Olavo de Carvalho_Artigos_2009_Comentários Da Semana
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Coletânea de artigos de Olavo de Carvalho...
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Anúncio do fim Olavo de Carvalho Jornal do Brasil , 1 de janeiro de 2009 Se fossem apenas previsões em sentido estrito, as especulações do cientista político russo Igor Panarin quanto ao futuro dos EUA não mereceriam mais atenção que um palpite de turfista. Mas, exatamente como aquelas de Arnold Toynbee que comentei em outro lugar (http://www.olavodecarvalho.org/semana/080512dc.html), elas não são previsões: são o resumo de um plano já em avançada fase de execução. Nenhum estudioso em seu juízo perfeito se arriscaria a fazer prognósticos tão detalhados com base em puras tendências econômicas gerais. Se Panarin é levado a sério pelo Kremlin, é porque o Kremlin sabe do que ele está falando. Suas profecias só merecem respeito porque preparam aquilo que anunciam. Discuti-las como teoria é divertimento ocioso: ou a elite americana faz algo de prático para frustrá-las, ou trata logo de inventar algum pretexto elegante para relax and enjoy diante da ocupação estrangeira. Panarin prevê a decomposição dos EUA a partir de 2010, com a subseqüente divisão do território em seis regiões separadas, sob o domínio da China, da Rússia, do México, da União Européia, do Canadá e do Japão (v. http://online.wsj.com/article/SB123051100709638419.html). Não há espaço aqui para analisar cada um desses casos, mas, só para dar dois exemplos, a China, pretendente à posse de toda a costa oeste segundo Panarin, e o México, virtual herdeiro de nove Estados entre a Flórida e o Novo México, já desfrutam, nos EUA,
de uma liberdade de ação que nenhuma potência concede usualmente a nações estrangeiras. Vinte e tantos anos de demolição sistemática da indústria americana em favor de seus concorrentes chineses – verdadeiro protecionismo às avessas –, acabaram por fazer do consumidor americano o principal sustentáculo da economia chinesa, transmutando investimentos em débitos e ajuda econômica em ritual de auto-imolação. A política de favorecimento unilateral inaugurada por Richard Nixon e levada à perfeição por Bill Clinton deu enfim o resultado previsível: mais até do que a velha URSS, que só cresceu às dimensões de potência ameaçadora graças ao auxílio recebido dos EUA, a China tornou-se, para usar a expressão clássica de Anthony Sutton, “o melhor inimigo que o dinheiro podia comprar”. Somem-se a isso a tolerância suicida ante a espionagem chinesa, a superioridade da China na produção de armas nanotecnológicas capazes de paralisar a nação adversária em poucas horas (v. as colunas de Lev Navrozov em www.newsmax.com) e, last not least, a hegemonia cultural do anti-americanismo na Califórnia, e verão que Panarin não está tão maluco quanto parece. Quanto ao México, tem o privilégio de fomentar livremente movimentos de secessão em vários Estados do Sul, sob o olhar complacente do governo americano, que, com toda a certeza, se tornará ainda mais complacente na gestão Obama, de vez que o novo presidente apóia e é apoiado por “La Raza”, organização militante que advoga a expulsão dos “gringos” e a ocupação da área pela autoridade mexicana. Com cáustica ironia, Panarin lembra que em vão o povo americano espera milagres de Barack Obama: os milagres não virão. Obama é, na verdade, o presidente menos qualificado que já houve para defender a integridade e a soberania dos EUA. Amplamente beneficiado por ajudas estrangeiras ilegais, vulnerável a toda sorte de chantagens pelo seu passado nebuloso, suas ligações comprometedoras e seus documentos falsificados, Obama foi posto no poder por quem sabe que pode destrui-lo com duas cuspidas. E foi posto lá precisamente por isso. Ele está bem protegido de seus inimigos, mas totalmente à mercê de seus protetores. Contra estes, ele não pode defender nem sequer a si próprio, quanto mais ao país inteiro. Quanto àqueles que festejam antecipadamente o fim dos EUA, talvez não lhes ocorra, por falta de imaginação, a suspeita de que um mundo dominado pela Rússia e pela China não conhecerá outro regime político senão o russo e o chinês.
Não obstante, desejo a todos um Feliz Ano Novo, seja isto lá o que for.
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Novas obamices Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 5 de janeiro de 2009 Bill Muehlenberg, popular comentarista de mídia australiano, considerou o meu artigo "O candidato do medo" (Diário do Comércio, 24 de outubro de 2008) uma das matérias mais importantes e reveladoras publicadas sobre as eleições americanas. Seu site Culture Watch (www.billmuehlenberg.com) recomendou ainda "Milagres da fé obâmica", publicado no Mídia Sem Máscara em 1º de novembro. Este foi discutido também no site de Melanie Phillips da revista inglesa Spectator (http://www.spectator.co.uk/melaniephillips/2570751/join-up-thedots.thtml): atacado e defendido, acabou-se saindo muito bem. Até agora, todas as reações adversas a esses dois artigos limitaram-se aos xingamentos impotentes e a contestações de detalhe que não afetam no mais mínimo que seja o seu argumento geral. É absolutamente inevitável que, mais dia menos dia, todos os crimes de fraude praticados por Barack Hussein Obama antes e durante as eleições venham à tona. Os de revelação mais recente são os seguintes: 1. Ao preencher o formulário para inscrição na Ordem dos Advogados (Bar Association) de Illinois, Obama declarou que nunca tinha usado nenhum outro nome além de Barack Hussein Obama. É falso. Há documentos dele com os nomes de Barry Soetoro, Barry Dunham e outros, bem anteriores ao seu ingresso naquela entidade. 2. Durante a campanha, sob suspeita de ter adquirido sua mansão num negócio ilegal com Tony Rezko, Obama declarou que nada tinha a ver com o famoso
vigarista, preso por uma dúzia de crimes. Agora apareceram as cobranças de impostos daquele imóvel: não estão em nome de Obama, mas do advogado de Tony Rezko... 3. Repetidas vezes, Obama afirmou que não tinha nada a ver com a Acorn, a ONG que espalhou milhares de títulos de eleitor falsos. Agora revela-se não só que a Acorn prestou serviços à campanha de Obama, recebendo pagamentos de 80 mil dólares, mas que a firma de advocacia onde trabalhou Michelle Obama está defendendo a diretoria da Acorn num caso de desvio de verbas. 4. Com o apoio de toda a grande mídia, sem exceção, Barack Hussein Obama jurou que eram puras difamações as notícias de que ele tinha recebido educação islâmica. O vídeo reproduzido em http://www.youtube.com/watch?v=HkjFc3S21nY não deixa margem a dúvidas: Obama mentiu novamente. Graças ao caso Blagojevitch, Obama tornou-se o primeiro presidente eleito dos EUA a ser interrogado pela polícia já antes da cerimônia de posse. E o promotor Patrick Fritzgerald – o mesmo do caso Valerie Plame, donde se vê que o sujeito não age por preferência partidária – já anunciou que pretende em breve espremer Obama quanto aos negócios ilícitos com Tony Rezko.
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A ciência contra a razão Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 7 de janeiro de 2009
Aquilo que hoje se chama orgulhosamente de "ciência", pretendendo-se com isso designar a instância última e suprema no julgamento de todas as questões públicas e privadas, nem é uma entidade univocamente reconhecível, nem muito menos um conhecimento que tenha em si seu próprio fundamento. A possibilidade da existência de algo como a "ciência" repousa numa variedade de pressupostos que nem podem ser eles próprios submetidos a teste "científico", nem muito
menos fornecem qualquer base racional para dar à dita "ciência" a autoridade da última palavra não só nas questões gerais da existência humana, mas até no próprio domínio especializado de cada área científica em particular. Só para dar um exemplo elementar, sem as palavras "sim" e "não" nenhum raciocínio lógico é possível. Nenhuma ciência pode nos dizer o que elas significam. Toda a lógica formal baseia-se nessas duas palavras, e a própria lógica formal não pode defini-las. Qualquer definição lógico-formal que se ofereça para elas será sempre puramente tautológica, nada dizendo em si mesma e baseando enfim toda a sua compreensão no apelo à experiência pessoal do ouvinte ou leitor. Se dizemos, por exemplo, que o sentido de "sim" é anuência, concordância, aceitação, etc, nada afirmamos exceto que dizer sim é dizer sim. Do mesmo modo, o "não" não pode ser definido como rejeição, impugnação, etc., pela simples razão de que o sentido dessas palavras consiste precisamente em dizer não. O único significado possível da palavra "sim" é o da responsabilidade moral integral que uma pessoa assume ao declarar alguma coisa. Essa responsabilidade, por sua vez, subdivide-se em graus que vão desde a disposição absoluta de morrer pelo que se diz até a mera aceitação provisória de uma hipótese para fins de argumentação, portanto também de refutação. O mesmo acontece com o "não". Não há como definir essas palavras senão mediante o apelo à responsabilidade pessoal tal como aparece no autoconhecimento subjetivo. Isso quer dizer, simplesmente, que todo emprego puramente lógico-formal desses termos, amputado da sua raiz na experiência moral humana, é apenas um uso convencional e hipotético que não permite distinguir se, no fim das contas, o "sim" quer dizer "sim" ou "não" e o "não" quer dizer "não" ou "sim". Fenômeno idêntico acontece com inúmeros outros termos usados no raciocínio científico, como por exemplo “igualdade”, “diferença”, “causa”, “relação”, etc. Nenhuma ciência pode definir esses termos e também não o pode a metodologia científica se tomar como pressuposto a validade do conhecimento científico em vez de fundamentá-lo desde suas raízes. Podemos, é claro, fixar significados lógico-formais para essas palavras, bem como para muitas outras, mas somente como um recorte convencional operado em cima daquilo que elas significam na experiência humana responsável. Também não teria sentido imaginar que essa dificuldade afeta apenas a expressão do conhecimento científico em palavras e não a substância mesma desse conhecimento. Ou os termos usuais da linguagem científica expressam o conteúdo mesmo e a própria estrutura do conhecimento científico, ou este último é em si um conhecimento indizível e místico cuja tradução em palavras permanece sempre externa, aproximativa e imperfeita. Em suma, o conhecimento científico – e mais ainda aquilo que hoje se entende popularmente como tal – é uma subdivisão especializada da capacidade racional geral e tem nela o seu fundamento, não podendo julgá-la por seus próprios critérios. O que aqui se entende como "razão" não se resume também às capacidades usuais da linguagem coerente e do cálculo, pois ambas essas capacidades também não passam de especializações de uma capacidade mais básica. A razão é, em primeiro lugar, a capacidade de abrir-se imaginativamente ao campo inteiro da experiência real e virtual como uma totalidade e de contrastar essa totalidade com a dimensão de infinitude que a transcende imensuravelmente. O finito e o infinito são as primeiras categorias da razão, e não me refiro
aos equivalentes matemáticos desses termos, que são apenas as traduções deles para um domínio especializado. Dessa primeira distinção surgem inúmeras outras como inclusão e exclusão, limitado e ilimitado, permanência e mudança, substância e acidente e assim por diante. Sem essa imensa rede de distinções e inclusões que constitui a estrutura básica da razão, o método científico seria um nada. É ainda mais estúpido imaginar que, uma vez formado historicamente, o método científico se tornou independente da razão e pode prescindir dela ou julgá-la segundo seus próprios critérios. É a razão, e não o método científico, que confere sentido ao próprio discurso científico, o qual por sua vez não pode dar conta dela no mais mínimo que seja. A "ciência" não pode jamais ser a autoridade última em nenhum assunto exceto dentro dos limites que a razão lhe prescreva, limites estes que por sua vez continuam sujeitos à crítica racional a qualquer momento e em qualquer circunstância do processo científico. O objeto da razão é a experiência humana tomada na sua totalidade indistinta, só limitada pelo senso da infinitude. O objeto da ciência é um recorte operado convencionalmente dentro dessa totalidade, recorte cuja validade não pode ser senão relativa e provisória, condicionada sempre à crítica segundo as categorias gerais da razão que transcende infinitamente não só o domínio de cada ciência em particular, mas o de todas elas em conjunto. Afinal, como se constitui uma ciência? Supõe-se que determinado grupo de fenômenos obedece a certas constantes e em seguida se recortam amostras dentro desse mesmo grupo para averiguar, mediante observações, experiências e medições, se as coisas se passam como previsto na hipótese inicial. Repetida a operação um certo número de vezes, busca-se articular os seus resultados num discurso lógico-dedutivo, estruturando a realidade da experiência na forma de uma demonstração lógica, evidenciando, ao menos idealmente, a racionalidade do real. Tudo isso é impossível sem as categorias da razão, obtidas não desta ou daquela experiência científica, nem de todas elas em conjunto, mas do próprio senso da experiência humana como totalidade ilimitada. A experiência humana tomada como totalidade ilimitada é a mais básica das realidades, ao passo que o objeto de cada ciência é uma construção hipotética erigida dentro de um recorte mais ou menos convencional dessa totalidade. Essa construção nada vale se amputada do fundo desde o qual se constituiu. O apego à autoridade da "ciência", tal como hoje se vê na maior parte dos debates públicos, não é senão a busca de uma proteção fetichista, socialmente aprovada, contra as responsabilidades do uso da razão. O mais evidente sintoma disso é a facilidade, a trêfega e saltitante mudança de canal com que os porta-vozes da “ciência” transitam das atenuações relativistas e desconstrucionistas, para as quais todos os discursos são válidos de algum modo, às proclamações absolutistas de “fatos científicos” imunes a toda discussão, tão sagrados que seus contestadores devem ser excluídos do meio universitário e expostos à execração pública. O culto da “ciência” começa na ignorância do que seja a razão e culmina no apelo explícito à autoridade do irracional.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090107adc.html
Credibilidade fingida Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 7 de janeiro de 2009 Antes de levar muito a sério o que o Washington Post diz de Barack Obama e de seus críticos, é prudente levar em conta a seguinte advertência publicada pela ombudsman (ou, se quiserem, ombudswoman) do jornal, Deborah Howell, em 10 de novembro: “Os leitores têm constantemente acusado a falta de matérias investigativas (sobre Obama) e aquilo que enxergam como um viés em favor do candidato democrata. Minhas pesquisas mostram que eles têm razão nos dois pontos.” Numa época em que a opinião pública americana em peso prefere antes acreditar na internet do que nos jornais (v. pesquisa em www.breitbart.com/article.php? id=081224183017.jxmbrdyb&show_article=1), é ridícula a afetação de autoimportância com que órgãos de mídia semifalidos, posando de donos da credibilidade e blefando em cima de um prestígio extinto, fingem desprezar os “blogueiros de direita”, acusando-os de inventar “teorias conspiratórias”. Se a obsessão de apelar ad nauseam a esse chavão infamante como pretexto para fugir a um confronto com a realidade já não bastasse para mostrar quem está fazendo jornalismo e quem está trapaceando, restaria o fato de que é vigarice pura e simples depreciar como mero “blog” um site de jornalismo eletrônico poderoso como o WorldNetDaily, que tem muito mais leitores do que o Washington Post jamais teve. Nada predispõe mais à ostentação verbal de supremacia do que um bom complexo de inferioridade. Contra factum argumentum non est, “contra fatos não há argumentos”, ensinava Sto. Tomás. O establishment jornalístico americano (nem falo do brasileiro) não aprendeu até hoje essa lição. Tudo, absolutamente tudo o que se escreveu e se falou a favor de Barack Obama é baseado exclusivamente em dois argumentos: a importância simbólica da eleição de um negro e as grandes esperanças que esse símbolo desperta nas almas dos crentes. Todos os méritos de Obama, enfim, com exceção de suas inegáveis habilidades cênicas, são futuros. Não se poderia escrever
e realmente não se escreveu uma só linha em louvor dele com base no seu passado político, pela simples razão de que as únicas realizações dele antes e durante a sua breve passagem pelo Senado foram coletar dinheiro para ONGs esquerdistas, escrever cartas em favor dos projetos imobiliários de seu parceiro Tony Rezko e ajudar o genocida Raila Odinga, seu parente, a conquistar o poder no Quênia. Podem procurar à vontade, não encontrarão mais nada. Esse é todo o currículo do salvador. Nunca se apostou tanto em capacidades jamais provadas. Aquilo que se escreve contra é mais rico e variado. Noto aí pelo menos três linhas de ataque. Há em primeiro lugar os que sondam a biografia ideológica de Obama em busca das constantes que formaram sua mentalidade. A documentação a respeito é abundante, muito bem pesquisada – principalmente nos livros de Jerome Corsi, David Freddoso e Steve Sailer – e o perfil que dela transparece é nítido: os ingredientes que o compõem são o comunismo, o terceiromundismo, o antiamericanismo e o racismo negro mais exacerbado. Nada de cristianismo, nada de Founding Fathers, nada de constitucionalismo americano. Filho de um militante comunista, Obama é um afilhado mental de Frank Marshall Davis, Saul Alinsky, Williams Ayers, Frantz Fanon, Malcolm X, James Cohen e Jeremiah Wright. Todas as suas opiniões sempre foram convergentes com as desses mentores, até que ele se lançou candidato à presidência e subitamente mudou de identidade, tornando-se moderado, patriota e apegado aos valores tradicionais da nação americana, só raramente deixando à mostra, por engano, algo do velho Obama enragé. Não há, em toda essa sondagem, nada que se assemelhe nem de longe a uma “teoria da conspiração”, mas o rótulo é invariavelmente usado para neutralizar qualquer veleidade de contrastar a vida do personagem com o seu discurso de campanha. Este tem de ser aceito como a última palavra, sem qualquer apelo indecente à realidade dos fatos. Uma segunda linha de ataque é ilustrada pelo livro de Brad O’Leary, The Audacity of Deceit, e por uma infinidade de artigos na internet, que dos elementos biográficos disponíveis procuram deduzir a orientação do futuro governo Obama, concluindo que será uma catástrofe. Certo ou errado nas suas conclusões, esse tipo de conjeturação é perfeitamente legítimo, usual e até obrigatório em toda concorrência eleitoral. Também não vejo aí nada de “teoria da conspiração”.
Por fim, há aqueles que, fazendo abstração das discussões ideológicas, se atêm ao exame da carreira de Obama nos seus aspectos jurídicos e possivelmente criminais. Nenhum candidato presidencial jamais escapou de ser examinado sob esse ângulo, mas no caso de Obama a colheita é inusitadamente rica, e por isso mesmo o silêncio total que a grande mídia tem mantido a respeito, contrariando sua prática usual em todas as eleições anteriores – e mesmo nesta com relação aos adversários de Obama –, evidencia a ascensão generalizada de um partidarismo anormal, manipulador e criminoso na classe jornalística americana. É compreensível que os responsáveis por essa anomalia, denunciados pelos próprios leitores de seus jornais, reajam com quatro pedras na mão, apelando a estereótipos pejorativos para não ter de justificar o injustificável. Vou lhes dar um exemplo que, pela própria miudeza, se torna significativo. Quando um eleitor comum, Samuel Wurzelbacher, mais conhecido como Joe the Plumber, espremeu Obama na rua com umas perguntas difíceis, a mídia americana inteira caiu de pau sobre o coitado, tentando desmoralizá-lo por meio informações ilegalmente colhidas pelo governo, que o pintavam como vagabundo e marginal com base em picuinhas como duas multas de trânsito não pagas. As multas de Joe the Plumber apareceram em todos os maiores jornais e noticiários de TV. Ao mesmo tempo, praticamente nada se leu ou se ouviu sobre o fato de que o próprio Obama deixara de pagar não duas, mas quinze multas de trânsito – depois pagas com dezesseis anos de atraso por um obamista anônimo (v. http://campaignspot.nationalreview.com/post/? q=M2ExMGI1YzRhZjg5NDcxYjY2Y2VhZGFiZmE1MDRlM2E=). Quando a fiscalização da mídia é mais severa contra o zé-ninguém do que contra um candidato presidencial, algo de muito errado está acontecendo. E, quando esse algo se repete uniformemente em quase todos os jornais e canais de TV, a única maneira de evitar a hipótese de uma conspiração ou coisa assim é apostar na intercomunicação telepática simultânea entre milhares de jornalistas. Mas há ainda um quarto fator: as autênticas teorias da conspiração. Dizem que Obama é filho secreto de Malcom X, que Obama é um agente plantado pela KGB, que Obama é muçulmano em segredo etc. etc. Essas teorias não surgem de nenhuma alucinação coletiva, mas de uma causa bem razoável. Obama, como já lhes contei aqui, esconde por todos os meios uma série de episódios importantes da sua carreira. Esconde por meio da mentira direta (ao dizer, por exemplo, que nunca
foi membro de um partido socialista, que nunca recebeu educação islâmica ou que nunca teve negócios com Tony Rezko), por meio da supressão de dezenas de documentos essenciais (a famosa certidão original de nascimento, as agendas do seu gabinete no Senado, etc. etc.) e por meio da falsificação pura e simples. Isso não é teoria da conspiração. São fatos. Mas esses fatos, por sua vez, são enigmas. Obama é o presidente eleito mais secreto e incognoscível que os EUA já tiveram – um caso único na história das eleições democráticas. Será de estranhar que, diante de tanta obscuridade, algumas pessoas se ponham a conjeturar hipóteses, e que essas hipóteses acabem sempre sugerindo algo de perverso, até sinistro? Quem tem o direito de espalhar mistérios e depois ficar indignado ante a proliferação de suposições conspiratórias geradas pela sua própria conduta esquiva e inexplicável? Vejam com seus próprios olhos o alistamento militar da criatura, reproduzido em http://www.debbieschlussel.com/archives/2008/11/exclusive_did_n.html:
Notem a data da assinatura no canto inferior esquerdo (letra D em azul), 30 de julho de 1980, e, no canto superior direito (letra A em azul), o ano de impressão do papel: 08, isto é, 2008. O miraculoso Obama assinou o formulário 28 anos antes de impresso. Mais ainda, notem a data do carimbo no canto inferior direito (letra E em azul). É 29 de julho de 1980: o documento foi autenticado 24 horas antes de assinado. Para completar, a sigla no carimbo é USPO, United States Post Office.
Mas esse carimbo já não era válido na data de assinatura do documento, muito menos 28 anos depois: a repartição mudou de nome para USPS, United States Postal Service, em 12 de agosto de 1970. Em suma: é olhar esse papel e cair na mais completa perplexidade. Quem, diante de tamanho descalabro, pode ficar tranqüilo e confiante, seguro de que o país está em boas mãos? Só mesmo os articulistas do Washington Post.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090109dc.html
Construindo a ditadura americana Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 9 de janeiro de 2009 Não há “crise de crédito” nem recessão nenhuma, mas os gastos do governo americano para remediar problemas inexistentes podem criar um problema real: a hiperinflação. Os EUA ameaçam menos repetir a sua crise de 1929 do que o destino da República de Weimar em 1922, quando era preciso uma cesta de dinheiro para comprar um pãozinho. Estas são as conclusões de um relatório publicado pela firma de consultoria Celent. O autor do estudo, Octavio Marenzi, é freqüentemente citado como fonte pelo Economist, pelo Financial Times e pelo Wall Street Journal. Antes de fundar a Celent, ele foi chefe do departamento de Tecnologia da Informação do Union Bank de Zurique e consultor do Booz, Allen & Hamilton's Financial Services Group na Europa e nos EUA. Ele afirma que os diagnósticos apresentados ao público pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, e pelo presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, são integralmente desmentidos pelas estatísticas oficiais dos órgãos que eles mesmos dirigem. Em setembro, quando persuadiu o presidente Bush a liberar 700 bilhões de dólares em verbas de emergência, Paulson disse que o sistema financeiro estava “paralisado”, que os mercados de crédito haviam “congelado” e que os empréstimos
entre bancos tinham se “reduzido substancialmente”. Bernanke afirmou que os negócios estavam enfrentando “reduzido acesso ao crédito”. Tudo isso é cem por cento falso. As tabelas da Secretaria do Tesouro e do Federal Reserve mostram que, em vez de diminuir, a oferta de dinheiro aumentou – e aumentou numa velocidade jamais vista antes na história americana: 74 por cento em apenas 84 dias (15 por cento só no auge da “crise”). “Antes, observa Marenzi, esse salto aconteceria no curso de uma década ou mais.” “Sem dúvida – prossegue –, um certo número de importantes instituições financeiras e de firmas industriais está em sérias dificuldades. No entanto, dificuldades de crédito que afetem um conjunto específico de firmas não é a mesma coisa que um problema no mercado de crédito como conjunto.” No geral, afirma Marenzi, este último estava funcionando muito bem. Se algum risco havia era o da hiperinflação – e a maciça injeção de dinheiro do governo só pode transformar esse risco numa realidade iminente. O relatório está em http://www.celent.com/PressReleases/20081210/WhatCreditCrisis.asp. A conclusão de Marenzi é que Paulson e Bernanke deformaram os fatos “para justificar um acréscimo sem precedentes da intervenção governamental nos mercados”. Mas os dois não fizeram isso sozinhos: a grande mídia inteira os ajudou, endossando suas palavras e abstendo-se meticulosamente de conferi-los com os dados publicados pelas instituições que eles chefiam. Foi justamente por ver que os jornalistas não cumpriam sua função que a Celent decidiu cumpri-la em lugar deles.
No entanto, é claro que os riscos não se limitam à hiperinflação. O anúncio espalhafatoso de uma crise inexistente deslancha, por si mesmo, uma crise real. O gráfico mostra claramente que a oferta de crédito caiu significativamente depois da Lei de Estabilização Econômica assinada em 3 de outubro (Emergency Economic Stabilization Act). Mas, se o remédio foi tão manifestamente culpado por reduzir ao estado de coma um paciente que estava são, não se pode dizer que esse fenômeno não teve precedentes na história da economia americana. Num discurso pronunciado em 8 de novembro de 2002 na Universidade de Chicago, o próprio Bernanke confessou que a Grande Depressão de 1929-1933 não foi causada pela ação espontânea dos fatores econômicos, mas pelo intervencionismo nefasto do Federal Reserve. O discurso foi feito na cerimônia de homenagem ao nonagésimo aniversário de Milton Friedmann – o economista que ao longo de décadas, contra tudo e contra todos, vinha responsabilizando o Federal Reserve pela crise de 1929. Agora era um dos diretores do próprio Federal Reserve que confessava publicamente as culpas da instituição. Mas nem sempre a confissão é um ato sincero de repúdio ao crime. Pode haver nela uma ponta de orgulho secreto, que prenuncia a reincidência. Decorridos seis anos, com Bernanke na presidência, o Federal Reserve está de novo criando uma crise do nada, e, como diz Marenzi, novamente “para justificar um acréscimo de intervenção governamental nos mercados”.
Mas, se é assim – e, depois de olhar a tabela anexa, não imagino como possa ter sido outra coisa –, então resta a pergunta: foi George W. Bush quem mandou Paulson e Bernanke fazerem isso? Por que um presidente que está nos últimos dias do mandato buscaria aumentar dessa maneira o poder do Executivo, se ele mesmo não poderá desfrutar dos novos instrumentos de comando? Obviamente, Bernanke e Paulson não estão entregando esses instrumentos nas mãos de George W. Bush, mas de Barack Hussein Obama. Trata-se de fazer com que o próximo presidente já assuma o cargo na condição de ditador financeiro. Se a operação foi realizada na base do engodo e da ocultação premeditada de informações, não há nisso nada de estranho, de vez que a própria vitória eleitoral de Obama foi alcançada pelos mesmos meios: não há a menor dúvida de que, se a mídia armasse em torno do sumiço dos documentos de Obama um centésimo do escarcéu que fez quanto à gravidez da filha de Sarah Palin ou das multas de trânsito de Joe the Plumber, o candidato democrata não teria tantos votos. O eleitorado foi totalmente ludibriado quanto à identidade do homem em quem votava, substituída pelo símbolo “candidato negro”, como se tudo quanto os votantes precisavam saber do futuro presidente fosse a cor da sua pele – e qualquer curiosidade quanto aos capítulos incertos da sua biografia fosse crime de racismo: duas premissas que a mídia inteira adotou como cláusulas pétreas do seu manual de redação durante as eleições. Se duas gigantescas operações de desinformação são empreendidas simultaneamente, uma para forçar o povo a escolher um candidato sem fazer perguntas, outra para ajudar esse candidato a subir ao cargo já com poderes incalculavelmente aumentados, só um idiota completo poderia supor que essas duas operações foram totalmente independentes, só unidas pela mera coincidência de um sincronismo junguiano ou de uma imponderável decisão divina. Em compensação, é verdadeira a articulação das duas manobras com uma terceira, uma quarta e uma quinta, todas convergentemente destinadas a munir de poderes especiais o próximo presidente. 1) A mais óbvia de todas é invenção pessoal de Barack Hussein Obama: a meninados-olhos do presidente-eleito é o seu projeto de uma “força civil de segurança nacional”, militância estudantil armada, paga com o dinheiro dos contribuintes
para atemorizá-los e persegui-los ao menor chamado do profeta ungido (v. http://www.ibdeditorials.com/IBDArticles.aspx?id=305420655186700). 2) Enquanto o diretor do Fundo Monetário Internacional, Dominique StraussKhan, advertia que as restrições de crédito para pessoas de baixa renda podem provocar distúrbios sociais, o próprio Paulson informava que o governo está preparado para enfrentar com a lei marcial as eventuais agitações e protestos que a “crise” venha a suscitar. Lei marcial significa suspensão dos direitos e garantias individuais. 3) Discretamente, alguns expoentes do pensamento militar americano preparam-se para jogar no lixo a lei Posse Comitatus, que desde 1878 proíbe o uso das Forças Armadas como instrumento de repressão interna. Um relatório do Instituto de Estudos Estratégicos do U.S. Army War College afirma explicitamente: “O Departamento de Defesa pode ser forçado a conter e reverter ameaças violentas à tranqüilidade interna. Sob as mais extremas circunstâncias, isso pode incluir o uso da força militar contra grupos hostis dentro dos EUA.” (V. http://www.newsmax.com/headlines/military_domestic_use/2008/12/23/164765 .html?s=al&promo_code=763E-1). Alguns conservadores, num lance de humor negro, chamam isso de Posse Obamitatus. Aqueles seres superiores que adquirem suas certezas da contemplação diária de um aparelho de TV devem sentir-se livres, sem nenhum ressentimento da minha parte, para desprezar a convergência lógica desses fatos como pura “teoria da conspiração”. Mas não impedirão que, ao 61 anos de idade, eu já tenha compreendido que a obsessão de parecer normal, equilibrado e mainstream é um sintoma de insegurança muito mal disfarçado.
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A paz como arma de guerra Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 12 de janeiro de 2009
Enquanto Hugo Chávez expulsa o embaixador de Israel e no Brasil o PT compara os israelenses aos nazistas, na Flórida a militância esquerdista sai às ruas e grita: “Judeus, voltem para o forno”. Está aberta a temporada de caça. Ninguém parece julgar isso de todo mau. Como é possível que, decorrido pouco mais de meio século do Holocausto, o ódio aos judeus vá aos poucos se incorporando novamente ao senso comum, como se fosse coisa decente, obrigatória, e dele dependessem as melhores esperanças de paz e liberdade para a espécie humana? A resposta é simples: controle o fluxo de informações e terá o domínio absoluto das conclusões que o público vai tirar delas. Uma das regras mais elementares da ciência histórica é: a difusão dos fatos causa novos fatos. O fato desconhecido não gera efeitos. Se a maioria das distribuidoras de vídeos não tivesse bloqueado o acesso dos espectadores ao documentário Obsession (www.obsessionthemovie.com), se o vídeo www.israelnationalnews.com/News/News.aspx/129264 fosse exibido às massas, se no mínimo o direito de chorar seus mortos no horário nobre da TV não fosse um monopólio dos esquerdistas e terroristas, ninguém diria que a reação de Israel foi excessiva: todos entenderiam que foi justa, racional e tardia. Para que esse desastre não aconteça, é preciso garantir que cada judeu explodido pelas bombas do Hamas seja enterrado duas vezes: uma no solo, outra no desconhecimento geral. Assim todo mundo fica com a impressão de que os judeus não estão defendendo a própria pele, apenas arrancando a de seus inimigos. Também seria ingenuidade acreditar que o abismo crescente entre noticiário e realidade é o efeito espontâneo de um simples viés ideológico, de preferências subjetivas da classe jornalística. Só para fins de comparação: as Farc, segundo se descobriu no famoso laptop de Raul Reyes, não são um bando de psicóticos enfurnados na selva – são uma organização mundial, com uma rica e eficiente rede de apoio em 29 países. Mutatis mutandis, quantos colaboradores têm o Hamas e o Hezbollah no Brasil, nos demais países da América Latina, nos EUA e na Europa? Quantos deles são agentes de
influência colocados em postos decisivos das empresas jornalísticas para dar a impressão de que é normal chamar os judeus de nazistas e no mesmo ato sugerir enviá-los de volta aos campos de concentração? Ninguém vai jamais investigar isso em profundidade, dar nomes, responsabilizar criminalmente os desgraçados? Até quando a mídia continuará sendo a principal arma de guerra assimétrica e posando de observadora neutra, no máximo um tanto preconceituosa? Claro, existem sempre os idiotas úteis, que repetem o que ouvem dizer. Mas a idiotice em estado bruto é inerme. Para tornar-se útil ela tem de sofrer um upgrade. Não se pode explicar um preconceito geral pela simples propagação automática, sem que alguém tenha deslanchado o processo. E quem o deslanchou sabe exatamente aonde pretende chegar com ele. Lênin já explicava que o terrorismo não é jamais um objetivo em si mesmo, que suas finalidades só se cumprem quando os ataques cessam e as conquistas obtidas são sacramentadas na mesa das negociações. A transição depende, na sua quase totalidade, das disposições da opinião pública. Quando o povo está cansado de guerra, está na hora de o lado militarmente mais fraco ofecerer a paz ao mais forte em troca de vantagens políticas. A mídia é o instrumento-chave dessa mutação. Respaldada por ela, a equipe de governo de Barack Hussein Obama já oferece ao Hamas a oportunidade de transformar a derrota em vitória por meio do “diálogo”. Nenhuma organização terrorista aspira senão a isso: ser transmutada de bando de criminosos em organização política decente, portadora dos méritos da “paz”. Por isso mesmo a guerra assimétrica é chamada, tecnicamente, de “a derrota do vencedor”. Sob a pressão da mídia mundial, Israel arrisca-se a cair nesse engodo pela milésima vez.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090113dc.html
Normas de redação Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 13 de janeiro de 2009
Confissões de Luiz Garcia, um dos potentados da redação de O Globo, reveladas durante um simpósio da University of Tulane, em março de 2008, por Carolina Matos, em conferência intitulada (sem ironia aparente) Partisanship versus professionalism: “Fizemos um enorme esforço para atrair o pensamento esquerdista para O Globo. E fizemos isso em tal extensão que depois tivemos de procurar um direitista que escrevesse bem, e escolhemos Olavo de Carvalho, o que hoje lamentamos um bocado. Toda a esquerda tem acesso ao Globo: Élio Gaspari, Zuenir Ventura, Veríssimo... E também os ativistas, as ONGs. Estamos fazendo uma coisa balanceada.” Leram? Leiam de novo. Com o maior ar de inocência, com aquela consciência limpa de quem não quer sujá-la num confronto com os próprios atos, o criador da página de opinião de um grande diário brasileiro apresenta sua noção de jornalismo balanceado, isento, equilibrado: franquear as páginas do jornal para “toda a esquerda”, um exército inteiro de editorialistas, cronistas, analistas e ongueiros, depois camuflar o partidarismo concedendo um espacinho a um – isso mesmo: um, um único – articulista de direita, em seguida reduzir um pouco mais esse espacinho e no fim ainda reclamar que o convidado, um brutamontes sem educação, ultrapassou a quota de direitice admitida. Em matéria de disfarce, isso foi tão eficiente quanto limpar bumbum de elefante com um cotonete. Mas disfarçar era totalmente desnecessário: quem, entre as multidões, reclamaria do viés esquerdista do Globo? Brasileiro não lê jornal. Num país de 180 milhões de habitantes, a tiragem dos maiores diários, somada, mal chega a dois milhões de exemplares. A imagem que o zé-povinho tem dos jornais é a de trinta anos atrás: o Estadão ainda é os Mesquita, O Globo ainda é Roberto Marinho. Diga ao cidadão comum que O Globo é de esquerda, e ele rirá na sua cara com aquele ar de infinita superioridade que é o privilégio sublime da completa ignorância. De outro lado, o esquerdismo da mídia nacional é mais que hegemônico: é uma instituição tão antiga, tão sólida, tão tradicional e intocável que acabou por se tornar um estado natural. O jornalismo de esquerda já nem pode ser reconhecido como tal, pois há três gerações não existe um de direita que lhe sirva de contraste. A firme obediência ao programa esquerdista passa hoje como a encarnação mesma do profissionalismo idôneo, mainstream. Fanatismo, propaganda, distorção ideológica, só na coluna do Olavo de Carvalho, é claro. Pois não é que o safado teve a ousadia de contar para todo mundo que o Foro de São Paulo existia, quando a massa de seus colegas de ofício se empenhava solicitamente em ajudar essa central da subversão a crescer em silêncio? Por que ele não se limitou ao direitismo cool, educado, àquele amável direitismo de centro que festeja a eleição de Barack Obama como uma glória da democracia americana e de vez em quando até verte umas lágrimas (de crocodilo ou não) pelos terroristas mortos nos “anos de chumbo”? Se querem entender como essa mudança aconteceu, leiam o livro de Alzira Alves de Abreu, Eles Mudaram a Imprensa (FGV, 2003). São “depoimentos de seis jornalistas que, na qualidade de diretores de redação, tiveram uma participação fundamental na reformulação ou na criação de órgãos de imprensa brasileiros nas últimas três décadas do século XX”. Dos seis entrevistados, cinco são esquerdistas. Só faltou, dessa geração de reformadores célebres, o Cláudio Abramo, que já tinha morrido. E Cláudio era um devoto de Leon Trotski. Isso, meus amigos, é a mídia brasileira. Ser esquerdista, no ambiente que esses
homens criaram, não requer nem mesmo uma tomada de posição pessoal: é só você não pensar no assunto, e a força da rotina geral o arrastará insensivelmente para a esquerda sem que você tenha de assumir a mínima responsabilidade por isso. Se Luiz Garcia parece não ter a menor consciência de que confessou uma manipulação abjeta, delituosa até, não é porque seja cínico de propósito: é porque, no meio em que ele vive, a insensibilidade moral para com os abusos do esquerdismo se tornou uma espécie de norma de redação.
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Por que sou insuportável Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 14 de janeiro de 2009 Marx descrevia a socialização dos meios de produção como um processo longo e complexo, que poderia se arrastar por muitas gerações. Nenhum partido comunista em seu juízo perfeito deve subir ao poder e logo no dia seguinte baixar um decreto: “Agora é o comunismo, turma. Fica abolida a propriedade privada.” Ao contrário: seja operada por meios pacíficos ou com farto recurso à violência, a transição é sempre lenta, irregular, intercalada de mil e uma concessões ao capital privado até que a elite comunista tenha se assenhoreado de todos os instrumentos de controle político, social, educacional e cultural, sem chance para o ressurgimento das forças reacionárias e conservadoras. O ideal é deixar a economia capitalista intacta e funcionando a pleno vapor até que a tomada do poder em todas as áreas da vida seja completa e irreversível. Como a elite empresarial e os políticos “de direita” ignoram isso por completo – a maioria não leu nem sequer o Manifesto Comunista –, todos já começam a celebrar o triunfo do capitalismo tão logo um governo ou partido comunista dê sinal de se acomodar ao livre mercado, ainda que parcialmente. Ficam tão felizes com esse arranjo que nem reparam que a concessão no campo econômico vem junto com o avanço do controle hegemônico em todas as demais áreas. Que lhes importa que a militância comunista domine as escolas ou as instituições de alta cultura, se eles continuam ganhando dinheiro e até recebem alguns favores do governo esquerdista? Foi tendo isso em vista que Lênin disse: “A burguesia tece a corda com que a enforcamos.” É claro que a posição privilegiada do empresariado na sociedade não consiste só no direito de encher os bolsos, mas na obrigação de garantir que as próximas gerações desfrutem da mesma liberdade que o capitalismo lhes assegurou. Mas poucos, se algum chega a tanto, entendem que, sem um conjunto de valores culturais socialmente favoráveis à liberdade econômica e, mais ainda, sem os canais e instrumentos para a defesa e preservação desses valores, o capitalismo vai-se reduzindo pouco a pouco a uma concessão estatal provisória, até que se torne tão fraco politicamente que possa ser
destruído da noite para o dia sem que um só protesto se levante contra o advento do comunismo. Se querem saber, portanto, a que distância estamos desse advento, não perguntem se as empresas capitalistas estão prosperando. Perguntem quantos partidos políticos, jornais e canais de TV são abertamente anticomunistas. Quantos discursam habitualmente contra o martírio pérpétuo de prisioneiros políticos na China, na Coréia do Norte ou em Cuba em vez de fazê-lo contra as meras incomodidades que os tagarelas da esquerda alardeiam como “tortura” em Guantanamo? Quantos defendem a instituição da família e a moral tradicional? Quantos denunciam a perseguição anticristã e antijudaica? Quantos protestam contra a doutrinação comunista nas escolas? Quantos se recusam a colaborar com a demagogia gayzista e abortista ou com a eterna promoção de semi-intelectuais de esquerda à condição de representantes máximos da alta cultura? Quantos, ao menos, recusam adaptar-se ao vocabulário “politicamente correto”? Resposta: nenhum. No Brasil, nenhum. Em todos esses setores, a fase da conquista da hegemonia, tal como descrita por Antonio Gramsci, já passou. O que se observa aí é o domínio total e absoluto, o controle draconiano da formação de opiniões, a ditadura mental onipotente e incontestada. Enquanto isso, é preciso dar à massa idiota a ilusão de que a liberdade ainda existe. Isso se obtém por dois meios: 1) Reservam-se, na mídia e nos partidos, dois ou três lugares para os discordes e resistentes, de modo que seu mero contraste com a maioria satisfeita lhes dê ares de excêntricos amalucados, fazendo deles, mais que a exceção a confirmar a regra, um instrumento de legitimação inversa do estado de coisas. A estratégia gramsciana previa isso, dando a essas raridades o nome de “aberrações” e agradecendo sua ajuda involuntária à imposição dos novos padrões de normalidade. A única saída decente, para os que foram colocados nesse papel, é denunciar insistentemente a própria situação que lhes foi imposta, até que se tornem ainda mais aberrantes do que convém aos autores da manobra. O preço disso, é claro, é a discriminação aberta, o boicote ostensivo. 2) Abre-se oportunidade para um número um pouco maior de falsos conservadores, incumbidos de ocupar o espaço com argumentos em favor do livre mercado, perfeitamente inofensivos na atual fase da estratégia comunista, e com generalidades insossas sobre democracia, constitucionalismo, ordem jurídica, etc., sem tocar jamais nas questões substantivas que mencionei acima. Infelizmente, entre jovens que assistiram a meus cursos e conferências, sem se tornar por isso meus estudantes genuínos, abundam os que se dispõem a exercer esse papel abjeto, satisfeitos de ver-se bem recebidos onde fui rejeitado, e acreditando-se por isso uma “alternativa superior”, mais moderninha, serena e equilibrada, ao cada vez mais insuportável Olavo de Carvalho.
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Cortina de trevas Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 15 de janeiro de 2009 O que está acontecendo na grande mídia americana é aterrorizante, para quem percebe. Exagero? Teoria da conspiração? Um exemplo recente permitirá que você julgue e tire suas próprias conclusões. Quando o governador de Illinois foi acusado de leiloar a vaga do sucessor de Barack Obama no Senado, a primeira pergunta que veio à mente das autoridades policiais foi se o presidente eleito havia colaborado com o esquema, ou pelo menos sabia de alguma coisa. Não houve como esconder a dúvida, não só porque ela vinha diretamente da promotoria, mas também porque, semanas antes, um dos principais assessores da campanha obamista, David Axelrod, havia mencionado em entrevista um encontro recente entre Obama e o governador Blagojevitch. Logo veio a resposta calmante do próprio Obama, obtida, segundo ele, após uma rigorosa investigação interna, e alardeada por toda a mídia como solução final do enigma: Não, nem ele próprio, Obama, nem qualquer membro de sua equipe tivera qualquer contato com Blagojevich. Axelrod apressou-se a confirmá-lo, jurando que sua primeira declaração fora apenas um equívoco. Feito isso, a mídia inteira anunciou, para alívio geral dos crentes, que a derrocada do governador de Illinois não manchava em nada a honra do Messias ungido. Insatisfeita com essa solução demasiado fácil, a ONG Judicial Watch intimou o governo de Illinois, pelo Freedom of Information Act, a liberar todos os registros oficiais de quaisquer contatos recentes do governador com Barack Obama ou membros da sua equipe. O que veio em resposta foi assombroso, para dizer o mínimo: uma carta em papel timbrado da equipe de transição, assinada pessoalmente por Barack Obama, na qual este agradecia a Blagojevich pelo encontro que haviam mantido na Filadélfia em 2 de dezembro, apenas uma semana antes de o governador de Illinois ser preso. Pior: da conversa não haviam participado apenas Obama e Blagojevich, mas também o vice-presidente eleito, Joe Biden. O documento pode ser lido em
http://www.judicialwatch.org/documents/2009/BlagojevichFOIAresponse122408 .pdf. É a prova oficial, cabal, de que Obama mentiu. Pois bem, sabem quantos jornais noticiaram isso até agora? Nenhum. Quantos noticiários de TV? Nenhum. Silêncio completo, proteção total à imagem do queridinho. Não importa quantos documentos venham à tona, não importa quantos fatos sejam revelados e bem provados, não importa quantos crimes e contravenções o sujeito tenha praticado, nem uma palavra contra ele será lida ou ouvida na mídia chique. O abismo entre noticiário e realidade tornou-se imensurável, intransponível. Com uma unanimidade esmagadora, os repórteres, editores e comentaristas mentem, sonegam, falsificam, desconversam e, com um cinismo chocante, riem de quem tente praticar o jornalismo à moda antiga, o jornalismo de fatos e documentos, que, com os dias contados, sobrevive apenas na internet e nas estações de rádio. Nada do que se tenha observado anteriormente nas democracias ocidentais em matéria de falsificação e manipulação de notícias se compara a esse bloqueio completo e implacável, só igualado pela censura totalitária nos países comunistas, com a diferença de que esta era imposta pelo governo, ao passo que aquele nasce de uma cumplicidade voluntária – de tipo sistêmico, não conspiratório, exatamente como previsto por Antonio Gramsci. Mais do que a própria eleição de Obama, esse fenômeno assinala uma mudança histórica, destinada a ter conseqüências devastadoras em escala mundial. Décadas de doutrinação universitária fundada na premissa de que não existe realidade, somente “imposição de narrativas”, produziram o efeito a que aspiravam: chegou ao poder nas redações uma nova geração de jornalistas profundamente imbuídos da convicção de que seu dever não é retratar o mundo, mas transformá-lo. Ao distinto público, correspondentemente, incumbe deixar-se arrastar pela mudança sem saber de onde ela vem nem para onde vai. Se a cortina de trevas vai permanecer cerrada por mil anos ou apenas por uns dois ou três, não sei. O que é certo é que ela já baixou sobre a terra que foi um dia a da liberdade de imprensa.
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Cortina de trevas
Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 15 de janeiro de 2009 O que está acontecendo na grande mídia americana é aterrorizante, para quem percebe. Exagero? Teoria da conspiração? Um exemplo recente permitirá que você julgue e tire suas próprias conclusões. Quando o governador de Illinois foi acusado de leiloar a vaga do sucessor de Barack Obama no Senado, a primeira pergunta que veio à mente das autoridades policiais foi se o presidente eleito havia colaborado com o esquema, ou pelo menos sabia de alguma coisa. Não houve como esconder a dúvida, não só porque ela vinha diretamente da promotoria, mas também porque, semanas antes, um dos principais assessores da campanha obamista, David Axelrod, havia mencionado em entrevista um encontro recente entre Obama e o governador Blagojevitch. Logo veio a resposta calmante do próprio Obama, obtida, segundo ele, após uma rigorosa investigação interna, e alardeada por toda a mídia como solução final do enigma: Não, nem ele próprio, Obama, nem qualquer membro de sua equipe tivera qualquer contato com Blagojevich. Axelrod apressou-se a confirmá-lo, jurando que sua primeira declaração fora apenas um equívoco. Feito isso, a mídia inteira anunciou, para alívio geral dos crentes, que a derrocada do governador de Illinois não manchava em nada a honra do Messias ungido. Insatisfeita com essa solução demasiado fácil, a ONG Judicial Watch intimou o governo de Illinois, pelo Freedom of Information Act, a liberar todos os registros oficiais de quaisquer contatos recentes do governador com Barack Obama ou membros da sua equipe. O que veio em resposta foi assombroso, para dizer o mínimo: uma carta em papel timbrado da equipe de transição, assinada pessoalmente por Barack Obama, na qual este agradecia a Blagojevich pelo encontro que haviam mantido na Filadélfia em 2 de dezembro, apenas uma semana antes de o governador de Illinois ser preso. Pior: da conversa não haviam participado apenas Obama e Blagojevich, mas também o vice-presidente eleito, Joe Biden. O documento pode ser lido em http://www.judicialwatch.org/documents/2009/BlagojevichFOIAresponse122408 .pdf. É a prova oficial, cabal, de que Obama mentiu.
Pois bem, sabem quantos jornais noticiaram isso até agora? Nenhum. Quantos noticiários de TV? Nenhum. Silêncio completo, proteção total à imagem do queridinho. Não importa quantos documentos venham à tona, não importa quantos fatos sejam revelados e bem provados, não importa quantos crimes e contravenções o sujeito tenha praticado, nem uma palavra contra ele será lida ou ouvida na mídia chique. O abismo entre noticiário e realidade tornou-se imensurável, intransponível. Com uma unanimidade esmagadora, os repórteres, editores e comentaristas mentem, sonegam, falsificam, desconversam e, com um cinismo chocante, riem de quem tente praticar o jornalismo à moda antiga, o jornalismo de fatos e documentos, que, com os dias contados, sobrevive apenas na internet e nas estações de rádio. Nada do que se tenha observado anteriormente nas democracias ocidentais em matéria de falsificação e manipulação de notícias se compara a esse bloqueio completo e implacável, só igualado pela censura totalitária nos países comunistas, com a diferença de que esta era imposta pelo governo, ao passo que aquele nasce de uma cumplicidade voluntária – de tipo sistêmico, não conspiratório, exatamente como previsto por Antonio Gramsci. Mais do que a própria eleição de Obama, esse fenômeno assinala uma mudança histórica, destinada a ter conseqüências devastadoras em escala mundial. Décadas de doutrinação universitária fundada na premissa de que não existe realidade, somente “imposição de narrativas”, produziram o efeito a que aspiravam: chegou ao poder nas redações uma nova geração de jornalistas profundamente imbuídos da convicção de que seu dever não é retratar o mundo, mas transformá-lo. Ao distinto público, correspondentemente, incumbe deixar-se arrastar pela mudança sem saber de onde ela vem nem para onde vai. Se a cortina de trevas vai permanecer cerrada por mil anos ou apenas por uns dois ou três, não sei. O que é certo é que ela já baixou sobre a terra que foi um dia a da liberdade de imprensa.
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Para além dos milagres Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 16 de janeiro de 2009
Eric Voegelin usava o termo "fé metastática" para designar a crença ou esperança numa repentina transfiguração da estrutura da realidade e na subseqüente emergência de uma ordem paradisíaca. A expectativa dessa transformação perpassa toda a literatura revolucionária desde o século XVI. Com o tempo, acabou por se tornar uma figura de pensamento incorporada de tal modo nos usos populares, que a ela se pode recorrer com relativa certeza do efeito psicológico, a despeito do fracasso de todas as transfigurações anteriores. O pressuposto embutido na expectativa revolucionária é que as limitações e entraves à realização dos desejos humanos não vêm da ordem geral do universo nem muito menos da natureza humana, mas de algum fator específico, inessencial e removível, cuja destruição abrirá as portas para um novo reino de felicidade e realizações majestosas. O obstáculo pode ser uma classe social, uma raça, um país, uma religião ou uma instituição. Destruído o inimigo, "tudo será mais belo", como dizia Antonio Gramsci num arremedo de conto de fadas que escreveu para a doutrinação de sua própria filha. Trotski assegurava que, eliminada a exploração capitalista, o potencial de auto-realização humana seria liberado ao ponto de cada varredor de rua ser um novo Leonardo da Vinci. Marx sonhava com um reino de possibilidades ilimitadas no qual não haveria nem mesmo divisão de trabalho e a própria noção de "profissão" seria eliminada: cada cidadão seria operário, artista plástico, gênio das ciências naturais, esportista, militar e político, tudo isso no mesmo dia. Voegelin enxergava a origem remota da fé metastática revolucionária no profetismo hebraico: "Na profecia de Isaías defrontamo-nos com a esquisitice de que Isaías aconselhasse ao rei de Judá não confiar nas fortificações de Jerusalém ou no fortalecimento do seu exército, mas na fé em Iavé. Se o rei tivesse verdadeira fé, Deus faria o resto, produzindo uma epidemia ou espalhando pânico entre os inimigos, de modo que o perigo para a cidade se dissolveria." Ele confessa que só não usou o termo "magia" para não ofender a memória do profeta, mas a fé metastática – a esperança numa metástase da realidade por efeito de um ato de fé – não passa, no fim das contas, da aposta num poder mágico. Qual a diferença, então, entre a esperança metastática e a fé em milagres de modo geral? Afinal, uma súbita reversão no curso das batalhas, sem aparente iniciativa humana que a justifique, é algo de bem menos espantoso do que a "dança do sol" em Fátima, testemunhada por setenta mil pessoas. Por que a fé extremada do rei de Judá no auxílio divino seria mais insensata do que a confiança com que três crianças portuguesas, advertidas por Nossa Senhora, compareceram fielmente na data e local marcados para o encontro com um sinal dos céus? Se o rei se abstivesse de construir as fortificações, confiando-se folgadamente à promessa de uma intervenção divina, ele teria rompido por sua própria iniciativa a lógica de causa e efeito, antecipando-se à ação de Deus e apostando em poder controlar a realidade por meio dela. Aí reside a diferença entre a magia e o milagre, ação divina transcendente ao controle humano. Mas o milagre, como se vê no exemplo de Fátima e como eu mesmo expliquei numa conferência recente (resumida por Jack Elliott na revista eletrônica The Voegelin View), não tem nada a ver com uma transfiguração da ordem da realidade: ele é apenas a abertura localizada e temporária do
mundo humano para uma ordem de realidade maior e mais abrangente, onde o aparentemente impossível se revela possível, mas só em circunstâncias excepcionais que levam o nome de “milagres” justamente por serem raridades dignas de admiração (mirare, ad-mirare, miraculum). Em torno da área beneficiada pelo milagre, a ordem do universo permanece intacta. A fé metastática, ao contrário, aposta numa transfiguração radical da ordem geral: as possibilidades divinas seriam postas ao alcance humano de maneira universal e definitiva. A fé metastática não imita a estrutura do milagre, mas a do Apocalipse: não se trata de uma intervenção vinda dos céus para alívio e encorajamento dos homens neste vale de lágrimas, mas da transfiguração completa do vale de lágrimas em paraíso de liberdade, paz e abundância. Isso é infinitamente maior do que um simples milagre ou mesmo do que a coleção completa dos milagres registrados desde o início da história humana. Mais ainda: na visão bíblica, o advento do novo céu e da nova terra só é possível com a extinção do presente universo e a conseqüente absorção da realidade finita na escala do infinito. A fé metastática, ao contrário, despreza essa exigência e se proclama capaz de espremer as possibilidades infinitas dentro das medidas finitas do universo físico presente. Eis por que ela não é fé religiosa: é loucura em sentido estrito. Graças à onipresença da fé metastática entre os componentes da moderna cultura revolucionária, a esperança nessa loucura é hoje em dia uma força latente no inconsciente das massas, podendo ser ativada a qualquer momento, seja para impeli-las à violência genocida ou para transformar um farsante medíocre, um Barack Hussein Obama qualquer, em nova encarnação do Messias.
http://www.olavodecarvalho.org/semana/090120dc.html
A cultura do genocídio Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 20 de janeiro de 2009 Desde que os exércitos aliados revelaram ao mundo os horrores dos campos de concentração nazistas, as tentativas de explicação histórica, sociológica e psicológica de um fenômeno tão inusitado e monstruoso criaram um dos ramos mais prolíficos da bibliografia universal. A cada ano que passa, centenas ou milhares de livros, teses acadêmicas e artigos em publicações eruditas e populares buscam enfrentar a questão angustiante: como e por que foi possível a uma parcela da humanidade culta rebaixar-se ao ponto de fazer da prática de crimes hediondos em massa uma obrigação legal e um mérito patriótico?
As respostas oferecidas podem ser divididas em três grupos: (1) A corrente dominante segue uma linha inaugurada pelo Doktor Faustus de Thomas Mann, que busca as origens do nazismo no subsolo irracional e satanista da cultura alemã. A noção de que a história social e cultural da Alemanha pudesse elucidar o totalitarismo e o holocausto veio a se tornar um dogma do senso comum e a dominar, praticamente sem contestações, toda essa imensa bibliografia. A aposta nessa tese é compartilhada, em medidas diversas, pelos autores e obras mais díspares, desde produções acadêmicas respeitáveis como os estudos de Otto Friedrich, Siegfried Kracauer, Lotte Eisner, Peter Gay, Carl Schorske e as grandes biografias de Hitler por Joachim C. Fest, Ian Kershaw, Alan Bullock, até obras de cunho polêmico como The Pink Swastika, de Scott Lively e Kevin Abrams ou The Occult Hitler, de Lothar Machtan, e até mesmo especulações sobre a contribuição ocultista à formação da ideologia nazi (Nigel Pennick, Hitler's Secret Sciences; Peter Levenda, Unholy Alliance: History of the Nazi Involvement with the Occult; Dusty Sklar, The Nazis and the Occult; Wilhelm Wulff, Zodiac and Swastika, Nicholas Goodrick-Clarke, The Occult Roots of Nazism: Secret Aryan Cults and Their Influence on Nazi Ideology etc.). O sucesso dessa linha de investigações é facilmente explicável: como o nazismo se definia a si próprio como um movimento essencialmente nacionalista, nada mais natural do que buscar suas raízes na cultura nacional que o produziu. Lendo esse material, os alemães se convenceram de que são um povo de criminosos e até hoje se desgastam em perpétuos rituais de autopurificação, que contrastam de maneira patética com a orgulhosa recusa comunista de se entregar a idêntico exame de consciência. (2) Ao lado dessa tradição, desenvolveu-se outra que, ao contrário, procura dissolver a peculiaridade nacional do nazismo no rótulo geral de "fascismo" ou "nazifascismo", uma noção infinitamente elástica que abarca de Hitler a George W. Bush, passando pelos líderes sionistas e pelo general Augusto Pinochet, sem esquecer o senador Joe McCarthy, a Igreja Católica, as milícias patrióticas americanas, os militares brasileiros e, de modo geral, todos os adeptos da economia de mercado (ouvi com os meus dois ouvidos um professor da USP, José Luís Fiore, exclamar: "Liberalismo é fascismo!"). Explicando o fenômeno nazista como imperialismo capitalista, esta segunda linha de investigações, fortemente subsidiada pelos escritórios de propaganda do governo soviético, é autocontraditória e desprovida do mínimo de substância intellectual que justifique
um debate sério, mas, graças à rede global de organizações militantes, espalhou-se como uma peste nos meios universitários do Terceiro Mundo, daí saltando para conquistar até mesmo algum espaço na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, tornou-se um dogma estabelecido e um dado do senso comum. Raciocinar fora dela é considerado um sintoma de doença mental ou uma prova cabal de inclinações nazifascistas. Tsk, tsk. (3) Uma terceira linha, que subordina o conceito de nazismo à noção mais genérica das ideologias de massa, sublinhando suas semelhanças com o comunismo soviético e chinês e sondando suas origens nas fontes gerais do movimento revolucionário mundial, nunca alcançou a popularidade das outras duas, mas teve boa aceitação em círculos de estudiosos especializados graças às obras de Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, Hannah Arendt, Norman Cohn, Eric Voegelin, Ernest Topitsch e, mais recentemente, Richard Overy. O documentário de Edvin Snore, The Soviet Story, que já comentei aqui e que vocês podem descarregar com legendas em português no site www.endireitar.org, traz uma poderosa confirmação à tese número 3, reduz a número 2 ao engodo publicitário que ela sempre foi e, se não impugna totalmente a número 1, debilita consideravelmente as suas pretensões a ser "a" explicação dos crimes nazistas. Ao mostrar que toda a técnica dos campos de concentração e do extermínio em massa foi inventada pelos comunistas e só tardiamente copiada pelos nazistas mediante convênio com o governo soviético, Snore faz picadinho de qualquer tentativa de atribuir a crueldade nazista a alguma causa especificamente alemã. Os fatores culturais assinalados na tese número 1 explicam a emergência de um movimento nacionalista de tipo místico e irracionalista, mas não a extensão e a brutalidade quase inimaginável de seus crimes. Afinal, movimentos de inspiração idêntica surgiram em muitas outras partes do mundo sem ter por isso recorrido sistematicamente ao genocídio como técnica de governo. O próprio fascismo italiano, com toda a rigidez fanática do seu autoritarismo, nada fez de comparável ao Holocausto, e, segundo conhecedores habilitados como Hannah Arendt e Miguel Reale, não pode nem mesmo ser enquadrado legitimamente na categoria do "totalitarismo", de vez que o governo de Mussolini jamais tentou sequer obter o controle total da sociedade italiana e, bem ao contrário, tolerou a existência de dois poderes concorrentes: a Igreja e a monarquia. O emprego sistemático do genocídio como instrumento de governo foi invenção comunista. O que aconteceu na
Alemanha foi a fusão deliberada de um imaginário de tipo nacionalista-místico com a técnica comunista de governo. Essa foi a originalidade de Hitler, até na opinião dele próprio. Ao declarar que toda a sua luta se inspirava diretamente em Karl Marx, ele não se referia, naturalmente, à mitologia patriótica do nazismo, mas à organização socialista da economia e sobretudo ao emprego sistemático do terror genocida. Hitler fundiu Mussolini com Lênin, e a parte genocida da mistura não veio do primeiro componente. Um dos depoimentos mais importantes de The Soviet Story é o de George Watson, um professor de literatura que se especializou na pesquisa das fontes textuais do socialismo. Autor de um importante estudo sobre The Lost Literature of Socialism, que infelizmente não é citado no filme, Watson descobriu que, antes de Marx e Engels, nenhum ideólogo de qualquer espécie havia jamais proposto a liquidação de "povos inferiores" (expressão do próprio Marx) como prática deliberada e condição indispensável para a instalação de um novo regime. Nem mesmo Maquiavel havia pensado numa coisa dessas. O genocídio é criação sui generis do movimento socialista, e sete décadas se passaram antes que uma dissidência interna desse movimento desse origem ao fascismo e depois ao nazismo, que tardiamente adotou a fórmula do morticínio salvador então já posta em prática por Lênin na URSS.
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Rombo de segurança Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 22 de janeiro de 2009 Alguém espalhou pela internet o boato de que a filha de Leon Panetta, o escolhido de Barack Hussein Obama para chefiar a CIA, era comunista e amiga de Hugo Chávez. Vários blogs conservadores morderam a isca e repassaram a história, amparada numa foto de Linda Panetta – este o nome da criatura – ao lado do caudilho venezuelano. O problema é que Leon Panetta só tem filhos homens, três ao todo, e nunca viu a mocinha até o dia em que a foto dela apareceu na internet.
O episódio e os comentários sarcásticos que suscitou na mídia iluminada só serviram para desviar as atenções populares de uma outra notícia que, totalmente omitida pelos jornais e TVs, circulava pela rede no mesmo instante. Escrita pelo repórter holandês Emerson Veermat – um profissional cuja seriedade na pesquisa jornalística já obteve elogios do governo do seu país –, ela informa que Leon Panetta não precisa de nenhuma filha para lhe arranjar ligações comprometedoras com o movimento comunista: ele tem as suas próprias, diretas e muito mais sérias do que a simples amizade com um pop star da esquerda. Como membro do Congresso, ele deu ostensivo apoio ao Institute for Policy Studies (IPS), um think tank esquerdista e raivosamente anti-CIA presidido por um cidadão de nome Richard Jackson Barnett, que segundo o FBI é mais que suspeito de ser um agente da KGB. A reportagem de Veermat está em http://www.pipelinenews.org/index.cfm? page=vermaatciaid=1.8.09.htm. Sustentado pelo dinheiro do milionário pró-comunista Samuel Rubin (cuja Samuel Rubin Foundation também subsidia no Brasil o Instituto “Sou da Paz”), o IPS não se limitou a tomar partido dos comunistas na guerra do Vietnã e a armar várias campanhas de propaganda contra a CIA – atividades que, em si, não o distinguiriam de qualquer organização militante de esquerda. Ele foi muito além disso, organizando operações de inteligência, altamente sofisticadas, para dificultar o acesso da agência a informações que pudessem prejudicar o bloco comunista. O coordenador dessas operações foi o exfuncionário da CIA Philip Agee, que mais tarde se confirmou ser um agente da inteligência cubana e da KGB. Entre outras realizações notáveis, o IPS, através da sua filial em Amsterdã, ajudou na publicação da revista Counterspy, onde Agee revelou o nome de vários agentes secretos da CIA, um dos quais, Richard L. Welch, foi assassinado logo depois. Não espanta que o IPS fosse descrito por Brian Crozier, diretor do London Institute for the Study of Conflict, como “a fachada intelectual perfeita para as atividades soviéticas”. Como congressista, Leon Panetta delegou trabalhos importantes ao IPS – inclusive um projeto para a redução do orçamento militar americano – e ainda promoveu, junto com outros treze deputados, uma coleta de fundos para a festa de gala do aniversário da fundação da entidade em 1985. As atividades subversivas do IPS já não são um grande segredo. Veermat baseou parte da sua matéria no relato meticuloso escrito por um ex-funcionário da organização, S. Steven Powell, Covert Cadre: Inside the Institute for Policy Studies, publicado em 1987 em Ottawa, Illinois, por Green Hill Publishers, Inc. Mas nem todos os serviços prestados por Panetta aos inimigos dos EUA têm ligação com o IPS. Em 1997 foi ele quem, indicado por Bill Clinton, negociou a proposta de ceder aos chineses o estaleiro da Marinha em Long Beach, o que na época foi denunciado como um evidente risco para a segurança nacional americana (v. Rowan Scarborough, “Solomon: Is Cosco strategic threat? Long Beach deal triggers concern”, no Washington Times de 20 de maio de 1997, reproduzido nos Anais da Câmara de Representantes, em http://thomas.loc.gov/cgi-bin/query/D?r105:1:./temp/~r105Cp2PD0::). Convém recordar que diretores da estatal chinesa interessada, a Chinese Ocean Shipping Co. (Cosco), haviam feito substanciais contribuições em dinheiro para a campanha presidencial de Clinton.
Por qualquer critério mínimo de segurança, um candidato com esse curriculum vitae jamais seria aceito como agente ou mesmo como estagiário da CIA ou de qualquer outro órgão de inteligência americano. Panetta na direção da CIA não é uma falha de segurança: é um rombo. Mas, se um cidadão de nome árabe pode ser presidente dos EUA sem ter de mostrar nenhuma prova genuína de nacionalidade – e se a simples sugestão de que ele deveria apresentar essa prova é violentamente reprimida como sinal de paranóia, racismo, “teoria da conspiração” ou no mínimo falta de polidez –, então certamente deve ser impolidez maior ainda, se não pecado mortal, pretender que o diretor da CIA, apontado por governante tão excelso e intocável, deva submeter-se a algum requisito de segurança. Tão grande é o temor de ser acusado dessa impolidez, que o próprio Veermat se abstém de insinuar que Panetta seja um colaborador consciente dos serviços de inteligência russos ou chineses. Como já se tornou de praxe nessas situações, ele atribui inteiramente à ingenuidade e à incompetência as sujeiras comunistas em que o escolhido de Obama se meteu. Mas, nessas horas, uma idéia não me sai da cabeça. Sei que é crime hediondo dar alguma razão ao falecido senador Joe McCarthy, mesmo em coisas mínimas, mas ele costumava dizer algo que, no caso Panetta, vem muito a calhar: “Pela lei das probabilidades, não é verossímil que erros cometidos por mera incompetência ou acidente favoreçam sempre o outro lado, jamais o nosso.”
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O segredo de um terrorista Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 23 de janeiro de 2009 Muitos se escandalizam com o asilo político concedido ao assassino Cesare Battisti, mas poucos tentam averiguar o que o episódio significa realmente. A sucessão de casos similares, a proteção concedida pela esquerda brasileira a praticamente todos os terroristas internacionais que aqui aportam – Achille Lollo, Olivério Medina e sua esposa, os seqüestradores de Abílio Diniz e Washington Olivetto – e o contraste que esses casos formam com a recusa de asilo aos dois boxeadores cubanos deveriam alertar para a obviedade de que não se trata de episódios isolados, mas de uma atividade permanente, sistemática. Mas mesmo aqueles que o percebem hesitam em sondar a relação entre esses fatos e a estratégia geral petista. Qual é exatamente a posição do Brasil no quadro da esquerda internacional em ascensão? A uma visão superficial, o Brasil é uma democracia de esquerda moderada, favorável ao livre mercado e respeitosa da ordem jurídica. Quase ninguém entende que o país precisa ser tudo
isso precisamente para poder desempenhar a função nuclear que lhe cabe na estratégia esquerdista mundial. Também poucos querem enxergar que a democracia brasileira é hoje um puro formalismo jurídico a encobrir o poder monopolístico da esquerda e a total exclusão da simples possibilidade teórica de uma oposição conservadora, seja na política eleitoral, seja na mídia, seja até na pura esfera cultural. O Brasil, democracia sui generis onde as liberdades legalmente constituídas coexistem pacificamente com a total impossibilidade de exercê-las, é a origem e o centro de comando da revolução comunista na América Latina. É da elite intelectual petista, fundadora do Foro de São Paulo, que emanam discretamente as instruções gerais destinadas a transformar-se em espetáculos de esquerdismo histriônico por meio dos Chávez, Morales e outros tantos que às vezes nem mesmo compreendem as sutilezas dialéticas do processo e por isto acabam, com freqüência, exagerando no desempenho de seus papéis. Se a Venezuela e a Bolívia parecem estar na vanguarda da revolução, e o Brasil muito na retaguarda, é porque o comando, por definição, fica na retaguarda. Por isso mesmo é que o Brasil se torna também o abrigo ideal para os revolucionários caídos em desgraça nos seus respectivos países. Se eles fossem para Cuba ou para a Venezuela, teriam de conservar sua identidade exterior de revolucionários e se tornariam inúteis para funções mais discretas e relevantes. Aqui, podem adquirir uma fachada de cidadãos pacíficos, aposentados de toda violência, e integrar-se, sem risco nenhum, nos altos círculos intelectuais que comandam o processo. Só um idiota completo pode acreditar que o governo brasileiro aceitaria o risco de uma crise diplomática só para agradar a uma socialite. Tal como Achille Lollo e Olivério Medina, Cesare Battisti não recebeu apenas um asilo político, mas uma promoção, subindo na hierarquia revolucionária, do posto de executor na linha de frente para o de analista e planejador nas altas esferas. Ele é protegido porque é útil, não porque Carla Bruni é bonitinha. Nenhuma análise séria dos fatos políticos pode-se fazer desde o ponto de vista liberal e conservador se este não absorve, primeiro, a perspectiva do adversário. Se você não está capacitado para fazer uma análise marxista da situação exatamente como a fariam os teóricos e estrategistas do movimento revolucionário, suas opiniões a respeito da política de esquerda serão sempre meras tentativas de projetar sobre ela categorias que lhe são estranhas, ajudando, portanto, a encobrir seus verdadeiros intuitos e a conferir o privilégio da invisibilidade quase absoluta às estratégias e táticas do esquerdismo. Afinal, o marxismo não é só uma “ideologia”: ele é uma estratégia da praxis revolucionária e, nesse sentido, é uma ciência – uma ciência extremamente sutil e complexa, da qual os formadores de opinião liberais e conservadores, no Brasil, não sabem praticamente nada. O deslocamento entre as categorias analíticas e a natureza do fenômeno estudado é garantia segura de incompreensão, e a incompreensão é por sua vez a origem dos erros estratégicos monstruosos que, ao longo dos últimos trinta anos, reduziram o liberalismo e o conservadorismo, de forças imperantes, a exceções doentias que só subsistem graças à tolerância provisória do sistema. É fácil observar de fora os erros da economia marxista e pontificar que todo movimento baseado nela está condenado ao fracasso. Mas a estratégia do movimento comunista não é,
de maneira alguma, uma decorrência direta e mecânica da sua economia. Principalmente não o é na esfera da luta cultural, onde as manobras e rodeios da intelectualidade ativista vão, com freqüência, no sentido contrário daquilo que se poderia deduzir do economicismo marxista vulgar. Trata-se de um ramo de conhecimento que tem sua própria autonomia e que não pode ser dominado senão mediante longos anos de estudo. É só aprendendo a pensar como os teóricos da revolução mundial que se pode, em seguida, transcender a sua visão das coisas e condená-la com fundamento. Atirar-lhe pedras desde fora é ficar abaixo dela e tornar-se vítima cega do processo revolucionário.
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Educação ao contrário Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 27 de janeiro de 2009 Clicando no Google a palavra “Educação” seguida da expressão “direito de todos”, encontrei 671 mil referências. Só de artigos acadêmicos a respeito, 5.120. “Educação inclusiva” dá 262 mil respostas. Experimente clicar agora “Educar-se é dever de cada um”: nenhum resultado. “Educar-se é dever de todos”: nenhum resultado. “Educar-se é dever do cidadão”: nenhum resultado. Isso basta para explicar por que os estudantes brasileiros tiram sempre os últimos lugares nos testes internacionais. A idéia de que educar-se seja um dever jamais parece ter ocorrido às mentes iluminadas que orientam (ou desorientam) a formação (ou deformação) das mentes das nossas crianças. Eis também a razão pela qual, quando meus filhos me perguntavam por que tinham de ir para a escola, eu só conseguia lhes responder que se não fizessem isso eu iria para a cadeia; que, portanto, deveriam submeter-se àquele ritual absurdo por amor ao seu velho pai. Jamais consegui encontrar outra justificativa. Também lhes recomendei que só se esforçassem o bastante para tirar as notas mínimas, sem perder mais tempo com aquela bobagem. Se quisessem adquirir cultura, que estudassem em casa, sob a minha orientação. Tenho oito filhos. Nenhum deles é inculto. Mas o mais erudito de todos, não por coincidência, é aquele que freqüentou escola por menos tempo. A idéia de que a educação é um direito é uma das mais esquisitas que já passaram pela mente humana. É só a repetição obsessiva que lhe dá alguma credibilidade. Que é um direito, afinal? É uma obrigação que alguém tem para com você. Amputado da obrigação que impõe a um terceiro, o direito não tem substância nenhuma. É como dizer que as crianças têm direito à alimentação sem que ninguém tenha a obrigação de alimentá-las. A palavra “direito” é apenas um modo eufemístico de designar a obrigação dos outros.
Os outros, no caso, são as pessoas e instituições nominalmente incumbidas de “dar” educação aos brasileiros: professores, pedagogos, ministros, intelectuais e uma multidão de burocratas. Quando essas criaturas dizem que você tem direito à educação, estão apenas enunciando uma obrigação que incumbe a elas próprias. Por que, então, fazem disso uma campanha publicitária? Por que publicam anúncios que logicamente só devem ser lidos por elas mesmas? Será que até para se convencer das suas próprias obrigações elas têm de gastar dinheiro do governo? Ou são tão preguiçosas que precisam incitar a população para que as pressione a cumprir seu dever? Cada tostão gasto em campanhas desse tipo é um absurdo e um crime. Mais ainda, a experiência universal dos educadores genuínos prova que o sujeito ativo do processo educacional é o estudante, não o professor, o diretor da escola ou toda a burocracia estatal reunida. Ninguém pode “dar” educação a ninguém. Educação é uma conquista pessoal, e só se obtém quando o impulso para ela é sincero, vem do fundo da alma e não de uma obrigação imposta de fora. Ninguém se educa contra a sua própria vontade, no mínimo porque estudar requer concentração, e pressão de fora é o contrário da concentração. O máximo que um estudante pode receber de fora são os meios e a oportunidade de educar-se. Mas isso não servirá para nada se ele não estiver motivado a buscar conhecimento. Gritar no ouvido dele que a educação é um direito seu só o impele a cobrar tudo dos outros – do Estado, da sociedade – e nada de si mesmo. Se há uma coisa óbvia na cultura brasileira, é o desprezo pelo conhecimento e a concomitante veneração pelos títulos e diplomas que dão acesso aos bons empregos. Isso é uma constante que vem do tempo do Império e já foi abundantemente documentada na nossa literatura. Nessas condições, campanhas publicitárias que enfatizem a educação como um direito a ser cobrado e não como uma obrigação a ser cumprida pelo próprio destinatário da campanha têm um efeito corruptor quase tão grave quanto o do tráfico de drogas. Elas incitam as pessoas a esperar que o governo lhes dê a ferramenta mágica para subir na vida sem que isto implique, da parte delas, nenhum amor aos estudos, e sim apenas o desejo do diploma.
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Um gênio da inépcia Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 29 de janeiro de 2009 Em 14 de junho de 2008 escrevi no Diário do Comércio: “Barack Hussein Obama é, sob tantos aspectos, tão diferente daquilo que normalmente se entende como um candidato à presidência dos EUA, que só por uma distração formidável alguém pode achar que o detalhe mais significativo nele é a cor da sua pele.”
Sete meses depois, o referido ainda não cessou de dar mostras da sua total originalidade. Após ter sido o primeiro presidente americano que esconde quase todos os seus documentos e ainda falsifica os poucos que exibe, tornou-se também o primeiro que pode fazer essas coisas sem que nem mesmo seus adversários eleitorais denunciem aí algo de estranho, o primeiro que subiu ao poder trazendo nas costas duas dúzias de processos judiciais, o primeiro que foi interrogado pela polícia antes mesmo de ser empossado e o primeiro que aos domingos vai à quadra de esportes em vez de ir à igreja. Mas é no capítulo das gafes orais que o cidadão, enaltecido como um dominador absoluto dos meios de expressão verbal, se mostrou mais diferente de todos os seus antecessores. Embora a mídia faça questão cerrada de não notar isso de maneira alguma, nenhum outro presidente americano – nem mesmo George W. Bush – cometeu, em tão pouco tempo, erros tão múltiplos e tão colossais. Ele foi o primeiro que tropeçou ao declarar sua religião, dizendo-se islamita em vez de cristão; o primeiro que negou uma conversa comprometedora dias depois de ter assinado um documento oficial que a comprovava; o primeiro que gaguejou diante das câmeras ao negar envolvimento num caso de corrupção; o primeiro que teve de repetir o juramento de posse, por ter trocado as palavras; e o primeiro que, logo no discurso inaugural, errou desastrosamente numa citação bíblica, trocando um versículo destinado a mostrá-lo como alma cristianíssima por outro que o acusava de ser exatamente o contrário. Diante de milhões de espectadores, ele declarou que seu trecho predileto do Novo Testamento é João 16:3. Queria dizer, é claro, João 3:16, o versículo central do cristianismo: “De tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho Unigênito, para que todo aquele que creia nele não pereça, mas tenha a vida eterna.” E João 16:3, o que diz? Bem, depois de Spike Lee ter afirmado que Deus enviou a crise econômica com a única finalidade de eleger Obama, não serei considerado mais louco do que o trêfego cineasta se enunciar uma hipótese teológica bem mais modesta, a de que o versículo intruso foi não apenas o objeto da gafe presidencial, mas também a sua explicação divina, didática e exemplar, soprada pelos anjos ao ouvido do orador para que se autodenunciasse. Nele Jesus diz: “Farão isso porque não conheceram ao Pai nem a Mim.”1 Gafes em série não são puras gafes: são sintomas de incompetência estrutural. Desenvolto e persuasivo ao ler mensagens no teleprompter, Obama revela um total desamparo ao lidar com as palavras sem ajuda. Com boas razões ele vetou a divulgação de seus artigos acadêmicos, mas alguns escaparam ao bloqueio e foram parar nas mãos do repórter Jack Cashill, que impiedosamente os exibiu. Em “Breaking the War Mentality”, publicado na revista da Universidade Columbia, Sundial, em março de 1983, Obama escreve: “The belief that moribund institutions, rather than individuals are at the root of the problem, keep SAM's energies alive.” O sujeito singular belief não concorda com o verbo keep no plural, e a virgulação não faz o menor sentido. Mais adiante, ele confunde o superlativo com o comparativo: “Our better instincts can at least match the bad ones” – better em vez de best. E ainda: “SAM casts a wider net than ARA, though for the purposes of effectiveness, they have tried to lock in on one issue at a time” – o sujeito singular da oração principal torna-se plural na oração subordinada. Há vários outros erros pueris nesse em outros artigos, só igualados, em matéria de inépcia gramatical, pela tese da Sra. Obama em Harvard. Tal como a digníssima, o homem é, com toda a evidência, precariamente
alfabetizado. Ele não poderia jamais ter escrito Dreams of My Father, onde testes por computador revelam sinais do estilo de William Ayers, ghost writer experiente. Desprovido de assessoria, o desempenho escrito ou oral de Obama é tão miserável e contrasta de tal maneira com a sua imagem de gênio alardeada por um coro universal de tagarelas, que esta não pode nem mesmo ser compreendida como mera louvação publicitária. O exagero adulatório puro e simples tem de se ater, afinal, a um mínimo de verossimilhança, que no caso falta por completo. A mentira propositadamente inverossímil, propositadamente contrária aos fatos visíveis, é coisa totalmente diversa. É uma técnica psicológica já bem testada em seitas pseudo-religiosas e em regimes totalitários. Theodore Dalrymple resume-a com precisão: “No meu estudo das sociedades comunistas, cheguei à conclusão de que o propósito da propaganda comunista não era persuadir, nem convencer, mas humilhar – e, para isso, quanto menos ela correspondesse à realidade, melhor. Quando as pessoas são forçadas a ficar em silêncio enquanto ouvem as mais óbvias mentiras, ou, pior ainda, quando elas próprias são forçadas a repetir as mentiras, elas perdem de uma vez para sempre todo o seu senso de probidade... Uma sociedade de mentirosos castrados é fácil de controlar.”
NOTAS: 1. Aviso já enviado ao Diário do Comércio: Erro corrigido No meio das várias gafes comprovadas que citei no artigo “Um gênio da inépcia” (DC, 29 de janeiro de 2009), passou uma falsa: a trapalhada bíblica ali atribuída a Barack Hussein Obama é apenas um boato, já usado contra outros políticos em eleições anteriores. Quatro leitores me informam isso, com boas fontes, e agradeço a eles a correção. Se a grande mídia tivesse tantos fiscais quanto eu, erraria menos, e não somente em detalhes como esse. Olavo de Carvalho
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Reféns de um blefe Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 2 de fevereiro de 2009
Segundo pesquisa publicada na Folha de S. Paulo do último dia 25, a maioria dos brasileiros – até eventuais simpatizantes do PT – é contra as intromissões do governo na mídia e nos sindicatos. Pesquisas anteriores (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?t=eleitor-brasileiroconservador&cod_Post=40197&a=111) mostraram que, dos nossos conterrâneos, 79 por cento são contra a descriminalização da maconha, 63 por cento contra a legalização do aborto, 84% defendem a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos e 51% querem a instituição da pena de morte. Como se esses resultados já não falassem por si, e como se o plebiscito das armas também não fosse eloqüente o bastante, 47 por cento se definem explicitamente como “de direita”, 23 por cento “de centro” e apenas 30 por cento “de esquerda”. Por que diabos, então, não há um partido que fale pela maioria, um autêntico partido conservador neste país? Por que, entre os políticos, até aqueles que em privado defendem idéias conservadoras fazem questão de ostentar sempre algum esquerdismo em público, na ilusão estúpida de que isso lhes dará votos? A resposta é bem conhecida dos esquerdistas. Quatro décadas atrás, o cientista político Michael Parenti (Inventing Reality: The Politics of the Mass Media, New York, St. Martin's Press, 1968) já ensinava à sua platéia de militantes que não deviam se deixar impressionar pela opinião dominante da mídia, a qual em grande parte dos casos não era dominante de maneira alguma, apenas fingia sê-lo: os mandarins do jornalismo faziam-se de porta-vozes de uma maioria que, em geral, não seguia as preferências deles no mais mínimo que fosse. A esquerda absorveu essa lição e, logo na geração seguinte, já aplicava o truque com uma destreza, com uma pertinácia, com um cinismo que seus antecessores nas salas de redação não poderiam nem mesmo ter imaginado. Nossos conservadores e liberais não entenderam isso até hoje. Acreditam piamente que se desagradarem aos articulistas da Folha e do Globo estarão desagradando o eleitorado, quando na verdade quem o desagrada é a Folha, é o Globo, é a elite midiática em geral. A tiragem dos nossos “grandes jornais”, hoje substancialmente a mesma dos anos 50, enquanto a população triplicou e o analfabetismo praticamente desapareceu, já basta para mostrar que a influência dos jornalistas sobre a opinião popular é
mínima, é ridícula, é desprezível. O que lhes sobra é pose, é encenação, é um talento extraordinário para o blefe, para a chantagem psicológica. Justamente porque sabem que não fazem a opinião pública, esmeram-se em fazer-se de donos dela, e mediante esse truque bobo inibem os direitistas e conservadores, tornandoos reféns de um perigo imaginário.
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Um guru da educação brasileira Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 4 de fevereiro de 2009 Uma das idéias mais influentes e respeitadas na educação brasileira é a teoria da “violência simbólica”, criada por Pierre Bourdieu (v. Pierre Bourdieu e Jacques Passeron, A Reprodução. Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino, trad. Reynaldo Bayrão, 3ª. ed., Rio, Francisco Alves, 1992). Por esse termo ele entende “a violência que extorque submissão não percebida como tal, baseada em ‘expectativas coletivas’ ou crenças socialmente inculcadas”. Violência simbólica é toda forma de dominação mediante impregnação inconsciente de hábitos, símbolos e valores que ao mesmo tempo impõem essa dominação e a encobrem aos olhos dos dominados, de modo que a violência é tanto mais efetiva quanto menos reconhecida. Todo sistema educacional, desta ou de outras épocas, constitui-se, segundo Bourdieu, de “atos pedagógicos” destinados a impor um conjunto de valores culturais, sempre arbitrários e injustificáveis, por meio de “violência simbólica”. As noções de “violência” e “arbitrário” estão interligadas: “A seleção de significações
que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é arbitrária na medida em que a estrutura e as funções dessa cultura não podem ser deduzidas de nenhum princípio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por nenhuma espécie de relação interna à ‘natureza das coisas’ ou a uma ‘natureza humana’.” A premissa aí oculta é que, se o sistema simbólico refletisse princípios universais, a ação pedagógica não seria violência simbólica e sim persuasão racional . Mas isso, segundo Bourdieu, jamais acontece: “Toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um arbitrário cultural.” Mas, se a cultura não tem fundamento, nem por isso deixa de ter utilidade – para alguns, é claro: “A seleção de significações que constitui objetivamente a cultura de um grupo ou classe como sistema simbólico é sociologicamente necessária na medida em que essa cultura deve sua existência às condições sociais das quais ela é o produto.” O esquema dominante (as “condições sociais”) não se limita a “produzir” o sistema simbólico – ele se serve dele para seus próprios fins: “...O arbitrário cultural que as relações de força entre os grupos ou classes... colocam em posição dominante... é aquele que exprime o mais completamente, ainda que sempre de maneira mediata, os interesses objetivos (materiais e simbólicos) dos grupos ou classes dominantes.” Bourdieu apresenta esses parágrafos como uma lição de sociologia, isto é, uma descrição de como as coisas funcionam nas sociedades existentes, inclusive e primordialmente, é claro, a sociedade burguesa. Ele pretende, portanto, que a classe burguesa, na busca de seus próprios interesses, criou um sistema de significações a ser inculcado por meio de atos pedagógicos de violência simbólica nas mentes dos dominados, de tal modo que não só essas significações, mas também aqueles interesses, e a relação de poder que os atende, permaneçam invisíveis. É, convenhamos, uma operação de engenharia psicológica das mais complexas. Para realizá-la, é preciso, primeiro, agentes humanos qualificados. Uma “classe”, afinal, abrange milhões de pessoas e não é possível que todas elas participem do empreendimento. É preciso que, dentre elas, se destaquem uns quantos especialistas, os “educadores”, que estes sejam aceitos como legítimos representantes da classe, que entrem num consenso ao menos aproximado quanto
aos interesses da classe que representam; é preciso ainda que esse consenso corresponda de fato aos tais interesses e obtenha, uma vez formulado, a aprovação da classe que nomeou os educadores. Partindo, pois, dessa representação meramente esquemática da situação social, eles teriam de selecionar e organizar os símbolos, estratégias e esquemas mentais mais propícios não só a produzir obediência nos dominados, mas também a manipulá-los e ludibriá-los de tal modo que não percebessem estar obedecendo a uma classe dominante, e nem mesmo a seres humanos, mas acreditassem seguir espontaneamente a natureza das coisas ou a vontade divina. Vocês conseguem imaginar quantas assembléias, quantos grupos de trabalho, quantas pesquisas científicas, quantos projetos técnicos, quantas tentativas e erros seriam necessários para um plano dessa envergadura? Já imaginaram a imensa capacidade organizativa, os incalculáveis recursos orçamentários e, no topo da hierarquia, a mão de ferro necessária para manter a ordem, controlar o fluxo de trabalho e assegurar a produtividade num empreendimento todo feito de sutilezas psicológicas infinitamente evanescentes? Se algo dessa natureza tivesse um dia sido concebido, os trabalhos preparatórios deveriam ter deixado uma multidão de rastros: monografias acadêmicas, atas, publicações periódicas, regulamentos, ordens de serviço, etc, etc. O problema é o seguinte: nada disso existe, nada disso existiu jamais. Se vasculharmos todas as bibliotecas, todos os registros, todos os arquivos sobre a história da educação burguesa, não encontraremos um só documento, um só memorando, uma só ata onde apareça, mesmo indiretamente, uma discussão nestes termos: “Os interesses objetivos da nossa classe são tais e quais, os meios de forçar as pessoas a trabalharem para nós são estes e aqueles, e os meios de camuflar toda a operação são x e y.” Nenhum educador, ministro da educação, professor ou inspetor do ensino primário, médio ou superior jamais disse uma coisa dessas, ou pelo menos não há documento que o registre. Eles falam, sim, de valores, de fins da educação, de aprimoramento da inteligência humana, de virtudes cívicas, etc., mas nunca, jamais, de uma operação para forçar invisivelmente os dominados a uma conduta que, alertados, eles poderiam não aprovar. Como é possível que uma operação tão delicada não deixasse o menor rastro, senão numa linguagem tão desligada, aparentemente, de qualquer intenção
manipulatória, de qualquer imposição camuflada, de qualquer “violência simbólica”? Se admitimos que essa intenção existiu, então só há, para explicar a inexistência de registros, as seguintes hipóteses: Hipótese 1. Além de conceber um sistema de camuflagens para ludibriar os dominados, os malditos educadores burgueses ainda criaram, em cima dele, uma segunda rede de disfarces verbais para enganar os observadores futuros, isto é, nós. Mas esta segunda operação, sendo ainda mais complexa e trabalhosa do que a primeira, e só podendo ser levada a cabo depois que esta estivesse pronta, pela simples razão de que não se pode camuflar o que não existe, também não deixou para os historiadores o menor registro, o que supõe que, além da primeira camuflagem e da segunda, houve em seguida uma operação-sumiço ainda mais gigantesca do que as outras duas. Hipótese 2. Ao planejar a manipulação dos dominados, os educadores burgueses não tinham conscientemente essa intenção, mas, enquanto serviam aos interesses objetivos da burguesia, acreditavam piamente trabalhar por valores culturais sublimes, pelo aprimoramento da inteligência etc. Isolados da realidade pelo seu próprio véu ideológico que encobria os verdadeiros interesses em jogo, planejaram inconscientemente a manipulação do inconsciente alheio e, embora trabalhassem totalmente às cegas, produziram um sistema tão organizado, racional e eficiente que conseguiram realmente fazer-se obedecer por milhões de paspalhos ainda mais inconscientes que eles – a multidão dos “dominados”. Não me perguntem como é possível uma operação tão vasta e complexa atingir miraculosamente os fins desconhecidos que, por vias ignoradas e inapreensíveis, atendem aos interesses de classe postulados, também inconscientemente, no início do processo. Quando vemos o gênero de tolice em que os responsáveis pelas nossas escolas públicas devotamente acreditam, torna-se bem fácil explicar por que os alunos dessas escolas tiram sempre os últimos lugares nos testes internacionais.
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Paranóia sociológica Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 12 de fevereiro de 2009 Terminei o antigo anterior dizendo que a teoria da “violência simbólica” pressupunha ou uma megaconspiração cujos traços documentais desapareceram para sempre, ou o milagre de uma intenção inconsciente ser capaz de manipular o inconsciente alheio com a precisão de um cálculo matemático. Se as duas hipóteses são francamente dadaístas, à segunda vem acrescentar-se ainda mais um fator complicante. Para que os educadores fossem induzidos a trabalhar inconscientemente para os interesses da burguesia, teria sido preciso que a burguesia os manipulasse para esse fim, o que supõe que os capitalistas fossem educadores ainda mais hábeis do que os educadores profissionais, impondo a estes, por meio de “violência simbólica”, as normas e padrões de uma violência simbólica de segundo grau que, inconscientemente, eles deveriam repassar à multidão dos dominados. Também não há registro histórico de que isso jamais tivesse acontecido, é claro. Ora, se a teoria da educação como “violência simbólica” não corresponde a nenhum fato objetivo, a nada que tenha acontecido historicamente, de onde é que ela extrai sua força de persuasão, a aparência de verossimilhança que a torna aceita, de umas décadas para cá, como uma grande verdade sociológica? A resposta é escandalosamente simples. Toda a documentação que não existe sobre o planejamento da manipulação psicológica burguesa existe, em abundância, sobre a manipulação educacional revolucionária e socialista. Milhares, centenas de milhares de livros, artigos acadêmicos, atas de assembléias de professores e estudantes, revistas educacionais, circulares de sindicatos, filmes, vídeos etc., sem contar as obras completas de Antonio Gramsci e do próprio Pierre Bourdieu, atestam a existência de enormes trabalhos empreendidos para implantar na cabeça
das crianças os valores e condutas que os revolucionários julgam convenientes para transformar os estudantes em massa de militantes ou simpatizantes da causa revolucionária, bem como para fazer com que os agentes desse empreendimento passem despercebidos e os efeitos de suas ações sejam vivenciados como transformações espontâneas do processo histórico. E isto não é uma interpretação que eu esteja fazendo. Os próprios revolucionários declaram que esse trabalho tem de ser feito e explicam como ele deve ser feito. A frase de Antônio Gramsci citada no artigo anterior é o resumo da coisa toda. A “revolução cultural” opera-se por meio de mudanças sutis e quase imperceptíveis do imaginário popular – do “senso comum” como o chama Gramsci –, de tal modo que tudo pareça espontâneo e que a vontade do Partido não se imponha como ditado autoritário de uma organização política em particular, mas como decorrência involuntária e anônima da natureza das coisas, como “autoridade onipresente e invisível de um imperativo categórico, de um mandamento divino”. Mais do que pôr em prática a máxima leninista “acuse-os do que você faz, xingueos do que você é”, Bourdieu inventa seu inimigo à imagem e semelhança do que ele próprio está fazendo. A famosa “violência simbólica” da cultura burguesa, não existe senão como projeção invertida da educação revolucionária. Ela é, em toda a linha, uma criatura do imaginário militante. É precisamente por só existir como fantasma na alma doente dos revolucionários que a pedagogia burguesa não apenas deixa de oferecer qualquer resistência visível ao avanço da educação revolucionária, mas ainda a protege e fomenta, oferecendo ao educador antiburguês todos os meios de ação disponíveis, acompanhados de honrarias e recompensas. Não há establishment educacional no mundo burguês que não tenha em Pierre Bourdieu o seu queridinho, o seu enfant gâté, infinitamente badalado e paparicado. Na verdade, a maioria dos educadores de grande sucesso no mundo burguês são todos revolucionários – John Dewey, Celestin Freinet, Paulo Freire, Jean Piaget, Emilia Ferrero e tutti quanti –, e é inconcebível que a astúcia maquiavélica dos burgueses que montaram a operação de manipulação invisível descrita por Pierre Bourdieu não tivesse percebido isso e, como uma sonsa, consentisse em promover seus inimigos em vez de seus porta-vozes fiéis. A “sociologia da educação” de Pierre Bourdieu é não somente uma idiotice: é uma projeção psicótica das ações do próprio Bourdieu e de seus correligionários sobre uma realidade inexistente. É uma doença mental, e seu sucesso se deve
precisamente a isso: é mais fácil transmitir o vírus de uma moléstia incapacitante do que algum conhecimento da realidade.
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Geração sanguessuga Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 13 de fevereiro de 2009 Quando François-Noël Babeuf (1760-1797) fundou a primeira organização comunista de massas, ele fixou algumas regras para identificar os militantes capacitados e distingui-los dos oportunistas e aproveitadores. Essas regras foram absorvidas depois pela Primeira Internacional de Karl Marx e se tornaram parte integrante da tradição comunista. São até hoje um dos fatores essenciais que dão força e consistência ao movimento revolucionário. Filippo Buonarrotti, no livro que consagrou à epopéia babeufista, resume algumas delas: * Devoção aos princípios da organização e disposição de sacrificar a eles o interesse pessoal e os prazeres. * Coragem, desprezo pelo perigo e pelas dificuldades. * Paciência e perseverança. * Respeito pela hierarquia. * Inviolável respeito à palavra dada, à promessa e aos votos. * Nenhum desejo de brilhar, de dar impressão ou de se impor. São normas de senso comum, sem as quais nenhuma organização pode prosperar, nenhum movimento político pode crescer, nenhum grupo humano pode avançar
um passo sem tropeçar em dificuldades invencíveis e assistir, impotente, à vitória do inimigo perseverante, devotado, disciplinado e organizado. Se o PT chegou aonde chegou, não foi pelos ardis maquiavélicos dos ladrões que o lideram. Foi graças ao esforço devotado de milhares de militantes anônimos que durante décadas ofereceram generosamente ao partido seu dinheiro e suas horas de trabalho, enfrentando toda sorte de riscos e dificuldades sem outra esperança senão a de que o socialismo petista pudesse dar a todos os brasileiros uma vida melhor. Se querem saber por que a direita no Brasil é tão fraca, tão vacilante, tão incapaz de erguer a cabeça e enfrentar o adversário com algum sucesso, perguntem a si próprios quantos liberais e conservadores, no seu círculo de conhecidos, têm alguma daquelas virtudes mínimas requeridas de um militante comunista. Quantos aceitam sacrificar mesmo um pouco de suas ambições capitalistas do presente para assegurar que a democracia capitalista continue existindo no futuro? Quantos não tremem de pavor ante a mera possibilidade de ser, não digo assassinados, não digo surrados, não digo perseguidos, mas simplesmente xingados ou desprezados pelos esquerdistas? Quantos não evitam a companhia de seus correligionários mais corajosos, só para não ser rotulados de extremistas junto com eles, mesmo sabendo que o rótulo é injusto? Quantos entendem a diferença entre defender a liberdade de mercado e beneficiar-se dela deixando a outros menos beneficiados, ou não beneficiados de maneira alguma, o encargo de defendê-la? Minha experiência, nesse sentido, foi bem decepcionante. Durante muitos anos fui praticamente o único, na grande mídia, a defender os valores que a esquerda odeia – pelo menos o único a defendê-los com alguma eficiência, erguendo a discussão para um plano de exigência intelectual e de franqueza verbal em que meus adversários sentiam falta de ar e preferiam abandonar a luta. Rompi a marteladas o manto de chumbo com que a ideologia dominante esmagava, ora sob insultos atemorizantes, ora sob afetações de desprezo olímpico, toda veleidade de oposição. Contra tudo e contra todos, abri um espaço. Quem veio ocupá-lo? Um exército de militantes, de combatentes, de homens valentes dispostos a honrar o exemplo do antecessor? Sim, vieram alguns com esse espírito, e muito me orgulho deles. Mas em geral o que vi foi uma horda de oportunistas esfomeados, que na atmosfera mais respirável que se abria não viam um horizonte de luta, mas um mercado, uma
promessa de lucros fáceis, uma oportunidade de subir na vida sem fazer força. As palavras conservadorismo, liberalismo, democracia, não atingiam os seus corações como um chamamento ao dever: afagavam seus ouvidos como um sussurro sedutor, rebrilhavam em seus olhos como cifrões esculpidos em ouro. Eles entravam, pois, em campo, decididos não a continuar o que eu havia começado, mas a explorá-lo em proveito próprio, vendendo logo a primeira colheita em vez de replantar as sementes. Para isso, evidentemente, tinham de transmutar o fruto do meu trabalho em um produto menos ácido, mais palatável, próprio a ser consumido como divertimento intelectual em vez servir de combustível e munição. Não vinham lutar ao meu lado, mas tentar ocupar o meu lugar o mais rápido possível, chutando para um canto o pioneiro incômodo e substituindo ao seu discurso exigente e implacável o estilo castrado e acomodatício dos oportunistas e dos sedutores.
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O tamanho do crime Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 19 de fevereiro de 2009 O estudo mais completo já empreendido sobre assassinatos em massa no mundo é o do professor de Ciência Política da Universidade do Havaí, Rudolph J. Rummel, que lhe rendeu o Lifetime Achievement Award da American Political Science Association em 1999. O essencial da pesquisa é resumido em Never Again: Ending War, Democide & Famine Through Democratic Freedom (Coral Springs, FL, Lumina Press, 2005), e os dados completos estão no site http://www.hawaii.edu/powerkills. Rummel substituiu ao conceito de “genocídio”,
que lhe parece muito vago, o de “democídio”, com o qual designa especificamente a matança de populações civis por iniciativa de governos. Resenhando os episódios de democídio documentados desde o século III a.C. até o fim do século XIX, ele chega a um total aproximado de 133.147.000 vítimas, destacando-se aí, como supremos assassinos em massa, os imperadores chineses (33.519.000 mortos em 23 séculos) e os invasores mongóis na Europa (29.927.000 mortos entre os séculos XIV e XV). Quando a pesquisa chega ao século XX e entram em cena os governos revolucionários, as taxas de assassinato em massa sofrem um upgrade formidável, subindo para 262 milhões de mortos entre 1900 e 1999 – quase o dobro do que fôra registrado em toda a história universal até então. Desses 262 milhões, nem tudo, é claro, foi obra de governos revolucionários, mas a diferença entre eles e seus concorrentes é significativa. Todos os colonialismos somados (Inglaterra, Portugal, etc.) mataram 50 milhões de pessoas, das quais pelo menos 10 milhões foram assassinadas por um só governo proverbialmente cruel, o do Rei Leopoldo da Bélgica. O império japonês, por seu lado, matou aproximadamente 5 milhões, quase todos na China. Vejam agora o desempenho dos governos revolucionários: China, 76.702.000 mortos entre 1949 e 1987; URSS, 61.911.000 mortos entre 1917 e 1987; Alemanha nazista, 20.946.000 mortos entre 1933 e 1945; China nacionalista (Kuomintang) 10.075.000 mortos entre 1928 e 1949 (o Kuomintang, embora inimigo dos comunistas, era também um governo revolucionário, responsável pela destruição da mais antiga monarquia do mundo). Às sete dezenas de milhões de vítimas do governo comunista chinês devem se acrescentar 3.468.000 civis assassinados pelo Partido Comunista de Mao Dzedong nas áreas sob o seu controle antes da tomada do poder sobre toda a China, o que eleva o desempenho do comunismo chinês a nada menos de 80 milhões de mortos – equivalente à metade da população brasileira. Governos revolucionários em áreas menores também não se saíram tão mal, comparativamente à modéstia de seus territórios: Camboja, 2.035.000 mortos entre 1975 e 1979; Turquia, 1.883.000 mortos entre 1909 e 1918; Vietnam, 1.670.000 mortos entre 1945 e 1987 (quase o dobro do total de vítimas da guerra, que renderam aos EUA tantas críticas da mídia internacional); Polônia, 1.585.000
mortos entre 1945 e 1948; Paquistão, 1.503.000 mortos entre 1958 e 1987; Iugoslávia sob o Marechal Tito (tão louvada como alternativa de “socialismo democrático” à brutalidade soviética), 1.072.000 mortos entre 1944 e 1987; Coréia do Norte, 1.663.000 mortos entre 1948 e 1987; México, 1.417.000 mortos entre 1900 e 1920 (especialmente cristãos). O total sobe a aproximadamente 205 milhões de mortos. Tudo ao longo de um só século. As duas guerras mundiais somadas mataram 60 milhões de pessoas, entre combatentes e civis. A Peste Negra, de 541 até 1912, matou 102 milhões. Nada, absolutamente nada no mundo se compara ao instinto mortífero dos governos revolucionários. A promessa de um “outro mundo possível” transformou-se no mais letal pesadelo que a humanidade já viveu ao longo de toda a sua história. Aristóteles já dizia que a essência da tragédia política é quando o perfeito se torna o inimigo do bom, mas ele se referia somente a casos individuais. Ele não poderia prever que um dia sua definição teria uma confirmação sangrenta em escala mundial, arrastando povos inteiros para os pelotões de fuzilamento, as câmaras de gás e a vala comum.
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Por que não sou um fã de Charles Darwin Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2009 As festividades bilionárias em comemoração aos duzentos anos de nascimento de Charles Darwin tornam momentaneamente invisíveis alguns fatos essenciais da vida e da obra desse homem de ciência.
Desde logo, Darwin não inventou a teoria da evolução: encontrou-a pronta, sob a forma de doutrina esotérica, na obra do seu próprio avô, Erasmus Darwin, e como hipótese científica em menções inumeráveis espalhadas nos livros de Aristóteles, Sto. Agostinho, Sto. Tomás de Aquino e Goethe, entre outros. Tudo o que ele fez foi arriscar uma nova explicação para essa teoria – e a explicação estava errada. Ninguém mais, entre os autoproclamados discípulos de Darwin, acredita em “seleção natural”. A teoria da moda, o chamado “neodarwinismo”, proclama que, em vez de uma seleção misteriosamente orientada ao melhoramento das espécies, tudo o que houve foram mudanças aleatórias. Que eu saiba, o mero acaso é precisamente o contrário de uma regularidade fundada em lei natural, racionalmente expressável. O darwinismo é uma idéia escorregadia e proteiforme, com a qual não se pode discutir seriamente: tão logo espremido contra a parede por uma nova objeção, ele não se defende – muda de identidade e sai cantando vitória. Muitas teorias idolatradas pelos modernos fazem isso, mas o darwinismo é a única que teve a cara de pau de transformar-se na sua contrária e continuar proclamando que ainda é a mesma. Todos os celebrantes do ritual darwiniano, neodarwinistas inclusos, rejeitam como pseudocientífica a teoria do “design inteligente”. Mas quem inventou essa teoria foi o próprio Charles Darwin. Isso fica muito claro nos parágrafos finais de A Origem das Espécies, que na minha remota adolescência li de cabo a rabo com um enorme encantamento e que fez de mim um darwinista, fanático ao ponto de colocar o retrato do autor na parede do meu quarto, rodeado de dinossauros (só agora compreendo que ele é um deles). Agora, graças à amabilidade de um leitor, tomei conhecimento dos estudos desenvolvidos por John Angus Campbell sobre a “retórica das ciências”. Ele estuda os livros científicos sob o ponto de vista da sua estratégia de persuasão. Num vídeo fascinante que vocês podem ver em http://www.youtube.com/watch?v=_esXHcinOdA, ele demonstra que o “design inteligente” não é apenas um complemento final da teoria darwinista, mas a sua premissa fundamental, espalhada discretamente por todo edifício argumentativo de A Origem das Espécies. O “design inteligente” é, portanto, a única parcela da teoria darwiniana que ainda tem defensores: e estes são os piores inimigos do darwinismo.
É certamente um paradoxo que o inventor de uma explicação falsa para uma teoria preexistente seja celebrado como criador dessa teoria, porém um paradoxo ainda maior é que a premissa fundante da argumentação darwiniana seja repelida como a negação mesma do darwinismo. Puramente farsesco, no entanto, é o esforço geral para camuflar a ideologia genocida que está embutida na própria lógica interna da teoria da evolução. Quando os apologistas do cientista britânico admitem a contragosto que a evolução “foi usada” para legitimar o racismo e os assassinatos em massa, eles o fazem com monstruosa hipocrisia. O darwinismo é genocida em si mesmo, desde a sua própria raiz. Ele não teve de ser deformado por discípulos infiéis para tornar-se algo que não era. Leiam estes parágrafos de Charles Darwin e digam com honestidade se o racismo e a apologia do genocídio tiveram de ser enxertados a posteriori numa teoria inocente: “Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos... serão sem dúvida exterminados. A distância entre o homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila.” Imaginem, durante as eleições americanas, a campanha de John McCain proclamar que Barack Hussein Obama estava mais próximo do gorila do que o candidato republicano! Tem mais: “Olhando o mundo numa data não muito distante, que incontável número de raças inferiores terá sido eliminado pelas raças civilizadas mais altas!” Para completar, um apelo explícito à liquidação dos indesejáveis: “Entre os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós, civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para proteger os pobres; e nossos médicos empenham o máximo da
sua habilidade para salvar a vida de cada um até o último momento... Assim os membros fracos da sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente prejudicial à raça humana. É surpreendente ver o quão rapidamente a falta de cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência de uma raça doméstica; mas, exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem.” Notem bem: não sou contra a hipótese evolucionista. Do que tenho observado até hoje, devo concluir que sou o único ser humano, no meu círculo de relações próximas e distantes, que não tem a menor idéia de se a evolução aconteceu ou não aconteceu. Todo mundo tem alguma crença a respeito, e parece disposto a matar e morrer por ela. Eu não tenho nenhuma. No entanto, minha abstinência de opiniões a respeito de uma questão que considero insolúvel não me proíbe de notar a absurdidade das opiniões de quem tenha alguma. Há muito tempo já compreendi que os cientistas são ainda menos dignos de confiança do que os políticos, e os paradoxos da fama de Charles Darwin não fazem senão confirmá-lo. Meus instintos malignos impelem-me a pegar os darwinistas pela goela e perguntar-lhes: – Por que tanta onda em torno de Charles Darwin? Ele inventou o “design inteligente”, que vocês odeiam, e a seleção natural, que vocês dizem que é falsa. Ele pregou abertamente o racismo e o genocídio, que vocês dizem abominar. Para celebrá-lo, vocês têm de criar do nada um personagem fictício que é o contrário do que ele foi historicamente. Não vêem que tudo isso é uma palhaçada?
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Cale a boca, farsante Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 26 de fevereiro de 2009 Em entrevista divulgada pela agência Carta Maior, José Luís Del Roio, 65, brasileiro transfigurado em senador na Itália pelo Partido da Refundação Comunista entre 2006 e 2008, protesta contra a insistência do governo italiano em obter a extradição de Cesare Battisti: “O Brasil não pode entregar um homem inofensivo a um governo fascista”, diz ele. Del Roio adverte que o governo Berlusconi está trazendo o fascismo de volta à Itália e tentando criminalizar como terroristas os heróis da luta revolucionária comunista. A imaginação popular está tão bem adestrada na deformação gramsciana do senso das proporções, que poucas pessoas notam o grotesco da situação quando um comunista adverte contra os perigos do fascismo italiano. Como o leitor pode observar no meu artigo anterior, o regime de Mussolini nem mesmo entra na lista dos poderes genocidas que marcaram o século XX como a etapa mais sangrenta da história humana – lista na qual os governos comunistas da URSS e da China são responsáveis por mais da metade do total dos assassinatos em massa praticados por autoridades estatais contra suas próprias populações civis. Os comunistas são os mais freqüentes usuários do termo “fascista” para queimar a reputação dos seus adversários, mas eles sabem perfeitamente bem que lhes falta por completo a mais mínima autoridade moral para isso, não só pelo fato de que o uso monstruosamente elástico que dão ao termo acaba por esvaziá-lo de qualquer sentido identificável, rebaixando-o a mera expressão subjetiva de ódios irracionais, mas também porque, comparado aos feitos homicidas do comunismo, o fascismo italiano, por mais repugnante que seja em si mesmo, começa a parecer um hotel de cinco estrelas. A desproporção entre as culpas do acusador e as do acusado é tamanha, que a única resposta cabível ao sr. Del Roio é: Cale a boca, farsante. Todo comunista, e o sr. Del Roio não constitui exceção, é cúmplice moral dos crimes mais hediondos já praticados contra a espécie humana, e está, por definição, excluído do rol das pessoas decentes cuja opinião merece ser ouvida com atenção e respeito.
A distância entre o governo Berlusconi e o fascismo é uma coisa tão óbvia que só uma mente deformada não consegue enxergá-la. Para o sr. Del Roio, porém, o mero sentimento de incomodidade que afeta os italianos quando vêem a imigração usada como instrumento de ocupação cultural já é uma prova inequívoca de “fascismo”. Mas mesmo que o gabinete Berlusconi estivesse repleto de camisasnegras e cantasse “Facceta nera” no início de todas as suas sessões, sua periculosidade seria quase nula em comparação com as tradições que o próprio sr. Del Roio representa. Nessas condições, a simples disposição de discutir as opiniões dessa criatura num jornal respeitável já é, de certo modo, corromper a opinião pública, cegando-a para os verdadeiros termos da equação em jogo. Nenhum comunista tem o direito moral de falar em “liberdade”, “direitos humanos” e coisas dessa ordem – nem mesmo quando, na falsidade geral do quadro que ele impinge ao público, alguns fatos se destacam como verdades isoladas. Mas na entrevista do sr. Del Roio não há nem mesmo verdades isoladas. Ele considera um escândalo, por exemplo, que o governo italiano tente neutralizar velhos conflitos históricos recusando-se a endossar a distinção maniqueísta que transforma todos os fascistas em demônios e todos os partiggiani comunistas em heróis angélicos. Como militantes comunistas, os partiggiani carregavam nas costas mais crimes de assassinatos em massa do que Mussolini ousaria sequer imaginar. Se, no contexto local e momentâneo, lutavam ao lado de democratas sinceros contra um regime autoritário, isto não faz deles “combatentes pela liberdade”, mas apenas aproveitadores que tentaram se utilizar de uma aliança com os democratas para substituir o mero autoritarismo de Mussolini pelo totalitarismo de Stalin. Não há mérito nenhum nisso. Há apenas hipocrisia e cinismo, exatamente como nos terroristas brasileiros pagos e treinados por Fidel Castro para trocar o autoritarismo brando e hesitante dos nossos militares por um regime de feição cubana, com um agente da polícia secreta para cada 28 habitantes. Quando a agência Carta Maior divulga a entrevista do sr. Del Roio sem dar ao leitor a mínima idéia do contexto histórico em que se inserem as suas palavras, ela faz propaganda comunista e desinformação. Não discuto, por demasiado cínica, a tentativa que o entrevistado faz de classificar o autor de quatro assassinatos como “homem inofensivo”. Nem discuto a comparação que ele monta entre Cesare Battisti e os governantes estrangeiros exilados no Brasil, Marcelo Caetano e Alfredo Stroessner. No caso deste último, a comparação, embora juridicamente despropositada, é quase justa do ponto de vista moral. No de Marcelo Caetano, que
jamais foi um ditador, mas apenas herdeiro acidental de uma ditadura que ele tentou abrandar por todos os meios, é totalmente absurda. Mas, nos dois casos, equalizar chefes de Estado com um assassino já condenado pela justiça é obviamente capcioso. Nenhum desses dois políticos estava condenado com sentença transitada em julgado, que é precisamente o caso de Battisti – um homem que seus próprios companheiros de militância repelem como assassino feroz indigno de piedade. No mesmo momento em que a Carta Maior espalha a mensagem do sr. Del Roio como se fosse uma defesa sincera dos direitos humanos, começa em Phnom Penh o primeiro julgamento de um genocida comunista – um dos líderes do Khmer Vermelho –, com meio século de atraso e sem a mais mínima repercussão na mídia internacional. O esforço pertinaz da classe jornalística em toda a parte para ocultar os crimes comunistas sob espantalhos de ocasião como o fascismo italiano ou o exditador chileno Augusto Pinochet é, em si mesma, um crime contra a humanidade. Mas esse crime já se tornou tão rotineiro que já ninguém mais o percebe como tal.
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A mão esquerda Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 4 de março de 2009 Quando o sr. Luís Inácio da Silva aceitou ser o chefe de um governo de transição para o socialismo, teria ele plena consciência do que isso significa? Governos de transição revolucionária são como preservativos: começam encobrindo a arma do crime e terminam jogados na privada. Lula representou a face sorridente e amável
sob a qual a esquerda ocultava a pesada máquina de guerra das militâncias enfurecidas, das tropas de guerrilheiros, das quadrilhas de narcotraficantes e seqüestradores, dos bandos de delinqüentes comuns adestrados e equipados por técnicos em terrorismo para espalhar o caos nos momentos estrategicamente convenientes. Durante anos, ele administrou com habilidade e prudência uma complexa política de mão dupla, agradando aos capitalistas pelo gerenciamento “ortodoxo” da economia, aos comunistas pela subversão sistemática dos valores morais e educacionais, pela distribuição perdulária de verbas até mesmo a entidades criminosas, pela proteção dada a terroristas estrangeiros em atividade no território nacional e pelo apoio paternal concedido aos tiranetes de esquerda que, nas nações em torno, iam brotando como fungos, fortalecidos pela unidade da estratégia continental do Foro de São Paulo que ele próprio fundara e organizara. Que, jogando com dois grupos de aliados incompatíveis entre si, prometesse simultaneamente a vitória aos antigos e a prosperidade aos novos, logrando persuadir a ambos de sua integral sinceridade, é prova de uma duplicidade de caráter elevada ao estatuto de obra de arte, pela qual, abstraída a imoralidade intrínseca da coisa, ninguém deve lhe sonegar admiração. Ora acirrando as contradições, ora amortecendo-as com um senso agudíssimo do timing e das conveniências, sua destreza no manejo da ambigüidade chegou ao requinte quase inverossímil de atrair sobre sua pessoa galardões contraditórios, fazendo com que, na mesma semana, fosse homenageado no Fórum Econômico de Davos por sua conversão ao capitalismo e no Fórum Social Mundial por sua fidelidade ao comunismo. Mas é da natureza do jogo duplo acabar por duplicar-se a si mesmo, articulando à oposição entre os pólos em jogo a duplicidade de ritmos necessária a administrálos. O governante de transição quer, afinal, chegar à meta, apressando sua própria remoção ao depósito de lixo do passado, ou adiá-la indefinidamente, eternizando a promessa de mudança radical e arriscando-se a ser odiado por seus antigos admiradores como aborteiro da revolução? Nesse ponto, o controle do tempo, que no começo era a arma do sucesso, torna-se ele próprio um problema insolúvel. As forças opostas que o próprio governo pôs em movimento já não obedecem ao seu comando: a organização militante acostumada a roubar sob a proteção estatal reivindica o direito à prática do homicídio político, o Poder Judiciário longamente aplacado pelas homenagens verbais à sua independência começa a agir como se de fato fosse independente. O presidente da República nem pode amarrar as mãos
assassinas de seus companheiros de ontem, nem tapar a boca do magistrado inconveniente, cansado de ver a lei usada como anestésico do crime. Os otimistas de sempre podem achar que é uma crise passageira, que o gênio da conciliação, tradição nacional da qual o presidente tem sabido se aproveitar tão bem, acabará por encontrar um subterfúgio inteligente e adiar, uma vez mais, o desenlace do insolúvel. Talvez tenham razão. O tamanho do território, a consistência tênue e esparramada da sociedade civil, a incultura geral que predispõe à resignação apalermada foram até agora os fatores que permitiram ao sr Lula prolongar no tempo, sem crises nem danos notáveis, a sua querida engenharia da procrastinação. Mas a recusa de decidir é ela própria uma decisão, e tomada repetidas vezes acaba por se consolidar num “estado de coisas” aparentemente imutável, atraindo contra si as mesmas forças de mudança que, no início do processo, aceitaram a conciliação porque esperavam que fosse provisória. Dizem que o ídolo e modelo do sr. Lula é Getúlio Vargas. Este era, de fato, um artista da indecisão, tática que ele consagrou no lema “Deixa como está para ver como é que fica”. Também é certo que por meio desse artifício logrou articular os incompatíveis e, como disse dele o filósofo José Ortega y Gasset, “fazer política de direita com a mão esquerda”. Mas, quando sua mão direita se moveu, foi para empunhar o revólver com que desferiu um balaço contra o próprio peito. Lula, ao inverso dele, faz política de esquerda com a mão direita. Corre o risco de enforcarse com a mão esquerda.
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Os pais da crise americana Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 5 de março de 2009 Se a folha de realizações criminosas dos movimentos revolucionários nas democracias não pode, por definição, concorrer com o desempenho deles nas áreas que dominam, nem por isso ela deixa de ser a causa principal de distúrbios e sofrimentos, seja no Terceiro Mundo, seja nas nações desenvolvidas. Não há crise, não há fome, não há violência, não há fracasso para o qual a proposta revolucionária, nua e crua ou numa de suas inumeráveis versões camufladas, não tenha dado sua contribuição essencial. Talvez o exemplo mais evidente esteja em nosso próprio país, onde as gangues de criminosos jamais teriam chegado a derramar o sangue de 40 mil brasileiros por ano se não fosse pela ajuda, indireta e direta, que receberam dos revolucionários, primeiro mediante a instrução em técnicas de organização e guerrilha, recebida dos terroristas presos na Ilha Grande na década de 70, segundo pela sucessão de leis que esses mesmos terroristas, anistiados e transfigurados em políticos, criaram para proteger os criminosos e dificultar a ação da polícia, terceiro pela assistência técnica e treinamento militar que as Farc hoje dão às quadrilhas nacionais. Mas outro exemplo, não menos significativo, é o da crise econômica americana. Especulações quanto às causas desse fenômeno pululam por toda a mídia internacional, mas é um erro metodológico monstruoso buscar explicação em supostas tendências gerais da economia e da sociedade quando se pode pôr à mostra a seqüência precisa e determinada de ações individuais e grupais que produziram o efeito. Muito da pretensa “ciência social” contemporânea consiste em camuflar as causas concretas sob universais abstratos. Não espanta que, na totalidade dos casos, os explicadores sejam ou os próprios agentes posando de observadores externos, ou suas vítimas idiotizadas, empenhadas em anestesiar-se mediante auto-injeções de pseudociência para não ter de enxergar a verdadeira identidade de seus opressores. Deixar-nos iludir por essa camuflagem é ainda mais inaceitável quando os agentes do processo daninho não têm sequer de ser investigados a posteriori porque eles mesmos legaram ao historiador a exposição escrita de seus planos e métodos. No caso em questão, a derrubada da previdência social americana e do sistema
bancário que a sustenta não foi o efeito de uma confluência involuntária de fatores anônimos, não foi nem mesmo o resultado de uma longa colaboração de inépcias, mas foi a simples realização de um plano traçado desde a década de 60 por estrategistas de esquerda inspirados por Saul Alinksy, mais tarde o mentor de um jovem estudante de Direito, Barack Hussein Obama. O documento que o atesta acima de qualquer possibilidade de dúvida nada tem de secreto. Foi publicado em 1966 na prestigiosa revista The Nation e até hoje consta da lista dos dez artigos mais lidos da publicação desde sua fundação em 1886 (v. Richard A. Cloward e Frances Fox Piven, “The Weight of the Poor: A Strategy to End Poverty”, The Nation, 2 de maio de 1966; uma cópia do artigo em PDF pode ser obtida por três dólares na página de arquivos da revista; um excelente resumo comentado encontra-se no artigo de James Simpson, “Barack Obama e a estratégra da crise orquestrada”, traduzido para o português em http://cavaleirodotemplo.blogspot.com/2009/01/barack-obama-e-estratgia-dacrise.html). Os autores, Cloward e Piven, buscavam aí colocar em ação a regra ensinada por Saul Alinsky, que ele mais tarde enunciaria por escrito em seu livro Rules for Radicals, de 1971 (Vintage Books): “Faça o inimigo pôr em prática seu própria manual.” A regra antecipa uma das táticas mais notórias da “guerra assimétrica”. David Horowitz assim a interpreta: “Quando pressionada a honrar cada palavra de cada lei e estatuto, cada princípio moral judaico-cristão e cada promessa implícita do contrato social liberal, a ação humana é inevitavelmente deficiente. O fracasso do sistema em ‘pôr em prática’ o seu manual de regras pode então ser usado para desacreditá-lo completamente e para substituir um manual capitalista por um socialista.” (V. http://www.discoverthenetworks.org.) A estratégia proposta por Cloward e Piven consistia, segundo Horowitz, em “forçar uma mudança política através da crise orquestrada, ... procurava acelerar a queda do capitalismo ao sobrecarregar a burocracia governamental com uma enchente de demandas impossíveis, arrastando então a sociedade para uma crise e um colapso econômico”. Mas não pensem que isso é interpretação proposta por Horowitz. O texto original de Cloward e Piven é de uma clareza absolutamente cínica: “É nosso propósito pôr em ação uma estratégia que forneça a base para uma convergência de organizações... Se essa estratégia for implementada, o resultado será uma crise política
que poderá levar a uma legislação que garanta uma renda anual e portanto acabe com a pobreza.” Cloward e Piven prosseguiam explicando que havia “um abismo de diferença entre os direitos nominais assegurados pela previdência social e o número de pessoas que desfrutavam efetivamente desses direitos. Se fosse possível localizar e organizar esses beneficiários inatendidos e usá-los para pressionar os institutos de previdência, estes não teriam dinheiro para atender à demanda e entrariam fatalmente em colapso.” A proposta de uma legislação socialista surgiria então, com aparente espontaneidade, como natural solução do problema. Nas décadas que se seguiram, a estratégia foi aplicada à risca, arregimentando milhões de beneficiários potenciais para que exigissem seus direitos em massa e produzissem a crise. Na liderança desse movimento estava o grupo de ativistas formado por Alinsky, entre os quais Barack Hussein Obama. A pletora de créditos imobiliários fornecidos pelos bancos, sob pressão dos ativistas, a solicitantes desprovidos das mínimas condições de pagar os empréstimos, foi a causa direta da crise bancária eclodida em setembro de 2008. Dois pontos essenciais do plano Cloward-Piven chamam imediatamente a atenção do observador externo. De uma lado, a diferença entre duas concepções da previdência social. No sistema capitalista, a previdência social é, por natureza, um último recurso a que os cidadãos só devem recorrer em casos de extrema necessidade. A prosperidade geral do sistema, esperava-se, deveria prover por si o sustento das famílias, reduzindo a um mínimo as filas nos guichês da previdência. Cloward e Piven reconhecem essa obviedade em teoria mas adotam como estratégia ignorá-la na prática, forçando o direito virtual expresso em lei a tornarse uma garantia de atendimento imediato a todos os pretendentes reais e potenciais, necessitados ou não. Entravam instantaneamente na fila, portanto, desde os miseráveis genuínos (um número insignificante) até pessoas de classe média baixa meramente insatisfeitas com a sua situação modesta: “Para cada pessoa nas listas da previdência, há pelo menos mais uma que preenche os critérios de legibilidade mas não está recebendo assistência. Essa discrepância não é um acidente que emerga da ineficiência burocrática. É um traço inerente do sistema previdenciário, o qual, se desafiado, precipitará uma profunda crise financeira e política. A força para esse desafio, e a estratégia que propomos, é um esforço maciço para recrutar os pobres e colocá-los nas listas da previdência.”
Sob esse aspecto, a mera entrada em ação da campanha Alinsky-Cloward-Piven já modificava radicalmente a natureza do sistema, transformando o Estado liberalcapitalista num Estado previdenciário pré-socialista – e a falência deste último seria então denunciada como crise do anterior. De outro lado, o objetivo último proclamado – garantir uma renda anual estatal a todos os pobres – se autodesmascarava imediatamente como farsa, pelo enunciado mesmo do plano: se a previdência não tinha dinheiro nem para atender os direitos já existentes no papel, como poderia tê-lo para arcar com um gasto imensamente maior? “Acabar com a pobreza” não era o objetivo do plano: era apenas o pretexto moral para gerar a crise. Esta era o único objetivo real, e não resta a menor dúvida de que foi alcançado. Neste caso, como em muitos outros, o discurso revolucionário apela a um objetivo utópico inatingível para viabilizar o esforço por um objetivo prático perfeitamente atingível, só que propositadamente desastroso. Se olharmos para a situação atual da economia americana, com o sistema bancário agonizante e o desemprego crescendo dia após dia, e notarmos que tudo isto foi feito sob a desculpa de “acabar com a pobreza”, é impossível deixar de perceber que os autores da idéia jamais acreditaram nessa desculpa, assim como os propugnadores de leis criminais mais brandas não acreditavam em diminuir a criminalidade e os defensores da educação sexual nas escolas não acreditavam em diminuir os casos de gravidez adolescente. Todas essas medidas e muitas outras similares visam tãosomente a destruir o sistema capitalista por meio de políticas assistenciais socialistas, calculadamente formuladas sob a lógica do prejuízo. Não há nenhum motivo razoável para supor que os danos resultantes fossem o puro efeito da inépcia ou da má administração. Foram resultados calculados, alcançados mediante uma engenharia social notavelmente eficaz. Trata-se, sempre e invariavelmente, de fazer o “sistema” pagar pelas culpas de seus agressores.
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Os insuspeitíssimos Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 9 de março de 2009 Se você se interessa pelos rumos da política mundial, chega um dia em que tem de escolher entre compreender os fatos e continuar tentando parecer um sujeito normal e equilibrado. Normalidade e equilíbrio são coisas altamente desejáveis, mas um esforço exagerado para simular calma e ponderação quando na verdade você está perplexo e desorientado prova apenas que você é um neurótico incapaz de suportar suas próprias emoções. Como o calmante artificial mais popular consiste em negar as realidades perturbadoras, há muito tempo os estrategistas revolucionários e os engenheiros sociais a seu serviço já aprenderam a usá-lo como instrumento de controle da opinião pública. O truque é de um esquematismo espantoso: eles simplesmente adotam o curso de ação mais ousado, estranho, inesperado e inverossímil, e ao mesmo tempo estigmatizam como louco paranóico quem quer que diga que estão fazendo algo de anormal. De cada dez cidadãos, nove caem no engodo. A insegurança mesma da situação faz a maioria apegar-se a falsos símbolos convencionais de normalidade, sufocando os fatos estranhos sob o peso dos lugares-comuns consagrados e assim ajudando a tornar ilusoriamente secreto o que na verdade está à vista de todos. Os exemplos de aplicação dessa estratégia desde o início do século XX são tantos, que seu estudo bastaria para constituir uma disciplina científica independente. Vou aqui citar apenas um, cuja magnitude contrasta com a escassez de interesse geral em conhecê-lo. Desde a década de 20, enquanto os regimes comunistas promoviam a mais brutal e ostensiva perseguição aos cristãos nos seus territórios, os grandes estrategistas do comunismo – numa gama que vai de Stálin a Antonio Gramsci – já haviam chegado à conclusão de que, nas nações democráticas, o ataque frontal à Igreja não ia funcionar: o que era preciso era infiltrar-se nela, corrompê-la e destruí-la por dentro, esvaziá-la de todo conteúdo espiritual e usá-la como caixa de ressonância para as palavras-de-ordem emanadas do comando revolucionário.
Todo mundo já ouviu falar disso. Não há quem não saiba que há comunistas na Igreja. Mas quantos são eles? Quem são? Quais as suas formas de ação? Como identificá-los, denunciá-los e expulsá-los? Será razoável imaginar que a substância letal injetada no corpo da Igreja se reduza aos mais óbvios e barulhentos “padres de passeata”, como os chamava Nelson Rodrigues, e que não haja por trás deles agentes de nível incomparavelmente mais alto, agindo de maneiras mais discretas, camufladas e decisivas? Aí, de súbito, cessa toda curiosidade. As perguntas mais naturais – inevitáveis mesmo, para o fiel que se preocupe com a integridade da Igreja – começam a parecer, de repente, inconveniências de mau gosto, sinais de doença mental, manifestações de desrespeito à hierarquia eclesiástica. A pretexto de evitar o escândalo, reprime-se a investigação do crime, semeando escândalos mil vezes maiores no futuro. Recentemente, Bella Dodd, ex-agente soviética que já denunciara a infiltração comunista na Igreja em seu livro “The School of Darkness”, consentiu em dar ao público, pela primeira vez, uma idéia mais exata das dimensões do fenômeno. Ela disse que havia milhares de agentes encarregados da operação, cada um tratando de colocar em seminários e outras instituições religiosas o maior número possível de “adormecidos”, isto é, agentes sem nenhuma missão imediata, encarregados de apenas permanecer dentro da Igreja, construindo identidades aparentes de católicos fiéis, aguardando instruções que poderiam vir dentro de uma, duas ou três décadas. Bella Dodd, sozinha, colocou na Igreja mais de mil e duzentos “adormecidos”. O total dos agentes infiltrados só nas décadas de 30 e 40 dificilmente estará abaixo de cem mil, sem contar os que vieram depois, quase que certamente em número maior. Muitos desses só entraram em ação na época do Concílio Vaticano II. Outros continuam subindo discretamente na hierarquia ou em organizações leigas, onde uma de suas mais óbvias funções é apagar os sinais da sua própria presença e, sob os pretextos mais santos, desestimular todo anticomunismo sistemático, boicotando os grupos e organizações que insistam em continuar obedecendo à ordem de Pio XII, transmitida a todos os católicos do mundo, para que combatessem o comunismo até com risco de suas próprias vidas. Mais nefasta do que a tagarelice dos notórios padres vermelhos é a ação amortecedora, castradora, empreendida desde dentro e desde cima por prelados e líderes leigos aparentemente respeitáveis, imunes a qualquer suspeita, cuja função estratégica não é pregar o comunismo, mas simplesmente secar as fontes do
anticomunismo católico até que a Igreja se resuma, como no Brasil de hoje se resume, à Igreja esquerdista militante e agresssiva de um lado, e de outro a Igreja apolítica, omissa, silenciosa, manietada, debilitada e doente. Muitos, para justificar o injustificável, alegam o primado do espiritual. Nossa missão, dizem, é orar e buscar a santidade, não sair em campo de armas em punho. Mas a hipocrisia desses indivíduos revela-se da maneira mais patente tão logo são testados: se permanecem silenciosos e tímidos quando suas organizações e a Igreja como um conjunto são difamadas e cobertas de injúrias pela esquerda, muito outra é sua reação quando alguém os critica desde um ponto de vista cristão e denuncia sua omissão e preguiça. Aí reagem com a fúria de mil demônios, desancando o infeliz como se fosse um rebelde, um heresiarca, um dinamitador de sacristias. Muitos dos que fazem isso, é claro, não são agentes infiltrados. São apenas covardes genuínos, afetados da síndrome de simulação de normalidade que mencionei no início deste artigo. Mas é impossível que estes, tímidos por natureza, entrem em combate com tanta presteza sem ser incitados pelos primeiros. Simplesmente não é verossímil que tanta omissão em face do comunismo, aliada a tanta virulência contra o anticomunismo, não tenha nada de comunista nas fontes que a inspiram.
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Truque besta Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 10 de março de 2009
O sr. presidente da República mostra-se escandalizado, chocado, abalado até o fundo de seus sentimentos éticos mais nobres quando a Igreja discorda de sua singela opinião de que para proteger uma criança deve-se matar duas. Se ele fosse ateu, budista ou membro da Seicho-no-Ie, tudo o que os católicos poderiam fazer diante de seu discurso abortista seria resmungar. Mas ao defender o aborto como dever moral ele insiste em enfatizar que o faz “como cristão e católico”, o que o enquadra, sem a mais mínima possibilidade de dúvida, na categoria dos heresiarcas. Heresia, para quem não sabe, não é qualquer doutrina adversa à da Igreja: é falsa doutrina católica vendida como católica – exatamente como o discurso presidencial contra Dom José Cardoso Sobrinho. Mas, no fundo, isso não faz a menor diferença. Por seu apoio continuado e impenitente aos regimes e partidos comunistas, Lula já está excomungado latae sententiae faz muito tempo e não precisa ser excomungado de novo. A excomunhão latae sententiae, isto é, “em sentido amplo” decorre automaticamente de ações ou palavras, independentemente de sentença oficial e até mesmo de aviso ao excomungado. Na mesma categoria encontra-se a sra. Dilma Roussef. A presença de qualquer um desses dois num templo católico – quanto mais junto ao altar, na condição de co-celebrantes – é uma ofensa intolerável a todos os fiéis, e só o oportunismo de um clero corrupto até à medula explica que ela seja tolerada e até festejada entre sorrisos de subserviência abjeta. Neste caso, como em todos os similares, a covardia e a omissão não explicam tudo. Alguém manda nos covardes e omissos, e este alguém não é nada disso: é ousado e ativíssimo a serviço do comunismo. Quanto ao exército inteiro dos que se fingem de indignados junto com o sr. presidente – e ainda o apóiam nesse paroxismo de hipocrisia que é o “Dia Nacional de Luta contra a Hipocrisia” –, seu papel no caso é dos mais evidentes. Os estupros de crianças, cujo número crescente escandaliza e choca a população, são constantemente alegados por essa gente como pretextos para debilitar a autoridade dos pais e submeter as famílias a controles governamentais cada vez mais invasivos. A ONU, os partidos de esquerda, a mídia iluminada, os educadores progressistas e uma infinidade de ONGs – as mesmas entidades que promoveram o feminismo, o divórcio, o gayzismo e todos os demais movimentos que destruíram a integridade das famílias – posam hoje como os heróicos defensores das crianças
contra o risco permanente de ser estupradas por seus próprios pais. Toda a credibilidade dessas campanhas advém da ocultação sistemática de um dado estatístico inúmeras vezes comprovado: a quase totalidade dos casos de abuso sexual de crianças acontecem em casas de mães solteiras, cujo namorado – ou namorada – é o autor preferencial desse tipo de delitos. Na Inglaterra, os filhos de mães solteiras sofrem 73 vezes mais abusos fatais – e 33 vezes mais abusos sérios sem morte – do que as crianças criadas em famílias completas. Nos EUA, 55 por cento dos assassinatos de menores de idade acontecem em casas de mães solteiras. Raríssimos casos de abusos de menores acontecem em lares íntegros, com um pai e uma mãe regularmente casados. A presença de um pai é, hoje como sempre, a maior garantia de segurança física para as crianças. Aqueles que removeram esse pai, entregando as crianças à mercê dos amantes de suas mães, são diretamente culpados pela epidemia crescente de violência contra crianças, e são eles mesmos que tiram proveito dela, arrogando-se cada vez mais autoridade para solapar a da família constituída e colocar um número cada vez maior de crianças sob a guarda de assistentes sociais politicamente corretos. A seqüência dialética é de uma nitidez impressionante. Tese: a pretexto de proteger mulheres e crianças, procede-se à demolição da autoridade paterna, bem como dos princípios morais que a sustentam; antítese: nas famílias desfeitas – surpresa! –, proliferam os estupros e a gravidez infantil; síntese: o aborto é elevado à categoria de obrigação moral, e em seu nome o Estado condena a religião como imoral e desumana e se autoconstitui em guia espiritual da sociedade. Pensando bem, é um truque simples, até besta. Mas o tempo decorrido entre a tese e a síntese torna invisível a continuidade do processo aos olhos da multidão.
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A consciência sem consciência Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 13 de março de 2009 Todos nós, em momentos difíceis da vida, já tentamos nos explicar a alguém que não quer ou não pode nos compreender. O olhar do sujeito desliza de um lado para outro por trás de um véu opaco, sem atingir o foco do que pretendemos lhe mostrar; e, como não tem foco, não consegue articular num quadro coerente o que lhe dizemos. Ele apreende as palavras e até frases inteiras, mas as esvazia de sentido ou lhes atribui um sentido impróprio, deslocado da situação. É uma coisa irritante, às vezes desesperadora. Também todos já vimos pessoas que, envolvidas elas próprias em dificuldades, não atinam com a encrenca em que se meteram. Ou permanecem alienadas, numa despreocupação suicida, ou se enervam e atemorizam, mas por motivos inventados que não têm nada a ver com o problema real. Esses dois tipos de pessoas estão “conscientes”, no sentido da neurofisiologia e da ciência cognitiva, mas não no sentido que a palavra “consciência” tem na vida real. A “consciência” que essas ciências estudam é a simples capacidade de notar estímulos. Elas não podem ir além desse ponto. Não podem distinguir entre o idiota que sente frio na pele e o homem sensível a quem a visão da neve sugere, num relance, o contraste entre a beleza da paisagem e o perigo a que o inverno expõe os pobres desabrigados. Essa diferença, guardadas as proporções, é a mesma que existe entre os indivíduos dotados de sensibilidade musical e o doente de tune deafness. Esta expressão, para a qual não achei uma tradução unanimemente aceita em português (pode ser “privação melódica”), designa a pessoa que, embora sem sofrer de nenhuma deficiência auditiva, simplesmente não consegue captar uma melodia. Ouve as notas separadas, mas não atina com a frase musical que compõem. Se o cantor desafina, ou o pianista toca um ré onde deveria entrar um fá, ela não nota a mínima diferença. Nos casos mais graves, o doente não consegue nem mesmo entender o que é música: não nota a mínima diferença entre os Concertos de Brandemburgo e o som das buzinas no tráfego congestionado. A doença é esquisita, mas não rara:
segundo dados recentes, dois por cento das pessoas têm algum grau de tune deafness. Victor Zuckerkandl, em Sound and Symbol (1956) – um livro esplêndido –, diz que essa diferença assinala a distinção específica da música, separando-a de todos os demais fenômenos acústicos. A música, em suma, tem não apenas ordem – o ruído de um motor também tem. Ela tem significado: aponta para algo que vai além dos elementos sonoros que a compõem. A distância entre ouvir sons e apreender uma melodia é a mesma que há entre ouvir palavras e compreender o que dizem – ou, pior ainda, entre compreender o mero sentido verbal das frases e reconhecer a que elas se referem na vida real. Para complicar ainda mais as coisas, um estudo recente, que pretendia encontrar alguma explicação neurocerebral para a tune deafness, descobriu, para grande espanto dos pesquisadores, que, embora as pessoas afetadas por essa deficiência não percebam uma nota errada, seus cérebros registram a diferença com a mesma acuidade com que o faria o cérebro de Mozart. Elas ouvem a música perfeitamente bem, mas a ouvem – dizem os autores da pesquisa – “inconscientemente”. Seus cérebros percebem a melodia: quem não a percebe são elas (v. Allen Braun et al., “Tune Deafness: Processing Melodic Errors Outside of Conscious Awareness as Reflected by Components of the Auditory ERP”, em http://www.plosone.org/article/info:doi/10.1371/journal.pone.0002349). Zuckerkandl, que morreu em 1965, não poderia esperar que sua teoria recebesse, meio século depois de publicada, uma confirmação tão eloqüente. O que não lhe escapou foi a importância filosófica da sua descoberta, que, por ir na contramão das modas científicas, permaneceu quase desconhecida das classes letradas por muitas décadas (antes dos anos 90 só a vi citada em Henry Corbin, que a usava para explicar os estados místicos no esoterismo iraniano do século XIII – assunto que não é propriamente um sucesso de público). A percepção da música, no fim das contas, requer o mesmo tipo de compreensão necessário para você apreender uma situação dramática complexa, seja a sua própria, a de um interlocutor ou a que você lê em Hamlet, Crime e Castigo, A Montanha Mágica e assim por diante. Ora, para explicar o fato de que o cérebro registre uma sensação de frio, os cientistas são obrigados a decompor esse fenômeno banal numa série de processos neurobiológicos incrivelmente
complexos. Nem esses processos estão ainda bem explicados, mas, como o sonho da ciência materialista é poder reduzir a eles a consciência inteira, explicando-a como “produto” do cérebro, muitos adeptos do materialismo agem como se já tivessem operado a redução e fornecido para ela as provas mais cabais e irretorquíveis, daí concluindo que a consciência, como tal, nem mesmo existe: é apenas uma função cerebral entre outras. Isso é charlatanismo, evidentemente, mas as fontes que o inspiram vem ainda de mais baixo do que o charlatanismo puro e simples. Notem bem: além daquela diferença assinalada pelo fato da tune deafness, a consciência tem ainda um segundo traço distintivo, que a separa de qualquer outro fenômeno conhecido no universo. Não importa do que você esteja falando, o milagre da linguagem abstrata permite que você se refira aos objetos não só sem necessidade de que eles estejam presentes fisicamente, mas sem necessidade de que você pense neles como coisas reais. Você pode até substituir o mero conceito abstrato deles por um sinal algébrico e continuar raciocinando a respeito sem nem se lembrar dos seus correspondentes reais, seguro de que, no fim do raciocínio, se formalmente correto, você encontrará conclusões que se aplicarão tim-tim-portim-tim a esses correspondentes. Se não fosse isso, não poderiam existir computadores. No entanto, nada de parecido se dá com a consciência. Você não pode falar dela sem que ela esteja presente e em ação naquele mesmo instante. O verdadeiro discurso sobre a consciência tem, ao contrário, o dom de intensificar a consciência no instante mesmo em que você raciocina a respeito dela, como uma luz que, tão logo acesa, acende uma série de outras automaticamente e ilumina o recinto inteiro. Esse é o sentido em que se fala de “consciência” na vida real. Esse discurso exige a presença do falante consciente e responsável que se assume como presente no ato mesmo em que discorre. Se, em contrapartida, você reduz a consciência a um fenômeno genérico, do qual possa falar como coisa externa, o objeto escapa instantaneamente do seu horizonte de consciência, e eis que você já não está falando sobre a consciência efetivamente existente, mas só sobre algum mecanismo ou aspecto dela em particular, perfeitamente inexistente em si mesmo. Consciência, no sentido forte da palavra, é autoconsciência atual, responsável – é algo que só pode existir no indivíduo real, presente, atuante. Consciência genérica, abstrata, é um puro fetiche lógico. Se algum dia descobrirem como o cérebro produz esse fetiche, a consciência continuará inexplicada. O esforço redutivista, no caso, não tem o mínimo alcance científico real. É apenas um engodo hipnótico, um
instrumento de controle totalitário da sociedade. Num artigo vindouro explicarei melhor a função política desse artifício.
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O deus dos palpiteiros Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 18 de março de 2009 Se há um Deus onipotente, onisciente e onipresente, é óbvio que não podemos conhecê-Lo como objeto, ou mesmo como sujeito externo, mas apenas como fundamento ativo da nossa própria autoconsciência, maximamente presente como tal no instante mesmo em que esta, tomando posse de si, se pergunta por Ele. Tal é o método de quem entende do assunto, como Platão, Aristóteles, Sto. Agostinho, S. Francisco de Sales, os místicos da Filocalia, Frei Lourenço da Encarnação ou Louis Lavelle. Quando um Richard Dawkins ou um Daniel Dennett examinam a questão de um “Ser Supremo” que teria “criado o mundo” e chegam naturalmente à conclusão de que esse Ser não existe, eles raciocinam como se estivessem presentes à criação enquanto observadores externos e, pior ainda, observadores externos de cuja constituição íntima o Deus onipresente tivesse tido a amabilidade de ausentar-se por instantes para que pudessem observá-Lo de fora e testemunhar Sua existência ou inexistência. Esse Deus objetivado não existe nem pode existir, pois é logicamente autocontraditório. Dawkins, Dennett e tutti quanti têm toda a razão em declará-lo inexistente, pois foram eles próprios que o inventaram. E ainda, por uma espécie de astúcia inconsciente, tiveram o cuidado de concebê-lo de tal modo
que as provas empíricas da sua inexistência são, a rigor, infinitas, podendo encontrar-se não somente neste universo mas em todos os universos possíveis, de vez que a impossibilidade do autocontraditório é universal em medida máxima e em sentido eminente, não dependendo da constituição física deste ou de qualquer outro universo. Se você não “acredita” no Deus da Bíblia, isso não faz a mínima diferença lógica ou metodológica na sua tentativa de investigar a existência ou inexistência d’Ele, quando essa tentativa é honesta. Qualquer que seja o caso, você só pode discutir a existência de um objeto previamente definido se o discute conforme a definição dada de início e não mudando a definição no decorrer da conversa, o que equivale a trocar de objeto e discutir outra coisa. Se Deus é definido como onipotente, onisciente e onipresente, é desse Deus que você tem de demonstrar a inexistência, e não de um outro deus qualquer que você mesmo inventou conforme as conveniências do que pretende provar. O método dos Dawkins e Dennetts baseia-se num erro lógico tão primário, tão grotesco, que basta não só para desqualificá-los intelectualmente nesse domínio em particular, mas para lançar uma sombra de suspeita sobre o conjunto do que escreveram sobre outros assuntos quaisquer, embora seja possível que pessoas incompetentes numa questão que julgam fundamental para toda a humanidade revelem alguma capacidade no trato de problemas secundários, onde sua sobrecarga emocional é menor. Longe de poder ser investigado como objeto do mundo exterior, Deus também é definido na Bíblia como uma pessoa, e como uma pessoa sui generis que mantém um diálogo íntimo e secreto com cada ser humano e lhe indica um caminho interior para conhecê-La. Só se você procurar indícios dessa pessoa no íntimo da sua alma e não os encontrar de maneira alguma, mesmo seguindo precisamente as indicações dadas na definição, será lícito você declarar que Deus não existe. Caso contrário você estará proclamando a inexistência de um outro deus, no que a Bíblia concordará com você integralmente, com a única diferença de que você imagina, ou finge imaginar, que esse deus é o da Bíblia. Quando o inimigo da fé faz um esforço para ater-se à definição bíblica, ele o faz sempre de maneira parcial e caricata, com resultados ainda piores do que no argumento da “criação”. Dawkins argumenta contra a onisciência, perguntando
como Deus poderia estar consciente de todos os pensamentos de todos os seres humanos o tempo todo. A pergunta é aí formulada de maneira absurda, tomando as autoconsciências como objetos que existissem de per si e questionando a possibilidade de conhecer todos ao mesmo tempo ex post facto. Mas a autoconsciência não é um objeto. É um poder vacilante, que se constitui e se conquista a si mesmo na medida em que se pergunta pelo seu próprio fundamento e, não o encontrando dentro de seus próprios limites, é levado a abrir-se para mais e mais consciência, até desembocar numa fonte que transcende o universo da sua experiência e notar que dessa fonte, inatingível em si mesma, provém, de maneira repetidamente comprovável, a sua força de intensificar-se a si próprio. Dez linhas de Louis Lavelle sobre este assunto, ou o parágrafo em que Aristóteles define Deus como noesis noeseos, a autoconsciência da autoconsciência, valem mais do que todas as obras que Dawkins e Dennett poderiam escrever ao longo de infinitas existências terrestres. Um Deus que desde fora “observasse” todas as consciências é um personagem de história da carochinha, especialmente inventado para provar sua própria inexistência. Em vez de perguntar como esse deus seria possível, sabendo de antemão que é impossível, o filósofo habilitado parte da pergunta contrária: como é possível a autoconsciência? Deus não conhece a autoconsciência como observador externo, mas como fundamento transcendente da sua possibilidade de existência. Mas você só percebe isso se, em vez de brincar de lógica com conceitos inventados, investiga a coisa seriamente desde a sua própria experiência interior, com a maturidade de um filósofo bem formado e um extenso conhecimento do status quaestionis. O que mata a filosofia no mundo de hoje é o amadorismo, a intromissão de palpiteiros que, ignorando a formulação mesma das questões que discutem, se deleitam num achismo inconseqüente e pueril, ainda mais ridículo quando se adorna de um verniz de “ciência”.
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Orando com os avestruzes Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 24 de março de 2009 Muitos daqueles a quem faço alusão, de passagem, como amostras de fenômenos de patologia social e cultural, ficam naturalmente enfezados, esperneiam um pouco pela internet e então saem por aí alardeando que tiveram um “debate” comigo. Como às vezes cito seus nomes para fins de mera documentação, iludem-se pensando que são meus interlocutores, que lhes dei alguma atenção individual, quando na verdade só os mencionei pela tipicidade anônima, pela uniformidade rasa e mecânica com que macaqueiam os cacoetes de seu grupo de referência e assim forjam, para alívio de sua mal disfarçada insegurança juvenil, uma espécie de identidade temporária, com prazo de validade a expirar na próxima troca de amigos. Trata-se em geral de garotos de vinte e poucos anos, com idade para ser meus netos, mas afeiçoados desde o bercinho à arte genuinamente brasileira de simular autoridade intelectual – às vezes até mesmo eclesiástica – e uma longa experiência da vida. O pior é que outros, vendo-me gastar tempo com opiniões de indivíduos que lhes parecem insignificantes, exigem que eu pare de fazer isso e me dedique a mais dignos afazeres, como se os grandes erros coletivos, geradores de tragédias mundiais, consistissem apenas em crenças gremiais de uma elite de homens ilustres, e não, justamente, na somatória das ilusões de incontáveis criaturas diminutas e anônimas. Uma dessas criaturas, indignada de que eu cobrasse dos católicos alguma ação contra o avanço do comunismo no mundo e especialmente na América Latina, despejou na rede, desde o alto do seu púlpito imaginário, as seguintes palavras: “Quem entende o remédio da crise de fé como uma postura anticomunista realmente desconhece a verdadeira missão da Igreja. Ensinar e pregar o
anticomunismo é um ponto meramente terceiro ao lado de outras importâncias. Aquele que vive piedosamente os ensinamentos de Cristo, seguindo com um doce ar filial o Magistério, se aproximando da Eucaristia com devoção e contrição, se torna anticomunista em espírito sem nunca ter ouvido uma crítica direta ao socialismo – enquanto ferrenhos anticomunistas que não entendem a grandeza de Deus e seguem trilhas desconhecidas se aproximam da condenação. Assim a Igreja deve caminhar, sem se reduzir aos problemas do mundo, esquecendo as coisas do alto. Clamar a Verdade é clamar a conversão e a adesão a Cristo e Seus ensinamentos. A condenação ao marxismo, feita pela Igreja, é apenas a conseqüência imediata da vivência da Fé com oração e fidelidade, sem isso, ou seja, sem o caráter místico e transcendental, a Igreja perde o sentido. Por isso que digo que tanto as olavetes quanto os adeptos da Teologia da Libertação erram no mesmo ponto; ambos simplificam a Mater Ecclesia, a esvaziam do seu sentido mais profundo.” Neste mesmo momento, milhares de jovens católicos como esse estão sendo induzidos, por sacerdotes estúpidos ou maliciosos, a contentar-se com “ser anticomunistas em espírito”, na segurança dos seus lares e no doce ambiente da fraternidade cristã, sem arriscar o conforto de suas almas e o bem-estar de seus corpos no enfrentamento real com o inimigo, na agitação sangrenta do mundo. Para dissuadi-los de tomar qualquer atitude objetiva contra o maior perigo que já ameaçou a Igreja desde fora e desde dentro, esses professores de um pietismo kitsch infundem nas mentes de seus discípulos uma falsa dicotomia entre a vida interior e a guerra santa e, corrompendo-os até à medula, cultivam neles a vaidade demoníaca de sentir-se superiores por abster-se da segunda para dedicar-se à primeira, como se o sangue dos mártires e dos heróis pouco ou nada valesse perto das orações dos monges, e aliás como se não houvesse monges entre os mártires e heróis. Os papas da era das Cruzadas, em contrapartida, prometiam a indulgência plenária àqueles que arriscassem sua vida no campo de batalha, jamais àqueles que fugissem ao combate sob a desculpa de que estavam muito ocupados com sua “vida interior”. Lembro-me de que na igreja de padres italianos em que me criei na infância, e onde decorei a missa em latim aos oito anos para realizar o sonho de ser coroinha (donde se vê minha total inexperiência da vida católica), havia dois altares votivos, em
mármore, permanentemente acesos, com as inscrições: “Ai martiri” e “Agli eroi” (“Aos mártires” e “aos heróis”). Não havia nenhum para as pessoas ocupadas em coisas importantes. O pior é que o menino que escreveu aquelas palavras desastradas está seguro de jamais ter-me ofendido (muito menos de haver ofendido ao próprio Cristo), e até garante: “Não pretendo ser presunçoso nem soberbo.” Haverá maior presunção e soberba do que, em nome de uma pretensa experiência mística, fazer pouco daqueles que, atendendo ao chamamento de Pio XII, professaram combater o comunismo “com a maior energia, dentro e fora da Igreja” e “até mesmo com o sacrifício de suas próprias vidas”? Haverá maior soberba do que ignorar que esse chamamento, na verdade, não veio de Pio XII, mas da própria Virgem de Fátima? Haverá maior presunção e soberba do que imaginar que a luta contra o inimigo que mais odiou e matou cristãos ao longo de toda a história humana, e que superou nisso infinitamente todas as heresias e todas as invasões de bárbaros, “é um ponto meramente terceiro ao lado de outras importâncias”? Como pode a vida religiosa ter-se prostituído a tal ponto que um fiel católico já não enxerga nada de ofensivo em acreditar que os mais de trinta milhões de mártires e combatentes cristãos sacrificados pela sanha comunista na Rússia, na Polônia, na Hungria, na China, em Cuba e um pouco por toda parte merecem apenas as nossas orações, se tanto, em vez da nossa firme disposição de correr o mesmo risco que eles correram? Faço a pergunta e já tenho a resposta, que recebi pronta de mentes mais sábias. O cardeal Pallavicini ensinava que “convocar um concílio geral, exceto quando exigido pela mais absoluta necessidade, é tentar Deus”. Desde a fundação da Igreja até a década de 60 do século findo, realizaram-se vinte concílios. Nenhum deles incorreu nesse pecado. Cada um, segundo enfatizava o cardeal Manning, “foi convocado para extinguir a heresia principal ou para corrigir o mal maior da respectiva época”. O primeiro a desprezar essa exigência, e a desprezá-la não por descuido, não por um lapso, não por negligência, mas por vontade expressa e por firme decisão de seus convocantes, foi o Concílio Vaticano II. Depois de Nossa Senhora de Fátima ter advertido, logo antes da Revolução Russa, que os erros e desvarios vindos de Moscou seriam o flagelo mais cruel que já se abatera sobre a humanidade, depois de vários papas proclamarem da maneira mais inequívoca que o comunismo era não só o maior mal da nossa época mas um perigo praticamente
ilimitado, ameaçando, segundo Pio XII, invadir, corromper e destruir “tudo o que é espiritual – filosofia, ciência, lei, educação, as artes, os meios de comunicação, a literatura, o teatro e a religião em geral”, o Concílio Vaticano II comprometeu-se oficialmente, em troca de amabilidades irrelevantes do governo soviético, a não condenar esse mal, a não dizer uma só palavra que fosse contra o comunismo. Podem procurar em todos os documentos oficiais do Concílio: não encontrarão essa palavra. Bem, se o próprio Concílio tinha mais o que fazer em vez de prestar atenção à advertência de Nossa Senhora e combater o maior dos males presentes, por que haveria um jovem católico brasileiro de perceber o quanto é ofensivo e presunçoso achar que sua suposta “vida mística” vale mais do que tentar parar a matança de cristãos (e aliás também de não-cristãos)? O Concílio, sem dúvida, inaugurou uma nova espiritualidade: a espiritualidade dos avestruzes. O jovem a que me referi não é exceção. Suas idéias valem muito como indícios de um estado de coisas. Elas mostram, como única alternativa aparente à falsa igreja ativíssima e entusiasta dos padres e bispos comunistas, a Igreja omissa, entorpecida, hipnotizada na contemplação vaidosa de sua própria alienação. Que eficácia têm, nessas condições, a “devoção e contrição” de que se gaba o nosso personagem, e as de tantos outros como ele? Mateus, 5:23-24, ensina: “Se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e apresenta a tua oferta.” Será que trinta e tantos milhões de mártires não têm queixa nenhuma contra os irmãos que os ignoram em favor de “coisas mais importantes”, como os ignorou solenemente o Concílio? P. S. – Quem quiser detalhes sobre o pacto hediondo que impôs à Igreja o silêncio quanto ao comunismo, leia Pope John’s Council, de Michael Davies (2nd. ed., Kansas City, Missouri, Angelus Press, 2008), e Las Puertas del Infierno, de Ricardo de la Cierva (Barcelona, Editorial Fénix, 1995).
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Da mentira à impostura Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 26 de março de 2009 Mentiroso compulsivo é aquele que, desmascarado, não dá o braço a torcer: persiste na mentira, adorna-a de novos floreios, jura, esbraveja, argumenta, e tanto insiste que acaba deixando o interlocutor em dúvida. Porém mais perverso ainda, um sociopata em toda a linha, é aquele que, em tal situação, se faz de desentendido e continua falando no tom da maior normalidade e segurança, como se nada tivesse acontecido. Aí a mentira singular se transmuta em impostura permanente, estrutural, alterando de uma vez o quadro das relações humanas e quebrando, na alma do ouvinte, não a confiança nesta ou naquela verdade em particular que ele julgava conhecer, mas no próprio valor da verdade em geral. No primeiro caso, a mentira buscava imitar a verdade, parasitando o seu prestígio; agora ela se impõe por seus próprios méritos, como um valor em si, independente e superior à verdade. Perplexo e atordoado pelo fascínio da insanidade, o ouvinte se vê atraído para dentro de uma espécie de teatro mágico, onde o preço do ingresso é a abdicação não só do poder, mas do simples desejo de conhecer a verdade. Pois bem, esse é o jogo criminoso, sórdido e indesculpável, que a “grande mídia” brasileira inteira, sem exceção, tem jogado com seus leitores desde que se tornou impossível continuar negando e ocultando, como o fizera ao longo de dezesseis anos, a existência e o poder descomunal do Foro de São Paulo. Agora, quando tocam no assunto que antes evitavam como à peste, nossos jornais o fazem no estilo distraído e anestésico de quem falasse de coisa banal e rotineira, que tivesse estado presente nas suas páginas desde sempre, com a regularidade das colunas de turfe e das histórias em quadrinhos.
Seriam mais decentes e toleráveis se persistissem na mentira, negando o óbvio com aquela intensidade louca do fingidor histérico, que grita e gesticula para se persuadir a si mesmo daquilo em que, no fundo, não pode acreditar. Entre o histérico e o sociopata vai toda a distância que medeia entre a paixão e o cálculo, entre a doença e a maldade, entre a explosão de um sintoma neurótico e o planejamento frio de um crime. Relatando a vida de Vanda Pignato, a militante comunista brasileira que acaba de se tornar a primeira-dama de El Salvador, a Folha de S. Paulo do dia 23 informa, de passagem, meramente de passagem, que a referida “participava das reuniões do Foro de São Paulo, articulado pelo petismo e controvertido por já ter permitido a participação das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), convertida em narcoguerrilha”. Não é uma belezinha? A mais poderosa organização política da América Latina, financiada por fontes misteriosas jamais investigadas, autora suprema da articulação clandestina que ludibriou povos inteiros durante uma década e meia e salvou o comunismo da extinção mediante o ardil de fazer-se de morto para assaltar o coveiro, de repente aparece como uma entidade normal, legítima como qualquer partido político, só vagamente “controvertida” por ter “permitido a participação” da narcoguerrilha colombiana! Como se o Foro tivesse se limitado a isso, em vez de prestar apoio unânime e incondicional às Farc, acusando o governo colombiano de “terrorismo de Estado”! Como se entre as fontes de sustentação financeira de um movimento tão vasto e dispendioso fosse dispensável, pela origem espúria, o dinheiro do narcotráfico! Como se do Foro não participassem também outras organizações criminosas, por exemplo o MIR chileno, seqüestrador de brasileiros, com direito a manifestações de solidariedade continental cada vez que um de seus agentes armados é preso e enviado à Justiça! Como se a mera existência de um poder invisível e onipresente, capaz de mudar a história de um continente sem que o público tenha a menor notícia do que está acontecendo, já não fosse em si mesma um formidável concurso de crimes, a anomalia das anomalias, a aberração das aberrações! Nunca, fora dos países comunistas onde a mídia é oficialmente órgão de propaganda e desinformação, os jornalistas jogaram tão sujo quanto na ocultação
pertinaz do Foro de São Paulo e na operação-desconversa que se seguiu à queda do muro de silêncio. Mentir, eles mentiam antes. Agora partiram para o fingimento de segundo grau, a consolidação da impostura como um direito sagrado e um dever moral soberano, nada mais cabendo ao povo, diante desse ritual diabólico, senão curvar-se em respeitoso silêncio, prostituindo e sacrificando ante um ídolo de papel os últimos vestígios de dignidade que possam restar na sua alma exausta e entorpecida.
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Ignorando o essencial Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 3 de abril de 2009 Há alguns dados históricos elementares sobre o movimento comunista, ignorados pela maioria e mal conhecidos ou bem esquecidos pelas minorias letradas e dirigentes, sem os quais é impossível, literalmente impossível entender o que quer que seja da história recente. Se você procurar se informar a respeito e começar a levar esses dados em conta, verá quanta coisa obscura se esclarece automaticamente, sem necessidade de grande esforço interpretativo. 1. O comunismo foi e é, ao longo da história humana, o único – repito: o único – movimento político organizado em escala mundial, com ramificações e agentes nos lugares mais remotos do planeta, disciplinados e capacitados para entrar em ação de maneira imediata, coordenada e simultânea ao primeiro chamado de seus centros de comando.
2. Embora tendo a seu serviço uma quantidade enorme de organizações e partidos de massa, o comunismo é substancialmente um movimento clandestino, cujo comando e cujos planos de ação devem permanecer invisíveis aos profanos, mesmo nas épocas de legalidade em que várias organizações comunistas atuam publicamente sem sofrer a menor perseguição. O primado da elite clandestina sobre a liderança visível é, pelo menos desde Lênin, uma cláusula pétrea da estratégia comunista. É impossível compreender essa estratégia e as táticas que a implementam levando em conta somente a atuação ostensiva dos líderes comunistas mais visíveis em cada país, sem acesso às discussões internas e às conexões internacionais de cada organização. 3. O comunismo foi e é, em todo o mundo e em todas as épocas, o único movimento político que teve e tem a seu dispor recursos financeiros ilimitados, superiores às maiores fortunas conhecidas no Ocidente e aos orçamentos de muitos governos somados. Suas possibilidades de ação devem ser medidas na escala dos seus recursos. 4. Só uma parcela ínfima da atividade comunista consiste em propaganda doutrinária reconhecível direta ou indiretamente. A parte maior e mais significativa consiste em infiltrar-se e mesclar-se em toda sorte de organizações – partidos políticos (inclusive liberais e conservadores), mídia, sindicatos, empresas estatais e privadas, instituições culturais, educacionais, religiosas e de caridade, Forças Armadas, Maçonaria, a lista não tem fim – de modo a torná-las instrumentos da estratégia comunista e a controlar por meio delas toda a sociedade, fazendo do Partido “um poder onipresente e invisível” (a expressão é de Antonio Gramsci, mas a técnica existia desde muito antes dele). É pueril imaginar que, uma vez inseridos nessas entidades, os comunistas aí se dediquem a doutrinação ou proselitismo, como se fossem pastores protestantes espalhando o Evangelho entre infiéis. A arregimentação de todas as forças para que sirvam à estratégia comunista é um mecanismo tremendamente sutil e complexo, que envolve doses maciças de camuflagem e despistamento, com muitos lances paradoxais pelo caminho. 5. É tolice imaginar o comunismo como uma “doutrina” ou “ideal”, sobretudo quando se entende por isso a pregação aberta da abolição da propriedade privada. O movimento comunista nunca teve nem precisou ter qualquer unidade doutrinária, e já provou mil vezes sua capacidade de adaptar-se taticamente às
fórmulas ideológicas mais díspares, de maneira sucessiva ou simultânea, desnorteando por completo o observador leigo (incluo nisto os políticos em geral e a quase totalidade dos intelectuais liberais e conservadores). Campanhas ateísticas as mais truculentas, por exemplo, coexistem pacificamente, no seio do movimento comunista, com o aproveitamento do discurso religioso como meio de atingir o coração das massas. Mutatis mutandis, a exploração dos sentimentos nacionalistas extremados vem lado a lado com o esforço de diluir as soberanias nacionais em unidades maiores, regionais ou mundiais, de modo que, por trás da cena, o movimento comunista se beneficia tanto das resistências patrióticas quanto do poder global em ascensão. A unidade do movimento comunista é de tipo estratégico e organizacional, não ideológico. O comunismo não é um conjunto de teses: é um esquema de poder, o mais vasto, fexível, integrado e eficiente que já existiu. Mesmo o radicalismo islâmico, hoje em rápida expansão, nada poderia sem o apoio da rede mundial de organizações comunistas. 6. Tolice maior ainda é imaginar que a oposição lógico-formal entre os conceitos abstratos de capitalismo e comunismo se traduza, na prática, em conflito mortal entre capitalistas e comunistas. À variedade de diferentes situações locais e temporais corresponde uma infinidade de nuances e transições, com um vasto espaço para os arranjos e cumplicidades mais estranhos em aparência (só em aparência). Ninguém entenderá nada do mundo histórico em que vive hoje se não tiver em conta a longa colaboração entre o movimento comunista e algumas das maiores fortunas do Ocidente, por exemplo Morgan, Rockefeller e Rothschild. Os livros clássicos a respeito são os do economista inglês Anthony Sutton, mas já em 1956 o Comitê Reece da Câmara de Representantes dos EUA levantou provas substanciais de que algumas fundações bilionárias estavam usando seus recursos formidáveis “para destruir ou desacreditar o sistema de livre empresa que lhes deu nascimento”. Essas fundações estão hoje entre os mais robustos pilares de suporte do governo socialista de Barack Hussein Obama. O desconhecimento ou incompreensão desses fatos entre liberais e conservadores está na raiz de sua incapacidade de opor uma resistência séria à marcha triunfante do comunismo na América Latina. Muitos ainda acreditam, por exemplo, que será uma grande vitória da democracia obrigar as Farc a abandonar a luta armada para transformar-se em partido legal. Não entendem que criar uma força política reconhecida é, no fim das contas, o único objetivo da luta armada – na Colômbia ou
em qualquer outro lugar. Guerrilhas não vencem guerras: tudo o que desejam é uma derrota politicamente vantajosa. Por isso, ao mesmo tempo que trocam tiros com as forças do governo, na selva e nas cidades, colocam seus agentes em postoschave dos partidos esquerdistas legais, de onde clamam contra o derramamento de sangue e apelam dramaticamente ao retorno da legalidade. Fizeram isso no Brasil, fazem agora na Colômbia. Enquanto os liberais e conservadores não obtiverem uma clara visão de conjunto do fenômeno enormemente complexo do comunismo, enquanto insistirem em se opor somente às facetas mais imediatas e repugnantes desse movimento, se não apenas às doutrinas comunistas consideradas abstratamente, estarão condenados à derrota mesmo quando se julgam vencedores. O fato de que jamais tenha havido uma internacional anticomunista torna difícil para muitas pessoas obter essa visão de conjunto, que os próprios comunistas obtêm tão facilmente. Mas a ausência de suporte social não pode servir de desculpa para a preguiça intelectual. Há sempre algumas inteligências individuais capazes de raciocinar acima das perspectivas grupais, quando existem, ou sem elas, quando não existem. Nada justifica que essas inteligências permaneçam à margem das discussões públicas, deixando aos ignorantes o monopólio dos microfones. Neste como em todos os demais assuntos humanos, quem não estudou nada está cheio de certezas simplórias e as proclama com um ar de tremenda superioridade, sem perceber o papel ridículo que faz. Quem estudou fica às vezes parecendo maluco ou excêntrico, mas, afinal, para que é que alguém estuda, se não é para ficar sabendo de algo que a maioria não sabe?
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Articulação mundial contra o Papa Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 7 de abril de 2009 Tão logo o Papa Bento XVI anunciou a reintegração da Igreja tradicionalista na ordem pós-conciliar – o que de si já é uma ironia, pois a novidade não pode reintegrar em si a tradição, e sim ao contrário –, desencadeou-se contra ele uma das mais maliciosas campanhas de ódio já vistas na mídia mundial. Três episódios marcaram os seus pontos altos. Primeiro veio o bispo Williamson – um factóide na mais plena acepção do termo. Até a véspera, ninguém o conhecia. Quando o descobriram entre os milhares de sacerdotes e fiéis beneficiados pela suspensão de uma pena eclesiástica coletiva, saiu do anonimato e tornou-se repentinamente um perigo para a espécie humana, por ter emitido numa igreja de bairro, ante umas poucas dezenas de fiéis se tanto, uma opinião antijudaica. Por toda parte ergueram-se gritos de escândalo, significativamente voltados não contra o bispo, mas contra o Papa. Como se a revogação do castigo não viesse do simples reconhecimento de um erro judicial velho de quatro décadas, e sim do endosso papal às convicções pessoais do bispo – até então ignoradas não só do Vaticano, mas do mundo – sobre matéria alheia ao seu sacerdócio, à fé católica, às razões da penalidade e às da respectiva suspensão. Forçando a inculpação por osmose até o último limite do artificialismo, lançava-se sobre toda a Igreja tradicionalista e, de quebra, sobre o Papa que a acolhera de volta, a vaga mas por isso mesmo envolvente suspeita de anti-semitismo. Não por coincidência, entre os mais inflamados denunciantes encontravam-se aqueles que tanto mais se esforçam para proteger os judeus contra perigos inexistentes quanto mais se devotam a entregá-los, inermes, nas mãos de seus inimigos armados. Depois, veio o episódio das camisinhas. Não há como medir os gritos de horror, as lágrimas de escândalo, as gesticulações frenéticas de abalo moral com que a grande mídia reagiu à declaração blasfema de que esses sacrossantos dispositivos não protegem eficazmente contra a Aids. Na verdade, não protegem nada. Edward C. Green, diretor do Projeto de Pesquisas sobre Prevenção da Aids no Harvard Center for Population and Development Studies, informa que a revisão mundial dos resultados obtidos nos últimos 25 não mostra o menor sinal de que as
camisinhas impeçam a contaminação. O único método que funciona, diz Green, é a redução drástica do número de parceiros sexuais. Uganda, que por esse método e com forte base religiosa reduziu os casos de Aids em 70 por cento, é o único – repito: o único – caso de sucesso espetacular já obtido contra essa doença. Mas que importam esses dados? A camisinha não vale pela eficácia, ó materialistas prosaicos. Ela é um símbolo, a condensação elástica dos mais belos sonhos da utopia pansexualista, onde as criancinhas praticarão sexo grupal nas escolas, sob a orientação de professores carinhosos até demais (sem pedofilia, é claro), e nas praças os casais gays darão lições de sodomia teórica e prática, para encanto geral do público civil, militar e eclesiástico. De que vale a verdade, de que valem as estatísticas, de que valem as vidas dos ugandenses, diante de imagens tão radiosas da civilização pós-cristã que a ONU, o Lucis Trust, a mídia bilionária e todos os pseudo-intelectuais do mundo almejam para a humanidade? É em defesa desses altos valores que se ergueram gritos de revolta contra o Papa, esse estragaprazeres, esse iconoclasta sacrílego. Por fim, veio o documentário da BBC, onde o ex-cardeal Ratzinger é acusado de proteger padres pedófilos, determinando que fossem removidos de paróquia em vez de punidos. É claro que a coisa já estava pronta fazia tempo, aguardando a oportunidade política, que veio com os esforços de Bento XVI para restaurar a unidade da Igreja, algo que os apóstolos da nova civilização temem como à peste. A BBC, outrora uma estação respeitável, tornou-se uma central de propaganda esquerdista tão fanática e desavergonhada que o que quer que venha dela deve ser recebido a cusparadas, mas em todo caso vale lembrar que um padre formalmente condenado na justiça por pedofilia não tem como ser removido de paróquia, pois já está removido para a cadeia. Restam os padres meramente acusados, sem provas judiciais válidas. A mídia quer que a Igreja os castigue assim mesmo, a priori, à primeira palavra que se publique contra os desgraçados. O cardeal Ratzinger é acusado, no fim das contas, de não ter feito isso. É preciso toda a técnica cinematográfica da BBC para dar a impressão de que se trata de coisa imoral, até mesmo vagamente criminosa. Mas, nesses casos, a realidade não importa nada. A impressão é tudo. Destaco esses três episódios só como amostras, no meio de um bombardeio multilateral, incessante e crescente, no qual só a estupidez voluntária pode
enxergar uma simples confluência de casualidades, sem nenhuma coordenação ou planejamento.
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Falso amor à justiça: Brasil-Mentira I Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 9 de abril de 2009 Este é o primeiro de uma série de cinco artigos com o tema Brasil-Mentira.
Nação nenhuma tem o monopólio da imoralidade, mas algumas foram dotadas com uma quota extra que as torna exemplos de escolha numa investigação de filosofia moral. Ao incluir o Brasil entre elas, não tenho em vista as famosas taxas nominais de corrupção, onde, ao contrário, as comparações com outros países têm até um efeito consolador sobre as almas dos nossos compatriotas. Refiro-me a fenômenos de outra ordem, mais difíceis embora não impossíveis de quantificar. Já observei mais de uma vez que a nossa literatura de ficção, escassa em personagens de grandeza excepcional, santos, heróis ou monstros, é rica em figuras de minúsculos farsantes, mentirosos, fingidores compulsivos e semiloucos de vários matizes, que se abrigam numa esfera de irrealidade, fugindo da própria consciência. Com uma ou duas exceções, os personagens do maior e mais significativo dos nossos romancistas são todos assim. Também o são os de Lima Barreto, Raul Pompéia, Marques Rebelo, Annibal M. Machado e tantos outros, sendo até covardia lembrar a figura de Macunaíma, na qual os brasileiros se
reconhecem tão facilmente, e cuja veracidade sociológica é atestada por um milhão de piadas populares que mostram os nossos conterrâneos em traços bem parecidos com os dele. Uma vaga consciência de que há algo de errado com os padrões de moralidade da nossa gente perpassa as conversas familiares, as crônicas de jornal, os espetáculos de cinema e teatro, as novelas de TV, etc., e alimenta algumas discussões de mais alto nível, como aquelas que aparecem em livros de Paulo Prado, Mário Vieira de Melo, J. O. de Meira Penna, Roberto da Matta, Ângelo Monteiro. O que aí se destaca não é a propensão à criminalidade propriamente dita, mas uma tendência quase incoercível a preferir antes o fingimento do que a sinceridade, antes a aparência artificialmente construída do que a realidade conhecida. É como se o brasileiro não acertasse jamais falar com a sua própria voz, sentindo-se antes compelido, por um intenso desejo de aprovação – também ele camuflado –, a imitar o tom das conveniências momentâneas. Desde os tempos de Lima Barreto, não se atenuou nem um pouco o vício nacional de sacrificar a ambições mesquinhas, se não à busca obsessiva de segurança contra perigos imaginários, os impulsos mais altos do espírito humano, condenando-os, não raro, como tentações pecaminosas, provas de vaidade, cobiça, pedantismo ou desprezo pelos semelhantes. As vocações intelectuais e artísticas são aí especialmente sacrificadas, não só quando se vêem esmagadas pela pressão e pela chacota do ambiente, mas até mesmo quando se realizam, porque o fazem num sentido oportunístico e farsesco, o único possível nessas condições, que as transforma em caricaturas de si mesmas. Nas últimas décadas, porém, essa deformidade moral crônica foi se acentuando de tal modo que começa a assumir as feições de uma sociopatia alarmante, disseminada sobretudo entre as classes cultas com mais acesso aos meios de difusão. As opiniões dessa gente vão se afastando dia a dia de todo padrão universal de veracidade e moralidade, ao ponto de constituirem já um sistema ético peculiar, válido só no território nacional, fechado e hostil às exigências da consciência humana em geral, inacessível a toda cobrança superior de idoneidade e racionalidade. O mais característico desse novo sistema é que seus criadores e representantes não têm a mais mínima idéia de quanto suas falas, atitudes e julgamentos são imorais,
maliciosos e alheios àquele mínimo de franqueza que uma alma deve ter ao falar consigo mesma para que, quando fala com os outros, se reconheça nela a voz de uma “consciência”, um espírito alerta, uma presença viva. Falar numa linguagem de estereótipos, com um automatismo sufocante, parece que se tornou obrigatório. O fator que mais contribuiu para isso foi decerto a tomada dos meios de comunicação, do sistema educacional, das instituições de cultura e dos altos postos da política por uma geração marcada pelo sentimento de vitimização, acompanhado, inevitavelmente, da crença na sua bondade intrínseca e na recusa completa, radical, absoluta, de encarar seus supostos inimigos como sujeitos humanos portadores de uma consciência moral, capazes de dar razão de seus atos e merecedores de um confronto justo. O sentimento de impecância essencial, que está hoje disseminado em todas as classes falantes deste país, predispõe a um discurso de acusação indignada que encobre os mais óbvios pecados próprios sob a impressão – artificiosamente reiterada ao ponto de tornar-se uma carapaça invulnerável – de estar sempre discursando em nome de valores sublimes sufocados pelo mundo mau, quando, na verdade, o que torna o mundo mau é acima de tudo o número excessivo de pessoas imbuídas desse mesmo sentimento. Um dos sintomas mais alarmantes dessa patologia é a fúria justiceira com que as autoridades e seus acólitos, os “formadores de opinião”, investem contra delitos menores, sobretudo de ordem financeira, ao mesmo tempo que toleram, como detalhe irrisório, a taxa anual de 50 mil homicídios que faz do Brasil a nação mais cruel e assassina do mundo. Quando um magistrado exclama que 94 anos de cadeia são punição branda para a sonegação fiscal e delitos correlatos, ao mesmo tempo que assassinos em série, seqüestradores e traficantes de drogas são protegidos pela leniência das leis e ainda celebrados como vítimas da sociedade má, está claro que uma nova classe falante subiu ao primeiro plano da cena pública, intoxicada de uma tal dose de rancor invejoso contra a “burguesia”, que não hesita em conceber traficantes multibilionários como pobres vítimas do capitalismo, fazendo deles aliados na epopéia revolucionária da “justiça social” que pretende implantar.
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Inversão retórica e realidade invertida: Brasil-Mentira II Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 15 de abril de 2009 Enxergar nos criminosos a sombra da sociedade, portanto a projeção ampliada dos males latentes no próprio coração da maioria honesta, é tendência bem antiga da cultura ocidental. Quando François Villon, o poeta-assassino, vislumbra o seu próprio corpo de enforcado balançando no ar, não como testemunho de seus crimes, mas como um apelo à bondade das gerações futuras, sem lembrar-se de dizer uma palavra sequer em favor de suas vítimas, ele inaugura uma das inversões retóricas mais poderosas da modernidade: a relação de caridade estabelece-se agora como um vínculo direto entre a comunidade e o criminoso, fazendo-se abstração das vítimas. Estas não têm direito à caridade, nem do seu algoz, nem do futuro. Passando por cima dos assassinados, a Deusa História absolve os assassinos. As Confissões de Jean-Jacques Rousseau, um dos livros mais populares de todos os tempos, consolidam a inversão, quando, da revelação de seus defeitos e pecados, o autor, em vez de inferir que não presta, tira a conclusão de que ninguém é melhor que ele. Pais e mães que sacrificaram vida e saúde por seus filhos são rebaixados ante a vaidade do ambicioso carreirista que preferiu remeter os seus cinco a um orfanato, para ter tempo de brilhar nos salões e ser paparicado por todos aqueles que depois ele acusaria de oprimi-lo. Rousseau gaba-se mesmo de ser o melhor homem da Europa, o mais humano, o mais bondoso, o mais sensível, incompreendido pela multidão de filisteus. A literatura dos séculos XIX e XX esforçou-se tanto para humanizar a imagem do criminoso, que acabou por desumanizar o restante da espécie humana. A partir dos anos 60 do século XX, a superioridade ontológica dos criminosos sobre a sociedade normal havia se consolidado tão profundamente na imaginação das classes
falantes, que foi possível fazer, daquilo que nascera como um mito literário, uma estratégia de ação política e o princípio de uma reforma cultural e moral de dimensões universais. A geração de universitários que hoje ocupa todas as posições de poder e influência no Brasil foi inteiramente formada nessa mentalidade, e já não pode distinguir entre uma figura de linguagem e a realidade da vida social. O que essa figura de linguagem expressa não é de todo irreal. Cada delinqüente, por definição, dá expressão física e manifesta às tendências malignas latentes na alma dos seres humanos em geral, inclusive os melhores deles. Nenhuma vítima de homicídio pode proclamar que o desejo de matar está totalmente ausente no seu coração. A diferença entre ela e o assassino não é de natureza, mas de proporção. É por isso que o assassino pode simbolizar o pecado oculto na alma do assassinado. Basta, porém, uma pequena ênfase retórica para que a diferença de proporções desapareça sob uma impressão contundente de que todos são culpados pelo homicídio, exceto o homicida. As figuras de linguagem servem precisamente para realçar certos aspectos da realidade, que o senso de proporcionalidade da experiência comum encobre. Mas quando o poder sugestivo de uma figura de linguagem começa, retroativamente, a encobrir a experiência comum, ela deixa de ser uma figura de linguagem, passa a ser uma afirmação literal, uma fé e até um dogma. Já não é nem mesmo uma ideologia política. É um valor pessoal, uma crença espontânea: não é que o sujeito “ache” que os criminosos são superiores, ele age como se eles o fossem, porque jamais lhe ocorreu que pudessem ser outra coisa. A ideologia, aí, incorporou-se à psique e já não é reconhecida como tal: é um sentimento pessoal e mesmo um reflexo incoercível. Quando na era Brizola as damas da sociedade começaram a achar lindo namorar com traficantes do morro, já não se podia dizer que faziam isso por ideologia: a ideologia se transformara em compulsão emotiva. Foi isso o que aconteceu na linguagem das classes falantes do Brasil nos últimos quarenta anos. Elas já não acreditam somente que o assassino “pode”, imaginariamente, refletir o mal latente no coração do inocente, mas enxergam realmente, literalmente, os inocentes como culpados. Fazer justiça, no seu entender, é libertar da prisão todos os assassinos, estupradores, seqüestradores e narcotraficantes, colocando em seu lugar aqueles que até ontem personificavam a sociedade “normal”. A busca de pretextos para justificar essa inversão consolida, por sua vez, uma lógica jurídica invertida. Ao mais mínimo sinal de que um cidadão conceituado não tenha uma conduta irrepreensível, santa, impecável, isto surge aos olhos desse novo modelo de justiceiro como a prova cabal de que tinha razão: os bons, se não são perfeitos, são maus; os maus, sendo um reflexo da maldade deles,
são bons no fundo. Daí a inversão da pena: para os crimes de morte, mesmo em série, mesmo cometidos por motivos torpes, brandura e leniência. Para os delitos financeiros e administrativos das pessoas famosas, vingança implacável – exceto, é claro, se essas pessoas famosas forem por sua vez adeptas da nova justiça: aí seus crimes se tornam sacrifícios meritórios pelo bem da sociedade futura. Até um certo ponto, a inversão retórica é tolerável. Ela serve como um atenuante relativista da confiança que toda sociedade tem na sua própria bondade. Quando, porém, o atenuante da norma se transforma ele próprio em norma, é evidente que todo o senso das proporções se perdeu por completo, sendo substituído pela proclamação despótica da inocência dos culpados e da culpabilidade de todos os demais (exceto, naturalmente, o próprio autor da inversão e seus similares). Que isso se faça em nome da “justiça” é claramente uma ironia macabra, de vez que a justiça humana, não podendo jamais alcançar a perfeição absoluta do seu modelo divino (real ou imaginário), consiste precisamente, e exclusivamente, no senso das proporções. Suum cuique tribuere, “atribuir a cada um o que lhe cabe”, é a definição mesma da justiça. Daí deriva o princípio essencial do Direito moderno, que é a proporcionalidade dos delitos e das penas. Um código penal – qualquer código penal – não é outra coisa se não um sistema de proporcionalidades. Quando esta noção desaparece do horizonte de consciência não só dos fazedores de justiça, mas também daqueles que lhes dão suporte cultural na mídia e no sistema educacional, toda possibilidade de discussão racional da gravidade relativa dos crimes, e portanto das penas que lhes competem, está eliminada do panorama social. Em lugar dela, entra a vontade arbitrária dos novos agentes, inteiramente fundada no ódio e na inveja, disposta a aplicar, conforme suas conveniências grupais, a uns os rigores de um purismo inflexível, a outros os mais confortáveis atenuantes do relativismo cultural.
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A proibição de comparar: Brasil-Mentira III Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 17 de abril de 2009 Exemplos recentes da radical abolição do senso das proporções nas discussões públicas neste país, e da sua substituição por proclamações absolutistas rancorosas e pueris até à demência, aparecem em dois artigos do Observatório da Imprensa, publicação que, sublinhando o grotesco da situação, se autodefine não como um agente entre outros no jornalismo brasileiro, mas como um tribunal para o julgamento da idoneidade dos demais agentes. Discutindo a celeuma causada pelo uso do termo “ditabranda” na Folha de S. Paulo para qualificar o regime militar brasileiro, o Sr. Alberto Dines, fundador, diretor, e guru máximo do Observatório, proclama: “O debate sobre a ‘ditabranda’ estava errado desde o início porque fixou-se numa classificação de ditaduras, quando o certo seria discutir a inflexibilidade do processo democrático. Há um certo momento pareceu que as partes estavam querendo inventar um medidor de ditaduras, ou ditadurômetro, por meio do qual as diferentes relativizações, devidamente equacionadas, estabeleceriam um kafkiano ranking de autoritarismo, do suportável ao insuportável... A ‘Guerra Suja’ argentina matou 30 mil, a nossa matou 300 ou 3 mil. A quantificação é desumana, armadilha brutalizante...” Vamos por partes. O Sr. Dines afirma que toda comparação de autoritarismos é indecente. Só vale a democracia absoluta. “O pacifismo é ncondicional ou é hipócrita. A democracia é integral ou é uma farsa.” Não vou apelar ao expediente, até covarde nas presentes circunstâncias, de mostrar que nenhuma democracia no mundo jamais foi integral. Os meros fatos não alcançam as alturas do rigorismo platônico exigido pelo Sr. Dines. Em compensação, conceitos puros são o domínio
da lógica e não podem furtar-se ao dever de definir-se a si mesmos. Ora, a “democracia integral” é indefinível, porque é autocontraditória. Todo principiante no estudo da teoria política tem de saber, desde logo, que a democracia não é uma substância, uma coisa, mas uma qualidade que se tenta impor a uma substância preexistente, isto é, à sociedade tal como estava antes do advento da democracia. Tem de saber também, em conseqüência, que a democracia não é uma quantidade fixa, mas uma proporção – e que, por isso mesmo, não pode ser “integral”. A democracia constitui-se essencialmente de uma limitação mútua entre os poderes, o que subentende que esses poderes existam e que cada um deles não seja integralmente capaz de limitar-se a si mesmo. Todos os teóricos da democracia, mesmo os mais entusiastas, sempre ressaltaram que ela é um estado de equilíbrio instável, incapaz de fixar-se na perfeição do equilíbrio puro subentendido na palavra “integral”. A democracia não é um princípio universal, mas um arranjo pragmático. Princípios universais podem ser aplicados ad infinitum sem levar jamais a contradições. Por exemplo, o próprio suum cuique tribuere, ou a noção de que a responsabilidade de um ato incumbe a quem o cometeu e não a outra pessoa. Você pode aplicar indefinidamente esses princípios a todos os casos possíveis e imagináveis, nunca eles levarão a situações paradoxais e sem saída. Bem diferentes são os arranjos pragmáticos, cuja aplicação é limitada por definição e que, estendidos para além do seu campo próprio de aplicação, se autodestroem ou se convertem nos seus contrários. A democracia é um dos exemplos mais óbvios dessa distinção, e isso é mesmo uma das primeiras coisas que o estudante de teoria política tem de aprender. Em toda democracia há, por definição, uma infinidade de abusos antidemocráticos. Suprimi-los por completo, como subentendido na noção de “democracia integral”, exigiria a instalação do controle social perfeito, portanto a eliminação da própria democracia. A democracia reside precisamente na busca permanente da compensação mútua entre fatores que, em si, não são democráticos. Isso quer dizer que enormes coeficientes de autoritarismo subsistem necessariamente dentro de qualquer democracia e que sem eles o próprio conceito de democracia não faria sentido. A “democracia integral” coincidiria em gênero, número e grau com a ditadura.
Em segundo lugar, democracias não existem no ar, mas em unidades políticas soberanas que coexistem com outras unidades políticas soberanas. Um regime de um país só pode ser democrático para dentro. Não pode conceder aos cidadãos e governos de outros países os mesmos direitos e garantias que dá aos nacionais. Isso implicaria a sua dissolução imediata. Uma “democracia integral” pressuporia a inexistência de fronteiras, mas parece difícil explicar isso a uma mente como a do Sr. Dines. Tratados internacionais podem, por sua vez, retroagir sobre as leis internas, diminuindo o coeficiente de direitos desfrutados pelo cidadão da democracia. Por outro lado, o governo mundial, necessário à implantação da “democracia integral”, seria também contraditório com a noção de democracia, por ser inatingível à fiscalização direta de todos os eleitorados locais – a não ser na hipótese de uma humanidade ilimitadamente poliglótica. Uma expressão como “democracia integral” só pode ser usada por um leviano opinador que não examinou o problema por um só minuto e que se limita a manifestar desejos arbitrários como uma criancinha que esbraveja e chora quando contrariada. A existência mesma de um poder legislativo, que é um componente essencial da democracia, prova que ela não pode ser integral. Se você tem de estar continuamente produzindo novas leis, é porque as anteriores não produziram a “democracia integral”. Se a produzirem, a subseqüente supressão do legislativo a transformaria ipso facto em ditadura. Basta isso para mostrar como as idéias de pureza e democracia são radicalmente incompatíveis, não apenas no baixo mundo dos fatos, mas na própria esfera dos conceitos absolutos. Como é possível que um sujeito que ignora uma coisa tão elementar da teoria política tenha os meios de sair por aí dando lições de democracia?
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Umas ditaduras são mais iguais que as outras: Brasil-Mentira IV Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 27 de abril de 2009 O Sr. Dines não é burro, pessoalmente. Já provou isso em escritos excelentes. Ele encontra-se emburrecido e cego pelo apoio dos seus pares, que, quando o que ele diz coincide com os desejos deles, tratam de aceitá-lo imediatamente, reprimindo em si próprios e nos outros a mais elementar exigência analítica. Confirmado retroativamente pelo apoio deles, o Sr. Dines está autorizado a jamais perceber a enormidade do que disse. Ser “formador de opinião”, no Brasil de hoje, é isso. É expressar amores e repulsas com a irracionalidade de um cão que late, reforçado pelos ecos inumeráveis de uma orquestra canina. A idéia de que não haja comparação possível entre autoritarismos iguala, na base, os campos para prisioneiros japoneses nos Estados Unidos durante a II Guerra e os campos de concentração nazistas. Iguala as medidas defensivas, tomadas por uma nação em perigo, à construção da máquina totalitária que cresce justamente na medida em que as oposições desaparecem e em que se torna necessário inventar mais e mais oposições imaginárias para justificá-la. O Brasil teve, ao longo de vinte anos, aproximadamente dois mil prisioneiros políticos, nenhum deles totalmente isento de ligações diretas ou indiretas com a guerrilha e com a ditadura cubana. Cuba, com uma população doze vezes menor, chegou a ter cem mil ao mesmo tempo – a quase totalidade sem processo legal, e levada ao cárcere por crimes hediondos como fazer uma piada, recusar-se a usar um crachá patriótico ou, nos casos mais graves, possuir uma casa. Se não há nenhuma diferença entre uma coisa e outra, também não há diferença entre matar seis milhões de judeus e dar um discreto pontapé no traseiro do sr. Alberto Dines, ou entre jogar milhões de padres no Gulag, por serem padres, e, como se fez na Grã-Bretanha durante a II Guerra, prender sem processo uns quantos colaboradores do inimigo. Abolir as diferenças equivale a neutralizar o próprio conceito de democracia, que só é democracia, precisamente por basear-se no senso das proporções, que essa abolição impugna. A prova de que proibir toda gradação entre autoritarismos é inviável na teoria e na prática nos é dada pelo próprio Sr. Dines quando, ao referir-se a Fulgêncio Batista,
o rotula de “tirano” e, no mesmo parágrafo, falando de Cuba, atenua a linguagem dizendo apenas que “está longe de ser uma democracia”, como se Cuba não tivesse feito outra coisa ao longo destes últimos quarenta anos senão esforçar-se para ser uma democracia. Se isso não é uma gradação, eu sou o Alberto Dines em pessoa. Graduando mais ainda, ele faz questão de frisar que, se Cuba “ainda” (depois de breves quatro décadas) não se transformou em democracia, isso ocorreu ‘a despeito das magníficas intenções dos rebeldes”. Ora, os militares brasileiros, em 1964, derrubaram o governo que acobertava uma guerrilha financiada por Cuba, e prometeram em lugar dele, o quê? Uma democracia, ora bolas! Uma democracia com eleições plenas em seis meses. Não seriam, essas também, “magníficas intenções”, embora falhadas? Falar em “magníficas intenções”, neste caso, não seria ainda mais legítimo do que no tocante aos guerrilheiros cubanos que instantaneamente implantaram um regime de terror da ilha e não cederam um milímetro até hoje, enquanto os nossos militares acabaram se afastando do poder por obediência à pressão popular? Em vão o Sr. Dines afirma que todas as ditaduras são iguais, pouco importando as intenções. O que ele acaba dizendo, no fim das contas, é que todas são iguais, mas algumas são mais iguais que as outras. Ele jura “abominar as gradações”, mas ele próprio gradua, só que em sentido inverso: odeia o mal menor e ama decididamente o pior dos piores. Na edição subseqüente do seu Observatório, ele mesmo deu a maior prova disso, ao falar da rebelião chefiada em 1936 por Francisco Franco contra a república prócomunista espanhola. Ele rotula as forças rebeldes como “ditatoriais” e “fascistas” e o outro lado como “forças legalistas”. Tentando camuflar a escolha, ele apela ao seu usual artifício de fingir equanimidade, nivelando “as violências contra sacerdotes e freiras” e “a participação do clero na repressão fascista”, como se fossem ambas episódios da guerra civil, quando de fato as primeiras antecederam a guerra e foram a causa direta da rebelião franquista. Matanças em tempo de guerra podem ser debitadas na conta da violência geral, mas matanças em tempo de paz, promovidas por forças governistas contra a própria população local, caracterizam não somente uma ditadura, mas uma ditadura totalitária e genocida. É absolutamente imoral chamar de “legalista” ou “democrático” um regime que promoveu a matança sistemática de padres e freiras simplesmente por serem padres e freiras e que incendiou centenas de igrejas católicas nos territórios sob o seu domínio, fechando todas as restantes e tornando virtualmente ilegal a religião
majoritária do país. A república espanhola foi obviamente uma ditadura, e entre ela e a ditadura franquista que a sucedeu Alberto Dines, desmentindo seu fingido horror a comparações dessa ordem, não hesita em estabelecer uma gradação de preferências, com o agravante de que, nessa gradação, não se limita a cotejar a extensão de dois males, mas eleva um deles ao estatuto de um bem, ao afirmar que os “libertários do mundo inteiro” – assim ele qualifica os membros das Brigadas Internacionais – lutavam pelos “conceitos de República, democracia e solidariedade”. Ora, as Brigadas Internacionais foram à Espanha obedecendo a uma convocação de Stálin, e, se delas participou a inevitável quota de idiotas úteis que não sabiam estar servindo à ditadura soviética – os depoimentos de John dos Passos e de George Orwell a respeito são bastante significativos –, o fato é que as Brigadas foram sempre um instrumento a serviço do comunismo, e não da liberdade. Chamar comunistas de “libertários” é mais do que mera impropriedade vocabular, é trapaça pura e simples, de vez que o segundo termo designa um movimento político existente, notoriamente hostil ao comunismo e atuante na política até hoje, inclusive no Brasil. Para piorar as coisas, Dines nivela dois fenômenos radicalmente diferentes: a participação soviética ao lado dos republicanos e a ajuda nazifascista às tropas de Franco. É notório que o general rebelde obteve ajuda técnica e militar da Itália e da Alemanha, mas sem nada ceder a esses incômodos fornecedores (os únicos de que dispunha), defendendo a soberania do seu país com obstinada teimosia, timbrando em manter a neutralidade espanhola durante a II Guerra contra todas as pressões de Hitler e Mussolini e ainda concedendo abrigo a judeus foragidos, no mínimo como agradecimento à comunidade judaica de Valencia que ajudara a financiar sua rebelião. Em contrapartida, o governo dito “republicano” colocou-se sob as ordens de Stalin da maneira mais servil, chegando a ser controlado diretamente pelos russos nas etapas finais da guerra e a transferir para Moscou, sob a grotesca desculpa de “segurança”, todas as reservas estatais de ouro espanhol, um óbvio crime de alta traição que os russos festejaram com risos de escárnio, sabendo que os espanhóis jamais veriam aquele tesouro de volta, como de fato não viram.
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Um novo modelo de transparência Olavo de Carvalho Digesto Econômico, março de 2009 Compreender os objetivos gerais da administração Obama com base nas suas primeiras medidas de governo não requer o mais mínimo esforço diagnóstico. Essas medidas falam por si mesmas de uma maneira tão clara que algum esforço seria necessário, isto sim, para não enxergar o que pretendem e aonde vão levar. Desde logo, Obama tratou de acenar com um gesto de simpatia para os inimigos do país, escolhendo, para conceder sua primeira entrevista como presidente, a rede de TV Al-Arabiya. Chamá-la de canal terrorista não é nenhum exagero, não só pelo conteúdo editorial dos seus programas, mas pelo fato singelo de que o edifício-sede da emissora é usado como base para o lançamento de foguetes contra Israel. Mais entusiasmo ainda entre as hostes anti-americanas ele despertou com o anúncio do fechamento da prisão de Guantanamo. Não há um só comunista ou radical islâmico no mundo que não considere isso uma vitória espetacular. A gritaria universal contra a "tortura" ali praticada conseguiu obscurecer por completo a diferença do tratamento concedido a prisioneiros de guerra nos EUA e entre os terroristas. Quem quer que tenha visto seres humanos implorando por suas vidas segundos antes de ter suas cabeças cortadas entende que a afetação de piedade pelos terroristas submetidos ao waterboarding (prática usada no treinamento dos próprios soldados americanos) é uma deformação monstruosa do senso moral. Impor essa deformação à mente das multidões tornou-se um objetivo sistemático da grande mídia e da intelectualidade esquerdista por toda parte. Obama julgou prioritário agradar a essa gente logo na sua primeira semana de governo, mesmo ao custo de endossar a difamação do seu país.
Uma onda de alívio percorreu as almas dos produtores de petróleo árabes, bem como de Hugo Chávez, quando Obama vetou a perfuração de novos poços em altomar, que o Congresso havia aprovado em obediência a pressões populares. Nada, porém, pode ter ressoado mais docemente aos ouvidos do antiamericanismo do que o anúncio presidencial de que pretende cortar o estoque de armas nucleares dos EUA em nada menos de oitenta por cento. Os EUA têm atualmente 2.300 ogivas. A opinião geral dos especialistas militares é que abaixo de duas mil, a superioridade bélica dos EUA terá sido eliminada e o país estará exposto à derrota ao primeiro ataque. É universalmente reconhecido que a Rússia jamais cumpriu a sua parte em acordos de redução. Obama sabe perfeitamente bem que não há o mais mínimo motivo para esperar que o homem da KGB atualmente no poder vá agir de maneira diferente. A redução será unilateral, e Obama encara essa perspectiva sem pestanejar. Já a simples composição de sua equipe de governo mostra da maneira mais patente o estofo moral e patriótico da nova administração. Leon Panetta, indicado para diretor da CIA, é um homem que não passaria em nenhum teste de segurança para ser um simples empregado burocrático nessa ou em qualquer outra agência de inteligência dos EUA, por suas ligações estreitas com o Institute for Policy Studies, reconhecidamente um braço da KGB. Nenhum outro governo americano jamais nomeou tanta gente errada logo nos primeiros dias. Após ter prometido que seu governo se pautaria pelo mais rígido controle ético jamais visto na história americana, Obama convocou para os altos postos os seguintes tipos inesquecíveis: · O governador do Novo México, Bill Richardson, teve de renunciar à nomeação para secretário do Comércio, porque está sob investigação num grande júri por favorecimento ilícito aos seus colaboradores de campanha. · Timothy Geithner, nomeado secretário do Tesouro, chegou lá com uma dívida jamais paga de 34 mil dólares em impostos. · Thomas Daschle, nomeado para chefiar o Departamento de Saúde, renunciou à nomeação quando se soube que havia deixado de pagar impostos no valor de 146 mil dólares.
· O mesmo aconteceu com Nancy Killefer, nomeada chief performance officer (encarregada de enxugar o orçamento, atividade que de algum modo ela já vinha desempenhando ao abster-se de pagar seus impostos). · A deputada Hilda Solis, nomeada secretária do Trabalho considera-se uma vítima inocente de perseguição porque há pessoas que a julgam incapacitada para o cargo só porque – vejam vocês – seu marido esteve envolvido em fraudes de imposto por dezesseis anos. · Por fim, David Ogden, nomeado para segundo no comando da Procuradoria Federal, é conhecido como advogado de firmas de pornografia. Há mesmo quem o considere – quanta injustiça! – um hired gun (pistoleiro de aluguel) a serviço da indústria da obscenidade. Por enquanto é só. Ninguém mais foi acusado de nada. No entanto, entre os demais nomeados, há pelo menos onze que pertencem à Comissão Trilateral, órgão fundado por David Rockefeller em 1973 com o propósito de dissolver a soberania americana e instalar um governo mundial. São eles: · Timothy Geithner, já citado como secretário do Tesouro; · Susan Rice, embaixadora nas Nações Unidas; · Thomas Donilon, conselheiro de Segurança Nacional; · Paul Volker, diretor da Comissão de Recuperação Econômica; · General James L. Jones, conselheiro de Segurança Nacional; · Almirante Denis C. Blair, diretor de Inteligência Nacional; · Kurt M. Campbell, secretário-assistente de Estado para a Ásia e o Pacífico; · James Steinberg, secretário-assistente de Estado; · Richard Haass, Dennis Ross, Richard Holbrooke, enviados especiais do Departamento de Estado.
Muitos outros membros do gabinete têm ligação com a Trilateral: a secretária de Estado Hilary Clinton é casada com um membro da comissão; o grupo de conselheiros de Tim Geithner inclui quatro membros da comissão; e assim por diante: o governo Obama é uma fortaleza do globalismo. Não espanta, portanto, que em suas políticas sociais o novo presidente venha tratando de implementar o mais rapidamente possível os programas mais apreciados pela elite globalista, como por exemplo o abortismo. Uma das primeiras medidas de Obama foi liberar algumas centenas de milhões de dólares para disseminar a prática do aborto não só nos EUA, mas no mundo todo. Numa significativa demonstração de elasticidade moral, o presidente declarou que "Deus jamais perdoará a matança de bebês inocentes", no instante mesmo em que liberava o dinheiro do contribuinte americano para financiar essa matança. Mais abortos ainda serão provocados pela liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias, que o presidente já anunciou: as esperanças mais estapafúrdias de cura para todas as doenças possíveis e imagináveis embelezam e legitimam essas pesquisas, que até agora não deram o mais mínimo sinal de poder alcançar algum resultado, ao contrário do que acontece com as investigações de células-tronco adultas. Complementarmente, o novo governo já demonstra da maneira mais inequívoca sua intenção de reprimir e boicotar as comunidades religiosas que se oponham aos novos modelos de "moralidade" propugnados pelo globalismo: no seu rol de "estímulos" à economia, toda ajuda é ostensivamente negada a qualquer organização escolar ou assistencial que dê abrigo, direta ou indiretamente, a empreendimentos religiosos. Se uma escola, por exemplo, permite que um grupo de católicos ou evangélicos crie dentro da sua sede um grêmio religioso, estará excluída de toda ajuda oficial. Para grupos de gays e abortistas, não há nenhuma limitação nesse sentido. O "estímulo", por fim, apresentado como socorro de emergência a uma economia em perigo, é nada mais que um pretexto para alimentar de dinheiro as organizações que apoiaram Obama durante a campanha: a Acorn, por exemplo, que caprichou no obamismo ao ponto de espalhar milhares de títulos de eleitor falsos para aumentar a votação do seu queridinho, recebeu nada menos de quatro bilhões de dólares, o que prova que ao novo presidente não falta a virtude da
gratidão, embora posta em prática com o dinheiro alheio – um óbvio favorecimento eleitoral que, em circunstâncias normais, seria motivo cabal de impeachment. Mas nada no governo Obama é normal. O estímulo, em todo caso, se não trouxe nem pode trazer maiores benefícios, já que apenas cinco por cento do total da verba se destinam aos setores afetados pela crise, pelo menos serviu para demonstrar que a mágica de Obama não é infalível. Ao convocar as organizações populares para um vasto movimento de apoio ao seu plano econômico, ele só obteve um comparecimento irrisório. Na própria capital do país, só quinhentas pessoas se inscreveram; em Sacramento, Califórnia, 78; em Fort Worth, Texas, 54; em Tacoma, Estado de Washington, 34: é a "mobilização de massas” mais micha que já se viu desde que Fernando Collor de Mello apelou ao povo para que saísse às ruas vestido de verde e amarelo. Segundo uma pesquisa da Zogby, 53 por cento dos americanos acham que o plano de Obama vai atrasar a recuperação econômica; só 31 por cento acham que não. Cinqüenta e sete por cento das pessoas sem partido acham que a coisa gasta dinheiro demais, concordando nisso com 89 por cento dos republicanos. O mercado parece dar razão a eles: a Media Dow-Jones caiu 400 pontos tão logo o governo anunciou o gasto de 838 bilhões de dólares. A estupidez suicida do plano é ainda sublinhada pelo fato de que ele busca atrair para si o prestígio histórico do New Deal, na mesma semana em que um estudo empreendido por economistas da Universidade da Califórnia (insuspeita de quaisquer inclinações conservadoras) revela que o ambicioso projeto econômico de Franklin D. Roosevelt atrasou em pelo menos sete anos a recuperação econômica do país. Roosevelt, como Obama, jogava todas as culpas nas costas da competição capitalista, encobrindo os resultados desastrosos do intervencionismo praticado por seus antecessores e apostando tudo em doses ainda maiores de intervencionismo. O plano de Obama é ainda mais intervencionista e socialista. Nesse ponto parece haver acordo entre a direita e a esquerda. Rush Limbaugh, o mais ouvido comentarista de rádio conservador nos EUA, diz que Obama está implantando o socialismo nos EUA. Sam Webb, líder do Partido Comunista americano, concorda inteiramente. O primeiro joga pedras, o segundo aplaude – mas, no que diz respeito aos fatos, não têm a mínima divergência.
Se a carreira pregressa de Barack Hussein Obama é uma trama indeslindável de obscuridades e mistérios, seu governo vem sendo de uma transparência admirável – não no sentido ético, é claro, mas no sentido lógico: ninguém com QI médio, conhecendo as primeiras decisões do novo presidente, pode ter a menor dificuldade em compreender o enredo da novela e adivinhar quem morre no fim.
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Inventando certezas: Brasil-Mentira V Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 30 de abril de 2009 No mesmo Observatório, Luciano Martins Costa pontifica: “Ditaduras são ditaduras... Fazer a conta da ditadura pelo número de mortos nas masmorras oficiais é vilipendiar a história. É coisa de alienados.” Contestando as comparações usuais que contrastam as trezentas e poucas vítimas da polícia política brasileira com as cem mil da ditadura cubana, o Sr. Costa lança à conta do nosso regime militar dois delitos extras que, segundo ele, deveriam entrar no cálculo. De um lado, “a corrupção que se consolidou durante os vinte e poucos anos da ditadura militar”. De outro, “a violência policial não diretamente política” porque, diz ele, “a polícia brasileira, em todos os estados, foi transformada durante a ditadura militar num perverso e incontrolável instrumento de controle social, que foi treinado para ‘identificar’ e punir preventivamente os supostos objetores do regime e acabou produzindo uma lógica toda especial segundo a qual todo jovem de pele relativamente escura é um inimigo potencial da ordem pública”.
Textos como esse ou os dois de Alberto Dines já citados são até difíceis de analisar, tal a mixórdia psicótica de erros, confusões e impropriedades lógicas que neles se compacta. Normalmente serviriam apenas de amostras de como o fanatismo enlouquece. O significativo é que nenhum de seus autores é conhecido publicamente como um fanático. Ambos passam como profissionais equilibrados, idôneos, capacitados a julgar a qualidade do jornalismo alheio. E é justamente isso a prova de que não se trata de distúrbios pessoais, mas de um mal endêmico nas classes falantes do Brasil: a absoluta incapacidade ou recusa de julgar as coisas com um mínimo de equanimidade, o radicalismo cego de um parti pris que ao inflamarse masturbatoriamente e apelar aos subterfúgios mais unilaterais e artificiosos, acredita piamente, tranquilamente, fazer justiça. O Sr. Costa, indignado de que a truculência das ditaduras só se calcule pela violência política direta, pergunta: “Quem estabeleceu os critérios desse ranking? O departamento de infográficos da Folha?” Ele não pergunta se quem estabeleceu a diferença entre a proporção de negros e mulatos mortos antes e durante a ditadura foi o seu próprio departamento de infográficos mentais. Nenhuma pesquisa histórica ou estatística prova que antes de 1964 a polícia, composta ela própria de maciços contingentes de negros e mulatos, fosse mais bondosa para com os chamados afrodescendentes. Louco de ódio, ele inventa sem a mais mínima prova um racismo crescente, e julga baseado nisso. Quanto à alegada corrupção da ditadura, é falso, em primeiro lugar, que ela não fosse denunciada na época. Na mesma medida em que reprimiam certo tipo de notícias políticas, os militares aceitavam e apreciavam denúncias de corrupção, que os ajudavam, segundo eles, a manter sob controle uma classe política viciada. Eu mesmo trabalhava num dos jornais mais visados pela censura – o Jornal da Tarde – e posso garantir que, se várias matérias minhas viraram receitas de bolo, o mesmo não aconteceu com nenhuma acusação feita a políticos corruptos. Que os próprios militares no alto comando da nação fossem ladrões, é algo de que o Sr. Costa não cita nem poderia citar um único exemplo, visto que nenhum desses homens, na presidência ou em ministérios, prosperou tanto quanto o Sr. Lula ou o Sr. José Dirceu, nem muito menos – para dar um exemplo característico do regime deposto em 1964 – tanto quanto o Sr. Tião Maia, o amigo do presidente Goulart, que saiu do Brasil com dinheiro suficiente para comprar a vigésima parte do
território australiano e, interrogado sobre como conseguiu isso, respondeu singelamente: “O Banco do Brasil foi uma mãe para mim”. Houve sim, casos de corrupção no governo militar. Nenhum deles maior que o das “polonetas”, o empréstimo ilícito feito ao governo comunista da Polônia pelos esquerdistas que então infestavam o Ministério de Relações Exteriores de Geisel, contra os quais nem o Sr. Costa nem qualquer de seus congêneres diz a mais mínima palavra. E, entre os feitos de violência do regime, nenhum se compara à ajuda fornecida pelo mesmo governo Geisel para a ditadura cubana invadir Angola e aí matar, em poucos meses, pelo menos quinze mil pessoas. Também disso o Sr. Costa não diz nada. Não há sinal de que, na ditadura Vargas, a violência social da polícia fosse menor do que se tornou depois ou de que fosse menos racialmente orientada. Simplesmente não é possível estudar o fator racial na conduta da polícia sem estudá-lo simultaneamente no próprio fenômeno da criminalidade. Até hoje ninguém provou que o número de “afrodescendentes” oprimidos ou assassinados pela polícia seja maior, proporcionalmente, do que o número deles no contingente de criminosos ou, mais ainda, na própria composição racial das tropas policiais. Sem essa prova, falar em racismo policial é calúnia pura e simples. Abolir metade do fenômeno para usar a outra metade como prova de racismo e, sem o mais mínimo fundamento comparativo, proclamar que esse racismo aumentou durante a ditadura militar (como se a própria noção de “aumentar” não fosse comparativa) é simplesmente expelir ódio por meio de mentiras. Mas o Sr. Costa, repito, não tem fama de fanático odiento. Se tivesse, estaria tudo normal. Ninguém diz que o Sr. Costa é um agitador de extrema-esquerda. Ao contrário, a linguagem dos agitadores de extrema-esquerda tornou-se normativa, obrigatória e mainstream na mídia brasileira e nas classes falantes em geral – de tal modo que basta você resmungar um pouquinho contra ela e você é que é instantaneamente apontado como um perigoso extremista de direita, sem precisar para isso ter advogado jamais qualquer medida extrema contra quem quer que fosse. Mais ainda, o Sr. Costa, na mesma medida em que abomina comparações e as faz no mesmo instante, ressaltando unilateralmente o horror da ditadura brasileira para fazê-la parecer ainda pior do que a argentina ou a cubana, nos sonega,
novamente, um dos termos da comparação. Quantos entre os prisioneiros políticos de Cuba eram e são negros e mulatos? Quantos no Brasil? Quantos o eram entre os 17 mil fuzilados do regime cubano? Quantos entre os trezentos terroristas mortos pela nossa ditadura? Condenar comparações e em seguida fazê-las da maneira mais parcial, sectária e deformada é coisa de uma vigarice tão flagrante que em outras épocas qualquer esquerdista normal se recusaria a uma trapaça desse calibre. Mas o Sr. Costa não é um esquerdista normal. Ele é um esquerdista do ano 2009 no Brasil. E isso é muito diferente de sê-lo em qualquer outra parte do mundo e em qualquer outra época. No mínimo, essa condição basta para apagar, na mente do sujeito, esta obviedade gritante: se não é lícito dizer que uma ditadura foi pior que outra, também não pode sê-lo dizer que ela foi pior que ela mesma.
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A esquerda inventada Diário do Comércio, 5 de maio de 2009 Entre liberais e conservadores, no Brasil e no resto do mundo, só uns poucos têm uma noção clara de quem é seu inimigo e de como enfrentá-lo. A maioria luta apenas contra uma esquerda idealizada, um trompe l’oeil fabricado pela própria esquerda para ser consumido por seus adversários como uma droga estupefaciente, paralisante e incapacitante. O modelo do artifício é copiado de algo que já existiu historicamente: uma esquerda humanitária, democrática, anticomunista, só separada da direita pela diferente concepção dos meios, mais estatistas do que capitalistas, a ser usados para realizar valores que no fundo eram os mesmos de parte a parte – liberdade, direitos humanos e uma vida decente para todos.
Embora vagamente herdeira do reformismo de Eduard Bernstein e de Karl Kautsky – o “renegado”, como o chamava Lênin –, essa esquerda só se tornou um ator de destaque na mídia ocidental por ocasião da Guerra Civil Espanhola, quando a violência assassina desencadeada pelo comando estalinista contra seus próprios companheiros de trincheira agiu como um toque de alerta sobre muitos esquerdistas, levando-os a compreender que o comunismo era pelo menos tão destrutivo quanto o nazismo. O pacto Ribbentropp-Molotov de agosto de 1939 completou a decepção. Alguns mudaram de lado completamente, tornando-se conservadores. Outros, renegando toda fidelidade ao governo soviético, embora não à idéia socialista, acabaram se integrando nos partidos trabalhistas e socialdemocratas e tornando-se bons aliados dos conservadores na luta contra o comunismo, continuando a combatê-los no plano das políticas sociais. George Orwell e o filósofo Sidney Hook são exemplos famosos. O primeiro tornou-se mesmo, com os livros Animal Farm e 1984, um dos grandes criadores da linguagem anticomunista, calculada para parodiar e implodir o jargão comunista. O segundo foi o principal organizador do Congresso pela Liberdade da Cultura, o único empreendimento sério já tentado – em 1949-50, com a ajuda da CIA – para reunir intelectuais anticomunistas e opor alguma resistência à avassaladora ofensiva cultural soviética iniciada trinta anos antes. Não é preciso dizer o quanto a existência de uma prestigiosa esquerda anticomunista incomodava o establishment soviético. A política de “coexistência pacífica” inaugurada por Nikita Kruschev teve como uma de suas principais finalidades reintegrar na estratégia comunista o exército de desgarrados. O sucesso da operação foi completo. Já nos anos 70, conforme o escritor Vladimir Bukovski viria a descobrir nos Arquivos de Moscou, praticamente toda a mídia socialdemocrata da Europa era subsidiada e controlada pela KGB (v. Jugement à Moscou. Un Dissident dans les Archives du Kremlin, Paris, Robert Laffont, 1995). Nos EUA, infiltrado e dominado por agentes camuflados ou declarados da esquerda revolucionária, o Partido Democrata, que até a década de 60 funcionara como o abrigo ideal dos esquerdistas anti-soviéticos, foi indo cada vez mais para a esquerda, até assumir a bandeira do anti-americanismo mais radical e intolerante. A bibliografia que documenta essa transformação é abundante, não havendo desculpa decente para os autoproclamados especialistas em política internacional ignorarem o fenômeno, como os nossos o ignoram em massa. Vejam, por exemplo, David Horowitz and Richard Poe, The Shadow Party, How George Soros, Hillary
Clinton and the Sixties Radicals Seized Control of the Democratic Party, Nashville, TN, Nelson Current, 2006; James Piereson, Camelot and the Cultural Revolution: How the Assassination of John F. Kennedy Shattered American Liberalism, New York, Encounter Books, 2007; Phil Kent, Foundations of Betrayal. How the Liberal Super-Rich Undermine America, Johnson City, TN, Zoe Publications, 2007. A transfiguração da esquerda moderada americana em agente da esquerda radical culmina na presidência Obama, que protege ostensivamente organizações terroristas e criminaliza qualquer resistência conservadora, ao mesmo tempo que continua a ostentar os sinais convencionais do progressismo democrático (v. http://truth11.wordpress.com/2009/04/22/former-presidential-candidate-alankeyes-has-given-perhaps-his-most-dire-warning-yet-saying-that-the-obamaadministration-is-preparing-to-stage-terror-attacks-declare-martial-law-andcancel-the-2012/, http://www.onenewsnow.com/Politics/Default.aspx? id=494798, http://www.onenewsnow.com/Politics/Default.aspx?id=490720 e http://www.worldnetdaily.com/index.php?pageId=). Na América Latina, a encarnação mesma da “esquerda moderada”, o Partido dos Trabalhadores, é discretamente o coordenador do Foro de São Paulo, isto é, o estrategista máximo da violência revolucionária no continente. Em suma, a esquerda democrática, civilizada, concorrente leal dos conservadores, já não existe mais como força política independente. Financiando e acobertando movimentos terroristas e subversivos por toda parte, e impondo sob outros nomes as mesmas políticas que seriam rejeitadas pela população se apresentadas com o rótulo de comunistas, a “esquerda moderada” é um inimigo ainda mais perigoso dos conservadores do que poderiam sê-lo os próprios comunistas de carteirinha, os quais sem ela não teriam poder nenhum. A diferença entre as duas esquerdas é que uma quer alternar-se no poder com os conservadores, segundo o rodízio democrático normal, enquanto a outra não se contenta em vencer esses adversários nas eleições, mas busca destrui-los completamente, marginalizá-los, criminalizá-los, expeli-los para sempre não só da política mas da vida social, quando não da existência física. Outra diferença é que a segunda é a única que existe na realidade; a outra, só na imaginação residual da direita.
Se a esquerda ainda se prevalece da bela imagem de moderação democrática criada nos campos de batalha da Espanha, é somente para ludibriar seus inimigos. Mas que estes continuem acreditando na existência dela, e imaginem combater adversários leais quando na verdade se defrontam com revolucionários e assassinos, é algo que decorre de uma imperdoável covardia intelectual e moral, suicida como todas as covardias.
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Quem é filósofo e quem não é Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 7 de maio de 2009 À medida que se espalha a consciência da debacle total das nossas universidades públicas e privadas, cresce o número de brasileiros que, valentemente, buscam estudar em casa e adquirir por esforço próprio aquilo que já compraram de um governo ladrão – ou de ladrões empresários de ensino – e jamais receberam. Quase dez anos atrás a Fundação Odebrecht – no mais, uma instituição admirável – me perguntou o que eu achava de uma campanha para cobrar do governo um ensino de melhor qualidade. Respondi que era inútil. De vigaristas nada se pede nem se exige. O melhor a fazer com o sistema de ensino era ignorá-lo. Se queriam prestar ao público um bom serviço, acrescentei, que tratassem de ajudar os autodidatas, aquela parcela heróica da nossa população que, de Machado de Assis a Mário Ferreira dos Santos, criou o melhor da nossa cultura superior. O meio de ajudá-los era colocar ao seu alcance os recursos essenciais para a auto-educação, que é, no fim das contas, a única educação que existe. Cheguei a conceber, para
isso, uma coleção de livros e DVDs que davam, para cada domínio especializado do conhecimento, não só os elementos introdutórios indispensáveis, mas as fontes para o prosseguimento dos estudos até um nível que superava de muito o que qualquer universidade brasileira poderia não só oferecer, mas até mesmo imaginar. Minha sugestão foi gentilmente engavetada, e, com ou sem campanha de cobrança, o ensino nacional continuou declinando até tornar-se aquilo que é hoje: abuso intelectual de menores, exploração da boa-fé popular, crime organizado ou desorganizado. Na mesma medida, o número de cartas desesperadas que me chegam pedindo ajuda pedagógica multiplicou-se por dez, por cem e por mil, transcendendo minha capacidade de resposta, forçando-me a inventar coisas como o programa True Outspeak, o Seminário de Filosofia Online e outros projetos em andamento. E ainda não dou conta da demanda. As cartas continuam vindo, e o pedido que mais se repete é o de uma bibliografia filosófica essencial. É pedido impossível. O primeiro passo nessa ordem de estudos não é receber uma lista de livros, mas formá-la por iniciativa própria, na base de tentativa e erro, até que o estudante desenvolva uma espécie de instinto seletivo capaz de orientá-lo no labirinto das bibliotecas filosóficas. O que posso fazer, isto sim, é fornecer um critério básico para você aprender a discernir à primeira vista, entre os autores que falam em nome da filosofia, quais merecem atenção e quais seria melhor esquecer. Tive a sorte de adquirir esse critério pelo exemplo vivo do meu professor, Pe. Stanislavs Ladusãns. Quando ele atacava um novo problema filosófico – novo para os alunos, não para ele –, a primeira coisa que fazia era analisá-lo segundo os métodos e pontos de vista dos filósofos que tinham tratado do assunto, em ordem cronológica, incorporando o espírito de cada um e falando como se fosse um discípulo fiel, sem contestar ou criticar nada. Feito isso com duas dúzias de filósofos, as contradições e dificuldades apareciam por si mesmas, sem a menor intenção polêmica. Em seguida ele colocava em ordem essas dificuldades, analisando cada uma e por fim articulando, com os elementos mais sólidos fornecidos pelos vários pensadores estudados, a solução que lhe parecia a melhor. A coisa era uma delícia, para dizer o mínimo. Num relance, compreendíamos o sentido vivo daquilo que Aristóteles pretendera ao afirmar que o exame dialético tem de começar pelo recenseamento das “opiniões dos sábios” e tentar articular
esse material como se fosse uma teoria única. Cada filósofo tem de pensar com as cabeças de seus antecessores, para poder compreender o status quaestionis – o estado em que a questão chegou a ele. Fora disso, toda discussão é puro abstratismo bocó, opinionismo gratuito, amadorismo presunçoso. A conclusão imediata era a seguinte: a filosofia é uma tradição e a filosofia é uma técnica. Chega-se ao domíno da técnica pela absorção ativa da tradição e absorvese a tradição praticando a técnica segundo as várias etapas do seu desenvolvimento histórico. Note-se a imensa diferença que existe entre adquirir pura informação, por mais erudita que seja, sobre as idéias de um filósofo, e levá-las à prática fielmente, como se fossem nossas, no exame de problemas pelos quais sentimos um interesse genuíno e urgente. A primeira alternativa mata os filósofos e os enterra num sepulcro elegante. A segunda os revive e os incorpora à nossa consciência como se fossem papéis que representamos pessoalmente no grande teatro do conhecimento. É a diferença entre museologia e tradição. Num museu pode-se conservar muitas peças estranhas, relíquias de um passado incompreensível. Tradição vem do latim traditio, que significa “trazer”, “entregar”. Tradição significa tornar o passado presente através da revivescência das experiências interiores que lhe deram sentido. A tradição filosófica é a história das lutas pela claridade do conhecimento, mas como o conhecimento é intrinsecamente temporal e histórico, não se pode avançar nessa luta senão revivenciando as batalhas anteriores e trazendo-as para os conflitos da atualidade. Muitas pessoas, levadas por um amor exagerado à sua independência de opiniões (como se qualquer porcaria saída das suas cabeças fosse um tesouro), têm medo de deixar-se influenciar pelos filósofos, e começam a discutir com eles desde a primeira linha, isto quando já não entram na leitura armadas de uma impenetrável carapaça de prevenções. Com o Pe. Ladusãns aprendíamos que, no conjunto, as influências se melhoram umas às outras e até as más se tornam boas. Incorporadas à rede dialética, mesmo as cretinices filosóficas mais imperdoáveis em aparência acabam se revelando úteis, como erros naturais que a inteligência tem de percorrer se quer chegar a uma verdade densa, viva, e não apenas acertar a esmo generalidades vazias.
Algumas regras práticas decorrem dessas observações: 1. Quando você se defrontar com um filósofo, em pessoa ou por escrito, verifique se ele se sente à vontade para raciocinar junto com os filósofos do passado, mesmo aqueles dos quais “discorda”. A flexibilidade para incorporar mentalmente os capítulos anteriores da evolução filosófica é a marca do filósofo genuíno, herdeiro de Sócrates, Platão e Aristóteles. Quem não tem isso, mesmo que emita aqui e ali uma opinião valiosa, não é um membro do grêmio: é um amador, na melhor das hipóteses um palpiteiro de talento. Muitos se deixam aprisionar nesse estado atrofiado da inteligência por preguiça de estudar. Outros, porque na juventude aderiram a tal ou qual corrente de pensamento e se tornaram incapazes de absorver em profundidade todas as outras, até o ponto em que já nada podem compreender nem mesmo da sua própria. Uma dessas doenças, ou ambas, eis tudo o que você pode adquirir numa universidade brasileira. 2. Não estude filosofia por autores, mas por problemas. Escolha os problemas que verdadeiramente lhe interessam, que lhe parecem vitais para a sua orientação na vida, e vasculhe os dicionários e guias bibliográficos de filosofia em busca dos textos clássicos que trataram do assunto. A formulação do problema vai mudar muitas vezes no curso da pesquisa, mas isso é bom. Quando tiver selecionado uma quantidade razoável de textos pertinentes, leia-os em ordem cronológica, buscando reconstituir mentalmente a história das discussões a respeito. Se houver lacunas, volte à pesquisa e acrescente novos títulos à sua lista, até compor um desenvolvimento histórico suficientemente contínuo. Depois classifique as várias opiniões segundo seus pontos de concordância e discordância, procurando sempre averiguar onde uma discordância aparente esconde um acordo profundo quanto às categorias essenciais em discussão. Feito isso, monte tudo de novo, já não em ordem histórica, mas lógica, como se fosse uma hipótese filosófica única, ainda que insatisfatória e repleta de contradições internas. Então você estará equipado para examinar o problema tal como ele aparece na sua experiência pessoal e, confrontando-o com o legado da tradição, dar, se possível, sua própria contribuição original ao debate. É assim que se faz, é assim que se estuda filosofia. O mais é amadorismo, beletrismo, propaganda política, vaidade organizada, exploração do consumidor ou gasto ilícito de verbas públicas.
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O capitalismo anticapitalista Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 13 de maio de 2009 Quando digo que a democracia capitalista dificilmente pode sobreviver sem uma cultura de valores tradicionais, muitos liberais brasileiros, loucos por economia e devotos da onipotência mágica do mercado, fazem aquela expressão de horror, de escândalo, como se estivessem diante de uma heresia, de uma aberração intolerável, de um pensamento iníquo e mórbido que jamais deveria ocorrer a um membro normal da espécie humana. Com isso, só demonstram que ignoram tudo e mais alguma coisa do pensamento econômico capitalista. Aquela minha modesta opinião, na verdade, não é minha. Apenas reflete e atualiza preocupações que já atormentam os grandes teóricos do capitalismo desde o começo do século XX. Um dos primeiros a enunciá-la foi Hillaire Belloc, no seu livro memorável de 1913, The Servile State, reeditado em 1992 pelo Liberty Fund. A tese de Belloc é simples e os fatos não cessam de comprová-la: destravada de controles morais, culturais e religiosos, erigida em dimensão autônoma e suprema da existência, a economia de mercado se destrói a si mesma, entrando em simbiose com o poder político e acabando por transformar o trabalho livre em trabalho servil, a propriedade privada em concessão provisória de um Estado voraz e controlador.
Rastreando as origens do processo, Belloc notava que, desde o assalto dos Tudors aos bens da Igreja, cada novo ataque à religião vinha acompanhado de mais uma onda de atentados estatais contra a propriedade privada e o trabalho livre. Na época em que ele escrevia The Servile State, as duas fórmulas econômicas de maior sucesso encarnavam essa evolução temível cujo passo seguinte viria a ser a I Guerra Mundial. Quem mais compactamente exprimiu a raiz do conflito foi Henri Massis (que parece jamais ter lido Belloc). Em Défense de l’Occident (1926), ele observava que, numa Europa desespiritualizada, todo o espaço mental disponível fôra ocupado pelo conflito “entre o estatismo ou socialismo prussiano e o antiestatismo ou capitalismo inglês”. O capitalismo venceu a Alemanha no campo militar, mas a longo prazo foi derrotado pelas idéias alemãs, curvando-se cada vez mais às exigências do estatismo, principalmente na guerra seguinte, quando, para enfrentar o socialismo nacional de Hitler, teve de ceder tudo ao socialismo internacional de Stálin. Défense de l’Occident é hoje um livro esquecido, coberto de calúnias por charlatães como Arnold Hauser – que chega ao absurdo de catalogar o autor entre os protofascistas –, mas seu diagnóstico das origens da I Guerra continua imbatível, tendo recebido ampla confirmação pelo mais brilhante historiador vivo dos dias atuais, Modris Eksteins, em Rites of Spring: The Great War and the Birth of the Modern Age, publicado em 1990 pela Doubleday (nem comento o acerto profético das advertências de Massis quanto à invasão oriental da Europa, do qual tratarei num artigo próximo). Segundo Eksteins, a Alemanha do Kaiser, fundada numa economia altamente estatizada e burocrática, encarnava a rebelião modernista contra a estabilidade da democracia parlamentar anglo-francesa baseada no livre mercado. Esta só saiu vitoriosa em aparência: a guerra em si, por cima dos vencedores e perdedores, fez em cacos a ordem européia e varreu do mapa os últimos vestígios da cultura tradicional que subsistiam no quadro liberalcapitalista. Outro que entendeu perfeitamente o conflito entre a economia de mercado e a cultura sem espírito que ela mesma acabou por fomentar cada vez mais depois da I Guerra foi Joseph Schumpeter. O capitalismo, dizia ele em Capitalism, Socialism and Democracy (1942), seria destruído, mas não pelos proletários, como profetizara Marx, e sim pelos próprios capitalistas: insensibilizados para os valores
tradicionais, eles acabariam se deixando seduzir pelos encantos do estatismo protetor, irmão siamês da nova mentalidade modernista e materialista. Que na era Roosevelt e na década de 50 a proposta estatista fosse personificada por John Maynard Keynes, um requintado bon vivant homossexual e protetor de espiões comunistas, não deixa de ser um símbolo eloqüente da união indissolúvel entre o antiliberalismo em economia e o antitradicionalismo em tudo o mais. Nos EUA dos anos 60, essa união tornou-se patente na “contracultura” das massas juvenis que substituíram a velha ética protestante de trabalho, moderação e poupança pelo culto dos prazeres – pomposamente camuflado sob o pretexto de libertação espiritual –, investindo ao mesmo tempo, com violência inaudita, contra o capitalismo que lhes fornecia esses prazeres e contra a democracia americana que lhes assegurava o direito de desfrutá-los como jamais poderiam fazer na sua querida Cuba, no seu idolatrado Vietnã do Norte. Mas o reino do mercado é o reino da moda: quando a moda se torna anticapitalista, a única idéia que ocorre aos capitalistas é ganhar dinheiro vendendo anticapitalismo. A indústria cultural americana, que no último meio século cresceu provavelmente mais que qualquer outro ramo da economia, é hoje uma central de propaganda comunista mais virulenta que a KGB dos tempos da Guerra Fria. A desculpa moral, aí, é que a força do progresso econômico acabará por absorver os enragés, esvaziando-os pouco a pouco de toda presunção ideológica e transfigurando-os em pacatos burgueses. O hedonismo individualista e consumista que veio a dominar a cultura americana a partir dos anos 70 é o resultado dessa alquimia desastrada; tanto mais desastrada porque o próprio consumismo, em vez de produzir burgueses acomodados, é uma potente alavanca da mudança revolucionária, visceralmente estatista e anticapitalista: uma geração de individualistas vorazes, de sanguessugas carregadinhos de direitos e insensíveis ao apelo de qualquer dever moral não é uma garantia de paz e ordem, mas um barril de pólvora pronto a explodir numa irrupção caótica de exigências impossíveis. Em 1976 o sociólogo Daniel Bell já se perguntava, em The Cultural Contradictions of Capitalism, quanto tempo poderia sobreviver uma economia capitalista fundada numa cultura louca que odiava o capitalismo ao ponto de cobrar dele a realização de todos os desejos, de todos os sonhos, de todos os caprichos, e, ao mesmo tempo, acusá-lo de todos os crimes e iniqüidades. A resposta veio em 2008 com a crise bancária, resultado do cinismo organizado dos Alinskys e Obamas que conscientemente, friamente, se propunham
drenar até ao esgotamento os recursos do sistema, fomentando sob a proteção do Estado-babá as ambições mais impossíveis, as promessas mais irrealizáveis, os gastos mais estapafúrdios, para depois lançar a culpa do desastre sobre o próprio sistema e propor como remédio mais gastos, mais proteção estatal, mais anticapitalismo e mais ódio à nação americana. Em 1913, as previsões de Hillaire Belloc ainda poderiam parecer prematuras. Era lícito duvidar delas, porque se baseavam em tendências virtuais e nebulosas. Diante do fato consumado em escala mundial, a recusa de enxergar a fraqueza de um capitalismo deixado a si mesmo, sem as defesas da cultura tradicional, torna-se uma obstinação criminosa.
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O governo invisível Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 17 e 18 de maio de 2009 Um dia, discutindo com oficiais de alta patente no Clube Militar do Rio de Janeiro, perguntei a um deles, homem com experiência em serviços de inteligência, se havia lido algum documento de fonte primária sobre o tópico em discussão. Não, não havia. Livros especializados? Também não. Estudos publicados em revistas acadêmicas? Também não. Relatórios de serviços de inteligência? Também não. “Então, de onde raios você tira as suas informações?”, perguntei. E ele, com a cara mais bisonha do mundo: "Dos jornais."
Foi nesse instante que, com um arrepio na espinha, senti a catástrofe mental brasileira em toda a sua extensão. Quando comecei a trabalhar no jornalismo, todos ali sabíamos que o produto do nosso trabalho eram superficialidades para consumo popular. Quando entrevistávamos um estudioso, esperávamos sempre que ele tivesse fontes de informação melhores que as nossas. De repente, eu me via na situação terrivelmente incongruente de conversar com um especialista que só tinha a dizer aos repórteres aquilo que eles mesmos lhe haviam contado. O país dirigido por uma classe pensante nutrida tão somente dessa ração intelectual só podia mesmo ir para o buraco. O pior era que, no vácuo de fontes mais substanciosas, a mídia crescera em prestígio na razão inversa da sua audiência: jornais que no último dia do milênio vendiam menos que na década de 50 haviam se tornado, no ambiente de ignorância geral, os proprietários quase monopolísticos do dom da credibilidade, incumbidos de separar realidade e fantasia ante os olhos de um cândido mundo. Sei que esse processo, nos EUA, está longe de ter alcançado a compacta densidade das trevas brasileiras. No entanto, a velocidade que ele ganhou na última eleição justifica o temor de que, em breve, as classes falantes americanas também estarão tateando no escuro, sem exigir claridade por já não imaginarem que raio de coisa é isso. Durante a campanha, a ocupação mais intensa da mídia americana foi uma sucessão de acrobacias admiráveis destinadas a fazer de Barack Obama o homem mais visível do mundo e proibir, ao mesmo tempo, qualquer investigação séria de sua biografia. Toda tentativa, por mais tímida e modesta, de desencavar dos arquivos a certidão de nascimento, os registros médicos, o histórico escolar e quaisquer daqueles documentos que todo candidato em campanha exibe normalmente, foi unanimemente condenada pelos maiores jornais e noticiários de TV como um delituoso extremismo de direita. Transcendendo a mera autocensura, a classe jornalística em peso impôs a mordaça ao resto da sociedade. Mas isso não é nada em comparação com o que vem acontecendo desde que a misteriosa criatura foi juramentada como presidente de superpotência. Tendo prometido uma era de transparência e sinceridade jamais vista na história, o que Obama inaugurou foi um governo secreto, não no sentido usual das ocultações conspiratórias, mas num sentido absolutamente novo e inédito: o que se oculta do
público não são ações ilícitas cometidas na calada da noite – são os próprios atos oficiais do governo. Se não houvesse internet, nem agências independentes, nem fontes primárias, nem o Freedom of Information Act, as decisões mais importantes da administração Obama nos últimos três meses teriam permanecido absolutamente confidenciais, invisíveis como um conluio de anarquistas famintos num porão miserável. Quando não foram totalmente omitidas pela grande mídia, foram noticiadas com discrição anestésica própria a torná-las ainda mais insensíveis do que poderia fazê-lo o silêncio total. Ou então foram relatadas sem o mínimo quadro comparativo capaz de elucidar seu alcance e seu significado. Como aquilo que chega aos jornais brasileiros é um recorte diminutivo do que sai na mídia americana, a ignorância dos nossos compatriotas quanto ao que se passa nos EUA só encontra comparação nas concepções astronômicas das minhocas e protozoários. Dizer que os brasileiros estão por fora é eufemismo. Graças aos bons préstimos da Folha, do Estadão, do Globo e outras entidades sublimes, os EUA que existem na imaginação dos nossos patrícios se parecem tanto com a realidade quanto um picolé de limão se parece com uma equação de segundo grau. Estamos no reino da heterogeneidade absoluta, irredutível à linguagem humana. Os fatos que vou resumir neste artigo e em artigos subseqüentes não só estão fora da nossa mídia – pelo menos se considerados na sua devida perspectiva –, mas estão fora da imaginação da nossa classe jornalística. Ao publicá-los, o Diário do Comércio cumpre sozinho a tarefa da mídia inteira: 1. Tão logo soube da morte de civis afegãos em bombardeio ocorrido em Farah em 3 de maio, a Secretária de Estado Hillary Clinton apressou-se em pedir desculpas, puxando portanto a responsabilidade do crime sobre o seu próprio país. No dia seguinte, revelou-se que o Taliban havia lançado granadas contra a população, de modo a culpar os americanos pelas mortes que ele mesmo provocara. O segundo fato foi noticiado sem nenhuma referência ao primeiro, e os repórteres abstiveramse gentilmente de perguntar à secretária de Estado se mantinha o seu despropositado pedido de desculpas. Foi como se estas se referissem a um episódio totalmente diferente. 2. Em 5 de abril, em visita a Praga, horas depois do lançamento do míssil Taepodong-2 pela Coréia do Norte, Obama, diante de uma platéia de 20 mil tchecos, fez a promessa mais absurda, irrealizável e suicida que um presidente
americano já fez: anunciou que vai acabar com o arsenal nuclear dos Estados Unidos unilateralmente. Qualquer de seus antecessores que dissesse isso seria imediatamente torrado e moído pela mídia inteira e acusado de crime de traição. A enormidade obâmica foi noticiada com discrição blasée pelo Washington Post de 6 de abril. 3. Nenhum jornal ou noticiário de TV deu o menor sinal de perceber alguma coisa de ofensivo quando Hugo Chávez, na Cúpula das Américas em Trinidad-Tobago, deu a Obama um exemplar de "As veias abertas da América Latina", de Eduardo Galeano, um dos livros mais virulentamente antiamericanos já publicados no planeta. Como a maioria do eleitorado americano não tem a menor idéia de quem é Eduardo Galeano, tudo se passou como se o presente fosse uma amabilidade e não um tapa na cara como efetivamente foi. Obama engoliu o sapo com a gentileza sorridente de quem acreditasse, como de fato ele acredita, que ofensas ao seu país não o atingem. No mesmo evento e com o mesmo cavalheirismo, ouviu cinqüenta minutos de pregação antiamericana do nicaragüense Daniel Ortega e voltou para casa seguro de que ninguém na mídia lhe faria nenhuma cobrança por isso, como de fato ninguém fez. 4. Pela primeira vez na história americana, um presidente promete ajuda a todos os regimes totalitários e genocidas do mundo sem lhes fazer a mais mínima exigência no que diz respeito a direitos humanos. O resultado é que, em países como o Irã ou a Coréia do Norte, Obama é amado enquanto seu país é odiado. Embora isso fosse demonstrado por conclusivas pesquisas de opinião, ninguém na grande mídia deu sinal de perceber que o presidente está se promovendo entre povos inimigos às custas do prestígio nacional. 5. Ao revelar os memorandos secretos da CIA sobre o uso de técnicas drásticas de interrogatório, ameaçando processar o governo anterior por crimes contra os direitos humanos, a Casa Branca omitiu-se de informar que essas técnicas tinham sido adotadas com pleno conhecimento e apoio das lideranças do próprio partido governante. Se Dick Cheney, retirado da política, não tivesse ido à televisão por sua própria conta para contar isso, ninguém saberia de nada até agora, porque o "jornalismo investigativo" da grande mídia realmente não se interessa por essas coisas.
6. Após anunciar gastos públicos da ordem de 3,4 trilhões de dólares, que o próprio Federal Reserve confessa não saber nem como contabilizar, Obama teve a indescritível cara de pau de ordenar um corte de 17 bilhões de dólares, meio por cento do total, e ainda alardear, com a aparente anuência da classe jornalística, que isso inaugurava "uma nova era de austeridade" nos gastos públicos. A desproporção passaria despercebida se não existisse mídia alternativa para mostrála. 7. Os cortes foram, na sua quase totalidade, efetuados sobre o orçamento da defesa – acontecimento inédito num país em guerra –, desfalcando as Forças Armadas e debilitando a polícia de fronteira num momento em que reconhecidamente a invasão de ilegais é o maior problema de segurança dos Estados Unidos. Em compensação, verbas faraônicas têm chovido sobre as entidades que apoiaram Obama durante a campanha, especialmente a Acorn, premiada com 4 bilhões de dólares por seus serviços eleitorais, inclusive a distribuição de títulos de eleitor falsos (a liderança democrata já anunciou que não tem nenhuma vontade de investigar o assunto). O caso – o mais óbvio exemplo de medida antipatriótica aliada a favorecimento ilícito que já se viu nas últimas décadas – foi noticiado pela grande mídia com tal comedimento que, até agora, nem mesmo as lideranças republicanas deram sinal de perceber aí algo de errado. 8. Na reestruturação da Chrysler e da GM, segundo os planos anunciados por Obama, o sindicato United Auto Workers assumirá o controle acionário da primeira e terá 39% das ações da segunda. Além de ter sido o principal responsável pela falência das duas empresas, o sindicato é um dos grandes contribuintes de fundos de campanha para o Partido Democrata. Como esses três fatos só aparecem separadamente – quando aparecem –, ninguém se dá conta do crime. 9. Tendo prometido acabar com a "cultura dos earmarks" (verbas politiqueiras destinadas a agradar eleitorados locais), Obama sancionou uma lei de orçamento que tinha mais de 9 mil earmarks – um recorde que a imprensa, gentilmente, se omitiu de assinalar. Tendo prometido, ademais, que nenhuma lei seria aprovada pelo seu governo sem ficar disponível para consulta pública no site da Casa Branca por pelo menos cinco dias, Obama assinou as leis de orçamento e "estímulo" sem que o respectivo calhamaço de mais de mil páginas tivesse sido exposto naquele site nem mesmo por um segundo. A mídia não reparou no detalhe.
10. Terça-feira passada, Obama nomeou Arturo Valenzuela chefe do setor latinoamericano do Departamento de Estado. Valenzuela é diretor da ONG La Raza. Seguindo o estilo entorpecente de seus modelos jornalísticos americanos, o UOL informa o distinto público que La Raza é "a principal organização de defesa de hispânicos nos Estados Unidos". La Raza não é nada disso: é uma organização separatista, empenhada em transferir para a soberania mexicana os estados da Flórida, do Texas e da Califórnia. Em artigos vindouros, darei mais exemplos de medidas drásticas, de conseqüências incalculáveis, que estão sendo adotadas pelo governo Obama com velocidade alucinante, todas elas obviamente prejudiciais à nação americana, e noticiadas de tal modo que nenhuma discussão suscitem, isto quando não passam totalmente despercebidas, soterradas sob páginas e páginas de futilidades sobre os vestidos da sra. Obama, o cãozinho da família ou o tempero do sanduíche comido pelo presidente numa loja de fast-food, coisas que antigamente ficavam para os tablóides de fofocas vendidos nos supermercados, e que agora são matéria de amorosa atenção pelo Washington Post e pelo New York Times. A América, sem sombra de dúvida, brasilianiza-se.
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A liberdade como serva da tirania Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 25 de maio de 2009 Há pelo menos quarenta anos o debate político neste país gira em torno da escolha entre livre mercado e intervencionismo estatal, identificados respectivamente com
a “direita” e a “esquerda” e incumbidos de definir automaticamente, a partir dessa base econômica, as demais alternativas humanas em todos os campos da cultura, da legislação, da moralidade, etc. Quando alguém se define como “liberal”, é portanto automaticamente classificado entre os direitistas, conservadores e reacionários, tornando-se, em contrapartida, socialista, progressista e revolucionário tão logo mude para o campo do intervencionismo estatal. Os ícones das facções respectivas são Roberto Campos e Celso Furtado. Quando outros fatores – de ordem moral, cultural, geopolítica ou militar – intervêm na disputa, complicando o quadro e privando o distinto público dos confortos do esquematismo primário, a única reação do cérebro nacional é tentar recuperar às pressas seu estado de equilíbrio homeostático mediante a proclamação de que a esquerda e a direita não existem mais, de que o mundo entrou numa fase de unanimismo paradisíaco e de que, em suma, não há mais nada a discutir, exceto os nomes destinados a preencher os cargos na hierarquia da paz universal. Passando, assim, de um esquematismo bocó a outro mais bocó ainda, acreditam ter superado todo conflito ideológico e ascendido às alturas de um pragmatismo sublime, onde, extintas as paixões baixas, reina soberana a razão tecnocientífica, nada mais importando senão o cálculo objetivo de custos e benefícios. Infelizmente, tudo isso são ilusões autolisonjeiras, destinadas a resguardar a mente humana de um confronto com as dolorosas complexidades do mundo real. Desde logo, a escolha entre livre mercado e intervencionismo é uma coisa quando encarada como alternativa teórica, como modelo abstrato de sociedade ideal, e outra coisa completamente diversa quando inserida no quadro histórico e geopolítico concreto. A bandeira da liberdade econômica foi erguida, primeiro, contra os despotismos monárquicos. Naquela época ela se identificava com as forças da revolução. Um liberal estava mais próximo de um socialista que de um monarquista ultramontano. Mais tarde, com a ascensão dos totalitarismos estatistas russo e alemão, a liberdade de mercado tornou-se “reacionária”. Contra a ameaça socialista, os liberais davam agora a mão a seus inimigos de outrora, monarquistas e conservadores cristãos. Esta segunda forma adquirida pelo debate ideológico, que é aquela na qual ainda se baseia a distinção usual brasileira entre direita e esquerda, já foi de há muito absorvida e transcendida por uma terceira
equação. O livre mercado tornou-se o pretexto com que as forças globalistas interessadas na construção de um governo mundial controlador e despótico vão minando as soberanias nacionais e induzindo povos inteiros a abdicar de todas as demais liberdades em troca do simples poder de comprar e vender. O argumento de que a liberdade econômica traz consigo todas as demais liberdades é aí usado como pretexto para produzir o resultado oposto: suprimir todas as liberdades exceto uma. Concomitantemente, essas mesmas forças globalistas dão apoio bilionário a todas as organizações esquerdistas e revolucionárias do mundo, para jogá-las contra os Estados nacionais, daí resultando que muitos adeptos do livre mercado, imaginando-se embora homens da “direita”, acabem se juntando à rebelião esquerdista contra os tradicionalismos morais e culturais, que para uns são obstáculos à revolução, para outros, entraves ao livre mercado. Unidos pelo apego a velhos estereótipos deslocados da situação presente, ambos não percebem que, em sua luta contra o Estado nacional, que uns odeiam como reacionário e os outros como intervencionista, só contribuem para que, sobre as ruínas de tantos Leviatãs menores, se erga o Grande Leviatã do Estado mundial. O conflito ideológico não terminou. Apenas complicou-se formidavelmente. A luta entre a liberdade e a tirania assumiu novo formato, no qual os engenheiros da tirania, jogando com os símbolos convencionais do debate político, conseguiram colocar a seu serviço até mesmo os adeptos da liberdade.
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Ainda os filósofos Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 27 de maio de 2009
Expressar a experiência real em palavras é um desafio temível até para grandes escritores. Tão séria é essa dificuldade que para vencê-la foi preciso inventar toda uma gama de gêneros literários, dos quais cada um suprime partes da experiência para realçar as partes restantes. Se, por exemplo, você é Balzac ou Dostoiévski, você encadeia os fatos em ordem narrativa, mas, para que a narrativa seja legível, tem de abdicar dos recursos poéticos que permitiriam expressar toda a riqueza e confusão dos sentimentos envolvidos. Se, em contrapartida, você é Arthur Rimbaud ou Giuseppe Ungaretti, pode comprimir essa riqueza nuns poucos versos, mas eles não terão a inteligibilidade imediata da narrativa. Essas observações bastam para mostrar que as idéias e crenças surgidas nas discussões públicas e privadas raramente se formam da experiência, pelo menos da experiência pessoal direta. Elas vêm de esquemas verbais prontos, recebidos do ambiente cultural, e formam, em cima da experiência pessoal, um condensado de frases feitas bastante desligado da vida. Se vocês lerem com atenção os diálogos socráticos, verão que a principal ocupação do fundador da tradição filosófica ocidental era dissolver esses compactados verbais, forçando seus interlocutores a raciocinar desde a experiência real, isto é, a falar daquilo que conheciam em vez de repetir o que tinham ouvido dizer. O problema é que, se você repete uma ou duas vezes aquilo que ouviu dizer, não apenas você passa a considerá-lo seu, mas se identifica e se apega àquele fetiche verbal como se fosse um tesouro, uma tábua de salvação ou o símbolo sacrossanto de uma verdade divina. Para piorar as coisas, as frases feitas vêm muito bem feitas, em linguagem culta e prestigiosa, ao passo que a experiência pessoal, pelas dificuldades acima apontadas, mal consegue se expressar num tatibitate grosseiro e pueril. Há nisso um motivo dos mais sérios para que as pessoas prefiram antes falar elegantemente do que ignoram do que expor-se ao vexame de dizer com palavras ingênuas aquilo que sabem. Um dos resultados dessa hipocrisia quase obrigatória é que, de tanto alimentar-se de símbolos verbais sem substância de vida, a inteligência acaba por descrer de si mesma em segredo ou mesmo por proclamar abertamente a impossibilidade de conhecer a verdade. Como essa impossibilidade, por sua vez, é também um símbolo prestigioso nos dias que correm, ela serve de último e invencível pretexto para a fuga à única atividade mental frutífera, que é a busca da verdade na experiência real.
A própria palavra “experiência” já costuma vir carregada de uma nuance enganosa, pois se refere em geral a “fatos científicos” recortados a partir de métodos convencionais, que encobrem e acabam por substituir a experiência pessoal direta. Nessas condições, a discussão pública ou privada torna-se uma troca de estereótipos nos quais, no fundo, nenhum dos participantes acredita. É esse o sentido da expressão popular “conversa fiada”: o falante compra fiado a atenção dos outros – ou a sua própria – e não paga com palavras substantivas o tempo despendido. (Sempre achei uma injustiça que as leis punissem os delitos pecuniários, mas não o roubo de tempo. O dinheiro perdido pode-se ganhar de novo – o tempo, jamais.) De Sócrates até hoje, a filosofia desenvolveu uma infinidade de técnicas para furar o balão da conversa estereotipada e trazer os dialogantes de volta à realidade. Zu den Sachen selbst – “ir às coisas mesmas” –, a divisa do grande Edmund Husserl, permanece a mensagem mais urgente da filosofia depois de vinte e quatro séculos. Ninguém mais que o próprio Husserl esteve consciente dos obstáculos lingüísticos e psicológicos que se opunham à realização do seu apelo. Todo o vocabulário técnico da filosofia – e o de Husserl é dos mais pesados – não se destina senão a abrir um caminho de volta desde as ilusões da classe letrada até à experiência efetiva. A conquista desse vocabulário pode ser ela própria uma dificuldade temível, mas decerto não tão temível quanto os riscos de ficar discutindo palavras vazias enquanto o mundo desaba à nossa volta. Ao incorporar-se à cultura ambiente como atividade academicamente respeitável, a própria filosofia tende a perder sua força originária de atividade esclarecedora e a tornar-se mais uma pedra no muro de artificialismos que se ergue entre pensamento e realidade.
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A direita que a esquerda quer Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 1 de junho de 2009 Entre outros resultados interessantes que deixarei para comentar outro dia, o estudo dos cientistas políticos Timothy Power e César Zucco, publicado na Latin American Research Review sob o título "Estimating Ideology of Brazilian Legislative Parties, 1990-2005" (v. http://www.iuperj.br/site/czucco/czucco_files/paperlarr.pdf), mostra que, enquanto os parlamentares tidos por seus adversários como “de direita” evitam colocar-se sob esse rótulo, os de esquerda, centro-esquerda e centro se autodefinem até como mais esquerdistas do que a posição nominal dos seus partidos deixaria suspeitar. Esse fato não era desconhecido antes da pesquisa, mas adquire com ela uma certa visibilidade cientifica que tornará mais difícil, doravante, menosprezar-lhe a importância. As conclusões óbvias que ele impõe, e que os autores do estudo evitam declarar, já que elas transcendem os limites imediatos do que se propuseram investigar, são as seguintes: 1. A esquerda tem o domínio quase absoluto dos mecanismos culturais de estímulo e inibição vigentes nas altas esferas, demarcando a seu belprazer a fronteira entre a decência e a indecência, o orgulho e a vergonha, o mérito e a culpa. Os direitistas apressam-se em submeter-se a essa autoridade moral monopolística, não com passividade e indiferença, mas com uma verdadeira ânsia de ser aprovados por seus adversários. 2. Abdicando de todo critério moral próprio, a direita exclui-se, automaticamente, de qualquer possibilidade de combate na esfera cultural e psicológica, deixando o país à mercê da hegemonia gramsciana e limitando-se à disputa de cargos (o que implica ainda mais subserviência à facção dominante), ou então à discussão de miudezas econômico-administrativas sem nenhum alcance estratégico. O presidente da República disse uma verdade flagrante ao afirmar que os partidos de oposição não têm perspectiva de poder. Eu diria até que ele foi caridoso nesse
julgamento: aos partidos de direita não falta só a perspectiva de poder, falta até mesmo a compreensão elementar do que seja o poder, que eles confundem com “cargos”. Imaginar que, com cargos ou sem cargos, seja possível conquistar o poder abdicando da hegemonia, é coisa de uma ignorância tão patética que, mesmo entre os esquerdistas mais empedernidos, deve arrancar lágrimas de comiseração ante adversário tão despreparado e inerme. 3. Mais que definir as regras do jogo, a esquerda cria até mesmo a identidade do adversário, colocando na “direita” quem assim lhe interesse catalogar no momento, passando por cima dos protestos subjetivos do catalogado e ignorando com frieza de femme fatale os afagos e juras de amor com que ele tenta cavar um lugarzinho no grêmio das pessoas decentes, isto é, esquerdistas. 4. O rigor do critério de seleção para o ingresso no círculo dos bons é tão implacável, tão inflexível, que a honra suprema do esquerdismo é negada até a velhos, tarimbados e fiéis militantes de esquerda, tão logo eles cometam a imprudência de entrar num partido que a esquerda, conforme seus interesses do momento, tenha rotulado como de direita. Pela milésima ou enésima vez, a realidade dos fatos confirma a obviedade proibida: não há política de direita sem uma moral de direita, sem uma filosofia de direita, sem uma cultura de direita, isto é, sem tudo aquilo de que a nossa direita foge esbaforida, como se foge da peste.
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Jornalistas contra a aritmética
Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 5 de junho de 2009 Não há mentira completa. Até o mais ingênuo e instintivo dos mentirosos, ao compor suas invencionices, usa retalhos da realidade, mudando apenas as proporções e relações. Quanto mais não fará uso desse procedimento o fingidor tarimbado, técnico, profissional, como aqueles que superlotam as redações de jornais, canais de TV e agências de notícias. Mais ainda – é claro – os militantes e ongueiros a serviço de causas soi disant idealistas e humanitárias que legitimam a mentira como instrumento normal e meritório de luta política. Na maior parte dos casos, os elementos de comparação que permitiriam restituir aos fatos sua verdadeira medida são totalmente suprimidos, tornando impossível o exercício do juízo crítico e limitando a reação do leitor, na melhor das hipóteses, a uma dúvida genérica e abstrata, que, como todas as dúvidas, não destrói a mentira de todo mas deixa uma porta aberta para que ela passe como verdade. Um exemplo característico são as notícias sobre a tortura nas prisões de Guantánamo e Abu-Ghraib. Como em geral nada se noticia na “grande mídia” sobre as crueldades físicas monstruosas praticadas diariamente contra meros prisioneiros de consciência nos cárceres da China, da Coréia do Norte, de Cuba e dos países islâmicos, a impressão que resta na mente do público é que o afogamento simulado de terroristas é um caso máximo de crime hediondo. Mesmo quando não são totalmente ignorados, os fatos principais recuam para um fundo mais ou menos inconsciente, tornando-se nebulosos e irrelevantes em comparação com as picuinhas às quais se deseja dar ares de tragédia mundial. Só o que resta a fazer, nesses casos, é usar a internet e toda outra forma de mídia alternativa para realçar aquilo que a classe jornalística, empenhada em transformar o mundo em vez de retratá-lo, preferiu amortecer. Às vezes, porém, o profissional da mentira se trai, deixando à mostra os dados comparativos, apenas oferecidos sem ordem nem conexão, de tal modo que o público passe sobre eles sem perceber que dizem o contrário do que parecem dizer. Isso acontece sobretudo em notícias que envolvem números. Com freqüência, aí o texto já traz em si seu próprio desmentido, bastando que o leitor se lembre de fazer as contas.
Colho no Globo Online o exemplo mais lindo da semana (v. http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2009/05/20/relatorio-confirma-abuso-demilhares-de-criancas-por-parte-da-igreja-catolica-da-irlanda-755949622.asp, http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1161142-5602,00INQUERITO+DENUNCIA+ABUSO+SEXUAL+ENDEMICO+DE+MENINOS+NA +IRLANDA.html e http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL11614685602,00.html). Não digo que o Globo seja o único autor da façanha. Teve a colaboração de agências internacionais, de organizações militantes e de toda a indústria mundial dos bons sentimentos. Naquelas três notas, publicadas com o destaque esperado em tais circunstâncias, somos informados de que uma comissão de alto nível, presidida por um juiz da Suprema Corte da Irlanda, investigando exaustivamente os fatos, concluiu ser a Igreja Católica daquele país a culpada de nada menos de doze mil – sim, doze mil – casos de abusos cometidos contra crianças em instituições religiosas. A denúncia saiu num relatório de 2600 páginas. Legitimando com pressa obscena a veracidade das acusações em vez de assumir a defesa da acusada, que oficialmente ele representa, o cardeal-arcebispo da Irlanda, Sean Brady, já saiu pedindo desculpas e jurando que o relatório "documenta um catálogo vergonhoso de crueldade, abandono, abusos físicos, sexuais e emocionais". Depois dessa admissão de culpa, parece nada mais haver a discutir. Nada, exceto os números. O Globo fornece os seguintes: 1) A comissão disse ter obtido os dados entrevistando 1.090 homens e mulheres, já em idade avançada, que na infância teriam sofrido aqueles horrores. 2) Os casos ocorreram em aproximadamente 250 instituições católicas, do começo dos anos 30 até o final da década de 90. Se o leitor tiver a prudência de fazer os cálculos, concluirá imediatamente, da primeira informação, que cada vítima denunciou, além do seu próprio caso, outros onze, cujas vítimas não foram interrogadas, nem citadas nominalmente, e dos quais ninguém mais relatou coisíssima nenhuma. Do total de doze mil crimes, temos portanto onze mil crimes sem vítimas, conhecidos só por alusões de terceiros. Mesmo supondo-se que as 1.090 testemunhas dissessem a verdade quanto à sua própria experiência, teríamos no máximo um total de exatamente
1.090 crimes comprovados, ampliados para doze mil por extrapolação imaginativa, para mero efeito publicitário. O cardeal Sean Brady poderia ter ao menos alegado isso em defesa da sua Igreja, mas, alma cristianíssima, decerto não quis incorrer em semelhante extremismo de direita. Da segunda informação, decorre, pela aritmética elementar, que 1.090 casos ocorridos em 250 instituições correspondem a 4,36 casos por instituição. Distribuídos ao longo de sete décadas, são 0,06 casos por ano para cada instituição, isto é, um caso a cada dezesseis anos aproximadamente. Mesmo que todos esses casos fossem de pura pedofilia, nada aí se parece nem de longe com o “abuso sexual endêmico” denunciado pelo Globo. Porém a maior parte dos episódios relatados não tem nada a ver com abusos sexuais, limitando-se a castigos corporais que, mesmo na hipótese de severidade extrema, não constituem motivo de grave escândalo quando se sabe – e o próprio Globo o reconhece – que grande parte das crianças recolhidas àquelas instituições era constituída de delinqüentes. Se você comprime bandidos menores de idade num internato e a cada dezesseis anos um deles aparece surrado ou estuprado, a coisa é evidentemente deplorável, mas não há nela nada que se compare ao que aconteceu no Sudão, onde, no curso de um só ano, vinte crianças, não criminosas, mas inocentes, refugiadas de guerra, afirmaram ter sofrido abuso sexual nas mãos de funcionários da santíssima ONU, contra a qual o Globo jamais disse uma só palavra. Só o ódio cego à Igreja Católica explica que o sentido geral dado a uma notícia seja o contrário daquilo que afirmam os próprios dados numéricos nela publicados. Por isso, saiba o prezado leitor que só leio a “grande mídia” por obrigação profissional de analisá-la, como se analisam fezes num laboratório, e que jamais o faria se estivesse em busca de informação.
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Obama: a revolução desde cima Olavo de Carvalho Digesto Econômico, maio/junho de 2009
O jornalismo, na sua acepção mais elevada, é uma variante menor da ciência histórica. Os instrumentos de pesquisa, verificação e expressão de que o jornalista se serve são em essência os mesmos do historiador, apenas reduzidos a uma escala de precisão mais modesta, em razão do tempo mais curto. Porém, tal como acontece na própria História, a busca do conhecimento aí não é tudo. Tanto o historiador como o jornalista podem se colocar – e este último quase invariavelmente se coloca – a serviço da luta política e de poderes que não raro estão mais interessados na difusão da ignorância que do conhecimento. Daí a necessidade de uma espécie de jornalismo de segundo grau que observe e analise o desempenho do primeiro, separando, nele, o que é investigação da verdade e o que é puro discurso de agente político, na sua tripla acepção de propagandista, de ocultador e de agente de influência. Para desgraça geral, os “observatórios de mídia” que alegam cumprir essa função não passam, na maior parte dos casos, de agentes políticos eles próprios, bem ou mal camuflados sob a capa de analistas críticos. O “Observatório da Imprensa” do Sr. Alberto Dines não passa, em última instância, de um comissariado político devotado a preservar a ortodoxia esquerdista hegemônica. O “Observatório de Mídia” da USP, conforme já demonstrei com documentação mais que suficiente, é apenas um braço da política globalista. Nos EUA, uma certa variedade de perspectivas ainda assegura algum confronto genuíno, mas o alcance popular dos sites de media watch é mínimo em comparação com o dos grandes jornais e noticiários de TV, que a “revolução cultural” das últimas décadas transformou, decididamente, em agentes políticos, isentos do mais mínimo compromisso com as funções que outrora garantiram ao jornalismo uma parcela da dignidade da ciência histórica.
Nesse panorama, os fatos mais óbvios podem se tornar invisíveis e suas relações mais patentes um mistério insondável para a quase totalidade da população, aí incluída a elite falante, não digo pensante. Para quem estuda os fatos da atualidade com critérios de historiador, nada mais fácil do que compreender os objetivos da administração Obama, bem como as estratégias e táticas usadas para sua implementação. Esses objetivos são apenas dois: (a) debilitar o poderio americano na esfera internacional, tornando os EUA praticamente inermes ante qualquer iniciativa militar ou qualquer campanha diplomática mais agressiva da parte de seus inimigos; (b) no plano interno, inversa e complementarmente, aumentar o poder de controle do governo sobre a massa dos cidadãos, desarticulando e desarmando antecipadamente qualquer veleidade de oposição popular, seja ao primeiro objetivo, seja a este mesmo. Isto não é uma “interpretação”. Os fatos falam por si mesmos, mas não podem ser ouvidos pela maioria, seja porque são diretamente sonegados, seja porque vêm diluídos numa maçaroca alucinante de factóides, detalhes irrisórios, desconversas e desinformação pura e simples, tornando a substância dos acontecimentos dificilmente apreensível até mesmo por pessoas letradas que, inconscientes da mudança radical das funções do jornalismo desde a década de 60, continuem tomando a “grande mídia” como fonte primordial de informações. No plano internacional, com exceção das gestões para deter a corrida armamentista da Coréia do Norte, que já vinham da presidência anterior e não têm como ser desviadas muito rapidamente do seu curso pré-escolhido, as iniciativas principais do governo Obama foram sucessivas manifestações de simpatia para com governos islâmicos profundamente comprometidos em campanhas anti-ocidentais e antiamericanas. A quase genuflexão ante o rei da Arábia Saudita é apenas um símbolo, mas ele diz muito porque vem acompanhado não só de acenos amigáveis para o governo do Irã, mas também de esforços manifestos para induzir a classe política americana a aceitar passivamente a transformação do Irã em potência nuclear (esta notícia não pôde ser ocultada nem mesmo dos brasileiros: v. http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/fintimes/2009/04/04/ult579u2764.jhtm). Ao mesmo tempo que despende trilhões num “plano de recuperação econômica”, que beneficia acima de tudo as organizações que o apoiaram na campanha eleitoral, como por exemplo a Acorn, que caprichou no obamismo ao ponto de distribuir
milhares de títulos de eleitor falsos para aumentar o eleitorado do candidato democrata, Obama anuncia um corte de 8 bilhões de dólares no orçamento das Forças Armadas. E faz isso no preciso momento em que a China completa a fabricação de um novo míssil balístico capacitado a destruir porta-aviões americanos num raio de dois mil quilômetros com um só disparo para cada um. A zona de cobertura da nova arma, versão modificada do míssil Dong Feng 21, abrange precisamente as áreas que os estrategistas americanos consideram vitais para um eventual confronto de superfície entre forças americanas e chinesas. É ainda impossível avaliar em que medida a nova arma de Beijing é devedora do ex-presidente Clinton, que após ter feito vista grossa à profusão de espiões tecnológicos chineses nos EUA, aproveitou sua última semana na Casa Branca para libertar os poucos deles que estavam na cadeia. O que é absolutamente certo é que a liberação das viagens a Cuba, planejada pelo governo Obama, vai fortalecer um bocado o regime comunista da ilha, não só “enchendo de dinheiro os irmãos Castro”, como disse Otto Reich, mas facilitando o trânsito de espiões cubanos num país que já está repleto deles. Por fim, é notório que os círculos obamistas vêem com agrado as gestões cada vez menos discretas do G-20 para adotar uma moeda mundial, desbancando o dólar e submetendo a economia americana ainda mais ao controle internacional. Embora o sentido de todas essas atitudes do governo Obama seja claro e insofismável, até mesmo os comentaristas mais abertamente conservadores têm extrema dificuldade em percebê-lo. Seus cérebros, entupidos de inibições, preconceitos e escrúpulos patéticos que a cultura esquerdista ambiente injetou neles desde a década de 60, funcionam com tal lentidão que só ouvem o cão latir depois de várias mordidas. Uma conversa recente na Fox News entre Sean Hannity, comentarista político da estação, e Dick Morris, ex-conselheiro dos Clintons convertido à causa conservadora, ilustra o que estou dizendo: Morris: -- Há uma coisa importante que vai acontecer em Londres neste G-20, e que eles estão camuflando, escondendo: a coordenação dos regulamentos internacionais. O que eles vão fazer é colocar o nosso FED (Federal Reserve) e a nossa SEC (Comissão de Títulos e Câmbio), sob o controle do Fundo Monetário Internacional... O que isso realmente é, é colocar a economia americana sob controle internacional.
Hannity: -- É mesmo. Morris: -- E aquelas pessoas que viviam gritando “A ONU vai tomar o poder!”, “É o governo global!”... Hannity: -- Teóricos da conspiração… Morris: -- Eles eram malucos. Mas agora vemos que estavam com a razão. Está acontecendo. Hannity: -- Quando o Geithner (presidente do FED) disse na semana passada que está aberto à idéia de moeda global, essa turma da teoria da conspiração já tinha anunciado durante anos que isso ia acontecer. Você não está errado, você não está errado… Concomitantemente – e coerentemente – com a debilitação do poderio americano no exterior, as medidas do governo Obama para aumentar o controle estatal sobre a sociedade e os cidadãos são tão vistosas que o simples fato de não provocarem escândalo geral já é por si mesmo um escândalo. Desde logo, Obama exigiu que o escritório do Censo, até então sob responsabilidade parlamentar e portanto bipartidária, fosse instalado na Casa Branca, sob sua fiscalização direta. Como o Censo determina o zoneamento eleitoral, quem controla o Censo controla as eleições americanas. Em tempos normais, esta simples decisão seria motivo de impeachment, mas tanto o Congresso quanto a mídia estão mais empenhados em preservar a imagem de Obama do que a segurança do país e o bom funcionamento da democracia. Até o momento, ninguém estrilou contra a usurpação do Censo, noticiada com discrição entre páginas e páginas consagradas aos novos modelos de vestido da Sra. Michele Obama. Não podendo implantar diretamente o controle de armas, que a população rejeita maciçamente, o governo Obama apelou ao expediente de diminuir o estoque de munições à disposição do consumidor, dificultando a compra ou importação dos materiais necessários à fabricação de balas. Os efeitos da medida apareceram com velocidade impressionante. Qualquer coisa mais requintada do que cartuchos para espingardas de caça é muito difícil de encontrar hoje em dia nas lojas de armas. Ao mesmo tempo, os deputados e senadores governistas já distribuem entre si uma
lista de mais de setenta modelos de armas que o Procurador Geral Eric Holder – tradicional adepto da proibição total – planeja banir na primeira oportunidade. Não satisfeito com o tremendo acréscimo de poder que essas medidas lhe dão, o governo Obama, através da FDA (Food and Drug Administration), vem ajudando a promover o Codex Alimentarius – plano da ONU para colocar a produção mundial de alimentos sob controle direto e estrito da burocracia internacional e de meia dúzia de macro-empresas globais. Os projetos de lei HR875, HR759 e S425 proíbem até mesmo a livre produção de alimentos para consumo doméstico ou comunitário, e tornam crime a chamada “alimentação natural” – plantar cenouras, beterrabas, batatas, etc. sem fertilizantes, antibióticos e o que mais as autoridades determinem. Pelo Codex Alimentarius, cada galinha criada em fundo de quintal terá de ser registrada em órgãos do governo e alimentada com aquilo que o governo escolha. As penalidades incluem prisão do culpado, apreensão dos produtos considerados ilegais e desapropriação da terra onde seja cometido o “crime”. Uma das empresas mais empenhadas na aprovação do projeto é a Monsanto. Quando o ativista de esquerda José Bové, participante do Forum Social Mundial de 2001 em Porto Alegre, promoveu a destruição de mil acres de transgênicos dessa empresa no Rio Grande, todos os nossos liberais e conservadores protestaram, em nome da liberdade de mercado. Lamento informar: descontados os meios ilegais com que fez o seu protesto, Bové estava certo, mesmo sem saber por que. A Monsanto não tem nada a ver com liberdade de mercado. Tem a ver com o socialismo burocrático mundial. Para completar, o senador democrata Jay Rockefeller, membro da família que controla o CFR (Council on Foreign Relations) e por meio dele a política americana, após ter feito a espantosa declaração de que o maior risco para a segurança dos EUA não é o terrorismo, nem a China, nem o tráfico de drogas, nem a imigração ilegal, e sim a internet – declaração que num primeiro momento pareceu apenas um abuso de excentricidade –, passou das palavras à ação, apresentando, na semana seguinte, um projeto de lei que coloca a rede inteira sob controle direto de órgãos da presidência americana. Tecnicamente – e creio ter demonstrado isso em sucessivos escritos e conferências –, uma revolução define-se como um projeto abrangente de mudança social e política a ser realizado mediante uma concentração anormal de poder. Uma
revolução nesse sentido estrito – uma revolução de dimensões mundiais – já está em avançado estado de realização nos EUA. O fato de que a maior parte da população e até mesmo das classes letradas nem mesmo perceba isso enquadra nitidamente o fenômeno na categoria das “revoluções desde cima”, tal como descrito no livro clássico de Hermann Rauschning, The Revolution of Nihilism: a Warning to the West. Publicado em 1938 e referindo-se especialmente ao caso alemão, o alerta de Rauschning não foi ouvido. O meu também não será.
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Mário Ferreira dos Santos e o nosso futuro Olavo de Carvalho Dicta & Contradicta, junho de 2009 Quando a obra de um único autor é mais rica e poderosa que a cultura inteira do seu país, das duas uma: ou o país consente em aprender com ele ou recusa o presente dos céus e inflige a si próprio o merecido castigo pelo pecado da soberba, condenando-se ao definhamento intelectual e a todo o cortejo de misérias morais que necessariamente o acompanham. Mário Ferreira ocupa no Brasil uma posição similar à de Giambattista Vico na cultura napolitana do século XVIII ou de Gottfried von Leibniz na Alemanha da mesma época: um gênio universal perdido num ambiente provinciano incapaz não só de compreendê-lo, mas de enxergá-lo. Leibniz ainda teve o recurso de escrever em francês e latim, abrindo assim algum diálogo com interlocutores estrangeiros. Mário está mais próximo de Vico no seu isolamento absoluto, que faz dele uma espécie de monstro. Quem, num ambiente intelectual prisioneiro do imediatismo
mais mesquinho e do materialismo mais deprimente – materialismo compreendido nem mesmo como postura filosófica, mas como vício de só crer no que tem impacto corporal –, poderia suspeitar que, num escritório modesto da Vila Olimpia, na verdade uma passagem repleta de livros entre a cozinha e a sala de visitas, um desconhecido discutia em pé de igualdade com os grandes filósofos de todas as épocas, demolia com meticulosidade cruel as escolas de pensamento mais em moda e sobre seus escombros erigia um novo padrão de inteligibilidade universal? Os problemas que Mário enfrentou foram os mais altos e complexos da filosofia, mas, por isso mesmo, estão tão acima das cogitações banais da nossa intelectualidade, que esta não poderia defrontar-se com ele sem passar por uma metanóia, uma conversão do espírito, a descoberta de uma dimensão ignorada e infinita. Foi talvez a premonição inconsciente do terror e do espanto – do thambos aristotélico – que a impeliu a fugir dessa experiência, buscando abrigo nas suas miudezas usuais e definhando pouco a pouco, até chegar à nulidade completa; decerto o maior fenômeno de auto-aniquilação intelectual já transcorrido em tempo tão breve em qualquer época ou país. A desproporção entre o nosso filósofo e os seus contemporâneos – muito superiores, no entanto, à atual geração – medese por um episódio transcorrido num centro anarquista, em data que agora me escapa, quando se defrontaram, num debate, Mário e o então mais eminente intelectual oficial do Partido Comunista Brasileiro, Caio Prado Júnior. Caio falou primeiro, respondendo desde o ponto de vista marxista à questão proposta como Leitmotiv do debate. Quando ele terminou, Mário se ergueu e disse mais ou menos o seguinte: – Lamento informar, mas o ponto de vista marxista sobre os tópicos escolhidos não é o que você expôs. Vou portanto refazer a sua conferência antes de fazer a minha. E assim fez. Muito apreciado no grupo anarquista, não por ser integralmente um anarquista ele próprio, mas por defender as idéias econômicas de Pierre-Joseph Proudhon, Mário jamais foi perdoado pelos comunistas por esse vexame imposto a uma vaca sagrada do Partidão. O fato pode ter contribuído em algo para o muro de silêncio que cercou a obra do filósofo desde a sua morte. O Partido Comunista sempre se arrogou a autoridade de tirar de circulação os autores que o incomodavam, usando para isso a rede de seus agentes colocados em altos postos na mídia, no mundo editorial e no sistema de ensino. A lista dos condenados ao
ostracismo é grande e notável. Mas, no caso de Mário, não creio que tenha sido esse o fator decisivo. O Brasil preferiu ignorar o filósofo simplesmente porque não sabia do que ele estava falando. Essa confissão coletiva de inépcia tem, decerto, o atenuante de que as obras do filósofo, publicadas por ele mesmo e vendidas de porta em porta com um sucesso que contrastava pateticamente com a ausência completa de menções a respeito na mídia cultural, vinham impressas com tantas omissões, frases truncadas e erros gerais de revisão, que sua leitura se tornava um verdadeiro suplício até para os estudiosos mais interessados – o que, decerto, explica mas não justifica. A desproporção evidenciada naquele episódio torna-se ainda mais eloqüente porque o marxismo era o centro dominante ou único dos interesses intelectuais de Caio Prado Júnior, ao passo que, no horizonte infinitamente mais vasto dos campos de estudo de Mário Ferreira, era apenas um detalhe ao qual ele não poderia ter dedicado senão alguns meses de atenção: nesses meses, aprendera mais do que o especialista que dedicara ao assunto uma vida inteira. A mente de Mário Ferreira era tão formidavelmente organizada que para ele era a coisa mais fácil localizar imediatamente no conjunto da ordem intelectual qualquer conhecimento novo que lhe chegasse desde área estranha e desconhecida. Numa outra conferência, interrogado por um mineralogista de profissão que desejava saber como aplicar ao seu campo especializado as técnicas lógicas que Mário desenvolvera, o filósofo respondeu que nada sabia de mineralogia mas que, por dedução desde os fundamentos gerais da ciência, os princípios da mineralogia só poderiam ser tais e quais – e enunciou quatorze. O profissional reconheceu que, desses, só conhecia oito. A biografia do filósofo é repleta dessas demonstrações de força, que assustavam a platéia, mas que para ele não significavam nada. Quem ouve as gravações das suas aulas, registradas já na voz cambaleante do homem afetado pela grave doença cardíaca que haveria de matá-lo aos 65 anos, não pode deixar de reparar na modéstia tocante com que o maior sábio já havido em terras lusófonas se dirigia, com educação e paciência mais que paternais, mesmo às platéias mais despreparadas e toscas. Nessas gravações, pouco se nota dos hiatos e incongruências gramaticais próprios da expressão oral, quase inevitáveis num país onde a distância entre a fala e a escrita se amplia dia após dia. As frases vêm
completas, acabadas, numa seqüência hierárquica admirável, pronunciadas em recto tono, como num ditado. Quando me refiro à organização mental, não estou falando só de uma habilidade pessoal do filósofo, mas da marca mais característica de sua obra escrita. Se, num primeiro momento, essa obra dá a impressão de um caos inabarcável, de um desastre editorial completo, o exame mais demorado acaba revelando nela, como demonstrei na introdução à Sabedoria das Leis Eternas[1], um plano de excepcional clareza e integridade, realizado quase sem falhas ao longo dos 52 volumes da sua construção monumental, a Enciclopédia das Ciências Filosóficas. Além dos maus cuidados editoriais – um pecado que o próprio autor reconhecia e que explicava, com justeza, pela falta de tempo –, outro fator que torna difícil ao leitor perceber a ordem por trás do caos aparente provém de uma causa biográfica. A obra escrita de Mário reflete três etapas distintas no seu desenvolvimento intelectual, das quais a primeira não deixa prever em nada as duas subseqüentes, e a terceira, comparada à segunda, é um salto tão formidável na escala dos graus de abstração que aí parecemos nos defrontar já não com um filósofo em luta com suas incertezas e sim com um profeta-legislador a enunciar leis reveladas ante as quais a capacidade humana de discutir tem de ceder à autoridade da evidência universal. A biografia interior de Mário Ferreira é realmente um mistério, tão grandes foram os dois milagres intelectuais que a moldaram. O primeiro transformou um mero ensaísta e divulgador cultural em filósofo na acepção mais técnica e rigorosa do termo, um dominador completo das questões debatidas ao longo de dois milênios, especialmente nos campos da lógica e da dialética. O segundo fez dele o único – repito, o único – filósofo moderno que suporta uma comparação direta com Platão e Aristóteles. Este segundo milagre anuncia-se ao longo de toda a segunda fase da obra, numa seqüência de enigmas e tensões que exigiam, de certo modo, explodir numa tempestade de evidências e, escapando ao jogo dialético, convidar a inteligência a uma atitude de êxtase contemplativo. Mas o primeiro milagre, sobrevindo ao filósofo no seu quadragésimo-terceiro ano de idade, não tem nada, absolutamente nada, que o deixe prever na obra publicada até então. A família do filósofo foi testemunha do inesperado. Mário fazia uma conferência, no tom meio literário, meio filosófico dos seus escritos usuais, quando de repente pediu desculpas ao auditório e se retirou, alegando que “tivera uma idéia” e precisava
anotá-la urgentemente. A idéia era nada mais, nada menos que as teses numeradas destinadas a constituir o núcleo da Filosofia Concreta, por sua vez coroamento dos dez volumes iniciais da Enciclopédia, que viriam a ser escritos uns ao mesmo tempo, outros em seguida, mas que ali já estavam embutidos de algum modo. A Filosofia Concreta é construída geometricamente como uma seqüência de afirmações auto-evidentes e de conclusões exaustivamente fundadas nelas – uma ambiciosa e bem sucedida tentativa de descrever a estrutura geral da realidade tal como tem de ser concebida necessariamente para que as afirmações da ciência façam sentido. Mário denomina a sua filosofia “positiva”, mas não no sentido comteano. Positividade (do verbo “pôr”) significa aí apenas “afirmação”. O objetivo da filosofia positiva de Mário Ferreira é buscar aquilo que legitimamente se pode afirmar sobre o conjunto da realidade à luz do que foi investigado pelos filósofos ao longo de vinte e quatro séculos. Por baixo das diferenças entre escolas e correntes de pensamento, Mário discerne uma infinidade de pontos de convergência onde todos estiveram de acordo, mesmo sem declará-lo, e ao mesmo tempo vai construindo e sintetizando os métodos de demonstração necessários a fundamentá-los sob todos os ângulos concebíveis. Daí que a filosofia positiva seja também “concreta”. Um conhecimento concreto, enfatiza ele, é um conhecimento circular, que conexiona tudo quanto pertence ao objeto estudado, desde a sua definição geral até os fatores que determinam a sua entrada e saída da existência, a sua inserção em totalidades maiores, o seu posto na ordem dos conhecimentos, etc. Por isso é que à seqüência de demonstrações geométricas se articula um conjunto de investigações dialéticas, de modo que aquilo que foi obtido na esfera da alta abstração seja reencontrado no âmbito da experiência mais singular e imediata. A subida e descida entre os dois planos opera-se por meio da decadialética, que enfoca o seu objeto sob dez aspectos: 1. Campo sujeito-objeto. Todo e qualquer ser, seja físico, espiritual, existente, inexistente, hipotético, individual, universal, etc. é simultaneamente objeto e sujeito, o que é o mesmo que dizer – em termos que não são os usados pelo autor – receptor e emissor de informações. Se tomarmos o objeto mais alto e universal – Deus –, Ele é evidentemente sujeito, e só sujeito, ontologicamente: gerando todos os processos, não é objeto de nenhum. No entanto, para nós, é objeto dos nossos
pensamentos. Deus, que ontologicamente é puro sujeito, pode ser objeto do ponto de vista cognitivo. No outro extremo, um objeto inerte, como uma pedra, parece ser puro objeto, sem nada de sujeito. No entanto, é óbvio que ela está em algum lugar e emite aos objetos circundantes alguma informação sobre a sua presença, por exemplo, o peso com que ela repousa sobre outra pedra. Com uma imensa gradação de diferenciações, cada ente pode ser precisamente descrito nas suas respectivas funções de sujeito e objeto. Conhecer um ente é, em primeiro lugar, saber a diferenciação e a articulação dessas funções. Alguns exercícios para o leitor se aquecer antes de entrar no estudo da obra de Mário Ferreira: (1) Diferencie os aspectos e ocasiões em que um fantasma é sujeito e objeto. (2) E uma idéia abstrata, quando é sujeito, quando é objeto? (3) E um personagem de ficção, como Dom Quixote? 2. Campo da atualidade e virtualidade. Dado um ente qualquer, pode-se distinguir entre o que ele é efetivamente num certo momento e aquilo em que ele pode (ou não) se transformar no instante seguinte. Alguns entes abstratos, como por exemplo a liberdade ou a justiça, podem se transformar nos seus contrários. Mas um gato não pode se transformar num antigato. 3. Distinção entre as virtualidades (possibilidades reais) e as possibilidades nãoreais, ou meramente hipotéticas. Toda possibilidade, uma vez logicamente enunciada, pode ser concebida como real ou irreal. Só podemos obter essa gradação pelo conhecimento dialético que temos das potências do objeto. 4. Intensidade e extensidade. Mário toma esses termos emprestados do físico alemão Wilhelm Ostwald (1853-1932), separando aquilo que só pode variar em diferença de estados, como por exemplo o sentimento de temor ou a plenitude de significados de uma palavra, e aquilo que se pode medir por meio de unidades homogêneas, como por exemplo linhas e volumes. 5. Intensidade e extensidade nas atualizações. Quando os entes passam por mudanças, elas podem ser tanto de natureza intensiva quanto extensiva. A descrição precisa das mudanças exige a articulação dos dois pontos de vista. 6. Campo das oposições no sujeito: razão e intuição. O estudo de qualquer ente sob os cinco primeiros aspectos não pode ser feito só com base no que se sabe deles, mas tem de levar em conta a modalidade do seu conhecimento,
especialmente a distinção entre os elementos racionais e intuitivos que entram em jogo. 7. Campo das oposições da razão: conhecimento e desconhecimento. Se a razão fornece o conhecimento do geral e a intuição o do particular, em ambos os casos há uma seleção: conhecer é também desconhecer. Todos os dualismos da razão – concreto-abstrato, objetividade-subjetividade, finito-infinito, etc. – procedem da articulação entre conhecer e desconhecer. Não se conhece um objeto enquanto não se sabe o que tem de ser desconhecido para que ele se torne conhecido. 8. Campo das atualizações e virtualizações racionais. A razão opera sobre o trabalho da intuição, atualizando ou virtualizando, isto é, trazendo para o primeiro plano ou relegando para um plano de fundo os vários aspectos do objeto percebido. Toda análise crítica de conceitos abstratos supõe uma clara consciência do que aí foi atualizado e virtualizado. 9. Campo das oposições da intuição. A mesma separação do atual e do virtual já acontece no nível da intuição, que é espontaneamente seletiva. Se, por exemplo, olhamos esta revista como uma singularidade, fazemos abstração dos demais exemplares da mesma tiragem. Tal como a razão, a intuição conhece e desconhece. 10. Campo do variante e do invariante. Não há fato absolutamente novo nem absolutamente idêntico a seus antecessores. Distinguir os vários graus de novidade e repetição é o décimo e último procedimento da decadialética. Mário complementa o método com a pentadialética, uma distinção de cinco planos diferentes nos quais um ente ou fato pode ser examinado: como unidade, como parte de um todo do qual é elemento, como capítulo de uma série, como peça de um sistema (ou estrutura de tensões) e como parte do universo. Nos dez primeiros volumes da Enciclopédia, Mário aplica esses métodos à resolução de vários problemas filosóficos divididos segundo a distinção tradicional entre as disciplinas que compõem a filosofia – lógica, ontologia, teoria do conhecimento, etc. –, compondo assim a armadura geral com que, na segunda série, se aprofundará no estudo pormenorizado de determinados temas singulares.
Aconteceu que, na elaboração dessa segunda série, ele se deteve mais demoradamente no estudo dos números em Platão e Pitágoras, o que acabou por determinar o upgrade espetacular que marca a segunda metanóia do filósofo e os dez volumes finais da Enciclopédia, tal como expliquei na introdução à Sabedoria das Leis Eternas. O livro Pitágoras e o Tema do Número, um dos mais importantes do autor, dá testemunho da mutação. O que chamou a atenção de Mário foi que, na tradição pitagórico-platônica, os números não eram encarados como meras quantidades, no sentido em que são usados nas medições, mas sim como formas, isto é, articulações lógicas de relações possíveis. O que Pitágoras queria dizer com sua famosa afirmação de que “tudo são números” não é que todas as qualidades diferenciadoras podiam se reduzir a quantidades, mas que as quantidades mesmas eram por assim dizer qualitativas: cada uma delas expressava um certo tipo de articulação de tensões cujo conjunto formava um objeto. Mas, se de fato é assim, conclui Mário, a seqüência dos números inteiros não é apenas uma contagem, mas uma série ordenada de categorias lógicas. Contar é, mesmo inconscientemente, galgar os degraus de uma compreensão progressiva da estrutura do real. Vejamos, só para exemplificar, o que acontece no trânsito do número um ao número cinco. Todo e qualquer objeto é necessariamente uma unidade. Ens et unum convertuntur, “o ser e a unidade são a mesma coisa”, dirá Duns Scot. Ao mesmo tempo, porém, esse objeto conterá em si alguma dualidade essencial. Mesmo a unidade simples, ou Deus, não escapa ao dualismo gnoseológico do conhecido e do desconhecido, já que aquilo que Ele conhece de si mesmo é desconhecido por nós. Ao mesmo tempo, os dois aspectos da dualidade têm de estar ligados entre si, o que exige a presença de um terceiro elemento, a relação. Mas a relação, ao articular os dois aspectos anteriores, estabelece entre eles uma proporção, ou quaternidade. A quaternidade, considerada como forma diferenciada do ente cuja unidade abstrata captamos no princípio, é por sua vez uma quinta forma. E assim por diante. A mera contagem exprime, sinteticamente, o conjunto das determinações internas e externas que compõem qualquer objeto material ou espiritual, atual ou possível, real ou irreal. Os números são portanto “leis” que expressam a estrutura da realidade. O próprio Mário confessa não saber se essa sua versão muito pessoal do pitagorismo coincide materialmente com a filosofia do Pitágoras histórico. Seja uma descoberta ou uma redescoberta, a filosofia de Mário descerra diante dos nossos olhos, de maneira diferenciada e meticulosamente acabada, um edifício
doutrinal inteiro que, em Pitágoras – e mesmo em Platão – estava apenas embutido de maneira compacta e obscura. Ao mesmo tempo, em A Sabedoria dos Princípios e demais volumes finais da Enciclopédia, ele dá ao seu próprio projeto filosófico um alcance incomparavelmente maior do que se poderia prever até mesmo pela magistral Filosofia Concreta. A esta altura, aquilo que começara como conjunto de regras metodológicas se transmuta num sistema completo de metafísica, a mathesis megiste ou “ensinamento supremo”, ultrapassando de muito a ambição originária da Enciclopédia e elevando a obra de Mário Ferreira ao estatuto de uma das mais altas realizações do gênio filosófico de todos os tempos. Não tenho a menor dúvida de que, quando passar a atual fase de degradação intelectual e moral do país e for possível pensar numa reconstrução, essa obra, mais que qualquer outra, deve tornar-se o alicerce de uma nova cultura brasileira. A obra, em si, não precisa disso: ela sobreviverá muito bem quando a mera recordação da existência de algo chamado “Brasil” tiver desaparecido. O que está em jogo não é o futuro de Mário Ferreira dos Santos: é o futuro de um país que a ele não deu nada, nem mesmo um reconhecimento da boca para fora, mas ao qual ele pode dar uma nova vida no espírito.
Notas: [1] São Paulo, É-Realizações, 2001.
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Um Founding Father Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 8 junho de 2009 “O desastre econômico que estamos vivendo é conseqüência da hegemonia, nos últimos trinta anos, do neoliberalismo – uma ideologia de direita que desregulou os mercados financeiros.” Assim diz, em artigo publicado na Folha do dia 1º. de junho, o ex-ministro da Economia Luiz Carlos Bresser-Pereira (v. http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=3393). Sem o mínimo esforço de provar essa afirmativa, ele salta direto dela para a conclusão automática de que, se a esquerda não está se saindo tão bem como deveria nas eleições européias, é “porque nos momentos em que esteve no poder nestes últimos trinta anos ela fez tantas concessões ao fundamentalismo de mercado neoliberal que, afinal, sua política muitas vezes se aproximava daquelas propostas pela direita”. Ou seja: partindo da premissa de que a direita é sempre culpada de tudo, fica demonstrado que a ela cabem também as culpas da esquerda quando esta está no governo. Nem mesmo uma explicação de como simples “concessões” de um lado provam a “hegemonia” do outro o sr. Bresser-Pereira nos fornece, tão longe está da sua imaginação a hipótese hedionda de que alguém possa duvidar das suas palavras. Com o mesmo ar de certeza devota que não tem satisfações a dar aos fatos ou à lógica elementar, ele assegura que, embora contaminando-se pecaminosamente de direitismo na área econômica, no plano social os partidos de esquerda permaneceram limpos e santos, porque, recusando a tentação satânica de uma política baseada na meritocracia egoísta, “mantiveram-se fiéis à idéia de que cabe ao Estado aumentar a despesa social em educação, cuidados de saúde, previdência e assistência social e, dessa forma, diminuir a desigualdade”. Excetuado o interregno George W. Bush – tão apegado a estatismos e intervencionismos que sua base conservadora acabou por chamá-lo de socialista e traidor –, o fato é que, no período mencionado pelo ex-ministro, quem esteve no poder não só na Europa, mas no mundo, foi a esquerda. Como é possível que uma época de tantos avanços do Estado no controle da sociedade fosse também uma de “hegemonia de direita” na esfera econômica? Seria a política – e especialmente a política social – uma esfera tão separada da economia ao ponto da independência absoluta? O Sr. Bresser-Pereira sabe que não é assim. Quando lhe interessa, ele
consegue explicar os fracassos da economia pelos fatores políticos. Justificando seu pífio desempenho como ministro da Economia, ele afirma que, em 1987, renunciou ao ministério “por falta de condições políticas para o necessário ajuste fiscal” (v. http://www.bresserpereira.org.br/view.asp?cod=1279). Já quando se trata de achar um culpado para a crise americana e mundial, ele repentinamente faz abstração das “condições políticas” e proclama, contra toda evidência, que o mal veio tão-somente da desregulamentação do mercado e não da proliferação monstruosa das despesas estatais. Quando um governo acumula um déficit de três trilhões de dólares, só um raciocínio morbidamente artificioso e esquivo pode fugir ao óbvio e declarar que esse governo não acumulou dívidas porque gastou demais e sim porque “desregulamentou os mercados”. Aliás, se a desregulamentação foi tanta como diz o sr. Bresser-Pereira, como foi possível extrair da economia as quantias necessárias para cobrir as “despesas sociais” cada vez maiores? Como pode a “hegemonia neoliberal” coexistir com tal pletora de impostos e gastos públicos? Se o ex-ministro esconde por trás de uma verbiagem insensata o papel dos fatores políticos na produção da crise, é porque esses fatores, inteiramente criados pela esquerda, forçaram propositadamente o aumento dos gastos estatais e a implosão do sistema bancário, visando a gerar artificialmente a crise de modo a poder lançar as culpas de tudo no espantalho do “neoliberalismo” e, com a cara mais cínica do mundo, propor como remédio ao desastre causado pelo excesso de gastos uma dose centuplicada de novos gastos miraculosamente investidos de não se sabe quais virtudes salvadoras (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/090305dc.html). O próprio estilo com que esse homem escreve é o de um demagogo de palanque, não o de um cientista como ele se pavoneia de ser. Todo o seu arremedo de argumento baseia-se em estereótipos lisonjeiros para um lado, depreciativos para o outro, e no apelo às certezas da mitologia esquerdista, tomadas como premissas desnecessitadas da mais mínima prova ou discussão. Na prática do charlatanismo intelectual, esse indivíduo iguala-se a qualquer Emir Sader ou Frei Betto, compondo, com eles e outros tantos, o panteão dos Founding Fathers da miséria cultural e moral brasileira.
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Obra-prima de vigarice Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 12 junho de 2009 “Queimada”, dirigido em 1969 por Gillo Pontecorvo e estrelado por Marlon Brando, Evaristo Marquez e Renato Salvatori, é um dos pontos altos do cinema comunista italiano – uma espécie de segundo neo-realismo, nascido nos anos 60 sob a inspiração de uma década e meia de leitura das obras de Antonio Gramsci pelos intelectuais militantes, tanto do PCI quanto das organizações maoístas e trotsquistas. A escola, intelectualmente sofisticada, de uma coerência ideológica e estratégica notável, foi inaugurada por “O Bandido Giuliano”, de Francesco Rosi, e “O Assassino”, de Elio Petri (ambos de 1961), e, com a ajuda do esquema de propaganda de Hollywood, veio a alcançar sucesso internacional ainda maior que o do que seu antecessor do imediato pós-guerra, muito menos uniforme ideologicamente. Outros marcos na história desse movimento foram “Accatone”, de Pier Paolo Pasolini (1962), “A China Está Próxima”, de Marco Bellocchio (1967), “Investigação sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita”, de Elio Petri (1969), “O Conformista”, de Bernardo Bertolucci (1970), “A Classe Operária Vai ao Paraíso”, de Elio Petri (1971) e “O Caso Mattei”, de Francesco Rosi (1972). A tônica desses filmes é mostrar a sociedade capitalista como uma infernal engenhoca protofascista de dominação, fundada na alienação das consciências, na prática endêmica da violência real e simbólica e na desinformação sistemática das multidões. Não há mal, desde a criminalidade até os amores fracassados e as doenças mentais, que aí não seja atribuído à ação maligna e camuflada da elite capitalista. Com um estilo narrativo frio e impessoal, evitando com cuidado o tom abertamente propagandístico e simulando investigação documentária dos
acontecimentos (recurso usado com outros fins pelo primeiro neo-realismo), a escola consegue dar ares de pura realidade às mais prodigiosas falsificações históricas e sociológicas, ludibriando as multidões de patetas que guincham e se retorcem de prazer diante dessas coisas nos festivais de cinema como macaquinhos eletrizados por uma máquina de orgasmos. “Queimada” é uma verdadeira aula de interpretação marxista da História, tanto mais persuasiva porque compõe com detalhes históricos bastante exatos um conjunto perfeitamente ilógico, cuja absurdidade só aparece quando o espectador, se advertido – o que raramente acontece –, se dá conta dos pontos essenciais astutamente omitidos. A história é a seguinte. Em 1815, Sir William Walker (Marlon Brando), guerreiro e agente secreto mercenário, é contratado para armar um golpe de Estado na ilha de Queimada, colônia portuguesa, e, sob o pretexto de republicanismo e abolição da escravatura, transferir da monarquia portuguesa para uma companhia privada britânica o monopólio da produção local de açúcar. Ele realiza seus objetivos por meio de três operações sucessivas e articuladas: primeiro, uma rebelião de escravos, artificialmente fomentada para desestabilizar o governo local, encenada sob a liderança do negro José Dolores, que o próprio Sir Walker adestra para isso; segundo, a tomada do poder por um grupo de intelectuais e políticos ambiciosos, insatisfeitos com o regime colonial e chefiados por um idealista bocó, Teddy Sanchez; terceiro, a instalação de um regime republicano liberal e corrupto sob a presidência de Teddy Sanchez, com a conseqüente assinatura de uma cessão de direitos para a exploração da cana-de-açúcar e a contratação dos antigos escravos como assalariados da companhia inglesa. Sir William volta para a Inglaterra, onde leva uma vida de bebedeiras e arruaças (dando-se a entender que a sórdida operação antiportuguesa arruinara o seu caráter). Passados dez anos, os trabalhadores das plantações de cana, insatisfeitos com os salários de fome recebidos dos novos patrões, iniciam nova rebelião, sob a liderança do mesmo José Dolores, agora porém a sério e decididos a tomar as rédeas do governo em suas próprias mãos. Teddy Sanchez, aterrorizado, incapaz de controlar a situação, pede ajuda aos empresários ingleses, que vão buscar Sir William num botequim nojento onde ele se diverte em campeonatos de pugilismo com a ralé de Londres, e o enviam de volta à ilha, com plenos poderes para sufocar a revolta. Vendo que a coisa tomara as proporções de uma verdadeira revolução social, Sir William apela
ao expediente extremo, mandando atear fogo às plantações e queimando vivos os trabalhadores rebeldes junto com suas famílias. Quando, vitorioso pela segunda vez, o guerreiro genocida vai embarcar de volta para a Inglaterra, o sobrevivente José Dolores, disfarçado de carregador, mata-o a facadas. Há muitos elementos historicamente verossímeis nesse enredo: a ação inglesa por trás dos movimentos de independência das colônias portuguesas e espanholas; a liderança republicana verbosa e sem iniciativa própria; o aproveitamento de um arremedo de revolta popular como pretexto para a tomada do poder por uma elite corrupta; a transformação dos escravos em mão-de-obra barata para o capital estrangeiro; e até o agravamento da situação dos ex-escravos, soltos no mundo para lutar pela vida em condições desiguais. Abrilhantado por uma direção ágil de Pontecorvo e pela interpretação contundente de Marlon Brando, “Queimada” tem tudo para passar por um condensado esquemático fiel e quase científico dos movimentos de independência de muitas colônias portuguesas, inclusive o Brasil, onde o filme, exibido durante a fase mais dura da repressão militar às guerrilhas, sugeria a histéricas platéias estudantis a explicação mais fácil do que estava acontecendo no país e assim indicava o exemplo de José Dolores como o mais óbvio caminho a seguir. Naquela época, pouquíssimos espectadores poderiam ter reparado em duas omissões capciosas que, no fundo, eram todo o segredo do impacto da narrativa. Desde logo, se até para encenar uma rebelião incipiente seguida de um golpe de Estado os habitantes da ilha – escravos mais elite branca – precisaram da ajuda estrangeira, como poderiam os escravos, sozinhos, sem armamento, sem nenhum treino político e só com as duas ou três artimanhas de guerrilheiro amador que Sir William ensinara a José Dolores, montar uma verdadeira revolução social capaz de derrubar o regime republicano? Jamais ocorreu uma rebelião desse tipo em nenhuma nação do Terceiro Mundo sem a maciça ajuda estrangeira, e nada, além do puro embuste narrativo, explica que possa ter ocorrido em Queimada. Para os fins propagandísticos visados por Gillo Pontecorvo, era necessário associar capitalismo com imperialismo e revolução comunista com espontaneidade popular autóctone, condensando na tela o velho ardil da propaganda estalinista – ainda hoje inspirador do Fórum Social Mundial – que pinta o livre mercado como traição a serviço do estrangeiro e o comunismo como patriotismo.
Em segundo lugar, impressionadas com o retrato aparentemente verossímil do frio maquiavelismo capitalista, as platéias também se esqueciam de perguntar que raio de cálculo econômico era aquele, que, para a suposta salvaguarda de interesses empresariais, destruía pelo fogo a matéria-prima, os meios de produção e praticamente a totalidade da mão-de-obra disponível, tornando inviável qualquer atividade econômica na ilha por muitas décadas à frente e instaurando ali o monopólio do nada. Sir William emerge da sua segunda excursão à ilha como vencedor, sob a aparente satisfação das classes dominantes, mas, se algum equivalente dele do mundo real cometesse um desatino militar e ecômico como o que ele promoveu em Queimada, quem logicamente desejaria matá-lo não seria José Dolores, e sim os donos da empresa. Observado segundo os critérios da própria verossimilhança histórica da qual se pavoneia, “Queimada” perde todo impacto dramático e se revela uma farsa idiota, postiça até o desespero, composta por um pseudo-intelectual de meia idade para a deleitação masturbatória de jovens aspirantes a pseudo-intelectuais. Não há um só filme dessa escola que não se baseie nesse mesmo tipo de engodo miserável, e, compreensivelmente, não há um só deles que não tenha sido louvado uniformemente pela crítica mundial como uma obra-prima de realismo e honestidade narrativa. Mais grotesco ainda esse gênero de filme se torna quando considerado não apenas na sua composição interna, mas nas condições sociológicas da sua produção. Se o capitalismo é mesmo como eles o descrevem, um sistema de escravização mental e física destinado a manter as multidões na total ignorância das causas da sua miséria, como se explica que a indústria mundial de espetáculos, infinitamente mais rica do que os usineiros de Queimada, subsidie e aplauda tantos filmes anticapitalistas como os de Gillo Pontecorvo, Francesco Rosi e tutti quanti, em vez de espalhar nos cinemas a apologia visual das belezas do livre mercado? A separação estanque entre as idéias dos intelectuais ou artistas e a sua condição existencial e social concreta é uma doença mental endêmica nas classes letradas do mundo Ocidental e, decerto, um dos pilares em que se assenta hoje em dia a efetiva escravização das consciências pela elite globalista. Tanto no Brasil quanto em vários outros países, as obras do segundo neo-realismo italiano fizeram as cabeças de duas gerações de espectadores e, na condição de
“clássicos”, desfrutam ainda de um prestígio considerável . Não duvido que milhares ou milhões de Emires Sáderes tenham absorvido desses filmes, e não dos livros que não leram, a substância mesma da sua ideologia e do seu modo de ser.
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Usurpadores Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 15 junho de 2009 Duas decisões recentes do judiciário brasileiro ilustram com perfeição a debacle moral irreversível que vem transformando esse país no paraíso dos criminosos. Primeira: a Sexta Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença que absolveu um cidadão de vinte anos por ter mantido relações sexuais com sua namorada de doze. Na justificação da sentença, o Desembargador Mário Rocha Lopes Filho baseou-se em parecer do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, “onde prevaleceu a interpretação flexível à rigidez anacrônica do artigo 224a do Código Penal, norma forjada na década de 40 do século XX, porém não mais adequada à hodierna realidade social.” Com o nome de “flexibilização”, fica assim estabelecido que a prática do sexo com menor 14 anos, se consentida pela criança, não é mais estupro. O Desembargador deixou de informar que a adoção dessa regra é a reivindicação mais essencial e urgente do movimento mundial pró-pedofilia. Também não esclareceu se a
liberação da pedofilia consentida vale só para crianças de doze anos ou também para as de cinco, quatro, e assim por diante. A segunda decisão veio, ao que parece unanimemente, de oitenta juízes das varas de execução criminal no Rio Grande do Sul reunidos com o juiz-corregedor Márcio André Keppler Fraga na sexta-feira passada: não serão mais enviados à prisão os réus condenados que responderam ao processo em liberdade, exceto nos casos de crime hediondo ou se a pena estiver na iminência de prescrição. A desculpa é a falta de vagas nas cadeias. Essas duas medidas mostram que: primeiro, os juízes se desobrigam de cumprir as leis, passando a modificá-las ou inventá-las como bem entendam; segundo, usam dessa autoridade usurpada para forçar a introdução de novos critérios que vão diretamente contra as crenças majoritárias da população. Inconformado com a segunda decisão, o promotor Fabiano Dalazen diz que o Ministério Público tentará derrubar a medida no Poder Judiciário. “Se a lei determina que o sujeito seja preso, ele terá de ser preso”, diz ele, com toda a razão. Talvez ele consiga seu intento, mas quanto tempo falta ainda para que todos os juízes passem a pensar como essa camarilha do Rio Grande? Tanto eles quanto o Desembargador Lopes, que autorizou a pedofilia consentida, não são representantes confiáveis do Poder Judiciário: são revolucionários cínicos, empenhados em derrubar o sistema desde dentro. Isso não seria tão grave se eles fossem exceções, mas os critérios que eles seguem estão sendo ensinados aos estudantes em praticamente todas as faculdades de Direito deste país: a figura hedionda do juiz-legislador já não é mais exceção e tende a tornar-se dominante num prazo de poucos anos. Quando um desses indivíduos decreta que tal ou qual lei já não serve para a “hodierna sociedade”, ele transforma a moda e o capricho em autoridades soberanas, passando por cima do processo legislativo normal. Duvido que haja um só deles que não tenha consciência do alcance letal do que está fazendo. As crenças bárbaras da mentalidade revolucionária adquiriram, em suas cabeças, o valor de mandamentos sacrossantos, diante dos quais a Constituição, as leis, e as preferências da população não significam nada. Como novos Robespierres,
eles acreditam-se imbuídos do dever de salvar de si mesmos os ignorantes que não pensam como eles. São um novo Comitê de Salvação Pública, e sua vontade é lei. Continuar acatando suas sentenças, como se a destruição das leis tivesse por sua vez valor legal, é sobrepor as presunções de meros indivíduos à verdadeira ordem jurídica. Por definição, juízes não legislam. Quando o fazem, tornam-se usurpadores criminosos e ninguém tem o dever de obedecê-los. Cada um tem antes o dever de denunciá-los, de expô-los à execração pública e de fazer o possível para retirá-los de seus cargos antes que cometam mais algum desatino.
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Inversão psicótica Cabeça de Uspiano - 1 Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 18 de junho de 2009 Os exemplos da inversão psicótica de sujeito e objeto são tão abundantes na produção escrita da intelectualidade revolucionária, que a única dificuldade para encontrá-los é o embarras de choix. O caso que vou comentar aqui é interessante porque ilustra esse mecanismo em dois níveis ao mesmo tempo: na reação de um professor de filosofia aos acontecimentos imediatos e na sua análise de transformações sociais mais duráveis e profundas.
Quando os alunos da USP, pela milésima vez, ocuparam o prédio da instituição, depredando o que podiam e intimidando seus colegas e professores para que interrompessem as aulas e aderissem ao quebra-quebra – ações que a profª. Olgária Matos, muito significativamente, definiu como “manifestação pacífica” –, outro professor da Faculdade de Filosofia, Vladimir Safatle, protestou contra a intervenção policial que pôs fim ao ataque, rotulando-a de “brutalidade securitária”. Se com isso ele não provou nada em favor dos manifestantes, ao menos demonstrou não saber distinguir, na escolha do seu vocabulário, entre a segurança pública e a indústria de seguros. Depois dessa performance literária quase presidencial, ele ainda se julgou habilitado a avaliar o desempenho intelectual dos estudantes, jurando que não eram simples arruaceiros, mas alunos aplicados, empenhados em altas tarefas científicas. Tendo examinado alguns trabalhos acadêmicos do referido, concluí que ele tem toda a razão ao qualificar de bons alunos os depredadores, pois correspondem às expectativas do mestre. A título de amostra, examinemos o estudo “Certas Metamorfoses da Sedução: Destruição e Reconfiguração do Corpo na Publicidade Mundial dos Anos 90”, reproduzido no site do autor, http://www.geocities.com/vladimirsafatle/, entre outras efusões do seu – como direi? – intelecto. Sem exigir-lhe cobardemente uma filosofia, coisa que nenhum membro do seu departamento jamais teve e que é totalmente dispensável para ali ser havido como filósofo, vejamos como o professor se sai na numa área bem mais modesta do conhecimento, a sociologia da publicidade, Ele começa por observar que, no período mencionado, a imagem do corpo humano nos anúncios publicitários mudou muito. Em vez do corpo como imagem estável e positiva da pessoa, apareciam agora duas novidades: de um lado, o corpo como entidade fluida e mutável, sujeita a toda sorte de alterações (piercings, pinturas extravagantes e até mutilações); de outro, o corpo como imagem da sua própria destruição – pessoas desalinhadas, mulheres pálidas com roupas de luto, homens com aparência de doentes, de cocainômanos, de aidéticos, de moribundos e até de cadáveres. Para dizer isso, ele leva mais de dez páginas, naquele estilo posado, tipicamente uspiano, com razoável dose de erros de gramática e farto uso de uma terminologia forçada que deve lhe parecer muito científica. E olhem que Safatle é uma das criaturas mais inteligentes que já passaram por aquela subseção do Instituto Butantã. Mas o interessante vem quando ele passa a explicar as causas do
fenômeno. Para ele, a destruição do corpo na publicidade reflete um astuto mecanismo da lógica do mercado que, vendo esgotado o potencial das imagens estereotipadas de beleza e integridade corporal usuais nos anos 60, decidiu incorporar os elementos de rebelião e inconformismo, de modo a neutralizá-los mediante “rupturas internas controladas” e colocá-los a serviço de “novos processos de mercantilização da negatividade”. Para chegar a essa conclusão, ele confessa que usou métodos lacanianos de investigação, segundo os quais a imagem corporal de cada um é construída por introjeção de padrões estereotipados vindos do exterior, da maldita sociedade. “Isto significa fundamentalmente que a experiência de produzir uma imagem corporal é alienação de si no sentido de submissão da referência-a-si à referência-aoutro...” (frase maravilhosa na qual eu mesmo, fazendo-me de co-autor, tive de colocar a crase para que se tornasse inteligível). “Não há – prossegue Safatle – nada de próprio na imagem do corpo. Lacan dirá que o corpo próprio, na verdade, é corpo do Outro.” Quando a repetição das imagens corporais positivas “transformou a publicidade em alvo maior da crítica à ideologia da sociedade de massa,... esta crítica foi logo assumida pela própria publicidade. Tratava-se de uma publicidade que ridicularizava a própria publicidade e certos aspectos da cultura de consumo...”. Os dois elementos em jogo são aí a cultura de massas do “capitalismo tardio”, com sua estereotipagem positiva das imagens corporais, e a crítica cultural que se volta contra esses estereótipos com um radicalismo que, seguindo o exemplo de Lacan, não hesita em destruir a própria noção de corpo pessoal, acusada de ser uma camuflagem da dominação psíquica imposta pelo Outro ao infeliz morador do corpo. Dessa oposição resulta, segundo Safatle, a síntese que nos anos 90 absorve e instrumentaliza a destruição do corpo, transformando o que era inicialmente crítica cultural em “novos processos de mercantilização”. Essa análise pode funcionar como exemplo daquilo que, na USP, passa como alta manifestação de inteligência e até como “trabalho científico”. Mas os conceitos lacanianos usados na análise já são, por si, exemplos claros de inversão psicótica. Dizer que a imagem do eu se forma por introjeção de padrões exteriores e que isto configura uma “alienação” é obviamente autocontraditório. Se a imagem do eu não existe antes da introjeção, não há nada que esta possa “alienar”. Ou a introjeção dos
padrões exteriores é a própria origem da imagem, ou é a sua alienação: as duas coisas ao mesmo tempo ela não pode ser de maneira alguma, a não ser na hipótese de que exista um eu substancial metafísico anterior à sua própria construção como auto-imagem – hipótese que todo materialista como Lacan e Safatle tem de rejeitar in limine. Partindo do princípio de que a imagem corporal é alienação, a única coisa decente que resta a fazer é destruí-la, evidentemente. Pode-se fazer isso com piercings, mutilações, ou com ataques lacanianos à sociedade malvada que impingiu ao sujeito aquilo que, no seu isolamento de menino-lobo, ele não poderia adquirir de maneira alguma: um eu. Mas destruir para quê? Para que da destruição da imagem estereotipada pudesse surgir um “verdadeiro eu”, seria preciso que este existisse antes e independentemente da introjeção, com o que voltamos à hipótese metafísica lacanianamente inaceitável. Mas, se a destruição não visa a desenterrar da massa dos estereótipos um impossível “eu autêntico”, então é claro que a destruição só tem como objetivo a própria destruição – um mecanismo que Hegel já previra com muita antecedência (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/081114dc.html). No legado da escola de Frankfurt, mais ainda quando enfeitado de lacanismo, a destruição é, com efeito, a única ocupação decente a que, no inferno geral do “capitalismo tardio”, se podem entregar as pessoas boas e inteligentes como o prof. Vladimir Safatle e seus aplicados alunos da USP. O que o professor não suporta é que tão boas intenções tenham sido maquiavelicamente absorvidas e instrumentalizadas pelo “capitalismo tardio” e transformadas em meios de incentivar o consumo, aumentar a produção e espalhar riquezas. Isso é mesmo um insulto intolerável. [Continua.]
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Horror e insensibilidade Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 22 de junho de 2009 Na década de 60, as organizações de esquerda tinham de se esforçar muito para conseguir recrutar dez militantes entre cada cem ou duzentos jornalistas. A lei que tornou obrigatório o curso universitário para o exercício da profissão mudou isso completamente, entregando sucessivas gerações de jovens desmiolados à guarda de doutrinadores e recrutadores bem capacitados. A conversão maciça da classe jornalística ao esquerdismo tornou possíveis fenômenos como o da ocultação geral do Foro de São Paulo e a farsa da eleição presidencial de 2002, um arranjo entre partidos de esquerda, com exclusão de toda oposição possível, celebrado cinicamente pela mídia nacional em peso como uma apoteose da livre concorrência democrática. O STF fez muito bem ao eliminar a pérfida exigência do diploma, armadilha maquiavélica que rebaixou a qualidade dos nossos jornais e reduziu sua credibilidade ao ponto de que hoje eles não vendem mais exemplares do que o faziam nos anos 50, quando a proporção de analfabetos em nossa população era imensamente maior. No entanto, a simples eliminação desse instrumento de seleção ideológica não basta para garantir que um pluralismo de verdade venha a reinar na nossa imprensa. Há meios de controle mais sutis e eficientes do que a imposição legal direta. No seu livro The True Story of the Bilderberg Group (Chicago, Independent Publishers Group, 2009), o jornalista espanhol Daniel Estulin mostra como essa plutocracia globalista, empenhada na construção de uma ditadura mundial, conseguiu se manter oculta desde 1954 até pelo menos 1998, estigmatizando como “teoria da conspiração” qualquer tentativa de revelar sua existência: seus componentes simplesmente compraram todos os grandes jornais e redes de TV dos EUA e da Europa. Isso determinou uma mudança mais profunda das funções do jornalismo do que a maioria da população pode ainda conceber. Como o objetivo da elite globalista é derrubar a economia americana e implantar em cima de seus
escombros um novo sistema com moeda mundial unificada, impostos globais e administração burocrática planetária, as notícias, na quase totalidade da mídia, já não são selecionadas por nenhum critério de importância objetiva, mas pelo serviço que prestem à programação mental das multidões, de modo a fazê-las aceitar passivamente mudanças drásticas que em condições normais suscitariam explosões de ódio e revolta. A supressão e a manipulação tornaram-se gerais e sistemáticas, ao ponto de atentar diariamente contra a dignidade da inteligência humana e de transformar os mecanismos eleitorais da democracia num mero jogo de aparências. Quando a elite globalista faz eleger presidente dos EUA um desconhecido, proibindo por todos os meios qualquer investigação séria da sua biografia e reprimindo por toda sorte de ameaças a exigência de que ele apresente seus documentos pessoais, é claro que a noção de “transparência” se transformou numa utopia inalcançável e está instaurado o império do segredo. Quando o indigitado mata um mosquito, compra um cachorro ou brinca de “dama por um dia” nos jardins da Casa Branca, de mãos dadas com a digníssima, o fato é noticiado com imenso alarde em todos os jornais e noticiários de TV, mas até atos oficiais do seu governo, quando arriscam criar alguma resistência, são omitidos por completo ou publicados com discrição que beira o silêncio. O mesmo acontece com inúmeras notícias de importância histórica mundial que, se reveladas, teriam o dom de despertar as multidões do torpor hipnótico que as imobiliza e incapacita. Dificilmente o leitor encontrará nas páginas dos jornais, tão cuidadosamente foi escondida, a notícia de que Kaing Guek Eav, ex-diretor do sistema de prisões no regime comunista do Camboja, confessou ter mandado assassinar sistematicamente milhares de crianças, filhas de prisioneiros políticos, para que não tentassem vingar seus pais depois de crescidas (v. http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE55705320090608). Nada ilustra melhor a natureza do comunismo. Essas crianças não foram mortas acidentalmente por bombas durante uma guerra. Se o fossem, e as bombas fossem americanas, estariam em todas as primeiras páginas como provas da maldade capitalista. Como foram assassinadas deliberadamente, e o foram pelo simples crime de ser crianças, é preciso abafar o horror para que, no mínimo, as massas continuem na ilusão do equivalentismo moral entre os países comunistas e os EUA.
Do mesmo modo, as vítimas das FARC e do terrorismo latino-americano em geral, brasileiro inclusive, são meticulosamente excluídas do noticiário, proibidas de entrar no círculo da piedade humana e esquecidas, por fim, como meros dejetos acidentais indignos de atenção. Enquanto isso, a mídia inteira considera normal e aceitável publicar palavras como estas do Dr. Emir Sader: “Há personagens com uma tal estatura histórica que, independente dos adjetivos e de todos os advérbios, ainda assim não conseguimos retratá-los em nada do que podemos dizer ou escrever. O que falar de Marx, que permaneça à sua altura? O que escrever sobre Fidel? ... O Che é um desses personagens cósmicos.” Num rápido manejo de teclado, criminosos desprezíveis, mentores de Pol-Pot, são elevados às alturas sublimes do indizível, do inefável, do transcendente à linguagem humana. Será exagero chamar isso de idolatria psicótica? Mas mesmo os que não apreciam o comunismo aceitam essa monstruosidade em nome da “diversidade de idéias”, como se a matança deliberada de crianças fosse uma idéia, uma hipótese, um mero jogo acadêmico. A longa convivência com essas enormidades, forçada diariamente pela mídia, dessensibiliza as consciências e as torna incapazes de perceber qualquer diferença entre a santidade e o crime, entre a virtude e a abominação. Na mesma medida e pela mesma razão, a estatura moral das sociedades democráticas vai baixando, e, com a ajuda de milhões de emires sáderes, os Ches e Pol-Pots se aproveitam disso para ostentar mais um pouco da sua infinita superioridade moral, anjos de bondade que pairam no céu, longe do “inferno capitalista”.
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A culpa dos outros Cabeça de uspiano - 2 Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 23 de junho de 2009 Deixando de lado agora a referência lacaniana e examinando a contribuição pessoal do prof. Safatle ao entendimento dessas pérfidas astúcias do “capitalismo tardio”, observo, desde logo, que não é metodologicamente admissível atribuir ações de transformação social a entidades genéricas abstratas sem ter na mínima conta os agentes individuais e grupais concretos envolvidos no processo. O autor da transformação assinalada pelo prof. Safatle não é “o capitalismo tardio”, mas sim a classe publicitária. Foram publicitários – e não uma assembléia de acionistas, muito menos o “espírito do capitalismo”, diretamente ou em ectoplasma – que escolheram as novas imagens de gente com cara chupada, olheiras e barba por fazer que se substituíram aos saudáveis papais e mamães e às beldades esfuziantes dos anos 60. Para saber por que um grupo social fez isto ou aquilo, é preciso investigar suas idéias e crenças dominantes. Por que os publicitários mudaram assim o teor das imagens? Que tipo de idéias esses profissionais adquiriram nas faculdades de comunicações? Teriam sido suas mentalidades moldadas segundo a lógica dos “novos processos de mercantilização” ou segundo os cânones da crítica cultural, da destruição lacaniana do corpo? Emergiram eles dos bancos escolares imbuídos da “lógica do lucro” ou do ódio revolucionário à sociedade, à cultura, a tudo quanto existe? O prof. Safatle deveria conhecer melhor seus próprios alunos. Se há uma coisa óbvia neste mundo é que poucas classes odeiam o capitalismo tanto quanto o proletariado elegante da indústria cultural. Então, das duas uma: ou esses infelizes foram obrigados por astutos patrões a abdicar da pureza da sua crítica e a transformá-la em instrumento de dominação capitalista, ou, ao contrário, a mudança assinalada pelo prof. Safatle reflete exatamente o oposto do que ele diz – em vez da malícia capitalista que instrumentaliza a destruição, é a destruição que se apodera dos instrumentos da cultura de massas para impor-se como padrão dominante a toda sociedade. Aqui observa-se o mesmo fenômeno de delírio autoprojetivo que já assinalei em Pierre Bourdieu (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/090204dc.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/090212dc.html): para que os capitalistas
dominassem hegemonicamente a crítica cultural ao ponto de poder neutralizá-la por uma estratégia como a sugerida pelo prof. Safatle, seria preciso que, em cima da classe dos revoltados produtores culturais, houvesse uma outra classe intelectual mais esperta ainda que, a serviço do capitalismo, escravizasse sutilmente essas pobres vítimas, obrigando-as a trabalhar pelo contrário do que desejam, fomentando a economia em vez da destruição. Para isso, seria necessário que esta classe de super-intelectuais tomasse a totalidade da crítica cultural como objeto de análise, produzindo uma bibliografia científica pelo menos tão vasta quanto ela mesma, acrescida de complexos planos estratégicos para o seu aproveitamento inverso. Em vão o prof. Safatle procurará na bibliografia acadêmica ou em qualquer outra parte do universo os sinais de estudos dessa natureza. Essa coisa simplesmente não existe. O que existe, sim, é uma biblioteca mastodôntica de “estudos culturais” com ataques furibundos à cultura do capitalismo – e, evidentemente, aos estereótipos mercantis de beleza corporal. Então, das duas uma: ou o gênio maligno do capitalismo produziu toda essa estratégia e a colocou em ação de maneira totalmente imaterial e invisível, por meios telepáticos, sem precisar de estudos, de análises, de planejamentos estratégicos ou de qualquer outro recurso usual nas ações sociais, ou então o fenômeno de mercantilização da revolta tal como o prof. Safatle o descreve simplesmente não aconteceu. O que aconteceu, em vez disso, foi que milhares ou milhões de estudantes universitários intoxicados de crítica cultural, de frankfurtismo e de lacanismo saíram da faculdade, ocuparam os postos altos e baixos da indústria publicitária e aí injetaram sua ideologia da destruição. O próprio prof. Safatle, embora não seja profissionalmente um homem de publicidade, é um estudioso da área e portanto faz parte dessa classe. Ele mesmo foi um dos agentes do processo. Não é a imagem do corpo que é sempre dos outros: é a culpa pelas ações dos intelectuais enragés. A pretensa análise que o prof. Safatle faz das transformações da publicidade é um exemplo claro de paralaxe cognitiva – deslocamento entre o eixo da construção teórica e o eixo da experiência real – levada ao extremo da inversão total de sujeito e objeto, na qual uma classe agente e militante atribui suas próprias ações mais óbvias à autoria da entidade genérica e abstrata que ela imagina combater: o “capitalismo tardio”.
Como é exatamente a prática reiterada e obsessiva dessa inversão que o prof. Safatle ensina a seus alunos na USP, não espanta que, quando eles se põem a quebrar tudo e a atemorizar seus colegas, ele os veja como empenhados na mais alta e nobre das ocupações humanas, sem declarar – já que está escrevendo para um público de fora do grêmio – que essa ocupação é simplesmente... a destruição. Quem quer que tente impedi-los de entregar-se a essa mimosa atividade é um agente da opressão capitalista, com o agravante de nem mesmo praticá-la com a astúcia maquiavélica dos instrumentalizadores da crítica cultural, mas sim com abominável “brutalidade securitária”, porca miséria. Com exceções que desconheço se existem, o que os professores de filosofia e ciências humanas fazem na USP é simplesmente moldar as cabeças dos alunos segundo o padrão da sua própria alienação da realidade, do próprio divórcio entre suas pomposas construções verbais e sua existência concreta de sujeitos agentes. Isso não é de maneira alguma uma atividade respeitável: é uma sem-vergonhice patética.
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Ameaça ostensiva Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 29 de junho de 2009 O colunista Bob Herbert – aquele mesmo segundo o qual John McCain não parou de fazer insinuações racistas durante a campanha eleitoral de 2008, embora o restante da espécie humana não as ouvisse – publicou no New York Times do último dia 20 um artigo bastante esclarecedor. Esclarecedor mesmo: basta lê-lo para compreender por que aquele jornal vai diminuindo de tiragem a cada ano e já
está à beira da falência, tendo sido obrigado a arrendar metade do seu edifício-sede para arcar com seus custos de produção. O artigo, é óbvio, não fala de nada disso. Apenas exemplifica, ao tratar de assunto completamente diverso, o tipo de demagogia alucinada que a publicação do sr. Sulzberger passou a aceitar como jornalismo desde há mais de uma década, pagando esse capricho de esquerdista rico com uma desmoralização aparentemente irreversível. Desmoralização que só os jornalistas brasileiros não notaram, pelo simples fato de que em geral nada lêem da mídia estrangeira exceto o próprio New York Times (e o Monde Diplomatique, que é mais mentiroso ainda). Mas não há nisso nada de inusitado: a degradação do NYT, afinal, não completou o prazo regulamentar de trinta anos exigido para que os fatos do mundo sensibilizem o cérebro nacional. Herbert assegura que os três crimes mais chocantes ocorridos no território americano nas últimas semanas – os assassinatos do médico abortista Tiller, de três policiais em Pittsburgh e de um guarda do Museu do Holocausto em Washington D.C. – foram causados pela propaganda direitista contra o governo Obama. Ele alerta às autoridades que os “ataques foram motivados pelo ódio direitista: são apenas o começo e o pior está por vir” – donde se conclui facilmente que o governo precisa fazer alguma coisa para tapar a boca dos agitadores, especialmente, segundo Herbert, a National Rifle Association (NRA), cujo presidente, Wayne La Pierre, exorta continuamente os membros da entidade a lutar contra qualquer tentativa governamental de privá-los de suas armas de fogo. Vamos agora aos fatos: 1. Segundo a polícia, o assassino do dr. Tiller não é militante de nenhuma organização anti-abortista, cristã ou conservadora: é um doente mental, já cometeu outros crimes e não disse uma só palavra que sugerisse motivações morais ou ideológicas. É até possível – mera suposição, que Herbert toma como certeza absoluta – que ele tenha reagido, de maneira insana, à notícia de que o médico era responsável pelas mortes de milhares de crianças, muitas delas saudáveis e completamente formadas, já no nono mês de gestação; mas essa notícia não é propaganda direitista de maneira alguma: é um fato reconhecido por toda a mídia e
alardeado, com orgulho, pelo próprio Tiller, sob o nome de socorro humanitário a pobres mulheres privadas do conhecimento das camisinhas ou dos benefícios incalculáveis da esterilização preventiva. Caso as organizações anti-aborto estivessem mesmo induzindo alguém à prática da violência, os primeiros a atender a esse apelo deveriam ser seus próprios militantes. Estranha propaganda, essa, que nenhum efeito exerce sobre seu público-alvo mas vai influenciar, à distância, um maluco que jamais mostrou qualquer interesse pela causa anti-abortista! O mesmo fenômeno observa-se, aliás, na NRA: seus milhões de membros armados até os dentes insistem em não cometer crime algum, deixando irresponsavelmente essa tarefa para pessoas de miolo mole que jamais freqüentaram a organização. 2. O autor dos disparos no Museu do Holocausto foi retratado pela mídia como um fanático anti-semita, coisa que ele é mesmo. Mas ele é também um evolucionista roxo e anticristão odiento – um dado cuidadosamente omitido não só por Herbert mas também pela seção noticiosa do New York Times, e que por si já basta para mostrar que o criminoso nada tem a ver com a direita americana; direita que, para a desgraça total das especulações herbertianas, é tão notoriamente pró-judaica que os esquerdistas em massa a acusam de ser um bando de vendidos à “internacional sionista”. Herbert repete o engodo de Michael Moore, que, para lançar sobre os conservadores a culpa moral pelo massacre de Columbine, omitiu de propósito a informação de que os autores do crime o cometeram num acesso de ódio ao cristianismo. O mesmo truque sujo foi usado no caso da Virginia Tech, quando a grande mídia unânime escondeu do público que o assassino, um imigrante coreano, fora doutrinado por uma professora esquerdista, militante black radical, na base do slogan “Morte aos brancos, morte aos judeus”. Quando a inspiração ideológica é direta, comprovada, explícita e vem da esquerda, é preciso escondê-la a todo custo, inventando, em contrapartida, as mais artificiosas associações de idéias para criminalizar cristãos e conservadores. Herbert não é, nisso, nem um pouco original: segue a regra estabelecida. 3. Quanto ao assassino dos três policiais, o site de fiscalização midiática Slate, confrontando as várias notícias, concluiu que não há como classificar o sujeito de extremista, seja de direita, seja de esquerda, já que ele é uma cabeça confusa demais para compreender o sentido político do que faz. Embora ele tenha declarado temer o desarmamento forçado da população, não consta que ele jamais tivesse lido a respeito em revistas ou folhetos da NRA. A única fonte que ele citou
sobre o assunto foi o site neonazista Stormfront, publicação tão representativa da direita americana que chega a rotular Obama de conspirador sionista, enquanto os sionistas de verdade e os conservadores em peso preferem julgá-lo, como disse recentemente Morton Klein (líder da Zionist Organization of America), “o presidente americano mais anti-Israel de todos os tempos”, empenhado, segundo o rabino Pomerantz, em “criar um clima de ódio contra os judeus”. Forçando a especulação de intenções sutis até o último limite da inversão completa, Herbert procura persuadir os leitores de que a pregação conservadora é uma ameaça potencial à segurança pública dos EUA (aviso que chega a ser psicótico numa época em que americanos são mortos todas as semanas sob os aplausos da esquerda mundial), mas não consegue esconder que seu apelo ostensivo à ação governamental contra esses alegados subversivos é uma ameaça real e presente ao direito de livre expressão. Tendo em vista os esforços da esquerda democrata para restaurar a Fairness Doctrine e tirar dos conservadores metade do tempo que eles têm no rádio, torna-se uma simples questão de realismo parafrasear o próprio Herbert e concluir que essa ameaça “é apenas o começo e o pior está por vir”. Neste e em outros artigos, Herbert pinta os EUA como nação recordista de crimes violentos, causados – é claro! – pelos milhões de armas legais nas mãos de seus cidadãos. Mas o curioso não é que ele apele a esse estereótipo bocó: o antiamericanismo interno prima por evitar comparações internacionais que o desmentiriam no ato (por exemplo, a criminalidade na Inglaterra multiplicando-se por quatro desde a proibição das armas de fogo). O curioso é que, lido num país como o nosso, que tem dez vezes mais crimes violentos do que os EUA, com metade da sua população e um número ínfimo de armas legais, o besteirol de Herbert não suscite automaticamente, pela simples confrontação dos números, o riso de escárnio que merece, e sim o respeito e a consideração devidos ao jornalismo sério.
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Credulidade sem fim Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 2 de julho de 2009 Incluo entre as maravilhas do mundo, sem a menor hesitação, a credulidade residual que a espécie humana concede ainda, transcorridas duas décadas da queda da URSS, à totalidade dos mitos culturais espalhados pela KGB. Se fosse preciso alguma prova da presteza servil com que as almas cedem ante a autoridade moral da mentira, essa seria mais que suficiente. As lendas mais estapafúrdias, as tolices mais deprimentes, as absurdidades mais flagrantes são ainda acreditadas como verdades de evangelho, não só nos círculos esquerdistas, mas até entre pessoas que se imaginam liberais e conservadoras. Volta e meia, quando contesto de passagem alguma dessas enormidades, meus leitores e “admiradores” se apressam em me enviar links e “fontes” que parecem me contraditar. Fazem-no ressalvando que não acreditam em nada disso, mas que se sentem desarmados para contestar essas fontes pessoalmente, deixando, portanto, ao meu encargo essa tarefa e colocando sobre as costas de um só a responsabilidade que seria de milhares. É verdade que nunca houve no mundo uma organização – de propaganda ou de qualquer outra coisa – que se comparasse à KGB, com seus 500 mil funcionários em Moscou, milhões de agentes espalhados pelo mundo e orçamento secreto, ilimitado, inacessível até ao Parlamento soviético. Mas também é verdade que, após tantos exemplos que forneci com provas cabais, aqueles que tendem a concordar comigo teriam a obrigação de usar sua própria inteligência, de fazer suas próprias pesquisas e de me ajudar nesse esforço inglório em vez de sobrecarregar com uma multiplicidade de tarefas miúdas aquele que tem deveres mais altos a cumprir. Esta semana, por exemplo, um leitor aponta-me o livro de Morgana Gomes, A Vida e o Pensamento de Karl Marx, no qual o físico Albert Einstein aparece como “uma das vítimas mais famosas do macartismo”. Como eu respondesse, pelo meu programa de rádio, que aquilo era mentira grossa, o remetente insistiu, afirmando que aparentemente Morgana Gomes se baseara em fontes idôneas, como por
exemplo o livro The Einstein File de Fred Jerome, baseado no dossiê Einstein do FBI, e endossado até por sites insuspeitos de esquerdismo como www.americanheritage.com. Como já expliquei dezenas de vezes, toda mentira é construída com pedaços da verdade, às vezes acrescentando alguns de pura invencionice, às vezes – na maior parte dos casos – apenas suprimindo os dados comparativos para deformar as proporções e o sentido dos fatos. Esse é precisamente o caso. Como poderia Albert Einstein ser uma “vítima do macartismo” se nunca foi preso, nem interrogado, nem intimado por nenhuma autoridade federal americana, nem jamais perdeu seu emprego por pressões do governo? Se havia um dossiê sobre ele no FBI, era simplesmente pelo fato de que todos os cientistas sugeridos para contratação em projetos de energia atômica eram investigados, e o eram obrigatoriamente, como o são em qualquer país do mundo envolvido nesse tipo de empreendimento. Se J. Edgar Hoover se abstivesse de investigá-lo, pelo simples fato de ser Einstein um queridinho da mídia, estaria abrindo uma exceção ilegal e incorrendo em crime de prevaricação. Omitido esse dado óbvio, a simples existência do dossiê passa a valer como prova de “perseguição”. No caso de Albert Einstein, a obrigação de investigá-lo era tanto maior porque ele mesmo, sem ser convidado, insistia obstinadamente em pedir sua inclusão no Projeto Manhattan (fabricação da bomba atômica), e foi por influência dele que o projeto contratou os serviços do Dr. Klaus Fuchs, que mais tarde se comprovou ser espião comunista e colaborador estreito do casal Rosenberg. Recentemente, a galeria Sotheby de Londres colocou à venda, em leilão milionário, nove cartas de Einstein que provam sua ligação amorosa secreta com Margarita Konenkova, identificada como agente da KGB nas memórias do espião soviético Pavel Sudoplatov, publicadas em 1995. Para piorar as coisas, Einstein era afiliado a pelo menos dezessete organizações de fachada a serviço da KGB, entre as quais o “Congresso Mundial contra a Guerra Imperialista”, a “Liga Americana contra a Guerra e o Fascismo” e o “Comitê Americano de Ajuda à Democracia Espanhola” (democracia que era, na verdade, uma ditadura genocida). Hoover seria ele próprio um criminoso caso se abstivesse de coletar dados como esse e de informá-los ao governo americano. Tudo isso foi obtido com investigações discretas, sem que o suspeito fosse jamais intimado a dar uma só declaração, seja
ao FBI, ao Comitê de Atividades Anti-americanas do Senado ou a qualquer outra entidade do governo americano. Que, com essa ficha de “companheiro de viagem”, Einstein continuasse a receber todo o apoio oficial e midiático para seu trabalho científico, sem ser jamais incomodado diretamente, prova apenas até que ponto a democracia é tolerante e bondosa para com seus inimigos. E, quando se sabe que hoje a teoria da relatividade é contestada como mera empulhação elegante – v. http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=teoria-darelatividade-e-ideologia--e-nao-ciencia--defende-pesquisador&id=010130090527 –, é mesmo de se lamentar que tanta delicadeza de sentimentos seja desperdiçada com quem não a merece. Porém, mais absurdo do que dizer que Einstein foi perseguido é pretender que o tenha sido pelo senador Joseph McCarthy. Não só o cientista jamais foi convocado para depor ante a famosa comissão McCarthy, mas esta nunca teve qualquer colaboração substantiva do FBI. J. Edgar Hoover foi um dos inimigos mais odientos de Joseph McCarthy e um dos responsáveis diretos pela destruição da sua carreira. McCarthy, sim, foi vítima do FBI. Sofreu nas mãos de Hoover o que Einstein jamais sofreu: teve seu telefone grampeado, sua correspondência violada, sua vida particular vasculhada e espalhada pelos jornais, seus assessores interrogados e todo o seu trabalho boicotado. Isso está abundantemente comprovado em três livros que todo interessado no assunto tem a obrigação de ler antes de sair fazendo de Einstein uma “vítima do macartismo”: McCarthy and His Enemies, de William F. Buckley Jr. e L. Brent Bozell (Washington, Regnery, 1954, reimpresso em 1995); Joseph McCarthy: Reexamining the Life and Legacy of America’s Most Hated Senator, de Arthur Herman (New York, The Free Press, 2000); e sobretudo Blacklisted by History: The Untold Story of Senator Joe McCarthy and His Fight Against America’s Enemies, de M. Stanton Evans (New York, Crown Forum, 2007). Hoje há evidências cabais de que todos os cinqüenta e tantos altos funcionários apontados por McCarthy como riscos de segurança para o governo americano tinham efetivamente ligações com a espionagem soviética e não eram riscos imaginários. McCarthy só errou ao presumir de suas forças e não medir o exato poderio do inimigo – poderio que ainda se exerce sobre as mentes e corações de tantos dos nossos contemporâneos.
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Suprema iniqüidade Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 7 de julho de 2009 Uma rápida pesquisa no Google mostra 1.600.000 casos de emprego da palavra “abortista” para qualificar os adeptos do aborto e/ou da sua legalização. Excluemse desse total os exemplos de uso do mesmo termo em revistas e jornais impressos, livros, debates orais, conferências, aulas e conversações do cotidiano, que elevariam o cômputo para várias centenas de milhões, sobrepujando o número de pessoas existentes no Brasil. A partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal acatou a sentença que condenara o Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz pelo crime de chamar uma adepta do aborto de abortista, os demais casos de emprego do termo no mesmo sentido passam automaticamente a ser crimes. Cabe portanto às autoridades a escolha entre punir todos os seus autores – isto é, a população nacional em peso, excluído o modestíssimo contingente dos militantes pró-aborto que jamais tenham usado a palavra proibida (o que não é o caso de todos eles) –, ou então deixá-los todos impunes e castigar discricionariamente um só, o Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz. Se optar pela primeira alternativa, aquele egrégio tribunal terá se igualado ao Dr. Simão Bacamarte, superando-o apenas nas dimensões da sua megalomania, de vez que o Alienista de Machado de Assis encarcerou somente os habitantes da vila de Itaguaí, ao passo que Suas Excelências o terão feito com a quase totalidade dos brasileiros e, de quebra, com algum turista lusófono – português ou angolano, digamos – que tenha a imprudência de desembarcar nestas plagas sem primeiro informar-se das proibições vocabulares vigentes no local.
Na segunda hipótese, já não será um tribunal de justiça, e sim um comitê de aplicação seletiva de injustiças politicamente convenientes. Nas duas eventualidades, estará desmoralizado – e, como não há logicamente uma terceira, não vejo como escapar à conclusão de que já o está. Suas Excelências, depois de tantas outras que as precederam em postos legalmente habilitados a esse tratamento honorífico, na Presidência da República, no Senado, na Câmara dos Deputados, nas assembléias estaduais e no próprio STF, terão demonstrado, uma vez mais, que a excelência de um cargo não se transmite sempre – ou quase nunca – à pessoa do seu ocupante. Certa vez, como eu elevasse a minha voz num bate-boca com um general embrulhão, ele exigiu que eu respeitasse a sua farda. – Respeito-a, como não?, retruquei. – Por isso mesmo espero que ela o vomite o quanto antes, para não andar por aí com essa vergonha por dentro. O referido enfiou a viola no saco, e eu, que felizmente jamais o vira fardado, não sei o que fez desde então, pois nunca voltei a vê-lo em indumentária nenhuma, ou desprovido dela. Diante da atitude dos juízes para com o Pe. Lodi, sinto-me tentado a esboçar uma analogia entre a farda e a toga, mas deixo isso para depois. Por enquanto, limitome a constatar que, além do paradoxo lingüístico-juridico acima apontado, Suas Excelências meteram-se noutro ainda pior ao endossar a premissa adotada pelo tribunal inferior, que considerou “pejorativo” o termo “abortista”. Uma palavra só pode ser pejorativa em duas circunstâncias: ou ela é pejorativa em si mesma, como um palavrão ou um apelido insultuoso, não cabendo usá-la jamais em sentido neutro; ou, ao contrário, trata-se apenas do uso pejorativo de uma expressão que, noutro contexto, poder ser totalmente neutra e inofensiva. Em qual dois casos está a palavra “abortista”? Em nenhum dos dois. Para que fosse pejorativa em si mesma, seria preciso que houvesse outra palavra, neutra, eufemística ou elogiosa, que designasse o mesmo objeto sem as conotações negativas da primeira. Como o próprio Pe. Lodi observou, os juízes que o
condenaram foram totalmente incapazes de citar um só termo alternativo que nomeasse, sem as supostas intenções pejorativas, os adeptos do aborto e do abortismo. Na segunda hipótese, seria preciso reconhecer que o termo “abortista”, em si, nada tem de pejorativo, que apenas são pejorativos certos usos dele, como acontece, por exemplo, com a palavra “político”, que, em certos contextos, pode ser a designação neutra de uma ocupação humana e, em outros, quase um palavrão. Admitido isso, seria preciso em seguida provar que o emprego do termo pelo Pe. Lodi teve intenção pejorativa, ou seja, que ele chamou a militante pró-aborto de abortista no “mau” sentido e não no “bom”. Para complicar ainda mais as coisas, a prova de intenções pejorativas, na segunda hipótese, é praticamente impossível, de vez que, se não há um termo alternativo, há no entanto um termo correlato, “aborteiro”, que designa o autor de um crime e é muito anterior, no vocabulário corrente, ao surgimento da expressáo “abortista”, pelo simples fato de que a prática de abortos antecede historicamente a existência de um movimento organizado em defesa dela. A palavra “abortista” surgiu, precisamente, para distinguir entre a prática e a doutrina, subentendendo, com toda a evidência, que todo aborteiro é necessariamente abortista mas nem todo abortista é aborteiro, e excluindo, portanto, de toda suspeita de crime de aborto os meros defensores da legalização do procedimento. Esse termo constitui, assim, precisamente o oposto de um pejorativo: ele existe para proteger, não para ofender. Como nem os juízes do tribunal inferior nem os do STF examinaram estas questões e nem mesmo as mencionaram, mostrando-se totalmente inconscientes dos tremendos problemas semânticos envolvidos na criminalização de uma palavra, a única conclusão possível é que lavraram sentença sobre um caso do qual não entenderam nada, não procuraram entender nada e nem mesmo suspeitaram de que nele houvesse algo a ser entendido antes de ser julgado. Se foi assim, e não vejo logicamente como poderia ter sido de outro modo, então é claro que Suas Excelências de ambos os tribunais prejulgaram o caso com um desleixo imperdoável em ocupantes de cargos de tão alta responsabilidade, acrescido de uma pressa indecente em ceder às exigências histéricas de um grupo de pressão queridinho da mídia.
Se, por não haver instância judicial que o transcenda, o Supremo Tribunal é de fato supremo, também o são as iniqüidades que venha a cometer. Contra elas, a única esperança é o Senado Federal, a quem cabe, pela Constituição, Art. 52, processar e julgar os juízes daquele Tribunal. Os senadores, porém, só se mobilizarão para isso se pressionados pelo eleitorado, especialmente pelas organizações religiosas. Terão estas ainda a coragem de agir em defesa de um sacerdote vítima de iniqüidade?
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Um globalismo cristianizado? Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 10 de julho de 2009
Em qualquer texto doutrinário que vise a influenciar de algum modo a vida política, é preciso distinguir três níveis: (1) os princípios morais e políticos gerais proclamados ou implícitos; (2) a análise da situação concreta, e (3) as ações sugeridas ou apoiadas. No primeiro nível, a Encíclica Caritas in Veritate proclama a necessidade de fundar toda política social na caridade, e esta na verdade: “Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é a luz que dá sentido e valor à caridade.” No segundo nível, oferece um diagnóstico totalmente falso das causas da presente crise econômica. No terceiro, sugere como remédio aos males da economia atual a intensificação e ampliação das mesmas causas que os determinaram. Por mais que eu respeite a pessoa do Papa e a santidade do seu ofício, não posso ver aí verdade nenhuma, nem portanto caridade,
exceto se por esta palavra entendermos as boas intenções ineficazes que a própria Encíclica condena. Desde logo, Bento XVI apresenta como causa fundamental dos problemas atuais a desregulamentação da economia e a redução das redes de segurança social, que trazem “grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social.” Precisamente ao contrário, a ampliação desmesurada da previdência social – quase sempre forçada por meio dos mesmos argumentos agora usados por S. Santidade – foi que causou a falência do sistema bancário e, portanto, dos Estados que nele se apóiam. É verdade que “os sistemas de segurança social podem perder a capacidade de desempenhar a sua função”, mas não porque o mercado foi desregulamentado e sim porque lhes falta dinheiro para atender às exigências crescentes de ONGs ativistas, “movimentos sociais” e organismos internacionais, inclusive em favor da imigração ilegal. Quando Bento XVI oferece como solução para a crise econômica o aumento do poder regulador desses organismos, ele esquece que esse poder já veio crescendo, nas últimas décadas, ao ponto de impor a muitos países obrigações sociais que sua economia não suporta. Por outro lado, é claro que muito do falatório liberal em favor da “abertura dos mercados” não veio de nenhum amor sincero ao liberalismo econômico, mas como expediente maquiavélico para debilitar os Estados nacionais e transferir sua soberania a organismos globais controladores, de modo que tanto as vantagens quanto as desvantagens daquela abertura concorressem igualmente para o acréscimo do poder da elite globalista. Os beatos de sempre vão assegurar-nos, é claro, que a nova Encíclica não é um manifesto de apoio ao governo global. O texto mesmo dá-lhes o desmentido formal: “Para sanar as economias atingidas pela crise, ... urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial” investida de “poder efetivo”. Como modelo dessa autoridade, S. Santidade sugere... o Estatuto das Nações Unidas! Publicada com poucos dias de antecedência da nova reunião dos líderes do G-8, que já proclamam a necessidade de adotar em escala mundial uma política de “estímulos” como a implantada pelo presidente Barack Obama nos EUA, qual outro efeito real pode ter essa Encíclica senão o de um incentivo legitimador a que esses indivíduos façam precisamente o que querem fazer? Se, enquanto isso, o
desemprego que Obama prometia eliminar cresce a olhos vistos, levando o próprio vice-presidente Joe Biden a confessar que a política alegadamente salvadora se baseou numa interpretação errada da economia, isso não impede S. Santidade de endossar como certa essa mesma interpretação errada e de sugerir que a solução fracassada seja ampliada em escala mundial. A obstinação dos altos círculos católicos na idolatria do “controle global” não vem de hoje. Como o próprio Bento XVI reconhece, “depois da queda dos sistemas econômicos e políticos dos países comunistas da Europa Oriental,... na seqüência dos acontecimentos do ano 1989, o Pontífice (João Paulo II) pediu que o fim dos ‘blocos’ fosse seguido por uma nova planificação global do desenvolvimento, não só em tais países, mas também no Ocidente.” Ou seja, do fracasso total do maior experimento de economia planificada já tentado neste mundo, João Paulo II concluía que era preciso mais planificação ainda, e de dimensões globais. Não se trata, aqui, de fazer a apologia abstrata da liberdade de mercado. É verdade que a modéstia na intervenção estatal coincide universalmente com a prosperidade (o Índice de Liberdade Econômica do Hudson Institute prova isso ano após ano), mas, como já tenho explicado dezenas de vezes, em geral essa liberdade vem hoje articulada a um projeto político que só a expande em escala local para melhor estrangulá-la no plano mundial. Nenhuma referência a essa maliciosa articulação de estratégias se vê na Encíclica de Bento XVI. Reconhecendo embora o poder criativo do livre mercado, o Papa não só faz a apologia do maior controle burocrático, mas sugere que dele participem as entidades da “sociedade civil”, como se não tivesse sido justamente a pressão dessas entidades – quase sempre apoiadas num discurso enganosamente cristão e subsidiadas pela elite globalista – que levou à destruição do sistema bancário. Se, em aparente compensação, Bento XVI exorta os planificadores globais a orientar suas ações num sentido cristão, ele não fornece nem a mais mínima sugestão prática de como realizar essa cristianização do globalismo. A proclamação dos valores cristãos paira no céu das generalidades abstratas, enquanto, no plano da ação prática, só o que se sugere é a ampliação dos controles globais. Sem conexão com as medidas efetivas sugeridas, o apelo à verdade e à caridade funciona, nesse documento, tão-somente como um adorno retórico, embelezando um programa político que não tem com ele a menor conexão lógica e que oferece,
como solução do mal, a ampliação das causas que o geraram. Os líderes do G-8 estão livres para brandir a Encíclica Caritas in Veritate como um poderoso argumento em favor de políticas que já haviam escolhido de antemão. Para piorar formidavelmente as coisas, é público e notório que o poder globalista em expansão, longe de se inspirar no que quer que seja de genuinamente cristão, tem como um de seus objetivos professos – intimamente associado às suas políticas econômicas – a implantação de uma religião universal biônica, na qual a Igreja Católica, expurgada de seus elementos tradicionalistas, se integre como um instrumento dócil da maior farsa espiritual já tentada no universo (v. documentação cabal em Lee Penn, False Dawn. The United Religions Initiative, Globalism and the Quest for a One-World Religion, Hillsdale, NY, Sophia Perennis, 2004). Ao longo do texto, Bento XVI esperneia, aqui e ali, contra o relativismo e a descristianização, como se estes males viessem do ar e não do mesmo establishment globalista cujo poder ele procura expandir. O dilema em que esse documento coloca os católicos é temível: deverão eles, por obediência ao Papa, colaborar com o fortalecimento do mesmo poder global que os estrangula e vai tornando inviável o exercício público da sua fé, ou, ao contrário, devem voltar-se contra o Sumo Pontífice, aprofundar ainda mais a divisão na Igreja e dar munição à campanha mundial anticatólica? Qualquer das duas alternativas é inaceitável. Enquanto os conservadores e cristãos não aprenderem que não é possível fazer face ao inimigo simplesmente “tomando posição” contra ou a favor disto ou daquilo, não haverá esperança para a humanidade senão a de adaptar-se servilmente a controles globais cada vez mais opressivos e anticristãos. A estratégia do inimigo não é linear: ela é dialética. Ela articula forças contrárias, fazendo-as trabalhar pelo sucesso da síntese global. O que é preciso não é combater propostas isoladas – favorecendo na esfera cultural o que se abomina na da política, ou cedendo na economia aquilo que se pretende defender na esfera cultural –, mas compreender a lógica total do “sistema do Anticristo” e oferecer-lhe resistência integral, tão articulada quanto a estratégia de que ele se serve. A rejeição categórica do diagnóstico econômico e das soluções propostas pelo Papa Bento XVI deve, portanto, vir junto com o apoio mais decidido aos valores gerais que ele proclama. E a melhor maneira de fazer isto é mostrar que esses valores vão no sentido precisamente oposto ao dos remédios que ele propõe.
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Verás que um filho teu... Não, não verás Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 17 de julho de 2009 Como é possível que, menos de duas décadas após a dissolução da URSS, os partidos e movimentos de teor inequivocamente socialista, que então pareciam destinados à lata de lixo da História, podem ter avançado o bastante não só para dominar o continente latino-americano praticamente sem encontrar resistência, mas também para criar a campanha de ódio anti-americano mais bem sucedida de todos os tempos, ludibriando a opinião pública mundial ao ponto de fazer a guerra no Congo (quatro milhões de mortos até 2004) desaparecer sob a gritaria geral contra a guerra do Iraque? Deslindar as causas efetivas do fenômeno é menos importante do que identificar e eliminar as condições ambientes que o possibilitaram, especialmente na medida em que foram criadas pelos adversários mesmo do socialismo, quer se denominem liberais ou conservadores. A primeira dessas condições é a própria inexistência de uma “internacional de direita”, ou mesmo de direitas nacionais unificadas em cada país afetado pela ascensão da esquerda. A unidade do movimento esquerdista mundial é cada vez mais visível na harmonia geral das suas mensagens, no instantâneo apoio recíproco entre iniciativas geograficamente distantes entre si, na incrível coordenação entre as organizações mais díspares e aparentemente incompatíveis, na uniformidade dos slogans gritados em cinco continentes.
Do outro lado, até o mais poderoso movimento conservador do mundo – o americano – isola-se cada vez mais na esfera das questões nacionais e até regionais, sem nem pensar em assumir a luta fora do território americano. Na América Latina, a incomunicação, incompreensão ou mesmo hostilidade entre os vários grupos inconformados com a dominação esquerdista bloqueia qualquer iniciativa maior – exceto na Colômbia e, quase paradoxalmente, na Venezuela – e vai cada vez mais reduzindo os partidos de direita à condição de auxiliares menores da “esquerda moderada”, na qual, com o auto-ilusionismo dos desesperados, acabam depositando e desperdiçando seu restinho de capital eleitoral, cada vez mais minguado. Na verdade, o maior sonho dessas organizações não é lutar e vencer: é conquistar a benevolência do inimigo e ser dispensados da luta. Tanto que, quando alguém do seu lado as convida a lutar, elas imediatamente tratam de mandar às urtigas o “radical”, o “fanático”, ostentando isso em seguida, diante do trono real, como prova de “moderação” e “equilíbrio”, os novos nomes da subserviência, da acomodação e da covardia. No Brasil, não há sequer uma militância liberal ou conservadora. Há apenas um eleitorado solto, esparramado e inerme, sem ter quem fale por ele, e milhares de jovens que, sem meios de ação, descarregam sua frustração e desesperança em blogs, isto quando não se estapeiam uns aos outros em fóruns de discussão, para maior alegria da esquerda triunfante.
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A OEA, órgão do Foro de São Paulo Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 20 de julho de 2009 A teoria de que o think tank democrata “Diálogo Interamericano” controla o Foro de São Paulo foi lançada pelo meu amigo José Carlos Graça Wagner no começo dos anos 90, uma época em que ninguém no Brasil – muito menos ele próprio – tinha uma visão clara do esquema globalista em ação nos EUA. O dr. Wagner foi o pioneiro nas investigações sobre o Foro de São Paulo, mas tão longe da realidade ele estava quanto a esse ponto em particular, que interpretava as ações do Diálogo em termos do interesse nacional dos EUA, acreditando que o apoio dado por aquela entidade à esquerda latino-americana visava a conter o fluxo da imigração ilegal que ameaçava a segurança interna daquele país. Transcorrida uma década e meia de apoio constante da esquerda democrata à abertura das fronteiras para os ilegais, essa hipótese deve ser considerada apenas um erro já longamente superado. Desenterrá-la é deixar-se hipnotizar por um fantasma. Que houve colaboração entre o Diálogo e o Foro, não se pode negar. Pelo menos um encontro discreto entre representantes das duas entidades aconteceu em maio de 1993. O fato foi completamente ocultado pela grande mídia norte-americana e só saiu na edição cubana do Granma no dia 5 daquele mês. Como no ano passado eu recebesse dos arquivos do Dr. Graça Wagner um recorte parcial da matéria, pedi que um assistente meu buscasse o texto integral na Biblioteca do Congresso. A coleção completa do Granma estava lá: só faltava a edição de 5 de maio de 1993. A mesma lacuna observou-se em várias outras bibliotecas, alimentadas por aquele organismo central. Coincidência ou não, a então diretora da seção latino-americana da Biblioteca do Congresso era a mesma pessoa que havia organizado o encontro entre o Diálogo e o Foro quinze anos antes. Por mais comprometedor que seja esse episódio, não se deve exagerar a sua importância, porque depois dele aconteceram tantos outros contatos diretos entre agentes globalistas de maior porte e representantes do Foro de São Paulo, e até mesmo das Farc, que as conversações de 1993 não podem ser vistas, hoje, senão como o vago começo de um flerte que já se estabilizou como casamento faz muito tempo. Mais ainda, esses contatos envolveram membros do CFR, Council on Foreign Relations, entidade todo-poderosa da qual o Diálogo Interamericano não
passa de uma subestação retransmissora. Expliquei isso em artigo aqui publicado em 5 de junho de 2006. Longe de representar uma expressão do poderio nacional americano (embora se utilize dele para seus próprios fins), o esquema globalista que protege a esquerda radical e o narcotráfico na América Latina tem o propósito declarado de quebrar a hegemonia dos EUA, facilitando a transformação da ONU em governo mundial. A eleição de Barack Obama, forçada por meio do controle absoluto dos meios de comunicação, que privou o eleitorado de informações essenciais sobre um candidato suspeitíssimo no qual jamais votaria se soubesse quem ele era, foi uma etapa importante do processo. Todas as medidas tomadas pelo presidente desde sua posse são perfeitamente coerentes com os objetivos de seus mentores: debilitar militarmente os EUA, destruir a economia nacional por meio do gasto público desenfreado e da inflação, desmantelar a resistência nacionalista (especialmente a direita religiosa), isolar Israel, favorecer a ascensão islâmica e proteger por todos os meios, inclusive os mais obviamente imorais, a esquerda radical na América Latina. Nunca um presidente norte-americano, com a modesta exceção de Jimmy Carter, foi tão coerentemente inimigo do seu país. Sua mais recente iniciativa nesse sentido não poderia ser mais clara: condenando Honduras numa seção em que a parte acusada não teve o menor direito de defesa, a OEA consolidou-se como escritório de advocacia a serviço do castrochavismo, do narcotráfico e de tudo o que pode existir de mais anti-americano ao Sul do Rio Grande. Mais realista do que os tagarelas iluminados da nossa mídia, ainda e sempre empenhados em camuflar as ações do Foro de São Paulo sob toneladas de desconversas anestésicas, a imprensa de Honduras foi direto ao ponto: informou que, pelos bons préstimos de Barack Obama, o Foro de São Paulo assumiu o controle da OEA.
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Todo o poder aos ladrões Olavo de Carvalho Digesto Econômico, julho/agosto de 2009 No tempo dos militares, centenas de políticos passaram pela Comissão Geral de Investigações (CGI) e tiveram suas carreiras encerradas com desonra, por delitos de corrupção. Ao mesmo tempo, dos generais e coronéis que ocuparam altos postos na República, nenhum saiu milionário. O patrimônio que lhes sobrou é o que teriam adquirido normalmente com seus soldos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Com a Nova República, tudo mudou. Primeiro, o combate à corrupção deixou de ser um empreendimento discreto, levado a cabo por investigadores profissionais: tornou-se ocupação da mídia. Nos momentos mais intensos das CPIs nos anos 90, deputados e senadores confessavam que os jornais passavam por cima deles, investigando e descobrindo tudo antes que Suas Excelências tivessem acabado de tomar seu café da manhã. Tudo o que os parlamentares tinham a fazer era dar cunho oficial às sentenças condenatórias lavradas nas redações de jornais. Segunda diferença: o partido que mais devotadamente se empenhou em denunciar corruptos, destruindo as carreiras de todos aqueles que pudessem se atravessar no seu caminho, e assim tornando viável, por falta de adversários, a candidatura presidencial de uma nulidade que de tanto sofrer derrotas já levava o título de “candidato eterno”, foi também aquele que, ao chegar ao poder, construiu a máquina de corrupção mais majestosa de todos os tempos, elevando o roubo a sistema de governo e provando que só conhecia tão bem as vidas e obras dos ladrões que denunciara por ser muito mais ladrão do que eles. Essa transformação foi acompanhada de outra ainda mais temível: o crescimento endêmico do banditismo e da violência, que hoje atingem a taxa hedionda de 50 mil brasileiros assassinados por ano.
Completando o quadro, a classe política mais canalha que já se viu investiu-se da autoridade de educadora da pátria, impondo por toda a parte suas crenças e valores e destruindo os últimos resíduos de moralidade tradicional que pudessem subsistir na sociedade brasileira. Definitivamente, há algo de errado no “combate à corrupção” tal como empreendido desde o retorno da democracia. Hoje em dia, espetáculos degradantes em que senhores de meia-idade, seminus, balançam suas banhas na Parada Gay são tidos como o auge da moralidade, o símbolo de direitos sacrossantos ante os quais a população, genuflexa, deve baixar a cabeça e dizer “amém”. O suprassumo da criminalidade reside em empresários que falharam em cumprir algum artigo de códigos labirínticos propositadamente calculados para ser de cumprimento impossível, criminalizando todo mundo de modo que os donos do poder possam selecionar, da massa universal de culpados, aqueles que politicamente lhes convém destruir, com a certeza de sempre encontrar algum delito escondido. Ao mesmo tempo, juízes bem adestrados no espírito militante invertem a seu belprazer o sentido das leis, promovendo assassinos e narcotraficantes ao estatuto de credores morais da sociedade, e impõem como único princípio jurídico em vigor a “luta de classes”. Nesse quadro, qualquer acusação de corrupção, vinda da mídia ou do governo, é suspeita. Não que sempre os fatos alegados sejam falsos. Mas, por trás do aparente zelo pela moralidade, esconde-se, invariavelmente, alguma operação mais ilegal e sinistra do que os medíocres delitos denunciados. A noção de “corrupção” implica, por definição, a existência de um quadro jurídico e moral estabelecido, de um consenso claro entre povo, autoridades e mídia quanto ao que é certo e errado, lícito e ilícito, decente e indecente. Esse consenso não existe mais. Quando uma elite de intelectuais iluminados sobe ao poder imbuída de crenças nefastas que aprenderam de mestres tarados e sadomasoquistas como Michel Foucault, Alfred Kinsey e Louis Althusser, é claro que essa elite, fingindo cortejar os valores morais da população, tratará, ao mesmo tempo, de subvertê-los pouco a pouco de modo que, em breve tempo, haverá dois sistemas jurídico-morais superpostos: aquele que a população ingênua acredita ainda estar em vigor, e o novo, revolucionário e perverso que vai sendo imposto desde cima com astúcia maquiavélica e sob pretextos enganosos.
Nesse quadro, continuar falando em “corrupção”, dando à palavra o mesmo sentido que tinha nos tempos da CGI, é colaborar com o crime organizado em que se transformou o governo da República. Isso não aconteceria se, junto com a inversão geral dos critérios, não viesse também um sistemático embotamento moral da população, manipulada por uma geração inteira de jornalistas que aprenderam na faculdade a “transformar o mundo” em vez de ater-se ao seu modesto dever de noticiar os fatos. Quando um país se confia às mãos de uma elite revolucionária, sem saber que é revolucionária e imaginando que ela vai simplesmente governá-lo em vez de subvertê-lo de alto a baixo, a subversão torna-se o novo nome da ordem, e a linguagem dupla torna-se institucionalizada. Já não se pode combater a corrupção, porque ela se tornou a alma do sistema, consagrando a inversão de tudo como norma fundamental do edifício jurídico, ocultando e protegendo os maiores crimes enquanto se empenha, para camuflá-los, na busca obsessiva de bodes expiatórios. Sempre que o governo se sente ameaçado por denúncias escabrosas ou por uma queda nas pesquisas de opinião, logo aparece algum empresário que não pagou imposto, algum fazendeiro que reagiu a invasores, algum padre que expulsou um traveco do altar – e estes são apontados à população como exemplos máximos do crime e da maldade. Enquanto isso, o Estado protege terroristas e narcotraficantes, acoberta as atividades sinistras do Foro de São Paulo e lentamente, obstinadamente, sem descanso, vai impondo à população o respeito devoto a tudo o que não presta. O mais abjeto de tudo, no entanto, é a presteza com que as próprias classes mais vitimizadas nesse processo – os empresários, as Forças Armadas, os proprietários rurais, as igrejas cristãs – se acomodam servilmente à nova situação, inventando os pretextos mais delirantes para fingir que acreditam nas boas intenções de seus perseguidores. Quando se torna institucional, a corrupção é ainda algo mais do que isso: é um veneno que se espalha pelas almas e as induz à cumplicidade passiva ou à adesão subserviente.
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A fonte da eterna ignorância Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 27 de julho de 2009
Há anos venho tentando chamar a atenção das nossas elites empresariais, políticas e militares para o fenômeno da degradação cultural brasileira, mas não creio que até agora tenha conseguido fazê-las enxergar a real dimensão do problema – até porque as elites mesmas são as primeiras vítimas dele e não há nada mais difícil do que fazer alguém tomar consciência da sua inconsciência progressiva. É como tentar parar uma queda em pleno ar. Desde logo, a palavra “cultura” já evoca, na mente desse público, a idéia errada. “Cultura”, no Brasil, significa antes de tudo “artes e espetáculos” – e as artes e espetáculos, por sua vez, se resumem a três funções: dar um bocado de dinheiro aos que as produzem, divertir o povão e servir de caixa de ressonância para a propaganda política. Que a cultura devesse também tornar as pessoas mais inteligentes, mais sérias, mais adultas, mais responsáveis por suas ações e palavras, é uma expectativa que já desapareceu da consciência nacional faz muito tempo. Se o artista cumpre as três funções acima, nada mais lhe é exigido nem mesmo para lhe garantir o rótulo de gênio. Foi preciso, no festival de Paraty, uma escritora irlandesa (Edna O’Brien) vir avisar aos brasileiros que Chico Buarque de Holanda não faz parte da literatura. Por si mesmos, eles jamais teriam percebido isso. Nos cursos universitários de letras, produzem-se milhares de teses sobre Caetano Veloso e o próprio Chico, enquanto escritores de primeira ordem e já consagrados pelo tempo, como Rosário Fusco, Osman Lins ou José Geraldo Vieira, são ignorados já não digo só pelos estudantes, mas pelos professores. Até a Academia Brasileira, nominalmente
incumbida de manter alto o padrão das letras nacionais, de há muito já não sabe distinguir entre o que é um escritor e o que não é. A hipótese de que o sejam os srs. Luís Fernando Veríssimo, Paulo Coelho e Marco Maciel jamais passaria pela cabeça de alguém habilitado, digamos, a compreender razoavelmente um poema de Eliot ou a perceber a diferença de fôlego entre Claudel e Valéry, isto é, de alguém que tenha ao menos uma idéia aproximada do que é literatura. A alta cultura simplesmente desapareceu do Brasil – desapareceu tão completamente que já ninguém dá pela sua falta. Como posso fazer ver a gravidade disso a pessoas que, não pertencendo elas próprias ao círculo das letras e das artes, recebem dele, prontos, os critérios de julgamento em matéria de cultura e, ao segui-los, acreditam estar em dia com os mais elevados padrões internacionais? Como posso mostrar ao político, ao empresário, ao oficial das Forças Armadas, que cada um deles está sendo ludibriado por usurpadores subintelectuais e encaixilhado numa moldura mental incapacitante? Um exemplo talvez ajude. Não conheço um só membro das nossas elites que não tenha opiniões sobre a política norte-americana. A base dessas opiniões é o que lêem nos jornais e vêem na TV. Acontece que o instrumento básico do debate político nos EUA é o livro, não o artigo de jornal, o comentário televisivo ou a entrevista de rádio. Não há aqui uma só idéia ou proposta política que, antes de chegar aos meios de comunicação de massas, não tenha se formalizado em livro, demarcando as fronteiras do debate que, nessas condições, é sempre pertinente e claro. Também não há um só desses livros que, em prazo breve, não seja respondido por outros livros, condensando e ao mesmo tempo aprofundando a discussão em vez de limitá-la às reações superficiais do primeiro momento. Ora, esses livros praticamente nunca são traduzidos ou lidos no Brasil. Se alguém os lê, deve mantê-los em segredo, pois nunca os vejo mencionados na nossa mídia, seja pelos comentaristas usuais ou pelos acadêmicos iluminados que os chefes de redação tomam como seus gurus. Resultado: a elite que confia nos canais jornalísticos como sua fonte básica de informação acaba sendo sistematicamente enganada. Não só forma opiniões erradas sobre o quadro internacional, mas, com base nelas, diagnostica erradamente a situação local e toma decisões estratégicas
desastrosas, que só a enfraquecem e a tornam dia a dia mais sujeita aos caprichos da quadrilha governante. Só para tornar o exemplo ainda mais nítido: quem quer que tenha lido, além das autobiografias de Barack Obama, as investigações sobre sua vida pregressa feitas por Jerome Corsi, Brad O’Leary e Webster Griffin Tarpley (anti-obamistas por motivos heterogêneos e incompatíveis), sabia de antemão que, se eleito, ele usaria o prestígio da própria nação americana para dar respaldo ao anti-americanismo radical dentro e fora dos EUA; que, no Oriente Médio, isso significaria sonegar apoio a Israel e aceitar pacificamente o Irã como potência nuclear; na América Latina, elevar Hugo Chávez, as Farc e o Foro de São Paulo ao estatuto de árbitros supremos da política continental. Como no Brasil ninguém leu nada disso, o que se impregnou na mente do público foi a visão de Obama como um progressista moderado, algo como um novo John F. Kennedy ou Martin Luther King. Nos EUA, com a ajuda da grande mídia cúmplice, Obama enganou metade do eleitorado. No Brasil, enganou a opinião pública inteira. Agora, só resta aos ludibriados atenuar retroativamente o vexame do engano mediante um novo engano, persuadindo-se de que, se até o governo americano apóia Hugo Chávez, é porque ele não é tão perigoso quanto parecia...
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A arrogância da mentira Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 30 de julho de 2009
Os maiores jornais brasileiros vivem da exploração da boa-fé popular e não vão parar com isso enquanto não se sentirem ameaçados por uma onda de queixas à Delegacia do Consumidor. O único atenuante que podem alegar é que a maior parte das mentiras que sai nas suas páginas vem pronta do exterior. A contribuição nacional aí consiste apenas na abstenção de qualquer exame crítico das fontes, isto é, na recusa obstinada de praticar o dever número um do jornalismo. Isso é precisamente o que sucede no caso da matéria “Irritada, Casa Branca garante que Obama é cidadão americano”, publicada no Globo dia 27. Assinada por Ross Colvin, da Reuters, a agência mais pró-comunista do mundo Ocidental, não resiste ao mais mínimo confronto com os documentos originais que cita. É mentira do começo ao fim, coisa de um cinismo criminoso que nenhuma inépcia ou distração poderia explicar. Vejam: 1) “Um estridente grupo de teóricos da conspiração conhecido como ‘birthers’ (‘nascimentistas’) está transtornando a Casa Branca com sua persistente alegação de que Barack Obama não é cidadão norte-americano nato, e portanto seria inelegível para a Presidência.” Ninguém está transtornando a Casa Branca. A pergunta sobre a certidão de nascimento de Obama surgiu uma única vez nas conferências de imprensa da presidência, e mesmo assim não foi feita diretamente a Barack Obama, mas a seu porta-voz Robert Gibbs. Se a presidência americana se sente “transtornada” por isso, não é pelo assédio de cobranças, mas pelo conteúdo mesmo da pergunta, à qual não tem podido dar uma resposta satisfatória. A campanha não alega que Obama não é cidadão americano, mas apenas que ele não apresentou provas de sê-lo. Em vez disto, ele já gastou aproximadamente um milhão de dólares com advogados para esquivar-se de apresentá-las, conduta que seria inexplicável se ele tivesse as provas para apresentar. Aliás, por que rotular os membros da campanha logo de cara com expressões pejorativas, “birthers” e “teóricos da conspiração”, assumindo a rotulação como adequada, em vez de designá-los de maneira neutra e em seguida informar que seus adversários os chamam por esses pejorativos, como seria a prática normal do jornalismo? Colvin não age como jornalista, mas como relações públicas,
mostrando que não está interessado em averiguar os fatos mas em atemorizar quem deseje investigá-los. 2) “Desde a campanha eleitoral de 2008 havia quem lançasse a suspeita de que Obama, primeiro presidente negro do país, teria nascido no Quênia, e não no Havaí.” Ninguém “lançou” essa suspeita. O que houve foi que a avó de Obama afirmou ter assistido pessoalmente ao nascimento dele num hospital de Mombasa. O repórter do WorldNetDaily, Jerome Corsi, enviado ao Quênia para averiguar o assunto, foi preso pelo governo local e deportado para os EUA. Diante disso, nenhuma suspeita precisa ser “lançada”: ela surge espontaneamente em qualquer cérebro normal. Mas a grande mídia assumiu como cláusula pétrea abster-se de noticiar ou investigar esses dois fatos, preferindo, em vez disso, chamar de “teóricos da conspiração” quem quer que os mencionasse mesmo sem tirar deles qualquer conclusão quanto à nacionalidade de Obama. 3) “A ‘certidão de nascido vivo’ de Obama, conforme a cópia divulgada na Internet, mostra que ele nasceu em Honolulu às 19h24 de 4 de agosto de 1961.” Colvin omite a informação básica de que a “certification of live birth” publicada no site de campanha de Obama não é um xerox, um arquivo computadorizado ou mesmo um traslado da sua certidão de nascimento original (‘birth certificate’), mas apenas um resumo enviado por internet, no qual faltam informações essenciais da certidão original, como o hospital de nascimento – dado que se torna tanto mais importante porque os mais fanáticos defensores de Obama se desmentem uns aos outros, citando dois hospitais diferentes. Durante a campanha eleitoral, o Congresso investigou minuciosamente a nacionalidade de John McCain, recusando-se a fazer o mesmo com Obama. McCain teve de apresentar a certidão de nascimento original (‘birth certificate’), enquanto Obama, livre de constrangimentos, se contentava com publicar o resumo eletrônico no seu site de campanha. 4) “A entidade apartidária FactCheck.org, ligada à Universidade da Pensilvânia, examinou, manipulou e fotografou a certidão original e concluiu que ‘atende a
todos os requisitos do Departamento de Estado para conceder cidadania dos EUA’.” Mentira grossa. FactCheck não fotografou a certidão original, mas apenas a versão impressa do resumo eletrônico. A segunda parte da frase é pura desconversa. A Constituição Americana estabelece uma diferença entre “cidadão”, que é qualquer um nascido em território americano ou aceito como imigrante, e “cidadão nativo”, nascido em território americano de pai e mãe americanos, o que com toda a evidência não é o caso de Obama (seu pai, nascido no Quênia, era súdito britânico). A mesma Constituição determina que só os “cidadãos nativos” podem ocupar a Presidência. Há controvérsias quanto à interpretação deste ponto e elas podem ser usadas como argumento em favor de Obama, mas não tem sentido alegar ao mesmo tempo que há controvérsias e que a elegibilidade de Obama não é controvertida. 5) “O FactCheck.org também cita o fato de que os pais de Obama (ele queniano; ela norte-americana) colocaram um anúncio em um jornal local, em 13 de agosto de 1961, anunciando o nascimento do filho.” O anúncio não diz onde nasceu o menino; só informa que os Obamas tiveram um filho e que sua residência era na rua tal, número tanto, em Honolulu – informação que por si já é mentirosa porque na data do parto mamãe Obama morava e estudava em Seattle, a duas mil milhas de Honolulu. Colvin nem de longe menciona que a certidão original não é o único documento de Obama que continua inacessível. Desde o tempo em que era candidato, o atual presidente mantém sob estrito sigilo todos os papéis equivalentes aos que seu adversário teve de exibir ao Congresso: registros escolares, teses acadêmicas, exames médicos, passaportes (inclusive o misterioso passaporte, provavelmente indonésio, com que ele conseguiu entrar no Paquistão quando ali era proibida a entrada de americanos), etc. O único documento que veio à tona, além da malfadada “certification of live birth” e da matrícula numa escola indonésia, foi um alistamento militar obviamente forjado ou então miraculoso: assinado em 1988 num formulário que só veio a ser impresso em 2008.
O que torna os documentos faltantes ainda mais necessários, e a sua ocultação ainda mais inaceitável, é o fato de que Obama tem mentido sobre sua biografia com a constância de um mitômano. Ele disse que nunca recebeu educação islâmica (os papéis da escola indonésia provam que recebeu), que nunca militou num partido socialista (logo apareceu a carteirinha), que seu pai foi pastor de cabras (nunca foi), que seu tio participou da libertação de Auschwitz (só se fosse soldado russo), etc. etc. Sua mais recente e primorosa lorota foi pronunciada na homenagem aos astronautas da Apolo-11: com a maior cara de pau, o homem disse que, como tantos outros havaianos emocionados, havia assistido pessoalmente à descida da cápsula espacial nas praias de Honolulu. O problema é que, nesse dia, ele estava na Indonésia. Para completar, a tropa-de-choque obamista, no desespero de desviar-se de perguntas irrespondíveis, tem recorrido aos argumentos mais incongruentes para dissuadir os curiosos. Por exemplo: funcionários do Registro Civil do Havaí asseguram que têm nos seus arquivos a certidão original de Obama (não a mostram nem informam o que está escrito lá), enquanto o presidente da CNN, tentando calar as perguntas do seu âncora Lou Dobbs, afirma que a questão está superada porque não existe mais certidão original – todos os arquivos do Registro Civil Havaiano foram destruídos em 2001. Tanto o nascimento de Obama quanto sua vida inteira são histórias mal contadas, repletas de absurdidades e contradições. O autoritarismo arrogante e cego com que o governo e a grande mídia exigem que um povo inteiro aceite essas histórias sem fazer perguntas, sob ameaça de ser acusado de extremismo de direita, já basta para mostrar que algo de muito grave – seja a nacionalidade, seja lá o que for – está sendo deliberadamente escondido. Que a mídia nacional faça eco servilmente a essa exigência arrogante, como se cada jornalista brasileiro fosse assessor de imprensa do presidente de uma nação estrangeira, é decerto um dos episódios mais deprimentes na vida de profissionais que já mostraram, no caso do Foro de São Paulo, sua disposição solícita de venderse barato aos interesses políticos mais vis, a um conluio abjeto de ladrões, traficantes e assassinos.
P. S. Tão logo enviei este artigo ao DC, chegou a notícia de que a Sra. Chiome Fukino, a alta funcionária do Registro Civil havaiano que afirmara ter visto a certidão original de Obama nos arquivos da repartição, agora assegura que ele nasceu mesmo em Honolulu. Como antes ela se esquivava de dar essa informação porque a lei a proibia de revelar dados do documento sem autorização do próprio Obama, não se sabe se ela decidiu violar a lei ou se recebeu o sinal verde de Obama para falar. Nesta última hipótese, o caso fica mais nebuloso ainda: por que autorizar uma entrevista sobre o documento e continuar mantendo oculto o próprio documento? Quem, ao solicitar uma carteira de motorista, apresenta, em vez da certidão de nascimento, o testemunho de alguém que jura tê-la visto?
Veja com seus próprios olhos a diferença entre uma certidão de nascimento original e o resumo publicado por Obama.
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Fugindo do vexame Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 3 de agosto de 2009 (Redigido em 17 julho de 2009) Desde que começou a campanha eleitoral americana no ano passado, entendi – e escrevi – que um único problema sério ali estava em jogo: a identidade de Barack Obama. De um lado, pouco ou nada se sabia do personagem, e ele fazia tanto empenho em ocultar fatos e documentos essenciais da sua vida quanto em exibir com esplendor máximo a imagem estereotipada construída em seus dois livros autobiográficos e numa profusão inabarcável de reportagens promocionais. De outro lado, a discussão de propostas de governo, nessas condições, era totalmente imaterial: entre os lances cuidadosamente encobertos da biografia de Barack Obama estavam justamente aqueles que revelavam os seus mais fundos compromissos ideológicos, ao passo que o discurso de campanha apresentava uma versão tão diluída e adocicada que dificilmente se poderia dizer, com base nela, quem era politicamente Barack Obama. Com toda a evidência, o que ele prometia fazer na presidência era apenas uma camuflagem de seus verdadeiros objetivos. Só para dar uma idéia do abismo entre o discurso e o plano de governo que ele encobria, notem que 72 por cento dos judeus americanos votaram no candidato democrata, acreditando que ele defenderia Israel como seus antecessores. Tão logo eleito, ele tirou a máscara, mostrando-se, conforme disse o líder sionista Morton Klein, “o presidente americano mais antiIsrael de todos os tempos”. E assim foi em muitos setores. Do seu discurso de campanha, nada se podia deduzir quanto ao que ele viria a fazer no governo. Mas da sua biografia podia-se deduzir tudo, com precisão milimétrica. Ademais, eleição não é debate acadêmico; campanha presidencial não é luta de idéias, é disputa de poder entre seres humanos reais e concretos. Àquela altura, discutir as “propostas” de Barack Obama era o cúmulo da alienação, da cegueira voluntária: os verdadeiros propósitos do candidato não se podiam deduzir dos seus discursos, da sua performance de leitor emérito de teleprompters, mas sim,
precisamente, daquilo que ele escondia, da sua vida de militante radical, colaborador pertinaz de ditadores e genocidas. Poucos analistas da política americana entenderam isso na ocasião. Quanto aos candidatos republicanos e seus iluminados mentores de campanha, esses não entenderam absolutamente nada. Havia mesmo um bloqueio mental impedindo que tocassem na ferida. A dificuldade de colocar em discussão a vida pregressa de Barack Obama, paradoxalmente, não vinha da força dos mecanismos de camuflagem que a encobriam, mas precisamente da sua fragilidade: o homem não tinha sequer uma certidão original de nascimento, seu alistamento militar era patentemente falsificado, ele e sua família se contradiziam quanto ao seu local de nascença, e até mesmo os registros de sua atividade como senador no Illinois tinham desaparecido, ao mesmo tempo em que espoucavam notícias alarmantes, sempre confirmadas, sobre suas ligações com vigaristas e terroristas. A posição real do candidato, sob esse aspecto, era tão frágil que seus adversários se recusaram a acreditar no que viam; desviando os olhos, permitiram que o feixe de enigmas e ocultações chegasse à Presidência. Agora que pela primeira vez um juiz federal aceitou examinar a matéria de um dos processos de inelegibilidade movidos contra Obama, a fatídica certidão de nascimento, que ele já gastou mais de um milhão de dólares para ocultar, vai ter de aparecer mais cedo ou mais tarde. Os últimos lances do jogo de esconde-esconde foram tão patéticos que bastam para tornar verossímeis as suspeitas mais paranóicas quanto à nacionalidade do presidente. O site de jornalismo eletrônico WorldNetDaily descobriu que em janeiro ele enviara um cartão de cumprimentos ao hospital Kapiolani, em Honolulu, dizendo-se muito honrado de ter nascido ali. Durante todo o debate presidencial, os adeptos de Obama haviam proclamado como certeza absoluta que ele nascera no hospital Queens, achando que com isto esmagavam as objeções dos céticos. Tão logo divulgado o incômodo cartão, jornais, revistas e sites noticiosos obamistas, inclusive oficiais, não admitiram o erro: simplesmente apagaram o nome “Queens” e puseram “Kapiolani” no seu lugar, achando que com isso disfarçavam retroativamente quase um ano inteiro de vexames. Fraude geral explícita. Na verdade o vexame acabou ficando maior ainda, pois o hospital Kapiolani, que durante meses ganhara dinheiro ostentando o nome de Barack
Obama como o de um dos bebês que haviam se beneficiado dos seus maravilhosos serviços obstétricos, de repente sentiu perigo no ar e passou a recusar-se terminantemente a confirmar que o presidente nascera ali. Ao mesmo tempo, um major do exército, que entrara com um pedido na justiça para ser dispensado de obedecer às ordens do presidente até que este confirmasse sua nacionalidade e portanto sua legitimidade no cargo, obteve uma vitória espetacular quando seus comandantes, reconhecendo o drama, o dispensaram de ir para o Afeganistão como lhe fora ordenado. Como reagiu a Presidência? Pressionou uma empresa privada, na qual o major estava trabalhando, a que demitisse o atrevido. Quando a mais alta autoridade federal prefere antes sujar-se com uma vingança mesquinha contra um cidadão privado do que gastar doze dólares com um traslado da certidão original de nascimento do presidente e encerrar o debate em torno da legitimidade do mandatário no cargo, é preciso ser um verdadeiro crente obamaníaco para não concluir que o homem está escondendo alguma coisa. Se os líderes republicanos e o séquito de jornalistas que os apóiam não quiseram enxergar a vulnerabilidade completa de um adversário desprovido até de documentos de identidade, foi pela simples razão de que são todos eles uns bons burgueses gordos, comodistas e trêmulos, que não têm a coragem intelectual necessária para examinar os fatos nas suas fontes primárias e tirar conclusões objetivas: temem pensar por si próprios e não ousam dizer uma só palavra que já não reflita a unanimidade do establishment. Mas o medo do vexame imaginário é promessa certa de um vexame mil vezes maior num futuro que se anuncia bem próximo.
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Formadores de opinião Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 5 de agosto de 2009 Nas próximas semanas, dedicarei uma série de artigos a analisar, com certa minúcia, algumas idéias do colunista da Folha, Contardo Calligaris, ou aquilo que ele imagina serem suas idéias, já que a mim me parecem mais reflexos condicionados. Antes de fazê-lo, porém, desejo esclarecer algo quanto à perspectiva desde a qual examino fenômenos como esse. Um dos elementos básicos da educação é o aprendizado de comportamentos verbais que nos identifiquem com os grupos sociais cuja aprovação necessitamos. É todo um processo complexo e trabalhoso de mimetização de sentimentos, hábitos, cacoetes, preconceitos e manias que nos libertam do angustiante isolamento corporal a que nos condenou a natureza das coisas e nos dão a impressão de que somos “alguém”, pelo menos aos olhos dos outros, dos quais assim obtemos uma reconfortante confirmação da nossa existência e até, nos casos mais felizes, da nossa importância. Completado esse treinamento, alguns indivíduos passam à etapa seguinte, que é a aquisição da alta cultura. Aí já não se trata mais de obter a aprovação dos nossos contemporâneos, mas de dialogar com os grandes homens de outros tempos e lugares, que não nos julgam pela nossa subserviência a um meio social determinado, e sim pela nossa fidelidade a valores e critérios que não são de nenhuma época, constituindo antes a condição da possibilidade de um salto entre as épocas. Esse aprendizado vai, fatalmente, na direção oposta à do anterior. Quando você já não busca a aprovação de qualquer meio social presente, mas de Aristóteles, de Dante, de Sto. Tomás, de Shakespeare e de Leibniz, você sabe que dela não resultará provavelmente nenhum benefício exterior, mas apenas a aquisição daquela consistência íntima, daquela sinceridade profunda que lhe permitirá ser de fato “alguém”, não aos olhos dos outros, mas da comunidade supratemporal do conhecimento, ainda que ao preço de tornar-se relativamente incompreensível aos contemporâneos. A partir desse momento você está habilitado a dizer como Dom Quijote: “Yo sé quien soy” – e a opinião dos circunstantes não
pode afetar em nada aquilo que você apreendeu mediante vivência espiritual direta, solitária, sem mais testemunha ou interlocutor além da comunidade dos sábios mortos. Quando Sto. Tomás de Aquino recomendava “Tem sempre diante de ti o olhar dos mestres”, ele sabia o quanto a integração da alma no diálogo supratemporal pode custar em solidão de espírito, mas também sabia que essa solidão é o único terreno onde germina o desejo de conhecer a Deus (a não ser, é claro, que o próprio Deus decida falar com você por outros meios). A sanidade de qualquer grupamento humano – um país, por exemplo – depende de que nele exista um número suficiente de pessoas dedicadas a este segundo aprendizado. É só por meio delas que a conversação contemporânea adquire um lugar e um sentido no quadro do universalmente humano, em vez de esfarelar-se numa infinidade de picuinhas que só parecem importantes na razão inversa da escala de tempo histórico em que são medidas. Como a alta cultura desapareceu do Brasil, o uso da linguagem nos debates públicos limita-se hoje aos fins do primeiro aprendizado: as pessoas não falam ou escrevem para exprimir em palavras alguma experiência interior autêntica, mas para sentir que acertaram no tom e no estilo da platéia cuja aprovação anseiam para reforçar sua vacilante identidade pessoal com a chancela de um grupo de referência. Daí a necessidade constante, obsessiva, de ostentar bons sentimentos, entendidos como tais os sentimentos aprovados pelo grupo (e que podem, decerto, parecer desprezíveis ou abomináveis a outros grupos). Como o grupo dominante na mídia e nas universidades, hoje em dia, é esquerdista e politicamente correto, o chamado “debate nacional” é apenas um torneio para decidir quem personifica melhor o amor sem fim às “minorias” oficialmente aprovadas como tais e o total desprezo pelas demais minorias, por exemplo os evangélicos ou os católicos tradicionalistas (os judeus são um caso espinhosamente ambíguo, obrigando as inteligências iluminadas aos contorcionismos verbais mais engenhosos para conciliar o respeito sacrossanto aos judeus mortos com o ódio visceral aos judeus vivos). Quando, num desvario de independência pessoal, o sujeito se horroriza ante algum excesso do politicamente correto e escreve duas ou três palavras para criticá-lo, toma as mais extremas precauções para mostrar que só o faz no puro interesse dos próprios grupos visados, reintegrando portanto dialeticamente o momento de
infidelidade aparente no fundo imutável da fidelidade essencial. Essas demonstrações de “divergência”, as mais extremas que o padrão nacional comporta hoje em dia, chegam até a ser aplaudidas como provas de originalidade, excelência intelectual e coragem quase suicida. O indivíduo capaz desses controladíssimos rompantes torna-se, no padrão geral vigente, a personificação mais próxima do que seria, em condições normais, o representante da alta cultura. É isso o que, no Brasil de hoje, se chama de “formador de opinião”: um adolescente em busca de integração social, esforçando-se para imitar a linguagem e os modos de um grupo de referência, no máximo fingindo às vezes um pouco de discordância para poder ser aprovado, não como um membro qualquer entre outros, mas como um “intelectual”, talvez até como um “pensador”.
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Micagens infernais Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 10 de agosto de 2009 Quarta-feira, 6 de agosto, enviei à editoria de Opinião do DC um artigo com as seguintes observações: “Curiosamente, nenhum dos que denunciam como falsa a certidão queniana de Barack Obama chega a sugerir sequer a hipótese de que ela tenha sido forjada por algum obamaníaco para colocar os birthers numa enrascada – hipótese muito mais razoável do que supor que estes últimos acreditassem seriamente poder enganar a justiça com um documento falso. A rapidez fulminante com que apareceu na internet a certidão australiana alegada como modelo da
forjicação sugere que eles já sabiam algo a respeito antes mesmo de que o papel queniano fosse entregue às autoridades. Prestidigitações desse tipo são coisa de rotina para os agentes comunistas e radicais islâmicos que superlotam as fileiras obamistas.” Não houve nem tempo de publicar o artigo. Decorridas 24 horas, já aparecia a confissão de um blogueiro obamista, que admitia ter forjado a coisa para cobrir de ridículo a advogada Orly Taitz (http://confederateyankee.mu.nu/archives/290619.php e http://fearlessblogging.com/post/view/3037). Não pensem, porém, que esse engraçadinho seja um caso isolado. A iniciativa dele combina perfeitamente com o tratamento que o establishment jornalístico supostamente respeitável tem dado ao caso. Toda a “grande mídia”, sem exceção visível, noticiou que Orly Taitz apresentara a certidão queniana como prova contra a nacionalidade americana de Obama. Isso é absolutamente falso. A advogada apenas solicitou ao tribunal que mandasse averiguar a autenticidade do documento, do qual ela mesma explicitamente afirmava não ter a mínima certeza. O que está sendo impingido aos leitores como notícia é pura invencionice difamatória. A orientação geral é recortar os fatos para fabricar uma aparência de loucura e depois, com o ar mais científico do mundo, emitir um diagnóstico psiquiátrico, sublinhado pelas chacotas mais fáceis e previsíveis. Quase que invariavelmente as entrevistas com birthers, entrecortadas de objeções insultuosas para impedi-los de falar, são seguidas de explicações sapientíssimas sobre as raízes sociológicas e psicopatológicas das “teorias da conspiração”. Mas ninguém explica o que há de teoria da conspiração em exigir que um candidato presidencial, antes ou depois de eleito, apresente os mesmos documentos que todos os seus antecessores e concorrentes apresentaram. O que me parece patológico, isto sim, é a proibição de investigar, a exigência prepotente, megalômana, de que um mentiroso compulsivo já mil vezes pego em flagrante seja crido sob palavra como se fosse um santo ou profeta, sem mais perguntas. A trêfega disposição de impugnar como falsa a certidão queniana forjada expressamente para isso contrasta, no entanto, com a maciça recusa de examinar outros documentos forjados, muito mais decisivos. Meses depois que a certidão resumida de nascimento de Barack Obama apareceu no seu site de campanha, um
especialista em peritagem forense publicou um relatório de duzentas páginas com uma quantidade enorme de provas de que o documento era falso (v. www.freerepublic.com/focus/f-bloggers/2136816/posts). A “grande mídia” fez total silêncio a respeito, ao passo que os sites obamistas da internet, sem examinar no mais mínimo que fosse o conteúdo do relatório, nem muito menos submetê-lo ao julgamento de outros peritos, limitavam-se a martelar e remartelar as duas únicas objeções que lhes ocorriam: o autor não revelava seu verdadeiro nome (assinava-se com o pseudônimo “Ron Polarik”) e não mostrava suas credenciais acadêmicas. Essas pobres alegações, porém, tornaram-se inócuas quando outro profissional da área, com nome à mostra e credenciais sobrantes, Sandra Ramsey Lines (v. www.asqde.org/SRLines/SandraRLines.htm), confirmou integralmente as conclusões de Polarik. Desde então os críticos do perito nada mais disseram nem lhes foi perguntado a respeito. A única exceção foi uma blogueira que, não sem levar alguns aplausos esquerdistas por isso, contestou o currículo acadêmico de Polarik, sem explicar como se faz para averiguar a autenticidade de um diploma universitário sem saber o nome do diplomado. É verdade que, nesse ínterim, a autenticidade da certidão resumida foi confirmada, oralmente, por funcionários do Registro Civil havaiano. Como, porém, a única prova possível da fidedignidade de um resumo é a exibição do documento original cujos dados ele compacta, e como os referidos continuaram obstinadamente se recusando a exibir esse original, tudo o que suas declarações faziam era reforçar o estímulo a que o público acreditasse em tudo sob palavra, abdicando das provas documentais. Mais sólido ainda que o bloqueio em torno do laudo de Ron Polarik foi o muro de silêncio erguido em torno de um caso supremamente escabroso: o certificado de alistamento militar de Obama, assinado em 1988 num formulário que só viria a ser impresso em 2008. Como, ao contrário da certidão queniana, que surgiu de fonte anônima, a certidão havaiana resumida e a ficha militar viessem comprovadamente do próprio Obama, era preciso abster-se de examinar quaisquer provas da sua falsidade, por mais numerosas e auto-evidentes que fossem. Para quem acompanha há décadas as micagens infernais da mente revolucionária, nada disso é novidade. Mentir, falsificar, fingir – tais são os procedimentos usuais,
compulsivos e obrigatórios dessa gente há mais de cem anos. Quanto mais se sujam nessas manobras sórdidas, mais são obrigados a reprimir os protestos da sua própria consciência moral, sufocando-a sob encenações de autobeatificação delirante.
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A burguesia indefesa Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 17 de agosto de 2009 Quem quer que, mais de uma década atrás, estudasse com atenção as atas do Foro de São Paulo e as confrontasse com as ações de seus membros espalhados por duas dúzias de países teria chegado fatalmente, tal como eu mesmo cheguei, às seguintes conclusões: 1. O Foro era uma peça vital no esquema do terrorismo e do narcotráfico internacionais (não somente latino-americanos). 2. Criação quase que exclusivamente brasileira, ele tinha no Brasil o seu centro de comando estratégico e em outros países-membros as suas vanguardas incumbidas das ações táticas mais imediatas e espetaculares. 3. Isso bastava para demonstrar que a aparente distinção entre uma “esquerda revolucionária” e uma “esquerda democrática”, personificadas respectivamente por
Hugo Chávez e Lula, não passava de uma camuflagem calculada para ocultar a unidade estratégica do conjunto. 4. No quadro do Foro, a articulação da esquerda com quadrilhas de delinqüentes, que já se preparava desde os anos setenta (v. meu livro de 1993, A Nova Era e a Revolução Cultural, Apêndice I, em http://www.olavodecarvalho.org/livros/neesquerdas.htm), sofreu um upgrade formidável, permitindo que as FARC se tornassem as senhoras absolutas do narcotráfico no continente e as controladoras de várias organizações criminosas menores, como o PCC e o Comando Vermelho. 5. A articulação perfeita da violência criminosa com a luta política legal (transformada ela própria, portanto, em instrumento do crime) estendia um manto de proteção continental sobre terroristas e narcotraficantes que operassem em países estrangeiros e tornava a América Latina inteira um território livre para a atuação desses delinqüentes. Se essas obviedades permaneceram invisíveis até muito recentemente, foi pelas seguintes razões: 1. As organizações da esquerda legal tinham, em todas as redações de jornais e noticiários de TV e rádio, um número suficiente de representantes, inclusive nos mais altos postos, para desestimular e bloquear qualquer investigação séria sobre as atividades do Foro. 2. As vastas conexões internacionais da organização, envolvendo interesses financeiros gigantescos, davam-lhe os meios de ter à sua disposição, infiltrados em governos, think tanks, institutos de pesquisa, universidades e empresas privadas, um enorme contingente de experts e consultores habilitados a desviar atenções e, se preciso, a negar peremptoriamente os fatos, usando o peso do seu prestígio acadêmico como arma publicitária para cobrir de ridículo quem quer que tentasse averiguar a realidade por trás das mentiras e desconversas. 3. Através da estratégia gramsciana de “ocupação de espaços”, a esquerda conseguiu munir-se de todos os instrumentos para desmantelar preventivamente qualquer possibilidade de oposição ideológica. O instrumento mais usado para isso foram as denúncias espetaculosas de corrupção, que destruíram tantas lideranças
ao mesmo tempo que davam aos partidos de esquerda, sob o manto da afetação de probidade, os meios para ir construindo discretamente esquemas de corrupção incomparavelmente maiores e mais eficientes do que os denunciados (dos Anões do Orçamento ao Mensalão o crescimento escalar foi de uma ameba para um dinossauro). 4. No campo cultural e psicológico, a progressiva substituição dos critérios morais de senso comum pelas chantagens “politicamente corretas” destituiu as possíveis oposições até mesmo do direito a uma linguagem própria, forçando-as a adaptar-se ao vocabulário e aos modos de pensar do adversário onipotente. Com espantosa facilidade, essa operação reduziu os liberais e conservadores aos protestos vãos de uma oposição castrada, voluntariamente apolítica, que se contentava, no máximo, com críticas administrativas e vagas denúncias de corrupção quase que literalmente copiadas do discurso “ético” da esquerda, as quais, nesse contexto, só faziam conceder ao inimigo o monopólio do combate ideológico. 5. Tão avassaladora foi a conquista do espaço psicológico pela esquerda, que nos próprios meios “direitistas” qualquer tentativa de descrever o real estado de coisas era recebida com extrema má-vontade, valendo ao atrevido o apelido de “teórico da conspiração”, senão a pecha de “extremista”. A obstinação de liberais e conservadores em não querer enxergar o que estava se passando permitiu que o germe da revolução latino-americana crescesse e se tornasse o monstro de mil braços que agora vai dominando o continente sem encontrar resistências senão locais e esporádicas, incapazes de fazer face a um perigo de tais dimensões. Se algo aprendi nos dezesseis anos que decorreram desde meus primeiros avisos sobre a mais vasta e silenciosa trama revolucionária que já se viu no mundo, foi que a “burguesia” é a classe mais indefesa que existe. Acovardada perante o prestígio dos vigaristas intelectuais mais baixos e sórdidos, ela se apega a qualquer pretexto para enxergar, no inimigo que planeja assassiná-la, todas as virtudes mais róseas e fictícias e evitar assim o confronto com uma realidade temível. O famoso “aparato ideológico da burguesia”, de que falam os marxistas, jamais existiu. Ele é apenas uma projeção invertida do próprio aparato ideológico revolucionário, destinada a impedir, mediante a denúncia preventiva de maquiavelismos imaginários, que um dia um real aparato burguês de autodefesa venha a existir. Quando a burguesia, pelo menos brasileira, consente em dizer algo em seu próprio favor, ela o faz com
tanta discrição e delicadeza que dá a impressão de estar disputando com o adversário mais bondoso e compreensivo do mundo, e não com as “máquinas de matar” que os revolucionários se orgulham de ser.
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Apostando contra o tempo Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 21 de agosto de 2009 Quando comecei a alertar os leitores quanto ao Foro de São Paulo, mais de uma década atrás, ainda era possível fazer alguma coisa para deter, sem muitas dores ou traumas, o crescimento do monstro. Agora, que ele tem o apoio do governo americano e transformou a OEA em instrumento de suas ambições ilimitadas, só atos de bravura incomum, sustentados numa visão estratégica implacavelmente lúcida, podem livrar a América Latina do risco iminente – ou promessa segura – de uma ditadura socialista continental. Mas será concebível que duas décadas de adestramento contínuo na prática da covardia e da alienação produzam de repente uma explosão de coragem e lucidez? Sei que, medido na escala mental da elite brasileira, o problema, ainda hoje, parece nem existir. Basta ler as palavras entusiásticas com que o presidente da Confederação Nacional da Indústria, deputado Armando Monteiro Neto, saudou o presidente da República ao homenageá-lo com o Grande Colar da Ordem do Mérito, conferido por aquela entidade: “A abertura ao diálogo marcou sua história e, no presente, se consolidou como característica de seu governo... Com uma agenda de preservação dos fundamentos
macroeconômicos e de inovação social, o Brasil se diferenciou. Ganhou confiança interna e transformou-se em exemplo para a América Latina e o mundo” (V. http://pt.org.br/portalpt/index.php? option=com_content&task=view&id=80330&Itemid=195). Não digo que a “preservação dos fundamentos macroeconômicos” tenha sido de todo irreal. Digo, sim, que julgar só por ela o desempenho de um presidente, ignorando que a política econômica do presente governo se enquadra na estratégia maior de dominação continental do Foro de São Paulo, é coisa de um oportunismo imediatista imperdoável, voluntariamente cego para as conseqüências históricas de suas opções de momento. Já expliquei e vou explicar de novo, com requintes de didatismo que normalmente só seriam necessários no ensino pré-escolar: O Brasil foi o criador e é o centro de comando do Foro de São Paulo; como tal, fica na retaguarda, orientando e protegendo as vanguardas incumbidas das ações táticas mais imediatas, espetaculosas e arriscadas. Acalmar e até contentar o empresariado local é a condição sine qua non para que o governo petista possa, sem risco de crises e hostilidades, ir fortalecendo discretamente a máquina de guerra do Foro de São Paulo, já hoje habilitada a ocupar manu militari o continente inteiro, só não o fazendo para não correr o risco de abortar um processo que, pelas vias mais indiretas da política, da subversão cultural e do fomento ao banditismo, se anuncia de sucesso praticamente inevitável. Afinal, o governo que “preserva os fundamentos macroeconômicos” é o mesmo que acoberta a ação das Farc no Brasil, aplaude todos os arreganhos militaristas de Hugo Chávez, abre o nosso território à ocupação por organismos internacionais e sacrifica até os mais óbvios direitos da nação para favorecer o crescimento dos governos de esquerda nos países em torno. Quando um presidente explode de indignação e chega a desferir palavrões contra um de seus próprios ministros pelo simples fato de que este cedeu à tentação de defender os interesses nacionais em vez de sacrificá-los à cobiça estrangeira (v. http://congressoemfoco.ig.com.br/coluna.asp? cod_canal=14&cod_publicacao=29210), é óbvio que algo de muito estranho, para
não dizer de abertamente criminoso, se passa nas altas esferas da República, transformadas em agentes locais de um esquema internacional de dominação. Ajudando a consolidar o poder e prestígio desse governo, por simples gratidão a pequenas vantagens momentâneas que ele lhe oferece, a Confederação Nacional da Indústria contribui, involuntariamente decerto, para que em breve tempo o Brasil se transforme numa singularidade geopolítica jamais vista no mundo: uma nação capitalista cercada de regimes comunistas e governada pelo próprio agente que os criou. Quanto tempo durará esse capitalismo quando o processo da revolução continental em torno estiver completado, é pergunta inteiramente desnecessária: ele durará o tempo exato para que cada empresário escolha entre submeter-se a um comissário político ou transformar-se ele próprio em comissário político. *** Em tempo: Kenneth Maxwell, aquele mesmo consultor do CFR segundo o qual o Foro de São Paulo não existe (v. www.olavodecarvalho.org/semana/11232002globo.htm), aparece agora na Folha (onde mais poderia ser?) jurando que “os latino-americanos são unânimes em seu apoio a Manuel Zelaya, o presidente hondurenho derrubado”. Já desisti de pensar que o problema desse pretenso historiador é incompetência. Ninguém com diploma de curso primário pode crer seriamente que um governante foi derrubado por falta de inimigos. Maxwell é mentiroso, ponto final. É um desinformante profissional. Eis o único motivo pelo qual é tão apreciado pelo jornal do sr. Frias, órgão da mídia desconstrucionista que não acredita na existência da realidade.
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Abaixo o povo brasileiro Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 24 de agosto de 2009 Confirma-se pela enésima vez aquilo que venho dizendo há anos: a maioria absoluta dos brasileiros, especialmente jovens, é um eleitorado maciçamente conservador desprovido de representação política, de ingresso nos debates intelectuais e de espaço na “grande mídia”. É um povo marginalizado, escorraçado da cena pública por aqueles que prometeram abrir-lhe as portas da democracia e da participação. Enquanto as próximas eleições anunciam repetir a já tradicional disputa em família entre candidatos de esquerda, mais uma pesquisa, desta vez realizada pela Universidade Federal de Pernambuco, mostra que, entre jovens universitários, 81% discordam da liberação da maconha e 76% são contra o aborto. “É um comportamento de aceitação das leis... a gente vê a religião influenciando muito a vida dos jovens", explica o coordenador da pesquisa, Pierre Lucena, na notinha miúda, quase confidencial, com que O Globo, a contragosto, fornece a seus leitores essa notícia abominável (v. http://g1.globo.com/jornalhoje/0,,MUL126836716022,00OS+JOVENS+ESTAO+MAIS+CONSERVADORES+E+PREOCUPADOS+COM+O+ FUTURO.html). Na Folha de S. Paulo, no Estadão e no Globo, quem quer que pense como esses jovens – ou seja, o eleitorado nacional quase inteiro – é considerado um extremista de direita, indigno de ser ouvido. Nas eleições, nenhum partido ou candidato ousa falar em seu nome. A intelectualidade tagarela refere-se a eles como a uma ralé fundamentalista, degenerada, louca, sifilítica. Qualquer político, jornalista ou intelectual que fale como eles entra imediatamente no rol dos tipos excêntricos e grotescos, se não na dos culpados retroativos pelos “crimes da ditadura”, mesmo se cometidos quanto o coitado tinha três anos de idade. Nunca o abismo entre a elite falante e a realidade da vida popular foi tão profundo, tão vasto, tão intransponível. Tudo o que o povo ama, os bem-pensantes odeiam;
tudo o que ele venera, eles desprezam, tudo o que ele respeita, eles reduzem a objeto de chacota, quando não de denúncia indignada, como se estivessem falando de um risco de saúde pública, de uma ameaça iminente à ordem constitucional, de uma epidemia de crimes e horrores jamais vistos. Trinta anos atrás eu já sabia que isso ia acontecer. Era o óbvio dos óbvios. Quando uma vanguarda revolucionária professa defender os interesses econômicos do povo mas ao mesmo tempo despreza a sua religião, a sua moral e as suas tradições familiares, é claro que ela não quer fazer o bem a esse povo, mas apenas usar aqueles interesses como chamariz para lhe impor valores que não são os dele, firmemente decidida a atirá-lo à lata de lixo se ele não concordar em remoldar-se à imagem e semelhança de seus novos mentores e patrões. É precisamente isto o que está acontecendo. Jogam ao povo as migalhas do Bolsa-Família, mas, se em troca dessa miséria ele não passa a renegar tudo o que ama e a amar tudo o que odeia, se ele não consente em tornar-se abortista, gayzista, quotista racial, castrochavista, pró-terrorista, defensor das drogas e amante de bandidos, eles o marginalizam, excluem-no da vida pública, e ainda se acreditam merecedores da sua gratidão porque lhe concedem de quatro em quatro anos, democraticamente, generosamente, o direito de votar em partidos que representam o contrário de tudo aquilo em que ele crê. Pense bem. Se alguém lhe promete algum dinheiro mas não esconde o desprezo que tem pelas suas convicções, pelos seus valores sagrados, por tudo aquilo que você ama e venera, você pode acreditar ele lhe tem alguma amizade sincera, por mínima que seja? Não está na cara que essa é uma amizade aviltante e corruptora, que aceitá-la é jogar a honra e a alma pela janela, é submeter-se a um rito sacrificial abjeto em troca de uma promessa obviamente enganosa? Só um bajulador compulsivo, uma alma de cão, aceitaria essa oferta. Mas as mentes iluminadas que nos governam querem não apenas que o povo a aceite, mas que a aceite abanando a cauda de felicidade.
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A uma Excelência Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 28 de agosto de 2009 Desafio Vossa Excelência (refiro-me à excelência do seu cargo, pois na sua pessoa não vejo excelência nenhuma) a provar que estou mentindo: A tortura é crime hediondo, com o atenuante de, no Brasil, ter sido praticada seletivamente contra terroristas assassinos. O terrorismo também é crime hediondo, com o agravante de ter sido praticado contra populares inocentes. Os crimes de tortura, reais e supostos, já renderam às suas vítimas alguns bilhões de reais em indenizações, enquanto as vítimas do terrorismo não receberam nem mesmo um pedido de desculpas. São tratadas como uma escória desprezível, culpadas de terem se atravessado, por bobeira, no caminho do carro da História, então carregadinho de trastes como Vossa (humpf!) Excelência. O governo representado por Vossa (repito a ressalva) Excelência tem dado apoio ao regime cubano, que, numa população muito menor que a brasileira, torturou e matou e continua torturando e matando aproximadamente cinqüenta vezes mais pessoas do que a ditadura brasileira. Vossa (argh!) Excelência é portanto pelo menos tão culpado de cumplicidade moral com a tortura quanto aqueles a quem acusa. O governo que Vossa (com o perdão da palavra) Excelência representa dá apoio ao regime da Coréia do Norte, que neste mesmo momento tem duzentos mil prisioneiros políticos encarcerados – nenhum terrorista entre eles, só civis desarmados –, submetidos não só a torturas e maus tratos infinitamente piores do que aqueles infligidos aos terroristas brasileiros, mas também a trabalhos forçados, dos quais os bandidos amados de Vossa (?) Excelência foram totalmente poupados
pela ditadura. Não venha me dizer que apoio a regimes torturadores não é cumplicidade com a tortura. Diretamente e/ou através dessa central do crime que é o Foro de São Paulo, o governo que Vossa (como direi?) Excelência representa dá integral apoio político às Farc, que neste preciso momento mantêm em cativeiro, sob condições desumanas e – é claro – sem acusação formal ou julgamento, aproximadamente sete mil seqüestrados. Tudo o que o seu governo quer para as Farc é premiá-las não só com a anistia geral e irrestrita, mas com a elevação delas à condição de partido político legal, a prova mais patente de que o crime compensa. Apoiando as Farc, seu governo é ainda cúmplice da morte de dezenas de milhares de brasileiros sacrificados anualmente pelo narcotráfico colombiano, diretamente ou através de seus agentes locais, os celerados do PCC. O governo representado por Vossa (porca miséria!) Excelência não é cúmplice só de tortura, mas de homicídio em massa. Comparado a vocês, o famigerado delegado Fleury era um amador, um principiante. O Champinha, então, nem se fala. Vossa (ora, bolas!) Excelência carrega a culpa moral de mil vezes mais crimes do que aqueles a quem acusa e quer punir. Vossa (isto cansa!) Excelência não tem a mais mínima autoridade moral para acusar torturadores, assassinos, narcotraficantes ou quem quer que seja. Vossa (pela última vez) Excelência tem mais é de ir para casa e esconder a vergonha sem fim da sua vida inútil, destrutiva, toda feita de fingimento, hipocrisia e engodo.
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Ladeira abaixo Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 31 de agosto de 2009 “Cuán difícil es, Cuando todo baja, No bajar también.” Antonio Machado Uma classe intelectual bem preparada, culta, mentalmente robusta, é a garantia única de que as opiniões circulantes na sociedade se manterão dentro dos limites do verossímil e do razoável, sem extraviar-se em especulações psicóticas nem cegar-se, com aquela inibição própria das mentes vulgares, para tudo o que escape à sua visão rotineira e banal do mundo. Aqui nos EUA, malgrado a queda vertiginosa do nível do ensino primário, médio e universitário em comparação com o que havia nos anos 50, ainda existe uma intelectualidade forte, numerosa e ativa, assegurando que, nos debates públicos, nenhum aspecto relevante será de todo ignorado. Mesmo quando a maioria se equivoca, sempre há algumas inteligências mais despertas que chamam a atenção para o que interessa, e sua voz, decorrido algum tempo, não raro acaba por prevalecer. A rapidez com que os próprios eleitores de Obama perceberam o que havia de desastroso na proposta econômica, nos planos de saúde e na política de imigração do novo presidente mostra que os debates entre estudiosos especializados podem vazar para a população geral e influenciar decisivamente o rumo dos acontecimentos. Hoje, até a mídia obamista mais devota confessa que o profeta ungido da campanha presidencial está desorientado, “com medo até da própria sombra” (sic). É uma grande derrota que as análises sérias infligem aos entusiasmos postiços da retórica publicitária. Já no Brasil o estado de alienação dos “formadores de opinião”, sua absoluta incapacidade (ou recusa?) de apreender a hierarquia objetiva dos fatos e fatores,
sua total escravidão mental a estereótipos surrados de oratória estudantil, sua autocastração sacrificial em ritos de bom-mocismo patético fazem das discussões públicas um permanente exercício de fuga à realidade, um jogo de esconde-esconde onde todos são otários, a começar pelos que pretendem ser os maiores vigaristas. Como é possível, por exemplo, que a ocultação da existência do Foro de São Paulo pela totalidade da mídia nacional, uma vez revelada, não tenha se tornado objeto de exame, de debates, nem mesmo por parte daqueles que posam de observadores e analistas profissionais, se não acadêmicos, da indústria midiática? Como é possível que fenômeno tão inusitado e de tão descomunal importância histórica – preparação indispensável à ascensão e permanência do PT na presidência da República – não suscite, nessas criaturas sempre dispostas a opinar sobre tudo o que diz respeito ao jornalismo, senão o impulso de virar os olhos para o outro lado, de fingir que não viram nada, de encobrir com uma segunda camada de camuflagens a mais vasta operação-camuflagem já havida na história da mídia nacional? O pacto mafioso de lealdade corporativa – menos a uma classe profissional do que ao seu compromisso esquerdista já velho de três gerações – explica, é claro, muita coisa. A maior parte dos que poderiam analisar o fenômeno não deseja fazê-lo porque isso exporia a um vexame colossal – se não a alguns processos judiciais – quase todos os diretores de jornais, chefes de redação, comentaristas políticos, etc. O cuidado com que os pretensos estudiosos de mídia contornam essa hipótese constrangedora é tamanho, tão meticulosa a escrupulosidade com que evitam magoar colegas de ofício e companheiros de ideologia, que o direito do público à informação veraz simplesmente desaparece do seu horizonte de consciência. Eles tornam-se, assim, ainda mais criminosos que os autores do delito inicial. Promovem a ocultação da ocultação, o acobertamento do acobertamento, a desinformátzia da desinformátzia. Essa epidemia de sem-vergonhice midiática, porém, jamais seria possível se, acima da classe jornalística, existisse uma intelectualidade, acadêmica ou não, capaz de sobrepor o desejo de compreensão dos fatos aos miúdos interesses, temores, preconceitos e safadezas de uma máfia profissional desprezível. Infelizmente, essa intelectualidade inexiste no Brasil. A total destruição da cultura superior, a instrumentalização das instituições de cultura como órgãos de
promoção de nulidades politicamente convenientes –, foi a condição prévia sem a qual a ética dos fiscais da ética alheia não poderia jamais ter descido tão baixo.
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Lula, você é o cara Olavo de Carvalho (pela transcrição) Diário do Comércio, 3 de setembro de 2009 Não sei quem é Caio Lucas nem por quais vias este seu escrito admirável veio parar na minha caixa postal. O que não posso é deixar de repassar aos leitores do Diário do Comércio a sua mensagem, na qual os devotos do nosso presidente encontrarão as respostas objetivas aos seus arrebatamentos retóricos de sicofantas compulsivos. Não há neste artigo, o qual aqui transcrevo com duas ou três correçõezinhas de português que em nada afetam o seu conteúdo, uma só linha que não traga uma verdade incontestável. Parabéns, Caio Lucas, seja lá você quem for. – O. de C. Lula, você é o cara. Você é o cara que esteve por dois mandatos à frente desta nação e não teve coragem nem competência para implantar reforma alguma neste país, pois as reformas tributárias e trabalhistas nunca saíram do papel, e a educação, a saúde e a segurança estão piores do que nunca. Você é o cara que mais teve amigos e aliados envolvidos, da cuéca ao pescoço, em corrupção e roubalheira, gastando com cartões corporativos e dentro de todos os tipos de esquemas. Você é o cara que conseguiu inchar o Estado brasileiro com tantos e tantos funcionários e ainda assim fazê-lo funcionar pior do que antes.
Você é o cara que mais viajou como presidente deste país, tão futilmente e às nossas custas. Você é o cara que aceitou todas as ações e humilhações contra o Brasil e os brasileiros diante da Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai e outros. Você é o cara que, por tudo isso e mais um monte de coisas, transformou este país em um lugar libertino e sem futuro para quem não está no grande esquema. Você é o cara que transformou o Brasil em abrigo de marginais internacionais, negando-se, por exemplo, a extraditar um criminoso para um país democrático que o julgou e condenou democraticamente. Você é o cara que transformou corruptos e bandidos do passado em aliados de primeira linha. Você é o cara que está transformando o Brasil num país de parasitas e vagabundos, com o Bolsa-Família, com as indenizações imorais da “bolsa terrorismo”, com o repasse sem limite de recursos ao MST, o maior latifúndio improdutivo do mundo e abrigo de bandidos e vagabundos que manipulam alguns verdadeiros colonos. É, Lula! Você é o cara... É o cara-de-pau mais descarado que o Brasil já conheceu.
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Dois códigos morais
Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 8 de setembro de 2009 A entrevista do Cabo Anselmo ao programa “Canal Livre” (TV Bandeirantes, 26 de agosto, http://www.averdadesufocada.com/index.php? option=com_content&task=view&id=2267&Itemid=34) é um dos documentos mais importantes sobre a história das últimas décadas e mereceria uma análise detalhada, que não cabe nas dimensões de um artigo de jornal. Limito-me, portanto, a chamar a atenção do leitor para um detalhe: o confronto do entrevistado com os jornalistas foi, por si, um acontecimento revelador, talvez até mais que o depoimento propriamente dito. Logo de início, o apresentador Boris Casoy perguntou se Anselmo se considerava um traidor. Ele aludia, é claro, ao fato de que o personagem abandonara um grupo terrorista para transformar-se em informante da polícia. Para grande surpresa do jornalista, o entrevistado respondeu que sim, que era um traidor, que traíra seu juramento às Forças Armadas para aderir a uma organização revolucionária. A distância entre duas mentalidades não poderia revelar-se mais clara e mais intransponível. Para a classe jornalística brasileira em peso, o compromisso de um soldado para com as Forças Armadas não significa nada; não há desdouro em rompê-lo. Já uma organização comunista, esta sim é uma autoridade moral que, uma vez aceita, sela um compromisso sagrado. Nenhum jornalista brasileiro chama de traidor o capitão Lamarca, que desertou do Exército levando armas roubadas, para matar seus ex-companheiros de farda. Traidor é Anselmo, que se voltou contra a guerrilha após tê-la servido. Anselmo desmontou num instante a armadilha semântica, mostrando que existe outra escala de valores além daquela que o jornalismo brasileiro, com ares da maior inocência, vende como única, universal e obrigatória. O contraste mostrou-se ainda mais flagrante quando o jornalista Fernando Mitre, com mal disfarçada indignação, perguntou se Anselmo não poderia simplesmente ter abandonado a esquerda armada e ido para casa, em vez de passar a combatê-la. Em si, a pergunta era supremamente idiota: ninguém – muito menos um jornalista experiente – pode ser ingênuo o bastante para imaginar que uma organização revolucionária clandestina em guerra é um clube de onde se sai quando se quer, sem sofrer represália ou sem entregar-se ao outro lado. Conhecendo perfeitamente a resposta, Mitre só levantou a questão para passar aos telespectadores a
mensagem implícita do seu código moral, o mesmo da quase totalidade dos seus colegas: você pode ter as opiniões que quiser, mas não tem o direito de fazer nada contra os comunistas, mesmo quando eles estão armados e dispostos a tudo. Ser anticomunista é um defeito pessoal que pode ser tolerado na vida privada: na vida pública, sobretudo se passa das opiniões aos atos, é um crime. Não que todos os nossos profissionais de imprensa sejam comunistas: mas raramente se encontra um deles que não odeie o anticomunismo como se ele próprio fosse comunista. Essa afinidade negativa faz com que, no jornalismo brasileiro, a única forma de tolerância admitida seja aquela que Herbert Marcuse denominava “tolerância liberdadora”, isto é: toda a tolerância para com a esquerda, nenhuma para com a direita. Mais adiante, ressurgiu na entrevista o episódio do tribunal revolucionário que condenara Anselmo à morte. Avisado por um policial que se tornara seu amigo, Anselmo fugira em tempo, enquanto os executores da sentença, ao chegar à sua casa para matá-lo, eram surpreendidos pela polícia e mortos em tiroteio. De um lado, os entrevistadores, ao abordar o assunto, tomavam como premissa indiscutível a crença de que Anselmo fora responsável por essas mortes, o que é materialmente absurdo, já que troca o receptor pelo emissor da informação. De outro lado, todos se mostraram indignados – contra Anselmo – de que no confronto com a polícia morresse, entre outros membros do tribunal revolucionário, a namorada do próprio Anselmo. Em contraste, nenhum deu o menor sinal de enxergar algo de mau em que a moça tramasse com seus companheiros a morte do namorado. Entendem como funciona a “tolerância libertadora”? A quase inocência com que premissas esquerdistas não-declaradas modelam a interpretação dos fatos na nossa mídia mostra que, independentemente das crenças conscientes de cada qual, praticamente todos ali são escravos mentais da auto-idolatria comunista. Ao longo de toda a conversa, os jornalistas se mantiveram inflexivelmente fiéis à lenda de que os guerrilheiros dos anos 70 eram jovens idealistas em luta contra uma ditadura militar, como se não estivessem entrevistando, precisamente, a testemunha direta de que a guerrilha fôra, na verdade, parte de um gigantesco e bilionário esquema de revolução comunista continental e mundial, orientado e
subsidiado pelas ditaduras mais sangrentas e genocidas de todos os tempos. Anselmo colaborou com a polícia sob ameaça de morte, é certo, mas persuadido a isso, também, pela sua própria consciência moral: tendo visto a verdade de perto, perdeu todas as ilusões sobre o idealismo e a bondade das organizações revolucionárias – aquelas mesmas ilusões que seus entrevistadores insistiam em repassar ao público como verdades inquestionáveis – e optou pelo mal menor: quem, em sã consciência, pode negar que a ditadura militar brasileira, com todo o seu cortejo de violências e arbitrariedades, foi infinitamente preferível ao governo de tipo cubano ou soviético que os Lamarcas e Marighelas tentavam implantar no Brasil? Ao longo de seus vinte anos de governo militar, o Brasil teve dois mil prisioneiros políticos, o último deles libertado em 1988, enquanto Cuba, com uma população muito menor, teve cem mil, muitos deles na cadeia até hoje, sem acusação formal nem julgamento. A ditadura brasileira matou trezentos terroristas, a cubana matou dezenas de milhares de civis desarmados. Evitar comparações, isolar a violência militar brasileira do contexto internacional para assim realçar artificialmente a impressão de horror que ela causa e poder apresentar colaboradores do genocídio comunista como inofensivos heróis da democracia, tal é a regra máxima, a cláusula pétrea do jornalismo brasileiro ao falar das décadas de 60-70. Boris Casoy, Fernando Mitre e Antonio Teles seguiram a norma à risca. Desta vez, porém, o artificialismo da operação se desfez em pó ao chocar-se contra a resistência inabalável de uma testemunha sincera. Conhecendo as muitas complexidades e nuances da sua escolha, Anselmo revelou, no programa, a consciência moral madura de um homem que, escorraçado da sociedade, preferiu dedicar-se à meditação séria do seu passado e da História em vez de comprazer-se na autovitimização teatral, interesseira e calhorda, que hoje rende bilhões aos ex-terroristas enquanto suas vítimas não recebem nem um pedido de desculpas. Moral e intelectualmente, ele se mostrou muito superior a seus entrevistadores, cuja visão da história das últimas décadas se resume ao conjunto de estereótipos pueris infindavelmente repetidos pela mídia e consumidos por ela própria. O fato de que até Boris Casoy, não sendo de maneira alguma um homem de esquerda, pareça ter-se deixado persuadir por esses estereótipos, ilustra até que ponto a pressão moral do meio tornou impossível a liberdade de pensamento no ambiente jornalístico brasileiro.
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A África às avessas Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 14 de setembro de 2009 O terceiromundismo, que foi uma invenção de Stálin, acabou por se tornar - e é até hoje - uma das fontes maiores da autoridade do espírito revolucionário, instilando na alma da civilização ocidental um complexo de culpa inextinguível e obtendo dele toda sorte de lucros morais, políticos e financeiros. Subscrita pelos organismos internacionais, alimentada por fundações bilionárias e várias dúzias de governos, trombeteada por incansáveis tagarelas como Noam Chomsky e Edward Said, entronizada como doutrina oficial por toda a grande mídia da Europa e dos EUA, essa ideologia toda feita de mendacidade oportunista acabou por se impregnar tão profundamente na opinião pública que qualquer tentativa de contestá-la, mesmo em tom neutro e acadêmico, vale hoje como prova inequívoca de "racismo". Um de seus dogmas principais é justamente a acusação de racismo, atirada genericamente ao rosto de toda a cristandade por incontáveis exércitos de intelectuais ativistas e, nas últimas décadas, por todos os porta-vozes do radicalismo islâmico. Imbuído da crença na inferioridade congênita dos negros, o homem branco europeu teria sido, segundo essa doutrina, o escravagista por excelência, dizimando a população africana e financiando, com a desgraça do continente negro, a Revolução Industrial que enriqueceu o Ocidente. Tudo, nessa teoria, é mentira. A começar pela inversão da cronologia. Os europeus só chegaram à África por volta da metade do século XV. Muito antes disso o
desprezo racista pelos negros era senso comum entre os árabes, como se vê pela palavra de alguns de seus mais destacados intelectuais. Extraio estes exemplos do livro de Bernard Lugan, Afrique, l'Histoire à l'Endroit (Paris, Perrin, 1989): Ibn Khaldun, o historiador tunisino (1332-1406), assegura que, se os sudaneses são caracterizados pela "leviandade e inconstância", nas regiões mais ao sul "só encontramos homens mais próximos dos animais que de um ser inteligente. Eles vivem em lugares selvagens e grutas, comem ervas e grãos crus e, às vezes, comemse uns aos outros. Não podemos considerá-los seres humanos". O escritor egípcio Al-Abshihi (1388-1446) pergunta: "Que pode haver de mais vil, de mais ruim do que os escravos negros? Quanto aos mulatos, seja bom com eles todos os dias da sua vida e de todas as maneiras possíveis, e eles não lhe terão a menor gratidão: será como se você nada tivesse feito por eles. Quanto melhor você os tratar, mais eles se mostrarão insolentes; mas, se você os maltratar, eles mostrarão humildade e submissão." Iyad Al-Sabti (1083-1149) escreve que os negros são "de todos os homens, os mais corruptos e os mais dados à procriação. Sua vida é como a dos animais. Não se interessam por nenhum assunto do mundo, exceto comida e mulheres. Fora disso, nada lhes merece a atenção." Ibn Butlan, reconhecendo que as mulheres negras têm o senso do ritmo e resistência para os trabalhos pesados, observa: "Mas não se pode obter nenhum prazer com elas, tal o odor das suas axilas e a rudeza do seu corpo". Em contrapartida, teorias que afirmavam a inferioridade racial dos negros não se disseminaram na Europa culta senão a partir do século XVIII (cf. Eric Voegelin, The History of the Race Idea. From Ray to Carus, vol. III das Collected Works, Baton Rouge, Louisiana State University Press, 1998). Ou seja: os europeus de classe letrada tornaram-se racistas quase ao mesmo tempo em que o tráfico declinava e em que eclodiam os movimentos abolicionistas, dos quais não há equivalente no mundo árabe, de vez que a escravidão é permitida pela religião islâmica e ninguém ousaria bater de frente num mandamento corânico. O racismo antinegro é pura criação árabe e, na Europa, não contribuiu em nada para fomentar o tráfico negreiro.
Característica inversão do tempo histórico é o estereótipo, universalmente aceito, do colonialista europeu invadindo a África com um crucifixo na mão, decidido a impor a populações inermes a religião dos brancos. O cristianismo foi religião de negros muito antes de ser religião de brancos europeus. Havia igrejas na Etiópia no tempo em que os ingleses ainda eram bárbaros pagãos. Mais de mil anos antes das grandes navegações, era na África que estavam os reinos cristãos mais antigos do mundo, alguns bastante cultos e prósperos. Foram os árabes que os destruíram, na sanha de tudo islamizar à força. Boa parte da região que vai desde o Marrocos, a Líbia, a Argélia e o Egito até o Sudão e a Etiópia era cristã até que os muçulmanos chegaram, queimaram as igrejas e venderam os cristãos como escravos. Quatro quintos do prestígio das lendas terceiromundistas repousam na ocultação desse fato. À inversão da cronologia soma-se, como invariavelmente acontece no discurso revolucionário, a da responsabilidade moral. Não é nem necessário dizer que a fúria verbal dos árabes de hoje contra a "civilização cristã escravagista" é pura culpa projetada: se os europeus trouxeram para as Américas algo entre doze e quinze milhões de escravos, os mercadores árabes levaram para os países islâmicos aproximadamente outro tanto, com três diferenças: (1) foram eles que os aprisionaram - coisa que os europeus nunca fizeram, exceto em Angola e por breve tempo -; (2) castraram pelo menos dez por cento deles, costume desconhecido entre os traficantes europeus; (3) continuaram praticando o tráfico de escravos até o século XX. O escravagismo árabe foi assunto proibido por muito tempo, mas o tabu pode-se considerar rompido desde que a editora Gallimard, a mais prestigiosa da Franca, consentiu em publicar o excelente estudo do autor africano Tidiane N'Diaye, Le Genocide Voilé (2008), que comentarei outro dia. Mas não são só os árabes que têm culpas a esconder por trás de um discurso de acusação indignada. A escravidão era norma geral na África muito antes da chegada deles, e hoje sabe-se que a maior parte dos escravos capturados eram vendidos no mercado interno, só uma parcela menor sendo levada ao exterior. Quando os apologistas da civilização africana enaltecem os grandes reinos negros de outrora, geralmente se omitem de mencionar que esses Estados (especialmente Benin, Dahomey, Ashanti e Oyo) deveram sua prosperidade ao tráfico de escravos, do qual sua economia dependia por completo. Especialmente o reino de Oyo, escreve Lugan, "desenvolveu um notável imperialismo militar desde fins do século
XVII, buscando atingir o oceano para estabelecer contatos diretos com os brancos. Já antes disso, a força guerreira de Oyo, especialmente sua cavalaria, permitia uma abundante colheita de escravos que ela aprisionava ao sul, entre os Yoruba, e no norte entre os Bariba e os Nupê. Tradicionalmente, os numerosos cativos tornavam-se escravos no seio da sociedade dos vencedores. Com a aparição do tráfico europeu, uma parte - mas só uma parte - foi encaminhada ao litoral." Num próximo artigo mostrarei mais algumas inversões prodigiosas que o discurso terceiromundista opera na história da escravidão africana.
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FHC, vendido à CIA? Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 16 de setembro de 2009 O livro da Sra. Frances Stonor Saunders, Quem Pagou a Conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura (Record, 2008), que já mencionei, meses atrás (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/080214jb.html), é um estudo com ares de seriedade acadêmica, onde os fatos vêm tão bem documentados quanto meticulosamente isolados dos dados comparativos necessários à sua avaliação racional. Deveria ser auto-evidente que o relato de um conflito bélico ou político, como de uma partida de futebol, só faz sentido se as ações de um dos contendores aparecerem articuladas às do seu adversário. Suprimida metade do enredo, a outra metade pode adquirir as proporções e o significado que a imaginação de cada um bem entenda. A imaginação da Sra. Saunders empenha-se em deformar a história da Guerra Fria com uma constância obstinada e uma coerência metódica que
excluem, desde logo, a hipótese da mera incompetência. Por isso mesmo ela se tornou uma autora tão querida da mídia brasileira, que na obra da pesquisadora inglesa se compraz voluptuosamente em enxergar, refletida e adorável, a imagem da sua própria mendacidade. Se o livro todo já é uma tentativa de dar ares de escândalo a presumidas revelações históricas que antes dele qualquer leitor poderia ler tranqüilamente no próprio site oficial da CIA e nas memórias de inúmeros personagens envolvidos nos acontecimentos, não é de espantar que os jornalistas brasileiros encontrem nele um de seus alimentos espirituais prediletos: a denúncia de uma conspiração direitista milionária destinada a colocar o Brasil sob o domínio do imperialismo ianque, com a ajuda de políticos locais bem subsidiados pelo dinheiro daquela agência americana, entre os quais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A prova da trama, que vem circulando com grande frisson entre os círculos "nacionalistas" da internet desde que alardeada pela inteligência glútea do jornalista Sebastião Nery, é a verba de 800 mil dólares, ou talvez um milhão, concedida em 1969 pela Fundação Ford para que Fernando Henrique e outros professores demitidos da USP criassem o Cebrap, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. A Fundação, afirma a dupla Saunders-Nery, era um braço da CIA, e a operação toda era um lance da guerra cultural anticomunista. FHC teria sido comprado pela direita, traindo seus ideais esquerdistas de juventude. O que a Sra. Saunders não conta - e Sebastião Nery ignora ou finge ignorar por completo - é que a Fundação Ford, se alguma posição tomou na guerra cultural, foi contra os EUA. Na década de 50 ela já foi denunciada por uma comissão parlamentar de inquérito por sua persistente colaboração com a propaganda soviética (v. René Wormser, Foundations, Their Power and Influence, New York, Devin-Adair, 1958, e Phil Kent, Foundations of Betrayal. How the Super-Rich Undermine America, Johnson City, TN, Zoe Publications, 2007); e hoje em dia os programas que ela continua subsidiando - cotas raciais, feminismo, gayzismo, abortismo - constituem o ideário cultural inteiro da esquerda no mundo. Se isso é "imperialismo ianque", eu sou o Sebastião Nery em pessoa. A Fundação Ford trabalha, sim, para um projeto imperialista, mas não americano. Trabalha para o internacionalismo socialista, de inspiração fabiana, empenhado em demolir a soberania dos EUA para substitui-la progressivamente por uma Nova
Ordem Mundial altamente centralizada, estatista e controladora, da qual o governo Barack Obama é um dos instrumentos mais ativos hoje em dia. Tanto a Fundação quanto FHC podem ser acusados de tudo, menos de terem feito algum mal à esquerda. E não deixa de ser uma prova da debilidade da direita americana, brasileira ou mundial - o fato de que ela raramente ofereça uma reação à altura quando acusada dos pecados de seus próprios inimigos. Ao contrário: quantos, entre os direitistas brasileiros, especialmente militares, ansiosos por mostrar que são mais anti-americanos do que direitistas, não são os primeiros a fazer coro a mentirosos compulsivos como Saunders e Nery?
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Notas para um índice Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 21 de setembro de 2009 A semana foi tão rica em acontecimentos políticos dignos de atenção, que não resta ao comentarista senão anotar brevemente uns poucos, como num índice temático, para analisá-los com mais detalhe na primeira oportunidade, se alguma houver. Na escala nacional, veio, em primeiro lugar, a expressão de entusiasmo do sr. Presidente da República diante do fato de que "pela primeira vez na hiftória defte paíf", uma eleição presidencial se realizará exclusivamente entre candidatos de esquerda. A memória do ilustre mandatário não é das melhores. Em 2002 os candidatos eram ele próprio, José Serra, Anthony Garotinho e Ciro Gomes, cada qual esforçando-se para mostrar, nos debates, que era mais esquerdista que os outros. Em 2006 o concorrente Geraldo Alckmin, além de parasitar o estilo
politicamente correto com um servilismo exemplar, evitou cuidadosamente qualquer confronto ideológico por mais mínimo que fosse e ajudou o adversário a ocultar a existência do Foro de São Paulo. Se algum direitismo havia nele, permaneceu invisível, inodoro, imperceptível. O monopólio esquerdista do discurso ideológico não foi rompido em momento algum. A única novidade, agora, é que o governo celebra esse estado de coisas em vez de lamentá-lo como prova inequívoca de que a concorrência democrática normal foi extinta, de que, eliminada toda possibilidade de divergência ideológica, só o que sobrou foi a disputa de cargos entre grupos ideologicamente afins, isto é: o regime de partido único, com suas várias subcorrentes internas nomeadas como "partidos" só como concessão verbal provisória a eventuais nostalgias democráticas remanescentes, cada vez mais débeis e conformadas. A obscena alegria presidencial diante dessa monstruosidade prova que a substituição da democracia genuína pelo "centralismo democrático" leninista tem sido o objetivo de toda a esquerda brasileira há várias décadas, finalmente realizado acima de qualquer possibilidade de reversão do estado de coisas. Concomitantemente, apareceu, no Estado de S. Paulo do dia 13, a confissão de vários guerrilheiros dos anos 70, de que haviam sido treinados e financiados, uns pela Coréia do Norte, outros pela China comunista. Mais uma prova, se alguma faltasse, de que a "luta armada" da esquerda não foi um empreendimento heróico de resistência democrática à ditadura (como poderia sê-lo, se começou antes de 1964?), mas sim um ato de traição, uma intervenção estrangeira, a manifestação local de um movimento subversivo mundial, bilionário, orientado e subsidiado pelas ditaduras mais sangrentas e genocidas que a humanidade já conheceu (v. http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/coreia-do-norte-treinou-guerrilhabrasileira/). Hoje em dia esse movimento está mais forte do que nunca (v. Robert Chandler, Shadow World. Ressurgent Russia, The Global New Left and Radical Islam, Washington D.C., Regnery, 2008) e, no Brasil, tem o poder total, excluída toda veleidade de oposição séria e reduzida a política às disputas internas da facção dominante. Nos EUA, a maior manifestação de protesto da história americana, reunindo mais de um milhão de pessoas (v. as fotos em http://www.midiasemmascara.com.br/index.php? option=com_content&view=article&id=8626:contra-o-humanitarismo-de-
estado&catid=104:outros&Itemid=122), foi solenemente ignorada pelos jornais e TVs, com exceção da FoxNews, exatamente como tinha acontecido com as manifestações preparatórias realizadas em duas mil cidades - um movimento mais vasto e poderoso do que todos os protestos dos anos 70 contra a guerra do Vietnã. Cada vez está mais claro que a "grande mídia" se tornou mero instrumento de ocultação e desinformação a serviço do aparato partidário-estatal esquerdista, reduzindo sua própria confiabilidade a zero. O espantoso na mobilização (voltada contra a política econômica do governo e especialmente contra o plano de saúde, o Obamacare, que muitos chamam de Obamascare) é que não tem nenhum financiamento bilionário por trás e nenhum apoio partidário (os republicanos chegaram tarde, rebocados pela massa). Se alguma vez houve no mundo um "movimento popular", é esse. Quase ao mesmo tempo, documentos divulgados pela Canadian Free Press mostram que a cúpula nacional do Partido Democrata, incluindo a sra. Nancy Pelosi, esteve consciente, desde o começo da campanha presidencial, de que Barack Obama, por falta de documentos que atestassem cabalmente sua nacionalidade americana, não tinha as qualificações legais para ocupar a presidência. Tão logo Obama foi escolhido, o Comitê Nacional Democrata redigiu uma declaração apresentando o candidato e afirmando que ele tinha essas qualificações. Em seguida esse documento foi escondido, e em seu lugar foi distribuído um outro, sem a menção às qualificações (leia a história inteira em http://canadafreepress.com/index.php/article/14583). Logo que a questão dos documentos apareceu na internet, meses atrás, escrevi que a escolha de Obama não fora nenhum lapso, que ele tinha sido selecionado de propósito, precisamente por ser um pequeno farsante com uma história de vida totalmente inventada, portanto um sujeito fácil de chantagear e controlar e, mais ainda, um candidato ilegítimo cuja presença no mais alto cargo da nação era, por si só, um desafio aberto à Constituição - uma Constituição que há décadas os Clintons, os Gores, as Pelosis e tutti quanti sonham em destruir. Dito e feito. Hoje, oitenta por cento da equipe de governo são gente dos Clinton. Os vinte por cento restantes - a única parcela fiel a Obama - são os bandidinhos de Chicago, que, no fim das contas, não apitam nada. Obama é o instrumento perfeito para criar uma crise constitucional e, uma vez cumprido seu papel, pode ser jogado fora, restando no poder o velho esquema clintoniano. O modo de atuação dos bandidinhos
também tornou-se claro no decorrer da semana, quando agentes da Acorn (a ONG que distribuiu títulos de eleitor falsos para favorecer a eleição de Obama, o qual no segundo dia de governo retribuiu o favor com uma verba federal de cinco bilhões de dólares - sim, cinco bilhões) foram flagrados ensinando cafetinas a cavar subsidios estatais para seus bordéis. São essas coisinhas que a gangue de Obama sabe fazer. A parte adulta do serviço é com os Clintons. Ainda na mesma semana, os fatos mostraram a perfeita convergência de propósitos entre o governo Obama, a ONU e os generais da China na luta pela destruição da soberania americana e pela instauração de um governo mundial. Enquanto Obama anuncia uma política econômica que inevitavelmente traz de volta a inflação, os chineses, que têm enormes reservas de dólares, clamam pela instauração de uma moeda única em todo o planeta e são secundados nisso pelas mentes iluminadas da ONU. Só pessoas com QI inferior a 12 verão nisso um lindo encontro de coincidências. Criar dificuldades para vender facilidades é o truque mais velho do mundo, e não é a primeira vez que os globalistas o aplicam. Por falar em articulações, vocês já repararam que as fontes do antitabagismo militante são as mesmas da campanha pela liberação das drogas pesadas? Estudem, pesquisem, raciocinem, e obterão aí uma lição inesquecível sobre como funciona o poder no mundo de hoje.
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Transformando a CIA numa KGB Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 23 de setembro de 2009
No livro da Sra. Saunders, que mencionei no artigo anterior, a inversão do detalhe FHC é, no fim das contas, dos males o menor. A tese essencial da obra - a de que a CIA até ultrapassou a KGB em seu esforço de seduzir e manipular intelectuais e escritores - é de alto a baixo uma inversão. Um dos fatos centrais da história das idéias no século XX foi a ofensiva cultural soviética no Ocidente, que começou bem antes da II Guerra Mundial e, mutatis mutandis, continua até hoje. A extensão desse fenômeno pode avaliar-se pelo fato de que a influência comunista no cinema americano, começando modestamente com a Writer's Guild de John Howard Lawson, acabou por dominar Hollywood praticamente inteira a partir da década de 60, fazendo da indústria cinematográfica a fortaleza invencível do anti-americanismo cultural, lado a lado com as universidades e a "grande mídia" (v. Ronald Radosh, Red Star Over Hollywood. The Film Colony's Long Romance with the Left, San Francisco, Encounter Books, 2005, e Michael Medved, Hollywood vs. America, New York, HarperCollins, 1992). Jamais houve uma operação de guerra cultural tão vasta, tão rica e tão bem sucedida. A linguagem, os critérios de julgamento e os cacoetes mentais colocados em circulação pela KGB desde os anos 30 impregnaram-se de tal modo na indústria cultural e midiática dos EUA que hoje soam como se fossem o que há de mais genuinamente americano no mundo. Acentuada pelo fato de que a mentalidade pró-americana foi sendo banida e criminalizada ao ponto de que hoje a simples tentação de tomar partido dos EUA em qualquer guerra ou confrontação política soa como intolerável extremismo de direita, se não de racismo, a impressão de espontaneísmo autóctone do anti-americanismo chique dissipa-se assim que você rastreia a origem das opiniões, das figuras de linguagem e dos estereótipos dominantes - uma investigação que está infinitamente acima das possibilidades do leitor comum. Aí você descobre que hoje a elite americana fala do seu país na linguagem criada por Willi Münzenberg, o pioneiro da ofensiva cultural soviética (v. Sean McMeekin, The Red Millionaire. A Political Biography of Willi Münzenberg, Moscow's Secret Propaganda Tzar in the West, Yale University Press, 2003). A lenta mutação de mentalidade foi criando as condições para que, depois de muitas décadas de preparação psicológica, o eleitorado americano aceitasse, às tontas, um presidente empenhado em socializar de um só golpe a economia americana, em desmantelar o sistema de defesas do país e em criminalizar toda e qualquer expressão de patriotismo americano tradicional.
Contra a influência avassaladora e onipresente da propaganda soviética, tudo o que a CIA fez foi esboçar, nos anos 50, um "Congresso pela Liberdade da Cultura", imitando em escala miniaturizada os procedimentos do concorrente (financiar revistas de cultura, seduzir artistas e jornalistas, etc.), com duas diferenças: as verbas a seu serviço eram incomparavelmente menores (a sra. Saunders fala em "dezenas de milhões de dólares", uma miséria pelos padrões da KGB) e seus colaboradores participavam da coisa por livre vontade, sem medo de ir para o Gulag em caso de recusa (os próprios criadores da ofensiva cultural soviética acabaram caindo em desgraça: Karl Radek morreu na prisão e Münzenberg, esgotada sua utilidade, foi assassinado a mando de Stalin). Omitindo-se de todo exame comparativo, a Sra. Saunders cria a impressão de que o Congresso foi algo de tão majestoso, impressionante e temível quanto o chamado "Münzenberg Trust", a rede mundial de jornais, revistas, editoras, estúdios de cinema, estações de rádio, bancos, universidades e agências de turismo, presidida pelo maior gênio da guerra cultural de todos os tempos. Em conclusão, aquilo que foi, ante a pujança do adversário, nada mais que um tiro de estilingue, fica parecendo uma guerra imperialista descomunal, intrusiva e sem motivo. O simples cotejo geográfico bastaria para mostrar que as denúncias da Sra. Saunders não passam de encenação forçada. Vejam a extensão da presença comunista nas artes e espetáculos dos EUA e perguntem se algum estúdio de cinema, jornal ou negócio editorial em Moscou foi algum dia controlado pela CIA. A ofensiva cultural soviética penetrou fundo no próprio território americano, ao passo que os americanos podiam, no máximo, tentar defender algumas áreas de influência nos países amigos. Diante dessa desproporção, que é que pode ter havido de abusivamente imperialista no Congresso pela Liberdade da Cultura, exceto do ponto de vista da própria desinformação soviética, da qual a Sra. Saunders se faz, assim, fiel servidora? A Sra. Saunders eleva a hipérbole às alturas do delírio megalômano ao declarar que, subsidiando um exército de intelectuais e artistas, "a CIA funcionava, na verdade, como o ministério da Cultura dos EUA". A insinuação não resiste ao mais mínimo confronto com o anti-americanismo geral da indústria cultural americana, mas isso não abala em nada as certezas da Sra. Saunders nem muito menos amortece a credulidade de seus leitores brasileiros.
Entre outras maldades gratuitas praticadas pela CIA, segundo disse a sra. Saunders em estrevista à Folha, esteve a proibição de que "escritores progressistas", como Pablo Neruda e Jean-Paul Sartre, participassem da operação. Na verdade, "escritores progressistas" eram o grosso da tropa a serviço do Congresso, que cortejava a esquerda moderada para jogá-la contra a esquerda radical (uma burrada, na minha modesta opinião, mas nem por isso um dado histórico menos certo). E nem Neruda nem Sartre eram "progressistas", a não ser no sentido que essa palavra tem, em código, no vocabulário da propaganda comunista: o primeiro era um agente pago da KGB, o segundo um virulento apóstolo do genocídio comunista, persuadido de que "todo anticomunista é um cão" e empenhado em mostrar à Europa a bondade e o humanismo do regime cambojano de Pol-Pot. A Folha, que é ela própria um órgão de desinformação pró-comunista, naturalmente publica as declarações da Sra. Saunders sem esses dados complementares que as desmentem por inteiro. Na mesma entrevista, a Sra. Saunders revela toda a extensão da sua desonestidade quando o repórter da Folha lhe pergunta se as operações da CIA na guerra cultural se igualam à propaganda nazista e soviética. Não podendo responder que sim, pois o exagero seria flagrante demais, mas não querendo também admitir que o governo americano é mais decente que o nazista ou o soviético, ela se safa explicando que "o que a CIA fez foi infinitamente mais sofisticado do que fizeram os nazistas ou os soviéticos… foi uma forma muito sutil de propaganda, em que as pessoas envolvidas em sua produção, e aquelas envolvidas em seu consumo, sequer sabiam o que é propaganda". Quem conhece a história sabe que a CIA não inventou essa "forma sutil de propaganda", apenas a copiou, atenuada, do que os soviéticos já faziam desde os anos 30. A propaganda indireta era a base mesma da técnica Munzenberg nas democracias ocidentais, reservando-se a doutrinação grossa para o Terceiro Mundo e as populações dos próprios países comunistas.
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Honduras contra a mentira global Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 28 de setembro de 2009 Se algo os acontecimentos recentes em Honduras confirmam, é aquilo que venho dizendo há anos: quem quer que, sem ser esquerdista, preste algum favorzinho aos esquerdistas, acaba sendo acusado por eles de fazer exatamente o contrário do que fez, de ser um direitista feroz e intolerante que só os persegue, maltrata e atemoriza. Em 28 de junho, a Suprema Corte de Honduras determinou a prisão do presidente Manuel Zelaya por ter infringido a Constituição e ameaçado usar a força contra o poder legislativo. Os militares, em vez de executar a ordem, deixaram-se enternecer pelo desgraçado e permitiram que ele escapasse para a Costa Rica. Resultado: a esquerda mundial inteira os acusa de ter “expulsado” Zelaya, de ter dado um “golpe”, de ter “rompido a estabilidade das instituições”. Se tivessem prendido o delinqüente e o levado a julgamento, a esquerda mundial poderia estar tão enfezada quanto está agora, mas não teria nenhum pretexto para dizer essas coisas. Teria de inventar outras mentiras, mais trabalhosas, menos persuasivas. Não sei quantas décadas ou séculos de experiência e de sofrimento inútil a humanidade ainda precisará para compreender que indivíduos contaminados pela mentalidade revolucionária não são pessoas normais, confiáveis, das quais se possa esperar lealdade, gratidão, bondade ou acordo racional, mesmo em doses mínimas. A história está repleta de casos de conservadores, católicos, protestantes, judeus, que arriscaram suas vidas para salvar comunistas perseguidos. Não consta dos anais do mundo um só episódio de comunista de carteirinha que tenha feito o mesmo por um reacionário, um só exemplo de radical islâmico que tenha arriscado o pescoço para livrar um infiel das garras dos aiatolás vingadores.
A mentalidade revolucionária não admite leis ou valores acima do poder revolucionário, não conhece caridade ou humanitarismo exceto como expedientes publicitários a serviço da revolução, não admite lealdade senão ao aparato revolucionário, não aceita a existência da verdade senão como simulacro de credibilidade da mentira revolucionária. Com toda a evidência, é assim que funciona a mente dos srs. Luís Inácio Lula da Silva, Hugo Chávez, Marco Aurélio Garcia e demais próceres do Foro de São Paulo. O sr. Lula acaba de dar mais um exemplo da sua mendacidade revolucionária infatigável, ao afirmar que o governo brasileiro nada sabia do retorno de Manuel Zelaya a Honduras, quando o próprio Zelaya confessa que foi tudo combinado com o sr. Marco Aurélio Garcia. Colaboracionistas em profusão, espalhados pela mídia internacional, apressam-se em alardear que a presença do presidente criminoso na embaixada brasileira desestabiliza o regime hodurenho e o predispõe a concessões. Isso é pura guerra psicológica. Quem quer trégua não priva o inimigo de água e comida, nem atira nos agentes chavistas que o apóiam, camuflados de cidadãos hondurenhos. Quem está desestabilizada é a “ordem global”, que mostrou toda a sua fraqueza, todo o seu desespero, ao ficar provado que, para destruí-la, basta um povo pequeno e corajoso dizer “Não”. Não acreditem em jornalistas que lhes apresentam a crise hondurenha como uma questão de aceitar ou rejeitar Zelaya na presidência. Esse problema nem sequer existe. Como presidente ou como cidadão, há uma ordem de prisão contra ele. Recolocá-lo no Palácio Presidencial é apenas garantir que ele irá para a cadeia com honras de chefe de Estado. Honduras não está lutando para se livrar de um político safado, mas para assegurar que a ordem legal e constitucional do país valha mais que a opinião de bandidos e tagarelas estrangeiros autonomeados “consenso internacional”. Para lidar com essa gente, toda precaução é pouca, toda suspeita é modesta, toda conjeturação de motivos sórdidos corre o risco de ficar muito aquém da realidade. Os hondurenhos parecem ser o primeiro povo do mundo que percebeu isso.
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Como ler a mídia nacional Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 30 de setembro de 2009 A maneira mais pérfida de desviar o impacto de uma afirmação verdadeira é atribuí-la a alguma motivação ideológica dada implicitamente como repugnante, de modo a não precisar entrar no mérito dos fatos alegados. O artigo do colunista da Folha de S. Paulo, Michael Kepp, “Demonizando um presidente pós-racial”, publicado no último dia 20, foi construído inteiramente com esse método. Repete-o nada menos de dez vezes em trinta e poucas linhas. Mesmo para um jornal que faz essas coisas com habitual naturalidade, é um recorde notável. Quando, de uns vinte anos para cá, os artigos de opinião na “grande mídia” começaram a ficar cada vez mais curtos, tornou-se claro, para mim, que isso não se devia ao alegado intuito de economia de espaço (uma desculpa que não fazia sentido numa época em que o número de páginas dos jornais aumentava a cada semana), mas a um propósito consciente de bloquear toda discussão séria, reduzindo os artigos a uma compactação de slogans e passando a favorecer, automaticamente, sempre o lado mais mentiroso. Quem quer que tenha estudado um pouco a técnica da argumentação conhece esta regra infalível: toda mentira tem o privilégio de poder expressar-se com mais brevidade do que a sua refutação. Em trinta linhas, você pode acusar um sujeito de trinta crimes imaginários. Ele precisará de pelo menos trezentas para provar que não os cometeu. Artigos longos, de análise refletida, como aqueles que você poderia ler nos anos 50, subscritos por um Otto Maria Capeaux, por um Júlio de Mesquita Filho, por um Álvaro Lins, tornaram-se
proibitivos na mídia atual, substituídos pela mentira breve e contundente, sustentada tão somente numa rotulação infamante, oferecida como prova cabal. Vejam o desempenho do senhor Kepp: 1. “Grupos de extrema direita começaram a sabotar a campanha do candidato presidencial do seu próprio partido em 2004, John Kerry, com anúncios na TV que contestavam o heroísmo militar dele na guerra do Vietnã.” Não há “grupos de extrema direita” no Partido Democrata, uma agremiação onde o espectro ideológico vai da extrema esquerda ao centro-esquerda e pára por aí mesmo. Quem lançou a campanha foram os próprios soldados que estiveram em combate ao lado de Kerry, incluindo o médico que cuidara dos ferimentos dele com um simples band-aid. Para contestar várias dezenas de depoimentos concordantes não apareceu um só veterano que confirmasse o suposto heroísmo do candidato democrata. Desqualificar essa massa de depoimentos concordantes por meio da rotulação ideológica é um expediente que, nos EUA, mesmo com todo o esquerdismo vigente, arriscaria abalar o prestígio do Sr. Kepp. No Brasil, onde mora há vinte e seis anos, ele pode praticá-lo com a certeza de que a safadeza pueril será aceita como jornalismo normal e louvável. 2. “No fim de semana passado, grupos ultra-conservadores reuniram 75 mil manifestante em Washington em uma marcha em protesto contra os gastos do governo.” O mais breve exame das fotos da passeata mostra que ali havia, no mínimo, dez vezes mais gente do que isso. O Departamento de Parques, que observa essas coisas de perto, disse que foi a maior manifestação popular já ocorrida em Washington. Carimbar os manifestantes como “ultraconservadores” autoriza o sr. Kepp a mentir sobre o número deles. 3. “Cartazes de oposição ao plano de saúde mostravam Obama como curandeiro africano.” Foi o próprio Obama que tirou fotografia vestido de curandeiro africano. Segundo o Sr. Kepp, todos têm a obrigação de esconder essa foto para provar que não são racistas. 4. Segundo o Sr. Kepp, é puro racismo enxergar racismo nas inumeráveis expressões anti-brancas e anti-ocidentais espalhadas pelos dois livros do atual presidente, bem como no apoio que ele deu a racistas negros notórios como Louis
Farrakhan ou Jeremiah Wright. Racismo mesmo, na opinião dele, é protestar contra os gastos estatais do governo Obama. 5. “As acusações de Wilson foram falsas e sem precedentes.”. O senador Joe Wilson não fez “acusações”: fez apenas uma, a de que Obama mentia ao afirmar em seu discurso no Congresso, como em muitas ocasiões anteriores, que seu plano de saúde não oferecia assistência médica gratuita aos imigrantes ilegais. De fato, o plano não promete explicitamente fazer isso: apenas não proíbe que se faça. Como é lógico que um direito não vetado em lei não pode ser negado a quem o reivindique, a assistência gratuita aos ilegais está obviamente garantida. Wilson foi mal educado, mas não mentiu. 6. “Nenhum legislador até então jamais havia gritado calúnias a um Presidente, nem mesmo a George W. Bush quando este mentiu ao Congresso para conseguir sua aprovação para a invasão do Iraque.” Essa afirmativa ilustra a própria conclusão do artigo do Sr. Kepp, segundo a qual “as campanhas difamatórias se baseiam... na tática aperfeiçoada por Joseph Goebbels” – a tática da mentira repetida. “Bush lied, people died” é claramente a mentira mais repetida da última década. De um lado, Bush não mentiu coisíssima nenhuma: apenas repassou ao congresso a informação recebida dos serviços de inteligência, na qual seus opositores na época acreditavam tanto quanto ele. De outro lado, essa informação, que falava das armas de destruição em massa estocadas por Sadam Husseim, não era de maneira alguma inexata. A lista dessas armas encontrada efetivamente no Iraque – reproduzida no livro de Richard Miniter, Disinformation –, é mais que suficiente para comprovar que elas de fato existiam, mesmo sem contar a parte que foi removida em tempo para a Síria. Apenas, essa informação jamais se condensou num slogan publicitário nem foi trombeteada ad nauseam por milhões de Kepps. 7. Durante as eleições presidenciais a cartada racial foi jogada milhares de vezes pela própria campanha obamista, embora ninguém, do outro lado, fizesse a menor insinuação quanto à cor da pele do candidato democrata. A presunção de racismo foi dada como prova de si mesma e usada abundantemente para inibir quaisquer críticas a Barack Obama. Isso está tão bem documentado que nem é preciso insistir no assunto. Também é certo que ninguém viu o menor sinal de racismo no boicote ao candidato conservador negro Alan Keyes – um negro de verdade e não um mulato diluído –, que acabou até saindo do Partido Republicano. Depois da eleição,
o expediente de campanha continuou sendo usado, mas agora, por incrível que pareça, associado à imagem de Obama como “presidente pós-racial”, sem que o povão notasse a incongruência entre o esforço para criar uma imagem racialmente neutra do presidente e a insistência em chamar seus críticos de racistas – um caso típico de estimulação contraditória, tanto mais imperceptível quanto mais intensa. O Sr. Kepp mostra dominar perfeitamente a técnica ao chamar Obama de “presidente pós-racial” e, linhas depois, levar às ultimas conseqüências a exploração do fator “raça”, ao endossar a monstruosidade escrita pela colunista no New York Times, Maureen Dowd, segundo a qual a acusação lançada por Joe Wilson a Obama “continha uma insinuação racista não verbalizada: You lie, boy! – mais ou menos o equivalente a ‘você mente, garoto!’.” Primeiro, Wilson não disse “boy”. A gravação é muito clara. Segundo, “boy” não corresponde ao pejorativo “moleque”, e sim a “menino” em geral. Terceiro, vocês querem me dizer em que consiste uma “insinuação não verbalizada”? 8. “Em maio, grupos conservadores tacharam a americana, de origem portoriquenha, Sonia Sotomayor, a juíza indicada por Obama para a Suprema Corte, de racista por ter dito que ‘uma mulher latina sábia, dotada da riqueza das suas experiências, normalmente, espero, chegará a uma conclusão melhor do que um homem branco que não viveu essa vida’.” A sra. Sotomayor não foi acusada de racismo por isso (seria mesmo um absurdo que o fosse), mas por ser membro da ONG La Raza (o nome já diz tudo), que prega a ocupação da Flórida, do Texas e da Califórnia pelo México e a expulsão de todos os cidadãos não latinos. 9. Para provar que a oposição conservadora a Obama é racista, Kepp lembra que o comentarista de TV Glenn Back juntou sua voz ao coro de protestos quando “Obama disse que um policial branco ‘agiu estupidamente’ ao prender o professor negro da universidade Harvard Henry Louis Gates Jr. na sua própria casa simplesmente porque Gates ficara indignado quando o policial exigira provas de que ele não estava tentando arrombar a residência.” A inversão aqui, chega ao limite do maravilhoso. O policial não exigiu “provas de que Gates não estava tentando arrombar a residência”, porque isso era justamente o que Gastes estava fazendo. O que ele exigiu foram provas de que a casa pertencia ao arrombador – exatamente o que o manual de instruções determina que qualquer policial no seu juízo perfeito faça em tais circunstâncias. O próprio Obama percebeu o vexame e
tentou uma conciliação com o policial, ao qual só atribuíra motivos racistas por óbvia prevenção racista. 10. “A ironia dessa campanha de difamação é que, como presidente, Obama não fez até agora nada para promover o direito dos negros.” O que o Sr. Kepp não informa é que isso, obviamente, não prova que Obama não odeie os brancos: prova apenas que seu alegado amor pelos negros era um expediente publicitário, abandonado tão logo cumprida sua finalidade de campanha. Não digo que sejam somente essas as mentiras patentes que o Sr. Kepp conseguiu quase miraculosamente comprimir em trinta linhas. Há mais algumas, mas são apenas variantes das mesmas. O que digo, sim, é que a análise dos artigos editoriais de maior destaque na Folha, no Globo ou no Estadão, jamais deixou de me mostrar a presença de truques semelhantes aos do Sr. Kepp, embora, em geral, não tantos por centímetro de coluna. Imaginem, agora, o impacto de longo prazo exercido, sobre as mentes dos leitores, por esse bombardeio incessante, obsessivo, que só a análise longa e trabalhosa – inacessível, em geral, ao leitor comum – pode neutralizar. Que os próprios autores dessa patifaria institucionalizada citem com freqüência o método Goebbels é, com toda evidência, apenas uma autovacina preventiva contra a denúncia de que não há, em todo o território nacional, outros praticantes mais tenazes desse método do que eles próprios.
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Co-coordenando as idéias
Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 5 de outubro de 2009 O melhor resumo didático da crise hondurenha está no site de Reinaldo Azevedo, http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/a-crise-hondurenha-desenhada-em15-fatos-nao-se-deixe-enrolar. As melhores atualizações, em http://www.heitordepaola.com e no Notalatina, de Graça Salgueiro: http://notalatina.blogspot.com/2009/09/o-notalatina-volta-abordar-situacaode.html. E uma das melhores análises jurídicas que tenho lido a respeito está em http://noticias-da-web.blogspot.com/2009/09/para-entender-o-que-se-passaem.html, assinada por Mauro Demarchi, que não tenho a menor idéia de quem seja mas é obviamente um sujeito sério. Se você quer saber mesmo o que está acontecendo, é isso o que tem de ler. Há quem prefira, no entanto, outra espécie de alimento jornalístico. As lendas mais fabulosas, as desculpas mais esfarrapadas, as desconversas mais escorregadias, distribuem-se uniformemente entre as páginas da Folha, do Globo e do Estadão. Porém a vigarice em estado puro, aquela inversão completa da realidade, aquela falsificação radical que só pode nascer de um composto indissolúvel de estupidez impérvia e mendacidade compulsiva, só se encontra mesmo é na página oficial do PT. Se é isso o que você quer, não aceite imitações: vá direto ao produto original. Aí pode-se ver, por exemplo, em http://www.pt.org.br/portalpt/index.php? option=com_content&task=view&id=82390&Itemid=201, o sr. Aloizio Mercadante proclamar ante um cândido mundo que: 1. O governo brasileiro, como um marido traído, foi o último a saber do retorno de Manuel Zelaya a Tegucigalpa (veja em Notalatina a gravação de Zelaya confessando que tudo foi tramado desde o início com Lula e Celso Amorim). 2. O governo Lula só recebeu Zelaya porque é do seu costume respeitar o direito de asilo (o Itamaraty diz que Zelaya não é asilado de maneira alguma.) 3. A derrubada de Zelaya não pode ter tido qualquer amparo constitucional além de um improvisado simulacro, já que “a ação se iniciou e se encerrou em menos de 24 horas” (veja na análise de Demarchi as providências legais que vieram se sucedendo desde maio).
Porém ainda mais instrutivas são as lições do sr. Gabriel Puricelli, que se apresenta – no meu entender com justíssimas razões – como “co-cordenador” de alguma coisa (o leitor incrédulo pode tirar a dúvida em http://www.pt.org.br/portalpt/index.php?option= com_content&task=view&id=82320&Itemid=201). Sendo público e notório que o governo nega qualquer envolvimento na produção de “Zelaya II – O Retorno”, o título que o referido dá ao seu artigo – “Zelaya e a aposta ousada de Lula” – é um autêntico ato falho freudiano, pois ninguém pode apostar em nada depois de feito o lance, nem aliás antes disso se nada sabe a respeito. Há uma evidente falha de co-coordenação entre a propaganda federal e a editoria da página petista, ou então entre o que o sr. Puricelli pensa que escreve e aquilo que ele escreve realmente. Uma forte evidência em favor desta última hipótese vem no seguinte parágrafo: “Com certeza, se há uma definição de ‘pária’, ela tem em Micheletti o exemplo máximo: nem Saddam Hussein, nem a Coréia do Norte, nem talvez o regime genocida sudanês sofreram um bloqueio tão absoluto do acesso à ajuda das relações exteriores, do reconhecimento diplomático mesmo, como o que enfrentam os golpistas hondurenhos.” Dessa confissão explícita de que as pressões internacionais contra Honduras são desproporcionais e excessivas, o cérebro humano comum tiraria normalmente a conclusão de que os hondurenhos estão sofrendo injustiça. Mas não é assim que o sr. Puricelli co-coordena as suas idéias. Do excesso de punição infligido aos hondurenhos ele conclui que estes últimos são mesmo uns reaças obstinados e ardilosos, contras os quais nada melhor que a “jogada brasileira”, expressão com que, pela segunda vez, ele desmascara inadvertidamente o governo que elogia. No vasto mostruário de exemplos de lógica invertida, com que tenho caracterizado a mente revolucionária, esse não é decerto o mais brilhante, mas é um dos mais nítidos, na singeleza tocante da sua literalidade. Estou pensando até em trocar o nome “lógica invertida” pelo de “co-coordenação”, muito mais expressivo e, digamos assim, material.
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Exemplo didático Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 7 de outubro de 2009 "Os jornalistas são arrogantes e não querem ser melhorados", afirma o ombudsman da Folha, Carlos Eduardo Lins da Silva (v. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2209200921.htm). Tem toda a razão. Ele próprio constitui um exemplo didático dessa regra, pois, advertido o quanto seja, não quer por nada deste mundo aprender que idoneidade e isenção, em jornalismo, não consistem na mera afetação de linguagem superiormente neutra – o estilo folhístico por excelência –, mas na prática substantiva da justiça e do senso das proporções, coisas que não só a Folha, mas também O Globo e o Estadão desconhecem por completo. Não há colunista ou editorialista nesses jornais - incluído nisso o sr. Lins da Silva – que, ao referir-se ao autor do presente artigo, não tome o cuidado de advertir que se trata de um sujeito "muito conservador", "ultraconservador" ou até "extremista de direita". Nenhum deles escreve nem escreveria jamais que o sr. Quartim de Moraes, ou o sr. Marco Aurélio Garcia, ou o sr. Emir Sader, é "muito comunista", "ultra-esquerdista" ou "extremista de esquerda". Segundo o sentido dicionarizado da palavra, extremista é o indivíduo ou grupo que vai às últimas conseqüências na luta pelas suas idéias políticas, desejando, aprovando ou até mesmo colaborando ativamente com a instauração de regimes empenhados em assassinar em massa os seus adversários ideológicos.
Os três personagens citados enquadram-se rigorosamente nessa definição, que não se aplica a mim de maneira alguma, nem a Rush Limbaugh, nem a Glenn Beck, nem a qualquer dos outros jornalistas, brasileiros ou estrangeiros, aos quais os três maiores jornais deste país aplicam aquele qualificativo com a constância sistemática de quem aposta no poder ilimitado da mentira repetida. Os srs. Quartim, Garcia, Sader e similares – seu nome é legião – não somente dão respaldo intelectual a regimes genocidas (o primeiro deles fez até uma candente apologia de Stalin), mas têm uma extensa folha de realizações práticas em prol desses regimes, bem como da sua extensão ao Brasil, que é o sonho das suas vidas. Da minha parte, não escrevi nem disse nunca uma palavra em favor do princípio ditatorial, seja de modo genérico, seja em suas especiais versões direitistas, nem sugeri jamais que fosse adotado no Brasil. O que tenho defendido, para este ou para qualquer outro país do mundo, é a boa e velha democracia parlamentar, na qual os comunistas não estão na cadeia nem no cemitério e sim na praça pública, a salvo de qualquer risco exceto o de ser desmoralizados, no confronto polêmico, por pessoas malvadas como eu. Meus atos acompanharam minhas palavras. Enquanto uma ditadura de direita existiu no Brasil, fiz o possível para combatê-la, chegando a estar entre os primeiros que tomaram posição pública, quando tantos preferiam calar, contra o mais notório de seus delitos, o assassinato do jornalista Vladimir Herzog. O máximo que fiz em prol, não dessa ditadura, mas da simples verdade histórica, e isto bem depois da extinção do regime, foi contestar exageros difamatórios que retroativamente se produziram contra ele, como se lhe faltassem pecados reais. Por que, então, sou eu o extremista, e não aqueles notórios defensores de medidas extremadas contra quem se oponha a seus desígnios? Na verdade, as referências a essas criaturas, na "grande mídia" nacional, vêm sistematicamente desacompanhadas de qualquer menção, não só ao seu extremismo assumido e pertinaz, mas até à sua filiação ideológica em sentido geral, de modo que acabam constando apenas como escritores, professores ou autoridades intelectuais nos seus respectivos campos, honrosamente imunes a
qualquer suspeita de viés ideológico – privilégio reservado aos seus críticos e especialmente à minha execrável pessoa. Mais até do que a deformação ou supressão material dos fatos, o que revela com suprema clareza a falta de isenção no jornalismo são os cacoetes verbais que, traindo o discurso fingidamente neutro e equilibrado, tendem sempre contra um dos lados, poupando o outro de vexame similar. Aliás, a própria sugestão corrente de que aí existam "lados" é de uma falsidade pérfida: onde um indivíduo praticamente sozinho protesta contra as organizações bilionárias que controlam uma dúzia de países em torno, ele não está disputando o poder com elas, nem sequer movendo a elas qualquer espécie de oposição política. Está precisamente clamando no deserto contra uma situação psicótica em que toda concorrência se tornou impossível, tal a desproporção de forças entre o cidadão avulso e a hidra de mil cabeças do Foro de São Paulo. Toda afetação de equilíbrio entre dois pólos ideológicos, nessas circunstâncias, torna-se a simulação de um confronto democrático inexistente, a tentativa cínica de apresentar a macro-organização dominante e seu crítico solitário como forças de igual potência e função, diferenciadas apenas pelo sinal inverso. Dar aparência de verossimilhança a essa farsa monstruosa tem sido, há anos, a função predominante do ombudsman da Folha de S. Paulo, bem como de seus equivalentes ocasionais nos demais órgãos de mídia. O sentido do cacoete verbal acima mencionado é demasiado evidente: para a mentalidade reinante na nossa mídia, nenhuma dose de esquerdismo, mesmo quando se eleva à apologia de tiranos genocidas ou à colaboração ativa com os regimes que eles criaram, é extrema, excessiva ou digna de nota. Ela é tão normal e aceitável que se torna rotineiro abster-se de mencioná-la, para evitar o risco de colar na imagem do seu porta-voz um rótulo mesmo vagamente pejorativo. O homem de idéias conservadoras, ao contrário, mesmo que tenha se notabilizado por mil e um feitos intelectuais alheios à política do momento, mesmo que jamais tenha se excedido na defesa de suas idéias ao ponto de aplaudir quem por elas torture, mate ou roube, deve ser sempre mencionado, antes de tudo, pela sua coloração partidária mesmo inexistente, para que nenhum leitor caia na tentação demoníaca de imaginá-lo, ainda que por instantes, homem isento e sério, capaz de raciocinar fora e acima de preconceitos ideológicos.
Repetidos ad infinitum, esses giros de linguagem têm o efeito de uma campanha difamatória devastadora contra a minoria absoluta, operação tanto mais eficiente e letal quanto mais se resguarda de fazer críticas ostensivas, francas, e mais se refugia à sombra das insinuações implícitas, difíceis de colocar em discussão mas facilmente impregnáveis, como preconceitos automatizados, na mente popular. É isso o que, com ombudsman ou sem ele, a mídia brasileira de hoje chama de jornalismo isento.
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Primores de ternura - 1 Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 14 de outubro de 2009 Leio no site da Previdência Social: "O auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto." Ou seja: no Brasil você pode matar, roubar, sequestrar ou estuprar, seguro de que, se for preso, sua família não passará necessidade. O governo garante. Se, porém, como membro efetivo da maioria otária, você não faz mal a ninguém e em vez disso prefere acabar levando dois tiros na cuca, quatro no estômago ou três no peito, ou então uma facada no fígado, esticando as canelas in loco ou no hospital, aí o governo não garante mais nada: sua viúva e seus filhos podem chorar à vontade na porta do Palácio do Planalto, que o coração fraterno da República solidária não lhes concederá nem uma gota da ternura estatal que derrama generosamente sobre os bandidos.
É, as coisas são assim. Se elas o escandalizam, é porque você está muito desatualizado. Afagar delinqüentes, estimular o banditismo, é uma das mais antigas e veneráveis tradições do movimento revolucionário, que o nosso partido governante personifica orgulhosamente. Veja o que pensavam alguns dos mentores revolucionários mais célebres: Mikhail Bakunin, líder anarquista: "Para a nossa revolução, será preciso atiçar no povo as paixões mais vis." Serge Netchaiev, terrorista que Lênin adotou como um de seus gurus: "A causa pela qual lutamos é a completa, universal destruição. Temos de nos unir ao mundo selvagem, criminoso." Willi Münzenberg, o gênio organizador da propaganda comunista na Europa Ocidental e nos EUA: "Vamos corromper o Ocidente em tal medida, que ele acabará fedendo." Louis Aragon, poeta oficial do Partido Comunista Francês: "Despertaremos por toda parte os germes da confusão e do malestar. Que os traficantes de drogas se atirem sobre as nossas nações aterrorizadas!" V. I. Lênin: "O melhor revolucionário é um jovem desprovido de toda moral." De tal modo a paixão pelo crime se impregnou na mente revolucionária, que acabou até produzindo fenômenos paranormais. Em 8 de março de 1855, o poeta Victor Hugo, um ídolo dos revolucionários, recebeu numa sessão espírita, para satisfação aliás de suas próprias expectativas, esta mensagem do além: "A verdadeira religião proclama o novo evangelho: é uma imensa ternura pelos ferozes, pelos infames, pelos bandidos." Os exemplos poderiam multiplicar-se indefinidamente. E nada disso ficou no papel, é claro. Nem se limitaram aquelas almas cândidas a cantar em prosa, verso e filme as virtudes excelsas da criminalidade (v. meu artigo "Bandidos e Letrados", de 26 de dezembro de 1994, em www.olavodecarvalho.org/livros/bandlet.htm). Já em 1789 os revolucionários franceses abriram as portas das prisões, libertando indiscriminadamente milhares de assassinos, ladrões e estupradores que em poucos dias espalharam o caos nas ruas de Paris (mesmo na célebre Bastilha não
havia um só prisioneiro político: só delinqüentes). Logo após a tomada do poder pelos comunistas na Rússia, a política oficial era fomentar o sexo livre, criando assim uma geração de jovens sem família para incentivar a criminalidade juvenil e liquidar pela confusão o que restasse da "ordem burguesa". A idéia foi de Karl Radek (o chefe de Willi Münzenberg), que, ironia cruel, ao cair em desgraça perante Stalin acabou sendo assassinado a murros e pontapés por jovens delinqüentes numa prisão. O voto de Louis Aragon foi cumprido à risca a partir dos anos 50, quando a URSS começou a treinar agentes para que se infiltrassem nas então incipientes redes de tráfico de drogas - especialmente na América Latina - e as dominassem por dentro, criando uma futura fonte local de subsídios para o movimento revolucionário, que estava saindo caro demais para o bolso soviético. Essa foi a origem remota das Farc, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que hoje dominam o narcotráfico no continente. A história é contada em detalhes pelo general tcheco Jan Sejna, que participou pessoalmente da operação (v. Joseph D. Douglass, Red Cocaine. The Drugging of America and the West, London, Harle, 1999).
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Primores de ternura - 2 Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 16 de outubro de 2009 Nos anos 50-60, a união simbiótica de revolução e crime passou por um upgrade formidável, deixando de ser apenas uma prática consagrada e um objeto de exortações retóricas e tornando-se alvo de teorização sistemática por parte dos
pensadores marxistas, especialmente da Escola de Frankfurt. Segundo Herbert Marcuse, o mais popular dentre esses autores na época e um queridinho da grande mídia americana, o proletariado industrial já não servia como classe revolucionária, por ter sido corrompido pelas benesses do capitalismo. Em vez de tirar desse óbvio desmentido dos prognósticos de Marx quanto à miséria crescente dos trabalhadores no livre mercado a conclusão lógica de que o marxismo não servia para grande coisa, Marcuse achou que podia consertar a teoria simplesmente buscando uma nova classe revolucionária, definida não pela desvantagem econômica, mas por qualquer tipo de frustração psicológica. Em vez de uma ele descobriu três: (1) os intelectuais e estudantes, sempre revoltados contra uma sociedade que não lhes dá toda a importância que julgam merecer; (2) todos os insatisfeitos com qualquer coisa – esposas mal amadas, gays enfezados com a empáfia masculina, crianças rebeldes à autoridade paterna, etc.; (3) os marginais em geral: prostitutas, viciados, assassinos, estupradores e tutti quanti. Eram essas pessoas maravilhosas, e não os proletários, que tinham de ser organizadas para corromper o "sistema", enfraquecê-lo e destruí-lo por dentro. A influência de Marcuse, fundindo-se às propostas de "revolução cultural" inspiradas em Antonio Gramsci, foi tão vasta e profunda que hoje o marcusismo em ação já nem aparece associado ao nome de seu inventor: tornou-se o modo de ser natural e universal do movimento revolucionário por toda parte. No Brasil, a íntima colaboração entre a esquerda revolucionária e o banditismo, da qual já se viam amostras esporádicas desde os anos 30, começou a existir de forma mais organizada durante o regime militar, quando os terroristas adestrados em Cuba, na Coréia do Norte e na China passaram a transmitir seus conhecimentos de estratégia e tática da guerrilha urbana aos delinqüentes comuns com os quais compartilhavam o espaço no Presídio da Ilha Grande, RJ. Foi daí que nasceram as mega-organizações criminosas, o Comando Vermelho e depois o PCC. A esperança que inspirou a sua fundação não foi decepcionada. Em poucos anos, o guru do narcotráfico carioca, William Lima da Silva, o "Professor", já podia se gabar de haver superado seus mestres: "Conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão três milhões de adolescentes, que matarão vocês nas
esquinas. Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados em armas?" O recorde anual de homicídios no Brasil, entre 40 e 50 mil mortos, segundo a ONU, e o crescimento acelerado do consumo de drogas neste país – enquanto diminui nos países em torno - mostram que esta segunda expectativa também não foi totalmente frustrada. Mais tarde os terroristas subiram na vida, tornaram-se deputados, senadores, desembargadores, ministros de Estado, tendo de afastar-se de seus antigos companheiros de presídio. Estes não ficaram, porém, desprovidos de instrutores capacitados. A criação do Foro de São Paulo, iniciativa daqueles terroristas aposentados, facilitou os contatos entre agentes das Farc e as quadrillhas de narcotraficantes brasileiros – especialmente do PCC –, dos quais logo se tornaram mentores, estrategistas e sócios. Foi o que demonstrou o juiz federal Odilon de Oliveira, de Ponta Porã, MS, pagando por essa ousadia o preço de ter de viver escondido, como de fosse ele próprio o maior dos delinqüentes (v. http://www.eagora.org.br/arquivo/Farc-ensina-seqestro-a-PCC-e-CV-afirma-juiz/ e sobretudo http://odilon.telmeworlds.sg/), enquanto os homens das Farc transitam livremente pelo país, têm toda a proteção da militância esquerdista em caso de prisão e até são recebidos como hóspedes de honra por altos próceres petistas. (O secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, diz que as Farc nem mesmo pertencem ao Foro de São Paulo.. Ele mente e sabe que mente. Dezenove anos de documentos oficiais do Foro provam isso acima de qualquer possibilidade de dúvida.) Mesmo apoiada pela mais vasta e permanente campanha de mutação cultural, a articulação direta de bandidos e revolucionários não seria suficiente para produzir seus efeitos se, ao mesmo tempo, a própria estrutura jurídico-policial do Estado não fosse submetida a alterações destinadas a dificultar a atividade repressiva, fornecendo aos delinqüentes todas as vantagens na sua luta contra a sociedade. O desarmamento da população civil, a criminalização fácil das ações policiais mais corriqueiras, a leniência proposital para com os delinqüentes juvenis, a tolerância ou mesmo incentivo à violência nas escolas – tudo isso converge com a estratégia geral do movimento revolucionário em seu empenho de demolir as defesas da sociedade por meio da criminalidade triunfante.
O auxílio-reclusão – ou "Bolsa-Bandido", como o povo prefere chamá-lo – não tem nada de extravagante ou surpreendente. É apenas mais uma expressão da "imensa ternura para com os ferozes", o sentimento mais profundo e permanente da religião revolucionária, que de há muito já deixou de ser só um estado de alma e se transformou em temível instrumento de ação prática.
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Bondade mesquinha Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 19 de outubro de 2009 Nosso presidente, que jamais derramou uma lágrima pelos 40 mil brasileiros assassinados anualmente e muito menos fez algo para protegê-los, derreteu-se em prantos ante a escolha do Rio para sede dos próximos Jogos Olímpicos. Não é a primeira vez que ele dá mostras de sua notável capacidade lacrimejante. Ele chorou duplamente ao ser eleito e ao ser empossado, chorou vezes inumeráveis ao anunciar do alto dos palanques seus planos de governo, chorou no enterro do deputado petista Carlos Wilson, no das vítimas da chuva em Sta. Catarina e no dos mortos do acidente em Alcântara, chorou ao inaugurar o projeto "Luz Para Todos", chorou ao enaltecer seus próprios feitos num encontro de estudantes em São Paulo, chorou no Senegal dizendo que era de arrependimento pela escravatura, chorou ao prometer acabar com o desemprego em 2003 e depois novamente em 2006 (os desempregados continuam chorando até agora), e chorou quando o deputado Roberto Jefferson lhe falou do Mensalão: soluçou tão convulsivamente que ficou até parecendo que era o último a saber do imbroglio. São apenas amostras colhidas
a esmo. Digitando "Lula chora" no Google obtive 29.600 respostas, e ante a mera perspectiva de examiná-las uma a uma quem sente ganas de chorar sou eu. Diante dessa torrente de lágrimas, seria injusto negar que o sr. presidente tenha bons sentimentos. Que os tem, tem. O problema é que são morbidamente seletivos: para seus companheiros de militância, para os grupos sociais onde espera recrutar eleitores, e sobretudo para si próprio, coitadinho, é uma comoção arrebatadora, um enternecimento irresistível, um transbordamento de compaixão sem fim. Para os demais, tudo o que ele tem a oferecer é aquela forma requintada de crueldade passiva que se chama a indiferença. Incluem-se nessa categoria os 40 mil acima mencionados, as crianças brasileiras envenenadas pelas drogas das Farc, os malditos 17 mil reacionários fuzilados por seu amigo Fidel Castro e sobretudo as vítimas do terrorismo nacional, cujas famílias vivem no mais abjeto esquecimento enquanto os assassinos de seus pais e avós se empanturram de verbas federais, seja na condição de "indenizados", seja na de ministros, senadores, deputados, chefes de gabinete etc. etc. etc. Longe de mim a suspeita de que as lágrimas de S. Excia. sejam fingidas. É justamente a espontaneidade delas que mostra o quanto os bons instintos presidenciais são seletivos, daquela seletividade natural e até inconsciente que revela, num instante, uma personalidade, a forma inteira de uma alma e de uma consciência. Se essa seletividade privilegia, enfatiza e enaltece com naturalidade espantosa os interesses político-publicitários do sr. presidente e ao mesmo tempo o torna cego e insensível para tudo o mais, não é porque haja nela alguma premeditação astuta, mas, bem ao contrário, é porque, simplesmente, ele é assim. Sua consciência moral, em suma, é deformada pelo longo hábito, meio partidário, meio mafioso, da separação estanque entre os "amigos" e os "outros", entre "gente nossa" e "aquela gente". Se seus acessos de bondade vêm a ser sempre politicamente oportunos, não é porque ele os planeje, mas porque, no fundo da sua alma, ele não consegue conceber o bem senão sob a forma estreita e específica de uma estratégia partidária, sendo perfeitamente indiferente a tudo o que fique fora ou acima dela. Especialmente acima. A prova mais patente da sua insensibilidade a quaisquer valores que transcendam a luta partidária veio logo após sua audiência com o Papa -- momento culminante na vida de todo fiel católico --, quando, tendo comungado
sem confessar, redobrou a blasfêmia ao fazer chacota do ocorrido, dizendo que assim procedera por ser alma sem pecados. Para esse homem, até mesmo a religião que diz professar ardentemente não tem nenhum significado em si mesma, o Deus que ele diz adorar não tem nenhuma autoridade moral para julgá-lo, devendo antes amoldar-se com humildade à condição de personagem de piada instrumental ad majorem Lulis gloriam. Que depois, na África, ele exiba arrependimento por uma escravatura que jamais praticou, e faça acompanhar suas lágrimas da conveniente citação papal, eis aí a prova de que, na escala da sua consciência, sua alma cristã tem mais satisfações a prestar ante o auditório imediato do que ante o Juízo Final. Subjugando ao oportunismo partidário mesmo aquilo que há de mais alto e venerável, suas efusões de bondade não são senão expressões visíveis de uma mesquinharia profunda, de uma pequenez de alma que, para dizer o mínimo, não é um bom exemplo para se dar às crianças. Desprovido, ao menos aparentemente, da truculência natural de um Fidel Castro ou de um Pol-Pot, bem como da fanfarronice histriônica de um Hugo Chávez, esse homem traz no coração, como eles, aquela típica mistura de insensibilidade moral e sentimentalismo kitsch que caracteriza os sociopatas. Sua indiferença ao sofrimento real dos estranhos ao seu círculo de interesses contrasta de tal modo com suas tiradas de autopiedade obscena e com seu emocionalismo à flor da pele nas ocasiões politicamente convenientes, que não vejo como escapar à conclusão de que S. Excia. é uma alma deformada, cuja feiúra, exibida com ingênuo despudor a cada novo pronunciamento seu, condensa simbolicamente a miséria geral da época.
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Os novos demiurgos
Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 22 de outubro de 2009 O que torna ainda mais odioso o dirigismo estatal na educação, universalmente buscado e ardentemente defendido pelos sapientíssimos intelectuais de esquerda, é que ele desmente da maneira mais flagrante e cínica o discurso educacional esquerdista de três ou quatro décadas atrás, do qual eles se serviram como puro instrumento de sedução, prontos a jogá-lo fora na primeira oportunidade, como estão fazendo agora. Nos anos 60, 70, os mais destacados próceres da pedagogia esquerdista posavam de libertários, acusando a "educação burguesa" de ser um aparato de dominação que sacrificava o livre desenvolvimento intelectual e emocional das crianças em favor de objetivos de mero poder político-econômico. A acusação, verdadeira quanto a alguns casos isolados bem pouco significativos, observados quase sempre em grotescas ditaduras de Terceiro Mundo (por ironia, sempre mais estatistas do que pró-capitalistas), era completamente falsa quando generalizada a toda a "civilização ocidental" ou mesmo a qualquer das grandes democracias capitalistas em particular -- mas seus porta-vozes insistiam em ampliar-lhe o alcance ilimitadamente, dando-lhe foros de teoria científica geral. No mínimo, a educação ocidental não podia de maneira alguma ser pura dominação de classe, pela simples razão de que se amoldava, com humilde reverência, a valores e critérios velhos de séculos e milênios, muito anteriores e estranhos a qualquer "interesse burguês", como por exemplo a moral judaicocristã, a arte clássica, medieval e renascentista, o ideal aristotélico da ciência racional e o direito romano. Justamente ao contrário do que proclamavam os acusadores, por toda parte a educação e a alta cultura eram um freio às ambições cruas dos capitalistas mais assanhados, forçando-os pela pressão moral da sociedade -- especialmente nos EUA -- a sacrificar boa parte de suas fortunas em doações para museus, escolas, fundações educacionais e institutos de pesquisa empenhados nas atividades mais alheias a qualquer imediatismo dinheirista ou interesse de classe.
Não deixa de ser significativo que o projeto educacional mais bem sucedido da história americana tenha sido o dos liberal arts colleges, hoje espalhados por toda parte nos EUA e responsáveis diretos pela vitalidade cultural do país, que não transmitem a seus estudantes nenhuma "ideologia burguesa" ou técnica utilitária, mas o modelo de alta cultura desenvolvido na tradição greco-romana e medieval do trivium, do quadrivium, da filosofia e das belas artes. Se a educação americana tencionasse mesmo criar servos mecanizados do capital, não se esforçaria tanto para infundir nos estudantes as virtudes dos estadistas romanos e a acuidade crítica dos eruditos escolásticos. E notem que isso não vem de hoje. Eric Voegelin, ao estudar em Columbia entre 1924 e 1926, teve a grata surpresa de descobrir que estava num país onde Platão, Aristóteles, o direito romano e a teologia cristã não eram assuntos só para acadêmicos, mas presenças vivas nos debates públicos. Ademais, como já observei aqui a propósito de um daqueles teorizadores do inexistente (Pierre Bourdieu), se os burgueses quisessem mesmo fazer da educação um instrumento de dominação de classe, deveriam ter ao menos elaborado um plano de engenharia social nesse sentido, e as marcas do trabalho desenvolvidos para isso -- organizações, atas de assembléias, publicações, orçamentos -- deveriam ser visíveis por toda parte, quando o fato é que nada dessa papelada existe nem existiu jamais, o próprio Bourdieu sendo incapaz de citar um só documento que ateste alguma premeditação técnica por trás da alegada "máquina de reprodução". A única possibilidade de dar razão à sua teoria seria apostar na hipótese de que o controle burguês da educação se construiu por transmissão inconsciente e muda, como que por telepatia (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/090204dc.html e http://www.olavodecarvalho.org/semana/090212dc.html). Em todo caso, o ódio que esse e outros pop stars intelectuais do esquerdismo votavam àquele fantasma de sua própria invenção fazia com que parecessem, em comparação com ele, os maiores defensores da liberdade e criatividade infantis, supostamente ameaçadas pelo dirigismo mental do "aparato ideológico burguês". Alguns deles chegavam mesmo, como o Pe. Ivan Illitch, a pregar a "desescolarização" integral da sociedade, a supressão pura e simples do sistema educacional, o advento do homeschooling universal. Alexander S. Neill, um discípulo do psiquiatra e doente mental marxista Wilhelm Reich, anunciava provar que "a liberdade funciona", usando crianças como cobaias de um experimento
desastroso -- uma escola onde meninos de cinco anos de idade tomavam decisões administrativas e fumavam durante as aulas, enquanto seus colegas mais velhos preferiam masturbar-se no pátio diante dos olhos complacentes de professores e funcionários. Logo após a morte do fundador, os alunos deram um passo adiante na conquista da liberdade: atearam fogo à escola. Não por coincidência, esses protetores da meninada ocidental nunca se preocuparam muito com as crianças da URSS, da China e de Cuba, forçadas diariamente a repetir slogans e a fiscalizar-se umas às outras como pequenos policiais, em busca de sinais de desvio ideológico mirim. Quando, por fim, o Império Soviético veio abaixo, seguiu-se a isso a tremenda ascensão do esquerdismo no Ocidente. Aí os intelectuais ativistas, no poder ou próximos dele, trataram de se livrar do velho libertarismo fingido e encarar a sério a "construção do socialismo". Para isso era preciso admitir que "a liberdade não funciona" e que a educação tem de ser, conforme as recomendações de Antonio Gramsci, um dócil instrumento nas mãos do partido-Estado. Passaram em suma a praticar, na realidade e mil vezes aumentado, o delito que antes atribuíam falsamente à educação burguesa. É sempre assim: quando essa gente planeja um crime, a primeira coisa que faz é acusar dele algum inocente, a título preventivo, para que quando o crime venha mesmo a ser praticado o público se recuse a enxergá-lo, acreditando que é um mal já superado, de outra época. Não por coincidência, os valores universais que antes preservavam a educação de transformar-se em instrumento da ideologia de classe são agora jogados ao lixo. Claro: revolucionários iluminados, imunes aos escrúpulos da burguesia, não iriam deixar-se inibir por tradições milenares -- para eles, meras "construções culturais" tão desprovidas de fundamento quanto as doutrinas que eles próprios inventam. Com a maior desenvoltura, a nova pedagogia estatal cria do nada novos códigos morais, novos padrões de conduta e julgamento, os mais postiços, insensatos e disformes que se possa imaginar, punindo e marginalizando a criança que não se adapte aos mandamentos da recém-criada "socialização" invertida. Como disse o diretor de Concepções e Orientações Curriculares do Ministério da Educação, Carlos Artexes Simões, a escola está aí para "construir um Estado republicano". De seres livres e inventivos, como as proclamavam os Illichs e os Neills, as crianças transformaram-se em tijolos, blocos de argila mudos e passivos nas mãos dos novos demiurgos: Carlos Artexes Simões e similares.
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Educação ou deformação? Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 23 de outubro de 2009 O pronunciamento do MEC, que considerou inconstitucional a legalização do homeschooling por violar o direito de todos à educação gratuita, é só mais um exemplo do barbarismo que, a pretexto de educar nossos filhos, lhes impõe todo um sistema de deformidades mentais e morais para fazer deles idiotas criminosos à imagem e semelhança de nossos governantes. Lembrem o que eu disse dias atrás, sobre as afirmações que não podem ser discutidas, apenas analisadas como sintomas da demência que as produziu. O parecer do MEC sobre o homeschooling inclui-se nitidamente nessa categoria. Desde logo, um direito que, sob as penas da lei, se imponha ao seu alegado beneficiário como uma obrigação, não é de maneira alguma um direito. Direito, como bem explicava Simone Weil, é obrigação reversa: se tenho um direito, é porque alguém tem uma obrigação para comigo. Ter direito a um salário é ter um empregador que está obrigado a pagá-lo. Se, ao contrário, sou eu mesmo o titular do direito e da obrigação de satisfazê-lo, é claro que não tenho direito nenhum, apenas a obrigação. É assim que os luminares do MEC entendem a educação gratuita: as pobres crianças brasileiras, por serem titulares desse direito, são obrigadas a engolir a cafajestada estatal inteira que se transmite nas escolas, sob
pena de que seus pais sejam enviados à cadeia. Isso não é um direito: é uma imposição e um castigo. Para sofrê-lo, basta ser criança e inocente. O pior é que os apologistas dessa coisa nem reparam na impropriedade do vocabulário com que a defendem, indício não só de suas más intenções como também da sua falta da cultura superior indispensável aos cargos que ocupam na Educação nacional. Segundo a agência de notícias da Câmara dos Deputados, o diretor de Concepções e Orientações Curriculares do Ministério, Carlos Artexes Simões, acredita que "a obrigatoriedade de o Estado garantir o ensino fundamental, conforme prevê a Constituição, deve ser exercida na escola". Qual o nexo lógico que essa criatura crê enxergar entre a obrigação estatal de garantir isto ou aquilo e o direito de o governo mandar para a cadeia quem prescinda desse suposto benefício? Desde quando a obrigação de um se converte automaticamente em obrigação de outro, e, pior ainda, em obrigação do titular do direito correspondente? O Estado tem também a obrigação de garantir assistência médica: deveriam então ser processados e presos os cidadãos que recorram a um médico particular, poupando aos cofres públicos uma despesa desnecessária? O Estado tem a obrigação de pagar aposentadorias: nunca fui buscar a minha, à qual tenho direito há mais de uma década. Não fui buscá-la porque ainda estou forte e saudável, graças a Deus, e fico feliz de poupar ao Estado uma quantia que será melhor empregada em benefício de doentes e incapacitados. Devo ser preso por isso? Quanto custa ao Estado a educação de uma criança? Se um indivíduo tem seus impostos em dia e ainda, possuindo dons de educador, dá instrução a seus filhos em casa, cabe ao Estado ser grato ao cidadão exemplar que o auxilia duplamente, com seu dinheiro e com seus serviços, sem nada pedir em troca. Punir essa conduta honrosa é inversão total da moralidade. Sendo nosso governo o que é, não se poderia mesmo esperar dele outra coisa. Em terceiro lugar, qual a oposição lógica que esses loucos crêem existir entre o homeschooling e o direito à educação gratuita? Imaginam eles que os pais cobram mensalidades dos filhos para educá-los em casa? A coisa é de um contrasenso tão evidente que não percebê-lo à primeira vista indica deficiência mental. Por fim, o próprio Carlos Artexes Simões não percebe a monstruosidade comunofascista que profere ao declarar que "a escola ainda é a vanguarda do ponto de vista do conhecimento necessário para a construção de um Estado republicano".
Por que as crianças deveriam ser usadas como tijolos para a construção deste ou daquele regime político que interesse ao sr. Simões? Se o regime fosse monárquico, isso mudaria em alguma coisa o conteúdo das disciplinas essenciais, como gramática, aritmética e ciências? Mesmo a História e a informação básica sobre direitos humanos não têm por que ser alteradas conforme as preferências do regime. Bem ao contrário: qualquer regime que exista só se legitima na medida em que se submeta aos valores e critérios universais dos quais a educação é portadora, em vez de torcê-los para amoldá-los à política do dia. Como expressão da cultura, a educação deve moldar o governo, não este a educação. Transformar a cultura e a educação em instrumentos do Estado foi o que fizeram Stalin, Hitler, Mussolini, Mao, Fidel Castro e Pol-Pot. O sr. Simões defende essa concepção com a naturalidade sonsa de quem não é capaz de enxergar nada acima de uma política mesquinha, abjeta, oportunista. Talvez ele não o note, mas o que ele entende por educação é manipulação, é abuso intelectual de menores. Mais desprezível ainda se torna a sua opinião quando ele acrescenta que a escola não visa só à educação, mas à socialização. Não sabe ele que tipo de socialização nossas crianças encontram nas escolas públicas? Não sabe que estas são fábricas de desajustados, de delinqüentes, de criminosos? Não sabe que, em nome da socialização, as condutas piores e mais violentas são ali incentivadas pelo próprio governo que ele representa? Não sabe que agredir professores, destruir o patrimônio das escolas, consumir drogas, entregar-se a obscenidades em público, são atos considerados normais e até desejáveis nessas instituições do inferno? Não sabe ele que há um crescimento proporcional direto da criminalidade infantojuvenil à medida que se amplia a escolarização? Por que se faz de inocente, defendendo a escola em abstrato, como um arquétipo platônico, fingindo ignorar a realidade miserável que as escolas públicas brasileiras impõem a seus alunos, ou melhor, às suas vítimas? Por que finge ignorar que, além da deformidade moral e social que ali aprendem, tudo o que os nossos estudantes adquirem nessas instituições é a formação necessária para tirar, sempre e sistematicamente, as piores notas do mundo nas avaliações internacionais? Com que direito o fornecedor de lixo, de veneno, de dejetos, há de punir quem se recuse a ingeri-los, ou a dá-los a seus filhos?
O que se deve questionar não é o direito de os pais educarem seus filhos em casa: é o direito de politiqueiros e manipuladores ideológicos interferirem na educação das crianças brasileiras. É o próprio direito de o Estado mandar e desmandar numa instituição que o antecede de milênios e à qual ele deve o seu próprio ingresso na existência. Muito antes de que o Estado moderno aparecesse sequer como concepção abstrata, as escolas para crianças e adolescentes, anexas aos monastérios e catedrais (e nem falo das grandes universidades), já haviam alcançado um nível de perfeição que nunca mais puderam recuperar desde que a educação caiu sob o domínio dos políticos. Se queremos melhorar a educação nacional, a primeira coisa que temos de fazer é tirá-la do controle de manipuladores e demagogos que não se educaram nem sequer a si próprios, a começar pelo sr. presidente da República, que se vangloria obscenamente de sua incapacidade de ler livros.
Publicado no Diário do Comércio com o título "Os novos demiurgos (2)". Sobre esse assunto, confira também o artigo Os novos demiurgos.
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Uma opinião presidencial Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 28 de outubro de 2009
Há opiniões que não podem ser debatidas, apenas analisadas como sintomas do estado de alienação que as produziu. Quando, por exemplo, o nosso presidente celebra como um progresso da democracia o fato de que na eleição do seu sucessor só haja candidatos de esquerda, é absolutamente impossível que ele próprio ou os ouvintes que o aplaudem consigam discernir nessa sentença algum sentido lógico, apto a ser discutido. Tudo o que ela expressa é a confusão de maus sentimentos, mentiras interiores e subterfúgios psicóticos que há décadas constituem o estado de espírito dominante do esquerdismo nacional. Não é uma opinião: é um sintoma. Perguntem apenas "O que ele quis dizer com isso?", e verão que ele mesmo não o sabe, nem pode saber. Estaria ele insinuando que a esquerda, de modo geral e por essência, é mais democrática que a direita? Ainda que o fosse, nem um semi-analfabeto pode acreditar que a maneira mais pura de um partido provar seu amor à democracia é excluir os concorrentes do pleito eleitoral. Mas é igualmente impossível que um cidadão medianamente informado ignore os feitos ditatoriais da esquerda no século XX, enormemente mais vastos e sangrentos que os de todas as direitas somadas (mesmo que se apele ao velho e capciosíssimo expediente de incluir entre as direitas o nazismo). À luz da História, qualquer associação entre esquerdismo e democracia é absolutamente inverossímil. Alegaria ele então que a esquerda, ditatorial em atos, é democrática pelo menos em teoria e em intenções? Nada o permite. No pensamento de seus clássicos -- Marx, Engels, Lênin e sucessores --, o esquerdismo é ditatorial por princípio, proclamando mesmo o terrorismo de Estado e o genocídio como necessidades inerentes à construção do socialismo. Nas suas versões mais brandas -- fabianismo e gramscismo, por exemplo --, os métodos truculentos são apenas substituídos pelo dirigismo camuflado, pelo controle estatal das consciências, por toda uma engenharia da exclusão que vai calando lenta e sistematicamente as vozes antagônicas, até que a sociedade inteira, meio às tontas, se curve, como dizia Gramsci, à "autoridade onipresente e invisível" do Partido. Não, não há nenhum pretexto razoável para supor que a esquerda personifique a democracia, a liberdade ou o Estado de direito. No máximo, ela suporta pacientemente a ordem democrática, à espera de poder substituí-la um dia por algo que lhe pareça melhor, seja a ditadura do proletariado, seja a "democracia
plebiscitária" de Rousseau, que não é outra coisa senão a ditadura da maioria enfurecida. Façamos, por último, a hipótese de que a esquerda, em geral refratária à ordem democrática por princípio e por hábito, tenha tido seu nome casualmente associado à idéia democrática no Brasil, pela circunstância excepcional e local da "luta contra a ditadura" (tal como, na Itália, o antifascismo deu ao PCI, por algum tempo, a fama de democrata, logo desmentida). Mesmo essa alegação desesperadoramente casuística não convence. S. Excia., embora não o diga, sabe perfeitamente que nossos terroristas de esquerda, armados e orientados pelo governo cubano, jamais lutaram por democracia nenhuma, mas pela extensão do regime de Fidel Castro ao Brasil (tanto que suas guerrilhas começaram antes do advento do regime militar, só podendo ser explicadas como reação a ele mediante uma inversão psicótica da cronologia). Resta, por fim, a hipótese do fingimento proposital: o sr. presidente sabe que o controle hegemônico da sociedade por uma só corrente ideológica é totalitário, mas, como ele gosta precisamente disso, decide chamá-lo de "democracia" por ser uma palavra atraente, boa para servir de camuflagem a tudo o que é mais antidemocrático. Duvido que S. Excia. seja capaz de tal premeditação maquiavélica. Ele deveu toda a sua carreira às liberdades democráticas, e não é verossímil que as odeie sinceramente. Seu mandato está no fim, e ele até agora não mostrou nenhuma vocação pessoal de ditador (não digo de capomafioso, que é outra coisa). Que quer então ele dizer? Ele mesmo não o sabe, mas eu o sei: o que ele deseja é o milagre da coincidentia oppositorum, o advento de um mundo impossível onde o absoluto controle governamental da sociedade coexista pacificamente com todas as liberdades e garantias individuais. Aí todos serão felizes. Mas isso é loucura, dirá o leitor. Precisamente. S. Excia., como em geral os esquerdistas brasileiros, vive naquele estado mental nebuloso e crepuscular onde todos os gatos são pardos, todos os quadrados são redondos, dois mais dois são sempre cinco ou seis e nenhuma palavra dita ou ato praticado tem jamais de responder pelas conseqüências que desencadeia no mundo real. É o estado de perfeita alienação da realidade, em que um indivíduo ou grupo, imunizado contra a
percepção de seus crimes e desvarios, pode se entregar gostosamente à autoadoração narcisística e sentir-se o portador de todas as virtudes, a encarnação das mais belas esperanças da humanidade.
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Objeções e respostas Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 5 de novembro de 2009 Duas objeções ao meu artigo "Primores de ternura" começaram a circular na internet tão logo ele foi publicado no DC (14 e 16 de outubro). Um crítico mais enfezado – ao qual responderei por extenso no meu website – teve a gentileza ou ingenuidade de condensar logo as duas, achando que com isso desferia um golpe fulminante nos meus argumentos. Permito-me portanto usar das suas palavras, sem citar-lhe o nome – para poupá-lo do vexame – e responder de uma só vez a todos os que, por conta própria ou em associação com ele, repetiram as mesmas patacoadas: 1a. "Os recursos do auxílio,como de todo benefício do INSS não provêm de recursos federais,mas são oriundos de um fundo constutuido por contribuição dos segurados e das empresas em que trabalham... Não é o 'governo que garante' a família. É o segurado,que mediante sua contribuição mensal forma um fundo atuarial para amparar a família nestes e outros muitos casos.O INSS só administra o fundo." 2a. "Também não é verdade a afirmação de que quem prefira levar dois tiros na nuca nada vai levar. Se for segurado da Previdência,levará ajuda por todo o
tempo em que estiver incapacitado,e a família receberá pensão se vier a falecer. Ambas famílias, a do criminoso e a da vítima, serão amparadas,desde que o pai em questão seja segurado em dia com as contribuições." Com relação à primeira, observo que no Brasil é extremamente perigoso usar expressões elípticas, na esperança de que o bom-senso dos leitores saberá descompactá-las. Brasileiro não perde uma chance de não entender nada. Se você não explica tudo nos mais mínimos detalhes, – o que é aliás impossível nas dimensões de um artigo de jornal – logo suas palavras são usadas para dizer o que não disseram e alimentar artificialmente as discussões mais estapafúrdias. Como eu disse que "o governo garante" o pagamento do Bolsa-Bandido, o palpiteiro logo houve por bem esbravejar que o dinheiro não vem do governo, e sim dos contribuintes – como se isso não valesse também para todo o dinheiro coletado em impostos. Se, de direito e abstratamente, a quantia arrecadada pelo INSS não pertence ao governo, isso não faz a mínima diferença, pois o governo se permite usar dela como se lhe pertencesse, incluindo-a automaticamente no superávit primário. E aliás não é só o dinheiro do INSS que entra nisso. Segundo notícia publicada no último dia 13 pela Agência Estado, "a lista inclui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – uma das principais fontes de receita para as operações de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) –, o Fundo do Regime Geral de Previdência (FRGPS), do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e até outros menos conhecidos, como o Fundo da Marinha Mercante... O uso indevido dos fundos especiais é mais uma das medidas tomadas pelo governo para tentar manter recursos dentro do caixa e cumprir seu compromisso fiscal" (v. http://ultimosegundo.ig.com.br/economia / 2009/10/13/fundos+sao+usados+para+fazer+caixa+8819976.html). A objeção, portanto, reduz-se a um flatus vocis. Como diria o Paulo Francis, não inflói nem contribói. Antes de dizer a mim que o dinheiro da Previdência não é do governo, seria preciso dizê-lo ao governo. A segunda objeção é pura distorção do meu argumento. Eu não disse que a família do contribuinte assassinado não recebe nada. Disse que o governo não tem para com ela a mesma generosidade que concede aos familiares do assassino. Ou seja: se você sofre homicídio, sua família recebe a mesma pensão que receberia caso você caísse do andaime ou fosse feito em pedaços num acidente aéreo. Você não pediu para cair do andaime nem pôs uma bomba no avião. Você é vítima desses
acidentes, como é vítima de um assassino. Já o assassino não é vítima de coisa nenhuma, nem foi obrigado a cometer assassinato como você é obrigado a trabalhar. Mutatis mutandis, você morre de uma vez para sempre, sua família sabe que não o verá jamais, ao passo que a família do assassino é animada dia a dia pela esperança de que ele volte, e até de que volte regenerado. Se "ambas famílias, a do criminoso e a da vítima, são amparadas", é claro que aí a família do criminoso leva vantagem, fica sempre com a melhor parte. E isso é obviamente o contrário de qualquer princípio de justiça. Mais ainda, a Previdência Social foi instituída, na base, para proteger o trabalhador honesto. Quando ela paga a pensão que lhe é devida, cumpre a finalidade que a define e que justifica sua existência. A extensão artificial do benefício às famílias de assassinos só veio em 1991, com a Lei n.8.213, obviamente inspirada na idéia de que a culpa do crime é da sociedade e não do autor do delito, e de que portanto, do ponto de vista previdenciário, tanto faz você matar um cidadão a tiros ou sofrer um acidente de trabalho. Essa idéia modifica a própria natureza da Previdência Social. Por fim, é verdade o que alega o autor da mensagem, que o auxílio-reclusão visa a "que os filhos do criminoso, já castigados por ter um pai assim,não tenham também que morrer de fome". Mas esse raciocínio só é válido no caso de a família do criminoso ser exclusivamente vítima passiva da situação, isto é, de nunca ter-se beneficiado dos frutos do crime, hipótese que me parece rebuscada e improvável demais para poder ser generalizada a priori para todos os casos, como o faz a lei. O argumento dá por pressuposta, ademais, a premissa absolutamente imbecil de que o dinheiro da pensão será usado apenas pela família, de que esta não levará nem um tostão ao criminoso na cadeia, convertendo o benefício estatal em prêmio do crime. A perspectiva do desamparo na eventualidade da prisão do provedor, em contrapartida, seria um forte incentivo a que esposa e filhos pressionassem o pai a viver honestamente. A abolição preventiva desse risco é, com toda a evidência, um estímulo à criminalidade. Quando sabemos o valor que os grandes teóricos e estrategistas revolucionários atribuem às condutas anti-sociais como meios de provocar crises e desestabilizar as instituições, é impossível não perguntar se a Bolsa-Bandido, como tantas outras novidades legais criadas pelo esquerdismo
militante, não tem dois objetivos simultâneos, um pretextual, moralmente elevado para fins de persuasão, outro perverso, não declarado, mas efetivo na prática.
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Abaixo a verdade Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 9 de novembro de 2009 Todos aqueles supostos liberais e conservadores que se calaram a respeito do Foro de São Paulo quando ainda era possível deter o crescimento do monstro – ou que até mesmo me acusaram de alarmismo e obsessão por insistir em falar do assunto – posam, agora, como especialistas tarimbados na matéria, verdadeiros profetas retroativos, que repetem, sem citar-lhes a fonte, e com um atraso que as torna perfeitamente inúteis, as advertências que fiz em tempo. Advertências, aliás, cujo mérito não era meu no mais mínimo que fosse, porém inteiramente do advogado paulista dr. José Carlos Graça Wagner, cujos arquivos constituíram a minha única fonte de informações sobre o Foro até 2001. Se o esquerdismo trouxe tanto dano ao Brasil, foi apenas como modalidade especialmente sedutora de uma vigarice intelectual endêmica que se observa em todos os quadrantes do espectro ideológico e que constitui, ela sim, a causa mais profunda e permanente dos males nacionais. Quando a "direita" brasileira recusou ouvidos ao Dr. José Carlos Graça Wagner e a mim, perdeu não só a oportunidade de sobreviver politicamente – hoje até o sr. presidente da República sabe e declara que ela já não tem a mínima perspectiva de acesso ao poder –, mas também a de dar um exemplo honroso de sensibilidade
intelectual superior, capaz de prestar atenção à verdade mesmo quando não venha de fontes oficiais ou bem comportadinhas. Esse exemplo bastaria para lhe conferir imediatamente aquela autoridade moral, tão decisiva nas disputas políticas, que não raro sobrepõe a minoria sábia à maioria tagarela e, pelo menos a longo prazo, pode lhe assegurar as mais belas vitórias. Com sua omissão, ela provou que sua subserviência aos bem-pensantes é ainda mais forte do que seu instinto de sobrevivência, já que cede às injunções deles ainda mesmo quando calculadas para funcionar como estupefacientes, para amortecer suas reações de autodefesa e até sua capacidade de perceber a presença do perigo. De 1990 até o ano passado, a direita nacional não fez senão tentar por todos os meios aplacar o inimigo, oferecendo-lhe uma resistência débil e risível que só criticava seus pequenos erros econômico-administrativos para melhor ajudá-lo a ocultar seus crimes maiores. Todo mundo sabe o que ela ganhou com esse colaboracionismo mal disfarçado: ganhou sua completa exclusão do processo político, só compensada – se cabe a palavra – por uma humilhante sobrevivência como força auxiliar da esquerda soft. Concedendo agora a macaqueadores e oportunistas retardatários a atenção que recusou aos primeiros descobridores de uma verdade temível, ela mostra que não aprendeu nada com a experiência, que continua preferindo, ao conhecimento genuíno, o simulacro mais pífio que possa encontrar no mercado. Talvez porque nele enxergue o seu semelhante. Não é preciso dizer que, se aquela primeira recusa da verdade determinou o fim dessa direita como facção politicamente relevante, esta de agora anuncia a perda de suas últimas reservas de vitalidade, o sacrifício integral de seu futuro às exigências de um presente miserável.
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Não é para rir Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 16 de novembro de 2009 Georges Gurdjieff, que era um falso mestre espiritual mas um autêntico gênio do humorismo sádico, dizia ser a inteligência humana uma substância material, que existia no planeta Terra numa quantidade definida: quando um sujeito adquiria mais inteligência, ficava faltando para os outros. Essa teoria, evidentemente, só vale como piada, mas, nos meus momentos de depressão, chego a acreditar um pouco nela: afinal, como a experiência de décadas tem me confirmado, à medida que eu ia vencendo minha burrice natural e adquirindo alguma compreensão dos problemas da metafísica, da teoria do conhecimento e da lógica das ciências, ia concomitantemente observando meus contemporâneos perderem não apenas a capacidade para as distinções mais elementares, mas também a percepção das conseqüencias diretas e incontornáveis das afirmações em que acreditavam. Pior ainda: a diferença mesma entre inteligência e burrice ia se tornando para eles cada vez mais insensível, ao ponto de celebrarem como teorias respeitáveis certas idéias que, na geração anterior, um menino de escola perceberia de imediato serem totalmente autocontraditórias e inviáveis. A única explicação que encontro para esse fato é a hipótese gurdieffiana: cada vez que eu compreendia alguma coisa, a quantidade correspondente de potência compreensiva era suprimida de outros cérebros, fazendo com que eu progredisse na vida do intelecto às custas da imbecilização geral. Devo ser, em suma, um ladrão de conexões sinápticas. Por exemplo, o dr. Richard Dawkins, que é um meu companheiro de geração. Sua teoria dos "memes" baseia-se inteiramente na incapacidade de perceber a diferença entre um programa de computador e um vírus de computador – entre um princípio organizador e uma força de dissolução entrópica. Ele começou por acreditar que tudo na natureza acontece por acaso, sem finalidade ou propósito. Até aí, tudo bem: é uma teoria como qualquer outra. Mas depois a glória midiática subiu-lhe à cabeça e ele começou a pensar que também podia explicar por processos randômicos e sem sentido tudo o que se passa no campo da história e da ação
humana. Os memes não passam disso: são unidades de informação, sem nenhum significado especial em si mesmas, que se espalham e dominam sociedades inteiras simplesmente porque sim. A Catedral de Chartres e os Concertos de Brandeburgo, em suma, foram construídos pelos mesmos métodos do furacão Katrina ou de um acidente de trânsito. Acreditar nisso pressupunha, desde logo, abdicar de toda diferença entre possuir uma explicação e não possuir nenhuma. Ao mesmo tempo, era proibido aplicar a teoria memética a ela própria: quem quer que dissesse que ela era apenas um vírus de computador surgido por acaso numa mente em mau funcionamento tornava-se automaticamente um fanático, um réprobo, um ser antisocial indigno de participar de tão altas discussões. Como, ao mesmo tempo em que o dr. Dawkins pensava essas coisas, os vírus de computador se espalhavam realmente pelo mundo e a multiplicação de informações sem sentido fazia da internet uma selva selvaggia na qual só podemos nos orientar mediante uma certa capacidade instintiva de recusar atenção a praticamente tudo, é claro que muitos processos de disseminação de idéias no mundo passaram a copiar quase literalmente a proliferação de vírus de computador, isto é, a dissolução de um pequeno núcleo de informações organizadoras num oceano de irrelevâncias estupidificantes. Uma vez estabelecida como disciplina acadêmica a ciência ou pseudociência da "memética", que o dr. Dawkins criou para descrever esses processos, tornou-se irresistível a tentação de aplicá-la a toda a história anterior da espécie humana, explicando-se então os progressos do conhecimento desde os tempos do homem de Neanderthal pelas mesmas causas que hoje espalham a estupidez coletiva, isto é, eliminando-se por completo a distinção entre conhecimento e ignorância, entre inteligência e burrice. Não duvido que a memética sirva para descrever, por exemplo, a própria evolução intelectual do Dr. Dawkins, que culmina na autocastração mental que o incapacita para as abstrações de terceiro e até de segundo grau. Perguntado quanto à origem da vida, ele respondeu que provavelmente os germes da vida foram trazidos por viajantes extraplanetários. Mesmo refreando, por uma questão de respeito, qualquer impulso maldoso de fazer piada quanto à teoria dos deuses astronautas, é impossível não perceber que a resposta exige uma incapacidade patética de distinguir entre o esquema geral "vida" e as encarnações concretas desse esquema na Terra – diferença que qualquer criança normal percebe instintivamente. Afinal, para que os germes da
vida fossem trazidos, era preciso que eles existissem, e perguntar sobre a origem da vida é obviamente perguntar como vieram à existência e não quem os transportou de um lugar para outro. Isso não chega a ser propriamente uma sutileza, mas, para o dr. Dawkins, havia se tornado uma abstração inapreensível. Para que um homem com treino científico superior descesse a esse ponto, e para que sua platéia de estudantes não percebesse o vexame, foi preciso mesmo que uma quantidade assombrosa de memes se espalhasse pelos cérebros respectivos, cegando-os até mesmo para a boa e velha distinção aristotélica entre um ente corporal e sua forma inteligível, distinção sem a qual fica difícil captar a diferença entre remédio e bula, entre comida e cardápio ou entre sapato e número de sapato. Que isso é uma tragédia cognitiva sem precedentes na história humana, e que as conseqüências histórico-sociais da sua disseminação planetária arriscam ser as mais devastadoras, eis duas constatações que desestimulam qualquer veleidade de fazer troça a respeito. Nos próximos artigos, explorarei algumas dessas conseqüências tal como aparecem no campo mais visível da política e do jornalismo.
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O erro organizado Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 17 de novembro de 2009
Há anos penso em escrever um livro com o título ou subtítulo de Logica Brasiliensis, recenseando os modelos de argumentação mais em voga nas discussões de mídia neste país e mostrando como são, quase que invariavelmente, puras confusões mentais que adquiriram credibilidade de argumentos pela repetição obsessiva e por nada mais. Nada de parecido, é claro, com os sofismas da lógica clássica nem com os esquemas de argumentação erística, ou falsa dialética, que Arthur Schopenhauer enumerou em Como Vencer um Debate Sem Precisar Ter Razão. Para fazer uso desses dois tipos de ardis é preciso ter alguma destreza que só a freqüentação habitual dos clássicos pode conferir -- uma condição que, na maior parte dos nossos opinadores públicos de hoje em dia, não se cumpre nem em sonhos, embora fosse comum entre muitos articulistas de quarenta ou cinqüenta anos atrás, autênticos escritores no sentido forte da palavra. Lendo um Álvaro Lins, um Júlio de Mesquita Filho, um Otto Maria Carpeaux, um Gustavo Corção, um José Guilherme Merquior, podia-se encontrar, ao lado de muitos arrazoados sólidos, um ou outro sofisma delicioso, quase inocente, fruto do puro ímpeto de criação literária que se sobrepunha por momentos ao desejo da verdade. Desmontá-los com toda a cortesia do mundo era um prazer que o crítico podia compartilhar até com o próprio autor do erro. Hoje, não há mais nada disso. Quando algum dos mais notórios "formadores de opinião" atuais espreme seus últimos neurônios para dar ares de verossimilhança àquilo que sabe (ou deveria saber) que é falso, só o que consegue é deformar um pouco mais sua própria inteligência, junto com a do público, especialmente estudantil, que, levado pelo prestígio dessas criaturas, acaba por macaquear seus cacoetes mentais na esperança de dar boa impressão nos debates de botequim ou em alguma lista de discussões na internet. Agravados pela comichão de discutir, que é endêmica no ambiente nacional, a incapacidade e o desleixo, descendo dos mais vistosos modelos públicos até às conversas intergrupais e de família, vão espalhando pela sociedade novos padrões de confiabilidade intelectual aparente, cada vez mais baixos, cada vez mais torpes, até o ponto em que, no conjunto, se torna praticamente impossível entender qualquer coisa com base no que os brasileiros estão dizendo dela. Pode parecer que estou carregando demais nas tintas, mas não esqueçam que venho coligindo exemplos de inépcia letrada desde os tempos do primeiro Imbecil
Coletivo (1995). O mostruário de que hoje disponho permite não só apreciar o agravamento progressivo do estado de penúria intelectual reinante, mas também discernir, por trás da maçaroca de enormidades, algumas constantes mentais, alguns esquemas de pensamento errado e grosso que se repetem e, espontaneamente, se organizam numa espécie de sistema: o sistema das razões convencionais de credibilidade, todas elas sem credibilidade nenhuma, que se tornaram meios de prova altamente persuasivos e respeitáveis para a maioria dos brasileiros opinantes. É a esse sistema que chamo logica brasiliensis. Ela constitui-se inteiramente de erros de leitura, distinção precária entre palavras e coisas, falta de senso das proporções, imprecisões monstruosas de vocabulário, confusões entre diferentes níveis de predicação, misturas de gêneros (e de gêneros com espécies), e demais calamidades da mesma ordem, as quais não denotam apenas ou propriamente falta de cultura e treino, mas falta daquele instinto lógico elementar que é próprio do ser humano enquanto tal e que até os mais iletrados possuem por natureza. Não se trata, pois, em geral, nem de desonestidade premeditada, nem de falha educacional, mas de uma autêntica deficiência mental, adquirida no processo mesmo de aquisição dos meios de expressão necessários ao ingresso nas classes ditas cultas. É fenômeno caracteristicamente nacional. Não que similares erros de raciocínio não se observem na mídia estrangeira. É que em parte alguma eles são aceitos como meios de prova legítimos, nem muito menos desfrutam da respeitabilidade generalizada que, no Brasil, os eleva à categoria quase que de símbolos da autoridade intelectual. Por toda parte eles existem como anormalidades. No Brasil são normais e normativos, praticamente obrigatórios. Aquele que não os pratique com a naturalidade de quem respira e com a tranqüila certeza de que diz coisas sapientíssimas vê-se logo rejeitado como um excêntrico incompreensível ou mesmo como um tipo perigosamente anti-social. Isso basta para explicar que alguns dos melhores comentaristas políticos e culturais do país tenham sido banidos da "grande mídia" e só encontrem abrigo em sites da internet ou neste heróico Diário do Comércio. Muitas vezes o que os tornou indesejáveis em outros meios não foi nenhum preconceito ideológico: foi o mero desconforto que seus escritos espalham entre pessoas que desejariam ardentemente discuti-los mas só os conseguem entender pela metade.
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Precauções saudáveis Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 24 de novembro de 2009 Se o prezado leitor deseja entender algo do mundo atual, o mínimo indispensável de prudência recomenda que se atenha às seguintes regras no julgamento das informações que lhe chegam: Regra 1: O que quer que venha rotulado como consenso da opinião mundial, aprovado unanimemente por vários governos, pelos organismos internacionais, pela grande mídia, pela indústria do show business e pelos intelectuais públicos mais em moda, ou seja, pela quase totalidade dos "formadores de opinião", é suspeito até prova em contrário. Sei que ao dizer isso pareço contrariar um dos preceitos tradicionais do pensamento aristotélico-escolástico, segundo o qual, embora a opinião humana seja falível e o argumento de autoridade seja o mais fraco dos argumentos, a espécie humana tomada na sua totalidade dificilmente se equivocará em questões essenciais, sendo portanto arriscado contestar aquilo em que "todos, em toda parte, sempre acreditaram" (quod ubique, quod semper, quod ab omnibus creditum est). Mas é só aparência. Na perspectiva escolástica, o valor da opinião unânime depende inteiramente da sua permanência temporal imutável nas mais diversas circunstâncias culturais, religiosas e sociopolíticas. Em vez de identidade, há uma
diferença radical -- para não dizer uma oposição insanável -- entre a universalidade da opinião humana ao longo dos tempos e um consenso repentino, surgido como que do nada e imposto urbi et orbi como se fosse a coisa mais óbvia e inegável do mundo; consenso que, ademais, não é consenso nenhum, visto que há tanta resistência a ele por toda parte fora dos círculos interessados. Por "círculos interessados" entendo, de um lado, a elite -- financeira, política e burocrática -- empenhada na instauração de um governo mundial estatista, invasivo e controlador de tudo (vale a pena consultar a respeito o site de Daniel Estulin, www.danielestulin.com/?idioma=en); de outro, a militância inumerável espalhada em ONGs e universidades por toda parte, pronta a ecoar as palavras-deordem ditadas pela elite. Entre as duas, a classe jornalística, os intelectuais ativistas e o beautiful people das artes e espetáculos formam uma espécie de camada intermediária incumbida de formatar como modas elegantes as propostas mais revolucionárias de mutação sociocultural, tornando-as palatáveis à população maior, gerando, pela variedade das formas e canais, a impressão enganosa de unanimidade espontânea, e encobrindo assim a unidade estratégica que a circulação de dinheiro entre os três níveis comprova da maneira mais contundente (v. a documentação exaustiva em www.discoverthenetwork.org e www.activistcash.com). O que quer que venha por esses três canais ao mesmo tempo -- não necessariamente o que venha só de um deles em particular -- não é quase nunca informação confiável. (O termo "quase" não é usado aqui para atenuar a regra, mas apenas para assinalar aquela dose mínima de veracidade modesta sem a qual nenhuma mentira ambiciosa teria jamais credibilidade alguma e para dar o devido relevo a eventuais falhas e até rombos do sistema, sempre inevitáveis). A rigor, não é informação de maneira alguma: é estímulo pré-calculado para produzir no público, aos poucos, as desejadas mudanças de atitude, segundo pautas de engenharia social elaboradas com uma antecedência, em geral, de décadas. A continuidade da ação histórica de longo curso, aí, garante parcialmente a sua própria invisibilidade, transcendendo o horizonte de visão tanto da população imediatista, que nada enxerga, quanto dos "teóricos da conspiração" que crêem enxergar para além do que enxergam realmente e acabam inflando a imagem de poder dos "controladores" até dimensões quase míticas. Este último fenômeno é aliás um caso característico de "paralaxe cognitiva", já que o próprio número de
denúncias, proliferantes na internet e nas livrarias, evidencia os erros, debilidades e fracassos de um controle universal "secreto" que aí se descreve, no entanto, como quase onipotente. Regra 2: Quando a unanimidade é negativa, isto é, quando não consiste em alardear alguma história inventada (como o aquecimento global, a epidemia de gripe suína ou os riscos mortíferos do fumo passivo), mas em suprimir fatos e em achincalhar ostensivamente quem deseje ao menos investigá-los, então já não se trata de mera suspeita, mas da probabilidade altíssima de estarmos em presença de uma tentativa global de controle da opinião pública por meio do recorte premeditado do noticiário. Essas tentativas jamais alcançam sucesso absoluto, mas também nunca são desmascaradas no todo e de uma vez para sempre: no mínimo, resta a possibilidade de um eficiente gerenciamento de danos, transmutando-se a negação peremptória em aceitação atenuada, anestesiante, como ocorreu -- para dar um exemplo brasileiro -- no caso do Foro de São Paulo, que passou da categoria de inexistente à de irrelevante tão logo desmoralizado o dogma da sua inexistência. Embora não tendo a menor idéia de onde nasceu Barack Obama, não hesito em incluir nesse gênero de tentativas a ocultação geral, sistemática, histérica e obstinada de praticamente todos os documentos essenciais para o estudo da biografia do presidente americano, a começar pela sua certidão original de nascimento. Quando a grande mídia dos EUA em peso chama de desequilibrados e loucos aos que cobram de Obama a exibição desses documentos, o que ela está proclamando é que o normal, o saudável, o obrigatório para a razão humana, consiste em acreditar, sem perguntas, que um cidadão gastou quase dois milhões de dólares com um escritório de advocacia para ocultar seus papéis sem que houvesse neles nada digno de ser ocultado. A inversão da lógica e da distinção entre o normal e o patológico é aí tão flagrante, que vale como uma prova: uma prova do contrário daquilo que se desejaria impingir à opinião pública.
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No hospício do Dr. Mabuse Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 30 de novembro de 2009 Prepare-se, caro leitor, e prepare seus filhos e netos, para viver num mundo de alucinações e fantasias desnorteantes, onde conhecer a verdade mesmo sobre coisas simples será um desafio que só pessoas investidas de uma coragem intelectual fora do comum poderão vencer. Prepare-se para viver no hospício do Dr. Mabuse, onde o mais louco dos pacientes faz a cabeça dos médicos e os coloca a serviço de seus planos malignos. O uso maciço da fraude científica, em proporções jamais antes imaginadas, vem-se tornando o principal meio de imposição de novas políticas, a tal ponto que em breve a classe científica estará totalmente desaparelhada para servir de árbitro nas grandes questões da humanidade e se tornará uma militância política como qualquer outra, disposta a mentir até o último limite do descaramento e do cinismo, em favor de qualquer estupidez politicamente conveniente. Antigamente isso só acontecia nos regimes tirânicos onde o terror estatal reduzia os cientistas, pela força, a servidores da propaganda oficial. Agora é a própria classe científica que, intoxicada por ideologias insanas, estimulada por patrocínios bilionários e excitada pela ambição de poder, se oferece para fazer o serviço, traindo o ideal da ciência e ludibriando a opinião pública. O que antes seria um escândalo isolado tornou-se regra geral, e não escandaliza a mais ninguém. Mesmo aqueles que opõem alguma resistência à prostituição da autoridade científica lutam contra esse mal tão-somente na esfera dos debates acadêmicos, sem pensar em mover contra seus colegas corruptos a guerra judicial que merecem e que seria a última esperança de limpar o terreno. As forças da degradação avançam a passo firme, organizadas, unidas, armadas até os dentes, sem ter de enfrentar senão alguma pedrada esporádica, desferida por mão preguiçosa e vacilante. Como
sempre tem acontecido desde o advento da mentalidade revolucionária no mundo, "the best lack all conviction, while the worst are full of passionate intensity". Todo dia -- sem exagero, todo dia -- chegam novos exemplos de falsas pesquisas, imediatamente ecoadas pela mídia cúmplice como portadoras de "fatos científicos" definitivos e incontestáveis. A coisa já virou hábito e moda, fazendo da "autoridade acadêmica" nada mais que uma superstição residual, na qual só se pode acreditar por um ato de fé, contra toda evidência. Só nas últimas horas do dia em que escrevo recebi, por internet, duas novas amostras. Uma ostentava a redução dos casos de doenças cardíacas em alguns Estados americanos, desde a adoção de medidas drásticas contra o fumo em lugares públicos, como prova dos riscos mortíferos do "fumo passivo". Bem escondidinho no meio dos dados estatísticos comprobatórios, quase invisível ao público leigo, vinha o autodesmascaramento da fraude: a incidência de doenças cardíacas tinha diminuído também entre os fumantes. Fumantes ativos, fornedores de sua própria dose de fumo passivo... A segunda era mais admirável ainda: "Preconceito racial alimenta oposição aos planos de Obama", proclamava a revista da Escola Superior de Administração de Negócios da prestigiosa Universidade de Stanford. Na escassez geral de manifestações de racismo ostensivo da parte dos brancos, os sábios de Stanford apelaram ao recurso -- já tradicional no Brasil -- de cavoucar indícios de "racismo inconsciente". Método adotado: selecionar umas quantas cobaias, pró-Obama e anti-Obama, e verificar se associavam evocações negativas ou positivas a "nomes típicos de brancos", como Brett, Jane, William, ou a "nomes típicos de afroamericanos", como Aisha, Jamal, Ahmed etc. Os nomes eram apresentados numa lista misturada, sem alusões raciais, de modo que a população testada nem sabia que a pesquisa era sobre racismo. Tal como era de se prever, os "nomes de brancos" ganharam longe na preferência da turma anti-Obama. Daí, concluíam os autores da pesquisa, estava provado o "racismo sutil" que inspirava a oposição ao presidente americano. Detalhe: Jamal, Aisha, Ahmed e outros nomes da mesma lista não são "nomes típicos de negros": são nomes islâmicos, tirados do Corão. Não evocam o negão do posto de gasolina, nem celebridades negras do show business como Michael Jackson, Denzel Washington ou Oprah Winfrey, ou do esporte como Eldrick
"Tiger" Woods, nem intelectuais negros como Thomas Sowell, Alice Walker ou Langston Hughes. Evocam árabes com uma granada escondida no turbante ou uma carga de dinamite sob a djellabah. É inviável esperar que os americanos, especialmente republicanos e conservadores, gostem desses personagens. O silogismo implícito que orientava as conclusões da pesquisa era, portanto: se você não gosta de terroristas, você é um racista. Antigamente, aliás, os negros chamavam-se Brett, Jane ou William como todo mundo, e até apreciavam especialmente nomes bíblicos como Moses, Aaron, Michael e Jonah. Os mais velhos ainda se chamam Thomas, como o economista Thomas Sowell, ou Alan, como o diplomata Alan Keyes, ou James, como o pastor James D. Manning -- três entre os mais ferozes opositores de Obama. Foi só nas últimas décadas, quando as forças políticas do Islam se infiltraram no movimento de direitos civis, que nomes islâmicos começaram a aparecer entre cidadãos negros americanos, mas mesmo assim estão longe de ser os mais freqüentes ou típicos, pela simples razão de que a maioria da comunidade negra é cristã. Uma retórica banal convidaria a chamar de "desonra" a associação da Universidade de Stanford a essa empulhação. Mas a desonra pressupõe a existência da honra, e as universidades americanas já venderam a sua faz muito tempo.
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A mãe de todas as fraudes Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 3 de dezembro de 2009
Mal acabava eu de escrever aqui que "o uso maciço da fraude científica, em proporções jamais antes imaginadas, vem-se tornando o principal meio de imposição de novas políticas", e no dia seguinte veio a público a fraude das fraudes: dois hackers invadiram o servidor da Universidade de East Anglia e copiaram emails nos quais eminentes cientistas revelavam ter apelado às trapaças mais abjetas para impingir ao mundo a balela do "aquecimento global" e as legislações draconianas alegadamente destinadas a "salvar o planeta" desse mal fantasmagórico (v. www.aim.org/aim-column/media-ignore-climate-sciencescandal/). Entre outros expedientes, constavam: 1. Suprimir dos relatórios da ONU quaisquer dados que pusessem em dúvida o aquecimento global ou suas alegadas causas humanas. 2. Complementarmente, inventar e enxertar na bibliografia técnica dados que comprovassem as hipóteses desejadas. 3. Boicotar sistematicamente as revistas científicas que publicassem estudos adversos à causa aquecimentista. 4. Orquestrar ataques a todos os cientistas adversários, questionando suas credenciais acadêmicas. Se algum dia houve algo como um "crime intelectual hediondo", foi esse. Por uma ironia providencial, a documentação colhida pelos hackers veio à tona na mesma semana em que um outro grupo de acadêmicos aquecimentistas, mais honesto, admitia francamente que, para desgraça da sua causa sacrossanta, a temperatura do planeta tinha permanecido estável nos últimos dez anos (v. www.spiegel.de/international/world/0,1518,662092,00.html). Recordem que a campanha alarmista do aquecimento global teve seu momento mais significativo com o lançamento do livro de Al Gore, Uma Verdade Inconveniente, e verão até que ponto chega o cinismo dessas criaturas: põem em circulação uma farsa pseudocientífica construída de dados falsos, compram para ela o apoio da grande mídia, do show business, das universidades, de macroempresas e dos maiores organismos internacionais e, ao mesmo tempo que já a alardeiam como verdade pioneira universalmente silenciada pelo establishment (como se não fossem eles próprios o establishment e não fizessem um barulho dos
diabos), vão tratando de organizar preventivamente o boicote aos eventuais recalcitrantes e contestadores -- tudo para produzir em benefício próprio a mais formidável concentração de poder que já se viu ao longo de toda a História humana. Se isso não é golpe, conspiração, formação de quadrilha, então estas três expressões já não têm significado nenhum. A isso reduz-se, hoje em dia, a autoridade da classe científica no mundo. Mas é claro que, tão logo revelada a fraude, a grande mídia americana inteira já se pôs em marcha para proteger os criminosos, omitindo-se de mencionar a descoberta do embuste, noticiando-a com a maior discrição possível ou negando abertamente sua importância, contra toda a evidência dos fatos e contra todo senso das proporções. Servida por esses bons préstimos, a Conferência da ONU sobre o Clima, a realizarse em dezembro próximo em Copenhagen, poderá ignorar solenemente a denúncia, e, como se a idoneidade científica do aquecimentismo permanecesse intacta, seguir adiante, impávido colosso, no seu propósito de impor a uma cândida humanidade os controles globais destinados a salvá-la de um perigo inexistente. Segundo o novo presidente da União Européia e office-boy do CFR, Hermann van Rompuy, que o anuncia com indisfarçado entusiasmo, esses controles já equivalem à plena instauração de um governo mundial, rebaixada a noção de soberanias nacionais ao estatuto de ficção jurídica condenada a dissolver-se suavemente em névoas, sem traumas nem prantos, num prazo de poucos anos. Adiantando-se à profecia, o governo Obama envia emissários a Haia para estudar os meios de estender aos EUA a jurisdição do Tribunal Penal Internacional: sim, com a mesma paixão com que busca livrar os terroristas estrangeiros da autoridade dos tribunais militares americanos, o homenzinho está ansioso para submeter os cidadãos de seu país às decisões de juízes estrangeiros. As mais sombrias advertências de Lorde Christopher Monckton estão se materializando diante dos nossos olhos (v. www.midiasemmascara.org/artigos/internacional/estados-unidos/9640-obamapronto-a-ceder-a-soberania-dos-eua-afirma-lorde-britanico.html), e no Brasil --
não só entre o povão, mas na quase totalidade da elite -- ainda há quem ria da idéia de "governo mundial", acreditando piamente que é uma lenda criada por "teóricos da conspiração". Hipnotizado pela lisonja interesseira dos banqueiros internacionais, como o corvo pelas belas palavras da raposa na fábula de La Fontaine, o Brasil cada vez mais se imagina o umbigo do mundo, quando na verdade só participa da história mundial como vítima periférica e sonsa de forças que não compreende e aliás nem mesmo enxerga.
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De joelhos ante Sua Insolência Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 7 de dezembro de 2009 Pelo noticiário dos últimos dias, os leitores devem ter tomado consciência de que são governados por um indivíduo que se gaba de um crime de estupro, real ou imaginário, e revela sentir uma nostalgia profunda dos dias em que os meninos do interior do Nordeste mantinham relações sexuais com cabritas e jumentas. O que não sei é se percebem o grotesco, a infâmia, a abominação de continuar a chamar esse sujeito de Vossa Excelência, quando Vossa Insolência seria muito mais cabível, fazendo de conta que estão diante de um cidadão respeitável quando estão mesmo é de joelhos ante um sociopata desprezível. Nenhum político do mundo jamais fez declarações tão insultuosas à moralidade geral e à simples dignidade humana. Muito menos as fez e permaneceu no cargo. Lula não só permanecerá como fará tranquilamente a sua sucessora, porque a
sociedade brasileira inteira já se acanalhou ao ponto de aceitar como decreto divino tudo o que venha do "Filho do Brasil". Todos preferem antes ser humilhados, achincalhados, envergonhados ante o universo, do que correr os riscos de uma crise política. Sabem por que? Porque foram reduzidos a uma tal impotência que já não têm meios nem de criar uma crise política. Em fevereiro de 2004 escrevi: "Quem quer que, a esta altura, ainda sonhe em 'vencer o PT', seja nas próximas eleições, seja ao longo das décadas vindouras, deve ser considerado in limine um bobão incurável, indigno de atenção. O PT, como digo há anos, não veio para alternar-se no poder com outros partidos muito menos com os da 'direita' - segundo o rodízio normal do sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir esse sistema, para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado, trocando-o por algo que os próprios petistas não sabem muito bem o que há de ser, mas a respeito do qual têm uma certeza: seja o que for, será definitivo e irrevogável. Não haverá retorno. O Brasil em que vivemos é, já, o 'novo Brasil' prometido pelo PT, e não tem a menor perspectiva de virar outra coisa a médio ou longo prazo, exceto se forçado a isso pela vontade divina ou por mudanças imprevisíveis do quadro internacional." Fui chamado de radical, de paranóico, de tudo quanto é nome. Os que assim reagiam não tinham - e não têm até hoje - a menor ideia de que existe uma ciência política objetiva, capaz de fazer previsões tão acertadas quanto as da meteorologia, com a diferença de que estas são feitas, no máximo, com antecedência de algumas horas. Quão preciosa não seria essa ciência nas mãos dos planejadores estratégicos, seja na política, seja nos negócios! Recusando-se a acreditar que ela existe, preferem confiar-se aos pareceres dos acadêmicos consagrados, que são tão bem educadinhos e jamais os assustam com previsões certeiras. Ainda lembro que, em 2002, o Los Angeles Times consultou duas dúzias de eminentes "especialistas" sobre as eleições no Brasil. Todos disseram que Lula não teria mais de 30 por cento dos votos. Só eu - o radical, o alucinado - escrevi que a vitória do PT era não apenas certa, mas absolutamente inevitável.
Do mesmo modo, sob insultos e cusparadas, anunciei que a passagem do tempo desfaria a lenda da "moderação" lulista, pondo à mostra o compromisso inflexível do nosso partido governante com o esquema revolucionário internacional. Hoje isso está mais do que evidente, e sinais de um temor geral que antes ninguém desejava confessar começam a despontar por toda parte. E que fazem, diante do perigo tardiamente reconhecido, essas consciências recém-despertadas? Correm em busca dos mesmos luminares acadêmicos que já os ludibriaram tantas vezes com suas palavras anestésicas, como instrutores de auto-ajuda. A elite brasileira é vítima de seu próprio desamor ao conhecimento, agravado de um culto idolátrico aos símbolos exteriores de prestígio e bom-mocismo. Seguindo essa linha inflexivelmente ao longo dos anos, enfraqueceu-se ao ponto de, hoje, ter de baixar a cabeça ante a torpeza explícita, arrogante, segura de si.
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Geração maldita Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 8 de dezembro de 2009 Todo dia recebo dezenas de cartas de leitores, das quais respondo algumas pelo meu programa "True Outspeak" (www.blogtalkradio.com/olavo, segundas-feiras, às 20h00 do Brasil). As outras ficam sem resposta, não por serem desimportantes, mas por simples impossibilidade física de escrever as centenas de páginas diárias que seria preciso para dar a cada uma a atenção merecida. No entanto, algumas são
irrespondíveis num outro sentido: o que dizem é tão verdadeiro, tão sério, tão pungente, que nada tenho a lhes retrucar nem acrescentar. Eis aqui dois exemplos. O primeiro, do leitor Ithamar Paraguassu Ramos, até saiu no Diário do Comércio do dia 17 (http://www.dcomercio.com.br/Materia.aspx? id=32129): "A única coisa que posso dizer é que eu amo as materias do Olavo. Já faz um bom tempo que tenho reclamado do que eu chamo de 'esquizofrenia' dos formadores de opinião brasileiros. Na mesma sentença eles dizem uma coisa e se contradizem completamente... Mas o ponto é que infelizmente Olavo não esta atingindo uma parcela muito importante da nossa população, isso por causa do declínio da educação... Para o meu horror, os jovens universitários de hoje não sabem o sgnificado de palavras como: 'sofisma', 'erítistica', 'ardil', 'arrazoado', 'verossimilhança' e por aí vai." O segundo, do leitor Leandro Coelho, sai aqui pela primeira vez: "Não tenho (e não sei) os meios de verificar se todas as pessoas brasileiras são assim, mas todas as pessoas com as quais converso, todas praticamente sem exceção, só pensam em levar vantagem seja com processos trabalhistas, seja se inscrevendo em programas sociais sem necessidade ou de qualquer outra maneira. Trabalhar para prosperar, talvez, mas ganhar um dinheirinho na base da enganação, processos etc., ah, aí todos querem. Vendo isso, não vejo por que achar triste que estas pessoas sejam governadas pelo Foro de São Paulo. As pessoas que se enquadram no esquema acima merecem toda a miséria nacional. Se o jeitinho acima descrito é aplicável a grande parte da população brasileira, então o Lula, o PT... estão no lugar certo." Que é que posso dizer diante dessas coisas? Elas são a verdade pura e simples, constatada diariamente por quem quer que tenha um pingo de capacidade de observação. E essa verdade é tão horrível, tão deprimente, que o cérebro humano, ao admiti-la, entra em estado de torpor e busca logo pensar em outra coisa. Quanto mais grave e temível é um estado de coisas, menos atenção ele recebe e mais facilmente é aceito como fatalidade inevitável, na qual não vale a pena pensar. Nem entendo por que há tantos cursos de auto-ajuda ensinando as pessoas a evitar
assuntos desagradáveis. Elas já fazem isso por mero automatismo, e precisamente porque o fazem as coisas vão se tornando cada vez mais desagradáveis. O colapso intelectual do Brasil, ao qual se seguiu a completa deterioração moral da população, ao menos nos grandes centros urbanos, não aconteceu simplesmente porque sim. Foi a obra criminosa da geração mais presumida e torpe que as universidades brasileiras já produziram. Para cada dez mil sexagenários letrados que hoje ocupam posições de destaque na política, nas universidades, no show business, no mundo editorial, mal se encontra um que tenha consciência das suas responsabilidades, que não sufoque sua consciência de culpa sob toneladas de chavões politicamente corretos, de modo a sentir que é bom quando pratica o mal. Quando se encontra essa exceção memorável, um homem de bem, podem ter a certeza de que ele vem enfraquecido pela contaminação do ambiente geral adverso, ao qual não ousa opor a necessária severidade. Estou lendo, com uma satisfação mista de tristeza, o livro de Boris Tabacof, Espírito de Empresário. Reflexões para Construir uma Gestão Baseada em Valores (São Paulo, Editora Gente, 2009). Quanta boa vontade, quanta sugestão construtiva, quantas idéias úteis, quanto sentimento moral saudável, quanto sincero amor pelo Brasil e quanto desejo de ver sua gente prosperar não perpassam essas páginas que todo empresário deveria ler! E tudo isso dito por quem não se limita a dizer, mas há décadas se esforça para que suas idéias se realizem. No entanto, quantas concessões de ingênua polidez não faz o autor a pessoas e grupos que, se pudessem, gostariam mesmo é de assassiná-lo! Como realizar as mais belas propostas sem primeiro neutralizar as forças que as estrangulam e que, quando não conseguem destrui-las, tratam de corrompê-las e prostitui-las para que acabem servindo ao mesmo mal que pretendiam corrigir? Quando as pessoas imbuídas das melhores intenções neste país vão aprender a lição de Hegel sobre "a obra do negativo", a função preliminar, básica e imprescindível que a crítica corrosiva e a destruição dos antagonismos desempenham na liberação das forças melhores e mais promissoras? Uma só palavra gentil dita aos homens que criaram as situações descritas pelos leitores Ramos e Coelho é o bastante para deitar a perder todos os esforços mais generosos despendidos para corrigi-las. Mais vale um bom palavrão atirado em público à cara de um Tarso Genro, de um Marco Aurélio Garcia, do que mil palavras construtivas atiradas ao vento.
Ninguém, no mundo, tem o monopólio das boas idéias. Elas surgem naturalmente, quando a situação permite -- mas a situação só o permite quando os piores e os mais estúpidos desocupam os altos postos e são devolvidos à sua justa escala de insignificância. O Brasil, no momento, não precisa de boas idéias. Precisa é de uma ação vigorosa, implacável, contra o império da maldade, da mentira e da estupidez. Esse império foi instaurado pela geração que, nos bancos da universidade, se deixou seduzir pela crença de que era "a parcela mais esclarecida da população" e de que todos os problemas estariam resolvidos quando ela chegasse ao poder. Ela chegou -- e fez do povo brasileiro o mais ignorante, o mais assassino e provavelmente o mais desonesto do mundo. Posso falar de cátedra, porque essa geração é a minha. Observei como ela se formou e sei o quanto a ilusão de pertencer a uma elite predestinada pode corromper o coração humano. Eu mesmo participei dessa ilusão, e vivo até hoje do arrependimento que ela me infunde. Vejam os cinquenta mil homicídios por ano, vejam o fracasso dos nossos estudantes nos testes internacionais, vejam o poder crescente das gangues de narcotraficantes e de invasores de terras, vejam a amoralidade cínica estampada nos rostos de tantos dos nossos concidadãos -- e me digam se algo de bom é possível construir enquanto os homens que criaram tudo isso continuam mandando no país e acumulam mais poder a cada dia que passa. Quando nada se faz contra o mal, a apologia do bem torna-se mera desconversa -- a forma passiva e afável da mentira na qual o mal se sustenta.
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O império mundial da burla Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 14 de dezembro de 2009 "Tutto è burla nel mondo" (Falstaff, na ópera de Verdi) Até umas décadas atrás, o jornalismo refletia a convivência, ora pacífica, ora conflitiva, das três forças que determinavam a sua orientação: o orgulho profissional dos jornalistas, que concorriam entre si na tarefa de informar mais e melhor; os objetivos econômicos dos empresários de mídia; e os diferentes interesses políticos que, através desses dois grupos, disputavam a hegemonia sobre as redações. A variedade das combinações possíveis, num ambiente de concorrência capitalista e liberdade democrática (mesmo em situações políticas não totalmente democráticas), demarcava os perfis dos diferentes órgãos de mídia, desde os grandes jornais e redes de TV até os tablóides de propaganda ideológica e os programas radiofônicos das mais modestas estações do interior. Nos anos recentes, tudo mudou. 1) Por toda parte, a propriedade dos órgãos de mídia concentrou-se nas mãos de empresas multinacionais bilionárias, associadas ao projeto de governo mundial e dispostas a sofrer por ele até mesmo vultosos prejuízos financeiros, que por outro lado não as prejudicam de maneira alguma, de vez que são amplamente compensados por lucros obtidos em outros negócios. A tremenda queda de prestígio e a quase falência de jornais como o New York Times ou o Los Angeles Times não os induziu a mudar no mais mínimo que fosse as respectivas orientações políticas que puseram seus leitores em fuga: ao interesse financeiro imediato de uma empresa em particular sobrepõem-se os interesses estratégicos maiores dos grupos empresariais que a controlam de longe. 2) Desde que as maiores universidades, em quase todos os países do Ocidente, caíram sob o domínio de intelectuais ativistas imbuídos da mentalidade "pósmoderna" e "desconstrucionista", isso teve um efeito letal sobre a formação profissional dos jornalistas: a simples noção de objetividade jornalística não pode
sobreviver num ambiente cultural onde a crença em verdades objetivas é tratada como um resíduo supersticioso de épocas bárbaras e um odioso instrumento de opressão capitalista. Se a obrigação dos intelectuais já não é mais buscar a verdade, mas apenas dar apoio a causas feministas, gayzistas, abortistas, globalistas e socialistas, mesmo aquele que não tenha grande entusiasmo pessoal por essas causas fica desprovido de um critério de veracidade pelo qual possa julgá-las, e acaba colaborando com elas, no mínimo, por omissão. 3) A convergência desses dois fatores gerou, como era de se esperar, a uniformização ideológica da mídia em escala mundial, transformando jornais, estações de rádio e redes de TV num maciço e coerente aparato de propaganda que cada vez menos admite divergências e cada vez mais se empenha em selecionar as notícias segundo sua conveniência política, desprezando cinicamente os critérios tradicionais de objetividade. O noticiário fraudulento, que num ambiente de concorrência capitalista normal acabava sempre sendo dissolvido pela variedade das abordagens jornalísticas mutuamente contraditórias, tornou-se a norma imperante, só contestada em publicações menores e em alguns sites de jornalismo eletrônico, facilmente neutralizados como "loucos", "teóricos da conspiração", "fofoqueiros da internet" etc. Em resultado, os acontecimentos mais decisivos são freqüentemente mantidos fora do horizonte de visão do público, enquanto lendas, mentiras e imbecilidades úteis à causa comum do globalismo e da militância jornalística são alardeadas nos quatro quadrantes da Terra como verdades definitivas, sem que se ouça uma única voz de protesto contra a fraude geral. Trabalhando em uníssono com o show business, com as fundações culturais bilionárias e com os organismos administrativos internacionais, o jornalismo tornou-se pura propaganda, amparada num eficiente sistema de exclusão e boicote que só os mais valentes, cada vez mais raros, ousam enfrentar. As grandes empresas jornalísticas já não têm nem mesmo a preocupação de camuflar a uniformidade mundial das campanhas que promovem: outro dia, 44 dos 56 maiores jornais do mundo publicaram o mesmo editorial, repetido em toda parte ipsis litteris, em favor da centralização do poder em escala mundial, para salvar o planeta de riscos aliás perfeitamente inexistentes.
Quase ao mesmo tempo, a Rede Globo, dominadora absoluta da audiência e portanto da formação da mentalidade pública neste país, exibiu novamente, como dado científico comprovado, o famoso gráfico de Al Gore, em que duas curvas, uma assinalando os aumentos das emissões de CO2, outra as elevações da temperatura terrestre, se superpõem harmoniosamente, "provando" a origem humana do aquecimento global. Nos meios científicos, não há um só profissional idôneo que engula essa fraude grotesca. Todo mundo sabe que as curvas são similares, sim, mas que as elevações de temperatura antecedem e não se sucedem ao aumento das emissões de CO2 , isto é, que Al Gore inverteu propositadamente causa e efeito para fomentar a campanha do imposto mundial. Já o escândalo do "Climagate", em que prestigiosos cientistas foram surpreendidos tramando falsificação de dados, vem sendo abafado por todos os meios possíveis: se você depender do New York Times ou da CNN para informar-se a respeito, não ficará jamais sabendo de nada, ou pelo menos terá a impressão de que a vigarice de alguns pesquisadores isolados não afeta em nada a confiabilidade das teses dominantes quanto ao aquecimento global. Impressão falsa. Philip Jones, Keith Briffa e Michael Mann, os pesquisadores de East Anglia pegos de calças na mão, são os principais autores dos dois relatórios da ONU que servem de base à campanha do imposto global, isto é, da extorsão global de três bilhões de dólares para salvar o mundo de uma ameaça forjada (v. http://www.telegraph.co.uk/comment/columnists/ christopherbooker/6738111/Climategate-reveals-the-most-influential-tree-in-theworld.html). Do mesmo modo, os órgãos da "grande mídia" não publicam uma só linha quanto aos processos que a jornalista austríaca Jane Burgermeister está movendo contra a Organização Mundial da Saúde, o governo Obama e algumas poderosas indústrias farmacêuticas. As vacinas contra gripe suína, já obrigatórias em alguns Estados americanos, e que a presidência Obama pretende impor a todo o país, estão contaminadas com o vírus da gripe aviária, muito mais perigosa: é o que afirma Burgermeister, sustentando suas palavras com ações que não são de ordem a tornar a sua existência nem um pouco mais confortável (v. www.theflucase.com). Para impor a obrigatoriedade da vacinação, o governo americano e a OMS
promoveram uma campanha alarmista, com forte apoio de jornais, TVs, universidades, instituições científicas e artistas de Hollywood, exagerando brutalmente os riscos da gripe suína. Agora, que as vacinas estão matando muito mais gente do que a própria gripe, a mídia e as autoridades se calam ominosamente, mostrando que não estão interessadas na saúde do público mas em proteger os autores de uma fraude genocida. E notem: os envolvidos nessa fraude são os mesmos apóstolos do imposto global, assim como os meios usados para ludibriar o público são os mesmos em ambos os casos: a propaganda maciça em escala mundial, travestida de "jornalismo", e a supressão sistemática dos fatos indesejáveis. Cada vez mais, entramos num novo mundo onde não se poderá confiar em nenhuma instituição, em nenhuma autoridade, em nenhum prestígio, e onde cada um terá de buscar a verdade por seus próprios meios, se os tiver. Como a maioria não os tem, será cada vez mais difícil encontrar alguma diferença entre esse novo mundo e o império global da burla anunciado pelos profetas e pelo Falstaff de Verdi.
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Armas da liberdade Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 17 de dezembro de 2009 A coisa mais óbvia, na análise da História e da sociedade, é que, quando a situação muda muito, você já não pode descrevê-la com os mesmos conceitos de antes: tem
de criar novos ou aperfeiçoar criticamente os velhos, para dar conta de fatos inéditos, não enquadráveis nos gêneros conhecidos. É patético observar como, já em plena fase de implantação do governo mundial, os analistas políticos, na universidade ou na mídia, continuam oferecendo ao público análises baseadas nos velhos conceitos de ´"Estado nacional", "poder nacional", "relações internacionais", "livre comércio", "democracia", "imperialismo", "luta de classes", "conflitos étnicos" etc., quando é claro que nada disso tem grande relação com os fatos do mundo atual. Os acontecimentos mais básicos dos últimos cinqüenta anos são: primeiro, a ascensão de elites globalistas, desligadas de qualquer interesse nacional identificável e empenhadas na construção não somente de um Estado mundial mas de uma pseudocivilização planetária unificada, inteiramente artificial, concebida não como expressão da sociedade mas como instrumento de controle da sociedade pelo Estado; segundo, os progressos fabulosos das ciências humanas, que depositam nas mãos dessas elites meios de dominação social jamais sonhados pelos tiranos de outras épocas. Várias décadas atrás, Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), o criador da Teoria Geral dos Sistemas, ciente de que sua contribuição à ciência estava sendo usada para fins indevidos, já advertia: "O maior perigo dos sistemas totalitários modernos é talvez o fato de que estão terrivelmente avançados não somente no plano da técnica física ou biológica, mas também no da técnica psicológica. Os métodos de sugestionamento em massa, de liberação dos instintos da besta humana, de condicionamento ou controle do pensamento desenvolveram-se até alcançar uma eficicácia formidável: o totalitarismo moderno é tão terrivelmente científico que, perto dele, o absolutismo dos períodos anteriores aparece como um mal menor, diletante e comparativamente inofensivo." Em L'Empire Écologique: La Subversion de l'Écologie par le Mondialisme (1998), Pascal Bernardin explicou em maiores detalhes como a Teoria Geral dos Sistemas vem servindo de base para a construção de um sistema totalitário mundial, que nos últimos dez anos, definitivamente, saiu do estado de projeto para o de uma realidade patente, que só não vê quem não quer. Mas von Bertalanffy não se referia somente à sua própria teoria. Ele fala de "métodos", no plural, e o cidadão comum das democracias nem pode fazer uma idéia da pletora de recursos hoje postos à
disposição dos novos senhores do mundo pela psicologia, pela sociologia etc. Se von Bertalanffy tivesse de citar nomes, não omitiria o de Kurt Levin, talvez o maior psicólogo social de todos os tempos, cujo Instituto Tavistock, em Londres, foi constituído pela própria elite global em 1947 com a finalidade única de criar meios de controle social capazes de conciliar a permanência da democracia jurídica formal com a dominação completa do Estado sobre a sociedade. Só para vocês fazerem uma idéia de até onde a coisa chega, os programas educacionais de quase todas as nações do mundo, em vigor desde há pelo menos vinte anos, são determinados por normas homogêneas diretamente impostas pela ONU e calculadas não para desenvolver a inteligência ou a consciência moral das crianças, mas para fazer delas criaturas dóceis, facilmente amoldáveis, sem caráter, prontas a aderir entusiasticamente, sem discussão, a qualquer nova palavra-deordem que a elite global julgue útil aos seus objetivos. Os meios usados para isso são técnicas de controle "não aversivas", concebidas para fazer com que a vítima, cedendo às imposições da autoridade, sinta fazê-lo por livre vontade e desenvolva uma reação imediata de defesa irracional à simples sugestão de examinar criticamente o assunto. Seria um eufemismo dizer que a aplicação em massa dessas técnicas "influencia" os programas de educação pública: elas são todo o conteúdo da educação escolar atual. Todas as disciplinas, incluindo matemática e ciências, foram remoldadas para servir a propósitos de manipulação psicológica. O próprio Pascal Bernardin descreveu meticulosamente o fenômeno em Machiavel Pédagogue (1995). Leia e descobrirá por que seu filho não consegue resolver uma equação de segundo grau ou completar uma frase sem três solecismos, mas volta da escola falando grosso como um comissário do povo, cobrando dos pais uma conduta "politicamente correta". A rapidez com que mutações repentinas de mentalidade, muitas delas arbitrárias, grotescas e até absurdas, se impõem universalmente sem encontrar a menor resistência, como se emanassem de uma lógica irrefutável e não de um maquiavelismo desprezível, poderia ser explicada pelo simples adestramento escolar que prepara as crianças para aceitar as novas modas como mandamentos divinos. Mas evidentemente a escola não é a única agência empenhada em produzir esse resultado. A grande mídia, hoje maciçamente concentrada nas mãos de mega-
empresas globalistas, tem um papel fundamental na estupidificação das massas. Para isso, uma das técnicas de emprego mais generalizado hoje em dia é a dissonância cognitiva, descoberta do psicólogo Leon Festinger (1919-1989). Vejam como a coisa funciona. Se vocês lerem os jornais americanos de hoje, saberão que Tiger Woods, o campeão de golfe, um dos cidadãos americanos mais queridos dos últimos tempos, está agora sob bombardeio cerrado dos jornais e noticiários de TV porque descobriram que o coitado tinha umas amantes. Escândalo! Horror! A indignação geral ameaça cortar metade dos patrocínios do adúltero e excluí-lo do rol das "pessoas maravilhosas" que aparecem em anúncios de tênis, chicletes e dietas miraculosas. Mas há um detalhe: ao lado dos protestos contra a imoralidade do esportista aparecem ataques ferozes aos "extremistas de direita" que não aceitam o abortismo, o casamento gay ou a indução de crianças à deleitação sexual prematura. Os dois códigos morais, mutuamente contraditórios, são oferecidos em simultaneidade, como igualmente obrigantes e sacrossantos. Excitado e impelido a todos os desmandos sexuais, mas ao mesmo tempo ameaçado de character assassination caso venha a praticá-los mesmo em dose modesta, o cidadão angustiado reage por uma espécie de colapso intelectual, tornando-se um boboca servil que já não sabe orientar-se a si mesmo e implora por uma voz de comando. O comando pode ser oco e sem sentido, como por exemplo "Change!", mas, quando vem, soa sempre como um alívio. Acusar os cientistas por esse estado de coisas é tão idiota quanto jogar nas armas a culpa dos homicídios. Homens como von Bertalanffy, Levin e Festinger criaram instrumentos que podem servir tanto para a construção da tirania quanto para a reconquista da liberdade. Nós é que temos a obrigação de tirar essas armas das mãos de seus detentores monopolísticos, e aprender a usá-las com signo invertido, libertando o nosso espírito em vez de permitir que o escravizem.
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A demolição das consciências Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 21 de dezembro de 2009 Quem tenha compreendido bem meu artigo "Armas da Liberdade", deve ter percebido também a conclusão implícita a que ele conduz incontornavelmente: boa parte do esforço moralizante despendido pela "direita religiosa" para sanear uma sociedade corrupta é inútil, já que termina sendo facilmente absorvida pela máquina da "dissonância cognitiva" e usada como instrumento de perdição geral. Notem bem: moralidade não é uma lista de condutas louváveis e condenáveis, pronta para que o cidadão a obedeça com o automatismo de um rato de Pavlov. Moralidade é consciência, é discernimento pessoal, é busca de uma meta de perfeição que só aos poucos vai se esclarecendo e encontrando seus meios de realização entre as contradições e ambigüidades da vida. Sto. Tomás de Aquino já ensinava que o problema maior da existência moral não é conhecer a regra geral abstrata, mas fazer a ponte entre a unidade da regra e a variedade inesgotável das situações concretas, onde freqüentemente somos espremidos entre deveres contraditórios ou nos vemos perdidos na distância entre intenções, meios e resultados. Lutero -- para não dizerem que puxo a brasa para a sardinha católica -- insistia em que "esta vida não é a devoção, mas a luta pela conquista da devoção". E o santo Padre Pio de Pietrelcina: "É melhor afastar-se do mundo pouco a pouco, em vez de tudo de uma vez". A grande literatura -- a começar pela Bíblia -- está repleta de exemplos de conflitos morais angustiantes, mostrando que o caminho do bem só é uma linha reta desde o
ponto de vista divino, que tudo abrange num olhar simultâneo. Para nós, que vivemos no tempo e na História, tudo é hesitação, lusco-fusco, tentativa e erro. Só aos poucos, orientada pela graça divina, a luz da experiência vai dissipando a névoa das aparências. Consciência -- especialmente consciência moral -- não é um objeto, uma coisa que você possua. É um esforço permanente de integração, a busca da unidade para além e por cima do caos imediato. É unificação do diverso, é resolução de contradições. Os códigos de conduta consagrados pela sociedade, transmitidos pela educação e pela cultura, não são jamais a solução do problema moral: são quadros de referência, muito amplos e genéricos, que dão apoio à consciência no seu esforço de unificação da conduta individual. Estão para a consciência de cada um como o desenho do edifício está para o trabalho do construtor: dizem por alto qual deve ser a forma final da obra, não como a construção deve ser empreendida em cada uma das suas etapas. Quando os códigos são vários e contraditórios, é a própria forma final que se torna incongruente e irreconhecível, desgastando as almas em esforços vãos que as levarão a enroscar-se em problemas cada vez mais insolúveis e, em grande número de casos, a desistir de todo esforço moral sério. Muito do relativismo e da amoralidade reinantes não são propriamente crenças ou ideologias: são doenças da alma, adquiridas por esgotamento da inteligência moral. Em tais circunstâncias, lutar por este ou aquele princípio moral em particular, sem ter em conta que, na mistura reinante, todos os princípios são bons como combustíveis para manter em funcionamento a engenharia da dissonância cognitiva, pode ser de uma ingenuidade catastrófica. O que é preciso denunciar não é este ou aquele pecado em particular, esta ou aquela forma de imoralidade específica: é o quadro inteiro de uma cultura montada para destruir, na base, a possibilidade mesma da consciência moral. O caso de Tiger Woods, que citei no artigo, é um entre milhares. Escândalos de adultério espoucam a toda hora na mesma mídia que advoga o abortismo, o sexo livre e o gayzismo. A contradição é tão óbvia e constante que nenhum aglomerado de curiosas coincidências poderia jamais explicá-la. Ela é uma opção política, a demolição planejada do discernimento moral. Muitas pessoas que se escandalizam com imoralidades
específicas não percebem nem mesmo de longe a indústria do escândalo geral e permanente, em que as denúncias de imoralidade se integram utilmente como engrenagens na linha de produção. Ou a luta contra o mal começa pela luta contra a confusão, ou só acaba contribuindo para a confusão entre o bem e o mal.
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Natal 2009/Christmas 2009 Olavo de Carvalho 23 de dezembro de 2009 Musicalmente, alguns preferem Tristão e Isolda, mas, em matéria de força dramática e riqueza de significado, a ária final de Wotan em As Valquírias, “Leb Wohl” (“Adeus”), é sem dúvida o cume da obra de Richard Wagner. Que é que isso tem a ver com o Natal? Espere um pouco e deixe-me relembrar a cena. Pressionado por sua esposa Fricka, que lhe cobra seus deveres de mantenedor da ordem cósmica, Wotan, o equivalente germânico de Zeus, promete, a contragosto, punir com a morte seu neto Siegmund, culpado de adultério e incesto com sua irmã Sieglinda. Para isso, ele envia sua filha mais querida, Brunilda, ao local onde o marido de Sieglinda vai duelar com Siegmund, para assegurar que Siegmund, privado de todo auxílio divino, seja morto no duelo. No momento decisivo, Brunilda deixa-se tomar de compaixão por Siegmund e, descumprindo a ordem recebida, tenta protegê-lo. Wotan tem de intervir pessoalmente, fazendo em
pedaços a espada mágica de Siegmund e deixando que ele seja morto pelo marido de Sieglinda, Hunding. Tão logo termina o duelo, Wotan, desgostoso consigo próprio e cheio de desprezo pelo vencedor, mata Hunding com um simples sopro. Agora o rei dos deuses tem de punir a filha, para não permitir que um ato de traição perturbe a ordem do Valhalla, o céu dos deuses germânicos. Atormentado pelo conflito insolúvel entre o dever de governante e o amor paterno, Wotan queixa-se de que, entre todos os seres, o mais miserável e sofredor é ele próprio. No instante em que ele se prepara para matar Brunilda, ela apela à compaixão do pai, pedindo que a sentença de morte seja substituída pela de expulsão. Wotan abraça ternamente a filha e a faz adormecer numa montanha protegida por um círculo de fogo, prometendo que nenhum homem indigno tocará nela e que, ao despertar como criatura humana, desprovida de poderes divinos, ela terá por marido um nobre guerreiro que a protegerá de todos os males. Wotan despede-se da filha e, enquanto ela adormece, sai cabisbaixo, derrotado pelo seu próprio poder. Esse episódio marca o instante em que a ordem do mundo mitológico entra em contradição consigo própria e descobre o seu limite. No mundo dos deuses não há lugar para a compaixão. Só no mundo humano Brunilda poderá desfrutar os benefícios do perdão que o pai tão ardentemente lhe deseja conceder. Nesse momento, a lei dos deuses admite que há uma justiça superior à do próprio WotanZeus. A ordem cósmica só pode ser restaurada mediante o sacrifício de Wotan, mas ele próprio entende isso como um sofrimento absurdo, uma incongruência, uma irregularidade. Quando Brunilda despertar, ela estará num novo mundo, onde o auto-sacrifício do deus não será mais uma irregularidade, e sim o princípio mesmo da lei que rege o universo. O Deus invisível e sem nome que impera muito acima de Wotan oferece o seu próprio Filho em sacrifício, porque sabe que nenhum sacrifício humano pode restaurar a ordem: só o sangue do próprio Deus tem esse poder. O adeus de Wotan é o mundo antigo que se despede, baixando a cabeça ante uma ordem superior a que o próprio Wotan obedece, mas que ele não pode compreender. É o advento desse mundo novo, a tomada de consciência universal dessa nova ordem, onde o perdão não é a exceção mas a regra, que se celebra no Natal. O gesto incomum de Wotan será aí a lei geral e eterna, que restaura a ordem do mundo não uma vez, mas a cada instante, de novo e de novo, injetando no mundo finito novas e novas possibilidades que vêm do amor infinito. Ao adeus de Wotan, baixado o
pano sobre a cena mitológica, segue-se o nascimento de Cristo, o advento da Nova Aliança onde Brunilda será perdoada não uma vez, mas vezes infinitas. O perdão não é um ato raro e excepcional, que quase às escondidas ludibria a ordem cósmica em nome do amor paterno. Ele é a lei fundamental do universo, a base mesma de toda existência. ftp://camerata.mine.nu/hines/Jerome%20Hines-Leb%20Wohl %201961%20Bayreuth.mp3
Musically, some prefer Tristan and Isolde, but in the matter of dramatic power and richness of meaning, Wotan’s final aria in The Valkyrie, “Leb Wohl” (Farewell), is doubtless the pinnacle of Richard Wagner’s work. What does that have to do with Christmas? Hold on a while, and let me recall the scene. Pressured by his wife Fricka, who urges him to fulfill his duties as maintainer of the cosmic order, Wotan, the Germanic counterpart of Zeus, unwillingly promises to punish by death his grandson Siegmund—guilty of adultery and incest with his sister Sieglinde. To achieve this goal, Wotan sends his dearest daughter, Brünnhilde, to the place where Sieglinde’s husband will fight a duel with Siegmund, to ensure that Siegmund, deprived of all divine assistance, is killed in the duel. At the decisive moment, Brünnhilde allows herself to be overcome with compassion for Siegmund, and disobeying the order she received, attempts to protect him. Wotan has to intervene personally, breaking Siegmund’s magic sword into pieces and letting him be killed by Sieglinde’s husband, Hunding. As soon as the duel comes to an end, Wotan, displeased with himself and full of contempt for the winner, kills Hunding with a simple puff of breath. Now the king of the gods has to punish his daughter, in order not to permit that an act of treason disturbs the order of Valhalla, the heaven of the Germanic gods. Tormented by the insoluble conflict between the duties of rulership and paternal love, Wotan complains that he himself among all beings is the most suffering and miserable one. At the moment that he prepares to kill Brünnhilde, she appeals to her father’s compassion, requesting that her death sentence may be substituted for banishment. Wotan tenderly embraces his daughter and soothes her into sleep on a mountain peak protected by a ring of
fire, promising that no unworthy man will ever touch her and that, when she awakes as a human creature, deprived of divine powers, she will have for a husband a noble warrior, who will protect her from all evil. Wotan bids his daughter farewell and, while she is falling asleep, departs downcast, defeated by his own power. This episode marks the instant at which the order of the mythological world falls into contradiction with itself and discovers its limit. Compassion has no place in the world of gods. Only in the human world will Brünnhilde be allowed to enjoy the benefits of the forgiveness that her father so ardently wishes to grant her. At this moment, the law of the gods admits that there is a higher justice than that of Wotan-Zeus himself. The cosmic order can only be restored through Wotan’s sacrifice, but he himself understands this as absurd suffering, incongruity, irregularity. When Brünnhilde awakes, she will be in a new world, where the god’s self-sacrifice will no longer be an irregularity, but rather the very principle of the law governing the universe. The nameless and invisible God who reigns far above Wotan offers his own Son in sacrifice, because He knows that no human sacrifice can restore order: only the blood of God Himself has such power. Wotan’s farewell is the ancient world taking its leave, lowering his head before a higher order which Wotan himself obeys, but cannot comprehend. It is the advent of this new world, the coming to the universal awareness of this new order, where forgiveness is not an exception but the rule, which is celebrated at Christmas. There, Wotan’s uncommon gesture will be the general and eternal law, which restores the order of the world not just once, but at every moment, over and over again, injecting ever new possibilities coming from the infinite love into the finite world. What follows Wotan’s farewell, after the curtain is drawn down upon the mythological scene, is the birth of Christ, the advent of the New Alliance where Brünnhilde will be forgiven not only once, but infinite times. Forgiveness is not a rare and exceptional act, which, in the name of paternal love, deceives the cosmic order almost in an underhanded way. Forgiveness is the fundamental law of the universe, the very basis of all existence. (Translated by Alessandro Cota) ftp://camerata.mine.nu/hines/Jerome%20Hines-Leb%20Wohl %201961%20Bayreuth.mp3
http://www.olavodecarvalho.org/semana/091228dc.html
Diferenças decisivas Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 28 de dezembro de 2009 Ainda esclarecendo o artigo "Armas da liberdade": Se a política revolucionária continua avançando de vitória em vitória a despeito da revelação de seus crimes e do seu fracasso estrondoso no campo econômico-social, é porque ela é em essência uma estratégia da tomada do poder, independente e desacompanhada de qualquer sabedoria quanto ao modo de exercê-lo em benefício do povo. A administração estatal revolucionária consiste em nada mais que homicídio, roubo e mendacidade organizada, mas o conjunto de meios que os revolucionários criaram para destruir seus inimigos e conquistar o poder total é um prodígio de racionalidade e eficiência. Tão notório é esse fenômeno, que muitos liberais e conservadores, vendo a impossibilidade de deter o avanço das forças revolucionárias, acreditam que a única possibilidade de derrotá-las é esperar que cheguem ao poder e se destruam a si mesmas por incapacidade de administrá-lo. O preço dessa estratégia quietista é tão grande, em danos e sofrimentos, que suas culpas se igualam às da própria revolução, mesmo sem contar o fato de que os revolucionários, por definição e hábito consagrado, jamais são demovidos de seus fins pela mera constatação de seus fracassos, os quais sempre podem ser descontados como erros acidentais ou debitados na conta da "reação" e assim transfigurados em novos estímulos ao avanço do processo revolucionário. Como a essência da revolução é destruição e nada mais, sua própria autodestruição faz parte do processo e não debilita o movimento no mais mínimo que seja. Liberais e conservadores, como apostam tudo na eficiência econômico-administrativa, caem sempre na esparrela de medir o adversário por si mesmos, esperando que aquilo que seria letal para eles possa fazer a ele algum mal. A pobreza e o caos derrubam governos democráticos, mas para uma ditadura revolucionária podem ser o pretexto salvador de que ela necessita para militarizar a sociedade e unificar o povo sob a bandeira do ódio ao inimigo. Cada vez que falta carne, pão e leite na mesa dos venezuelanos, cubanos
ou norte-coreanos, a revolução prende ou mata mais alguns bodes expiatórios e emerge revigorada desse ritual macabro. A diferença decisiva entre revolução e reação é que a primeira tem uma visão abrangente e unitária do alvo a ser destruído -- a "civilização ocidental" --, enquanto a segunda se conforma com uma estratégia parcial e minimalista, encarando a proposta revolucionária como uma coleção de metas separadas e inconexas, combatendo umas e negociando com outras, seja na esperança vã de dividir as forças inimigas, seja no intuito de "adaptar-se aos tempos", sem perceber que com isto concede ao adversário o monopólio da interpretação da História e, assim, a vitória inevitável a longo prazo. Dessa diferença decorre outra. O combate revolucionário é total, radical e implacável: nada releva, nada perdoa, nada deixa escapar. Quando cede num ponto, é em caráter provisório, pronto a retomar o ataque na primeira oportunidade. Para isso, todas as armas são válidas, todos os meios legítimos. Como o revolucionário não conhece valores mais altos do que o combate revolucionário em si, a completa falta de escrúpulos no trato com o inimigo é para ele a mais excelsa obrigação moral. Seus meios vão desde a violência genocida até a mentira organizada, a chantagem emocional, o suborno em massa e a redução da alta cultura a instrumento do engodo revolucionário. Já a reação é travada não só por escrúpulos de polidez mas pela obsessão seletiva que a impede de combater o movimento revolucionário em si e na totalidade, francamente, diretamente, limitando-a a alvos parciais, quando não amarrando-lhe as mãos mediante o compromisso de "despolitizar" o combate para não ser acusada de exagero extremista, sem que ela note que, por definição, todo ataque despolitizado é de mão dupla, podendo ser facilmente desviado contra o atacante. A "direita" continuará caindo de derrota em derrota enquanto não parar de esfarelar suas forças numa confusão de investidas parciais e concessões suicidas e não começar a dirigir seus ataques ao coração mesmo do inimigo. Mas para isso é preciso conhecer a identidade desse inimigo como ele conhece a do seu. Se o alvo de seus ataques é a "civilização ocidental", o da direita tem de ser, não esta ou aquela proposta isolada, mas o movimento revolucionário enquanto tal, tomado como unidade diversa na totalidade das suas manifestações as mais díspares e em aparência heterogêneas. Já demonstrei, em centenas de aulas, conferências e
artigos, em que consiste essa unidade, que os intelectuais liberais e conservadores jamais tinham percebido antes (v., por exemplo, www.seminariodefilosofia.org/node/630, www.seminariodefilosofia.org/node/479, www.seminariodefilosofia.org/node/358, www.olavodecarvalho.org/semana/070813dc.html, www.olavodecarvalho.org/semana/071010dce.html, www.olavodecarvalho.org/semana/071029dc.html, www.olavodecarvalho.org/textos/0801entrevista.html, etc.). Enquanto o centro vital do movimento revolucionário não se tornar visível aos olhos de todos, ele não poderá ser atacado com a eficácia letal com que os revolucionários vêm ferindo e sangrando a "civilização ocidental". Uma vez articuladas em torno desse centro, as várias correntes da "direita" poderão colaborar numa estratégia unificada em vez de boicotar-se umas às outras. Quando perceberem a unidade por trás dos alvos ocasionais e isolados -- para não dizer completamente ilusórios -- que têm procurado acertar em vão, conservadores religiosos e laicos, liberais clássicos e modernos e até extremistas de direita podem tornar-se um exército organizado em defesa da civilização ocidental, sem nada ceder de suas diferenças específicas. No Brasil, o alvo ocasional por excelência é o "petismo", ou, mais particularizadamente ainda, o "governo Lula". Na esperança de unir todas as forças contra esse inimigo de ocasião, e, mais ainda, de arregimentar para isso até mesmo certas correntes de esquerda ou do próprio PT, o que a direita vai conseguir é uma vitória de Pirro, ajudando a esquerda a cortar na própria carne para, uma vez mais, sair fortalecida da revelação de seus crimes e pecados.
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