O Labirinto Da Solidão - Os Caminhos e Descaminhos Da Revolução Mexicana

September 12, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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O labirinto da solidão: Os caminhos e descaminhos da Revolução Mexicana* 

 Jorge José José Barros de Souza   ∗∗

Introdução

A palavra revolução, segundo os cânones das ciências humanas, é conceituada como a transformação de toda uma sociedade em todos os âmbitos: do político ao social. Do ponto de vista histórico, a palavra revolução pode apresentar dois significados. Pode significar, por exemplo, uma evolução de um sistema de produção, ou seja, uma transformação. Neste contexto, podemos citar a Revolução Industrial do século XVII, quando ocorreu um avanço nos sistema de produção de mercadorias com a implantação das máquinas. Num outro contexto pode significar uma mudança radical como, por exemplo, na Revolução Francesa. Neste fato histórico ocorreu uma mudança radical no sistema político, econômico e social da França no século XVIII. As Revoluções - Francesa e Americana - inauguraram as revoluções da modernidade. Todas as revoluções que ocorreram dentro desse tempo e espaço denominado de “contemporaneidade” apresentaram profundas mudanças. Malgrado que, as revoluções ocorridas nos séculos XIX e XX, em todas as partes do globo terrestre, efetivamente, apresentaram enormes diferenças e características ca racterísticas próprias e singulares. Hannah Arendt em, Sobre a Revolução (2001)  ,, analisa o conceito de revolução construído a partir de um referencial teórico que se remete aos gregos ou à  polis grega. Para a filósofa, a revolução tem que levar à liberdade: Poderá ser truísmo dizer que a libertação e liberdade não são a mesma coisa; que a libertação pode ser a condição da liberdade, mas que de modo nenhum conduz automaticamente a ela; que a noção de liberdade implicada na libertação só poder ser negativa e, portanto, que até a intenção de libertar não é idêntica ao desejo de liberdade. (ARENDT, 2001:33)

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 Artigo recebido em novembro no vembro de 2011 e aprovado para publicação em fevereiro de 2012.  Doutorando pelo PPGHC/UFRJ. Professor Substituto de História da América e Contemporânea na UERJ/FFP

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A palavra liberdade não foi somente o lema das grandes revoluções da contemporaneidade, mas a grande preocupação. Foi a partir dela que se construiu e possibilitou grandes conquistas, como os direitos e sua ampliação através das constituições democráticas. As revoluções do século XIX e XX, tomando como base o que Hobsbawm apresentou no livro Era dos Extremos (1995), são reverberações e uma herança do “século das luzes” e das ondas revolucionárias que a Revolução Francesa encetou: O que ligava a Igreja não só a reacionários anacrônicos mas aos fascistas era um ódio comum pelo Iluminismo do século XVIII, pela Revolução Francesa e por tudo o que na sua opinião dela derivava: democracia, liberalismo e, claro, mais marcadamente, o “comunismo ateu”. (HOBSBAWM, 1995:118)

As Revoluções dos séculos XIX e XX, como apontado anteriormente, foram de diversas naturezas. Cada uma delas, conforme sua necessidade buscou a transformação da sociedade. Contudo, as do século XX foram bem diferentes entre si e mais ainda das que ocorreram no século XIX. As do século XX aprofundaram os questionamentos que, evidentemente, mudaram, diferenciando-se dos ocorridos no século XIX. As ideologias plantadas no século XIX, isto é, socialismo, liberalismo e nacionalismo, germinaram, portanto, no século XX. Brotaram no campo social, político, econômico e, sobretudo, no ideológico. As revoluções do século XX foram mais decisivas e objetivas. Elas não se prenderam em ondas revolucionárias como as ocorridas no século XIX. Elas mergulharam num radicalismo. Elas tinham como teoria e prática transformar em todos os aspectos a sociedade. As revoluções do século XIX ficaram num projeto, num esboço. As do século XX se concretizaram. A Revolução Mexicana surgiu neste contexto. Sua natureza, fenômeno ou essência revolucionária encetou inúmeras interpretações. Sem sombra de dúvida foi a primeira revolução social a acontecer no século XX, antes mesmo da chamada “Revolução Mundial” – a Revolução Russa de 1917. O “eurocentrismo” assaz presente de forma hegemônica no “fazer história”, não deu à Revolução Mexicana a consideração e o vanguardismo que realmente ela mereceu na conjuntura dos ciclos revolucionários do século XX.

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Sua relevância e complexidade tornam a Revolução Mexicana uma das mais interessantes dos ciclos revolucionários. Ao fazermos uma análise desta revolução acabamos entrando num profundo labirinto. Trata-se de um processo que enceta um grande debate. Devido às inúmeras análises e questionamentos sobre a revolução, há controvérsias e divergências em relação à cronologia. Eclode em 1910; mas há dúvidas sobre quando termina. Em relação a este último aspecto, afirmar, contundentemente, quando ela termina é estar se apropriando do processo revolucionário – tal como fizeram algumas de suas lideranças. Ao contrário, a Revolução Mexicana é muito confusa e arrevesada, assumindo várias fases e processos. Entretanto, é perspícuo até hoje as reverberações de anos de revolução na sociedade mexicana, sobretudo nos aspectos que ela não conseguiu efetivar uma vitória mais consistente, como o social. Ainda assim, mesmo trôpega, sua revolução é venerada. Seus líderes e participantes são disputados pelos grupos sociais. Emiliano Zapata é um exemplo de simbolismo que se perpetua em segmentos populares, em especial, do campesinato. É o “bandido” social e revolucionário. Além disso, no debate historiográfico, discute-se também se ao invés de ser entendida como “a revolução mexicana”, não teria sido “as revoluções do México”, pra usar os termos do historiador Américo Nunes. Várias revoluções atestariam, por assim dizer, sua longevidade, mas, sem sombra de dúvidas, duas verdades são incontestes: foi a primeira revolução do século XX. Tendo obtido seu centenário no ano de 2010, e, continua seguindo seu caminho solitariamente, como num “labirinto da solidão”, para lembrar a centenária Úrsula, personagem encantadora e misteriosa do livro Cem anos de solidão (1967), de Gabriel Garcia Marquez. Seu debate político é tão significativo que, em meio ao processo revolucionário, formou o Partido Revolucionário Institucional/PRI, que se perpetuou durante longos anos no poder até perder sua primeira eleição presidencial, em 2000. À guisa de uma interpretação, o PRI poderia assumir o papel que tiveram os bolcheviques na efetivação da Revolução Russa. O partido representou a institucionalização do processo revolucionário ao afirmar que a revolução não terminara - mesmo que os mandatários sempre legitimassem o término da mesma.

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Todavia, a Revolução Mexicana assume uma solidão, a meu ver, numa perspectiva comparativa com outros momentos revolucionários vivenciados no século XX. No que diz respeito ao seu caráter social, a Revolução Mexicana, apesar de extremamente popular, não logrou transformar toda a sociedade como almejava os setores mais pobres. Dentro dos ciclos revolucionários do século XX e de acordo com os padrões conceituais de revolução, se compararmos a experiência citada com a Revolução Cubana, poderíamos concluir que a transformação social ficou comprometida pelos interesses da nova burguesia em ascensão. Nossa proposta é analisar esse aspecto ao longo deste artigo, sem perder de vista que a Revolução Mexicana segue na sua solidão. Como diria Octávio Paz (2006): “(...) há um México enterrado, porém vivo. Melhor dito: há nos mexicanos, homens e mulheres, um universo de imagens, desejos e impulsos sepultados”. Os primórdios da Revolução Mexicana – um breve histórico

O Porfiriato ou Porfirismo na história do México foi considerado o período de 30 anos durante o qual governou o país o general Porfirio Diaz , intermitentemente,  desde 1876. Em maio de 1911, Porfírio Díaz renunciou à presidência por força da Revolução Mexicana   liderada por Francisco Madero, Francisco Villa, Emiliano Zapata, Enrique Flores Magón e

Ricardo Flores Magón.  Foi um período de estabilidade e progresso econômico do país, mas também graves desigualdades sociais, que concluiu com um movimento social que interrompeu as estruturas sociais e políticas econômicas do México. Percebendo que o presidente Lerdo de Tejada tentaria a reeleição, Diaz voltou a pegar as armas. Formado na luta pela Guerra da reforma e contra a intervenção estrangeira, Díaz gozava de grande prestígio entre os militares e uma reputação nos círculos políticos do país o que o levou à presidência do México para governar o período 1876-1911, com um breve interlúdio durante o governo de Manuel González. Nos 31 anos de Porfiriato ou Porfirismo foram construídos no México mais de 19.000 quilômetros de ferrovias para o investimento estrangeiro, o país estava ligado na rede de telegráfica, os investimentos de capital foram feitos no exterior e promoveu a indústria. Desde

1893 foram limpas e as finanças, o crédito nacional foi melhorado e não havia muita

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confiança nos estrangeiros, organizou o sistema bancário, que foi derrubado na década de 1940 pelo o governo de Lázaro Cárdenas del Río.  Na primeira década do século XX, o porfiriato entrara na sua fase terminal. O positivismo implantado por ano de ditaduras beneficiara as oligarquias aliadas a Porfírio Díaz. Na primeira década do século XX, o porfiriato entrara na sua fase terminal. O positivismo implantado por ano de ditaduras beneficiara as oligarquias aliadas a Porfírio Díaz. As disputas do século XIX entre liberais e conservadores, com a vitória dos primeiros, possibilitaram a entrada do México na modernidade. A herança das revoluções ocorridas na Europa, na primeira metade do século XIX refletiam a América Latina. Contudo, o caráter popular ou as demandas das inúmeras comunidades indígenas ficaram à margem destas disputas. A Constituição de 1857 apresentava os direitos aos “cidadãos”, remanescentes da antiga elite criolla e deixava de lado a inclusão dos direitos dos verdadeiros “cidadãos” (a população indígena), remanejados para a periferia desta modernidade que o Estado Mexicano se inseria. A Constituição nascia como “letra morta” para os nativos A igualdade será de hoje em diante a grande lei da república; não haverá mais mérito que o das virtudes, não manchará o território nacional a escravidão, opróbio da história humana; o domicílio será sagrado; a propriedade inviolável; o trabalho e a indústria livres; a manifestação do pensamento sem mais travas que o respeito à moral, à paz pública e à vida privada; o trânsito, o movimento sem dificuldades, o comércio, a agricultura sem obstáculos; os negócios do Estado examinados por todos os cidadãos; [...] e no México, para a sua glória ante Deus e ante o mundo, será uma verdade prática a inviolabilidade 1857 apud PRADO, 1987, p. 25). da vida humana (CONSTITUIÇÃO DE

Esta Constituição permaneceu até ser promulgada a de 1917, durante os anos revolucionários. As disputas entre liberais e conservadores também se arrastaram até a Ditadura de Porfírio Diaz (1884-1911). Até então, num período considerado como o de “formação dos estados nacionais latino-americanos”, as oligarquias disputavam o poder. Um período de grande turbulência, marcado principalmente pela desintegração do antigo sistema colonial espanhol na América e que reverbera até hoje. Trata-se de uma etapa que ainda não se completou na América Latina.

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O porfiriato introduziu a modernização e a continuidade dos “enclaves” no processo de implantação do Estado mexicano no século XIX. O positivismo ffoi oi capitaneado pelas elites dominantes para atender às novas necessidades. A vitória foi dos liberais. Porém, os sacrifícios pesavam em cima das comunidades indígenas e camponesas: O efeito dessa nova liberalização da terra na organização social e na economia das comunidades camponesas foi sentido com particular virulência: o consumo anual per capita de milho, no México, caiu dez quilogramas entre 1895 e 1910 (de 150 para 140 quilogramas) [...] As alianças do establishment porfiriano com os fazendeiros e a modernização agrícola implicava desapropriação, retrocesso e subsistência precária das aldeias camponesas (CAMÍN, 2000, p. 17)

As comunidades camponesas e indígenas foram desmanteladas e, consequentemente, marginalizadas para atender as demandas do processo de modernização, introduzidas pelo regime e seus intelectuais orgânicos - os científicos. O porfiriato era, assim, uma mistura de repressão à marginalidade social com as garantias ao domínio dos haciendados   - a grande propriedade. A partir disso, as expropriações das comunidades indígenas foram acentuadas. Podemos resumir esse período em três características: a concentração de terras nas mãos dos grandes latifundiários; a entrada de capitais estrangeiros que atendia a etapa do capitalismo monopolista e financeiro do século XIX, denominado de imperialismo ou neocolonialismo, cujo capital ávido por novos mercados consumidores solapava esperanças e lutas; e, por fim, a manutenção do México no mercado mundial, que permanecia exportador de matérias-primas, atendendo as demandas das potências imperialistas em disputa. Revestido de “um país livre e soberano”, governado por um ditador longevo, que praticava a intolerância e a repressão, o país se afirmava como o grande intermediário dos investimentos externos. Porfírio Díaz foi o típico caudilho caudi lho latino-americano. Em resumo, este afluxo de capitais estrangeiros ajuda na criação de uma infraestrutura industrial, ainda que voltada para o exterior. Os financistas e empresários, promotores desta obra de industrialização, tomam conta das minas fazem crescer sua produção graças à introdução de técnicas e de máquinas modernas [...] A política de concessões de minas do governo Díaz favorece notadamente a indústria norte-americana; ela está em plena expansão desde a Guerra de Secessão e tem necessidade de matérias-primas. Mas a política de

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Díaz favorece também o afluxo de capitais ingleses e franceses. (NUNES, 1980, p. 40)

Esta é a conjuntura que o México vivenciou até a revolução estourar em 1910. Um ambiente de formação de novos mercados consumidores, de disputas entre as potências imperialistas e de afluxo das multinacionais para a América Latina. O México se inseria na nova etapa do capitalismo monopolista e financeiro. O início do labirinto da solidão: explode a Revolução Mexicana de 1910

Com a derrubada de Porfírio Diaz, Madero tomou o poder em 1911 e procurou deixar claro não somente o seu caráter reformista, mas também o estabelecimento e afirmação de uma oligarquia que depois de muito tempo de disputa pelo poder, assumiria a presidência da república. Consagrava-se, por pouco tempo, o projeto maderista. O novo presidente traiu o que foi acordado no Plano de San Luis Potosí  que  que estabelecia, entre outras coisas, na tentativa de seduzir os camponeses, a restituição das suas terras que foram apropriadas na Pax Porfirista. A população camponesa, o segmento da sociedade mexicana mais humilhada por anos de exploração, foi utilizada como massa de manobra por Madero. Seu governo, como destaca Lorenzo Meyer e Héctor Aguillar Camín, foi “extrordinariamente fechado com respeito a reformas sociais e à transformação dos privilégios hereditários da velha ordem” (MEYER; CAMÍN, 2000, p. 43). Madero escorava-se na antiga ordem dos resquícios porfiristas. Com grande capacidade de liderança e inconformado com o sistema ditatorial de Pofírio Diaz, Emiliano Zapata declarou seu desejo de promover a distribuição das terras de latifundiários entre a população carente. Após o manifesto de Emiliano Zapata, o governou mandou prendê-lo. Posto em liberdade, Zapata organizou, sob o lema "Terra e Liberdade", um grupo de indígenas e camponeses, principalmente do sul do país, e passou a realizar ações de guerrilha. Uniu-se a Pancho Villa, ex-domador de cavalos, ex-bandido e guerrilheiro, que liderava os camponeses do norte com o objetivo de combater o Exército Federal e os grandes

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proprietários, conquistando vilas e cidades. O primeiro efeito da revolução mexicana, que se iniciou em 1910 foi a derrubada do governo ditatorial de Díaz e a ascensão de Francisco Madero. Emiliano Zapata propôs o Plano de Ayala, que além da reforma agrária queria a derrubada do governo de Madero. Porém, quando Vitoriano Huerta assassinou Madero, em 1913, Zapata se recusou a unir-se ao seu governo. Huerta acabou abandonando o país, deixando o poder em 1914 para Venustiano Carranza, líder do movimento constitucionalista. constitucionalista . O Plano de Ayala de 25 de novembro de 1911 denunciava e acusava o líder de “traidor da pátria”. O documento zapatista se posicionava como antimaderista. Os que esperavam as transformações sociais na onda revolucionária de 1910 se decepcionaram. Emiliano Zapata, por exemplo, lutava pela reforma agrária e esta acabou esquecida nas ações reformistas de Madero. Este último abandonara as propostas “revolucionárias” e as aldeias zapatistas sofreram com a repressão militar incitada por suas ações. Mesmo sob condições adversas, a resistência zapatista materializada em lutas e revoltas se estendeu ao longo do governo maderista. O México mergulhava numa turbulenta guerra civil. A revolução apresentava uma crise de identidade brutal. Após a queda de Madero através de um golpe, Victoriano Huerta (fevereiro de 1913 a  julho de 1914) assumiria o governo, considerado inconstitucional. Por essa razão, teve que enfrentar a resistência dos zapatistas, além das forças constitucionalistas que julgavam o golpe ilegal. Apesar disso, a restauração porfirista foi efetivada pelo novo mandatário, materializado na sua postura como arauto da contrarrevolução. Por outro lado, as frentes em oposição a Huerta – a resistência de Venustiano Carranza e a do camponês defendida por Zapata e Pancho Villa - apresentavam projetos revolucionários opostos. O Plano de Guadalupe de 1913, criado por Carranza em sua fazenda que inspirou o nome do plano, difundia um manifesto proclamando a resistência ao governo de Huerta. Outrossim, desconhecia os três poderes da República, nomeando-se Primer Jefe da revolução e comprometendo-se a convocar eleições gerai. O Plano também não incorporava nenhuma demanda social. Nem mencionava a reforma agrária, reivindicação histórica de Zapata e

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Pancho Villa. Ao mesmo tempo, era uma forma de ganhar tempo para restaurar a legalidade constitucional violada pelo golpe que derrubara Madero. Após a renúncia de Huerta, Carranza assume o poder. A revolução iniciada em 1910 se dilacerava ainda mais. A dificuldade de aceitar as demandas anunciadas pelo campesinato se repetia nesse governo. Grande parte do   establishment   que se formou durante a revolução negava-se a atender as demandas populares. Seu projeto social era burguês. A oposição à Carranza crescia e se estendia desde o campesinato aos sindicatos operários. O então presidente, preocupado com os rumos do seu governo, promulga a Constituição de 1917. Esta última perdura até hoje no México e incorpora algumas reivindicações das camadas populares. A Constituição de 1917 caracteriza-se como moderna e liberal, uma síntese da tradição liberal: instituiu o ensino laico, a jornada de oito horas de trabalho, a regulamentação da expropriação de terras não cultivadas, o direito de greve, o descanso semanal, o salário mínimo, a organização sindical; bem como definia o subsolo pertence à nação. Tratava-se de uma grande novidade na América Latina, terreno assaz ambicionado pelos países capitalistas por ser fornecedora de petróleo e minérios. A Revolução Mexicana, através da Constituição de 1917, consolidara um modelo de Estado planejador e promotor da divisão da riqueza a toda nação. Contudo, no mandato de 1917 a 1920, Carranza colocara em prática um governo extremamente repressivo e elitista. Apesar dos direitos estabelecidos pela nova constituição, o governante não atendeu de fato as demandas do campesinato, devolveu as terras aos antigos donos (os latifundiários), reprimiu greves e perseguiu sindicatos e os camponeses rebeldes. Em abril de 1919, Emiliano Zapata foi assassinado depois de uma cilada armada por Carranza. Todas essas medidas acabaram por enfraquecer o governo. Álvaro Obregón apresentava-se como candidato a presidente com o interesse de ganhar as eleições e “estabilizar” a revolução. Para tanto, aliou-se aos zapatistas, numa postura clara de jogada política. Em tese, o uso da fortuna, nos termos de Maquiavel. Com a vitória de Obregón e o assassinato de Carranza, a revolução entrou numa nova fase – a das instituições. Classicamente, ela é dividida em quatro fases. O que também se caracteriza como uma apropriação do processo revolucionário, pois os mandatários se

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definiam ora como revolucionários, ora como estabilizadores ou finalizadores do processo revolucionário. Esse período divide- se em quatro fases: a primeira fase que vai de 1910 a 1911, caracterizada como a luta contra o Porfiriato; a segunda de 1911 a 1913, do frágil governo de Madero; e a terceira, a da Revolução Constitucionalista, de 1913 a 1914, e dos desmandos de Huerta; e a quarta da fase que vai de 1914 a 1917, denominada de revolução social. Nesta última, Carranza e Obregón tiveram que enfrentar os exércitos populares de Villa e Zapata. Contudo, numa crítica a esta periodização que, impositivamente, terminaria com Obregón, a Revolução Mexicana entra numa nova fase de lutas: a da institucionalização e do personalismo, nos anos 20. A Revolução Mexicana mergulhada nela mesma - no labirinto da solidão

A primeira revolução do século XX apresentou lutas e características singulares. Uma das principais é a sua singularidade no que diz respeito ao caloroso debate historiográfico, à longevidade do processo, às apropriações nas disputas por hegemonia e à pluralidade de atores sociais envolvidos. Apesar de ter se moldado dentro de um padrão imposto pela burguesia, as lutas eram fragmentadas e plurais. Quando Carranza enviou à Assembleia Constituinte um projeto que se limitava a reformar a Constituição de 1857, saiu vitorioso o que tratava das questões sociais, apresentado e consagrado na Constituição de 1917 que reconhecia, entre outros, o direito das comunidades campesinas terem suas demandas atendidas quando solicitassem terras para produzir, a defesa do uso social da terra, a apropriação nacional dos recursos do subsolo e a instituição do ensino laico. Logo, portanto a ideia de reformar a Constituição de 1857, sugerida por Carranza, não se enquadrava às novas exigências e demandas sociais. Dentro dos padrões de uma democracia liberal, a nova Constituição foi considerada uma das mais progressitas. Porém, na prática, o lado social foi deixado de lado. Nesse momento, não foram os setores populares da revolução que assumiram o governo. As velhas elites oligárquicas do campo foram substituídas pelas novas elites burguesas em ascensão. A enorme

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massa popular foi dragada pelas forças revolucionárias burguesas que acabaram por imprimir sua hegemonia ao processo. O Estado Mexicano que nasceu da revolução estava longe de realizar as utopias democráticas tão sonhadas e desejadas pelas camadas populares, por suas lideranças e pela intelectualidade progressista. O povo se destacava apenas nas manifestações culturais, como no muralismo mexicano de Diego Rivera, que o retratava como verdadeiro herói. Lembranças, portanto, retratadas em imagens, nada mais. Comparada com outras grandes revoluções do século XX – a Russa, a Chinesa e a Cubana – que apresentam características socialistas ou de cunho nacional-popular, o México caminhou no seu labirinto da solidão. Não transformou de baixo para cima. Repetiu um processo moribundo que se arrastava desde o século XIX - de exploração das camadas populares, que não cessou após anos de revolução. Inovou, sem dúvida. Avançou. Entretanto, não permitiu às classes subalternas a conquista da hegemonia. Para ficarmos nos exemplos revolucionários da América Latina, como a experiência Cubana e a Sandinista, estas puderam aprofundar o debate das questões sociais e buscaram atender os anseios populares. A Revolução Sandinista, logo após o seu triunfo, promoveu a reforma agrária nos seguintes termos: O segundo pilar em que se apoia a reforma agrária é o movimento cooperativo. A finalidade principal deste movimento é incorporar milhares de camponeses individualizados e dispersos pelo país a um processo associativo, camponeses estes que muitas vezes ainda estão em uma fase de transição entre o capitalismo e formas anteriores ao capitalismo. Cabe organizar estes camponeses, inseri-los num processo trabalho coletivo e ensinar-lhes técnicas modernas (BORNSTEIN, 1982, p.de68).

Já a Revolução Cubana cumpria sua tarefa de atender as demandas sociais dos setores das camadas populares, direcionado suas conquistas a esta classe: As leis de reforma agrária, as expropriações, as nacionalizações de empresas norte-americanas, a lei de redução dos aluguéis em 50%, a estabilidade no emprego para os assalariados agrícolas, a campanha de alfabetização, a redução dos preços dos livros escolares em 25%, das tarifas de eletricidade em 30%, a redução dos preços dos remédios, o estímulo ao desenvolvimento popular e da autogestão dos trabalhadores foram medidas que demonstravam

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o caminho a ser seguido pela revolução, o caminho do antiimperialismo e da luta anticapitalista. (MIZUKAMI, 1998, p. 71)

Portanto, o que se percebe no México é que a proposta de aprofundar a questão social a fim de corrigir as desigualdades que remontavam ao velho império colonial espanhol e de “formar”1 o Estado Nacional falhou em sua trajetória. A fase que se seguiu após o período da revolução social, denominado de institucionalização, foi considerada por analistas como Villa, como um triunfo. Contudo, há controvérsias, uma vez que, nos anos seguintes, o país mergulhou numa fase de violência, de disputas com os Estados Unidos em razão da exploração do petróleo, de rebeliões militares e até de uma revolta religiosa, a dos cristeros; a luta entre a Igreja Católica e o Estado no México foi a causa de um conflito armado que ficou conhecido como a Guerra Cristera  (também conhecida como Guerra dos Cristeros ou Cristiada) e que se desenrolou entre 1926 e 1929. Tratou-se de um levantamento popular contra as provisões anticlericais da Mexicana  de  de 1917. Constituição  Mexicana Constituição Quando Lázaro Cárdenas chegou à presidência em 1934, representou o ápice das realizações dos objetivos da Revolução que se arrastava por décadas. Mais uma vez, as mudanças ocorriam de cima para baixo, verticalmente. Enquanto na Revolução Cubana, as transformações sociais eram vistas como um processo longo e permanente, na Mexicana, a tarefa de resolvê-las, foi delegada à Constituição de 1917 e às instituições burguesas. O personalismo foi também um elemento profundamente marcante na Revolução Mexicana especialmente nos períodos em que Plutarco Elias Calles e Lázaro Cárdenas estiveram no poder. Em relação ao ggoverno overno Calles, o “maximato” ou

“chefe máximo rrevolução” evolução”

personalizava ou projetava as ações e imposições do mesmo por um período. O Maximato foi um período de desenvolvimento histórico e político no México que ocorreu entre 1928 a 1934. Este período deve seu nome a Plutarco Elías Calles, que era conhecido como El jefe máximo de la Revolución. Elias Calles foi presidente somente no período de 1924 a 1928, mas nos seis

anos seguintes, foi sucedido por três presidentes, todos subordinados a um maior ou menor grau de interesses e políticas do ex-presidente. Os presidentes e seus respectivos mandatos 1

 Marcos Kaplan faz essa discussão no livro l ivro Formação do Estado Nacional (1974).

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foram os seguintes: Emilio  Emilio Portes Portes  Gil (1928-1930), nomeado pelo Congresso para substituir o presidente eleito Álvaro Obregón, que foi assassinado antes da posse; Pascual Ortiz Rubio (1930-1932), eleito para completar o período; Abelardo L. Rodríguez (1932-1934), substituto Ortiz Rubio, que renunciou. A influência do ex-presidente chegou ao fim quando Lázaro Cárdenas del Río o expulsou para fora do país em 1936 depois de ser eleito presidente em 1934. O Maximato era aceito por todos e nesse sentido todos eram callistas. Nenhuma das facções podia obter o triunfo sem o apoio de Calles, e, afinal de contas, a posição adotada por ele definia todas as contendas e controvérsias. Assim, todos eram callistas, inclusive os derrotados por Calles, porque em Calles residia a possibilidade de continuar na vida política. (VILLA, 1993, p. 54)

Porém, o maximato homiziava as contradições sociais e homogeneizava o aparato político: O período presidencial de Calles foi marcado ainda pela continuidade da tensão com as companhias petrolíferas e pela não resolução das questões relacionadas aos artigos constitucionais. Essa situação expôs dois problemas do país no período: a ausência de um mecanismo institucional para a escolha dos candidatos presidenciais oficiais e a utilização dessas crises por setores do Exército para tentar impor nomes e influenciar nas escolhas políticas. (BARBOSA, 2010:102)

Plutarco Elias Calles foi o fundador do Partido Nacional Revolucionário/PNR, precursor do atual Partido Revolucionário Institucional/PRI. O partido controlaria o presidente eleito. Também, de forma duvidosa, venceu todas as eleições até os anos 90. Outro exemplo do personalismo presente na Revolução Mexicana foi o Cardenismo. A riqueza da revolução foi tão grande que o Cardenismo se desdobrou em outro fenômeno denominado de “populismo mexicano”. Não discutiremos, neste artigo, o fenômeno dito populista, ressaltaremos apenas os avanços ocorridos no período em que Cárdenas foi o presidente para ilustrar o que viemos discutindo. O mandato de Cárdenas buscou um novo pacto entre o Estado e as classes populares. Voltava à pauta política, numa nova fase da revolução, as questões sociais assaz essenciais

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para o debate político daquele momento: a reforma agrária, os sindicatos, a educação, a saúde, a legislação social e trabalhista. O novo líder se afastava do jogo em que as classe populares eram postas como “massa de manobra” e dava autonomia à classe operária: “Cárdenas modificava uma velha tradição dentro das fileiras revolucionárias, que consistia em ver os trabalhadores como massa manipulável, pela sua própria desorganização incapaz de atuar por si mesma.” (PRADO, 1981, p. 29) Madero havia representado a vitória de uma nova oligarquia, sobre a velha porfirista. Antinomias, certamente. Em seu governo, apesar de levantar a bandeira da revolução e afirmar que havia cumprido os objetivos democráticos, deixou à margem outros setores revolucionários, como os representados por Zapata e Pancho Villa. Era uma cisão no processo. Além disso, legitimou a vitória do caráter reformista, se apresentando como revolucionário, e passou a perseguir o campesinato. Zapata e Pancho Villa quando lançaram o Plano Ayala,  em novembro de 1911, levantaram a bandeira da reforma agrária, deixada de lado no programa político de Madero. O clamor desses líderes, especialmente do primeiro, não era somente em defesa do campesinato, mas buscavam apropriarem-se do processo revolucionário que não se cumprira e de denunciar o governo de Madero como reformista e de natureza oligárquica. Todos os governantes que se seguiram ao processo revolucionário estourado em 1910 até Cárdenas - com exceção do presidente Huerta, por ter sido considerado o “usurpador” da ordem constitucional -, se utilizariam da apropriação do processo para se legitimar como “os verdadeiros revolucionários”. O maximato da era Plutarco Elias Calles a que nos referimos, criou sucessores comprometidos com a necessidade de consolidar a revolução. Calles institucionalizou um partido revolucionário, o PNR, e o controlaria mesmo quando não ocupava mais a presidência. Depois de anos desse regime, Lázaro Cárdenas rompeu com seu líder máximo Calles. Esse momento representa o fim de uma fase da revolução e o início de uma nova, a do cardenismo. Quando Calles foi expulso do país, Lázaro Cárdenas, no mesmo dia, 10 de abril de 1936, resgatava em homenagem o líder indígena Emiliano Zapata: “cooptando post-mortem os heróis revolucionários camponeses no panteão oficial” (PRADO, 1993, p. 64).

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Contudo, ainda assim, uma das grandes injustiças da Revolução Mexicana foi o não reconhecimento do papel do campesinato nas fileiras revolucionárias e, consequentemente, de suas lideranças como o próprio Zapata. O campesinato foi o que mais denunciou os rumos tomados pela revolução, bem como foi a classe que mais impulsionou o processo. Suas demandas foram apropriadas nos discursos dos ditos “revolucionários” da classe burguesa, porém, com o objetivo subjacente de esvaziar o conteúdo de uma reforma agrária justa, igualitária e ampla. O campesinato e o líder Zapata formavam, no Sul do México, uma frente popular de suma importância para encetar o espírito revolucionário. O fato de Zapata assumir a liderança do exército zapatista representou não apenas uma mudança de perfil, mas uma revolução na organização das forças camponesas. Torres Burgos fora designado por Madero para liderar a revolta do sul, ou seja, esse personagem era o porta-voz das posições do maderismo. Zapata, ao contrário, foi eleito de acordo com o antigo costume dos povos e comunidades indígenas: pela eleição dos representantes mais respeitados dessas comunidades – em sua maioria pessoas idosas – com base no prestígio, respeito e qualidade ética que a pessoas despertava junto ao grupo. Nesse sentido, o exército zapatista era verdadeiramente popular e democrático (BUSTOS, 2008, p. 88).

A luta do campesinato se remetia ao século XIX. Uma luta antiga e que encontrava na revolução esperanças de melhorias de vida, que se realizariam com a reforma agrária. Outra característica presente na revolução é a longevidade. Foram longos anos, com altos e baixos, avanços e retrocessos. Suas reverberações repercutem até os dias atuais. Quando estourou, a Revolução Mexicana não foi vista somente como um momento de felicidade por ter rompido com os anos da ditadura porfirista, mas também de esperanças de transformação que as camadas populares ansiavam. A Constituição de 1917 permitiu o avanço em muitos aspectos sociais. Contudo, as disputas pelo poder deixaram o campo social minado e esgotado de possibilidades. A questão agrária foi a mais atingida. As comunidades indígenas foram as mais violadas. Sem contar o não reconhecimento de sua participação no processo por parte de algumas autoridades. As reverberações desse não reconhecimento por parte do Estado Mexicano culminaram no renascimento do movimento zapatista, em Chiapas, em 1994. E, mais recentemente, nas

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eleições de 1997, para a Prefeitura da Cidade do México, na qual o PRI, depois de mais de setenta anos no poder, perdeu sua hegemonia. Em 2000, essa derrota se repetiria no plano Federal, com a vitória de Vicente Fox, pelo Partido Ação Nacional, o PAN. Em 2006, a possibilidade de Obrador, o candidato da esquerda, vencer as eleições ficaram muito próximas. Até hoje existem dúvidas sobre vitória de seu adversário, Calderón. De toda maneira, a hegemonia do PRI foi finalmente rompida. Atualmente, os sujeitos históricos se movem em uma nova direção, recriando suas forças e expectativas. A nova configuração política é uma resposta ao esgotamento da institucionalização da revolução. O México contemporâneo precisa encontrar novos caminhos. O tempo é de se repensar. O PRI unicamente, não atende mais às expectativas da população mexicana, o que ficou evidente nos últimos pleitos. O país desperta. Em 1° de janeiro 1994, quando entrou em vigor o Tratado de LivreComércio da América do Norte com os Estados Unidos e o Canadá, o NAFTA, eclodia o movimento indígena em Chiapas através do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), uma reatualização da luta indígena do início do século. Essas reverberações também refletem na intelectualidade mexicana que, questiona, nos últimos anos, as mazelas da sociedade mexicana a partir da ótica da revolução. O escritor Carlos Fuentes, por exemplo, em seu livro Os anos com Laura Díaz  (2000) mostra os dilaceramentos sociais do século XX e o impacto da revolução em seu país. Em outro livro,  A fronteira de cristal, Fuentes ressalta a força da vida mexicana que parece sobreviver a todas as agressões da injustiça, corrupção e mau governo. Além de apresentar os males e percalços que os mexicanos passam devido à proximidade com os Estados Unidos: discriminação, exploração, brutalidade sexual, entre outros. Octávio Paz, autor que escreveu o livro O labirinto da solidão, título que me apropriei para escrever este artigo, afirma afirma que: “o mexicano não é uma essência, mas sim uma história” (PAZ, 1984). Em suma, aí estão alguns dos caminhos e descaminhos da centenária Revolução Mexicana: início, fases, reflexões, reverberações, longevidade, institucionalizações, personalismo, apropriações, indicações, denúncias e novas proposições.

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Conclusão

O México é um exemplo do que ocorre na América Latina contemporânea, isto é, a questão da formação do Estado Nacional que ainda está por se completar. Um problema que está colocado devido a permanente busca pela soberania popular e pela unidade do povo latino-americano. Da mesma forma, a Venezuela, o Equador e a Bolívia apresentam fortes movimentos sociais que vêm reivindicando lutas que remontam a problemas do século XIX e XX. Nestes séculos, não foi possível conquistar os espaços para consolidar as grandes demandas da população mais pobre. O México é parte desse contexto. A sua revolução, pioneira do século XX, não permitiu que o povo liderasse o processo. Não ocorreu a hegemonia das classes subalternas. Resultou em um reformismo, revestido de revolução. Foi um movimento policlassista que consolidou um novo “pacto social” entre a burguesia industrial nascente, as classes médias rurais, o campesinato e o operariado. Porém, os interesses destes dois últimos ficaram a reboque dos da primeira. Nos aspectos teóricos, as interpretações foram várias: a revolução não é nem burguesa, nem socialista. Para Arnaldo Cordova (1973), a Revolução Mexicana foi populista, uma síntese do regime oligárquico e do d o avanço socialista. Assumiria feições do liberalismo bu burguês rguês (rotatividade do poder, eleições periódicas, legislativo etc.) convivendo com outro programa que atenderia as demandas do campesinato, liderado por Zapata. Portanto, seria fruto de uma dupla revolução: a das elites sufocadas por Porfírio Diaz e a das massas camponesas de sangue indígena. Foi, por fim, uma revolução que criou uma vanguarda partidária e revolucionária, o PRI, e fez emergir uma nova burguesia que tentou acelerar o desenvolvimento do capitalismo, mas que, ao mesmo tempo, levou o país a um quadro de estagnação socioeconômica. Historicamente, nada houve de definitivo em seus principais resultados econômicos e sociais: as mesmas grandes companhias existiam como antes, mais algumas novas dependentes mais do que nunca dos mercados e bancos norte-americanos; uma população que a guerra, a emigração e a gripe haviam reduzido de 15 milhões para cerca de 14,7 milhões; uma dívida externa em

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torno de um bilhão de pesos, além dos mais 300 milhões de pesos em juros vencidos; um excedente de receita que chagava a três milhões de pesos por ano; um exército de quase 100 mil homens, que exigia 62 por cento do orçamento; confederações nacionais de comerciantes e industriais; uma confederação nacional sindicalistas; em disputas com osclasse sindicatos ferroviários dogrande país e os novos movimentos e uma camponesa em sua maioria ainda sem terra, que continuava a exigir suas próprias terras (HOMACK, 2002, p. 190).

Entretanto, sem dúvidas, a Revolução Mexicana produziu uma das lideranças populares mais representativas do continente americano: Emiliano Zapata. Como “marginalizado”, este último poderia seguir por dois caminhos: se tornar um criminoso ou um revolucionário. Optou pelo segundo, porém, não lhe faltaram acusações de ser um “bandido” ou um fora da lei. Sua representação reverbera no México atual. Marcos Zapata resgatou em Chiapas a autonomia zapatista. Seu exército armado não se utilizou do mesmo tipo de rebeldia do exército zapatista dos tempos da revolução, mas alcançou uma grande repercussão midiática. Trata-se de uma alternativa, nos tempos atuais, de construção de uma outra modernidade possível. Numa perspectiva comparada, Emiliano Zapata fora um homem do seu tempo, das suas razões, ícone e único: O movimento de Zapata foi inteiramente regional, seu líder foi morto em 1919, suas forças militares não tinham grande peso. No entanto, foi esse movimento que injetou o elemento de reforma agrária na Revolução Mexicana. Os salteadores produziram um caudillo em potencial e uma lenda – a do único líder mexicano que tentou invadir a terra dos gringos no século XX. O movimento camponês de Morelos produziu uma revolução social, umas das três que merecem este nome na história da América Latina. 

Já Marcos Zapata representa uma liderança moderna que emerge no momento que é assinado o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio), entre Estados Unidos, México e Canadá, e que novas demandas se manifestam de Chiapas exigindo autonomia e ampliação dos direitos indígenas. Homens em tempos diferentes, mas de lutas que são o reflexo das mesmas contradições históricas. Em suma, o México tornou-se emblemático de uma experiência na qual a reforma agrária, se tomada como mera distribuição de terras, não resolve as questões sociais, pois, ao fim, não atende as demandas históricas da população.

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Hoje, pouco depois de seu centenário, a Revolução Mexicana segue num labirinto da solidão, sem a repercussão equivalente a das outras revoluções que ocorreram na América Latina. Que nos próximos anos, essa, que foi a pioneira do século XX, possa ser resgatada e colocada em seu devido lugar junto aos panteões dos grandes processos latino-americanos. Bibliografia

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