Pequeno Tratado de Oração

February 9, 2017 | Author: Carla Britto | Category: N/A
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Pequeno Tratado de Oração Um Caminho de Perfeição 1º Edição Digital

Índice Introdução ................................................................................................................................... 5 A Espiritualidade Materialista da Atualidade ..................................................................... 6 Capítulo 1 - A Oração ................................................................................................................. 9 A Oração ........................................................................................................................... 11 Disciplina .......................................................................................................................... 16 A Oração Incessante ......................................................................................................... 19 A Oração Mental .............................................................................................................. 22 Os Graus de Oração .......................................................................................................... 25 O Primeiro Grau de Oração .............................................................................................. 26 O Segundo Grau de Oração .............................................................................................. 27 O Terceiro Grau de Oração .............................................................................................. 29 O Quarto Grau de Oração ................................................................................................. 29 Oração de Compaixão: As Graças de Santa Teresa ......................................................... 31 Imaginação e Imagens ...................................................................................................... 32 Contemplação ................................................................................................................... 33 Mística e Devoção ............................................................................................................ 34 O Dom das Lágrimas ........................................................................................................ 36 A Contrição do Coração ................................................................................................... 38 Capítulo 2 - A Morte Mística: ―... é morrendo que se vive para vida eterna...‖ ....................... 40 O Verdadeiro Cristão e o Falso Cristão ............................................................................ 42 Exame de Consciência e Morte Mística ........................................................................... 42 Capítulo 3 – Virtudes: Vida Mística e Ascética ....................................................................... 48 O Arrependimento ............................................................................................................ 50 O Perdão ........................................................................................................................... 50 A Cerimônia do Perdão .................................................................................................... 52 A Paz ................................................................................................................................ 53 A Renúncia ....................................................................................................................... 54 O Grande Tesouro ............................................................................................................ 56 A Gratidão ........................................................................................................................ 56 A Equanimidade ............................................................................................................... 58 A Tranquilidade Diante de Perigos, Insultos e Ofensas ................................................... 59 As Pregações de São Francisco ........................................................................................ 61 A Felicidade...................................................................................................................... 62 A Perfeita Alegria ............................................................................................................. 65 Simplicidade: Nunca Tenha um Gato ............................................................................... 67 O Contentamento .............................................................................................................. 69 O Eremita e sua Cela ........................................................................................................ 70 A Satisfação ...................................................................................................................... 71 Uma Visita a Duruelo ....................................................................................................... 71 A Experiência da Santa Pobreza ....................................................................................... 72

Apêndice 1 - Concentração....................................................................................................... 74 Distração e Concentração: Construindo as Bases............................................................. 76 Desenvolvendo Interesse pela Concentração ................................................................... 78 Apêndice 2 - Orações Selecionadas.......................................................................................... 80 Apêndice 3 - Um Ultimo Alerta ............................................................................................. 102 A Lei da Atração............................................................................................................. 104

Introdução

Atualmente as pessoas estão cansadas, desiludidas e, até têm certa repulsa quanto à idéia de religião. Certamente os líderes religiosos são os grandes responsáveis disso, pois têm dado péssimos exemplos. Incoerência, fanatismo, intolerância, brigas, guerras, extorsão, mentiras, exploração, abusos e aproveitamento, são os exemplos que se vê.

Informação e conhecimento não são vivência, sabedoria, compreensão profunda ou consciência. Mas a grande maioria dos religiosos é completamente inconsciente, vive apenas de teorias, crenças e opiniões. Por este motivo, discutem e brigam, ao depararem com alguém com crenças ou opiniões divergentes.

Somente a compreensão profunda e a experiência mística podem nos levar a transcender os conceitos sobre religião e perceber que ―todas as religiões são pérolas preciosas engastadas no fio de ouro da divindade‖1.

Infelizmente, nos dias de hoje, a mística está fora de moda e os místicos são vistos como pessoas esquisitas, alienadas. Porém, místicos são aqueles que vivem em sintonia, em harmonia com Deus, são conhecedores da Verdade, são possuidores de genuína fé. Ter fé não é a mesma coisa que crer, pois crer é uma questão de boa vontade e ter fé é uma questão de consciência e, portanto, um místico não é um alienado e, sim, alguém consciente.

Mística é toda espécie de união interior com Deus. Não é questão de teoria, mas, sim, de vivência, de experimentação direta. Por ser uma vivência interior, é intransferível.

O desenvolvimento da mística é fundamental para quem busca um caminho espiritual. Todo caminhante tem que se tornar um devoto, um bhakta.

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Samael Aun Weor. Mensagem de Natal de 1959. In: A Gnose Cristã do Século XX. (p. 57)

A Espiritualidade Materialista da Atualidade Atualmente, várias religiões, ordens, seitas pregam uma promessa de prosperidade, que assegura felicidade, bem-estar e prazeres. Porém, não pode haver prosperidade, e muito menos felicidade, enquanto as pessoas não se transformarem interna e radicalmente.

Algumas pregam uma idéia de que, se concentrarmos a mente em um determinado objetivo, teremos sucesso em alcançá-lo. Jesus disse claramente: ―Onde estiver seu tesouro, lá estará também seu coração‖ (Mt 6:21). E ainda: ―Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e sigame‖ (Mt 6:24).

Se seguirmos o que estas religiões, ordens, seitas pregam, estaremos fazendo o contrário de tudo que as grandes e genuínas religiões pregam. Estaremos fazendo o contrário do que todos os Mestres, Iluminados e Avatares ensinaram.

Estamos negando a Cristo e aumentando mais ainda o que temos por aqui: nossos lastros, nossos apegos, nossas paixões.

Precisamos perguntar-nos o porquê colocamos toda nossa vontade em um carro, um emprego, uma casa, um amor, desviando-a da evolução espiritual genuína. Não fazemos práticas que nos elevem, não renunciamos a nada, não nos desapegamos de nada.

Precisamos analisar com sinceridade e honestidade o que estamos fazendo pela nossa evolução, o que estamos semeando para nosso futuro.

Os textos sagrados ensinam que os desejos, os apegos aos prazeres são as causas de todos os nossos sofrimentos. Portanto, parece haver algo de errado à nossa volta, pois muitos espiritualistas da atualidade defendem a busca do prazer, ensinam que o sentido da vida está no prazer.

Cheios de falsas idéias de prosperidade, felicidade e prazer, buscamos o bem-estar nas coisas materiais. Acreditamos que precisamos conquistar as coisas do mundo material para sermos felizes. Não conseguimos perceber nossa ganância, inveja, arrogância, ilusão.

Buscamos prazeres, divertimentos, diversões; tentativas fúteis para nos livrarmos das misérias da vida e chamamos falsamente de felicidade a cessação temporária dessas misérias. (cf. Srimad Bhagavatam 1:2:6)

O camelo come cactos, pois gosta de sentir o sabor do sangue misturado ao da planta espinhosa. Ele não percebe que está se ferindo e que isso lhe faz mal.(cf. Srimad Bhagavatam 1:2:3) E assim somos nós, na busca de prazeres e diversões, causamos dor e sofrimento para nós mesmos, tal qual o camelo.

As grandes religiões ensinam sobre a importância de ter poucas necessidades, ensinam a satisfação (aceitação, contentamento, gratidão), o isolamento, o não estar enredado (não estar apegado, fascinado, não ter lastros), o esforço, a virtude, a concentração, a sabedoria, a libertação.

É nestas grandes religiões, trazidas por Budas, Cristos, Profetas e Avatares, que devemos buscar a doutrina e as práticas para semearmos nossa alma com novos valores, idéias, concepções, para podermos transformar-nos e viver uma espiritualidade prática, concreta, nos fatos da vida.

Capítulo 1

A Oração

A Oração Dizia Santa Tereza de Ávila2 que ―quando uma alma decide orar já tudo está feito‖. A oração é o fundamento de toda prática religiosa, é a prática fundamental do caminho espiritual. Orar é conversar com Deus. A oração é um caminho de purificação e comunhão com Deus. A oração é o alimento da alma; sem ela a alma está morta. A oração não pertence à religião nenhuma, é comum a todas as religiões.

Na época de Santa Teresa de Ávila, época de inquisição, os livros místicos, os livros que falavam de oração, de meditação e outras práticas espirituais, foram proibidos, confiscados e destruídos pelos inquisidores e o clero reservou para si o privilégio da oração e das demais práticas espirituais. Os poucos livros cristãos que atravessaram estes períodos são praticamente desconhecidos.

O desconhecimento e o preconceito religioso têm impedido que muitas pessoas se beneficiem da oração, da meditação e de outras práticas espirituais3.

De modo geral, as pessoas não conhecem as grandes obras que falam sobre oração, nem sabem orar; contentam-se em dizer uma oração como o Pai Nosso de maneira fria e indiferente. Oram sem sentimento, sem emoção; oram mecanicamente, por costume, por terem ouvido que é bom orar.

A oração sem distração é a mais elevada aplicação do intelecto. Se a mente vaga distraída, a oração torna-se fria e seus resultados não são sentidos. O estado de oração surge depois do estado de atenção. Quando a mente se consagra à oração com ardor e pureza, o

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Santa Teresa de Ávila ou Santa Teresa de Jesus nasceu em Gotarrendura, na Espanha, a 28 de março de 1515 e faleceu, abandonou o corpo em estado de êxtase, no Convento Carmelita Reformado de Alba de Tormes, também na Espanha, a 4 de outubro de 1582. Seu nome de batismo era Teresa de Ahumada e Cepeda. Grande mística, ela é muito conhecida por seus êxtases. Deixou várias obras importantes e é reconhecida como Doutora da Igreja. Sua importância também está relacionada com a Reforma da Ordem Carmelita. Aos 20 anos, quando entrou para vida religiosa escolheu a Ordem das Carmelitas, que havia caído no relaxamento da Regra. Vinte e cinco anos mais tarde, junto com algumas irmãs, ela inicia a Reforma, o retorno à austeridade da Regra Primitiva, funda o Convento de São José de Ávila e a Ordem das Carmelitas Descalças. Esta foi a primeira Fundação e o começo da Reforma. 3 Muitas vezes, as pessoas querem práticas avançadas sem antes terem feitos as práticas básicas, sem antes terem construídos as bases. Quando falamos de práticas espirituais, muitos acreditam que vamos falar de luzes, energias, posturas complicadas. Há muita fantasia sobre o assunto. Em realidade, as práticas espirituais são simples, mas trazem grande resultado se feitas com seriedade. As práticas espirituais abordadas neste tratado são: oração, quietude, contemplação, oração de compaixão, morte mística e conduta reta.

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coração se regozija. Mas se não conseguirmos nos recolher nos momentos reservados para as práticas espirituais, também não vamos conseguir nos recolher em outros momentos da vida.

Quando dois ou mais estiverem reunidos em oração, quando a mente e o coração estiverem voltados para oração, a Divindade estará presente. (cf. Mt 18:19-20)

Não se deve descuidar da memória, pois ela nos traz recordações, preocupações, fantasias, ressentimentos e nos leva à distração, à dispersão. A distração ocorre por causa do apego aos objetos de prazer, as preocupações deixam a mente presa e incapaz de orar. A alma não poderá orar com pureza e voar para Deus se a mente estiver presa a assuntos materiais e agitada pelas preocupações. A mente não pode desviar-se por mais belo e nobre que seja o pensamento ou a imagem que possam vir a aparecer. Bem-aventurado é aquele cuja mente alcançou a perfeita não identificação com as coisas do mundo durante a oração.

Aquele que vai buscar a oração deve preparar-se para os ataques dos demônios internos, pois eles querem que abandonemos a oração, não querem que façamos práticas, por isso fazem com que nos percamos na oração, esqueçamos partes, erremos frases, fiquemos repetindo a mesma parte sem conseguir ir adiante. Não podemos desanimar, precisamos ter paciência, firmeza, persistência. Sempre que a mente vagar, que a atenção se desviar, devemos começar novamente, com tranquilidade, sem culpa, sem derrotismo. Assim, estaremos utilizando as adversidades para nos fortalecer.

Não existe oração verdadeira sem invocação interior, sem atenção e concentração, sem sentimento e emoção, sem fervor e devoção. A oração é verdadeira quando é acompanhada de fatos, obras, mortificação4, intenso trabalho sobre si mesmo e ação reta. É muito poderosa a oração daqueles que trabalham seriamente sobre si e servem a Deus.

Se buscarmos o caminho da oração e seguirmos indiferentes à nossa conduta, não avançaremos espiritualmente. É preciso grande determinação em mudar, é preciso evitar situações, negar a si mesmo, negar alimento aos egos. A ignorância e a inconsciência levam a uma conduta atormentada, devemos buscar a paz da conduta reta. 4

A mortificação se refere à morte mística, que é uma prática milenar e está em todas as grandes religiões. No hinduísmo, esta prática é conhecida como dissolução do falso ego. No budismo, esta prática é chamada de eliminação dos agregados psíquicos, é o processo de purificação do coração e da mente. Este assunto é abordado no segundo capítulo.

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Existem dois modos de oração - um é o ativo e outro o contemplativo. A oração é a elevação da alma a Deus, é a mais divina das virtudes.

A oração não é feita somente de arrependimento, contrição, súplicas, mas também de louvores, bendições, adorações. A oração nos dá força interior, suaviza a dureza, enternece, purifica o coração das emoções negativas, humaniza-nos, auxilia-nos a perceber os outros, leva-nos a entender o que é amar a Deus.

A serenidade e oração estão unidas. A oração é fruto da doçura, do contentamento, da gratidão e da ausência de ira, pois a ira nubla a mente, destrói o estado de oração. Então ficamos incapazes de nos lembrar de Deus. Para orar, devemos eliminar verdadeiramente todo pensamento passional.

Nos momentos de sofrimento, quando temos grandes necessidades, quando tememos por alguma pessoa pela qual temos apego, quando perdemos alguém, é que nossas orações ganham força; é nesses momentos que oramos com intensidade e alcançamos a devoção, o fervor. Infelizmente, quando o sofrimento termina, o fervor termina junto e a oração esfria.

Quando chegamos ao estado de oração, não podemos negligenciá-lo, não podemos deixar que a oração esfrie, enfraqueça. O dom da oração é uma grande graça concedida pela Divina Mãe, que não nega suas graças a quem a busca com sinceridade e perseverança.

É importante ressaltar que, quando chegamos ao estado de oração não podemos envaidecer-nos, não podemos cair no erro de acreditar que não corremos mais risco algum. O devoto prudente e humilde chora constantemente seus erros, teme os castigos futuros, o inferno, teme afastar-se novamente de Deus.

Devemos aprender a orar sem receitas, sem fórmulas prontas, é assim que se chega à verdadeira oração. Devemos aprender a fazer orações discursivas, a conversar com Deus, falar de nossas necessidades, confessar nossos erros, dificuldades, limitações, pedir ajuda, suplicar por purificação de nossos pensamentos, sentimentos, emoções, paixões; suplicar por autoconhecimento, virtudes, aperfeiçoamento, iluminação, pela compreensão de nossos 13

defeitos. Devemos, também, expressar nossa gratidão, agradecer pelas graças recebidas, pelas bênçãos.

Existem pessoas que têm facilidade para fazer orações discursivas e outras que tem grande dificuldade. É necessário um maior esforço na oração discursiva para que o pensamento não se desvie, pois a mente pode dispersar-se na busca de palavras. As pessoas que têm dificuldade para fazer orações discursivas, podem fazer orações curtas ou até mesmo utilizar fórmulas. Porém, se forem utilizar fórmulas, devem estar muito atentas e sentir profundamente o significado de cada palavra.

Quem está começando a fazer orações, quem está aprendendo a orar, ou quem têm dificuldades para fazer orações discursivas, pode e deve utilizar como inspiração 5 os Salmos, as orações de Jacob Boehme6, Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz7, ou São Francisco de Assis8, etc.

Aqueles que têm dificuldade para se interiorizar, para deixar a mente preparada para oração, devem procurar algo que os auxilie, algo como ler um trecho de um livro inspirador, contemplar uma bela paisagem, uma imagem inspiradora, uma imagem de Jesus, Krishna, Buda, Durga, Nossa Senhora, etc. Pode também preparar o ambiente, acender uma vela, um incenso, pode ainda fazer uma prática de cantos devocionais. Mas nada disso pode se tornar o principal, o objetivo final. As práticas não podem ser apenas exteriores.

A oração deve ser feita com simplicidade, com o coração, sem intelectualismo, sem buscar palavras extravagantes, sem usar palavrório inútil, sem ser prolixo. Quem tem maior erudição pode fazer orações com mais elegância e eloqüência do que as pessoas mais simples; porém, não está na elegância ou na eloqüência das palavras a questão da oração.

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O ―Apêndice 2‖ traz várias orações inspiradoras. Jacob Boehme (Alt Seidenberg, 1575 — Görlitz, 17 de Novembro de 1624) foi um grande filósofo e místico alemão. Alcançou grande realização espiritual e escreveu tratados metafísicos de profunda transcendência. 7 São João da Cruz (Fontiveros, 24 de Junho de 1542 — Úbeda, 14 de Dezembro de 1591) foi um frade carmelita espanhol, famoso por suas poesias místicas. Era contemporâneo de Santa Teresa de Ávila e ajudou-a no processo de reforma e fundações. Deixou escritos fantásticos, como a Noite Escura da Alma e Subida do Monte Carmelo. Também é reconhecido como Doutor da Igreja. 8 São Francisco de Assis (Assis, 1181 ou 1182 — 3 de outubro de 1226) dispensa apresentações, é uma dos personagens mais importante do cristianismo, depois do Cristo. É reconhecido e respeitado mesmo fora do cristianismo. Criou a Ordem dos Frades Menores, a Ordem das Pobres Damas ou Clarissas e também a Ordem Terceira, que era para leigos, para pessoas não ligadas à igreja por um voto. Este foi um passo importante e revolucionário. 6

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O abuso do pensamento leva à fantasia e à dispersão. A simplicidade ajuda a concentração. Quando chegamos à satisfação ou à contrição, devemos ficar com estes pensamentos. Quando surgirem as lágrimas, devemos ficar com elas e não buscar muitos pensamentos, pois isso pode fazer a oração esfriar.

Na oração chegamos a compreensões que de outra forma levariam muito tempo para se dar. Alguns dos frutos da oração são: lágrimas, contrição, humildade, temperança, silêncio, paciência, serenidade, solidão, gratidão, felicidade, contentamento, paz. O estado místico, o estado de comunhão com Deus, também é um dos frutos da oração. Devemos suplicar por ele constantemente. Se a oração for verdadeira sempre se sairá dela iluminado, ou purificado, ou aliviado. Contudo, se os frutos não vêm é porque a qualidade de nossas orações é baixa, falta atenção, concentração, sinceridade, devoção, reverencia, fervor, intensidade.

Não se chega aos frutos da oração de forma instantânea, este é um processo gradual, é preciso paciência, constância, persistência. Primeiro, as paixões diminuem sua influência, pois a oração fervorosa consome as paixões. Assim, algum espaço é aberto no coração, que é purificado pelas lágrimas e começa a conhecer o amor verdadeiro e, em seguida, começa ter sede por compunção, paz, felicidade e a desejar ardentemente a reconciliação com o divino.

Temos o hábito de nos lembrar das emoções negativas, dos estados equivocados e por isso reagimos sempre da mesma forma. Quando a mente é obscurecida por nossos defeitos, esquecemos de nossas meditações, esquecemos de nossos melhores propósitos.

Não suplicamos pela ajuda divina na eminência do delito por causa de nossa autosuficiência. Precisamos criar o habito de orar, suplicar, invocar a Deus nos momentos de tentação, de provações, nas situações de perigo, de risco de erros graves.

Devemos aprender a tirar proveito das tentações, meditando, refletindo, pedindo a Deus que nos ilumine, que nos dê a compreensão de nossos defeitos e os elimine. Por vezes, pode ser que Deus permita que as tentações continuem para que a alma cresça em virtudes, por isso precisamos sempre pedir força e paciência para poder suportar as tentações. Fé é certeza, é confiança. Quem ora tem que confiar que Deus fará a melhor coisa no melhor momento. 15

O devoto busca refúgio na ―santa oração‖9, pois ela tranqüiliza o coração e nos dá disposição para pensarmos em coisas boas, divinas e não mais em coisas más ou mundanas e, assim, podemos passar a agir com retidão.

Contudo, a verdadeira virtude não consiste em permanecermos serenos por estarmos recebendo os benefícios da oração. Mas, sim, em estarmos serenos, cheios de contentamento e gratidão em meio às obrigações do dia a dia.

Disciplina

Disciplina é a observância estrita de uma regra, regulamento, procedimento. Disciplina é respeito, obediência, ordem.

Ser disciplinado é ser capaz de respeitar, de seguir uma regra, um procedimento, uma ordem. Ser disciplinado é ser capaz de sustentar a frequência das práticas, é ser capaz de manter a sequência dos exercícios determinados.

Precisamos nos auto-educar e para tanto é muito importante ter disciplina. Não uma disciplina qualquer. Mas, sim, uma disciplina auto-imposta, voluntária.

A virtude da

disciplina desenvolve-se gradualmente.

A espiritualidade é vivida basicamente de duas formas: nas práticas espirituais, sejam elas passivas ou ativas, e no viver diário, precisamos colocar em prática a espiritualidade, precisamos viver a espiritualidade em fatos.

É preciso saber que sem uma disciplina de práticas espirituais, não conseguiremos mudança alguma. Se quisermos realmente seguir um caminho, deveremos dedicar algum tempo para práticas espirituais.

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Expressão utilizada por São Francisco de Assis. O Abençoado chamava de santas todas as virtudes e dons dados por Deus. O ―Apêndice 2‖ traz a Saudação das Virtudes.

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Muitas são as práticas que podem ser feitas e cada um deve escolher aquelas com que mais se afinizar. Entretanto, não se deve ficar trocando de prática a todo momento, se realmente queremos obter resultados.

Os afazeres da vida diária nos tomam muito tempo. A vida, principalmente nas cidades grandes, vem se tornando cada vez mais complexa, consumindo cada vez mais o tempo, a saúde e a energia das pessoas.

Contudo, se realmente quereremos seguir um caminho, então precisamos analisar as nossas prioridades, renunciar, abandonar o que é inútil ou prejudicial para a vida espiritual e passar a viver em maior equilíbrio.

Não precisamos e nem devemos abandonar tudo para seguir um caminho espiritual, acreditando que precisamos de mais tempo para práticas, pois certamente não vamos utilizar corretamente todo este tempo.

Se analisarmos, com sinceridade, tudo o que fazemos em nosso dia a dia, logo poderemos perceber uma série de atividades, de hábitos, que podemos abandonar. Desta forma a vida se torna mais simples e o tempo, necessário para as práticas, aparece.

Para este tempo criamos uma sequência de exercícios espirituais, que devemos seguir com disciplina, seriedade, firmeza e responsabilidade, até que os resultados sejam obtidos e precisemos passar para práticas mais avançadas ou até o fim de nossos dias.

Não devemos começar com uma prática muito extensa, devemos iniciar com pouco e ir aumentando gradualmente, pois como não temos costume em fazer estas práticas, vamos enfrentar várias resistências internas. Se quisermos começar com uma prática muito grande, extensa, logo seremos devorados por nossas próprias resistências internas e fracassaremos.

Isso de disciplina não pode ser visto como obrigação, não pode haver pressão, as práticas devem ser feitas com contentamento e com uma certa felicidade.

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Os Obstáculos para a Oração

Quem quiser começar a fazer práticas espirituais deve ter disciplina e decisão, pois muitos obstáculos surgem pelo caminho.

Deve-se iniciar de forma gradativa, aos poucos, primeiro com uns quinze minutos, depois com meia hora e ir aumentando, até chegar ao objetivo. Isso é uma solução para a falta de costume.

A preguiça, a falta de uma posição confortável, o local, são alguns dos obstáculos para oração. Porém, estes devem ser os mais fáceis de superar.

Falta de costume, falta de interesse, falta de vontade, falta de satisfação, falta de contentamento, são obstáculos fortes e comuns. Estes obstáculos se relacionam com as muitas idéias equivocadas, com a ignorância quanto aos objetivos da prática e quanto aos nossos próprios objetivos. Ninguém faz o que não quer fazer, o que não acha ser interessante ou importante. Se iniciarmos por estar na moda ou para acompanhar alguém, cedo ou tarde desistiremos. Se iniciarmos com expectativas fantasiosas, não vamos obter os resultados esperados e logo desistiremos.

Não existe uma prática boa ou uma prática ruim. São nossas idéias e expectativa com a prática, nossos desejos de que algo aconteça, que a fazem parecer boa ou ruim. As práticas espirituais sempre trazem seus efeitos, seus resultados. Mas nem sempre são os resultados que esperamos.

Se não tivermos decisão, interesse, vontade, satisfação, contentamento, logo que surgirem as primeiras dificuldades – dores por falta de costume, situações inesperadas, compromissos – arrumaremos nossas justificativas e acabaremos desistindo. Sempre há uma bela justificativa para tornar aparentemente correta toda e qualquer falta.

O cansaço é outro dos obstáculos que se encontra. Depois de um dia de trabalho, pode ser que se chegue para a prática muito cansado e, ao invés de se orar, dorme-se, não havendo

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então a prática. Pode ser que nesse caso o melhor seja acordar mais cedo e realizar as práticas pela manhã.

Se não fizermos uma preparação adequada também não vamos conseguir fazer oração verdadeiramente. É preciso aprender a relaxar. A falta de concentração é um grande obstáculo, pois não pode haver oração sem que haja concentração. É preciso também preparar-se para a prática durante o dia. À medida de nossa capacidade, precisamos manter o controle sobre as emoções, sobre as imagens, sobre a imaginação mecânica. À medida de nossa capacidade, precisamos abandonar o diálogo interior. Se durante o dia deixarmos tudo correr solto, tudo andar como sempre foi, sem nos preocuparmos com a atenção, com a concentração, com a conduta, então não conseguiremos fazer oração, não conseguiremos nos recolher.

Caso realmente tenhamos interesse, então a questão do tempo será facilmente resolvida, pois sempre arrumamos um tempo para as coisas que queremos fazer.

Todas as coisas que atrapalham a oração, todas as coisas que nos impedem de alcançarmos estados de oração, de devoção, de mística, de comunhão com Deus, são as mesmas coisas que nos atormentam a vida, são os mesmos comportamentos que nos atormentam a existência, não existem outros. Por isso a oração é uma prática para aprendermos a nos libertar de nossos próprios defeitos.

A Oração Incessante Diz São Paulo na primeira epístola aos Tessalonicenses: ―Orai incessantemente‖ (1 Ts 5,17). Esta frase serviu de fundamento para o surgimento da oração incessante, Oração de Jesus ou Oração do Coração.

Certamente que muitas coisas mudariam em nossas vidas se, ao menos por um instante, a cada hora pudéssemos lembrar-nos da Divindade e orar.

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A oração incessante ensinada pelos Padres do Deserto10 se tornou relativamente conhecida atualmente por causa do livro Relatos de um Peregrino Russo. Em um dos relatos o peregrino encontra um mestre espiritual que lhe ensina a orar e lhe apresenta a Filokalia 11.

Uma das idéias relacionadas com a oração incessante é a idéia da constante repetição da frase Kyrie Eleison, que é traduzida por ―Senhor, tende piedade‖. Esta é uma oração reduzida de Kyrie Iesous Christe, hye tou Theou, eleison hemas que é traduzido por ―Senhor Jesus Cristo, filho de Deus, tende piedade de mim, um pecador‖. Alguns dos textos da Filokalia defendem a prática de uma oração reduzida12 e outros de orações discursivas. Cada um ensina segundo sua própria experiência e sabedoria. Assim, devemos buscar perceber por nós mesmos o que nos traz melhores resultados.

Como vemos também em alguns escritos da Filokalia, devemos escolher uma palavra13, como Jesus, Cristo, Pai, Amor, Fé, Paz, etc., ou uma frase, ou uma oração, não importa tanto qual seja, desde que seja inspirada nas Sagradas Escrituras, desde que a palavra que esteja de acordo com a natureza da oração. Deve-se então escolher uma posição confortável, respirar de forma tranqüila e utilizar esta palavra, frase ou oração como apoio para sustentar a atenção em Deus14.

Em todas as tradições religiosas encontramos práticas para desenvolver a concentração e tranquilizar a mente. Com a oração incessante, desenvolvemos a concentração, a tranquilidade; podemos agir de maneira mais analítica, refletida; deixamos de perder tempo

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Os Padres do Deserto foram os eremitas(aqueles que vivem uma vida retirada e isolada) e cenobitas(aqueles que vivem uma vida retirada, mas em comunidade e seguindo uma regra) que a partir do século IV se estabeleceram no deserto do Egito. As tradições monásticas cristãs têm origem nas comunidades organizadas por estes eremitas e cenobitas. 11 O termo filokalia (grego) significa amor ao bom ou amor ao belo. A Filokalia é um compêndio de textos de vários místicos cristãos, pelos Padres do Deserto e mais tarde pelos os monges do monte Sinai e do monte Atos, que se basearam na tradição do deserto. A versão em grego foi publicada pela primeira vez em Veneza, em 1782. Uma outra obra com um título de igual significado e contendo praticamente os mesmos textos foi publicada para os povos eslavos em 1783 e reimpressa em 1822. É a esta versão eslava que o Peregrino Russo se refere. Depois surgiram publicações ampliadas. As publicações em idiomas ocidentais são baseadas nas versões em grego. Vários destes textos que foram compilados na Filokalia eram famosos e circulavam no meio cristão tanto na época de São Francisco de Assis como na época de Santa Teresa de Ávila, que tinha carinho especial pelos textos de Cassiano, o Romano, que viveu por volta do ano 331. 12 São Francisco de Assis fazia orações como ―Meu Pai, Meu Deus!‖ constantemente. 13 Este método que era utilizado pelos Padres do Deserto também foi resgatado pelos monges trapistas (ordem cristã) William Meninger, Thomas Keating e Basil Pennington, no meio do século XX. Estes monges a chamaram de ―Oração Centrante‖. 14 O paralelo com os mantras das tradições orientais parece claro. Em verdade, não há diferenças, o objetivo dos mantras é o mesmo que o apresentado aqui. A palavra mantra significa‖controle da mente‖. Outra prática que os místicos cristãos utilizavam era chamada de monologia, que consiste na repetição de uma oração de uma só palavra.

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com pensamentos inúteis ou maus, permanecemos em constante lembrança dos santos nomes de Deus e, com isso, ficamos constantemente voltados para dentro de nós mesmos.

Este é um processo demorado. No início é necessário esforço, é preciso suplicar para que Deus nos ensine a orar, que nos dê devoção, fervor, mística, que nos ajude a lembrar Dele. Todo progresso se dá por graça divina.

Muitas vezes, a demora dos resultados não é compreendida. Acreditamos que decidimos, que queremos, e não entendemos porque nada acontece. Mas as nossas primeiras decisões e desejos são ainda muito intelectuais. É preciso muita paciência e persistência. Os resultados começam a surgir quando o coração começa a se purificar e passa a existir um desejo ardente pela reconciliação, ―uma verdadeira fome e sede por aquilo que queremos‖ 15.

A lembrança de Deus nos mantém no momento presente. Estar no presente é estar em conexão com Deus, com a Mãe Divina. Devemos lembrar-nos de Deus de forma constante. É o fogo constante que faz a água ferver, se ligamos e desligamos o fogo a todo tempo, a água nunca ferverá. Estaremos com Deus sempre que prestarmos culto a Deus. Quem busca a Deus de forma constante, pouco a pouco, vai alcançando resultados. A lembrança de Deus é a contemplação de Deus. A verdadeira lembrança de Deus traz regozijo.

Muitos são os momentos de nosso dia a dia que podemos utilizar como marcos para nos lembrar de Deus. Podemos orar antes e depois das refeições. Podemos orar antes de dormir e ao despertar pela manhã. Podemos sempre pedir para sermos dirigidos. Podemos orar sempre que iniciar uma tarefa, uma conversa.

A oração incessante é o viver místico, é um estilo de vida, é um viver poético. Quando a devoção é condicionada a momentos específicos, ficamos entregues as coisas do mundo no restante do tempo. Quando no dia a dia a oração é esquecida, nós nos distanciamos de Deus, perdemos a interiorização e, assim, fica mais difícil conseguirmos sentir a devoção nos momentos que reservamos para orações. A oração deve ser constante, incondicional. Além do horário reservado, devemos fazer freqüentes orações, ainda que breves. A oração é feita no íntimo do coração de cada um de nós, não é dependente de condições, de lugares específicos.

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Expressão utilizada por Jacob Boehme em vários de seus escritos.

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Disse Elias16, o Presbítero: ―É preciso lembrar-se de Deus em todo tempo, em todo lugar e em todas as coisas. Se fabricas alguma coisa, deves pensar no Criador de tudo o que existe; se vês a luz do dia, lembra-te Daquele que criou a luz para ti; se olhas o céu, a terra e o mar e tudo o que eles contêm, admira, glorifica Aquele que tudo criou; se te vestes com uma roupa, pensa Naquele de quem a recebeste e lhe agradece, a Ele que provê a tua existência. Em resumo, que todo movimento seja para ti um motivo para celebrar o Senhor: assim rezarás sem cessar e tua alma estará sempre alegre‖.17

Nos períodos reservados para oração nós colhemos os frutos da conduta reta do dia a dia18 e agindo retamente oramos sem cessar. Santa Teresa de Ávila ensinava às suas filhas espirituais que não deveriam se sentir desconsoladas quando a obediência as ocupasse em coisas exteriores. Dizia ela: ―se for na cozinha sabei que o Senhor está no meio dos tachos...‖19.

Com a prática, aos poucos, a oração incessante nos levará a um estado de paz, tranquilidade, felicidade, satisfação, contentamento. Estes estados devem ser lembrados, revividos, pois nos ajudam a permanecer em contato com Deus.

A Oração Mental

A tradição mística cristã fala de alguns tipos e graus de oração. Em seus livros, Santa Teresa de Ávila fala destes tipos e graus. Não foi a Santa que criou esta divisão em graus, entre outros, alguns textos da Filokalia também falam sobre estes estágios da oração. Porém, certamente foi a primeira divisão ou classificação feita no ocidente e a forma como a Santa de Ávila escreve e as analogias que utiliza para transmitir sua mensagem são sublimes e, mais do que tudo, Santa Teresa fala a partir de sua própria vivência, de suas próprias experiências místicas. Sua obra é certamente uma referência sobre o assunto.

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Não há certeza sobre sua história, acredita-se que ele viveu no século XII, pois tudo o que se sabe é o que aparece nos seus manuscritos, que foram publicados na Filokalia e por isso chegaram até nossos dias. 17 Jean Gouillard. Pequena Filocalia (p. 106) 18 Isso é sempre assim, estamos sempre colhendo os resultados de nossas ações, boas e más. Num nível, colhemos os resultados em nossas práticas, num outro nível em nossas vidas, num outros em nossos sonhos, e num outra ainda, após a morte, pois, como diz a lei hermética, ―assim como é em cima, é em baixo; assim como é no pequeno, é no grande‖. 19 Santa Teresa de Ávila. Fundações 5:8.

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Em suas obras, a Santa fala de ―oração vocal‖20, ―oração mental‖21, oração de recolhimento, oração de quietude e oração de união.

Abordaremos os graus e tipos de oração para que se saiba que existe algo mais, algo além e para que cada um possa saber o que está ocorrendo consigo e, assim, seguir em frente sem ter medo.

A maioria das pessoas conhece apenas o primeiro tipo e contenta-se apenas com a repetição fria de uma receita. Contudo, as orações mecânicas, sem sentimento, sem devoção, têm pouca ou nenhuma força e assim trazem pouco ou nenhum resultado. A simples repetição não pode nos fazer devotos, transformar-nos ou iluminar-nos.

Desta forma, se não existir sentimentos ou se apenas ficarmos repetindo frases enquanto a mente fica vagando, pensando nas coisas da vida, compromissos, problemas, preocupações, não estaremos orando. Nos momentos de oração, devemos nos preocupar com as coisas do espírito. O tempo de Deus é para Deus. Haverá tempo depois para o trabalho e para as coisas da vida.

Para orar é preciso concentração, atenção no que se está fazendo. Para orar é preciso que a mente esteja toda voltada para oração; isto é a oração mental, base para se evoluir neste caminho de oração.

A oração mental não significa que não estejamos vocalizando uma oração. A diferença não está nisto e, sim, no que a mente está fazendo. Estar em oração mental é não querer outra coisa senão estar com Deus. Assim, não nos perdemos em distrações, pois não buscamos as coisas do mundo.

Uma oração como o Pai Nosso enunciada de forma ligeira e mecânica, como se estivéssemos com pressa de terminar uma tarefa, seja esta oração oral ou mental, não tem 20

O termo ―oração vocal‖ é explicado da mesma forma que o termo ―oração mental‖. O termo ―oração mental‖ não foi criado por Santa Teresa de Ávila. Este termo já existia antes. Podemos encontrá-lo nos textos da Filokalia, nas obras lidas pela Santa como Subida del Monte Sión, de Bernardino de Laredo e Tercer Abecedario Espiritual, de Francisco de Osuña. Também encontramos o termo no livro Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis. Porém, o termo ganha maior importância com a obra de Santa Teresa, que fala de oração com o colorido, a beleza e a magia de suas experiências místicas e sua enorme devoção. 21

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muito efeito. Entretanto, é poderosa se cada palavra for refletida, meditada, sentida profundamente em seu significado. Mestre Samael nos diz que um Pai Nosso bem feito dura cerca de uma hora; por aí, podemos perceber a diferença entre uma e outra.

Quando atingimos a oração mental, o coração devotado começa a falar maravilhas aos seus Bem Amados, tanto em verso e como em prosa. Lágrimas, súplicas inaudíveis, gratidão profunda e sem palavras, louvores indescritíveis; fala a alma e não a razão, ora-se ―em espírito e em verdade‖ 22. Quando alcançamos a oração, a razão, nossos defeitos, nossos demônios internos23 dizem que estamos sendo ridículos, questionam o que estamos fazendo, o que estamos dizendo. Não podemos nos identificar com estes pensamentos que surgem na mente, precisamos seguir adiante.

Nos primeiros níveis da oração mental, além de atenção e concentração, precisamos também de um pensamento dirigido e sustentado, precisamos controlar a imaginação, precisamos ter muita devoção e um profundo sentimento místico. É um processo volitivo.

Nestes primeiros níveis já se experimenta paz e felicidade, pode-se sentir uma certa bem aventurança. Ocorre também de se sentir um calor no coração e, por vezes, lágrimas de alegria, de gratidão escorrem pelo rosto sem que se saiba exatamente como isto ocorre.

As graças e consolações são dadas para que a alma, que é fraca, seja fortalecida. Estas graças e consolações devem ser sempre motivo para mais determinação e esforço em nossos trabalhos de purificação, de mortificação.

Porém, se fizermos nossas orações apenas buscando experiências e consolações, se não conseguirmos, sairemos da prática mal humorados e irritadiços. Devemos recebê-las se vierem, mas não podemos nos tornar dependentes destas consolações. Não podemos cair no erro de procurar mais sentir sensações do que reverência e louvor. A perfeição não está nos

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Expressão utilizada em João 4:23 e também por Jacob Boehme em várias de suas obras. Isso que chamamos de demônios internos recebe diferentes nomes nas diferentes religiões, doutrinas ou filosofias. No Egito, eram conhecidos como demônios vermelhos de Seth. No hinduísmo, são chamados de falso ego ou ahamkara. No budismo, são os agregados psíquicos. No cristianismo também são os ímpios, os usurpadores do trono e outros. Em gnose, são chamados de egos. Os egos são a personificação de nossos defeitos. 23

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muitos fenômenos, sensações ou êxtases e, sim, na busca incessante de morrer em nós mesmos, desenvolver virtudes e agir cada vez mais retamente.

Existem pessoas que possuem facilidade de concentração e uma mente clara, um intelecto um pouco mais desenvolvido e desta forma, conseguem compreender as coisas com facilidade e, de uma coisa, compreendem várias outras. Estas pessoas têm facilidade em fazer orações discursivas. Contudo, existem passos da oração que a mente não pode alcançar, então o pensamento discursivo vai apenas atrapalhar, será um obstáculo para todos que têm o intelecto muito agudo.

A reflexão sobre nossos defeitos é uma forma de oração mental. A oração mental não se limita ao pensamento discursivo. Uma prática comum na tradição mística cristã é imaginarse diante de Cristo e falar com Ele, apresentar nossas necessidades sem ficar raciocinando. Outra prática consiste em nos imaginarmos com o Cristo num dos passos da Paixão e então contemplarmos e sentirmos as grandes dores e penas que Ele passava. Este é um bom método de oração. Algumas pessoas conseguem aproveitar muito se imaginando no inferno ou refletindo sobre a morte24. Outras encontram grande regozijo em contemplar o poder e a grandeza de Deus nas criaturas, na natureza e em todas as coisas25.

Os Graus de Oração

Como foi dito anteriormente, Santa Teresa de Ávila não foi a primeira a dividir a oração em graus ou estágios, mas certamente sua obra é referência.

Em suas primeiras obras, O Livro da Vida (1562-1565) e Caminho de Perfeição (1566), Santa Teresa de Ávila, classifica a oração em quatro graus. Nestas obras a Santa escreve bastante influenciada por suas leituras, apesar de utilizar uma linguagem própria,

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No budismo encontramos meditações onde, pela imaginação, se contempla a decomposição do corpo. É uma prática para eliminar a luxuria, desenvolver o desapego com relação ao corpo e perceber sua realidade. Não existe nada de mórbido nesta prática, a decomposição do corpo é algo natural. Porém, não gostamos de admitir isso, até preparamos os cadáveres, maquiando-o, arrumando-o em belos caixões com flores para parecerem mais atrativos. Esta é normalmente uma prática indicada para pessoas com certo desenvolvimento intelectual e não é muito indicada para pessoas que são muito impressionáveis. 25 Estudando a vida de São Francisco de Assis e de Santa Teresa de Ávila, vemos que os dois se regozijavam ao contemplar a natureza. Para São Francisco todos os seres, toda as coisas da natureza eram irmãos e irmãs. Santa Teresa quando via algo belo na natureza dizia ―bendito seja aquele que te criou‖.

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cheia de analogias, o que demonstra sua experiência e compreensão sobre o assunto. Com muita graciosidade ela descreve o indescritível, o inefável.

Mais tarde, já bem mais madura espiritualmente, ela escreve Moradas ou Castelo Interior (1577). Neste livro ela trata de oração de forma mais detalhada e organizada e faz uma divisão em sete graus.

São algumas sutilezas que subdividem a primeira divisão dos graus. Vários comentaristas da obra de Santa Teresa dizem ser difícil distinguir entre um grau e outro na prática.

Para cumprir os objetivos deste presente trabalho e a partir de todo o estudo feito, vamos apresentar uma divisão em quatro graus.

O Primeiro Grau de Oração

No primeiro grau é custoso conseguir a concentração necessária para entrar em oração, por causa do costume da distração. Existe aqui esforço e sofrimento para conseguir manter-se em oração.

No início, temos o coração duro e seco, somos incapazes de nos arrepender. Não há lágrimas, ternura, sentimento de devoção. As emoções ainda estão muito reprimidas, ainda estamos muito voltados para o externo, presos a impressões e estímulos externos, muito mecânicos, complicados; ainda não nos permitimos relaxar, estar em paz, sentir felicidade.

Neste grau tenta-se, através do pensamento, buscar as lágrimas, mas, por vezes, não há pensamento algum que as faça brotar. Este esforço mental é desgastante, cansativo. A alma sofre por começar a perceber que está muito longe de Deus.

Aqui estamos construindo as bases, então é preciso ter paciência e persistir, não podemos desistir diante das securas e, com certeza, voltaremos muitas vezes ao início. A maioria das pessoas não suporta privar-se de seus desejos, prazeres, distrações, divertimentos; 26

as forças do mundo são muito fortes nestas pessoas. O esforço de abandonar os passatempos do mundo e buscar a Deus, o querer estar a sós com Deus, já é de grande valor, mas não é tudo.

Antes de começarmos a receber os benefícios da oração teremos que olhar para nossas misérias interiores. É muito importante observar, e nunca perder de vista, que o amor a Deus se mede pelas ações, pelas virtudes, pelo servir e não pelos fenômenos ocorridos em oração ou meditação.

Haverá dias nos quais será difícil entrar em oração. Muitas vezes tentaremos entrar em oração e não conseguiremos, por causa de muitas distrações, preocupações, perturbações. A privação da oração é algo terrível para o devoto. É preciso muita humildade, paciência e persistência. Isso pode durar alguns dias, ou mesmo semanas, mas tem fim. Nenhum esforço é inútil. É muito importante não se deprimir, não desanimar. Perseverar na oração é sempre o melhor que podemos fazer. É preciso determinação para ir até o fim, custe o que custar.

Neste grau se inicia o esforço de falar com Deus sem orações formais e sim com o coração, com palavras conforme as nossas necessidades, aflições, inquietudes, começamos a nos envergonhar de nossos erros diante Deus. Este grau começa com reflexões, com isso que chamamos de pensamento dirigido ou oração discursiva e termina com amor ao divino.

Quando começamos a ter devoção, não devemos nos descuidar da virtude, não devemos nos deixar cair em situações de tentação. Não é que não se possa ter nenhum tipo de recreação, mas é necessário que observemos os locais, as situações, as pessoas e que tenhamos discernimento para selecionar. Em tudo precisamos de moderação.

O Segundo Grau de Oração O segundo grau de oração é também chamado de ―oração de quietude‖. Neste grau começamos a desejar solidão, silêncio, a ter inclinação ao recolhimento. Começa a surgir uma grande fome e sede de Deus.

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Ocorre quando a mente cai cansada, por causa do esforço em buscar a oração, do esforço de discorrer. Aqui os efeitos da oração ocorrem sem esforços. A mente, o pensamento, a memória e a imaginação ficam sossegadas. É oração que tranqüiliza. Normalmente se sai dela descansado física e mentalmente.

Este grau é caracterizado por grande paz, felicidade, satisfação. A alma é atraída a um silêncio cheio de contentamento e paz, fica cheia de Deus e se regozija em suave deleite. Ao alcançar esta paz e felicidade, o desejo, a cobiça e o apego diminuem, pois percebemos que não podemos encontrar tamanho contentamento nas coisas do mundo. A alma começa a encontrar serenidade, mesmo em meio às situações difíceis da vida comum.

Aqui começa a ocorrer uma simplificação na oração. Arrependimentos, súplicas, louvores e agradecimentos começam a se unir em uma só coisa, em amor a Deus. A oração começa a caminhar para ser mais um estar com Deus do que conversar com Deus.

Certo esforço voluntário ainda é necessário. Movimentos do pensamento, da memória, da imaginação nos tiram deste estado de oração, que é ainda instável. Mas a vontade irá buscar este estado novamente e retornará a ele. Isto pode ocorrer várias vezes durante uma prática.

Neste grau, tudo que a mente tem que fazer é abandonar todas as preocupações com as coisas do mundo e permanecer quieta, sem tentar discorrer, sem buscar palavras e considerações para mostrar sua gratidão, sem buscar erros para se arrepender, sem buscar perceber que não merece o que está recebendo. Ou seja, precisamos apenas ficar quietos; assim geramos as condições, deixamos que aconteça.

Quando esta experiência é dada por Deus deixa uma marca duradoura, quando é forçada logo se esvai sem deixar marcas.

Se a Divindade não agir em nós, nada acontece. As compreensões só surgem por causa da Divindade, os defeitos só são eliminados por causa da Divindade, não há nada que possamos atribuir a nós mesmos.

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A oração discursiva é muito boa, traz seus benefícios. Existem pessoas que possuem grande facilidade neste tipo de oração e conseguem grandes resultados. Contudo não se deve passar todo o tempo destinado à prática neste tipo de oração. O pensamento aplicado e sustentado ajuda, mas em tudo deve haver moderação, equilíbrio.

É preciso muito trabalho sobre nós mesmos para não crermos que já está tudo feito, para não nos crermos santos, iluminados, para não nos apegarmos aos resultados da oração e passarmos apenas a buscar por deleites e consolações. Amar a Deus apenas por causa das consolações dos sentidos físicos é um grande equívoco.

O Terceiro Grau de Oração

No terceiro grau de oração a mente, o pensamento, a memória e a imaginação ficam bem mais sossegadas, trabalham sem saber como, ficam como que em suspensão, absortas em oração. Um dos obstáculos deste grau é o medo desta suspensão26.

A suavidade, a paz, a felicidade, o contentamento, são muito maiores de que no grau passado. A atenção e o controle crescem e se desenvolvem, já não há mais distrações. As virtudes que começavam a florescer no grau anterior, agora se desenvolvem e se fortificam. Este grau de oração é chamado também de ―oração de união‖. Esta união é de início breve e vacilante, com intensidade variada.

Aqui, a vontade tem apenas que entregar-se, abandonar-se. Não há pensamentos discursivos, há apenas profundos sentimentos de paz, felicidade, contentamento, gratidão, devoção. Simplesmente nos conectamos com o sentimento de devoção e as lágrimas rolam com abundância, conectamo-nos com a gratidão e nos regozijamos profundamente. É sempre uma experiência revitalizante.

O Quarto Grau de Oração 26

O medo é obstáculo para se alcançar o êxtase, o samadhi e os elevados graus de jhanas, que são graus de absorção meditativa.

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Esta é uma união mais estável, mais intensa e profunda que a anterior. Neste grau nada se pode, nem ao menos sair deste estado é possível, é como um estado de transe extático. Mas o arrebatamento, o êxtase, o arroubamento ou rapto estão mais além deste grau. E mais além ainda encontra-se uma serenidade profunda, um estado de equanimidade. Um grau de oração leva ao outro, ou como diz Santa Teresa: ―as lágrimas tudo alcançam; uma água traz outra.‖27. No início, quase sempre, é depois de longo tempo de oração mental, que se passa de um grau a outro. Mais tarde, com a prática constante, com a purificação de nossos corações e mentes, gradualmente nos aperfeiçoamos e podemos chegar a elevados graus com maior facilidade, até que se tornem nossa realidade.

A passagem de um grau a outro normalmente leva tempo, podendo variar, pois cada pessoa tem seu tempo. Não se deve forçar nada e também não deve haver nenhum tipo de ansiedade. Contudo, não podemos ficar presos, devemos permitir-nos passar adiante quando o momento chegar.

Neste grau, o desenvolvimento das virtudes se intensifica. Os resultados, a intensidade dos resultados depende de muitos fatores. Um dos principais fatores é o grau de purificação da alma, o quanto a alma já eliminou de seus defeitos e o quanto já cresceu em virtudes.

A presença de Deus não pode ser negligenciada, deve ser mantida na vida diária, fora dos momentos de oração. Ao chegar aqui não podemos cair no erro de julgar que não temos mais nada a temer, que já conseguimos tudo. A cada passo dado devemos, com mais intensidade, buscar a humildade, a perfeição.

A simples leitura de livros não pode levar-nos a estas experiências e, sem as experiências, muitas coisas podem parecer obscuras, misteriosas, incompreensíveis. Estas experiências são alcançadas pela prática constante e intensa, pela mística e devoção, pela entrega, e principalmente, pela misericórdia e bondade da Divina Mãe.

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Santa Teresa de Ávila. Vida 19:3.

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Para os místicos que chegam aos elevados graus de oração, a presença de Deus é constante, é uma certeza, não é um saber por informação. Para estes, Deus é como um amigo que acompanha e guia de perto.

Oração de Compaixão: As Graças de Santa Teresa

Logo depois que Santa Teresa de Ávila decidiu pela vida monástica e entrou no mosteiro Carmelita da Encarnação, começou a ser atormentada por demônios internos e externos, através de sonhos, visões, sofrimentos e tormentos mentais.

Somente quando ela começou a orar pelos outros e pela salvação das almas daqueles que estavam no inferno e no purgatório é que ela passou a ter um pouco de paz.

Santa Teresa é conhecida por seus arrebatamentos, por seus êxtases e também pela Reforma do Movimento Carmelita. Como ela mesma narra em seus escritos, foi a oração que a levou aos êxtases e às grandes experiências místicas.

A bendita Santa de Ávila orava pelos outros, orava por aqueles que a conduziam, por seus confessores, seus guias, orava pelos responsáveis pela igreja, mosteiros, ordens. Sabia que se eles evoluíssem isto seria bom para ela, pois estes poderiam orientar melhor a ela e aos demais.

Em seus escritos, Santa Teresa narra as muitas das graças que alcançou através da oração. Mas estas graças não são os seus êxtases ou suas experiências místicas, nem tão pouco são seus avanços no caminho, mas sim as graças que receberam aqueles por quem ela orava: curas, arrependimento, o dom da oração, iluminação, avanços na oração ou no caminho. Estas são as maiores graças que ela narra em seus escritos, aquelas obtidas por outros, a partir de suas orações.

O mais comum é orarmos apenas por nós mesmos e olharmos apenas para nossas próprias graças. Entretanto, precisamos compreender que orar pelo próximo, pela humanidade, pelos irmãos da senda, por aqueles que estão mais adiante no caminho, são 31

formas de caridade. Não se deve ser egoísta na oração, pois aquele que pensa apenas em si mesmo e em sua própria evolução, não faz avanço algum. Jamais ore contra alguém. Devemos aprender a considerar a alegria e a salvação de todos como se fossem as nossas próprias.

É muito importante orarmos para nossos semelhantes. Sempre devemos fazer orações para ajudar aqueles que servem a Deus e aqueles que, de alguma forma, auxiliam-nos. Em nossas orações, sempre devemos nos lembrar daqueles que sofrem, daqueles que estão no erro, no engano, nas trevas, nos infernos28.

Imaginação e Imagens

Estamos cercados de símbolos e reagimos a eles segundo o que eles transmitem para cada um de nós. Cada símbolo denota uma realidade, transmite uma mensagem, que pode ser diferente dependendo da época e da cultura.

Assistir um por do sol, contemplar uma bela paisagem é certamente algo maravilhoso, inefável, extasiante. Não podemos negar que o belo provoca reações em nós e pode evocar nossas melhores emoções. Por isso, em algumas tradições religiosas são utilizadas imagens para inspirar devoção. Alguns locais sagrados são decorados com imagens e símbolos a fim de criar uma atmosfera mística que inspire devoção, introspecção, veneração, reverência.

Realmente, adorar imagens é algo sem sentido, não é para isso que deveriam ser utilizadas. As imagens podem ser utilizadas para inspirar sentimentos e emoções elevadas, mas não devemos ficar apegados a elas. Tão logo as emoções elevadas estejam bem desenvolvidas o uso das imagens pode ser abandonado.

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O orar em favor de nossos semelhantes está relacionado com o que os budistas chamam de meditação de compaixão. Veja o Discurso do Amor Bondade (Sutta Nipata I.8 - Karaniya Metta Sutta). No budismo tibetano existe uma prática chamada tonglen , que também é uma prática de compaixão. A prática de compaixão também está relacionada com o mantra ―loka samasta sukhino bhavantu‖, que significa ―que todos os seres sejam felizes‖, das tradições orientais. Os monges trapistas(ordem cristã) William Meninger, Thomas Keating e Basil Pennington também falam de meditação de compaixão, a prática descrita por eles é praticamente igual à prática budista.

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Cada pessoa tem suas próprias características, por isso cada um deve encontrar qual técnica, forma ou prática de oração que lhe traz melhor resultado. Para alguns a contemplação de imagens inspiradoras pode levar a uma profunda oração e trazer grandes resultados.

Realmente, em algumas práticas utiliza-se a imaginação para criar imagens inspiradoras, ou para ajudar na concentração. Nisso não há problema algum. Isso não é adoração de imagem. A contemplação de uma imagem pode trazer o profundo significado por trás do símbolo.

O problema se inicia quando a imagem passa a ser o objetivo principal, um fim em si mesma, isso sim é adoração de imagem e é um erro. A adoração de um Deus antropomórfico ou de uma imagem, seja ela física ou criada pela imaginação, é tudo a mesma coisa e é um equívoco.

É importante observar aqui que se os demônios não conseguem distrair a atenção então podem tentar sugerir imagens a fim de tentar enganar-nos, induzindo o pensamento; fazendo-nos crer que alcançamos o objetivo da oração, que não corremos mais riscos, que estamos purificados. Se existir em nós a tendência à vanglória, poderemos ser iludidos por nossos demônios, pois a vanglória é o princípio da ilusão.

A imaginação dirigida é uma grande ferramenta. Entretanto, a imaginação mecânica não traz benefício algum, muito pelo contrário. A imaginação mecânica é fantasia. Alguns, por ignorância, fantasiam Deus, Cristo, Anjos, Santos, sentem sensações, vêem luzes, ouvem sons e se crêem iluminados. Mas, na verdade, são vítimas de seus próprios demônios internos, da vanglória, da vaidade, do orgulho.

Contemplação

As imagens e o pensamento sustentado podem ajudar no início, mas na perfeita contemplação não pode haver imagem alguma, pensamento algum. Quem quiser alcançar a

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perfeita contemplação29 não deve dar forma à divindade e nem permitir que a mente receba uma forma, uma imagem.

Deus é aquilo que não pode ser definido, que não pode ser circunscrito numa forma, que precisa ser experimentado diretamente, pois é incomunicável. Deus é a Verdade, Allah, Tao, Zen, Brahama ou que outros nomes possamos atribuir. Esta experiência só nos será possível quando tivermos desenvolvido a concentração e aprendido a manter a mente completamente vazia de pensamentos e imagens. No início tudo será escuridão.

A contemplação não pode ser alcançada pelo intelecto. Não é questão de leitura ou audição de ensinamentos. Qualquer pensamento será uma barreira para alcançar a Deus. Teorias sobre Deus são enormes barreiras. Deus pode ser amado, mas não pensado. A mente precisa estar vazia de conceitos e preconceitos. De nada adianta ficar procurando entender como fazer, quem fica planejando como chegar à contemplação está iludido.

Nesta prática não podemos nos identificar com os pensamentos, por mais belos ou santos que sejam. Para esta prática não podemos nos identificar com nada, devemos deixar tudo em paz, pessoas, animais, paisagens, lembranças, preocupações.

O pensamento dirigido, a investigação de nossos defeitos funciona bem para outras práticas, mas aqui nada pode. Estas são práticas ativas, enquanto a contemplação é uma prática passiva. Para se chegar à contemplação devem ser colocadas de lado. A contrição e compulsão são o mais alto estado da prática ativa e o mais baixo da prática passiva.

Para alcançar a contemplação é preciso permitir-se estar em silêncio. Sempre que surgirem pensamentos ou imagens, deixe passar e, gentilmente, volte de novo a atenção para Deus. É preciso vontade e persistência, mas não deve haver luta nem força e nem tensão.

Mística e Devoção 29

No budismo, esta contemplação é conhecida como meditação no vazio. Cada uma das grandes religiões possui sua linguagem, seus símbolos para transmitir a mesma realidade. O clássico cristão A Nuvem do Não Saber é um tratado sobre a contemplação. Este fantástico livro influenciou muitos místicos do século XVI, como Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz, esta influência é visível nas obras destes dois grandes místicos.

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Mística é toda forma de união interior com Deus, não é questão de teoria, mas sim de vivência, de experimentação direta. É uma vivência interior, portanto intransferível.

Mística é gratidão, é devoção, é louvor. O viver místico é um viver em gratidão, louvor e devoção permanentemente. É o sacralizar a vida. É o ver Deus em todas as coisas. É confessar os erros e arrepender-se. É suplicar por perdão. É suplicar por luz, paz, alegria e iluminação.

A experiência mística leva ao conhecimento da verdade. E aquele que conhece a verdade sabe, por experiencia direta, o profundo significado de todas religiões. Por isso, místicos das mais diversas culturas e épocas narraram, através dos séculos, experiências muito análogas. Em seu livro Os Evangelhos Gnósticos, Elaine Pagels diz: ―Místicos como Jacob Boehme, acusado de heresia, e visionários radicais como George Fox, com toda probabilidade não familiarizados com a tradição gnóstica, não obstante formularam interpretações análogas da experiência religiosa.‖30

A devoção pura, renunciada, é o que devemos buscar. Não podemos ser devotos em troca de ganhos materiais ou desfrute dos sentidos, pois este tipo de prática é uma perversão, uma deturpação da devoção e cria grandes obstáculos em nossos caminhos. Quem segue desta forma prende-se cada vez mais às misérias da existência material, fortalece cada vez mais as correntes que nos aprisionam.

A devoção purifica o coração, ajuda a afastar os maus pensamentos e a manter mente tranqüila. Manter os pensamentos em Deus é manter o fogo aceso. Entretanto, a devoção não deve ser condicionada, se condicionarmos a devoção a benefícios conquistados, cedo ou tarde nos voltaremos contra Deus. O objetivo das práticas espirituais é livrar-se das misérias da vida e não cultivá-las, fortalecê-las ou prolongá-las. Portanto, devemos manter o foco de nossas orações em assuntos transcendentais, sem deixar que o foco caia em assuntos mundanos.

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Elaine Pagels. Os Evangélhos Gnósticos. (p. 170)

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A devoção é o amor e o apego à Divindade, e este é o único apego benéfico. Mais ainda, este é o apego que destrói outros apegos. Não há vida espiritual sem devoção, mística e reverência. Muitas são as formas de devoção31. As tradições orientais falam de nove formas. A primeira consiste em ouvir os nomes de Deus e é chamada de sravana. A segunda, chamada de kirtana, consiste em cantar os nomes de Deus e suas glórias. A terceira, smarana, é a lembrança dos nomes de Deus, é a concentração, a meditação em Deus. A quarta, padasevana, consiste em servir a Deus. A quinta é arcana, na qual estão os ritos devocionais. A sexta, vandana, consiste em prosternar-se aos pés de Deus, em louvar o Senhor. A sétima, dasya, é o considerar-se servo de Deus. A oitava, sakhya, consiste em considerar-se amigo do Senhor. E a nona, atma-nivedana, consiste em entregar-se inteiramente a Deus.

Quem busca a compunção do coração encontra a devoção. Contudo, nós rejeitamos a compunção e buscamos as consolações exteriores, mundanas. A consolação do mundo é passageira, impermanente, não podemos desejá-la e muito menos podemos nos apegar a ela. Enquanto quisermos ser visíveis aos homens não o seremos a Deus e aos Mestres. Somente renunciando às consolações exteriores é que se torna possível chegar às consolações interiores ou divinas.

É nos momentos de sofrimento que nossas orações ganham força, que oramos com intensidade e alcançamos a devoção, o fervor. Infelizmente, quando o sofrimento cessa, o fervor termina junto e a oração esfria. Quando alcançamos a devoção devemos cuidar para que não esfrie, para que não enfraqueça.

O Dom das Lágrimas

Sempre abordado pelos místicos cristãos e muito mal compreendido pelas pessoas, o dom das lágrimas é um tema de grande importância. Por estes motivos, resolvemos escrever algumas palavras sobre o tema.

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Reverência e devoção também são muito importantes no budismo. No hinduísmo não é diferente, devoção, mística e reverência são fundamentais. Os hare-krishnas com sua alegria são devotos, os sufis são devotos, os judeus são devotos. Em toda religião há devoção, cada uma da sua forma.

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Nós perdemos a sensibilidade, perdemos a percepção do bom, do belo, do sagrado, tornamo-nos duros, secos, desumanos e até incapazes de chorar, mesmo diante das enormes desgraças e horrores que ocorrem diariamente no mundo. Orar para obter o ―dom das lágrimas‖ é apontado pelos Padres do Deserto como um dos primeiros passos da oração. O dom das lágrimas é um dom do Espírito Santo. A oração é uma proteção contra a tristeza e o desânimo. Portanto, estas lágrimas não podem ser confundidas com as lágrimas comuns das pessoas, não são lágrimas por alguma perda material, por desejos frustrados, não são lágrimas de tristeza, mágoa ou amargura, não são lágrimas de melancolia, de excesso de sensibilidade, de sentimentalismo ou emocionalismo. O devoto chora por seus erros, por seus defeitos, por ter se distanciado de Deus.

As lágrimas verdadeiras aliviam o coração, trazem conforto, tranqüilidade e o devoto sai da oração determinado a mudar, a se transformar. Se isso não ocorre então estas lágrimas são falsas e estamos ofendendo nosso Pai Interno, o que é um grave e terrível erro.

As lágrimas acendem o fogo, o fervor da oração. As lágrimas purificam, enternecem, dissolvem, suavizam a dureza de nossos corações, tornando-nos compassivos.

As lágrimas de arrependimento precedem as lágrimas de gratidão e alegria. As primeiras nos purificam e nos preparam para as seguintes.

São Francisco de Assis, pouco antes de morrer, pediu para ficar isolado a fim poder orar e se lamentar de seus pecados. Por isso, quando nos parecer que não é mais necessário chorar por nossos erros ou defeitos, devemos considerar o quanto estamos distantes de Deus; devemos analisar a vida dos santos e perceber o quão pouco fizemos.

É importante observar que a perfeição não está no muito chorar, nem nos muitos fenômenos, sensações ou êxtases. Não devemos nos preocupar com as lágrimas, muito menos forçá-las. Devemos nos esforçar em morrer em nós mesmos, desenvolver virtudes e agir cada vez mais retamente. As lágrimas virão a seu tempo.

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A Contrição do Coração

Os termos contrição e compunção são muito utilizados na tradição mística cristã. Em seus escritos, os Padres do Deserto dão grande importância à contrição e à compunção do coração.

Contrição é o arrependimento, o pesar, o profundo sentimento de dor no coração por causa de um erro cometido, acompanhado da firme decisão de não mais errar. Compunção possui basicamente o mesmo significado. Podemos apenas acrescentar que a compunção inclui manifestações externas deste pesar.

Muitas pessoas de oração, após conhecerem a contrição, percebem que nunca antes haviam se arrependido de verdade. Quando o arrependimento não é apenas intelectual, superficial e sim profundo e verdadeiro, então gera grande compunção, lágrimas e dor no coração. É assim que o coração e a mente, que antes viviam perturbados, ficam agora aliviados. É deste arrependimento, acompanhado de súplicas pela misericórdia divina, que nasce a esperança do perdão.

A contrição nos leva a superar o medo da dor e a dissolver a dureza de nossos corações. Quem procura a compunção do coração encontra a devoção e a consolação divina.

Nossos defeitos, vícios, paixões, são razão de profundo pesar. Quanto mais profundamente nos analisamos, mais profunda é nossa dor. A analise profunda de nós mesmos, a confissão de nossos erros e sincera contrição possibilitam a limpeza e purificação de nossos corações e mentes. A contrição e compulsão são o mais alto estado da prática ativa.

Devemos nos humilhar diante da face de Deus e, de todo nosso coração, confessar nossos erros, nos arrepender profundamente. Dizia Santa Teresa de Ávila que ―quanto mais se abaixa uma alma na oração, mais a levanta Deus‖32. Porém, não basta apenas o arrependimento, precisamos da firme decisão de corrigir nossa conduta.

32

Santa Teresa de Ávila. Vida 22:11.

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O devoto sincero olha para si mesmo e reconhece ser ainda ―tão carnal e mundano, tão pouco mortificado nas paixões, tão cheio de movimentos de concupiscência, tão pouco recatado nos sentidos exteriores, tão emaranhado em muitas vãs ilusões, tão inclinado às coisas exteriores, tão descurado das interiores; tão dado ao riso e à dissipação, tão duro para as lágrimas e a compunção; tão pronto para os regalos e cômodos da carne; tão indolente para as austeridades e o fervor; tão curioso por ouvir novidades e ver coisas bonitas; tão remisso em abraçar as humildes e desprezadas; tão cobiçoso de possuir muito; tão parco em dar; tão tenaz em guardar; tão indiscreto no falar; tão insofrido no calar; tão desregrado nos costumes; tão precipitado nas orações; tão sôfrego no comer; tão surdo à palavra de Deus; tão ligeiro para o descanso; tão vagaroso para o trabalho; tão atento para conversas fúteis; tão sonolento para as sagradas vigílias; tão pressuroso por chegar ao fim; tão vago na atenção; tão negligente na recitação do ofício divino; tão tíbio na celebração da missa; tão seco na comunhão; tão depressa distraído; tão raramente bem recolhido; tão precipitado à ira; tão fácil de melindrar os outros; tão propenso a julgar; tão rigoroso em repreender; tão alegre nas prosperidades, tão abatido nas adversidades; tão fecundo em boas resoluções, tão preguiçoso em executá-las‖ 33, e com isso enche-se o devoto de compunção e as lágrimas brotam de seus olhos com abundância.

33

Thomas de Kempis. Imitação de Cristo 4:7:2.

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Capítulo 2

A Morte Mística “... é morrendo que se vive para vida eterna...”

O Verdadeiro Cristão e o Falso Cristão34

O falso cristão é aquele que acredita que conhecer a história do Cristo e acreditar nela, o torna um verdadeiro cristão. É inseguro e ignorante quanto à sua crença, pois não passa de uma crença. Ele tenta auto-afirmar-se, chama de herege todo aquele que tiver uma opinião diferente da sua e facilmente entra em conflito por causa de divergência de opiniões.

O falso cristão parece piedoso, porém está apenas buscando recompensa, reconhecimento. Não segue o Cristo, não imita o Cristo. Vive apenas de teorias, de intelectualismo. Suas ações contradizem sua crença.

Conhecer a história do Cristo e acreditar nela, não pode tornar-nos verdadeiros cristãos. O verdadeiro cristão vive a doutrina em fatos concretos, imita o Cristo, segue o exemplo do Cristo.

O falso cristão acredita que a sua religião é melhor do que as demais. O verdadeiro cristão está além das seitas, pois traz a Igreja dentro de si. Por compreender a sua religião, compreende também as demais e por isso não entra em brigas por causa de opiniões divergentes.

A freqüência constante em rituais puramente externos não nos torna verdadeiros cristãos. É pela perfeição que se pode identificar o verdadeiro cristão. Esta perfeição só pode ser obtida com a morte mística, com a eliminação de nossos defeitos.

Exame de Consciência e Morte Mística

É triste observar que, em praticamente todas as religiões, as pessoas se contentam em apenas freqüentar missas, cultos. Vivem uma espiritualidade vazia. Trazem os corações cheios de mágoas e ressentimentos, não praticam o verdadeiro perdão. Vivem uma espiritualidade apenas intelectual, mental, sem obras, sem prática concreta, sem buscar a

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Vale observar que isso vale para qualquer religião, ou para qualquer religioso.

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purificação do coração e da mente, sem buscar eliminar defeitos ou superar limitações, sem buscar desenvolver virtudes.

Muitos freqüentam suas religiões por anos e anos e não mudam em nada, não se transformam. A realidade de suas vidas diárias segue sendo diametralmente oposta ao seu ideal religioso.

Freqüentam por costume, por obrigação, porque ouviram que é bom freqüentar, que é necessário ter uma religião. Continuam com a mesma forma de pensar, sentir e agir que tinham antes de buscar pela espiritualidade. Enganam-se e caem na vaidade, acreditando serem superiores aos outros por serem religiosos. Porém, fazem as mesmas maldades que aquelas pessoas que não são religiosas.

Triste ver como todos cometem sempre os mesmos erros, sofrem sempre da mesma forma e nas mesmas situações. Parecem estar convencidas de que o ideal nunca pode tornarse prático e a prática nunca alcançará o ideal. Parece que não acreditam que podem viver de uma forma diferente, que exista um estado interno melhor.

A religião serve para regenerar as pessoas, para transmitir valores espirituais, valores elevados. Mas o que se vê são apenas lindos discursos vazios. Os ensinamentos, as práticas e métodos ensinados pelos místicos desde o início do cristianismo foram esquecidos, deixados de lado.

A tradição mística cristã fala muito do exame de consciência e da morte mística, da mortificação. O exame de consciência faz parte das Regras de várias ordens monásticas. Mas é claro que estas práticas não são apenas para monges e monjas, não precisamos nos retirar do mundo, não precisamos ir para um convento ou uma caverna. Estas práticas constituem um caminho para a purificação de nossos corações e mentes, formam a chave de qualquer transformação. Não há caminho mais fácil.

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Este exame de consciência consiste em analisar os eventos do dia35, perceber onde nossa conduta não foi adequada, refletir sobre o que pensamos, sentimos e dissemos em cada um destes eventos.

Para que este exame seja possível, é necessário estar sempre vigilante, sempre atento, observando onde está, o que está fazendo, pensando, sentindo. Assim, desta constante vigilância, reconhecemos os eventos que devemos examinar, analisar, reconhecemos os pensamentos, sentimentos, emoções, palavras, sobre os quais devemos refletir. É no dia a dia, no trabalho, no relacionamento com as pessoas que nossos defeitos36 afloram. Portanto precisamos estar sempre atentos e em constante auto-observação para percebê-los.

Para que haja êxito nesta prática, é indispensável que se seja sincero consigo mesmo. Destas análises e reflexões surgem as compreensões, as revelações 37. Esta reflexão é oração mental, é oração discursiva.

A auto-observação e o exame de consciência, a auto-análise, são o caminho para o auto-conhecimento, tema também sempre abordado pelos grandes místicos.

Quando um defeito é compreendido, então deve ser eliminado. É a Mãe Divina que elimina nossos defeitos, mas para que isso ocorra precisamos orar, pedir, rogar e suplicar com muito fervor que o defeito percebido e compreendido seja eliminado38. A mortificação, a morte mística39, é a morte psicológica, a eliminação de nossos defeitos, de nossos demônios internos40, é o processo da via purgativa41. Dizem as sagradas

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Estas práticas podem e devem ser feita também para eliminar traumas, mágoas e ressentimentos do passado, medos e lembranças que nos atormentam. 36 São Tomás de Aquino compilou sete de nossos maiores defeitos em um grupo, que denominou ―Os Sete Pecados Capitais‖. Estes pecados, dos quais muitos outros derivam, são: a gula, a vaidade, a luxúria, a avareza, a preguiça, a ira e a inveja. 37 Estas revelações também são chamadas de insight, de compreensão. No budismo existem dois tipos de meditação, uma ativa e outra passiva. A prática ativa é chamada de vipassana ou meditação de insight. A prática passiva é chamada de samatha ou meditação de tranquilidade. 38 Devemos pedir também ajuda para compreender os defeitos, os erros. Devemos refletir e orar para que tudo que nos atormenta possa ser eliminado. 39 A morte mística é uma prática milenar e está em todas as grandes religiões. No hinduísmo, esta prática é conhecida como dissolução do falso ego. No budismo, esta prática é chamada de eliminação dos agregados psíquicos, é o processo de purificação do coração e da mente. A obra de São João da Cruz, Noite Escura, fala muito de mortificação e destas purificações. Este processo de morte mística é um dos estágios do processo da alquimia medieval. Nas obras do Mestre Samael Aun Weor encontramos uma doutrina atual, sólida e bem estruturada para eliminação dos defeitos, para morte mística. O livro ―Psicologia Revolucionária‖ do Mestre Samael Aun Weor é um ótimo começo para quem quer se aprofundar no assunto.

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escrituras que o homem velho deve morrer. A morte mística é o processo de observação, reflexão e súplicas. É o processo de purificação de nossos corações e mentes.

É preciso muita paciência e persistência, ninguém se torna santo num só dia, somente com paciência possuiremos nossas almas(Mt 5:9). Este é um processo lento e doloroso. Não pode haver culpa ou autocomiseração pelos defeitos que se possui, o que importa é a firme determinação de trabalhar para eliminá-los, a firme decisão de mudar, de não aceitar permanecer para sempre da mesma forma, de não aceitar cometer os mesmos erros, de não aceitar de sofrer nas mesmas situações.

É possível eliminar de si a raiva, a inveja, o ciúme, a má vontade, a preguiça, a mágoa, o ressentimento, a gula, a luxúria, a avareza, a tristeza, a ganância, o orgulho. Mas para tudo isso é preciso muito esforço, muita fé.

Não podemos eliminar nossos defeitos pelo simples conhecimento, pela simples informação, este não é um processo intelectual. O conhecimento não resolve, pois o impulso e a tendência continuam a existir. É preciso compreensão, depois a compreensão precisa virar um sentimento e por fim o defeito deve ser eliminado.

Sem reflexão, não se pode chegar à oração, ao arrependimento, à contrição e compulsão do coração, pois é na reflexão que percebemos nossos erros.

É imensamente importante observar que não pode haver reflexão proveitosa sem uma doutrina confiável42, sem as instruções que trazem uma nova forma de pensar, sentir e agir,

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Isso que chamamos de demônios internos recebe deferentes nomes nas diferentes religiões, doutrinas ou filosofias. No Egito, eram conhecidos como demônios vermelhos de Seth. No hinduísmo, são chamados de falso ego ou ahamkara. No budismo, são os agregados psíquicos. No cristianismo também são os ímpios, os usurpadores do trono e outros. Em gnose, são chamados de egos. Os egos são a personificação de nossos defeitos. 41 A tradição mística cristã fala de três vias, a via purgativa, a via iluminativa e a via unitiva. Não são caminhos diferentes, são complementares, cada um se inicia onde o outro termina. Não há um tempo de duração fixo para cada estágio, para cada um o processo tem suas particularidades. A via purgativa é a dos iniciantes, consiste na eliminação dos defeitos, das paixões, dos apegos. Nesta via a lama se purifica. Para São João da Cruz esta é a via da penitência. São Tomás de Aquino(1225-1274) também chama esta via de via ascética. Para os místicos, a negação de si mesmo e a oração são os principais meios purgativos. Os perseverantes que progridem passam para via iluminativa, aqui a alma já está purificada, mas está ainda distante de Deus e sofre por isso, aqui a alma tem que abandonar-se e confiar plenamente em Deus. Em seguida vem a via unitiva, aqui Deus une-se a sua criatura e revela seus mistérios, são experiências místicas inefáveis que os místicos tentam descrever com analogias e símbolos, pois a linguagem comum não as pode descrever. Para São Tomás de Aquino estas duas ultimas vias se fundem numa única via, a via mística. 42 É da falta de uma doutrina confiável e da falta de profundidade de conhecimento e compreensão das doutrinas confiáveis que surgem todos os tipos de bobagens e aberrações, de desvios e distorções de ensinamentos e doutrinas. Muitas vezes as pessoas querem torcer o ensinamento, a doutrina, para adequar as suas necessidades, aos seus desejos. É de tudo isso que

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que abrem a visão, que trazem um conteúdo novo, novas idéias e valores. Sem isso a alma está como que cega43. O casamento44, a vida familiar e profissional não exclui, de nenhuma forma, nem a oração nem as graças místicas nem qualquer evolução espiritual. Nada disso é privilegio reservado somente a algumas almas excepcionais. Tudo isso está disponível a todo aquele que quiser com intensidade e se esforçar com empenho. Toda fraqueza tem origem na dúvida e na falta de decisão.

O caminho, esta transformação, esta evolução espiritual, é possível a todos aqueles capazes de tomar uma decisão e de sustentá-la por toda vida. São Francisco de Assis, um dos personagens mais importantes do cristianismo depois do Cristo, antes de se converter, era um boêmio, como vários outros rapazes da cidade em que vivia. Santa Teresa de Ávila, a grande doutora da Igreja, antes de se converter, vivia nas festas da cidade, como qualquer outra moça da época. Mahatma Gandhi, o grande libertador da Índia, como dito por ele mesmo em sua autobiografia, antes decidir mudar o rumo de sua vida, era preguiçoso e muito luxurioso, assim como são muitos outros jovens da mesma idade. Certamente que não foi fácil para nenhum deles45 e não se está dizendo que é ou que será fácil, pois é sabido que o caminho largo e fácil leva ao abismo e que o caminho que leva aos céus é estreito e apertado. O Cristo Jesus disse: ―Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz e siga-me‖ (Mt 16:24)

surgem coisas como a teologia da prosperidade, a ―lei de atração‖( o Apêndice 3 traz um breve aprofundamento sobre a questão) e muitas teorias de auto-ajuda. 43 Dizia o Mahatama Gandhi que ―um homem sem religião é como um barco a deriva‖. É necessário ler constantemente a doutrina quer seguir, estudar sempre para não esquecer e para aprofundar cada vez mais. É isso que possibilita a compreensão e gera as condições para que a doutrina não seja esquecida mesmo nas situações de grande pressão, de tentação. Se ficamos lendo muitas doutrinas, nunca teremos uma base onde nos apoiar e, em situações críticas sempre ficaremos perdidos. 44 Deste de que seja vivido de forma reta, pura. Evidentemente que um adúltero está longe de qualquer caminho espiritual. Para aprofundar este tema de casamento ver ―O Matrimônio Perfeito‖ do Mestre Samael Aun Weor. 45 Estudar e conhecer a vida dos grandes místicos, dos grandes santos, yogues ou lamas da história, traz muita inspiração e força para realização de árduo trabalho.

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Capítulo 3

Virtudes Vida Mística e Ascética

O Arrependimento46

Arrependimento é o sincero pesar por um erro cometido, é o fazer consciência dos erros e da gravidade dos erros. Não é algo dito da boca para fora, não é vergonha ou culpa, é dor terrível que leva à conversão, à transformação. Se expressa em fatos, em mudança de atitude, em mudança de conduta.

A maldade, a falta de amor a Deus e ao próximo, a não percepção da gravidade dos erros cometidos, as desculpas e justificativas, a crença de que nos devem, o fazer-se de vítima, todas estas coisas impedem o arrependimento.

Para que o arrependimento surja, é preciso que ocorra uma mudança na mente e no coração, na forma de pensar e de sentir.

Em seu íntimo, a alma está sempre sendo chamada ao arrependimento, isso lhe dá uma constante inquietação, uma constante angústia. O arrependimento é uma manifestação da consciência, do divino em nós, e traz alívio ao coração. É uma conversão de volta para Deus e, para o indigno, é a única porta aberta para este retorno. Assim, é preciso decidir pelo arrependimento tão logo se perceba surgir o desejo por ele.

O arrependimento deve ser permanente, deve ser uma decisão sustentada firmemente por toda vida e não coisa de apenas um momento. Não se pode deixar cair no esquecimento.

O Perdão

Buscar o perdão, buscar perdoar, é buscar compreender o outro, ou despertar empatia, é buscar compreender as situações; é buscar um novo ponto de vista, um ponto de vista mais altruísta; é renunciar aos nossos próprios sofrimentos, é praticar a tolerância, a paciência, a compaixão, a sensibilidade. Todas esses atos, por si, já são atos de perdão.

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O livro ―O Caminho para Cristo‖ de Jacob Boehme aprofunda bastante este assunto. Este livro deve ser lido por todo aquele que realmente quer mudar. O ―Apêndice 2‖ traz as orações deste livro.

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Sem que exista uma mudança do ponto de vista da história que causou mágoa, ressentimento, ira, desejo de vingança, o perdão não é possível. Somos apegados à dor e ao sofrimento, e por isso não perdoamos.

O perdão é bom para quem o sente. Porque quem perdoa fica com o coração mais leve, deixa de carregar ressentimentos, mágoas, tristezas, raiva.

Enquanto acharmos que existe algo ou alguém a ser perdoado, não poderemos perdoar nada nem ninguém. Enquanto não nos desprendermos de idéias e frases padronizadas – ―Ele me fez isso!‖, ―Ela me fez aquilo!‖, ―Ah, se fosse comigo!‖, ―Ele me fez isso, mas eu perdoei!‖, ―Ele lhe fez tudo isso e você não fez nada?‖ –, não estaremos habilitados a perdoar. Estaremos ainda muito presos, estaremos reféns das idéias, das histórias.

Conflitos e mágoas acontecem porque fantasiamos, exageramos, criamos ilusões, expectativas, sobre situações que nos acontecem ou sobre o futuro, porque culpamos os outros por não terem realizado nossos desejos, nossas fantasias, por não terem correspondido às nossas expectativas. Mas, quando conseguimos enxergar o quadro sob um outro ponto de vista, percebemos que nada havia a ser perdoado, nós é que estávamos sonhando, fantasiando, distorcendo as coisas.

Enquanto adotarmos a postura de alardear nosso perdão às pessoas, a despeito de elas nos terem feito isso ou aquilo, não estamos perdoando de fato. Estamos, sim, nos enganando, fechando as portas para um perdão real, carregando mágoas, raivas e ressentimentos, que se estenderão por muito tempo. Precisamos perdoar com o nosso coração, não com palavras.

Enquanto não aceitarmos as coisas, as pessoas, as situações como realmente são, a vida tal qual se apresenta, não será possível perdão algum. Precisamos entender que tudo é como deveria ser. Nós é que, com nosso orgulho, achamos que tudo deveria ser diferente, que tudo deveria ser do jeito que idealizamos.

Não perdoamos porque somos impacientes, intolerantes; porque nos colocamos como vítimas das situações; porque não aceitamos os outros ou as situações. Não aceitamos pessoas

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e fatos e queremos ser aceitos. Não perdoamos e queremos ser perdoados. Não respeitamos e queremos ser respeitados.

Certamente, já erramos muito e continuamos a errar, a magoar pessoas próximas sem perceber, a agir mal, a irritar os outros. Certamente, por muitas vezes, também já causamos sofrimento a terceiros. Não somos os santos que acreditamos ser. Também precisamos do perdão dos outros. Todo aquele que quiser ser perdoado precisa aprender a perdoar. (cf. Mt 18:1-35)

A Cerimônia do Perdão

A primeira ordem fundada por São Francisco de Assim foi a Ordem dos Frades Menores. Os frades amavam-se, serviam um ao outro e estavam prontos a dar a vida pelo outro. Os que deveriam mandar procuravam ser os mais humildes, procuravam ser os servidores dos demais, que nunca criticavam o superior.

Pediam perdão uns aos outros sempre que dissessem, pensassem ou agissem mal com o outro.

Em comunidades monásticas existe a cerimônia do perdão, que consiste basicamente em confessar publicamente um defeito, um erro e pedir perdão. Infelizmente isso é impraticável na vida comum. Porém, podemos confessar nossos defeitos e erros e pedir perdão à nossa Divina Mãe todos os dias; se nosso arrependimento for sincero poderemos ser perdoados.

Um ponto que vale à pena abordar é o repetir algumas vezes uma fórmula de oração de forma mecânica acreditando que assim podemos ser perdoados por nossos erros, por nossos pecados. Isso é um engano. Penitências também pouco adiantam, flagelar-se ou jejuar são coisas fáceis, difícil mesmo é negar a si mesmo, renunciar ao sofrimento, as emoções negativas, aos prazeres. Negar a si mesmo é a verdadeira penitência. Enquanto não houver um arrependimento sincero e enquanto as sementes dos pecados, nossos demônios internos, não forem eliminados, não poderá haver perdão. 52

A Paz

A paz vem de dentro de nós, é um estado interior, não depende de situações externas, não é condicionada. A paz é um resultado da plena aceitação, da devoção, do contentamento, da satisfação, da gratidão, da generosidade, da compaixão. É um resultado do nosso próprio estado interior, de nossa pureza, bondade, amor.

A sensação de paz que é condicionada por fenômenos externos ou é abalada por eles é falsa, é uma ilusão. Não são as situações externas que trazem a paz, mas a percepção de que podemos relaxar, de que não há ameaças.

Sempre que condicionamos a paz, nós a perdemos. O condicionamento da paz gera expectativa, ansiedade, dor e sofrimento. E quando uma condição é conquistada, logo vem o medo de perdê-la. Se quisermos ter paz, precisamos abandonar as expectativas e nos permitir estar paz, o tanto quanto possível, a cada instante.

Todos os nossos momentos de paz ocorrem quando nos permitimos estar em paz. Quando não nos atormentamos com auto-cobranças, desejos, lembranças, podemos atingir esse estado de leveza interior, ainda que seja por alguns instantes, por um breve momento.

A paz não é o intervalo entre duas brigas, duas guerras, dois conflitos. É um estado de preenchimento – não um preenchimento de elementos externos, mas do próprio espírito. É uma conseqüência da nossa capacidade de viver em harmonia com a vida, de não permitir que nada nos perturbe, que nada nos assuste, de adaptarmo-nos às situações, de mantermos o equilíbrio de nosso estado interior mesmo diante das aparentes dificuldades externas.

Se queremos ter paz, então precisamos aprender a deixar os outros em paz. A paz está ligada à percepção da realidade, à percepção de que a vida é passageira e que nada conseguirá realmente nos afetar.

Se não temos paz é porque não queremos a paz, queremos outras coisas, desejamos, priorizamos outras coisas. Queremos ter razão, entramos em disputas para defender nossa opinião e perdemos a paz. Queremos o que chamamos de justiça, mas em realidade é desejo 53

de vingança. Queremos nossos direitos, nos achamos cheios de direitos, nos cremos injustiçados. Queremos possuir, controlar, levar vantagem. Para que possamos ter paz, precisamos aprender a renunciar a tudo isso.

A vida é um movimento contínuo. Portanto, não devemos entender a paz como inação, como estagnação, uma vez que a paz é a harmonia com a vida, é movimento harmônico com a existência. A vida não tem nada de errado, nós é que destruímos e atrapalhamos seu curso; nós é que queremos controlar tudo. As dificuldades que surgem ao longo da existência acontecem para que possamos desenvolver as nossas habilidades. A vida está a favor e não contra nós. Se queremos ter paz, devemos tirar da mente qualquer desgosto pelas circunstâncias presentes.

Enquanto existir medo em nós não haverá paz. Enquanto vivermos assombrados por nossos temores, dominados pela ansiedade e pela insegurança, não haverá paz. A paz vem da fé, da confiança, da entrega.

Culpamos os outros e as situações da vida por não vivermos em paz, mas somos nós os únicos responsáveis por nossos estados internos. A paz se vai quando nos identificamos com as situações. Conflitos internos, desejos antagônicas, obrigações, culpas, mágoas, ciúmes, ressentimentos, inveja, descontentamento, impedem a paz interior, por isso precisam ser eliminados.

Tanto maior será a nossa paz interior quanto maior for nossa mortificação, quanto mais morrermos em nós mesmos, quanto mais eliminarmos os defeitos que nos impedem de permanecer em paz. A paz é o resultado de uma mente limpa e de um coração tranqüilo.

A Renúncia

Viver uma vida simples é um ato efetivo, um ato concreto de renúncia. Mas, por melhor que sejam nossas condições de vida, sempre acreditamos ter sempre o mínimo necessário para viver.

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Nossos desejos nos cegam de forma que sempre arrumamos justificativas e desculpas para mantermos nossos apegos e desejos.

Sempre temos a falsa esperança, a falsa expectativa de que algo melhor venha a ocorrer ou de que algo agradável volte a acontecer. Estas possibilidades imaginárias nos mantêm presos a situações desagradáveis, a situações de dor e sofrimento.

Somente quando renunciamos é que percebemos nossos apegos e desejos. Somente quando renunciamos é que percebemos que nós mesmos estávamos sustentando as situações de dor e sofrimento.

A verdadeira renúncia dissolve o desejo, traz leveza, liberdade, satisfação, contentamento, paz. É preciso aprender a renunciar ao ruim pelo bom, ao bom pelo melhor, ao sofrimento pela paz, ao desejo pelo contentamento.

Renunciar é desapegar-se de algo, soltar de algo, abandonar algo. Renunciar é deixar de ver-se como vítima das situações, é deixar de culpar os outros e assumir a responsabilidade por nossas dores e sofrimentos.

O apego às coisas, a sensação de posse, a impressão de vantagem, nos faz sofrer ao nos manter sempre preocupados com perdas ou prejuízos. Quem nunca pensa em termos de posse, de ―meu‖, de ―seu‖, não sente falta de coisa alguma e desta forma não se aflige pela sensação de perda ou de prejuízo.

A posse, a impressão de posse, a sensação de posse, não se manifesta apenas com relação a o que é material como carros, casas, bens em geral ou pessoas, mas também e, principalmente, com relação a o que é psicológico, como a idéia e a imagem que temos de nós mesmos, às nossas opiniões e conceitos, nossa honra e moral.

Precisamos renunciar às idéias equivocadas e exageradas que temos sobre nós mesmos. Precisamos renunciar às ilusões e fantasias, às nossas opiniões, ao desejo de ter razão, às competições.

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Precisamos renunciar às nossas mágoas e ressentimentos, nossas dores e sofrimentos, nossa brutalidade, nossas reações mecânicas, nossas emoções negativas. Ver-se livre dos pensamentos que geram tudo isso é motivo de grande regozijo.

O Grande Tesouro

Certa vez Francisco saiu a esmolar com Frei Masseo. De volta, foram preparar para a refeição na natureza, tendo como mesa uma pedra. Francisco não havia obtido muito sucesso, mas Frei Masseo, que era um jovem vistoso, teve grande sucesso com as senhoras da cidade, recebendo pães inteiros, pedaços de queijo e mais... Então São Francisco disse: ―Ó Frei Masseo, nós não somos dignos de um tesouro tão grande‖47. E como ele repetiu essas palavras várias vezes, Frei Masseo respondeu: ―Pai, como se pode falar em tesouro onde há tanta pobreza e falta das coisas que são necessárias? Aqui não há toalha, nem faca, nem talheres, nem tigelas, nem casa, nem mesa, nem criado nem criada‖48. Respondeu então São Francisco: ―É isso que eu acho que é um grande tesouro, onde não há coisa alguma preparada por indústria humana; mas o que há foi preparado pela providência divina, como se vê, manifestamente, no pão esmolado, na mesa de uma pedra tão bonita e na fonte tão clara. E eu quero que o tesouro da santa pobreza, tão nobre que tem por servidor o próprio Deus, faça-nos amar com todo o coração‖49.

A Gratidão

A gratidão nasce do reconhecimento, da satisfação, da aceitação, do contentamento, da devoção, da fé, da entrega. Gratidão é um caminho para desenvolver o amor. A gratidão se 47

Frei Hugolino de Montegiorgio. Feitos de São Francisco e de seus companheiros, Cap. 13. Capturado da internet (www.procasp.org.br) na data de 16/03/2009. 48 Ibid. 49 Ibid.

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mostra em fatos concretos, ações, atitudes. Expressar gratidão é mais benéfico para a própria pessoa do que para os outros.

Cobramos dos outros uma gratidão que não temos. Somos incapazes de sentir a verdadeira gratidão. Nossos julgamentos, reclamações e críticas demonstram nossa falta de gratidão. A inveja é um defeito que esconde muita ingratidão e falta de contentamento.

Não temos contentamento, ao invés de agradecermos pelo que tivemos, nós lamentamos o que não vamos ter, ao invés de agradecermos pelo real e concreto que vivemos, nós lamentamos pelas fantasias que não vamos viver.

O orgulho e a vaidade nos impedem de percebermos o quando deveríamos expressar gratidão. Acreditamo-nos responsáveis por tudo aquilo que nos acontece de bom e culpamos os outros por tudo aquilo que nos acontece de ruim.

Se abrirmos nossos corações, se nos tornarmos mais pacientes, tolerantes e compassivos, se passarmos a nos contentar e nos satisfazer com o que está diante de nós, se passarmos a agradecer a Deus por tudo que temos, por tudo que recebemos.

Quando nos sentimos gratos por uma ação feita por outrem, retribuímos com alegria, sentimos um sentimento inexplicável de gratidão. Da mesma forma, se percebêssemos tudo o que a Divindade nos dá a todo instante, seríamos constantemente gratos.

Não estamos na graça de Deus, não percebemos estar na graça de Deus, não sentimos a consolação Divina por não nos acharmos ou nos percebermos consolados; por não nos acharmos ou nos percebermos em graça. Se nos percebêssemos na graça de Deus, seríamos profundamente gratos e teremos alegria, felicidade, contentamento, paz e tranqüilidade.

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A Equanimidade

Atualmente tudo em nós é condicionado: ações, emoções, sentimentos, estados, humores, pensamentos, tudo depende da situação, das lembranças que nos vem à mente, das associações que fazemos.

Se alguém age com grosseria conosco, então também agimos com grosseria. Se alguém age com delicadeza conosco, então somos delicados.

Agimos de uma maneira com pessoas que julgamos ou rotulamos como boas, amigas, belas, legais. Agimos de outra forma com pessoas que julgamos ou rotulamos como ruins, más, inimigas, feias, chatas.

Quando temos um bom conceito quanto a alguém, se alguém nos é agradável, se nossa opinião quanto a alguém é boa, vamos ter com ela um bom contato, um bom relacionamento, uma boa interação com este alguém; vamos nos dirigir a essa pessoa com educação, atenção e alegria.

Ao contrário, se quando temos um mau conceito quanto a alguém, se alguém nos é desagradável, se nossa opinião quanto a alguém não é boa, o resultado será um mau contato, um mau relacionamento, uma má interação; vamos nos dirigir a essa pessoa de forma grosseira, com irritação e com má vontade.

Os maus conceitos que fazemos dos outros nos deixam predispostos a comportamentos equivocados, a emoções negativas. Sempre que nos identificarmos com nossos pensamentos, conceitos, rótulos, opiniões, nosso comportamento será condicionado, mecânico.

Os conceitos que fazemos de pessoas, situações, objetos, lugares, não passam de idéias, valores e rótulos, são apenas pensamentos, mas tomamos estes pensamentos como realidade, como verdade, como algo concreto.

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Devemos observar que nossos pensamentos, nossos conceitos, não podem ser tomados como verdade, como realidade, como algo concreto. Eles são tão impermanentes e subjetivos que uma experiência pode alterar nossa opinião sobre alguém, transformando um inimigo em amigo ou um amigo em inimigo. Da mesma forma, dependendo das experiências, podemos mudar de opinião quanto a objetos, lugares, situações. Disse o Mestre Jesus: ―Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.‖ (Mt 5:43-48)

Expressar virtudes com quem gostamos ou em situações favoráveis é algo relativamente fácil, o desafio é sermos equânimes, é sairmos da escravidão da dualidade de forma a sermos gentis com pessoas amigas ou não, com quem é educado conosco ou não, o desafio é permanecermos serenos diante da crítica e do elogio, o desafio é aceitarmos com agrado as manifestações desagradáveis de nossos semelhantes.

A equanimidade é a imparcialidade que nasce da não identificação com pensamentos, sentimentos, emoções, conhecimentos, experiências, crenças e sensações. Não é indiferença ou frieza, é expressão de consciência.

Para que a equanimidade nasça e se desenvolva em nós, precisamos renunciar aos padrões equivocados, às emoções negativas, à mecanicidade, ao julgamento, ao preconceito e a discriminação e buscar a ação reta.

A Tranquilidade Diante de Perigos, Insultos e Ofensas

Durante a época da revolta dos Carmelitas Calçados contra os Carmelitas Descalços, o frade que era responsável por trazer as notícias para Santa Teresa, que estava presa no 59

Convento de São José de Ávila, ficava sem jeito de lhe dizer muitas das coisas que ouvia. Certa vez, contou que falavam que as fundações eram apenas uma desculpa que a madre Teresa arrumava para passear. Percebendo o constrangimento do jovem frade que a admirava muito, a Madre disse: ―Ai, meu filho! Não me levasse o Senhor pela mão e talvez eu fizesse bem pior. O que me aflige é pensar nos perigos a que expõe a sua alma esse homem que assim fala. E consentiria em sofrer bem maiores ofensas e bem mais duros tormentos para que lhe fossem perdoados os seus pecados‖50.

A mansidão de Teresa maravilhava as irmãs, a grandeza de seus atos ultrapassava as suas palavras. A Madre falava que estava acostumada com as ofensas: ―Parece que tenho uma tábua por dentro de mim, sobre a qual chovem as pedradas sem me chegarem ao coração‖51. Sobre a forma como Teresa tratava as pessoas, o Bispo de Ávila disse: ―Quem quiser ser tratado pela Madre Teresa como o melhor dos seus amigos bastará levantar-lhe um falso testemunho...‖52 Quanto às injúrias que recebia, certa vez disse a Santa: ―Minhas filhas, sabem que só me levantaram por três vezes falsos testemunhos: a primeira vez foi no tempo da minha mocidade, quando me chamavam bonita. A segunda foi quando se lembraram de dizer que eu tinha talento: grande mentira também... A terceira foi declarar que tenho alguma virtude. Este é que me custa mais a suportar, pois quem conhece bem as minhas faltas sou eu.‖53 As injúrias vinham também de padres e de amigos, o que levou Teresa a dizer: ―Como os amigos são poucos nas ocasiões difíceis!‖54. Mas suas filhas eram muito fiéis.

Teresa permanecia tranqüila diante dos perigos da inquisição, mas as outras estavam assombradas e ela tinha que consolá-las e tentar persuadi-las. Diante disso, diziam as irmãs: ―A nossa Madre é uma Santa, e nós somos apenas pobres freiras...‖55

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Marcele Auclair. Santa Teresa de Ávila. (p. 352-353) Ibid. (p. 353) 52 Ibid. 53 Ibid. (p. 353-354) 54 Ibid. (p. 355) 55 Ibid. (p. 353) 51

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A Madre ensinava à suas filhas que: ―O que nos falta não é escrever nem falar, pois que tudo isso, habitualmente, superabunda mais sim calarmo-nos e atuar. O falar distrai; o silêncio e a ação concentram o nosso espírito, dando-lhes força... sofrer, agir, calar, fechar os sentidos pelo uso e gosto da solidão, no esquecimento de toda a criatura e de todo o acontecimento, ainda que o mundo desabasse...‖56

As Pregações de São Francisco

São Francisco ensinava pelo exemplo e pela palavra. Utilizava exemplos de vida, falava na língua do povo, de maneira simples, por parábolas, imagens e analogias. Fazia assim por ter observado que o povo dava mais atenção aos jograis e heréticos do que aos sacerdotes e teólogos, pois os primeiros falavam na língua do povo e os outros em latim, os primeiros eram simples e claros os outros obscuros e complexos.

O servo de Deus tinha mais êxito quando falava de maneira improvisada e inspirada do que quando preparava suas prédicas. Às vezes esquecia as prédicas preparadas e humildemente dizia: ―Eu lhes preparei um belo discurso, mas esqueci-o.‖57 Certa vez, pediu permissão para pregar a um bispo, que disse: ―Eu basto para pregar ao meu povo!‖58. Francisco abaixou a cabeça e saiu, retornando em seguida. Então o bispo pergunta: ―Que queres frade?‖ Francisco responde à la Junípero59: ―Pai, quando um filho é posto para fora por uma porta, reentra por outra‖60. Diante da simplicidade do frade, o bispo se viu vencido. Outro bispo, certa vez, quando Francisco acabou de pregar disse: ―Agradeçamos a Deus que se serviu deste pobre homem ignorante e desprezível para ilustrar a Igreja, 56

Ibid. (p. 359) Maria Sticco. São Francisco de Assis. (p. 134) Este esquecimento também ocorreu numa das vezes que esteve com o Papa e tinha que fazer um discurso, porém o Santo se encheu de inspiração e tocou a todos. 58 Ibid. (p. 209) 59 Frei Junípero foi um dos primeiros discípulos de São Francisco. Chegou a elevado grau de perfeição, era muito alegre e inteligente, era exemplo de simplicidade e paciência, mesmo entre os frades. As passagens em que Frei Junípero aparece são sempre engraçadas. A alegria era uma marca dos Frades Menores. Frei Junípero era também muito caridoso, sempre que via algum pobre com vestes ruins, dava partes de sua túnica ou até a túnica toda e retornava quase nu. Por isso foi proibido de dar a túnica. Mas certa vez quando um pobre lhe pediu uma doação, ele disse que não tinha nada, apenas a veste que não poderia dar, porém não resistiria se o pobre a tirasse dele. Assim, mais uma vez retornou quase nu. 60 Ibid. (p. 209) 57

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revelando-nos a sua misericórdia‖61. Então Francisco ajoelha-se aos pés do bispo, agradecendo-o por distinguir o que era da personalidade e o que era de Deus.

A Felicidade

A felicidade é um estado interno. É uma habilidade, a habilidade de saber viver, de não deixar que nada nos perturbe, pois tudo passa, tudo passa.

É possível sentir alegria e felicidade, mesmo quando as coisas não saem como esperamos. É possível sentir alegria pelo sucesso e felicidade do outro e se isso não acontece, é porque há algo errado, é porque existe em nós inveja, raiva.

Quando experimentamos sensações de liberdade, paz e felicidade, não devemos pensar que elas vieram do exterior. Da mesma forma, não podemos achar que algum estímulo externo desencadeou o que está errado em nossos corações e mente. O externo é pouco confiável e está fora de nosso controle, e depender de algo pouco confiável não é uma atitude inteligente.

Quando a mente está limpa e tranqüila, atenta, livre da agitação causada por nossos próprios defeitos, a felicidade e a paz surgem naturalmente. Nesses breves momentos, podemos compreender que a verdadeira paz e a felicidade são de fato possíveis.

Para sermos felizes não precisamos fazer nada. Precisamos apenas parar de gerar infelicidade e de criar problemas. Gostamos de criar problemas porque no fundo eles distraem a mente e nos dão o que fazer. É uma forma de fugir do tédio, da vida. De certa forma, chegamos a sentir prazer em vivê-los e até nos vangloriamos de nossos problemas.

As causas reais da infelicidade não estão na ausência de pessoas, dinheiro, casa, carro ou emprego. As causas reais estão dentro, e não fora de nós mesmos. A infelicidade é fruto de nossa ganância, avareza, orgulho, vaidade e inveja. É fruto de nossa falta de contentamento, satisfação e gratidão.

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Ibid.

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A felicidade não é e nem está em algum objeto a ser encontrado ou possuído, não está em nenhum lugar fora de nós mesmos. Não há lugar nenhum para ir, não há nada a fazer e nem a ser conquistado a fim de se alcançar a felicidade. Felicidade é um estado interno, é satisfação, é contentamento com o que está ocorrendo no momento presente.

Não podemos confundir prazer com felicidade. O prazer é do tempo, é passageiro, momentâneo, impermanente, fugaz. Contudo, estamos sempre querendo mais prazer, como se tentássemos de alguma forma, eternizar o que é efêmero.

Renunciar ao prazer para obter a verdadeira felicidade é uma atitude inteligente. O prazer e a busca do prazer não trazem sabedoria; trazem apenas dor e sofrimento. O prazer escraviza, aprisiona. Na ânsia de se obter prazer ou temendo não obtê-lo, nos tornamos cada vez mais luxuriosos, gulosos, gananciosos e invejosos.

Normalmente, todos correm atrás de divertimento e entretenimento, chamando a isto de alegria, mas na realidade as diversões e o lazer não passam de artifícios para distrair e entorpecer a mente, não passam de uma tentativa de fuga de si mesmo, de uma tentativa desesperada de esquecer as preocupações, os medos, a infelicidade, a ansiedade e de fazer com que a mente pare de atormentar, de torturar.

Esta fuga, esta tentativa de esquecer, esconder e sufocar nossos sofrimentos leva apenas a uma necessidade cada vez maior de novos e diferentes divertimentos e entretenimentos. Nenhuma sabedoria será alcançada desta forma.

Todos querem ser felizes, mas ninguém é feliz. Na busca da felicidade alguns ultrapassam os limites, causando dor e sofrimento ao próximo. Mas é impossível obter a verdadeira felicidade à custa da infelicidade alheia.

Perdemos nosso tempo e nossas vidas atrás de prazer, riqueza, fama, sucesso, status, títulos, atrás de uma felicidade ilusória. Tentamos sempre preencher o vazio interno com algo externo. Fascinamo-nos com possibilidades ilusórias de felicidade, depositando nelas nossas esperanças e no fim nos frustramos. 63

Quando persistimos em viver uma situação que nos traz infelicidade e sofrimento, é porque de alguma forma estamos obtendo algum prazer com isso, ou porque estamos sendo movidos pela expectativa e pela esperança de prazeres futuros. Ninguém insiste em permanecer em situações que não tragam ou não venham a trazer algum benefício, por mais ilusório que seja o benefício e o prazer.

É a expectativa e a esperança, que não nos deixam parar de sofrer. Obstinadamente, acreditamos que um dia tudo há de dar certo, e que neste dia tudo terá valido a pena.

A dor de deixar uma situação de sofrimento e infelicidade é na verdade a dor da sensação de perda da possibilidade de experimentar uma sensação de prazer – seja um prazer que efetivamente ocorre ou uma simples promessa, uma expectativa de prazer futuro.

A esperança é a crença de que algo pode acontecer. É a espera de que uma possibilidade possa vir a se tomar realidade. Isso causa sofrimento e deve ser renunciado, é preciso renunciar à esperança do amanhã para que o hoje seja possível.

Vivemos em busca de mais, sempre mais, sempre na esperança, na expectativa de um dia conseguir alcançar esse mais, como se alguma coisa estivesse faltando, mas é somente renunciando a tudo isso que a verdadeira felicidade se torna possível. A satisfação e o contentamento surgem diante da percepção de que nada falta. Não há nada a ser conquistado; há, sim, muito a ser renunciar.

Ninguém quer parar para refletir e analisar o porquê dessa procura insaciável por prazer e de tudo o que se esconde por trás dela. Ninguém quer olhar para sua infelicidade. Entretanto, somente aceitando nosso sofrimento, nossa infelicidade e miséria é que podemos mudar. Enquanto continuamos a negar, a não aceitar, a esconder nossa realidade, nenhuma mudança será possível. A busca por riqueza, fama, sucesso, status, títulos e a luta para ser ―alguém‖, não nos levará à felicidade. Tais ambições e motivações, só nos levam à competição, inveja, cobiça, frustração, mágoa e tristeza. As pessoas vivem atormentadas e torturadas por suas mentes, por 64

seus próprios desejos. Somos nós mesmos que nos atormentamos, somos nós mesmos que criamos e sustentamos nosso sofrimento, nossa infelicidade.

Não podemos criar condições para felicidade. Estabelecer condições para sermos felizes é gerar sofrimento, é criar situações para não sermos felizes, é criar justificativas para a nossa incapacidade de gerar e manter um estado pleno de felicidade, contentamento, satisfação e gratidão. Somos nós que criamos a nossa própria infelicidade, não há nada de errado com a vida ou com as situações e condições que ela nos impõe.

Precisamos estar felizes agora, com as condições que realmente temos, com as situações que se apresentam diante de nós. A felicidade amanhã nunca acontecerá, sempre haverá um amanhã. É preciso renunciar à possibilidade de felicidade amanhã para que possamos sentir a felicidade agora, no momento presente, em que tudo é possível e nada falta.

Não devemos buscar a felicidade nos grandes eventos de um futuro imaginado. Devemos buscar a felicidade onde ela está: no aqui e agora. No momento presente nada falta, a falta só passa a existir quando olhamos para o futuro ou para o passado. A felicidade, o contentamento, a satisfação e a gratidão estão no momento presente, no aqui e agora.

Para sermos verdadeiramente felizes, precisamos eliminar de nossos próprios corações e mentes as causas da infelicidade. Porém, nunca estamos dispostos a fazer o esforço necessário. Queremos eliminar diretamente a própria infelicidade, sem nos preocuparmos com suas causas. Entretanto, é impossível eliminar a infelicidade sem analisar, sem investigar sua origem. Se realmente queremos ser felizes, precisamos e passar a trabalhar firmemente sobre nós mesmos, conhecer e reconhecer as causas de nossos tormentos e então renunciar a elas, abandoná-los, eliminá-los.

A Perfeita Alegria62

Certa vez, no tempo do inverno, São Francisco vinha com Frei Leão de Perúgia para Santa Maria dos Anjos, e o frio atormentava-o acerbamente. Chamou Frei Leão, que

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I Fioretti. São Francisco de Assis. (Cap. 8, p.1095-1098)

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caminhava um pouco à frente dele e disse: ―Ó Frei Leão, ainda que os frades menores dêem em toda a terra um grande exemplo de santidade e de boa edificação, escreve, não estaria aí a perfeita alegria‖. Caminharam mais um pouco e o Santo chamou-o novamente, dizendo: ―Ó Frei Leão, ainda que o frade menor cure cegos, endireite os encurvados, expulse os demônios, devolva o ouvido aos surdos, o andar aos coxos e a palavra aos mudos e, o que ainda é maior, ressuscite mortos de quatro dias (cf. Mt 11:4), escreve que aí não está a perfeita alegria‖. Chamando-o novamente mais adiante, disse: ―Ó Frei Leão, se o frade menor soubesse todas as línguas, todas as ciências e escrituras, de maneira que soubesse até profetizar (cf. 1Cor 13:2) e revelar não só as coisas futuras mas até as consciências dos outros, escreve que aí não estaria a perfeita alegria‖. Continuaram a caminhar e algum tempo depois chamou novamente: ―Ó Frei Leão, ovelhinha de Deus, mesmo que o frade menor falasse a língua dos anjos (cf. 1Cor 13:2), e conhecesse o caminho das estrelas e as virtudes das ervas, e lhe fossem revelados todos os tesouros das terras; e conhecesse as virtudes das aves e dos peixes e dos animais, dos homens e das árvores, das raízes, das pedras e das águas, escreve, escreve que aí não estaria a perfeita alegria‖. Pouco depois, clamou: ―Ó Frei Leão, ainda que o frade menor soubesse pregar tão solenemente que convertesse todos os infiéis para a fé, escreve que não estaria aí a perfeita alegria‖.

E esse modo de falar durou por bem umas duas milhas. Então, Frei Leão, muito admirado com tudo isso, disse: ―Pai, eu te peço da parte de Deus que me digas onde está a perfeita alegria‖. Respondeu o Santo: ―Quando chegarmos a Santa Maria dos Anjos tão molhados de chuva e congelados de frio, sujos de barro e aflitos de fome, e batermos na porta do lugar, e o porteiro vier irado, dizendo: ―Quem sois vós?‖ e nós dissermos: ―Somos dois dos vossos frades‖. E ele, ao invés, disser: ―Vós sois dois velhacos, que dais voltas pelo mundo roubando 66

as esmolas dos pobres!‖. E não nos abrir a porta, mas nos fizer ficar na neve e na água, no frio e na fome até de noite. Então, se suportarmos pacientemente as injúrias e repulsas, sem nos perturbar e sem murmurar, e pensarmos humilde e caridosamente que o porteiro nos conhece de verdade, e que é Deus que está excitando a língua dele contra nós, ó Frei Leão, escreve que aí está a perfeita alegria. E se nós continuarmos a bater e o porteiro, ficar perturbado como se fôssemos importunos, sair e nos pegar a tapas com muita dureza, dizendo: ―Ide embora daqui, poltrões ordinários, ide para o hospital. Pois quem sois vós? Aqui não comereis de modo algum!‖. E se nós suportarmos tudo isso com alegria e recebermos as injúrias com amor de todo coração: ó Frei Leão, escreve que aí está a perfeita alegria.

E se nós, atormentados por todo lado com a fome apertando, o frio afligindo, e ainda mais aproximando-se a noite, batermos, chamarmos e continuarmos a chorar para que nos abra, e ele, afinal, ainda mais arrebatado, disser: ―São homens muito atrevidos e impudentes: vou acalmá-los!‖.

E sair com um porrete cheio de nós, agarrando-nos pelo capuz e nos jogando na neve e na lama, batendo-nos tanto com o cacete que nos encher de feridas, se suportarmos com alegria tantos males, tantas injúrias e pancadas, lembrando que devemos tolerar as penas de Cristo bendito, ó Frei Leão, escreve, escreve que aí está a perfeita alegria.

Simplicidade: Nunca Tenha um Gato

Um dia, quando certo grande místico estava morrendo, mandou chamar seu principal discípulo. O discípulo ficou muito feliz ao saber que o seu mestre o chamava. Acreditava que o mestre iria lhe transmitir algum ensinamento transcendental secreto ou lhe colocar como seu sucessor. Mas então o místico disse: ―Tenho apenas uma coisa a lhe dizer. Eu não fui capaz de ouvir meu mestre, que me disse esta mesma coisa a morrer. Eu era tolo e não ouvi, nem mesmo pude entender o que ele queria dizer. Mas estou lhe falando, com toda a minha experiência que ele está certo, apesar de eu ter achado absurdo quando ele me contou‖. O

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discípulo perguntou: ―O que é? Por favor, me conte! Tentarei seguir cada uma de suas palavras‖. O mestre então disse: ―É algo muito simples: Nunca, em momento algum de sua vida, tenha um gato em sua casa!‖ e em seguida morreu.

O pobre discípulo não entendeu nada, achou o ensinamento muito estranho, devia haver algum significado oculto, misterioso, que ele não conseguia compreender. Ficou muito intrigado, queria saber o significado, então foi perguntar para as pessoas mais velhas da cidadezinha.

A intuição o guiou a um ancião que disse conhecer toda a história. Então o discípulo cheio de inquietudes que o ancião pediu lhe contasse tudo. O ancião disse então que o mestre de seu mestre havia deixado um grande ensinamento, mas seu mestre havia tentado compreendê-lo.

O ancião então começou a contar a história e dizendo que quando seu mestre era jovem costumava viver na floresta e possuía apenas duas roupas e nada mais. Contudo, freqüentemente suas roupas eram destruídas por ratos e ele se via obrigado a mendigar outras, mas a cidadezinha também era muito pobre. Por isso, certo dia, alguém sugeriu que tivesse um gato, pois ele comeria os ratos e o problema acabaria.

A idéia parecia muito boa, então ele levou um gato para casa. O gato realmente comeu os ratos e salvou as roupas. Mas depois disto não havia mais o que comer, era necessário mendigar leite diariamente e como o gato ficava sempre miando, gemendo e dando voltas ao seu redor ele não conseguia meditar.

Diante desta difícil situação, alguém sugeriu que o povo da cidadezinha lhe desse uma vaca. A idéia parecia realmente muito boa, a vaca alimentaria tanto ele como gato e não seria mais necessário mendigar diariamente.

Mas a vaca precisa pastar e foram tantas as obrigações que surgiram que lhe ocupavam o dia todo. Agora ele não tinha mais tempo para ler as escrituras e meditar. 68

Diante desta situação, agora mais complicada, alguém lembrou-se de uma jovem viúva, muito tranqüila e religiosa, e sugeriu que ele a levasse, para que ela cuidasse da comida dele e também da vaca, do gato.

A jovem foi morar com ele e as coisas caminharam para sua conclusão lógica, eles se casaram, vieram os filhos e toda a meditação se foi, ele foi tragado pelo mundo. Assim, o ancião concluiu a história e recomendou que o jovem tomasse cuidado com os gatos

O Contentamento

Estamos sempre a querer algo mais, a esperar que algo melhor ocorra no futuro, como se sempre houvesse algo faltando, estamos também sempre a evitar ou reviver o passado. E são estes medos e preocupações, estas falsas esperanças e expectativas que nos impedem de viver o momento presente.

Se mudássemos nosso modo de pensar e nos tornássemos atentos para o que acontece no momento presente, talvez pudéssemos encontrar algo que nos satisfizesse. Mas, como estamos buscando algo no futuro, algo mais perfeito, mais maravilhoso, mais prazeroso, não encontramos nada, pois estamos buscando o que não está presente.

Em verdade, não há nenhum passado a ser evitado e nem revivido. Não há nenhum evento futuro a ser buscado ou evitado, não existe nada no futuro a não ser nossas fantasias e projeções mentais. A satisfação e o contentamento se dão com o que se apresenta a cada instante, no agora.

O momento presente é simples, é o novo de cada instante, é o momento onde nada falta. O momento presente é o que é. Somente no momento presente, no aqui e agora é que nós podemos encontrar a verdadeira felicidade, o contentamento, a tranquilidade, a paz.

No início podemos precisar de alguma ajuda para podermos permanecer no momento presente. Esta ajuda pode ser uma boa música, uma paisagem, uma oração, um mantra, algo 69

para nos concentrarmos, algo elevado que nos ajude a sustentar o pensamento, pois com a concentração, com o pensamento sustentado, nossas mentes não ficam perdidas em fantasias, projeções, fugas.

A contemplação de uma bela paisagem, ou de uma árvore solitária com suas folhas a balançar ao sabor dos ventos, ou de um rio deslizando deliciosamente sobre as pedras, pode trazer-nos a compreensão do momento presente.

A vida é um ginásio, como sempre dizia o Mestre Samael. As dificuldades da vida são lições a serem aprendidas e o sofrimento, na verdade, é como um amigo que nos estimula a mudar e a ir além.

Nada resolve mudarmos de casa, emprego, cidade, país, tudo ocorre em nosso interior; portanto, precisamos investigar e eliminar de dentro de nós as causas dos nossos sofrimentos.

É no nosso interior que tudo acontece; que os estados surgem e cessam, que os pensamentos vêm e vão; tudo passa, tudo é impermanente. Assim, se algo nos incomoda, se somos assaltados por estados equivocados, por emoções negativas, por maus pensamentos, por sentimentos ruins, não há lugar nenhum para ir, senão para dentro de nós mesmos.

O Eremita e sua Cela

No Pentecostes de 1217, ocorre a primeira assembléia geral da Ordem dos Frades Menores, criada por São Francisco de Assis. O número de frades reunidos era bem grande e o Abençoado Francisco temeu falar, temeu a rejeição. Mas, logo percebeu seus medos, orgulhos e vaidades e, seguindo o seu próprio ideal, foi adiante, pronto para receber quaisquer opróbrios com alegria, sabendo que isso seria melhor para sua alma do que a exaltação.

Nesta assembléia, o Santo de Assis designou um grupo de frades para cada uma das províncias conhecidas: Alemanha, Hungria, França e Espanha.

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Depois, para servir de exemplo, suportar as mesmas tribulações e dar força aos missionários, decidiu ir para França. Então, despediu-se dos missionários dizendo: ―Em nome de Deus, ide dois a dois. Andai pelas ruas, dois a dois, humildemente, modestamente, em absoluto silêncio, sobre tudo de manhã, até depois da terça , rezando a Deus nos vossos corações: e não troqueis palavras inúteis. Mesmo pelas estradas, conversai humildemente e honestamente como se estivessem em um eremitério ou numa cela. Irmão corpo é a cela e a alma o eremita que aí mora para rezar ao Senhor. Se a alma está inquieta na cela que Deus lhe deu, não encontrará recolhimento em nenhuma cela de mosteiro feito por mãos humanas‖63.

A Satisfação

Dinheiro, posses, pessoas, status ou fama, comida, sexo, divertimentos, podem até trazer alguma satisfação, mas não são capazes de preencher os nossos desejos de forma completa e absoluta. Não há nada que possa satisfazer os nossos desejos de forma completa e absoluta.

Somente quando fizermos a real compreensão deste fato é que poderemos parar de buscar esta satisfação. Para que esta compreensão se dê, podemos começar pela comida, podemos começar por parar antes de sentir esta satisfação, ou seja, começar por parar de buscar sentir satisfação.

Quando estivermos acostumados a não esperar por esta satisfação, por esta sensação, logo vamos perceber a verdadeira satisfação, que não é dependente de algo externo e que é contentamento e felicidade.

Uma Visita a Duruelo

Numa viagem de Ávila para Toledo, Teresa fez um desvio para passar em Duruelo, primeiro mosteiro de Descalços. Lá encontrou Frei Antonio varrendo a varanda, com rosto cheio de alegria. Por todo lugar o asseio era admirável, conforme o gosto da Madre.

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Espelho da Perfeição. In São Francisco de Assis. (Cap. 66, p. 915-916)

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Nas laterais da capela, haviam construído eremitérios, onde só era possível ficar se fosse sentado ou deitado. Era cheio de feno, tinha uma pedra como cabeceira, cruzes e caveiras.

O local havia se tornado objeto de adoração dos moradores dos arredores. Os monges, Frei Antonio Heredia e Frei João da Cruz andavam pregando o evangelho pela região e, com isso, tornaram-se muito queridos por todos. Assim, as mulheres enviavam de tudo o que era necessário a eles.

Teresa e Julião de Ávila, o capelão, fiel servidor, sentiram-se no paraíso. Porém, preocupada com os exageros que tomara conhecimento, a Madre observou a importância da moderação nas mortificações, ensinava que a penitência insensata acaba com a saúde. Pela própria experiência, havia percebido os equívocos dos exageros e aprendido que a moderação é o melhor caminho. Dizia que: ―... em todo o frenesi tem o demônio o seu quinhão...‖.

Edificados, partiram em grandessíssima alegria. Teresa seguiu em silêncio e os comerciantes, que a acompanhavam, conversavam. Um deles disse que não trocaria o que havia visto por todas as riquezas do mundo. O outro disse que as virtude e pobreza que havia visto pareciam riquezas mais invejáveis do que as suas. Mas nenhum deu meia volta para renunciar as coisas do mundo. Ouvindo a conversa e esforçando-se para não rir, Teresa pensou que no mundo eram necessários os comerciantes e os santos. Após a visita ela disse: ―Fiquei maravilhada com o espírito que Deus ali inspirava. Dois comerciantes que tinham jornadeado comigo não faziam senão chorar. Tantas cruzes! Tantas caveiras!‖64, ―Não esquecerei uma cruzita de madeira por cima da pia de água benta. Uma estampa de papel ali colada, representando Cristo, inspirava mais devoção do que se fosse uma imagem bem esculpida...‖65.

A Experiência da Santa Pobreza

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Santa Teresa de Ávila. Fundações 14:6-7. Ibid.

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Santa Teresa chegou a Toledo em Março de 1569, para a fundação de mosteiro de Descalças. Estava acompanhada apenas das mais novinhas, Isabel de São Paulo e Isabel de São Domingos, que se tornaria a mais enérgica das prioresas.

Com o dinheiro que a mulher do mordomo de uma mulher nobre havia emprestado, puderam comprar a casa. Assim, levaram para lá tudo o que tinham: algumas imagens e enxergões. Passaram a noite limpando e preparando tudo e no dia seguinte a campainha anunciou a primeira missa. Um rapaz passando na rua olhou para dentro da capela e disse: ―Bendito seja Deus! Está tudo tão lindo!‖. Para Teresa, aquelas palavra valeram todo o trabalho para fundar o mosteiro do Glorioso São José.

Neste dia, tudo o que as três tinham para comer eram algumas sardinhas cruas, mas a providência divina disponibilizou alguma lenha e elas puderam assar os peixes. Teresa sentiase em Duruelo e dava graças a Deus, regozijava-se com a santa pobreza e suas filhas também, estavam tendo a experiência da graça de Deus.

Certo dia, Teresa sentiu frio e pediu mais uma manta para suas filhas, que lhe disseram: ―Madre, já estás com todas as mantas da casa!‖66 e riram todas.

Mas a alegria durou pouco, começaram a receber de tudo. Teresa viu suas filhas ficarem desconsoladas e ao tentar reconfortá-las ouviu delas: ―Que havemos nós de ter, Madre, senão a mágoa de já não sermos pobres?‖67 Depois desta experiência Teresa disse: ―Desde então cresceu em mim o desejo de pobreza e a minha dignidade elevou-se muito acima dos bens materiais. Quando eles faltam crescem os bens interiores; e não há dúvidas que nos saciam melhor, que nos trazem muito maior quietude.‖68

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Marcele Auclair. Santa Teresa de Ávila. (p. 220) Santa Teresa de Ávila. Fundações 15:14. 68 Ibid. 15:15. 67

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Apêndice 1

Concentração

Distração e Concentração: Construindo as Bases

Em todas as tradições religiosas nós podemos encontrar práticas para desenvolver a concentração e tranquilizar a mente.

Concentrar é dirigir a atenção para alguma coisa, pensamento, cena, imagem, ação ou paisagem. Aplicar a atenção é o mesmo que dirigir a atenção. No cristianismo a atenção é chamada de vigilância. É com grande intensidade que os Santos Padres falam da importância da atenção, da concentração. A atenção plena é enfatizada em quase todos os discursos de Buda.

Distrair é ter a atenção fragmentada, dispersa, sem foco, sem objetivo. A capacidade de concentrar-se é a capacidade de dirigir e sustentar a atenção. Os maus pensamentos surgem quando a atenção é negligenciada, quando os esforços para sustentar a atenção são afrouxados, quando deixamos as coisas correrem soltas. Quando nos deixamos ficar com a mente distraída, ficamos sem guarda contra os maus pensamentos, contra as emoções negativas.

A atenção pode ser dividida em três estados: atenção zero, atenção atraída e atenção direcionada. Ela é zero quando não estamos com atenção em nada, quando estamos divagando. É atraída quando não é consciente, volitiva. E é direcionada quando pela vontade e de forma consciente é dirigida e sustentada; isto é também chamado de atenção correta. Se ela for dirigida de forma consciente e não for sustentada, então passa a ser atraída e já não é mais atenção correta.

A atenção também pode ser dividida em: completamente dispersa; vaga; vacilante entre firmeza de pensamento e desatenção; sustentada; totalmente controlada. A atenção pode vagar tanto externamente, observando através dos sentidos, quanto internamente, observando o material da mente.

Meditação é um estado constante de atenção. Portanto, a atenção é a base da meditação. Cada prática tem o seu objetivo e o que foge ao objetivo de uma prática específica

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é distração. Se seguir o caminho é um objetivo, então a busca de poderes, visões, fenômenos, é uma distração, uma vez que estas buscas não fazem parte do objetivo.

A concentração deve ser lembrada e praticada no dia a dia, não pode ser negligenciada. Precisamos estar sempre concentrados no objetivo da ação, qualquer coisa que fuja do objetivo da ação é distração. Desta forma, observa-se que podemos e devemos praticar a concentração o tempo todo. Se nos esforçarmos na concentração então um dia lograremos eliminar a distração.

Concentração é muitas vezes confundida com tensão. Pode até ser que no início exista alguma tensão, pois não estamos acostumados, mas concentração não é tensão.

Ficar com a mente distraída é muitas vezes associado ao divertimento e ao prazer. Ocorre que passamos o tempo todo muito tensos e é comum dizermos que vamos fazer uma atividade para nos distrair, como se em algum momento houvéssemos ficado realmente concentrados. A distração mental leva ao embotamento, ao entorpecimento da mente, ao batalhar das antíteses, aos diálogos mentais, que tantos tormentos nos trazem.

O insight, a compreensão, a revelação divina, só surge quando estamos atentos, concentrados. A concentração pode levar-nos ao controle da mente e a mente controlada traz paz, felicidade, tranquilidade.

É comum, quando somos iniciantes, desprezarmos o desenvolvimento da concentração e queremos partir para práticas avançadas, queremos meditar, queremos experiências, fenômenos. Talvez isso ocorra por não acharmos a concentração algo interessante, por vermos a concentração como algo tedioso. Porém, é a concentração que vai nos levar à meditação, à paz, à felicidade, à tranquilidade.

Também o comportamento correto está baseado na concentração, na atenção. Quando estamos atentos podemos cometer menos erros e também podemos observar os que cometemos.

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Desta forma, verificamos que a concentração é um ponto fundamental a ser considerado. É uma base a ser desenvolvida com apreço, pois vai sustentar todo o nosso trabalho espiritual.

Desenvolvendo Interesse pela Concentração

As crianças têm interesse por tudo, elas se assombram com o novo de cada instante, estão atentas e abertas para aprender.

Quando envelhecemos as coisas parecem passar a ter algo de não interessante, de insatisfatório, de tedioso, e por isso a mente fica vagando distraída, fazendo ou buscando algo que lhe agrade. Assim, fazemos as coisas de forma distraída, na realidade nem sabemos direito o que estamos fazendo e para que estamos fazendo.

Estamos sempre aprendendo, por mais idade que tenhamos sempre existe o que aprender. A questão é se estamos abertos ou fechados ao aprendizado, se estamos facilitando ou impedindo este processo.

Normalmente não fazemos as coisas que não temos interesse, que não queremos, que não desejamos. Por isso é importante desenvolver interesse pela concentração, caso contrário não a praticaremos.

A concentração no momento presente, no aqui e agora, elimina a preocupação, nos traz tranquilidade e nos ajuda a perceber o novo de cada instante. Se estivermos atentos qualquer coisa pode nos trazer um novo insight, uma nova compreensão, um novo aprendizado.

A concentração possibilita o insight e é através dela que podemos ter acesso aos estados de paz e tranquilidade, ao êxtase.

Para desenvolvermos a concentração, devemos buscar os exercícios com os quais nos afinizemos, pois cada um se afiniza a um tipo de exercício segundo a sua idiossincrasia. No 78

início de sua vida espiritual, como tinha dificuldades para concentrar-se, Santa Teresa de Ávila, antes de iniciar suas orações69, lia um trecho de um livro ou contemplava paisagens. Para ela esta era a melhor forma.

A observação do fenômeno do surgimento e da cessação da concentração nos possibilita compreender o processo de causa e efeito por traz da concentração e, assim, podemos passar a gerar este estado pela vontade. Desta forma também poderemos compreendemos o surgimento e a cessação de outros fenômenos da mente.

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Orar é uma forma de meditar.

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Apêndice 2

Orações Selecionadas

Orações de Santa Teresa de Ávila70 ―Bendito sejais para sempre, pois, embora eu Vos deixasse, Vós não me deixastes a mim tão de todo que não me tornasse a levantar com o dares-me sempre a mão. E muitas vezes, Senhor, eu não a queria, nem queria entender como tantas vezes me chamáveis de novo...‖ 71 ―Ó bondade infinita do meu Deus, que me parece que Vos vejo e me vejo desta sorte! Oh! regalo dos anjos, que toda eu, quando Vos vejo, me quereria desfazer em amar-Vos! Quão certo é sofrerdes Vós a quem não sofre que Vós estejais com ele! Oh! que bom amigo sois, Senhor meu, como o ides regalando e sofrendo e esperais que se afaça à Vossa condição e, entretanto, lhe sofreis Vós a sua! Tomais em conta, meu Senhor, os momentos em que Vos quer, e com um ponto de arrependimento olvidais o que Vos tem ofendido.‖72

―Bendito sejais, Senhor, que tão inábil e sem utilidade me fizestes! Mas louvo-Vos muito, porque despertais tantos que nos despertam. A nossa oração por quem nos dá luz devia ser contínua. Que seríamos sem eles em meio às tempestades tão grandes que ora atingem a Igreja? Se tem havido alguns ruins, mais brilharão os bons. Queira o Senhor sustentá-los com a Sua mão e ajudá-los para que nos ajudem, amém.‖73

―Bendito sejais, Senhor meu, que fazeis de lodo tão imundo uma água tão límpida que pode ser levada à Vossa mesa! Sede louvado, ó delícia dos anjos, por desejardes elevar um verme tão vil.‖74

―Ó Jesus meu! o que é ver uma alma que aqui tem chegado e depois, caída em um pecado, quando Vós, por Vossa misericórdia, lhe tornais a dar a mão e a levantais! Como ela reconhece a multidão das Vossas grandezas e misericórdias e a sua miséria!‖75 70

Nos seus livros, em meio as histórias ou ensinamentos Santa Teresa faz breves orações. Estas são algumas destas breves orações. 71 Santa Teresa de Ávila. Vida 6:9. 72 Santa Teresa de Ávila. Vida 8:6. 73 Santa Teresa de Ávila. Vida 13:21. 74 Santa Teresa de Ávila. Vida 19:2.

82

―Fortalecei minha alma, preparando-a primeiro, Bem de todos os bens e Jesus meu, ordenando em seguida os meios para Vos servir, pois já não suporto receber tanto e nada pagar. Custe o que custar, Senhor, não permitais que eu chegue diante de Vós com mãos tão vazias, pois a recompensa será dada de acordo com as obras. Aqui está a minha vida, aqui está a minha honra e a minha vontade; tudo Vos dei, Vossa sou, disponde de mim de acordo com a vossa vontade.‖76

―Ó Senhor de minha alma, quem dera que eu tivesse palavras para explicar o que dais a quem confia em Vós e o que perde quem chega a esse estado e fica apegado a si mesmo! Vós não desejais isso, pois fazeis muito mais vindo a uma pousada tão ruim quanto a minha. Bendito sejais por todo o sempre!‖77

―Bendito seja Deus para sempre, por me ter dado, num instante, a liberdade que eu, com todos os esforços que fizer por muitos anos, não pude alcançar sozinha, tendo chegado muitas vezes a ponto de me exaurir tanto que abalava a própria saúde. Como foi dada por Aquele que é poderoso e Senhor verdadeiro de tudo, essa liberdade não me causou nenhum sofrimento.‖78

―Ó meu Senhor, como sois o amigo verdadeiro; és poderoso, quando quereis podeis, e nunca deixais de querer quem Vos quer! Louvem-Vos todas as coisas, Senhor do mundo! Feliz de quem puder percorrer todo o universo para dizer quão fiel sois a Vossos amigos! Todas as coisas faltam; Vós, Senhor de todas elas, nunca faltais. Pouco deixar quem vos ama. Ó Senhor meu! Com que delicadeza, polidez e sabor sabeis tratá-los! Feliz quem tiver se dedicado a amar somente a Vós! Parece, Senhor, que provais com rigor quem Vos ama, para que no extremo do sofrimento possa entender o maior extremo do Vosso amor.‖79 75

Santa Teresa de Ávila. Vida 19:5. Santa Teresa de Ávila. Vida 21:5. 77 Santa Teresa de Ávila. Vida 22:5. 78 Santa Teresa de Ávila. Vida 24:8. 79 Santa Teresa de Ávila. Vida 25:15. 76

83

―Ó Senhor meu, como mostrais que sois poderoso! Não é preciso buscar razões para o que quereis, porque, acima de toda razão natural, fazeis todas as coisas tão possíveis que levais a entender sem nenhuma dúvida que basta amar-Vos de verdade e abandonar com sinceridade tudo por Vós para que, Senhor meu, torneis tudo fácil.‖80

―Ó Senhor meu! quando penso de quantas maneiras padecestes, e que de nenhuma o merecíeis, não sei o que diga de mim, nem onde tinha o siso quando não desejava padecer, nem onde estou quando me desculpo. Já Vós sabeis, meu Bem, que, se tenho algum bem, não é dado por outras mãos senão pelas Vossas. Pois, que se Vos dá, Senhor, em antes dar muito do que dar pouco? Se é por eu não o merecer, tão-pouco merecia as graças que me tendes feito. E será possível que haja eu de querer que alguém faça bom conceito de coisa tão má, tendo-se dito tanto mal de Vós, que sois o bem sobre todos os bens? Não, não se pode sofrer, Deus meu - nem quisera eu sofrêsseis Vós - que haja em Vossa serva coisa que não contente os Vossos olhos. Pois olhai, Senhor, que os meus estão cegos e se contentam com muito pouco. Dai-me Vós a luz e fazei que, com verdade, deseje que todos me aborreçam, pois tantas vezes Vos tenho deixado a Vós, que me amais com tanta fidelidade!‖81

80 81

Santa Teresa de Ávila. Vida 35:13. Santa Teresa de Ávila. Caminho de Perfeição 15:5.

84

Louvores de Deus Altíssimo ―Vós sois santo, Senhor Deus único, que fazeis maravilhas (Sl 74,15). Vós sois forte, vós sois grande (cf. Sl 85, l0), vós sois altíssimo, vós sois rei onipotente, vós Pai Santo (Jo 17, 11), rei do céu e da terra (cf. Mt 11, 25). Vós sois trino e uno, Senhor Deus dos deuses (cf. Sl 135, 2), vós sois o bem, todo bem, o sumo bem, Senhor Deus vivo e verdadeiro (cf. 1Ts 1, 9). Vós sois amor, caridade; vós sois sabedoria, vós sois humildade, vós sois paciência (Sl 70, 5), vós sois beleza, vós sois mansidão, vós sois segurança, vós sois descanso, vós sois gozo, vós sois nossa esperança e alegria, vós sois justiça, vós sois temperança, vós sois toda nossa riqueza e satisfação. Vós sois beleza, vós sois mansidão, vós sois protetor (Sl 30, 5), vós sois guarda e defensor nosso; vós sois fortaleza (cfr. Sl 42, 2), vós sois refrigério. Vós sois nossa esperança, vós sois nossa fé, vós sois nossa caridade, vós sois toda doçura nossa, vós sois nossa vida eterna: Grande e admirável Senhor, Deus onipotente, misericordioso Salvador.‖82

82

Louvores de Deus Altíssimo. Capturado da internet (www.procasp.org.br) na data de 16/03/2009.

85

Elogio das Virtudes ―Salve, rainha sabedoria, o Senhor te guarde por tua irmã, a pura simplicidade! Senhora santa pobreza, o Senhor te guarde por tua santa irmã, a humildade! Senhora, santa caridade, o Senhor te guarde por tua santa irmã, a obediência! Santíssimas virtudes todas, guarde-vos o Senhor, de quem procedeis e vindes a nós! Não existe no mundo inteiro homem algum em condições de possuir uma de vós, sem que ele morra primeiro. Quem possuir uma de vós e não ofender as demais, a todas possui; e quem a uma ofender, nenhuma possui e a todas ofende (cfr. Iac 2,10). E cada uma por si destroe os vícios e pecados. A santa sabedoria confunde a Satanás e todas as suas astúcias. A pura e santa simplicidade confunde toda a sabedoria deste mundo (cfr. 1Cor 2,6) e a prudência da carne. A santa pobreza confunde toda a cobiça e avareza e solicitudes deste século. A santa humildade confunde a soberba e todos os homens deste mundo e tudo quanto há no mundo. A santa caridade confunde to das as tentações do demônio e da carne e todos os temores carnais (cfr. 1Jo 4,18). A santa obediência confunde todos os desejos sensuais e carnais e mantém o corpo mortificado para obedecer ao espírito e obedecer a seu irmão, e torna o homem submisso a todos os homens deste mundo, e nem só aos homens, senão também a todas as bestas e feras para que dele possam dispor o que quiserem, até o ponto que lho for permitido do alto pelo Senhor (cfr. Jo 19,11).‖83

83

Elogio das Virtudes. São Francisco de Assis. (p.166)

86

―Oh, rainha do céu! Agora você seja aquela Santa Ceres, primeira mãe dos pães, que se alegrou quando achou sua filha, tirado o manjar bestial antigo das bolotas, mostrou manjar deleitoso, que mora e está nas terras de Atenas; ou agora você seja aquela Vênus celestial, que no princípio do mundo juntou a diversidade das linhagens, engendrando amor entre eles e, acrescentando o gênero humano com perpétua linhagem, é honrada no templo sagrado de Paphos, cercado do mar; ou agora você seja irmã do Sol, que com seus remédios, amansando e recreando o parto das mulheres prenhes, criou tantas pessoas, e agora é adorada no magnífico templo de Éfeso; ou agora você seja aquela temerosa Prosérpina a quem sacrificam com uivos de noite e que comprime os fantasmas com sua forma de três caras; refreando-se dos encerramentos da terra, anda por diversas montanhas, arvoredos, é sacrificada e adorada de diversas maneiras; você ilumina todas as cidades do mundo com esta sua claridade mulheril, e criando as sementes alegres com seus úmidos raios, dispensa sua luz incerta com as voltas e rodeios do Sol; por qualquer nome, ou por qualquer rito, ou qualquer gesto e cara que seja lícito chamar-lhe, você, senhora, socorre e ajuda agora às minhas extremas angústias. Levanta minha decaída fortuna, você dá paz e repouso aos acontecimentos cruéis por mim passados e sofridos; baste já, deste modo, os perigos, tira esta cara maldita e terrível de asno; volta-me a meu Lucio, à presença e vista dos meus; e se, por ventura, algum deus eu zanguei, aperta-me com crueldade inexorável, consinta ao menos que morra, porque não me convém que viva desta maneira.‖84

84

Lúcio Apuleyo. O Asno de Ouro.

87

―Oh, rainha do céu! Você, certo, é santa e advogada contínua da humana linhagem. Você, senhora, é sempre liberal em conservar e guardar os pecados, dando muito doce afeição e amor de mãe às confusões e quedas dos miseráveis: nenhum dia, hora, nem pequeno momento passa vazio de seus grandes benefícios. Você, senhora, guarda os homens, assim no mar como na terra, e afastados os perigos desta vida, dá-lhes sua mão direita saudável, com a qual faz e desata os torcidos laços e nós cegos da morte; amansa as tempestades da fortuna, refreia os variáveis cursos das estrelas; os céus lhe honram, a terra e abismos lhe acatam. Você traz a redondez do céu, você ilumina o Sol, você rege o mundo e rastros o inferno; a si respondem as estrelas, e em si tornam os tempos; você é gozo dos anjos; a si servem os elementos; por seu consentimento exaltam os ventos e se criam as nuvens, nascem as sementes, brotam os árvores e crescem as semeadas; as aves do céu e as feras que andam pelos Montes, as serpentes da terra e as bestas do mar temem sua majestade. Eu, senhora, como quero que para lhe elogiar sou de fraco engenho e para se sacrificar pobre de patrimônio, e que para dizer o que sinto de sua majestade não basta facúndia de fala, nem mil bocas, nem outras tantas línguas, nem que perpetuamente meu dizer não cansasse; mas no que somente pode fazer um religioso, embora pobre, esforçar-me-ei que todos os dias de minha vida contemplarei sua divina face e muito santa deidade, guardando-a e adorando-a dentro do segredo de meu coração.‖85

85

Lúcio Apuleyo. O Asno de Ouro.

Uma Oração para o Amanhecer ―Abençoa-me, Ó Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, Deus único e verdadeiro. Agradeço a Ti, através de Jesus Cristo nosso Senhor e Salvador, pela Tua preservação em mim e por todos os outros benefícios. Coloco-me em Tuas mãos, de corpo e alma, assim como tudo o que me designastes fazer em meu trabalho ou chamamento, dentro de Tua proteção. Sejas Tu o início de minhas concepções, meus empreendimentos e tudo o que faço. Trabalha Tu em mim, a fim de que eu dê início a todas as coisas para a glória de Teu nome, que eu possa concluir todas elas em Teu amor para o bem e serviço de meu próximo. Envia Teu santo anjo para me acompanhar, para desviar todas as tentações do demônio e da natureza corrupta para longe de mim. Preserva-me da malícia dos homens maus, faça com que todos os meus inimigos se reconciliem comigo e traga minha mente para Teu vinhedo, a fim de que eu exerça meu ofício em meu trabalho, comportando-me como um obediente servo de Tua vinha. Abençoa-me, assim como tudo pelo o que irei passar e fazer neste dia, com a benção de Teu amor e misericórdia. Perdure Tua graça e amor em Jesus Cristo sobre mim, e me dê uma mente alegre para seguir Tuas direções e executar Tuas ordenações. Deixe teu Espírito Santo me guiar em meu princípio, em meu progresso até o final; sejas a vontade, o trabalho e a realização de tudo em mim. Amém.‖86

86

Jacob Boehme. O Verdadeiro Arrependimento. In: O Caminho para Cristo.

89

Uma Oração para a Noite ―Ergo meu coração a Ti, Ó Deus, Tu, Fonte da Vida Eterna, agradecendo através de Jesus Cristo, teu Filho bem amado, nosso Senhor e Salvador, por ter me protegido e preservado neste dia de todo dano que pudesse ter me ocorrido. Coloco ao Teu dispor minha condição e meu trabalho, juntamente com as obras de minhas mãos e humildemente as repouso em Ti. Assim, encha minha alma com Teu espírito e que nem aquele grande inimigo, o demônio, nem qualquer outra má influência ou desejo, possa nela encontrar abrigo. Permita que minha mente apenas se deleite em Ti, em Teu templo e deixe que Teu anjo bom esteja comigo, para que eu possa descansar com segurança em Teu poder e sob Tua proteção. Amém.‖87

87

Jacob Boehme. O Verdadeiro Arrependimento. In: O Caminho para Cristo.

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―Eu, uma pobre e indigna criatura, venho diante de Ti, Ó grande e santo Deus, levanto meus olhos a Ti. Embora não seja digno, Tua grande misericórdia e Tua fiel promessa em Tua Palavra, encorajam-me a levantar os olhos do desejo de minha alma até a Ti. Pois minha alma se encontra agora ligada à Palavra de Tua Promessa, ela a recebe e com ela vem até a Ti. Embora ainda seja não mais do que uma criança estranha que fora desobediente para contigo, desejo agora ser obediente; e realmente me envolver com Seu desejo neste Verbo que se tornou homem, que se tornou carne e sangue, rompendo o pecado e a morte em minha humanidade. Ele que transformou a ira de Deus em amor na alma, quem destituiu a morte de seu poder, e o inferno de sua vitória sobre a alma e o corpo; abriu um portão para minha alma que leva ao encontro à limpa face de Tua força e poder. Ó grande e santíssimo Deus, trouxe a fome e o desejo de minha alma a este santíssimo Verbo, agora venho diante de Ti e em minha fome Te chamo; Tu fonte viva, através de Teu Verbo que se tornou carne e sangue. Teu Verbo tendo se tornado a vida em nossa carne, eu O recebo firmemente no desejo de minha alma como minha própria Vida; penetro em Ti com o desejo de minha alma através do Verbo na carne de Cristo; através de Sua santa concepção na Virgem Maria, Sua encarnação, Sua santa natividade, Seu batismo no Jordão, Sua tentação no deserto, onde subjugou o reino do demônio e este mundo na humanidade. Por todos os milagres que fez na terra; por toda sua difamação e ignomínia, Sua paixão e morte inocente, o derramamento de Seu sangue, pela qual a fúria de Deus na alma e na carne foi extinta. Por Seus restos no sepulcro, quando despertou nosso pai Adão, caído em sono profundo para com o reino do céu. Por Seu amor, que penetrou a fúria e destruiu o inferno na alma. Por Sua ressurreição da morte, Sua ascensão, o envio do Espírito Santo para nossa alma e espírito, e por todas Suas promessas; uma das quais é: ‗que Tu, Ó Deus o Pai, dê o Espírito Santo àqueles que pedirem, em nome e pelo Verbo que se fez homem‘.‖ ―Ó Tu vida da minha carne e da minha alma em Cristo meu Irmão, rogo a Ti na fome de minha alma, imploro com todos os meus poderes, ainda que sejam fracos, dá-me aquilo que prometestes, e livremente conferiu a mim em meu salvador Jesus Cristo, Sua carne por alimento, Seu sangue por bebida, para aliviar minha pobre alma faminta, a fim de que possa ser vivificada e fortalecida no Verbo que se tornou homem, o qual deve almejar e desejar.‖ ―Ó Tu amor mais profundo, no mais doce nome de JESUS, entrega a Ti mesmo ao desejo de minha alma. É por isto que Tu Te movimentas e de acordo com Tua grande doçura 91

Te manifestastes na natureza humana, nos chamando a Ti: nós que temos sede e fome de Ti, e a quem prometestes aliviar. Abro os lábios de minha alma a Ti, Ó Tu doce verdade; ainda que não seja digno de desejar algo de Tua santidade, venho a Ti por tua amarga paixão e morte: Tu que borrifastes minha impureza com Teu sangue, santificando-me com a Tua humanidade, abrindo um portão para mim através de Tua morte, para o doce amor em teu sangue. Por Tuas cinco santas chagas, através das quais derramou Teu sangue, trago o desejo de minha alma para o teu amor.‖ ―Ó Jesus Cristo, Filho de Deus e homem, rogo para que Tu recebas a herança adquirida, dada por Teu Pai. Clamo em mim para que possa entrar em Ti através de Teu santo sangue e morte. Abre-Te em mim, para que o espírito de minha alma possa Te alcançar e Te receber em seu interior. Que a minha sede seja a Tua sede; traga Tua sede diante dos homens, aquela que tivestes na cruz, que seja a minha sede, e que seja aliviada com Teu sangue. Que a morte em mim, a qual me mantém cativo seja submergida no sangue de Teu amor, e que minha extinta ou suprimida imagem, desaparecida em meu pai Adão, para o reino do céu através do pecado, possa se tornar viva através de Teu poderoso sangue, e que minha alma seja novamente revestida por ela, assim como com o novo corpo que habita no céu. Imagem na qual habita Teu santo poder e o Verbo que se fez homem, imagem que é o Templo do Espírito Santo, que habita em nós, de acordo com a Tua promessa: Viremos a Vós, e com Vós faremos a nossa morada.‖ ―Ó Tu grande amor de Jesus Cristo, não posso fazer mais do que mergulhar meu desejo em Ti; Teu Verbo que se tornou homem, é verdade; Tu ordenastes que eu viesse, venho agora. Que seja de acordo com Teu Verbo e vontade. Amém.‖88

88

Jacob Boehme. O Verdadeiro Arrependimento. In: O Caminho para Cristo.

92

―Mais profundo amor de Deus em Cristo Jesus, não me deixes nesta aflição. Confesso, sou culpado dos pecados que agora surgem em minha mente e consciência; se Tu me abandonar irei perecer. Mas não prometestes a mim, em Tua palavra, dizendo: Se uma mãe pudesse esquecer seu filho, o que dificilmente poderia ocorrer, ainda assim Tu não me esquecerias? Tu me colocastes como um sinal em tuas mãos, traspassadas com pregos afiados, em Teu lado aberto, de onde correm água e sangue. Pobre miserável que sou, fui pego em Tua ira, minha habilidade nada vale diante de Ti, mergulho em Tuas chagas e morte.‖ ―Ó grande misericórdia de Deus, rogo-Lhe para que me livres dos laços de Satã. Não tenho refugio em nada, senão em Tuas santas chagas e morte! Em Ti mergulho na angústia de minha consciência, faça comigo a Tua vontade. Em Ti agora irei viver ou morrer, como quiseres, deixa-me, pelo menos, perecer e morrer em Tua morte; sepulta-me senão em Tua morte, a fim de que a angústia do inferno não me toque. Como posso me perdoar diante de Ti, que conhece meu coração e minhas entranhas e que coloca meus pecados diante de meus olhos? Sou culpado de todos eles e me rendo ao Teu julgamento; cumpra Teu julgamento sobre mim, através da morte de meu Redentor Jesus Cristo.‖ ―Lanço-me a Ti, Tu reto juiz, através da angústia de meu Redentor Jesus Cristo, quando Ele, realmente suou sangue, suou no Monte das Oliveiras por minha causa; foi condenado por Pôncio Pilatos por mim; sofreu com a coroa de espinhos, enterrada em Sua cabeça, a fim de derramar Seu sangue.‖ ―Ó Deus reto, não foi Tu quem O colocastes em meu lugar? Ele era inocente, mas eu era culpado, e por mim Ele sofreu, por que então me desespero diante da Tua ira? Ó, apaga em mim a Tua cólera, através da angústia, paixão e morte de Jesus Cristo; Suportarei em Sua angústia e paixão, diante de Ti, faça de mim a Tua vontade, só não me separes da angústia de Cristo; Tu a destes a mim livremente, extinguindo Tua ira Nele: E ainda que eu não O tenha aceitado, pois me encontro separado Dele e sou infiel, mesmo assim Tu me destes esta promessa preciosa em minha carne e minha alma, na carne e no sangue celestiais de Cristo, saciando a cólera em minha carne e alma Nele, com Seu sangue celeste. Assim sendo, recebame em Seu pagamento e coloque Sua angústia, paixão e morte em Tua ira, inflamada em mim no sangue do amor de Cristo.‖ 93

―Ó grande Amor! Pelo sangue e morte de Jesus Cristo, eu Te imploro, rompa a fortaleza da presa que o demônio criou e construiu em mim, onde ele me impede de seguir o caminho da graça. Conduza-o para fora de mim, a fim de que não me domine, pois nenhum ser vivo pode permanecer diante de Tua vista, se Tu tirar dele a Tua mão.‖ ―Venha, Ó Tu que rompes a ira de Deus, destrua seu poder, e auxilia minha pobre alma a lutar e vencê-la. Leve-me à vitória e me sustente em Ti; destrua em pedaços o seu trono em minha vaidade, inflamada em minha alma e carne. Mortifica o desejo de minha vaidade na carne e no sangue, vaidade inflamada pelo demônio através de seu falso desejo, através dos diabólicos desespero e angústia. Extingue-o com Tua água de vida eterna, expulsando minha angústia através de Sua morte. Mergulho meu ser completamente em Ti; ainda que minha alma e meu sangue, neste momento, desfaleçam em mim e perecendo em Tua ira, não O deixarei partir. Ainda que meu coração diga, energicamente, não, não, o desejo de minha alma se apegará em Tua verdade, a qual nem a morte, nem o demônio irá tirar de mim; pois, o ‗Sangue de Jesus Cristo o Filho de Deus nos limpa do pecado‘ ; esta é uma verdade que está comigo, e que a ira de Deus faça a sua vontade com os meus pecados, que o demônio ruja sobre minha alma na fortaleza de vítimas que criou, o quanto queira: nem o demônio, nem a morte e nem o inferno me tirarão das chagas de meu Salvador. Tu deves finalmente estar dissimulado em mim, demônio malicioso, tua fortaleza de vítimas deve ser destruída, pois eu a mergulharei no amor de Jesus Cristo; então podereis habitar neste amor, se é que podes. Amém.‖89

89

Jacob Boehme. O Verdadeiro Arrependimento. In: O Caminho para Cristo.

94

―Ó Tu Fonte Vivificante, em Ti exalto o desejo de minha alma e clamo com meu desejo de entrar em Ti através da vida de meu Salvador Jesus Cristo.‖ ―Ó Tu Vida e Poder de Deus, desperta-Te na fome de minha alma, com Teu desejo de amor, através da sede que Jesus Cristo sentiu na cruz diante dos homens; carregue minha débil força com Tua mão poderosa, através de Teu espírito; sejas Tu o trabalho e a vontade em mim, com Tua própria força. Desenvolva a força de Jesus Cristo em mim, para que eu possa gerar o louvor a Ti, o verdadeiro fruto de Teu reino. Não permita que meu coração e meu desejo se afastem de Ti.‖ ―Estou mergulhado na vaidade, neste vale de miséria, neste exterior, no sangue e carne terrestres. Minha alma e minha nobre imagem, semelhante a Ti, estão cercadas de inimigos por todos os lados; com o desejo do demônio contra mim, com o desejo da vaidade na carne e sangue; há também a oposição de todos os homens que não conhecem Teu nome. Flutuo com minha vida exterior nas propriedades das estrelas e dos elementos, meus inimigos mentem e me esperam, em todos os lugares, interna e externamente, junto com a morte, a destruidora desta vida vã. Busco a Ti, ó santa força de Deus, vendo que Te manifestastes com Tua misericórdia em nossa humanidade, através de Teu santo nome Jesus, e que o concedestes, a fim de que fosse nossa companhia e guia. Imploro a Ti, deixes que os anjos de Jesus, Seus administradores, assistam minha alma e a dos meus, acampando perto de nós, defendendo-nos das flechas agudas do desejo do fraco, que nos lança diariamente, pelo curso da cólera de Deus, despertada em nossa carne terrestre. Afasta por Tua força divina a influência maligna das estrelas em oposição; por onde o fraco e inimigo da humanidade se mistura com seu desejo e imaginação, a fim de envenenar a alma e a carne, nos atraindo a desejos falsos e demoníacos, para a enfermidade e a miséria.‖ ―Afasta estas influências demoníacas com Teu santo poder Jesus, de nossas almas e espíritos, a fim de que nos atinja; deixe que Teu santo e bom anjo fique perto de nós, afastando os efeitos nocivos de nossos corpos.‖ ―Ó grande Amor e doce Força, Jesus, Tua Fonte de Doçura Divina, fluindo do grande e eterno nome Jehovah, clamo com o desejo de minha alma para vir em Ti. Minha alma clama por aquele espírito, do qual foi soprada no corpo e que a formou à imagem e semelhança de 95

Deus. Em sua sede, ela deseja atingir a doce fonte que brota de Jehovah em si mesma, para aliviar o ígneo hálito de Deus, a fim de que o tão doce amor de Jesus possa surgir neste hálito, através da fonte Jesus jorrando de Jehovah. Que Cristo o Santíssimo se manifeste e se torne homem em minha imagem desaparecida, a corporalidade espiritual e celeste, para que minha pobre alma possa receber novamente em Seus braços, sua amada noiva, com quem poderá ser feliz para todo o sempre.‖ ―Ó Emanuel! Tu, Câmara de Núpcias, Deus e Homem, eu me rendo aos braços de Teu desejo para conosco, em nós; és Tu quem desejo. Apago em mim a cólera de Teu Pai com Teu amor; manifesto Tua força em minha fraqueza, para que possa subjugar e dominar o mal da carne e do sangue, para então servir a Ti em santidade e retidão.‖ ―Ó Tu grande e santíssimo nome e majestade de Deus, Jehovah, que se movimentou com Seu mais doce poder Jesus, no marco da promessa pactuada com nosso pai Adão, na Semente da Mulher, na Virgem Maria, em nossa humanidade celeste desaparecida, trazendo a essencialidade vivificante de Teu santo poder na Sabedoria Virgem de Deus, para nossa humanidade, que se encontrava extinta para contigo. Tu nos deste-a para ser a nossa vida, regeneração e vitória;‖ ―Imploro a Ti com toda a minha força, gere uma nova vida santa em mim, pelo Seu doce poder JESUS; que eu possa estar em Ti e Tu em mim; que assim o Teu reino possa se manifestar em mim, e que a vontade e conversão de minha alma estejam no céu.‖ ―Ó grande e incompreensível Deus, Tu que preenches todas as coisas, sejas Tu o meu céu, onde o meu Novo Nascimento em Cristo Jesus possa habitar: Permita que meu espírito seja o instrumento, harmonia, som e alegria de Teu Espírito Santo; rompa minhas amarras, em Tua imagem regenerada, e torna minha harmonia em Teu reino divino de alegria, no grande amor de Deus, nas maravilhas de Tua glória e majestade, na comunhão da santa harmonia angelical. Constrói Tu a cidade santa de Sião em mim, na qual, como crianças de Cristo vivamos todos juntos em uma cidade, que é Cristo em nós. Em Ti eu mergulho inteiramente, faça de mim a Tua vontade. Amém.‖90

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Jacob Boehme. O Verdadeiro Arrependimento. In: O Caminho para Cristo.

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―Pobre homem que sou, ando cheio de angústia e problemas em meu retorno ao país de origem, do qual perambulei em Adão, para onde estou voltando através dos cardos e espinhos deste mundo atribulado. Ó Deus, meu Pai, os espinheiros me ferem em todos os lados; sou afligido e desprezado por meus inimigos. Eles escarnecem de minha alma, insultando-a como uma malfeitora que com eles rompeu; ridicularizam minha caminhada em direção a Ti, considerando-a uma bobagem. Pensam que sou insensato por cursar este estreito e penoso caminho, por não acompanhá-los em seu amplo e hipócrita caminho.‖ ―Ó Senhor Jesus Cristo; lanço-me a Ti sob a cruz: Ó querido Emanuel, receba-me, carrega-me em Ti, através do caminho de Tua peregrinação; caminho que realmente cursastes neste mundo; através de Sua encarnação, pobreza, desprezo e escárnio; também através de Sua angústia, paixão e morte. Torna-me conformado com Teu exemplo; envia Teu bom anjo junto a mim, a fim de me mostrar o caminho em meio à horrível e penosa selva deste mundo. Auxilia-me em minha miséria; conforta-me com Teu conforto, o mesmo com o qual o anjo Te confortou no Jardim, quando orastes a Teu Pai, suando grandes pingos de sangue. Suporta-me em minha angústia e perseguição, sob a repulsa dos demônios e dos homens fracos, que não conhecem a Ti, recusando-se a trilhar seus caminhos. Ó grande amor de Deus, eles não conhecem o Teu caminho, estão cegos pelo engano do demônio. Apieda-Te deles e tire-os de suas trevas para tua luz, a fim de que aprendam a se conhecerem e a saber que são cativos na imundice e na lama do demônio, numa masmorra escura, preso por três correntes. Ó grande Deus, tenha misericórdia de Adão e seus filhos, resgate-os em Cristo, o novo Adão.‖ ―Lanço-me a Ti, Ó Cristo, Deus e homem, nesta peregrinação, nesta jornada através deste vale de trevas, repleta de pesares e de problemas, por todos os lados, sou considerado um fraco descrente. Ó Senhor este é Seu julgamento sobre mim; que meus pecados e corrupção inata sejam julgados nesta peregrinação terrestre diante de Ti; sou como um curso a ser percorrido, um espetáculo aberto, onde Tua cólera deve se saciar, levando a reprovação eterna para longe de mim. É o sinal de Teu amor; pelo qual me trouxestes na reprovação, angústia, sofrimento e morte de meu salvador Jesus Cristo, para que eu pudesse morrer para a vaidade e surgir em Seu espírito com uma nova vida, através de Sua reprovação, ignomínia e morte.‖

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―Rogo-Te, Ó Cristo, Tu paciente Cordeiro de Deus, conceda-me a paciência neste meu caminho da cruz, através de toda Tua angústia e reprovação, Tua morte e paixão, Teu desprezo e desrespeito na cruz, onde fostes desprezado em meu lugar. Faça de mim um paciente cordeiro, em Tua vitória. Deixe-me viver Contigo em Ti: converta Tu os meus perseguidores, que (desconhecidos de si próprios) através de Sua reprovação, sacrifique minha vaidade e meus pecados inatos diante de Tua cólera. Eles não sabem o que fazem; pensam que me fazem o mal, mas me fazem o bem! Fazem por mim o que eu mesmo deveria fazer diante de Ti. Deveria me abrir diariamente e conhecer minha vergonha, minha mesquinhez perante a Vós; com isto, mergulhar na morte de Teu Filho amado, a fim de que a minha vergonha morra em Sua morte. Mas tenho sido muito negligente, fraco, medíocre; estou sempre cansado, por isto Tu usas estes meus inimigos em Tua cólera, para abrir e descobrir minha mesquinhez diante de Ti, quando Tua ira toma conta de mim, mergulhandome na morte de meu Salvador.‖ ―Ó Deus misericordioso, minha vã carne não sabe quão boa é a Tua intenção para comigo, quando fizestes com que meus inimigos arrancassem a maldade de mim, sacrificando-a diante de Ti. Minha mente terrestre acredita que Tu me afliges por causa de meus pecados, me encontro totalmente perplexo diante disto; mas Teu espírito, em meu Novo Homem interior, diz-me que é por Teu amor a mim e que com isto intende o meu bem. Quando Tu fazes com que meus inimigos me persigam, é melhor para mim que eles realizem a obra em meu lugar, desenrolando meus pecados diante de Ti, em Tua ira; que com este ato possam extinguir a culpa que é deles e não me sigam a meu lugar de origem. Pois meus inimigos ainda são fortes e poderosos em Tua ira, podendo realizar a obra melhor do que eu, já fraco e desfalecido na vontade da vaidade. Isto Tu conheces muito bem, Ó Deus Reto. Rogo-Te portanto, ó Deus Reto, já que Tu os usa como meus amigos, para fazerem por mim um trabalho tão bom, embora minha razão terrestre não saiba, faça-os também compreenderem e seguirem meu curso, envie-lhes tais amigos também. Mas primeiro traga-os à Luz, para que Te conheçam e Te agradeçam.‖ ―Ó Deus misericordioso em Cristo Jesus, rogo-Te, de Teu profundo amor para com os pobres homens, amor que manifestastes em mim, no homem oculto, chama a todos nós em Ti, para Ti. Movimenta-Te em nós mais uma vez, neste último problema; Tua ira tendo sido inflamada em nós, oponha-Te a ela, a fim de que não acabe com a alma e com o corpo.‖ 98

―Ó Tu, despertar da Primavera de Deus, vá ao fundo! Tu j á não surgistes? Manifesta Tua cidade santa Sião, Tua santa Jerusalém, em nós. Ó grande Deus! Vejo a Ti nas profundezas de Teu poder e força. Desperta-me completamente em Ti, para que eu possa ser saciado em Ti. Arranca a árvore de Tua cólera de nós, e deixe teu amor surgir e desabrochar em nós. Ó Senhor, deito-me ao Teu lado e te busco, não para que Tu nos repreenda em Tua cólera. Não somos nós Tua possessão? Perdoe todos os nossos pecados, e nos livre do mal de Tua ira, da malícia e da inveja do demônio; traga-nos sob Tua cruz, com paciência, de volta ao paraíso. Amém.‖ ―A seguir, uma Oração ou Diálogo entre a pobre alma e a nobre Virgem Sophia, no interior do homem, ou seja, entre o Espírito de Cristo no Novo Nascimento que ocorre em nossa humanidade e a alma. Mostrando a grande alegria que há no céu do Novo Homem Regenerado; quão doce e graciosa a nobre Sophia se apresenta ao seu noivo, quando este se arrepende, e como a alma se comporta quando Ela lhe aparece.‖91

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Jacob Boehme. O Verdadeiro Arrependimento. In: O Caminho para Cristo.

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Invocação dos Budas e Boddhisattvas92 ―O vós, Budas e Boddhisattvas, que habitais nas Dez Direções, dotados de grande compaixão, dotados de presciência, dotados de olhos divinos, dotados de amor, provedores de proteção aos seres sensíveis, condescendei por meio do poder de vossa grande compaixão, em vir até aqui; condescendei em aceitar estas oferendas materiais e [estas outras] criadas mentalmente.‖ ―Ó vós, Compassivos, vós que possuís a sabedoria do entendimento, do amor, da compaixão, o poder de [praticar] divinas ações e de proteger, de forma incomensurável. Vós, Compassivos, [fulano de tal] está passando deste mundo para o mundo do além. Ele está abandonando este mundo. Está dando um grande salto. Sem amigos [ele não os tem]. Grande é a [sua] miséria. [Ele está] sem defensores, sem protetores, sem forças e parentes. A luz deste mundo se pôs. Ele vai para outro lugar. Entra nas trevas espessas. Cai num profundo precipício. Entra na solidão da selva. É perseguido pelas Forças Kármicas. Penetra no Vasto Silêncio. É levado pelo Grande Oceano. É varrido pelo Vento do Karma. Vai para onde a estabilidade não existe. É apanhado pelo Grande Conflito. É assediado pelo Grande Espírito da Aflição. É atemorizado e aterrorizado pelos Mensageiros do Senhor da Morte. Seu karma o leva a repetidas existências. Ele está sem forças. Sobreveio-lhe o momento em que terá que ir sozinho.‖ ―Ó vós, Compassivos, defendei (fulano de tal) que está indefeso. Protegei quem se encontra desprotegido. Sede suas forças e seus parentes. Protegei[-o] da grande escuridão do Bardo. Livrai-o do vento [ou tempestade] vermelho do karma. Livrai-o do grande temor e terror dos Senhores da Morte. Salvai-o da longa passagem estreita do Bardo.‖

92

W. Y. Evans-Wentz. O Livro Tibetano dos Mortos. (p. 150-151) A oração pode salvar a alma no momento da morte ou durante o processo pós-morte. O Livro Tibetano dos Mortos fala da importância da oração em vário momentos do processo pós-morte. Após a morte, tudo o que a alma tem a seu favor é o que construiu durante a vida através das práticas espirituais. Esta salvação que pode ser alcançada é o chamado estado intermediário de liberação, o que já é muito bom e proporciona boas experiências para alma. A alma vive algum tempo, proporcional aos seus méritos, nisso que muitas religiões chamam de paraísos, até que tenha que tenha retornar a existência material. Assim, esta liberação não é a liberação total, que só pode ser alcançada pelos perfeitos, por aqueles que alcançaram alto grau de evolução. No processo pós-morte, se a pessoa não purificou-se, não eliminou de si as más inclinações, as más tendências, então a alma poderá ser arrastada pelas suas próprias más inclinações, pelas suas próprias más tendências e errar até chegar aos infernos. Se a pessoa aprendeu a resistir às suas más inclinações, se buscou purificar-se, se aprendeu a suplicar por auxilio nos momentos de tentação, se buscou agir retamente, então acumulou méritos e poderá salvar-se, poderá ser auxiliada.

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―O vós, Compassivos, não deixeis a força de vossa compaixão enfraquecer; mas ajudai-o. Não deixeis que ele entre na miséria [ou em miseráveis estados de existência]. Não vos esqueçais de vossos antigos votos; e não deixeis que a força de vossa compaixão enfraqueça.‖ ―Ó vós, Budas e Boddhisattvas, não deixeis a força do método de vossa compaixão enfraquecer-se para este [moribundo]. Agarrai-o com [o gancho de] vossa graça. Não deixeis que os seres sensíveis caiam sob o poder do mau karma.‖ ―Ó vós, Trindade, protegei-o das misérias do Bardo.‖

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Apêndice 3

Um Ultimo Alerta

A Lei da Atração

A verdadeira Lei da Atração está no nível de ser predominante em cada um de nós. Se o nosso nível predominante de ser é a condição de bêbado, estaremos junto aos bêbados. Se o nível predominante é o da miséria interna, estaremos junto aos miseráveis. Nascemos no seio da família ―N‖ por sermos iguais aos nossos familiares. Estudamos com os colegas ―X‖ por sermos também semelhantes a eles. Moramos no local ―Y‖ por termos pontos em comum com os moradores dali. Trabalhamos com as pessoas ―Z‖ por sermos similares a elas.

O externo é o reflexo do interno. Para mudarmos o externo, devemos operar em nós profundas mudanças internas. Isto não significa mudar algumas idéias superficiais ou subjetivas. Aborda-se aqui uma mudança mais radical, uma mudança do nível de ser.

Atualmente, fala-se muito sobre a Lei da Atração. No mundo espiritualista, diz-se que se deve pensar em dinheiro para atrair dinheiro, que se deve pensar em riqueza para atrair pessoas afins e, com isso, mudar de vida. O que as pessoas não percebem é que estão dando vazão à ganância, à luxúria, à avareza, ao orgulho, à vaidade, aos apegos, aos desejos, ao egoísmo, e que, desta forma, atrairão outros gananciosos, luxuriosos, avarentos, orgulhosos, vaidosos, apegados, desejosos, egoístas.

As pessoas distorcem a Lei da Atração segundo suas idéias, necessidades, defeitos, fantasias e ilusões, na ânsia de satisfazer seus desejos.

Esta Lei, que os indivíduos deveriam utilizar para observar o meio em que vivem e se auto- conhecerem, está sendo banalizada, mal utilizada, ridicularizada. Isto mostra o nível de degeneração da nossa humanidade, e, uma vez degenerados, não atrairemos nada além de outros degenerados.

Pode até ser que algumas pessoas consigam melhorar sua vida financeira a partir de pensamentos direcionados, mas enquanto continuarem a carregar o fardo dos egos dentro delas, continuarão a sofrer ou sofrerão ainda mais. 104

Muitos que buscam atrair prosperidade acabam por se auto-enganar e começam a negar a realidade. Uma coisa é não cultivar pensamentos negativos e outra, muito diferente, é negar a realidade.

A Primeira Nobre Verdade do Budismo nos diz que o sofrimento é uma realidade humana. Dentro do sofrimento residem a raiva, as doenças, a mentira, a mágoa, o medo, a vergonha, a inveja, a tristeza, a rejeição, o desprezo, a indiferença, a perda, o ressentimento, a repressão, a ansiedade, a avareza, o apego, a exposição, o erro, a inferiorizarão, a humilhação, a infelicidade, o abandono, a dor.

Se negarmos esses sentimentos, não seremos capazes de atrair prosperidade, pois estaremos praticando a mentira, o auto-engano, a falsidade. Ao contrário, o que iremos atrair são os enganadores, os mentirosos, os falsos.

Frases positivas nada resolvem. Também são formas de negação da realidade, de autoengano.

Precisamos compreender a nós mesmos, compreender os nossos defeitos, as nossas misérias, os nossos sofrimentos. Precisamos morrer de instante em instante, de momento a momento. Estas práticas fazem parte da Terceira Nobre Verdade do Budismo, a Verdade da Extinção do Sofrimento.

O objetivo do ser humano saudável é livrar-se das misérias da vida, ao invés de cultivá-las, fortalecê-las ou prolongá-las.

105

―A perfeição total só nasce em nós com a dissolução do Eu.‖ V. Mestre Samael Aun Weor

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