O Violão de João Gilberto

September 23, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
Share Embed Donate


Short Description

Download O Violão de João Gilberto...

Description

 

 

O  v v i o l ão  d d e  J J o ão  G Gi l b er t o   Informações sobre o modelo Di Giorgio Tárrega e outros detalhes da configuração escolhida por um mestre do perfeccionismo

por Fernando Romeiro

arte de João Gilberto é um monolito indivisível feito de voz e violão. Muito da revolução por ele desencadeada se concentra na divisão rítmica da melodia cantada, na interpretação sem vibratos e arroubos, na preocupação com a dicção e com a sonoridade de cada palavra etc. Esse texto, contudo, não se dedica às cordas vocais de João, mas sim àquilo que ele leva em suas mãos: o violão. Vamos falar também de alguns outros aspectos mais ou menos técnicos de seu equipamento.

 A

Nunca é fácil buscar informações precisas sobre o inventor da batida, mas sabe-se que ele usa em seus shows e gravações um violão Di Giorgio  Giorgio  (marca tradicional fundada em 1908 em São Paulo, pelo luthier italiano Romeo Di Giorgio), modelo Tárrega (Francisco (Francisco Tárrega   foi um famoso compositor e Tárrega violonista espanhol que o luthier Reinaldo Proetti Proetti   – segunda geração à frente da empresa e já falecido – resolveu homenagear dando seu nome a um modelo de violão clássico). O que se conta na loja no bairro de Santana é que

o Di Giorgio mais famoso em atividade foi construído, especialmente para João, em fins da década de 1960 e oferecido a ele como presente no verão de 1969. Outras fontes contam que o cantor demorou muitas horas na loja, na companhia de Reinaldo, tocando vários instrumentos até se decidir por esse. Foi preciso ainda fazer alguns ajustes (como altura de trastes da escala) para que João ficasse inteiramente satisfeito. Interessante perceber que nos vídeos feitos ao longo da carreira de João, o Tárrega só aparece a partir da década

 

de 1980. Em fotos e vídeos mais O timbre de violão mais adequado à antigos, podemos ver João com outros bossa nova é um pouco diferente do modelos profissionais da mesma fábrica violão clássico (usado na chamada  Author3 or3 da foto abaixo entre eles). (o Auth música erudita que normalmente privilegia linhas melódicas soladas) e mais diferente ainda do estilo flamenco espanhol. O som do violão de João tem volume controlado, pouca sustentação, timbre redondo, doce e levemente anasalado. As frequências das notas se misturam o que favorece o acompanhamento de acordes em bloco que ele desenvolve.

João e Reinaldo Proetti na loja da Di Giorgio em São Paulo, 1969.

O modelo contemporâneo (diferente do de João) pode ser

Além da imediatamente reconhecível boca de forma elíptica, o modelo Tárrega tem outros detalhes de construção que o diferenciam de outros violões, entre eles, um tornavoz estreito

encontrado também na versão eletroacústica.

Um Tárrega novo, nas lojas de instrumentos, custa em torno de R$ 1.400,00. Ocorre que, na verdade, o violão de João não é exatamente igual

ou "ressonador" parte interna ao(faixa redordedamadeira boca na do violão). Não está muito claro entre os especialistas (luthiers  profissionais) como e se esses detalhes mudam consideravelmente o som do instru-

aos modelo Tárrega encontradosviolões nas lojas (nem na época em que ele o adquiriu e muito menos hoje em dia). Pode-se dizer que é um violão híbrido. Parecido com os Tárregas da década de 1960 e 70, mas feito como

mento como garantido pelo fabricante.

que por encomenda, provavelmente por

um único luthier -funcionário, -funcionário, e que, portanto não veio da linha de montagem em escala quase industrial, onde o cuidado e a dedicação aos detalhes são menores. Há aspectos luxuosos como "tarrachas holandesas de alta precisão" etc, mas surpreendentemente o Tárrega de João nãomaciças é feito (como inteiramente com madeiras é a maioria dos violões artesanais de uso profissional). É consenso que o uso de madeiras laminadas (três folhas unidas com cola) diminui os custos de fabricação, mas compromete vibrações que produzem o som do asinstrumento. O problema não chega a ser grande, pois o tampo (face principal do violão) – que é responsável por 80% do som (que se origina nas cordas, mas é amplificado pela vibração das madeiras da caixa) – é construído com o abeto maciço.

O abeto usado no tampo 

 

Mercado -  Parece então, que toda a

beleza sonora que conhecemos acontece apesar  do   do violão (mais do que por causa dele); o mérito seria exclusivo de João. Ocorre que ainda assim, a mítica criada em torno da marca e do modelo sobrevive com alguma força, inclusive no João no Theatro Municipal do Rio em 2008  2008 

tempo em que artistas da luthieria produzem verdadeiras joias que não são tão disputadas. Independente da escolha de João, é inegável que um instrumento produzido de modo artesanal por um profissional experiente é melhor que qualquer violão feito numa fábrica.

caixas de compensado em formato de violão. A ameaça da concorrência deve ter sido uma causa do declínio no nível de excelência comum aos Di Giorgio. Caetano e seu Tárrega em 1976

Umde fator preponderante para qualidade timbre produzida por uma violão reside também na idade de suas madeiras. Em condições normais, uma madeira costuma perder, aos poucos, sua umidade natural para o ambiente. Quanto seca torna. E quantomais maisvelha, seca,mais melhor é aseresposta de suas vibrações e melhor o som resultante do instrumento. Exemplares com mais de 20 ou 30 anos são bastante valorizados. Eles melhoram

exterior. Há gente cobrando e pagando caro por Di Giorgios medianos, aqui, na Itália, Inglaterra, Japão etc, ao mesmo

com o tempo. Talvez o timbre do Tárrega de João tenha “aberto” (no jargão dos músicos e luthiers) durante o período em que esteve guardado (de 1969 a 1980). Mas não é só isso que diferencia esse violão dos produzidos atualmente. Nas últimas décadas, o mercado de instrumentos no Brasil sofreu com a entrada de itens muito baratos e de baixa qualidade. Há alguns instrumentos a venda hoje (principalmente importados) que mais parecem

Nos anos 1960 e 70 praticamente toda MPB se fazia com violões dessa Veloso   usou muitas marca. Caetano Veloso vezes um Tárrega quase igual ao de João, inclusive no famoso show "Doces Bárbaros" de 1976. Tomsítio Jobim mantinha um desses em seu na região serrana do Rio (onde compôs Águas de Março, gravada por João em 1973). Dorival Caymmi, Caymmi, Gonzaguinha e Nara Leão também tinham os seus Tárregas. Chico Buarque, Baden Powell, João

 

Bosco e muitos outros se apresentaram com outros modelos Di Giorgio. Aos poucos as preferências foram mu-

transparentes como é comum às cordas transparentes de nylon. Há quem defenda que a adição de corantes ao nylon (originalmente transparente) só prejudicaria a pureza do timbre final, mas João sabe o som que quer. Curiosamente, o fabricante garante que o modelo de encordoamento escolhido por João produz som mais puro nos agudos e vibrações harmônicas mais altas nos bordões (cordas graves).

João costuma receber essa encomenda de amigos viajantes. Para demais mortais que querem testar o som da 850B, a internet pode ser a saída.

João, violão e dois microfones austríacos 

Além do Tárrega, outras ferramentas de trabalho constantes na carreira de João têm sido os microfones condensadores modelo C-414 C-414 da  da marca austríaca

Tom Jobim com um de seus Di Giorgios 

dando, na medida em que novas opções surgiram. Hoje, praticamente só João permanece fiel à sua escolha (embora Lenine apareça Lenine apareça raramente com um Tárrega idêntico e Adriana Calcanhotto fale em seu twitter sobre sua preferência por Di Giorgios antigos). Nylon preto, diafragma de ouro - Vale

perder prausados falar das cordas eumdostempinho microfones por JG. Há muito tempo, o encordoamento La Bella, série elite, modelo 850B para violões clássicos é seu preferido. O B maiúsculo significa que as três cordas mais agudas são pretas (black) e não

cordas  As corda s e o microf microfone one con conden densado sador: r: outros segredos do som de João 

AKG    (exigência de contratual das AKG apresentações João antiga Gilberto). Quando comparados com microfones dinâmicos (mais baratos e comuns), os condensadores (mais caros e sensíveis) captam os sons em todas as suas

A La Bella Bella   foi fundada (com outro nome) em 1914, em Nova York, por dois irmãos imigrantes italianos. Como, ainda hoje, é muito difícil encontrar essa marca no Brasil (há possibilidades

particularidades, com mais Oriqueza de frequências e mais clareza. resultado (tanto no caso de gravações quanto na amplificação de shows ao vivo) é uma fidelidade maior em relação ao som originalmente produzido. Isso se dá por

pequenas de comprá-la em São Paulo),

causa da engenharia particular desses

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF