O mundo de RNA
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Resumo do primeiro capítulo de "Biologia molecular e evolução" (USP)...
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O "mundo de RNA" Até a década de 1950, tinha-se a ideia de que as proteínas eram, provavelmente , as primeiras moléculas da vida, por apresentarem alta flexibilidade e atividade catalítica, além de a síntese de aminoácidos, e até de polipeptídeos, ser possível em condiçõ ióticas. No final da década de 1960, Orgel, Crick e Woese propuseram independenteme nte que o RNA é que teria sido a primeira molécula da vida, pelo papel central que e la estabelece entre o DNA e as proteínas, e pelas várias funções, já conhecidas na época, qu e desempenham na célula, sob as formas de mRNA, tRNA e rRNA (Jeffares et al., 1998 ; Landweber et al., 1998; Szathmáry, 1999). Posteriormente, descobrir-se-ia que o RNA poderia ter capacidade catalítica (ribozimas), que haveria moléculas idênticas ou semelhantes aos monômeros de RNA que atuam como cofatores em todos os seres vivos, e que o RNA possuiria quimicamente mais flexibilidade que o DNA, e hoje um número crescente de funções vêm sendo associadas a elas (Soares e Valcárcel, 2006). Dessa forma, cunhou-se o termo "mundo de RNA" para descrever o cenário ond e a principal molécula ativa na origem da vida teria sido o RNA, uma vez que ele p ode tanto possuir propriedades catalíticas quanto replicativas (armazenamento de i nformação genética e de evolução). Considera-se, nessa hipótese, que a reprodução e o metabol o das primeiras formas de vida teriam dependido primeiro das atividades catalítica s e replicativas do RNA, para só posteriormente as proteínas e o RNA terem assumido suas funções atuais (Gilbert, 1986). Sendo assim, as moléculas de RNA catalíticas encont radas hoje seriam remanescentes da época anterior ao desenvolvimento do DNA e das proteínas, i.e., verdadeiros fósseis moleculares (Joyce, 1989). Considerações sobre o RNA, em relação ao DNA Apesar de haver dificuldades para se conseguir formar, em condições pré-bióticas , polímeros similares aos ácidos nucleicos atuais, há algumas linhas de evidência que ap ontam para a hipótese de que o RNA é anterior ao DNA: 1. Estruturalmente, o RNA é mais flexível que o DNA, por causa de sua composição como si mples fita e por apresentar em seu açúcar (ribose) a hidroxila (-OH) na posição 2', o qu e lhe confere maior reatividade. 2. Funcionalmente, além de se apresentar como mRNA, tRNA e rRNA, sabe-se hoje que ele participa: da telomerase, que adiciona o DNA das extremidades dos cromossomo s; do sistema secretor celular, sob a forma de RNA 7S; do splicing (processament o do mRNA), como pequenas moléculas nucleares; e da regulação da expressão de genes (RNA -interferência), como RNA dupla-fita (Fire, 2007). 3. No metabolismo celular, observa-se que: a própria síntese de DNA necessita do RNA iniciador (primer); na síntese dos precursores de DNA, os desoxirribonucleotídeos são derivados dos ribonucleotídeos a partir de reação catalisada por ribonucleotídeo-reduta ses; e a timidina é sintetizada a partir da metilação de uridina. 4. Nos retrovírus, a transcriptase reversa sintetiza DNA a partir de RNA; supõe-se q ue esse mecanismo ocorreu cedo na evolução, culminando no surgimento das células dotad as de DNA. RNA catalítico Em 1977, descobriu-se que sequências codificadoras de vários genes, nomeadas exons, eram interrompidas por sequências intervenientes ou intercalantes, que for am denominadas introns. Após a transcrição, os introns teriam que ser removidos do pré-R NA (RNA splicing), originando o RNA maduro, que serviria de molde para a tradução em uma proteína. As primeiras evidências de descontinuidade do gene eucarionte foram o bservadas estudando-se adenovírus, nos quais observa-se que moléculas de mRNA hibrid
am em diferentes regiões do genoma de DNA viral. Essas descobertas renderam o prêmio Nobel a Richard J. Roberts e Philip Sharp em 1993. Embora comuns no núcleo e nas organelas de eucariotos, introns já foram desc ritos em arqueias, eubactérias e até mesmo em bacteriófagos. Nos eucariotos multicelul ares, a maioria dos genes é interrompida e os introns são bem mais longos que os exo ns, embora isso não seja uma regra; a distribuição, o número e o tamanho dos introns var iam enormemente (Roy e Gilbert, 2006). Na década de 1980, muitos introns foram descritos e classificados segundo características estruturais e mecanismos pelos quais são removidos do pré-RNA. No início da década de 1980, Cech et al. descreveram um intron no ciliado Tetrahymena therm ophila que era capaz de se autocatalisar (self-splicing; Cech, 1988, 1990) e agr uparam-no no grupo I. Moléculas de RNA desse tipo, que tinham atividade catalítica, foram nomeadas "ribozimas" por Cech. Introns do grupo I se caracterizam por uma estrutura secundária altamente conservada e pelo mecanismo de catálise das duas reações de transesterificação consecutivas requeridas para sua autoexcisão do transcrito primári o (Cech e Bass, 1986); introns do grupo II também podem ser autocatalíticos, mas apr esentam sequências consenso e seu mecanismo de excisão é semelhante ao de introns remo vidos pela maquinaria riboproteica, a spliceosome (Doudna et al., 1989). Apesar de certo ceticismo inicial, sabe-se hoje que moléculas de RNA são cat alisadores surpreendentes, e não se confinam a ser substratos de ácidos nucleicos (L azcano, 1994; Jeffares, 1998; Landweber et al., 1998). Potter et al. (1995) most raram que a arqueia Sulfolobus possui, em uma endonuclease, uma molécula de RNA qu e catalisa a excisão e a maturação de rRNA, e esta molécula é muito semelhante ao RNA U3, envolvido na maturação do mRNA em eucariotos, os autores acreditam que se poderia es tar diante de um fóssil molecular presente antes da divergência dos dois domínios. You ng et al. (1991) mostraram que a polimerase do RNA III do bicho-da-seda requer u m fator de transcrição que é composto por RNA. Fung et al. (1995) apresentaram indícios de que pequenas moléculas de RNA citoplasmáticas (RNA G8) estão envolvidas em termotol erância em Tetrahymena thermophila. Além disso, muitas coenzimas e grupos prostéticos compostos por nucleotídeos, como NAD e FAD, presentes em todos os seres vivos, cat alisam reações químicas similares às reações das quais tomam parte como cofatores (Lazcano, 1994; Szathmáry, 1999). Segundo Jeffares et al. (1998), para que se possa considerar as moléculas de RNA que são remanscentes do mundo de RNA, elas devem apresentar pelo menos uma das seguintes características: (1) ser catalítica, pois, como proteínas são catalisadore s melhores, é improvável que o RNA catalisador seja uma aquisição recente do metabolismo ; (2) ser ubíqua, indicando que já estava presente no ancestral comum dos seres vivo s atuais; (3) ter função central no metabolismo, pois, exercendo função central, é inesper ado que seja substituído. A existência do mundo de RNA implica ribozimas replicadoras de RNA, o que foi demonstrado por Doudna e Szostak (1989); além disso, seriam necessárias a capaci dade de tomar matéria-prima do meio, supondo-se que as moléculas de RNA autorreplica tivas já estivessem envoltas por membrana, e a capacidade de coletar energia de ou tras moléculas com ligações de alta energia (Lazcano, 1994). Por isso, o RNA deveria e star acompanhado de diversas moléculas que serviriam como cofatores e substratos, incluindo íons metálicos, aminoácidos, polipeptídeos, açúcares, lipídeos, etc. A coexistência varia à aquisição de outros grupos funcionais. Assim, por exemplo, a autoclivagem de a lguns introns atuais é dependente de Mg++, o que sugere a existência de metalorriboz imas (Gilbert, 1987); a associação de um terpenoide hidrofóbico a um ribonucleotídeo na membrana da bactéria púrpura Rhodopseudomonas acidophila (Neunlist e Rohmer, 1985) s ugere que poderia ter havido uma associação direta entre RNA e lipídeos, o que facilit aria a encapsulação de moléculas de RNA (Lazcano, 1994). Uma simples interação química entre aminoácidos e ribozimas para a produção de proteí as pode, eventualmente, ter levado a uma transformação completa da célula baseada em R
NA (Lazcano, 1994). A primeira protocélula é, por definição, um sistema envolto por membranas, compo sto de macromoléculas capazes de autorreplicação e de catálise, com mecanismos de tomada de matéria-prima do meio e de obtenção de energia (Deamer et al., 1994). Os genomas d e RNA das primeiras células teriam as seguintes propriedades (Ohta, 1994): a repli case do RNA seria ineficiente devido a uma alta taxa de erro, em termos de subst ituição de nucleotídeos; os materiais genético e funcional seriam a mesma molécula, mas as duas formas teriam se diferenciado cedo, sendo o material genômico formado por RN A de dupla-fita, pois o de simples-fita tem alta taxa de hidrólise; várias funções genétic as já deveriam existir a partir da diversificação da primeira replicase do RNA; uma es trutura semelhante ao tRNA teria servido como marcação para a transcrição (copiar RNA ge nômico dupla-fita para RNA funcional); o genoma de RNA deveria ter aumentado gradu almente, permitindo uma maior diversidade funcional. O "mundo de RNP" A origem do código genético e do sistema de tradução deve ter sido uma das princ ipais transições na evolução e na diversificação da vida. Essa transição modificou radicalmen os sistemas vivos, permitindo a divisão de trabalho entre os ácidos nucleicos (infor mação) e as proteínas (catálise). Não se pode descartar a hipótese de que genomas de DNA tenham aparecido ante s do surgimento da síntese proteica. De acordo com a hipótese do mundo de RNA, a sínte se proteica mediada por ribossomos surgiu a partir da interação entre aminoácidos e RN A. Há evidências de que aminoácidos e oligopeptídeos compunham a sopa pré-biótica na Terra p rimitiva. A síntese proteica é um processo complexo, envolvendo muitos componentes, como rRNA, tRNA, mRNA, e diversas proteínas, como fatores de elongação e iniciação, sintet ases de aminoacil-tRNA, proteínas ribossômicas, etc. Ainda não se conhece completamente como as ligações peptídicas são formadas no rib ossomo, mas existem evidências de que o rRNA é responsável pela catálise (Noller, 1991; Nitta et al., 1998). Recentemente, selecionou-se uma ribozima capaz de catalisar a formação de uma ligação amida (Szathmáry, 1999). Um dos passos mais críticos na origem da síntese proteica é a formação de uma estrutura altamente complexa como o ribossomo (Poo le et al., 1998). Assume-se, geralmente, que, no início do mundo de RNA, a precisão da replicação era limitada, e que, por isso, nas moléculas de RNA, não se ultrapassariam algumas c entenas de bases. À medida que a precisão da replicação foi aumentando, moléculas maiores puderam ser formadas. É possível que os vários sítios ativos dos ribossomos tenham sua o rigem em ribozimas individuais que, com o tempo, foram reunidas por recombinação e f ormaram rRNA (Jeffares et al., 1998; Poole et al., 1998). Conforme Poole et al. (1998), a síntese proteica baseada em uma molécula-mol de de RNA teria se originado a partir de uma ribozima que tivesse atividade de p olimerase do RNA e que fosse adicionadora de trinucleotídeos. Trinucleotídeos mantêm u m número maior de pontes de hidrogênio que nucleotídeos individuais, e isso, por sua v ez, os mantêm por mais tempo fixos no mesmo lugar, o que seria bastante vantajoso devido ao fato de que a catálise por ribozimas é mais lenta do que a realizada por p roteínas. A eficiência da replicação do tRNA poderia ser aumentada com a adição de mais sítio de reconhecimento, como, por exemplo, um aminoácido. Em um complexo de replicação, a afinidade de um tRNA por um aminoácido poderia ser revertida com a clivagem do ami noácido, liberando o tRNA. Assim, é possível que o código genético já tenha se estabelecido no mundo de RNA (Nagel e Doolittle, 1995; Wetzel, 1995). A vantagem desse modelo é que várias das funções catalíticas presumidas podem ser testadas com a evolução in vitro de ribozimas. Uma ribozima desenvolvida in vitro, p or exemplo, foi capaz de ligar um aminoácido a um tRNA (Illangasekare et al., 1995 ).
A origem da informação (mRNA) é provavelmente o passo mais difícil de se explica r. Segundo Poole et al. (1998), os mRNAs podem ter surgido como produtos secundári os do processamento de RNA. Nesse modelo, as ribozimas (como introns) seriam rem ovidas do pré-RNA e as sequências flanqueadoras (como exons) seriam todas reunidas s ecundariamente, eventualmente dando origem a novas sequências com função (mRNAs). Os a utores denominaram essa hipótese de introns-first (hipótese de introns precoces). Pequenas moléculas de RNA nucleolar (snoRNA, small nucleolar RNA) são proces sadas a partir de introns encontrados nos genes que codificam proteínas ribossômicas e chaperonas (família de proteínas que auxiliam ou facilitam o correto dobramento d e uma enzima). Com base nisso, Poole et al. (1998) propõem que essas proteínas, que são universais, estariam provavelmente entre as primeiras a ter surgido na transição e ntre o mundo de RNA e o do metabolismo celular proteico. As primeiras proteínas deveriam interagir com o RNA com baixa especificida de e deveriam atuar como chaperonas da ribozima. Muitas das chaperonas atuais es tão envolvidas na resposta ao choque térmico e são denominadas de HSP (Heat Shock Prot eins). Poole et al. (1998) incluem na categoria das chaperonas as moléculas que se ligam ao RNA e que não são em si catalíticas, como as proteínas ribossômicas e aquelas li gadas à remoção de introns. Polipeptídeos carregados positivamente ligar-se-iam às moléculas de RNA, carre gadas negativamente, aumentando, assim, sua estabilidade. O aumento da estabilid ade das estruturas terciárias das ribozimas, que, sem as proteínas, seriam bastante dependentes das concentrações de íons do meio (por exemplo, Mg++), permitiria um aumen to na precisão da replicação e, consequentemente, um aumento do tamanho das moléculas de RNA sendo replicadas. Esse aumento na precisão de replicação da informação é fundamental pa ra o surgimento da síntese proteica. As proteínas são catalisadores mais eficientes e rápidos que o RNA, pois possu em um número maior de grupos funcionais (20 aminoácidos) e a capacidade de manter um a estrutura terciária precisa (Jeffares et al., 1998). São raros, atualmente, catali sadores formados unicamente por RNA (somente alguns introns autocatalíticos e ribo zimas virais). Na maioria dos casos, RNAs catalisadores estão associados a proteínas que ajudam a manter sua estrutura terciária correta. A estrutura terciária de molécul as de RNA varia com a concentração de íons no meio, daí a necessidade de interagir com p roteínas. Os ribossomos atuais parecem ser exatamente isso: ribozimas estabilizada s por proteínas. Sendo as proteínas mais eficientes como catalisadores que as ribozimas, su a síntese e utilização teriam sido mais vantajosas para os organismos (Jeffares et al. , 1998). A partir da interação entre os polipeptídeos e as moléculas de RNA, teria surgi do o chamado "mundo de RNP" (RNP = RNA + proteínas). O "mundo de DNA" Atualmente, dos seres vivos, os vírus podem apresentar o RNA como portador de informação genética, em fita simples ou dupla. Por isso, proteínas podem ser sinteti zadas na ausência de DNA, mas não de RNA. É razoável assumir que genomas de DNA surgiram posteriormente à síntese proteica, sendo monofiléticos e tendo se desenvolvido antes da divergência das três linhagens celulares (eubactérias, arqueias e eucariotos). O DN A dupla-fita é extremamente resistente, tendo possivelmente sido selecionados por sua estabilidade (Lazcano, 1994), e sua duplicidade teria facilitado o reparo co m precisão em caso de dano em uma das fitas. Por serem mais estáveis, genomas de DNA poderiam, assim, aumentar de tamanho através da duplicação gênica. Genomas de DNA e polimerases do DNA de alta fidelidade possibilitaram um a maior capacidade de codificação, duplicação de genes em alta escala e embaralhamento d os exons, gerando proteínas com novas capacidades catalíticas, o que culminou com gr
ande diversificação e aumento de complexidade das formas de vida. Células com RNA como material genético, com capacidade metabólica mais limitada e lenta, poderiam gradua lmente ter sido extintas na competição com essas novas células de DNA emergentes. A transferência de informação genética do RNA para o DNA deve ter ocorrido graças à atividade de enzimas conhecidas como transcriptase reversa. Inicialmente encontr adas em retrovírus, elas têm sido descritas em células eucarióticas e procarióticas. É possív l que, após o mundo de RNA se estabelecer, proteínas tivessem se estabelecido como d eterminantes importantes do metabolismo celular, no mundo de RNP, e que enzimas como a transcriptase reversa tivessem convertido o genoma, ou parte dele, em DNA . A telomerase, por exemplo, que é uma enzima importante na síntese de extremidades repetitivas dos cromossomos de eucariotos, os telômeros, realiza sua função empregando uma molécula de RNA como molde da região repetitiva. Ela é, portanto, uma transcripta se reversa. Acredita-se que a telomerase seja um dos fósseis moleculares do mundo de RNP, e, além disso, ela indica que a função de transcriptase reversa também pode ser realizada por ribozimas. Aumento de complexidade Estudos de filogenia molecular utilizando o gene, no DNA, que codifica o RNA da subunidade pequena do ribossomo (SSU rDNA, 16S nos procariotos e 18S nos eucariotos) feitos por Woese (1987) e Woese et al. (1990) transformaram a dicot omia eucarioto-procarioto em um sistema de três domínios: Bacteria, Archaea e Eucary a. Muitos caracteres moleculares e fenotípicos indicam uma ancestralidade comum en tre arqueias e eucariotos, dentre os quais a presença de proteínas similares às histon as associadas ao DNA em arqueias, de moléculas similares a esteroides em um grupo de arqueias (os eócitos), além de várias proteínas e vias metabólicas assemelhadas entre o s dois domínios. Apesar disso, a relação entre os dois domínios é ainda bastante controver sa (Katz, 1998; Doolittle, 1999a; Nelson et al., 1999; Pace, 2004). Frequentemente assume-se que procariotos são anteriores aos eucariotos, de vido à sua aparente simplicidade, à sua ocorrência anterior no registro fóssil, e com ba se em estudos filogenéticos. Nesse cenário, as características complexas dos eucarioto s, como membrana nuclear, organelas membranosas e processamento de mRNA para rem oção de introns, são aquisições tardias. Os procariotos certamente antecedem os eucariotos modernos que possuem mitocôndria (Forterre e Philippe, 1999). Poole et al. (1998) , entretanto, sugerem que o genoma do ancestral comum mais antigo seria linear, capaz de recombinação, fragmentado e repleto de fósseis moleculares, i.e., mais pareci do com eucariotos do que com procariotos. As ribozimas seriam relíquias do mundo de RNA (Jeffares et al., 1998), i.e ., de um período anterior ao último ancestral comum das linhagens de organismos atua is. Poole et al. (1998) utilizam essas moléculas-fósseis para posicionar a origem da árvore da vida. Segundo os autores, como o genoma do tipo eucariótico contém um número maior de fósseis moleculares (introns autocatalíticos, spliceosomes, snoRNAs, telome rase, etc.), ele seria anterior ao do tipo procariótico. A transcrição e a tradução seriam , além disso, muito mais rápidas e eficientes em procariotos. Se fosse considerada u ma forte seleção em ambientes termofílicos, a origem de um genoma procariótico a partir de um eucariótico seria relativamente mais simples e direta, pois o ambiente termo fílico favoreceria um rápido processamento do RNA e sua subsequente tradução, já que as ta xas de hidrólise do RNA aumentam com a temperatura. Além disso, em ambientes instáveis , frequentemente encontram-se altas taxas reprodutivas, pequenos tamanhos e cicl os de vida curtos. Assim, os efeitos combinados de uma adaptação à termofilia e uma pr essão seletiva para o ciclo de vida rápido poderiam ter levado à perda dos fósseis molec ulares e a uma simplificação no processamento e tradução dos RNAs em procariotos (Darnel l e Doolitle, 1986; Poole et al., 1998). Alguns autores (Poole et al., 1998; For terre e Philippe, 1999), assim, argumentam que a confiabilidade em métodos filogenét icos na recuperação de divergências tão antigas está sujeita a controvérsias e que a semelha nça dos fósseis mais antigos (estromatólitos de cerca de 3,8 bilhões de anos atrás) com as atuais cianobactérias não é conclusiva.
Os genomas dos eucariotos podem apresentar uma enorme complexidade, com regiões espaçadoras, introns, regiões repetitivas, elementos de transposição e famílias mult igênicas. Essa grande complexidade é possível, em parte, por meio de duplicação de genes e processos de recombinação (Ohta, 1994). A duplicação gênica possibilita a variabilidade e a diversificação das cópias. Quando as cópias mantêm funções relacionadas, diz-se que são da sma família gênica. Quando a diversificação é muito grande, novos genes são gerados e passam a codificar proteínas com novas funções. Gilbert, em 1978, propôs como mecanismo para g erar novos genes o embaralhamento de exons (exon-shuffling), o qual foi elucidad o por Moran et al. (1999), através da mobilização de retrotransposons. Lazcan e Miller (1996) sugerem que a maioria dos genes teria surgido por duplicação gênica. Baseandose nas semelhanças entre vias metabólicas e nas funções relacionadas de proteínas, estimam que entre 20 e 100 genes iniciais deveriam ter coexistido no progenota. Daí o int eresse em se estudar os genoma mínimos para a manutenção da vida. Além do aumento da complexidade na estrutura genética, ocorreu também um aumen to da complexidade celular, com o surgimento de diferentes organelas, que delimi tam distintos compartimentos internos. Ao menos duas dessas organelas, as mitocônd rias e os cloroplastos, foram derivadas de associações endossimbióticas entre eucariot os e outros organismos (procariotos e eucariotos). Esses eventos endossimbióticos introduziram genomas inteiros no interior da célula hospedeira, possibilitando a t ransferência lateral de genes (processo pelo qual o material genético é transferido pa ra um outro organismo por outra via que não seja a reprodução, em oposição à transferência ve tical, que ocorre quando um organismo recebe material genético de seu ascendente a través de processos de reprodução). Considerava-se, pela genética clássica, que a transferên cia vertical de genes era a única relevante para a origem e a evolução das espécies, no entanto essa visão vem mudando em função dos dados obtidos a partir do sequenciamento de genomas. Nelson et al. (1999) fizeram uma comparação de 33 genes dos quais foram enco ntradas cópias homólogas em todas as espécies sequenciadas na época. Para a maioria dele s, as arqueias constituem um grupo monofilético separado das eubactérias, o mesmo pa drão encontrado para o SSU rDNA. Também, em levedura (eucarioto), a maioria deles se agrupa com os genes de arqueia, resultado também encontrado para o SSU rDNA. As árv ores geradas para os diferentes genes, entretanto, apresentam uma falta de congr uência significativa entre si. Os autores atribuem-na principalmente a mecanismos de duplicação, perda e transferência lateral dos genes. Verificaram também que, para a e ubactéria Thermotoga maritima, 52% de seus genes são mais semelhantes a de eubactérias , mas 24% são mais semelhantes a de arqueias. Este último resultado seria explicado por uma extensiva transferência lateral de genes, sendo que eles não estao distribuído s uniformemente nas diferentes categorias, nem nas diferentes regiões do genoma. A lém disso, a ordem de distribuição de alguns genes e também algumas regiões repetitivas só f oram encontradas em arqueias. Apesar de T. maritima ter um genoma eubacteriano, quase um quarto dele parece ser resultado de um ou mais eventos de transferência l ateral de genes provenientes de arqueias. A maioria dos genes envolvidos na estrutura do genoma, na transcrição e na t radução claramente separa arqueias e eubactérias. Os produtos desses genes apresentam mais interações macromoleculares, dificultando enormemente sua fixação em novos hospedei ros após eventos de transferência lateral (Shi e Falkowski, 2008). Assim, filogenias refletiriam marcadores menos propensos à transferência lateral e explicariam a pres ença de muitos genes em arqueias que são próximos em eubactérias pela transferência latera l (Gorgaten et al., 1999). Alguns autores propõem que, ao invés da herança vertical, a transferência lateral é o principal determinante taxonômico em procariotos (Olendzens ki et al., 2002). Doolittle (1999a) afirma que a transferência lateral de genes te ve, e tem, um papel crucial na formação dos seres vivos e que as relações filogenéticas fo rmam uma rede intrincada. Núcleo celular
Na hipótese autógena, considera-se que o núcleo teria se originado a partir de uma organização gradual de membranas ao redor do material genético. A membrana nuclea r é, em muitos casos, contínua ao retículo endoplasmático e teria se originado diretamen te a partir dele (Dyer e Obar, 1994). Uma evidência que favorece a hipótese é que, em muitos eucariotos, a membrana nuclear desintegra-se completamente durante a divi são celular e é formada novamente nas células-filhas. Além disso, o envelope nuclear não é c omposto por duas membranas, mas sim por uma série de vesículas achatadas (Martin, 19 99). Esse sistema de membranas internas circundado o material genético teria sua o rigem em invaginações da membrana plasmática pelo mesmo sistema que permitia a fagocit ose. A célula que deu origem aos eucariotos não deveria apresentar parede celular e já deveria ter um sistema de microtúbulos (citoesqueleto) antes da formação do núcleo. Nos últimos anos, o acúmulo de sequências genômicas levou à caracterização de diversas proteínas anto em arqueias, quanto em eubactérias, que apresentam homologia com as proteínas d o citoesqueleto eucariótico, incluindo actinas e e tubulinas bacterianas. A detecção d essas proteínas através de marcadores citológicos revelou um sistema complexo de citoe squeleto bacteriano e mostrou que essas proteínas poliméricas estão envolvidas em dife rentes processos nas células procarióticas, incluindo divisão celular, segregação de molécul as de DNA, etc. Não se conhece, no entanto, qualquer procarioto que tenha capacida de de fagocitar (Pogliano, 2008). Nos eucariotos, o citoesqueleto, formado por a ctina, tubulina e filamentos intermediários, é responsável pela manutenção da forma celula r e pela movimentação da célula e de seus componentes internos (por exemplo, a movimen tação dos cromossomos durante a divisão celular). Sogin (1994) propôs um modelo de origem nuclear quimérico para explicar as d ivergências encontradas nas árvores filogenéticas que são geradas usando-se sequências de diferentes genes que procuram estabelecer a relação entre os três domínios. Segundo ele, o progenota já apresentava um sistema primitivo de tradução, mas os eventos celulares ainda eram dominados pelo RNA. Uma linhagem protoeucariótica, a partir do progeno ta, teria adquirido uma complexidade do citoesqueleto suficiente para permitir a transição para a célula nucleada. Outra linhagem, diferenciada posteriormente em euba ctérias e arqueias, teria desenvolvido um sistema sofisticado de tradução e possivelme nte teria substituído as ribozimas pelas proteínas e o RNA repositório de informação pelo DNA. O citoesqueleto na primeira linhagem teria permitido o englobamento de uma arqueia, dando origem a um núcleo quimérico, que incluía o genoma de DNA das arqueias (contribuindo principalmente com os genes para a tradução e para as proteínas) e o gen oma de RNA protoeucariótico (contribuindo com os rRNAs e a informação para o citoesque leto). Margulis et al. (2000) propõem um modelo semelhante, onde o ancestral comum de todos os eucariotos teria se originado da fusão dos gametas de dois ou mais pr ocariontes distintos a partir de uma associação simbiótica.
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