Os pioneiros da habitação social

March 6, 2019 | Author: Eduardo Cabral Golfetto | Category: Urbanism, Sociology, State (Polity), Economics, Brazil
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Os pioneiros da habitação social - Trechos_Pioneiros_Vol1...

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Os pioneir pioneiros os da habitação social

I

FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP

Projeto desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Pioneiros da Habitação Social

Presidente do Conselho Curador 

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

Mário Sérgio Vasconcelos

Administração Regional no Estado de São Paulo

Diretor-Presidente

Presidente do Conselho Regional

Pesquisadores

José Castilho Marques Neto

Abram Szajman

Flávia Brito do Nascimento, Maria Luiza de Freitas, Nilce Aravecchia Botas, Sálua Kairuz Manoel Poleto

Diretor Regional Editor-Executivo

Danilo Santos de Miranda

Ivan Giannini Joel Naimayer Padula Luiz Deoclécio Massaro Galina

 Assessores Editoriais Editoriais

João Luís Ceccantini Maria Candida Soares Del Masso Conselho Editorial Acadêmico

Áureo Busetto Carlos Magno C astelo Branco Fortaleza Elisabete Maniglia Henrique Nunes de Oliveira João Francisco Galera Monico José Leonardo do Nascimento

Pesquisa, textos e legendas  Nabil

Projeto gráfico e editoração eletrônica  Assistentes de edição

Edições Sesc São Paulo

Preparação do texto  Pedro

Gerente Marcos Lepiscopo

Tratamento de imagens

Gerente adjunta Isabel M. M. Alexandre

Desenhos André

Revisão do texto  Mariana

Coordenação editorial Clívia Ramiro, Cristianne Cristianne Lameirinha Produção editorial Rafael Fernandes Fernandes Cação Coordenação gráfica Katia Verissimo Coordenação de comunicação Bruna Zarnoviec Zarnoviec Daniel Colaborador desta edição Marta Colabone

Editores-Assistentes

Anderson Nobara Jorge Pereira Filho

Edições Sesc São Paulo Rua Cantagalo, 74 - 13º/14º andar 03319-000 São Paulo SP Brasil Tel. 55 11 2227-6500 [email protected] sescsp.org.br

Leandro Rodrigues © 2012 Editora Unesp Fundação Editora da Unesp (FEU) Praça da Sé, 108 01001-900 – São Paulo – SP Tel.: (0xx11) 3242-7171 Fax: (0xx11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br www.livrariaunesp.com.br [email protected] Editora afiliada:

CIP – Brasil. Catalogação na publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ B694p v.1 Os pioneiros da habitação social no Brasil: volume 01 / Nabil Bonduki. – 1. ed. – São Paulo: Editora Unesp: Edições Sesc São Paulo, 2014. ISBN Unesp 978-85-393-0522-3 ISBN Edições Sesc São Paulo 978-85-7995-103-9 1. Arquitetura Arquitetura – Brasil – História. História. 2. Arquitetura Arquitetura e história. história. 3. Arquitetura e Estado – Brasil. 4. Planejamento urbano – Brasil – Arquitetura História. I. Bonduki, Nabil. II. Koury, Ana Paula.

14-11356

CDD: 720.981 CDU: 72(81)(091)

Bonduki

Homem de Melo e Troia

Inês Bonduki e Juliana Tiemi

Sérgio José Battistelli

Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan Rogério Rosenfeld

Nabil Bonduki

Bonduki

Edição de fotografia e ensaio fotográfico  Inês

Lourenço Chacon Jurado Filho Paula da Cruz Landim

Ana Paula Koury

Concepção e Coordenação Editorial

Conselho Editorial

William de Souza Agostinho

Bonduki

Coordenação Adjunta

Volume 1 – Cem anos de política pública no Brasil

Jézio Hernani Bomfim Gutierre Superintendente Administrativo e Financeiro

Coordenação Nabil

Pires Biondi

Antônio Carlos Kehl

Ramos

Os pioneir pioneiros os da habitação social

Volume

1

Cem anos de construção de política pública no Brasil Nabil Bonduki

Esta publicação é o reflexo de mais de duas décadas de minuciosa pesquisa sobre a política pública brasileira para a habitação entre 1930 e 1964. Sob o olhar da Arquitetura e do Urbanismo e através de documentação textual e fotográfica, Os pioneiros da habitação social  traz a trajetória e as inovações tecnológicas das implantações de conjuntos habitacionais de várias regiões do país. É de extrema importância para o resgate e para o registr registroo do patrimônio arquitetônico e urbanístico de tais construções, assim como consolida a contribuição histórica para o desenvolvimento destas áreas no Brasil. Auxiliar na organização e disponibilização de material tão relevante é compatível com o que almejamos ao selecionar um projeto. É motivo de orgulho saber que os resultados do trabalho agora estarão disponíveis para estudantes, pesquisadores e qualquer interessado no registro deste período da ocupação urbana no século XX.

Através do Petrobras Cultural, buscamos abordar a cultura brasileira em suas mais diversas manifestações, articulados com as políticas públicas para o setor e focados na afirmação da identidade brasileira, além de contribuir para a permanente construção da memória cultu ral. Ao patrocinar este projeto, a Petrobras reafirma reafirma o objetivo de incentivar o trabalho de resgate e organização do acervo material e imaterial da nossa cultura, com a intenção firme de ampliar a oportunidade de acesso público a esses acervos.

Patrocínio

Apoio

V Na história da arquitetura e urbanismo brasileira, a habitação social sempre foi tratada como um objeto de segunda categoria diante dos edifícios monumentais e das residências da elite. O registro e a análise da moradia dos trabalhadores nunca tiveram o destaque necessário, perdendo-se a memória sobre o espaço ocupado pelos mais pobres. Esta publicação procura suprir essa lacuna. Desenvolvida na USP entre 1997 e 2013 — inicialmente na Escola de Engenharia de São Carlos e, após 2005, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo —, a pesquisa que originou esta obra identificou, levantou e sistematizou a produção de habitação social realizada pelo poder público em todo o país na era Vargas. Organizado em três volumes, o livro foi concebido para tratar esse tema com a mesma qualidade que tem sido dada à “alta arquitetura”. Neste primeiro volume, analisa-se a ação dos principais órgãos promotores, no âmbito de um inédito estudo sobre a história da ação estatal na questão habitacional no Brasil, do início do século XX até os dias atuais. No segundo volume, apresenta-se o inventário de toda a produção, com fichas descritivas por empreendimento e farta ilustração. No terceiro volume, os principais empreendimentos foram analisados, incluindo modelos tridimensionais dos projetos originais e um ensaio fotográfico realizado pelo fotógrafo Bob Wolfenson. A publicação não se viabilizaria sem o apoio da USP, da Fapesp, da Fundação para o Incremento da Pesquisa e Aperfeiçoamento Industrial e de várias empresas, que pela Lei de Incentivo Fiscal patrocinaram o projeto, selecionado em edital público promovido pela Petrobras voltado para a área de “Patrimônio e Documentação”. O acolhimento que a proposta obteve da Editora Unesp e das Edições Sesc São Paulo foi fundamental para sua concretização. A todos os que contribuíram com este trabalho, em especial, os pesquisadores do nosso Grupo de Pesquisa, por onde passaram dezenas de estudantes de graduação e pós-graduação ao longo de dezesseis anos, nossa gratidão pelo esforço realizado. Não se avançará no enfrentamento do problema habitacional brasileiro, com a qualidade que tem faltado, sem a memória e a reflexão sobre o que já se produziu. Este livro joga mais uma pedrinha no árduo caminho para garantir o direito à habitação digna para todos. Prof. Dr. Nabil Bonduki Coordenador do Grupo de Pesquisa Pioneiros da Habitação Social no Brasil

VI

Sumário CEM ANOS DE CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO NO BRASIL: O DESAFIO DE UMA ARQUITETURA PARA A MAIORIA

1

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40

62

Apresentação

A produção rentista da habitação

Origens da habitação social

1889-1930

1930-1964

A política habitacional e urbana do regime militar 1964-1986

VII

78

106

126

Décadas perdidas ou tempos de utopia e esperança?

A Política Nacional de Habitação do século XXI: em direção ao direito à moradia digna?

Desengavetando documentos para pensar o futuro

1986-2002

2003-2010

VIII

Sumário COMO OS PIONEIROS ÓRGÃOS PÚBLICOS ENFRENTARAM A QUESTÃO DA HABITAÇÃO

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164

198

222

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Os Institutos de Aposentadoria e Pensões: previdência e habitação social

Na vanguarda do projeto habitacional no Brasil: a concepção de habitação do IAPI 1936-1966

A concepção de habitação do IAPC: uma produção dispersa 1934-1966

A concepção de habitação do IAPB: das casas unifamiliares aos edifícios modernos inseridos nos centros urbanos 1934-1966

A concepção de habitação da Fundação da Casa Popular: a difusão da casa própria isolada e unifamiliar

IX

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286

300

326

374

Os órgãos regionais: as origens da descentralização da ação habitacional

A Liga Social Contra o Mocambo (LSCM): produção de moradias ou exclusão territorial

Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal: a habitação como um serviço público

Em busca de uma síntese: diversidade, valorização do espaço público e inserção urbana

Referências bibliográficas Créditos de imagens Índice onomástico

X

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Apresentação

Este livro trata do processo de construção da política pública de habitação no Brasil, com ênfase nos aspectos relacionados com a arquitetura e o urbanismo e foco no período entre 1930 e 1964, quando ocorrem, de acordo com as premissas que orientam esta investigação (Bonduki, 1998), as origens da ação do Estado na questão da moradia econômica. A partir de uma longa e abrangente pesquisa, que envolveu grande número de pesquisadores de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, sob minha orientação e coordenação, este trabalho procurou construir uma base empírica até então inexistente, capaz de dar suporte a uma análise aprofundada sobre uma etapa fundamental da formulação da política habitacional no país. A publicação não se limita, entretanto, ao período que foi o foco principal da pesquisa. Preliminarmente, objetiva-se situar este período num contexto histórico mais amplo: os cem anos de ação estatal na problemática habitacional que se completaram em 2012, mostrando como se foram construindo os elementos essenciais de uma política habitacional no país. Desse modo, é possível enquadrar adequadamente a contribuição específica desse período, relacionada

com uma especial preocupação com a qualidade de projeto arquitetônico e inserção urbanística. O trabalho defende a tese de que, na segunda década do século XXI, alcançaram-se as condições para que o direito à habitação digna possa ser garantido para todos os cidadãos brasileiros. No entanto, a questão fundiária, a qualidade do projeto e a inserção urbana dos conjuntos habitacionais estão distantes das preocupações dos atuais governos no enfrentamento do problema, o que dá sentido e atualidade para este livro. Ao resgatar uma faceta pouco conhecida da história da arquitetura e do urbanismo do país, procura-se aqui contribuir, modestamente, para uma correção de rumos da atual política habitacional brasileira. Para desenvolver essa hipótese, foi necessário construir uma periodização da trajetória da ação do Estado na questão da habitação, procurando identificar como ela foi tratada em cada momento e sintetizar os avanços conquistados e as limitações e entraves encontrados, com ênfase nos aspectos arquitetônicos e urbanísticos. Este esforço não pretende, nem de longe, esgotar uma tarefa de maior fôlego, que consiste na elaboração de uma história das políticas públicas de habitação no país. O livro ape-

Apresentação

nas pavimenta um pouco mais este caminho. A intenção foi traçar um quadro referencial que possa mostrar a contribuição que cada um dos períodos retratados trouxe para alcançar a situação promissora e desafiante que se atingiu em 2011 e, em particular, situar num contexto histórico amplo o que representou o período para a construção da política pública em questão. É nesse sentido que emerge o principal objetivo da pesquisa que deu origem a este livro: levantar, sistematizar e analisar a produção realizada pelos órgãos públicos e profissionais que participaram da elaboração do primeiro ciclo de empreendimentos habitacionais implantados por iniciativa do poder público no Brasil. A partir da análise de toda a produção habitacional realizada entre 1930 e 1964, obtida a partir de um levantamento de larga escala em todo o território nacional e de um enorme esforço de processamento do material levantado – que gerou o inventário apresentado no Volume 2 do livro –, a hipótese que se procura desenvolver é que a principal contribuição do período para a construção de uma política pública de habitação no Brasil foi no campo de arquitetura e urbanismo, envolvendo uma ampla gama de propostas que eram inovadoras naquele momento e continuam atuais para um enfrentamento consistente do problema da moradia econômica e social no país. Questões de grande atualidade, como processos de construção industrializada, heterogeneidade de tipologias habitacionais, diversidade arquitetônica, adequada inserção urbana e valorização dos espaços públicos, foram desenvolvidas nos empreendimentos realizados no período, com melhor ou pior resultado, mas definindo uma agenda que hoje não só não vem sendo implementada, como tem sido negligenciada pelos governos que, em diferentes níveis, têm enfrentado a questão habitacional.

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O aprofundamento da pesquisa iniciada em Origens da habitação  social no Brasil A investigação que deu base empírica a este livro é a continuidade e o aprofundamento de estudo anterior que resultou na minha tese de doutorado e no livro Origens da habitação  social no Brasil (Bonduki, 1994; 1998a), que resgatou a produção habitacional do período de 1930 a 1964, inserida no contexto de modernização, intensificação da acumulação do capital, transformação das condições de reprodução da força de trabalho e intensa urbanização. Esses processos foram decorrentes da implementação do projeto nacional-desenvolvimentista, a partir da Revolução de 1930, pelos governos Vargas, que atinge seu clímax com Juscelino Kubitschek e a implantação de Brasília. O trabalho mostrou que a forte intervenção do Estado, a partir de 1930, que gerou o deslocamento de uma economia de base agrário-exportadora para uma de base urbano-industrial (Oliveira, 1971), exigiu medidas para reduzir o custo do trabalho urbano, gerando, entre outras consequências, a transformação do problema da habitação numa questão social. Iniciativas governamentais tomadas nesse sentido definiram o perfil do enfrentamento do problema habitacional na segunda metade do século XX. Entre elas, podem ser destacadas a regulamentação das relações entre proprietários e inquilinos, com a regulação dos aluguéis, o estabelecimento de condições para a ampliação em larga escala do padrão periférico de crescimento urbano, baseado no trinômio acesso informal à terra, autoconstrução e casa própria, e o início do financiamento e da produção de habitação social por entidades públicas. Entre os inúmeros aspectos tratados em Origens, o que ganhou mais repercussão, sobretudo na área acadêmica de Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo, foi a revelação do ciclo de projetos habitacionais desenvolvidos pelos institutos de aposentadoria e pensões e outros órgãos atuantes no período.

3 Até então praticamente desconhecidos (com exceção da contribuição de A. E. Reidy), pela historiografia da arquitetura brasileira, marcada por uma trama interpretativa desvendada por Martins (1987), os projetos surpreenderam por sua qualidade urbanística e arquitetônica e por introduzirem questões fundamentais para o enfrentamento massivo do problema da habitação, como a produção seriada e estandardização, que foram incorporadas nas propostas desenvolvidas no país como uma repercussão do ideário moderno, em particular das teses formuladas no âmbito dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciams). O interesse sobre essa faceta da análise foi bastante expressivo entre os arquitetos e urbanistas, potencializado pelo fato de que a qualidade da produção habitacional deixou de ser um aspecto relevante no período seguinte, o da massiva produção financiada pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), criado em 1964, e, a bem dizer, segue assim até hoje. Apesar da repercussão que esse aspecto ganhou, é necessário ter em conta que a pesquisa que fundamentou Origens da habitação social no Brasil não tinha como foco exclusivo nem principal uma análise aprofundada desses conjuntos residenciais. O objetivo era identificar como o Estado interveio na questão habitacional no âmbito da construção de um pro  jeto de desenvolvimento para o país, na perspectiva de revelar o contexto em que o problema habitacional transformou-se em uma questão social no Brasil. De caráter eminentemente interdisciplinar, a tese envolvia, além de uma reflexão inovadora no âmbito da História da Arquitetura e do Urbanismo, análises de Economia Política, Sociologia e História Social sobre diferentes aspectos dos processos tratados, que iam muito além da produção estatal de habitação social. A importância que ganhou o subtema dos conjuntos residenciais e de sua relação com a arquitetura moderna acabou por obscurecer a análise de outras questões de grande importância que ainda não tinham sido investigadas, como as razões que levaram à promulgação, em 1942, e manutenção por décadas da Lei de Inquilinato, objeto que, originalmente, era o objetivo principal da pesquisa.

Por essa razão, o levantamento e a análise da produção habitacional realizada no período não foram exaustivos naquele livro. O estudo foi desenvolvido a partir de um número relativamente pequeno de empreendimentos, embora fossem alguns dos mais significativos do ponto de vista dos projetos arquitetônicos. Ainda não era possível identificar com clareza as diferentes políticas de projeto desenvolvidas por cada um dos órgãos promotores, nem as especificidades das suas organizações; as influências internacionais não estavam suficientemente mapeadas. Até mesmo detalhes importantes dos projetos revelados eram desconhecidos. A investigação realizada até aquele momento era suficiente para desenvolver as hipóteses principais daquela tese, em especial o papel da habitação no âmbito da política de redução do custo de reprodução da força de trabalho e de proteção aos trabalhadores com carteira assinada e a importância desse ciclo de conjuntos residenciais para a arquitetura moderna brasileira. No entanto, era necessário um aprofundamento substancial da investigação para que se pudesse chegar a conclusões mais definitivas sobre o que foi a ação estatal na questão da habitação no período que antecedeu a criação do BNH e sobre qual seria sua contribuição para o aperfeiçoamento da política habitacional brasileira.

Arquitetura moderna e habitação econômica no Brasil Para aprofundar o estudo desse objeto foi proposta uma nova investigação, que deu as bases empíricas para este livro. O objetivo principal da pesquisa foi realizar um levantamento completo dos empreendimentos habitacionais realizados por órgãos estatais no período de 1930 a 1964, analisar detalhadamente os mais significativos e enquadrar esse ciclo no âmbito da trajetória mais geral do enfrentamento do problema habitacional no Brasil no século XX. A primeira etapa dessa investigação foi desenvolvida entre 1997 e 2001, no antigo Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP),

Apresentação

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onde fui professor por vinte anos, como uma das pesquisas específicas integrantes do projeto temático “Arquitetura Moderna e Habitação Econômica no Brasil (1930-1964)”, que reuniu cinco pesquisadores principais da EESC-USP e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), sob minha coordenação e da professora Maria Ruth Sampaio. Esse projeto, apoiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), objetivava estudar diferentes recortes da questão da habitação econômica no período: produção pública, produção privada, áreas residenciais das cidades novas, legislação e instituições relacionadas com a questão urbana e habitacional e relação entre desenvolvimento tecnológico e produção habitacional.

Ao final desta etapa, em 2001, já tinha sido alcançado um resultado expressivo, embora insuficiente, com a organização do acervo físico e digital de um grande número de empreendimentos (embora ainda restrito sobretudo aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro), identificação da produção de cada órgão promotor, recuperação da trajetória dos principais profissionais e análises específicas, realizadas tanto nos relatórios da pesquisa como em trabalhos de iniciação científica, dissertações de mestrado e artigos acadêmicos. O livro Ori gens da habitação social no Brasil, publicado mais de três anos após a conclusão da tese de doutorado, já incorporou alguns resultados preliminares.

Nessa etapa, com a participação de bolsistas de iniciação científica, iniciou-se o levantamento documental, bibliográfico, arquitetônico e fotográfico da produção realizada, assim como a identificação dos órgãos promotores e dos principais profissionais envolvidos. Constataram-se as imensas dificuldades para cumprir os objetivos da investigação, dados o desmantelamento e a dispersão dos arquivos que poderiam guardar a documentação dos projetos, a forte descaracterização dos empreendimentos implantados, a ausência de registros sistematizados, a falta de processos de aprovação da maioria dos projetos nas prefeituras e a dificuldade de acesso a muitos conjuntos, por estarem em áreas sob domínio do crime organizado. Tais problemas dificultaram e atrasaram substancialmente o andamento do trabalho.

Os pioneiros da habitação social no Brasil

Outra questão foi a gradativa perda de vários profissionais que atuaram nesses projetos, embora tenha sido possível entrevistar muitos deles no âmbito da pesquisa. Entre 1994 e 2006, faleceram Carlos Frederico Ferreira (1906-1995), Eduardo Kneese de Mello (1906-1994), Carmen Portinho (1902-2002), Flávio Marinho Rego (1925-2001), Francisco Bolonha (1923-2006), Marcos Kruter (1917-1995) e White Lírio da Silva (1914-2005), todos profissionais com presença destacada na produção habitacional do período. Outros, doentes, não puderam receber os pesquisadores, como o engenheiro Pedro Queima Coelho.

A segunda etapa da pesquisa, com o título de Pioneiros da habitação social no Brasil, foi desenvolvida entre 2005 e 2010 na FAU-USP, com o apoio da Fapesp e através da Lei de Incentivo à Cultura. Nessa etapa, tendo já como horizonte a edição do livro, foram realizados a complementação do levantamento de campo, o aprofundamento da análise e, sobretudo, a sistematização e preparação do material empírico, tendo em vista sua publicação em um padrão de qualidade compatível com a intenção de garantir um tratamento digno para o tema da habitação social. Nessa etapa, foi possível garantir uma abrangência efetivamente nacional ao inventário dos conjuntos residenciais, apresentado no Volume 2, garantindo a investigação em todas as regiões do país. No total, foram documentados 325 empreendimentos, em 81 municípios situados em 24 unidades da federação, reunindo parcela expressiva das unidades habitacionais identificadas na produção pública. Com esse resultado, pode-se afirmar que o inventário, embora não inclua todos os empreendimentos realizados no período, é amplamente representativo do que foi realizado em todo o país. Entre as várias atividades da etapa, foi realizado um amplo levantamento em fontes documentais, com grande dificul-

5 dade, tendo em vista a extinção dos órgãos promotores e o sucateamento dos seus arquivos. Na falta de documentação de muitos empreendimentos, o levantamento arquitetônico e urbanístico teve de ser feito in loco, apesar da descaracterização dos projetos originais e das dificuldades de localização e acesso a muitos dos conjuntos residenciais. Para garantir a melhor legibilidade possível dos projetos, todas as implantações urbanísticas, plantas das unidades e outros elementos projetuais foram redesenhados, procurando uniformizar as escalas para permitir análises comparativas entre as soluções e propostas. Quando apresentavam interesse no ponto de vista documental, foram incorporados ainda desenhos e croquis originais dos autores. O mesmo cuidado foi procurado, ainda, na documentação fotográfica, com pesquisa à exaustão, em publicações antigas, arquivos públicos e privados e álbuns de famílias, de fotografias de época capazes de revelar os conjuntos residenciais e sua vida cotidiana. A tarefa, entretanto, não foi fácil. Por um lado, os arquivos de fotografias dos órgãos promotores desapareceram quase integralmente e, por outro, parte significativa dos empreendimentos não foi contemplada, à época, com uma adequada documentação fotográfica. Em compensação, todos os empreendimentos inventariados foram fotografados em registros contemporâneos. Os onze empreendimentos selecionados para a análise em profundidade, apresentados no Volume 3, receberam tratamento diferenciado, com a criação de modelos eletrônicos dos projetos originais, que permitem conhecer as propostas dos autores que nem sempre foram integralmente realizadas ou que não são mais perceptíveis em face da descaracterização dos conjuntos. Ainda assim, considerou-se importante documentá-los em sua situação atual, em um ensaio especial realizado pelo fotógrafo Bob Wolfenson.

A organização do livro O livro está organizado em três volumes, que correspondem a abordagens diferentes de apresentação do material processa-

do pela pesquisa e de análise dos seus resultados. O Volume 1 é dedicado às análises mais gerais; o Volume 2, ao inventário da produção habitacional do período de 1930 a 1964; e o Volume 3, à análise dos onze empreendimentos mais significativos. O volume 1 está dividido em três partes. A primeira é dedicada à análise sintética do processo de construção da política pública de habitação no Brasil, estabelecendo uma periodização e uma reflexão sobre os principais marcos e referências, com os objetivos apresentados no início desta introdução. Sem a preocupação de ser exaustiva, essa análise objetiva situar o período estudado em profundidade em um quadro mais geral, identificando a contribuição específica da produção habitacional realizada. A segunda parte é dedicada à análise dos seis órgãos promotores que consideramos os mais importantes do período: os Institutos de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), dos Comerciários (IAPC) e dos Bancários (IAPB), a Fundação da Casa Popular (FCP), o Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal (DHP) e a Liga Social Contra os Mocambos (LSCM). Essa parte está focada na identificação das diretrizes de projeto desses órgãos, na perspectiva de revelar as inovações por eles introduzidas e suas limitações no quadro institucional e político do período. A terceira parte é destinada a uma reflexão geral das principais características dos projetos desenvolvidos no período, destacando os aspectos mais relevantes, como a diversidade de produção, a valorização do espaço público, a preocupação com uma adequada inserção urbana e a riqueza dos espaços de sociabilidade criados. O Volume 2 é inteiramente voltado para a apresentação do inventário da produção habitacional do período. Está organizado em nove capítulos, cada um destinado a um órgão ou grupo de órgãos promotores, com exceção do último, que apresenta as áreas residenciais de quatro cidades novas planejadas pelo poder público. Essa divisão permite uma leitura mais orga nizada das características dos empreendimentos desenvolvidos por cada órgão, evidenciando suas diferenças e permitindo uma observação mais clara da trajetória institucional e das

Apresentação

diretrizes de projeto habitacional desenvolvidas por essas entidades. O Volume 3 é composto de textos de apresentação e análise de onze conjuntos residenciais selecionados para uma reflexão mais aprofundada. Trata-se de um esforço coletivo realizado pela equipe de pesquisadores envolvidos com o trabalho que, sob minha orientação e coordenação, desenvolveram análises que procuram identificar o processo de elaboração desses projetos, os avanços que trouxeram e a sua atualidade. De autoria coletiva, os textos finais foram editados na perspectiva de garantir uma estrutura uniformizada e gerar uma compreensão mais precisa da contribuição das iniciativas estudadas para a construção da política de habitação social no Brasil.

Agradecimentos Este livro é uma versão revisada e ampliada da minha tese de livre-docência Pioneiros da Habitação Social no Brasil , defendida na FAU-USP em agosto de 2011. A concepção e a coordenação deste projeto editorial são de minha autoria, em parceria com a arquiteta Ana Paula Koury, coordenadora assistente. Sem os apoios financeiros e patrocínios que recebeu, este trabalho não teria sido possível. Os auxílios da Fapesp e, em menor escala, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foram indispensáveis para a realização da pesquisa e a participação de vários bolsistas de iniciação científica no projeto. Em 2004, a proposta de publicação em livro foi selecionada para receber patrocínio, no âmbito da Lei Federal de Incentivo Fiscal, em edital público na área de Patrimônio e Documentação, promovido pela Petrobras S/A, processo que deu o pontapé necessário para tirar o levantamento de relatórios científicos e começar a tornar sua divulgação uma realidade. A Fundação para o Incremento da Pesquisa e do Desenvolvimento Industrial (Fipai), vinculada à Escola de Engenharia de São Carlos – instituição proponente do projeto ao Ministério da Cultura –, deu a necessária cobertura administrativa para a correta utilização dos recursos e os demais procedimentos legais indispensáveis para iniciativas com essas características.

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Posteriormente, outras empresas participaram do patrocínio: Itaú BBA, Imprensa Oficial, Votorantim, Cebrace e, especialmente, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), empresa que possibilitou uma captação integral do orçamento inicialmente previsto. Muitos amigos e colegas que acreditaram desde o início na importância desse trabalho tiveram papel destacado para o resultado alcançado, dentre os quais gostaria de citar: Suzana Pasternak, Marcos Barreto, Candido Bracher, Mário Willian Sper, Cecília Scarlat, Ana Helena Curti, Abilio Guerra e Silvana Romano. Luis Carlos do Nascimento, gerente do projeto na Petrobras, e a equipe da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura, em especial Alexandra Costa, tiveram a compreensão da dimensão e complexidade da publicação, atendendo os vários pedidos de aditamento do prazo de execução. A Fapesp, parceira de várias etapas dessa pesquisa, apoiou também sua publicação. A publicação é resultado de um processo de pesquisa realizado nos últimos quinze anos por uma grande equipe que vem se dedicando de diversas formas ao trabalho. Ana Paula Koury, Nilce Cristina Aravecchia Botas, Sálua Kairuz Manoel, Flavia Brito do Nascimento, Elaine Pereira da Silva, Juliana Costa Mota e Maria Lucia de Freitas, todas arquitetas e mestras com passagem pela graduação, mestrado e/ou doutorado no agora Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos – onde a pesquisa foi concebida e inicialmente desenvolvida –, estiveram por mais de uma década envolvidas nesta investigação e participaram do levantamento de campo e da análise de alguns dos conjuntos residenciais estudados, apresentando em coautoria comigo ou de maneira independente, sob minha orientação, textos sintetizados no Volume 3 do livro. Nilce, Sálua e Flavia, que finalizaram seus doutorados em 2011, participam dos levantamentos e estudos relacionados com o tema desde a iniciação científica, tendo realizado, em suas dissertações ou teses, investigações específicas, respectivamente, sobre o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, a Fundação da Casa Popular e o Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal, trabalhos que foram referências fundamentais para o presente estudo.

7 Muitos outros alunos de graduação e de pós-graduação em arquitetura da EESC-USP e da FAU-USP, além de colaboradores de outras instituições, estiveram envolvidos nos levantamentos de campo e sistematização do material de pesquisa: na primeira etapa, entre 1987 e 1995, os estudantes e bolsistas de iniciação científica Maurício Ribeiro da Silva, Maria Cláudia de Oliveira, Mayra Carvalho; na segunda etapa, entre 1997 e 2001, as estudantes e bolsistas de iniciação científica Elaine Pereira da Silva, Nilce Cristina Aravecchia Botas, Sálua Kairuz Manoel, Juliana Costa Mota, Paola Werneck Padovani, Silvia Siscar, Manoela C. Souza, Rafael M. Esposel, Ana Paula Cássago e Paola Moreno Bernardi e as mestrandas Alexandra de Souza Frasson e Flávia Brito do Nascimento; na terceira etapa, entre 2005 e 2010, além das pesquisadoras principais  já citadas, os estudantes e bolsistas de iniciação científica Amália dos Santos, Rodrigo Minoru, Tatiana Zamoner, Inês Pereira Coelho Bonduki e Juliana Tiemi. Participou ainda dos levantamentos de campo, de maneira mais esporádica, um grande número de estudantes de graduação e de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, de diversas instituições: Alexsandro de Almeida Pereira, Ana Maria Boschi da Silva, Ana Marta Branquinho e Silva, Ana Paula Cássago, Camila Opipari Capitanini, Carlos Frederico Lago Burnett, Carolina M. Chaves, Eduardo Henrique de Souza, Felipe de Araujo Contier, Fernanda Accioly, Fernando Domingues Caetano, Francisco Sales Trajano Filho, Fúlvio Teixeira, George Alexandre Ferreira Dantas, Glaucio Henrique Chaves, Kelly Yamashita, Liah Beatriz Aidukaits, Luciana Dornellas, Maira de Carvalho, Manoela C. Souza, Maria Beatriz Camargo Cappelo, Maria Cláudia de Oliveira, Maristela Siolari, Marluce Wall de Carvalho Venâncio, Mauricio Ribeiro da Silva, Paola Moreno Bernardi, Pablo Iglesias, Patricia Lustosa, Paulo Eduardo Vasconcelos, Paulo Silva, Rafael M. Esposel, Raquel Schenkman, Renata Bogas Gradin, Renata Campello Cabral, Renato Pequeno, Ricardo Trevisan, Tatiana Salema Marques e Vivian Cotta. Ao final do Volume 2, está identificada a autoria dos relatórios dos levantamentos de campo realizados pelos pesquisadores e colaboradores, o que permite dimensionar a contribuição de cada um para o resultado final da investigação.

A construção dos modelos eletrônicos no software Revit foi supervisionada por Ana Paula Koury, coordenada por Luiz Augusto Contier e Miriam Castanho e executada pelos estagiários Fábio Burgos Garcia, Felipe de Araujo Contier, Murillo Moralles e Raquel Schenkman. Os desenhos finais de apresentação foram elaborados por Douglas Uemura Olim Marote, Natália Held e Ybi Arquitetura e Urbanismo, a partir dos desenhos em CAD coordenados por Ana Paula Koury e desenvolvidos por Acácia Furuya, André Ramos, Bruna Zendron, Bruno Salvador, Celina Sayuri Fujii, Claudiano Ribeiro de Souza, Danyelle Frascareli, Débora Cazarini Neme, Donizetti Aparecido Beccaro, Henrique Amorim Diamantino, Luis Filipe Magalhães Rodrigues, Rafael Andrade e Thammy Cervi. Colaboraram na edição do livro, com papel destacado nas várias tarefas necessárias para organização e sistematização do acervo, montagem do inventário e seleção de imagens que integram essa publicação, os hoje arquitetos Amália dos Santos, Rodrigo Minoru, Inês Bonduki e Juliana Tiemi, que começaram a participar do projeto como estudantes da FAU-USP e se integraram no projeto como pesquisadores assistentes, com grande dedicação. A seleção e edição final das fotos que integram os Volumes 1 e 3 foram realizadas por Inês Bonduki, com o apoio de Juliana Tiemi. O projeto gráfico e a diagramação foram realizados por Chico Homem de Melo e Lana Troia (Homem de Melo e Troia), que tiveram a paciência e a compreensão necessárias para enfrentar o trabalho de dimensão excepcional, em particular, na edição do Volume 2, que exigiu nada menos que seis provas. O mesmo esforço foi exigido de Neusa Caccese de Mattos e Claudionor A. de Mattos (Escritta), que realizaram o penoso trabalho de revisão final do texto. O tratamento das imagens foi realizado por Antônio Carlos Kehl e Silvana Panzoldo, e pelos profissionais da Imprensa Oficial do Estado e da Editora Unesp. O ensaio fotográfico de abertura dos capítulos do Volume 3 é de Bob Wolfenson, cuja disposição para realizar o trabalho agradeço. As fotografias aéreas recentes são de Inês Pereira Coelho Bonduki. Grande parte das fotografias de documen-

Apresentação

tação, realizadas durante os levantamentos de campo, são de minha autoria ou dos demais pesquisadores. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde foi necessário complementar o levantamento fotográfico, participaram os fotógrafos Stepan Norair Chahinian e Inês Pereira Coelho Bonduki. Os créditos das fotografias incluídas no inventário estão identificados ao final de todos os volumes. Agradeço, ainda, aos secretários do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos, no qual a pesquisa foi desenvolvida até 2005, em particular Antonio João e Marta Tessarin, Fátima Lourenço Leal, Lucinda Torres e Marcelo Celestini, e às equipes da secretaria do Departamento de Projeto e do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da FAU-USP. Juliana Niero, secretária da Associação Casa da Cidade, onde o grupo de pesquisa se instalou a partir de 2005, foi um apoio indispensável. A interlocução intelectual que o convívio universitário em São Carlos e em São Paulo permitiu foi essencial para a realização deste trabalho. Em primeiro lugar, no âmbito do grupo de pesquisa, onde pude, cotidianamente, compartilhar especialmente com Ana Paula e também com Nilce, Flávia e Sálua, que me estimularam a enfrentar o desafio de levar adiante um projeto dessa dimensão. Os colegas do projeto temático “Habitação Econômica e Arquitetura Moderna no Brasil”, professores Maria Ruth Sampaio, Carlos Roberto Monteiro de Andrade, Sarah Feldman, José Lira, Maria Lúcia Gitai e Paulo César Xavier, e os companheiros do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos, Ermínia Maricato, Maria Lúcia Refinetti e João Whitaker Sette Fereira, foram muito importantes para garantir um diálogo mais amplo sobre o objeto específico da pesquisa, o que lhe deu maior amplitude crítica. O debate intelectual com os amigos Carlos Martins, Rossella Rossetto, Raquel Rolnik, Luis Fernando Almeida e Pedro Paulo Martoni Branco foi sempre muito estimulante nas diferentes facetas da reflexão sobre a história da arquitetura moderna brasileira e sobre as políticas públicas de habitação e urbanismo.

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Finalmente, cabe um agradecimento especial à Universidade de São Paulo, em particular ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos e à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, e, ainda, à Universidade São Judas Tadeu, instituições que abrigaram esta pesquisa e seus pesquisadores principais. Como se vê, este trabalho é resultado de uma grande equipe e de muitas colaborações, sem as quais ele não teria sido possível. No entanto, é minha toda a responsabilidade sobre falhas e lacunas, inevitáveis em um trabalho desta dimensão.

Uma homenagem aos que se dedicam à habitação social O país vem realizando, nos últimos anos, um enorme esforço para criar um corpo de profissionais qualificados para implementar uma nova política habitacional e urbana. Em todo o Brasil, começam a surgir técnicos, de várias formações, que optam por se dedicar à dura tarefa de atuar em habitação social, campo profissional que era e ainda é muito desvalorizado. Esse processo está apenas começando. Se for levado adiante o objetivo de garantir a todo cidadão o acesso a uma moradia digna, como está proposto na nova Política Nacional de Habitação, a necessidade de profissionais será proporcional a um déficit acumulado de 7,9 milhões de moradias, uma demanda futura de 27 milhões de unidades até 2023 e mais de 3,3 milhões de pessoas vivendo em favelas e outras formas de assentamentos de urbanização precária, conforme diagnosticou o Plano Nacional de Habitação. Não se constrói uma política pública sem o reconhecimento de seus principais formuladores e executores. O esquecimento dos que atuaram com empenho e seriedade nos órgãos públicos e se dedicam a esse tema tem sido uma regra no país, prática que só desestimula um maior envolvimento com as causas públicas. Resgatar e valorizar seu trabalho constitui uma etapa importante da construção da política pública de habitação. Ao divulgar e analisar as propostas, ideias, projetos e sonhos dos primeiros profissionais que se dedicaram ao tema da ha-

9 bitação social, procura-se demonstrar que seu esforço não foi em vão. Ao trazer à tona suas utopias, mas também as dificuldades, constrangimentos, obstáculos e limitações que enfrentaram para colocar em prática as concepções que defenderam, procura-se mostrar que os problemas enfrentados hoje têm raízes profundas, que precisam ser conhecidas e combatidas. O esforço que realizamos para mostrar o trabalho por eles realizados objetiva tratar com dignidade uma área de atuação profissional que tem sido desprezada no âmbito da arquitetura, não merecendo o mesmo cuidado dedicado a temas de menor importância, mas de mais  glamour . Essa é a melhor maneira de homenagear os pioneiros que lutaram para que a moradia fosse tratada como uma questão pública. A eles, e a todos os que se dedicam com convicção à habitação social no Brasil, é dedicado este livro.

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As ideias de Gilberto Freyre sobre as construções tradicionais, obviamente, chocavam-se com a visão uniformizadora e conservadora que Agamenon Magalhães procurou impor por sua Liga Social Contra o Mocambo. Mas o sociólogo pernambucano também não encontraria eco no outro extremo do espectro ideológico – entre os formuladores do segundo projeto institucional que tem grande interesse no âmbito dos órgãos regionais, o Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal.

Carmen Portinho e Francisco Bolonha apresentam uma das maquetes do Conjunto Residencial Vila Isabel.

A concepção de habitação desse órgão, formulada pela en genheira Carmen Portinho, estava longe de associar o atendimento habitacional a uma estratégia anticomunista, como defendia a Igreja, ou a uma perspectiva de segregação socioterritorial como promoveu a LSCM. O DHP defendia a construção de grandes conjuntos coletivos em bairros consolidados, com generosas áreas públicas e equipamentos sociais, propondo uma vida mais socializada e moderna. Por essa razão, o órgão considerava inadequadas as tipologias habitacionais formuladas pela FCP e pela LSCM – baseadas em casas unifamiliares. Para os mentores do DHP, entre os quais se destacava Affonso Eduardo Reidy, o principal arquiteto do órgão, esses tipos eram inadequados para as necessidades contemporâneas, por razões urbanísticas e enquanto modo de morar. Embora progressista em vários aspectos, a concepção de habitação formulada por Portinho, baseada nos princípios defendidos nos Ciam, também desprezava os hábitos de morar tradicionais das populações rurais e sua cultura construtiva, considerada atrasada. Ideologicamente situada no que poderia ser classificado como uma posição de “esquerda”, no polo oposto ao de Magalhães, a engenheira compartilhava das ideias do interventor sobre o papel que os conjuntos residenciais podiam exercer na reeducação dos moradores de assentamentos precários, para difundir novos modos de habitar e introduzi-los na vida moderna. Só que, para ela, os princípios a serem valorizados deveriam ser a libertação da mulher das tarefas do lar e uma vida mais socializada, inserida em ambientes criados por uma arquitetura de vanguarda, que adotasse os pressupostos urbanísticos e construtivos defendidos pelos Ciams. Carmen Portinho foi uma das poucas mulheres que se destacaram no mundo masculino, para não dizer machista, da construção civil brasileira. Terceira mulher a se formar em engenharia no Brasil, Carmen foi uma pioneira militante

feminista que, no final da década de 1920, ingressou como funcionária da Prefeitura do Distrito Federal e, logo em seguida, tornou-se editora da Revista Municipal de Engenharia , principal publicação de engenharia e arquitetura do período. Em 1948, tornou-se diretora do DHP, cargo que exerceu até 1960. Desde meados dos anos 1950, ela acumulou suas atividades na prefeitura com a direção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, polo que reuniu a vanguarda artística e cultural do país. Exerceu essa função até 1966, quando passou a dirigir a Escola Superior de Desenho Industrial. Durante os doze anos em que permaneceu na chefia do DHP, Carmen reinou sem prestar contas a ninguém, podendo colocar em prática a concepção que julgava a mais adequada para enfrentar a questão urbana e habitacional. O arquiteto Francisco Bolonha, funcionário do DHP durante todo o período em que ela dirigiu o órgão, explicou, em depoimento ao autor, o poder da diretora à testa do DHP: O Correio da Manhã é que sustentava politicamente a Carmen. Mudava o prefeito e ela continuava na prefeitura, como diretora do Departamento de Habitação; não ligava, não dava bola para o secretário de Obras [seu chefe imediato], nem despachava com ele. Fazia por conta própria porque tinha o apoio do Correio.

Se, por um lado, essa autonomia permitiu que a engenheira pudesse colocar em prática suas propostas, por outro, determinou um isolamento institucional que prejudicou uma ação mais ampla do DHP. O órgão praticamente não mantinha relações com os outros que atuavam na área da habitação, nem mesmo dentro da própria prefeitura, como se deduz pela afirmação de Bolonha: “Não [conheci] a Fundação da Casa Popular; era um órgão federal, ficava muito distante. Tinha também a Fundação Leão XIII, que eu não sei se era da Igreja ou da prefeitura. O Departamento de Habitação era muito isolado”. A autonomia tornava necessário que Carmen Portinho batalhasse praticamente sozinha para obter os enormes recursos necessários para viabilizar os empreendimentos que implantou no DHP. Em vários depoimentos e entrevistas ao autor, a engenheira relatou o verdadeiro lobby que precisava fazer, anualmente, no Congresso Nacional e entre os prefeitos para inserir, no orçamento da Prefeitura do Distrito Federal, os recursos necessários para dar andamento aos projetos do órgão, o que lograva obter, sobretudo, porque era apoiada pelo poderoso jornal Correio da Manhã, dirigido por seu irmão.

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Portinho e Andrade (1999), Bonduki (2000a), Freire e Oliveira (2002) e Costa (2004), assim como a Revista Municipal de Engenharia e, sobretudo, os depoimentos e levantamentos documentais realizados pela pesquisa, foram importantes fontes desta investigação.

Carmen planejou uma intervenção ousada, programando a construção de dez conjuntos residenciais distribuídos nos diferentes bairros do Rio de Janeiro. No entanto, nos doze anos em que dirigiu o DHP, conseguiu planejar e iniciar apenas quatro empreendimentos, que nunca foram completados: das 2.119 unidades projetadas, somente 699 foram efetivamente construídas. Apesar desse resultado limitado do ponto de vista quantitativo, os projetos do DHP foram inovadores e se destacaram no âmbito do ciclo de empreendimentos habitacionais dos anos 1940 e 1950, obtendo grande repercussão em nível nacional e internacional. Elaborados pelos arquitetos Affonso Eduardo Reidy e Francisco Bolonha, esses projetos concretizaram, com uma qualidade excepcional, a concepção da diretora, como pode ser visto no Volume 3, onde os conjuntos residenciais de Pedregulho e de Paquetá, assim como as trajetórias profissionais desses três profissionais, são analisados em profundidade. A efetividade da ação do DHP, em termos quantitativos e de impacto sobre as necessidades habitacionais da capital, talvez não fosse, para a engenheira, o aspecto mais importante da intervenção. Militante nata, o que ela pretendia era gerar um efeito midiático capaz de demonstrar a superioridade da proposta e, desta forma, conseguir influenciar outras iniciativas mais amplas. De certa forma, ela e Reidy conseguiram isso quando defenderam, enquanto conselheiros da FCP, o projeto do Conjunto Residencial de Deodoro, elaborado segundo orientações semelhantes às do órgão que dirigia e dos princípios urbanísticos do arquiteto. O empreendimento gerou 1.362 unidades habitacionais, o dobro de tudo o que o DHP construiu. Na sintética análise do DHP que se pretende fazer neste capítulo, interessa identificar a concepção que orientou sua atuação e a contribuição que deu para a reflexão sobre a questão da habitação no Brasil. A dissertação realizada sobre o órgão pela pesquisadora Flávia Brito do Nascimento (2004), no âmbito da investigação que gerou este livro, desvendou de forma profunda suas origens, propósitos e atuação, constituindo uma das principais bases empíricas da reflexão aqui apresentada. Outras investigações sobre o DHP e sobre seus principais protagonistas, como Nobre (1999),

A trajetória e o papel do DHP foram ofuscados pela sua principal realização, o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Morais, o Pedregulho. Divulgado à exaustão em todo o mundo, o conjunto se tornou uma das peças-chaves da arquitetura moderna brasileira, que levou à exaltação do seu autor, o arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Este acabou se tornando, para muitos dos críticos internacionais, uma referência fundamental da arquitetura moderna brasileira por aliar a sua plasticidade com uma visão social (Bonduki, 1999). Em consequência da importância de Pedregulho, o órgão que o promoveu foi quase sempre omitido, ou citado burocraticamente, como se o empreendimento pudesse ter surgido apenas da vontade do arquiteto e não como resultado de um esforço institucional de uma grande equipe, em um contexto de crise habitacional e de reconhecimento da necessidade de o Estado intervir nessa questão, situação que facilitava a aceitação de novas experiências e que gerou um ciclo importante de projetos habitacionais baseados nos princípios modernos. Como foi mostrado em Bonduki (1998a), o protagonismo que a historiografia da arquitetura moderna brasileira e mundial reservou para Pedregulho, que obscureceu o ciclo de projetos investigado neste trabalho, também ofuscou a própria instituição que possibilitou sua existência, como demostrou Nascimento (2004). Ao recuperar a trajetória e a concepção de habitação formulada pelo DHP – em grande parte decorrente da visão de Carmen Portinho, mas também resultado da atuação de seus inúmeros profissionais de primeira linha, arquitetos, engenheiros e assistentes sociais –, procura-se mostrar a multiplicidade de propostas promovidas pelo poder público visando ao enfrentamento da questão urbana e habitacional nos anos 1940 e 1950 , assim como explicitar as razões que geraram seu fracasso.

Fotos de alguns dos profissionais que atuaram no DHP. Nesta página, de cima para baixo : o arquiteto Affonso Eduardo Reidy, em frente ao MAM; o engenheiro Sidney Santos; e a arquiteta Lygia Fernandes. Na página ao lado , Carmen Portinho assina sua posse como diretora do DHP, em 1946; Portinho, jovem engenheira feminista, entre os engenheiros da Prefeitura do Distrito Federal, na década de 1930.

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As origens do DHP: o Departamento de Construções Proletárias Ao contrário da LSCM, que nasceu do zero, a partir da campanha contra os mocambos promovida por um interventor do Estado Novo apoiado pela elite local, o DHP foi o desdobramento de um longo processo institucional, cuja origem foi um órgão já existente na Secretaria Geral de Viação e Obras Públicas, a Divisão de Construções Proletárias, transformada, em 1940, em Serviço e, em 1942, em Departamento, para assumir novas atribuições na segunda metade da década, quando Portinho assume sua direção. A Divisão, posteriormente, o Serviço e finalmente Departamento de Construções Proletárias atuou durante vários anos, quase sem alarde (ao contrário do Serviço dos Parques Proletários, já descrito, que recebeu farta publicidade), exercendo um papel importante no processo de difusão da casa própria autoempreendida nos subúrbios do Rio de Janeiro. Cabia ao Serviço conceder licenças e fiscalizar as construções de caráter popular. O novo Código de Obras do Distrito Federal (1937) definiu uma nova categoria de uso – “habitações proletárias de tipo econômico” – e estabeleceu que ela apenas poderia ser edificada nos subúrbios da capital e na sua zona rural. O objetivo desse dispositivo era consolidar a segmentação socioterritorial da cidade do Rio de Janeiro, reservando a “nova” Zona Sul (Copacabana, Ipanema e Leblon) para os mais ricos, a “antiga” Zona Sul (Catete e Glória) e a Zona Norte para o setor “médio” e a “periferia”, ou seja, o subúrbio e a Zona Rural, para os pobres. A eletrificação da estrada de ferro, a abertura da Avenida Brasil e a tentativa de concentrar as indústrias ao longo desses eixos de mobilidade rumo ao subúrbio facilitariam esse plano. Como pontua Nascimento (2004), “A lei determinava não só o espaço geográfico das casas, mas também sua aparência física: determinava as formas de habitar do povo do subúrbio, com referências higienistas”. As normas estabeleciam padrões construtivos, sanitários e de implantação no lote. Para liberar o proprietário do terreno da obrigação de contratar um profissional licenciado e de aprovar o projeto, o órgão passou a fornecer projetos de casas-tipo, que deviam ser obedecidos.

O objetivo era ampliar a presença do Estado na ocupação das áreas de expansão urbana, limitar o crescimento das favelas e estimular a difusão da casa própria autoconstruída por iniciativa do morador. Inicialmente, foram propostos três tipos de casas, com algumas variações, todas formadas por um núcleo sanitário básico (banheiro e cozinha), somando no total de dois a quatro cômodos. Como afirma Nascimento (2004), “era um modelo de casa almejado por boa parte das elites interventoras para os populares, com padrões burgueses de domesticidade e privacidade”. De uma maneira geral, esses projetos-tipo não diferiam, substancialmente, das casas isoladas que estavam sendo propostas pelos outros órgãos que atuavam no período. A transformação do Departamento de Construções Proletárias em Departamento de Habitação Popular, em 1946, não foi uma mera mudança de nome. Ao mesmo tempo em que a prefeitura, associada à Igreja católica, cuidaria das favelas por meio da Fundação Leão XIII, caberia ao DHP construir casas para os funcionários de salários baixos da prefeitura, que moravam em condições precárias. Isso significava que a prefeitura aceitava institucionalmente o problema, admitia que os trabalhadores precisavam de moradias e que a prefeitura devia construí-las. A iniciativa se inseria em um processo mais amplo de crescente atuação do poder público no enfrentamento da questão habitacional. Os IAPs já atuavam desde 1937 na promoção de conjuntos residenciais para os seus associados e o Estado de Pernambuco tinha, desde 1939, um instituto voltado para a construção de casas para os funcionários estaduais, o IPSEP, além da atuação da própria LSCM. A transformação do antigo Departamento de Construções Proletárias em Departamento de Habitação Popular ocorreu em 1946, mesmo ano em que o governo Dutra criou a Fundação da Casa P opular. A inovação do DHP foi sua concepção de habitação social e a possibilidade de profissionais comprometidos com a arquitetura moderna estarem à testa de um órgão que podia produzir conjuntos residenciais sem as limitações institucionais e econômicas que vigoravam nos IAPs.

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A concepção de habitação do DHP A criação do novo departamento, em abril de 1946, veio na sequência de uma série de artigos sobre habitação social que Carmen Portinho publicou na imprensa assim que voltou da Inglaterra, no final de 1945, depois de ter visitado as áreas devastadas pela guerra e conhecido os planos urbanísticos e habitacionais de reconstrução de suas cidades. É possível identificar nos propósitos do novo órgão uma forte relação com o discurso e as propostas que a engenheira estava defendendo. Não cabe aqui se alongar sobre o conteúdo dos artigos de Carmen, nem das influências internacionais que recebeu, exaustivamente analisadas por Nascimento (2004) e Nobre (1999) e aprofundadas no Volume 3 deste livro, mas analisar como ela deu concretude para as ideias que trouxe para o DHP. Quando o órgão foi criado, em 1946, o engenheiro Antônio Arlindo Laviola foi indicado diretor; a engenheira ficou responsável por chefiar um dos seus serviços, enquanto Reidy assumiu a chefia do serviço de Planejamento, onde os projetos dos conjuntos residenciais deveriam ser elaborados. Embora, nesse momento, tenha se iniciado o planejamento da intervenção e, sobretudo, a elaboração do projeto de Pedregulho, cuja primeira publicação é de 1946, a ênfase continuou sendo o licenciamento e a fiscalização de habitações populares, pois Laviola era contra conjuntos sofisticados como aquele, conforme declarou posteriormente (FCP, 1954b). A construção de conjuntos residenciais somente se torna uma prioridade do DHP quando Carmen Portinho é nomeada diretora do órgão, em 1948, tornando-se a primeira mulher a assumir um cargo de direção na Secretaria de Viação e Obras Públicas. No mesmo dia em que o prefeito Mendes de Morais indicou Portinho, Reidy deixou a chefia do Serviço de Planejamento, que foi ocupado por Bolonha, para assumir o cargo de diretor do Departamento de Urbanismo, função que ocupou por três períodos relativamente curtos entre 1948 e 1955, ficando lotado, nos intervalos, no DHP. Determinada e competente, a nova diretora levou a ferro e fogo sua pretensão de implantar conjuntos residenciais de um padrão excepcional de qualidade arquitetônica e com uma concepção inovadora de enfrentamento da questão habitacional: “se construídos de acordo com o plano, teremos habitações maravilhosas, obedecendo ao mesmo tempo às necessidades sociais dos seus moradores e às exigências estéticas modernas”, afirmou Portinho em 1949 (Nascimento, 2004).

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Maquetes dos conjuntos residenciais da Gávea, na página ao lado , e de Pedregulho, acima, junto às fotos aéreas desses empreendimentos em 2013, que permitem identificar o quanto do projeto original foi implantado. Na Gávea, apenas o bloco serpenteante foi edificado, enquanto os blocos residenciais retos e os equipamentos sociais ficaram no papel. Em Pedregulho, com exceção do edifício alto, quase todo o projeto foi construído.

Para colocar de pé essas “habitações maravilhosas” e viabilizar o plano, Carmen Portinho se cercou de profissionais competentes nas áreas de arquitetura, engenharia e assistência social. Além de Reidy e Bolonha, devem ser citados, entre outros, os arquitetos Hélio Modesto e Lygia Fernandes, o engenheiro Sidney Santos, que calculou as fenomenais estruturas de Pedregulho e Gávea, e a assistente social Anna Augusta de Almeida, pioneira no trabalho social voltado para a habitação. Além desses profissionais “fixos”, vários outros colaboraram com o DHP de maneira pontual, geralmente de forma voluntária, como o paisagista Roberto Burle Marx e os artistas plásticos Candido Portinari e Anísio Medeiros. O DHP formulou um programa habitacional prevendo um empreendimento em cada distrito da cidade, unidades autônomas que seriam servidas por uma gama completa de equipamentos sociais. A ideia, de grande atualidade, era aproximar a moradia do trabalho, de modo que o trabalhador não precisasse perder tempo nesse deslocamento. Para Reidy, deviam

existir em cada bairro habitações baratas, já que cada bairro tem os seus trabalhadores. Além de terem que morar em algum lugar, também é preciso que se pense sempre em […] avaliar os nossos meios de transportes, como poupar-lhes um cansaço que prejudica a saúde e o trabalho.

Com base nesse pressuposto, o plano previa a edificação de dez conjuntos residenciais, destinados “inicialmente para funcionários públicos municipais” (Bonduki, 2000a). Ao contrário dos outros órgãos que atuaram no Rio de Janeiro no período, o objetivo do DHP não se relacionava diretamente com a favela, mas estava implícito que, ao atender funcionários de baixa renda, contribuiria para evitar a formação de novos assentamentos ou para retirar moradores que nelas viviam. Além disso, o departamento acabou sendo acionado para produzir habitações em favelas ocupadas por funcionários, como foi o caso de Paquetá, ou até mesmo para intervir em um grande assentamento que nada tinha a ver com a clientela prioritária do órgão, como o estudo desenvolvido por Reidy para substituir a Favela da Catacumba por um conjunto residencial.

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A habitação como serviço público Opondo-se aos defensores da casa própria e da moradia unifamiliar, geralmente vinculados ao pensamento católico e conservador, Carmen Portinho defendia a habitação como um serviço público e a relação entre habitação social, desenvolvimento urbano, modernização do modo de morar, educação e transformação da sociedade. Justificava sua oposição à casa própria e a opção pela propriedade estatal da moradia como uma forma de controlar o edifício e o uso que dele faziam os moradores: Fui acusada de comunista, apenas porque me opunha à venda dos apartamentos. Defendia, a título de aluguel, a dedução de percentual do salário do funcionário. Deste modo, a  prefeitura mantinha a propriedade, o controle dos moradores e a boa conservação dos prédios. Isso lá é comunismo?  (Cavalcanti, 1987, p.70)

A concepção da engenheira – que coincidia com a posição do Instituto de Arquitetos do Brasil e com a orientação do Partido Comunista – propunha que as unidades habitacionais fossem alugadas aos funcionários por 10% do seu salário, descontados em folha. A engenheira concebia a habitação como um serviço fornecido pelo Estado que deveria se adequar, ao longo do tempo, ao tamanho da família e à localização do trabalho, possibilidade que a propriedade de moradia não propiciava. Com essa intenção, nos primeiros blocos inaugurados em Pedregulho, foram previstas unidades de dois a quatro dormitórios, de modo que o serviço social pudesse determinar a unidade mais adequada para cada família e, caso esta crescesse ou diminuísse, pudesse determinar a troca para outro apartamento, maior ou menor. Ou, então, se o funcionário mudasse de repartição, poderia transferir sua morada para outro conjunto residencial do órgão – em tese, existiriam empreendimentos em todos os bairros – mais próximo do novo local de trabalho.

Isso podia não ser comunismo, como esbravejava Carmen sempre que falava do assunto, mas estava coerente com o pensamento que Engels desenvolve no seu famoso texto “A questão da habitação”, em que apresenta inúmeros argumentos contra a propriedade privada da moradia, entre vários fatores, porque tiraria a liberdade do trabalhador de escolher a melhor oportunidade de emprego. A proposta também estava próxima da que foi adotada nos países que seguiam a orientação da União Soviética, e, ainda, da social-democracia europeia, que mantinha um parque habitacional de propriedade estatal, destinado ao aluguel para os trabalhadores. A proposta pressupunha a criação de um enorme patrimônio imobiliário estatal, sobre o qual o poder público exerceria um controle e acompanhamento permanentes, gerindo seu funcionamento e garantindo a manutenção dos conjuntos residenciais e, em paralelo, dando acompanhamento social às famílias beneficiadas. É fundamental destacar que a adoção do aluguel como forma de acesso às unidades habitacionais, em si, não foi uma inovação introduzida pelo DHP. Como foi mostrado, praticamente todos os órgãos públicos promotores de habitação do período, com exceção da FCP, adotaram essa alternativa. A questão que merece ser destacada é que as razões que levaram o DHP a assumir esta proposta diferem totalmente das que moviam os IAPs.

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Os textos de Rubens Porto, que orientaram o funcionamento das carteiras prediais dos institutos de previdência, são claros na defesa da casa própria. Se fosse viável economicamente aos IAPs, na lógica da aplicação das reservas previdenciárias, realizar o atendimento habitacional para seus associados de baixa renda por meio da transferência da propriedade, ela teria sido adotada.

Na página ao lado , no alto, vista da piscina de Pedregulho, ao lado dos vestiários e na frente do ginásio, vendo-se, ao fundo, a escola e os blocos retos; no centro, a engenheira Carmen Portinho apresenta ao diretor do MAM, Aloísio de Paula, a máquina de lavar roupa, importada dos Estados Unidos, para ser usada na lavandeira coletiva de Pedregulho e, abaixo, tanques comuns na lavandeira coletiva do Conjunto Residencial da Gávea, situada na cobertura do bloco serpenteante.  Abaixo, os cartões desenhados pelo paisagista e artista plástico Roberto Burle Marx que foram transformados no mosaico “Crianças brincando”, colocado no recreio da escola de Pedregulho.

Essas instituições optaram pelo aluguel não por uma opção ideológica, mas, em primeiro lugar, porque viam na formação de um patrimônio imobiliário um excelente lastro para suas reservas e, em segundo, porque entendiam que o rendimento do trabalho assalariado não era suficiente para garantir a compra da casa própria, ainda mais porque inexistia um sistema de financiamento a longo prazo. Embora com características diversas, o mesmo pode ser dito em relação à maior parte dos empreendimentos estimulados pela LSCM, com exceção de algumas vilas modelares produzidas para segmentos específicos, como as mulheres chefes de família. Já a FCP defendia como princípio a transferência da propriedade para o morador, tanto por razões ideológicas como por considerar inviável a gestão de um patrimônio habitacional de grande escala. Assim, para compatibilizar o acesso à casa própria com a baixa renda do trabalhador, teve de baixar a qualidade do produto, suprimindo elementos básicos da habitação, o que levou, em muitos casos, a reduzi-la a pouco mais que um alojamento em um assentamento urbano precário. Pode se dizer que, apesar das diferenças significativas entre os IAPs e a FCP, esses órgãos tinham em comum uma lógica capitalista e de defesa da propriedade, ou seja, estabeleciam uma relação entre o produto a ser oferecido e a capacidade de pagamento dos moradores.

Já a concepção que Carmen Portinho levou para o DHP, ideologicamente, era outra, pois inexistia uma relação direta entre o custo da unidade habitacional e o pagamento proposto, que representava um valor fixo de 10% do salário. Era uma proposta que colocava em prática um princípio socialista: cada um devia ter a habitação de acordo com as suas necessidades, pagando de acordo com as suas possibilidades. Talvez a engenheira nunca tenha querido assumir claramente essa opção, diante do fato de que o país sofria, sob Dutra, quando foi indicada diretora do DHP, uma forte reação conservadora que levou ao fechamento do Partido Comunista, em 1947, à prisão de muitos dos seus militantes e à clandestinidade, que perdurou até 1986. Em tempo: embora grande parte dos profissionais ligados à arquitetura moderna no Brasil, nos anos 1940 e 1950, tivesse alguma ligação com o Partido Comunista do Brasil, em nenhuma das suas entrevistas ao autor Carmen Portinho admitiu vínculo com essa organização, revelando que admirava as posições políticas de Mário Pedrosa, conhecido militante trotskista que se contrapunha à linha stalinista que era adotada pelo PCB.

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Conjuntos residenciais para chamar a atenção do mundo A adoção dessa lógica tornava viável, ao menos do ponto de vista do atendimento habitacional, a construção de conjuntos sofisticados para a população de baixa renda, como o DHP pretendia fazer. Evidentemente, a viabilização desses projetos dependia de um alto investimento público. Como o departamento tinha como fonte de recursos, basicamente, o orçamento da Prefeitura do Distrito Federal, as limitações eram óbvias, o que explica o baixo número de unidades produzidas e a dificuldade de realizar as obras, que se arrastaram por muitos anos. A sofisticação dos projetos e a complexidade da execução explicam-se pelo desejo dos gestores do órgão em criar exemplos modelares do que deveria ser uma proposta adequada como lugar de morada dos trabalhadores. Carmen e Reidy defendiam que os conjuntos residenciais, mesmo se destinados para trabalhadores de baixa renda, deveriam ter o mesmo padrão de acabamento que os edifícios de arquitetura moderna que estavam sendo projetados para a elite, para as empresas ou para o Estado. O depoimento do primeiro diretor do DHP, engenheiro Laviola, que era contra esta posição e que foi derrotado politicamente no momento em que foi substituído por Carmen Portinho, mostra que estava longe de existir consenso, dentro da própria prefeitura, sobre a execução do projeto: Resolveram fazer o Conjunto Residencial de Pedregulho, que é um dos conjuntos mais caros do Distrito Federal. No início fui muito contra [...]. Naquela ocasião, foi feito muito esforço para que fosse construído o núcleo contra a minha vontade. Tinha lajes duplas para não aparecerem as vigas,  paredes finas para não aparecerem ressaltos e montantes nas salas. Em todo caso, naquela ocasião, não queriam que se fizesse a estrutura aparecer e o operár io tinha que morar em casas de paredes e tetos lisos. O conjunto começou-se a fazer e não está ainda terminado. Em todo caso, foi uma realização. Eu fui contra. (FCP, 1954b)

 Acima, um dos raros croquis originais do projeto de Pedregulho, elaborado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy, exibindo uma seção do bloco serpenteante. O desenho mostra o pavimento intermediário com o trecho em que ele é fechado por painéis de madeira para uso do serviço social do DHP.  À direita, o pavimento intermediário, com os pilotis cilíndricos.  Abaixo, vista aérea do bloco reto de Pedregulho e, à direita, a coluna de escada, destacada do corpo principal do edifício. Na página ao lado , o bloco serpenteante de Pedregulho, em várias vistas aéreas.

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É necessário mostrar, ainda, que mesmo dentro da equipe do DHP havia discordâncias, que, entretanto, não apareciam por causa do receio da reação da diretora, como confessou Bolonha alguns anos após o falecimento de Carmen Portinho: “Você imagina, Pedregulho é uma loucura. Tem cabimento os painéis de Portinari numa escola de subúrbio? Eu nunca disse isso para a Carmen, porque ela ficaria brava comigo, mas não tinha cabimento”. Para se ter uma ideia da complexidade que foi a construção do conjunto, basta dizer que foram feitas 64 concorrências públicas para contratar inúmeras empreiteiras que durante cerca de doze anos trabalharam na obra (Costa, 2004). A concepção que o DHP adota é da habitação coletiva, com projetos sofisticados que incorporam os princípios da arquitetura e urbanismo modernos, unidades alugadas, inseridas no contexto urbano, próximas ao trabalho, em con juntos de grande dimensão, capazes de garantir a escala necessária para uma gama variada de equipamentos coletivos. Não se admitia, nessa visão, construir unidades de moradia isoladas de um contexto urbano; a habitação seria um todo formado pela célula individual e serviços sociais. Na concepção de habitação do DHP, a “casa” não era necessariamente “habitação”. Habitar englobava significados mais amplos, somente realizados plenamente com os serviços adjacentes ao teto propriamente dito. Habitação era um problema social e como tal deveria ser tratada.

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A habitação como célula mater  da cidade Com Carmen no Departamento de Habitação e Reidy no Departamento de Urbanismo, tinha-se uma situação privilegiada para que os conjuntos residenciais estivessem articulados com o desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro. Quando Reidy propõe seu plano para a Esplanada de Santo Antônio, no vasto terreno que seria obtido pelo montante do morro, prevê ao lado do centro cívico, do museu e dos edifícios de escritório um enorme edifício residencial formado por um redan corbusiano. Para ele, a habitação social era indissociável no urbanismo, conforme escreveu para o Inquérito Nacional de Arquitetura (Brito, 1963): Sendo a habitação um problema de urbanismo, o plano diretor da cidade é que deverá indicar os locais onde, preferencialmente, deverão ser construídos os grupos residenciais, tendo em vista sua situação geográfica, suas condições econômicas, suas possibilidades em relação aos serviços públicos.

O arquiteto defende que os conjuntos tenham ao seu alcance fácil os serviços necessários à vida de todos os dias: escola, acessível a pé; posto de saúde; pequeno mercado;  playground ; campos de jogos; ginásio coberto; eventualmente a piscina; o clube social com biblioteca, sala de projeção etc. Essa seria a unidade básica de planejamento da cidade. Para ele, o problema da habitação está intimamente ligado ao transporte e o ideal seria morar perto dos locais de emprego, para evitar perda de tempo e despesas com o transporte. Assim como Reidy, Carmen critica, em seus artigos, os empreendimentos de baixa densidade nos subúrbios. Ao se referir, em um dos seus artigos, às cidades-jardim visitadas na Inglaterra, criticava o fato de estarem distantes do trabalho, vazias a maior parte do dia, transformando-se em cidades dormitórios. Os moradores não tinham tempo para cuidar do jardim ou desfrutar da casa. Todas as tarefas cotidianas, como ir ao mercado, frequentar a escola ou procurar atendimento médico, eram difíceis, enquanto o custo para levar infraestrutura para um local de baixa densidade era altíssimo. Reidy ainda admite as casas populares individuais, mas afirma que só são realizáveis em locais onde os terrenos são de baixo custo, nos bairros mais afastados. Nos bairros mais centrais e valorizados, onde ele considera necessária a construção de habitações populares, a única solução possível é a habitação coletiva, modalidade que teve prioridade no DHP.

O órgão, entretanto, continuou responsável pela elaboração, distribuição e fiscalização de projetos-tipo de moradias individuais, mas Carmen fez questão de alterar os projetos-tipo adotados. Em um decreto assinado duas semanas depois de assumir o DHP, a diretora revogou alguns dos projetos de casas proletárias que o órgão distribuía e, um mês depois, incluiu cinco novos modelos, procurando dar maior flexibilidade e um desenho mais próximo da arquitetura moderna, “com volumes puros, evidenciados pela adoção de cobertura de maia água, brises e elementos vazados para proteção das fachadas” (Costa, 2004). Vários arquitetos do órgão, como Hélio Modesto, José Osvaldo Henrique Ferreira e Francisco Bolonha, assinam essas propostas, publicadas na Revista Municipal de Engenharia . “Mesmo tendo movimentado inúmeros projetos e ocupado boa parte das atividades do DHP, as casas isoladas no lote tinham, conceitualmente, papel secundário” (Nascimento, 2004). Carmen Portinho não valorizava a estratégia de apoiar o autoempreendimento de moradias isoladas, pois elas estavam associadas à casa própria, necessariamente distantes dos locais de trabalho, e, como ficavam dispersas por um amplo território, isso impossibilitava a realização de qualquer trabalho educativo e social. No entanto, a posição da diretora não era compartilhada por todos os seus subordinados. Bolonha – um arquiteto muito talentoso que começou a trabalhar no DHP ainda estagiário, recém-formado foi indicado para substituir Reidy na chefia do serviço de planejamento e, após o fechamento do órgão, passou a adotar posições mais conservadoras – considerava o programa muito bom e adequado para enfrentar a questão da moradia popular, como se vê no seguinte depoimento (Nascimento, 2004): Se a pessoa tinha um terreno, [...] escolhia o projeto e o de partamento, como era época da guerra, dava cota de setenta sacos de cimento (na guerra e no pós-guerra o cimento era racionado no Brasil). Este programa de casas existia antes da Carmen, quando ela chegou deu preferência aos conjuntos. [...] Eu acho melhor as casas, mas a Carmen e o Reidy  preferiam os conjuntos [...] que eu fiz porque estava estabelecido. [...] eu era empregado e tinha que obedecer, mas se fosse hoje eu faria residências.

Capa da Revista Municipal de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal com a maquete do projeto de Pedregulho. A revista, editada pela engenheira Carmen Portinho, foi o principal meio de divulgação dos projetos modernos entre as décadas de 1930 e 1950 e publicou diversos artigos sobre as realizações do DHP. Por meio da revista, Portinho mantinha relações com inúmeras publicações em todo o mundo, o que facilitou a divulgação de Pedregulho e dos demais projetos de Reidy.

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Os equipamentos sociais de Pedregulho.  Ao lado, fachada frontal do ginásio, abobadada, com o painel de azulejos de Candido Portinari em primeiro plano, os vestiários em segundo plano e o bloco serpenteante ao fundo.  Ao lado, vista aérea da escola e do ginásio e, à direita, vista da rampa de acesso à escola.  Abaixo, à esquerda, vista interna do ginásio, com as portas basculantes ao fundo; no centro, fachada do centro de saúde, com os azulejos de Anísio Medeiros e, à direita, vista de uma sala de aula.

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Nestas páginas e nas seguintes , os vários projetos de casas modelo, elaborados pelo DHP para serem distribuídas a proprietários de lotes que fossem autopromover a construção de suas casas próprias. Esses projetos eram previamente aprovados, dispensando os moradores da burocrática tramitação na prefeitura.

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A habitação como um instrumento de reeducação para um novo modo de morar Ao concentrar as unidades habitacionais em grandes con juntos, ficava viabilizado o caráter educativo desses empreendimentos, ponto central da concepção de Carmen Portinho. A educação das classes populares por meio da arquitetura surgia com insistência no seu discurso: “A mais importante tarefa [das assistentes sociais] era ensinar aos mais pobres novos hábitos de higiene, saúde e, principalmente, como ‘usar’ as construções modernas, com a principal função de reeducação completa do operário brasileiro” (Cavalcanti, 1987). De acordo com a concepção habitacional do DHP, a construção de um conjunto residencial deveria se iniciar pelos equipamentos coletivos – concebidos como extensão da moradia –, pois Carmen argumentava que, depois de inaugurados os blocos residenciais, jamais se construiriam os espaços coletivos. A proposta não era construir “apenas” unidades habitacionais, mas núcleos residenciais autônomos, autossuficientes, onde todas as atividades fora do trabalho seriam realizadas, incluindo a reeducação dos trabalhadores para a vida urbana moderna. Segundo a engenheira, a proposta do DHP não resistiria sem os equipamentos coletivos e o serviço social. As necessidades básicas da vida cotidiana – compras de mercado, atendimento de saúde e educação, áreas de recreação e esportes e, até mesmo, lavar as roupas fora da unidade – deveriam ser atendidas sem necessitar de caminhadas longas ou meios de transporte. Por essa razão, os equipamentos coletivos foram projetados com cuidados especiais, tanto do ponto de vista da sua arquitetura como de seu programa de atividades.

 Acima, vista de um renque de sobrados em fileira do Conjunto Residencial Paquetá, na Ilha de Paquetá, Baía de Guanabara, em foto dos anos 1950. Ao lado, a entrada do conjunto, com a casa do vigia em primeiro plano e o pátio ao fundo.

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Em Pedregulho, o único projeto do órgão que foi elaborado até o fim de acordo com essa concepção, o novo modo de morar que Carmen Portinho propôs pôde ser colocado em prática. Na unidade de vizinhança, o complexo formado pela escola, ginásio, piscina e vestiários oferecia um serviço público voltado para as crianças, que integrava a educação ao lazer, esporte e cultura, proposta de grande atualidade. No pátio de recreio da escola, mosaico de autoria de Burle Marx permite o contato dos estudantes com uma obra de arte com o tema “Crianças brincando”, colocando em prática não só a integração entre as artes como um processo de aprendizado que se estende para além das salas de aula.

No alto, à direita, a Casa do Serviço Social de Paquetá e, ao centro e à esquerda, atividades desenvolvidas pelas assistentes sociais com as crianças.  Acima, vista frontal dos sobrados, em foto de 2011.

Um dos aspectos mais importantes da “reeducação” que ela propunha se referia à alteração da postura das mulheres. Agindo de acordo com a visão militante feminista, Carmen defendia que as mulheres deveriam se libertar das atividades domésticas para poder se integrar plenamente ao mercado de trabalho, ganhando autonomia e liberdade. Por isso, o DHP radicalizou no programa de equipamentos de Pedregulho, propondo uma lavanderia coletiva e mecanizada, que requereu a importação de uma máquina de lavar profissional dos Estados Unidos. Dessa forma, a unidade não precisaria ter um espaço destinado à área de serviço e as mulheres ficariam dispensadas dessa tarefa cansativa e pouco gratificante. Embora a instalação de lav anderia coletiva em um conjunto residencial não fosse uma iniciativa inédita – na Cidade-Jardim dos Comerciários, em Olaria, um equipamento parecido já havia sido instalado –, a visão que está por trás da proposta é bastante inovadora.

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 Acima, vista da cobertura do bloco serpenteante do conjunto da Gávea, em obras nos anos 1950.  Ao lado, pavimento intermediário. Na página ao lado , acima, vista aérea do bloco, em foto de 2013 e, abaixo, vista do pavimento intermediário, à esquerda, e do corredor de acesso da cobertura, à direita, onde está instalada a lavandeira coletiva.

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A integração da lavanderia mecanizada com a cooperativa de consumo em um mesmo edifício pressupunha pelo menos uma visita diária, fosse para deixar ou pegar roupas, fosse para abastecer a moradia de produtos básicos. A ideia era facilitar a vida da mulher, liberando-a ao máximo das tarefas domésticas. A organização espacial do conjunto, em especial a localização da escola, também facilitava a vida das mães (ou dos pais, na visão feminista de Carmen), porque as crianças poderiam fazer os deslocamentos internos no conjunto em absoluta segurança. A resistência ao uso da lavanderia, assim como aos novos hábitos propostos, foi enorme. Isso, entretanto, era considerado normal pelos gestores do DHP. Demonstrava que o serviço social nos conjuntos era essencial para “reeducar” os trabalhadores para um novo modo de morar. Os conjuntos residenciais autônomos do DHP, planejados e construídos em moldes modernos, seriam ocupados por trabalhadores que vinham de condições de moradia condenáveis do ponto de vista higiênico e moral e, portanto, reagiriam às propostas avançadas do órgão. Assim, a habitação deveria funcionar como uma tutela sobre os moradores, que os transformaria por meio da educação e do trabalho social. Num depoimento para o Correio da Manhã, em 1951, a diretora explicita essa opinião, ao rebater as críticas a Pedregulho, acusado de ser por demais luxuoso para uma população de favelados: Muitos nos advertiram: “Não vale a pena construir luxuosos  prédios modernos, assim. Virarão favela, em breve!” Não virarão favela porque ao mesmo tempo que se tira uma família de um meio péssimo é preciso educá-la. Educada, com preende, muito mais depressa do que se pensa, que é mais agradável viver bem que mal! (Jean, 1951)

Preparar os moradores para a mudança e orientá-los para a vida em novas condições era essencial, pois instalar uma massa de trabalhadores nos conjuntos e deixá-la abandonada, sem orientação, seria um grave erro. Para tanto, devia ser instalado um centro social, com o objetivo de orientar os moradores a aproveitarem adequadamente os recursos proporcionados, além de despertar o “espírito de comunidade” e a “união do povo”. Nessa perspectiva, o serviço social deveria ser incorporado como elemento central dos empreendimentos habitacionais do DHP. A qualidade arquitetônica e urbanística dos conjuntos residenciais não poderia correr o risco de degradar-se rapidamente, o que ocorreria se fosse deixada à mercê do uso, sem orientação.

Segundo Carmen Portinho, a assistência social deverá fazer parte obrigatória dos programas de realização dos núcleos residenciais. O trabalhador precisa, antes de mais nada, ser educado para a vida em sociedade, o que será relativamente fácil, desde que se lhe ofereçam os meios de educação necessários ao lado de condições de vida condigna. (Portinho, 1946a)

Como parte do trabalho social, era necessário aprovar um regimento interno de cada conjunto, definindo as funções e subdivisões do trabalho social. A organização estava baseada na divisão clássica dos trabalhos assistencialistas do período: serviço social de família e serviço social de grupo, este dividido em cultural-recreativo, médico, escolar e econômico. As assistentes ficavam encarregadas, por regulamento, de “promover o bem-estar social e garantir assistência social sob todos os seus aspectos aos servidores municipais e respectivas famílias, residentes no Conjunto” (Departamento de Habitação Popular, 1950, p.2). Apesar de toda a teoria desenvolvida por Carmen Portinho sobre o papel do trabalho social nos conjuntos habitacionais e pelo competente projeto implementado pelo grupo de assistentes sociais do DHP, liderado por Anna Augusta de Almeida, de fato o serviço só foi implantado de forma completa em Paquetá e, com inúmeros problemas, em Pedregulho, pois os demais conjuntos residenciais não foram finalizados sob a gestão da engenheira, quando o órgão passou a ter outra orientação.

No alto, barracos da favela instalada na parte baixa da gleba onde estava em construção o bloco serpenteante do Conjunto Residencial da Gávea, nos anos 1950. Acima, crianças brincam em frente ao bloco do Gávea, em construção. Na página ao lado , vista geral do conjunto.

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Da utopia à melancolia inevitável Os quatro conjuntos residenciais autônomos do DHP – Pedregulho, Paquetá, Gávea e Vila Isabel – foram projetados entre o final dos anos 1940 e o início dos 1950. Ao longo da década de 1950, com exceção de Paquetá, inaugurado em 1949, ficaram em um ritmo moroso de obras em decorrência da falta de recursos. Em 1950, foi inaugurada a primeira etapa de Pedregulho, situada na parte baixa do terreno, com os equipamentos coletivos e os dois blocos retos, enquanto o bloco serpenteante, peça principal do conjunto e razão do seu sucesso, permaneceu em obras durante toda a década. Com farta documentação, os quatro conjuntos do DHP estão apresentados no Volume 2, sendo que Pedregulho e Paquetá foram analisados em profundidade no Volume 3. Reidy, em 1951, ganhou o principal prêmio da Exposição Internacional de Arquitetura da 1ª Bienal de São Paulo pelo projeto de Pedregulho, que passou a ser divulgado, em todo o mundo, como uma das mais importantes obras da arquitetura moderna. Os excelentes contatos que Carmen Portinho tinha no exterior, em especial com críticos e revistas de arquitetura, engenharia e arte, decorrente da sua condição de editora da Revista Municipal de Engenharia  e, posteriormente, de diretora do Museu de Arte Moderna, permitiram uma difusão sem par dos projetos do DHP e das obras de Reidy em geral, de quem ela foi, de forma apaixonada, a principal defensora e divulgadora. Aclamado pela crítica internacional, ele se tornou um arquiteto de grande destaque no âmbito da profissão e Pedregulho se consolidou como uma referência mundial, uma demonstração da concepção de habitação que a diretora pretendia colocar em prática para difundir suas ideias e, ainda, de que a arquitetura moderna brasileira podia compatibilizar riqueza plástica e objetivos sociais.

 Acima, a primeira maquete do conjunto Vila Isabel, um redan com sete seções. Na página ao lado , no alto, a maquete com três seções e, abaixo, com uma única, alternativa que foi finalmente construída, como se vê nas demais fotos à direita.

O arquiteto Francisco Bolonha, em 1999, quando, em depoimento ao autor, expos as limitações do DHP e criticou a maneira como Carmen Portinho conduziu o órgão. Para ele, “o final do DHP foi melancólico”.

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Isso era eletrizante e gerava muito glamour, mas o restante era decepcionante: as obras do bloco serpenteante de Pedregulho nunca acabavam. A implantação do bloco serpenteante da Gávea se arrastava, sem horizonte para ser finalizada, ao passo que os demais blocos e edifícios dos equipamentos sociais nem sequer foram detalhados. O pro jeto de Vila Isabel, um redan corbusiano, sem perspectiva de ser implantado na sua forma original por falta de recursos, a cada nova maquete perdia uma seção, até se transformar em um edifício lâmina. As assistentes sociais se retiraram de Pedregulho, em protesto pelo desvirtuamento do centro de saúde, promovido pela prefeitura. O alto custo e a complexidade desses empreendimentos inviabilizavam sua conclusão e o início de novos projetos, dentro da concepção original de implantar um conjunto residencial em cada distrito da cidade. Paquetá era o único conjunto que funcionava razoavelmente de acordo com o planejado, com um ativo trabalho social. Era um projeto arquitetônico primoroso, mas estava muito distante da concepção grandiosa que a engenheira concebeu para o DHP: não passava de um pequeno correr de 27 casas, em fileira, sem equipamentos coletivos, com exceção das áreas de lazer e esporte e do centro social. Ademais, sua segunda etapa, um interessante projeto em forma de arco, com unidades em fileira sobre pilotis, nem sequer foi detalhado. A partir de 1952, Carmen e Reidy começam a se envolver de maneira cada vez mais profunda com o projeto e a obra do Museu de Arte Moderna, que se tornou o centro de aglutinação e agitação cultural do Rio de Janeiro, em que ocupavam um papel de destaque. Para o arquiteto, projetá-lo foi uma oportunidade de dar continuidade ao sucesso que havia começado com Pedregulho. Nesse contexto, é possível entender por que a experiência do DHP começou a se esvaziar e a perder o interesse, inclusive para seus protagonistas, em meados da década de 1950. Com a força política do Correio da Manhã , Carmen se mantinha na direção do departamento porque lhe era conveniente e porque entendia que sua permanência era fundamental para que os projetos iniciados – sobretudo Pedregulho – pudessem ser concluídos minimamente de acordo com a concepção original. Reidy, como funcionário público municipal, tinha no DHP um porto seguro no qual podia ficar lotado, quando tinha de se afastar da direção do Departamento de Urbanismo, geralmente por desentendimento com os prefeitos.

Enquanto o DHP funcionava por inércia, em 1956, a prefeitura criou um novo órgão, o Serviço Especial de Remoção de Favelas e Habitações Anti-Higiênicas (Serfha), sem que ele estivesse minimamente articulado com o DHP, que continuava isolado, sem possibilidade de avançar na formulação de uma estratégia efetiva para enfrentar o cada vez mais dramático problema da habitação e das favelas do Rio de Janeiro. É certo que o DHP continuava a manter um dinâmico setor de concessão de plantas padrão e licenciamento de construções proletárias nos subúrbios. De acordo com levantamento de Nascimento (2004), o setor chegou a atender cerca de um terço das construções licenciadas do Rio de Janeiro entre 1946 e 1960, concedendo plantas padrão e contribuindo para reduzir a informalidade nos loteamentos populares. Mas o serviço não tinha interesse para a diretora, o que é lamentável, pois se tratava de um trabalho pioneiro de assistência técnica à moradia popular que, se desenvolvido com criatividade, teria um grande potencial. Assim, vivendo da extraordinária fama e do grande marketing de Pedregulho, nada mais podia se esperar do DHP no que se refere à implementação da concepção habitacional que foi formulada por Carmen quando ela retornou da Inglaterra em 1945 e, menos ainda, do equacionamento do dramático problema da habitação popular no Rio de Janeiro. Essa trajetória, embora muito marcada pela especificidade da história pessoal e profissional dos seus gestores, não é muito diferente da dos demais órgãos que atuaram no período, com exceção do IAPB. Depois de terem sido impulsionados nos anos 1940, quando se viveu um momento de criatividade e de procura por alternativas em diferentes aspectos da questão habitacional, com destaque para o IAPI, perderam a força na década de 1950 porque seus esforços se defrontaram com os limites que as condições políticas e institucionais impunham e pela incapacidade de entender as características do processo de urbanização do Brasil nesse período de grande migração campo-cidade.

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A utopia de Carmen Portinho e de Affonso Eduardo Reidy estava tão distante do que era possível se esperar do poder público brasileiro nos anos 1950, que não surpreende o esvaziamento e o isolamento que sofreram. Por inércia e pela força política e determinação de Carmen, o DHP e sua utopia sobreviveram por doze anos, mas seu fim era apenas uma questão de tempo. E ele chegou antes ainda do golpe militar de 1964. Na página ao lado, cenas do sucesso nos anos 1950. No alto, Reidy e Portinho, com amigos nas fundações do Museu de Arte Moderna (MAM); no centro, Reidy apresenta a maquete do edifício do MAM ao presidente Juscelino Kubistchek; abaixo, Reidy com Maria Roberto, na abertura da exposição sobre arquitetura brasileira em Nova York, onde expôs seus projetos habitacionais. Nesta página, acima, com o bloco serpenteante de Pedregulho recém-inaugurado, no início dos anos 1960, moradores sofrem com falta de água. No alto, vista aérea do conjunto em 2013, com a favela em primeiro plano.

Com a mudança da capital para Brasília, a Prefeitura do Distrito Federal é transformada em Estado da Guanabara e Carlos Lacerda é eleito governador. Líder da oposição aos governos herdeiros do getulismo, entre 1945 e 1964, Lacerda inicia uma profunda transformação nos programas habitacionais no Rio de Janeiro. Em dezembro de 1960, Carmen Portinho é exonerada da diretoria do Departamento de Habitação Popular e, logo em seguida, ela e Reidy se aposentam. Os demais funcionários envolvidos com a proposta da engenheira, como Lygia Fernandes, Anna Augusta de Almeida e Francisco Bolonha, deixam o órgão e são lotados em outras secretarias do estado. O DHP passa a ser dirigido por Stelio de Alencar Roxo, que havia sido diretor do Serviço de Vilas e Parques Proletários. Em 1962, o DHP é definitivamente extinto, no âmbito de uma profunda reestruturação institucional que gerou

a criação da Cohab-GB, dando início a uma nova e trágica experiência de programas habitacionais no Rio de Janeiro, que redundou na remoção de inúmeras favelas da Zona Sul e o alojamento de seus moradores em conjuntos habitacionais situados nos subúrbios distantes. O fim do DHP foi, para o arquiteto Francisco Bolonha, “muito melancólico” (Nascimento, 2004). É compreensível, mas não parece que a experiência tivesse muito mais para oferecer no contexto em que o órgão estava inserido. A perspectiva de tratar a questão da habitação, cada vez mais como um problema financeiro e de construção de unidades desvinculadas de uma proposta urbana, chocava-se com uma concepção que pensava a moradia como um direito social – cinquenta anos antes de esse direito ter sido incluído na Constituição – e habitação como elemento central do desenvolvimento urbano. Apesar dos seus equívocos e do seu isolamento, graças à teimosia e empenho de Carmen Portinho em realizar empreendimentos de grande complexidade, o DHP deixou heranças, tanto do ponto de vista conceitual como de experiências concretas, que até hoje são fundamentais para a reflexão sobre uma política habitacional na qual o direito à cidade, a qualidade da arquitetura e a adequada inserção urbana possam ocupar um lugar de destaque.

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