PS7('O-TERAPIA: terapêutica pelo espírito: e não terapêutica

July 4, 2019 | Author: Lucas Rodrigues | Category: Psicoterapia, Psicanálise, Sigmund Freud, Hipnose, Ciência
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PSICOTERAPIA OU PSICOTERAPIAS* Tohic Nathan*

DEFINI€•ES:  PS7('O  PS7('O-TE -TERAP RAPIA: IA: terap‚utica pelo espƒrito: e n„o terap‚utica do esp€rito, j… que que se se adm admite ite,, por por exem exempl plo, o, que  paci  pacien ente tess corn desordens som…ticas  pode  podem m dela dela se be bene nefi ficia ciar. r. A verda erdade deira ira defi defini† ni†„o „o dev deveria eria se ser: r: terap•utica dei  pess  pessoa oa (do (do sei), sei), pelo pelo tratam tratamento ento de sua sua alm alma, de acordo acordo com m‚todos ‚todos que que

designa ent„o, nos paƒses ' ocidentais, una interven†„o n„o-armada (sem recorrer ao arsenal quƒmico) agindo sobre um ‡rg„o bastante mal-definido ("a alma") normalmente designada  psique ue.. apa apare relh lho o ps€ ps€q quico. uico. ou ainda por termos da lƒngua  por  por neo neolog logism ismos com como: psiq pensamento... comum que s„o redefinidos de modo erudito: esp€rito, pensamento... Essa defini†„o. coerente com os h…bitos tˆcnicos dos profissionais. n„o ser… entretanto aqui adotada; e isso por v…rias raz‰es: • Por sua oposi†„o Š quimioterapia, tal defini†„o admite como premissa n„o somente que o sujeito pode ser cindido cm dois elementos ‹ digamos para simplificar: sua "biologia" e sua "psique". ou cm outros termos: seu corpo e seu espƒrito' ‹. mas tambˆm subentende que esse tipo de recorte ˆ o Œnico  pert  pertin inen ente te.. Ass Assim im.. ela ela sup‰ sup‰ee de de inƒci inƒcio o a pri princ ncip ipal al tese tese … qual qual dev deveria eria cheg chegar ar para para  just  justif ific icar ar a cons constr tru† u†„o „o de se seu u obje objeto to.. excluem a utilizaƒ„o da d a quimioterapia. Psicoterapia

Texto inˆdito retomado parcialmente o conteŒdo de um artigo  publicado cm .>Vrot,l elle Revue d'Ethnopsvchiairi psvchiairie, e, n€ 30,  pp. 81-91: "L'ialluence "L'ialluence thˆrapeutique" tete Š tete ou conƒlit de theories". Tradu†„o: Martha Gambini. " Professor de Psicologia Clƒnica e Patol‡gica na Universidade de Paris VIII. Diretor uvelle Revue d'Ethuopsvchiatri psvchiatrie. e. do Centro Georges Devcr‚ux. Redator-chefe da ,Nouvelle 20

• Ao privilegiar esse estranho "rg„o. cia exclui, fido, a maioria das terap‚uticas;`,com a ajuda das quais s„o concretamente tratados os doentes por todo o mundo ‹ terap‚uticas que pretendem agir n„o sobre a "alma", mas sobre invis€veis, n„o pela fala ou pelo desencadeamento de emo†‰es, mas atravˆs de rituais. de sperifr'cios animais, fahricaƒao de amuletos, ou de_rezas, extraƒ„o de objetos-de-feitiƒo etc.S

• Essa defini†„o atribui uma laicidade de fato ao mundo, rejeitando a dem…nios  pr  priori qualquer interven†„o de n„o-humanos ‹ divindades, esp€ritos, dem…nios o que, † ou de a†‰es invisƒveis ‹feiti†aria., maleficios, encantamentos reflex„o t‚cnica t‚cnica da urna vez mais, tem como resultado a expuls„o do campo da reflex„o grande maioria dos tratamentos realmente administrados aos doentes... •  po  pois, numa estimativa razo…vel, pode-se dizer que 80 a 90% da  po  popula†„o do planeta s„o n„o somente tratados, mas geralmente se sentem satisfeitos com a aplica†„o desses mˆtodos, Ainda que apenas por essas raz‰es, considero a defini†„o inicial inaceit…vel. Seria possƒvel objetar que, ao simplicar o campo dessa maneira. a  psicot  psicotera erapia pia "erud "erudita ita'' n„o n„o far faria ia nad nadaa alˆm alˆm de tornar tornar possƒ possƒve vell uma uma ab abord ordag agem em cientƒfica da "psique", e que os fatos excluƒdos cm uni primeiro tempo ser„o integrados no futuro, precisamente sob a forma de situa†‰es-limites. Pois n„o foi Justamente assim que procederam muitas ci‚ncias antes dela'? E sem dŒvida ser… evocada a maneira pela qual a quƒmica separou-se da alquimia e a astronomia da astrologia. Sem dŒvida! Mas os astros e os metais raramente d„o sua opini„o, e ap‡s uma centena de anos de exist‚ncia, considerando os costumes das  popu  popula la†‰ †‰es es,`' ,`' a psi psico coter terap apia ia cont contin ua n„o conseguindo convencer seus usu…rios do monop‡lio que se atribuiu "em nome da ci‚ncia".7 Pois tal mon‡polio n„o  pode  pode se serr dec decre reta tado do;; ele ele s‡ pode pode se serr con consta stata tado do,, cas caso o se impo imponh nhaa por por sua sua efic… efic…ci cia! a!  N„o  N„o s‡ para para ate atender nder a uma uma exig‚ exig‚ncia ncia de rigo rigor, r, mas mas visan visando do tambˆ tambˆm m abordar a realidade concreta das pr…ticas, proponho que seja englobado, no influ•n u•ncia cia destinad destinado a termo "psicoterapia"! qualquer procedimento de infl modificar de modo radical, prof‡rndo e durˆvel uma pessoa, uma fam€lia on simplesmente uma situaƒ„o.`'

 Discus  Discuss€o s€o:: Essa segunda defini†„o tem v…rias conseqŽ‚ncias:

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I) Ela me leva a considerar no mesmo plano, ou seja, enquanto pr…ticas legƒtimas, eficazes e inleressantes: - as psicoterapias "eruditas" que pretendem decorrer de observa†‰es cientƒficas da "natureza",'• aquelas, portanto, nas quais pensamos espontaneamente quando evocamos o nome "psicoterapia"; - as terap‚uticas que por vezes s„o chamadas "tradicionais" ‹ocorrendo nas sociedades n„o-ocidentais e nas margens das sociedades ocidentais ‹, sobre as quais se deve dizer que ˆ apenas por um abuso de linguagem que por vezes s„o chamadas psico-terapias, pois elas podem tambˆm ser consideradas como  socio, etno, e quase sempre: teo-terapias. - as neoforma†‰es terap‚uticas, geralmente de inspira†„o religiosa, que se multiplicam de uni lado a outro do planeta sob o impulso de profetas carism…ticos.1  importante esclarecer que esses tr‚s grandes grupos de dispositivos terap‚uticos podem, por sua vez, ser divididos em urna grande quantidade de subgrupos. Sabemos, por exemplo, que as "psicoterapias cientƒficas" atingem no Ocidente urn montante ultrapassando urna centena (entre trezentas e quatrocentas, segundo as classifica†‰es). Por outro lado, contamos geralmente cor v…rios tipos de "terapias tradicionais" em cada grupo ˆtnico, o que novamente se traduz numa cifra impressionante.'' Quanto …s terapias religiosas carism…ticas, elas se desenvolvem atualmente num ritmo t„o desenfreado, que em certos paƒses ˆ impossƒvel cont…-las. 2) A defini†„o proposta, que eu precisaria ainda apurar, possui a vantagem de adotar sobre a cura um ponto de vista pr‡ximo ao do doente e de sua famƒlia. Ela me leva a considerar que a cura obtida por mˆtodos "tradicionais" ˆ da "mesma natureza" que aquela obtida por mˆtodos "eruditos". Vou ent„o partir da constata†„o de que, no momento atual, n„o contamos com nenhum conceito que permita separar urna "cura" devida a "m…s raz‰es" de uma "cura corretamente obtida".13 Pensava-se antigamente, de acordo coin Freud, que o conceito de sugest€o poderia funcionar como um "discriminador": de um lado terƒamos a psican…lise, visarudo a an…lise da transfer‚ncia; de outro, todas as outras terapias que incluem em seus procedimentos uma parte mais ou menos alta de "sugest„o".' 4 Mas essa proposi†„o te‡rica, que aparentemente oferecia um duplo beneficio (de urna parte precis„o metodol‡gica, de outra rigor moral), ˆ critic…vel por v…rias raz‰es: 22

a) 1, impossƒvel afirmar que a pr…tica real da psican…lise exclua os fen‘menos da sugest„o. Pois ˆ f…cil perceber que os pacientes submetidos a um longo tratamento psicanal€tico em geral adotam a teoria psicanal€tica, o que logicamente pode levar a pensar que eles sofrem uma esp•cie de `doutrina‚ƒo" camuflada. Por outra parte, an„lises mais finas mostraram que o exerc€cio real da an„lise da transfer…ncia poderia ser legitimamente considerado como urna pr„tica mais ou menos sofisticada da sugest„o.' b) Fora da pr„tica da sugestƒo p†s-hipn†tica ‡ na verdade pouco praticada em mat•ria de psicoterapia ‡ nƒo se compreende a necessidade de pensar sobre terap…uticas tƒo diferentes quanto a extra‚ƒo de um "objetodoen‚a"‡ do corpo do doente"' ou do material de adivinha‚ƒo ‡ a fabrica‚ƒo de um "objeto contra-feiti‚o" I7 ‡ amuleto, agressƒo contra feiticeira, fetiche o sacrificio de um animal ‡ galinha, carneiro, cabrito, boi etc. ‡, nƒo se compreende entƒo a necessidade de pensar todas essas terap…uticas unicamente a partir do conceito de sugestƒo, a nƒo ser caso se queira desqualific„-las a qualquer pre‚o. c) Finalmente, o fato de designar o conceito de sugestƒo como capaz de estabelecer urna distin‚ƒo entre efeito terap…utico e efeito paliativo ‡ um pouco corno o placebo diferencia entre mol•culas ativas e p† de traz conseqˆ…ncias perversas para as pr„ticas profissionais. Œ Partindo-se do princ€pio de que se trata, antes de tudo, "de nƒo produzir o efeito de sugestƒo", o objetivo da t•cnica ser„ aproximar-se assintoticamente de urna norma. Assim, um psicoterapeuta torna-se nƒo um t•cnico da modifica‚ƒo, mas urna norma personificada: o exemplo vivo de urna modifica‚ƒo bem-sucedida. A conseqˆ…ncia • evidente: a pr„tica da psicoterapia apresenta urna tend…ncia crescente de afastamento da atividade t•cnica para se aproximar de urna atividade moral com todas as paralisias de pensamento geradas por esse tipo de pr„tica. Essa progressiva muta‚ƒo explica, sem d‰vida, o crescente interesse dos psicoterapeutas e dos psicanalistas pelas interven‚Šes "profil„ticas", conselhos ‹s mƒes, aos ju€zes, ‹ m€dia etc. Um psicoterapeuta tem sempre o interesse de permanecer corno um "t•cnico". Œ Como • imposs€vel avaliar aquilo que, na t•cnica, pertence ‹ sugestƒo, todas as t•cnicas de prote‚ƒo contra a sugestƒo acarretam efeitos perversos: o sil…ncio do terapeuta transforma a menor emissƒo de signo cm palavra de or„culo,19 sua neutralidade • geralmente percebida como indiferen‚a20 ‡ e at• 23

mesmo como maldade ---, seus enunciados sibilinos como convites para inˆbrmar-se sobre a teoria que ele esconde 2 ' etc. Œ A proibi‚ƒo da sugestƒo tem urn "efeito bumerangue": o de proibir, em contrapartida, que o terapeuta seja influenciado pelo seu paciente ‡ a fortiori, de "ser influenciado por ele". Ora, conhecemos muitos casos de terapeutas particularmente eficazes quando estƒo cm transe, como os xamƒs da sia e da Am•rica, os videntes dos grupos de prece carism„ticos etc. 3) De acordo com a melhor l†gica, considerar a cura e nƒo uma teoria cia cura satisfaz as exig…ncias da razƒo. De fato, que importŽncia tem para o doente que seu m•dico seja adepto de uma ou outra teoria, j„ que ele est„ unicamente buscando um maior bem-estar? Um dos argumentos para distinguir dois tipos de cura em psicoterapia foi inaugurado por Freud, que teria notado que as melhorias obtidas por sugestƒo hipn†tica nƒo eram dur„veis c que os

sintomas mostravam a tend…ncia de reaparecer_ mais complexos_ mais enquistados, menos acess€veis ao tratamento. Nesse caso, nƒo se trataria mais de urn argumento de princ€pio, mas de um argumento de efic„cia. Notemos que tal observa‚ƒo de Freud" s† se aplicava ‹ sugestƒo hipn†tica. Observa‚Šes desse tipo nƒo foram feitas com respeito a outras formas de terapia que recorrem Š hipnose ‡ seja nos trabalhos de Chertok, ou nos especialistas cm neuroses de guerra como Crocq, e ainda menos, naturalmente, na escola dita eriksoniana. 0 fato de a cr€tica de Freud, referente a uma forma muito particular de utiliza‚ƒo terap…utica da hipnose (a sugestƒo p†s-hipn†tica) ter sido estendida a qualquer forma de terapia com exce‚ƒo do tratamento-tipo • urn abuso manifesto. De qualquer maneira, continua-se admitindo entre os profissionais, embora por razŠes te†ricas injustific„veis, que qualquer psicoterapia nƒo-psicanal€tica mobiliza essencialmente mecanismos de sugestƒo, e mesmo de sedu‚ƒo. 23 4) Tal defini‚ƒo possui a vantagem de nƒo partir de unia teoria da psique.24 de nƒo postul„-la a priori: mas ela nƒo exclui a produ‚ƒo de trabalhos que permitam chegar a urna nova teoria. Œ Pois uma teoria aceit„vel da psique deveria respeitar antes de tudo o laborat†rio "natural" formado pelas diferentes solu‚Šes encontradas pelas mais diversas popula‚Šes para produzir dispositivos de tratamento, considere-10 como as variantes mais bem-acabadas de unia produ‚ƒo generalizada de medicinas. 25 Essa teoria teria assim como tarefa primordial a produ‚ƒo de um novo objeto,

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permitindo ciar conta, com urna igual per( in…ncia, da prece. do sacrilleio animal. da extra‚ƒo do objeto-de-feiti‚o etc.. e da fala. Pois • bem mais sensato pensar que urna teoria da psique deva decorrer de uma observa‚ƒo refinada das pr„ticas concretas e nƒo preced…-las. 5) Finalmente, essa defini‚ƒo pro€be que rejeitemos de antemƒo as terap…uticas nƒo-ocidentais, passando pela peneira conceitos contest„veis que sempre permitiram ao Ocidente desqualificar as t•cnicas dos outros mundos.'' Tal defini‚ƒo possui. entƒo, a vantagem te†rica de renunciar „ utiliza‚ƒo de "pensamento no‚Šes como: "cren‚a."supersti‚ƒo. "pensamento m„gico etc. irracional ,

` '

O processo terap‚utico: Um conflito de teorias Primeira proposi‚ƒo: o paciente d„ muito pouca

mportŽncia ao conte‰do da fala do terapeuta: pelo contr„rio, focaliza toda sua aten‚ƒo na teoria veiculada por essa fala. i

Tentarei demonstrar essa proposi‚ƒo por interm•dio da an„lise de tr…s tipos cl„ssicos de interven‚ƒo do terapeuta: inlci€)rcicr•cro, c,  prescri•cro.

I) A guc'slcm -->

Ohscw0(0o r7  1:

Primeira entrevista. Bela mulher de 45 anos, ricto melanc†lico no canto dos l„bios, e desses olhos de um azul profundo que nos capturam no espelho cia dor. A paciente me diz que est„ gravemente deprimida h„ cerca de dois anos: que desde essa data foi hospitalizada por seis vezes em servi‚os psiqui„tricos e que os m•dicos lhe administraram diversos tipos de psicotr†picos ‡ neurolcpticos. antidepressivos, ansiol€ticos ‡. cuja lista intermin„vel ela enumera... Coloco urna questƒo: ‡ Ha quanto tempo sua mƒe morreu'? ‡Ah, nƒo! Nƒo • por causa disso... ela responde. -) 5

A paciente n„o responde Š minha quest„o ("H€ quanto tempo sua m„e morreu?"), mas Š etiologia de seu mal que eu parecia propor e que poderia ser assim formulada: "Sua depress„o n„o seria reacional ao falecimento de sua m„e?". Talvez se pense: que idˆia idiota colocar uma quest„o dessas a uma deprimida, seis vezes condecorada em combate, com um diagn‡stico de psicose manƒaco-depressiva... Concordo! Concordo ainda mais quando vemos que ela n„o se contenta em contradizer a etiologia que sup‰e ser a minha, mas que come†a a me fornecer informa†‰es! Pois sua resposta encerra uni segundo enunciado: Voc‚ n„o v‚ o quanto sofri? A cruz do lagarctyl, medalha dupla do haldol e do anafranil, fa†anhas de todo tipo de benzo e agora voc‚ vem me rebaixar a uma etiologia t„o banal quanto um luto... Voc‚ percebe a gravidade da injusti†a da qual se torna culp…vel a meu respeito? Se for exato que ˆ nessa disposi†„o de espƒrito que ela inicia a entrevista, sua resposta ("Ah, n„o! N„o •  por causa disso...") tambˆm significa: "Tente ajustar o peso de suas etiologias ao grau de meu sofrimento subjetivo".  Nesse caso, n„o podemos apenas considerar a morte da m„e da paciente como um simples elemento de anamnese, mas devemos ver aƒ um pretexto para iniciar o processo, e, portanto, de falar, n„o da paciente, mas, como sempre, da etiologia do mal ‹ deverƒamos mesmo dizer mais precisamente: do pr‡prio mal. Observa‚€o: numa psicoterapia, n„o existe nenhum "simples elemento de anamnese", j… que o trabalho de um psicoterapeuta n„o ˆ o de conhecer ou estabelecer a verdade ‹ seu trabalho n„o ˆ o de um policial, nem de um  jornalista! ‹, mas de modificar a pessoa. Ser… que vou ter coragem de ser ainda mais franco? No caso evocado acima, a quest„o me fornecia a ocasi„o para encontrar o mal!

Segunda observa‚€o: uni psicoterapeut… n„o encontra pessoas, n„o se defronta de maneira alguma com seres humanos, mas com entidades. Acrescentemos ainda uma complexidade … hist‡ria: a paciente n„o tinha me dito que sua m„e morrera. Ali…s, o Œnico interesse da quest„o era inferir uma etiologia, ou atˆ mesmo apenas de introduzir a idˆia de unia etiologia possƒvel. Portanto, n„o se tratava de uma quest„o, mas de uma indu†„o. E a quest„o que ela deveria ter me colocado era evidentemente: 26

Mas como o senhor sabe que mi n ha m„e morreu?  N„o tendo inanifestado seu espanto diante de meu enunciado, temos que concordar que sua resposta continha uni implƒcito adicional: -- Admito que o senhor adivinhou corretamente.  verdade que minha m’e faleceu mais ou menos na ˆpoca do inƒcio de minha depress„o. Ainda assim, continuo achando que a origem de meu mal ˆ muito mais merit‡ria que um simples luto.

Terceira observa‚€o: no movimento terap‚utico. qualquer quest„o ˆ uma indu†„o. Isso deveria ser prioritariamente ensinado a todo estudante de  psicologia. Podemos ver quanto os enunciados dos terapeutas s„o complexos .quero dizer: polissˆmicos, cheio de implƒcitos. Mas aqui s‡ posso evocar esse  problema de maneira superficial. Ao comentar essa breve troca, queria  principalmente chamar a aten†„o sobre o fato ‹ mas suponho que o leitor j… se adiantou a mim nesse ponto ‹ de que a paciente n„o se interessa de forma alguma pelo conteŒdo de minha indu†„o, mas pela teoria subjacente que ela  pressup‰e. Ela n„o se interessa pelo falecimento da m„e, nem pelo fato de que eu lenha adivinhado o acontecimento desencadeador, mas pela idˆia te‡rica geral segundo a qual um luto pode estar na origem de uma depress„o. Ela dirige toda sua aten†„o Š etiologia do mal: provavelmente tambˆm Š sua natureza. Quarta observa‚€o:  pois uma psicoterapia n„o ˆ uma discuss„o de  pessoa a pessoa ‹ ou de "sujeito a sujeito", se assim preferirmos desencadeando n„o sei quais descargas emocionais ou tempestades cat…rticas "indizƒveis" e "n„o analis…veis". Uma psicoterapia ˆ uma verdadeira guerra conceitual: um conflito cuja resolu†„o ˆ a ades„o a uma teoria. As psicoterapias com pretens„o cientƒfica, as que admitem como  premissa que existe uma espˆcie de ‡rg„o invisƒvel e mesmo assim funcional (exemplo: "aparelho psƒquico"de Freud), consideram que o di…logo terap‚utico ˆ coneeitualmente pobre e emocionalmente rico. Ao postular tal concep†„o, essas  psicoterapias n„o podem tomar consci‚ncia de um fato de experi‚ncia infinitamente reprodutƒvel: 1) o essencial dos enunciados do paciente s„o tentativas de convencer o terapeuta da legitimidade de etiologias individuais e familiares; 27

2) as respostas do paciente ,“s quest‰es nao ao conteŒdo de seu discurso.

teoria do terapeuta e

•Primeira Proposi‚ƒo

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O paciente d… muito pouca i mportancia Ao conteŒdo da fala do terapeuta: Pelo contr…rio. ele focaliza toda sua aten†„o  Na teoria veiculada  por essa fala !li(l I l 'i  g 

2)  A inlerprcicl‚€o Comecemos por uma defini†„o. A interpreta†„o ˆ a parte da fala emitida pelo terapeuta que deve_ tanto quanto for possƒvel. respeitar ao m…ximo duas obriga†‰es fundamentais: I) i mpor a idˆia de que o terapeuta conhece o mal_ sua origem. sua ecologia: em suma. que ele domina a teoria. 2) convencer o paciente de que ele, simples paciente, pode renunciar 'nao somente ao conhecimento do mal. nas tambˆm a qualquer esperan†a de tornar-se por sua vez familiar ao mal ou um profissional desse mal.

28

 A interpretaƒ„o Š, portanto, em qualquer ocasi„o a unte r!u invers„o da r• a p e rIi,s . c% Todo paciente disp‡e, de feto, de um conhecimento nascido dc sua

lenrga coabita€•o com seu mal. A interpreta€•o vai, logo de in‚cio, desqualificar es a ex‰x'rli,se e depois transferi-la para o terapeuta. Em conseq‰†ncia. a

interpretaƒ„o ‚ evidentemente o espaƒo preferido do combate entre psicotera peuta e paciente. -

Deixo de lado todas as interpretaƒ‹es ditas "cl…ssicas" que, devido a sua ampla difus„o, s„o hoje perfeitamente conhecidas do pac iente, n„o poden do por isso respeitar a segunda regra. Uma interpretaƒ„o que jŒ tenha sido difiuidida

Relu corpo social n„o ‚ mais uma interpretaƒ„o, ou melhor, perdeu seu potencial terap†utico. No entanto, antes de abandontl-las vou dar um breve exemplo. Œ

ltu sa de lembranƒa. --> Ohservaƒ„o n Š 2:

Uni paciente queixa -se todo o tempo de dois problemas: sua ejaculaƒ„o p r ecoce e sua mulher. Ele acusa a esposa de frigidez. de infantilismo, de ser e‘ageradamentc ligada a sua m„e e considera a ejaculaƒ„o p recoce como unia maldiƒ„o que o persegue desde a adolesc†ncia por raz‹es desconhecidas. Durante seus longos mon‡logos repetitivos, numa sess„o qualquer dc seu quinto ano de psicoterapia psicanal•tica. ele acaba cometendo um lapso... talvez seja um

de

esta a primeira vez que o escuto:

ˆ ...Na noite passada, foi de novo a mesma coisa! Minha m„e n„o queria, depois acabou deixando que eu me aproximasse dela ... ˆ Esperei alguns segundos, mas no meio de uma frase fiz a seguinte intervenƒ„o:

ˆ 'O senhor disse "minha m„e..." • mesmo? N„o prestei atenƒ„o... ˆ Um pouco provocador. acrescento:

ˆ N„o me surpreendo... ˆ ...o senhor pensa que se trata do famoso complexo... ˆ Ai, ai, ai...

 Algo me diz que peguei um caminho escorre gadio.... como consertar as coisas? Imposs•vel dar marcha Œ r‚. Uma fala, eu sei, n„o ‚ revers•vel. Eu digo:

ˆ O senhor aiida tem sorte por ela deix…-lo se aproximar quando a chama de mam„e...

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Decididamente, eu bato forte! Mas devo dizer que a partida j… estava  perdida: o paciente tinha descoberto a minha etiologia: j… a tinha criticado, e logo se tornara especialista no assunto... Na verdade, para retomar a met…fora da  partida de xadrez que Freud gostava de empregar, eu tinha acabado de perder a  partida e devo confessar. sem dŒvida, por um certo tempo! Passemos agora a um outro tipo de interpreta†„o, mais criativa, mais viva, e que devido a sua sofistica†„o l‡gica coloca tambem muito mais  problemas de compreens„o: Ohscrva‚ao n „ 3: Uma paciente dc 38 anos viveu, aos quinze anos, um epis‡dio psicopatol‡gico grave com hospitaliza†„o de urg‚ncia e tratamento quimioter…pico vigoroso, que teve como Œnica conseqŽ‚ncia fix…-la definitivamente a seu terror inicial. Desde esse tratamento ela conseguiu de alguma maneira viver minimamente, diminuƒda, humilhada_ n„o conseguindo livrar-se dessa sinistra imagem de doente. Em seu primeiro encontro comigo ela me descreve a imensidade de males psƒquicos que desde ent„o inflige a seus mˆdicos, seus  psicoterapeutas, assim como aos mais diversos membros de seu meio social. Seu sangue est… podre... Fizeram-na submeter-se por mais de vinte vezes a exames de AIDS, de hepatite, de todos os tipos dc doen†a mortais. Seu Œtero, seus ov…rios, est„o caindo aos peda†os: ela ter… novamente que ser operada no pr‡ximo m‚s. de novo v„o vasculhar sua barriga, ench‚-la de c”meras, aparelhos fotogr…ficos. lentes, luvas de borracha, bisturis, tesouras, gazes... Seus dentes est„o se fragmentando e ela engole regularmente seus peda†os. A cegueira a persegue: seus olhos se dissolvem atˆ se tornarem quase transparentes. Ela passa noites inteiras tentando expulsar essa angŒstia que a impede de dormir, mas o sono s‡ vem quando o sol aparece. Sente-se um verdadeiro zumbi, exausta, vagando de mˆdico a psiquiatra que prescrevem imperturbavelmente suas pequenas pƒlulas de "abestil", de "idioton",'' ou sei I… quais "psicobloqueadores"ou "onirolƒticos" de sƒntese. Ao final de seu tratamento quimioter…pico, ela tenta novamente uma  psicoterapia durante a qual quase morreu de tˆdio, adivinhando com duas sess‰es de anteced‚ncia aquilo que iria fazer seu psicoterapeuta. Guardou dela um Œnico tra†o: uma profunda avers„o por qualquer forma de tratamento psicol‡gico.  ƒ

30

~

Escuto-a durante uma hora e meia, servi pronunciar qualquer palavra. No fi m. com o sentimento de ter esgotado a longa lista de seus sofrimentos, ela me olha, interrogativa:  ‹ E ent„o'? ‹ ela me pergunta...  ‹ Ent„o, a senhora deveria fazer urna  psican…lise...  ‹ Com o senhor?  ‹ N„o necessariamente!  ‹ O senhor poderia me dar urna Œnica raz„o para que eu me submeta a uma obriga†„o t„o absurda?  ‹ A senhora tambˆm pode n„o fazer uma an…lise... Mas nesse caso ir… correr um risco... ali…s, um s‡...  ‹ Qual? ‹ ela me pergunta.  ‹ De acabar esquecendo o que lhe fizeram no hospital... Ela compreendeu imediatamente que era inŒtil perguntar algo mais; que certamente eu n„o explicaria a raz„o que me levara a dizer isso. E resolveu embarcar na aventura, com o Œnico objetivo, acrcdito, de descobrir o que tinha Inc incitado a pronunciar tal frase... Vamos refletir uni instante sobre o processo. Meu enunciado certamente  preencheu as duas condi†‰es necess…rias para que eu a considere como uma "interpreta†„o": Ele sugere que eu disponho de urna teoria sobre seu mal; que esse Œltimo me ˆ t„o familiar que chego a poder fazer previs‰es complexas sobre o lrturo da pessoa que se encontra atingida por ele... 2- Ele n„o lhe deixa qualquer esperan†a de descobrir seu mecanismo de maneira imediata; obriga-a a apoiar-se em mim como mediador com rela†„o Š teoria que ela sup‰e que eu detenha, teoria t„o complexa quanto imperceptƒvel. Compreende-se, assim, a fun†„o essencial da interpreta†„o no processo terap‚utico: ela cria o espa†o te‡rico, ao mesmo tempo em que designa o terapeuta como expert desse pensamento. 1-

Observa‚€o: … ent„o inŒtil tentar reunir uni repert‡rio de interpreta†‰es  possƒveis ‹ urna interpreta†„o se define por sua fun†„o e n„o por seu conteŒdo. Se os terapeutas utilizam t„o freqŽentemente as mesmas, ˆ porque, sabendo de maneira mais ou menos vaga quanto essa condi†„o ˆ dificil de preencher, eles 31

 preferem n„o correr riscos e utilizam aquelas que, cm sua opini„o, ' j… passaram  pelas provas".

Segunda observa‚€o: Definida desse modo, n„o h…, portanto, nenhuma raz„o para que uma interpreta†„o seja mais particularmente um ato de fala. Pode ser um gesto, uma mƒmica, a leitura de uma passagem de livro, ou a interrup†„o  brutal de urna sess„o30 ‹ desde, ˆ claro, que esses atos signifiquem a invers„o da expertise. Embora seja preferƒvel que o terapeuta a produza deliberadamente,  pode acontecer que urna interpreta†„o seja tambˆm "involunt…ria"; cabe ent„o ao terapeuta "pegar o bonde andando". Caso esta an…lise seja correta, as melhores interpreta†‰es, as mais eficazes, pelo menos no que diz respeito Šquelas veiculadas pela fala, s„o  pronunciadas bem no inƒcio do tratamento. Pois elas for†am o paciente a uma espˆcie de aprendizagem te‡rica ‹ ou, mais exatamente, a um processo de inicia†„o.

Terceira observa‚€o: Pois uma interpreta†„o n„o ˆ nada alˆm de um fragmento de inicia†„o.

A interpreta‚ƒo

 Figura 2

32

A interpreta†„o ˆ a parte da fala emitida pelo terapeuta que deve respeitar no mƒnimo duas obriga†‰es: 1. Impor a idˆia de que o terapeuta conhece o mal, sua origem, sua ecologia; em suma: que domina sua teoria; 2. convencer o paciente de que ele, simples paciente, deve renunciar n„o somente ao conhecimento de seu mal, mas tambˆm a qualquer esperan†a de tornar-se, por sua vez, familiarizado com o mal ou um profissional desse mal.

lhi.slra•iuo c'l„rl…~'tr

 , t Jhserva•iirr fr"4

Unut  jovem mulher de 35 anos vem me consultar ap†s cinco tentativas 100 1iiIcolCrapra escalonadas por urna dezena de anos. Duas ou tr…s sessŠes corn m l  j wanalista

da SPP' ‡ silencioso demais, ar rude, transpirando a moral 1

Qniltp,uesa atrav•s da menor de suas atitudes ‡, una ano com um de seus Colegas, tbcur sorumb„tico e triste_ mas mais respeitoso com rela‚ƒo aos hor„rios, seis , –114"nu com um lacaniano com o qual acabou por brigar por questŠes de dinheiro. u mas sessŠes com um genealogista que lhe ensinou muitas coisas , mas que p l lilIo decepava realizar um trabalho. Em seguida, v„rios anos com um "psic†logo Illllnarrltita" que a atende ‹s vezes sozinha, ‹s vezes em gnrpo. Pratica o "grito 1iirual e 'bioencrgia" e, como esperado, revive seu nascimento entre dois 1%Iu1‚tocs. Embora reservando um olhar cr€tico para cada unta dessas t•cnicas. chi  ja.lƒ1ud.l Goto reconhecimento pelo ultimo, que the permitiu reencontrar o desejo e unia britica sexual mais ou menos satisfat†ria. Mas nenhuma inscri‚ƒo numa tiou ia. num pensamento! E. principalmente, seu sintoma, a razƒo principal de Htuis consultas, permanece intacto como no primeiro dia. De fato, ‹ noite. durante certos per€odos, toda noite. ‹s cinco horas da urunlr.l ela acorda sobressaltada por unia crise. Em primeiro lugar, ela sente  /limo urna mordida -- ela pensa: uma cobra'? no dedƒo do p•: a independ…ncia de Nt'' Perna que come‚a a viver por conta pr†pria c depois um verdadeiro 4nl.uclrsmo, a contorsƒo de todo seu corpo, que se agita loucamente, ao ponto de

irais conseguir distinguir onde est„ o teto e onde o chƒo. Ela desperta trlerrorizada, coin a cabe‚a estourando dc dor, para uni novo dia de desespero. Esse sintoma resiste a qualquer terap…utica, mas tamb•m a toda crmtpieensdo. Ele c como uni ser independente e aut‘nomo, vivendo tal qual um Ittl~~

.

InrI.IS Ita em seu interior. Perdida, ela acaba aceitando uni tratamento por uma

epilepsia fantasma. da qual nƒo se percebe qualquer sinal no elet'oene'clalograma. Falamos de sua infŽncia. Seus pais emigraram de u€n pais da frica do Nou le. rec‰m-casados. A fam€lia de seu pai veio do Sul da It„lia, da regiƒo da I'rlislur, a familia de sua mƒe do Egito. Todos os filhos nasceram na Fran‚a. Ela ˆ

a wn;alla entre os filhos, e quarta filha tamb•m. Dez anos de psicoterapia

convenceram-na de que aos olhos de seu pai ela deveria ser o nnonino que ele nunca tivera. Ali…s, o sintoma come†ou pouco ap‡s o falecimento do seu pai.  ‹ Da Puglia, foi o que a senhora disse? Levanto da poltrona e vou pegar dois livros na estante. Um ˆ um livro de fotografias, Les' noires vall•es du repentir [Os negros vales do arrependimento]. o outro um cl…ssico da antropologia italiana.  La terre du remords [A terra do remorso], de E rnesto di Martino. Digo a ela:  ‹ Leia isso antes da sua pr‡xima sess„o.  Na Puglia, certas mulheres s„o mordidas pela tar”ntula, uma espˆcie de aranha mƒtica. Ainda n„o h… muito tempo, nos anos 50, os habitantes da regi„o organizavam no dia de S„o Paulo, em 28 de junho, na igreja de Galatina, uni ritual que data da Antiguidade, durante o qual as mulheres possuƒdas pela tarantula suplicavam ao ap‡stolo32 que as livrassem de seu mal. Na semana seguinte, ela tinha devorado os dois livros, reconhecido que havia estranhas resson”ncias entre os fatos neles relatados e sua hist‡ria pessoal. Assim, n„o tinha sido uma cobra que a picara em cada um de seus sonhos de crise, mas a aranha mƒtica. O que se pode dizer a pa rtir daƒ? Que conclus‰es podem ser tiradas'? Ela, jovem mulher moderna, letrada, "cientƒfica", filha de intelectual, acaba de descobrir uni parentesco com um santo crist„o... Mais ainda: unia verdadeira matriz gerando indefinidamente sentido em sua exist‚ncia: numa 33  palavra: uma teoria! Sandor Ferenczi, prƒncipe de todos os terapeutas, colocara o mesmo  problema, mas em termos um tanto diferentes. Em um artigo redigido em 1932, "Confus„o de lƒnguas entre adultos e a crian†a", procura analisar as raz‰es pelas quais, apesar de todos os esfor†os do psicanalista, o estado do paciente n„o melhora e algumas vezes atˆ piora. Isso, ainda que a sintomatologia que parecia alarmante fosse analisada de modo consciencioso, o que aparentemente convencia e tranqŽilizava o paciente: o resultado. que pens…vamos ser dur…vel, n„o o era entretanto, e na manh„ seguinte, o doente queixava-se novamente de urna noite horrƒvel, e a sess„o terap‚utica tornava-se uma nova repeti†„o do trauma. 34

Em vez de adotar a op†„o de Freud, que responsabiliza sempre o  paciente pelas raz‰es do fracasso da terapia, ou  pelo menos certas caracterƒsticas 34

• tiquiras do paciente", Ferenczi, por ita ~atatrlitico, Ele come†a, em primeiro lugar, atl as como todas as situa†‰es  psicoteripicns, b tala ra  b nevolŒncia e escuta que manifi stainos as paciontu M A t II  jlola "hipocrisia profissional ": it

Acolaremos educadamente o  paciente quando elas Oiti  pedimos que ele nos comunique suas aM Soel11 –•U ll,  prometemos escuta-lo coin aten†r'io e dedicar Ioda autyMU interesse a seu bem-estar e ao trabalho de elucida†tlo. '"

Essa atitude tƒpica dos terapeutas que manifestam o devotrmento d tl t1 ru le ou a severidade cheia de te rn ura de um pai a um desconhecido, e isso dokitt a r  primeira vez que se encontram, ˆ comparada por Fercnczi a um adulto epic seduz sexualmente uma crian†a. No entanto, quando se trata de sexualidade;, quando o adulto passa ao ato, ele desencadeia na crian†a uma espˆcie de brusen mudan†a de registro. Como uma fruta ainda imatura, que um  p…ssaro bicou na arvore c que ent„o come†a a apodrecer, ou seja, a amadurecer precocemente, a crian†a se engaja na compreens„o de uma l‡gica que n„o ˆ a sua, o que ˆ 1Ormulado da seguinte maneira por Ferenczi: a personalidade, ainda pouco desenvolvida, reage ao  brusco desprazer, n„o pela defesa, mas pela identifica†„o ansiosa e a introje†„o daquele que a amea†a ou agride. 37 Em outros termos, a crian†a ao sofrer o assˆdio sexual do adulto tenta compreender o acontecimento segundo a l‡gica do adulto ("a lingua dos adultos"), que Ferenczi qualifica de  passional, … diferen†a da das crian†as, que ele qualifica de "terna". Assim, se se  prop‰e a compara†„c entre o dispositivo do tratamento e a viola†„o de uma crian†a, se certos  pacientes n„o conseguem se curar, se reagem a cada sess„o como a um novo traumatismo, ˆ porque o dispositivo terap‚utico ˆ tambˆm um traumatismo: a brutal imposi†„o de urna nova l‡gica, de uma "nova lƒngua". Ferenczi deplorava esse fato e…creditava que era preciso libertar o paciente desse domƒnio.  No Œltimo ano efe sua vida, ele mesmo esfor†ou-se por encontrar os meios  para reduzir a viol‚—cia do dispositivo. Conhecemos suas experi‚ncias de an…lise mŒtua, onde ele intercalava com determinados pacientes sess‰es durante as quais ele, o analista, se instalava

convenceram-na de que aos olhos de seu pai ela deveria ser o menino que ele nunca tivera. Ali…s, o sintoma come†ou pouco ap‡s o falecimento de seu pai.  ‹ Da Puglia, foi o que a senhora disse? Levanto da poltrona e vou pegar dois livros na estante. Um • um livro de fotografias, Les noires vali•es du repentir [Os negros vales do arrependimento], o outro um cl…ssico da antropologia italiana, La ferre du remords [A terra do remorso], de Ernesto di Martino. Digo a ela:  ‹ Leia isso antes da sua pr‡xima sess„o.  Na Puglia, certas mulheres s„o mordidas pela tar”ntula, uma espˆcie de aranha mƒtica. Ainda n„o h… muito tempo, nos anos 50, os habitantes da regi„o organizavam no dia de S„o Paulo. em 28 de junho, na igreja de Galatina, um ritual que data da Antiguidade, durante o qual as mulheres possuƒdas pela tar”ntula suplicavam ao ap‡stolo33 que as livrassem de seu mal. Na semana seguinte, ela tinha devorado os dois livros, reconhecido que havia estranhas resson”ncias entre os fatos neles relatados e sua hist‡ria pessoal. Assim, n„o tinha sido uma cobra que a picara em cada um de seus sonhos de crise, mas a aranha mƒtica. O que se pode dizer a part ir daƒ'? Que conclus‰es podem ser tiradas'? Ela, jovem mulher moderna, letrada, "cientƒfica", filha de intelectual, acaba de descobrir um parentesco com um santo crist„o... Mais ainda: urna verdadeira matriz gerando indefinidamente sentido em sua exist‚ncia: numa  palavra: uma teoria! 33 Sandor Ferenczi, prƒncipe de todos os terapeutas, colocara o mesmo  problema, mas em termos um tanto diferentes. Em um artigo redigido em 1932, "Confus„o de lƒnguas entre adultos e a crian†a", procura analisar as raz‰es pelas quais, apesar de todos os esfor†os do psicanalista, o estado do paciente n„o melhora e algumas vezes atˆ piora. Isso, ainda que a sintomatologia que parecia alarmante fosse analisada de modo consciencioso, o que aparentemente convencia e tranqŽilizava o paciente: o resultado, que pens…vamos ser dur…vel, n„o o era entretanto, e na manh„ seguinte, o doente queixava-se novamente de tuna noite horrƒvel, e a sess„o terap‚utica tornava-se tuna nova repeti†„o do trauma. 34 Em vez de adotar a op†„o de Freud, que responsabiliza sempre o  paciente pelas raz‰es do fracasso da terapia, ou  pelo menos certas caracterƒsticas 34

(quicas do paciente", Fercnczi, por sua parte, tenta desmontar o dispositivo

glitico. Ele come‚a, cm primeiro lugar, notando que a situa‚ƒo psicanal€tica, lifts como todas as situa‚Šes psicotcr„picas, • mentirosa, pois a compreensƒo, ':jtonevolcncia e escuta que manifestamos ao paciente sƒo atitudes ditadas apenas `lttln "hipocrisia profissional": Acolhemos educadamente o paciente quando ele entra,  pedimos que ele nos comunique suas associa†‰es, e  prometemos escut…-lo coin aten†„o e dedicar todo nosso interesse a seu bem -estar e ao trabalho de elucida†„o. 3`'

Essa atitude t€pica dos terapeutas que manifestam o devotamento de urna tiit e ou a severidade cheia de ternura de um pai a um desconhecido, e isso desde a primeira vez que se encontram, • comparada por Ferenczi a um adulto que  N i c ln z sexualmente uma crian‚a. No entanto, quando se trata de sexualidade, quando o adulto passa ao ato, ele desencadeia na crian‚a uma esp•cie de brusca mudan‚a de registro. Como uma frita ainda imatura, que um p„ssaro bicou na ilrvorc e que entƒo come‚a a apodrecer, ou seja, a amadurecer precocemente, a crian‚a se engaja na compreensƒo de uma l†gica que nƒo • a sua, o que • formulado da seguinte maneira por Ferenczi: a personalidade, ainda pouco desenvolvida, reage ao  brusco desprazer, n„o pela defesa, mas pela identifica†„o ansiosa e a introje†„o daquele que a amea†a ou agride.37

Em outros termos, a crian‚a ao sofrer o ass•dio sexual do adulto tenta compreender o acontecimento segundo a l†gica do adulto ("a l€ngua dos adultos"), que Ferenczi qualifica de passional, ‹ diferen‚a da das crian‚as, que ele qualifica de "terna". Assim, se se propŠe a corvpara‚ƒc entre o dispositivo do Tratamento e a viola‚ƒo de uiva crian‚a, se certos pacientes nƒo conseguem se curar, se reagem a cada sessƒo como a um novo traumatismo, • porque o dispositivo terap…utico • tamb•m um traumatismo: a brutal imposi‚ƒo de urna nova l†gica, de uma "nova l€ngua". Ferenczi deplorava esse fato e acreditava que era preciso libertar o paciente desse dom€nio. No ‰ltimo ano de sua vida, ele mesmo esfor‚ou-se por encontrar os meios para reduzir a viol…ncia do dispositivo. Conhecemos suas experi…ncias de an„lise m‰tua, onde ele intercalava com determinados pacientes sessŠes durante as quais ele, o analista, se instalava

no div‡, desenvolvendo suas pr…prias associa„‰es livres diante de seu doente'`. Infelizmente, ele n‡o viveu o suficiente e, naturalmente, depois dele nenhum psicanalista teve coragem de retomar a experiŠncia. De qualquer forma, para aquilo que me interessa aqui, quero enfatizar que jƒ em 1932 Ferenczi ressaltara que a alma do dispositivo terapŠutico consistia numa modifica„‡o profunda da l…gica do paciente. de sua " lingua", e que essa modifica„‡o resultava de uma constri„‡o: que ela era imposta  violentamente pela l…gica do psicanalista, sempre percept•vel apesar das suas defesas e disfarces: "De qualquer forma, eles (os pacientes) adivinham, de modo quase extralŒcido. os pensamentos e emo„‰es do analista".'' 3) A  prescri•‚o †~

Observa•‚o n" 5:

Eis agora um paciente modelo. Na primeira vez que o vejo, ele tem cerca de trinta anos. S…lido, de forte constitui„‡o, de boa aparŠncia, arrasta em seu semblante uma esp‚cie de desespero metaf•sico. Senta-se  minha frente dando um grande suspiro... Seu pai casou com sua m‡e, fabricou-o rapidamente e se alistou como voluntƒrio na legi‡o* para servir durante cinco anos na Arg‚lia. A m‡e se divorcia no an o seguinte e confia a crian„a a seus pais. Quan do o menino completa seis anos, ela se casa novamente, leva-o com ela e vai instalar sua nova fam•lia numa outra cidade do interior. Ele lembra que jƒ nessa ‚poca o mundo lhe parecia sinistro, sem espessura. Na adolescŠncia, ele tent a u nia revolta e foge de casa. Ele quer ir ao Oriente... para a India, para Katmandou. Consegue chegar at‚ os policiais espanh…is, que telefonam para avisar seus pais. E . no entanto, ele tinha certamente tomado a dire„‡o do sul! Seu av‘ vem buscƒ-lo. Alguns anos mais tarde, ele vai para Paris, para cursar o ensinamento t‚cnico ministrado por uma grande empresa. O mu ndo continu a sinistro. Ele come„a a encontrar-se com mulheres e percebe com consterna„‡o que seu sexo ‚ independente, lunƒtico. imprevis•vel, obedecendo apenas as injun„‰es de seus sentimentos. vivendo sua pr…pria vida, por assim dizer. Sente-se cada vez mais desanimado. n‡o consegue mais praticar esportes, perde peso. Consu lta m‚dicos todo o tempo. Acabam por diagnosticar um problema orgˆnico. E ele deve passar seis meses internado n um  A legi‡o estrangeira. (N.T  ) .

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Nbttttt†rio. A€, contrariando qualquer expectativa, ele reencontra, ou melhor, 11I1M GOb re, o gosto de viver: amigos, mulheres, m•d icos... a felicidade. Ma s assim

l uc Ihe dƒo alta, a tristeza o toma novamente. Sua for‚a rec•m-adquirida se ˜lqueliiz, corno por encanto. Ele continua a se consultar e encontra um psiquiatra que !he expŠe um discurso que hoje todos conheeem: "O senhor sabe... a i kpressƒo • uma doen‚a como qualquer outra... Nƒo h„ do que se envergonhar... i Ainda mais quando hoje sabemos como trat„-la... temos a risadine em Imprimidos, o mata-tristeza em inje‚Šes, por•‡es de libido liofIligada...". Ele come‚a o tratamento e durante quinze dias encontra novamente a felicidade. Pnasada essa lua-de-mel ‡ muito freqˆente, como se sabe ‡, ele recupera nƒo somente seu desŽnimo mas tamb•m come‚a a sentir estranhas dores que passeiam por todo o corpo: a planta dos p•s, „ palma das mƒos, o peito, os iti‰sculos, e esse cansa‚o que o toma desde que acorda e que s† lhe d„ uma pequena tr•gua nas ‰ltimas duas ou tr…s horas de sono no final da noite. ’ nesse ustulo que come‚amos o tratamento. Ele associa livremente, conta sonhos, evoca su n s dificuldades no trabalho, com sua companheira... De vez em quando, proponho urna inter-preta‚ƒo. Ele pede que eu a explique, que a disseque, l… a respeito, discute seu fundamento, retorna, considera-a sensata, compreende-a. Quanto aos sintomas, nenhuma mudan‚a... E isso durante oito anos, duas vezes por semana. Sejamos claros: trata-se de um homem simp„tico, nunca entediante, aK sessŠes sƒo ricas, o material infantil surge regularmente, mas nada de cura. Iiom! Um dia, pergunto-lhe: ‡ O senhor sabe onde seu pai foi enterrado? ‡ J„ lhe disse muitas vezes que nunca conheci meu pai. ‡ 0 senhor me disse que ele tinha morrido. Algu•m deve certamente t•lo informado sobre seu falecimento. ‡ Sim! Mas nem sei onde • que ele viveu quando voltou da Arg•lia. ‡ Sem d‰vida, h„ um jeito de ficar sabendo... ‡ ’ claro! ‡ O senhor ir„ visitar seu t‰mulo... ‡ Mas por qu…? Nƒo basta falar a respeito? E. Deus sabe quanto talamos sobre isso durante todos esses an os... ‡ O senhor ir„ visitar seu t‰mulo e me trar„ um pouco da terra que o cobre..."

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 Nesse dia, ele vai embora sem dizer nada, espantado com minha  prescri†„o. Na sess„o seguinte, recome†a suas queixas, mas cala-se ap‡s alguns minutos.  ‹ Agora n„o tenho mais o direito de me queixar, pois ainda n„o fiz o que o senhor me prescreveu. Ele d… um jeito de retra†ar os passos do pai, vai ao cemitˆrio, derrete-se em l…grimas durante duas horas diante do tŒmulo desse desconhecido de quem, segundo as palavras da m„e, ele ˆ o s‡sia. Seus olhos ir„o mesmo atravessar os seis pˆs de terra e perceber„o jazendo, deformado, o cad…ver encolhido, com o  bra†o retorcido numa posi†„o que ele ir… me descrever em deialhes. Ser… preciso ainda mais de um m‚s para que ele aceite trazer-me a terra numa pequena caixa de filme fotogr…fico...  ‹ Mas o que o senhor vai fazer com isso'? Eu o olho com um sorriso... Pelo menos o senhor vai me explicar o que tudo isso significa?  claro que n„o! Desde esse dia, o vazio que ele carregava em seu peito desapareceu. Ele se sente estranhamente preenchido com algo... com qu‚?  ‹ Com meu pai? ele pergunta.  ‹ Com o senhor? Com o qu‚? ‹ E ele acrescenta:  ‹ Qual ˆ mesmo a sua? Vemos aqui que a prescri†„o ‹ e principalmente esse estranho pedido de trazer a terra ‹ contribuiu de maneira definitiva para o estabele-ci“nento de sua convic†„o de que eu disponho n„o somente de uma teoria sobre seu mal, mas de uma tˆcnica que permite a fabrica†„o de alguma espˆcie de medicamentos invisƒveis. Se ˆ verdadeiro que o processo terap‚utico, por urna espˆcie de press„o interna, leva o paciente a habitar a teoria do terapeuta corno Heidegger dizia que "o homem habita a linguagem"; se alˆm disso ˆ verdade que esse movimento constitui por si s‡ o essencial do processo de influ‚ncia terap‚utica, decorre que a ades„o do terapeuta a sua pr‡pria teoria constitui a pedra angular de todo o edificio. Para resumir em uma f‡rmula: os paciente se curam porque os terapeutas foram iniciados. Espantosa constata†„o Š qual acabamos chegando. Sem dŒvida ˆ essa a raz„o pela qual todos os estudos sobre a efic…cia das terapias, considerando-as como atividades pr‡prias, avaliando o estado do  paciente na entrada e na saƒda como se se tratasse de um medicamento," inde-

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ndentcmente dos mecanismos de ades„o dos tˆcnicos a seus pensamentos Sompre foram decepcionantes. -4 C)bservaF€o n„5

Trata-se de uma mulher mal…sia, de etnia bambara, vivendo na Fran†a ™t… 25 anos e falando perfeitamente nossa lƒngua. Dada como esposa a seu primoIrmaO que tinha sido criado na sua casa como um irm„o, pode-se dizer que, do  ponto de vista bambara, ela realizou um casamento correto.`' Acompanha seu m arido quando ele vem para a Fran†a e d…-lhe sete filhos. Eu a conhecia por j… te-la atendido, cinco anos antes. Nessa ˆpoca, muito infeliz no casamento, ela se queixava principalmente por seu marido manter urna rela†„o amorosa com uma rohrinha que se hospedava na casa deles. Na ˆpoca, aconselhei-a ir a Mali solicitar um conselho de famƒlia, para que esses problemas pudessem ser amplamente discutidos, como • costume em sua etnia. Quando volto a atend‚-la elnco anos depois, ela me informa que tinha ido atˆ Mali, mas que nenhum tipo de solu†„o havia sido encontrada. Ao voltar para a Fran†a, vigorosamente apoiada por assistentes sociais, evidentemente feministas, ela se divorciou dois anus mais tarde e, contra qualquer expectativa ‹ j… que o juiz tambˆm era urna mulher ‹, o marido conservou o apa rtamento e conseguiu a guarda dos cinco  primeiros filhos, assim como dos dois Œltimos ‹ estes apenas atˆ que ela encontrasse um lugar para morar. Portanto, h… apenas seis meses Fatoumatou e t)ury vieram morar com ela.  a pa rtir de ent„o que ela se queixa de um agravamento de seus problemas: dores na barriga, na cabe†a, febres incompreensƒveis e principalmente pesadelos que a assaltam todas as noites. Ela conta tr‚s, com urna precis„o fotogr…fica.  ‹ Vim para que voc‚ me diga o significado desses sonhos ‹ ela me anuncia logo de inƒcio...  No Œltimo, sente dores na barriga que lhe parecem ainda muito mais angustiantes que na realidade. Na verdade, ela reconhece essas dores. S„o as de  parto. Sua m„e leva-a em plena noite atˆ um curandeiro. Ela passa diante do  pil„o usado para socar milho. Senta-se numa cadeira, e um assistente do curandeiro come†a a envolver seu ventre com um triplo fio de l„. Ela sente certa melhora por algum tempo, mas as dores voltam. Deitam-na primeiro do lado direito, as dores persistem... sobre o lado esquerdo... a mesma coisa. Ela sente

chegarem as primeiras contra†‰es... cada vcz mais fortes... e d… … luz... `Prata-se de uni cachorrinho preto, todo molhado... Foi isso que nasceu dela... 0 animal ergue-se imediatamente sobre as pernas e vai mordiscar as pernas de sua m„e... Ela o expulsa violentamente, atirando-lhe pedras.  esse o sonho que a intriga tanto. A qual universo de interpreta†„o ela ir… vincul…-lo? Devo dizer que o exercƒcio de nosso oficio por vezes provoca vertigens diante da import”ncia da responsabilidade que assumimos pelo simples fato de falar... Digo:  ‹ Entre os  Bambara,  por ocasi„o de certas inicia†‰es, sacrifica-se um cachorro, a senhora sabia? -  N„o! N„o sabia disso. Sei que outras ra†as comem cachorro ‹ os  Mandenka,  por exemplo ‹ mas n„o n‡s!... • preciso dizer que para as inicia†‰es, eu n„o sei...  ‹ As pessoas v„o para a floresta Š noite, e ent„o se sacrifica o c„o... Aquele que vai ser iniciado come a cabe†a... a senhora n„o sabe disso?  N„o, n„o, eu n„o sei!  ‹ Eu pensava que quando a senhora tinha quatorze anos, a sua m„e n„o gostava porque a senhora via coisas demais... a senhora era como urna vidente...  ‹  verdade! Eu cheguei a cair doente por causa disso. Uma vez, vi num sonho que meu pai tinha que sacrificar um carneiro branco. Contei a ele, que n„o deu nenhuma import”ncia a minha vis„o. No dia seguinte, saƒmos de carro. Eu estava sentada no banco da frente, do lado dele. Um velha atravessou a rua; ele n„o conseguiu frear. Ele a atropelou, quebrou sua perna. Foi depois disso que fiquei doente.  ‹ A senhora foi tratada?  ‹ Nessa ocasi„o minha m„e me deu algumas ervas...  ‹ Para fechar seus olhos?  ‹  N„o sei... N„o sei... Mas eu nunca queria usar essas prote†‰es... Eu as perdia sempre... Unia vez, cheguei mesmo a jog…-las na privada. Mas minha m„e percebeu imediatamente. Ela me perguntou: "Onde foi que voc‚ colocou seus amuletos?".  ‹  esse o sentido do sonho. N‡s podemos resumi-lo apenas com essa frase. Daqui para a frente a senhora j… cumpriu seu trabalho de mulher. Agora chegou a hora de abrir seus olhos. A senhora entende o que estou dizendo?  ‹ Perfeitamente... 40

 No verao seguinte ela partiu para se iniciar em seu pais. Minha interpreta†„o do sonho preenche perfeitamente as duas condi†‰es wit Incindas previamente: l, ) ela rne elege como especialista de seu mal e 2) desqualifica a interpreta†„o espont”nea da doente, interpreta†„o que  poderia ser resumida da seguinte maneira: "meu marido, furioso com o div‡rcio, me enfeiti†ou ao ponto de me engravidar de um animal diab‡lico".  Notemos de  passagem que se nos entricheir…ssemos numa an…lise dos iimbolos, as duas interpreta†‰es seriam igualmente plausƒveis, pois entre os Nr nbora, como por toda a šfrica, o cachorro ˆ geralmente percebido como um animal diab‡lico, ou melhor, como podendo ser a metamorfose de um feiticeiro canibal. Desse ponto de vista, sua interpreta†„o ˆ correta. No entanto, o c„o inrnbˆm ˆ o animal do sacrificio das inicia†‰es complexas e, desse ponto de vista, n minha ˆ tambˆm completamente aceit…vel.`'' N„o ˆ portanto o conteŒdo da mterprcta†„o que importa, mas o processo que ela desencadeia, for†ando o  paciente a vir ao encontro da teoria do terapeuta ‹ e portanto do grupo ao qual ˆ afiliado.

 No entanto, a matriz secreta Š qual remeti a paciente n„o c aquela wnnpartilhada por um grupo de cientistas especialistas em manipula†„o de ratos ou cm complexas misturas de molˆculas. 0 lugar secreto, esse mundo que nenhum humano pode habitar, e o universo dos invisƒveis da inicia†„o bambara. Ap‡s minha interpreta†„o, ela n„o ter… outra saƒda sen„o se interrogar sobre a conex„o entre eu e a inicia†„o bambara. Eu mesmo fui iniciado ou n„o? Na šfrica? Talvez em Mali, ja que conhe†o t„o bem o paƒs? entre os Bambara ou, ent„o, mais rude ainda, entre os Dogons, ou quem sabe, talvez, entre outros  povos mais longƒnquos sobre os quais se diz que s„o ainda mais fortes na aliva†„o de fetiches... De qualquer forma, posso agora acrescentar uma precis„o Šs  proposi†‰es precedentes:

Terceira proposi†„o:  para que o universo te‡rico do dispositivo  possa  permanecer secreto, para que ele constitua o  p‡lo magnetizador do conjunto do  processo de fratura do sujeito, ele deve imperiosamente remeter a um universo n„o suscetƒvel de ser habitado pelos humanos.

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Qualquer outro mecanismo de  preserva†„o do segredo do terapeuta, tal corno a linguagem esotˆrica dos lacanianos, a  pa rticipa†„o cm sociedades semisecretas corno era antigamente a Societe Psychanalytique de Paris, a prote†„o da  profiss„o  pelas c…tedras, "c‡digos de deontologia" ou "defesa do tƒtulo de  psic‡logo" ˆ necessariamente um dia ou outro devastado pelo paciente.

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H…. alguns meses, nos encontramos com Lucien Hounkpatin em Abomey  para urna pesquisa sobre os dispositivos terapˆuticos do Benin. 43 Convers…vamos com um grupo de curandeiros locais. Os mais jovens se vangloriavam dos segredos de que dispunham e exibiam seu sucessos terapˆuticos, exatamente como os jovens  psiquiatras e os  jovens  psic‡logos que por vezes encontramos em Paris. Mas o velho, seu decano, n„o falava. Ele ficava num canto, com um sorriso enigm…tico no canto dos l…bios. Acabamos por  perguntar-lhe: "E o

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senhor, congo faz para tratar dos loucos'?" Ele nos respondeu simplesmente: "Para tratar, eu n„o fa†o nada...ˆ o fetiche que faz tudo!".

I. Dc acordo com as  palavras dc Stefan Zweig,  La gu•rison par 1'esprit: Mesmer,  Mary Baker-Eddy, Freud, Paris, Stock, 1978. 2. Freud fez um consider…vel esfor†o te‡rico para atribuir "psique" um estatuto cientƒfico. O termo n„o designa uni "‡rg„o", mas uma fun†„o, "o aparelho  psƒquico" que ele define, a exemplo dos aparelhos respirat‡rio ou digestivo, a partir dos serv i†os prestados ao organismo. Segundo ele, o aparelho psƒquico torna-se um administrador de representa†‰es fabricadas na interface com a vida real. Seu trabalho consiste em transformar qualquer acontecimento que ocorra no indivƒduo em representa‚†es que em seguida  poder„o ser consideradas como se tivessem sido  produzidas  pelo aparelho e tratadas como tais. Para Freud,  portanto, o aparelho  psƒquico ˆ uma simples m…quina que  produz material psƒquico. Cf. Freud, 1911, ' Formulations sur les dcux principes du cours des ˆvˆnements psychiques", in:  R•sultats, id•es, probl•nres, Paris. PUF, 1984. 3.

Com estranhas teorias da a†„o do espƒrito sobre o corpo...

4. Sim, se quisermos reservar a palavra "terap‚utica" unicamente  para as terap‚uticas mˆdicas e paramˆdicas, ou seja, para a maioria dos tipos de cuidado e tratamento. 5. Verdadeiro  programa de pesquisa de Marcel Mauss. Cf especialmente seus trabalimos sobre a magia, o sacrificio, a reza. sobre os efeitos das palavras de feiti†aria etc.

…. E n„o apenas nos paƒses do Terceiro-Mundo. ao contr…rio do que por vezes se afirma. 7. 1. Stenghers, La volont• de faire science, Paris, Les emp‚cheurs de penser en ronde, 1992. 8. Por que ent„o n„o adotar um novo'?, seria possƒvel pergutar. O argumento ˆ pertinente. No entanto, conse rvemos o antigo enquanto ele nos evoca as longƒnquas realidades compar…veis.

9. Quando proponho se englobem no mesmo ofƒcio os "modificadores" de pessoas,

de famƒlias ‹ e isso em todas as situa†‰es locais: famƒlia nuclear, ampliada ou mesmo verdadeira etnia como por vezes se encontra na šfrica ‹ e de situa†‰es, ˆ de novo para levar em conta o ponto de vista dos usu…rios que. quase sempre, consideram estar lidando com o mesmo tipo de pessoas quando se preocupam com uma crian†a que n„o consegue passar de ano, com uma av‡ que come†a a ficar gag… ou com uma sˆrie de panes que seu trator sofreu.

43

10.

Descri†‰es do inconsciente c dc suas leis, do esp‡rito c dc seus modos dc resolu†„o dc problemas, dos afetos, de sua natureza.

11.

Para urna an…lise aprofundada de tun desses sistemas terap‚uticos, Cf. Piault C. (ed.)  Proph•lisme et therapeu/ique. Albert ,I (cho el sa conninunaul• de Bregho, Paris, Hermann, 1975. e,  Le ('hrislianisme ('•leste, Cf.  Tobie Nathan c Lucien Hou kpatin,  La parole de la,for•t iaitiale, Paris, Odile Jacob, 1996.

12.

Pela l‡gica. essas terapias deveriam ser chamadas de "ˆtnicas" e n„o "tradicionais", mas levando cm conta as conota†‰es pejorativas do termo "ˆtnico" em franc‚s, vou utilizar no texto o termo "tradicional", e isso apesar do fato que elas tambˆm se encontram em perpˆtua evolu†„o e sabem adaptar-se a novas realidades clƒnicas.

13.

I. Stenghers, "Le m‚decin et le charlatan". in:  AL•decins et sorciers, Paris, Les empŠcheurs de penser en ronde, 1995.

14.

 assim que deve ser compreendida a cˆlebre met…fora do ouro e do chumbo: "Tudo leva a crer que, dada a maci†a aplica†„o de nossa terap‚utica. seremos obrigados a misturar ao ouro puro da an…lise uma quantidade consider…vel do chumbo da sugest„o direta". Freud, "Les voies nouvelles dc la thˆrapeutique  psychanalytiquc" in  La technique p,cvchanalvlique, Paris, PUF. 1970, p. 141.

15.

Cf., por exemplo, F. Roustang, Continent faire rire un paranolaque, Paris, Odile  Jacob, 1996.

16.

Lˆvi-Strauss, "Le sorcier et sa magic" in  Anthropologic structurale , Paris, Plou, 1958, d… um exemplo que se tornou cˆlebre. Mas os trabalhos de campo realizados.  por exemplo, na šf ri ca (Costa do Marfim, Congo) mostram inŒmeros exemplos similares.

17.

Por exemplo, nos pequenos bosques normandos. Jeanne Favret-Saada,  Les mots, la nnort, les sorts, Paris, Gallimard. e  para una discuss„o mais geral: Tobie Nathan. "Manifeste pour une psychopathologic scientifique"en T. Nathan c I. Stenghers.  M•dicins et sorciers, Les empŠcheurs de penser en road, 1995.

18.

Ph. Pignarre,  Les deux medecines. Paris, La D‚couverte, 1994.

19.

0 que Winnicott j… notara, como mostram seus conselhos aos analistas no sentido de que falem sempre durante as sess‰es,  para impedir que os pacientes  pensem que eles s„o oniscientes. De la p•diairie ˆ la psvchanalvse, Paris, Payot, 1975.

20. Como Ferenczi assinalou com tanta fineza em seu cˆlebre artigo: "A confus„o de lƒnguas entre pais e filhos", publica†„o p‡stuma (1932).

44

21 tinia an…lise desse tipo de  processo Sc encontra em T. Nathan, "L'in1huenee thˆrapcutique: f‚te Š t‚te ou conflit de theories", in:  Nouvelle revue d'ethnopsvchiatrie, n 30, pp. 81-91. 22. Assim, n„o

se pode

a priori

contest…-lo, pois ele se refere a suas pr‡prias

observa†‰es clƒnicas.

Mesmo para Georges Devereux, que no entanto conhecia muito bem os complexos  procedimentos mobilizados pelas terap‚uticas tradicionais (ver, por exemplo. sua obra  Ethnopsychiatrie des Indiens Alohaves). o  xam€ s‡ tem a†„o paliativa  ‹ nunca  propriamente "terap‚utica". Cf. G. Devereux,  Essais d'ethnop.svchiatrie  g•n•rale, Paris, Gallienard, 1970: G. Devereux,  Ethnop.wchiatrie des  Indiens  Adohaves, Paris. Les emp‚cheurs de penser en rond. 1996.

?3,

24. 0 que constitui o erro metodol‡gico de todas as teorias "eruditas". 25. R‡heim ressaltava, desde 1943 (Origine et fanction de la culture. Paris, Gallimard. 1967). que o ofƒcio de curandeiro deveria ser considerado como o mais velho do inundo..

26.  Notemos que tal teoria seria tambˆm a Œnica a respeitar do interior as l‡gicas de

funcionamento das terapias n„o-ocidentais. 27. Sempre visando exportar as suas. 28. Essa defini†„o  permite incluir toda uma gama de a†‰es  psicoterap‚uticas: a do mˆdico biologista, mas tambˆm as do advogado ou do contador que freqŽentemente  procedem da mesma maneira que o terapeuta.

29. Conforme a feliz terminologia de Patricia Sutter. No original "abnityl" e "idioton" (N.T.). 30. Decorre daƒ que a pr…tica lacaniana das sess‰es interrompidas impede a pr…tica desse tipo de interpreta†„o. Como interromper uma sess„o que n„o possui nenhuma dura†„o? 31.

Sociedade Psicanalƒtica de Paris.

32.

Sem dŒvida porque S„o Paulo tambˆm "caƒa", sofrendo de crises epilcptiformes.

33.

 Nesse caso. foi portanto o emprˆstimo dos livros que se - mostrou como a interpreta†„o. 45

34, Fcrenczi, 1932, p. 126. 35.

 num texto tratando tambˆm dos fracassos da psican…lise: [An…lise terminada, an…lise intermin…vell "Analyse terminˆe, analyse interminable" ‹ belo tƒtulo que,  por raz‰es de pretensa pureza de tradu†„o, foi substituƒdo nas edi†‰es mais recentes  por um galimatias mais ou menos compreensƒvel: lAn…lise coin fim e an…lise sem fim] "L'analyse avec fin et l'analyse sans fin" em S. Freud, Rˆsultats, idˆes,  prohlˆmes, tomo II, Paris. PUF, 1985, pp. 230-68.

36. Ferenczi, S. op. cit.,p. 127 37.

Ferenczi, op. cit., p. 131. Sublinhado pelo autor.

38.

Ferenczi, Journal Clinique.

39.

Ferenczi, op. cit., p. 129.

40. Herman, 1984, 1986; Guerin, 1984. 41.

Sobre a l‡gica do casamento banrhara, Cf T. Nathan, Fier de n 'avoir ni pays ni ands, quelle sottise c'ˆtait... [Sentir -se orgulhoso por n„o ter nem paƒs nem amigos, que grande bobagem...1.

42.  Na verdade, um pouco mais aceit…vel que a sua, pois nos tempos primordiais, tendo seguido a circuncis„o e as excis„o dos primeiros seres humanos, a mulher original, Mousso Koroni copulou com um c„o e o homem inicial. Pemba, com uma jumenta: "...enquanto Mousso Koroni passava todo seu tempo em companhia de um grande cachorro que ela tinha aprisionado alimentando-o com grandes ossos, Pemba, por sua vez, n„o parava de correr atr…s de uma jumenta... Dc suas rela†‰es com esses animais nasceram dois monstros: o morcego, ser que n„o ˆ nem cachorro nem  p…ssaro, e o beli.vi, espˆcie de dem‘nio com grandes cabe†as mŒltiplas que n„o ˆ nem homem nem animal". Yossouf Cissˆ, "Le sacrifice chez les Bambaras et les Malinke". C'ahiers svstˆnres de pensˆe en Afrique noire, nƒ 5, 1981, p. 47.

43. Tobie Nathan, Lucien Hounkpatin, Jacob, 1996.

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La parole de la forˆt initiate,

Paris, Odile

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