P-495 - O Mensageiro Do Sol - Hans Kneifel
April 13, 2017 | Author: annttonny | Category: N/A
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(P-495)
O MENSAGEIRO DO SOL Autor
HANS KNEIFEL Tradução
RICHARD PAUL NETO Revisão
GAETA (De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Os calendários do planeta Terra e dos outros mundos do Império Solar registram os meados do mês de junho do ano 3.438. Faz quase um ano que Perry Rhodan e seus 8.000 companheiros da Marco Polo se encontram em NGC 4594 ou Gruelfin, que é a galáxia dos cappins. Depois que foi destruída a Lua dos Perigos, que parece ter sido o centro de transferência de pedotransferidores para a galáxia dos humanos, pode ter-se a impressão de que a luta em Gruelfin esta para terminar. O Tachkar sofre uma derrota depois da outra, enquanto o poder de Ovaron cresce ininterruptamente. Mas a situação da galáxia da humanidade agravou-se bastante. Pouco antes da destruição de Takera, Vascalo, o novo chefe da Marsav, conseguiu apoderar-se de uma frota gigantesca de coletores usando o comando de bloqueio final. Esta frota está estacionada perto do sistema de Vega, tentando abrir passagem para o Sol. A Frota Solar, comandada pelo Marechal-de-Estado Reginald Bell, luta obstinadamente. Os terranos sabem como é importante a luta, e detém o inimigo, O próprio Vascalo, conhecido como o pedoautocrata instintivo, encontrou um adversário à altura na pessoa do Coronel Edmond Pontonac, comandante militar da lua de Saturno, Titã. Vascalo é obrigado a retirar-se sem ter registrado nenhum sucesso. Mas apesar das perdas enormes que sofreu, Vascalo continua lutando. Aguarda reforços que lhe permitam derrotar a Frota Solar. Os terranos sabem disso e procuram ajuda militar. Esta ajuda será pedida por um homem que é enviado ao espaço — O Mensageiro do Sol...
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Personagens Principais: = = = = = = =
Harcon von Draimalo — Um aconense que percebe a verdade. Reginald Bell — O Marechal-de-Estado que defende o Sistema Solar. Vascalo — Chefe dos invasores de Gruelfin. Marceile — Uma moça cappin que mantém contato com Ovaron. Edmond Pontonac — O coronel que se toma mensageiro do Sistema Solar. Caryna Nillbaerg e Drosen K. Willshire — Primeiro e Segundo-Oficial do couraçado Dara Gilgama.
1 Harcon von Draimalo nunca parecera um jovem, mas naquele momento sentia o peso da responsabilidade. Estava com os ombros arqueados enquanto caminhava devagar e pensativo pelo corredor estreito que levava do centro de controle da nave para a seção de rastreamento, passando por algumas esquinas, elevadores e tubos de escadas. — Pelo Sistema Azul! — disse em voz baixa. — Por que confiaram a tarefa justamente a mim? Harcon seguiu mais um pedaço e parou ao ver um aparelho de reprodução de imagens embutido na parede, formando uma superfície negra cortada por veias brancas entrecortadas, instalada numa posição estranha entre cabos e tubos. — Estrelas. — cochichou Harcon. — Milhões de estrelas... Harcon von Draimalo era o jovem comandante do cruzador pesado mobilizado pelo Comando Energético aconense. Recebera há dias uma tarefa precisa, mas esta lhe deixava certa liberdade para agir segundo seu critério. Mas estava acostumado a obedecer às ordens de seus chefes no Comando Energético. Além disso, detestava a Terra e os terranos. Harcon contemplou o quadro. — A Via Láctea. — disse em tom pensativo. — Traz a marca dessa raça. Toda vez que se vê uma estrela, pensa-se na Terra. Esta raça espalhou-se que nem a peste. O cruzador pesado estava imobilizado entre as estrelas e nuvens gasosas — ou melhor, não estava parado, mas deslocava-se em queda livre numa rota aproximadamente reta que levava de certo ponto próximo ao centro galáctico à posição distante do Sol pertencente ao sistema de nove planetas dos terranos. A nave comandada pelo Major von Draimalo partira de uma base secreta e saíra do espaço linear exatamente há uma hora. Naquele momento seguia sua rota com os propulsores desligados. A pausa serviu para que os homens e mulheres que viajavam na nave se orientassem. Eram justamente as guarnições das salas de radiotécnica que mais tinham de trabalhar nessa expedição. — Terra amaldiçoada! — disse Harcon. — Maldito Rhodan! Para ele e para quase todos os membros do Comando Energético Rhodan era o símbolo de tudo que os aconenses odiavam: o expansionismo terrano, as colônias do planeta Terra, o comércio e a frota terrana. Além do fato de os terranos levarem sua cultura às estrelas para disseminá-la, reprimindo as antigas culturas e civilizações dos aconenses. Parecia impossível que um aconense e um terrano pudessem deixar de sentir ódio um pelo outro. De amizade nem se falava. O aparelho de comunicação preso ao pulso emitiu um zumbido leve, que se propagou sobre a pele em forma de uma série de vibrações. Harcon ligou o aparelho. — Draimalo. — disse em voz baixa. — Que foi? A voz daquele homem revelava mais sobre seu caráter que seus gestos e atitudes. Era baixa, muito modulável e fácil de entender. — Esperamos sua presença na sala de rádio, comandante. Grande número de mensagens chega ininterruptamente. — Está bem. — disse Harcon. — Já vou.
Deu mais uma olhada na tela de imagens. As inúmeras estrelas das proximidades do centro da galáxia formavam um quadro rígido. Entre elas viam-se os rastros do anel de hidrogênio, encobertos por algumas nuvens escuras. Bem perto, a apenas alguns anos-luz de distância, havia um triângulo irregular formado por sóis vermelhos e amarelos. Por enquanto as telas dos rastreadores só tinham mostrado os ecos de um sem-número de estrelas e aglomerações de matéria, mas de nenhuma nave. Na verdade essa calma ótica não combinava com o intercâmbio constante de mensagens de rádio vindas de todas as direções, sendo que a maioria vinha do setor espacial em que ficava o Sistema Solar. Mas a característica principal não era esta; a frequência das mensagens não cifradas era preocupante. Era sinal de uma concentração de espaçonaves. Harcon acenou com a cabeça, desligou a tela e saiu andando. Era um aconense alto, esbelto e jovem — tinha pouco menos de trinta e cinco anos. Usava o cabelo castanho-escuro, quase negro, provocadoramente desarrumado. Seu uniforme era uma mistura do estilo fossilizado dos homens do Comando Energético e alguns ingredientes pessoais. Harcon não tinha a intenção de submeter também seu exterior à posição que ocupava no Comando Energético. Bastava que de dentro estava convicto do que fazia. O nome da nave era Hassata. Tratava-se de um cruzador pesado bem equipado, com uma tripulação que incluía os melhores técnicos de escuta e decifração de que dispunha o serviço secreto aconense. Eram politicamente confiáveis — a inimizade ferrenha contra o planeta Terra evitaria que qualquer um deles não agisse como devia. Harcon von Draimalo, o último rebento da família Draimalo yth Vesanth, comandante da nave de espionagem fortemente armada, abriu a escotilha e entrou na primeira sala de divisão de rádio. — Continuem. — disse calmamente e sentou numa poltrona. — Deixe-me ver o que conseguiu captar, radioperador. A sala era parecida com a sala de comando da nave. Mas as telas da galeria panorâmica não mostravam o espaço adjacente da forma que era visto pelos olhos, mas segundo a importância que assumia para as numerosas antenas da nave. As estrelas eram pontos vermelhos, as camadas de gases formavam estruturas azuis num campo negro e os pontos de origem dos sinais de rádio eram assinalados por pontos brancos ofuscantes, alguns dos quais mudavam constantemente de posição. Harcon contemplou atentamente as telas antes de perguntar: — É mesmo o que estou vendo? — Provavelmente, comandante. Aonde quer chegar? — perguntou o oficial-chefe Kantro Baar. — Temos à nossa frente um setor da Via Láctea. Deslocamo-nos sobre o plano de rotação da galáxia. O sistema de troca de mensagens abrange um ângulo de cento e trinta graus à nossa frente. Isto me leva a concluir que todas as naves, planetas e estações de rádio ficam à nossa frente. Estou certo? Baar acenou com a cabeça. — Isso mesmo. — respondeu. — Se seguirmos uma rota em linha reta que termine na Terra e no Sol, passaremos quase exatamente pelo centro da área em que se verifica a troca de mensagens de rádio. Acho este fato muito importante, já que os terranos se prepararam para enfrentar um inimigo muito poderoso. Mas é bom que o senhor mesmo leia. Assinalei as frases mais importantes. O radioperador entregou ao comandante uma pilha da grossura de uma mão humana.
A pilha era formada por folhas de plástico perfuradas, todas do mesmo tamanho, nas quais havia textos impressos em letras miúdas. Todas as mensagens recebidas, ou melhor, captadas, estavam registradas nessas folhas. Em sua maioria traziam uma observação: Texto traduzido ou decifrado. Naturalmente o serviço secreto aconense possuía informações sobre os códigos mais importantes usados pela frota terrana. — Muito interessante. — observou Harcon. Bastou uma leitura superficial das mensagens para que Harcon compreendesse que os terranos travavam uma batalha encarniçada para defender-se de uma frota que parecia ter vindo de algum canto desconhecido da Via Láctea. — Coletores... — observou o oficial. — Tem uma ideia de que tipo de naves pode tratar-se? Não conheço nenhuma raça galáctica que possa ser designada por essa palavra. — Recebemos ordens de controlar as mensagens terranas que captamos nestas últimas semanas. — disse Harcon. — Conhecemos mais ou menos o conteúdo das mensagens e das transmissões de imagens. De todas elas depreende-se que os terranos se encontram numa situação que favorece uma intervenção dos aconenses, principalmente do Comando Energético. Baar voltou a confirmar. Harcon prosseguiu na leitura. Só leu os textos sublinhados. Depois de algum tempo disse: — Também devemos controlar a autenticidade das mensagens. Isto será feito depois que seguirmos em direção ao sol e fizermos medições por lá. O ponto em que é maior o número de mensagens, ou melhor, de transmissores, deixou de ser constante. Primeiro ficava a cerca de quatorze anos-luz da Terra, mas depois deslocou-se para mais perto do Sistema Solar. Quer dizer que o campo da batalha travada com os coletores se desloca em direção a esse Sistema. Dali só se pode concluir... — ... que os terranos estão recuando — completou Baar. — Isso mesmo. Estavam todos em posição de espera. No momento eram realizadas muitas medições, a rota estava sendo programada e os chefes dividiam seu pessoal em grupos. Era como uma pausa para respirar antes do salto para o desconhecido. Harcon ergueu a cabeça e apontou com o queixo para as telas. — Que é isso? Uma erupção de energia? Não... são várias. E bem próximas. Ecos energéticos muito fortes numa posição entre a nave e o centro galáctico apareceram na tela de cores cambiantes. Os dois homens ainda estavam contemplando o fenômeno quando os alto-falantes do sistema de comunicação de bordo estalaram e uma voz nervosa exclamou: — Comandante! Ecos energéticos atípicos vindos do setor vinte e sete! Uma quantidade enorme de estruturas metálicas sem forma definida acaba de sair do espaço linear. Os ecos são muito penetrantes... Parece que os desconhecidos usam propulsores que não foram feitos para o voo linear, mas se destinam a uma dimensão superior. Uma placa de imagem comum iluminou-se, mostrando o que o pessoal do telerastreamento via nas telas. Era uma frota gigantesca formada por numerosas cunhas abrindo-se em arco a partir do ponto de reentrada no espaço normal. Parece um feixe de lanças se soltando durante o voo, pensou Harcon von Draimalo. O espaço e sua estrutura tremiam nesse lugar, e os ruídos saídos dos alto-falantes dos detectores transformavam a maior parte dos recintos da nave num verdadeiro inferno acústico. Harcon empalideceu.
Que significava isso? Saltou da poltrona e voltou correndo para a sala de comando da nave, cujas antenas se voltavam para o palco dos acontecimentos preocupantes, assustadores e nunca vistos. Uma frota gigantesca materializara no centro da galáxia, ou perto dele. De onde vinha? Quem a enviara? E em que lugar atacaria? Harcon não sabia. Só sabia que tinha de agir depressa.
2 O coronel baixo de cabelos grisalhos parecia ser uma pessoa que tinha muito tempo e uma paciência infinita. Mas quando começou a falar, o interlocutor com que se defrontava — na tela da nave — percebeu que podia ser tudo, menos calmo. Estava exaltado e furioso. — Ouça, Sparks. — disse em voz baixa. — Preciso falar com o Marechal-Solar Reginald Bell... O radioperador de uma nave retransmissora desconhecida fez um gesto de pouco-caso e respondeu sem o maior abalo: — Quantas pessoas acha que querem falar com o Marechal neste momento, chefe? O coronel não perdeu tempo. — Cara... o senhor pode achar esquisito, mas o fato é que tenho uma mensagem urgentíssima para Bell. A existência do Sistema Solar pode depender de que ele a receba em tempo. O coronel falara mais alto e num tom mais enérgico. O radioperador fez uma ligação fora do alcance da objetiva, disse algumas palavras para dentro de seu microfone direcionado e voltou a encarar seu interlocutor. — Que deseja mesmo, coronel? — perguntou meio confuso. O homem grisalho respirou profundamente e disse: — Preste atenção... e anote! — Não é necessário. — respondeu o radioperador e voltou a passar a mão pelo teclado. — Tudo que se fala é registrado. Os gravadores de fita estão ligados. — Estou numa pequena nave parada perto do centro da galáxia. — berrou o coronel. — Há algumas horas tive oportunidade de ver um cruzador pesado dos aconenses entrar no espaço normal perto daqui e seguir em queda livre na direção da Terra. Como esta nave não transmite mensagens, tudo indica que se trata duma nave-espiã. No momento em que ia tentar a aproximação para verificar, aconteceu uma coisa que Reginald Bell deve estar muito interessado em saber. O radioperador olhou para os lados e disse em tom delicado: — Naturalmente, o Marechal-Solar Bell. O comandante em pessoa será... O coronel grisalho interrompeu-o. Berrou tanto que fez tilintar os alto-falantes da sala de rádio da nave desconhecida. Bell não poderia deixar de ouvir isso. — Reginald Bell! Marechal-Solar! Trago uma notícia importantíssima. Ouça-me. Esse radioperador ignorante não quer transferir a ligação. Estava respirando profundamente, com o rosto vermelho, quando ouviu a voz de Bell: — Quem está gritando desse jeito? — Alguém, senhor. — respondeu o radioperador com a calma de um homem completamente exausto, que está sentado no mesmo lugar há horas ou até dias, tentando satisfazer todos os parceiros. — Alguém que afirma ter uma notícia de importância vital para o governo. Depois disso a voz cansada de Bell se fez ouvir. — Transfira a ligação. Depressa! Talvez seja mesmo importante. — Naturalmente, senhor.
O radioperador mostrou-se resignado ao ver o sorriso furioso do homem grisalho. Quase no mesmo instante o busto de Reginald Bell ocupou quase toda a tela. O coronel controlou-se e começou a falar. — Senhor. — disse. — Hoje, que é o dia quinze de junho de 3.438, detectei uma nave aconense que, segundo parece, faz radio espionagem nas proximidades do centro galáctico. Trata-se de um cruzador pesado cujo nome não conheço. Mas o mais importante não é isto. Há pouco saíram do espaço linear quantidades gigantescas de objetos metálicos das formas mais variáveis. Bell mostrou-se interessado. — Acha que podem ser coletores, coronel? O homem grisalho acenou com a cabeça. — Acho, sim. Minha seção de rastreamento o informou que teríamos de estar mais perto do ponto de saída para podermos saber exatamente quantos são os objetos e qual o volume das energias liberadas. Meu pessoal acha que podem ter sido cerca de cem mil unidades que apareceram de repente por aqui. Alguém afirmou que as energias detectadas correspondem às dos propulsores dimesexta, mas não acredito nisso. — Pois eu acredito. — respondeu Bell. — Combatemos uma frota de cerca de sessenta mil coletores com seus inúmeros vassalos e chegamos a dizimá-la. É bem provável que as unidades detectadas pelo senhor façam parte de mais uma onda de invasores cappins que pretendem destruir o Sistema Solar. Que mais descobriu? O coronel refletiu um instante. Falara com Reginald Bell, que se encontrava a bordo da Intersolar, defendendo a Terra na qualidade de chefe da frota metropolitana. A situação na galáxia habitada pelos homens e principalmente nos setores adjacentes à Terra era bastante confusa. Contingentes terranos acorriam de todos os pontos da galáxia para participar da luta. Vascalo, o Torto, que comandava a massa cada vez mais reduzida de coletores, só escapara à destruição porque toda vez que os terranos vinham de todos os lados para acuar o núcleo da frota de coletores, bastante danificado, entrava no espaço linear para voltar ao espaço normal alguns minutos-luz ou horas-luz mais perto do Sol. Isso representava uma vantagem para os terranos. As construções metálicas destroçadas eram deixadas para trás e não perturbavam a luta. O espaço estava salpicado de destroços que se deslocavam lentamente em direção a várias concentrações de matéria e seriam consumidas em algum sol não se sabia quando, dentro de alguns meses ou anos. — Compreendi, senhor. — disse o coronel em tom enfático. — Meu setor de rastreamento acaba de fazer a contagem de um quilômetro cúbico de espaço e somou o resultado. Chegamos quase exatamente a noventa mil coletores que há pouco materializaram em nossa galáxia com seus propulsores dimesexta. — A ordem dada por Vascalo por meio do controle final não deve ter produzido o resultado desejado. — respondeu Bell em tom preocupado. O coronel grisalho interrompeu-o com um gesto nervoso. — Parece que depois de terem entrado numa área que não conhecem têm de fazer uma pausa para orientar-se. No momento estão se espalhando, mas formam grande número de cunhas cujas pontas se voltam aos poucos para a posição do Sol. Eis aqui as imagens. O coronel mudou a ligação e Reginald Bell viu na sala de comando da Intersolar as imagens que se encontravam à frente do coronel. A grande frota de coletores sem dúvida levaria alguns dias para chegar perto de Vascalo, o Torto. Devia ter havido um erro na
transmissão ou na interpretação da ordem. Dezenas de milhares de anos-luz separavam o lugar em que os cappins lutavam com os terranos do centro galáctico. Os filmes e fotos foram sendo passados. O coronel voltou a mudar a ligação. — Falei em linguagem clara apesar de saber que o aconense pode ouvir-me, senhor. — disse. — Fiz isto por achar que a invasão dos cappins apoiada pela frota de coletores representa uma ameaça para toda a galáxia, não apenas para o Sol e os terranos. — O senhor tem razão, coronel. — disse Bell em tom enérgico. — Faça o favor de seguir o aconense e os coletores a uma distância adequada. Assim que houver alguma novidade, entre em contato com minha nave pela faixa da frota. Será colocado em contato diretamente comigo. O coronel fez um gesto de cumprimento. — Final. — disse Bell. A comunicação, que por causa da grande distância não fora nada satisfatória, foi interrompida. Perto do centro galáctico, mas a muitos anos-luz do anel de hidrogênio, havia naquele momento pelo menos três parceiros importantes do jogo mortal. Uma pequena nave terrana... Um cruzador pesado aconense... E uma frota de noventa mil coletores cheios de vassalos, que esperavam as ordens de Vascalo, o Torto, para aproximar-se do alvo.
3 — Compreendeu bem, comandante? — disse Baar em voz baixa. A impressora de alta velocidade do aparelho automático já imprimira o texto captado pela nave aconense, enquanto os alto-falantes tinham transmitido a troca de impressões de Bell e do coronel grisalho. — Compreendi. E muitas perguntas que tinha em mente foram respondidas de repente. — disse o aconense em voz baixa. Percebeu que começava a sentir-se inseguro. Inseguro num ponto determinado. Tudo que tornasse possível a destruição da Terra representava uma vantagem para ele e os aconenses. Logo, deviam ficar satisfeitos com a invasão dos coletores... mas se o perigo por ela representada também se estendesse a outros grupos de força da Via Láctea, ela também traria a eliminação daqueles grupos que já não colaboravam estreitamente com o Sistema Solar. Havia por exemplo o Império de Dabrifa, a União Centro-Galáctica e a Liga Carsualense. Se bem que Dabrifa mudara de nome e a forma de governo — o antigo império passara a chamar-se de Federação Galáctica Normon. De qualquer maneira... o perigo também acabaria alcançando os reinos dos aconenses e os membros do Comando Energético. Tudo isto o nobre aconense percebeu nos minutos que passou refletindo em silêncio, com o texto da mensagem captada entre os dedos. Levantou a cabeça e dirigiu-se a Baar. — A nave terrana é muito pequena. Não representa nenhum perigo para nós. — Podemos dar-nos ao luxo de ignorar esse terrano. — sugeriu Baar. — Mesmo que acompanhe nossos movimentos, não descobrirá nada. Harcon deu uma risadinha, pondo à mostra duas fileiras de dentes brancos muito bem cuidados. Levantou e disse: — O coronelzinho deve pensar a mesma coisa de nós. Vamos ignorar-nos uns aos outros. Mas não podemos ignorar os coletores. Hum... Quer dizer que vieram de outra galáxia e preparam uma invasão. — Uma invasão que acabará atingindo os planetas aconenses. — observou Baar em tom seco. — Que pretende fazer, comandante? Harcon von Draimalo não precisou refletir. — Vamos dar uma boa olhada no inimigo que dizem ser inteiramente robotizado. — disse. — Vamos para lá. Harcon apontou para as radio telas, referindo-se às cunhas que se espalhavam cada vez mais, com as pontas paralelas. O conjunto parecia um cardume de peixes carnívoros, que só tinham um objetivo: um objeto vagando no espaço, contra o qual queriam investir. A imagem relativamente pequena bastava para fazer os aconenses tremer de medo. — Nas próximas horas poderei ser encontrado na sala de comando. — disse Harcon. — Continuaremos nosso trabalho como se os coletores não existissem. Recebemos ordem de verificar o que está acontecendo em torno da Terra e é o que faremos, aconteça o que acontecer. Baar compreendeu. Seguiu seu jovem comandante com os olhos enquanto ele saía, entrando no corredor e percorrendo a pequena distância que o separava da sala de comando. Dali a pouco as máquinas superpotentes da nave aconense foram ligadas. A nave acelerou enquanto se
afastava na direção em que ficavam os coletores, para depois de algum tempo desaparecer no espaço linear. A nave terrana seguiu-a. Passaram-se algumas horas. As equipes trabalhavam sem parar. Finalmente, depois que tinham sido interpretadas cerca de mil mensagens vindas das posições mais diversas assinaladas no mapa estelar de rádio, a tela do sistema de bordo acendeu-se à frente do comandante. Harcon estava sentado em sua poltrona pesada, acompanhando a manobra da nave que se aproximava do destino. A bordo da nave reinava um silêncio carregado de tensão. Um ligeiro nervosismo espalhou-se entre os tripulantes. O busto de Baar apareceu na tela. — Comandante. — disse o oficial. — Concluímos a análise. Quer ouvir? Harcon acenou com a cabeça. Não disse uma palavra. Girou os botões de regulagem do alto-falante. Dali a instante a voz do encarregado de rádio encheu a sala de comando. “A maior parte das mensagens é formada por três partes diferentes, entre as quais existe certa ligação. A primeira coisa que nos chamou a atenção foram os pedidos de socorro de Reginald Bell, Julian Tifflor e Deighton. São dirigidos a todos os habitantes da Via Láctea que são de origem terrana ou podem ser considerados amigos do planeta Terra. Pede-se que compareçam nas proximidades do Sistema Solar, para repelir uma invasão que deverá estender-se a toda a galáxia. Em segundo lugar: Bell anuncia ininterruptamente a posição em que se desenvolvem as operações de defesa, e suas observações pessoais. As transmissões são quase todas automáticas e são repetidas constantemente em tudo quanto é faixa de frequência. Uma das mensagens automáticas é transmitida na faixa da frota terrana em linguagem não cifrada. Dirige-se a todas as unidades armadas dos terranos, onde quer que se encontrem no momento. Diz que as naves devem ser equipadas e tripuladas para decolar imediatamente, dirigindo-se ao destino a fim de participar da luta sob as ordens do comando da Intersolar. Luta-se contra máquinas, robôs, e por isso pode-se agir sem a menor contemplação. Terceiro: As naves respondem, anunciando sua prontidão, às vezes indicando-se pelos nomes e respectivas bases estelares, dando a posição ou anunciando sua chegada. Constantemente chegam consultas dos estados-maiores dos principais grupos de forças terranos. No momento tem-se a impressão de que Normon, Carsual e União ainda têm suas dúvidas. Não sabem se devem mandar uma nave de guerra que seja. Acham que tudo talvez não passe dum estratagema de Rhodan, que quer unir os descendentes dos terranos criando a ilusão dum perigo maior. Eis a interpretação, comandante.” Harcon agradeceu ao colaborador e disse:
— Excelente. Os grandes grupos de forças estão na mesma situação que nós. Não têm certeza de onde está o grande perigo. É exatamente o que verificaremos dentro de alguns minutos. A nave vai voltar ao espaço normal. A Hassata saiu do espaço linear. Por alguns segundos todas as telas ficaram acesas. Em seguida os pesados propulsores frearam a velocidade de entrada. — Não pode ser! — gritou um homem sentado junto ao console do piloto. O espaço que cercava a Hassata estava repleto de estruturas de aço. As máquinas da nave foram ligadas, esta descreveu um círculo fechado e voltou a afastar-se da massa de coletores enquanto as câmeras automáticas entraram em funcionamento. Nenhuma forma parecia impossível, todas elas, por mais bizarras que fossem, foram fotografadas. Estava havendo o impacto de duas civilizações completamente diferentes desde as bases. Com as tampas de regulagem bem abertas, a nave subiu quase na vertical em relação ao plano de rotação da galáxia. — São os coletores. — um dos numerosos grupos em forma de lança — disse Harcon enquanto se forçava a ficar calmo. O perigo representado pela formação deixara-o profundamente abalado; mexera com seus sentimentos. Já tinha uma ideia mais clara do que estava reservado aos povos da galáxia. — Afaste a nave o mais depressa possível destas... destas coisas! — ordenou em tom enérgico. Os dedos do piloto passaram voando pelo teclado da direção. A nave acelerou, mudou de direção, adaptando-a à de um dos grupos que se deslocava em alta velocidade e saiu lateralmente de sua trajetória enquanto aumentava de velocidade e acabou fugindo. — Já sei o motivo desse pânico que parecia tão estranho. — disse Harcon em voz alta. — Os terranos não usaram nenhum truque. É mesmo a invasão. Um dos pilotos virou-se ligeiramente na poltrona, encarou o comandante com uma expressão pensativa no rosto e começou a falar devagar: — O senhor está pálido. Não se sente bem? Draimalo respondeu em tom mais áspero do que pretendera: — O senhor se sente bem, Kriff, ao ver essa massa de técnica ameaçadora? Noventa mil unidades. Se Bell não mentiu, para o que não tinha motivo, estão recheadas daquelas máquinas chamadas de vassalos, que por sua vez possuem muita mobilidade e são perigosas. Que nem os barcos espaciais duma grande nave. — Compreendi. — respondeu Kriff com a voz apagada. Percebeu, tal qual as outras pessoas que se encontravam na sala, que os acontecimentos começavam a mudar seu comandante, que conheciam e apreciavam como homem inteligente, controlado e duro. Não que suas ideias tivessem mudado, mas ele percebera que se defrontavam com uma ameaça final. Por enquanto era a Terra que corria perigo — amanhã podia ser o Sistema Azul. A mudança de atitude não precisava de nenhuma motivação psicológica. Os coletores eram a melhor prova. Num instante a tripulação da nave compreendera toda a extensão do perigo vindo de outra galáxia. Peças gigantescas, parecidas com naves destroçadas cuidadosamente trabalhadas, ou com formas ainda mais esquisitas, seguiam para novas posições, desenvolvendo mais de cinquenta por cento da velocidade da luz. As pontas eram voltadas como um sem-número de dedos afiados em garra para os sóis e planetas do respectivo setor. — Não deveríamos avisar nossos superiores? — perguntou Kriff.
Harcon respondeu: — Ainda não. Primeiro vamos levar nossa nave para longe do perigo. Estamos muito perto dos grupos. — Entendido. Só vai demorar alguns segundos. Naturalmente os fortes campos defensivos da nave tinham sido ativados antes que esta voltasse ao espaço normal. À medida que se afastavam das doze fileiras principais de coletores, melhor viam as massas metálicas. Por que essas formas? Por que uma quantidade tão grande? Será que havia nos gigantescos recipientes tripulações vivas ou tropas de desembarque robotizadas? Não havia como descobrir. — Fogo! — Estão atirando... de repente! — Sem aviso... De repente a Hassata foi bombardeada de dez direções diferentes. O espaço estourou numa massa de descargas de fogo. Os campos energéticos resistiram enquanto os fluxos de destruição descreviam círculos em torno da nave. A velocidade voltou a aumentar e o piloto fez a nave descrever uma espiral irregular, uma rota de fuga. De repente a nave sofreu o primeiro impacto. O casco tremeu. De repente o jovem nobre sabia muito bem o que tinha de fazer. O segundo impacto. Alarmes uivaram em todos os cantos da nave. Harcon pegou o microfone, arrancou a cobertura dum grande botão vermelho e gritou: — Atenção, todo mundo. Colocar trajes de proteção pesados. Alarme grau vermelho! Só uns poucos homens cuidavam da rota da nave enquanto armários eram abertos violentamente. Quando o terceiro impacto forte fez tremer a nave, mais de metade da tripulação já tinha colocado os campos de proteção e ligou os campos defensivos individuais.
4 — Está brincando! — Bell saiu da poltrona surpreso e fitou o radioperador com uma expressão de perplexidade. — Um aconense? O radioperador parecia ofendido. — Não conheço a árvore genealógica do cavalheiro, mas é bom que o senhor mesmo veja, senhor! A imagem projetada na tela mudou de repente. Em meio às linhas trêmulas das interferências, que eram a melhor prova de que era o transmissor e o receptor havia uma distância enorme, tal qual acontecera há pouco, quando tivera a conversa com o coronel grisalho, Reginald Bell teve a surpresa tremenda de ver um aconense. Estava enfiado num traje de combate pesado, com o capacete jogado para trás. Bell viu o interior de uma sala de comando cheia de nuvens de fumaça negra. Havia alguém tossindo nos fundos da sala. Bell obrigou-se a encarar o problema com toda calma. Depois de meio segundo de espanto perguntou: — O senhor é mesmo um aconense? O homem de cabelos castanho-escuros acenou com a cabeça e respondeu. — Sou. Meu nome é Harcon von Draimalo. Estou falando com o Marechal-de-Estado Bell? — Está, sim — disse Reginald Bell. — É bom que saiba que estou espantado. O senhor deve ser o comandante da nave que... Harcon fez um gesto de pouco-caso e disse: — Tudo isso já sabemos, Marechal-de-Estado. Minha nave está sofrendo um bombardeio cerrado dos coletores. Usam armas que rompem nossos campos defensivos sem dificuldade. Estamos fugindo. Ainda temos uma chance. — Canhões duplicadores. — confirmou Bell. — É como chamamos estas armas. O senhor se refere aos coletores? — É bom que fique prevenido, Bell. Até aqui eu desempenhava uma tarefa que não o deixaria muito alegre se soubesse... A imagem tremeu. Ouviram-se gritos. Comandos soaram. Parecia que a nave fora atingida de novo. — ...já não é necessário. Não precisamos pesquisar mais nem voar para o Sistema Solar. Vi aqui mesmo que as mensagens e os pedidos de ajuda militar dos terranos correspondem à verdade. Um perigo tremendo aproxima-se de todos nós... vinte mil coletores. — Quer dizer que já sabe por que queremos ajuda. — disse Bell. — Que pretende fazer? O aconense respondeu em tom inabalável: — Avisarei todos aqueles com quem ainda possa entrar em contato. Os coletores seguem em direção ao Sistema Solar. — Era o que eu esperava. — confessou Bell. — Mas acho que ainda terei alguns dias nos quais poderão vir outras naves de guerra.
— Quer dizer que o senhor está ciente. — disse Harcon von Draimalo em voz alta. — Sabe o que está acontecendo. Avisarei todo mundo. Tenho certeza de que todas as raças da Via Láctea se unirão para enfrentar os robôs invasores. Bell levantou a mão em resposta ao cumprimento do aconense. — Felicidades. — e trate de levar sua nave a um lugar seguro. Obrigado pelo aviso. O aconense acenou com a cabeça. Neste instante a ligação foi interrompida. O radioperador avisou que o contato fora perdido. Bell agradeceu e virou-se mais uma vez. — Senhores. — disse em voz baixa enquanto não tirava os olhos das telas. — Acabamos de assistir a um acontecimento histórico. Mas será um caso isolado. O aconense percebeu claramente as necessidades do momento. Continuaremos como antes, lutando contra os coletores de Vascalo, o Torto. A propósito... Sala de rádio! A sala de rádio respondeu imediatamente. — Senhor? — Preciso com urgência de uma ligação com Marceile, que se encontra na estação de Ovaron na lua de Saturno chamada Titã. Faça o favor de avisar-me assim que a ligação tenha sido completada. — Naturalmente. Serão só alguns instantes. Enquanto Bell esperava e suas naves se preparavam para outro ataque, Harcon von Draimalo fez o que tinha resolvido. Depois que seu cruzador pesado foi bombardeado de repente sem aviso, o nobre mudou de ideia. A nave sofreu quatro impactos, mas parecia que conseguira fugir de junto dos coletores. Todos os hipertransmissores tinham sido ligados na potência máxima. Os tiros dos coletores explodiam ininterruptamente em torno da nave. Quando não atingiam o campo defensivo em cheio, ele resistia ao impacto. Todos os tripulantes estavam enfiados em trajes de proteção pesados. Harcon von Draimalo ficou sentado à frente dos microfones, gritando suas informações e advertências. Dois ou três transmissores funcionavam na faixa secreta, que o mantinha em contato com o Sistema Solar. Outros transmissores tinham sido ajustados para outros pontos do Império Aconense. Em toda parte as transmissões eram recebidas sem problemas. O aconense deixou claro que a tarefa da nave-espiã mudara de repente, ou melhor, que fora suspensa. Sem pedir permissão ao governo ou a seus superiores do Comando Energético, Harcon contou o que tinha acontecido. Sem afastar-se da verdade relatou a situação, em tom cada vez mais insistente. Enquanto falava, seu piloto afastava a nave das ondas de choque dos coletores. Alguns exemplares grandes separaram-se das fileiras de veículos bizarros, saindo lateralmente da trajetória. Enquanto entravam numa rota que sem dúvida os levaria para perto da nave que fugia a três quartos da velocidade da luz, eles disparavam seus canhões duplicadores. — Comandante! — gritou o piloto. Harcon virou a cabeça e viu uma quantidade incrível de objetos voadores pequenos saindo dos flancos dos gigantescos coletores. Eram os chamados vassalos, conforme dissera o coronel terrano. — Estou vendo. — disse em voz baixa. Parecia ter sido uma operação curta. Os vassalos passaram à frente dos coletores e também começaram a disparar. O espaço ficou incandescente em torno da Hassata, e raios gigantescos batiam silenciosamente nos campos defensivos. — Eles nos matarão!
O nobre continuou a relatar a situação, sem dar atenção às telas. Esqueceu a pequena nave terrana. De vez em quando olhou para o relógio. Queria saber quando sua nave podia fugir para o espaço linear. — Faltam vinte segundos! — gemeu um dos homens. Harcon não parava de falar. Não esperava resposta. Para ele o importante era que o maior número possível de seres da Via Láctea conhecesse o perigo que se aproximava vertiginosamente da área periférica da galáxia. Neste momento os sinais luminosos de seu console mostraram que a maior parte das antenas se tinham derretido. Harcon levantou o braço e gritou: — Iniciar manobra linear! O piloto não perdeu tempo. No instante em que a nave ia sair do espaço normal, a nave sofreu cerca de cinquenta impactos ao mesmo tempo. Um monte de destroços atravessou o espaço girando. Fragmentos de metal incandescente espalharam-se por todos os lados. A nave do pequeno terrano grisalho esperava numa distância segura. Só saiu de trás do bólido onde se abrigara depois que os vassalos voltaram a ser recolhidos pelos coletores. Dirigiu-se ao lugar em que a nave aconense balançava numa espiral alongada. Um rastro de destroços marcava a trilha. A missão de Harcon von Draimalo terminara.
5 Bell usou mais de cinquenta mil unidades no ataque. Depois de falar com Marceile, que transmitiu as notícias mais recentes a Ovaron e Rhodan através do rádio dakkar, Bell resolveu responder ao novo ataque de Vascalo. De qualquer maneira só seriam destruídos robôs. — Qual é nossa posição? — perguntou Bell. — Estamos quase exatamente a doze anos-luz do Sol. Pode haver alguns dias-luz de diferença, senhor. Bell acenou com a cabeça e disse em voz baixa, como se falasse consigo mesmo: — Esta distância me deixa um pouco mais tranquilo. Os noventa mil coletores estão entrando em formação. Levarão mais alguns dias. Ainda nos aproximaremos mais um pouco do Sol antes de dizimar as forças de Vascalo. — Entendido, senhor. Vamos ao ataque? — Vamos ao ataque! — confirmou Bell. As duas frotas aproximaram-se em alta velocidade pelo espaço vazio. Via-se perfeitamente que os terranos tinham feito um estrago terrível entre os coletores. A frota vinda da galáxia Gruelfin encolhera bastante e mostrava os sinais de uma luta prolongada, que deixara suas marcas em Vascalo, da mesma forma que em Bell e seus companheiros. As salvas dos canhões terranos voltaram a ser disparadas num ritmo regular. Como das outras vezes a maior parte dos tiros perdeu-se nos campos defensivos dispostos em malha fina. Os canhões duplicadores dos takerers, ou melhor dos coletores fortemente armados, obrigaram os terranos a recuar. Houve grandes perdas de ambos os lados, mas os terranos estavam impacientes e dispostos a assumir riscos. Suas naves atacavam sem parar e usavam todo o poder de fogo dos canhões automáticos. Uma batalha violenta foi travada a doze anos-luz da Terra. Um caos de sucata e coletores explodindo, de vassalos incandescentes colidindo, uma batalha que pôde ser acompanhada em quase todos os lugares do Sistema Solar graças à troca de mensagens de hiperrádio. Os terranos agiam sem contemplação, mas não se descuidaram. Faziam avanços-relâmpago com as naves formadas em cunha, abriam trilhas e recuavam instantaneamente assim que os coletores se agrupavam para o contra-ataque. As máquinas, que não tinham nada a perder, que não conheciam o medo de morrer nem possuíam o instinto humano da auto conservação, eram incapazes de avaliar quando se colocavam numa posição insustentável. Bell dava comandos sem parar, dando a impressão de estar em vários lugares da Intersolar ao mesmo tempo. Era incansável. Fez uma descrição da luta a Marceile. As cinquenta mil unidades investiam sem parar contra os robôs. Cada vez que isso acontecia um setor espacial gigantesco parecia incendiar-se, brilhando em todas as cores. Num branco cor de cal, num azul cintilante duro, com aspecto malvado, num verde trêmulo e em véus multicores, quando as energias eram desviadas para o hiperespaço. Parecia que nestes lugares o cosmos tremia que nem um mar em cujo fundo se verificassem gigantescas erupções vulcânicas. Foi um ataque impiedoso, e não menos impiedosa foi a defesa dos terranos, que viam seu último reduto, o Sistema Solar, exposto a um perigo iminente.
Mas o conflito permanente também deixara suas marcas em Vascalo, o Torto, uma mutação de cappin que era parente do Tachkar. Sentia-se esgotado e só continuava na luta porque sabia que os reforços não demorariam a chegar, em forma de noventa mil coletores. Cerca de cento e cinquenta mil objetos voadores dessa espécie tinham partido de Gruelfin, depois que Vascalo conseguiu impor sua vontade aos coletores através do acionamento do comando final. A primeira onda de ataque era formada por cerca de sessenta mil deles. Depois chegaram outras unidades em grupos pequenos, uns quatro ou cinco mil, que se juntaram à segunda onda. E agora havia mais noventa mil dirigindo-se ao local dos combates. Isto significava que a Terra — e toda a Via Láctea, bem como seus planetas e as raças que viviam nela — corriam um perigo grave. Cento e cinquenta mil coletores. Era uma quantidade imensa... — Tenho de fazer um esforço enorme para controlar-me. — esbravejou Vascalo. — Noventa mil coletores... Soube pelo rádio e através do sistema de comunicação dakkar. Um dos takerers que estavam perto dele disse: — Noventa mil coletores! Se estivessem aqui agora, varreriam os terranos do espaço. Mas primeiro têm de chegar ao centro desta galáxia. Vascalo esmurrou o console, num gesto de raiva impotente. Dormira pouco e mal e estava para perder o controle dos nervos. — Estão muito longe! — gritou. Alguém tentou consolá-lo em voz baixa: — É claro que os comandos já foram ativados. Os coletores passarão a deslocar-se imediatamente em alta velocidade e não demorarão a chegar. — Aí talvez seja tarde. — exclamou Vascalo. Por um instante viu o rosto refletido numa tela apagada e assustou-se. “Devo controlar-me!” — pensou e obrigou-se a ficar calmo. — Que posso fazer? — perguntou. — Terminar o ataque e iniciar uma retirada estratégica. — respondeu alguém. — Temos de manter afastados os terranos e obrigá-los a se separarem. — Isso mesmo! A situação não era boa. Os contingentes takerers continuavam sendo dizimados. Desde que descobriram que lutavam somente com máquinas, os terranos se tornaram mais implacáveis. Enquanto não chegassem as noventa mil unidades, Vascalo era obrigado a não expor suas últimas reservas — um grupo de coletores grandes com armamentos superpesados. Deu ordens e mais uma vez suas unidades desapareceram no espaço linear. A fuga e a perseguição. As imagens da luta podiam ser vistas em toda parte. Quando os coletores de Vascalo, obstinadamente perseguidos pelos terranos, se puseram em fuga e foram desaparecendo da tela, Edmond Pontonac, que se encontrava na estação de Ovaron em Titã, reduziu o volume do receptor e disse em tom calmo: — Vamos fazer uma pausa, Marceile. Que tal um café e alguns sanduíches? A moça, que descendia do povo dos takerers, mas já se sentia como uma ganjásica e assim gostava de ser chamada, acenou com a cabeça, enxugou o suor da testa e disse: — Por favor. Felizmente não faltam robôs para servir-nos.
As naves-patrulha tinham sido retiradas. Corriam pelo espaço, nos lugares em que os repórteres tinham colocado suas câmeras automáticas. Pontonac apertou o botão, fez o pedido e disse: — A estação de Ovaron é muito velha, mas ainda serve para alguma coisa. É um lugar bom para se ficar, serve de base de comunicações e finalmente nem mesmo Ovaron conhece todos os segredos técnicos que existem aqui. Tenho certeza de que não são poucos. — Também acho. — disse Marceile. Todos desejavam ansiosamente um pouco de paz, mas o destino parecia ter-se voltado contra eles. Depois que a nave-patrulha recolhera Pontonac no planeta desértico, ele voltara ao seu posto de comandante militar de Titã como se nada tivesse acontecido. Mas passara a carregar constantemente conjuntos sobressalentes de suas próteses de aço. Marceile apontou para a parte frontal do transmissor dakkar. — Ainda bem que temos contato com Rhodan e Ovaron. À medida que a situação em Gruelfin se estabiliza a favor de Ovaron, os terranos são cada vez mais acossados. — Em toda moeda existem duas faces. — observou Pontonac em tom irónico. — O que representa a coruja para um, para outro pode ser o rouxinol. — A utilidade do rouxinol limita-se ao belo canto, enquanto a coruja simboliza a sabedoria. — respondeu Marceile prontamente. — Por isso prefiro a coruja. Pontonac colocou a mão sobre seu braço e apontou para a mesa, onde o robô estava servindo os alimentos e as bebidas encomendadas. — Mas nem por isso se deve desprezar um canto de vez em quando. Principalmente quando sai duma laringe bem treinada. — Sem dúvida! — suspirou a moça. Neste instante ouviu-se um zumbido agudo, uma tela iluminou-se e um alto-falante soltou um estalo. Marceile encolheu-se nervosamente. Pontonac tentou acalmá-la. — Fique calma... só é uma notícia alarmante! Apertou a tecla de resposta. O rosto de um dos radioperadores apareceu no pequeno monitor. — Senhor. — disse este em tom apressado. — Galbraith Deighton acaba de chamar. Quer falar com o senhor. Diz que é urgente. Posso transferir a ligação? — Transfira! — respondeu Edmond laconicamente e abriu os braços. — Estou preparado para o que der e vier. Parece que o primeiro-mecânico emocional quer alguma coisa de mim. Tomara que não tenha esquecido suas ferramentas de mecânico. — Não esqueceu. — disse a voz de Deighton antes que a imagem aparecesse na tela. — Tenho uma missão importante para o senhor, coronel. — Tomara que seja uma que eu possa cumprir sentado e sem sair daqui. — respondeu Edmond sem demonstrar muito respeito. — Acho que não é. — respondeu Deighton. — O senhor deverá ir a Dabrifa, ou melhor a Normon, como embaixador da Terra. Está com a escova de dentes ao alcance da mão? Pontonac suspirou. As ondas da invasão já estavam atingindo a fortaleza de Ovaron, que até então ficara no esquecimento. — Faça o favor de explicar! — disse e lançou um olhar triste para Marceile, que estava servindo o café. Deighton começou a falar. A cada segundo que passava a proposta de Deighton tornava-se mais interessante para Edmond Pontonac.
6 O chefe da Segurança do Império Solar contemplou Edmond Pontonac com certa benevolência. Depois da aventura que tivera com Vascalo, o Torto, que encarnava em sua pessoa o perigo que ameaçava a Terra, mais precisamente, depois da salvação do corpo de Ovaron, e também de seu espírito e inteligência, as pessoas que cercavam Deighton pareciam ter reconhecido que um homem com as qualificações de Edmond não devia ficar preso num posto em Titã. — É uma missão importante. — disse Deighton. — O senhor deve saber quais são nossas chances, uma vez que está em companhia da senhorita Marceile. Edmond acenou com a cabeça. Por mais reservada que fosse sua atitude, a expressão de seu rosto ainda era amável. — Serão poucas, depois que os novos coletores tiverem aparecido perto das unidades destroçadas de Vascalo. — respondeu. — Isso mesmo. — suspirou Deighton. — Quer dizer que precisamos de ajuda militar. Temos três aliados em potencial na galáxia: a Federação Galáctica Normon, a União Centro-Galáctica e a Liga Carsualense. Como os coletores não ameaçam apenas a Terra... — Um nobre aconense chegou à mesma conclusão. — interrompeu Marceile. — ...teremos de convencer estes impérios ou os respectivos governos, de que ajudando a Terra estarão ajudando a si mesmos. Acabo de enviar uma nave, Coronel Pontonac. Trata-se dum cruzador pesado supermoderno chamado Dara Gilgama. Deverá chegar dentro de uma hora. Fará sair um barco de transporte para recolher o senhor. Tenho certeza de que usará todos os recursos que lhe acorrerem. Combinado? Pontonac confirmou. — Quanto tempo durará a missão? Deighton ergueu os ombros num gesto de indecisão e teve a atenção distraída momentaneamente por um homem que lhe entregou a mensagem. Deighton leu a mensagem, levantou os olhos e respondeu: — Pelos meus cálculos serão quinze dias. Juntamente com a Dara sairão algumas naves cargueiras de alta velocidade com alguns milhões de faixas dakkar. Será um presente pessoal seu a Normon, ZGU e Carsual. — Só fiz a pergunta. — respondeu Pontonac — porque o pessoal aqui é de opinião de que, por causa dos inúmeros equipamentos técnicos instalados nesta estação, no caso duma invasão que chegue próximo à Terra, aqui também não se poderá dispensar nenhuma cabeça, ainda mais as dos especialistas que sabem lidar com os sistemas de abastecimento de energia em Titã. Não nos sentimos muito à vontade. Deighton não concordou. — Se as frotas dos três impérios vierem para cá, não demoraremos em destruir os robôs. Dessa forma teremos tropas suficientes para proteger nossas luas e planetas contra eventuais tumultos. — Está bem, senhor. — disse Pontonac. — Vou para casa arrumar o que preciso levar. Estou à sua disposição. Sinto ter de deixar Marceile só num lugar como este. — Saberei aguentar. — disse Marceile e sorriu para Deighton.
A ligação foi desfeita. Pontonac segurou o grosso caneco térmico. Tomou um grande gole de café, acendeu um cigarro e soprou a fumaça em direção aos numerosos instrumentos e controles do transmissor dakkar. Depois de um minuto disse em voz alta: — Preciso de meu planador junto à entrada, robô. O gigantesco centro de processamento captou as palavras, trabalhou com as informações e ligou a aparelhagem acústica. A voz saiu bem nítida do alto-falante: — O planador logo estará à sua disposição, terrano. — Excelente. O Coronel Edmond Pontonac era o exemplar típico do homem cuja divisa era ser mais do que aparentava. Sempre se mostrava amável e gentil, praticava uma ironia suave e via, até mesmo nos criminosos graves, sujeitos encantadores, enquanto não tomassem atitudes insolentes. Usava duas próteses nas pernas, que se ligavam à coxa no terço superior e eram abastecidas por uma aparelhagem biopositrônica. A energia para os mecanismos de locomoção era fornecida por baterias de grande capacidade, implantadas embaixo de uma imitação perfeita da pele. O braço direito e a articulação do ombro também eram de aço, cerâmica e plástico. Depois de sofrer ferimentos graves, Pontonac assumira o comando militar de Titã. Como suas tarefas eram quase só administrativas, não tinha motivo para queixar-se de excesso de trabalho. Mas de vez em quando sentia saudades de uma pequena aventura. Uma delas fora a caçada sobre o planeta desértico. Agora tinha pela frente mais uma, e isso parecia deixá-lo contente. Dirigiu-se em voz baixa a Marceile. — Espero poder reatar dentro de pouco mais de quinze dias as conversas longas e agradáveis que tivemos. Passe bem, moça. Não exagere no trabalho. Um dia a paz voltará a reinar no sistema e então nos encontraremos em Terrânia City, no Spaceport Hotel, para tomar um conhaque. Marceile apertou sua mão e acompanhou-o à saída. — Cuide-se bem. — disse. — Raramente se pode brincar com um tigre dente-de-sabre. Pontonac sorriu gentilmente e respondeu: — Até se pode cortar o dedo num talo de capim. Depois percorreu rapidamente o caminho planejado através do desfiladeiro saca-rolhas e saiu para a pista de planadores. Aumentou a velocidade de seu veículo e chegou à residência pouco antes que o barco espacial pousasse. Tudo que tinha de levar cabia em duas bolsas fechadas com correias. Um robô colocou a bagagem e o traje espacial de Pontonac à frente da casa e carregou-a para o pequeno campo de pouso. Depois disso Edmond ficou na cabine do controle espacial, esperando o pouso do barco enviado pela Dara Gilgama. O homem que estava de serviço na cabine semi-escurecida dirigiu-se a Pontonac. — A situação parece confusa e perigosa, coronel. Pontonac olhou para baixo através da vidraça inclinada. Viu o robô parado ao lado de sua bagagem, iluminado pela luz dos refletores. — De fato. — disse. — Mas a Terra já enfrentou algumas tempestades do ano dois mil para cá. E será capaz de enfrentar mais algumas. Luzes acenderam-se, alto-falantes estalaram e o barco espacial pediu permissão de pousar e a indicação de um lugar na pista. O funcionário de plantão mexeu nos controles com movimentos quase automáticos e disse:
— Nem precisa desligar as máquinas. O Coronel Pontonac já está à sua espera. Os pedestres ainda são mais rápidos que as espaçonaves. — Já sei por que Titã costuma ser chamado a luazinha alegre. — disse o piloto do jato espacial. Pontonac despediu-se e mandou transmitir cumprimentos a seu substituto. Desceu pelo elevador. Atravessou a camada de atmosfera artificial da lua, que como muitas outras coisas era o resultado do campo gravitacional de 1 G, aproximou-se dum robô pequeno e esperou que a eclusa instalada no chão se abrisse. Dali a pouco o disco voador passou rente à cortina gigantesca do planeta Saturno com seus três anéis e seguiu em linha reta para a eclusa do hangar da Dara Gilgama, que estava aberta. A nave recebera o nome por causa dum oficial-comandante indiano falecido há muito tempo, que em sua época devia ter praticado muitos atos de heroísmo para que seu nome fosse dado a uma nave de quinhentos metros de diâmetro. Quando Pontonac entrou na sala de comando, os oficiais levantaram. O imediato aproximou-se e Pontonac teve uma surpresa. — Caryna Nillbaerg! — disse em tom de espanto. A jovem de cerca de trinta anos acenou com a cabeça e entregou-lhe um envelope fechado com o selo do chefe da Segurança Solar. — São as diretrizes do voo. — disse. — Alegro-me por ter você como comandante — além de outras delícias. Pontonac sorriu e disse: — Os próximos quinze dias prometem ser encantadores. Um instante... Abriu o envelope, leu algumas linhas e voltou a dirigir-se a Caryna. — Favor seguir uma rota direta de quatorze mil setecentos e setenta e dois anos-luz para o sistema Normon. Partiremos imediatamente. Caryna sentou e deu as respectivas ordens. Pontonac ficou de pé e, enquanto a nave procurava seu caminho, contemplou o panorama exuberante de Saturno com suas luas e os anéis deslizando em alta velocidade. Os propulsores da Dara foram ligados, a nave entrou na rota e acelerou com a potência máxima. Olhando as telas, tinha-se a impressão de que o planeta com seu sistema planetário em miniatura caía para trás e ia encolhendo. Dentro de alguns minutos a Dara seguiu uma rota que a levou para fora do Sistema Solar.
7 Era um compartimento com cerca de cinco por cinco metros. Há poucos dias ainda estava cheio de equipamentos. Tinha quatro metros de altura. Barras fortes tinham sido soldadas na escotilha que o separava do corredor. Terminavam num aro de aço redondo que tinha o mesmo diâmetro que o vão da escotilha. Em toda parte viam-se projetores de energia ligados junto às paredes e nos cantos dos compartimentos. Geravam campos energéticos planos, que se estendiam paralelamente às paredes de aço. O Coronel Edmond Pontonac estava ao lado da imediata Caryna Nillbaerg, sacudindo a cabeça. Estava meio perplexo. — Se não fosse o cargo de Deighton, eu teria dado uma gargalhada. — disse em tom galhofeiro. — Um tigre dente-de-sabre a bordo de uma espaçonave! Seria o cúmulo do anacronismo. Caryna apontou para o envelope que Pontonac segurava na mão e perguntou: — Você deve ter lido o motivo por que o animal se encontra a bordo. — Naturalmente. — respondeu Pontonac. O animal andava à sua frente. Tratava-se de um tigre dente-de-sabre adulto, pertencente à espécie Smilodon, extinta na Terra há vários milênios. Pesava mais de uma tonelada e possuía dois dentes caninos brancos muito afiados. O animal corria de uma parede para outra, batia com as patas assassinas nas placas de aço e recuava sobressaltado toda vez que entrava em contato com um campo energético. O pelo dourado com um desenho marrom-escuro era parecido com uma fileira de olhos interligados. O tigre fitava as duas pessoas com os gigantescos olhos brancos enquanto andava nervosamente de um lado para outro. Não os perdia de vista, por mais que se virasse e jogasse. Bufou e soltou um ronco parecido com um miado prolongado. — Só observamos duas formas de expressão a partir do momento X. — explicou a oficial. — O tigre fica deitado, nos observando, ou corre nervosamente de um lado para outro dentro da jaula. — Compreendi. — respondeu Pontonac em tom calmo e delicado. Há dias um pedotransferidor tentara assumir um dos homens de confiança de Deighton. Tratava-se do tradutor galáctico Serkano Staehmer, um homem magro, de quarenta e oito anos, que dominava cerca de trinta e seis línguas e cento e vinte e oito dialetos. Só por um segundo Serkano tentou pentear seus cabelos louros espessos e tirou a fita dakkar. Fora um lapso de tempo microscopicamente pequeno. Mas antes que o takerer conseguisse instalar-se em sua mente, Serkano voltou a colocar a faixa cor de platina. O pedotransferidor foi repelido e refugiou-se num ordenança que estava entrando naquele instante na residência de Staehmer. O ressoador Hollbeyn, que estava montado, deu o alarme imediatamente. O transferidor recuou quando Staehmer atirou contra a parede, pouco acima da cabeça do ordenança. Como a residência do tradutor galáctico ficava perto do zoológico, não era de admirar que a próxima vítima fosse o tigre dente-de-sabre. O animal passou a comportar-se que nem um louco. Por isso o zelador o pôs a dormir com uma grande dose de gás narcótico e o takerer ficou preso. Deighton e seus companheiros encarregaram-se do resto. O pseudocorpo pulsante em forma de medusa do takerer foi encontrado a meio caminho entre o zoológico e a residência de Staehmer e isolado por meio de certo número de campos, energéticos de grande potência no plano
dakkar. Depois os dois objetos achados foram trazidos para dentro desta nave, cuja missão já fora definida. Trancaram-nos e instalaram campos dakkar para evitar que o espírito e a inteligência do takerer voltassem a recolher-se dentro de seu corpo. Eis aí as provas destinadas a Normon, a União Centro-Galáctica e Carsual às quais Deighton e a moça se referiram. — Naturalmente o cappin que está dentro do tigre sabe que seu pseudocorpo está bem ao lado. Mas não pode fazer nada, nem saltar para trás. O pseudocorpo é uma prova que pode ser examinada. Outra prova pode consistir num encefalograma. Os impulsos do tigre dente-de-sabre sofreram mudanças profundas. São provas que o pessoal de Normon não pode deixar de aceitar. Pontonac fez um sinal para a moça e deu um passo para trás. A escotilha fechou-se sem nenhum ruído e as câmeras embutidas voltaram a observar o tigre. Da sala ao lado, que não era menos protegida, eram transmitidas imagens da massa pouco móvel, cuja destruição seria a morte do cappin. — O animal acabará fugindo. — disse Pontonac. — Aí teremos alguns minutos excitantes. Caryna tirou sua conclusão: — Geralmente temos mais à frente que atrás de nós, Edmond. Deixando de lado o fato de ter caído a escada hierárquica para cima — como vai? Os dois se tinham conhecido num curso de treinamento, há dois anos ou mais, no planeta Terra, na mais bela das cidades deste planeta. A Dara Gilgama entrara no espaço linear antes de sair do Sistema Solar. Percorria o longo caminho para Normon, tripulada por mulheres e homens que sabiam muito bem como era importante a missão que tinham pela frente. De sua atuação dependia em última análise o destino da Via Láctea. — Quer saber se minhas juntas já ficaram enferrujadas? — perguntou Pontonac, enquanto contemplava o pseudocorpo do cappin numa tela de imagem enorme. — É mais ou menos isso. — disse Caryna, que era uma das poucas pessoas que não tinham pena de Edmond. Sabia que a excelente pele artificial dificilmente podia ser distinguida da pele natural, mesmo quando Pontonac estava sentado à beira duma piscina, que as aberturas nas quais eram colocadas as baterias de alta potência permaneciam invisíveis, e que tanto o braço direito como as duas pernas eram mais fortes e funcionavam melhor e com mais velocidade que os músculos normais de um membro controlado por nervos. — Estou me sentindo muito bem. — disse Edmond. — E sentir-me-ei ainda melhor depois que tivermos concluído a missão. Pelo menos quanto a Carsual, voaremos para dias de insegurança. Não sabemos se nos considerarão uma nave diplomática ou um grupo de espiões terranos. Mas... vamos dar um jeito. Neste momento ouviu-se o zumbido do intercomunicador. — Pontonac! — respondeu Edmond. — Sala de comando falando, senhor. Poderia fazer o favor de vir para cá? Precisamos de diretivas para a entrada no sistema. Pontonac acenou com a cabeça e respondeu: — Irei em seguida, amigos. Apertou ligeiramente o cotovelo de Caryna e subiu com ela na esteira rolante de alta velocidade do corredor principal da nave. Dali a alguns minutos entraram na sala de comando, onde reinavam a calma e a ordem dum voo normal em alta velocidade.
Pontonac discutiu as diretivas com os oficiais. Durante a discussão eram consultados os bancos de dados dos computadores de bordo e as regras formuladas por Deighton. Para cada missão diplomática tinha sido fixado um prazo de quatro ou cinco dias. Além disso... Em vez de enviar um político profissional ou até Roi Danton, Deighton preferira um homem prático. Como Pontonac podia exibir seus ferimentos a qualquer momento, seria considerado um homem gravemente ferido e como tal lhe seria dispensado um tratamento muito melhor que a um homem sadio. Os dias foram passando. A nave correu pelo espaço linear, vencendo um ano-luz após o outro. Pontonac e Caryna renovaram a amizade que os unia. Todos ficaram mais nervosos à medida que se aproximavam do destino. De um lado, Pontonac e seus amigos não podiam ser responsabilizados por nada. A única coisa que podiam fazer era pedir que fossem em auxílio do sistema acuado. Mas de outro lado ele assumira espontaneamente a responsabilidade. Jurara a si mesmo que não cederia enquanto não saísse pelo menos uma frota poderosa para ajudar na destruição dos coletores. Aproximaram-se do sistema central do antigo império, que depois da morte do ditador encontrara o caminho de uma democracia funcional. O sistema Normon com seus oito planetas controlava mais de seiscentos sistemas coloniais, que gozavam de uma ampla autonomia. O planeta principal era Normo, um mundo cuja gravitação era de 1,04 G e que ainda não se livrara das características de planeta administrativo. Foram trocadas mensagens de rádio. Finalmente Edmond Pontonac conseguiu que o ministro do exterior aparecesse na tela. Seguiu-se um diálogo longo. Finalmente foi dada permissão para que a nave pousasse no espaçoporto central de Normon. O primeiro objetivo fora alcançado, mas as dificuldades só estavam começando. Pontonac dirigiu-se aos subordinados. — Seria absurdo enviarmos uma grande delegação. — disse. — Acho que basta Willshire, Nillbaerg e eu irmos ao Ministério do Exterior para tentar cumprir nossa missão política. Alguém vota contra? A tripulação estava de acordo. A nave desceu com os projetores antigravitacionais funcionando a toda força, além de alguns jatos ligeiros dos propulsores de partículas. Pousou na pista e balançou ligeiramente sob o efeito do molejo das colunas de sustentação. O planador pesado da nave pousou junto à rampa. Drosen K. Willshire, segundo-oficial da Dara, disse em voz baixa a Pontonac: — Por favor, não me interprete mal, coronel. Acho que o senhor não é o homem indicado para ser o porta-voz numa ação em que estão ou estiveram envolvidos os takerers principalmente o pedoautocrata Vascalo. Edmond respondeu bastante espantado, enquanto a moça que estava na direção fitava Drosen com uma expressão de perplexidade: — Tem certeza de que sabe exatamente o que está dizendo, Willshire? — Certeza não tenho, mas acho que Vascalo será capaz de persegui-lo através de toda a Via Láctea e tentará alguns golpes sujos. O senhor é um bom transmissor, já que ele conhece muito bem sua mente, seu espírito. Pontonac ficou calado até que os três terranos chegaram ao espaçoporto e se dirigiram à patrulha dupla da polícia planetária. Neste instante o homem com as três próteses implantadas no corpo disse em voz baixa: — Talvez o senhor tenha razão, Drosen. Mas por enquanto sua obrigação é ajudar, não exibir suas dúvidas. Fui bem claro? — Ficou tudo perfeitamente claro. — respondeu Drosen.
Mas para ele não havia nada que estivesse bem claro. E o que menos compreendia era seu chefe, o Coronel E. Pontonac.
8 Enquanto Pontonac falava, Caryna olhou pela janela. Estavam no gabinete do ministro do Exterior, que ficava num lugar alto, na cobertura ajardinada do edifício, onde não chegavam os ruídos do tráfego das ruas e do porto espacial. O círculo gigantesco de concreto branco perdia-se no horizonte. O ministro, um homem que parecia ser muito jovem e ágil para o cargo que ocupava, ouvia com muita atenção. Finalmente respondeu um pouco embaraçado: — Naturalmente o senhor não nos está contando nenhuma novidade, Mister Pontonac. Não escapou a Pontonac certa ênfase na palavra Mister. — Veja bem. — respondeu com um sorriso amável. — Vim para pedir ajuda ao seu governo. O pedido lhe causa certa estranheza. Recebeu todas as informações e os pedidos de socorro transmitidos pelas antenas direcionais. Até ouviu o relato dum comandante aconense sobre o qual certamente não pesa a suspeita de simpatizar com os terranos. O que estou dizendo não foi inventado. — Não duvido da veracidade das suas palavras, nem das informações que recebemos. A questão é outra. — Como deve ser formulada? — perguntou Drosen K. Willshire laconicamente. O ministro fitou-o e exibiu um sorriso sarcástico. — A resposta será tirada duma lenda antiga. — disse. — Se um rei pede a outro rei que o ajude a combater um dragão que cospe fogo, ele não envia seus vassalos. Se Rhodan tivesse vindo com sua nave, teria encontrado muito mais receptividade. — Rhodan não se encontra na galáxia. — observou Pontonac em tom seco. — Infelizmente estava impedido, senão teria vindo pessoalmente. Este ponto está esclarecido. Os outros dirigentes máximos do império estão muito ocupados. Reginald Bell, por exemplo, está empenhado em proteger os seiscentos e quatorze sistemas coloniais de Normon. O ministro empertigou-se e perguntou indignado: — Poderia fazer o favor de explicar melhor? A jovem observou prontamente: — Os coletores que começaram a aparecer há alguns dias na Via Láctea representam um poder destruidor nunca visto. É apenas uma questão de dias que o Império Solar seja esmagado. Depois disso destruirão todos os outros planetas que estiverem ao seu alcance e milhões de cappins inundarão nossos mundos. Bell está envolvido numa luta defensiva que ele perderá se o senhor não ajudar. É como já dissemos: Ajudando a Terra o senhor se ajudará. Defrontamo-nos com um perigo que atinge toda a galáxia. Dali a vários anos, depois de sofrimentos terríveis que quase o levaram ao auto sacrifício, Pontonac iria lembrar-se muito bem dessa frase. Dali a vários anos... O ministro refletiu alguns minutos e perguntou: — Estas faixas estreitas que os senhores trazem na testa... que significa? São um novo enfeite usado na Terra? Pontonac acenou com a cabeça e respondeu com um sorriso sarcástico:
— É uma espécie de joalheria mágica. Impede que a pessoa seja assumida e dominada por outra. O diadema é o que se chama de laço dakkar. A propósito: uma nave com milhões de diademas destes está a caminho. Trata-se de um presente dos terranos. — Agora o senhor deu para falar coisas sem sentido. — disse o ministro em tom de incredulidade. — Sua história passou a resvalar para o fantástico. — Acho que não. — disse Pontonac. — Temos as provas a bordo. — Provas? De quê? Quais são? Pontonac levantou e apontou para o porto espacial. Passou a falar num tom não muito amável. — Os remanescentes do corpo dum cappin estão a bordo. Seu espírito, sua mente ou seu ego foi transferido para o corpo de um animal exótico, graças a um acaso que para ele não foi nada feliz. Ambas as coisas podem ser vistas. — É claro que pode levar centenas de cientistas e toneladas de aparelhos. — acrescentou Drosen Willshire. — Os dois seres estão presos por campos de alta potência. Infelizmente as instalações não podem ser transportadas. — Isso é... preciso avisar os colegas. — disse o ministro e saiu da poltrona junto à mesa redonda para chegar perto do aparelho de comando em sua escrivaninha. Foi quando aconteceu. A porta abriu-se com um estrondo, caindo na fenda lateral da parede. Um guarda com a arma energética em punho apareceu no vão, orientou-se num instante e levantou o braço. Pontonac, que ainda estava aborrecido por causa das estranhas observações de Willshire, imaginou o que tinha acontecido. Virou-se abruptamente, deixou-se cair e com os quadris tocando na mesa e apertando-a, fez subir uma placa. O tiro energético atingiu essa placa. A pressão do ar superaquecido expandindo-se como uma explosão, atirou a placa para trás. Passou-se um segundo. Neste segundo aconteceram três coisas ao mesmo tempo. Três coisas muito diferentes, que só permitiam uma conclusão. — Vascalo, Pontonac! — gritou Willshire. O guarda largou a arma, olhou em volta estupefato e recuou cambaleando, com a mão no ombro queimado. O ministro virou-se devagar, encarou os três terranos com uma expressão de triunfo e gritou: — Guarda! Pontonac já se pusera de pé. Falou baixo, mas em tom enérgico: — Vascalo nos descobriu. Assumiu primeiro o guarda. Quando Willshire atirou, viu sua vida em perigo e assumiu o ministro. Vascalo domina o ministro. O homem, que estava desarmado, abriu as gavetas. Pontonac pôs a mão embaixo da jaqueta, tirou a arma energética e disse em voz alta: — Vascalo — agora o senhor está liquidado. Em seguida atirou. O ministro, ou melhor Vascalo, ergueu-se e fitou-o. No mesmo instante entraram correndo três homens que conduziam um cão gigantesco com uma coleira protegida por pontas de aço. Um dos homens atirou com uma arma narcotizante de cano longo nas pernas do comandante terrano. Admirou-se ao ver que este não caiu no chão. O tiro saído da arma de Pontonac correu em linha reta, abriu uma trilha de dez centímetros na tampa da mesa, da qual saía uma fumaça irritante, e abriu o tecido junto ao quadril do ministro.
Este ergueu as mãos e soltou um grito estridente: — Parem! Voltei a ser dono de minha vontade. O cão virou-se abruptamente. Saltou sobre Drosen, enquanto de sua garganta saía um rosnado que exprimia uma fúria primitiva. Passou a comportar-se que nem o tigre dente-de-sabre, dando um salto gigantesco por cima dos destroços das poltronas. Suas presas voltaram-se para a garganta do ministro. Drosen atirou mais uma vez... O cão foi atingido no centro da coluna. Parecia ter mudado de novo. Morreu na trajetória, caindo no canto da escrivaninha. Pontonac observou as pessoas que o cercavam. — Existem duas possibilidades. — disse em tom áspero. — Talvez tenha sido Vascalo. Neste caso ele abandonou o animal antes que ele morresse. Se não foi ele, acabamos de matar um pedotransferidor de primeira. O ministro apoiou-se com toda força sobre o encosto de sua escrivaninha e disse em tom de perplexidade: — Fui privado de minha vontade! Estive sob o domínio de outra criatura. Que coisa horrível! — O senhor foi assumido durante alguns instantes por um pedotransferidor. Antes disso foi a vez do guarda. Os três guardas cuidaram do ferido. O homem falou aos cochichos, dizendo mais ou menos a mesma coisa que o ministro. Quando o cachorro partiu para o ataque, os homens olharam para o ministro. O homem provara que era capaz de pensar e combinar os dados com uma velocidade incrível. Fez um sinal para que não fizessem nada. — Já acredita em nós? — perguntou Pontonac. O ministro acenou com a cabeça. — Estas faixas. — o ministro apontou para a testa. — São por enquanto o único meio de evitar que sejamos assumidos por um dos inimigos que entraram em nossa galáxia. Como já disse, uma nave cargueira está trazendo milhões delas. Proteja as pessoas mais importantes de seu império. Já se sente um pouco mais inclinado a atender aos nossos pedidos? O ministro limitou-se a acenar com a cabeça. Dali a uma hora havia uma delegação do governo a bordo da Dara Gilgama. Seus membros pediram que Pontonac explicasse o que tinha acontecido, ouviram o relato do ministro e mediram os fluxos cerebrais do tigre dente-de-sabre. Quando saíram para entrar em seus planadores iluminados pelo sol do entardecer, havia um círculo compacto de policiais isolando a eclusa inferior da nave. Os homens mais importantes de Normon tinham sido convencidos.
9 Já no dia seguinte, por acaso exatamente noventa minutos depois que pousou a nave cargueira com os laços dakkar, que foram entregues imediatamente ao sistema de distribuição do governo, a missão de Pontonac naquele planeta foi concluída. O ministro do Exterior em pessoa foi visitá-lo em sua cabine de comando. — Alegro-me por ter sido convencido ao mesmo tempo pelo senhor e pelo inimigo desconhecido. — disse, enquanto colocava o diadema na cabeça. — Tivemos uma sessão noturna bastante agitada. — Algumas partes dela foram transmitidas pela televisão. — disse Pontonac e apontou a mão do ministro. — Nessa sessão foi decidido enviar um total de quarenta mil naves. Afinal, ainda temos certas obrigações para com a Terra. As primeiras unidades partiram há uma hora. Seguem em alta velocidade para o ponto que o senhor indicou como sendo o destino. Pontonac saiu andando devagar em direção ao poço do elevador, acompanhado por Caryna e pelo ministro. — Fico-lhe muito grato, ministro. — disse. — Os terranos agradecerão ainda mais, mas sinto que não tenho tempo. Preciso partir. Eis por que faço estas observações a título de despedida. — Qual é seu próximo objetivo? Mais uma missão? Pontonac confirmou sorrindo. — Infelizmente. Junto à União Centro-Galáctica. Se lá as coisas correrem tão fáceis e depressa como aqui, poderemos dar-nos por satisfeitos. O ministro entrou no elevador sorrindo. — Se isso foi fácil, o que o senhor considera difícil? — Sempre existe a possibilidade de as coisas aumentarem. De qualquer maneira alegro-me por ter desfrutado sua boa e breve hospitalidade. Os comandantes das naves receberam laços dakkar? — Cedemos o que foi possível... Tomara que bastem para rechaçar o inimigo. — Até a próxima. Sem dúvida Rhodan vai oferecer um grande banquete quando voltar à galáxia. Aí nos veremos, se não nos encontrarmos antes. Pontonac e o ministro despediram-se. Dali a uma hora a nave já tinha decolado e seguia diretamente para Efelegon, que ficava a mais de dezoito mil anos-luz da Terra, perto do lugar em que os coletores tinham entrado pela primeira vez na Via Láctea. Pontonac tentou preparar-se para os problemas que iria enfrentar. Enquanto examinava a fita do encefalógrafo, que na regulagem normal mostrava os impulsos cerebrais dum animal vindo do zoológico de Normon, que apresentava mais ou menos a mesma capacidade que um tigre dente-de-sabre — que aliás fora tirado dum mundo colonial exótico e levado para Terrânia — ele refletiu sobre os acontecimentos dos últimos dias. Vascalo, o Torto — parecia mesmo que ele o perseguia, duma forma que ainda não se compreendia, através de toda a galáxia. Seria mesmo como Droser K. Willshire pensava? Que Vascalo fixara a identidade de Edmond Pontonac, que para ele funcionava como um transmissor, como um sinal que podia ser acompanhado pelos confins do cosmos?
Se era assim, o que não parecia muito improvável, então o palpite de Drosen podia ser certo. Vascalo ou um dos seus melhores pedotransferidores era capaz de acompanhar o caminho do coronel através do cosmos. Desta forma era possível que outras pessoas que estivessem perto dele fossem assumidas para pôr em perigo sua missão. Não devia ser uma ação em grande escala, pois Vascalo não dispunha de gente para isso. Mas naturalmente o pedotransferidor mutante sabia perfeitamente que qualquer atraso ou sabotagem podia acelerar o fim do Império. — O que nos está reservado? — perguntou Caryna, que estava sentada no camarote de Pontonac, tentando acompanhar os pensamentos do amigo. — Coisas que não nos deixarão muito alegres. — garantiu Edmond. — Alcançamos um grande êxito político e militar. — ponderou Caryna. — A Federação, que parece estar do lado da Terra, mobilizou quarenta mil naves. Logo, estas naves já estavam preparadas para decolar. — Pode ser. — respondeu Pontonac, enquanto enrolava os diagramas e contemplava Caryna através do rolo como se fosse uma luneta. — Mas isso não adianta muito. Primeiro as naves têm de entrar em ação, atacando os coletores e reduzindo seu número. É a diferença entre teoria e prática. Caryna sacudiu energicamente a cabeça e disse em tom otimista: — Perry Rhodan nunca desistiu do objetivo de unir a humanidade. Só teve bastante senso pragmático para reconhecer que nem sempre é possível incluir todos na união, como por exemplo os descendentes dos antigos lemurianos. De qualquer maneira a possibilidade da união aumentou bastante depois do ataque maciço dos coletores. O aconense que falou com Bell é um bom exemplo. Edmond pegou a mão da moça e acariciou seus dedos para consolá-la, enquanto falava de sua experiência de muitos anos. E esta experiência não oferecia muita margem para o otimismo. — Minha filha. — disse falando baixo e em tom resoluto. — Mesmo que esta união se forme em virtude duma pressão externa, nunca passará duma aliança interesseira. Suponhamos que os aconenses e os membros da Liga Carsualense resolvam agir. Neste caso eles se retirarão assim que os coletores tiverem sido derrotados. Na melhor das hipóteses teremos uma ação conjunta de curta duração. Se conseguir isto, minha missão terá sido um sucesso. — Acho que conseguirá. Acho mesmo, Ed. — respondeu Caryna. Pontonac acenou com a cabeça e soltou a mão da moça. — Também espero um bom resultado, embora ainda não saiba qual será ele. — disse, — Mas as palavras de Drosen me causaram uma sensação desagradável, da qual não consigo livrar-me. Os dois entreolharam-se em silêncio. Enquanto conversavam, alguns conveses mais embaixo, aconteceu uma coisa capaz de fazer crescer o perigo dentro da própria nave. Foi por causa de um mecanismo robotizado. Um robô especialmente programado tirava regularmente alguns quilos de carne do freezer. Encostava a serra vibratória na peça maior, cortava-a em duas partes e enfiava uma delas num forno de radar semiautomático, depois de regular o tempo. A outra parte voltava ao freezer. Relês davam diques, raios atravessavam a carne dura como cristal, aquecendo-a.
Depois de algum tempo ouviu-se um zumbido. A carne atingira a temperatura ambiente, que era de vinte e seis graus centígrados positivos. O robô abriu o forno e colocou numa chapa o pedaço de carne com um gigantesco osso em tubo atravessando a massa de lado a lado, saindo em uma das extremidades junto à articulação. Depois disso o robô saiu da cozinha flutuando, seguiu por um corredor e parou numa sala pequena. Desativou um campo defensivo e foi para o outro lado da sala. Voltou a ligar o sistema de campos energéticos e ativou os campos defensivos à sua frente. O robô estava no interior do sistema fechado onde o tigre dente-de-sabre corria de um lado para outro dentro da jaula. Naturalmente o robô não imaginava que a inteligência do animal aumentara várias vezes, sendo capaz de desenvolver raciocínios inteligentes. Era a inteligência de um cappin no cérebro de um animal feroz. O robô afastou a barreira à frente duma pequena portinhola, apertou mais um botão e a portinhola abriu-se. Ruídos alcançaram os ouvidos redondos do animal, odores encheram a sala. O tigre interrompeu suas caminhadas, como já fizera tantas vezes, e olhou para a pequena máquina que se encontrava entre a parede de aço na qual havia a portinhola e o último campo energético pertencente ao plano dakkar. No momento em que o robô ia colocar a bandeja de carne no chão da jaula para recuar sem correr perigo, o cappin agiu. Cerca de uma tonelada de carne, ossos e músculos arremeteram num salto desesperado. O tigre bateu com a cabeça e os ombros no campo energético. O campo só cedeu alguns centímetros, mas jogou o robô para trás, contra a chave. Esta foi apertada. Antes que a máquina pudesse fazer algum movimento, o tigre abalroou com toda força a parede de aço. Os braços metálicos foram entortados. O tigre atravessou rapidamente a abertura e olhou para os lados. Descobriu as chaves de comando, apoiou-se nas patas traseiras e empurrou uma das chaves. “Deve ser esta” — pensou o takerer que comandava a ação. De fato, os campos energéticos desapareceram, enquanto o robô amassado saía rangendo nas juntas pela pequena abertura, arrastando um dos braços, o que causou um ruído desagradável. Mais duas chaves manipuladas, e o tigre ficou em liberdade. Podia fazer duas coisas diferentes — tentar eliminar os campos defensivos que cercavam seu corpo, ou assumir um dos homens. Da posição em que se encontrava não podia entrar em seu pseudocorpo sem uma outra ação. A inteligência do pedotransferidor orientou-se. Tentou encontrar um terrano que no momento não estivesse protegido por um laço dakkar. Não descobriu nenhuma vítima. Aproximou-se devagar e com cuidado das instalações em que estava protegido o pseudocorpo, fora de seu alcance. De repente viu um membro da tripulação parado à frente dos campos defensivos, com a mão apoiada sobre a arma. Um ataque do animal feroz — a distância era muito grande. O homem atiraria e o takerer seria morto. O tigre recuou com muito cuidado e voltou a desaparecer no corredor lateral. Então... de repente... Uma alegria alvoroçada tomou conta do animal feroz, agitando a inteligência do forasteiro... Um terrano que se encontrava embaixo do chuveiro estava tirando a fita para lavar a cabeça. Dali a meio segundo foi assumido pelo takerer.
E o tigre dente-de-sabre ficou em liberdade.
COURAÇADO DOS MAAHKS Dados Técnicos: Com 2.500 metros de comprimento e 500 de diâmetro, é a maior e mais poderosa nave de guerra da frota dos maahks. Tem uma tripulação de 2.500 homens e pode abrigar mais 3.000 soldados das tropas de desembarque. Está equipada com 14 placas de pouso, cada uma com duas colunas telescópicas de sustentação, que garantem uma área de apoio total de 70.000 metros quadrados. A nave é dividida em 31 pavimentos principais, ligados por 21 elevadores antigravitacionais de pessoas e 2 de carga. Além disso, dispõe de um casco duplo fortemente blindado. A aceleração máxima é de 5.500 km/s².
1 e 17. Canhões pesados de polarização invertida com uma capacidade de irradiação equivalente a 3.000 gigatons de TNT (9 ao todo). 2. Geradores de campos energéticos. 3. Jatopropulsores de frenagem e grupos geradores (10 unidades). 4. Geradores de gravidade e neutralizadores de pressão. 5. Canhões energéticos pesados com suprimento de energia independente. 6. Divisões científicas. 7. 12 e 26. Salas de máquinas com reatores de fusão e bancos de energia. 8 e 25. Desintegradores pesados. 9. Hangares com barcos espaciais de 5 pessoas (56 unidades) e depósitos de peças sobressalentes. 10. Antena de hiperrádio. 11. Hangar de barcos auxiliares com 8 espaçonaves pequenas (200 m de comprimento, 40 m de diâmetro e 75 tripulantes). 13 e 20. Propulsores antigravitacionais. 14 c 21. Alojamentos de tropas de desembarque. 15 e 22. Canhões energéticos leves e desintegradores. 16. Equipamentos de climatização e renovação de ar. Embaixo, oficinas. 18 e 24. Hangares de barcos auxiliares com 224 caças de um tripulante e alojamentos da tripulação.
19. Projetores de campo defensivo capazes de criar u m campo de proteção verde em três camadas, semelhante aos campos hiperenergéticos. 23. Depósitos de peças sobressalentes e compartimentos para guardar planadores atmosféricos, canhões automo-tri2es e torpedos espaciais. 27. 4 propulsores ultra luz com um alcance total de 3.600.00 anos-luz. 28. Jatopropulsores de popa com reatores de alta potência (28 unidades). 29. Elevador antigravitacional de carga com 3 plataformas circulares e salas de manutenção dos propulsores. 30. Sala de controle de máquinas. 31. Rampa de carga e eclusa. 32. Elevador antigravitacional de carga. 33. Sala de controle de armamentos. 34. Colunas de sustentação telescópicas. 35. Centro de rastreamento e navegação, com alojamentos contíguos. 36. Sala de comando com equipamentos positrônicos e alojamentos ao lado. Embaixo, sala de radio. 37. Eclusa de passageiros escamoteável (10 ao todo). 38. Observatório de bordo.
10 A nave estava no espaço. Não havia nenhum objetivo à vista, nenhum ponto de referência pelo qual o pedotransferidor pudesse orientar-se. Seria suicídio abandonar sua vítima e a espaçonave. Enquanto tentava encontrar outras possibilidades, o takerer cometeu um erro insignificante, que não chamou a atenção de ninguém. Passaram-se três homens. O homem que tomara o banho de chuveiro estava deitado em seu camarote, completamente vestido, fazendo de conta que lia num livro-espula iluminado pela lâmpada pequena que ficava em cima da cama. Não se sentia seguro. Imaginava que cometera algum erro. Mas esperava sua chance. De repente ouviu o alarme. Um alto-falante que ficava junto à sua cabeça ligou-se e disse: “Alarme. Aqui fala o comandante Pontonac. O tigre dente-de-sabre conseguiu libertar-se. Provavelmente um dos nossos companheiros foi assumido pelo cappin. A partir deste instante nenhum tripulante sairá do recinto em que se encontra. Todas as escotilhas permanecerão fechadas. Eu e mais alguns homens faremos uma caçada em grande escala.” O homem deitado na cama sorriu e continuou esperando. Talvez o tigre matasse o terrano que comandava a nave. Talvez. O tigre... Uma sombra dourada atravessava em silêncio os corredores da nave. Naquele momento o animal só possuía sua inteligência normal. Ou melhor, um estranho sentimento impregnava os raros pensamentos instintivos do tigre. Como o cérebro ficou ocupado algum tempo por uma inteligência estranha, os gânglios tinham intensificado sua atividade. O tigre transformara-se num supertigre, um animal selvagem com a inteligência dum boto muito experimentado. Sabia o que fazer para conseguir carne. O cheiro estava lá, e a sombra seguiu a pista invisível. Um corredor vazio... alguns saltos rápidos, silenciosos. Uma porta entreaberta... uma das patas foi enfiada na fresta, empurrando sem dificuldade a chapa de metal. Um homem trabalhando junto a um fogão aceso... Vapores e aromas de alimentos. E o próprio bípede... uma carne quente, viva, que podia ser rasgada... O tigre enfiou-se na sala sem fazer nenhum ruído, esgueirou-se entre pernas de cadeiras e tampas de mesas e foi-se aproximando do lugar de onde vinham os odores. Parou, entesou os músculos e procurou o melhor lugar para saltar para cravar as garras mortíferas na nuca do homem. A cauda chicoteava nervosamente, tocou numa cadeira sobre a qual havia outra e derrubou-a. O homem virou ligeiramente a cabeça e gritou: — Que diabo... Viu o animal selvagem. O tigre deu o salto.
O bípede demonstrou uma grande capacidade de reação e presença de espírito. Tomou impulso com a grande frigideira, segurando-a à maneira duma raquete de tênis ou taco de beisebol. Assim que a cabeça do tigre ficou ao alcance de suas mãos, o terrano soltou um grito e bateu com a parte inferior aquecida da frigideira bem nos beiços do animal. Enquanto isso, não parava de gritar três palavras. — Pontonac... tigre... aqui! O tigre recuou abruptamente, sacudiu a cabeça e gritou que nem um gato que acabasse de pisar numa chapa quente. O homem foi lentamente em direção ao tigre, com a frigideira na mão. Colocou o fundo perto da cabeça do animal. O calor fez com que o tigre recuasse bufando. Esbarrou em outras cadeiras, em mesas, saltou desesperadamente para trás e nem percebeu que o bípede só segurava a frigideira com a mão esquerda, enquanto com a direita tentava desesperadamente levantar a capa de proteção de sua arma. Olhou o tigre nos olhos cor de âmbar e caminhou devagar em direção à escotilha aberta. Finalmente estava com a arma energética na mão. Destravou-a girando o botão com o dedo polegar e fez pontaria bem no meio dos olhos do animal. Antes que tivesse tempo de apertar o gatilho, ouviu os passos de Pontonac. Eram muito rápidos para um ser humano. O comandante entrou muito nervoso, quase tropeçou em cima do animal e levantou a mão esquerda. — Não atire! — gritou. — Precisamos dele vivo. Enquanto falava, disparou três vezes a arma narcotizante. O primeiro tiro atingiu em cheio a articulação das pernas traseiras e a espinha dorsal do animal, que se virara ao primeiro ruído. As pernas traseiras fraquejaram e o tigre soltou um grito. O segundo tiro paralisou o pescoço e o terceiro as pernas dianteiras. Lá estava a fera enorme, deitada na cozinha de bordo. Pontonac disse com um sorriso bonachão: — Acho que seus ovos estrelados estão pendurados na coifa do exaustor, Smutje! O cozinheiro deixou cair a frigideira, cobriu o rosto com as mãos e só então compreendeu como fora corajoso. Recuou trêmulo e sentou ao lado de uma pilha de pratos de plástico brancos. — Um tigre na cozinha... — disse atordoado. Pontonac não se incomodou nem com o cozinheiro nem com a fera. Foi para perto dum intercomunicador e suspendeu o alarme. — Preciso de alguns robôs de manutenção para arrastar o tigre de volta à sua jaula — disse. — Nas próximas vinte horas o animal não representa nenhum perigo, porque foi paralisado. Além disso, quero que alguém fique com o minicomunicador ligado perto dos controles dos campos dakkar. Poderia encarregar-se disso, Willshire? — Entendido, senhor. — disse Willshire. — O ressonador está na sala de comando. Faça o favor de dar ordem para que todos os tripulantes compareçam aqui. — Caryna. — disse Pontonac. — Pois não, chefe. — Aplique imediatamente o teste em Drosen, antes que ele saia da sala de comando. Depois teste os outros. Façam a contagem. O comandante fez um sinal para o cozinheiro que continuava perturbado, pediu que ele lhe desse a arma energética e saiu da cozinha de bordo. Entrou na sala de comando no momento em que Drosen saía com um sorriso largo no rosto e dizia: — Completamente normal. Não existe nenhum sinal de um cappin dentro de mim.
Pontonac procurou um lugar perto dos consoles, onde estava com as costas protegidas. Em seguida destravou a arma, verificou a carga e viu Caryna apontar a antena de busca do ressonador Hollbeyn para todos os tripulantes. Ficou atento na luz de alerta, que acabaria se acendendo. Viu que todos usavam a faixa dakkar. Será que havia na nave um homem que não a usava...? Passou-se meia hora, durante a qual a moça testou os homens. De repente, no meio dos testes, um tenente disse: — Senhor! Pontonac levantou os olhos e encarou o tenente. — Pois não. — Falta Zetlov. Mark Zetlov, meu vizinho. — Alguém viu Zetlov de uma hora para cá? — perguntou Pontonac em voz baixa. Não houve resposta. Chegou-se à conclusão de que ninguém tinha visto o tenente. Alguém se lembrou de que ele dissera que queria tomar um chuveiro e dormir um pouco. Pontonac fez um sinal para alguns homens, ativou seu rádio de pulso e disse em voz baixa, mas num tom muito enérgico: — Drosen! — Pois não, chefe. Estou à frente do painel de comando. Tirei o robô de lá. Edmond ordenou: — Ative todos os campos energéticos, menos os do campo dakkar. No momento em que o tigre se mexer — avisarei quando chegar este momento — ligue os campos a plena carga. Drosen compreendeu perfeitamente o que Pontonac queria fazer. Edmond saiu de arma em punho e minicomunicador ligado. Foi seguido por oito oficiais, que também seguravam as armas destravadas. Espalharam-se em torno do imediato, que carregava o aparelho em forma de mala com a antena levantada. O simples aspecto desses homens resolutos representava uma ameaça de morte bem clara. O grupo aproximou-se do camarote onde devia estar Zetlov. Zetlov, que era dominado por um takerer...
11 Na nave reinava um silêncio de túmulo. Pelo menos naquele momento os tripulantes começaram a desconfiar de que a Dara Gilgama teria de enfrentar problemas graves para terminar sua missão. Quem ou o quê libertara o tigre? Seria mais uma de Vascalo? Eram estas as ideias e reflexões que andavam na cabeça dos tripulantes, especialmente do segundo oficial Willshire. O oficial estava parado, com a mão apoiada na chave dos campos defensivos do plano dakkar e o alto-falante do minicomunicador de pulso encostado ao ouvida Olhando pela portinhola aberta, junto à qual estava jogado o robô amassado e destroçado, via o corpo enorme do tigre. O animal, cujas pernas continuavam paralisadas, parecia avaliá-lo com os olhos. Vez por outra as patas traseiras tremiam ligeiramente sobre o piso de aço liso. — Drosen? — perguntou Pontonac. — Estou preparado. — respondeu o oficial sem tirar os olhos do animal. Pontonac não se sentia muito à vontade. Levantou a arma e num gesto violento abriu a porta do camarote. Esperara mais ou menos isso. — Vazio! — disse Caryna em voz baixa. — Está escondido na nave. Pontonac soltou um gemido. — Na nave existem centenas de esconderijos. Zetlov pode sabotar qualquer medida prevista num planejamento em grande escala. Se dermos ordem para que os tripulantes coloquem os trajes espaciais e abram a nave, ele agirá antes de nós. Só podemos fazer uma coisa: procurá-lo. — Infelizmente... — confirmou um oficial. Pontonac falou baixo, quase aos cochichos. — Temos de fazer com que o medo de morrer obrigue o cappin a abandonar o corpo de Zetlov. Quer dizer que quem o encontrar deverá atirar sem perda de tempo e dizer em voz alta que sabe como se obriga um takerer a fugir. O tigre é o único ser desprotegido. O pedotransferidor terá de voltar a ele. Entendido? — Entendido. — As buscas serão realizadas do polo superior para o inferior. Rápido! Os homens espalharam-se depois de sair do elevador que os levou para cima. Numa nave de quinhentos metros de diâmetro havia muitos esconderijos. De vez em quando o comandante transmitia informações sobre o andamento das buscas, que eram respondidas de todos os cantos da nave. O número de homens que participavam da operação aumentava a cada pavimento que desciam. Aos poucos os homens, todos eles com armas pesadas nas mãos, foram avançando em direção à eclusa inferior. Todos os esconderijos foram vasculhados, todas as possibilidades de alguém esconder-se atrás de revestimentos ou dentro de armários, em camarotes vazios ou compartimentos de carga, foram tomadas em consideração. As buscas já duravam três horas e ainda não haviam encontrado nada. Pontonac foi o mais rápido de todos. Corria pelos corredores, abria portas e revistava os camarotes. Não tinha a menor ideia de onde podia estar escondido o fugitivo. Só sabia que precisavam encontrá-lo antes que a nave se aproximasse do sistema planetário Efelegon — pois lá o takerer poderia desaparecer de vez.
Num instante, em que corria de um camarote para outro, viu pelo canto dos olhos uma sombra do outro lado do corredor. Virou-se abruptamente — mas não havia nada. — Nunca se deve fazer pouco-caso de um pressentimento ou uma impressão fugaz. — disse e saiu correndo. Suas juntas de aço trabalhavam a toda. Dentro de instantes chegou ao lugar em que vira o movimento. — E agora? — perguntou-se. Parou e fez um giro de trezentos e sessenta graus. Sentiu uma corrente de ar atrás de suas costas. O braço direito reagiu depressa demais ao impulso de comando dos nervos excitados. Virou-se e atingiu uma massa orgânica. Edmond abaixou-se, deu um salto e virou-se. Lá estava Zetlov, com o rosto desfigurado pela dor. Queria arrancar a faixa dakkar de Pontonac para assumir o comandante. — Que bom! — disse, enquanto apontava a arma para o oficial. — Até que enfim o encontrei. O cappin alojado dentro de Zetlov recuou devagar até encostar na parede. Pontonac ficou parado e disse: — Sinto muito, Zetlov... caso possa ouvir-me. Sou obrigado a matá-lo, embora a ideia não me agrade nem um pouco. Acontece que foi assumido por um pedotransferidor e representa um perigo que não pode ser desprezado. O comandante olhou por um instante para a arma, embora soubesse que estava destravada. O rádio estava ligado. Logo, Willshire podia ouvi-lo. Zetlov fungava. — O senhor não pode... — Posso e farei. — respondeu Pontonac em tom sério. Apontou a arma para a cabeça do jovem, que se comprimia contra a parede e o fitava apavorado. Um gemido longo saiu da boca do terrano. Pontonac apertou o gatilho. O tiro energético atingiu a parede pouco acima da cabeça do homem, provocando a expansão das moléculas de ar. O corpo afrouxou. — É agora! — gritou Pontonac. Pontonac aproximou-se cuidadosamente do corpo caído no chão, apontou a arma para a cabeça do jovem e teve o cuidado de evitar que sua cabeça ficasse ao alcance das mãos de Zetlov. No mesmo instante o corpo do tigre agitou-se para cair em seguida. Drosen Willshire empurrou a chave e prendeu o dispositivo de proteção. Recuou devagar, ligando mais três conjuntos de campos energéticos. Finalmente ficou fora da zona de exclusão. — Comandante! — disse para dentro do minicomunicador. — Estou aqui embaixo, no convés sete. — respondeu Pontonac prontamente. — Zetlov está deitado perto de mim. Perdeu os sentidos e ficou com os cabelos parcialmente chamuscados. Diga à divisão médica que mande uma maca e alguns robôs. Em seguida tirou do bolso a faixa dakkar que encontrara na cabine do chuveiro. Foi aí que o pedotransferidor cometeu um pequeno erro. — Entendido! — disse o segundo-oficial. — Operação concluída? — Operação concluída. Podemos voltar a cuidar da missão que nos trouxe para cá. Como se explica que o tigre tenha escapado?
— Foi por causa de um erro de programação do robô. — disse Willshire. — O programador não considerou o fato de que o tigre possuía a mesma inteligência que um takerer. A esta hora os dois parceiros do jogo de troca de corpos estão bem protegidos atrás dos campos dakkar. O tigre deve estar com fome. Pontonac riu e perguntou: — Quer dar comida a ele? — De forma alguma. Este animal fede que nem um urubu na carniça. As equipes de buscas foram chegando aos poucos de todos os cantos da nave. Caryna Nillbaerg dirigiu a antena do ressonador Hollbeyn para o jovem inconsciente. O aparelho não emitiu nenhum ruído. O pedotransferidor voltara ao corpo do tigre, onde estava em segurança. — É uma agitação desgraçada. — disse Pontonac. — Por acaso alguém sabe quantas horas ainda levaremos para chegar a Efelegon? — Vinte e quatro horas. — respondeu um dos oficiais. — Mas deveríamos estabelecer contato pelo rádio cerca de cinco horas antes do pouso. — É o que faremos, depois que eu tiver dormido um pouco. — disse Pontonac. — O alarme pode ser suspenso. Se fosse no tempo dos navios corsários, a tripulação receberia uma taça extra de rum. — Sim, naqueles tempos... — disse Caryna falando devagar e rindo. O alarme foi suspenso. Os homens voltaram aos seus postos. Os que estavam de folga dirigiram-se aos seus camarotes. A Dara Gilgama continuava cruzando o espaço linear em alta velocidade, em direção ao sistema central da União Centro-Galáctica, formado por um sol amarelo e onze planetas. O quarto planeta, conhecido como Rudyn, era o destino final. Lá ficavam os vinte e um calfatores. Tratava-se de chefes de estado que governavam democraticamente usando a ditadura e uma boa dose de consideração mútua, como dissera certa vez em tom sarcástico um especialista em direito político da Terra. Provavelmente as naves cargueiras já tinham pousado no centro da UCG, para descarregar milhões de faixas dakkar. Os comandantes teriam certos problemas em explicar no que consistia sua carga, mas pelo menos dentro de um dia Pontonac poderia provar que estas faixas de metal podiam evitar o caos no planeta. Finalmente foi concedida a permissão de pouso, depois de certa hesitação. A Dara desceu no porto espacial de Rudyn. Quando Pontonac, Caryna e Willshire saíram da nave, havia alguns planadores pesados cheios de policiais do espaço à sua espera. Foram presos sem a menor cerimônia e trancados no xadrez. A acusação oficial era esta: Promoção de espionagem a favor de Perry Rhodan. Mas foram tratados com certo respeito. Em vez de ficarem numa cela comum, ocuparam uma espécie de quarto de hóspedes, onde lhes era servida comida excelente e desfrutavam de graça uma bela vista sobre um parque muito bem-cuidado. O verde abundante ajudou a acalmar seus nervos.
12 O Coronel Edmond Pontonac afastou-se da janela e deixou cair os cubos de gelo dentro de seu copo de uísque. Tomou um golezinho, fez uma careta e filosofou: — Viajar instrui, mas também traz seus contratempos. — Quer que lhe diga o que eu acho? — perguntou Willshire em tom sombrio. Edmond fitou-o com uma expressão indagadora. — Como posso saber? — disse. — Sem dúvida uma fé sólida é uma coisa muito bela, mas diante de nossa prisão não me atrevo a acreditar em mais nada. O segundo-oficial observou em tom contrariado: — Parece que o senhor duvida de tudo, chefe. Acho que houve inimigos de nossa missão que foram mais rápidos que nós. Caso ainda não tenha compreendido, refiro-me a Vascalo, o Torto, nosso arqui-inimigo. Pontonac sentou numa poltrona. Falou calmamente e com um sorriso amável. — Isso mesmo. Era o que eu esperava desde que saímos de Normon. Se estivesse no lugar deste rei dos pedotransferidores, não teria feito nem tentado outra coisa. Quanto mais nos prejudica, mais vantagem leva e maior a ajuda que presta ao Tachkar. Aos poucos este homem vai ocupando, nos pensamentos de terranos com certa experiência histórica, as feições dum Átila ou dum Gengis Khan. — Receio que no momento as comparações históricas não adiantarão muito. — observou Caryna em tom petulante. Pontonac sacudiu energicamente a cabeça, mostrando sua discordância. — Não. Estes conquistadores se acabaram por terem arrancado um pedaço maior do bolo histórico do que podiam mastigar. Sufocaram na quantidade, cara e jovem amiga. Mas isto não tem muito que ver com a situação em que estamos. O que podemos fazer para neutralizar Vascalo? — Nada. — respondeu Willshire em tom sombrio. — Pouca coisa. — ressalvou Caryna enquanto contemplava o aparelho de ressonância que traziam consigo. Colocado sobre a mesa, parecia um inocente rádio de pilha com as antenas levantadas. — Vamos fazer uma análise. — disse Pontonac em voz baixa. — O que sabemos a respeito da União Centro-Galáctica? Sabiam o seguinte: A União Centro-Galáctica era governada por vinte e um soberanos, que em conjunto exerciam uma ditadura. Como sentiam um ciúme tremendo um pelo outro e tinham sido eleitos em caráter vitalício, geralmente vinte dos ditadores tinham muito a reclamar das sugestões do vigésimo primeiro. Isto atenuava os efeitos da ditadura, tornando suportável a vida nos quinhentos e sessenta e dois sistemas planetários, conforme prova a história, geralmente por meio de exemplos negativos. A palavra calfactor, sobre cuja origem pairavam dúvidas, correspondia ao nosso chefe de Estado. Quando um dos soberanos morria, os conflitos entre os adeptos e eleitores dos diversos candidatos estavam na ordem do dia. Semanas antes das eleições o império era agitado por uma ordem de acusações, desmentidos, explicações e promessas, tudo cercado do histerismo e da hipersensibilidade típica de uma campanha eleitoral. O regime era de uma
ditadura pessoal. Os calfactores não eram imortais nem infalíveis. Os antepassados dos habitantes dos sistemas planetários reunidos tinham emigrado da Terra há vários milênios, fixando-se numa região relativamente próxima ao centro galáctico. Suponhamos que um pedotransferidor quisesse sabotar a missão dos terranos... Por onde começaria? De repente a moça disse: — Acho que Vascalo ou um dos seus melhores pedotransferidores assumiu um dos calfactores. O chefe de polícia deste planeta certamente não se atreveria a prender um enviado terrano que goza do status de diplomata — ainda mais sob uma acusação tão idiota. Willshire refletiu um instante. — É bastante provável. — disse. — Logo, o chefe de polícia agiu baseado em ordens superiores. Para nós isto significa que devemos exigir uma espécie de sessão plenária para descobrir e expulsar aquele que nos traz problemas. Pontonac teve suas dúvidas. — Não será fácil. Precisaremos de duas coisas, ou melhor, três. Uma decisão firme de nossa parte, pelo menos vinte e uma faixas dakkar e o aparelho de ressonância. Nem tiraram nossas armas. Os membros do grupo entreolharam-se e refletiram. Cada hora valia ouro e para a UCG valiam as mesmas regras que se aplicavam praticamente a qualquer planeta em que havia um hiper-receptor. Os pedidos de socorro da Terra não poderiam deixar de ser recebidos. Provavelmente já havia frotas espaciais de prontidão, para proteger os sistemas pertencentes à União. Bastaria uma ordem para que estas naves partissem em direção à Terra. — Temos de convencer os calfactores de que um deles está submetido a uma vontade estranha, e de que ajudando a Terra estarão ajudando a si mesmos. É isso aí. Pontonac tirou a arma e colocou-o na braçadeira da poltrona, perto do cotovelo. — Quer dizer que temos de chamar alguém que nos aproxime dos calfactores. — disse em tom circunspecto. Em seguida levantou a arma, fez pontaria e atirou na fechadura da porta, que arrebentou com um estrondo. A porta abriu-se. A fumaça saiu para o corredor belo e largo. Dois guardas viraram-se abruptamente e fitaram Pontonac como quem vê um fantasma. — Já estamos cansados disso. — disse Willshire. — Somos diplomatas e não estamos acostumados a ser trancafiados. Façam o favor de trazer seu chefe. Não quero um simples chefe de seção, mas a pessoa que fica entre nós e seus calfactores. Entendido? Os homens pareciam confusos. Acenaram com a cabeça e fecharam cuidadosamente a porta. Tiveram de esperar uma hora. Finalmente a porta foi aberta e por ela entraram dois homens e dois robôs, que se postaram um de cada lado da sala. Um terceiro homem, que usava uniforme escuro, parou à frente dos terranos e disse em voz baixa: — Meu Deus é Dettas Tabuna. Sou o chefe de polícia deste sistema planetário. Queriam falar comigo? Pontonac levantou, apontou para a porta semidestruída e respondeu: — Não dispúnhamos nem de uma campainha, nem de um intercomunicador, nem uma sineta para chamar a atenção de alguém. Por isso peço desculpas pela forma estranha
que usamos para chamar sua atenção. Que lhe deu na cabeça de prender diplomatas terranos que entraram no sistema à vista de todos? Meio confuso, Tabuna sacudiu a mão do terrano, sentou e disse, depois de olhar demoradamente para Caryna: — O senhor está enganado. Não fui eu que mandei prendê-lo. Fiquei sabendo há alguns minutos que um comandante terrano em missão diplomática foi preso. De forma alguma concordo com a medida. — Quer dizer que estamos em liberdade? — perguntou Willshire em tom seco. — Sem dúvida. Mas de qualquer maneira deveríamos conversar. Pontonac acendeu calmamente um cigarro e disse: — Viemos para pedir que a União Centro-Galáctica preste ajuda militar ao Império Solar. Acho que todo mundo preferiria que isso não se transformasse num ato governamental solene. Provavelmente haverá problemas. O senhor deve estar informado a respeito da situação e dos pedidos de socorro da Terra. Tabuna baixou a cabeça, removeu uma poeira invisível da calça e respondeu: — Sabemos o que está acontecendo em redor da Terra. Estamos muito bem informados. Mas não consigo compreender. — Não consegue compreender o quê? — perguntou Caryna. — O comportamento de um funcionário subalterno que deu ordem para que fossem presos. Acho que a melhor coisa a fazer é eu prestar atenção e os senhores contarem sua história. — Muito bem. — respondeu Pontonac. — A situação que nos fez vir para cá é a seguinte. Pontonac levou trinta minutos dando informações detalhadas sobre a batalha em defesa do Sistema Solar, sobre os pedotransferidores, sobre Vascalo e a necessidade de proteger a UCG, o que só podia ser feito se esta ajudasse a Terra. Tabuna ficou atento. Raramente fazia uma pergunta. Depois que Pontonac apontou para as faixas dakkar e o aparelho de ressonância, o chefe de polícia disse: — Acho que estou em condições de prometer que dentro de uma ou duas horas estarão sentados à frente dos calfactores. Pontonac estava satisfeito. O homem sentado à sua frente parecia saber que a união de todos os seres humanos e descendentes dos terranos da galáxia não passava de uma utopia. Mas se toda a galáxia estava em perigo, os seres que a habitavam tinham de enfrentar os agressores. Isto era apenas a aplicação prática de uma lei natural que já valia na Terra ao tempo em que Rhodan fundou a Terceira Potência. A pressão vinda de fora podia transformar inimigos mortais em aliados, mas não em amigos. Pontonac, que sabia disso, disse em tom insistente: — Compreendeu que a própria UCG está ameaçada? Pedotransferidores. Eis aí a palavra-chave. Tabuna confirmou. — Compreendi. Meu trabalho consistirá em reunir todos os calfactores em uma única sala. Poderiam fazer o favor de esperar aqui? — Esperaremos — prometeu Willshire. O segundo-oficial devia ter razão. Provavelmente um dos calfactores fora assumido por um pedotransferidor e dera ordem de prender os terranos e criar um cordão de isolamento em torno da espaçonave e dos dois veículos que traziam faixas dakkar. No momento em que Pontonac conseguisse obrigar o transferidor a abandonar sua vítima, o
calfactor voltaria ao normal e seria seu melhor amigo. Tinham de trabalhar para que isso acontecesse. Tinham chegado à metade do caminho no cumprimento da missão. Como seria a outra metade?
13 Naquele momento, logo depois do despertar, os pensamentos de Reginald Bell desdobraram-se numa direção que para ele era atípica. A mão apalpou o peito embaixo da coberta fina e tocou no ativador de células, um objeto oval que lhe garantia a imortalidade relativa e uma saúde de ferro. Se não fosse o ativador, Bell não resistiria às canseiras ininterruptas durante o ataque, a retirada, a defesa e novo ataque. Bell passou os dedos pela corrente indestrutível e disse: — Um novo dia — e os destroços de sessenta mil coletores à nossa frente. Pelos cálculos dos especialistas em rastreamento, havia no máximo quarenta mil coletores à sua frente, além de uns dez ou quinze mil vassalos. Vascalo recuava sem parar, aproximando-se cada vez mais do Sistema Solar. A distância não passava de onze anos-luz e meio. Bell bocejou gostosamente, mas estava cansado, apesar dos fluxos emitidos pelo ativador, que se propagavam pelo corpo que nem raios e aceleravam a regeneração das células. — E muitos problemas! — disse Bell, afastou a coberta e colocou os pés no chão macio do camarote. Passou a mão pelos cabelos cor de ferrugem, deu mais um bocejo gostoso e dirigiu-se à cabine-chuveiro. Apertou a tecla onde se lia Programa Completo e deitou numa tábua dura. Seu corpo foi banhado por raios. Jatos finos espalhavam líquidos detergentes que exalavam um aroma agradável. Braços mecânicos massagearam-no, enquanto esguichos de água quente e fria caíam sobre sua pele. Finalmente veio um jato de ar gelado, que expulsou o que ainda havia de cansaço em seu corpo. A circulação voltara ao ritmo normal. Bell trocou de roupa devagar... Se houvesse uma surpresa desagradável, seria chamado. Dormira dez horas, o que infelizmente não acontecia com todos os homens que se encontravam na poderosa Intersolar. Os coletores sem dúvida eram o problema mais urgente, mas não o único. Até em sua nave existia o grande fenômeno do ano 3.438 — o Homo superior. Os primeiros representantes do grupo — quase se poderia dizer da espécie — eram homens e mulheres com qualificações acima da média, que possuíam um elevado QI Além disso eram íntegros e de moral inatacável. Eram os pacifistas perfeitos. Acontece que justamente a bordo de uma nave cujo objetivo significava destruição, um pacifista era tão desejável como um porco-espinho numa banheira. Restava saber por quanto tempo o movimento conseguiria sobreviver. Por enquanto só uns poucos indivíduos se classificavam como Homo superior. Era possível que um dia seu número aumentasse e a gente teria de ocupar-se mais intensamente com eles. Bell abandonou a ideia. Mandou servir o café. Comeu devagar e com apetite. Depois subiu à sala de comando. A frota metropolitana dos terranos voltara a formar-se para o ataque. O inimigo saíra do espaço linear e parecia querer enfrentar as naves do Império Solar. Concentrara suas unidades em formação esférica. A face externa da esfera era formada pelos vassalos, enquanto os coletores se escondiam do lado de dentro, onde estavam protegidos. O grupo rinha encolhido tristemente depois do primeiro combate. Se
não chegassem logo os reforços consistentes em noventa mil coletores, Vascalo estaria perdido. Bell foi cumprimentado, distribuiu cumprimentos para todos os lados e sentou. — Como estão as coisas? — perguntou. O oficial que trabalhava no setor de rádio disse em voz alta e triunfante: — Deighton enviou um coronel para Normon. De lá telegrafaram para informar que quarenta mil unidades foram enviadas para cá. Receberam ordem de submeter-se às suas ordens, mas só enquanto durarem os combates. Bell deu uma risadinha e disse em voz baixa a seu piloto: — Lançaremos outro ataque. Dentro de trezentos segundos. Depois respondeu em voz alta: — Basta que as frotas de Normon lutem até que o último coletor tenha sido destruído. Nem esperava mais que isso. Entendido? — Entendido. *** Parecia que Vascalo, o Torto, ainda esperava um sucesso. Era perseguido constantemente, suas unidades iam sendo dizimadas. Até o mais jovem dos cadetes espaciais seria capaz de compreender sua tática. Queria atravessar o lapso de tempo que o separava da chegada dos noventa mil coletores. Era o prazo final. Entrara em posição defensiva e concentrara seu pessoal. Poucos coletores eram tripulados e a tripulação era formada quase exclusivamente por pedotransferidores altamente capacitados. O rosto belo e másculo de Vascalo trazia as marcas dos últimos dias. Tornara-se duro e enrugado, de um cinza doentio. — Minha gente! — disse. — Parece que no momento não estamos numa boa. Como tem sido a ação dos transferidores? Vascalo ouviu as informações. Os transferidores tentavam constantemente lançar ataques à frota solar. Estes ataques se verificariam de dentro para fora. Comandantes, pilotos e oficiais de artilharia seriam assumidos. Atirando contra as próprias naves ou mudando de direção, estas pessoas poderiam espalhar o pânico e a destruição entre as linhas compactas de cruzadores terranos. — Só temos colhido fracassos. — disse um takerer com a voz triste. — Por quê? Vascalo fitou-o com uma expressão furiosa. — Os homens mais importantes são protegidos pela faixa. Os terranos deram a este objeto brilhante que usam em forma de diadema o nome de dakkar... Vascalo interrompeu-o com um gesto de impaciência. — Sei disso melhor que o senhor. O que é feito para enfrentar o problema? — Os pedotransferidores são repelidos. É que nem um raio vagando por aí, sem atingir ninguém. De vez em quando conseguem assumir um homem sem a menor importância. São cozinheiros, ordenanças, trabalhadores dos depósitos. Estes homens são descobertos por meio do aparelho de ressonância e obrigados a sentir medo de morrer. Aí os transferidores voltam, já que não podemos dispensar nenhum homem e não temos vocação de suicida. — Compreendi. — disse Vascalo.
Em seguida olhou para as telas. Viu as naves terranas se aproximarem em alta velocidade, formando uma espécie de muralha cujas extremidades eram curvadas para a frente, numa tentativa de envolver a esfera formada pelos coletores e vassalos. Os primeiros tiros foram disparados. Mais uma vez as explosões, os fenômenos luminosos e o fogo de artifício que surgiram junto aos campos defensivos fizeram brilhar o espaço. Mais de onze anos depois se veria de todos os planetas do Sistema Solar fenômenos luminosos entre as estrelas, uma vez que a luz se propaga à velocidade de trezentos mil quilômetros por segundo. — Primeira defesa e retirada compacta. — gritou Vascalo. — Direção, sol amarelo. — Entendido. A luta entrou numa fase decisiva. Os coletores não resistiriam por muito tempo aos ataques ininterruptos. Destroços incandescentes e pedaços de naves fumegantes assinalavam o caminho dos últimos coletores que recuavam e tentavam alcançar o espaço linear. Os sistemas de câmeras e lentes registraram a retirada e anotaram cada unidade inimiga destruída pelos canhões terranos. O hiperrádio transmitiram as informações. *** Três moças e um locutor comentavam os acontecimentos a bordo da Intersolar. O transmissor potente estava direcionado para um único objetivo: Titã... Marceile via tudo, registrava tudo e de vez em quando enviava um relatório parcial a Gruelfin. Na Polycara tinha sido instalada uma estação receptora com a qual Marceile mantinha contato. — Acabamos de receber uma notícia importante — disse a voz que falava para dentro do microfone a milhões de anos-luz dali. A perda de tempo era insignificante e vinha das estações retransmissoras. A comunicação dakkar funcionava muito bem. — É muito importante, amigos? — perguntou Marceile. Também fora afetada pelos acontecimentos. Afinal, estava sentada há dias e raramente tinha tempo para dormir. Seu sono era interrompido por mensagens especiais e perguntas importantes. Marceile apertou o botão de partida do gravador de fita em que eram armazenadas as notícias desse tipo. — É da maior importância. A pausa de conversão chegou ao fim. — Pode falar. — disse Marceile em voz baixa. Durante as experiências com o deformador de tempo zero, realizadas há duzentos mil anos relativos, ela se ligara ao Ganjo Ovaron. Deixara-se cativar por pouco tempo por sua personalidade forte, mas insegura. Depois fizera contatos mais estreitos com os subordinados de Rhodan. Naquele momento amava Roi Danton e sabia que seus sentimentos eram retribuídos. — A notícia chegou da galáxia Gruelfin, como a maior parte delas. O terrano Perry Rhodan e sua nave Marco Polo conseguiram destruir um dos centros mais importantes de irradiação de pedotransferidores takerers. — Entendido. — respondeu Marceile. “É estranho.” — pensou. — “Quanto me afastei de meu povo! Em todos os sentidos. Transformei-me numa verdadeira ganjásica, tornei-me amiga do Ganjo e de
seus aliados terranos. Fico satisfeita em saber que uma estação pertencente ao povo que já foi meu foi destruída...” Seus pensamentos foram interrompidos. A mensagem prosseguiu. — Trata-se da estação central instalada na lua Mohrcymy. Somente agora, poucas horas depois dos acontecimentos importantes, os cientistas e especialistas que cercam Ovaron descobriram que a queda da lua no centro do sol gigante vermelho teve consequências tremendas para o governo do Império Takerer. — Que consequências são estas? — perguntou Marceile meio preocupada. A voz desconhecida voltou a falar. — Os pedogoniômetros menores, que serviam para abastecer a gigantesca estação central, explodiram no momento em que a lua foi destruída. Isto aconteceu porque a estação gigante de Mohrcymy mantinha contatos energéticos muito fortes com as estações de abastecimento. Durante a explosão total da lua, que se verificou logo após a queda no sol, houve uma sobrecarga energética. Esta sobrecarga deve ter ocorrido no plano energético da sexta dimensão. Seja como for, todos os goniômetros de suprimento foram destruídos. — Transmitirei a informação. — respondeu Marceile. — É claro que para o Marechal-de-Estado Bell ela não tem muita importância. Mas é possível que influencie seus planos. — Final! — disse a voz que falava na galáxia Gruelfin. Marceile desligou o gravador de fita.
14 Até os terranos, que eram estranhos no planeta, perceberam que se tratava de uma reunião improvisada. Os vinte e um calfactores estavam reunidos em torno de uma grande mesa redonda. Os três terranos e o chefe da Segurança enfiaram suas poltronas nos largos intervalos. O aparelho de ressonância Hollbeyn encontrava-se à frente do imediato Caryna Nillbaerg. Estava desligado. — Por favor, comandante. — disse o chefe da Segurança e apontou para Pontonac. Pontonac levantou. Olhou- os calfactores um por um e disse em tom calmo e gentil: — Senhores. O motivo de nossa presença é conhecido. Não precisamos gastar nosso discurso para explicá-lo. Mas acho que teremos de forçar bastante sua paciência. Um dos governantes, um homem pesado e calmo, com sobrancelhas espessas, levantou a mão e perguntou em tom de ceticismo: — O que pretende mostrar-nos, comandante? Fora bem difícil reunir os vinte e um homens em meio dia. Por isso não se mostravam muito bem-humorados. Estavam contrariados por terem sido perturbados, mas de outro lado se sentiam curiosos para saber o que o terrano ia apresentar. Pontonac possuía duas provas: o tigre e a forte suspeita de que um dos calfactores fora privado de sua vontade. — Tenho duas provas em minha nave. — mas deixemos isto para depois. Senhores, trouxemos uma porção de faixas deste tipo... olhem. Pontonac apontou para as faixas dakkar, que estavam sobre a mesa, junto à sua mão direita. Pareciam um monte de anéis superpostos e entrelaçados. — Para que serve isso? — perguntou um homem magro de cabelos vermelhos. — É muito provável — disse o terrano em voz baixa — que um dos presentes seja dominado por uma inteligência estranha. Sabe disfarçar muito bem, uma vez que o intruso invisível naturalmente possui qualificações fora do comum. Só existe um meio de expulsar o intruso do corpo de quem foi assumido — e isto para sempre. Um homem baixo e gordo, que estava com as mãos entrelaçadas sobre a barriga, deu uma risadinha e disse: — Parece que o senhor tem muita certeza do que pretende fazer. — Muita, senhor. — disse Willshire. Em seguida estendeu a mão e ligou o aparelho de ressonância. O aparelho zumbiu ao entrar em funcionamento. — Por favor. — pediu o imediato com a voz firme — não fiquem contrariados. Os três terranos entrosaram-se perfeitamente no trabalho, apesar de não terem combinado nada. Mas sabiam como isto era importante. Por isso puderam fazer a apresentação memorável tão depressa que os calfactores só protestaram quando quase era tarde. Drosen K. Willshire apontou a antena para o chefe da Segurança, observou cuidadosamente a luz de controle e acenou com a cabeça. Com um sorriso encantador nos lábios, Caryna colocou a faixa dakkar na cabeça de Dettas Tabuna.
Aos poucos os três foram completando o círculo, testando e colocando faixas na cabeça dos homens. Nove... dez... doze... quatorze. — Parece que o senhor tem prática nisso. — disse um dos calfactores enquanto mexia em sua faixa. — Ternos prática de sobra! — confirmou Willshire. — Graças a ela já colhemos bons resultados na Federação Galáctica de Normon. Pontonac tirou a arma, destravou-a e enfiou-a atrás do cinto largo. Dezesseis... dezoito... Quando a antena foi apontada para o décimo nono calfactor, a agulha saltou. Ouviu--se um zumbido e a luz vermelha acendeu-se tremendo. Pontonac abaixou-se, pegou a arma energética e atirou antes que algum dos homens pudesse fazer qualquer movimento. O tiro ressoou, o raio energético passou junto ao ouvido do calfactor e derreteu parte do revestimento do teto. Dali a meio segundo o calfactor caiu sobre a mesma. Caryna concluiu sua tarefa com a maior calma. No fim todas as pessoas que se encontravam na sala estavam protegidas por faixas dakkar. Quinze minutos depois, quando o calfactor já se tinha recuperado do choque, ele apresentou seu relato. Contou que há dois dias era completamente dominado por uma inteligência estranha. O relato durou cerca de uma hora. O calfactor concluiu da seguinte forma: — Naturalmente foi a inteligência estranha que me obrigou a mandar prender os terranos. Quanto a mim, já não tenho a menor dúvida quanto ao perigo tremendo que nos ameaça. Meu voto é no sentido de que devemos ajudar a Terra. Pode ser apenas enquanto durar a batalha ou o conflito. Acho que a União Centro-Galáctica pode dispor de aproximadamente cinquenta mil naves. A proposta é de seu agrado, senhores? O chefe da Segurança levantou a mão e perguntou: — A propósito das faixas dakkar... É verdade que a carga das duas naves mercantes consiste unicamente nessas faixas? — É claro que não vi o manifesto. — respondeu Edmond Pontonac em tom amável. — Mas sei que há milhões dessas faixas a bordo. — Naturalmente são um presente, ou melhor, a retribuição do Império Solar pelas cinquenta mil naves que lhe foram cedidas. Mas vamos para bordo de minha nave para que os senhores tenham oportunidade de ver o pseudocorpo dum takerer e o animal em que se alojou sua inteligência. Um dos governantes saltou da cadeira e gritou apavorado: — Um animal? Quer dizer que os pedotransferidores até se aproveitam dos animais? — Aproveitam os animais e os homens. — respondeu Willshire. — Ninguém sabe no corpo de quem seu ex-hóspede se encontra neste momento, calfactor. Mas temos certeza de que não está em seu corpo. A reunião foi suspensa, depois que foi decidido por unanimidade que quarenta e cinco mil naves de grande porte seriam colocadas à disposição do Império Solar enquanto durasse o conflito. As respectivas ordens foram transmitidas aos chefes das frotas ainda na presença dos terranos. — Realizamos satisfatoriamente dois terços da tarefa. — disse Caryna ao sair. — Graças a este aparelho.
Willshire respondeu: — Alcançamos uma habilidade praticamente insuperável na detecção de pedotransferidores. Que faremos em seguida? — Isso será resolvido quando estivermos no local. — respondeu Edmond. — Mais precisamente, depois que tivermos chegado à Liga Carsualense. Seguiram os calfactores que entraram nos planadores do governo para serem levados ao anel de policiais que cercava a nave terrana. Depois disso os tripulantes viram uma longa procissão de altas autoridades com suas guardas pessoais, que finalmente parou à frente da jaula do tigre dente-de-sabre e da tela que mostrava o pseudocorpo gelatinoso do cappin. Pontonac deu as explicações. Enquanto isso, as duas naves cargueiras foram liberadas e descarregadas às pressas. Dali a três horas a Dara Gilgama partiu. — A última fase da viagem está à nossa frente e é a mais difícil. — disse Pontonac, que estava sentado na sala de comando, contemplando o disco do planeta Rudyn cuja imagem ia diminuindo e perdia nitidez. O segundo-oficial disse em tom sombrio: — Tenho um pressentimento de que as dificuldades que tivemos nos parecerão pequenas em comparação com as que encontraremos em Carsual ou Ertrus. — O senhor é um pessimista miserável, Drosen! — respondeu Pontonac em voz baixa. Drosen ficou calado. Recostou-se na poltrona anatômica para ver melhor as estrelas que cercavam Efelegon. Tinha certeza de que os fatos confirmariam sua previsão.
15 Um dos três impérios siderais que se tinham formado nos últimos mil anos chamava-se Liga Carsualense. Às vezes esta comunhão de interesses formada por novecentos e dezenove sistemas planetários era designada simplesmente por Carsual. O centro da Liga, para onde a Dara Gilgama se dirigia, era o sistema de Kreitsy. Eram seis planetas de gravitação diferente, circulando em torno dum sol normal do tipo amarelo. O mundo principal era o terceiro planeta do sistema, cujo nome era Ertrus. Fazia quase mil e quinhentos anos que tinham surgido neste mundo os homens adaptados ao ambiente, conhecidos como ertrusianos. A capital, Baretus, também era alcançada pela elevada aceleração gravitacional, que chegava a 3,4 G. O planeta só podia ser visitado por seres humanos que possuíssem equipamentos, ou aqueles que estavam acostumados a uma gravitação mais elevada. Uma raça dura e positiva — eram os ertrusianos. Eles agiram mais depressa do que Pontonac seria capaz de imaginar. Quando, no décimo segundo dia de sua longa viagem, alcançou um ponto que ficava a apenas seis mil cento e trinta e seis anos-luz da Terra, viu que já estavam à sua espera. O robusto ertrusiano cuja imagem apareceu na tela da sala de rádio disse laconicamente: — A Dara Gilgama é a nave do Coronel Pontonac? Edmond olhou o ertrusiano nos olhos. — É. Pedimos licença de pousar. Somos diplomatas terranos... O ertrusiano fez um gesto de pouco-caso e disse em tom áspero depois de tocar em algumas teclas fora do alcance da objetiva e conversar demoradamente com um parceiro invisível: — Deixe para lá, chefe. Pouse no porto espacial de Baretus. Seu supercargueiro com as faixas de brinquedo está lá. Pontonac ficou calmo e contemplou meio pensativo a faixa dakkar que o ertrusiano usava bem no alto da cabeça. Era muito apertada para ele. Edmond obrigou-se a ficar calmo. Falou para dentro do microfone: — Fico satisfeito em ver que Ertrus já fez a gentileza de aceitar os presentes da Terra. Assim ficaremos mais à vontade para fazer nosso pedido. O ertrusiano deu uma risada de desprezo e respondeu: — O triunvirato está à sua espera para discutir o assunto. Por que o Marechal-de-Estado não veio? Resolvem mandar um oficial qualquer... Willshire olhou Pontonac de lado. Estava admirado por ver seu superior tão calmo. Mas Pontonac já pensava mais longe. Tinha certeza de que mais uma vez cumpriria satisfatoriamente sua tarefa. — Obrigado pela gentileza. — disse. — Voltaremos a estabelecer contato depois que tivermos pousado. — Pousem perto de sua nave cargueira. — Está bem.
O radioperador interrompeu a ligação. No mesmo instante Willshire e Caryna se inclinaram para Pontonac e fitaram-no com uma expressão de perplexidade. A moça disse: — Você é um diplomata terrano, Ed. Não precisaria engolir esse tipo de insolência. Pontonac encarou primeiro Willshire, depois o imediato e respondeu em tom pensativo: — Os ertrusianos fazem tudo para provocar-nos. Se quisessem ser gentis, teriam indicado um planeta onde a gravitação é menor. Mas escolheram Ertrus. Querem ver-nos sofrer ou ao mesmo ficar aborrecidos. Mas não entregaremos os pontos. Isto os deixará impressionados. — O senhor é mesmo um caso perdido, chefe! — disse Willshire em tom de admiração. — Joga tudo numa só carta, não é mesmo? Pontonac sorriu amavelmente e disse: — É meu trabalho, Drosen! O planeta apareceu, aumentou e a camada de nuvens que parecia não ter fim abaulou-se em direção à espaçonave. O terceiro planeta do sistema Kreit, que era maior e mais denso que a Terra, atraiu a nave. Os jatos de frenagem e todos os projetores antigravitacionais tiveram de ser ligados. Conjuntos de reserva entraram em funcionamento fornecendo sua energia aos neutralizadores de gravidade, fazendo com que na maior parte da nave a gravitação não fosse maior que um G. Em algum lugar, lá embaixo, três ertrusianos aguardavam os diplomatas especiais do planeta Terra. Nos Vigeland, Terser Frascati e Runema Shilter iam dar uma lição aos terranos. Não gostavam de Rhodan. Ninguém sabia exatamente por que os ertrusianos —, ou ao menos a maioria dos indivíduos desta raça robusta, adaptada a um ambiente hostil — sentiam tanto ódio de seus ancestrais. Aliás, não era mesmo ódio. Exageravam o sentimento de independência e pareciam aborrecidos por Rhodan não se preocupar com eles além do necessário e não se zangara com sua autonomia, nem com a anexação de mais de novecentos sistemas planetários, realizada pela excelente frota ertrusiana... isto há mais de quinhentos anos. A nave rompeu a camada de nuvens. Pousou perto do meio-dia no gigantesco porto espacial, repleto de encouraçados. Numa extremidade, como um anão no meio dos gigantes de aço, estava estacionada a nave cargueira terrana. Edmond bateu no ombro do piloto e disse: — Pouse bem perto. Assim pelo menos teremos uma vizinhança agradável. A nave flutuava obliquamente em direção ao ponto indicado, ligou os jatopropulsores de frenagem e desceu pesadamente na pista de concreto. As colunas de sustentação executaram um molejo intenso e permaneceram telescopicamente unidas. A eclusa polar inferior quase chegava a tocar no chão. Depois que as máquinas foram desligadas o radioperador solicitou um planador para levar os diplomatas terranos à cidade. De repente se teve a impressão de que não havia ninguém na estação de rádio. — Está notando alguma coisa, chefe? — perguntou Willshire. — Se estou! — disse Pontonac. — Por favor, solte um robô para que ele coloque nossos planadores bem embaixo da eclusa. Farei uma peregrinação solitária. — Será sua morte! — retrucou Caryna preocupada.
— Não acredito. É bom lembrar que um aleijado que carrega três próteses tem certas vantagens que outros terranos não têm. Terei prazer em oferecer um espetáculo grandioso aos ertrusianos. Ficarão desolados. Edmond despediu-se com um gesto das pessoas que se encontravam na sala de comando e foi ao seu camarote sem dizer uma palavra. — Droga! — disse amargurado. — Droga! Sentou numa poltrona depois de tirar as calças. Em seguida girou a poltrona, tirou duas baterias de tamanho diferente dum armário embutido e apertou certo ponto da coxa esquerda. A ponta do dedo sentiu o contato embaixo da pele artificial elástica. O fecho da prótese esquerda abriu-se. Edmond ligou cuidadosamente a pequena bateria de alta potência, que servia de reserva. Repetiu o mesmo procedimento na coxa direita, com a outra bateria, que era maior, mais pesada e muito mais potente. Em seguida fechou as tampinhas, vestiu a calça e fechou o cinto. Empertigou o corpo e preparou-se para os sofrimentos que iria enfrentar. Pegou quatro baterias num depósito bem grande. Enfiou duas delas nos bolsos da jaqueta. — Cartas de apresentação, dados, coordenadas, filmes... — enumerou e colocou tudo numa bolsa de bordo leve. Depois disso examinou a arma. Resolveu levá-la. Colocou-a no coldre que trazia no cinto e saiu do camarote. Entrou no elevador. Quando ficou fora do alcance dos neutralizadores, foi atingido pela gravitação elevada que puxou seu corpo. Os ombros caíram para a frente, a cabeça de repente parecia ter três vezes o peso normal. Pontonac caminhou pesadamente para o planador, que estava parado com a máquina ligada. Teve de fazer um grande esforço para levantar o braço e colocar os óculos escuros. Deixou-se cair no assento, colocou lentamente as duas baterias no porta-luvas e deu partida na máquina. Passou devagar entre as colunas de sustentação da nave com o motor forçado e os neutralizadores funcionando perfeitamente, seguiu rente à outra nave terrana e tomou a direção do edifício da administração. A voz de Caryna saiu do minicomunicador: — Tudo de bom, Ed! Volte logo — e se puder, inteiro. — E não quebre sua cabeça dura, chefe. — disse Willshire em tom áspero. — Tudo bem. — respondeu Pontonac, que se sentia miseravelmente. O calor do sol parecia ser três vezes maior. O ar que respirava parecia antes uma sopa viscosa que alguma coisa parecida com uma atmosfera. O planador parecia atravessar um pântano de melaço, enquanto a gravidade do planeta queria arrastar tudo para baixo: os joelhos, os cotovelos, a cabeça e os ombros. Depois de quatro minutos martirizantes o planador parou junto à barreira do edifício da administração espaçoportuário. — E agora, Edmond? Está na hora de apresentar seu grandioso espetáculo. — disse e obrigou-se a exibir um sorriso alegre. Girou o contato e desceu do planador. Algumas moças ertrusianas, que viam em seus olhos certa semelhança com os das estátuas terranas, fitaram-no apavoradas. Edmond saiu do planador, atravessou as barreiras depois de ter percorrido cerca de cinquenta metros e mostrou sua credencial a um ertrusiano uniformizado. — Mister. — disse em Intercosmo; conseguiu dar um tom firme à voz. — Sou um diplomata terrano. Tenho um encontro marcado com Vigeland, Frascati e Shilter. Que devo fazer para chegar a estes senhores?
O homem fitou-o como quem acaba de ver um sáurio voador cor de púrpura e balbuciou: — É terrano? Depois estendeu efusivamente a mão e sacudiu a de Edmond, que sorriu e apertou os dedos. Juntas de aço moveram-se impelidos pelo eletromagnetismo, quase esmagando os ossos da mão do ertrusiano. O homem de uniforme recolheu a mão como se tivesse tocado numa coisa quente e sacudiu-a. — Que aperto de mão! — disse. — Não passo de um aleijado meio fora de forma, Mister. — disse Edmond em tom modesto. — Por aqui existem taxis planadores ou coisa parecida? Neste instante um veículo alongado parou a uns cinquenta metros dos dois homens, que já estavam cercados por um grande grupo de ertrusianos. Viram espantados, além, fazendo sinais para Pontonac, que retribuiu e acabou correndo devagar para as portas do planador. Edmond deixou para trás um silêncio que era um misto de espanto e constrangimento. Outro ertrusiano disse em tom respeitoso: — Estão à sua espera, comandante. Recebi ordem de levá-lo para lá. Pontonac não precisou de ajuda para entrar. Quando sua mão encostou na poltrona, percebeu que a gravitação voltara ao nível normal de 1 G. Parecia que já alcançara uma pequena vitória. — Por favor, não vá muito depressa. — disse. — Sinto-me um pouco fraco. Além disso, gostaria de admirar sua bela cidade. O triunvirato era conhecido como uma forma de governo ditatorial. Não havia partidos ou outras entidades políticas dentro do império. Os três homens possuíam ativadores de células. Por isso era de esperar que tivessem bastante idade e experiência para não demonstrar seu poder de forma errada. De qualquer maneira Pontonac ia para junto deles e encontrava-se num campo gravitacional normal. Já era alguma coisa.
16 “Que mais terei de apresentar?” — pensou Edmond Pontonac enquanto o planador passava sob o telhado baixo de uma casa em forma de bangalô e parava suavemente. — “Que truques ainda posso usar? E que truques usarão os ertrusianos para deixar-me aborrecido, porque acham que aborrecendo Pontonac, Rhodan ficará fulo de raiva.” O motorista virou-se e disse: — Por favor, desça e entre. As partes do chão assinaladas em branco foram regulada para um G. Espero que se sinta razoavelmente bem. Os três cavalheiros já estão chegando. — Obrigado. — disse Pontonac e abriu a porta. — O senhor foi muito gentil. O motorista soltou uma estrondosa gargalhada e garantiu: — O senhor deveria ver o Terser Frascati! Fica muito mais gentil que eu quando um diplomatazinho terrano o obriga a interromper o almoço. — Acho que resistirei. — disse Edmond, que continuava parado perto do planador. A máquina roncou e o veículo saiu na ré. Pontonac encostou-se à porta, onde a gravitação era normal, e contemplou as coisas que o cercavam. Era um parque pequeno, mas muito bem cuidado. A casa devia ser uma espécie de alojamento para visitantes terranos sem forças ou hóspedes que não suportavam a gravitação do planeta. Como ele. — Que lugar agradável. — disse, abriu a porta e entrou numa espécie de hall decorado com móveis muito grandes e pesados. “É uma saia de gigantes.” — pensou e seguiu seu caminho. Largas trilhas brancas apareciam no chão que parecia ser de vidro ou de um material parecido. A faixa apagava-se atrás dele e acendia-se um pouco à frente. Pontonac continuou em linha reta e falou para dentro do minicomunicador. — Estou numa casa de hóspedes, Caryna. Por enquanto não me incomodaram muito, mas acho que ainda terei aborrecimentos pela frente. De qualquer maneira devem achar-nos importantes, senão três conselheiros não se dariam ao trabalho de vir para cá. — O senhor se sairá tão bem como das outras vezes. — disse Willshire para animá--lo. — Provavelmente. — respondeu Edmond em tom modesto. Continuou andando até encontrar um quarto que satisfazia ao seu gosto e não era muito grande. Ao que parecia o piso ligava-se automaticamente e dependia do peso; nem uma única vez o terrano sentiu a verdadeira força de atração do planeta Ertrus. Sabia que bem no fundo muitos ertrusianos tinham certa simpatia pela Terra. Costumavam apresentar-se voluntariamente para o serviço nas organizações e na frota terrana. — Vejamos! — resmungou. Achava que era vigiado e alguém ouvia suas palavras. Não se importava. Sentou em um dos móveis gigantes e contemplou perplexo e abanando a cabeça um quadro que já conhecia. — O Monte Rusmore! — disse finalmente. — Isto mesmo. Era a montanha do planeta Terra, situada na antiga América, onde um artista que dava muito valor à quantidade havia esculpido, ao lado das cabeças de quatro presidentes
que já se tinham transformado numa lenda, a de Perry Rhodan, usando cinzéis de ultrassom. Ficara muito parecida. — Logo aqui? — perguntou-se Edmond e continuou a contemplar o quadro até ouvir os passos de alguns ertrusianos. — O triunvirato! — disse a sentinela e fez continência à entrada dos três homens que usavam uniformes vistosos. Edmond levantou e estendeu a mão direita. Podia ser uma infantilidade, mas o fato é que os três tentaram esmagar sua mão, mas Edmond levou a melhor. Ficou calado. Vigeland abriu os debates, fazendo uma pergunta direta. — Que deseja, comandante? Edmond contemplou o homem alto de ombros largos. O homem preenchia completamente a poltrona enorme, estendeu as pernas que eram da grossura de uma jovem árvore de Titã para o centro da sala e examinou o terrano. Parecia bastante contrariado. — Isso mesmo. Por que veio para cá? — perguntou Frascati. Sua voz era a de um alto-falante de contrabaixo sendo forçado ao máximo, mas nem por isso deixava de ser uma figura impressionante. Pontonac repetiu aquilo que já dissera duas vezes. Mas parecia que desta vez não tinha nenhum inimigo invisível pela frente. Os pedotransferidores de Vascalo deviam estar ocupados na luta contra os terranos, ou o pedoautocrata desistira da ideia de sabotar a missão de Pontonac. Edmond falou quase durante duas horas, descrevendo o tigre dente-de-sabre e relatando os acontecimentos em Normon e Rudyn. Finalmente calou-se, um tanto exausto. Não omitira nada. Shilter passou a mão enorme pelo penteado duro e disse: — Para nós isso ainda não é motivo para ajudarmos os terranos. Pontonac deixou cair os ombros. — O que seria então um bom motivo? — principiou com cuidado. — Uma situação de emergência declarada, por exemplo. Além disso, sentimo-nos insultados por não terem mandado pelo menos o Marechal-de-Estado Bell. Contra isso também havia argumentos. Edmond usou-os. Levou mais meia hora falando de Reginald Bell e sua luta difícil contra os coletores. Em palavras candentes invocou o perigo que ameaçava o Universo. Pediu aos ertrusianos que não se arriscassem a ser considerados covardes pelo resto da galáxia, transformando-se em objeto de zombarias. Se Normon e a UCG estavam ajudando, se até alguns contingentes da frota aconense seguiam em direção ao Sistema Solar, então Ertrus não devia ficar para trás. Houve mais uma pausa prolongada. — Pensem bem. — disse Edmond quase implorando. — Enviamos as faixas dakkar sem consultá-los antes. Naturalmente esperamos alguma boa vontade em troca. Assim mesmo os senhores se recusam a ajudar com algumas naves. Por favor, não se esqueçam de que o campo hiperenergético e o canhão conversor são invenções terranas, que os senhores gostam de usar. Droga... por quanto tempo ainda terei de implorar? — Deixe isso por nossa conta, comandante. — observou Vigeland em tom sarcástico. — Não precisa implorar. Mas para nós é uma questão de princípio e de prestígio. Edmond respirou profundamente, pôs em ordem seus argumentos e voltou a falar. — Princípio... Sobre isto quero dizer o seguinte. Ninguém lhes pede que se joguem choramingando aos pés de Rhodan. Seria meio esquisito, se me permitem a expressão. Só
queremos que ajudem. Ajudando a Terra perto do Sistema Solar estarão ajudando a si mesmos e ao seu império... Pontonac voltou a usar os mesmos argumentos, que eram tão lógicos e claros que tinham sido aceitos duas vezes. Mas aqui isto não acontecia. Lerdos e frios, os três homens mantiveram sua posição. Finalmente Pontonac encerrou a comédia. Levantou, deixou cair o sorriso paciente e disse: — Não pensem que quero ameaçá-los ou pressioná-los. Isto não é do meu feitio e, além disso, seria pouco inteligente. Tentarei voltar à minha nave, nem que tenha de rastejar. Aguardarei sua resposta até a meia-noite. Serão bem-vindos a bordo, onde lhes poderei mostrar o pseudocorpo e um animal selvagem possuído por um takerer. Partirei uma hora depois da meia-noite. Podem derrubar-me, mas antes disso certamente conseguirei transmitir uma mensagem. Neste caso ficarão marcados em toda a galáxia. Por favor, não se esqueçam de uma coisa. Ainda pode chegar o dia em que os senhores precisarão de ajuda da Terra, por mais incrível que isto possa parecer. Neste caso recusaremos com uma risada de deboche até um copo de água que nos seja pedido por um ertrusiano. Os ertrusianos serão considerados traidores da raça de que descendem. Nem o tempo nem as condições políticas mudarão isto. Pontonac fez uma mesura e retirou-se. Quando tinha andado dez metros, ouviu gargalhadas estrondosas atrás de si. Perto do planador, onde já estava exposto a toda a gravitação de Ertrus, o motorista disse: — Puseram o senhor para fora, terrano? — Não. — respondeu Pontonac com o que ainda lhe restava de autocontrole. — Resolvi bombardear Ertrus. Que tal? — Excelente, comandante! — gritou o motorista em tom alegre. — Vamos voltar para a nave? — Se não se importa. — disse Pontonac e recostou-se na poltrona. Por causa de uma ordem maldosa dos três ertrusianos, ali também reinava a gravitação normal.
17 Edmond balançava devagar para a frente e para trás em sua poltrona. Enquanto isso contemplava a grande tela embutida em uma das paredes laterais da cabine de comando. Willshire estava sentado na cama embutida. Também olhava para a imagem que se movimentava mostrando detalhes incríveis. Até parecia uma janela aberta no casco da nave. Era tarde da noite em Baretus. Um robô anunciou sua presença, a porta abriu-se e a máquina, que vinha da cozinha da nave de quinhentos metros, trouxe uma bandeja com comida e bebidas. Colocou-a sobre uma mesa dobrável. — A nave cargueira está partindo de volta para a Terra. — disse Caryna em voz baixa. Ficaram em silêncio enquanto viam a nave subindo devagar, lutando contra a força da gravidade, para depois desaparecer como um ponto fulgurante no céu que cobria Ertrus. Pontonac levantou, pegou um copo fino, colocou uma bebida alcoólica e jogou alguns cubos de gelo. Willshire rompeu o silêncio. — Não foi bem sucedido? — perguntou em voz baixa. — É muito provável que não. — respondeu Pontonac. — Só não consigo descobrir o motivo. Todos os argumentos em contrário apresentados pelos três ertrusianos eram no fundo imprestáveis. Não faço a menor ideia por que não querem ajudar-nos. Acho que só se fecham por uma questão de princípio. No fundo devem estar dispostos a enviar suas naves. Devo ter dito alguma coisa que os incomodou — ou então deixei de dizer uma coisa que eles queriam ouvir. Aceitaram as faixas dakkar e permitiram a decolagem da outra nave... Faziam tudo para contrariar os representantes do planeta Terra... Acabavam não dizendo sim nem não. Não se conseguia compreender. — Vamos comer alguma coisa. — disse Caryna. — A comida não espanta o mau humor, mas só a fome. Quando partiremos? — Exatamente à uma hora depois da meia-noite. — respondeu Pontonac em tom decidido. — À uma hora. Nem um minuto depois. Viemos fazer um pedido, mas não somos mendigos. — E olhe que seu orgulho já ficou bastante arranhado. — disse Willshire em tom de admiração. — Sem dúvida. Primeiro Edmond esvaziou seu copo. Sentiu-se um pouco melhor e foi capaz de tomar o café e comer os sanduíches. Por alguns minutos reinou um silêncio tenso na sala de comando, que se espalhou pelo resto da nave. Só o tigre dente-de-sabre corria de um lado para outro em sua jaula, rosnando zangado. Finalmente deitou, descansou a cabeça sobre as patas e fitou a parede atrás da qual estava escondido o pseudocorpo do desconhecido, fora de seu alcance por causa dum sistema de campos defensivos. Os três terranos terminaram a refeição. — Vou voltar à sala de comando. — disse o segundo-oficial. — Talvez consigamos receber algumas mensagens que possam ser-nos úteis.
— Está certo. — respondeu o comandante laconicamente e deixou-se cair de novo na poltrona anatômica. Houve outra pausa durante a qual ninguém disse uma palavra. Depois de algum tempo Caryna apoiou-se no encosto da poltrona e passou a mão pelos cabelos de Pontonac. — Está muito zangado? — perguntou. — Não estou zangado. — respondeu Edmond. — Estou esperando. Espero uma coisa que não conheço. Uma coisa que vai acontecer em breve. Não sei o que é. Tenho a impressão nítida de que neste momento, enquanto estou sentado aqui cultivando minha gastrite, os ertrusianos estão confabulando para descobrir um meio de ajudar a Terra sem perder a cara. A moça sacudiu a cabeça e disse em voz muito baixa: — Seu otimismo já me chamou a atenção em Terrânia City. Ou será que nem é otimismo? Pontonac sacudiu a cabeça. — De fato, não é. É bom que você saiba que possuo um dom especial. Sinto fisicamente quando alguém mente, fica inseguro ou tenta encontrar desculpas. As negociações com os outros dois impérios foram mais fáceis. Foi por isso que decidi depressa. Sabia perfeitamente se a pessoa com a qual estava falando dizia a verdade ou não. Podia adaptar minha ação a isso. — É mesmo, Ed? — perguntou a moça em tom de espanto. Edmond acenou com a cabeça. — É. Mas procuro evitar que minha capacidade de detetive se torne pública, porque com isso perderia as vantagens que ela me dá. Acontece que com os ertrusianos as coisas foram bem diferentes. Caryna esperou que ele prosseguisse. — Parecia que não tinham firmado nenhum ponto-de-vista. Tudo que diziam era vago e duvidoso. Durante horas a fio deram respostas pouco seguras aos meus pedidos e argumentos. Nem uma única vez notei qualquer coisa que pudesse ser interpretada como concordância ou discordância. Eram mais inseguros que uma criança durante os exames. Pontonac tentou rememorar os sentimentos que experimentara. Podia ser tudo, mas não era capaz de ler pensamentos. Mas sabia — de alguma forma que não podia dizer como funcionava — que com os anos aprendera a treinar seu parainstinto de vigilância. Era um semimutante. A mutação restringia-se a um ventrículo cerebral escondido, que era responsável pelo estranho dom. Durante dezenas de anos, até que foi gravemente ferido, Pontonac ocupara o lugar de criminalista da Segurança Solar, atuando no setor da psicologia matemática. — Por que não me contou isso antes? — perguntou a moça. — Você nunca perguntou. — respondeu Edmond. — Quer dizer que você possui um instinto que o torna capaz de detectar variações de sentimentos e coisas parecidas? Como funciona isso? Pontonac deu-lhe o copo, para que ela o enchesse de novo. Depois levantou a cabeça, olhou fixamente para a tela e riu. — Por que está rindo? — Porque meu olho de lince acaba de ver uma coisa. Espero... Quero que seja uma surpresa. Você me perguntou como funciona meu dom especial. Da seguinte maneira: no momento em que alguém mente para mim — ou quando ouço alguém mentir para outra pessoa — sei perfeitamente que este alguém está mentindo. Fico sabendo de repente e
tenho tanta certeza como tenho de que a raiz quadrada de sete vírgula três é exatamente dois vírgula sete zero dois. Simplesmente sei, e a experiência de muitos anos me ensinou que o que sei corresponde à verdade. Caryna acenou com a cabeça e observou em voz baixa: — Aqui está seu copo. Ainda bem que tenho a consciência tranquila. Não me lembro de alguma vez ter mentido para você. Pontonac contemplou-a pensativo e disse em tom seco: — Afinal, você não é uma ertrusiana. Mas o fato de que este homem de cento e noventa centímetros de altura, cujo corpo quase chegava a parecer estreito e frágil demais para o tamanho, irradiava constantemente uma expressão de satisfação e otimismo, tinha raízes mais profundas. Quando tinha cinquenta e oito anos Edmond V. Pontonac foi gravemente atingido por uma arma energética pesada. Tiveram de amputar-lhe ambas as pernas e o braço com parte da articulação do ombro. Sua circulação foi reduzida, para que a redução de capacidade não se transformasse num perigo. Depois disso fizeram uma ligação de tubos de aço terconite e plástico medicinal com os ossos. Por meio dum entrelaçamento hipertóictico ligaram os nervos e os fios condutores de energia da construção siganesa, que era movida com as baterias que já conhecemos. Graças a um pequeno computador com uma programação relativamente simples garantia-se a harmonia dos movimentos. Quando — naquela oportunidade — Pontonac acordou, viu que não faltava nada em seu corpo. Mas aos poucos foi compreendendo que era um aleijado. Levou mais de um ano para conformar-se com essa situação, uma vez que pelos padrões terranos era um homem nos seus melhores anos. Mas aos poucos, num processo insidioso, a impressão de ser um aleijado que dependia de aparelhos mecânicos foi-se transformando na impressão melhor e mais forte de que estes aparelhos o tornavam superior aos outros. Seus movimentos eram mais rápidos, melhores e mais seguros. O braço direito, corretamente usado, podia transformar-se numa arma mortal. Edmond acostumara-se há tempo ao peso que aumentara de forma insignificante. Só tinha de cuidar-se para que o corpo natural apresentasse a mesma cor morena sadia que a pela de plástico, da qual até brotavam cabelos artificiais. Foi graças a estes dispositivos que os ertrusianos, apesar de tudo, sentiram uma verdadeira admiração pelo terrano de cabelos castanhos. Dali a alguns minutos soou o sinal de chamada do intercomunicador. — Pontonac falando. — disse Edmond, inclinou-se e ligou a imagem. Era o guarda de plantão na eclusa polar. — Senhor. — disse. — Acaba de chegar um planador do governo. Os policiais se retiram. Parece que teremos visita. — Faça o favor de escoltar os ertrusianos ao meu camarote. — disse Edmond rindo. — São bem-vindos. Pontonac levantou. — Foi esta a surpresa à qual você se referiu? — perguntou a moça. — Vi na tela quando o planador saiu da entrada do porto espacial. Tenho certeza quase absoluta que Vigeland ou Runema Shilter vêm para cá explicar por que resolveram ajudar a Terra. Enquanto Edmond sorria confiante, a imediata olhou para a porta fechada. Não compreendia mais o mundo em que vivia. Principalmente em Ertrus.
18 Runema Shilter acabara de mudar de roupa. Parecia que num próximo encontro queria convencer os terranos de que os ertrusianos eram os gigantes do Universo em todos os sentidos. Usava botas que chegavam quase aos joelhos e por cima delas uma calça elástica, com trabalhos em prata e largas faixas vermelhas. A calça era sustentada por um cinto no qual estava pendurada uma arma gigantesca. Quase chegava a ser um canhão. Quando se abaixou para passar pela porta teve-se a impressão de que enchia todo o camarote. Eram mais de oitocentos quilos. A moça e Edmond contemplaram a pele castanha-avermelhada do gigante, os cabelos cor de areia bem-tratados formando uma faixa no centro do crânio e as partes cuidadosamente depiladas da cabeça. Um par de olhos escuros chamejou para Pontonac. — Seja bem-vindo, Triúnviro Shilter. — disse Edmond em tom calmo. — Lamento não lhe poder oferecer um lugar para sentar. Acontece que nossas espaçonaves são leves e ligeiras. O ertrusiano estendeu-lhe a mão. — Só lhe peço que não tente mais um dos seus dolorosos apertos de mão. — advertiu. — Senão vou embora logo. Tem alguma coisa para beber? — É para já. — disse Caryna. — O que me deu o prazer da visita, triúnviro? — perguntou Pontonac. Tirara a palavra triúnviro da antiga história romana. Em outros tempos os três homens, que eram os triúnviros, governavam Roma. Foi dali que o triunvirato ertrusiano tirou o nome. — Preciso falar com o senhor, comandante. — Não há nada que o impeça. — disse Pontonac, e sentou. Perto do gigante ertrusiano parecia um liliputiano. Tratava-se de um truque psicológico que Edmond resolvera aplicar. — O senhor ficou decepcionado com nossa reação, não ficou? — perguntou o ertrusiano indo diretamente ao assunto. Pontonac registrou alguma insegurança e um leve sentimento de vergonha, além de um esforço de sair dali sem humilhar-se que dominava aquele homem. — Devo confessar que fiquei muito decepcionado, triúnviro. — disse Edmond em voz baixa. — Até o nome que lhe é dado é um produto da cultura terrana. Há muitas gerações seus antepassados eram que nem eu... um pouco diferentes. — Fiquei decepcionado porque três homens de estado adultos como os senhores ficaram durante várias horas incapazes de responder sim ou não. — É claro que queremos ajudar a Terra. — afirmou o ertrusiano. Era verdade. O homem ficou aliviado por ter dito isso ao terrano. De certa forma Pontonac esperara essa reação. Quando respondeu, sua voz era ainda mais amável. — Bem no fundo nunca duvidei disso. O ertrusiano colocou a mão enorme sobre a arma, brincou nervosamente com a trava e disse: — Ficamos decepcionados por terem mandado um simples coronel que pouco antes foi investido no cargo de embaixador conforme provam suas credenciais. — Prefeririam que Perry Rhodan tivesse vindo?
— De fato. Nosso prazer seria maior. Pontonac levantou o dedo e disse em tom solene: — Ninguém pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Nem mesmo Perry Rhodan, por mais que deseje. Rhodan não se encontra nesta galáxia. Seu Serviço Secreto já deve ter descoberto isso. “Parece que não.” — pensou Pontonac, que registrava um sentimento de estranheza e espanto em seu interlocutor. — Não? — Pode acreditar. Senão estaria aqui, o que também me deixaria um pouco mais alegre, pois não se incluem nas horas felizes de um homem ter de negociar com parceiros que se fazem de prestativos, mas na verdade nos repelem. Seria uma grande satisfação para Ertrus e a Liga Carsualense se o próprio Rhodan viesse pedir ajuda, não seria? O ertrusiano deu alguns passos e contemplou pensativo um quadro que mostrava parte do porto espacial. — Como pode ter tanta certeza? Aos poucos Pontonac foi ficando mais tenso. Antes que o ertrusiano entrasse Edmond ligara o intercomunicador e fixara a imagem. A conversa podia ser ouvida em todos os cantos da nave. — Deduzi. Deighton, que é o chefe de nossa Segurança Solar para organizar os reforços em espaçonaves de sua organização, e eventualmente fazer a troca de tripulações. — Reginald Bell luta com os coletores, conforme informei hoje ao meio-dia. — Tifflor também comanda uma frota... e os outros estão ocupados tentando defender à sua maneira a cultura terrana. — É este o único motivo por que estou aqui. Naturalmente respondia com inteligência às reações silenciosas do ertrusiano e aproveitava seus efeitos para tentar abrir um caminho para Runema Shilter. Este caminho representaria mais algumas dezenas de milhares de naves para ajudar os terranos. — Parece ser um motivo plausível. Pontonac fez um sinal para Shilter e respondeu: — Uma grande necessidade sempre é um motivo plausível. Vejo que os senhores colocaram as faixas dakkar. Quer ver uma coisa interessante? — Seu espetáculo de circo? — perguntou o ertrusiano. — Isso mesmo. O tigre e o cappin. Existe uma rima antiquíssima de um portador de prémio Nobel, se não me engano. Era uma vez um cappin, de Riga, montado num tigre... Shilter ergueu a mão e pediu: — Por favor, poupe-me de ouvir a lírica moderna. Não precisamos deste tipo de importação da Terra. Vamos ver o tigre. — Para Riga. — concluiu Pontonac. Saíram do camarote, desceram alguns conveses e foram para a frente dos campos energéticos ligados. O ertrusiano ficou impressionado com o corpo tremulado cappin e os longos dentes caninos do tigre. Pontonac explicou em palavras ligeiras e objetivas qual era a finalidade da apresentação. Shilter virou-se e perguntou: — É mesmo tão grave? Pontonac acenou com a cabeça. O homem ainda não acreditava nele, sentia-se inseguro e procurava um bom motivo.
— É. Já fui assumido por pouco tempo por um pedotransferidor. Além disso, já contei o que aconteceu quando foram assumidos os calfactores e certas pessoas em Normon. Neste momento noventa mil fragmentos parecidos com espaçonaves pertencentes a um conjunto ainda desconhecido correm para a Terra. — Estão repletos de transferidores. — Eis aí o perigo. Imagine o estrago que podem causar! Um dos três homens mais poderosos deste império, dominado por uma mente estranha e malvada, que chega até a ditar seus movimentos enquanto se alimenta? O ertrusiano estremeceu e disse: — Trinta mil bastam? — Uma doação de trinta mil solares para a construção de espaçonaves? — perguntou o terrano ironicamente. Sua risada deixou desarmado o ertrusiano, que levantou a mão e disse em voz alta: — Trinta mil unidades pesadas de brava frota da Liga Carsualense. Pontonac respirou profundamente. Ganhara a parada. — Bastam. Não posso agradecer-lhe como devia, mas um dia Rhodan cuidará disto. Imagine como ficará satisfeito. O poderoso Rhodan chegando a Ertrus para agradecer em caráter oficial pelo auxílio militar. A posição do triunvirato será consolidada com vigas de aço. O ertrusiano tirou uma caixinha achatada do bolso interno de sua pomposa jaqueta, apertou um botão e disse: — Dê ordem para que as trinta mil unidades decolem. Deverão dirigir-se às coordenadas fornecidas pelo Coronel Pontonac e submeter-se ao comando de Reginald Bell enquanto o último coletor não tiver sido destruído. Confirme. Uma voz nervosa confirmou a ordem. — Satisfeito, terrano? — Completamente. — respondeu Pontonac. A Dara Gilgama decolou para a viagem de volta ao Sistema Solar. 6.136 anos-luz. — era a distância... E nenhum deles sabia que voavam para um destino muito incerto.
19 A Dará cumprira sua tarefa. Os terranos sentiam-se satisfeitos por estarem voltando. Dentro de dois ou três dias saberiam exatamente quais eram as chances da Terra. Deviam ser boas, uma vez que as frotas também se dirigiam ao Sistema Solar, ou melhor, às coordenadas indicadas, onde estava sendo travada a batalha entre a frota de Bell e o que restava dos coletores. Metade da tripulação estava de folga nos camarotes — a outra metade estava sentada à frente dos controles e da direção. Foi um voo tranquilo, sem problemas técnicos. — Acho que o senhor deve estar satisfeito. — disse Drosen K. Willshire, que estava sentado na sala de comando, ao lado de Pontonac. — Será que tenho algum motivo para não estar? — perguntou Pontonac. Registrou automaticamente a calma e a satisfação de seu interlocutor. — Não. Gostaria de fazer uma pergunta. O que faremos com nosso animal de estimação? Pontonac e Willshire deram uma risadinha. Finalmente Edmond explicou: — Provavelmente o tigre dente-de-sabre voltará a ocupar um lugar de honra em nosso gigantesco zoológico. Quanto ao takerer, podemos deixá-lo voltar ao seu corpo e despachá-lo para Gruelfin. Todos se sentiam como pessoas que tinham resolvido um problema da maior importância para grande número de seres humanos. A nave corria para o destino. Ninguém tinha motivo de ficar preocupado. — A rota foi exatamente programada? — perguntou Pontonac depois de algumas horas. — Foi. Apesar disso acho que deveríamos voltar ao espaço normal e fazer uma verificação. Só levará alguns minutos, mas teremos certeza. — De acordo. Qual é o tempo previsto para chegarmos ao destino? — Trinta horas. Pontonac examinou os instrumentos e disse: — Daqui a cinco horas sairemos do espaço linear por um instante. Posso ter certeza de que serei acordado quando chegar a hora? — Naturalmente. — respondeu Willshire. Edmond Pontonac despediu-se ligeiramente e recolheu-se ao camarote para dormir algumas horas. Foi arrancado do sono pelos alarmes. — Droga! — gritou e saltou da poltrona. Correu para a sala de comando. A nave encontrava-se no espaço normal. Pontonac viu isso nas telas do intercomunicador que encontrou pelo caminho. Dali a instantes saltou do poço do elevador, correu para perto do segundo-oficial e perguntou em voz alta: — Que aconteceu, Drosen? — Um ataque. — respondeu Willshire. — Parece que caímos nos braços de uma pequena frota. Segundo informaram, são naves vindas da Ordem de Shomona. Tratava-se de um sistema independente que mantinha relações comerciais com a Terra, mas não era amigo nem inimigo do planeta. Uma tela de rastreamento acendeu-se mostrando uma série de pontos movimentando-se rapidamente, que corriam de todos os
lados para a Dara Gilgama. Os campos defensivos da nave terrana foram ativados e reforçados. — A Ordem de Shomona... que será que essa gente quer de nós? — perguntou Pontonac em tom de espanto. O serviço de rádio captou uma mensagem direcionada em áudio e vídeo. Dali a um segundo os homens que se encontravam na sala de comando viram o busto dum comandante de espaçonave. Os alto-falantes estalaram. — Queira dar sua identificação! — disse o comandante em tom impaciente. Pontonac ergueu a mão a título de cumprimento e disse: — Couraçado terrano Dara Gilgama, comandada pelo Coronel Pontonac, voltando de uma missão diplomática. — Sou o comandante Artus Minor, do terceiro grupo de cruzadores. — respondeu o comandante. — O senhor fica intimado a reduzir a velocidade e pousar no planeta mais próximo. Entrou na região submetida à nossa soberania. — Frear lentamente. — ordenou Pontonac ao piloto. — Mas esteja preparado para entrar novamente no espaço linear. — Será difícil. Estamos sendo escoltados muito de perto. — Tente. — Entendido. Pontonac voltou a dirigir-se ao comandante da frota de patrulhamento e disse em tom resoluto: — Não tivemos a intenção de violar sua soberania. Só saímos do espaço linear para fixar a rota. Além disso, gozamos do status de diplomatas e temos certas prerrogativas. Prometo que seguiremos viagem imediatamente e esqueceremos seu sistema. Artus Minor sacudiu ligeiramente a cabeça e respondeu em tom enérgico: — Tenho minhas ordens. Sinto muito, mas terei de obrigá-los a pousar. Se necessário serei obrigado a usar as armas. O senhor vai conversar com o chefe de nossa segurança planetária. Cabe somente a ele decidir o que será feito com os senhores. Quer arriscar um combate? — Não se puder evitá-lo. — respondeu Pontonac. Em seguida perguntou ao piloto, em voz alta e clara, para que Minor o ouvisse: — Será possível saltarmos para o espaço linear? Olhou para as telas e viu imediatamente que seria pelo menos muito arriscado. As naves estranhas tinham-se aproximado ainda mais. Voavam tão perto que quase não se viam mais as estrelas na galeria panorâmica. Naquele momento mais uma nave que desenvolvia mais de cinquenta por cento da velocidade da luz entrou na rota da Dara. O piloto foi obrigado a frear repentinamente para evitar a colisão. — Droga! — disse Willshire em tom exaltado. — Sinto muito. — disse Minor. — No que me diz respeito, peço desculpas. Mas tenho minhas ordens. Por favor, sigam minhas instruções. Acredito que sua permanência involuntária em nosso planeta só durará algumas horas. Pontonac acenou com a cabeça para o piloto e disse: — Detesto ver terranos atirarem em terranos, sejam quais forem as circunstâncias. Evitemos a luta. Vamos pousar. — Fico muito satisfeito. — disse Minor em tom de alívio. Enquanto a Dara freava, recebia novas coordenadas de voo e se dirigia ao planeta indicado, Pontonac olhou para a tela. O homem que aparecia nela tinha muita certeza do
que estava fazendo. Recebera ordens de deter a nave terrana de qualquer maneira e obrigá-la a pousar. Será que em alguma nave da Ordem de Shomona existia um aparelho com o qual se podia localizar objetos no espaço linear? Provavelmente. De qualquer maneira tinham esperado e interceptado a nave. As outras espaçonaves estavam no ponto exato. Se tivessem decolado mais tarde, não poderiam ter chegado lá tão depressa. — O procedimento de seu governo não me agrada nem um pouco. — disse Pontonac em tom seco. — Os senhores sem dúvida sofrerão as consequências. Viu que seu interlocutor se comportava duma forma impecável. Não sabia exatamente por que tinha de realizar essa missão, mas recebera suas ordens do chefe de segurança em pessoa. — Formidável! — disse Caryna em tom irônico. — Pouco antes de chegar à Terra fomos bater num recife. — O recife não é maior que um seixo. — consolou-a Pontonac. Seguiram-se as manobras cansativas que acompanhavam uma manobra desse tipo. O pouso. As outras naves escoltaram a Dara até que ela ficou parada no porto espacial. Via-se que todos os projetores estavam com as tampas levantadas. As tripulações estavam prontas para abrir fogo. No espaçoporto as naves do planeta Claudor II pertencente ao sol Syordon formaram um círculo em torno da Dara. Pontonac mandou desligar as máquinas. A imagem projetada na tela mudou, mostrando um homem magro, que devia ter uns cinquenta anos. — Lamento, comandante Pontonac. — disse o homem com uma estranha rigidez no rosto. — Infelizmente as circunstâncias de nosso encontro não são muito agradáveis. Para ambas as partes. “Que coisa notável.” — pensou Edmond. — “Parece que este homem também se arroga certo direito moral. Sabe que nosso pouso forçado foi correto. Nada de escrúpulos, nenhuma insegurança.” — Também lamento, ainda mais que não compreendo. — respondeu Edmond em tom amável. — Que mal fizemos aos senhores? — Meu nome é Wandte Artian. — disse o homem magro, cuja pele tinha uma cor doentia. — Nem falo no fato de os senhores terem entrado em nossa área de soberania sem terem sido autorizados. Isso pode acontecer. Também não serão considerados espiões, embora se pudesse montar uma acusação neste sentido. Mas apesar disso vejo-me obrigado a prendê-lo. Pontonac ficou perplexo. — Prender-nos, Mister Artian? — perguntou estupefato. — O senhor ouviu. Se olhar bem para as telas verá que há uma pequena nave terrana estacionada na margem do porto espacial. É a Giordano Bruno Júnior. Fomos obrigados a confiscá-la porque a Terra nos deve noventa e sete milhões de solares. A nave e sua tripulação não valem tanto. Precisamos de outras garantias. O senhor há de permitir que internemos parte de sua tripulação. Pelo menos até que a Terra pague tudo que temos a receber. Pontonac compreendeu. Perguntou-se se esse mundo tinha enlouquecido de vez. Até parecia uma piada de mau gosto. Mas quando viu quinhentos soldados espaciais entrando na Dara compreendeu que a coisa era muito séria.
20 30 de junho de 3.438. Sistema solar: Syordon, na área da Ordem de Shomona. Planeta: Claudor II. Cidade: Thaumata Major. Local: Um pequeno hotel imundo. Willshire, que estava desarmado e num estado de espírito que não poderia ser pior, caminhava de um lado para outro à frente da janela. Do lugar em que estava via o porto espacial e a pequena nave terrana. — Quando penso nisso, sinto dores de estômago de tão aborrecido que fico. — disse. Pontonac estava deitado numa poltrona com o forro sujo e rasgado, com os pés descansando em outra poltrona. Parecia que estava cochilando, mas na verdade seus pensamentos se movimentavam com uma rapidez alucinante — em círculo. — Pare com isso! — disse contrariado. — Pare de lamentar-se, Drosen. A tripulação da nave cargueira menor, apressada em primeiro lugar, fora libertada. Eram cem homens, que Wandte Artian mandara colocar na Dara. Em compensação saíram cento e cinquenta homens da Dara. O último trabalho de Pontonac fora escolher os voluntários. Depois disso os idiotas tinham desligado o campo defensivo que cercava o pseudocorpo do takerer. No mesmo instante o tigre dente-de-sabre ficou livre do hóspede. O animal estava no zoológico de Thaumata Major. Não se sabia se ele se sentia bem. As mudanças de local muito rápidas não faziam bem à saúde. — Nem comecei! — gritou Willshire. Estavam tresnoitados e com a barba por fazer. Tinham sido levados a esse hotel. Todos os terranos que se encontravam em Claudor II “moravam” lá. A Dara Gilgama decolará em direção à Terra. Pontonac pedira à moça que entrassem em contato com Deighton e Homer G. Adams, para que a dívida que incomodava tanto fosse liquidada. Cento e cinquenta terranos e a nave Giordano Bruno Júnior estavam presos para garantir a importância de noventa e sete milhões de solares, que a Ordem de Shomona exigia da Terra. — Não compreendo. — disse Edmond. — O quê? — Primeiro, que a Terra ainda não tenha pago uma dívida desse valor; segundo, que não tenha respondido aos avisos que o planeta deve ter mandado. Terceiro, que o governo planetário recorreu a estes meios para fazer valer sua exigência. Por mais que pense, não encontro uma solução satisfatória. — Receio que nem mesmo Wandte Artian compreenda! Os dois entreolharam-se. — Já estou enjoado deste hotel fedorento, onde nem os robôs sabem dizer por favor. Que podemos fazer? Pontonac sorriu ironicamente. Sentia a mesma disposição como há tempos num planeta desértico, quando perseguiu a mente de Vascalo no corpo de Ovaron. Até então tivera paciência, quase
chegando a sacrificar sua personalidade e os soldados. Negociara, pedira, tentara convencer. Calma e refletidamente. Mas agora queria agir. Depressa e para fazer valer. — O que temos? — perguntou Willshire. — Cento e cinquenta homens e uma nave pequena. Além duma decisão inabalável. Drosen acrescentou em tom sarcástico: — Saímos do hotel de noite e às escondidas, pegamos o chefe de polícia como refém e roubamos a Giordano Bruno. Que nem num filme. — Muito engraçado! — Por que não? — prosseguiu Edmond Pontonac. — Por que não haveríamos de conseguir apoderar-nos da nave e voar para a Terra? Naturalmente não da forma que o senhor acaba de descrever, mas de uma maneira mais esperta. Voltaram a entreolhar-se, desta vez com ar de conspiradores. *** Dali a duas horas apareceu Wandte Artian acompanhado por dois funcionários. Passou os olhos pelo quarto, esforçou-se para assumir um ar de irônica superioridade e Edmond sentiu que começava a sentir-se um pouco inseguro. — Que prazer termos visita! — observou Pontonac em tom sarcástico. — Trouxe uma promissória que devemos assinar? — De forma alguma. Vim esclarecer algumas coisas. O senhor dispõe de plenos poderes sobre sua tripulação? — Por enquanto. Pontonac estava tenso. Sabia que Wandte queria desculpar-se pelo que estava fazendo. Tudo dependeria dos argumentos de Pontonac e de seu bom humor, isto se ele ainda o possuísse quando voltasse à Terra. Era este o motivo da insegurança. — Tenho poderes para facilitar sua estada aqui em tudo que for possível. O senhor e seus homens serão alojados num hotel de primeira categoria. Pode andar à vontade pela cidade, fazendo compras e outras coisas. A pequena espaçonave, que é nossa garantia, e todas as outras são tão bem vigiadas que qualquer tentativa de fuga estará condenada ao fracasso. Como astronauta o senhor sabe quais são as chances. — Sem dúvida. — disse Willshire. Pontonac estendeu a mão. Os dois homens trocaram um longo aperto. Depois que o chefe de segurança foi embora, Edmond observou: — A insegurança tomou-os gentis e transigentes. Agora temos tudo que queremos. Os dois sorriram. — Um novo papel a ser desempenhado por Edmond Pontonac — de sequestrador de espaçonave. Quando deve começar a operação? — Em dois dias, em um mês, em um ano... depende de inúmeros fatores. Os dois foram devagar para perto da janela e olharam para fora. Encontravam-se num apartamento do quarto andar do hotel. Entre as copas das árvores de um parque maltratado viam a protuberância central cinzenta da pequena nave. Uma nave era a única possibilidade de chegar à Terra. Mas Edmond nem sequer tinha certeza de que na confusão da batalha e em meio aos outros problemas Homer G. Adams realmente se lembraria de pagar a dívida do Império. Muitas coisas ou pessoas importantes fracassavam por causa de incidentes do tamanho dum grão de areia. De qualquer maneira Pontonac e seus companheiros tinham cumprido satisfatoriamente sua missão nos impérios estranhos. A certeza disto tornou a espera um pouco menos desagradável.
*** ** *
Enquanto o Coronel Edmond Pontonac, comandante militar da lua de Saturno Titã, cumpre a missão arriscada de Mensageiro do Sol, coisas surpreendentes acontecem em Gruelfin. O Tachkar mobiliza suas últimas reservas — a frota dos clãs. A Frota dos Clãs — é este o título do próximo volume da série Perry Rhodan.
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