O Espelho, de Machado de Assis...

January 27, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS II

Análise literária do conto ³O espelho´, de Machado de Assis Barbara Molnar - Nº.USP: 7192071

O conto ³O Espelho´, de Machado de Assis, traz no bojo de sua narrativa um relato teórico que resume a essência humana através da investigação metafísica, já antecipada no subtítulo. Aborda, também, também, as rrelações elações do homem consigo mesmo, dentro de uma esfera sócio-cultural determinada. Além disso, apresenta o contraste entre essência e aparência, e a maneira como esses dois conceitos andam juntos na relação do homem com ele mesmo. O tempo é cronológico. A narração se inicia em 3ª pessoa, com a descrição do espaço em que se passa a história e a apresentação dos personagens ali presentes. Assim narrado, garante-se um efeito de objetividade e veracidade nas descrições. Em determinado momento, a narração passa a ser em 1ª pessoa, ou seja, um dos   personagens (que até aquele momento mantivera-se calado e/ou participando minimamente da conversa) toma a palavra e coloca-se na posição de narrador para contar um episódio vivenciado por ele mesmo. O narrador em terceira pessoa descreve, inicialmente, o ambiente como uma sala que fica numa posição intermediária entre a cidade e o céu, que possui um pouco da agitação da cidade e um pouco da calmaria do céu. Essa relação entre o terreno e o divino está relacionada com os assuntos de alta transcendência discutidos pelos cavalheiros, criando uma atmosfera mágica e um clima de suspense para o desenrolar da narrativa.

 

  QUANDO VOU TE VER   ?  O ápice das regalias é a instalação do espelho em seu quarto. A entrada do espelho no quarto de Jacobina é minuciosamente descrita no conto, pois o objeto reproduzirá a imagem do novo Jacobina, criada pela sua passagem a alferes. alfer es. A farda de alferes tornou seus sentimentos irrelevantes, e ele passou a dar a mesma importância que seus familiares davam à sua posição social. Isto é, o conceito que os outros tinham dele, passou a determinar o conceito que ele fazia de si próprio.

 

Após três semanas, Dona Marcolina recebe uma má notícia que a obriga a viajar  com urgência, aproveitando-se da ausência da dona da casa, os escravos fogem. Jacobina fica, então, sozinho no sítio. A solidão, a ausência de companhia e o fato de não haver ninguém para bajulá-lo fez com que Jacobina sentisse que havia perdido sua alma exterior. Esse sentimento, então, tornou-se forte a ponto de fazê-lo sentir-se encarcerado e dizer que preferia a morte àquela existência sem sentido. Jacobina recupera sua existência ao se olhar refletido no eespelho spelho vestindo a farda de alferes. Ou seja, para que isso acontecesse, foi necessário que ele se revestisse apenas pela sua essência exterior, que lhe proporciona prestígio e respeito, e determina sua existência no mundo. E, ao mesmo tempo, abandonasse sua essência interior, o µJoãozinho¶ que fora um dia.   Neste momento, há uma fusão entre a alma exterior e a alma interior do indivíduo. E fica claro que esta é dependente e está submetida às mesmas sujeições que aquela na vida social. Essa fusão foi determinante para que Jacobina superasse a angústia provocada pela solidão e passasse a viver plenamente. Ao não reconhecer mais sua imagem no momento de solidão, a imagem de Joãozinho tem cada vez menos nitidez, e o narrador só se reconhece enquanto alferes. Ou seja, ao procurar a realidade de si, Jacobina só reconhece a imagem criada pelos outros. De modo que não basta vestir a farda; é preciso que os outros a vejam e a reconheçam como farda. Quando falta o olhar do outro, Jacobina recorre ao espelho, que reflete aquilo que o eu representa para o mundo. O Dicionário de símbolos apresenta um estudo da origem da palavra ³espelho´ e de sua simbologia: Speculum

(espelho) deu nome à especulação (...) Vem daí que o espelho,

enquanto superfície que reflete, seja o suporte de um simbolismo extremamente rico dentro da ordem do conhecimento. (...) o espelho não tem como única função refletir uma imagem. Ele participa da imagem e, através dessa participação, passa por uma transformação. Existe, portanto uma configuração entre o sujeito contemplado e o espelho que o contempla. (CHEVALIER, (CHEVALI ER, 2000: 2000 : 393, 396).

 

A definição apresentada condiz com o que acontece na história contada pelo narrador, que especula, reflete, e esboça sua teoria sobre a alma humana. Além disso, Jacobina interage com o espelho, utilizando-o de suporte para encontrar seu verdadeiro µeu¶. E dessa forma, o espelho deixa de ser apenas um objeto de decoração no quarto, e torna-se personagem fundamental fundamental na tra transformação nsformação sofrida pelo narrador. A importância do espelho está na reprodução do olhar do outro. A imagem de Jacobina que o espelho reflete, e a mesma imagem que os outros formaram sobre ele, ou seja, o reflexo do que ele representa para a su s ua família e para a sociedade. s ociedade. Para Alfredo Bosi, o primeiro espelho corresponderia aos olhos dos outros: O olhar dos outros: primeiro espelho. Quando esse olhar faltou a Jacobina, quando se viu só na fazenda da tia de onde até os escravos desertaram, ele  procurou seu próprio olhar. (BOSI, 2003: 99)

O provérbio

³O 

s olhos são o espelho da alma´ ilustra a participação

extremamente importante que o gradiente sensorial da visão tem no conto. Jacobina muda, pois passa a se ver com os ³olhos dos outros´, ou seja, ele se enxerga do mesmo modo como os outros o vêem. Após de terminada história de Jacobina, o conto volta a ser narrado em 3ª   pessoa, e o leitor é novamente conduzido à sala pequena e iluminada a velas, onde quatro cavalheiros ouviam interessados a expe experiência riência narrada por Jacobina. O narrador diz que Jacobina, depois de dizer o que tinha pra dizer, desceu as escadas (³Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas´ ), e isso confirma a descrição inicial do personagem, como alguém que não gosta de discutir. Ao descer as escadas, ele demonstra não querer conversar ou ser questionado sobre a experiência que viveu, e tampouco está interessado na opinião dos quatro cavalheiros sobre o que lhes foi revelado. Pouco a pouco, nota-se que, no decorrer do texto, o adjetivo 'exterior' vai significando cada vez mais o que é interiorizado, e este será o aparente paradoxo do conto, que narra a formação da auto-imagem e da autoconsciência de Jacobina, não de dentro para fora, mas de fora para dentro, a partir do olhar do outro. Deixando evidente

 

o quanto se faz real a fixação de uma imagem construída socialmente, representada pela farda. Joãozinho apaga-se perante o alferes que todos ajudaram a construir. Fixa-se de vez a unilateralidade da personagem; desaparece o Jacobina alferes, fica o Alferes jacobina. Sua afirmação, era era eu mesmo, o alferes , não deixa dúvidas da " 



troca definitiva da sua s ua individualidade pelo papel desempenhado socialmente: socialmente: alferes. Como anuncia o subtítulo do conto ± ³Esboço de uma nova teoria da alma humana´ ±, a narrativa que se apresenta como um esboço, uma primeira tentativa, não esgota a discussão sobre o vasto tema da alma humana. Todas as questões discutidas e narradas podem, pois, tomar a pauta dos debates atuais, pois são atemporais. Neste rol, incluem-se a confusão, a dependência do indivíduo diante da sociedade, a ambigüidade das reflexões, a eterna procura do ³eu´.

Referências Bibliográficas

ASSIS, Machado de. ³ O  s melhores contos de Machado de Assis´. São Paulo: Global, 2002. BOSI, Alfredo. ³ Machado de Assis e o enigma do olhar´. São Paulo: Ática, 2003

 

CHEVALIER, Jean & GHEERBRANT, Alain. ³  Dicionário de símbolos´. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000. FRIEDMAN, Norman. ³O ponto de vista na ficção: o desenvolvimento de um conceito crítico´. Trad. de Fábio Fonseca de Melo. In: Revista USP. São Paulo: USP,

março/abril/maio 2002. TOLEDO, Paulo de. O espelho desmascarador de Machado. Disponível em: .. Acesso em: 22/11/20 22/11/2010. 10.

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