erikson (1976) auxiliam a verificar o tipo de sentimento envolvido, caso haja alguma falha na resolução destas, devido, por exemplo, a dificuldades na relação com os pais. Conforme apresentado anteriormente, o apoio das figuras de cuidado (mãe, pai, dentre outras) é essencial para que a criança ganhe autonomia e passe a explorar o mundo com confiança, recurso que é prejudicado caso ela receba do ambiente e das figuras que ama qualquer tipo de violência física, psicológica ou sexual. otação sexual) (GONÇALVES; FERREIRA; MARQUES, 1999). No último grupo inclui-se também não apenas a manutenção de relações sexuais, mas a divulgação de material pornográfico que tem como objeto menores de idade.

CONEXÃO Para conhecer a legislação que versa sobre os direitos das crianças e adolescentes, assim como a forma como o Brasil trata a questão da negligência e dos maus-tratos na infância, vale consulta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei 8069 de 13 de julho de 1990, que também rege os serviços de assistência e toda ação legal que protege os menores de idade (grupo daqueles que ainda não completaram 18 anos). Acesse o link:

ATIVIDADE 9.  Cada ser humano tem uma trajetória diferente de vida, mas os trajetos de cada um são semelhantes em vários aspectos. Explique essa afirmação e sua relação com o estudo do desenvolvimento humano. 10. 

Qual a importância de se analisarem as condições de vida e a forma como se dão os relacionamentos para conhecer as possíveis capacidades e limitações de uma pessoa?

11.  Quais são os princípios básicos do estudo do desenvolvimento humano?

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1.  Levando em consideração que o homem se desenvolve de modo integral, explique a relação entre o desenvolvimento físico e o sentimento de autonomia e de iniciativa da criança. 12.  Quais as características psicossociais das relações familiares durante a adolescência? 2.  Em que consiste o conflito intimidade versus isolamento, segundo Erikson, durante a maturidade?

REFLEXÃO Conforme você pôde notar, cada etapa do desenvolvimento apresenta características particulares que foram discutidas segundo a perspectiva psicossocial na presente unidade e na anterior. As práticas profissionais de assistência social requerem o conhecimento das particularidades de cada época de vida em que os indivíduos assistidos estão (crianças, adolescentes, adultos, idosos). Diante das crises e perdas desenvolvimentais, os indivíduos podem apresentar graus de vulnerabilidade. Cabe ao assistente social analisar as situações postas, com base no conhecimento dos direitos legítimos de cada grupo etário, de forma a engendrar práticas integradas às suas demandas psicossociais genuínas. .

LEITURA No artigo “Infância e adolescência na sociedade contemporânea: alguns apontamentos”, Leila Maria Ferreira Salles discute as condições sociais e culturais em que se dão a infância e a adolescência atualmente. Referência completa - SALLES, L. M. F. Infância e adolescência na sociedade contemporânea: alguns apontamentos. Estudos de Psicologia, v. 22, n. 1, p. 33-41, 2005. Disponível em: . No artigo “A ciência do desenvolvimento humano: ajustando o foco de análise”, Maria Auxiliadora Dessen e Miriam Teresa Domingues Guedea discutem conceitos importantes sobre o tema desta unidade e apontam a importância das pesquisas da área abordarem uma visão sistêmica, isto é, que integre os níveis genético, comportamental, físico, social e cultural. Referência completa – DESSEN, M. A.; GUEDEA, M. T. D. A ciência do desenvolvimento humano: ajustando o foco de análise. Paidéia (Ribeirão Preto), v. 15, n. 30, p. 11-20, 2005. Disponível em: .

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juventud es más que una palabra: ensayos sobre cultura y juventud. 3. ed. Buenos Aires: Biblos, 2008. p. 13-30. MERLEAU-PONTY, M. Merleau-Ponty na Sorbonne: resumos de cursos de psicossociologia e filosofia (Constança Marcondes Cezar, trad.). Campinas, SP: Papirus, 1990. MISKOLCI, R. Sexualidade e orientação sexual. In: BELELI, I; MISKOLCI, R.; RISCAL, S.; SILVÉRIO, V. R. Marcas da diferença no ensino escolar. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2009. p. 115-148. MONTEIRO, F. O. Plantão social: espaço privilegiado para identificação/notificação de violência contra crianças e adolescentes. Serviço Social & Sociedade, n. 103, p. 476-502, 2010. NERI, A. L. O fruto dá sementes: processos de amadurecimento e envelhecimento. In: NERI, A. L. (Org.). Maturidade e velhice: trajetórias individuais e socioculturais. Campinas, SP: Papirus, 2001. p. 11-52. PAPALIA, D. E.; OLDS, S. W.; FELDMAN, R. D. Desenvolvimento humano. Tradução de Daniel Bueno. Porto Alegre: Artmed, 2008. PEREIRA, A. B. Os riscos da juventude. Revista Brasileira Adolescência e Conflitualidade, n. 3, p. 36-50, 2010. PESSOA, F. Poesias de Álvaro de Campos. São Paulo: FTD, 1992. (Coleção grandes leituras). PY, L.; SCHARFSTEIN, E. A. Caminhos da maturidade: representações do corpo, vivências dos afetos e consciência da finitude. In: NERI, A. L. (Org.). Maturidade e velhice: trajetórias individuais e socioculturais. Campinas, SP: Papirus, 2001. p. 117-150. RISK, E. N.; ROMANELLI, G. Sociabilidade grupal entre jovens de camadas populares: subjetividade e gênero. Revista da SPAGESP, v. 9, n. 2, p. 56-67, 2008. ROMANELLI, G. O relacionamento entre pais e filhos de camadas médias. Paidéia (Ribeirão Preto), v. 8, n. 14-15, p. 123-136, 1998. ROUDINESCO, E. A família em desordem. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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NO PRÓXIMO CAPÍTULO No próximo capítulo vamos pensar sobre o comportamento individual e importantes aspectos que influenciam e determinam a nossa vida. Vamos discutir sobre os processos de Percepção e também sobre as Teorias da Motivação.

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5 Percepção e Motivação na Construção e no Desenvolvimento Humano

5  Percepção e Motivação na Construção e no Desenvolvimento Humano O estudo do comportamento individual é fundamental para a compreensão do funcionamento das organizações. Conhecer o comportamento individual e refletir sobre ele nos ajuda a entender o ser humano. Vamos pensar sobre personalidade e inteligência, aspecto que marcam a construção subjetiva de cada sujeito. A percepção também é algo fundamental a ser discutido, pois cada ser humano percebe o mundo (e o outro) de forma singular, de acordo com sua própria história de vida. Somos movidos por questões subjetivas. Assim, falar sobre o que motiva o ser humano é também uma questão complexa. Para isso, temos algumas teorias que nos ajudam a refletir sobre o assunto. Vamos começar essa reflexão?

OBJETIVOS •  Conhecer as questões ligadas ao estudo do comportamento individual e refletir sobre elas. •  Compreender os processos de percepção. •  Pensar sobre as teorias da motivação.

REFLEXÃO Vamos pensar sobre o comportamento individual. Você conhece seu próprio comportamento. Sabe o de que gosta, o que lhe atrai, o que realmente lhe motiva, certo? Ou será que não? Você se sente confortável nos lugares que frequenta? Pensa que está no lugar certo, ou às vezes se sente no lugar errado? Será que é verossímil a expressão popular “a pessoa certa no lugar certo? Quando pensamos no mundo do trabalho, das organizações, percebemos que essa busca sempre existe nos processos seletivos, correto? Vamos refletir sobre alguns conceitos que nos ajudam a compreender o comportamento e as diferenças individuais, como a inteligência, a personalidade, e ainda o estudo sobre as habilidades que nos ajudará a compreender como é importante essa tentativa de adaptar as habilidades das pessoas às demandas dos papéis sociais.

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5.1  Personalidade Os traços de personalidade definem as características fundamentais de uma pessoa, que determinam suas preferências e seu temperamento, permanecendo com a passagem do tempo (RIBEIRO, 2006). Numa definição mais simples, podese dizer que a personalidade explica como uma pessoa funciona (DAFT, 2005). A personalidade pode ser definida como “os distintos padrões de comportamento, incluindo pensamentos e emoções que caracterizam a adaptação de cada pessoa às situações de sua vida”. O conceito de personalidade apresenta quatro características essenciais (MOWEN; MINOR, 2003): •  Primeiro, para ser considerado uma característica de personalidade, o comportamento de uma pessoa deve mostrar-se coerente ao longo do tempo; •  Segundo, os comportamentos específicos devem distinguir uma pessoa das outras. Uma característica de um, não pode ser compartilhada por todos os consumidores; •  Terceiro, os pesquisadores não conseguem prever com precisão o comportamento de uma pessoa em uma situação específica a partir de uma única medição de personalidade; •  Uma quarta característica da personalidade é a de que ela ameniza os efeitos das mensagens e das situações no comportamento do indivíduo.

ATENÇÃO ROBBINS (2002, p. 88) descreve personalidade como sendo “a soma total das maneiras como uma pessoa reage e interage com as demais” e descreve traços de personalidade como sendo “características marcantes que podem descrever o comportamento de uma pessoa”.

Segundo Freud, a personalidade resulta do choque de três forças – id, ego e superego. Presente no momento do nascimento, o id representa os impulsos fisiológicos que levam uma pessoa a agir. Esses impulsos são completamente inconscientes e formam um caldeirão caótico de excitações agitadas. O id impulsiona o indivíduo a ir em busca da gratificação instantânea de seus instintos. Assim, ele opera sobre o princípio do prazer. Ou seja, ele age para que uma pessoa tenha sentimentos e emoções positivos (MOWEN; MINOR, 2003).

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O ego começa a se desenvolver na medida em que a criança cresce. A função do ego é controlar os apetites do id e ajudar a pessoa a viver de maneira eficiente no mundo. Segundo Freud, o ego é responsável pela “razão e pelo bom senso, enquanto o id é responsável pelas paixões indomadas”. Freud via o ego como algo que atua sobre o princípio da realidade, o que ajuda a pessoa a ser prática e a viver de maneira eficiente no mundo (MOWEN; MINOR, 2003). O superego pode ser compreendido como a consciência ou a voz dentro de uma pessoa, a qual ecoa a moral e os valores dos pais e da sociedade. Apenas uma pequena porção dele se encontra disponível para a mente consciente. Para Freud, o superego é formado durante a metade da infância, por meio do processo de identificação. Ele se opõe ao id de maneira ativa e entra em atrito direto com ele. Uma das atribuições do ego é resolver esses conflitos. O ponto de conflito entre o id e o superego é o que classifica a visão psicanalítica da personalidade como uma teoria do conflito (MOWEN; MINOR, 2003). Na abordagem da teoria das características, as pessoas são classificadas de acordo com suas características ou traços dominantes. Um traço é “qualquer característica segundo a qual uma pessoa se difere de outra, de uma maneira relativamente permanente e coerente”. As teorias das características descrevem as pessoas quanto a suas predisposições, medidas por uma série de adjetivos ou frases curtas. Assim, a personalidade de uma pessoa é descrita em termos de uma combinação única de traços (MOWEN; MINOR, 2003). Para que a abordagem da teoria das características seja útil aos profissionais de recursos humanos, as características de personalidade medidas devem ter relevância direta para o comportamento no trabalho (MOWEN; MINOR, 2003). Além disso, a escala de características deve mostrar fortes provas de credibilidade e validade. A credibilidade é revelada quando a escala mostra ser internamente coerente (isto é, cada questão mede o mesmo constructo geral) e apresenta resultados semelhantes quando a pessoa passa por um novo teste após certo período. Uma maneira de aumentar a credibilidade é tomar medidas múltiplas de comportamento. As medidas simples de comportamento são pouco confiáveis. A validade existe quando é possível mostrar que a escala mede o traço para cuja avaliação ela é planejada (MOWEN; MINOR, 2003). Wagner III e Hollenbeck (2006, p. 42) afirmam que “dado o vasto número de traços de personalidade descritos na literatura científica precisamos de algum tipo de esquema de classificação para entender os traços em si e suas inter-relações”.

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A personalidade pode ser caracterizada pelas seguintes dimensões, que descrevem o crescimento e o desenvolvimento do sistema psicológico individual como um todo – JUNG (apud MAXIMIANO, 2006): •  Dimensão extroversão-introversão: relaciona-se com a maneira como as pessoas se energizam. Os extrovertidos ganham energia do mundo exterior, por isso sentem-se confortáveis em interagir com outras pessoas. Os introvertidos ganham energia de seu mundo interior e, por isso, preferem o recolhimento; •  Dimensão sensação-intuição: relaciona-se com o processo por meio do qual as informações são adquiridas, processadas e interpretadas, podendo ser por mecanismos de sensação ou intuição. A sensação caracteriza-se pela atenção aos detalhes. Já a intuição é o comportamento cuja atenção é voltada ao todo, à visão de conjunto e às ideias abstratas; •  Dimensão pensamento-sentimento: relaciona-se com a forma de avaliação e tomada de decisões. Quando as informações são avaliadas por meio de mecanismos de pensamento, as decisões são tomadas com base na racionalidade e na lógica. Quando as informações são avaliadas com base em sentimentos, as decisões são tomadas em função de considerações e preferências pessoais. •  Dimensão julgamento-percepção: refere-se ao modo como as pessoas lidam com o mundo exterior para resolver problemas. Julgamento é o comportamento caracterizado pela tomada de decisão com base na ação, mesmo que as informações disponíveis sejam escassas. Percepção é o comportamento caracterizado por análise e busca de todas as informações possíveis para a tomada de decisão. Essas quatro dimensões são combinadas e utilizadas para explicar o comportamento individual (MOTTA; VASCONCELOS, 2002). Várias empresas utilizam programas de mensuração da personalidade na avaliação de desempenho, na promoção e até mesmo na seleção de empregados. A ideia é ajustar o indivíduo a um trabalho específico. Nesse contexto, Robbins (2002, p. 92) descreve alguns atributos de personalidade que influenciam o comportamento das pessoas nas organizações: •  Centro de controle: percepção de uma pessoa sobre a fonte de seu destino. As pessoas podem ser de dois grupos: internos, ou seja, que acredi-

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tam controlar o próprio destino, ou externos, que acreditam que sua vida é controlada por fatores alheios à sua vontade, como a sorte ou o acaso. Robbins (2002, p.92) afirma que pessoas do grupo dos externos costumam ser menos envolvidas com o trabalho, apresentam maior índice de absenteísmo e são mais alienadas quanto ao seu ambiente de trabalho do que as pessoas do grupo dos internos. •  Maquiavelismo: “grau em que um indivíduo é pragmático, mantém distância emocional e acredita que os fins justificam os meios”. Robbins

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(2002, p.93) afirma que “para trabalhos que requerem habilidades de barganha (como as negociações trabalhistas) ou oferecem recompensas significativas pelo sucesso (como nas vendas comissionadas), os indivíduos altamente maquiavélicos serão produtivos”. Autoestima: “grau em que os indivíduos gostam de si mesmo”. Robbins (2002, p.94) afirma que indivíduos com autoestima elevada acreditam possuir a capacitação necessária para ter sucesso, aceitam desafios e são mais satisfeitos do que os indivíduos com baixa autoestima. Automonitoramento: um traço de personalidade que mede a capacidade de um indivíduo em adaptar seu comportamento a uma determinada situação. Robbins (2002, p.94) afirma que “indivíduos com elevada capacidade de automonitoramento prestam mais atenção ao comportamento dos outros e são mais fáceis de se adequar”. Propensão a assumir riscos: há pessoas que têm maior disposição a correr riscos do que outras. Segundo Robbins (2002, p. 95), “uma alta propensão a correr riscos pode conduzir um corretor de valores a um melhor desempenho”, mas também “uma alta propensão para correr riscos pode significar um obstáculo na carreira de um contador que trabalha com auditoria”. Personalidade tipo A: “pessoa excessivamente competitiva e que parece sofrer de uma urgência crônica em obter cada vez mais coisas em cada vez menos tempo”. Segundo Robbins (2002, p. 95), este tipo de trabalhador é mais rápido, preocupa-se mais com a quantidade do que com a qualidade do seu trabalho, raramente é criativo e baseia-se em experiências passadas quando confrontados com um problema. Personalidade tipo B: contrário da personalidade tipo A, ou seja, “raramente se sente pressionado a obter número crescente ou a participar de cada vez mais eventos em um tempo cada vez menor” (ROBBINS, 2002, p. 95).

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É possível modificar a personalidade de uma pessoa? Os traços de personalidade permanecem com a passagem do tempo, mas é possível desenvolvê-los ou amenizá-los. Mas apenas o indivíduo tem condições de fazer isso, por meio da busca de apoio psicológico que o auxilie nesse processo de autoconhecimento e mudança.

CONEXÃO Você quer saber mais sobre sua personalidade? Entre no site e faça o teste!

5.2  Inteligência Inteligência é a capacidade de lidar com a complexidade. Durante muito tempo, a inteligência foi medida pelo QI (Quociente Intelectual), que mede três aptidões principais: numérica, verbal e lógica, por meio de testes estatísticos (MAXIMIANO, 2006). Vale destacar que a Teoria do Fator Geral, que concebeu o conceito de QI, é criticada por muitos estudiosos, principalmente pelo fato de o QI ter valor relativo quando se trata de avaliar o desempenho de uma pessoa nos mais variados tipos de situações. Isso significa que ter um QI elevado pode favorecer o desempenho de uma pessoa, por exemplo, que lida com números na organização, mas não é garantia para que o indivíduo apresente desempenho elevado em atividades organizacionais que exijam capacidade de comunicação e inter-relacionamento pessoal (ROBBINS, 2002). Atualmente, uma corrente de estudo do desenvolvimento do potencial humano vem difundindo a ideia de que a inteligência deve ser avaliada com base em suas capacidades práticas, demonstradas pelo desempenho (MARRAS, 2000). Essa corrente identifica um conjunto de inteligências múltiplas, que são as seguintes (MAXIMIANO, 2006):

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•  Linguística: domínio, gosto e desejo de explorar a linguagem e as palavras; •  Lógico-matemática: capacidade de confrontar e avaliar objetos e abstrações, bem como de entender suas relações e princípios; •  Musical: competência não apenas para compor e executar peças, mas também para ouvir e entender; •  Espacial: habilidade para perceber com precisão o mundo visual, transformar e modificar a percepção e recriar a realidade visual; •  Corporal-cinestésica: capacidade de controlar e orquestrar o movimento do corpo e manejar objetos com habilidade; •  Pessoal: capacidade de entender a si próprio (intrapessoal) e aos outros (interpessoal); •  Naturalista: capacidade de reconhecer e categorizar objetos da natureza; •  Existencial: capacidade de entender e ponderar as questões fundamentais da existência humana. Outra forma de inteligência é a chamada inteligência emocional, que tem sido bastante debatida entre os pesquisadores do meio acadêmico e considerada um aspecto do comportamento individual de extrema relevância para as organizações. Emoção é uma palavra que tem a mesma raiz da palavra motivação, que significa impulso, movimento (MARRAS, 2000). Assim, a emoção pode ser conceituada como uma propensão a agir em função de determinado sentimento (DAFT, 2005). Seguindo esta ideia, inteligência emocional é a capacidade de uma pessoa lidar com as emoções (MAXIMIANO, 2006). Isso significa saber lidar com as emoções positivas, como alegria, e com as emoções negativas, como a raiva, por exemplo.

É possível melhorar o nível de inteligência emocional? De acordo com os estudiosos sobre o assunto, é possível, sim, desenvolver a inteligência emocional e aprender a lidar melhor com elas (DESSLER, 2003). O processo de aprimoramento da inteligência emocional começa pelo conhecimento de seus componentes e pela aplicação prática destes na vida da pessoa. Os principais componentes da inteligência emocional estão sintetizados no quadro a seguir (MAXIMIANO, 2006).

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COMPONENTE

DESCRIÇÃO • Capacidade de reconhecer o sentimento de sua: • Compreensão das próprias emoções, forças, fraquezas, necessidades e impulsos;

AUTOCONHECIMENTO

• Compreensão dos próprios valores e objetivos; • Capacidade de reconhecer como seus sentimentos afetam a si mesmo e aos outros; • Capacidade de reconhecer como seus sentimentos afetam o seu desempenho profissional. • Manejo das emoções, com base no autorreconhecimento. • Capacidade de postergar o recebimento de recompensas. • Capacidade de controlar as emoções e colocá-las a serviço de objetivos úteis.

AUTOCONTROLE

• Capacidade de fazer avaliações de outras pessoas, que apresentam desempenho negativo, sem se deixar dominar por emoções negativas. • Capacidade de superar mais facilmente as dificuldades da vida • Impulso interior para a realização. • Realização motivada pela satisfação interior, não por incen-

AUTOMOTIVAÇÃO

tivos exteriores. • Busca da superação de si próprio. • As pessoas automotivadas conseguem ser altamente produtivas e eficazes no que se propõem fazer. • Capacidade de reconhecer as emoções alheias e considerá-las de forma inteligente no processo de tomada de decisões. • Capacidade de entender as necessidades e os interesses

EMPATIA

de outras pessoas. • Habilidade fundamental em profissões como magistério, vendas, administração e serviços pessoais. • Não significa procurar ficar de bem com todo mundo.

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COMPONENTE

DESCRIÇÃO • Eficácia no relacionamento com os outros. • Capacidade de demonstrar emoções de forma apropriada. • Capacidade de entender o efeito das próprias emoções sobre os outros. • Contagiar os outros com emoções positivas.

HABILIDADES INTERPESSOAIS

• Organizar grupos. • Negociar soluções. • Responder de forma apropriada às emoções alheias. • Detectar e entender emoções alheias. • Falta desta habilidade produz arrogância, teimosia e insensibilidade. • Arte de relacionar-se positivamente com os outros.

Quadro 5.1 – Componentes da inteligência emocional

Fonte adaptada: MAXIMIANO (2006)

5.3  Aptidões e habilidades É muito comum ouvirmos uma pessoa dizer que não tem aptidão para cantar, por exemplo, ou para desenhar. Mas, na verdade, a maioria das pessoas é capaz de fazer o que quiser, basta que se interesse por aprender e colocar em prática essa aptidão.

CONEXÃO Teste sua inteligência acessando o site:

O que impede isso de acontecer, muitas vezes, é o fato de que a pessoa não está disposta o suficiente para treinar continuamente e dedicar-se de forma integral ao aprimoramento da aptidão até que esta se transforme em uma habilidade. Mas, afinal, o que é aptidão?

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Assim, é bastante importante identificar quais são seus pontos fortes e seus pontos fracos, em termos de aptidões como administrador, e elaborar um programa pessoal para o desenvolvimento dessas habilidades.

ATENÇÃO A aptidão pode ser definida como o potencial para a realização de tarefas ou atividades físicas, intelectuais ou interpessoais. Se o potencial é transformado em ação, torna-se uma habilidade do indivíduo (DAFT, 2005).

Segundo Robbins (2002, p. 50), “as habilidades influenciam diretamente o nível de desempenho e de satisfação do funcionário, por meio da adequação entre as suas habilidades e as demandas da função”. Dessa forma, o bom desempenho e a satisfação do funcionário dependem de a organização selecionar as pessoas com as habilidades correspondentes às exigências do cargo que ocuparão. Corroborando com Robbins (2002), os autores Wagner III e Hollenbeck (2006, p. 34) afirmam: “os gerentes bem-sucedidos esforçam-se para colocar cada trabalhador na posição que aproveite melhor seus talentos próprios”. Ou seja, a chave do sucesso é colocar as pessoas nas funções certas. Segundo Robbins (2002, p.35), habilidade “refere-se à capacidade de um indivíduo em desempenhar diversas tarefas dentro de uma função. É uma avaliação daquilo que o indivíduo pode fazer”. .

O autor descreve que as habilidades em geral são construídas sobre dois grupos de fatores: •  Habilidade intelectual: “é aquela necessária para o desempenho das atividades mentais”. •  Habilidade física: “é aquela necessária para a realização de tarefas que exijam resistência, agilidade, força ou características semelhantes”. Wagner III e Hollenbeck (2006) denominam as habilidades como capacidades ou aptidões e também as dividem em físicas e cognitivas (intelectuais).

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Segundo o autor, a habilidade ou aptidão física é composta por três dimensões principais: força muscular, resistência cardiovascular e qualidade do movimento. O quadro abaixo resume estas dimensões:

1. FORÇA MUSCULAR • Capacidade para exercer pressão muscular contra objetos, como: puxá-los, empurrá-los, levantá-los, carregá-los ou baixá-los. • Exercer força muscular em investidas rápidas (energia muscular). • Exercer força muscular contínua no tempo, com resistência a fadiga (resistência muscular).

2. RESISTÊNCIA CARDIOVASCULAR • Capacidade para manter atividade física que resulte em aumento da pulsação por um período prolongado.

3. QUALIDADE DO MOVIMENTO • Capacidade para flexionar e estender os membros do corpo para trabalhar em posições incômodas ou contorcidas. • Capacidade de manter o corpo numa posição estável e resistir às forças que provoquem perda de estabilidade (equilíbrio). • Capacidade de movimento sequencial dos dedos, braços, pernas ou corpo para resultar em ação qualificada de coordenação. Quadro 5.2 – As três dimensões da aptidão física

Fonte: Hogan apud (WAGNER III e HOLLENBECK, 2006, p.35).

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Segundo Wagner III e Hollenbeck (2006, p. 36), a aptidão cognitiva é composta por quatro dimensões principais: compreensão verbal, habilidade quantitativa, capacidade de raciocínio e visualização espacial. Vamos visualizar, no quadro a seguir, as quatro dimensões da capacidade cognitiva:

1. COMPREENSÃO VERBAL • Capacidade de compreender e utilizar efetivamente a linguagem escrita e falada.

2. HABILIDADE QUANTITATIVA • Capacidade de resolver todos os tipos de problemas com rapidez e precisão, inclusive adição, subtração, multiplicação e divisão, bem como de aplicar regras matemáticas.

3. CAPACIDADE DE RACIOCÍNIO • Capacidade de pensar indutiva e dedutivamente, a fim de criar soluções para problemas novos.

4. VISUALIZAÇÃO ESPACIAL • Capacidade de detectar com precisão a disposição espacial dos objetos com relação ao próprio corpo. Quadro 5.3 – As quatro dimensões da capacidade cognitiva

Fonte: Nunnually apud (WAGNER III e HOLLENBECK, (2006, p.36).

Um exemplo de adequação entre as habilidades do funcionário e as exigências do cargo é a seleção de uma pessoa com habilidade quantitativa para desempenhar a função de contador. Só para ilustrar a importância da reflexão sobre o assunto, pensem na seguinte questão: como provavelmente seriam o desempenho e a satisfação de um indivíduo sem as habilidades físicas necessárias selecionado para trabalhar como bombeiro?

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Para identificar se um determinado indivíduo possui as habilidades necessárias para o exercício de sua função na empresa, existem vários testes, tanto de aptidões físicas quanto de aptidões cognitivas, que apuram com precisão as habilidades dos indivíduos.

Do ponto de vista organizacional, um dos trabalhos de maior repercussão dividiu as habilidades gerenciais em três categorias (KATZ apud, MAXIMIANO, 2004): •  Habilidade técnica: relaciona-se com as atividades específicas de gestão de cada área organizacional e com os respectivos métodos e técnicas utilizados; •  Habilidade humana: abrange a compreensão das pessoas e suas necessidades, interesses e atitudes. Inclui a capacidade de entender e liderar as pessoas e de trabalhar com elas, bem como o jogo e cintura e a negociação; e •  Habilidade conceitual: envolve a capacidade de compreender a complexidade da organização como um todo e de lidar com essa complexidade, além de usar o intelecto para formular estratégias. Inclui a criatividade, o planejamento, o raciocínio abstrato, o entendimento do contexto, a visão sistêmica.

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De acordo com o autor, é fundamental que o administrador tenha o domínio dos três tipos de habilidades. No entanto, observa-se que, conforme se sobe na hierarquia, o gestor passa a utilizar com maior intensidade as habilidades humanas e conceituais do que as habilidades técnicas. Já nos níveis operacionais, as habilidades são mais importantes. Mintzberg (apud DAFT, 2005) complementa as atividades identificadas por Katz, relacionando-as com os papéis gerenciais desempenhados pelo administrador no exercício de suas funções: •  Relacionamento com colegas: capacidade de estabelecer e manter relações formais e informais com os colegas, especialmente do mesmo nível hierárquico, para atender a seus próprios objetivos ou servir a interesses recíprocos. Inclui a habilidade de conseguir construir uma rede de contatos, a comunicação formal e informal, a negociação e a habilidade política de compreender e estabelecer estratégias para conviver dentro da estrutura de poder da organização; •  Liderança: são necessárias para a realização das tarefas relacionadas à equipe de subordinados, destacando-se as capacidades de orientação, de treinamento, de motivação e uso da autoridade; •  Resolução de conflitos: capacidade interpessoal de arbitrar conflitos entre pessoas e a habilidade de tomar decisões para resolver distúrbios; •  Processamento de informações: envolve a capacidade de captar informações do ambiente, interpretá-las e transmiti-las de forma eficiente e eficaz; •  Tomada de decisões: incluindo as situações programadas e aquelas tomadas em condições de ambiguidade e imprevistas; •  Alocação de recursos: como os recursos, na maior parte das vezes, são limitados, envolve não só a capacidade de distribuir os recursos de forma eficaz, no sentido de atender às necessidades das áreas organizacionais, como também alocá-los no tempo, melhorando a programação da organização; •  Empreendedorismo: capacidade de identificar oportunidades e ameaças e de agir em tempo hábil para aproveitá-las ou neutralizá-las; e capítulo 5

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•  Habilidade de introspecção: capacidade de reflexão e autoanálise, conseguindo entender como pode agregar valor para a organização por meio do cargo ocupado na estrutura da empresa. O fato de as habilidades poderem ser aprendidas e desenvolvidas é um aspecto muito importante para a empresa, já que ela pode identificar as deficiências dos colaboradores em relação ao desempenho das diversas atividades e criar um programa adequado de capacitação para neutralizar esses pontos fracos.

CONEXÃO Conheça os testes de habilidades acessando o site

5.4  Percepção Como veremos a seguir, o estudo da percepção é muito importante no comportamento organizacional. As pessoas veem um mesmo evento ou objeto de maneiras diferentes. Por exemplo, uma postura mais enérgica de um chefe pode ser percebida de diversas maneiras. Um subordinado pode aprovar tal postura percebendo esta postura como necessária ao funcionamento do grupo – outro subordinado pode perceber esta postura como autoritária. Percebeu? Portanto, neste capítulo, estudaremos qual o conceito de percepção, quais os fatores que influenciam a percepção e quais as distorções perceptivas mais comuns e suas implicações no contexto organizacional. Vamos ver como você percebe este tema? Por que o homem trabalha? Você já pensou sobre isso. O tema motivação discutirá sobre esta reflexão. Aqui será revisado o conceito de motivação e serão apresentadas as cinco mais importantes teorias motivacionais que discutirão por que o homem trabalha. O estudo da percepção é de extrema importância porque o comportamento das pessoas é baseado na interpretação que elas fazem da realidade, e não na realidade em si. E cada pessoa percebe a realidade de forma única. E isso não é diferente dentro das organizações.

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Soto (2002, p. 66) afirma que “a percepção é importante no comportamento organizacional, já que costuma fazer com que diferentes pessoas tenham diferentes interpretações ou visões, inclusive contraditórias, do mesmo fato ou pessoa”. O autor ressalta, ainda, que, muitas vezes, dentro de uma organização, os administradores e seus subordinados, colegas ou supervisores veem e descrevem a mesma situação de maneira diferente. Isso é devido a vários fatores que influenciam a percepção, os quais veremos a seguir.

ATENÇÃO Percepção consiste na seleção, interpretação, organização e recuperação das informações obtidas pelos sentidos no ambiente. Estas informações captadas no ambiente pelos nossos sentidos são as sensações. Dessa forma, é através da percepção que um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir significado ao seu meio.

Soto (2002, p. 65) define percepção como “processo ativo de perceber a realidade e organizá-la em interpretações ou visões sensatas”. Dessa forma, a percepção é um processo ativo e é influenciado por nossa experiência passada, como afirma Berstein (apud BERGAMINI, 2006, p.108): A percepção é o processo por meio do qual as sensações são interpretadas, usando-se o conhecimento e a compreensão do mundo, de tal forma que o transforme numa experiência significativa. Assim sendo, a percepção não é um processo passivo de simplesmente absorver e decodificar as sensações que aparecem (...) o cérebro apreende as sensações e cria um mundo coerente, frequentemente percebendo a informação que falta e usando a experiência passada para dar sentido àquilo que se vê, se ouve ou se toca.

O ato da percepção não é influenciado apenas pela nossa experiência passada, mas por um conjunto de fatores que pode estar em quem percebe, no objeto ou alvo que está sendo percebido ou no contexto da situação em que a percepção é realizada. A figura a seguir ilustra os fatores que influenciam a percepção:

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Figura – Fatores que influem na percepção

c) Fatores da situação: • Momento • Ambiente do trabalho • Ambiente social

a) Fatores de quem percebe: • Atitudes • Motivos • Interesses • Experiência • Expectativas Percepção b) Fatores - “alvo”: • Novidade • Movimento • Sons • Tamanho • Antecedentes • Proximidade

Fonte: (SOTO, 2002, p.67) 5.4.1  Fatores de quem percebe Quando um indivíduo olha um alvo e tenta interpretar o que ele vê, a interpretação é fortemente influenciada pelas características pessoais do indivíduo que o percebe. Robbins (2002) e Soto (2002) afirmam que entre as características pessoais mais relevantes que afetam a percepção estão: •  Atitude: ou predisposição a agir de uma determinada maneira, pode fazer com que pessoas vejam a mesma coisa, mas interpretem de maneira contraditória o mesmo fato. Por exemplo, duas pessoas recebem um convite para um evento festivo da empresa. Uma das pessoas fica de mau humor, pois é uma pessoa tímida e não gosta de interagir com as outras pessoas, enquanto a outra fica de bom humor, porque é extrovertida e gosta de interagir com outras pessoas. •  Motivações: necessidades insatisfeitas ou motivações estimulam os indivíduos e podem exercer uma forte influência sobre a percepção. Por exemplo, se estamos com fome, provavelmente prestaremos mais atenção aos restaurantes que existem na cidade do que quando acabamos de comer.

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capítulo 5

•  Interesses: atendemos aqueles aspectos do mundo que nos rodeia que se relacionam com os nossos interesses. Por exemplo, é mais provável que um cirurgião plástico perceba um nariz imperfeito do que qualquer outra pessoa. •  Experiências passadas: em geral, as experiências passadas servem para anular o interesse em um objeto, ou seja, objetos ou eventos que nunca foram experimentados são mais perceptíveis do que aqueles já conhecidos. •  Expectativas: estas podem distorcer nossa percepção, fazendo com que a gente veja aquilo que espera ver. Por exemplo, espera-se que um gerente de recursos humano goste de gente.

5.4.2  Fatores-“alvo”: Segundo Robbins (2002) e Soto (2002), as características do alvo que está sendo observado podem afetar o que é percebido. Por exemplo: •  As pessoas barulhentas costumam chamar mais atenção do que as quietas (sons). •  A intensidade, o tamanho, a mudança e a repetição dos estímulos frequentemente determinam nossa atenção. •  Objetos próximos ou parecidos tendem a ser percebidos em conjunto (proximidade). •  A relação do alvo com o cenário influencia a percepção deste (figura-fundo). 5.4.3  Fatores da situação Segundo Robbins (2002), o contexto dentro do qual percebemos os objetos ou eventos é muito importante, pois os elementos que fazem parte desse contexto influenciam nossa percepção. Por exemplo, “posso não reparar uma jovem de 25 anos em traje de noite e maquiagem pesada em uma boate em um sábado à noite, mas com certeza eu repararia se esta mesma jovem em traje de noite e maquiagem pesada aparecesse em uma sala de aula em uma segunda-feira de manhã. O observador e o alvo não mudaram, mas o contexto é diferente e afeta a percepção” (ROBBINS, 2002, p. 119). capítulo 5

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5.4.4  As distorções perceptivas e os erros de julgamento Como já descrito anteriormente, a nossa percepção do que está ao nosso redor está sujeita a uma série de distorções e ilusões que nos levam a ver as coisas e as pessoas com as quais interagimos de maneira bem diferente daquela que realmente são. Bergamini (2006, p. 109) afirma que, em geral, as distorções perceptivas se dão através de enganos cometidos por: •  Estereótipos: “consiste na impressão padronizada de um grupo de pessoas para influenciar a percepção de um indivíduo em particular”. Por exemplo, a ideia de que todo adolescente é irresponsável. •  Efeito Halo: “ocorre quando uma característica positiva ou negativa de um indivíduo encobre todas as demais características que ele tem”. Por exemplo, a ideia de que o fato de alguém ser excelente no esporte lhe dê condições de ter o mesmo sucesso ao enfrentar qualquer tipo de desafio. •  Percepção seletiva: “ocorre quando qualquer característica que faça um objeto ou pessoa sobressair venha a aumentar sua probabilidade de ser percebido”. Por exemplo, uma moça que possui um corpo exuberante não passa despercebida na rua e dificilmente se prestará atenção em algum outro atributo dela. •  Efeito contraste: “não se avalia uma pessoa de forma isolada, isso significa que a percepção pode ser influenciada por outras pessoas anteriormente percebidas”. Por exemplo, na seleção de candidatos, contamina-se a apreciação feita sobre o candidato anterior com as características da pessoa seguinte. •  Projeção: “ocorre quando o percebedor atribui à pessoa suas próprias características pessoais”. Por exemplo, como eu, ele é tímido, portanto sei como se sente. Robbins (2002, p. 122) acrescenta, ainda, que há alguns erros que distorcem o julgamento que fazemos em relação ao comportamento dos outros. São eles: •  Erro fundamental de atribuição: “tendência de subestimar a influência dos fatores externos e superestimar a influência dos valores internos no julgamento do comportamento alheio”. Por exemplo, “uma gerente de vendas está pronta a atribuir o fraco desempenho de seus vendedores à preguiça deles, e não ao lançamento de um produto concorrente inovador”.

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capítulo 5

•  Viés de conveniência: “tendência das pessoas de atribuírem seu próprio sucesso a fatores internos e colocarem a culpa dos seus fracassos em fatores externos”. A seguinte frase exemplifica esta tendência: “Só cheguei aonde cheguei devido à minha determinação e só não fui mais longe por falta de oportunidades”. •  Profecia autorrealizada: “ocorre quando uma pessoa tem uma percepção distorcida de outra, e a expectativa resultante é que a segunda se comporte de maneira coerente com essa percepção”. Por exemplo, se um professor acredita que um determinado aluno seja muito inteligente e espera que este aluno tire ótimas notas nas provas durante o ano letivo, certamente este aluno não decepcionará seu professor. Mas se um professor acredita que um aluno não seja esforçado e este fará o mínimo apenas para passar de ano, certamente este aluno obterá notas medianas nas provas. Ou seja, a expectativa torna-se realidade.

CONEXÃO Você que saber qual a percepção que as outras pessoas têm de você? Entre no site e faça o teste!

5.5  Atitudes Outro aspecto do comportamento individual são as atitudes, que podem ser conceituadas como o estado mental de predisposição ou prontidão, baseado nos valores e nas crenças individuais, que geram determinados comportamentos (MAXIMIANO, 2006). O significado dos estímulos é definido pelas atitudes. Dependendo das atitudes de uma pessoa, a avaliação de determinado estímulo pode ser positiva ou negativa (CERTO, 2003). Os conceitos de crenças, atitudes e comportamento estão intimamente ligados. As crenças de uma pessoa provêm da aprendizagem cognitiva. Elas representam o conhecimento e as conclusões que uma pessoa tem a respeito de objetos, seus atributos e os benefícios que proporcionam. Objetos são produtos, capítulo 5

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pessoas, empresas e coisas a respeito das quais as pessoas apresentam opiniões e atitudes. Atributos são os aspectos ou as características de um objeto. Por fim, os benefícios são os resultados positivos que os objetos proporcionam ao indivíduo (MOWEN; MINOR, 2003). Enquanto a crença é o conhecimento cognitivo acerca de um objeto, a atitude é o sentimento afetivo que as pessoas têm em relação aos objetos.

Nos últimos 30 anos, o termo atitude tem sido definido de várias maneiras, mas pode ser sintetizado como a quantidade de afeição ou sentimento a favor ou contra um estímulo. A ideia de que as atitudes se referem à afeição ou a uma reação avaliadora geral é expressa por muitos pesquisadores (MOWEN; MINOR, 2003). As atitudes são armazenadas na memória permanente e atendem a quatro funções importantes (MOWEN; MINOR, 2003). •  Primeiramente, a função utilitária determina que as pessoas expressem sentimentos para maximizar as compensações e minimizar as punições recebidas de terceiros. Nesse sentido, a expressão de uma atitude é como uma resposta condicionada operante; •  Em segundo lugar, as atitudes podem atender a uma função de defesa do ego. Em seu papel de defesa do ego, as atitudes protegem as pessoas das verdades básicas a respeito de si mesmas ou das realidades desagradáveis do mundo exterior. Um exemplo são os fumantes que expressam atitudes positivas em relação ao fumo para se defender contra a realidade do que estão fazendo a seus próprios corpos; •  Em terceiro lugar, as atitudes também expressam conhecimento, ou seja, as atitudes servem como diretrizes para simplificar a tomada de decisão; e •  Em quarto lugar, as atitudes expressam valor, ou seja, por meio das atitudes um indivíduo é capaz de expressar seus valores centrais e seu conceito do eu perante as outras pessoas. As atitudes fazem parte das características adquiridas por meio das diversas formas de aprendizagem. Embora sejam estáveis, podem ser modificadas e aprendidas mediante novos estímulos sobre as crenças e os valores da pessoa (ROBBINS, 2002). As crenças, as atitudes e os comportamentos podem ser formados de duas maneiras diferentes. A primeira é por meio da formação direta, na qual crença,

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capítulo 5

atitude ou comportamento são criados sem que nenhum dos outros estados ocorra primeiro. Depois de uma crença, uma atitude ou um comportamento serem diretamente formados, os estados constroem-se uns a partir dos outros para criar hierarquias de efeitos. As hierarquias de efeitos identificam a ordem em que as crenças, as atitudes e os comportamentos ocorrem (MOWEN; MINOR, 2003). Processos distintos causam a formação direta de crenças, atitudes e comportamentos.

5.6  Motivação Segundo Maximiano (2004, p. 267), “a palavra motivação deriva do latim motivus, movere, que significa mover”. A palavra indica o processo pelo qual o comportamento humano é incentivado, estimulado ou energizado por algum tipo de motivo ou razão. (MAXIMIANO, 2006).

ATENÇÃO Partindo dessa ideia, a motivação para o trabalho pode ser definida como “um estado psicológico de disposição, interesse ou vontade de perseguir ou realizar uma tarefa ou meta” (MAXIMIANO, 2004, p.269). Ainda segundo o autor, a motivação para o trabalho é resultante de uma interação entre os motivos internos das pessoas e os estímulos da situação ou ambiente (MAXIMIANO, 2004).

A figura abaixo ilustra tal observação: Figura: Fatores influenciadores da motivação Motivos Internos: necessidades, aptidões, valores e outros Motivação Motivos Externos: estímulos ou incentivos do ambiente

Fonte: (MAXIMIANO, 2004, p.269). capítulo 5

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Já Robbins (2002, p. 152) define o conceito de motivação como “processo responsável pela intensidade, direção e persistência dos esforços de uma pessoa em relação ao alcance de uma determinada meta”. A definição dos três elementos da motivação (intensidade, direção e persistência) descritos por Robbins (2002) está resumida no quadro abaixo: Direção: o objetivo do comportamento motivado Intensidade: força dos motivos Permanência: o tempo durante o qual a motivação se manifesta Quadro 5.4 – Os elementos da motivação

Fonte: Adaptado de (MAXIMIANO, 2002, p. 268). As diferenças de comportamento entre os colaboradores podem ser explicadas pelo conceito de motivação, que se constitui no principal determinante do desempenho individual (GIL, 2001) e pode ser conceituada como a força que movimenta as pessoas para os comportamentos de alto desempenho, indiferença ou improdutividade (MAXIMIANO, 2006).

Seguindo essa ideia, a motivação pode ser considerada um estado interior que induz uma pessoa a assumir determinados tipos de comportamento a fim de alcançar algum objetivo (SPECTOR, 2004). Assim, uma necessidade não satisfeita pode induzir a modificação do comportamento de um indivíduo, a fim de que este satisfaça essa necessidade (MARRAS, 2000).

192 •

capítulo 5

A figura a seguir sintetiza o processo de motivação: Figura: Processo de Motivação

Necessidade não satisfeita Tensão Vontade Busca de comportamento Fonte: Elaborado pela autora com base em (SPECTOR, 2004)

Necessidade satisfeita

O estudo da motivação segue duas linhas: teorias de conteúdo e teorias de processo (MAXIMIANO, 2006), sendo que a construção de um sistema de motiRedução da tensão vação é abordada na sequência do capítulo. 5.6.1  Teorias de conteúdo As teorias de conteúdo procuram identificar os fatores que motivam as pessoas, estando baseadas em quatro hipóteses propostas pelos filósofos gregos sobre o conceito de felicidade (MAXIMIANO, 2006): •  Homem econômico-racional: a motivação está baseada na perspectiva do ganho, ou seja, na posse de bens materiais; •  Homem social: a motivação está fundamentada no reconhecimento e na aceitação do grupo em relação ao indivíduo; •  Homem autorrealizador: a motivação é sinônimo de realização interior; •  Homem complexo: a motivação apresenta diversas causas em função da complexidade da natureza humana.

capítulo 5

• 193

As teorias do conteúdo auxiliam os gerentes a entenderem as necessidades das pessoas nas organizações e como elas podem ser satisfeitas no local de trabalho (DAFT, 2005). Elas abrangem os seguintes modelos motivacionais: Hierarquia de Necessidades de Maslow, Modelo ERG, Teoria das Necessidades de McClelland, Teoria X e Y e, finalmente, Teoria dos Dois Fatores (MAXIMIANO, 2006). Cada um deles é descrito a seguir. 5.6.2  Hierarquia das Necessidades de Maslow A mais conhecida das teorias de conteúdo é a Hierarquia das Necessidades. Criada pelo psicólogo Abraham H. Maslow, essa teoria sistematizou as necessidades humanas em uma hierarquia de cinco níveis (GIL, 2001): •  Necessidades fisiológicas: envolvem as necessidades relacionadas à sobrevivência, como fome, sede, abrigo, sexo e outras necessidades corporais. No contexto organizacional, essa necessidade pode estar relacionada a aspectos como: salário, horário de trabalho flexível, intervalos de descanso; •  Necessidades de segurança: dizem respeito à necessidade de proteção contra danos físicos, emocionais e outros perigos como perda de emprego. No contexto organizacional, essa necessidade pode estar relacionada a aspectos como: estabilidade no emprego, benefícios como plano de saúde, condições seguras de trabalho, como uso de equipamentos de proteção contra acidentes; •  Necessidades sociais: referem-se às necessidades de afeição e amizade, podendo citar como exemplo a vontade das pessoas de se relacionarem com as outras, de participarem de um grupo e de serem aceitas pelos seus membros. No contexto organizacional, essa necessidade pode estar relacionada a aspectos como: trabalho em equipe, cooperação, inclusão no trabalho; •  Necessidades de estima: incluem fatores internos de estima, como respeito próprio, realização e autonomia, bem como fatores externos de estima, como status, reconhecimento e atenção. No contexto organizacional, essa necessidade pode estar relacionada a aspectos como: reconhecimento pelo trabalho realizado, pagamento de prêmios, promoção; •  Necessidades de autorrealização: referem-se à realização do máximo de potencial individual. Neste nível, as pessoas desejam tornar-se aquilo

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capítulo 5

que são capazes de ser. Incluem-se as necessidades de crescimento e autodesenvolvimento. No contexto organizacional, essa necessidade pode estar relacionada a aspectos como: trabalho criativo e desafiante, participação nas decisões, participação em projetos. A figura a seguir sintetiza a Hierarquia de Necessidades de Maslow. Figura: Hierarquia de necessidades de Maslow

Necessidades de auto-realização Necessidades de Estima Necessidades Sociais Necessidades de Segurança Necessidades Fisiológicas

Fonte: Elaborado pela autora com base em MAXIMIANO (2006) As necessidades fisiológicas e de segurança são descritas como necessidades de nível baixo, pelo fato de serem satisfeitas por meio de estímulos externos (ROBBINS, 2002). Elas são universais, variando de intensidade de uma pessoa para outra, sendo condicionadas pelas práticas sociais (DAVIS; NEWSTROM, 1992).

CONEXÃO Quer saber um pouco mais sobre a Hierarquia de necessidades de Maslow? Acesse o site e leia um pouco mais a respeito.

capítulo 5

• 195

Já as necessidades sociais, de estima e de autorrealização são chamadas de necessidades de nível alto por serem satisfeitas de forma intrínseca (ROBBINS, 2002), sendo que a maior parte dessas necessidades se desenvolve à medida que a pessoa amadurece (DAVIS; NEWSTROM, 1992). A organização das necessidades humanas em uma hierarquia parte da premissa de que as necessidades humanas apresentam diversos níveis de força, sendo que a busca pela satisfação de uma necessidade de nível superior ocorre somente quando a necessidade imediatamente inferior já está satisfeita de modo pleno (MARRAS, 2000). As necessidades fisiológicas e de segurança são as primeiras a serem satisfeitas, seguidas pelas necessidades sociais, de estima e de autorrealização (MARRAS, 2000). A apresentação de um comportamento negativo por parte dos colaboradores significa que de forma geral há falhas no atendimento das necessidades por parte da empresa (MAXIMIANO, 2006). A Hierarquia das Necessidades possui muito pouco embasamento empírico, mas tem grande aceitação popular (ROBBINS, 2002). Um dos motivos que levam a essa situação é o fato de que essa teoria permitiu que se compreendesse que no ambiente de trabalho as pessoas apresentam diferentes necessidades, cada uma delas com peculiaridades e intensidades distintas, devendo a empresa ampliar os estímulos para atendê-las (SPECTOR, 2004).

ATENÇÃO A teoria de Maslow é particularmente importante no ambiente de trabalho porque mostra que as pessoas não necessitam apenas de recompensas financeiras, mas também de respeito e atenção (GIL, 2001).

196 •

capítulo 5

5.6.3  Teoria ERG Buscando dar uma nova roupagem à Teoria de Maslow, Clayton Alderfer criou a Teoria ERG (Existence Relatatedness Growth), propondo três grupos de necessidades (DAVIS; NEWSTROM, 1992): •  Necessidades de existência: fatores fisiológicos e de segurança. Exemplos: salário, condições físicas do ambiente de trabalho, segurança no cargo e planos de benefícios; •  Necessidades de relacionamento: compreensão e aceitação por pessoas acima, abaixo e colaterais ao empregado no trabalho e fora dele; e •  Necessidades de crescimento: desejo de autoestima e realização. Essa teoria aprimora a ideia da Hierarquia das Necessidades ao considerar que a satisfação das necessidades não é sequencial, mas simultânea, ou seja, pode-se buscar a satisfação de mais de uma necessidade ao mesmo tempo (MAXIMIANO, 2006). Essa teoria possui também uma dimensão de frustração-regressão, ou seja, quando uma necessidade de nível alto é frustrada, cresce o desejo de atender a uma necessidade de nível baixo (ROBBINS, 2002). 5.6.4  Teoria de McClelland Outra teoria que se baseia na ideia das necessidades é a de David McClelland da Universidade de Harvard, que propõe três tipos de necessidades (MAXIMIANO, 2006): •  Realização: busca da excelência, de se realizar em relação a determinados padrões, de lutar pelo sucesso. A motivação para a realização é o impulso que as pessoas têm para superar os desafios e os obstáculos na busca de objetivos. Uma pessoa com esse tipo de impulso deseja avançar e progredir independentemente de recompensas; •  Poder: necessidade de controlar ou influenciar o comportamento das outras pessoas. As pessoas motivadas pelo poder podem utilizá-lo tanto construtiva com destrutivamente; capítulo 5

• 197

•  Associação: desejo de relacionamentos interpessoais e amizade. Pessoas orientadas para a afiliação trabalham melhor quando recebem elogios pelo trabalho que vêm desempenhando e tendem a escolher os amigos para estarem a sua volta. Preferem situações de cooperação em vez de competição e desejam relacionamentos que envolvam alto grau de compreensão mútua.

CONEXÃO É muito abordada a ligação entre a Teoria da Motivação de McClelland e o chamado “comportamento empreendedor”. Quer entender um pouco mais a respeito? Acesse o artigo e aprofunde um pouco mais seus estudos!

5.6.5  Teoria X e Y Douglas McGregor desenvolveu sua teoria motivacional a partir de uma postura crítica à filosofia administrativa. McGregor considerava manipuladora e coercitiva a postura das empresas para com seus empregados. Nesse contexto, McGregor propõe em sua teoria que “cada indivíduo por si mesmo é capaz de comprometer-se com seu autodesenvolvimento no trabalho,

198 •

capítulo 5

sem que haja a necessidade de coação externa e, quando isto não ocorre, o problema certamente está na própria organização, e não no indivíduo” (BERGAMINI, 2006, p. 150). McGregor propõe, ainda, duas visões distintas e contrárias do ser humano: uma baseada no ponto de vista convencional da tarefa administrativa, que detém uma visão negativa da natureza humana, denominada de Teoria X, e outra baseada em sua teoria motivacional, que detém uma visão positiva da natureza humana, denominada de Teoria Y. Robbins (2002, p. 153), no quadro abaixo, resume as premissas da Teoria X e da Teoria Y de McGregor:

TEORIA X

TEORIA Y

• Os funcionários, por natureza, não gos-

• Os funcionários podem achar o traba-

tam de trabalhar e, sempre que possível,

lho algo tão natural quanto descansar e

tentarão evitar o trabalho.

se divertir.

• Como eles não gostam de trabalhar,

• As pessoas demonstrarão auto-

precisam ser coagidos, controlados ou

-orientação e autocontrole se estiverem

ameaçados com punições para que

comprometidas com os objetivos.

atinjam as metas. • Os funcionários evitam responsabili-

• As pessoas, na média, podem apren-

dades e buscam orientação sempre que

der a aceitar, ou até buscar, a respon-

possível.

sabilidade.

• A maioria dos trabalhadores coloca a segurança acima de todos os fatores associados ao trabalho e mostra pouca ambição.

• A capacidade de tomar decisões inovadoras pode estar em qualquer pessoa, não sendo um privilégio exclusivo daquelas em posições hierárquicas mais altas.

Quadro 5.5 – Teoria X versus Teoria Y de McGregor

Fonte: Adaptado de (ROBBINS, 2002, p.153) Robbins (2002) descreve as implicações motivacionais da análise de McGregor associando esta teoria à hierarquia das necessidades de Maslow. O autor capítulo 5

• 199

afirma que a Teoria X assume que as necessidades de nível baixo, tais como as necessidades fisiológicas e de segurança, dominam o indivíduo, e a Teoria Y assume que são as necessidades de nível alto, tais como as necessidades sociais, de estima e de autorrealização, que dominam. 5.6.6  Teoria dos dois fatores A teoria dos dois fatores foi desenvolvida por Frederick Herzberg e nasceu do seu interesse em pesquisar, diretamente no contexto de trabalho, quais fatores se acham relacionados com a satisfação e aqueles que determinam a insatisfação no ambiente de trabalho (BERGAMINI, 2006). O pesquisador esperava que, se um objetivo motivacional quando atingido traz a satisfação, então a sua inexistência deveria trazer a insatisfação. E, da mesma forma, se alguém se sente insatisfeito pela inexistência de algum fator motivacional, o oferecimento deste deveria trazer satisfação. No entanto, não foi o que Herzberg concluiu ao analisar os resultados de sua pesquisa (BERGAMINI, 2006). Ao analisar os dados de sua pesquisa, Herzberg percebeu que há fatores que, quando estão presentes, proporcionam alto nível de satisfação, mas a insatisfação determinada por sua ausência não chega a ser significativamente proporcional. Diferentemente, há fatores que, quando estão ausentes, proporcionam grande insatisfação, mas a sua presença não traz o mesmo nível percentual de satisfação (BERGAMINI, 2006). Assim surgiu a Teoria dos Dois Fatores, que explica como o ambiente de trabalho e o próprio trabalho podem interferir no nível motivação (MAXIMIANO, 2006). De acordo com essa teoria há, no campo individual motivacional, dois tipos de fatores (GIL, 2001): •  Fatores motivacionais ou intrínsecos: são aspectos relacionados ao próprio trabalho, destacando-se as responsabilidades, o conteúdo do trabalho, o sentido de realização, a possibilidade de crescimento, o reconhecimento pelo trabalho bem feito. Quando os fatores motivacionais estão presentes, eles elevam a satisfação das pessoas no trabalho; e

200 •

capítulo 5

•  Fatores higiênicos ou extrínsecos: são aspectos relacionados às condições de trabalho, como estilo de supervisão do gerente, relações pessoais com os colegas, salário, políticas de gestão de pessoas, condições físicas e segurança no trabalho. Quando os fatores higiênicos estão ausentes, eles elevam a insatisfação das pessoas no trabalho. Os fatores higiênicos criam o clima psicológico e material para que o indivíduo sinta-se satisfeito em relação ao ambiente de trabalho. A ausência desses fatores causa insatisfação. A presença desses fatores causa satisfação, mas não produz motivação (MARRAS, 2000). A Teoria dos Dois Fatores diferenciou o estado de satisfação e de motivação para o trabalho, mostrando que a motivação vem do trabalho, e não do ambiente. Isso talvez explique o fato de alguns profissionais darem mais importância à atividade que realizam do que às possíveis vantagens materiais que a empresa oferece (MAXIMIANO, 2006). Nesse sentido, essa teoria contribuiu para que as empresas investissem mais em técnicas de enriquecimento do trabalho (SPECTOR, 2004). O quadro a seguir exemplifica os fatores higiênicos e os fatores motivacionais:

FATORES MOTIVACIONAIS

FATORES HIGIÊNICOS

CONTEÚDO DO CARGO (COMO A PESSOA SE SENTE EM RELAÇÃO AO CARGO)

CONTEXTO DO CARGO (COMO A PESSOA SE SENTE EM RELAÇÃO À EMPRESA)

O trabalho em si mesmo

Condições físicas e psicológicas de tra-

Realização pessoal

balho

Reconhecimento do trabalho

Salários e prêmios de produção

Progresso profissional

Benefícos e serviços sociais

Responsabilidade

Cultura organizacional

Autonomia e independência

Estilo de gestão do executivo

Valorização do que faz

Políticas da empresa

Orgulho do que faz

Ambiente de trabalho

Quadro 5.6 – Fatores motivacionais e fatores higiênicos

Fonte: (CHIAVENATO, 2005, p.226).

capítulo 5

• 201

Como crítica destaca-se o fato de que as variáveis situacionais são desconsideradas. Isso implica que uma pessoa pode não gostar de alguns aspectos de seu trabalho, mas continuar achando-o aceitável (ROBBINS, 2002).

5.7  Teorias de processo Após discutir sobre as teorias de conteúdo, é conveniente apresentar as teorias de processo, a fim de completar o conhecimento sobre a motivação. As teorias de processo explicam como funciona o mecanismo da motivação, abrangendo os seguintes modelos: do Comportamento, Teoria da Expectativa, Behaviorismo e Teoria da Equidade. Cada um deles é apresentado a seguir. 5.7.1  Modelo do Comportamento O Modelo do Comportamento baseia-se na ideia de que todo o comportamento é motivado para a realização de algum objetivo. Quando o objetivo não é alcançado, comportamentos de frustração, ansiedade e conflito podem ser gerados (MAXIMIANO, 2006).

5.7.2  Teoria da Expectativa A Teoria da Expectativa propõe que as pessoas esforçem-se para alcançar resultados e recompensas, desde que estes sejam considerados importantes para elas. Assim, a motivação é função da expectativa de se alcançar a recompensa ou resultado, multiplicada pelo valor que lhe é atribuído (MARRAS, 2000).

202 •

capítulo 5

Essa teoria procura explicar a cadeia de causas e efeitos que liga o esforço inicial ao resultado ou recompensa final (MAXIMIANO, 2006) por meio de três relações (ROBBINS, 2002): •  Relação esforço-desempenho: percepção de que certa quantidade de esforço vai levar ao desempenho; •  Relação desempenho-recompensa: crença de que um determinado nível de desempenho vai levar à obtenção de um resultado que se deseja. O desempenho é um instrumental para a obtenção dos resultados; e •  Relação recompensa – metas pessoais: grau em que as recompensas satisfazem as necessidades ou metas pessoais, e nível de atração que estas recompensas potenciais exercem sobre cada indivíduo. O valor ou importância das recompensas é relativo e depende de cada pessoa. Recompensas muito desejadas têm a probabilidade de produzir altos níveis de desempenho

capítulo 5

• 203

A figura a seguir ilustra a teoria da expectativa: Figura: Teoria da Expectativa

Relação 2

• Esforço individual

• Desempenho individual Relação 1

• Recompensas organizacionais

Objetivo Final • Metas pessoais

Relação 3

Fonte: (ROBBINS, 2002, 167). 5.7.3  Behaviorismo O Behaviorismo constitui-se em uma área de estudo do comportamento que estuda o condicionamento e o reforço (MAXIMIANO, 2006). O mecanismo de repetição é denominado condicionamento operante, podendo ser positivo ou negativo. O reforço positivo é representado pelos estímulos e pelas recompensas que produzem satisfação, enquanto que o reforço negativo é fundamentado em punições, que inibem a repetição do comportamento. Vale destacar também que, enquanto a recompensa aumenta a probabilidade de repetição do comportamento, o aumento do castigo não diminui a probabilidade de o comportamento ser evitado (MAXIMIANO, 2006). 5.7.4  Teoria da Equidade A Teoria da Equidade destaca que as recompensas devem ser proporcionais ao esforço e iguais para todos aqueles que realizam o mesmo esforço. Assim, os indivíduos tendem a comparar os inputs e as contribuições relevantes no trabalho com as recompensas que recebem, tomando como parâmetro as outras pessoas (DAVIS; NEWSTROM, 1992). A percepção da falta de equidade pode produzir uma combinação de seis tipos de comportamentos: diminuição do esforço produzido por acreditar que não produz a recompensa esperada, diminuição dos resultados produzidos

204 •

capítulo 5

THOMAS LAMMEYER / DREAMSTIME.COM

em termos de quantidade e qualidade, distorção da autopercepção por acreditar que se está trabalhando mais do que deveria, distorção da percepção de outros, escolha de outra referência para diminuir o sentimento de inferiorização e abandono do emprego (MAXIMIANO, 2006). O entendimento da equidade deveria lembrar os gerentes que seus empregados trabalham em meio a muitos sistemas sociais e que estão inclinados a mudar a base de suas comparações para o padrão que seja mais favorável a eles (DAVIS; NEWSTROM, 1992).

5.8  Sistema Motivacional Estratégico O entendimento das teorias de motivação contribui para o desenvolvimento de sistemas motivacionais eficazes, que otimizam a capacidade de liderança de uma organização. Para ser eficaz, o sistema motivacional deve ser concebido com foco estratégico, levando em conta a coerência entre pessoas, trabalho, informação e tecnologia (GEPHART; VAN BUREN, 1996). De acordo com uma pesquisa realizada pela Revista Exame (2004), as empresas brasileiras eleitas como as melhores para se trabalhar atingiram uma rentabilidade média de 17,2% sobre o patrimônio, enquanto que, no mesmo período analisado, a rentabilidade média das 500 maiores companhias do país foi 12,4%. Essas pesquisas são um indicativo de que investir no desenvolvimento de sistemas motivacionais efetivos pode ser uma prática gerencial adequada para levar uma empresa ao alto desempenho organizacional (ATTADIA, 2007). Um sistema motivacional efetivo prima pela flexibilidade e pela capacidade de adaptação e utiliza o conceito de sinergia para desenvolver uma estratégia de comunicação e envolvimento capaz de alcançar as metas organizacionais e comprometer as pessoas. Nesse contexto, os gerentes tornam-se treinadores, facilitadores, integradores e dividem responsabilidades e resultados com os empregados (GEPHART; VAN BUREN, 1996). Tomando como base as teorias de conteúdo e de processo, são apresentadas, no quadro a seguir, algumas recomendações para o desenvolvimento de um sistema motivacional estratégico.

capítulo 5

• 205

SISTEMA DE MOTIVAÇÃO ESTRATÉGICO CONTEÚDO DA MOTIVAÇÃO

PROCESSO DA MOTIVAÇÃO

• Cada indivíduo apresenta diferentes

• As metas devem ser desafiadoras, mas

necessidades e em níveis de intensida-

realísticas, de forma que sejam possíveis

de distintos, sendo estas materializa-

de ser alcançadas.

das em metas pessoais. A organização

• O sistema motivacional deve ser com-

deve elaborar um sistema motivacional

posto por recompensas atrativas para os

amplo que contemple o atendimento

colaboradores.

das diversas necessidades dos indiví-

• Para valorizar os comportamentos de-

duos e que permita a cada um alcançar

sejados pela empresa, deve-se empregar

suas metas pessoais.

reforços positivos variados, que incluem

• O sistema motivacional deve ser

incentivos financeiros, prêmios e rituais

flexível, levando em conta o perfil de

de reconhecimento.

cada colaborador. Para os colabora-

• Para ser considerado justo por todos na

dores que apresentam visão positiva

organização, o sistema motivacional deve

do trabalho, deve-se investir em me-

apresentar critérios claros e englobar os

canismos motivacionais que atendam

colaboradores de todos os níveis hierár-

necessidades de nível alto, enquanto

quicos.

que, para os trabalhadores que pos-

• Para respaldar o sistema motivacional, a

suem visão negativa do trabalho, de-

empresa deve apresentar um sistema de

ve-se priorizar o atendimento das ne-

avaliação de desempenho coerente com

cessidades de nível baixo.

os aspectos técnicos e comportamentais

• Embora o ambiente de trabalho

que a empresa deseja estimular.

não produza motivação, a empresa

• Os líderes devem ser um importante ca-

deve investir na criação de um clima

nal de comunicação entre a empresa e os

organizacional adequado, evitando

colaboradores, identificando suas necessi-

a insatisfação. Para isso, a empresa

dades, promovendo melhorias nas condi-

pode investir na criação de uma polí-

ções de trabalho, estabelecendo desafios

tica consistente de benefícios para os

e atuando como facilitadores do desenvol-

empregados.

vimento profissional.

Quadro 5.7 – Requisitos para o desenvolvimento de um sistema de motivação eficaz

Fonte: adaptada: (ATTADIA, 2007

206 •

capítulo 5

ATIVIDADE 1.  Assista ao filme O náufrago, direção de Robert Zemeckis, ano 2000, gênero Drama, e, depois, identifique as cinco categorias de necessidades de Maslow.

Sinopse: Chuck Noland (Tom Hanks), um inspetor da Federal Express (FedEx), multinacional encarregada de enviar cargas e correspondências, tem por função checar vários escritórios da empresa pelo Planeta. Porém, em uma de suas costumeiras viagens, ocorre um acidente, que o deixa preso em uma ilha completamente deserta por 4 anos. Com sua noiva (Helen Hunt) e seus amigos imaginando que ele morrera no acidente, Chuck precisa lutar para sobreviver, tanto fisicamente quanto emocionalmente, a fim de que um dia consiga retornar à civilização. Disponível em: .

2.  O que é motivação? 3.  Depois de tudo o que pensamos, responda à seguinte questão: É possível motivar pessoas? Explique. 4.  Como as organizações podem utilizar as teorias da motivação para buscar a produtividade e a qualidade de vida no mundo do trabalho? 5.  O que é percepção. É possível fugir das armadilhas dos erros de percepção? Explique.

REFLEXÃO O estudo do comportamento individual é de grande importância não apenas nos espaços organizacionais, mas em todos os espaços e encontros humanos. Vimos por que os estudos da psicologia são importantes já que o comportamento das pessoas é baseado na interpretação que fazem da realidade, e não na realidade em si, e a motivação também é um conceito importante se consideramos ser algo construído por cada ser humano, de maneiras individual e coletiva. Agora, a partir dos conhecimentos adquiridos nessa unidade, é possível realizarmos uma reflexão sobre o que foi estudado, pois não podemos deixar de pensar na relevância desses assuntos para se ter sucesso no trabalho e com o meio no qual estamos inseridos.

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LEITURA Não deixe de ler o livro Psicologia Aplicada à Administração de Empresas – Psicologia do Comportamento Organizacional, de Cecília Whitaker Berganimi. São Paulo: Atlas, 2006. Esta obra trata dos aspectos mais relevantes e atuais do comportamento humano nas organizações. Parte da concepção de que as questões com que se defrontam no trabalho têm, na maioria das vezes, um nítido conteúdo humano, muito mais do que simples decorrência de problemas técnicos. A ação administrativa requer funções de planejamento e controle, sobretudo no que diz respeito às estratégias organizacionais e de direção, voltada essencialmente para aspectos humanos com a necessidade de se respeitar a individualidade de cada ser humano. Esse é grande desafio de fazer gestão de pessoas!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATTADIA, L. C. L. Diagnóstico do nível de capacitação gerencial das micro e pequenas empresas: um estudo multicasos no setor moveleiro de São José do Rio Preto. São Paulo, 2007, 277 p. Tese (Doutorado em Administração). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). Universidade de São Paulo (USP) DAFT, R. Administração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. DAVIS, K; NEWSTROM, J. Comportamento humano no trabalho. São Paulo: Pioneira, 1992. DESSLER, G. Administração de Recursos Humanos. 2. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2003. GEPHART, M.;VAN BUREN, M. Building Sinergy: the power of performance work systems. Training & Development. v. 50, n. 10, p. 21-32, 1996. GIL, A. Gestão de pessoas: enfoque nos papéis profissionais. São Paulo: Atlas, 2001. LACOMBE, F. Recursos humanos: princípios e tendências. São Paulo: Saraiva, 2005. MARRAS, J. Administração de recursos humanos: do operacional ao estratégico. São Paulo: Futura, 2000.

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MAXIMIANO, A. Introdução à Administração. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2004. MAXIMIANO, A. Teoria geral da administração: da revolução urbana à revolução digital. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. MOTTA, F.C.P. Introdução à organização burocrática. São Paulo: Thomson Learning, 2004. MOTTA, F.C.P.; VASCONCELOS, I.F.F.G. Teoria geral da Administração. São Paulo: Thomson Learning, 2002. MOWEN; J.C.; MINOR; M. S. Comportamento do consumidor. São Paulo: Prentice Hall, 2003. RIBEIRO, A. L. de. Gestão de pessoas. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. ROBBINS, S. Comportamento organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2002. ROBBINS, S. Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2005. SPECTOR, P. E. Psicologia nas organizações. São Paulo: Saraiva, 2004. THOMAS. Testes de habilidades. Disponível em: http://www.thomasinternational.net/7/ NossasAvalia%C3%A7%C3%B5es/Aptid%C3%A3oeHabilidade/tabid/4307/Default. aspx. Data de acesso: 14/08/2010. WAGNER III e HOLLENBECK. Comportamento organizacional – criando vantagem competitiva. Editora Saraiva. São Paulo, 2003.

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