Organização Judiciária Portuguesa
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2013 OJ...
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António Alberto Vieira Cura
ELEMENTOS DE ESTUDO (ACTUALIZADOS) DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA
Coimbra, Outubro de 2013
INTRODUÇÃO
1. Conceito e âmbito da organização judiciária A organização judiciária, cujo estudo cabe à unidade curricular com a mesma designação, é constituída pelo conjunto dos órgãos (ou aparelhos) aos quais, nos termos constitucional e legalmente previstos, compete administrar a justiça, quer em matéria constitucional ou financeira, quer em matéria cível e criminal, quer em matéria administrativa e fiscal, quer em matéria militar (ou qualquer outra); o acervo das normas (constitucionais, legais ou regulamentares) que disciplinam
tais
órgãos
ou
aparelhos
pode
designar-se
como
«ordenamento judiciário»(1). Reconduzem-se
ao
âmbito
da
organização
judiciária,
designadamente: a determinação e enumeração das categorias de tribunais existentes(2), da respectiva sede e da área onde exercem a Sobre a noção de organização judiciária e a sua relação com o de «ordenamento judiciário» ou de «direito judiciário», vide AFFONSO COSTA, Lições de Organização Judiciária. Synthese das preleções do Ex.mo Sr. Dr. Affonso Costa ao 4.º anno jurídico de 1898 a 1899 – Mandada imprimir por José Marques alumno n.º 66 do mesmo curso (Coimbra,1899). pág. 1; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição (Coimbra, 2003), pág. 660 – onde o A. fixa o conceito de ordenamento judiciário; IGNACIO FLORES PRADA, Los modelos de organización judicial, in Manual de Organización Judicial, Dir. por Víctor Moreno Catena, 3.ª ed. (Valencia, 2008), pág. 15 – em que o A. define a organização judicial como «o conjunto de decisões relativas à composição, estrutura e funcionamento da administração da justiça numa determinada comunidade política» (reportando-se, pois, às normas respeitantes a essa matéria); e GIULIANO SCARSELLI, Ordinamento giudiziario e forense, 3.ª ed. (Milano, 2010), pág. 1 – onde o A. define o «ordinamento giudiziario» («ordenamento judiciário») com referência a tal organização, como «conjunto de normas que disciplinam a organização dos aparelhos e das pessoas designadas para o funcionamento da justiça», e sustenta que não se pode falar de «Direito judiciário», uma vez que, actualmente, «não existe um sistema de institutos que discipline de maneira orgânica e coordenada» a actividade dos juízes. (2) Na exposição que se segue trataremos somente dos tribunais portugueses, e não, também, dos tribunais internacionais e supranacionais. A respeito desses tribunais, em particular, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e dos órgãos jurisdicionais da União Europeia, com destaque para o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral (cfr. art. 19.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia – versão 1 (1)
parcela do poder jurisdicional que lhes é reconhecida; a divisão do território em circunscrições para efeito do exercício dessa fatia de jurisdição; a relação (de independência, como veremos) que intercede entre os tribunais, no seu conjunto, e os outros órgãos de soberania, assim como a que existe entre as diferentes categorias de tribunais e entre os juízes de cada um deles; a hierarquização dos tribunais para efeito de recurso; os critérios de repartição da jurisdição e da competência entre as diferentes ordens de tribunais e entre os diferentes
tribunais
integrados
numa
mesma
categoria,
respectivamente; o modo como estes estão organizados e o seu funcionamento (em plenário, por secções ou em pleno de secções; como tribunal singular, como tribunal colectivo, como tribunal do júri); a identificação dos tribunais, juízos ou secções (consoante a lei aplicável) de competência genérica, de competência específica e de competência especializada
(com
a
ponderação
das
vantagens
inerentes
à
administração da justiça por estes últimos); o estatuto dos magistrados que exercem as suas funções nos diferentes tribunais, em especial, as garantias de que gozam, a forma como são nomeados e por quem; a consolidada, publicada no Jornal Oficial da União Europeia C 83, de 30/03/2010), vide JÓNATAS E. M. MACHADO, Direito Internacional. Do paradigma clássico ao pós11 de Setembro, 3.ª ed. (Coimbra, 2006), págs. 386-397, 400-402, 412-441, 624-642 e 770-798, e Direito da União Europeia (Coimbra, 2010), págs. 482 e segs.; e RAQUEL CASTILLEJO MANZANARES, Los tribunales supranacionales, in Manual de Organización Judicial, Dir. por Víctor Moreno Catena, cit., págs. 101-126. Saliente-se, no entanto, a importância de que se reveste, também para os tribunais portugueses, o instituto do «reenvio prejudicial», para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), previsto no actual art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (versão consolidada, publicada no referido Jornal Oficial da União Europeia C 83), que corresponde ao antigo art. 234.º do TCE. O mencionado «reenvio» consiste em o órgão jurisdicional nacional de qualquer EstadoMembro, quando seja suscitada uma questão sobre a «interpretação dos Trados» (al. a)) ou sobre «a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União» (al. b)), solicitar ao TJUE que se pronuncie quanto a ela, «se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa». Esse «reenvio» é facultativo no caso de as decisões dos tribunais nacionais admitirem recurso; mas se é obrigatório se a questão for suscitada em «processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno». Em qualquer caso, sendo a questão reenviada ao TJUE, a instância fica suspensa até este se pronunciar e a sentença faz caso julgado no processo, devendo ser aplicada pelo tribunal nacional ao caso concreto. Para maiores desenvolvimentos sobre este tema, vide JÓNATAS E. M. MACHADO, Direito da União Europeia, cit., págs. 572-595. 2
composição e as competências das secretarias dos tribunais, às quais cabe assegurar o expediente dos tribunais; as funções que estão atribuídas aos funcionários que prestam serviço nos tribunais.
2. Noções fundamentais Ao longo do curso iremos lidar com determinadas noções ou conceitos
particularmente
importantes
para
a
compreensão
das
matérias leccionadas. Cremos justificar-se, por isso, fornecê-los (ou, melhor, recordá-los, porque já são conhecidos do processo civil e da justiça administrativa) nesta parte introdutória. Referimo-nos às noções de tribunais, de jurisdição, de competência, de instância e grau de jurisdição, e de alçada, que mencionaremos por esta ordem.
2.1. Tribunais Conjugando o disposto nos artigos 202.º, n.º1(3), e 203.º da Constituição da República Portuguesa (C.Rep.), parece-nos ser possível extrair da nossa lei fundamental a seguinte definição de tribunais («em sentido
estrito»(4)):
são
os
órgãos
de
soberania,
dotados
de
independência, aos quais compete «administrar a justiça em nome do povo»(5). (3) Cfr., também, o art. 2.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto. (4) Esta designação é usada por CASTRO MENDES (com base no art. 1508.º do C.P.Civil em vigor na altura em que escrevia, revogado pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março), para distinguir os tribunais não arbitrais dos tribunais arbitrais. Cfr. JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. I (Lisboa, 1980), págs. 380, 386 e 389. (5) CASTRO MENDES via no art. 205.º da Constituição (na sua primeira versão), a que agora corresponde o n.º 1 do art. 202.º, uma «definição de tribunal». Cfr. JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, cit., pág. 132. Posição diferente é a assumida por GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, perante o teor do art. 202.º, n.º 1, resultante da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho (que reproduziu o anterior art. 205.º). Com efeito, sustentam que a Constituição «não define o que são tribunais» e que o respectivo conceito tem de ser procurado «em 3
A análise do teor dessa definição permite-nos verificar que são quatro(6) os elementos caracterizadores da noção de «tribunais» que resulta dos mencionados preceitos constitucionais: a) Em primeiro lugar, trata-se de órgãos de soberania, a par do Presidente da República, da Assembleia da República e do Governo (arts. 2.º e 110.º, n.º 1, da C.Rep.)(7), qualificação que pertence a todos e a cada um dos tribunais, e não ao seu conjunto(8). b)
Em
segundo
lugar,
são
órgãos
estaduais
dotados
de
independência, em face dos outros poderes do Estado (que não podem interferir na administração da justiça) e entre si (em virtude de cada um conexão com o de ‘função jurisdicional’ (n.º 2) e com o de ‘juiz’ (art. 216.º)». Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, 4.ª edição revista (Coimbra, 2010), pág. 506. Se exceptuarmos o facto de não nos referirmos, como estes ilustres constitucionalistas, à administração da justiça pelos juízes (aos quais está cometida a função de julgar), mas pelos tribunais, a definição que apresentamos não se afasta da fornecida por eles. (6) Como não incluía a independência na noção de tribunais, CASTRO MENDES mencionava somente três elementos caracterizadores dos mesmos. Cfr. JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. I, cit., págs. 133-134. (7) Sendo órgãos de soberania, os tribunais são órgãos estaduais supremos. Assim, os tribunais arbitrais (cuja existência está prevista no art. 209.º, n.º 2, C.Rep. – mas não mais do que isso, uma vez que a justiça arbitral não é «objecto directo da organização dos tribunais», como salientam J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 552 – e agora também no art. 29.º, n.º 4, e no art. 150.º da LOSJ, sem que se veja qualquer motivo válido para tal, em virtude de a Constituição já conter as «normas de enquadramento» respeitantes aos tribunais que esta lei tem como objecto, a par da «organização do sistema judiciário» (art. 1.º), que os tribunais arbitrais não integram, e de definir os tribunais como «órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo» (art. 2.º, n.º 1), o que, manifestamente, não é o caso dos tribunais arbitrais. Isto mesmo era afirmado por GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, na 3.ª edição (Coimbra, 1993) da Constituição da República Portuguesa anotada (pág. 791). O facto de tal afirmação não ser feita na 4.ª edição não significa, segundo cremos, que os AA. tenham mudado de opinião a esse respeito, pois continuam a considerar como tribunais, somente, «os órgãos do Estado (‘órgãos de soberania’), em que um ou mais juízes procedem à administração da justiça». Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 506-507 e 547. Sobre os tribunais arbitrais e as suas espécies, vide, infra, n.º 4.2. e cap. VII. (8) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 506 e 547; e JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, tomo III (Coimbra, 2007), pág. 13. 4
dos tribunais ser um órgão de soberania), salvo no que respeita às decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores (como melhor veremos adiante)(9). c) Em terceiro lugar, têm a seu cargo a função jurisdicional (art. 202.º, epígrafe e n.º 1, da C.Rep.(10))(11), cujo exercício lhes pertence de modo exclusivo, estando vedado aos restantes órgãos de soberania(12) e a quaisquer outros órgãos estaduais(13). O seu exercício, segundo a formulação, que se pretende abrangente (embora, porventura, não o seja suficientemente), contida no n.º 2 desse artigo – e reproduzida, quase «ipsis verbis», no art. 2.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, no art. 3.º da LOFTJ aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Sobre a independência dos tribunais como «elemento essencial da sua própria definição», vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 513. (10) Cfr., também, o art. 2.º, n.º 2, da LOSJ. (11) Como teremos ocasião de ver, nomeadamente, a propósito do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas, a circunstância de os tribunais desempenharem a função jurisdicional não significa que eles não exerçam, também, funções de outra natureza. Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 510. (12) Se adoptarmos uma perspectiva que tome em consideração o «poder soberano» exercido pelos tribunais (como órgãos de soberania) – o qual tem como objecto a actividade destes órgãos –, em vez de aludirmos à função estadual por eles desempenhada, devemos referir-nos, antes, a «poder jurisdicional». Sobre o conceito de «órgãos de soberania», assente na atribuição que lhes é feita, pela Constituição, de «poderes soberanos» (que, aliás, não esgotam a organização do poder político), vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 39-41. (13) A respeito da reserva do exercício da função jurisdicional em proveito exclusivo dos tribunais, e no sentido de que essa exclusividade não significa a negação do exercício da função jurisdicional pelos tribunais arbitrais, vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 506-507; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., págs. 664665; JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, tomo III, cit., págs. 24-25; e PEDRO GONÇALVES, Entidades privadas com poderes públicos (Coimbra, 2005), págs. 561-565 – onde o A. sustenta que o art. 202.º, n.º 1, da Constituição tem como finalidade primordial «consagrar uma reserva de jurisdição no âmbito das relações internas entre os vários poderes do Estado» (referindo-se a reserva de jurisdição aos tribunais «à jurisdição enquanto função do Estado, à jurisdição estadual») e que, por conseguinte, «o sentido da norma não é o de consagrar o ‘monopólio estadual da função jurisdicional’ ou um sistema de ‘exclusividade da justiça pública’» (destacando no âmbito da «função jurisdicional exercida por particulares», precisamente, os tribunais arbitrais). 5 (9)
Agosto, e no art. 2.º, n.º 3, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário – LOSJ) –, pode concretizar-se na «defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos» (ou seja, em defender os direitos subjectivos dos cidadãos e os interesses dos mesmos que a lei protege sem atribuição daqueles direitos), em «reprimir as violações da legalidade democrática» (isto é, sancionar as condutas que infrinjam as disposições legais em vigor) e em «dirimir os conflitos de interesses públicos e privados» (quer dizer, julgar os litígios e impor coercivamente o acatamento das decisões tomadas). Mas isso não significa que cada uma das categorias de tribunais estaduais, adiante referidas, administre a justiça com vista à prossecução de todas essas finalidades, nem que a função jurisdicional se esgote na realização desses fins. d) Em quarto lugar, os tribunais administram a justiça «em nome do povo»(14), referência que encontra a sua justificação no facto de não serem eles os titulares da soberania (como não o são o Presidente da República, a Assembleia da República e o Governo) – pertencendo esta ao povo (arts. 2.º, 3.º, n.º 1, e 108.º C.Rep.)(15)-(16).
A esse aspecto referem-se, igualmente, o art. 1.º da LOFTJ de 1999, o art. 2.º da LOFTJ de 2008 e o art. 2º, n.º 1, da LOSJ. (15) Contra o que sustenta CASTRO MENDES (cfr. JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. I, cit., pág. 133), não nos parece que essa referência se possa justificar pela necessidade de vincar que os tribunais recebem o poder jurisdicional directamente do titular da soberania, e não de qualquer outro órgão supremo do Estado, porquanto isso já resulta da qualificação dos tribunais como órgãos de soberania. (16) Uma vez que, em geral, falta aos juízes uma legitimação democrática directa, pela via de eleições, que lhes assegure uma verdadeira representação do povo soberano (a excepção é constituída, como veremos, pelos juízes do Tribunal Constitucional), GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA chegaram a qualificar como «fictio iuris» a referência à administração da justiça «em nome do povo» [cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, 3.ª edição revista (Coimbra, 1993), pág. 791]. Mas, entretanto, deixaram de fazer tal qualificação e sustentam, agora, que «[a] justiça feita em nome do povo e não ‘pelo povo’ significa que a articulação com a soberania popular (‘povo’) não se faz em termos de imediação popular, através do sufrágio, mas sim, de forma mediata ou indirecta (‘em nome do povo’) (…)». Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 507-508. 6 (14)
A noção apresentada vale, como foi referido, somente para os tribunais estaduais ou «tribunais em sentido estrito». Se quisermos englobar também os tribunais arbitrais, que constituem uma jurisdição não estadual cuja existência é admitida pela própria Constituição (art. 209.º, n.º 2), teremos de adoptar um conceito mais amplo. Neste sentido, poderemos definir os tribunais («lato sensu») como órgãos aos quais compete o exercício da função jurisdicional(17).
2.2. Jurisdição A jurisdição tanto pode ser referida a todos tribunais portugueses como reportar-se a uma certa categoria ou ordem de tribunais (por exemplo, os tribunais administrativos e fiscais). No primeiro caso, a jurisdição designa o poder de julgar, constitucionalmente atribuído ao conjunto dos tribunais existentes na Cremos, no entanto, que não deve ser exagerada a «falta de poderes de representação» dos tribunais, por ser a própria Constituição – expressão de um poder constituinte (cujo titular é o povo) e de um «procedimento constituinte representativo» (sobre este tema, vide J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., págs. 6566, 75-76 e 78-79) – que lhes atribui esse poder de julgar em nome do povo. (17) Numa formulação que já foi vista como «definição genérica» de tribunal, susceptível de abranger o tribunal arbitral (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 230/86 e PEDRO GONÇALVES, Entidades privadas com poderes públicos, cit., pág. 565), MARCELLO CAETANO considerava tribunal «o órgão singular ou colegial que, a requerimento de alguém e procedendo com imparcialidade e independência, segundo fórmulas preestabelecidas, possui autoridade para fixar a versão autêntica dos factos incertos ou controversos de um caso concreto a fim de determinar o direito aplicável a esse caso em decisão com força obrigatória para os interessados». Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 6.ª edição, revista e ampliada por Miguel Galvão Teles, Tomo II – Direito Constitucional Português (Lisboa, 1972), págs. 663-664. Saliente-se, contudo, que MARCELLO CAETANO não apresentava esse conceito como definição genérica de tribunal (apesar de incluir os tribunais arbitrais «no número dos tribunais especiais» – pág. 668). E tanto assim que, ao proceder à respectiva explicitação, qualificava os tribunais como órgãos de soberania. Acresce que os tribunais arbitrais (salvo nos casos em que a lei não o permita, como sucede em matéria tributária) podem decidir segundo a equidade, e não apenas segundo o direito constituído, pelo que a sua finalidade pode não ser a de «determinar o direito aplicável». Sobre a natureza jurisdicional dos tribunais arbitrais (reconhecida pelo próprio Tribunal Constitucional) e as consequências que advêm da afirmação de tal natureza, vide JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, tomo III, cit., págs. 17-18 e 117-120. 7
ordem jurídica portuguesa (art. 202.º, n.os 1 e 2, da C.Rep.), por contraposição ao poder dos órgãos que exercem as outras funções do Estado (em especial ao do Governo, enquanto órgão supremo da Administração
Pública(18)).
Equivale,
por
conseguinte,
a
poder
jurisdicional, que é exercido pelos órgãos que desempenham a função jurisdicional (os tribunais). Na segunda hipótese, a jurisdição indica o poder de julgar os conflitos de interesses que a Constituição e a lei põem a cargo de cada uma das ordens de tribunais, por oposição ao poder reconhecido a outra categoria de tribunais. Neste sentido, fala-se, nomeadamente, da jurisdição cível e criminal («rectius», dos tribunais judiciais) e da jurisdição administrativa e fiscal. Estas duas acepções de jurisdição têm acolhimento implícito no art. 109.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil (C.P.Civil)(19), que refere as situações em que se verificam conflitos de jurisdição (por contraposição aos conflitos de competência). Ora, eles ocorrem «quando duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas atividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma questão»(20). Cfr. o art. 182.º da C.Rep. O novo Código de Processo Civil foi aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho (rectificada pela Declaração de Retificação n.º 36/2013, in «Diário da República», 1.ª série, n,º 154, de 12-08-2013), com início de vigência em 1 de Setembro de 2013. É esse o C.P.Civil citado, sempre que não haja qualquer outra indicação. Todavia, como muitos dos seus preceitos provêm do C.P.Civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961 (entretanto objecto de sucessivas alterações), revogado pelo referido diploma legal (art. 4.º, al. a)), e apenas se procedeu à renumeração dos artigos, quando houver correspondência entre normas da nova versão do C.P.Civil e da anterior, indicam-se também os artigos do código que agora deixou de vigorar (na sua última redacção). O n.º 1 do art. 109.º do novo C.P.Civil corresponde ao n.º 1 do art. 115.º do C.P.Civil de 1961. (20) Sobre o conceito de jurisdição, vide ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.º, 2.ª edição (Coimbra, 1960), págs. 103-105; ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição (Coimbra, 1985), pág. 196; e J. P. REMÉDIO MARQUES, A acção declarativa à luz do Código revisto, 3.ª edição (Coimbra, 2011), págs. 235-236. A respeito dos conflitos de jurisdição e da competência para os resolver, vide, infra, n.os 35 a 37. 8 (18) (19)
2.3. Competência O poder jurisdicional é exercido pelos tribunais dos diferentes países (e, também, por tribunais internacionais e supranacionais); aos tribunais portugueses apenas cabe, portanto, a resolução de uma parte dos litígios que ocorrem no mundo. De forma imprópria (como decorre do
conceito
de
jurisdição
acima
fornecido)(21),
designa-se
por
competência internacional dos tribunais portugueses a parcela do poder jurisdicional que lhes é atribuída, no seu conjunto, por contraposição à que pertence aos tribunais estrangeiros(22).
No sentido de que é «talvez com defeito de técnica terminológica» que se chama competência internacional (dos tribunais portugueses) «à jurisdição dos tribunais portugueses em seu conjunto, em confronto com a dos tribunais estrangeiros», vide JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. I, cit., págs. 408-409. (22) As regras que determinam somente a competência internacional dos tribunais portugueses são as contidas nos arts. 62.º e 63.º do C.P.Civil (anteriores arts. 65.º e 65.º-A). Todavia, vigoram também na ordem jurídica portuguesa os regulamentos comunitários que definem a competência internacional directa dos tribunais de cada um dos Estados-membros da União Europeia – o Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, publicado no JOCE L 12/1, de 16.1.2001 (relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial), e o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, publicado no JOUE L 338/1, de 23.12.2003 (relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental) – e prevalecem sobre aquelas regras (primazia do direito europeu sobre o direito nacional, afirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, e acolhida pelo art. 8.º, n.º 4, da C.Rep., na medida em que reconhece a aplicabilidade das normas emanadas das instituições da UE «nos termos definidos pelo Direito da União»); por esse motivo, as referidas normas do C.P.Civil aplicam-se somente nos casos não previstos nas aludidas fontes de direito da UE. Sobre a competência internacional dos tribunais portugueses, vide ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, cit., págs. 199-206; JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. I, cit., págs. 408-432; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª edição (Lisboa, 1997), págs. 92-106; J. P. REMÉDIO MARQUES, A acção declarativa, cit., págs. 268-300 – onde o A. refere o âmbito de aplicação de cada um dos referidos regulamentos comunitários e analisa os critérios de competência internacional neles estabelecidos, assim como as regras consagrados no C.P.Civil (e o respectivo âmbito de aplicação, decorrente do seu carácter residual); e ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO/PAULO PIMENTA, O novo processo civil, 10.ª edição (Coimbra, 2008), págs. 87-91. 9 (21)
A competência interna, que constitui um dos mais importantes pressupostos processuais(23), tem a ver, unicamente, com a parcela desse poder – que se acha repartido entre os diferentes tribunais portugueses (judiciais, administrativos e fiscais, etc.) – atribuída a cada um dos tribunais integrados numa certa categoria (por exemplo, a dos tribunais judiciais). Daí resulta a qualificação como conflitos de competência, no n.º 2 do art. 109.º do C.P.Civil(24), daqueles conflitos que ocorrem «quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão»(25). Mas uma coisa é essa competência abstracta e outra a competência concreta do tribunal para julgar determinada acção, de certo tipo(26). Assim, por exemplo, apesar de os tribunais de família (ou de família e menores, porque, como veremos, os que existem são todos de competência especializada mista) serem competentes, em abstracto, para as acções de impugnação da paternidade presumida (art. 82.º, n.º 1, al. j), da LOFTJ aprovada pela Lei n.º 3/99), o Tribunal de Família e Menores de Coimbra só é competente, em concreto, para uma determinada acção desse tipo, no caso de ela ser intentada pelo filho contra o presumido pai e contra a mãe (art. 1846.º, n.º 1, do C.Civil), se pelo menos um dos réus tiver o seu domicílio na área de competência territorial desse tribunal (por exemplo, na cidade de Coimbra) – arts. 80.º, n.º 1, e 82.º, n.º 1, do C.P.Civil(27) e mapa VI anexo ao Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio.
Cfr. … Art. 115.º, n.º 2 do C.P.Civil de 1961. (25) A respeito dos conflitos de competência e dos tribunais a que cabe a sua resolução, vide, infra, n.º 37.2. (26) Cfr. ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, cit., pág. 195. (27) Arts. 85.º, n.º 1, e 87.º, n.º 1, do C.P.Civil de 1961. 10 (23) (24)
2.4. Instância e grau de jurisdição Para efeito do disposto no Título II do Livro II do C.P.Civil (arts. 259.º a 291.º)(28), a instância consiste na relação jurídica processual, que se estabelece e desenvolve entre cada uma das partes e o tribunal. Tem início com a proposição da acção, que se verifica logo que a respectiva petição inicial seja recebida na secretaria do tribunal (art. 259.º, n.º 1, do C.P.Civil(29))(30), ainda que a relação processual (triangular) só fique completa com a citação do réu (só produzindo efeitos em relação a este a partir do momento em que a mesma é realizada – art. 259.º, n.º 2, C.P.Civil(31))(32) –, que torna estáveis os elementos essenciais da causa (os sujeitos, o pedido e a causa de pedir), sem prejuízo das modificações admitidas na lei (arts. 260.º e 564.º, al. b), do C.P.Civil(33)); e extingue-se por qualquer das causas previstas no art. 277.º do C.P.Civil(34). Os tribunais onde, nos termos legais, a acção deve ser proposta, apreciada, julgada (se chegar à fase de julgamento) e decidida, por sentença, pela primeira vez, são denominados «tribunais de primeira instância» – em regra, como veremos, os tribunais de comarca.
Capítulo II do Título I do Livro III no C.P.Civil de 1961 (arts. 264.º a 301.º). Art. 267.º, n.º 1, do C.P.Civil de 1961. (30) O n.º 1 do art. 259.º ressalva, no entanto, o disposto no art. 144.º, em cujo n.º 1 se consagra a regra de que «os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição»; tal regra não é, porém, aplicável quando «se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada», hipótese em que «os atos processuais referidos no n.º 1 também podem ser apresentados a juízo», mediante «entrega na secretaria judicial», «remessa pelo correio, sob registo» ou «envio através de telecópia» (art. 144.º, n.º 7, als. a), b) e c)), o que vale também no caso de a parte estar «patrocinada por mandatário» mas haver «justo impedimento para a prática dos atos processuais nos termos indicados no n.º 1» (art. 144.º, n.º 8). (31) Art. 267.º, n.º 2, do C.P.Civil de 1961. (32) Sobre este assunto, vide ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º (Coimbra, 1946), 20-30; ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, cit., págs. 252-254; e J. P. REMÉDIO MARQUES, A acção declarativa, cit., págs. 229 e 445. (33) Arts. 268.º e 481.º, al. b), do C.P.Civil de 1961. (34) Art. 287.º do C.P.Civil de 1961. 11 (28) (29)
Simplesmente, a decisão proferida por qualquer desses tribunais não tem, necessariamente, carácter definitivo. Em matéria cível, pode ser impugnada, nos termos legais, em via ordinária, mediante recurso de apelação, a interpor (em regra) pela parte principal vencida (ou por qualquer delas, se ambas ficarem vencidas) – arts. 627.º, n.º 1, 629.º, 631.º, n.º 1, 633.º, n.º 1, e 644.º do C.P.Civil(35). Ora, ainda que a apelação seja considerada como um novo procedimento, dentro da mesma relação processual (e não uma nova instância, no sentido acima referido)(36), os tribunais competentes para julgar esses recursos – ou seja, para conhecer do litígio após uma decisão anterior proferida por um tribunal pertencente à mesma ordem, mas hierarquicamente inferior – são qualificados como «tribunais de segunda instância» (em regra, como veremos, os tribunais da Relação), assumindo aqui o termo «instância» o sentido de «grau de jurisdição» (e não aquele de que se reveste para efeito do disposto nos arts. 259.º e segs.
do
C.P.Civil(37))(38),
o
que
faz
com
que
esses
tribunais
correspondam ao «2.º grau de jurisdição». Existem, assim, nos casos em que seja admitido esse recurso, duas instâncias ou – o que vale o mesmo – dois graus de jurisdição, mas um só grau de apelação, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça é, em regra, apenas um tribunal de revista (não podendo apelar-se da decisão da Relação, proferida em via de recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça)(39).
Arts. 676.º, n.º 1, 678.º, 680.º, n.º 1, 682.º, n.º 1, e 691.º do C.P.Civil de 1961. De acordo com a orientação dominante na França, ALBERTO DOS REIS chegou a sustentar que a apelação constituía uma «nova instância» (cfr. Organização judicial, cit., pág. 167), mas acabou por aderir à doutrina oposta (perfilhada, entre nós, por BARBOSA DE MAGALHÃES) – a de que a interposição e expedição de um recurso ordinário «não determina a abertura de nova instância», tomada esta palavra no sentido que assume «no sistema do Código» (de Processo Civil), mas, unicamente, de uma «nova fase processual» ou de «um novo procedimento», dentro da mesma relação processual. Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, vol. V, reimpressão (Coimbra, 1981), págs. 382-386. (37) Arts. 264.º e segs. do C.P.Civil de 1961. (38) Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, vol. V, cit., pág. 384. (39) Cfr. ALBERTO DOS REIS, Organização Judicial. Lições feitas ao curso do 4.º anno jurídico de 1908 a 1909 (Coimbra, 1909), págs. 166-167; AFFONSO COSTA, 12 (35) (36)
Em matéria penal, designa-se igualmente como tribunal de 1.ª instância aquele a que compete julgar o(s) arguido(s) pela primeira vez (em regra, como adiante se verá, o tribunal de comarca(40)). E, se exceptuarmos os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça (assim como aqueles em que o tribunal da Relação profere a decisão em 1.ª instância), o tribunal competente para conhecer do recurso interposto da decisão proferida pelo tribunal de 1.ª instância é o da Relação, que assim funciona como 2.ª instância (arts. 427.º, 432.º, n.º 1, als. a) e c), do C.P.Penal)(41). No que respeita à jurisdição administrativa e fiscal, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)(42) e o Código de Processo nos
Tribunais Administrativos (CPTA)(43) tanto utilizam
«primeira instância» (ou segunda) como «primeiro grau de jurisdição», com
os
sentidos
Procedimento
e
acima Processo
explicitados(44), Tributário
enquanto
(CPPT)(45)
o
é
Código
de
uniforme
na
terminologia adoptada, empregando sempre «instância»(46). Lições, cit., pág. 309; e MANUEL DE OLIVEIRA CHAVES E CASTRO, A organização e competência dos tribunaes de justiça portugueses (Coimbra, 1910), pág. 136. (40) Cfr. infra, n.º 27. (41) Cfr. infra, n.º 26. (42) Quanto à indicação da lei que aprovou o ETAF e dos diplomas legais que procederam à alteração deste, vide, infra, n.º 3.2. (43) O CPTA foi aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 19 de Fevereiro (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 17/2002, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 81, de 6-4-2002), e alterado pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, e pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro. (44) Cfr. os arts. 6.º, n.º 5, 24.º, n.º 1, al. g), 25.º, n.º 1, al. b), 27.º, n.º 1, al. b), 44.º, n.º 1, do ETAF e os arts. 16.º, 29.º, n.º 3, 31.º, n.º 2, al. c), 48.º, n.º 5, al. d), 142.º, 149.º, n.º 2, 150.º, n.º 1, 164.º, n.º 1, e 176.º do CPTA. (45) O CPPT foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro; e, entretanto, foi alterado pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 15/2001, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 180, de 4-82001), que republica o CPPT na sua versão actualizada, pela Lei 109-B/2001, de 27 de Dezembro, pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 160/2003, de 19 de Julho, pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 28-A/2006, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 102, de 26-5-2006), pelo Decreto-Lei n.º 238/2006, de 20 de Dezembro, pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, pub. in «Diário da República», 1.ª Série, n.º 81, de 24-4-2008), pela Lei n.º 40/2008, de 11 de 13
2.5. Alçada Os tribunais judiciais, em matéria cível (por não haver alçada em matéria criminal)(47), e os tribunais administrativos e fiscais – estes só desde a entrada em vigor do ETAF(48) – possuem alçada(49). Entende-se por alçada o limite de valor até ao qual o tribunal decide sem que (em regra) seja admitido recurso ordinário(50). A importância de conhecer tal limite de valor reside no facto de, em princípio (fora dos casos excepcionais previstos na lei), apenas ser admitida a interposição de recurso ordinário de uma decisão judicial proferida em acção cujo valor seja superior à alçada do respectivo tribunal (art. 629.º, n.º 1, do C.P.Civil(51), art. 19.º, n.º 2, da LOFTJ de 1999, art. 27.º, n.º 2, da LOFTJ de 2008, art. 42.º, n.º 2, da LOSJ e art. 142.º do CPTA). Do conceito apresentado resulta que a alçada de um tribunal não se confunde com a sua competência para conhecer e decidir as acções. A circunstância de o valor de uma causa exceder a alçada do tribunal em que é instaurada não o torna incompetente para dela conhecer;
Agosto, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pela Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 6/2013, de 17 de janeiro. (46) Cfr. os arts. 6.º, n.º 1, 12.º, n. os 1 e 2, 22.º, n.º 2, 96.º, n.º 2, 97.º-A, n.º 2, 112.º, n.os 1 e 2, 138.º, 141.º, 143.º, n.º 3, 144.º, n.º 2, 146.º, n.º 3, 146.º-B, n.º 1, 146.º-C, n.º 1, 147.º, n.º 3, 151.º, n.º 1, 203.º, n.º 5, 208.º, n.º 1, 243.º, 245.º, n.º 2, 247.º, n.os 1 e 2, 276.º e 280.º, n.os 1 e 4, do CPPT. (47) Cfr. o art. 24.º, n. os 1 e 2, da LOFTJ de 1999 e art. 31.º, n. os 1 e 2, da LOFTJ de 2008 e art. 44.º, n.os 1 e 2, da LOSJ. (48) Cfr. o art. 6.º do ETAF. (49) Aqui apenas nos interessa o conceito de alçada. A indicação da alçada dos tribunais judiciais e da alçada dos tribunais administrativos e fiscais encontra-se infra, n.os 24.4. e 29. (50) Cfr. ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, cit., pág. 584, e Código de Processo Civil anotado, vol. V, cit., pág. 220; e ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, cit., pág. 58. (51) Art. 678.º, n.º 1, do C.P.Civil de 1961. 14
significa, tão-só, que a decisão proferida a final é susceptível de recurso ordinário, não constituindo, portanto, a resolução definitiva do caso(52).
3. Fontes de direito respeitantes à organização judiciária São múltiplas e de diferente natureza as fontes de direito respeitantes
à
organização
judiciária
portuguesa:
normas
da
Constituição, leis e diplomas de natureza regulamentar. Seguidamente, indicaremos as que se nos afiguram mais importantes e que irão servir de base ao estudo da matéria.
3.1. Constituição da República Como vimos, os tribunais (em sentido estrito) são órgãos de soberania. Em virtude disso, é a própria Constituição que tem de proceder à definição da sua formação, da sua composição, da sua competência e do seu funcionamento (art. 110.º, n.º 2, C.Rep.). E assim acontece, embora de forma não muito completa, nos arts. 209.º e segs. da Constituição, nos quais se acham disciplinados alguns aspectos fundamentais da organização dos tribunais portugueses – as categorias de tribunais que devem ou podem existir na ordem jurídica portuguesa (art. 209.º, n.os 1 a 3); as circunstâncias excepcionais em que é admitida a existência de tribunais (os militares) com competência privativa para o julgamento de certas categorias de crimes, que são os de «natureza estritamente militar» (arts. 209.º, n.º 4, e 213.º); a (52) Embora possa parecer supérflua, cremos justificar-se a reprodução da advertência há muito feita por ALBERTO DOS REIS a respeito da necessidade de não confundir a alçada com a competência: – «Na linguagem vulgar a cada passo se confunde a alçada com a competência. Do que acabamos de expor se infere o erro desta noção. Os tribunais têm competência para julgar causas que excedam a sua alçada; o que sucede é isto: se a causa está dentro da alçada, o tribunal julga sem recurso ordinário; se está fora da alçada, mas dentro da competência que a lei atribui ao tribunal, este julga legitimamente, cabendo, porém, recurso ordinário da sua decisão». Cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, vol. V, cit., pág. 221. 15
organização hierarquizada dos tribunais judiciais (art. 210.º); o carácter residual da respectiva jurisdição, a possibilidade de, em primeira instância, haver tribunais judiciais de competência específica e tribunais de competência especializada, a possível existência de secções especializadas no Supremo Tribunal de Justiça e nos Tribunais da Relação (art. 211.º); a determinação do tribunal considerado como órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais (o Supremo Tribunal Administrativo) e a delimitação do âmbito da jurisdição
administrativa
e
fiscal
(art.
212.º);
a
indicação
das
competências fundamentais do Tribunal de Contas (art. 214.º); algumas normas respeitantes ao estatuto dos juízes dos tribunais judiciais (arts. 215.º a 217.º) e à composição do Conselho Superior da Magistratura (art. 218.º); a enumeração das funções do Ministério Público e a consagração da sua autonomia e da existência de um estatuto próprio dessa magistratura (art. 219.º) e a definição da Procuradoria-Geral da República
(art.
220.º);
a
referência
à
jurisdição
do
Tribunal
Constitucional (art. 221.º), à sua composição e ao estatuto dos respectivos juízes (art. 222.º), a determinação da sua competência (art. 223.º) e a remissão da sua organização e funcionamento para a lei ordinária (art. 224.º).
3.2. Diplomas legais e regulamentares A
escassez
e
auto-limitação
dos
preceitos
constitucionais
referentes à organização judiciária torna necessária uma disciplina pormenorizada da matéria na legislação ordinária e, num último patamar normativo, em diplomas de carácter regulamentar. Merecem destaque os seguintes:
16
A Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LOFPTConst.) – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro(53); A Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTContas), aprovada pela Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto(54); A Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro(55); O Decreto-Lei n.º 186-A/99, de 31 de Maio, que regulamenta a LOFTJ aprovada pela Lei n.º 3/99(56); A Lei n.º 28/82 foi alterada pela Lei n.º 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 88/95, de 1 de Setembro, pela Lei n.º 13A/98, de 26 de Fevereiro (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 10/98, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 119, de 23-5-1998), e pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de Novembro. (54) A Lei n.º 98/97 foi, entretanto, objecto de diversas alterações, introduzidas pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 1/99, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 13, de 16-1-1999), pela Lei n.º 1/2001, de 4 de Janeiro, pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 5/2005, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 31, de 14-2-2005), pela Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto, que a republica em anexo (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 72/2006, pub. in «Diário da República», 1.ª Série, n.º 193, de 6-10-2006), pela Lei n.º 35/2007, de 13 de Agosto, pela Lei n.º 3B/2010, de 28 de Abril, pela Lei n.º 61/2011, de 7 de Dezembro, e pela Lei n.º 2/2012, de 6 de janeiro. (55) A Lei n.º 3/99 (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 7/99, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 39, de 16-2-1999) foi alterada pela Lei n.º 101/99, de 26 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro (que republicou, em anexo, a LOFTJ, devidamente actualizada), pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 99/2007, pub. in «Diário da República», 1.ª Série, n.º 204, de 23-10-2007), pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 86/2009, pub. in «Diário da República», 1.ª Série, n.º 227, de 23-11-2009), pela Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, pela Lei n.º 43/2010, de 3 de Setembro, e pela Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho. Sobre o alcance da revogação desse diploma legal pela al. d) do art. 186.º da Lei n.º 52/2008 e, agora, pela al. b) do art. 187.º da Lei n.º 62/2013, vide, infra, n.os 18. e 20. (56) O Decreto-Lei n.º 186-A/99 e os mapas anexos ao mesmo sofreram também diversas alterações, operadas pelo Decreto-Lei n.º 290/99, de 30 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 27-B/2000, de 3 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 178/2000, de 9 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 246-A/2001, de 14 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 74/2002, de 26 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho, pelo 17 (53)
O Decreto-Lei n.º 339/2001, de 27 de Dezembro, que instala o Tribunal da Relação de Guimarães; O Decreto-Lei n.º 67/2012, de 20 de março, que «institui o tribunal
da
propriedade
intelectual
e
o
tribunal
da
concorrência, regulação e supervisão»; A Portaria n.º 84/2012, de 29 de março, que declarou instalados o 1.º juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual e o 1.º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão; A Portaria n.º 100/2013, de 6 de março, que declarou instalado o 2.º juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual; A nova Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto(57); O Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro, que procede à organização das «comarcas piloto» do Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa Noroeste(58); O
Decreto-Lei
n.º
28/2009,
de
28
de
Janeiro,
que
regulamenta, «com carácter experimental e provisório», a LOFTJ de 2008(59); Decreto-Lei n.º 219/2004, de 26 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 250/2007, de 29 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 25/2009, de 26 de Janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 113A/2011, de 29 de Novembro (que, no art. 1.º, n.º 1, revogou o Decreto-Lei n.º 74/2011, de 20 de Junho), e pelo Decreto-Lei n.º 67/2012, de 20 de março. Quanto ao sentido da revogação do Decreto-Lei n.º 186-A/99 pela al. e) do art. 186.º da Lei n.º 52/2008 e pela al. e) do art. 187.º da Lei n.º 62/2013, vide, infra, n.º 20. (57) A Lei n.º 52/2008 foi alterada pela Lei n.º 103/2009, de 11 de Setembro, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 86/2009, pub. in «Diário da República», 1.ª Série, n.º 227, de 23-11-2009), pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (art. 162.º), pela Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, pela Lei n.º 43/2010, de 3 de Setembro, e pela Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho. E acabou por ser revogada, na parte em que aprova a Lei de Organização dos Tribunais Judiciais (arts. 1.º a 159.º), pela al. a) do art. 187.º da citada Lei n.º 62/2013. Sobre o alcance desta revogação, vide, infra, n.º …. (58) Revogado pela al. d) do art. 187.º da Lei n.º 62/2013 (com efeitos a partir da entrada em vigor deste diploma legal, diferida para a «data de início da produção de efeitos do decreto-lei que aprove o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais» – art. 188.º, n.º 1). 18
A Portaria n.º 171/2009, de 17 de Fevereiro, que agrega alguns juízos dos tribunais de comarca do Alentejo Litoral e do Baixo Vouga; A Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) – Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto; O Decreto-Lei n.º …./2013, de ….., que regulamenta a LOSJ (no que respeita aos tribunais judiciais); O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro(60); O Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, que define a sede e «área de jurisdição» dos «tribunais administrativos e fiscais»(61); A Portaria n.º 1418/2003, de 30 de Dezembro, que procede à agregação e instalação dos «tribunais administrativos e fiscais»; a Portaria n.º 1247/2007, de 20 de Setembro, que opera a fusão e desagregação de «tribunais administrativos e fiscais»; a Portaria n.º 874/2008, de 14 de Agosto, que declara instalado o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, alterada pela Portaria n.º 1553-B/2008, de 31 de Dezembro; Os arts. 59.º a 95.º, 109.º e 110.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho(62);
Revogado pela al. c) do art. 187.º da Lei n.º 62/2013 (com efeitos a partir da entrada em vigor deste diploma legal – cfr. a nota anterior). (60) A Lei n.º 13/2002 foi rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 14/2002, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 67, de 20-3-2002, e pela Declaração de Rectificação n.º 18/2002, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 86, de 12-42002; o ETAF, por ela aprovado, foi alterado pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro (que republica, em anexo, o ETAF na sua versão actualizada, com referência a essa data), pela Lei n.º 1/2008, de 14 de Janeiro, pela Lei n.º 2/2008, de 14 de Janeiro, pela Lei n.º 26/2008, de 27 de Junho, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, pelo DecretoLei n.º 166/2009, de 31 de Julho, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio. (61) O Decreto-Lei n.º 325/2003 foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 182/2007, de 9 de Maio, e pelo Decreto-Lei n.º 190/2009, de 17 de Agosto. (62) Rectificada pela Declaração de Retificação n.º 36/2013 (cfr. supra, nota(19)). 19 (59)
Os arts. 10.º a 20.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro(63); Os arts. 10.º a 31.º e 34.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro(64); Os arts. 16.º a 22.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro(65); Os arts. 108.º a 117.º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro(66); O Estatuto dos Magistrados Judiciais – Lei n.º 21/85, de 30 de Julho(67); O Estatuto do Ministério Público (inicialmente designado por «Lei Orgânica do Ministério Público»), aprovado pela Lei nº 47/86, de 15 de Outubro(68);
(63) O C.P.Trabalho foi objecto de alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 86/2009, pub. in «Diário da República», 1.ª Série, n.º 227, de 23-112009), que o republicou em anexo, e pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto. (64) Entretanto objecto de muitas alterações, a última das quais foi introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro (rectificada pela Declaração de Retificação n.º 21/2013, pub. in «Diário da República», 1.ª série, n.º 77, de 19-04-2013). (65) Rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 17/2002, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 81, de 06-04-2002 e de Abril, e alterado pelas Leis n.º 4A/2003, de 19 de Fevereiro, n.º 59/2008, de 11 de Setembro, e n.º 63/2011, de 14 de Dezembro. (66) Rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 2/2004, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 2, de 3-1-2004. (67) A Lei n.º 21/85 foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 342/88, de 29 de Setembro, pela Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro, pela Lei n.º 10/94, de 5 de Maio (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 16/94, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 279, de 3-12-1994), pela Lei n.º 44/96, de 3 de Setembro, pela Lei n.º 81/98, de 3 de Dezembro, pela Lei n.º 143/99 de 31 de Agosto, pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, pela Lei n.º 26/2008, de 27 de Junho, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 63/2008, de 18 de Novembro, pela Lei n.º 37/2009, de 20 de Julho, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril. (68) A Lei nº 47/86 sofreu diversas alterações, introduzidas pela Lei n.º 2/90, de 20 de Janeiro, pela Lei n.º 23/92, de 20 de Agosto, pela Lei n.º 10/94, de 5 de Maio, pela Lei n.º 60/98, de 27 de Agosto (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 20/98, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 253, de 2-11-1998) – que consagrou a denominação de «Estatuto do Ministério Público» (art. 2.º dessa lei) –, pela Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto, pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 20
O Estatuto dos Juízes Militares e dos Assessores Militares do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 101/2003, de 15 de Novembro(69); A Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, que regula a organização, competência e funcionamento dos julgados de paz(70); O Decreto-Lei n.º 329/2001, de 20 de Dezembro(71), o DecretoLei n.º 9/2004, de 9 de Janeiro, o Decreto-Lei n.º 225/2005, de 28 de Dezembro, o Decreto-Lei n.º 22/2008, de 1 de Fevereiro, o Decreto-Lei n.º 60/2009, de 4 de Março, e o Decreto-Lei n.º 289/2009, de 8 de Outubro, que criam diversos julgados de paz; A Portaria n.º 44/2002, de 11 de Janeiro, a Portaria n.º 72/2002, de 19 de Janeiro, a Portaria n.º 92/2002, de 30 de Janeiro, a Portaria n.º 162-A/2002, de 25 de Fevereiro, a Portaria n.º 886/2003, de 25 de Agosto, as Portarias n. os 891/2003 e 892/2003, de 26 de Agosto, as Portarias n.os 192/2004, 193/2004, 194/2004 e 195/2004, de 28 de Fevereiro, a Portaria n.º 289/2004, de 20 de Março, a Portaria n.º 324/2004, de 29 de Março, a Portaria n.º 375/2004, de 13 de Abril, a Portaria n.º 502/2004, de 10 de Maio, as Portarias n.os 209/2006 e 210/2006, de 3 de Março, a Portaria n.º 304/2006, de 24 de Março, a Portaria n.º 1301/2006, de 23 de Novembro, a Portaria n.º 596-A/2008, de 8 de Julho, a Portaria n.º 620/2008, de 16 de Julho, a Portaria n.º 710/2008, de 31 de Julho, as Portarias n.os 1417-A/2008 e 1417-B/2008, de 5 de Dezembro, a Portaria n.º 334/2009, de 2 de Abril, a Portaria n.º 421/2009, de 20 de Abril, a Portaria n.º 557-A/2009, de 26 de Maio, a Portaria n.º 571/2009, de 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 37/2009, de 20 de Julho, pela Lei n.º 55A/2010, de 31 de Dezembro, e pela Lei n.º 9/20011, de 12 de Abril. (69) Rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 1/2004, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 2, de 3-1-2004. (70) Alterada e republicada em anexo pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho. (71) Alterado pelo Decreto-Lei n.º 140/2003, de 2 de Julho. 21
29 de Maio, a Portaria n.º 845/2009, de 5 de Agosto, a Portaria n.º 1427/2009, de 21 de Dezembro, a Portaria n.º 300/2010, de 2 de Junho, a Portaria n.º 304/2010, de 8 de Junho, a Portaria n.º 497/2010, de 14 de Julho, a Portaria n.º 883/2010, de 10 de Setembro, a Portaria n.º 1168/2010, de 10 de Novembro, a Portaria n.º 1195/2010, de 23 de Novembro, a Portaria n.º 78/2011, de 18 de Fevereiro, a Portaria n.º 90/2011, de 28 de Fevereiro, a Portaria n.º 154/2011, de 12 de Abril, e a Portaria n.º 299/2013, de 11 de outubro, que declaram instalados diversos julgados de paz, aprovam os respectivos regulamentos ou procedem à sua alteração; A Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, que aprova a nova Lei da Arbitragem Voluntária(72); O Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que disciplina a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária(73).
4. Categorias de tribunais previstas na Constituição da República A Constituição da República prevê a existência de diversas categorias de tribunais estaduais, assim como de tribunais que não têm essa natureza. Vejamos quais são, começando por aqueles, de longe os mais importantes.
(72) Revogou a Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto (que havia sido alterada pela Lei n.º 38/2003, de 8 de Março), com excepção do disposto no n.º 1 do art. 1.º, que se manteve em vigor para a «arbitragem de litígios emergentes de ou relativos a contratos de trabalho» (art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 63/2011). (73) O Decreto-Lei n.º 10/2011 foi alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, e pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro. 22
4.1. Tribunais estaduais A C.Rep., no seu art. 209.º, além de prever a possibilidade de existirem tribunais marítimos e julgados de paz (n.º 2) – que, entretanto, foram criados (os marítimos como tribunais judiciais de competência especializada)(74) –, e de aludir aos tribunais militares (n.º 4) – cuja constituição durante a vigência do estado de guerra está consagrada no art. 213.º C.Rep.(75) –, determina a existência das seguintes categorias de tribunais, que acrescem ao Tribunal Constitucional (n.º 1)(76): o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância; o Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais; e o Tribunal de Contas (al.s a), b) e c) do n.º 1)(77). Não se consagra, por conseguinte, a existência de uma única jurisdição, mas a de uma pluralidade de jurisdições. Trataremos de cada uma destas categorias de tribunais, assim como dos julgados de paz e do tribunal de (dos) conflitos, em capítulos autónomos(78).
Cfr. infra, n.º 27.1.2. e cap. VI. A circunstância de os tribunais marítimos serem tribunais judiciais de competência especializada (de 1.ª instância) explica que o art. 29.º da LOSJ (que também indica as categorias de tribunais) não os mencione autonomamente, no número em que alude aos julgados de paz (o n.º 4). (75) Em tempo de paz, o julgamento de «crimes estritamente militares» é da competência dos tribunais judiciais – Supremo Tribunal de Justiça, Tribunais da Relação de Lisboa e do Porto, 1.ª e 2.ª Varas Criminais da Comarca de Lisboa e 1.ª Vara Criminal da Comarca do Porto (consoante a patente do arguido). Cfr. os arts. 109.º e 110.º do Código de Justiça Militar. (76) A formulação aí utilizada («Além do Tribunal Constitucional») explica-se pelo facto de o Tribunal Constitucional ser autonomamente disciplinado pela Constituição (cfr. infra, n.º 8.). Não se vislumbra, pois, qualquer justificação para que o n.º 1 do art. 29.º da LOSJ seja redigido nos mesmos termos, pois este diploma legal não disciplina directamente esse tribunal, limitando-se a remeter para a Constituição e para a lei (art. 30.º, n.º 2). (77) Sublinhe-se que não se prevê a existência de um autónomo tribunal de conflitos (ou de uma categoria de tribunais de conflitos). Como veremos, são tribunais pertencentes às categorias acima mencionadas que se podem constituir, separada ou conjuntamente, em tribunais de conflitos (art. 209.º, n.º 3, C.Rep.). (78) Cfr. infra, caps. I, II, III, IV, V e VI. 23 (74)
4.2. Tribunais arbitrais Além dos tribunais estaduais, a Constituição admite, como vimos, a possibilidade de haver tribunais arbitrais (art. 209.º, n.º 2)(79); e, nos últimos anos, a lei tem vindo a promover, cada vez mais, o recurso à arbitragem(80), enquanto meio de resolução alternativa de litígios(81). Faculta-se aos interessados um mecanismo de realização da justiça mais célere e com um processo mais flexível e menos formalista do que aquele a que obedece a «justiça normal»(82), a fim de descongestionar os tribunais (em sentido estrito). Dada a importância que assumem – apesar de não integrarem o sistema judiciário(83) –, dedicaremos também um capítulo aos tribunais arbitrais(84). São tribunais, mas, como é evidente (por não serem do Estado), não órgãos de soberania. Sobre a previsão da existência dos tribunais arbitrais (também) na LOSJ, vide, supra, nota(7). (80) Dá-se a designação de arbitragem à intervenção do tribunal arbitral. Cfr. JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. I, cit., pág. 388. (81) Cfr. a Resolução do Conselho de Ministros n.º 175/2001, de 28 de Dezembro (na qual é reafirmado «o firme propósito de promover e incentivar a resolução de litígios por meios alternativos, como a mediação ou a arbitragem, enquanto formas céleres, informais, económicas e justas de administração e realização da justiça» – n.º 1), os programas dos XVII e XVIII Governos Constitucionais, nos quais a promoção dos referidos meios de resolução alternativa de litígios foi considerada como uma das prioridades, no âmbito da reforma do sector da justiça – e tanto assim que, através do Decreto-Lei n.º 127/2007, de 27 de Abril, o Governo criou o «Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios», em cujas atribuições se encontram as de «apoiar a criação e o funcionamento dos meios extrajudiciais de composição de conflitos, designadamente a mediação, [a] conciliação e a arbitragem» (art. 2.º, n.º 2, al. b)) e de «promover a criação e apoiar o funcionamento de centros de arbitragem, julgados de paz e sistemas de mediação» (art. 2.º, n.º 2, al. d)) –, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 17/2011, de 4 de Março, na qual diversas medidas de natureza legislativa ou regulamentar (algumas das quais respeitantes à arbitragem) são consideradas prioritárias «para o reforço da aposta em meios alternativos de resolução de litígios» (n.º 9) e o Programa do XIX Governo Constitucional, que, quanto às medidas a adoptar no âmbito da Justiça, refere o propósito de «desenvolver a justiça arbitral», acrescentando que «[n]os campos da justiça civil, comercial, laboral, administrativa e fiscal, o Estado, os cidadãos e as empresas darão um passo importante se tiverem meios alternativos aos Tribunais, podendo entregar a resolução dos seus litígios aos Tribunais Arbitrais». (82) No sentido de que a «preferência actual pela arbitragem decorre», nomeadamente, «da celeridade e da flexibilidade do processo, evitando-se a morosidade crescente e a rigidez processual da justiça normal», vide JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A justiça administrativa – Lições, 12.ª edição (Coimbra, 2012), pág. 125. (83) Cfr. supra, nota(7). 24 (79)
5. A independência dos tribunais e os seus sentidos A independência dos tribunais encontra-se consagrada no art. 203.º da C.Rep., nos termos do qual «os tribunais são independentes» e, além disso, «apenas estão sujeitos à lei». E o mesmo se estabelece no art. 3.º da LOFTJ de 1999, no art. 4.º da LOFTJ de 2008 e no art. 22.º da LOSJ, com referência aos tribunais por elas disciplinados – «[o]s tribunais judiciais são independentes e apenas estão sujeitos à lei» –, no art. 2.º do ETAF, para esta categoria de tribunais – «[o]s tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são independentes e apenas estão sujeitos à lei» –, e no art. 7.º, n.º 1, da LOPTContas – «[o] Tribunal de Contas é independente». Ao contrário do que já foi sustentado entre nós(85), cremos fazer sentido aludir à independência dos próprios tribunais, embora os juízes, que neles administram a justiça, sejam igualmente independentes; a independência destes parece, aliás, estar implícita na dos tribunais. A «independência dos tribunais» deve ser entendida, em primeira linha, como uma concretização do princípio da separação de poderes entre os órgãos de soberania, consagrado no art. 111.º, n.º 1, da C.Rep.(86); e, por conseguinte, como ausência de subordinação do poder judicial a qualquer outro poder do Estado (independência externa). Em Cfr. infra, cap. VII. CASTRO MENDES entendia, na verdade, que da norma constitucional na qual se acha plasmada a independência dos tribunais (na altura em que escreveu, a do art. 208.º C.Rep.) e da norma correspondente (art. 3.º) da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro, então em vigor) resultava ser na independência dos juízes que o legislador pensava – e tanto assim que o art. 4.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 85/77, de 13 de Dezembro, em vigor na altura) tratava dessa matéria, precisamente, a propósito dos juízes (magistrados judiciais) –, porque «a independência é, na verdade, uma característica dos juízes e não mais propriamente dos tribunais». Cfr. J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, I, cit., págs. 379-380. (86) No sentido de que «o princípio da independência visa defender os tribunais dos demais poderes do Estado (nomeadamente do Governo e da administração)», vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 513. 25 (84)
(85)
relação aos tribunais não tem, aliás, cabimento a «interdependência» referida nessa norma constitucional, na medida em que, nos termos previstos na Constituição da República (art. 203.º), eles «apenas estão sujeitos à lei» – devendo entender-se que esta referência à «lei» engloba todas as normas que vigoram na ordem jurídica portuguesa, incluindo «as disposições dos tratados que regem a União Europeia», as «emanadas
das
suas
instituições,
no
exercício
das
suas
competências»(87) e a própria Constituição (enquanto «lei fundamental da República»)(88). Em segundo lugar, a independência dos tribunais tem de ser vista no
plano
das
relações
entre
eles:
os
tribunais
são,
também,
«independentes entre si»(89) (independência interna), quer no que respeita às diferentes categorias ou ordens de tribunais – cada uma delas goza de independência em relação às outras (assim, por exemplo, os tribunais administrativos e fiscais são independentes dos tribunais judiciais) –, quer dentro de cada uma dessas ordens de tribunais – quando
a
mesma
integre
vários
tribunais,
cada
um
deles
é
independente dos restantes (nesse sentido, por exemplo, o Tribunal da Comarca de Cantanhede é independente do Tribunal da Relação de Coimbra; e o Tribunal da Relação do Porto é independente do Supremo Tribunal de Justiça). Nenhum tribunal está, pois, sujeito a ordens ou instruções emitidas por outro, ainda que hierarquicamente superior; as relações de hierarquia, adiante analisadas, apenas implicam o dever de
Cfr. o art. 8.º, n.º 4, da C.Rep. Sobre a relação entre o direito da União Europeia e o direito português, vide, supra, nota(22). (88) No sentido de que o termo «lei» designa aqui «não apenas as leis em si mesmas (…) mas também todas as demais normas que constituem a ordem jurídica, a começar, naturalmente, pela Constituição, que é a lei fundamental da República», vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 514. A respeito do entendimento da subordinação dos tribunais «a lei», vide, também, JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, tomo III, cit., págs. 38-40 – onde os AA., entre outros aspectos, aludem à subordinação dos tribunais ao direito da União Europeia. (89) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., 513. 26 (87)
acatamento, por parte dos tribunais inferiores, no caso concreto, das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores(90).
6. A independência dos juízes e as suas garantias À «independência dos tribunais», nas dimensões acima referidas, acresce a independência dos juízes, que podemos considerar implícita naquela(91), na medida em que são os juízes que procedem ao julgamento das questões submetidas à apreciação dos tribunais e determinam a execução das suas decisões; quer dizer, porque são os juízes que administram a justiça (para usarmos a terminologia consagrada nos arts. 202.º, n.os 1 e 2, e 221.º da C.Rep., bem como no art. 1.º da LOFTJ de 1999, no art. 2.º da LOFTJ de 2008, no art. 2.º, n.º 1, da LOSJ, no art. 1.º, n.º 1, do ETAF e no art. 3.º, n.º 1, do EMJ). A independência dos juízes, por sobre decorrer da independência dos tribunais, encontra-se expressamente consagrada no art. 222.º, n.º 5, da C.Rep., para os juízes do Tribunal Constitucional (em relação aos quais é reafirmada no art. 22.º da LOFPTConst.), no art. 4.º da LOFTJ de 1999, no art. 5.º da LOFTJ de 2008, no art. 4.º da LOSJ (os quais têm como epígrafe, precisamente, «independência dos juízes») – com autonomia em relação à «independência dos tribunais» (estabelecida no Cfr. o art. 4.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) – «Os magistrados judiciais (…) não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores». A respeito do carácter impróprio do emprego do termo «hierarquia», neste domínio, e da não vinculação do tribunal «a quo» (e do juiz que nele tomou a decisão), fora do caso concreto, ao teor do aresto proferido pelo tribunal de recurso, vide CARLOS ALBERTO CONDE DA SILVA FRAGA, Sobre a independência dos juízes e magistrados (Lisboa, 2003), págs. 21-23 (e a bibliografia indicada nas respectivas notas de rodapé). (91) Neste sentido, vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 513 e 586 – onde os AA. sustentam, respectivamente, que, por constituir uma «garantia essencial da independência dos tribunais», a independência dos juízes «está necessariamente abrangida pela protecção constitucional daquela», e que o princípio da independência dos tribunais «pressupõe necessariamente a independência dos juízes»; e JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, tomo III, cit., pág. 42. 27 (90)
artigo anterior de qualquer dessas leis) – e no art. 4.º, n.º 1, do EMJ, para os juízes dos tribunais judiciais, e no art. 3.º da Lei n.º 101/2003, de 15 de Novembro, para os juízes militares (que integram o quadro dos tribunais
judiciais
competentes
para
o
julgamento
de
crimes
estritamente militares(92))(93). Da
conjugação
destas
disposições
legais
resulta
que
a
independência dos juízes se traduz no facto de eles julgarem apenas «segundo a Constituição e a lei» e, por conseguinte, sem estarem «sujeitos a ordens ou instruções» – salvo, como vimos para os próprios tribunais, no que toca ao «dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores»(94). Apesar de a LOFTJ de 1999 (art. 4.º, n.º 2), a LOFTJ de 2008 (art. 5.º, n.º 2), assim como a LOPTContas (art. 8.º, n.º 2), incluírem a não sujeição dos juízes a «quaisquer ordens ou instruções» nas garantias de independência – ao determinarem que «a independência dos juízes é assegurada», «inter alia», por essa não sujeição –, parece-nos que ela não reveste tal natureza, representando, antes, o núcleo da própria noção de independência; esta não existe, na verdade, onde e quando a actuação decisória desses magistrados se encontre exposta, de qualquer forma, à possibilidade de ingerência de outras entidades (por exemplo, do Ministro da Justiça), designadamente, através de ordens ou
Cfr. o art. 12.º, n.º 1, desse diploma legal e, quanto aos tribunais competentes para o efeito, os arts. 109.º e 110.º do Código de Justiça Militar. (93) Embora não aluda directamente à «independência dos juízes» dos tribunais administrativos e fiscais, o art. 3.º do ETAF consagra as «garantias de independência» (cfr. a respectiva epígrafe), que inequivocamente se reportam aos juízes, referidos em todos os números desse artigo. Como essa disposição legal vem na sequência da que estabelece a independência dos referidos tribunais e a sua sujeição exclusiva à lei, parece-nos que o legislador tomou a independência dos tribunais como equivalente a independência dos juízes. (94) Cfr. o art. 4.º, n.º 1, da LOFTJ aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e art. 5.º, n.º 1, da LOFTJ aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto – «[o]s juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei»; art. 4.º, n.º 1, do EMJ – «[o]s magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções (…)»; e art. 22.º da LOFPTConst. – «[o]s juízes do Tribunal Constitucional são independentes (...)». 28 (92)
instruções que os tenham como destinatários(95). Este entendimento(96) acaba de ser acolhido no art. 4.º, n.º 1, da LOSJ, preceito no qual a não sujeição a quaisquer ordens ou instruções aparece plasmada no conceito de independência dos juízes(97). A independência dos juízes é assegurada pela inamovibilidade, pelo princípio da irresponsabilidade pelas suas decisões, pelo «autogoverno» e, ainda, pela existência de um regime de incompatibilidades. 6.1. A inamovibilidade Desde a época liberal (abandonada a concepção proprietarista dos cargos públicos(98)), a inamovibilidade está associada à ideia de A definição de independência da magistratura judicial fornecida pelo art. 111.º, al. a), do Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 278, de 14 de Abril de 1962, compreendia, aliás, esse elemento negativo, ao preceituar que «[a] independência consiste no facto de o magistrado exercer a função de julgar segundo a lei, sem sujeição a ordens ou instruções, salvo dever de acatamento dos tribunais inferiores em relação às decisões dos tribunais superiores, proferidas por via de recurso». A este respeito, vide JOAQUIM ROSEIRA FIGUEIREDO/FLÁVIO PINTO FERREIRA, O poder judicial e a sua independência, Lisboa, 1974, págs. 20-21. (96) Defendida por nós já na 1.ª edição desta obra (pág. 33) e mesmo antes, em apontamentos policopiados fornecidos aos alunos. (97) Saliente-se que a Proposta de Lei n.º 114/XII (que deu origem à Lei n.º 62/2013), no n.º 2 do art. 4.º, considerava ainda a não sujeição dos juízes a quaisquer ordens ou instruções como um dos meios destinados a assegurar a sua independência. O seu teor era o seguinte: «[a] independência dos juízes é assegurada pela existência de um órgão privativo de gestão e disciplina da magistratura judicial, pela inamovibilidade e pela não sujeição a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores». O entendimento referido em texto acabou por ser acolhido na sequência de uma proposta de alteração apresentada pelos grupos parlamentares do PSD e do CDS/PP, datada de 27-05-2013 (posterior à Pronúncia da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre a referida Proposta de Lei, emitida a pedido do Senhor Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, cuja elaboração foi da nossa responsabilidade – disponível em www.partamento.pt –, na qual se propunha a alteração do n.º 2 do art. 4.º em virtude de esse artigo respeitar à independência dos juízes em geral e a alusão a «um órgão privativo de gestão e disciplina da magistratura judicial», como garantia da independência dos juízes, valer apenas para os juízes dos tribunais judiciais), de que resultou a actual redacção do art. 4.º, n.º 1: «[o]s juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a quaisquer ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores». (98) Em Portugal, logo a Constituição de 1822 estabeleceu que «[o]s ofícios públicos não são propriedade de pessoa alguma (…)» (art. 13.º). 29 (95)
estabilidade no cargo, ainda que não em termos absolutos, uma vez que os juízes não estão para sempre vinculados ao lugar onde obtêm a sua primeira colocação(99); trata-se, antes, de uma estabilidade relativa, definida e limitada por lei(100) e, até, pela Constituição (como sucede no nosso ordenamento jurídico actual). Assim, nos termos do disposto (para todos os juízes(101)) no art. 216.º, n.º 1, da C.Rep., a inamovibilidade significa que os juízes não podem (designadamente) ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei. Donde decorre, por conseguinte, que as excepções a esse princípio são somente as previstas na lei («reserva de lei»)(102), não podendo os juízes ser deslocados ou removidos dos seus cargos fora dos casos nela contemplados (por exemplo, mediante decisão governamental)(103). Na legislação ordinária, esse alcance do princípio da inamovibilidade encontra-se reafirmado, em relação aos magistrados judiciais, no art. 6.º do EMJ – o qual acrescenta, no entanto (além da referência ao carácter vitalício da sua nomeação, a que voltaremos daqui a pouco), a impossibilidade de serem promovidos ou «por qualquer forma mudados de situação», fora dos casos previstos nesse estatuto (que, aliás, se aplica aos juízes das outras categorias de tribunais) – e, para os juízes dos tribunais administrativos e fiscais, no art. 3.º, n.º 1, do ETAF. A garantia de inamovibilidade encontra-se ainda estabelecida no art. 4.º, n.º 2, da LOFTJ de 1999, no art. 5.º n.º
No sentido de que a inamovibilidade (tal como a irresponsabilidade) não é garantida aos juízes «com carácter absoluto», vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., 586. (100) Cfr. ALBERTO DOS REIS, Organização judicial, cit., pág. 353. (101) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 585. Embora seja exacto que todos os juízes são inamovíveis, parece-nos que essa norma constitucional não abrange, pelo menos de forma directa, os do Tribunal Constitucional, cuja inamovibilidade é garantida pelo art. 222.º, n.º 5, da C.Rep. Reporta-se, segundo cremos, aos juízes das restantes categorias de tribunais, mencionadas no art. 209.º da Constituição. (102) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 586. (103) Neste sentido, vide ALBERTO DOS REIS, Organização judicial, cit., pág. 354; e CARLOS A. CONDE DA SILVA FRAGA, Sobre a independência dos juízes e magistrados, cit., págs. 30-31 – onde o A. sustenta não ser suficiente proclamar o princípio, sendo necessária «uma normativação que o torne realmente efectivo». 30 (99)
2, da LOFTJ de 2008, no art. 22.º da LOFPTConst. e no art. 7.º, n.º 2, da LOPTContas(104), mas sem explicitação do respectivo conteúdo; pelo contrário, no art. 5.º, n.º 1, da LOSJ está consagrada, para todos os juízes, em termos idênticos aos do art. 216.º, n.º 1, da C.Rep., com a diferença (meramente formal) de os casos em que podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos são os «previstos no respetivo estatuto» (que é estabelecido por lei(105)). Tomada nesse sentido, como sublinhava ALBERTO DOS REIS, «a inamovibilidade nada tem [a ver] com a duração legal do cargo»(106), ou seja, com a natureza vitalícia ou temporária do mesmo. E tanto assim que o carácter vitalício da nomeação está garantido para os magistrados judiciais (art. 6.º, parte inicial, do EMJ)(107) e para os juízes dos tribunais administrativos e fiscais (dado ser-lhes aplicável essa norma, por força da remissão contida no art. 3.º, n.º 3, parte final, e no art. 57.º do ETAF)(108), mas o mesmo não se verifica quanto aos juízes do (104) Os juízes militares são igualmente inamovíveis, no sentido de que as suas funções não podem cessar antes do termo da comissão de serviço (art. 3.º da referida Lei n.º 101/2003), salvo quando se verifique alguma das situações previstas nas três alíneas do n.º 1 do art. 4.º da mesma lei. (105) Com efeito, a aprovação do «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania» (entre os quais, como foi referido, se encontram os tribunais) constitui matéria abrangida pela reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República (art. 164.º, al. m), da C.Rep.). (106) Cfr. ALBERTO DOS REIS, Organização judicial, cit., pág. 355 – onde este ilustre processualista (reportando-se, naturalmente, à situação que existia na época) afirma que «[t]omada neste sentido a inamovibilidade nada tem com a duração legal do cargo, e são inamovíveis não só os juízes de direito, cujo cargo é perpétuo, mas também os juízes municipaaes ou de paz, cujo cargo é, respectivamente, triennal e biennal, por isso que, durante o período legal da investidura, não podem ser transferidos nem removidos a arbítrio do governo». (107) Saliente-se, porém, que nem todos os juízes dos tribunais judiciais são «magistrados judiciais» (no sentido que esta designação assume no EMJ); do quadro de alguns desses tribunais – os competentes para o julgamento dos «crimes estritamente militares» (nos termos dos arts. 109.º e 110.º do Código de Justiça Militar) fazem parte juízes militares. Ora, estes não são nomeados de forma vitalícia, mas em comissão de serviço, com a duração de três anos, renovável uma vez por igual período (arts. 13.º, n.º 1, e 15.º, n.º 1, da citada Lei n.º 101/2003). (108) Parece ser assim, também, com os juízes do Tribunal de Contas, uma vez que, além de os juízes com vínculo à função pública serem providos no cargo a título definitivo ou em comissão permanente de serviço (art. 21.º, n.º 1, da LOPTContas), parece aplicar-se nessa matéria o disposto no EMJ, por força da remissão contida no art. 24.º LOPTContas. Só o mandato do Presidente e do Vice-Presidente é que são temporários (4 anos e 3 anos, respectivamente, embora renováveis – art. 214.º, n.º 2, da C.Rep. e art. 17.º, n.º 2, da LOPTContas). 31
Tribunal Constitucional – cujo mandato tem a duração de 9 anos e não é susceptível de renovação (art. 222.º, n.º 3, da C.Rep.) –, não obstante gozarem da garantia de inamovibilidade (art. 22.º da LOFPTConst.). Quando os juízes não são nomeados vitaliciamente, a estabilidade (relativa) inerente ao princípio da inamovibilidade, para garantir a independência dos juízes, exige, contudo, que a nomeação ou designação seja feita «por períodos de tempo certo e determinado» e sem possibilidade de renovação (como acontece no caso dos juízes do Tribunal
Constitucional)(109),
a
fim
de
evitar
a
«insegurança
inevitavelmente ligada à incerteza sobre a renovação da nomeação»(110).
6.2. A irresponsabilidade A irresponsabilidade dos juízes pelas suas decisões constitui igualmente, segundo a Constituição e a lei, uma garantia da sua independência. Mas também ela não tem carácter absoluto(111): a Constituição limita-se a consagrá-la como princípio, reservando para a lei a determinação dos casos em que, excepcionalmente, os juízes são responsáveis pelo exercício da sua actividade decisória (art. 216.º, n.º 2, da C.Rep.).
A nomeação dos juízes militares, como vimos, é feita por um período de três anos e com possibilidade de renovação. Todavia, a inamovibilidade que lhes é garantida tem um alcance particular (cfr. supra, nota(104)); e o «risco» que daí poderá advir, em termos de independência, acaba por não ter consequências práticas, em virtude de o julgamento dos crimes estritamente militares competir sempre ao tribunal colectivo (art. 111.º do Código de Justiça Militar) e de a maioria dos seus membros não ser constituída por juízes militares (cfr. os art. 116.º do citado Código). (110) Neste sentido, vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 587. A impossibilidade de renovação permite afastar o receio manifestado, por ALBERTO DOS REIS, que considerava a «inamovibilidade temporária» como uma «fórma imperfeita e grosseira», mas, justamente, porque apenas tinha em mente a nomeação por um certo período de tempo com possibilidade de renovação, ao justificar a sua posição com base em que «a esperança de recondução fará dos funcionários agentes às ordens do governo». Cfr. ALBERTO DOS REIS, Organização judicial, cit., pág 356. (111) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., 586. 32 (109)
Esta consagração principial da irresponsabilidade dos juízes aparece-nos ainda no art. 222.º, n.º 5, da Constituição – como garantia de que gozam os juízes do Tribunal Constitucional –, nas leis de organização das diversas categorias de tribunais e no Estatuto dos Magistrados Judiciais. Mas ela não é, em geral, expressamente considerada como forma de assegurar a independência dos juízes. E, realmente, nos termos em que esse princípio se acha formulado, parece perfeitamente legítimo duvidar de que possa funcionar como tal. Assim, o n.º 2 do art. 4.º da LOFTJ 1999 e o n.º 3 do art. 5.º da LOFTJ de 2008 (que surgem após a indicação, nos números anteriores, dos
instrumentos
jurídicos
através
dos
quais
é
assegurada
a
independência dos juízes) estabelecem que «[o]s juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvo as excepções consignadas na lei»; o n.º 2 do art. 3.º do ETAF (numa formulação não muito feliz, que pretende afastar-se da tradicional concepção negativa do princípio, mas acaba por revelar quão esvaecida fica essa pretensa garantia) dispõe que «[o]s juízes da jurisdição administrativa e fiscal podem incorrer em responsabilidade pelas suas decisões exclusivamente nos casos previstos na lei»; o art. 24.º da LOFPTConst. contém igualmente uma mera enunciação desse princípio, ao dizer que «os juízes do Tribunal Constitucional não podem ser responsabilizados pelas suas decisões», remetendo depois, no que tange a excepções, para o que se acha legalmente estabelecido para os juízes dos tribunais judiciais («salvo nos termos e limites em que o são os juízes dos tribunais judiciais»), ou seja, para a disciplina contida no EMJ; o art. 5.º deste Estatuto, por sua vez, separa a formulação (negativa) do princípio, que consta do n.º 1 – «[o]s magistrados judiciais não podem ser responsabilizados pelas suas decisões» –, da referência aos casos em que esses juízes podem incorrer em responsabilidade e à natureza da mesma, que surge no n.º 2 – «[s]ó nos casos especialmente previstos na lei os magistrados judiciais podem ser sujeitos, em razão do exercício 33
das suas funções, a responsabilidade civil, criminal ou disciplinar»(112); em termos idênticos, também o art. 7.º da LOPTContas, além de reafirmar a irresponsabilidade dos juízes do Tribunal de Contas, incluída nas «garantias de independência» desse tribunal (n.º 2), decalca o disposto no n.º 2 do art. 5.º do EMJ, limitando-se a substituir a referência a «magistrados judiciais» por «juízes» (n.º 4); e, por último, o n.º 2 do art. 4.º da LOSJ (que vem no seguimento da referência à prerrogativa que os juízes têm de julgar somente de acordo com a Constituição e a lei) estatui com carácter geral que «[o]s juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as exceções consignadas na lei». Como resulta da norma contida no citado art. 5.º, n.º 2, do EMJ e da correspondente norma da LOPTContas, as excepções consagradas na lei referem-se a três espécies de responsabilidade: criminal, civil e disciplinar; e não, também, à responsabilidade política, que está absolutamente excluída no nosso ordenamento jurídico, uma vez que os juízes não respondem (em caso algum) perante qualquer órgão de soberania de carácter representativo, «maxime», a Assembleia da República(113). Sublinhe-se, por outro lado, que dessas normas parece ser possível extrair, «a contrario sensu», uma vertente do princípio da irresponsabilidade que não se encontra no n.º 1 (do art. 5.º do EMJ), nem em qualquer dos outros preceitos legais mencionados: a que se reporta ao exercício das funções próprias dos juízes – e, por conseguinte, à actividade profissional por eles desenvolvida – e não, apenas, ao conteúdo das decisões que proferem(114). (112) Idêntica é a formulação contida no art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 101/2003, que consagra o princípio da irresponsabilidade (cfr. a epígrafe) para os juízes militares: «[o]s juízes militares só podem ser responsabilizados civil, criminal ou disciplinarmente pelas suas decisões, nos casos especialmente previstos na lei». (113) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., pág. 665. (114) A distinção entre essas «duas facetas ou aspectos da irresponsabilidade dos juízes» foi feita com toda a clareza por um eminente jurista, CASTRO MENDES, no voto de vencido que emitiu no âmbito do parecer n.º 3/VIII da Câmara Corporativa, referente à base XVII, al. b), da proposta de lei n.º 10, sobre a organização judiciária, a 34
Ainda
assim,
temos
de
convir
que
o
princípio
da
irresponsabilidade, tal como se acha formulado – e, sobretudo, pela extensão das excepções que comporta –, está longe de constituir uma verdadeira garantia especial dos juízes, que tenha em conta as especificidades das funções que exercem. Bem vistas as coisas, sendo responsáveis criminal, civil e disciplinarmente, nos casos previstos na lei, os juízes encontram-se na mesma situação dos magistrados do Ministério Público – considerados responsáveis pela Constituição da República (art. 219.º, n.º 4) e no respectivo Estatuto (art. 76.º, n.º 1, do EMP(115)) –, no que a essas formas de responsabilidade diz respeito, se ressalvarmos a diferença decorrente do dever de «observância das directivas ordens e instruções recebidas» que sobre estes recai: a responsabilidade destes «consiste em responderem, nos termos da lei, pelo cumprimento dos seus deveres» (art. 76, n.º 2, do EMP). Até quanto aos termos em que se opera a efectivação da responsabilidade exclusivamente civil (extracontratual, delitual ou aquiliana), pelos actos praticados no exercício das respectivas funções, não há qualquer diferença entre os juízes e os magistrados do Ministério Público: em via de regresso (através da acção prevista nos arts. 967.º e segs. do C.P.Civil(116), que são subsidiariamente aplicáveis às «ações do mesmo tipo
que
sejam
da
competência
de
outros
tribunais»)
e
não
directamente; e, tanto uns como os outros, só quando tenham agido com dolo ou culpa grave (art. 5.º, n.º 3, do EMJ, art. 26.º da LOPTContas, art. 77.º do EMP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, e art. 14.º, n.º 1, da do «Regime da
que vieram a corresponder a 3.ª alínea da base XVII da Lei n.º 2 113, de 11 de Abril de 1962, e o art. 111.º, al. b), do Estatuto Judiciário (já mencionado), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 278, de 14 de Abril de 1962. Com efeito, a dado passo, CASTRO MENDES sustentava: – «A irresponsabilidade dos juízes apresenta duas facetas ou aspectos: pelo conteúdo das suas decisões deve ser absoluta; pela actividade que a essas decisões leva (julgamento), deve ser formulada na lei (...)». Cfr. J. ROSEIRA FIGUEIREDO/F. PINTO FERREIRA, O poder judicial, cit., págs. 72-73. (115) Cfr. também o art. 9.º, n.º 2, da LOSJ. (116) Arts. 1083.º e segs. do C.P.Civil de 1961. 35
responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas», aprovado pela referida Lei n.º 67/2007(117). Desse modo, em que se distingue, afinal, a irresponsabilidade dos juízes da responsabilidade dos magistrados do Ministério Público? Só no facto de a organização interna do Ministério Público assentar na existência
de
subordinação
hierárquica,
com
a
consequente
possibilidade de emanação de directivas, ordens ou instruções e o correspondente dever de as observar(118)? Não
nos
parece
que
isso
seja
suficiente
para
falar
de
irresponsabilidade num caso e de responsabilidade no outro. Donde se segue, não que os juízes devam estar isentos dessas formas de responsabilidade (ainda que se imponha a maior prudência na apreciação do grau de culpa com que porventura actuem – tendo em conta o número de processos distribuídos a cada um dos magistrados, a respectiva complexidade e, até, a grande dificuldade, que muitas vezes existe, na determinação das normas legais em vigor, sobretudo quando se acham dispersas e inseridas em diplomas legais cujo título ou sumário em nada contribuem para identificar o conteúdo das «normas parasitárias»(119) neles contidas –, dada a extrema relevância da
Este diploma legal foi entretanto alterado pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho. A responsabilidade criminal dos juízes militares efectiva-se em termos semelhantes aos dos restantes juízes do tribunal judicial em que exerçam funções; a sua responsabilidade civil também é efectivada mediante acção de regresso; e o regime disciplinar aplicável a esses juízes é o do EMJ, competindo o exercício da acção disciplinar ao Conselho Superior da Magistratura. Cfr. os arts. 5.º, n. os 2 e 3, 6.º e 7.º da citada Lei n.º 101/2003. (118) Cfr. JOSÉ ADRIANO SOUTO DE MOURA, Nota introdutória sobre a responsabilidade dos magistrados, in «Revista do Ministério Público», Ano 22.º (2001), n.º 88, pág. 27 – onde o A. sustenta, ainda, que «a responsabilização [dos magistrados] fora de um condicionalismo estrito pode funcionar como o espectro de uma reacção gravosa para quem tem que proferir a decisão, a ponto de paralisar ou orientar indevidamente a opção do magistrado». (119) São qualificáveis como «parasitárias», «intrusas» ou «fugitivas» as normas incluídas no articulado de leis que disciplinam uma determinada matéria, correspondente ao seu objecto imediato, e que se revelam estranhas a tal objecto. O exemplo paradigmático dessas normas é constituído pelos chamados «cavaleiros orçamentais» («cavaliers budgétaires», na terminologia francesa) inseridos na lei que aprova o Orçamento do Estado, como a própria designação sugere. 36 (117)
distinção entre a actuação com culpa grave e com culpa leve)(120), mas que parece não haver motivo para se aludir a «irresponsabilidade dos juízes». Trata-se de uma pura questão semântica, pois, em bom rigor, os juízes são responsáveis pelos actos praticados no exercício das suas funções, salvo no que se refere à responsabilidade meramente civil, que está excluída quando actuem com culpa leve; mas também é assim no caso dos magistrados do Ministério Público(121).
Nos termos do disposto no art.º 105.º da Constituição, o Orçamento do Estado contém «a discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e dos serviços autónomos» (n.º 1, al. a)), bem como «o orçamento da segurança social» (n.º 1, al. b)). Ora, apesar de o conteúdo do Orçamento do Estado ser esse – e, por conseguinte, o título da lei que o aprova, apenas apontar no sentido de aí estarem incluídas normas com o referido objecto, é muito frequente serem inseridas em tal lei normas de natureza muito diversa, estranhas àquele conteúdo (e, por isso, «intrusas»). Independentemente da questão da eventual inconstitucionalidade dessas «normas parasitárias» e da possibilidade ou impossibilidade da sua revogação por uma lei sem valor reforçado, que aqui não nos interessa, importa sublinhar, precisamente, a grande dificuldade que os destinatários dessas «normas intrusas» têm em saber da sua existência e, por conseguinte, de as conhecerem (tratando-se, pois, de domínio onde o princípio geral do direito «ignorantia legis non excusat» – consagrado no art.º 6.º do C.Civil – se pode revelar particularmente injusto e até contraditório com a exigência de segurança jurídica que lhe está associada, na medida em que o princípio da segurança jurídica também exige que, para alguém ficar vinculado por uma norma, seja dada a esta uma publicidade adequada, que torne possível o seu prévio conhecimento por parte dos cidadãos medianamente diligentes e informados, o que manifestamente não se verifica quando a lei contenha, de forma subreptícia, normas sobre matéria diferente da que, aparentemente, constitui o seu objecto único), devido ao facto de (em virtude desse procedimento anómalo) não lhes ser feita qualquer alusão no título do diploma. No plano das boas regras de legística (pelo menos), tratase, pois, de uma prática censurável. A respeito das «normas parasitárias» e de alguns problemas por elas suscitados, vide CARLOS BLANCO DE MORAIS, Algumas reflexões sobre o valor jurídico de normas parasitárias presentes em leis reforçadas pelo procedimento, in «Nos 25 anos da Constituição da República Portuguesa. Evolução constitucional e perspectivas futuras» (Lisboa, 2001), 393-460; ANTÓNIO ALBERTO VIEIRA CURA, Teoria da Legislação. Sumários Desenvolvidos das Aulas do Curso de Mestrado da Faculdade de Direito de Coimbra, disponibilizados aos alunos no ano lectivo de 2005/2006 (Coimbra, 2006), págs. 175-178; e ALEX HENNEMANN, O problema das normas parasitárias: uma análise luso-brasileira, in «Direito Público», nº 18 (Brasília, Out.-Nov.-Dez./2007), págs. 5-30. (120) Se houver prudência na aplicação do regime de responsabilidade civil extracontratual dos juízes, cremos que os de reconhecido mérito e competência só terão a ganhar com a erradicação do joio que existe na seara de que fazem parte e, segundo cremos, é constituída maioritariamente por trigo. (121) A este respeito, vide JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado por actos da função judicial, in «Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita», vol I, STVDIA IVRIDICA, 95, «Ad Honorem» – 4 (Coimbra, 2010), págs. 501-520 (especialmente, 515-520); e CARLA AMADO GOMES, ABC da (ir)responsabilidade dos juízes no quadro da Lei n.º 67/2007, 37
6.3. O «autogoverno» A independência dos juízes, sobretudo perante o poder executivo, é
ainda
assegurada
pelo
denominado
«autogoverno»(122)
ou
pela
existência de um órgão privativo de gestão e disciplina. No caso dos juízes do Tribunal Constitucional e do Tribunal de Contas pode falar-se de «autogoverno», na medida em que cabe a cada um desses tribunais o exercício do poder disciplinar sobre os respectivos juízes(123), ainda que se trate de «actos praticados no exercício de outras funções» (art. 25.º, n.º 1, da LOFPTConst. e art. 7.º, n.º 2, 25.º e 75.º, al. e), da LOPTContas, e art. 6.º, n.º 3, da LOSJ), e a nomeação dos juízes do Tribunal de Contas é da competência do respectivo Presidente, que, por sua vez, é nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo (art. 133, al. m), da C.Rep. e art. 74.º, n.º 1, al. j), da LOPTContas). O mesmo não pode, no entanto, dizer-se (em bom rigor) relativamente aos juízes dos tribunais judiciais e aos juízes dos tribunais administrativos e fiscais. Com efeito, a nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes, assim como o exercício da acção disciplinar em relação a eles, não pertencem a eles próprios, mas a órgãos
privativos
de
gestão
e
disciplina,
«constitucionalmente
autónomos»(124), só em parte constituídos por juízes (e sem que estes de 31 de Dezembro, in «SCIENTIA IVRIDICA, tomo LIX, n.º 322 (Abril/Junho, 2010), págs. 262-268 e 274-277. (122) Em vez de «autogoverno», GOMES CANOTILHO considera preferível aludir a «auto-administração», uma vez que «os tribunais auto-administram-se mas não se autogovernam». Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., pág. 666. Desde que se tenha em conta o sentido particular que aqui assume a expressão tradicional «autogoverno», parece-nos, no entanto, não haver qualquer inconveniente na sua utilização; nem se vislumbra vantagem na sua substituição por «autoadministração». (123) Quanto a tais juízes é esse o aspecto que verdadeiramente releva, excluídas que estão, segundo parece, questões referentes à nomeação, colocação, transferência e promoção, por se tratar de jurisdições com um único tribunal. (124) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 592-593 e 596; e CARLOS A. CONDE DA SILVA 38
representem, por imperativo constitucional ou legal, a maioria) – o Conselho Superior da Magistratura e o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, respectivamente (art. 217.º, n.º 1 e n.º 2, da C.Rep., art. 4.º, n.º 2, da LOFTJ de 1999, art. 5.º, n.º 2, da LOFTJ de 2008, art. 136.º do EMJ, art. 74.º, n.os 1 e 2, do ETAF e art. 6.º, n.os 1 e 2, da LOSJ)(125).
6.3.1. O Conselho Superior da Magistratura A
composição
do
Conselho
Superior
da
Magistratura
é
directamente estabelecida pela Constituição, no n.º 1 do art. 218.º(126). Além do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que preside ao órgão, fazem parte dele os seguintes vogais: dois designados pelo Presidente
da
República(127),
sete
eleitos
pela
Assembleia
da
República(128) e sete juízes eleitos pelos seus pares(129).
FRAGA, Sobre a independência dos juízes e magistrados, cit., págs. 42-45 – onde o A. sustenta que, apesar dessa autonomia, o Conselho Superior da Magistratura (a que se refere) não deixa de ser um «órgão do Poder Executivo» (o que nos parece ser algo contraditório). (125) A nomeação e a exoneração dos juízes militares competem igualmente ao Conselho Superior da Magistratura, sob proposta ou com audição do Conselho de Chefes de Estado-Maior ou do Conselho Geral da GNR, conforme os casos (arts. 14,º, n.º 1, e 17.º da citada Lei n.º 101/2003). Cabe-lhe também, como vimos, com carácter exclusivo, o exercício da acção disciplinar sobre esses juízes (art. 7.º desse diploma legal). As restantes competências do Conselho Superior da Magistratura (CSM) encontram-se previstas (por enquanto) no art. 149.º do EMJ, mas foram agora consagradas no art. 155.º da LOSJ (no âmbito do título XI desta lei, respeitante aos «órgãos de gestão e disciplina judiciários», cujo capítulo I regula o CSM –, o que faz prever a eliminação do EMJ das normas a este respeitantes). E as do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais estão plasmadas (por enquanto, também) no n.º 2 do art. 74.º do ETAF, mas foram igualmente estabelecidas no art. 162.º da LOSJ (no capítulo II do título XI dessa lei, que disciplina o CSTAF, fazendo com que seja previsível a eliminação das normas do ETAF respeitantes a este órgão). (126) A composição do CSM é igualmente referida (por ora) no n.º 1 do art. 137.º do EMJ e acaba de ser consagrada no art. 154.º, n.º 1, da LOSJ. (127) Cfr., também, a 2.ª parte da al. n) do art. 133.º da C.Rep. (128) Essa eleição exige maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (art. 163.º, al. h), da C.Rep.). (129) A forma de eleição destes vogais rege-se pelo disposto nos arts. 139.º, n.º 2, e 140.º e segs. do EMJ (matéria em que o n.º 2 da LOSJ remete para esse estatuto). 39
O Conselho Superior da Magistratura é, pois, constituído por dezassete
membros(130);
e
a
maioria
deles
(nove
membros)
é
designada/eleita pelos órgãos de soberania cuja eleição é feita por sufrágio directo(131) – o que se traduz num reforço da sua «legitimação democrática»(132). Os juízes dos tribunais judiciais não têm, pois, assegurada pela Constituição (ou pela lei) uma presença maioritária nesse órgão, por ter caído (com a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro) a exigência, formulada no art. 223.º saído da revisão constitucional de 1982 (a que agora corresponde o 218.º), de que um dos vogais designados pelo Presidente da República fosse magistrado judicial; mas não existe qualquer impedimento a que o Presidente da República e a Assembleia da República procedam, respectivamente, à designação ou eleição de juízes para o Conselho Superior da Magistratura. Saliente-se que, ao contrário do que havia sucedido na designação efectuada pelo Presidente da República em 2006(133), naquela a que este procedeu em 2011 não foi nomeado como vogal qualquer juiz(134); assim, porque nesse ano também não foi eleito nenhum juiz pela Assembleia da República(135), o Conselho Superior da Magistratura é hoje composto por oito magistrados judiciais e por nove membros não oriundos da judicatura(136).
As regras sobre garantias dos juízes são aplicáveis a todos os vogais do Conselho Superior da Magistratura, mesmo aos que não sejam juízes (art. 218.º, n.º 2, da C.Rep. e art. 148.º, n.º 1, do EMJ – para que agora remete o n.º 2 da LOSJ). Relativamente ao Presidente do Conselho Superior da Magistratura não é necessário que a Constituição e a lei o digam, pois já goza dessas garantias pelo facto de ser Conselheiro do STJ (de que é Presidente). (131) Cfr. os arts. 113.º, n.º 1, 121.º, n.º 1, e 149.º, n.º 1, da C.Rep. (132) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 597. (133) Referimo-nos à designação de vogais do Conselho Superior da Magistratura feita através do Decreto do Presidente da República n.º 44/2006, de 10 de Abril, em que a escolha de um deles recaiu num Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, o que fez com que esse órgão fosse composto por nove juízes e por oito membros não oriundos da magistratura judicial. (134) Cfr. o Decreto do Presidente da República n.º 54/2011, de 15 de Junho. (135) Cfr. a Resolução da Assembleia da República n.º 141/2011, de 28 de Outubro. (136) A composição do Conselho Superior da Magistratura pode ser consultada na respectiva página da internet (www.conselhosuperiordamagistratura.pt). 40 (130)
Importa
sublinhar,
ainda,
que
o
Conselho
Superior
da
Magistratura não inclui qualquer membro designado pelo Governo, o que, em princípio, constitui garantia de não ingerência daquele no «governo» da magistratura judicial(137).
6.3.2. O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, cuja composição foi deixada para a lei (limitando-se a Constituição a atribuir-lhe competência para a nomeação, colocação, transferência e promoção, e para o exercício da acção disciplinar, em relação aos juízes dos tribunais administrativos e fiscais – art. 217.º, n.º 2), é constituído por onze membros: o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo – ao qual cabe a presidência do órgão –, dois vogais designados pelo Presidente da República, quatro eleitos pela Assembleia da República e quatro juízes eleitos pelos seus pares (art. 75.º, n.º 1, do ETAF e art. 161.º, n.º 1, da LOSJ). Também neste caso temos uma maioria de conselheiros cuja nomeação é efectuada pelos órgãos de soberania eleitos directamente. E vale igualmente o que foi dito a respeito da falta de garantia (neste caso, legal) da existência de uma maioria de juízes, sem prejuízo de ela poder verificar-se na hipótese de o Presidente da República designar algum juiz ou de a Assembleia da República o eleger. Como na última eleição realizada por este órgão foi eleito um juiz-conselheiro (ainda que jubilado)(138), o Conselho tem, presentemente, uma maioria de juízes,
(137) A este respeito, vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 597. (138) O segundo membro efectivo eleito pela Assembleia da República, Lúcio Alberto de Assunção Barbosa, é juiz conselheiro jubilado (foi, aliás, o Presidente do Supremo Tribunal Administrativo até à tomada de posse do actual), apesar de esse título não ser mencionado na Resolução da Assembleia da República n.º 29/2013, de 13 de março (que se limita a identificar os cidadãos eleitos pelo seu nome). E, nos termos do disposto no art. 67.º, n.º 2, do EMJ, aplicável aos juízes dos tribunais administrativos e fiscais «ex vi» do art. 57.º do ETAF, «os magistrados jubilados continuam vinculados 41
pois é composto por seis juízes dos tribunais administrativos e fiscais e por cinco outros juristas(139). No Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais não há, igualmente, qualquer membro designado pelo Governo, com o significado
apontado
a
respeito
do
Conselho
Superior
da
Magistratura(140). Em face do que antecede, parece-nos adequada e perfeitamente legítima
a
qualificação
como
«autogoverno
mitigado»,
tanto
da
magistratura judicial como dos juízes da jurisdição administrativa e fiscal, dado o temperamento ao carácter puramente profissional da representação nesses órgãos que a legitimação democrática assegura.
6.4. O regime de incompatibilidades As incompatibilidades, constitucional e legalmente previstas, equivalem à consagração da «regra da dedicação exclusiva dos juízes profissionais»(141). E parecem não ser postas pela Constituição da República no mesmo plano das outras garantias de independência (a epígrafe
do
art.
216.º
da
C.Rep.
menciona
«garantias
e
incompatibilidades», aparecendo as primeiras nos n.os 1 e 2 desse artigo, enquanto às segundas se referem os n.os 3 a 5), o que se verifica igualmente
no
Estatuto
dos
Magistrados
Judiciais
(onde
a
irresponsabilidade e a inamovibilidade estão consagradas nos arts. 5.º e 6.º, logo a seguir ao artigo que trata da independência dos magistrados judiciais, enquanto as incompatibilidades estão previstas noutro capítulo, juntamente com os seus deveres, direitos e regalias – no art. 13.º) e na Lei de Organização do Sistema Judiciário (art. 5.º, cuja aos deveres estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte» e «gozam dos títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria». (139) A composição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais pode ser consultada na respectiva página da internet (www.cstaf.pt). (140) Cfr. supra, n.º 6.3.1. (141) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., 586. 42
epígrafe é também «garantias e incompatibilidades», que consagra a garantia de inamovibilidade no n.º 1 e as incompatibilidades nos n.os 24). Relativamente
a
este
tema,
a
Constituição
da
República
determina que «os juízes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada», exceptuando apenas o exercício de «funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas», remetendo a disciplina desse exercício para a lei ordinária (art. 216.º, n.º 3, da C.Rep.)(142)-(143). E o art. 222.º, n.º 5, estabelece a sujeição dos juízes do Tribunal Constitucional «às incompatibilidades dos juízes dos restantes tribunais», a quem se aplica, de forma imediata, o disposto no art. 216.º, n.º 3(144)-(145). Quanto aos juízes dos tribunais judiciais, a disciplina legal dos termos em que se torna possível o exercício da mencionada actividade (docente ou de investigação científica) vem a traduzir-se na necessidade de obter autorização do Conselho Superior da Magistratura para esse efeito (art. 13.º, n.º 2, do EMJ); e, no caso dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, concretiza-se na exigência de autorização do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (cfr. o citado artigo do EMJ, aplicável «ex vi» do art. 3.º, n.º 3, e do art. 57.º do ETAF, e o art. 74.º, n.º 2, al. p), deste Estatuto).
Cfr., também, o art. 5.º, n.º 2, da LOSJ. Relativamente aos juízes militares, a Lei n.º 101/2003 acrescenta às referidas funções de natureza jurídica as de natureza militar (art. 8.º). (143) Sobre as razões determinantes da consagração dessa excepção, vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 588. (144) Em virtude da remissão contida no art. 222.º, n.º 5, da C.Rep., compreende-se o estatuído pelo art. 27.º da LOFPTConst., que, além de considerar o desempenho do cargo de juiz desse tribunal incompatível com o «exercício de funções em órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local», consagra a incompatibilidade do respectivo exercício com o de «qualquer outro cargo ou função de natureza pública ou privada» (n.º 1), com a excepção acima referida – «exercício não remunerado de funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica» (n.º 2). (145) A aplicação ao Presidente e aos juízes do Tribunal de Contas das incompatibilidades dos magistrados judiciais é, aliás, estabelecida no art. 27.º, n.º 1, da LOPTContas. 43 (142)
O princípio da dedicação exclusiva dos juízes às funções próprias do seu cargo encontra justificação na necessidade de assegurar a sua concentração nessa actividade (evitando a sua dispersão por outras actividades, com prejuízo do estudo e da reflexão exigidos a quem exerce tal cargo); mas justifica-se, também, pela conveniência de evitar a criação de laços de dependência profissional ou económica que poderiam comprometer a sua independência(146). Num plano algo diferente do anteriormente abordado, mas constituindo «ainda uma garantia de independência dos juízes»(147), encontra-se a impossibilidade de nomeação de juízes para «comissões de serviço estranhas à actividade dos tribunais» sem autorização do respectivo conselho superior (art. 216.º, n.º 4, da C.Rep.(148))(149). Na verdade, nessa hipótese (que nos parece restringir-se à comissão de serviço para exercer funções públicas) não está em causa a acumulação de outra actividade com o cargo de juiz, pois tal nomeação destina-se a permitir o exercício de outras funções a tempo inteiro.
7. O Ministério Público e a sua autonomia O Ministério Público é uma magistratura paralela e independente da
magistratura
judicial,
o
que
decorre,
desde
logo,
de
ter
constitucionalmente garantido um «estatuto próprio» e, além disso, é expressamente reafirmado nesse estatuto (art. 219.º, n.º 2, da C.Rep., (146) Neste sentido, vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 587-588. (147) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 588. (148) Cfr., também, o art. 5.º, n.º 3, da LOSJ. (149) Como apenas existem o Conselho Superior dos Tribunais Judiciais e o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (cfr. supra, n.º 6.3.), põe-se o problema de saber se os juízes das restantes categorias de tribunais poderão ser nomeados para comissões de serviço estranhas às respectivas funções. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 588) sustentam que não. Todavia, não é assim, pelo menos, no caso do Tribunal de Contas, pois o art. 23.º da LOPTContas admite expressamente a «nomeação de juízes do Tribunal de Contas para outros cargos, em comissão de serviço». 44
art. 75.º, n.º 1, do EMP(150)). Tem como órgão superior a ProcuradoriaGeral da República (art. 220.º, n.º 1, da C.Rep., art. 9.º, n.º 1, do EMP), que é presidida pelo Procurador-Geral da República (art. 220.º, n.º 2, da C.Rep. e arts. 11.º e 12.º, n.º 1, al. a), do EMP(151)), nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo, e cujo mandato tem a duração de seis anos (arts. 133.º, al. m), e 220.º, n.º 3, da C.Rep.). A Constituição da República garante-lhe autonomia, em termos a definir pela lei (art. 219.º, n.º 2, da C.Rep.). E esta dispõe que tal autonomia existe «em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local» – em particular, em relação ao Governo e aos seus membros, designadamente ao Ministro da Justiça (ao contrário do que sucedeu na vigência do Estatuto Judiciário, de 1962(152)) –, nos termos do respectivo estatuto, e que se caracteriza «pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas na lei» (art. 2.º, n.os 1 e 2, do EMP(153)).
7.1. Funções do Ministério Público As funções do Ministério Público encontram-se sintetizadas no art. 219.º, n.º 1, da Constituição da República e no art. 1.º do EMP(154). São elas: a representação do Estado, a defesa dos interesses que a lei determinar, a participação na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, o exercício da acção penal (orientada pelo princípio da legalidade) e a defesa da legalidade democrática.
Cfr. também os arts. 3.º, n.º 2, e 9.º, n.º 3, da LOSJ. Cfr. ainda o art. 165.º, n.º 2, da LOSJ. (152) Sobre essa subordinação do Ministério Público ao Ministro da Justiça, entretanto desaparecida, vide JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES, Sobre o modelo de hierarquia na organização do Ministério Público, in «Revista do Ministério Público», Ano 16.º (1995), n.º 62, págs. 16-20. (153) Cfr. também o art. 3.º, n. os 2 e 3, da LOSJ. (154)Cfr. ainda o art. 3.º, n.º 1, da LOSJ. 45 (150) (151)
As suas principais competências, sem prejuízo de quaisquer outras que lhe sejam conferidas por lei, são as mencionadas no art. 3.º do EMP. Entre elas contam-se as seguintes: A representação do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias locais, dos incapazes, dos incertos e dos ausentes em parte incerta (al. a)); O exercício da acção penal (al. c))(155); O patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de carácter social (al. d)); A de promover a execução das decisões dos tribunais para que tenha legitimidade (al. g)); A direcção da investigação criminal (al. h))(156); A de fiscalizar a constitucionalidade dos actos normativos (al. j)); A intervenção nos processos de insolvência e em todos os que envolvam interesse público (al. l)); A interposição de recurso sempre que a decisão seja efeito de conluio das partes no sentido de fraudar a lei ou tenha sido proferida com violação de lei expressa (al. o)).
7.2. A responsabilidade e a subordinação hierárquica dos magistrados do Ministério Público Já tivemos oportunidade de aludir ao facto de a Constituição e a lei contraporem à «irresponsabilidade dos juízes» a responsabilidade dos magistrados do Ministério Público. E vimos, também, como a situação das duas magistraturas, desse ponto de vista, não é substancialmente Relativamente a crimes estritamente militares, o Ministério Público é coadjuvado por assessores militares, que são nomeados pelo Procurador-Geral da República, sob proposta dos Chefes de Estado-Maior ou do comando-geral da GNR, consoante os casos (arts. 22.º, al. a), 23.º e 24.º, n.º 1, da citada Lei n.º 101/2003). (156) Na direcção da investigação de crimes estritamente militares, o Ministério Público é igualmente coadjuvado por assessores militares (arts. 22.º, al. c), e 23.º da citada Lei n.º 101/2003). 46 (155)
diferente(157), com a ressalva de os magistrados do Ministério Público «responderem, nos termos da lei (…), pela observância das directivas, ordens e instruções que receberem» (art. 76.º, n.º 2, do EMP). Quanto à subordinação hierárquica, que não existe no caso dos juízes, importa referir que ela se acha consagrada no art. 219.º, n.º 4, da Constituição e nos arts. 2.º e 76.º, n.os 1 e 3, do EMP(158). Consiste, de acordo com esta última norma, na «subordinação dos magistrados aos de grau superior», nos termos de tal estatuto, e na «consequente obrigação de acatamento por aqueles das directivas, ordens e instruções recebidas», salvo (nomeadamente) se estas forem reputadas ilegais pelos magistrados a quem são dirigidas ou (quando não sejam emitidas pelo Procurador-Geral da República(159)) se forem vistas por eles como uma «grave violação da sua consciência jurídica» (art. 79.º, n.º 2, do EMP)(160). No topo dessa hierarquia encontra-se o Procurador-Geral da República – que, como vimos, preside à Procuradoria-Geral da República(161) e é coadjuvado e substituído pelo Vice-Procurador-Geral da República (art. 13.º, n.º 1, do EMP) e, ainda, no Tribunal Constitucional, no Tribunal de Contas, no Supremo Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Administrativo (como veremos a propósito de cada um destes tribunais), por procuradores-gerais-adjuntos (art. 13.º,
A esse respeito, vide ANTÓNIO ALMEIDA SANTOS, O Ministério Público num Estado de Direito Democrático, in «Revista do Ministério Público», Ano 19.º (1998), n.º 76, pág.15 – onde o A. afirma que os conceitos de responsabilidade e de irresponsabilidade são «só aparentemente antitéticos». (158) Cfr., também, o art. 9.º, n.º 2, da LOSJ. (159) O cumprimento das directivas, ordens e instruções do Procurador-Geral da República apenas pode ser recusado com fundamento na sua ilegalidade (art. 79.º, n.º 5, al. b), do EMP). (160) Ainda de acordo com essa norma, a recusa de cumprimento das directivas, ordens e instruções com fundamento em ilegalidade constitui um «dever», enquanto a baseada na «grave violação da consciência jurídica» do magistrado é uma simples faculdade. Nos termos do disposto no n.º 6 do art. 79.º do EMP, «[o] exercício injustificado da faculdade de recusa constitui falta disciplinar». (161) Cfr. supra, n.º 7. 47 (157)
n.º 2, e 4.º, n.º1, al. a), do EMP(162))(163) –, ao qual compete, nomeadamente, «[d]irigir,
coordenar
e
fiscalizar
a
actividade
do
Ministério Público e emitir as directivas, ordens e instruções a que deve obedecer a actuação dos respectivos magistrados (art. 12.º, n.º 2, al. b), do EMP)(164). Na sede de cada distrito judicial (enquanto se mantiver esta circunscrição
judicial(165))
existe
uma
procuradoria-geral
distrital,
dirigida por um dos procuradores-gerais-adjuntos que nela exercem funções, com a designação de procurador-geral distrital (arts. 55.º, n.os 1 e 2, e 57.º, n.º 1, do EMP); compete a este, no que se refere ao exercício do poder hierárquico, a direcção e coordenação da actividade do Ministério Público no distrito judicial e «emitir ordens e instruções» (art. 58.º, n.º 1, al. a), do EMP)(166), que têm de ser cumpridas (no exercício das respectivas funções) pelos magistrados cujo serviço dirige. Onde ainda se aplique a LOFTJ de 1999(167), existe uma procuradoria da República na sede de cada círculo judicial e nas comarcas
sede
de
procuradorias
da
compreendem
o
distrito República;
procurador
judicial essas ou
pode
haver
uma
procuradorias
procuradores
da
da
ou
mais
República
República
e
procuradores-adjuntos (art. 60.º, n.os 1, 2 e 3, do EMP, na versão anterior à que foi introduzida pelo art. 164.º da Lei n.º 52/2008), competindo ao procurador da República que a dirige «emitir ordens e instruções» (arts. 62.º, n.º 1, e 63.º, n.º 1, al. c), do EMP, na redacção Cfr., também, o art. 10.º, n.º 1, da LOSJ. Nessa norma é igualmente referido o Supremo Tribunal Militar. Todavia, como dissemos, em tempo de paz não há tribunais militares. Cfr. supra, n.º 4.1. e nota(50). (164) Cfr., também, o art. 9.º, n.º 1, do Regulamento Interno da Procuradoria-Geral da República (n.º 1/2002, pub. in «Diário da República», II Série, n.º 50, de 28-22002), nos termos do qual «[o] procurador-geral da República pode, no exercício da sua competência directiva da actividade do Ministério Público, determinar a emissão de circulares». (165) Os distritos judiciais deixam de existir quando entrar em vigor e tiver plena aplicação a LOSJ. A este respeito, vide, infra, n.º ….. (166) Registe-se que os procuradores-gerais distritais não podem emanar directivas, mas somente propor a sua adopção pelo Procurador-Geral da República, com o objectivo de uniformizar os procedimentos do Ministério Público (art. 58.º, n.º 1, al. c), do EMP). (167) Sobre a aplicação dessa LOFTJ, vide, infra, n.º 20. 48 (162) (163)
anterior à alteração operada pela Lei n.º 52/2008). Nas novas comarcas, criadas ao abrigo do disposto na LOFTJ de 2008(168), existe uma procuradoria da República na sede de cada uma delas, podendo haver mais do que uma nas comarcas sede de distrito judicial; tais procuradorias
da
República
compreendem
procuradores-gerais-
adjuntos, procuradores da República e procuradores-adjuntos (art. 60.º, n.os 1, 2 e 3, do EMP, na redacção que lhe foi dada pelo art. 164.º da Lei n.º 52/2008), cabendo ao procurador-geral-adjunto que dirige os serviços do Ministério Público (ou aos procuradores-gerais-adjuntos com funções de direcção e coordenação, nas comarcas sede de distrito), dirigir e coordenar a actividade do Ministério Público na comarca, «emitindo ordens e instruções» (art. 62.º, n.os 1, 2 e 5, do EMP, na redacção resultante da Lei n.º 52/2008, e art. 90.º, n.os 1, 2 e 3, desta Lei), poder que é reconhecido, também, aos procuradores da República, «sem
prejuízo
das competências
do procurador-geral-adjunto
da
comarca e dos procuradores da República coordenadores» (art. 63.º, n.º 1, al. c), do EMP, na redacção introduzida pela Lei n.º 52/2008). Os procuradores-adjuntos encontram-se na base da hierarquia (art. 8.º, n.º 1, al. e), do EMP) e, por isso, têm de observar as directivas, ordens e instruções emanadas pelos magistrados que gozam do poder de as emitir. Refira-se, ainda, que os magistrados do Ministério Público têm assegurada a estabilidade, em termos idênticos à inamovibilidade dos juízes, pois «não podem ser transferidos, suspensos, promovidos, aposentados, demitidos ou, por qualquer outra forma, mudados de situação senão nos casos previstos na lei» (art. 78.º do EMP(169)). E que também para eles se acha previsto um regime de incompatibilidades (art. 81.º do EMP). A respeito das comarcas em que já tem aplicação a LOFTJ de 2008, vide, infra, n.º 19. (169) Cfr., também, o art. 11.º, n.º 1, da LOSJ. 49 (168)
Por último, saliente-se a existência de um órgão privativo incumbido da disciplina e da gestão dos quadros do Ministério Público, o Conselho Superior do Ministério Público, que está integrado na Procuradoria-Geral da República (art. 220.º, n.º 2, da C.Rep., art. 9.º, n.º 2, do EMP e art. 165.º, n.º 2, da LOSJ) e tem a composição prevista no art. 15.º, n.º 2, do EMP – o Procurador-Geral da República, os procuradores distritais (enquanto se mantiverem os distritos judiciais), um procurador-geral adjunto, eleito pelos seus pares, dois procuradores da República eleitos por estes, quatro procuradores-adjuntos eleitos de entre eles (um por cada distrito judicial, enquanto subsistir a divisão do território em distritos judiciais, ou seja, até à entrada em vigor e à efectiva aplicação da LOSJ), cinco membros eleitos pela Assembleia da República e duas personalidades de reconhecido mérito designadas pelo Ministro da Justiça(170).
(170) Relativamente à nomeação de membros pelo Ministro da Justiça, o Presidente da República chegou a pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas do art. 1.º do Decreto n.º 12/VI da Assembleia da República, que dava nova redacção aos arts. 14.º, n.º 2, al. g) (que continuava a prever aquela nomeação), e 26.º, n.º 2, al. d), da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, e do art. 2.º, n.º 2, do mesmo Decreto (que viria a ser promulgado como Lei n.º 23/92, de de 20 de Agosto). Mas o Tribunal Constitucional não as considerou inconstitucionais (Acórdão n.º 254/92, de 2-7-1992, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 175, de 31-7-1992). A actual composição do Conselho Superior do Ministério Público pode ser consultada na respectiva página da internet (www.csmp.pgr.pt). 50
CAPÍTULO I TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
8. O Tribunal Constitucional e a sua disciplina autónoma na Constituição O Tribunal Constitucional é, como vimos, uma das categorias de tribunais previstas na Constituição (art. 209.º, n.º 1)(171). E é assim desde a Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, que o criou(172). Todavia, a lei fundamental portuguesa não lhe dedica qualquer outra norma no âmbito do Capítulo II do Título V da Parte III (respeitante à «Organização dos Tribunais»). Trata dele de forma autónoma, quer em relação às restantes ordens de tribunais, quer relativamente
ao
sistema
de
fiscalização
da
constitucionalidade
(consagrado no Título I da Parte IV – arts. 277.º e segs.), no Título VI da Parte III (arts. 221.º e segs.)(173). Aí aparecem, sucessivamente, a Sobre a discussão em torno da sua «natureza de órgão jurisdicional do Estado», vide J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., págs. 679-680 (e a bibliografia indicada na nota(22), na última dessas páginas). (172) Cfr. os seguintes artigos da referida Lei Constitucional: 160.º, n.º 1, que deu nova redacção aos n.os 1 e 2 do (então) art. 212.º da C.Rep., passando a incluir o Tribunal Constitucional na al. a) do n.º 1; art. 211.º, que alterou a redacção do art. 278.º da C.Rep.; art. 212.º, que inseriu um novo art. 279.º da C.Rep.; art. 213.º, que introduziu um novo art. 283.º da C.Rep.; art. 215.º, que deu nova redacção ao art. 281.º da C.Rep.; art. 216.º, que inseriu um novo art. 280.º; art. 217.º, que estabeleceu um novo art. 282.º da C.Rep.; art. 218.º, pelo qual foi determinado que a epígrafe do capítulo II do título I da parte IV da Constituição passasse a ser «Tribunal Constitucional»; art. 220.º, que aditou à Constituição o novo art. 284.º; e 221.º, que aditou à Constituição o novo art. 285.º. (173) Esse título (com a epígrafe «Tribunal Constitucional») foi aditado pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho (art. 143.º), que aditou igualmente à Constituição os artigos 223.º, 224.º, 225.º e 226.º (cfr., respectivamente, os arts. 144.º, 145.º, 146.º e 147.º). Com a Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro, os arts. 223.º, 224.º, 225.º e 226.º da Constituição passaram a ser, respectivamente, os arts. 221.º, 222.º, 223.º e 224.º (cfr. os arts. 145.º, 146.º – pelo qual se procedeu, 51 (171)
definição desse Tribunal (art. 221.º), a sua composição e o estatuto dos respectivos juízes (art. 222.º), a sua competência (art. 223.º) e a remissão da disciplina da sua organização e funcionamento para a lei ordinária (art. 224.º) – lei essa que é a Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que entretanto foi objecto de diversas alterações, a última das quais operada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de Novembro)(174). Com
a
referida
autonomização
ou
separação
«no
seu
enquadramento orgânico»(175) – justificada pela «natureza das suas funções», pela sua «ligação imediata à lei fundamental» e pela posição específica que ocupa em relação aos outros tribunais (decorrente do facto de constituir «o tribunal de recurso das decisões de todos os tribunais em matéria de constitucionalidade» e, também, em certas hipóteses, de legalidade)(176) –, vantajosa do ponto de vista sistemático, a Constituição
sublinha
de
forma
bem
vincada
que
o
Tribunal
Constitucional não é «um tribunal como os outros», nem «apenas um tribunal», mas, antes, um «órgão constitucional autónomo de regulação do processo político-constitucional»(177).
também, à alteração dos n.os 3 e 6 do art. 222.º, na numeração resultante dessa LC –, 147.º – que alterou, igualmente, a al. f) do n.º 2 do art. 223.º, na numeração dada por essa LC, e aditou a este número as als. g) e h) – e 148.º – que modificou, ainda, o n.º 2 do art. 224.º, na numeração derivada dessa LC). A Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, por sua vez, introduziu uma pequena alteração na al. g) do n.º 2 do art. 223.º da Constituição (cfr. o art. 28.º dessa LC). (174) A LOSJ limita-se (aliás, sem qualquer necessidade) a mencionar o Tribunal Constitucional como uma das categorias de tribunais (art. 29.º, n.º 1), a reproduzir a definição que dele é dada pelo art. 221.º da C.Rep. (art. 30.º, n.º 1) e a referir que «[a] composição, a competência, a organização e o funcionamento do Tribunal Constitucional resultam do previsto na Constituição e na lei» (art. 30.º, n.º 2). (175) Cfr. JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição (Coimbra, 2007), pág. 15. (176) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 548. (177) A respeito da autonomização do Tribunal Constitucional em face das outras categorias de tribunais e do seu significado, vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 548-549 e 613; e JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., págs. 23-28. 52
E com a separação da disciplina do Tribunal Constitucional da que se acha consagrada para o controlo da constitucionalidade (e de certas hipóteses de legalidade) pretende-se salientar que o Tribunal Constitucional não se limita a funcionar como «órgão superior da justiça constitucional» verdadeiramente
(embora
essa
seja
caracterizadora
da
a
sua
sua
função
jurisdição),
essencial
e
estando-lhe
igualmente cometidas outras tarefas, a que aludiremos adiante.
9. A composição do Tribunal Constitucional e o mandato dos respectivos juízes O Tribunal Constitucional é o único tribunal cuja composição se encontra estabelecida na própria Constituição(178). Nos termos do art. 222.º, n.º 1, ele é composto por treze juízes (que têm o título de conselheiro(179) e são, portanto, juízes-conselheiros), dos quais seis são obrigatoriamente juízes oriundos de outros tribunais, enquanto os restantes podem ser quaisquer juristas (n.º 2 desse artigo)(180). Não se exclui, portanto, a possibilidade de entre estes sete estarem também juízes de outras categorias de tribunais (embora, normalmente sejam Este ilustre constitucionalista (apesar de reconhecer que, do ponto de vista funcional, o Tribunal Constitucional integra «o conjunto dos tribunais, como ‘sistema’») sustenta que a Constituição, ao autonomizar o Tribunal Constitucional em face das restantes categorias de tribunais, «não o trata simplesmente como uma outra ordem de jurisdição (…), mas como um outro órgão de soberania, a par (ou para além) dos classicamente enunciados (o presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais – todos e cada um – em geral)». Parece-nos, contudo, que a enumeração dos órgãos de soberania contida no n.º 1 do art. 110.º da C.Rep. não consente que se atribua à autonomização do Tribunal Constitucional o alcance de fazer dele um órgão de soberania «para além» dos indicados nessa norma constitucional (constituindo, antes, um órgão de soberania como qualquer outro tribunal estadual, abrangido na qualificação genérica dos «tribunais» como tal). (178) No sentido de que, também por isso, o Tribunal Constitucional «não é (...) um tribunal igual aos outros», vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 617. (179) Cfr. art. 20.º, n.º 1, 1.ª parte, do EMJ («Os juízes do Supremo Tribunal de Justiça têm o título de conselheiro…»), aplicável por remissão do n.º 1 do art. 30.º da LOFPTConst. – «Os juízes do Tribunal Constitucional têm honras, direitos, categorias, tratamento, (…) iguais aos dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça». Sobre a provável origem da designação, vide, infra, nota(353). (180) Cfr., também, art. 12.º, n.º 1 (1.ª parte) e n.º 2, da LOFPTConst. 53
outros juristas – professores universitários, magistrados do Ministério Público, advogados)(181). De todo o modo, a Constituição não obriga a que o Tribunal Constitucional seja maioritariamente constituído por juízes provenientes de outros tribunais(182). Dos treze juízes que compõem o Tribunal Constitucional, dez são directamente designados pela Assembleia da República, enquanto os restantes três são cooptados pelos primeiros (art. 222.º, n.º 1, 2.ª parte, da C.Rep.)(183). A eleição daqueles exige uma maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos que se
Presentemente o Tribunal Constitucional é constituído por seis juízes provenientes de outros tribunais (mais concretamente, por seis juízes dos tribunais judiciais e por um dos tribunais administrativos e fiscais) e por sete outros juristas (todos eles docentes universitários, embora um deles fosse também advogado à data da sua eleição), como pode ver-se em www.tribunalconstitucional.pt. (182) A este respeito, vide JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 16; e J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 618 – onde os AA. afirmam não se exigir que os juízes dos restantes tribunais «sejam juízes dos tribunais superiores, nem que tenham um determinado tempo de exercício do cargo, nem sequer que sejam juristas (pois é possível haver tribunais em que os juízes não tenham de ser juristas). Apesar de o Tribunal de Contas ser um dos «restantes tribunais» (estaduais), além do Tribunal Constitucional, existentes em Portugal (art. 209.º da C.Rep.) e de nem todos os seus juízes serem juristas (art. 19.º, n.º 1, al.s b), c), d) e e), da LOPTContas), temos dúvidas quanto a esta última afimação de GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA. Segundo a letra do n.º 2 do art. 222.º da C.Rep., parece que qualquer juiz do Tribunal de Contas (pelo facto de o ser), mesmo que não seja jurista, pode ser eleito pela A.R. ou cooptado como juiz do Tribunal Constitucional. Simplesmente, os juízes daquele tribunal (recrutados para o efeito através de concurso curricular – art. 18.º da LOPTContas), quando não sejam juízes dos tribunais judiciais ou dos tribunais administrativos e fiscais (art. 19.º, n.º 1, al. a), da LOPTContas), não são juízes de carreira; e o que se pretende com a exigência de que (pelo menos) seis juízes do Tribunal Constitucional sejam «juízes dos restantes tribunais» é – como, aliás, reconhecem os citados AA. – assegurar que um número significativo dos juízes que o compõem tenha «a experiência e a postura específica dos juízes de carreira». Acresce que as competências do Tribunal Constitucional (em particular a de fiscalização da constitucionalidade e de certas formas de legalidade, que é a mais importante) parecem não ser compatíveis com o exercício das funções de juiz desse tribunal por quem não possua formação jurídica (ao contrário do que acontece no caso do Tribunal de Contas, devido às suas específicas competências). Idênticas razões valem, segundo cremos, para excluir a possibilidade de serem eleitos ou cooptados para o Tribunal Constitucional os juízes militares que (por força do disposto no art. 211.º, n.º 3, da C.Rep.) fazem parte da composição dos tribunais (judiciais) que julguem crimes de natureza estritamente militar, nos termos da lei (cfr. infra, n.os …..). (183) Cfr., também, o art. 12.º, n.º 1 (2.ª parte) da LOFPTConst. 54 (181)
encontrem em efectividade de funções (art. 163.º, al. h), da C.Rep. e art. 16.º, n.º 4 da LOFPTConst.)(184). O mandato dos juízes do Tribunal Constitucional tem a duração de nove anos e não é renovável (art. 222.º, n.º 3, da C.Rep. e art. 21.º, n.º 1 e n.º 2, da LOFPTConst.(185))(186). O Presidente e o Vice-Presidente do Tribunal Constitucional são eleitos pelos respectivos juízes e exercem funções durante um período igual a metade da duração do mandato de juiz do Tribunal Constitucional (ou seja, um período de quatro anos e meio), com possibilidade de recondução (art. 222.º, n.º 4, da C.Rep. e arts. 36.º, al. a), e 37.º, n.º 1, da LOFPTConst.).
10. Jurisdição, sede e funcionamento O Tribunal Constitucional «exerce a sua jurisdição no âmbito de toda a ordem jurídica» e a sua sede é em Lisboa (art. 1.º da LOFPTConst.). Quanto às matérias compreendidas na sua jurisdição, o art. 221.º da Constituição qualifica-as como «de natureza jurídico-constitucional». Sobre o modo como se opera a escolha dos juízes do Tribunal Constitucional e a sua razão de ser, vide, por todos, JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., págs. 17-18. (185) A Constitucional n.º 1/82, que (como vimos) criou o Tribunal Constitucional, fixou a duração do mandato em seis anos (art. 284.º, n.º 3, da C.Rep.) – o que foi igualmente estabelecido na LOFPTConst. (art. 21.º, n.º 1) – e não consagrou a impossibilidade de renovação; com a revisão operada pela Lei Constitucional n.º 1/89 essa solução passou a constar do novo art. 224.º, n.º 3, da Constituição. Na revisão efectuada através da Lei Constitucional n.º 1/97, como dissemos, esse artigo passou a ser o art. 222.º e o seu n.º 3 foi alterado, estabelecendo a actual duração do mandato, assim como o seu carácter não renovável (o que determinou as correspondentes alterações no art. 21.º da LOFPTConst. (186) Como dissemos (supra, n.º 6.1.), isso corresponde a uma exigência da garantia de independência dos juízes, quando sejam nomeados temporariamente. Neste sentido, com referência aos juízes do Tribunal Constitucional, vide JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., págs. 19-20 – onde o A. refere o modo como se obviou à recomposição integral do tribunal de nove em nove anos. Saliente-se que a referida impossibilidade de renovação «deve ter-se por definitiva, e não apenas para os mandatos seguintes». Cfr. JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, tomo III, cit., pág. 254. 55 (184)
Trata-se, por conseguinte, daquelas que envolvam a interpretação e aplicação das normas constitucionais, fazendo destas «o núcleo essencial de uma questão jurídica»(187). Sucede, porém, que o Tribunal Constitucional também possui competência
em
matérias
que
não
se
reconduzem
ao
núcleo
caracterizador da sua jurisdição, a que alude o art. 223.º, n.º 1, da Constituição (assim como o art. 6.º da LOFPTConst.) – ou seja, à apreciação da inconstitucionalidade e de certas formas de ilegalidade (o «controlo normativo»(188))(189). Em virtude disso, a definição que dele é fornecida no art. 221.º não é inteiramente rigorosa(190). O Tribunal Constitucional funciona em sessões plenárias e por secções (art. 40.º, n.º 1, da LOFPTConst.). Estas são três (não especializadas(191))(192); cada uma delas é constituída pelo Presidente ou Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 614. (188) Cfr. JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 29 e 31. (189) As outras competências do Tribunal Constitucional estão mencionadas, nomeadamente, no art. 223.º, n.º 2, da C.Rep. e nos arts. 7.º a 11.º-A da LOFPTConst. Sobre as que têm natureza jurisdicional, vide, infra, n.º 12. (190) No sentido de que tal definição do Tribunal Constitucional é «algo incongruente», precisamente, por se ter «limitado a apelar para a sua específica função de órgão da justiça constitucional» (o que constitui a sua «tarefa principal», mas «está longe de dar conta da função constitucional do Tribunal»), vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 613-614. (191) Significa isso que não há uma repartição material de competências entre as secções, pelo que a competência não reservada ao plenário pode ser exercida por qualquer delas. Cfr. JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 61. (192) Em secção, o Tribunal Constitucional conhece dos recursos e das reclamações em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade ou da legalidade (arts. 70.º, n.º 1, 76.º, n.º 4, 77.º, n.º 1, e 78.º-A, n.os 3 a 5, da LOFPTConst.) – excepto se o Presidente, com a concordância do tribunal, determinar que o julgamento se faça com intervenção do plenário, «quando o considere necessário para evitar divergências jurisprudenciais ou quando tal se justifique em razão da natureza da questão a decidir» (art. 79.º-A, n.º 1) –, verifica a regularidade dos processos de candidatura à eleição do Presidente da República (art. 93.º), exerce as competências indicadas no n.º 2 do art. 103.º, decide as impugnações previstas no art.º 103.º-C (cfr. o n.º 6 deste artigo) e 103.º-D (cfr. o n.º 3 desse artigo, que remete para o anterior) e as medidas cautelares que delas sejam preliminar ou incidente (art. 103.º-E, n.º 2). As restantes decisões são proferidas pelo plenário (arts. 59.º, n.º 1, 65.º, n.º 2, 67.º, 79.º-D, n.º 1, 87.º, n.º 2, 88.º, n.º 2, 89.º, n.º 3, 90.º, n.º 2, 91.º, n.º 2, 91.º-A, n.º 4, 94.º, n.º 1, 56 (187)
pelo Vice-Presidente do tribunal e por mais quatro juízes (art. 41.º, n.º 1, da LOFPTConst.), de acordo com a distribuição feita pelo tribunal no início de cada ano judicial (art. 41.º, n.º 1, da LOFPTConst.). Tanto em plenário como em secção, o Tribunal Constitucional só pode funcionar se estiver presente a maioria dos respectivos membros em efectividade de funções, incluindo o Presidente ou o Vice-Presidente (art. 42.º, n.º 1, da LOFPTConst.)(193); por isso, se todos os juízes se encontrarem em efectividade de funções, o quórum de funcionamento do plenário é de sete membros, enquanto o de cada uma das secções é de três.
11. A competência fundamental do Tribunal Constitucional Embora disponha, como vimos, de outras competências, o Tribunal
Constitucional
tem
como
«competência
característica
e
nuclear»(194) a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade (ainda que apenas de certas formas desta) das normas jurídicas que constituem a ordem jurídica portuguesa, em geral, de certas normas jurídicas ou de omissões normativas(195); o Tribunal Constitucional é, pois, essencialmente, «um órgão jurisdicional de controlo normativo»(196). 97.º, n.os 3 e 4, 98.º, n.º 2, 101.º, n.º 1, 102.º, n.º 1, 102.º-A, n.º 2, 102.º-B, n.º 5, 102.º-C, n.º 4, 102.º-D, n.º 4, 103.º, n.º 3,103.º-A, n.º 3, 103.º-C, n.º 8, 107.º, n.º 2, 109.º, n.º 2, e 112.º, n.º 2, da LOFPTConst.). 193 Nas férias dos juízes (entre 15 de Agosto e 14 de Setembro) deve ficar assegurada a permanente existência do quórum de funcionamento do plenário e de cada uma das secções do Tribunal (art. 43.º, n.º 6 da LOFPTConst.). (194) Cfr. JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 29. (195) Sobre o conceito «funcional» de norma jurídica, adoptado pelo próprio Tribunal Constitucional com vista à delimitação do seu poder de fiscalização, vide JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., págs. 34-35; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., 932-934; e J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 898-899 e 902-903. (196) Cfr. JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 29. Saliente-se, no entanto, que o Tribunal Constitucional não é o único órgão da justiça constitucional, pois a Constituição reconhece a todos os tribunais competência para a fiscalização concreta da constitucionalidade de normas (arts. 204.º e 280.º da C.Rep.); tal fiscalização caracteriza-se por ser um controlo difuso, incidental, oficioso e concreto dos actos normativos. Neste sentido, vide. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito 57
Essa competência do Tribunal Constitucional abrange: A fiscalização preventiva da constitucionalidade (art. 278.º, n.os 1 e 2 da C.Rep.); A fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade ou da legalidade (art. 281.º da C.Rep.); A fiscalização concreta da constitucionalidade ou da legalidade (art. 280.º da C.Rep.); A verificação da existência de alguma inconstitucionalidade por omissão das «medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais» (art. 283.º C.Rep.)(197)(198).
A fiscalização preventiva tem lugar após a aprovação do diploma legal (lei da Assembleia da República, decreto-lei do Governo ou decreto legislativo regional – art. 112, n.º 1, da C.Rep.), mas antes da sua promulgação pelo Presidente da República, ou após a aprovação de tratado ou acordo internacional, mas antes da sua ratificação ou assinatura pelo Presidente da República, respectivamente; a fiscalização sucessiva abstracta versa sobre normas contidas em diplomas cujo processo de formação se encontre concluído, ou seja, que já estejam publicados (art. 119.º da C.Rep.), ainda que não tenham entrado em Constitucional, cit., pág. 917, 928 e 982-983; J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 519-521 e 940; e JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 40. (197) Saliente-se que, nos termos da Constituição, só a omissão de actos legislativos pode ser objecto de apreciação da inconstitucionalidade, e não a de outros actos (como, por ex., os regulamentos). Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., págs. 985-987. (198) Recorde-se que, segundo a classificação tradicional, a inconstitucionalidade por acção pode ser material, formal e orgânica (referindo-se esta à competência do órgão). Neste sentido, vide JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 36; e J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 910. Alguns AA., porém, não autonomizam a inconstitucionalidade resultante de um vício quanto ao órgão competente e acrescentam uma nova modalidade (autonomizada mais recentemente pela doutrina): a da inconstitucionalidade originada por «vícios procedimentais». Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., págs. 959960. 58
vigor, e não depende da existência de um litígio concreto submetido a qualquer
outro
tribunal(199);
e
a
apreciação
da
ocorrência
de
inconstitucionalidades por omissão pressupõe a falta de legislação num domínio em que a Constituição imponha um especial dever de a emitir(200). Dessas modalidades de controlo normativo não iremos tratar aqui(201),
por
se
tratar
de
matéria
do
âmbito
do
Direito
Constitucional(202) e não haver qualquer intervenção nesses domínios das restantes categorias de tribunais. Limitar-nos-emos, por isso, a tratar de alguns aspectos da fiscalização concreta.
11.1.
A intervenção do Tribunal Constitucional na fiscalização concreta da constitucionalidade ou da legalidade
A fiscalização concreta da constitucionalidade (ou da legalidade) cabe a todos os tribunais, que a efectuam de forma incidental, nas acções
submetidas
à
sua
apreciação,
relativamente
às
normas
relevantes para a decisão do caso concreto «sub iudice», na medida em que não podem «aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados» (art. 204.º da C.Rep.) e, estando «sujeitos à lei» (art. 203.º, 2.ª parte, da C.Rep.), como vimos, também não podem aplicar normas ilegais. Se um tribunal for Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 964-965. (200) Neste sentido, vide JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., págs. 44-45. (201) Relativamente à fiscalização sucessiva abstracta, ainda aludiremos, no entanto, à hipótese de a mesma ter lugar na sequência do julgamento da inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma em três casos concretos. Cfr. infra, n.º 11.3. (202) A respeito das formas de fiscalização ou verificação mencionadas em texto, e da sua caracterização geral, vide JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., págs. 31-33, 39-40 e 43-45; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., págs. 917-919, 981-983, 1004-1005, 1025-1026, 10331035 e 1039-1040; e J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 519-520, 885-888, 898, 904, 923, 939-941, 963-965 e 985-987. 59 (199)
confrontado pelas partes com a questão da inconstitucionalidade (ou ilegalidade)
de
determinada
norma
e
concluir
pela
sua
inconstitucionalidade (ou ilegalidade), ou se conhecer «ex officio» da mesma, limitar-se-á a não a aplicar ao caso concreto que lhe compete julgar; se entender que ela não viola a Constituição ou os princípios nela consagrados (ou a lei), então aplicá-la-á na resolução desse caso(203). Em qualquer das referidas hipóteses, a decisão tomada quanto à questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade (e o mesmo vale para a da legalidade ou ilegalidade) da norma em causa não tem carácter
definitivo:
pode
haver
(e,
em
alguns
casos,
há
obrigatoriamente) recurso de constitucionalidade (ou de legalidade) para o
Tribunal
Constitucional.
Em
regra(204),
este
apenas
intervém,
portanto, mediante recurso interposto de decisões proferidas por outros tribunais (art. 280.º, n.º 1, da C.Rep. e art. 70.º, n.os 1 e 2, da LOFPTConst.) – «maxime», dos tribunais judiciais e dos tribunais administrativos
e
fiscais
–,
sobre
a
questão
incidental
de
inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) surgida no decurso de uma acção; não existe, com efeito, a possibilidade de submeter directamente ao Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade (ou da ilegalidade) de normas(205). Nos termos do disposto nas normas que acabámos de referir, as decisões dos restantes tribunais de que cabe recurso para o Tribunal Constitucional (restrito à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade – art. 280.º, n.º 6, da C.Rep. e art. 71.º, n.º 1, da
(203) Sobre a caracterização do controlo realizado em sede de fiscalização concreta (como difuso, incidental, oficioso e concreto), vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 940. (204) Só não é assim quando o Tribunal Constitucional tem funções jurisdicionais directas, como sucede, por ex., no contencioso eleitoral (cfr. infra, n.º 12.). Neste sentido, vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 940. (205) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 940 e 944-945. 60
LOFPTConst., salvo o disposto no n.º 2 deste artigo(206)) são as seguintes: As
que
recusem a
aplicação
de
qualquer
norma
com
fundamento na sua inconstitucionalidade (art. 280.º, n.º 1, al. a), da C.Rep. e art. 70.º, n.º 1, al. a), da LOFPTConst.)(207); As que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (art. 280.º, n.º 1, al. b), da C.Rep. e art. 70.º, n.º 1, al. b), da LOFPTConst.); As que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado (art. 280.º, n.º 2, al. a), da C.Rep. e art. 70.º, n.º 1, al. c), da LOFPTConst.)(208)-(209); Do que se trata é, unicamente, de saber se uma determinada norma aplicável ao caso concreto, submetido à decisão de qualquer outro tribunal, é ou não inconstitucional (ou ilegal); e, por conseguinte, não compete ao Tribunal Constitucional reapreciar a decisão judicial no seu todo, mas somente a parte da mesma em que a aplicação de uma norma foi recusada com base na sua inconstitucionalidade (ou ilegalidade) ou foi aplicada (como «ratio decidendi») uma norma pretensamente inconstitucional (ou ilegal). Ficam, pois, excluídos dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional (apesar de frequentemente invocados) eventuais erros de apreciação da matéria de facto relevante para a decisão (e dada como assente pelas instâncias) ou das provas, bem como os alegados erros de julgamento. A este respeito, vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 942; e JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 80. (207) Quando a norma cuja aplicação tenha sido recusada constar de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar, o recurso destas decisões é obrigatório para o Ministério Público (art. 280.º, n.º 3, da C.Rep. e art. 72.º, n.º 3, 1.ª parte, da LOFPTConst.). O recurso obrigatório destina-se a possibilitar a uniformização de jurisprudência e a devolver ao tribunal Constitucional a última palavra sobre a questão. Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 943. (208) São leis com valor reforçado: as leis orgânicas, as leis para cuja aprovação seja exigida maioria de dois terços e as leis que (nos termos da Constituição) sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que devam ser respeitadas por outras leis (art. 112.º, n.º 3, da C.Rep.). Assumem a forma de lei orgânica os actos legislativos que versem sobre as matérias (incluídas na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República) previstas nas alíneas a) a f), h), j), primeira parte da l), q) e t) do art. 164.º e no artigo 255.º da C.Rep. (cfr. o art. 166.º, n.º 2). A sua formação está sujeita a um processo legislativo mais exigente do que o previsto para as outras leis, pois (além de terem de ser, quase todas, «votadas pelo Plenário na especialidade» – art. 168.º, n.º 4, da C.Rep.) «carecem de aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções», devendo as disposições respeitantes à 61 (206)
As que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma (art. 280.º, n.º 2, al. b), da C.Rep. e art. 70.º, n.º 1, al. d), da LOFPTConst.(210)); delimitação territorial das regiões administrativas, previstas no art. 255.º, «ser aprovadas, na especialidade, em Plenário, por idêntica maioria» (art. 168.º, n.º 5, da C.Rep.). A «aprovação por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções» é exigida para as leis ou normas referidas nas diversas alíneas do n.º 6 do art. 168.º da Constituição. Constituem «pressuposto normativo necessário de outras leis» (art. 112.º, n.º 3, da C.Rep.) as leis de autorização legislativa (arts. 165.º, n.os 1 e 2, 161.º, al. d), e 166.º, n.º 3, da C.Rep.) e as leis de bases (al. i) do 164.º, als. f), g), n), t), u) e z) do n.º 1 do art. 165.º, 161.º, al. c), e 166.º, n.º 3, da C.Rep.); e devem «ser respeitadas por outras leis» (art. 112.º, n.º 3, «in fine», da C.Rep.), nomeadamente, as leis que aprovam os estatutos político-administrativos das regiões autónomas (art. 161.º, al. b), 166.º, n.º 3, 226.º, 280.º, n.º 2, als. b), c) e d), e 281.º, n.º 1, als. c) e d), da C.Rep.). Sobre as leis com valor reforçado e a sua caracterização, vide J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., págs. 781-785; e J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 56-63, 65, 289-290, 325-327, 343, 358-359 e 646-649. (209) Também se aplica neste caso o que referimos supra, nota(207). (210) Esta alínea continua a incluir, também, a violação de «lei geral da república». Todavia, na 6.ª revisão constitucional, efectuada através da Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho (art. 40.º), foi eliminada a expressão final da al. b) do n.º 2 do artigo 280.º da Constituição que aludia a essa violação («ou de lei geral da República»), em virtude de essa lei constitucional ter modificado de forma substancial «o regime jurídico constitucional do poder legislativo das regiões autónomas» (cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 660-661), alargando tal poder (cfr., por ex., os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 246/2005, de 10 de Maio, n.º 258/2006, de 18 de Abril, n.º 258/2007, de 17 de Abril, e n.º 185/2009, de 21 de Abril), com a alteração introduzida por essa lei constitucional no art. 227.º, n.º 1, al. a), da C.Rep. – segundo a redacção anterior podiam «legislar, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões» e que não estivessem «reservadas à competência própria dos órgãos de soberania»; com a revisão constitucional de 2004 passaram a poder «legislar no âmbito regional em matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania» (desaparecendo, assim, os limites decorrentes do «interesse específico regional« e da observância dos «princípios das leis gerais da república») –, e de ter sido eliminada a categoria das «leis gerais da república» (cfr. o art. 112.º, n.º 5, da C.Rep., na redacção anterior à introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/2004). O decreto legislativo regional (art. 112.º, n.os 1 e 4) que, porventura, viole os limites impostos ao poder legislativo das regiões autónomas na al. a) do n.º 1 do art. 227.º da C.Rep. enferma de inconstitucionalidade (cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 660). Em face do exposto, está fora de dúvida que a al. d) do n.º 1 do art. 70.º da LOFPTConst. apenas conserva (na parte final) a referência à violação de «lei geral da república» por falta de cuidado na adequação da mesma à versão do texto constitucional resultante da revisão nele operada em 2004; essa referência carece de objecto, por ter deixado de haver «leis gerais da república» (cfr. JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., nota(39)). 62
As que recusem a aplicação de norma constante de diploma emanado de um órgão de soberania com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma (art. 280.º, n.º 2, al. c), da C.Rep. e art. 70.º, n.º 1, al. e), da LOFPTConst.); As que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 280.º da C.Rep. (art. 280.º, n.º 2, al. d), da C.Rep. e art. 70.º, n.º 1, al. f), da LOFPTConst. – reportando-se esta alínea às als. c), d) e e) do mesmo número desse artigo); As
que
apliquem
norma
que
já
tenha
sido
julgada
inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional (art. 280.º, n.º 5, da C.Rep. e art. 70.º, n.º 1, al. g), da LOFPTConst.)(211); As
que
apliquem
norma
que
já
tenha
sido
julgada
inconstitucional pela Comissão Constitucional – que existiu, na vigência da Constituição de 1976, até à criação do Tribunal Constitucional (art. 70.º, n.º 1, al. h), da LOFPTConst.)(212); As que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional (art. 70.º, n.º 1, al. i), da LOFPTConst.)(213).
O recurso destas decisões é, igualmente, obrigatório para o Ministério Público (art. 280.º, n.º 5, da C.Rep. e art. 72.º, n.º 3, 2.ª parte, da LOFPTConst.). (212) Também neste caso vale o que referimos na nota anterior, embora apenas por força do disposto no mencionado artigo da LOFPTConst. (213) Ainda nesta hipótese, tem aplicação o que dissemos na nota (207) (cfr. o art. 72.º, n.º 3, 2.ª parte, da LOFPTConst., salvo o disposto no n.º 4). 63 (211)
11.2. Espécies de recursos e respectivos requisitos Atendendo ao sentido da decisão proferida pelo tribunal que, incidentalmente, se ocupou da questão da constitucionalidade (ou legalidade) de normas aplicáveis ao caso concreto submetido a julgamento, podemos considerar duas espécies de recursos: os relativos a decisões positivas de inconstitucionalidade (ou ilegalidade); e os respeitantes
a
decisões
negativas
de
inconstitucionalidade
(ou
ilegalidade). Os primeiros são interpostos de decisões de outros tribunais que tenham recusado a aplicação de uma norma, por a considerarem inconstitucional (ou ilegal), ou seja, de decisões que deram uma resposta afirmativa (positiva) à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma, discutida no processo (acolhendo a tese da inconstitucionalidade
ou
ilegalidade).
Os
segundos
são,
fundamentalmente(214), os interpostos de decisões que aplicaram uma norma
apesar
de
ter
sido
suscitada
a
questão
da
sua
inconstitucionalidade (ou ilegalidade) no processo (rejeitando a tese da inconstitucionalidade ou ilegalidade)(215). Assim,
são
recursos
de
decisões
positivas
de
inconstitucionalidade ou de ilegalidade os referidos no art. 280.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, als. a), b) e c), da C.Rep. (e no art. 70.º, n.º 1, als. a), c), d), e) e i) da LOFPTConst.); e são recursos de decisões negativas os mencionados no art. 280.º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. d), e n.º 5 da C.Rep. (e no art. 70.º, n.º 1, als. b), f), g) e h) da LOFPTConst.). Quanto aos recursos de decisões de não aplicação (ou de desaplicação)
alguma
norma
com
fundamento
na
sua
inconstitucionalidade ou ilegalidade (decisões positivas), importa referir, São igualmente decisões negativas de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) as que tenham aplicado uma norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional. Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 943, 950 e 952. (215) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 943, 946-949 e 952. 64 (214)
antes de mais, que (ao contrário do que sucede em relação às decisões negativas) não se exige a prévia exaustão dos recursos ordinários que delas caibam, podendo recorrer-se logo que se verifique a não aplicação da norma, com qualquer dos referidos fundamentos(216). Tais recursos podem ser interpostos pelo Ministério Público(217) ou por quem tenha legitimidade para o efeito, de acordo com a lei processual que regula o processo em que foram proferidas (art. 72.º, n.º 1, da LOFPTConst.)(218). Relativamente aos recursos de decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido alegada durante o processo (decisões negativas), merecem destaque os pressupostos a que estão sujeitos os previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do art. 70.º da LOFPTConst. (art. 280.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. d), da C.Rep.)(219): por um lado, é preciso que a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade tenha sido «suscitada durante o processo de modo (216) A exigência de que a decisão recorrida não admita recurso ordinário está formulada unicamente como pressuposto processual específico dos recursos interpostos de decisões de aplicação de normas cuja inconstitucionalidade (ou ilegalidade) tenha sido posta em causa, sem êxito, no processo. No sentido de que, no caso das decisões positivas, basta a não aplicação da norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade (ou ilegalidade), para que seja admissível a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, vide J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., pág. 995; J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., pág. 944; e JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 75. (217) O recurso é obrigatório para o Ministério Público nos casos previstos no n.º 3 do art. 72.º da LOFPTConst. (218) A interposição do recurso é feita no tribunal que proferiu a decisão, por meio de requerimento em que se identifique a alínea do n.º 1 do art. 70.º da LOFPTConst. ao abrigo da qual a mesma é efectuada, assim como a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional (arts. 75.º-A, n.º 1, e 76.º, n.º 1, da LOFPTConst. e art. 637.º do C.P.Civil – art. 684.º-B do C.P.Civil de 1961 –, aplicável «ex vi» do art. 69.º daquela lei), ou seja, aquela que o tribunal considerou inconstitucional ou ilegal. Se o requerente não indicar algum desses elementos, o juiz deve convidá-lo a fazer tal indicação, no prazo de dez dias; mas pode admitir o recurso sem fazer o convite (até porque a decisão que admita o recurso só pode ser impugnada pelas partes nas suas alegações – art. 76.º, n.º 3, da LOFPTConst.), competindo, nesse caso, ao relator do processo no Tribunal Constitucional formular tal convite, sendo o recurso julgado deserto na falta de resposta ao mesmo (art. 75.º-A, n.os 5 a 7). (219) Como resulta da circunstância de o n.º 2 do art. 70.º se referir somente a esses recursos, os requisitos específicos a seguir mencionados em texto não valem para as hipóteses particulares das alíneas g), h) e i), 2.ª parte, do n.º 1 do art. 70.º da LOFPTConst. 65
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (arts. 70.º, n.º 1, als. b) e f), e 72.º, n.º 2, da LOFPTConst.); e, por outro lado, apenas podem ser interpostos de «decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam» (art. 70.º, n.º 2, da LOFPTConst.(220))(221). Em virtude do que acaba de ser referido, não é possível, por exemplo, interpor recurso de inconstitucionalidade ou de ilegalidade para o Tribunal Constitucional de uma decisão do tribunal de 1.ª instância que tenha aplicado uma norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade haja sido suscitada nesse tribunal, se a decisão admitir recurso (de apelação) para o tribunal da Relação, ou de uma decisão deste tribunal que aplique norma arguida de inconstitucionalidade ou ilegalidade, se ela for susceptível de recurso (de revista) para o Supremo Tribunal de Justiça. A legitimidade para recorrer cabe somente à «parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade», nos (220) Essa norma, que (como dizemos em texto) se reporta aos recursos ordinários, ressalva («in fine») os recursos «destinados a uniformização de jurisprudência». Sucede, porém, que só o CPTA qualifica o «recurso para uniformização de jurisprudência» como recurso ordinário (cfr. o art. 152.º, integrado no Capítulo II do Título VII, dedicado aos «recursos ordinários»), enquanto o art. 627.º, n.º 2, do C.P.Civil – art. 676.º, n.º 2, do C.P.Civil de 1961 – considera tal recurso (disciplinado nos arts. 688.º e segs. do C.P.Civil – arts. 763.º e segs. do C.P.Civil de 1961) como extraordinário, sendo também essa a qualificação atribuída ao recurso para «fixação de jurisprudência» no C.P.Penal (Título II do Livro IX). O n.º 4 desse artigo refere as hipóteses em que os recursos ordinários se consideram esgotados, para efeito do disposto no n.º 2. Nos termos do n.º 5, «[n]ão é admitido recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respectiva lei processual». Mas constitui jurisprudência «constante e reiterada» do Tribunal Constitucional que essa norma também se aplica ao «recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça», previsto no art. 446.º do C.P.Penal, apesar de ser aí qualificado como recurso extraordinário (Título II do Livro IX), em virtude de a razão que justifica o regime previsto nessa norma – a de se recorrer para o Tribunal Constitucional somente da decisão que constitua a última palavra na ordem dos tribunais que julgaram a causa – valer também para este recurso. Cfr., por ex., os Acórdãos do TC n. os 281/01, 282/01, 323/01, 334/01, 335/01, 93/02, 470/03 e 57/04, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). (221) Sobre os requisitos ou pressupostos processuais de que depende o incidente de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) nos tribunais, a fim de que possa, depois, ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional com qualquer desses fundamentos, vide J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, cit., págs. 983-989. 66
termos mencionados (art. 280.º, n.º 4, da C.Rep. e art. 70.º, n.º 2, da LOFPTConst.)(222).
11.3. Efeitos do julgamento de inconstitucionalidade ou de ilegalidade A Constituição não o diz expressamente, mas os efeitos da decisão
do
Tribunal
Constitucional
que
julgue
uma
norma
inconstitucional ou ilegal, em sede de fiscalização concreta, restringemse ao caso concreto, repercutindo-se apenas na decisão que havia sido proferida pelo tribunal «a quo». Isso resulta, nomeadamente, da contraposição entre essa forma de fiscalização e a fiscalização abstracta, em que a declaração da inconstitucionalidade ou da ilegalidade tem «força obrigatória geral» (art. 281.º, n.º 1, da C.Rep.) e da circunstância de só depois de uma norma ser julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos se seguir o processo destinado a declarar
a
sua
inconstitucionalidade
ou
ilegalidade
com
força
obrigatória geral (art. 281.º, n.º 3, da C.Rep. e art. 82.º da LOFPTConst.)(223).
12. Outras competências jurisdicionais do Tribunal Constitucional A
competência
materialmente
jurisdicional
do
Tribunal
Constitucional não se esgota no controlo da inconstitucionalidade ou de
(222) Do requerimento de interposição do recurso, além dos elementos referidos no n.º 1 do art. 75.º-A da LOFPTConst. (referidos supra, nota(172)) – sendo a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional aquela que foi arguida de inconstitucional ou ilegal sem que o tribunal acolhesse tal entendimento –, deve constar ainda «a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado» (não bastando, pois, a afirmação genérica de que a norma em causa viola a Constituição e os princípios nela consagrados), «bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade» (art. 75.º-A, n.º 2, da LOFPTConst.). (223) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 955-956. 67
certas formas de ilegalidade. Além dessa competência nuclear, tem outras competências jurisdicionais(224). A Constituição refere, directamente, as seguintes: A competência para o julgamento, «em última instância»(225), da regularidade e da validade dos actos no processo eleitoral (art. 223.º, n.º 2, al. c), da C.Rep.); A competência para julgar os recursos relativos à perda de mandato e às eleições realizadas na Assembleia da República e nas Assembleias Legislativas Regionais (art. 223.º, n.º 2, al. g), da C.Rep.); A competência para julgar as acções de impugnação de eleições e de deliberações de órgãos dos partidos políticos (art. 223.º, n.º 2, al. h), da C.Rep.). A primeira traduz a concentração no Tribunal Constitucional de «toda a competência para o contencioso eleitoral» (em sentido amplo), no que se refere a «eleições políticas»(226). Compreende, em especial: o julgamento dos recursos das decisões proferidas por esse mesmo tribunal (em secção) sobre a admissão ou não admissão das candidaturas apresentadas às eleições para o Presidente da República e para o Parlamento Europeu (ao abrigo do disposto nos arts. 8.º, als. a) e Sobre a distinção entre as competências «secundárias» do Tribunal Constitucional que têm natureza jurisdicional e as que não se revestem dessa natureza, e para uma análise completa das primeiras, vide, por todos, JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., págs. 46-60. (225) Apesar desta alusão, que parece pressupor uma intervenção anterior de outro tribunal, com possibilidade de recurso da decisão por ele proferida para o Tribunal Constitucional, a Constituição não impõe que assim seja, limitando-se a reservar a este tribunal a decisão definitiva sobre a regularidade e a validade dos actos do processo eleitoral (o que faz com que ele seja «o órgão supremo da justiça eleitoral e veículo dinamizador da concretização do princípio da jurisdicionalização do procedimento eleitoral»). As disposições legais que prevêem a interposição dos recursos destes actos, directamente, no Tribunal Constitucional não representam, por conseguinte, uma violação da Constituição. Neste sentido, vide J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, cit., págs. 624-625. (226) Cfr. JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 49 – onde este ilustre constitucionalista acrescenta que o Tribunal Constitucional «se perfila assim como um órgão jurisdicional específico também para essa matéria». 68 (224)
e), 93.º e 102.º-A, n.º 1, da LOFPTConst., e art. 9.º, n.º 1, da Lei n.º 14/87, de 29 de Abril(227))(228), que são interpostos para o plenário (arts. 8.º, als. d) e e), 94.º, n.º 1, e 102.º-A, n.º 1, da LOFPTConst., e art. 9.º, n.º 2, da citada Lei n.º 14/87); o julgamento dos recursos das decisões respeitantes
à
admissão
de
candidaturas
nas
eleições
para
a
Assembleia da República, para as Assembleias Legislativas das regiões autónomas(229) e para os orgãos das autarquias locais (arts. 8.º, al. d), e 101.º da LOFPTConst.)(230); o julgamento dos recursos das decisões tomadas quanto às reclamações e protestos apresentados durante a votação ou o apuramento dos votos, nas referidas eleições (arts. 8.º, als. c), d) e e), 98.º, n.º 2, 102.º, n.º 1, e 102.º-A, n.os 1 e 2, da LOFPTConst. e art. 13.º da citada Lei n.º 14/87)(231); e o julgamento dos «recursos Trata-se da Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu. Rectificada pela Declaração pub. in Supl. ao «Diário da República», I Série-A, n.º 104, de 7-5-1987, foi alterada pela Lei n.º 4/94, de 9 de Março, pela Lei Orgânica n.º 1/99, de 22 de Junho (art. 2.º), pela Lei Orgânica n.º 1/2005, de 5 de Janeiro, e pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de Novembro (art. 7.º). (228) No sentido de que, designadamente, no caso das decisões sobre a admissão das referidas candidaturas «não se trata ainda de uma actividade por sua natureza jurisdicional», vide JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional, cit., pág. 47. (229) Até à sexta revisão constitucional, aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/2004, de 24 de Julho, a designação era a de «assembleias legislativas regionais», que se encontra ainda nas normas da LOFPTConst. a seguir indicadas. Através dos arts. 27.º, 34.º, n.º 4, 35.º, n. os 1, 2, 3, 4 e 5, 35.º, n.º 5, 36.º, n. os 3, 4 e 5, e 37.º, n.º 3, da referida Lei Constitucional (que alteram, respectivamente, o n.º 7 do art. 178.º, o n.º 3 do art. 231.º, a epígrafe e os n. os 2, 3 e 4 do art. 232.º, os n.os 2, 3 e 4 do art. 233.º e o n.º 2 do art. 234.º da C.Rep.), procedeu-se à sua substituição pela utilizada em texto. A nova denominação foi igualmente adoptada no n.º 5 do art. 231.º e no n.º 3 do art. 234.º da C.Rep., aditados, respectivamente, pelo art. 34.º, n.º 6, e pelo art. 37.º, n.º 4, da citada Lei Constitucional. (230) Cfr., também, os arts. 32.º, n.º 1, da Lei Eleitoral da Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 Maio, com diversas alterações, a última das quais realizada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de Novembro), 33.º, n.º 1, da Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (Decreto-Lei 267/80, 8 Agosto, entretanto alterado por diversos diplomas legais, o último dos quais foi a Lei Orgânica n.º 2/2012, de 14 de junho), 35.º, n.º 1, da Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (Lei Orgânica n.º1/2006, de 13 de Fevereiro, alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2009, de 19 de Janeiro) e 31.º, n.º 1, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação nº 20-A/2001, pub. in «Diário da República», I Série-A, n.º 237, de 12-10-2001, e alterada pelas Leis Orgânicas nº 5-A/2001, de 26 de Novembro, n.º 3/2005, de 29 de Agosto, n.º 3/2010, de 15 de Dezembro, e n.º 1/2011, de 30 de Novembro). (231) Cfr., também, os arts. 115.º, n.º 1, da Lei Eleitoral do Presidente da República, 118.º, n.º 1, da Lei Eleitoral da Assembleia da República, 121.º, n.º 1, da Lei Eleitoral 69 (227)
contenciosos»
interpostos
de
actos
administrativos
«definitivos
e
executórios» praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos da administração eleitoral (arts. 8.º, al. f), e 102.º-B da LOFPTConst.(232)). A segunda abrange, por um lado, o julgamento dos recursos respeitantes à perda de mandato de deputado à Assembleia da República (arts. 7.º-A e 91.º-A da LOFPTConst.)(233) ou de deputado a uma das Assembleias Legislativas das regiões autónomas (arts. 7.º-A e 91.º-B da LOFPTConst.), interpostos das deliberações do plenário
da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, 125.º, n.º 1, da Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e 158.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. (232) Saliente-se que a terminologia utilizada nestas normas se encontra desactualizada. Com efeito, a Constituição, na versão do n.º 4 do art. 268.º resultante da revisão operada pela Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, deixou de exigir a definitividade e a executoriedade dos actos administrativos susceptíveis de serem objecto de «recurso contencioso» (que antes constava do n.º 3 desse artigo), passando a admitir tal recurso relativamente a todos os «actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos»; e com a nova redacção dada à referida norma pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro (que se mantém), deixou de aludir ao tradicional «recurso contencioso» e passou a incluir a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos nos meios destinados a garantir a tutela jurisdicional efectiva dos mesmos. (233) As causas de perda de mandato de deputado à Assembleia da República são as mencionadas no art. 160.º da C.Rep., no art. 8.º do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março, com sucessivas alterações), no art. 3.º do Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, de 20 de Agosto (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 96-A/2007, pub. in «Diário da República», 1.ª Série, n.º 202, de 19-102007), com as alterações introduzidas pelo Regimento n.º 1/2010, de 14 de Outubro, e no art. 29.º, al. b), da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (entretanto alterada), que prevê e pune os crimes da responsabilidade que titulares de cargos políticos; as que determinam a perda de mandato de deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores são as previstas no art. 33.º, n.º 2, do respectivo Estatuto Político-Administrativo (aprovado pela Lei n.º 39/80, de 5 de Agosto, e alterado pelas Leis n.os 9/87, de 26 de Março, 61/98, de 27 de Agosto, e 2/2009, de 12 de Janeiro) e no art. 29.º, al. d), da referida Lei n.º 34/87; e as que originam a perda de mandato de deputado à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira são as estabelecidas no art. 31.º, n.º 1, do respectivo Estatuto Político-Administrativo (aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de Junho, e alterado pelas Leis n. os 130/99, de 21 de Agosto, e 12/2000, de 21 de Junho) e no art. 29.º, al. d), da citada Lei n.º 34/87. Saliente-se, contudo, que a perda de mandato de que se pode recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. g), do n.º 2 do art. 223.º da C.Rep. e nos arts. 7.º-A, 91.º-A e 91.º-B da LOFPTConst., é somente a confirmada ou declarada pelo plenário da respectiva assembleia, como dizemos em texto (e não, também, a decorrente da condenação definitiva pela prática de algum dos mencionados crimes). 70
desses órgãos que confirmem a declaração de perda do mandato, determinada pela Mesa, ou a declarem (arts. 3.º, n.os 3 e 8, e 4.º, n.º 2, al. p), do Regimento da Assembleia da República, art. 10.º, n.os 2 e 7, do Regimento
da
Assembleia
Legislativa
da
Região
Autónoma
dos
Açores(234) e arts. 5.º, n.os 1 e 6, e 8.º, n.º 1, al. m), do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira(235)), e, por outro, o julgamento dos recursos relativos às eleições realizadas em qualquer dessas assembleias (arts. 8.º, al. g), e 91.º-B e 102.º-D da LOFPTConst. e art. 8.º, n.º 1, al. n), do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira).
E a terceira compreende o julgamento das acções de impugnação de eleições de titulares dos órgãos dos partidos políticos (arts. 9.º, al. d), e 103.º-C da LOFPTConst.) – mediante recurso interposto das decisões definitivas proferidas pelo órgão de jurisdição do partido, perante o qual têm de ser previamente impugnados os actos do procedimento eleitoral (art. 34.º, n.os 2 e 3, da Lei dos Partidos Políticos(236)) – e o das deliberações tomadas por tais órgãos (arts. 9.º, al. d), e 103.º-D da LOFPTConst.) – também por via de recurso das decisões proferidas pelo competente órgão de jurisdição (perante o qual as deliberações são impugnáveis com fundamento na infracção de normas estatutárias ou legais), a interpor pelo filiado lesado ou por qualquer outro órgão partidário (art. 30.º, n.os 1 e 2, da citada Lei dos Partidos Políticos)(237).
(234) Aprovado pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores n.º 15/2003/A, de 26 de Novembro, com sucessivas alterações, a última das quais efectuada através da Resolução n.º 3/2009/A, de 14 de Janeiro. (235) Aprovado pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 1/2000/M, de 12 de Janeiro, com sucessivas alterações (a última das quais introduzida pela Resolução n.º 5/2012/M, de 17 de janeiro, que republica em anexo a versão actualizada desse Regimento). (236) Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto, alterada pela Lei Orgânica n.º 2/2008, de 14 de Maio (republicada e renumerada em anexo a esta – cfr. o art. 3.º). (237) Como preliminar ou incidente de qualquer dessas acções, os interessados podem requerer a suspensão de eficácia das eleições ou das deliberações impugnáveis ou já impugnadas, nos termos do disposto no art. 103.º-E da LOFPTConst. 71
13. Representação do Ministério Público Nos termos do disposto no art. 44.º da LOFPTConst.(238), a representação do Ministério Público no Tribunal Constitucional cabe ao Procurador-Geral da República, que, no entanto, pode delegar as suas funções no Vice-Procurador-Geral ou em um ou mais procuradoresgerais-adjuntos(239). Dada a manifesta impossibilidade de o ProcuradorGeral da República representar pessoalmente o Ministério Público neste Tribunal (assim como no Tribunal de Contas, no Supremo Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Administrativo(240)), em virtude das extensas competências que lhe estão atribuídas, tal representação é assegurada por procuradores-gerais-adjuntos (que presentemente são dois(241)), os quais substituem o Procurador-Geral da República (art. 13.º, n.º 2, do EMP) e, por isso, não estão hierarquicamente subordinados a este(242).
Cfr., também, os arts. 4.º, n.º 1, al. a), e 12.º, n.º 1, al. b), do EMP. Como estatui o n.º 1 do art. 125.º do EMP, os lugares de procurador-geraladjunto nesse tribunal (assim como no Tribunal de Contas, no Supremo Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Administrativo) são providos não apenas de entre procuradores-gerais-adjuntos, mas também, «por promoção, de entre procuradores da República com a classificação de Muito Bom». Saliente-se, ainda, que – não obstante o art. 44.º da LOFPTConst. aludir a um poder de «delegação de funções» pelo Procurador-Geral da República – a nomeação dos procuradores-gerais-adjuntos para esse tribunal (e para os outros acima referidos) não é feita pelo próprio PGR, embora lhe caiba apresentar a respectiva proposta, mas pelo Conselho Superior do Ministério Público, que pode vetar até dois nomes para cada vaga (arts. 27.º, al. a), e 125.º, n.º 2, do EMP). (240) Cfr. infra, n.os 17., 25.5. e 34.4. (241) A Portaria n.º 265/99, de 12 de Abril, fixa em trinta o número de procuradores-gerais-adjuntos que constituem o quadro de magistrados incumbidos de substituir e coadjuvar o Procurador-Geral da República no Tribunal Constitucional, no Tribunal de Contas, no Supremo Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Administrativo, de acordo com o disposto nos arts. 13.º, n.º 2, e 4.º, n.º 1, al. c), do EMP. Dois deles substituem o Procurador-Geral da República no Tribunal Constitucional (como pode ver-se em www.tribunalconstitucional.pt). (242) A LOSJ estabelece que, no Tribunal Constitucional, o Ministério Público é representado «pelo Procurador-Geral da República e por procuradores-geraisadjuntos» (art. 10.º, n.º 1, al. a)). 72 (238) (239)
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