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Procedimentos técnicos de tradução _ Uma proposta de reformulação Rafael Lanzetti, Danielle Bessa, FabianaGuedes, Rosana de Freitas e Vinicius Cruz de Moura Resumo: Este artigo apresenta uma nova tabela de procedimentos técnicos de tradução, recategorizada e ampliada, a partir das propostas de Barbosa (1990) e de Lanzetti (2006). Nesta tabela, os procedimentos foram categorizados de acordo com os paradigmas schleiermacherianos de tradução estrangeirizadora e domesticadora (2001ª e b). Com base nessa recategorização, redefinimos os procedimentos técnicos de tradução e incluimos outros a partir da análise de traduções selecionadas, feitas por alunos e profissionais de tradução ao longo de dois anos, de 2006 a 2008. Palavras-chave: tradução, procedimentos técnicos, Schleiermacher Este artigo tem por objetivo apresentar uma proposta de reformulação, recategorização e ampliação da tabela de procedimentos técnicos de tradução compilada por Heloisa Barbosa em seu livro Procedimentos técnicos de tradução: uma nova proposta de 1990. Procedimentos técnicos de tradução são, segundo Barbosa (1990: 17), “ações de cunho lingüístico e técnico praticadas por tradutores a fim de realizar pragmaticamente o processo de tradução”. Em seu livro, Barbosa faz um levantamento dos modelos de procedimentos tradutórios de VinayDarbelnet (1977), Nida (1964 e 1966), Catford (1965), Vázquez-Ayora (1977) e Newmark (1981). A partir desses modelos, Barbosa compila sua própria proposta de como traduzir a partir de um quadro de categorização dos procedimentos técnicos, pois, segundo a autora, “devido às discrepâncias entre os modelos descritivos de procedimentos técnicos da tradução e à divergência terminológica entre eles, é necessário propor-se uma nova caracterização de tais procedimentos” (BARBOSA, 1990: 63). Esse quadro é reproduzido a seguir:
Tabela 1: Proposta de categorização dos procedimentos técnicos da tradução Convergência do sistema lingüístico, do Estilo e da Realidade Extralingüística
Divergência do sistema lingüístico
Divergência do Estilo
Divergência da realidade extralingüística
Tradução palavra-porpalavra Tradução literal Transposição Modulação Equivalência Omissão VS Explicitação Compensação Reconstrução Melhorias Transferência Transferência com explicação Decalque Explicação Adaptação (BARBOSA, 1990: 93)
No entanto, pode ser difícil estabelecer fronteiras entre os procedimentos técnicos da tradução, uma vez que um procedimento pode requerer outro, ser mesclado com um terceiro, ou mesmo ser conseqüência de um quarto. Talvez, na atividade tradutória, alguns dos procedimentos e estratégias que os sujeitos utilizam não façam parte dessas categorizações. Algumas vezes, os procedimentos e estratégias podem aparecer acoplados uns aos outros, e seria difícil dizer onde termina um e começa outro, ou qual deles está numa posição superior na hierarquia de uma determinada ação. A fim de ampliar o leque de procedimentos, recategorizá-los e definilos com mais especificidade, Lanzetti (2006) propõe uma nova tabela, apresentada a seguir. 1. 1. Nova Tabela de Procedimentos Técnicos de Tradução Lanzetti decidiu, a partir dos paradigmas tradutórios schleiermacherianos (SCHLEIERMACHER, 2001b), dividir os procedimentos em duas categorias principais – procedimentos estrangeirizadores e procedimentos domesticadores. Os procedimentos estrangeirizadores aproximam o texto de chegada do texto original através do recurso de manutenção de itens lexicais, estruturas e estilo. Os procedimentos domesticadores afastam o texto de chegada do texto original, aproximando a tradução das estruturas linguísticas e da realidade extratextual da língua e da sociedade-alvo. A seguir, apresentamos a tabela e descrevemos cada um dos procedimentos categorizados: Tabela 2: Procedimentos técnicos de tradução – Reformulação proposta por Rafael Lanzetti (2006) 1. Categorias de procedimentos
1. 1. Estrangeirizadores 2. Domesticadores 1. 1. Procedimentos estrangeirizadores 1. Tradução palavra-por-palavra 2. Manutenção 1. de itens lexicais do texto-fonte (empréstimo) 1. sem aclimatação (empréstimo direto) 2. com aclimatação (aportuguesamento) 3. decalque 4. hibridismo 2. de estruturas sintáticas do texto-fonte 1. manutenção da ordem dos elementos sintáticos 3. do estilo do texto-fonte 1. 1. manutenção do uso de sinais de pontuação 2. manutenção do registro 3. manutenção do layout 4. manutenção do uso de voz passiva/voz ativa 5. manutenção do uso de coordenação/subordinação 6. manutenção do uso de marcadores do discurso 7. manutenção do uso de referências (endóforas/exóforas) 8. manutenção da adjetivação
9. manutenção da complexidade/fluidez estilística 4. de itens culturais da cultura-fonte 2. Prodedimentos domesticadores 1. Domesticação do sistema linguístico 1. Transposição 2. Modulação 3. Equivalência 1. de expressões idiomáticas, ditados, provérbios etc. 2. funcional 4. Sinonímia 5. Paráfrase 2. Domesticação do estilo 1. Omissão 2. Explicitação 3. Generalização (uso de hiperônimo) 4. Especificação (uso de hipônimo) 5. Compensação 1. Ibidem 2. Alibi 6. Reconstrução 1. sintática 2. semântica 7. Equivalência estilística (melhoria) 8. Mudança de registro 9. Mudança de complexidade/fluidez estilística 10. Adaptação 3. Domesticação da realidade extra-linguística
1. Transferência 2. Explicação 1. intratextual (entre parênteses, entre vírgulas etc.) 2. pára-textual (notas do tradutor, prefácio etc.) 3. Ilustração 1.2 Descrição dos procedimentos estrangeirizadores Os procedimentos estrangeirizadores são dois, a saber: tradução palavrapor-palavra e manutenção. A tradução palavra-por-palavra pressupõe que o texto de chegada terá o mesmo número de palavras do texto original, obrigatoriamente na mesma ordem sintática. Ex.: She went to the supermarket yesterday. Ela foi ao supermercado ontem. Neste exemplo, embora o número de palavras não seja o mesmo na tradução, por conta da contração da preposição e do artigo definido, o procedimento empregado foi a tradução palavra-por-palavra. Esse procedimento é utilizado todas as vezes em que o texto original não apresenta nenhuma dificuldade tradutória lexical, estrutural ou cultural e sua tradução pode ser feita sem nenhuma alteração lexical, sintática ou extratextual. Embora a tradução palavra-por-palavra tenha ganhado conotações pejorativas ao longo da evolução da teoria da tradução, esse procedimento é utilizado em larga escala, principalmente em textos técnicos por conta de sua simplicidade sintática e consequente universalização estrutural.
A manutenção, denominada anteriormente por outros autores tradução literal, é subdividida em quatro subcategorias: manutenção de itens lexicais do texto-fonte, manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte, manutenção do estilo do texto-fonte e manutenção de itens culturas da cultura-fonte. A manutenção de itens lexicais do texto-fonte, também conhecida como empréstimo, ocorre quando o tradutor decide manter, no texto de chegada, um item lexical da língua-fonte. O empréstimo pode ser feito sem aclimatação ortográfica quando, por exemplo, o tradutor decide manter a palavra feedback no texto de chegada em português; ou com aclimatação, quando palavras estrangeiras adquirem nova forma ortográfica condizente com o sistema fonético-ortográfico da língua de chegada. Ex.: New York > Nova Iorque, whisky > uísque, football > futebol. O empréstimo pode ainda ser feito por decalque, em que os morfemas formadores da palavra na língua-fonte são traduzidos para a língua de chegada (ex.: skyscraper > arranha-céus, hi-fi > alta fidelidade, science-fiction > ficção científica), e por hibridismo, em que um neologismo é formado a partir de morfemas lexicais de duas ou mais línguas diferentes (ex.: iceberg, do ing. ice, gelo + alem. Berg, montanha; e agricultura, do gre. ager, campo + lat. cultura). A manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte é utilizada quando tais estruturas ou ordens sintáticas da língua-fonte coincidem com a estrutura ou a ordem sintática da língua-alvo. Ex.: Long time no see you! Há quanto tempo não vejo você! Neste exemplo, o número de palavras do texto-alvo não é o mesmo do texto-fonte, portanto o procedimento não pode ser caracterizado como tradução palavra-por-palavra. No entanto, a ordem estrutural permaneceu a
mesma. No texto-fonte temos [adj. adv. de tempo] + [adj. adv. de negação] + [verbo na 1ª pess. do sing.] + [obj. direto], exatamente a mesma estrutura do texto de chegada. No procedimento de manutenção do estilo do texto-fonte, podem ser mantidos os sinais de pontuação do texto-fonte, o registro (formal, neutro, informal), o layout (disposição gráfica dos elementos do texto na página), a frequência de uso da voz passiva e/ou da voz ativa, o uso de coordenações e/ou subordinações, o uso de marcadores do discurso (certo, agora, veja bem, entende, quero dizer, dentre outros), o uso de referências dêiticas (intratextuais, ou endóforas) através de pronomes dêiticos, sinonímia e substituição lexical, e referências exóforas (cujos referentes não estejam presentes no texto); o uso de adjetivação e a complexidade ou fluidez estilística com que o texto-original tenha sido escrito. Na manutenção de itens culturais da cultura-fonte, o tradutor decide reproduzir o item cultural do texto-fonte no texto de chegada sem nenhuma explicação ou explicitação. Isso ocorre principalmente quando o tradutor julga que o item cultural presente no texto-fonte é compreensível ao público-leitor do texto de chegada. 1.3 Descrição dos procedimentos domesticadores 1.3.1 Domesticação do sistema lingüístico Os procedimentos de domesticação do sistema linguístico pressupõem mudanças na estrutura do texto-fonte ao traduzi-lo à língua-alvo para que se adeque à estrutura sintática e lexical da língua de chegada. 1.3.1.1 Transposição
Transposição é a mudança da ordem sintática de um ou dois elementos sintáticos do texto-fonte. Ocorre por razões de obrigatoriedade sintática ou pragmática da língua de chegada. Ex. 1: Rick is a very tall man. Rick é um homem muito alto. Neste exemplo, o sintagma nominal [very tall] foi transposto da posição anterior ao núcleo do sujeito no texto original para a posição posterior ao núcleo do sujeito no texto de chegada. Aqui, a transposição é pragmaticamente obrigatória, já que a sentença [Rick é um muito alto homem] seria apragmática. Ex. 2: German scientists discovered a new type of stem-cell on Friday. Na sexta-feira, cientistas alemães descobriram um novo tipo de célula-tronco. Neste exemplo, a transposição do adjunto adverbial de tempo do fim da sentença no texto-fonte para o início da sentença no texto-alvo não era obrigatória. No entanto, a partir de observações de textos jornalísticos, parece que, em português do Brasil, prefere-se colocar os adjuntos adverbiais de tempo e lugar no início das sentenças, ao contrário do inglês americano, em que os adjuntos adverbiais aparecem com mais frequência no final das sentenças. 1.3.1.2 Modulação A modulação ocorre quando a palavra do texto-fonte muda de classe gramatical ao ser traduzida para a língua-alvo. Ex. 1: Introducing the concept of gene. Introdução ao conceito de gene.
Neste exemplo, a palavra [introducing], um verbo no gerúndio, é modulada para um substantivo na língua de chegada. A modulação também ocorre quando um verbo no gerúndio é traduzido para o infinitivo ou vice-versa. Ex. 2: Connecting the cables. Como conectar os cabos. 1.3.1.3 Equivalência O procedimento de equivalência é dividido em duas subcategorias – equivalência de expressões idiomáticas, ditados e provérbios; e equivalência funcional. A equivalência de expressões idiomáticas, ditados e provérbios ocorre quando há, na língua de chegada, uma expressão idiomática, ditado ou provérbio com o mesmo valor semântico e que use os mesmos símbolos ou alusões da expressão idiomática da língua-fonte. Ex. 1: Not all that glitters is gold. Nem tudo que reluz é ouro. Ex. 2: Better late than never. Antes tarde que nunca. Ex. 3: Can you give me a hand? Você pode me dar uma mão? Nos dois primeiros exemplos, provérbios populares ingleses foram traduzidos pelos correspondentes na língua portuguesa, que utilizam os mesmos símbolos e possuem o mesmo valor semântico dos provérbios da língua-fonte. No exemplo 3, a expressão idiomática [to give a hand] foi
traduzida pela sua correspondente em português, que utiliza igualmente o mesmo referente [mão] e possui o mesmo valor semântico. A equivalência funcional ocorre quando a expressão idiomática, provérbio ou ditado da língua-fonte não possui correspondente na língua-alvo com os mesmos símbolos e referentes, mas utiliza outros para chegar ao mesmo valor semântico. Possuem, portanto, a mesma função semântica. Ex. 4: The one who sleeps with dogs wakes up with fleas. Quem se junta aos porcos, farelo come. Ex. 5: The squeeky wheel gets the grease. Quem não chora não mama. No exemplo 4, o ditado popular foi traduzido por outro com a mesma estrutura lógico-sintática, porém com outros referentes. No exemplo 5, o ditado traduzido por equivalência funcional não possui a mesma estrutura sintática, mas expressa o mesmo valor semântico-funcional. 1.3.1.4 Sinonímia A sinonímia é utilizada quando o tradutor traduz um elemento lexical do texto-fonte por um sinônimo na língua-alvo. Ex. 1: My uncle used to play the accordion we he was young. Meu tio tocava sanfona quando era jovem. Neste exemplo, o tradutor decidiu utilizar um sinônimo para [accordion], sanfona, no lugar de acordeon. Ex. 2: Chelsea won the championship on the last round. O Chelsea venceu o certame na última rodada.
Neste exemplo, o tradutor decidiu utilizar o sinônimo certame no lugar da tradução imediata para championship, campeonato. 1.3.1.5 Paráfrase A tradução por paráfrase ocorre quando o tradutor decide utilizar estruturas mais longas e menos diretas para expressar, no texto-alvo, elementos do texto-fonte. O eufemismo geralmente é construído a partir de paráfrases. Ex. 1: In my opinion, the President lied about the corruption scandal. Na minha opinião, o presidente faltou com a verdade em relação ao escândalo de corrupção. Neste exemplo, o tradutor decidiu usar uma estrutura parafrástica eufemística para expressar o verbo [to lie] do texto-fonte. A paráfrase também ocorre quando uma estrutura sintática da línguafonte precisa ser traduzida por uma estrutura mais longa na língua-alvo. Ex. 2: How proficient are you in Chinese? Como você avalia seu grau de proficiência em chinês? Aqui o tradutor utilizou uma estrutura parafrástica, portanto mais longa, para expressar o mesmo valor semântico da estrutura sintética da línguafonte. 1.3.2 Domesticação do estilo Os procedimentos de domesticação do estilo pressupõem mudanças na estrutura estilística do texto-fonte para que se adeque à estrutura estilísticopragmática da língua-alvo.
1.3.2.1 Omissão A omissão é utilizada quando o tradutor decide não traduzir para o textoalvo algum item lexical ou estrutura do texto-fonte. Ex.: Capoeira, an interesting blend of dance and martial arts, is facing gradual revival in Brazil. A capoeira está passando por uma gradual revitalização no Brasil. Aqui o tradutor decidiu omitir o aposto relacionado à capoeira no texto-alvo, talvez por considerar que o público-leitor do texto traduzido não necessitava da explicação dada no texto-fonte. 1.3.2.2 Explicitação O procedimento de explicitação é utilizando quando o tradutor decide acrescer ao texto-alvo alguma informação não expressa no texto-fonte. Ex.: The IRS may collect over 2 billion dollars in taxes this year. Este ano, a Receita americana deve arrecadar mais de 2 bilhões de dólares em impostos. Neste exemplo, o tradutor decidiu explicitar a informação de que se tratava da Receita dos Estados Unidos, já que tal informação, subentendida no texto original, daria a impressão, no texto-alvo, de que se tratava da Receita Federal brasileira. Ex. 2: Elite Squad was the Golden Bear Award-Winner in 2008. O filme Tropa de Elite foi o vencedor do Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim em 2008. Neste exemplo, o tradutor explicitou o item lexical filme e a informação de que o prêmio foi concedido no Festival de Cinema de Berlim.
1.3.2.3 Generalização e especificação Os procedimentos de generalização e especificação ocorrem quando o tradutor utiliza, para traduzir um determinado item lexical do texto-fonte, hiperônimos e hipônimos, respectivamente. Ex. 1: When I opened the door, my palmtop was not there anymore. Quando abri a porta, meu computador não estava mais lá. Neste exemplbo, o tradutor utilizou generalização do termo palmtop, pois usou o hiperônimo computador. Ex. 2: The famous Brazilian “farofa” is made with fried flour and sausages. A famosa farofa brasileira é feita com farinha de mandioca e linguiça. Aqui o tradutor decidiu especificar o tipo de farinha utilizada através de um hipônimo, farinha de mandioca. O uso desse recurso pode ter ocorrido porque o tradutor, de posse da informação que faltava no texto-fonte, considerou que era seu dever incluí-la no texto-alvo. 1.3.2.4 Compensação Compensação é a tentativa, por parte do tradutor, de utilizar o mesmo recurso estilístico usado no texto-original, porém com referentes ou símbolos diferentes. A compensação é ibidem quando ocorre no mesmo lugar (parágrafo ou período) onde o recurso estilístico reproduzido do textooriginal se encontra; e alibi quando o tradutor, vendo-se impossibilitado de reproduzir o mesmo recurso estilístico do texto-original no mesmo lugar em que aparece, decide fazê-lo em outro parágrafo ou outro período do textoalvo. A compensação é utilizada geralmente quando há, no texto-fonte, incidências de jogos de palavras, rimas e anedotas.
Ex.: “You sit here and car.” “OK, what kind of car am I?” “A 280-Zit.” “Você fica aqui e finge que é um carro” “Tá certo, e que tipo de carro eu sou?” “Um Mercedes Classe A-cne.” No diálogo acima, retirado de um filme de comédia americano, dois irmãos estavam conversando sobre a promissora carreira de modelo de Kate, a irmã. A menina queria treinar para o próximo trabalho que iria realizar, o de modelo numa exposição de automóveis. Para tanto, ela pede que o irmão finja ser um carro (…you sit here and car.), a fim de que possa fazer as poses de modelo. O irmão adolescente pergunta a Kate que tipo de carro ele seria, ao que ela responde 280-Zit, uma alusão ao Datsun 280Z, um carro luxuoso conhecido do público norte-americano, acrescido do jogo de palavra [Z zit], uma alusão ao fato de o irmão ser um adolescente cheio de acnes. Ao traduzir, o tradutor, vendo-se impossibilitado de usar o mesmo referente para produzir o jogo de palavras, decidiu usar o Mercedes Classe-A, um carro igualmente luxuoso e conhecido do público-leitor brasileiro, com o qual poderia construir a polissemia utilizando a palavra acne, mantendo assim a comicidade do texto original. 1.3.2.5 Reconstrução O procedimento de reconstrução pressupõe mudanças na ordem sintática e na estrutura estilística de toda a sentença (reconstrução sintática) ou na estrutura lógico-semântica da sentença (reconstrução semântica) a fim de manter o valor semântico do texto-fonte.
Ex. 1: We examined the patients after taking the prescribed medicine and came to the conclusion that the substances utilized are harmless. Os pacientes foram examinados após tomarem a medicação prescrita e chegou-se à conclusão de que as substâncias utilizadas são inofensivas. Neste exemplo, a voz ativa do texto-fonte foi reconstruída para a voz passiva no texto-alvo. Ex. 2: Specialists are convinced that the WTC Twins were demolished rather than crashed down by the airplanes. Os especialistas estão convencidos de que a causa da queda das torres gêmeas foi implosão, e não a colisão com os aviões como antes se pensava. Neste exemplo, o tradutor reconstruiu sintaticamente todo a oração subordinada objetiva indireta, substantivando os verbos demolish e crash, acrescentando o substantivo causa, o verbo-cópula ser e o predicativo do sujeito, além de uma oração adverbial no final do período. Esse tipo de construção mais nominalizada que verbalizada é muito comum em textos jornalísticos no Brasil. No inglês, a tendência parece ser inversa – os jornais em língua inglesa, de acordo com nossa observação, parecem preferir a verbalização. Ex. 4: The father arrived, hugged his daughter and kissed her in the mouth. Ao chegar, o pai deu um abraço em sua filha e a beijou na testa. No exemplo 4, o tradutor decidiu reconstruir semanticamente o período e substituiu o referente boca por testa. Ao ser indagado sobre o porquê da escolha, o tradutor em questão afirmou que, no Brasil, é muito incomum um pai dar um beijo na boca de sua filha de 15 anos e preferiu usar uma
estrutura semântica que não chamasse a atenção dos leitores, mais “neutra”. Ex. 5: Oh, your test was not bad at all, Alex. Alex, sua prova está muito boa. No exemplo 5, o tradutor decidiu reconstruir o vetor de sentido negativo do texto-fonte e transformá-lo num texto-alvo com vetor de sentido positivo, utilizando para tanto o procedimento de reconstrução semântica. 1.3.2.6 Equivalência estilística A equivalência estilística, também conhecida como melhoria, é usada quando o tradutor inclui no texto padrões retóricos relacionados com a tipologia textual a qual o texto pertence. Esse recurso é utilizado geralmente para explicitar características estilísticas da tipologia textual não presentes no texto-fonte. Ex.: The little girl said she was carrying a basket of food to her grandmother. A menininha disse que estava levando uma cesta de doces para a vovozinha. Neste exemplo, o tradutor utiliza o procedimento de equivalência estilística para traduzir basket of food por cesta de doces e grandmother por vovozinha. Após identificar que o texto-fonte pertence à tipologia textual conto infantil, o tradutor decidiu explicitar, no texto-alvo, padrões retóricos pertencentes a essa tipologia que não estavam explícitos no texto-fonte. 1.3.2.7 Mudança de registro
A mudança de registro ocorre quando o tradutor decide traduzir um texto com registro informal para linguagem formal (ou neutra) ou viceversa. Ex.: Hey, asshole, I’m going to bust your head all over this fucking parking lot! Ei, seu babaca, eu vou estourar seus miolos por toda essa droga de estacionamento! Neste exemplo, o tradutor evitou utilizar palavras ofensivas de baixo calão e decidiu “neutralizar” o registro do texto. No entanto, essa decisão nem sempre cabe ao tradutor. As agências de tradução que prestam serviços de tradução para dublagem e legendagem de material áudio-visual, por exemplo, possuem regras estritas de uso de palavras de baixo calão e coloquialismos. Os tradutores que trabalham para tais agências precisam seguir os manuais de estilo fornecidos pelas empresas. 1.3.2.8 Mudança de complexidade/fluidez estilística O procedimento de mudança de complexidade/fluidez estilística é mais amplo, e sua observação pressupõe a análise de todo o texto traduzido. A mudança na complexidade estilística do texto é alcançada através do uso de outros procedimentos tradutórios domesticadores do sistema linguístico, do estilo e da realidade extralinguística. Esse procedimento é utilizado quando, por alguma razão, o tradutor ou o cliente consideram que o texto original é complexo ou simples demais estilística ou semanticamente e o público-leitor, por essa razão, não o aceitaria naturalmente. 1.3.2.9 Adaptação O procedimento de adaptação também só pode ser observado a partir de uma análise de todo o texto traduzido e é alcançado através de outros
procedimentos descritos neste trabalho. A adaptação ocorre, por exemplo, quando um texto originalmente escrito para o público adulto é traduzido para ser publicado para o público infantil, ou quando o texto-fonte foi escrito originalmente para o cinema e é traduzido para ser publicado como romance. A adaptação pressupõe mudanças profundas no estilo do texto, adaptando-o ao novo contexto editorial e/ou ao público ao qual se destinará a tradução. 1.3.3 Domesticação da realidade extralinguística. Os procedimentos de domesticação da realidade extralinguística implicam mudanças ou substituições dos itens culturais e referências exóforas presentes no texto-fonte. 1.3.3.1 Transferência Transferência é a substituição de um item cultural do texto-fonte num item cultural de mesma função no texto-alvo. Ex. 1: Mount McKinley has the height of 135 Statues of Liberty. O Monte McKinley possui a altura equivalente a 165 estátuas do Cristo Redentor. Neste exemplo, o tradutor decidiu substituir a referência à Estátua da Liberdade por uma referência mais próxima do público-alvo, já que muito mais brasileiros têm idéia aproximada da altura do monumento ao Cristo Redentor que da Estátua da Liberdade novaiorquina. Ex. 2: My daughter is going to throw a great party at her Sweet 16. Minha filha vai dar uma grande festa nos seus 15 anos.
No exemplo 2, o tradutor decidiu substituir o referente à festa de debutantes aos 16 anos nos EUA e Inglaterra pela referência à tradição latina de celebrar o começo da idade adulta aos 15 anos. Ex. 3: Jesus é o Cordeiro de Deus. Jesus é a Foca de Deus. (tradução da Bíblia para a língua Ynuit) No exemplo 3, os tradutores da Bíblia para a língua Ynuit dos esquimós habitantes do Norte do Canadá e Groenlândia expressam sua preferência pela domesticação através de transferência de itens culturais dos judeus palestinos para itens conhecidos de fácil compreensão dos esquimós que possuem as mesmas importância e função nas duas culturas. 1.3.3.2 Explicação O procedimento de explicação é utilizado quando o tradutor acrescenta, no texto-alvo, um aposto elucidando a composição ou função de um determinado elemento da cultura a que pertence o texto-fonte. A explicação pode vir entre parênteses ou entre vírgulas (explicação intratextual), ou em nota de rodapé, nota do tradutor (NdT), nota de fim de livro ou no prefácio (explicação paratextual). As edições da Bíblia para estudo contêm muitas explicações paratextuais sobre termos-chave das línguas dos originais para acrescentar elucidações sobre polissemias e implicações não expressas pela tradução. 1.3.2.3 Ilustração O procedimento de ilustração é utilizado quando o tradutor acrescenta ao texto formas gráficas, ícones ou desenhos/fotos para tornar clara a tradução do texto-fonte. Este procedimento é geralmente utilizado em manuais técnicos, em que fotos dos aparelhos, botões, substâncias ou materiais referidos no texto-fonte aparecem ao lado de seus referentes.
As descrições dos procedimentos técnicos de tradução independem de qualquer julgamento quanto à legitimidade ou à adequação de uso. O emprego de cada procedimento é altamente dependente do contexto tradutório e das personagens envolvidas no contrato de tradução. Cabe aos pesquisadores de tradução, principalmente aos que realizam pesquisas cognitivas através de protocolos verbais e textuais, investigar como e por que os procedimentos são utilizados nos mais diversos contextos tradutórios, tanto em tradução técnica como em tradução literária. Por fim, é possível dizer que as fronteiras entre os procedimentos não são estáticas e por vezes podem se apresentar congruentes. Procedimentos de transposição e reconstrução podem se confundir em determinadas situações, os limites da adaptação e da mudança de registro podem não se apresentar claros, os procedimentos de paráfrase e explicitação podem, em determinados contextos, ser considerados congruentes, dentre muitos outros problemas de análise detectados. Cabe ao pesquisador e ao crítico de tradução estabelecer essas fronteiras onde a tabela aqui apresentada possui hiatos. Abstract: This article presents a new, recategorized and enlarged table of translation procedures based on the previous works of Barbosa (1990) and Lanzetti (2006). The procedures were categorized according to the translation paradigms proposed by Schleiermacher (2001a & b), namely – the foreignizing and domesticing translation paradigms. Based on this recategorization, we redefine existing translation procedures and include others as of the analysis of translations done by translators in training and professional translators collected within the years of 2006 and 2008. Key words: translation, translation procedures, Schleiermacher REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Heloisa Gonçalves. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. Campinas: Pontes, 1990
CATFORD, J. C. A linguistic theory of translation. Oxford: Oxford University, 1965 LANZETTI, Rafael. Domesticação e Estrangeirização nas Estratégias e Procedimentos Tradutórios de Tradutores Aprendizes. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. Dissertação de Mestrado do Programa Interdisciplinar de Lingüística Aplicada, 2006 NEWMARK, Peter. Approaches to translation. Oxford: Pergamon, 1981 NIDA, Eugene. Toward a science of translating: with special reference to principles and procedures involved in Bible translating. Leiden: Brill, 1964 ___________ . Principles of translation as exemplified by Bible translating. In: BROWER, Reuben A. On translation. Nova Iorque: Oxford University, 1966 SCHLEIERMACHER, Friedrich E. Über die verschiedenen Methoden des Übersezens, 2001a. In: HEIDERMANN, Werner (org.) Antologia: Clássicos da teoria da tradução. Vol. 1: alemão-português. Florianópolis: Editora UFSC, p. 27-86, 2001a SCHLEIERMACHER, Friedrich E. Sobre os diferentes métodos de tradução. Trad.: Margarete von Mühlen Poll, 2001b. In: HEIDERMANN, Werner (org.) Antologia: Clássicos da teoria da tradução. Vol. 1: alemão-português. Florianópolis: Editora UFSC, p. 26-87, 2001 VÁZQUEZ-AYORA, G. Introducción a la traductología: curso básico de traducción. Washington: Georgetown University, 1977 VINAY, J.-P. e DARBELNET, J. Stylistique comparée du français et de l’anglais: méthode de traduction. Paris: Didier, 1977
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MÉTODOS EM TRADUÇÃO TRADUÇÃO COMUNICATIVA Tem como objectivo tornar a mensagem mais acessível ao destinatário. A tradução, segundo este método, realiza-se na perspectiva do destinatário. É, portanto, mais um ofício que uma arte. Características mais relevantes: - é melhor que o original, na medida em que ganha em força e clareza, embora perca em estilo; - permite corrigir ou melhorar o enunciado, dando esclarecimentos em notas de rodapé. - suprime ambiguidades ou faltas de clareza - elimina repetições; - elimina ou clarifica a gíria; - normaliza o estilo do autor;
TRADUÇÃO SEMÂNTICA
Tem como objectivo recriar o texto respeitando o preciso sentido das palavras. Este tipo de tradução preserva o estilo do autor. Características mais marcantes: - é inferior ao original, pois perde em clareza na transmissão da mensagem; - as correcções e aperfeiçoamentos são inadmissíveis; - não requer adaptações culturais.
TRADUÇÃO INTERPRETATIVA
Tem como objectivo transmitir uma mensagem, após a apreensão global do sentido. Permite reformulações, criando equivalentes contextuais inéditos. Defende a tradução livre, desde que se respeitem as intenções do texto de partida. O texto é encarado como um todo (não se traduzem palavras, mas um discurso determinado por uma situação, num contexto preciso). A tradução é um acto de comunicação e de (re-) criação. O sentido depende de factores linguísticos, extra-linguísticos e situacionais, visto que o processo interpretativo se realiza ao nível da língua em situação. Este método pressupõe duas fases:
1. Interpretação global da mensagem; 2. (Re-)criação do texto na língua de chegada. Na consecução desta 2a fase, dever-se-ão ter em conta os seguintes aspectos: -
clareza de ideias;
-
correcção ortográfica;
-
pontuação;
-
correcção gramatical;
-
selecção adequada do vocabulário;
-
nível de língua.
Vantagens deste método: - os alunos associam palavras à intenção comunicativa; - privilegia a espontaneidade, a capacidade comunicativa, mais do que a correcção gramatical.
Inconvenientes deste método: - dificuldades linguísticas grandes, quer na língua de partida, quer na de chegada.
TRADUÇÃO COM BASE NA ANÁLISE DO DISCURSO
Tem como objectivo atender à globalidade do texto. Traduzir textos e não palavras ou frases. Principais conceitos: - Coesão, isto é, a articulação entre as frases gramatical e lexicalmente; - coerência, isto é, unidade nocional e lógica do texto. Propriedades de um texto: - estilo; - intenção do texto; - intenção do tradutor; - tipo de texto; - correcção formal e lexical; - nível de língua; - função da linguagem; - pontuação; - contexto epocal, situacional e referencial; - sexo e idade do autor;
- situação do leitor; - grau de formalidade/generalidade; - características pragmáticas. Conclusão: Antes de escolher o método deve proceder-se à seguinte análise:
Tradução - Acto de comunicação
Autor
Destinatário
Contexto situacional: - Quem fala? - A quem fala? - Qual o objectivo? - Qual o contexto?
TRADUÇÃO - DEFINIÇÕES «A tradução boa é a que capta fielmente, a cem por cento, tudo exactamente como lá está, sem a preocupação do resultado estético em Português, que nesses casos pode não ser equivalente, nem se aproximar do resultado estético na língua original. (... traduzir) é conseguir um texto equivalente; quando nos restringimos cegamente ao original, obtém-se um texto
La traduction, c'est une succession continuelle de prises de décision. - En traduction écrite, 1'emploi du terme technique exact est un impératif. - La traduction de textes techniques ne se ramène pas exclusivement à la recherche de correspondances pré-établies de termes
que diz o mesmo, talvez, mas que não está techniques. dotado dos mesmos encantos orquestrais - II n'y a pas une traduction idéale; il est que o original tem, portanto, não dá o très souvent possible d'exprimer un même mesmo prazer na leitura.» message de différentes façons. (Expresso, 16-5-87)
- On ne traduit pas une succession de mots, mais un message, des mots successifs pris isolément qui le composent. - On ne traduit pas pour comprendre, mais on comprend pour traduire. Faire que ce qui était énoncé dans une - II y a 1'antériorité de la compréhension langue le soit dans une autre, en tendant à par rapport au passage à la langue 1'équivalence sémantique et expressive d'arrivée. des deux énoncés. Fondement didactique de Ia traduction technique, Christine Durieux
Fondement didactique de Ia traduction technique, Christine Durieux
Em nenhum caso, repetimos, será possível Podemos estabelecer, portanto, como regra uma tradução sem objectivo bem definido fundamental da tradução a interpretação e é este que, em todos os casos, determina que o receptor, dentro da sua situação, a estratégia a adoptar para que tal deverá apreender da mensagem. Esta objectivo seja obtido da melhor maneira teoria opõe-se frontalmente à tradicional possível nas circunstâncias de chegada. tradução à letra. Não é o texto de partida o factor Esboço de Uma Teoria da Tradução, Hans determinante, não o é a fidelidade a este, Vermee mas a "fidelidade" ao objectivo, à intenção ao destino que se dá ao texto de chegada. O factor central de cada tradução é o texto de chegada. Esboço de uma Teoria da Tradução, Hans Vermeer
A tradução consiste em reproduzir na
A tradução é pois a passagem de um texto original, redigido numa língua de chegada. Tem por fim dar a conhecer ao leitor o que foi escrito numa língua estrangeira. Para isso, o tradutor terá obviamente de
língua receptora a mensagem da língua de compreender para traduzir. origem, por meio do equivalente mais próximo e mais natural, primeiramente no Programa de Técnicas de Tradução, Ministério que diz respeito ao sentido, em seguida no da Educação e Cultura, 10-10-79 que concerne ao estilo.
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La traduçtion; théorie et méthode, C: Taber e E. A. Nida, Londres, Ailiance Biblique Universelle, 1971
PROPOSTA DE ACTIVIDADE 1- Ler atentamente os conceitos apresentados nos documentos 2- Deduzir as semelhanças e diferenças entre eles. 3- Apresentar as conclusões.
Tradutor e Intérprete Natureza do Trabalho Os tradutores e os intérpretes são os profissionais responsáveis pela transposição de textos ou discursos de uma língua para outra, permitindo que pessoas que escrevem e falam em línguas diferentes possam comunicar entre si. Apesar da maioria das pessoas julgar que ambos traduzem, na realidade não é isso que acontece: em regra, enquanto o tradutor traduz textos escritos, o intérprete interpreta discursos orais. Os tradutores são os profissionais que traduzem textos de revistas, livros e documentos de diferentes géneros, sejam estes de natureza literária, técnica ou científica. Para tal, lêem e estudam o texto original, apreendem o seu sentido geral e, em seguida, procedem à sua tradução, procurando respeitar com a máxima fidelidade possível as ideias e o pensamento nele presentes e aplicando a terminologia mais correcta. Estes profissionais fazem também a tradução de legendas de filmes, de peças de teatro, de desenhos animados e de programas audiovisuais, para que estes possam ser sonorizados, dobrados ou legendados. Os tradutores que se dedicam à legendagem de audiovisuais são também designados de marcadores de legendas. Os intérpretes transpõem um discurso oral emitido numa língua para outra língua e funcionam como elo de ligação entre pessoas que comunicam verbalmente entre si em idiomas diferentes. As principais modalidades de interpretação existentes são a interpretação de acompanhamento, a
interpretação judicial e a interpretação de conferência. O intérprete de acompanhamento é o profissional que, acompanhando determinada pessoa, interpreta em ambos os sentidos os diálogos que esta estabelece com interlocutores que comunicam numa outra língua. A interpretação judicial, por seu lado, é a interpretação que é realizada no âmbito de um julgamento e a interpretação de conferência é a que tem lugar em reuniões multilíngues formais, designadamente congressos, seminários, conferências, mesas-redondas, encontros ou jornadas.
Os intérpretes de conferência recorrem a dois métodos de trabalho distintos, consoante o tipo de reunião: a interpretação consecutiva e a interpretação simultânea. A interpretação consecutiva é o método mais adequado para as conversações que envolvem um número reduzido de idiomas e de participantes, tais como pequenas reuniões técnicas entre especialistas. Nestes casos, o intérprete de conferência encontra-se junto do orador, ouvindo a sua intervenção e tirando apontamentos; em seguida, interpreta integralmente numa outra língua o discurso ocorrido, como se este fosse seu (isto é, na primeira pessoa do singular). O modo simultâneo, por seu lado, é o método mais adequado para encontros que envolvem um largo número de participantes, garantindo a transposição quase imediata dos discursos orais. No modo simultâneo, a equipa de intérpretes instala-se em cabinas (existem sempre, pelo menos, dois intérpretes por cada cabina), junto de um microfone e com auscultadores, e ouve as intervenções faladas numa determinada língua, transmitindo-as em outras línguas, ao ritmo a que são proferidas, para os ouvintes na sala. A interpretação simultânea permite que os participantes num dado encontro multilíngue possam ouvir e falar a sua própria língua durante toda a reunião. Quer os tradutores quer os intérpretes necessitam de conhecer profundamente as línguas com as quais trabalham, principalmente a sua própria língua. Conhecer a cultura dos países onde essas línguas são faladas é também indispensável, nomeadamente no que se refere à sua actualidade política, económica e social. É-lhes exigido, ainda, o respeito pelo sentido, estilo e espírito do que traduzem ou interpretam. Os manuais técnicos, por exemplo, exigem ao tradutor o domínio aprofundado de termos e expressões técnicas, sob pena de induzir em erro quem os lê. A tradução de um poema requer um conhecimento profundo do seu autor, das respectivas obras e da sua cultura: a linguagem poética baseia-se muito em imagens e metáforas e o tradutor tem que saber reproduzi-las de forma perceptível e, simultaneamente, manter as suas características literárias. Os intérpretes, por seu lado, devem ter uma certa espontaneidade de expressão, dado que a linguagem oral é, normalmente, mais informal que a escrita. Assim, é-lhes necessário conhecer expressões quotidianas e de gíria existentes nos idiomas que dominam e que grande parte das pessoas utiliza quando fala. Devem ter, ainda, uma grande capacidade de concentração e de memória, treino auditivo e rápida compreensão dos discursos orais, de forma a não perderem nenhuma informação: nas conferências, por exemplo, a maioria das pessoas não se lembra que as suas intervenções estão a ser interpretadas, falando muito rapidamente (sobretudo se estiverem a ler). Como agravante, os intérpretes nunca têm a hipótese de voltar a ouvir o que foi dito. É essencial, por isso, que também tenham excelentes faculdades de análise e de síntese, de forma a que, preservando a continuidade e o sentido dos discursos orais, consigam manter o ritmo da intervenção, sem perder informação.
Nos últimos anos, a inovação tecnológica tem trazido algumas modificações ao desempenho destes profissionais. Os tradutores, por exemplo, viram as suas tarefas facilitadas com a ajuda do computador: Graças a ele, é-lhes possível trabalhar o texto com mais facilidade e podem instalar software de apoio à sua actividade, como programas informáticos de tradução, dicionários electrónicos e bases de dados terminológicas. Este tipo de software é bastante útil nas traduções de textos que utilizam expressões muito técnicas e cujas terminologias não são muito familiares ao tradutor. O Serviço de Tradução da Comissão Europeia, por exemplo, é um grande utilizador de ferramentas informáticas linguísticas para a tradução assistida por computador. As ferramentas que usa vão desde a tradução automática até aos dicionários terminológicos, passando pelos sistemas de memórias de tradução, os quais gerem uma base de dados de frases traduzidas anteriormente. O desenvolvimento informático levou também ao aparecimento de software específico para a tradução e marcação de legendas, permitindo que estas duas tarefas possam ser realizadas simultaneamente.
Tradutor e Intérprete ONDE PODEM TRABALHAR? De uma forma geral, os tradutores podem trabalhar para editoras livreiras, centros de documentação, gabinetes de tradução, empresas ligadas à actividade turística e ao comércio internacional e organismos estatais. Normalmente, a actividade destes profissionais é exercida individualmente e em regime liberal (como trabalhadores independentes). Existem, todavia, tradutores por conta de outrém nas entidades acima referidas e outros que optam por trabalhar em conjunto e montam empresas ou gabinetes, com vista a prestar serviços às organizações que necessitam ocasionalmente de trabalhos de tradução. Nos últimos anos, estes gabinetes têm tido uma procura crescente devido ao aparecimento das televisões privadas que necessitam de especialistas para a legendagem de filmes, programas e espectáculos estrangeiros. Mais recentemente, a televisão por cabo - com programas legendados em português - veio também criar mais hipóteses de trabalho. No mercado de trabalho internacional, os nossos tradutores têm algumas hipóteses de trabalho (ainda que reduzidas) nas grandes organizações internacionais multilíngues que utilizam o português como língua de trabalho, entre as quais se destacam as instituições comunitárias. Estas organizações, além de empregarem tradutores permanentes, recorrem também a tradutores independentes externos. Tal como os tradutores, os intérpretes são procurados tanto por organismos nacionais e organizações internacionais como por outras entidades que necessitam de recorrer ocasionalmente aos seus serviços. As suas hipóteses de trabalhar como trabalhadores por conta de outrém no mercado nacional são, no entanto, muito mais difíceis, uma vez que praticamente não existem entidades empregadoras nacionais que tenham intérpretes a tempo inteiro ao seu serviço, sendo os intérpretes de conferência particularmente afectados por esta situação. Em Portugal, os serviços dos intérpretes de conferência que trabalham como profissionais liberais são procurados por instituições públicas e entidades privadas que organizam conferências internacionais no país e no estrangeiro (empresas, ministérios, organizações e associações patronais, sindicais e profissionais, etc.).
No mercado internacional, as oportunidades de trabalho dos intérpretes de conferência resumemse às organizações internacionais com sede no estrangeiro onde as suas línguas de trabalho são necessárias. As organizações internacionais que têm o português como língua de trabalho não são muitas, mas existem algumas que necessitam de intérpretes com o português como língua passiva (língua a partir da qual interpretam para outros idiomas). De entre as potenciais entidades empregadoras de intérpretes de conferência de língua portuguesa, destacam-se as instituições da União Europeia, o Conselho da Europa e as instituições das Nações Unidas. Tal como acontece com os tradutores, estas organizações recrutam os intérpretes de conferência mediante concurso. Como também precisam de recorrer a serviços externos de interpretação, estas organizações criam, ainda, possibilidades de trabalho aos intérpretes de conferência que trabalham como independentes, regra geral, submetendo-os a um teste. No nosso país, o acesso às actividades de tradução e de interpretação não está por enquanto regulamentado, pelo que nada impede que pessoas sem a qualificação apropriada exerçam estas actividades. De facto, quem necessita de serviços de tradução e de interpretação opta, por vezes, por contratar pessoas que, apesar de saberem falar ou escrever correctamente na língua materna e em línguas estrangeiras, não são competentes para assegurar o elevado nível de qualidade e rigor destes serviços, pois não detêm as capacidades pessoais nem os conhecimentos técnicos e linguísticos que são exigidos. Apesar do mercado de trabalho dos tradutores e dos intérpretes especializados não estar saturado - existe procura de serviços de qualidade -, esta situação trazlhes dificuldades, pois têm de enfrentar uma mão-de-obra não qualificada que lhes retira algumas oportunidades de trabalho. Em Portugal, a localização geográfica destes profissionais centra-se nos grandes centros urbanos (com destaque para Lisboa e Porto), pois é aí que existe maior necessidade dos seus serviços. No plano internacional, a procura de tradutores e intérpretes de língua portuguesa localiza-se principalmente em Bruxelas, dado que é nesta cidade belga que está situada a maioria das instituições da União Europeia onde o português é uma das línguas oficiais de trabalho.
Tradutor e Intérprete CURSOS Os cursos superiores existentes na área da tradução e da interpretação são, nomeadamente, os seguintes: A- Ensino Público: 1- Bacharelato + Licenciatura - Tradução
. Escola Superior de Educação de Faro da Universidade do Algarve . Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria 2- Bacharelato - Tradução e Relações Internacionais .Escola Superior de Educação de Castelo Branco do Instituto Politécnico de Castelo Branco B- Ensino Particular e Cooperativo 1- Licenciaturas: - Tradução . Instituto Superior de Línguas e Administração (Lisboa e Leiria) - Tradutores e Intérpretes . Univ. Autónoma de Lisboa Luís de Camões . Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Lisboa) - Tradução e Interpretação em Línguas Modernas . Instituto Superior de Línguas e Administração (Santarém) - Ciências da Tradução e Cultura Comparada . Instituto Superior de Línguas e Administração (Vila Nova de Gaia) 2- Bacharelato + Licenciatura - Tradução e Interpretação . Instituto Superior de Assistentes e Intérpretes (Porto) Fonte: Guia de Acesso ao ETradutor
COMPLEMENTO DE FORMAÇÃO
e Intérprete
Apesar de incluírem matérias consideradas úteis para o exercício das actividades de tradução e de interpretação, a opinião das associações profissionais que representam os tradutores e os intérpretes de conferência é a de que, de uma forma geral, estes cursos precisam de ser complementados com uma formação prática adequada às necessidades do mercado de trabalho, aos requisitos impostos pelas organizações internacionais e à complexidade das funções inerentes a estas profissões. De acordo com estas associações, quem queira ser um profissional especializado em tradução e/ou interpretação deve complementar o máximo possível a sua formação, nomeadamente através da frequência de intercâmbios universitários em países estrangeiros e da realização de cursos de aperfeiçoamento, no país e no estrangeiro. Em Portugal, e na área da tradução, além dos cursos acima referidos, existem, ainda, cursos em Línguas e Literaturas Modernas, com opções curriculares em Tradução. Quem pretenda aprofundar os seus conhecimentos técnicos e linguísticos tem ao seu dispor diversas formações em Tradução (cursos de especialização, pós-graduações, mestrados, etc.), destinadas a diplomados na área e/ou a tradutores profissionais. Além da formação académica, os estudantes e os profissionais desta área devem recorrer também à auto-aprendizagem, procurando obter conhecimentos por outras vias. Com esse objectivo, devem-se equipar com todos os meios formativos auxiliares possíveis, designadamente livros e dicionários de consulta e de investigação, bem como software de apoio a trabalhos de tradução. A necessidade de complementar a formação académica também é comum aos intérpretes, mas é na área da interpretação de conferência que ela é maior. De acordo com as associações profissionais portuguesas que representam os intérpretes de conferência, a preparação académica óptima para o exercício desta profissão consiste numa licenciatura seguida de uma pósgraduação ou uma especialização em interpretação de conferência. Em Portugal, a única oferta formativa que existe a este nível é o Curso de Especialização em Interpretação de Conferência, ministrado pelo Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho. A escolha das línguas de trabalho deve ser muito bem pensada e feita de acordo com as necessidades do mercado de trabalho e com o trajecto profissional que se pretende percorrer. Um primeiro factor a ter em conta é que as oportunidades de trabalho são tanto maiores quanto maior o número de línguas com as quais se trabalha: quem domine mais do que uma língua estrangeira pode, à partida, aceitar mais trabalhos do que aquele que só conhece apenas uma língua estrangeira. Por outro lado, deve-se procurar obter uma combinação linguística menos vulgar. Na área da tradução, o mercado de trabalho está sobretudo saturado de profissionais que dominam somente o inglês e/ou o francês, pelo que é aconselhável saber trabalhar com outras línguas. Na área da interpretação, e apesar de alguma saturação, esta combinação linguística continua a ser a mais procurada. Contudo, é conveniente - embora não seja indispensável - poder trabalhar com duas línguas activas (línguas para as quais se interpreta) e dominar pelo menos mais uma terceira, passiva. No mercado de trabalho internacional, e sobretudo para quem deseje vir a ser intérprete de conferência, a combinação linguística mais procurada nos intérpretes de língua portuguesa é o inglês, o francês e uma terceira língua estrangeira menos habitual. Atendendo às necessidades das instituições europeias, esta terceira língua pode ser o alemão, o dinamarquês, o neerlandês (que compreende o holandês e o flamengo), o sueco, o grego ou o finlandês. No plano
internacional, em geral, existe também uma procura crescente de intérpretes que trabalhem com as línguas faladas na Europa central e oriental (russo, polaco, checo, húngaro, etc.) e com aquelas que registam uma crescente projecção internacional, tais como o árabe, o chinês ou o japonês. Tendo em conta que são chamados a trabalhar sobre os mais diversos temas, é fundamental que tanto os tradutores como os intérpretes desenvolvam, além das suas competências linguísticas, a sua cultura geral. Os textos que traduzem ou os discursos que interpretam podem ser dedicados a áreas tão diversas como economia, agricultura, direito, engenharia, informática ou medicina e é importante que estes profissionais estejam familiarizados com a terminologia utilizada no âmbito dessas matérias, de forma a compreenderem com facilidade o que é dito ou escrito e a preservarem o seu sentido. É essencial, por isso, que tenham curiosidade intelectual, que investiguem sobre o maior número possível de assuntos e procedam a uma actualização diária de conhecimentos. As expressões e os termos técnico-científicos devem ser alvo de uma pesquisa mais atenta, pois são muito específicos e não são utilizados na linguagem comum. Além disso, à medida que o conhecimento científico vai evoluindo, é habitual surgirem novas palavras. Em Portugal, as áreas de medicina, engenharia, economia e direito são aquelas em que existe uma maior quantidade de trabalhos de tradução e de interpretação, pelo que o conhecimento da linguagem utilizada nestas áreas pode constituir uma importante mais-valia no mercado de trabalho.
nsino Superior - Candidatura/98TRADUTORES E INTÉRPRETES
Condições de Trabalho Os tradutores desenvolvem habitualmente a sua actividade num gabinete, em casa ou nas instalações da entidade contratante, onde reúnem os seus instrumentos de trabalho, tais como um computador (preferencialmente com correio electrónico e Internet), modem, fax, livros, dicionários e outros utensílios e documentação que considerem necessários à sua actividade profissional. O seu ritmo de trabalho é flexível e a sua carga horária semanal é variável, dado que estes profissionais gerem o seu tempo em função do número de trabalhos e dos prazos de conclusão e entrega dos mesmos. Um dos aspectos que distingue claramente a sua actividade da dos intérpretes é o facto de que, ao contrário destes, os tradutores dispõem de tempo suficiente para proceder às consultas bibliográficas necessárias à obtenção de um texto final técnica e linguisticamente correcto. A actividade de interpretação, por seu lado, encontra-se associada a uma forte componente de imprevisibilidade, o que obriga o intérprete a preocupar-se sobretudo com a mensagem essencial do discurso transposto e não tanto com a sua transposição integral. Esse factor leva também a que esta profissão seja muito exigente do ponto de vista físico e mental, pois o intérprete necessita de estar altamente concentrado e de acompanhar o ritmo das intervenções, ouvindo e falando ao mesmo tempo. Por esta razão, a resistência física e uma boa saúde constituem requisitos importantes para quem pretenda exercer esta profissão. Ser intérprete significa, ainda, estar disponível para se ausentar de casa, pois é uma profissão com um elevado índice de
mobilidade geográfica. Por outro lado, podem desenvolver a sua actividade nos mais diferentes ambientes de trabalho: quando fazem interpretação consecutiva podem trabalhar ao ar livre, enquanto na interpretação simultânea trabalham em cabinas (as quais devem reunir determinadas condições técnicas e estar preparadas para acolher, pelo menos, duas pessoas). A flexibilidade de horário dos intérpretes varia muito em função do tipo de serviço que prestam. Uma equipa de intérpretes de conferência, por exemplo, pode ser chamada para trabalhar numa conferência de imprensa com uma duração de apenas 45 minutos, no período da manhã, e ser solicitada para interpretar uma delegação durante uma visita, no período da tarde. Em conferência, os intérpretes possuem horários mais rígidos, acompanhando os ritmos das sessões de trabalho (máximo 2 x 3,5 horas/dia), geralmente intervaladas com pausas para refeições e café.
Tradutor e Intérprete Remunerações Os preços cobrados pelos tradutores são determinados em função do idioma (uns são mais bem cotados que outros, consoante se tratem de línguas vivas ou línguas mortas) e do tipo de linguagem que se está a traduzir (corrente, literária ou técnica). O pagamento total do serviço é efectuado com base no número de linhas ou de páginas traduzidas. Os valores normalmente cobrados por estes profissionais são os seguintes: Tipo de Linguagem: Por página (30 linhas, 60 caracteres cada) Literária de 1.940$00 a 3.000$00
Corrente: de 5.400$00 a 8.550$00
Técnica: de 6.000$00 a 9.750$00
Fonte: Associação Portuguesa de Tradutores (APT) Os preços cobrados nas traduções para legendagem variam entre os 2,50 € e os 5 € por cada minuto de audiovisual televisivo. Caso se trate de legendagem para cinema, o valor pago varia entre os 20 € e os 30 € por cada dez minutos. As revisões de textos obedecem à tabela de preços praticada para as traduções. São ainda cobradas importâncias extraordinárias, quando os trabalhos necessitam de ser executados e entregues num período inferior a 48 horas (+50%) e quando se realizam traduções a partir de gravações (+30%). As retribuições dos tradutores com vínculo à função pública (por exemplo, que trabalham em ministérios) são muito variáveis, pois dependem da carreira e do escalão em que estão integrados. No mercado internacional, e embora estes valores variem, os tradutores que prestam serviços externos às instituições comunitárias podem ganhar cerca de 2000/2500 €. Caso sejam funcionários permanentes, o seu vencimentobase em início de carreira ronda, normalmente, os 3500/4000 € mensais.
Tal como os tradutores, os intérpretes que trabalham nas instituições comunitárias são normalmente bem remunerados. Os intérpretes de conferência independentes que são recrutados pelas organizações internacionais para prestação de serviços são pagos segundo uma tabela de honorários constante de acordos negociados pela Associação Internacional de Intérpretes de Conferência (AIIC). Segundo essa tabela, recebem uma retribuição líquida na ordem dos 250/300 € por cada dia de trabalho, embora este valor varie ligeiramente consoante a experiência profissional e a instituição a que se presta serviços. Além disso, recebem ajudas de custo para fazer face às despesas de alojamento, transporte e alimentação. No mercado nacional, a quase totalidade dos intérpretes é profissional independente, pelo que os honorários cobrados variam mais. Os profissionais com maior experiência, porém, tendem a ter como referência os honorários praticados pelas organizações internacionais, dependendo as ajudas de custo dos valores negociados com o cliente. Apesar dos serviços prestados pelos intérpretes poderem ser considerados caros, tal não significa que os seus rendimentos mensais sejam elevados, pois as suas oportunidades de trabalho não surgem todos os dias - o mesmo acontece com os tradutores.
Tradutor e Intérprete Perspectivas Actualmente, as profissões de tradutor e de intérprete desempenham um papel importante no funcionamento das sociedades modernas, dado que estas necessitam cada vez mais de comunicar entre si, em virtude de fenómenos generalizados como a internacionalização da economia, a rapidez da circulação da informação pelo mundo ou o crescimento da concertação entre países perante questões mundiais (como a defesa do ambiente ou o respeito pelos direitos humanos, por exemplo). Neste contexto, o mercado de trabalho para os tradutores e intérpretes é bastante variado e apresenta boas perspectivas, havendo uma série de possibilidades de trabalho a considerar. Contudo, as novas exigências do mercado de trabalho, aliadas ao crescente número de pessoas que conhecem e utilizam línguas estrangeiras, têm conduzido a uma crescente especialização destas profissões. Deste modo, quem inicia uma carreira de tradutor e/ou de intérprete deverá contar com um mercado de trabalho exigente e cujo acesso não é garantido pelo mero conhecimento de línguas estrangeiras. Deverá adquirir, por isso, técnicas especializadas em tradução e/ou interpretação e é essencial que invista em conhecimentos técnicos e conhecimentos gerais, através, por exemplo, de estágios curriculares e profissionais no país e no estrangeiro e de um esforço constante na investigação e na auto-formação. O domínio aprofundado de um maior número possível de línguas estrangeiras é, entre outros, um trunfo importante que pode aumentar as hipóteses de trabalho. Apesar do inglês e do francês continuarem a ser línguas bastante requisitadas, a oferta dos que trabalham com esses idiomas é elevada, pelo que é aconselhável estudar outras línguas, nomeadamente as utilizadas
oficialmente na União Europeia, bem como as que se prevêem vir a sê-lo, com a integração de novos membros comunitários.
BOM TRADUTOR É AQUELE QUE:
A- CONHECIMENTOS PRÉVIOS 1- Possui conhecimentos profundos da língua de partida e da língua de chegada; 2- Possui conhecimentos igualmente profundos da cultura e civilização dos países considerados (parâmetros extra-linguísticos) 3- Tem uma cultura geral razoavelmente vasta; 4- Sabe documentar-se - (Pesquisa documental ou temática em livros especializados (direito, política, sociologia…), obras de divulgação, catálogos, artigos de jornais … ) e (Pesquisa terminológica na língua de origem e de chegada (bancos de dados terminológicos que podem ser solicitados a outros tradutores)) 5- Sabe manusear bem os dicionários: bilingues e unilingues B- RECEPÇÃO DO TEXTO: 6 - Analisa o discurso: dados sobre o autor, o/os tema(s) tratado(s), a época da redacção, as circunstâncias históricas, a intenção do autor, o público alvo, o tipo de texto… 7- Analisa os aspectos linguísticos: traduz-se uma mensagem e não palavras (o sentido e não as palavras) daí ser necessário: - limitar e clarificar a situação descrita pelo autor; - analisar o estilo e o nível ou níveis de língua; - delimitar elementos de sentido (unidades de sentido); - neutralizar as polissemias, pelo contexto ou situação;
C- PRODUÇÃO DO TEXTO 8- Toma decisões (o tradutor é um criador; tem de reformular uma mensagem de um texto de partida numa linguagem inteligível, precisa, idiomática e inédita na língua de chegada);
D- VERIFICAÇÃO/AVALIAÇÃO DA TRADUÇÃO: 9- Faz uma leitura em voz alta do texto de chegada a alguém que não conheça o texto de partida (eliminação de interferências, ambiguidades …); 10- Compara traduções entre si e/ou em relação ao texto de partida (verifica o funcionamento das duas línguas) TRADUTORES E INTÉRPRETES Existem várias entidades que podem fornecer informações adicionais sobre esta profissão, nomeadamente: Associação Portuguesa de Tradutores (APT), R. de Ceuta, 4-B, Gar. 5, 2795 Linda-a-Velha, Tlf. (01) 4198255. E-mail:
[email protected]
Web site: http://www.apt.pt
Associação Profissional dos Intérpretes de Conferência de Portugal (APROFIC), Apartado 1117, 1053-001 Lisboa. E-mail:
[email protected]
e
[email protected]
Associação Portuguesa. de Intérpretes de Conferência (APIC), Apartado 12091, 1057 Lisboa Codex.
Sindicato Nacional da Actividade Turística, Tradutores e Intérpretes (SNATTI), R. do Telhal, 4 3.º Esq.º, 1150 Lisboa, Tlf. (01) 3467170/3423298.
Associação Internationale des Interprètes de Conférence (AIIC), 10, Avenue de Sécheron, Ch 1202 Genève, Suisse, Tlf. (00.41.22) 9081540, E-mail:
[email protected]
Web site: http://www.aiic.net
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EM QUADRINHOS: O DESAFIO PARA TRADUTORES-MARAVILHA Eduardo de Carvalho Cassimiro 1
Resumo: O objetivo deste trabalho é estabelecer uma relação entre as variantes lingüísticas e as identidades dos personagens, mediante a tradução — para o português — da história em quadrinhos ―The Challenge of the Gods Begins‖, cuja protagonista é a super-heroína Mulher--Maravilha. Os trabalhos de Preti (1982), Cortiano (1991), Passarelli (1995), Bakhtin (1997), Eguti (1999), Sayão (2001), Arrojo (2002), Barbosa (2004), Cassimiro (2004), Gusman (2005) e outros constituem a fundamentação teórica dos autores. Os resultados parecem demonstrar que o apoio teórico (oriundo dos estudos de sociolingüística, gêneros textuais, histórias em quadrinhos, teorias e procedimentos técnicos de tradução e língua portuguesa) pode contribuir para o aprimoramento da percepção de como as variantes lingüísticas e imagéticas são usadas na construção da identidade dos personagens. Palavras-chave: tradução, história em quadrinhos, variante lingüística, identidade, Mulher-Maravilha. Abstract: This paper aims at establishing a relation between linguistic variation and character identity through the translation — into Portuguese — of the comic book story ―The Challenge of the Gods Begins‖, starred by superheroine Wonder Woman. The authors‘ theoretical bases are the studies by Preti (1982), Cortiano (1991), Passarelli (1995), Bakhtin (1997), Eguti (1999), Sayão (2001), Arrojo (2002), Barbosa (2004), Cassimiro (2004), Gusman (2005) and other scholars. The evidence seems to warrant the conclusion that the theoretical support (on sociolinguistics, genres, comics, translation theory and technical procedures) may help university students refine their skills in discerning to what extent images and linguistic variations can contribute to the establishment of a character‘s identity in comics. Keywords: translation, comics, linguistic variation, identity, Wonder Woman. 1
Graduando do Curso de Letras, Tradutores Intérpretes.
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INTRODUÇÃO Este trabalho, que tem como tema As identidades e as variantes lingüísticas nas HQs, consiste na tradução de trechos da história em quadrinhos ―The Challenge of the Gods Begins‖, cuja protagonista é a super-heroína Mulher-Maravilha. A análise da caracterização dos personagens considera as variantes lingüísticas e imagéticas que compõem a aludida aventura quadrinhística e apresenta a justificativa das opções tradutórias. O referencial teórico utilizado — que abrange estudos de sociolingüística, estilística, teoria e procedimentos técnicos de tradução, histórias em quadrinhos, gêneros textuais e língua portuguesa — vem dos trabalhos de Preti (1982), Cortiano (1991), Passarelli (1995), Bakhtin (1997), Eguti (1999), Sayão (2001), Arrojo (2002), Barbosa (2004), Cassimiro (2004), Gusman (2005) e outros. O trabalho está dividido em dois capítulos: o primeiro, dedicado à contextualização, à fundamentação teórica e à apresentação da tradução sugerida; e o segundo, a algumas justificativas das decisões tradutórias do autor. 1 - Tem Início o Desafio ao Tradutor 1.1 — As ―encarnações‖ da Mulher-Maravilha A Detective Comics, mais conhecida como DC Comics, é, de acordo com o site Wikipedia2, uma editora norte-americana que figura entre as duas maiores do mundo — no que diz respeito à publicação de histórias em quadrinhos de super-heróis — e detentora dos direitos autorais de ícones como Super-Homem, Mulher-Maravilha, Batman, Lanterna Verde, Novos Titãs, Legião de Super-Heróis e muitos outros.3 O Universo DC é um ambiente fictício e compartilhado em que ocorre a esmagadora maioria das histórias publicadas pela DC Comics e compõe-se de seres cujas características e superpoderes são os mais diversificados: voam, são capazes de erguer incontáveis toneladas, suportam muito mais que tiros de canhão ou explosões nucleares, Enciclopédia virtual, cujo endereço é www.wikipedia.org. (Acesso em 10/10/05.) A única concorrente à sua altura é a editora Marvel Comics, cujos personagens mais famosos são Capitão América, Thor, X-Men, Hulk, Homem-Aranha, Demolidor, Homem de Ferro e outros. 2 3
Page 3 2 dentre tantos outros feitos admiráveis. Constam de seus cenários lugares reais como a Califórnia, Nova Iorque e o Brasil, além de inúmeros outros, fictícios, como o planeta Krypton, a cidade submersa de Atlântida, a Ilha Paraíso, a cidade de Gotham e até um Monte Olimpo peculiar. Diversos dos seus eventos históricos correspondem aos ocorridos no mundo real, mas nem todos. Essa mistura de superpoderes com mundo real, confirma Gusman (2005, p. 7), levou a editora a criar, em seus 70 anos, literalmente milhares de personagens que conquistaram gerações de admiradores em todo o planeta. Pode-se, portanto, incluir entre as façanhas dos heróis a notável repercussão que têm, já faz muito tempo, em vários outros meios de comunicação, expressão e entretenimento, ou seja, de manifestação cultural, além das aventuras impressas4. É nesse contexto que se destaca a Mulher-Maravilha, que Cassimiro (2004, p. 55) define como [uma] super-heroína, originária da Ilha Paraíso, filha da rainha Hipólita — logo, princesa das amazonas —, agraciada pelos deuses gregos (do Olimpo) com superpoderes, que veio ao mundo dos homens como embaixadora da mensagem de
paz fundamentada na filosofia olimpiana. Chama-se Diana, também conhecida como Diana de Themyscira ou Princesa Diana de Themyscira, e é dotada de incomensurável força sobre-humana, do poder de vôo, de supervelocidade e invulnerabilidade; exímia guerreira (treinada em todos os antigos métodos gregos de combate corpo a corpo), capaz de desviar e rechaçar qualquer tipo de projétil ou raio (inclusive relâmpagos) com seus indestrutíveis braceletes de prata e possuidora do inquebrável Laço da Verdade (forjado do cinturão da deusa Gaia), o qual compele todo aquele que por ele é envolvido a dizer a verdade. [A personagem] é sinônimo de perfeição (também por causa da sua inigualável beleza física), independência e supremacia feminina. [É a] maior e mais poderosa super-heroína dos quadrinhos (na mesma categoria do Super-Homem). Essa campeã dos deuses olimpianos é ainda chamada de a Princesa Amazona.
O autor (op. cit.) explica que, referente à semântica e ao estilo, necessário se faz este destaque: há, por exemplo, vários níveis de força sobre--humana no Universo DC. Esse é um dos parâmetros que ajudam a determinar qual personagem é ―páreo‖ para outro. Por isso, naquele glossário, nas notas enciclopédicas de personagens como Super-Homem e MulherMaravilha, o substantivo força é duplamente adjetivado (incomensurável força sobre-humana e incomensurável força sobre-humana, respectivamente). Por ser a força deles sobre-humana, poderia parecer desnecessário ou redundante o uso de mais um adjetivo, mas, diante do exposto, entendemos que não seja. Até Gilberto Gil, que compôs Super-Homem, A Canção, fez, na letra, uma nítida referência a um trecho de Super-Homem, O Filme (ou Super-Homem I): “Quem sabe o Super-Homem venha nos restituir a glória, mudando, como um deus, o curso da História, por causa da mulher?” 4
Page 4 3 Moretti e Barroso (1991, p. 3) acrescentam que a Princesa Amazona foi criada, em 1941, pelo renomado psicólogo William Moulton Marston (1893–1947) — que usou o pseudônimo de Charles Moulton — para expressar as suas teorias sobre o relacionamento entre homem e mulher. Vale ressaltar que foi o idealizador da personagem quem aperfeiçoou o sistema de testes para o detector de mentiras. O primeiro ilustrador (desenhista) da superheroína foi H. G. Peters. Rimmels (1996, p. 49) afirma que, a respeito da criação da Mulher-Maravilha, Marston escreveu isto: ―As fortes qualidades do sexo feminino têm sido menosprezadas. A solução óbvia é criar uma personagem feminina com toda a força de um super-homem, mas com o fascínio de uma bela mulher.‖ Na década de 1970, fez muito sucesso, em todo o mundo, o seriado live action ―Mulher-Maravilha‖ (Wonder Woman) — desenvolvido exclusivamente para a televisão e estrelado por Lynda Carter. Num dos seus episódios — pertencente à primeira temporada, intitulado ―A Última Nota de Dois Dólares‖ —, o major Steve Trevor5 refere-se à protagonista com estas palavras: ―Ela é um assombro: forte, destemida e cheia de compaixão! Todas as virtudes da feminilidade, sem nenhum dos vícios.‖ O fato de várias versões da origem da princesa amazona terem sido contadas nas histórias em quadrinhos, nos desenhos animados e até mesmo nessa série televisiva é confirmado por Moretti e Barroso (1991, p. 3), que também reconhecem como a versão ―definitiva‖ daquela que é considerada a maior super-heroína de todos os tempos a sua reformulação — proposta, em 1987, pelo argumentista e desenhista George Pérez. É exatamente uma história dessa última ―encarnação‖ da Mulher-Maravilha que nos serve de objeto de estudo neste trabalho.
Segundo o site Wikipedia, o personagem fictício era um oficial do serviço secreto norte-americano por quem a versão original da super-heroína nutria uma paixão platônica. No seriado televisivo, foi interpretado por Lyle Waggoner. Estátua (esculpida por Tim Bruckner) baseada na ―nova‖ Mulher-Maravilha, de George Pérez 5
Page 5 4 Acima, algumas das várias ―encarnações‖ quadrinhísticas da Mulher-Maravilha Versão original da Mulher-Maravilha, no traço de H. G. Peters (1941) Versão da Mulher-Maravilha constante do Guia de Estilo da DC Comics (de 1982) A nova Mulher-Maravilha, de George Pérez: mais poderosa, e nada de salto alto! (1987) Versão da Mulher-Maravilha da Era de Bronze dos quadrinhos (1978)
Page 6 5 Acima, as principais ―encarnações‖ televisivas da Mulher-Maravilha Lynda Carter, no papel da super-heroína, em cena da primeira temporada do seriado Mulher-Maravilha (1976) Lynda Carter, no papel da Princesa Amazona, trajando o uniforme escolhido para a segunda e a terceira temporadas do seriado, as quais foram intituladas As Novas Aventuras da Mulher-Maravilha (1977-1979) A Mulher-Maravilha do desenho animado Superamigos (1973-1984) A Mulher-Maravilha do (recente) desenho animado Liga da Justiça (2005)
Page 7 6 Em entrevista a Mangels (1987, p. 99–101), Pérez referiu-se especificamente a ―The Challenge of the Gods Begins‖, afirmando tratar-se da primeira parte de um arco de histórias no qual Diana teve de provar por que ela é tão necessária ao mundo dos homens quanto as amazonas são essenciais à sobrevivência da humanidade. Nessa seqüência de aventuras, ficou esclarecido aquilo que era imprescindível para a consolidação da origem da ―nova‖ Mulher-Maravilha, de modo que, ao final, definiram-se estes detalhes: quem ela é, quem era a Diana de quem a jovem amazona herdou esse nome, por que usa um uniforme inspirado na bandeira norte--americana, o que a torna tão ímpar (e não apenas mais uma super-heroína) e qual é a sua missão na Terra.
Ainda à luz dessa entrevista concedida pelo aclamado George Pérez, tais histórias encadeadas chamariam a atenção quanto ao aspecto visual, uma vez que, nelas, a protagonista se depararia com criaturas da mitologia olimpiana, inclusive, é óbvio, os deuses. O argumentista (op. cit.) salientou que teve de ler muitos livros e artigos sobre mitologia, dos quais vários eram relacionados às histórias em quadrinhos. Baseou-se mormente na tese Wonder Woman from an Amazon Mythology Perspective, de John Palmer, em que este almejou estabelecer a consonância da Mulher-Maravilha com parte da mitologia grega, a fim de que os mitos ―funcionassem‖ na revista WONDER WOMAN. Na aludida matéria, Pérez também admitiu que grande parte desse último referencial teórico serviu de esteio para a sua recriação da extraordinária super-heroína, permitindo-lhe não só evitar conflitos com o mito das amazonas consolidado em outras aventuras quadrinhísticas por autores daquela época, como também não entrar em contradição com as lendas formadas muitos anos antes de o artista ter de trabalhar com essas mulheres. A pesquisa ajudou-o a arquitetar um meio perspicaz de manter as suas amazonas ―fiéis‖ às origens mitológicas ao mesmo tempo em que guardavam algumas peculiaridades. Eram, por conseguinte, as amazonas da DC, com raízes mitológicas baseadas nas histórias escritas por Hesíodo e outros, porém suficientemente independentes, de forma que ele (op. cit.) pudesse criar as suas aventuras sem estar irrestritamente condicionado àqueles mitos. Por fim, quanto aos deuses, Pérez teve de redesenhá-los, pois queria que a revista recebesse um tratamento visual diferente: decidiu ―construir‖ novos deuses porque queria que fossem os da Mulher-Maravilha, exclusivamente, ao contrário do que acontecia com os deuses das histórias dos Novos Titãs. Cassimiro (2004, p. 54) define Novos Titãs como um grupo de jovens heróis — com base de operações em Nova Iorque — que constitui uma força formidável em prol da justiça. Os seus membros mais famosos são Asa Noturna, Moça-Maravilha, Estelar, Mutano, Ravena e Ciborgue, entre outros. Page 8 7 Acima, os deuses olimpianos de George Pérez (no traço de Phil Jimenez): 1) Possêidon; 2) Zeus; 3) Hades; 4) Dionísio; 5) Apolo; 6) Hera; 7) Héstia; 8) Hermes; 9) Afrodite; 10) Ártemis; 11) Atena; 12) Deméter; 13 Héracles. Ao lado, os ascendentes dos deuses do Olimpo, os Titãs da mitologia (no traço de José Luis García-López): 1) Oceano; 2) Cronos; 3) Téia; 4) Hipérion; 5) Ceo; 6) Febe; 7) Réia; 8) Crio; 9) Mnemósine; 10) Têmis; 11) Iápeto; 12) Tétis.
Page 9 8 Entendemos que todas as considerações acima sejam fundamentais para que possamos dar conta de uma tradução que faça viver os personagens, conservando as suas marcas identitárias. Passamos, a seguir, à abordagem das principais características das histórias em quadrinhos, consideradas um gênero textual. 1.2 — As histórias em quadrinhos como gênero textual Bakhtin (1997, p. 280) define gêneros textuais como tipos relativamente estáveis
de enunciados estruturados a partir de três aspectos gerais de caracterização: o conteúdo (ou a seleção de temas), o estilo (ou a escolha dos recursos lingüísticos) e a construção composicional (que compreende as formas de organização do texto). O teórico do dialogismo (op. cit.) concebe que haja tanto gêneros mais estereotipados quanto mais criativos, maleáveis, plásticos (p. 301). Diante do que exporemos a partir do próximo parágrafo, cremos ser lícito afirmar que as histórias em quadrinhos enquadram-se nessa segunda categoria: a de gêneros textuais mais criativos. Guimarães (2003) conceitua história em quadrinho como a forma de expressão artística que tenta representar um movimento por meio do registro de imagens estáticas [...], não se [restringindo], nessa caracterização, o tipo de superfície empregado, o material usado para o registro nem o grau de tecnologia disponível [...], [englobando] manifestações das áreas de pintura, fotografia (principalmente a fotonovela), desenho de humor (como a charge, o cartum, a caricatura e a ideografia).
O estudioso (op. cit.) também delimita os principais elementos desse gênero textual: o primeiro é o próprio desenho, com sua função narrativa, ou seja, sua tentativa de representar um movimento, incluindo o cinético (linhas de ação que procuram representar até mesmo a trajetória de objetos em movimento); o segundo, o encadeamento de diversas imagens, procurando representar uma ação que se desenrola num período mais longo (isto é, uma realidade visual cujo espaço tridimensional é representado numa superfície plana e dinâmica, enquanto se encena o movimento por intermédio de uma seqüência de imagens estáticas); o terceiro, a utilização de texto escrito, como aspecto de representação da dimensão sonora (ou de um pensamento), no meio da imagem, próximo ao personagem que o emite (ou atribuído a um narrador); e o quarto, o uso de onomatopéia, que, para o autor (op. cit.), é a representação gráfica da adaptação — para os fonemas da língua falada — de sons da Page 10 9 natureza não reproduzidos pelo aparelho vocal humano. Para Guimarães (2003), prevalece nas histórias em quadrinhos a integração do texto escrito à imagem (pictórica). Tais noções são corroboradas por Eguti (1999), que recomenda a leitura da história em quadrinhos como um só visual, percebendo-se que a imagem predomina sobre o texto, muito embora o conceito de história narrada seja ampliado e desenvolvido pelas palavras, as quais, tanto por seu significado quanto por seu aspecto gráfico e visual, complementam a arquitetura da composição de cada quadro. A importância da imagem, ou melhor, dos desenhos nas histórias em quadrinhos é tão inegável que muitos aficionados admitem perder o interesse na leitura quando o traço do desenhista não os atrai. Há, por exemplo, artistas que contrariam acintosamente as premissas mais elementares de alguns personagens. A Mulher-Maravilha, freqüentemente, é vítima deles. Ela, que é definida como uma jovem mulher de beleza extraordinária, ímpar, acaba, não raro, sendo retratada como uma matrona, o que irrita os seus fãs. Quanto aos recursos lingüísticos, a autora (op. cit.) também reforça que os grafemas, os sinais diacríticos, os ideogramas e os sinais de pontuação são muito utilizados, ao lado dos balões, que, por sua vez, além de servirem de contorno aos diálogos, expressam idéias, emoções, sentimentos por meio dos mais diversos tipos de traçado. No que concerne aos usos de sinais, gostaríamos de dar destaque a dois: o das
reticências (...), que, conforme pudemos depreender, especialmente da leitura de ―The Challenge of the Gods Begins‖, são usadas para marcar hesitação (na fala ou no pensamento de um personagem ou narrador) e o de dois hífens seguidos (--), para denotar quebra ou interrupção na seqüência linear da fala ou do pensamento (também de um personagem ou narrador), sem que haja, contudo, hesitação do emissor do enunciado. Em tempo, não poderíamos deixar de dar destaque à seguinte afirmação da autora (op. cit.), que se presta a estabelecer ao menos uma das relações existentes entre as variantes lingüísticas e as identidades nas histórias em quadrinhos: ―O vocabulário utilizado deve ser adequado às personagens, de forma a conferir-lhes a veracidade e a naturalidade da conversação.‖ 1.3 — A tradução e os seus enquadres No artigo ―Do you dig comics?‖, Cortiano (1991, p. 39–41) refere-se à tradução de histórias em quadrinhos, no Brasil, como produto adulterado, mutilado, podre e justifica tão desastroso resultado alegando que os tradutores brasileiros são pobres, mal pagos, Page 11 10 desprestigiados, esforçados incompetentes e despreparados (até mesmo os que, à época, prestavam serviços à Editora Abril). O crítico (op. cit.) ainda apresenta alguns exemplos de traduções desse gênero textual que implicam redução, corte e simplificação do texto e das imagens originais, o que considera mutilação. Por fim, discute outras poucas traduções de histórias em quadrinhos e diz admitir o direito de autoria do bom tradutor (a quem considera também um artista), contanto que este não ―machuque‖ o original. A leitura desse artigo, a despeito do tom contundente, serviu-nos de alerta quanto ao limite entre adaptar e mutilar um texto e, portanto, quanto ao modo pelo qual traduziríamos ―The Challenge of the Gods Begins‖. A verdade é que, mediante a leitura de outros artigos sobre esse tipo de tradução, já não tínhamos como negar a forte impressão de que o públicoalvo de histórias em quadrinhos permanece na expectativa de ser o destinatário de traduções fidelíssimas, literais [segundo o conceito de Barbosa (2004, p. 65–66)]. A opinião de Passarelli (1995), no nosso entendimento, não destoa dos pareceres dos estudiosos até aqui mencionados, já que ele (op. cit.) entende que até mesmo a modificação de uma cor, na adaptação brasileira de uma história em quadrinhos norteamericana, por exemplo, pode modificar o sentido da mensagem transmitida. No que se refere à tradução desse gênero textual, Passarelli (1995) parece filiar-se à corrente doutrinária defendida por Theodor (1976, p. 120–121), para quem, em obediência aos ditames do público leitor, ―o tradutor deve possuir [sic!] perceptividade especial, que lhe permita captar as preferências do ambiente para o qual traduz e constatar quais são as peculiaridades do autor a ser traduzido que se afinem a esses gostos‖. Enfim, exigem-se do tradutor superpoderes, porém, apesar de o seu trabalho ser um desafio, ele não pode depender da ajuda dos deuses. Discordamos dessa afirmação do autor (op. cit.) porque esse modo de conceber a tradução remete-nos à missão impossível de Pierre de Menard, um homem de letras — francês —, da primeira metade do século XX, cujos trabalhos, segundo Arrojo (2002, p.14), têm muito em comum com as teorias tradicionais de tradução, pois esse personagem borgiano concebe o texto como um objeto de contornos perfeitamente determináveis, acreditando, portanto, que seja possível reproduzir totalmente, em outra língua, as idéias, o estilo e a
naturalidade de um texto ―original‖. Filiamo-nos à teoria de tradução de Arrojo (2002), que rejeita as concepções tradicionais, logocêntricas do que seja traduzir e propõe o conceito de texto-palimpsesto: Page 12 11 ... o ―palimpsesto‖ passa a ser o texto que se apaga, em cada comunidade cultural e em cada época, para dar lugar a outra escritura (ou interpretação, ou leitura, ou tradução) do ―mesmo‖ texto (...), [que] não pode ser um conjunto de significados estáveis e imóveis, para sempre ―depositados‖ nas palavras (...) O que temos, o que é possível ter, são suas muitas leituras, suas muitas interpretações – seus muitos ―palimpsestos‖. (p. 23–24) ... o texto/ palimpsesto não é um receptáculo de conteúdos estáveis e mantidos sob controle, que podem ser repetidos na íntegra. (p. 38)
Consideramos conveniente destacar mais duas afirmações da teórica (op. cit.): ... é impossível resgatar integralmente as intenções e o universo de um autor, exatamente porque essas intenções e esse universo serão sempre, inevitavelmente, nossa visão daquilo que possam ter sido. (p. 40) ... como sugeriu o teórico francês Roland Barthes, qualquer texto, por pertencer à linguagem, pode ser lido sem a ―aprovação‖ de seu autor, que pode apenas ―visitar‖ seu texto, como um ―convidado‖, e não como um pai soberano e controlador dos destinos de sua criação. (p. 40)
Ao contrário do que se pode alegar, essa corrente privilegia a noção de tradução ética e não encoraja o tradutor — como leitor e intérprete do texto--palimpsesto — a fazer deste o que bem entender, pois impõe ao profissional de tradução muita responsabilidade no que tange à sua formação (isto é, o domínio das línguas com as quais trabalha), ao públicoalvo do produto de seu trabalho e à própria tradução (como intermediadora da produção de significados). Arrojo (2002, p. 45) ainda assevera que ―quando um leitor ‗produz‘ um texto, a sua interpretação não pode ser exclusivamente sua, da mesma forma que o escritor não pode ser o autor do texto que escreve‖. Nesse sentido, os poderes dos tradutores estarão sempre sobredeterminados pela sua posição de intermediários no mundo dos homens, no qual: aceitaremos e celebraremos aquelas traduções que julgamos ―fiéis‖ às nossas próprias [sic!] concepções textuais e teóricas, e rejeitaremos aquelas de cujos pressupostos não compartilhamos. (p. 45) (...) As traduções, como nós e tudo o que nos cerca, não podem deixar de ser mortais. (p. 45)
Page 13 12 2- O Tradutor entre Línguas e Mundos 2.1 – O tratamento dos personagens De acordo com Crystal (2000, p. 264), variante lingüística é uma expressão usada ―na Sociolingüística e na Estilística para indicar qualquer sistema de expressão lingüística cujo uso seja dependente de variáveis de situação‖. Contudo, o modo pelo qual são reunidas essas variantes vai depender do que cada pesquisador entende por dialeto, registro e mesmo língua. Para alguns sociolingüistas, continua Crystal, ―variante tem definição mais restrita: um tipo de linguagem distintiva dependente da situação — um tipo de língua especializada dentro de um dialeto‖. (p. 264) Apoiando-se na definição de dialeto proposta por Halliday, Preti (1982, p. 25)
acrescenta que, no interior de uma comunidade lingüística, grupos diferentes falam diferentes dialetos. Nesse caso, um dialeto é uma variedade de uma língua. Portanto, para o erudito (op. cit.), ―embora não se possa ter a pretensão de que os dialetos sociais sejam claramente distintos (como são, mais freqüentemente, os dialetos geográficos), ainda assim é possível estabelecer pelo menos duas variedades.‖ Ao mencionar essas duas variantes lingüísticas de natureza social, Preti (1982, p. 26) introduz os dialetos culto e popular, definindo-os da seguinte forma: o primeiro é aquele eleito pela comunidade como o que goza de mais prestígio, refletindo um índice de cultura a que todos pretendem (ou deveriam pretender) chegar. O segundo, menos prestigiado socialmente, é o mais aberto às transformações da linguagem oral do povo. O teórico (op. cit.) ainda caracteriza esses dois dialetos sociais do ponto de vista de suas estruturas morfossintáticas, apontando algumas diferenças mais comumente neles observadas em português (p. 27–28): o dialeto culto apresenta, por exemplo, indicação precisa das marcas de gênero, número e pessoa; uso de todas as pessoas gramaticais do verbo, com exceção, talvez, da 2.ª do plural, relegada, praticamente, à linguagem dos discursos e sermões; emprego de todos os tempos e modos verbais; correlação verbal entre tempos e modos; coordenação e subordinação, ou seja, riqueza de construção sintática, etc. O dialeto popular, por seu turno, caracteriza-se pela economia nas marcas de gênero, número e pessoa; redução das pessoas gramaticais do verbo, isto é, mistura da 2.ª com a 3.ª pessoa, no singular; redução dos tempos de conjugação verbal e de certas pessoas (por exemplo, a perda quase total do futuro do presente e do pretérito-mais-que-perfeito — no indicativo —, do presente do subjuntivo e do infinitivo pessoal); falta de correlação verbal entre os tempos; redução do Page 14 13 processo subordinativo em benefício da frase simples e da coordenação; ou seja, uma simplificação gramatical da frase e o emprego dos pronomes pessoais retos como objetos. Do ponto de vista lexical, Preti (1982, p. 28) assevera ser muito difícil estabelecer distinções mais nítidas entre os dialetos culto e popular além destas: naquele, há mais variedade vocabular, mais precisão no emprego dos termos e mais incidência de vocábulos técnicos; neste, predomina um vocabulário restrito, de uso muito amplo nos mais diversos sentidos, muitas vezes abusivo na gíria e nos recursos enfáticos (como os termos obscenos). O sociolingüista (op. cit.) também afirma que o dialeto social culto, em razão das características apontadas anteriormente, prende-se mais às regras da gramática normativa, que é deveras conservadora, de modo que a linguagem culta poderia atingir graus de extrema elaboração que a tornariam preciosa, fora da realidade falada. Embora o texto de ―The Challenge of the Gods Begins‖ seja escrito em língua inglesa, cremos que algumas dessas características referentes às variantes lingüísticas em língua portuguesa favorecem a nossa conclusão de que não há de se falar que dele constem variantes lingüísticas, uma vez que a sua linguagem enquadra-se inteiramente no registro culto (e o tom chega mesmo a ser solene). É impossível, todavia, deixar de notar uma diferenciação no que se refere ao tratamento (por meio da utilização dos pronomes ―você‖ e ―tu‖), o que nos permite estabelecer uma correlação entre a variação no uso da linguagem e as identidades dos personagens. Quando as amazonas falam entre si, usam sempre ―você‖ (mesmo quando uma delas se dirige à sua rainha ou à sua princesa). De idêntico modo, os deuses, quando falam
entre si, usam ―você‖ (ainda que uma divindade ―menor‖ dirija-se a Zeus). Para a nossa surpresa, quando as amazonas dirigem-se aos deuses (inclusive Zeus), também usam o pronome de tratamento ―você‖. Somente quando as divindades mitológicas se dirigem às amazonas, nota-se a adoção de ―tu‖. Sayão (2001, p. 72–75) — hebraísta, responsável pela Bíblia Poliglota (da Editora Vida Nova) e autor de NVI: a Bíblia do século XXI6 — traz a seguinte contribuição (concernente ao uso dos pronomes) ao nosso estudo: Uma das peculiaridades da NVI é o uso que faz dos pronomes. Algumas pessoas podem ficar confusas ao descobrir que na NVI A obra é uma introdução à Nova Versão Internacional (NVI) da Bíblia, na qual o autor afirma que essa tradução das Sagradas Escrituras norteou-se por uma ―necessidade fundamental de buscar uma tradução que, além de ser fiel à intenção autoral dos escritores bíblicos, [fosse] também acessível ao leitor contemporâneo‖. 6
Page 15 14 encontrarão os pronomes tu, você, senhor, vós e vocês. Por que essa diversidade? Em primeiro lugar, deve ser dito que a NVI reconhece a diversidade pronominal do português de hoje. O uso mais comum e crescente é o do pronome você(s). Por isso, a NVI o utiliza como forma comum de tratamento entre iguais. Todavia, ninguém fala com Deus usando a forma você. Por isso, a NVI prefere manter tu nesse caso e nos outros contextos definidos por deferência. (Grifo nosso) Naturalmente, o contexto é o que determina o uso dos pronomes. Vejamos os exemplos: Mateus 26.63,64 Mas Jesus permaneceu em silêncio. O sumo sacerdote lhe disse: ―Exijo que você jure pelo Deus vivo: se você é o Cristo, o Filho de Deus, diga-nos‖. ―Tu mesmo o disseste‖, respondeu Jesus. ―Mas eu digo a todos vós: Chegará o dia em que vereis o Filho do homem assentado à direita do Poderoso e vindo sobre as nuvens do céu.‖ Obs.: Jesus é chamado de você aqui porque está sendo tratado como criminoso. O contexto é de respeito. Jesus, porém, trata os líderes religiosos com deferência, expressa por meio de tu e de vós. Atos 25.26 No entanto, não tenho nada definido a respeito dele para escrever a Sua Majestade. Por isso, eu o trouxe diante dos senhores, e especialmente diante de ti, rei Agripa, de forma que, feita esta investigação, eu tenha algo para escrever. Obs.: Diante de Agripa, Festo e Berenice, Paulo os trata respeitosamente por senhores. O rei Agripa é tratado por tu (ti). João 4.9,10 A mulher samaritana lhe perguntou: ―Como o senhor, sendo judeu, pede a mim, uma samaritana, água para beber?‖ (Pois os judeus não se dão bem com os samaritanos.) Jesus lhe respondeu: ―Se você conhecesse o dom de Deus e quem lhe
está pedindo água, você lhe teria pedido e ele lhe teria dado água viva‖. Obs.: A samaritana chama Jesus de senhor, devido à diferença social entre eles. Jesus a chama de você, por idêntica razão. Page 16 15 Não temos a intenção de igualar as divindades da mitologia helênica da MulherMaravilha ao Deus bíblico; cumpre-nos, outrossim, admitir que ficamos surpresos com a constatação de que, em ―The Challenge of the Gods Begins‖, o critério de uso pronominal é inverso ao da NVI: haja vista que as divindades usam ―tu‖ somente quando se dirigem às amazonas, e estas, ao se dirigirem àquelas, tratam-nas por ―você(s)‖. Talvez George Pérez tenha optado por conferir prestígio à identidade superior dos deuses do panteão do Monte Olimpo, frisando o distanciamento, a hierarquia entre estes e as amazonas por intermédio da construção do discurso dos olimpianos a partir desta possibilidade da variante social culta: a de, como bem advertiu Preti (1982, p. 33), atingir graus de extrema elaboração que podem torná-la preciosa, muito acima da realidade falada. Até porque o inglês usado pelo escritor no discurso dos deuses é o — assim chamado — Middle English, típico, por exemplo, dos textos shakespearianos. É mister consignar que o uso pronominal adotado pelo autor do original foi respeitado na nossa tradução. 2.2 – A tradução e as identidades em variação: apresentação da história em quadrinhos (na língua de partida) e da sua tradução em português (a língua de chegada) ―The Challenge of the Gods Begins‖, foi originalmente publicada pela DC Comics no número 10 da revista WONDER WOMAN, em novembro de 1987. A aventura contida nessa edição é, por conseguinte, a décima após a reformulação da Mulher-Maravilha, por George Pérez, em fevereiro daquele ano. O enredo é este: por ter derrotado Ares, o deus da guerra, a princesa Diana acabou atraindo para si a atenção dos demais deuses (habitantes do Monte Olimpo), já que tal façanha não pudera ser cumprida nem mesmo por essas divindades. Zeus não ficou apenas impressionado com o feito da amazona, mas também a cobiçou e decidiu abordá-la, a fim de consumar seu intento libidinoso. Sentindo-se aviltado pelo repúdio da jovem, o rei dos olimpianos sentenciou: ela seria submetida a um desafio que consistia em enfrentar, no Tártaro7, todos os trabalhos8 que lhe fossem acrescidos por cada um dos deuses daquele panteão, sob o risco de sobrevirem-lhe conseqüências diametralmente opostas: se Diana se saísse bem, livraria as suas irmãs amazonas e a sua terra natal, a Ilha Paraíso, da maldição 7 8
Cassimiro (2004, p. 42) define o termo como o inferno grego. Tais desafios nos remeteram aos lendários doze trabalhos de Hércules (ou Héracles, na terminologia grega).
Page 17 16 milenar de serem as guardiãs do Portal do Destino9 e provaria ser, como se cogitava, verdadeiramente equiparável aos próprios deuses; caso falhasse, traria sobre todas as amazonas e a sua amada ilha a condenação ao aniquilamento sumário. Corajosamente, a super-heroína aceitou o desafio e partiu rumo ao seu destino, deparando-se com Cótus, cuja vida foi ceifada por ela, e, por fim, com a Hidra de Sete Cabeças, mas o embate com essa
criatura ficou para a edição seguinte. Ao longo da história, a protagonista interage com as amazonas (incluindo sua mãe, a rainha Hipólita), os deuses e criaturas da mitologia grega (como Cótus e a Hidra de Sete Cabeças). Vale lembrar que, a despeito das aparições de seres milenares, o tempo da narrativa é o presente. Também vemos pertinência no reforço de que o arco de histórias iniciado na edição de número 10 de WONDER WOMAN e encerrado na de número 14 (isto é, o conjunto de trabalhos ou desafios superados pela princesa amazona) serviu ao propósito de seu autor, George Pérez, de consolidar a posição de preeminência da Mulher-Maravilha não somente em relação ao Universo DC como também perante todo o cenário das histórias em quadrinhos (de super-heróis). Como o nosso objetivo é relacionar as variações lingüísticas às identidades dos personagens, escolhemos três cenas. A primeira tem início no quinto quadrinho da página 4 e termina no último da página 5 da edição mencionada. Nela, há apenas a interação entre amazonas. A segunda, na qual a protagonista interage com as suas irmãs amazonas, inclusive Hipólita (sua rainha e mãe), corresponde a toda a página 11. A terceira se inicia no primeiro quadrinho da página 12 e se estende até o último da página 14. Nela, a Mulher--Maravilha interage com os deuses do Olimpo. 9
Cassimiro (2004, p. 42) define o termo como a entrada para o Tártaro, localizada no subsolo da Ilha Paraíso, lacrada e vigiada pelas amazonas.
Page 18 17 A ―nova‖ Mulher-Maravilha no traço de José Luis García-López
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Cena n.º 3 (3.ª parte) Page 25 24 Resta-nos agora, tão-somente, cumprir o dever de expor a nossa opção tradutória para as três cenas acima. Antes, porém, julgamos mais oportuno explicitar qual foi o título português que escolhemos dar à história ―The Challenge of the Gods Begins‖, que é este: ―Tem Início o Desafio Imposto pelos Deuses‖. No nosso entendimento, traduzir ―challenge of the gods‖ por ―desafio dos deuses‖ não é uma boa opção, apesar da literalidade, pois não esclarece (de maneira inequívoca) se os deuses são os desafiados ou os desafiadores. Considerando o contexto — ou seja, a íntegra dessa aventura quadrinhística que nos serviu de texto na língua de partida —, principalmente a irrefutável ausência de intenção da jovem amazona de desacatar, aviltar ou — por que não dizer? — desafiar os seus deuses, defendemos a justificativa de que a melhor opção de tradução para o seu título é a que propusemos no parágrafo anterior. Abaixo está, enfim, a nossa tradução das cenas supracitadas: A arte de George Pérez para a Princesa Amazona
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Cena n.º 3 (3.ª parte) Page 32 31 3 - respondendo ao desafio: os (E)Feitos Tradutórios Por almejarmos o estabelecimento de coerência metodológica, restringimo-nos, nesta porção do trabalho, aos conceitos propostos por Barbosa (2004, p. 63–77) para a caracterização dos procedimentos técnicos de pontos — que não são muitos — da nossa tradução (selecionados para serem justificados). Conduzimos a nossa prática tradutória procurando dar atenção não somente ao que se diz, mas também a como se diz nas duas línguas: a de partida e a de chegada. Esforçamo-nos para que isso se refletisse na nossa reescritura, em português, de ―The Challenge of the Gods Begins‖, que, como já dissemos, intitulamos ―Tem Início o Desafio Imposto pelos Deuses‖. É importante esclarecer que não nos sentimos pressionados a ―enxugar‖ o nosso texto — pela tão alardeada limitação de espaço para a inserção da tradução — porque, já na década de 1970, a Editora Ebal resolvia esse ―problema‖ por intermédio da utilização de fonte menor, o que, a nosso ver, não prejudicava a integridade da obra. Queremos, portanto, enriquecer este trabalho com um exemplo do que acabamos de afirmar: Page 33 32 Passarelli (1995) chama a atenção para o fato de não haver um critério coeso e coerente, ou seja, padronizado no que diz respeito aos nomes dos personagens nas traduções de histórias em quadrinhos. Segundo o estudioso (op. cit.), não se convencionou, no Brasil, a manutenção dos nomes em inglês ou em português. Sendo assim, decidimos aclimatar o nome próprio ―Phillipus‖ para ―Filípus‖, levando em consideração a possibilidade de facilitação — ao leitor brasileiro — da pronúncia. Page 34 33 Os substantivos próprios ―Themyscira‖ e ―Acantha‖, entretanto, foram mantidos exatamente como constavam do texto na língua de partida porque, a nosso ver, por não existir em português um fonema que corresponda ao ―th‖, esses nomes acabariam, de qualquer forma, sendo pronunciados com o som de ―t‖ pelo leitor deste país, que já está acostumado a nomes como Thiago (ou Tiago) e Thales (ou Tales). Esse é um caso de transferência. No terceiro quadrinho da segunda cena (a qual corresponde à página 12 de WONDER WOMAN n.º 10), preferimos fazer com que a rainha Hipólita dissesse ―... antes mesmo de os deuses concederem o sopro de vida àquela argila...‖ em vez de ―... antes de os deuses soprarem vida naquela argila...‖ simplesmente porque, para nós, a modulação (a primeira opção) soou mais coerente com o discurso mais elaborado de uma rainha do que a tradução literal (a segunda opção). Na mesma cena, no quadrinho seguinte, o oráculo, no original, emprega, de
acordo com Martins (2003, p. 102), uma metonímia: ―... o caldeirão borbulha...‖. Demos preferência, no nosso texto, por uma questão de estilo, a uma linguagem mais denotativa: ―... o conteúdo do caldeirão borbulha...‖. Na terceira cena (isto é, nas páginas 13 e 14 de WONDER WOMAN n.º 10), verificase a utilização, pelos deuses, do termo ―lord‖ em sinal de deferência a Zeus. Embora haja tradutores brasileiros da ―nona arte‖ que adotem ―lorde‖, isto é, a tradução literal, decidimos substituí-la ora por ―soberano‖ ora por ―nobre‖. Apesar de ―lorde‖ ser um título de nobreza na Inglaterra (e significar ―senhor‖), no Brasil, contudo, há um uso informal (um regionalismo) para o termo, que, nessa acepção, significa ―bacana‖, ―vistoso‖, ―elegante‖. Consideramos, então, mais sensato escolher termos que, em português, conferissem a Zeus, inequivocamente, a nobreza salientada pelas demais divindades helênicas. Não poderíamos deixar de mencionar o nosso uso de mesóclise, a fim de denotar o discurso incomum, erudito e preciosista dos deuses (especialmente quando se dirigem às amazonas). Diríamos que essa foi a nossa adaptação de um registro da língua inglesa tido como arcaico. Por fim, queremos também realçar a parcimônia com que empregamos os pronomes pessoais retos, intencionando levar o leitor a deduzir os sujeitos por meio da desinência verbal. Esse é o tipo de omissão que, entendemos, confere mais valor à linguagem empregada na reescritura do texto na língua de chegada. Page 35 34 CONCLUSÃO A história em quadrinhos é um gênero textual que se caracteriza essencialmente pela integração de imagem e palavra escrita. Embora o desenho predomine, é o texto o que amplia o conceito de história narrada e se presta, dentre outras funções, à construção das identidades dos personagens por meio do dialeto por eles usado. No processo de tradução de ―The Challenge of the Gods Begins‖, pudemos constatar que, ao lado dos desenhos (elaborados e detalhistas) de George Pérez — o responsável pelo argumento e pela arte —, foi o texto o que revelou peculiaridades relativas às identidades de senhores e servas, por exemplo. Essa história foi inteiramente escrita no dialeto social culto, num tom que chega a ser solene. Não há, portanto, por que falar, nesse caso, em oposição entre as variantes lingüísticas culta e popular. Outrossim, pela forma de tratamento dos personagens, ou melhor, pelo seu uso pronominal, estabeleceu-se a relação de diferença hierárquica (de dominação e submissão) entre eles. Diante do exposto, concluímos que o referencial teórico utilizado — que abrange estudos de sociolingüística, estilística, teoria e procedimentos técnicos de tradução, histórias em quadrinhos, gêneros textuais e língua portuguesa — contribuiu tanto para que alcançássemos os nossos objetivos (de relacionar o uso da linguagem à identidade das personagens) quanto para que exercêssemos o pensamento crítico. Muito embora o trabalho do tradutor possa ter sido, neste caso, restrito a manterse no portal, ficamos, na verdade, entre dois desafios: o do texto de partida, que pede tradução e o de chegada, cujo destino depende dos leitores. REFERÊNCIAS ARROJO, Rosemary. Oficina de tradução: a teoria na prática. 4. ed. São Paulo: Editora Ática,
2002. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BARBOSA, Heloísa Gonçalves. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. Campinas, SP: Pontes, 2004. Page 36 35 CASSIMIRO, Eduardo de Carvalho. Glossário bilíngüe do Universo DC Comics. 2004. 59 p. Trabalho não publicado, apresentado como requisito parcial para a aprovação na disciplina Princípios de Lexicografia e Terminologia Bilíngüe (Especialização lato sensu em Tradução Inglês / Português), UNIBERO, São Paulo, SP, 2004. CORTIANO, Edson José. Do you dig comics? HQ Revista Especializada em Quadrinhos, Ribeirão Preto, SP: Editora Palermo, n.º 3, p. 39–41, 1991. CRYSTAL, David. Dicionário de lingüística e fonética. Tradução e adaptação [da 2.ª ed. inglesa ver. E ampliada, publicada em 1985], Maria Carmelita Pádua Dias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. EGUTI, Clarícia Akemi. A oralidade nas histórias em quadrinhos. [S.I.]: Agaquê, 1999. Disponível em . Acesso em: 10 out. 2005. GUIMARÃES, Edgard. Integração texto / imagem na história em quadrinhos. In: CONGRESSO ANUAL EM CIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO, 26., 2003, Belo Horizonte, MG. Banco de textos do XXVI Congresso da Intercom – 2003. Belo Horizonte: Intercom, 2003. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2005. GUSMAN, Sidney. 70 anos de história... em quadrinhos. Grandes Sagas DC, São Paulo: Ed. Abril, p. 6–11, 2005. JIMENEZ, Phil et al. The DC Comics encyclopedia. 1st American ed. New York: Dorling Kindersley Publishing, Inc., 2004. 354 p. LUFT, Celso Pedro. Dicionário prático de regência nominal. 4. ed. São Paulo: Editora Ática, 2002. ________________. Dicionário prático de regência verbal. 8. ed. São Paulo: Editora Ática, 2002. MANGELS, Andy. George Pérez. David Anthony Kraft’s Comics Interview, New York: Fictioneer Books Ltd., n.º 50, p. 97–101, 1987. MARTINS FILHO, Eduardo Lopes. Manual de redação e estilo de O Estado de S. Paulo. 3. ed. São Paulo: Estado de S. Paulo, 1997. Page 37 36 MARTINS, Nilce Sant‘anna. Introdução à estilística. 3. ed. rev. e aum. São Paulo: T. A. Queiroz, 2000. MICHAELIS: Dicionário Ilustrado Inglês – Português. 26. ed., vols. I e II. São Paulo: Melhoramentos, 19-.
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