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July 1, 2019 | Author: rafaega | Category: Leonardo Da Vinci, Louvre, Museum, Portrait Painting, Renaissance
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O essencial do Museu do

Louvre por patricia camargo

O essencial do Museu do

Louvre por patricia camargo

Como usar este guia

 ___ Para escrever minha tese sobre museus, por dez anos fiz visitas técnicas a essas instituições. Ao longo deste tempo, observei visitantes exaustos, que não pareciam nada felizes. Para mim, isso era muito estranho, porque eu simplesmente entro em êxtase quando visito um museu.

 ___ Eu gostaria muito que as pessoas se divertissem tanto quanto eu quando visitassem um museu. Resolvi então que escreveria guias sobre os meus museus favoritos ao redor do mundo. A lista é enorme, e o Louvre, que abriga uma de minhas obras prediletas,  A Vitória Vitória de de Samotrácia Samotrácia, tinha que fazer parte dessa série.

 ___ Para começar, pensei em regras básicas, coisas fáceis de fazer e que pudessem aumentar os níveis de satisfação em uma visita. Elas funcionam para todo tipo de museu, e estão enumeradas em uma lista que denominei Mandamentos para você se divertir em um museu.

 ___ Todo grande museu tem certas obras ou objetos que você não vai ver em nenhum outro lugar. Costumam ser obras consideradas peças-chave para entender uma época ou um estilo. Na seção Circuito pelo essencial do Louvre, você fará um passeio por essas obras, que são a alma desse museu.

 ___ Fiz um recorte que tenta sobretudo respeitar o tempo máximo que alguém consegue assimilar de informação em uma visita a um museu. Também tive a intenção de que o visitante saísse com uma base que o ajudasse a desfrutar outras obras em outras galerias pelo mundo.

 ___ Portanto, decidi que o melhor era me concentrar em alguns movimentos e em alguns artistas. Porque em museus, como em tudo na vida, “menos é mais”. Numa aposta arriscada, decidi pelo Renascimento, pelo Neoclassicismo e pelo Romantismo. As obras selecionadas para compor este guia são consideradas obras-primas e as mais representativas de cada estilo.

 ___ Além desses três movimentos, incluí duas obras da Grécia Antiga que são consideradas, com a Mona Lisa, as “estrelas” do Louvre: a Vitória de Samotrácia e a Vênus de Milo. E, para aqueles que ainda tiverem fôlego, uma obra-prima da arte egípcia: O Escriba Sentado.

 ___ As informações imprescindíveis de como chegar, quando ir, quanto custa, os serviços oferecidos pelo museu e os atrativos/ lugares que combinam perfeitamente com uma visita estão na seção Louvre na hora H.

 ___ Na seção Você sabia? o leitor encontra dados e fatos interessantes sobre o museu.

 ___ Agora, você decide: pode começar a ler este guia antes ou durante sua visita ao museu. Ou, quem sabe, pode ler antes e reler diante de cada obra*, saboreando cada detalhe.

*

Nota do editor: Todos os comentários relativos aos detalhes dos quadros e esculturas têm como base as obras dispostas no museu e não as ilustrações realizadas especialmente para este Guia.

Sumário

Mandamentos para se divertir em um museu O Louvre na hora H 10 Serviços 12 Você sabia? 13 Mapa do Louvre 15

circuito pelo louvre «

Vitória de Samotrácia

17 17

Estigmatização de São Francisco giotto di bondone Vênus e as Três Graças sandro botticelli

21

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 A Bela Ferronière 27 leonardo da vinci  A Virgem dos Rochedos leonardo da vinci

29

 A Virgem e o Menino com Santa Ana leonardo da vinci «

Mona Lisa 34 leonardo da vinci  As Bodas de Canaã paolo de véronèse

37

32

7

39

O Juramento dos Horácios jacques-louis david  A Coroação de Napoleão jacques-louis david

41

 As Sabinas 43 jacques-louis david Retrato de Juliette Récamier  44 jacques-louis david  A Balsa da Medusa 46 théodore géricault  A Liberdade Guiando o Povo eugène delacroix

48

O Escravo Moribundo e O Escravo Rebelde michelangelo  Amor e Psiquê ou Eros e Psiquê antonio canova «

Vênus de Milo

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O Escriba Sentado

Sobre o Conexão Paris Sobre a autora 62

58

61

53

51

7

Mandamentos para se divertir em um museu

Durante uma viagem, visitar um museu pode ser algo muito agradável se soubermos aproveitar esse momento de forma objetiva, sem nos levar pelo desejo desenfreado – muito comum – de ver tudo, correr todas as galerias, admirar inúmeras obras. Isso provoca estresse, tensão e a impressão de que, no fundo, apenas andamos em círculos pelos corredores, exauridos, e saímos dali com uma sensação muito distante do sentimento de satisfação que deveria ter sido apreciar as obras de arte. Com as dicas a seguir, você fugirá dessa tendência de querer agarrar o mundo com as mãos. Aproveite as dicas e boa visita! Um museu por dia

Por mais que você queira ver tudo, evite cair em tentação. Nada de overdose. Caso contrário, acabará sendo obrigação e não diversão. Estude antecipadamente o mapa do museu

Faça isso antes de entrar no museu, ou quando estiver tomando um café, depois de ter passado pela bilheteria. Esse ato simples será um super-remédio para um dos primeiros elementos estressantes de um grande museu: a sensação de estar perdido e de não se ter a mínima ideia de por onde começar. Pegue o mapa, sente-se e dedique três minutos para “estudá-lo”. Você vai se sentir menos perdido e economizará caminhadas sem sentido. Escolha antecipadamente o que pretende ver

Apenas “passar os olhos” pelo museu para dizer “eu fui” não tem sentido. Pode estar certo de que suas lembranças serão confusas. Nesse caso, também vale a máxima “menos é mais”. Numa primeira visita, veja o que é imprescindível do museu – aquilo que essa instituição tem de melhor e que você não poderá ver em nenhum outro museu do mundo.

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Determine um tempo para sua visita

Isso diminui a ansiedade. Você irá diretamente ao ponto e aproveitará cada minuto de sua visita. Afinal, sua permanência no local não será eterna. Leve em conta que a maioria dos adultos apenas assimila o que vê nos primeiros 45 minutos da visita. Faça um lanche no meio da visita

Muitos museus oferecem ótimas cafeterias e restaurantes, e alguns deles têm chefs premiados. Após a primeira hora de visita, tome um café ou almoce. Se estiver acompanhado, esse é o melhor momento para trocar ideias e impressões sobre as obras. Se estiver sozinho, aproveite para (re)ler o mapa/guia do museu. Reserve um tempo para conhecer a livraria-loja do museu ao final da visita

É muito gratificante olhar os produtos à venda na lojinha e reconhecer neles as obras que você apreciou em algum museu do mundo. Sem contar que tudo é muito estiloso. Quando estiver em casa, os souvenirs comprados ali funcionarão como catalisador da sua memória. Não rejeite nada de cara

Tipo: “Não entendo nada de arte contemporânea, então não vou a um museu desse”. Ou “museu de arte decorativa é coisa de mulher”. Seja um explorador e deixe-se surpreender. Muitas vezes o que julga é nosso medo de não entender, mas lembre-se: ninguém nasce sabendo! Museu não é lugar só de coisas bonitas

Há obras que não foram criadas para estar na sala da sua casa. Nem todas as obras produzem sensações boas em nós. A arte também pode provocar sentimentos desagradáveis, como nojo, vontade de chorar, como quando assistimos a um filme.

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Ao vivo e em cores, o museu é sempre melhor

Deixe de lado seu trauma das aulas de arte, enfadonhas e repletas de slides, datas e nomes. Um museu é algo repleto de vida. E, ao entender um pouco sobre o porquê da importância das obras – o que pretendo com este guia –, você começará a vê-las com outros olhos. Em uma pesquisa realizada na Noruega, descobriu-se que frequentar galerias de arte faz bem para a saúde, pois diminui a ansiedade e o estresse.* Você não é obrigado a fazer nada, sobretudo nas férias

Se você vai entrar em um museu apenas para tirar uma foto diante de determinada obra, economize seu tempo e dinheiro. Faça algo de que realmente gosta. Ninguém é obrigado a gostar de ir a museus.

*

Estudo feito pela Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega, publicado no periódico científico Journal of Epidemiology & Community Health.

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O Louvre na hora H

que tipo de entrada comprar Se quiser ver as obras que

pertencem ao acervo do Louvre, compre a entrada para a Collections permanentes. Esse é o acervo permanente do museu. Mas se já conhece o acervo e está interessado em algumas das exposições temporárias que, na maioria das vezes, mostram obras emprestadas de outras instituições, e até mesmo de coleções particulares, compre a entrada para o Hall Napoléon. Se quiser ver tanto o acervo como as exposições temporárias especiais, compre a Entrada combinada, o Billet Jumelé. Se você não tem interesse especial por alguma das exposições temporárias, ou se é sua primeira vez no Louvre, recomendo que apenas compre a entrada para o acervo permanente. compra antecipada da entrada pela internet Você poderá

adquirir as entradas antecipadamente pela internet nos sites: www.ticketnet.fr | www.louvre.fnacspectacles.com | www.ticketweb.com

A retirada das entradas, no entanto, não é feita no museu e sim nos respectivos pontos de compra indicados nos sites. Há também a opção de envio por correio, tíquete no celular ou você pode imprimir seus ingressos. tarifas* Acervo (Collections permanentes) ¤ 12 | Exposições temporárias (Hall Napoléon) ¤ 13 | Entrada combinada (Billet Jumelé) ¤ 16.

A entrada do museu permite a visita gratuita ao Museu Delacroix. Mas atenção: apenas no mesmo dia da emissão do bilhete. Ou seja, ambos os museus devem ser visitados no mesmo dia, e, na entrada do Museu Delacroix, deve-se apresentar a entrada do Museu do Louvre.

*

Preços em janeiro de 2014.

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paris museum pass Antes de comprar sua entrada, analise se não vale a pena adquirir o bilhete Paris Museum Pass, que dá acesso livre a mais de 60 monumentos e museus de Paris (apenas aos acervos

permanentes) e da região parisiense. Você terá acesso ao Louvre quantas vezes quiser no período de validade do bilhete; há entradas exclusivas para quem adquiriu o Paris Museum Pass e, claro, nesse caso as filas são menores. Você pode comprá-lo no Shopping do Carrousel e entrar sem filas pela Passagem Richelieu e pelas entradas laterais que se encontram junto ao Arco do Carrousel. Para saber mais, acesse: www.parismuseumpass.com quem tem direito à entrada gratuita no louvre? Menores de 18 anos e jovens de 18 a 25 anos residentes na União Europeia. A entrada também é gratuita para jovens com menos de 26 anos às sextas-feiras, das 18h00 às 21h45, independentemente da

nacionalidade. Também é gratuita para pessoas com dificuldade de locomoção e seu acompanhante. quando o museu é grátis para todos? No primeiro domingo de cada mês, entre outubro e março, e no dia 14 de julho. Em ambos

os casos, a gratuidade não inclui as exposições temporárias do Hall Napoléon. horários do museu Às segundas, às quintas, aos sábados e aos domingos, das 9h00 às 18h00. Às quartas e às sextas, das 9h00 às 21h45. Fechado às terças-feiras e nos dias 1o maio e 25 dez. Abre com horário reduzido – das 9h00 às 17h30 – em 31 jan., 1o abr., 8 maio, 19 maio, 20 maio, 14 jul., 15 ago., 1o nov. e 11 nov. como chegar ao museu por transporte público? Ônibus – 21, 24, 27, 39, 48, 68, 69, 72, 81 e 95 (param em frente da pirâmide). • Metrô – Linhas 1 e 7 (parada: Palais Royal/Musée du Louvre). • Batobus – parada François Mitterrand. curiosidade

Se você tiver curiosidade e quiser conhecer mais sobre o Louvre antes de visitá-lo, acesse o site do museu: www.louvre.fr

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Serviços

guarda-volumes Serviço gratuito, mas não aceita bagagem de

grande volume. Este serviço encontra-se embaixo da pirâmide, no Hall Napoléon e na entrada da Porta dos Leões. correio Para compra e envio de cartas e cartões-postais.

Encontra-se embaixo da pirâmide, junto ao Hall Napoléon. visitantes com dificuldade de locomoção Empréstimo gratuito

de cadeiras de roda, carrinhos de crianças e porta-bebês. lojas e livraria No Hall Napoléon, embaixo da pirâmide, há livraria,

loja de souvenirs, loja especializada em artigos para jovens e calcografia. cafés/restaurantes Ao iniciar sua visita, você encontrará ao lado

das pinturas francesas de grande formato (Delacroix, David etc.) o Café Mollien. No lado oposto, no mesmo andar, há o Café Richelieu. Mas não se preocupe, pois no hall de entrada haverá diversas opções e uma grande praça de alimentação do Shopping do Carrousel. Nessa praça você terá à sua disposição desde McDonald’s a Starbucks, e os Restaurants du Monde, com comida asiática, oriental, espanhola, marroquina, italiana e, claro, francesa. audioguia Pode-se alugar nas bilheterias e custa ¤ 5. Para menores de 18 anos, o preço é de ¤ 3. Serviço oferecido em francês, espanhol,

inglês, italiano, alemão, japonês e coreano. banheiros Em todos os andares há banheiros e salas para troca de

fraldas (fraldário). visitas guiadas A visita guiada “Obras-primas do Louvre” é oferecida diariamente em inglês e tem 90 minutos. São duas saídas diárias: uma às 11h15 e outra às 14h00.

Há outras visitas guiadas, mas apenas em francês. Para consultar preços e horários, acesse: www.louvre.fr/visites-guidees

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Você sabia?

O Louvre foi a residência dos reis da França, tendo sido o palácio real até 1678, quando Luís XIV escolheu se mudar para o palácio de Versalhes. Após a Revolução Francesa, as coleções reais passaram ao domínio do Estado e, então, criou-se um museu que foi aberto em 1793 – o Louvre. Boa parte do acervo que daria origem ao Louvre veio do Museu de Luxemburgo, o primeiro museu da França, que foi inaugurado em 1750. No início, o museu recebia o público apenas três vezes por semana, o que pode parecer “estranho” para nós, mas esse era o funcionamento padrão de quase todos os museus e instituições “acadêmicas” da época. Na época de Napoleão, o Louvre passou a se chamar Museu Napoleão. Esse detalhe mostra como o museu já era

importante naquele tempo, pois foi usado como propaganda para o Imperador. Em 1938, quando Adolf Hitler invadiu a Áustria e parte da Tchecoslováquia, as autoridades francesas iniciaram uma operação de evacuação das obras do Louvre para castelos situados longe das linhas férreas, alvo das bombas inimigas. Assim, 3.691 pinturas (incluindo a Mona Lisa) foram desmontadas de suas molduras e encaixotadas para realizar uma viagem perigosa, sem escoltas ou seguranças. Hoje, a coleção permanente do Louvre tem 35 mil obras, distribuídas em três alas, que levam o nome de importantes funcionários de Estado da história da França: Sully (ministro da Fazenda do Rei Henry IV), Richelieu (cardeal e ministro do Rei Luís XIII) e Denon (ministro das Artes e depois diretor do Museu Central de Arte no governo de Napoleão I).

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O Louvre é o museu mais visitado do mundo. Para se ter uma ideia, em 2012, recebeu 9,7 milhões de visitantes. O MET (Metropolitan Museum of Art, de Nova York), o segundo mais visitado, recebeu apenas 6,1 milhões no mesmo período.* Agora, um fato curioso: em 21 de agosto de 1911, Vicenzo Peruggia (1881-1947) colocava vidros no museu e roubou a Mona Lisa. Pablo Picasso e o escritor Guillaume Apollinaire foram detidos como suspeitos do roubo. Apenas dois anos depois descobriu-se o verdadeiro responsável pelo crime, quando Peruggia tentava vender a tela na Itália. Vicenzo foi condenado a dezoito meses de prisão, mas acabou sendo liberado sem cumprir toda a pena. Fora esse momento tenso, a Mona Lisa deixou apenas duas vezes o Louvre. Uma em 1962, para uma exposição nos Estados Unidos, e outra em 1974, quando foi exposta em Tóquio. Em Nova

*

Fonte: The Art Newspaper.

York foi vista por 16 milhões de pessoas; e em Tóquio cada visitante podia permanecer apenas dez segundos diante da tela! A pirâmide, que funciona como principal acesso ao museu, foi construída pelo arquiteto norte-americano de origem chinesa Ieoh Ming Pei em 1988. É uma grande estrutura de metal e vidro e tem cerca de 20 metros de altura, sua base tem 35 metros de lado. Está conformada por 673 painéis de vidro, 603 losangos e 70 em formato de triângulo. No Museu do Louvre foram gravadas várias cenas do filme O Código Da Vinci. As tomadas aconteciam entre as 22h00 e as 4h30 da manhã.

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Mapa do Louvre

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Circuito pelo Louvre

Caminhar pelo Louvre será como folhear um livro de História em 3D, passando pelo Egito Antigo e chegando ao século XIX. E até mesmo ao nosso século, quando visitamos as exposições temporárias. »

para começar em grande estilo Entre pela ala Denon. Quando

chegar ao térreo, na parte das esculturas italianas, vá em direção à sala 4, onde estão as antiguidades etruscas e romanas. Suba a escada que o levará até uma das obras mais visitadas do museu, a Vitória de Samotrácia , uma das “estrelas” do Louvre. curiosidade

Você assistiu ao filme Cinderela em Paris (Funny Face, 1957), estrelado por Audrey Hepburn e Fred Astaire? Audrey faz o papel de uma vendedora de livros que passa a ser modelo. Durante uma das sessões de fotos (Fred Astaire é o fotógrafo), a atriz desce de vestido vermelho a escadaria que conduz à Vitória de Samotrácia.

Vitória de Samotrácia

[190 a.C.]

La Victoire de Samothrace ala denon | 1º andar | escadaria daru

Quem é?

Esta é uma representação de Niké, a deusa da Vitória dos gregos. Todas as divindades gregas tinham determinados atributos que os artistas destacavam ao representá-las, assim o público da época podia identificar, nas esculturas ou nas pinturas, as divindades

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retratadas. Esta deusa, desde o século 6 a.C., era representada como uma mulher alada. A Niké que está exposta no Louvre foi encontrada em 1863 por Charles Champoiseau, um arqueólogo amador francês. O “sobrenome” dessa escultura é uma referência ao local em que ela foi encontrada, a ilha de Samotrácia, localizada no norte do mar Egeu. A estátua representa um ex-voto, isto é, uma oferenda a uma divindade feita por alguém que pediu intervenção divina e teve seus pedidos concedidos. A obra é atribuída ao escultor grego Pitócritos, e acredita-se que tenha sido oferecida como agradecimento a um feito militar: a vitória naval de Antíoco III, em 190 a.C. Observe a Niké da Samotrácia com atenção. Como é sua postura corporal? O que você acha que ela está fazendo? Onde ela está? O artista escolheu representar o exato momento em que Niké pousa sobre a proa de uma embarcação em movimento, pois o vento forma pregas em suas vestes. Isso pode estar relacionado ao fato de a estátua “celebrar” uma vitória naval: a deusa chega à embarcação para impulsioná-la à vitória. O vento é tão forte que o tecido parece aderir a seu abdômen, e pode-se ver até mesmo seu umbigo. As asas abertas mostram o esforço para se equilibrar no momento em que a deusa “pousa” na embarcação. As pernas separadas também reforçam a ideia de um movimento ainda em execução. A técnica utilizada para transmitir a sensação de que a roupa adere à pele foi criada pelo escultor Fídias, e chama-se “técnica do pano molhado”. É como se a pedra fosse translúcida e pudéssemos ver o corpo do personagem através dela. As asas e os braços foram esculpidos separadamente e depois encaixados na escultura. Uma das asas é fruto de restauração. Os arqueólogos também encontraram uma das mãos da estátua e,

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pela posição, deduziram que ela acenava ao espectador. Essa mão pode ser vista na vitrine, ao lado da escultura. A Vitória de Samotrácia é uma das mais importantes esculturas helenísticas. O helenismo é o período artístico grego posterior ao da morte de Alexandre Magno, em que todo o Império grego passava por profundas transformações. Acabou dividido em três partes, e toda essa agitação se transmitiu à arte. Uma das grandes características desse período são os efeitos de força dramática que, no caso da Vitória de Samotrácia, era potencializada pelo espaço criado a seu redor. Essa proa do barco onde pousa a deusa se encontrava sobre uma piscina com uma fonte e devia ser ainda maior do que se vê atualmente no museu. Se a escultura já tem 2,45 metros de altura, com a proa alcançava 3,28 metros. Imagine como devia ser sua visão com toda a teatralização do espaço. dica

Para entender a obra é necessário dar a volta ao redor de toda a escultura. A oportunidade de observar “todos os lados” da peça é uma característica que você não poderá explorar quando se detiver para apreciar as pinturas, quase sempre “pregadas” nas paredes. E lembre-se: esse tipo de obra tem três dimensões, portanto, aproveite! De frente para a Vitória, pegue à direita para entrar na galeria das pinturas italianas. Nesta parte da visita, as obras mostrarão por que o Renascimento foi uma verdadeira revolução artística. Vá até a sala 3 e encontre o quadro Estigmatização de São Francisco . »

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Estigmatização de São Francisco

[1259-1300]

Saint François d’Assise recevant les stigmates Giotto di Bondone [1265-1337] ala denon | 1º andar | salão carré | sala 3

Giotto di Bondone

nasceu numa vila perto de Florença, na atual Itália. Quando era pequeno, cuidava das ovelhas, e, nos momentos mais tranquilos, desenhava nas pedras. Dizem que numa dessas sessões de desenho passava por lá o artista Pietro (Giovanni) Cimabue, que ficou encantado com o traço do menino e o levou para trabalhar com ele. Giotto esteve por dez anos com o mestre, até que decidiu montar seu próprio ateliê. Este artista é considerado um pré-renascentista. Por quê? Explico: Hoje, ao observar este quadro, você pode pensar: “Não é muito real, parece até bem inferior às obras realistas de outros grandes pintores do Renascimento”. Mas lembre-se de que Giotto viveu numa época em que os conhecimentos de perspectiva (que dão a sensação de volume) haviam sido abandonados. Como não eram utilizados, foram pouco a pouco esquecidos. Giotto começou a desenhar as figuras com volume, uma grande novidade à época. Outra inovação de Giotto foi a representação dos santos com aparência mais humana do que ocorria na arte medieval: os corpos agora tinham peso, solidez. Essa era uma aproximação da arte com o pensamento humanista, que ganhava corpo na época: os seres humanos passavam a ser o “centro” dos estudos científicos e artísticos. Neste quadro, São Francisco recebe, dois anos antes de sua morte, os estigmas de Cristo – as marcas deixadas pela crucificação e pela flagelação no corpo de Jesus. As marcas das feridas estão nos pés, nos punhos e no tórax. Bem, esta é a história que o quadro conta.

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Agora, observe mais de perto. Observe Jesus, no céu, do lado esquerdo de São Francisco. Giotto esforça-se para dar aparência mais humana às figuras divinas. Antes, na arte religiosa medieval, os personagens mais importantes eram representados em tamanho maior. Nesta tela, isso não funciona desse modo. Jesus, mesmo sendo a figura religiosa mais importante hierarquicamente no quadro, aparece representado menor que São Francisco. Por quê? Porque a “estética” começa a se sobrepor à visão de mundo teocêntrica. Giotto se preocupa mais com as técnicas artísticas do que com o “respeito” às divindades, como previa a Igreja Católica. Assim, como Jesus está posicionado mais distante do espectador, Giotto o pintou menor, para transmitir a ideia de distância. Nas capelinhas que há na cena principal, o pintor também teve essa preocupação de representar o volume e aproximar-se da realidade. O que também se vê nas três cenas no rodapé do quadro, que contam outras fases da vida do santo. Ideia-chave do Renascimento: importância da figura humana

e da ideia de perspectiva. curiosidade

Nesta mesma sala está exposta uma obra do mestre de Giotto. O quadro é A Virgem e o Menino em Majestade, de Cimabue (1240-1302). Retrocedemos um pouco, para ver a obra de um artista posterior a Giotto. Ela se encontra na sala 1, ao lado da Vitória de Samotrácia. Você vai conhecer agora um dos principais artistas renascentistas: Sandro Botticelli. »

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Vênus e as Três Graças

[1480-1490] Vénus et les Trois Grâces offrant des présents à une jeune fille Sandro Botticelli [1445-1510] ala denon | 1º andar | sala percier et fontaine | sala 1

Nosso artista foi batizado como Alessandro di Mariano Filipepi. Mas, para facilitar, sua família o chamava de Sandro. E o Botticelli? Pegou emprestado do irmão, que era conhecido como Botticello, que significa barrilete. Agora não se sabe se o irmão era conhecido assim porque era gordo ou se porque gostava de comer. O que é certo é que Botticelli era bom de garfo. Até seu mecenas (o seu patrocinador), Lorenzo di Medici, escreveu uns versos em que narra como o pintor era insaciável!

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 A arte do Renascimento deve muito a mecenas como Lourenço de Médici. Eles possibilitaram que os artistas vivessem de sua arte.

Esta obra de Boticelli é um afresco, uma técnica de pintura que leva esse nome porque se pinta sobre o reboco da parede ou do teto ainda frescos, ou seja, úmidos. Não se usa uma tela ou outro suporte. Nessa técnica, o pintor prepara a superfície a ser pintada normalmente com cal ou gesso e aplica os pigmentos de tinta à base de água, diretamente na área a ser pintada. Assim, a tinta se mistura ao reboco à medida que ele seca. Mas, se essa obra foi pintada na parede, como está ali no museu? A camada da pintura foi retirada de seu local original e removida para um suporte, facilitando assim sua transferência para o museu. Este afresco foi pintado em uma espécie de fazenda dos amigos de Lorenzo. Provavelmente tenha sido oferecido aos amigos como um presente de casamento pelo rico mecenas. Naquela época era comum se realizarem retratos dos noivos (juntos ou separados); normalmente eram um presente de um parente ou de um amigo íntimo. Esses retratos eram feitos para invocar proteção religiosa aos futuros esposos. Nesse afresco vemos a noiva (a mulher em primeiro plano no centro, vestida de rosa) representada como Vênus, a deusa romana da beleza e da fertilidade. Apesar de ser uma deusa da cultura greco-romana, a jovem está vestida à moda florentina do século XV. Parece estranho que a noiva se represente como uma deusa da Antiguidade? Naquela época, a cultura e os valores humanistas da Grécia e da Roma antigas estavam em moda. Assim, temas da mitologia, redescobertos principalmente por meio da arte e da literatura greco-romana, entraram no repertorio de vários artistas.

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As três mulheres que acompanham a jovem são as Três Graças, também divindades da cultura greco-romana, que representam as Três Ações que o amor engloba: dar, receber e devolver. Observe como a representação das figuras humanas já é bem diferente da do quadro de Giotto. São mulheres com um corpo real, totalmente afastadas do Gótico (movimento anterior ao Renascimento), quando todas as figuras eram mais planas e parecidas com Maria. As mulheres pintadas por Botticelli são sensuais, mostram o corpo através de transparências. O rosto é perfeito, e as linhas que o artista utiliza são delicadas e refinadas. Ideias-chave do Renascimento:  a importância da figura do

mecenas ou patrocinador; redescoberta da arte e da literatura da Grécia e da Roma antigas.

Nosso próximo artista chegou a pintar uma tela com Botticelli, quando os dois ainda aprendiam o ofício no estúdio de Andrea del Verocchio, em Florença, e ajudavam o mestre na tela O Batismo (atualmente em exposição na Galeria Uffizi, em Florença, Itália). Florença, na região da Toscana, foi a capital do Renascimento. A cidade foi tão importante que exportou arte e artistas para o restante da Europa. Chegou a abrigar cerca de quarenta ateliês de pintores, quarenta e quatro ateliês de ourives, cinquenta de talhadores de relevos e mais de oitenta de entalhadores! O colega de trabalho de Botticelli foi ninguém menos que Leonardo da Vinci.

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Voltamos a entrar na imensa galeria italiana, passamos por Giotto e iremos até os quadros de Leonardo da Vinci, que estarão a seu lado esquerdo. »

É incrível ver tantas telas desse artista juntas. Leonardo da Vinci pintou aproximadamente vinte quadros, e o Louvre expõe seis deles. Procure um retrato de uma bela dama que não parece estar muito feliz. Ela é A Bela Ferronière.

 A Bela Ferronière

[1490-1496] Portrait de femme, dit La Belle Ferronnière Leonardo da Vinci [1452-1519]

ala denon | 1º andar | grande galeria | sala 5

Em minha opinião, este é um retrato do estado de espírito de Lucrezia Crivelli, a mulher retratada no quadro. E você, o que acha? Estamos diante de um retrato, temática que aparecia com toda a força no Renascimento. As pessoas retratadas eram, em sua maioria, membros das camadas mais ricas da sociedade. E quem contratava os serviços dos artistas?

De maneira geral, eram nobres, cujos privilégios lhes garantiam verdadeiras fortunas. Mas indivíduos de outros grupos sociais também começavam a se destacar no cenário social florentino: burgueses que enriqueciam com atividades comerciais e buscavam, por meio do acesso à arte, aproximar-se do status da nobreza. O retrato era a fotografia da época. No período anterior, não eram feitos muitos retratos, pois os temas das artes eram dedicados, majoritariamente, a motivos religiosos. Isso caracterizava o teocentrismo. Mas, no Renascimento, o homem volta a ter importância. Os séculos XV e XVI marcaram a era dos grandes

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descobrimentos. Os seres humanos “desafiam” os limites impostos pelos dogmas religiosos e voltam a ganhar confiança em seu protagonismo no mundo: é o antropocentrismo na ordem do dia. Observe o fundo do quadro. Ele será bem diferente na Mona Lisa. Percebe a transformação na construção da figura humana, da pintura de Giotto para cá? Lembra do rosto do São Francisco de Giotto; ou mesmo da Vênus, de Botticelli? Os artistas têm cada vez mais cuidado para representar a fisionomia das pessoas, bem como seus corpos e seus trejeitos. Os estudos de anatomia passam a fazer parte da formação de muitos pintores. Leonardo da Vinci, por exemplo, chegou a dissecar mais de trinta cadáveres para estudar as formas e o funcionamento do corpo humano. Outras ideias-chave do Renascimento: grande época dos retratos,

em parte impulsionados pelo antropocentrismo e pelo enriquecimento da burguesia e a “disputa de poder” entre burgueses e nobres. »

Agora procure a tela

 A Virgem dos Rochedos ou  A Virgem das Rochas [1483-1486] La Vierge aux rochers Leonardo da Vinci [1452-1519] ala denon | 1º andar | grande galeria | sala 5

Esta obra faz referência a um texto cristão não incluído nos textos sagrados da Igreja Católica. Os textos dos primeiros séculos do cristianismo que, por diferentes motivos, não foram reconhecidos pelas autoridades católicas, recebem o nome de apócrifos. Este quadro trata do encontro da família de Jesus com a de João

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Batista, durante a fuga para o Egito. No entendimento da Igreja Católica, esse encontro talvez nunca tenha ocorrido, por isso ficou fora dos textos oficiais. Observe o quadro. Vamos identificar os personagens: Maria está no centro e apresenta Jesus a João, que está ajoelhado numa posição que revela respeito, com as mãos unidas como em oração. Maria repousa sua mão no menino. Jesus olha para João e levanta sua mão direita para abençoá-lo. Ao lado de Jesus, vemos o anjo Uriel. Para dar mais dramaticidade à cena, Uriel aponta com o indicador para João e olha de lado. Para quem você acha que Uriel está olhando? Para você, o espectador da cena. Veja como os personagens estão agrupados. A disposição dos elementos no quadro é o que chamamos de composição, que, nesta obra, tem a forma de pirâmide. Essa estratégia foi muito utilizada no Renascimento porque aumenta a sensação de volume, e também por sua simbologia religiosa, já que faria alusão à Santíssima Trindade: Deus, Jesus e o Espírito Santo. Complicado?

Não. Vamos observar juntos o quadro. O vértice do triângulo seria a cabeça de Maria. Os dois lados sairiam desse ponto. Um deles passaria por João Batista e o outro, pelo anjo Uriel. A base seria uma linha que une Uriel a João, passando por Jesus. Voilà! Temos nosso triângulo-pirâmide. Antes de começar a pintar, em seus esboços, o artista define essa composição, ou seja, a disposição dos personagens na tela. curiosidade

Leonardo da Vinci pintou duas telas quase iguais sobre este mesmo tema: esta que fica no Museu do Louvre, e outra que se encontra em Londres, na National Gallery. Outras ideias-chave do Renascimento:  composição piramidal, que

aumenta a sensação de profundidade e também se relaciona com a Divina Trindade e com a filosofia de Platão, para quem o triângulo era uma das figuras geométricas mais perfeitas e, portanto, mais belas.

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Vamos nos deter em outra obra com a virgem. Mas, agora, além de Jesus, Santa Ana, a mãe de Maria, a acompanha. »

 A Virgem e o Menino com Santa Ana

[1508]

Sainte Anne, la Vierge et l’Enfant jouant avec un agneau, dite La Sainte Anne Leonardo da Vinci [1452-1519] ala denon | 1º andar | grande galeria | sala 5

Observe como as figuras do primeiro plano são mais escuras e delineadas, enquanto o fundo é claro e menos nítido, como se fosse se desvanecendo pouco a pouco. Leonardo utiliza esta técnica para transmitir a ideia de profundidade e criar um cenário mais próximo da realidade, em que os personagens que estão a pouca distância do espectador aparecem mais nítidos; e a paisagem que se encontra mais longe vai perdendo pouco a pouco essa nitidez. Nessa composição, para dar mais movimento e para que o observador tenha a sensação de que está diante de uma cena na qual a Virgem estende o braço em direção ao menino, Leonardo criou linhas diagonais invisíveis. Uma delas sai dos olhos de Santa Ana, passa pelos olhos da Virgem e chega aos olhos do Menino Jesus e da ovelha. outro ponto alto

O impressionante trabalho nos tecidos da roupa da Virgem. Essa transparência só é possível pela invenção da tinta a óleo no Renascimento, o que possibilitou que se utilizassem muitas camadas de tinta superpostas, além de aumentar exponencialmente o número de cores. A tinta a óleo leva mais tempo para secar, assim o artista tem mais tempo para trabalhar detalhes. Observe as demais telas de Leonardo da Vinci. Antes de ver outra das estrelas do museu, ande um pouco mais pela Galeria Italiana. Quase no final, olhe por uma das janelas da direita. Que belo panorama, não é? A pirâmide do Louvre, parte da fachada do museu e o Arco do Carrousel.

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Agora chegou o momento de seu encontro com a Mona Lisa. Retorne e entre na sala 6. Não se irrite com a quantidade de gente! Respire fundo. Tente se aproximar ao máximo desta “senhora”. Aqui vamos entender a técnica criada por Da Vinci, o “sfumato”. »

 Mona Lisa

[1503-1517] Portrait de Lisa Gherardini, épouse de Francesco del Giocondo, dite Monna Lisa, la Gioconda ou la Joconde Leonardo da Vinci [1452-1519]

ala denon | 1º andar | sala da gioconda | sala 6

Apesar de todo o mistério da retratada – alguns chegaram a dizer que era um autorretrato! –, escritos confirmam que se trata de Lisa Gherardini, a esposa de Giocondo, e que o retrato teria sido realizado em comemoração a sua recente maternidade. O véu transparente que utiliza já dava pistas desse fato – naquela época, o véu era utilizado pelas mulheres que acabavam de dar à luz. E por que essa tela é tão famosa e importante? Porque neste quadro Da Vinci atingiu a perfeição da perspectiva aérea ou atmosférica, uma técnica usada para simular a distância dos objetos, recriando o efeito do ar, do espaço e da umidade na pintura. Os objetos que estão mais distantes vão empalidecendo ou se tornando mais esbranquiçados. Partindo do conceito da perspectiva aérea ou atmosférica, Leonardo da Vinci criou a “técnica do sfumato”, na qual envolve toda a pintura em um ar de mistério mediante a utilização de capas sucessivas de pintura translúcida. Essas capas de pintura dão um aspecto mais elegante à obra, quase não se percebendo a pincelada do artista. Na Mona Lisa, estas capas são tão milimétricas que chegam a ser assombrosas. Os pesquisadores acreditam que o artista chegou a utilizar o próprio dedo como pincel, para poder controlar de modo perfeito a espessura das capas. Na Mona Lisa, Da Vinci alcança a perfeição do sfumato.

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Como era feito o sfumato? Possivelmente a técnica criada por Da Vinci envolveria diversas etapas *: 1 Sobre uma madeira de álamo, aplica-se uma mistura de branco

de carbonato de cálcio, branco de zinco e cola de coelho (ossos moídos). Essa mistura é conhecida como creta ou imprimatura. 2 Realiza-se um primeiro esboço com pincel. 3 Aplicação de uma velatura (fina camada de cor) a óleo sobre todo

o quadro. 4 Acrescentam-se as sombras e os tons intermediários. No caso

do olho esquerdo da Mona Lisa , esta operação se realizou com terra de Siena (tom de marrom) bastante diluída. 5 Com a ponta do pincel se reforçam suavemente as sombras

e os tons intermediários (degradê), sem marcar muito. 6 Aplica-se sobre toda a tela uma fina camada translúcida de

cor adaptada a cada zona. 7 Repassar as zonas antes pintadas com a ponta do pincel, pintando

entre os pequenos espaços para homogeneizar. 8 Toque final: aplicar graduados de tom até obter o efeito de

degradado (degradê) suave entre as zonas de sombra e luz.

Parece um rolo?

Não, é apenas uma técnica que dá um enorme trabalho. Transcrevi suas etapas para que se entenda a complexidade da tela mais famosa de Da Vinci, Mona Lisa, na qual ele utilizou este recurso. E esta é apenas uma das razões para que esta tela relativamente pequena seja tão importante para a história da arte!

*

Técnica descrita pelo pesquisador e engenheiro óptico Pascal Cotte.

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Depois da mulher de sorriso enigmático, vire-se e encontrará a maior tela do museu, que tem 9,94 metros de comprimento por 6,77 metros de altura. »

 As Bodas de Canaã

[1563]

Les Noces de Cana Paolo Caliari, conhecido como Véronèse [1528-1588] ala denon | 1º andar | sala da gioconda | sala 6

Esta tela representa um episódio bíblico bastante conhecido: o milagre da conversão da água em vinho durante um casamento, uma metáfora da eucaristia na missa. Observe no centro a figura de Jesus Cristo.

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Agora observe bem o entorno de Cristo. Como é o cenário? Será que as construções se parecem com as moradias da região da Galileia no século I? Exceto pela roupa de Jesus e de seus discípulos, os demais personagens se vestem como na época do milagre? Observe os instrumentos musicais que aparecem na cena. Não, definitivamente o cenário não corresponde à Galileia ocupada pelos romanos no século I. O artista traslada a cena para um palácio veneziano do século XV, a sociedade em que vivia. Essa “licença poética” foi bem comum no Renascimento e no movimento artístico posterior, o Barroco. Este quadro foi uma encomenda do Convento de San Giorgio Maggiore de Veneza. Nessa época, era frequente que nos refeitórios dos conventos se colocasse alguma pintura relacionada a um episódio bíblico. Melhor ainda se tivesse relação com uma mesa e com comida! Lembra-se da Última Ceia, de Leonardo da Vinci? Também estava no refeitório de um convento. Passamos por detrás da Mona Lisa e entramos no espaço das Pinturas Francesas.

»

dica

Talvez este seja um bom momento para tomar um café. Do lado esquerdo, você verá uma cafeteria, junto a enormes janelas. Um local perfeito para descansar, ver o tempo passar e apreciar o movimento. Após ter tomado seu café, retornamos às Pinturas Francesas, e vamos até a sala 75. Encontre a obra intitulada O Juramento dos Horácios. »

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O Juramento dos Horácios

[1784]

Le Serment des Horaces Jacques-Louis David [1748-1825] ala denon | 1º andar | daru | sala 75

Este quadro de Jacques-Louis David fez muito sucesso. O primeiro impacto foi seu tamanho, que em arte se costuma chamar de formato. Nesse caso, a tela tem um grande formato. Observe o tamanho dos personagens. São do nosso tamanho. Isso mesmo, a escala é real. Agora preste atenção no tema. O quadro é de 1784, mas será que a cena pintada narra um acontecimento desse período? Uma pista: observe as sandálias e os elmos. Sim, são personagens da Roma Antiga. Mas por que um artista do final do século XVIII pintaria temas

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da Antiguidade Clássica? Assim como no Renascimento dos séculos XV e XVI, esses temas foram retomados? Sim. Sabe por quê? Ao longo do século XVIII, ocorreu uma série de descobertas arqueológicas que colocaram as sociedades (e a arte) da Grécia e da Roma Antiga novamente em destaque entre os intelectuais europeus. Essas descobertas aumentaram em progressão geométrica aquilo que se sabia sobre essas civilizações, gerando centenas de publicações científicas. Provavelmente, a mais chocante delas foram as ruínas das cidades romanas de Pompeia e de Herculano, soterradas pelas cinzas da erupção do vulcão Vesúvio desde o ano de 79. Imaginem o impacto de descobrir cidades praticamente intocadas, que ainda conservavam aspectos do modo de vida de sociedades tão antigas e consideradas símbolos de cultura e civilização! Como a arte reflete a sociedade da qual emerge, novamente e agora ainda com mais força, os temas greco-romanos e sua filosofia vão emergir nas obras de arte, ao que se chamou de Neoclassicismo . E David será o maior representante desse novo movimento artístico. Observe novamente o quadro. Veja as mulheres do canto direito. Elas parecem felizes? Não. Nem poderiam estar. Este quadro narra um episódio muito triste. O momento exato em que três irmãos (os Horácios), diante de seu pai, juram por suas vidas que garantirão a vitória de Roma em uma guerra. Todo o cenário explorado nesta tela assim como as roupas e os objetos que compõem a cena são baseados nas descrições apresentadas pelos artigos científicos sobre as sociedades (e a arte) da Grécia e Roma Antiga. Ou seja, o artista quis ser o mais fiel à realidade que retratava. Agora, chegue bem perto do quadro, ou o máximo que puder. Você consegue ver na tela algo que mostre em que sentido o pintor realizou a pincelada? Nada, não é? Esta é uma das características do Neoclassicismo. O acabamento não deixa o observador perceber o gesto do pintor, como se tudo fosse milimetricamente estudado.

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Ideias-chave do Neoclassicismo:  retorno aos temas greco-romanos,

mas com ainda mais fidelidade à reconstrução da época, graças à descoberta de cidades como Pompeia e Herculano; técnica rigorosa (na qual não cabe improvisação), com predomínio da linha e do desenho.

Nesta mesma sala encontra-se uma obra ainda maior do artista:  A Coroação de Napoleão. »

 A Coroação de Napoleão

[1805-1807] Sacre de l’empereur Napoléon Ier  et couronnement de l’impératrice Joséphine dans la cathédrale Notre-Dame de Paris, le 2 décembre 1804 Jacques-Louis David [1748-1825]

ala denon | 1º andar | daru | sala 75

David esteve presente na coroação de Napoleão Bonaparte como imperador da França, em 1804. Você pode pensar que, como um observador em “primeira mão”, ele retratou tudo como realmente aconteceu. Assim, o quadro seria praticamente uma foto do momento. Mas isso não é totalmente verdade. Como pintor oficial do novo império, David tinha que tomar algumas decisões pictóricas que ajudassem a exaltar a figura de Napoleão. Por exemplo, a luz do quadro é toda dirigida ao imperador, portanto, ninguém tem dúvida de que ele é o personagem principal da cena, apesar de estar coroando Josefina, sua esposa. O artista até pensou em retratar um outro momento desse grandioso evento: a autocoroação de Napoleão. Mas com a obra  já em andamento, David mudou de ideia. Esse “arrependimento” deixou marcas: para encobrir a primeira versão, ele pintou atrás de Napoleão um sacerdote italiano com as feições de Júlio César.

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Outro detalhe que não corresponde aos fatos é a presença de Letícia, a mãe de Napoleão, na tribuna, vestida de branco. Mas essa senhora não esteve presente na coroação. Primeiro, porque era contra a cerimônia. Para ela, a figura de um imperador era muito parecida com a de um rei. E, afinal, os franceses haviam feito uma revolução contra essa forma de poder. E, segundo, porque não gostava de Josefina, a mulher de Napoleão. Se você for a Versalhes verá uma réplica deste quadro – Napoleão gostou tanto do resultado que encomendou uma cópia ao pintor. »

Ao lado de A Coroação de Napoleão, observe mais uma obra de David.

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 As Sabinas

[1799]

Les Sabines Jacques-Louis David [1748-1825] ala denon | 1º andar | daru | sala 75

Aqui temos outra referência à história romana, o que é curioso, porque David sequer gostava da Antiguidade Clássica, até que uma viagem acendeu sua paixão por esse período. O quadro mostra a triste lenda do rapto das sabinas. Logo após a fundação de Roma, por volta de 750 a.C., faltavam mulheres que possibilitassem o crescimento da população. Os romanos tentaram negociar com o vilarejo vizinho, Sabine, para que enviassem algumas de suas mulheres a Roma. Como não conseguiram chegar a um acordo, não tiveram dúvida: foram até Sabine e raptaram as mulheres jovens, deixando um rastro de mortes em seu caminho.

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Procure agora um retrato menor, Madame Récamier  ou

Retrato de Juliette Récamier

[1800] Madame Récamier, née Julie (dite Juliette) Bernard Jacques-Louis David [1748-1825] ala denon | 1º andar | daru | sala 75

Jacques-Louis David foi um pintor reconhecido em vida. Toda a burguesia, que havia ganhado ainda mais destaque na sociedade com a chegada de Napoleão ao poder, queria um retrato pintado por ele. Um de seus mais famosos retratos é este de Juliette Récamier, esposa de um banqueiro da época.

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Apesar de retratar uma mulher de seu tempo, Juliette está vestida à maneira romana, e num divã que lembra e muito os móveis de Pompeia. Os elementos secundários do quadro foram pintados por Jean-Auguste Dominique Ingres, discípulo de David, que foi outro grande pintor do Neoclassicismo. Se tiver interesse, depois de concluir esse percurso, poderá observar alguns quadros de Ingres no 2º andar, na Galeria de Pinturas Francesas do século XIX. Você gostou do quadro? Vou lhe contar um segredo: ele está

inacabado. Não se sabe ao certo por quê, mas o autor não finalizou o acabamento translúcido que dava a todas as suas obras, e que nos impede de ver as pinceladas do artista, dando a sensação de extrema perfeição. Compare com os quadros anteriores, aqui podemos intuir os movimentos do pincel do artista. Nos demais, a olho nu isso é imperceptível. curiosidades

Normalmente os retratos costumavam ser verticais, aqui David preferiu a horizontalidade, que normalmente se utilizava para contar histórias. Os artistas inspiram-se uns aos outros. Certas obras causam tanto impacto que chegam a gerar o que chamamos de “releituras”, ou trabalhos inspirados em outras obras. O retrato de Juliette inspirou René Magritte (1898-1967) a criar uma pintura e uma escultura. A escultura se encontra no Museu de Belas Artes da Bélgica (Bruxelas). Magritte era belga, e David se autoexilou em Bruxelas quando Napoleão foi derrotado e os Bourbons restabeleceram a monarquia. Vamos ao encontro do homem que marcará o início de outro movimento na pintura: Théodore Géricault. Dirija-se à sala 77.

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 A Balsa da Medusa

[1818-1819]

Le Radeau de la Méduse Théodore Géricault [1791-1824] ala denon | 1º andar | sala mollien | sala 77

Observe as cores utilizadas, os efeitos, a expressão das pessoas. Percebe a diferença entre esta tela e as telas anteriores de David? Da água para o vinho, não é mesmo? Théodore Géricault tinha 27 anos quando pintou este quadro polêmico. Apesar da intensa dramaticidade, a obra narra um fato real, o naufrágio do navio Medusa, de propriedade do governo francês, próximo da costa africana, por incompetência do comandante. Ele abandonou o navio assim que o naufrágio teve início, e com sua tripulação pegaram o barco salva-vidas,

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no início, puxavam numa jangada improvisada os 150 colonos franceses que iam para o Senegal. Até que resolveram cortar a corda e abandoná-los à própria sorte. Eles ficaram à deriva por doze dias, com um pouco de vinho e biscoitos. Depois de situações de canibalismo e muito sofrimento, apenas quinze deles sobreviveram e foram resgatados. Normalmente, quando alguém pintava uma tela tão grande, tratava-se de uma encomenda. Mas Géricault realizou esta obra por sua conta e risco, na esperança de que fosse adquirida pelo Museu de Luxemburgo (Paris). O que não aconteceu, por ser uma narração contemporânea, por seu conteúdo político e porque a pele dos tripulantes era de uma cor assustadora, mórbida (segundo a maioria dos críticos). Não bastasse tudo isso, outra polêmica era a inclusão de uma pessoa negra na obra em uma época de muito racismo. Enquanto estava pintando, Géricault entrevistou alguns dos sobreviventes, construiu uma jangada como modelo e colocou em seu estúdio. Além disso, ia a um hospital e visitava o necrotério para aprender a pintar os cadáveres de uma forma mais verossímil. Para obter todo este movimento que você vê na tela, ele adotou uma composição em forma de duas pirâmides. Uma delas tem seu ápice nas mãos do sobrevivente que acena para um navio ao longe. A outra pirâmide é mais fácil de ser percebida, seu ápice é o mastro da jangada e suas linhas laterais são formadas pelas cordas que mantêm o mastro. Esta tela inaugura o Romantismo na pintura. Era uma forma de ver a vida que já estava presente na literatura e na música. Os românticos pregavam a “vida louca”, como se não houvesse amanhã. Queriam viver a vida ao máximo, eram boêmios e corriam riscos em prol de sua filosofia de vida. Isso levou à morte prematura muitos artistas, como Frédéric Chopin, aos 39 anos, e o próprio Géricault, aos 32 anos de idade. Essa vida louca se percebe no turbilhão de emoções que são os quadros. Bem diferentes dos neoclássicos, que contavam uma história e pregavam valores, que eram pura razão.

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No leito de morte do pintor esteve presente seu amigo Eugène Balsa de Delacroix, que posou como modelo para o polêmico A Balsa Medusa. É o personagem morto e de bruços quase no centro do quadro. Delacroix, também pintor, seguiu os passos de Gericáult no Romantismo. Ideia-chave do Romantismo: predomínio da emoção.

 A Libe Liberd rdade ade Gui Guiand ando o o Po Povo vo

[1830] Le 28 Juillet. La Liberté guidant le peuple ( 28 28 juillet 1830) Eugène Delacroix [1798-1863]

ala denon | 1º andar | sala mollien | sala 77

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Você está diante de um dos grandes quadros da História. Em julho de 1830, os parisienses se rebelaram contra o regime autoritário do rei Carlos X. Queriam com suas barricadas trocar um rei tirano por um rei mais liberal.

Delacroix viveu a rebelião pessoalmente. O escritor e amigo do pintor, pintor, Alexandre Dumas, conta que ele observava de longe as manifestações, em sua residência em Paris. E que apenas uma vez o viu exaltado, quando alçaram a bandeira francesa sobre a Catedral de Notre-Dame. N otre-Dame. Toda aquela movimentação inspirou de tal maneira o artista que, em três meses, pintou esse quadro enorme. Ele afirmava que, se não havia lutado pela pátria, ao menos pintaria por ela. Há muita informação nessa obra. Delacroix queria atordoar o espectador, espectador, causar certa confusão para perturbar a visão, e assim, quem sabe, fazer chegar o que para ele era o mais importante: a emoção. Tal qual Géricault, ele também utilizou a composição em pirâmide. E não para por aí a influência do falecido artista sobre Delacroix. Observe a utilização de zonas claras em contraste com outras mais escuras. Em ambas as telas, personagens que não costumavam ser protagonistas de ações tão épicas ocupam lugar de destaque e carregam bandeiras. Na barca, o homem negro com a bandeira; e aqui, a mulher. E claro, para chocar e levar à emoção, os corpos mortos e nus jogados no chão. curiosidades

• O menino ao lado da Liberdade Liberdade teria participado das barricadas e

inspirado o personagem Gavroche d’ Os Miseráveis, de Victor Hugo, livro que seria escrito trinta anos depois. • Polêmica da época: os pelos púbicos do homem que está morto à

esquerda causaram grande furor. Perceba o predomínio das cores da bandeira francesa – branco, vermelho e azul –: na meia do homem praticamente nu e morto, na vestimenta do homem que está de quatro e observa fixamente a “Liberdade”.

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Delacroix apresentou o quadro no Salão de 1831. O governo francês o comprou por 3 mil francos e, depois, o escondeu! Nenhum dos dois lados ficou feliz com a imagem. Os revolucionários não gostaram porque mostrava mostrava a realidade dos saques durante as barricadas, já que vários personagens levaram objetos pertencentes à Guarda Real. Tampouco o governo, porque a “Liberdade” estava suja, e passava por cima de soldados mortos. Depois de algum tempo, o governo devolveu o quadro ao artista. Em 1855, Paris rendeu uma homenagem a Delacroix durante a Guiando o Povo Povo não se inclui na Exposição Universal. Mas A Liberdade Guiando mostra, porque foi considerada subversiva. Apenas em 1874 o quadro foi exposto ao público no Museu do Louvre. Delacroix havia morrido fazia onze anos. A partir par tir de então foi fonte de inspiração de outros pintores, escultores, caricaturistas. Apareceu estampada em selos, em dinheiro e em rótulos de diferentes produtos. Mas seu papel mais importante, sem dúvida, é sua função de estandarte popular. Foi utilizado diretamente no manifesto de Charles de Gaulle após a Segunda Guerra Mundial, e ainda reapareceu em diversas manifestações históricas ao longo do tempo, como a Revolução Estudantil, de 1968. lembrete

neoclassicismo

romantismo

Linha, desenho Razão Técnica, despersonalização do artista Tema principal: mitologia greco-romana

Cor Emoção Nota-se a pincelada na tela, o gestual Tema principal: heroísmo, situações-limite, natureza em estado selvagem Alguns nomes: Géricault, Delacroix, Chopin, Constable, Turner, Beethoven, Verdi

Alguns nomes: Ingres (você pode ver obras desse pintor aqui no Louvre), David, Antonio Canova, Mozart

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Depois de tantas emoções e de ter conhecido o pintor oficial do Império francês, vamos descer para ver o escultor oficial de Napoleão. A forma mais fácil é descer as escadas próximas do café (onde sugeri uma pequena parada), que se encontra ao lado da sala 77, onde você está agora. Vamos em direção às Esculturas Italianas dos séculos XVI-XIX. Ao descer as escadas e entrar na grande Galeria de Esculturas Italianas, você encontrará duas esculturas inspiradas nos modelos clássicos, mas que são do século XVI. São os Escravos, de Michelangelo (1475-1564), representantes do Renascimento. »

O Escravo Moribundo e O Escravo Rebelde Captifs (“L’Esclave rebelle et L’Esclave mourant”) Michelangelo Buonarotti, conhecido como apenas Michelangelo [1475 – 1564] ala denon | térreo | galeria michelangelo | sala 4

Estas duas figuras (escravo rebelde e escravo moribundo) estavam destinadas a ser parte de um grande grupo escultórico para a tumba do papa Júlio II. O projeto se arrastou por quarenta anos e não pôde ser concluído por falta de verba. Foi o próprio Michelangelo que presenteou Roberto Strozzi com estas duas esculturas, que as trouxe para a França.

Ninguém sabe ao certo por que Michelangelo esculpiu estes escravos para a tumba do papa. Há duas teorias: 1

eles representavam as raças submetidas pela fé católica;

2

eles representariam as almas tentando se desprender do corpo, o que tem mais sentido, e por isso o artista teria deixado parte da pedra bruta para mostrar esse momento. Essa parte bruta se encontra junto aos pés das duas esculturas e sobe pela parte de trás do corpo. Perceba a diferença da parte mais trabalhada para esta, bem como a perfeição anatômica alcançada pelo artista.

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De Michelangelo para um dos modelos que inspiraram a ele e a Canova, a Vênus de Milo. É só seguir em frente, na direção oposta à da obra de Canova. Vamos à Galeria das Antiguidades Clássicas. Agora, caminhe em direção ao homem alado. Ele é tão lindo, que não há como não vê-lo. »

 Amor e Psiquê ou Eros e Psiquê

[1793]

Psyché ranimée par le baiser de l’Amour  Antonio Canova [1757-1822] ala denon | térreo | galeria michelangelo | sala 4

O que você vê são Eros e Psiquê, iluminados pela luz natural dessa enorme janela. Obra de Antonio Canova, que também foi um artista neoclássico. Ele foi o escultor escolhido por Napoleão para representar a ele e sua família. Ele utilizava personagens mitológicos, mas imprimia em seus rostos as feições de Napoleão ou de sua irmã. “Vendia” ideias por meio de suas obras. Por exemplo, esculpindo Napoleão como um imperador romano, demonstrava a força do poder do governante. curiosidades

As asas foram talhadas à parte, enquanto o restante do conjunto, em um bloco único de mármore de Carrara. Agora, fique de frente para a escultura. Você vê o grande X formado pelas asas de amor e pelas pernas dos dois personagens. No centro desse X, os braços dos dois personagens formam uma espécie de medalhão que enquadra o rosto de ambos, com destaque para um vazio entre seus lábios que gera uma tensão dramática para a escultura, já que entre o beijo se encontra a vida ou a morte. Por quê? Para entender, é preciso entender o mito detrás da obra.

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O mito

Psiquê era tão bonita que Afrodite (deusa da beleza e do amor), num momento de ódio, manda que seu filho Eros (deus do Amor) vá atrás dela e faça, com suas flechas, que ela se apaixone por um ser monstruoso. Mas é Eros quem se apaixona por Psiquê, com quem se casa, sem que ela conheça sua identidade. E a faz prometer que nunca tentará ver seu rosto.

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Mas instigada por suas irmãs, Psiquê arma um plano para ver o rosto do marido enquanto ele dormia; Eros desperta furioso, gritando: “O Amor não sobrevive sem confiança!” Psiquê, deprimida, quer reconquistar Eros, mas sua sogra, a deusa Afrodite, lhe impõe alguns “trabalhos” para provar que era digna de seu filho. O que tudo isso tem a ver com esta escultura? Um desses “trabalhos” era levar um frasco do “mundo subterrâneo” até Afrodite. Mas não devia abri-lo em hipótese nenhuma. No entanto, Psiquê cai em tentação e abre o frasco, que desprende uma fumaça que a faz dormir profundamente. A escultura de Canova mostra o exato momento em que Eros vem salvar sua amada, recolhendo o que continha no frasco e despertando-a com um doce beijo. curiosidade

Sabe onde está a modelagem de gesso criada como esboço para esta obra? No Metropolitan Museum of Art, em Nova York. Com base nessa maquete, o artista criou duas obras feitas de mármore; uma delas é a que está diante de você no Louvre, a outra se encontra no Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia.

Vênus de Milo

[323-31 a.C.]  Aphrodite, dite Vénus de Milo ala sully | térreo | sala da vênus de milo | sala 16

A escultura de mármore reina absoluta e sozinha, afinal, é uma das três estrelas do Louvre.

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É interessante agora compararmos a Vênus de Milo com a Vitória de Samotrácia, duas obras gregas radicalmente diferentes e que vão ajudar a entender o complexo conceito de beleza dos gregos. • Na Vitória de Samotrácia  a beleza quase nasce do caos, não há equilíbrio.

A força nasce das asas que se erguem, das pregas das roupas, do tecido que, em face ao vento, adere ao umbigo dessa mulher. Era o que os gregos chamavam de beleza dionisíaca, a beleza em desordem, mas que ainda sim é beleza, porque para eles o belo era aquilo que se amava. Você se lembra de Dionísio, o deus do vinho, da festa? • Já a Vênus de Milo é a beleza apolônica, relacionada com o deus Apolo,

idealizada. Não se sabe ao certo se a Vênus de Milo seria do século IV a.C. ou do período compreendido entre os séculos III e I a.C. Muitos estudiosos acreditam que possa ser obra do famoso escultor Praxiteles ( 395-330 a.C.) ou de seu ateliê; outros ainda pensam que seria de alguns séculos depois. O que se sabe é que foi descoberta por acaso em 1820 pelo camponês Yorgos Kentrotas na Ilha de Melos (também conhecida como Milos ou Milo). Por coincidência ele estava com um cadete francês, que gostava de arqueologia, e pediu que continuasse escavando porque no começo apenas encontraram uma parte da escultura. Provavelmente a Vênus formasse parte de um grupo escultórico, ou seja, que não estivesse sozinha. Estaria com Cupido. Parece ter sido projetada para ser vista de lado e, se é assim, a Vênus estaria estendendo seus braços para o Cupido. curiosidade

Naquela época os gregos não tiveram a mesma visão que nós das esculturas gregas. Sabe por quê? Elas não eram assim branquinhas. Estavam totalmente pintadas de cores fortes e contrastantes. Para ir além: obra-prima da arte egípcia » Suba as escadas até o 1º andar e dirija-se até à sala 22, na

Galeria do Egito Faraônico, circuito cronológico.

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O Escriba Sentado

[2600-2350 a.C.]

Le Scribe accroupi ala sully | 1º andar | sala 22 | vitrine 10

O Escriba Sentado é uma das obras mais famosas da arte egípcia. É considerada uma obra-prima, já que por suas características supera outras produzidas no mesmo período. As esculturas de escribas eram muito comuns na estatuária do antigo Egito. Muitas delas eram colocadas nas tumbas com os corpos mumificados, para acompanhar as personalidades na vida pós-morte.

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Esta peça nunca foi restaurada; o que se observa é a pigmentação original. Isso não é inacreditável? Aos homens se dava este tratamento na pele, certo ar mais bronzeado. Já para as mulheres “ricas”, utilizavam um tom mais bege, já que estavam menos expostas ao sol. Como as esculturas egípcias eram planejadas para durar a eternidade, não deveriam ter pontos mais frágeis. Por isso, na maioria das vezes, eram esculpidas em um único bloco de pedra. No caso desse escriba, utilizou-se um bloco de pedra calcária. Para que não se rompessem, os retratados costumam estar em posições rígidas. Aqui os membros superiores e inferiores estão o mais rente possível ao corpo. Os volumes são tratados de forma esquemática, e se eliminam os detalhes inúteis. Aqui, o escriba segura com uma das mãos o papiro e, com a outra, o cálamo (pedaço de cana com as extremidades cortadas em bico), que era o “pincel” com o qual escrevia. Mas o pincel desapareceu. Os escribas quando não estavam escrevendo, colocavam o cálamo apoiado na orelha. Como sabemos disso? Pelos relevos que mostram esta cena e também em cenas pintadas em outros papiros. Preste atenção na força dos olhos. Essa energia vem dos cones de cristal de rocha incrustados nas órbitas. Isso não era comum em todas as esculturas egípcias, e revela a importância da figura do escriba naquela sociedade. Tanto que, muitas vezes, na falta de um funcionário de confiança, a função de escrever era desempenhada por um familiar do faraó. Normalmente, as esculturas dos escribas estão apoiadas em um quadrado de calcário com hieróglifos em relevo, que revelam a identidade do retratado. Mas, neste caso, esta base não foi encontrada e existem apenas hipóteses de quem seria, mas até agora sua comprovação não foi possível. A escultura foi encontrada em 1850 em Sakkara, a necrópole do Antigo Império egípcio.

“Se as pessoas soubessem quantas vezes fracassei em minhas obras, e quantas vezes voltei a tentar, não me chamariam gênio.”

Com esta frase de Michelangelo terminamos nosso circuito. Mas espero reencontrar você aqui no Louvre, ou em outro museu de arte deste planeta!

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Sobre o Conexão Paris O Conexão Paris (www.conexaoparis.com.br) é a principal fonte de informação sobre Paris e a França para turistas brasileiros. Escrito pela historiadora brasileira Lina Hauteville, que mora há mais de 30 anos em Paris, e por sua filha Mariana Berutto, publicitária, que vive entre Paris e Belo Horizonte, o Conexão Paris traz dicas selecionadas, testadas e exclusivas sobre tudo que o turista precisa saber antes de embarcar: passeios, hotéis, restaurantes, lojas, agenda cultural, meios de transporte etc. A partir da demanda dos leitores, nasceu a Editora Conexão Paris, que publica guias exclusivos sobre Paris e a França. Para conhecer os demais títulos da editora, acesse a lojinha virtual do Conexão Paris: www.conexaoparis.com.br Siga também nossas dicas nas redes sociais do Conexão Paris: facebook.com/conexaoparis   @conexaoparis   youtube.com/conexaoparis

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Sobre a autora Nasci em Apucarana, mas sou curitibana de coração. Atualmente, vivo numa das sete Ilhas Canárias. Fiz faculdade de artes plásticas, e dei aula de História da Arte desde a educação primária até o ensino superior. Fui arte-educadora em museus brasileiros e espanhóis, e escrevi material didático de artes e de turismo. Como estava na academia, resolvi cursar duas pós-graduações. Sou mestre em Turismo e Educação nos Museus e doutora em Turismo Cultural com Ênfase em Museus. Na Espanha, trabalhei como assessora em projetos europeus educativos e culturais, além de dar aulas para o mestrado em Turismo da Universidade de Las Palmas de Gran Canaria. Tenho diversas publicações acadêmicas no Brasil, na Espanha, na Argentina e nos Estados Unidos. Mas desde 2011 me dedico de corpo e alma a meu blog de viagens e arte, Turomaquia, que já tem quase oito anos. Entretanto, o que mais me comove e me move é a arte. Ou melhor, esta missão que me autoimpus de tentar converter todos que cruzem minha vida em loquazes consumidores de arte, e de seus templos máximos, os museus. Patricia Camargo

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