Este livro relata historicamente como foi construído o termo "gênero" e o seu nascedouro principal, o feminism...
OLIVIER BONNEWIJN
GENDER, QUEM ÉS TU? Sobre a Ideologia de Gênero
Tradução de Teresa Dias Carneiro Prefácio e posfácio de Pe. Rafael C. Fornasier
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SUMÁRIO
Capa Folha de Rosto Prefácio Introdução Capítulo I - O feminismo radical, terra natal da Gender Theory 1. Feminismo liberal e feminismo socialista 2. Feminismo marxista 3. Feminismos e liberação sexual 4. Feminismo radical Capítulo II - O axioma fundamental da Gender Theory 1. Distinção entre sexo e gender a) Sexo
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b) Gender 2. Separação entre sexo e gender 3. Multiplicidade dos genders 4. Opressão universal do gender heterossexual Capítulo III - O projeto do Gender radical: desconstruir para criar um mundo novo 1. Desconstrução da maternidade 2. Desconstrução da família 3. Desconstrução da linguagem 4. Rumo a um mundo pós-sexual 5. Rumo a um mundo transgender Capítulo IV - Os aliados históricos do Gender radical 1. Movimentos homossexuais e de lésbicas 2. Queer theory 3. Existencialismo, ultraliberalismo, estruturalismo e neomarxismo
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a) Perspectiva individualista: existencialismo ateu e ultraliberalismo b) Perspectiva estrutural: neomarxismo e estruturalismo Capítulo V Diálogo, escuta e auto-revelação do Gender radical 1. É possível estabelecer um diálogo? 2. Espelho de espelho 3. Na aurora do século XXI 4. Dialética das máscaras e do rosto 5. Uma luz vinda de fora Conclusão 1. Entre ser e agir 2. Os moderados do gender e os radicais Posfácio Orientações do MEC em matéria de educação sexual Estado, família e educação sexual Sobre o autor
PREFÁCIO
ganhou notoriedade uma terminologia cunhada pela chamada gender theory (teoria do gênero), não só empregada e desenvolvida no meio acadêmico, mas também fortemente promovida no meio sócio-político de todo o mundo, por um recorte freqüentemente ativista. Em ambos os meios, busca-se apresentar desenvolvimentos teóricos das áreas da psiquiatria, psicologia, filosofia e sociologia, sobretudo das últimas quatro décadas. Segundo Tony Anatrella: NAS DUAS ÚLTIMAS DÉCADAS,
O inventor do termo “gender” é um psicólogo americano, John Money, que nos anos 50 afirmava que a diferença homem-mulher é devida mais à educação do que ao biológico. Acompanha-o em seu pensar o
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psicanalista Robert Stoller, principal inventor da idéia de separação entre sexo e gênero (1960). O sexo aparece como uma marca do espaço corporal sem outra conseqüência sobre a vida psíquica, enquanto que o gênero é ao mesmo tempo a identidade sexual assinalada pela sociedade (o masculino e o feminino) e o que o sujeito vai escolher em sua orientação sexual. Ele poderá, assim, ter uma identidade heterossexual, bissexual, homossexual ou transexual e eventualmente mudar.[ 1 ]
A teoria do gênero e a terminologia que dela deriva têm suscitado vivos e importantes debates na sociedade atual, sobretudo porque começam a perder espaço em alguns países, onde já foram implementadas como parte de um programa de educação,[ 2 ] e, por outro lado, há projetos em outros países que caminham no sentido de implementá-las.[ 3 ] Contudo, parece ainda haver uma espécie de blindagem acadêmica quanto ao debate da questão. Qualquer pesquisa que vá no sentido de fomentar as questões de gênero tem as portas abertas
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para seu financiamento e sua aprovação. Certamente, isso se atribui à necessária reflexão sobre o papel da mulher e seus direitos na sociedade contemporânea. No entanto, um franco debate deveria ser aberto justamente sobre a relação que existe entre a reflexão sobre a mulher na sociedade contemporânea e a adequação antropológica das teorias que fomentam tal reflexão, ou que dela decorrem, e que são depois traduzidas em propostas políticas e também econômicas, nacionais e internacionais. A partir de uma ressignificação da abordagem do relacionamento homem-mulher, está em jogo toda a concepção de ser humano que se pretende defender ou desconstruir. O trabalho de pesquisa a seguir, de Olivier Bonnewijn, poderá contribuir com a reflexão do leitor sobre o assunto, delineando a evolução histórica do tema e seus diferentes contornos na atualidade, apoiando-se em
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alguns dos mais renomados teóricos do assunto. Diante de uma postura que assume a perspectiva de gênero sem um recuo crítico, surgem vozes dissonantes, dentre elas a voz da própria Igreja Católica, de outras confissões cristãs e religiões, que reagem não a qualquer teoria científica, mas à instrumentalização ideológica que se pode fazer de tais teorias, que, enquanto tais, precisariam de rigorosa verificação empírica. Recentemente, o Papa Francisco foi criticado por denunciar tal postura, ao afirmar que: Quanto à colonização ideológica, direi apenas um exemplo que eu mesmo constatei. Vinte anos atrás, em 1995, uma ministra da educação pedira um grande empréstimo para construir escolas para os pobres. Deram-lhe o empréstimo com a condição de que, nas escolas, houvesse um livro para as crianças de certo grau de escolaridade. Era um livro escolar, um livro didaticamente bem preparado, onde se ensinava a teoria do gender.[ 4 ]
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Neste sentido, cabe se questionar seriamente sobre tais teorias que parecem estar a serviço não tanto da dignidade da pessoa e de qualquer pessoa, mas de um projeto de hegemonia política, organizado e articulado por instituições internacionais e nacionais. Não estariam também envolvidos aí interesses econômicos escusos e perversos quando, ao se tratar da teoria do gênero, se pretende, por um lado, enfatizar a liberdade e a autonomia do sujeito para “decidir” sobre sua orientação sexual, ou, expressão de gênero (como preferem alguns), e, ao mesmo tempo – paradoxalmente – por outro lado se dão orientações bem precisas sobre como os sujeitos devem se comportar diante de temas como família, sexualidade e reprodução, em todo o mundo? Assim como alguns autores vêm criticando o feminismo radical de ter traído a causa da mulher, porque se atrelou à tal teoria e se tornou seu grande promotor e
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porta-voz internacional,[ 5 ] não haveria também uma crítica a ser feita, tanto a nível acadêmico como a nível sócio-político, em relação à traição da causa dos pobres quando o assunto é teoria do gênero? Eis algumas questões que poderão receber luzes do estudo que segue. Em 2008, na sua intervenção junto à ONU, o representante da Santa Sé afirmou o seguinte, a respeito da Declaração sobre os direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero daquela organização: [...] as categorias “orientação sexual” e “identidade de gênero”, usadas no texto, não encontram reconhecimento, nem clara e partilhada definição, no direito internacional. Se elas tivessem que ser tomadas em consideração na proclamação e na tradução prática dos direitos fundamentais, seriam causa de uma grave incerteza jurídica, como também viriam a minar a habilidade dos Estados para aderir e pôr em prática convenções e padrões novos e já existentes sobre os direitos humanos.[ 6 ]
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Essas categorias, que se atrelam ao emprego do termo “gênero” que a ONU vem fazendo, desde a Conferência de Pequim (1995), como substitutivo de “sexo” em muitos textos oficiais, estão sendo cada vez mais inseridas em projetos de lei ou em outras formulações jurídicas no Brasil. A falta de recuo crítico quanto a tais categorias aparece flagrante quando, por exemplo, no anteprojeto de reforma do Código Penal se utilizam expressões que deixam clara a instabilidade conceitual na qual se situam os teóricos e ativistas da gender theory. É o caso das expressões “opção sexual” e “identidade sexual” que aparecem ao lado das expressões “identidade de gênero” e “orientação sexual”.[ 7 ] Recentemente, a Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância empregou também os termos “orientação sexual, identidade e expressão de gênero”.[ 8 ] No
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que diz respeito a esta convenção, afirma o comunicado assinado por três ministros brasileiros (Min. Antônio de Aguiar Patriota – Relações Exteriores; Min. Luiza Bairros – Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial; Min. Maria do Rosário Nunes – Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República): Os textos foram resultado de longa negociação, iniciada em 2005, quando a Missão Permanente do Brasil junto à OEA apresentou à Assembléia Geral um projeto de resolução que criou o Grupo de Trabalho encarregado de criar uma convenção contra o racismo e todas as formas de discriminação [...]. O Brasil assumiu a presidência do GT por quatro vezes e desempenhou um papel de liderança no processo de negociação.
O comunicado continua: A Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, uma vez em vigor, será o primeiro documento internacional juridicamente vinculante a condenar expressamente a discriminação
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baseada em orientação sexual, identidade e expressão de gênero. [...] A participação ativa do Brasil na aprovação das Convenções é coerente com as políticas desenvolvidas no país.
A convenção supracitada ainda não foi firmada por países como Canadá e EUA, este último alegando justamente não poder firmar mais documentos juridicamente vinculantes em âmbito internacional. Ademais, dentre os mais de 30 países da OEA, somente seis países a assinaram, incluindo o Brasil.[ 9 ] Alguns gostariam de fazer valer aqui as teorias de jogos políticos, que bem provavelmente existem. No entanto, parece haver certa confusão no uso dos termos e expressões, além da já mencionada ausência de uma definição clara e partilhada no direito internacional. Portanto, cabe interrogar-se sobre os conteúdos de leis, resoluções, convenções, no Brasil e no exterior, que venham a equiparar conceitos
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precisos e claros como “cor”, “etnia”, “religião”, “sexo” ou “pessoa idosa ou com deficiência”, com “gênero”, “identidade de gênero” e “orientação sexual”. A imprecisão e a ambigüidade referidas parecem envolver uma adoção implícita de determinada ideologia que tende a abolir qualquer ética em matéria sexual, inclusive em detrimento da família – base da sociedade, nos expressos termos do art. 226, da Constituição Federal –, e que “tem especial proteção do Estado”. Com estes questionamentos, certamente não se pretende diminuir o valor do esforço necessário e atual no combate à discriminação injusta, que tenha como conseqüência a violência e o ódio contra as pessoas, quaisquer que sejam suas origens ou situações de vida. Todavia, os pesquisadores, agentes sociais e políticos, bem como a opinião pública, devem assumir
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a tarefa de debater seriamente as razões que parecem levar a teoria do gênero, como ideologia e em seus paroxismos (cujo expoente é a teoria queer), a não abordar mais o tema da diferença sexual, nas dimensões biológicas, psíquicas e espirituais. Se certas expressões trazem grandes dificuldades de significado, como as já citadas “identidade de gênero”, “orientação sexual” ou outras, que vão surgindo com as variações da compreensão do que se pretende com a utilização da linguagem em campo sócio-político, cabe se perguntar se deve-se banir o emprego do vocábulo “gênero”. Jutta Burggraf afirma que: O termo gender pode ser aceito como expressão humana, e portanto livre, que se baseia sobre identidade sexual biológica, masculina e feminina. É apropriado para descrever os aspectos culturais que giram ao redor da construção dos papéis do homem e da mulher no contexto social.[ 10 ]
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Ademais, o instrumentum laboris (texto de trabalho) em preparação para a assembléia extraordinária do Sínodo dos Bispos sobre o tema dos Desafios pastorais da família no contexto da evangelização, ressaltava o perigo “de uma visão unilateral e ideológica da identidade de género”,[ 11 ] e que se faz necessário “ir mais além das condenações genéricas contra tal ideologia, cada vez mais invasiva, para responder de maneira fundada a tal posição, hoje amplamente difundida em muitas sociedades ocidentais.”[ 12 ] Trata-se, portanto, de reassumir efetivamente e articuladamente (em meio acadêmico e sócio-político) o tema da diferença sexual, amplamente abandonado pelos teóricos da atual perspectiva de gênero, que engloba a relação entre o dado biológico e cultural, levando em conta a complementariedade do homem e da mulher, tutelando o direito à diferença entre
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homens e mulheres e promovendo a co-responsabilidade no trabalho e na família.[ 13 ] Em sua Carta Pastoral sobre a Ideologia de Gênero, a Conferência afirma: É certo que a pessoa humana não é só natureza, mas é também cultura. E também é certo que a lei natural não se confunde com a lei biológica. Mas os dados biológicos objetivos contêm um sentido e apontam para um desígnio da criação que a inteligência pode descobrir como algo que a antecede e se lhe impõe, e não como algo que se pode manipular arbitrariamente. A pessoa humana é um espírito encarnado numa unidade biopsico-social.[ 14 ]
1 Anatrella, T. Le concept de gender du point de vue anthropolique. Origines et enjeux des théories du gender. In. AAVV. Gender, qui est-tu? Paris, Editions de l’Emmanuel, 2012, p. 71. 2 V. o caso da Suécia, onde o debate público foi suscitado pela provocação feita por um comediante, Harald Eia, através de várias entrevistas com especialistas no assunto para o programa Hjernevask (“Brainwashing”) – The Gender Equality Paradox: https://www.youtube.com/ watch?v=p5LRdW8xw70. 3 V. o caso da França e o debate em torno ao tema. Cf. Texto da filósofa Chantal Delsol, no Jornal Le Figaro de
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quarta-feira, 11 junho de 2014, a respeito da proposta do governo francês de implantação do chamado ABCD de l’égalité (da igualdade). Disponível em: http://h.c.i.over-blog.com/ article-genre-l-etat-n-a-pas-tous-les-droits-tribune-de-chantal 4 Papa Francisco, Conferência de imprensa no voo de Manilla a Roma, 19 de janeiro de 2015. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2015/ january/documents/ papa-francesco_20150119_srilanka-filippine-conferenza-stam Acesso em: 3 fev. 2015. Grifos nossos. O Papa voltou a falar de “colonização ideológica” em sua recente visita a Nápoles, em discurso para os jovens, no dia 21 de março de 2015. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/ speeches/2015/march/documents/ papa-francesco_20150321_napoli-pompei-giovani.html. Acesso em: 1 abr. 2015. 5 A este respeito, veja-se a obra clássica de Christina Hoff Sommers, Who stole feminism? How women have betrayed women. New York, Simon & Schuster, 1994. 6 Secretaria de Estado da Santa Sé, 63ª Sessão da Assembléia geral da ONU a propósito da “Declaração sobre os direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero” promovida pela presidência francesa da união europeia. Intervenção do representante da Santa Sé, quinta-feira 18 de dezembro de 2008. http://www.vatican.va/ roman_curia/secretariat_state/2008/documents/
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rc_seg-st_20081218_statement-sexual-orientation_po.html Acesso em 21 de novembro de 2013. 7 Cf. http://www.oas.org/en/sla/dil/ inter_american_treaties_A-69_discrimination_intolerance_si 8 Para acessar o texto em espanhol: http://www.oas.org/es/ sla/ddi/ tratados_multilaterales_interamericanos_A-69_discriminacio 9 http://www.oas.org/en/sla/dil/ inter_american_treaties_A-69_discrimination_intolerance_si 10Burggraf, J. Gênero (“Gender”). In: Pontifício Conselho para a Família. Lexicon. Termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas. Brasília, Edições da CNBB, 2007, p. 453-461. 11 Cf. III Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização, Vaticano, 2014, n. 119. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/synod/documents/ rc_synod_doc_20140626_instrumentum-laboris-familia_po.h 12Ibid., n. 127. 13Cf. Burggraf, J. op. cit., p. 461. 14Conferência Episcopal Portuguesa. Carta Pastoral a propósito da ideologia do gênero. Disponível em: http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=97722 (Acesso em 19 de novembro de 2013).
INTRODUÇÃO [ 15 ]
COM RAPIDEZ E MEIOS DESCONCERTANTES,
o conceito polimorfo de gender se implantou no cerne das políticas internacionais, regionais, nacionais e locais, instrumentos jurídicos, programas culturais, códigos éticos, universidades e escolas. Ele serve abertamente de ponto de referência para a ONU e suas agências, como a OMS, a UNESCO e a Comissão sobre População e Desenvolvimento.[ 16 ] Por intermédio de várias ONGs, foi exportado para países em desenvolvimento,[ 17 ] onde, em vários deles, um ministério do gender substituiu o da família. O gender enquadra o pensamento na Comissão de Bruxelas, no Parlamento
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Europeu, e em diferentes membros da União Européia. Quais são as realidades que esse novo conceito designa?[ 18 ] O que está em jogo nessa pergunta é considerável e influencia de maneira profunda e durável o futuro das pessoas e das sociedades em todas as áreas. “O que é Gênero? Quem é você? O que diz de si mesmo?” Muitas vozes ressoam. Só sobre ele, um sociólogo, um filósofo e um psicólogo podem se fazer ouvir ao mesmo tempo. Além e aquém da diversidade das descrições, existe uma linha de fundo comum, uma maneira compartilhada de “ver as coisas”? Abordaremos essa pergunta percorrendo a terra natal do gender, isto é, o feminismo radical (Capítulo I). Essa análise da perspectiva histórica no início de nosso estudo nos permitirá perceber o axioma fundamental do gender radical (Capítulo II), bem como seu projeto de desconstrução e
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advento de um mundo novo (Capítulo III). Depois de breves considerações sobre os “aliados históricos” do feminismo radical (Capítulo V), entraremos em um “diálogo”, ou mais precisamente numa “escuta até o fim” do gender radical. Em nível metodológico, cruzaremos uma abordagem histórica com uma abordagem lógica e sintética. Por meio do estudo do feminismo radical e de seus aliados históricos, queremos perceber a intuição de base que guia os teóricos do gender radical, penetrar no cerne da inteligibilidade de suas idéias, encontrar seu princípio estruturante e articulador e o movimento íntimo que o anima, captar sua motivação existencial, evitando toda simplificação e toda caricatura. Em certos momentos, falaremos sobre como as feministas radicais, de certo modo, desposaram-se de sua maneira de pensar. Com a ajuda de suas linguagens,
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indicaremos seu postulado inicial, desenvolveremos suas teses e lhes acompanharemos de forma crítica em suas conseqüências e suas implicações de última instância. Ainda em nível metodológico, realizaremos este estudo principalmente sob um ângulo antropológico e filosófico, e não sob um ângulo sociológico, como normalmente. “O que é gênero?”. Estaria subjacente a nossas pesquisas um posicionamento ou uma premissa ideológica? Diríamos, sobretudo: uma opção, uma maneira “humanista” de refletir sobre o gender. É claro que não negamos a legitimidade e a necessidade de outras abordagens, como as que emanam das ciências sociais, históricas, econômicas e políticas. Mas suas análises, por mais numerosas que sejam, não podem esvaziar a questão filosófica da identidade, objeto específico de nossa pesquisa atual.
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15 Este texto foi publicado na AA.VV., Gender qui est-tu?, Ed. de l’Emmanuel, Paris, 2012. 16M. Peeters, La mondialisaion de la révolution culturelle occidentale. Bruxelles: Institute for Intercultural Dialogue Dynamics (Ed.), 2007. 17 Principalmente por meio do importante “Protocolo da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos relativo aos direitos das mulheres”, elaborado em Maputo, capital de Moçambique, no dia 11 de julho de 2003, e ratificado daí em diante pela grande maioria das 53 nações membros da União Africana. Os bispos africanos, reunidos em Sínodo em Roma em 2009, reagiram diante do que consideram uma forma de neocolonialismo ocidental. 18Essa questão foi debatida no dia 8 de abril de 2011 no Parlamento de Estrasburgo, pelos representantes dos 47 Estados membros da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. O objetivo não era em princípio teórico, mas prático: a elaboração de uma nova convenção contra as discriminações e as violências em relação às mulheres.
CAPÍTULO I
O FEMINISMO RADICAL, TERRA NATAL DA GENDER THEORY
OS GENDER STUDIES SE DESENVOLVERAM
principalmente nos anos 70, a reboque do movimento feminista radical norte-americano. De um ponto de vista histórico, ele se enraíza na “longa aventura do feminismo, extremamente complexa e sempre em curso”,[ 19 ] que se estende em diferentes lugares e períodos.[ 20 ] Vejamos sucintamente suas características principais.
1. Feminismo liberal e feminismo socialista A partir do século XIX, algumas mulheres se sublevaram contra as desigualdades sociais das quais eram vítimas, em especial no que concernia aos salários e ao direito de voto.[ 21 ] Elas queriam para si o que se quer para todos: um tratamento justo, sem discriminação, com efeitos legais. Nesse sentido, depararam-se com preconceitos socioculturais solidamente ancorados. “Não”, clamaram em alto e bom som, “não somos inaptas às responsabilidades públicas, à criação artística”. Não, nosso “destino biológico” não nos confina apenas à maternidade, aos trabalhos diários e ao exercício de funções subsidiárias. Não, não queremos ser consideradas legalmente como menores. Não, não somos detentoras de uma natureza inferior à do homem, mais próxima
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da matéria que do espírito.[ 22 ] Não, não pertencemos a uma subcategoria do humano. Não, não nos definimos como uma privação do masculino. As feministas, tanto liberais[ 23 ] quanto socialistas, lutavam por uma igualdade não apenas de direitos, mas também de fatos.[ 24 ] Reformistas, elas se engajaram na política e fizeram ouvir a sua voz. Reclamavam mais justiça e se organizavam para isso. É nessa dinâmica reivindicatória do feminismo histórico que as teorias do gender surgem. Perceber esse ponto é capital. Os gender studies, desde o início, tiveram um âmbito e uma preocupação socio-políticos. Não se trata de “pensadores de gabinete”, porém de militantes que querem transformar o mundo. Daí sua referência contínua à ação eficaz e sua preocupação com resultados concretos. O gender é um conceito estratégico, ativo, “performativo”,
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forjado para a luta. “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diferentes formas; o que importa, é transformá-lo”.[ 25 ] Essa afirmação célebre de Karl Marx, as feministas a retomam por sua própria conta.
2. Feminismo marxista Uma parte das feministas baseia sua luta pela igualdade dos direitos em uma visão marxista da história. Basta-lhes operar três leves modificações, já preparadas por Engels[ 26 ] e desenvolvidas pela Escola de Frankfurt: 1ºsubstituir a classe proletária oprimida pela das mulheres; 2ºsubstituir a classe capitalista opressora pela das mulheres; 3ºsubstituir a história da luta de classes pela da luta dos sexos. Como, então, sair da dominação multimilenária que os homens impõem às mulheres? A resposta se encontra em Marx: fazer a revolução. A classe das mulheres deve se unir, se libertar e lutar contra a dos homens. Deve, por exemplo, denunciar o caráter alienante do casamento burguês, com
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sua dimensão monogâmica e indissolúvel.[ 27 ] Tomar as rédeas de seu destino, apropriar-se dos meios de produção e preparar o advento de uma sociedade sem classes, de paz e de prosperidade. Seu acesso ao mundo do trabalho e da produção é, desse ponto de vista, capital. Essa visão marxista se distingue da dos liberais e da dos socialistas. Ela afirma a luta sem piedade entre os sexos como sendo a lei da história. A relação fundamental que a classe dos homens estabelece com a das mulheres só pode ser uma relação de dominação, de exploração, de alienação, de opressão. O motor da história é a guerra dos sexos, postulado que as tradições feministas de origens liberais e socialistas não partilham necessariamente. Esse é o segundo elemento do qual se nutrem as teorias radicais do gender: a relação entre os sexos é invencivelmente conflituosa. Como escapar
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dessa dialética mortífera? Qual é a porta de saída? A dominação das mulheres? Talvez por um tempo, mas, se essa dominação das mulheres perdurar, as relações seriam de novo marcadas pela opressão de uma classe pela outra. A única saída possível, ensinarão algumas décadas mais tarde as feministas radicais, é suprimir a própria causa desse conflito, isto é, a diferença dos sexos. “O objetivo definitivo da revolução feminista deve ser [...] não apenas acabar com o privilégio masculino, mas também com a distinção entre os sexos”.[ 28 ] Sem sexo, sem dominação, sem discriminações. É preciso ir aquém ou além da diferença homem-mulher. O gender é concebido nessa “matriz” utópica de uma sociedade sem classe, sem sexo.
3. Feminismos e liberação sexual Seja ele liberal, socialista ou marxista, o feminismo não tomou de imediato a forma de uma reivindicação explicitamente sexual. Porém, a partir dos anos 1960, a “questão sexual” debutou com estardalhaço nos meios sociais e culturais. “Faça amor, não faça a guerra. Faça a revolução sexual. Lute pela soberania de seus desejos e a inocência de seus prazeres. Você tem direito a isso. Goze sem entraves. Liberte-se da sujeição ao pudor, de que foram vítimas durante séculos, por ação de homens que tinham medo da sua sexualidade, negavam-na e pretendiam controlá-la. Viva o amor livre!”. Muito rapidamente, no entanto, várias feministas constataram que uma revolução assim engendra de fato uma anarquia, uma selva, um mercado que funciona em benefício dos mais fortes, isto é, dos homens,
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numa sociedade dominada por eles. A subordinação aos desejos masculinos é ainda mais brutal do que antes. As relações sexuais “liberadas” sujeitam as mulheres de uma forma mais sutil do que na cultura patriarcal. Andrea Dworkin chega a ponto de comparar o ato heterossexual a uma “ocupação” do corpo da mulher e aquela que se submete a isso é uma “colaboradora”. Catherine MacKinnon afirma que “a sexualidade está para o feminismo assim como o trabalho está para o marxismo: o que mais nos pertence e que, contudo, nos é mais roubado”.[ 29 ] Em suma, a opressão se torna mais total e mais íntima. Diante dessa constatação, algumas mulheres exortam suas companheiras a protegerem de forma ciumenta sua independência em relação aos homens, a se guardarem das queimaduras do “desejo heterossexual”, a se libertarem de seus
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fantasmas masculinos para descobrirem seu próprio universo mental. Uma série de textos “comunitaristas” surgem. De acordo com eles, a mulher e o homem deveriam viver em duas “comunidades” separadas. Suas respectivas culturas são incompatíveis, incomunicáveis, opostas. Seja interpretada segundo um esquema marxista ou não, essa dinâmica sexual feminista oferece um terceiro elemento de compreensão dos gender studies, que aparece nos anos 1970. Por trás da questão de gender, de fato se esconde uma imperiosa reivindicação de “gozar sem entraves”, de poder exercer “livremente” qualquer prática sexual. Mais precisamente, o gender vai desenvolver uma concepção da sexualidade que tende para a autonomia em relação ao outro sexo, a um individualismo radical, a uma independência todo-poderosa, a uma “autosexualidade”.
4. Feminismo radical O feminismo radical não é o único feminismo, mas uma de suas grandes vertentes atuais. Ele carrega em suas águas muitos aluviões, e apresenta uma nova visão da realidade, hipercrítica e subversiva. Seu conceito central é o de gender, tomado de empréstimo do psicólogo americano John Money. Em 1955, de fato o termo gender foi utilizado por esse médico para designar uma patologia: um indivíduo se sente do gênero feminino e se comporta como tal, apesar de ser geneticamente do gênero masculino. Nesse caso, o indivíduo é claramente do sexo masculino. Mas e quanto aos indivíduos hermafroditas cujos órgãos genitais são ambivalentes? E quanto aos indivíduos interssexuais que se submetem a operações quando jovens e se vêem como
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“consignados” a um sexo por seus pais? Nesses casos dolorosos, o gênero masculino ou feminino não é nem um pouco percebido como coincidente com o sexo. O conceito de gender serve, nessas situações, de ferramenta terapêutica para ajudar os pacientes a elaborar sua identidade em sofrimento. O mesmo se deu para o psicanalista Robert Stoller, que estudou a transexualidade nos anos 1960. Utilizando esse fenômeno muito marginal, ele questiona fortemente a norma heterossexual que ele apresenta como fluida e instável. Ao se afastar do ponto de vista clínico, algumas feministas se apropriaram dessa distinção entre sexo e gender. Uma das primeiras foi a socióloga inglesa Ann Oakley em seu livro Sex, Gender and Society, de 1972: “Sexo é uma palavra que se refere às diferenças biológicas entre macho e fêmea: as diferenças visíveis das partes genitais, as
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diferenças relativas à procriação. Gender, por outro lado, é uma questão de cultura: ele se refere à classificação em masculino e feminino”.[ 30 ] “Sexo” designa aqui o aspecto estritamente biológico e inato do indivíduo, enquanto que “gender” designa seu aspecto sociocultural adquirido. Várias feministas militantes se engajaram nessa direção. Dentre elas, mencionemos Judith Butler, cuja influência é particularmente significativa. Norte-americana nascida em 1956, ela se doutorou em filosofia na Universidade de Yale em 1984, com uma tese intitulada Subjects of Desire. Hegelian Reflections in Twentieth Century in France.[ 31 ] Ela se confronta a esse respeito com vários leitores franceses de Hegel: Kojève, Hyppolite, Sartre e se interroga sobre a filiação hegeliana de Foucault, Derrida, Lacan e Deleuze. Ela é hoje professora nos departamentos de
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Retórica e Literatura Comparada na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Sua obra de 1990 – Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity – é referência do feminismo radical. Ela foi traduzida em francês em 2005: Trouble dans le genre. Pour un féminisme de la subversion.[ 32 ] O ano de 1995 marca uma nova etapa importante. Realizada em Pequim, a IV Conferência da ONU sobre a Mulher foi a ocasião histórica de difundir essa nova teoria em nível internacional e trabalhar em um consenso mundial nessa área. O termo gender aparece mais de 150 vezes no documento final.[ 33 ]
19Carniaux, Benoît. Une généalogie de la philosophie féministe nord-américaine. Texto não publicado, Université de Sherbrooke, novembro de 2008, p. 4. Agradecemos muito ao autor por nos ter comunicado os frutos de seu importante trabalho. Agradecemos também a Marc Timermans que compartilhou conosco o primeiro capítulo de sua tese de doutorado em curso, Capítulo 1, “La
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différence entre l’homme et la femme”, Institut d’Études Théologiques, Bruxelles. 20O termo “feminismo” parece ter sido inventado pelo teórico utópico Charles Fourier por volta de 1830 (cf. Bouchard, Guy. Feminisme et philosophie: jalons, in Considérations, vol. 7, no. 2/3, 1986, p. 24). O conceito se difundiu a partir de 1892, após o Congresso dos Direitos da Mulher em Paris (Groult, Benoîte. Le Féminisme au masculin. Paris, Denoël/ Gonthier, Coll. “Médiatons”, 1980, p. 16). 21Na França, seria preciso esperar até 1946 para que as mulheres adquirissem o direito ao voto. 22Segundo Aristóteles, por exemplo, a mãe produz a matéria enquanto que o homem produz a forma (cf. Collin, Françoise. L’irreprésentable de la différence des sexes em AA. VV., Catégorisation de sexe et construction scientifiques, sob a direção de Anne-Marie Daune-Richard. Paris, Éditions Université de Provence, 1989, p. 27-41. 23Uma de suas referências maiores é a obra de John Stuart Mill, De l’asservissement des femmes (1869), trad. francesa de Émile Cazelles. Paris, Éditions Avatar, 1992. 24Para tomar um exemplo na paisagem belga, assinalemos a obra de Céline Fremault, Egaux? Pièges et réussites de l’égalité hommes-femmes. Liège, Ed. Luc Pire, 2011, p. 13: “O projeto deste livro parte da constatação de que é indispensável pôr em funcionamento uma ação política justa e eficaz, que torne eficientes as políticas da igualdade e efetivos os direitos mais elementares das mulheres”.
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25Marx, Karl. Thèses sur Feurebach. XI, in L’idéologie allemande, trad. G. Badia. Paris, Editions sociales, 1968. 26“O primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino” – Engels, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 9ª Ed., 1984, p. 70-71. 27Como observarão algumas feministas, todas as mulheres não são oprimidas da mesma forma, nem no mesmo grau. Aliás, o “tipo” da mulher branca de classe média heterossexual é muito opressor em relação aos outros tipos de mulheres. 28Firestone, Shulamith. The Dialectic of Sex. New York: Bantam Books, 1970, p. 72. “[…] assim como o objetivo final da revolução socialista era não apenas acabar com os privilégios da classe econômica, mas também com a própria distinção que existia entre as diferentes classes econômicas”. 29Scott, Joan W. Gender: une catégorie utile d’analyse historique, in Les Cahiers du GRIF, vol. 37/38, Printemps, 1988, p. 131. 30Oakley, Ann. Sex, Gender and Society. Londres, Temple Smith, 1972, p. 16. 31Como Judith Butler escreveu em Feminism and Subversion of Identity, Prefácio à Edição em Brochura (Columbia University Press, New York, 1999, p. 14): “Em certo sentido,
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toda a minha obra continua a gravitar da órbita de certo conjunto de questões hegelianas: qual é a relação entre o desejo e o reconhecimento e como se dá que a constituição do sujeito gere uma relação radical e constitutiva na alteridade?”. 32Prefácio de Eric Fassin, tradução de Cynthia Kraus, La Découverte, Paris, 2005. No Brasil, foi traduzido como Problemas de gênero – feminismo e subversão da identidade, tradução de Renato Aguiar, Civilização Brasileira. 33Cf. Sallé, Lucienne. “La conférence de Beijing: quel développement pour quelle égalité? «, in Nouvelle revue théologique 118 (1996), p. 321-339.
CAPÍTULO II
O AXIOMA FUNDAMENTAL DA GENDER THEORY
a terra natal da gender theory, estudaremos agora a diferença entre gender e sexo, que constitui seu axioma fundamental, seu princípio de base. DEPOIS DE TER EXPLORADO EM LINHAS GERAIS
1. Distinção entre sexo e gender a) SEXO Para os teóricos do gender, “sexo” designa um dado biológico que comporta vários parâmetros dinâmicos e evolutivos, em íntimas interações uns com os outros. Assim, os fatores cromossômicos ou genéricos (XX na mulher e XY no homem) se estabelecem desde a fecundação procriativa e engendram o sexo gonodal, responsável pela atividade hormonal. Os fatores somáticos ou fenotípicos determinam os órgãos internos e externos de reprodução. Esses diversos fatores influenciam o organismo em sua integralidade, inclusive o cérebro em seu processo de estruturação e funcionamento. Ao contrário da caricatura que por vezes se faz, a gender theory não nega de maneira alguma a objetividade fisiológica da diferença dos sexos. Ela constata e elabora
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sua reflexão a partir dela. É certo que alguns autores tentaram modelar essa “matéria bruta” a partir do zero, mas essa não é a primeira preocupação dos teóricos do gender. Em suma, segundo a perspectiva profunda do gender radical, o sexo pertence à natureza humana tomada num sentido exclusivamente biológico. Aparece, então, como um dado “pré-humano”, comparável ao dado animal. Tal definição da natureza humana reduz consideravelmente o âmbito tradicionalmente reconhecido desse conceito. Ela tende a fazer desta uma entidade abstrata, um ser de pura razão. “Natureza”, de fato, vem de “nascer” (nasci) em latim. Ela designa aquilo com o quê nasce um ser, isto é, suas propriedades originais e fundamentais, suas características mais íntimas e mais constitutivas, sua própria essência, seu princípio de operação
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específico.[ 34 ] Ora, a natureza humana, diferentemente da natureza animal, é plena de espírito. Ela ordena aos homens e mulheres a viverem e a agirem livremente, segundo a razão e o amor. Ela é indissociavelmente carnal e espiritual, numa alquimia misteriosa que não parou de ser interrogada durante séculos. A natureza humana não é nem um pouco redutível à pura “extensão”, no sentido cartesiano do termo, ou ao que o olhar das ciências pode perceber aí, ou ainda a um dado opaco oposto à liberdade e à cultura. O mesmo se dá no que tange ao sexo humano. Longe de ser um “resíduo bestial”,[ 35 ] este traz em si uma significação humana. Ele está sempre repleto de humanidade. Existe uma “profundidade”. Friedrich Nietzsche escreveu em Além do bem e do mal (§238): “O grau e o tipo de sexualidade de um homem atingem os cumes
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mais altos do seu espírito”. E Gustave Thibon acrescentou: “O tipo e o grau de espiritualidade de um homem atingem as profundezas do sexo”.[ 36 ] “Pouco tempo após a morte de Michelangelo”, escreveu o Papa Bento XVI, “Paolo Veronèse foi convocado pela Inquisição, acusado de ter pintado figuras inapropriadas em torno da última Ceia. O pintor respondeu que, na Capela Sistina também, os corpos eram representados nus, de forma pouco respeitosa. Foi justamente o inquisidor que tomou a defesa de Michelangelo com uma resposta que ficou célebre: ‘Não vês que nada há nessas figuras que não seja do espírito?’. Vivendo na época moderna, temos dificuldade em compreender essas palavras, pois o corpo nos parece uma matéria inerte, pesada, oposta ao conhecimento da luz, da vida, do
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esplendor. Ele queria mostrar com isso que nossos corpos escondem um mistério”.[ 37 ] Natureza, sexo, corpo. Essas realidades não são de forma alguma redutíveis ao animal biológico puro. Todas as gender theories repousam, contudo, sobre essa abstração primeira e acrítica: o sexo pertence a uma ordem puramente materialista cujo estudo cabe aos cientistas e técnicos da vida.
b) GENDER O termo gender vem do latim genus, generis e do grego genos. Ele se refere à geração (generatio) e à origem para identificar os seres, diferenciá-los uns dos outros e reagrupá-los em categorias homogêneas. No registro linguístico, ele exprime uma classe, um grupo de indivíduos ou de coisas a partir de uma característica fundamental comum, a partir de uma determinação que eles partilham. No que
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concerne ao sujeito que nos ocupa, qual é a característica comum às mulheres que lhes distingue dos homens? Qual determinação permite diferenciá-las do gênero masculino? Desde sempre, o sexo, no sentido amplo e integral do termo, ocupa um lugar essencial nessa distinção. A humanidade é assim dividida em gênero feminino e gênero masculino a partir de parâmetros físicos, psíquicos e espirituais. Os gender studies interrogam esse critério de classificação que eles julgam demasiado fixista, diferencialista, biologizante, fechado. Eles insistem, sobretudo, na elaboração da identidade sexual com o passar dos anos e gerações, por meio da educação recebida, da cultura na qual o sujeito está imerso, nas determinações sociais que o afetam, nas forças do poder que o pressionam. A maneira de parecer homem ou mulher não evolui com o tempo, segundo a percepção que dele têm
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os membros de uma sociedade? Estamos totalmente de acordo: o “gênero feminino” é, em parte, o resultado de um processo histórico e cultural. Ele possui um aspecto psicossocialmente “elaborado”, termo que preferimos ao de “construído”. O século XX, com seu extraordinário desenvolvimento das ciências psicológicas e sociais, tem uma consciência aguda disso. A masculinidade e a feminilidade não decorrem apenas do inato, mas também do adquirido. Na língua francesa, esse adquirido sociocultural era designado até hoje pela expressão “sexo psicossocial”. As feministas substituíram essa expressão pela de gender. A distinção entre sexo e gender pretende então lançar luz sobre o aspecto elaborado das identidades sexuadas e papéis que lhes são atribuídos nessa sociedade, em dado momento de sua história. Porém, nem todos os promotores do gender colocam em
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questão o parâmetro biológico dos sexos. Nem todos negam necessariamente a “rocha da diferença”[ 38 ] natural entre os homens e as mulheres. Alguns dentre eles reconhecem, até certo ponto, a importância desse dado inato, não escolhido, herdado no nascimento. Porém, se engajam, sobretudo, em contextualizar esse dado, em estudar seus processos de maturação e de desenvolvimento a partir de fatores culturais e psicossociais. Esse aspecto cultural da identidade – seja ela individual ou coletiva – não se opõe de forma alguma a seu aspecto natural. Pelo contrário. Sexo e gender aparecem assim, como dois elementos constitutivos do ser humano, ordenados um ao outro, distintos para as necessidades da análise, mas não separáveis na realidade. É nessa linha que se inscrevem as pesquisas e reivindicações de uma série muito importante de feministas.
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Contudo, ao adotar de forma não crítica a concepção redutora do sexo humano apresentada acima, essas feministas “moderadas” são aos poucos levadas para o feminismo radical. Considerando o corpo ou a natureza numa perspectiva principalmente biologizante e naturalista, elas tendem a fazer repousar, cada vez mais, o peso da identidade feminista, sobretudo sobre seu aspecto socialmente construído. E muitas atravessam o Rubicão sem nem saber e nem querer de verdade. Elas não se contentam mais em distinguir sexo e gender. Elas os dissociam radicalmente, ocupando assim as posições das feministas ditas “radicais”.
2. Separação entre sexo e gender As feministas radicais de fato relativizam tanto os dados biológicos que estes se tornam insignificantes em relação ao gender masculino ou feminino. O sexo é concebido como uma natureza bruta e sem real interesse, um neutro infra-humano, da matéria informe, um tipo ôntico indeterminado. Nessa perspectiva, a diferença anatômica macho-fêmea fica desprovida de toda significação profunda. E ainda mais: determinados fatores biológicos são apresentados como forças de resistência à verdadeira humanidade das mulheres, como condicionantes alienantes. Natureza e cultura, longe de se inscreverem no prolongamento uma da outra, estabelecem nesse caos uma irredutível relação de oposição. Shulamith Firestone convida as mulheres a se libertarem da
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“tirania da biologia”.[ 39 ] Aqui a maternidade, mais do que toda outra realidade, é visada. Nessa perspectiva, o elemento do gender é declarado absolutamente determinante. O homem e a mulher aparecem exclusivamente como as conseqüências de construções sociais. Eles se definem essencialmente como produtos convencionais, como fenômenos artificiais, como invenções históricas, como funções ou papéis executados na cena do mundo. Nelas mesmas, as categorias de masculino e feminino não são fixadas pela diferença sexual. O ser humano nasce “neutro”: ele se torna “homem” ou “mulher” unicamente pelo processo de socialização, processo que está em grande parte nas mãos do poder político. O gender constrói tudo. Ele representa tudo, inclusive os próprios sexos. É pelo gender que se cria a verdadeira
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identidade dos indivíduos. “Não existe gender mais adequado a um sexo que a outro”.[ 40 ] “O real e a facticidade sexual são construções fantasmáticas”.[ 41 ] Eles não passam de substratos individuais neutros moldados pelos genders. Então, por que deveríamos nos limitar a dois genders? Uma vez rompida a ligação com o sexo, não poderíamos imaginar outros genders, outras construções sociais?
3. Multiplicidade dos genders Várias gender theories desmembram de cinco a sete genders, isto é, de cinco a sete “construções sexuais”: homossexual, lésbico, transexual operado ou não operado, heterossexual, bissexual, indiferenciado. Elas pretendem escapar do modo binário de conceber a realidade: “Não ao heterocentrismo ou ao heterossexismo. Sim aos comportamentos sexuais alternativos que possuem uma legitimidade pelo menos equivalente ao do modelo atualmente dominante. “O eterno feminino”, “o eterno masculino” e suas relações mútuas não passam de fantasmas socioculturais, não de realidades ontológicas e normativas”. Conduzidas por sua lógica, certas feministas afirmam que o número dessas “identidades” é bem mais alto. Para Marie-Hélène Bourcier, por exemplo,[ 42 ] os genders não
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são dois, cinco ou sete, mas inúmeros. Resultados de livres construções, existiriam tantos genders quanto indivíduos. “O que quer dizer”, comenta Michaela Marzano, “que cada indivíduo pode construir e inventar sua própria sexualidade, original e incomparável, que não há nem dois sexos nem dois genders, mas uma infinidade de escolhas possíveis”.[ 43 ] Qualquer que seja o substrato sexual biológico de base, o ser humano pode, e deve, escolher seu gender e seu funcionamento sexual. E essa escolha pode evoluir durante a vida. Que caminho percorrido! Que oscilação operada! Doravante não é mais o sexo psicossocial que se elabora na continuidade do sexo humano, mas o gender que criou o sexo. O gender absorve, de certa forma, o sexo em seu movimento de absoluta auto-afirmação e o modela à sua imagem. Em última análise, se torna não distinguível
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do sexo, como observa Judith Butler. Não existe sexo “pré-dado” (pregiven). “O sexo é uma categoria ‘marcada pelo gênero’ (gendered category)”.[ 44 ] Ele é uma construção político-social e deve ser tratado como tal. Ele é de certa forma o espelho do gender, sua figura, sua expressão exterior. Em suma, enquanto inicialmente o gender designava uma classe (homem-mulher) a partir de uma característica comum ligada com a origem (o sexo), ele de agora em diante remete a uma não classe (todos os indivíduos) que possuem a mesma característica comum (o socialmente construído) sem ligação com a origem (o sexo). O conceito de “gênero” muda então de definição.[ 45 ] Ele se torna princípio de indeterminação, de indiferenciação e confusão entre os seres. Tudo é gender.
4. Opressão universal do gender heterossexual Segundo a perspectiva esboçada acima, as identidades são, então, totalmente constituídas pelos genders. Ora, ainda segundo essa perspectiva, o gender heterossexual nega essa “verdade axiomática” há milênios, em todo canto, e isso de um ponto de vista ao mesmo tempo prático e teórico. Por quê? Por puro interesse. Ele utiliza fatos exclusivamente biológicos (o sexo masculino e o sexo feminino) para assentar seu poder sobre outros genders e dominá-los. Ele se apropria de dados naturais para reivindicar o direito de ser o único gender legítimo em nível científico, cultural, social, político e até mesmo antropológico, metafísico e religioso. Ele se impõe como único “natural” e condena
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impiedosamente os outros genders à marginalidade, à patologia e à imoralidade. À sua maneira, a gender theory reconhece aqui que quase todas as sociedades estão baseadas na diferença dos sexos. Mas, em lugar de discernir aí um dado positivo, portador de vida, ela vê uma invenção que falseia tudo e gera um mundo enraivecido pelos conflitos. Ela propõe assim uma “nova” leitura dos célebres primeiros versículos do Livro do Gênesis. “Homem e mulher ele os criou [...] e Deus viu que isso era muito bom” vira “Gender heterossexual o poder impôs. E isso era muito ruim”. A gender theory decreta um tipo de “pecado original” político-social: a opressão universal do gender heterossexual. Os grandes responsáveis por esse vasto empreendimento de mistificação opressiva, sempre segundo essa teoria, são os indivíduos do sexo masculino.[ 46 ] Para
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garantir seu poder, estes criaram estereótipos masculinos e femininos. Eles instituíram entre eles relações de dominadores e de dominados em seu próprio proveito, segundo uma visão marxista ou não da história. Como libertar o mundo dessa violência da qual as mulheres são as primeiras vítimas? Como estabelecer relações de igualdade? A gender theory retoma aqui as temáticas caras às feministas socialistas, liberais, marxistas e oriundas da liberação sexual: desigualdades, dominações, alienações, opressões às vezes muito sutis,[ 47 ] críticas de discriminações e mecanismos de injustiça, lutas político-culturais.[ 48 ] “Vocês estão exagerando”, objetam algumas feministas moderadas. “Nós não nos opomos à heterossexualidade, mas apenas às injustiças ocultas ou expostas para quem quiser ver”. “Certo”, respondem-lhes as feministas radicais, “a raiz de todos os males
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não é o gender heterossexual enquanto tal. Este é também um gender. Nesse sentido, tem direito à existência e ao respeito, em estrita igualdade com os outros genders. Mas por sua composição específica, será sempre eivado de ambigüidade. Sempre sofrerá a tentação de se considerar como o único supostamente fundado num nível de direito natural e divino. A cada instante, periga cair numa forma ou em outra de ‘diferencialismo’ que ‘essencializa’ as diferenças biológicas macho-fêmea e que é de fato um instrumento de assujeitamento dos outros genders e das mulheres. Sempre terá uma propensão para a arrogância, a intolerância, a hegemonia, o imperialismo, a colonização, o totalitarismo. Convém então vigiá-lo de perto, enquadrá-lo juridicamente e educar com atenção a progenitura oriunda de tal gender para evitar a reprodução de
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estereótipos heterossexistas”. A lógica é perfeita! A gender theory se baseia no seguinte axioma: o sexo humano é em si insignificante. Afirmar o contrário, como o fazem os diferencialistas heterossexuais, gera muitas violências, conflitos e alienações. Como escapar desse empreendimento plurimilenar imposto pelos heterossexistas? A “salvação”, segundo os radicais do gender, passa pela “desconstrução”, expressão central na obra de Jacques Derrida.[ 49 ] Trabalho de titã! Os radicais do gender conclamam a uma nova revolução cultural, política, jurídica, filosófica... total. Seu objetivo, notemos bem, não é antes de tudo a obtenção de uma igualdade de direitos entre homens e mulheres, diferentemente das feministas autênticas. Uma reivindicação assim não lhes interessa em nada e poderia até mesmo, em certos casos, se contrapor a
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seus planos.[ 50 ] Sua ambição é muito mais radical e integral: levar os seres humanos e suas sociedades para além da diferença homem-mulher, para além da diferença sexual, para além do que consideram como um insustentável resíduo do colonialismo patriarcal e do machismo tribal.
34“Engana-se”, escreve André-Joseph Léonard, “se subentende-se por ‘natureza’ a ideia de um dado biológico bruto ou de uma natureza física determinista ou de um estado primitivo de humanidade anterior à cultura. [...] Na linguagem de Tomás de Aquino e da Igreja Católica, ‘natureza’ significa propriamente ‘o que é’ uma realidade; em termos mais eruditos, sua ‘essência’. Se a natureza assim compreendida, é claro que a liberdade e a cultura fazem parte do que há ‘de essencial’, portanto da natureza, nesse sentido amplo”. Agir en chrétien sa vie et dans le monde. Namur, Bélgica: Éditions Fidélité, 2011, p. 17. 35Hadjadj, Fabrice. La Profondeur des sexes: Pour une mystique de la chair. Paris: Seuil, 2008, p. 12. 36Citado por Hadjadj, Ibid., p. 18. 37Discurso pronunciado pelo Papa Bento XVI no dia 13 de maio de 2011 por ocasião do 30º aniversário da fundação do
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Instituto Pontifício João Paulo II para os estudos sobre o casamento e a família. 38Cf. Lacroix, Xavier. De chair et de parole. Fonder la famille. Paris: Bayard, 2007, p. 135-170. 39Firestone, Shulamith. The Dialectic of Sex: The Case for Feminist Revolution. Nova York: Morrow, 1970, p. 12. 40Butler, Judith. “Imitation et insubordination du genre”, in Rubin, G. S. E Butler, J. Marché du sexe. Paris: EPEL, Col. “Les grands classiques de l’erotologie moderne”, p. 154. 41Butler, Judith. Gender Trouble, op. cit. p. 199. 42Sexpolitiques, Queer Zones 2, La Fabrique, 2005. 43Marzano, Michaela. Vers l’idifférenciation sexuelle?, in Études (juillet 2009), p. 46. 44Butler, Judith. Gender Trouble, op. cit. p. 7-8. 45Eis porque, neste trabalho, mantivemos o termo em inglês gender. Pela utilização voluntária dessa palavra estrangeira, queremos manifestar a diferença em relação à concepção clássica do termo “gênero” e contribuir assim para dar um esclarecimento. Gender é de fato um neologismo ou mais precisamente uma “transmutação” do conceito de “gênero”. 46Cf. capítulo seguinte. 47Segundo Christine Delphy, o conceito de opressão constitui a base de todo estudo e de toda postura feministas. (Cf. Bouchard, Guy. “Féminisme et philosophie: jalons”, op. cit., p. 48). 48O segundo sexo (1949) é emblemático para esse ponto de vista. Simone de Beauvoir opera aí uma crítica radical dos condicionamentos culturais forjados a um Ocidente
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patriarcal. Ela reinterpreta à sua maneira a dialética hegeliana do senhor (o homem) e do escravo (a mulher) e as relações desiguais que resultam de seu confronto. 49Ao longo de sua obra, o filósofo francês (1930-2004) interroga e “desconstrói” incansavelmente os pares de oposições: fala e escrita na lingüística, razão e loucura na psicanálise, sentido conotativo e denotativo na literatura, masculino e feminino na antropologia. Essas diferenças, segundo ele, têm sua origem na différance com “a”, isto é, na atividade geradora de diferenças. 50“Achamos que nenhuma mulher deveria ter o direito de fazer essa escolha. Não deveríamos permitir que nenhuma mulher ficasse em casa para cuidar dos filhos. A sociedade deveria ser totalmente diferente. As mulheres não deveriam ter essa opção, se essa opção existir, mulheres demais a escolherão”. (Hoff Sommers, Christine. Who Stole Feminism? op. cit., p. 257).
CAPÍTULO III
O PROJETO DO GENDER RADICAL: DESCONSTRUIR PARA CRIAR UM MUNDO NOVO
não podemos passar em revista todos os domínios desconstruídos pelo feminismo radical: a sociedade, a política, a cultura, a religião, a ecologia, a ética, etc. Os gender studies são vários: os Eco-criticism Studies, por exemplo, ou os Black and Minority Studies, os Postcolonial Studies, os Diaspora Studies, os Cyberpunk and Science Fiction Studies ou ainda os Trauma Studies. Fiéis ao nosso ângulo específico de pesquisa, nos contentaremos em dar as linhas gerais de três desses domínios, que se referem mais diretamente à identidade humana: a maternidade, a família e a linguagem. Como NO ÂMBITO DESTE TRABALHO,
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anunciado em nossa introdução, adotamos o modo de expressão e de pensamento dessas desconstruções, o que não significa, no entanto, que as aceitemos. Vamos nos contentar em acompanhar as feministas radicais em seu empreendimento colossal. Comecemos pela maternidade, que nos parece emblemática e significativa em muitos aspectos.
1. Desconstrução da maternidade A maternidade depende da relação com um marido? Ela está em relação com a paternidade de um homem? De forma mais radical ainda, a maternidade está necessariamente ligada à feminilidade? Essas questões, respondem as feministas radicais, apresentam armadilhas. Elas confundem o que decorre do sexo biológico (a “reprodução” propriamente dita) e o que decorre do gender construído, a saber, os papéis femininos, a relação heterossexual instituída, o papel maternal e sua relação com o papel paternal. Para começar, é preciso basear mais exatamente essas questões nos termos a seguir: a reprodução está necessariamente ligada à feminilidade, à relação heterossexual e à função maternal em sua eventual relação com a função paternal?
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Historicamente, não resta dúvida. Essa ligação foi onipresente, com diferentes nuances. Devido a suas predisposições biológicas, aos indivíduos do sexo feminino foram atribuídas a reprodução e as tarefas ligadas a ela. Foram considerados antes de tudo como “ventres”, como instrumentos para perpetuar a espécie. O gender heterossexual foi construído para esse efeito. Ele constitui um tipo de prisão social e cultural encarregada de subjugar uma categoria de seres humanos num papel sobretudo biológico (a reprodução) e de lhes manter lá por todos os meios. Esse tipo de gender é, portanto, o resultado de uma relação de força, de dominação, de alienação e de opressão apresentada ideologicamente como uma “fatalidade”, um “destino” inscrito na intimidade dos corpos. As conseqüências sociais são incalculáveis.
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Neste início de século XXI, vemos o despertar de uma nova consciência. Assiste-se a uma progressiva libertação em relação à tirania biológica da maternidade. As descobertas técnicas, assim como certas práticas sociais recém-legalizadas, são de uma ajuda inestimável para embasar esse ponto de vista: contracepção, legalização do aborto, AMP (“assistência médica à procriação”), homoparentalidade, GDS (“gestação de substituição”, normalmente chamada de “barriga de aluguel”). Uma mesma lógica atravessa essas aquisições sociais: a dissociação do que havia sido até o momento indevidamente confundido: o sexo e o gender. Não se trata aqui de um jogo de conceitos. Sociedades inteiras estão concretamente impregnadas por essa nova forma de encarar a realidade. Várias vidas humanas são muito intimamente afetadas por isso. Aos poucos,
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os indivíduos dotados de características femininas recebem os meios de se libertarem de restrições biológicas que lhes mantiveram por longo tempo como cativos. Ainda é preciso que esses indivíduos possam ter acesso a essas novas técnicas e exercer seu controle. Os indivíduos dotados de características masculinas, com efeito, perigam de confiscar essas ferramentas e reforçar seu poder. Porém, a história está em marcha e “direitos reprodutivos” foram promulgados para combater esse perigo. As mulheres adquiriram, enfim, a propriedade de seus corpos e tomaram as rédeas de seu destino. A fabricação de úteros artificiais muito provavelmente marcará o advento de uma nova era nessa área. Quando a tecnologia tiver vencido com êxito esse desafio, os indivíduos do sexo feminino estarão enfim plenamente libertados das servidões da reprodução. Elas poderão
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exercer sem entraves sua “livre escolha pela reprodução”, com quem elas quiserem, quando elas quiserem e da forma como quiserem. Observemos o deslizamento do vocabulário. Não se fala mais de “procriação”, conceito muito ligado à ilusão de um Deus criador, mas de “reprodução”, termo que, até aqui, pertencia principalmente ao mundo dos animais ou dos objetos. Evita-se empregar categorias como “pai”, “mãe”, “paternidade”, “maternidade”, pois eles misturam nas representações culturais o sexo e o gender. A “mãe” não passa de uma construção psicossocial, um papel mais ou menos livremente endossado. É melhor falar de função maternal, ou de maternalidade, que pode ser exercida por um indivíduo do sexo feminino, neutro, masculino ou mutante. Mais radicalmente ainda, a maternalidade, com sua referência implícita à paternalidade,
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não permanece ligada demais ao gender heterossexual? Não seria preferível utilizar o termo “parentalidade”? De maneira geral, é melhor falar com palavras ou claramente biológicas ou claramente funcionalistas (ou então forjar a necessidade de se usá-las). Analogamente, é necessário evitar um vocabulário que una esses dois registros, sob pena de ver-se perpetuar indefinidamente a nociva dominação do gender heterossexual, com sua corte de injustiças, violências e opressões.
2. Desconstrução da família A desconstrução da maternidade pressupõe e implica a desconstrução da estrutura familiar clássica, burguesa ou tradicional: dois indivíduos adultos de sexos diferentes, tendo estabelecido uma relação estável e exclusiva e exercendo funções reprodutivas e parentais. Ao se olhar de perto, tal agenciamento de indivíduos humanos não é tão inocente quanto parece à primeira vista. Na realidade, é o produto de uma cultura em que o homem do sexo masculino se constituiu senhor, confinando “o sexo fraco” às tarefas ligadas à reprodução, imaginando para esse efeito um estereótipo feminino determinado: o da mulher submissa, passiva, pouco racional, próxima do biológico, aquartelada numa casa, esposa e mãe. Segundo essa mesma lógica, o “sexo forte” se criou também de acordo com um estereótipo
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determinado: o do homem dominador, ativo, racional, criativo, trabalhador, marido e pai. Articulados um no outro, esses dois posicionamentos forjam o gender heterossexual de onde derivou a “família”. Essa realidade social é, portanto, artificialmente construída a partir de relações de desigualdade e opressão. Ela não é nem “natural”, nem divinamente garantida. Ela não tem que se impor aos outros genders como sua referência absoluta, como foi o caso desde tempos imemoriais. Há milênios, de fato, a família esconde de todo o mundo, e talvez dela mesma, sua verdadeira origem: o poder e a dominação da classe do “sexo forte”. Ela secreta por todo lado sua mentira de uma origem supostamente natural ou mesmo divina e, portanto, a única autorizada. Como vimos no item anterior, ela é um gender hegemônico e totalitário que não reconhece sua situação de
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gender. Ela secreta o mito segundo o qual ela, e somente ela, estaria fundamentada no “ser”. Sofrendo de gender-blindness (cegueira de gender), ela se erige em norma indiscutível e em censor impiedoso de todos os genders. Ora, outras configurações familiares são possíveis, desejáveis e mesmo preferíveis. Existem outros modelos familiares, conseqüências e princípios de outros estilos de vida. Várias combinações são possíveis, por exemplo as famílias homoparentais, as famílias monoparentais, as famílias recompostas e as famílias surgidas de uniões estáveis.[ 51 ] Eis porque não se pode mais falar “da” família, no singular, como se o modelo heterossexual burguês fosse o único, mas das famílias, no plural, ou da família polimórfica. E outras configurações familiares ainda estão para serem inventadas! Contudo, de um ponto de vista
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estratégico, no momento elas são ainda transgressivas demais, talvez, e se arriscariam a ser rejeitadas por uma sociedade sempre muito afetada pelo traumatismo heterossexista. Esses novos modelos familiares apresentam a grande vantagem de separarem sexo e gender. Eles favorecem a edificação de cada um segundo sua opção, na descontinuidade entre o biológico e o cultural. Os filhos que crescerem em tais configurações serão, desse ponto de vista, afortunados. Em nome da não discriminação, é preciso cuidar das crianças que não tiveram a chance de crescerem num meio heterossexista. Programas escolares são introduzidos para retificar os condicionamentos ideológicos que elas sofrem em suas famílias marcadas pelo biológico e marcadas pelo gênero. Esses programas objetivam despertar a consciência para imagens, conceitos e papéis
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sexo-específicos que lhes fazemos desempenhar e que eles tendem a reproduzir mais tarde. Convém investir de modo prioritário na educação. O que está em jogo é capital para a construção da sociedade do futuro. Quaisquer que sejam as convicções de seus pais,[ 52 ] os futuros cidadãos devem ter acesso desde a infância, de um lado, a uma consciência crítica do universo no qual eles se movem, e, de outro, à liberdade de escolha. O ideal seria a supressão pura e simples da família biológica, estrutura violenta e opressiva há milênios, indo ao encontro dos interesses mais profundos de todos os seres humanos e das mulheres, em particular. Mais precisamente, o ideal seria que uma configuração assim apareça como um gender entre os vários possíveis, que possamos eventualmente escolher[ 53 ] com toda a liberdade, advertidos das armadilhas e das
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ambigüidades sexistas com que essa configuração está e estará para sempre marcada.
3. Desconstrução da linguagem Ligados a essa gender approach da maternidade e das famílias, os gender studies foram levados a tratar da linguagem pelo que as feministas norte-americanas chamaram de French feminists. Esses estudos se inspiram em certas correntes psicanalíticas e neoestruturalistas. Elas consideram que uma linguagem expressa sempre, mais ou menos diretamente, as relações de poder que existem entre os diferentes genders, seus interesses convergentes e conflituosos. No âmbito de nossas sociedades pós-modernas, a linguagem é o resultado de um posicionamento heterossexista, alienante para as mulheres. Hegemonicamente, esse estereótipo de linguagem “marcada pelo gênero” modelou tudo. O mundo está banhado, por assim dizer, nas palavras,
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numa gramática, em símbolos, num imaginário e em concepções falocráticas. O mesmo se dá em relação à racionalidade. Esta porta o selo da potência masculina por sua sistematicidade e seu esforço constante de tudo unificar para melhor dominar. Para Luce Irigaray, a linguagem masculina se reconhece por sua pretensão unificadora. Ela é terrivelmente significativa na aventura da cultura ocidental. O gender feminino, por outro lado, habita o espaço do não-um, da destotalização. “A mulher”, ela fala. Mas não “semelhante”, não o “mesmo”, não “idêntica a si” nem a um X qualquer, etc. Fala “fluido”.[ 54 ] Fala de maneira sugestiva, multidimensional, móvel, circular, subversiva – inclusive nos “espaços” de seu discurso –, plural segundo as perspectivas divergentes, não perdendo nunca de vista o singular. Eis a “lógica” do feminino, bem diferente da atribuída por certos
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movimentos feministas que reivindicam a pura igualdade com o masculino. A mulher deve falar “mulher”. É preciso evitar a todo custo que ela seja assimilada ao masculino. Haveria, segundo Luce Irigaray, uma “essência feminina do discurso” prévia ao gender? Sim e não. Não, na medida em que, para essa psicanalista, a fala desempenha um papel determinante na constituição do sujeito. “Falo, logo sou”. É falando que sou. É falando “homem” que sou homem e é falando “mulher” que sou mulher. Isso quer dizer que não há diferença essencial entre a fala masculina e a fala feminina? Luce Irigaray se refere a uma “física do líquido”, que ela distingue de uma “física do sólido”. Para Monique Wittig, essa questão não se coloca. A “mulher universal”, ou mesmo o “feminino”, não existe. A linguagem é absolutamente primeira. Tudo é linguagem. “Deus diz e assim se faz”, lemos no primeiro
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capítulo do Gênesis. Em nosso universo desimpedido da ilusão religiosa, isso significa: “A linguagem humana diz e assim se faz”. Ela tem um poder criador. Ela faz o que diz. Ela é performance ou performação. Fazer é ordenar, fazer existir e fazer desaparecer, instituir, constituir e destituir. Manipulada pelos homens, a linguagem ocidental, segundo Monique Wittig, construiu um universo heterossexista a partir do seguinte raciocínio ideológico: há a ordem natural e normativa; somente o gender heterossexual está fundamentado sobre essa ordem; então, os outros genders são antinaturais; então são desordenados e ilegítimos sob todos os pontos de vista. Esse tipo de raciocínio e de linguagem é imposto à força de repetições compulsivas e encantatórias. Ela se institucionalizou de várias formas nos diferentes aspectos da vida social, educativa, cultural, política, religiosa.
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Está historicamente na base de um sistema opressivo e injusto em relação aos outros genders e em relação ao próprio autêntico gender heterossexual. É chegada a hora de sacudir o jugo dessa potente tirania. É preciso inventar uma nova linguagem e uma nova gramática, substituindo, por exemplo, todos os termos “gênero-específicos” (pai, mãe, marido, mulher) por termos “gênero-neutros”. Para Judith Butler, dando prosseguimento a Monique Wittig, que muito a inspirou, a linguagem não tem existência prévia ao contexto social. Ela é sempre tecida a partir dela e dos jogos de poder que a caracterizam. Não é de forma alguma “neutra”. Não permite aos indivíduos humanos se definirem por si mesmos e inventar sua própria subjetividade. Ela é sempre orientada e orientadora. Assim, a categoria de “mulher”, tal como é utilizada na
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Declaração universal dos direitos do homem de 1948, depende das estruturas da linguagem “falocêntrica”.[ 55 ] Ela é, portanto, um produto direto do poder patriarcal. Como revirar esse universo opressivo e totalitário de signos e significações, sem cair no sentido dialético oposto? Judith Butler prega a subversão da linguagem, lugar estratégico para o surgimento de uma nova cultura: insuflar confusão nas palavras e na compreensão dos conceitos; nunca fixar a priori e para sempre; promover a instabilidade permanente da fala; anuviar todo traço de diferença sexual no simbólico do discurso. Nossa filosofia desvia assim o sentido da linguagem comum, joga com enunciados paradoxais, provoca importantes derivas significantes, apaga as referências ao mundo da natureza, estabelece a dúvida e a suspeita
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como únicos modos de relação legítima com culturas passadas e atuais, insere a dissensão no que funda e estrutura tradicionalmente as identidades, tolda os traços familiares e sociais, priva os sujeitos individuais e coletivos de suas referências simbólicas, destitui os códigos lingüísticos, esfacela a razão, que ela qualifica de “ocidental” e de “hegemônica”. Coerente com ela mesma, ela reajusta e reinterpreta regularmente seus próprios propósitos, o que os torna difíceis de “circunscrever”. As desconstruções das feministas radicais jogam tudo no fogo.[ 56 ] Nenhuma área escapa à sua lógica extremamente rigorosa, que se desenvolve a partir de seu postulado de base: a separação entre o sexo e o gender e a “neutralização” dos sexos. Têm como objetivo primeiro provocar o esfacelamento da antiga ordem e favorecer o despertar de um mundo novo. São revolucionárias. Como
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imaginar e apressar esse mundo futuro? Prossigamos com sua maneira de pensar, seus conceitos e suas linguagens.
4. Rumo a um mundo pós-sexual Segundo as radicais do gender, os sexos não possuem em si qualquer consistência especificamente humana. Puramente naturais – no sentido materialista do termo –, não são portadores de qualquer indício ético e muito menos metafísico. Afirmar o contrário remete a uma impostura da hegemonia heterossexista manipuladora. A sociedade deve caminhar resolutamente rumo a uma dessexualização ideológica, isto é, rumo a um apagamento de toda distinção fundada no sexo. Acabou-se o tempo em que os indivíduos do sexo masculino aprisionavam os indivíduos do sexo feminino numa prisão biológica que decretavam como “ontológica”. Acabou-se o tempo das discriminações biológicas. Não, as mulheres não estão mais próximas da natureza e os homens não estão mais próximos da cultura.
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Não, as mulheres não são feiticeiras dotadas de poderes naturais obscuros, a começar pelo da reprodução. A categoria filosófica de sexo deve, portanto, desaparecer ou, pelo menos, ser esvaziada de sua substância significativa forjada pela cultura heterossexista. Ela é uma representação nefasta que está na origem de tantas lutas, violências e sofrimentos. É certo que o feminismo radical fala muito da distinção entre sexo e gender. Mas é para aboli-la no final, em benefício exclusivo dos genders. Essa distinção subversiva foi elaborada para manifestar aos olhos de todos o que estava mascarado há milênios. Ela é um instrumento de libertação, uma ferramenta revolucionária. O objetivo final é uma sociedade “pós-sexual” ou “assexual”, ou seja, uma sociedade em que os sexos sejam totalmente constituídos pelos genders.
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Isso quer dizer que as diferenças biológicas inscritas nos corpos não devem mais ser levadas em conta. Mas a seu justo lugar! Como tais, elas são humanamente insignificantes. Daí a possibilidade, para quem assim decidisse, de proceder a uma série de operações de transformação biológica. Todavia, essa possibilidade não é de forma alguma uma necessidade. Se for o caso, se o gender não tivesse outra opção além de mudar o corpo no qual é afetado, isso seria paradoxalmente reconhecer no corpo uma certa significação, a saber, uma realidade que exige sua modificação. Não, os sexos, que eles sejam operados ou não, são e continuam a ser neutros, totalmente produzidos pelo gender escolhido, integralmente assimilados. Nesse sentido, em todo rigor dos termos, não se pode dizer que o feminismo radical promove um modelo unissexuado ou andrógino, exceto
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talvez em algumas ocasiões por motivos estratégicos. Não, ele encoraja todas as sexualidades possíveis e imagináveis, desde que estas sejam as expressões de genders voluntariamente criados. Ele exorta os seres humanos a “escreverem seus corpos” nessa dinâmica. Essa sociedade pós-sexual é, portanto, chamada a transferir para os genders o que as sociedades antigas indevidamente atribuíram aos sexos. Esses genders são evidentemente múltiplos. Cada cidadão deve – ou deveria – livremente imaginar e decidir seu próprio gender, seu estilo de vida, suas preferências, sua orientação sexual, assim como a configuração familiar. E tudo isso, bem entendido, independentemente do sexo biológico. Os genders se inventam ao sabor dos projetos sociais e individuais, para além das restrições fisiológicas dos sexos. Convém sair de um longo passado naturalista
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alienante, se desfazer dele, favorecer o livre surgimento de vários genders, promover sua mobilidade e sua fluidez, encorajar as formas inovadoras e paródicas. Cabe ao Estado proteger e promover os genders, evitando toda discriminação, a começar pela baseada no sexo. Nesse sentido, deve ficar particularmente atento e firme em relação à configuração familiar biologizante tradicional e às leis opressoras que esta erigiu com o passar dos séculos. O ser humano tem direito – e até mesmo o dever, enquanto ser humano – de inventar seu gender como bem entender e fazê-lo evoluir durante a vida. Essas afirmações não são vagas idéias lançadas no ar. Não; com a ajuda de importantes orçamentos, elas se difundem por todo lado na cultura e no ensino. Elas se inscrevem aos poucos nas legislações e são seguidas de efeitos concretos. Assim, em
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2007, no Reino Unido foi votado um regulamento sobre a orientação sexual que excluiu a adoção das instituições católicas porque elas recusaram a adoção dos genders homossexual e lésbico. Na mesma dinâmica, em 2010, uma lei do Distrito Federal de Colúmbia legalizando o casamento homossexual contém dispositivos que forçaram a arquidiocese de Washington DC a fechar suas instituições de adoção e parar de oferecer alocações familiares a seus empregados. Em março de 2011, um tribunal do Reino Unido proferiu uma sentença histórica proibindo um casal cristão de adotar um filho, fundamentando somente que eles eram desfavoráveis à homossexualidade. O tribunal decidiu que a liberdade religiosa não poderia suplantar o direito que proíbe a discriminação sobre o fundamento da orientação sexual. Mesmo se não recebem esse nome, trata-se na
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realidade de aplicações da gender theory, ativa por trás da expressão “discriminação sobre o fundamento da orientação sexual”.
5. Rumo a um mundo transgender Esses novos genders, cada vez mais protegidos e promovidos pelas leis, perigam, contudo, levar a humanidade a aceitar novas relações de dominação. A novas classes, novos conflitos. Como escapar dessa dialética de oposição? A resposta é simples: abolindo a diferença entre os próprios genders. “Parece inegável”, escreve Susan Moller Okin, “que a dissolução dos papéis de genders contribuiriam para promover a justiça em toda a nossa sociedade”.[ 57 ] No mesmo espírito, Monique Wittig emprega gender no singular.[ 58 ] Não há dois genders, nem sete nem cem. Só existe um. Mais precisamente, há ao mesmo tempo uma infinidade de genders e um só gender. Segundo uma perspectiva individualista, cada um cria e descria seus papéis como bem entende, num caos harmonioso. Segundo
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uma perspectiva mais estrutural e impessoal, cada cidadão é criado e descriado num tipo de jorro e efervescência onde as categorias de genders são desenclausuradas. Sem oposições de classes. Sem diferenças. Fim da relação dialética entre os oprimidos e os opressores. Fim do combate. Fim das hostilidades milenares. A distinção entre os inúmeros genders é transcendida. Os genders são transgenerados. Esse gender único não deve ser concebido como um universal totalizante, o que seria ainda um resíduo do colonialismo rasteiro da razão ocidental moderna e pré-moderna. Não, ele é um universal em perpétua mudança, uma diversidade dinâmica continuamente renovada, uma energia da plasticidade indefinida, uma pura criatividade desprovida de toda norma e de todo modelo, uma atividade em livre trabalho de ressignificações, uma
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performatividade em perpétua sobredeterminação de si mesma. Esse gender, único sem ser unitário, evoluindo para além de todos os genders, é chamado de transgender. Ele designa maneiras de viver para além das categorias de sexo e gender.[ 59 ] Ele indica papéis que constituem integralmente os atores que os inventam. O transgender é um agir, não um sujeito. O substrato individual só existe nesse agir, na sua produção relativamente fugidia e provisória. Tomemos a comparação de uma gigantesca peça de teatro em que se apresentam um número indefinido de pequenas cenas, que se cruzam e se entrecruzam, numa improvisação livre, ao mesmo tempo cômica e trágica. Durante a representação, cada ator não existe por si e em si. Ele existe unicamente como papel que a ele foi atribuído pelos outros atores. Assim, em nosso mundo, sujeitos sem consistência
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ontológica fazem existir e desaparecer seu personagem por meio do exercício fugaz de múltiplos genders. Mas, diferente da peça de teatro, não há nem três sinais para marcar o início da representação, nem os aplausos quando a cortina abaixa. O jogo dos genders – ou do transgender – não tem nem começo nem fim. Ele é contínuo. Tudo é representação no sentido ativo do termo. Tudo é performático. Não tem ninguém por trás dos personagens. Tudo é teatro, ou mais precisamente, jogo teatral. O ator mais representativo é o travesti. Este é muito mais liberado das restrições naturais do sexo que o transexual – pré, pós ou não operado – ou que o hermafrodita. Suas performances expressam melhor que as de ninguém as do transgender polimorfo, subjetivo, à la carte, sem limite, indefinido, constituindo suas orientações sexuais ao sabor de sua fantasia.
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O travesti é o herói dos tempos pós-modernos, seu profeta mais esclarecido. Por seus desempenhos de papéis, ele coloca em crise não somente a doutrina heterossexista, mas também as concepções de um gender que seriam congeladas, unívocas, retificantes, fixistas, categóricas demais. Seu agir traz uma subversão salutar, no seio inclusive de teorias de gender que seriam contaminadas pelos vírus essencialistas ou diferencialistas.
51 Cf. Lacroix, Xavier. De chair et de parole, op. cit., p. 15-63: “Todos os modelos familiares são válidos?”. 52Na Alemanha, pais proibiram seus filhos de participarem de cursos compulsórios de educação sexual inspirada na gender theory. Por esse motivo, foram condenados, em fevereiro de 2011, a 43 dias de prisão. 53Construir uma família é, é claro, objeto de uma escolha, mas nunca no sentido em que os mantenedores do gender entendem. Cf. a esse respeito o belo livro de Lafitte, Jean. A escolha da família. São Paulo, Edições Loyola, 2012. 54Irigaray, Luce. Ce sexe qui n’en est pas un. Paris: Minuit, 1977, p. 111.
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55“Falocentrismo” é um neologismo forjado a partir de três termos: “logos”, “falo” e “centrismo”. 56Nesse contexto, o Pontifício Conselho para a Família publicou em várias línguas um Lexicon dos termos ambíguos e controversos sobre a família, a vida e as questões éticas. O objetivo desse Lexicon, lançado em francês em 2005, é “fornecer um estudo e uma crítica da teoria do gênero e de seus conceitos, fundamentada em princípios de razão e não, em primeiro lugar, inspirar considerações religiosas” (Natrella, Tony. Gender. La controverse. Paris, 2011, prefácio, p. 23. Esse pequeno livro reúne sete trabalhos sobre gender derivados do Lexicon). 57Moller Okin, Susan. Change the Family, Change the World. In: Tune reader, March-April 1995, p. 75. 58Wittig, Monique. Le point de vue universe ou particulier, p. 112, citado por Butler, Judith, Trouble dans le genre, op. cit. p. 88-89. 59“O termo ‘transgênero’ é utilizado para designar as vidas e as experiências de um grupo diversificado de pessoas que vivem fora de normas relativamente às categorias de sexo/ gênero. A comunidade das pessoas transgeneradas compreende transexuais (pré, pós e não operados), travestis, drag queens, passing women, hermafroditas, stone butches e diversos fora da lei do sexo que desafiam as taxonomias reguladoras do sexo e do gênero” (Namastè, K. “The Politics of Inside/Out: Queer Theory, Poststructuralism, and a Sociological Approach to
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Sexuality”. In: Seidman, S. [Ed.]. Queer Theory/Sociology. Cambridge/Oxford: Blackwell, p. 28).
CAPÍTULO IV
OS ALIADOS HISTÓRICOS DO GENDER RADICAL
a terra natal do gender ou, pelo menos, da gender theory. Contudo, constatamos que essa teoria ultrapassa a causa das mulheres e até mesmo que está fundamentalmente ligada ao feminismo radical, não tanto em seu axioma fundamental, mas em seu projeto. Voltaremos a esse ponto em nossa conclusão. Evocaremos agora, brevemente, algumas correntes que compartilham as mesmas teses. O FEMINISMO RADICAL NOS PARECEU
1. Movimentos homossexuais e de lésbicas Aqui, os oprimidos não são em primeiro lugar as mulheres, mas os homossexuais. Contudo, como no feminismo radical, os opressores continuam a ser os heterossexuais. Estes últimos, como proclamam os movimentos homossexuais e de lésbicas, impõem seu modelo a todos. Eles se consideram vivendo em conformidade com a natureza, de maneira verdadeira e, portanto, normativa. Fazendo isso, eles julgam os comportamentos homossexuais como antinaturais, anormais, desviantes, transgressores, patológicos. Sua recusa categórica da adoção de crianças por um casal homossexual dá um sinal ao mesmo tempo triste e violento. Ora, sempre segundo esse discurso, a atração supostamente natural pelo outro
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sexo é, de fato, o resultado de um condicionamento social, de uma construção. Ela não é mais natural do que outra. Os homens e as mulheres são sexualmente polimórficos. O desejo não é em si heterossexual. Ele é orientável de várias formas. Tudo é gender. A homossexualidade é um gender à parte, não uma sombra do real, uma cópia mal feita, uma careta da heterossexualidade. Não à homofobia, ao medo e à discriminação do gender homossexual. Não à heterossexualidade obrigatória dos homens e das mulheres. Não à marginalidade das sexualidades taxadas de alternativas. Não ao terrorismo do gender heterossexual. Tudo é uma questão de livre preferência, de escolha de orientação, de opção autônoma por um estilo de vida. Os sistemas dominantes e dominadores estabelecidos pelos heterossexuais são artificiais. Eles devem ser desconstruídos, a
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começar pelo da família tradicional baseada num fato simplesmente biológico: a diferença dos sexos. O mesmo se dá para todas as realidades sociais e culturais. Ao liberar as mulheres de restrições inerentes a seu sexo, o gender lésbico oferece o mais belo florão à cultura, contrariamente ao gender heterossexual, que submete as mulheres ao reino do biológico infra-humano. A lésbica transcende seu sexo e vive plenamente na liberdade criadora. Ela não se define, em primeiro lugar e antes de tudo, em relação às leis da natureza e conforme a sua relação com um homem. Ela se autoposiciona plenamente por si mesma e a partir de si mesma. Se no gender heterossexual, a categoria de mulher se apreende em sua ligação com a do homem, a lésbica não é uma “mulher”, propriamente falando, mas possui outra “configuração identitária”.[ 60 ] Assim, esse indivíduo
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terceiro oferece a todos os seres humanos a esperança de escapar da escravidão programada da natureza e dos homens. O lesbianismo, aqui, se percebe e se pensa como profético.
2. Queer theory O feminismo radical encontra um segundo aliado no que foi denominado teoria queer. Queer, em inglês, significa “bizarro”, “estranho”, “torto”, “vesgo”. Na gíria, esse adjetivo é utilizado como um insulto cujo equivalente em francês seria “puto”, “efeminado” ou “pederasta”. Ele qualifica uma práxis e uma teoria que habitam o universo da exclusão e da margem. Desse lugar, os queers confrontam as restrições da maioria que se autoproclama “normal”. Apoiando-se na exceção, eles combatem a regra, quebram os “códigos” e colocam em questão toda identidade socialmente normativa. Elaborada por Teresa de Laurentis, a queer theory estréia na política nos EUA no fim dos anos 1980, em torno da mobilização contra a AIDS. Judith Butler, que se considera apenas como feminista,
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desempenhou um papel central no desenvolvimento dessa teoria. A contragosto, ela recebeu o título de “rainha do queer”. A exclusão de que são vítimas as mulheres e os homossexuais, afirmam os queers, é reveladora do sistema dominador heterossexual, que se baseia nas supostas leis da natureza.[ 61 ] Como subverter as falsas evidências sobre as quais se assentam as noções de identidade, de diferença dos sexos, de relações sociais? Como anuviar essas referências e essas fronteiras que destilam, há tantos séculos, suas certezas assujeitadoras? Pela paródia, pela teatralização e por todos os outros meios capazes de desvelar os mecanismos de poder. Alguns chegarão até a promover “sexualidades alternativas”, como a pornografia, a prostituição e as práticas sadomasoquistas.[ 62 ] Pois, segundo os queers, o corpo humano não possui
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nenhuma verdade natural. Tudo é cultural, tudo é gender. O corpo, a sexualidade e os comportamentos que são atribuídos a ele não passam de resultados de representações convencionais e arbitrárias, historicamente situadas. Eles são moldados por desempenhos sociais em perpétua evolução.
3. Existencialismo, ultraliberalismo, estruturalismo e neomarxismo Quem cria o gender? Ou o que cria o gender? Como nos demos conta em várias situações, duas perspectivas se cruzam e se conjugam: de um lado, a dinâmica individualista estabelecida, por exemplo, no existencialismo ateu e no ultraliberalismo; de outro, a dinâmica sistêmica como aparece, por exemplo, no neomarxismo e no estruturalismo.
a)PERSPECTIVA INDIVIDUALISTA: EXISTENCIALISMO ATEU E ULTRALIBERALISMO “Que é uma mulher?”,[ 63 ] pergunta-se Simone de Beauvoir em sua célebre obra de 1949, O segundo sexo. “Nenhum destino biológico, físico, econômico define a figura da fêmea humana que reveste-se no seio da sociedade: é a civilização como um todo que
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elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificamos de feminino”.[ 64 ] Mesmo se a palavra ainda não é pronunciada, o gender faz aqui sua aparição conceitual. Para Simone de Beauvoir, trata-se de se livrar dessa herança pesada para se inventar como sujeito, para se tornar o resultado sempre novo de seu próprio projeto, para viver livre e autônoma. Nesse sentido, “não se nasce mulher: torna-se mulher”.[ 65 ] O existencialismo ateu é uma tentativa de absoluta autodeterminação de si para si. Sob esse aspecto, convém se libertar das restrições naturais, a começar pelas relativas à maternidade. É claro que “a mulher, como o homem, é seu corpo, mas seu corpo não é ela, é outra coisa”.[ 66 ] Ele é fonte de alienação e a mulher pode sentir mais particularmente essa alienação a cada mês. Ela passa por uma experiência ainda mais
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nítida quando “o ovo fecundado desce ao útero e aí se desenvolve”.[ 67 ] É certo que Simone de Beauvoir não coloca em questão a diferença biológica entre os sexos. Porém, ela declara a profunda insignificância dessa diferença. A ênfase é posta na pura liberdade do sujeito, o que tem uma ligação com o pensamento ultraliberal. Há três séculos, na verdade, a crítica liberal convoca “à ‘liberalização’ da sociedade”, isto é, à extensão do campo máximo da autonomia dos indivíduos. Ora, aos olhos de certos ultraliberais, a natureza e o sexo do indivíduo aparecem como o que freia e restringe a autonomia total que eles reivindicam. Como ultrapassar esse limite biológico? Tornando-a insignificante e proferindo o axioma do gender radical: tudo é construção. A crítica ultraliberal, então, leva o individualismo mais longe do que
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nunca. Ela atravessa a fronteira da liberdade encarnada. Ela convida todos a desempenhar os papéis que desejam, a adotar todas as “posturas” sociais que têm vontade de assumir – em suma, a aumentar sua autonomia para além dos limites de seu corpo e de seu sexo.
b)PERSPECTIVA ESTRUTURAL: NEOMARXISMO E ESTRUTURALISMO O ultraliberalismo desenvolve, dentro do possível, a “liberdade” do gender. Quanto ao seu amigo inimigo, o neomarxismo, ele insiste na ação das estruturas socioeconômicas e políticas. São elas as principais operárias dos genders. Para fazer evoluir estes últimos, é preciso então, em primeiro lugar e antes de tudo, agir sobre as estruturas. O neomarxismo, à sua maneira, testemunha a realidade dos determinismos
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coletivos, que, segundo essa vertente, são anteriores à autodeterminação dos indivíduos. Em grande parte, o movimento estruturalista se desenvolveu nessa perspectiva, como, aliás, o culturalismo construtivista. Para Michel Foucault, o indivíduo como tal não existe. Só subsistem as estruturas de poder, ou mais precisamente, o exercício de relações de poder que pertencem a todos e a ninguém. A “realidade” é como uma rede instável em que as múltiplas forças se enfrentam. O campo de batalha contínua constrói o que Foucault chama de “si” dos indivíduos. Ele forma-o, fixa-o, mantém-no e o transforma. “O indivíduo não é um tipo de átomo que lhe serviria de ponto de aplicação, mas é constituído por ele, e ele o veicula”.[ 68 ] São os sistemas de poder que produzem os sujeitos, e não o inverso. Somos todos
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“assujeitados”, isto é, constituídos enquanto sujeitos pelo poder. Esta é a grade de leitura a partir da qual o filósofo francês elabora sua História da sexualidade.[ 69 ] Em concordância com ele, Monique Wittig afirma: “É a opressão que cria o sexo e não o inverso”.[ 70 ] É um poder patogênico marcado pela heterossexualidade que constrói socialmente os sexos – principalmente por intermédio de um discurso supostamente científico – e que institui relações de dominações entre eles. Na mesma linha, Judith Butler afirma: “o heterossexismo e o falocentrismo são regimes de poder que buscam estender sua dominação pela repetição e a naturalização de sua lógica, de sua metafísica e de sua ontologia”.[ 71 ] Daí sua vontade de criar um novo paradigma que escaparia ao trágico assujeitamento dos indivíduos à “heterossexualidade obrigatória”.[ 72 ]
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60Cf. J. Heyes, Cressida. “Between Theory and Practice: MacKinnon and Feminist Activism”, in: Line Drawings: Defining Women through Feminist Practice. Ithaca: Cornell University Press, 2000, p. 149. 61Marie-Hélène Boucier, por exemplo, critica violentamente “a república straight”, isto é, o sistema de dominação da raça branca, masculina, heterossexual (Sexpolitiques, Queer Zones 2, La Fabrique, 2005). 62Em sua obra intitulada Unpacking Queer politics (2003), que se pode traduzir por “Desempacotando a política queer”, Sheila Jeffreys mostra que a promoção desse tipo de comportamento não serve nem um pouco à causa queer e mais amplamente à causa feminista, pois reforça na realidade o poder do macho dominador que elas pretendem combater. 63O segundo sexo I. Tradução Sérgio Milliet. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970, p. 9. 64Ibid., p. 285. 65Ibid., p. 285. 66Ibid., p. 49. 67Ibid., p. 49. 68Carniaux, Benoît. Une généalogie de la philosophie féministe nord-américaine, op. cit., p. 32. 69Foucault, Michel. História da sexualidade. 3 tomos. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guillon Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
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70Wittig, Monique citada por Jackson, Stevi. Récents débats sur l’hétérosexualité: une approche féministe, in : Nouvelles questions féministes, vol. 17, no. 3, août 1996, p. 12. 71 Butler, Judith. Gender Trouble, op. cit. p. 108. 72Ibid., p. 53.
CAPÍTULO V
DIÁLOGO, ESCUTA E AUTO-REVELAÇÃO DO GENDER RADICAL
NOS CAPÍTULOS ANTERIORES,
conseguimos perceber a intuição fundamental dos gender studies, para aquém ou para além das diversas correntes. Com a ajuda do feminismo radical, entramos no interior da gender theory, que é muito mais lógica e sistemática do que deixa transparecer numa primeira abordagem. Compartilhamos seu movimento, seu dinamismo. Ressaltamos seu axioma de base e seu correlato essencial: somente o gender pertence ao especificamente humano; correlativamente, os diferencialistas heterossexistas estão na origem de profundas violências. Neste último capítulo, propomos estabelecer um
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diálogo em torno da identidade humana que decorre de tal teoria. Gender, quem é você?
1. É possível estabelecer um diálogo? Se quisermos dialogar com os defensores do gender radical, nos arriscamos a ouvir: “Sua proposta, sua linguagem e seu tipo de racionalidade emanam do gender heterossexual. É certo que você pode debater conosco sobre o conteúdo de um ou outro gender, sobre sua utilidade social, sobre sua articulação com outros genders. Você é bem-vindo à mesa de discussão, assim como os outros genders. Impomos-lhe, contudo, uma restrição não negociável: você não pode mais questionar a idéia de que tudo é gender e, conseqüentemente, que a ‘realidade’ natural é radicalmente insignificante. O que você chama de ‘natureza’ não pode, de forma alguma, servir de critério de referência para um discernimento sobre os genders. Como diz Judith Butler: ‘Se não existe nada mais além do gênero construído, é porque não há
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nada do lado de fora, nenhuma base epistemológica ancorada num antes pré-cultural que possa oferecer outro ponto de partida epistemológico para um exame crítico das relações de genders tais como existem’”.[ 73 ] “Ademais, se você quiser discutir conosco, você partirá de uma importante handicap em relação aos outros genders”, continuam as feministas radicais, “o seu gender se construiu historicamente sobre um amálgama alienante: o da natureza e da cultura. Para dominar os outros genders, o seu gender heterossexual decretou que era o único fundado na natureza e julgou os outros genders a partir desse dogma ideológico. Agora, basta de justificativas biológicas, essencialistas e hegemônicas. Chega de intolerância assassina e de violências plurisseculares que são o resultado trágico disso. Nada é tabu, nada se impõe
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absolutamente por si mesmo, exceto o fato indiscutível de que tudo é construção social. Se você não aceitar esse axioma fundamental, você negará a própria condição de toda mudança frutífera e gerará os debates na violência ideológica”. A menos que nos “convertamos” à axiomática fundadora do gender radical, nossa palavra é então desacreditada no próprio momento em que surge. Pior ainda, aparecemos como um fator de intolerância, de conflitos e de problemas. Encontramo-nos numa situação de exclusão e de marginalização. Somos um novo tipo de queer. Em suma, a priori não podemos pôr em questão essa idéia reguladora segundo a qual tudo é construção. Teríamos, assim, uma ocasião propícia para as análises nos referindo à experiência, à natureza no sentido amplo do termo, às evidências compartilhadas em geral, ao bom senso
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comum, à história, aos costumes nas diferentes culturas e tradições. Pouco importa! Todas essas observações só fariam acolher a tese da conspiração universal do gender heterossexista ocidental. O gender radical não apenas recusa toda contradição sobre esse ponto capital, mas também desqualifica a priori seus contraditores, considerando-os como ideólogos nocivos. Se tudo é socialmente construído, poder-se-ia objetar, essa teoria não é também o resultado de uma determinada construção social?[ 74 ] Se tudo é interpretação, perspectiva, jogo, papel, em nome de quê a doutrina do gender se apresenta? Não seria ela um produto tipicamente ocidental de fim de último século, que tentaria se impor em toda parte do mundo? “É claro”, responderiam os radicais a essa provocação. “Mas onde está o
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problema? Tudo é relativo ao gender, eis o único absoluto”. Como questionar esse primeiro princípio? Pois se ele for o primeiro de verdade, como afirmam os radicais do gender, ele é indiscutível. Um axioma, segundo a definição do dicionário Larousse, é uma “proposição primitiva ou uma evidência não suscetível de demonstração e sobre a qual está baseada uma ciência”. Só se pode manifestar a veracidade ou a falsidade disso por meio dos efeitos que produz. Uma postura demonstrativa deve então ceder o passo a uma abordagem de demonstração, de escuta “até o fim”, de revelação dos efeitos. De fato, quando se está preso a um sistema assim, não há muitas maneiras de se dialogar. Ou se questiona seu ponto de partida, ou se desenvolve lealmente suas conseqüências quase mascaradas a uma
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conceitualidade atormentada e de difícil acesso. Entre o alfa e o ômega de uma teoria coerente, não há, em geral, nenhuma falha. Sua lógica é implacavelmente impecável e toda crítica, de forma justa parece exterior, superficial, curta demais. Seus dois únicos “aterramentos” críticos possíveis residem em seu terminus a quo e seu terminus ad quem, à tomada de posição inicial e a seu final último. Fiéis à nossa perspectiva, nos limitamos aqui a questões que tocam a identidade humana permanecendo no plano filosófico e acolhendo, num último ponto, uma luz teológica.
2. Espelho de espelho Como constatamos antes, segundo a gender theory não há um “eu” prévio às construções sociais. Tudo é produzido pelo gender, inclusive o “eu”. A identidade pessoal é fruto de uma encenação, de uma mímica, de um jogo, de uma fantasia. Ela é, por essência, teatral. Ela se fixa, “se estabelece, se institui, se move e se confirma”[ 75 ] durante as representações. Ela é uma perpétua reconstituição que, pelo processo de reiteração, se instala no psiquismo do indivíduo e funda a permanência de sua condição. “O ‘eu’ é o efeito de uma certa repetição, a que produz uma imitação de continuidade e coerência”.[ 76 ] Daí sua oscilação sem fim entre estabilidade e instabilidade, papel antigo e papel futuro. Daí também a impossibilidade radical de uma coincidência de si mesmo consigo
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mesmo, de alguma “totalização”. O “eu” é construído e deslocado a cada instante, numa cadeia indefinida de representações. Contudo, para imitar alguma coisa – o gender lésbico, por exemplo – não é preciso que haja previamente um “eu” que possua certa consistência ontológica? Judith Butler nega. “O gender não é a peça que um sujeito primeiro decidiu representar, mas o ato de efetuar uma representação teatral que institui, como efeito, o sujeito que ela parece expressar”.[ 77 ] Nenhum ator preside ao que é representado. Seria uma ilusão crer “que o gender é o efeito de um sujeito primário dotado de vontade”.[ 78 ] O “eu” é pura performance ou performação. É o resultado fantasmático de uma mímica que não reflete nenhuma realidade. É um espelho de espelho. Não passa de “uma aparência de sujeito”,[ 79 ] nada mais. Na verdade, não existe. É puro som, puro vazio. É pura
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representação. É gender em contínuo movimento, sem ser. Desse ponto de vista, o gender travesti é altamente emblemático. “O travesti é a verdade de todos nós. Ele revela a estrutura imitativa do próprio gênero. Todos nós só fazemos nos travestir e é o jogo do travesti que nos faz compreender isso”.[ 80 ] Este coloca em crise a gramática heterossexual dos genders, assim como a própria noção de gender. Da forma mais gritante, ele manifesta que todo gender é uma forma de drag, de disfarce. É nesse sentido preciso que o “eu” é gender e nada mais. Convém então pensar as categorias relativas à identidade fora de toda concepção metafísica da substância. “É preciso considerar a afirmação de Nietzsche em A genealogia da moral (§ 13) de que ‘não existe ‘ser’ por trás do fazer, do atuar, do devir; ‘o agente’ é uma ficção acrescentada à
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ação – a ação é tudo’”.[ 81 ] Inútil postular um agente por trás de um ato (um ‘fazedor’ por trás do ato): “O agente é construído de forma variável no e por meio do ato”.[ 82 ] A identidade é performance, ou uma série dinâmica de performances. É um tipo de ilusão de ótica elaborada por um agir de forma relativamente constante. O “eu sou”, segundo Monique Wittig é “um ser impossível, um ser que não existe, uma piada ontológica”.[ 83 ] O gender e, portanto, toda a realidade, não tem status ontológico. Se ele “é algo que a gente se torna – mas uma coisa que não pode nunca ser –, então ele é, ele próprio, um tipo de devir ou de atividade”.[ 84 ]
3. Na aurora do século XXI “Espelho de espelho”, “piada ontológica”, “o travesti é a verdade de todos nós”. Essas confidências são extremamente poderosas e lancinantes. Quando as escutamos e as acolhemos de verdade, podemos ser atacados de vertigem. Elas vibram em profundas consonâncias com uma cultura marcada pelo virtual, o “surf” nas “realidades desessencializadas”, pelas criações imaginárias onde cada um constantemente se posiciona em uma ou várias “identidades” móveis de sua escolha. O avatar, o surfista, o nômade, a máscara, o ator “multifaces”, o produtor ou o produto, o sem-nome e o sem-memória, o errante, o travesti, o jogador, todos aparecem como os novos heróis e os novos símbolos da identidade – ou da não-identidade – pós-moderna. Ou, para ser mais preciso: a errância, o agir
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nômade, o travestimento, o surf, a autoprodução, o disfarce: “o gender é um ato, uma performance [...] mais que um aspecto essencial da identidade no cerne da identidade”.[ 85 ] As silhuetas em ação se movem num universo em profundas mutações das quais são os vetores apaixonados e os espectadores desconcertados. Como observa Michel Serres, atualmente a humanidade está saindo da era neolítica, caracterizada por uma relação com uma terra determinada.[ 86 ] Ela entra numa nova fase de sua história, marcada pelo empreendimento amplificado do modelo técnico. “Quem sou eu? Um artefato? Uma coisa tecnicamente construída? Um produto cultural? Como conceber esse corpo, que experimento ao mesmo tempo como próximo e longe de mim? Quem é esse ‘eu’ que fala? Ele existe de verdade ou se trata de um simples peão
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sobre o tabuleiro de xadrez, uma engrenagem num grande mecanismo social e até mesmo cósmico, uma estrutura impessoal particular, um pouco mais sutil que as outras? Na multiplicidade de nossas existências compartimentadas, não vivemos um sonho ou um pesadelo acordado, como já se perguntava Parmênides?”. Para se formular a si mesmo essas perguntas que o assombram, o homem contemporâneo apela, sobretudo, para as ciências humanas e para seus discursos operacionais. De fato, há cerca de 50 anos, ele percebe sua identidade pessoal e comunitária principalmente por intermédio das concepções antropológicas elaboradas pelas abordagens psicológicas e sociológicas. No que concerne à identidade gender, o filósofo Michel Boyancé fala de “prisma sociológico”.[ 87 ] O psicanalista Tony Anatrella, especialista em psiquiatria social,
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vai no mesmo sentido. “Na teoria do gênero, o psicológico se confunde com o sociológico na medida em que o psicológico resulta de uma simples adaptação relacional com o meio ambiente. Assim, cada um é feito e desfeito por seu meio, e não a partir de seu ser em desenvolvimento. Assim, os processos psíquicos e o trabalho simbólico da interioridade se encontram evacuados em benefício do legal e do político”.[ 88 ] Ora, “o homem e a mulher não passam de figuras sociológicas”[ 89 ] ou psicológicas. As ciências humanas, enquanto tais, nunca tiveram a pretensão de dizer tudo sobre o ser humano. Em geral, elas têm consciência de proceder com a ajuda de grades de análise que fazem abstração de fatores especificamente humanos. Seus modus operandi são legítimos em suas ordens. Mas se estes são absolutizados, a amplitude e a profundidade do ser humano na sociedade se
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encontrarão necessariamente empobrecidas, reduzidas e ocultadas. Se não estivermos suficientemente atentos aos limites inerentes às abordagens das ciências humanas, mergulhamos num verdadeiro drama psicológico de conseqüências questionáveis. Testemunha das grandes questões veiculadas pelo século XXI, a antropologia do gender radical também tem relação com a derrocada das grandes ideologias. As figuras do surf, do travestimento, da deriva, da errância, do nomadismo e do disfarce se apoderam com ironia de todas essas esperanças perdidas, que não estão, porém, menos pregadas no espírito e no corpo dos indivíduos. Elas lhes propõem uma nova “utopia”, um “sentido” para além do sentido, uma causa a se abraçar após todos esses sonhos humilhados, um combate pela “justiça”, a ser travado contra e em relação a todos – numa só palavra: razões para viver.
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Elas parecem oferecer um último refúgio para as liberdades maltratadas pela volta da força do antigo destino: os imperativos do mercado econômico, as leis das pulsões sexuais e as restrições das estruturas de poder. Elas dão a ilusão de escapar da vida miserável do “último homem” denunciado por Friedrich Nietzsche. No simbolismo nietzschiano, de fato, esse homem desiludido se aproveita da “morte de Deus” instalando-se confortavelmente nos “valores materiais”. Ele pergunta, piscando o olho: “O que é o amor? O que é a criação? O que é a nostalgia? O que é a estrela?” [...] Ele se arrasta pela terra, vivendo na economia até ficar o mais velho possível, desvalorizando tudo. Aqui e acolá, uma pequena dose de veneno: isso faz sonhar agradavelmente. E no fim, por força do veneno, para morrer agradavelmente. E ainda trabalha-se, pois o trabalho distrai.
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Mas cuida-se para que a distração não seja cansaço. [...] Tem-se prudência e sabe-se o que adveio; sem fim, pode-se assim zombar. E ainda briga-se, mas rápido recompõe-se – senão de estragar o estômago. Durante o dia, vivem-se pequenos prazeres e, de noite, mais ainda, mas se venera a saúde”. E a multidão grita: “Dê-nos esse último homem, Zaratustra, torna-nos semelhantes a esse último homem! Super-homem, nós te abandonaremos!”.[ 90 ] “Não”, retrucam os defensores do gender, “não abandonamos o ideal do super-homem. Lutaremos contra todos que se oponham a ele, a começar pelos sedentários da identidade. Estes últimos crêem estabelecer solidamente sua morada no ‘ser’, conquistam as terras dos arredores e escravizam os indivíduos que passam por seu território. Plantados numa identidade que eles apresentam como ‘natural’, esses indivíduos
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são, na realidade, nômades que se ignoram, viajantes alienados e dominadores”. Para combater esses “sedentários”, os radicais do gender utilizam principalmente três causas: a do feminismo, a dos movimentos homossexuais e a das minorias oprimidas. Como já observamos, trata-se de oportunidades históricas que favoreceram o surgimento, o aprofundamento, o desenvolvimento e a difusão da gender theory. Mas esta última se basta por ela mesma, nela mesma e para ela mesma. Como tal, ela não depende de uma determinada classe de indivíduos. Trata-se de uma aliança histórica e estratégica.
4. Dialética das máscaras e do rosto A antropologia gender – que se qualifica de pós-moderna – expressa à sua maneira uma experiência comum a todo ser humano: o enigma da identidade, simbolizada pelo rosto e suas múltiplas representações. Vincent Van Gogh deixou 67 auto-retratos e Rembrandt, 62.[ 91 ] Qual é o verdadeiro? Qual é o mais autêntico? Qual deles os representa melhor? É impossível escapar da busca de seu rosto, e isso desde a idade de seis meses, mais ou menos.[ 92 ] Toda pessoa – e o adolescente em particular – esquadrinha o mistério de sua identidade, ao mesmo tempo mutante e permanente, ao observar vários reflexos que lhe remete seu espelho de forma invertida. Concentra sua atenção em seus olhos, mais precisamente na vida de seu olhar. Ele se compõe de diferentes posturas que dizem, cada uma
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delas, algo do que ele é ou do que ele não é, sem nunca atingir totalmente a intimidade de sua intimidade. Explora o infinito que o constitui. Amplia as facetas de sua personalidade desempenhando papéis diante do espelho, às vezes até ao mesmo tempo. Qual é a verdadeira? Qual é a falsa? Todas? Nenhuma? Esta? Aquela? O que se esconde “por trás” do espelho, esse reflexo apreendido no momento “t”? Tem alguém ali? Ou encontra-se diante de uma fachada mais ou menos sofisticada, diante de caretas do vazio? A qual realidade ou a qual ficção remete essa sucessão de imagens com o passar do tempo? Um homem velho que vive à margem de toda civilização descobre, um dia, no meio de destroços, um espelhinho, estranho objeto que ele vê pela primeira vez. Ele reconhece aí o retrato “mágico” de seu pai, morto há muito tempo. Nessa descoberta, ele se isola com freqüência
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em sua cabana para lhe falar um segredo. Sua mulher aos poucos cede à curiosidade e à suspeita. Um belo dia, ela começa a remexer nas coisas de seu marido que saiu para pescar e encontra o quadro mágico. Ela exclama, logo tranquilizada: “Ah, é só uma velha!”. A que fazem referência esses traços esquadrinhados? A quem pertencem essas primeiras rugas? Quem olha quem? É a pessoa que observa seu reflexo ou o reflexo que observa a pessoa? O culpado pode se sentir condenado por sua própria imagem, como mostrou magnificamente Oscar Wilde em seu célebre romance O retrato de Dorian Gray. Uma anedota autêntica é, desse ponto de vista, altamente significativa. Uma senhora vem se confessar ao cura da cidade de Ars, famoso por sua clarividência. Ao entrar no confessionário, ela exclama: “Senhor cura, como estou feliz, vou poder
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enfim me conhecer, eu me conheço tão mal”. A resposta de João Maria Vianney foi ao mesmo tempo genial e surpreendente: “Oh! A senhora está tão feliz de se conhecer pouco, se conhecesse a metade, não poderia mais se suportar”. A máscara, ou o disfarce, é uma proteção útil e às vezes indispensável contra o desespero. Nesse caso, aparece menos como uma forma de hipocrisia que como um subterfúgio da misericórdia, mais ou menos consciente, para continuar a existir e a caminhar rumo à verdade toda. Quem saberia transcrever o mistério dessa dialética entre as máscaras e o rosto? Os disfarces incessantes dos genders expressam à sua maneira esse enigma lancinante, excluindo a priori a existência do rosto em proveito de uma sucessão e uma superposição indefinida de máscaras. Quem se encontra então diante do espelho? Ninguém. Qual é o princípio de identificação
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dessa sombra, seu princípio de unidade, de desfragmentação, de “recolhimento”? Uma escapada contínua, um deslocamento sem fim, uma narrativa em abismo, um puro movimento sem fronteira, uma borrasca ou um suave zéfiro, uma transgressão de toda definição. Em seu cerne íntimo, a identidade humana consiste num turbilhão carnavalesco que os genders recobrem com seus sobretudos sem forro. A ficção que se percebe diante do espelho é sem rosto, como ilustra admiravelmente o quadro de René Magritte de 1937, intitulado “Reprodução proibida”. Para os radicais do gender, não há dialética entre a pessoa e o reflexo, entre o sujeito agente e o papel. Tudo é transgender. O gender é, por assim dizer, “o caminho, a verdade e a vida”. Tudo é máscara, disfarce. Gender, quem és tu? No sentido estrito, não há ninguém para responder: “Eis-me aqui”.
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Escutam-se somente as vozes em off fabricadas nos estúdios do gender. Tal concepção da identidade, ou mais precisamente da identificação, é trágica. Qual drama se esconde por trás desses mantos do nada, desses personagens duplos, triplos, cêntuplos? As máscaras sempre têm algo de assustador, com seus olhos que não passam de buracos e seus traços congelados, sem vida. Elas só são salvas de sua humanidade, de seu anonimato, de suas caretas obsessoras pela presença dos rostos que elas dissimulam e manifestam ao mesmo tempo. Mas, para os teóricos radicais do gender, o rosto, símbolo eminente da pessoa e da identidade, não existe. Por quê? Não podemos responder até o fim essa inquietante interrogação. Talvez estejamos assistindo ao exagero de uma lógica que somente alguns autores como Judith Butler têm a perigosa coragem de ir a fundo.
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Contudo, tal exagero não é contingente. Ele não ocorre por acaso. Não, ele se situa na necessária continuidade do postulado de base da gender theory: a separação entre o sexo e o gender; a insignificância absoluta do sexo. Se vocês subscreverem essa axiomática, serão, de forma sub-reptícia, conduzidos a essas conclusões extremas, quer queiram quer não, sejam vocês animados por generosas intenções ou não. Se vocês aceitarem essa dissociação inicial, comprarão um bilhete para esse gigantesco baile de máscaras, quer desejem participar dele ou não. E estarão convidando seus amigos. Se vocês se submeterem à gender theory, entrarão e farão entrar num universo sem rosto, hostil em última análise a todos os seres humanos, inclusive para as mulheres, os homossexuais e todas as pessoas oprimidas cuja causa vocês gostariam de defender. As primeiras vítimas
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serão os mais fracos, isto é, as crianças e os adolescentes, cuja identidade em elaboração está, em geral, mais “disponível” às manipulações ideológicas. “Você está exagerando”, poderiam retrucar alguns. Você dá importância demais a Judith Butler que, aliás, é a primeira a fazer a crítica a seus trabalhos. Todos os defensores do gender não chegam a ir tão longe. Nem todos aderem a essas posições extremas. Porém, eles tomam emprestada a mesma rota e param num ou noutro estágio de desenvolvimento dessa teoria. O termo, em geral pouco apreendido, mostra com uma clareza angustiante a inumanidade escondida do princípio fundador. A autorrevelação do gender radical, quando é total, não deixa pairar nenhuma dúvida.
5. Uma luz vinda de fora Como acabamos de evocar por meio da surpreendente réplica do cura de Ars, o baile de máscaras eterno dos transgenders testemunha muitos temores, desesperanças e mágoas. Na aurora do século XXI, existe um tipo de apelo e um desafio lançados na noite. Como escutá-los? E, sobretudo, como abrir um acesso a uma identidade nesse vazio dela mesma? Quais caminhos o cristianismo foi chamado a tomar para ir ao encontro das pessoas marcadas pela gender theory? Eis um esboço muito rápido de ordem teológica. Voltemos a Rembrandt e sua maneira muito pessoal de ver não apenas os rostos, mas também os corpos em seu desamparo. Esse pintor de talento incomparável “não teme as barrigas avantajadas, pregueadas em aventais de pele grossa e gorda, os membros grossos, as mãos avermelhadas e pesadas, os
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rostos muito vulgares. Mas essas ancas, essas panças, essas tetas, essas massas carnudas, esses feiosos e empregadas que ele faz passar da cozinha à cama dos deuses e reis, ele os impregna e os roça com raios de sol que são só dele; ele mistura como pessoa real, o mistério, o bestial e o divino”.[ 93 ] De qual natureza é essa energia solar que transforma numa misteriosa alquimia a carne suja em ouro? Qual é essa luz que “não acrescenta nada ao rosto, que não brutaliza, que não busca saber se existe ainda uma máscara, que ensina somente a ler a história nele?”.[ 94 ] Qual é essa doce iluminação que torna os personagens tão belos, são singulares, tão únicos, quaisquer que sejam suas proporções, sua idade, sua saúde, seus hábitos, sua situação? Rembrandt descobriu a origem dessa luz no rosto e no corpo de um homem em agonia: Jesus de Nazaré. Rembrandt é um “imenso
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pintor cristão”[ 95 ] quando pede a esse rosto, que enxugou todas as derrotas do ser e do tempo, para responder à pergunta que o obsidia: quem sou eu? Ele é um “imenso pintor cristão” quando pede a esse rosto, que saiu vitorioso da morte, do vazio e do abandono, que responda a seu espanto sem fim de existir pessoalmente e de ser singular no seio de uma comunidade de seres singulares. Ao olhar o crucificado do Gólgota, mas também o ressuscitado de um túmulo doravante vazio, Rembrandt atinge pouco a pouco o segredo de sua própria identidade em movimento, assim como a de todos os seres humanos. Ele encontra o caminho, sem arriscar cair na desesperança ou no desaparecimento alienante. Eis porque, quando ele vê os pobres da Holanda, pode clareá-los “com uma luz diferente da das ruas: essa claridade que não tem por fonte o sol ou os lustres, mas que emana [...]
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de Jesus”,[ 96 ] ao mesmo tempo desfigurado e transfigurado. Rembrandt pinta à luz da morte e da ressurreição, que ele faz humildemente brilhar através da carne de seus personagens.[ 97 ] Na presença do Cristo, o homem pode de fato se despojar sem medo de suas máscaras. Ele não deve mais ter medo de sua identidade em movimento ou fugir dela num jogo exaustivo de papéis. “E nós todos”, proclama São Paulo, aos coríntios, “que com a face descoberta, contemplamos como num espelho a glória do Senhor, somos transfigurados nessa mesma imagem”.[ 98 ] Nessa “glória”, o ser humano descobre a significação profunda de todos os disfarces com os quais ele se orna durante sua existência. Estes não são engodos, mas reveladores de sua identidade em elaboração. Eles desvelam seu rosto ao cobri-lo e o cobrem para melhor desvelá-lo.
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73Butler, Judith. Gender Trouble, op. cit. p. 117-118. 74Cf. a refutação argumentada do “construcionismo integral” de Hacking, Ian. Entre science et réalité. La construction sociale de quoi?, Ed. La Découverte, 2001. Essa obra responde à de Searle, John. La construction de la réalité sociale, tradução francesa, Gallimard, 1998. 75Butler, Judith. “Imitation et insubordination du enre”, op. cit., p. 150. Essa maneira de considerar o humano como puro ator tem uma familiaridade profunda com o nominalismo de um Guillaume d’Ockham. Na obra desse franciscano do século XIV, com efeito, “o que chamamos de personalidade não passa do produto laborioso do jogo artificial de reconstrução de um quebra-cabeça. Os atos caíram, cada um com seus contornos bizarros e descoordenados. Tentamos fazer uma classificação deles. Tudo isso não faz uma unidade e uma orientação. A descontinuidade do humano é uma das conclusões fundamentais da psicologia occamista”. (Lagarde, C. de. La naissance de l’esprit laïque au déclin du Moyen Age, tome 6, L’individualisme Occamiste. Paris, 1946, p. 4). 76Butler, Judith. “Imitation et insubordination du genre”, op. cit., p. 151. 77Butler, Judith. “Imitation et insubordination du genre”, op. cit., p. 158. 78Ibid. 79Ibid.
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80Cf. Bourcier, Marie-Hélène. “Des ‘femmes travesties’ aux pratiques transgenres: repenser et queeriser le travestissement”. In CLIO, Histoire, femmes et sociétés, vol. 10, 1999, p. 132. Cf. Também Butler, Judith. “Imitation et insubordination du genre”, op. cit., p. 154. 81Butler, Judith, Gender Trouble, op. cit., Prefácio da edição de 1999, p. 34. 82Ibid., p. 194. 83Wittig, Monique. The Mark of Gender. In: Feminism Issues 5, no. 2, 1985, p. 6. 84Butler, Judith. Gender Trouble, op. cit., p. 224. 85Carniaux, Benoît. Op. cit., p. 45. 86Cf. Serres, Michel. Le temps des crises. Paris: Editions Le Pommier, 2009. “A proporção de seres humanos que vivem nas cidades passa de 3% em 1800 para 14% em 1900 e mais da metade em 2000. Os demógrafos preveem que, em 2030, essa proporção chegará perto de 70 a 75%. Já vemos se formar, aqui e acolá, gigantescas megalópoles” (p. 13). A relação com a terra e com a vida é profundamente afetada. A partir dessa chave de leitura, o filósofo francês estuda também o desenvolvimento dos transportes e das novas tecnologias “que mudam nossos laços”, a relação com a saúde, a demografia e a bomba atômica. 87Boyancé, Michel. Masculin, féminin, quel avenir?. Edifa/ Mama, 2007, p. 13. 88Anatrella, Tony. Gender. La controverse, op. cit., p. 10. 89Boyancé, Michel. Masculin, féminin, op. cit., p. 15. 90Nietzsche, Friedrich. Assim falava Zaratustra, Prólogo, §5.
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91Rembrandt tem, além disso, 20 retratos de sua mãe, 20 de seu pai, 30 de sua primeira mulher e 40 de sua segunda mulher. 92Cf. por exemplo, Dolto, Fr. E Nasio, J.-D.. L’enfant du miroir. Paris: Payot, 2002. 93BRO, Bernanrd. La beauté sauvera le monde. Paris: Cerf, 5e edition, 1990, p. 177. 94Ibid., p. 176. 95Ibid., p. 179. 96Ibid., p. 179. 97“Na realidade, o mistério do homem só clareia de verdade no mistério do Verbo encarnado. [...] O Cristo manifesta plenamente o homem a si mesmo e lhe descobre a sublimidade de sua vocação” (Concílio Vaticano II, Constituição Gaudium et spes, no. 22, 1965). 982Cor 3, 18
CONCLUSÃO
retomemos as diferentes descrições do gender que encontramos. O gender, com efeito, é um conceito nômade e até mesmo mutante. Ele desorienta pelas várias realidades que, sucessivamente e ao mesmo tempo, ele designa. Esta é sua estratégia. Contudo, é animado por uma lógica extremamente rigorosa, nem sempre consciente de si mesma. AO FINAL DE NOSSO ESTUDO,
1. Entre ser e agir O gender é construção. Ele remete mais ao próprio ato dessa construção do que aos seres que constroem. É um agir, uma prática, uma práxis, uma ação, uma relação, um papel ou uma função, no sentido dinâmico desses termos. “Se o gender é algo que a gente se torna – mas uma coisa que não pode nunca ser –, então ele é, ele próprio, um tipo de devir ou de atividade”, para retomar as palavras de Judith Butler já citadas.[ 99 ] A definição do gender pertence, portanto, mais ao universo dinâmico do agir do que ao do “estático” dos seres. Se seguirmos sua lógica, o gender se define, no final das contas, como o que está para além do ser e do agir, do definível e do indefinível, como um tipo de “buraco negro” ou de caleidoscópio em perpétuo movimento, que escapa a toda
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conceitualização, promessa alegre e angustiante de um mundo futuro em eterno devir. Um mundo assim, com seus jogos de significações sempre novos, é impossível de prever hoje e será talvez amanhã, depois de amanhã e ainda depois disso. Qual é a força que move os genders? Para alguns, principalmente relações de poder, relações socioeconômicas de dominação, correntes culturais ou estruturas de linguagem. Para outros, principalmente o autoposicionamento dos indivíduos no interior de um dado contexto. Para outros ainda, um misto da perspectiva estrutural e da perspectiva individual. Notemos que um mesmo autor pode adotar esses diferentes pontos de vista de um mesmo tipo de jogo de espelho.
2. Os moderados do gender e os radicais Essas construções, por um lado, se inscrevem numa certa continuidade com o dado natural da pessoa e de seu ser sexuado. Nesse caso, o gender é considerado como uma realidade relativa. Ele reconhece uma significação humana e estruturante no dado natural dos sexos e em sua diferença. Ele oferece a ela uma hermenêutica, ressaltando suas dimensões ou seus aspectos “construídos”. Ele remete ao que chamamos normalmente de “o adquirido” (em distinção ao inato) ou o “sexo psicossocial”. Em si, uma concepção assim do gender não coloca em questão a diferença sexual, mas elabora sua reflexão crítica com ela. Vários movimentos feministas encaram o gender nessa perspectiva.
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Por outro lado, as construções sociais dos genders podem se inscrever numa descontinuidade e ruptura completas com o dado natural da pessoa e de seu ser sexuado. Nesse caso, o gender é considerado como uma realidade absoluta. Ele constitui totalmente o sujeito ator. Essa concepção só é possível ao preço de uma forma de negacionismo dos sexos. Ela pertence ao feminismo radical, e não a todos os feminismos. É preciso então discernir duas grandes concepções do gender. É preciso observar, contudo, que essas teorias do gender – sejam elas “moderadas” ou radicais – são elaboradas a partir de uma concepção bem pobre de natureza, do sexo e do corpo. Elas tendem, por assim dizer, a esvaziar sua substância especificamente humana e transferi-la ao gender. A linha de demarcação entre os diversos feminismos
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não é sempre muito clara.[ 100 ] Uma concepção unilateralmente materialista do sexo leva insensivelmente as feministas moderadas à vertente da radicalização, mais ou menos a curto prazo. Como observa o futuro Bento XVI em 2004, “a diferença corporal, chamada de sexo, é minimizada, enquanto que sua dimensão puramente cultural, chamada de gênero, é ressaltada ao máximo e considerada primordial [...]. Segundo essa perspectiva antropológica, a natureza humana não teria em si características que se imporiam de maneira absoluta: cada pessoa poderia se determinar segundo sua vontade, já que ela seria livre de toda predeterminação ligada à sua constituição essencial”.[ 101 ] Gender, quem és tu? Para responder a essa pergunta vital, esclarecemos esse conceito polimorfo e fugaz, que se reivindica como subversivo e gerador de confusões. Nós o
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vimos nascer no terreno das feministas (Capítulo I). Vimos surgir seu axioma fundador: tudo é construído, o sexo é humanamente insignificante; de forma correlata, os “heterossexistas” que recusam esse axioma são os principais agentes opressores (Capítulo II). Acompanhamos esse desenvolvimento racional da gender theory, desconstrutor e anunciador de um mundo novo (Capítulo III). Por fim, após uma rápida evocação de alguns de seus aliados (Capítulo IV), levamos essa lógica até suas últimas trincheiras (Capítulo V). Mais do que uma demonstração, essa amostra não coloca radicalmente em questão a validade de seu axioma fundador? A injustiça inicial de que são vítimas o corpo e o sexo na gender theory não conduz, de forma inexorável, a um universo falsamente burlesco de silhuetas fantasmáticas? Não
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chega ela, em última análise, à “igualdade” de todos na errância da selva dos papéis?
99Butler, Judith. Gender Trouble, op. cit. p. 224. 100Segundo C. Bigwood, “o nó da questão é renaturalizar o corpo liberando-o da dicotomia entre natureza e cultura” (“Renaturalizing the Body with the Help of Merleau Ponty”. In: Welton, W. [dir.] Body and Flesh. Oxford: Blackwell, 1998, p. 103). 101Cardeal Joseph Ratzinger. Lettre à tous les évêques de l’Église catholique sur la collaboration de l’´homme e de la femme dans l’Église et dans le monde, 31 de maio de 2004.
POSFÁCIO
teoria do gênero, urge uma atenção especial por parte de toda a sociedade, mas em particular da família, à educação sexual que se deseja cada vez mais implantar nas escolas. Existe uma parceria crescente entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação no sentido de se transmitir na escola orientações quanto à educação sexual.[ 102 ] Desta parceria, materiais pedagógicos têm sido elaborados e propostos aos educadores. Isso tem causado reações por parte de pais, não só daqueles que têm e praticam uma religião, mas também daqueles que, através do bom senso, reagem ao conteúdo que é oferecido ou ao NO ÂMBITO DOS DEBATES SOBRE A
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modo como ele é veiculado por iniciativa destes ministérios e secretarias. Cartilhas são preparadas no intuito de fornecer material de apoio aos professores e pais. A partir de orientações em nível nacional, percebe-se o aumento de iniciativas por parte das secretarias estaduais e municipais da educação, que adotam cartilhas produzidas por grupos de estudo sobre a orientação sexual, a chamada diversidade de gênero, incluindo a questão homossexual, a prevenção de doenças e a gravidez (métodos contraceptivos) etc. A partir da adoção destes materiais em várias partes do Brasil, das reações de professores[ 103 ] e pais, bem como das ações em âmbito jurídico, deve-se, portanto, afirmar que nem tudo que se propõe é positivo e compartilhado com a visão de mundo e da relação homem-mulher do povo brasileiro. Identifica-se mais uma vez uma postura
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ideológica e ativista por parte dos grupos ou pessoas que são envolvidos na elaboração e na difusão desses materiais. Como avaliar a postura do governo através de seus ministérios e secretarias? Que princípios norteiam sua proposta de educação sexual? Que conclusões podemos tirar, não só a partir de reações isoladas, mas também em nível coletivo e jurídico, e em relação aos textos orientadores? Como avaliar o papel da família e dos educadores no âmbito destas propostas?
Orientações do MEC em matéria de educação sexual A Lei de Diretrizes e Bases da Educação não trata do assunto da educação sexual – ou orientação sexual, como se prefere dizer em atuais orientações do MEC –, nem mesmo da questão do gênero. Já o subsídio intitulado Parâmetros Curriculares Nacionais e os Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil, Volume 1 (2006 – Volumes 1 e 2 e 1998 – Volume 3) prevê a incorporação da perspectiva de gênero e da orientação sexual,[ 104 ] não só no processo informal, mas também no formal, ou seja, também na grade curricular normal. Acrescentem-se a isso as conclusões da Conferência Nacional de Educação (2014): Desenvolver, garantir, ampliar e consolidar políticas de produção e disseminação de materiais pedagógicos para as bibliotecas e espaços de leitura da educação básica (com a colaboração de instituições de educação especial e
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centros especializados nas esferas públicas e privadas, adequados a cada faixa etária), que promovam a igualdade racial, de gênero, por orientação sexual e identidade de gênero; a diversidade religiosa, os direitos reprodutivos, de prevenção a abusos e exploração sexual, de diversidade cultural, educação alimentar [...].[ 105 ] Inserir na avaliação de livros do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), de maneira explícita, critérios eliminatórios para obras que veiculem preconceitos à condição social, regional, étnico-racial, de gênero, orientação sexual, identidade de gênero, linguagem, condição de deficiência ou qualquer outra forma de discriminação ou de violação de direitos humanos.[ 106 ]
Note-se no documento a eliminação total do vocábulo “sexo” e o fato de que, até agora, os temas relativos ao gênero eram temas tratados nos chamados Temas transversais previstos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Por outro lado, o Plano Nacional de Educação, aprovado no final de 2014 no Congresso Nacional, deixou de lado tal
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terminologia quando tratou da eliminação de “todas as formas de discriminação”.[ 107 ]
Estado, família e educação sexual Alguns apontam hoje para uma tendência do Estado de querer se substituir à família no que concerne à educação das crianças, adolescentes e jovens (postura estatizante); por um lado, fazendo apelo aos direitos das crianças e, por outro, criando seu próprio departamento de planejamento familiar, que, no fundo, não leva em conta os interesses da família, mas tende a propor seu ponto de vista em função de estudos de especialistas que, muitas vezes, sequer têm a família como horizonte ou a valorizam. Por exemplo, num documento europeu que aborda a questão da educação sexual, fala-se claramente em se evitar a intromissão da família ou da sociedade no que diz respeito aos direitos sexuais individuais.[ 108 ] Mas, ao mesmo tempo, conta com ela, porém, não como primeira responsável. Também fala do
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apoio do pai, da mãe e da família no desenvolvimento das relações. Neste documento da OMS, seção Europa,[ 109 ] também há elementos justos da compreensão da sexualidade. Interessante notar no documento que ele faz essa distinção entre a educação de comportamentos sexuais, que pedem informações sobre os mesmos, e uma real educação sexual, que engloba também a questão da amizade, da percepção do corpo, e não somente a questão do funcionamento genital e das relações sexuais. A sexualidade tem uma definição razoável. No entanto, tanto neste documento quanto nos “Parâmetros Curriculares Nacionais, Tema Transversal – Orientação Sexual”, está ausente o aspecto de complementariedade e uma noção maior de corpo em relação à diferença sexual (há insistência no fato de o corpo pertencer a si mesmo), e de seu estado
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nos momentos de doença e envelhecimento, bem como a noção de dom. A educação da sexualidade requer uma educação para o amor. Esta noção está ausente das propostas de educação sexual (muitas vezes sanitarista e contraceptiva) comumente veiculadas, como se pode perceber nas propostas de algumas cartilhas. Embora haja pontos positivos em algumas orientações do MEC, a visão da sexualidade ainda é muito voltada para o prazer individual, e menos para um projeto de vida, para o sentido da sexualidade no conjunto da realidade humana em que vive a criança, o adolescente e o jovem. Entra-se muitas vezes numa proposta consumista do afeto e do prazer.[ 110 ] Neste sentido, está também bastante ausente a tarefa da família diante de tal desafio. Esta, como já afirmamos, muitas vezes não é levada em consideração e não lhe
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são dadas as devidas condições para que possa assumir suas responsabilidades reconhecidas em textos internacionais e nacionais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1950) preceitua: Artigo XII – Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. Artigo XXVI – 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Nossa Constituição Federal não trata do assunto. Mas a Lei de Diretrizes Básicas da Educação (1996) coloca a família antes do Estado, quando afirma que: Art. 2º – A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
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A lei também pede a articulação com a família e a comunidade e não trata da educação sexual e da questão de gênero. Embora nos Parâmetros Curriculares Nacionais, em particular no tema da orientação sexual – e, portanto, da educação sexual – considere-se o ensino nesta área como complementar à educação familiar, muitas vezes existe uma inclinação a não se considerar a família como primeira instância educativa e, ao mesmo tempo, uma cobrança muito grande sobre ela.[ 111 ] Art. 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.[ 112 ]
Uma necessária educação para o amor deve ser abraçada, levando em conta os aspectos fisiológico, psíquico, cultural, social e
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espiritual, a partir de uma antropologia adequada, ou seja, uma visão do homem e da mulher que dê conta da sua dignidade humana e sua realização como pessoa. A família é também chamada a acompanhar o projeto político da escola, ou ajudar a criá-lo, quando for necessário, para aí se debater o que se deve ou não, ou como se poderia abordar a questão da sexualidade.
102Nos textos oficiais, fala-se mais de orientação sexual em vez de educação sexual, o que em si já denota uma escolha de um tipo de abordagem. 103Orley José da Silva, mestre em letras e linguística pela Universidade Federal de Goiás (UFG), é professor na Rede Municipal de Educação de Goiânia, mestre em Letras e Lingüística, recentemente escreveu um texto denunciando a introdução de cartilhas com teor ideológico ao se abordar a questão homossexual. Disponível em: http://www.jornalopcao.com.br/colunas/imprensa/ kit-gay-volta-ampliado-as-escolas. 104Cf. MEC, Parâmetros Nacionais de Qualidade de Ensino Infantil, vol. 1, p. 39. 105Ministério da Educação. Documento Final, 2014, p. 36. 106Ibid., p. 36.
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107Cf. Lei no. 13.005, de 25 de junho de 2014, Art. 2º, inciso III. A ressalva que se deve fazer aqui diz respeito, mais uma vez, ao modo de se empregar a linguagem. Na verdade, o vocábulo “discriminação” em sua primeira acepção significa “distinção”, e só em seguida tem acepção que diz respeito ao ato de separar alguém por preconceito. Talvez seja melhor falar de “discriminação injusta”, para não se incorrer no erro de muitos em não querer fazer distinções no que concerne à contribuição maior ou menor oferecida à pessoa e à sociedade, por exemplo, quando o assunto é avaliação das várias formas de “família”. 108Federal Center for Health Education. Standarts For Sexuality Education in Europe, Cologne, 2010. 109Ibidem. Ver também os Parâmetros Curriculares Nacionais, Tema Transversal Orientação Sexual. 110Cf. Lipovetsky, G. Le bonheur paradoxal. Essai sur la société d’hyperconsommation. Saint-Amand: Gallimard, 2006. 111Ver, por exemplo, Scherer, O. Pastoral Familiar. In: Petrini, G.; Fornasier, R. C. Desafios e possibilidades da família no limiar do século XXI, Brasília: Edições da CNBB, 2012. 112Estatuto da Criança e do Adolescente, 2010.
Gender, quem és tu? – Sobre a Ideologia de Gênero Copyright © by Olivier Bonnewijn 1ª edição – janeiro de 2015 – CEDET Título original: Gender qui est-tu?, Ed. de l’Emmanuel, Paris, 2012 – Olivier Bonnewijn (org.); os direitos para tradução foram cedidos à Comissão Nacional da Pastoral Familiar, CNBB. Foto da capa: © Juan Moyano – Mannequin Heads In An Old Suitcase Os direitos desta edição pertencem ao CEDET - Centro de Desenvolvimento Profissional e Tecnológico Rua Angelo Vicentin, 70 CEP: 13084-060 - Campinas - SP Telefone: 19-3249-0580 e-mail:
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1. Igreja Católica 2. Catequese I. Autores II. Título CDD – 282
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Índice para Catálogo Sistemático 1. Igreja Católica – 282 2. Catequeses – 268
SOBRE O AUTOR
OLIVIER BONNEWIJN É sacerdote na arquidiocese de Malines-Bruxelas, Bélgica, e membro da Comunidade Emanuel. Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Louvain e doutor em Teologia pelo Instituto João Paulo II em Roma.
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Atualmente é professor de Ética no Instituto de Estudos Teológicos em Bruxelas e reitor do seminário diocesano Notre-Dame d’Espérance.
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