O Português Da Gente

March 23, 2019 | Author: Amine Maria | Category: Latin, Iberian Peninsula, Portugal, Phoneme, Brazil
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O português da gente a lí ng ua qu e est ud am os  a líng u a q ue fala m os 

Rodolfo Ilari Renato Basso

Um pouco de história: origens e expansão do português

O português é a oitava língua mais falada no mundo e o Brasil é o maior país de língua portuguesa. Para compreendermos a implantação e o desenvolvimento da língua portuguesa falada no Brasil, é preciso voltar às origens da Nação N ação portuguesa, mais ou menos por volta do ano 1000, até à época dos descobrimentos, em 1.500.

As origens latinas

O português deriva do latim. Não aquele latim que se aprendia na escola (latim literário) ou o que era utilizado pela Igreja Católica (latim eclesiástico), mas o chamado “latim vulgar”. Por ter sido um “vernáculo” foi assimilado espontaneamente e inconscientemente pela “fa-lo-lo-ei”, ei”, “tu o fizeste” população. Exemplo: ninguém no Brasil diz “fa ou “ninguém lho negaria”. Essa é a forma aprendida na escola, mas não é o vernáculo usado no dia-a-dia.

 Ao contrário do latim literário e do latim eclesiástico, o latim vulgar (vernáculo) foi repassado adiante, sem o auxílio da escrita. O Império Romano foi o grande propagador do vernáculo nos territórios ocupados. No entanto, após séculos de estabilidade política romana em quase toda a Europa e da uniformidade do latim vulgar, a língua falada passa por inúmeras diversificações regionais, a partir das invasões bárbaras. Já no fim do século X, há um verdadeiro mosaico de falares locais, muitos com prestígio. São eles: o romeno, o italiano, o sardo, o retoromânico, o occitano, o francês, o catalão, o espanhol, o galego e o português. O latim eclesiástico e o literário, que continuaram a ser usados para outros fins, diferenciavam-se do vulgar tanto em sua estrutura gramatical quanto em seu léxico.

O longo caminho entre as origens latinas e o português atual

 Árabes e cristãos conviveram por mais de sete séculos na Península Ibérica, até o advento dos movimentos político-militares cristãos chamados de “Reconquista” dos territórios ocupados. Em franca expansão, esse território se expande e surgem os reinos de Portugal, Castela e Aragão (os dois últimos viriam a se reunir, formando o reino da Espanha). Da convivência com os árabes, nasceram duas culturas c ulturas a Moçárabe (aquele que se parece com o árabe) e o Mudéjar (o árabe que vive em território cristão), com forte influência na arquitetura e na literatura. Por volta do ano 1000, os povos po vos que viviam ao norte da Península Ibérica (que falavam o galego, o leonês, o asturiano, o castelhano e o aragonês) partiram para conquistas ao sul da Península se sobrepondo, enfim, ao Mocárabe. O centro do poder deslocou-se para o sul, principalmente em Portugal.  As principais renovações da língua língua partiram, portanto, portanto, do sul (Lisboa e  Alentejo), sem alcançar, alcançar, contudo, o extremo norte, norte, resultando na separação do português do galego. Já a Galiza, ao Norte, o primeiro berço do português, acabou sendo incorporada pela Espanha, no final do século XV.

O português arcaico

 A língua falada em 1100 no berço do Estado português português era muito parecida com o galego, daí a denominação galego-português, ga lego-português, utilizado no século XIII como língua da poesia, não só pelos trovadores portugueses, mas também de outras regiões da Ibéria, o que comprova o seu prestígio.  Ao mesmo tempo, na região que denominamos denominamos hoje de Portugal, os os documentos oficiais eram escritos em um latim literário, mas já com fortes influências do “vernáculo”. Mas, para os outros escritos populares, produzidos por quem já não conheciam o latim, adotava-se a fala corrente.  A língua do período que vai da formação do Estado português até o apogeu das navegações é conhecida como português arcaico. Muito difícil, a ortografia ainda não estava suficientemente fixada. Ficava a meio caminho entre o latim vulgar e o português atual. Na medida que assumiu as funções de um língua de cultura, houve necessidade de escrevê-la. Surgem, então, as primeiras dificuldades. Uma delas é a separação da fala em palavras (ainda hoje, a segmentação é motivo de hesitação; muitos erram escrevendo “derrepente” , ao invés de “de repente”  ou  ou “porisso” , ao invés de “por isso”). Outra dificuldade é representar na escrita, através do alfabeto latino, alguns sons que haviam sido criados em português e que o latim desconhecia, entre eles as vogais e os ditongos nasais ( como em “vã”, “mão” e “mães” ) e as consoantes palatais (como em “ilha”, “unha”  e  e “cheio” ). ). Hoje, a grafia dispõe do “til” do “ch”, do “lh” e do “nh”. Mas na fase medieval eles não existiam, o que era comum verificar formas diferentes de representar esses sons num mesmo texto.

O português clássico

Em pleno auge econômico, as riquezas também se refletiram na cultura e nas artes. Com Sá de Miranda, Camões, Antônio Ferreira e João de Barros, o século XVI costuma ser apontado como o século de ouro da literatura portuguesa.

O português literário do período clássico já é bem mais familiar, devido às modificações no léxico e na sintaxe. Desaparecem formas e construções do período arcaico, como advérbios, e particípios. No entanto, a fonética e a grafia nem sempre correspondiam. Durante todo o período arcaico e boa parte do clássico, o português manteve em sua fonologia o chamado “sistema de quatro sibilantes” que é constituído pelas africadas “ts” e “dz” e pelas constritivas “s” e “z”, que correspondiam graficamente a “c + e, i”, “c + a, o, u”, “z”, “s” ou “-ss-” e “-s-”. Isso quer dizer que, no início do século XVI, as grafias “ce”, “ci” e “se”, “si” assinalavam ainda uma efetiva diferença de pronúncia. Hoje, isso não existe mais, as palavras “cesta” e “sexta” têm a mesma pronúncia, mas com grafias diferentes e isso cria um problema a mais para os alfabetizadores. Os intelectuais da época passaram a ter duas tarefas: fixar a língua, regularizando-a, e enriquecê-la, através do convívio com o latim clássico, redescoberto no período do humanismo. Abriram-se as portas, por exemplo, para termos como “lúcido”, “tuba”, “trêmulo” e “flutuante”. Dessa forma, o latim clássico passou a ser uma língua de “reserva” a qual era possível recorrer para criar novos termos de caráter científico ou técnico. Isso explica, por exemplo, a existência de palavras que nasceram da evolução do vernáculo do latim vulgar e de palavras criadas por imitação da mesma palavra latina, mas partindo de sua forma literária, como “olhos” e “óculos” (derivação popular do latim “óculo”, “o(c)ulo”) e “chão” e “plano” (derivação erudita do latim “planu”). Aconteceu também a formação intermediária; a semierudita, como em “artelho”, “artigo” e “artículo”, ou em “malha”, “mancha”, “mágoa” e “mácula” que remontam ao latim “macula”. Outras incorporações ocorreram, devido às conquistas portuguesas, como as palavras “zebra” (etíope), “canja” (malabar, falado ao norte da Índia) ou “chá” (mandarim). Das Américas ganhou o “cacau” (do nauatl), “chocolate” (do azteca), amendoim, mandioca e tapioca (tupi). Levou par a a Europa outras línguas o “manga” (do indonésio), “tapioca” (tupi) e “sagu” (malaio). Recebeu do italiano palavras como “canalha”, capricho” ou do espanhol, “bizarro”, “fanfarrão” e “barraca”. Podemos considerar a passagem para o português moderno completada quando da publicação de O Lusíadas , de Camões, em 1572.

A difusão do português através das conquistas ultramarinas

Em 2004, o número de falantes de português no mundo er a de 210 milhões de pessoas, o que justifica a aspiração do português como uma grande língua de cultura e como expressão de um conjunto de países que têm características comuns. Uma dessas formas de reconhecimento é tentar incluir o português como uma das línguas da ONU. Mas, é claro, pesa muito mais a importância política e econômica dos países do que propriamente o número de pessoas falantes de determinada língua. É sempre bom lembrar que as conquistas portuguesas, durante o período das descobertas, tiveram características diversas: ora era colonizadora, ora um simples domínio militar estratégico, ora como um entreposto comercial. Como Portugal tinha uma população insuficiente para promover grandes migrações, enviou primeiramente à recém colônia da América, grupos de desertores e degredados. Sempre em número inferior às grandes levas de escravos africanos. De qualquer forma, as situações lingüísticas criadas foram extremamente diversificadas, entre elas aconteceu o “bilingüismo”, o “multilinguismo” e a “crioulização”. Nos dois primeiros casos, é a convivência com uma ou mais línguas diferentes, em que o português era a língua imposta, enquanto a língua nativa era falada nas ruas. No processo de independência das colônias, em algumas delas o português passou a ser oficial e em outras a língua nativa voltou a vigorar. No terceiro caso, a crioulização, é quando há o surgimento de um “pidgin”, espécie de outra língua criada em função do contato da língua dos colonizadores com a língua nativa. Um pidgin é sempre precário. Com o passar do tempo, os falantes de pidgin passam a desenvolver gramática própria distintas das duas outras línguas, dando origem a um“crioulo” . Em contraposição, há o processo de “descrioulização”, ou seja, quando a gramática do “crioulo” passa a sofrer influências de uma das línguas que o formou.

O português como língua de emigrantes

É difícil compreender essa situação, já que nós, brasileiros, somos acostumados a receber levas de imigrantes do mundo inteiro. No entanto, não tem sido raro, milhares de brasileiros e portugueses, inclusive, partirem para melhores condições de vida a outros países da Europa ou dos Estados Unidos. A convivência entre as culturas que resultam desse encontro, às vezes não são muito boas. Em casos de turbulência econômica, os hospedeiros nem sempre tratam os

brasileiros com cordialidade. Ao contrário, são os primeiros a se tornarem “indesejáveis”. No entanto, há também situações de perfeita harmonia caso da França e do Canadá que passaram a ensinar o português em seus países de forma mais organizada.

O português de Portugal depois do século XVII

Portugal começa a entra em declínio depois da tentativa fracassada de conquistar o Marrocos, em 1572. Desgastado, Portugal sucumbe e torna-se província espanhola, em 1580, cujo domínio vai até 1640, quando Portugal restaura suas forças sob o comando de D. João IV e de uma nova dinastia, a de Bragança. Nesse período, a influência espanhola na língua foi grande. Era a língua falada pela aristocracia portuguesa ou uma tentativa (bilingüismo). Foi nesse período, por exemplo, que a forma “vossa mercê”, antes utilizada como forma de tratamento somente para o Rei, transforma-se em “você” e cai na boca do povo. Portugal vivia no absolutismo e isolou-se do mundo. Não faltou, é claro, quem se esforçasse para tirar Portugal desse isolamento. Contribuíram as artes, a formação da  Academia de História, depois a Academia Real das Ciências que elaborou um dicionário da língua. Logo, as academias chegaram ao Brasil e aqui, muitas outras foram fundadas. Na Bahia, em 1724, a Academia Brasílica dos Esquecidos viu-se diante de uma decisão dramática de caráter lingüístico: se a História da  América Portuguesa deveria ser escrita em português ou em latim.

É a partir do século XVII, que o português falado em Portugal conheceu algumas mudanças estruturais: partiram do centro-sul e prevaleceram sobre todo o território e não alcançaram a Galiza. De todas modificações que ocorreram, algumas foram acompanhadas pelo português falado no Brasil. A pronúncia chiante do “s” e do “z” finais é um fenômeno localizado no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e regiões do Norte e Nordeste. Das mudanças que não foram acompanhadas no Brasil estão o enfraquecimento da vogais átonas em face das vogais tônicas, o que caracteriza a pronuncia do português de Portugal, em que sobressaem as consoantes. Portugueses dizem que o brasileiro fala arrastado e os brasileiros

dizem que os portugueses falam rápido demais e engolem sílabas e letras.

O português da América

O português no continente sul-americano: a ampliação das fronteiras

O território brasileiro cresceu até quatro vezes àquele destinado a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas. A expansão da língua portuguesa deu-se, então, à custa da colonização forçada e das línguas indígenas e, às vezes, do espanhol. No entanto, o português falado, não é o europeu, mas sim, fortemente influenciado por línguas indígenas e africanas.  Ao sul, Portugal e Espanha disputaram por mais de um século a colonização da região. Em 1750, o Tratado de Madri acaba por definir que os territórios da região do Rio da Prata e na margem esquerda do Uruguai pertenceriam à Espanha e, em compensação, a região das Missões e a costa atlântica pertenceria a Portugal. Mesmo assim, a partir daí seguiram-se sangrentas batalhas, em que os índios guaranis foram dizimados. O Uruguai recuperou sua independência de Portugal em 1825, mas como a região foi palco de disputa por vários anos, ainda hoje é possível encontrar povoados ao noroeste do Uruguai falando dialetos de base portuguesa.  Ao norte, mais precisamente na Amazônia, a expansão do território brasileiro só se completa com a aquisição do Acre à Bolívia, no início do século XX. Em troca, o Brasil construiria uma ferrovia ligando Porto Velho a Guajará-Mirim (a famosa ferrovia Madeira-Mamoré) que daria à Bolívia acesso fluvial até o Atlântico.

O português no continente sul-americano: a ocupação dos espaços

Para entendermos a difusão da língua portuguesa no Brasil é necessário entender as formas de ocupação, levando-se em consideração o crescimento demográfico, a urbanização e a ocupação do interior.

O crescimento demográfico do país

 A população brasileira até o final do século XIX era pequena em relação ao território e muito concentrada nas grandes cidades litorâneas. No início do século XX, a população começa a crescer vertiginosamente, ao mesmo tempo em que acontecem as grandes imigrações.

Urbanização

O crescimento da população coincide com a progressiva urbanização. São Paulo, por exemplo, em 1872, época em que se realizou o primeiro censo, contava com 33 mil habitantes. Na virada do século, já tinha 10,5 milhões de habitantes. O primeiro período da urbanização brasileira foi durante o ciclo do ouro (antes do século XIX) que atraiu um grande número de portugueses para Minas Gerais. Outro período de crescimento rápido foi durante a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro. À época, o Rio contava com 50 mil habitantes e, da noite para o dia, teve de abrigar (inclusive os problemas) mais de 15 mil novos moradores. Do ponto de vista lingüístico, o Rio aprendeu a pronúncia do “s” chiante ao final das palavras. Outras capitais só vieram a se urbanizar de fato e com grande rapidez, em meados do século XX.

A ocupação do interior 

 Até as primeiras décadas do século XX, o interior do Brasil era considerado “um outro mundo”. Conhecido apenas na literatura (“Os Sertões”, de Euclides da Cunha, “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, ou em “Quarup”, de Antônio Callado) ou de relatos  jornalísticos (Coluna Prestes, a expedição do Marechal Rondon etc), muitas áreas eram consideradas “não colonizadas”.

 A transferência da capital para Brasília deu um grande impulso à interiorização e às migrações internas. Mais recentemente, contribuíram os avanços da pecuária e da agricultura por migrantes do sul. Surgiram novos Estados (Mato Grosso do Sul e Tocantins) e a transformação dos territórios de Rondônia, Amapá e Roraima em Estados. Com a produção da borracha, em que o Brasil se destacou no cenário mundial, foram para as regiões amazônicas mais de 300 mil nordestinos. Outro fluxo migracional foi durante o período militar com a construção da Transamazônica, o projeto Calha Norte e a expansão desordenada e predatória da floresta pela agricultura e pecuária. Fenômeno típico dessa ocupação são os “brasiguaios”, brasileiros que foram cultivar terras no Paraguai. Urbanização recente, deslocamento de grandes massas migratórias, industrialização. Tudo isso, não poderia deixar de marcar o português falado. O centro-sul passou a ser rico e cosmopolita em detrimento de um norte-nordeste pobre e tradicional. Em função disso, houve grandes levas migratórias, principalmente para São Paulo. E, com ela, o paulista aprendeu termos e ritmos musicais que antes discriminava.  Aprendeu o forró e os “termos técnicos” da dança, como “bate-coxa” ou “fuleiragem”.

Quinhentos anos de história: situações

Em 500 anos de história, a situação lingüística do Brasil foi super complexa, pela presença das línguas indígenas, do português dos colonizadores, das línguas faladas pelos escravos africanos e, depois, das línguas européias e asiáticas faladas pelos imigrantes. Vamos ver como essa mistura de seu:

O multilinguismo: o pano de fundo da criação do português brasileiro (PB)

 Antes dos portugueses chegarem, existiam, aproximadamente, 6,6 milhões de indígenas que falavam cerca de 340 línguas diferentes entre si. O multilinguismo já existia, portanto, antes dos portugueses.

Os portugueses passaram a aprender essas línguas, até para impor seu domínio. Os milhões de negros africanos que aqui chegaram eram falantes de línguas pertencentes ao tronco niger-congo. Os elementos indígenas eram típicos nas regiões rurais e os africanos dos centros urbanos. Para complicar, outras línguas européias também vieram (espanhol, francês e holandês). No século XVIII, os imigrantes açorianos foram para o Pará, e, mais intensamente, para Santa Catarina e Rio Grande do Sul

Multilinguismo no Brasil: português versus línguas indígenas

Durante o período colonial, o português, língua do governo, da Justiça e da literatura, conviveu com as línguas indígenas e africanas. Portugal adota aqui, a política da “língua geral”, ou seja, o ensino do português e da mistura do idioma com as línguas faladas pelos índios.  Apesar da diversidade das línguas nativas, o tronco tupi era mais ou menos uniforme em toda costa litorânea o que facilitou a adoção das “línguas gerais”. (uma delas foi o “nheengatu”, língua falada pelos revoltosos da “Cabanagem”, em 1835, no Pará).  A política das “línguas gerais” durou até 1757, quando o Marquês de Pombal decretou o uso obrigatório do português, não só visando os índios, mas, sobretudo, para aplacar o poder dos Jesuítas. Há relatos, no entanto, que essas “línguas gerais” ainda eram faladas pela população em 1822, período da Independência. Por que desapareceram? Talvez, porque o país tenha passado por profundas modificações, trocando a economia rural por uma economia industrial e urbana. Outro fator, e mais grave, é o próprio desaparecimento de populações indígenas e a redução drástica do número de falantes. Hoje, estão catalogadas apenas 180 línguas (em contrates com as 340 que se falavam na época do descobrimento). Só a partir de 1950 é que são criadas as reservas indígenas com a preocupação de ensinar a língua nativa e preservar a cultura da Nação. Mas, afinal, como o português conseguiu conviver e se impor durante cinco séculos? Duas respostas: a língua da catequese teria permanecido no imaginário popular e reforçado a idéia de nação brasileira e, por outro lado, pelo enriquecimento que obteve absorvendo termos da cultura material (jacá, pixaim, tapera, tocaia), da alimentação (mandioca, beiju), da flora (embira, abacaxi, amendoim, caju, capim, cajá, sucupira, taioba), da fauna (capivara,

curimatã, jaguar, jibóia, lambari, piranha, siri) e da topografia (capão, taquaral). Estima-se que 41% dos nomes não científicos dos peixes e um terço dos nomes não científicos dos pássaros, em português do Brasil, provêm do tupi.

Multilinguismo no Brasil: as línguas africanas e a hipótese de uma origem crioula do PB

 A contribuição das línguas africanas ao português é fundamental e decisiva. Basta lembrar que em 1800, metade da população brasileira era constituída de africanos e afro-descendentes. Do Golfo da Guiné vieram línguas da família “cua”: o “eve” ou “jeje” (da região do atual Togo, Benin e Gana), o “fon” e o “maí” (do Benin e da Nigéria). De Angola, vieram línguas da família “banto”: o “quicongo” e o “quimbundo” (República Democrático do Congo, do Congo e  Angola) e o “iorubá” (Togo, Benin e Nigéria). Os portugueses não permitiam que os escravos de mesma etnia/língua se concentrassem na mesma região da Colônia. Essa prática dificultou o aparecimento de comunidades negras com uma base comum étnica e lingüística (ao contrário dos indígenas). Quando isso acontecia, era inevitável as revoltas, como a que originou, por exemplo, a Revolta dos Malês organizada pelos afro-descendentes na Bahia, em 1835.  A grande influência exercida pelas línguas africanas ao português já suscitou teses de que o português falado no Brasil, na verdade, seria uma língua crioula. Mas, isso não é consenso. A idéia começou a perder força no anos 1950. O português seria um só com diferenças mínimas entre o falado no Brasil e em Portugal. No entanto, mais recentemente, estudiosos como Rosa Virgínia e Dante Lucchesi, em 2004, sustentaram a tese de que o português falado no Brasil teria surgido por um processo que lembra de algum modo a crioulização, pela mistura entre o português europeu, as línguas indígenas e africanas. Na literatura, o negro foi bastante retratado: as poesias de Castro  Alves e de Jorge de Lima e, mais recentemente, os “afro-sambas” de Baden Powell e Vinícios de Moraes.

Contribuíram para o vocabulário português as palavras do “quimbundo”; bambá, banzo, bengala, bunda, cachimbo, cacimba, caçula, cafuné, calombo, cambada, camundongo, candango, canga, carcunda, dengue entre outras. Do “iorubá” vieram o; vatapá, acarajé, agogô e todos os termos ligados ao candomblé baiano e às suas divindades.



O português são dois” (desde o Brasil-Colônia)

 A população branca brasileira, até 1850, foi minoria. Não passava de 30%. A ocupação do território, apesar de ser feita em nome da Coroa Portuguesa, foi feita por uma população não-branca: o negro e o índio. Soma-se a isso, o alto grau de mestiçagem, chega-se à conclusão que a difusão do português foi transmitido e aprendido de geração para geração em famílias nas quais outras línguas tinham presenças marcantes. O português brasileiro foi, portanto, seguindo uma derivação própria.  Ao mesmo tempo, uma outra variante do português, mais resistente às interferências, usado em contextos oficiais era falada por uma parcela muito minoritária da população, que não queria o contato com índios ou negros e iam à Europa estudar o idioma. Ou seja, desde o BrasilColônia que as normas lingüísticas do português vêm sofrendo uma cisão, a ponto do escritor Carlos Drummond de Andrade escrever um poema com o título: “O português são dois”.

A nova situação de bilingüismo dos séculos XIX e XX: português versus línguas dos imigrantes europeus e asiáticos

Entre 1890 e 1930 chegaram ao Brasil, quase 4 milhões de imigrantes europeus (italianos, portugueses, espanhóis, alemães, árabes, turcos e japoneses). Impressionante, já que a população brasileira em 1920 era de 30 milhões de habitantes. A maioria veio trabalhar nas lavouras e suas línguas maternas prevaleceram nas comunidades onde se instalaram. Muitos falavam, inclusive, dialetos em seus países (o vêneto, o hunsruckisch e o pommeranisch). Muitas vilas e cidades surgiram no sul e sudeste. A princípio, o Estado brasileiro deixou por conta dos próprios imigrantes a questão da alfabetização em suas próprias línguas. Com o passar do tempo e da integração social e, principalmente, a partir das mobilizações sindicais do início do século XX, o Estado começa a tomar atitudes para freá-los, até a proibição da

alfabetização na língua materna. Na época da Segunda Guerra, imigrantes alemães, japoneses e italianos sofreram nas mãos do Estado Novo de Getúlio Vargas. No entanto, o principal efeito que resultou para o português brasileiro foi a convivência e a absorção das outras culturas. Em São Paulo, aprendeu-se palavras como paella, quibe, esfiha, pizza, talharim, yakisoba ou sashimi, tchau, grana, ofurô, quimono. No entanto, a influência na morfologia e na sintaxe é quase nula.

O português no continente sul-americano: as grandes mudanças estruturais do início do século XX

O final do século XIX e início do século XX é marcante para o português brasileiro. Sofre transformações estruturais, a literatura atinge a maturidade (Machado de Assis) e é criada a Academia Brasileira de Letras (1897), consolidam-se as primeiras editoras brasileiras e a imprensa ganha maturidade. Surgem as primeiras antologias nacionais para uso escolar. Combatese estrangeirismos desnecessários e formas de expressão populares. Mudanças na sintaxe também são importantes: a) prevalece o uso do “objeto nulo”, isto é, a omissão do objeto direto quando ele co nsistiria num pronome átono; b) prevalece o uso do sujeito pronominal; c) prevalece a construção das orações relativas como cortadoras ou copiadoras de preferência à construção completa ou clássica e; d) prevalece o uso da ordem sujeito-verbo. Quer dizer, o português do Brasil elegeu a posição como principal estratégia para indicar função sintática dando menor importância ao movimento. É uma hipótese com pressupostos teóricos muito precisos, que faz sentido no contexto da Teoria de princípios e  parâmetros, de Chomsky, e que, como a maioria das hipóteses da sintaxe moderna, impressiona por seu caráter abstrato. Isso não é necessariamente um problema. Se a hipótese estiver correta, significa que, no final do século XIX, enquanto os gramáticos continuavam envolvidos com seus problemas de sempre, o português do Brasil adotou uma sintaxe parcialmente diferente daquela que se utiliza no português europeu. Temos aí uma conclusão de peso, porque a sintaxe tem sido considerada desde sempre o nível de análise

lingüística mais importante, quando se pretende decidir se estamos diante de uma ou duas línguas.

O português e outras línguas no Brasil de hoje

Tanto nos limites fronteiriços como em algumas regiões do país, houve situações de bilingüismos (fronteiras no sul, ou com as Guianas, ao norte) ou ainda a comunidade Quilombola, no interior de São Paulo. Mas, a política adotada pelo Estado Novo (1937-44) e durante a Segunda Guerra (1939-45) forçou o ensino do português e de abrasileirar aquelas comunidades, até abandonarem a língua materna, como a cidade de Panambi, RS (Neu-Wurttenberg), fundada por alemães em 1898. O alemão falado lá está quase desaparecendo. O mesmo acontece entre os índios. Apesar das terras indígenas somarem 11% do território brasileiro, o número de falantes vem se reduzindo a cada ano, com tendência ao desaparecimento e à integração forçada.

Algumas características do português brasileiro

Chamam a atenção alguns sons (como os ditongos nasais), alguns tempos e modos do verbo (como o futuro do subjuntivo e o infinitivo pessoal) e algumas construções sintáticas (como a colocação dos pronomes entre o radical e a desinência do futuro - “ama-la-ei” - ou a possibilidade de coordenar dois advérbios de modo, como em “decidida” e “francamente”. Além disso, criou-se um verdadeiro culto em torno da palavra “saudade”, que chegou a ser considerada intraduzível por ter um sentido que só os falantes do português entendem).

Fonética/Fonologia

O português brasileiro conta com um sistema fonológico de 31 fonemas, dos quais 10 são vocálicos e 21 são consonantais. As vogais “e” e “o” podem ser ditas como “é” e “ó”. As cinco vogais também podem ser nasalizadas como em “ã” (cato/canto, rede/rende, pito/pinto, troco/tronco e juta/junta). A nasalidade pode, aliás, caracterizar inteiros ditongos, como acontece nas sílabas finais das palavras “cantaram” e “cantarão”, que são compostas exatamente pelos mesmos segmentos. A escolha das grafias “am” e “ão” é apenas uma convenção para indicar se o ditongo é átono ou tônico. Entre as consoantes, notas-se a presença de quatro fonemas palatais (como em “nojo”, “bucho”, “manha” e “malha”), bem como a presença de dois róticos, que aparecem em pouquíssimas variantes em posição inicial da palavra, nunca em posição interna depois da sílaba nasal ou travada por consoante (nota-se que a pronúncia do “r” em “melro” e “tenro” é a mesma de “rato” e correr”.  A pronúncia dos fonemas “t” e “d” antes de “e” e “i” dependem do ambiente em que aparecem. Outra importante variante é a pronúncia do “l”; no final da sílaba é uma consoante retroflexa (confunde-se com a semivogal “w” (como em “salto”, teremos “sawto” conforme a região. O importante é que isso cria complicações na escrita como “pardau” por “pardal”, “mau” por “mal”. Costuma-se dizer que o acento de palavra cai na última, penúltima ou antepenúltima sílaba, mas na fala brasileira essa distinção é desmentida pela pronúncia, como em “técnico”: não se diz “tec-ni-cu”, mas “té-qui-ni-cu”, com acento na sílaba que precede a antepenúltima sílaba. Pronúncia como essa exemplifica o fenômeno conhecido como “epêntese”.

Morfologia

As flexões do verbo

Como a maioria das línguas românicas, o português herdou do latim uma morfologia rica: conjugação, modo, tempo, pessoa e número. O paradigma de conjugação dos verbos inclui alguns “tempos” que inexistem nas outras línguas latinas, entre eles o futuro do subjuntivo (“se eu fizer”, “quando eu puder”) e o infinitivo flexionado (“trouxe o carro para nós consertarmos”).

Todos os verbos que vão sendo criados na língua entram para uma ou outra das três conjugações ditas regulares (terminados em “ar”, “er” e “ir”). Há os verbos anômalos (irregulares e defectivos). Os irregulares podem ser subdivididos em grupos que seguem os mesmos modelos como em “passear”, “mediar”, “ansiar”, “remediar” e “incendiar” e alguns outros como “possuir”. Os paradigmas tradicionais chamados de regulares são aqueles que aceitam verbos novos; os outros são, por assim dizer, paradigmas fossilizados.  A alternância “c” e “ç”, utilizada para garantir a mesma pronúncia de “s” em todas as formas, não é uma complicação da conjugação, em sim da grafia. No que diz respeito aos verbos defectivos, o uso corrente mostra uma tendência a completar o paradigma de alguns. É cada vez mais comum ouvir falar sentenças como “Estes produtos não se adequam às normas”, acentuada no “e”. Pela tradição, o verbo “adequar” só tem as formas “arrizotônicas” em que o acento cai na desinência.  Ao lado das vozes do verbo que as gramáticas incluem sistematicamente no paradigma de conjugação, o português brasileiro desenvolveu uma série de parífrases verbais, formas por meio de um verbo auxiliar. Isso amplia bastante as possibilidades de utilizar as bases verbais disponíveis na língua.

As flexões do nome

 A morfologia flexional dos nomes limita-se às categorias de gênero e número. O chamado “grau do substantivo” que se limita a usar sufixos (“íssimo” e “érrimo”) deveria ser incluído na “morfologia derivacional”, porque é cada vez mais comuns dizer “muito chique”  ou “mais barato”.  A formação do feminino e do plural dos nomes é o que mais atormentam os estrangeiros aprendizes do português. Ensina-se que basta trocar o “o” por “a” e colocar o “s” no final da palavra e pronto. No entanto, às vezes, há a abertura da vogal interna como em “porco” e “porca”, com “ó” (metafonia). Em “avô” e “avó”, a única distinção é a pronúncia da vogal aberta. Às vezes, a grafia não marca a distinção entre o “o” e o “ó‟, o que cria confusão.

A morfologia derivacional

Estuda os processos de formação de palavras que se baseiam na aplicação de prefixos e sufixos às raízes previamente disponíveis na língua. É bom lembrar que as suas aplicações não acontecem aleatoriamente: cada prefixo e sufixo forma palavras novas de acordo com condições bastante rigorosas quanto às classes morfossintáticas a que se aplica e quanto ao resultado esperado. Assim, o mesmo prefixo pode ser aplicado a palavras de classes gramaticais diferentes. Quanto aos sufixos, eles geralmente mudam a categoria das palavras. Uma característica que distingue o português de outras línguas como francês e o inglês é a existência de sufixos como “(z)inho” e “(z)ão” e “íssimo” e “érrimo”.

Classe de palavras

Há em toda a língua conjuntos numerosos de palavras que possuem as mesmas propriedades morfológicas e sintáticas e, portanto, podem ser descritas da mesma maneira. Assim surgiram as primeiras classificações do português do Brasil: substantivos e adjetivos, verbos e advérbios, preposições, conjunções e assim por diante.

O substantivo

De classe aberta, todos os dias surgem novos substantivos pelos mecanismos da morfologia derivacional. Variam em gênero, número e grau. Podem ser “coletivos”, “comuns” ou “próprios”, “concretos” ou “abstratos”. Se a idéia é classificar os substantivos pelo tempo de informação que trazem, há muito mais a observar: nesse caso, a oposição “contável/não-contável” (exemplo: móvel e mobília – fala-se “há três móveis”  ou “há três peças de mobília” , mas não “há três mobílias” ) e a “possibilidade de dar formulações diferentes a uma mesma idéia”.

O adjetivo

Variam em gênero e número e formam o feminino e o plural. Por usarem as mesmas flexões que o substantivo não ajudam a distinguir as duas classes. Caminho alternativo é observar a flexão de grau do adjetivo (normal, comparativo e superlativo) e do substantivo (normal, aumentativo e diminutivo), como coisas diferentes. Poderíamos então definir o adjetivo como a classe em que se encontram as palavras que formam um comparativo e um superlativo.

O verbo

Do latim, verbum, significa “palavra”. Em português, é a classe de palavras que assume o maior número de formas flexionadas, mas também com forte contrapartida semântica: a localização no “tempo” e “em vários mundos possíveis”, “ao grau de comprometimento” e a “possibilidade de representar os fatos como acabados ou em desenvolvimento”. Fornece outras informações com seu radical: momentâneo e durativo (“ligar” e “funcionar”), télico e atélico (“montar” e “arrastar”). O radical do verbo também nos mostra a “valência” do verbo.

O pronome

Classe mais heterogênea. São os “pessoais”, “possessivos”, “demonstrativos”, “relativos” e os “indefinidos” e suas subclasses. Para os pessoais, em algumas regiões do país utiliza-se o “você”, em vez do “tu” e “a gente”, em vez de “nós”. As variedades culta e não-culta do português brasileiro compartilham a tendência a evitar o uso dos pronomes átonos, em particular os pronomes átonos em posição do objeto.

O advérbio

Muitos se enquadram sem problemas na definição etimológica de advérbio, que faz pensar em “proximidade ao verbo”. A idéia é que todo advérbio tem um escopo, e a posição que o advérbio ocupa na frase pode ser importante para a identificação correta desse escopo.

A conjunção

Liga as orações. Pode ligar duas orações de mesmo nível (conjunção coordenativa) ou de níveis diferentes (conjunção subordinativa). Neste último caso, pode assumir o papel de termo integrante (oração substantiva) ou de adjunto (oração adverbial).

A preposição

Ligam palavras. Mas não só. Seu papel é mais complexo e depende do tipo de construção sintática em que elas intervêm. Podem ser “essenciais” ou “acessórias”.

Sintaxe

A sintaxe da sentença: um sistema de sistemas

 A escola estuda apenas um dos tantos níveis em que se pode falar de organização sintática da sentença. Trata-se do nível em que es tá a conexidade da sentença. Todas as partes da sentença desempenham funções compatíveis com sua categoria, e é isso que nos garante uma sentença sintaticamente conexa e bem constituída. Nos últimos anos, a idéia de que na sentença convivem três formas diferentes de estruturação tem sido uma das bandeiras da escola lingüística conhecida como “funcionalismo” (o sujeito lógico, o gramatical e o psicológico). Exemplo: “Maria entregou as chaves aos dois guardas”. Maria é o sujeito gramatical e lógico. Como a ação refere-se a propósito, de Maria, então, é também o sujeito psicológico. O problema é que nem sempre coincide, o que confirma a tese de que toda a sentença é, ao mesmo tempo, uma construção gramatical, uma construção conceitual e uma construção de caráter in formativo, e que os falantes expressam essas três formas ao mesmo tempo, utilizando recursos como a ordem das palavras, a entoação, o acento, a concordância e as preposições. Isso mostra que é preciso dar à sentença uma representação bem mais complexa do que a que resulta da análise sintática escolar.

Alguns traços marcantes na sintaxe do português brasileiro

O “objeto nulo”, expresso na letra da música “Caviar?”  de Zeca Pagodinho: “Você sabe o que é caviar? Nunca vi nem comi, eu só ouço falar”. O uso dos “pronomes-sujeitos” em vez de pronome átono: “Vida leva eu”, em vez de “Vida, leva-me” ou “Vida, me leva” (canção “Deixa a vida me levar”, do mesmo autor). Por outro lado, o tipo de oração relativa em que se suprime a preposição tem sido chamada de “relativa cortadora” (“o lugar que nasci” , em vez de “o lugar em que nasci” ) é muito usada no português falado; no escrito, aparece com menor freqüência. Tem também a “copiadora”, invariavelmente, discriminada na variedade culta e na escrita, mas usada na falada: “Quem perguntou de você foi a colega que eu estava com ela”.

O léxico

O português brasileiro tem um léxico de aproximadamente 60 mil palavras. Do ponto de vista histórico, ele é o resultado de um longo processo, no qual muitas palavras antigas se perdem ou só sobrevivem com novas funções e valores, ao mesmo tempo em que muitas são criadas constantemente. Há quatro conjuntos de palavras: a) as que vieram do latim vulgar; b) os empréstimos de outras línguas; c) palavras eruditas (do latim e do grego) e; d) as criações. Vamos abordar só os três últimos conjuntos.

Os empréstimos

O próprio latim vulgar recebeu várias contribuições. Ao se firmar como língua nos séculos V a VII, o português recebeu influências das línguas faladas pelos suevos evisigodos („escaramuça”, “dardo”, “elmo”, “espora”, “espeto”, “feltro”, “fresco”, “guerra”, “liso”, “morno”). A partir do século VII, do árabe (“acelga”, “açoite”, “alfaiate”, “alambique”, “alcatrão”, “álcool”, “alecrim”). Do espanhol (“quadrilha”, “baunilha”, “cordilheira”, “mantilha”, “fandango”, “pastilha”, “pelota”). Do provençal (“trovador”, “trovar”, “cobra”). Do italiano (“gazeta”, “partitura”, “solfejar”, “afresco”, “arcada”, “serenata”, “libreto”). Do francês (“florete”, “plantão”, “sargento”, “pelotão”, “marechal”,

“pistola”, “fuziliada”, “romance”, enciclopédia”, “libertário”, “romantismo”, “compasso”, “engrenar”, “esmeril”, “guidom”, “mecha”, “pinça”, “placa”, “torniquete”, “turquesa”). Sem falar na convivência estreita que o português teve com as línguas indígenas e africanas, distinguindo decisivamente o português brasileiro do português de portual. Entre as indígenas, a predominante é a tupi (“minhoca”, “surubim”, “surucucu”, “mandioca”, “aipim”, “macaxeira”, “mingau”, “maloca”, “oca”, “carioca”. Quanto as palavras de origem africana, as que têm predominância são de origem quimbundo (“angu”, “tutu”, “binga”, “milonga”, “mocambo”).  A partir do século XIX ganham forças as palavras vindas dos imigrantes europeus e asiáticos (“pizza” e “tchau” do italiano, “vina” do alemão, “sushi” do japonês). Hoje, a língua que mais fornece empréstimos é o inglês. Em Portugal, há fortes resistências em assimilar os empréstimos.

Palavras eruditas

 Algumas palavras foram retiradas das línguas clássicas (latim e grego) e criadas num período relativamente recente, como “biodegradável”, “biomassa”, “habitats”, “biodiversidade”, “macrobiótica”, “bioengenharia”. Todas utilizam o radical “bio” (“vida” em do grego). Muitas delas criadas por imitação do inglês ou de outra língua contemporânea.

As palavras de formação vernácula

 A grande maioria do léxico da língua foi criada, a partir da língua falada no dia-a-dia, a medida que os falantes iam formando combinações novas. Os recursos mais usados são a prefixação, sufixação e a derivação parassintética. Os mais recentes são o “mini” (“minissaia”, “minimercado”, minipãozinho”, “minibar”) e o “micro” (“microcomputador”, “microcâmera”, “micropartícula”, “microondas”, “microchip”). Entre os sufixos, sobressaem o “eiro” (micreiro, metaleiro, computeiro), o “ista” (acumpunturista, manobrista, frentista, capista, tecladista) e “oso” (modernoso, chicoso). Palavras formadas por conversão ou derivação imprópria (uma roupa meio “cheguei”), por composição (disque-pizza) e o famoso “x-egg”,

originalmente designando o cheese (queijo, em inglês), hoje já perdeu essa condição. Também se referir a um tipo de sanduíche, porque já é possível se pedir um “x-queijo”.

Campos “marginais” do léxico: a antroponímia, a toponímia e os nomes de marcas

O Brasil tem sido um grande importador de prenomes estrangeiros, fenômeno que ganhou força com a imigração, a Segunda Guerra Mundial, do cinema e da mída. Para formar nomes de pessoa, o português do Brasil recorre a um processo curioso: forma o prenome dos filhos combinando segmentos dos nomes dos pais. O casal Norberto e Walnice, por exemplo, pode dar ao seu filho o nome de Norval ou à filha de Walnora. Os nomes também sofrem redução (hipocorístico): Carlos vira “Cacá”, Eduardo vira “Edu”, “Dudu” ou ainda Fausto Silva, vira “Faustão”. É enorme também a quantidade de nomes de origem indígena. Muitos descrevem a maneira como os indígenas representavam o relevo, a vegetação ou o clima de certas localidades. “Cumbica”, nome da região onde foi construído o aeroporto internacional de São Paulo, significa “nuvem baixa”. Para os nomes de marcas, o português brasileiro tem sido muito criativo. Ele mistura o nome de produtos com a cidade: Pirapar (Piracicaba com Parafusos), Unicamp (Universidade com Campinas).

Português do Brasil: a variação que vemos e a variação que esquecemos de ver 

 A uniformidade do português brasileiro, apesar de ser cultura, é, na verdade, um mito. Contribuem para isso um certo tipo de nacionalismo, uma visão limitada do fenômeno lingüístico, que só consegue levar em conta a língua culta e uma certa insensibilidade para a variação, contrapartida do fato de que os falantes se adaptam naturalmente a diferentes contextos de fala.  A idéia é falsa e pouco interessante porque nos levam a não saber lidar com algumas situações que afetam o uso e o ensino da língua. A

variação da língua é normal e pode ser do tipo diacrônica, diatópica, diastrática e diamésica.

Variação diacrônica

São termos criados por gerações (gírias) que, embora compreensíveis, soam “antigas” ou somente entendidas pelos mais velhos ou mais jovens (“estar de bonde”,estar com a namorada; “footing”, prática de passear a pé, ou o mais recente o verbo “ficar”, no sentindo de relacionar-se). Mas não só na gíria. Há termos como “dar uma de...”  é de uso corrente na fala coloquial e transmite muitos sentidos. Há termos como “amanhã vamos estar mandando seu cartão...” que é extremamente desnecessário. Ou a gramaticalização de termos como a formação do pronome “você” que vem do “Vossa Mercê”. Ou a lexicalização, como uso da conjunção “entretanto” ou do advérbio “finalmente” no sentido de “considerações, ressalvas” e “conclusões, decisões”. Seja como for, a língua não foi estabelecida em caráter definitivo, mas mutável.

Variação diatópica

Português europeu e português do Brasil

Portugal e suas antigas colônias falam a mesma língua? No caso do Brasil e dos países africanos, o nacionalismo realçaram as diferenças. Já em Timor-Leste, a necessidade de se diferenciar dos vizinhos valorizaram as raízes portuguesas. Muitas têm sido as interpretações.  Alguns estudiosos falam que sim, outros que o português brasileiro é um dialeto e outros ainda que há profunda unidade entre elas.  As diferenças são marcantes: 1. No Português Europeu (PE) o som caracteriza-se pelo enfraquecimento das sílabas pretônicas, pela pronúncia do “r” como

vibrante múltipla, pelo fato de que o “l”, em posição final de sílaba, tem pronúncia valorizada e não é substituído pela semivogal “w”. 2. No Português Brasileiro (PB) é possível iniciar a frase com um pronome clítico: “Me dá um cigarro” em PE, não. 3. O PB usa o objeto nulo com abundância, o PE evita 4. O PE usa o “si” como anafórico de expressões de tratamento: “Doutor, essa carta é para si”. No PB, “Doutor, essa carta é para o senhor”.

5. O PE diz, “não estou a perceber”, o PB, “não estou entendendo”. 6. O PE diz, “se eu sabia, eu vinha” , o PB o discrimina. 7. Diferenças no vocabulário em verbos (“aquecer/esquentar”), em adjetivos (“parvo/bobo), e em substantivos (“cerveja de pressão/chope” ou “ecrã/tela da televisão ou do cinema”). 8. O PB aceita estrangeirismos o PE não (“frízer/arca frigorífica”).

A variação regional no português do Brasil

 A variação regional existe sem afetar aspectos substanciais do sistema fonológico ou sintático, mas em comparação com o que acontece na Europa, o português brasileiro é bem uniforme. Alguns exemplos de palavras que têm o mesmo sentido mas com formas diferentes: “lanternagem/funilaria”; “macaxeira/aipim/mandioca”; “negócio/venda”; “geléia de frutas/chimia”. Outras com formas iguais, mas com significados diferentes: “quitanda” (em geral, significa “mercearia”, mas em Minas, é um conjunto de iguarias doces e salgadas feitas com massa de farinha), “feira” (em geral, significa uma reunião de vendedores, mas no Norte é uma sacola em que se transportam gêneros).

Os Atlas lingüísticos do português do Brasil

O primeiro atlas lingüístico de abrangência nacional surgiu em 1922, quando o filólogo Antenor Nascentes lançou o livro “O linguajar carioca”, relançado em 1953. O livro separa no Brasil dois grandes grupos de falares – os do Norte (amazônico e nordestino) e os do Sul

(compreendendo o baiano, o mineiro, o fluminense e o “sulista”). Duas  justificativas, pela “cadência” e pela “existência de protônicas abertas em vocábulos que não sejam diminutivos nem advérbios em “mente”. Pelas dificuldades financeiras, o que prevalece no Brasil são os “atlas r egionais”.

Variação diastrática

No Brasil não encontramos verdadeiros dialetos no sentido diatópico do termo. Em compensação, há uma séria diferença entre o português falado pela parte mais escolarizada e pela menos escolarizada da população. É a chamada variação diastrática, que se distingue pela fonética (“incelença” por “excelência” ou “figo” por “fígado”), pela morfologia (nóis cantamo/nóis cantemo” por “nós cantamos), pela sintaxe (“os doce mais bonito é”; “ninguém não sabia”; “a casa que eu morei nela” ou“a mulher xingou eu”). Curioso é que, se no português subpadrão a conjugação verbal foi reduzida a duas formas (eu falo, você/ele/nós/vocês/eles fala), no inglês e no francês também só há duas ou três formas e ninguém se lembra de dizer que isso é um problema para aquelas línguas. O fato é que a criança acostumada a falar “calipe” terá que aprender a escrevê-la e a expressá-la (eucalipto) como se fosse uma palavra nova.

Variação diamésica

São as variações entre a língua falada e a escrita. Tradicionalmente a escola acostumou as pessoas a vigiar a escrita e a dar menos atenção à fala. Por isso muita gente pensa que fala da mesma forma que escreve. O texto escrito é planejado, já o texto falado é normal encontrar um grande número de reformulações sucessivas e sempre parciais de um mesmo conteúdo.

Os gêneros

Há, portanto, uma gramática do falado e uma gramática do escrito. Essa é a principal conclusão desde que começaram a estudar a variação diamésica. Outra conclusão é que, conforme o gênero (tipos de textos) que pertencem textos sejam eles falados ou escritos, apresentam um vocábulo e uma gramática próprios (a língua dos discursos políticos, da burocracia, os ensaios científicos, usuários de e-mails e dos chats e etc). Têm tradição própria e são marcados pela natureza do veículo adotado em sua transmissão.

A variação na variação

Importante: a variação diacrônica, diatópica, dastrática e diaméstica convivem.

O drama de encarar a variação

Toda a língua está sujeita a variação e mudança. O português do Brasil tem variações em cada uma das dimensões vistas. Qual é o interesse? Que a uniformidade da língua é ilusória, porque apresenta variedades regionais e que muita gente discrimina essas formas de falares.

Lingüística do português e ensino

 A estandardização deu estabilidade à língua e a fixação de uma norma levou à valorização de modelos antigos. Num terceiro momento, falaremos da representação da língua que se extrai das gramáticas e que é excessivamente estreita para ser aceitável. Por último, o modo de encarar a língua.

A estandardização da língua

É quando a língua assume uma mesma forma para a maioria dos usuários e passa a obedecer a modelos definidos. Todas as línguas passaram pela estandardização. Contribuem para isso, inovações tecnológicas (desde a invenção da imprensa até a explosão dos meios de comunicação de massa) e a generalização do ensino primário que geraram um grande mercado de livros didáticos.

A fixação da ortografia

 Antes que uma língua encontre a sua fixação, é preciso primeiro resolver as divergências quanto à maneira de representar a pronúncia e quanto à maneira de pronunciá-la. No caso da língua portuguesa, a fase de experimentações durou até o final do século XVI e caracterizou-se por fazer da grafia uma reprodução fiel dos sons da fala. O período que vai de 1572 até 1911, conhecido como “pseudoetimológico”, caracterizou-se por representar na escrita a origem da palavra. A partir de 1911 começaram em Portugal as grandes reformas ortográficas. A adesão do Brasil à reforma de Gonçalves Viana aconteceu em 1931. Mas, em 1945, Portugal adotou novas propostas e as línguas voltaram a se diferenciar em alguns pontos. O unificação da ortografia entre os países de língua portuguesa voltou ao assunto em 1986. A unificação é importante já que é um prérequisito para o português ser utilizado pela ONU. Mas, ainda há obstáculos políticos e lingüísticos. A ortografia não é a língua e nem uma bela reforma resolverá os problemas. A língua pode existir sem ser escrita. O custo social da reforma pode ser alto demais. A sociedade atribui com freqüência à ortografia estabelecida (e à sua reforma) “valores” que não têm nada a ver com a função de facilitar a leitura ou a alfabetização.

O trabalho dos lexicógrafos

Os dicionários também contribuem para fixar a língua. São uma “referência” e uma espécie de “registro civil da palavra”. Outra é a prática da abonação (fixar um ou mais exemplos a cada acepção das palavras).

No século XIX, intelectuais brasileiros começaram a colecionar “brasileirismos” para completar os dicionários portugueses existentes (Brás da Costa Rubim, de 1853, e Rodolfo Garcia, de 1915). Os primeiros dicionários completos só apareceram em 1950. O “Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa”, a partir da sua 11ª edição passou a contar com a supervisão de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Autor do “Novo dicionário da língua portuguesa (1975 e 1986), quando seu nome passou a ser sinônimo de “dicionário”. Os grandes dicionários de referência para o português do Brasil são hoje três: o “Novo Aurélio do século XXI” (2000), o “Dicionário Houaiss da língua portuguesa” (2001) e o “Dicionário de usos do português do Brasil” (2002), de Francisco da Silva Borba, mais conhecido pela sigla DUP. Os dois primeiros primam por registrar a riqueza do vocabulário e o DUP, mais a imagem da língua viva de hoje. Em Portugal, há uma obra magistral; “Dicionário da língua portuguesa contemporânea” (2001).

O trabalho dos gramáticos normativos

Os primeiros tratados de gramática escritos em língua portuguesa datam do século XVI. Todos eles procuram formar fidalgos para o convívio da corte e preparar para o estudo do latim. O domínio da língua como forma de distinguir os cultos dos não-cultos também ajudou para uniformizar a língua e para frear sua mudança. Essa representação ganhou força no século XIX até hoje e presente nas expectativas que a sociedade faz a respeito de todos os profissionais da linguagem.  A gramática normativa procura estabelecer como a linguagem deve ser. Outra coisa é a gramática descritiva, que procura descrever uma língua tal como o analista a observou. Outro tipo são as gramáticas explicativas. Os fatos observados são “explicados”, isto é, são encarados como a conseqüência de algum princípio geral que diz respeito às capacidades humanas. Outra face menos visível, mas não menos importante, é a casuística gramatical, que consiste em comparar diferentes regências, concordâncias e colocações, enfim, distintas construções gramaticais, aprovando uma s e condenando outras.

 Ao usar formas condenadas (como “entrega a domicilio”, em vez de “entrega em domicílio” ) estamos cometendo um erro chamado “solecismo”. Outro erro apontado pelos gramáticos são os “barbarismos” (termos que atentam contra a pureza da língua) e os “neologismos”, isto é, a predisposição para evitar as palavras novas e os usos novos de palavras antigas (“gabarito”, termo técnico da arquitetura, como uso metafórico, como em “fulano não tem gabarito” ).

A descrição da língua nas últimas décadas do século XX

 A atitude normativa vem prevalecendo entre os gramáticos. É, de certa forma, também a atitude que a sociedade espera dos profissionais da linguagem, excetuados talvez os escritores. Não adotá-la seria traição. Mas, o risco é justamente o contrário. Normatizá-la sem maiores cuidados seria o mesmo que fechar os olhos para a língua, porque a gramática normativa dá da língua uma imagem redutora e acaba por travar expressão dos falantes quando, precisamente, julga enriquecê-la.

A definição de uma norma “brasileira”

É comum que os falantes de uma determinada língua procurem definir e consagrar modelos de uso mais prestigiados, porque é uma forma de reforçar a adesão a certo grupo e, indiretamente, de acrescentar valor à própria mensagem. Esse problema deu origem a debates célebres, devido aos interesses que estavam por trás da busca por “norma” e “modelo” pelos autores.

Debates em torno da norma brasileira

Têm três sentidos diferentes: a) norma literária própria, como na obra “Iracema” de José de Alencar, que recebeu a ira de filólogos portugueses; b) norma para o português escrito culto (Código Civil da Primeira República). Outra polêmica que envolveu Rui Barbosa e o gramático

Ernesto Carneiro Ribeiro acerca de uma emenda que este fez ao texto do Código Civil contestada por Rui Barbosa e; c) norma fonética para o português brasileiro (pronúncia no canto lírico e no teatro). Sobre esse último, dois congressos foram realizados, um em 1936 e outro em 1957. Ambos chegaram à conclusão que o português falado no Brasil é de várias maneiras e é diferente do falado em Portugal, mas, o primeiro considerou que a norma era uma questão de sotaque, bastaria tomar como modelo o jeito falado em alguma grande cidade, eliminando os traços regionais, como o sibilismo paulista, o gargarismo e chichismo cariocas. Esse ponto evoluiu, no segundo congresso, para a idéia de que deveria haver uma negociação entre as regiões.

O peso das várias concepções de norma

Essas concepções de normas tiveram reflexos no ensino, mas de maneira desigual. A que mais chamou a atenção foi a norma da língua escrita, que tinha raízes portuguesas e não brasileiras, e o modo como a sociedade brasileira representa o uso culta da língua. Mesmo na “norma culta” também há considerável margem de variação entre as diferentes capitais, mas também entre o escrito e o falado.

Língua e gramática ou Da necessidade de óculos

Para a maioria das pessoas escolarizadas, o sumário das gramáticas funciona como uma espécie de representação padrão da língua e isso é ruim, porque essa representação é muito pobre. A concepção de língua que emana das gramáticas não vai além do período gramatical, deixando de fora os fenômenos que dizem respeito à textualidade. Portanto, a gramática comete dois equívocos; 1) acaba querendo explicar como fenômenos internos à sentença muitos fatos de língua que na verdade dizem respeito à organização de seqüências mais amplas e 2) contribui para fortalecer a idéia de que qualquer produção textual que contém construções condenadas pela gramática prescritiva é automaticamente um mau texto.

Algumas palavras sobre gramática, lingüística e ensino

Um problema que todo professor da língua materna enfrenta é o de desenvolver uma prática pedagógica coerente com a formação que recebeu, porque traz uma série de conhecimentos desconexos, não tem chances de optar por práticas educativas diferenciadas e não tem certeza do que é melhor para os seus alunos. Invariavelmente se deparam com as seguintes perguntas: a) ensinar língua ou leitura/literatura; b) trabalhar com gramática ou com textos; c) usar ou não o livro didático, se usar, qual deles; d) ser severo ou condescendente com os “erros” mais freqüentes dos alunos; e) apostar na gramática ou apostar na lingüística.

O material de trabalho do professor de língua materna: a competência lingüística dos alunos

Qual é o papel do professor da língua materna? Em primeiro lugar, não cabe ao professor iniciar os alunos na prática da língua. Eles já têm a matéria-prima. Cabe ao professor trabalhá-la para que a criança possa usá-la bem Para isso, a criança precisa aprender a usar de maneira compartilhada com vários tipos de interlocutores objetos lingüísticos de tipo textual. Mas, a escola não tem trabalhado para enriquecer a competência lingüística do aluno, mas para desenvolver outra competência que, supostamente, coincide com a competência lingüística das classes mais cultas. Por isso, tem trabalhado principalmente no sentido de acostumar o educando a monitorar de maneira consciente seu próprio desempenho lingüístico, investindo em duas estratégias principais: a sistematização gramatical e a análise sintática. A força da “correção” é tamanha que o professor tende a desqualificar todo e qualquer deslize do aluno contra a sintaxe e a ortografia. Claro que o objetivo é ensinar o português culto, mas a expressão em português padrão dos alunos é muito mais do que uma decisão pessoal e livre, é a manifestação no texto que se produz para a escola, de uma variedade lingüística que a escola continua fingindo que não existe. O melhor caminho para chegar à forma culta não é o autocontrole por meio da gramática, mas o exemplo do professor, a leitura, a impregnação paulatina pela variante culta.

A gramática e a auto-imagem do professor 

O ensino da língua nos parece pesado, ineficaz e sobrecarregado de gramática. Por que? Parte da resposta é porque o ensino da “gramática” é, na prática, a única solução que a escola tem dado à necessidade de ensinar a norma culta, num contexto lingüístico em que a norma culta se afasta do uso corrente.  A outra parte da resposta é que a escola passa à sociedade a impressão que escrever bem é escrever correto e a sociedade cobra da escola que se ensine a escrever correto. Nesse contexto está o professor como conhecedor das formas corretas. Isso lhe dá autoridade. Essa é a imagem que o próprio professor tem de si. O professor deveria ser, por definição, alguém que redige de mane ira satisfatória, que interpreta o texto, que sabe esclarecer a língua do s textos, que sabe e gosta de narrar, descrever e argumentar. É preciso tomar partido das representações correntes dos fenômenos lingüísticos, denunciando preconceitos e trabalhando no sentido de entender e resolver problemas que envolvam o uso da linguagem. Ele terá a difícil tarefa de ajudar seus alunos a superar o hiato que se criou historicamente entre a fala da maioria da população e uma norma cultua construída, parcialmente, à revelia do uso. Que trabalhe no sentido da inclusão e não da discriminação. Resumo: Sérgio dos Santos

QUESTÕES

1). No início do século XX, o português brasileiro começa a sofrer algumas mudanças estruturais. São exemplos dessas mudanças: a) consolidam-se as primeiras editoras brasileiras e a imprensa ganha autonomia,; b) surgem as primeiras antologias nacionais para uso escolar; c) combatem-se estrangeirismos desnecessários e formas de expressão populares;

d) apenas as alternativas “a” e “c” estão corretas; e) todas as alternativas estão corretas e se complementam;

2) As variantes lingüísticas, segundo os autores: 1. 2. 3. 4. 5.

existem e afetam aspectos substanciais do sistema fonológico ou sintático; existem sem afetar aspectos substanciais do sistema fonológico ou sintático; existem e pode ser do tipo diacrônica, diatópica, diastrática e diamésica;  Apenas as alternativas “b” e “c” estão corretas; Todas estão corretas.

3) Ainda sobre variação da língua é correto afirmar: a) A uniformidade do português brasileiro, apesar de ser cultura, é, na verdade, um mito, uma visão limitada do fenômeno lingüístico, que só consegue levar em conta a língua culta e uma certa insensibilidade para a variação. b) Alguns estudiosos falam que Portugal e suas antigas colônias falam a mesma língua , outros que o português brasileiro é um dialeto e outros ainda que há profunda unidade entre elas. c) Tradicionalmente a escola acostumou as pessoas a vigiar a fala e a dar menos atenção à escrita. Por isso muita gente pensa que fala bem e que escreve mal. d) Todas as alternativas estão corretas. e) Apenas as alternativas “a” e “b” estão corretas.

4) Segundo os autores, o português brasileiro foi, (...) seguindo uma derivação própria. Ao mesmo tempo, uma outra variante do português, mais resistente às interferências, usado em contextos oficiais era falada por uma parcela muito minoritária da população, que não queria o contato com índios ou negros e iam à Europa estudar o idioma. Ou seja, desde o Brasil-Colônia que as normas lingüísticas do português vêm sofrendo uma cisão, a ponto do escritor Carlos Drummond de  Andrade escrever um poema com o título: “O português são dois”.

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