o Seculo II e o Canone Do Novo Testamento

July 6, 2019 | Author: André Costa | Category: Cânon Bíblico, Novo Testamento, Atos dos Apóstolos, Bíblia, Antigo Testamento
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o Seculo II e o Canone Do Novo Testamento...

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O SEGUNDO SÉCULO E O CÂNONE DO NOVO TESTAMENTO Tarcisio Caixeta de Araujo1 Resumo: Este artigo trata da formação do Cânone do Novo Testamento. Toma como ponto de partida a numerosa e rica literatura produzida durante o segundo século d.C. Considera os chamados heréticos e textos não normativos como importantes para a discussão, a reflexão e tomada de posição frente a eles, culminando na definição do corpus textual chamado de cânone. Palavras-chave: Cânone, segundo século, ortodoxia, heresia, Novo Testamento.  Abst  Ab strac ract: t: This article deals with the formation of the Canon of the New Testament. Takes as its starting point the large and rich literature produced during the second century AD. It takes the so called heretics writers and the non-normative texts as important for discussion, reflection and a way of answer before them, culminating in the definition of the textual corpus called canon. Keywords: Canon, second century, orthodoxy, heresy, New Testament.

1. INTRODUÇÃO

Há uma rica produção literária no segundo século da era cristã que contribuiu para a definição do que seria canônico, e, portanto, autoritativo para a igreja cristã. Este artigo se interessa pelas literaturas do segundo século bem como pelos mais variados escritores tanto da ortodoxia cristã quanto daqueles considerados como heréticos. O aparecimento das heresias contribui para a reflexão e aprofundamento sobre as doutrinas essenciais do Cristianismo. Para se entender o desenvolvimento do cânone   do Novo Testamento, é importante estudar os escritores e escritos cristãos do segundo século. Faz-se necessário examinar também os Pais Apostólicos e os apologistas, pois eles apresentam uma visão panorâmica do pensamento teológico tanto do ocidente quanto do oriente, visão esta que contribuiu para a ulterior formulação do cânone  do Novo Testamento. 1

Tarcisio Caixeta de Araujo é mestre em Teologia pela University of Wales (South Wales Baptist College) com reconhecimento pela PUC-Rio, licenciado em Letras pelo UNI-BH, bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista Mineiro (curso livre), alfabetização Braille pelo Instituto São Rafael, Belo Horizonte-MG. Professor de Hebraico bíblico, Antigo Testamento, Teologia do Antigo Testamento e Exegese na Faculdade Batista de Minas Gerais. Membro da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB), do National Association of Professors of Hebrew (NAPH), do Núcleo de Estudos Judaicos da UFMG (NEJ), da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB).  Este artigo foi atualizado depois de sua publicação pela extinta Faculdade de

Teologia de Belo Horizonte.

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Este artigo se norteará pela seguinte questão: Que fatores ocasionaram um interesse crescente em literatura cristã autoritativa (‘canônica’), no segundo século?

Este será o principal desafio para se entender a formulação do cânone  do Novo Testamento. Naturalmente que não se pode apresentar apresentar aqui uma única e definitiva definitiva resposta, i.e, não há somente uma verdade fornecida pelos Pais Apostólicos, pelos apologistas, ou pelos “estranhos” escritos preservados, por exemplo, no trabalho de Eusébio.2 Se por um lado, os escritos dos Pais Apostólicos, os que sobreviveram, e os apologistas são fundamentais para se compreender os escritos do Novo Testamento como Escrituras, por outro lado, os escritos dos heréticos são também importantes. Eles ajudam a proporcionar uma compreensão de quais critérios foram utilizados para se julgar os escritos aceitáveis. À medida do possível, personalidades tais como Taciano, Marcião, Valentino, Montano. serão considerados neste artigo, a fim de se ouvir as vozes daqueles cuja visão de escritos autoritativos não triunfou. O método adotado neste artigo é o da pesquisa bibliográfica. Este se apresenta em dois capítulos: 1) uma pesquisa sobre o segundo século e, 2) o desenvolvimento do cânone do Novo Testamento. Testamento. No primeiro capítulo capítulo serão feitas considerações aos principais centros do pensamento cristão; os principais Pais e apologistas; Gnosticismo; Marcionismo; a Nova Profecia e alguns dos desafios e dilemas enfrentados pela cristandade. O segundo capítulo vai direto ao foco deste artigo, ou seja, a formação do cânone  do Novo Testamento no segundo século. 2. O SEGUNDO SÉCULO

O segundo século foi o período mais efervescente do início da história da Igreja, porque os fundamentos da igreja oficial, a ordem do cânone e definições da doutrina ortodoxa versus heresia estavam sendo estabelecidas naquele período. A. As principais fontes no no segundo século Da Segunda metade do primeiro século ao fim do segundo século d.C., um número considerável de escritos cristãos foi produzido. Entre eles destacam-se: cinco tratados de Papias de Hierápolis 3 intitulados Interpretações dos Oráculos do 2

Em sua História Eclesiástica i-iv e v-x. Papias foi bispo de Hierápolis na Frígia, Frígia, “o ouvinte de João e companheiro de Policarpo…” Policarpo…” (IRENAEUS In: In: Ante-Nicene Fathers, 1995, p563). 3

3

Senhor  [Logi/wn kuriakw=n e)chgh/sew]; uma carta aos Filipenses de Policarpo;4

uma carta endereçada pela Igreja de Esmirna à Igreja de Filomélia e a igrejas em outros lugares chamada de O Martírio de Policarpo5 [ Marturi/ou Polu/karpou]; as sete Epístolas de Inácio de Antioquia;6  a Epístola de Barnabé a Segunda Epístola de

[th/n te Barnaba=];7

Clemente;8  o Livro do Pastor [Poime/noj bibli/on ];9 Sobre

a Páscoa Judaica [Peri\ tou= pa/sxa] e Sobre a Vida Cristã e os Profetas [Peri\

politei/a kai\ prdehtw=n] de Melito,10 bispo de Sardis; o Didache;11 uma carta aos Romanos [  (Rwmai/ouj e)pistolh\], e uma carta de Crisófora [e)pistolh\ tou=

Xrusofo/r#] de Dionísio,12  bispo de Corinto; Estromas [Strwmate/wn] de

Pantenos;13  Esboços  [  (Upotupw/sewn] e a Exortação aos Gregos [pro\ `( Ellhna lo/go  o( protreptiko\] de Clemente de Alexandria; 14 os  Atos dos Mártires Sicilianos;15 Apocalipse de Pedro;16 Atos de Paulo 17 e outros materiais.

Os quatro mais importantes apologistas do segundo século foram Justino

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Policarpo foi bispo de Esmirna, Ásia Menor (EUSEBIUS, 1992, p.281). “A breve Epístola de Policarpo contém  proporcionalmente muito mais alusões aos escritos do Novo Testamento do que o que está presente em qualquer outro dos Pais Apostólicos.” Ele sofreu martírio em 155 ou 156 d.C. (METZGER, 1997, p.60ss.). 5 HARMER (1898, p.185). 6 As Epístolas de Inácio foram escritas circa 110 d.C. (KOESTER, 1990, p.1). O martírio de Inácio ocorreu na época do Imperador Trajano ca. 110 d.C.. 7 A epístola é mencionada em Eusebius (1994, p.47) como parte daqueles escritos disputados [ta=j a)ntilegome/naj]. 8 Um sermão primitivo cristão, escrito por um autor anônimo. Ele se situa entre 120 e 170 d.C. (METZGER, 1997, p.67). 9 O  Livro do Pastor era aceito por alguns cristãos como autoritativo para ser lido nas igrejas (EUSEBIUS, 1992,  p.193). 10 Ele escreveu uma Apologia [] ao Imperador Verus [161-180 d.C]. Além disso, escreveu cerca de vinte outros livros (EUSEBIUS HE iv.xxvi.1 p.387). 11 Foi escrito na primeira metade do segundo século, e composto, provavelmente, por mais de um autor (METZGER, 1997, p.50). 12 EUSEBIUS ( HE iv.xxiii.9,13. p.381ss.). 13 Pantenos foi o chefe da escola de Alexandria [fundada por Alexandre, o Grande, em 331 a.C. Alexandria tornou-se a primeira escola de teologia cristã]. O trabalho de Pantenos foi compilado por Clemente de Alexandria (EUSEBIUS, 1994, p.27). 14 EUSEBIUS ( HE vi.iii.2f. p.43.). 15 O mais antigo documento na história da Igreja Latina (ROBINSON, 1927, p.71). Os Atos narram como sete homens e cinco mulheres do vilarejo da Sicília, na Numidia [moderna Tunisia], foram postos em julgamento na câmara-concílio de Cartago, em 17 de Julho de 180. Esperato menciona que ele tinha em sua bolsa “Os livros, e as cartas de um homem justo, um certo Paulo.” (The Acts de the Scillitan Martyrs, 1927, p.72). 16 Foi escrito no começo do segundo século (The Apocrypha NT, p.504). 17 “Composto por um presbítero da Ásia antes do tempo de Tertuliano: ca. 160-170” (The Apocrypha NT…  p.228). Atos de João e Atos de Pedro são também exemplos de Atos escritos no segundo século.

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Mártir,18 [o mais importante deles, de acordo com Maussaux], 19 Tertuliano,20 Irineu de Lion21  e Atenágoras.22  No entanto, Teófilo de Antioquia; 23  Aristides;24  Quadratos; Aristo de Pella e Miltíades25 são também dignos de serem mencionados. Alexandria, no Egito, de tradição platônica, e Antioquia, na atual Turquia, eram as igrejas orientais de fala grega. Cartago, na atual Tunísia, era a igreja ocidental de fala latina, a qual figura somente no fim do segundo século. Roma, Grécia e Gália também se apresentavam como áreas significativas para o cristianismo no segundo século.26 B. As principais tendências

Por volta do ano 100-160 d.C., apareceu um grande número de professores, os quais, mais tarde, foram descritos como “heréticos”. Entre eles estavam Cerintos,27  Cerdo,28  Marcião29 e também alguns professores do

Gnosticismo tais

como Saturnino, Basilides30 e Valentino.31

18

Justino disse que era da Palestina (JUSTIN,  first apology ii.) e que se tornou um professor cristão em Éfeso depois de 130 d.C. e mudou-se para Roma, onde fundou uma comunidade cristã. Seu trabalho mais famoso foi o  Diálogo com Trifo  [“... percorrendo 142 capítulos, é provavelmente o livro mais extenso produzido por um escritor cristão ortodoxo.”] (BRUCE, 1991, p.144). 19 MASSAUX, Edouard (1993, p.10). 20 O grande opositor das ideias Marcionitas. Ele escreveu cinco livros em Latim contra Marcião. Mais tarde “se  juntou à seita Montanista, tornando-se líder desse grupo na África.” (METZGER, 1997, p.158). 21 Irineu foi um escritor ortodoxo, discípulo de Policarpo, discípulo de João. Ele “tornou-se bispo de Lion em Gaul [Gália], A.D. 180.” (BRUCE, 1991, p.100). 22 O cristão filósofo de Atenas. (MASSAUX, 1993, p.120). De acordo com Metzger (1997, p.125), ele refutou as três acusações contra os Cristãos, ou seja, ateísmo, canibalismo e incesto edipiano. 23 O sexto bispo de Antioquia e um importante apologista cristão sírio da segunda metade do segundo século. Ele escreveu um tratado contra Marcião, e citou o Apocalipse de João (EUSEBIUS HE iv.xxvi. p.385). 24 Um cristão filósofo de Atenas que declarou que somente os cristãos possuem o verdadeiro conhecimento de Deus. (METZGER, 1997, p.127). Ele escreveu uma defesa da fé endereçada a Adriano. (EUSEBIUS HE iv.iii.3.  p.309). 25  Não há nenhuma relação literária entre aqueles apologistas e os escritos do Novo Testamento em seus poucos e raros fragmentos que sobreviveram (MASSAUX, 1993, p.2). 26 McGRATH (1994, p.5ss.). 27 Irineu, citado por Eusébio (iv.xiv.6 p.337s.) chama Cerinto de “o inimigo da verdade”. 28 Cerdo foi “quem tomou seu sistema dos seguidores de Simão, e foi viver em Roma no tempo de Higino… Ele ensinava que o Deus proclamado pela lei e os profetas não era o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.” Seu sucessor foi Marcião (IRENAEUS, Against Heresies i.xxvii.1,2). 29 Marcião, de Sinope, na província do Ponto, será discutido posteriormente como o primeiro possível criador de um cânone de escritos cristãos. (Ver IRENAEUS, Against Heresis, book i, e Tertullian, Against Marcion.). 30 Saturnino, de origem antioquiana, estabeleceu uma escola “de ímpia heresia” [qeomisw=n ai(re/sewn] na Síria. Basilides de Alexandria estabeleceu uma escola semelhante no Egito (EUSEBIUS, HE iv.viii.3 p.315). Ele ensinava que Simão Cirineu foi quem sofreu na cruz no lugar de Jesus (METZGER, 1997, p.79). 31 Irineu diz que Valentino é o fundador de uma heresia especial [idia airesew] (Ver  Against Heresis ii.  p.316, 376-379,406).

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O Encratismo32  emergiu no final daquele período. Isto envolvia uma forma extremada de ascetismo, que estava se desenvolvendo através do século. Ireneu, 33 ao escrever sobre Encratismo, afirma que os encratistas pregavam contra o casamento, e alguns teriam introduzido a abstinência de carne animal. Ele aponta Taciano como o primeiro a introduzir as ideias do Encratismo. De 160 em diante a Nova Profecia34 emerge na Ásia Menor romana. Com o Gnosticismo35  e o trabalho de Marcião, a Nova Profecia trouxe desafios para as igrejas católicas36 em desenvolvimento. As raízes do movimento gnóstico recuam ao helenismo pré-cristão, ao  judaísmo e a religiões orientais. O Gnosticismo tinha um interesse predominante em cosmologia como tentativa para solucionar o problema do mal. 37 Um dos desafios foi exatamente a questão sobre quais escritos a jovem religião cristã deveria considerar como autoritativos da igreja primitiva. Os Pais Apostólicos do segundo século viviam numa verdadeira panela de pressão. Eram muitos os dilemas com os quais tinham que lidar. Eles tinham que dar respostas àqueles dilemas greco-romanos mais comuns, tais como: unidade versus pluralidade, humanidade, paidea  (educação-cultura), e a diversidade de religiões. Aqueles pensamentos e respostas diversas influenciaram o pensamento dos cristãos do segundo século. Os temas do segundo século giram em torno de cinco desafios: 38 Criador e criação, natureza humana e destino, identidades de Jesus, o lugar da Igreja no mundo, os cristãos e a sociedade. Havia uma frustração entre os cristãos, porque seu Senhor não voltara imediatamente após ascender aos céus. 39 O martírio também foi um fator importante na história cristã no segundo século. Muitos cristãos sofreram por causa de sua fé, contudo, alguns não foram reputados dignos de sofrerem, devido ao seu ponto de vista sobre o corpo de Cristo 32

Taciano foi a figura mais conhecida no encratismo do segundo século. Um antigo discípulo de Justino Mártir e importante personalidade como o criador do Diatessaron [uma harmonia dos Evangelhos]. (Ver EUSEBIUS HE  iv.xxviiif. p.395ss.). 33 Contra Haereses i.xxvi.i. Tomo I. p.220. 34 A Nova Profecia ficou conhecida no quarto século como Montanismo. Eusébio  (HE  v.iii.4.p.443) afirma que o  partido de Montano [a)mfi\ to\n Montano\n] e outros partidos acreditavam que eles também fossem profetas. 35 “uma religião sincretista e filosófica que floresceu por cerca de quarto séculos, paralela ao Cristianismo  primitivo... gnosis (, ‘conhecimento’) … ” (METZGER, 1997, p.76). 36 O termo católico/a, usado neste artigo, refere-se ao cristianismo oficial (ortodoxo). 37 LAMPE (1978, p.28). 38 WAGNER (1994, p.65). 39 WAGNER (1994, p.7).

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e sua cristologia. Plinio,40 o Jovem (c.62-113 d.C.), citado por Bettenson, registrou seu próprio tratamento dos suspeitos: “Eu lhes pergunto se são cristãos. Se eles admitem, eu repito a pergunta uma segunda e uma terceira vez, ameaçando-os com uma punição capital; se eles persistem eu os sentencio à morte. […] outros, que eu exibo como loucos, reservo para serem enviados a Roma, desde que sejam cidadãos romanos.” É evidente que perseguições contra cristãos, sejam ortodoxos ou heréticos, não ocorreram ininterruptamente. De acordo com  Alguns atos autênticos dos primeiros mártires,41 houve épocas de considerável paz, por ocasião

da perseguição romana. A causa principal de perseguição não era generalizada, mas um sentimento de indisposição contra os cristãos de certas localidades. Depois de delinear algumas características significativas e tendências da cristandade do segundo século, a segunda parte deste artigo abordará a preocupação crescente a respeito da autoridade dos escritos cristãos no segundo século. 3. O DSENVOLVIMENTO DO CÂNONE DO NOVO TESTAMENTO

O desenvolvimento do cânone do Novo Testamento foi progressivo e de suma importância para determinar o tipo de literatura autoritativa da igreja cristã primitiva. A. Definição A palavra cânone vem do grego kanw/n (kanon) e do hebraico

hnq (qanah)

e

significa literalmente  junco. Num sentido metafórico, como usado por Orígines, por exemplo, cânone significa regra de fé.42 É este sentido último que será considerado neste artigo. Os escritores do Novo Testamento não usaram o termo cânone como este é conhecido hoje em dia. De acordo com Schneemelcher 43 há apenas quatro ocorrências do vocábulo cânone  no Novo Testamento, mas não como uma designação para Bíblia, uma vez que este sentido só pode ser confirmado a partir da segunda metade do quarto século. No Novo Testamento, o termo cânone  ocorre somente em Gálatas 6:16 [ kano/ni],44  e em 2 Coríntios 10:13 [ kano/noj ], 15 40

BETTENSON (1979, p.3).

41

Some Authentic Acts de the Early Martyrs.

42

BRUCE (1991, p.86). 43 SCHNEEMELCHER (1991, p.10s.). 44 The New Testament in Greek .

(1927, p.27s.).

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[kano/na], 16 [kano/ni]. A Segunda Carta de Pedro 3:16 é, provavelmente, a mais antiga evidência para uma coleção de Escrituras cristãs, 45 apesar da palavra kanw/n não se aplicar nesse contexto. Aland46 diz que primeiramente cânone significa “a regula fidei, e em seguida, as decisões dos concílios, e finalmente, do quarto século em diante, a lista dos livros das Sagradas Escrituras…”. Aland insiste que a Igreja organizada não criou o cânone . A Igreja só reconheceu como canônicos os livros que já eram aceitos como

autoritativos. É evidente, portanto, que a autoridade precede a canonicidade. Vejamos as fontes que influenciaram ou corroboraram para a definição dos textos canônicos do Novo Testamento. B. As Fontes O uso que os Pais Apostólicos fizeram dos textos reputados como canônicos hoje, não é suficiente para afirmar que aqueles textos estavam disponíveis numa edição final em seu tempo. Schneemelcher 47 escreveu que “Na primeira metade do segundo século não havia ainda NT como uma coleção canônica.” O debate com o Gnosticismo provavelmente “compeliu a Igreja a refletir sobre a ‘verdadeira’ e ‘genuína’ tradição”.48 Trevett49 crê que não há citações reais e formais dos escritos do Novo Testamento nos Pais Apostólicos, mas somente paralelos. Para ilustrar, ela relaciona as Epístolas de Inácio de Antioquia com o Evangelho de João (Ef. 5:2 com Jo. 6:33; Ef. 17:1 com Jo. 12:33; Magn. 7:1 com Jo. 5:19,30 e 8:28; Rom. 7:2 com Jo. 4:10; Rom. 7:3 com Jo. 6:33; Fil. 7:1 com Jo. 3:8). Inácio conhecia as tradições embasadas nos Evangelhos e também os paralelos de tradições não evangélicas. Inge50  também afirma que nenhuma das referências de Inácio aos livros do Novo Testamento é citação direta. Elas podem ser citações de memória; alusões; adaptações; ecos; semelhança; reminiscência; coincidência. Quando Inge compara a Carta de Inácio aos Efésios 18:1 com 1 Coríntios 1:18,20, ele diz que: “Inácio está citando São Paulo, e isto se torna mais certo pelo eco de I Cor.1.18 na sentença 45

WILLIAMS (1991, p.83). ALAND (1962, p.18). 47 SCHNEEMELCHER (1991, p.19). 48 SCHNEEMELCHER (1991, p.22). 49 TREVETT (2001, in loc.). 50 INGE (1905, p.63ss.). 46

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precedente”. Inge acredita que Inácio alude a todas as Cartas de Paulo, Atos, Hebreus, 1 Pedro e aos quatro Evangelhos. Ele também sugere que havia uma tradição cristã comum e outras fontes além dos escritos do Novo Testamento onde Inácio poderia se basear.51  Apesar da tradição cristã não ser citada nem referida como Escritura, há evidência de interesse nisso. C. As Escrituras judaicas e a literatura cristã

Quando o assunto é o cânone do Novo Testamento, a seguinte questão deve ser respondida: Que fatores suscitaram um interesse crescente em literatura cristã autoritativa (‘canônica’), no segundo século? Uma questão secundária, em que

critérios foram alguns livros selecionados e alguns rejeitados, também será considerada neste artigo. Os dilemas principais do segundo século não incluem diretamente o tema do cânone . No segundo século as grandes questões da cristandade são embrionárias.

No entanto, como Lampe 52 afirma, “os Pais Apostólicos e alguns escritos do Novo Testamento são imprescindíveis como evidência para a história da doutrina no fim do primeiro século e na primeira metade do segundo.” Os dilemas que surgiram levaram as igrejas a refletirem sobre o material escrito em circulação. Diferentes gêneros de textos tais como: Evangelho, história, sabedoria, apocalipticismo, apologias, e martiriologias apareceram na segunda metade do primeiro século e no segundo século. Todos eles foram escritos supostamente para o benefício da Igreja [compostos dentro de uma variedade de cristandades]. Além disso, havia “uma enorme e variada provisão de literatura Judaica do período de 300 a.C. a 100 d.C.”, 53 e a Apocrypha do Antigo Testamento. Schneemelcher 54 diz que “a palavra ‘apócrifo’ não se apresenta primeiramente em conexão com a história do cânone , mas no conflito da Igreja com o Gnosticismo e outras heresias,” e nesse

contexto, significa literatura “escondida”. Segundo Aland,55 a Epístola de Barnabé, a Epístola de Clemente, o Didache e o Pastor de Hermas foram contados por longo tempo como “canônicos”, nesse sentido, foram amplamente lidos nas igrejas. Não foram considerados em nenhum 51

INGE (1905, p.81ss.). LAMPE (1978, p.23). 53 BRUCE (1991, p.154s.). 54 BRUCE (1991, p.14). 55 ALAND (1962, p.26). 52

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momento como literatura  apócrifa. Foi o interesse em apostolicidade que determinou, finalmente, que esses escritos não se tornassem canônicos. O livro de Hermas, o Pastor, por exemplo, aparece no Cânone Muratoriano como um trabalho para ser estudado privativamente. Só não foi considerado apostólico, porque fora escrito bem mais tarde.56 As Escrituras judaicas não foram fixadas na forma canônica até o fim do primeiro século. Williams57  diz que somente a Torah  estava fixada e aceita como autoritativa por todos os judeus do tempo de Jesus. Os fariseus usaram tanto a Torah quanto os outros escritos judaicos, i.e., os Profetas e os outros escritos que agora são canônicos. Outros (e.g. os Essênios) provavelmente usaram uma variedade maior de escritos. O cânone  judaico foi estabelecido pelos rabinos [de tradição farisaica], depois da queda de Jerusalém.58 Em paralelo com o fechamento do cânone  judaico, um corpo de escritos cristãos emergiram. Por algumas vezes, nos escritos dos Pais Apostólicos tais como a Epístola de Inácio aos Filadélfios, 59 a Epístola de Clemente, a Epístola de Barnabé

e o Didache, encontra-se o termo Evangelho [Gr. eu)agge/lion e Lat. evangelium = boas Novas]. Contudo, esses textos “não podem ser usadas como evidência para um uso primitivo do termo ‘Evangelho’ como uma designação de um documento escrito.”,60  os Evangelhos se originaram de uma tradição oral. 61  Mas os quatro Evangelhos (agora canônicos) existiam provavelmente antes do ano 100. Além disso, os Gnósticos reivindicavam ter recebido ensinos secretos do próprio Jesus, de onde alguns evangelhos adicionais foram compostos. 62  Os quatro, junto com os evangelhos de outros grupos,  Atos associados com os apóstolos Paulo e André etc., e escritos apocalípticos (e.g. o Apocalipse de Pedro) foram adicionados a um corpo considerável de escritos cristãos. O cânone não foi definido aleatoriamente. Levou-se em consideração, além dos fatos relatados até aqui, importantes critérios para se escolher quais escritos tinham o caráter de Escritura e quais não tinham. 56

HAHNEMAN, Gedefrey Mark. The Muratorian Fragment and the Development of the Canon . Oxford: Clarendon Press, 1992, p. 36s. 57 WILLIAMS (1991, p.81s.). 58 HALL (1991, p.25). 59 Veja capítulos 5.1 [t%= eu)aggeli%=], 5.2 [t%= eu)aggeli/%; t%= eu)aggeli/%], 8.2 [t%= eu)aggeli%], e 9.2 [to\ eu)agge/lion; to\\ de\\ eu)agge/lion ] como alguns exemplos do uso do termo Evangelho (p.124ss.). 60 KOESTER (1990, p.17). 61 GOODSPEED (1966, p.2s.). 62 METZGER (1997, p.79).

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D. Critérios de escolha

De acordo com Aland63  a formulação do cânone  em sentido real começa cerca de 150 d.C. e vai até o quarto século e além. O cânone do Novo Testamento “não deve ser considerado e discutido isoladamente, mas apenas em constante atenção ao cânone do Antigo Testamento.”64  Para Bruce,65  a lista dos livros do Antigo Testamento “...redigidos por Melito, bispo de Sardis, ca. 170 A.D...” contém todos os livros conhecidos hoje como Antigo Testamento, com exceção do livro de Ester. Melito refere-se a esses escritos como os escritos do “antigo pacto”. Este é o primeiro uso desta ideia até onde se sabe, e subsequentemente os livros do “novo pacto” emergiriam. Orígines (185-254 d.C.), citado por Bruce,66 apresenta uma lista dos livros canônicos do Antigo Testamento como sendo vinte e dois livros: os cinco livros de Moisés são seguidos por (6) Josué, depois (7) Juízes e Rute ... (8 e 9) os quarto livros dos Reis ... depois (10) Crônicas ... (11) Esdras e Neemias ... (12) Salmos, (13) Provérbios, (14) Eclesiastes, (15) Cântico dos Cânticos; (16) Isaias; (17) Jeremias com Lamentações e a ‘Epístola de Jeremias’ ... (18) Daniel, (19) Ezequiel, (20) Jó, (21) Ester. O livro dos doze Profetas foi omitido da sua lista em decurso de transmissãoacidental, naturalmente...

 A Epístola de Jeremias aparece, na lista de Origines, como autoritativa. Listas

similares foram apresentadas por outros escritores. O Cânone  Muratoriano67  [descoberto pelo Cardeal L. A. Muratori – 16721750]68  não menciona Tiago, Hebreus e 1 Pedro como parte dos escritos autoritativos da cristandade. Entretanto, Hahneman 69 afirma que isto “é inconclusivo devido à probabilidade de defeitos no Fragmento”. A composição desse Fragmento se deu entre 170 e 220 d.C. E é quase certo que seja um documento romano. A despeito desta conclusão de Hahneman, o Fragmento Muratoriano continua sendo uma evidência importante para o desenvolvimento do Cânone do Novo Testamento no segundo século. O Fragmento pode ser datado no tempo de Pius, bispo de

63

ALAND (1962, p.9). ALAND (1962, p.2s.). 65 BRUCE (1991, p.91). 66 Origen In: BRUCE (1991, p.92). 67 É o catálogo mais antigo de que se tem notícia. 68 SCHNEEMELCHER (1991, p.34). 69 HAHNEMAN, Gedefrey Mark (1992, p.32ss.). 64

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Roma, entre c.140 a 154 d.C. Ele menciona Hermas, irmão de Pius, como um “temporibus nostris”. Hahneman70 acredita que, O Fragmento, conforme tradicionalmente datado, é pois uma anomalia em termos de seu conteúdo. Ele seria um dos mais antigos, senão a mais antiga testemunha para a adição das Pastorais à coleção paulina. … Se esses textos [1 Pedro, e talvez Tiago] estão simplesmente faltando no Fragmento, então o Fragmento representaria o mais amplo e mais antigo de tais coleções incluindo Epístolas católicas menores. …O Fragmento Muratoriano claramente representa alguma coisa mais do que uma coleção, é mais amplo que isso. O Fragmento representa um cânone  fechado de coleção de escrituras. Isto delineia um grupo específico de escritos que o fragmento expunha como aceitos pela Igreja Católica …

Na lista dos escritos aceitáveis aparece Sabedoria de Salomão71 e o Apocalipse de Pedro (como disputados). Entretanto, a Carta aos Hebreus, Tiago e Pedro não aparecem. Escritos tais como a Carta aos Laodicensses, Alexandrinos, e alguns trabalhos de Ársino, Valentino, e Miltíades aparecem, no Fragmento, como tendo sido claramente rejeitados pela Igreja Católica. O Pastor é apresentado como restrito à leitura privada. Cabe aqui a pergunta: quais foram os principais critérios usados pelos cristãos primitivos na seleção de alguns livros e rejeição de outros? De acordo com Bruce,72  para ser parte do cânone  um texto tinha que ser reconhecido como autoritativo em seu uso pelas pessoas, i.e., se o texto tivesse “recebido reconhecimento geral canônico entre as igrejas em várias partes do mundo cristão ...”. Outro critério importante era se o texto [NT] teria sido escrito por um apóstolo. Contudo, esse critério não foi radical, “houve uma tendência de dar o benefício da dúvida a um livro cujo conteúdo conservava a fé dos apóstolos.” 73 Muitos outros fatores fizeram a Igreja refletir sobre seu uso particular dos escritos da sua época e começarem a categorizá-los e a criticá-los. O questionamento do material judaico por Marcião, por exemplo, fez a Igreja se proteger contra o anti-judaísmo, e se decidir pelos escritos do  Antigo Testamento como parte de seu próprio cânone. O surgimento de escritos com uma cristologia

70

HAHNEMAN (1992, p.130s.). Além de Sabedoria de Salomão, a Igreja Católica atual aceita como dêutero-canônicos os livros de Tobias, Judite, I Macabeus, II Macabeus, Eclesiástico, Baruc, e os textos contidos no final de Ester e Daniel, os quais não constam na Bíblia Hebraica. 72 BRUCE (1991, p.87). 73 BRUCE (1991, p.102). 71

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questionável tais como o Evangelho dos Ebionitas74 levou o cristianismo ortodoxo a se decidir por alguns escritos, em detrimento de outros, como parte do processo de se determinar o que era ensino aceitável e o que não era. O aparecimento de material pseudonímico ligado aos nomes de apóstolos tais como  Atos de Paulo  [um dos bons exemplos rejeitados por Tertuliano], e o  Apocalipse de Pedro levantaram um crescente interesse nos materiais apostólicos para assegurar confiança. Contudo, isto é uma espada de dois gumes, porque as pessoas poderiam estar produzindo mais escritos se utilizando do nome dos apóstolos. Alguns grupos tais como a Nova Profecia tiveram interesse em escritos particulares, o que fez com que as Igrejas Católicas emergentes suspeitassem de tais escritos e a partir de então, um processo de defesa ou de crítica àqueles escritos pode ser visto. No quarto século, Eusébio75 apresenta os escritos autoritativos e nãoautoritativos em quatro categorias. Primeiro, a categoria dos livros reconhecidos [e)n o(mologoume/noij ], i.e., os livros genuínos: Os Evangelhos, Atos, Epístolas de

Paulo, 1 João, Epístola de

Pedro e o Apocalipse de João. Segundo, os livros

disputados [tw=n a)ntilegome/nwn]: Tiago, Judas, 2 Pedro, 2 e 3 João. Terceiro, os

não-genuínos: Atos de Paulo, O Pastor, o Apocalipse de Pedro, Carta de Barnabé, o Didache e o Apocalipse de João [aceito por alguns e rejeitado por outros]. Quarto, os escritos heréticos [ai(retikw=n]:76 Evangelhos de Pedro, Tomé, Matias; Atos de André etc. Irineu77  defende com ardor os quatro antigos Evangelhos como o único e exato número de Evangelhos para a Igreja. Ele compara seu número com a ordem correta da natureza. Descrevemos a seguir o pensamento de alguns dos pais apostólicos que ajudaram na definição do cânon do Novo Testamento.

74

Alguns Evangelhos foram produzidos além dos quarto Evangelhos canônicos, e.g. Evangelho de Filipe, Evangelho de Pedro, Evangelho de Tomé etc. O Evangelho dos ebionitas é entendido como sendo o Evangelho de Mateus, que também era conhecido como Evangelho dos Hebreus. Os ebionitas eram vegetarianos e repudiavam o Apóstolo Paulo, chamando-o de apóstata da lei. (The Apocryphal NT: Begin the Apocryphal Gospels… p.8s.). 75 EUSEBIUS (1992, p.257ss.). 76 A despeito de muitos dos textos apócrifos serem considerados heréticos, há uma enormidade de evangelhos, apocalipses, comentários bíblicos diversos e outros textos interessantes, esperando para serem lidos. Eles podem oferecer certas interpretações das Escrituras que ajudarão o leitor a compreender melhor certas passagens lacônicas. Os apócrifos podem ser lidos numa edição em português, em quatro volumes, publicada pela Mercuryo. 77  Against Heresies iii.xi.11.p.46s.

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E. Melito, Taciano e Marcião Melito, Taciano e Marcião são escritores do segundo século. O pai apostólico, Melito de Sardis, é importante para a compreensão do cânone do Novo Testamento. Melito foi o primeiro a usar o termo “ Antigo Testamento”, no contexto de escritos em discussão, como abordado anteriormente. Isso é significativo, porque Sardis foi a cidade com uma massiva presença de Judeus. 78 Melito,79 em uma Carta a Onésimo, citado por Eusébio, afirma: Desde que tu te mostras desejoso, em teu zelo pela verdadeira palavra [pro\j to\n lo/gon xrw/menoj], para ter extratos da Lei e dos Profetas [ tou= no/mou kai\ tw=n profhtw=n] concernente ao Salvador ... tu desejas saber acuradamente os fatos a respeito dos antigos escritos [ tw=n palaiw=n bibli/wn], quão numerosos são eles, ... os livros do Antigo Testamento [ th=j palaia=j diaqh/khj bibli/ a] ...”

Após dizer isto, Melito apresenta uma lista de quais livros eram canônicos para os judeus no segundo século. Ele menciona todos os livros do cânone do Antigo Testamento conhecidos hoje, com exceção do livro de Neemias [provavelmente, formando um livro com Esdras], Ester e Lamentações [provavelmente, formando um livro com Jeremias]. Taciano, um escritor anti-helênico e discípulo de Justino, é também relevante para a compreensão do desenvolvimento do cânone  do Novo Testamento. A despeito de Taciano ter sido considerado herético, por causa de seu Encratismo do tipo radical, ele foi também o primeiro a harmonizar os quatro Evangelhos. Ele “compôs de certa forma uma combinação e uma coleção dos Evangelhos [ o(/pw tw=n eu)aggeli/wn], e deu a isso o nome de O Diatessaron [to dia\ tessa/rwn] ...”.80 O

sírio Taciano fora educado ao estilo helênico. Em Roma, tornou-se um cristão atuante. Provavelmente, em 172 d.C., após um cisma com a Igreja de Roma “Taciano retornou ao Oriente, onde se tornou o fundador de uma seita, conhecida como os Encratistas [‘] (i.e. ‘os auto-disciplinados’).”81 “Harmonias” dos Evangelhos mostram que escritos estavam sendo produzidos com propósitos didáticos – para tornar as narrativas práticas. Elas também indicam que a ideia dos 4 Evangelhos, o que em parte teria sido uma resposta ao Marcionismo, não foi necessariamente a norma. Se uma pessoa 78

KRUGER (1897, p.124). Melito In: EUSEBIUS ( HE iv.xxvi.13,14. p.393). 80 EUSEBIUS ( HE iv.xxix.6. p.397). Diatessaron é uma palavra grega que significa literalmente por quatro. 81 METZGER (1997, p.116). 79

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quisesse viver uma vida celibatária, e encorajar outros a isso, usaria algum texto do tipo Atos de Paulo e Tecla, ou mesmo a literatura do Pseudo-Clementino. Eusébio 82 afirma que as ideias do blasfemo [ th\n blasfhmi/an] Taciano, chamadas de Encratismo, procede de Saturnino e de Marcião. Marcião trouxe um novo ensino a Roma circa 140 d.C. Esse novo ensino é muito importante para o entendimento do cânone, porque Marcião delineou seu próprio cânone  das Escrituras, antes de qualquer outro, e chamou isso de O Evangelho e O Apóstolo. O bispo de Sinope, pai de Marcião do Ponto [ Marcion Ponticus], o excomungou. Por causa disso, Marcião foi para Roma. Kruger 83

apresenta Marcião como

um bem-sucedido criador de ovelhas, o qual tinha uma

concepção anti-judaica da cristandade. Para Tertuliano, 84 Marcião foi o herético do Ponto, um “irmão” que se tornou um “apóstata”. Ele foi mais selvagem do que as bestas feras.85 Antithesis é provavelmente o único trabalho de Marcião. 86 Foi escrito, como Goodspeed87 afirma, mais ou menos na metade do segundo século d.C. Em organização e escritura, o cristianismo padrão aprendeu muito de Marcião, e sua influência pode ser traçada no esforço posterior de se organizar a cristandade em um grande corpo, e aderir as Cartas de Paulo à sua escritura. Marcião foi o primeiro homem, até onde sabemos, a atentar para essas coisas.

Como Bruce88 aponta, Marcião baseou seu Evangelho em Lucas e “de acordo com sua crença de que Jesus foi um ser sobrenatural que apareceu de repente entre os homens com a mera semelhança de humanidade...” ele omitiu das narrativas lucanas o nascimento, a genealogia, o batismo e a tentação de Jesus, e o ministério de João Batista. Marcião também rejeitou o Deus de Israel e o Antigo Testamento. Seguindo essa linha de pensamento, ele omitiu todas as referências ao Antigo Testamento em seu cânone, O  Apóstolo, o qual se baseia nas Cartas de Paulo. Hall89 afirma que Marcião não rejeitou os escritos do Antigo Testamento. Pelo contrário, ele aceitou-os como revelação divina, mas interpretou o Antigo Testamento literalmente [ele condenou o método alegórico de interpretação que era

82

EUSEBIUS ( HE iv.xxviii,xxix.1ss. p.395). KRUGER (1897, p.78). 84  Against Marcion. TERTULLIAN In: Ante-Nicene Fathers. (1995, p.271s.). 85 TERTULLIAN In: Ante-Nicene Fathers. (1995, p.271s.). 86 METZGER (1997, p.91). 87 GOODSPEED (1966, p.109). 88 BRUCE (1991, p.99s.). 89 HALL (1991, p.37s.). 83

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popular em sua época]. 90 De acordo com suas interpretações, ele negou o Deus do Antigo Testamento como o Deus e Pai de Jesus Cristo. Além disso, ele acreditava que “os livros do nosso Novo Testamento são um falso amálgama do evangelho de Jesus com os princípios do Criador”. Por alguma razão obscura, Marcião não usou as Cartas de Paulo a Timóteo e Tito em seu mini cânone. Talvez porque ele não as conhecesse, ou não as considerasse como Cartas de Paulo. Mais tarde, os seguidores de Marcião as usaria normalmente.91  Marcião escolheu as Cartas de Paulo e o Evangelho de Lucas para seu particular cânone, pois encontrou neles suporte para o seu entendimento de Deus, e sua interpretação a respeito da natureza de Jesus. É claro que ele teve que omitir algumas partes desses escritos. Marcião fez “uma distinção entre o Supremo Deus de bondade e um Deus inferior de justiça, o qual foi o Criador e o Deus dos judeus. Ele reputava Cristo como o mensageiro do Deus Supremo.”92

Devido aos seus pensamentos, Marcião

poderia ser considerado parte do movimento gnóstico. No entanto, Goodspeed 93 acredita que Marcião nunca se tornou um completo gnóstico. Provavelmente, o melhor lugar para situá-lo seja entre os docetistas. Marcião teve como pano de fundo a filosofia platônica do criador inferior, i.e., um demiurgo. Ele adotou também a “abstinência sexual, uma dieta rigorosa, e comprometimento com o martírio quando diante de perseguição…”.94 Irineu,95  citado por Bettenson, diz que Marcião é um blasfemo, porque ele insistia que Deus [o Deus do Antigo Testamento] era “um feitor de males que se deleitava com as guerras, inconstante no julgamento e auto-contraditório.” Tertuliano, Irineu, Justino e Teófilo de Antioquia, dentre outros, escreveram contra Marcião.96 Diferente de Marcião, Irineu, por exemplo, reconheceu como canônicos vinte dos vinte e sete livros do cânone do Novo Testamento conhecido hoje em dia, não somente onze [mutilados intencionalmente] como Marcião reconhecera.97 Entretanto, como um precursor na criação de um cânone, Marcião é sempre digno de ser

90

GOODSPEED (1966, p.110). Marcionismo foi um movimento de pelo menos dois séculos. 92 METZGER (1997, p.91ss.). 93 GOODSPEED (1966, p.111). 94 HALL (1991, p.38). 95 Irinaeus. In: BETENSON (1979, p.37). 96 GOODSPEED (1966, p.110s.). 97 BRUCE (1991, p.100). 91

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considerado. Williams98 afirma que Marcião “foi o primeiro a propor um especial e exclusivo Cânone  Cristão.” O trabalho de Marcião forçou as igrejas a definirem a natureza de seus escritos e a refletirem sobre os textos religiosos produzidos desde o tempo de Moisés. É praticamente impossível falar do desenvolvimento do cânone das Escrituras sem falar de ortodoxia e heresia. F. Ortodoxia e heresia

Bauer,99  citado por Hall, afirma que “heresia precede ortodoxia, no sentido que desde o início nos deparamos com um grande e diferente número de organizações e doutrinas frequentemente competitivas.” Ehrman 100  diz que: “Não havia ainda uma ‘ortodoxia estabelecida’, ou seja, nenhum sistema teológico básico reconhecido pela maioria dos líderes da Igreja e dos leigos. Diferentes igrejas locais tinham diferentes compreensões da religião, enquanto diferentes entendimentos da religião estavam presentes inclusive dentro de uma mesma igreja local.” Depois que a palavra heresia tornou-se claramente distinta da ortodoxia, Simão, o Mágico, o pai de toda heresia, foi contrastado com Pedro, o pai da proto-ortodoxia, 101  e muitas heresias foram tidas como descendendo dele. Dionísio de Corinto é um bom exemplo da preocupação dos escritos cristãos e sua integridade no segundo século. Ele se preocupava com a falsificação de suas próprias Cartas, e acreditava que os  Apóstolos do mal [tou= diabo/lou a)po/stoloi ] “as tinham preenchido [suas próprias Cartas] com joio, por deixarem de fora algumas coisas e acrescentarem outras. ...”. No entanto, quando Dionísio fala a respeito das Escrituras do Senhor como tendo sido também alvo de falsificação, não afirma que os escritos sagrados tenham sido certamente falsificados, mas que isso é uma possibilidade. Diz ele: “... não é de se admirar que alguns tenham sido capazes de falsificar até mesmo as escrituras do Senhor...”. Dionísio excluiu seu próprio trabalho como escrituras.102  Os Apóstolos do mal”, mencionados por Dionísio, tiveram que ser contrastados com os “Apóstolos do Senhor”. Apostolicidade, portanto, foi um importante critério na aceitação ou rejeição dos mais diversos

98

WILLIAMS (1991, p.85). Bauer In: HALL (1991, p.36). 100 EHRMAN (1996, p.4). 101 EUSEBIUS ( HE ii.i.12. p.109). 102 EUSEBIUS ( HE iv.xxiii.9,13. p.381ss.). 99

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escritos. Cullmann afirma que o cânone do Novo Testamento se formou não por adição, mas por eliminação.103 4. CONCLUSÃO

Responder as questões acerca de uma literatura cristã autoritativa (precursora do cânone) não é uma tarefa simples. À parte do cânone formal, como Aland104 aponta, há um cânone auto entendido, i.e., um cânone dentro do cânone. Muitos livros foram escritos no segundo século com as mais variadas interpretações e discussões de como a cristandade deveria ser e no que os cristãos deveriam acreditar. Em comparação com os escritos do Novo Testamento, esse tipo de literatura foi rejeitada como não autoritativa, ou como herética, incluindo aqueles escritos que afirmam que Jesus era em semelhança de homem (docetismo), e que não veio em carne, ou que ele era uma emanação ou uma figura redentora que traria libertação de uma armadilha em que o homem estava inserido (Gnosticismo), ou que havia dois diferentes deuses etc. Os Cristãos eram contestados pelos judeus e pelos romanos igualmente. Eles precisavam de uma literatura autoritativa para se defender contra as acusações que lhes eram feitas. Esses e outros fatores suscitaram um interesse crescente em literatura cristã autoritativa (‘canônica’), no segundo século. O fundador do Cristianismo não escreveu nenhum tipo de literatura, mas instruiu seus seguidores para espalharem o Evangelho [como boas novas] a toda parte. Eles pregaram não apenas verbalmente, mas alguns deles também escreveram o que experienciaram com seu Mestre. A cristandade do terceiro milênio continua diversificada em muitos e diferentes modos. Protestantes e católicos, e.g., têm em comum os livros do cânone hebraico e os livros do Novo Testamento. No entanto, a cristandade do terceiro milênio não está confinada a protestantes e católicos como dois grandes e únicos blocos de pensamento. Há uma vasta gama de Denominações cristãs, e ainda, variados métodos de interpretação das Escrituras. Aland 105 afirma que os diferentes 103

CULLMANN, Oscar. A formação do novo testamento. Tradução de Bertholdo Weber. São Leopoldo: Sinodal, 1982. p.114. 104 ALAND (1962, p.29s.). 105 ALAND (1962, p.32).

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caminhos de seleção e interpretação que muitas confissões religiosas utilizam do cânone   formal, de fato produz um   cânone dentro do cânone. Além disso,

consequentemente, esses novos cânones produzem diferentes confissões. Lutero, por exemplo, em sua tradução do Novo Testamento, colocou “a Epístola aos Hebreus, a Epístola de Tiago, Judas e o Apocalipse como apêndices, explicando expressamente que eles não pertenciam aos ‘certos, próprios e principais livros do Novo Testamento’…”.106 Há, sem dúvida, um cânone formal das Escrituras. A Igreja do terceiro milênio não tem autoridade suficiente para modificar isso. A Igreja pode até criar um cânone dentro do cânone, mas não deveria negar ou inserir novos escritos como canônicos

hoje. O trabalho dos escritores do Novo Testamento, e dos Pais Apostólicos do segundo século e de outras épocas, culmina com os concílios do quarto século, estabelecendo assim, um cânone  formal das Escrituras que não deveria ser invalidado. Os critérios de aceitação ou rejeição dos livros que os líderes da cristandade usaram, não eram fórmulas matemáticas complicadas. Basicamente, um texto cristão para ser aceito como canônico, tinha que ser reconhecido como autoritativo em seu uso pelas pessoas, ter sido escrito ou estar relacionado com um apóstolo ou ter sido produzido na era apostólica. Aland107 sugere que a formulação do cânone é providentia Dei. Isto significa que o que está escrito nas Escrituras é o que Deus queria que fosse escrito. Esta é a crença dos cristãos “ortodoxos”108 do terceiro milênio. As Escrituras são produto de uma parceria divino-humana. Os humanos registraram, ao seu modo, conforme sua competência, estilo, debilidades, o que o divino aprovava. Os textos, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, independente de autoria, data, de prováveis acréscimos ou supressões, devem ser imprescindíveis para se encontrar respostas sempre atualizadas e transformadoras, seja por parte de um leitor solitário, das igrejas, ou das comunidades nas quais o cristão está inserido.

106

ALAND (1962, p.30) . ALAND (1966, p.33). 108 O termo ortodoxos está posto como sinônimo de conservadores. 107

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