O-Homem-de-La-Mancha-Adaptada.pdf

March 28, 2019 | Author: juancarlosmaste9592 | Category: Miguel De Cervantes, Priest, Inquisition, Don Quixote
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O  H HOMEM  D DE  LLA  M MANCHA de DALE WASSERMAN

Música de MITCH LEIGH Letras de JOE DARION Tradução de PAULO PONTES E FLÁVIO RANGEL Versão das letras de CHICO BUARQUE DE HOLANDA E RUI GUERRA

Livre Adaptação de: KAREN LEYTON

Peça para o 8º ano da Escola Waldorf Novalis 2012

PERSONAGENS:

Miguel de Cervantes / Alonso Quijana Qui jana / Dom Quixote Criado / Sancho Capitão da Inquisição Aldonza / Dulcinéa Governador / Hospedeiro Duque / Sanson Carrasco / Cavaleiro dos Espelhos Padre Antônia – a sobrinha de Alonso Quijana Criada – de Antônia e de Alonso Quijana Barbeiro Pedro Anselmo José Paco Maria – mulher do hospedeiro “Cavalos” - de Dom Quixote e Sancho Guardas do Cavaleiro dos Espelhos

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A ação passa-se na Espanha, no fim do século XVI, numa prisão em Sevilha e em vários lugares da imaginação de Miguel de Cervantes. O cenário é um salão comum de d e uma prisão de pedra. Fica em um subsolo e chega-se a ela através de uma escada. Há no ar um clima de hostilidade e sofrimento entre os prisioneiros. Todos aguardam julgamento. INQUISIDOR: O édito da Inquisição diz que propagar pensamentos subversivos é heresia! Os infratores serão purificados pela espada ou pelo fogo. Senhor Miguel de Cervantes, em nome da Inquisição, considera-se preso.

CENA 1 Entram em cena: um capitão, Cervantes e seu criado. Cervantes, desconfiado, examina o ambiente.

CAPITÃO -

Algum problema, Miguel de Cervantes?

CERVANTES -

Nada. Nada. Muito interessante.

CAPITÃO -

Esta é a cela comunitária dos que esperam julgamento.

CERVANTES -

Quanto tempo eles esperam?

CAPITÃO -

Alguns, uma hora; outros, a vida inteira.

CERVANTES -

Foram todos presos pela Inquisição?

CAPITÃO -

Não. Esses aí são presos comuns – ladrões, assassinos, prostitutas. (SAINDO) – Se precisar de alguma coisa, grite. (TEMPO) – Se puder... (O CAPITÃO SAI).

CRIADO -

Que é que ele quis dizer com isso?

CERVANTES -

Calma. Tudo na vida tem remédio. Menos a morte... 3

CRIADO -

Acho que é isso que eles vão nos receitar.

CERVANTES -

(MUITO GENTIL, AOS PRISIONEIROS QUE SE APROXIMAM) Bom dia, minhas senhoras e meus senhores. Lamento muito conhecê-los nestas circunstâncias, mas tenho a esperança de que não farão objeções à minha companhia. Lugares assim não me são estranhos. Já estive preso mais de uma vez. Muitas vezes... E muitas vezes achei que o mundo é uma prisão. Uma prisão cruel onde todos temos desejos, mas poucos realizados. A Inquisição...

(COM UM GRITO OS PRISIONEIROS ATACAM. CERVANTES E O CRIADO SÃO AGARRADOS E ATIRADOS AO CHÃO, E SEUS BOLSOS SÃO SAQUEDADOS, QUANDO INTERROMPIDOS PELO GOVERNADOR) GOVERNADOR -

Silêncio!!! (PAUSA) É briga, berreiro, baderna! Será que vocês não podem brigar, berrar e matar em silêncio? (A CERVANTES): Quem é você? Hein? Vai falando!

CERVANTES –

Cervantes. Dom Miguel de Cervantes.

GOVERNADOR –

(DEBOCHADO) Um fidalgo!

CERVANTES -

(LEVANTANDO-SE) Isso nunca evitou que eu fosse para a cama com fome.

GOVERNADOR -

(INDICANDO O CRIADO) E isso aí?

CERVANTES –

Meu criado. Posso saber com quem tenho a honra?

GOVERNADOR -

Me chamam de Governador. Qual é a sua área?

CERVANTES -

Minha o quê? 4

GOVERNADOR -

Sua área, homem, sua especialidade – batedor de carteira salteador?

CERVANTES -

Oh, nada tão interessante. Eu sou poeta.

DUQUE -

Eles já estão prendendo os poetas, agora?

GOVERNADOR -

Bom, vamos começar o julgamento.

CERVANTES -

Perdão, senhor. Que julgamento?

GOVERNADOR -

O seu, é claro.

CERVANTES -

Mas o que foi que eu fiz?

GOVERNADOR –

Deixe por nossa conta.

CERVANTES –

Acho que o Senhor não me compreendeu. Eu ficarei aqui apenas...

GOVERNADOR -

Meu caro, ninguém entra ou sai desta prisão sem ser julgado por nós.

CERVANTES -

E se os senhores me julgarem culpado?

GOVERNADOR -

Nós o julgaremos culpado.

CERVANTES –

Qual será a sentença?

GOVERNADOR -

O confisco de todos os seus bens.

CERVANTES -

(CHOCADO) Todos? 5

GOVERNADOR -

Este tribunal não tem competência para confiscar bens que o prisioneiro não possui.

CERVANTES -

Um momento. (APONTANDO PARA O BAÚ) Estas coisas são o meu ganha-pão.

GOVERNADOR -

Pensei que você tivesse dito que era um poeta.

CERVANTES -

Sou um poeta de teatro.

GOVERNADOR -

(RETIRANDO UMA ESPADA DO BAÚ DE CERVANTES) É falsa!

CERVANTES -

São figurinos e objetos de cena. Eu sou um homem do teatro. Essas coisas não podem ter a menor utilidade utili dade para vocês.

(ELE SE INTERROMPE, VENDO OS ROSTOS AGRESSIVOS. TENTA ARRANCAR A ESPADA DAS MÃOS DO GOVERNADOR, MAS ESTE A JOGA PARA OUTRO PRESO. SEGUE-SE UMA CRUEL BRINCADEIRA, NA QUAL OS PRESOS SAQUEIAM O CONTEÚDO DA MALA E ATIRAM TUDO UNS PARA OS OUTROS. ENQUANTO ISSO, EM DESESPERO, CERVANTES E O CRIADO TENTAM IMPEDI-LOS) CRIADO -

Esperem! Parem!

CERVANTES -

Está certo. Podem ficar com tudo.

CRIADO -

Não, Dom Miguel!

CERVANTES -

Podem ficar com tudo. Eu só quero isto.

(SEGURA O PACOTE QUE TROUXE) (O DUQUE ARRANCA-LHE O PACOTE DAS MÃOS E ATIRA-O AO GOVERNADOR, QUE O EXAMINA) GOVERNADOR -

É pesado. Isso tem valor? 6

CERVANTES -

Para mim.

GOVERNADOR -

Nós deixamos você pagar um resgate.

CERVANTES -

Não tenho dinheiro.

GOVERNADOR -

Que pena! (ABRE O PACOTE) Mas isso é papel!

CERVANTES -

É um manuscrito.

GOVERNADOR -

Mesmo assim, não tem valor.

(CAMINHA PARA O FOGO COM A INTENÇÃO DE JOGAR LÁ OS PAPÉIS) P APÉIS) CERVANTES -

(DESESPERADO) Espere! O Sr. falou de um julgamento. O Sr. mesmo disse que eu ia ser julgado!

GOVERNADOR -

(DEPOIS DE HESITAR) Está bem. Está aberta a sessão. Por que é que você foi preso?

CERVANTES -

Eu vou ser julgado pela Inquisição. (ALGUNS PRISIONEIROS SE BENZEM).

GOVERNADOR -

Heresia?

CERVANTES -

O senhor veja: eu trabalhava para o governo, como coletor de impostos...

GOVERNADOR -

Poeta, ator, coletor de impostos?

CERVANTES -

Um emprego temporário para não morrermos de fome. 7

GOVERNADOR -

Como é que um coletor de impostos pode ter problemas com a Inquisição?

CERVANTES -

Eu multei o Monastério de La Merced. E quando eles não pagaram a multa, eu executei a dívida.

GOVERNADOR -

O Sr. fez o quê?

SANCHO -

Ele fechou a Igreja.

GOVERNADOR -

Esses dois não têm nada na cabeça.

CERVANTES -

(A TODOS) A lei diz que todos são iguais. Nós apenas obedecemos à lei.

DUQUE -

Governador, se o Sr. não se importa, eu gostaria de ser o promotor nesse caso.

GOVERNADOR -

Por quê?

DUQUE -

Digamos que eu não goste de estupidez – especialmente quando vem mascarada de virtude. E ainda mais: eles turvam nossa visão da realidade!

CERVANTES -

Exato. Realidade: uma prisão que esmaga o espírito humano! A poesia exige imaginação. Usando a imaginação podemos descobrir um sonho.

DUQUE -

Miguel de Cervantes! Eu te acuso de ser um idealista, um mau poeta e um homem honrado.

. GOVERNADOR -

Culpado ou inocente? 8

CERVANTES -

Culpado.

GOVERNADOR -

Bravo! (DIRIGE-SE NOVAMENTE AO FOGO)

CERVANTES -

Excelência! E a minha defesa?

GOVERNADOR -

Pra quê?

CERVANTES -

O júri poderá ser clemente.

GOVERNADOR -

Ele não é tão louco quanto eu pensava.

DUQUE -

Ele está querendo é ganhar tempo.

CERVANTES -

Tempo é uma coisa que vocês podem perder.

GOVERNADOR -

(AOS PRESOS) Se alguém tiver algum compromisso urgente, pode se retirar. (A RESPOSTA É UM GEMIDO).

CERVANTES -

É verdade que sou culpado das acusações. Idealista – eu nunca pude aceitar as coisas como são. Um mau poeta... isso é mais doloroso, mas... (FAZ UM GESTO DE CONCORDÂNCIA).

GOVERNADOR -

Já terminou sua defesa?

CERVANTES -

Ah, não, mal comecei. Se o senhor não se importa, eu gostaria de continuar da forma que conheço melhor. Vou lhes propor uma... uma diversão.

GOVERNADOR -

Uma diversão?

CERVANTES -

Na forma de uma peça. E como meu elenco é grande, apelo a todos que participem, representando os papéis que mais lhes 9

convier. DUQUE -

Protesto!

GOVERNADOR -

Não, não, vamos ouvi-lo até o fim.

CERVANTES -

Então, se me permitem, vou preparar o palco.

(O GOVERNADOR CONCORDA. OS PRISIONEIROS FORMAM O PÚBLICO. O CRIADO, COMO UM ASSISTENTE MUITO CAPAZ, PREPARA A CENA) Vou me transformar num outro homem. Seu nome é Alonso Quijana: um nobre senhor de terras, que já não é jovem. Olhos iluminados pelo fogo de visões profundamente íntimas. Aos poucos, ele vai se desinteressando de suas terras e se interessando pelos seus livros. Lê, lê, lê e lendo atravessa as noites e os dias. E tudo que lê oprime seu coração. Fica indignado com a crueldade do homem em relação ao próprio homem. Medita, medita, medita, lê, lê e lê. Até que de tanto ler e meditar, seu cérebro fica seco. Ele abandona o fardo da sanidade e concebe o mais estranho projeto jamais imaginado – transformar-se num Cavaleiro Andante e sair pelo mundo para corrigir o que está errado. Não mais será o simples Alonso Quijana, mas o intrépido cavaleiro Dom Quixote de La Mancha! (OS PRISIONEIROS DIVERTEM-SE COM A TRANSFORMAÇÃO DE CERVANTES E DO CRIADO) Música: Dom Quixote

CERVANTES -

(CANTANDO, UM ATOR CÔNSCIO DE QUE ESTÁ REPRESENTANDO)

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CENA 2 Dom Quixote e Sancho montam em dois “cavalos” improvisados por dois atores e cavalgam.

QUIXOTE -

Então, Sancho, que me dizes desta vida de aventuras?

SANCHO -

Maravilhosa, Vossa Mercê. Mas é estranho: eu acho que esta estrada para a Glória é igualzinha àquela picada pra Toboso, onde a gente compra ovos mais baratos.

QUIXOTE -

É como a beleza, meu amigo. Está nos olhos de quem a vê. Espera e verás coisas assombrosas!

SANCHO -

De que espécie?

QUIXOTE -

Tu verás cavaleiros, nações, bruxo, exércitos...

SANCHO -

Isso eu já acho perigoso.

QUIXOTE -

Isso é perigoso. E mais perigoso que os exércitos é seu comandante.

SANCHO -

Quem?

QUIXOTE -

O Grande Feiticeiro. Cuidado com ele, Sancho, pois teus pensamentos são frios e seu espírito, retorcido. Ele tem olhos como máquinas de guerra, e por onde passa a terra fica arrasada. Mas um dia os meus olhos encontrarão os dele, e nesse dia... (LEVANTA A LANÇA)

SANCHO -

Não se excite, Vossa Mercê. Cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

QUIXOTE -

Nunca se esgotam seus provérbios? 11

SANCHO -

Nunca, pois tenho a pança cheia deles. É como eu digo: sempre...

QUIXOTE -

(OLHANDO PARA AS SOMBRAS DE UM GIGANTESCO MOINHO) Meu Deus!

SANCHO -

Que foi?

QUIXOTE -

Quanto tempo faz desde que partimos?

SANCHO -

Uns dois minutos.

QUIXOTE -

Tão pouco tempo e já vou empreender feroz e desigual combate...

SANCHO -

Combate? Onde?

QUIXOTE -

Não estás vendo? Aquele monstruoso gigante de infame reputação!

SANCHO -

Que gigante? (OS “CAVALOS” TAMBÉM OLHAM)

QUIXOTE -

O gigante dos quatro braços que cortam o espaço.

SANCHO -

É um moinho de vento.

QUIXOTE -

(GRITANDO) Ôôôôô, em guarda, não fuja, covarde!

SANCHO -

Mas não, Vossa Mercê, eu juro pelo bigodinho de minha mulher que não é um gigante. É só um moinho...

QUIXOTE -

Renda-se, covarde! Criatura desprezível! 12

(UM ESTRONDO FORA DO PALCO. OS CAVALOS PROCURAM PROTEÇÃO. SANCHO PULA PARA ALCANÇAR PRIMEIRO O CAPACETE DE QUIXOTE, QUE VEM VOANDO DE FORA; DEPOIS, A EXTREMIDADE DA LANÇA, TODA QUEBRADA. UM ESTRONDO FINAL E QUIXOTE VOLTA, COM SUA ESPADA TRANSFORMADA EM SACA-ROLHA. UM QUADRO DOLOROSO. ELE VEM ROLANDO PELO PALCO E SANCHO SEGURA-O) SANCHO –

Eu não disse, Vossa Mercê? Não disse que era um moinho?

QUIXOTE -

Foi obra de meu inimigo.

SANCHO -

O grande feiticeiro?

QUIXOTE -

Ele transformou o gigante em moinho no último momento, para impedir que eu saísse vitorioso. (UMA PAUSA) Sancho! Já sei!

SANCHO -

O quê?

QUIXOTE -

De onde vem a superioridade dele. É porque eu nunca fui devidamente sagrado cavaleiro.

SANCHO -

Não tem problema. É só me dizer como é que eu faço o sagramento.

QUIXOTE -

A sagração. Obrigado, meu amigo, mas só um outro cavaleiro pode me conferir tal honra.

SANCHO -

Ah, isso já é um problema. Eu nunca vi outro cavaleiro fora Vossa Mercê.

QUIXOTE -

O senhor de um castelo pode fazê-lo. Ou um rei. Ou um duque.

SANCHO -

Então está bem. Eu vou ficar de olho em tudo quanto é rei e duque que passar por aqui. 13

QUIXOTE -

(OLHANDO AO LONGE) Ahhhhh!

SANCHO -

Que foi agora?

QUIXOTE -

Eis o lugar.

SANCHO -

Onde?

QUIXOTE -

Lá longe. Um castelo!

SANCHO -

Um castelo?

QUIXOTE -

Lá no alto dos penhascos.

SANCHO -

Penhascos?

QUIXOTE -

E os estandartes... Ah, os maravilhosos estandartes flutuando ao vento.

SANCHO -

Tem escudo?

QUIXOTE -

Um lindo escudo. Azul, com um gato de ouro saltando para o infinito e gritando... miau!

SANCHO -

Que bom! Talvez aí Vossa Mercê possa ser sacrado.

QUIXOTE -

Sagrado. (EXCITADO) Sancho, toque seu clarim para que o anão suba a muralha e anuncie a nossa chegada.

SANCHO -

(PEGA O CLARIM E HESITA) Mas eu não estou vendo castelo nenhum. O que eu vejo lá é uma hospedaria.

QUIXOTE -

Uma hospedaria! 14

SANCHO -

É melhor não passar por lá. Esses lugares são cheios de mulheres e homens grosseiros.

QUIXOTE -

Cavalguemos até a ponte do castelo e vejamos se tua visão melhora. Sancho! Ao castelo!

CENA 3 Quixote e Sancho abandonam seus personagens. Cervantes pede a alguns prisioneiros que se preparem para representar os tropeiros, e estes e Sancho arranjam a próxima cena enquanto Cervantes fala.

CERVANTES -

Eis aqui um exemplo de como a mesma coisa pode ser vista de maneiras diferentes. Para Sancho, é uma hospedaria. Para Dom Quixote, um castelo. Para qualquer outro, o que melhor lhe parecer. Mas vamos admitir que a visão de Sancho é a verdadeira: uma hospedaria. Governador, seja o gentil dono da hospedaria. (FAZ UM GESTO PARA O GOVERNADOR)

GOVERNADOR –

Se está na chuva, é para se molhar.

CERVANTES –

(PARA UMA PRISIONEIRA) Você será sua mulher...

PRISIONEIRA –

Eu?

CERVANTES -

(PARA OUTROS) E homens rudes, tropeiros, cansados depois de viajarem dez léguas. Mulheres grosseiras, especialmente uma mulher chamada Aldonza! A vida foi cruel com ela. Tornou-se uma fera que vaga pela escuridão, de dentes e garras afiadas.

Música: Aldonza

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CENA 4 Na hospedaria, os tropeiros, sentados à mesa, esperam o almoço.

TROPEIROS -

(BATENDO COM AS TIJELAS DE LATA NA MESA) Aldonza! Aldonza! (UMA FRIGIDEIRA ATRAVESSA A CENA. OS TROPEIROS ESQUIVAM-SE. ALDONZA ENTRA)

ALDONZA -

(COM UMA CAÇAROLA NAS MÃOS) Querem comer isso na mesa ou no chiqueiro? (PÕE A CAÇAROLA NA MESA E COSPE DENTRO) Olha aí, seus porcos. Comam.

PEDRO -

(RINDO) Aldonza, meu bem, vem cá!

ALDONZA -

Fala com a boca, não com as mãos.

PEDRO -

Eu tenho uma boa cama de capim no estábulo.

ALDONZA -

Come ela.

PEDRO -

Você não quer dormir com Pedro? (PEGA NO OMBRO DELA. ELA SE AFASTA) – Nem as minhas mulas são tão estúpidas.

ALDONZA -

Então dorme com tuas mulas.

(PEDRO OFERECE-LHE DINHEIRO) PEDRO -

Pode ser hoje?

ALDONZA -

Depois que eu terminar o trabalho.

(ENTRAM O HOSPEDEIRO E MARIA, SUA MULHER) HOSPEDEIRO -

Tudo em ordem, senhores? 16

ANSELMO -

Deu de comer às mulas?

HOSPEDEIRO -

Estão comendo tão bem quanto você.

PEDRO -

Deus me livre.

HOSPEDEIRO -

Tá rindo de quê? Todo mundo sabe que eu faço a melhor comida entre Madri e Málaga.

(OUVE-SE O RUÍDO DE UM CLARIM VINDO DE FORA) F ORA) ANSELMO -

Que diabo é isso?

HOSPEDEIRO -

É o açougueiro. Pensei que ele viesse amanhã. (VAI À PORTA, MAS PÁRA EM PÂNICO AO VER AS FIGURAS DE QUIXOTE E SANCHO. QUIXOTE SUBSTITUIU SUA LANÇA POR UM GALHO DE ÁRVORE).

QUIXOTE -

(SOLENEMENTE) – Onde está o dono do castelo? (PAUSA. TODOS SE ENTREOLHAM) – Perguntei onde está o castelão?

HOSPEDEIRO -

Eu é que tomo conta deste lugar.

QUIXOTE -

Nós esperávamos, senhor, que um anão subisse na muralha e nos anunciasse. Mas nenhum anão apareceu.

HOSPEDEIRO -

É que os anões estão todos ocupados.

SANCHO -

(ATENDENDO A UM SINAL DE QUIXOTE) Nobres cavalheiros e damas, o meu senhor Dom Quixote, empreendedor de grandes causas em favor da Justiça, implora a cortesia de vossa hospitalidade. 17

QUIXOTE -

Bem, Senhor, que é a vossa resposta?

HOSPEDEIRO -

Não tem dúvida. Esta hospedaria, quer dizer, este castelo está aberto a todos os viajantes.

MARIA -

(BAIXO, EM SEGREDO PARA O MARIDO) O que é isso? Ele é louco! Não faça isso! Manda ele embora!

HOSPEDEIRO -

É um cavalheiro e com certeza tem dinheiro. Além do mais, os loucos são filhos de Deus. (PARA QUIXOTE) Ilustre Cavaleiro, o senhor deve estar com fome.

QUIXOTE -

Eis que sim.

HOSPEDEIRO -

Há comida suficiente. Para seu escudeiro também. Vou ajudá-lo a guardar os animais.

QUIXOTE -

Amáveis cavaleiros, formosa castelã, se houver dentre vós aquele que necessite de ajuda, falai! Meu braço direito está à vossa disposição. Seja um ser humano humilhado, seja uma mulher aflita, seja alguém sofrendo luta desigual ou seja simplesmente... Meu Deus, é ela... Doce senhora, formosa virgem, não vos posso contemplar – pois tanta beleza me cegaria –, mas eu vos imploro: dizei o vosso nome.

ALDONZA -

Aldonza.

QUIXOTE -

Como, minha senhora?

ALDONZA -

Aldonza.

QUIXOTE -

O nome de sua lavanderia? Ah! Talvez seja o nome de vossa criada.

ALDONZA -

Já lhe disse o meu nome, agora sai da frente. 18

PEDRO -

Calma, mulher!

QUIXOTE -

Estará minha dama me pondo à prova? Ah, doce soberana do meu cativo coração, não vos falharei! (CANTA)

PEDRO -

(PARA OS OUTROS) Ele não sabe com quem está mexendo...

Música: Dulcinéa

HOSPEDEIRO -

(ENTRANDO; PARA QUIXOTE) Vamos, senhor cavaleiro, vou mostrar-lhe o seu quarto.

MARIA -

Ai, Dulcinéa.

(OS TROPEIROS CANTAM UMA PARÓDIA DA CANÇÃO, COM OS MESMOS VERSOS, MAS DITOS COM DESPREZO, ATÉ QUE ALDONZA OS ENXOTA.) ALDONZA –

Desgraçados!

CENA 5 Estamos de volta à prisão. O Duque, no centro, grita para os outros.

DUQUE -

Governador! Governador! Esse homem disse que ia apresentar uma defesa.

CERVANTES -

Esta é a minha defesa.

DUQUE -

É a defesa mais estranha que já vi.

CERVANTES -

Mas se ela distrai...

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DUQUE -

Exatamente. Distrai. O seu propósito é distrair-nos.

CERVANTES -

Exatamente! E agora, posso continuar?

GOVERNADOR -

Com a palavra, a defesa.

CERVANTES -

(ENQUANTO ARRANJA A PRÓXIMA CENA) Imaginemos agora a família que nosso bravo cavaleiro abandonou. Não os nobres que povoam os sonhos de Dom Quixote de La Mancha, mas apenas os parentes do fazendeiro Alonso Quijana. Imaginem o choque que sentiram com a notícia da loucura de se senhor. O choque de sua sobrinha, Antônia, preocupada com seu próximo casamento e com a reação de seu noivo. Para sua criada de muitos anos. O choque do padre, que o conhece desde pequeno. (ELE DEU ROUPAS AOS PRESOS QUE ESCOLHEU, E AGORA ESTENDE UMA AO DUQUE) Para você, um personagem que muito lhe agradará. Será o noivo de Antônia: Doutor Sanson Carrasco, bacharel em ciências, culto, inteligente, lógico. Um homem importante que teme perder seu status.

CENA 6 Sala da casa de Alonso Quijana. Antônia, criada, padre. Depois Sanson.

CRIADA -

Dizem que saiu à procura de dragões, Padre. Temo que os demônios tenham se apossado dele.

ANTONIA -

Ah, se meu noivo souber disso, só Deus sabe o que será capaz de fazer!

PADRE -

Calma, minhas filhas, calma.

(ENTRA SANSON) ANTONIA -

Sanson! 20

PADRE -

O senhor já ouviu?

SANSON -

No meu caminho para cá, pelo menos dez pessoas me informaram. Minha querida, teu tio é motivo de piada por toda a vizinhança. Padre, o que é que o senhor sabe disso?

PADRE -

Sei apenas que o bom senhor Quinjana se deixou levar pela imaginação.

SANSON –

O senhor Quijana perdeu o juízo e sofre de alucinações.

PADRE -

Não foi isso que eu disse?

SANSON -

Há uma diferença na forma. Devo lembrá-lo, Padre, que eu sou um doutor.

ANTONIA -

Por favor, não discutam. Precisamos fazer alguma coisa por ele.

SANSON -

Precisamos fazer alguma coisa por nós.

ANTONIA -

Como por nós?

SANSON -

Pelo nosso casamento, querida. Não é agradável ter um louco na família. Os outros podem pensar...

PADRE -

Por favor, doutor...

SANSON -

Não me agrada a ideia de ter um lunático como tio.

CRIADA -

Os inocentes pagam pelos pecadores.

PADRE -

Qual é o pecado dele? Imaginar aventuras inofensivas? 21

SANSON -

Como sabe que são inofensivas? Sabe Deus quanta violência ele  já cometeu. Estava armado!

CRIADA -

Com lança e espada. Mas não acredito que faria mal a alguém...

ANTONIA -

Querido, eu tinha tantas esperanças, principalmente com você. Tudo ia ficar para você – a casa, as terras...

PADRE -

É mesmo, doutor, com o tempo tudo seria seu. Afinal de contas, se alguém se dedica à ciência, precisa de meios.

SANSON -

O senhor é padre ou economista?

PADRE -

Quero dizer que o senhor está diante de um grande desafio.

SANSON -

Um desafio?

PADRE -

Sim, é preciso muita inteligência para curá-lo dessa loucura e convencê-lo a voltar para casa.

SANSON -

Hum. Isso é um desafio. Na verdade é um desafio. Será que ele  já está muito longe?

PADRE -

Não mais que um dia de viagem.

SANSON -

Apronte-se, Padre. Vamos atrás dele.

CRIADA -

Que Deus ajude a encontrá-lo. Voltemos a rezar. É só o que podemos fazer (CONSOLANDO ANTÔNIA)

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CENA 7 Na prisão, depois na cozinha da hospedaria. h ospedaria.

CERVANTES -

Voltemos à hospedaria. À cozinha da hospedaria. Uma cozinha, por favor? Obrigado. Muito bem. Como todos sabem, é imperativo que cada cavalheiro andante tenha uma dama. Pois um cavalheiro sem dama é como corpo sem alma. A quem dedicaria ele suas façanhas, que imagem sustentaria seu coração quando lutasse contra a violência e a maldade? Dom Quixote, tendo encontrado sua dama, manda que seu fiel escudeiro lhe entregasse uma missiva. (APONTA PARA A ÁREA ONDE VAI SE DESENRIOLAR A AÇÃO. LUZ SOBRE ALDONZA, QUE ESTÁ DEVORANDO O SEU JANTAR. SANCHO SE APROXIMA, DEPOIS DE RECEBER DE CERVANTES UMA FOLHA DE PAPEL)

ALDONZA -

Missiva? O que é uma missiva?

SANCHO -

É uma espécie de carta. Ele fez questão de que eu entregasse em suas mãos.

ALDONZA -

Deixe ver. (PEGA A CARTA, INSPECIONA OS DOIS LADOS) Não sei ler.

SANCHO -

Nem eu. Mas meu senhor, prevendo tal possibilidade, me fez decorar.

ALDONZA -

Por que ele se atreveu a pensar que eu não sei ler?

SANCHO -

Meu senhor explicou que as mulheres nobres estão sempre muito ocupadas bordando.

ALDONZA -

Bordando?

SANCHO -

Bordado galardões para seus cavaleiros. Disse que elas não têm tempo para estudar. 23

ALDONZA -

Que é que está escrito aí?

SANCHO -

“Mui linda soberana e dama de alta linhagem...”

ALDONZA -

(DESDENHANDO) Ah...

SANCHO -

“O coração de vosso fiel cavaleiro anseia por vossos favores...”

ALDONZA -

(DESCONFIADA) Ah!

SANCHO -

“Oh, formosa entre as formosas, virgem das virgens, incomparável Dulcinea...”

ALDONZA -

Lá vem isso de novo. Meu nome é Aldonza.

SANCHO -

Para meu senhor é Dulcinea.

ALDONZA -

Por quê?

SANCHO -

Não sei. Mas sei, por experiência, que os cavaleiros têm sua própria linguagem para tudo – e é melhor não contrariá-los. (ALDONZA FAZ UM GESTO DE DESPREZO) – “Suplico vossa permissão para beijar a fimbria de vosso vestido...”

ALDONZA -

Beijar o quê?

SANCHO -

Se você continuar interrompendo, eu esqueço a missiva.

ALDONZA -

Bom. O que é que ele quer?

SANCHO -

Já chego lá. “...e que me envieis uma lembrança de vossa estima, que eu possa conduzir como bandeira em minhas batalhas.” 24

ALDONZA -

Que tipo de lembrança?

SANCHO -

Uma prenda. Ele diz que o protocolar é um lenço de seda.

ALDONZA -

Seu patrão é maluco.

SANCHO -

Ah, não...

ALDONZA -

Ah, sim...

SANCHO -

Bom, dizem que pra ser louco nesta terra é preciso ter juízo.

ALDONZA -

Que quer dizer isso?

SANCHO -

Não sei não.

ALDONZA -

Você também é louco! (PAUSA) Que é que está esperando?

SANCHO -

A prenda.

ALDONZA -

Eu vou dar uma prenda para ele. Olha aqui! (ATIRA-LHE O PANO DE PRATO IMUNDO E RASGADO)

SANCHO -

Mas, minha senhora!

ALDONZA -

Não me venha de minha senhora, você também. (SANCHO VAI SAINDO) Espera um pouco. Vem cá. Senta. Me diga uma coisa. Por que é que você é tão amigo dele?

SANCHO -

A, isso é muito fácil de responder.... Porque... 25

ALDONZA -

Por quê?

SANCHO -

Bom... quer dizer... é porque...

ALDONZA -

Por quê?

SANCHO -

Porque eu gosto dele.

SANCHO -

(DESISTE E CANTA)

Música: Sancho

ALDONZA -

Isso é uma besteira.

SANCHO -

Você não entende porque não é um escudeiro.

ALDONZA -

Está bem, você é um escudeiro. Mas o que é que o escudeiro escuda?

SANCHO -

Ué, eu vou a cavalo atrás dele, ele luta, ele cai e aí eu levanto ele.

ALDONZA -

Mas o que é que você ganha com isso?

SANCHO -

O que é que eu ganho? Ganho muito. Até agora eu já tenho...

ALDONZA -

Você não tem nada. Por que é que você faz isso?

SANCHO -

Pode não ser uma boa razão, mas é...

Música: Sancho - trecho 26

(SAI, COM SUA DIGNIDADE. PELO OUTRO LADO DO PALCO, PEDRO E ANSELMO ENTRAM. ALDONZA OLHA A CARTA. PEDRO ARRANCA-LHE A CARTA DA MÃO). PEDRO -

O que é isso?

ALDONZA -

Me dá aqui!

PEDRO -

É uma carta!

ALDONZA -

Isso mostra que você é ignorante. Isto é uma missiva.

PEDRO -

Missiva? Quem sabe ler?

(ANSELMO LEVANTA O BRAÇO. PEDRO DÁ-LHE A CARTA. ALDONZA TENTA PEGÁLA, ELES A SEGURAM) ALDONZA -

Desgraçados!

ANSELMO -

(LENDO) “Mui linda soberana e dama de alta linhagem...” É o cavaleiro dela. Uma carta de amor...

ALDONZA -

É uma brincadeira estúpida.

PEDRO -

Então por que está tão nervosa? Será que ele tocou seu coração?

ALDONZA -

Ninguém toca meu coração. Ele é um homem, não é? Ele quer o que todo homem quer.

PEDRO -

Aldonza, vamos agora?

ALDONZA -

Mais tarde. Quando eu acabar a limpeza. 27

CENA 8 No pátio da hospedaria.

SANCHO -

Vossa Mercê...

QUIXOTE -

Então, ela te recebeu? Ah, feliz mortal... E a prenda? Onde está a prenda? (SANCHO LHE DÁ O PANO DE PRATO) Tecido finíssimo. Perdão, eu estou maravilhado.

(OUVE-SE UM CANTO ALEGRE) QUIXOTE -

Sancho! Alguém se aproxima!

SANCHO -

É só um viajante.

QUIXOTE -

Mas veja o que ele traz na cabeça. Prepara-te, Sancho!

SANCHO -

Oh, meu Deus!

(ESCONDEM-SE AMBOS) BARBEIRO -

Meu Deus! Como está quente!

(ENTRA. TEM UMA BACIA NA CABEÇA. QUIXOTE SALTA E O CUTUCA COM A ESPADA) BARBEIRO -

Pela barba de Santo Antônio! Eu podia jurar que vejo diante de mim um cavaleiro andante. (DÁ UMA RISADA) Ridículo! Não há mais cavaleiros.

QUIXOTE -

O quê?

BARBEIRO -

(COM MEDO) Perdão, Alteza. Acho que o sol me fez nal. 28

QUIXOTE -

Serás queimado por coisa pior se não me deres esse elmo de ouro.

BARBEIRO -

Mas que elmo? Isto aqui é uma bacia de barbear.

QUIXOTE -

Uma bacia de barbear...

SANCHO -

(EXAMINANDO) Para falar a verdade, parece mesmo uma bacia de barbear.

BARBEIRO -

É uma bacia. Eu sou um barbeiro – vivo de cidade em cidade fazendo barba – uso essa bacia pra me proteger do sol.

QUIXOTE -

Silêncio! Sabem o que isto é? É o elmo de ouro de Mambrino. O cavaleiro que o usar com coração puro, fica imune a todos os ferimentos. Onde o roubaste, patife?

BARBEIRO -

Não roubei nada.

QUIXOTE -

Me dê.

BARBEIRO -

Mas me custou meia coroa.

QUIXOTE -

Me dê.

SANCHO -

Meia coroa é um bom preço.

QUIXOTE -

Tolo!

SANCHO -

É melhor dar...

(SANCHO PEGA A BACIA COM REVERÊNCIA E COLOCA NA CABEÇA DE QUIXOTE, 29

QUE SE AJOELHA) Música: Elmo de Mambrino

(QUIXOTE SAI) BARBEIRO -

Quando comprei aquilo, juro que pensei que era uma bacia.

SANCHO -

Se ele diz que é um elmo, eu sugiro que você concorde.

BARBEIRO -

Está bem, é um elmo de ouro. Mas você pode arranjar um jeito, talvez quando ele estiver dormindo, de pegar isso de volta? Este elmo é meu objeto de trabalho...

(O BARBEIRO E SANCHO SAEM)

CENA 9 Entra o hospedeiro e vê Quixote ajoelhado de olhos fechados.

HOSPEDEIRO -

(ENTRANDO SURPRESO) Está orando? Onde estão seus amigos?

QUIXOTE -

Senhor, preciso fazer uma confissão.

HOSPEDEIRO -

A mim?

QUIXOTE -

Devo confessar que nunca fui sagrado cavaleiro.

HOSPEDEIRO -

Ah... Isso é mau.

QUIXOTE -

E, no entanto, tenho todas as qualidades: sou corajoso, gentil, ousado, generoso, afável e paciente. 30

HOSPEDEIRO -

É a lista completa!

QUIXOTE -

Sendo assim, preciso de vosso obséquio...

HOSPEDEIRO -

Se for possível...

QUIXOTE -

Esta noite farei vigília na capela do castelo e, de madrugada, gostaria de ter a honra de receber de vossa mão o grau de cavaleiro.

HOSPEDEIRO -

Hum... Tem só um problema. Não temos capela.

QUIXOTE -

O quê?

HOSPEDEIRO -

Quer dizer – está consertando. Mas se o senhor não se importa de fazer a vigília em outro lugar...

QUIXOTE -

Aqui mesmo no pátio. Debaixo das estrelas.

HOSPEDEIRO -

Ótimo. E de madrugada o senhor será sagrado cavaleiro.

QUIXOTE -

Eu vos agradeço.

HOSPEDEIRO -

Vai jantar agora?

QUIXOTE -

Jantar? Antes de uma vigília? Não, meu senhor, devo passar esta noite em jejum e fortalecer o meu espírito.

(ENTRA MARIA) MARIA -

O que ele está fazendo? 31

HOSPEDEIRO -

Vai passar a noite em vigília e amanhã será sagrado cavaleiro.

MARIA -

Credo! Não vou conseguir dormir sabendo que esse louco está à solta por aí.

HOSPEDEIRO -

Ora, Maria.

MARIA -

Devia mandá-lo embora. Vamos perder nossos fregueses!

HOSPEDEIRO -

Não, Maria. É um bom homem.

MARIA -

Para mim não passa de um louco. Um doido varrido!

HOSPEDEIRO -

Venha, Maria, vamos dormir.

(SAEM HOSPEDEIRO E MARIA)

CENA 10 No pátio da hospedaria.

QUIXOTE -

Agora devo considerar como os poetas do futuro descreverão esta histórica noite. “Muito tempo depois que o sol já se retirara para sua habitação, escurecendo as planícies de La Mancha, Dom Quixote, com o passo firme e expressão imponente velava suas armas no pátio de um imenso castelo.”. (OUVE O ECO DE SUA VOZ E BAIXA A CABEÇA ENVERGONHADO) Oh, vaidade das vaidades! Não, Dom Quixote, respira profundamente a vida e reflete como ela deve ser vivida. (ENTRA ALDONZA) Recorda que nada é teu se não tua alma. Ama não o que és, mas o que poderás vir a ser. Não procures os prazeres, pois poderás ter a desgraça de encontrá-los. Olha sempre para frente. Sê gentil com todas as mulheres e vive sempre com o pensamento naquela a quem dedicas tuas ações; aquela que é chamada Dulcinéa.

32

ALDONZA -

Por que me chama assim?

QUIXOTE -

Minha dama!

ALDONZA -

Levante-se daí, levante-se. Por que é que me chama por esse nome?

QUIXOTE -

Porque é o vosso.

ALDONZA -

Meu nome é Aldonza.

QUIXOTE -

(BALANÇA A CABEÇA) Eu vos conheço, senhora.

ALDONZA -

Meu nome é Aldonza, e acho que você não me conhece.

QUIXOTE -

Eu vos conheci durante toda minha vida. Vossa virtude, a nobreza de vosso espírito.

ALDONZA -

Olhe bem para mim!

QUIXOTE -

Tenho vossa imagem no meu coração.

ALDONZA -

Seu coração não conhece as mulheres.

QUIXOTE -

Meu coração conhece tudo senhora. Sabe que a mulher é a alma do homem. O resplendor que ilumina seu caminho. Sua glória.

ALDONZA -

O que é que você quer de mim?

QUIXOTE -

Nada.

ALDONZA -

Mentira. 33

QUIXOTE -

Mereço a censura. Quero de minha dama que...

ALDONZA -

Ah, agora sim.

QUIXOTE -

...que me conceda o privilégio de servi-la; que me permita guardá-la no coração. Que me conceda oferecer-lhe minhas vitórias e que seja meu consolo na derrota. E, no dia em que eu perder a vida, que a perca em nome de Dulcinéa.

ALDONZA -

Tenho que ir embora. Pedro está me esperando. (PAUSA. PARA E SE VOLTA A ELE) – Por que é que o senhor faz isso?

QUIXOTE -

O quê, senhora?

ALDONZA -

Essas coisas ridículas!

QUIXOTE -

É que espero acrescentar um pouco de graça ao mundo.

ALDONZA -

O mundo é um chiqueiro e nós somos os porcos que chafurdam nele.

QUIXOTE -

No seu coração, minha dama sabe que isso não é verdade.

ALDONZA -

O que meu coração sabe já basta para me levar pro inferno. E você, Senhor Dom Quixote, vai apanhar muito da vida.

QUIXOTE -

Não importa que eu ganhe ou perca.

ALDONZA -

Então o que é que importa?

QUIXOTE -

Que eu seja fiel à minha causa. 34

ALDONZA -

(COSPE) Pra sua causa. (TEMPO) Que quer dizer com causa?

QUIXOTE -

A missão de um verdadeiro cavaleiro... Seu ideal...

Música: Sonho Impossível

ALDONZA -

(FICA QUIETA UM POUCO) Será que pelo menos uma vez o senhor podia me ver como eu sou?

QUIXOTE -

Vejo beleza, inocência; vejo a mulher que cada homem tem dentro de si: Dulcinéa.

CENA 11 Aldonza geme em desespero e tenta sair correndo quando bate com Pedro. Ele a segura violentamente.

PEDRO -

Tá pensando que sou bobo? Me fazendo esperar! Pensa que eu sou idiota?

ALDONZA -

Não... Eu já estava indo.

PEDRO -

Minha dama! Minha princesa! (DÁ-LHE UMA BOFETADA)

QUIXOTE -

Monstro!

PEDRO -

Sai da frente!

QUIXOTE -

(AVANÇANDO) Tem a ousadia de agredir uma senhora?

PEDRO -

Sai daí ou quebro essa cabeça oca!

QUIXOTE -

Coração de pedra! Vou te castigar! 35

PEDRO -

Eu tô avisando! Aiiii! (DOM QUIXOTE O DERRUBA POR SORTE) Ai, o que aconteceu? Estou zonzo. Anselmo!

QUIXOTE -

Alma de cortiça!

PEDRO -

Anselmo!

(OS TROPEIROS ENTRAM CORRENDO. SANCHO TAMBÉM) QUIXOTE -

Um por um ou todos juntos, Dom Quixote vencerá os exércitos inimigos!

PEDRO -

Cuidado com ele!

ALDONZA -

Não toquem nele!

PEDRO -

Pra trás!

ALDONZA -

Não toquem nele! Ele vale mais de mil de vocês!

PEDRO -

Você também quer apanhar?

(UM TRATAMENTO CÔMICO E COREOGRÁFICO DO CONFLITO. OS TROPEIROS CAEM, FORA DE COMBATE) QUIXOTE -

Vitória!

SANCHO -

Vitória!

ALDONZA -

Vitória!

36

HOSPEDEIRO -

(ENTRANDO COM TOUCA DE DORMIR) Que barulheira é essa? (VÊ OS TROPEIROS) Oh, meu Deus, que horror!

ALDONZA -

Que maravilha!

QUIXOTE -

Excelência, (EXAUSTO) eu vos informo que a justiça triunfou! (E CAI NO CHÃO)

SANCHO -

Vossa Mercê está ferido?

QUIXOTE -

Não. Um pouquinho fraco.

ALDONZA -

Está ferido, sim!

(VAI AJUDÁ-LO. MARIA ENTRA) MARIA -

Que foi? (VÊ QUIXOTE) O maluco! Eu sabia!

HOSPEDEIRO -

Vá buscar um pano! Depressa!

ALDONZA -

(RASGANDO UM PEDAÇO DE SUA ROUPA) Pobre guerreiro!

MARIA -

Guerreiro? Pobre maluco! Isso sim!

HOSPEDEIRO -

Vá pra cama, Maria.

MARIA -

Eu avisei que isso ia acontecer.

HOSPEDEIRO -

Vá pra cama.

MARIA -

Eu avisei que isso ia acontecer. Ele vai nos arrasar a todos! 37

(MARIA SAI. HOSPEDEIRO VAI AJUDAR OS TROPEIROS E QUIXOTE ABRE OS OLHOS) SANCHO -

Ele está acordando.

QUIXOTE -

(VÊ ALDONZA) Ah, pudesse eu sempre acordar contemplando tal visão.

ALDONZA -

Não se mexa.

SANCHO -

Fizemos um bom trabalho, Vossa Mercê.

QUIXOTE -

Acabamos com eles, não foi?

ALDONZA -

Ah! Esses canalhas vão ficar uma semana sem poder andar!

QUIXOTE -

Minha dama! Não é correto alegrar-se com a desgraça alheia.

ALDONZA -

Eles que vão pro inferno!

HOSPEDEIRO -

Senhor, eu sou um homem pacífico e calmo. O Senhor Cavaleiro me desculpe, mas tenho que lhe pedir que deixe o castelo o mais breve possível.

QUIXOTE -

(DIGNO) Lamento ter ofendido a dignidade do vosso castelo. Partirei pela madrugada. Mas primeiro, senhor castelão, devo recordar vossa promessa.

HOSPEDEIRO -

Promessa?

QUIXOTE -

É verdade que a aurora ainda não nasceu, mas já velei minhas armas e provei minha coragem em combate. Portanto, peço-vos que me sagreis cavaleiro. 38

HOSPEDEIRO -

Ah, claro. Vamos acabar logo com isso.

QUIXOTE -

(A SANCHO) Sancho, por favor, traga a minha espada. (A ALDONZA) Senhora minha, meu coração se inunda de alegria por saber que estais presente a esta cerimônia.

ALDONZA -

(AJUDANDO-O) Cuidado.

QUIXOTE -

Este é o momento solene que confirma minha vocação.

HOSPEDEIRO -

(SEGURANDO A ESPADA QUE SANCHO LHE DEU) Está pronto?

QUIXOTE -

Estou.

HOSPEDEIRO -

Muito bem. Ajoelhe-se. Dom Quixote de La Mancha, eu vos sagro cavaleiro. (BATE COM A ESPADA NOS DOIS OMBROS DE QUIXOTE E PREPARA-SE PARA SAIR).

QUIXOTE -

Excelência.

HOSPEDEIRO -

Fiz alguma coisa errada?

QUIXOTE -

Se Vossa Excelência quisesse mencionar os feito que realizei para merecer essa honra...

HOSPEDEIRO -

Ah, é claro... (PEGA A ESPADA DE NOVO) Dom Quixote de La Mancha, tendo provado vossa coragem em terrível e glorioso combate, e pela minha autoridade como senhor deste castelo, eu vos sagro cavaleiro. (VAI SAIR)

QUIXOTE -

Excelência.

HOSPEDEIRO -

Mais alguma coisa? 39

QUIXOTE -

É costume conceder um título ao novo cavaleiro. Se Vossa Excelência pudesse outorgá-lo...

HOSPEDEIRO -

Hum. Eu vos dou o nome de Cavaleiro da Triste Figura.

QUIXOTE -

Eu vos agradeço.

HOSPEDEIRO -

E agora, senhor Cavaleiro, eu vou dormir. E acho que o senhor deve fazer o mesmo. (SAI)

QUIXOTE -

Cavaleiro da Triste Figura...

ALDONZA -

(CHORANDO) É um lindo nome.

SANCHO -

Vamos, vamos para a cama.

QUIXOTE -

Ainda não. Devo tratar dos ferimentos dos meus inimigos.

ALDONZA -

O quê?

QUIXOTE -

A nobreza assim exige.

ALDONZA -

É mesmo?

QUIXOTE -

É, senhora. Tenho que ir.

ALDONZA -

Não, o senhor não. Eu irei. O senhor precisa descansar.

QUIXOTE -

Mas...

ALDONZA -

Eles eram meus inimigos também. 40

QUIXOTE -

Ó bendita!

SANCHO -

Venha Vossa Mercê.

QUIXOTE -

(SAINDO) Bendita, bendita.

CENA 12 Aldonza entra na hospedaria. Os tropeiros estão caídos. Pedro levanta a cabeça quando a vê.

PEDRO -

O que você veio fazer aqui?

ALDONZA -

Vim tratar de seus ferimentos.

PEDRO -

O quê?

ALDONZA -

A nobreza assim exige. Vira aí, seu piolhento.

JOSÉ-

A nobreza? A nobreza de quem?

PACO -

Há alguém nobre por aqui?

JOSÉ -

Não vejo ninguém. Só nós e uma rameira.

ALDONZA -

Que idiota eu sou. Vocês não merecem nada!

TODOS -

Al – don – za. Sempre será Al – don – za!!!

ANSELMO -

Só quem nasce nobre é da nobreza.

(AGARRAM ALDONZA) 41

ALDONZA -

Me larguem!

(NUM TRATAMENTO COREOGRÁFICO, ELES A AGRIDEM VIOLENTAMENTE. QUANDO ESTÁ NO CHÃO, PEDRO FAZ UM SINAL PARA QUE PAREM. SAEM CARREGANDO O CORPO DELA)

CENA 13 Prisão. Ouve-se o “Tema da Inquisição”.

CERVANTES -

Esse ruído...

GOVERNADOR -

São os homens da Inquisição.

CERVANTES -

O que vão fazer?

PRISIONEIRO -

Vão levar alguém.

PRISIONEIRO -

Ao interrogatório.

PRISIONEIRO -

E depois, à fogueira.

CERVANTES -

Vão levar a mim?

DUQUE -

Quem sabe. Que é isso, Cervantes? Você não está com medo! Onde está tua coragem? Na tua imaginação? Não há saída, Cervantes. Isto está acontecendo. Não a seu bravo homem de La Mancha, mas a você. Depressa, Cervantes, peça que ele o socorra. Que ele o proteja... que ele o salve, se puder.

(APARECEM NA ESCADA OS HOMENS DA INQUISIÇÃO. ENCAPUÇADOS, DE ASPECTO AMEAÇADOR. CERVANTES ESTÁ APAVORADO. ELES LEVAM UM PRESO. CERVANTES CAI SOBRE UMA CADEIRA. O GOVERNADOR MANDA QUE LHE DÊEM UM COPO DE VINHO) 42

GOVERNADOR -

Está melhor?

CERVANTES -

Obrigado.

GOVERNADOR -

Muito bem. Vamos prosseguir em sua defesa.

CERVANTES -

Se eu pudesse descansar um pouco...

DUQUE -

Por que é que vocês poetas são tão fascinados pelos loucos?

CERVANTES -

Acho que temos muita coisa em comum.

DUQUE -

Os dois dão as costas à vida.

CERVANTES -

Nós dois selecionamos da vida o que ela tem de melhor.

DUQUE -

Um homem tem de aceitar a vida como ela é!

CERVANTES -

Já vivi quase cinquenta anos e vi a vida como ela é. Angústia, miséria, fome, violência, crueldade além de qualquer limite. Ouvi os cantos das tabernas e pisei a lama das sarjetas. Já fui soldado e vi meus companheiros morrerem em batalha ou morrerem mais lentamente, na África, torturados debaixo de chicote. Eu os tive em meus braços, nos seus últimos momentos. Esses homens viram a vida como ela é – e mesmo assim morreram em desespero. Sem glória, sem beleza, sem palavras finais. Tendo os olhos cheios de confusão e a boca cheia de soluços, perguntando: “Por quê?”. Sei que não perguntavam por que estavam morrendo, mas por que tinham vivido. Quando a própria vida não tem sentido, o que é loucura? Talvez o cotidiano seja loucura. Talvez renunciar aos sonhos seja loucura. Mas a maior loucura é ver a vida como ela é e não como deveria ser.

43

CENA 14 Aos poucos ele se fora transformando em Quixote.

QUIXOTE –

Que tais acontecimentos sejam a prova de que a nobreza triunfa e a virtude prevalece.

SANCHO -

Não entendo.

QUIXOTE -

O quê, meu amigo?

SANCHO -

Por que o senhor está tão alegre. Primeiro encontrou a sua dama, mas depois a perdeu.

QUIXOTE -

Não a perdi.

SANCHO -

Mas se ela foi com os tropeiros.

QUIXOTE -

Foi com elevado propósito, sem dúvida.

SANCHO -

Elevado propósito com gente tão baixa?

QUIXOTE -

Sancho, Sancho, teus olhos sempre veem o mal em lugar do bem.

SANCHO -

Meus olhos não têm culpa. Eles não fizeram o mundo, apenas o veem. Por que o senhor não declara uma trégua?

QUIXOTE -

E impedir que a injustiça triunfe?

SANCHO -

Acho que a injustiça tem uma armadura muito forte.

QUIXOTE -

E por isso eu deveria desistir? Não! Um homem pode ser derrotado dez mil vezes, mas dez mil vezes deve levantar-se e voltar à luta. 44

(ALDONZA ENTRA) ALDONZA -

(AMARGA) Mentira. Loucura e mentira.

HOSPEDEIRO -

Aldonza! O que foi?

ALDONZA -

Pergunte a ele.

QUIXOTE -

Punirei os que cometeram este crime.

ALDONZA -

O pior crime de todos é ter nascido. Por esse crime, a gente é castigada a vida inteira.

QUIXOTE -

Dulcinéa...

ALDONZA -

Chega disso! Vai prum hospício. Vai delirar sobre nobreza onde ninguém pode te ouvir!

QUIXOTE -

Senhora minha, minha dama...

ALDONZA -

Não sou tua dama! Não sou dama nenhuma!

QUIXOTE -

E ainda assim sois minha dama.

ALDONZA -

Ele continua a me atormentar. Como posso ser uma dama?

QUIXOTE -

Não negueis, sois minha dama Dulcinéa.

ALDONZA -

Tire as nuvens de teus olhos e me veja como eu sou!

QUIXOTE -

Agora, e para sempre, sois minha dama Dulcinéa! 45

ALDONZA -

Não!

CENA 15 Ouvem-se sons de tambores. Entra o cavaleiro dos espelhos com soldados. Todos carregam um escudo espelhado.

SANCHO -

Patrão!

CAVALEIRO -

Está aqui aquele que se diz chamar Dom Quixote de La Mancha? Se estiver, que se aproxime

QUIXOTE -

Eu sou Dom Quixote de La Mancha, o Cavaleiro da Triste Figura.

CAVALEIRO -

Pois escutai-me, charlatão! Não sois cavaleiro, mas um mentiroso vulgar! Vossa impostura é um escárnio e vossos princípios são poeira sob meus pés!

QUIXOTE -

Oh, Cavaleiro falso e descortês! Dizei-me vosso nome antes que vos castigue.

CAVALEIRO -

Sabereis meu nome em seu devido tempo.

QUIXOTE -

Dizei então por que me procurais!

CAVALEIRO -

Vós me chamastes, Quixote! Vós me ultrajastes e me ameaçastes!

QUIXOTE -

O Grande Feiticeiro! Eu vos desafio!

SANCHO -

Não, Patrão!

CAVALEIRO -

(FRIO) Em que termos lutamos? 46

QUIXOTE -

Escolhei!

CAVALEIRO -

Muito bem. Se fordes vencido, perdereis vossa liberdade e obedecereis a todas as minhas ordens.

QUIXOTE -

Se ainda estiverdes vivo, haveis de ajoelhar e implorar a misericórdia de minha dama Dulcinéa.

CAVALEIRO -

E onde encontrarei tal dama?

QUIXOTE -

Ali está ela.

CAVALEIRO -

Isso é uma dama?

QUIXOTE -

(TIRANDO A ESPADA) Defendei-vos, vilão!

CAVALEIRO -

(RECUANDO) Esperai! Perguntaste meu nome, Dom Quixote! Agora vou dizê-lo. Eu sou o Cavaleiro dos Espelhos. Olhai, Dom Quixote! (REVELA UM ENORME ESPELHO A DOM QUIXOTE. OS CRIADOS FAZEM O MESMO. QUIXOTE CORRERÁ DE UM PAR A OUTRO, VENDO SEMPRE A SUA IMAGEM) Olhai no espelho da realidade e enxergai as coisas como são! Olhai bem! Que estais vendo, Dom Quixote! Um galante cavaleiro? Nada! Sois apenas um velho idiota! (ELE CORRE PARA OUTRO ESPELHO) Olhai! Estais vendo? Um louco fantasiado de palhaço! Olhai, Dom Quixote! Mergulhai nestes espelhos! Mergulhai bem fundo! Vossa mascarada terminou! Confessai! Vossa dama é uma rameira e vosso sonho, o pesadelo de uma mente em desordem!

QUIXOTE -

(EM DESESPERO) Eu sou Dom Quixote... Cavaleiro andante de La Mancha... E minha dama é a dama Dulcinéa... Eu sou Dom Quixote, Cavaleiro andante... E minha dama... minha dama... (LIQUIDADO, CHORANDO. ELE CAI AO SOLO)

CAVALEIRO -

(REMOVENDO O ELMO – É SANSON) Feito! 47

SANCHO -

Patrão! É o doutor Sanson! É só o doutor Sanson!

SANSON -

Perdão, senhor Quijana. Não havia outro remédio.

CENA 16 Na prisão ouvem-se os tambores. Cervantes ainda está no chão. Todos os prisioneiros ficam tensos.

CAPITÃO -

Cervantes! Miguel de Cervantes! Prepare-se para ser interrogado!

CERVANTES -

Por quem?

CAPITÃO -

Pelos juízes da Inquisição

GOVERNADOR -

Quando, Capitão?

CAPITÃO -

Em breve.

GOVERNADOR -

Mas não já. Ótimo! Você tem tempo de terminar sua história.

CERVANTES -

Mas a história terminou.

GOVERNADOR -

O quê?

CERVANTES -

Pelo menos que eu saiba.

GOVERNADOR -

Acho que não gosto nada deste final. (MURMÚRIO DOS PRISIONEIROS) E o júri também não.

DUQUE -

Portanto, ele fracassou. 48

GOVERNADOR -

Miguel de Cervantes. A sentença desta corte...

CERVANTES -

Um momento!

GOVERNADOR -

Que é?

CERVANTES -

Posso ter mais um pouco de tempo?

GOVERNADOR -

Por mim, pode. Mas a Inquisição...

CERVANTES -

Só alguns minutos! Eu vou improvisar... Um quarto na casa de Dom Alonso Quijana. Uma vela, por favor. Deitado numa cama está um homem que se denomiava Dom Quixote. Ele está entre a vida e a morte.

CENA 17 Uma cama no quarto de dormir de Alonso Quijana. Quixote está deitado nela. Ele está com os olhos muito abertos, mas não veem nada. Estão presentes a criada, Antônia, Sanson e o Padre.

ANTONIA -

Não se pode fazer nada? Acho que ele precisa mais de mim que do senhor.

PADRE -

Onde estará ele? Em que obscura caverna da mente se escondeu?

SANSON -

De acordo com recentes teorias...

PADRE -

Por favor, doutor...

SANSON -

Acha que não fiz bem? 49

PADRE -

Fez. Este é o problema.

(SANCHO ENTRA TIMIDAMENTE. CHAPÉU NA MÃO) ANTONIA -

Você de novo?

SANSON -

Mande ele ir embora.

PADRE -

Que mal pode fazer?

SANCHO -

Reverendo, posso falar com ele?

PADRE -

Acho que ele não pode te ouvir.

SANCHO -

Quero falar só um pouquinho.

SANSON -

Não fale nada de cavaleiros andantes.

SANCHO -

Claro que não. E lá vou falar de corda em casa de enforcado?

SANCHO -

Só umas palavrinhas... para animá-lo. Falarei sobre os problemas que tenho tido em casa. Como ele não consegue me ouvir, não se sentirá mal, não é mesmo? Então, Dom Alonso, minha esposa anda muito brava comigo. Logo que cheguei, ela me perguntou: “E o reino que você saiu para conquistar?” Eu mantive silêncio. Há perguntas para as quais não há resposta, não é mesmo? É como quando um homem pergunta para outro: “O que você fazia com a minha mulher?” É uma pergunta que não tem resposta, não é mesmo? Não luto com moinhos de vento há duas semanas. As alegrias estão perdendo a graça. Quando estou dormindo, um dragão cochicha: “Sancho, não queres sair e brincar?”

SANSON -

Já chega. Basta! 50

SANCHO -

Por quê? O que é que estou fazendo?

SANSON -

Eu lhe avisei...

ALONSO QUIJANA - Meu amigo SANCHO -

Vossa Mercê disse alguma coisa?

ALONSO QUIJANA - Você tem a pança pança cheia de provérbios. ANTONIA -

Titio!

ALONSO QUIJANA - Minha querida... Bom dia, Padre. Ou é boa tarde? PADRE -

Alonso...

SANSON -

Como se sente o senhor?

ALONSO QUIJANA QUIJANA - Não muito bem. SANSON -

Pode dizer seu nome?

ALONSO QUIJANA QUIJANA - Alguém pode esquecer o próprio nome? nome? SANSON -

Diga seu nome, senhor.

ALONSO QUIJANA QUIJANA - Alonso Quijana. Padre... PADRE -

Estou aqui.

ALONSO QUIJANA QUIJANA - Gostaria de fazer o meu testamento. testamento. 51

PADRE -

Pois não.

(ALONSO QUIJANA FECHA OS OLHOS. ANTÔNIA SE PREOCUPA) ANTONIA -

Titio?

ALONSO QUIJANA - Perdão, querida. Quando fecho os olhos, vejo um cavalo branco... E sinto vontade de montá-lo. ANTONIA -

Não, titio. O senhor ficará bom.

ALONSO QUIJANA - Por que deve ficar bom o homem que está morrendo? É desperdiçar a saúde. Cheguem mais perto, meus amigos. Durante minha doença tive sonhos estranhos... muito estranhos. Como se eu fosse... Nem tenho coragem de dizer... di zer... Vocês poderiam pensar que eu fiquei louco. ANTONIA -

O sonho acabou, titio. Tire-os da mente.

ALONSO QUIJANA - O sonho acabou... Eu nem sei o que ele significava. Padre... Padre... PADRE -

Fale, meu amigo. Eu escreverei.

ALONSO QUIJANA - … Eu, Eu, Alonso Quijana... pronto pronto para a jornada jornada final... (O PADRE COPIA. BATEM À PORTA) ANTONIA -

Não deixe ninguém entrar.

ALONSO QUIJANA - … manifesto minhas últimas vontades e faço a distribuição de meus bens. Deixo tudo que é meu para minha sobrinha, Antônia Quijana, com exceção de certos pequenos legados que a seguir enumero... 52

(A CRIADA E ALDONZA ENTRAM. A CRIADA TENTA IMPEDI-LA. ALDONZA PARA AO VER QUIXOTE) CRIADA -

Não pode. Você não pode entrar.

ANTONIA -

O que é isso?

SANSON –

É aquela mulher da hospedaria.

ALDONZA -

Sai da minha frente, bruxa.

CRIADA -

Eu tentei impedir, mas...

ALDONZA -

Te arranco os olhos.

SANSON -

Saia daqui.

ALDONZA -

Não vou embora sem falar com ele.

SANSON -

Estou lhe avisando – vá-se embora.

ALONSO QUIJANA QUIJANA - Deixem-na em paz. SANSON -

Mas, senhor Quijana...

ALONSO QUIJANA - Na minha casa existirá cortesia. Chegue mais perto, moça. Venha Venha cá menina. O que deseja? ALDONZA -

O senhor não me reconhece?

ALONSO QUIJANA - Eu deveria? 53

ALDONZA -

Eu sou Aldonza.

ALONSO QUIJANA - Perdão, mas não me recordo recordo de ninguém com esse nome. nome. ALDONZA -

Ele me conhece: Pelo amor de Deus, meu senhor!

ALONSO QUIJANA - Por que me chama de senhor? Eu não sou seu senhor! senhor! ALDONZA -

É. É sim. Meu senhor, Dom Quixote.

ALONSO QUIJANA - Dom. Quixote. Eu lhe peço perdão. Estive doente. Estou envolvido em sombras. Posso tê-la conhecido, mas não me lembro. (ALDONZA VAI SAINDO) SANSON -

Por aqui.

ALDONZA -

(VOLTANDO) Procure lembrar-se! Por favor!

ALONSO QUIJANA QUIJANA - É tão importante assim? ALDONZA -

É tudo. Toda a minha vida. O senhor falou comigo – e tudo mudou.

ALONSO QUIJANA QUIJANA - Eu falei com com você? ALDONZA -

O senhor olhou pra mim... e me deu um outro nome.

Música: Dulcinéa

SANSON -

Tenho que insistir... (TENTA CONDUZI-LA) 54

ALONSO QUIJANA - Deixe! (MURMURA) – Então... Talvez não tenha sido um sonho... ALDONZA -

O senhor falou de um sonho... e de sua causa...

ALONSO QUIJANA - Minha causa? ALDONZA -

Sua missão... distribuir beleza e justiça pelo mundo...

ALONSO QUIJANA QUIJANA - O que mais eu lhe disse? Diga-me! ALDONZA -

Sonhar... O impossível sonhar... Mas são suas próprias palavras Lutar... e lutar sem temor... Não se lembra? Triunfar sobre o medo invencível... O senhor tem que se lembrar! Correr onde os bravos não ousam ir.

QUIXOTE -

(LEMBRANDO, FALA, DEPOIS CANTA) Corrigir este mundo errado...

ALDONZA -

Isso...

QUIXOTE -

Amar com pureza e beleza...

ALDONZA -

Isso!

QUIXOTE -

Tentar, com os braços caídos Alcançar as estrelas do céu...

ALDONZA -

Obrigada, meu Senhor! 55

QUIXOTE -

Mas isso não é correto, minha senhora! De joelhos? Para mim? (TENTA LEVANTAR-SE)

ALDONZA -

Meu senhor, o senhor não está bem.

QUIXOTE -

(CRESCENDO EM PODER) Não estou bem? O que é a doença para o corpo de um cavaleiro andante? Que importam os ferimentos? Sempre que cair, hei de levantar de novo, para desespero da maldade! Sancho!

SANCHO -

Estou aqui, Patrão!

QUIXOTE -

Minha armadura! Minha espada!

SANCHO -

Mais desaventuras!

QUIXOTE -

Aventuras, meu velho amigo! (LEVANTA-SE DA CAMA, AMPARADO POR ALDONZA E SANCHO. CANTA)

Música: Dom Quixote

ALDONZA -

Meu senhor!

SANCHO -

Patrão!

ANTÔNIA -

Titio!

(SANSON AJOELHA-SE AO LADO DE DOM QUIXOTE. ESCUTA-LHE O CORAÇÃO. O PADRE O ABENÇOA E CANTA) Música: Domine

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SANCHO -

(PERPLEXO) Morreu. Meu patrão morreu.

ALDONZA -

Um homem morreu. Parecia um bom homem e eu não o conheci.

SANCHO -

Mas...

ALDONZA -

Mas Dom Quixote não morreu. Tenha fé, Sancho. Tenha fé.

SANCHO -

Mas Aldonza...

ALDONZA -

Meu nome é Dulcinéa.

CENA 18 O cântico do Padre termina. Ruído de tambores da Inquisição. Prisão. Entram o Capitão e homens da Inquisição. Cervantes, ajoelhado, está removendo a barba e a maquiagem de Quixote.

CAPITÃO -

Pela autoridade da Santa Inquisição da Mui Católica Igreja de Sua Majestade: “Em virtude de ofensas contra as leis estabelecidas, fica o réu Miguel de Cervantes intimidado a submeter-se a interrogatório, e, se necessário, a purificação. purif icação.

CERVANTES -

Sou um réu bem popular. Nem bem acabei de sofrer um  julgamento e já vou enfrentar outro. Muito bem. Que diz o Senhor Juiz?

GOVERNADOR -

(PESANDO O PACOTE) Acho que sei o que está escrito nestes papéis. É a história de seu cavaleiro maluco? (CERVANTES ASSENTE) Defenda-se lá tão bem quanto aqui e quem sabe você escapa da fogueira. (DÁ-LHE O PACOTE)

CERVANTES -

Não tenho a mínima intenção de morrer queimado. (AO CRIADO) Então, amigo velho? Vamos embora? (VÊ QUE O CRIADO ESTÁ APAVORADO) Coragem! (ANDAM) 57

GOVERNADOR -

Cervantes. (ELE PÁRA) Tenho a impressão de que Dom Quixote é irmão de Dom Miguel.

CERVANTES -

(SORRINDO) Pelo menos, nós dois somos homens de La Mancha.

O Capitão e os homens da Inquisição escoltam Cervantes e o criado. Aldonza começa a cantar “O Sonho Impossível” e é acompanhada por todos. Música: O Sonho impossível

FIM

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ANEXO Uma Nota Sobre Miguel de Cervantes

Com seu contemporâneo William Shakespeare, Miguel de Cervantes e Saavedra viveu uma vida apenas esparsamente documentada, da qual muitos anos jazem nas sombras. Sabemos, porém, empobrecida; foi soldado, sofreu ferimentos graves na batalha de Lepanto, foi feito prisioneiro e passou cinco anos na África, como escravo. Acima de tudo, amava o teatro; em vinte anos escreveu perto de quarenta peças, nenhuma das quais obteve sucesso. Em 1597, foi excomungado por “ofensas à Santa Madre Igreja”, escapando por pouco de um castigo mais drástico. Foi preso pelo menos três e possivelmente cinco vezes, sob várias acusações. Com a idade, a doença e o total fracasso, começou a escrever “Dom Quixote” a fim de ganhar dinheiro. O primeiro volume, publicado em 1605, quando Cervantes tinha 58 anos, trouxe-lhe a fama, mas pouco proveito. O segundo volume, que apareceu 10 anos depois, assegurou-lhe a imortalidade como autor que foi da maior novela do mundo; porém ele já se encontrava física e talvez espiritualmente alquebrado. Morreu em 1616, dez dias depois da morte de Shakespeare. Onde foi enterrado, não se sabe. Prefácio do Autor

“O Homem de La Mancha” nasceu por acaso e sofreu várias metamorfoses antes de ser apresentado pela primeira vez em Nova York. Tudo começou em Madri, em 1959, quando li, num jornal, quando eu estava na Espanha colhendo dados para uma peça sobre Dom Quixote. Ri bastante com a notícia, pois como a maioria que conhece Dom Quixote eu nunca o havia lido. Madri parecia, porém, o local apropriado para preencher essa lacuna; portanto mergulhei na leitura, emergindo do segundo volume com a convicção de que esse dedicado momento ao humor e à loucura humana não podia e não devia ser dramatizado. O que havia prendido meu interesse não era o livro, mas sim o seu autor. Descobri que a vida de Miguel de Cervantes fora uma sequência de catástrofes. Que espécie de homem era esse – soldado, escritor teatral, ator, coletor de impostos, várias vezes preso – que sofreu um fracasso depois do outro e, contudo, nos seus anos de declínio, produziu o espantoso testamento que é Dom Quixote? Surpreendê-lo no ápice de sua carreira, convencê-lo a se revelar, o que poderia implicar em algo significativo concernente ao espírito humano – aí talvez estivesse estivess e uma peça que valesse a pena ser s er escrita. Escrevi, primeiro, uma versão de noventa minutos para televisão. Foi produzida com bastante brilho e ganhou um bom número de prêmios, mas me deixou profundamente insatisfeito, pois as limitações da televisão e seu naturalismo evidente distorceram minha concepção e intenção. Em seguida, adaptei-a para a Broadway, tendo sido prontamente posta em opção; mas tive uma sensação de alívio quando o período de opção passou sem que a peça tivesse sido produzida, pois, embora provavelmente ela pudesse ter sido um sucesso, eu sabia que a consideraria um fracasso. A peça ainda não tinha adquirido a forma que o material exigia; uma forma disciplinada porém livre, parecendo simples e contudo intrincada e, acima de tudo, suficientemente corajosa para realizar aquele 59

efêmero objetivo que é chamado “teatro total”. Minhas condições sobre o assunto levaram-me definitivamente a um beco sem saída, e foi então que Albert Marre (que eu desconhecia) telefonou-me para dizer: “Sua peça é excelente, mas precisa se transformar numa espécie de musical”. Era isso mesmo. A partir daí, começou a aventura. Eu uso a palavra justa, pois escrever o “Homem de La Mancha” foi uma aventura, quanto à forma, quanto à técnica e quanto à filosofia. Meus colaboradores, Joe Darion, Mitch Leigh e Albert Marre, contribuíram imensamente, enquanto seguíamos nosso caminho às apalpadelas, em direção a um tipo de teatro que, pelo menos quanto à nossa experiência, era sem precedentes. Teria sido animador dizer que, ao terminarmos a peça, produtores e financiadores a tivessem arrancado de nossas mãos. Não a acharam muito radical, muito “especial” e, o que foi mais estranho, muito intelectual. O “Homem de La Mancha” mais se arrastou do que caminhou em direção à produção, apoiado apenas na tenacidade daqueles que, como nós, partilhavam do sonho de Dom Quixote. Mas chegou em fim a noite em que as luzes iluminavam o palco circular de Howard Bay, e a platéia recebeu a representação da peça com um entusiasmo que espantou até mesmo o mais otimista entre nós. Era um fenômeno que se tornaria cada vez mais familiar a cada apresentação: uma espécie de eletricidade percorrendo a plateia em todos os sentidos, para depois explodir numa descarga de emoção geral. Ou como Marre sucintamente definiu: “Eles não estão apenas assistindo a uma peça, estão vivendo vivend o uma experiência religiosa.” Para mim, o aspecto mais interessante do sucesso do “Homem de La Mancha” é o fato de que a peça se opõe frontalmente à corrente predominante da filosofia do teatro. Essa corrente é mais conhecida pelos nomes de Teatro do Absurdo, Black Comedy (Comédia Negra), teatro da Crueldade, o que quer dizer teatro de alienação, de anarquia moral e desespero. Para os adeptos dessas filosofias, o “Homem de La Mancha” deve parecer irremediavelmente ingênuo, ao defender a ilusão com a mais forte necessidade espiritual do homem, a mais significativa função da sua imaginação. Mas isso não me entristece de forma alguma. “Os fatos são os inimigos da verdade”, diz Cervantes–Dom Quixote. E é bem isso o que eu senti e quis dizer. Se todo esse empenho se apoia nalgum preceito, é naquela citação que encontrei há algum tempo em Unamuno: “Somente aquele que tenta o absurdo é capaz de alcançar o impossível“. Dale Wasserman

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