Os Maias - Episódio dos jornais
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Os episódios dos jornais ocorre no XV capítulo e critica a decadência do jornalismo português que se deixa corromper, motivado por interesses económicos (A Corneta do Diabo) ou evidenciam uma parcialidade comprometedora de feições políticas. No jornal A Corneta do Diabo havia sido publicada uma carta escrita por Dâmaso que insultava Carlos e expunha, em termos degradantes, a sua relação com Maria Eduarda. “(…) E rapidamente, sem aludir a Maria, contaram ao maestro que o Dâmaso publicara num jornal, a Corneta do Diabo (…), o artigo em que a coisa mais doce que se chamava a Carlos era pulha(…)”. Palma Cavalão revela o nome do autor da carta e mostra aos dois amigos o original, escrito pela letra de Dâmaso, a troco de “cem mil réis”. A parcialidade do jornalismo da época surge quando Neves, director do jornal A Tarde, aceita publicar a carta na qual Dâmaso se retracta, depois da sua recusa inicial por confundir Dâmaso Salcede com o seu amigo político Dâmaso Guedes.
Palma Cavalão Diretor do jornal A Corneta do Diabo é desonesto e encara o jornalismo como uma forma de ganhar dinheiro deixando-se por isso corromper e subornar. Representa o jornalismo barato, escandaloso e sem escrúpulos. Tem a alcunha de “Cavalão” por simbolizar alguém sem princípios, que faz tudo por dinheiro, sem qualquer preocupação com o seu semelhante. Considera-se o “amante latino” por excelência das prostitutas espanholas. A associação destas duas facetas torna-o mesquinho e cruel. “(…) Fora na véspera à tarde que recebera no Ramalhete a Corneta. Ele já conhecia o papelucho, já privara mesmo o proprietário e redator – o Palma, chamado Palma Cavalão para se distinguir de outros benemérito chamado Palma Cavalinho.(…)”
Neves
Esta personagem, tal como Palma Cavalão representa o meio jornalístico decadente lisboeta que influencia politicamente os seus ignorantes leitores. É diretor do jornal A Tarde, político e deputado do partido de Dâmaso Guedes. Recusa-se a publicar a carta de Dâmaso Salcede por pensar que fora escrita pelo seu amigo Dâmaso Guedes.
Dâmaso Salcede Dâmaso é uma súmula de defeitos, filho de um interesseiro, é presumido, cobarde e sem dignidade. É dele também a notícia contra Carlos em A Corneta do Diabo. Mesquinho e convencido, provinciano e tacanho, tem uma única preocupação na vida: o “chic a valer”. Representa o novo-riquismo e os vícios da Lisboa da segunda metade do séc. XIX. O seu carácter é tão baixo que se retracta como um bêbado só para evitar bater-se em duelo com Carlos. É sobrinho de Guimarães, a ele e ao tio se devem, respectivamente, o início e o fim dos amores de Carlos com Mª Eduarda.
João da Ega João da Ega é a projecção literária de Eça de Queirós. Boémio, excêntrico, exagerado, caricatural, anarquista sem Deus e sem moral. É leal com os amigos. Sofre também de diletantismo, concebe grandes projectos literários que nunca chega a executar. Na prática, revela-se em eterno romântico. Nos últimos capítulos ocupa um papel de grande relevo no desenrolar da intriga. É a ele que o Sr. Guimarães entrega o cofre que mais tarde irá revelar o parentesco entre Carlos e Maria Eduarda. É juntamente com ele, que Carlos revela a verdade a Afonso. É ele que diz a verdade a Maria Eduarda e a acompanha quando esta parte para Paris definitivamente.
Carlos da Maia Carlos é uma das personagens principais da obra. Foi fruto de uma educação à inglesa (moderna e laica). Devido à sua origem familiar e posição económica é representante de um determinado grupo social que, devido ao seu estatuto sócio-económico, leva uma vida desafogada que lhe possibilita uma existência ociosa em Lisboa. Apesar da sua educação Carlos tal como o seu pai (Pedro da Maia) fracassou na vida, não tendo alcançado todos os seus objectivos. Carlos apaixonou-se por Maria Eduarda. Mais tarde este amor que os une irá tornar-se em algo aterrador.
A Corneta do Diabo aparece em Os Maias, de Eça de Queirós, como um jornal de maledicência e de escândalos. O narrador afirma que "na impressão, no papel, na abundância dos itálicos, no tipo gasto, todo ele revelava imundície e malandrice“, “(…) publicidade chula de um jornal sórdido” e, nas palavras de Eusebiozinho, "É um jornal de pilhérias, de picuinhas... Ele já existia, chamava se o Apito; mas agora passou para o Palma; ele vai lhe aumentar o formato, e meter lhe mais chalaça..."
O Diretor e principal redator é Palma Cavalão, um jornalista corrupto. É nesta publicação que Dâmaso Salcede publica um artigo a satirizar a intimidade da relação de Carlos da Maia e Maria Eduarda. A suspensão da circulação deste número só é conseguida graças ao Ega e a um suborno de 100 000 réis. O próprio nome A Corneta do Diabo não era inocente porque a palavra Diabo tem conotação negativa, mostrando que tal jornal seria indecente e maléfico, sem bom senso algum.
«- Ora viva, sô Maia! «Então já se não vai ao consultório, nem se vêem os doentes do bairro, sô janota? - Esta piada era botada no Chiado, à porta da Havanesa, ao Maia, ao Maia dos cavalos ingleses, um tal Maia do Ramalhete, que abarrota por aí de catita; e o pai Paulino que tem olho e que passava nessa ocasião ouviu a seguinte cornetada: - É que o sô Maia acha que é mais quente viver nas fraldas duma brasileira casada, que nem é brasileira nem é casada, e a quem o papalvo pôs casa, aí para o lado dos Olivais, para estar ao fresco! Sempre os há neste mundo!... Pensa o homem que botou conquista; e cá a rapaziada de gosto ri-se, porque o que a gaja lhe quer não são os lindos olhos, são as lindas louras... O simplório, que bate aí pilecas bifes, que nem que fosse o marquês, o verdadeiro Marquês, imaginava que se estava abiscoitando com uma senhora do chic, e do boulevard de Paris, e casada, e titular!...
E no fim (não, esta é para a gente deixar estoirar o bandulho a rir!) no fim descobre-se que a tipa era uma cocote safada, que trouxe para aí um brasileiro já farto dela para a «passar cá, aos belos lusitanos... E caiu a espiga ao Maia! Pobre palerma! Ainda assim o sô Maia só apanhou os restos de outro, porque a tipa já antes dele se enfeitar, tinha pandegado à larga, aí para a rua de S. Francisco com um rapaz da fina, que se safou também, porque cá como nós só aprecia a bela espanhola. Mas não obsta a que o sô Maia seja traste! Pois se assim é, dissemos nós, cautelinha, porque o diabo cá tem a sua Corneta preparada para cornetear por esse mundo as façanhas do Maia das conquistas. Ora viva, sô Maia!»
O jornal A Tarde aparece em Os Maias dirigido pelo Neves, deputado e político. É neste jornal que Ega consegue a publicação da carta do Dâmaso não só como represália da injúria feita a Carlos da Maia, mas também para se vingar de uma possível ligação daquele com a sua ex-amante Raquel Cohen. Todo o diálogo do Ega com o Neves e outros funcionários do jornal lisboeta mostra a atmosfera política, a imprudência e a parcialidade do jornalismo daquela época.
Nesta época o jornalismo era encarado como um meio de estratégia de propaganda política. Era pouco rigoroso, corrupto e não seguia os valores éticos e morais patentes na época. As notícias e informações transmitidas aos leitores, muitas vezes não tinham um carácter verídico. Nos jornais de hoje isto ainda acontece pois muitas vezes as notícias que passam nos jornais não passam de boatos, mas é exatamente este tipo de notícia que atrai a atenção dos leitores o que faz com que a compra de jornais aumente. O jornal não era um meio de comunicação credível pois assistiase a uma perda de informação rigorosa para se passar a editar jornais em que o principal objetivo era lucrar.
O “episódio dos jornais” revela uma forte critica à sociedade portuguesa. Essa críticas referem-se à degradação ética do jornalismo, pois este não estava a ser usado da maneira que devia ser. Ou seja, verifica-se quando Palma Cavalão, aceita publicar, a troco de dinheiro “cem mil réis” uma carta caluniadora que se destinava a humilhar Carlos. No jornal A Tarde passou-se exatamente o mesmo quando Neves recusou publicar a carta em que Dâmaso Salcede pedia desculpas por ter mandado publicar uma carta em que humilhava Carlos, porque o tinha confundido com o seu amigo político Dâmaso Guedes.
Tudo isto demonstra a decadência jornalística daquela época, em que as notícias eram publicadas em função dos interesses dos diretores de cada jornal. A forma como os jornais nos são descritos retrata uma forma decadente dos mesmos: “ mas só Lisboa, só a horrível Lisboa, com o seu apodrecimento moral, o seu rebaixamento social, a perda inteira do bom senso, o desvio profundo do bom gosto, a sua pulhice e o seu calão, podia produzir uma Corneta do Diabo”. Lisboa, neste estado, é o retrato de todo o país. Quando um redator do jornal A Tarde tenda redigir sem sucesso uma notícia anunciando um livro evidencia ainda com mais clareza a mediocridade do jornalismo português da época.
Neste episódio Dâmaso, faz uso do jornal para expor, humilhar e criticar publicamente Carlos e Maria Eduarda. Esta atitude provoca Carlos e Ega. Ega acaba por publicar num segundo jornal, forçadamente, a carta de desculpas de Dâmaso a Carlos e é através desta que irá conhecer Guimarães, tio de Dâmaso, que lhe veio pedir explicações sobre a tal carta. É Guimarães que vai desequilibrar a harmonia existente entre Carlos e Maria. É ele que vai por a descoberto toda a história que compromete o relacionamento destas duas personagens da intriga central.
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