February 24, 2017 | Author: Alexandre Prado | Category: N/A
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O KAMASUTRA O Tratado Hindu do Amor e do Sexo
Mallanâga Vâtsyâyana
Do original em espanhol
2011
O KAMASUTRA
Mallanâga Vâtsyâyana
APRESENTAÇÃO PARA ESTA VERSÃO BRASILEIRA O Kamasutra, obra atemporal de Mallanâga Vâtsyâyana é ao mesmo tempo uma leitura alegre e instigadora. Instigadora porque, escrito há mais de mil e oitocentos anos, pinta um retrato com todos os matizes de uma sociedade exótica e maravilhosa. A cultura hindu é, no mínimo, curiosa... Alegre, porque trata de um tema tabu até os nossos dias (pelo menos na sua forma textual) e, fazendo isso no transcurso dos Séculos, acrescenta pitorescas pitadas de “nossa!”. “Kama” é o significado hindu para amor, prazer, satisfação, enquanto que o “sutra” quer dizer tratado onde se encontram reunidas, sob a forma de aforismos as regras dos rituais, da moral e da vida quotidiana dos hindus. Daí que o trabalho do nosso mestre quer se referir a um tratado sobre a arte do amor e do prazer. Enquanto isso insere informações importantes e interessantes sobre a fascinante cultura e a sociedade hindu e mais aprofundadamente na casta brâmane. É uma boa oportunidade para uma revisitação histórica e social que tem sido explorado sob o aspecto, muitas vezes da excentricidade, para dizer o mínimo. É muito comum nesta obra os olhos ficarem inebriados com as imagens e o cérebro se perder um pouco da mensagem. Isto é sabido por todos. Nesta versão, tomamos o cuidado de descartarmos as imagens (mantendo apenas umas poucas para reverenciar monumentos hindus) e nos detivemos no texto. Assim, muito mais que os olhos, apurem a mente, e boa viagem. Divirtam-se! E se puderem ampliar seus horizontes, melhor ainda; afinal, a intenção do nosso mestre Vâtsyâyana, ainda no Século III era exatamente esta: lembrar o que a natureza ensinou e o homem tenta melhor ao longo do tempo.
Alexandre L.Prado Para esta versão em português
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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O KAMASUTRA
Mallanâga Vâtsyâyana
INTRODUÇÃO
N
enhuma obra literária da Índia clássica e, pensando bem, nenhuma outra de uma civilização tão remota teve a sorte, no Ocidente, de ser tão célebre como o Kamasutra, o livro de arte erótico escrito por Mallanâga Vâtsyâyana no Século III d.C. O próprio termo Kamasutra tem assumido, em linguagem comum, o sinônimo de sensualidade, que não deixa lugar a dúvidas ou ao acaso, e às vezes, soa excessivo e extravagante, para não dizer inverossímil. Esta fama acompanha o Tratado Sobre o Amor – assim poderíamos traduzir o título em sânscrito – criado a partir de fartas descrições contidas na segunda parte do livro, das posturas amorosas, beijos, abraços, arranhões, mordidas e atos tais, que, sem dúvida, soam um tanto surpreendentes para um leitor ocidental, um pouco longe da sua concepção do que seja usual, comum, ou permitido em um tema tão delicado, e principalmente quando colocado de forma textual. Por seus efeitos causados pela distância cultural o texto foi criando cúmplices, com traduções especializadas com acesso fácil, ou mesmo desatualizadas ou ainda negligenciadas das suas reais intenções. De qualquer forma, da surpresa ao juízo apressado há uma distância muito tênue, e por isto, para a maioria das pessoas, o Kamasutra foi convertido em um livro se não pornográfico, pelo menos “picante”, luxurioso, e imoral. Quão longe foi este sábio, Vâtsyâyana, com intenção tão nobre e séria!
Em primeiro lugar, o Kamasutra não se ocupa apenas das práticas eróticas, mas da totalidade das relações entre homem e mulher. Impõe-se aqui uma advertência: A Índia nunca entendeu estas relações em termos de uma dedicação afável, sentimental, recíproca1; toda a concepção indiana de amor deriva do desejo sexual, da atração física, que não se degrada nunca a um plano inferior. O sexo está, naturalmente, submetido a normas e a vetos – inclusive muito mais rigorosos que os vigentes no ocidente – de ordem social e religiosa, mas, nem por isso, evoca nenhum rechaço nem remete ao pecado. Reconhecido como expressão de uma exigência natural, ele é considerado entre as necessidades básicas: “as ações relacionadas com o Amor têm a mesma natureza que a alimentação, já que contribuem para a sustentação do corpo”. Em uma visão deste tipo, não surpreende que os abraços dos amantes sejam considerados o prazer supremo nesta terra, e que, ao contrário, o amor insatisfeito evoque abismos de sofrimento. O Kamasutra é um tratado com intenções científicas e educativas, criado para ensinar aos homens e às mulheres o comportamento que devem ter frente ao desejo, e que indicações de1 Não deve ser fácil, para uma mulher ocidental, viver num país cheio de crenças, superstições e rituais, onde ela, por exemplo, só pode pronunciar o nome do marido no dia do casamento e, jamais, poderá chamar sua sogra pelo nome. // Uma moça (ou menina) não pode escolher seu pretendente, pois o compromisso da união é com a casta a que pertence e não com seus sentimentos. E, para protegê-la contra a esperteza do coração, nada melhor que lhe providenciar um casamento, o quanto mais jovem possível. Por isso vemos tantas crianças viúvas, sofrendo o martírio do afastamento social). – Editado a partir de http://www.almacarioca.net/as-mulheres-na-cultura-indiana-lu-dias/. (NT)
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vem seguir para conseguir uma vida amorosa feliz. A função da sensualidade está definida no conjunto de relações entre os sexos, examinadas em minúcias: os princípios éticos, as preliminares básicas, a conquista, o casamento, as relações com mulheres distintas em uma época de poligamia, a prostituição, o adultério. Vâtsyâyana não se cala às coisas que desaprova. Ao multiplicarem-se as situações, estudam-se os estados de ânimo e as reações dos amantes com uma profunda base psicológica; advertem-se sobre as implicações sociais e as consequências das decisões tomadas, não se levando em consideração que certos costumes e aspirações podem corresponder a realidades distintas e específicas. Com seu estilo expositivo, o Kamasutra quer colocar-se entre os textos “oficiais” do seu tempo, expressão de uma honorável e ponderada doutrina: a forma de exortação realizada mediante uma série de aforismos (sutra é um aforismo para “prosa”) é uma das privilegiadas entre os tratados em sânscrito mais antigos. A base da composição de uma obra com este estilo encontra-se não apenas em uma visão benevolente da sensualidade, mas também em uma sólida análise da posição que esta deve ocupar na vida humana. Desde as primeiras palavras, Mallanâga Vâtsyâyana alude à doutrina clássica e fundamental que regula a ética brâmane2 e mais tarde a hindu: enquanto está nesta vida, o homem está obrigado a cultivar um determinado grupo de valores definidos “finalidades da vida” - (purusartha), ou “triada” (trivarga) por antonomásia3 -, que devem contribuir ainda mais com o bem estar de si próprio e dos outros. Estes grupos de valores são o dharma, o artha e o kama. Para estes termos, e em particular para o primeiro, as línguas ocidentais não têm uma correspondência exata, o que significa que fizemos a tradução do Kamasutra utilizando a Lei Sagrada, o Útil e o Amor. Convém ter claro que os significados subtendidos são especificamente hindus. Com dharma se indica a ordem cósmica; no final da vida, a adequação do homem a esta ordem, ou seja, a observância das normas rituais e das leis, compreendendo o respeito aos direitos e deveres da classe social à qual se pertença. Em resumo, trata-se da uniformização ativa com tudo o que consideram justo do ponto de vista ético e legal. O artha expressa, ao contrário, a finalidade concreta pela qual vivemos, e em especial, pelos interesses materiais e pela riqueza. Mas que nenhum outro, a tutela da artha é dever do soberano, cujo bem estar coincide com o do reino e o dos seus súditos – em outras palavras, o artha é o seu dharma pessoal. Com kama se designa, fundamentalmente, o desejo, como alguém pode realmente orgulhar-se pela capacidade de dar prazer e satisfação; o que mais apetece e produz a satisfação suprema é, naturalmente, o prazer erótico, e que, neste
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O Hinduísmo é uma das religiões mais antigas do mundo. Não há um fundador desta religião, ao contrário de tantas outras - no Islamismo, por exemplo, temos Maomé, e no Budismo, o próprio Buda. O Hinduísmo, na verdade, se compõe de toda uma intersecção de valores, filosofias e crenças, derivadas de diferentes povos e culturas. // Para compreender o Hinduísmo, é fundamental situá-lo historicamente. Por volta de 3 000 a.C., a Índia era habitada por povos que cultuavam o Pai do Universo, numa espécie de fé monoteísta de castas -, começa a perder o sentido, pois existe um clamor ético por igualdade e solidariedade. // Tradicionalmente os hindus têm sido divididos em quatro castas: os Brâmanes, os Kchatriyas, os Vaicyas e os Sudras. Os que não pertencem a nenhuma destas castas são chamados “os intocáveis”! Lutas tribais entre castas são muito comum. // A casta Brâmane é considerada a mais elevada, a mais inteligente, superior. O casamento, associações íntimas, negócios ou sociedades entre membros de castas diferentes são totalmente proibidos. Editado a partir de http://www.solbrilhando.com.br/Sociedade/Religiao/Hinduismo.htm. (NT)
3 Antonomásia: Figura que consiste em substituir o nome próprio por um nome comum ou por uma expressão que o dê a entender e viceversa: O poeta das pombas (para significar Raimundo Correa), Um Rui Barbosa (para designar uma pessoa de grande talento). http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=antonom%E1sia&CP=14411&typeToSearchRadio=exactly&pagRadio=50. (NT)
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caso, o prazer erótico seja entendido quase como um sinônimo de satisfação. Desta forma, a sensualidade ocupa o primeiro lugar na visão hindu do amor. Até agora se falou dos homens. E que lugar ocupam as mulheres? Na sociedade brâmane, sua vida transcorre por caminhos muito estreitos [como vimos em nota de rodapé anterior (NT)]. Relegadas a uma posição de constante inferioridade, geralmente consideradas seres perigosos e impuros, a ortodoxia as exclui da educação, da ciência sagrada e da participação no rito védico, relegando-as aos estratos mais inferiores da coletividade. Elas não são mais que o prolongamento de um homem, do qual dependem sempre e ao qual seguem presas seguindo-o em seu destino: “pai de minhas filhas, então um marido indispensável”. Este tem que ser honrado como um deus; em particular, a ele se devem a procriação e o cuidade dos filhos homens, e apenas estes são importantes para ele já que um dia cumprirão os ritos necessários para mantê-lo “no céu”. Mas, precisamente nesta função, começa a aparecer para a mulher a possibilidade de resgate. Se a mulher é capaz de, sem se retrair, aceitar este ideal de dedicação e fidelidade absoluta, é redimida da infâmia e da iniquidade que lhe é cobrada congênitamente, tornando-se, então, um ser sublime. É dever do dharma de uma mulher, ao uní-la de forma indissolúvel a um homem, colocá-la a serviço do Amor. Isto vale para todos os casos; se renuncia à missão de esposa, pode esperar reconhecimento social apenas como prostituta. Poderiamos pensar que, ao se considerarem seres inferiores, no âmbito erótico, às mulheres caberia apenas o papel de objeto no prazer masculino. Mas, por uma espécie de milagre cultural, acontece exatamente o contrário; dado que o amor é sua missão reconhecida, na sensualidade ela adquire igualdade absoluta com o homem. De outro lado, como se poderia dar a verdadeira satisfação do desejo, que por si mesmo é um valor que temos que buscar, sem a participação e o envolvimento de ambos? A literatura sânscrita não cessa de propor à companheira, como modelo, um parceiro íntimo desinteressadamente satisfeito, caso contrario este irá reivindicar os seus direitos. Para Mallanâga Vâtsyâyana este é um ponto forte. Muitas das partes do Kamasutra, em particular a seção sobre o amor físico, resultariam absolutamente inconcebíveis se no plano erótico as mulheres não fossem consideradas, para todos os efeitos, em igualdade de condições com os homens. O amor, portanto, tem como base a sensualidade, ocupa um posto reconhecido na vida do homem e é a essência da mulher. Na satisfação do amor ambos podem reclamar as mesmas exigências. Por isto, na literatura normativa brâmane, onde como regra o interlocutor é somente o macho, o Kamasutra se apresenta como uma clamorosa exceção: é o único tratado que se dirige, abertamente, também a um público feminino, e as convida, tanto às nobres quanto às cortesãs, a estudá-lo com o máximo proveito. Uma última observação: se o amor se compreende a partir do prazer recíproco, não nos pode surpreender a ausência da sensualidade e, como fim, da procriação. Embora seja óbvio que os filhos nasçam em obediência ao kama, estes pertencem, na verdade, à esfera do dharma. Do ponto de vista religioso e social, ao mundo dos deveres. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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O kama na India brâmane é um ingrediente da ética humana estabelecido oficialmente; e Mallanâga Vâtsyâyana, ao decidir-se a escrever este tratado, não alterou a sua ótica individual de avaliação e inspiração, tal como, por exemplo, Ovídio em Ars Amatoria4. Em relação com o poeta latino, um autor da antiga Índia mantém laços distintos com sua obra e com a cultura na qual se move. Um sintoma disso é a dificuldade em definir datas, que, por regra, acompanha a literatura sânscrita, sobretudo dos autores mais famosos, e que tem uma solução parcial em termos de cronologia relativa; alem disso, há que se considerar, sempre, o mistério que sempre ronda esses autores. Mallanâga Vâtsyâyana não é uma exceção: não se conhece com certeza nenhum dado sobre sua vida. E sobre sua atuação no Século III d.C. é o resultado de minuciosas referências, obra de estudos modernos. Traços característicos da Índia, concepção mítica da história e a debilidade da noção de indivíduo excluem, quase sempre, os dados biográficos em benefício de citações fictícias, carregadas de simbolismos. Mas isso não nos parece tão grave: se uma civilização rejeita peremptoriamente certos tipos de informação é porque essas informações nãos lhes parecem indispensáveis. Baseado em pressupostos despersonalizantes, a cultura indiana tende a mover-se em ondas objetivas, onde cada voz se liga ao pensamente que a precede para reelaborá-lo; e pretende que nos enfrentemos com ela em termos de história das ideias e não da mera cronologia e da inovação revolucionária do indivíduo. Mallanâga Vâtsyâyana se coloca, consciente e orgulhoso, nesta tradição. Quando produziu sua obra, o bramanismo tinha redigido os textos fundamentais sobre o dharma e sobre o artha, ou seja, o Dharmasastra atribuido a Manu e o Arthasastra atribuido a Kautilya. Vatyayana copia, evoca e imita distintas seções do tratado anterior, que toma como modelo tanto no espírito quanto na estrutura e estilo. Mas sobre o kama, como enfatiza o autor do Kamasutra desde o primeiro parágrafo, exibe uma literatura nova, florescente, que ele toma como fonte e justificativa. Mallanâga Vâtsyâyana vincula a teoria da origem e finalidade da vida a fins celestiais, atribuindo a elaboração desta teoria a Prajapati, deus criador da literatura védica. Os ensinamentos do Senhor supremo teriam logo se subdividido e sido copiados por três autores distintos: cada um deles teria se ocupado de expor sobre uma finalidade: Manu, o dharma, Brhaspati, o artha e Nandin, servo do deus Siva, o kama. Manu, considera que o primeiro homem pela mitologia, é o presumido autor de um tratado sobre o dharma. Contudo, esse, bem como os autores dos outros tratados incluem-se entre os personagens que não se podem considerar fidedignos para efeitos de dados biográficos. A extensão que o Kamasutra atribui ao tratado de Nandin (mil capítulos) é demasiado ampla para poder ser atribuída como expressão da verdade ou obra real. A situação muda quando Mallanâga Vâtsyâyana decide ocupar-se de uma das finalidades da vida: o kama. As névoas da lenda se desvanecem. Svetaketu, que trabalhou no resumo da ampla obra de Nandim, parece ter vivido realmente, e, sobretudo, parece que a sua autoria foi 4
A Arte de Amar ("Ars Amatoria", em latim) é uma série de três livros do poeta romano Ovídio. Escrita em versos, tem como tema a arte da sedução. Os primeiros dois volumes da série, escritos entre 1 a.C. e 1 d.C., falam 'sobre conquistar os corações das mulheres' e 'como manter a amada', respectivamente. O terceiro livro, dirigido às mulheres e ensinando-as como atrair os homens, foi escrito depois. A publicação da Arte de Amar pode ter sido ao menos em parte responsável por Ovídio ter sido banido de Roma pelo imperador Augusto. A celebração do amor extraconjugal pode ter sido tomada como uma afronta intolerável a um regime que promovia os 'valores da família'. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ars_Amatoria. (NT)
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atribuída a um tratado sobre o Amor. Mallanâga Vâtsyâyana, no transcurso de sua obra, convalida, inclusive com citações, a existências desses predecessores a partir da obra de Svetaketu. A consistência histórica e os laços com o Kamasutra são mais chamativos quando passamos ao personagem Babhravya del Pancala, que se apresenta como alguem que resume o livro de Svetaketu. Na época de Mallanâga Vâtsyâyana, o texto de Babhravya era a fonte mais autorizada sobre o kama. A partir deste tratado foi que o autor do Kamasutra tirou a inspiração fundamental e o material básico da sua obra, e, sobretudo, a subdivisão do tratado em sete seções, cada uma dedicada a um tema específico. A obra de Babhravya, todavia muito extensa, foi reformulada por sete autores que tentaram sistematizar cada uma das sete seções individualmente, separando-a do restante da obra. Dattaka, por convite das cortesãs da cidade mais importante da Índia daquela época, Pataliputra (hoje Patna), sistematizou o capítulo sobre a prostituição; Carayana trabalhou com a parte geral; Suvarnanabha com a união erótica; Ghotakamukha com as relações com as donzelas; Gonardiya dedicou-se a sistematizar a seção que tratou sobre as mulheres casadas; Gonikaputra dedicou-se às esposas dos outros e Kucumara às doutrinas secretas. Esta é a situação que se apresentava antes de Mallanâga Vâtsyâyana. E, para ele, havia chegado o momento de colocar ordem no caos. Muito grande para um estudo rápido e de fácil compreensão, o tratado de Babhravya corria o risco de ser esquecido em um baú de recordações, inclusive por culpa de imitações fragmentadas do seu trabalho; sobre este trabalho, sua utilidade fica limitada, pois cada um é confrontado com uma parate de um tema amplo; por este motivo Mallanâga Vâtsyâyana decide compor seu Kamasutra “resumindo toda a matéria em um pequeno livro”. Desde as primeiras linhas, Mallanâga Vâtsyâyana não se apresenta como um autor original, senão como um reelaborador, em termos da atualização de doutrinas que, em sua época, eram mais antigas. A prova disso está entre aspas, ou melhor, em paráfrases, que aparecem continuamente nesta obra, do pensamento dos seus predecessores desde Svetaketu. Quando não for adicionado qualquer comentário - e é o meio mais comum, de acordo com um procedimento recorrente do estilo em sânscrito -, é porque o texto é compartilhado na sua totalidade. Críticas mais frequentes vêm da parte de invocados "professores nãoidentificados", talvez apenas em razão da necessidade de discussão. Para entrar no debate e colocar a sua visão pessoal, cita-se Mallanâga Vâtsyâyana na terceira pessoa; quando essa forma não existir, quer dizer que o autor apenas tenta melhorar o que já foi dito à época, em textos de Babhravya, da sua escola e dos seus sete epígonos5. O autor do Kamasutra emerge como o continuador de uma efervescente tradição literária, entre os que não querem cortar as raízes de suas veneráveis doutrinas e sempre reclamam a autoridade de todos os que nobremente os precedem. Aurélia Nicásio
5 Epígonos: Representante da geração seguinte. Seguidor, discípulo de um grande mestre nas letras, nas ciências, nas artes. http://www.dicio.com.br/epigono/. (NT)
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PARTES
APRESENTAÇÃO A ESTA VERSÃO BRASILEIRA INTRODUÇÃO
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I – PARTE GERAL
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1 – Resumo do tratado 2 – Realização das três finalidades da vida 3 – Exposição do saber 4 – A vida do homem elegante 5 – Exame das amantes, dos amigos e da função dos alcoviteiros
II – UNIÃO ERÓTICA 1 – Descrição do prazer segundo as medidas, a duração e o temperamento a – Distintas classes do amor 2 – Análise dos abraços 3 – Variedades do beijo 4 – Diferentes formas de arranhar 5 – Regras para morder a – Costumes locais 6 – Diversas maneiras de deitar-se6 a – Uniões extraordinárias 7 – Utilização de tapas. Como recorrer a gemidos apropriados 8 – O amor como homem. As iniciativas do homem durante a união 9 – O amor com a boca 10 – Início e final da união 11 – As diferentes classes de união a – As disputas de amor
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III – RELAÇÕES COM AS DONZELAS
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1 – Normas para pedir em casamento a – Comprovação das relações 2 – Como inspirar confiança às donzelas7 3 – Como se iniciar com uma donzela
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Deitar-se: aqui utilizado como neologismo para “fazer sexo” ou “fazer sexo deitado”
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Para o Kamasutra a donzela é a mulher de até dezesseis anos de idade.
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a – Atitudes e expressões 4 – Cortejo por parte do homem, sem intermediários a – A conquista do homem eleito b – O que uma donzela obtém do cortejo 5 – Diferentes formas de contrair matrimônio
IV – MULHERES CASADAS a – O comportamento da mulher quando é a única esposa b – Conduta durante as viagens do marido 1 – Como deve se comportar a esposa mais velha ante as outras mulheres a – Como deve se comportar a esposa mais jovem b – A viúva que volta a se casar c – A esposa que cai em desgraça d – A vida no harém e – As relações do homem com muitas esposas
V – AS ESPOSAS DE OUTRO HOMEM 1 – A índole da mulher e do homem, e os motivos da rejeição a – Os homens que têm sucesso com as mulheres b – Mulheres que podem ser conquistadas sem esforço 2 – Maneiras de conhecer melhor as mulheres a – O namoro 3 – Exame da prestação de contas 4 – As funções do alcoviteiro 5 – As aventuras amorosas dos reis e soberanos 6 – O comportamento das mulheres no harém a – Como ser o guardião das esposas
VI – A PROSTITUIÇÃO 1 – Análise dos amigos, dos homens com os quais pode-se ou não estabelecer uma relação e as razões para se estabelecer uma relação a – Como atrair um possível cliente 2 – Como é o prazer com um amante 3 – Métodos para se obter dinheiro a – Como reconhecer um homem desencantado por amor b – Como descartar um amante 4 – Reconciliação com um amante 5 – Diferentes tipos de renda 6 – Perdas e ganhos: Exame das consequências e diferentes categorias de prostitutas
VII – AS DOUTRINAS SECRETAS 1 – Como ser atraente Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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O KAMASUTRA a – Como vencer b – Estimulantes da virilidade 2 – Como reacender o desejo que se apaga a – Como engrossar o pênis b – Simpatias
NOMES BOTÂNICOS CITADOS NO TEXTO LOCAIS DA ÍNDIA CITADOS NO TEXTO MAPA DA ÍNDIA ATUAL
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I - PARTE GERAL 1 – RESUMO DO TRATADO
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econheça-se os méritos da Lei Sagrada, do Útil e do Amor, pois disto fala o tratado8; e reconheça-se também os méritos dos mestres que expuseram estas doutrinas, pela relação que estas têm com este tratado.
De fato, no princípio, Prayapati9, depois de haver criado os seres vivos, propôs, em cem mil capítulos, as normas para a consecução das três finalidades da vida. Normas estas, que são, para as seres vivos, o fundamento da sua existência. Mais tarde, Manu Svayambhuva acrescentou a sua parte à Lei Sagrada; Brhaspasti separou o que se referia ao Útil e Nandim, servo de Mahadeva, separou, dentre os mil capítulos, aqueles que tratavam do Amor10. Logo Svetaketu, filho de Uddalaka11, reduziu este tratado a quinhentos capítulos e, por sua vez Babhravya, de Pañcala, reduziu a obra a cento e cinquenta capítulos, divididos em sete seções: parte geral; união erótica; a relação com as mulheres donzelas; as mulheres casadas; as esposas dos outros; a prostituição; e por último, as doutrinas secretas. Deste resumo, Dattaka tratou, em separado, na sexta seção, das prostitutas, a pedido das cortesãs de Pataliputra. Carayana, seguindo seu exemplo, expôs, em obra separada, a parte geral; Suvarnanabha expôs a parte sobre a união erótica; Ghotakamuka, das relações com as donze-
8 A Lei Sagrada (dbarma), o Útil (ariba) e o Amor (kama) são as três “finalidades da vida”, geralmente definidos com o nome conjunto de trivarga, que, segundo as doutrinas brâhmanes e logo hindus, cada homem está obrigado a conseguir no curso de sua existência. Os componentes do trivarga estão indissoluvelmente unidos entre si, e por isto Mallanâga Vâtsyâyana, que trata especificamente do kama, não pode deixar de examinar as relações com os demais valores. 9
“Senhor das Criaturas”: é o deus que, desde o início do mundo, deu origem a todos os seres vivos.
10 Prayapati, Manu, Brhaspati e Nandin são seres mitológicos. Svayambhuva significa “filho do que existe por si mesmo”; este Manu é o primeiro representante da humanidade a quem o criador deu vida. Mahadeva (“Grande Deus”) é Siva, uma das divindades mais importantes do panteão hindu. 11
A partir deste autor, nos encontramos com personagens históricos e tratados sobre o Amor, que parecem ter existido.
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las; Gonadiya, das mulheres casadas; Gonikaputra, das esposas dos outros; e Kucumara, das doutrinas secretas12. E assim, escrita parte por parte, peça por peça, por muitos mestres, a obra de Babhravya caiu quase em desuso. Chegando-se a este ponto, fragmentado, a obra elaborada por Dattaka e os outros autores e o texto de Babhravya ficou difícil de ser estudado e entendido dada a sua extensão. Então, se compôs este kamasutra, na forma de um pequeno livro13.
2 – REALIZAÇÃO DAS TRÊS FINALIDADES DA VIDA homem, cuja vida pode alcançar cem anos, deve distribuir seu tempo e dedicar-se as três finalidades da vida, subordinados entre si, e de tal forma que um não prejudique o outro. Quando criança, procure adquirir cultura e aspectos ligados ao Útil; se entregue ao Amor durante a juventude, e, na velhice, à Lei Sagrada e à Liberação14. Ou, dada a incerteza da vida, pode dedicar-se a cada uma dessas fases assim que tenha a oportunidade. O período juvenil dos estudos, no entanto, deveria durar até o final previsto para a instrução.
O
Agir conforme a Lei Sagrada consiste em fomentar, segundo as doutrinas, algumas ações, como os sacrifícios aos deuses, que não se cumprem por necessidade, já que não pertencem a este mundo e não se percebem as vantagens; e ao descartar, sempre segundo as doutrinas, atos como alimentar-se de carne15 como costumam fazer, pois pertencem a este mundo, logo percebem os resultados. A Lei Sagrada pode ser aprendida nos textos da Revelação16 e tendo contato com especialistas. O Útil é procurar cultura, terras, ouro, ganhos, bens materiais, amigos e coisas parecidas e sempre aumentar o que houver obtido. Pode-se aprender com o comportamento dos empregados, dos conhecidos, daqueles que conhecem as técnicas dos profissionais e dos comerciantes.
12 Estes autores são conhecidos por outras fontes literárias, à exceção de Suvamanabha, cujo nome (”Umbigo de Ouro”) faz crer em um pseudônimo; o mesmo que Gonikaputra, que parece um nome desfigurado, onde o “o” representaria um “a” para eliminar um significado difamatório, ou seja, “filho de uma puta”. 13
O termo sutra (aforismo sintético em prosa) indica a forma literária em que está composta a obra sobre o kama.
14 Refere-se à importante doutrina dos “estágios da vida”, prescrita pelos textos para os que pertencem às três primeiras classes sociais, sobre todos os brâmanes. É correto que um homem passe por um período na sua juventude dedicado aos estudos sagrados (brahmacarya), onde se obriga à castidade; após isso, se case e seja o cabeça da família (grhastha). Uma vez nascido o filho do seu fiho – seu neto -, pode deixar sua casa e retirar-se para o bosque como um eremita (vanaprastha), dedicando-se aos rituais, à penitência e à meditação; finalmente, já ancião, pode decidir-se por abandonar todos os seus bens terrenos para tornar-se asceta mendicante (sannyasin) e buscar a perfeição espiritual. A cada um desses estados corresponde a busca de um fim específico da vida e uma forma de complementá-los.
15 No tempo de Mallanâga Vâtsyâyana, o vegetarianismo já estava difundido na Índia desde Séculos antes, em sintonia com as doutrinas da não violência. Era, e é, uma prática que segue de forma particular, a classe dos brâmanes, sacerdotes e intelectuais, à qual que pertencia o autor. 16
Por “Revelação” entende-se o corpus dos Veda, os textos sagrados mais antigos da Índia, considerados atemporais pelos profetas e transmitidos por eles a toda a humanidade.
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O KAMASUTRA
Mallanâga Vâtsyâyana
O Amor é atuar de forma que resulte agradável a audição, ao tato, a visão, ao paladar e ao olfato, cada um ao seu modo, todos controlados pela mente unida à alma. Mas, especificamente, o Amor é a sensação adequada à alma transbordante de alegria que brota da consciência rica em resultados e relacionada com um contato especial17. Isto se pode aprender no Kamasutra e no contato com as pessoas. Quando a Lei Sagrada, o Útil e o Amor entram em conflito, o que precede é sempre mais importante. O Útil, contudo, é o mais importante para um soberano, porque nele se fundamenta o curso regular do mundo; e também para uma prostituta. Assim se conseguem as três finalidades da vida. Alguém pode objetar: se a Lei Sagrada não pertence a este mundo, é conveniente a existência de um tratado que a explique; e esta observação vale também para o Útil, dado que, para valer, é necessário que haja um método e este se consegue com um manual. Mas o Amor, pelo fato da sua espontaneidade até nos animais, por ser inato, não precisa de um tratado; é a opinião de alguns especialistas. Contudo, como depende da união erótica de um homem e de uma mulher, exige um método, que se consegue com o Kamasutra, diz Vâtsyâyana. Entre os animais, ao contrário, a vida sexual não necessita de métodos, porque as fêmeas não se mantêm escondidas; o acasalamento ocorre até a satisfação, durante todo o período do cio, e as uniões não são acompanhadas de nenhuma reflexão. Outros asseguram que não se devem realizar as ações recomendadas pela Lei Sagrada, pois apenas produzem resultados no futuro e que torna essas ações incertas. Quem, se não está tonto, daria a outro o que tem nas mãos? É preferível um pombo hoje que um pavão real amanhã; melhor uma moeda de ouro segura que um colar de ouro incerto; é a opinião dos materialistas18. Mallanâga Vâtsyâyana diz, ao contrário, que se devem realizar as obras previstas pela Lei Sagrada, pois as escrituras não podem suscitar dúvidas; vemos que os sortilégios e os exorcismos têm existido às vezes. As constelações, a lua, o sol e o conjunto dos planetas parecem atuar em benefício do mundo; além disso, o curso regular das coisas no mundo está determi-
17
Kama, palavra analisada sob diversas conotações. Em primeiro lugar, Mallanâga Vâtsyâyana o define como toda experiência agradável. A partir desta concepção geral o autor passa a uma segunda, mais específica, onde kama se identifica com o amor erótico. E se poderia parafrasear assim a definição: se tem kama quando a alma leva o estímulo sensorial ao nível dos órgãos sexuais (“a partir de um estímulo ou contato especial”), e vive-se uma experiência real e conciente (no sentido próprio), que é coroada com o prazer do orgasmo (rica em resultados). O pré-requisito para que isto aconteça é a relação entre dois seres humanos sob a influência da paixão, uma vez que isso traz a "alegria" de "consciência", que acontece nos beijos, nas carícias e similares.
18 Os materialistas reduziam toda a realidade a única atividade da matéria; negavam a existência dos deuses, de uma alma transcendente e da vida depois da morte, e rechaçavam, naturalmente, a santidade e a autoridade dos Veda.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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nado pela observância das normas sobre as classes sociais e sobre os estágios da vida19 e é evidente que a semente que temos nas mãos se planta em função da colheita futura. Para alguns ainda não se deve tomar como obrigatórias as medidas relacionadas com o Útil. Benefícios perseguidos com grande esforço podem não chegar nunca, ou podem não ser conquistados sem uma busca específica por eles. Uma vez que tudo é obra do destino, ele realmente leva os homens á riqueza ou à pobreza, ao sucesso ou ao fracasso, à felicidade ou à tristeza. O destino transformou Bali20, o destino o destronou; o destino será sempre colocado em um pedestal. É a argumentação preferida pelos pessimistas e fatalistas21 .
Um método, no entanto, é o fundamento de toda a atividade, porque pressupõe o esforço do homem. O benefício da segurança, para a maioria, depende de alguns fatores. Um homem ocioso não pode depender só da sorte. É a opinião de Mallanâga Vâtsyâyana. Para alguns, finalmente, não se deve tomar as ações relacionadas ao Amor como eles enfrentam a Lei Sagrada e o Útil, que são as coisas são mais importantes e, portanto, com pessoas honestas, podem induzir um homem a ter contatos com pessoas indignas e impuras e comprometer o seu futuro. Provocam, além disso, negligência, desconfiança e exclusão por parte de outras pessoas. Se ouve muito falar de escravos do Amor, que tiveram final horrível, junto dos seus; assim foi com Dandakya, rei dos Bhoja, que por amor violou a filha de um brâhmane22 terminando arruinado com sua estirpe e o seu reino. E basta pensar no rei dos deusas com Ahalya, no poderosíssimo Kicaka com Craupadi, em Ravana com Sita, e em muitos outros, que viveram mais tarde: escravos do Amor, como se pode ver, gravemente castigados23. É o que entendem os defensores do Útil.
19 As classes em que se divide a sociedade hindu, segundo um rígido esquema de finais de época védica, em ordem decrescente de importância na organização social: brâhmanes (brabmana), os sacerdotes e intelectuais; ksatriya, reis e guerreiros; vaisya, campesinos e comerciantes; sudra, os empregados de outras classes. Apenas os que pertencem às três primeiras classes são universalmente considerados arya, “nobres”, enquanto que os sudra ficam excluídos de qualquer participação nos rituais da cultura védica. 20 Trata-se da famosa lenda do demônio Bali, que consegiu tanto poder que ameaçou substiuir Indra, rei dos deuses. Contudo, Vishnu venceu-o utilizando-se de um estratagema em uma de suas descidas ao mundo. Vishnu apareceu para ele sob a forma de um anão e pediu-lhe a concessão de terras em que pudesse cobrir em três etapas. Bali fez a concessão, imaginando que, como anão, não poderia fazer nada. Vishnu se tornou um gigante e em dois passos, assenhorou-se do céu e da terra, abrindo mão do inferno (os três mundos concedidos) para ser governado por Bali.
21
Os fatalistas provavelmente são os Ajivika, cujas doutrinas fazem depender o curso do mundo exclusivamente do destino, visto como força cósmica impessoal. O homem não tem livre arbítrio nem responsabilidade moral pelo curso do mundo.
22
Diz-se que o rei Dandakya ou Dandaka, da linhagem dos Bhoja, teria seduzido a filha do eremita Bhargava. Este, como maldição, teria enterrado o reino do rei sob uma chuva de areia.
23 Indra, rei dos deuses, seduziu Ahalya, a esposa do sábio eremita Gautama, naquele que foi, sem dúvida, o adultério mais famoso de toda a literatura sânscrita. Draupadi é a esposa dos cinco irmãos Pandava, protagonistas do Mahabbarata; o guerreiro Kicaka, que colocou armadilhas, para raptar Draupadi, pagou seu gesto com a morte nas mãos de Bhima, um dos cinco irmãos. O rapto de Sita, a virtuosa esposa de Rama, perpetrado pelo demoníaco rei Ravana, que foi assassinado, e seu reino, Lanka, caiu devastado, é a trama central da grande epopéia hindu, Ramayana.
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Na realidade, as ações relacionadas com o Amor têm a mesma natureza que a alimentação, já que contribuem com o sustento do corpo e são fruto da Lei Sagrada e do Útil24. Mas convém fugir às consequências negativas. De fato, não se deixa de colocar as panelas do fogo porque há mendigos por perto; nem se deixa de semear a terra porque já existem brotos. Esta é a opinião de Mallanâga Vâtsyâyana. Algumas valorosas estrofes sobre o assunto em questão:
Um homem que se dedique como temos dito, ao Útil, ao Amor e à Lei Sagrada consegue a felicidade sem espinhos, infinita, tanto aqui na terra como em qualquer outro mundo. Os sábios se ocupam das ações onde dúvidas não há sobre as consequências, e nas quais se encontram alguma satisfação sem causar prejuízo algum ao Útil. Que se tome iniciativa que resulte eficaz para realizar as três finalidades da vida, ou ao menos duas, ou ainda uma; mas não conseguir apenas uma, prejudicando às duas outras.
3 – EXPOSIÇÃO DO SABER
U
m homem deveria estudar o Kamasutra e as ciências complementares sem roubar o tempo do estudo da Lei Sagrada e do Útil e das ciências auxiliares. Uma mulher deveria dedicar-se a esse estudo antes da juventude25, e uma vez casada, a critério do seu
marido. Alguns sábios sustentam que, partindo da premissa de que as mulheres não entendem os textos científicos, é inútil instruí-las neste livro. Mas, se elas entendem o aspecto prático, é porque este se baseia em um tratado; é assim que pensa Vâtsyâyana. E não apenas nesta área, mas em todas as áreas. Apenas uns poucos conhecem os textos científicos e, contudo, a práti24
A sensação é que, observando as regras da Lei Sagrada e buscando um bemestar econômico adequado, ser o chefe da família é ter o direito de garantir, por direito divino, o desfrute das alegrias do amor.
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De acordo com a classificação de um tratado de erotismo posterior (o Ratirahasya), uma mulher é donzela (bala) até os dezesseis anos; dos dezesseis até os trinta anos é taruni (que quer dizer jovem); até os cinqüenta e cinco anos é praudha (madura), e, depois velha (vrddha).
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ca lhes afeta a todos. Ainda que remotamente, sempre há a possibilidade de haver instruções de ordem prática. Existe a gramática, mas, mesmo sem serem gramáticos, os que realizam os sacrifícios, utilizam uha26 durante os rituais. Existe a astrologia, mas mesmo quem não a domina leva a bom termo o compromisso com os dias propícios. O mesmo que os pastores de cavalos e elefantes, que sabem como cuidá-los sem haver estudado para isso. Pelo fato de existir um soberano, o povo, que está longe dele, não ignora as leis impostas por ele. É assim que as coisas são. Na verdade, cortesãs, filhas de reis ou de altos dignatários, ocuparam sua inteligência com este tratado. Por isso, uma mulher deveria aprender, de forma reservada e através de pessoa de confiança, sobre os aspectos práticos deste tratado, ou pelo menos uma parte do mesmo. Quando é donzela deve estudar, em segredo sobre as plantas, e sobre as sessenta e quatro artes ou ciências complementares que se aplicam ao exercício feminino. Em outros casos, podem ser mestres da donzela: a filha da sua ama de leite ou babá, que tenha crescido com ela e que tenha se unido a um homem; ou uma amiga com as mesmas características, com a qual ela possa conversar sem nenhum perigo, ou uma tia materna que tenha a mesma idade que ela; uma velha escrava de total confiança, que ocupe o lugar desta última, ou uma monja mendicante que a donzela já conheça, e uma irmã, se se pode confiar nela. As sessenta e quatro ciências complementares do Kamasutra, que formam suas subdivisões secundárias27 são as seguintes: o canto, a música instrumental, a dança, a confecção de adesivos para a testa28, a criação de decorações ornamentais com arroz e flores; a decoração com flores; o clareamento dos dentes; o cuidado e a atenção com a roupa do corpo; trabalhos de incrustação com pedras; arrumação de camas; arranjos sonoros usando água; criar jogos com aspersão de água; criar truques surpreendentes; trançar colares de maneiras variadas; fazer diademas e coronitas29; saber fazer seu próprio asseio pessoal; formas diferentes de adornar os lóbulos das orelhas; preparar perfumes; enfeitar a casa; saber a arte da magia; conhecer os remédios de Kucumara; destreza com as mãos; preparar diferentes tipos de verduras, sopas e alimentos sólidos; preparar bebidas, sucos, temperos e licores; trabalhos de costura em tecido; jogos de carretéis; tocar música com o alaúde e com o tambor; resolver enigmas; escrever sob a forma de estrofes; fazer trava línguas; recitar trechos de livros; conhecer as obras teatrais e os contos; conhecer de memória estrofes de poesias; conhecer diferentes formas de tecer correias e cintas de juncos; fazer trabalhos de artesanato com barro; carpintaria; ter noções de arquitetura; saber distinguir a prata e as pedras preciosas de outros metais e minerais; metalurgia; conhecer a cor e os lugares de origem das pedras preciosas; saber aplicar as doutrinas sobre o cuidado com os árboles30; preparar peles de carneiro, galos e perdizes; ensinar papagaios e estorninhos a falar; ser especialista em esfregar com as mãos; dar massagens e pentear cabe-
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“Modificação”: Tem lugar quando, em um ritual, se muda um vocábulo para adequá-lo às necessidades do momento.
27 Comumente chamadas “artes”, Mallanâga Vâtsyâyana elenca nesta famosa passagem, técnicas de grande valor intrínseco em conjunto, formando a bagagem cultural da amante perfeita. 28
As mulheres indianas têm o costume de colocar um distintivo decorativo no centro da testa. (NT)
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Coronita: tipo de bebida. (NT)
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Tipo de árvore. (NT)
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los; comunicar-se utilizando a mímica; conhecer as diversas linguagens convencionais; falar em dialetos; interpretar os oráculos celestes; decifrar os presságios; conhecer o alfabeto dos diagramas místicos31; dominar a técnica da memorização; saber recitar um texto em tertúlias32; compor poesias mentalmente; conhecer o significado das palavras; conhecer a métrica da formação de frases; conhecer as normas poéticas; saber imitar outra pessoa; conhecer técnicas de disfarce com roupas; conhecer os diversos jogos de azar (principalmente o jogo de dados); conhecer as brincadeiras de crianças; ser especialista em boas maneiras; ser especialista em estratégias e em exercícios físicos.
As sessenta e quatro artes de Babhravya são distintas; explicaremos sua utilização, assentados em argumentos, na seção dedicada à união erótica, já que o amor consiste nestas artes.
Uma prostituta, que se destaca, e tenha um bom caráter, beleza e qualidades, consegue o título de cortesã e um posto na assembléia pública. O soberano sempre a respeita, os homens superiores a louvam, se lhe desejam, é digna de receber visitas, e é considerada como modelo. A princesa e a filha de um alto dignatário que conheça estas artes submete seu esposo mesmo que no harém haja mil mulheres. Por este motivo, embora o marido esteja longe, ou tenha caído em terrível desgraça, uma mulher pode viver bem com estas ciências em um país estrangeiro. Um homem especialista nestas artes, espirituoso e sedutor. 31 Os “diagramas místicos”, dedicados a diversas divindades, servem para concentrar as forças espirituais do devoto por motivos religiosos ou mágicos. Refere-se ao conhecimento das palavras sagradas inscritas nos mesmos, às quais se atribui um poder extraordinário. 32 Tertúlia - Reunião familiar; Agrupamento de amigos; Assembléia literária; Pequena agremiação literária, menos numerosa que as academias e arcádias. Assembléia. (NT)
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mesmo que seja um desconhecido, consegue com facilidade o coração das mulheres. O êxito no amor se consegue quando se aprendem estas artes: mas convém utilizá-las ou não, tendo em conta o lugar o momento.
4 - A VIDA DO HOMEM ELEGANTE
D
epois de terminar os estudos e converter-se em cabeça da família graças ao patrimônio acumulado com doações, vitórias militares, comércio ou um estipêndio, ou ainda recebido por herança já ganha ou herdada, um homem deve levar vida de elegante33. Viva em uma capital, em uma cidade, em um bairro ou em um importante centro, onde viva gente de bem. Também pode fazê-lo em outro lugar, de acordo com seus meios de cia. Que ele construa uma casa com dois quartos, com água corrente, que tenha um jardim com árvores e um pátio para trabalhos diversos. Em um dos quartos trate de colocar uma cama macia, com almofadas em um dos extremos, macia no centro e com uma colcha branca e um peque sofá adicional em um dos cantos. Junto à cabeceira da cama, um assento de palha (para cumprir com os rituais aos deuses) e uma banqueta. Em cima desta, pomada, uma grinalda, um cesta de cera, um caixa de perfume, folhas de limão e betel34. Uma escarradeira no chão. Ainda no quarto, não muito longe da cama, no chão, deve ficar um assento redondo com apoio de cabeça e um uma mesa própria para o jogo de dados e uma outra para outros jogos. A sala deve ter um alaúde, uma mesa de desenho, uma caixa de tintas para desenho, algumas guirlandas de amaranto35 amarela.
Fora da casa, viveiros para pássaros domesticados. De um lado um local para trabalhos de carpintaria e outras atividades de entretenimento. No jardim arborizado um balanço confortá33
“Elegante” refere-se a um homem culto e refinado, que dispõe de meios, tempo livre e leva uma vida social ativa.
34 Betel é uma planta trepadeira (espécie de videira), cujas folhas se mastigam junto com pedaços de noz, cal e outras substâncias; perfuma a boca, ajuda a digestão e sacia a fome, produzindo ligeira embriaguez. Como resultado do seu uso, produz salivação vermelho escura, tornando necessário o uso de escarradeira.
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Amaranto - Planta desse gênero, particularmente a espécie Amarantus caudatus, cultivada por sua espiga densa vermelho-carmesim, que se assemelha a uma cauda de raposa. Cor vermelho-púrpura. A.-branco: erva amarantácea, glabra e ereta, que vai a 1 m de altura (Celosia argentea); também chamada celósia-branca, crista-de-galo, veludo-branco. (NT)
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vel, à sombra, e um pouco de terra viva, coberto por um caramanchão, propício para o plantio de flores. Esta deve ser a disposição da casa. O homem elegante deve procurar levantar-se sempre à boa hora e procurar cumprir com suas obrigações: escovar os dentes, passar uma dose moderada de pomada, de incenso e colocar uma grinalda. Passar um pouco de cera de abelhas e lápis nos lábios. Deve olhar-se no espelho e tomar um pouco de betel para perfumar a boca. Logo após, deve iniciar suas ocupações. Banhe-se todos os dias; a cada dois dias, esfregue-se; a cada três, esfregue-se com uma concha de jibia36 do joelho para baixo; a cada quatro, faça a barba, a cada cinco dias ou dez dias (segundo o método), depile as partes íntimas, sem exceções; e, diariamente, remova o suor das axilas. Alimente-se, pela manhã e à tarde; pela manha e à noite, na opinião de Carayana. Após o café da manhã, pode se dedicar a ensinar papagaios e estorninhos a falar. Organize rinhas de perdizes, galos e carneiros, e dedique-se também a passatempos artísticos. Ocupe-se de relacionarse bem com o pithamarda, o vita e o vidusaka37e, logo a seguir, tire um bom descanso. À tarde, depois de realizar seu asseio pessoal, dedique-se a jogos de tertúlia e, à noite, aos espetáculos musicais. Ao terminar a noite, com os amigos, em sua casa, bem acomodado e na companhia de transbordante e perfumado incenso, deite-se confortavelmente na cama à espera das mulheres em visitas íntimas. Providencie para que um alcoviteiro de sua confiança vá pessoalmente escolher algumas mulheres ou vá você mesmo cumprir essa enfadonha tarefa. Receba-as (as mulheres) na companhia de amigos com palavras corteses e gentis e com gestos amáveis. Preocupe-se pessoalmente para que estas moças – as que lhe venham visitar - nem seus amigos tenham que se importar com as intempéries do mau tempo. Nada os pode perturbar nesses momentos de descontração amorosa. Seja atencioso com todos durante todo o tempo. Utilize-se das várias ocupações possíveis para o dia e para a noite. Além disso, saiba organizar procissões38, promover encontros em seu círculo de conhecidos, seções de degustação, excursões campestres nos arredores da casa e jogos de grupos de pessoas. O dia da quinzena ou do mês39 que todos já conheçam dê uma festa com homens encarregados da organização no templo de Sarasvati40. Atores de fora serão contratados para fazer um espetáculo, e, no dia seguinte, recebam o tratamento e a compensação acordada. A seguir, segundo a vontade, eles podem ficar ou serem dispensados. Se os atores convidados para as 36
Mineral marinho em forma de concha com propriedades adstringentes. (NT)
37
As pessoas que formam a corte (entourage) do homem elegante. (NT)
38
Entendido aqui no sentido de “visitas surpresa à casa de outros ‘homens elegantes’” como forma de estreitar relacionamentos pessoais e amorosos e de seguir ritos dirigidos a divindades. (NT) 39
O mês hindu, que consta de trinta dias lunares, se divide em duas partes: a quinzena chamada escura, com a lua em quarto minguante, que termina com a lua nova, e a quinzena clara, com a lua em quarto crescente, que acaba com a lua cheia. Este calendário, utilizado mesmo na vida religiosa, prevê que alguns dias fixos de ambas as quinzenas sejam reservados para a veneração de uma divindade distinta; como citado, por exemplo, no seguinte comentário: o oitavo dia se dedicará ao culto de Shiva, o quinto a Sarasvati, e assim sucessivamente. 40
A deusa Sarasvati, sempre representada com luminosos vestidos brancos e com um alaúde e um livro entre as mãos, é considerada a protetora do saber e das artes.
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festividades não comparecerem, deverão ser substituídos por locais. O mesmo vale para as procissões, com suas normas específicas e para cada uma das divindades. A tertúlia tem lugar quando homens de cultura, inteligência, caráter, posses econômicas e idades mais ou menos equivalentes se reúnem com suas amantes na casa de uma destas mulheres, em um salão, ou na casa de um deles. Trocam opiniões sobre poesia e arte. Rendem homenagens àqueles que são brilhantes e queridos pela gente, e formulam-se convites aos que são muito estimados. Organizam-se as festas de forma alternativa: uma vez na casa de um, outra vez na casa de outro. E os homens elegantes convidam as amantes a beberem. Logo, eles bebem madhu, maireya e asava41 com petiscos: saladas à base de frutas, verduras e hortaliças amargas, picantes e cítricas. As mesmas bebidas e petiscos consumidos nos passeios. No início da manhã, os homens irão a cavalo, elegantemente vestidos, companhia das suas amantes e com os seus criados aos passeios. Comem, bebem e passeiam, organizam brigas de galos, perdizes e carneiros, jogos e atividades lúdicas. À tarde, ao voltarem para casa, sempre trazem lembranças dos passeios. Além disso, os homens elegantes podem se divertir mesmo com a estação do calor, aproveitando os locais onde não haja animais para banhar-se em pequenos rios ou lagos na companhia de suas amantes e dos seus amigos. Diversões nos passeios da sociedade: a noite dos yaksa42, vigília de Kaumudi, a festa da primavera, colher mangas, comer grãos tostados; degustar fibras de lótus; praticar o jogo das folhas verdes, jogarem água uns nos outros com canudos, imitar bonecas, o jogo da árvore única de salmali; o dia da cevada; o dia da liteira; a festa do deus Amor; colher flores de Artemísia; o carnaval; colher e fazer coroas de flor de asoka; jogo dos galhos de manga; quebrar canas de açúcar; lutas com flores de kadamba. Os homens elegantes participam destes e de outros passatempos, universais e locais, distinguindo-se da gente comum. Se você está sozinho, se comporta em função de suas riquezas;
41
Bebidas inebriantes: o madh era feito, provavelmente, a base de mel, enquanto que o maireya e o asava se obtinham a partir do melaço e de ervas, misturando o primeiro (o maireya) com distintas especiarias e com mel o segundo (o asava).
42 Os yaksa são divindades menores associadas a Kubera, o deus que vigia as fabulosas riquezas que provêm das entranhas da terra, ou seja, minerais, metais e pedras preciosas. A noite que leva o seu nome cai em lua nova do mês hindu de Karttika (outubro/novembro), momento culminante de uma celebração que dura três dias e que é muitas vezes chamada dipavali, “iluminar”, pois se enfeita acendendo muitas lâmpadas. La Kaumudi (“luz da lua”) é a festa da lua cheia do mesmo mês de Karttika. O – dia da cevada – cai em um mês de Vaixakha (abril/maio): neste dia, é jogada fora farinha de cevada perfumada. As outras festividades estão relacionadas com o deus Amor, que na Índia se chama com diversos nomes, entre os quais Kama e Madana (o “Inebriante”), e é conhecido como um jovem fascinante, armado com um arco em que a corda é feita com abelhas em enxame, e as flechas são flores. A festa da primavera, dedicada a ele, é a mais explícita “festa do deus Amor”. Nessa época, as mulheres rendem homenagem ao deus, pagando tributo a árvore asoka, consagrada ao deus Amor, rendendo-lhe sua homenagem. Unido ao deus Amor esta também o carnaval hindu, celebrado em dia de lua cheia do mês de Phalguna (fevereiro/março), derivado da festa da fertilidade; neste dia, as pessoas jogam umas nas outras um pó que provoca riso e líquidos coloridos de vermelho. Durante o “dia do lixo”, no mês de Sravana (julho/agosto), a imagem do deus Amor vem para ser adorada sobre uma espécie de liteira, também chamada columpio.
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assim se ilustra também o comportamento da cortesã e da jovem com as amigas e com os homens elegantes.
5 – EXAME DAS AMANTES, DOS AMIGOS E DA FUNÇÃO DOS ALCOVITEIROS
O
amor devotado a uma mulher que não teve outro homem de igual classificação dentro das quatro classes sociais de acordo com a escritura, tendo filhos, confere honra e corresponde aos caminhos do mundo43. O oposto e proibido, é o amor com mulheres de classe superior44 casadas com outro homem. O amor com mulheres de classe inferior, não expulsas da sociedade, com prostitutas e com viúvas que voltam a se casar não se aconselha nem se proíbe pois só tem validade para a realização do prazer. Neste sentido, as amantes são de três tipos: as donzelas, as viúvas que voltam a se casar e as prostitutas. Existe ainda uma quarta alternativa: também é possível um amante casar com outra mulher diz Gonikaputra. Este é o caso quando um homem pensa, "Esta é uma mulher sem escrúpulos”. É uma situação que tem sido contestada, mas se unir a ela certamente não é uma transgressão à Lei Sagrada. Assim, “se unir a uma viúva, uma mulher que já pertenceu a outro homem, que já foi possuida por outro também não transgride a Lei.” Há situações em que o homem estabelece: “Esta exerce uma pressão forte sobre o marido, um grande senhor com boas relações com meu inimigo; se ficar íntima minha, manterá, por afeto a seu esposo, esse indivíduo longe”. “Fará com que seu marido mude de opinião fazendo-o pensar que eu não seja hostil e que não posso causar prejuízos”. Através dela, ganharei um amigo (o marido), e graças a ele saberei quem está comigo e quem é contra mim e assim, fazer-me alguma coisa ficará difícil”. “Conseguida a intimidade dela, matará seu marido e obterá o poder que este tem”. Ou ainda: “Assediá-la não apresenta nenhum risco e traz vantagens para mim, que sou pobre e não tenho meios de subsistência. Assim, poderei me apoderar, sem esforço, das suas extraordinárias riquezas”. “Ela conhece meus pontos fracos, e está muito apaixonada por mim; se eu a rechaço, ela me arruinará divulgando meus pontos fracos.” “Me acusará de um delito não cometido, crível e difícil de defender, e que poderá decretar minha ruína.” “Indisporá contra mim seu poderoso e dócil esposo, e o alinhará com todos aqueles que me odeiam; o fará ela mesma ataques contra mim”. Seu marido violará meu harém, e portanto pagará corrompendo suas esposas.” “Por ordem do rei terei que matar um inimigo seu, que esteja escondido nas cercanias...”
43
É a mulher com que ele pode, de fato, contrair legítimas núpcias para realizar o dharma.
44 Este matrimônio está universalmente desaconselhado: se define como pratiloma, ou seja, “contrário à ordem natural”; quanto maior for a diferença, mais desaconselhável será a união, e, normalmente, os filhos serão de posição inferior à dos pais na escala social.
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Ou por último: “outra mulher se junta com uma mulher que quero. Através dela, muito eu posso conseguir”. “Ela poderá me proporcionar uma donzela, inalcançável por qualquer outro meio, que esteja submetida a ela, rica e bela.” “Meu inimigo se fará íntimo do esposo dela” (da outra mulher). “através da sua mulher, a fará provar uma poção envenenada.” Por esses e outros motivos parecidos pode-se seduzir a esposa de outro homem. E por esse motivo o adultério não apenas se realiza pela paixão. São várias as razões para unir-se à esposa de outro. Por motivos idênticos, há um quinto tipo de amante, segundo Carayana: uma viúva ligada a um alto funcionário e ao rei, ou relacionada parcialmente com eles a forma outro tipo de união a que se confiam responsabilidades. Para Suvarnanbha, um sexto tipo é a união com uma monja mendicante com as mesmas características. Ghotakamukha opina que uma sétima categoria corresponde à filha, ainda virgem, de uma cortesã ou de uma serva. É um oitavo tipo, para Gonardiya, a jovem de boa família que superou a infância, já que com ela se procede de forma diferente. Entretanto, uma vez que a ordem não difere, também estas amantes estão incluídas dentre as que tratamos acima. Por isto Vatsyayaba tem a opinião que as categorias de amantes são apenas a donzela, a viúva que volta a se casar, a prostituta e a esposa de outro homem. Alguns autores enumeram ainda como uma quinta categoria, a dos eunucos, como uma categoria distinta. Um homem amante conhecido por todos é de um só tipo. Um segundo tipo é secreto, que consegue algo especial. Em função dos méritos ou por falta deles, pode-se reconhecer se é um bom, um médio ou um péssimo amante. Falaremos das qualidades e dos defeitos dos amantes no capítulo destinado às prostitutas. Também existem as mulheres às quais não se deve frequentar nunca: uma leprosa; uma louca; uma mulher expulsa da sociedade; uma mulher que revele segredos; a que expressa seus desejos em público; a que quase passou da juventude45; a mulher branca demais ou negra demais; a mulher que cheira mal; aquela a que se é ligado por laços de parentesco; uma mulher por quem se nutre fortes laços de amizade; uma monja; as esposas dos familiares, dos amigos, dos sábios brâhmanes ou a esposa do rei.
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A mulher que quase passou dos trinta anos de idade. (NT)
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Os discípulos de Babhravya são de opinião que se pode manter relações com qualquer mulher que já tenha tido até cinco homens. Gonikaputra diz que a exceção são as esposas dos familiares, dos amigos de outros brahmanes ou do rei. Um amigo é o homem com quem se viveu desde criança, com o qual se ache vinculado por um favor, que tenha o mesmo caráter e inclinações, um colega que conhece suas fraquezas e segredos, ou que seja filho da sua ama e tenha crescido junto com você. Um amigo perfeito é o hereditário, cujo bisavô já era amigo do seu bisavô. É o que mantem a palavra, que tem firmeza de objetivos, dócil, constante, de bom caráter, que não se deixa influenciar e que não é dado a fazer fofocas. São amigos: o lavadeiro, o barbeiro, o florista, o farmacêutico, o garçom, os monjes mendicantes, o vaqueiro, o vendedor de betel, o joalheiro, o pithamarda46, o vita, o vidusaka, entre outros. Os homens elegantes devem ser amigos, até mesmo de suas esposas, Vâtsyâyana diz. Realiza a função do alcoviteiro, o amigo comum dos amantes, sincero com ambos, e, sobretudo, com ele, e que goza de total confiança da amada. As caracaterísticas do alcoviteiro são: destreza, audácia, capacidade de compreender atitudes e expressões, sentido de orientação, conhecimento dos pontos fracos das pessoa, que imponha autoridade, facilidade de convencimento, conhecimento do lugar e do tempo oportunos, rapidez e reflexos, compreensão imediata acompanhada de grande astúcia. Um verso sobre o assunto:
Um homem dono de si, com muitos amigos e inteligente, que conhece o caráter e distingue o tempo e o lugar, conquista sem fazer grandes esforços inclusive a mulher mais difícil de conseguir.
46
- pithmarda – espécie de professor de todas as artes; vita – espécie de ”bom malandro”; vidusaka – espécie de “bobo da corte”
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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II – UNIÃO ERÓTICA 1 – DESCRIÇÃO DO PRAZER, SEGUNDO AS MEDIDAS, A DURAÇÃO E O TEMPERAMENTO
O
s diferentes tipos de amante masculino, em relação com o órgão sexual, são lebre, touro e cavalo. A amante, ao contrário, pode ser cervo, égua ou elefante. Neste âmbito, quando a relação tem lugar, se dão três uniões iguais. Em caso contrário, existem seis uniões desiguais47. Entre as desiguais, se a preponderância é do homem, quando a relação se efetua entre categorias contíguas, são possíveis duas uniões altas. Não contígua, existe apenas uma união superior48. Se a preponderância é da mulher, ao contrário, entre categorias contíguas, se dão duas uniões baixas, e, não contígua, uma união inferior. Entre estas, as uniões iguais são as melhores; as piores, as marcadas pelo comparativo. As outras são modera-damente boas. Inclusive, em uma situação média, uma união definida como “alta” é preferível a uma união definida como “baixa”. São as nove uniões segundo as medidas. Quem, por ocasião de abraços, encontra-se desanimado, tem pouca virilidade e não aguenta os carinhos é um homem fraco de paixão. O contrário, são homens de paixão ardente; o mesmo vale para as mulheres. Também assim, no que se refere às medidas, os tipos de união são nove.
47 Refere-se, sem dúvida, às possíveis combinações entre os distintos tipos de amantes. Por exemplo, a união entre homem lebre e mulher cervo é “igual”, assim como lebre e égua é “desigual”. 48 Uma união “alta” é, por exemplo, a do homem touro e da mulher cervo; a união “superior” é entre categorias extremas, ou seja, cavalo e cervo. O mesmo raciocínio, ao contrário, vale para as uniões chamadas “baixa” e “inferior”.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Em relação à duração, os amantes podem ser velozes, médios ou lentos. Há diversidade de opiniões a respeito da mulher. Há quem sustente que ela não consegue a satisfação igual ao homem, mas que seu desejo é continuamente aplacado pelo macho. Esse desejo é satisfeito, se vem acompanhado da alegria da consciência, um prazer diferente, em que a mulher tem o conhecimento do deleite. Por outro lado, o prazer do homem pertence às categorias definidas como ato cognitivo. E não basta perguntar: Como é o seu prazer?49 Então, um deles poderia protestar: como se pode entender (que o prazer da mulher seja distinto)? Porque o homem, tendo atingido o orgasmo e satisfeito os seus desejos, pára, sem se preocupar com a mulher; ela, contudo, não se comporta assim. É o que afirma Svetaketu. É discutível: quando o amante demora muito tempo no ato, as mulheres ficam satisfeitas; enquanto que, se é rápido, não percebendo que eles alcançaram a satisfação, elas se irritam. Tudo isso indica se elas alcançaram, ou não, a satisfação. Não é uma explicação muito válida, pois a simples satisfação do desejo se aprecia, se dura muito. E como a dúvida persiste, a objeção não prova nada. Svetaketu conclui:
Na união, o homem silencia o desejo da mulher; se acompanhado de consciência, se chama satisfação. Para outros, a jovem consegue a satisfação de forma continuada, desde o início. O homem, ao contrário, apenas no final. Isto parece lógico. Efetivamente, se ela não conseguisse o deleite, não teria lugar a concepção. É a opinião dos discípulos de Babhravya. Mesmo o fato de que as mulheres fiquem satisfeitas com os amantes que prolongam muito o ato é suficiente para dissipar as dúvidas. Poder-se-ia dizer: se as mulheres alcançam o prazer de forma continuada não seria normal se no início se sentissem indiferentes, e sim o contrário, quer dizer, muito ansiosas; logo, ficariam entediadas, sem se preocupar-se com as reações do seu corpo e quereriam parar o ato? Isso não quer dizer, na realidade, nada. Para a roda do oleiro, o fato de a roda girar em torno do eixo em um movimento constante parece normal; no início é lenta, e então, gradualmente, aumenta a rotação até atingir a velocidade máxima. E a parada só ocorre porque ocorre o gozo e a ejaculação. Por esta razão não há motivos para apor objeções. Para os discípulos Babhravya as coisas são assim:
Os homens gozam ao final do amor, 49
O sentido é o seguinte: o prazer do homem pertence à consciência, vai mais à esfera dos sentidos; por isto não se pode saber quando, por conhecimento, se entende a percepção direta. Além disso, dado que nem a mulher nem o homem podem experimentar uma forma de prazer diferente da sua, é impossível uma comunicação real entre eles sobre o prazer individual.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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e as mulheres em continuidade; vem o desejo de parar porque não há mais sêmen. Com base nisso, Vâtsyâyana tem a opinião de que a manifestação do prazer da mulher deve ser julgada de igual forma que o do homem: como poderia haver diferença de resultados, se a espécie humana é a mesma, se todos buscam alcançar o mesmo objetivo? Talvez pela diversidade de instrumentos e de consciência? Mas como? A diversidade de instrumentos é da natureza. O homem é a parte ativa, a mulher a parte passiva. O agente realiza uma função, a parte passiva realiza outra; ou seja, dada a diversidade de instrumentos, existente também uma diferença de consciência. O homem dá-se por satisfeito quando pensa: “eu a conquistei”; e a mulher se dá por satisfeita ao pensar: “ele me possuiu”. Essa é a opinião de Vâtsyâyana. Mas poder-se-ia argumentar: em função da diversidade de instrumentos, não deveria dar-se também uma diferença de resultados? A diversidade de instrumentos está fundamentada na desigualdade de características: parte ativa e parte passiva; mas a diferença de resultados, sem base lógica, seria imprópria, já que não existe diversidade de espécies. Neste ponto, é possível dizer: os que trabalham juntos realizam apenas uma tarefa; mas os amantes trabalham individualmente a sua finalidade. Por isto, o planejamento não é correto. É evidente que se consegue mais em uma meta de cada vez, como uma batida de carneiros, quando investem um contra o outro, ou ainda da luta entre os lutadores. Se se objeta que aqui não há disparidade entre os agentes, a resposta é que no nosso caso nem sequer a diversidade é essencial, se foi dito antes que a diferença de instrumentos é assim em virtude da natureza, o que nos leva à conclusão de que os dois amantes alcançam também igual satisfação. E conclui Vâtsyâyana:
Já que a espécie não é diferente, o esposo e a esposa buscam o mesmo prazer; por isto, por quê não acariciar a mulher para que ela seja a primeira a alcançar o prazer? Demonstrada a igualdade há, como no caso das medidas, nove tipos de união segundo a duração, e baseados nisto, também segundo o temperamento. Os sinônimos de “orgasmo” são: prazer, deleite, amor, satisfação, paixão, ejaculação, obediência. Os sinônimos de “fazer amor” são: relação sexual, união, tabu, “hora de dormir”, êxtase. Como cada uma das uniões produzidas pela medida, duração e temperamento são de nove tipos, resulta impossível, quando estes se mesclam, indicar os distintos modos do amor, são amplíssimos. Para cada um, diz Vâtsyâyana, deve-se usar com critério as iniciativas eróticas.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Durante a primeira união o homem é ardente e veloz, ao contrário de nas sucessivas. A mulher, contudo e ao contrário, age do mesmo modo até que o homem ejacule. Diz-se que o homem fica incapaz para o sexo antes de a mulher.
Pelo fato de serem ternas, graças às carícias e por natureza; as mulheres chegam ao prazer depressa, assim estabeleceram os mestres. Até agora os estudiosos têm exposto a doutrina da união: para ensinar aos menos preparados, vamos agora a uma descrição mais detalhada.
A - DISTINTAS CLASES DE AMOR Os especialistas dos tratados dizem que o amor é de quatro tipos: por prática e por consciência, por convencimento e por sensualidade. O amor que nasce de uma percepção, e tem como característica a reiteração, há que ser considerado amor “por prática” como acontece com a caça ou atividades parecidas. O amor por ações nunca antes tentadas. que não se baseia em objetos sensoriais, mas que apenas nasce de uma vontade será amor “por consciência”. Este amor se reconhece com a boca dos eunucos ou das mulheres e nas diferentes iniciativas como beijos e coisas parecidas. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Quem conhece os tratados chama o amor de fato, “por convicção”, se pensa: “É isso, realmente!”, quando a causa do afeto é outra. É amor, evidente, conhecido por todos, é o que descansa nos objetos dos sentidos, porque dá os frutos mais importantes: e deste adquirem significado também os outros. Uma vez examinados segundo o tratado estes tipos de amor definidos, se coloca em prática de forma adequada, com base em como eles se apresentam.
2 – ANÁLISE DO ABRAÇO
A
parte sobre a união erótica denomina-se “sessenta e quatro”, porque existem sessenta e quatro parágrafos. A opinião de alguns mestres é que com “sessenta e quatro” se completa um tratado sobre o amor como este. Ou, dado que as artes são sessenta e quatro, e estas formam um ramo da união erótica, o conjunto das artes se denomina “sessenta e quatro”.
Alguns consideram que, como também as dez seções que formam o Rigveda se chamam assim, e também neste caso subsiste uma relação com o termo “dez”, existe talvez uma conexão com Pañcala, os mestres do Rigveda utilizam esta denominação a título honorífico. Para os discípulos de Babhravya, a união tem outros aspectos: abraços, beijos, arranhões, mordidas, formas de se fazer sexo, gemidos, fazer amor com a boca, e cada um destes aspectos têm variedades distintas, por isso existem outros grupos de oito, que fazem sessenta e quatro. Contudo, parece evidente que alguns destes oito grupos de variedades têm (como veremos) um menor número de formas, ao mesmo tempo em que outros têm mais. Além disso, entram nesse raciocínio, também, outros agrupamentos, como pegar, gritar, as iniciativas do homem, as uniões extraordinárias e outros mais. Por este motivo, a opinião de Vâtsyâyana é que “sessenta e quatro” é uma forma de expressar-se, como se fala da árvore “sete folhas” ou do arroz “cinco cores”. Ou seja, para dois amantes que ainda não se uniram existem quatro tipos de abraços, que servem para mostrar os sinais do amor: o abraço que é apenas para provocar uma primeira emoVersão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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ção, o abraço que transfere, que mostra, que deixa clara a intenção, o abraço que roça, que apenas sinaliza a intenção, o abraço pecaminoso, que “une os corpos” e o abraço que aperta, que transmite a emoção. Em cada caso, já se indica a forma de atuar com o termo utilizado como definição. Quando a mulher que pretendemos abraçar se apresenta diante de nós, se o homem dá um passo adiante sob qualquer pretexto e toca o seu corpo, se tem o “abraço que roça”. Quando o homem que se seve conquistar está de pé ou sentado em um lugar isolado, e a moça, ao pegar alguma coisa, o aperta com força contra o seu corpo, e ele a agarra, abraçando-a, esse é o “abraço que roça”, que apenas provoca uma primeira emoção. Ambos têm lugar quando os dois não tem tido muita oportunidade de se falar entre si. Se no escuro, entre as pessoas, ou em um lugar isolado, andar devagar e esfregar os corpos um contra o outro durante um curto intervalo de tempo, tem-se o “abraço pecaminoso”, que une os corpos, que mexe com a libido. O mesmo, quando se aperta forte o outro contra uma parede ou coluna, travando-o. Aí se converte no “abraço que aperta”. Estes dois têm lugar entre os que conhecem reciprocamente “seu estado de ânimo”. Os quatro tipos de abraços dados no momento do casamento são o entrelaçamento na videira, escalando a árvore, gergelim e arroz e leite e água. “Entrelaçamento na videira”: A mulher, aproximandose como uma videira em torno de uma árvore, faz o rosto do homem se inclinar para beijá-la, ou levanta o rosto, preso a ele, entre a luz e, com gemidos, fica um tempo olhando para ele com ternura e ele é “emaranhado na videira” do seu abraço. Este abraço é realizado de pé. “Escalando a árvore”: A mulher se coloca de pé sobre os pés do amante e coloca o outro pé na sua coxa, e em seguida lança-lhe um braço em volta das suas costas e do seu ombro, gemendo e arrulhando um pouco, e vai subindo lentamente para beijá-lo. Isto é “subir na árvore”. Este abraço é realizado de pé. “Gergelim e arroz”: Deitados na cama, os amantes se abraçam fortemente, cruzando as coxas e os braços, quase em uma luta. Este abraço ocorre no momento da paixão. “Leite e água”: Ou paixão cega. Sem se preocupar em se machucar, como se para conseguir uma vitória um do outro, ela se senta nos joelhos do homem e o agarra firmemente pelo pescoço enquanto estão sentados na cama. Este abraço ocorre no momento da paixão. Até agora, expusemos as diversas formas de abraço na conceção de Babhravya. No entanto, Suvarnanabha também enumera seus quatro tipos de abraço. Se um amante aperta o outro com toda sua força, trabalhando com sua coxa um bloqueio em uma ou ambas as coxas do Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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outro, você tem o "abraço das coxas." Se com a barriga apertando a barriga do outro, a mulher, balançando seu longo cabelo sobre o rosto do homem para poder arranhá-lo, mordêlo, bater nele e beijá-lo, acontece o “abraço do ventre". Se com os seios da mulher em seu peito, descansando delicadamente o seu peso o homem pratica o “abraço ao seio". Unidos boca a boca, olhos nos olhos, o homem dá um leve tapa na testa da mulher, você tem o “ornamento da testa". Alguns consideram que incluir a massagem é um tipo de abraço, já que tem lugar um contato. Vâtsyâyana não concorda, pois a massagem se produz em um momento distinto, e diverge na finalidade já que não é uma ação comum dos amantes.
Aos homens que perguntam o que querem conhecer, inclusive os que mostram toda a doutrina dos abraços lhes nasce o desejo do amor. Também outros abraços, que não consideramos mas que atiçam a paixão, há que utilizá-los com cuidado, pois podem levar à união. O âmbito dos acordos mostra que uma vez que os homens comecem a ficar excitados; uma vez movimentada a roda do prazer, nada mais vale o que está escrito.
3 – VARIEDADES DO BEIJO
N
ão há uma ordem estabelecida para os beijos, arranhões e mordidas, já que acontecem em momentos de excitação. Recorre-se aos mesmos, geralmente, antes da união, enquanto que aos golpes e gemidos durante o ato. Vâtsyâyana diz, ao contrário, que se pode fazer tudo a qualquer hora, já que a paixão não conhece horários nem diferenças. Durante a primeira união convém valer-se dos mesmos com uma mulher que já se sinta confiante, não demasiado abertamente e de forma alternativa; A partir daí que se pratique com muito ardor e em grupos particulares, para inflamar o desejo. Beija-se a testa, os cabelos, o rosto, os olhos, o peito, os lábios e a boca. Beija-se também a virilha, as axilas e a área abaixo do umbigo. Em função da excitação e de costumes locais, Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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existem muitos outros lugares em que o beijo é normal, mas nem todas as pessoas têm que recorrer a eles, é a opinião de Vâtsyâyana. Os beijos das jovens são de três tipos: o contido, o palpitante, e o que toca. O beijo “contido” acontece quando a jovem coloca os lábios nos lábios do outro, quase que obrigatoriamente, mas sem fazer qualquer movimento. Todavia, quando, um pouco envergonhada, deseja conter o lábio inferior do seu amante, que está invadindo a sua boca e faz tremer seu lábio inferior, mas não consegue, temos o beijo “palpitante”. Se apenas toca levemente os lábios do amante, com os olhos fechados, e com a ponta da língua toca a ponta da língua dele, tem-se o beijo “que toca”. Isso para as jovens. [Assim consideradas a mulher dos dezesseis até os trinta anos.] (N.T.) Os outros beijos inserem-se em quatro classes: de frente, de lado, vago e apertado. Existe ainda um quinto modo de se beijar apertado: quando o amante força a abertura dos lábios da amante – ou vice versa - entre os seus dedos, em forma de copa, sem usar os dentes. Nessas ocasiões, pode-se começar uma brincadeira: ganha quem primeiro consegue beijar o lábio inferior do outro. Quando a mulher perde, deve, em lágrimas, movimentar as mãos, fugir a ser mordida ou agarrada e propor uma nova aposta. Quando ha muito amor e confiança, ela pode agarrar os lábios do homem com os dentes para evitar que este lhe escape e então rir, gritar, saltar, obter depoimentos e dançar, e, agarrando seu cabelo e seu rosto fazer uma série de comentários. A mesma abordagem também vale para as disputas durante as brincadeiras de arranhões, mordidas e golpes. A estas brincadeiras só recorrem os amantes ardentes, já que lhes cai bem. Se a amante beija o homem, lhe aperta o lábio superior, tem-se o “beijo do lábio superior”. Quando se beija agarrando com os lábios os lábios do outro, em uma espécie de trava, os lábios do outro, é o beijo “em forma de taça”, que se oferece a uma mulher ou a um homem que ainda não chegaram à puberdade. Se o homem toca com a língua os dentes, ou a língua dela, se tem a “disputa da língua”. E isto também vale quando a boca e os dentes de agarram e se oferecem com força (ou seja, as “disputas” da boca e dos dentes). Em outras partes do corpo o beijo pode ser, segundo o local, comedido, apertado, curvilíneo ou delicado. São os diferentes tipos de beijo. Se a mulher, contemplando o rosto do amante adormecido, o beija com desejo, o beijo se chama “que incendeia a paixão” Quando o amante está descuidado, ou discutindo, ou distraído com alguma outra coisa ou queira dormir, o beijo para tirar-lhe o sono (ou ainda para excitá-lo) se chama “que distrai” Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Se se chega tarde durante a noite e se beija profundamente a amada que dorme na cama, ocorre um beijo “que desperta”. Portanto, caso a mulher deseje sondar os sentimentos do amante, pode fingir que dorme depois de haver se inteirado da hora da sua chegada. Beijar um espelho em uma parede ou a imagem do seu amado espelhada na água é um gesto que revela o estado de espírito do amante. Quando se beija uma criança, uma pintura ou se é tatuado, ocorre o beijo "transferido" e o mesmo vale para o abraço. Algo semelhante ocorre quando, durante a noite, em um show ou em família, o homem, ao lado da amada, beija-lhe os dedos dos pés. Quando, finalmente, uma mulher lhe dá massagens, para mostrar o seu estado de humor, e coloca o seu rosto entre as coxas do homem, como se vencida pelo sono e sem qualquer desejo beija-lhe o polegar dos pés, são beijos de "cortejar".
Trocam-se todas as ações, um golpe com outro golpe, e pelo mesmo motivo um beijo com outro beijo.
4 – DIFERENTES FORMAS DE ARRANHAR
Q
uando a paixão é arrasadora, se recorre a arranhões, que consistem em produzir leves marcas com as unhas. Eles são usados no primeiro casamento, quando geralmente o homem retorna ou parte para uma viagem, quando um amante enfurecido vai se acalmando ou ainda quando está bêbado. Mas nem sempre é usado apenas para os apaixonados mais ardentes. Vale exatamente igual às pequenas mordidas, mas os costumes também devem ser levados em conta no caso dos arranhões. Os arranhões são de oito tipos, quais sejam: o crepitante, o meia lua, o círculo, a linha, a garra de tigre, a marca do pavão real, o salto da lebre, a folha de lótus azul. Os locais que usualmente podem ser arranhados são: as axilas, os seios, o pescoço, os ombros, a barriga e as coxas. Suvarnanabha opina que, uma vez que se inicia o jogo do prazer, não há que se fazer distinção entre os locais adequados ou não adequados para se arranhar. Vale o momento e a excitação. Por isso, os amantes ardentes devem ter as unhas muito bem tratadas, limpas e bonitas. As da mão esquerda devem ser cortadas sempre rentes, de forma regular, e com duas ou três pontas. Os homens de Gauda50 tendem a ter unhas compridas, que fazem suas mãos muito atrativas aos corações femininos. Os habitantes do Sul, contudo, as têm curtas, pois assim podem suportar qualquer tipo de trabalho e se adaptam ao prazer de realizar diferentes formas de arra-
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Gauda: território localizado em Bengala em tempos antigos e medievais. (NT)
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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nhões. No Maharastra51 os homens conservam as unhas médias, e participam das qualidades de ambos os tipos. Quando, mantendo as unhas bem juntas, tocam-se suavemente as maçãs da face, os seios ou o lábio inferior sem que se deixe nenhum sinal, mas a ponto de arrepiar os cabelos tem-se o arranhão “crepitante”. Usado com a mulher que se queira conquistar, massageando-lhe o corpo, pode-se, ao mesmo tempo, massagear-lhe a cabeça ou espremer-lhe uma espinha para assustá-la um pouco e ganhar-lhe a confiança. Se se deixa com as unhas uma marca em forma de curva no pescoço ou nos seios, se tem um arranhão “meia lua”. Dois destes arranhões, colocados um em frente do outro, formam o “círculo”, que podem ser feitas abaixo do umbigo e nas ondulações da virilha. Em qualquer parte do corpo se pode colocar uma “linha”, desde que não demasiado larga. Esta, se muito curva, é a “garra de tigre”, que chega até a ponta do seio. Se se traça uma linha com as cinco unhas até o mamilo tem-se a “marca do pavão real” e se faz em uma mulher que quer alardear seus amores. Se as marcas das cinco unhas estão muito perto do mamilo tem-se o “salto da lebre”. Uma espécie de folha de lótus, impressa na curva dos seios ou na cintura é a “folha de lótus azul”. Três ou quatro linhas contíguas nas coxas ou na curva do seio servem para deixar de recordação ao que vai viajar. É assim que se deve utilizar das unhas. Além desses, deve-se colocar outros arranhões com outras formas. Alguns mestres comentam: desde o momento em que as variedades são inúmeras, infinitas são as possibilidades, ditadas pela experiência e pela prática sem limites e, ademais, como o arranhão nasce da paixão, quem pode examinar todos os diferentes modos? Mas embora a excitação seja viva, se deseja a variedade e, com a variedade, suscitar a paixão no outro. As cortesãs mais hábeis e seus amantes se desejam mutuamente; contudo, da mesma forma como no tratado sobre a ciência do tiro com arco e em outros manuais sobre armas, se exige variedade; por este motivo, considera Vâtsyâyana, com muito mais razão, há que aplicá-la neste campo, referindo-se à variedade de aranhões no sexo. Porém, um homem não deve comportar-se dessa maneira com mulheres casadas com outro; para essas mulheres, podem-se deixar marcas muito especiais em locais escondidos do corpo, como pequenas recordações, e porque isto, sem dúvida, vai aumentar a paixão.
Quando uma mulher descobre arranhões em locais secretos, que devido ao tempo foi esquecido, deixa-lhe um novo arranhão, como que renovando um amor sincero. 51 Maharastra ou Maarastra: Estado na costa central ocidental da Índia. Sua capital é Bombaim, o centro econômico da Índia. Sua língua oficial é o marata. (NT)
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Se em muito tempo não se vive a paixão, o amor se evapora; se falta o arranhão, o amor lamentará o descuido. Quem contempla uma jovem de longe, cujos seios tenham sido levemente arranhados e à mostra, mesmo que seja de um estranho, isto provoca excitação, e inflama o desejo. O homem marcado em certos lugares com marcas de unhadas faz vacilar – é quase uma norma - o coração mais firme de uma mulher. Não há maneira mais eficaz para aumentar a paixão que a que se realiza com as unhas e com os dentes.
5 – REGRAS PARA MORDER
S
e morde nas mesmas regiões em que se beija, menos no lábio superior, dentro da boca e nos olhos.
Os dentes bonitos são os regulares, lisos, brilhantes, com tamanho e cores proporcionais, juntos e pontiagudos. Os dentes feios são irregulares, melados, grandes, muito separados, mal formados e mal cuidados. As mordidas podem ser do tipo: escondidas, inchadas, ponto, guirlanda de pontos, pedra de coral, colar de pedras, nuvem quebrada e mordida de javali. A mordida “escondida” se reconhece apenas pela cor arroxeada que deixa na pele. A mesma, se um pouco mais forte, se transforma em mordida “inchada”. Se ambas acontecem no lábio inferior, temos um “ponto”. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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A mordida “inchada” e a “pedra de coral” podem ser deixadas nas maçãs do rosto ou nas bochechas. O beijo do “brinco de flores na orelha”, as mordidas e os arranhões normalmente enfeitam a bochecha esquerda. A mordida em forma de “pedra de coral” faz-se apertando os dentes e lábios; o “colar de pedras” é igual, mas em uma extensão maior da pele. O “ponto” se tem quando se aperta entre os dentes, como que travando e puxando uma porção da pele; a “guirlanda de pontos” se faz com todos os dentes. As mordidas do “colar” e da “guirlanda” são dadas geralmente no pescoço, nas axilas e na virilha. A “guirlanda de pontos” na testa e nas coxas. Em forma de círculo, com saliências irregulares, é a mordida “nuvem quebrada”, que se faz na base da curva dos seios. Ambas são praticadas por amantes ardentes. São as diferentes formas de mordidas. Podem-se deixar arranhões e mordidas como sinais de cortejo, perto dos distintivos fixados na testa, perto dos brincos, na folha de betel ou de tamala52 da mulher que se deseja conquistar. [As folhas de tamala, bem como as de betel, eram usadas como ornamento pelas mulheres hindus.] (NT)
A – COSTUMES LOCAIS Deve-se cortejar as mulheres seguindo os costumes locais. Os habitantes de Machyadesa, em geral arias53, mantêm uma conduta pura e detestam os beijos e as marcas de unhas e dentes. O mesmo se aplica às mulheres de Bahlika e de Avanti, que tendem às chamadas uniões extraordinárias, que veremos à frente. As mulheres de Malava e de Abhira gostam, sobretudo, dos abraços, dos beijos e das sensações dos arranhões e mordidas, mas detestam as marcas deixadas (sobretudo as que ferem). Para conquistá-las, devem-se esbanjar atos de carinho. As habitantes da região entre os rios54, dos quais o Indo é o sexto, tendem à prática do amor com a boca. As do Extremo Ocidente e de Latta são fogosas e gostam de emitir gemidos roucos. No Strirajya e em Kosala as mulheres gostam de ser golpeadas fortemente, apaixonam-se selvagemente e, sobretudo, amam as “brincadeiras eróticas”. As mulheres de Andhra são delicadas, buscam o prazer, têm desejos puros e modos corteses. 52 Tamala - ou Cinnamomum Tamala Garcinia xanthochymus, planta de tronco reto, escuro, com folhas perfumadas, símbolo de Krishna. 53
Os pertencentes às três primeiras classes sociais.
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Refere-se ao Punjhab, que significa “região dos cinco rios”.
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As de Maharastra se inflamam ao empregar as sessenta e quatro artes, gostam de utilizar palavras grosseiras e na cama são ardorosamente decididas. O mesmo se aplica às mulheres da capital, Pataliputra, mas estas o demonstram mais discretamente. As mulheres de Dravida, ainda que em princípio demorem, se bem acariciadas pouco a pouco se excitam. As de Vanavasa são moderadamente apaixonadas, suportam tudo, cobrem seu corpo, riem umas das outras e evitam os homens críticos e vulgares. As de Gauda falam com doçura, são muito afetuosas e têm corpos delicados. Para Suvarnanabha, os costumes que dependem do caráter têm maior valor que os costumes dos lugares; para ele, não existem costumes locais. É necessário, ademais, ter claro que com o tempo os costumes, os hábitos e práticas passam de um país a outro. Entre os abraços e outras práticas, o que precede é sempre o melhor meio para acender a paixão, e o que se segue é o que é mais surpreendente.
A ferida que um homem assediado pode infligir, sem aceitação pela mulher, deve ser apagada pelos dois. Devolva o “ponto” com uma “guirlanda”, a “guirlanda” com uma “nuvem quebrada”, realize suas disputas de amor, como se estivesse irado. Ela levanta o rosto agarrando-lhe o cabelo e saboreando-lhe a boca; abraçando-lhe, alimentada pela embriaguez, mordendo-o em todas as partes. Abraçando o seio da amante, levanta-lhe a cabeça, e marca seu pescoço com um “colar de pedras” e tudo mais que você sabe. Mesmo que durante o dia se ria, discretamente os outros, pelas marcas deixadas pela noite de amor, o amante as mostra com orgulho às outras pessoas. Insinuando um muxoxo com a boca e reprovando o amante, Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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como se estivesse nervosa, mostre as marcas que ficaram em seu corpo. Quando estão bem dispostos um em relação ao outro, dois amantes atuam, assim, com pudor, e nunca se consome seu amor, mesmo depois de cem anos. 6 – DIVERSAS MANEIRAS DE DEITAR-SE55
N
o momento da paixão, na união “alta”, a mulher cervo deve deitar-se alargando a pélvis; a mulher elefante, na união “baixa”, contraindo-a. Quando a união é igual, a mulher deve deitar-se de costas. O mesmo procedimento deve ser aplicado à mulher
égua. Então ela recebe o amante com a sua vagina e, principalmente na união “baixa”, também com os “brinquedos eróticas”. “Que se abre”, “que boceja”, “à maneira de Indmini56”: estas três posturas correspondem em particular à mulher cerva. A “que se abre” é realizada mantendo a cabeça abaixada e levantando a pélvis para facilitar o vai e vem. Deve-se facilitar a saída. Se a mulher recebe o amante levantando as coxas obliquamente, se tem a postura “de Indmni”, que se aprende com a prática. Com esta postura pode-se realizar, inclusive, a união considerada superior. Na união baixa, e também na inferior, recebe-se o amante com a postura “em forma de concha”. Para a mulher elefante, valem estas posturas: “em forma de concha”, “que aperta”, “que prende” e a postura “de égua”. Se ambos os parceiros estão com as pernas esticadas, tem-se a “forma de concha”. Esta pode ser de dois tipos: “a concha sobre as costas” e a “concha por cima”, pois é assim que se realiza. Quem a pratica tem que deitar-se sobre o lado direito da mulher, também deitada: é uma norma universal. 55
Vide Nota de Rodapé nº 6. (NT)
56
É a esposa de Indra, o rei dos deuses nos Veda.
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Entretanto, se a mulher, ao fazer amor na postura em “forma de concha” fecha com força as coxas, tem-se a união “que aperta”. Quando cruza as pernas está na postura “que prende”. Se, como uma égua, aperta com muita força, pratica a postura “de égua”, que só se consegue com muita prática. Essas práticas são mais comuns entre os habitantes de Andhra. São as diferentes formas de deitar-se segundo Babhravya. Para Suvarnanabha, existem outras posturas: se as duas coxas estão levantadas, se tem a postura “muito curvada”. Quando o amante mantém levantados os pés da mulher, é a união “que boceja”. A mesma, com os pés dobrados (contra o peito do amante), é a “que empurra”; se uma perna está esticada, muda a postura para “que empurra pela metade”. Quando a amante coloca um pé nos ombros do homem enquanto se estica a outra perna, e se alternam os movimentos, tem-se a postura “aperto do bambu”. Se se coloca um pé na cabeça do outro e mantêm-se a outra perna esticada adota-se a postura “passar o bastão”, o que só se consegue com muita prática. Quando o amante coloca os pés juntos da mulher em seu baixo ventre tem-se a postura “do caranguejo”. Se ela cruza as coxas levantadas, é a “que aperta”. Quando ela cruza as pernas por baixo dos joelhos, se consegue uma postura parecida com a “de lótus” 57. Se a mulher abraça o ombro do amante, enquanto ele se vira para o outro lado, é a união chamada “trocada”, que também só se aprende com muita prática. Suvarnanabha é de opinião que se pode fazer amor deitados, sentados ou também de pé dentro d’água, e estas uniões devem ser consideradas extraordinárias, pois resultam fáceis de serem realizadas. Contudo, Vâtsyâyana discorda, já que estas posturas não aparecem convalidadas pelos sábios.
A - UNIÕES EXTRAORDINÁRIAS Trataremos agora das chamadas uniões extraordinárias. Quando dois jovens, em posição de pé, se sujeitam um ao outro, apóiam em uma parede ou em uma coluna tem-se uma “união de pele”. Se o homem se apóia em uma parede e sua companheira, jogando-lhe os braços em volta do pescoço senta-se em suas mãos (que se encontram entrelaçadas) e lhe aperta a pélvis com as coxas e move-se empurrando os pés contra a parede, acontece uma “união suspensa”. Ao contrário, se a mulher está no chão, “de quatro”, e o amante se põe em cima dela, como um touro, tem-se a postura “da vaca”. Neste caso, os ombros da mulher recebem o peito do homem. Partindo-se desta postura, podem-se considerar muitas outras, sempre que se trate de uma união íntima e não usual: o “amor do cão”, “o amor do antílope”, “o amor do carneiro”, “o pulo no burro”, “o jogo do gato e rato”, “o salto do tigre”, “a pressão do elefante”, “esfregando o javali”, o “acasalamento do cavalo”... O amor com duas mulheres que mantêm relação de amizade entre elas é a “união conjunta”, e com muitas é o “rebanho de vacas”. O “jogo do harém de elegantes” e as uniões do “carneiro” e do “antílope” são realizadas imitando a forma de atuar desses animais. 57
A conhecida postura meditativa do Yoga.
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Na região de Gramanari, no Strirajya e no Bahliharém vários jovens, submetidos à mesma lei de um harém, são maridos de cada uma das mulheres. Estes têm que satisfazê-las a cada uma separadamente ou em conjunto, segundo os costumes e as funções. Nesse caso os jovens, atuando em conjunto, se ocupam, cada um, de uma parte do corpo da mulher: um se ocupa do rosto, outro dos seios, outro da vagina e assim devem fazê-lo, variando as funções. O mesmo vale para a prostituta possuída por um grupo de homens e para os que fazem amor com as esposas de um rei. Entre os habitantes do Sul existe também uma união baixa, anal. São as distintas uniões extraordinárias. Falaremos das iniciativas do homem durante o sexo, quando tratarmos do “amor do homem”.
Com os gestos amorosos dos animais pacíficos ou selvagens, e de pássaros, com estas e outras destrezas, quem conhece os corações aumenta as diferentes formas do prazer. Quando se aplicam formas diferentes de amar, conforme os costumes dela e os hábitos locais, surge nas mulheres afeto, paixão e um grande respeito. 7 – UTILIZAÇÃO DE TAPAS. COMO RECORRER A GEMIDOS APROPRIADOS
A
união dos animais, dizem, parece-se com uma disputa, porque o amor tem a natureza de uma dissidência, e parece conter raiva. Os tapas são uma parte da paixão. Os lugares propícios aos tapas são os ombros, a cabeça, o espaço entre os seios, as costas, o púbis, os lados do corpo. Os golpes podem ser divididos em quatro variedades: com as costas das mãos, com a mão em concha, com os punhos e com a palma da mão. A dor que se origina desses tapas permite a emissão de gemidos de vários tipos. Os gemidos, somados com os gritos de amor, são de oito tipos: pronunciar um som parecido com hinn, um rugido, um arrulho, um choro baixo ou convulsivo, sut, uff e puff. Depois, há as palavras que significam “mama”, que expressam oposição, desejo que deixem a um dos dois livres, “chega” e outras com significado parecido. Alem disso, pode-se imitar (os gritos) da tartaruga, do cuco (o pássaro), da pomba e do papagaio, o zumbido das abelhas, o grasnado do ganso e da pata, o arrulho da perdiz, tudo isso misturado com gemidos. Uma atuação sexual é quando a mulher senta-se sobre os joelhos, ela pode golpear com os punhos as próprias costas. Então, como se ela estivesse com raiva, tem que imitar o som do trovão, lamentar, arrulhar e devolver o golpe. Durante o sexo, o homem a golpeia entre os seios com as costas das mãos, começando suavemente e aumentando segundo vai crescendo a Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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paixão, até o clímax. Então, quando a paixão chega ao clímax ela faz o som hinn variando para todos os outros. Quando o homem bate na cabeça da mulher com os dedos levemente curvados para dentro e ela se mostra arisca, foge e emite um som puffff, tem-se o tapa com a mão “em forma de taça”. Então ela arrulha profundamente e volta a fazer pufff. Ao terminar o sexo se expressará com suspiros e choro. Pronunciar o uff significa emitir o som, mais ou menos, de um bambu que se parte; já o pufff se parece, ao contrário, com bagas de azufaifa58 que caem na água. Nos casos em que recebe beijos e outras práticas de amor, a mulher deve corresponder com gemidos. Se no momento da paixão é atingida mais fortemente, devem utilizar palavras que expressem oposição e a vontade de se ver “livre”; deve chamar sua mãe e gritar, imitando os sons do trovão, suspirando e chorando. Quando está a ponto de chegar ao clímax, ele bate nos lados do púbis da parceira, liberando-se aos poucos para o orgasmo, até o clímax. Aqui, ela deve elevar rapidamente o grito da perdiz ou do ganso. São as diferentes formas de utilizar os sons e os tapas. Estes dois versos falam bem sobre o assunto:
Essência do homem a que chamamos tenacidade e impetuosidade; retiradas da dor, da impotência e da debilidade, essências da mulher. Em certas ocasiões, pela paixão e pelo hábito, pode ter lugar uma troca, mas não por muito tempo, e ao final se volta, cada um à sua natureza. A “cunha” no peito, a “tesoura” na cabeça, o punção59 nas bochechas, a “pinça” nos seios e nas costas: com essas variedades, os tapas são de outros tipos entre os habitantes do Sul. As cunhas e os seus efeitos colocados no peito dos jovens é costume local. Para Vâtsyâyana é uma perversidade, um comportamento bárbaro, algo depreciável. Este e qualquer outro dos costumes regionais não se devem adotar aqui. Inclusive onde é uso corrente deve-se evitar no sexo qualquer ação que promova perigo. Efetivamente o rei de Cola, durante a união, deu um golpe de morte com uma “cunha” na cortesã Citrasena. Kuntala Satakarni Satavahana matou com tesouras a rainha Malayavati. Naradeva, que tinha uma mão aleijada, com um punção usado indevidamente, furou o olho de uma dançarina.60 Alguns versos sobre o assunto:
Esta enumeração não tem nem 58
- Fruto do azufeifo, árvore bastante conhecida na Índia. (NT)
59 - Ferramenta de aço de alta resistência, cilíndrica ou prismática, com uma ponta ou boca afiada ou grave, usada para usada para apoiar e marcar superfícies ou impressos. (NT) 60 O reino dos Cola, na região do mesmo nome, é o dos Pandya, que o comentário põe em relação com Naradeva, dois dos domínios em que se divide a Índia habitada pelos tâmiles, no seu extremo meridional.
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é a observância de um tratado. quando se começa uma união de amor. a paixão é a única força motriz. Nem mesmo em sonho podem ser idealizadas. Situações ou atos de fúria podem ser cometidos ao se fazer amor; inventados na hora Como um cavalo na corrida que de repente galopa mais rápido e cego pelo impulso, não vê os perigos que o rodeiam Assim, na batalha do amor, cegados pela paixão, comportam-se como amantes ardentes sem perceberem os perigos. Portanto, o especialista que aprende o tratado sabe unir a delicadeza, o ardor e a força dos jovens em si e, portanto, agir de acordo. Nem sempre, e com todas as mulheres valem as destrezas do amor; seu uso deve levar em conta as circunstâncias, o lugar, e o momento. 8 – O AMOR COMO HOMEM – AS INICIATIVAS DO HOMEM DURANTE O SEXO
S
e a mulher percebe que o amante está cansado devido à sua contínua entrega, mas que seu desejo ainda não foi apagado, pode, com o seu consentimento, colocá-lo por baixo e prestar-lhe ajuda com o “amor como homem”; ou adotar esta função por iniciativa própria, desejosa de poder colocar em prática algo particular, ou ainda por curiosidade do amante. Neste caso, a mulher, levantada pelo amante sempre unido a ela, se coloca por baixo, de tal forma que a união não experimente interrupções no prazer, e continue da mesma forma como havia começado. É a primeira forma; a segunda se efetua se, ao começar de novo, a mulher assume esse papel desde o princípio.
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Espalhando as flores que enfeitam os seus cabelos, rindo e suspirando, ela se aperta, para chegar mais perto do rosto do amante, peito com peito, e sacode a cabeça várias vezes. Ele retoma os gestos que tinha feito anteriormente e diz: "eu ganhei, é a minha vez agora". Ri ameaçadoramente, mostra fadiga e vontade de parar. Agora, ela deve tomas as iniciativas. É a mulher no papel do homem. É o que vamos discutir agora. Enquanto a amante está na cama, e parece distraída com suas palavras, o amante vai tirando devagar a sua saia. Se ela lhe opõe resistência, acalma-a beijando-lhe as bochechas. Uma vez excitado, acaricia-a com suavidade as coxas que ela, em princípio, manterá apertadas, se for uma donzela. Acaricia também os seios, as axilas, as mãos, os ombros, o pescoço, partes que ela tentará cobrir. Não será o caso, evidentemente, se se tratar de uma mulher sem escrúpulos ou segundo os costumes e as circunstâncias. Para beijá-la, agarre-a fortemente, segurando-a pelos cabelos e pelo queixo. Ela, se se tratar da primeira relação ou se for uma donzela, vai se mostrar envergonhada e fechará os olhos. Aos poucos, durante o casamento, ela se soltará e tentará descobrir a melhor forma de se comportar e de satisfazer ao homem. Quando o casal é jovem e é surpreendido durante o ato por terceiros, o homem deve cobrir as partes da mulher contra quem ela dirige o seu olhar. É o segredo dos jovens, diz, Suvarnanbha. O corpo está relaxado, os olhos estão fechados, foi perdido todo o pudor, o sexo é intenso; estes são, para as mulheres, indicativos do orgasmo. (caso contrário) Uma mulher move suas mãos, transpira, morde, não permite ao homem que se levante, bate os pés, e ao final do amor, continua além do homem (continua sozinha). Para evitar isso, o amante deve, antes de possuíla, excitá-la, utilizando a ponta dos dedos nas suas partes íntimas, até que fiquem bem lubrificadas, para só então penetrá-la. Abordagem, batida de asas, punhal, dente, pressão, rajada de vento, ataque de javali, carga do touro, jogo do pardal, taça: estas são as iniciativas do homem durante o sexo. A união mais comum, direta, é a “abordagem”. Quando ele aperta com sua mão em volta do pênis e o balança, se colocado sob o osso púbico da mulher e escorregado desde o alto, resvalando no clitoris antes de entrar na vagina, é o “punhal”. A mesma coisa, só que na postura invertida e feito impetuosamente é o “dente”. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Se introduz o pênis na mulher, segura-a e aperta-a durante bastante tempo resulta a “pressão”. Quando, de forma seca, o homem levanta e pênis e o abaixa violentamente contra a vagina da mulher tem-se a “rajada de vento”. O “ataque do javali” se consegue quando se fricciona com muita insistência apenas uma região do corpo da mulher. Este movimento, feito continuamente é a “carga do touro”. Quando, sem interromper o ato, se pára um pouco e se dá dois, três, ou quatro tapas – em um ou em outro dos amantes – é o “jogo do pardal” que tem lugar, geralmente, ao final do ato. A “batida de asas” se consegue quando a mulher égua (já descrita), tendo o pênis nas mãos insiste em apertá-lo muito. Se juntamente com o amante, move-o como uma roda e o torce, obtém-se a “rotação”, o que só se consegue com bastante prática. Neste caso o homem tem que levantar o seu púbis. Se, por fim, ela balança e ginga a pélvis sensualmente é o “balanço” Sempre junto ao amante, a mulher apóia a frente contra a frente do amante e descansa. Quando se recupera, o homem volta à ação. São os distintos modos de fazer amor como homem. Eis algumas estrofes sobre o assunto:
Embora esconda sua própria natureza e estejam cobertas suas expressões, a amante revela seus sentimentos, pela paixão, quando a pratica. Que característica tem as mulheres e como se deseja o prazer se deduz perfeitamente do seu comportamento. Mas o amor não é permitido como o homem a uma mulher no seu período fértil , nem a uma mulher em resguardo, nem a uma mulher grávida, nem a uma demasiado gorda. 61
61 O período fértil da mulher madura, segundo Manu, são doze diasque antecedem à menstruação; se o amor está proibido durante a menstruação, continuar dormindo com a esposa nos dias seguintes é considerado pelos textos um dever conjugal. Pelo comentário, a proibição de usar a postura erótica em tais circunstâncias se deveria ao fato de que o fruto de uma possível concepção resultaria – de natureza confusa – a estrofe expressa de salvaguardar a saúde da mulher.
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9 – O AMOR COM A BOCA
O
chamado terceiro sexo pode-se fazer de duas maneiras: com a forma feminina ou com a forma masculina. A que tem a forma de mulher deve imitar esta: a limpeza do corpo, voz, graça, as características, o caráter, a ternura, os medos, a ingenuidade, a fragilidade incapacidade e o pudor. O que, normalmente, é feito geralmente na vagina é aqui feito na boca, e é chamado de "amor com a boca." Por isto, quem pertença ao terceiro sexo deve tentar conseguir o prazer que vem da consciência e dos meios de subsistência: busque viver como uma prostituta. Desta maneira deve se comportar quem tem trejeitos femininos. Ao contrário, o que aparenta ser macho, deve manter segredo dos seus desejos, e se quiser ter um amante, deve escolher a profissão de massagista. Durante a massagem aperte firme, quase em um abraço, as coxas do outro contra o seu corpo, e depois, nascida uma certa familiaridade, vá mais longe, tocando-lhe a virilha e o púbis. Neste ponto, quando perceber que o homem está excitado, você deve movimentá-lo com as mãos em vai e vem, e rir, como se estivesse reprovando sua lascívia. Se o homem, apesar de haver mostrado sinais de desejo, dá-se conta do desvio do outro e não lhe evita, deve, ele mesmo tomar a iniciativa; se, ao contrário, pede a ele que tome a iniciativa, este deve fingir se opor e só fazê-lo após a insistência do outro. Os diferentes mo-dos de ação são oito, e deve-se fazer todos: o modo moderado, a mordida lateral leve, a pressão externa, a pressão interna, o beijo, o toque, segurar, engolir e chupar. Geralmente o ato pode ocorrer de duas formas: de-pois de consentir uma prática, o amante expressa o desejo de parar; ou, uma vez conseguido o primeiro modo da prática, siga com o que vem depois; terminado este, com o seguinte. Enquanto segura o pênis do amante com as mãos, aperte-o com os lábios e mova a boca. É o modo “moderado”. Em seguida, cubra com a mão e aperte a parte de cima com os lábios, sem usar os dentes, e com calma, dizendo: “só isso!”: é a “mordida lateral leve”.
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Quando, após um novo convite, aperta o pênis do amante com os lábios bem juntos, a parte superior como que atraindo-lhe para sí, e afrouxa a pressão, tem-se a “pressão externa”. Se, neste momento, se introduz um pouco mais o pênis na boca, ou abaixa-se a pressão que está na cabeça do pênis se tem a “pressão interna”. Pegá-lo com um lábio, enquanto o segura em uma das mãos é o “beijo”. Se isso for feito esfregando todo o pênis com a língua tem-se o “toque”. Uma vez adquirida a excitação, se introduz a metade do pênis na boca e se faz pressão várias vezes, muito forte, soltando (cada vez), se consegue o modo “chupar”. Quando, seguindo a vontade do amante, ele recebe o pênis em sua boca e o pressiona até o fim é “engolir”. Engolido o pênis do parceiro, deve-se emitir sons, dar tapas e sofrer tapas do amante. Estes são os tipos de amor em sua boca. Dessas técnicas também se valem mulheres libertinas, sem escrúpulos, empregadas domésticas e massagistas, algo que se deve evitar, já que contradizem as doutrinas e resultam depreciável pois, se mais tarde um homem beija uma boca destas pode sentir repugnância. É o que explicam os mestres. Para o amante de uma prostituta não é pecado, mas deve ser evitado, ainda que por outros motivos. É a opinião de Vâtsyâyana. Os habitantes do Leste não se unem a mulheres que praticam sexo com a boca. Os homens não visitam as cortesãs de Ahicchattra e, se o fazem, evitam seus beijos. Já os de Saketa juntam-se a elas sem nenhuma repugnância. Os homens da capital, Pataliputra, não se prestam naturalmente ao amor com a boca. No entanto, esta prática é descarada em Surasena onde dizem: “quem pode realmente confiar no caráter, na pureza, nos princípios, no comportamento, na sinceridade ou nas palavras de mulheres?” Elas, por natureza, têm uma mente corrupta. Mas não devemos rechaçá-las por isso. Segundo a tradição sagrada, elas devem ser consideradas puras, pois se afirma: “Durante a amamentação o bezerro é puro, puro é o cão quando caça armadilhas, e também o pássaro quando faz cair a fruta e, na união de amor, a boca da mulher também há de ser considera pura.” Visto que nisto os homens de cultura estão de acordo, e se pode recorrer à tradição sagrada, há que se viver segundo os usos locais e baseando-se no temperamento e nas convicções de cada um; é a opinião de Vâtsyâyana. Aqui estão algumas estrofes sobre o assunto:
Alguns homens fazem amor com a sua boca mesmo jovens criados Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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com brincos de brilhantes. E acontece também com homens elegantes que querem se sentir bem sobre si mesmos; quando têm confiança, por favor, dê um presente para outra. Assim como alguns homens realmente realizam essa ação com as mulheres, e para ser executada, deve ser conhecida, tanto quanto o beijo na boca. No entanto, se investido de corpos, estão ligados uns aos outros, homem e mulher juntos, é o que é chamado de "amor como corvos". Por isto as cortesãs deixam. Homens distintos, capazes, generosos, honestos, se apaixonam por pessoas baixas: escravos, cuidadores de elefantes e outros. Mas não se permita este amor com a boca ao brâhmane ou ao ministro ao encarregado dos assuntos do rei nem a quem goze da confiança do povo. Não que, como indicou o tratado, isso seja motivo suficiente para agir; um livro, você lê e entende, ele fala de modo geral, seu uso, no entanto, refere-se apenas ao particular. Na ciência médica se conhece muito bem o sabor, a força e os efeitos digestivos até mesmo a carne de cachorro. Por isso Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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os sábios têm que comê-la? Há alguns homens, Há certos países, mesmo momentos onde estes requisitos não são inúteis. Portanto, depois de considerar o tempo, o lugar, use o tratado, e até a si mesmo, você pode realizar ou evitar essas práticas. E já que é um segredo e a mente é inconstante, Que pessoa pode saber quem, quando, o que faz e por quê?
10 – INÍCIO E FINAL DA UNIÃO m companhia dos amigos e dos serviçais, em um lugar prazeiroso e repousante, com incenso perfumado, ou seja, bem acomodado na sua casa, rodeado de flores, o homem elegante deve dirigir-se à mulher com palavras agradáveis, depois de convidá-la a beber. Esta, depois de um banho fresco e suavemente perfumada, deve beber com naturalidade. Então, o homem senta-se à sua direita; detém-se nos seus cabelos, na orla e nos nós do seu vestido, pensando nas delícias do amor, a aperta no seu braço esquerdo, mas não com muita força. A corteja com pavras alegres e apaixonadas, fala sobre eventos ocorridos, sobre segredos picantes dos dois. Exibe-se para ela, cantando e tocando e, se achar que deve, também dançando, e conversa sobre artes e a tenta seduzir com brindes. Quando a mulher já se encontra cheia de desejo, ele se despede dos demais, jogando-lhe flores, unguentos e folhas de betel. Estando sozinhos, ele a abraça e, lentamente, a desnuda como já ensinamos. É o início da união.
E
Agora, vejamos o final do amor. Satisfeita a paixão, os amantes vão, um atrás do outro, ao quarto de banho, envergonhados, como se não se conhecessem, sem se olhar. Ao voltar, todavia, com timidez, sentam-se em um lugar adequado, e tomam betel; o homem deve aplicar no corpo da enamorada puríssimo sândalo ou outro unguento. Logo após, deve abraçá-la com o seu braço esquerdo, e, Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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segurando o copo, deve convidá-la a beber com ele com palavras doces e ternas. Ambos bebem água adocicada ou outra bebida adequada ao seu temperamento ou aos costumes: caldo claro de carne, sopa ácida, bebidas com assados picantes, suco de manga, carne seca, limonada, segundo o lugar ou os costumes. Ele oferece a ela diferentes doces provando-os antes, para saber se estão saborosos, macios e frescos. Se se encontram no terraço acima da casa, podem sentar-se e apreciar o luar. O homem entreterá sua companheira com histórias bonitas, enquanto ela se senta apoiada nos joelhos e aprecia a lua. Ele lhe mostra Arundhati, a estrela polar e a coroa dos Sete Profetas62. É o final da união. Sobre esse particular se diz:
Mesmo no final, um amor adornado de atenções, histórias e atos de delicadeza leva a um grande prazer. Gestos doces, com a dinâmica de cada um que despertam o amor de um e de outro, e afastam a raiva, olhando o amor. Com danças e jogos e músicas, e declamações, admirando com olhos trêmulos, molhados de ardorel o disco da lua; Após a primeira união, os desejos que surgem de imediato, e mesmo assim dor na distância; dizendo todas essas coisas, E, quando terminam imprimem, com abraços abalados, misturados com beijos;
62 A “coroa dos Sete Profetas” é a Ursa Maior, cujas sete estrelas principais se comparam aos grandes sábios da mitologia. Na mesma constelação, Arundhati, ou seja, a pequena Alcor, é considerada como a esposa de um destes personagens (os sábios) ou de todos eles. A estrela polar é o símbolo da fidelidade. A contemplação dos astros pelos novos esposos, acompanhada da recitação de fórmulas de bons augúrios forma parte do ritual matrimonial exposto nos Grhyasutra, manuais sobre o rito doméstico.
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uma paixão jovem cresce, se eles se envolvem nestas e em outras emoções também.
11 – AS DIFERENTES CLASSES DE UNIÃO
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s diferentes classes de união são: a apaixonada, onde deve ser alimentada a paixão, onde a paixão é artificial, onde a paixão é transferida, a união de meio homem, a união com pessoas baixas e a união sem limites.
Se um homem e uma mulher foram esmagados pela paixão desde a primeira vez que se viram e muito tempo depois, após muito esforço, conseguir voltar a se ver, na volta de uma viagem, ou quando os amantes, afastados por uma disputa, voltam a se encontrar, tem lugar a união “apaixonada”. Neste caso, deve-se comportar segundo os desejos e até a satisfação plena dos amantes. A união de amantes não muito ardentes, que esmorece aos poucos depois de haver se iniciado, é aquela “onde deve ser alimentada a paixão’. Então convém seguir atiçando o desejo com as sessenta e quatro formas de erotismo, adequando-se aos costumes. Se isto se realiza com uma finalidade em particular, que não o amor, ou os amantes canalizam seus desejos para outra coisa, tem-se uma união “onde a paixão é artificial”. Neste caso, que se cumpram todas as formas de erotismo, segundo o tratado. No entanto, quando o homem, desde o início do amor, para o seu único deleite, volta os seus pensamentos para outra mulher que deseje tem como consequência, uma união “onde a paixão é transferida”. Fazer amor até a satisfação com uma mulher de casta inferior, como uma carregadora de água ou com uma serva é a “união de meio homem”. Neste tipo de união o homem não deve se preocupar com galanteios. Da mesma forma que uma união com uma cortesã, com uma campesina, até a satisfação é apenas uma união “com uma pessoa baixa”; e o mesmo acontece, se um homem elegante se une com mulheres do povo, com estancieiras, com pastoras de cabras e ovelhas e com mulheres de países vizinhos. Por último, quando dois amantes têm total confiança entre si, porque estão em boa disposição um com o outro, é a “união sem limites”. Estas são as formas diferentes de união.
A – AS DISPUTAS DE AMOR À medida que o afeto cresce uma mulher não deve tolerar que seja dito o nome da esposa rival na sua presença nem que dela se fale, nem que, por um lapso de memória, seu nome seja trocado pelo nome da outra; nem mesmo deve admitir qualquer infidelidade por parte do homem. Nesses casos, surge uma violenta disputa; ela deve por-se a chorar copiosamente, soluçar, desgrenhar os cabelos, atirar-se na cama ou mesmo no chão, destruir as guirlandas de
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flores ou adornos com os quais esteja adornada e, por fim, quedar-se prostrada no chão para mostrar o seu estado de espírito em relação à traição consumada. O homem, então, deve manter-se calmo, esforçando-se para utilizá-la com palavras delicadas e apropriadas, ou, pondo-se de joelhos a seus pés, convidá-la a deitar-se na cama. A mulher deve contestar suas palavras demonstrando ainda mais raiva, deve agarrá-lo pelos cabelos, levantar o seu rosto, fazê-lo olhar para si e sacudi-lo pelos ombros. Depois, deve caminhar até a porta do quarto, deve voltar, sentar-se na cama e continuar a chorar. Entretanto, apesar de estar muito triste e com raiva não deve cruzar os umbrais da porta, já que isto constitui grave falta. O texto de Dattaka tem esta precisão. Chegados a este ponto, é conveniente que a mulher se acalme aos poucos e espere a reconciliação. Ainda que suavemente, agrida ao homem, por assim dizer, com palavras e expressões duras e mesmo pejorativas. Por fim, tranquilizada e sedenta de amor, deixe que o companheiro a abrace. Uma mulher que vive em sua casa e que por algum motivo discute com o amante e este deixa a casa, deve ir visitá-lo e comportar-se como dito acima (e em seguida se deixar levar). Então, o amante deve instruir o pithamarda, o vita e o vidusaka que aplaquem sua cólera. Aplacada sua cólera, deve voltar com ela para casa e lá ficar. São assim as disputas de amor. Algumas estrofes, a título de conclusão:
Se recorre às sessenta e quatro artes eróticas propostas por Babhravya, um amante tem êxito com mulheres extraordinárias. Apesar de estar dito em outros tratados, Se você não domina as sessenta e quatro artes, sua prática não será muito apreciada durante as reuniões de pessoas educadas. Mesmo que não possua outros conhecimentos, se ele é dominador dessas artes, consegue sempre um posto relevante entre mulheres e homens nos encontros sociais. Os sábios o reverenciam, o reverenciam os homens do povo; Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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acredito que até as cortesãs, dispensadores de alegria – porque não? - hão de homenageá-lo. Os mestres dos tratados definem essas artes pródigas em felicidade, amadas, poderosas, encantadoras e adoradas por todas as mulheres. Elas olham com afeto e muita estima o homem hábil nas sessenta e quatro artes, tanto as donzelas quanto as esposas de outro homem, e até as cortesãs.
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III- RELAÇÕES COM AS DONZELAS
1 – REGRAS PARA SE PEDIR EM CASAMENTO
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umpre-se a Lei Sagrada e o Útil casando-se, de acordo com as escrituras, com uma mulher da sua própria classe social, que nunca tenha pertencido a outro homem, e que lhe dará filhos varões, parentes, aumente o número de pessoas do seu círculo de contatos e que te apóiem e para propiciar o verdadeiro prazer do amor. Assim, um homem com estes requisitos e cuidado deve definir a donzela, tanto quanto o seu pai e a sua mãe, que seja pelo menos três anos mais jovem, nascida de família de bom caráter e preferivelmente abundante de recursos. Essa jovem deve ter muitos relacionamentos tanto por parte de mãe quanto por parte de pai e ser bonita, de bom caráter e sinais de bons presságios: dentes, unhas, orelhas, cabelos não muito pequenos e nem muito grandes a ponto de serem muito chamativos e desfrutar de um corpo saudável.
Ghotakamukha explica que, quando um homem conquista uma donzela assim, deve considerar-se um afortunado, e seus amigos não podem reprovar o carinho que possa vir a sentir por ela.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Pais e familiares, amigos fieis de ambas as partes não devem poupar esforços para fazê-la esposa do homem. Este deve se manifestar claramente (aos pais da jovem) quanto a defeitos visíveis e inatos, de outros pretendentes, destacando as suas vantagens como homem e suas origens, que possam favorecer a decisão (sobretudo as que sejam do gosto da mãe da jovem) e aquelas qualidades que podem garantir o presente e o futuro do casal. O pretendente pode apresentar os estudos de um astrólogo, por exemplo, onde se anteveja sua sorte na carreira, mostrando o vôo dos pássaros, os presságios, as influências da conjunção dos planetas em seu horóscopo e sinais auspiciosos em seu corpo. Outros sinais, por sua vez, podem inquietar a mãe da jovem, indicando-lhe que ele poderia ter, facilmente, uma mulher em outro lugar.
Convém pedir por esposa uma donzela (jovem até dezesseis anos), conforme a vontade do destino, dos presságios, dos pássaros, e dos oráculos; não por acaso, simplesmente porque você é homem, diz Ghotakamukha. E ele deve renunciar a uma moça que, no momento do pedido em matrimônio, dorme, chora ou sai de casa. Também deve evitar uma jovem que tenha um nome desagradável de se ouvir; que permaneça escondida dentro de casa ou em outro lugar durante o pedido de matrimônio ou que já esteja comprometida com outro homem; a que tenha cabelos ruivos ou que tenha sardas; a que seja masculinizada, deformada ou calva; a comprometida com a castidade; a nascida ilegitimamente ou que não tenha atingido a puberdade; a uma muda; a uma amiga; a uma que tenha irmã mais jovem que seja muito bonita ou que esteja sempre transpirando.
Ao se procurar uma jovem para esposa deve-se evitar, por ser reprovável, a jovem que se que tem por nome uma das fases da lua, um rio, uma árvore, ou que seja terminado em “erre”.
Alguns sustentam que a donzela que absorve o coração do homem e ostenta um olhar especial traz prosperidade. E que por esta razão um homem não deveria olhar para qualquer outra. Por este motivo, chegada a hora de ter que concedê-la em matrimônio, os familiares devem apresentá-la em público com o seu melhor vestido, e procurar que ela se divirta todas as tardes. Sem nada para fazer, que brinque o dia todo com as amigas. Quando se reúne muita gente, como nos sacrifícios e nos casamentos, faça com que todos os olhares se fixem nela, e também em todas as festas, pois ela tem as mesmas características de jóias que devem ser apreciadas.
Receba com sinais de amizade os homens elegantes e cortezes que acompanham os pais da jovem dada em casamento, e que devem ser apresentados, juntamente com a juvem, que deverá estar elegantemente trajada. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Assim que se termine o exame do destino para que se tome a decisão de conceder ou não a jovem em matrimônio, os pretendentes, são convidados a tomar um banho ou outras formas de entretenimento, o que podem ou não aceitar, tratando-se de um contato de primeiro dia. Podem também sugerir que tudo deve ser realizado no seu devido tempo.
Segundo as regiões, os princípios e os costumes, são as seguintes as formas de casamento segundo as escrituras: Brahma, Prajapatya, Arsa ou Daiva63. São as distintas formas para se pedir em casamento.
A – COMPROVAÇÃO DAS RELAÇÕES
Alguns versos sobre o assunto:
Os jogos de sociedade, como completar versos, os casamentos e as amizades devem ser realizados entre uma mesma classe, não para os de classe superior nem para a inferior. Se uma mulher casada ou donzela, vive como uma criada, esta já se sabe, é uma relação “alta” que deve evitar todos os acordos Se, rodeado por sua família, ele leva uma vida de cavalheiro, é uma relação “baixa”, não digna de louvor; e os sábios também hão de recusá-lo. Quando se realiza um jogo muito bom para ambos
63 São as primeiras quatro as mais recomendadas e as únicas universais concedidas aos brâmanes, das oito formas de casamento intituídas nos tratados. Trazem o nome de seres divinos ou sobrenaturais; exigem o acordo das famílias e o ritual religioso, e se diferenciam entre elas principalmente pelas formas estabelecidas para o dote.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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e que satisfaz mutuamente, existe uma relação bem aceita. Se se contraria uma relação “alta”, termina-se se submetendo aos pais; mas não caia, porém, em uma “baixa”, desprezada pelos homens de bem.
2 – COMO INSPIRAR CONFIANÇA ÀS DONZELAS
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ma vez que o casamento tenha tido lugar, os esposos devem dormir no chão durante três noites, permanecerem castos e tomar bebidas sem melaço nem sal. Nos sete dias seguintes, devem banhar-se acompanhados por música e cantos de bom presságio, dedicando-se à limpeza pessoal. Devem comer juntos. Devem ir a festas e assistir a espetáculos e dar graças às famílias; isto vale para todas as classes sociais.
Durante todo o período, à noite, sozinho, o homem deve dirigir-se à sua esposa com atenção e muita sensibilidade. A jovem verá que ele está lá, sem dizer uma palavra, quieto, sensível e atento. Isto dizem os discípulos de Babhravya. Vâtsyâyana aconselha ficar junto da mulher para inspirar-lhe confiança, mas recomenda não transgredir-lhe a castidade.
O homem, quando se aproxima da mulher, tem que proceder de modo a não forçar nada. Como as mulheres têm a mesma natureza que uma flor, devemos enfrentá-las com a maior delicadeza. Se, ao contrário, o homem são souber conquistar sua confiança estas odiarão a relação matrimonial. Por isso, é preciso tratá-las com extrema doçura.
Quando, porém, mesmo com pedidos de desculpa, o homem nota que pode, deve seguir adiante.
Abrace-a como ela gosta, ou seja, sem insistir por muito tempo, começando pela parte superior do seu corpo, já que é uma parte menos delicada; se a mulher já não é mais tão jovem ou se já existe certa intimidade entre o casal, deve ser feito à luz de velas, caso contrário, deve ser feito às escuras.
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Uma vez que ela consinta em ser abraçada, ele deve dar-lhe betel à boca; se ela não aceita, o homem deve convidá-la a beber com palavras doces, súplicas, e pedidos a seus pés. Por mais tímida que seja, ou por mais enfadada que esteja, nenhuma mulher resiste a um homem que se ponha prostrado a seus pés; e isto vale para todas as mulheres. Aproveitando a ocasião de oferecer-lhe betel, dá-lhe um beijo terno, suave, sem ultrapassar os limites. Uma vez convencida, leve-a com uma boa conversa. Para ouvi-la dizer alguma coisa, faça-a uma pergunta qualquer, fingindo não saber a resposta e ela poderá lhe responder com poucas palavras. Se ela permanecer em silêncio, repita-lhe várias vezes a pergunta, amavelmente, sem assustá-la. Ghotakamukha diz que as donzelas costumam ficar ouvindo de bom grado os pensamentos de um homem, sem dizer uma só palavra.
Depois de muito insistir, ela replicará movendo a cabeça; para ouvi-la dizer algo, pergunte: “queres-me ou não me queres?” Pensará bastante sobre esta pergunta. Se seguir insistindo, sinalizará que sim com a cabeça. Mas cuidado, se insistir demais poderá torná-la rebelde em virtude da pressão.
Se já há alguma familiaridade, faça intervir uma amiga bem intencionada e de confiança para ambos e a convide a que conte uma história (a sua história de amor). Ela vai rir com a cabeça abaixada; mais tarde a amiga discutirá o assunto com ela. Então, a amiga, em tom de piada, deve atribuir-lhe algumas afirmações que ela nunca fez; então ela negará veementemente a amiga e, ao insistir para que ela responda, ficará em silêncio. Após alguma insistência, pronunciará palavras confusas, evasivas e pouco claras, tais como “eu não falo essas coisas...”; e rindo, de vez em quando, olhará para o homem furtivamente. É uma forma de iniciar um diálogo.
Quando, por este caminho, já tiver conquistado alguma confiança da mulher, sem dizer uma palavra porá, perto dela, os objetos pedidos: betel, unguento, uma grinalda. Ao fazer este gesto, roce-lhe os seios, tenros como botões, com o arranhão “crepitante”. Se você parar e ela pedir para que você a abrace, imponha esta condição: “abraça-me também tu, e eu não faço mais isso”. Então, deixe que sua mão resvale, várias vezes, até o umbigo dela, e logo a retire; e com muita suavidade, coloque-a sentada sobre seus joelhos, indo mais e mais longe. Mas ela não deve se assustar. “Vou deixar seus lábios marcados e seus seios arranhados e eu contarei às suas amigas que você também me deixou assim. O que você diria disso?” Essas intimidações infantis são formas de se ganhar a confiança e ela, a pouco e pouco, irá cedendo.
A segunda e a terceira noites, quando ela já estiver mais confiante, toque-a, e depois decida-se por beijar seu corpo inteiro. Coloque as mãos em suas coxas e, pouco a pouco, tente acariciarlhe a virilha. Se for impedido, repreenda-a, dizendo: “que mal há nisso?” e continue acariciando-a. Uma vez convencida, ouse até as áreas mais íntimas, afrouxe seu cinto, desate o nó da Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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sua saia acariciando novamente sua virilha. Peça para ela para segurar e acariciar o seu pênis e brincar com ele. Mas você ainda não pode romper com o seu voto de castidade.
Em seguida lhe ensine o amor. Mostre-lhe como é agradável a sensação do prazer. Descrevalhe os desejos, as sensações, os sentimentos. Prometa-lhe que, no futuro, você estará sempre pronto a lhe ajudar e tire-lhe da cabeça o temor de outras esposas; inclusive, lhe diga que esse temor é infundado, que isso é coisa de menina, que vai amá-la e desejá-la sempre. Isso é uma forma de inspirar confiança.
Sobre esse assunto, eis algumas estrofes:
Ele ganha a donzela com estratagemas, seguindo os desejos do coração; assim, cheia de confiança, ela acaba se apaixonando por ele. Sem ser muito condescendente nem criando muitos conflitos o homem tem sucesso com as donzelas; para isso serve a conquista pelo caminho do meio. Aquele que sabe inspirar confiança nas donzelas, algo que desperta amor pelo homem e aumenta o orgulho das mulheres, tem que fazer com que seja querido. Entretanto, se ele deprecia uma donzela, porque a considera muito pudica, ela pode rejeitá-lo como a um animal, por não compreender os seus desejos. Mas se, pelo contrário, chega-se a ela com violência, por não saber conquistar o coração da doznela, esta pode se assustar, e treme, Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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se surpreende e pode vir a odiá-lo. Quem já sofreu por amor e sofre com esse deslumbramento pode acabar odiando a todos os homens ou, transformando-se em inimiga, unir-se a outro homem.
3 – COMO SE INICIAR COM UMA DONZELA
m homem que não tenha meios econômicos, mesmo que tenha qualidades, não pode pedir em casamento a uma donzela, pois para ele, ela seria inalcançável. Da mesma forma um homem com poucos recursos e sem oportunidades. Nem quem tenha um vizinho que seja rico. Nem quem dependa dos pais e de irmãos. Nem sequer quem, sendo hóspede habitual, possa ser considerado como da família. Este homem, desde pequeno, tem que buscar pessoalmente que uma donzela por ele se apaixone. Assim, se ele tem características deste tipo e desde pequeno vive no Sul com a família de um tio materno, longe dos pais e em situação de desamparo, esforce-se em conquistar a filha do seu tio, sua prima, difícil de conseguir por suas muitas riquezas, ou porque já está comprometida com outro homem; ou aspire a outra noiva fora da família. Sim, atuando desta forma com uma donzela, cumpre-se a Lei Sagrada (através do matrimônio). Obtê-la para si será digno de louvor, explica Ghotakamukha.
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Com esta donzela colherá flores, entretê-la-á, brincará de construir casinhas, brincará com bonecas, fará cozinhadinhos adequadamente de acordo com o grau de amizade. Com ela e com os escravos e servas, envolvidos com o mesmo entretenimento, jogará dados e brincará com as fitas, brincará de par ou ímpar, e outros jogos semelhantes; brincará de amarelinha e outros passatempos locais, de acordo com a preferência das crianças. Também praticarão jogos de movimento, como esconde-esconde, perseguição, linhas de sal, bater palmas, pilha de grãos (procurar moedas escondidas), cabra-cega e outros jogos regionais, com as amigas.
Estabeleça uma sólida amizade e cuide de familiarizar-se com a donzela que, segundo sua opinião, goza da sua confiança. Trate a irmã com simpatia e cuidado extraordinários para que esta, uma vez que perceba que você gosta da sua irmã, não o rejeite e ajude-o a promover a sua união com ela. Além disso, apesar de não haver uma forma explícita, é notável que, sem saber as intenções do homem, destaquem-se suas boas qualidades, de modo que o amor possa acontecer naturalmente. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Ele deve descobrir coisas que interessem à donzela e que ela queira conquistar e deve proporcionar essas coisas a ela. Pode dar-lhe brinquedos raros, que as outras meninas não sonhem conquistar. Dê-lhe uma bola pintada de várias cores, salpicadas com pequenas manchas, ou ainda mais raras; dê-lhe bonecas feitas de madeira, chifre de búfalo, marfim e farinha de cera de abelha ou argila.
Se o homem prepara a comida, tenha as vasilhas de cozinheiro. Mostre-lhe duas ovelhas de madeira, macho e fêmea juntos, ou cabras e ovelhas, casas feitas de barro, gaiolas de madeira para papagaios e outros pássaros, vasos de água de forma surpreendente, amuletos, alaúdes pequenos, berços para bonecas, bolsas de toucador, unguento de sândalo, noz de betel, açafrão, arsênico vermelho, amarelo, preto e de outras cores. Dê-lhe, de forma reservada, mensagens óbvias de união homem mulher, macho fêmea. No entanto, em público, deve ser recatado e fazer todo esforço para parecer discreto e deve deixar claro à mocinha que ela satisfaz todos os seus desejos.
Neste ponto, peça para vê-la a sós e para conversar sozinho com ela. Diga que quer lhe dar presentes e que teme que seus pais não entendam e não gostem do encontro e que talvez eles (os pais) queiram que ela goste de outra pessoa. Quando ela começar a se apaixonar, você deve lhe contar histórias sugestivas e que lhe comovam o coração. Se ela gosta de coisas extraordinárias, você deve surpreendê-la com truques de mágica; se lhe interessam as artes, mostre-se bom nas artes; se ela gosta de canções, cante para ela. Nas solenidades de Asvayuji, Astamicandraka e Kaumudi64, nas festas, durante uma procissão, um eclipse, ou quando se encontra no caminho de casa, surpreenda-a levando-lhe coroas de flores de formas variadas e adornos de todo o tipo para as
64 A festa de Asvayuji cai na lua cheia do mês hindu de Asvina (setembro/outubro); na festa de Astamicandraka (também chamada Astamicandrika ou Astamicandra), que cai na lua quarto crescente de Margasirsa (novembro/dezembro), se jejua durante todo o dia e se come quando a lua nasce.
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orelhas, especialmente com pérolas; e pense que, dando-lhe vestidos, anéis e colares, não a estará importunando ou molestando.
Para que sua competência imponha respeito aos outros homens, basta a palavra da irmã; se esta já teve um amante, está instruída nas sessenta e quatro artes eróticas, e, através dos ensinamentos dados, revele à escolhida sua maestria no amor.
Vista-se com elegância e mostre-se impecável; por suas reações e por suas atitudes, saberá se ela se sente atraída. Efetivamente, as jovens gostam muito de um homem ao qual conheçam bem e que vêm sempre. Embora nem sempre sejam cortejadas por ele. Isso é o que mais ocorre. Desta forma, o homem deve se dirigir à mocinha.
A – ATITUDES E EXPRESSÕES
Atitudes e expressões que revelam o amor.
Não coloque os seus olhos sobre o homem, mas, se ele a olha procure parecer-se envergonhada. Sob um pretexto qualquer, procure descobrir um pouco do seu bonito corpo. Lance olhares para o amado quando ele estiver distraído, escondido ou esteja, de modo a que não a veja olhando-o. Se ele lhe faz uma pergunta, responda com um sorriso, de cabeça baixa, com palavras sem sentido e confusas. Ele vai ficar feliz por poder ficar mais tempo ao seu lado.
Se está um pouco distante do amado, faça caretas para quem o esteja acompanhando, pois isso fará com que ele pense que você o está olhando, e não quer que ele saia dalí. Ele percebe isso e logo começa a rir e começa a contar uma história para ficar mais perto. Se você está ajoelhada perto de uma criança, abrace-a e beije-a; coloque um enfeite na testa de uma empregada. Esses são gestos que chamam a atenção e falam por si mesmos.
Através de pessoas da sua comitiva, mostre e imponha respeito e faça-se respeitar.
Confie em seus amigos, goste deles e siga os seus conselhos. Faça novas amizades, converse e brinque com seus criados; não se envergonhe de pedir o que precisar. Quando os criados estiverem falando de seu amado com outras pessoas, procure ouvir atentamente. Convidada por Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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sua irmã vá a sua casa. Procure não sair à rua sem colares. Se ele (o amante) lhe pede um brinco, uma pulseira, um pendente, uma guirlanda como recordação, os dê através de uma amiga, nunca diretamente. Mantenha bem guardado tudo que ganhe do amado. Mostre-se triste se lhe falam de outro pretendente e não frequente lugares onde essa outra pessoa possa estar.
Uma vez que você já tenha visto estas expressões, transbordando de amor, e essas atitudes, pensa em várias desculpas para se juntar à donzela. Com jogos infantis, se é ainda muito jovem, as artes, quando, um pouquinho mais velha, e, se é mais madura, terá que conquistá-la vencendo pessoas em quem ela confia.
4 – CORTEJO POR PARTE DO HOMEM, SEM INTERMEDIÁRIOS
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uando a donzela mostrar essas atitudes e expressões, o homem deve cortejá-la com o uso de estratégias especiais. Se, por alguma casualidade, discutem enquanto estiverem brincando, pegue sua mão de forma que ela note. Coloque em prática as regras que expusemos anteriormente sobre o abraço “que roça” e tudo o que segue a ele.
Se, brincando, você pegar uma folha e recortar, faça e lhe mostre uma imagem de um casal, como que revelando seus desejos; e, de vez em quando, faça também outras figuras de igual simbolismo e lhe mostre.
Se, por diversão, se banham, mergulhe furtivamente, toque-lhe casualmente e imediatamente emerja, fingindo susto e espanto. Tanto nas brincadeiras quanto em cada novo encontro, procure expressar seus sentimentos de forma especial. Fale do quanto você sofre, e, a qualquer pretexto, diga que teve um sonho de amor.
Durante uma festa ou uma reunião de família, procure sentar-se ao seu lado, e, fingindo qualquer coisa, busque um contato com ela. Para manter-se de pé, apóie seu pé nos pés dela e, Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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pouco a pouco, esfregue seus dedos nos dedos dela. Conseguindo isto, tente ir mais longe, uma após outra parte do corpo. Para que ela não se assuste e reprima, repita várias vezes a mesma coisa.
Por ocasião da lavagem de pés, aperte-lhe os dedos, esmagando-os contra os seus pés. Mostre-se emocionado em dar-lhe algo ou dela receber algo e, quando terminar de beber na palma da mão, salpique-a com a água que sobrou.
Quando sentar-se com ela, sozinhos em um canto isolado, no escuro, mostre-se acolhedor; como se estivessem dormindo no mesmo lugar. Nestas circunstâncias, procure descobrir os seus sentimentos sem assustá-la ou importuná-la. Se tiver oportunidade, diga-lhe que precisa lhe contar algo: neste momento, dê a entender o seu amor, como explicaremos na parte sobre as esposas dos outros.
Quando a donzela já estiver ciente dos seus desejos, simule uma doença e faça com que a levem na sua casa para falar com ela. Quando ela chegar, peça-lhe que lhe faça massagens na cabeça, tome-lhe as mãos e a olhe expressivamente nos olhos. Para poder aproveitar-se do “efeito dos remédios” peça-lhe que ela lhe cure. Diga-lhe; “Só tu podes fazer. Pois apenas uma donzela como tu podes me curar”. A seguir, para saudá-la expresse seu desejo de que ela volte. Se puder utilizar esse estratagema durante três dias seguidos, pela manhã, à tarde e ao anoitecer, terá conquistado a donzela.
Para vê-la constantemente, quando da visita, organize entretenimentos, inclusive com outras mulheres, para que a confiança dela possa aumentar; e corteje-a cada vez com maior assiduidade, sem expressá-lo com palavras. Pois um homem que alcançou resultados no amor e se mostra convencido disto não tem êxito com donzelas; é o que ensina Ghotakamukha. Entretanto, quando as donzelas estão fascinadas, é mais fácil passar a ação. Ao cair da noite, no final da tarde, as mulheres se mostram menos medrosas, estão mais decididas a fazer o amor e mais apaixonadas, e não rechaçam o namorado; por este motivo, devem ser amadas nestes momentos, como é opinião da maioria.
Se um homem não pode terminar o cortejo, convide a donzela à sua casa, acompanhada de sua irmã ou de uma amiga que esteja ciente das suas intenções, que seja íntima dela e que não lhe conte nada. Assim que ela chegar à sua casa corteje-lhe da forma exposta. Caso contrário, pode mandar primeiro uma criada, para que estabeleça uma amizade. Durante um sacrifício, um casamento, uma procissão, uma festa ou uma comemoração qualquer, enquanto as pessoas assistem ao espetáculo, observe como a donzela se comporta e quais são suas expressões, coVersão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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mo ela demonstra os seus sentimentos e, quando ela estiver sozinha, passe às preliminares. Pois, quando se conhece o amor de uma mulher, se achega a ela no momento e no lugar certos, ela não se esquiva, não se retrai; é o que ensina Vâtsyâyana. Este é o cortejo por parte do homem diretamente, sem se utilizar da ação de intermediários.
A – A CONQUISTA DO HOMEM ESCOLHIDO
É possível que uma donzela, com boas qualidades, tenha poucas ocasiões; que lhe faltem meios econômicos, embora venha de boa família; que não a peçam em casamento homens de igual classificação social, ou que não tenha pais, ou viva na casa de familiares outros que não os pais. Neste caso, uma vez alcançada a juventude, ela mesma pense no seu matrimônio. Nesse caso, ela mesma pode cortejar, com um carinho muito inocente, um homem muito estimado, competente e bonito; ou pode, assumindo que a carne é fraca e independentemente da opinião dos pais dele, fazer a corte diretamente a um jovem - com ternos galanteios e tentando estar com ele o máximo de vezes possível. Um encontro à tarde, junto com amigas e irmãs, com muitas flores, perfumes, betel, onde lhe mostrará o quão perita é nas artes e nas massagens. Com muitas e ternas conversas.
Contudo, a opinião de alguns mestres é clara: em nenhum caso a jovem deve cortejar a um homem, nem quando o deseje. Toma-se a iniciativa, gasta sua fortuna em amor. Entretanto, receba com satisfação o fato de que ele a corteje. Se ele a abraça, pareça-se nervosa; aceite como um gesto de ternura, como se não estivesse entendendo as intenções. Deixe que ele lhe roube um beijo à força. Se ele lhe pede o amor, resista às suas investidas sobretudo em alguns lugares secretos.
Por muito que ele suplique, não deve mostrar-se em demasia – afinal, nada foi, ainda, decidido. Mas quando você se dá conta de que o homem a ama e não lhe abandonará, peça ao pretendente que lhe livre da sua virgindade; e depois de havê-la perdido, só conte às pessoas da sua confiança. Essa é a forma de se conquistar o homem eleito.
B – O QUE UMA DONZELA OBTÉM COM O CORTEJO
Alguns versos sobre este assunto:
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Cortejada, uma donzela tem que tomar por esposo o homem que considere um refúgio, um prazer, bem intencionado e fiel. Quando, independentemente das qualidades, da aparência ou mesmo da experiência, ela busca um marido por sede de riqueza, mesmo competindo com outras mulheres, então uma donzela não deve persuadir um homem cheio de qualidades boas, fiel, competente, cheio de paixão, que a corteja por todos os meios. Melhor um esposo pobre, mas fiel, e que, sem tantos méritos, só pense nela; ao invés de um que pense em muitas; porque aquele está cheio de boas qualidades. Em geral os ricos têm muitas esposas que se comportam com liberalidade; felizes por fora, são desconfiados, embora não lhes falte o prazer externo. Mas, se você tem que conquistar um plebeu, ou a um que já tem os cabelos brancos ou a um que está sempre viajando, não vale a pena o casamento. A quem corteja apenas por capricho, ou se dedica a jogar e a enganar, ou tem mulher e filhos, não é digno da união. A igualdade de qualidade, entre os pretendentes apenas um dos pretendentes será o escolhido; e este pretendente vence os demais, porque é pela natureza do amor. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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5 – DIFERENTES FORMAS DE CASAMENTO
uando um homem pensa que é impossível ficar com uma donzela em particular, em princípio pode levar sua irmã, depois de tê-la conquistado com afeto e atenção. Esta, fingindo não conhecer pessoalmente o amor, fascina-se com suas qualidades e atenção para com ela. Ficando claras, acima de tudo, as qualidades do apaixonado, e destacado também os seus defeitos, mas muito menores que os de outros pretendentes. Deixe claro que os pais da jovem não conhecerem as suas virtudes e são avaros, além de cabeças duras.
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Citando como exemplo Sakuntala65 e outras donzelas iguais à ela, que conseguiram um marido por iniciativa própria e foram felizes na sua união enquanto que em famílias nobres, vêmse mulheres sofridas pelas rivalidades com outras esposas, presas pelo ódio, afligidas e abandonadas. Por fim, pinte o futuro radiante do esposo, a felicidade perfeita que gozará ao ser sua única esposa e o amor que lhe proporcionará aquele homem.
• Quando você está cheio de desejos, com argumentos consistentes, alheio ao sentido do perigo, do medo e do pudor, peça ajuda a um alcoviteiro. Preocupe-se em convencê-la para que não titubeie, dizendo: “O amor te dominará pela força, como se você de nada soubesse.” Quando ela aquiescer a te encontrar no lugar desejado, o namorado a deve esposar: leve o fogo da casa de um sacerdote66, estenda a reza da doutrina dos mestres. Depois de haver perdido sua virgindade, deve, então, revelar, com muito tato, o que aconteceu aos familiares da jovem; e deve falar de tal forma que os familiares dela, para evitar a impureza da família e por temor ao castigo (devido a qualquer situação de ilegalidade), lhe a concedam a jovem. Imediatamente após a concessão, conquiste a família com gestos de amizade e carinho. Em resumo, aja conforme o matrimônio preconizado em Ganhdharva67.
• Se a jovem não consente, o homem deve procurar outra mulher de boa família, que habitualmente conviva com a jovem, que a conheça há muito tempo e que seja sua amiga; consi65
Sakuntala, um dos personagens mais famosos da literatura hindu, cujas peripécias são narradas no Mahahharata. Filha de uma ninfa celeste e de um asceta seduzido, é criada pelo sábio Kanva em seu eremitório; convertida em uma jovem, encontra-se com o príncipe Kuhsyanta, que havia chegado às cercanias do eremitório em uma de suas caçadas, une-se com ele secretamente através do matrimônio Gandharva. Separada do amado, se junta a ele novamente apenas depois de muito tempo e lhe impõe o reconhecimento do herdeiro nascido da sua furtiva união. Sua história se apresenta como exemplo de felicidade conseguida pela donzela que, contra o costume que outorga essa função primeiramente aos pais, escolhe o esposo pela própria iniciativa.
66 Gestual fundamental do rito matrimonial, centrado na presença do Fogo Sagrado, que, como se vê, é considerado como “testemunha” do ato. 67 Quinta das oito formas possíveis de contrair matrimônio, chamada Gandharva, em que os músicos celestes seriam as testemunhas: baseado na simples união consensual dos nubentes, não requer nem a presença do fogo sagrado, que aqui é mencionado em razão de escrúpulos.
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ga que esta a acompanhe sob qualquer pretexto a um local adequado. Depois leve o fogo da casa de um sacerdote e faça tudo como dito acima.
• Se a jovem tem um casamento com outro marcado para breve, mas a mãe da jovem se arrepende, ao descobrir os defeitos do pretendente a quem concedeu a jovem. O novo pretendente então, com a aprovação da mãe, convida a jovem, à noite, à casa de um vizinho. O novo pretendente deve levar o fogo da casa de um sacerdote e realizar todo o procedimento preconizado em Ganhdharva em conluio com a mãe da jovem.
• Em outro caso, o homem pode ganhar a confiança e atenções do irmão da donzela que tenha a sua idade, com favores e atenções afetuosas durante um longo tempo facilitando-lhe o acesso a prostitutas e ao adultério até revelar as suas intenções. Muitas vezes os jovens são capazes de dar até a vida para ajudar os amigos e esse novo amigo não hesitará em ajudá-lo acompanhando a irmã a um local adequado, simulando uma desculpa qualquer. Leve o fogo da casa de um sacerdote e faça conforme os escritos.
• Na festa de Astamicandrika e em solenidades parecidas, a irmã pode induzir a donzela a beber alguma bebida embriagante e, logo, invocando um motivo pessoal, levá-la a um lugar apropriado onde esteja o amante. Este a violará, como se estivesse fora de sí também pelo efeito de bebidas embriagantes e fará como o exposto. Pode possuí-la antes que ela recobre a consciência, quando estiver adormecida e sozinha – uma vez que a irmã terá fugido de comum acordo com o amante. E então atuará como o acima exposto.68
• Se o homem tiver um bom número de parceiros ajudantes e descobrir que a donzela vai para outra cidade em viagem ou está em um jardim fora de casa, pode aterrorizar àqueles que a acompanham ou até mesmo matá-los, e raptar a donzela69.
São as diferentes formas de se contrair matrimônio.
A primeira forma do casamento é sempre maior porque é baseado na Lei Sagrada; 68 Das variantes do matrimônio chamados Paisaca, dos Pisaca, seres demoníacos; considerado o mais reprovável, no que se supõe que o marido só o revelará aos familiares, e não há a presença do fogo, pois este casamento não pode ser bendito pelo ritual. 69 O casamento Raksasa, chamado assim pelos demônios de mesmo nome: uma forma de casamento não santificado com o fogo, que os textos admitem apenas para os homens da classe dos guerreiros.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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mas se isso é impossível que se recorra, em cada caso, a que se seguir. Se para casamentos celebrados é indispensável que haja o amor, o Gandharva, apesar de estar no meio, deve ser considerado uma ligação excelente. Ao proporcionar felicidade, e exigir pouco esforço, não requer pedido formal é feito apenas por amor, por isso o casamento Gandharva é o melhor.
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IV – AS MULHERES CASADAS
A – O COMPORTAMENTO DA MULHER QUANDO É A ÚNICA ESPOSA Quando é única, a esposa tem que secundar o marido, confiando-lhe como a um deus70. Deve também apresentar gosto pelos trabalhos domésticos e em família. Deve certificar-se sempre de que a casa está bem, sempre adornada com flores, imaculada de cuidados, com piso liso e muito limpo; deve realizar oferendas três vezes ao dia e honrar o templo doméstico. Pois não é diferente esta morada das que fazem armadilhas aos corações dos donos da casa, diz Gonadiya.
Que seja tão respeitosa como convém com os familiares mais velhos, com a criadagem que lhe serve, com as irmãs do marido e com os maridos destas.
Em locais muito bem cuidados, plante canteiros de verduras e hortaliças, cana de açúcar e cominho, mostarda, salsa, erva-doce e tomates. Cultive rosas, amalaka, jasmins variados, noz moscada, amaranto amarelo, tagara, nandyavarta, malvavisco e outras plantas; que possua estrados com muitas flores de valaka e usiraka, e deliciosos gramados arborizados, e no centro, que mande cavar um poço, um tanque ou que faça um pequeno lago.
Não deve se relacionar com monjas mendicantes de nenhuma classe, nem com mulheres libertinas, prestidigitadoras, adivinhas, ou que pratiquem feitiços com raízes71.
70 O marido é o deus das mulheres. Este capítulo está em sintonia com as normas reservadas às mulheres nos textos normativos da época, e, na verdade, segundo a concepção brâmane de mulher fiel. 71
Os feitiços realizados com a manipulação de raízes têm como finalidade submeter totalmente o destinatário.
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Quando ouvir os passos do marido chegando, que a esposa esteja sempre no centro da casa, pronta, e lhe pergunte o que pode fazer. Peça à empregada – ou ela mesma o deve fazer - para remover os sapatos do marido e banhe-lhe os pés cansados. Quando estiverem a sós, nunca fixe os olhos diretamente no esposo. Se ele gasta muito tempo com pessoas indignas, e se deve ser reprovado por isto, que o seja privadamente. Se a esposa é convidada para uma festa, um sacrifício, a uma reunião com amigas, ou a uma visita a um templo, só vá após a permissão do marido e em qualquer ocasião comporte-se conforme ele queira.
Deite-se sempre depois dele e levante-se sempre antes dele. Cuide para que a cozinha apresente-se sempre resplandecente. Se ficar triste por um mau comportamento do esposo, não exagere na repreensão ao marido. A esposa pode usar de ironia para com seu esposo, mas apenas quando estiver sozinha com ele ou, no máximo, junto a amigos muito íntimos do casal. Além disso, jamais faça feitiçarias com raízes, pois nada suscita maior desconfiança ao marido que feitiçarias, explica Gonardiya. Evite usar expressões que possam ter duplo sentido e que soem mal, assim como evite olhar de soslaio. Não converse com ele olhando “para o teto” ou para outra parte, como se a conversa não fosse importante. Não fique parada sob o umbral da porta e não o fite nos olhos. Procure não ficar muito tempo nos jardins ou sozinha em lugares solitários. Tenha muito cuidado com o suor, com a limpeza dos dentes, e com o seu odor íntimo, pois isso é motivo de profundo descontentamento.
Boas jóias, muitas flores e cosméticos, um vestido resplandecente, muito estampado: esta é a combinação para os encontros de amor. No entanto, para ficar em casa, convém um vestido de seda muito fina, lânguido e curto, poucos colares, pouco perfume, poucos enfeites e flores brancas ou de cores suaves.
Se o esposo realiza um voto ou faz um jejum, a esposa deve segui-lo por sua livre iniciativa; e se ele a impede, ela deve se opor, evitando que, nessas circunstâncias, ele a impeça.
Pechinche na hora de fazer compras para casa – da argila ao vime, do couro à madeira ou metal. Além disso, tenha em casa, escondidas, provisões de sal e azeite e todas as outras que se tenha dificuldade para conseguir: perfumes, especiarias e ervas medicinais.
Recolha as sementes, e no seu devido tempo, plante todo o tipo de plantas: rabanete, aluka, acelga, sálvia, amrataka, pepino, coloquíntida, berinjela, abóboras, surana, sukanasa, svayamgupta, tilaparnika, agnimantha, cebola e outros vegetais.
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Mallanâga Vâtsyâyana Jamais fale com estranhos sobre as economias domésticas nem fale sobre os projetos do esposo; procure superar as mulheres da sua classe em habilidade, elegância, afazeres domésticos, sensatez e comportamento com a criadagem.
A esposa deve cuidar de ter sempre exato o controle dos gastos anuais. Deve ser capaz de fazer manteiga com leite de vaca não utilizado pelos bezerros e de fazer o mesmo com o azeite e com o melaço. Deve saber fiar e tecer o algodão, fazer cordas, barbantes e ráfia para carregar pesos, controlar a moagem de alimentos, utilizar a água em que foi lavado o arroz, sua espuma, as cascas, grãos, o pó do arroz e o carvão. Deve ser capaz de avaliar o salário e os meios para manter os serviçais, os cuidados devidos no campo e à criação – ovelhas, galinhas, codornas, corvos, cucos, pavões, macacos e veados – e, finalmente, deve saber harmonizar as entradas e saídas diárias do dinheiro disponível.
Deve recolher as roupas velhas do esposo – as de cor branca – e dá-las aos criados ou encontrar outros destinos para elas. Deve manter abastecidas, na casa, garrafas de aguardente e de asaya e regular o seu uso. Também lhe cabe se ocupar da compra venda, ganhos e gastos, ou seja, as economias do lar.
A esposa deve tratar adequadamente os amigos do seu esposo, oferecendo-lhes, guirlandas, pomadas, e betel. Esteja a serviço da sua sogra e do seu sogro, a quem deve se submeter; não lhes contradiga, nem seja com eles muito faladora ou demasiado impetuosa. Evite rir em voz alta na presença deles. Com amigos e inimigos destes, comporte-se como se fossem seus próprios amigos ou inimigos.
Mostre-se moderada na hora de comer e amável com o séquito do seu esposo. Não dê nada a ninguém sem antes pedir autorização ao esposo. Limite suas ações aos serviçais da casa e não se esqueça de agradecer ao esposo pelas festas proporcionadas. Assim deve se comportar uma mulher quando é a única esposa.
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B – CONDUTA DURANTE AS VIAGENS DO MARIDO
Quando o esposo está em viagem, a mulher só deve usar ornamentos auspiciosos, de bom augúrio. Deve dedicar-se ao jejum para que os deuses sejam propícios, buscar notícias sobre o marido e ocupar-se da casa.
A esposa deve procurar dormir perto da casa dos seus sogros. Realize tudo com a aprovação destes e procure fazer as coisas do mesmo modo que o seu esposo gostaria que fossem feitas. Nas atividades diárias e ocasionais, gaste como de costume e tente terminar as empreitadas começadas por ele.
Não deve ir em visita à casa dos seus familiares, a não ser em casos extremos ou no caso de uma festa especial. E, neste caso, acompanhado do séquito do esposo, e usando vestido de separação.
Faça jejuns aprovados pelos sogros. Com a sua permissão, recorra, quando necessário, a serviçais honestos, e sob as suas ordens, procure aumentar o patrimônio da família com aquisições e vendas e reduza, na medida do possível, os gastos domésticos.
Quando o esposo estiver de volta à casa, logo no começo se mostre com os mesmos vestidos modestos que usava na sua ausência, e cumpra com as devoções aos deuses, que lhe presentearam com a volta do esposo. Esta é a conduta de uma mulher durante as viagens do marido.
Vale colocar duas estrofes sobre o assunto:
Tenha um comportamento virtuoso a mulher que seja esposa única e que queira o bem do seu homem, seja ela de boa família, que tenha voltado a se casar ou que tenha sido cortesã. As mulheres que vivem na virtude, cumprem a Lei Sagrada, o Útil e o Amor,
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obtêm uma boa posição e um marido sem esposas rivais.
1 - COMO A ESPOSA MAIS ANTIGA DEVE SE COMPORTAR COM AS OUTRAS MULHERES
U
m homem casado contrai outras núpcias devido à pequenez de caráter da sua primeira esposa ou se esta se lhe apresente desagradável porque não lhe dá filhos ou porque simplesmente é de personalidade inconstante.
Uma esposa, para evitar estas situações, desde o início deve se mostrar de bom caráter, leal, e hábil no trato com o esposo.
Mas, se não puder ter filhos, deve pedir ao esposo que tome para si outra esposa.
Quando esta nova esposa irá substituí-la, a esposa primeira, por sua vez, deve tentar conquistar uma posição mais elevada na relação e, uma vez conseguida, deve tratar a nova esposa como a uma irmã mais nova. Prepare-se muito bem para as noites, de forma tal que desperte o interesse do seu esposo. Não leve em consideração se, sendo favorita, ele se mostre hostil ou arrogante; e não se preocupe se no início ele lhe for negligente. Se puder ajudar, faça-o com boa vontade; quem sabe se o marido, mesmo que discreta e intimamente destaque suas extraordinárias qualidades.
Seja imparcial com os filhos da outra, e extremamente compreensiva com seus servos. Mostre-se afetuosa com seus amigos; Não dedique muitas atenções aos familiares dos amigos dela, mas tenha muito cuidado com os familiares dela.
Nos casos em que a substituam várias esposas, alie-se com a que tenha a idade mais próxima à sua. Procure jogar a favorita do esposo contra a sua aliada e demonstre compaixão por esta.
Aliada às outras, mas sem comprometer-se com nenhuma, procure desacreditar a nova escolhida. Entretanto, quando a escolhida discutir com o esposo, apóie-a discretamente, mas mantendo-se à parte e a console; enquanto isso fomente a discussão entre ambos. Se perceber que Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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a discussão é banal, tente atiçá-la. Mas se perceber que o esposo guarda muitas atenções para a rival, faça um esforço para que se reconciliem. Assim deve se comportar a esposa mais antiga.
A – COMO DEVE SE COMPORTAR A ESPOSA MAIS JOVEM
A esposa mais jovem, ao contrário, deve considerar a esposa rival como sua mãe. Atrás de si não existe nada, nem mesmo seus familiares; tudo o que a esposa jovem fizer estará sob a tutela da mais antiga, portanto, peça sempre o seu consentimento. Não conte a outros o que ela lhe diz; tenha uma atenção maior com os filhos dela que com os seus próprios filhos.
Na intimidade, esteja obrigada a fazer de tudo com o seu esposo. Se lhe dói que as outras esposas te humilhem, cale-se e esforce-se para ganhar as atenções do esposo. Deve mostrar-se sempre que está bem servida e bem atendida, mas sem dizê-lo aos quatro ventos, por presunção ou por paixão. Mas, a bem da verdade, uma mulher que não guarda os segredos só consegue que seu esposo a despreze; por temor à esposa mais antiga, deve aspirar sempre aos reconhecimentos guardados. Assim explica Gonardiya.
Se a esposa mais antiga cai em desgraça com o marido, e sem filhos, que a mais jovem sinta compaixão por ela e procure o esposo e tente fazer com que ele sinta o mesmo. No entanto, quando esta fase for superada, comporte-se como esposa única. Assim deve comportar a esposa mais jovem.
B – A MULHER VIÚVA QUE VOLTA A SE CASAR
Uma viúva que, ao sofrer pela fraqueza dos sentidos, encontra de novo um companheiro amante dos prazeres e com grandes qualidades é uma viúva que volta a se casar72. No entanto, se a mulher deixá-lo (seja porque ele não tenha qualidade bastante para almejar uma donzela, por exemplo), talvez ela tenha encontrado outro homem. É a opinião de Babhraya. Talvez ela ainda possa encontrar outro, se quer ser feliz. Gonardiya opina que a felicidade resulta completa quando se encontram juntos qualidades e prazeres; em relação com ele (o homem sem qualidade) existe uma diferença: Vâtsyâyana diz que um homem deve atuar conforme lhe manda o coração.
72
O segundo casamento não pode ser santificado com o ritual e, na realidade, se fundamenta em uma simples conveniência.
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Esta mulher, com a família, deve tentar conseguir do seu companheiro, benefícios que exijam gastos: festas, visitas a jardins, presentes, favores aos amigos e coisas parecidas. Ou procure, através de bens materiais, agradar, tanto a ele quanto a si mesma. Nos presentes de amor não deve haver limites. Se a viúva deixa sua casa por iniciativa própria, para juntar-se a um novo homem, deve deixar tudo o que o marido lhe tenha dado, exceto os presentes de amor; se, ao contrário, fica na casa, fica com tudo.
Tome posse da casa do companheiro como se fosse dona. Com as esposas de boa família comporte-se com delicadeza; mostre-se sempre educada com os serviçais e alegre e respeitosa com os amigos. Esmere-se em mostrar-se hábil nas artes e com uma cultura superior à média; se confrontos surgirem, procure não censurar o parceiro. Na intimidade deve entretê-lo muito bem com as sessenta e quatro artes eróticas.
Seja útil por iniciativa própria com as outras esposas; dê presentes aos seus filhos e lhes cubra de atenções, adereços e ornamentos. Com os serviçais e com os amigos, seja muito generosa. E, por último, sinta paixão verdadeira pelas reuniões, festas, diversões nos jardins e por ocasião das procissões. Assim deve fazer a viúva que volta a se casar.
C – A ESPOSA QUE CAI EM DESGRAÇA
A esposa caída em desgraça e afligida pela rivalidade com outras mulheres deve apoiar-se na que ocupa a posição mais elevada, para colocar-se, de algum modo, ainda na prestação de serviços ao esposo.
Mostre ostensivamente o conhecimento das artes; sendo uma mulher agora marginalizada, de nada adiantarão os segredos.
Exerça a função de babá para os filhos do marido. Ganhe a simpatia dos amigos e se comporte de tal maneira que eles reconheçam a sua fidelidade. Preceda a todos nos atos de culto, nos votos e nos jejuns. Seja atenta com os serviçais e não se coloque em posição de importância. Na cama, tendo a oportunidade de acessar ao esposo, tente convencê-lo do seu amor. Não lhe reprove nada que faça nem se mostre esquiva; se ocorrer algum tipo de confronto com alguma das outras esposas, tente trazer de volta a relação a uma atitude afetuosa. Se o esposo ama uma mulher em segredo, ajude ao esposo e procure fazer com que essa união permaneça seVersão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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creta; e faça-o de tal forma que o esposo compreenda quão fiel e sincera tens procurado ser. Assim deve atuar a esposa caída em desgraça.
D – A VIDA NO HARÉM
Pode-se deduzir do que foi escrito anteriormente como devem se comportar as mulheres de um harém.
Suas assistentes e suas damas de companhia devem vestir o soberano de guirlandas, unguentos e vestidos, presenteando-o por parte das rainhas do harém. O rei, ao aceitar, deve dá-los em oferenda para serem utilizadas em sacrifícios73. Sempre na parte da tarde, elegantemente vestido, o rei deve visitar todas as esposas do seu harém juntas, suntuosamente decoradas. Segundo o momento e os méritos de cada uma, devem ser recompensadas com manifestações de respeito. Também deve mantê-las entretidas com conversas divertidas. Depois, deve visitar às viúvas que tenham voltado a se casar; logo a seguir as cortesãs que vivam no harém e as atrizes. Estas mulheres estão em suas habitações, segundo a ordem de classificação já exposta.
Quando após a sesta da tarde o rei se levanta, as damas de companhia, acompanhadas das criadas de cada esposa devem anunciar ao rei qual é a esposa do turno, quem se descuidou dos seus afazeres e quem está no período fértil. Devem dar-lhe anéis e pomadas que as esposas tenham enviado, e lhe indiquem o turno seguinte e os dias férteis das esposas. Então, o soberano, escolhe a esposa que chamará para amar conforme as possibilidades apontadas.
Durante as festas, as esposas devem atender adequadamente e participar em todas as comemorações, e também nos concertos e nas exibições. As que habitam no harém não devem sair, e as que vivem fora não podem entrar no harém, exceto as mulheres consideradas irreprováveis, que estejam acima de qualquer suspeita; desta forma, não se perturbam as atividades do harém. Esta é a vida em um harém.
E – AS RELAÇÕES DE UM HOMEM COM MUITAS ESPOSAS
Este assunto pode ser apresentado sob a forma de versos: 73
Excelente presente, porque o que resta de oferendas a uma divindade após o rito é considerado carregado com poderes sobrenaturais.
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Um homem que tem muitas mulheres deve ser imparcial; não faltar ao respeito nunca e não tolerar qualquer dobra. Não deve falar nada de uma mulher para outra nem no jogo do amor. nem sobre um defeito físico nem uma crítica feita em confiança. Nunca deixe solta uma mulher quando o assunto é uma rival; se uma delas o critica por esta razão, nela ele deve jogar toda a culpa. Agindo desta forma adulará as mulheres: inspirando total confiança,; demonstrando evidentes atenções, e com grandes manifestações de estima. Agrade a todas, de uma em uma, com passeios pelos jardins, delícias, presentes, honrando suas famílias, e com favores secretos de amor. Uma jovem que ele pode tomar e viver de acordo com os ensinamentos do tratado submete-se ao marido e domina as esposas rivais. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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V – AS ESPOSAS DE OUTRO HOMEM 1 – A ÍNDOLE DA MULHER E DO HOMEM E OS MOTIVOS DA REJEIÇÃO
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m homem pode ter relações com as esposas de outros pelas razões já expostas.
Em relação às mulheres há que se analisarem, desde o início, o que têm a ganhar, os riscos que vão correr, quais são as perspectivas futuras do ato de se ter relações com outro homem, se há razão para que o esposo fique longe tanto tempo.
Quando um homem se dá conta de que seu desejo vai lhe queimando aos poucos, para evitar que o corpo sofra, pode ir mais fundo e procurar as esposas de outros homens. O desejo de amor tem dez etapas, cujas características são: boa aparência, dedicação da mente, intenção de fazer, insônia, perda de peso, desinteresse do que acontece à sua volta, perda da vergonha, a loucura, os desmaios, a morte.
Nestas circunstâncias, afirmam alguns mestres, um homem precisa conhecer os “recados” característicos sinalizados por jovens mulheres para facilitar a conquista. Vâtsyâyana sustenta, ao contrário, que, se a pessoa só leva em consideração a aparência os sinais característicos podem ser interpretados erradamente. Ele deve avaliar a mulher em termos exclusivamente das suas atitudes e expressões. Gonikaputra acredita que quando uma mulher vê um homem bonito, instintivamente lhe passa sinais do seu desejo e o mesmo acontece quando um homem vê uma mulher bonita. Contudo, por motivos diferentes, eles podem não se darem conta disso.
Sobre esse aspecto em particular, há uma diferença da mulher em relação ao homem. Ela não leva em consideração o que seja ou não permitido pela Lei Sagrada; simplesmente se inflama de paixão, mas, em função de escrúpulos, pode não fazer nada e, mesmo que o homem a corteje como ela gostaria que acontecesse, e por mais vontade que tenha, retrai-se. Nesses casos, para a mulher ceder, só em casos especialíssimos.
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O homem, porém, que respeita as normas da Lei Sagrada e os usos e costumes dos arianos, já citados neste tratado, embora ame, se retrai para não ceder às suas convicções.
O homem pode cortejar sem motivos aparentes, nem mesmo para conquistar a mulher. Às vezes ele até despreza a mulher, mas o faz porque o cortejo é a visão predominante para os homens.
A mulher tem motivos para não ceder facilmente: porque ama seu esposo; porque respeita seus filhos; porque é uma pessoa madura; porque está aflita por uma dor física ou psicológica ou social; e fica impossível para ela pensar só em si; está nervosa, pois o homem se lhe insinua de forma pouco respeitosa; não lhe passa a ideia de que ele seja sincero uma vez que não acredita no que ela pensa ou pelo que ela esteja passando; não vê perspectivas sabendo que aquela relação vai deixá-la ausente, com a cabeça em outro lugar, estará preocupada e não poderá ocultar seu estado de espírito; seus sentimentos serão revelados aos amigos e isto a preocupa; suspeita que esteja sendo cortejada inutilmente; tem medo, pois é um homem poderoso; é apenas uma corsa prestes a ser atacada por um leão e por este motivo teme que ele seja muito fogoso ou muito dotado; sente-se envergonhada, porque ele é um homem elegante, um expert nas artes, ou porque, antes, a tenha tratado apenas como a um amigo. Também se sente indignada porque ele a procurou em um lugar e em um momento inadequados; não o estima, pois o considera fonte de desprezo; tem sobre ele péssima opinião; desde o momento em que foi encorajada não recebeu dele uma resposta bem vinda; e se é uma mulher “elefante”, porque pensa que ele é um homem “lebre” e fraco no amor; tem piedade dele, quer evitar por todos os meios que ele passe por desagradável; reluta, porque ficou claro para ela algum defeito nele; teme que, se esse defeito for descoberto, façam algo contra a sua família; se esquiva, porque ele é velho, já tem os cabelos brancos; suspeita que ele tenha sido enviado pelo seu próprio marido para colocá-la sob prova; por último, ela respeita a Lei Sagrada.
Se um homem se dá conta de que tem algum destes motivos para ser rechaçado, desde o início deve tomar suas precauções. Se os motivos estão ligados aos nobres sentimentos da mulher, conseguirá o que se propõe demonstrando e deixando claro sua grande paixão por ela.
Quando, contudo, são ocasionados pela submissão, deve procurar estabelecer com a mulher uma intimidade profunda; se essa submissão vier do desprezo que sinta por ele, deve mostrar orgulho e valor. Se perceber que a mulher acha que ele tem pouco respeito pelas mulheres, deve consertar a situação com reverência. Se elas têm medo, deve inspirar confiança.
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A – OS HOMENS QUE TÊM SUCESSO COM AS MULHERES
Têm êxito, geralmente, os seguintes homens: os que conhecem o Kamasutra; os que sabem contar histórias com sabedoria; os que estiveram com a mulher desde a infância destas; os que com ela se encontraram na juventude e estiveram com elas desde então; os que conquistaram a sua confiança com jogos e coisas parecidas; os que prestam favores de boa vontade; os que conversam amavelmente; os que fazem favores; os que tenham sido alcoviteiros de outro; os que sabem quais são os pontos fracos da mulher.
Também tem sucesso o que deseja ardentemente uma mulher; o que, às escondidas, estreita relação com uma amiga da mulher; os que gozam de fama de afortunados no amor; o que tenha crescido com ela; um vizinho de casa ou um criado, quando estão apaixonados; o esposo da irmã; um novo parente, recém incorporado à família; um homem que frequenta espetáculos e jardins e se mostra generoso; um com reputação de ser muito viril; o ousado; o heroi; o que supera o esposo da mulher em cultura, encanto, qualidades e entrega nos prazeres; e, por último, os que se vestem bem vivam gastando muito.
B – MULHERES QUE PODEM SER CONQUISTADAS SEM ESFORÇO
Da mesma forma que um homem tem que analisar suas probabilidades de êxito, também deve levar em conta a facilidade para seduzir uma mulher. Por isso vamos falar das mulheres que podem ser conquistadas sem muito esforço.
O homem pode conquistá-la apenas cortejando-a: a mulher que sempre se entretém à porta da sua casa; a que, do terraço da sua casa, à porta, fica olhando o movimento da rua ou assiste a uma reunião na casa de uma jovem vizinha; a que olha descaradamente os homens que passam para lá e para cá e, quando esses homens fixam olhares nela, abaixam os olhos e ficam olhando de soslaio. Da mesma forma, há a que, sem motivo, se deixa difamar por uma rival; a que odeia seu esposo ou este a odeia; a que não se preocupa em ser discreta ou guardar alguma precaução; a que não tem filhos; a que sempre viveu em família e não sabe ficar sozinha; a que só teve abortos; a que frequenta muitas reuniões; a que é pródiga em atenções.
E também: a mulher de um ator; uma jovem a quem o marido tenha morrido; uma mulher pobre mas que seja amante de prazeres caros; uma mulher mais velha mas que tenha muitos cunhados; uma mulher orgulhosa casada com um marido insignificante; uma mulher orgulhosa das suas qualidades e que se irrita pela estupidez do seu esposo, por sua insensatez ou por Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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sua ganância; a mulher que, quando era menina, foi pretendida por um homem como esposa com muito afinco, sem conseguir seu objetivo por algum motivo, e agora ele novamente a corteja.
E finalmente: uma mulher com idênticos pontos de vista, caráter, inteligência, formas de pensar e de costumes iguais; uma mulher que espontaneamente tende a colocar-se ao lado deste homem; uma mulher que se envergonha sem, contudo, ter cometido nenhuma falta, e que tenha sido humilhada por rivais quase tão belas quanto ela; a mulher que tenha seu marido viajando muito; e para terminar, as esposas de homens ciumentos, sujos, de coksa74, de eunucos, de indivíduos antipáticos, de afeminados, anões, homens feios, cortadores de pedras, homens pouco educados e grosseiros, homens que cheiram mal, doentes ou velhos.
Duas estrofes sobre o tema abordado:
Um desejo surge naturalmente reforçado pela iniciativa, e que a prudência nega a preocupação, pode ser muito firme e não fugaz. Se você compreender suas perspectivas, estudou os sinais mostrados e viu que são bonitas, e eliminado todo o motivo de rejeição, pode ser bem sucedido com as mulheres.
2 – MANEIRAS DE CONHECER MELHOR AS MULHERES
lguns mestres argumentam que uma donzela se conquista mais facilmente com o cortejo pessoal do que através de um intermediário, mas o intermediário pode resultar melhor nos casos da conquista de uma mulher casada, de índole mais complexa. Vâtsyâyana considera que em qualquer circunstância, dentro das possibilidades, o melhor é atuar pessoalmente; se a situação se complica, deve-se recorrer a um intermediário. Segundo a opinião comum, as mulheres que cometem adultério pela primeira vez e aquelas com as quais
A 74
Pelo comentário, trata-se de uma casta particular, em que as mulheres geralmente exercem a prostituição
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se pode falar sem restrição devem ser seduzidas pessoalmente; para as de características diferentes, pode-se usar um intermediário.
Quem decide cortejar diretamente, a primeira coisa que deve fazer é conhecer bem a mulher. Pode-se travar contato com uma mulher de forma espontânea ou calculada. O encontro espontâneo tem lugar perto de casa; o calculado, perto da casa de um amigo, de um familiar, de um político ou de um médico, em uma festa, em um sacrifício, em uma boda, durante o tempo livre, na visita a um jardim e em outras ocasiões parecidas.
Quando se produz o encontro, o homem deve olhar fixamente a mulher com uma expressão muito eloquente, com os cabelos bem penteados, unhas bem feitas, jóias tilintando, torcendo os lábios e atitudes parecidas para chamar-lhe a atenção. E quando ela lhe olhar, mostre generosidade e amor pelos prazeres.
Sentado junto a um amigo, bocejando preguiçosamente, franzindo a testa ao falar, falando baixinho para ouvir todos os que estão à volta, mantendo uma criança ou outra pessoa para conversação como se estivesse dando muita atenção a ela, aproveite a oportunidade, enquanto conversa, para revelar a ela o que você deseja. Beije e abrace um menino, mas se referindo a ela, ofereça-lhe betel com a língua e acaricie o queixo com o dedo indicador, ou seja, valendose de um pretexto ou de outra pessoa, segundo as circunstâncias e as ocasiões, procure se aproximar o máximo possível da mulher e deixar claro suas intenções, mas mantendo a discrição.
Se a mulher tem um filho no colo, brincando com um brinquedo, brinque com a criança. Com isso, aproxime-se dela e inicie uma conversa. Estabeleça uma amizade com alguém com quem ela possa conversar com você quando queira e que você possa visitar quando quiser. Se ela escuta, inicie uma discussão e fale sobre o Kamasutra.
Quando a houver conhecido melhor, lhe presenteie com várias lembranças. E a cada dia, a cada instante deixe que ela as devolva pouco a pouco; por exemplo, perfumes ou nozes de areca. Favoreça um encontro com suas esposas em uma reunião confidencial, em um lugar reservado. Se você conseguir o trabalho de um ourives, de um lapidador, de um cortador de pedras, de um joalheiro, de um tintureiro ou de outros artesãos, coloque-os a seus serviços para poder vê-la sempre que quiser e ganhar a sua confiança. Enquanto isso tente ampliar sua intervenção sobre ela em outras áreas; qualquer obra, objeto ou habilidade que necessite, demonstre-lhe que conhece seu uso, a produção a origem, ter os meios e os conhecimentos.
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Discuta animadamente com ela e com a sua comitiva dos fatos acontecidos no mundo, e sobre o valor que têm os objetos; intencionalmente faça apostas e lhe conceda a função de árbitro. Se aposta com ela, encarregue a outro de ser o fiel e garanta que ela vá ganhar. São os distintos modos para conhecê-la melhor.
A – O NAMORO
Quando a conhecer melhor, se a mulher mostrar atitudes e expressões de simpatia, corteje-a como a uma donzela, com estratagemas. Com as donzelas em geral, os cortejos devem ser sutis, pois ainda não foi estabelecida uma união com um homem. No entanto, com aquelas se pode ir em frente, pois já conhecem os prazeres do amor.
Quando a desejada já tiver deixado claro o seu sentimento, será a hora da troca de objetos que elas gostem e que ao homem se deleita dá-los. Pode aceitar um perfume caro, uma capa, uma flor ou um anel; a mulher recebe betel da sua mão e ele, se vai a uma reunião com amigos, lhe pede uma flor para adornar seus cabelos. Presenteie-lhe, com toda a intenção, com um perfume muito apreciado e muito procurado, levando, impresso em seu rótulo, marcas de unhas e dentes; e procure, cortejando-a sem parar, dissipar seus temores. Proceda gradualmente; chegar-se a ela em um lugar isolado, abraçá-la, beijá-la, oferecer-lhe betel, enchê-la de presentes, trocarem lembranças e, por último, acariciar-lhe as partes íntimas. São os distintos tipos de cortejo.
Na casa onde corteja uma mulher, um amante não deve dirigir suas atenções a outra mulher; se a esposa mais antiga cedeu as habitações, deve mantê-la conciliadora e à distância com afetuosas adulações.
Duas estrofes em particular
Embora seja fácil de conquistar um homem não deve tocar uma mulher cujo esposo mostre atenções para outra. O sábio não deve olhar uma mulher hesitante, guardada, medrosa, Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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ou que esteja com a sogra do lado; deve saber que não estará seguro.
3 – EXAME DA PRESTAÇÃO DE CONTAS
m homem, quando começa a cortejar, tem que examinar o comportamento da mulher, e assim, levará em conta a sua disposição e o seu ânimo. Se ela não esconde as suas intenções, será conquistada mais facilmente através de alcoviteiro. Quando não aceita que a cortejem, mas volta a encontrar-se com ele novamente, está demonstrando claramente que está indecisa e deve ser conquistada de forma lenta e gradual. Se rechaça os elogios, mas se veste elegantemente e assim vai lhe fazer uma visita, está sinalizando que o homem tem que continuar tentando, principalmente quando estejam a sós, porque vai ter chance de conquistá-la. Se se permite ser cortejada, mas depois de muito tempo não se entrega, é uma mulher que gosta de chamar a atenção, mas inutilmente; ela pode ser vencida se lhe for cortada toda a chance de se mostrar já que a mente humana é bastante inconstante. Se uma vez cortejada, se retrai, não vai ao encontro, mas tampouco o rechaça, há que ser respeitada pela sua dignidade e orgulho, é uma mulher que pode ser seduzida mas com muito esforço, graças a uma profunda intimidade; conquiste-a recorrendo a um alcoviteiro que conheça muito bem seus pontos fracos.
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Se, mesmo sendo objeto das atenções do homem o rechaça, convém deixá-la. Contudo, quando demonstra afeto, mesmo tendo sido pouco amável, pode-se tentar convencê-la. Se por algum motivo se deixa tocar, como se não notasse, é porque se sente indecisa; com paciência e constância o homem pode seduzi-la.
Se uma mulher, em uma situação em que, deitada ao lado do homem, fingindo dormir, descansa a mão em seu corpo, ou quando na mesma situação o homem roça o pé no pé dela e ela finge continuar dormindo e não dá importância. É porque deseja ser cortejada. O mesmo acontece quando, passado muito tempo, a mulher se recorda dessa situação rindo e falando baixo, como se nada tivesse acontecido. Nesse caso, a utilização de um alcoviteiro é recomendada. Da mesma forma, se a mulher houver dado mostras de aceitação e revelou suas intenções.
Inclusive quando não se corteja diretamente, pode acontecer que as expressões do corpo traem e costumam aparecer em lugares bastante impróprios. O tremor dos lábios, das mãos, o ga-
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guejar, o suor das mãos e dos pés e acima dos lábios; a vontade de passar-lhe as mãos na cabeça e nas pernas; a vontade de tocá-la com o roçar do braço e envolvê-la em um abraço.
Como se confuso entre a realidade e o sonho, toca-lhe com as coxas e os braços e a aperta durante um bom tempo. Acaricia as suas coxas. Se a pede-lhe que lhe massageie a virilha, ela não foge à ação. Coloca suavemente a mão, sem movê-la, e quando a aperta com força, entre as suas pernas, retira-a depois de segurar algum tempo. E se aceita um carinho desse tipo por parte do homem, no dia seguinte volta a lhe dar massagens. Não se encontra muito com ele, mas quando estão juntos e sozinhos, revela todo seu ardor e disposição. Até mesmo em locais não privados e sem nenhum pretexto, abertamente, costuma aventurar-se movida pela paixão.
Se ninguém pode aproximar-se dela sem que este seja um criado e, apesar de que o homem tenha mostrado claramente suas intenções não muda de atitude, este deve conquistá-la através de alcoviteiro que conheça seus pontos fracos para poder explorá-los. Mas, se o homem der um passo em falso, convém pensar bem no que vai fazer. Esse é o exame sobre o que deve ser feito.
Sobre isso, algumas estrofes:
De início, convém conhecê-la, mais tarde se inicia uma conversa; e, durante a mesma, se captam as intenções recíprocas. . Pelas respostas se entende que as insinuações encontram eco, um homem corteja uma mulher sem nenhum tipo de obstáculo. A mulher cuja atitude demonstra sua inclinação deve ser cortejada logo a primeira vez que se lhe encontre. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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A mulher que recebe pouca atenção e dá respostas muito claras a elas, deve saber, já está conquistada; é uma das que desejam o prazer! Existe uma regra muito sutil para mulheres fortes, a ser considerada: : já estão conquistadas as que têm atitudes claras
4 – AS FUNÇÕES DO ALCOVITEIRO
m homem pode se aproximar, através de um alcoviteiro, de uma mulher que demonstrou, por atitudes e expressões, mas que não se faz próxima, e a que não o conhece. O alcoviteiro (que tanto pode ser um homem quanto uma mulher, conforme a confiança, a conveniência e o momento) serve para se aproximar da mulher com tato e acima de qualquer reprovação, alegrando sua vida, inventando histórias, revelando-lhe várias maneiras de seduzir homens e fatos contados no mundo, histórias escritas por artistas, histórias e estórias de adultérios. Através de expressões afetuosas enaltecendo sua beleza, cultura, elegância e caráter, lhe insinua a tristeza dizendo: “Como é possível que uma pessoa como tu tenha um marido assim?” E ele mesmo responde: “Querida, não és digna de ser sua escrava!”. Quando o alcoviteiro percebe que começa a quebrar a autoestima e a segurança da mulher lança-lhe dúvidas sobre as qualidades do seu esposo: sua paixão débil, o ciúme doentio, a falsidade, ingratidão, sua negativa em deixar que a mulher viva seus prazeres preferidos, sua inconstância, sua cobiça e muitas outras falhas escondidas que o alcoviteiro irá descobrir e aumentar, evidentemente. O alcoviteiro, falando isso, perceberá qual o defeito mais incomoda a mulher e perseverá nesse defeito. Se a mulher for uma “mulher cerva”, não suporá que seja demérito para o esposo ser um “homem lebre”; um argumento parecido vale para a “mulher égua” e para a “mulher elefante”
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Gonikaputra entende que, havendo conquistado a confiança de uma mulher, um homem pode abordá-la através dos bons ofícios de um alcoviteiro, se o primeiro adultério que ela comete seja de natureza complexa.
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O alcoviteiro tem por dever contar a mulher as aventuras deste homem e dos seus amores, pintando-os de cores boas e vivas. E quando estabelecida confiança e um bom estado de ânimo, lha exponha detalhadamente suas intenções expressando-se mais ou menos assim: “Escuta, querida, porque vais te surpreender. Parece que este tipo, um jovem de boa família, em plena flor da idade e vigor, encontra-se transtornado. É muito sensível, mas nunca até agora havia sentido algo assim; está atormentado, e pode até morrer.” Isso tem que ser dito do modo mais discreto possível. Conseguido isso, no dia seguinte, se o alcoviteiro notou boa disposição na voz da mulher, em seu rosto e no seu olhar, prossegue na conversa. Relata diante dela as peripécias de Ahalya, Avimaraka, Sakuntala75 e coisas parecidas e ainda outras histórias populares, adequadas às circunstâncias. Descreve a virilidade do homem, sua maestria nas sessenta e quatro artes, seu êxito com as mulheres; e fala de um dos seus amores secretos, verdadeiro ou não, com uma senhora muito estimada, e finge a reação da mulher em questão.
Reações favoráveis: O alcoviteiro nota que seu intento vem encontrando sucesso quando, uma vez reencontrado pela mulher esta lhe dirige a palavra e convida-o a sentar-se com ela; pergunta-o por onde tem andado, onde tem dormido, comido, passeado, o que tem feito. Quando estiverem mais a sós, pede a ele que lhe faça um curto relato. Pensativa, suspira e boceja; dálhe presentes, lembra-se com ela das festas e solenidades, deixa-o ir com a condição de que volte. Exclama: “Você sempre falou tão bem, porque diz coisas tão inconvenientes?”, que o levam a continuar a conversa. Admite as culpas do homem, ou seja, que é um mentiroso e um inconstante, deseja que lhe conte que foi visto antes e que isto lhe foi contado, sem dizer nada pessoalmente; e, uma fez que ela lhe se exponha os desejos, ri-se como se lhos depreciasse, mas não se indigna. Quando a mulher mostra uma atitude favorável, o alcoviteiro a consolida, evocando recordações do amante. No entanto, se, todavia não lhe resulta familiar, procure conquistá-la descrevendo suas qualidades e sua paixão.
Svetaku é de opinião que a função do alcoviteiro não se aplica a um homem ou a uma mulher que não se conheçam ou que não tenham mostrado sinais de simpatia comum. Os discípulos de Babhravya afirmam que duas pessoas cujas inclinações sejam de domínio público, ainda que não se conheçam, devem se utilizar dos serviços de alcoviteiros. Segundo Gonikaputra, aplica-se àqueles que sendo amigos, não conhecem suas intenções íntimas recíprocas. Vâtsyâyana opina, ao contrário, que o alcoviteiro de confiança é útil mesmo para quem não conhece ou não revelou seu estado de espírito.
O alcoviteiro deve dar, sob as expensas do homem, é claro, muitos presentes às mulheres: betel, unguentos, guirlandas, aneis, vestidos, etc. Eles devem carregar, conforme for o caso, vestígios de arranhões e mordidas de amor e outros sinais. Nos vestidos, deixe marcas de mãos juntas, feitas com açafrão, O alcoviteiro deve mostrar à mulher folhas recortadas, que 75
Avimaraka é o heroi de uma obra teatral de Bhasa, que conta seus amores apaixonados com a princesa Kurangi.
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simbolizem desejos distintos, pendentes e rosários com cartas escondidas, nas quais o homem revela suas ambições. O alcoviteiro deve pressioná-lo a trocar presentes. Depois de ter trocado sinais de apreço mútuo, o alcoviteiro tentará marcar um encontro entre os dois. Discípulos de Babhravya opinam que isto pode ter lugar no transcurso de uma visita a um templo ou de uma procissão, durante jogos no parque, banhos, matrimônios, sacrifícios, diversões e festas, quando se divulga um incêndio ou há confusão e roubo, se se coloca o exército do país nas ruas ou as pessoas estão distraídas assistindo a um show, e em muitas outras ocasiões. Gonikaputra considera que se pode propiciar facilmente o encontro na casa de uma amiga ou de religiosas pertencentes a qualquer ordem. Vâtsyâyana julga, ao contrário, que o melhor é ir e entrar na casa da mulher, quando a entrada e a saída forem de fácil acesso e quando não houver riscos a correr; ninguém saberá a hora e ficará mais fácil de ser feito.
Os diferentes tipos de alcoviteiro são: o autorizado, o limitado, o portador de cartas, o intermediário de si mesmo, o bobo, o alcoviteiro-esposa, o silencioso e o “embaixador do vento”.
O “autorizado” é o que, dominada a situação baseando-se nos desejos da mulher e do cortejador, leva a cabo a missão a seu exclusivo critério. Geralmente atua quando os dois se conhecem, mas nunca se falaram; e ele, o alcoviteiro, entende que há afinidade entre ambos embora nem se conheçam.
O alcoviteiro “limitado” é o que, apenas uma das partes é ciente da questão e do cortejo. É útil para um homem ou uma mulher que já descobriram as intenções recíprocas, mas que se vêm muito esporadicamente.
O “portador de cartas” apenas leva mensagens. Serve para informar sobre lugares e horários de encontros entre os que já têm sentimentos profundos entre si.
O “intermediário de si mesmo” é o que, contratado por outro que faz uma espécie de embaixador, visita a mulher por sua própria iniciativa, como se soubesse de algo, diz-lhe que alguém sonha com ela, critica seu marido, ou lhe dá presentes marcados com sinais de unhas e dentes, explicando que desde o princípio desejava dar-lhe um presente; e quando estão sozinhos, lhe pergunta insistentemente quem é mais bonito, se ele ou o seu marido. Este alcoviteiro procura que o vejam e convém recebê-lo em um lugar privado. É também “intermediária de si mesma” a que, fingindo-se embaixadora, trabalhada para outra, mas durante a transmissão das suas mensagens aproveita pra conquistar o destinatário e prejudicar a contratante. Isto também vale para um homem, quando faz de outro um intermediário. Por isso, vale ter cuidado ao utilizar esse tipo de ajuda. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Às vezes uma mulher ganha a confiança da esposa – uma ingênua – do amante, e consegue visitá-lo frequente e livremente, se informa dos movimentos do homem, lhe ensina truques, lhe mostra como ele deve se insinuar, explica como ele deve agir, e, por fim, ela mesma lhe imprime sinais de arranhões e mordidas; por este caminho, dá a entender ao marido seu desejo. Nesse caso a esposa é uma “alcoviteira tonta”; através dela recebe respostas da mulher.
Às vezes pode ser o homem a utilizar-se da ingenuidade da sua esposa; faz com que se estabeleçam relações, porque confia nela, com a mulher que quer conquistar, e, através da esposa, mostra à mulher quais são suas intenções, além de revelar suas experiências. É a “mulher alcoviteira”; através dela, o homem compreenderá as reações da que quer conquistar.
Caso contrário, pode mandar uma criada muito jovem, sem malícia ainda, com um pretexto inocente; neste caso, coloca-se em uma guirlanda, um pendente ou um bilhete escondido, ou deixa marcas de arranhões ou mordidas. É o “alcoviteiro silencioso”; através dela o homem pode solicitar a resposta da amada.
Se, em lugar disto, encarrega a uma mulher imparcial de preferir palavras que contenham uma alusão a algo já conhecido, mas incompreensível para os demais, ou que tenham um sentido vago e outro mais sutil, é a “embaixadora do vento”; também neste caso se busca uma resposta da mulher através dela. São os diferentes tipos de alcoviteiro.
Vale registrar algumas estrofes sobre o assunto:
Uma viúva, um adivinho, um escravo, uma freira ou até mesmo um artesão rapidamente encontram o caminho de acesso, para obter a confiança e atuar como alcoviteiros.. Despertar o ódio contra o marido, descrever as qualidades do rival e encontrar mesmo entre tantas outras, os prazeres extraordinários do amor com ele. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Pinte a paixão do amante, reiterando o perito que é no prazer, conte que lhe pretenderam mulheres importantes mas ele já se decidiu. Até uma palavra não intencional, que escapa por engano o alcoviteiro sabe corrigir, pois é especialista no convencimento.
5 – AS AVENTURAS AMOROSAS DOS REIS E SOBERANOS
E
ntrar na casa de outro homem não é permitido nem mesmo ao rei nem aos altos funcionários, pois o povo os imita em seu comportamento. Os habitantes de todo o mundo sabem quando sai o sol, e também eles despertam; o sol segue o seu curso e eles lhe imitam. Por isto, os poderosos não deveriam ser indulgentes com nenhum gesto de ligeireza, tanto por irrealizável quanto por irreprovável. Mas se, forçados pelas circunstâncias, têm que comportar-se assim, que recorram a estratagemas.
O chefe de um povo, um funcionário ou o filho de um responsável pelos campos, enquanto é jovem, pode conquistar as mulheres do campo um uma palavra; os vita lhes chamam “infiéis”. Pode-se fazer amor com estas as mulheres em muitas ocasiões: durante as prestações obrigatórias das obras, no interior dos celeiros e durante o transporte das mercadorias de ou para fora; quando se gerencia a casa, enquanto trabalham no campo, enquanto se contabiliza o algodão, a lã, o linho ou o cânhamo, ou se recebe os fios, quando são vendidos, comprados ou leiloados e coisas parecidas.
O mesmo acontece com o chefe dos rebanhos em relação às mulheres dos pastores e ao responsável pela fiação com as viúvas, as mulheres sobre as quais nenhum homem exerce a posse e as monjas mendicantes; também acontece com o oficial de polícia, pois conhece os pontos fracos das que encontra pelas ruas quando faz a ronda da noite, e ao superintendente de compra e vendas dos mercados durante os seus negócios. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Na Astamicandra, na Kaumudi, na festa de primavera e em ocasiões assim, as mulheres dos grandes povos, das cidades e das aldeias muitas vezes se distraem com as que vivem no harém do palácio do soberano. Então, ao término dos festins, as mulheres entram nas habitações das damas do harém; sentam-se para conversas, recebem presentes, bebem e se despedem à tarde. Se o rei deseja uma dessas mulheres, encarrega uma escrava que se inteire de quem seja ela, que converse com ela e a entretenha, mostrando-lhe delícias de todo o tipo. E a mulher, mesmo estando já em sua casa, pode ser avisada: “Durante a festa lhe ensinarei as maravilhas do palácio real”: e, no momento oportuno, pode seduzi-la.
O convite para visitar o castelo se estende a ver o exterior, o chão de coral pavimentado com pedras preciosas, o jardim arborizado, a pérgula de vinhas, as casas de banho os terraços com passagens secretas nas paredes, as pinturas de ensinar, os veados domesticados, os teares, os pássaros, as gaiolas de tigres e leões e tudo o que ele indicar. Então, em um aparte, perguntalhe da paixão por seu governante e descreve-lhe de como é especialista na arte de fazer amor. Se ela consente, ele lhe promete discrição. Se, no entanto, ela resiste o soberano a agarra com gestos delicados, a faz sorrir, a despe afetuosamente e a coloca assim, despida, na companhia das outras concubinas.
O soberano também pode ganhar o marido da mulher a quem quer o amor, com favores, convidando-a continuamente ao harém; então encarrega uma escrava, e prossiga conforme o já ensinado. Ou uma dama do harém, ao seu mando, estabelece amizade com a escolhida; uma vez que tenha boas relações, peça-a, com algum pretexto, que lhe faça uma visita. Quando vier lhe visitar, que receba presentes e bebidas, e que esteja certa de que uma escrava do rei faça tudo como o explicado. Caso contrário, se a mulher que se deseja seduzir é uma mestra em alguma área do saber, uma mulher do harém pode lhe convidar, com amabilidade, para que faça uma demonstração. Então, uma escrava do soberano faça como o descrito.
Quando se tratar da esposa de um homem que tem um contratempo, ou tem medo de alguma coisa, uma monja mendicante pode fazer-lhe uma abordagem mais ou menos assim: “Uma dama do harém, que goza da estima do rei e cujas palavras têm muito peso, presta muita atenção ao que eu digo. E considerando que, pela minha natureza, eu consigo que se compadeçam de mim, com um estratagema meu tentarei conseguir que me conceda uma audiência e tu virás comigo. Essa dama conseguirá remediar a terrível situação de se abateu sobre o seu esposo.” Se a mulher aceita, e acompanha a monja ao palácio duas ou três vezes, a dama do harém lhe garante valores e, quando a mulher cair em si, sabendo que não tem nada a temer, um escravo do rei se aproximará e “cobrará a conta”, conforme o indicado acima. O mesmo argumento vale para as esposas de homens que ambicionam certas rendas, tiranizados por ministros, retidos pela força, fracos no dia a dia ou insatisfeitos com o que têm; ou os que, desejanVersão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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do cair nas graças do soberano, aspiram a um posto entre os seus favoritos; ainda aqueles que são abusados por parentes ou que querem abusar desses parentes se estes são mais próximos ao soberano; ou ainda se o homem se presta a delator ou para outros fins.
Por outro lado, se a mulher escolhida já tem relações (ilícitas) com outro homem, pode-se ordenar que a prendam, a convertam em escrava e, gradualmente, levem-na para o harém. Por último, pode-se difamar o marido de uma mulher como inimigo do rei através de um emissário, e logo, com o pretexto de mantê-lo longe da esposa, impedi-lo de entrar no harém. São métodos secretos, usados, sobretudo, pelos soberanos.
De todas as formas, os soberanos não devem entrar nas habitações alheias. Foi dessa forma que um lavador de roupas, empregado do seu irmão, matou a Abhira, rei de Kotta, quando estava na casa de outro; e um tomador de contas de cavalos tirou a vida de Jaytsena, soberano de Kasi.
No entanto, a vida amorosa pública se deve desenvolver segundo os usos e as práticas locais. Em Andrhra as donzelas do país, dez dias depois das núpcias76 vão ao harém com um represente, e ali o rei as possui e logo voltam para a casa. Em Vatsagulma as mulheres do harém dos ministros mais importantes visitam à noite o rei para prestar-lhe os seus serviços. Em Vidarbha, sob o pretexto da amizade, as damas do harém hospedam por um mês ou por uma quinzena as mulheres bonitas da região. Entre os habitantes do extremo Oriente os homens oferecem aos ministros e ao rei as suas graciosas esposas em sinal de amizade e respeito. E, por último, em Surastra, as mulheres da capital e do resto do país se juntam em grupo ou individualmente para se deleitarem com o rei.
Acerca disso tudo, duas estrofes:
Estes e muitos outros subterfúgios relacionados com as esposas dos outros se dão em diferentes países e são colocados em prática pelos soberanos. O rei não deve entreter-se com estas coisas 76
Se, como disse Vâtsyayana, a castidade dos recém casados deve prorrogar-se durante dez dias, se trata de um ius primae noctis.
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preocupado que deve estar com o bemestar de seu povo; porque, uma vez que tenha reprimido seus seis inimigos77, ele vai dominar a terra.
6 – O COMPORTAMENTO DAS MULHERES DO HARÉM
onsiderando-se que as mulheres do harém estão sob custódia, nenhum homem podes lhes visitar; e, além disso, como há apenas um esposo para muitas mulheres, ele não tem que dar satisfações. Por isto, as mulheres do harém podem procurar o prazer com outras mulheres recorrendo a subterfúgios. Vestindo de homem sua irmã, a uma amiga ou a uma escrava, e acalmando seu desejo com a utilização de instrumentos de forma adequada, feitos de raízes, tubérculos ou frutos, ou objetos artificiais. Em outros casos, fazendo sexo com estátuas de homens com o membro ereto.
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Às vezes os soberanos são compreensivos e, embora sem paixão, se aplicam pênis artificiais e se unem quantas vezes seja necessário às mulheres, inclusive com várias mulheres em uma só noite. No entanto, as que eles amam ou a que é a da vez, ou as que se encontrem no período fecundo eles as abordam apenas com desejo. São os diferentes usos dos povos orientais.
Com o método adotado pelas mulheres sugere-se que também os homens que não conseguem ter relações consigam aplacar a excitação com pessoas diferentes, estátuas femininas ou simplesmente tocando-se. Muitas vezes as mulheres do harém conseguem que entrem com as criadas, homens disfarçados de mulheres. Para convencê-los, podem se utilizar das irmãs, que têm relações de intimidade com eles, facilitando-lhes as possibilidades. Elas lhes indicam as maneiras mais seguras de entrar e sair do edifício distraem os guardas e a criadagem. Mas não se deve convencer uma pessoa a entrar enganando-o, pois isso é uma falta grave.
Vâtsyâyana considera que, a um homem elegante, seria muito melhor não entrar em um harém, uma vez que se trata de uma empresa muito arriscada. No entanto, pode-se entrar, se o lugar tem saída, está em frente a um bosque, dispõe de muitas salas e pouca vigilância. Mais fácil ainda se o rei está em viagem. Depois de examinar todas as dificuldades, se o homem foi convidado e considerando que as mulheres lhe tenham indicado como deve fazê-lo o homem pode correr o risco. De qualquer forma, procure sair todos os dias. Não é prudente que se pernoite no harém. 77
Os seis vícios do homem: desejo (não controlado), ira, ganância, orgulho, luxúria e vício pelas drogas.
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Ele também pode, simulando outro motivo, estabelecer amizade com a segurança exterior. Fingir que gosta de uma criada que trabalha no palácio e que ela está ciente das suas intenções; organize uma rede interna de informantes com as mulheres que entram e saem do harém e aprenda a conhecer os espiões do soberano.
No entanto, se para um alcoviteiro não é fácil entrar no harém, e a mulher de quem o homem gosta se deu conta das suas intenções, ele pode colocá-la onde possa ser encontrada. Também neste caso deve-se utilizar dos serviços de uma criada como pretexto com a segurança. Se os guardas olharem muito para a criada, esta lhes dirige olhares com expressões de paixão, o que vai acalmá-los. Onde ela habitualmente possa ser encontrada, o homem ou a criada deve deixar uma pintura que a represente, folhas com trechos de canções de duplo sentido e objetos para brincar, um rosário ou um anel impresso com signos de amor. Conhecida a resposta da mulher, o homem deve fazer todo o possível para entrar no harém.
Espere-a escondido, onde saiba que ela costuma ir; ou então, disfarçado de segurança e, com o seu consentimento, em uma hora previamente combinada, esgueire-se para dentro do harém. Também lhe podem fazer entrar envolto em um tapete ou toalha de mesa. Outra possibilidade é que se utilize das aparências com feitiços das sombras para desaparecer.
Para fazer este feitiço, proceda da seguinte forma: cozinhe, de modo que a fumaça não se espalhe, um coração de fuinha, frutos de coraka e tumbi e ovos de serpente; em seguida, misture o composto com pomada e água. Se uma parte do corpo está ungido com esta pasta se torna invisível. Finalmente, você pode entrar durante as festas de lua cheia, misturado às pessoas que carregam as lâmpadas de óleo, ou ainda através de uma passagem subterrânea.
Eis aqui alguns versos sobre o tema:
Mesmo enquanto os bens são removidos, quando entram os carros, ou se as criadas estão muito atarefadas por ser festa e ocasiões para se brindar; ao mudar-se de residência com a troca da guarda, Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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ao passear nos jardins ou procissões e ao retornar destes; se, finalmente, o rei partiu em uma expedição cujo sucesso requer um longo tempo, pode, especialmente os jovens esgueirar-se dentro, ou também sair. As mulheres que vivem no harém, conhecendo seus diferentes desenhos conseguem estabelecer alianças; por isso, podem incomodar as demais. É claro que se pode corromper alguns enfrentando-os, oferencendo a todos o mesmo objetivo; pois, ao não temer uma traição, imediatamente consegue-se o que ambiciona. Entre os habitantes do extremo Ocidente, as mulheres que frequentam a corte são as que introduzem no harém os homens ilustres, porque a guarda se preocupa pouco com isto. Em Abhira, eles conseguem o que buscam com os guardas do harém, que podem adornar-se com o nome de ksatriya, enquanto que em Vatsagulma deixam jovens dândis entrarem acompanhando as criadas vestidos como elas. Em Vidarbha os filhos unem-se com as damas do harém – exceto com sua mãe -, e podem ir quando querem. Em Strirajya fazem amor com a família e com os amigos que, por isto, podem entrar livremente no harém. Em Gauda, também os brâmanes, os amigos, os subordinados, os criados e os escravos. Na região do Indo se unem com os guardas da entrada do harém e com os artesãos, a quem não é impedida a entrada nas casas. Nas regiões de Himavat os homens corajosos corrompem a guarda com dinheiro e entram em grupo. Em Vanga, em Anga e em Kalinga os brâmanes da cidade, ao ficarem encarregados de levar flores como presentes, vão visitar as mulheres do harém, e o soberano sabe. Mantêm conversas atrás de uma cortina e nessas circunstâncias, fazem amor.
Nas regiões do Leste, cada grupo de nove ou dez mulheres mantém um jovem escondido. Desta forma, podem-se seduzir as esposas de outro. Este é o comportamento das mulheres do harém.
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A – COMO SER O GUARDIÃO DAS ESPOSAS
O homem guarde suas esposas mantendo-as afastadas de certas situações. Os mestres aconselham para o harém guardas vacinados contra a tentação amorosa. Gonikaputra objeta que estes, por medo ou por cobiça, poderiam fazer entrar outro homem no harém; por isso devem estar vacinados contra a tentação amorosa, contra as ameaças e contra a corrupção. Virtude é a ausência de engano, mas pode-se renunciar a ela por medo; Para Vâtsyâyana, devem ser de virtude a toda prova e vacinados contra o medo os guardas do harém.
Para conhecer sua honestidade ou desonestidade pode-se examinar as suas esposas, recorrendo a mulheres que lhes contem coisas de outros, sem revelar suas intenções. É o que dizem os discípulos de Babhravya.
Para Vâtsyâyana, como entre os jovens os enredos fazem sucesso, não há que tentar sem motivo um inocente. As causas de corrupção entre as mulheres são: reunir-se muito; falta de barreiras ao comportamento; o egoísmo do marido; a excessiva liberdade no comportamento com os homens; ficar demasiado sozinhas porque o marido está viajando; residir em um país estrangeiro; ter problemas financeiros de subsistência; visitar mulheres sem escrúpulos; ter ciúmes do marido.
Ninguém que considere, como consta neste tratado, os meios expostos na seção das esposas de outro, ou que seja mestre no tratado, dará motivos para que sejam enganados pelas mulheres.
Como essas práticas só valem em certos casos, pode-se perceber claramente os riscos contra a Lei Sagrada e o Útil, um homem não deveria olhar a esposa de outro.
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Isto se converte em uma vantagem para os homens, se você tem que tomar conta das suas esposas; estas regras não são para conhecê-las melhor, mas prejudicam as pessoas.
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VI – A PROSTITUIÇÃO 1 – ANÁLISE DOS AMIGOS, DOS HOMENS COM OS QUAIS PODE-SE OU NÃO ESTABELECER UMA RELAÇÃO E AS RAZÕES PARA ESTABELECER UMA RELAÇÃO.
a sua relação com um homem as prostitutas encontram o prazer e, naturalmente, os meios da sua subsistência. Se a sua motivação é o prazer, se comportam espontaneamente; ao contrário, quando buscam dinheiro, mantêm um comportamento artificial. Mas, inclusive neste caso, uma prostituta deve tentar fazer com que suas ações pareçam espontâneas, pois efetivamente os homens confiam nas mulheres dedicadas ao amor. Para mostrar seus dotes não deve ser gananciosa ou tentar levantar recursos por meios ilícitos para garantir seu futuro. Sempre elegantemente vestida, deverá estar parada olhando a avenida principal de onde esteja atuando, de tal forma que seja vista, mas sem se mostrar demasiado, já que tem a natureza de mercadoria.
N
Faça amizade com quantos lhe possam ser úteis para conquistar um amante e afastá-lo de concorrentes, remediarem seus desconfortos e ganhar dinheiro, e para que os possíveis clientes não a depreciem. Estas pessoas geralmente são: policiais, magistrados, astrólogos, indivíduos corajosos, heróis, homens de cultura, professores de artes, pithmarda; vita, vidusaka, fabricantes de grinaldas, de perfumes, vendedores de bebidas, lavadores, barbeiros, religiosos mendicantes e outros afins, conforme a finalidade desejada.
Existem homens que devem ser vistos apenas sob a perspectiva do lucro. São eles: o independente, o jovem, os ricos, que não precisam de outros para mantê-lo, um funcionário, um homem que tenha conseguido renda sem esforço; o que é motivado por ressentimentos ou tem renda fixa; o que é considerado de sorte no amor; o fanfarrão e o homem impotente que quer se valer como homem; o que quer mostrar que é melhor que outros; o homem que é generoso por natureza, o que tem influência no palácio ou um ministro; um que se entrega ao destino e é indiferente ao dinheiro; aquele que transgride à autoridade dos pais; o que pertence a uma ordem religiosa; o que ama secretamente; o que é um heroi ou o homem que é um médico.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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No entanto, todos que desfrutem de boas qualidades e que podem dispensar amor e reputação devem ser bem atendidos. Então, são estes os bons amantes: os de famílias nobres, os estudiosos, os eruditos, os mestres em todas as áreas, os poetas, os mestres de narrativas eloquentes, os decididos, os que respeitam os velhos, os que têm altos ideais e grande determinação e de inquebrantável fidelidade. Os não invejosos, os leais aos amigos, os alegres e festivos, os saudáveis e não mutilados, os que bebem pouco, os viris e educados, os que vivam de forma independente e que não sejam grosseiros, os não invejosos e os homens que não sejam inseguros.
Vamos ver agora as qualidades de uma boa amante: deve ser bela, jovem, deve apresentar sinais claros de boa sorte e se mostrar extremamente doce; dar valor às pessoas e não ao dinheiro; deve desejar os prazeres do amor, ter um espírito estável, sem mudanças bruscas de personalidade, deve ser distinta, viver sempre sem ganância, deve gostar das artes, de festas e de encontros.
Os valores gerais devem ser: a inteligência, bom caráter, educação, honestidade, gratidão, antecipação, disposição, fidelidade à palavra para distinguir o momento e o lugar apropriados para viver como uma pessoa inteligente, evitar a depressão, ser alegre, não deve ser perversa, não pode ser caluniosa, evitar a ira, a ganância, a arrogância. Deve ter correção na conversa e, finalmente, tem que ser especialista no tratado do Amor e nas suas ciências adicionais. Afastar-se dessas qualidades é mostrar seus defeitos.
O que os homens não devem mostrar às prostitutas, ou o que eles não podem ser: consumistas, doentes, afetados por vermes, ter mal hálito, amar a esposa, ter linguajar vulgar, ganancioso, cruel, ter sido abandonado pelos pais, ladrão, hipócrita, praticar magia com raízes, indiferentes à honra ou à desonra, deixar-se corromper pelo dinheiro e, finalmente, ser muito modesto ou demasiado pudico.
Segundo os mestres, as razões para se ter um relacionamento com uma prostituta são: medo, paixão, ganância, concorrência, vingança, rivalidade, curiosidade, uma decisão, tristeza, escrúpulos morais, a fama, a compaixão, o conselho de um amigo, a vergonha, querer aparecer para a amada, a riqueza, o apaziguamento do desejo, a paridade social, a vontade de ver-se continuamente, a esperança em um futuro juntos. Para Vatsyuyana, os motivos são simplesmente a ganância, a necessidade de não ter prejuízos e o amor. O amor, no entanto, não se deve prejudicar os lucros, pois este último é o principal motivo. No caso de temor e de situações parecidas, deve-se analisar a importância relativa.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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A – COMO ATRAIR UM POSSÍVEL CLIENTE Mesmo que um cliente em potencial convide, uma prostituta não deve aceitá-lo rapidamente, porque os homens desprezam as mulheres que sejam fáceis de se obter. Para conhecer o motivo do convite, envie vestidos de criados, mensageiros, cantores, bufões78 ou outros à casa do homem. Através deles conhecerá a integridade do candidato, se sente desejo ou o rechaça, se é apaixonado ou indiferente, se é generoso ou avaro. Se encontra o que tem buscado, faça amizade com ele mandando à frente o vita. Então, com o pretexto de uma luta de perdizes, galinhas ou ovelhas, ou o ensino de papagaios ou estorninhos, ou ainda um show ou um espetáculo de arte, o pithamarda levará o homem à casa da prostituta ou ela à casa dele. Uma vez ali, a mulher lhe oferecerá como presente de amor um objeto que suscite simpatia e curiosidade, dizendo “Para ti, pessoalmente!” Alegre-o com a sua conversa e com atos galantes que lhe satisfaçam. Depois de despedir-se, envie-lhe um presente através de uma criada que saiba contar piadas; ou lhe faça uma visita acompanhada do pithamarda, fingindo um pretexto qualquer. É uma forma de atrair um possível cliente. Sobre esse assunto, algumas estrofes:
A quem visita, ofereça com amor betel, guirlandas e refinados unguentos e saiba conversar sobre artes. Quando há amor, troque presente com ele; e mostre o seu desejo de fazer amor por iniciativa própria. Com presentes amorosos, propostas ou simples atos de cortesia, Uma vez ligada ao amante, procure fazê-lo feliz.
78 Bufão é um tipo característico do grotesco. Existe desde a antiguidade, estando presente na corte, no teatro popular, sendo cômico e considerado desagradável por apontar de forma grotesca os vícios e as características da sociedade. O corpo do bufão caracteriza-se pela deformidade e o exagero, sendo o excesso uma de suas principais características. Também apontado como Arlequim, Faustaff ou Bobo da corte. http://pt.wikipedia.org/wiki/Bobo_da_corte (NT)
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2 – COMO É O PRAZER COM UM AMANTE
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ma vez unida ao amante, para fazê-lo feliz, a prostituta deve viver como ela fosse sua única esposa. Em resumo, faça o necessário para que o homem se encante, mas sem se encantar com ele, comportando-se, entretanto, como se o amasse.
Deve parecer suave como sua mãe, mas avara quanto ao dinheiro, como sua madrasta. Se os ganhos obtidos de um cliente não lhe parecem suficiente, não hesite em sequestrar sua filha para forçar-lhe a dar-lhe mais dinheiro. Se o amante fica doente, a prostituta não o visita na casa da sua mãe. Nestas circunstâncias, se necessário, manda uma criada fazer o que for necessário (inclusive levar-lhe flores, afirmando trazer-lhe conforto, anonimamente).
Durante o amor, mostre-se maravilhada pelas esquisitices do homem; aprenda as sessenta e quatro artes eróticas e ponha-as em prática com regularidade. Quando estiverem sozinhos, comporte-se conforme os costumes do amante; expresse os seus desejos, e esconda eventuais defeitos nas partes secretas do seu corpo. Na cama, quando o homem estiver longe dela, não se mostre indiferente; seja condescendente, se lhe acaricia as partes íntimas; abrace-o e beijeo enquanto dorme.
Acostume-se a olhá-lo quando ele estiver desatento e com o olhar perdido. Ou quando ele passa pela rua principal da sua casa; se ele percebe que você o segue com o olhar, mostre seu desconforto e, com isto, sua sinceridade. Odeie os inimigos dele, seja amiga das pessoas a quem ele quer, sinta prazer com o que ele gosta, compartilhe da sua alegria e da sua dor, queira saber coisas das suas esposas e não demonstre enfado por muito tempo. Não fique enraivecida se ele tem marcas de arranhões e mordidas, mesmo que suspeite até de outra prostituta.
Não fale do seu amor, mostre-o através das suas atitudes; pode insinuar-se bêbada, sonolenta ou doente, e expresse-se com clareza mesmo quando o homem tenha um comportamento digno de elogio. Enquanto fala, preste atenção ao significado das suas palavras; não o interrompa enquanto estiver falando; depois de ouvi-lo, expresse a sua opinião de forma objetiva e, se necessário, conteste o que foi dito. Isto sim é a amante fiel.
Interesse-se por seus assuntos, com exceção das conversas que se refiram às esposas rivais. Quando ele suspirar, bocejar, gaguejar você deve dizer: “Saúde!”. Se se irritar, se sentir eufórica, se está de mau humor, justifique com o pretexto de uma dor ou vontade de engravidar. Nunca elogie outro homem por suas qualidades, nem critique a quem tenha os mesmos defeitos que o seu homem; guarde o que lhe for presenteado por ele. Se ele lhe ofende ou se tem um contratempo, retire todas as jóias e guarde-as rapidamente. Lamente o que aconteceu, diz Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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que está disposta a deixar o país com ele e que pretende indenizar o soberano79. Quando você estiver longe, chame-o de “a força da sua vida”; se ele ganha dinheiro, realiza seus desejos e recupera a saúde, leve uma oferenda – que havia anteriormente prometido – a sua divindade protetora.
Seja elegante e moderada no que come; se canta, pronuncie entre as palavras o nome e o sobrenome do amante. Canta, pegue a mão do amante e coloque no seu peito e na sua testa e satisfeito com esta alegria, adormeça; sente-se e durma em seus joelhos. Se ele quiser, deixe que ele descanse nos seus joelhos. Se ele deixa, siga-o.
Queira um filho dele e manifeste o seu desejo de morrer antes dele. Não fale, secretamente, sobre algo que lhe afete sem que ele saiba. Impeça-o de realizar promessas ou jejuns, afirmando que assume a culpa, seja por que motivo for; caso não consiga detê-lo, siga com ele. Se acontece uma discussão, considere o assunto como sem solução, inclusive para ele.
Não estabeleça diferenças entre o que seja seu e o que seja dele. Procure não frequentar festas ou outras situações mundanas sem a sua presença; contente-se em guardar as flores que sobrarem de uma oferenda aos deuses e coma as sobras. Deve honrar a família dele, o caráter, a habilidade, a casta, a cultura, o aspecto, as propriedades, o país, os amigos, as qualidades, a idade e a cortesia. Se for corajosa, convide-o a cantar, e coisas parecidas. Vista-se sem preocupar-se com frio, calor, chuva. Se ele morrer, exclame nos funerais: “Que ele venha me tocar de novo!” (na vida futura, é claro)
Adeque-se aos seus desejos e aos seus gostos, às suas inclinações e aos seus comportamentos amorosos. Suspeite que ele possa ter utilizado magia com raízes para conquistar você (isso justifica o forte laço que os une). Quando ele quiser fazer-lhe uma visita, finja estar brigando continuamente com sua mãe, e, se esta quiser levar-lhe para outro lugar à força, peça que lhe dêm veneno, jejue até a morte, mostre um punhal ou uma corda para se matar. Tente persuadilo de sua inocência através de emissários, sem questionar ou criticar o seu modo de vida. No entanto, nunca discuta por dinheiro, e não faça nada sem consultar sua mãe.
Se ele parte em viagem para terras distantes, faça-o jurar que retornará breve; em sua ausência, abstenha-se da limpeza pessoal e de pintar-se, mas procure colocar um amuleto, ou apenas uma pulseira de concha, porque uma pulseira de concha é sinal de boa sorte. Lamente os acontecimentos. Vá se consultar com os adivinhos e escute as previsões; estude o movimento 79
É provável que se refira à cortesã que depende diretamente do Estado (situação descrita no Arbasastra), onde se indica que o montante necessário para resgatá-la é muito alto, cerca de 24.000 panas, em relação ao seu salário anual, de cerca de uns 1.000 panas.
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das constelações, a lua, o sol e os astros, porque a pessoa amada também pode vê-los. Se tem um sonho feliz, deseje que prenuncie a chegada do amante; se sonha algo de mal, mostre-se perturbada e faça uma cerimônia para neutralizá-lo. Quando o amante volta, dê graças ao deus Amor, realize oferendas aos deuses, faça com que as amigas distribuam presentes como os que celebram os acontecimentos felizes e agradeça aos corvos (que levam os presságios). Quando já não se trata da primeira vez, não importa, faça tudo, excluindo apenas o agradecimento aos corvos.
Se o amante está apaixonado, prometa segui-lo até a morte. Um amante assim tem estas características: dá livre vazão ao sentimento, não muda o comportamento, faz o que a mulher deseja, não tem dúvidas e é desinteressado em questões de dinheiro.
Tudo isto é explicado a título de exemplo, na sequência dos requisitos propostos por Dattaka. O que não foi explicado, a prostituta aprende fazendo. Com as pessoas. É a natureza dos homens.
A seguir, algumas estrofes sobre o assunto:
Por sua sutileza e sua grande força e porque é obtido naturalmente, é difícil distinguir os sinais do amor entre as mulheres, mesmo para aqueles que se dedicam a isso. Elas amam, mas tornam-se indiferentes, amam e abandonam, tendo por vezes toda a riqueza; nunca se chega a conhecer, de fato, as mulheres.
3 – MÉTODOS PARA SE OBTER DINHEIRO
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prostituta pode tirar dinheiro de um amante apaixonado naturalmente ou utilizando-se de estratagemas. Sobre isso, alguns sustentam que, se se consegue espontaneamente além do que precisa uma prostituta não deveria recorrer a outros meios. Para Vâtsyâyana, o amante A dará inclusive o dobro do acordado se a prostituta recorrer a algumas estratégias.
Escolha entre os bens, segundo o momento e o valor do dinheiro, jóias, alimentos, bebidas, colares de flores, vestidos, perfumes e coisas parecidas, ante ao amante, que a elogiará por sua riqueza.
A prostituta pode utilizar uma desculpa de que tem que pagar promessas, cuidar de jardins, templos, lagos, parques, festas ou dar presentes; ou inventar que suas jóias foram roubadas por guardas ou ladrões exatamente quando ia visitar o amante; ou que perdeu tudo em um incêndio ou porque aconteceu uma desgraça em sua casa, e o mesmo pode acontecer em relação às jóias presenteadas há pouco pelo amante ou às de sua propriedade e que estavam emprestadas a ela ou dela que estavam emprestadas a outra prostituta. A prostituta pode tornar público os gastos que teve – ou que tem – para visitar o amante; contrair dívidas por sua culpa, e discutir com sua mãe para escapar de ir ao seu encontro. Ela não deve ir a festas dos amigos porque não tem como lhes presentear; antes mesmo, mostre ao amante, e lhe recorde, os presentes de valor que houvera ganhado. Deve, em nome do amante, renunciar a alguma coisa que houvera ganhado em troca de algo que estime maior.
A prostituta também pode aduzir como justificativa, um trabalho de um artesão em benefício do amante; fazer um favor, por algum motivo, a um médico ou a um ministro, e uma ajuda a amigos, a muitos serviçais em dificuldades; ou trabalhos em casa, ritos a cumprir pelo filho de uma mulher a quem queira muito bem, desejo de gravidez, uma doença ou o desejo de aliviar a pena de um amigo. Pode, invocando os bens do amante, vender parte dos seus bens materiais; ou mostrá-los a um mercador, com a finalidade de empenhá-los, principalmente as jóias e os objetos preferidos da casa (para que ele pense que a prostituta está afogada em dívidas). Se há troca de móveis parecidos com outras prostitutas, tenha sempre algum que a distinga.
A prostituta não deve se esquecer, mas sim apregoar, as atenções recebidas no passado; faça chegar ao amante o conhecimento do muito que ganham outras prostitutas, mas a estas, na presença dele, descreva seus ingressos financeiros extraordinários, verdadeiros ou não, quase com vergonha. Rechace ostensivamente aos clientes antigos que tentem reatar os laços, com propostas de altos ganhos para a prostituta e enfatize o comportamento generoso do atual amante. Por fim, faça que ele lhe suplique um filho, que ele lhe assegure que já não terá que procurar outros amantes jamais. São as formas diferentes com que uma prostituta se utiliza para obter recursos financeiros. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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A – COMO RECONHECER O HOMEM DESENCANTADO POR AMOR
Uma prostituta deve saber reconhecer o amante desencantado pela sua mudança de humor ou pela expressão do seu rosto. Um homem assim é muito pouco generoso; estabelece laços com pessoas hostis; diz que vai fazer uma coisa e faz outra; interrompe o que está acostumado a fazer; deixa de cumprir o prometido ou cumpre o prometido de outra forma. Passa a conversar com os seus amigos através de senhas ou sinais estranhos; passa a dormir em outros lugares tendo como pretexto compromissos com amigos; além disso, começa a cair na escravidão da mulher com quem teve relações antes.
Antes que ele se dê conta, a prostituta tem que se apropriar, sob qualquer pretexto, dos seus objetos de valor, que logo um falso credor vai lhe tirar à força. Se o amante se opõe, a prostituta deve levá-lo a um juiz. Desta forma se reconhece o homem desencantado por amor.
B – COMO DESCARTAR UM AMANTE
O amante fiel, que no passado era bom, se agora oferece poucos benefícios, a prostituta o mantenha por perto, mas o engane. No entanto, se ele já não tem nada a oferecer a prostituta deve livrar-se dele com soluções alternativas, mas sem crueldade, recorrendo à ajuda de outro homem.
Se se interessa pelo que ele não gosta, você deve insistir que não está de acordo; aperte os lábios, esfregue os pés, fale de temas raros e mostre desinteresse e desprezo pelo que ele conhece.
Mortifique seu orgulho, estabeleça relações com homens superiores a ele, ignore-o, reprove a quem tem os mesmos defeitos que ele e, por fim, prefira divertir-se em lugares separados.
Se você continua sendo abordada para fazer amor, mostre-se nervosa, negue-lhe a boca, cubra a barriga e o ventre, mostre repugnância a arranhões e mordidas. Se ele tenta lhe abraçar, interponha os braços em forma de agulha; permaneça rígida, cruze as pernas se estiver deitada e com vontade de dormir. Se o vê cansado, provoque-o; se ele não consegue fazer amor, provoque-o e ria-se dele; em caso contrário é você que não deve sentir vontade - nem de noite nem Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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de dia; quando ele perceber que você sente alguma vontade, saia para fazer algumas visitas a pessoas importantes e esfriar a cabeça.
Se conversam, distorça o que fala; ria, mesmo se o assunto é sério e se ele diz algo alegre finja que se diverte com outra coisa. Enquanto ele fala, olhe com o canto do olho os serviçais e lhes faça sinais para que eles interrompam a conversa e digam alguma coisa. Fale em público os defeitos dos homens que você não gosta e faça com que uma criada confirme que o homem tem muitos desses defeitos. Quando ele vier a você não o receba pessoalmente, mande perguntar-lhe se lhe deve alguma coisa e a mesma pessoa que o recebeu o deve dispensar. São as normas que, segundo Dattaka, devem ser utilizadas no tratamento dos amantes.
Sobre o tema, duas estrofes ficam registradas:
Prostituição é unir-se aos clientes atenta aos valores dar prazer ao homem com o qual se tem relações ganhar dinheiro enquanto anima ao homem e, ao final, livrar-se dele. A prostituta que, ao acolher seus clientes se comporta segundo esta norma jamais se deixa enganar por eles e acumula muitas riquezas.
4 – RECONCILIAÇÃO COM UM AMANTE
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uando uma prostituta deixa um amante imediatamente depois de haver-lhe espremido tudo que tinha, pode restabelecer uma relação com ele, o que pode acontecer se ele é rico, ou voltado a ganhar muito dinheiro, ou se continua a atrair-lhe. Em outros casos, há que se pensar.
Este homem pode ser, baseando-se nos fatos, de seis tipos: que a tenha abandonado espontaneamente, ou porque tenha se apaixonado por outra; porque em um primeiro contato ambos de rejeitaram por motivos variados; porque lhe deu vontade de romper a relação com ela e Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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outro a tomou, imediatamente, a primazia; deu-lhe vontade de abandoná-la e agora ela está com outro; ela o deixou porque o homem era viciado em jogos e por causa disso ele se envolveu com outra amante.
Se um homem que foi abandonado pela mulher porque houve proposta por parte de outra mulher em ser sua nova amante esta não deve se reconciliar com ele; independentemente da qualidade de uma ou de outra, não lhe interessa, pois fica claro que o homem é uma pessoa volúvel.
Se o casal se separou porque a prostituta escolheu unir-se a outro homem, o outro poderá continuar sendo um homem desejado. Nesse caso, mesmo tendo se tornada rica, a prostituta poderá ser rejeitada no caso de tentar uma reconciliação. Ainda assim isso será possível. Vale a pena tentar se o homem não depender do dinheiro da mulher. Caso contrário, a prostituta não deverá investir nesse novo relacionamento.
Ao homem que deixou a mulher porque lhe deu vontade, e outro homem a acolheu, a prostituta pode acolhê-lo novamente, desde que esteja disposta e o homem lhe seja muito generoso. No caso de que ele se proponha a ser seu amante e ela continue com seu novo homem, ela deve examinar a situação sob as circunstâncias dos ganhos que poderá auferir.
É possível que a prostituta se veja assediada por um homem – que já tenha sido seu amante que recentemente tenha deixado uma mulher, em busca de algo especial. Esse homem pode estar apaixonado e não viu na atual mulher as qualidades que esperava. Nesses casos, o homem pode ser extremamente generoso.
Mas, se a prostituta se dá conta de que ele se comporta como uma criança, cujo olhar se detém em todas as partes de uma mulher, que gosta de mentir, ou que suas paixões duram tanto quanto o açafrão, ou ainda, que é um indivíduo capaz de tudo, a prostituta deve analisar se vale a pena restabelecer os laços com ele ou deixá-lo definitivamente.
O homem deixado pela prostituta por vontade própria se propõe a ser seu amante. Essa hipótese é passível de exame. Pode ser que a prostituta queira voltar a ter um novo amor e, nesse caso, muito generoso. Pode ser oportuno porque com o homem atual não sente nenhum prazer. Nesse caso, então, ela poderia juntar o prazer e os ganhos.
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Também existe a possibilidade de que, ao haver sido posto para fora, sem razão, agora o homem volta com desejo de vingança; e que, depois de obter confiança, queira se ressarcir dos gastos que teve enquanto estiveram juntos. Com um homem assim, que pensa em como prejudicá-la, não se deve nem reiniciar uma relação. Se, mais tarde, ele pensar de outra forma, há que se descobrir com o tempo. E o raciocínio é o mesmo para o homem que a prostituta deixou e que ficou com a rival, mesmo que lhe faça nova propostas.
Há os homens que se oferecem como amantes quando a prostituta está ligada a outro homem, porque pensam que podem aproveitar de uma situação qualquer. Eles pensam: “tenho campo livre e vou fazer todos os esforços para recuperá-la”. Vai falar com ela, afastar seu atual oponente e infligir um golpe no orgulho de sua amante. Mas a prostituta pode raciocinar: seu tempo de ganhar dinheiro já viu dias melhores, o seu lugar de residência também; já passou da fase mais importante da mulher, já alcançou a sua liberdade e a sua independência, já perdeu os laços familiares. Então, pode ser a hora de conquistar definitivamente um amante rico, melhor que o homem com quem vive agora. O homem pode pensar que se a prostituta tiver um tratamento melhor, conseguirá ter melhor visibilidade social; e ainda, os amigos poderão saber que ele está com essa mulher que é almejada por muitos e isso será bom para a sua autoestima; ou finalmente, poderá esperar o desenrolar dos fatos, já que é instável e se comporta conforme os acontecimentos. Pode ser uma boa opção para ambos. A um homem assim, tanto o pithamarda como todos os seus companheiros lhe disseram que, da última vez, foi a maldade da mãe da prostituta a responsável pela separação, pois ela, mesmo que quisesse, não poderia fazer nada; e lhe explicaram que ela agora acompanha o seu amante atual sem paixão alguma, mas sem ódio. O convenceram recordando-lhe dos antigos gestos de afeto da mulher, cheios de lembranças de cada um deles. É a reconciliação com um amante já desfrutado.
Alguns mestres sustentam que, entre um amante novo e um já usufruído, este último é melhor, porque já se conhece o seu caráter, já se comprovou a sua paixão e fica muito mais fácil de ser agradado. Vâtsyâyana considera, no entanto, que um amante já usufruído, dado que seus bens já foram todos usufruídos, não oferece demasiado dinheiro, e é difícil conquistar a sua confiança enquanto que o amante novo se apaixona com muito mais facilidade. Apesar de tudo, sempre há exceções, segundo a natureza dos homens.
Sobre o texto:
Se você quer a reconciliação, para afastar a rival do cliente, ou ele dela Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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ou para dar um golpe na amante atual. Quando o homem é muito apaixonado tem medo de que ela se una com outro, fecha os olhos diante das ofensas e por medo fica muito generoso. Dê prazer a quem não é fiel, e maltrate o amante apaixonado; quando vier o mensageiro de outra pessoa mais importante, sabendo que a mulher, com tempo, acabará dedicando-se ao primeiro que se ofereceu, não interrompendo a reconciliação, sem abandonar o amante que lhe seja fiel.
Mantenha relações com quem seja apaixonado e doce, embora atenda também a outros; uma vez que lhe tenham pago, é agradável manter relações com quem a ama.
A mulher esperta se reconcilia com um acompanhante já desfrutado, examinando muito bem as perspectivas, os benefícios, o amor e a amizade.
5 - DIFERENTES TIPOS DE RENDA
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e uma prostituta tem inúmeros clientes e ganha muito diariamente, não pode se limitar a entreter a apenas um amante; deve, então, estabelecer o seu preço por noite, levando em consideração o lugar, o tempo e as condições, suas qualidades e o seu valor em relação às outras prostitutas. Em suas relações com os seus clientes a prostituta deve se valer de mensageiros e de pessoas próximas a ela. Pode ter ao mesmo tempo dois, três ou quatro homens a fim de fazer uma renda extra e poder ter um bom controle da situação. Mas deve fazer todo o necessário para que nada lhe falte.
S
Para alguns mestres, quando se tem vários clientes e os preços cobrados são parecidos, devese fazer com que os valores cobrados sejam traduzidos em bens que ela deseje. Entretanto, Vâtsyâyana é de opinião que a mulher deve preferir o homem que lhe paga os préstimos em ouro, prata, utensílios de cobre, bronze e ferro, roupa de cama, colchas, vestidos, perfumes, temperos, pratos, manteiga, azeite, cereais e animais. Nos casos em que os objetos oferecidos tenham aproximadamente o mesmo valor, porque se pareçam ou sejam mais ou menos iguais, que se leve em conta os conselhos de um amigo, a necessidade premente ou futura daquele artigo, as qualidade do cliente e o seu afeto.
Segundo alguns entendidos, entre dois pagamentos iguais, de um enamorado e de outro generoso, evidentemente deve-se dar preferência ao segundo caso. Na verdade, é possível tender ao ser presenteada por um homem apaixonado, já que mesmo um avarento cede quando se apaixona; mas o mesmo não se pode dizer de um ganancioso sem amor. É a opinião de Vâtsyâyana.
Além disso, entre o rico e o pobre, deve-se sempre preferir o rico; entre o amante generoso e o que cumpre o que interessa à mulher, fica claro que ela deve escolher este último. É isto que opinam alguns mestres. Para Vâtsyâyana, considerando atendido o que interessa à prostituta, e estando ele satisfeito, deve-se escolher o homem generoso, uma vez que este não se fixa no passado. Nestes casos, a preferência deve recair naqueles que se baseiam nas perspectivas de futuro. Entre um homem agradecido e outro generoso, há que privilegiar o segundo, o generoso. O generoso, contudo, embora tenha sido o preferido durante muito tempo, se descobre uma ofensa, por mais simples que seja, ou ainda, que outra prostituta mostra-se-lhe hostil equivocadamene, não costuma levar em conta os bons serviços que tenham sido prestados por esta mulher; pois os homens generosos são, por regra geral, muito dignos, honestos e demasiadamente cuidadosos. O indivíduo agradecido, ao contrário, leva em conta os serviços que lhe foram prestados, não deixa de gostar por problemas simples, e, uma vez comprovado que a mulher tenha caráter, não é uma pequena hostilidade que a desabonará; esta é a opinião de Vâtsyâyana. Também neste caso a preferência deve considerar as perspectivas futuras.
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Para alguns mestres, entre a palavra de um amigo e a possibilidade de ganho de dinheiro, é óbvio que se deve escolher o último. Vâtsyâyana considera, contudo, que a possibilidade de ganhar dinheiro sempre está ao seu alcance, enquanto que um amigo não é fácil de conseguir e manter, principalmene quando se acredita na sua palavra. Neste caso deve-se levar em conta o momento, quer dizer, o que é mais necessário naquele momento para a prostituta. E nestas circunstâncias a mulher pode manter o amigo mostrando-lhe os motivos da sua opção e assegurando-lhe que não deseja perder sua amizade e que a continuaria tendo no dia seguinte, enquanto que o dinheiro, o perderia. Entre ganhar a impedir a perda, há que preferir, com toda a clareza, a primeira opção, afirmam alguns mestres. Mas os ganhos têm limites, enquanto que as perdas, uma vez iniciadas, não se sabe onde vão acabar; é essa a opinião de Vâtsyâyana. Em um caso deste tipo a decisão depende da importância relativa. Baseando o mesmo princípio, em relação a um ganho guficoso, é preferível evitar um prejuízo.
Os ganhos extraordinários das prostitutas de nível superior servem para fazer erigir templos e cuidar de lagos, jardins, construir barragens e capelas para o Fogo Sagrado, presentear com um bom número de vacas aos brâmanes através de intermediários de confiança e promover cerimônias e oferendas aos deuses, ou para conseguir o dinheiro de que se necessita para estes gastos. As prostitutas mais distintas, que vivem da sua beleza, destinam parte dos seus ganhos para cobrir-se de jóias, construir moradias suntuosas, diferentemente das prostitutas das categorias baixa e média. Para Vâtsyâyana, esta não pode ser uma regra, já que os ganhos são incertos segundo o lugar, o tempo as riquezas, as capacidades, as paixões e as pessoas.
A prostituta pode aceitar uma pequena compensação para manter afastados os clientes entre si, ou para se defender se querem lhe roubar um cliente fiel, ou mesmo se lhe querem privar de ganhos em relação a uma sua oponente. Ou quando considera que, estabelecendo uma relação com um dado cliente, conseguirá uma boa posição, mais bem estar,perspectivas de futuro e muitas visitas; no caso em que a prostituta queira induzir o homem a impedir uma perda, ou se pensa ofender outro homem, apaixonado, mostrando uma cortesia que teve com ela como se nunca tivesse feito, ou simplesmente por desejo de amor e com boa disposição de ânimo. Não deve aceitar uma compensação modesta quando ajuda um homem a assegurar uma oportunidade ou evitar um prejuízo. Deve buscar um ganho imediato do cliente, principalmente se tem em mente abandoná-lo num futuro breve e reconciliar-se com outro. Se o considera a ponto de voltar para sua esposa, ou se o detém na véspera de superar um momento difícil, inclusive quanto teja prestes a perder o emprego ou o amor dos pais. Se considera que ele seja uma pessoa muito inconstante; ou ainda, se num futuro próximo, alguma dessas perspectivas pode vir a ocorrer: o homem receberá um favor prometido pelo soberano, tais como imóveis de grande valor, um bom emprego, a liberação de uma grande carga sem maiores fiscalizações, a liberação de um barco com mercadorias e outros. Nos casos descritos, a prostituta deve olhar mais por ele e fazer-se sua mulher.
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Umas estrofes sobre o assunto:
Mantenha-se bem longe tanto hoje quanto no futuro daqueles que foram enriquecidos com o esforço cruel, e tão amados pelo rei. Se os homens têm evitado danos e procuram bem estar onde frequentam aproxime-se deles, mesmo que seja necessário algum esforço, e visite-os sob qualquer pretexto. Os homens que voluntariamente dão imensa riqueza para o serviço mínimo são generosos e muito coerentes mesmo que para visitá-los tenha o seu próprio custo.
6 – PERDAS E GANHOS: EXAME DAS CONSEQUÊNCIAS E DIFERENTES CATEGORIAS DE PROSTITUTAS
s ganhos perseguidos levam consigo também a perdas, a suas consequências e a dúvidas. Estas podem nascer de uma inteligência fraca, da presença excessiva de paixão, de dúvida, da honestidade, da confiança ou da raiva, da negligência, da pressa ou do próprio destino. O resultado é a falha do investimento feito, a evaporação do lucro esperado, a perda do que foi alcançado; a mulher se torna grossa, acessível a todas as doenças, perde o cabelo, e porque aparece como culpada de algum delito, ela pode até ser presa e mutilada.
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Por este motivo, ela deve fazer um esforço para evitar, desde o princípio, esses defeitos e procurar situações que essencialmente propiciem ganhos. Os três fatores que propiciam ganhos são: o Útil, a Lei Sagrada e o Amor, enquanto que os três fatores das perdas são: o prejuízo, a imoralidade e a aversão. Se, enquanto se coloca em prática um destes, se consegue outro. Um Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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é, portanto, “consequência” do outro. Quando não estamos seguros de alcançar um determinado objetivo, ou seja, não estamos seguros de que algo se realize, temos a “dúvida pura”. Se puder acontecer algo, ou o contrário, é uma “questão mista”. Quando se persegue um fim e se consegue dois, tem-se um “duplo resultado”; no caso de se conseguir resultados por vários caminhos se terá um “resultado coletivo”. Tentaremos mostrar tudo isto.
A natureza dos três fatores de ganhos já foi discutida; o contrário são os três fatores de perdas.
Quando uma prostituta, que visita um homem de excelentes qualidades consegue um benefício econômico claro, uma boa aceitação geral, boas perspectivas, visitas e pedidos de outros, isto é algo útil que tem como consequência o Útil.
Visitar a outro homem, desde que se consiga apenas dinheiro, é algo útil, mas sem consequências.
Frequentar, arcando com os gastos, a um herói ou a um ministro poderoso e mesquinho, inclusive quando não há compensação alguma, para lutar contra uma adversidade, fazer desaparecer as causas de um grave desastre econômico e gerar perspectivas futuras, é um prejuízo que tem como conseqüência o Útil.
Quando se seduz, arcando com os gastos, a um avaro, a um homem que se acredita irresistível, a um ingrato ou a um mentiroso, e ao final não se consegue nada, é um prejuízo sem consequências. Quando, da mesma forma, se pretende seduzir a um homem que é o favorito de um soberano que é muito cruel e influente, e ao final não se consegue nada, enquanto se livrar-se dele ainda lhe rende alguns problemas, é um prejuízo que traz como consequência outro problema.
Estes princípios se aplicariam também às consequências da Lei Sagrada e do Amor; além disso, se combinam os vários fatores de forma apropriada. Essas são as consequências diferentes.
Quando a prostituta se pergunta se o homem, mesmo satisfeito, será ou não generoso, tem-se uma dúvida sobre o Útil. Quando não há certeza do que seja justo, sem conseguir algum benefício, abandonar um amante que não resultou em nada, mesmo depois que ele foi espremido como a um limão, é uma dúvida sobre a Lei Sagrada. Nascerá o amor ou não, se se frequenta um homem de baixa condição, sem conhecer suas intenções? É a dúvida sobre o Amor. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Tem-se uma dúvida sobre o prejuízo quando não resulta nada claro se um homem poderoso e de baixa condição, não satisfeito, pode ou não trazer dano. Se se abandona ou se morre um amante apaixonado, que não proporcionou nenhuma vantagem é uma ação responsável ou não? É uma dúvida sobre a imoralidade. Quando não se entende o que o amante deseja, já que não expressa nem sequer uma paixão, é por acaso intolerância? É uma dúvida sobre a aversão. Estas são as “dúvidas puras”.
Agora responderemos às “dúvidas mistas”. Quando se dedicam atenções a um estrangeiro de caráter desconhecido, ou a um homem poderoso como um favorito, surge a dúvida se terá como resultado o Útil ou um prejuízo. Um sábio sacerdote, um estudante e, portanto submetido à castidade, ou um homem que foi consagrado, fez votos ou pertence a uma seita particular, depois de ver a cortesã, apaixonou-se e está a ponto de morrer; se ela o visita, a pedido de um amigo ou por benevolência, a dúvida está em saber se a ação está em conformidade com a Lei Sagrada ou contrária à mesma. Assediar um homem sem conhecer seus méritos, simplesmente porque outros o indicam, sem estar seguro de como ele é, implica uma dúvida: surgirá amor ou aversão? Estas possibilidades devem se combinar umas com as outras: são as chamadas “dúvidas mistas”.
Se, ao visitar um homem, se antevê uma vantagem, e ao mesmo tempo consegue-se outro tanto de um amante apaixonado, é um útil por ambos os lados. Mas se um encontro que acontece arcando-se com os gastos, resulta infrutífero, e o amante apaixonado, fica com raiva e leva seus presentes, fica-se no prejuízo pelos dois caminhos. Quando não se sabe se levará vantagem na visita, e se o amante apaixonado, por ciúme, não se mostrará generoso, é uma dúvida sobre o Útil. De um encontro que exige gastos, no caso de que seja impossível saber se um amante anterior, hostil, corajoso provocará algo desagradável ou não, ou se o homem fiel, indignado, retirará tudo o que lhe foi presenteado, fica uma dúvida dupla sobre o prejuízo. São os “resultados duplos”, segundo Svetaketu.
Os discípulos de Babhravya, ao contrário, mantêm: quando do encontro com um homem se conseguem alguns ganhos, enquanto que do amante apaixonado se perdem vantagens, inclusive sem mesmo visitar-lhe, tem lugar um duplo Útil. Se, realizando uma visita, a cortesã tem que assumir alguns gastos sem nenhum resultado, enquanto que lhe é negado pelo amante fiel, se derivam inevitavelmente perdas, tem-se um prejuízo pelos dois caminhos. Quando não se está segura de que, ao visitar um homem, este será generoso sem olhar os gastos, nem que, mesmo sem receber visitas, o amante apaixonado se manterá generoso, existe uma dúvida dupla sobre o Útil. Quando, por último, no caso de uma visita que exige gastar dinheiro, não se tem segurança de que o amante de um tempo atrás se mostrará hostil e muito duro, e tam-
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pouco é seguro de que, o homem fiel, privado destas visitas, por despeito, provocará perdas, se tem uma dúvida dupla sobre o prejuízo.
Quando se encontram estas situações, o resultado é: por um lado o Útil, por outro, o prejuízo; por um lado o Útil, por outro a dúvida sobre o Útil; por um lado o Útil, por outro a dúvida sobre o prejuízo; por um lado, parte do prejuízo, por outro a dúvida sobre o Útil, por um lado o prejuízo, por outro a dúvida sobre este mesmo prejuízo; por um lado a dúvida sobre o Útil e por outro lado a dúvida sobre o prejuízo. Estes são os seis resultados mistos.
Em casos parecidos, depois de ter refletido com os amigos, aceite a dúvida sobre o Útil, quando os ganhos parecerem muito consistentes e resultem possíveis para amortizar um grande prejuízo. Desta forma, baseando-se em um arrazoado parecido, podem-se exemplificar outros casos relacionados com a Lei Sagrada e com o Amor. Estes se combinam e se cruzam entre si. São os “resultados duplos”
Vários vita juntos frequentemente recebem apenas uma prostituta: é a seleção em companhia. Quando uma mulher tem relações com um ou com outro deve buscar ter vantagens de cada um através da rivalidade que os separa.
Na festa de primavera e em ocasiões parecidas onde a mãe advirta: “hoje minha filha irá com aquele que lhe satisfaça este ou aquele desejo”. Logo, neste tipo de festividade, considere as vantagens com bom senso. Útil em um sentido, ou em todos os sentidos; prejuízo por um lado, ou por todos os lados; Útil meio a meio, ou em cada caso; prejuízo meio a meio, ou em todos os casos: os “resultados coletivos”. Como antes, também aqui se apliquem as dúvidas sobre o Útil e sobre o prejuízo, e procure-se mesclá-las; e praticamente o mesmo se faça em relação à Lei Sagrada e ao Amor. É o exame das consequências e das dúvidas relacionadas com os ganhos e com as perdas.
As distintas categorias de prostitutas são: a carregadora de água, a mulher infiel, a desinibida, a dançarina, a artesã, a mulher completamente corrompida, a que vive de sua beleza e a cortesã. Para todas estas vale, nos termos adequados a cada uma, as abordagens sobre clientes e amigos, como satisfazê-los, métodos para ganhar dinheiro, como descartar os amantes e reconciliarem-se com eles, êxitos dos diferentes tipos de vantagens e exame das consequências e dúvidas relativas aos ganhos e perdas. Esta é a prostituição.
No fechamento, duas estrofes sobre o assunto: Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Uma vez que os homens perseguem o prazer, e este tem lugar com as mulheres - é o ponto fundamental do tratado -, aqui temos tratado dos êxitos femininos. Existem mulheres que se entregam à paixão e mulheres que buscam o dinheiro; em outra parte deste tratado se falou sobre a paixão, e na parte dedicada às prostitutas, aos resultados que elas têm.
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VII – AS DOUTRINAS SECRETAS 1 – COMO SER ATRAENTE
Kamasutra teria terminado aqui. Entretanto, aqueles que não conseguem o que buscam com as normas estabelecidas neste documento, ainda podem lançar mão das doutrinas secretas. Beleza, qualidades, juventude, generosidade: estes fatores são baseados na sedução. Um unguento de tagara, kustha e folhas de talisa têm poderes imensos; também se pode usar a fumaça negra como colírio preparado com os mesmos ingredientes, bem triturados, em um crânio humano, estendendo a mescla com azeite de aska. Um bálsamo de eficácia parecida é o azeite de sésamo cosido com raízes de punarnaya, sahadevu, sariva e amaranto amarelo, e folhas de lótus azul; isto funciona também nas guirlandas.
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Um homem ficará coxo e fascinado por uma mulher se for ungido com creme de fibras de pó seco de lótus azul e Naga, com mel e manteiga clarificada, Também ficará se a essa pomada for juntada flores de tagara, talisa e tamala.
Tem um efeito assustador manter na mão direita um ovo de pavão real ou de hiena coberto com ouro; o mesmo que um amuleto de azufaifa e um de conchas. Nestes casos devem-se aplicar os encantamentos do Atharvaveda.
Um mestre, que siga as artes mágicas na sua doutrina, pode manter aleijado durante um ano uma serva que tenha atingido a puberdade; logo em seguida, dá-la a um candidato apaixonado porque é muito bonito e se este oferecer muito pela menina: é um meio para aumentar a fascinação. Quando sua é virgem, a cortesã convida com grande fausto aos pretendentes adequados para ela por cultura, caráter e aspecto, prometa-a em matrimônio àquele que possa oferecerlhe dotes especiais, e logo a mantenha escondida. A garota, fingindo ausentar-se, pode entregar-se aos prazeres de um jovem elegante e rico às escondidas, por um acordo feito antes, e em troca de bons valores, em lugares previamente marcados. E todos ganham um pouco com isso. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Além disso, um dos pretendentes, paga o combinado à mão e esta lhe concede a mão da moça. Se chegada a hora não consegue o dinheiro combinado, tira-lhe todo o dinheiro que tem e afirma que esse homem não merece a sua filha. Caso contrário, basta dar a virgindade da filha após o casamento. E se ela faz uma parceria com os amantes em segredo, à revelia da mãe, ela pode processar o homem (primeiro responsável) perante os juízes, que a conhecem bem. As cortesãs, de todas as formas, deixam livre a sua filha, quando ela tenha perdido da virgindade por culpa de uma amiga ou uma escrava, ou quando o Kamasutra tenha sido bem estudado, quando é experiente nos artifícios que se aprendem com a prática e tanto sua idade como sua fortuna amorosa já começam a aparecer; são procedimentos tão antigos quanto a vida do homem. Se o casamento de uma menina assim durar mais de um ano sem traições, então é porque há laços de amor.
No entanto, ao final de um ano, o homem que a desposou pode convidar a um amigo a fazer uma visita noturna à esposa, sem pagamento. É a regra dos casamentos das prostitutas, e a maneira de aumentar o seu fascínio. Este mesmo argumento vale para as filhas de gente do teatro. Estes, entretanto, podem conceder uma donzela ao homem, que teriam vantagens, porque se destacam por tocarem um instrumento musical. Teria esse direito. São as distintas maneiras de fazer-se atraente.
A – COMO VENCER
Tem um efeito subjugante fazer amor com o pênis aspergido com o pó de datura, pimenta negra e pippali; e também, esfregar (a outra pessoa) com o pó cozido de uma folha trazida pelo vento, junto com o pó da coroa de um osso de um faisão morto. O mesmo efeito se consegue com pó mesclado com mel, tirados de um abutre fêmeo morta de morte natural; devemse adicionar frutos de amalaka e dar-se um banho.
Quando um composto feito com caroços de euforbio feito em pedaços, misturado com arsênico vermelho em pó e enxofre, seco sete vezes e finamente picados é passado no pênis com um pouco de mel, a mulher se torna escrava após o amor. Se uma donzela é pulverizada com as mesmas substâncias reduzidas a pó e misturadas com fezes de macaco, jamais se entregará a outro homem.
Faça um buraco no tronco de uma árvore de simsapa e encha com pedaços de carne de vaca, deixadas em molho de azeite de manga durante seis meses; desta forma tem-se um unguento dos deuses que, dizem, tem o efeito de subjugar. Quando se faz uma incisão no tronco de uma Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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árvore e se coloca, sempre durante seis meses, resina de kadhira em rodelas finas, estas adquirem o perfume das flores daquela árvore e desta forma se consegue um unguento amado pelos Dandharva80, o qual como se disse, é capaz de fazer escravos. Se você fizer um buraco no tronco de uma naga e colocar, durante seis meses, flores de privangu misturadas com tagara molhadas em azeite de manga, consegue-se o unguento muito apreciado pelos Naga81, que dizem, tem a propriedade de também subjugar.
Um osso de camelo preso e queimado em suco de bhrngaraja nos dá um preparado para os olhos; se este preparado é colocado um osso tubular e, mediante uma haste feita de osso – sempre de camelo – juntamente com antimônio, obtem-se uma substância purificadora para os olhos e faz escravos. A mesma explicação vale para os colírios que são feitos a partir de ossos de gaviões, abutres e pavões reais. Estas são as diferentes maneiras de subjugar.
B – ESTIMULANTES DA MASCULINIDADE
Um homem estimula a virilidade se bebe leite açucarado, ao qual é adicionado um dente de alho, pimenta cavya e alcaçuz.
Também se consegue vigor sexual tomando leite no qual foram cozidos testículos de carneiro adoçados com açúcar.
O mesmo efeito tem uma bebida de svavamgupta, vidari, ksirika e leite, se preparado com a adição de sementes de privala e raízes de cana de açúcar e vidari.
Também se pode moer srngatak, ksirakakoli e kaseruka e raiz de alcaçuz, adicionando leite adoçado e manteiga, tudo cozido em fogo lento e feito um doce; o homem que come deste doce até saciar-se pode se unir a várias mulheres e não se cansa. É o que contam os mestres.
80 Míticos músicos celestiais, como é interpretado em relação às diferentes formas de casamento nas que o Dandharva se fundamenta no simples ato do amor consensual. Através do canto, e, de alguma forma, sobre o “feitiço” do amor. 81 Divindades em forma de serpentes, que vivem no subsolo, cujo culto se encontra difundido por todas as partes da Índia desde os tempos mais remotos.
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O mesmo sucede, sempre segundo alguns mestres, quando um homem se alimenta com um prato assim preparado: Lave algumas judias82 abertas, com água e banhadas em manteiga quente. Após, cozinhe-as em leite de uma vaca que tenha bezerro já crescido, acrescentando mel e creme de manteiga. Consegue-se o mesmo efeito, dizem os mestres, comer até saciarse, um doce feito com vidari, svayamgupta, açúcar, mel, creme de manteiga e farinha de trigo.
Funciona do mesmo modo, tomando até a saciedade uma bebida de leite e arroz empapado em ovos de pardal, regada com mel e creme de manteiga; e carrega a mesma força quem é levado a comer um doce assim preparado: grãos de gergelim embebidos em ovos de pardal, frutos de srngaraka, kaseruka e svayamgupta, com farinha de trigo e de judias, leite adoçado e creme de manteiga.
Duas palas83 para cada uma de creme de manteiga, mel, açúcar e alcaçuz, um karsa de madhurasa, um prastha de leite. Este néctar, composto de seis ingredientes, segundo os mestres é uma poção purificadora, capaz de dotar de virilidade e vida longa.
Há, além disso, um prato preparado com o cozimento de satavarik, svadamstra e melaço, uma pasta de pimenta e mel, leite de vaca e creme de manteiga de cabra; se deve tomar todos os dias, a partir de quando a lua entre em Pusya84; os mestres afirmam que é uma receita purificadora, capaz de dar vigor sexual e de prolongar a vida.
Também se podem cozinhar satavari, svadamstra e alguns frutos amassados de sriparni com quatro partes de água até conseguir a consistência adequada; deve ser comido de manhã, a partir de quando a lua entra em Pusya; também a isto, as autoridades competentes nesta matéria consideram uma receita purificadora, capaz de dar virilidade e prolongar a vida.
E, por fim, se pode tomar todos os dias, pela manhã, bem cedo, ao se levantar, uma mistura de duas pala de farinha de cevada e svadamstra divididas em partes iguais; é, segundo os professores desta arte, uma preparação que purifica e dá poder erótico.
82 Judia – Planta da família da leguminosas. As vagens secas são utilizadas como diurético na retenção de líquidos, gota, cascalho, pedras nos rins, dor ciática, eczema. Antidiabético. (NT) 83 Pala, karsa e prastha, medidas de peso equivalentes, respectivamente, a 38, 9,5 e 600 gramas aproximadamente. 84
Pusya é um dos vinte e sete (na verdade o vigésimo oitavo) maksatra, espécie de “constelações” características da astronomia hindu; a que trata das características humanas, o grupo de estrelas distintas pelas quais a lua passa, por assim dizer, em cada um dos dias do seu ciclo mensal.
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Convém aprender as diferentes maneiras que existem para suscitar o amor do Ayurveda e do Veda85, das artes mágicas e de pessoas preparadas. Não utilize procedimentos questionáveis ou que representem risco para o corpo ou exijam a morte de seres vivos ou, ainda, que sejam ligados a substâncias impuras.
O homem viciado em acumular poder, que use os métodos ensinados pelos sábios e aprovados com todas as bênçãos pelos brâmanes e pelos amigos.
2 - COMO REACENDER O DESEJO QUE SE APAGA
S
e um homem não se sente capaz para satisfazer uma mulher ardente, que busque remédio.
Ao iniciar o sexo, acaricie com a mão suas partes íntimas e, quando ela já tiver conseguido o prazer, una-se a ela; essa é uma maneira de reacender o desejo. Por sua vez, o amor praticado com a boca desperta os sentidos de um homem com a paixão fraca, já não tão jovem, obeso ou já cansado por outras relações. Ou, caso contrário, ainda pode recorrer a mecanismos artificiais. Estes mecanismos são o ouro, a prata, o cobre, o ferro, o marfim, o chifre de búfalo, o estanho ou o chumbo, suaves, com efeitos refrescantes, ou violentos. São os diferentes apoios artificiais segundo Babhravya. Para Vâtsyâyana, podem ser de madeira ou como melhor agrade a cada um. Um mecanismo artificial deve ter um orifício com o diâmetro do pênis, a circunferência exterior rugosa, com nódulos e ser bastante volumoso. Os que são deste tipo são os chamados “capa”. Usados três ou mais, constituem o “bracelete”; o “bracelete único” obtém-se enrolando ou colocando no pênis. Segundo o tamanho que se queira, coloque tantas “capas” quantas se deseje. O objeto com um buraco em um dos lados (para que se possa passar uma corda), duro e rugoso, imitando veias de sangue, que se ajusta à cintura do homem chama-se “armadura” ou “rede”. Se não se pode conseguir isto, pode-se utilizar um talo de alabu ou um pedaço de bambu,
85 O Ayurueda (Ciência da Vida) é a medicina tradicional hindu, um ramo que compreende, entre outras coisas, a preparação dos afrodisíacos. Como Veda se entende, neste caso, o Atharvaveda (o quarto livro dos Veda).
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bem empapada em azeite e unguentos e atada à cintura por uma cinta, ou ainda um colar de madeira lisa, laçado e com muitos nódulos de amalaka. São os diferentes objetos artificiais que podem auxiliar os que não se sentem capacitados. Dado que consideram que sem a utilização desses objetos não se pode fazer amor a contento, os habitantes do Sul, ao contrário, fazem um buraco à faca no pênis, como se faz no lóbulo da orelha, mergulhando imediatamente o pênis em água até que pare de sangrar; para manter o buraco aberto, naquela noite se dedicará muito tempo ao amor (considerando a longa ereção do pênis). Passado um dia, limpará a ferida com unguentos e pomadas. Para manter a dilatação do furo, usará cataplasmas feitos com folhas de vetasa e kutaja limpando-o com alcaçuz misturado com mel. Em seguida, tentará aumentar o diâmetro do furo usando um pedaço de chumbo e óleo de caju. Feita a abertura, podem se lhe aplicar objetos artificiais fabricados com formas distintas: a “volta”, o “semicírculo”, o “pilão”, a “flor”, a “espinha”, o “osso da garça-real”, o “tronco”, os “oito discos”, o “espiral”, o “cruzamento” e outros, segundo a imaginação e a prática. Esses objetos podem ser lisos ou rugosos e devem resistir convenientemente ao uso. Assim se pode reacender o desejo que se apaga.
A - COMO ENGROSSAR O PÊNIS Uma das possibilidades é a seguinte: comprime-se o pênis com os pelos de alguns insetos nascidos em árvores. A seguir, massageia-se o pênis com azeite durante dez noites, e novamente comprime-o com os pelos dos insetos e, novamente, volta-se-lhe a massagear; desta forma um homem consegue que ele fique mais grosso; em seguida, deita-se na cama (sem o colchão), de barriga para baixo, deixando que o pênis fique caído por um buraco no estrado da cama. É o modo típico dos vita de deixar o pênis mais grosso, e que dura toda a vida e que é chamado “com pelos”. O engrossamento dura um mês, se se esfregar o pênis com o líquido obtido da maceração dos seguintes vegetais e animais: ashagwanda86, batata doce, sanguessugas, frutos de brhati87, manteiga fresca de búfala, hastikarna88 e girassol. Este procedimento e outros parecidos se aprendem com pessoas preparadas.
São as maneiras diferentes de engrossar o pênis.
B - SIMPATIAS
86
Planta nativa da Índia, muito utilizada para acelerar a convalescença e reforçar a saúde. (NT)
87
Planta muito usada para benefício da garganta, alivia edemas e soluços. (NT)
88
Planta a que se atribui propriedades de reguladora homeostática, antituberculínica e anestésica. (NT)
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• Se uma mulher for polvilhada com pó de euphorbia89 misturado com punarnaua, excrementos de macaco e raiz de laugalika, esta não será mais capaz de amar outro homem. • Se um homem já não é mais capaz de fazer amor com uma mulher, esta deve lhe aplicar nas partes íntimas poeira de estrada, avalguja, alba, urina de formigas e suco de jambu. • O mesmo efeito valerá para se unir a uma mulher que se banhou em poeira de esterco animal, menta e urina de formigas com leite aguado de búfala. • Para que se sintam infeliz no amor, mande-lhes coras de flores salpicadas com unguento preparado com flores de nipa, amrataka e jambu. Um bálsamo de kokilksa faz com que se consiga uma noite com uma mulher elefante. Polvilhar com lotus azul, kadamba, sarjaka e sugandba, molhados em mel, formando um ungüento, faz com que se dilate a mulher cerva. • Os frutos de amalaka em suco de eufórbio, soma, arka e frutos de avalguja têm o poder de clarear os pelos. Um banho com raízes de jasmim silvestre, de kutajaka, añjanika, girikarnika e slaksnaparni devolve ao pelo sua cor natural. Se se passa nos pelos azeite cozido com estes ingredientes faz-se com que os pelos fiquem negros como antes. Branqueiam-se os lábios pintando-os com tinta fresca dos testículos de um cavalo branco. O jasmim silvestre e outros ingredientes já citados devolvem aos lábios a sua cor natural. • O homem que toca uma flauta embebida em menta, kustha, tagara, talisa, deodara e euforbio, consegue encantar a mulher que ouve esta música. • A bebida feita com frutos da datura é alucinógena. O melaço ou a digestão fazem com que passem os efeitos alucinógenos. • Se você tocar nos excrementos de um pavão real que tenha comido arsênico amarelo ou roxo, os objetos que toque a seguir ficam invisíveis. • Água com cinzas de carvão, ervas e azeite torna-se branca como o leite. • Os pratos de ferro, cobertos com sravana e priyanguka esmagados em baritaka e amrataka ficam da cor do cobre – avermelhados. Quando acendemos uma lâmpada de azeite de sravana e de priyanguka com pedaços de camisa de seda de motivos de serpente e se põe lascas de madeira ao fogo se consegue que estas pareçam serpentes. • Beber leite de uma vaca branca que tem um bezerro branco produz glória e vida longa; e a benção dos veneráveis brâmanes. 89
Alba, amrataka, añjanika, arka, avalguja, datura, euphorbia, girikarnika, jambu, kadamba, kokilka, kusthya, kutajaka, laugalika, nipa, priyanguka, sarjaka, slaksnaparni, soma, sravana, subanba, tabara e talisa, mencionadas neste capítulo, são plantas da botânica hindu. (NT)
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Examinados os tratados anteriores e cumpridas as suas prescrições, com grande esforço e de maneira concisa lhes exponho este Kamasutra. Quem sabe suas doutrinas compreende a Lei Sagrada, o Útil e o Amor, está confiante, conhece o mundo e não apenas age segundo sua paixão. As formas estranhas de acender a paixão perfeitamente bem fundamentadas neste tratado, imediatamente a seguir nestas páginas, mesmo aquelas que tenham sido expressamente proibidas. Quando não há tratado só existe a prática; convém saber que a teoria inclui tudo enquanto a prática refere-se a uma parte. Vâtsyâyana escreveu este Kamasutra levando em conta todos os encargos, depois de analisar e submeter a revisão do conteúdo do ensaio de Babhravya. Esta obra foi redigida em castidade e com uma total concentração, para que sirva para a vida cotidiana: não foi feita fingindo-se apenas a paixão. Vence os sentidos o que conhece a fundo a mensagem deste tratado, enquanto concede à Lei, ao Útil e ao Amor o posto que tem no mundo. Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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Mallanâga Vâtsyâyana
Por este motivo o sábio experiente neste livro, que respeita a Lei e o Útil, sem ser escravo da paixão cega, tem êxito, se se adequa a ele quando ama. FIM
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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O KAMASUTRA
Mallanâga Vâtsyâyana
NOMES BOTÂNICOS CITADOS NO TEXTO Relação de plantas e árvores da Índia, cujos nomes foram conservados no original. Junto ao nome em sânscrito, colocamos o equivalente na nomenclatura botânica oficial: Aguimantba (Premna spinosa ou Clerodendrom phlomoides). Aksa (Terminalia beIlerica) Alabu (Lagenaria vulgaris) Aluka (Arum campanulatum) Amalaka (Emblica officinalis Gaenn.) Amrataka (Spondias mangifera) Afjanika; arka (Calotropis gigantea); Asoka (Jonesia asoka Roxb.); Asuagandba (Physalis fexuosa ou Withania somnifera); Atmlguja (Vemonia anthelminthica); Bbrnga, bbrngaraja (Eclipta prostrata ou alba); Brbatf; cavya (Piper chaba); Coraka (Trigonella corniculata); Girlkarnika (Clitoria tematea); Baritaka (Temtinalia chebula); Bastikarna (Alocasia macrorrhiza); Jambu (Eugenia jambolana); Kadamba (Nauclea cadamba ou Anthocephalus indicus); Kapittba (Feronia elephantum); Kaseruka (Scirpus kysoor); Kbadira (Acacia catechu); Kokilaksa (quizdu, Asteracantha longifolia); Ksirakakoli; ksirlka; kustha (Costus speciosus ou Saussurea lappa); kutaja, kutajaka (Wrightia antidysenterica); Laugalika (Methonia superba ou Jussiaea repens); Madburasa (Sanseviera Roxburghiana); Rurga (Mesua Roxburghii); Randyauarta; nipa (cfr., kadamba); Pqpali (Piper longum); Priyala (Buchanania latifolia); Prlyangu, priyanguka (Panicum italicum); Punarnaua (Boerhavia procumbens); Sabadevi (Sida cordifolia ou Vernonia cinerea); Sala (Vatica ou Shorea robusta); Salmali (Bombax eptaphyllum ou Salmalia malabarica); Sariaa (Ichnocarpus frotescens); Sarjaka (talvez Terminalia tormentosa); Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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O KAMASUTRA
Mallanâga Vâtsyâyana
Satavarl (Asparagus racemosus); Simsapa (Dalbergia sissoo); Slaksnaparni; soma; sravana; sriparni (Gmelina arborea); Srngaraka; srngataka (Trapa bispinosa); Sugaudba (Andropogon schoenanthus); Sukauasa; surana, valaka (Amorphophallus campanulatus); Svndamstra (Asteracantha longifolia ou Pedalium murex); Svayamgupta (Mucuna proritus); Tagara (Tabemaemontana coronaria); Talisa (Flacounia cataphracta ou Abies Webbiana); Tamala (Xanthochymus pictorius ou Cinnamomum tamala); Tilaparnika (talvez, Gmelina arborea); Tumbi (Lagenaria vulgaris); Usiraka (Andropogon muricatus); Uyadbigbataka (Cathanocarpus fistula); Vaca (Acorus calamus); Vetasa (Calamus rotang); Vidart (Batatas paniculata ou Hedysarum gangeticum);
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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O KAMASUTRA
Mallanâga Vâtsyâyana
LOCAIS DA ÍNDIA CITADOS NO TEXTO ABHIRA AHIOCHATRA ANDHRA ANGA AVANTI BAHUKA COLA DRAVIDA GAUDA GRAMANARI
HIMAVAT INDO KALINGA KASI KOSALA KOTTA LATA MADHYADPSA MAHARASTRA MALAVA PAÑCALA PATAHPUTRA SAKETA STRIRAJYA SURASENA SURASI'RA VANAVASA VANGA VATSAGULMA
Região habitada pela tribo de mesmo nome, situada a Oeste de Delhi. Região no entorno da atual Ramnagar, no estado de Bihar, a Nordeste da Índia. Território do Deccan, ente os rios Godavari e Krishna. Antigo reino. Ocupava parate da atual Bengala. Antigo reino na região de Ujjayini. Região montanhosa situada entre o Norte do Paquistão e o Sul do Afeganistão. Antigo reino, anexado à costa do Coromandel, nome dado à faixa marítima de Tamil Nadu, no Sudeste da Índia. Região da costa oriental do Deccan, que corresponde a Tamil Nadu, no Sudeste da Índia. "País da Cana de Açúcar”, correspondente a Bengala ocidental, um estado da Índia. Região da fantasia, “vilas femininas”. Região montanhosa do Stri Rajya, também chamado de “reino das mulheres” onde as mulheres podiam desposar vários amantes ao mesmo tempo. Não há evidências da sua existência. "Nervoso", um dos nomes da cadeia de montanhas do Himalaya. O grande rio, forma em seu curso superior o fértil vale do Punjab. Reino compreendido entre os ríos Mahanadi e Godavari. É a atual Benares, cidade sabrada sobre o rio Ganges. A cidade de Ayodhya. "Fortaleza", antiga dicade da atual Gujarat. Reino que se estendia pela parte meridional da atual Gujarat. "Região central” da Índia, que atualmente corresponde a Uttar Pradesh. "Grande reino", nome de um grande território no centro ocidental da índia. Provavelmente a região de Malwa, ao Norte do rio Narmada. Região de Delhi. Nos tempos védicos habitada por um povo poderoso. Antiga capital de Magadha, correspondente à atual Patna. Otro nome da cidade de Ayodhya; cfr, KOSALA. "Reino das mulheres", localizado no extremo Norte da Índia. Região de Mathura, no Norte da Índia. Atual Kathiawar, península da Índia ocidental. Este reino ocupava os bosques da floresta ocidental de Konkan. Antigo reino de Bengala oriental, hoje Bangladesh. Provavelmente um reino do Deccan.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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O KAMASUTRA VIDARBHA
Mallanâga Vâtsyâyana Reino ao sul dos montes Vindhya. Corresponde a Bera.
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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O KAMASUTRA
Mallanâga Vâtsyâyana
MAPA DA ÍNDIA, HOJE Disponível em: oracoesemilagresmedievais.blogspot.com. Acesso: 26112011
Alexandre Prado
[email protected] 03/2012
Versão em português: Alexandre Prado (da versão em espanhol)
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