Principios 150

March 31, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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EDITORIAL

150 vezes, Princípios! 

 P

rincípios, com 36

anos de circulação, chega à sua edição

número Umaerevista de teoria,150. política informação do campo político marxista e progressista do Brasil. Neste gênero, é a mais longeva publicação do país. Foi fundada pelo histórico dirigente do Partido Comunista do Brasil, João Amazonas. Floresceu pelou trabalho coletivo, de sucessivas equipes editoriais que estiveram à sua frente. Sua coleção de 150 números se constitui de mais 12.300 páginas, aproximadamente 2.400 textos, produzidos por cerca de 800 personalidades: um conceituado rol de intelectuais, jornalistas, cientistas, artistas, lideranças políticas e sociais, principalmente do nosso país, mas também do exterior. exterior. Percorrer suas páginas é como empreender uma  viagem no percurso intelectual da corrente marxista e progressista brasileira. Os acertos, as ideias inovadoras e impulsionadoras dessa corrente, bem como seus equívocos e insuficiências. Itinerário que revela o trabalho persistente e continuado para um crescente domínio da realidade nacional, dos principais aspectos da dinâmica mundial, notadamente a crítica ao capitalismo contemporâneo, a oposição resoluta ao imperialismo, e a defesa do socialismo como alternativa. Labor intelectual e jornalístico regido pela diretriz de que transformar exige conhecer a realidade.  A revista nasceu em 1981, no bojo da ofensiva final pelo fim da ditadura militar, e ei-la, 36 anos depois, participando da resistência democrática, na esfera da batalha de ideias, contra um governo ilegítimo, imposto por um golpe de Esta-

do, tipo jurídico-parlamentar, consumado em agosto de 2016.  Princípios participou do debate da Assembleia Nacional Constituinte cuja Constituição aprovada, em 1988, apesar das limitações impostas pela luta polítip olítica, se constituiu um marco na restauração do Estado Democrático de Direito e de importantes conquistas na esfera da soberania nacional e dos direitos sociais. Na atualidade, nossas páginas se concentram em combater o protagonismo despótico de corporações do Estado que pisoteiam o Estado de Direito; e nossas colunas procuram desvendar e denunciar a agenda de cunho neocolonial e ultraliberal do governo golpista de Michel Temer. Nos anos 1990, a revista contribuiu para desnudar o significado teórico, político e ideológico do neoliberalismo que, por intermédio sobretudo dos dois governos Fernando Henrique Cardoso, provocou profundo retrocesso no país. Simultaneamente,  Princípios  se insere no trabalho de elaboração de um programa mento, alternativo às desenvolviimposições do Consenso de Washington. Polemiza com visões políticas eivadas

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de táticas sectárias e contribui para disseminar a ideia de que a esquerda sozinha nem venceria as eleições e nem governaria o país. “Ideia” que se consagra com a épica vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. No ciclo progressista dos governos Lula e Dilma (2003-2016), dedicou a adensar as bandeiras e os se conteúdos de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. Grandes temas, como soberania nacional e integração latino-americana, ampliação da democracia, combate ao rentismo, desen volvimento robusto, distribuição de renda, Defesa Nacional, Energia, Inovação, Agricultura, Proteção do meio ambiente, Educação, Saúde, Esporte, Cultura, além das reformas estruturais democráticas, entre elas, a Política, dos meios de comunicação, do sistema financeiro, urbana, entre outras. Neste período, tendo em tela a leitura de que de que os governos Lula e Dilma se regiam pela luta entre continuísmo e mudança, a revista se orienta por uma linha editorial de enfrentamento às concepções conservadoras presentes, dentro e fora do governo, e de apoio às forças políticas da mudança, e à mobilização do povo. No triênio 1989-1991, quando se dá a grande derrota estratégica da classe trabalhadora e dos povos, com o fim da União Soviética, S oviética, quando se instaura a crise do socialismo, Prin  Princípio cípioss 

exemplo, estudo e a pesquisa que realiza daso singularidades e tendências da grande crise do capitalismo que teve início em 2007-2008.  Ante a escalada bélica do imperialismo estadunidense, com sucessivas guerras no Oriente Médio, que já custaram milhares e milhares de  vidas; as investidas contra a Rússia e a China; a perigosa política de elevar as tensões na península coreana que expõe toda região ao risco de um guerra devastadora; a ofensiva contra a soberania e autodeterminação dos países da América Latina,  Princípios  tem erguido a bandeira da paz e da luta anti-imperialista, ao mesmo tempo em que sustenta que tais circunstâncias ressaltam a centralidade da questão nacional como vértice da  jornada de resistência e por transformações. Quando estamos a enfrentar uma das piores cri-

abre suas páginas às reflexões sobre o porquê da derrocada da primeira grande experiência socialista, destacando o legado da URSS à humanidade e contribuindo com a sistematização das lições dessa magnífica experiência. De lá para cá, desse grande esforço, realizado no Brasil e no Mundo, pelas forças revolucionárias, vem emergindo uma nova luta pelo socialismo, em que pese ainda prevaleça uma correlação de forças desfavorável ao campo da revolução. Neste ano, quando se comemora o centenário da Revolução Russa,  Princípios 

ses de nossa história republicana, quando, como diz um verso do poeta Thiago de Melo, faz escuro no céu da pátria,  Princípios  prosseguirá com sua missão: desbravar saídas que retirem o país do buraco fundo e imundo ao qual foi empurrado pelo golpe de Estado; e ajudar a reagrupar, agregar as forças vi vas da pátria e do povo. Demandará muita luta e uma jornada longa, mas a Nação e a classe traba-

acumula riconaacervo sobre a luta pelo socialismo contemporaneidade,  jogando luzes sobre os países que persistem na jornada pela transição

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do capitalismo ao socialismo, destacadamente China, Vietnã e Cuba.  A revista também defende, dissemina o marxismo e está engajada no esforço de revigorá-lo, a partir da análise dos grandes problemas e dilemas da contemporaneidade. Como, por

lhadora novamente irão salvar o Brasil.  Adalberto Monteiro  Editor 

 

 

UMÁRIO  S UMÁRIO  Editorial

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150 vezes, Princípios ! ................... ....................................... ........................................ ........................................ ......................................... .................................. .............

Capa

Revoluções industriais e metamorfoses do capitalismo: aspectos as pectos históricos e teóricos  A. SÉRGIO BARROSO.................... ........................................ ........................................ ......................................... ......................................... ........................................ ....................... ...

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A dualidade lucro-salário nas revoluç revoluções ões industriais OSVALDO BERTOLINO .................. ...................................... ......................................... ......................................... ........................................ ......................................... .....................

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RODRIGO CUNHA SILVA LEAL - UALLACE MOREIRA LIMA - VITOR ARAÚJO FILGUEIRAS..............................

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A Indústria 4.0 e o debate acerca dos seus impactos sobre o emprego

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A reindustrialização brasileira como vértice de um novo projeto nacional

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....................................... ......................................... ......................................... ........................................ ......................................... ..................... RONALDO CARMONA................... A 4a Revolução Industrial: criativa ou disruptiva para o Brasil ?

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LUCIANO COUTINHO.................... ........................................ ......................................... ......................................... ........................................ ......................................... ..................... Entrevista com Luis Fernandes - Indústria, inovação e projeto nacional OSVALDO BERTOLINO .................. ...................................... ......................................... ......................................... ........................................ ......................................... .....................

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Seminário internacional aborda impactos da crise e da inovação tecnológica no mundo do trabalho CLÁUDIO GONZALEZ

Brasil Sindicalistas prometem resistir de cabeça e punho erguidos contra os retrocessos da reforma

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DA REDAÇÃO

............................................................ ........................................ ........................................ ......................................... ......................................... .............................. .......... Judicialização da política e controle do processo legislativo

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ISAAC KOFI MEDEIROS.................... ......................................... ......................................... ........................................ ......................................... ...................................... .................

Educação Para que o futuro não seja apagado ........................................ ......................................... ........................................ ........................................ ......................................... ................................ ........... GILSON REIS...................

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Teoria

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Pós-modernismo e a atualidade da teoria Marxista

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....................................... ......................................... ......................................... ........................................ ............................ ........ MADALENA GUASCO PEIXOTO...................

Resenhas A Revolução Bipolar – A gênese e derrocada do socialismo soviético

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DANIEL AARÃO REIS.................... ........................................ ......................................... ......................................... ........................................ ......................................... ..................... A mais longa duração d uração da juventude – Um sonho q que ue a repressão não destrói

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JOSÉ CARLOS RUY................... ....................................... ........................................ ........................................ ......................................... ......................................... ........................ ....

Kanimambo – o orescer de uma família forjada na luta contra a perseguição política

ANA PRESTES

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Revoluções industriais e metamorfoses metamorf oses do capitalismo: aspectos históricos e teóricos

 

 A. Sérgio Sé rgio Barroso* Barr oso*  Foto de Fumi Yamazaki/ickr

Robótica feita em casa (2017)

As grandes transformações nanceiras e técnicas sequenciais que ocorrem no capitalismo desde o início dos anos 1980, com a ascensão do neoliberalismo, e impulsionadas pela crise dos anos 1970, originaram uma nova fase no capitalismo. Um novo patamar – degraus – no interior do estágio imperialista do sistema capitalista Marxismo e revoluções industriais nos capítulos sobre a Manufatura e a Maquinaria (O Capital) que Marx analisa a gênese forças produtivas capitalistas, como sedas constituem as bases técnicas desse modo de produção pela transformação do artesanato, que dá origem à manufatura, e

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finalmente como vai ser revolucionado o regime de produção pela introdução da maquinaria organizada como grande indústria. Ou seja, o capítulo da maquinaria mostra como é revolucionada a organização da produção por meio da criação das bases técnicas adequadas ao capital.  Na transição estrutural seguinte, a partir da década de 1870, iniciava-se o desenvolvimento do mo-

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CAPA

Um motor a vapor do escocês James Watt (1736-1819), alimentado principalmente com carvão, impulsionou a Revolução Industrial no Reino Unido e no mundo

 vimento explosivo que foi denominado de Segunda Revolução Industrial. Dando lugar a novos ramos de produção, vai sendo gestado um novo padrão tecnológico – do aço, da eletricidade, do motor a combustão interna, da química pesada etc. Essa nova tecnologia já não era produzida e difundida por homens práticos, mas resultava da aplicação consciente de conhecimentos científicos nos processos produtivos.  Ademais, é fundamental compreender que, se a Primeira Revolução Industrial deve ser periodizada entre 1760 e 1840, de outra parte, é nos novos estudos sobre a teoria de Marx e Engels, destacadamente dos pesquisadores da nova MEGA2 (Marx e Engels

ainda em 1857-1858, dos estudos dos Grundrisse (Ca pítulo do capital ca pital”. São Paulo/ Rio de Janeiro: Boitempo/ UFRJ, 2013, p. 387-388):

Gesamtausgabe), que se encontram vários cadernos –em que Marx examinou detalhadamente as crises capitalistas de 1848, 1857, 1866 e 1872. Quer dizer, crises capitalistas que ocorreram exatamente no processo que antecedeu a passagem da primeira revolução industrial para a segunda. E, atenção: nesse movimento de centralização de capitais, de fusões, combinações etc., os bancos passavam a assumir um papel central, dada sua posição estratégica de monopolizadores de crédito. A pesquisa tecnológica começava a ser desenvolvida no próprio interior das grandes empresas que surgiam, e agora o capital assalariava cientistas e técnicos, e buscava deliberadamente as inovações. Dessa forma, a inovação tecnológica passava a ser resultado do planejamento e de pesquisas, e não mais produto da ação individual.  A propósito, simplesmente notável que Marx tenha assim formulado algumas de suas conclusões,

 da tecnologia, ou da aplicação dessa ciência à produ ção. (Por seu lado, o próprio desenvolvimento dessa ciência, especialmente da ciência natural e, com esta, todas as demais, está relacionado ao desenvolvimento da produção material).”.

“No entanto, à medida que a grande indústria se de senvolve, a criação de riqueza efetiva passa a depen der menos do tempo de trabalho e do quantum de trabalho empregado que do poder dos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder  que – sua ‘poderosa efetividade’ –, por sua vez, não tem nenhuma relação como o tempo de trabalho imediato que custa sua produção, mas que depende,  ao contrário, do nível geral da ciência e do progresso

A primeira revolução industrial Notemos que, entre 1760 e 1840 (Hobsbawm), a revolução industrial ficou limitada, primeiramente, à Inglaterra. Houve o aparecimento de indústrias de tecidos de algodão, com o uso do tear mecânico. Nessa época a utilização das máquinas associadas ao  vapor,, à água e ao ar contribuiu para a continuação  vapor da revolução. Entre 1840 e 1870 a industrialização espraia-se pelos EUA, Alemanha, França. Sublinhe-se então que uma questão nodal é que o ponto de partida desse processo é constituído pela

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transformação da ferramenta em máquina-ferramenta, ou

seja, pelo estágio em que se retira a ferramenta das mãos do trabalhador e a torna elemento de um mecanismo. Isto é: “É desta parte da máquina, da máquina ferramenta, que parte a revolução industrial do século XVIII” (Marx, O Capital, livro 1,  vol. I, cap. XIII, p. 426, Civilização Brasileira, 1968).

WM, A era do capital, Paz e Terra, 1977, p. 223-226). Hobsbawm exemplifica que o grupo alemão Krupp (Essen), em 1848 possuía 72 trabalhadores; em 1873, alcançara 12.500. O grupo francês Schneider tinha 12.000 trabalhadores em 1870, o que correspondia a mais da metade da população de Creusot trabalhando em fornos e maquinaria diversas da empresa . Nesse[1] processo, implicante em centralização de capitais, com fusões, aquisições, combinações etc., recorde-se que os bancos passavam a assumir um papel central, dada sua posição estratégica de monopolizadores de crédito.

Porém – prossegue Marx –, nesse estágio, “A máquina da qual parte a revolução industrial substitui o trabalhador que maneja uma única ferramenta por um mecanismo que ao Lenin, monopólios e capital financeiro mesmo tempo opera com certo número de ferramentas idênticas ou semelhantes àquela, e Para a caracterização da pasé acionada por uma única sagem à etapa monopolista do força motriz, qualquer que A primeira revolução capitalismo, V. Lenin parte da seja a sua forma. Temos industrial, ao catapultar identificação da transformação então a máquina, mas ainestrutural pela qual passava o da como elemento simples a grande indústria, regime de produção nos países da produção mecanizada.” avançados, e situa a mudança (IBIDEM, p. 428). implica um violento básica no grau atingido pela conprocesso histórico centração da produção. Após de A primeira revolução indusde desagregação da monstrar como a livre concorrêntrial, ao catapultar a grande inpequena produção, cia engendrava organicamente o dústria, implica um violento promonopólio, argumenta ele: cesso histórico de desagregação a incorporação da pequena produção, a incormassivaa de proletários massiv 1. Décadas de 1860 e 1870, ponto poração massiva de proletários culminante de desenvolvimento (mulheres e crianças) ao trabalho (mulheres e crianças) da livre concorrência. Os monopólios fabril, superexploração com jorao trabalho fabril,  são ainda germens apenas perceptínadas de trabalho de até 16 horas veis. diárias. superexploração com

Da segunda revolução

 jornadas  jornad as de trabalho t rabalho de

2. Depois da crise de 1873, lon-

industrial go desenvolvimento até 16 horas diárias dos período cartéis, de os quais constituem ainda uma exceção, não são ain A partir da da década de 1870 coda sólidos, ainda representam um fenômeno meçava o processo denominado segunda revolução passageiro. industrial. Dando lugar a novos ramos de produção,  vai sendo gestado um novo padrão tecnológico:  do 3. Auge de fins do século XIX, a crise de 1900 a  aço, petróleo, da eletricidade, do motor a combustão inter1903: os cartéis convertem-se em uma das bana, da química pesada, do telégrafo sem fio, do telefone etc. ,  ses da vida de toda economia. O capitalismo essa nova tecnologia já não era produzida e difunditransformou-se em imperialismo. da por homens práticos, mas resultava da aplicação consciente de conhecimentos científicos nos procesNote-se bem: A grande depressão (1873-1896) sos produtivos. engendrou uma fase de transição entre a etapa con A formidável ampliação e urbanização das cidacorrencial do capitalismo e a monopolista. Apesar des, do emprego e do tamanho das empresas imdos avanços no processo de centralização de capitais, pactam extraordinariamente o curso da passagem os monopólios  ainda não eram generalizados  e as emda primeira à segunda revolução industrial – sendo presas individuais típicas do capitalismo concorrenque, ainda por volta de 1880, cerca de 40% dos tracial ainda dominavam a estrutura econômica. balhadores londrinos viviam na pobreza (HOBSBA-

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CAPA

Também o novo padrão tecnológico ainda não era dominante, com exceção do aço, cuja produção supera

 Sublinhe-se aqui o impacto da “flexibilização” do trabalho, o que deriva da profunda reestruturação da

a do ferro no período. Assim, os ramos da produção baseados na antiga tecnologia dominavam a economia no momento em que estavam ainda em gestação os setores ligados ao novo padrão técnico.

organização do trabalho na empresa: um sistema de chamado de polivalente, integrado em equipe, menos hierárquico; e computadorizada, a programação do conjunto é passada a cada setor da fábrica. Conforme registrara G. Dupas [3], entre as dé-

Da 3ª revolução industrial

cadas de 1980 1990, notadamente na Europa, discussão sobreeexclusão social apareceu na esteiraa do crescimento dos sem teto e da pobreza urbana, da falta de perspectiva decorrente de desemprego de longo prazo, da falta de acesso a empregos e rendas por parte de minorias étnicas e imigrantes, da natureza crescentemente precária dos empregos disponíveis e da dificuldade que os jovens passaram a ter para ingressar no mercado de trabalho. t rabalho.  Assim, muito disti distintament ntamentee do curso assin assinalado alado por Hobsbawm, sobre a segunda revolução industrial, a terceira – que se efetiva após duas guerras mundiais –, já incide fortemente na destruição do emprego.

Emerge entre 1950 e 1960, e desdobra-se na década de 1970. Tem como núcleo as transformações na microeletrônica, a informática, a máquina CNC (Controle Numérico Computadorizado), surgem o robô, o sistema integrado à telemática (telecomunicações informatizadas), a biotecnologia; sua base mistura à Física e à Química a Engenharia Genética e a Biologia Molecular. O computador é a máquina da terceira revolução industrial. Desenvolve-se na ascensão do neoliberalismo. Um pioneiro estudo, no Brasil, sobre a evolução dessas mutações foi apresentado por Luciano Coutinho (A terceira revolução Industrial e tecnológica: as grandes tendências de mudança,  Economia e Sociedade,1992), em cujo novo paradigma tecnológico encontrar-se-iam: a) O pes pesoo cres cresccente do complexo eletrônico eletrônico;; b) um novo paradigma de produção indu strial  – a automação integrada flexível; c) a revolução revolução nos nos proces processos sos de trabal trabalho; ho; d) transformação das estruturas e estratégias empresariais; e) as as novas bases da competit competitivid ividade ade i n d u s trial e bancária; f) a “globalização” “globalização” como aprofundamento da internacionalização; e g) as “alianças tecnológicas” como nova forma de competição.

Processualmente, ela implicou: 1 ) amplo espectro de aplicação em bens e sseerviços;  amplo espe

 2) oferta oferta crescente crescente e suficiente suficiente para  suprir suprir a demanda na fase de difusão acelerada;  3  3)) rápida queda dos preços relativos  dos produtos portadores das inovações, reduzindo continuadamente os custos de adoção destas pelos usuários;  4) fortes fortes impactos conexos conexos sobre as estruturas organizacionais, financeiras e sobre os processos de trabalho; 5) efeitos redutores generalizados  sobr sobree os custos custos de ca pital e efeitos amplificadores amplificadores sobre a produtividade  do trabalho.

A 4ª revolução industrial  Analisando essa aceleração aceleração das muda mudanças nças tecnológicas anteriores às mais recentes, conclui o ideólogo neoliberal K. Schwab (Edipro, 2016), a 4ª revolução industrial promove uma “fusão de tecnologias, borrando as linhas divisórias entre as esferas físicas, digitais e biológicas”. Ela fomenta a inteligência artificial, a robótica, a impressão 3D, os drones, a nanotecnologia, a biotecnologia, a estocagem de dados (big data) e de energia, os veículos autônomos, os novos materiais, a internet das coisas etc. Ta Também mbém denominada de indústria 4.0, a diversificação de tecnologias aplicadas à produção manufatureira é seu pré-requisito. Dentre aquelas que são citadas combig mais frequência estão: sistemas sicos (cps), data analytics, computação em ciber-fínuvem, internet das coisas (IOT) e internet dos serviços (IOS), impressão 3D e outras formas de manufatura aditiva, inteligência artificial, digitalização, colheita de energia (energy harvesting) e realidade aumentada. Mas o conceito não se limita à aplicação combinada dessas tecnologias. A indústria 4.0 cria e articula “fábricas inteligentes” em um sistema produti vo e de comercialização comercialização substancialmente diferentes (IEDI, “Indústria 4.0: desafios e oportunidades para o brasil”, 2017). Para pesquisadores o MIT (Massachussets Institute of Tecnology), entramos na “2ª era da máquina”, onde seu traço principal é a fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios físico, digital e biológico. No entanto, constata-se que a segunda revolução industrial ainda precisa alcançar 17% da população

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do planeta, pois cerca de 1,3 bilhão de pessoas não têm acesso à energia elétrica. Em relação à segunda RI, mais da metade da população não têm ainda acesso à internet, ou cerca de 4 bilhões de pessoas. Mas se o tear mecânico levou quase 120 anos para atingir países fora da Europa, a internet espalhou-se em cerca de uma década.

Desemprego estrutural e crescente. Armas “Não sabemos se a inteligência artificial vai ou não se tornar um pesadelo da ficção científica, mas certamente terá impacto fundamental na natureza do trabalho”, avalia o filósofo americano Jerome

(i)  Glenn, diretor-executivo e cofundador do projeto  Algumas implicaçõ implicações es qu que e merecem registro: a venda mundial de robôs atingiu 225 mil em 2015, Millennium, organização sem fins lucrativos inter12% a mais que o ano anterior; espera-se 400 mil nacional dedicada a analisar e projetar cenários fuem 2018, sendo que a Ásia (espeturos. As interações entre intelicialmente China e Coreia do Sul) gências artificiais e a proliferação Segundo concluiu controla 60% das vendas, seda nanotecnologia, da robótica e guindo-se o Japão, os EUA e Aleda automação poderão produzir Glenn em um de seus manha. (ii) Em 2014 o Facebook um cenário de desemprego sem “cenários” prospectivos, comprou o aplicativo WhatsApp precedentes, avalia Glenn, que há “A tendência é de mais por US$ 25 bilhões, que possuía quarenta anos faz projeções para 55 funcionários; a United contiinstituições que trabalham com a desemprego desempreg o onde não nental aérea foi capitalizada em produção e a difusão de conhecihouver planejamento dezembro de 2015 por fortuna mento, os think tanks. e estratégias públicas similar, entretanto possuindo Segundo concluiu Glenn em 82.300 funcionários. (iii)  Estium de seus “cenários” prospectivos, “A tendência é de mais ma-se que até 2020, 70% dos de longoem prazo, sobretudo relação habitantes do planeta possuirão desemprego onde não houver à não adoção de smartphones; Facebook, twitter, planejamento e estratégias púinstagram, whatsapp passaram a blicas de longo prazo, sobretudo novas tecnologias”. integrar o dia a dia das pessoas em relação à não adoção de noE acrescenta: “A no mundo inteiro. (iv) Noutra di vas tecnologias.”. E acrescenta: expectativa de que reção, o supercomputador Wat“A expectativa de que a biologia son (IBM), orientado por um sintética estimule o crescimena biologia sintética grupo de pesquisadores, após to econômico, mas também seja estimule o crescimento estudo revisado de 100 mil casos fonte para os desastres biológicos econômico, mas médicos, descobriu uma nova e insumo para o terrorismo.”. proteína para determinado tipo Note-se bem: em agosto deste também seja fonte para de câncer, o que foi posterior(2017), 116 especialistas em AI os desastres biológicos  ano mente confirmado por cientistas e tecnologia avançada, de 27 países, enviaram uma Carta à Convenção da  Aliás, área. o sistema tipo Wate insumo para o  das Nações Unidas Sobre Certas Arterrorismo” son já processa traduções mas Não Convencionais. Entre eles simultâneas, respondem à Elon Musk, fundador da Tesla, pergunta de celulares, substituem procedimentos de e Mustafa Suleyman, nada menos que o criador médicos, de advogados, de contadores, de policiais, do laboratório de inteligência artificial da Google. de economistas, de operadores de mesa de Bolsas Especialistas em AI, líderes políticos e religiosos, de Valores. A inteligência artificial do Watson, que e inclusive prêmios Nobel da Paz como Jody Wila IBM apresentou em 2007 como um supercompuliams advertem sobre os dilemas éticos e legais de tador capaz de aprender e conversar de igual para se permitir que uma máquina mate seres humanos igual com humanos para em breve substituí-los em (impossível determinar o responsável direto pelos diversas tarefas. “erros” que cometam essas máquinas), assim como  Assim, as chamadas operações de alta frequência o perigo de se desenvolver armas independentes – realizadas por programas de computadores com al- que tecnologicamente estão impossibilitadas de goritmos que compram e vendem ativos financeiros distinguir alvos civis e militares. É necessário milésimos de segundos impedir uma nova carreira armamentista nessas em  – correspondem hoje a 70% do volume negociado do mercado de ações norte-abases, declaram explicit explicitamente. amente. [Ver: http:// http://www www.. mericano e 30 a 40% no mercado europeu. rebelion.org/noticia.php?id=230590]

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Foto: Andrey Novoselov

tabelecer respostas conjuntas quanto ao impacto no emprego, na formação profissional, infraestrutura, proteção da propriedade intelectual e auxílio à industrialização nos países em desenvolvimento. Os EUA, a Advanced Manufacturing (2011); a Alemanha, a Industry 0 (2014); o Reino Unido, a Future4. of Manufactoring (2013); a França, a Industrie du Futur (2015); a Coreia do Sul, a Manufactoring Inovation 3.0 (2015); a Índia, a Make in Índia (2014); a China, a China Manufactoring 2025 (2015).  Anote-se:  Anote-s e:  a China apresentou apresentou em O robô de combate está equipado com uma metralhadora Kalashnikov com 1000 cartuchos, mísseis antitanque Ataka M120 e o sistema antiaéreo Igla

Também no estudo The Future of Employment: How  susceptib  susc eptible le are Jobs to to Computerisa Computerisation?  tion?  (O  (O futuro do emprego. Como são suscetíveis os postos de trabalho com a informatização? setembro de 2013) [2], que aborda o que se chama de “desemprego tecnológico” com foco nos EUA, defende-se que, à medida que as tecnologias de “machine learning” e robótica avançarem, será inevitável a substituição de funções ocupadas por humanos hoje. Tarefas e procedimentos bem definidos e repetitivos poderão ser substituídos por algoritmos sofisticados. O estudo estima também que nada menos que 47% dos atuais empregos nos EUA estão em risco. Entre estas funções estão motoristas de veículos como caminhões e táxis, estagiários de advocacia, jornalistas, auditores, desenvolvedores de software, administradores de sistemas de computação etc.  Aliás,  Aliá s, no docu documen mento to apre apresen sentado tado ao Fóru Fórum m Econômico Mundial (Davos, fevereiro, 2016), The Future of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the  Fourth  Fou rth Industri Industrial al Revolut Revolution ion  (O futuro dos empregos: emprego, habilidades e Estratégia da Força de Trabalho para a Quarta Revolução Industrial”), com base em pesquisa com 15 grandes economias do capitalismo desenvolvido e em desenvolvimento, conclui-se que haverá até 2020 um acréscimo de perda líquida e de empregos da ordem de 5 milhões de empregos, sendo a razão de 7,1 milhões para a criação de 2,1 milhões.  A esse respei respeito, to, alguns países do G-20 encami encami-nharam estratégias recentes de médio e longo prazo, apostando firmemente na ideia dessa 4ª revolução industrial como irreversível. A própria China – que se autodefine como economia socialista de mercado ou numa fase primária do socialismo –, que presidiu a reunião de 2016 do G-20, propôs globalmente um  Plano de Ação sobre a Nova Revoluç Revolução ão Industrial para es-

 agosto passado um plano de desenvolvidesenvolvimento para se tornar o líder mundial em inteligência artificial (AI, na sigla em in glês) até 2030 ( 22,15 bilhões de dóla-

res, até 2020; 400 bilhões de iuanes (59,07 bilhões de dólares) até 2025),  com o objetivo de superar seus rivais tecnologicamente e construir uma indústria doméstica no valor de quase US$ 150 bilhões . [Ver: https://br.reuters.

com/article/internetNews/idBRKBN1A52NR-OBRIN]   Futuro sombrio Em 2016, se o banqueiro (sionista) Stanley Fischer (Fed) dispensou as análises otimistas – “felizes”, escreveu – da recuperação americana, e as tendências (empíricas) claras daquilo que o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers alcunhou de “estagnação secular”, à vista, o sociólogo alemão Wolfgang Streeck causou certa celeuma com seu li vro recém-publicado Como vai acabar o capitalismo?   (Verso, setembro de 2016).  Segundo sugere Streeck, “o capitalismo, após mais de 200 anos, tornou-se insustentável porque se tornou ingovernável. Por trás desse distúrbio está aquilo que  veio a ser sumariam sumariamente ente chamado de ‘glob ‘globaliza alização’: ção’: a expansão das relações capitalistas de mercado para além do alcance dos governos unificou o capitalismo, mas fragmentou a ação política coletiva.”.   Ainda de acordo com Streeck, três tendências se desenvolveram em paralelo no conjunto das ricas democracias capitalistas desde a década de 1970: a) crescimento em declínio; b) aumento da desigualdade de renda e de riqueza; c) expansão da dívida pública, privada e total. Hoje, essas três tendências parecem estar “se reforçando mutuamente”, onde o baixo crescimento contribui para a desigualdade através da intensificação do conflito distributivo; a desigualdade amortece o crescimento, pois reduz a demanda efetiva; os altos níveis das dívidas existen-

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tes obstruem os mercados de crédito, aumentando assim o risco de crises financeiras; um “setor financeiro inchado” tanto resulta quanto contribui para a desigualdade econômica etc. Sobre o endividamento mundial, como se divulgou, um relatório do FMI (setembro, 2016) assinalara a montanha de débitos globais ter atingido o rer e-

descoberta cientificamente inovadora; c) à abertura de novos mercados; d) à conquista de uma nova fonte de matérias-primas; e) ao estabelecimento de um novo modo de organização de qualquer indústria (reestruturação, fragmentação de uma posição de monopólio, por exemplo).  A quarta Revolução Industrial desenha-se como

corde US$ 152 trilhões, que 225%prido PIB dodeplaneta, sendo distonada dois menos terços de dívida  vada (US$ 100 trilhões). Diz-se lá que “o elevado dé dé-bito privado não apenas aumenta as chances de uma crise financeira como também dificulta o crescimento, pois devedores muito endividados eventualmente diminuem seu consumo e investimento.”. Nesse quadro, em recente entrevista, Andreas Dombret (diretor do Bundesbank, o banco central alemão) afirmou que os bancos precisam entender que as demandas do cliente estão em evolução e que a cadeia de valor da intermediação financeira está sendo reorganizada. A digitalização está minando a base de clientes dos bancos. Além disso, o que os clientes mais jovens esperam é bem diferente do que esperam os clientes atuais – e essas expectativas estão em processo de mudança.  A concorrência das  fintechs (tecnologia financeira), com seus modelos de negócios inovadores, já está corroendo a participação de mercado de muitos bancos. Além disso, a cadeia financeira de valor tradicional já está sendo desmontada e reorganizada pelas novas rivais. Isso significa que os serviços que costumavam ser entregues em um pacote por uma única instituição são agora oferecidos por vários  pla yers, com vários produtos intermediários sendo oferecidos por firmas de fora do setor tradicional.  Abordando outro assunto, o banqueiro alemão alertou para o fato de que “o mundo está testemu-

um estágio qualitativamente superior ao desencadeado pela revolução técnico-científica baseada na microeletrônica. Distintamente desta (anterior) terceira revolução industrial – que não sofreu direta influência de tormentosas crises nos países do capitalismo central –, a relacionada à Indústria 4.0 gesta-se incontornavelmente no seio das crises financeiras sucessivas da era neoliberal, confluindo à depressão 2007-2009, e à estagnação persistente ainda 10 anos depois, particularmente naqueles países que foram seu estopim: a maioria da zona do euro, o Japão, os EUA. No curso atual da 4ª revolução industrial, muito provavelmente, a) se reforçará a direção da acumulação capitalista no estrito sentido de inédita ultracentralização do capital; b) ampliar-se-ão as denominadas assimetrias tecnológicas entre o capitalismo central e o periférico e, com isso, as desigualdades econômicas e sociais; c) se golpeará mais profundamente a força de trabalho, elevando mais ainda o desemprego e estendendo-o a novas categorias profissionais, estabelecendo plenamente na dinâmica do regime do capital o conceituado por Karl Marx de “a contradição em processo” * A. Sérgio Barroso é médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois

nhando um momento em oque as bases para uma no va crise podem estar sendo send colocadas.”.

Nova fase do capitalismo? Essa é a questão que nos parece central perscrutar: as grandes transformações financeiras e técnicas sequenciais que ocorrem no capitalismo desde o início dos anos 1980, com a ascensão do neoliberalismo, e impulsionadas pela crise dos anos 1970, originaram uma nova fase no capitalismo. Um novo patamar – degraus – no interior do estágio imperialista do sistema capitalista. Recordemos en passant que, para Joseph Schumpeter,, o processo do desenvolvimento, nucleado pelo peter “empresário inovador”, e o crédito, compreendiam: a) à introdução de um novo produto; b) à introdução de um novo método de produção, baseado numa

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Notas [1] Hobsbawm, op. cit, descreve que a Krupp Ag, atualmente Thys --   senkrupp Ag, é uma empresa cuja sede se localiza em Essen Essen,, na Alemanha. Constitui-se num dos principais grupos industriais   do país, tendo se destacado na produção de aço , armas , munições   e e equipamentos. Seu registro oficial era Fried Krupp Ag. Foi funda-  (1787-1860) em 1811, mais tarde o seu da por Friedrich Krupp  (1787-1860)  lho, Alfred Krupp  (Essen, 1812, 1887), assumiu a direção da empresa. Com faturamento de 13,7 bilhões de euros em 2006, a   a   Schneider Eletric   está hoje presente em 190 países, com mais de 205 fábricas, mais de 105 mil funcionários, proporcionando os mais elevados níveis tecnológicos, de acordo com as principais normas de qualidade e segurança nacionais e internacionais. [2] Ver: . [3] Ver: .

 

CAPA

A dualidade lucro-salário lucro-salário nas revoluç re voluções ões industriais industriais Osvaldo Bertolino*

As três fases de desenvolvimento industrial da história produziram complexidades crescentes nas relações de trabalho e de produção, acirrando as contradições entre as classes fundamentais do modo de produção capitalista. Atualmente, uma onda regressiva regressiva impõe desregulação,, desemprego e redução salarial, a par de desregulação um gigantesco salto de produtividade

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te, na verdade representou uma regressão civilizahistoriador Eric Hobsbawm diz que, tória em grande escala. O monstruoso desemprego entre as décadas de 1980 e 1990, uma talvez seja a face mais visível dessa constatação, um era se encerrou e outra começou, dilema dos saltos produtivos que, até onde se sabe, impulsionada pela onda batizada de “Terceira Revolução Industrial”. Ao  vem de quando o imperador Vespasiano ordenou a reconstrução do Capitólio romano no século I. Conanalisar o mesmo fenômeno com a ta o historiador Selônio que um invenção da máquina a vapor dos artesão lhe propôs a utilização séculos XVII e XVIII, Karl Marx de máquinas que levariam de afirmou que o homem não susAo virar a moeda do forma rápida e barata as colunas peitava de que estava criando um modo de produção de pedra até o alto da colina e o instrumento mais poderoso do imperador teria recusado a oferque qualquer outro, que iria subcapitalista, contudo, ta, respondendo: “Que me seja  verterr as condiçõ  verte condições es sociais em tocompreende-se compreendese melhor permitido dar de comer aos mais do o mundo. “Quando James Wa Watt tt pobres.”. anuncia em 1735 sua máquina de as causas dessa De certa forma, a trajetória fiar, e com ela a Revolução Indusregressão civilizatória. do pensamento capitalista está trial do século XVIII, ele nada fala “Como legislador dividida entre os que raciocinam disso, mas simplesmente de uma como o artesão romano e os que máquina para ‘fiar sem dedos’”, privado, o capitalista pensam como Vespasino. Endisse Marx. formula seu código de tre os dois há, evidentemente, a No caso mais recente, houhistória proletária e suas teorias.  ve uma reconfiguração do mapa fábrica, caricatura da Na Inglaterra do início do século geopolítico com o fim da “era regulação social, um XIX, que emergia como a grande soviética”, no curso de uma reespotência econômica do planetruturação produtiva que intersistema de punições ta, os trabalhadores — inclusive feriu nos dois polos do modo de sobre os salários com crianças — eram acorrentados às produção capitalista — o capital o qual o contramestre máquinas e trabalhavam durante e o trabalho — e fez países do elo 14, 16 horas por dia. Essa realidamais fraco da “globalização neofaz o papel do antigo de mudou com a organização dos liberal”, como o Brasil, entregar condutor de escravos”, escrav os”, trabalhadores. Contribuíram para as chaves de muitos símbolos isso, em grande medida, as teses históricos do seu capitalismo paescreveu Marx. O de Karl Marx, Friedrich Engels e ra ícones do mercado mundial. problema tem origem Vladimir Lênin. Cunhou-se até a denominação no próprio conceito de Contribuíram também os lu“nova economia”, que seria a utidistas, os socialistas utópicos — lização maciça de  softwares  e da trabalho

 

 virtualidade. não havia mocinhos nesseMas terreno dominado por atiradores profissionais. Com o projeto neoliberal, os Estados nacionais da geografia econômica e política do elo mais fraco foram reduzidos a meros figurantes ou a reles gerentes do entreguismo, sem condições sequer de estender a mão aos que foram para o olho da rua, formando um exército de desempregados superior ao da crise de 1929. Na outra faixa, igualmente castigada pelo desemprego, muros e xenofobia foram erguidos contra aspirantes a trabalhador clandestino. Em toda parte, a propaganda ideológica passou a difundir a falsa tese de que que a oposição trabalho e capital ganhara novo sentido com o fim da dicotomia Washington-Moscou.  A resposta neoliberal à crise do fordismo keynesiano, considerado incapaz de levar o sistema adian-

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eHenri mesmo Frederick Jules Fayol e HenryTaylor, Ford. Estabeleceu-se a tríade “8 horas de trabalho, 8 horas de sono e 8 horas de lazer” como padrão para os trabalhadores do século XX. Entre 1950 e 1970, diz o historiador Eric Hobsbawm, o mundo viveu seus anos de ouro: o desemprego manteve-se em níveis relativamente baixos, a expectativa de vida aumentou no mundo todo, a produção de alimentos e bens manufaturados quadruplicou. Foi também o período em que os trabalhadores obtiveram suas maiores conquistas no mundo capitalista — em grande parte, embaladas pelos ventos que sopravam de Moscou —, inimagináveis pelo proletariado europeu descrito por Marx e Engels no século XIX. No Brasil mesmo pode-se dizer que a brisa moscovita contribuiu para a moderna legislação trabalhista da Revolução de 1930, agora destruída pelo golpe de 2016.

 

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 Ao virar a moeda moeda do modo d dee produção capitalista, contudo, compreende-se melhor as causas dessa regressão civilizatória. “Como legislador privado, o capitalista formula seu código de fábrica, caricatura da regulação social, um sistema de punições sobre os salários com o qual o contramestre faz o papel do antigo condutor de escravos”, escreveu Marx. O problema tem origem no próprio conceito de trabalho. Em O Capital, ele diz: “O trabalho é, antes de tudo, um ato que se passa entre o homem e a natureza.”. Seu significado histórico foi brilhantemente analisado por Engels no seu artigo O papel do trabalho na transformação do macaco em homem, de 1876. “A natureza proporciona os materiais que o trabalho transforma em riquezas”, escreveu. “Mas o trabalho é muito mais do que isso: é o fundamento da vida humana.”. Engels diz que a formação do homem e da comunidade primitiva aconteceu na medida em que se formava o próprio trabalho humano como processo que gasta uma quantidade de energia física, ner vosa e mental para se criar os pro produtos dutos necessários à sua existência.

da roupa deve ficar mais barata quando um compõe as fibras, outro fia, outro tece, outro puxa, outro alinha, outro passa e empacota, do que quando todas as operações mencionadas são canhestramente executadas por uma só mão”, teria dito Petty. Do século XVI ao século XVIII, os artesãos independentes da Idade Média desapareceram e em seu lugar surgiram os assalariados, cada vez mais dependentes do capitalista. Deixaram de existir, assim, as fases primitivas da organização industrial, que começaram com o sistema familiar, no qual seus membros produziam artigos para consumo próprio, e não para o mercado. Era o princípio da Idade Média. Mais tarde surgiu o sistema de corporações, com os trabalhadores donos tanto da matéria-prima quanto dos instrumentos de trabalho, que se transformou em produção destinada a um mercado maior — com a diferença de que o artesão, embora ainda proprietário dos instrumentos de trabalho, dependia de um empreendedor que surgiu entre ele e o consumidor consumidor.. Nascia o sistema fabril, cuja produção para um mercado cada vez maior era realizada fora de casa,

Para satisfazer as necessidades vitais, o homem foi obrigado a aperfeiçoar constantemente os instrumentos e os hábitos de trabalho. “O próprio trabalho foi se diversificando, aperfeiçoando-se a cada geração e estendendo-se a novas atividades”, disse Engels. “A agricultura surgiu como alternativa à caça e à pesca, e mais tarde apareceram a fiação e a tecelagem, a manipulação de metais, a olaria e a navegação.”. Com o desenvolvimento do trabalho, emergiram novas relações sociais, o comércio, as profissões, as artes e as ciências. Vieram depois o direito, a política e a religião. “Porém, se o homem levou milhares de anos para aprender, de certa forma, a prever as remotas consequên-

nos edifícios do capitalista e sob sua rigorosa super visão. “Um número de operários basta bastante nte considerá vel sob o comando de um mesmo capitalista, esse é o ponto de partida natural da produção capitalista”, disse Marx. “Quando o capital se apropriou da máquina, sua conclamação foi: ao trabalho, mulheres e crianças”, escreveu. “O operário agora vende mulher e filhos: transformou-se em mercador de escravos.”. Na fábrica, nas palavras de Marx, “o esqueleto da produção é constituído pela cooperação das máquinas.”. Assim nasceu e se desenvolveu a Primeira Re volução Industrial.

cias naturais aos processos produtivos, mais tempo levou relativas para aprender a calcular as longínquas consequências sociais desses mesmos atos”, disse Engels. “Os árabes, quando descobriram a forma de destilar o álcool, não poderiam nem de longe imaginar que estavam forjando uma das principais armas de extermínio da população indígena no continente americano. Mal sabia Colombo, ao descobrir a América, que estava fazendo ressurgir a escravidão, extinta havia muito na Europa, além de estar estabelecendo novamente as bases para o tráfico de negros.”. Chegaram também as alterações nas relações de produção. Antes o artesão produzia as mercadorias e o consumidor ia ao seu local de trabalho fazer a encomenda. Leo Huberman, na obra  História da riqueza  do homem, relata que Willian Petty, famoso economista do século XVII, pôs em palavras aquilo que já estava ocorrendo nas relações sociais. “A fabricação

Crianças e mulheres na linha de produção, foto de 1913

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 A substituição das das máquinas a vapor por outras movidas a eletricidade e à combustão interna fóssil, denominada Segunda Revolução Industrial, na  virada do século XIX para o século XX, impulsionou outro salto espetacular da produtividade — a produção de mais valor com menor tempo. Associada a uma reestruturação fundamental dos processos de trabalho, seguindo uma avalanche de novas tecnologias de racionalização produtiva, promo veu alterações profundas no cenário econômico. O taylorismo na linha de montagem da Ford mu-

Linha de produção da Ford, 1929

Aldous Huxley, no livro O Admirável Mundo Novo , imaginou um futuro no qual os homens seriam tolhidos pela coerção e desnorteados por uma nova religião. Assim como Antônio Gramsci, no seu conhecido trabalho

primeira a granel. necessidade em barris e Em 1929, com a quebra do mercado de ações — o crash da Bolsa de Nova Iorque —, o mundo mergulhou na mais sinistra depressão da era moderna. Mesmo diante dos sinais da crise, contudo, os capitalistas preferiram embolsar o lucro extra total obtido com o aumento da produtividade a transferir uma parte na forma de aumentos salariais. Henry Ford sugeriu que os trabalhadores fossem melhores pagos para que pudessem comprar os produtos, com 19 horas. Entre O Americanismo e o 1920 menos e 1927, de a produtividade na mas seus pares preferiram ignorar indústria americana aumentou Fordismo . “Será que o o conselho. O sistema estava preem 40%. Ao mesmo tempo, mais tipo Ford de indústria so a uma contradição: sem saída de 2,5 milhões de empregos desae a organização para a crise que se agravava, muipareceram. tas empresas continuaram redu As vendas caíram dramaticafordista do trabalho zindo custos com a substituição mente e, para tentar recuperáe da produção são de trabalhadores por máquinas. -las, os empresários organizaram Em plena depressão, o ecoo “Departamento da Prosperida‘racionais’?”, indagou. nomista britânico John Maynard de”, para exortar o consumo. A Keynes publicou o livro Teoria Gecruzada para transformar os traral do Emprego, do Juro e da Moeda , que iria alterar o balhadores americanos em consumidores de “masmodo como os governos regulariam a política ecosa” ficou conhecida como “evangelho do consumo”. nômica. Numa passagem, ele advertiu para um novo O marketing, que até então havia desempenhado pa-

dou radicalmente o modo como as empresas produziam bens e serviços. O transporte foi acelerado. A eletricidade forneceu energia barata e abundante para impulsionar o processo produtivo. Segundo o escritor americano Jeremy Rifkin, no livro O  fim dos empregos, a produtividade aumentou continuamente desde a virada do século. Em 1904, eram necessárias 1.300 horas/  homem para construir um carro. Em 1932 era possível construí-lo

pel secundário nos negócios, assumiu nova importância. Embalagens e marcas foram adotadas; até então, a maioria dos armazéns vendia gêneros de

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e perigoso fenômeno cujo impacto poderia ser aprofundado nos anos seguintes: “Estamos sendo acometidos de uma nova doença da qual alguns leitores

 

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talvez ainda não tenham ouvido falar, mas sobre a qual ouvirão falar muito nos próximos anos: o ‘desemprego tecnológico’. Isso significa desemprego como resultado da nossa descoberta de meios de economizar mão de obra, superando a velocidade com que podemos encontrar novos usos para ela.”. Em O Capital, Marx também comentou o desen volvimento industrial por esse viés. “Sob sua forma máquina (...), o meio de trabalho se torna imediatamente o concorrente do trabalhador. A máquina cria uma população supérflua, isto é, útil para as necessidades momentâneas da exploração capitalista”, escreveu. Engels fez o mesmo na obra  Do socialismo utópico ao socialismo científico. “É a força da anarquia social da produção que converte a capacidade infinita de aperfeiçoamento das máquinas num preceito imperativo, que obriga todo capitalista industrial a melhorar continuamente a sua maquinaria, sob pena de perecer. Mas melhorar a maquinaria equivale a tornar supérflua uma massa de trabalho humano (...). A expansão dos mercados não pode desenvol ver-se  verse ao mesmo ritmo que a produção. A colisão

Esse sistema é considerado superado por outras modalidades de organização do trabalho, apesar de a corrida produtivista permanecer inalterada. Muito disso se deve à Terceira Revolução Industrial, considerada iniciada imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento de rudimentos automatizados que vinham da primeira máquina de calcular automática inventada por Blaise Pascal, em 1642. O primeiro computador digital programável foi inventado em 1941 pelo engenheiro civil alemão Konrad Zuse. Em 1944, cientistas americanos in ventaram um computad computador or programáve programável,l, o Mark-I.  A máquina tinha mais de 15 metros de comprimen comprimen-to por 2,5 de altura. Foi apelidada de “o monstro”. Victor Del Harder, vice-presidente da Ford, criou, em abril de1947, o “Departamento de Automação” (pela primeira se ouviu falar em automação) para aumentar o uso das tecnologias como a hidráulica, a eletromecânica e a pneumática. Começava-se a falar da “fábrica automática”. A revista   Fortune  anunciou que a “ameaça de máquinas operadas

torna-se inevitável”, escreveu. Entra, nesse diagnóstico, o sistema taylorista, complementado pelo fordismo, como grande impulsionador da produção, sistematizado pelo engenheiro americano Frederick Taylor em seu livro  Princípios da administraç ad ministração ão científica cie ntífica . Usando um cronômetro, ele dividiu a tarefa de cada trabalhador nos menores componentes operacionais e mediu cada um para formular técnicas de economizar segundos preciosos no processo de trabalho. Herry Ford complementou a ideia com a linha de montagem movida a volante magnético. Vladimir Lênin, o líder da Revolução Russa de 1917, considerou o taylorismo uma aquisição cientí-

sem trabalhadores está mais próxima do que nunca.”. A “ameaça” tornou-se realidade no início da década de 1960, com a introdução do computador na fábrica. Enquanto o sistema taylorista-ford taylorista-fordista ista desfruta va de um sucesso irrestrito, irrestri to, a empresa autom automobilísobilística japonesa Toyota, lutando para recuperar-se dos efeitos da Segunda Guerra Mundial, experimenta va uma nova organização o rganização da produção, baseada em grupos de trabalhadores que se autocontrolam, logo expandida pelo mundo. De acordo com o livro A máquina que mudou o mundo — uma publicação que explica o estudo “Programa Internacional de Veículos Automotores” sobre a indústria automobilística

fica. “Deve colocado do dia o aproveitamento do ser muito que hána deordem científico e progressista no sistema taylorista, observando a proporção entre o salário e o resultado geral da produção”, escreveu ele na obra  As Tarefas Tarefas Imediatas do Poder Soviético.  A proporcionalidade entre entre salário e lucro, na produção capitalista, a busca desregulada da produtivip rodutividade, é o motivo central das críticas a esse sistema, mais conhecido como “fordismo”. Charles Chaplin, no filme Tempos modernos, retratou o homenzinho esmagado pela linha de montagem. Aldous Huxley, no livro O Admirável Mundo Novo, imaginou um futuro no qual os homens seriam tolhidos pela coerção e desnorteados por uma nova religião. Assim como Antônio Gramsci, no seu conhecido trabalho O  Americanismo e o Fordismo. “Será que o tipo Ford de indústria e a organização fordista do trabalho e da produção são ‘racionais’?”, indagou.

 Massachusetts setts Institute Ins titute of Technology mundial, do  Massachu , que durou cinco anos e abrangeu 14 países —, o “toyotismo” fez o mundo ingressar numa nova era.  A duali dualidade dade do desenv desenvolvi olvimento mento indu industria striall — o lucro e o salário — é o grande dilema da produtividade. Na inclinação natural do capitalismo, a tendência é a eliminação de empregos, a desregulação das relações de trabalho e a redução salarial. Não é um fenômeno cíclico, a curva subindo ou descendo, como os índices das Bolsas de Valores. Tampouco conjuntural, ou passageiro. É estrutural. Enfrentá-lo é o grande desafio. Nas palavras de Marx: “As “As transformaç transformações ões sociais n nunca unca se realizam graças à fraqueza dos fortes, mas com a força dos fracos.”.

*Osvaldo Bertolino é jornalista e editor do portal Grabois  e  e colaborador da revista Princípios 

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A Indústria 4.0 e o debate acerca dos seus impactos sobre o emprego

 

Rodrigo Cunha Silva Leal*- Uallace Moreira Lima** - Vitor Araújo Filgueiras***

Trabalhadores Trabalhadores já estão sendo substituídos por robôs em empresas d dee médio porte no Japão

O

1. Introdução debate recente sobre as transformações na estrutura industrial da economia mundial tem girado em torno da chamada Indústria 4.0, conhecida também como a Quarta Revolução Tecnológica. Herman, Pentek, Otto (2015) definem a Indústria 4.0 como um amplo movimento de diversificação das tecnologias aplicadas à produção manufatureira, como os Sistemas ciber-físicos (CPS), Big Data Analytics, Computação em nuvem, Internet das Coisas (IoT) e Internet dos serviços (IoS), Impressão 3D, Inteli-

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gência artificial, Colheita de energia (Energy har vesting). Essas tecnologias criariam e articulariam fábricas inteligentes em um sistema produtivo e de comercialização substancialmente diferente, conectado verticalmente ao longo da cadeia produtiva e horizontalmente com outras redes de valor, podendo ser gerido em tempo real. As empresas inseridas na fronteira tecnológica da Indústria 4.0 teriam a possibilidade de estabelecer redes globais com os seus equipamentos, depósitos e unidades de produção articulados por sistemas ciber-físicos – máquinas, sistemas de armazenagem e unidades de produção inteligentes que podem propiciar troca de informa-

 

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ções de forma autônoma, desencadeando ações e controles mútuos de modo independente. O objetivo principal deste artigo é apresentar algumas ponderações sobre os possíveis impactos que a chamada Indústria 4.0 poderá engendrar sobre o emprego, especificamente sobre a eliminação de postos de trabalho. Desde a primeira revolução industrial, de tempos em tempos, ganha destaque o debate sobre a substituição dos homens, nos processos produtivos, pelos produtos do seu próprio trabalho (tradicionalmente, essa preocupação remete à maquinaria). Isso poderia engendrar a extinção de postos de trabalho e, no limite, do meio de subsistência da maioria da população. Em que pese eventuais projeções pessimistas, não aconteceu colapso definitivo do emprego nas economias capitalistas, mesmo com o transcorrer de três revoluções tecnológicas. Com a chamada Indústria 4.0, o impacto no mercado de trabalho será diferente?

2. Antigas profecias profecias:: tecnologia e desemprego no pensamento econômico O problema da relação entre postos de trabalho e avanço tecnológico é tema recorrente no pensamento econômico. No século XIX, por exemplo, Da vid Ricardo e Karl Marx atentaram para o desemprego gerado pela introdução crescente de novas tecnologias. Ricardo, inicialmente, acreditava que a adoção das máquinas tendia a aumentar os salários reais dos trabalhadores, sem elevação do desemprego (em Ensaio sobre a influência do baixo preço do trigo sobre os lucros do capital, mostrando a inconveniência de restrições à importação, de 1815). Contudo, após a publicação dos Princípios de Economia de Thomas Malthus, em 1820, Ricardo revê sua posição, especialmente na terceira edição de seus Princípios de Economia Política e Tributação, no capítulo Sobre a maquinaria, onde indica que a adoção de novas máquinas não é vantajosa para todas as classes sociais. Ele afirma ser possível ocorrer, concomitantemente, o aumento na produção e a redução na quantidade de trabalho utilizada. Um atenuante ao desemprego  vislumbrado por Ricardo era o investimento em no vas fábricas e máquinas, já que estas requeriam que homens a criassem e manuseassem, realocando parte dos desocupados pela introdução da maquinaria. Marx, em O Capital, debate o problema do desemprego gerado pela inserção da maquinaria nos processos produtivos. Ele utiliza estatísticas disponíveis à época para demonstrar que, ao adotar as máquinas modernas, a produção aumentou conco-

mitantemente à redução da quantidade de trabalhadores empregados, reconhecendo na máquina a maneira mais eficiente de se aumentar a produtividade do trabalho. Ele não vê na máquina, em si, um problema, mas sim na natureza do seu uso pelo capitalista. As lutas sociais deveriam ser direcionadas ao capitalista e não às máquinas, que podem facilitar a vida humana. No âmbito do desenvolvimento capitalista, Marx  vê a possibilidade de redução do desemprego com o investimento em novo capital. Todavia, esse investimento tem potencial limitado na criação de novos empregos, já que se baseia nas novas máquinas que demandam menos trabalhadores. De todo modo, para Marx, a implicação fundamental do incremento da maquinaria (do capital constante, em geral) na dinâmica capitalista não seria o desemprego, mas a queda tendencial da taxa de lucro provocada pelo seu aumento em relação ao trabalho vivo empregado no processo produtivo, o que desencadearia crises crescentes no sistema. No século XX, Keynes (1930) é um dos que se preocupam com o desemprego tecnológico. Em 1930, ele afirmava que o desemprego tecnológico seria uma doença que estaria atingindo a economia, significando que os instrumentos que poupam mão de obra caminham mais rapidamente do que a criação de novos empregos para a respectiva mão de obra poupada. Todavia, como se sabe, Keynes desen volve uma visão otimista para o futuro do capitalismo. O desemprego tecnológico seria provisório, e a regulação do nível de atividade pelo Estado garantiria baixos índices de desemprego. Como futuro para seus netos, Keynes previa jornadas de trabalho de 15 horas semanais ou 3 horas diárias.

3. As novas profecias em relação ao desaparecimento do emprego com a ascensão da Indústria 4.0 Segundo Herman, Pentek, Otto (2015), há evidências de que a Quarta Revolução Industrial pode ser considerada, de certa forma, como resultado de uma estratégia dos países desenvolvidos, que articula planos empresariais e ações públicas de suporte, para combater as ameaças ao protagonismo ocidental advindas do crescimento industrial no Oriente, em especial a China. As mudanças promovidas pela Indústria 4.0 apresentariam um potencial promissor para superar o modelo de produção em larga escala e baixo custo dos países emergentes, assim como os seus efeitos nos fluxos de comércio (os déficits comerciais de muitos países ocidentais com a China, por exemplo) e, ao menos parcialmente, na desindustrialização.

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 A United Nations Industria Industriall Developme Development nt Orga- de capital. Dentro da nova lógica da divisão internacional do trabalho, as diferenças de custo do trabalho nization (UNIDO) (2016) considera que a mudandeixariam de ser um aspecto relevante na atração de ça de paradigma atual vai além da Indústria 4.0. A investimento estrangeiro direto, criando assim novos Quarta Revolução Industrial seria caracterizada por desafios para as economias periféricas na atração do uma fusão de tecnologias que estreita as linhas entre investimento estrangeiro, podendo engendrar increas esferas física, digital e biológica na estrutura promento da defasagem tecnológica dutiva. Diante dessas transformae de conhecimento em relação aos ções, segundo a UNIDO, a quespaíses centrais. tão crucial é se a combinação e a Em relatório de Outras previsões sobre a Inaplicação generalizada dessas tecmarço deste ano, a dústria 4.0 e suas consequências nologias também resultariam em consultoria global para o futuro dos postos de traum efeito líquido positivo para as balho têm sido muito mais pessieconomias e sociedades em geral, PWC (2017) também mistas. Por exemplo, reportagem como, por exemplo, seus impactos prevê uma ameaça de recente da BBC, no Reino Unino mercado de trabalho. do, de Richard Gray, se intitula  A UNIDO (2016) argumenta grandes proporções Quanto tempo vai levar para seu que a mudança no emprego será aos empregos por emprego ser automatizado? Sobre gradual, mas profunda. O trabaconta da automação. os efeitos da Quarta Revolução lho digital, como o uso de drones, Industrial, ele afirma que “as márobôs e assistência inteligente, Segundo a empresa, quinas terão a capacidade de fazer afetará o mercado de trabalho. ao contrário do muitas das atividades atualmente Novos setores industriais surgirealizadas talvez rão, como agrique ocorreu nas melhor do por que humanos, eles. É ume futuro cultura demedicina precisão,digital assimecomo revoluções industriais que promete maior eficiência e novos empregos, como designers serviços mais baratos, mas tamde robôs para a medicina e gepassadas,, quando as passadas bém pode generalizar a perda de rentes de modernização de redes máquinas substituíam empregos.” (tradução nossa). de produção. A realidade virtual os músculos dos Em relatório de março dese a realidade aumentada contrite ano, a consultoria global PWC buirão para os trabalhadores se trabalhadores, agora (2017) também prevê uma ameatornarem mais produtivos e os elas substituem seus ça de grandes proporções aos emambientes de trabalho mais sepregos por conta da automação. guros. Para lograr esses êxitos, a cérebros Segundo a empresa, ao contrário UNIDO defende a necessidade de do que ocorreu nas revoluções inos países reformarem o sistema dustriais passadas, quando as máquinas substituíam educacional e atualizarem as habilidades no local os músculos dos trabalhadores, agora elas substituem de trabalho, com políticas públicas e incentivos paseus cérebros. Elas estão ocupando posições cada vez ra o treinamento dos trabalhadores, que precisariam mais complexas, utilizando uma combinação de inaprender a colaborar e a coexistir com máquinas inteligência artificial, robótica e outras tecnologias diteligentes. gitais para realizar tarefas que antes eram exclusivas Para o IEDI (2017), os impactos da Indústria 4.0 dos humanos. O relatório estima que os empregos sobre o emprego, a criação e a distribuição de riqueza expostos a alto risco de eliminação por conta da autoainda não são bem conhecidos, exigindo-se estudos mação podem alcançar percentuais muito altos do toto adicionais para se ter uma maior clareza das transtal dos postos de trabalho, chegando a 38% nos Estaformações que acontecerão no mercado de trabalho. dos Unidos, 35% na Alemanha e 30% no Reino Unido. Entretanto, o IEDI considera que uma crescente autoKatja Grace, John Salvatier Salvatier,, Allan Dafoe, Baobao mação da produção e a substituição de trabalhadores Zhang e Owain Evans, das Universidades de Oxford por máquinas podem eliminar trabalhos rotineiros e e Yale, ouviram pesquisadores que vão mais longe menos qualificados, diminuir a demanda por trabalho nas suas previsões, acreditando que “há uma chance barato, aumentar a desigualdade e a emigração. Em de 50% de que a inteligência artificial superará a perpaíses periféricos, esta dinâmica tenderia a ser ainda mais intensa. Outro desafio para países como o Brasil seriam os impactos sobre o emprego e a distribuição de renda ocasionados pela reversão de fluxos externos

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formace humana em todas as atividades em 45 anos e automatizará todos os postos de trabalho em 120 anos.” (tradução nossa).

 

Muitas vezes, as variáveis contempladas se atêm, à educação e à qualicação dos trabalhadores... ...Contudo, no limite, a ênfase nesse quesito dá a entender que os postos de trabalho decorrem das decisões dos trabalhadores, ou, no mínimo, que os investimentos dos capitalistas seriam variáveis dependentes do comportamento e daqueles que procuram emprego. A nova coqueluche desse tipo de abordagem reside nos chamados “start ups”...

 À medida que robôs e outros tecnologias computacionais assistidas passam a executar tarefas antes realizadas por trabalhadores, aumenta a preocupação com o futuro dos empregos e dos salários. Nós analisamos o efeito do uso de robôs industriais entre 1990 e 2007 em mercados de trabalho dos Estados Unidos (...) estimamos grandes e robustos efeitos negativos dos robôs nos empregos e salários. (tradução nossa).   Em suma, parece se formar um consenso de que as novas tecnologias introduzidas pela Quarta Revolução Tecnológica trazem a possibilidade de substituir não somente trabalhos manuais e repetitivos, mas também atividades não repetitivas e cognitivas, sendo essa permuta um dos argumentos principais dos defensores das atuais profecias sobre o declínio inexorável ou maciça eliminação de postos de trabalho. Contudo, nesse novo debate, comumente são

no processo de difusão da Indústria 4.0. É impossível tratar o progresso tecnológico isoladamente do contexto em que ele está inserido. Muitas vezes, as variáveis contempladas se atêm, ou enfatizam, à educação e à qualificação dos trabalhadores como solução para a criação ou manutenção dos empregos. Evidentemente, a capacitação da força de trabalho é algo relevante. Contudo, no limite, a ênfase nesse quesito dá a entender que os postos de trabalho decorrem das decisões dos trabalhadores, ou, no mínimo, que os investimentos dos capitalistas seriam variáveis dependentes do comportamento e daqueles que procuram emprego. A nova coqueluche desse tipo de abordagem reside nos chamados “start ups”, corriqueiramente apresentados como solução para o problema de emprego no novo cenário de avanço tecnológico. Enquanto isso, menor atenção tem sido dada à macroeconomia, aos modelos de desenvolvimento e políticas econômicas adotadas ou que serão adotadas com a emergência da chamada Quarta Revolução Industrial, variáveis que são fundamentais para

abstraídas variáveis fundamentais para a análise, quais sejam: as dinâmicas políticas, sociais e da própria acumulação do capital que se estabelecerá

determinar os impactos das novas tecnologias sobre a existência ou eliminação de postos de trabalhos no conjunto das economias.

Há pesquisas que estimam os impactos que já estão ocorrendo. Por exemplo, Daron Acemoglu e Pascual Restrepo Restrepo (2017) realizaram um estudo sobre postos de trabalho que teriam sido eliminados nos Estados Unidos por conta do uso de robôs e outras tecnologias computacionais, concluindo que:

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Ed. 150 – Setembro/Outubro 2017

4. Para uma reflexão inicial O incremento da tecnologia – o intenso progresso técnico ou, numa perspectiva marxista, o avanço das forças produtivas – é uma das características centrais que constituem a dinâmica do capitalismo. Isso é acentuado por inúmeros autores ao menos desde o século XIX, sendo ponto praticamente pacífico nas mais diversas matrizes teóricas e políticas das diversas ciências sociais. Progresso técnico pode significar incremento da produtividade do trabalho na consecução da riqueza social. O mecanismo básico que viabiliza esse aumento é a evolução dos meios de produção, incluindo máquinas, instrumentos, materiais, permitindo que os homens produzam a mesma quantidade de determinado bem com menos tempo de trabalho. Ocorre que a evolução da tecnologia pode significar não apenas produzir a mesma quantidade de determinado bem com menor tempo de trabalho empregado (por conseguinte, de trabalhadores), mas também produzir mais bens com o mesmo tempo de trabalho, ou até bens antes inexequíveis ou inimagináveis. O desenvolvimento e a aplicação da tecnologia têm componente inerentemente político no âmbito da produção, da regulação interna ao disciplinamento do trabalho. Mas não apenas. O emprego da tecnologia é permeado, necessariamente, por um cenário político que contempla modelos de desenvolvimento nacionais, internacionais, regimes de acumulação do capital, padrões de regulação, dentre outros, que vão determinar se o progresso técnico será acompanhado de redução, estabilidade ou mesmo crescimento do emprego. Os efetivos impactos da Indústria 4.0 na destruição e ou criação de empregos ainda são desconhecidos, e não poderia ser diferente. Essa indeterminação não reduz a importância, pelo contrário, radicaliza a necessidade de se estabelecer um amplo debate e estudos aprofundados sobre as hipóteses de dinâmicas que poderão se estabelecer no mercado de trabalho com a Quarta Revolução Industrial, e o que é necessário ser feito para p ara alcançar resultados socialmente almejados. * Rodrigo Cunha Silva Leal Graduando em economia na Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA) e membro do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC). ** Uallace Moreira Lima Professor adjunto da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA) e membro do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC).

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*** Vitor Araújo Filgueiras Professor adjunto adjunto da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA) e membro do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC). Biografa ACEMOGLU, Daron; RESTREPO, Pascual. Robots and jobs: evidence from us labor markets (Robôs e empregos: evidência de nossos mercados de trabalho). Working Paper 23285, 2017. Disponível em:
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