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March 16, 2019 | Author: Ricardo Pereira | Category: Aristotle, Greek Mythology, Pythagoras, Plato, Al Andalus
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ANTON NIO LUIZ Z M. C. COSTA

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Os Elementos Antonio Luiz M. C. Costa São Paulo, novembro de 1994

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derivadas.

Capa, revisão e edição de Antonio Luiz M. C. Costa

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Conteúdo A Teogonia ............................................................................................................................................. 4 A tradição tradição filosófica filosófica.................................................... ........................... ................................................... ................................................... .................................................. ......................... 5 Os pré-socráti pré-socráticos cos ................................................. ....................... .................................................... ................................................... .................................................... ............................... 5 Platão .................................................................................................................................................. 9 Aristóteles ......................................................................................................................................... 11 A filosofia filosofia alexandri alexandrina na .................................................................. ....................................... ..................................................... .................................................... .......................... 13 A Idade Média..................................................... ........................... .................................................... ................................................... ................................................... ............................ 14 A Renascen Renascença ça .................................................. ........................ ................................................... ................................................... ..................................................... ............................... .... 16 A tradição tradição esotérica esotérica ocidental ocidental .................................................... .......................... ................................................... .................................................. ............................... ...... 18 Wicca Wicca e neopagani neopaganismo smo ................................................ ....................... .................................................... .................................................... ........................................... .................. 20 Os elementos elementos na medicina medicina e psicologia psicologia ................................................................ ..................................... .................................................... .............................. ..... 21 A tradição tradição indiana indiana ................................................... ......................... .................................................... ................................................... ................................................... ............................ 22 A tradição tradição chinesa chinesa................................................... ......................... .................................................... ................................................... ................................................... ............................ 24 Bāguà: os oito trigramas  .................................................................................................................... 24 Wǔxíng: as cinco fases  ..................................................................................................................... 26 A tradição tradição budist budistaa ................................................... ......................... .................................................... ................................................... ................................................... ............................ 27 A tradição tradição japonesa japonesa................................................. ....................... .................................................... ................................................... .................................................... ........................... 28 A tradição iorubá .................................................................................................................................. 29 Conclusão ............................................................................................................................................. 30 Bibliograf Bibliografia ia.................................................... ........................... ................................................... ................................................... ................................................... .................................... .......... 32

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 A Teogonia

Comecemos pelo mito grego da criação: no começo era o abismo ( Caos) e depois dele surgiram a Terra (Gaia), o Tártaro e o Amor ( Eros).

Sim bem primeiro nasceu Caos ; depois também Terra   de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre, dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado, e Tártaro  nevoento no fundo do chão de amplas vias, e Eros  : o mais belo entre deuses imortais,  solta-membros, dos deuses todos e dos homens todos ele doma no peito o espírito e a prudente vontade.  Do Caos Ér ebo  e Noite   negra nasceram.  Da Noite aliás Éter e Dia nasceram,  gerou-os fecundada unida a Érebo em amor, Terra primeiro pariu igual a si mesma Cé u   constelado, para cercá-la toda ao redor e ser aos deuses venturosos sede irresvalável sempre.  Pariu altas Montanhas, belos abrigos das deusas ninfas que moram nas montanhas frondosas.  E pariu a infecunda planície impetuosa de ondas o M ar   , sem o desejoso amor. Depois pariu do coito com Céu: Oceano de fundos redemoinhos e Coios e Crios e Hipérion e Jápeto e Téia e Réia e Têmis e Memória e Febe de áurea coroa e Tétis amorosa.  E após com ótimas armas Cronos de curvo pensar,  filho o mais terrível: detestou o florescente pai. Hesíodo -Teogonia - c.700 a.C. (tradução de Jaa Torrano) O mito grego começa com a atividade de três elementos: Caos (o abismo de trevas cósmico, que se divide em celeste - Noite e subterrâneo - Érebo), a Terra e o Tártaro nevoento, habitação sombria das sombras dos mortos. Eles ou elas geram sozinhos seres poderosos e gigantescos, até que intervém o quarto elemento, Amor (Eros), que impõe uma nova forma de reprodução, dando origem a seres mais  belos, proporcionados e “humanos ”, dos quais os primeiros são os Titãs, artífices da primeira humanidade (a da Idade de Ouro). Um deles, Cronos, castrou o pai e tomou o poder, até ser deposto pelo seu filho Zeus. Os genitais castrados do Céu originaram Afrodite, deusa do Amor, ao passo que a Noite gerou sozinha (além de muitos outros seres punitivos e terríveis) Éris, deusa da discórdia e as Moiras, deusas do destino. Em termos modernos, poderíamos traduzir isto assim: os princípios fundamentais são o espaço vazio (Caos), a vida (Gaia), a morte (Tártaro) e a beleza (Eros), entendida como ordem e proporção (Cosmos). Os três primeiros são capazes de gerar por si, mas apenas quando a beleza do parceiro doma seus espíritos e vontade é que passam a gerar, através do coito, seres realmente belos, porque originados dessa beleza e não da vontade bruta. Só com esses seres surge verdadeiramente o amor, a luta, a evolução e o Cosmos que conhecemos.

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 A tradição filosófica

Os pré-socráticos Segundo Vernant, “o pensamento racional tem um registro civil: conhece-se a sua data e o seu lugar de nascimento”1. A criança nasceu em Mileto (cidade da Jônia, extremo oriental do mundo grego)  por volta de 585 a.C., e suas primeiras palavras foram: “tudo é água”. É verdade que a estrutura de pensamento que serve de modelo às primeiras investigações filosóficas não era inteiramente nova. Segundo Cornford 2, o mesmo esquema se encontra na mitologia grega e na filosofia jônica:

1. no começo há um estado de indistinção onde nada aparece; 2. desta unidade primordial emergem, por segregação, pares de opostos, quente e  frio, seco e úmido, que vão diferenciar no espaço quatro províncias: o céu de  fogo, o ar frio, a terra seca, o mar úmido; 3. os opostos unem-se e interferem, cada um triunfando por sua vez sobre os outros,  segundo um ciclo indefinidamente renovado, nos fenômenos meteorológicos, na  sucessão das estações, no nascimento e na morte de tudo o que vive, plantas, animais e homens. A novidade não estaria na estrutura da resposta, que já se encontrava nos mitos contados por Hesíodo na Teogonia (e antes, ainda, em mitos egípcios e mesopotâmicos) e sim em procurar explicar a dinâmica da natureza não através de deuses com personalidades complexas, arbitrárias e misteriosas, mas sim através de conceitos com propriedades tão simples quanto possíveis: conceitos elementares. Em vez de explicar o que já é complexo e misterioso através de algo mais misterioso ainda, acessível apenas aos  privilegiados que tiveram acesso à revelação divina (de Javé ou das Musas), procurou-se explicar o misterioso em termos que, em princípio, qualquer mortal poderia compreender, discutir e criticar racionalmente. O primeiro filósofo, Tales de Mileto, procurou na água a origem de tudo o que existe. Outros filósofos jônicos deram respostas semelhantes, mas privilegiando outros elementos: Anaximandro de Mileto, discípulo de Tales, substituiu a água pelo ápeiron  (que pode ser traduzido como ilimitado, indefinido). Anaxímenes de Mileto, discípulo de Anaximandro, optou pelo ar. Heráclito de Éfeso, que viveu depois destes (cerca de 500 a.C.), preferiu o fogo. Hoje, essas escolhas podem parecer arbitrárias e mesmo ridículas, à primeira vista. Porque a água em vez do fogo, ou vice-versa? Trata-se, na verdade, de uma discussão sobre as propriedades e natureza do universo. Todos concordavam que todas as transformações e movimentos que constituem a natureza ( physis) e a própria existência poderiam ser deduzidas das propriedades de uma substância única que forma todo o cosmos. Porém, não havia uma palavra para tal substância tão “neutra ”  quanto a atual matéria.  Numa forma não tão diferente, essa discussão ainda continua entre os filósofos que dizem que o  principal fundamento do universo é a matéria (materialistas) e os que dizem que é a idéia (idealistas), 1VERNANT, JEAN-PIERRE - Mito e Pensamento entre os Gregos - São Paulo; Difusão Européia do Livro/EDUSP; 1973 - pág. 293. 2CORNFORD, F. M. - Principium Sapientiae: the origins of greek phiosophical thought, Londres, 1952 - citado em VERNANT, op.cit., pág. 297.

6 Deus (panteístas), o Eu (empiristas), que há um único fundamento (monistas), dois (dualistas), muitos ou infinitos (pluralistas). Para Tales (nascido na árida Fenícia), a propriedade fundamental do cosmos devia ser a vida, e o fundamento desta é a água: o sêmen é líqüido e todo alimento é suculento, ao passo que as coisas mortas secam. A água pode mudar de forma, dando origens ao sólido (gelo), ao gasoso (vapor) e ao próprio fogo na forma de calor biológico - assim, suas propriedades poderiam explicar toda a natureza. O primeiro filósofo era, portanto, radicalmente materialista. Já Anaximandro tinha um conceito mais intelectual e abstrato da substância primordial: ela não  poderia ter as propriedades determinadas desta ou daquela matéria particular, mas deveria conter todas as  possibilidades em estado de indeterminação, dos quais todos os seres surgiriam pela separação dos contrários. Era algo próximo ao que hoje chamaríamos simplesmente de “matéria ”, porém dinâmica e  potencialmente viva, mais como a matéria dos físicos modernos do que como a matéria inerte e passiva da física idealista clássica. Anaxímenes voltou à vida como princípio do cosmos, mas teve dela uma imagem mais “espiritual”: não a água, que lembra as funções biológicas “inferiores ”, mas o ar, identificado com a alma, “que nos mantêm unidos ”. Espírito, alma, alento, ânimo, psique, são todas palavras que derivam, em última instância, de termos que significaram originalmente respiração, vento, sopro. Quando alguém morre, dizemos que “expirou ”, deu o “último suspiro ” e quando alguém se sente particularmente vivo, teve uma “inspiração”, está “animado”. Assim, o fundamento da natureza não seria algo tão grosseiro quanto os líquidos e mucos do corpo. Embora ainda fosse material e corporal, era também alma e  pensamento: estava dado o primeiro passo no caminho do idealismo. Heráclito, o Obscuro, geralmente considerado o maior dos pré-socráticos, teve uma imagem da natureza que poderíamos chamar mais “ pessimista”, ou, talvez, mais realista. Para ele, o fundamento de tudo não era a vida como ser vivo, o viver relativamente tranqüilo e estável sugerido pela água ou pelo ar, mas o  processo  de nascer, lutar, amar e morrer. Tranqüilidade e estabilidade são próprios dos mortos. Tudo flui, ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, tudo é gerado por uma luta de contrários. O fogo (hoje diríamos melhor “energia ”), permanentemente em movimento, foi a melhor imagem dessa inquietação e luta cósmicas que Heráclito pôde encontrar na natureza. Não tanto pela escolha do elemento, mas sim pela substituição do ser pelo processo (dialético, quer dizer, de luta-antítese e amorsíntese de contrários) que esse elemento simboliza, seu pensamento foi o mais inovador desde Tales. Porém, no mesmo ano em que Heráclito nascia, Pitágoras estava abandonando a cidade de Samos na Jônia (onde fracassou em impor suas idéias) e fundando em Crótona, na Magna Grécia (ocidente do mundo grego, no atual Sul da Itália 3) uma escola de pensamento muito diferente: não materialista e monista, como as jônicas, mas idealista e dualista: o fundamento da natureza era, para ele, não uma substância física, mas o número, as relações matemáticas (diríamos, hoje, as “leis”  da natureza), que existiriam independentemente da natureza propriamente dita, num mundo das idéias. A matéria existiria, mas como algo inerte e sem propriedades, só adquirindo qualidades através da imposição de relações numéricas pelo espírito. A imagem paradigmática do cosmos de Pitágoras não era o ser vivo ou o processo  biológico, mas a música, onde a matéria inerte (o ar), qualidades oriundas de uma idéia abstrata (a  partitura) e expressas em relações numéricas (as notas musicais, definidas por uma certa freqüência de 3  Lembra-me os puritanos fanáticos da Inglaterra que, no século XVII, emigravam para fundar colônias na Nova Inglaterra e tentar viver de acordo com suas idéias.

7 vibração). É de Pitágoras a expressão “música das esferas ”, referida à ordem do cosmos. Também se deve a Pitágoras e seus seguidores a invenção da matemática como uma ciência dedutiva rigorosa (até então ela era basicamente uma coleção de receitas práticas para cálculos), importantíssimos teoremas da geometria, e a aplicação da matemática à musica e à astronomia (explicando os movimentos dos planetas, eclipses etc.). Por outro lado, também se deve a ele idéias bem mais discutíveis, como a numerologia, a tese da reencarnação4, o esoterismo ocidental (pelo menos na sua vertente mais “filosófica”) e, de certa forma, o totalitarismo (entendido como imposição forçada de uma ideologia supostamente racional a um povo). Deve-se a Pitágoras a primeira legitimação filosófica das oposições mente/corpo, espírito/matéria, razão/instinto e, por extensão, também homem/mulher (esta sempre mais identificada à natureza, logo à matéria), senhor/escravo, sagrado/profano, esoterismo/exoterismo, governante/súdito, que depois seriam desenvolvidas por Platão.  Não por acaso, Pitágoras foi o primeiro déspota esclarecido a tentar criar uma sociedade utópica a  partir de idéias abstratas: criou uma comunidade filosófico-religiosa com seus discípulos, os quais  procuravam viver de forma ideal   (em todos os sentidos da palavra) e guardavam seus ensinamentos em rigoroso segredo. Tudo correu bem até que os pitagóricos tentaram tomar o poder em Crótona e impor suas idéias: os crotonenses não quiseram dançar sua música e Pitágoras acabou morrendo no exílio. Pitágoras não deixou escritos (pelo próprio caráter esotérico de seus ensinamentos), mas pelo que restou dos textos de seu seguidor Filolau (que vendeu na forma de livro os ensinamentos secretos em cerca de 400 a.C., pois estava na pobreza) podemos supor que ele formulou, pela primeira vez, a hipótese da pluralidade dos elementos materiais, que seriam cinco: os quatro elementos da “esfera”: fogo, água, terra, ar e o holkas5 da esfera. O homem se dividia em quatro princípios: cérebro (inteligência), coração (alma e sensação), umbigo (gestação) e órgãos genitais (emissão do sêmen e criação), possivelmente associados aos quatro elementos. O cérebro indica o homem; o coração, o animal; o umbigo, a planta e os órgãos genitais, todos eles, pois “tudo floresce e cresce de um sêmen ”. Representantes ainda mais radicais (e monistas) do idealismo da filosofia grega na Itália e foram Parmênides e Zenão, da cidade de Eléia (por isso, sua escola foi chamada eleata). Eles negaram a realidade do tempo e do movimento, reduziram a natureza, a matéria e as oposições a meras ilusões. Tudo que realmente existia era o Um, ser ideal, eterno, perfeito e imutável (idéia que, curiosamente, lembra um  pouco as do físico Stephen Hawking). Zenão, como Pitágoras, foi um revolucionário fracassado, e acabou torturado e executado pelo tirano de Eléia. Mais interessante para a história dos elementos, entretanto, foi Empédocles de Agrigento (cidade grega da Sicília - 490 a 435 a.C.). Apesar de ser originalmente um pitagórico (foi acusado por estes de trair os segredos da escola), criou e divulgou uma filosofia que pode ser considerada mais uma síntese do  pensamento jônico com o sul-italiano e a primeira forma de pluralismo (e, apesar disso, uma forma de holismo) do que uma mera vulgarização do pitagorismo. Para ele a natureza era a síntese de quatro 4A filosofia pitagórica supõe a imortalidade da alma - já que esta deixa de ser uma forma de ar ou de outra matéria transformável e perecível para ser eterna como os números e proporções, pois ela é uma harmonia peculiar aplicada à matéria, assim como uma composição musical. Porém, o pitagorismo não permite pensar na criação das almas. Elas nunca foram criadas, assim como os números, que podem ser impostos à matéria mas sempre existiram . Estas crenças se associavam com uma crença na reencarnação, da qual a alma poderia finalmente se libertar para existir eternamente em companhia dos deuses. 5Esta última palavra significa “ barco de carga”  e refere-se aparentemente a algo que envolve a esfera celeste, seja pelo movimento, seja pelo seu caráter de arcabouço ou receptáculo do todo.

8 elementos ou deuses: água (Néstis, ou seja, Perséfone), ar (Hera), fogo (Zeus) e terra (Hades). Sua imagem da natureza não estava numa unidade de essência, biológica ou espiritual: era a própria  pluralidade dos elementos que constituíam a natureza - o todo - relacionando-se por duas forças que também eram deusas: amizade ( philia -  igual a Afrodite, deusa do amor) e o ódio ( neikos - Éris, a deusa da discórdia). A amizade exogâmica e mestiça, tende a unir os c ontrários, enquanto o ódio, endogâmico e racista (no limite, incestuoso), tende a separá-los e unir os semelhantes. Apesar da unidade da natureza ser, por assim dizer, fortuita, é bastante real: Empédocles era vegetariano por considerar que comer carne era comer a si mesmo, pois o ser é um. Essa filosofia tem em si um pouco de cada uma das precedentes (especialmente a Heráclito, pela luta/amor entre os elementos), como é fácil perceber, mas além disso deve também à mitologia. Ele expressava sua filosofia em versos, como os antigos poetas da mitologia (e também como Parmênides) e ao contrário dos filósofos jônicos materialistas. Igualava os elementos a deuses e incluía entre eles a terra, reparando a injustiça cometida pelos jônicos. Desprezada pelos filósofos jônicos como demasiado grosseira, era, na mitologia grega de Hesíodo, a origem de toda a natureza, na forma da deusa Gaia 6. Se o amor prevalecesse totalmente, o universo se tornaria um Todo indiferenciado como o Um dos eleatas; se o ódio fosse vitorioso, ele se decomporia em partes inconciliáveis em luta eterna, como o F ogo de Heráclito. O equilíbrio entre as duas grandes forças é que mantem o mundo como ele é. Esta concepção tem analogias na moderna teoria do caos: segundo esta, a vida precisa se manter no ponto de equilíbrio entre a ordem e o caos. A ordem total levaria à rigidez total e cristalina da máquina - o resultado final do amor de Empédocles; o caos total resultaria na massa informe de um gás, onde as moléculas se chocam desordenadamente - o ódio de Empédocles. Poderíamos também comparar estas forças com os conceitos freudianos de eros e thanatos. De Empédocles, voltemos à Jônia, onde por volta de 430 a.C floresce uma nova geração de filósofos materialistas. O primeiro, Anaxágoras, é contra a intuição de seus predecessores: para ele não há um, quatro ou cinco elementos, mas sim uma infinidade deles: osso, carne, ouro, pedra etc., que se encontram misturados ou diluídos na água, ar, terra e fogo (que assim não seriam corpos simples). Um desses elementos, o espírito (nous), tem o papel fundamental de separar, movimentar e ordenar os demais, mas é apenas uma forma sutil de matéria e não algo essencialmente diferente. O espírito separou o caos original nos quatro “elementos ” tradicionais e continua separando estes nos verdadeiros elementos, que ele chamou de homeomerias. Seu “espírito ” é comparável ao conceito moderno de neguentropia (entropia negativa), característica dos seres vivos. Comparando com a “amizade” de Empédocles, chama a atenção a ausência de uma força contrária: o mal não é uma força, é a mera ausência de espírito. Logo a seguir, Leucipo de Mileto e seu discípulo Demócrito, materialistas mas de posse dos conceitos abstratos desenvolvidos pelos pitagóricos, finalmente respondem à questão original de Tales - o que é a natureza - com uma resposta hoje reconhecida como verdadeira: a natureza é constituída de átomos. Não apenas há infinitas substâncias “simples ”: cada uma delas é constituída de infinitas  partículas invisíveis e indivisíveis, mais simples ainda, diferentes em forma e tamanho, que flutuam e se 6Entretanto, o sexo dos deuses que representam os elementos em Empédocles sugere uma origem egípcia e não hesiódica. Em termos de mitologia grega, seria mais razoável atribuir aos elementos os sexos contrários - à água, Poseidon; ao ar, Zeus; ao fogo, Héstia e à terra, Gaia ou Deméter. Já no Egito, os principais deuses eram Osíris (terra), Ísis (céu), Néftis (água) e Seth (fogo). Diga-se de passagem que essa oposição de sexos entre as duas mitologias é em parte atribuída por alguns mitólogos (Lévi-Strauss, Elíade) ao caráter patrilinear da sociedade grega, ao passo que a egípcia seria originalmente matrilinear - o  princípio mais alto (céu/ar) sempre se relaciona.com o sexo simbolicamente mais importante, em oposição ao mais baixo (terra).

9 chocam ao acaso no espaço vazio, submetidos a leis rigorosas mas não humanamente racionais (isto é, sem intenção ou finalidade). As forças que os movem nada têm a ver com amor ou espírito, mas sim com  peso, atração e repulsão. Quando as combinações formadas ao acaso são harmoniosas, sobrevivem e se reproduzem, caso contrário, desaparecem (como na teoria darwiniana da evolução). A alma humana e os  próprios deuses são feitos de átomos, particularmente sutis. Bem, mal, amor, espírito, cor, cheiro, beleza, nada disso é natural (não pertencem à  physis), mas sim artificial ou convencional (pertencem ao nomos), isto é, dependem das características dessa disposição peculiar de átomos chamado homem e à sua maneira  particular de reagir - na natureza “em si” não há qualidades além da forma e do tamanho dos átomos em movimento, nem, muito menos, valores, mas apenas quantidades. O que percebemos como qualidades são apenas efeitos do choque desses átomos e de suas formas e tamanhos peculiares com nossos órgãos sensoriais, interpretados de acordo com nossas convenções. Como bem e mal são convencionais e a alma é mortal, esta filosofia não dá caráter metafísico à ética e à perfeição moral: trata-se apenas de viver o melhor possível, isto é, de procurar os prazeres mais belos e elevados. Mais ou menos na mesma época, em Atenas, centro do mundo grego, surgiram os pensadores conhecidos como sofistas. Como Demócrito, tinham as qualidades e os juízos de valor como meras convenções humanas, mas negavam que por trás dessas convenções houvesse algo mais “real”, como seriam os átomos e seus movimento. Ainda mais radicalmente relativistas, para eles as percepções e opiniões são tudo o que há. Refletem, de certa forma, o caráter democrático da sociedade ateniense: seu respeito às opiniões e percepções pode ser descrito na melhor das hipóteses como democrático e, na pior, como populista.

Platão Se Demócrito deu a forma definitiva ao materialismo clássico, Sócrates e Platão fariam o mesmo com o idealismo clássico em Atenas. Criticando os materialistas jônicos e os sofistas atenienses, eles deram nova forma à tradição iniciada pelo eleatismo e pelo pitagorismo. Uma das principais inovações em relação ao pitagorismo é a idéia do Demiurgo, o deus criador que cria não só a matéria como também a alma, não mais vista como idéia abstrata mas como uma mistura peculiar de idéia e matéria, imortal mas não eterna (depende de um deus para criá-la e existe no tempo). O Demiurgo criou uma espécie de reflexo do mundo das idéias eternas, para que estas pudessem contemplar-se a si mesmas. Essas idéias não seriam apenas os números e as idéias lógico-matemáticas, mas também valores como a Justiça, a Verdade, a Beleza etc. e, acima de todas, o Bem, em nome do qual tudo foi criado. Como a matéria em si é um não-ser, pois não tem qualidades, a alma é uma mistura de ser e nãoser. A principal alma é a Alma do Mundo, a primeira criação do Demiurgo 7. Cada ser humano tem quatro almas: a alma intelectiva, que reside na cabeça 8; a alma irascível, guerreira, que reside no peito; a alma vegetativa, da nutrição, que está na parte do ventre acima do umbigo; e a alma sexual, no baixo ventre. Apenas a primeira é imortal e foi criada pelo Demiurgo: as demais, assim como o corpo, foram criadas  por deuses menores a ele subordinados. De cima para baixo, são progressivamente mais rebeldes à razão a ira é mais ou menos controlável, os apetites a muito custo e o sexo de forma alguma - e contém uma  proporção menor de ser (idéia) e maior de não-ser (matéria). Das quatro virtudes tradicionais dos gregos, a  sabedoria  pertence à alma intelectiva e a coragem  à alma irascível. As outras duas almas não têm 7 O Bem, o Demiurgo e a Alma do Mundo parecem ser a fonte de inspiração para a teologia cristã definir o Pai, o Filho e o Espírito Santo. 8  Foi, aparentemente, a primeira vez no Ocidente que se imaginou a alma como residindo na cabeça: os gregos geralmente a imaginavam no peito (ligada ao ar), os chineses, na barriga e os cristãos (até a Idade Média) no coração.

10 virtudes próprias: a virtude da temperança  é simplesmente a harmonia geral das almas e  justiça  é que cada uma exerça seu papel próprio (que as inferiores obedeçam). Estas almas, referidas ao indivíduo humano, têm seu correspondente exato no Estado ( Polis) na forma de classes sociais: sábios ou filósofos (alma intelectiva), guerreiros (alma irascível), proprietários (alma vegetativa), e escravos (alma sexual). A decadência do Estado, assim como a do indivíduo, acontece quando o poder passa de uma alma/classe superior a uma inferior. De cima para baixo sucedemse a aristocracia (governo de filósofos, a  polis  ideal de Platão), timocracia (governo de guerreiros, Esparta), oligarquia (governo de ricos), democracia (governo desordenado de todas as classes misturadas, como Platão vê Atenas) e tirania (governo “ populista” de um povo de escravos) na escala do Estado e, na escala do indivíduo, o pensador amante da sabedoria ( philosophos), o ambicioso amante das honras ( philotimos), o avarento amante do dinheiro ( philokhrematos), o libertino amante da igualdade de todos os prazeres e da liberdade ( phileleutheros) e o pervertido amante do prazer sexual, escravizado pelo tirânico Eros ( philerastes). O homem democrático é uma espécie de “caos” onde se misturam os quatro elementos, os demais são todos governados por um elemento, mais alto ou mais baixo.

Os cinco sólidos platônicos e os elementos correspondentes A matéria9 ganha algum grau de ser ao lhe ser imposta uma forma (idéia). Como há apenas cinco sólidos perfeitos (isto é, figuras geométricas tridimensionais com todas as faces iguais), pode haver, no máximo, cinco elementos: ao tetraedro (4 faces), forma mais simples e “ pura”, corresponde o fogo; ao octaedro (8 faces), o ar; ao icosaedro (20 faces), a água; ao cubo (6 faces), o mais difícil de mover, a terra. Restou o dodecaedro (12 faces): inicialmente, não foi associado a um elemento, mas ao “Todo”. Há três formas de fogo (chama, luz e brasas), duas de ar (éter e névoa), duas de água (líqüida e sólida 10) e uma de terra.Como o tetraedro, o octaedro e o icosaedro têm todos faces triangulares, as partículas de fogo podem transformar-se em água e ar e vice-versa por recombinação de faces (mas a terra, de faces quadradas, e o 9 É Platão que introduz pela primeira vez a palavra matéria (hyle), que originalmente significa madeira e, por extensão, material de construção, enfatizando, portanto, sua passividade. A palavra latina materia que usamos hoje é a tradução literal de hyle. A madeira foi o primeiro material de construção dos antigos. 10 Por estranho que possa nos parecer hoje, de Platão até o início da Idade Moderna os metais foram considerados uma forma do elemento água, pois se tornam líqüidos ao serem aquecidos. O mercúrio, assim, era visto como o metal por excelência, o mais  puro ou primitivo de todos.

11 quinto elemento, de faces pentagonais, teriam que ser imunes a transformações em outros elementos). Os números dos elementos são 1 (fogo), 2 (ar), 3 (água) e 4 (terra). Em termos da teoria dos elementos, a característica de Platão está principalmente na forma como ele os hierarquiza. Se, para Empédocles eles eram iguais em valor, agora formam uma escada que vai do instinto grosseiro ao espírito puro. Essa escada de quatro ou cinco degraus se repete em tudo: elementos, indivíduo, Estado, formas de conhecimento e deuses.  No campo dos seres em geral e do conhecimento, temos no alto a idéia do Bem, foco de tudo. De cima para baixo, teríamos primeiro as idéias puras ( noeta superiores), conhecidas pelo intelecto ou razão intuitiva ( noesis); depois as construções matemáticas ou científicas ( noeta inferiores), conhecidos através do entendimento ou razão discursiva ( dianoia); em terceiro lugar os seres materiais ( zoa), conhecidos através da crença ou senso comum ( pistis); e finalmente as imagens, sombras ou reflexos ( eikones), conhecidos através da imaginação ( eikasia).  No campo dos deuses e seres sobrenaturais, temos no alto de tudo os deuses astrais, feitos de fogo, correspondentes ao céu e aos sete planetas. Em seguida, de cima para baixo, os gênios ( daimon) de éter 11, os gênios de ar, os gênios de água e, finalmente, os seres terrestres (homens e animais). A função dos gênios é preencher o abismo entre deuses e homens e permitir a comunicação entre os extremos (analogamente aos anjos cristãos). Essa construção, ao mesmo tempo filosófica, matemática e mística, foi a base de todo o idealismo ocidental desde então. Chega-se a dizer que toda a filosofia ocidental nada mais é do que uma coleção de comentários e críticas a Platão. Sem chegar a esse exagero, é simplesmente fazer justiça reconhecer que a influência do platonismo foi enorme, não só sobre a filosofia helenística e romana como sobre a filosofia cristã antiga e medieval (principalmente o gnosticismo) e sobre a Renascença (Giordano Bruno, Galileu). Até hoje, no campo da moderna teoria do conhecimento, há matemáticos platônicos, isto é, que acreditam que as idéias matemáticas existem realmente num mundo à parte e são descobertas, não inventadas pelo homem. Fora do campo da filosofia racional, Platão teve também uma poderosa influência sobre a astrologia, a teologia, a cabala, a teosofia e o misticismo.

Aristóteles O maior rival de Platão veio a ser o mais brilhante de seus discípulos: Aristóteles, um jônico educado em Atenas. Preocupado em conciliar o rigor lógico-matemático do platonismo com os conhecimentos físicos dos jônicos (e suas próprias pesquisas em biologia, da qual foi o pioneiro), ele modificou radicalmente a teoria das idéias de Platão: para Aristóteles, as idéias não existem num mundo a  parte, mas neste mesmo, enquanto  formas12  que movem, moldam e regem os seres materiais. As qualidades, para ele, são reais, embora não possam existir sem uma substância (ou seja, matéria com uma  forma) que as apresente. A alma não existe independentemente do corpo (com uma exceção que logo veremos), é a  forma  que move o corpo humano; Deus não é o criador, mas apenas a  forma  que move o universo ou, mais precisamente, é o motor do céu e, através deste, dos planetas e do Sol, cujos ciclos, por sua vez, aquecem e esfriam a Terra, assim provocando os movimentos de todos os seus seres. O universo 11 O éter aparece como elemento apenas no Epinomis, possivelmente o último escrito de Platão (que também trata dos gênios dos elementos). Até então era considerado como uma forma de ar. 12 Forma não deve ser entendida, nesse contexto, como figura (no sentido em que falamos de forma redonda, quadrada etc.), mas como a força, lei ou princípio que molda um corpo e seus movimentos. Para evitar confusão com o conceito comum de forma, escrevo em itálico.

12 não foi criado, é eterno e seus ciclos se repetirão por toda a eternidade. Eternas são também as espécies de seres vivos, embora os indivíduos não o sejam.

Os quatro elementos sublunares e suas quatro qualidades, segundo Aristóteles  Nessa filosofia, os elementos são as  formas fundamentais da matéria não-viva (forma não no sentido de formato ou figura, mas de “forma de ser ”) e têm por função explicar dois tipos de movimento: o movimento local (movimento propriamente dito, locomoção) e a alteração ou movimento qualitativo (vaporização, aquecimento, resfriamento, ressecamento etc.). Para Aristóteles, há apenas três tipos de movimento local natural: centrípeto (rumo ao centro da Terra), centrífugo (rumo ao alto) e circular. O movimento circular é a característica da  forma  do éter, que ademais tem a propriedade de ser o único elemento inA disposição dos elementos no corruptível - isto é, não se transforma em nenhum outro - e de universo, segundo Aristóteles ser o elemento que constitui o céu e os corpos celestes (que, em Platão, eram de fogo). O movimento centrífugo é o do fogo e do ar, considerados leves; o centrípeto é o da água e da terra, considerados  pesados. Cada um dos elementos tende, por sua  forma, a se mover para uma esfera que é seu lugar natural: assim, abaixo da esfera de éter, haveria uma esfera de fogo (que dá origem aos cometas), uma esfera de ar (atmosfera), uma esfera de água (hidrosfera) e uma esfera de terra (a Terra) quanto mais pesado, mais inferior o elemento. Todos os outros movimentos locais são violentos ou

13 forçados, isto é, são contrários à tendência natural da matéria não-viva e provocados por outros tipos de  formas isto é, por Deus ou pelas almas dos seres vivos. Além do peso ou leveza, os quatro “elementos ” inferiores têm, cada um, mais duas qualidades que Aristóteles chama de os verdadeiros elementos, já que fogo, água etc. são compostos destas qualidades mais a matéria-prima, que não tem qualidades. Assim fogo = matéria-prima + calor + secura, ar = matéria-prima + calor + umidade, água = matéria-prima + frio + umidade e terra = matéria-prima + frio + secura. Um elemento se transforma em outro quando uma das qualidades se transforma na oposta , devido, por exemplo, ao calor do Sol. Ao contrário do que acontece em Platão, inferioridade e superioridade não têm aqui um significado “moral”, mas simplesmente físico - um elemento não é melhor, nem mais real que outro. Porém, Aristóteles reconhece uma hierarquia “moral” ou “escada do ser ” relativa à vida e às almas: todos os elementos estão iguais e no degrau mais baixo porque não tem alma, ou vida; logo acima vêm os vegetais, que só têm alma nutritiva (ou vegetativa); depois os animais, que têm alma nutritiva e sensitiva (ou apetitiva); depois os homens, que têm alma nutritiva, sensitiva e intelectiva 13. Os quatro elementos (ou suas quatro qualidades) e as três almas fazem sete  formas  que constituem o ser humano e todo o mundo sublunar - número que, por isso (e por coincidir com o número de planetas então conhecidos e com o número de notas da música ocidental), tornou-se particularmente importante para o misticismo e a magia ocidentais, embora não fosse de importância especial para os pitagóricos nem para os cabalistas (que davam mais importância ao dez). A alma intelectiva do homem tem uma característica especial: ela contém em si um “intelecto ativo”  divino, o espírito ou mente ( nous), o poder de pensar, que é imortal e independente do corpo individual. Entretanto, isso não significa imortalidade pessoal, pois a individualidade está contida no “intelecto passivo ”, que inclui a imaginação, o pensamento discursivo e a memória, que morre com o corpo. Trata-se de uma imortalidade impessoal e abstrata, mas que dá ao homem uma participação especial na ordem cósmica. Ao contrário das demais espécies, ele não é imortal apenas pela propagação física de sua  forma  nos descendentes, mas também através da permanência de sua essência enquanto mente humana coletiva.

A filosofia alexandrina Com Aristóteles, encerra-se a história da Grécia clássica e de sua filosofia. As  polis  gregas são obrigadas a se avassalar a grandes impérios, começando pelo fundado pelo mais famoso discípulo de Aristóteles, Alexandre da Macedônia. Sua autonomia diminui progressivamente até desaparecer totalmente sob o Império Romano. Com isso, encerra-se uma era de soberania da livre discussão dos cidadãos na ágora. É o senhor do império que agora dita a lei e a verdade filosófica cada vez menos depende da reflexão e do diálogo e mais da autoridade dos antigos mestres. A cultura grega funde-se com as orientais e, gradativamente, os conceitos filosóficos se mesclam aos antigos mitos dos povos conquistados: persas, hebreus, mesopotâmicos, egípcios e mesmo indianos. Na capital fundada por Alexandre no Egito surge o mais importante dos centros dessa cultura sincrética, cujo dinamismo cultural continua vivo mesmo após a derrota de Cleópatra para Augusto. Cinco séculos depois de Platão, já sentindo a necessidade de competir com o cristianismo ascendente, os filósofos pagãos de Alexandria tentam sintetizar sua doutrina num corpo sistemático, expresso numa série de obras escritas entre 100 e 300 d.C. Estes filósofos nascidos numa época de 13 Ao contrário de Platão, Aristóteles não atribui diferentes almas a diferentes partes do corpo. Cada uma age sobre a totalidade do corpo.

14 decadência intelectual estavam convencidos que tudo que era antigo era puro e santo e que os mais antigos pensadores viviam mais perto dos deuses do que seus sucessores. Por isso, para dar maior autoridade a seus escritos, os atribuíram a nada menos que Thot, deus egípcio que os gregos identificaram, sincreticamente, com seu próprio deus Hermes, o Trismegisto (três vezes grande), concebido como uma pessoa real, um sacerdote egípcio que teria vivido numa antiguidade remota, muito anterior à idade de ouro da Grécia clássica. Assim, estas obras e sua filosofia serão conhecidas como herméticas. Esta filosofia era a síntese das escolas mais populares de seu tempo - o platonismo e o estoicismo como influências do misticismo oriental e buscava cultivar a intuição ( nous), mais do que a razão, para alcançar o conhecimento das coisas divinas e do significado do mundo. Em torno dela, se desenvolveram as que viriam a ser as principais tradições esotéricas do Ocidente: a astrologia, a alquimia, a magia, a numerologia. Sua influência foi considerável, mesmo na cultura popular: é a astrologia de Alexandria que dará ao Império Romano os nomes, até então inexistentes, dos dias da semana (dias do Sol, da Lua, de Mercúrio etc.) que prevalecerão em quase todas as línguas da Europa apesar dos esforços da Igreja Cristã  para erradicá-los (a exceção é, justamente, o Português).

A Idade Média A vitória do cristianismo, que consegue cooptar os próprios imperadores romanos a partir de 300 d.C., leva à crescente repressão da filosofia pagã hermética e mesmo à sua versão cristianizada, conhecida como gnóstica. Seus santuários em Alexandria e nas áreas mais diretamente submetidas ao poder imperial são destruídos. Porém, a tradição sobrevive em pontos mais isolados do Oriente Médio (como a cidade mesopotâmica de Harran) até mesmo à queda do próprio Império Romano e à ascensão da religião islâmica e do império árabe. Os árabes, principalmente a partir de Harran, recuperam a filosofia grega, assim como a magia, a astrologia e a alquimia de origem hermética, ao mesmo tempo que suas conquistas os colocam em contato com as civilizações indiana e chinesa. Sua civilização recolhe todas estas influências e as difunde pelo vasto mundo islâmico, tornando-se a mais brilhante e inovadora da Idade Média. Um dos seus centros mais brilhantes será Al-Andalus, isto é, a Península Ibérica conquistada pelos exércitos árabes em 711 e onde se funda o emirado (depois califado) de Córdoba. A Península Ibérica se torna uma rica e dinâmica sociedade multicultural e multi-racial, a mais brilhante da Europa. Sob os emires omíadas, convivem  pacificamente  sefaraditas  (judeus espanhóis), moçárabes  (cristãos integrados na civilização árabe) e muçulmanos de três raças: árabes vindos da Síria, berberes da África do Norte e os latinos convertidos ao Islã, conhecidos como muladis. Sob o domínio árabe, são introduzidas na Europa a cana-de-açúcar, o algodão, o arroz e as frutas cítricas; cria-se uma marinha mercante; explora-se a mineração do ouro, mercúrio, ferro e cobre; surgem manufaturas têxteis e metalúrgicas, vidrarias, fábricas de papel e produtos de couro, colocando AlAndalus muito à frente da Europa cristã e num nível de desenvolvimento superior ao do Império Romano em seu apogeu. Surge a primeira escola de medicina da Europa, além de escolas de direito, filosofia, astronomia e matemática. Mesmo na sua fase de decadência política, já no século XII, o Al-Andalus ou Andaluzia sob o domínio dos almóadas ainda é um grande centro cultural, famoso pela poesia, música e filosofia. Entre os filósofos, destaca-se Averróes (Ibn Rush) de Córdoba, que recupera a filosofia aristotélica, sustenta a independência do pensamento frente aos dogmas religiosos e estuda o homem como membro do reino

15 animal. Seu rigor lógico e científico terá um enorme impacto na Europa e encontrará numerosos seguidores entre os cristãos interessados nas questões filosóficas. Os próprios teólogos cristãos, para não se sentirem refutados pela brilhante racionalidade “muçulmana ”, serão obrigados a também estudar Aristóteles para conciliá-lo com os dogmas cristãos. Graças aos trabalhos de Tomás de Aquino e apesar da resistência dos tradicionalistas, pouco a pouco o racionalismo aristotélico se torna um complemento indispensável da tradição como fundamento da fé e do pensamento em todo o Ocidente. Seu contemporâneo, o andaluz Moisés Maimônides, também estuda a filosofia grega e cria os fundamentos do racionalismo judeu. Outros aspectos da cultura, ciência e matemática andaluzes se difundem pela Europa, inclusive os conhecimentos astronômico-astrológicos (até hoje, a maioria das estrelas tem nomes árabes) e o conhecimento dos algarismos arábicos e do zero, dos algoritmos, da álgebra, do xadrez, do jogo de cartas, da alquimia (inclusive o uso do alambique e a produção do álcool) e da pólvora. Junto com o aristotelismo e com uma vasta gama de conhecimentos práticos e científicos, difundese também a antiga tradição hermética: o primeiro tratado hermético a se difundir no Ocidente e inspirar os magos da Renascença italiana, o  Picatrix, foi um escrito árabe supostamente traduzido para o espanhol  por ordem de Afonso, o Sábio. Pelo mesmo caminho, retornaram à Europa as idéias de Demócrito e Pitágoras, incluindo o atomismo e o heliocentrismo. Isto representou um imensa mudança de perspectiva para a cultura cristã ocidental, onde desde a cristianização do Império Romano até cerca do ano 1000, as preocupações com a matéria haviam sido deixadas completamente à margem de qualquer filosofia séria e a natureza só interessava enquanto alegoria do plano cristão da salvação. Os primeiros cristãos se dividiram entre os que eram adeptos de um platonismo “cristianizado” (Santo Agostinho, ou mesmo o próprio São Paulo, entre outros), e os que eram partidários radicais da fé, contrários a qualquer forma de  pensamento racional como mera presunção humana (bem-aventurados os pobres de espírito...). Porém, estes não prevaleceram e assim o mais idealista dos grandes filósofos gregos, Platão, foi aceito como precursor do cristianismo (e até mesmo como divinamente inspirado, segundo alguns dos primeiros Padres Os Cinco Grandes Elementos em Sphæra M un di  da Igreja). de Orantius Fineus (1542) Aristóteles, que não acreditava num Deus criador nem na imortalidade pessoal, foi banido do horizonte cristão até meados da Idade Média e sua reintrodução representou uma enorme abertura para o pensamento ocidental. Ao contrário de Platão, que desprezava as ciências e as artes quando não se relacionavam com a busca da perfeição ética, Aristóteles tinha um campo de interesses vastíssimo, que abrangia a biologia, a medicina, a meteorologia, a astronomia, a lógica, a retórica e a estética, a política, a metafísica, as matemáticas e a astronomia, reunidos num corpo de conhecimentos coerente e com explicações que satisfaziam o senso comum. Ele era a enciclopédia de seu tempo e sua redescoberta foi um passo decisivo na preparação do Renascimento.

16 Demócrito, que não acreditava em um Deus supremo nem em imortalidade de espécie alguma,  permaneceu inconciliável com o cristianismo e só pôde voltar a exercer influência no Ocidente cristão através de correntes subterrâneas e heréticas. Sua influência, ainda grande no período romano através de seus sucessores Epicuro e Luciano, foi totalmente banida pelo cristianismo e toda a sua vasta obra (ética, física, matemática, astronomia, meteorologia, literatura, e mesmo assuntos tão técnicos como a medicina, a agricultura e a luta com armas pesadas), foi perdida, exceto uns poucos fragmentos. Com sua recuperação através dos árabes, Demócrito tornou-se uma espécie de “ padroeiro” dos materialistas e, em  particular, dos magos e alquimistas da idade média, que muitas vezes atribuíram a ele seus próprios escritos (sua “desforra” viria apenas em 1808, quando Dalton mostrou que os elementos químicos são constituídos de átomos 14). Um exemplo de síntese dos pensamentos platônico, aristotélico, cristão e mesmo democritiano foi o filósofo catalão Ramon Llull. Para ele, a tradicional correspondência astros-alma aceita pelos astrólogos deve ser expandida para incluir todos os seres: a essência de um mineral tem correspondente numa espécie de planta, num animal, na alma humana e num astro. A escada de Llull tem nove degraus: instrumentativa  (instrumentos feitos pelo homem); elementativa  (os elementos); vegetativa  (vegetais);  sensitiva  (animais); imaginativa  (produtos da imaginação); homo  (homem); caelum  (céus e planetas); angelus  (anjos); e  Deus. Toda ela está interligada, e a base dessa interligação está justamente em que a quinta-essência não constitui apenas os céus, mas também a terra e os quatro elementos, estando contida nos seres do mundo na forma de “espírito ”. A sua quinta-essência é mais semelhante à alma tal como imaginada por Demócrito do que ao éter de Aristóteles, com o detalhe de que agora também os minerais (principalmente os cristais) são vistos como uma forma de vida, ou de quase-vida. Essa teoria influenciou muito a alquimia, pois permite explicar como processos alquímicos podem afetar a alma humana, da mesma forma que os astrólogos acreditam que os astros o fazem. Os alquimistas procuraram mesmo isolar fisicamente a “essência ” de certos minerais e plantas, geralmente com a ajuda de álcool 15.

A Renascença O período da Renascença, porém, caracterizou-se por uma retomada do interesse pela matemática e  por um maior interesse pela Antiguidade em geral. Por isso, o aristotelismo acabou se tornando uma força reacionária. Havia se transformado na ortodoxia da filosofia e da teologia católicas e seus partidários desconfiavam das idéias que estavam surgindo e que agora eram realmente novas, não simplesmente recuperadas da Antiguidade. Por isso, alguns dos maiores inovadores da Renascença (como Bruno e Galileu) e os pensadores protestantes procuraram inspiração no ainda mais arcaico Platão para respaldarse filosoficamente com seu rigor lógico-matemático frente à Igreja, agora “aristotélica ”. Galileu, por exemplo, disse que “a matemática foi o alfabeto com que Deus escreveu o Universo ”, frase que poderia ser de Platão ou até de Pitágoras, mas a verdadeira originalidade de seu pensamento não estava aí e sim no seu uso dos sentidos e de instrumentos técnicos em experiências e observações que Platão nunca aceitaria nem compreenderia. Deve-se a Galileu a última variante filosófico-científica da teoria clássica dos cinco elementos. Ele  propôs que a matéria fosse constituída de partículas de diferentes formas flutuando no vazio (como em 14  Essa descoberta demorou para ser aceita pela comunidade científica. Ainda em fins do século XIX, muitos cientistas e filósofos duvidavam da existência dos átomos. 15  É por isso que até hoje, na perfumaria e na fabricação de bebidas, os destilados de álcool são chamados de espíritos ou essências - o que, em termos da ortodoxia aristotélica ou platônica, seria um perfeito disparate. Também por isso, as aguardentes têm nomes como eau-de-vie (França), aquavita (Escandinávia) e whisky ( do gaélico escocês uisge, água e beatha, vida).

17 Demócrito), mas essas formas seriam apenas cinco (como em Platão), cada uma correspondendo a um elemento e a um órgão do sentido: partículas sólidas ao tato, ígneas ao olfato, líquidas ao paladar, aéreas à audição e a luz à visão. Como em Demócrito, as propriedades dessas partículas seriam apenas tamanho, figura, número e movimento: o restante seria apenas um efeito secundário dos sentidos humanos. Em seguida, Roberto Boyle formulou a teoria química dos elementos (aperfeiçoada, bem depois,  pela descoberta dos átomos), e a teoria clássica deixou de ter lugar na ciência. Curiosamente, porém, continua havendo uma tendência para se girar em torno de quatro ou cinco elementos fundamentais. Apesar da química hoje conhecer 119 elementos (inclusive 29 artificiais), na química orgânica a maior  parte dos compostos são formados de quatro elementos: carbono (sólido, associado à terra), hidrogênio (componente da água), nitrogênio (principal componente do ar) e oxigênio (responsável pela combustão, ou fogo). Existem quatro estados da matéria: sólido, líqüido, gasoso e plasma. Num nível ainda mais fundamental, o das partículas subatômicas (que são o correspondente moderno dos átomos de Demócrito), todas as formas “normais ”  de matéria16  são constituídas de quatro partículas: quark up, quark down, elétron e neutrino; e todas as formas de energia são constituídas por quatro forças fundamentais: gravidade, eletromagnetismo, força nuclear fraca e força nuclear forte 17. Note que, para a física moderna, matéria e energia são apenas duas formas de campos de força, que podem transformar-se uma na outra. A idéia clássica de matéria inerte e sem qualidades foi definitivamente abandonada e o conceito moderno de matéria está mais próximo da  forma de Aristóteles do que de sua matéria-prima.

Tabela Periódica com 118 elementos

16 Existem duas outras “famílias” de partículas fundamentais, cada uma com quatro componentes, e a cada partícula corresponde uma antipartícula, elevando o total a 24. Porém, com exceção das quatro citadas, as demais só ocorrem na física em experiências envolvendo altíssimas energias, que exigem equipamentos caríssimos (embora talvez tenham sido comuns em outras fases de evolução do universo, como no big bang ). 17 Uma quinta força chamada “campo de Higgs ” foi prevista, mas ainda não comprovada experimentalmente. Por outro lado, a força nuclear fraca pode ser considerada uma forma de eletromagnetismo.

18 Os elementos clássicos encontraram, porém, um lugar fora da ciência mas dentro da filosofia moderna, com o fenomenologista Gaston Bachelard, nos seus estudos sobre a poesia e a imaginação : A  Psicanálise do Fogo; A Água e os Sonhos18 - ensaio sobre a imaginação da matéria, O Ar e os Sonhos19 - ensaio sobre a imaginação do movimento; A Terra e os Devaneios da Vontade: ensaio sobre a imaginação das forças; A Terra e os Devaneios do Repouso: ensaio sobre as imagens da intimidade. Para Bachelard, há uma lei das quatro imaginações materiais que atribui necessariamente a uma imaginação criadora um dos quatro elementos, não imaginados em sua inércia mas em seu dinamismo especial: a terra é riqueza e peso; a água, brandura e repouso; o fogo, desejo e amor; o ar, liberdade e movimento Na inspiração ou na criação literária, nenhuma imagem pode receber os quatro elementos, porque semelhante acúmulo seria insuportável: as verdadeiras imagens são formadas de um ou da conjunção de dois elementos. Os elementos são os hormônios da imaginação.

A tradição esotérica ocidental A maior parte da tradição esotérica do ocidente se formou na segunda parte da Idade Média e tomou sua forma atual no começo da Idade Moderna, mas suas raízes estão na filosofia grega (e nas mitologias egípcia e babilônica, que a influenciaram). Incluímos aqui a astrologia, a alquimia, a magia, a numerologia, a cartomancia e a maçonaria; mas não o espiritismo e a teosofia, que se formaram bem mais recentemente a partir de uma conjunção do esoterismo ocidental com a tradição indiana e a ciência do século XIX. A astrologia é mais conhecida adaptação do conceito dos quatro elementos. Os doze signos do zodíaco, na forma atual, nada mais são do que a combinação dos quatro elementos com três qualidades, estas chamadas cardinal, fixa e mutável 20, da seguinte forma:

Elemento Fogo Terra Ar Água

Cardinal Áries Capricórnio Libra Câncer

Fixo Leão Touro Aquário Escorpião

Mutável Sagitário Virgem Gêmeos Peixes

Os signos de fogo e ar são chamados masculinos; os de terra e água, femininos. Outras associações comuns na astrologia são as seguintes:

Elemento Fogo Terra Ar Água

Planeta Marte Vênus Júpiter Saturno

Animal Leão Touro Homem Águia

Cor  amarelo negro vermelho branco

Idade juventude maturidade infância velhice

Estação verão outono primavera inverno

Direção leste norte sul oeste

 Na astrologia, o fogo é associado principalmente à vontade e auto-afirmação; o ar, à inteligência e ao raciocínio abstrato; a água, à emoção; e a terra, aos sentidos e ao raciocínio prático - ou resumindo, o tradicional provérbio ocultista: querer, saber, ousar e calar . Em relação à tradição platônica, é uma

18 No original é rêves - sonhos propriamente ditos. 19 No original, songes - sonhos acordados, devaneios. 20  Estas qualidades são comparáveis com os movimentos centrípeto, centrífugo e circular de Aristóteles ou com as almas nutritiva, sensitiva e intelectiva, respectivamente. Assim, Áries representa o fogo no seu aspecto visceral e concentrado; Leão, no aspecto emocional e expansivo; Sagitário, no aspecto intelectivo e “circular ” - isto é, libertário e móvel.

19 concepção menos hierárquica: a terra não é simples matéria inerte, mas também raciocínio prático; a água não é mero apetite, mas emoção e fantasia. A associação com “animais”  faz parte tanto da tradição astrológica quanto da cristã. Os quatro animais são os quatro signos “fixos” (Águia está por Escorpião - daí a associação com a água - e Homem  por Aquário) e também os quatro evangelistas: Homem é Mateus (que trata de Cristo como homem), Leão é Marcos (que o trata como Rei), Touro é Lucas (que o trata como vítima sacrificial) e Águia é João (o mais místico e inspirado). Estas são também as quatro partes da Esfinge (cabeça humana, asas de águia, peito de leão e traseiro de touro). Há também uma associação destes animais e elementos com os anjos: leão/fogo - Miguel, homem(às vezes, dragão)/ar - Rafael, águia/água - Gabriel e touro/terra - Uriel. A cartomancia, ou mais precisamente o Tarô, adota uma concepção dos elementos mais próxima da  platônica e da aristotélica. O Tarô procura ser um modelo do mundo, onde os Arcanos Maiores representam os céus (o éter) e os menores a terra e a sociedade. Paus é fogo (viagens, empreendimentos); Espadas, ar (conflitos); Copas, água (amores) e Ouros, terra (dinheiro). O fogo recupera o papel de comando que tinha em Platão (Paus 21 é, originalmente, o cetro real), ar está ligado à “alma irascível” e à classe guerreira; mas se água é a “alma sexual” (e ligada à classe sacerdotal, simbolizada pelo cálice da missa) e terra a “alma vegetativa ” ou nutritiva (ligada à classe burguesa, representando o povo comum) sua hierarquia foi invertida. Os medievais, dada a tradição cavalheiresca, tinham uma opinião mais elevada do amor sexual romântico que Platão, considerando-o sublime e quase divino. Note-se que os apetrechos habituais dos mágicos são semelhantes aos naipes e também relacionados aos elementos: vara, cajado ou cetro (fogo), espada (ar), cálice (água) e disco, bandeja ou tabuleiro (terra). As cores usualmente associadas aos elementos pela magia e pela alquimia são vermelho (fogo), amarelo (ar), verde (água) e azul (terra).  Na alquimia, já vimos que, desde Llull, aos quatro elementos se acrescenta um quinto, ou quinta-essência, que permite reunir os demais num único corpo mineral, vegetal, animal ou humano. Um dos últimos grandes alquimistas, Paracelso, sobrepõe a essa teoria outra que admitia três princípios ainda mais fundamentais: enxofre, mercúrio e sal. Os alquimistas sempre consideraram o mercúrio a matriz feminina, emocional e lunar dos metais, que produziria os demais por ação do enxofre, força de vontade bruta, masculina e solar. Paracelso incluiu o sal como princípio sólido,  prático-racional e saturnino que em síntese com o enxofre, geraria o mercúrio. Uma

Os elementos, ilustração na Phil osophia refor mata  do alquimista Johann Daniel Mylirus (1622) - da esquerda para a direita, terra, água, ar e fogo.

21  Em muitas obras sobre o Tarô, Paus aparece como símbolo da classe camponesa, mas isso não faz sentido em termos da simbologia do fogo e da vontade que origina os empreendimentos e as viagens. Além disso, historicamente, os camponeses e os  burgueses foram sempre considerados como uma única “classe” - o Terceiro Estado, em oposição à Aristocracia e ao Clero, todas se contrapondo, no parlamento, ao Rei - até a Revolução Francesa. Creio que a confusão se deve a que, no desenho rústico dos tarôs populares, o cetro acabou por se confundir com um simples cajado de camponês.

20 sucessão de processos de tese, antítese e síntese a partir do enxofre e mercúrio geraria todas as substâncias e, finalmente, a pedra filosofal. Os alquimistas diziam que há homens terrestres (camponeses e mineiros), aquáticos (marinheiros e  pescadores), aéreos (acrobatas e comediantes) e ígneos (ferreiros e ciclopes). Uma inovação de Paracelso foi a introdução dos elementais, isto é, seres espirituais associados aos quatro elementos, que podiam ser manipulados pelos magos e alquimistas: gnomos 22  (terra), ondinas (água), silfos (ar) e salamandras (fogo). Essa idéia pode ter alguma relação com os gênios de Platão e as ninfas da mitologia grega, mas a concepção mais comum desses seres os aproxima da mitologia nórdica: os anões e elfos escuros, que viviam nas entranhas da Terra como vermes na carne e fabricavam artefatos mágicos são os gnomos; as sereias nórdicas (mermaids23) são as ondinas; e os elfos da luz, espíritos dos ventos, são os silfos. Quando às salamandras, seu nome se refere a seres reais, pequenos anfíbios com forma de lagartixa que se acreditava poderem viver no fogo (o amianto, importado do Oriente e de origem desconhecida para os europeus, era considerado a pele da salamandra), mas o conceito de Paracelso lembra também os gigantes de fogo da mitologia nórdica (dos quais o mais famoso é Loki). Dos seres sobrenaturais da mitologia nórdica ficaram de fora apenas os gigantes de gelo ( thursir ) e os gigantes das montanhas ( trolls).  Na maçonaria, os elementos representam principalmente etapas da iniciação: o aprendiz começa  por sair da terra (vida material), passa pelo ar (filosofia), pela água (religião) e chega ao fogo (iniciação), o que é representado no ritual de iniciação maçônica ( vide  A Flauta Mágica, de Mozart). Porém, a iniciação sufi (seita islâmica) segue um caminho quase contrário: começa pelo ar (vida material ilusória e irreal), depois fogo (combustão das imagens dessa realidade ilusória), água (realidade divina, fluida e imprecisa), e terra (a divindade, o único fundamento realmente sólido).

Wicca e neopaganismo Em muitos cultos neopagãos, inclusive a Wicca, as representações dos elementos são usadas em rituais que invocam as forças da natureza. Geralmente supõe-se a existência de cinco elementos, representados por um pentagrama no qual podem ser dispostos: fogo, água, terra, ar e espírito (às vezes substituído por “relâmpago”, “vida” ou “éter ”). Embora as concepções neopagãs sejam muito variadas, ou mesmo estritamente pessoais, as seguintes associações são típicas:

Elemento

Ar

Fogo

Água

Terra

Leste

Sul

Oeste

Norte

Hora

Amanhecer

Crepúsculo

Meia-noite

Cor

Branco, amarelo vivo, branco-azulado

Meio-dia Vermelho, dourado, carmim, laranja Visão

Espírito Centro e circunferência Além do tempo

Azul, verde-azulado, cinza

Preto, marrom, verde

Transparente, branco, preto

Paladar

Tato

Audição

Direção

Sentido

Olfato

22 Às vezes os esoteristas falam de dois tipos de gnomos: diemeae, das pedras, e durdales, das árvores. Nenhum desses seres tem, etimologicamente, relação com os duendes: essa palavra vem do espanhol dueñ(o-)de(-casa) e refere-se não a espíritos da natureza, mas a espíritos domésticos (geralmente imaginados como travessos), equivalentes a  goblins (em inglês) ou kobolds (em alemão). Também não têm relação com as fadas (do latim  fatum, fado ou destino), espíritos do destino individual, que são “miniaturas ” das Moiras gregas e das Nornas nórdicas, deusas do destino cósmico. 23 Não as sereias gregas, que eram seres alados.

21

Os cinco elementos em uma concepção ocultista moderna

Os elementos na medicina e psicologia A teoria clássica dos temperamentos foi formulada pelos médicos gregos contemporâneos de Platão e Aristóteles, igualmente fascinados pela teoria dos quatro elementos. Hipócrates, pai da medicina antiga, afirmou que havia quatro temperamentos básicos do ser humano, devidos à predominância de um dos quatro humores (diríamos hoje hormônios) que controlavam o corpo humano: sangüíneo, devido ao sangue; bilioso ou colérico, devido à bílis amarela; fleumático ou linfático, devido à fleuma ou pituita (isto é, os mucos e líquidos incolores como a linfa); melancólico ou nervoso, devido à bílis negra (humor aparentemente imaginário). O médico precisa ser capaz de reconhecer o temperamento predominante de seu paciente, pois toda doença se deve ao desequilíbrio dos humores e toda cura deve ser no sentido de restabelecer o equilíbrio; assim, o tratamento recomendável para um paciente colérico pode ser o contrário do que se deve dar a um melancólico, ainda que seus sintomas sejam os mesmos. Essa concepção de desequilíbrio é análoga à que hoje se encontra em muitas medicinas alternativas, como a

22 homeopatia, a macrobiótica e a medicina antroposófica, embora seus “elementos ”  possam não ser os mesmos. As características dos temperamentos são tradicionalmente associadas aos quatro elementos, a pesar de não coincidirem exatamente com a visão que deles tinham os filósofos jônicos. O sangüíneo é vivaz, alegre, controlado - o ar; o colérico é vigoroso, inquieto, briguento - o fogo; o fleumático é calmo, lento, meticuloso - a água; o melancólico é triste, egocêntrico, imaginativo - a terra. A hierarquia é menos clara que em Platão e o ideal mais “democrático” equilíbrio, não domínio absoluto do elemento superior. A partir do século XVII, a compreensão da fisiologia se aperfeiçoou e a teoria clássica dos temperamentos tornou-se demasiado simplista para as necessidades da medicina. Entretanto, a maioria das tentativas dos endocrinólogos, médicos constitucionalistas e  psicólogos para classificar seus pacientes acaba  por recair em algo próximo ao esquema hipocrático. Gustav Jung, por exemplo, vê quatro funções fundamentais na psique humana e classifica os caracteres humanos de acordo com a  predominância de uma delas. O tipo perceptivo, ligado ao aspecto sensorial; o sentimental, ligado à emoção e à moralidade; o pensativo e o intuitivo. Isto está bem perto da concepção Os Quatro Humores: Melancólico (superior neoplatônica e medieval: terra = sentidos; água = esquerdo), Colérico (superior direito), imaginação; ar = razão (pensamento discursivo) e fogo = intelecto (intuição), embora Jung, como os hipocráticos e ao contrário dos neoplatônicos, coloque o “ar ”  no plano mais elevado, acima do fogo. Jung ainda distingue, para cada função, o tipo extrovertido e introvertido, e associa, em cada pessoa, uma função secundária, “auxiliar ”  da função  principal, chegando a um total de 16 temperamentos.

 A tradição indiana A tradição indiana dos elementos é muito semelhante à grega e possivelmente foi influenciada por ela, pois gregos e indianos estiveram em contato direto desde que Alexandre (discípulo de Aristóteles) conquistou o Império Persa, incluindo o vale do Indo, iniciando um período de quase trezentos anos de domínio parcial da Ïndia por gregos. A filosofia indiana (escola Yoga) reconhece cinco elementos (tattvas), mas dando ao quinto elemento o nome de akasha  (espaço, vazio), no lugar do éter dos gregos. Ao contrário dos gregos, os indianos não tinham dificuldade para imaginar o vazio e foram os inventores do  zero.

23

Símbolos dos cinco tattvas  : da esquerda para a direita, Terra, Ar, Água, Fogo e Akasha 

Uma peculiaridade do pensamento indiano é que, ao contrário dos gregos présocráticos, que pensavam através de imagens; e dos filósofos modernos, que pensam através de  palavras; os iogues indianos pensam através de sensações fisiológicas e emoções. Assim, os elementos surgem com maior importância não na especulação sobre a natureza em geral, mas na ioga, onde representam os cinco chakras  inferiores: basal (terra), sacro (água), solar (fogo), cardíaco (ar) e da garganta (akasha). O sexto, frontal, corresponde não a um elemento material, mas ao pensamento consciente cognitivo ( buddhi  - comparável ao intelecto passivo de Aristóteles) e o sétimo, coronário, ao espírito ou essência da vida ( atma - comparável ao intelecto ativo). A cada um correspondem diversos símbolos, como resume a tabela seguinte:

Elemento atma buddhi akasha

ar fogo água terra

Chakra

Sahasrara  Ajna Visuddha  Anahata Manipura Svadhisthana Muladhara

Cor  todas celeste violeta dourado vermelho branco amarelo

Os sete chakras e suas representações tradicionais

Lugar  alto testa garganta coração umbigo genitais ânus

Símbolo elipse círculo triângulo meia-lua quadrado

Número 1000 2 16 12 10 6 4

Sentido consciência pensamento audição tato visão paladar olfato

A terra (elefante) é ainda símbolo de firmeza, base e solidez; a água (crocodilo), de prazer sensorial; o fogo (carneiro ou cabra), de alegria e prazer sexual; o ar (antílope ou corça), de relacionamento e simpatia. Ao lado dos cinco elementos, existe também outra tradição indiana (escola Sankhya - do dualismo espírito/matéria) a doutrina das três qualidades ou princípios ( gunas) da matéria ( prakriti): princípio de

24  passividade ou negatividade ( tamas), princípio de atividade (rajas) e princípio de luz e vida ( sattva), os três se contrapondo ao espírito ( purusha), princípio inteligente. Os três princípios materiais são representados respectivamente pelas cores negra (ou azul), vermelha e  branca. Tamas pode ser considerado como terra/água, rajas como fogo/ar e  sattva  como éter; ou podem ser aproximados, respectivamente, das almas nutritiva, sensitiva e intelectiva de Aristóteles.

 A tradição chinesa

Ao contrário da indiana, as concepções chinesas dos elementos parecem ser totalmente autóctones, independentes da grega e originadas da China. Bāguà: os oito trigramas

Esquema indiano das três gunas materiais e purusha   (o espírito)

O sistema de elementos mais antigo é o que se encontra implícita na estrutura do Yì Jīng  ( I Ching  na grafia Wade-Giles, ou  Livro das Mutações). Ele parte de dois princípios, yīn  (obscuro, indistinto, sombreado) e yáng  (claro, distinto, ensolarado), geralmente imaginados como duas formas do grande foco (Taiji ou Tai Chi) que emerge do grande vazio ( Taixu ou Tai Hsü), ou como inspiração e expiração

Os oito trigramas ou Bāguà

25 da energia primordial ou espírito ( Qi ou Ch'i).  Não se trata de matéria e espírito como pode parecer numa analogia apressada com o pensamento ocidental, nem mesmo de repouso e movimento, mas antes de princípios de movimento segundo a natureza (em indistinção e abandono em relação a ela) e movimento segundo a vontade (afirmando-se e distinguindo-se em relação à natureza). A luz e o Sol são yáng,  porque permitem distinguir claramente entre as coisas; a Lua, a sombra e a névoa são yīn, porque fazem com que elas se

confundam. Ambos são ativos, mas um age com facilidade (clareza, sabedoria), outro com simplicidade (ingenuidade, espontaneidade, suavidade). Yáng é fácil de conhecer e difícil

  ou Diagrama do supremo Taìjítú 

de seguir, yīn é fácil de seguir e difícil de conhecer.

definitivo Estes dois princípios manifestam-se em três níveis: céu, homem e terra. As oito combinações possíveis dos dois princípios em três níveis formam os oito trigramas: macho, brusco ou seco (Qián) - oposto a fêmea ou solo (Kūn); luz ou separação (Lí) - oposto a abismo ou fosso (Kǎn); sacudida, tremor ou trovão (Zhèn) - oposto a submisso, que cede (Xùn); e troca, transação ou transvase (Duì) - oposto a firmeza, solidez, resistência (Gèn). O significado original dos trigramas, porém, foi obscurecido pela superposição de dois sistemas de interpretação diferentes: um mais antigo, dito do imperador Fuxi, e outro mais recente, do Rei Wen. As associações tradicionais são as seguintes: Trigrama ou Bāguà (grafia Pinyin)



Kǎn

Zhèn

Xùn

Duì

Gèn

☰乾

Kūn ☷坤

☲離

☵坎

☳震

☴巽

☱兌

☶艮

Ch'ien

K'un

Li

K'an

Chen

Sun

Tui

Ken

Força

campo

radiância

desfiladeiro

tremor

chão

aberto

preso

Criativo

receptivo

aderente

abissal

excitante

gentil

alegre

quieto

Céu

Terra

Fogo celeste (relâmpago, sol)

gua corrente ou celeste (chuva, nuvens, fontes, lua)

Trovão, movimento

Vento, madeira

Vale,água parada (lago, pântano)

Colinas, montanhas

Sul

Norte

Leste

Oeste

Nordeste

Sudoeste

Sudeste

Noroeste

Noroeste

Sudoeste

Sul

Norte

Leste

Sudeste

Oeste

Nordeste

Cabeça

Ventre

Olhos

Orelhas

Pés

Coxas

Boca

Mãos

Animal

Cavalo

Boi

Faisão

Porco

Dragão

Pássaro

Ovelha

Cão ou lobo

Estádio

Criativo

Receptivo

Aderente, claro, adaptável

Em movimento

Iniciativa

Entrada gentil

Tranqüilo, devotado

Finalização

Relação de Parentesco

Pai

Mãe

Segunda filha

Segundo filho

Primeiro filho

Terceira filha

Terceiro filho

Outros significados

Força, sublime

Docilidade, brandura

Brilhante, atraente

Precipitado, perigoso

Estímulo ao movimento, emoção

Prazer, satisfação, extroversão

Impedimento, parada, introversão

Trigrama ou Pa Kua (grafia WadeGiles) Significado (literal) Significado (segundo R. Wilhelm) Elemento Direção (Fuxi) Direção (rei Wen) Parte do Corpo

Qián

Primeira filha Penetração, indecisão, trabalho

26

Wǔxíng: as cinco fases O que geralmente se considera como o sistema dos cinco elementos chineses é o conjunto dos Wǔ xíng  (Wu  Hsing   na grafia Wade-Giles, mais  propriamente “Cinco Fases”): fogo, água, madeira, metal e terra. Entretanto, ao contrário dos elementos ocidentais, estes “elementos ” não são componentes da matéria e sim estados sucessivos de seu ciclo de transformações. Sua origem  possivelmente está no antigo calendário chinês, cujo ciclo de cinco anos compatibiliza o ano solar ( yáng ) com o lunar ( yīn). Assim, eles não formam uma combinatória de qualidades, como em Aristóteles; nem uma escada, como em Platão; mas um anel. Esse tipo de hierarquia circular é típica do  pensamento chinês e japonês: assim, no  jogo japonês de jan-ken-pô, tesoura Wǔxíng: o ciclo das cinco fases, ou “ elementos” vence papel, que vence pedra, que vence tesoura; e no jogo chinês da “luta na selva ”, elefante vence leão, que vence tigre, que vence pantera, que vence cachorro, que vence lobo, que vence gato, que vence rato, que vence elefante.  No Wǔxíng, o fogo funde o metal,  o metal corta a madeira, a madeira cobre a terra, a terra absorve

a água e a água apaga o fogo (ciclo violento, de destruição); mas, por outro lado, a madeira produz o fogo, o fogo (Sol) estimula a terra, a terra produz o metal, o metal gera a água (fundindo-se) e a água gera a madeira (ciclo natural, de produção). A relação com os quatro elementos ocidentais é necessariamente forçada. No Ocidente e na Índia, geralmente temos quatro ou cinco elementos numa escada hierárquica, ou um elemento transcendente (quinta-essência, éter) num plano mais alto e os outros quatro num plano inferior. Na China, todos os cinco elementos (ou melhor, fases do ciclo) formam um ciclo no mesmo plano e, se algum se destaca, é a terra, que está no centro de todos. Os chineses imaginam a autoridade no centro e não no alto. O eu está no umbigo, não na cabeça. O elemento madeira, na cultura chinesa, é equivalente a vento, o que torna o sistema superficialmente mais parecido ao ocidental, mas a ênfase do elemento chinês cai não sobre o aspecto anímico-espiritual do ar (que corresponde antes ao onipresente e primordial qi, “espírito ”) e sim sobre sua suavidade e flexibilidade (o que explica a equivalência com a madeira). Há um diagrama de origem chinesa, que dá aos “elementos ” chineses os símbolos indianos dos elementos. Nele, de baixo para cima a terra é representada pelo quadrado, a água pelo círculo, o fogo pelo triângulo, o vento/madeira pela meia-

27 lua e o metal pela elipse: o “vento” ganhou o símbolo indiano da água, justamente pela sua associação com o “curvar-se”.

Fase

Fogo

Madeira

Terra

Metal

Água

Huǒ





Shu ǐ 







Jīn 金

fogueira lâmpada queimar ascender 2 Sul Verão Marte Coração Fala Amargo Cortesia Criatividade Alegria Superexcitação Vermelho

Galinha

ondas regato embeber descer 1 Norte Inverno Mercúrio Rins Audição Salgado Prudência Espontaneidade Calma Medo Preto Tartaruga negra Suíno

Fruta

Abricó

Ameixa

Pêssego

Castanha

Grão Nota musical

Feijão

Trigo

colina planície tomar sementes dar colheitas 5 Centro Alto Verão Saturno Baço Paladar Doce Fidelidade Clareza Amor, Simpatia Depressão Amarelo Qilin ou Dragão amarelo Bovino Jujuba ou tâmara Arroz

arma chaleira obedecer mudar 4 Oeste Outono Vênus Pulmão Olfato Picante Justiça Intuição Coragem Dor, luto Branco

Caprino ou ovino

pinheiro bambu curvar endireitar 3 Leste Primavera Júpiter Fígado Visão cido Humanidade Sensibilidade Paciência Ira Azul Dragão azul Cão

Cânhamo

Painço

zhǐ 徵 (sol)

jué 角 (mi)

gōng 宮 (dó)

shāng 商 (ré)

yǔ 羽 (lá)

Xíng forma yáng forma yīn

movimento número Direção Estação Planeta Víscera Sentido Sabor Virtude Qualidade Emoção positiva Emoção negativa Cor Animal Celestial Animal de criação

Pardal vermelho

Tigre branco



A relação com o Yì Jīng  não pode ser exata, pois 5 não se combina facilmente com 8. Geograficamente, pelo arranjo de Fuxi, qián (céu) corresponde ao fogo; mas lí (fogo), à madeira; kǎn (água, abismo), corresponde a metal, mas kūn (terra), à água. Aparentemente, o arranjo do Rei Wen visou tornar a relação um pouco mais lógica: lí (fogo), ao fogo (sul); kǎn (água) a água (norte); mas as conexões

de zhèn (trovão) com a madeira (leste) e duì (lago) com o metal (oeste) continuam a parecer a rbitrárias. Em geral, se admite a seguinte correlação:     

Fogo: ☲ lí Madeira: ☴ xùn e ☳ zhèn Terra: ☷ kūn e ☶ gèn Metal: ☰ qián e ☱ duì Água: ☵ kǎn

 A tradição budista

Os cattāro mahābhūtāni, “quatro grandes elementos ”, ou catudhātu (quatro elementos) geralmente listados cânon da literatura Páli são terra, água, fogo e ar, considerados básicos pelo budismo  primitivo para o entendimento e a libertação. Ocasionalmente, porém, podem ser identificados cinco ou mesmo seis elementos .

28 Os quatro mahābhūta ou dhātu são tanto “externos ” (quer dizer, exteriores ao corpo, como um rio) quanto “internos ” (ou seja, do corpo, como o sangue: 

 

   

Terra ( paṭhavī -dhātu), interna: cabelo, pelos, unhas, dentes, pele, carne, tendões, ossos, órgãos, material intestinal etc. Água (āpo-dhātu), interna: bílis, fleuma, pus, sangue, suor, gordura, lágrimas, muco, urina etc. Fogo (tejo-dhātu), interno: mecanismos corporais que produzem calor físico, envelhecimento, digestão etc. Ar ou vento ( vāyo-dhātu), interno: ar associado com o sistema pulmonar, gases digestivos etc. Dois outros são ocasionalmene citados: Espaço (ākāsa-dhātu), interno: orifícios corporais como as orelhas, narinas, boca e ânus. Consciência (viññāṇa-dhātu), descrita como “ pura e brilhante” ( parisuddhaṃ pariyodātaṃ), e usada para conhecer os três sentimentos (vedana) de prazer, dor e nem-prazer-nem-dor, e o aparecimento e desaparecimento do contato dos sentidos ( phassa) de que dependem esses sentimentos. Segundo o  Abhidhamma Pitaka, o “Espaço” é identificado como “secundário” ou “derivado”, ao contrário dos quatro primeiros elementos.

 A tradição japonesa  Na tradição japonesa há duas concepções dos cinco elementos. Uma delas é a derivada dos elemementos ou fases chinesas  já descritas acima, chamados em japonês go gyô (五行) proeminentes principalmente no neoconfucionismo do período Edo. A outra, mais comum e conhecida, é a dos go dai (五大 (“cinco grandes ”), a saber, terra, água, fogo, vento ou ar e vazio, derivados das crenças budistas: 1. Vazio (空, kū ou sora), representa

coisas que não são da vida quotidiana.  No ser humano, representa espírito,  pensamento e energia criativa, a habilidade de pensar e se comunicar,  bem como de criar. Pode ser associado com poder, criatividade, espontaneidade e inventiva. Geralmente é representado pela cor  branca. 2. Vento (風, fū ou kaze), representa

coisas que se mexem, expandem e gozam de liberdade de movimento. Além de ar e fumaça, representa também a mente humana à medida

Gorintō, representação japonesa dos cinco

elementos (de baixo para cima: terra, água, fogo, ar e vazio)

29 que se cresce fisicamente, se aprende e se expande mentalmente. Representa também a respiração e os processos internos a ela associados. Mentalmente, representa uma mente aberta e o sentimento de despreocupação. Pode ser associado com vontade, artifício, evasiva, benevolência, compaixão e sabedoria. Geralmente é representado pela cor amarela. 3. Fogo (火, ka ou hi), que representa calor, chama e relâmpago e coisas móveis, enérgicas e

agressivas, como animais predadores, assim como o metabolismo e o calor corporal. Na mente, representa ímpeto e paixão. Pode ser associado com motivação, desejo, intenção e extroversão. Geralmente é representado pela cor vermelha. 4. Água (水, sui ou mizu), representa as coisas líquidas, fluidas, sem forma, com rios e plantas, e

também sangue e fluidos corporais. Psiquicamente, são tendências emocionais ou mentais à adaptação e mudança. Associa-se com emoção, atitude defensiva, adaptabilidade, flexibilidade, condescendência e magnetismo. Geralmente é representado pela cor azul ou verde (designadas em japonês pela mesma palavra). 5. Terra (地, chi ou tsuchi), representa as coisas sólidas, como pedras, e também ossos, músculos e

tecidos. É associado com teimosia, estabilidade, fisicalidade e gravidade. Na mente, é c onfiança; e emocionalmente é o desejo de que as coisas continuem como estão, a resistência à mudança. Geralmente é representado pela cor preta ou azul-escura.  Nas modernas histórias japonesas de aventura, é comum que os protagonistas sejam cinco heróis ou heroínas, cada um associado a um dos cinco elementos, dos quais o associado ao “vazio”, branco é o mais poderoso, mesmo que não seja o líder aparente. Nos contos ficcionais sobre artes marciais, nos quais a disciplina se mistura com magia e ocultismo, é comum que se invoque o poder do Vazio para se conectar com a energia criativa quintessencial do mundo. Um guerreiro em harmonia com o Vazio pode sentir seu ambiente e agir sem pensar, ou sem usar seus sentidos físicos.

 A tradição iorubá

 Na tradição iorubá, há cores simbólicas que podem ser associadas a elementos, conforme o diagrama abaixo:

Elemento Cor Orixá Nação Direção Dia da semana Atividade

lama castanho Ifá Queto Leste awo adivinhação

terra preto Ogum Oió Norte ògún guerra, indústria

sangue vermelho Xangô Aja-Tado Oeste  jakuta sexo

ar branco Oxalá Daomé Sul obàtàlá criação

O elemento ar/branco está associado ao sêmen e aos chamados orixás  funfun, responsáveis pela criação do mundo e pela agricultura. Representam o patriarcado, os pais fundadores das tribos e do mundo. O vermelho corresponde principalmente ao sangue menstrual e aos orixás femininos como Iansã e Oxum que também são deusas de rios (água), mas também a Xangô (vermelho e branco), deus do fogo e do raio, que liga as duas esferas. Corresponde ao matriarcado, à sexualidade e fertilidade. O preto, finalmente, é a cor da raça humana (do ponto de vista africano), produto das duas forças, masculina e feminina, é a cor dos orixás ligados à terra e ao mundo das atividades transformadoras: Ogum (ferreiro e guerreiro) em primeiro lugar, mas também Oxóssi e Ossãim. O castanho/lama parece ser uma mistura

30  primordial (análoga ao caos grego) de elementos e não um quarto elemento: associa-se a Ifá, mas também a Nanã (deusa de origem daomeana). Claude Lépine24 julga necessário admitir seis elementos para classificar os orixás: 1. Ar: castidade, tranqüilidade, pacifismo - Oxalás velhos; 2. Água: fecundidade, feminilidade, maternidade, charme, emotividade - Iemanjá, Oxum, Euá e algumas qualidades de Nanã, Iansã e Obá; 3. Terra: secura, dureza, agressividade, insociabilidade - Nanã, Obaluaiê, Oxumaré e Oduduá; 4. Fogo: vigor, dinamismo, sexualidade, autoritarismo, agressividade - Iansã, Xangô e Exu; 5. Natureza: beleza, elegância, sensibilidade, inteligência - Oxóssi, Ossãim, Logunedê (aspecto masculino), Oxaguiã; 6. Cultura: virilidade, dinamismo, agressividade, mau humor - Ogum.

Conclusão Ao longo deste caminho, vimos várias concepções de elementos, que não podem ser facilmente unificadas. O fogo ora é símbolo do que é mais elevado, ora das paixões mais básicas (sexualidade). A água ora é imaginação, ora vida vegetativa. A terra pode ser a origem de tudo ou matéria inerte. O ar,  pensamento racional ou ira combativa. O vazio pode ser abismo ou tranqüilidade, bocarra escancarada ou nirvana. Cada sistema de elementos tem que ser entendido em relação à lógica do autor ou cultura que o organizou; não existem arquétipos universalmente aceitos de cada elemento. Para os primeiros filósofos jônicos, havia apenas um elemento, que era na verdade uma representação da matéria e das suas supostas propriedades fundamentais simples, as quais deveriam explicar toda a realidade. A seguir a eles, vêm sistemas, originalmente idealistas, de quatro ou cinco elementos onde as imagens físicas se tornam inseparáveis de correlações com componentes da psique e da sociedade humanas e, no contexto ocultista, acabam por se tornar tão misteriosos quanto os deuses que os filósofos jônicos procuraram substituir. Se quisermos explicar a variedade de imagens que cada elemento suscita em diferentes sistemas,  precisamos reconhecer a ambigüidade de sentimentos que cada elemento pode suscitar na imaginação humana. Um resumo esquemático poderia ser o seguinte: 1. Abismo ou o Caos de Hesíodo - o aspecto aterrador do vazio, a queda do alto, a bocarra escancarada da Górgona, essa vulva arreganhada é o vácuo dos gregos, tão terrível que a maioria dos seus filósofos (exceto Demócrito) o escorraçou de sua concepção racionalizada do Universo, preenchendo-o com um éter ou uma mistura desordenada de elementos - em algumas mitologias esse papel é representado pelas águas salgadas dos abismos oceânicos: o dragão fêmea Tiamat dos babilônicos, a água-abismo dos chineses, o deus Poseidon (do mar e dos terremotos); 2. Vácuo - o aspecto benévolo, tranqüilo, flutuante e pacífico do vazio, o akasha, o nirvana vazio dos indianos, o Tai Hsü chinês; 3. Fogo celeste - o fogo solar ou o fogo dos templos, benévolo e símbolo de constância, luminoso e que não queima, pai ou mãe que ensina, protege e evita punir: o intelecto 24 LÉPINE, CLAUDE - Os Estereótipos da Personalidade no Candomblé Nàgó in  Olòórìshà: escritos sobre a religião dos orixás - São Paulo, Ágora, 1981.

31 intuitivo, ativo e dominante de Platão, do Tarô, dos astrólogos, maçons e magos, a deusa Héstia, os deuses Apolo e Vishnu; 4. Fogo terrestre - fogo ambíguo, ora benéfico, ora perigoso, imagem de energia, excitação, movimento e transformação para o bem ou para o mal: o fogo de Heráclito, o rajas indiano e o deus nórdico Loki, que como Shiva é criador do homem e destruidor do Universo; 5. Fogo plutônico - o fogo infernal, o calor das paixões e do instinto, a sexualidade alegremente agressiva: o fogo de Bachelard, de Lépine, dos indianos e dos chineses, Xangô e Iansã; 6. Ar celeste ou éter - o ar tranqüilo das alturas enquanto metáfora do espírito, da vida superior do intelecto e de sua mobilidade rápida e suave, poder de relacionar e de comunicar, ar respirado pelos sábios: o ar dos astrólogos, dos magos, de Anaxímenes, de Bachelard, dos indianos, o éter de Platão, o  sattva  indiano, os deuses Oxalá, Hermes e Brahma; 7. Ar atmosférico - o ar turbulento das nuvens escuras e das tempestades enquanto metáfora do ânimo e coragem que habitam o peito do guerreiro: o ar de Platão, do Tarô, o temperamento sangüíneo, os deuses Urano, Zeus, Ares, Indra e Thor, o vento-madeira dos chineses; 8. Água celeste - a água que cai do céu, da chuva e do orvalho, a Lua, a noite, a imaginação, fantasia e sentimento, os sonhos sublimados: a água dos astrólogos, dos magos, dos maçons, a deusa Iemanjá; 9. Água terrestre - a água que sobe da terra e sustenta a vida das plantas, dos animais e do homem, a vida em seu aspecto fisiológico e vegetativo: a água de Tales, de Platão, de Bachelard, o temperamento fleumático, as ninfas, a “natureza ” de Lépine; 10. Água-sêmen ou água-muco-vaginal - a água ambígua dos sonhos “molhados ”, meio celeste, meio terrestre, relacionamento erótico que também envolve sentimento: a água do Tarô, a deusa Afrodite; 11. Terra cultivada - mãe fértil e submissa, geradora de colheitas e riquezas: a terra dos chineses, de Bachelard, a deusa Deméter (versão “domesticada ” de Gaia); 12. Terra-chão - plano sólido de sustentação, base pisada na vida prática e nas tarefas quotidianas, o raciocínio prático-material e econômico: a terra dos astrólogos, do Tarô, dos maçons, dos magos e dos indianos; 13. Terra-matéria-prima-metal - massa neutra, inerte e mecânica para a modelagem de armas,  jóias e ferramentas, para o bem e para o mal: a matéria-prima de Aristóteles, o apeiron de Anaximandro, a terra dos alquimistas e dos gnomos, o temperamento melancólico, o metal dos chineses, o tamas  indiano, a “civilização”  de Lépine, os deuses Cronos, Hefaistos e Ogum; 14. Terra selvagem - mãe dura, poderosa e dominante, que gera filhos com ou sem o pai, a natureza selvagem e primordial, a sexualidade primitiva: a terra de Platão e Lépine, a Gaia de Hesíodo, a deusa Nanã, a deusa Ártemis (Gaia virgem, pois adolescente); 15. A Mistura - fusão equilibrada de elementos, o caos dos filósofos desde Anaxágoras (não o Caos abissal de Hesíodo), a democracia, libertina e irresponsável para Platão ou o equilíbrio saudável de Hipócrates. 16. A Forma - que dá um caráter definido à mistura dos elementos em suas diferentes modalidades, as formas de Aristóteles, a quinta-essência de Llull.

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