o Irmao de Assis

March 17, 2019 | Author: Luiza Colassanto Zamboli | Category: Saint, Francis Of Assisi, Love, God, Pope
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sugestão: escutar livro com o programa textaloud...

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O IRMÃO DE ASSrS INÁCIO LARRANAGA CAPÍTULO PRIMEIRO AMANHECE A LIBERD1DE Apesar de tudo, voltava tranqüilo. Tinha motive. > sentir-se abatido, mas, ao con trário do que esperava, i ' tranha serenidade inundava seu rosto e em seus ollm-, I" II, alguma coisa seinelliante à paz de um sonho atingido mi ,, amanhecer defini tivo. Naquela noite tinham saltado Iodos os gonzus, c- agot um novo centro de gravidad e. Tudo estava mudado (¦, naquela noite, o mundo tivesse dado uma volta di ir iil tenta graus. Na madrugada que se estendia pelo \.tl.-*í. i Espoleto até Perúsia, o filho de Bernardone ia cavalgai * paz, para sua casa. Estava disposto a tudo, e por iimi < ' !¦, livre e feliz. Falam de noite de Espoleto. Entretanto, ao conii i ' i que parece e se diz, a av entura franciscana não comrçi ' noite, porque nela culmina uma longa corrida de o!>« ' antes do nascimento de Franca' " " '"'ia investij» com especial as sanhamento con£ta 0"1 r "s'is, em cia recinto entrou vitorioso, receber^03 J''"^ s enhores fei dais e pondo a bota imperial sobre"P,"m'1 * humilhadi Quando se afastou, deixou «>' ¦««« 0 aventl. reiro Conrado de Suábia para tf* ü f*>vo rebelde Os aristocratas de Assis, aprov'ellanr"letào imperia 10 fl! servos da gleba com novas e duras exigêncús, '"!"' uio carro da vassalagem de que sc haviam apeado Ultimai I nasceu nesse tempo em que a vila estava sendo v^ni»d^iJonTaáo a partir da formidável fortaleza cia Rocca, p (|| ptadoiainenle no alto da cidade. Esse foi contorno cm ,|,f»,corrcu a infânc'a de Francisco. |(l |hk.i letta de contrastes e sumamenu movimentada. A» iWK enlas an allal Para um jovem sensível e impaciente, era demais permanecer inativo entre os muros de um cárcere, mastigando | erva amarga da derrota. Em um cativeiro há tempo demasia,In para pensar. Não há novidades que distraiam Uoia apen as, mino realidade única e oprimente, a derrota. Por outro lado, nosso rapaz não escapou da psicologia dos leza ^'v05" O cativo, co mo o preso político, vive entre a incerteza pral e o temor: não sabe quantos meses o u anos vai ficar fechado na cadeia, nem qual vai ser o curso dos acontecimentos políticos, nem o que vai ser de seu futuro. Só sabe que esse futuro ;ai depender de um podes tá arbitrário ou de uma camarilha hos-:il de senhores feudais. 15 Por outra parte, nosso jovem estava bem inforrr> que os cativeiros e derrotas são o alimento ordinário | das aventuras cavaleirescas. Mas era bem diferente exper. Io na própria carne e pela primeira vez principalmeni ele que não estava curtido pel os golpes da vida e en disso, de natureza tão sensível! * * * Começa a crise. Diante das edificações que hoje ; e amanhã baixam, diante dos imperadore s que hoje são e amanhã sombra, diante dos nobres senhores que são ciados para sempre pela ponta de uma lança, há outro S cavalgando acima das estepes da morte, outro Imp erador qu é atingido pelas emergências nem pelas sombras, outra j cação que tem estatura eterna. A Graça ronda o filho de Pica. E ele perde a segurança. Os velhos biógrafos dizem que, enquanto seus companh estavam tristes, Francisco não só estava alegre, mas até j rico. Por quê? Um homem sensível deprime-se com facilid A pa rtir de seu temperamento, teríamos motivos para p< que Francisco tinha que estar a batido na cadeia. Mas estava. As palavras de Celano, cronista contemporâneo, nos pé para confirmar-nos no que esta mos dizendo desde o corrii que tudo começou no cárcere de Perúsia, que Deus irrorri po r entre os escombros de seus castelos arruinados, que lá tomou gosto por Deus, que lá vislumbrou, embora entre tre. um outro rumo para sua vida. Efetivamente, conta o velho biógrafo que, diante da eufc de Francisco, seus compan heiros se molestaram e lhe dissers; Você está louco, Francisco? Como pode estar tão ra diante i meio destas correntes enferrujadas? Francisco respondeu textt.; mente: "Sabem por quê? Olhem, tenho um pressentimer, escondido aqui dentro que me diz que um dia todo muni vai me venerar como santo". 16 «s vislumbres de eternidade cruzaram o céu escuro de l-úrj no cárcere obscuro de Perúsia. 1 GKANDI PALAVRA 1)1 SUA VIDA

$Mto de 1203, perguntaram-se os homens da plebe ' "¦¦.Malas ile Assis: Rira que gast ai mcigias loinhaten-d" iit» aos outros? Vamos fazer um tratado cl«- paz e """ n vida de nossa pequena república. (.mim COflM |üên-I M «IJiança, Francisco e seus companheiros I muin hUnados in para Assis. t esse momento e a noite de Espoleto puniam ¦ '¦""cimente dois anos. Que fez nesse ín terim Q rilho d"' 'rlone? Os biógrafos não dizem quase nada. Ma», do l,lM"-edizem, pod emos deduzir muito. lizmente (talvez para toda a Igreja e paia ioda a bis '"" 'nina) Francisco foi ext remamente reservado duniiili i«kIu rida sobre tudo que se referia a sua vida protu ndu, ' ebções com Deus. Ninguém guardou um segredo pio '' 'tom tanta fidelidade como e le escondeu suas comuni Deus. Normalmente era comunicativo, e por isso .......rio a que deu origem tem caráter fraterno ou familiar. M'i«|uKum;, WJ misteriosa que eivava a iodos. I»!^ rait rodeado pela juve ntude mais dourada e dissipada d. . Firicipava nos concarsos de cantos e nos torneios e batido, mas no verbo cuidar, verbo exclusivamente "'"'Liidar se aparenta com o verbo consagrar ou dedicar '" kuidar significa reservar pessoa e tempo a outra pessoa, "'"n, principalmente, as mães. 23 Lá pelo ano de 1219, Francisco tentou dar uma orgai elementar aos irmãos que subiam às altas montanha: buscar o Rosto do Senhor, em silêncio e solidão, para recuperar a c oerência interior. Escreveu uma norma de vida ou pequeno estatuto chamou Regra para os eremitérios. S upõe que lá em ciij cabana, viva uma pequena fraternidade de quatro irmi querendo su blinhar as relações que devem existir entre Francisco utiliza expressões chocantes, ma s que transb infinita ternura fraterna, digo, materna, apelando mais vez e mais do que nunca, para a figura materna.

Dos quatro irmãos, "dois sejam mães e tenham dois fi Quanto à índole de vida, "os dois q ue são mães sigam ; de Marta, e os dois filhos sigam a vida de Maria". I ordena, ou melhor deseja, que ao acabar de rezar Tércia, p interromper o silêncio "e ir para ju nto de suas mães", tantas expressões há uma carregada de ternura especia quando tivere m vontade, os filhos possam pedir esmola i mães, como pobres pequeninos, por amor do Senhor Deus" Como se trata do período da vida eremítica, aconse também a não permitirem na cabana a p resença de pessoas nhas, e que as mães "protejam seus filhos para que ninguén turbe se u silêncio", e "os filhos não falem com pessoa a! a não ser com suas mães". E para que não se estabeleça nen dependência entre os irmãos, mas exista real ingualdade, jurídica com o psicológica, Francisco ainda diz que os ii devem alternar-se no ofício de mães e de filhos. No fundo vital do homem que se expressa dessa m; palpitam ecos longínquos, quase d esvanecidos, de uma mã< foi fonte inesgotável de ternura, daquela mulher que p noite s velando à cabeceira do jovem doente. O Pobre de Assis juntou em um mesmo laço duas das mais distantes e avessas que pod e haver neste mundo: a eremítica e a vida fraterna, a solidão e a família, o silên a cor dialidade. 24 >« semanas que o irmão Leão tinha UO espinho na 1 lhe estava perturbando a paz. Fie mesto não sabia ' "te do que se tratava. Dir-se-ia à primeira vista que ' ' nina du vida de consciência e queria nsultar Sao Mas quem sabe se também não Iwvl um pouco ¦'' 'i's do pai e amigo de sua alma, com .im-n .aminhando I f»\do durante tantos an os, tinha forjado uma amizade cisco, sabendo que no fundo de toda tratos eatá c» .....m pequeno vazio de afeto e que, de qu.i » ......" "¦' kwise que não se cure com um pouco de carinho, pegou * I lhe escreveu uma cartinha de ouro que......i tão afetivo. le Deus com quem Francisco tratava tão carinhosamente Jk», o Onipotente, o Admirável. . Quase nunca Pai --¦vra não só lhe dizia nada, mas até evocava incons 'e a figura de um homem egoísta c prc|>otm as fibras mais profundas de sua hiatória pessoal. 1 era, então, a mulher que emerge desses textos e |fi*s? Fundiram-se naquela mulher a força do ma r a um favo e a profundidade de uma noite estrelada. * ;ão cavaleiresca, que os tr ovadores provençais tinham para as repúblicas italianas, já tinha sido inoculada "es por aquela mãe extraordinária, na alma receptiva 25 de seu filho. Como definir aquele não sei quê de sua persona que envocava uma melodi a inefável, o esplendor de um amai ou a serenidade de uma tarde a cair? Antes de dar a Francisco sua vocação e seu destino, lhe deu essa mãe. A DENSIDADE DA FUMAÇA A tribulação estava às portas. A mão do Senhor caído pesadamente sobre o nosso jovem, pren dendo-o num t de aflições e causandodhe noites de insônias e dias de d A sede de glória estava reduzida a cinzas. E agora, em do leito de sua juventude, jazia abatida a sede do prazer, cisco não era nada. Uns centímetros a mais que avanças enfermidade, e estaria no abismo. O anjo do Senhor baixou mais uma vez junto de seu de enfermo e lhe comunicou lições de sabedoria. Disse-11 mais uma vez que a juventude passa como o vento ( de noss as portas, como as ondas do mar que se levantam montanhas para depois voltar a s er espuma. Qual a deris da fumaça? Pois os sonhos do homem pesam menos < fumaça. Qua l o peso da glória em uma balança? Não há acima ou abaixo, que tenha peso e firmeza a não ser o E * * * Estamos a poucos meses da noite de Espoleto, ert encontramos Francisco muito int

eriorizado no relacionai com o Senhor e disposto a tudo. Levando em conta a rr e volutiva da graça, temos que pressupor que, nesses mes convalescença, o anjo do Senh or desvelou muitas vezes 0 doente o Rosto do Senhor. Aquele jovem, que trazia desde o berço a sensibilidai vina, começou a provar nesses meses a doçura de Deus, e Francisco sentia uma paz profunda e começos de sabe Nesses momentos o caminho de Deus parecia mais lurrj 26 i conversão é, «iase sempre, uma corridi de persegui-. jue o homem .ai experimentan do ulternadameite a I 1 Deus c o encuitro das criaturas até que, progressiva.......Kl! se vão decantando e se afirma e confirma defi,. .n. luo 1 ' s transmitiram em forma de sonhos, de um diálogo .....«jnhor e Francisco. É mais que provável que o piopno ''"Ml referindo mais tarde a algum confidente a experiência ''"' 'noite, a tenha apr

esentado como um sonho ou como '"" jria. é uma constante na história das almas: quando uma " uma vivência espiritual muito fort e, sente-se incapaz de """V o sentido em palavras e instintivamente usa alegoria s houve naquela noite? Por razões dedutivas, que vou '"'.deve ter acontecido o seg uinte: de uma maneira sur l,tw:e, desproporcionada, invasora e vivíssima (sio as ca-'*' ':as de uma experiência infusa) a Presença Plena apo-' "gratuitamente de Fran cisco. lomem sente-se como uma praia inundada por uma ..... inediável. Fica mudo, aniquilado, absolutamente emcom uma consciência claríssima de sua identidade, mesmo tempo, como se fosse filho d a imensidade, ""lendo e ao mesmo tempo possuindo todo o tempo e '"'espaço, e tudo isso em Deus, como se a pessoa expe31 rimentasse em grau infinitesimal em que consiste $ (participação de Deus?) alguma co isa parecida, em ton ao que vai ser a Vida Eterna. E tudo isso como uma g; absol uta da misericórdia do Senhor, sem sabermos se é i ou fora do corpo... Um amontoado de palavras juntas poderia dar, en de expressividade, uma aproximação d o que é uma gn infusa extraordinária: claridade, clarividência, júbilo, pa doçura, liberda de. . . Essa visitação de Deus parece uma revolução na que o recebe. Francisco teve uma vivência v ivíssima e cL (que nem sonhos nem palavras poderiam dar) de qn ("conhecido", exper imentado) é Todo Bem, Sumo Bem Bem, o Ünico que vale a pena. Em comparação com Ele nobil iárquicos e os senhores da terra não passam de fuma, Mas, por que acho que teve que suceder algumi dessas naquela noite? Porque não há ou tra maneira de < o que aconteceu. Para entendermos, temos que nos no contexto p essoal de Francisco. Ele ia para a Apúlia como um cruzado para defe Papa. Despedira-se ontem de seus pa is e do povo de Nessa expedição militar, Francisco estava comprometido juventude de Assis, com os rapazes nobres que iam co com o conde Gentile a quem obedecia, com seus pais que p nessa expedição seus sonhos de grandeza; estava compro com sua honr a, sua palavra de cavaleiro, seu nome.. Só um sonho não ia desamarrar todas essas ataduc Francisco decidiu voltar para casa na manhã seguinte, d zando todos os compromissos, quer dizer que aconteceu s coisa muito grave naquela noite. Em toda sua vida, Fre demonstrou ser homem de grande tenacidade quando enra dia alguma coisa importante. Um sonho não é suficiente nos e xplicar essa aventura noturna. Só uma fortíssima e Iibe ra experiência de Deus explica essa desinstalação formidável * * 32 * * * '»'noite '* íiliiiluras voaram Iodas I-'rancisco sentía-se 'riie importava com coisa alg uma. Só com o Senhor. < I' inrdiato sc lhe apresentava todo cheio de problemas a t rtriMçõcs. Que explicação dar ao conde (ientile? Que dlllf iii companheiros de armas, co mpanhiiim de festas «Iih cr que daí a pouco iam seguir para o SulFalariam tia iuie t alvez de loucura. Poderiam dizei n qm- quises IWWiüe importava com nada. ara amanhã mesmo para Assis. Que diria o povo, a |»IV»ri)ue diriam o violento Bernardo ne c mesmo dona Pd >iviáhos, e até os prelados? Como explicar'' Náo po BI "eiricações; nin guém entenderia nada. usinais U-nigiios ¦Ifltc tinha perdido a cabeça. Os mais malicio sos lalurium "i çi.i e em frivolidade. Para um cavaleiro, a paluvia "i\dera covard ia. Iam jogar-lhe na cara essa palavra, ¦ 11' lie sensível à honra. Ontem isso seria i ni|k>ssívcl de ims hoje não importa coisa alguma. Sentia-se com-i.l. k- livre. 'a deixando o caminho seguro e promissor. F.stava piia uma rota incerta, cheia d e enigmas e de insegu liiha que assumir tudo solitariamente. Mas estava ill»|« ludo para seguir seu Senhor que agora "conhecia" lia seguinte despediu-se não sei como de teus " »os de expedição e tomou o caminho da vo lta. Uma ex-|tfllrbsa, embora dure normalmente pomos minutos, dei-VI #« vibrando p or muito tempo, e às vezes pot ioda a vida. ico de Espoleto para Assis, Francisco devia ir mer-( "II; jnela Presença. Quando pós o pé em Assis, ninguém

.....'"dtar Depois começaram a estranhai t mais tarde M 9-1 am boato feito de ironia, caçoada c mesmo sarcasmo. Ma «fisco, que estava sob o efeito da visitação, não se im-m nada e se apresentou com toda a serenidade. erdade tinha amanhecido. 33 Clara. O único que pôde vê-los foi o irmão Leão, que s * « Tanto os cronistas contemporâneos como o próprio Fti em seu testamento introduzem-no s de repente no cenár Deus, dando a entender que já existia alta familiaridade Franc isco e seu Senhor. Mas uma grande familiaridad: Deus pressupõe uma longa história de relacionamento p E é essa história que ainda precisa ser desvelada. Nos livros de hoje sobre São Francisco tende-se a j por alto sua vida interior, da ndo preferência a um \ noticiário de acordo com a mentalidade atual. Freqüente-apresen tam-no um Francisco ao gosto de hoje, conte«t hippye, patrono da ecologia, sem se preocupar, em geral, seu mistério pessoal. Acho que para apresentar São Francisco ao home, hoje, não nos deveríamos preocupar tan to se o que ele b. fez é do gosto de nossa época, indicando os pontos en está de acord o com nossas inquietações. Desse jeito desenfoç São Francisco e traímos o homem de hoje. O correto e nece; é olhar para São Francisco de dentro dele mesmo, inclui] em seu con torno vital e descobrindo assim o seu mister, claro que esse mistério será resposta para hoje e para os se\ futuros. Que é o mistério de uma pessoa? Que outra pai poderíamos usar em vez de mistério? Segred o? Enigma? £ cação? Carisma? Alguma coisa aglutinante e catalizadora? E convencido de que todos os mistérios, um por um, baixíi sepultura e aí dormem seu sono eterno. O mis tério de todo indivíduos está preso nas dobras dos códigos genéticos, impj vitais, idéias e ideais recebidos desde a infância. 18 caso de Francisco, encontramos também uma persona-ingular, feita de contrastes for tes, que tornam mais ingir o segredo. Mas nós temos uma ponta para decifrar a de São Francisco: Deus. Essa é a pande palavra /ida. is passou por suas latitudes. Deus tocou esse homem. resentar para pregar só com a roupa de baixo, ou de i vontade de Deus dando voltas como um pião. . . ensar em uma pessoa desequilibrada. O sublime e o quase sempre se tocam. A fronteira que separa um do rama-se Deus. . Deus faz sublime o que parece ridículo. Deus é a volucionária que arrebenta as norma l idades, desperta cialidades humanas adormecidas, abrindo as para atitudes dent es e até então desconhecidas. :apaz de tirar filhos de Abraão de uma pedra e pode ;mpl ares absolutamente originais de qualquer filho da j povo. Com esta palavra Deus o enigma de > fica interpretado, e seu segredo é decifrado. 19 Como vivemos em um mundo secularizante, corremos a tentação e o perigo de pretender apresentar ao mundo de hoje um Francisco sem Deus, ou um Deus com surdina ou em tom menor. Nesse caso, São Francisco começa a ficar parecido com uma belíssima marione te, que faz acrobacias maravilhosas, mas não passa de fantasia. Isso não aterriza ne m explica o mistério de Francisco. Poderão apresentar-nos passagens de sua vida que comovem os românticos, fatos que se duzem os hippyes, antecedentes históricos que permitam aos ecologistas considerá-lo um precursor, mas o mistério profundo de Francisco fica no ar, sem explicação. Basta a brir os olhos e olhar sem preconceitos: desde o primeiro instante nos convencere

mos de que Deus é a força de coesão que arma a personalidade vertebrada e sem desajust es de Francisco de Assis. A MULHER DE SUA VIDA Na volta de Perúsia, mal pisou as ruas de Assis, nosso brioso rapaz deixou de lado suas meditações sobre a fugacidade da vida, esqueceu os chamados do Senhor e, solta ndo as rédeas de suas ânsias juvenis reprimidas durante um ano, mergulhou no turbilhão das festas. Morta a sede de glória, nascia-lhe a sede de alegria. Formaram-se grupos espontâneos de alegres camaradas. Os que tinham estado em camar adagem forçada, no presídio de Perúsia, formavam os grupos mais barulhentos. Nomearam o filho de Bernardone como chefe do grupo e lhe deram o bastão simbólico de comando, porque tinha os bolsos cheios e a alma transbordante de alegria. Tresnoitavam a té altas horas. Subiam e desciam pelas ruelas estreitas por entre gritos, gargalha das e canções. Paravam embaixo das janelas das moças bonitas para entoar serenatas de amor ao som de alaúdes, cítaras e harpas. Era uma sede insaciável de festa e de alegri a. Os meses passavam e não se esgotavam os brios nem se acabava a inspiração. Geralmente, Francisco custeava os ban20 quetes. Havia nele alguma coisa misteriosa que cativava a todos. Estava sempre r odeado pela juventude mais dourada e dissipada de Assis. Participava nos concurs os de cantos e nos torneios eqüestres, e se saía brilhantemente. Invejado por alguns e aplaudido por todos, o filho de Bernardone era indiscutivelmente o rei da juv entude assisiense. * * » Como, no ano anterior, a Graça tinha vencido em uni nmihl sua sede de glória, agora haveria de reduzir a pó mui *cdr dc alegria. O velho cronista aplica a esse moment o as lavras do profeta: "Vou fechar teu caminho com um ,'. espinhos; fechá-lo-ei c om um muro" (Os 2,6). Uma gravi cníci midade de natureza estranha e difícil diagnóstico abati 11.....r< sua juventude, mantendo-o longos meses entre a vida < .....mie suor frio, febres altas e obstinadas, pesadelos, Iraqiuv.i gcul c por fim uma le nta, muito lenta convalescência. Nessa prolongada recuperação e, em geral, nesse pciiodo de sua existência, aparece a p essoa que há de abrir horizontes de luz para sua vida, a mulher que imprimirá em sua alma marcas indeléveis de fé e de esperança: sua própria mãe. A silhueta de dona Pica, feita de doçura e de lorialeza, desvanece no fundo do silêncio. Passa fugazmente i......| um meteoro pelas páginas dos velhos cronistas. Aparece, resplandece e desaparece. É daq uele tipo de mulheres capazes d< .usirr o mundo em suas mãos, mas sabe fazê Io sem d ramas, nu simplicidade e no silêncio. Por um paradoxo da historia, embora as fontes nos transmitam apenas fugazes vestíg ios de sua figura, estamos em condição de apresentar, por via dedutiva, a radiografi a completa de dona Pica. O método vai ser indireto: entrar na alma de Francisco e colher em seu inconsciente, traço por traço, a efígie cativante da mulher a quem tanto deve o franciscanismo. 21 A tradição supõe-na oriunda da Provença, berço da poesia e do cantar. Mas as fontes guarda m silêncio a respeito. Dispomos, entretanto, de elementos suficientes para conclui r, por dedução, que dona Pica era efetivamente francesa. É uma constante humana o fato de que, nos momentos em que a emoção escapa de seu leito e se torna incontrolável, o ser humano tende a manifestar-se em sua língua materna, no idioma que "mamou". Diz-se que São Francisco Xavier, em sua agonia, expressava -se em "euskera" (vasco), seu idioma materno. O Pobre de Assis, sempre que estav a possuído por uma emoção intensa, passava a manifestar-se em francês (provençal). Não seria esse o seu idioma materno, a língua de sua mãe? Suponhamos, por exemplo, que eu aprendesse inglês aos vinte anos e o dominasse com perfeição. Em um momento de explosiva emoção, se precisasse expressar-me livremente e s em obstáculos mentais, passaria instintivamente ao idioma materno ou nativo em que estão aglutinados a palavra e os sentimentos, a fonética e as vivências longínquas. Se, como a maioria supõe, Francisco tivesse aprendido o francês já na juventude, em su

as viagens comerciais, seria psicologicamente estranho e quase inexplicável que, n os momentos de júbilo em que as palavras, ligadas às vivências mais primitivas, precis am sair conaturalmente, o fizesse em francês. Supõe-se que a pessoa que aprendeu já ad ulta um idioma tenha sempre falta de flexibilidade ou facilidade para nele se ex pressar. Por isso podemos supor que o idioma materno de Francisco era o francês, isto é: que a língua de sua mãe era o francês (provençal). Justamente por isso falamos em idioma mat erno, e não paterno, porque se aprende junto da mãe, junto do berço. * * * Como dissemos, dispomos de um caminho dedutivo para conhecer a alma daquela mulh er e assim, indiretamente, podemos conhecer melhor o mistério de Francisco. É um jog o al22 , . ; nre de Francisco extráncs os ternado: da vertente inconsciente c ,inna PlCâ, e no reflexo da nae traços para uma fotografia de uou« ^ ^ veremos retratada a personalidade 00 1 "' Celano conta que, quando o velho mercador prendeu o jovem dilapidador, em quem s e havia manifestado inclinações mm, i l sua mae sentiu seu coração e o encerrou em um calabouço, su . . . " » lj-í forca primitiva nessa cxpiessao. materno se enternecer . Ha uma roc r »T_ , - 0 fia pelo tilho. hni muito maisNao era só pena que a mae senti* v - _ r? r-ic í ^.o rorrente proliind.i de simpatia. Entre mae e filho circulava uma c . . - i c'r~ o servo? O Senhor, é claro. _ P , .. _ _ ./-rvo e nao o Senhor? hntao, |x>rque segues o a** Que tenho que fazer? . i i . 1 j_ vai ser esclare cido Voltar para casa que tuav . ^ . na manha seguinte E Francisco voltou para cas se chama na vida espuiio.il J< forte experiência de Deus. E o que 3 , . . / ,. , . _ características peculiares. gr r ,1 i o __-i., quando estava fora de casa, que algum pobre lhe pedia esmola m . . i- u i;. Sc não tivesse dmheiio, davaaiudava-o com dinheiro, se podia- J , . ,, . , ,,. nao losse embola de mãos -lhe o gorro ou o cinto, para que vazias . O filho de dona Pica sempre tinha sido desprendido e c i. i riueles moços que tan i-e. ve/cs generoso. Sabiam-no muito bem aqu. ,., . xT3n se sabia donde, tinhai..... Mas agora era diferente. Nao ¦ .... , - i T-, . trí»nhas da misericórdia I «po gido em Francisco todas as entrai»1 a i . i f-mura. Quando dava uma nioc sitava em cada esmola toda a sua te»1 , I , . nr-^ i . . mais grave era que sen coração tinham o estômago vazio, mas o »' i j Accis aproximava-sc de cada um Por isso o esmoler de Assi» r . , ,. ^mava-os pelo nome, prdia que deles, aprendia seus nomes, cna^''>,' r ,i : i a» sua vida, perguntava por suas lhe contassem alguma coisa de » esperanças, interessava-se por sua sa Os pobres coitados, habituados à indiferença dos grandes j i 3ric na cabeça e nao podi am come dos pequenos, punham as mãos . . j a c^erciante importante podia íntepreender como o filho de um com" «- f , i i i.^ncia arrastada de cada um deles, ressar-se pessoalmente pela existeii" c . ^ n u»m seu olhar c em seus gestos o Sentiam-no perto. Percebiam em 45 palpitar de uma ternura secreta, alguma coisa que a nao podiam explicar, como se um anjo tivesse baixaJc o coração de Deus. Saía cantando por entre os ciprestes e castarh' o bosque ou a gruta. Encontrava-se com o primeiro r e lhe entregava o dinheiro que tivesse no bolso. Cc o caminho. Mais adiante encontrava um segundo s haja uma lâmpada aces a em meu nome. Pagarei tudo 0 maior prazer. BOM COMERCIANTK guiu caminho subindo a encosta que, erm pucos minutaria a sua casa. No breve tra jeto, foi ;i inudiineendo seus s imediatos. Precisava de dinheiro para compnr ma terial itruçio. Para dispor de dinheiro, tinha que fm um bom )cm seu comércio. Não hav ia lugar mais íi| >ro;>nido do que i, na feira a que seu pai o havia Ic-vi«tl»> tniiia .s vezes, ortante era proceder com rapidez. mndo pôs o pé na soleira da porta, já estava iwl> decidido, enão se preocupou nem em com er nem cm lu ri.m.l< ¦ ções. Preparou o cavalo e carregou sobre ele lima» nniaa Je vistosa s fazendas imaginamos que Hein.núuw eslava e - Ao sair de casa, persignou-se como in (si.iv.i axlendo uma empresa importante e sagrada, r se dingin oligno com a alma transbordando de alegria oi um negocio completo. Em poucas horas, vend eu mdu c j cavalo. Com a bolsa cheia, no próprio caminho de volta ia São Damião sem pr ecisar entrar nas muralha»da cidade Francisco! Ainda acreditava na onipotência d» (f ahriW lepressa chegaria o desengano e celebraria o mas irreduii ivórcio que já houv e entre um homem e o dinheiro., i * * * Zom a bolsa no alto e sacudindo-a fortemente para que aedas soassem como um clar im de guerra, I;raiviscn apre use diante do velho sacerdote. Falou-lhe com i-iit usiasiiio ;u projeto de restauração da vetusta ermida. Suplicou ao ável capelão que acei tasse a bolsa integralmente. O bom padre não sabia para onde olhar. Tudo aquilo fa zia-o ar que o rapaz tinha perdido a cabeça ou que estivesse indo dele. Tinha lido nas Vicias dos Santos conversões ful-ntes. Mas era bem outra coisa acreditar na t ransformação j moço, que até ontem era o guia da juventude mais mun-de Assis. 61 Além disso, conhecia o coração duro de Pedro Bernardone e não podia entrar numa eventual discussão com o velho e violento mercador. Por isso, com grande estranheza do Irmão , o velho capelão recusou a suculenta oferta. DIVÓRCIO E ESPONSAIS Na minha opinião, é aqui, neste momento, que se vai levantar a muralha divisória, alta e intransponível, que dividirá em duas metades a história de Francisco de Assis. Vamo s assistir a duas despedidas e a dois esponsais, efetuados tão improvisamente como todas as coisas do Irmão de Assis, e que teriam tão grandes conseqüências na história do

espírito. Aqui morre e é sepultado o filho de Bernardone e nasce Francisco de Assis. Em primeiro lugar, diante da renuência do sacerdote, Francisco agarrou a bolsa son ora e, não sem um certo desdém, atirou-a ruidosamente contra o batente da janela. De spediu-se para sempre do dinheiro e, pelo que parece, nunca mais em sua rida che gou sequer a tocar o apetecido metal. É um dos divórcios mais estranhos e sagrados d a história humana. Francisco le Assis foi o homem que não desprezou nada em sua vida , menos o dinheiro. Por que se despediu com esse ar de desdém? Desenga-lou-se quando comprovou que o m etal não é onipotente, pois íão servia para restaurar a ermida? Havia mais do que isso. Filho de opulento burguês, com elevada capacidade de [ercepção, a vida lhe havia ensin ado muitas coisas: onde está ) dinheiro não há lugar para outro Deus. Onde há dinheiro ão há amor. O dinheiro corrompe os sentimentos, divide os orações, dissocia as famílias: in imigo de Deus e inimigo do bmem. Por tudo isso, nos anos de sua juventude, Francisco foi criando uma aversão profun da pelo ouro e pela prata. Nesse gesto rápido, nessa instantânea "liturgia" de arroj ar a bolsa, estava retida toda essa aversão. E nessa mesma cena começa 62 o culto do Irmão à Senhora Pobreza. Poucos românticos teriam guardado tão alta fidelidad e à dama de seus pensamentos como Francisco a sua Senhora Pobreza. Em segundo lugar, abrira-se uma distância invencível iitre ele e a família, entre ele e a sociedade. Já não havia na.l de comum entre eles. Ninguém o compreendia nem podia >in preender: vivia em outr o mundoA família e a sociedade firmam os pés sob.,- o comum, sobre a plataforma de convenci onalismos e nc, i mIJ< às vezes naturais, às vezes artificiais: e preciso casar-se. ... ..... ganhar dinheiro, construir um prestígio social. . . i; d.li, .1 impossível, ser livr e nesse ambiente, e o homem qu. «< seguir Jesus até as últimas conseqüências precisa antes de do da liberdade, e não há liberdade sem saída. Tinha chap, para Francisco, a hora do êxodo: Sai de tua terra e dtua parentela. Quando o Irmão viu que o sacerdote recusava tão tena, I a bolsa de dinheiro, ajoelho u-se a seus pés com grande ¦ rência e suplicou que pelo menos lhe permitisse morar em»» co mpanhia junto da ermida. O sacerdote consentiu. Aquela a primeira vez que Franci sco não voltou para casa: doiu na ermida. E assim, com tanta simplicidade, consuma -sc *¦ gundo divórcio: a ruptura com a família e com a socicd.,1, Pelo que parece, Francisco nunca mais voltou para Ij a não ser quando o velho merc ador o encerrou num calabo. Referindo-se a essa ruptura, o Irmao dlra em scu los tamí: "E saí do mundo". O divórcio com o mundo significava esponsal com Jesus e com se u evangelho. De agora em dí, o irmão não pertence a ninguém, ficou livre para compr-terse e pertencer só e totalmente a Jesus, e em Jesus a * os pobres do mundo. Daí por diante sua casa seria a amplidão do nu-Seus amigos seriam os leprosos, os me ndigos e os saltea* dos caminhos. Seus irmãos seriam o vento, a chuva, e as primaveras. Acompanhá-lo-iam o calor do sol e a luz rfJj Comeria pelos caminhos como os espigadores e como g j tovias. E atravessaria o mundo à sombra das asas proc * de Deus Pai. Não lhe f altava nada. Estava feliz. etot* COMEÇA A PERSEGUIÇÃO Fazia tempo que o velho Bernardone carregava uma fe . que ainda estava em sangue : a volta repentina e vergor-^ do rapaz quando chegou a Espoleto na expedição para a Afuj^3 Um tipo arrogante não pode assimilar uma coisa des e começa a transpirar ressenti mento e rancor pela fefjj8' Por outro lado, não se teria importado se o rapaz tivesse gas u dinheiro com os companheiros nobres. Afinal, isso era Ur»!0 satisfação para sua vaidade. Mas reparti-lo, a mãos cheja' com os indigentes da rua era demais. ' Depois, já fazia meses que o rapaz, perdido na solicjgo dos bosques e das montanha s, não prestava serviço algum ao no negócio de fazendas. E o que mais torturava o rico rnercad0r era que o rapaz constituía uma profunda frustração para 0s sonhos de grande za que tinha depositado justamente nele. É difícil imaginar, mesmo teoricamente, dois pólos tà0 distantes e tão opostos. E Bernardo

ne, espírito de comerciante era absolutamente incapaz de compreender os novos rumo s d0 jovem sonhador. A situação estava cada dia mais insuportável unha que arrebentar por algum lado. * * * Francisco sabia muito bem que, mais cedo ou mais tarde a começar a perseguição. Para p recaver-se, tinha encontrado ju preparado nas proximidades da ermida um esconder ijo que - assim pensava dificilmente seria descoberto por seus per-eguidores. Ma s não se sentia completamente seguro em si mesmo. Jo leito de seu rio ainda havia sedimentos de medo: medo h ridículo, medo do sofrimento. Na conquista da liberdade há oscilações. Nesse momento Francisco estava passando por t emores que não sentia desde a volta de Espoleto. Um retrocesso? Não. O ser humano é as sim mesmo: no momento em que sua atenção estava afetivamente possuída pela Presença, Fra ncisco era capaz de enfrentar as chamas, o demônio e a morte. Mas a alma não tem o mesmo estado dc ammo em todos os momentos. Quando deixa de ap oiar-se cm Deus o liomcm reclina-se instintivamente sobre seu próprio cvinio e cni ao apa recém inseguranças por todos os lados, como formigas I nino a pessoa busca es conderijos para não sofrer ansiedade < > podei total, a liberdade completa só vêm depo is de mil coinlmn feridas sem conta. * * * Depois de uma longa ausência, Bernardone voltou para casa e deparou com a ingrata novidade: Francisco iinlia lugulu de casa. Dona Pica não sabia explicar direito, e talvez niio o quisesse, pois conhecia muito bem o caráter turbulento >lo marido. Como sempre, foram os empregados e vizinhos qu< lli< abriram com prazer as compo rtas das notícias: fazia tempo que nilo voltava para casa; na última vez levou as me lhores Ia/cmlus para Fohgno; dizem que vendeu até o cavalo; dizem que dormi na erm ida de São Damião; outro dia foi visto com uns meu digos. . . O comerciante ficou profundamente perturbado I in vc-i gonha, fúria e frustração, tu do de uma vez. Nao |xkIíii continuar assim. Esse rapaz louco tinha derrubado o pre stígio da família, construído com tanto esforço, e agora estava anx açando arruinar os negóc ios. Resolvido a dar um corte decisivo naquela série de loucuras, Bernardone lançou vizin hos e parentes como cães de caça lá para os lados de São Damião. Diante do estrépito da caçad , Francisco correu ao abrigo de seu esconderijo. Depois de muitas 5. O irmlo 65 horas de busca e de haver rasteado os mais inverossímeis:»* derijos, voltaram para c asa com o desgosto de não tê-lo a» trado. O Irmão, que era noviço nos combates do Senhor, bJ oculto um mês inteiro no esconderij o, paralizado de me» Fct um momento de debilidade, uma crise de fora de fom en seu estado adético. Pelo que parece, nem o velho capelão sabia o lugai de seu refúgio. A preciosa inform ação só era conhecida pwtiro» pessoa, que bem podia ser aquele antigo companheiro aruVim o. De vez em quando o Irmão saía com muita precaução t bastante assustado, mas logo volt ava para sua trincheira. úm° não sentia segurança em si mesmo, colocava toda sua esperança na misericórdia do Senhor. DOÇURA NA ASPEREZA Certo dia, diz o biógrafo, apoderou-se de todo o seu ser uma consolação como nunca tin ha experimentado antes. Era a nunca desmentida misericórdia do Senhor que mais um vez o libertava das redes da pusüanimidade. À luz dessa Graça, Francisco lembrou o códig o dos cavaleiros: não ter medo, nunca desertar, enfrentar sempre. . . Naquele dia teve vergonha da própria vergonha. Mas não se recriminou. Simplesmente f icou algumas horas revolvendo estas idéias: não se pode confiar no homem; é frágil como o cristal; é capaz de alcançar uma estrela ou de fugir como um desertor; o homem é iss o: barro. Mas não é preciso assustar-se. E disse: Meu grande Senhor Jesus Cristo! absolve-me de minha pusüanimidade. Tu sab es que eu sou uma folha seca ao vento. Cobre-me com tuas asas. Calça meus pés com sa ndálias de aço e não permitas que o medo se aninhe em meu coração. Depois emergiu do fundo escuro da gruta, com a cabeça erguida e todo em paz. Nesse momento poderia travar combate com as próprias forças do inferno em ordem de batalha. Sentia-se infinitame nte livre e forte.

Começou a subir com pasS* Xs^T " '"^ que levava à porta oriental das Seja como for, o Irmão de i^ "^" »»l-> « bável diante daqueles gritos sei*** * t, ° gMndc ra que envolvia seu rosto, qu.-C , "l"1'""" " ' ' que estava dentro da populaça^ '"f 11-' elão, beijou-lhe a mão com reve rência e lhe disse: Peço que ne desculpe, padre, pela decisão que tomei esta noite. Qu ero xperimentar viva e diretamente o carinho do Pai. Ele mesmo ai me dar comida todos os dias. Mendigarei de porta em orta como um filho de Deus, sem sair nunca das gostosas tãos da gratuidade. Perdoa-me por não poder mais sentar-me tua amável me sa. * * * Sempre se podia ver o Irmão aí pelo meio-dia percorrendo as ruas, batendo às portas, c om os olhos cheios de uma profunda serenidade, alimentando-se agradecido do que recebia das mãos do grande Esmoler. Passaram-se meses. As lutas cresciam e minguav am. Mas ainda havia espinhos dolorosos a esperá-lo no caminho. Numa manhã de inverno, o Irmão subiu à cidade para participar da Missa. Entrou na igre ja de São Jorge, lugtl onde tínha aprendido a ler e a escrever, a pouca distância da c asa paterna. Naqueles dias tinha havido grandes geadas c Frun, i.,,.. com sua roupa de peregr ino, tiritava de frio. Alguém tocou lia o ombro dizendo: Teu irmão Ângelo me mandou pe rguntar »c podes vender algumas gotas de suor. Respondeu-lhe no mei..... tom zombeteiro: Diga-lhe que não posso atendê-lo porque ja vendi todas, e a preço muit o bom, ao meu Deus. Passaram-se alguns minutos e aquela cruel ironia COmeÇOU a doer-lhe profundamente. Sentia muito vivamente as coisas da família. Mas logo depois reagiu pensando: Que culpa tem i li de não ter sido visitado pelo Senhor? No lugar dele, é certO que eu faria coisas piores. E esse pensamento consolou-o. * * *

Mais do que a brincadeira de mau gosto de seu irniio, o que abatia profundamente a Francisco era a hostilidade de IV dro, seu pai. Aferrado à orgulhosa categoria dos Bernardone, não suportava ver Francisco mendigando de porta cm porta. Era dema is para ele. Pode ser que Pedro não fosse tão desumano como o pintaram. Pode ser, até, que fosse um ddadão honrado. Mas era um burguês cheio de preconceitos de dasse, orgulhoso de seu nome e de sua condição de rico comerciante. Afinal, era um escravo do orgulho da vi da, que consiste em identificar pessoa, dinheiro e imagem social, e em levantar com tudo isso uma estátua, 95 ajoelhar se diante dela e prestar submissão. Era um escravo, como a maioria dos ricos. Sempre que pai e filho se encontravam, de perto ou ce longe, Ms ruas da pequena cidade, Pedro soltava uma rajada de maldições contra Francisco. Apesar de todo o pro gresso na superação de si mesmo, apesar de ter crescido tanto no "conhecimento" de s eu amigo Jesus, o Irmão não podia sofrer a maldição de seu pai. Sentia-o vivamente. E não havia o que pudesse consolá-lo nesses momentos, nem mesmo a lembrança lo Crucificado . Então recorreu a uma estratégia tão surpreen-lente como original, e cheia de comoved ora ternura. Escolheu o mais velho e mais cordial de todos os seus imigos mendigos, um tal de Alberto, e lhe disse: Olha, meu migo; daqui para frente eu vou te querer como a meu pai vou te alimentar todos os dias com as esmolas que receber. Em teca, aco mpanhar-me-ás sempre pelas ruas. Quando Pedro Ber-ardone me lançar uma maldição, tu serás meu pai querido, qoelharme-ei diante de ti. Porás as mãos em minha cabeça, atas o sina l da cruz sobre minha fronte e me abençoarás. A cena era dramática e divertida, mas profundamente co-wedora. Por volta do meio-d ia o Irmão ia de porta em porta, x)mpanhado por seu pai adotivo, como um cachorrin bo fiel. velho mendigo ia prestando atenção para quando aparecesse orgulhoso mercado r. Quando este vinha com uma maldição, Irmão se lançava imediatamente aos pés dos mendigo Juntava mãos sobre o peito e, inclinando levemente a cabeça, suplica: Dá-me tua bênção, meu pai. É uma cena que possui J conteúdo denso de ternura e de humanismo. A ERMIDA DO BOSQUE Acabou a restauração de São Damião. Depois começou e minou a restauração de outra ermida dedi ada a São Pedro, quanto isso, também ia restaurando, ou melhor, construindo seu interior a imagem de Jesus Cristo. A voz de Espoleto ava lá longe, três anos atrás . Os sucessivos combates que tivera de enfrentar nesse tempo tinham dado ao Irmão uma grande maturidade e uma p az quase definitiva. Fazia tempo que acalentava o projeto de restaurar também uma capelinha perdida no bosque central do vale, a umas duas milhas da cidade. A capelinha estava quase e ngolida pelas trepadeiras e tinha rachaduras por todo lado. Pertencia aos beneditinos do monte Subásio, mas também eles a haviam praticamente ab andonado. Por tudo isso, às vezes o Irmão perguntava se valeria a pena reformá-la, mas , só porque era dedicada à Mãe de Deus, por quem tinha MpcdaJ devoção, enfrentou alegremen te a nova restauração. * * * A ermida tinha (e tem) sete metros de comprimento por quatro de largura. Como es tava solitária no meio do Uisnue ,-se dizia que era muito antiga, excitava a imagi nação populur que tinha criado muitas lendas. Dizia-se em Assis, e a versão era unanim emente aceita, que, nas vésperas de algumas solcnida Jes, desciam de noite numeros os coros de anjos que cantav.un aleluias a muitas vozes e faziam grandes festas. Por essa razão era conhecida desde tempo imemorial como Santa Maria dos Anjos. Cha mavam-na também de Porriiirn utê porque a tradição dizia que os beneditinos tinham vivid o ali ante* de se instalar no Monte Subásio, e lhes tinham dado uma ptfWê na porção de t erra para o cumprimento de suas obrigações nu, násticas. Para a reconstrução, Francisco seguiu o método das outras ermidas. Primeiro juntava ma terial, principalmente tijolos, cal, areia, gesso e argamassa. Depois procurava voluntários. Armava os andaimes. Fortificava as paredes menos arruinadas. Derrubav a as mais estragadas e as levantava desde o alicerce. Primeiro trabalhava do lad o de fora, depois por dentro.

7 O irmão 97 ÊXODO E ASSOMBRO ç- ^ °^ra la adiante. No começo, o Irmão pernoitava em ao Uamiio. Mas logo ficou muito seduzido pelo encanto daquele ambiente do bosque, e resolveu ficar na ermida so litária ma e noite. Para sua completa satisfação, a meia hora de caminho estavam os prediletos de seu co ração, os leprosos, e não muito mais longe tinha a cidade para mendigar o pão de porta e m Porta. Nesse ir e vir, haveria de encontrar-se sem dúvida com seus queridos e ve lhos amigos, os mendigos. Em resumo, na Por-ciuncula tinha tudo: Deus, os pobres , o bosque. * * * Era uma solidão habitada por Deus e governada pela paz. 1 ao e para estranhar, pen sava o Irmão, que os anjos celebrem mas testas neste paraíso. Passaram-se várias seman as. A reforma á PVig^e maS lentamente, porque a ermida estava longe ade e tir>ha menos colaboradores voluntários. Mas ç Irmão não tinha nenhuma pressa de terminá-la. ?0 eontrário, estava tão feliz naquele l ugar que resolveu inssAemo" "aqUela IocaIidade na condição de eremita. Como bem os, nesse tempo o Irmão não t inha projetos para o futuro, sabia que rumo sua vida haveria de tomar. Esforçava-s e apenas para ser fiel cada dia e vivia à espera da manifestação da vontade divina. Trabalhando com argamassa, cal e areia, o Irmão dedicava «árias horas ao trabalho, vária s horas aos pobres e muitas horas i seu Senhor. As luas iam e vinham. Francisco sentia-se completamente feliz. 0 S I!Uranfe esses meses houve novidades profundas em sua alma. ondu ,tUlíla Prede stinado Francisco para mestre de espíritos e |- or e povos. Embora o estivesse pre parando havia anos ara esse destino, submeteu o Irmão a uma preparação mais s«va um pouc o antes de fazê-lo assumir essas funções. Foi um êxodo. Como explicar? Como qualificar o fenômeno? Onde classificá-lo? O Pobre d e Assis fez-se mais pequenino do que nunca, mais submisso e dócil do que una criança . Deixou-se seduzir. Foi arrancado de seus própnos atamos sem se opor. Era como um a folha de árvore arrastada pela correnteza. Saltaram seus gonzos. Voaram seus eixos dc adiamento. Estalaram os pontos de apo io e os centros de gravidade. E o Irmão saiu, ou melhor, deixou-se levar. Por quem ? (,omo chamá-lo? Por alguma coisa que era mais do que admiração. Que não era vertigem. Que parecia um suspense. Poder-st-ia dizer que era assombro. Mediu a altura do Altíssimo 1, ......p rer, por contraste, mediu sua própria altura E foi assim aos pés do Altíssimo, nasceu o Poverello. Também foi assim que nasceu o Sábio de Assis, quando teve uma visão prop ora l da realidade (Deus, mundo, eu)Saída, assombro, fascínio, aniquilamcnto, espanto. Uma impressão contraditória. Quem és tu e quem sou eu? é per gunta, é resposta, é admiração, é afirmação, adorar, aceitai com hu dade e profundidade que o Senhor se)a o Altíssimo e que o Irmão seja pequenino, ador ar, não resistir, mas aceitar todo maravilhado e agradecido, começando pela própria pe qu nez. Adorar, ajoelhar-se aos pés da criação para lavar p*, ligar ferida, pôr insetozi nhos em lugar seguro, servir a BMM, reverenciar o insignificante, não desprezar nada ser IrmiO mínimo entre os irmãos pequenos da criação, adorar, aceitai prazenteir amente que o Presente seja o Distante, e que AqUtt que é a essência de minha existênda seja ao mesmo tempo a Outra Margem, ficar quieto, mudo, estático, amar. É a revolução da adoração que faz cair todtt as marcas e arrebenta com todas as fronteiras humanas; * * * Depois da jornada de trabalho, o Irmão descansava ao cair da tarde. Quando saíam as primeiras estrelas, preparava-se para seu encontro com o Senhor. Nunca, pensava o Irmão, nunca a presença divina é tão densa e refrescante como no misténo da noite. Geralmente sentava-se ao pé de uma árvore e se dobrava até tocar os joelhos com a test a. Tinha pouca dificuldade para concentrar-se, deixava-se impregnar (não se poderi a dizer como) pelas palpitações e pelas energias do mundo, submergia-se com prazer n os abismos do Altíssimo, e assim passava muitas horas, às vezes a noite inteira, pro nunciando com voz suave e maravilhada, lentamente e com espaços de silêncio, estas p

alavras: Senhor, meu Deus! Senhor, meu Deus! Só dizia isso. Cada vez mais pausadam ente. Depois prostrava-se de bruços, com os braços estendidos, submerso na substância do mun do, e ficava calado. Ou melhor, a adoração nunca era tão profunda como nesse momento e m que não dizia nada. * * * Muitas vezes levantava-se do solo e adquiria uma estatura estrelada. Um céu limpo em um bosque noturno, pensava o Pobre de Assis, é outra coisa. Contemplar as estrelas da base dos abetos, azinheiras, carvalhos e castanheiras, embaixo de sua ramaria espessa, causava-lhe um feitiço difícil de explicar. Ficava comovido e agradecido. É inútil, dizia. É preciso ser pobre. Os que vivem nos quartos confortáveis e os que dormem em leitos macios dih-dlmente é quase impossível vão entende r a linguagem Ias estrelas e o êxtase de quem está assombrado. Só os pobres são capazes de descobrir admirados as inson-láveis riquezas da criação. Louva do sejas meu Senhor, pela ibertadora e santa Senhora Pobreza. O BOSQUE E SEUS HABITANTES Tendo recebido tanto, o Irmão sentia necessidade de dar. se dava, primeiramente, à p rópria criação. Explode, aqui, ma segunda novidade: a sensibilidade para com as criatu ras. Embora houvesse em sua natureza uma predisposição ina-i para vibrar com a beleza do mundo, nessa época nasceu 10 Geralmente sentava-se ao pé de uma árvore e se dobrava até tocar os joelhos com a test a. Tinha pouca dificuldade para concentrar-se, deixava-se impregnar (não se poderi a dizer como) pelas palpitações e pelas energias do mundo, submergia-se com prazer n os abismos do Altíssimo, e assim passava muitas horas, às vezes a noite inteira, pro nunciando com voz suave e maravilhada, lentamente e com espaços de silêncio, estas p alavras: Senhor, meu Deus! Senhor, meu Deus! Só dizia isso. Cada vez mais pausadam ente. Depois prostrava-se de bruços, com os braços estendidos, submerso na substância do mun do, e ficava calado. Ou melhor, a adoração nunca era tão profunda como nesse momento e m que não dizia nada. * * * Muitas vezes levantava-se do solo e adquiria uma estatura :strelada. Um céu limpo em um bosque noturno, pensava o 'obre de Assis, é outra coisa. Contemplar as estrelas da base dos abetos, azinheiras, arvalhos e castanheiras, embaixo de sua ramaria espessa, cau-iva-lhe um feitiço difícil de explicar. Ficava c omovido e agra-ecido. É inútil, dizia. É preciso ser pobre. Os que vivem nos uartos co é quase impossível vão entender nfortáveis e os que dormem em leitos macios difi-lmente a linguagem ís estrelas e o êxtase de quem está assombrado. Só os pobres são capazes de descobrir admirados as inson-íveis riquezas da criação. Louvad o sejas meu Senhor, pela >ertadora e santa Senhora Pobreza. O BOSQUE E SEUS HABITANTES Tendo recebido tanto, o Irmão sentia necessidade de dar. se dava, primeiramente, à p rópria criação. Explode, aqui, ia segunda novidade: a sensibilidade para com as criatu ras. Embora houvesse em sua natureza uma predisposição ina-para vibrar com a beleza do mu ndo, nessa época nasceu ) n0 Irmão, a partir de suas raíze* desconhecidas, ma corrente ternura e de simpatia p ara com todas as cnturas. Numa mesma vibração estavam envo'^0/ ^eus, at cri aturas e Francisco na mais saborosa e altí fusão. Adquiriu então uma espécie capacidade r«rptiva, Uma" hipersensibilidade de captação ií° se r K'cr|a ciplicar, comoC se lhe tivesse nascido dez mil te:;i entrasse em reverberação quase cósmicaAvançava pelo bosque devagüinbo, quase sem i(Kir chão, para não assustar o inseto. Dc repente seu pé pitava algum pauzinho, que se quebrava Com o estalido, ,.,,| ,, calava. Francisco ficava em silêna1 Mas bem depn-.¦ , , , pando seus élitros, o in seto irrompi outra vez com seu agudo. O Irmão chegava bem ptúnho e ficava escutando atentamente por muito tempo, com «boca semi-aberta. Mira vilhas do Senhor! dizia com voz ísve, antes de voltar \mu casa. * * i Um dia deparou com um fenco» curioso. Sobre o pstto verde estava aberta uma longa

feni corno o fio de uma rapada. O Irmão se agachou para cavar de perto. Era um cam inho feito pelas formigas, que n c vinham em sua falta Ajoelhou-se e se inclinou para«-"rvar de pertinho aquela maravilha. Ficou assombra do com W atividade: as formists carregavam às costas folhas cinco -. surpreendem com um gole de à>e quatro azeitonas Mu* o pior, Irmão Francisco, é que mais o sorriso que ¦ comida e mais o carinho que a Bf* Ti a maioria das |>cssoas nos dá com repulsa, com desdém^ mÁ vontade, esticando o braço e desviando o olhar... * * 1 Essas aflições é que tinharr.'^do a alegria do Irmão. Sempre tinha o maior cuidado c^cai r no pecado do desprezo, mesmo que fosse em pens.^- Mas desta vez estava sombrio

e dando vez a pensameí *uros. Sempre a mesma coisa! disse em voz alta e ameaça'-As pessoas se diminuem 105 diante dos grandes e se engrandecem diante dos pequenos. Eu taintóii fazia isso, a crescentou, baixando a voz. Oii.indo alguém bale à poria e vão abrir, eonlinuava a pensar 0 Irmão, os sorrisos, ceri mônias e cortesia dos anfitriões são tanto maiores quanto mais o visitante parecer imp ortante pda roupa, fama ou beleza. Na medida em que vai diminuindo a categoria do visitante, as pessoas vão rolando l adeira abaixo desde a cordialidade até a frieza, da frieza para a desatenção, da desat enção para o desdém. O Senhor lançou-os nus neste mundo! Não há categorias. O resto são conve cionalismos e roupagem artificial. Quando virá o dia em que os homens vão começar a va lorizar a despojada substância de filhos de Deus? E levantando a voz pronunciou estas frases: Qual a graça de amar o que é amável, de ve nerar o que é venerável, de apreciar a beleza da pessoa bonita, ou de ajoelhar-se di ante de um campeão? O dinheiro classifica. Levanta muralhas de aço entre irmãos e irmãos. Ia dizer: Maldit o, o dinheiro! mas conteve-se. Apesar de tudo, tinha mais horror pelo desprezo d o que pelo dinheiro. A roupa classifica, continuou pensando, a fama classifica e a beleza também. Para o diabo com todas essas classificações! Que sobrará para todos os filhos de Deus que não têm dinheiro, beleza, títulos, saúde ou fama? O esquecimento e o desprezo. Nunca tinha sido visto tão transtornado. Sua respiração estava agitada e tinha um fulg or de ira no fundo dos olhos. Sentia que todos esses pensamentos lhe faziam mal. Não se sen-ria bem com essas reflexões, mas não pôde evitá-las; era como uma força superior , vinda de fora e estranha a si mesmo. * * * Chegou à ermida de Santa Maria. Alguma coisa dizia-lhe pie a paz tinha fugido como uma pomba assustada. O coração MIO nunca deve dar passagem para a ira, pensava, nem mesmo m nome de sagradas bandeiras. 06 Sentia necessidade de reconciliar-se, mas, com quem? Não sabia. Depois de meditar um momento, disse: Vou me reconciliar com a mãe terra, que mantém em pé e alimenta igu almente todos os filhos. Dizendo isso, ajoelhou se lentamente. Depois deu um bei jo demorado no solo. Ainda de joelhos, apoiou a testa no chão e ficou horas nessa posição. Aliás, era sua posição favorita para rezar. E disse: Meu Deus, antes de tudo, põe a mão no coração do teu servo para que recupere a paz. Tira-me a espada da ira e cura a minha ferida. Sossega o meu coração c as minha s entranhas antes que teu servo pronuncie palavras graves. Nesta tarde de ouro, deposito em tuas mãos de misericórdia estas rosas vermelhas de amor: Não desprezarei os que desprezam. Não amaldiçoarei os que amaldiçoam. Não julgarei os que condenam. Não odiarei os que exploram. Amarei os que não amam Não excluirei ninguém de meu coração. Deixa-me dizer agora uma palavra nova e aceita-a limpa e sem atenuantes. Meus preferidos serão os preteridos. Quanto mais marginalizados pela sociedade, ta nto mais promovidos serio em meu coração. Na medida em que forem menores os motivos para serem aprecidos, tanto mais serão amados pomim. Amarei principalmente os o»o amáv eis. Deixa-me reservar o caminho mi florido do meu coração para os leprosos, os mendigos, os átadores de estradas e os pecadores. Assim terei o privilégio ckwuir os passos d e Jesus. 107 HUMANISMO Efetivamente, foram estes os favoritos de seu coração durante toda a sua vida: os ma rginalizados da sociedade medieval, os que não eram "atraentes" ou agradáveis de aco rdo com as regras do mundo. Em sua juventude o Irmão tinha observado o mundo e a v ida por dentro e chegou à conclusão de que nas relações humanas o que funciona são os pólos

de atração. Pensava: uma pessoa pode não ter beleza, dinheiro ou bondade, mas pode ter fama. N esse caso, o pólo de atração será a fama, que a fará rodeada e estimada. Outra pode não ter fama, beleza, simpatia ou bondade, mas pode ter dinheiro. Nesse caso, o dinheiro vai ser o pólo de atração. Outras vezes vai ser a beleza ou a simpatia. Pode faltar t udo, mas a bondade pode ficar como pólo de atração. * * * O Irmão viu que as pessoas nunca amam o homem puro, a criatura despojada. Amam as qualificações sobrepostas às pessoas. Mas quem vai amar a pessoa quando começam a falhar , um por um, todos os pólos de atração, sobrando apenas a criatura pura e nua? Quem va i olhar para ela? Quem se aproximará? Só um coração puro e desinteressado, pensava o Irmão . Coração puro éo que foi visitado por Deus. O Irmão viu que, normalmente, se o coração não foi purificado, o homem procura a si mesm o nos outros. Serve-se dos outros em vez de servir aos outros. Sempre há um jogo d e interesses, secreto e inconsciente. O caso mais claro é o dos políticos, que sempre proclamam estar interessados pelos p obres. Mas, de fato, em geral os pobres são o seu centro de interesses: servem-se deles como um trampolim para promoverem a si mesmos, construir uma figura social e progredir econômica e profissionalmente. Se esse interesse falhar alguma vez, o s políticos abandonarão os pobres com bonitas explicações. Os pobres ficam sempre expost os ao mau tempo, esperando corações puros. 108 Humanismo? Humanismo é o culto ou dedicação ao simplesmente homem, à criatura despojada de enfeites e arente de pólos de atração. O verdadeiro humanismo é impossível onde não exist ir um processo de purificação do coração. Isso precisaria de uma longa explicação, mas o humanismc puro não pode existir sem Deu s, a não ser em escala reduzi díssima. Hoje só Deus pode fazer a revolução do coração, in ver endo os critérios de valor, derrubando instalações c apro priações, e levantando novas esc alas de interesses. É por isso que há tão poucos humanistas verdadeiros e é por isso que os pobres ficam sem pre Ilustrados em sua: esperanças, com as mãos cheias de palavras vazias. Na história da humanidade houve poucas pessoas tão htima nistas como o Irmão de Assis. Colocou veneração onde não havii motivos de veneração. Colocou apreço onde não havia iiimivo de apreço. Amou de maneira especial os que não eram amavci» Quanto menos pólo de atração hav ia' nas pessoas mais .min. p tava o seu carinho. Nisso, como em tudo, apenas seg uiu i exemplo de Jesus. Neste livro vamos encontrar a cada passo episódios eaot Í0 nantes em que resplandece o humanismo do Pobre de Assis. 10Í CAPÍTULO TERCEIRO 0 SENHOR DEU-ME IRMÃOS DE SURPRESA EM SURPRESA Nessas alturas, o Irmão estava pensando em levar vida de eremita, instalando-se na capelinha restaurada de Sana Maria. Mas esse pensamento ou intenção também era provisór io-Sua vida continha, então, os seguintes componentes: vida contemplativa ao redor da ermida do bosque; dedicação aos leprosos e mendigos. Parece que, terminadas as e rmidas, timbém trabalhou com os camponeses no campo para ganhar o próprio sustento e ajudar os indigentes. I Olhando da altura de nosso tempo, há diversas coisa: y | impressionam vivamente na história singular do Irmão ds . acontecida até agora. Saltava de provisório em provisório. Sua única prc destino a que estava predestinado. N

essas alturas, o Irmão :ra uma terra arada, oxigenada e purificada. Estava tudo pa irado. 115 yj iii-a-dia. Nos primeiros planos de sua consciência não havi-njrxia preocupação sombrean do o céu limpo. Mas o ser liiconstituído por muitos planos justapostos. E li nos nív.' -s profundos, onde não chega a luz da consciência, o Jiisperava alguma coisa, mas não sabia o quê. Pressentia njjiiesperados. Estava tranqüilo, mas vivia à espreita. p0(, esperada que fosse, a revelação apareceu ines-peradanai Uufl Irmão foi até o mosteiro beneditino do Subásio. Disse aos mv(Í,-ie a ermida já estava restaurada e que seria conveniente ir uma celebração eucarística para instaurar de no vo o culto diti Combinaram que, no dia seguinte, iria um sacerdote. Era .'de fevereiro, festa de São Matias. A noite tinha sido mui»'1- O Irmão passou mui tas horas com o Senhor, para espi*° frio. Levantou-se cedo, ao clarear do dia talv ez mais imi*r,te de sua vida. Preparou o necessário para a Missa cctavcxa devoção e es mero. Convocou os camponeses dos arrei'' e ficaram todos esperando o sacerdote. A Jfj9 começou e o Irmão ajudava com grande piedade. Acolhia 0 oração e cada leitura, cu idadosamente, no cofre de seu c/Ô0, Chegou a hora do Evangelho e todos ficaram -'m pé. Dizia:'«'ao e preguem por todo o mundo. Não levem íenhum dúi£'ro no bolso. Também não levem s cola de provisões. Jma carriii basta. Não precisam de sapato nem de bastão. ','ivam dc rabalho das próprias mãos. Quando chegarem a al-jum povo*0* perguntem por alguma fa mília honrada e peçam bspedageff- Sempre que entrarem em alguma casa, digam: A Paz e steja lesta casa. Sejam simples como as pombas e esperes como ai serpentes. Se rjfc os aceitarem em algum lugar, procurem outro stm prótese- ffá muitos lob os por aí. No meio deles, vocês são cordeiróh°s recém-nascidos. Pode ser que os arrastem aos tribunais- o Pai lhes porá na boca os argumentos de defesa, os argumentos certos. Não tenham medo. Eu vou ficar com vocês até o f-m d° mundo. 116 Um relâmpago diante de seus olhos não teria produzido o resultado dessas palavras. O Irmão parecia funcionar em alta voltagem. Ficou impressionadíssimo. leve a sensação de que o sangue tinha parado em suas veias. Parecia que palavras mortas, tantas vez es escutadas, estivessem de re|icnte recuperando a vida e ressuscitando mortos. Parecia que tinha tido uma cortina escura diante dos olhos durante três anos. De r epente, o Evangelho desa-rrou a cortina e ele viu um horizonte sem fim, cheio de claridade-Parecia que o sacerdote beneditino se houvesse esíuniado v que fora o p róprio Jesus quem pronunciara essas palavras. A Missa continuou. O Irmão estava profundamente como vido. No fim da Missa os aldeão s voltaram para casa. Com muita deÜcadeza, como de costume, o Irmão aproximou se sacerdote para dizer-lhe: Ministro do Senhor, as palavras do : Evangelho toca ram a minha alma. Desejaria escuta l.is ouim vez e, se fosse possível, que o senho r me desse algum.i exph cação. Pegaram o livro de Missa. Saíram para fora da ernml.i Sentaram-se nas pedras ao ca lor do sol. O Sacerdote leu o Evangelho outra vez. Ia fazendo um comentário a cada versícnlu. Depois um comentário geral sobre o contexto. O Irmão Ir/ algumas perguntas . O sacerdote deu as respostas. Por um QQ . mento, ficaram os dois em silêncio. De repente, Francisco levar.tou-se. Parecia embriagada Seus olhos brilhavam e s ua estatura parecia muito maioi Levantou os braços como duas extensas chamas e , M |......... com voz comovida: Tateando as sombras, faz tempo que Cu buscava e rebuscava a vo ntade de Deus e finalmente a encontrei. Glória ao Senhor! O horizonte está aberto, já sei o caminho. É obra do Senhor Jesus Cristo. Vou percorrer esse caminho evangélico mesmo que haja espinhos no meio das flores até chegar ao fim do mundo, e nesse cam inho é que vai se apagar a minha vela. = 117 Voltaram para a ermida. Pegou o bordão de caminhante; e o jogou longe. Que mais qu er o meu Senhor Jesus Cristo^ perguntou. E, sem responder, tirou os sapatos e jo gou-os no in.Ho Soltou .1 fivela do cinturão e o lançou com íocot, 00©** uma serpente vo adora. Despojou-se dá túnica dc ciniimo deixando.i embaixo de uma árvore. Que mais que r o MU Sciihoc Jesus Cristo? perguntou outra vez, alegremente. Pegou um saco rude. Cortou-o e lhe deu a forma de cruz, com um capuz, parecido c

om a roupa dos pastores ào Subásio. Amarrou na cintura uma corda comum e, persignand o--se, saiu pelo mundo. PRIMEIRA SAÍDA No caminho da cidade, o Pobre de Assis tinha a viva impressão de ter sido armado c avaleiro de Cristo. Isto o tornava radiante. No mundo inteiro não deve existir ord em de cavalaria mais nobre: percorrer o mundo às ordens do Grande Imperador Jesus Cristo, levar a Dama Pobreza sobre a espuma dos sonhos, socorrer a todos os feri dos pela tristeza, desfazer as tortuosidades do egoísmo, procurar a verdade do err o, combater o desânimo dos pessimistas, assaltar as fortalezas do pecado, levar na ponta da lança o estandarte da paz, atingir as estrelas impossíveis. . . Esses pens amentos deixavam-no ébrio de felicidade, enquanto caminhava em sua primeira saída ev angélicaAproximando-se da cidade, nem parou em San Salvatore, com seus irmãos cristãos. Segu iu adiante e, quando topou o primeiro camponês, cumprimentou-o: "O Senhor te dê sua Paz Daí em diante, começou a cumprimentar a todos que encontrava pelos caminhos ou p elas ruas com essa saudação evangélica, em vez de dizer "bom dia". Foi direto para a praça principal. Duas ou três pessoas se aproximaram, estranhando aquela roupa chocante. Ao explicar por que tinha trocado de roupa, começou a impro visar sobre os motivos do Amor. Logo se juntaram dois ou três curiosos quando escu taram sua voz forte. Então trepou nuffia pedra grande da praça e levantou o tom e a inspiração. 118 O Irmão sabia muito bem quais eram os pontos fracos dos ouvintes e para eles dirig ia as palavras com grande liberdade de espírito. Não era a primeira vez que os habit antes de Assis ouviam um leigo improvisando na prata. Estavam habituados a escut ar os valdenses e os patarinos. * * * Eram palavras tão simples e penetrantes como o fio de uma espada. Nunca alçava vôo pe las cumeadas il.i oratória Era coisa que não combinava com sua personalidade. Muito pelo contrário, suas palavras eram breves, preferentementc palavras textuais de Je sus, com algum comentário adicional. Suas .xoi tações eram reiterativas e tinham caráter muito prático Num ca se perdia em palavrórios nem em elucubrações teológica*. Conciso, br eve, prático. Sua pessoa e sua vida eram uma verdadeira pregaçio. Havia calor e convicção em sua pal avra porque só falava do que já tinha vivido. Quando acabava de falar e ia embora, o s ouvintes voltavam em silêncio para casa. Ainda havia alguns qtSJ não levavam a sério e sorriam zombeteiros, mas quando viam sua sinceridade, o sorriso se lhes conge lava e ficavam desarmados. Era difícil escapar daquela serenidade que cativava e c ontagiava. Conseguia despertar a sede de eternidade que mora nos últimos porões da alma. Com su a palavra breve e simples, dava resposta às interrogações fundamentais da vida. Nào se s abe porque, ouvindo sua voz, as almas recuperavam a sombra da paz para refrescar as chamas interiores. Todos sentiam-se felizes. O Irmão voltava todos os dias à cidade. Onde houvesse um grupo de cidadãos agrupados p ela ociosidade ou por outro motivo, apresentava-se o embaixador da paz e, sem pe dir autorização, começava a debulhar suas proclamações evangélicas. Fazia-o com tanta humild ade e simplicidade que ninguém ficava ofendido por ter sido interrompido em sua co nversação. 119 Um dos lugares onde mais gostava de anunciar a Palavra era o pórtico do templo de Minerva, junto das grandes colunas cotíntius. A cidade acabou esperando as visitas do evangelista, porque todos sentiam que aq uelas palavras lhes faziam muito bem, e as pessoas voltavam para casa com calma e paz em suas almas. Além disso, esse mensageiro não atacava ninguém, nem o Podestá nem o clero nem os magistrados. Não se apresentava com ares de reformador, mas como aq uele que descobriu um tesouro e quer que todos participem. O PRIMEIRO COMPANHEIRO É uma constante na História das Religiões o fato de que o profeta, uma vez assumida su a missão, abandone a família e se afaste do país. É raro que regresse, e nunca como prof eta. Normalmente sua palavra e prodígios resplandecem em latitudes muito distantes

de sua terra natal. Nisso, como em tantas outras coisas, o Irmão foi uma exceção. Parece que nunca teve te ntação de afastar-se de sua terra. Em nome do Evangelho, tornou-se um itinerante inc ansável para semear palavras de vida eterna em terras de fiéis e intiéis, mas nunca le vantou sua tenda de campanha do vale em que nasceu, e a epopéia franciscana sempre teve seu epicentro era Assis. * * * Quanto à categoria social, Bernardo estava muito acima de Francisco. Era gentil-ho mem, e uma crônica diz que "por seu conselho regia-se a cidade de Assis". Mercador como Francisco, mas de maior fortuna, Bernardo era naturalmente ponderado e ref lexivo. Dificilmente se entusiasmava e mantinha controlados todos os seus impuls os. Reflexivo, cauto e um tanto reservado. 120 Tinha aquele sentido que permite distinguir o essendal do acessório. Tinha meditad o muitas vezes sobre a contingência da transitoriedade de toda a criação e, misteriosa mente, esse pensamento não o entristecia, mas lhe dava paz. Convencido de que nada vale a pena, porque tudo vai e vem e coisa alguma permane ce, foi desprendendo o coração dos bens terrenos e começou a aderir às raízes eternas e cu ltivar aquela sede de Deus que, além de Graça, era uma prcdis|x>sição inata de sua perso nalidade. Foi aí que começaram os primeiros devaneios místico» de Francisco. Sendo ponderado, Bern ardo ficou na expectativa. Pai-saram-se meses e anos, e Bernardo começou a pensar: Francisco acertou. Tinha tudo e deixou tudo. Agora parece "MM feliz do que todo s nós. Vive sem ter nada e como quem poa-sui tudo. E sua conversão não foi uma febre p assageira. Nada disso seria possível se esse Francisco não tivesse uma amizade arden te com Deus. Vou observá-lo de perto para verificai 0 grau de sua transformação. Convidou-o um dia para jantar em sua casa. Depois, diaae: Francisco, já é muito tard e e a Porciúncula é longe. Vou mandar preparar outra cama no meu quarto, para você pod er descansar. Bernardo tinha na parede uma imagem do Senhor, iluminada por uma lâm pada tênue. Francisco deitou-se e fingiu um sono profundo. Berna ido também se deitou e começou a roncar para fingir que catava dormindo. Então Francisco levantou-se silenciosame nte, ajodboU -se diante da imagem, estendeu os braços em cruz e começou a dizer lent amente, suavemente: Senhor, Senhor! Parecia que aquelas palavras vinham das entranhas da terra e arrastavam consigo a adoração de todo o mundo. Não dizia mais nada. Nunca se viu tamanha fusão entre a pessoa, a palavra e o conteúdo da palavra. Bernar do estava profundamente comovido e até contagiado. Olhava-o dissirnuladamente: ao clarão mor-tiço da lâmpada recortava-se a figura de Francisco, que parecia a adoração tran sformada em estátua. 121 Fraruífo não saiu dessa frase. Mas havia tal variedade de rnaiizts na maneira de pro nunciá-la, que sempre tinha um tom difcteite, como se cada vez fosse a primeira. Às vezes elevava a intensidade da voz, mas a inflexão era mais da alma que da gargait a. Outras vezes parava e ficava em silêncio. Com freqüêncii o tom assumia a profundida de de um suspiro ou de um soluço Então Bernardo ficava com um nó na garganta e tinha q ie fazer força para não chorar. Francisco permaneceu assim até a aurora. Foi uma noite memorável. * * * Na nanhã seguinte, Bernardo disse a Francisco: Irmão Francisco, o Senhor me deu riqu ezas. Vi que as riquezas me separam do ram Senhor. Eu quero que o Senhor seja mi nha riqueza. Que devo fazer? É vedade, senhor Bernardo, respondeu Francisco. Se as riquezas ocupam a alma, é difíci l que o Senhor seja a sua riqueza. Trata-se de uma alternativa, senhor Bernardo: ou Deus ou o dkheiro. Então, que devo fazer, insistiu Bernardo? Amanhã vamos cedinh o à igreja e o próprio Senhor haverá de nos nunifestar sua vontade, respondeu o Irmão. No da seguinte saíram cedo de casa. Passaram pela casa episcopal, onde chamaram Pe dro Catani, cônego de São Rufino, que também tinha manifestado o desejo de fazer o mes mo que Francisco. Atravessaram a praça principal e chegaram à igreja de São Nicolau. P articiparam da primeira Missa e, considerando a importância do momento, ficaram em

oração até as nove. Então Francisco levantou-se com a atitude de quem vai fazer alguma coisa muito imp ortante, aproximou-se do altar-mor com reverência e pegou o missal. Com surpreende nte ingenuidade e com aquela fé que transporta montanhas, submeteu a delicada ques tão ao juizo de Deus, suplicando ardentemente ao Senhor que lhe mostrasse sua vont ade, só de abrir o livro. Abriu o missal pela primeira vez e seus olhos caíram sobre estas palavras: "Se que res ser perfeito, vende tudo o que tens e 122 dá-o aos pobres; depois vem e segue-me". Na segunda vezb: "Não levem nada pelo camin ho, nem bolsa, nem dinheiro, aem bastão, nem troca de roupa". Na terceira vez, enc ontrou stas palavras: "Se alguém quiser vir comigo, renegue a si mesmo, carregue s ua cruz e siga-me". Eram textos que tinham a (orça, a brevidade e a clareza de um relâmpago. Francisco depositou outra vez o Missal no altar. Voltou-se para os neófitos presse ntindo a transcendência do monento. Havia em seus olhos um brilho de amanhecer. Ergueu-se sobre o degrau mais alto do altar e lhe» disse: Amigos, o Senhor falou. Não precisamos comentar. Nc-m. um mento, um comentário seria uma audácia, talvez uma p roíanação. Foi o Senhor quem decidiu. O Evangelho será no ......uai inspiração e legislação, não só para nós, mas também pita o* que quiserem juntar-se a nós. Va diante, irmão». Que o Evangelho recupere, sob os pés de vocês, todo seu frescor e novida de. Glória ao grande Deus e Altíssimo Senhor |cmi» Cristo que, em sua misericórdia nunca desmentida, indicou nus o caminho e nos abriu as portas do mundo. * * * O Irmão estava emocionado. Senhor Bernardo, disse, csia é a resposta para a sua perg unta. Os três saíram da Igtcjl, atravessaram a praça e foram diretamente para a casa d e Bcrnardu. Fizeram uma divisão: estas coisas e tanto dinheiro para o leprosario d e San Salvatore. Esses tecidos e mais tanto dinheiro para outros hospitais pobre s. O resto vai ser repartido hoje mesmo entre os pobres na praça São Jorge. Foi um espetáculo capaz de comover as pedras. Em noine do Evangelho, o gentil-home m mais abastado da cidade desprendia-se de todos os bens para seguir a Cristo ac ompanhando os passos do Pobre de Assis. Era 16 de abril. Viúvas, vetos, mendigos, todos os pobres afinal, reuniram-se na praça pura receber sua parte. 23 sacudida por uma comoção probj,. Mas A da* de acordo com aquela prodigalize. Se nem todos estay de Assis fjzessem o mesmo, andariam todos os ccoercia alguém. É um vírus pt-^oso o a cidade cm um ^ > Bem>rtjone> dizia outro. Será fie esse desse rapaz buco . fl situação dos pobres? pintava esbanjamento vai outro. Sem teto, sem uma moeda no bolso, sem dispor fc um palmo de terra neste mundo, s em família nem pátria, j, três peregrinos cruzaram a porta octdental das muralhas, sa^ da ddade e cheios cie alegria e de liberdade, dirigiran* para Santa Maria dos A njos. Ao pé da letra, eram esteiros neste mundo. O Irmão estava feliz. Nunca analisava os acontecinentos nem projetava o futuro. Ne m lhe passou pela cabeça « esse grupinho era, haveria de ser ou poderia ser a primei ra célula ie um grande movimento. Era o homem do presente. ?iVia a ilegria de pens ar que grandes cavaleiros estavam ing^ndo ia nova cavalaria, colocando-se às orden s do Grande Imp;tldor, Jesus Cristo. E esse pensamento enchia-o de alegria. No dia seguinte levantaram três minúsculas chocai com troncos, galhos secos, palha e um pouco de barro. Cada choça rio era mais alta que um homem normal, tinha o cump rimento de um corpo deitado e mais ou menos um metro e meio de largura. Posterio rmente abriram uma valeta formando um quadrado amplo. Nela plantaram uma cerca v iva de bustos. No centro do quadrado levantaram uma cabana relativamente grande, semelhante à cabana dos pastores que vivem nos Ape-ninos. Depois de alguns meses, já existia no bosque: a ermida restaurada por Francisco; a cabana grande dentro da cerca viva; várias choçazinhas individuais, cada vez mais n

umerosas, | espalhadas pelo bosque. 124 Bernardo e Pedro fizeram um roupão parecido com o de Francisco, da "cor dos burros da região", entre o pardo e o cinza, tecido de acordo com um modelo muito simples : de uma só peça com um capuz, e cingido com uma corda. Também a roupa era parecida co m a dos pastores dos altos Apeninos. NOVO MEMBRO Os novos acontecimentos levantaram em Assis uma nuvem de boatos. A despedida do clérigo mais douto e do gentil homeni mais influente deixaram vivamente impression ado um i>>v rimar s scnirm a viva repugnância pela Cruz. Por isso, fechamos instintivamente os olhos pari i Ctw ; ali u-iin- quando saíam pelo mundo. Qua se todos eram jovens; x>h>rc8 e felizes; fortes e pacientes; austeros e dóceis. Entre si eram corteses e carinhosos. Não amaldiçoavam i raobrcza, nem o clero, nem n inguém. Sua boca sempre pro-m «ciava palavras de paz, pobreza e amor. Misturavam-se de preferência com a multidão de doentes, pobres e marginaliza-. Sua palavra tinha a utoridade moral porque primeiro tinham dado exemplo. MESTRE DE ESPÍRITOS Mas isso não brotou tudo por magia, e nem era tudo ouro puro. Voltemos aos sete ir mãos da Porciúncula. Francisco sabia muito bem de que material somos feitos. Sem ter saído de suas fron teiras, conhecia, por experiência, a fragilidade humana. Lembrava suas oscilações e os altos e baixos dos primeiros anos para corresponder à Graça, apesar de ter recebido poderosas "visitações" do Senhor. Se Deus tinha jsado de tanta misericórdia para com ele e, apesar disso, ele tinha sido tão renitente em seus anos de conversão, que dev ia esperar dos outros? Na formação do irmão é preciso ter um grande respeito, muita paciência e principalmente um a esperança invencível, pensava o Irmão. Enquanto o homem respirar, dizia, é capaz de fa zer prodígios. Ele sabia muito bem que também poderia haver catástrofes, mas preferia não pensar nisso. Tratava cada um como dona Pica o havia tratado. Com ilimitada paciência e sumo car inho. Nunca vigiava. Sempre cuidava. Ninguém se sentia ofendido por suas correções. Ma is do que correções, eram orientações. O amor! pensava mil vezes. Essa é a chave: o amor. Formar é amar. O amor faz possível o impossível. O Irmão nasceu sensível ao amor. Recebeu de sua mãe uma ternura interminável e de Deus Pai excepcionais cargas afetivas. Tudo isso 146 fez com que fosse feliz e livre. Aprendeu com a vida que ¦ únicas armas invencíveis na

terra são as do amor. Em seus últimos anos, dava sempre este conselho para os casos iimpos síveis: "Ama-o como é". Qual a graça de amar uma pessoa cativante? perguntava-se. Bem depressa começaram a c hegar à Porciúncula toscas pedras de cantaria com um grande desejo de w consagrarem a Deus e de serem polidas pela mão maternal dc Francisco . Como em todo grupo humano, além dos jovens transparentes chegavam também à Casa Mãe da P orciúncula outtw jovens fechados em seus próprios muros, daqueles que entra-brem a p orta mais para observar do que para serem observado», daqueles que guardam explosi vos em seus átrios l- que comer "na mesa do Senhor". Também comiam espigas recolhidas nos restolhos e fruta silves res. Bebiam água fresc a nas fontes. Em seus rostos havi um gOXO inextinguível e uma satisfação geral difícil d e explicai Para dormir, às vezes tinham que formar pequenos grupos: uns iam para u m paiol, outros para as eiras onde juntavam as messes outros, para ruínas de velho s castelos. . . Cada noite era uma aventura divertida e na manhã seguinte tinham o que contar uns aos outros. Riam-se. Francisco dizia que eram aventuras cavalhei rescas pela Dama de seus pensamentos, a Po-breza. Vendo-os tão felizes, Francisco estava tranqüilo. Mas em todas as paradas falava-lhe s de esperança e de consolação. Até açora não tinham tido nenhum motivo de preocupação, mas p

sentia que em Roma haveriam de encontrar fortes provações. as a car. 176 Para animá-los, disse: Sonhei esta noite que ia caminhando pela Via Flaminia e, ao lado da pista, levantava-se uma árvore muito alta e copada. Parecia a rainha da p aisagem. Fui a alguma distância para apreciar as proporções da árvore. Aí, mas que prodígio! comecei a crescer até ficar do tamanho da árvore. Segurei nas mãos sua galharia e a i nclinei sem esforço até o chão. Foi Deus quem te mandou esse sonho, diziam os irmãos. E durante o dia, enquanto ca minhavam, iam todos comentando o sonho e cada um apresentava sua própria interpret ação Mas todos achavam que aquele sonho era um bom presságio. Quando viam de longe a torre de alguma igreja, ajoelhavam-se e rezavam devotamen te o "Adoramos". Era um espeta culo. Freqüentemente, quando Bernardo o decidia, pa ravam IM bosques solitários e consagravam algumas horas ou o dia 10 teiro à oração. De v ez em quando o Irmão se isolava do grupo, entrava nas aldeias, convocava as pessoa s para as praças, c lhes falava do Amor, da Paz e da Pobreza. Caminhando pela Via Flaminia, atravessaram o planalto de Rieti. Foram descendo, depois, para as baixadas dl CâlB pina Romana. E um belo dia chegaram a Roma. EM BUSCA DO PONTÍFICE A maioria deles nunca tinha estado na Cidade Ktcrna Quando atravessaram as mural has e pisaram as primeiras ruas, sentiram-se ao mesmo tempo surpresos e oprimido s pelo rumor da poderosa cidade. Igrejas sem conta, umas mais esplendidas que as outras, palácios e torreões, senhores feudais com seus séquitos de cavaleiros, elegan tes damas em corcéis brancos ou pretos, cortes de reis. . .. e, no meio desse espl endor, aquele punhado de órfãos, com os olhos no chão, as mãos dentro das mangas e os br aços cruzados, bem achegados uns aos outros, constituíram um espetáculo difícil de esque cer. Atravessaram a cidade no meio da curiosidade das pessoas que os olhavam e pergun tavam quem eram. Eles quase não per177 12. O irmio. . cebiam mdi. absorvidos pela idéia de que estavam pisando Solo s.i)m.||( Passaar, por uma das pontes do Tibre e foram logo ajoelhar-se diait do sepulcro dos santos Apóstolos na grande basílica COM* iniana, na colina do Vaticano. Os pereg rinos entravam e nim, mas os nossos irmãozinhos ficaram pregados no chão, ntnndament e inclinados e com os olhos fechados, formando xno scmpre um pelotão. Que espetáculo ! A emio, apodcrou-se do grupmhò. Mil pensamentos cruzaram a m-v Je Francisco. Somos pequeninos e não valemos nada, pensivi 0 Pobre de Assis. Que podemos fazer para f irmar as coLns da Igreja? Não podemos lutar contra os sar-racenos, poilão temos arma s. Além disso, que adianta combater? Não foitmog lutar contra os hereges porque nos faltam os argumertu dialéticos e a preparação intelectual. Nos so podemos ofeer as ar mas dos pequeninos: o amor, a pobreza e a paz. Qie rodemos pôr à serviço da Igreja? Só i sto: viver ao pé da lerí0 Evangelho do Senhor. Saindo i. Basílica, o Pobre de Assis aproximou-se de um clérigo e lhe .:rguntou onde vivia o Santo Padre. No palácio de Latrão, rrs»ndeu o outro. É fácil conversar com ele? i nsistiu o Irmãc. ^is, príncipes e cardeais passam semanas na ante-sala espmido sua vez para uma audiência, respondeu o clérigo. Vamos kt, a casa do vigário de Cristo, disse Francisco aos irmãos. í daro que ele vai receber-nos de braços abertos, porque é a stnkra bendita de Cristo na terra. Se era tão fácil conversar con ( Senhor nas colinas da Galiléia, por que vai ser difícil entrst ar-se com o seu Vigário nas colinas romanas? Vamos, em mie dD Senhor. E dirigiram seus passos para o palácio de Lar». Sempre xrnando aquele grupinho unido, atravessaram outra vez a cdife por entre t rombetas e palácios, vendedores 178 ambulantes e bufões, cortesãos de reis longínquos, damas elegantíssimas e perfumadas, ci dadãos vindos de todas as tribos e nações.

Os irmãozinhos, assustados e deslumbrados, nem levantavam os olhos, e em momento a lg1-1111 "veiam a curiosidade de ver os palácios ou mesmo de visitar as igrejas. T inham vindo procurar o Santo Padre e o resto não lhes interessava. PRIMEIRA ENTREVISTA Quando chegaram à grande esplanada do palácio pontiiioil, Francisco disse: Fiquem aq ui, meus irmãos. Supliquem no Sr nhor que se digne inclinar o coração e a mente do San to l'.idn para que ponha seu selo em nossa pequena Regra. Separando-se deles, avançou com tranqüilidade ate a |«nia principal do enorme edifício. Entrava e saía muita ¦ SI Atravessou a porta principal e continuou avançando, com pés descalços e aquela roupa estranha. Seguiu um corredor e depois mais outro. Perguntou pajo apartamento do Santo Padr e e lhe deram uma orientação apto ximativa. Olhava para todos os lados e para todas as pessoas. Mas fazia-o com os olhos tão límpidos e um olhar tão confiante que em nenh um momento os guardas desconfiaram dele. Foi assim que chegou até o coração do edifício, nas pio-ximidades da ante-sala do Papa. No corredor que unia e separava a ante-sala da sala, o Irmão de Assis encontrou-se de improviso com a figura imponente de Inocencio III. No mesmo instante, o Pobr e de Assis lançou-se a seus pés e começou a falar depressa: Bom dia, Santíssimo Padre. E u me chamo Francisco e sou de Assis. Venho a seus pés para pedir um privilégio: quer o viver o Evangelho ao pé da letra. Quero ter o Evangelho como única inspiração e legisl ação de nossa vida, não ter rendas nem propriedades, viver com o trabalho de nossas mãos . .. Disse tudo isso olhando-o de baixo para cima, de joelhos e tão pequenino, diante d o Pontífice em pé c tão imponente. Este 179 .: "! h>go a palavra porque viu nos olhos tio Pobre unia l DspaiiMiiu estran ha, e percebeu cm seu jeito uma infinita nverencia, completamente isenta de serv ilismo. Mas, depois das primeiras frases, o Pontífice disse: Está , está brm! como quem diz: B asta! O Irmão calou-se na imi.,1 a.'ti () I'«>m ílice ficou surpreendido com a obediênci a ir.tantânea. Tudo aconteceu em segundos. Duianlt o instante que o Pontífice levou para se refazer ca surpresa, houve um silên cio brevíssimo que o Irmão enten-àt como *na autorização para continuar e aproveitou para dizer: O pnprio Senhor me revelou que eu devia viver se-prdo a forma do santo Ev angelho. Faz dois anos que comecei a viver (M fôrma de vida. Depois o Senhor me de u irmãos. Arara somes doze. Eles estão lá fora. Escrevemos uma Regra-zirla, com palavr as simples e breves... Quando ia começando a tirar a Regra debaixo do braço, o Pontífice fez um pequeno movim ento, quase um gesto, como quem dissesse: Agora, chega! Francisco, eu carrego aos ombros problemas urgentes e gravíssimos, disse o Papa. E stou velho. Não posso atender tudo pessoalmente, Se quiser que te escute, pede rec omendação, consegue uma audiência e espera ma vez. Deu meia volta e se foi. 0 Irmão levantou-se e ficou olhando até que perdeu o Pontífice de vista, na entrada de sua câmara. Começou a voltar com passo lento. Na curva do corredor, olhou para trás, para ver se ainda enxergava o Pontífice. Enquanto percorria os intermináveis corredores que levavam ao átrio, o Irmão ia pensan do: Ele tem razão. O Santo Padre carrega o mundo nas costas. Seus problemas são grev es. Os nossos não são nada. Não queria roubar-lhe tempo. Só queria que dissesse um "está b em" para o nosso pedido. Pedir uma recomendação, a quem? Não conheço ninguém. Nós somos insi gnificantes. Nesta noite, vou consultar o Senhor. 180 RECOMENDAÇÃO Quando reencontrou os irmãos, ante seus olhares nter-rogadores, a primeira coisa q ue Francisco disse foi: Temos que rezar mais e fazer penitência. Vamos sair da cid ade e procurar um bosque para rezar. O próprio Senhor, só Ele, vai resolver as dific uldades. Na rua, já perto das muralhas, deram de cara com Dom Guido, Bispo de Assis. Grande surpresa e alegria para todos. Dom Guido não sabia das andanças e das intenções dos irmão s. Supunha que, como de costume, andassem pelo mutUM 1111 suas viagens apostólicas .

Este Francisco não serve para os bastidores da diploma cia, pensava Dom Guido. A I greja administra os tesouros etrnu"-, mas está instalada no reino da terra. Seu de stino é transformar a terra em céu; por isso os interesses são celestiais, mas o« usos e costumes são terrenos. Francisco não pertence à política, mas à transparência. Seria uma pena, continuou pensando, que por falta de uma orientação diplomática Franci sco se perdesse para a Igreja e a Igreja perdesse esse formidável fermento evangélic o. Para triunfar na Igreja, não basta o espírito. É preciso ter também tino, perspicácia e circunspeção, isto é, uma diplomacia fundamental. Por isso, o Bispo decidiu dar todo apoio a FrancilCO, abrindo-lhe acesso aos mea ndros da alta política eclesiástica, para que sua voz chegasse diretamente aos ouvid os do Santo Padre. Ficai aqui, irmãos, que eu vou aplainar o vosso caminho. * * * Dom Guido lembrou-se de seu grande amigo, o cardeal João de São Paulo. Hoje em dia, pensava Guido, não há nenhum cardeal no colégio cardinalício que seja tão influente e prin cipalmente tão estimado pelo Santo Padre como João de São Paulo. 181 Dom Guido (oi direto para a casa do cardeal. Cantou os antecedentes históricos de Francisco e do movimento, falando com entusiasmo da comoção de Assis e de tantos suc essos Kmitos c dramáticos. São submissos e reverentes cornos sacerdotes, disse. O testemunho de vida às vezes c ausa um pouco de confusão e de desafio, e quase sempre obriga os sacerdotes a faze rem uma revisão de vida. Mas isso é bom. E acabou dizendo que seria melhor sua Eminênc ia conhecer pessoalmente os irmãos, convivendo com eles alguns dias. De fato, Francisco e alguns de seus companheiros foram hóspedes do cardeal São Paulo por alguns dias. PROCURANDO DISSUADIR O cardeal tinha estudado e exercido a medicina. Mais tarde ingressou no mosteiro cisterciense de São Paulo Extramuros. Depois de uma vida penitente de muitos anos , foi nomeado cardeal em 1193. Seu coração tinha sido refeito à imagem e semelhança de C risto Jesus. Era difícil encontrar no Colégio Cardinalício outro homem tão austero e de tanta fé. Nos dias em que Francisco e seus companheiros estiveram na casa do cardeal, vive ram sua forma de vida ao pé da letra, como de costume. O cardeal esteve observando suas atitudes e palavras. Como era sensível às coisas do espírito, não custou para desc obrir e avaliar a envergadura daqueles pobrezinhos. Por dias seguidos, o cardeal submeteu Francisco a amplos interrogatórios. Bem depr essa ficou cativado pela simplicidade de alma e pelo poder espiritual do Pobre d e Deus. A gente tem a impressão, pensava o cardeal, de que o Hvangelho é um livro embolorado , encadernado e dourado, mas todo coberto de pó e abandonado em um canto da biblio teca. Agora parecia que, ao toque mágico desse anãozinho de Deus, 0 livro tinha rec uperado todo seu antigo esplendor. Bendito 182 seja Deus! Hoje, que a Igreja é uma poderosa república sagrada, e o Papa um imperado r, é bom que apareça um pobrezinho desprotegido para nos lembrar que I >ous é onipoten te. * * * Mas, mesmo assim, uma fundação lhe parecia empresa des-proporcionada. Na história da I greja tinha havido poucas fundações, embora houvesse muitas reformas. Para dissuadi Io da idéia, o cardeal chamou Francisco a sua sala de audiência. Francisco, filho de Assis. Uma nova fundação, cODMÇOUi uma fundação é, em nível simplesmente umano, uma empiesa tremenda e, nesse caso, quase temerária. Disse essa última plfti baixando a voz, para não ferir o Irmão. Demasiado temerária, interrompeu Francisco. O cardeal ficou surpreso com essa saída e não atinou exatamente com u intenção ou sentido da intervenção. Se não conhecesse a pu> fu nda simplicidade do interlocutor, tomaria como ironia i >¦¦ interlocutores estavam e m órbitas diferentes, e isso explicavu tudo. Eu estava dizendo, continuou o cardeal, que uma fundação, hoje em dia, é uma empresa a rriscada. O cardeal estava pensando, nesse momento, no grupinho de iletrados ali stados na Legião da Santa Ignorância. Conhecia por dentro os cri térios e sistemas da

maquinaria eclesiástica. Sabia qual o poder das influências e quais as influências do poder. Conhecia de cor as molas secretas dos palácios lateranen ses em que, como em todos os palácios do mundo, prevaleciam os critérios políticos em que jogam sua grande cart ada o dinheiro, as vitórias militares e as balanças do poder. Achava que uma nova fu ndação estaria submetida a essas molas. Uma nova fundação, continuou o cardeal, requer uma preparação intelectual por parte dos fundadores. Francisco de AvS-sis, disse-lhe olhando carinhosamente para o pobrez inho, uma nova fundação é quase uma batalha, e os iniciadores têm que sabet 183 inejtir com destreza a dièica, pelo menos como os soldados inejiim a spada. Nestas cúrias, continua, como nos palácios do mundo, a rovação ilc uma fundação exige uma re comendação poderosa, lia recomendação poderosi pressupõe recomendadores pode-ios. Os poder osos só se ceixam influenciar pelo poder, seja { iritual, aptstólico ou müar. Vós estais a listados, e jurais iielidade, ni Ordem da Santa Impotência. Acho que essa ianção está qu ase ciestinadi ao fracasso. Desculpe-me, filho qirido. * * * O Irmão escutava tranqüilo e em atitude receptiva. Tudo ;ssi eondohl o cardeal, já foi prevenido pelo Senhor quando nos dizpara sermos espertos come as serpentes. Em seu toro íntimo, o cardeal estava cem por cento de açodo com o; ideais de Francis co. Mas, conhecendo os bas-Baces da cúrii romana, tinha medo de que o pedido de Fr an-eso fosse negado, e queria preparar-lhe o ânimo para lhe evitar umi profunda fr ustração. Sena terrível, pensava, que também este novo profrta partisse para a contestação. Além disso, continuou o cardeal, já sabes o que se passa, e iso é história humana em tod os os níveis, e não só nos paláfios e cúria». Para começar uma empresa grande e original, ou ira aprová-la, como é o caso, há sempre mais razões para deixar de fazer do que para faz er. Temos medo do incerto e do drseonhecide. Preferimos a segurança do conhecido à i ncerteza do desconhxido. Queremos evitar o fracasso a todo custo. Por tudo isso, eu te proponho uma solução: Por que não vos incorporais numa Ordem reli giosa austera, que tenha as características da vida que desejais viver? Que te par ece, meu filho? 184 O PODER DA DEBILIDADE Houve um silêncio prolongado, mas nau angustioso. O Pobre de Deus olhava para o chão . Não era a primeira vez que lhe faziam essa proposta, nem seria a última. Deixou pa ssar um momento e repetiu com voz apagada e e,raiulc naturalidade: É temerário demai s. Nós não temos nada, começou a falar calmamente. Não temos estudos nem preparação intelectual . Não temos casas nem propriedades. Não temos influências políticas. Não tcino» base para se rmos recomendados. Não podemos impressionai porque não oferecemos utilidades apostólic as palpáveis nem cluana-. sonoras. Parecemos uma estranha Ordem da Santa Ignorância ou da Santa Impotência. . . A intensidade de sua voz foi crescendo aceleradamente Não podemos oferecer à Igreja universidades para formai tom batentes para a defesa da verdade. Não dispomos de ...... quadrão bem compacto de dialéticos para confundir os albigen ses. Não temos amplos rec intos monásticos para acolhei M homens que querem consagrar-se a Deus. Não temos nad a, não podemos nada, não valemos nada. .. Nisso, chegando ao climax mais agudo, o Pobre de DcUI ficou em pé, levantou os braço s e a voz, e ajuntou: Justamente por isso, porque somos impotentes e fracos como o Crucificado, porque chegamos ao paralelo total da inutilidade e da ínservi bili dade como Cristo na Cruz, por isso o Onipotente vai revestir de onipotência a noss a impotência. Da nossa inutilidade o Todo-Poderoso vai arrancar energias imortais de redenção; e p or meio de nós, indignos, inúteis, ignorantes e pecadores, vai ficar bem claro diant e de todo o mundo que o que salva não é a ciência, o poder ou a orga nização, mas só Deus e Salvador. Vai ser a vitória de nosso Deus e não da diplomacia. O cardeal levantou-se sem dizer nada e retirou-se para que Francisco não visse as lágrimas em seus olhos. De regiões olvidadas renasciam-lhe antigos ideais adormecido s havia mu:to

185 tempo. Entrou outra vez no escritório e disse: Francisco(e Assis, vai para a capel a e reza. Enquanto isso ele pegcx0 coro cardinalício e foi rapidamente para o paláci o de Latjj Pediu audiência papal em caráter urgente. Santo Pac. ilissi IIu- d cardeal, Deus é tes temunha dc quão sincerarne^ lutamos todos estes anos pela santidade da Igreja. Estáv an,; espetando um enviado do Senhor para restaurar ruínas e * suscitar mortos. O e sperado chegou, Santo Padre. Bendito sa Deus! Observei sua vida e perserutei sua alma. É um hom^ forjado na montanha das bem-aventuranças e suas cordas vibr;r em unís sono com as de Cristo. O Pontífice alegrou-se visivelmente com essa notícia . mandou suspender as audiências do dia seguinte. Precisava > ceber o tal varão evangélico com seus companheiros, e o s ca. deais deveriam assistir também à reunião. SESSÃO TEMPESTUOSA No dia seguinte estavam outra vez frente a frente o Pobr di Assis e o Papa Inocênc io. O Papa sentou-se no trono. ( p"Ue aproximou-se, lançou-se-lhe aos pés, beijou-os pausadamen ie COOI Infinita reverência e lhe disse: Dá-me a bênção, Santt Padre. Francisc o tinha a impressão de estar "com reverência ( submissão" aos pés de toda a Igreja. Foi um dos momento; mais importantes de sua vida. Inocêncio III reconheceu-o imediatam ente e não deixou de dar-lhe um leve sorriso que significava < otnplacência c simpat ia. Quando o Irmão de Assis recebeu permissão para falar, começou assim: Santo Padre, venh o a seus pés para pedir-lhe o privilégio de viver ao pé da letra o santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não desejamos ter rendas nem propriedades. Queremos sub sistir com o trabalho de nossas mãos. Iremos pelo mundo sem provisões, sem bolsas ne m dinheiro, anunciando a Palavra do Senhor. . . " 186 Sua voz não dava o menor sinal de nervosismo. Olhava íidamente, ora para o Papa, ora para os cardeais, com um ,.r tão confiante que era como para desarmar um inimigo. Papa .rdeais estavam de olhos e ouvidos fixos em sua boca. Dir-se-que eles esta vam mais ansiosos que o Irmão de Assis. Diante de Sua Santidade, prosseguiu o Pobre, queremos (brar hoje o divórcio com o dinheiro e os esponsais com enhora Pobreza. Queremos vestir pobremente e não despr e-os que se vestem ricamente. Queremos vtver amando nnv e dando-nos uns dos outr os diante dos olhos do mundo, como a mãe ama e cuida do filho de suas entranhas. N io fartos resistências aos que nos resistirem. Ofereceremos a outra 2 aos que nos ferirem e responderemos as ofensas perdoa Acolheremos benignamente os salteadore s de estradas c nos príncipes vão ser os leprosos e os mendigos. * * * É um sonho, disse em voz alta um dos cardeais. O Pobw Assis olhou para o lado de o nde vinha a voz. Meu fifco, «seguiu o cardeal, nossas costas estão encurvadas pelo p eso tanta desilusão. Cada ano aparecem nesta sala sonhos de ro. O tempo demonstra que esses sonhos acabam, um pOI i, na cova da frustração. Acabamos não acreditando nas avras. Costumamos esperar os resultados, e com muito ce ismo. Francisco respondeu, olhando para ele: Tudo que acabo expor, senhor príncipe da Ig reja, nós já o pudemos praticar, ti a misericórdia de Deus. Agora sois poucos, disse o cardeal. Poucos e idealistas, tais começando. Todos os princípios são animadores. Mui-. de nós, na juventude, sonhamos com esses ideais. Só os 'ens sonham, porque ainda não viveram bastante. Mas a Ia nos faz pôr os pés no chão. Não s omos derrotistas, mas distas. Não temos asas, mas pés de barro. O homem é argila, 187 impotência e limitação. Francisco, filho de Assis, podes dizer-rie o que farias para a limentar, por exemplo, dois mil irmãos? () Pobre de Assis escutou com toda atenção e ficou cono-viilo. Tinha nascido clarivi dente e seu idealismo não lhe hn-pedia I visão da terrível fragilidade humana, começando p>r sua própria história. É verdade, senhor cardeal, disse o Irmo. Nós temos coração de águi e pés de pardal. Somos frágeis cono uma ânfora de barro, isso eu sei por experiência próp ria. Nri-guém nesta sala, disse volvendo o olhar pelo hemiciclo, é to pecador quanto eu; poucos terão sido tratados tão privilegiaa-mente pela Graça como eu, disse com vo z quase inaudívi-E, se não fosse pela nunca desmentida piedade de Deus, qie seria de

nós? Mas tinham feito uma pergunta concreta de que não poda escapar. E respondeu, com i ncrível segurança: Quanto a su pergunta, senhor cardeal, tenho a dizer o seguinte: Se a mão de Deus alimentou até agora doze orfãozinho, por que não vai alimentar duzentos ? e por que não dois mil Quantos milhões de pássaros voam pelo mundo? Não é o Senhc que os alimenta todos os dias? Será que o Altíssimo tem lim tações? Quantos milhões de estrelas luzem no firmamento? Nã é o Altíssimo que as acende todas as noites? Se nem ur pardal cai de fome, como iria permitir que morresse de fom um filho imortal? Santo Padre e senhores cardeais, vós sois sábios e eu ignorante. Desculpai-me dizer estas coisas. E, levantando a voz acrescentou: Se a misericórdia do Altíssimo é mais p rofund; do que os abismos e mais alta do que as cordilheiras, sus onipotência e ri queza excedem todas as fronteiras imagináveis Nós só temos que fazer uma coisa: saltar . * * * O Papa Inocêncio tinha travado mil combates e conseguido mil vitórias. Só tinha falhad o em uma batalha, a reforma da Igreja. Desde jovem, o idealismo e a piedade tinh am 188 sid seus distintivos. Fora eleito Papa aos trinta e nove anos e> :om energia pas mosa, tinha levantado a República Cristã a tu mais alto cume; nesse momento, era pra ticamente o impe.dor da terra. Jamais teocracia alguma tinha abrangido tão n ralos espaços. Seu brilhantíssimo pontificado tinha transcor-ric entre manobras diplomática s e batalhas campais, procurado sempre os mais elevados interesses. Nesse momento, escutando o Pobre de Assis, era como se 0 -agor de seus anos de p ontificado se desvanecesse-, c mino se;eus velhos amores se reincarnassem e se l evantassem nutra vt em pé. O Pontífice estava estranhamente encantado Nem el mesmo s abia muito bem por quê. Começou a ter uma profunda simpatia pelo Irmão, tios taa de ter-lhe dito aí mesmo: Ten s a minha bênção, coimv \j era bom que os cardeais pusessem o profeta à prova c peirasse m seu programa. Seguia o debate com muito mie r«e. * * * Efetivamente, havia um grupo de cardeais que não se exou arrastar pela magia deste encantador divino, e anali sa friamente o programa. Dizia que era impossível. Um rebanho sempre é medíocre, s pn iros lugares à minha direita e à minha esquerda. Alegrem se . Um trovador nos aposentos do Papa! Nunca tinham visto sa igual. Só faltou o alaúde e a dança final. O Papa Inocén já tinha visto muitas coisas durante seu longo pontifica do, s nunca um penitente com alma de jogral. Quando acabou apsódia, não havia mais nenhuma explicação. Mas o Pobre de Assis, com ar de inocente satisfação, ajun-i: Essa mulher pobre sou e u, Santidade. O resto estava ro. A condição para pertencer ao Reino é ser pobre. So os ares herdarão a Deus. Os pobres são a herança de Deus Deus é a herança dos pobres. Os que abraçaram a pobreza soluta são os nobres do Reino. 193 ()s seguidores de Francisco, com ele à frente, são aqueles que, não tendo casa, campo ou dinheiro, vão caminhando pelo mundo e levando nas mãos o pergaminho (a pobreza) q ue os credita como príncipes herdeiros do Reino dos Céus. BÊNÇÃO E DESPEDIDA ( ) Papa Inocèncio levantou-se. ÃptOXÜnOU-se de Francisco. Convidou os outros a se ach egarem, formando aquele conhecido pelotão. Sem deixar de apoiar sua mão carinhosamen te no ombro de Francisco, e dirigindo-se a ele, disse: I ii |,i sou velho, meu filho. Quantas coisas não aconteceram nos últimos quinze ano s. Os reis submeteram-se a nós. Os cruzados chegaram ao Santo Sepulcro. O mundo ob edece a nossa voz. Mas nem tudo foi triunfo. Tenho feridas, aqui dentro, que não d eixam de sangrar. Quis ser santo. Fui medíocre. Lutei para que os homens da Igreja fossem santos. Em %'ez disso, via a avareza e ambição levantarem baluartes por todas as partes. Em ve z da relotma da Igreja vi que a heresia. ¦ contestação e a rebeldia levantavam a cabeça por todos os lados. Organizei cruza-J.r, para extirpar os rebeldes. Eram destruído s nos campos de batalha, mas, como por encanto, germinavam em outros pon-los (lo m o tempo, eu me convenci de que era preferível acender uma luzinha do que atacar as trevas. Passei muitas noites de insônia, e houve noites em que chorei, disse, abaixando a voz. É terrível ser Papa. É o ser mais solitário da terra. Todo mundo acorre a ti, e tu, a quem vais recorrer? Infeliz do Papa que não se apoiar em Deus. * * * Tinha ido muito longe. Acostumado ao protocolo artificial e à diplomacia formalist a, sentia-se no meio daquele grupinho como em um lugar acolhedor. Os irmãos olhava m-no candi-damente. Ele sentia-se acolhido e amado. E deixou-se arrastar pela co rrente da intimidade. Na solidão das noites, continuou, supliquei ardente e repeti-dnente a meu Deus que envie quanto antes o ungido por sua no. Da elevada atalaia de Roma tenho sido a scntinela sempre vilante que olha para todos os lados para ver quando e onde ar ece o eleito que há de restaurar as ruínas da Igreja. Parece que minhas súplica foram ouvidas. Bendito seja òenhor. Nestes dias, pensei mu ito em ti, Francisco, iilho de sis, e em vós todos. Perguntei a Deus: Senhor, será q fez uma larga p ue *e Pobre de Assis não é o marcado por teu dcdof* |;. ontem ;noite ausa ontem à noite chegou a :posta de Deus. Quando disse essas palavras, perdeu a voz < uma vez. Fez uma pausa muito longa. Alguns irmãos ¦., sustaram e todos abriram desmesuradamente os olhos,

Esta noite eu vi em sonhos, via com a claridade do meio :a. . . Estas poderosas torres de São João de Latrão começai.im curvar-se como palmeiras. O edifício inteiro começou a rangei quando parecia que as paredes da igreja iam ao chão, um umenzinho esfarr apado arrimou-a com os ombros, agüentou u impediu que a igreja viesse abaixo. E ai nda estou vendo aqueli esmo esfarrapado; eras tu, Francisco, filho de Assis e jo vial 1 Deus. Alguns dos irmãos começaram a chorar, outros puseram-ac i gritar. Francisco não pestan ejou, permaneceu olhando fixa ente os olhos do Pontífice. Estou velho, concluiu o Papa. Agora já posso morrer cm az. Meus filhos, saiam pelo mundo, com as tochas na mão. endurem lâmpadas nas paredes da noite. Onde houver Io yeiras, ponham fontes. Onde houver espadas, ponham rosas, ransformem em jardins os campos de batalha. Abram sulcos i semeiem o amor. Plantem bandeiras de liberd ade na pátria a Pobreza. E anunciem que depressa vai chegar a era do unor, da Aleg ria e da Paz. Depois de algum tempo, antes de minha morte, venham ontar-me as boas notícias, par a consolação de minha alma. Deu-lhes a bênção. Abraçou a cada um. E os irmãos foram mbora. Saíram da cidade e voltaram p ara Assis. 195 A IDADE DE OURO * li< V.aram a Assis e instalaram-se em Rivotorto. As dú-vidas. leniores e desconf ianças tinham voada com o vento. listavam radiantes. Não pareciam homens de carne e osso. ( » espírito apoderara-se da matéria, reduzindo-a a cinzas. Pa rccia que restava apenas espírito. Somos uma estir pe estranha, pensava o Irmão. Somos casados sem mulher, bêbados sen vinho, fartos co m fome e ricos com a pobreza. Somos os homens mais livres do mundo porque somos os mais pobres, dizis em voz alta. Não nos falta nada. É o paraíso! A moradia era paupérrima. Em outros tempos tinha servidc de abrigo a rebanhos de p assagem. Ocasionalmente, servia para guardar capim seco. Era parada obrigatória do s mendigos. Fazia muito tempo que a cabana estava descuidada, sem nenhum consert o. Por isso, as paredes tinham brechas por onde passava o vento, e o teto esbura cado deixava passar a chuva. Ao seu redor, as urtigas estavam da altura de um ho mem e as trepadeiras cobriam os muros esburacados. A única coisa sólida do tugúrio era m umas vigas de madeira que mantinham firmemente o esqueleto. * * * Nesse palácio estranho, passou-se a idade de ouro do franciscanismo. Os doze irmãos cabiam dificilmente naquela choça. Para evitar confusão c não se estorvarem uns aos ou tros na hora da oração e do descanso, Francisco escreveu com giz o nome de cada um d os irmãos nas vigas. Cada um tinha seu lugar. Em uma das paredes laterais, penduro u uma cruz de madeira. A cabana servia de dormitório, oratório e refeitório. F. difícil imaginar um trono mais adequado para a Rainha Pobreza. Rivotorto oferecia outras vantagens para os irmãos. Tinham Ulfl leprosario a pouca distância. Bem pertinho passava um caminho real, por onde transitavam seus amigos , os mendigos. 196 A poucas milhas, afrontavam-se os primei ros contrafortes i Subásio. Subindo pelas elevadas gargantas, que parecem ci-trizes de um raio, chegava-se a umas grutas naturais que a ração primitiva chamou de cárceres, lugar ideal para fomentar vida contemplativa. Ainda por cima, Rivotort» formava a >nta de um triângulo, com São Damião e a l\muincula nos itros dois ângulos. Lá passaram os meses tio oMOOO, do inrno e da primavera. ESPONSAIS COM A DAMA POBREZA Perdem-se na escuridão o autor e o tempo eim|iie foi com *ta esta alegoria. Vamos fazer uma breve transcrição, se indo a linha do poema, mas com palavras próprias. Francisco saiu pelas ruas e pelas praças perfumando aos ssantes: Vocês não viram pelos montes ou pelos vales a Ima dos meus pensamentos? Não sabemos de que vtx'f está and o, responderam. Então Francisco foi procurar os doutori magnatas da cidade, pergun tando: Vocês sabem onde anda nha Rainha, a Pobreza? Nós só sabemos isto, responderam, e a vida é curta; comamos e bebamos que amanhã vamos »rrer. Francisco pensou: De certo minha Rainha não mora na ade. Saiu para o campo. Logo e

ncontrou dois velhinhos, sen los numa pedra e esquentandose ao sol enquanto conv ersa Ti sobffe a fugacidade da vida. O irmão Francisco chegou e perguntou: Digam me, por ior, veneráveis anciãos, onde mora , onde pastoreia, onde des tsa a minha Rainha Pobreza? Nós a conhecemos, disseram s. Passou muitas vezes por aqui. Na ida, sempre acompa-ída; na volta, sozinha e se m enfeites. Nós a vimos chorar mui-vezes, dizendo: Todos me abandonaram. Nós a conso lávamos endo: Não se aflija, grande dama, são muitos os que a amam. Nós sabemos que ela tem sua morada no alto de uma ntanha solitária. Mas é inútil pergunt ar o lugar exato para 197 quem quer que seja, nem as águias o sabem. Mas nós sabemos um segredo para encontrar sua habitação: primeiro é preciso ! I"i ii se de tudo, absolutamente de tudo. Só assim, livres d: l>«'so, c que se pode chegar àquela altura. Como ela ama os quí « amam e se d eixa encontrar pelos que a buscam, bem depres «a vni apresentar-se aos seus olhos. Então vocês vão sentir-se livres de ioda inquietação. Não dá para imaginar riqueza maior * * * O irmão Francisco tomou consigo vários companheiros d) primeira hora, e daí a pouco es tavam ao pé da temível monta nha. Quando viram que era a pino, alguns disseram assut a dos: É impossível, não somos capazes. Somos capazes, replicot Francisco. O que preci sam é livrar-se do peso, jogando for£ o lastro da vontade própria e a carga dos pecado s. Não devem olhar nunca para trás, mas sempre para o Cristo que caminha descalço à noss a frente. É uma aventura maravilhosa. É a marcha da liberdade. Animados com essas pa lavras, os irmãos empreenderam a subida. Enquanto subiam, a Dama Pobreza estendeu seu olhar lá das alturas pelo terrível prec ipício. Quando viu os intrépidos escalando com tanto brio, exclamou: Quem são esses qu e sobem como uma nuvem? E escutou uma voz do alto que dizia: São a estirpe real do s eleitos. E lhes fez esta pergunta: Que procuram, irmãos, nesta montanha de luz? será que vêm por minha causa? não vêem que eu não passo de uma cabana abandonada, açoitada p ela tempestade? Senhora e Rainha, disse Francisco, viemos por sua causa. Ouvimos falar da sua re aleza e da sua formosura; agora estamos vendo com nossos próprios olhos. Ajoelhamo -nos diante de você, Senhora de nossos pensamentos, e lhe dizemos: Vá na nossa frent e. Conduza-nos pela mão até lá dentro das muralhas do Reino. Salve-nos do medo. Livrenos da agonia da alma, Entre a angústia debaixo de sete metros. Espalhe o vento da tristeza como cinza fúnebre. Levante a bandeira da liberdade, comece a marcha e g uie-nos até os umbrais da Sal198 vão. Olhe-nos com bondade e marque-nos com o sinal da I predileção. Venha, fique para sempre conosco, * * * Uma grande comoção apoderou-se da Scnhota Pobreza ando ouviu estas palavras. Abraçou e fusivamente cada um es, e lhes disse: Com vocês, eu fico para sempre Hoje r selamo s uma aliança eterna. O irmão Francisco, radiante de alegria, entoou um hino I gratidão. Desceram todos ju ntos da montanha I fonffl latamente para a cabana em que os irmãos moravam. Fia ri o-dia. Está na hora de comer, disseram. Digne-sc sentai < em ssa mesa, ó Grande Dama. Ela r espondeu: Antes oi gos tia de dar uma olhada na sala do capítulo, no oratório e nos oastros. Não temos mosteiro, é só esta choça. Sim disse .1 lma, vejo que vocês não têm nada, as estão radiante» r eios de consolação. Que paradoxo! Senhora e rainha, disseram-lhe. Depois de tão longa Ctffli ada, deve estar cansada . Precisa reconfortar-se. Se nlo I user, vamos sentar à mesa. Claro, respondeu ela . Mas tragam tes água para eu lavar as mãos e uma toalha para enxugá-las Em um caco de vasilha não havia nenhuma inieii.i trouxeram a água. Enquanto a derra mavam sobre suas mios, Jos andavam de um lado para o outro, procurando 11111.1 t oalha ituralmente, não havia. Um dos irmãos ofereceu II» .1 ponta túnica para enxugar as mãos. A Dama agradeceu o gesto. Depois levaram-na para onde estava preparada a mesa, ou e chamavam de mesa. Na r ealidade não havia mesa ne-iuma, mas a grama verde na terra firme. Sentaram-se tod os 1 chão e a Dama observou bem, mas não viu mais do que :s ou quatro restos de pão so

bre a relva. Exclamou, admirada: ir gerações e gerações, nunca se viu um espetáculo como t e. Bendito sejais, Senhor! 199 Amigos, disse a rainha, eu gostaria de comer alguma coisa cozida. Trouxeram uma tijela cheia de água fresca para que Iodos pudessem molhar o pão. (instaria de comer algumas verduras temperadas, disse i iniilia. Senhora, respon deram, não temos horta nem hortelãc Mas os irmãos não ficaram parados. Foram depressa ao bosque, tolheram um maço de ervas silvestres e as apresentaram à Dama Ela insistiu: Passem-me um pouco de sal para pôr nesta ervas, que parecem amargas. Tenha um pou co de paciência senhora, que voamos à cidade buscar um pouco de sal. Enquanto isso, insistiu a Dama, emprestem-me uma fao para cortar este pão, que par ece pedra. Perdão, senhora < rainha, não temos ferreiro nem objetos cortantes; vai t er que usar os dentes. Mais uma vez, desculpe, Senhora. Está bem, disse ela. Mas será que não têm um pouct de vinho? Nobre senhora, para nós o ess encial é pão e água Além disso, o vinho não combina com a esposa de Cristo Perdoe-nos, Sen hora! Todos ficaram saciados e sentiram-se felizes. A rainha es tava cansada. Deitou-s e no chão para descansar. Pediu um travesseiro. Trouxeram uma pedra. Depois de ter descansado um pouco, perguntou: Amigos, onde estão os claustros e fa zendas? Com grande cortesia, Francisco tomou a rainha pela mão e a levou para o al to do Subásio, indicando com um gesto amplo os cumes dos Apeninos, coroa dos de ne ve: Senhora nossa, são esses os nossos claustros e propriedades TENTAÇÃO DAS SAUDADES A pobreza era exigente em Rivotorto. Eram os meses de outono e inverno. Defendia m-se com muita dificuldade das nevadas e dos aguaceiros. Acendiam alguma fogueir a para se esquentarem e secarem. Às vezes, não tinham nada para comer. Iam pelos cam pos, alimentando-se de beterrabas e nabos. Não sentiam escrúpulos em lesar a proprie dade alheia. 200 Não era tempo de colheita. Não havia t rabalho estável no campo. Alguns dias, quando o tempo permitia, ritalha-va«i na sementeira dos camponeses. A maior parte il« rmãos 1' ttjtava serviço nos leprosários. Alguns conser t aviim calçados "ii faziam móveis. Todos tinham o seu turno para ir KM CÍT-'f*-s aprofundar-se no relacionamento pessoal com ftíEste é o noviciado da nova ordem de cavaleiros «Cristo, poisava o Irmão. Com a permissão do Senhor, scji-w P"" miido deixar por uns meses as saídas apostólicas, Jiw ms irnãos . Precisamos crescer na oração, na obediência (| "' panente na fraternidade. Como é o coração do homem! pensava o Irmão. I. OipM deçtitregar o corpo às chamas, mas, de r epente, a sauJaJe P"d'' dorá-lo como um bambu. Francisco tinha medo; medo de que o ;ntador se vestisse de saudades. Era a pior tentação, privava, po ser a mais sutil. Havia dias em que chovia sem parar. Muitas veM BCI ra> bloqueados pela neve. Não p odiam sair do tugúriu. P*»-saam horas de braços cruzados, em ociosidade forçai, MM dtido s até os ossos, com o vento e a chuva penetrando |*>r tcos os lados, olhando as água s sujas da enxurrada, sem ««da. . . Nesses momentos, Francisco sentia que a tentação estava r«dando perigosamente os morad ores da cabana, dizendo-lhes: Via absurda, sem sentido. É muito melhor viver lá em c ima n. cidade, nas casas confortáveis, no calorzinho do fogão, ao i£j de uma esposa te rna e de filhos carinhosos, alimentando com a colheita armazenada graças ao trabal ho do ano. . Conhecendo os pontos fracos do ser humano, o Irmão reu-r-os todos os dias e lhes r epetia estas palavras: Irmãos carts-sios, Deus é nossa esposa. Deus é nosso fogão. Deus é nosso hquete. Deus é nossa festa. Se tivermos Deus na alma, a r>e aquecerá, os inver nos transformar-se-ão cm primaveras. Telizes de nós se o Senhor não nos ajudasse. Seríam os arrastos pelas torrentes da tentação como essas águas da enxurra-t e sucumbiríamos. 201 Como um hábil treinador, Francisco ensinava-os a boiar abismos de Deus. Quando vo ltavam dessas latitudes, os , .,«.. eram capazes de entrenlai' a geada, a neve e as saudades. DA POBREZA PARA A FRATERNIDADE Fm Rivotorto havia duas árvores interdependentes que xaceram muito alto: a pobreza

e a fraternidade. Mas havia qjj flor dc cores próprias: a alegria. A penitência ves tida de i 1.1' Somos os homens mais alegres do mundo, pensava Varicisco, porque não temos nada. Naqueles meses Francisco repetia o que mais tarde haveria de coloc ar na legislação: 'Mostrem-se contentes com o Senhor, alegres e amáveis como inverti . Gomo da semente da rosa nasce a roseira, como a ressur-oção brota da morte de Jesus, a alegria franciscana surge 3 pobreza franciscana. 11 mão, disse um dia Francisco a um de seus companheiros: i) dia está bonito, vai à "m esa do Senhor" pedir esmola. De-,is de algumas horas, o irmão voltou, com poucas e smolas, ias cantando de alegria. Escutando de longe o seu canto, francisco saiu correndo ao seu encontro cheio de felicidade e, Jrscíirregando-Ihe os alforjes, ab raçou-o efusivamente, beijou-lhe & ombros, segurou-lhe as mãos e exclamou: "Bendito seja o pjsso irmão que foi mendigar sem fazer-se de rogado e agora flilta para cas a de tão bom humor". * * * Uma vez, quando todos estavam dormindo, um irmão começou a gemer de dor. Que acontec eu? perguntou Francisco. Estou morrendo, respondeu o outro. O Irmão levantou-se im edia-ninente. Acendeu a lâmpada e começou a movimentar-se entre , irmãos adormecidos, p erguntando: Quem és? Onde estás? Estou aqui, sou eu, irmão Francisco, disse o outro. C hegou-lhe a lâmpada e perguntou: O que há? Fome, irmão Francisco, 202 estou morrendo de fome. Francisco sentiu o coração apcriai < e rangerem suas entranhas maternais. Quis disfarçar a dor da alma com ares de alegria c d< bom humor. Irmãos queridos, le vantai-vos todos, vamos lazer uma festa. Trazei tudo o que houver para comer. Qi M haveria? Algumas nozes e azeitonas. Acabaram com tudo. Todos comeram. Todos ca ntaram. Espetáculo único de uma l.imília pobre e feliz! Francisco estava extremamente efusivo na festa noturna. Mas, lá no fundo, sua alegria era uma mascai a piedosa. O temor enroscou-se em seu coração como uma serpente: Será que não os estaria sobrecarre gando com pesos insuportáveis? Não seria ele um inconsciente impondo-lhes semelhante pobreza? Sofria. Temia. Em momentos como esses, não havia nenhuma prioridade, nem mesmo a pobreza. A única c oisa importante era o próprio irmão. Não lhe importava se era dia de jejum rigoroso. Não fazia questão do silêncio e das outras formalidades. O irmão estava acima de tudo. Aquilo era uma família. Cada irmão valia tanto como a fa mília, a Ordem ou a cidade Não havia nenhum valor acima do próprio irmão. Quando 111) so fria, todos sofriam. Deitaram-se outra vez, rindo bastante. Todos, menos Fran cisco. Pensou longament e em cada um deles. Depositou todos, um por um, nas mãos de Deus Pai. * * * Era aí que estava começando o grande salto: da pobre;a para a fraternidade. Onde os membros de uma comunidade são suficientes para tudo e não têm necessidades, a fraterni dade é difícil, quase impossível. Mais do que os princípios, é a pi> pria vida que vai abr indo os caminhos fraternos. Quando M uma necessidade, aparece a ajuda do outro. A pobreza cria necessidades e as necessidades abrem os irmãos uns para os outros. 2(8 Hsse gênero de vida foi primeiro vivido; nos últimos anos ile vida é que o Irmão o cod ificou. Francisco começa dizendo que "os irmãos não se apro-pr iiin absolutamente de nada para si mesmos, nem casa, nem lu^ar, nem coisa alguma". As propriedades dão ao homem s ensação de segurança. Não tendo nada, o irmão fica como uma ave implume. Passa a ser um jo guete no vaivém dos ventos com uma sensação de orfandade e de fraqueza total. O ser humano, para não sucumbir ao peso da desolação, precisa de um mínimo de segurança. O nde pode encontrá-la? Mos braços da fraternidade. Francisco diz a esses irmãos sem mosteiro, nem convento, ruem casa, indefesos e órfãos de todo apoio, caminhando às soltas pelo mundo, que "onde quer que estejam ou se encontrem, mostrem-se familiares uns para com os outros". A idéia e a palavra são geniais: familiares. Isto é, a fraternidade fará as vezes de uma casa. Manifestando-se acolhedores ou familiares entre si, o calor fraterno será c apaz de substituir, fará as vezes de um lar. A segurança e o abrigo que os outros en contram em uma casa confortável é dada em nosso caso pelo calor fraterno.

Que mais? Até agora resolvemos poucas coisas. Sobram mil necessidades e problemas quanto ao vestir, comer, doenças. Francisco sabia disso. Como resolver? O dinheiro abre todas as portas. Mas esses irmãos não dispõem nem podem dispor de dinheiro. Então, como há de ser? Mais uma vez o Irmão há de responder com sabedoria: "Manifestem-se confiadamente um ao outro em suas necessidades. Aí estão a pobreza e a fraternidade enlaçadas num matri mônio ideal. Quebra-se a verticalidade e abrem-se os horizontes. Isto é, os irmãos abe rtos uns aos outros, uns para dar e outros para receber, uns para expor necessid ades e outros para resolvê-las. Com que simplicidade Francisco provoca o êxodo pas-c oal, a grande saída fraterna, origem de toda libertação e maturidade. 204 E se as necessidades forem demais, ou se realmente os irmãos não as puderem resolver , que se fará? O Irmão levanta mais uma vez a bandeira da mãe, a que transforma 0 Impo i sível em possível: "Façam o que uma mãe faz com o filho de suas entranhas". * * * Assim, sem grandes teologias ou psicologias, 1'raneisio lança os irmãos à grande avent ura fraterna na arena da pobreza Não temo qualificar de genial o capítulo VI da Regr a defini tiva como esquema organizativo de vida. Suponhamos que quatro irmãos vão pelo mundo. Um deles machuca o pé. Os outros três se "v oltam" para ajudá-lo. Um vai buscar água morna, outro pede uma tira de pano; o ter c eiro fica cuidando dele. Os três estão voltados para o irmão ferido. Num outro dia é outro irmão que fica com uma febre alta. Param a peregrinação e ficam três dias e três noites cuidando do irmão enfermo. Um vai buscar ervas medicinais no cam po. Outro percorre a aldeia em busca de um quarto ou pelo menos de um paiol para o doente deitar-se. O terceiro não sai do seu lado. Alternam-se nos cuidados. Com o uma mãe com seu filho, os três vivem para o doente. De noite emprestam-lhe a capa para que se cubra bem. Sentem-se íe lizes quando a febre baixa. Recomeçam a peregrin ação. Vão observando e medindo as forças do convalescente para saber se devem ir mais de pressa ou mais devagar. Todos saíram dc si mesmos e voltaram-se para o outro. Um outro irmão entra numa crise de depressão e abre-se com os companheiros. Sofrem c om ele, rezam por ele. Consolam-no, dão-lhe forças. Não há "meu" nem "teu". Tudo é comum: saúde, doença, tristeza, alegria. Tudo é transparência e comunicação. Francisco imagina um caso pior: um dos irmãos fica gravemente doente enquanto vão pe lo mundo. Em que hospital, 205 em que enfermaria vão interná-lo? Não tem casa, nem hcsi, ou enfermaria. Que fazer? Di z Francisco: a fraternidade Ú l enfermaria: "Os outros irmãos devem servi-lo como g" riam de ser servidos eles mesmos". O cuidado fraterno * são lelizes e testemunham diante do mundo que fesus iado. MÃE QUERIDÍSSIMA Este era o título que Frei Pacífico, "Rei dos Versos't provincial da França, dava a Fr ancisco: "mater caríssima", ri queridíssima. Já fazia dias que um irmãozinho estava com cara -doente. Os outros não perceberam. Mas o Irmão percebeu liiou observando durante vários dias, com crescente preocuf cao On e vou lazer? perguntava-se Francisco. Um dia, responde "Se esse irmãozinho comesse umas uvas bem maduras, em : luiit, haveria de sarar bem depressa". Como não era preguiçoso, na manhã seguinte, bem e dinho, acordou com grande delicadeza o doente enquanto 1 outros ainda dormiam. Levou-o pela mão e foram à primei-vinha q ue encontraram (não importava quem fosse o doro Sentaram-se no chão e se fartaram. F rancisco ia buscar í cachos maiores e mais maduros. Fizeram isso durante váiic dias. Depois dc uma semana, o irmão estava corado e forte. O conceito de propriedade privada não tinha sido anuladc mas transcendido. O valor supremo era o próprio irmão. Dbn te desse absoluto, todos os outros valores passava m a ser * Ia f i VOS. Aliás, essa era uma das muitas virtualidades emanadas 1* pjbreza: o senhorio. F rancisco e seus companheiros não 206

diam com um ar cavalheiresco e nobre, mas davam a ím-io de sentir-se senhores e do nos do mundo. 3s grandes mistérios ligam-se pelas raízes: O senhorio de emana de sua condição de servo, conforme a catequese tiva. Consumado o fato da reverente submissão ã morte, >rte de cruz, por obediência ao Pai, consuma-se //mo jacto ém o senhorio de Jesus tanto em cima como embaixo, mhor nasce do Servo. Por essa linha, quando o Pobre de Assis renuncia a tudo erte-se em senhor de tud o. Porque não tem nada, sente »e direito sobre todas as coisas, diante de algum prob lema ano. Indicando os horizontes do mundo, Francisco diria a ia Pobreza: "Estes são os nossos claustros e propriedades" pobre é ser senhor. Um dia, Francisco e Leão fizeram uma longa caminhada dois estavam extenuados, e Fr ei Leão morria de fome. late aqui, meu filho, e descansa. O Irmão saiu do caminho, ou pelo campo e chegou a uma vinha. Cortou os melhores lios e trouxe-os para Frei Leão. Come, que enquanto isso ' buscar mais alguns cachos para a viagem. Quando Fr anca estava escolhendo as melhores uvas, apareceu o dono da priedade com um gros so porrete e deu uns bons golpes i costas de Francisco. Durante a volta os dois riam gostosamente da tragicõmica tpécia. Francisco compôs um e stribilho, que repetia de vez I quando para Frei Leão: O Irmão Leão se regalou Mas foi Francisco quem pagou: Frei Leão teve um banquete E Fra ncisco levou porrete. Voltaram para casa bem felizes. Quando os irmãos sou-íam, também se divertiram muito. 207 Francisco conhecia as tentações e dúvidas dos irmã outro. Francisco dispunha de uma rica sensibilidade por ». tureza, era verdade. Mas se tivesse guardado essa riqueza der* de si mesmo, teria sido um tipo suscetível, hipersensível e e. cêntiico no mais alto grau. A pobreza libertou essas rique? Para lembrar-se do outro é preciso esquecer-se de si mesn Nao há coisa pior que instalar-se, pensava o Irmão. Ii campo aberto, na arena do com bate é que o homem se for. lece. Por isso Francisco não retinha os irmãos por muito te mp. Mcm depressa soltava-os pelos caminhos abertos do mundo, pi que sabia que se m batalha não há fortaleza e que a maturida: e Inito ile muitas feridas. Mas cada partida e cada chegada era um espetáculo ¦ beleza fraterna. Os cronistas re petem de mil maneiras que e cada despedida sua alma sofria mais que a de uma mãe, e ni conseguia disfarçar. Abraçava-os com ternura e efusão, entrega do-os nas mãos de De us. Às vezes acompanhava-os durante I guas, quase sempre com lágrimas nos olhos. Quando os irmãos estavam ausentes, vivia lembrandoc pelo nome. Como estará a saúde de fulano? Que estará sentind tal outro? Quando vão voltar? Será difícil encontrar no mund uma mãe que suspire tanto pela volta de um filho como Fra: cisco pela dos seus. Quando o grupinho aparecia lá longe, dizem os cronista que não se podia descrever o reencontro: saía da choça, cor ria ao seu encontro, abraçava-os com os olhos marejados , ber. dizia-os, dizia-lhes que eram valentes cavaleiros. Levava-os pa 208 a choça e interrompiam o áéncio, o trabalho e todas ;»m ras observâncias regulares, fatmdo uma grande festa. F di-! imaginar uma família tão feliz. Podemos amar assim um filha, um amigo excepcional, mas a. fazer isso com cada pe ssoa de um grupo é preciso estar pleno estado de páscoa. A pobreza é essa força pascoal. Como em uma família, os mais fracos eram os prclendos 'Irmão. Quando os benfeitores traziam algum prato < mI Tmão reservava-o exclusivamente para os seus doentes, tem importar se era dia de jejum. Nesse caso, para que tis dcdacinho de unh a do pé de Francisco. Os que tavam cuidando de Francisco acharam o pedido ridículo e t o deixaram entrar. Mas Francisco soube c mandou que o deixassem ent imediatamente. Estendeu-lhe o pé com grande carinho, pi que ele cortasse a unha e, enquanto cortava, foi dizendo pa vras de infinita consolação. Depois lhe impôs as mãos e 1 deu unia calorosa bênção. Não ha no mundo homem m feliz do que aquele fradinho com o seu pedacinho de unha o car inho de Francisco. 210 É tão fácil fazer uma prssoa feliz, pensava Fr \a. um pouco de carinho. Fazia meses que tudo dava errado para um irmio. É uma ente, dizia Francisco; não há uma prova sem wiirn É a desgraça humana, pensava o Irmão. Sc n Siidioi, cm infinita pi edade, não nos enviasse provações dolorosas, mas «adoras, o ser humano acabaria inteiram ente enredado em nesmo. É a pior escravidão, disse em voz alta, Um dia, mandou chamar o irmão atribulado e foi ¦ > passear no bosque. Enquanic camin havam, repetia: " I.ciiihtn meu filho: quanto maiores tribulações choverem cm cima ' ti, mais te amarei". Sempre a magia do amor. DufMM 0 seio, apresentava lhe estas reflexões: "Não seremos verdadri servos de Deus enquanto não tivermos atravessach > o no tribulação. Uma prova assumida em paz é o anel dc aluiu,." 1 o Senhor. O Senhor só põe à prova os que são foi te. Francisco tinha vivido muito em pouco tempo. Desde que Senhor lhe deu irmãos, não ti nha mais saído desse campo batalha que chamam de relacionamento humano. E tinha endido muitas coisas nesse campo. Vivemos sempre em uma corda bamba estendida entre a gilidade humana e a ordem, p ensava o Irmão. A ordem exige s os maus sejam submetidos. Em nenhuma sociedade a d c-dem pode estar à vontade. Acabaria com a própria socic-de. Entretanto, continuava pensando, se estiver muito estila, a corda da fragilidade acaba quebrando. Que f azer? É preciso salvar a ordem, dizia. Precisamos da correção terna, da admoestação e até de algum a ameaça velada, con-Uo que isso seja feito com paciência e doçura. Mas, o que mais im portante, a ordem ou o irmão? E se, para garantir ordem, esmagamos o irmão? E se, pa ra respeitar o irmão, smoronamos a ordem? Não existe sociedade sem ordem, mas rá que a

sociedade não foi feita para o irmão? 211 Mas Francisco nunca se perdeu nessas elucubrações.s pre acreditou no amor como força suprema do mundo. ,¦ íni lonae, para além da ordem, da socit F. Francisco foi w»e > r > , ,. . ,. j ,-nrrecão, da observância regular, roí >: d.i dis( iplina, «l.i l"" v ' . , . e . _ i i ao problema da redenção, O irmão q*. mais longe: chegou . j i j;»;., Francisco, submeter-se-a sem duvida comporta mal, dizia « . ^ de um ultimatum. iMas, ha de redimi te de uma ameaça ou * . . u-ln contrario, vai hcar ressentido, som Claro que nao. reio t' l .,»»nd do com a vida que a correção gat pertinaz linha tptCtta** j a ui r , crt o amor e capaz de redimir. Nao se a ordem, mas que so o r , .ii ^sr, mas o amor e insubstituível, descuidar da correção, nw» t j ...,lhido durante muitos anos nas raízes hi Tendo merguinaau " _ l l à ronc usao de que na base de toda rebe nas, tinha chegado a c»"»- -i_ há um problema afetivo. Os difíceis sao difíceis porque se sen rejeitados Mas também s abia que e d.ficd amar os nao a ccr>!1c não os amam justamente porque i veis, e que as pessoas r t~ i . . ___ firam menos amáveis ainda quanto me; sao amáveis, e que ticaw m , . /.nica coisa no mundo que pode curar o c sao amados, e que a umc« -iri z n amor. So o amor salva! concluía semp se comporta mal e o a»1" tj -n;m^.c anos. quando a fraternidade era numere Em seus últimos ano», Uovi-i irmãos difíceis, lançou a grande ore e se pressuixK- que havia > v e> j c_ » .(í.m uma carta de ouro, uma verdadei siva do amor. Lscrevtu u . j _:,»rirórdia, mstamente a um ministro pi carta mavna da misericoruw, , . . . K . . , i Já contumacia de alguns súditos: vmcial que se queixava aa 6 " Ama os que te fazem isso. Ama-os justamente pe isso. . . r\ i «mas ao Senhor e a mim, servo dele Quero saber se amas . ' c,¦ assim procederes: que não exista D teu, justamente nisso, se r , n, l :__«_ ínie por mais que tenha pecado, poss mundo nenhum irmão que, v . i . ^ K alguma vez afastar-se de ti, depois de ter olhado para os teu olhos, sem ter obtido a tua misericórdia, se e que a procura. Se _,, ho tu mesmo deves perguntar-lhe se nac nao a estiver procurando, w r b a quer. c - , rnacse a pecar mil vezes diante de teus E se o irmão tornasse r~ próprios olhos, ama-o mais do que a num, para atrai-lo ao Senhor. E compadece-te sempre de pessoas ass.m . 212 A CASA MÃE Um dia, os irmãos estavam todos em oração no tugúrio de Jtorto. Era ao cair da tarde. Ap areceu na cabana uni carnes rude, puxando um jumento pelo cabresto, e com intend e pernoitar ali. Quando viu que o tugúrio estava ocupado, j muito contrariado. Como era um abrigo para transeuntes e pensando que os os moradores queriam insta lar-se para sempre, urosseiru ão quis mostrar seus direitos, entrando atropelad

a incute nu fa com ar insolente. Começou a gritar grosseiramente com o asno, mas d irigindo aos moradores: "Entre, entre, você vai ver como sc cttlii i aí dentro". Francisco agüentava com serenidade qualquer insulto Mui ia muito com as grosserias . Foi sempre tão sensível à CQftMil descortesia! Que fazer? Resistir? Somos os pobres dc Deu», sou, e não temos direitos. A vontade de Deus, que se íifesta até no caminho errante dos astros, não estaria sen mostrada também nas maneiras grosseiras de um am eno nco? E assim o Irmão se acalmou por completo, pensando a cena brusca também reve lava a vontade de Deus. Dirigiu-se aos irmãos, dizendo: Que será que o Senhor X com tudo isso? Deve querer livrar-nos da tentação da alação. Nós não dizemos todos os dias que somos peregri e estrangeiros neste mundo? Lembrai-vos, onde há instalação segurança , e onde há segurança não há pobreza. Vamos i alegria, irmãos. Não temos nada neste mundo, a não ser mãos misericordiosas do Altíssimo, que nunca nos vão faltar. E abandonaram sem problem as aquela casa, berço de ouro franciscanismo. Valia mais a liberdade da pobreza do que >erço de ouro. Caindo a noite, o grupo de irmãos viu-se outra errante e à deriva, sem saber onde passariam a noite. Deiram ir à Porciúncula. Mas lá não cabiam todos e alguns :ram que dormir nos fornos públicos, o que não era novidade a eles. 213 * * * Na manhã seguinte, Francisco foi ver os beneditinos taOflte Subásio, a quem pertenci a a Porciúncula, e pediu cença paia ocupar a ermida e o bosque ao redor. Diante1 iap ultO que o movimento iniciado por Francisco estava toman. os beneditinos concord aram de bom gosto. Até manifestar, o desejo de ceder a Porciúncula como propriedade perpéti contanto que o lugar fosse considerado como o berço do grar movimento que vi ria a ser. O Irmão respondeu: Não queremos ter propriedades, n< agora nem nunca. Queremos viver como o Senhor Jesus, » morada lixa, em cabanas de barro e palha, para nos lembram " de que tomOf estrangeiros neste mundo e cidadãos da ou; pátria. Mas nau se contentou com isso. Sabia muito bem ce que facilidade o homem se enraíz a onde mora e se apropi da casa, primeiro emocional e depois juridicamente. E pa que isso nunca acontecesse com a Casa Mãe do franciscanisni prescreveu que todos os anos a fraternidade da Porciúncula 1 vasse aos beneditinos uma cesta de peixes pescados ali no ri como pagamento do aluguel. E assim, todos os anos, nos primeiros dias de verão, ( irmãozinhos da Porciúncula meti am-se nas águas do rio Chiaggi para encher de peixes pequenos a cestinha. Depois cobriam o recipiente com folhas cheirosas do bosqJ e o levavam, com um ce rto ar lirúrgico, até o mosteiro c monte Subásio. Que espetáculo! Havia simplicidade e d rarc como em todas as coisas do Irmão. Era um protesto: não erai proprietários. Era um a afirmação: estavam de passagem. O abade correspondia a esse ato de cortesia, mandando cc mo recibo um cântaro de a zeite para a fraternidade da Porciún cuia. O intercâmbio durou séculos, até que foi des truída abadia. 214 SERMÃO AOS PASSARINHOS» Naquele tempo, o Irmão cirnnou Frei Massc-u e lhe disse: 5o Masseu, faz dias que e stou num poço e não posso sair. devo fazer? Fechar as asas, abaixar-me aos pés dc Deus Ver sempre assim, ou abri-l as e voar pelo mundo aiiuncun-l Palavra? Às vezes tenho medo de que, se andar pelo mundo, grude a poeira da estrada. Mas quando penso em nosso ben Cristo, que ren unciou à docora do Paraíso para salvai ihkms as, fico com vontade de pulíf para o mund o e nao pirui s. Que faço? Irmão Francisco, respondeu Frei Masseu. Sempre oimdi que Deus manifesta sua vontad e para as almas que MB ante. Por que não pedir o conselho de algumas destas ai Frei Masseu, amanhã de manhã irás a São Damião falai I a Irmã Clara. Ela mora no quarto mais secreto do SeatM os os mistérios divinos são familiares para ela. Dirás 0M ocisco que r saber se deve dedicar-se só à contemplação ou ibém à evangelização. Mas diz-lhe que, antes dar a Josta, escolha a irmãzinha mais simples, inocente e ignorante mosteiro e a c

onsulte sobre esse grave problema. Depois, querido Masseu, subirás pela garganta profunda Subásio até os cárceres, onde no sso irmão Rufino vive es-idido em Deus, e lhe farás a mesma pergunta. No dia sente, antes de clarear, Frei Masseu foi cumprir o desejo do não em todos os seus pormeno res. Francisco também passou grande parte da manhã suplicando Senhor que lhe manifestasse inequivocamente sua vontade, horas iam passando e Masseu não voltava. De fato, ti nha t fazer um caminho bem longo. Francisco estava impaciente a saber a resposta dos grandes adoradores. 215 I ¦ t«-1 Masseu voltou ao meio-dia. Francisco se alegrou n,j quando O viu. Mas não per guntou o resultado de sua mi; Primeiro deu-lhe um grande abraço. Depois levou-o pa rai-j das chocinhas onde tinha preparado água morna. Lavc-t os pés com reverencia e carinho. Enxugou-os, beijou-os i% rinho. Depois levou-o para a choça grande e, sen tados à £; deu-lhe a/eitonas, figos secos, pão e água fresca. Então segurou o outra vez pela mão e o levou pa t bosque. Internaram-se no mato mais fechado. Francisco q lhou-se diante dele como em uma cena cavaleiresca. Tiro, c apuz com reverencia. Estendeu os braços em cruz e perguiej em voz alta: O que mand a o meu Senhor Jesus Cristo? Tanto a irmã Clara como frei Rufino, respondeu Masi. disseram-lhe que lhes foi rev elado que deves ir pelo mui pregando o amor de Deus. O Pobre de Assis foi tomado por uma exultação profi da quando ouviu essa resposta. L evantou-se, levantou os U ços e disse: Em nome de Deus, em marcha! E, sem voltar p« a ermida, atravessou o campo na companhia de Ângelo e M-seu, na direção de Espoleto. A rrastados pelo impulso do Es^ rito, ébrios de felicidade, chegaram depressa a um p equei» povoado chamado Cannara. Encontrou um grupinho de pessoas e começou a falar s bre o Amor Eterno, sobre a Pa z e a Pobreza. Mas um bana compacto e inumerável de andorinhas e outros passarinho chilreando e fazendo acrobacias, não permitiam que escuta: sem Francisco com tran qüilidade. Dando uma modulação ine fável a sua voz, Francisco suplicou às andorinhas que, pelo amo do Amor, ficassem quietas e em silêncio por algum tempe Elas obedeceram. O povo ficou arrebatado e queria aban donar tudo para seguir o Irmão de Assis. Ele lhes disse: Acalmem-se e não se precipitem. Vai chegar a sua hor a, e não me esquecerei de vocês. 216 Aquela gente ficou muito consolada com essas palmes jm o milagre das andorinhas. Os irmãos foram para OUtn ia chamada Bevagna. Francisco estava revestido de fervor 2 alegria. Sentia-se o homem mais feliz da terra. Ao longe, à direita do caminho, viam-se diversas arvores copa muito alta e grande diâmetro. Francisco contempla s com muita atenção. Quando chegaram perto, começaram Uvir um vozerio heterogêneo e polifônico. O Irmão abriu tiesuradamente os olhos e quase não po^'3 acreditai no que va vendo: uma multidão quase infinita de pássaros de Js as pl umagens e tamanhos enchia a espessura das arvores Irmãos, fiquem aqui, disse Francisco aos companhe..... o Senhor quem me preparou este auditório original. Iam i as aves vão entrar no paraíso . Quem sabe se seu coração bem não é terreno preparado para produzir cem por mn E devaga r, quase sem tocar o chão para não espantar as s, Francisco entrou pelo campo e, a a lguma distância, cotou a pregar aos passarinhos que estavam ciscando pelo chão. se p ode acreditar no que aconteceu. Os pássaros, que es-lm inquietos, bicando sementes invisíveis, aquietaram-se quan-ouviram a voz de Francisco e, colocando-se em semi círculo, tam olhando e escutando Francisco. Ele continuou a falar. E, ó prodígio! da ramaria profusa :eram ao solo milhares de o utras aves. Puseram-se em or-1 diante de Francisco: na frente as pequeninas, no meio de tamanho médio e atrás as maiores. Durante todo o ser-J, nenhuma piou nem esg ravatou o chão. Ficaram quietas que Francisco parou de falar. Mas não foram embora, araram pacientemente que lhes desse a bênção. Pregando, o 'ío passeava entre elas. Mesmo quando as roçava com seu '¦to, não se assustavam nem se mexiam. Não acreditaríamos nisso tudo se não tivesse sido contado 3 próprio frei Masseu ao irmão T iago de Massa.

217 Foram estas as palavras que o Irmão dirigiu às aves: Queridas aves, minhas irmãs: vocês fazem o que é -tais í>< >iiin> na criação: voar. Nós que somos filhos de Deus íão devemos ter inveja, mas eu lhes confesso esse pecado: eu invejo vocês que podem voar. Gostaria de voar agora memo até a ponta dessa árvore, até aquele ponto inacessível. Ria vocês não há ada inacessível. Como deve ser bonito o panorama lá das alturas! Seus cantos de ouro, seus assobios sonoros, tudo isso aida é pouco para aclamar o amor e a sabedoria de nosso Criadir. Desde o nascer até o pôr-do-sol, vocês devem rasg ar os j*s anunciando que não existe outro Todo-Poderoso a não st seu Criador. Mesmo que ninguém as escute, encham o muio com os louvores do Senhor! Em sua infinita criatividade, o Criador as vestiu com ura plumagem dupla e até tri pla, para preservá-las do frio, p8» que os raios do sol não as queime e para que vocês v ejai que são bonitas. O Senhor lhes deu penas que não se molha:) para que a chuva co rra por vocês e passam voar até no meio d aguaceiro mais torrencial. Suas penas têm as cores mais « riadas. Têm tonalidades que não se vêem em nosso arco-íris verde-escuro, pre to-azulado, vermelho-esbranquiçado, verde-awf relo. . . Vocês são muito vistosas, minh as irmãs aves. Tul' é graça de Deus. Seu Pai teve grande cuidado de conservá-las na arca i< Noé para que não desaparecesse a estirpe. E quando as águ'-1 baixaram, foi uma ave a primeira a sair da arca para ver se a terra estava habitável. Porque vocês são as únicas capazes de voar por cima da s águas. Além disso o Senhor deu-lhes esse céu azul e esse espaço aberto para vocês agitar em alegremer-te as asas e cantar. Nunca vi vocês tristes. Pelo contrário, vejo que e stão sempre felizes. São as criaturas mais privilegiada» da criação. Tudo é graça de Deus. E o Pai semeou a terra de fontes e de rios em considera ção a vocês, para que pudessem saciar a sede e tomar banhe 218 dias de calor. E levantou as montanhas altas e os vales espa-ds para vocês morarem sem que os outros as molestem. Mas I or invenção de Deus, o maior presente para vocês são as árvoNão quero íalar de suas qualidades porque vocês as conhecem hor do que eu. Só lembro que se as árvores são tão altas é para vocês possam colocar nelas os seus ninhos na primavera, sem hum perigo. Dessa mane ira, as crianças que tanto gostam de hos não os podem alcançar e destruir. Tudo é graça d e Deus. Finalmente, vocês encontram todos os dias a comi»In ptepa a. O homem tem que ir para o campo para scincni no m no, capinar na primavera e no verão para ceifar e colhe r; e a vestir-se tem que construir numerosas fábricas e olum.e. tecidos. Vocês não têm q ue se preocupar com nada disso am do ninho, e o Pai veste-as por toda a vida. Fí n urlCI viu um passarinho morrer de fome. Tudo é graça de Deitl Realmente, vocês são as criaturas prediletas do Altíssimo . Seu único pecado é a ingratidão. Guardem-se desse pecado, lhas irmãs. E louvem, bendigam e agradeçam eternamente irn or do Senhor. Enquanto Francisco lhes falava dessa maneira, todos aque pássaros começaram a abrir os bicos, espichar os pescoços rstender as asas, inclinando respeitosamente a cabeça até 0 o, para manifestar com atitudes e cânticos o enorme conten-lento que tinham p elas palavras de Francisco. O Irmão de Assis regozijava-se e se recreava com elas, sem xar de maravilhar-se po r tão grande multidão de pássaros tão bela variedade, e com a atenção e familiaridade que rionstravam. E louvava devotam ente o Criador por causa só. Quando o sermão acabou, Francisco traçou sobre elas o d da cruz e lhes deu licença par a irem embora. Então os saros saíram em revoada, cantando harmoniosamente. Depois id iram-se em quatro grupos, seguindo a cruz. que Francisco ia traçado. Um grupo voou para o Oriente. Outro, para o 219 Ocidente. O terceiro foi para o meio-dia e o quarto, para o sen-trião. E cada b ando afastava-se cantando maravilhosamete. Os irmãos menores devem ser como os passarinhos, conín-do todos os cuidados na mão de Deus e sem ter nenhuia propriedade neste mundo. OS ASSALTANTES DE MONTECASALE

A pCRICOl quilômetros de Borgo San Sepolcro, subindo Ua ladeira empinada, chega-se a um lugar chamado Montecase. No barranco havia uma rocha saliente (specco) de dimensrs extraordinárias. Parece o teto do mundo. Francisco procurava sempre esses lugares para cultivara amizade com Deus, porque os irmãos podiam defender-se o sol, da chuva ou da neve, e tinham água corrente bem pen. Construiu no alto do barranco uma choça de palha seca, i-Ihos e barro. Chama va-se eremitério de Montecasale. Na frente dos ermitães estava o irmão Ângelo Tarlati qt, como seu homônimo Ângelo Tancredi , tinha sido cavaleiro; homem de urinas, no mundo. Circulavam por essas passage solitárias três famosos bandoleiros, que se dedicavam a ass; tar os transeuntes. Com o não tinham ninguém para assalu, apresentaram se um dia, mortos de fome e não com mui to bo intenções, na choça dos irmãos. Quando os viu, o antigo soldado irou-se e lhes disse: A sassinos e íolgadões. Não cont entes de roubar gente honrai agora querem engolir as poucas azeitonas que nos re stam Vocês têm idade para trabalhar. Por que não arranjam empr go como diaristas? Os bandoleiros pareceram não dar importância a essas pai; vras. Pelo contrário, a sua frieza mostrava que persistiam ro suas turvas intenções. É bom saberem, disse Frei Ângelo ameaçadoramente, qu eu sou um velho soldado e que mai s de uma vez arrebentei cor. canalhas como vocês. Agora não tenho nenhuma espada atrás d porta, mas tenho um bastão que dá para lhes quebrar a 220 I. E avançou para eles, que escaparam precipitadamente riais uma vitória do antigo s oldado. Os irmãos se diver-e riram muito com o episódio. * * * Quando Francisco voltou da esmola, à tarde, N irmãos ram, no meio de risadas, o cpie tinha acontecido Enquanto eles estavam contando, o Irmão na rs!«>v..... r sorriso. Eles perceberam que Francisco não achava graça Uma na história e então parara m de rir. O Irmão nau di palavra. Retirou-se em silêncio e foi para o bosque. ElUrVI do e precisava acalmar-se. Um soldado! pensava. Todos carregamos dentro dc mw ;oldado. E o soldado sempre q uer afugentar, ferir, MrtN ia militar! Quando uma vitória militar edificott uni l«r t m povoado? A espada nunca semeou um metro quadrado -igo ou de esperança. Francisco estava profundamente ido. Mas evitava que a perturbação se voltasse contra do Tarla ti, porque isso seria igual ou pior do que dar idas em bandidos. Arranca de mim a espada da ira, meu Deus, e acalma a ca tempestade, disse o Irmão em voz alta. Quando ficou com-'mente calmo e decidiu conversar com os irmãos, diss e a íesmo: Francisco, filho de Assis, lembra-te. Se repreen-ç os irmãos com ira e pert urbação isso vai ser pior do que bordoadas nos assaltantes. * * * Convocou os irmãos e começou a falar-lhes com muita cal-No começo eles estavam assusta dos. Mas se acalmaram ido o viram sereno. Eu sempre penso, começou, que se o ío do C alvário tivesse tido um pedaço de pão quando teve I pela primeira vez, uma túnica de lã qu ando teve frio, jm amigo cordial quando teve a primeira tentação, nunca . cometido o que o levou à cruz. 221 Francisco falava baixo, sem acusar ninguém, com o oi no chão, como se falasse consig o mesmo. Todos os justiça sentiram a falta de uma mãe em sua vida. Quem é que s> o que está por trás de cada coisa? Quantas vezes é a aui) que está escondida atrás da montanha? Ninguém é mau. i máximo, é fraco. E o certo até seria dizer doente. Nós prometemos observar o santo Evangelho. E o Evar-lho diz que fomos enviados par a servir os doentes, não os st. rjoentes de quê? De amor. Esse é o segredo: o bandolei ra um doente de amor. Distribuam um pouco de pão e um por. de carinho |xdo mundo e vão poder fechar todas as cadeias. C\ o amor! fogo invencível, labareda divina, fil ho imortal do D, Imortal! Quem pode resistir ao amor? Quais as barreiras « o amoi nao pode saltar e quais os males que não pode remedii E Francisco entoou um hino i nflamado ao Amor, Filho de De; Agora, acrescentou devagar e baixando muito a voz, . mamo VOU s.ui por aí para pro curar os bandoleiros, pedir-H perdão e levar-lhes pão e carinho. Ouvindo essas palav r, frei Ângelo sobressaltou-se: Irmão Francisco, eu sou o culpac sou eu quem deve ir

. Todos somos culpados, meu caro Ânge respondeu o Irmão. Pecamos em comum, santifica mo-nos < comum, salvamo-nos em comum. Frei Ângelo ajoelhou-se, dizendo: Pelo amor do Ami Irmão Francisco, deixa-me fazer e sta penitência. Francisco t moveu se e lhe disse: Está bem, meu caro irmão, mas v< la/ê Io i orno eu vou dizer. Súbitas c baixarás pelos cumes e quebradas até enconti os bandoleiros Não devem estar lo nge. Quando os vires, dirí Venham, irmãos bandoleiros, venham comer a comida que i i rmão Francisco preparou para vocês com tanto carinho, i eles perceberem paz em teus olhos, vão se aproximar imediat mente. Então suplicar-lhes-ás que se sentem no chão. É cia que eles vão obedecer. Então estenderás u a toalha branca t chão. Colocarás em cima este pão e este vinho, estes ovos 222 csueijo. Servi-los-ás com o maior carinho c cortesia. Quando cvem saciados, suplic arás de joelhos que não assaltem nin-gi O resto será feito pela infinita misericórdia de Deus *oi o que aconteceu. Os ex-bandoleiros subiam todos os dio eremitério, carregando lenha nos ombros. Francisco la-v,hes os pés freqüentemente, e conversava bastante co m c Foram sendo transformados, lenta e completamente. POR QUE A TI? Naquele tempo, o Irmão estava sendo acompanhado |»n IMasseu em suas saídas apostólicas. Frei Masseu cia uni (irmãos mais queridos da fraternidade primitiva: homem < !tivo p ara cativar a atenção popular. Não és bonito, por que los querem ver-te? Não és eloqüente, po que todos querem 223 ouvir-te? Não és sábio, por que todos querem consultar-o* Por que é que todo mundo corre a ti quando não tens naa para atrair? Qual é o segredo do teu fascínio? * * * Quando ouviu isso, Francisco ficou visivelmente emocion do. Irmão, nunca foram dit as nesta terra palavras tão sábis Diz-me, Masseu, onde foste buscar tanta sabedoria? Quem : inspirou idéias tão certeiras? Ajoelhou-se e quis beijar os p de Frei Masseu , mas ele não deixou. O Irmão levantou os oUr para o céu e disse: Obrigado, Senhor Altís simo, por teres r velado as grandes verdades às almas transparentes. Depois respondeu a Masseu: Queres saber por que tod< vêm a mim. Eu vou dizer: é para confundir. Ó Frei Masseu! Aquele Altíssimo Senhor, cuja substânc é Amor e Misericórdia, tem mil olhos , com que penetra nt meandros da alma humana. Ele vê o que está do outro lad das coi sas. Não há escuridão que não seja clareza para EL Pois bem, esses altíssimos olhos olhara m por toda a terra não encontraram criatura mais incapaz, inútil, ignorante ridícula d o que eu. Justamente por isso, Ele me escolheu, pai ficar bem claro diante de to do mundo que o único Magnífic é o Senhor. E continuou: Se Francisco de Assis tivesse uma bela f gura, uma eloqüência arrebatad ora, uma longa preparação ní escolas de Bolonha, e até sabedoria como os anjos, o povo i dizer: É a sua beleza, é a sua sabedoria, é a sua eloqüêncii Mas, como não tenho nada disso , as pessoas são obrigadas concluir que é o Senhor.

Frei Masseu, não te lembras da bendita Mãe de Deu; a Virgem Maria? Ela disse: Tenho maravilhas, mas não sã minhas. Porque eu sou nada, disse aquela mulher sublime, fu e scolhida para evidenciar que o Maravilhoso é o Senhor. Por que me escolheu? Que vou dizer, irmão Masseu Repito que foi para confundir, ir mão, para confundir. Par 224 r ninguém ia compreender, ou pelo menos ninguém ia acea O mais admirável e terríve era a s olidão completa em i tinha tomado sua decisão e haveria de chegar a execução, i parecia uma conspiração.

Personalidade poderosa e resoluta, Clara estava jogati. naqueles minutos o tido ou nada. Por isso não 6 para efl nhar que tenha ficado como uma pedra no fundo da igm de São Rufino. E aconteceu algo de extraordinário. Dom Guido saiu c presbitério, avançou pela nave ce ntral, chegou ao ponto a que Clara estava chorando e, com grande simpatia, entre go-lhe um ramo de oliveira no meio da surpresa geral. Era Da 226 lmadas como incenso de o uro diante do Senhor. Tudo es-*i decidido, a sorte lançada. Clara estava tranqüila. Deixou * lia passar como se não tivesse acontecido nada, nem esti-Mè para acontecer. Partic ipou da festa familiar. Atendeu com l:esia e carinho os numerosos hóspedes. A FUGA NOTURNA A tarde foi caindo. Vozes e luzes apagaram-se uma p..i a. Antes de se retirar pa ra o quarto, Clara despediu se come costume de suas irmãs e de sua mãe. Para elas, e ra um * normal, cotidiano. Para Clara, era o último adeus is põe o teu selo sobre as mi

nhas palavras e aceita com agrado tinha consagração. Francisco não se conteve. Derrama va lá [ias tranqüilas. Os irmãos soluçavam. Clara manteve- m- ex rdinariamente serena. B uona Guelfuci também cheirava. * * * Sem dizer nada, de acordo com o ritual combinado, Fran 3 pegou uma tesoura tosca e se aproximou da desposada ava uma mecha de cabelo e dava um corte. Depois, ou tra ha e outro corte. O Irmão fazia-o com delicadeza, cpiasi i reverência. Parecia q ue tinha pena de destroçar aquela avilha de ouro que eram os cabelos de Clara. Foi depondo i mecha em cima do altar. Depois, com visível reverência, colocou-lhe um véu branco cabeça. E um véu preto por cima. Foi assim que Clara deis nasceu para a história do espírito. Francisco dirigiu-lhe is palavras finais e a cerimônia estava acabada. Mas a noite tinuava. Como em um complô perfeito, os protagonistas não tinham -tecido nenhum detalhe. Prev iam que haveria de desencadear-uma tempestade por parte dos familiares, para res gatar a re patrícia. E trataram de encontrar um refúgio para ela. Nessa mesma noite, Francisco com Buona e alguns irmãos iram Clara para o mosteiro das beneditinas de São ilo, a uns cinco quilômetros da Porciúncula. O dia já es-i clarea ndo quando Clara de Assis, cansada e feliz, pode ia! deitar-se em uma celazinha do mosteiro. 231 Tinham sido vinte e quatro horas vertiginosas. A merríia da jovem fervia de record ações recentes. Em sua imagina os acontecimentos precipitavam-se, superpunham-se, co nfund* -se no meio das ondas das emoções. As vacilações, os temtts c os sustos, tudo tin ha acabado. Os riscos tinham sido felizmtte superados. A santa conspiração tinha tid o pleno êxito. Louvi) seja Deus! Agora podia dormir um pouco. TENTATIVA DE RESGATE De manhã, dona Ortolana acordou para a realidade: I filha maior tinha fugido. Em p oucos minutos, pôs em mo mento a parentela toda. Logo descobriram o paradeiro da » n ina de ouro. A estratégia do resgate foi projetada em rápios conciliábulos: primeiro a compaixão, depois a promessa, rris tarde a ameaça e, se fosse preciso, a ação direta. M as Or> lana, que conhecia bem a personalidade tenaz da filha, no tinha muitas il usões quanto a esta recuperação. Foi assim que chegou à portaria do mosteiro o exército ! resgate, formado por famili ares e vizinhos. Clara já estai esperando o assalto e tinha preparado sua alma. Re cebeu-os efl naturalidade e doçura. Eles começaram a contar o estupor ca sado pela n otícia em toda Assis, falando também do desgos1 dos parentes e das lágrimas de Ortolan a. Era uma indignic de: a moça mais brilhante da cidade tinha vestido farrap e com eçado uma vida vagabunda, absolutamente sem rum; Nesse primeiro round, a nobre patrícia recebeu os golp; impávida. Nem se alterou. Di ante do fracasso, os familiares pa: saram ao segundo assalto. Aparentando calma, disseram qui se desejasse levar uma vida completamente dedicada a Deu; dariam t odas as facilidades: não insistiriam mais quanto ao O samento, deixariam o tempo l ivre que quisesse para cuida dos leprosos. Clara aceitou agradecida essas oferta s; mas, diss que sua sorte já estava decidida. Havia tanta serenidade em sua voz que os familiares f: caram exasperados e passa ram para a fase das ameaças. 232 Gritaram-lhe que seus planes eram caprichos ridículas, qUc 'era uma vergonha para a família mais aristocrática ela 'de, que não tolerariam e acabariam com isso, por bem Ou por ' Quanto mais aumentava a força de suas ameaça ss, mais ^ntava a serenidade de Clara. Não agüentaram mais. Soluu-se a ira retida, levnutararn-imeaçadoramente de suas cadeir as, dispostos a entrar cm r. Clara também se levantou e, olhando-os com alti vc/, rc. t a frase de São Paulo: Quem, neste mundo, vai ser 3 de me separar dos braços de meu Senhor Jesus < i , ., , juando os familiares se lançaram sobre ela, escapou , |, ! mios, e correu depressa para a igreja. Tudo estava premeditado: ela sabia muito bem que o ,il ra um asilo inviolável até pa ra os criminosos, e o cabelo do, ou tonsura, significava que já não pertencia ao sécul o, ao foro eclesiástico, e só a Igreja poderia julgada. A grotesca perseguição foi um espetáculo muito raro: Clara 'tente e seus familiares at

rás. Clara agarrou com uma mão ilha do altar e com a outra soltou o véu. Apareceu a ca -! tonsurada. Os familiares entenderam e pararam. Se desmais um passo, ficariam excomungados e entrariam em :ão com a Igreja. Clara de Ass is tinha ganho mais uma ia. * * * 0 Irmão de Assis esvoaçava como uma águia para defender trem de Assis, em suas primeir as tentativas de vôo. Quan->ube o que acontecera, temendo que os familiares tentas -jutro assalto mais audaz sobre a moça indefesa, procurou rontrou outro refúgio mais seguro. Era o mosteiro das iitinas de SanCAngelo di Panzo, situado na vertente me-lal do monte Subásio. O mosteiro estava rodeado por as muralhas e sólidas portas de madeira, com grade dupla. 233 Fazia dez anos que o Irmão tinha empreendido soli* mente um caminho, nunca antes p ercorrido. Na mais * pleta incerteza, em um suceder de acontecimentos, o Sei' ha via aberto para ele o caminho, desde a revelação da 1 evangélica ale a aprovação pontifícia da nova forma de boi uma década cheia de novidades. Agora, o Irmão de Assis estava começando de novo f rota incerta, não para ele mesmo, m as para Clara. Que sejaria o Senhor com essa nova situação? É o destino do 1 feta: per correr caminhos desconhecidos e abrir os horizof da historia Qualquer outro teria metido Clara em um dos num£ sos mosteiros femininos do vale d a Ümbria. Era a solução ri normal e mais fácil. Porém, com a simplicidade de sua e de intu ição, o Pobre de Assis via que o Senhor que outra coisa para Clara. Mas, o quê? Essa terrível audácia, esse jogar-se ao desconhecido, es arriscar-se dia a dia, são co isas que só podem ser feitas pel que são dotados de uma fé simples e total. E começaram caminhar. INTENÇÃO E SIGNIFICADO DE CLARA Pelo que parece, a primeira tentativa de Clara foi par' Ihar o estilo de vida in iciado por Francisco, vivendo em casa pobres, servindo os leprosos e, provavelme nte, levando vida it nerante no estilo apostólico. Em outubro de 1216, Tiago de Vitry, numa carta escrita aí cónegos de Lião, expressa-se com palavras tais que parece^ estabelecer semelhança e paralelismo entre a vida d os irmão: e a das "clarissas". Diz: "Tive a consolação de ver números» homens e mulheres q ue deixam seus bens e saem pelo muna por amor de Cristo: Chamam-nos de "irmãos men ores" e "irraí menores"... "Durante o dia, os irmãos vão para as cidades e povoados, dedicando-se a atividades apostólicas. De noite, voltam paR 234 mu» ¦crmidas, ou se retiram para a solidão, para dedicar* , ,i i templação. Quanto às mulher es, moram em diversas hos «dnias e asilos, perto das cidades, vivendo em comum, è ul ulio manual, sem aceitar retribuição alguma." 3sse documento extra-franciscano é de uma im|>« >t t ámu f»trordinária e dá para pensarmos q ue o ideal primogênito ,|, Lara era viver a vida evangélica no estilo dc Iram isco c ,1, ros irmãos. Mais tarde, as "damianitas" se monacalizaram, paic-tt- qtji l«nequerimento da Sant a Sé. Naqueles tempos, não se concilu mit forma de vida religiosa feminina a não ser a montes. Osímpos não estavam maduros para a existência de irmãs de vi< ativa. Essa monacalização, entretanto, parece ter um significado mu transcendente do que um a simples disposição da Santa Sc * * * Clara desenvolveu plenamente um dos filões mais pro fios e não suficientemente reali zados de Francisco: a vida rmplativa. Conhecemos bem a atração irresistível que o Io de Assis sentiu, desde os pr imeiros dias de sua con-vvo, pela vida eremítica. Ainda hoje, os lugares sagrados c."anriscanismo levantam-se nas altas montanhas do centro otália, como testemunhas mudas das freqüentes e prolonga-cietiradas de Francisco para a solidão completa. Não faltou rio nas costas da Dlmácia,e ele teve que voltar a A numa XJm pouco mais tarde, dirigiu-se para Marrocos com in ifio de converter o Sultão M iramolim, passando pela H»pa>1 em companhia de Bernardo. Essa viagem também fracas ¦»* ao que parece, por causa de uma doença. Acredita se ocasião, tenha chegado até Santiago de Compostcla . Nesse tempo, fez uma excursão apostólica pela T. NU ma, 1 «-guindo bom número de discípulos que se incorporaram a unidade. Passou a quaresma do ano seguinte, na ilha m.imi «lago Trasimeno, sem com er nada. Foi celebrar a Páscoa «iremitério de Celle. Nessa oportunidade, parece que se jun «a a ele homens de sinais contrários: o beato Ciuido < 'Elias. O Irmão ficou encan tado com a cortesia de Guido ementou com seu companheiro: "Meu irmão, a cortesia éi dos mais belos atributos de Deus. É irmã da caridade i» com o ódio e acende o amor frate

rno . A Fraternidade estendia-se velozmente pela geografia da assou sem da dúvida: era uma revelação pessoal. Mas a^ora o :sentante do Papa e os sábios acha m que nós lemos que erganizar em ordem, disciplina e eficácia. A quem obe í Tara Francisco não havia satisfação maior do qiu-nade de Deus. Todavia, onde estava, d e verdade, essa vou * Na voz da Porciúncula, que disse para andar pelo n,un emo pe regrino e forasteiro, trabalhando com as |>ii>|>ni, , sem carregar documentos po ntifícios, entregando as |M,, ;óes diárias nas mãos de Deus? ou na voz do represt-ntnnii [,que quer dar à fraternidade rumos de eficiência e p rodou 1< para as necessidades da Igreja? Pode existir contradicuo as duas vozes? E, se houvesse, quem estaria enganado/ ! está a vontade de Deus? Francisco não dizia sempre que os irmãos são e querem etnpre "submissos e obedientes a todos"? Se querem ser íísos a todos, quanto mais às autoridades da Igreja? Franje Ass is não tinha prometido sempre "reverência e obe-ií" ao Santo Padre? Não chegou a pedir u m Cardeal :tor para sua Ordem, garantindo que obedeceria a ele como sse o Papa? E Hugolino não era seu melhor amigo, de-r do movimento franciscano, diante dos car deais hostis? G programa franciscano de humildade era magnífico; p,,r rão ser conseqüente, renuncian do ao próprio ponto de para aceitar a opinião de pessoas autorizadas? O Irmão síis achava que estava obedecen do a Deus se defendesse >iópria inspiração. A Igreja não fala em nome de Deus? é depositária da vontade de Deus? Entre ela e Francisco :sava claro que o enganado só podia ser Francisco? Não dide que a Igreja, com toda sua experiência e universasabia mais sobre os sinais e as necessidades do mundo? ) mais do que Francisco d e Assis? Não são palavras de 253 (insto: "Quem vos obedece, obedece a mim"? Francisco si i um homem apostólico. Po r que não começar obed ao sucessor de Pedro? * * * Todas estas interrogações projetaram uma sombra p da na alma de Francisco. Neste min uto terrível em qu< to precisava da voz de Deus, Deus estava calado. Se cala, não são os representantes de Deus sua voz autor: Tornava a ser pressionado pela avalanch e de perguntas. O representante do Papa e os ministros, até eles, riam a pobreza e a humildade; po rém, com estrutura sufi' para poder controlar essa massa errante de irmãos, coloca a serviço da Igreja. A Igreja tinha uma experiência de sé* nessa estrutura. Estariam to dos errados? Diante dessa estr e contra ela, Francisco dizia que tinha recebido a revê de uma nova forma de vida de itinerantes, penitentes, bres e humildes. O me smo Deus pode dar orientações tã' vergentes? Onde está Deus, de verdade? Foi uma agonia. Francisco não era organizador, nem lético, nem lutador. Tinha sido tão feliz com seu Deus e leprosos! Depois, o Senhor o meteu no meio de uma mull sem conta de irmãos. Agora, sua vida era um redemoinhe cujo centro ele se debatia com o um pobre náufrago. Bat porta do céu, e o céu não respondia. Perdeu a calma. F mal-humo rado, ameaçador, tenso. Começou a excomungar, tava triste. Não era o Irmão de Assis. Era outra personalk transitória. Todavia, era muito mais do que isso. O escolhido ti entregado a Deus incondicion almente, o seu campo de a Todo esforço do Senhor Eterno é para libertar o homem e vi nizá-lo. E para isso, Ele afunda o escolhido nos abismos n inexplicáveis, infinitame nte além das fronteiras psicológicas, justamente aí que começa a noite escura do espírito.

Vou \ curar dizer alguma coisa sobre isso. 25-4 O barco está sulcando as ipas por todos os lados e nos tos em alto-mar, em um mar ameaçador. Não se enxer» i. Mio se enxerga, ou não ti mesmo nada? 0 Senhor me revelou q ue devia viver seguiu In .1 forma auto Evangelho. E se não foi o Senhor? E se fo i minha pró-voz? Será que, pelo fato de ser um fracassado nos campos «talha e na socie dade, eu rio me agarrei numa qulnxTJ me projetar, de acordo com a lei da compens ação? Verse adorado pelas multidões e contemplar-se como mini ara vazia. Os irmãos da pr imeira hora agarravam se j cisco, e Francisco ia agarrar-se a quem? Lutar como um )elo por um ideal e acabar descobrindo que era um ilr de grandeza. Descobrir, no fim, que se está enganado é muito, na» é o pior. O pior é ter arrastado mult idões para o mesmo io e ver que os outros ainda estão acreditando nesse delírio, ara q ue despertá-los? A noite escura do espírito é um turbilhão que agarra ( ta tudo para o abismo final. Como explicar? É como se alguém descobrisse, de repente, ele mesmo não passa de uma me ntira que pregou a si 10, como uma brincadeira de criança em que cada um ver que m engana o outro, sabendo que todos estão en-ido todo mundo. Gomo explicar? É como um desdobramento da personali-, como se, de repente, alguém de scobrisse que estava en-ído a si mesmo e que as duas partes de si mesmo sabiam est avam enganando e sendo enganadas. O paralelo passa pelo absurdo e pela tragédia. P alavras , fracasso, desilusão etc. são palavras inocentes que não :m dizer nada, em co mparação com a realidade. Tempestuosa e horrenda noite", diz frei João da Cruz. Para cúmu lo de todos os males, por debaixo de todo esse do e escuridão parece sarcasmo mantém -se a cer255 teza da fé, fria como uma espada invencível. Por isso, há um desdobramento da personal idade, e trágico, entre o sabf sentir da fé: o sentir quer convencer e enganar o sab ei tabtr, sabendo que querem enganá-lo, também quer cone < enganar o sentir, em um circuito caleidoscópico e aluei: < i m-uiir diz: é tudo mentira. O saber diz: é tudo verdade A treva é total. Morrer! é o único alívio e a única í Quando Jesus, no Getsêmani, disse: "Sin o uma tristeza tal", poderíamos traduzir: estou com vontade de morrer. Tan Jesus v iveu por alguns momentos a noite escura do espi É a crise do absurdo e da contradição. É agonia. E Frarc passou por essa noite. Entretanto, misteriosamente, as almas que são submel a essa terrível catarse, nunca sucumbem. Não conheço ningi nunca soube de ninguém que, colocado nesse fogo, tenha que imado. É uma prova extremamente purificadora, e I nosso Pai só submete a ela as alma s que sabe que não ser esmagadas sob o peso de sua mão. Pelo contrário. Saem da noite transformadas em as. incandescentes. Totalmente desp ojadas e livres. O Franc de Assis, que vamos contemplar em seus últimos anos, é i fi gura quase divinizada, prelúdio do homem do paraíso. ENCONTRO COM HUGOLINO Como dissemos, a Fraternidade tinha crescido com i rapidez incrível. O Irmão estava perdendo o contato dii com seus irmãos, devido ao seu elevado número. Por i decidiu celebrar, todos os anos, uma assembléia geral de t a Fraternidade. Ficava emociona do quando lembrava que Rei Artur também fazia isso com seus cavaleiros da Tát Redond a. Os irmãos vinham de todas as partes e se reuniam Porciúncula. Lá apareciam tanto os co mpanheiros da primt hora como os neófitos recém-admitidos. Francisco convers 256 'mente com todos e os mimava. Faziam uma revisão pgfj na de vida. p )lavia uma Regra propriamente dita. A rápida difu-raternidade exigia, porém, uma c erta organização. Cada m acrescentando novas normas para serem rx|>erimenta-° Próxirno ca pítulo. A Regra a ser redigida posterior-nao seria mais do que uma codificação da vida levada tao. Por isso mesmo haveria de receber p título de Regra dos Irmãos Menores. As assembléias ou capítulos eieorados no tempo de Pentecostes. » * * o capitulo de 1217, Francisco disse: Caríssimos, nossa cresceu inesperadamente, g raças à proteção do Senho, omo uma ninhada impaciente para voar. Vamos trans-ominhas, se mear e plantar em países longínquos. Não Jeçam dos valentes cavaleiros do rei Artur, que

vadea os proceJosos, atravessavam cumes nevados e penetravam sques infestados d e inimigos. Nosso bendito capitão, Je-sto, vai à frente, descalço, com o estandarte da Pobreza, e do Amor n cada envio, Francisco sofria interiormente, embora nao ! nada e procurasse dis farçar como podia. Sabia o que ;rava. Se pudesse assumir todas as perseguições no lu-e s, sentir-se-ia feliz. Mas isso era impossível. ío lhes posso encobrir os perigos, continuou. Sois os os valentes do valente capitão Cristo, e sei que não -ustareis com o que vou dizer. Ninguém vos chamou, n vos esp era. Desconheceis o idioma e os costumes desses. Não podeis pregar como Cristo, ma s podeis sofrer íncio como Cristo, e essa será nossa contribuição para nção. minhareis sem dinheiro e sem bolsa de provisões. Em lugares, vão pensar que sois her eges e vos perseguirao. 257 Fica tcrminantemente proibido pedir cartas de recom; ou documentos eclesiásticos q ue documentem vossa catou Cristo bendito não pediu cartas de recomendação para : teger da perseguição, bem-aventurados sereis se vos pene por seguirdes o exemplo de Crist o. Alegrai-vos. Sereis rtdi juntamente com ele. Quantos dos aqui presentes querem alistar-se nesa dição apostólica? Apresentaram-se ce ntenas de irmãos. N ria cavalheiresco mandar-vos para o meio do combate e ei aqui saboreando as doçuras da paz. Eu também irei con Os voluntários ficaram muito animados com essa notícia. No dia seguinte, I;rancisco chamou de lado os vokr, e lhes disse: 1 reis de dois em dois, caminhando com tod mildade e modéstia, orando sempre, evitando palavras x Durante o dia, comportai-vos como se estivésseis nos ererrit carregando a cela c onvosco, porque a cela é o corpo qut acompanha em todo lugar. E o ermitão que nela v ive t alma, que deve viver constantemente unida a Deus''. Deu-lhes a bênção. Abraçou-os um por um. Mal coi» conter as lágrimas. Dizia a cada um: Filho , lança o faid. tuas preocupações no seio do Pai e vai. Ele mesmo tc como companheiro Frei Masseu e seguiu o caminho que le à França. Gostava muito desse país porque havia lá ura to especial ao Santíssimo Sacramento. * * * Quando chegou em Florença, encontrou-se com o car Hugolino, que estava pregando a cruzada na Toscana. Na sua amizade por Francisco havia vários motivos. Ei outras coisas, o cardeal Hug olino era um homem de Deus. S raízes tinham veios místicos profundos, forças congênitas < o inclinavam fortemente para Deus. Nesse sentido, sua al concordava plenamente com a alma de Francisco. Além disso, como verdadeiro homem de Igreja, Hugol lutava incansavelmente pela ref orma eclesiástica. A força 258 a de suas jogadas políticas e tramas do poder era a glória >js. Nesse sentido, Hugol ino via Francisco como uni homem /idencial para a animação da Igreja. Por esse lado, sua cace era interessada. Mas também se encantava com a personalidade d< íran-> e admirava seu poder cansmático, sem deixar dc ter for-rwervas sobre alguns aspectos de seu ideal. Da parte de Francisco para com Hugolino havia, cm pri-o lugar, aquelas semelhanças espirituais que os iptj Ma naturalmente. Em segundo lugar, porém, admirava»' "COCT -encia e veneração'' por sua ati tude geral diante dc i.d.i -idade eclesiástica. t possível que tivesse também algum interesse, vendo ne-na valiosa proteção na Cúria Roman a. Francisco também divergências profundas com o cardeal quanto à ifltefpK do ideal ev angélico. Hugolino tinha um dia livre em sua agenda. Convocou isco para uma ampla troca de idéias. Conversaram, pri-., sentados no escritório do palácio, depois, andando pelos tf. Depois de trocar algumas frases formais, o cardeal en-direto no assunto. -rancisco, meu filho, na Cúria Romana ainda há um poderoso de cardeais que não vêem com bons olhos nem nem sua fraternidade. Ainda não perderam a impressão ocê deixou diante de Inocêncio III. Chamam-no de so-r. Isso não é novidade para você. Mas há mais: agora stão dizendo que você é um sonhador perigoso ) Irmão baixou os olhos. Sentiu a pancada.

) melhor presente entre amigos é a franqueza, meu filho, ter que lhe dizer essas c oisas, contudo, todos nós estamos ido interesses superiores. De toda a Itália chegar am à Romana, notícias sobre seus irmãos. E nem todas são 259 boas. Você já sabe o que acontece: recebemos trinta no positivas e três negativas, mas para quem é negativo a reali resume-se a essas três notícias desfavoráveis. Eu e mais alguns poucos cardeais defendemos você c |m>dciims Você, porém, precisa a judar-nos nessa defesa, deve atravessar os Alpes. Não vá embora. Seu rebanho corrend o perigo. O próprio Cristo não disse que o bom p£ ronda, vigia c toma conta de seu reb anho? Se você for esses países afastados, os mais benignos da Cúria vão c que é um irrespo nsável. E não deixariam de ter razão. Uma tênue sombra velou os olhos de Francisco. Foi prelúdio dc tristeza. Mas a sombra passou depressa. O Irr logo acordou e se recompôs. Senhor cardeal, meus irmãos foram como cordeiros meio de lobos. Eu sei por expe riência o que os espera: sare mos, cachorros, pedras e blasfêmias. Não seria cavalheir esco gar os outros no meio da tempestade e ficar, tranqüilo, jui do fogão. Entre a audácia dos cavaleiros, respondeu o cardeal, e prudência dos pusilânimes há um e spaço: a temeridade. Dei: -me dizer: você foi temerário, meu filho, temerário dema manda ndo seus irmãos indefesos à regiões remotas, expost a todo ti|M> ile contradição. Você preci sa de circunspeção, ¦ sabedoria Isto é, tem que medir as forças e saber com qt material es tá lidando. * * * Francisco pensou, imediatamente, no Evangelho e no exen pio de Cristo. Levantou a voz com satisfação e começou a fala com os olhos brilhando. IX-sculpe que eu fale, senhor cardeal, porque sou un ignorante. Meu Senhor Jesus Cristo não pediu doze legiões para defender-se contra as tropas de assalto. Não usou sus onipotência nos momentos de impotência. Renunciou às vantagens de ser Deus e se su bmeteu às desvantagens de ser ho260 i Ofereceu a outra face, não apresentou pergaminhos i1" dade nem cartas de recomen ístá bem! cortou o cardeal. Parou um pouco para peur I palavras; abaixou a voz dação. . como se falasse consigo mesmo *: Que é o homem para comparar-se com Deus? Quem i e mular Cristo? Iríamos além da temeridade; isso seria mento e, no fundo, estupidez. A última palavra foi dita oz muito apagada. Olhou-o nos olhos com carinho, c : Fran cisco, nós somos filhos do barro. É coisa dc que -'mos que nos envergonhar, apenas r econhecer. 'ma sombra profunda cobriu todo o rosto de Fran.i tristeza. O Irmão abaixou os olh os e ficou em silêncio i muitos anos que não lhe acontecia isso. Talvez minei : acon tecido. lesse momento de silêncio, mil pensamentos passaram pm iamente por sua cabeça. 0 car deal tinha razão. Eli f*«> ;te e ele nunca tinha pensado: comparar-se com Crino latr evimento. Mas, durante toda minha vida não fiz outra a não ser emular Cristo, pisar em suas pegadas, repetir titudes, em resumo, querer estar à sua altura. Entretanto , o que isso é atrevimento e, no fundo, estupidez ou (alta redação proporcional da rea lidade. ela primeira vez, o Irmão de Assis começou a perder a riça. Pior, começou a perder terre no na alegria de viver. ° cardeal Hugolino era uma figura galharda. Agiu a vida om energia e habilidade po uco comuns. Era parente de cio III e partilhava completamente seus ideais. Haver ia ! cardeal protetor da Ordem Franciscana e, mais tarde, com o nome de Gregório IX, durante quatorze anos. E » de canonizar Francisco. astinguiu-se por uma vida austera. Seu passatempo favo-ra conviver com os monges e com os homens de Deus. e colocou os interesses da Igreja acima dos próprios. 261 VÍVCU quase cem anos. No momento que descrevemos, já ca uma venerável figura de uns se tenta anos. Era um ver-ilidi-iru mestre na arte de governar e tinha aquele senti do nliltl que fazia com que acertasse em cheio em todos os problemas fundamentai s.

* * * Hugolino percebeu que a tristeza tinha tomado conta da una de Francisco. Ficou c om muita pena. Todavia, era pa-reda-lhe o único jeito de derrubar aquela santa tei mosia. Os ministros e intelectuais da Ordem não se atreviam a enfrentar diretamente o Irmão . Suplicaram, então, ao cardeal que usasse sua autoridade para debilitar, pelo men os um pouco, s;a fortaleza, para que cedesse em sua posição. Ninguém poderia calcular a dor do venerável prelado. Afinal, parecia-lhe que se tratava do bem da Igreja. Francisco, meu filho, disse-lhe, enquanto passeavam pelo jardim. A Igreja é mestra de vida e tem muitos anos de existência. Em nossos arquivos de Roma, há documentação de numerosos movimentos de reforma que acabaram, primeiro, em protestos e depois e m cinzas. O espírito e a liberdade são bons, porém, se não forem devidamente canalizados , descontrolam-se e acabam arrastando tudo o que encontram, para desaparecer na mais completa esterilidade. Temo que aconteça alguma coisa assim com a sua Fratern idade. * * * Houve um longo silêncio. Era o pior: Francisco tinha perdido a vontade de lutar. A vida defende-se por instinto. Quando não se defende, é sinal de que começa a deixar d e ser vida. Como o Irmão não dizia nada, o cardeal continuou. Você já viu algum moinho a vento, meu filho? Quando a força do vento é canalizada e apli cada em um certo ponto, que eficácia! Todavia, se o vento se esparrama, a energia é inútil, pode até ser nociva. A Ordem é o vento. Você entende 262 ,i i< eu quero dizer, Francisco? Três mil homens vagando , - mundo, sem casa nem con vento... não pode ser! Por ,|t irúo criar algumas pequenas estruturas? Uns conventos só lul, mas humildes? Uma preparação intelectual, apta para ,, rMÇO na Igreja? Uma cert a estabilidade monacal?. . . Nesse momento, o Irmão ficou com vontade de empunhar ., pada. Não tinha força, porém, ou melhor, sentiu-se cora-|,Intente incapaz. Não havia jeito de combater. Francisco , ,iu que os dois moviam-se em órbitas tão distantes e opostas, , ji a própria luta não ti nha sentido. Para que falar? Vendo que o Irmão continuava em silêncio, o cardeal disse Diga alguma coisa, querido Francisco. O Irmão começou ii br sem vontade, aparentemente sem convicção. Mas logo sJ iMS/s pn forte em palavras, e sim em fatos ma discussão. Nao era >ullt f ' pressionante o fato de, nos últimos anos, ele nem sequer Ler exortações, mas dizer: Quero viver pobre e hurr, "quero obedecer ao guardião que me derem , agora retiro para dar bom exemplo e para rezar . A isto se 270 to: expressar publicamente uma intenção. Francisco expôs pensamento mil vezes e de mil maneiras: o Senhor nau hamou principalmente para pregar, mas para viver. l nesse contexto que temos de englobar e interpretar a cia de Francisco, em um m omento delicado da ( )rdem. lhe adiantaria ficar na Porciúncula, discutindo intt-r mina--mte com os intelectuais e ministros? É tempo perdido, va. Depois, quando dis cutia, logo perdia a calma; a coniro , fazia-lhe mal. Defenderia seu ideal não falando, mas vivendo Km avar batalhas dialéticas, ia la' lo nge sofrer por Cristo, < ualmente, morrer por Cristo, vivendo pobre e humilde, id o a perseguição em paz. Sua fidelidade ao ideal Mofl isolidez e contundência a esse id eal. Isso daria respeiiahili ,e credibilidade ao programa de Francisco mais do q ue U ,ntos brilhantes. Por isso, foi para o Oriente. A REVOLUÇÃO DOS VIGÁRIOS Francisco esteve, dezoito meses, no Oriente. Assistiu ao de Damieta. Quis levar a batalha do Amor até à presença Ielek-el-Kamel. Nem estava interessado na batalha da ver-A verdade pensava não precisa de combate. Por a luz precisa agredir as trevas

para vencê-las? Basta que descubra o rosto para as trevas fugirem espantadas. Mal a embarcação de Francisco tinha levantado âncoras, em na, os ministros irromperam com força e ousadia. latiram os estudos. Reforçaram as medidas disciplinares. Mui-aram o s jejuns e abstinências. Em diversos lugares, lcvan-i amplos edifícios. Fundaram um Studium em Bolonha, um apostolado mais eficaz, conseguiram bulas da Santa Em re sumo, a fisionomia da Fraternidade primitiva foi indamente alterada, no breve e spaço de um ano e meio. emores de Francisco tinham sido pequenos. Os primeiros com panheiros protestaram contra tão drás-inovaçôes, mas os contestadores foram castigados. Alguns 271 r«m posios em presídios conventuais e açoitados. Outros, ain-foram expulsos da Fratern idade como indesejáveis. Outros fb-Ja, vagiram por regiões diversas, como sombras tr istes, cho-,. !,, , ausência de seu guia e pastor. Correu boato de que Francisco tinha morrido. É sempre isso que acontece. Basta um covarde soltar uma patra-nha que a munira começa a correr sozinha, sem que ning uém possa detê-la. Poucos meses depois, os primeiros companheiros ."stavam por terra , com a suposta morte do Irmão. E a Fraternidade ficou desorientada, convulsionada , em estado de caos c de anarquia. Mas nem todos acreditaram no boato. Pelo menos alguns acharam que deviam certifi car-se. Os primeiros irmãos encarregaram um tal de frei Estêvão para ir ao Oriente encontrar-s e com Francisco a fim de informá-lo, $e estivesse vivo, sobre a situação da Fraternida de. Frei Estêvão saiu pelo mar, sem pedir autorização aos Vigários e, depois de muitos mes es, encontrou Francisco em São João d'Acre. Informou-o minuciosamente sobre o estado dramático da Fraternidade e lhe deu um ex emplar das novas Constituições. Para comemorar o reencontro fraterno, fizeram uma fe stinha. Havia carne na mesa. As tais Constituições proibiam termi-íantemente comer c arne. Francisco voltou-se para Pedro Catani e perguntou: Senhor Pedro, que fazem os? Tu és a autoridade, irmão Francisco, respondeu Pedro. E Francisco retrucou: Já qu e o Evangelho nos dá liberdade de comer o que puserem na mesa, vamos comer a carne ! Francisco tomou quatro irmãos e voltou urgentemente para a Itália, chegando a Veneza em fins de julbo. 272 A PROPRIEDADE DA CIÊNCIA Vindo de Veneza, pôde ver com os próprios olhos, em Bolonha, a profundidade da revol ução operada na Fraternidade, durante sua ausência. O provincial da Lombardia, [oló Stac cia, tinha erigido uma casa de estudos, algo como um Collegium medieval, no coração da cidade. Não se conhecem as verdadeiras proporções arquitetônicas desse Studwm, mas, c m comparação com as cabanas dos irmãos, devia dar uma impressão de poderio e de grandeza . Em sua penetrante intuição, Francisco adivinhou o que havia acontecido. Fundamentalm ente, tratava-se do orgulho da vida, inimigo número um da simplicidade evangélica. F oi por rivalidade e emulação com os Irmãos Pregadores que o provincial da Lombardia le vantou o Collegium. Bolonha, naqueles tempos, era o centro intelectual da Itá lia e mesmo da cristanda de. Os dominicanos tinham adquirido, desde o primeiro momento, uma posição de poder nessa cidade intelectual. Lá haveria de morrer, no ano seguinte, o santo fundador, Domingos de Gusmão. Desde o primeiro momento, a Ordem dos Pregadores tinha instal ado em Bolonha seu quartel-general, e os Irmãos Pregadores eram sumamente apreciad os. De acordo com a finalidade para a qual foram fundados, os Irmãos Pregadores ti nham erigido e organizado, em 1219, um esplêndido Studium de teologia para contrap or-se às artes liberais da Universidade, que menosprezavam, ou ao menos, subestima vam as ciências sagradas. Diante do prestígio dos dominicanos, os Irmãos Menores ficaram eclipsados e pareciam "pouca coisa". Francisco tinha dito mil vezes: nossa vocação, na Igreja, é viver como pobres e pequenos. Tinha percebido, mil vezes, a repugnância que os irmãos sentiam em ser pobres e aparecer como insignificantes. Como é difícil a nossa vocação! pensava o Irmão. Estamos na Igreja para imitar Cristo pobr e e humilde. É bom que

18. O irmão 273 a Igreja tenha outros institutos que imitem Cristo < mestre. O Senhor não nos cham ou para organizar hos Intuais ou para defender o prestígio da Igreja. Para i Igrej a, é preciso argumentar brilhantemente e isso e> preparação intelectual sólida. Nós não fomo s chamados tender o Evangelho, mas para vivê-lo. Muitos de nossos irmãos olham, com inveja, para titutos de finalidade mais brilhan te. Não entenderam a de nossa vocação. Falam de maior eficácia, mas, no têm vergonha de no ssa pequenez e ignorância. * * * Francisco estava indignado e machucado interiormen quis entrar no tal Studium do s Irmãos Menores e ped pedagem no convento dos Irmãos Pregadores. Lá, se a e pensou co m serenidade no que devia fazer. Não posso mostrar fraqueza, pensava. São capazes c fundir a misericórdia com complacênci a. É preciso corri, ra que aprendam. Nossos irmãos já estão instalados em C em Paris, em Copenhague, nas cidades mais importan cristandade. Se eu não for enérgico agora, da qui a un o espírito da Porciúncula já estará degenerado. Mandou chamar o provincial da Lombardia. "Irmã mo te atreves a destruir a forma de vida que o próprio S me revelou, esquecendo que minha vontade é que os i se consagr em mais à oração que ao estudo?" Depois, mandou, por obediência, que todos os irmãos donassem aquele estabelecimento intelectual, mesmo os do-E ainda invocou a maldição do céu sobre o protagonista cipal, João de Staccia. O diapasão de Francisco nunca um som tão agudo e estridente. Ninguém s ofria como ele tudo isso, e seus lábios se queimavam ao pedir o castig céu. Tinha vi sto que certos tipos interpretam a delicadeza i debilidade e só se detêm diante de a titudes de força. Violandi íntimo mais profundo, recorreu a esses gestos dramáticos de f 274 I Ademais, quando os amigos do provincial da Lombardia (im a Francisco que revogas se a maldição, ele respondeu , era tarde, porque já tinha sido confirmada pele próprio , o. ti reação da vida quando pressente a morte. Chama-se (,rno. A vida é feita assim. Quan do qualquer tipo dc vida :e o cheiro" de agentes mortíferos, recorre, agressivament e, Jas as suas defesas. Com certa intuição, Francisco percebeu que uni linioo im já seria capaz de jogar por terra o seu ideal, porque r'lo puxa o outro. Francisco pensava: Nós temos que viv er ,;hoças, transitórias. Como os ministros buscam resultados ,.ntes, precisam viver em mansões sólidas. Depois, vão prc ( de boas bibliotecas. Mais tarde, farão acrobacias sutis puni mstrar que o que fazem está bem feito. Perderão o espírito de simplicidade e adquirirão o espírito pmplicação. Quando o guardião lhes corrigir algum defci fão buscar cem argumentos para tapar a boca de qualquer demonstrando que estão certos. Justif icarão hrilhantemen , injustificável, puxando sempre a água para o próprio moi-Vão ser cap azes de levantar teorias sobre o pé de uma ,. Se forem sábios, receberão honras. Quand o receberem as, vão entrar em conflito com outros que recebem hon-naiores. Por ser em sábios, sentir-se-ão poderosos e usarão ;iras de ser de quem tem poder e domínio sobr e seus ir-(, Esquecer-se-ão de servir à mesa e de lavar os pés. O binômio ideal, pensava Francisco, seria santidade-ciência. como é difícil! Assemelha-s e a: Os ricos podem "entrar" leino? Sim, podem, mas como é difícil! O Irmão não era inim igo dos estudos. Disse que "deve-venerar os teólogos que nos transmitem espírito . e . Entre seus primeiros companheiros havia alguns forma-;m Bolonha e ao mesmo tempo excelentes Irmãos Menores. 275 Mas tinha visto, também, muitos irmãos que eram ii gos declarados dos estudos, não por um bom espírito, mas serem folgazões. De muito boa vontade esses tais presta culto diário à deusa "Dolce Far Mente". Tinha visto mi irmãos que arrastavam uma vida medíocre e vulgar enqu lançavam diatribes contra os estudos. Um sábio envaidecic mau, mas um ignorante sem espírito é pior. SEM ENTRAR NA PORCIÚNCULA A notícia de que Francisco estava vivo e tinha Vol à Itália encheu de júbilo os seus par

tidários. Os antigos irrr perseguidos pelos vigários, saíram de seus esconderijos nas r tanhas. Uma imensa comoção tomou conta de todas as fri nidades da Itália. Os partidári os fiéis imaginaram çue o mão destituiria imediatamente os Vigários, empunharia firme/a o timão da Fraternidade e que tudo voltaria a teu ]u Francisco, porém, não pensava ass im. Seu instinto ir tivo nunca o enganou- A revolução consumada em sua au cia denota va que os opositores não só eram fortes, r»as tinham agido com respaldo de poderosos p ersonagens da leva-me. Só me resta uma estrela: a tua miseri córdia. * * * Sua alma, outrora tão luminosa, entra em estado de cr são e eai freqüentemente em cont

radição. Em comparação' aquela obediência alegre e cavalheiresca de antes, a de í é fúnebre. se a um grupo de irmãos leais: "Peguem cadáver, coloquem-no onde quiserem que não fará n enh resistência. Não reclamará do lugar onde o tiverem coloc Não protestará se o mudarem d e lugar. Se o puserem n cadeira não vai olhar nem para cima nem para baixo. Se o t irem de púrpura, ainda vai ficar mais pálido". Logo, porém, contradizia-se a si mesmo. Chegou da manha um irmão para conhecer Franc isco e fazer-Ihe algu perguntas. No fim, disse: "Irmão Francisco, peço-lhe um vor: s e um dia os irmãos se desviarem da Regra, peço lice para separar-me deles e ir obser vá-la ao pé da letra". F; 290 icou radiante de alegria e respondeu: "Deves saber que 5?rio Cristo te dá essa aut orização e por isso eu também, muito gosto". Impôs-lhe as mãos e acrescentou: "Es si te para sempre segundo a Ordem de Melquisedcquc" Diante desse critério, se contradiz mais uma ve/, dando ordem: "Mesmo que o superi or ordenar coisas contrárias fen espiritual, os irmãos jamais devem separar-se dele, de-amá-lo quanto mais os perseguir". l"m dia, cansado de escutar tantas informações sobre no udácias introduzidas por algun s ministros, o Irmão levantou hos, os braços e a voz e disse: "Por Ti, Sacrossanto S enhor Cristo, e por toda a corte celestial e por mim, homctui insignificante, am aldiçoados sejam os que, por seu mau pio, cobrem de vergonha e destroem o que Tu e diflcav 1 continuas edificando, com os santos irmãos da Ordem Na realidade, os irmãos dissidentes eram poucos, mas mui fluentes. Se houvesse alg uma coisa parecida com uma clei-lemocrática, a quase totalidade seria ardentemente a favor rancisco. Todavia, entre Francisco e os irmãos havia um no legalmente con stituído, e os cargos principais estavam nãos de ministros dissidentes que eram inte lectuais, mui-ditiqueiros e, em certos casos, até mundanos. CLARA DÁ UMA MÃO ^Jão há realidade humana que escape à percepção de uma :r. Clara tinha adivinhado, de long e, a perturbação do > e, com audácia feminina, decidiu salvar Francisco de smo. -azia meses, talvez anos, que Francisco não visitava as s Pobres. Não tenho nada par a lhes dar, pensava o Irmão. filhas de Deus, as mulheres, são capazes de enxergar dos olhos. Que é que vão descobri r em mim? Só triste-desolação. Posso disfarçar minha tristeza diante do irmão 291 dão, c até diante do irmão Elias, mas nunca diante da irmã Jara. Não tenho nada para lhes dar, disse em voz alta. Um dia, Clara mandou chamar o irmão Leão e lhe dis-C Querido leão, leva estas palavras , da minha parte, a Fran-,sl- . irmã,, Francisco, acendeste as nossas chamas e agora crixas que se apaguem? Abriste as nossas bocas e agora as lixas sem pão? Plantast e estas plantinhas e agora as deixas m regar? Pensa se não estarás faltando com tua palavra de avaleiro. Esqucceste que somos tuas Damas Pobres? Precisamos k ti. Qu em sabe se tu também não necessitas de nós? Espe-amo-ío para o almoço. Vem. * * * O irmão Leão transmitiu a Francisco as palavras de Clara. 0 Irmão abriu os olhos, esboço u um leve sorriso de satisfação e todas as melodias imortais da cavalaria andante po voaram, em um instante, l sua alma. Parecia outro homem. Sim, disse o Irmão, Clara tem razão. Acendi uma chama. Gara acendeu-se em minha cham a. Na chama de Clara acenderam-se as outras irmãs e nós todos entramos na fogueira d o Amor. Sim, fui eu quem acendeu a grande aventura. Sou o responsável. Clara tem razão. Não é correto plantar uma roseira e deixá-la sem cultivo. Não posso permi tir que essas tochas se apaguem. Irei a São Damião, irmão Leão. Diz a Clara que me prepa re uma grinalda de violetas. Irmão Francisco, não é tempo de flores, disse frei Leão. Qu em sabe, disse Francisco, se ao passarmos não irá desabrochar uma primavera no atalh o de São Damião? Quando o Irmão chegou em São Damião, Clara recebeu-o dizendo: Há milhares de anos que te esperamos, Pai Francisco. São Damião é uma ànfora perfumada, irmã Clara, respondeu Francisco. Todos os dias eu levan to essa ânfora em minhas mãos, diante do Senhor. Estais presentes em mim, 292

como os filhos em uma mãe. Esquecer-vos? Não é possível. Não fui eu quem vos deu a luz e v os entregou nos braços do Imortal? Tantas luas se passaram sem que o víssemos, insistiu (liara. A presença vale alguma coisa? disse Francisco. O que importa é o espírito, irmã Clara. Além disso, a gente dá a mão para os primeiros passos. Depois, cada um caminha sem apoios. Ademais, continuo u o Irmão, os olhos são janelas perigosas. Através deles dá para ver o interior dos quar tos, c lá, as vezes, não há senão sombras. * * * Enfim, chegou onde eu queria, pensou Clara. E tomou a iniciativa. Muito intuitiv a, Clara tinha tirado, das poucas informações dadas pelos irmãos, todas as deduções sobre a situação interior de Francisco, e acertadamente. Olhando-o com sumo carinho e fala ndo com voz delicadíssima, como se dirigisse a si mesma, Clara foi soltando as pal avras como chuva que cai sobre a terra queimada. Pai Francisco, eu sou a tua plantinha. Se tenho ou sei alguma coisa, recebi tudo de ti. Estás metido em um bosque, Pai Francisco. Não podes ter uma visão boa. Eu esto u longe e por isso me encontro numa posição melhor para medir as proporções. Temo que o que está acontecendo contigo seja um pequeno problema de apreciação. Dias atrás eu li que um mosteiro antigo dividiu-se por causa de um gatinho. Uma ir mã se afeiçoou a um gatinho. As outras olhavam feio para a "dona" do gatinho e essa respondia na mesma altura, até que o mosteiro se dividiu entre irmãs que olhavam fei o para o gatinho e irmãs que gostavam do gatinho. Este já era o único "deus" do mostei ro. Não sei se isso é histórico ou uma alegoria. Um pequeno problema de apreciação, Pai Francisco. A coisa que amamos prende-nos. Às ve zes, fico em dúvida se é a coisa que nos prende ou nós que nos prendemos à coisa. Possiv elmente, não há diferença entre um e outro. 293 Quando aparece alguma ameaça para a coisa que arr isto c, quando surge um perigo d e que ela nos escapí a agarramos com mais força. Se o perigo aumentar, aum o nosso a garramento. Quanto mais crescer nosso agarrai) uiiioi será a coisa. E assim, no fi m, vemos que no mc 0 principal é o gatinho, a que demos uma importância proporcionad a. As palavras de Clara eram como chuva fresca numí de cálida de verão. Era como Francisc o se sentia. Pai Francisco, o ideal, a Ordem, a Pobreza, são certat uma coisa importante. Mas, levanta um pouco os olhos; ao teu redor c verás uma realidade sem fim, altíssima: 1 Se olhares paia Deus. o que tanto te preocupa vai parece significante. F. um peq ueno problema de apreciação. Qus lem nossos pequenos ideais diante da eternidade e i mensi de Deus? Quando se olha para a altura do Altíssimo, r> temores parecem sombr as ridículas. Na altura de Deus coisas adquirem seu tamanho real, tudo fica ajusta do e ga a paz. Clara aproximou-se e continuou, devagarinho: Qui Francisco, Deus! Deus! C lara pronunciou isso com uma prc didade tão inefável que todos os andaimes de Franci sco ru de uma vez, e ele se sentiu livre, infinitamente feliz, uma sorte absolut amente inexplicável. Quando percebeu Clara prosseguiu, enquanto Francisco se senti a tomado por infinita realidade, e pelo peso de uma felicidade nunca e rimentada . * * * Pai Francisco, continuou Clara. Foste um assolador irr cável. Queimaste, varreste, demoliste casa, dinheiro, pais, sição social. Avançaste para profundidades maiores: v enc o ridículo, o medo do desprestígio. Escalaste o pico mais da Perfeita Alegria. De tudo te despojaste para que E fosse teu Tudo. 294 Mas. se agora reina alguma sombra em teu interior, é si-]ue estás preso a alguma coi sa e que Deus ainda não t i Tudo. Daí a tua tristeza Em resumo, é sinal que ca-aste co mo obra de Deus o que, na realidade, é obra tu Para a Perfeita Alegria só te falta uma coisa: desupegarte bra de IX-us e ficar só c om o próprio Deus, completamente JJado. Ainda não és completamente pobre, Irmão Francisco, e isso ainda não és completamente livre , nem feliz. Solta-te de ti mesmo e dá o salto mortal: Deus é, e héUk ite do teu ideal e assume, co

m gosto e felicidade, essa idade que supera toda realidade: Deus é, e basta Então ec erás a Perfeita Alegria, a Perfeita Liberdade c a IVilei-dicidade. * * * Clara calou-se. Sem perceber, o Irmão deixava cair lágri tranqüilas. Uma embriaguez, p arecida com o amanhecer do ào, apoderou-se completamente de Francisco. Sentia-se imennte feliz. Deus é, e basta, repetia soluçando. Levantou-se devagarinho, sem levantar os olhos, repleto de idade e disse, pela últ ima vez: Deus é, e basta. Esta é a Perfeita Alegria. Virou-se e foi embora chorando, sem se despedir de Clara, lesmo fez Clara. 295 CAPÍTULO SEXTO A ULTIMA CANÇÃO MISSÃO CUMPRIDA Tinha desaparecido o manuscrito da Regra de 1223. Era 5o redigi-la outra vez. Fr ancisco chamou Frei Leio e Frei :io e subiram, mais uma vez, para os bosques no alto onte Colombo. Recluso naquele vazio selvagem e sublime, jejuns e orações, Franc isco acabou redigindo a Regra dclini-levando em conta todas as observações do Cardea l Protetor. Em linhas gerais, o novo código estava dentro do esquema liniano. Era uma legislação b reve e concisa. Encerrava um nto de preceitos e de proibições. Quatro vezes mais CUTU j de 1221, sobravam apenas uns seis textos bíblicos, quindo Ura tinha mais de cem. Dá para perceber que várias corretoras estiveram trabalhando, pois o estilo é polido e tico. Desapareceram as efusões líricas e os apelos di.nn.i de que estava cheia a Regra de 1221. Quanto ao fundo, Francisco não cedeu. A pobreza absolutl nua em pé. Os irmãos têm que se r pacíficos e humildes, 'tido-se de julgar os outros. O meio normal de sustento se u > lho e só recorrerão à esmola, em caso de necessidade. Não rirão casa ou coisa alguma. Por serem pobres serão irmãos, festando-se mutuamente as próprias necessidades e cuida n-¦tis dos outros, como uma mãe faz com seu filhinho. * * * Em maio de 1223, Francisco assistiu à assembléia geral 'arciúncula. As fontes não nos tr ansmitem as discussões, bs ou desavenças sobre a Regra. Nem sabemos se houve Ha cois a. Ao que parece, os intelectuais evitaram qualquer Dntação pública e conseguiram seus propósitos mediante is manobras de bastidores. Poucos meses depois, o Irmão foi a Roma e entregou o rtento nas mãos da Santa Sé. Depo is de um trâmite re-anente breve, a Regra foi solenemente aprovada por Ho-> III, n o dia 29 de novembro de 1223. Desde então, essa i breve constitui a legislação oficial dos Irmãos Menores. 299 O escolhido tinha terminado sua peregrinação doloroí 11 .uísfiguradora. Deus levantou a mão. O Irmão escutou e í hmi o Eu sou, como contam os velhos cronistas. De fato, gundo os biógrafos, a paz voltou quando Francisco escutou sivelmente estas palavras do Altíssimo: "Por que te pertur pobrezinho? Eu sou o que te fez pastor. . . Eu sou o arrino a viga mestra... Eu sou o que te confiou esse rebanho Eu sou o que te es colheu. . . Eu sou o que te há de defer e preservar.. . Em outras palavras: o Irmão desprendeu-se de si mes deu o salto mortal e aceitou p rofunda c felizmente o Deui e hasta. Livrou-se, para sempre, da perturbação e da tri st" A desolação desapareceu. Desde esse momento, Franci de Assis era quase um cidadão do p araíso. * * * Tinha percorrido as primeiras rampas, solitariamente, seguir, o Senhor lhe deu u m povo. Pôs esse povo em marc Deu-lhe um ideal e lhe infundiu uma alma. Depois, co nfei -lhe um governo. Agora, acabava de lhe entregar um cód de vida. Sua tarefa co m os irmãos estava acabada. Só lhe 1 tava dar bom exemplo e rezar por eles. Devo ter poucos anos de vida, pensava o Irmão. Seguin os passos de Jesus, atravess

ei o mundo sem levar nada ps o caminho, cuidando dos descuidados, anunciando a P obre a Paz e o Amor. Agora, preciso descer até às fontes prim vas, contemplar os olh os do Senhor, perder-me para semf neles e fazer meus todos os traços de seu rosto bendito. Irmão Leão, já estou vendo o alto das montanhas etern; Que felicidade! Logo o meu Deus vai ser um rio de mel q encherá as mil bocas de minha alma. Preciso de paz, irm L eão. Preciso preparar-me para o grande passo. Vamos volt pura as montanhas. 500 RlíRESSO À SOLIDÃO Nos primeiros Ias de dezembro, Francisco, Leão e Án-saíram de Ron e começaram a viage m para o vale de .. Tinham caíd< as primeiras nevadas. Francisco avança ápido e ale gre, pesar do corpo ferido de morte: Sofria do nago, do baço i dos intestinos, e a estranha doença dos s, que contraíraao Oriente, causavadhe dores agudissimas, mdo -o da vista por momentos. Oh! a alma humana! cx-ava Francisco. 1 quase onipotent e. Se pensas em Deus até ar, irmão Leão não há fadiga, nem neve, nem doenças, ma é uma centha de Deus. Por isso, de alguma maneira, ambém é onipcmte. De fato, quanc passavam pelos buracos de neve, não ha-frio ou vento ae abatesse aq uele corpo destroçado. Ia à :e deles com glhardia. Os irmãos quase não conseguiam rpanhálo , e teiiam por sua saúde. Quando o advertiam, cisco exclamava Deus é, e basta. Essas palavras davam lhe energia inesgotável e, quando as pronunciava, aperta-inda mais o piso. Pareciadhe estar com a alma cheia de rinhas e transordava de alegria e s egurança, como nos eiros tempos. * * * Descansaram, Jurante um dia, numa aldeia. O Irmão su-à torre da igrea e passou o dia inteiro acocorado junto à de, com a alna imersa no mar de Deus. Os irmãos fopedir comida pelas casas. Por mais que insistissem, não eguiram convercer Francisc o a comer; ele não provou na-laquele dia. Os irmãos subiram várias vezes à torre. Lufada s das do vento r.orte entravam violentamente e revoluteavam imente no canto em q ue Francisco estava encolhido. Ele tiritava e estava corado. Se não o tivéssemos vis to com os >rios olhos, não acreditaríamos, comentava Frei Leão, enquan-lesciam as esca ias em caracol. 301 Os irmãos procuraram, pela aldeia, um paiol para mu naquela noite. Antes de deitar -se, frei Leão disse: Ir I i.mcisco, tem piedade de ti mesmo. Não dizes na Regra nós d evemos cuidar uns dos outros, como faz uma mãe seu filhinho? Por que não deixas que cuidemos de ti? Oh! irmão Leão! respondeu Francisco. E um súbito cl estranho iluminou aqueles olhos ap agados. Pus essas pal£ na Regra por causa da fragilidade humana, frei Leão. Se lançássem os, sem nada, no mar de Deus, não precisaríamos nenhuma mãe para cuidar de nós. Deus é a mãe . Deus calor. Deus é a esposa, o filho, o alimento. Quantas vezes ter que repetir, querido Leão, que quando a alma pensa Deus desaparecem o frio, a fome e o medo? Não dá para í ditar, mas neste dia o Senhor me deu mais calor que fogão e mais ternura qu e uma mãe. Leão e Ângelo estavam sumamente comovidos. Os trê: zeram uma longa oração. No final, Leão e  gelo ajoelhara! diante do irmão. Ele lhes deu uma bênção demorada. É di imaginar três homens mais felizes, neste mundo. * * * Quando chegaram ao vale de Rieti, o espetáculo fez F cisco chorar de emoção. Era um gi gantesco anfiteatro, rode de montanhas nevadas. Como velhas feridas das fúrias telúr i viam-se, aqui e ali, gargantas agrestes e profundos barrancos. / reciam também p ovoadozinhos pendurados, como ninhos de como se fosse beijar alguém má-lo nos traços, como se fizess e as carícias que as mães i para com seus filhinhos. bão Velita garantiu ter visto, com os próprios olhos, nino Jesus adormecido. Ao sent ir as carícias de Francisco, mino despertou e sorriu para o Irmão. Isso foi o que af ir-João Velita. Foi uma noite inesquecível. Todos os habitantes de Grécio im a impressão de que sua gr uta tinha sido transformada i nova Belém, e contavam milagres. DE ALTURA EM ALTURA O Irmão viveu os meses do inverno e da primavera, de a em altura. Durante algum te mpo, ficou no eremitério de ao Bustone, lugar de grata memória para ele. Depois, pas tara o eremitério de Floresta onde, segundo testemunhas não o fidedignas, escreveu o Cântico do Irmão Sol. Não deixou ao eremitério do combate e da agonia, Fonte Colombo, n em e Grécio. Com o aproximar-se da primavera, transladou-se para Nar-Jubindo as montanhas próxi mas da cidade, por um camiprovinciano, chegou até a uma aldeia chamada Santo Ur-!. A umas duas milhas do pov oado, subindo por uma la-i quase vertical, chegou ao eremitério. Embora a paisagem , se domina de todos os eremitérios, faça bater o coração, 313 i do eremitério de Santo Urbano supera toda fantasia. Também ficou algum tempo em um lugar de oração, situado nas montanhas que coroam a cidade de Espoleto. * * * Descia dos eremitérios e, caminhando com dificuldade, apresentava-se na praça das al deias. Sua fama era tão grande que as vilas se despovoavam num instante, e todos c orriam para a praça. Falava-lhes com voz débil e num tom ardente sobre a Pobreza, a Paz e o Amor. No fim, explicava-lhes a Paixão do Senhor de maneira tão apaixonada qu e o público se retirava para casa isso acontecia sempre em silêncio e chorando copio samente. Perguntava pelos leprosos. Se havia, cuidava deles com carinho maternal , como nos primeiros tempos. No mês de junho de 1224, Francisco assistiu ao Capítulo da Porciúncula. As Fontes não co nservaram nenhuma de suas intervenções. Essa passividade tem a seguinte explicação: o Ir mão tinha cumprido sua missão e já não era legislador, nem guia. Era simplesmente modelo exemplar e pai venerado. CONHEÇO A CRISTO POBRE E CRUCIFICADO Um dia, as enfermidades aumentaram. Francisco parecia um saco de areia. Nem podi

a mover-se. Os irmãos levaram-no para a choça da Porciúncula. Ficou o dia inteiro sent ado e acocorado em um canto da choça, rodeado por Leão, Masseu, Ângelo e Rufino. Pareciam velhos combatentes, cuidando de um ferido de guerra. Amavam-no mais que a uma mãe. Francisco deixava que lhe quisessem bem. Era uma cena de grande beleza e ternura. Durante todo o dia, não se apartavam do seu lado. Às vezes, as dores sup eravam sua capacidade de resistência e ele deixava escapar alguns gemidos. Em dado momento, a dor foi tão insuportável que Francisco se curvou todo, até encostar a testa nos joelhos. Frei 314 Leão não pode conter as lágrimas. Frei Masseu, desesperado, disse: Irmão Francisco, não há r emédio humano que te possa aliviar. Mas nós sabemos que consolação é para ti ¦ Palavra evangé ica. Queres que chamemos Frei Cesário de Spira, especialista nas sagradas Escritur as, para que te faça alguns comentários e assim te alivie as dores? Masseu calou-se. O Irmão continuou curvado, sem dizer nada. Os quatro irmãos olhavam -no esperando uma resposta. Depois de algum tempo, que para os irmãos pareceu uma eternidade, levantou a cabeça e, com os olhos fechados, respondeu em tom humilde e sem impostar a voz: "Não, não faz falta. Já conheço a Cristo. Pobre e Crucificado e iss o me basta". Tendo dito essas palavras, os músculos de seu rosto, contraídos pela dor, relaxaramse quase que imediatamente e uma serenidade profunda cobriu todo o seu ser. Essa s palavras eram a síntese de seu ideal e uma declaração de princípios. Pensando em dar-lhe maior alívio, Leão acrescentou: Irmão Francisco, pensa também em Jes us Ressuscitado, essa lembrança há de consolar tua alma. O Irmão respondeu: Os que não s abem do Crucificado, não sabem nada do Ressuscitado. Os que não falam do Crucificado também não podem falar do Ressuscitado. Os que não passam pela sexta-feira santa nunc a vão chegar ao Domingo da Ressurreição. E, nesse momento, Francisco se aprumou como um homem rejuvenescido, quase sem es forço. Os irmãos se entreolharam assustados. O Irmão levantou os braços e falou vigorosa mente: Irmão Leão, escreve: não há nada mais alto que o cume do Calvário. Não o supera nem o pico da Ressurreição Ou melhor, os dois são o mesmo pico. Irmão Leão, continuou, já celebrei a noite de Getsèmani. Já passei pelos cenários de Anás, Ca fás e Herodes. Percorri toda a Via-Sacra. Para a consumação completa só me falta escalar o Calvário. Depois do Calvário, não há mais nada. É aí que nasce a Ressurreição. 315 ( in de Santo Urbano supera toda fantasia. Tam-do eremiter (m um lugar de oração, si tuado nas ^ T coroai a cidade de Espoleto, «manhas que * * * Descia dos eremitérios e, caminhando com dificuldade, apre-, nraca das aldeias. Su a fama era tão grande que 1 despovoavam num instante, e todos cornam para F lava lhes com voz débil e num tom ardente sobre praça, a ^ ^ Amor. No fim, explicava lhes a Paixão PÍnhor'de maneira tão apaixonada que o público se retirava isso acontecia sempre em silêncio e choran-ra caSa te Perguntava pelos leproso s. Se havia, cuida-copiosamenu tcrnai como nos primeiros tempos, deles com c"*"" m - ,1,- iunho de 1224, Francisco assistiu ao Capítulo No mes i" i i_ i i At Fnnres não conservaram nenhuma de suas Porciúncula. AS 1 tj"L%-° . _ P«a nassividade tem a seguinte explicação: o Ir-¦rvencoes. r-s"'1 r"**~ ., , . , , ; tinna cumprido sua missão e )a nao era legislador, nem Era simplesmente modelo e xemplar e pa. venerado. CONHEÇO A CRISTO POBRE E CRUCIFICADO U dia as enfermidades aumentaram. Francisco parecia m a ,o Nem podia mover-se. Os irmãos levaram-no saro de íjrci»- 1 * «. . , hoca da Porciúncula. Ficou o dia inteiro sentado e ' SjC .,rn canto da choça, rodeado por Leão, Masseu, orado em um elo e Rufino. Pareciam velhos combatentes, cuidando de um ferido de ra Amavam-no mais que a um a mae. Francisco deixava he quisessem bem. Era uma cena de grande beleza e

n Durante todo o dia, nao se apartavam do seu lado. ,Wes superavam sua capacidade de resistência e :ezes, as aore> ^ i Jeixava escapar alguns gemidos. Em dado momento, a dor foi tão insuportável que Frani ate- encostar a testa nos joelhos. Frei se curvou touu, não pode conter as lágrimas. Fret Masseu, desesperado, Irmão Francisco, não há remédio human o que te possa . Mas nós sabemos que consolação é para ti a pa|avra fica. Queres que cha memos Frei Cesáno de Spira, espe-i nas sagradas Escrituras, para que te faça alguns comen-e assim te alivie as dores? Masseu calou se. O Irmão continuou curvado, Som jaer Os quatro irmãos olhavam-no esp erando uma resposta, is de algum tempo, que para os irmãos pareceu uma dade, levan tou a cabeça e, com os olhos fechados, res 9i em tom humilde e sem impostar a voz: "Não, não dta. Já conheço a Cristo. Pobre e Crucificado e isso me Tendo dito essas palavras, os músculos de seu rosto, con->s pela dor, relaxaram-se quase que imediatamente e uma idade profunda cobriu todo o seu ser. Essas palav ras eram itese de seu ideal e uma declaração de princípios. Pensando em dar-lhe maior alívio, Leão acrescentou: Ir-Francisco, pensa também em Jesus Ressuscitado, essa lem>a há de consolar tua alma. O Irmão respondeu: Os que sabem do Crucificado, não sabem nada do Ressuscitado. Os não falam do Crucificado ta mbém não podem falar do uscitado. Os que não passam pela sexta-feira santa nunca chegar ao Domingo da Ressurreição. E, nesse momento, Francisco se aprumou como um homem venescido, quase sem esforço. Os irmãos se entreolharam stados. O Irmão levantou os braços e falou vigorosamente: ão Leão, escreve: não há nada mais alto que o cume Calvário. Não o supera nem o pico da Ressu rreição. Ou bor, os dois são o mesmo pico. Irmão Leão, continuou, já celebrei a noite de Getsêmani. passei pelos cenários de Anás, Caifá e Herodes. Percorri i a Via-Sacra. Para a consumação completa só me falta dar o Calvári o. Depois do Calvário, não há mais nada. É que nasce a Ressurreição. 315 a do eremitério de Santo Urbano supera toda fantasia bem ficou algum tempo em um l ugar de oração, situa1 montanhas que coroam a cidade de Espoleto. * * * Descia dos eremitérios e, caminhando com dificuldade sentava-se na praça das aldeias . Sua fama era tão grand as vilas se despovoavam num instante, e todos corriaff a praça. Falava-lhes com voz débil e num tom ardente a Pobreza, a Paz e o Amor. No fim , explicava-lhes a 1 do Senhor de maneira tão apaixonada que o público se K para cas a isso acontecia sempre em silêncio e cl do copiosamente. Perguntava pelos leproso s. Se havia, va deles com carinho maternal, como nos primeiros te No mês de junho de 1224, Francisco assistiu ao Cal da Porciúncula. As Fontes não conse rvaram nenhuma de intervenções. Essa passividade tem a seguinte explicação: mão tinha cump rido sua missão e já não era legislador, guia. Era simplesmente modelo exemplar e pai venerado. CONHEÇO A CRISTO POBRE E CRUCIFICAI* Um dia, as enfermidades aumentaram. Francisco pa um saco de areia. Nem podia mov er-se. Os irmãos levarai para a choça da Porciúncula. Ficou o dia inteiro sentac acoco rado em um canto da choça, rodeado por Leão, Ma* Ângelo e Rufino. Pareciam velhos combatentes, cuidando de um ferido guerra. Amavam-no mais que a uma mãe. Francisco dei1 que lhe quisessem bem. Era uma cena de grande belez ternur a. Durante todo o dia, não se apartavam do seu I; Às vezes, as dores superavam sua c apacidade de resisténci ele deixava escapar alguns gemidos. Em dado momento, a dor foi tão insuportável que F' cisco se curvou todo, até encostar a testa nos joelhos. I 314 inão pode conter as lágrimas. Frei Masseu, desesperado, i Irmão Frarcisco, não há remédio hu mano que te possa r. Mas nós >abemos que consolação é para ti a Palavra iélica. Queres que chamemos Frei Cesário de Spira, espe-ia nas sagradas Escrituras, para que te faça a lguns comente assim ic alivie as dores? 'dasseu calou-se. O Irmão continuou curvado, sem dizer ; Os quatro irmãos olhavam-no esperando uma resposta, is de algurr. tempo, que para os irmãos pareceu uma dade,

levantou a cabeça e, com os olhos fechados, res-01 em tom humilde e sem impostar a voz: " Não, não dta. Já conheço a Cristo. Pobre e Crucificado e isso me Tendo dito essas palavras, os músculos de seu rosto, con-»s pela dor, relaxaram-se q uase que imediatamente e uma idade profunda cobriu todo o seu ser. Essas palavra s ciam íese de seu ideal e uma declaração de princípios. Pensando em dar-lhe maior alívio, Leão acrescentou: li Francisco, pensa também em Jesu s Ressuscitado, essa lein ? há de consolar tua alma. O Irmão respondeu: Os que abem do Crucificado, não sabem nada do Ressuscitado. Os não falam do Crucificado também não p odem falar do ascitado. Os que não passam pela sexta-feira santa nunca rhegar ao D omingo da Ressurreição. E, nesse momento, Francisco se aprumou como um homem irnescido, quase sem esforço. Os irmãos se entreolharam i.ados. O Irmão levantou os braços e falou vigorosamente: i ) Leão, escreve: não há nada mais alto que o cume 'alvário. Não o supera nem o pico da Res surreição. Ou X, os dois são o mesmo pico. Irmão Leão, continuou, já celebrei a noite de Getsêmani. issei pelos cenários de Anás, Caifás e Herodes. Percorri ; a Via-Sacra. Para a consumação completa só me falta ir o Calvário. Depois do Calvário, não há mais nada. E je nasce a Res surreição. 315 Vamos para essa solitária, inumana e sacrossanta m nha que me foi dada pelo conde Orlando. Algo me diz Ia podem acontecer coisas importantes. * * * Levando consigo Leão, Ângelo, Rufino e Masseu, em no verão, meados de julho, saíram da P orciúncula, na dii do Alverne. Irmão Masseu, disse Francisco, tu serás nosso guardi. te obedeceremos como ao próprio Jesus Cristo. Dormiremos i mandares. Preocupa le com o sustento de cada dia, de mat que não tenhamos outra preocupação senão a de nos ded mos ao Senhor. Com seu tipo de modos distintos, Frei Masseu não maiores dificuldades para consegu ir comida e alojamento, rante a viagem. Depois dc dois dias de caminho, as forças do Irmãr não agüentavam. Seu organismo estava esgotado, mas sua 2 continuava animada. Diante de sua decisão de chegar ao verne a qualquer custo, Frei Masseu entrou em uma ai-para conseguir um asno com seu arr ieiro. Bateu na primeira porta. Saiu o dono da casa, um mem já idoso. Meu senhor, disse Frei Masseu, somos cinco irrr que caminhamos ao encontro de De us. Quatro de nós sot capazes de andar centenas de léguas. Mas, conosco vai que não co nsegue dar um passo. E o mais grave é que t um é o mais importante de todos. Quem é e como se chama? perguntou o arrie: Francisco de Assis. O que chamam de santo? Ele mesmo respondeu Masseu. Para mim vai ser uma honra transportar uma ca tão sagrada acrescentou o arrieiro. Vamos. 516 Retomaram a marcha. Era um asno pequeno, mansinho e às ordens do arrieiro. Francis co ia sentado, comodamente, geral, os cinco irmãos caminhavam em silêncio e cm ora-0 Irmão ia de olhos fechados e, nos momentos cio mais isa consolação, cobria a cabeça com a capa. O arrieiro es-profundamente edificado com a compostura dos irmãos. Depois dc percorrerem muitas léguas, o aldeão não agüen-mais e soltou o que estava quere ndo dizer desde o começo: Francisco, é difícil que possas calcular a altura em que a ião pública te colocou. Dizem que quem te vê, vê Cristo; ü olha para ti, fica inundado de p az, e quem te toca, é io, na mesma hora, da enfermidade e do pecado. Pai venerado, concluiu o bom homem, permita-me ex->ar um desejo: tomara que seja s tão santo quanto o povo e que nunca enganes a boa opinião que o povo de Deus iou a teu respeito. Ouvindo essas palavras, Francisco vacilou um instante, com lhos bem abertos e a boca também semi-aberta, como quem acreditava no que estava escutando. Quando se recuperou. í: Irmão caríssimo, pára o irmão asno. Todos pararam. Fran-> quis descer do burro e os irmãos o ajudaram. Sem dizer uma palavra, ajoelhou-se com dificuldade aos do arrieiro, beijou-os re

verentemente e disse: O céu e a » me ajudem a te agradecer, irmão. Nunca saíram de uma t humana palavras tão sábias. Bendita seja a tua boca. E be ijou os pés outra vez. O ho mem não sabia para onde r, edificado e confuso. Descansaram algumas horas à sombra de uma figueira co-i, à beira do caminho. Francis co quis comer uns figos. Frei seu os colheu. 317 ALVERNE À VISTA Entrando na região do Casentino, os irmãos sentira, > oração dilatar-se: a muitas léguas d e distância, erguia-se, tária e orgulhosa, recortada contra o azul do firmament indo mável montanha do Alverne. De longe, tinha um asr. ameaçador para os inimigos e de p roteção para os amigos. Quando a viu, Francisco estremeceu. Não era a prin vez que visitava a santa montan ha, e sim, a quinta. Mas soube exatamente por que seu coração começou a bater. Dir-ser de alegria e de terror, desejo e medo, tudo ao mesmo tei Pediu que o descessem do asno. Ajoelhou-se. Os oi_ também se ajoelharam. Francisco ficou, por alguns min i com a cabeça profundamente inclinada, os olhos fechados mãos juntas e os dedos cru zados. De repente, abriu os olhos, levantou a cabeça, estei os braços e, em tom de ansiedad e, disse: O Alverne, Alve Calvário, Alverne! Benditos os olhos que te contemplam « pés que pisam tuas alturas. Daqui eu saúdo tuas rochas fogo e teus abetos seculares. Saúdo também os irmãos fale melros e rouxinóis, assim como as irmãs perdizes. Um c priment o especial para os santos anjos que moram em solidão. Cobre-me com tua sombra, mon tanha sagrada, poi se avizinham dias de tempestade. Continuaram caminhando. Ao passo que os trigais e nhedos iam ficando raros, a umentavam as azinheiras e tanheiros. Depois, essas árvores foram cedendo o lugar ] os pinheiros e os abetos até que, no fim, as únicas coroas e as soberbas rochas. Irmão Leão, perguntou Francisco, qual é o embl que coroa os cumes de nossas montanhas? A Cruz, irmão Francisco. Isso. Falta uma Cruz no cabeço de nosso bem-am Alverne. 318 "* Vamos plantar uma, disse Frei Leão. Pode ser que não precise. Quem sabe se o próprio r não vai se encarregar de plantá-la! -hegaram, afinal, ao pé da montanha. Antes de começar dada, descansaram umas horas e m baixo de uma frondosa -'ira. O que ali aconteceu não se pode explicar humana--' E m poucos minutos, apareceram dezenas e dezenas de s. cotovias, pintarroxos, roux inóis, pardais, estorninhos, ten-s e até perdizes. Confuso e agradecido, o Irmão repet ia: ;ado, Senhor, obrigado! ^oi uma festa nunca vista. As aves piavam, chilreavam, varn, revoluteavam em tor no de Francisco, em alegre al-ra- Algumas faziam piruetas ousadas e mergulhos a crobá-enquanto outras pousavam ora sobre a cabeça dele, ora seus ombros, braços ou joe lhos. Foi um festival de canto iça. Irmão Leão, que maravilha! Que prodígio! Como Deus aoeJe!, exclamou Francisco, complet amente inebriado pelo áculo. E acrescentou: Só faltam as andorinhas para que a pri mavera, no cume do Alverne. Subiram pela pendente escarpada. Francisco abria desmesura-ír»te os olhos. Dir-se-ia que contemplava aquela ladeira pela eira vez. Parecia-lhe estar no começo do mund o, tudo era ' Enraizados firmemente no solo rochoso, altíssimos abetos aVam os céus. Pareciam tocar o firmamento e tinham tal letro que quatro homens juntos não conseg uiriam abraçá-los. Francisco suplicou ao arrieiro que parasse o jumento. Em JUnto de um abeto, cobrindo os olhos com a mão, para ^der-se do sol, o Irmão contemplava de cima para baixo. °is de admirar por algum tempo, exclamou: Senhor, Senhor, P és grande! 319 À medida em que subiam, o espaço dilatava-se à vista. Corpulentas faias, poderosas azi nheiras e altíssimos pinheiros, de rara espécie, projetavam uma sombra profunda e fr esca. Francisco sentiu-se no paraíso. Irmão Leão, exclamou, que paz! que liberdade! qu e felicidade! Somos os homens mais felizes da terra. Quando chegou à planície, Francisco quis ficar sozinho e manifestou aos irmãos esse de sejo. Internou-se no bosque. Caminhou em diversas direções. Depois, desceu uns quinh

entos pés, para além das rochas. Colocou-se diante delas, de costas para o sol, ao c air da tarde. Que espetáculo! É difícil encontrar uma evocação mais plástica do poder e da e ternidade de Deus. Eram umas rochas selvagens que afundavam suas raízes na montanha e levantavam a ca beça contra a abóbada do fir-mamento. Investidas pela luz dourada do sol poente, par eciam um incêndio de remotíssimas épocas telúricas. Tudo era fogo e delírio lá em cima da mo ntanha. Que raios terão caído sobre estas rochas, perguntou Francisco, para produzir tais fendas? Que terremoto terá partido esses ciclopes? Isso deve ter acontecido quando a terra protestou pela morte de Jesus, pensou. Francisco estava aniquilado, repetindo em voz alta: Senhor, Senhor! Deus caiu co m o peso infinito de sua doçura sobre a alma de Francisco. Essa consolação arrancou-o de si mesmo, elevou suas potencialidades à altíssima voltagem. Ele se ajoelhou diant e das rochas titânicas, estendeu os braços e, levantando muito a voz, assim falou: Altíssimo Senhor, ainda que indigno de dizer teu nome, eu te dirijo este canto. Senhor, Senhor, gravitação eterna dos horizontes sem fim! És belo como esta paisagem, invencível como estas rochas, eterno como esta montanha, profundo como esse azul! Tu levantaste estas pedras como terríveis sentinelas para vigiar a marcha dos século s. No incêndio destes picos a minha alma te sente e te ama. 320 Tudo está cheio de tua presença. Tu brilharás para sempre sobre as rochas de minha alm a. Bendito sejas pelo poder eterno deste maciço. Bendito sejas por suas fendas dilace radas. Bendito sejas pelas neves eternas. Bendito sejas pelo silêncio augusto das noites estreladas. * * * Dando uma grande volta, o Irmão subiu ao lugar em que o conde Orlando tinha constr uído umas pequenas choças. Estavam todas juntas, em um perímetro reduzido. Mas, a pedi do de Francisco, Orlando tinha construído também outra cabana solitária, debaixo de um a faia frondosa, à boa distância das outras. Francisco reuniu os irmãos. Sentou-se sob re o tronco caído de uma %relha azinheira. Os irmãos sentaram-se ao redor dele. "Caríssimos, disse-lhes, aproxima-se a hora da Grande Partida. Estou a poucos pass os da Casa do Pai. Preciso estar a sós com meu Deus. Preciso enfeitar-me para me a presentar bonito diante da Luz. Quero ficar sozinho. Se vierem leigos para me vi sitar, atendei-os vós mesmos. O único ponto de união entre nós vai ser Frei Leão." , QUE SERÁ DEPOIS DE MINHA MORTE? Está escrito: no crisol do fogo purifica-se o ouro. Alverne foi para Francisco uma alternância misteriosa de fogo e água. Teve momentos de consolação até o delírio, e lufadas de Getsê-mani. Fazia um ano e meio que não era visitado pela desolação. Agora, ela voltou, mas com um a diferença: desta vez, não tinha cara de tristeza e sim de uma pena profunda e sere na. Os anos de luta pelo ideal despertaram, outra vez, em sua alma. As lembranças dolo rosas daqueles anos cobriam, obstinadamente, o seu céu, como aves de rapina. Não con seguia 21. O irmão 321 afugentá-las. Com traços vigorosos, voltavam à sua mente aqueles Capítulos tempestuosos, o Studium de Bolonha, a oposição pertinaz e astuta dos intelectuais, Frei Elias, Fr ei João de Staccia, a época dolorosíssima da redação das Regras. . . Renovaram-se todas as cicatrizes. Os impulsos primários encresparam-se, o mal quer er, contra os opositores, apareceu como erva daninha, em sua horta. O Irmão sofria horrivelmente. 0 passado tornava-se presente, o presente ligava-se ao futuro, ; o Pobre de Deus deixava-se levar pelos mais negros pres-;entimentos. Se estando eu no meio deles, pensava, eles se itreveram a inovações tão audazes, que acontecerá ag ora que rstão sozinhos e, principalmente, depois que eu já não estiver leste mundo? Fm dado momento, via seu ideal como uma .andeira despedaçada e o futuro irremediavel mente perdido. }ue será desses irmãos, quando eu morrer? Em um dos piores momentos, saiu da cabana a toda pres-i, como quem foge de um pe rigo. Percorreu o bosque, sen-ju-se numa rocha elevada, diante de uma paisagem i

nebriante. quilo, porém, não lhe dizia nada. Seu coração estava pertur-ado. Era como se lhe tivesse posto fogo. Internou-se outra ;z no bosque. Ajoelhou-se diante de um a gigantesca azinheira, tendeu os braços e gritou com toda força: Eterno Deus, apa-e stes ardores, acalma a minha febre! Repetiu essas pala-as muitíssimas vezes. Começou a ficar tranqüilo. Não pode ser, disse para si mesmo. A ira e a perturba-3 são explosivos que destroem a fraternidade. Não devo sentir nhuma hostilidade contra os opositores. Isso seria o mesmo e dar uma lançada no coração de Deus. Depois de apagar as imas, preciso senti r ternura a cada um deles. Quem sabe assim entrarão no redil do ideal? Esse é o perigo, disse a si mesmo, em voz alta: Trans-roar o adversário em inimigo. Lutar por um ideal é coisa jre, mas, se durante o fragor, se passa do campo mental para rmocional, e transformamos o adversário ideológico em um nigo cordial, Deus não pode estar no meio disso. Quando )positor transforma-se em inimigo, fecham-se to dos os ca' s do entendimento. Não posso resistir ao que me resiste, levo permitir que cresça, e m meu jardim, a erva maldita iacor. Dizendo isso, estendeu-se no chão, debaixo de uma enorme ^ira, apoiando a fronte n as mãos. O contato com a terra ou-o, foi como se tivesse descarregado suas energia s agresPensando em cada opositor, beijava três vezes o solo. Pen-positiva, concentrada e prolongadamente em cada um deite que se apagasse, de uma vez, a chama da agressi vidade perimentasse uma ternura sensível por eles. Depois, dizia ;oz alta: Mãe Terra , transmite esta ternura a Frei Elias, quer que esteja. E repetiu a mesma coisa a cada um tios ys da oposição. Depois, pedia perdão a Deus por tê-lo ofendido, senimdo lidade para com seus filhos. Lembrando nominalmente ca im dizia: Pai, eu o entrego em tuas mãos; guarda-o como ipila de teus olhos. Meu Deus, dizia, penetra até às raízes do meu ser, toma e de mim e acalma este tumulto . Meu Deus, quero sentir, e momento, o que Tu sentes por aquele irmão, o que Tu ia s ao morrer por ele. A seguir, ainda no chão, imaginava t, de par em par, as porta s de sua interioridade para >s os irmãos da oposição. Vem, irmão, dizia, pensando em : u m, eu te acolho com carinho. E terminava: Irmã Terra, tuas ondas subterrâneas, trans mite aos irmãos as vibrações meu coração. Mãe Terra, sê tu o grande ponto de união e os irmão Levantou-se com o coração cheio de paz. Quando via uma orinha voando, dizia em voz a lta: Irmã, anuncia a meus ãos a primavera do amor. Lembrando as velhas maldições : tinha lançado contra os opositores, percorria o bosque dis-luindo bênçãos: Benditos sejam os que trabalham por tua anca. Benditos os que conduzem os irmãos! Gostaria de estar na copa deste abeto altíssimo, pensava, a sorrir para os meus ir mãos. 323 Lentamente, parando ou dando pequenas voltas, admira as árvores e conversando com as criaturas do bosque, o In voltou para a cabana. A vida é luta, e na luta surge o conE |k-nsava. Não devo assustar-me por isso, que é inevitável. 0 portante é reconcili ar-se. É a tarefa primordial de todos os dias. Não pode bf harmonia com Deus nem com a terr a, enquanto houver sonâncias com os irmãos. Seria triste, continuava pensando, o hom em fosse um acorde destoante, no meio da harme universal. Era o crepúsculo. A montanha, torturada pelo fogo dia, respirava agora aliviada. A calma, como um orvalho « pertino, penetrou e refrescou tudo. Despertaram mil voze s, ram mil insetos por entre o musgo e os líquens. O sol ainda bria, com vestes de ouro, os picos longínquos. Parecia a a-ra do mundo. O Irmão voltou, devagarinho, para a choça, repetindo voz alta: Que paz! que paz! * * * Recuperada a paz, o Irmão viveu, por alguns dias, ai mado no mar de Deus. As forças mentais de Francisco et atraídas e concentradas pela Presença. Sentindo-se em Deus, do o seu ser entrava freqüentemente em uma vibração em» nante. Já em transe, Francisco, c omo subtrato coerente energias espirituais, ficava "fora de si". tros acima do solo, e até à altura d Frei Leão garante que o viu elevado, três ou quatro e uma faia. Curioso e trigado, Frei Leão bisbilhotava o Irmão, constantemente, c a m

ais santa das intenções. Ficava atrás das árvores, para obí var sem ser observado. Ia à pres ença dele com a desculpa levar algum recado, para ver se podia surpreendê-lo em arr bos ou escutar exclamações. Um dia, surpreendeu-o elevado vários metros acima da í Aproximou-se, de mansinho, be ijou-lhe os pés e foi cm-i, dizendo: "Tem piedade, Senhor, deste pobre pecador, e eu ache graça diante de teus olhos, pelos méritos de Fran* * * Diante da santa curiosidade do amigo e confidente, Fran-i permanecia calado, ent retanto, não se sentia bem. Quando Veu fazer um mês de jejum rigoroso, na solidão abso luta, u a Leão que ficasse na porta do oratório dos irmãos, cisco afastou-se a certa di stância e chamou-o com voz forte. 1 respondeu na mesma hora. Francisco afastou-se mais e iu com toda força: Frei Leão! Dessa vez, o irmão Leão não jndeu. Este é o lugar conve niente, disse Francisco. Aí, longe da curiosidade dos santos irmãos, iniciou, no seguinte ao da Assunção, um mês de jejum e de solidão, homenagem a São Miguel. O lugar escolhido era uma pequena planície em cima de rocha, um lugar parecido com um terraço, e com uma Ja vertical de uns quarenta metros, diante de outra rocha j nada e altíssima. Essa pequena planície rochosa estava j-ada da terra firme por um p recipício de uns quarenta ros, formando uma espécie de ilha. Os irmãos colocaram um tronco sobre o precipício, para ir de ponte, e construíram uma cela na rocha, com ca-s entrançados. Francisco deu instruções precisas: ninguém devia aproxi--se daquele lugar. Uma vez por dia, Frei Leão levar-lhe-ia e água, e voltaria à noite para rezar matinas. Não devia, ¦rn, atravessar a ponte sem gr itar uma senha, que seria: tine lábia mea apertes. 325 A GRANDE PÁSCOA FRANCISCANA Aqui inicia o período mais sublime da vida de Franc () escritor é tentado a apresent ar uma série gostosa de c; deixando de lado os mergulhos nas perigosas latitudes e m 0 Irmão habitou. Mas, se quiser desvelar o mistério do hon o escritor tem que subm ergir, de alguma maneira, nas á daquela experiência. Sabemos, entretanto, que toda e xperié é inédita. Por isso, o escritor só pode usar a dedução e exj sar-se em linguagem figu rada. * * * Uma narração atribuída a Frei Leão diz: '"Uma m Frei Leão foi, à hora de costume, rezar mati nas com F cisco. Quando gritou na ponte: Domine lábia mea ape conforme o combinado , Francisco não respondeu. Em vez voltar atrás como estava combinado se Francisco não res] desse, Frei Leão atravessou a ponte do precipício e ent de mansinho, na cela. Não o tendo encontrado, pensou devia estar em algum recanto do bosque, em oração. Por isso saiu e, à luz da lua, foi procurado, silenci mente, pelo mato. Por fim, o uviu a voz de Francisco e, apt mando-se, viu-o de joelhos, com o rosto e as mãos l evante para o céu. Ouviu-o dizer, com fervor de espírito: "Querr Tu e quem sou eu". Repetia essas palavras muitas ve não dizia outra coisa. Muito maravilhado, Frei Leão levantou os olhos par; céu e viu chegar, do alto, uma c hama de fogo belíssima e plendorosíssima, a qual, descendo, pousava sobre a cabeça Fra ncisco. Dessa chama saía uma voz que falava com Franci; mas Frei Leão não distinguia a s palavras. Julgando-se indi de estar tão perto daquele lugar santo, e temendo ofe r Francisco ou perturbá-lo em sua consolação, se fosse percel por ele, voltou atrás suav emente e ficou esperando, de lot para ver o fim. 326 Jlhando fixamente, viu Francisco abrir, três vezes, as mãos a chama e, finalmente, a chama voltar para 0 céu. Decidido c alegre com a visão, ia voltando para sua cela, io Francisco ouviu o barulho de folhas pisadas; mandou ar, sem se mover, quem es tivesse aí. Então, Frei Leão, ente, ficou quieto e esperou com tanto medo que, como tu depois aos companheiros, teria preferido ser engolido terra, a esperar Francisc o. Achou que o santo deveria estar ecido com ele, pois cuidava, com a maior dili gência, não ier sua paternidade, para que, por sua culpa, Francisco o privasse de su a companhia. Quem és? Sou o irmão Leão, meu pai respondeu, tremendo.

Por que vieste aqui, ovelhinba de Deus? Não te disse não me espiares? Diz-me, por sa nta obediência, se viste nviste alguma coisa? Frei Leão respondeu: Pai, eu te ouvi e dizer muitas vezes: "Q uem és Tu e quem sou eu". E o, de joelhos, Frei Leão confessou a culpa de sua desobe c;a, pedindo-lhe perdão, com muitas lágrimas". * * * Dia e noite, Francisco nadava, incansável, no mar de Deus. e:tiçavam-no as noites de lua e, muito mais, as estreladas, s narração de Frei Leão e pelos "Louvores" podemos ver o Irmão viveu, nesse tempo, a impressão espiritual de 'igem, por medir a distância entre Deus e ele. O Pobre de H sentia ser essa distância terrivelmente presente porque a, ao mesmo tempo, de afastamento e de proximidade, de iscendência e de ima nência. Nas noites profundas, o Irmão saía da choça, sentava-se pedras sob um céu estrelad o e, perdido na imensidão de ü>, experimentava um misto de fascínio e de espanto, aniJamento e assombro, gratidão e júbilo. Olhando para a abóbada estrelada, repetia infinitas vezes: »mo é admirável o teu nome em toda a terra!". Dizia-o com 327 voz elevada e emocionada. Depois, baixava a voz (não se '¦ de une profundidade vinha aquela voz) para dizer com o me-¦ ihno: "Que é o homem para te lembrares dele?". C ocasião, ficara a noite inteira repetindo essa frase. Depois pronunciada, o Pobre permanecia muito tempo em um si cio em que a substância da frase continuava a vibr ar. * * * Naquelas noites de mistério e de ar morno, Franci erguido sobre a rocha até a altura das estrelas, distinguia í realidades impossíveis de juntar: de um lado Deus, reali d avassaladora, admirável e abrasadora; de outro, Francisco Pobrezinho, quase nada . No meio, uma distância invencível nem a Graça nem o amor podiam vencer. Entretanto, essas coisas inexplicáveis, tal distância não era senão uma f te de ouro, estendida pelo Amor. Quanto mais próximos tavam Deus e Francisco, mas distantes se sentiam, porq ue n ca se percebia, com tanta clareza, a diferença entre a altura Altíssimo e a peq uenez do Pobrezinho. A intimidade a que fomos chamados não preenche < distância. A graça declara-nos filhos , mas também não co essa distância. Naquelas noites, Francisco tinha diante dos oll re cortada sobre o fundo das estrelas, aquela rocha empinad altíssima. Muito mais alt a e firme do que o Gran Sasso, est esta verdade absoluta: Deus-é. "Quem és Tu e quem sou ei repetia, a noite toda. Pergunta? Mais do que pergunta. A mação? Mais do que afirmação. É admiração, surpresa, júb aniquilamento. É a vertigem sagrada, vivência impossíve crever. Francisco colocava-se ao luar à beira do precipício, quarenta metros, que estava a seus pés. Sentia uma sensa estranha e contraditória: o abismo cativava-o como se gr itas Salta! Outra força, porém, arrastava-o, ao mesmo tempo, p trás. Era a vertigem. 328 (uando Francisco acabava por aceitar gostosamente que t, o que acontecia todas a s noites, entrava numa espécie ibriagucz telúrica e a vida se transformava para ele em itncia e plenitude, fazendo-o participar da eterna e infi-vtalidade de Deus e transformando o Irmão no cantor da Ide mais absoluta: Deus-é. Quem és Tu e quem sou e u? /ceitando prazeirosamente que Deus-é e eu não sou, ven-distância. Nesse momento, a Pre sença e a distância funIrancisco era o homem seduzido pelo abismo de Deus. cutro lado, era o homem bati do e vencido pelo peso da ii. Estava sempre extasiado. Deus era para ele uma i n ovidade. Sempre cativado: saído de si mesmo c der-co no Outro. Um homem essencialm ente pascoal. f daí que parte a grande páscoa franciscana: o Irmão ite em tensão e abertura, em estado de saída para o iável. Quando sua alma "sai" para Deus, só tem palavras jonamente rep etidas, definitivamente incapazes de concei-> que está vivendo: "'Altíssimo, santíssimo, onipotente, vivo, sumo, grande, verdadeiro, glorioso, etern o, justo, bom, reto, divino, louvável, admirável, bendito, imutável, invisível, inenarráve l, inefável, ininteligível, sobre-exaltado, sublime, excelso". * * *

Era uma noite brilhante e profunda como poucas. O ar â do Alverne era fresco e mor no ao mesmo tempo. O do dormia na paz eterna. Tudo era quietude e serenidade. O irmão, de pé, sobre as rochas, estendeu os braços, mer-cu nos abismos da fé e na imens idade de Deus. Naquela % tinha aparecido em sua alma energias misteriosas de :são" , novas forças de profundidade de "conhecimento" e t329 Francisco não dizia nada. A palavra tinha caducado. comunicação fazia-se dc ser para ser, como quem subme cm águas profundas. A mente de Francisco estava paralizada. Nela não n£ nenhuma atividade diversificante ou analítica. Em um ato í pies e total, Francisco estava "em" Deus. Era uma vivêJ den sa, compenetrante, imediata, vivíssima, sem imagens, Ú pensamentos determinados. Não p recisava representar Deus ] que Deus estava "aí", "com" Francisco, e Francisco "cC Deus. Deus era (que era?) um panorama infinito, sem m* nem portas, regado pela ternura ; era um bosque de infin braços cálidos, em atitude de abraço; o ar estava povoado mil hares de enxames com mel de ouro: era uma maré irreme vel como se dez mil braços rod eassem e abraçassem o arr Francisco- era como se uma cheia de rio afogasse os cam Não sobrava nada. As estrelas tinham desaparecido, a te tinha submergido. O próprio Francisco tinha desaparec Restava apenas um Tu que abarcava tudo em cima e emba na frente e atrás, à direita e à esquerda, dentro e fora. "Tu és santo. Senhor Deus único, que fazes maravil Tu és forte, Tu és grande, Tu és Altíssimo. Tu és o Bem, todo Bem, Sumo Bem. Senhor, Deus vivo e verdadeiro. Tu és caridade e amor, Tu és sabedoria. Tu és humildade, Tu és paciência, Tu és segurança. Tu és quietude. Tu és consolação, Tu és alegria. Tu és formosura, Tu és mansidão. Tu és nosso protetor, guardião e defensor. Tu és nossa fortaleza e esperança. Tu és nossa doçura. Tu és nossa vida eterna, grande e admirável Sem O "eu" de Francisco foi irresistivelmente atraído e tot pelo Um, feito (Francisco) totalmente "um" com o Ce Essa foi a grande páscoa. Porém, não houve fusão, pelo trário: Francisco não só conservava mais nitidamente do 330 li a consciência de sua identidade pessoal, mas, quanto avançava mar adentro em De us, aumentava de tal ma-i a diversidade entre Deus e ele, que chegou a adquirir ornos inquietantes: "Quem és Tu e quem sou eu?". * * * Francisco estava submerso na substância absoluta c imu-I de Deus. Deus não estava co m Francisco, era com Fran-Deus ocupava-o inteiro, enchia-o completamente. E "em s", para ele não havia longe, perto, aqui, ali. O Irmão a sido elevado acima do temp o e do espaço: tinham desapa-do as distâncias; ele começou a sentir-se como o filho da isidade. Naquela noite, tudo estava ao alcance de suas mãos: as beiras, as rochas, as estre las vermelhas, as estrelas azuis, as jlosas, as galáxias mais longínquas do universo em expansão, io Deus o ocupava por inteiro, não existia espaço. Só existia densidade. M elhor, só existia o Imenso. Isto é, as medidas am sido absorvidas e assumidas pelo I menso. Pois bem; se ís "é" com Francisco e se Francisco "é" com Deus (e «s é imensidade), filho da imensidade: "Meu Deus também Francisco é "imenso", ou melhor como dissemos e meu Io". Que noites embriagadoras foram aquelas! Noites de ex--éncias telúricas "em" Deus! O Irmão se estendia, avançava ossuía o mundo, de horizonte a horizonte, o universo, de re mo a extremo. Não há sensação humana que possa ser aparada a isso, em plenitude e júbilo. Deus, Deus! dizia oncisco, em alta voz. Deus é o que potência, pensava, as potências d o homem até à onipotência. Deus destrói as fron-as do homem, abrindo-as até às margens desco nhecidas. ~rto explicar? quando Francisco sentiu-se no seio de Deus, ^:eram-lhe asas que abarcavam o mundo, de uma ponta a rra. "Meu Deus e meu Tudo."

331 * * * Ouando o Irmão foi assumido por Aquele que é a In rkde tudo passou a ser relativo pa ra Francisco. Isto é, as [idades perdiam seus contornos reais não em si mesmas, i- M,-ssa morna noite de verão, nessa noite para Francisco. Nessa » x - r , "em Deus um mergulho na criação, que o Irmão tez em e v . HfWencas entre os seres, isto e: desaparec pareceram as diferem,- r ¦ zr> e apareceu a lei da unidade, lei da diferenciação e ap* Em outras palavras, Francisco viveu a intuição da uni j . A ^ ns seres em Deus, porque Deus é o fu interna de todos os sci r m . cm uue subsistem. Quando Francisco en as coisas existem, e em h __j f. na profundidade total de Deus, os seres perderam os^ perh: dividuais que os dife renciavam e separavam e, em Deu "sentir todas as coisas, como parte Irmão começou a seni" . , . ^ 1 ser Isto é- Francisco chegou ate a Raiz única que Seu 3cl. loiKJ ** 4*1j . tenta todas as coisas, e lá todas as cnamras começara, ficar ,»/rf«W«. ^/^'f» com Franclsc0, ( em » eram frlrtf. As estrelas, o fogo, o vento, o longe, o pe , « os obos, os falcões... todos e ti os abetos, as rochas, os \ r : ..ma vivíssima experiência cósmica em Dei eram irmãos. Foi uma yiv tplenificante como nenhuma outra experiência humana. ? Deus e meu Tudo."1 Deus era esposa, mae, presente, irn filho, herança. O Irmão passou a noite inteira repetindo "Meu Deu t j " í ,,>ndo-o. sentia que todas as ternuras e sí meu Tudo e, tazenuu ^, facões que as criaturas possam dar, eram dadas pelo Altissi. Mais plenamente não se pode viver esta existência. Era um pt< «lio da Eternidade, que não vai ser outra coisa senão a po umultânea e total da Vida Interminável. Meu Deus e n Tudo! 332 O IRMÀO FALCÃO Jaquela tarde, Francisco assistiu a uma tempestade es-lar. De dentro de sua choça , contemplava, emocionado, osa descarga. Estava admirado de ver que aqueles giga n-abetos deixavam-se molhar como crianças submissas, que has não resistiam e que a o rgulhosa montanha submetia-se demente ao castigo do vento e do granizo, iu tenho que ser assim, dizia o Irmão, em alta voz. E tendeu de bruços no chão, com os braços ab ertos. Sua mergulhou na substância da terra e, entregue nas mãos Itíssimo, deixou-se l evar documente pelas correntes divinas. * * * Foi nesse tempo que o Irmão travou uma misteriosa ami-com um falcão que morava no Gr an Sasso. Certo dia, em obre a rocha, Francisco estava vivendo a proximidade e m ura de todas as criaturas, quando um temível falcão va da caça, com poderosas batidas de asas. Francisco ad-j o sentido de orientação, o impetuoso cruzar dos ares extraor dinária facilidade com que a ave aterrizou, em uma eníssima saliência da rocha. O Irmão sentiu carinho e admiração por aquela criatura, e-ia que se estabeleceu uma sin tonia entre Francisco e a de rapina, e que a ave detectou o carinho do Irmão. Fran -1 acendeu todos os fogos de sua sensibilidade e lhe dirigiu i palavras: Meu pássa ro, irmão falcão, filho de Deus, es-. Sou seu irmão, não tenha medo. Abra as asas e venh a. O que aconteceu não tem explicação humana. O falcão ideu as asas e, quase sem batê-las, de ixando-se cair, como n dá um pulo, desceu e pousou a poucos metros do Irmão, ite dis so, a admiração e ternura do Irmão por aquela elevaram-se ao máximo. Dir-se-ia que o poderoso pássaro :ebera o carinho do Irmão e fi cara feliz por isso. Francisco se moveu. Ficou olhando, com grande carinho e gratidão. 333 O falcão também não se moveu; olhava para cá e para lá, com iimralidade.

Francisco pensou, entflo, em dar-lhe de comer. Lembrou-se, pirém, que não tinha, em sua cahana, a não ser pão e água que Fei Leão lhe trazia todos os dias, e que as aves de rapina sí comem carne. Desistiu da idéia de dar-lhe de comer, diri-gu-lhe, ao invés, palavras de carinho: Onde está o seu ninho, pssaro de Deus? Como deve ser bonito v er o mundo dessas a:uras! Meu pássaro, vocês não têm rotas traçadas no ar. Gmo não se perde e chega aonde quer? Onde está a sia bússola? Quem o ensinou a voar? O que você faz nos das de tempestade? Você tem medo dos relâmpagos? Que é que vice faz quando caem metro s de neve em cima desta montanha? Dus plantou, na terra, estas rochas temíveis par a lhe servir de mirada. Não vá cair no pecado da ingratidão. 0 falcão passava, todos os dias, pela choça do Irmão. Faniliarizaram-se tanto, que o f alcão ficava habitualmente na plitaforma da rocha em que o Irmão estava instalado, só se auentando nas horas em que ia caçar sua comida. Francisco ficou penalizado ao lembrar que o falcão comia ouros passarinhos. Procur ou não pensar nisso. A amizade entre ele tornou-se tão profunda e humana que, à meia-n oite, o falcão viiha bater as asas na choça de Francisco, acordando-o para a iração de m atinas. Quando o Irmão ficava doente, o falcão nã» o acordava, ou deixava para acordá-lo m ais tarde. Quando se despediu do Alverne, Francisco fez uma menção espcial ao irmão falcão. A NOITE DA ESTIGMATIZAÇÃO Irmão Leão, pediu Francisco abre o missal ao acaso e 1< as primeiras palavras que te us olhos encontrarem. As pala vias eram estas: "Eis que subimos a Jerusalém e o Fi lho do Homem vai ser preso, torturado e crucificado; mas res-susitará no terceiro dia". 334 ancisco mandou Frei Leão fazer a mesma coisa, uma sc e uma terceira vez, e sempre saíram palavras rcfcren-Paixão do Senhor. * * * rancisco estendeu as asas, recolheu todas as suas pai-»r seu Amor Crucificado, re uniu todo o bater de seu ) dos últimos vinte anos e, durante várias semanas, dia fic ou submerso nos abismos da dor e do amor do Cruo. ua sensibilidade, vivíssima por natureza, foi potenciada iperar os parâmetros humano s normais. Nessas semanas, as portas a um desejo veementíssimo: o desejo de sentir mesmo a dor c o amor que Jesus sentiu quando estava íz. bmo quem se abre para o mundo sideral infinito, com otente telescópio, ou como que m submerge nas profun-:s do mar, com um escafandro, o Irmão, recolhendo suas ades na quietude e na fé, penetrou com reverência nas dades do Crucificado e aí "ficou", du rante muitos dias itas noites. Presenciou" coisas que estão ocultas à curiosidade huma- uieto, imóvel, deixou-se impreg nar pelos "sentimentos" de , participando da experiência profunda do Crucificado, u até os mananciais primitivos de Jesus Crucificado, on-tscem os impulsos, as deci sões e a vida, onde se fundem or e a dor, apagando todas as fronteiras. Francisco viveu nperatura interior de Jesus. O amor e a dor são a mesma coisa. Meu Jesus, disse isco, sofreste por mim porque m e amaste, e me amaste íe sofreste por mim. Amaste-me gratuitamente. Teu amor tinha nenhuma utilidade, nenhuma finalidade. Não so-: para me redimir, mas para me amar e por me amar. tens outras razões a não ser as do amor; a razão da sem-ra-do amor cha ma-se gratuidade. 335 Levaste-me, pelos tempos eternos, como um sonho nulo. Mas, quando chegou a "Hora ", todos os sonhos se vaneceram e me amaste com a objetividade de uns cravos lus e umas gotas rubras de sangue. Onde há amor não há (àmcebeste-me no amor, em uma eterni dade, e me deste à na dor, em uma tarde escura. Desde sempre e para senn amaste-me gratuitamente. Francisco saiu da cabana e começou a gritar desesper mente: "O Amor não é amado, o Amo r não é amado". Gri para as estrelas, para os ventos, para as solidões, para as ic sid ades e para as rochas, para as azinheiras, para os falcões, ] os homens que dormia m do outro lado das montanhas. Naquela noite, o Irmão estava ébrio, delirante, incendb torturado pelo Amor. Seu pen

samento ardia inteiro só de J sar que o Amor não fora amado. Era uma noite profunda. Os segredos da terra tornavar manifestos. A criação estava s ilenciosa e a luz coberta < uma mortalha. Um ar morno, como presságio de tremor te rra, acariciava o bosque. Podia acontecer qualquer coisa n< noite: este mundo po dia submergir ou outros mundos emer Todos os odores, dos acres até os mais doces, dança\ nos ventos, sem ordem e numa mi stura estranha. O diapa il os homens, amar e sofrer por eles. Nes ta noite, eu quisera, á de cima, cobrir o mundo com o manto da paz. Nesta eu quise ra reunir todos os andrajos e tumores dos fidos homens, levantar com eles um alt ar, no meio do mundo, duzi-los a um holocausto final, para que só reste a cinza >a z sobre o chão da alegria. Nesta noite, eu quisera que os navios de todos os mares :m empurrados pelos vent os do Amor. Quisera incendiar-nesta noite, na fogueira da dor para que sobre ape nas .mor. Depois disso, tudo pode acabar, porque já teremos ;ado ao pico da ressur reição. Jesus Crucificado, nesta noite, eu renuncio a tudo e en-o uma moeda. Que por ela venha a sombra bendita para linhos humanos e o riso alegre para os olhos das cr ianças. : saiam, nesta noite, as abelhas pelos campos floridos, que exércitos recolh am-se aos quartéis da paz, que os doentes >am deixar suas camas, que os enfermos s aiam dos hospie que a dor se retire para sempre à sua toca escura, is, venha sobre mim toda a do r do mundo para transfor-lo em amor total e que ninguém, de agora para sempre, visitado por ela. Que o mundo seja envolvido nos braços doçura. O irmão 337 Nesta noite, eu quero iluminar com minha JâmpaJ;; os caminhantes, cativos e dester rados. Quero plantar um em iodos os lares, chover sobre os campos queimados, lei dear ventos que carreguem esperanças, esperar na porra I os repatriados, correr, com um cesto na mão, semeando i ser a bengala dos coxos, o guia dos cegos e a mãe do s cr * * * A noite passou assim. Quando uma tênue claridace 1 ciava, nos confins do horizonte , a chegada do dia, ouvi algo como um estampido. Foi um acorde de dor e de a que entrou, como uma tempestade, nas artérias de Franc: Do céu desceu, como um meteoro incandescente, o amaeio1 cificado. Os ares enchiam-se de doçura. Jesus era fogo, ( gia, força, dor e gozo abatendo-se sobre o Pobrezinho. Nesse momento, Francisco olhava para o Oriente. A rição assemelhava-se a um serafim com seis asas de fogo. ( ao chegar mais perto, o Irmão percebeu, embaixo das £ um ho mem crucificado. O delírio apoderou-se do Pobrezir era medo, júbilo, admiração, pena inf inita, gozo embriagí e dor sobre-humana. Todas as espadas do mundo caíram jc com tod os os favos da terra, em cima do Irmão. Franc sentia que estava morrendo. Esteve m

esmo à borda da vidi Pareceu-lhe estar no meio de uma furiosa tempestade, repente, teve a impressão de que um raio caíra sobre seu po. Deu um grito desesperador, tomado por uma dor limi tes. Mas o Pobre ficou duvidando se era dor ou pra Poucos minutos depois, sentiu como um outro raio a abate abrasadoramente sobre seu corpo. E, assim, foram com o ci raios que se descarregaram sobre ele. Francisco sentiu que sua última hora tinha chegadc que já estava reduzido a cinzas. Meu Jesus Crucificado, di descarrega sem piedade, sobre mim, todas as tuas dores . M Senhor, mais, quero acabar com toda a dor da terra, re zindo-a a amor. 338 mtudo não era preciso. Tinha chegado à consumação I co estava crucificado. visão desapareceu. Estava amanhecendo. Francisco teve ,tssão de que a tempestade ama inara e de que tudo es,1 voltando à normalidade. Na luz incipiente da aurora, jvou que suas mãos, pés e lado estavam queimados, le, perfurados, manando muito sangue. ,s feridas doíam horrivelmente. ADEUS, MONTE ALVERNE )epois de participar da Missa, no dia 30 de setembro de o Irmão Crucificado reuniu os irmãos e lhes disse: Irmãos, as manhãs, o Senhor caminha descalço por esta monta-e o s ares ficam povoados de anjos com asas de ouro. É montanha santa. Os ministros de vem destinar, para esta midade, irmãos que sejam tão santos quanto a própria anha. Eu mesmo vou embora com o irmão Leão e não voltarei Estou, apenas, a um passo da etern idade. Irmãos, ficais mas ides comigo. Amai-vos uns aos outros, como uma ama seu filhinho. Prestai fidelidade cavaleiresca a Nos-«nhora Pobreza. Acima de tudo, aci ma da Senhora Po-i, prestai culto eterno ao Santo Amor. Eu vos declaro caros do Amor Eterno. "Adeus, irmão Masseu. Adeus, irmão Ângelo. Adeus, ir-s Silvestre e Iluminado. Vivei em paz. Adeus, todos vós. ts, monte Alverne. Adeus, monte dos Anjos. Adeus, mon-la q uerida. Adeus, irmão falcão. Bendito sejas por tuas cadezas. Adeus, rocha altíssima, n unca mais te verei. Em l braços, Mãe do Verbo Eterno, deposito estes meus filhos i p resentes." "Chorávamos inconsoláveis, continua a crônica. Ele também ifastou soluçando e levando os n ossos corações." 339 » * f O Irmão Crucificado e Frei Leão desceram, com cúB e lentamente, a ladeira do outro lad o das rochas, pelo cai*" /inho que leva a Chiusi. Contudo, não entraram no ac ( h dois irmãos desceram em silêncio. Francisco logo pan-'L .soluçar. Frei Leão, sensível e em ocionado, chorava st» importar que o vissem chorando. O Irmão ia sentado nuc^ rico m anso que Frei Leão guiava com uma corda. Tendo caminhado um bom trecho, o Irmão Crucit" olhou para trás. Ainda se via o monte Alverne. Um [* antes de internar-se em La Foresta, na última curva do asiP perdia -se de vista a montanha santa. Francisco mandou ?s o asno. Frei Leão ajudou-o a ap ear-se. O Irmão ajoelhou-* picada, com os braços em cruz, olhando para o Alverne lon ge, com sua melena negra, a montanha tinha um i$F sombrio e ameaçador, recortada c ontra o fundo de nu'* Francisco deu sua última bênção à montanha, dizendo: "A^ montanha sa nta. Caia sobre ti a bênção do Altíssimo contigo para sempre, montanha querida. Nunca ma is te 1 tarei a ver". Levantaram-se e continuaram a viagem. Logo perdtf de vista a negra silhueta do Alverne. Internando-se nosc filadeiros sombrios de La Foresta, caminharam, por Irmão Leão, está tudo algum [< po, em silêncio. O Irmão Crucificado quebrou-o para dizer: acabado. Cheguei à porta-me falta entrar. Minhas andorinhas já estão voando. Às sinto qu e vou enlouquecer de felicidade. Irmão Leão, Ovelfr' de Deus e companheiro de luta, Aquele que não tem P° está acenando-me para que eu vá. Esta pode ser nossa úlü viagem. Não disse mais nada. Frei Leão não respondeu. Cfi-tiuaram em silêncio. Depois de algum t empo, o Irmão o$ para o companheiro e viu que ia chorando desconsoladanrtf11 Irmão, choras como os que não têm fé. Que será de mim sem ti, que és meu pai e minha B* 340

Quantas vezes vou ter que te repetir a mesma coisa: a traça nem a espada acabarão ja mais com a alma. Oh! o Leão! Depois que o Pai me tiver recolhido ao seu seio, ou e star ao teu lado mais presente do que agora. O corpo alguma coisa? Olha o meu: p arece um saco de areia. A , irmão Leão, a alma humana vale e possui uma eterna itude . Pára de chorar, Ovelhinha de Deus. Que o sorriso ie em teus olhos. O irmão Leão consolou-se com essas palavras e enxugou ígrimas com a manga do hábito. A PACIÊNCIA DE DEUS Continuaram em silêncio. Irmão Leão, escreve, disse Fran->: a carne desmorona como uma parede em ruína. Quando caído o último pedaço, vai aparecer a sala espaçosa da Como estou alegre, irmão Leão. Vencemos. É a vitória tunca desmentida misericórdia de Deus. Aleluia. Naquela noite, dormiram numa gruta do caminho. Pela íeira vez, nessa noite, Frei Leão limpou as chagas do Ir-Crucifiçado com água morna e ervas aromáticas. O pobre Deus deixava-se tratar como uma criança submissa. Estou com febre, febre alta, irmão Leão. Às vezes, a-me mal.. . São as feridas e o sangue perdido, Irmão Francisco, «r isso que tens febre. Se é assim, que febre não deve ter sofrido meu bendito bior Crucificado, na tarde do Calvário. Bendito seja Ele sua dor e por seu amor. Francisco sentia frio. Frei Leão saiu da gruta, recolheu ia e acendeu uma fogueira . Sentou Francisco a uma dis-;ia conveniente. Contudo, as chamas produziam demas iado >x. Frei Leão, então, tomou o Irmão e sentou-o a uma dis-:ia maior. Colocou sobre seus olhos um pano e amarrou-o cabeça com um barbante, para que o resplendor das cha-! não irritasse seus olhos enfermos. Quando as chamas se 341 apagaram e sobrou apenas o rescaldo, Frei Leão tomou vez o Irmão, levou-o para mais perto e lhe tirou o ps» olhos. O Irmão sempre gostou de contemplar o fogo. Fit cuida va dele como uma mãe e o Pobre deixava-se cuidai uma criança. Que espetáculo! Francisco não dormiu, naquela noite. Era todo inté mosaico de dor, amor, febre e sau dades das Montanhas E' Cada dia era como uma vigília, velando as armas para > na g rande aventura da morte. Frei Leão deitou-se em um canto da gruta, depo ter coberto bem Frei Francisco. Aco rdava, a toda hora, olhar o Pobre. Quando via que o Irmão estava descoberi vantava -se para ajeitá-lo convenientemente. O Irmão Cní do ficou sem dormir a noite inteira, com os olhos fechai! alma abandonada nos braços do Pai. À meia-noite, Frei observou que fazia muito frio. Não havia lenha. Saiu. ' estava escuro. Tateando, conseguiu cortar alguns galhos e deu outra vez a fogueira. Depois, cobriu mais uma vez o l i deitou-se e dormiu profundamente. Despertou com o dia, sacudido por um sonho hoti O Pobre já não estava na gruta. Frei Leão foi procura o encontrou no alto de um outeiro, em pé, com os bi abertos e olha ndo em direção do Oriente, onde brilhava I rora, anunciando a saída do sol. O Irmão Cruc ificado e: resplandecente como um amanhecer. Quando viu Frei 1 recebeu-o com uma alegria inesperada, como se estivesse anf por comunicar-lhe uma coisa important e. Vi numerosos anjos esta noite, começou. Todos í virtuosos concertistas. Estavam afin ando cítaras, alaúdes, Fiai oboés, violinos e flautas. Por ordem do Pai, estavam pr i. iudo um grande concerto para me receber. Que alegria, ir Leão! A eternidade está à vis ta! Acabou-se a luta, a tris e 0 pecado. Também vi uma montanha de ouro. Porém, i< a ssustes, Ovelhinha de Deus, que não era ouro, era trf Não te lembras que Cristo nos mandou armazenar a coI^J 342 celeiros da eternidade? Não fiz outra coisa durante toda linha vida. As vigas que sustentam a casa que meu Pai me parou não têm nenhum sinal de caruncho. Meus tesouro s io em lugar seguro. Como me sinto feliz, irmão Leão! Pois eu não me sinto tão feliz, Irmão Francisco, disse i Leão, e começou a chorar. Frei Leã comovia se facil-n:e. Que é isso, querida Ovelhinha de Deus? Eu também tive sonhos esta noite, respondeu Leão, e i foram bonitos como os teus. Abre o coração, meu filho. Conta-me tudo. Sonhei que, depois da tua morte, os ministros vão me seguir, prender e açoitar, e qu e vou andar fugindo pelas ntanhas para escapar da ira dos intelectuais.

Por sorte, quando disse isso, Frei Leão começou a chorar obriu os olhos com as mãos. Por sorte, porque assim Frei io não viu a reação de Francisc o. Uma sombra profunda tristeza cobriu, de repente, o rosto até então radiante do láo. Renovaram-se todas as antigas feridas. Conheço-os muito n e sei que são capazes disso, pensou Francisco, e nquanto i Leão chorava em silêncio. De repente, formou-se em sua nte um panorama do futuro, cheio de sombras. De fato, Frei Leão sobreviveu quase quarenta anos a ncisco e foi vítima de todo tipo de perseguições por parte ministros e intelectuais, não escapando sequer a açoites e :eres. Francisco sentia-se quase desesperado, não por causa do tasma do futuro, mas porqu e uma perturbação profunda ia conseguido apoderar-se dele. Era um homem de paz e, in do a paz se lhe escapava, sentia-se morrer. Mas, se ele mesmo estava sendo vítima da desolação, co-podia consolar o desconsolado Frei Leão? Reagiu na mesma a. Afogou a tristeza, aproximou-se de Frei Leão, abraçou-o sivamente, deu-lhe umas palmadinhas n o rosto e disse: Cam-o, lembra-te: embaixo do arco da aurora, eu vou esperar, 343 de= pé, a tua entrada triunfal na eternidade. Virás do campo der batalha, coberto de cicatrizes; cada cicatriz vai brilhar como ur»ut esmeralda, pelos séculos sem fim. Quanto mais feridas tc«_'eberes, mais resplandecerás no paraíso. Frei Leão ficou consolado e os dois começaram a descer dc* outeiro, bem lentamente. Frei Leão ia na frente, mostrando i Francisco onde devia pisar. Por um instante, o Irmão deixou-se tomar por um sentimento de aversão contra os traidores d» ideal. Mas, logo em seguida, sentiu uma tristeza imensa pox ter permitido, mesmo que por um só instante, o sentimento de hostilidade. Quando chegaram à planície, o Irmão Crucifica do ajoelhou-se diante de Frei Leão, dizendo: Abençoa--tne, pai, porque pequei. Irmão L eão, escuta a minha confissão. Francisco confessou-se. É preciso saber que Frei Leão foi secretário, enfermeiro e confessor do Irmão de Assis. Frei Leão deu-lhe a absolvição. * * * Francisco levantou-se e disse. Vamos sentar. Sentados so-3te pedras, o Pobre com eçou a falar: Diz, Frei Leão, qual é o mais belo atributo de Deus? O amor, respondeu Frei Leão. Não é, disse Francisco. A sabedoria, respondeu Leão. Não é. Escreve, irmão Leão: a pérola mais rara e reciosa da coroa de Deus é a paciência. Q penso na 'âciência de Deus fico com uma vontade louca de chorar e ostaria que todo mundo me visse chorando, porque não há ma-etra mais eloqüente de celebrar esse incalcu lável atributo. Mas, into uma tristeza mortal quando penso que não tive essa pacièn-ia com os meus adversários. Gostaria que eles estivessem agora jui para poder ajoelh ar-me e beijar-lhes os pés. Continua escrevendo, irmão Leão: A malevolência é o ex-"emento do próprio satanás e uma mald ita cloaca subterrânea 44 nvenena c polui as fontes profundas da vida. Como eu iria ter um coração puro e paci ente! E quando aparece ku coração a sombra da malevolência, mesmo que seja am instante , tenho vontade dc encher minha boca de A benevolência é uma corrente misteriosa (subterrânea êm), como um sacramento invisível, q ue purifica as nascen-semeia de ondas harmônicas os espaços fraternos. Irmão , escreve : se eu tenho um bom sentimento, toda a huma-le levanta-se quatro palmos acima d o chão. Oh! a paciência de Deus! Irmão Leão, essa palavra mil i bendita precisa ser escrita co m letras grandes. Não sei » dizer. Quando penso na paciência de Deus, fico louco de da de. Quero morrer de pura felicidade. Repetiu muitas vezes, extasiado: Paciência de Deus! Paciên-le Deus! Frei Leão ficou contagiado e começou a repetir a com Francisco. No fim, o Irmão disse: Que a Irmã Terra seja teste-ha de nosso juramento. Pôs a mão sobr e a terra e disse: ando a paciência de Deus, nunca aceitaremos nenhum imento de ho stilidade contra ninguém. E que a Irmã Terra ia contra nós se formos infiéis a esta prom essa. O PODER DO AMOR

Continuaram a viagem. Naquele dia, chegaram a Borgo San Dlcro. Sem entrar na cid ade, começaram a escalar as mon-ías. Subindo por um barranco selvagem, chegaram até a i rocha saliente que parecia o teto do mundo e que cha-'am sasso spieco. Dali, e scalando por uma pendente empinada innas centenas de metros, chegaram ao eremitéri o de Monte ale. Quando estavam perto da choça, saiu, precipitadamente irmão que parecia emocionado e que exclamou: Pai Fran-o! Pai Francisco! Arrojou-se aos pés do Irmão, abraçou-os 345 fortemente, beijando-os mais de uma vez, banhado em um ma lagrimas. O Pobre fico u admirado e perguntou: Quem és, í-irmaor Não te lembras, Pai Francisco? Sou um daqueles assaltantes que, por tua piedade, c onsegui abandonar aq1-vida e entrar na Fraternidade. De fato, fazia anos que o ex-bandoleiro levava uma V muito edificante. Levantava -se, à meia-noite, para matinas. vezes, não se deitava mais, passando o resto da noi te em ora^ Trabalhava, em silêncio, na hortazinha que os irmãos tini1 começado, numa e ncosta da montanha. Era delicadíssimo C os hóspedes. Quando soube de tudo isso, o Irmão Crucificado pegou í Leão pelo braço e o levou depress a para o bosque. Antes meS de entrarem, começou a gritar com exaltação: Prodígios Amor! Prodígios do Amor! Escreve, irmão Leão: As cadeias multiplicam-se onde não amor. Neste mundo, não há descalab ros anímicos, atadi' egoístas e nem mesmo energias aéreas que militem em fa' da morte e que possam resistir ao Amor. Irmão Leão, 4 a diferença entre Deus e o Amor? São duas f aces de ü mesma substância. Continua escrevendo, irmão Leão: o Aí transforma os cemitérios e m jardins. A vestidura do amo' o silêncio. Nas harpas de ouro não há tanta melodia, P nas artérias da primavera tanta vida, nem no amanhecer taJ esplendor como no seio do Amor. Para o Amor, não há milagres impossíveis. Não viste t último, irmão Leão? Não viste um bandid ransformado santo pela magia do Amor? Nem sei como dizer, irmão U Vou dizer com um a frase só: Deus é amor. Os olhos doentes de Francisco brilhavam como duas í mas. Esse é que foi um milagre d o Amor. Como pôde o M ressuscitar aqueles dois buracos apagados e vazios? 346 Francisco e Leão passaram vários dias no eremitério. Um dia, desceram a montanha e, qu ando passaram por Bor-ui Sepolcro, a cidadezinha delirou. Que tinha esse homem? como se a recepção tivesse sido programada semanas atras, se comparava com a passage m de um capitão vitorioso. 3 recordasse a entrada triunfal do Mestre. Todos queria m lo. Os lavradores abandonaram o campo, as mulheres as , as crianças as escolas. C ortaram ramos de oliveiras e mtras árvores e, agitando-as, exclamavam: "Ecco il Sa nto 'Eis o santo". Apinhavam-se multidões, apertavam-no de todos os lados, 'obre quase caiu diversas vezes. As mulheres, com seus fidoentes nos braços, abriam caminho de qualquer jeito, no ) da multidão, até conseguir tocá-lo. As pessoas gritavam, mavam. Choravam. Francisco, arrastado de um lado para o outro, ficou quase pre insensível, como se seu espírito estivesse ausente. De em quando, parecia desgostoso com tudo aquilo. Outras ís, exclamava resignado: Senhor, Senhor. De repente, teve desejo de falar. Desceu do burrico, subiu numa pedra da pra-com vigor inusitado, começou a dizer: E u sou um verme gnificante, homem inútil e pecador. . . Não conseguiu conti-r. A mult idão afogou-o rugindo: "Santo di Dio, Santo di Dio". nto de Deus, Santo de Deus). Francisco fez um gesto de >oténcia e resignação. Quando o povo se acalmou, Francisco agitou os braços, :ando: Amor, Amor, Amor. Que imem, nas brasas do Amor, suas rivalidades e egoísmos. Santo Amor, asa de proteção, ho de vida, forma da felicidade, abrigo dos pequenos, cadeia 3rtal, guarda da paz, sombra fresca, mãe eterna, criança ador-cida, mar inesgotável, música sem palavras, mel odia imorFrancisco estava como que embriagado. Continuou: Amem-uns aos outros. Amem os in imigos. Amem as pedras, as /ores, os pássaros, os peixes, as rãs. . . Amem a moscas, os 347 sapos, as aranhas, os morcegos, as corujas... Amem as ccfc que elas não os morderão.

Amem os lobos e não os devor**1 Amem seus inimigos e se tornarão crianças bondosas. L evara a bandeira do Amor e as rivalidades irão desaparecer, as g1 ras desaparecerão e se extinguirão as invejas e as ofensas. Parecia que o Irmão tivesse perdido a cabeça e 1 brotasse das cinzas um jovem imorta l. Começou a mov^1 a pronunciar as frases com uma cadência de dança: De^ Amor. O Amor é mais forte do que a morte. Levem *l onde houver ódio. Onde houver ofensa, levem o perdão. Oí houver discórdia, união. O cordeiro vai descansar junto do lobo. Gaviões e r xinóis cantarão a uma só voz. As esp adas vão ser trans1 madas em arados; os soldados em semeadores; os aríetes moinhos d e vento; os campos de batalha em trigais; não hav fronteiras nem pátrias para dividi r irmãos contra irmãos; paz cobrirá a terra inteira e Deus será tudo em todos. Nos olhos da multidão viam-se, de longe, as chamas delírio. Francisco estava à beira de um colapso. Parou momento para equilibrar-se e respirar. Depois, levantou ou vez os braços e a voz para dizer: Paciência de Deus! Paciê'1 de Deus!... Não pôde continuar. Descontrolando-se, de repente, e ^ tou a chorar abertamente. A m ultidão parecia enlouquecer-povo chorava, gritava, ululava: "Santo di Dio! Santo d i Di° A multidão avançou perigosamente para o Irmão Crucific* Frei Leão chorava emocionado e desesperado. Por instinto prü tivo de defesa, um grupo de homens maduros e fort es cercara" Pobre de Deus. Foi por milagre que ele saiu naquele dia il£ das mãos da multidão enlouquecida. A mesma cena, com algumas variantes, repetiu-se em 1 tras cidades. 348 AOS PÉS DA CRIAÇÃO Continuaram o caminho do jeito indicado: Frei Leão na e> puxando o burrinho pela c orda; o Irmão Crucificado ido, de leve, sobre o mesmo, com os olhos fechados e em do. Quase fos:e devorado pela fera popular, Irmão Fran' disse Frd Leão. Deus! Deus! Irmão Leão, é a Deus que querem de-r- As pessoas têm fome de Deus. Quando se ntem o odor ^eus, perdem a cabeça e se lançam como feras para devo Deus, irmãc Leão, Deu s! Calaram e continuaram em silêndo. O outono já ia bem iÇado. Os rimos dos Apeninos esta vam coroados de neve. Caminharam todo aquele dia por maus caminhos, com as temp eraturas. Quase sem perceber, foram surpreendidos noite, sem poder chegar a uma pousada. Refugiaram-se no de uma rocha para passar a noite. Um homem que os npan hava nesse dia, congelado de frio, murmurava e qua-nialdiçoava Francisco. Este apr oximou-se e pôs a mão cha-i sobre o ombro dele. Logo que o tocou, o frio desapare-e o homem ficou com tanto calor como se fosse um forno o. * * * No dia seguinte, o Irmão disse a frei Leão: Irmão Leão, »os dedicar o dia a nosso bendito Amor, o Senhor Deus Começaram a escalar uma montanha não muito alta, mas bonita form a cónica, e cheia de pedras. Subiram bem de-arinho, porque não havia caminhos. Frei Leão guiava o rinho e sua sagrada carga, dando voltas bem grandes para ar a vertic alidade. Nessa região havia azinheiras pequenas, estes escuros, castanheiros de co pa larga, moitas, buxos e hascos abruptos. Sentaram-se para descansar. Francisco sentia-se feliz. Em-a estivesse perdendo a vista por completo, conservava muito 349 bom olfato. Irmão Leão, parece que estou sentindo chei -tomilho. Será verdade? Frei Leão levantou-se e logo com um molho de tomilho. Francisco cheirou-o, aspirou Mitnen te o seu perfume e disse: Bendito sejas, meu Deus. irmão tomilho. Irmão Leão, sempre ouvi dizer que a sensação agradável que Deus pode conceder ao hom em é de aspire» mesmo tempo, o perfume do tomilho e do alecrim. Serái dade? Frei Leão le vantou-se imediatamente, e voltou pouco, com uns galhos perfumados de alecrim. Francisco juntou as duas braçadas e as aspirou, quase embriagado, dizendo: Oh!... Senhor, Senhor... oh presentes de Deus! Sou o homem mais feliz da terra, a vida é bonita, irmão Leão! Quando eu chegar à eterni vou plantar tomilho e alecrim por todas as montanha, paraíso. Escreve, irmão Leão: Só os pobres participarão da em guez da terra e das maravilhas do m undo. Só os pobres vão s rear as guloseimas do Pai. Que sorte ser pobre por amor.'

Levantaram-se e continuaram a subida. O Irmão pre deixar o burrinho e subir a pé. Ia na frente; a seu lad um pouco atrás, ia Frei Leão para ajudá-lo caso escorreg Francis co subia muito lentamente e olhando para o chão cuidado, quase encurvado, como se procurasse alguma perdida. _ Que aconteceu, irmão Francisco? Perguntou Frei _ As pedras, irmão Leão, as pedras! Nunca ouviste os salmistas compararem Cristo com pedra? Quando vejo uma pedra no chão, logo penso em C E se pisasse uma delas, teria o mesmo pesar, salvas as inf: distâncias, que se pisasse em cima de uma hóstia consagr Ajoelhando-se e inclinando-se até o chão, beijou uma dra, de tamanho regular, com ta nta veneração e carinho co se o fizesse com Cristo. Irmão Leão, escreve: Por trás de 350 iatura está escondida uma fotografia de Cristo. Quantas terei que dizer, irmão Leão, q ue o essencial é sempre vel! Fecha os olhos, olha com fé, e embaixo desta pri-pedra encontrarás uma formosa imagem do Senhor. Aos da fé, o mundo está cheio de prodígios. Vo u lhe fazer uma confidencia, irmão Leão. Não sabes quan-szes tive tentação de pôr na Regra o seguinte artigo: Exorto enhor Jesus Cristo que, quando os irmãos virem um peda-) de papel no chão, recolham-no e o coloquem em um ' decoroso, porque nele poderá esta r escrito o nome de i ou, ao menos, com as letras desse papel, poder-se-ia com-o nome de Deus. Os que assim o fizeram, sejam benditos mão do Altíssimo. * * * Continuaram a subir a montanha escarpada. Quando che-m ao alto, Francisco sentou -se, enquanto Frei Leão prova alguma rocha saliente ou cavidade. Tendo-a encontrad o, u o Irmão Crucificado para lá, preparou uma pedra, e 1 assentar-se sobre ela. Irmão Leão, vamos passar aqui o dia e a noite. Vamos certamente uma noite fria. Prep ara um pouco de lenha, taras todo tipo de lenha, mesmo galhos grossos, mas prest em atenção, irmão Leão: não machuques nem toques os icos, porque. . . de um tronco como es ses saiu a cruz sal-ora de Cristo, eternamente bendito. Tendo dito essas pala->, seus olhos se umedeceram. Escuta, irmão Leão, quando cortares as moitas, respeita raízes, para que possam brotar e viver. Enquanto Francisco ficava perdido em Deus, Frei Leão i e entrava com suas braçadas d e lenha. Numa das vezes, i com um bando de cotovias diante da gruta, cantando írem ente. O Irmão estremeceu de emoção. Saiu da gruta a ver se chegava outro bando. Não cheg ou. "A irmã coto-, disse Francisco, é um exemplo para o irmão menor. É ito parecida cono sco, por causa do capuzinho! Suas penas 351 são cor-de-terra como os nossos hábitos. Procura humilde1 a sua comida pelos caminho s. Voa bem alto, no azul, cão alegremente. Em resumo, seu coração está sempre nas ras. Nós deveríamos ser como as cotovias". À noite, Frei Leão acendeu o fogo, esquentou água ervas medicinais e cuidou das chagas do irmão, com a 1 delicadeza. Cobriu-o como uma criança e Francisco perm* horas ext asiado diante do fogo. Parecia-lhe mais "formos' brante e alegre" do que nunca. Irmão Leão, estremeço pela força e beleza do irmão Olha que movimento constante. Olha a ch ama como so desce pelas costas da madeira. Aparece e desaparece cora0 encanto. O lha como dá uma corrida cintilante, de po° ponta nesse pau. Ora é amarela, depois azul , depois í* lha, e depois fica verde-azulada. Parece um jogo mági^ irmã, a Mãe Terra. O fogo, o mar, Deus: são tão parecida Irmão Leão, escreve: Entre todas as criaturas, a que se parece com Deus é o fogo. Os d ois estão cheios de ví movimento. Os dois iluminam e aquecem. Os dois re*l decem e s e movem. Os dois calcinam, purificam, cauterizarn. forme o caso. Os dois são bonit os e vibrantes. Louvado s meu Senhor, pelo irmão fogo. Na manhã seguinte, Frei Leão pegou os tições meio 1 mados e os foi jogando fora, despreo cupadamente. Jogou 1 sobre as cinzas para apagar os últimos restos do fogo. Não, irmão Leão, disse Francisco, assim não. Não dev« extinguir nada, neste mundo. Se os int electuais da Ordem f" achassem ridículo, teria posto na Regra estes mandamentos: a pagar as velas, não extinguir as chamas; não cortar trofl não pisar nas pedras; não pren der passarinhos na gaiola; cortar flores; não queimar nada; não destruir nada; não pre zar nada; alimentar as abelhas durante o inverno; ter dade de tudo o que vive; s entir ternura por tudo o que é pel no e insignificante; tratar com predileção os anima

izinhos í1 352 iuIsívos como os sapos, ratos, moscas, baratas, lagarti-ibras. . . Ah! se os intel ectuais tivessem permitido, como üferentc a Regra que eu teria dado aos irmãos! Irmão o mundo inteiro é um enorme sacramento de Deus. * * * criação correspondia a Francisco com a mesma ternura, ias em que o Irmão dedicava-se à c ontemplação, nas alie Grécio, um filhote de lebre seguia-o, por todos os lados, um cachorrinho. Na mesma região de Rieti, quando sco estava passando alguns dias d e oração, nas margens i lago, um martim-pescador e uma truta, de tamanho revinham todos os dias, pontualmente à mesma hora, para lhe a bênção. >m Sena, os irmãos tinham, em sua cabana, um belo faisão. do Francisco viajava, o fa isão fazia greve de fome por ;os dias. ^ía Porciúncula, havia uma cigarra grande, sempre enca-ida nos galhos de um zimbro, a cantar estridentemente, ido Francisco a chamava, a cigarra vinha pressurosa e ale-:nte. Pousava na mão direita do Irmão e cantava os lou-. divinos. Ainda na Porciúncula, houve uma temporada em que os js tiveram uma ovelhinha muito devota. Sempre que o o começava a rezar, a ovelhinha ficava a seu lado, deitada r ipo todo. Na hora da consagração, prosternava-se, dobran-is duas patas dianteiras. E saudava Nossa Senhora com js balidos. Em um eremitério, aconselhou o hortelão a ir diminuin-cada vez mais, o espaço das hort aliças, para dar lugar às :s. Quando chegava a primavera e o campo se cobria de :s, era freqüente assistir a esta cena: o Irmão parava diante irna flor (nunca cortava f lores), falava-lhe como a uma pessoa, i-lhe galanteies, convidava-a a louvar a f ormosura do For-o. Tocava-as com suma delicadeza, como se as acariciasse. 5 innío 353 Parecia que elas adquiriam consciência de si mesmas, respon* do lhe como pessoa. O Irmão Francisco, em resumo, entrava no segredo 1 fundo da criação. Um dia Francisco saiu para mendigar vinho tinto, * grande estranheza de Frei Leão. Voltou com um jarro d de vinho espumoso. Esquentou-o até ferver. Depois dei?íc esfr iar, misturou-o com mel e pôs o jarro de vinho com perto de umas colmeias do bosqu e. Irmão Leão, disse Francisco: não podemos permitir morram essas deliciosas criaturas, a s abelhas. Estamos no inveJ não há flores, as pobres poderiam morrer de fome. Numa primavera, dedicou-se a fazer ninhos de rolinl Ficou muito tempo observando a estrutura desses ninhos. C< truía-os o mais parecido possível com o original, e c oloca^ nos arbustos e moitas. Irmão Leão, dizia: sabe por que g( muito das rolinhas? Porque elas têm os atributos mais a] ciados pelo meu Senhor: a misericórdia e a hum ildade. A IRMÃ DOR Continuaram a viagem para a Porciúncula. Pelo camif o Irmão não parou de falar da vida eterna, da festa gra que vai haver para os pobres, dos cofres em que estão g1 dad os os tesouros e os diademas que vão brilhar nas cab< coroadas. O Irmão falava como se o desenlace fosse iminente. S< exato dizer que Francisco es tava alegre? Não era bem aleg Era quase uma ânsia de pisar o chão eterno. Sofria muito , transtornos gástricos, a hemorragia e a febre dos estigmas, fl a doença dos olhos, tinham feito do Pobre de Deus uma ch viva. A eternidade, entre outras coisas, e ra descanso e fim Mias dores. Um dia, chegou à Porciúncula. Não ficou nem um ( Sentindo a iminência da morte, foi devo rado pelo desejo 354 ! necessidade de proclamar os direitos de Deus. Durante o irrio e a primavera, p ercorreu grande parte dos povoados Jrobria. Montado em um humilde asno foi um após tolo nsável, percorrendo até três ou quatro aldeias por dia. As jornadas cansativas de bilitaram de tal maneira sua saúde triorada que, por diversas vezes, temeram por s ua vida. Per-I a vista quase completamente. Ia de olhos vendados e sofria íveis do res dc cabeça. Quando Honório III estava em Rieti com sua corte, Hu-ino insistiu para que Francis co fosse a essa cidade para uma sujta médica com os doutores pontifícios. Francisco

sempre re alergia por médicos e não quis ir. Tiveram que convênio com o versículo do Ecl esiástico: "O Senhor colocou na ra a medicina. O homem prudente não a desdenha". O Irmão Crucificado decidiu submeter-se à consulta meia e a uma eventual intervenção cirúr gica. * * * Sou um muro em ruínas, pensava o Pobre de Deus. Falia poucas horas para amanhecer o dia. Os montes do céu estão à vista. Vou despedir-me da Irmã Clara e das Damas obres. Provavelmente vai ser o adeus final. Francisco foi a São Damião com Frei Leão, pensando em assar lá alguns dias. Pai Francisco, disse Clara, as cotovias, os rouxinóis, as ncbrinhas, os cravos do claustro, as Irmãs Pobres e eu te amos as boas-vindas. Só temos um desejo, Pai Franc isco: que ua passagem por São Damião seja um prelúdio do paraíso. Conhecendo os gostos do Irmão, Clara tinha preparado ma grinalda de violetas. Quan do as recebeu e cheirou, Fran-ísío foi arrebatado pela inspiração: Oh! a humildade, começo u fendo, mãe de santos e berço da fraternidade! Irmã Clara, como é que to direi? No seio da humildade preparam-se os homens fortes e livres. Onde há humildade não hi medo. É a escola da sabedoria. Nessa forma, são fun355 didos os mais altos exemplares da raça humana e os = nuratas do espírito. Onde há humi ldade há beleza intej* i serenidade de um entardecer, a elegância de uma dame doçura d e uma mãe, a fortaleza de um campeão, a tenacicJ do aço, a mansidão de uma pomba. Gomo t o direi? 11 Qara, uma mulher humilde é uma mulher invencível. Ce1 são perfumadas as vi oletas, irmã Qara! Que as estrelas ajudem a te agradecer por esta grinalda. Naquele dia, o Irmão Crucificado parecia renascer. IV o bem-estar durou pouco. À noi te, todos os achaques caí* sobre o Pobre de Deus, como uma matilha esfomeada de lo r Irmão Leão, sabes 0 que é o fogo? A dor é igual: é co1 o fogo que entra pelos ossos, até a m edula dos ossos, mojl despedaça, queima, arranca a pele. Não se pode respirar, corpo vira uma chama viva, uma fogueira. Só que devorí não consome. Irmão Leão, não agüento mais. Pede ao Altíssimo i retire, por um momento, a sua mão. Pode se r que Frei L nunca se tenha sentido tão desesperado em sua vida co1 nessa noite. O Irmão Crucificado contorcia-se, gemia. Seus oll eram duas chamas de sangue e pus. O fígado parecia que ia af beniar. As chagas eram incêndios. Frei Leão não sabia o c fa zer. Pensou em ir avisar as Damas Pobres no convetí Mas, que vai adiantar? pensou. Irmão Leão, retiro a palavra. Não peças ao Altíssi que afaste sua mão. Ele é meu Pai. Não pod ermitir c seu filho conheça o paroxismo. Diz-lhe que faça como ad melhor e que se cu mpra a sua vontade. A dor, irmão Le será o paralelo mais baixo da existência humana, ou será mais alto? Por que o Filho de Deus usou esse meio para mir o mundo? Que há p or detrás da dor? A redenção? extinção? A paz? Nas mãos de Deus, que significa a dc Carinho, Castigo? Predileção? Purificação? Piedade para cor» co? Aviso? Ouvi dizer que a dor e o p razer são a mesma co Será verdade? 356 Amanheceu. Que alívio! Irmão Leão, escreve: O clarear lia é um beijo de Deus. Louvado se jas, meu Senhor, pelo nhecer: é o fim das dores e tem aparência de esperança. Se houve sse aurora, sucumbiríamos, sem dúvida, ao desespero. A e é terrível. Porém, as dores de Fr ancisco não foram aliviadas. Ao nascer do sol, veio irmã Clara trazendo caldo de galinha ingredientes que, segundo ela, haveriam de reanimar o doen-3 Irmão não tinha vontade de tomar nada. Mas, por cortesia, ireitou-se e começou a tomar, lentamente. Não con seguiu acaVomitou tudo, entre espasmos de dor. Frei Leão foi para canto chorar. Clara, com lág rimas nos olhos, acomodou o ão, ajudou-o a deitar-se e o cobriu. Estou crucificado, irmã Clara, disse Francisco. A dor me de como um cachorro raivo so e me tritura os ossos. Pai Francisco, que é que eu posso dizer? Tu sabes o. Tu nos falaste tantas vezes d o Senhor Crucificado. Ouvindo essas palavras, o Irmão Crucificado abriu os olhos 10 se estivesse acordan do de um letargo. Tens razão, irmã ra. Por que queixar-me? Como pude esquecer meu Se nhor >re e Crucificado? Irmão Leão, se nessa noite saiu alguma lentação de minha boca e a anotaste, apaga-a imediatamente. 3 fui um verdadeiro cavaleiro de meu Senhor.

Louvado is, meu Senhor, pela irmã dor, companheira inseparável de a Senhor Crucifica do. Bendito sejas, meu Deus, continuou, por essa criatura de ;m todo ser vivente fog e. A irmã dor nos purifica, nos ta das amarras terrestres e nos lança nos braços de De us. não Leão, escreve: Bem-aventurado o homem a quem a r surpreende armado pela fé e o amor. Será purificado como yxiro e converter-se-á em uma fonte de mérito e vida. Infe liz homem que, na hora da dor, está desarmado e sem fé. raflt certamente aniquilado. Ó meu glorioso Senhor Jesus Cristo, lente companheiro da dor, segura minha mão e fa ze de mim que quiseres! 357 Dizendo isso, relaxou-se e adormeceu. Clara e Leão sair** Que te parece, irmão Leão? p erguntou Clara. Teremos, ;1 muito tempo, conosco o Pai Francisco? Irmã Clara, eu achava que na crucifixão acabavarr1 as dores. Misteriosamente o Altíssi mo continua a oprimir,
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