O Diário Secreto de Ana Bolena

July 21, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Diário Secreto de Ana Bolena

 

 

Por Deus! - vociferou Isabel. - Não podereis dar-me um dia de descanso desta enfadonha questão? Já me haveis causado uma dor de cabeça. Os cons consel elhe heiiro ross da rai ainh nhaa mal po podi diam am acom acompa panh nhar ar o pa pass ssoo da daqu quel elaa mul mulhe her  r  extraordinariamente alta e esguia que se deslocava com grandes passadas pelo extenso relvado de Whitehall, em direcção à sua montada. Will Wi llia iam m Cec Cecil il,, se seuu pr prin inci cipa pall co cons nsel elhe heir iro, o, hom homem em séri sérioo e firm firmee já de me meia ia-i -ida dade de,, pela sua jovem rainha, encontrava-se dividido entre o desespero e a cor admiração vestida com um fato de montar de veludo púrpura,que comsentia o cabelo loiro-avermelhado a

esvoaçar ao vento. Aos vinte cinco anos, Isabel Tudor era mais do que decidida e teimosa. A sua ousadia não conhecia limites e possuía um espírito arguto e uma sinceridade arrojada, pouco próprios de um monarca inglês. Porém, via-se forçado a admitir que era senhora de uma inteligência extraordinária. Falava seis línguas com a mesma fluência que a sua e possuía o magnetismo que o pai, Henrique VIII, irradiara durante toda a sua vida longa e atribulada. Se ao menos, pensava Cecil, não sentisse um prazer tão perverso em ofender os grandes senhores, que nomeara seus conselheiros. Cecil atreveu-se a enfrentar a raiva da rainha. - Suplico a Vossa Majestade que preste mais atenção ao arquiduque Carlos. Para além de ser o melhor partido da Cristandade, diz-se d iz-se que é um homem belo e bem constituído. - E o que é mais importante - acrescentou Isabel com um ar decididamente lascivo -, tem  belas coxas e belas pernas. - Disseram-me que os seus ombros curvados não se notam quando monta a cavalo acrescentou lorde Clinton na esperança de ganhar algum terreno. Porém, Isabel deteve-se  bruscamente e voltou-se para eles de tal 8 modo que os conselheiros chocaram um com o outro, como actores num palco a representar  uma comédia. - E a mim disseram-me que é um monstro com uma cabeça enorme! Cristo seja louvado, que terríveis escolhas me ofereceis para marido. Não me tentam a mudar de estado matrimonial. - O príncipe Eric é um... - Um sueco tolo - concluiu Isabel. - Mas é muito rico, Majestade, e extremamente ex tremamente generoso. - E essa ridícula delegação que apareceu aqui na corte com vestes carmesins e corações de veludo bordados e atravessados por uma flecha...? - Isabel revirou os olhos. - Pedis-me que considere o rei de França que nos roubou Calais, o único porto que nos restava no continente... e Filipe, esse espanhol moreno, viúvo de minha irmã e um católico tão devoto e firme? Vamos, meus senhores, decerto poderíeis pode ríeis sugerir melhor. - Preferis então pretendentes ingleses? - Pretendentes ingleses? Os olhos de Isabel pareceram mais doces e um leve sorriso esboçou-se aos cantos da sua  boca escarlate. Voltou-se e a passo mais lento retomou o caminho que a levava ao seu alazão castanho, ajaezado com um caparazão debruado a ouro e para o jovem bem constituído e de porte confiante e atlético que a aguardava junto ao animal com as rédeas na mão. Cecil olhou para Robert Dudley, o mestre-cavaleiro da rainha com silencioso enfado. Fora decerto Dudley queenquanto fizera surgir o sorriso nos lábios soberana e a cadência quase langorosa no seu andar, percorria o caminho que ada levava à montada.

 

- Prefiro realmente os meus pretendentes ingleses - afirmou numa voz aveludada. Cecil ouviu os conselheiros resmungarem discretamente e em surdina, ao verem Robert Dudley. A corte impúdica que esse nobre arrogante fazia à rainha e a aceitação ainda mais escandalosa da parte dela, criavam um clima de imoralidade que punha em perigo as   possibilidades de Isabel casar honradamente ali ou no estrangeiro. Dudley, que muitos diziam ser amante da rainha, era um homem casado. Cecil afastou do pensamento a ideia de que o comportamento duvidoso de Isabel era o seu modo de garantir que nunca teria de casar, mantendo antes uma série de amantes durante todo o seu reinado; pior, a rainha  poderia mostrar certas parecenças com a mãe. O sangue dos Bolena estava manchado de  perversidade. Assim, todos - desde os conselheiros reais de Isabel que lhe ofereciam inúmeros pretendentes, até a senhora Kat Ashley, sua aia desde a infância que implorava todos os dias a Isabel que fosse razoável 9 - exigiam que, por sua honra e para bem do reino, casasse e entregasse as rédeas do governo a um esposo fiel. Isabel aproximou-se de Dudley que, erguendo-se depois de uma profunda reverência, se manteve de pé com gàlhardia, feições fortes e olhar límpido, obrigando o próprio Cecil a admitir que o mestre-cavaleiro era uma bela figura de nobre virilidade. Dudley olhou fixamente a rainha. Sem pensar na expressão reprovadora dos seus conselheiros, Isabel estendeu os longos dedos pálidos e afagou-lhe lentamente a face e o queixo, terminando com uma breve carícia no pescoço. - Como está o meu belo alazão? - perguntou reprimindo um sorriso. Talvez fossem as escandalizadas exclamações e forte respiração que escutou nas suas costas que a fizeram dar uma sonora palmada no flanco enorme do cavalo castanho, poupando aos estupefactos conselheiros a distante mas grata possibilidade de que a observação da rainha não fosse a vulgaridade que suspeitavam ter ouvido. Voltou-se para Cecil e lançou aos seus conselheiros um sorriso caloroso e travesso. - Meus senhores Clinton Arundel e North, aprecio de sobremaneira os vossos amáveis conselhos e estimo-os de todo o coração - permitiu que Robert Dudley a erguesse sobre o cavalo e sentou-se olhando-os majestosa. - A minha escolha de marido e rei não será feita de ânimo leve e requer de mim muita reflexão. Assim, peço que perdoem a hesitação de uma pobre e fraca mulher em se comprometer. Mas prometo-vos que, quando tomar a decisão,tocando sereis osrapidamente primeiros acom saber. Bom-dia, meus senhores. Partiu, o calcanhar o flanco do cavalo. Dudley inclinou a cabeça aos conselheiros com ar trocista, saltou para o seu próprio cavalo e partiu à desfilada atrás da rainha que seguia já num rápido galope. Cecill e os outros Ceci outros conselh conselheir eiros os vol voltar taramam-se se cont contrar rariad iados os e, sem querere quererem m encara encarar-s r-se, e, empreenderam, a passo lento, o caminho do palácio real. A tarde ia já adiantada quando os primeiros raios de Sol penetraram o céu nublado e entraram pela janela da cabana numa tira dourada sobre os seios nacarados e nus de Isabel. Dudley, reclinado junto a ela, apoiado no cotovelo, delineava preguiçosamente as pequenas rolas com mão áspera mas meiga. Acariciou o mamilo rosado que se moveu sob o seu toque. Um inesperado suspiro soltou-se dos lábios pintados que de

 

10 tantos beijos, tinham perdido o carmim. Pestanejou por uns instantes e abriu lentamente os olhos. Isabel e Dudley tinham cavalgado a galope pelos campos de Abril, acabando por chegar ao real pavilhão de caça, uma tosca e pequena casa de madeira na orla de Duncton Wood. O casal tinha entrado a rir, ofegante do esforço dispendido mas, com o sangue a correr-lhes nas veias, entregara-se a apaixonados abraços, beijos e outras intimidades em que haviam  progredido pouco a pouco, no decorrer dos meses anteriores. - Tomais algumas liberdades com a vossa rainha, meu amor - murmurou Isabel com uma certa aspereza. - E desejo tomar mais, Majestade - afirmou Dudley medindo as palavras e considerando oportuna a sua ousadia. A rainha olhava-o com firmeza, certamente com o propósito de o fazer recuar. Porém, Dudley era um homem excitado e pouco se preocupava. As mangas e o corpete de Isabel estavam abertos em redor do seu tronco esguio, mas, as saias e saiotes continuavam intactos sobre as ancas e as pernas, embora enrugadas pelos vapores escaldantes dos abraços daquela tarde. A mão de Dudley acariciou a cintura estreita de Isabel e as saliências húmidas da sua espinha. espinh a. Meteu os dedos sob a renda para encontrar a fenda macia entre as suas nádegas e,  puxou com força as ancas dela contra as dele. A rainha soltou um súbito gemido de prazer  que o encorajou a soltar-lhe a saia e a tentar encontrar-lhe o monte de pêlos virgens. - Robin, basta. Ele respondeu à ordem dela cobrindo-lhe a boca com um beijo feroz. Ela moveu-se debaixo dele, mas sem ardor, e voltou a cara. - Não me detenhais agora, Isabel. - Sim. Detende-vos, já disse! A voz dela alterara-se, perdendo a suavidade. O seu corpo macio tomara a rigidez da madeira. As faces de Dudley coraram de raiva impotente. Retirou a mão de dentro das volumosas saias da rainha. Isabel observou o belo rosto de Dudley enquanto este tentava dominar-se. O seu forte desejo pelo corpo da rainh rainha, a, que amava e temi temia, a, transform transformara-s ara-se, e, com a ordem dela numa súbita fúria e depois noutra coisa diferente, mais difícil de identificar. Tratava-se da Rainha. Ele Ele era era se seuu sú súbd ito. o. Os olhos dele dele most mostra ravam co como mo aqu aquel elaa embar em baraç aços osa a autoridade situ situaç ação ão o transtornava. Elabdit sabia serol ahos única mulher emvam Inglaterra a poder exercer tal sobre um homem. Aquela força exultante era nova, pois a sua coroação tivera lugar havia apenas três meses e Robert Dudley era 11 se seuu am amig igoo desd desdee a in infâ fânci ncia. a. As Assi sim m que que fo fora ra co coro road adaa rain rainha ha,, o af afect ectoo de dele le tinh tinhaa-se se transformado num fervor veemente que lhe fora irresistível. Obedecendo a um impulso nomeara-o mestre-cavaleiro e deixara-o cavalgar, atrás de si, no cortejo da coroação para que todos o vissem. já os julgavam íntimos. Porém, Isabel recusara-lhe, até aí, o último favor. - Robin, meu amor... - acariciou-lhe a face quente e transpirada. - Não me chameis amor - respondeu, com um olhar sombrio. - Chamar-vos-ei o que me aprouver - respondeu a rainha com azedume. A luz desaparecia e ambos sabiam que em brevee terminaria o precioso que me podiam sós. Isabel sentou-se, sentou -se, compôs o corpet corpete e tento tentouu abotoá abotoá-lo. -lo. - tempo Então, em ajudaiajudai-me com estar isto -aprovoc provocou-o ou-o

 

com um sorriso sedutor e apesar do seu aborrecimento ele sentiu-se como de costume,   perf perfei eita tame ment ntee enf enfei eiti tiça çado do por aq aque uela la fr frág ágil il mu mulh lher er.. Os seus seus de dedos dos po pouc ucoo há hábei beiss introduziram os pequenos botões de pérola nas casas de cetim. Por uns momentos, deixou que a mão lhe escorregasse, roçando-lhe o seio já coberto. - Os vossos conselheiros conselheiros estão extrem extremamente amente preocupados preocupados - diss disse. e. Pensam Pensam que tencionais tencionais casar comigo e fazer-me Rei - sentou-se, fechando a camisa e o gibão, sem a olhar nos olhos. - E dizei-me o que faríamos então com a vossa fiel esposa? - Esposa? Terei eu uma esposa? - perguntou trocista, Ela ergueu-se diante dele, obrigando-o a encará-la. - Se eu me casas casasse se convosco, seria assim tão facil facilmente mente esquecid esquecida? a? Ele compreend compreendeu eu que tinh tinhaa co come meti tido do um erro erro,, ao exp expor or com com ta tant ntaa lige ligeir ireza eza o seu seu ca casa same ment ntoo sem sem amor amor,, recordando-lhe o sangue-frio com que o pai dispusera das suas esposas, entre elas a mãe de Isabel. Mas aquela criança, a sua rainha, Isabel, o seu amor, enlouquecia-o sendo tão imprevisível. Por vezes, abria-se para ele como uma flor ao sol, a rir, a brincar, a fazer  maliciosos planos, tal como quando eram crianças. Nesses tempos pareciam embriagados,  perfeitamente encantados na companhia um do outro. Pensara mesmo em casar com ele. Por vezes desafiava-o a ser forte com ela, a dominá-la, a ser o seu senhor. Depois, com a  brevidade de uma tempestade de Verão, tornava-se dura e sombria, brincando com a sua insignificância, tratando-o como uma peça num tabuleiro de xadrez. - Tenho demasiados   pretendentes, Robin... príncipes, reis, imperadores... como posso  pensar em vós para me desposardes - disse-o com impertinência, mas ele notou que estava mais branda. Viu-lhe os movimentos enquanto vestia a jaqueta, os ombros levemente curvados, os olhos em alvo, uma quase imperceptível tensão na fronte. Desejoso de a ver  12 recuperar a doçura, ergueu-se diante dela. Levantou-lhe o queixo e perguntou num suave murmúrio. - Pensais não dispor de súbditos leais capazes de dar um herdeiro ao trono de Inglaterra? - Um herdeiro? - O olhar dela quase se incendiou. - Um herdeiro, Robin? É então essa a questão? Não o amor, mas sim a descendência real? O rei Robert, pai de muitos filhos, alto governante de Inglaterra e, oh, sim, quase o esquecia, esposo de Isabel. -voltara Interpretais mal asIsabel minhas palavras, não se disso! Escolhera mal e a enganar-se. dirigiu-se à porta da trata cabana, com-oexclamou. rosto afogueado e escarlate. A sucessão ao trono fora um caminho que deixara para trás mortes horríveis. Robert Dudley era seu amante, não o seu senhor. Parecia-lhe pouco adequado falar de herdeiros naqueles momentos de ternura. Abriu a porta, mas Dudley fechou-a imediatamente. - Deixai-me sair. - Não, Isabel. - Ordeno-vos - vociferou a rainha. Dudley percebeu o violento latejar das veias sobre a branca pele da fronte de Isabel. Viu que estava prestes a chorar. Deixou-se cair de joelhos diante dela. - Majestade... - por momentos não pôde continuar, pois as emoções embargavam-lhe o raciocínio. Ergueu os braços suplicantes e rodeou-lhe a cintura. Sentiu-a estremecer por    baixo das muitas camadas de roupa e das barbas do corpete. - Perdoai-me, senhora! Imploro-vos. - Robin, erguei-vos... Não foi minha intenção...

 

- Não, não, deixai-me falar - mesmo com a cabeça curvada, exprimiu-se de um modo tão intensoo que cada palavr intens palavraa era nítida e corta cortante. nte. Conheci-vo Conheci-voss ainda criança, Isabel. Nascida  princesa real e logo repudiada como bastarda por um pai que apenas queria filhos varões. Afastada da corte para viver na obscuridade e na pobreza. Haveis sofrido sem os seus carinhos. Mas naquela sala de estudo dos aposentos das crianças para onde meu pai me enviava,, encont enviava encontrei rei um tesour tesouro. o. Um espírito brilhant brilhante, e, uma alma resplandec resplandecente, ente, um rost rostoo  belo, pálido como uma rosa do Yorkshire. já então vos amava. Éramos irmão e irmã, amigos, companheiros de estudos. Ríamos, chorávamos e muitas vezes nos ajudámos um ao outro, não foi assim? Dudley não ergueu a cabeça para receber a resposta, mas sabia que ela o escutava. Ao ouvir  falar dos tempos idos da infância, Isabel deixara de tremer e a sua respiração era já mais calma. 13 - A frágil-e doce menina sobreviveu ao reinado e à morte do seu amado irmão, ao jugo e falecimento de uma irmã desapiedada... para se transformar na rainha Isabel. A menina já não existe e só no meu espírito permanece viva a companheira de folguedos, a irmã, a amiga. Porém, sinto agora uma ávida paixão pelo corpo da mulher. Estamos unidos Por um laço profundo. É verdade que aos olhos da lei sou casado com Amy Dudley. Contudo foi a vós que desposei, de coração, alma e espírito. - Robin... - Isabel falava agora em voz doce mas, com o olhar apaixonado, Robin ordenouse que nada mais dissesse. - Deixai-me falar: sou vosso vosso,, totalmente totalmente vosso... súbdit súbdito, o, vassalo, servo obedie obediente. nte. Se me quiserdes por esposo, continuaria a obedecer às vossas ordens e teria alcançado o céu na terra. Se por motivo de alianças escolherdes outro consorte, hei-de compreender-vos e seguir-vos. Se escolherdes outro homem para amar... parte de mim definhará e acabará por morrer. Mas escutai, Majestade. Qualquer que seja o destino que guardais para mim, amarvos-eii do mesmo modo que, quando vos vi pela primeira vos-e primeira vez. Lutarei Lutarei e morre morrerei, rei, deixare deixareii que me desped despedacem acem vivo, para salvar esta terra e o vosso dire direito ito de a governar  governar como bem vos aprouver. Imediatamente, Dudley rasgou a camisa e o colete, deixando a descoberto o peito que cortou com a lâmina faiscante do seu punhal. -ferida Por Deus, Robin! - Isabel caiu vivo. de joelhos, lavada em lágrimas, cobrindo com os dedos de onde o sangue brotava - Nunca vos faria morrer por mim. Quero-vos vivo...a quero que me ameis. Fazei amor comigo, agora. Robin Dudley obedeceu de bom grado às ordens da sua rainha. Já tinha anoitecido quando franquearam as portas do Palácio de Whitehall e detiveram os cavalos suados à luz dos archotes que iluminavam o pátio. Guardas e lacaios acorreram imediatamente, mas baixaram os olhos quando Dudley ajudou Isabel a descer da montada, os corpos juntos, antes de os pés dela tocarem o chão. A rainha levava posta a longa capa de Robin que ele próprio ajustara, num gesto protector, em redor do seu corpo. Sabia que os homens a observavam discretamente e, logo preocupada com as formalidades, estendeu a mão ao seu mestre-cavaleiro que, de joelho em terra, lhe tomou os dedos e lhos beijou.

 

14 - Sempre ao serviço de Vossa Majestade. A rainha tocou-lhe no ombro e voltou-se para atravessar, por entre os guardas, a enorme entrada do palácio, seguindo com largas passadas pelo pátio e pela galeria que conduzia aos seus aposentos. Apesar da penumbra do corredor, iluminado apenas por archotes, Isabel não se sentia só, já que os olhos dos seus antepassados York e Tudor vigiavam a sua orgulhosa orgulh osa passagem. Sentia sempre o peso da linha linhagem gem que, por vezes parecia trespassartrespassarlhe a pele de alabastro, insuflando-lhe a certeza do seu direito ao trono de Inglaterra. Antes de subir as escadas que conduziam aos seus aposentos, Isabel retirou com uma mão um archote da parede para iluminar o caminho e, com a outra, puxou as saias acima dos tornozelos, pois os degraus de pedra podiam ser traiçoeiros mesmo à luz do dia. A  passagem era estreita e escura e o archote lançava sombras estranhas nas paredes. Com o cheiro da humidade nas narinas e a recordação do recente contacto do corpo de Robin, Isabel deu por si transportada a outros tempos, cinco anos antes, em que descia outra escada húmida e escura já noite alta, levando, não um archote, mas uma simples vela, receando ser  descoberta naquele acto perigoso e clandestino. Estava prisioneira na torre de Londres, acusada por sua meia-irmã Maria, então rainha, de conspiração contra a coroa. Aterrorizada e débil devido a uma recente enfermidade, Isabel  passara os longos dias de encarceramento a estudar e a traduzir os seus amados textos gregos, embora, verdade fosse dita, o trabalho que impusera a si própria, de pouco lhe servira para lhe distrair o espírito do cruel receio de uma sentença de morte. Aquele local terrível assistira a muitas execuções. Havia dezassete anos que a sua própria mãe aí morrera e, em tempos mais recentes, também Catarina Howard, sua prima e quinta mulher de seu   pai. Apenas uns meses antes, outra prima, Jane Grey, de dezasseis anos havia sido decapitada em Tower Green, tendo-se comentado, conforme Isabel recordava com um arrepio,, que do pescoço brotara mais sangue do que se podia imaginar conter um corpo arrepio tão pequeno. Isabel desceu cuidadosamente a estreita escada de Beauchamp Tower, cobrindo a vela com a outra mão para ocultar o mais possível o alcance da luz. Sabia que se a descobrissem tudo se complicaria para si e que pior sorte teria o bondoso guarda que se apiedara da frágil meni me nina na cuj cujaa vigi vigilâ lânc ncia ia ti tinh nhaa a ca carg rgo. o. Ou ta talv lvez ez,, pe pens nsav avaa cini cinica came ment ntee Isab Isabel el,, nã nãoo a considerasse traidora, mas sim a filha do bom rei Henrique e futura rainha que, quando se sentasse Inglaterra, haveria de recordar a bondade do velho carcereiro. Em qualquer no dostrono casos,deo certo é que consentira 15 em desviar os olhos e que, em mais de dois meses, Isabel conseguira, pela primeira vez, iludir a vigilância dos seus guardiães. A meio da escada ficara paralisada ao ouvir um gemido distante e lastimoso. Por alguns instantes, pensou tratar-se da sua imaginação - ou melhor, desejou que assim fosse - pois eram queixumes terríveis de um homem cuja existência seria certamente uma extensa agonia. Muitos prisioneiros com menos sorte que ela, estavam encerrados em celas sem  janelas, escuras e frias, dormindo sobre palha bolorenta, com as articulações doridas e a  pele coberta de pústulas das picadas de pulgas e piolhos. - Bom Deus - murmurara repetidamente Isabel, tentando calar aquele som. Ao chegar ao segundo umaemão surgida das trevas agarrou-lhe o pulso. Voltou-se, sobressaltada, e viu opatamar, rosto belo ousado de Robin Dudley iluminar a escuridão das

 

escadas da torre. - Isabel, graças a Deus! Com um enorme suspiro, pois não havia palavras que exprimissem o profundo alívio, e o amor arrebatado que sentia pelo seu velho amigo, apoiou-se no seu peito, deixando que ele lhe lhe abr abraç aças asse se o cor corpo po tr trém émul ulo. o. Agita Agitada da por por so solu luços ços,, molh molhou ou com as su suas as lágr lágrim imas as escaldantes a capa de Robin que a abraçou com força e lhe falou num apressado murmúrio, sabendo ambos que aquele instante furtivo em breve terminaria. - Tratam-vos bem? - perguntou. - Bastante bem - Isabe Isabell fungou, retomando por fim a compostura. compostura. E a vós? - espreitouespreitou-oo à luz vacilante da vela. - Robin, estais tão magro - tocou-lhe a face encovada. - A comida que nos trazem é boa, mas tenho estado adoentado nas últimas semanas.  Não o disse, porém Isabel adivinhou que o seu abatimento se devia à execução de seu pai e irmão mais velhos. - Lamento o sucedido a vosso pai e a John. Como estão os outros? - Os meus irmãos estão bem. A prisão não é tão horrível quando se está em companhia da família, mas a mim mantêm-me isolado numa cela por baixo daquela em que eles se encontram. Os Dudley tinham sido encarcerados pela sua participação na frustrada conjura para colocar  no trono lady Jane Grey, com intenção de que Guilford, seu próprio filho e marido desta, fosse coroado rei. - Talvez que - reflectiu Isabel em voz alta - o facto de haverdes sido o único dos vossos irmãos a proclamar Jane rainha, na praça de King’s Lynn, tenha ofendido Maria o suficiente para vos mandar isolar. 16 - Que importa! - exclamou Dudley apartando-se relutante do abraço de Isabel e segurando-a a algu alguma ma dist distânc ância ia.. - Di Dize zeii-me me co como mo es esta tais is.. Se algu alguma ma ve vezz algué alguém m este esteve ve pr pres esoo injustamente, esse alguém fostes vós. Era verdade. O seu próprio encarceramento era o resultado da revolta do jovem Thomas Wyatt, que, no seguimento da sublevação dos Dudleys se tinha oposto ao noivado de Maria com Filipe de Espanha, um príncipe estrangeiro. -era Mas não será lógico queaMaria julgue depô-la e colocar-me mim no trono.que eu fui cúmplice, Robin? O objectivo da conjura - Sem escutar as razões da própria irmã? - Escrevi-lhe várias cartas, implorei-lhe audiências e nenhuma delas foi respondida ou concedida. Aquele maldito espanhol De Quandra, sempre me odiou. Envenena-lhe o espírito contra mim. Porém, nunca encontrarão prova fiável do meu envolvimento na intriga do pobre Wyatt. - E quem necessita de uma prova fiável? - murmurou Robin com desalento. - É mais  provável morrermos pelas palavras falsas do imimigo do que por acusação verdadeira. O terrível lamento ergueu-se mais uma vez das entranhas da prisão, ecoando na escada escura, como que para recordar aos dois jovens prisioneiros qual seria o seu destino. E as corridas das ratazanas junto aos pés, fê-los estremecer de fria repugnância. - Não deveríamos apagar a vela? Se nos encontram juntos aqui, será o nosso fim. Dudley lançou-lhe olhar desesperado e apagou a vela. Aemescuridão eles como uma cortina um de veludo negro que, paradoxalmente, lugar deabateu-se amortecersobre os sons,

 

antes parecia amplificá-los. Temiam que a própria respiração os pudesse denunciar, de modo que se abraçaram de novo. Isabel teve de imediato a consciência da proximidade do corpo de Robin, do calor húmido do seu hálito junto ao rosto, da mão que lhe segurava a cintura, unindo-os como as flores do mesmo ramo. Porém, o que mais a sobressaltou foi o formigueiro que sentiu entre as coxas e que a fez ficar tão afogueada que imaginou poder Robin notá-lo, mesmo na escuridão. Logo foi possuída por um sentimento de culpa e vergonha. - Como vão as coisas com Amy? - perguntou então. Imaginou sentir que o abraço de Robin afrouxara um pouco, como se a pergunta sobre a esposa deste lhe tivesse suscitado remorsos. Mas a voz dele era firme, quando lhe respondeu: - Há quinze dias atrás, permitiram-lhe a ela e as esposas de meus irmãos que nos visitassem. Teme pela minha vida e... - Fez uma pausa, 17 como se não desejasse dar a conhecer o pensamento: - Sente muito a minha falta. Isabel alegrou-se uma vez mais por estar ao abrigo da escuridão que impedia o amigo de lhe ver a emoção gravada no rosto. Ciúmes, disse, incrédula, para consigo mesma. Tenho ciúmes de Amy Dudley! - Isabel - ouviu Robin sussurrar. - Isabel, sinto-me um traidor ao dizer-vos isto, mas à parte o alívio que me trouxe ver um rosto amigo e a gratidão que senti pela comida e presentes que Amy me trouxe, a sua presença pouco me comoveu. Não me atrevi a admitir que raramente pensava nela ou sentia a sua falta e que já não me agradava... fazer amor com ela. Isabel tardou em encontrar resposta para as inesperadas palavras de Robin, pois sentira enorme alívio e uma estranha alegria com aquela triste confissão. Recordava-se que, apenas três anos antes, por alturas da Primavera, fora testemunha do casamento de Robin e Amy. Como pareciam apaixonados e que belo casal formavam. Nessa ocasião, Isabel sentira-se feliz pelo seu amigo de infância, embora se recordasse de uma breve punhalada de dor ao ver Robin beijar a sua bela e jovem noiva. Agora, enquanto ainda procurava palavras de consolo para Robin, interrogava-se se não teria sido de ciúme. - Talvez que a vossa falta de desejo resulte resulte de um efeito desagradável desagradável do encarc encarceramen eramento, to, sobre o vosso corpo e o vosso espírito - sugeriu Isabel simulando estar certa dessa  possibilidade. - Porquê, então - perguntou Robin apertando mais a cintura de Isabel e puxando-a para si, de modo que os corpos trémulos se estreitaram um no outro -, sonho constantemente convosco, vejo o vosso rosto na minha imaginação, nada mais desejo que escutar o som da vossa doce voz para dar repouso à minha alma? E porquê, Isabel, vos desejo deitada,  junto a mim, na escuridão. Isabel sentiu que continha a respiração, enquanto o escutava, receando que o mínimo sussurro do seu hálito a impedisse de lhe ouvir as belas palavras. Erguera o rosto para o dele e, apesar da profunda escuridão não teve dificuldade em descobrir os seus lábios ansiosos sobre os dele. E ali tinham ficado, esquecidos de dor, medo e culpa, nos braços um do outro até que o murmúrio aflito do carcereiro chegou lá de cima, com a primeira luz da manhã. Agora, já onde no seuospalácio em Whitehall, Isabel entrou das no labirinto câmarasdoe grande antecâmaras  privadas, alabardeiros guardavam as portas salas do de conselho, salão

 

e a câmara real. Chegou num turbilhão à porta do seu quarto de dormir, agitando as aias num corrupio, como se de folhas secas se tratassem. 18 - Ide, ide-vos daqui, todas vós. Mantinha a capa bem apertada, desejando que aqueles modos bruscos lhe disfarçassem o coração sobressaltado e o tremor das pernas. Num largo movimento perfumado de saias e saiotes sussurrantes, as aias saíram uma a uma, depois de fazerem à rainha uma profunda reverência. A câmara ficou em silêncio, mas Isabel não ficou só. Katherine Ashley encontrava-se junto à lareira, de braços cruzados, com c om uma expressão triste no rosto preocupado. Apesar de ser rainha, Isabel não se atrevia a ordenar à senhora Ashley que saísse. Preferiu voltar-se de costas e chegar-se ao lume, tentando disfarçar o nervoso com um sorriso. Sem  pronunciar palavra, a mulher retirou-lhe dos ombros a capa de lã de Dudley e pô-la no  braço. - Não vos preocupeis Kat, o sangue não é meu - disse Isabel voltando-se para a aia, Apesar do aviso, os olhos de Kat abriram-se mais ao ver as manchas acastanhadas que sujavam a jaqueta de montar de Isabel. Em silêncio, cobriu os olhos com a mão enrugada e tentou acalmar-se. acalmar-se. Concretiz Concretizavam-s avam-see os seus piores receios. A jovem princesa, princesa, que desde   pequen pequenaa est estive ivera ra a seu car cargo, go, tr trans ansfor formar mara-s a-see num numaa altiva altiva rainha rainha.. Nesse Nesse mom moment entoo fantástico, em que na Abadia de Westminster, sob o resplendor de dez mil velas, a coroa de Inglaterra Inglat erra fora pousada pela primeira vez sobre a cabeça da sua queri querida da menina, a relação relação entre Kat e Isabel alterara-se. Porém, nada mudara, pensou, ao mesmo tempo que baixava a mão trémula do rosto. Absolutamente nada. Estendeu a mão e começou a desabotoar-lhe a  jaqueta de veludo. A rígida postura de Isabel descontraiu-se e deixou cair os braços ao contacto familiar das mãos de Kat. Sabia que a sua aia sentiria o cheiro de Dudley na sua roupa e no seu corpo. Sabia que Kat se esforçava agora por encontrar palavras palavras para expri exprimir mir a sua preocupaçã preocupação, o, sem quebrar as regras de etiqueta, necessárias entre elas. Quando Isabel era uma menina, uma princesa afastada da corte, com poucas possibilidades de su subi birr ao trono trono,, Kat Kat mantivera uma disciplina rigorosa, mas amável. Os seus instintos protectores eram quase felinos, imbuídos de ardor e lealdade. Sempre lhe falara com franqueza e severidade, quando situação Paraseu a menina abandonada de sangue, aKat Ashleyo eexigia. William, marido, praticamente eram os únicos portos de pelos abrigoparentes na terrível tempestade da sua jovem existência. E, agora Kat, sentia-se atormentada pela angústia. - Quereis que vos prepare um banho? - perguntou, aparentando calma. 19 - Esta noite, não - replicou Isabel. Desejava manter consigo durante o máximo de tempo possível, os últimos vestígios de Robin Dudley. Dudley. Kat dobrava com cuidado as peças de roupa da rainha à medida que esta as despia com a sua ajuda. Isabel, coberta apenas pela camisa de renda francesa, tremia de frio e chegou-se ao lume. - Posso falar-vos? - perguntou num tom glacial. - Alguma vez vos pude impedir de o fazer, Kat? A idosa mulher estendeu-lhe um robe de cetim amarelo. Isabel enfiou os braços nas enormes mangas e aconchegou a si o forro de pele. Sentindo-se fraca, deixou-se cair na

 

cadeira de costas altas, erguendo os olhos para Kat que baixara os seus, para fitar as  próprias mãos. - Senhora - começou. - Sois a minha vida e amo-vos como se fôsseis carne da minha carne. É por isso que vos digo que há que pôr cobro às coisas horríveis que soam por aí. Diz-se que vós e Robert Dudley vos comportais como se fôsseis casados. E esta noite? - desviou o rosto incapaz de enfrentar o olhar ardente de Isabel - Sei que é certo. Conheço esse homem desde menino, quando brincava convosco, e conheci toda a sua família. Foram todos executados por traição à coroa. Robin Dudley é um súbdito leal! - exclamou e xclamou Isabel. É um homem com a ambição no sangue. Não posso dizer que não vos ame, Isabel, mas como todos os outros, ama ainda mais o seu sonho de poder. Não confio nele. É um homem casado! Isabel desviou o olhar. Nessa tarde, esquecera por algum tempo a terrível verdade, ou talvez na euforia do seu recente poder acreditasse que o assunto não tinha importância. Porém,, só tinham passa Porém passado do três meses da coroaç coroação ão e, por causa de Robin. havia já rumores escanda esc andalos losos os a seu respei respeito. to. Mes Mesmo mo ass assim, im, dis disser seraa para para consigo consigo que não precis precisava ava  preocupar-se com uma possível gravidez, já que não sangrava com o ciclo lunar, como todas as outras mulheres. E era a monarca reinante. Poderia fazer o que lhe aprouvesse. - Não quereis aperceber-vos do que salta à vista? - perguntou Kat. Estais tão cega pela luxúria que não compreendeis as consequências dos vossos actos? Isabel, estais a perder o respeito dos vossos conselheiros, da vossa corte, até dos vossos súbditos. Se vos retirarem o afecto, as alianças cairão por terra. Sabeis tão bem como eu que existem outros aspirantes a este trono e se a vossa posição ficar debilitada, não duvideis que o sangue correrá. Sangue de inocentes, que cairá sobre a vossa cabeça. juro que se soubesse que as coisas chegariam a este ponto, vos teria estrangulado no berço! 20 Isabel estremeceu com a veemência de Kat. Porém, esta não tinha ainda terminado. Ajoelhou-se e tomou nas suas, as mãos da rainha. - Casai-vos, Isabel. Imploro-vos. Comprometei-vos com um pretendente digno da vossa estirpe... estrangeiro, inglês, não importa. Casai-vos. Proporcionai herdeiros Tudor, ou seremos invadidos pelo caos! Isabel acariciou a mão Kat bom Ashley. - Kat, sei que falais emmanchada nome do de vosso coração e verdadeira fidelidade. Mas escutai: nesta minha vida só tenho tido penas e atribulações. A felicidade tem sido tão pouca que mereço aquela que este homem me dá. Como Kat se dispunha a objectar, Isabel poisou um dedo nos lábios dela, para os selar. - Não digais mais nada. Sou a rainha e vou fazer conforme me aprouver. Se encontrei  prazer de um modo desonrado, não há ninguém nesta terra, neste vasto mundo, que mo  possam proibir. Kat pôs-se de pé, reconhecendo a derrota. Olhou para a mulher obstinada que continuava a surpreendê-la e a desconcertá-la. As suas tentativas de demover Isabel tinham sido em vão. Aquela jovem de cabelo ruivo a emoldurar-lhe o rosto efemeramente inocente, ainda lhe haveria de dar muitos desgostos. - Meus senhores! A rainha irrompeu pela sala do Conselho com a força de um projéctil lançado por uma catapulta, trespassando com o olhar todos os seus conselheiros. De entre eles, apenas

 

William Cecil que já tratara com Isabel nos anos anteriores à sua ascensão ao trono, era capaz de compreender a verdadeira natureza daquela formidável soberana. - Majestade, temos boas notícias do continente - afirmou Cecil, dando início à sessão matinal do Conselho. - Chegámos a um acordo com os franceses em relação a Calais. - Excelente. Vão então devolver-no devolver-noss a cidade portuá portuária ria que a minha ilustre ilustre irmã perdeu, e que nunca deixou de nos Pertencer? - perguntou Isabel. - Não exactamente, Senhora. - Então, como se propõem resolver o assunto? - Manterão o domínio sobre Calais pelo menos por mais oito anos explicou o conselheiro  para os assuntos de defesa, lorde Clinton. 21 - Oito anos? - admirou-se a rainha. - É um número muito redondo. Voltado ao contrário é igual, infiniti. Talvez seja assim que se propõem a ficar com Calais. - No final desses oito anos, se decidirem ficar com a cidade terão de nos pagar quinhentas mil coroas. - Uma bela soma! - exclamou Isabel. - Porém, e agora que precisamos de dinheiro para reparar o estado lamentável do nosso tesouro. - Majestade, a possibilidade de nos devolverem Calais no futuro não foi descartada acrescentou lorde North. - Mais importante ainda - interveio lorde Clinton. - já não existe a ameaça de invasão dos franceses a partir da Escócia. E, de momento, a vossa jovem prima, a rainha Maria, desistiu das suas pretensões ao trono de Inglaterra. O que é excelente. - Pois é - disse Isabel com um sorriso forçado. - Um reino ganha mais com um ano de paz do que com dez de guerra. Pelo menos é o que afirma lorde Cecil. Os conselheiros, mais tranquilos, trocaram sorrisos. - Temos, então, a paz - disse a rainha. - Mas entretanto, graças aos vossos conselhos para os  preparativos de guerra, temos o tesouro vazio. - Não será bem assim Majestade - replicou lorde Howard, tio da rainha e o soldado de maior prestígio entre os seus conselheiros. - A fortificação dos castelos da fronteira norte e as munições trazidas da Flandres não foram, porém, gastos inúteis. Estamos preparados  para enfrentar hostilidades imprevistas Si vis pacem, para belhim - declarou lorde North. -- Se desejais a paz, preparai-vos para a guerra - traduziu Isabel. - Precisamente, majestade. - Todavia - comentou a rainha, voltando-se para lorde Howard parece-me que meu tio não confia no seu próprio tratado. - Não creio de modo algum que católicas tão zelosas como Maria da Escócia e a sua sogra francesa abandonem os projectos de dominar a Inglaterra protestante e de deporem a sua rainha herege. Mas, por enquanto, o tratado é do meu agrado e espero que seja também do vosso, Majestade. Isabel perscrutou os rostos dos seus conselheiros e pareceu-lhe ver  neles a necessidade necessidade da sua aprovação. Sabia que era dura - volúvel, imprevisível, exasperante. Regozijava-se no caos e diver divertia-se tia-se a utiliza utilizarr as suas manias manias e fraquezas, fraquezas, para os pôr uns contra os outros, outros, e lhes estender pequenas armadilhas.

- Com efeito, senhores, o tratado agrada-me - disse, oferecendo-lhes um caloroso sorriso. Mesmo que apenas por pouco tempo, sempre nos

 

22  poupa o preço ruinoso de uma guerra e por isso devemos estar gratos - voltou-se para Cecil, em quem confiava cegamente, pois era honesto enquanto ela recorria a enganos, sereno enquanto ela se mostrava arrebatada e criava episódios terrivelmente dramáticos, por desejar apenas animar um pouco a tarde. - Depois me dareis os pormenores das negociações na nossa reunião particular, William. - Como for do desejo de Vossa Majestade - declarou Cecil e inclinou a cabeça numa reverência. Aquela mulher que se tornara rainha da noite para o dia, não deixava de o espantar. De uma frágil e pálida menina, transformara-se numa mulher assustadoramente segura de si, e com  plenos poderes sobre os seus homens. Nesses momentos, Cecil sabia inequivocamente que os antigos rumores rumores - relac relacionado ionadoss com o julgamento de sua mãe Ana Bolena por traição e adultério, e segundo os quais Isabel não era filha de Henrique - não passavam de ridículas fantasias. Até um louco podia ver que a jovem era o reflexo do pai. Não só no belo cabelo ruivo, no nariz aquilino, no radiante sorriso, mas também na mesma arrogância inata, na incontestável autoridade e puro magnetismo animal. Pensou também com ironia que Isabel  possuía como o pai, a rara qualidade de inspirar em homens e mulheres o mesmo amor  apaixonado e devoção inabalável, apesar da sua inexperiência e dos seus por vezes desagradáveis insultos. Isabel que caminhara sem cessar, tanto para dar largas a um excesso de energia nervosa, como para combater o frio que ali fazia, instalou-se na sua cadeira de almofadas vermelhas e tamborilou com os dedos na madeira trabalhada dos braços em forma de garra. - Prossigamos! - Majestade, chegou o momento de apresentar ao Parlamento os Actos de Supremacia e Uniformidade para que sejam transformados em lei. - Tal como vosso pai, sereis nomeada Chefe Supremo da Igreja de Inglaterra Inglaterra - anunciou o marquês de Windsor, lorde-tesoureiro, um homem já idoso, de rosto doce, cuja cabeça  parecia equilibrar-se precariamente em cima dos folhos da sua gola engomada. - Prefiro ”Governador”... ”Governador Supremo” - afirmou Isabel. - E o Livro de Orações do meu falecido irmão Eduardo? Será restabelecido? - Imediatamente, majestade - replicou Cecil. - E a partir de agora, os serviços religiosos serão conduzidos em inglês. - Deus seja louvado! - exclamou a rainha. 23 - Propomos também que a assistência à missa católica seja considerada um crime passível de prisão - continuou Cecil. - Repetido três vezes, será punido com prisão perpétua. -  Não será uma pena excessiva, senhores? E muito parecida com as perseguições católicas?  No continente, foi nomeado um novo inquisidor dominicano e os judeus foram mais uma vez obrigados a usar quadrados amarelos cosidos nas costas. Não desejo que se diga que a nossa reforma se inclina para a crueldade. - Em qualquer caso, é menos duro do que a morte de protestantes na fogueira, imposta por  vossa irmã, durante o seu reinado - respondeu lorde Clinton. Isabel reparou no estremecimento de lorde Arundel, o único católico que restava no seu Conselho Privado, diante da referência à perseguição encarniçada que haviam sofrido os adeptos da nova fé no reinado de Maria. Muitos tinham sido os homens, mulheres e até mesmo crianças que tinham padecido uma horrível agonia nas chamas, entre eles o

 

arcebispo Cranmer, grande amigo de sua mãe. - Fu Fuii test testem emun unha ha do fa fanat natis ismo mo pr prot otes esta tant ntee de meu meu irmã irmão, o, tão tão repu repugn gnant antee co como mo o catolicismo de minha irmã. O reino necessita de sarar as feridas, para atingir a unidade e  só o conseguiremos com um meio-termo nos assuntos religiosos. E, embora eu não tenha  paciência para santos, indulgências e milagres, buscaremos uma conformidade exterior, sem esquecer que as crenças de cada um são um assunto pessoal. Não desejo invadir as almas dos homens. - Majestade, há outro assunto que necessitamos discutir - disse Cecil com a cautela de quem entra num curral cheio de javalis enfurecidos. - E qual será esse assunto, lorde Cecil? - perguntou Isabel, dissimulando um sorriso, pois sabia perfeitamente do que se tratava. - O vosso casamento, Majestade. É da maior importância. Uma aliança estrangeira... - Não me faleis de uma aliança estrangeira! - Isabel ergueu-se de um salto, provocando um turbilhão de brocados sussurrantes e uma onda de perfume que entonteceu os conselheiros. - Quando subi ao trono, fui aclamada rainha genuinamente inglesa, sem mistura de sangue espanhol ou estrangeiro, totalmente natural deste país. O que quereis de mim é um filho, não é verdade? Um herdeiro. Ora bem, não credes que os meus súbditos desejem um  príncipe verdadeiramente inglês? - Mas, majestade... - Mais me valeria casar-me convosco! - voltou-se rapidamente para o mordomo-mor da casa real e acrescentou: - Precisamente o conde de 24 Arundel quer convencer-me de que é o melhor partido de toda a Inglaterra - deu outra volta e encarou o idoso marquês de Windsor que já havia estado ao serviço de seu pai e irmão. Embora curvado e frágil, quando a rainha lhe passou os dedos de marfim pela barba cinzenta, sorriu como um jovem apaixonado. - Se o meu tesoureiro-mor fosse menos idoso nem por um instante duvidaria em fazer dele meu esposo! - Perdoai, senhora mas troçais de um assunto de extrema importância - disse o primeiro conselheiro. - Se não vos conhecesse, lorde Cecil, pensaria que estais de acordo com a famosa teoria de que a beleza é um dom conferido às mulheres pela natureza, para as compensar da sua falta de inteligência... - Majestade... - implorou ele. - Ou como os escritos de John Knox, esse idiota pomposo, que afirma que, uma mulher  governar os homens é tão despropositado, como um cego conduzir os que vêem. Isabel já não sorria e tinha o rosto habitualmente pálido afogueado de fúria. - já vos disse, e agora repito. Nesta questão, agirei conforme Deus me ditar. Além do mais... - disse, recuperando a compostura do mesmo modo que readquiriria o controle de um cavalo indisciplinado - já sou casada. Os conselh conselheir eiros os olh olhara aram-n m-naa par parali alisad sados. os. Mal se ouvia ouvia um murmúr murmúrio io na sala. sala. Ter Teria ia acontecido o pior? Teria a rainha desposado Dudley, em segredo? Isabel ergueu a mão direita, exibindo aos conselheiros o pesado anel de ouro e rubis da coroação. - O meu esposo é o reino de Inglaterra! Muito bom-dia, meus senhores!  Nunca tinha visto uma pessoa tão velha. Quando Kat Ashley fez entrar no aposento a anciã curvada e trémula, Isabel observou-a com assombro. Debaixo da touca, o cabelo era fino e grisalho e o rosto enrugado como uma maçã seca ao sol. O vestido velho e muito largo que

 

lhe cobria o corpo, estava desbotado e fora de moda. Porém, Isabel teve a certeza de que se tratava de uma mulher bem nascida. A reverência, profunda e cerimoniosamente correcta que fez, apesar das doridas articulações, foi prova suficiente da sua nobreza e posição. - Falai - pediu a rainha com a curiosidade espicaçada mesmo antes da mulher se levantar e dispensando as formalidades. - Dizei-me o que vos trouxe aqui. 25 A mulher erguera-se já, porém a corcunda obrigou-a a levantar a cabeça o mais que pôde,  para se dirigir à rainha e enfrentar o seu olhar. - Devemos falar a sós, Majestade. Kat soltou uma exclamação ofendida e implorou com os olhos à rainha que a deixasse expulsar a mulher. Mas, embora a altivez da anciã não parecesse de acordo com o seu modo de vestir, Isabel sentiu que a ocasião estava investida de uma estranha importância. Mandou Kat embora e a aia corada e aborrecida, saiu porta fora. - Tenho aqui uma coisa que pertenceu a vossa mãe - declarou a velha. - Dizei-me primeiro o vosso nome e deixemo-nos de segredos. Posso estar interessada no que me trazeis, mas tenho pouca paciência. A mulher susteve sem pestanejar o olhar da rainha. - Saiba Vossa Graça que sou lady Matilda Sommerville, E talvez que a paciência se possa adquirir com a idade avançada, juntamente com as dores nas articulações. Enquanto a rainha olhava para a velha, debatendo-se entre a fúria e a vontade rir, esta meteu as mãos por entre as dobras da saia e retirou de lá um livro de capa gasta. Todavia  pareceu hesitar. - Deixai-me ver esse livro - ordenou Isabel com sobriedade. - Não se trata de um livro, Majestade. - Ora essa, não o estou a ver com os meus próprios olhos? Parecendo conhecer exactamente os limites da sua insolência, lady Sommerville avançou, com passo vacilante e, com os dedos ded os invul invulga garm rment entee cur curvad vados os,, es este tend ndeu eu o li livr vroo fo forr rrad adoo de pele pele ve verm rmel elhaha-es escur cura. a. Aproximou-se um pouco mais da rainha e murmurou: - É um diário. É o diário de vossa mãe, Ana Bolena. Imediatamente Isabel sentiu a pele arrepiada e o coração em sobressalto. Sua mãe! Quase não conservava dela qualquer  recordação e, na verdade, havia mais de vinte anos que não pronunciava o seu nome em voz alta. um esforço recuperar a calma e aguardou um pouco antesentrado de falar.na  posse do - UmFez diário? E possopara perguntar-vos lady Sommerville, como haveis diário de uma Rainha? Os olhos lacrimejantes da mulher perderam a expressão, como se se tivesse afastado daquele tempo, daquele local. - Tive a grande honra de servir vossa mãe antes da sua morte - disse com discreto orgulho. Embora a lógica exigisse que a história da mulher fosse recebida com cepticismo e o objecto que tinha na mão sujeito a rigoroso escrutínio, 26 Isabel estendeu a mão para o livro com uma espontaneidade que lhe era pouco vulgar. Sentiu, sob os seus dedos, a pele áspera e chegou-lhe às narinas o odor a pergaminho e a  pele de vitela. A idosa mulher observava a rainha com um olhar calmo e seguro. A jovem monarca deveria saber que falava verdade. Não seria castigada.

 

- Sentai-vos - disse Isabel, mais como convite do que como ordem. Falai-me de minha mãe. Lady Sommerville sentou-se numa cadeira colocando as pernas, sob as volumosas saias, na  posição mais cómoda para as suas doridas articulações. - Lorde Kingston, meu tio, foi governador da Torre de Londres no tempo de vosso pai. Foi um grande soldado e combateu com bravura na batalha de Flodden, onde sofreu ferimentos graves. Muitas vezes se lamentava, dizendo ter preferido morrer aí com glória, pois o ter  ficado aleijado para o resto da vida, transformou-o num homem amargo. O bom rei Henrique recompensou-o com o posto de governador da fortaleza de Londres e, embora tivesse sido uma grande honra, o cargo fazia-o infeliz. As muralhas cinzentas causavam-lhe tristeza, tris teza, a humida humidade de do rio afect afectava-lhe ava-lhe os ossos e as armas reais causavam-l causavam-lhe he a saudade das batalhas em campo aberto, e do entrechocar das armas - a voz de lady Sommerville ganhava alento e confiança, à medida que desfiava as recordações e revivia o tempo da sua  juventude. - Kingston estava no seu posto quando vossa mãe  já grávida de cinco meses da vossa real pessoa, foi passar três dias de feliz retiro na Torre, antes da sua coroação como rainha.  Não a serviu de bom grado, tendo sido como tantos ingleses, um partidário leal de Catarina,  primeira mulher de vosso pai, apesar de se tratar de uma estrangeira. Porém, como apreciava a segurança da sua família e também a do seu magro pescoço, curvou-se diante da nova rainha e tornou-lhe a estada o mais confortável possível. Ao cabo de três anos, vossa mãe voltou para a Torre, em desgraça e acusada de traição e bruxaria e meu tio recordava a sua chegada na barcaça, de rosto triste e sombrio. Tropeçou ao passar o portão do rio, para entrar no pátio e ele segurou-a pelo braço. Contou-me depois, que ela lhe sorrira, agradecida por aquela pequena amabilidade, pois havia muito que não recebia nenhuma já que apenas lhe restavam inimigos. Isabel percebeu que as mãos lhe tremiam e segurou o diário com força para as aquietar. Também ela fazia parte daquela história fatídica. Não se tratava apenas da recordação da Torre,, daquel Torre daquelee infer inferno no inósp inóspito, ito, onde també também m ela fora encarcerada encarcerada durante meses quando Maria, sua meia-irmã 27 suspeitara da sua participação numa conjura para a depor. Não, era mais do que isso. Aquela anciã arrastava consigo o princípioAté da ali, vidararas de Isabel a morte sua mãepensar  como fios entretecidos de uma bela tapeçaria. vezese se tinha de permitido demoradamente na vida ou na morte de Ana. A promessa do seu nascimento fora a grande esperança de Ana - um filho varão, o herdeiro que Catarina não pudera dar a Henrique. Sabia também que o seu sexo tinha contribuído  para a morte de sua mãe. Se tivesse nascido rapaz, talvez Ana estivesse viva e, quem sabe, fosse ainda rainha. - Prossegui, lady Sommerville. Haveis dito que servistes minha mãe no final da sua vida. - Meu tio precisava de mulheres que servissem a rainha na sua terrível reclusão e eram  poucas as que aceitavam fazê-lo. Vossa mãe foi muito injuriada, majestade - a anciã baixou os olhos, envergonhada de ter de contar a verdade a Isabel. - Com efeito. ”Nan Bolena, a rameira do Rei”, era assim que lhe chamavam - disse Isabel com os lábios trémulos trémulos e sentindo sentindo por ela uma onda de piedade. piedade. Tal como a mãe, também também Isabel fora alvo de ódios e invejas, rejeitada e insultada mesmo depois de já ser princesa. Havia poucos anos, antes de se converter em rainha fora sempre considerada a bastarda de

 

Henrique. Doía-lhe o peito. Sentia a garganta seca e apertada. - Adorei vossa mãe desde o primeiro momento em que a vi tão solitária - disse lady Sommerville, inesperadamente. Isabel perscrutou o rosto da idosa senhora, em busca de emoção que lhe corroborasse as  palavras. Mas nada mais viu que o movimento dos lábios enrugados ao revelarem um tão  precioso segredo, destinado a ser conhecido por duas mulheres de sangue nobre. - Era de constituição delicada, de pulsos muito finos e com um longo pescoço de cisne  prosseguiu lady Sommerville. - E graciosa, tão graciosa que nos esquecíamos que tinha a  pele excessivamente pálida e os olhos demasiado grandes. Tinha uma voz muito agradável,  bem timbrada e alegre, apesar das suas terríveis atribulações. E era muito espirituosa. Vossa mãe fazia-me rir, podeis estar certa. Ríamos juntas, ela e eu, pois mais ninguém queria  partilhar desse riso. As outras damas olhavam, murmuravam e o meu tio zangou-se comigo. Porém, eu, valente como um homem, resolvi dizer-lhe: ”Ana será rainha até à morte. É ela e não vós quem me dá ordens!” A idosa senhora deteve-se, sorriu para consigo, recordando-se talvez desses momentos de corajosa resistência. Depois continuou. 28 - Todas as noites, durante as semanas em que lá esteve, deixou que eu lhe escovasse o longo cabelo sedoso e negro, como asas de corvo. Era nesses momentos que vossa mãe chorava. Lágrimas raivosas e amargas mas também de muita tristeza. Por vezes gemia  baixinho. Uma vez disse-me: ”Henrique gostava muito de escovar o meu cabelo.” Mais nada ”Henrique gostava muito de escovar o meu cabelo”. À parte isto, a única vez que a vi chorar foi quando executaram o irmão e assistiu à sua decapitação de um parapeito da Torre. As mortes dos outros, dos homens que tinham sido acusados de libertinagem com ela, não a afectaram tanto. Mas adorava o irmão George - lady Sommerville olhou a rainha nos olhos. - Vosso tio. - Meu tio, sim - Isabel tentou voltar atrás no tempo. Recordava-se de George Bolena? Belo nos retratos, com a reputação de ser encantador. Não, não se lembrava dele, nem de seu avô Thomas, que vendera a filha por ambição e a abandonara por conveniência. Até mesmo sua mãe, mã e, não não era era ma mais is que que uma uma vi visã sãoo efém efémer era, a, um leve leve pe perf rfum umee almi almisc scar arad ado, o, um riso riso melo me lodi dios oso. o. Po Poré rém, m, o se seuu rost rostoo es esta tava va se semp mpre re ba banha nhado do nu numa ma lu luzz tão tão in inte tens nsa, a, qu quee  praticamente apagava asde feições. Uma das suaslhe recordações infância era um belo lenço de linho com as iniciais de seus  pais, H de Henrique e  A de Ana, entrelaçadas como dois amantes abraçados, Mais tarde, quando Ana morreu e caiu no esquecimento, suplantada por Jane Seymour, todas as roupas, esculturas, pinturas e objectos adornados com o atrevido símbolo do êxito de Ana foram destruídos ou postos de parte, substituídos por outros com a inicial J, da nova rainha entrelaçada no H de Henrique. Durante a sua infância, triste e solitária, Isabel guardara o lenço, um tesouro ilícito, numa pequena caixa que continha as poucas jóias que lhe tinham sido oferec oferecidas idas e outros objectos objectos de pouco valor. À medida que ia crescendo, a caixa ia sendo empurrada para o fundo de um baú de madeira e a recordação que guardava de sua mãe esbatia-se tal qual a pintura de um leque. - Falai-me do diário. - Só soube da existência do diário no dia em que vossa mãe partiu para o seu fim infeliz. Estava muito agitada, pois tinha ouvido os carpinteiros debaixo da sua janela da prisão a serrar e a martelar o estrado sobre o qual seria executada. Os últimos pedidos de clemência

 

a vosso pai foram em vão e estava desesperada. Por instantes, pareceu ter perdido todo o encanto e graça, tropeçava na saia, torcia as mãos. Passava os dedos pelo rosto, pelo cabelo e murmurava: ”Que Deus me perdoe... que Deus me perdoe...” - Eu sentia-me indisposta e tonta. Vossa mãe era uma mulher digna de pena e perdera o  porte de rainha que certamente queria mostrar a 29 todos os que viri viriam am assisti assistirr à sua execução. De modo que ganhei coragem e cheguei-me cheguei-me a ela para lhe perguntar se não queria que lhe escovasse o cabelo. Nesse momento, olhou  para mim e pareceu mais tranquila. ”Sim, lady Sommerville, gostaria muito.) - Penteei-a lentamente como ela tanto gostava, alisando-lhe o cabelo. Depois pediu-me que lho subisse para libertar o pescoço. Foi neste momento que comecei a chorar, pois sabia qual fora o seu pensamento - a anciã tocou inconscientemente na nuca. - Tinham mandado vir um excelente carrasco francês, mas ela receava a dor e não queria qualquer obstáculo à lâmina do machado. Isabel apercebeu-se de que tinha as lágrimas nos olhos, mas não fez qualquer menção de as esconder daquela mulher, tão amiga de sua mãe na vida e na morte. - Depois de lhe ter arranjado o cabelo e ajudado a vestir um macio vestido cinzento, veio ter  terr rror or comig com igoo com com es este te li livr vroo na mã mão. o. Ne Ness ssee mome moment ntoo já esta estava va muit muitoo cal calma ma e o te desaparecera-lhe do olhar. ”Tomai isto”; disse. ”É a minha vida. Entregai-o a minha filha Isabel, quando esta for mais velha, quando q uando for rainha. Vai fazer-lhe falta.” - Envergonha-me ter de o admitir, Majestade, mas pensei que a filha que Henrique tivera com uma mulher que tanto desprezara, nunca viria a governar Inglaterra. Todavia eu amava vossa mãe e ela ia morrer, portanto achei que seria uma honra. E é também uma honra  poder, ao fim de tantos anos, entregar-vos o diário. Lady Sommerville fez um esforço para se levantar da cadeira. Isabel estendeu a mão para a ajudar e os olhos de ambas encontraram-se. - Vossa mãe morreu com dignidade. Morreu como uma rainha, Majestade. Lady Sommerville executou uma reverência e tomando a mão coberta de jóias de Isabel, beijou-lhe o anel. - Muito obrigada, bondosa senhora - murmurou Isabel. - Deveis sentir orgulho por terdes cumprido a promessa que, há já tanto tempo, fizestes a minha mãe. A anciã observou um sorriso o rosto rainha. - Haveis herdado com os olhos de vosso pai, pálido Isabel,da mas é o espírito de vossa mãe que brilha através deles. Lady Sommerville voltou-se e saiu com passo lento, sem se incomodar  em fechar a  porta. Kat e outras aias mais jovens que aí se encontravam, entraram imediatamente na câmara. Isabel,l, como que envolv Isabe envolvida ida num sonho do qual não desejava desper despertar, tar, ergueu a mão para lhes ordenar que saíssem. 30 Depois, observou o diário que durante toda a história de lady Sommerville segurara nas mãos mã os.. Esta Estava va velh velho, o, com com a ca capa pa verm vermel elha ha-e -esc scur uraa de desc scor orad adaa e a en enca cade dern rnaç ação ão já deteriorada. Pouco restava já da grinalda dourada, mas via-se que tinha sido um livro muito  belo. Isabel abriu a capa como se tocasse em asas de borboleta. Ali na primeira página, em grandes letras desenhadas numa elegante caligrafia sobre o pergaminho amarelecido lia-se a inscrição:

 

 Diário de Ana Bolena

Isabel voltou a página. 4 de Janeiro de 1522 Diário, Que estranho é um livro com as páginas em branco. Nunca na minha vida tinha visto nada tão raro e maravilhoso como este diário de pergaminho. Como é diferente de um livro que se possa ler, cujos autores ofereçam o alimento dos seus pensamentos, palavras e obras, este volume vazio que me desafia e troça de mim, implorando-me que encha as suas  páginas. Mas enchê-las com quê? Thomas Wyatt, que mo ofereceu, assegura-me que sou capaz de o fazer, justificando-se ao dizer que adquiri o hábito de escrever em várias línguas, que sou boa conversadora, que conheço casos espirituosos e interessantes e deliciosas histórias da corte francesa. São certamente, são cumprimentos de um cavalheiro a uma dama, mas, mesmo assim, há neles algo de verdade. Wyatt com o presente na mão, encontrou-me na minúscula sala das aias da rainha Catarina, só e sentada à mesa com a pena na mão, a acabar de escrever uma carta  para minha mãe. Voltei-me para ele e recebi-o com um sorriso franco, pois Wyatt é um grande homem. Escritor, o melhor poeta da corte, extremamente belo, muito alto e cheio de vida. Diz-se que, excepto em sangue real, em nada é inferior a Henrique e é, de facto, o companheiro constante do rei Tudor. Desde o meu gélido e triste regresso da corte do rei 31 francês, este cavalheiro distinguiu-me de entre as outras aias, cumulando-me de favores, mais até do que à minha bela irmã Maria. Lisonjeia-me ousadamente nos seus poemas que são causa de muita admiração e alguns ciúmes. Mas, nem isso, me tinha feito esperar tão invulgar presente. - Poucos homens e ainda menos mulheres passam a escrito aquilo que pensam - disse-me. Mas só conheço uma pessoa que possa encher com graça estas páginas, contando a sua história com espírito e graciosidade. Admitiu que a vida da corte era demasiado íntima e gregária para fomentar pensamentos solitários, mas pediu-me que me recordasse que estamos sempre sós, mesmo no meio de outros. E, em seguida, acrescentou: - Se encontrardes maneira de escrever  o vosso diário de coração aberto, como a um amigo a quem se os conta a verdade, sem nada omitir, este livro há-de conter, como as obras de Petrarca, fragmentos dispersos da vossa alma. Fiquei assombrada. Thomas Wyatt, um homem inteligente, oferecera-me uma dura noz de  Natal envolvida na carne macia de uma tâmara, um desafio atrevido, escondido no melhor  dos elogios. Sabia que, apesar das poucas oportunidades que a vida de uma aia deixava para um trabal trabalho ho assi assim, m, tinha de escrever  e delinear um plano para poder manter em segredo esse acto íntimo. íntimo. A arca de madeira lavrada lavrada que troux trouxee de França tem chave e fechadura e nela o meu diário íntimo terá um esconderijo seguro. Um momento! Oiço os risos da rainha e das outras aias que se aproximam pelo corredor, regressadas de algum divertimento, Afectuosamente vossa,  Ana

15 de Janeiro de 1522 Diário, Fingi uma dor de cabeça, para poder ficar enquanto as outras foram ver um combate de ursos no pátio do castelo. Estou sentada, junto à janela do meu quartinho, de pena na mão e,

 

ao pensar na minha vida diária, descubro que o passar do tempo não curou a minha melancolia. Desde o meu regresso de França para a corte enfadonha e provinciana do rei Henríque, estou ao serviço da sua piedosa 32 rainha. Levo e trago as suas roupas de lã, e as do seu leito, por corredores escuros e estreitos, entre paredes de pedra geladas pelas brumas inglesas que se erguem do Tamisa. Gelam-me o coração e deixam-me prostrada numa saudosa melancolia. Se a Inglaterra não tivesse reclamado o regresso de meu pai de França, depois da ruptura das relações cordiais entre ambas as nações, continuaria a dançar todas as noites, como agora o faço em sonhos, na corte cintilante de Francisco I. Nela havia encanto, esplendor,  beleza e maliciosos jogos de sedução. O endiabrado rei (embora para dizer a verdade Henrique se lhe assemelhe em figura, majestade e beleza varonil) tem uma coisa que o nosso soberano nunca teve nem desejou ter - um amor esplêndido e obsceno pela luxúria que confere aos mais chegados membros da sua elegante corte. Foi em França que passei a minha juventude e, aí fui educada, desde pequenina, em companhia de Renée, a princesinha aleijada. A luz cristalina entrava pelas altas janelas do  palácio real e intensificava as cores. Todas as paredes estavam Cobertas, todos os recantos enfeitados, todos os soalhos atapetados com tesouros de incalculável valor - tapeçarias, quadros, estátuas e objectos de metal para agradar os sentidos e os gostos de todos. Ali acudiam grandes filósofos, escritores e sábios de todos os cantos do mundo. jantávamos na companhia do grande poeta Marot, olhávamos durante horas para a Mona Lisa de Leonardo da Vinci trazida por esse refinado cavalheiro italiano para enfeitar o próprio salão do rei. Ah, como lembro esses tempos e esse lugar. Conservo a recordação de um momento, de um dia perfeito, numa vida a um mundo de distância. Contar-vos-ei tudo para que vejais, querido Diário, como foi a vida que até há pouco levava a senhora Ana Bolena. ...Avancei a toda a pressa pelo corredor soalheiro, para me encontrar com Josette que tinha   prometido pôr-me ao corrente de alguns mexericos. Mas então vi aproximar-se, qual archote que ilumina a noite escura, o rei Francisco, cuja figura suplantava o resplendor das suas própria jóias. Os homens da corte francesa seguiam na sua esteira de luz, pavoneandose com passo seguro e impudicícia aclamando cada palavra do rei, lisonjeando-lhe os movimentos graciosos, satisfazendo-lhe todos os caprichos. Aproximaram-se mais. Ousadamente, ergui osque olhos paraosocortesãos rei de França, antes de fazer  uma sedutora reverência. Ergui-me, sabendo todos me admiravam, me acariciavam e me despiam com o olhar. O rei, os cortesãos e eu trocámos algumas  palavras... 33 um cumprimento a sua Majestade pelo saque obtido em Itália, um gracejo às custas de outra dama, um cumprimento para o meu pai, o embaixador, um convite para jogar às cartas. Inclinei a cabeça, pestanejei, esbocei um malicioso sorriso. Os anos de educação nas artes da coqueteria surtiram efeito, pois sabia o que pensavam: ”Esta é Anne de Boullans, irmã de Marie, a impúdica égua inglesa. É jovem, ainda sem mácula e oferece-nos um semnúmero de possibilidades e um potencial de sedução. Vou apresentar o meu mais atraente sorriso, adoptar a pose mais chamativa, provocar nela uma gargalhada, com o meu espírito. Talvez possa ser o seu primeiro amante e conseguirei do meu rei, se e que ainda não se deitou com ela, a sua admiração mais pura e lasciva. Talvez possa ser eu a contar a sua

 

Majestade - pois sei como lhe agrada ouvir - os excitantes pormenores dos nossos encontros amorosos, as palavras trocadas por entre os abraços mais apaixonados.” insinua nuandondo-me me malici maliciosam osament entee antes antes de me des Assim, insi desped pedir ir,, fing fingii entre entregar gar-m -mee a  pensamentos lúbricos, incentivando-os a deliciosas fantasias a meu respeito. Mal sabiam eles, enquanto retomavam com passo lento o seu caminho em direcção a novas futilidades, que o meu corpo e o meu espírito estavam ainda intactos e que continuava virgem, pois tinha tido bons exemplos para me instruírem nesta questão. Ouvira os nomes que chamavam a minha irmã. Mary era uma verdadeira beleza, mas um  pouco curta de inteligência, conduzida apenas pelas rédeas do desejo e da exaltação do momento. Apenas pensava nas conquistas de uma noite. Aprendi também com a casta e desairosa rainha Claude, a quem servíamos. Todas as aias desdenhavam dos seus modos e troçavam dela devido às escapadas do esposo. Para a maio ma iori ria, a, era era um umaa mu mulh lher er se sem m im impo port rtân ânci cia. a. Ma Mass nã nãoo pa para ra mi mim, m, po pois is vi viaa qu quee era era verdadeiramente uma rainha. Usava a coroa, tivera entre as suas pernas o rei de França e dera-lhe os príncipes que lhe perpetuavam o nome. As fúteis e espirituosas damas da corte, com os seus vestidos de seda, cobertas de jóias e objectos de desejo... nada tinham. Nem amor, nem nome, nem glória duradoura. Eu fazia como elas. Ria e namorava, fingia-me libertina, bebia de uma taça em cujo interior estavam representadas cenas impúdicas... e não corava. Mantive a sensatez. Tinha apenas quinze anos. O soalheiro corredor do palácio francês encheu-se de música alegre e apercebi-me de um intenso perfume que pairava junto a mim. Toquei no mármore colorido de um deus nu sobre um pedestal. 34 Olhei o seu membro viril, de pedra, e pensei na carne. Toquei-lhe na coxa fria com uma mão ardente. Respirei fundo ... Do pátio, chegavam gritos agudos e ganidos de um cão moribundo. O meu doce devaneio quebrou-se como o gelo fino sobre as vidraças das janelas. Estou em Inglaterra. Mas o meu coração sofre as tristes saudades daquela vida dourada. Oxalá estivesse ainda em França. Afectuosamente vossa,  Ana

 

35 ISABEL MANTEVE-SE IMóVEL, aturdida pelas revelações do diário! Que estranha e singular fortuna lhe teria feito chegar às mãos aquele documento e conhecesse, por fim, os  pensamentos mais íntimos da mãe e um mundo que havia mais de quarenta anos findara. Isabel sentia ter encontrado a chave de uma câmara secreta, havia muito selada - como um túmulo - na qual se escondiam terríveis e fascinantes mistérios, tão perigosos como importantes. Buscou no seu coração, mas não encontrou nele qualquer sentimento de amor   pela personagem que fora a amante de seu pai durante seis anos, sua esposa e rainha durante três. Desde a infância que Isabel construíra em redor do seu coração altas muralhas  para se proteger da vergonhosa recordação de Ana. Para as erguer utilizara toda a amargura sentida pela morte da traidora e a mácula que esta deixara na sua própria vida. Havia muito pouco tempo que a coroa pertencia a Isabel. Todos os dias, tinha de tomar  importantes decisões que, não só afectavam a sua vida como a de toda a Inglaterra e dos seus súbditos. Se afinal o destino tinha escolhido aquele momento crucial para que recebesse o diário, seria loucura não lhe prestar a devida atenção. Uma pancada seca na porta da câmara sobressaltou a rainha. - Só mais um momento, Kat! Reflectiu rapidamente. Resistindo a tudo, a mãe mantivera o diário secreto, durante toda a sua vida. Agora, apenas ela, Isabel, e a lady Sommerville conheciam a sua existência. Isabell decidiu Isabe nesseda mesmo instant não o dar a conhecer a mais ninguém ninguém. Mentiri MentiriaaSeria a Kato acerca do propósito visita instante de ladye Sommerville. E fecharia o diário a sete. chaves. seu segredo mais íntimo, na sua vida demasiado exposta. Isabel escondeu o livro de capa vermelha-escura num monte de documentos de Estado antes de dar permissão às suas aias  para entrarem. 36 - Com quem é a minha próxima audiência? - perguntou a Kat, em voz conciliadora. - Com lorde Braxton e seu filho. Depois segue-se a vossa reunião matinal com lorde Cecil. Depois, Senhora, deveis posar para o vosso retrato. - Muito bem. Vou um momento aos meus aposentos - disse Isabel, pegando nos papéis e avançando na direcção de uma porta escondida que comunicava com os seus aposentos. - Agora? - exclamou Kat. - Lorde Braxton aguarda-vos. E lorde Cecil... -Kat QueAshley esperem - dissedistraidamente Isabel apertando o diário juntoenquanto ao peito avivava e desaparecendo porta.da cantava e em surdina, o fogo napela câmara rainha. Isabel estava irritada pelo seu próprio nervosismo que a obrigava a caminhar de um lado para outro e lhe deixava as mãos húmidas que agora puxavam constantemente uma  borla que lhe pendia da cintura. - Que vestido usará Vossa Majestade esta noite? - perguntou a aia. Isabel sabia que a resposta provocaria uma enfiada de indesejáveis perguntas. - Não tenciono assistir, Kat - afirmou mesmo assim. - Esta noite desejo de sejo ficar só. - Muito bem. Mandarei que vos tragam a ceia e comeremos aqui junto à lareira. - Não, Kat. Quero ficar completamente só. A aia pestanejou, ainda sem compreender as palavras de Isabel. A rainha tinha sempre alguém por perto. A própria Kat dormia num catre aos pés do seu leito. Pelo menos ela deveria ficar e... - Trazei apenas velas. Todas as que conseguirdes encontrar. Acendei-as em volta da minha cadeira.

 

- Velas? - Iluminai o mais possível o quarto. - Não sei que se passa convosco, Isabel. - Por favor.  Não valia a pena discutir com a rainha quando esta já tinha tomado uma decisão. 37 Isabel sentou-se na sua cadeira alta, com a cabeça rodeada pelo resplendor da luz das velas. Apenas se ouvia o uivo do vento na chaminé e os estalos da cera. Depois de Kat e as outras aias terem saído, deixando-a num bendito silêncio, Isabel retirou uma pequena chave do forro de uma caixa de prata e abriu a ricamente trabalhada arca italiana, que se encontrava  junto à janela. Retirou o diário da mãe de entre os delicados folhos do seu vestido de  baptizado. Demorara quase uma semana a encontrar aquele momento de privacidade, embora a ideia do livro secreto não a tivesse abandonado a todas as horas do dia, desde que a idosa lady Sommerville introduzira aquele mistério na sua vida. O baú, perfumado a alfazema, estava cheio de linhos cuidadosamente dobrados, de alguma roupa sua e de outra pertencente a seu irmão Eduardo e a seu pai, que decidira guardar  como recordação e que era tudo o que lhe restava da família. Pondo de lado uma túnica  bordada e um par de luvas de falcoaria, Isabel encontrou a pequena caixa que buscava, de cuja tampa se haviam já apagado as cenas biblicas pintadasdee infância, ornamentadas a ouro. A visão daquele objecto provocou nela uma onda de recordações imagens desconexas, alegres e tristes, dos aposentos das crianças em Hartfield Hall, todas elas fazendo parte de si, tal como o ar que respirava. Ao retirar a tampa, deixou a descoberto uma mistura de jóias sem valor, uma pedra vagamente semelhante a um coração que o romântico Robin lhe oferecera, um dedal de esmalte para um dedo de criança, o crânio de um rato, uma pena de pássaro já descolorida. E o lenço da mãe. Isabel separou o quadrado de linho fino do restante conteúdo da caixa e segurou-o nas mãos. Estava amarelecido pelos anos e a cercadura de renda tinha, aqui e ali, fios soltos,  porém as iniciais bordadas dos pais  H e A, entrelaçavam-se amorosamente para toda a eternidade. A rainha sentou-se então com o diário no colo e com o lenço a servir de marca e abriu-o, na terceira página. Semicerrou os olhos para melhor distinguir a caligrafia. Teria de ler lentamente, pois tinha a visão enfraquecida e o esforço provocava-lhe incómodas dores de cabeça. E, com tão  poucas oportunidades de privacidade, sabia que demoraria muito tempo naquela tarefa. Todavia, não se importava. Saboreá-lo-ia lentamente, como se de um vinho se tratasse, pois sabia que, na história de Ana encontraria as peças do quebra-cabeças que constituía o seu destino como mulher - e como rainha. Começou a ler. 38 4 de Abril de 1522 Diário, Que domingo tão agitado! Por ordem de meu pai, quando saí da capela, dirigi-me ao seu gabinete, onde ultimava os preparativos para a visita do cardeal. Acerquei-me da mesa, coberta de verde, onde estava sentado em conferência com o tesoureiro, um homem feiíssimo que me observou dos pés à cabeça, pelo canto do olho. Desejava ir-me embora,   pois nesse momento chegava a barcaça do cardeal, mas fui obrigada a ficar calada e

 

obediente, até chegar o momento oportuno da audiência com meu pai e senhor. Por fim, dirigiu-me a palavra para me dizer que sir Piers Bufler fora nomeado representante da Coroa na Irlanda e que eu deveria ir sem demora felicitar o meu prometido,  pela nomeação de seu pai. A menção de James Bufler e da sua família exasperou-me, mas imediatamente dissimulei esse sentimento com um sorriso. Sinto pavor do pai dele, um senhor da guerra, conhecido por assassinar membros da própria família, e desprezo o filho, tolo e mau que gosta de mim tanto como eu gosto dele. Porém, depois de meu pai, o rei e o cardeal concluírem as negociações, James será meu marido. O meu avô, da parte de meu  pai possui muitas terras na Irlanda, mas seu primo, esse vil Piers Bufler impediu que nós, os Bolena,, as ocupássem Bolena ocupássemos. os. Espera-s Espera-see então que o meu casamento com James ponha cobro a antigas disputas e que tudo fique em paz. Deslocar-me-ei para as desertas terras irlandesas, onde hei-de reinar como lady Bufler, por entre camponeses descalços. Pelo menos é o que me dizem. Quando por fim fui dispensada, corri até à grande janela, onde me detive para ver a barcaça dourada do cardeal Wolsey deslizar pelo rio lamacento até ao cais do palácio. Senti o coração acelerado e precisava de me acalmar, mas não sabia se me sentasse na câmara da rainha ou se atravessasse a correr o relvado para saudar aquele que amo. Depois, pelo vidro da janela, vi uma centelha de tafetá escarlate e uma figura volumosa e   pesada. pesada. Wol Wolsey sey,, de chap chapéu, éu, luvas luvas e vestes vestes vermel vermelhas has,, magníf magnífico ico na sua obesid obesidade, ade,  precedido peloscapelo seus alabardeiros que de transportavam os símbolos - cruzescom de  prata, báculo, e o Grande Selo Inglaterra. Das portas docardinalícios palácio, acudiram grande pompa e circunstância os representantes do rei, cobertos com os seus colares de ouro e marcando o passo com os enormes bastões  branc  brancos os e ar  importante. Sabia que, se Wolsey ali estava, o seu séquito logo desembarcaria. Logo a seguir, vi um 39  jovem vestido com simplicidade e que para mim era o mais belo Henry Percy, magro e tímido de rosto bondoso e rosado. O coração batia-me célere no peito. Apesar da distância e de ele não poder ver-me, senti o seu amor e soube que desejava abandonar a comitiva para vir ao meu encontro. Encaminhei-me, pois, a toda a pressa, atravessando salas e subindo escadas para os aposentos da rainha Catarina, onde outras damas acompanhavam sua Majestade. Reparei na - asdo aias, e criadas sorriam e gracejavam. rainha tomava a  agitação primeira geral refeição diacozinheiras e embora com o olhar cansado, mostrava-seA animada naquele domingo de manhã. Como de costume, passara a sexta-feira e o sábado anteriores de  joelhos nas duras pedras da capela, jejuando e pedindo perdão a Deus pelos seus pecados que, aos olhos de todos eram boas acções. Pergunto a mim mesma se o hábito de São Francisco que usa sob as suas vestes reais lhe mortifica a pele ou lhe dá o consolo que lhe é tão necessário. É que o rei Henrique, seu esposo ainda a ama, embora já não tenha prazer em deitar-se com ela. Para isso procura nem mais nem menos que a minha irmã Mary, aia da rainha! A rameira do rei francês é agora amante do grande rei Henrique! Pedi à minha irmã que me confiasse o segredo dos seus feitiços, pois verdade seja dita, embora seja muito bela, a corte está cheia de belas mulheres. Respondeu-me com um sorriso malicioso: ”É importante o modo de prender os homens: primeiro agarro-os com força, depois solto-os, para de novo os prender.” Porém, não tenho necessidade desses jogos com o meu amor, pois ele pertence-me como eu

 

lhe pertenço, tão certo como estar a escrever estas páginas. Mas estou a divagar. Voltando a esse domingo... As damas calaram-se na Sala de Audiências, quando do corredor chegou um alarido de vozes masculinas. Em seguida entrou um grupo de aprumados cavalheiros, distribuindo  beijos, reverências e cumprimentos. As damas fizeram Par com eles, para passarem a tarde com jogos, canções e galanteios. Com os cavalheiros, como uma suave brisa no meio da tempes tem pestad tade, e, enc encont ontrav rava-s a-see o meu ama amado. do. A princí princípio pio nada dissem dissemos. os. Col Coloco ocouu duas almofadas sobre um banco junto da janela, logo pegou na minha mão, tocou-a ao de leve com os lábios e conduziu-me ao nosso pequeno ninho. Juro que o coração me batia tão célere, que receei não poder ouvir o que me dizia. Era gentil e generoso e tão diferente dos lascivos cavalheiros da corte francesa, que, quando me olhou nos olhos 40 todos os artifícios que há muito preparara para o seduzir, se desvaneceram. Perdoava-lhe todos os defeitos. Porém, apercebi-me de que um véu de tristeza lhe ensombrava o terno semblante, de modo que lhe perguntei qual a razão. Oxalá não o tivesse feito, pois Percy deu-me a triste notícia de que, poucos dias depois do meu noivado com james Bufler ser  anunciado, se tinha realizado o seu. Fora prometido a lady Mary Talbot, por muitas e variadas razões, nenhuma delas o amor. pois no nosso mundo o amor romântico Estas negociações negoci ações nada têm de estranho, romântico é apenas outro termo para designar ”insensatez”. E o amor dentro do casamento - o único que é  permitido - não é mais que um dever a cumprir. Por minha parte, repudio estes princípios do fundo do coração, e foi o que disse ao meu amado, furiosa com a nossa forçada separação e amaldiçoando aqueles que a pretendiam. - O cardeal e o rei apoiam meu pai - murmurou Percy. - Qu Quee hei-de fazer? - Desafiai-os e casai-vos comigo! - disse eu, ainda trémula, para logo o ver empalidecer de espanto e susto. Perguntei-lhe se não se recordava da própria irmã do rei, a princesa Mary. Eu mesma fizera  parte do séquito de aias, quando embarcou rumo a França para se casar com o velho rei Luís. Contei-lhe o grande amor de Mary e lorde Brandon, duque de Suffolk e de como,  por motivo de alianças, esse amor não fora levado em conta. Serva obediente do irmão e do  país, princesa quedia se frio deveria sentar no trono de França. de zarpar das  praiasa de Dover,sabia naquele e desagradável - estava lá e vi-oMas comantes os meus próprios olhos - Mary solicitou que, se o rei Luís morresse ela pudesse ficar livre para casar com Brandon. Henry prometeu-lho e fizemo-nos ao mar. Contei a Percy como, ao cabo de três meses de ser rainha, o velho rei morreu e, sem esperar pelas ordens de Henrique, ela e Brandon casaram em segredo, antes de regressar a Inglaterra. O rei, enfurecido, insultou-os e expulsou-os a ambos da corte, em desgraça. - Mas, meu amor, em breve ele lhes perdoou, deixando-os regressar e é aqui que ainda hoje vivem. - Que quereis dizer com isso? - perguntou-me, confuso. - Que o nosso bom rei tem, dentro do peito, um coração bondoso que sabe o que sentem os apaixonados e nos perdoará a ousadia, tal como fez com a irmã. E então, se o nosso rei mostrar clemência, também o cardeal Wolsey e os nossos pais terão de fazer o mesmo.

 

41 Teremos assim conseguido uma coisa rara e maravilhosa. Um casamento de amor. Ele riu-se de terror e deleite, tomando-me as mãos. - Minha doce Ana, nunca conheci uma mulher como vós. As minhas palavras não bastam  para exprimir o que sinto, de modo que deixai que os meus braços, os meus lábios e o meu corpo vo-lo digam... - Significa isso que, tal como a princesa e o seu Brandon, devemos desobedecer e casar? - Sim, sim! - exclamou, atraindo com o seu veemente juramento os olhares de todos ali   presentes, incluindo os da rainha, de modo que voltámos a conversar de modo mais tranquilo e discreto. A manhã transcorreu por entre palavras de carinho, promessas e planos. Logo se fez ouvir a chamada para que todos os que tivessem de voltar no séquito do cardeal se apressassem  para não perderem a maré. Como não queria separar-me tão depressa do meu amado, acompanhei-o à húmida margem do rio. Beijámo-nos ocultos nas sombras do entardecer. Senti um fogo enorme nas entranhas, que me fez tremer as pernas e os braços e se veio desfazer dentro do meu Peito. Abraçámo-nos e enquanto me acariciava os seios, toquei-lhe no membro duro. Em França  já tivera alguns contactos amorosos mas esta chama, este doce desejo, eram novos para mim. Depois, os archotes iluminaram o caminho do cardeal e vimo-nos obrigados a  separarmonos, despedindo-nos rapidamente, sob o seu gélido olhar. Porém, não nos importámos, pois estávamos prometidos pelo coração. Esta promessa é para ser cumprida e ver-se-á com o decorrer do tempo se não me transformarei em lady Percy. Afectuosamente vossa,  Ana 22 de Novembro de 1522 Diário,

Como hei-de começar? Tenho o coração partido, A minha vida acabou. Percy, o meu querido amor, foi banido para Norte, manietado pela ira de seu pai. Também eu fui mandada sair da corte, em desgraça, e vejo-me desesperada no campo, na casa da minha família em Hever, no Kent. Perguntais como tudo isto se passou? 42 Da última vez que escrevi, o mundo era luminoso. A corte inglesa já parecia ser o meu lar e França não passava de uma doce recordação. A vida era alegre. O nosso rei Henrique   presidia como um deus e, são e robusto, fazia estremecer a terra debaixo dos pés. Envergando vestes de cetim bordado a ouro, era quem, nas festas, conduzia as danças saltando como um veado. Cavalgava com galhardia, participava em torneios, cantava e tocava, compunha belos versos e transformava a corte num local maravilhoso. Ao serviço da rainha, passei os dias de Verão em contínuos festejos, falcoarias, danças e encontros secretos com o meu bem amado. Ai como o nosso amor nos cegava e punha asas nos pés! O nosso secreto noivado parecia um sonho distante e já esquecido. O nosso casa casame ment ntoo era era já um fa fact cto, o, exce except ptoo aos aos ol olho hoss da lei lei e sabí sabíam amos os qu que, e, em br brev evee completaríamos a nossa união. E, então, como um relâmpago mortal vindo do céu, apareceu Wolsey, colérico e decidido a acabar com o nosso amor. Percy foi obriga obrigado do a comparecer comparecer perante o obeso cardeal, cujos olhos salientes trespassaram a calma do meu amado e o deixaram a tremer, como um junco

 

ao vento. - Desisti - ordenou-lhe. - Deixai a donzela em paz. Eu era de origem plebeia e não estava à altura dele. Vociferou que o nosso contrato era uma ”terrível infracção, que indignava pais, Deus e o rei”, a quem convinh convinha a uma aliança entre os Talbot e os Northumberland, para fortalecer forta lecer as defesa defesass na fronteira fronteira norte. Desse modo, Wolsey desejando ganhar os favores favores do rei, separou maldosamente duas pessoas que eram uma só, dilacerando os nossos corações apaixonados. Percy escreveu-me (numa missiva secreta, pois não nos deixaram despedir-nos) dizendo que me defendera, assegurando que a minha estirpe era tão elevada como a sua, recusandose a renunciar ao nosso juramento. Estremeci só de pensar nele, um simples jovem, a ter de enfrentar um tão terrível inimigo. Assim, amaldiçoou Wolsey o meu pobre amor, enviandoo, para junto de um irado pai. Prejudicou e dissolveu o nosso honesto compromisso, como se ele nunca tivesse existido. Quanto a mim, meu pai mandou-me chamar aos seus aposentos e vergastou-me duramente. A dor era doce e suave comparada com a separação do meu amado. Apesar do castigo, mantive-me firme e não chorei nem desviei os meus dos seus olhos de mármore. - O grande cardeal Wolsey pensa que venceu a partida, contra mim, uma menina indefesa, que se acobarda com as suas ameaças. 43 permiti que vos diga, que vos jure que, se alguma vez tiver poder  para tal, hei-de Mas causar ao cardeal o mesmo desgosto que me provocou. Meu pai ficou boquiaberto e imóvel ao ouvir tais palavras da boca de uma jovem que se atrevia a ameaçar um homem de tão alta posição. Depois, proibiu-me de ficar na corte e mandou-me para a distante Hever Hall, onde agora escrevo. A vida é enfadonha em Edenbridge, os dias vazios como um campo alagado de madrugada. As flores não têm perfume, o canto dos pássaros ofende-me o ouvido, perco-me dentro dos labirintos de sebes verdes e sinto o desejo de desaparecer. Ontem chegou a notícia de que Percy e Mary Talbot se tinham casado. Não chorei, pois já não tenho lágrimas. Em vez disso, senti explodir dentro de mim como pústulas pestilentas um renovado ódio pelo cardeal Wolsey e amaldiçoei-o. Podeis assegurar-vos de que a sua alma me pertencerá. Quando? Como? Não sei. Mas Ana Bolena conseguirá vingar-se. Afectuosamente vossa, Ana 25 de Março de 1523 Diário, Sinto um inimaginável aborrecimento. Dia após dia eu e minha mãe sentamo-nos à lareira, enquanto o capelão Parker recita com a sua voz monótona, salmos e escrituras, e as duas damos intermináveis pontos numa interminável tapeçaria. Juro que se tiver de bordar mais um casco de unicórnio ou a asa de um mítico dragão, começo a gritar como uma louca! Como poderá minha mãe levar uma vida tão enfadonha? Semanas, meses e anos a levantarse cedo, para vigiar o amassar do pão, o fabrico da cerveja e do queijo. A certificar-se de que todos os criados estão ocupados, a recolher penas para as almofadas, a fazer velas e a rezar, sempre a rezar. Por baixo dos seus olhos velados apercebo-me de um fogo mortiço que outrora ardeu vivo e luminoso, mas que aqui, por entre labregos e carneiros, no meio de intermináveis campos sulcados por um pálido ribeiro a que chamam rio, os sonhos de minha mãe extinguem-se,

 

44 um a um, como velas numa capela. Se bem que nunca fale do assunto, creio que outrora existiu afeição entre ela e o meu sempre ausente pai. Não foi um casamento por amor mas, depois de casados ambos se conformaram. Elizabeth Howard, orgulhosa de um marido que, embora tivesse nascido plebeu era empreendedor e ambicioso. E, Thomas Bolena satisfeito com a mulher que lhe aumentara a fortuna, de coração bondoso e rosto bonito, dando-lhe orgulhosamente um filho por ano, sem morrer, que controlava o trabalho dos campos e as contas da casa, de temperamento sereno, suportando, em silêncio, anos de solidão. Minha mãe impressiona-me pelas suas virtudes domésticas que eu deveria imitar para fazer  um bom casamento. Consigo aceitar a castidade e, evidentemente, a modéstia, mas a humildade e a temperança de carácter na verdade, não se coadunam com a minha pessoa. Ao ver o meu desgosto disse-me: ”Não te aflijas tanto. Serás de novo chamada à corte. Sai com o teu cão Urian. Vai caçar, trata do jardim, visita os vizinhos, toca alaúde.” Mas nada me anima nesta insuportável prisão. Deito-me cedo para poupar a cera das velas, levantome cedo para fazer as tarefas do lar. Os dias arrastam-se numa tristeza mortal. Dizem que com o meu amor por Percy provoquei a fúria do rei e que a sua raiva é equivalente à morte. Mas, esta vida de proscrita é bem pior que a morte. Todas as noites subo o escuro lance de escadas para o meu quarto de pedra, amaldiçoando o seu nome e o de Wolsey a cada passo. Deitada no colchão duro, nem o luar entra pelas estreitas janelas  para me dar alento. Escrevi duas vezes a Percy pagando sempre a um mensageiro secreto para que entregasse a mis missiv sivaa nas mão mãoss del dele, e, em Nor Northu thumbe mberla rland. nd. Espere Espereii pel pelaa sua res respos posta ta inf infind indávei áveiss semanas, que se transformaram em meses. O meu espírito acalmou-se aos poucos, até que, numa manhã cinzenta, a esperança morreu finalmente, levando consigo o meu coração, que murcho e endurecido como um doce fruto, já muito maduro, secou e ficou em pedra.  Na cama, o silêncio é terrível. Por trás destas paredes há apenas escuridão, prados, gado e árvores. Não há salões alegremente iluminados com damas e cavalheiros a divertirem-se com a actuação de cómicos, malabaristas e bobos. Nem festas, mascaradas, danças, música, namorados galantes. Por vezes, penso que vou enlouquecer neste silêncio, penumbra e escuridão. ó doce Percy que jazes inconsolável no teu leito conjugal! Não foi este um cruel castigo por amar com 45 sinceridade? Juro que não terei o mesmo destino que minha mãe. Juro-o com as estrelas por  testemunha. Afectuosamente vossa,  Ana

6 de junho de 1524 Diário, Que grande acontecimento! Meu irmão George veio visitar-nos a Hever Hall e cá ficou duas semanas e um dia. É um jovem encantador que as mulheres adoram pela sua graça,  beleza e espírito audaz e por isso o adoro também. Com ele em casa, a nossa mãe animouse, pois é o seu único filho varão vivo e gosta tanto dele como ele dela. Prepararam-se manjares especiais e sentámo-nos os três durante horas, conversando, bebendo, tocando música e divertindo-nos com jogos. Sempre que podia, escapulia-me com ele e cavalgávamos muitas léguas, com Urian a corr correr er po porr entr entree os casc cascos os dos dos cava cavalo los. s. Le Levá váva vamo moss os fa falc lcõe õess e íamo íamoss caça caçarr ou

 

caminhávamos no atalho verdejante junto ao rio Eden, deixando passar os dias. George dívertía-me com os mexericos, gracejos e trocadilhos da corte, fazendo-me sentir menos abandonada. Um dia em que estávamos deitados à sombra de um frondoso ulmeiro, com o cão a  preguiçar aos nossos pés, pôs-me ao corrente dos feitos de que depende o destino da nossa família. A nossa irmã Mary continuava a ser amante do rei. - É o orgulho da família - disse George com um sorriso malicioso nos lábios. - Diz-se que com Mary Bolena, o rei e a sua braguilha estão sempre ocupados. ó - E como está esse acessório viril do nosso n osso rei? - perguntei com expressão grave. - Grande como um prato, minha irmã, tendo bordadas as plumas dos Tudor, bem como as suas armas, veados e romãs. - Romãs? - E rimos tanto que as lágrimas nos saltaram dos olhos. - É uma mulher muito atrevida, garanto-vos! - exclamou George enquanto me tecia uma coroa de margaridas silvestres para enfeitar o cabelo. - Mas está de saúde. Cheia de jóias e ricos vestidos que o rei lhe oferece todos os dias. 46 - E William Carey? Como suporta o nosso cunhado o papel de cornudo? - Como se fosse uma coisafavores vulgar em a nossa serMas a rameira rei... Seria esperto se se aproveitasse, conseguindo trocamulher de Mary. não fazdonada. - Mas que pena - comentei, pensando no destino de minha irmã. - Nem por isso - replicou George. - Por intermédio de Mary já recebi eu alguns favores do rei. Até já sou dono de um solar solar,, pequeno, mas bonito. Mas é o nosso pai que desfruta desfruta dos maiores benefícios. Fizeram-no par do reino na mesma cerimónia em que o bastardo que Henr He nriq ique ue teve teve com com Be Bess ssie ie Bl Blou ount nt fo foii nome nomead adoo du duqu quee de Rich Richmo mond nd.. Foi Foi um dia dia imensamente quente, mas o novo palácio real, em BridewelI, estava esplêndido, cheio de trompetas e toldos dourados. Claro que a cerimónia principal era para a criança, mas foi também um dia magnífico para o nosso pai. Totalmente magnífico. Suponho que também recebeu dinheiro - disse eu, em tom áspero. - Uma pensão de mil coroas. Que se passa Ana? Parece que um gato passou pela tua campa.   Não respondi. Para George, como para todos OS homens, era natural que meu pai aumentasse a sua fortuna graças libertinagem Mary. Também deveria ou serum parabocado mim, mas a ideia repugnava-me. Disseà para comigo: de ”Uma mulher é umocastelo, de terra, um objecto precioso, muito admirado e valorizado. Depois é vendida ou comprada  por interesses de fortuna, heranças, subornos, recompensas ou pagamento de dívidas. Esquecem-se do seu corpo, da sua alma, da tristeza do seu coração. Para eles nada disso existe!” Ergui-me para me ir embora, porém George implorou-me que ficasse. Disse que o sol estava quente, e o castelo era aborrecido. Prometeu entrançar-me o cabelo. Esforcei-me por  recuperar a tranquilidade, lamentei-me em segredo e deixei-o consolar-me com a sua conversa fútil e gentis atenções. Falámos do meu desterro e de um possível p ossível regresso à corte. - O assunto de Percy já foi esquecido e agora, com a nossa família cada vez mais importante, deverás estar de volta dentro de um ano. - Deus faça que assim seja. - No outro dia Thomas Wyatt perguntou-me como estavas. Fez-me um curioso pedido: que te trouxesse penas e tinta. A quem escreves? A Wyatt? Olha que é um homem casado e não

 

 precisas de mais problemas. 47 Devo ter ficado ruborizada, pois logo perguntou: - Não será a Percy, pois não, Ana? - De modo nenhum! Escrevo poesia. Wyatt incentivou-me a fazê-lo antes de me vir  embora, de modo que experimento compor versos. - Uma mulher poetisa, mas que ideia! Não me deixas ver esses versos? É que eu também escrevo. - Não! Não! - exclamei, afirmando que eram muito maus, que nem valiam o pergaminho que usava. Depois, mudei de assunto, dizendo que estava a escurecer e que era longo o caminho para casa. Ajudou-me a levantar e, segurando-me junto a si abraçou-me com meiguice, num gesto fraternal. - Trouxe-te as penas e a tinta - disse. Poiseii a cabeça no seu ombro e pensei que ali estava o único homem dest Poise destee mundo que me ama, por aquilo que sou. Que tristeza! Afectuosamente vossa, Ana 4 de julho de 1524 Diário, Ontem à noite, quando paraque, me deitar, ouvi passos se aproximavam. meu irmão George comme umapreparava vela na mão em segredo subia aque escada de caracol  atéEra ao meu quarto, para me entregar um presente. Ao desfazer o embrulho, vi a razão de tantos cuidados. Trouxera-me O  Elogio da Loticitra, o tratado herético de Erasmo de Roterdão que acusava o Papa, a Igreja e o Clero de corrupção, ganância e lascívia. Agradeci-lhe Agrade ci-lhe de todo o coraçã coração. o. Os livr livros os são escassos escassos no campo e um, assim tão ousado, equivale a um troféu. George lamentou não ter podido pôr as mãos no mais recente tomo escandaloso, a tradução para inglês do Novo Testamento, feita por William Tyndale. - Queimam os livros em St. Paul’s Cross - disse-me. - Os autores  são perseguidos, até pelo nosso rei. Disseram-me que os livros que escapam ao fogo são passados de mão em mão. A igreja igr eja,, na pes pessoa soa do teu quer querido ido amigo, amigo, o car cardeal deal Wolsey, Wolsey, arr arranj anjaa estes estes exe exempl mplare aress revistando casas - falava em voz ainda mais baixa. - Todos os literatos conhecidos são  perseguidos e oferecem-se recompensas aos informadores. 48 - Não entendo - disse eu. - Em França, li os Evangelhos traduzidos para francês. Não existe qualquer proibição. Foi a própria duquesa de Alençon, irmã do rei que me orientou para que o fizesse. - Esqueces que em Roma, o nosso rei é a menina dos olhos do Papa. Recebeu o título de Defensor da Fé contra os hereges protestantes. Roguei a meu irmão que me arranjasse a obra de Lutero. Explicou-me que era muito  perigoso, pois o próprio Henrique odiava Lutero e escrevera ele próprio contra as obras do alemão ale mão,, def defend endendo endo os sacram sacrament entos os católi católicos cos.. Ofe Ofendi ndido, do, Lutero Lutero chamav chamavaa ao nosso nosso soberano ”labrego mentecapto, louco possesso, rei das mentiras”. Ri à gargalhada de tanta ousadia. George encostou-me um dedo aos lábios e murmurou receoso: - Ainda somos bons católicos, não é verdade? - Julgo que sim - respondi. - Vamos à missa, comungamos, confessamo-nos. Mas escuta,

 

meu irmão - puxei-o para mim. - Não te agradam essas ideias protestantes? Que Deus e os homens possam falar, sem a interferência dos padres? Digo-te que esta nova religião me agrada bastante. - Olha que ainda queimam hereges na fogueira - disse George, com as mãos trémulas, ao ouvir as minhas palavras. - Terei toda a cautela, prometo nada dizer em voz alta, que nos possa prejudicar - deixou de tremer, já mais tranquilo. - Mas, quando puderes, arranja-me essa Bíblia de Tyndale. - És uma harpia, Ana - disse a rir. - Juro que hás-de ser a minha morte. Despedi-me dele e escondi o livro num local secreto, por trás de uma pedra solta. Desejava que chegasse o dia. Um livro para ler! Valia ouro! Antes de me deitar, pus-me de joelhos, como se estivesse na capela, perdão pela blasfémia, e implorei a Jesus Cristo meu Senhor que salvasse a minha alma pecadora... e que me levasse de volta para a corte, o mais depressa possível. Afectuosamente vossa,  Ana

 

Ao FECHAR O DIÁRIO DE SUA MÃE, Isabel apercebeu-se que tremia. Regressar à realidade, depois de ter permanecido no mundo de Ana, era como deslizar dentro de uma  barcaça das sombras da ponte de Londres para a deslumbrante luz do sol. Mas naquela noite, depois das muitas velas que Isabel acendera em seu redor já se terem apagado, o aposento estava escuro e lúgubre, fora do pequeno círculo de luz e Isabel tinha os olhos fatigados. Kat começara a suspeitar daquelas estranhas sessões. O segredo irritava a aia principal, pois Isabel nunca tivera segredos para ela, nem quando era pequena. Queixava-se amiúdo do ar  cansado da rainha e das escuras olheiras sob os seus olhos, depois da vigília de uma noite, e quando quan do Is Isabe abell guar guardava dava sil silênci êncioo sob sobre re os seu seuss solitá solitário rioss exercíc exercícios ios atrás atrás das portas portas fechadas, resmungava em surdina contra os hábitos maléficos e as obras do Diabo. Manchas de luz ofuscavam a visão da rainha, ao mesmo tempo que lhe surgia uma enorme dor de cabeça. Ao erguer-se, assaltou-a uma terrível náusea que a obrigou a agarrar-se à cadeira para se apoiar. Era certamente o princípio de uma das suas enxaquecas. - Maldita dor! - sussurrou. Tinha a fronte coberta de suor e ignorava  se seria capaz de chegar à cama. Se era aquele o efeito que a leitura do diário da mãe tinha sobre ela, pensou, levaria uma eternidade a terminá-la. Mas a ideia desvaneceu-se, fulminada pela dor que lhe invadia o crânio. Mal teve forças para solicitar a ajuda das aias antes que se apagassem as luzes que lhe dançavam dentro da cabeça. 6 de Dezembro de 1525 Diário, Há muito que não escrevo, pois aquilo que aqui iria contar acerca de Hever apenas descreveria um enorme aborrecimento. 50 Porém receberam-me novamente na corte e voltei ao serviço da rainha. Durmo nos aposentos contíguos aos de Sua Majestade, com outras aias, sete ao todo. O tempo transcorre a um ritmo animado, marcado pelo nosso rei e dir-se-ia que nunca dormimos. Falcoarias, caça... diz-se que Henrique esgota pelo menos oito ou dez cavalos num só dia em combates e justas. Não há como vê-lo jogar ténis. O seu adversário favorito é Thomas Wyatt que tem uma perícia semelhante. Todas as noites tocamos flauta e virginal, cantamos - a minha voz é muito apreciada - e dançamos. A rainha já mostra bem a sua idade junto da vitalidade Talvez sejam os olhos fugidios, mãosdoe que o coração do rei que lhe ensombramdeo Henrique. espírito, pois as suas damas parecem brilharasmais ela própria. Meu pai, agora de tão elevada posição, conseguiu autorização do rei para trazer toda a família e vir viver para a corte. Por isso, minha mãe tem, juntamente com ele, aposentos no  palácio, uma honra rara que julgo que aprecia. São dois belos quartos apainelados, com armários de madeira trabalhada, cheios de loiças e cortinas de seda na grande cama de doss dossel el.. Ac Acab abouou-se se a mono monoto toni niaa de He Heve ver, r, os in infi findá ndáve veis is di dias as a cos coser er até até os dedos dedos sangrarem. Ainda muito bela, minha mãe passa agora os dias mais serena. Vejo-a observar  de longe os devaneios galantes das jovens. A mim, vigia-me com atenção, sem nada dizer. Claro que estou a cargo de meu pai e este tem já planos para mim. Planos esses, que se recusa divulgar. O cardeal Wolsey, Wolsey, cada vez mais rico e poderoso à medid medidaa que o tempo passa, graças à fé que Henrique tem nele, nunca me vê, mesmo quando passo diante da sua pessoa. Esqueceu completamente o castigo que impôs a Percy e a mim e a dor que nos causou. Mas eu recordo-me, oh, se me recordo! Pobre Percy que continua banido da corte... Tenho de

 

admitir que o meu coração está muito mais frio desde que o perdi. Tenho muitos  pretendentes, mas nenhum deles me interessa. Não deixo que o meu coração sinta amor. Sei que o meu papel consiste em participar no jogo, mas não sou obrigada a sentir, o que também não incomoda ninguém. Sou um bonito ornamento, um bem para comprar ou vender. Assim, não entrego a ninguém o meu coração. Ontem à noite, à hora da ceia, encontrava-se entre os comensais de uma mesa baixa, uma velha que se diz ser bruxa. Depois de terminada a refeição, enquanto os cães devoravam os restos e os nobres partiam para os divertimentos nocturnos, procurei a mulher e pedi-lhe que me ouvisse. Olhou-me com os seus olhos enevoados, enquanto 51 as mãos agarravam ainda um saco de comida que os cães não tinham descoberto. - Que desejais, senhora? - sorriu, se é que se pode chamar sorriso àquele esgar de dentes  podres e enegrecidos e hálito fedorento. - Desejais um feitiço, uma poção, alguma magia que vos mantenha a beleza eterna?  Não, respondi, e pus a minha mão na dela, voltando-a propositadamente para fazer cair a manga longa e pontiaguda e ela poder ver o pedaço de carne e unha que dizem ser um dedo. - Seis dedos! - exclamou, agarrando-me a mão. - Decerto sois Ana Bolena. - Sobressaltada tentei retirar a mão, mas ela agarrava-a com força. - Sois famosa por esse dedito acrescentou. - Dizem a marca do demónio. - Tal como este sinal que étenho no pescoço - murmurei, afastando a gargantilha, de modo a que pudesse ver a marca castanha escondida por ela. - Qual a vossa opinião, idosa mulher? Serei bruxa como vós? Continuou a olhar fixamente e em silêncio para a minha mão, sem se preocupar com a marca do pescoço. O fumo das velas fazia-me arder os olhos. O seu hálito fétido era difícil de suportar. Continuava em silêncio. - Que dizeis? - perguntei em voz alta. - Respondei, pois não ficarei aqui por muito tempo. - Aguardai, senhora. Estou a pensar quanto vos poderia pagar por esse dedo. - O quê? Quereis comprar-me o dedo? - Oh, senhora! Cortai-o. Quase não sangraria e ficaria muito bem dentro de um frasco disse em voz entrecortada. - juntamente com asas de fetos de morcego, sapos grávidos e coisas assim. -- Nem pensar!perguntado? - exclamei, soltando a minha mão. Não haveis - Perguntei a vossa opinião sobre o assunto, não pedi que fôsseis um cirurgião macabro. - Em minha opinião - disse ela, colocando o dedo magro na minha face - lady Ana tem  poderes iguais aos de um longo e amarelecido pergaminho ainda por desenrolar. E, se quiser, poderá fazer uma carreira tão brilhante quanto infame. Estendeu-me Esten deu-me a enrugada palma da mão, sobre a qual me apressei a colocar uma moeda. A seguir, voltei-lhe imediatamente as costas, respirei fundo e afastei-me. Brilhante e infame. As palavras soaram-me 52 durante toda a noite dentro da cabeça e, só depois de ter estado a cantar com as outras damas, consegui esquecê-las e ter alguma paz. Afectuosamente vossa, Ana

 

20 de Abril de 1526 Diário, Depois de ter sabido que tinham nomeado Thomas Wyatt, mestre-de-cerimónias do Dia de Maio, decidi cavalgar a égua castanha, minha preferida até Shooters Hill, por trás do Palácio de Greenwich. Aí do interior do bosque, escutei o ruído de serras e martelos, desmontei e segui a pé, por entre os atalhos, tendo encontrado um cenário tão estranho, que quase não acreditava no que os meus olhos viam. Os mestres carpinteiros construíam a cabana de Robin dos Bosques e do seu bando. Tinham colocado por entre as árvores uma rústica mesa de banquetes e aberto uma clareira para servir de campo de justas, com assentos feitos de troncos e ramos. Encontrei Wyatt sentado à sombra de uma árvore com a pena na mão, escrevendo um diálogo para a farsa da floresta de Sherwood. Tinha a testa franzida e uma expressão preocupada no rosto bem-parecido. - Então Thomas, não deveríeis encontrar dificuldades em escrever as palavras de um forada-lei, já que pertenceis a um desses bandos. - Ana, que surpresa! - Pôs-se de pé de um salto, mas empurrei-o e sentei-me no chão, a seu lado. - Vim pedir-vos um favor. - Sabeis que, para mim, os vossos desejos são ordens. Em que poderei servir-vos? - Gostaria que me désseis o papel de lady Marion na farsa. Sempre gostei dessa personagem e creio que a representaria bem. Thomas esboçou um sorriso, porém o seu olhar traía alguma preocupação. passa Dizei-me. Não me pareceis bem.eu Estais enfermo? - Que Não se Ana, nãoThomas? é por mim. Que preocupações poderia ter aqui sentado neste bosque, com uma tão bela dama, escrevendo palavras bonitas para um ritual pagão de fertilidade, num belo dia 53 de Abril? Não. Trata-se do rei, encerrado na sala do Conselho, preocupado por assuntos graves e cada dia mais triste.  Na verdade, já eu havia notado o desânimo do rei, tão diferente da sua habitual jovialidade,  porém não lhe atribuíra importância. - O que o preocupa? - Desejais mesmo saber? - perguntou, olhando-me com ar estranho. - Claro que sim. -- Estes assuntos geralmente interessam às damas - troçou. Dizei-me Thomas, ou tereinão de vos puxar as orelhas! - Pois bem - murmurou, ao mesmo tempo que se encostava à árvore. - Recordais-vos, se é que já éreis nascida, de quando Henrique subiu ao trono? Parecia resplandecente como um astro. O jovem rei que, qual leão ávido de guerra, invadiu a França envergando a sua armadura cintilante e desbaratou os cavaleiros no campo, durante a Batalha de Spurs. Que feitos gloriosos! Conquistou cidades, tratando os inimigos com tal graça que lhe valeu o nome de Grande Henrique. Oh, Ana, que maravilha! E pensar que um dia, poderia ter  conquistado toda a França. Chamava-lhe a sua ”Grande Empresa” e esperava poder levá-la a cabo com a ajuda do sobrinho de Catarina, seu grande amigo e aliado. - Falais do imperador Carlos de Espanha, não é verdade? A rainha tem-lhe grande afecto. - E em anos anteriores já ela serviu de embaixadora entre os dois. Mas agora, Carlos conta com exércitos mais poderosos que os que Henrique alguma vez sonhou e invadiu ele  próprio a França. O rei Francisco é seu prisioneiro. - já tinha ouvido dizer. Mas em que é que tudo isso afecta Henríque?

 

- O imperador já não quer participar na Grande Empresa do nosso rei. Tem os seus próprios  planos, para conquistar o mundo sozinho. E logo, depois de Henrique lhe ter dado meio milhão de coroas, para as suas aventuras. - Então foi traído. - Sim, mas há mais. Henrique não quer desistir dos seus sonhos de conquista e portanto ordenou ao cardeal Wolsey que lançasse um imposto sobre todos os súbditos. Chamam-lhe ”doação voluntária”, mas o povo considera-a uma injustiça e está a revoltar-se. Por todo o   país, os cobradores de impostos, incluindo vosso pai, encontram grande resistência no campo e por vezes têm de usar a força. 54 A populaça atacou os comissários e recusa-se a pagar a guerra. Mas o pior é que verte todo o seu desprezo sobre o rei e o cardeal Wolsey. Assim, para além da traição de um aliado, Henrique tem de enfrentar a rebelião do povo que o amava e aclamava. -já vejo as razões da sua preocupação e também as de Catarina, que se vê agora entre o sobrinho e o marido a quem tanto ama. - Mas, Ana, também Catar Catarina ina é uma fonte de problemas. problemas. Nas tabernas e entre os soldados murmura-se que o casamento do rei está amaldiçoado. Não tem filho varão, a princesa Maria é a única herdeira e diz-se que a causa é o incesto. - Incesto?! - Pronunciei a palavra em tal tom que os operários se detiveram para olhar para nós. - Incesto? Que quereis dizer com isso? - Catarina... certamente o sabeis... Foi casada anteriormente com Artur, irmão de Henrique. Mas este, fraco e doente, morreu antes do casamento ser consumado. A Rainha afirmou-o e todos acreditaram. Como a aliança com Espanha era muito importante e a princesa era na altura bela e meiga, Henrique casou-se com ela da melhor vontade. Tudo esteve bem durante muitos anos, mas agora que Catarina já passou da idade de ter filhos e Henrique não tem herdeiro varão, começaram a murmurar. Pergunta-se se este casamento sem filhos homens não será o castigo de ter tomado por esposa a viúva do irmão. - Que ideia tão cruel - disse eu, pensando no grande amor que Catarina tinha ao Rei. - Como sabeis, Ana, Henrique é versado nas Escrituras e encontrou no Levítico uma resposta simples para a sua tragédia. Está escrito que é impuro um homem tomar por  esposa a mulher do irmão, pois descobre assim a nudez desse irmão. Portanto, não deverão ter filhos. a recear esta união maculada possasentido ser a sua condenação. Fiquei semHenrique fôlego. começou Tudo o que Wyattqueacabara de me dizer fazia e encaixava-se como as peças de um quebra-cabeças. Agradeci-lhe, dizendo-lhe que nunca ninguém me falara com tanta clareza de questões tão importantes. Beijei-o ao de leve e depois tirei da cintura um minúsculo caderno enfeitado a pedrarias e suspenso de um cordão e ofereci-lho de presente. Ele recebeu-o e pendurou-o ao pescoço. - Vou usá-lo junto ao coração - disse, dando-me um beijo demorado que poderia ter  conduzido a outras coisas mais ternas. 55 - Vinde visitar-me - pedi eu, soltando-me dos seus braços. - Depois de me haverdes escrito um poema. Não será difícil. - beijei-o b eijei-o na orelha e esbocei um sorriso malicioso. - Ou será? Depois, ergui saias e saiotes para que me admirasse um pouco do pé e do tornozelo e parti a correr pelo bosque. Esta noite, à luz da vela encontrei um aposento vazio onde posso reflectir... O que Wyatt

 

me disse, embora não faça parte dos meus habituais interesses, parece-me muito importante e, por conseguinte, devo registar, preto no branco e com grande pormenor, todas as palavras que consigo recordar. recordar. O tempo o dirá se assim é, ou se tudo não passa da maled maledicência icência de ociosos. Afectuosamente vossa, Ana 2 de Maio de 1526 Diário, Quando ontem me vesti para a celebração da Festa de Maio, nem por um instante imaginei que a noite terminaria de modo tão portentoso. O meu vestido - isto é, o de lady Mario Marionn embora simples era muito elegante. Foi confeccionado com seda grossa, cor de marfim,  panos cremes, mangas bordadas e debruadas a cor-de-rosa. O corpete justo adelgaçava-me a cintura, fazendo realçar os seios, ombros e costas. Deixei que a rainha e as outras damas se adiantassem, com o pretexto de ter esquecido o toucado nos nossos aposentos e fiquei à espera para ver os cavalheiros e damas da corte que com as suas antigas galas desfilavam pelo atalho do jardim, em direcção a Shooter’s Hill. Mais atrás, perfilados de ambos os lados do caminho, vi duzentos arqueiros, vestidos de veludo esverdeado. Logo surgiu lorde Benton que representava o papel de Robin dos Bosques, de braços abertos, a convidar todos os presentes ”Entrai no nosso bosque verdejante e vede como vivemdaosmata fora-da-lei.” A corte reunira-se à entrada e, conforme fora ensaiado, os arqueiros puxaram as cordas dos arcos e lançaram flechas. Porém, soou uma enorme ovação quando surgiu o  próprio Robin dos Bosques e se viu que afinal não se tratava de lorde Benton, mas sim do  próprio rei! Ouviram-se risos e alegres aclamações quando Henrique H enrique 56 lhes deu as boas-vindas e os conduziu para dentro do bosque. Esperei então que todos desaparecessem por entre a parede de árvores, até ouvir a música trazida pelo vento. Soube assim que tivera início a representação. Enquanto percorria apressadamente o atalho, sabia que as outras damas já teriam começado a murmurar: ”Onde estará Ana? Talvez não venha. Quem representará o papel de Marion?” Cheguei no momento exacto. Robin dos Bosques combatera de espada e punhal contra os homens xerife eaté subira torre sido onde,montado em breve, Marion.aDei a volta, subi escada dedomadeira ondeàtinha umapareceria estrado, empurrei estupefacta damaa que me ia substituir e fiz uma ofegante entrada em cena. A minha aparição provocou um coro de deleitadas exclamações e, logo a seguir, encontreime frente-a-frente com Sua Majestade. Pareceu-me tão alto, com os seus enormes olhos azuis risonhos e brilhantes, o ofuscante sorriso, que senti faltar-me o ar. Recitou as falas de amor a Marion, com graça e ousadia e eu disse as minhas com igual elegância. Depois arrebatou-me nos seus braços, obrigando-me a levantar os pés do chão. Sei que aquele íntimo abraço estava previsto na peça, mas juro que senti que alguma coisa se movia sob os seus calções e que havia um verdadeiro ardor no seu beijo. A farsa terminou e todos aplaudiram os actores, com alegria. Depois o Rei afastou-se rodeado de cortesãos, para preparar a justa que teria lugar em seguida. Reuni-me com as outras damas ao lado da rainha Catarina e senti que os seus olhos escuros me fitavam furiosos. Certamente me odiara ao ver que a peça exagerara um pouco, ao reparar nos olhos do esposo, nos braços dele, em redor da minha cintura esguia, ao contrário contrário da sua. Porém,

 

nada disse e encami encaminhou-s nhou-se, e, na companh companhia ia das aias até ao terreiro terreiro enfeita enfeitado do com pendões que se agitavam, formando um arco-íris. O coração batia-me com força e tinha os pensamentos confusos. Seria deveras eu o objecto das atenções do rei? Impossível, pensei. Não havia ainda seis meses que minha irmã Mary lhe aquecera o leito. O estrondo de vinte trombetas e de outros tantos tambores interrompeu as minhas fantasias, e deu início ao torneio. Sons e cores, homens cobertos de aço brilhante e as agitadas garupas dos cavalos. O rei aproximou-se da rainha, montado no seu corcel e, conforme ditam as regras e compete ao favorito, recebeu das mãos dela o lenço de seda brilhante,  para lhe dar sorte. Contudo, pude ver que, o olhar  57 de Henrique não reflectia nem amor, nem afecto pela esposa e no dela havia uma dor tão grande que me feriu os olhos. A justa começou. Participaram todos os cavaleiros e soldados, a cada carga se ouviam gritos, aclamações e impropérios, o entrechocar das armas, as terríveis quedas e o bater dos cascos dos cavalos. Thomas Wyatt desafiou o rei e caiu do cavalo. Ileso e mostrando-se satisfeito por ter sido derrotado pelo seu senhor, saíram ambos de braço dado do terreiro de  justas. Durante banquete, que teve lugar num ao recinto construído amieiro eoflores perfumadas, fiquei sentada lado deenfeitado, Thomas Wyatt, muitocom belo ramos e jovialdeà luz das velas. - Dizei-me, quando foi que Henrique roubou o papel de Robin dos Bosques a lorde Benton? - perguntei. - Quando descobriu que vós seríeis lady Marion. Quando começou a farsa e ninguém sabia onde vos encontráveis, ficou aturdido. - E quando eu apareci? - Ana, não será necessário que vos diga o que sentiu. Decerto que vos haveis apercebido. Senti as faces em fogo. Peguei na taça e bebi um pouco de vinho, para disfarçar o meu embaraço. A seguir conduzi a conversa para assuntos menos comprometedores e Thomas compreendeu. Todavia, mais tarde, quando descansava do baile na frescura do bosque, fora do círculo dos archotes desenrolou-se diantequando de mimsenti todauma par misteriosa da anoite. Tinha-me curvado para arranjar o sapato arranjar de mãosaventura mascul masculinas inas cobrir cobrirem-me em-me os olhos. O dono era alto e de ombros largos, pelo que pensei tratar-se de Thomas Wyatt. - já me haveis escrito o poema? - perguntei em tom malicioso, enquanto me voltava. Pela segunda vez, naquele dia, dei por mim nos braços firmes do rei de Inglaterra. - Poema? - perguntou a sorrir. - Exigis então poemas que louvem a vossa beleza e encanto? Foi estranho. Depois dessas palavras, senti o peito, os membros e a cabeça invadidos por  uma vaga de emoção. Receio, logo a seguir coragem, desejo, depois despeito, ternura, amargura, recordações do passado e também pensamentos acerca do futuro. No breve instante entre as suas últimas palavras e a minha resposta senti que sobre mim descia uma tranquilidade semelhante às asas de um anjo. A ousadia venceu o medo e depois falei:

 

58 - Será que não tenho virtudes que bastem para que me façais um poema? - Tendes virtudes de sobra - disse o rei trespassando-me com o olhar. - Começai então - desafiei-o, soltando-me dos seus braços. - Como assim? - perguntou confuso. - Começai o poema. Estou à espera, senhor. Ele soltou uma sonora gargalhada, espantado com a minha audácia e acusou-me de ser uma  jovem exigente. Todavia aceitou o desafio como se se tratasse de uma luva de couro lançada ao chão. - ”Como o verde azevinho Não muda de cor / Assim sou constante / Para o meu amor.” - Muito bem, prossegui. - ”Como o verde azevinho São os meus amores Ficaram as folhas / Perderam-se as flores... / Só à minha amada No meio da verdura / juro ser fiel / P’ra sua ventura.” - Excelente, Majestade! - disse eu, aplaudindo-o - E agora, mereço um beijo? - já mo haveis roubado há pouco, no palco. - Então contento-me com o que vier depois - disse, tomando-me nos seus fortes braços. - Detende-vos! - exclamei, soltando-me. - Como ousais dar ordens ao vosso v osso rei? Senti o coração aos saltos no peito. -Mesmo Para bem Vossa Majestade - disse eu. -que Para vos Proteger porde entre as sombras, apercebi-me ficara vermelhodedeligações raiva. incestuosas. - Incestuosas? - Parecia perturbado, confuso. Estaria eu a referir-me ao seu infeliz e  pecaminoso casamento com a viúva do irmão? - Posso falar-vos francamente, Majestade? Não há muito, ainda minha irmã Mary dividia o leito convosco. Teve um filho vosso acrescentei num murmúrio. - Para mim, fazer o mesmo  parece-me... incestuoso. O rei recuperou a calma. - Sois muito ousada, Ana - disse já mais tranquilo. - Estais a falar com o vosso rei. - E vós com uma virtuosa donzela que como tal se deseja manter, senhor - logo fiz uma reverência, olhei-o e sorri com graciosidade. - Porém, apreciei a vossa afectuosa atenção. 59 Pegou-me na lábios. mão - por sortesem aquela cinco dedos e beijou-a, neles os seus Depois, queque mo apenas pedissetem retirou-me o anel- de granadasdemorando e enfiou-o no seu dedo mindinho. - Como não posso ter o vosso coração, fico com isto - disse e logo desapareceu por entre as sombras da floresta, como o fantasma de um veado.  Nas duas horas que faltavam para terminar as festividades do Dia de Maio perdi-me em ilusões e devaneios, de tal modo que o tempo voou e me encontrei na cama sem saber  como. Fiquei deitada, no meio da escuridão, ouvindo as outras aias em meu redor a murmurar os mexericos dessa noite, mas apenas com um pensamento. Um pensamento que me deixou trémula e insone insone até ao amanhecer. O rei de Inglater Inglaterra ra procurava os favores de Ana Bolena. Afectuosamente vossa,  Ana

17 de Julho, de 1526 Diário,  Neste dia sinto-me em grande confusão, ao mesmo tempo desconsolada e feliz. O meu bom

 

amigoo Th amig Thom omas as Wyat Wyattt reso resolv lveu eu exila exilarr-se se em Roma, Roma, vo volu lunt ntar aria iame ment ntee e po porq rque ue as circunstâncias assim o exigiam. E estou a ser cortejada pelo rei de Inglaterra. Estes dois factos interligados rodeiam-me como silvas, atordoada por as coisas terem chegado a estes extremos. Ainda há bem pouco tempo que Wyatt me falou de importantes assuntos da corte e eu, lhe retribui a confiança com uma pequena recordação - um pequeno caderno enfeitado a  pedrarias, suspenso de um cordão. Logo a seguir, no Dia de Maio, Henrique roubou-me o anel e enfiou-o, no seu dedo mindinho. É difícil acreditar que estes dois homens tenham chegado quase a vias de facto por causa destes objectos sem importância. Ocorreu o seguinte: Henrique e os seus favoritos, entre os quais se achava Wyatt, jogavam uma partida de  boliche. Encontravam-se em equipas opostas, quando Henrique reclamou como seu, um  bom lançamento que tinha sido feito por outro. Wyatt protestou. Depois diz-se que o rei apontou intencionalmente com o dedo mindinho, o mesmo em que 60 usa o meu anel e disse com os olhos fixos em Thomas: ”Wyatt, digo-vos que é minha. Digo-vos que é minha!” Apesar da veemência das suas palavras, o rei sorria e Wyatt  julgando-o de bom humor, replicou: ”Se Vossa Majestade me der permissão para a medir, tenho esperança que cordão possa ser minha.” Depois, com igual intenção retirou do pescoço caderninho presodepelo e inclinou-se para medir o lançamento. Henrique vendo oa minha prenda nas mãos de Wyatt interpretou a acção como um desafio que punha em questão o objecto dos meus afectos. Como uma criança petulante, o rei deu então um  pontapé na bola e disse: ”Pode ser que assim seja, mas agora já não me apetece!” - E abandonou o jogo de mau humor. Antes mesmo de ter ouvido a histó história ria e ignora ignorando ndo o papel que nela desempenhar desempenhara, a, vieram dizer-me que o rei me queria falar em particular. Se bem que, desde o Dia de Maio tivesse deixado bem claro o seu interesse na minha pessoa, com olhares de soslaio, escolhendo-me  para dançar e cantar consigo, sempre estivéramos em público. Entrei, pois, pela primeira vez nos seus aposentos que eram mais sumptuosos e belos que alguma vez imaginara. Enormes janelas em arco e de pinázios deixavam entrar o sol por três lados, iluminando arcas e mesas lavradas e douradas, a enorme prateleira da chaminé ornamentada com uma dúzia de jarros de prata, uma tapeçaria de seda, magnífica em tamanho e cores brilhantes representando São Jorge a matar o dragão, uma enorme cadeira de dossel e, num canto, vários instrumentos musicais. O rei vestido de veludo branco, bordado a prata encontravase também iluminado pelo sol e por um fogo interior que lhe brilhava através dos olhos. Se Sent ntia ia o me meuu co cora raçã çãoo acel aceler erado ado dent dentro ro do peit peitoo qu que, e, tenh tenhoo de co conf nfes essa sar, r, ex expu puse sera ra  propositadamente. Mas nesse dia, a generosa visão de uma pele branca e perfumada, pouco fizera para acalmar a ira do rei, semelhante a um ardente vento v ento estival. - To Toma mais is-m -mee por por to tolo lo?? - perg pergunt untou ou exa exalt ltado ado,, co com m uma uma ve veia ia a late lateja jarr-lh lhee na test testaa avermelhada, averme lhada, da qual eu não consegu conseguia ia afastar os olhos. Não sabia qual fora o meu crime, crime, mas ele haveria de mo dizer. - Atreveis-vos a jogar com os afectos do vosso rei no mesmo campo que com Thomas Wyatt? Por acaso não terei erguido vosso pai a tão alta posição...? Senti as pernas fracas ao ouvi-lo pronunciar o nome de meu pai. - Não ajudei também a pagar o dote da noiva de vosso irmão, honrando desse modo e mais uma vez a vossa família? É assim que me retribuis?

 

61 Sentia os braços e as pernas gelados, o coração batia-me como um tambor, mas conservava a rapidez de raciocínio e a lucidez que me deixavam perceber que o rei me  fazia a corte, não  por capricho mas com sinceridade. Que pretenderia? Já tivera a minha irmã e havia quem dissesse que também minha mãe fora sua. Meu pai e meu irmão eram seus escravos. At Atre rever ver-s -see-ia ia a te tent ntar ar conqu conquis ista tarr to todo doss os Bo Bole lena na?? Go Gost star aria ia de saber saber quand quandoo tinha tinha começado aquilo e apercebi-me imediatamente que o meu amor por Percy poderia ser uma espinha na garganta de Henríque. Deveria humilhar-me como todos faziam ou aceitar  aquele jogo? Seria assim tão apetecível como Wyatt me cantara em verso, uma corça fugidia numa floresta encantada? Sim, decidi, serei esquiva como o vento, para que ele me  procure, mas nunca me retenha. - Wyatt roubou-me o caderninho - menti. - Tal como vós haveis feito com o anel acrescentei com ousadia. - Agem ambos como se também me tivessem roubado o coração. Mas tal não aconteceu, embora ame Vossa Majestade como os súbditos leais amam o seu rei. - Quero-vos, Ana - disse, num grunhido apaixonado. Percebi que estava a ser sincero, de modo que soltei uma gargalhada, o mais desenvolta  possível. - Se é assim que o rei trata a mulher que deseja, nem quero ver como trata os inimigos. comeu, a minha eu... - titubeou, -- Bom Com eu, permissão de Vossadesconcertado Majestade - disse desejosaimpertinência. de pôr fim à conversa. Fiz uma profunda profun da reverência reverência e saí apressadamente, deixando-o sozinho, com uma expressão de surpresa no seu belo rosto. Voltei aos aposentos apo sentos da rainha extremamente agitada. Que hei-de fazer? Dissera a verdade. Não amo o rei, como uma mulher ama um homem. Mas se bem o conheço, não se deterá enquanto não apanhar o vento com ambas as mãos. Pedi conselho a minha mãe, que apenas murmurou com ar triste. - É o rei. É o rei... A minha irmã foi menos comedida. - Aceita-o. Deixa que se divirta contigo. Há-de oferecer-te belos vestidos, muitas jóias, um  bastardo, se tiveres sorte. Serás a amante do rei de Inglaterra, Ana, um título de honra, para uma jovem magrinha e plebeia. Fiquei zangada com a resposta desmiolada daquela desmiolada rameira.

62 Depois fui ter com meu pai que me mandar mandaraa chamar. Tinha um aspect aspectoo imponente, com o seu gibão de cetim negro, enfeitado a ouro, e o elegante gorro francês, sobre os cabelos grisalhos. - Parece que o rei te distingue com o seu favor - sorriu e passou-me o braço pelos ombros, coisa que não fazia desde que eu era pequena. Contudo não me deixei enganar, pois sabia que não havia afecto naquele gesto. - Deves condescender, Ana - aconselhou num murmúrio tão baixo, que mais parecia ter o diabo nas costas, a ditar-lhe as palavras. - Ouviste? - ainda não lhe tinha respondido. - Sim, meu pai, o vosso conselho co nselho é muito claro. - E vais fazê-lo? Agarrou-me os ombros com força, apertando-mos com os seus dedos ossudos. Meu pai tinha sido durante muito tempo o meu único senhor e amo, porém na minha imaginação via o caminho que ambos seguiríamos num futuro incerto. E, enquanto que outrora, sempre

 

fora ele a indicar-mo parecia agora tropeçar e ficar para trás. - Vou fazer conforme me aprouver, meu pai - respondi. Os seus olhos chisparam de fúria, mas ignorei-o com uma nova coragem. Depois, soltei os ombros do aperto dos seus dedos e saí do aposento, sem olhar para trás. Afectuosamente vossa,  Ana

24 de Agosto de 1526 Diário, Sua Majestade persegue-me, mas mesmo assim, resisto-lhe. Diz que é um homem louco de amor e assim parece. Esfumou-se o mau humor para dar lugar a uma nova força varonil. Mostra-se de novo agressivo nos seus deveres de rei, tendo recuperado a imagem de  brilhante estadista. Fala-me da família, dos filhos e de como os há-de casar. Pensa mesmo unir o filho bastardo, que teve com Bessie Bessie Blount, com a obedie obediente nte filha Maria. Tudo, diz ele, será melhor que ter uma mulher no trono de Inglaterra. As mulheres não têm energia  para manter a paz. Thomas Wyatt que me instruía nas questões políticas, continua no exílio e todos sabem que  por minha causa. Oxalá pudesse voltar  63 a ver esse querido amigo, para lhe pedir conselho acerca dos apetites do rei. Não sei porque surgiu paixão. Este homem, umvitelo monarca, converteu-se meu que escravo. Suspiratão dedesesperada desejo de me ver, geme como um doente de amor, em diz-me está encantado e enfeitiçado por mim e implora-me, noite e dia, que seja sua. Traz-me presentes, flores, fitas douradas, escreve canções em minha honra, que depois canta em voz trémula. O sentimento não me é desconhecido. Não era assim o meu amor por Henry Percy? Se assim é, se o rei me ama verdadeiramente, que hei-de eu fazer? Não o amo, não desejo seguir o caminho de minha irmã. Mas o problema está na minha família. Se recuso as  pretensões do rei, se provoco a sua ira, que será da posição que meu pai, tanto se esforçou  para obter? Meu irmão George foi há pouco nomeado copeiro de Sua Majestade. Terá minha mãe de elanguescer num novo desterro no campo? Mas se lhe declarar um amor maior que aquele que um súbdito deve ao seu rei, vou transformar-me em sua amante, e isso repugna-me. Tenho de achar um meio de o afastar   para que a desgraça não recaia sobre a minha cabeça. Oh, se eu pudesse pensar! Aqui na corte quase não há tempo para solitárias reflexões, nem sítio para uma tranquila meditação. Estou rodeada de damas tagarelas e há também as refeições e as minhas obrigações para com a rainha. E esse gigante louro que arde de amor, perseguindo-me de noite e de dia. Tenho de arranjar uma maneira. Afectuosamente vossa, Ana 13 de Outubro de 1526 Diário, Estou a salvo, pelo menos por algum tempo. A resposta ao meu dilema surgiu-me durante um sonho. Sonhei com os tempos antigos e com uma dama, casada, numa torre. Era amada  por um cavaleiro que não o seu marido. O rosto da dama era-me por vezes desconhecido, outras vezes era o meu. Falava em verso e oxalá pudesse recordar-me das suas palavras, mas estas desvaneceram-se, quando acordei. Mais importante foi a cena que a dama e o seu admirador representaram, e a que assistia o marido, sentado, junto deles.

 

64 Tratava-se de um jogo de amor cortês. O jovem, punha-se ao serviço da dama, declarava o seu amor, cantava-lhe cantava-lhe canções canções,, fazia fazia-lhe -lhe elogi elogios, os, ofere oferecia-l cia-lhe he pequenos presentes, presentes, juravajuravalhe obediência absoluta. Ela gracejava, provocava-o, interessava-se pelos seus versos de amor. E nada mais. Nunca se deitaram juntos. Bastava um beijo na mão, a cabeça dele no  joelho dela, uma carícia terna. Amor Cortês. Quando acordei, reflecti sobre as possibilidades do sonho. Seria perigoso impor um jogo as assi sim m ao rei, rei, ma mass sa sabi biaa que que não não ti tinh nhaa outra outrass alte altern rnat ativa ivas. s. Fo Foii o qu quee fiz: fiz: resp respond ondii ousadamente aos seus avanços, com danças e risos, permitindo-lhe uma breve carícia, respondendo, à letra, a insinuações e trocadilhos. Provoquei-o, confundi-o, conduzi-o a um frenesim exacerbado, depois recuei, simulei modéstia, declarando-lhe que a virtude me  proibia continuar ou amar um homem casado. O rei mais parecia um cavalo louco. Resfolegava, fumegava e depois ria-se deliciado. Estava a gostar do jogo! Assim, mandei-o embora e quando regressou, continuámos, mas de modo diferente - novos versos, duelos de espírito, um beijo que permiti que me roubasse. Porém a minha evasão era o acto final e quando o pano caía, tinha conseguido mais uma vez manter manter o rei à distância distância.. Verem Veremos os por  quanto tempo. Afectuosamente vossa, Ana 12 de Novembro de 1526 Diário, Estou exausta. Esgotaram-me as aventuras e jogos que me vi obrigada a realizar neste domingo, para manter o rei à distância. Começou tudo de manhã cedo, quando toda a corte assistia à Missa. Ajoelhei ao lado da rainha, cujas preces fervorosas, ditas em voz alta, se ouvem por cima de todas as outras. Tinha os olhos postos no terço. Porém, os de Henrique ajoelhado na sua capela, no banco do rei - estavam postos em mim. Aventurei-me a esboçar  um sorriso do outro lado da igreja e ele retribuiu-mo, com o seu riso aberto, comportamento  pouco próprio de um rei, que se concentra nas suas preces ao Senhor. Repreendi-o com um olhar severo e ele soltou uma sonora gargalhada! Todas as cabeças se voltaram obrigando-o a simular um ataque de tosse, no qual certamente ninguém acreditou. 65 Mais tarde, ao sairmos da capela, conseguiu ficar a meu lado. - Senhora, tínheis uma expressão muito severa - murmurou. - Estava só a ensaiar. É aquela que usarei quando tiver de repreender as maldades do meu filho. - Um filho? Pensais ter um filho? - Muitos filhos! Um para cada dia da semana. Com um sorriso encantador, segui a rainha e as outras aias para irmos tomar o pequenoalmoço. Henrique seguiu-me com os olhos. Mais tarde, nessa manhã límpida e fria, o rei e o seu séquito foram praticar um novo jogo chamado Liças. Nesta competição os adversários usando uma protecção e um elmo especiais simulam uma luta apeada, com duas espadas e lanças de dois metros. Eu e outras damas - embora a rainha estivesse ausente, por ter  voltado à capela - assistíamos à competição, aplaudindo as proezas e soltando gritos de terror devido a tanta violência. Como era habitual em tais lides, Henrique destacava-se sobre todos os outros, mas não porque os seus homens o deixassem vencer por deferência à sua posição de rei. Era certamente o melhor, o que mais corajosamente combatia e o que

 

mais inimigos derrotava. Entre dois assaltos, veio à beira do campo, onde eu me encontrava, trémula, entre as outras damas. Do seu corpo erguia-se uma nuvem de vapor e respirava com dificuldade, devido ao esforço. Tinha os olhos brilhantes e pediu-me uma prenda sem pronunciar  palavra. Todas as damas observavam interessadas esta cena, mas nenhuma se atreveu a pronunciar   palavra. Entreguei-lhe um lenço de renda, que levou ao nariz para aspirar o meu perfume francês. Sorriu satisfeito e voltou para o campo, como meu campeão, para derrotar os outros homens em minha honra. Terminado o jogo, as damas afastaram-se e dei por ele atrás de mim, com grande ruído da sua armadura. - Minha senhora Ana! Voltei-me a sorrir. - Haveis combatido bem, Majestade. Podeis ficar com co m o meu lenço. - Teria ficado com ele de qualquer maneira. - Sois muito atrevido! - exclamei. - Bem mereço um troféu pelos meus esforços. Derrotei-os a todos. Retirou a protecção do peito e tive de me conter para não ficar a olhar para a sua impressionante figura. 66 mim? - perguntei. Mas podereis derrotar-me -- Derrotar-vos! - o rei soltouauma gargalhada tão forte que o seu ventre estremeceu. - Não me refiro ao jogo das d as Liças, seu tonto. - Qual é então o desafio? - Xadrez - respondi. - Ah, xadrez. Um jogo de mulheres, mas em que sou tão bom como os outros. Aceito o vosso desafio. Na sala de jogos uma hora depois do almoço. - Lá estarei. E de facto estava. Troquei o vestido por um que sabia que ele gostava, pois elogiara-me muito pela sua cor - vermelho-ferrugem e pelo modo como fazia sobressair os meus olhos. Tinha um generoso decote e como sabia ter de me debruçar sobre a mesa  para fazer os lances, esperava assim aproveitar-me para confundir a sua mente de lince, com a visão os meus seios. Deixei o cabelo caído e solto pelas costas abaixo. Retoquei ao de leve as faces

e os lábios com carmim. E, por fim, prendi cuidadosamente a ponta da manga ao meu quinto dedo de modo a ocultar o sexto. O rei não apareceu como de costume com ar imponente e vaidoso, coberto de peles e jóias. Veio sim, muito calmo, falando-me num murmúrio e lançando-me subtis sorrisos. Trazia umas calças claras e uma camisa de linho, larga, sob um gibão de pele. Tinha a cabeça descoberta. Acabara de tomar banho e não havia nele qualquer vestígio dos exercícios matinais. O cabelo louro brilhava ao sol da tarde. Era uma bela figura de homem. Sentám Sen támo-no o-noss conf confort ortavel avelment mentee jun junto to ao tab tabule uleiro iro e, tendo tendo trocado trocado alguma algumass palavr palavras, as, começámos a jogar. Saí com ousadia e ele fez o mesmo, surpreendendo-me com a sua táctica. Prosseguimos em silêncio. Comi-lhe o cavalo. Ele ficou-me com o bispo. Ambos  perdemos vários peões. Depois hesitei. Simulei estar confusa. Disfarcei a confusão com lances ousados. Resultou. Concentrado, foi movendo as peças para cercar a minha rainha. Soltei um profundo suspiro, mordi o lábio. Estava tão convencido de que eu hesitava e era tal a sua confiança, que não se apercebeu dos meus artifícios e ficou imóvel quando murmurei ”cheque-mate”.

 

- Cheque-mate! - disse eu, desta vez em voz mais alta. Tentei que me olhasse nos olhos, mas tinha-os colados ao tabuleiro, tentando perceber a razão da sua derrota. - Não pode ser - resmungou. 67 - Mas é. Venci Vossa Majestade. - Não! - gritou e empurrou o banco com tanta força, que este caiu para trás. - Ora, Henrique, não vos comporteis como uma criança mimada. É apenas um jogo. - E vós sois apenas uma mulher! - Uma mulher que vos derrotou - soltei uma gargalhada na esperança de não parecer cruel, e de lhe aplacar a fúria. - Então, preciso de uma recompensa para a minha vitória! - Uma recompensa? Deveríeis ser encerrada na n a Torre de Londres por traição ao rei! - Majestade! - Muito bem. Que desejais então? - perguntou com ar petulante. - Um beijo... - disse eu. - Um beijo do derrotado. Vi-lhe nos olhos um brilho perigoso, pois estava a exceder os limites da sua paciência. Porém a raiva desfez-se ao calor do meu inesperado pedido. Aproximou-se para me abraçar, mas segurei-lhe os braços. - Nãocomo Henrique. eu que vos  beijo.encostei o meu corpo ao seu, procurei os lábios dele Oh, ficou Sou inflamado, quando com os meus e usei a língua à maneira francesa para provar a doçura íntima da sua boca. Durante o beijo tomou-me nos braços e foi difícil soltar-me. Mas quando por fim, tudo terminou, separámo-nos sem fôlego e ele sorriu. - A vencedora vencedora deste assalto assalto - disse disse,, fazendo uma profu profunda nda reverência. reverência. - A minha senhora senhora,, Ana Bolena. Com tantas palavras atrevidas e inteligentes artifícios, juro que não me sinto vencedora, mas apenas uma pobre menina a perder o pé. Mas continuo. Afectuosamente vossa,  Ana

69 Enorme serpente viva cobria quase uma légua de caminho, formada por um milhar de ruidosos e trovejantes anéis que levantavam uma espessa nuvem de poeira na escaldante tarde de julho. Para fugir ao calor e à pestilência de Londres, a comitiva real avançava pelo condado de Kent, pela primeir primeiraa vez, desde que Isabel Isabel subira subira ao trono. Partira Partira havia menos de uma semana, mas já carroças e carros, pesadamente carregados, rebanhos e gado, bem como várias mulas transportando a equipagem da corte e os mantimentos, alteravam a tranquilidade das pequenas aldeias que, com grande regozijo, viam passar a comitiva. James Tho Thomas, mas, Joan a sua nutrida mulher e sete filhos espantados tinham, com a  permissão do seu senhor, abandonado o trabalho durante uma boa parte do dia. Sentavamse agora nas mantas, sobre as quais havia também queijo, pão duro e jarros de cerveja para um almoço campestre e, ao mesmo tempo, viam passar deslumbrados, o desfile que sem dúvida era um dos maiores espectáculos da sua vida. A equipagem e o gado que desfilavam  pela estrada não eram mais que o início de um notável cortejo, pois após a sua passagem, deixa dei xando ndo para para tr trás ás poei poeira ra e ex excr crem ement entos os,, vi vinha nham m escu escudei deiro ros, s, ca cava vala lari riço çoss e po port rtaaesta estand ndar arte tes, s, tran transp spor orta tand ndoo colo colori rido doss pe pend ndõe õess co com m os escu escudo doss de arma armass qu que, e, na

 

impossibilidade de ondularem ao vento, pendiam no calor sufocante. Guardas e lanceiros a cavalo vigiavam o caminho. Logo a seguir vinham, também a cavalo, jovens damas de honor, alegremente engalanadas. Levavam os lenços ao nariz para se protegerem da poeira sufoca suf ocante nte.. Seg Seguia uia-as -as uma com companh panhia ia de gua guarda rdass de lib libré, ré, erg erguid uidos os na sel selaa das sua suass montadas. - Olhai - ordenou James Thomas à família, pois já uma vez, durante a sua infância vira um cortejo assim, no reinado do rei Henrique e não mais esquecera o seu esplendor e ordem. 70 Desde as carroças e manadas de gado até às elegantes carruagens das damas e cavalheiros, os lordes do Conselho e finalmente os regimentos de guardas armados anunciavam que Sua Majestade se aproximava. - Deve ser a rainha que aí vem. Levantai-vos todos! - ordenou, obrigando-os a porem-se de  pé. - O rei Henrique veio a cavalo, de modo que o pude ver. Oh, como era bem-parecido, alto e forte. Mas agora uma mulher mulher... ... julgo que virá numa carruag carruagem, em, abrigada do pó e do mau cheiro. Mas, para grande alegria sua, James Thomas enganou-se e, logo atrás dos guardas, pôde ver, tal como toda a família, uma mulher ruiva montada numa formosa égua, sentada no alto da sela, resplandecente de prata e brocados, como que rodeada do esplendor do sol. -Rainha Lá vem ela! - a!” exclamou Joan. - A mais rainha! - James ouvia crianças murmurarem, ”a Rainha, , a Rainh Rainha!” enquanto o rapaz velho comenta comentava va aasbeleza da montada e os seus arreios. - Ora esta! É da altura de Henrique e loira, como ele - exclamou  James Thomas, com assombro. - Ainda bem - murmurou a mulher, como se temesse que a dama pálida que lhes acenava e sorria os pudesse escutar. - Com a mãe que teve, é uma bênção que se pareça com o pai. Isabel, com os olhos irritados do pó e da luz forte, ajustando o corpo ao movimento da égua, viu a saudação da família de Thomas e, tal como fazia todos os dias, agradeceu em silêncio aos seus fieis súbditos e a Deus a sua ascensão ao trono. Interrompeu-lhe os pensamentos a ruidosa chegada de um ofegante Robin Dudley, montado num enorme corcel, mais parecendo regressado de uma grande batalha. - Majestade! - ofegou, com a cabeça coberta de suor. - Meu Deus, Robin! Porque vos haveis adiantado? Queríeis vencer São Jorge e o dragão? - Fui até Cantuária para inspeccionar o alojamento para esta noite. - E haveis regressado? Sois muito tolo, porque não nos aguardastes lá? - Porque estava desejando ver-vos, minha amada - disse acariciando-lhe o rosto com os olhos brilhantes. Teria de esperar muitas horas. Também gosto muito de vos ver montar... a rainha na sua viagem de Verão. Tão altiva e magnífica. - E com o traseiro muito dorido. Por favor, Robin, pedi que se detenham um pouco lá adiante. Quero desmontar e seguir de carruagem. Ele sorriu com a famil familiarid iaridade, ade, já habitual, desde que se tinham tornado amantes. 71 Desejais parar para visitar a cabana dos tecelões em Oxted? - perguntou. - Estão à minha espera? - suspirou, exausta. - Estão, sim. - Então não podemos desapontá-los - protegendo os olhos do sol, espreitou a ondulante

 

 planície pontilhada de rebanhos. Era a primeira vez que Isabel via esta região do seu país. - Robin, acreditais que, de facto, toda esta gente gosta que a corte em peso desça sobre eles como uma praga de gafanhotos? - De cert certoo mo modo do é um gr gran ande de in incó cómo modo do,, ma mass trat trataa-se se de um an anti tigo go co cost stum ume. e..... a hospitalidade rural. E, afinal, trazemos connosco vinho e cerveja - acrescentou com um meio sorriso. Tomou-lhe a mão sem se preocupar com os olhares dos cocheiros atrás deles. - Adoram-vos, Isabel. O vosso povo quer ver a rainha. E aposto que estão a gostar do que vêem. Dudley picou o cavalo e, ao chegar à cabeça da comitiva, ordenou à guarda que se detivesse e permitisse que o cortejo de mantimentos e o gado seguissem adiante. Isabel deixou que um dos seus escudeiros a ajudasse a desmontar do cavalo. Tinha as pernas dormentes da longa cavalgada e dirigiu-se à ornamentada carruagem, feita na Holanda, enquanto sacudia o pó do pesado brocado da saia de montar. Dentro da carruagem, Kat Ashley dormitava, encostada às almofadas de seda rosada, com o rosto levemente contraído coberto com uma fina película de transpiração. Thomas Parry, o idoso e fiel criado de Isabel, estava sentado diante de Kat e curvado sobre um enorme livro de contas observando com os olhos semicerrados uma coluna de números. Levantou-se de um salto, para ajudar a rainha a entrar. - Senhora, não quereis cavalgar mais hoje? - perguntou. -Buscando Não, Thomas. Nem nunca mais vida.de Isabel sinais de fadiga ou indisposição, Parry inconscientemente no na rosto entregou-lhe entreg ou-lhe um cantil de água fresca, que a Rainha bebeu até ao fim. Parry, Parry, tal como Kat Ashley achava-se ao serviço de Isabel, desde que esta era pequena. Blanche, sua mulher  embalara a princesa no berço real. A rainha deixou-se cair no assento, com ar cansado e olhou afectuosamente para Kat. - Estava desejando sair daquela casa malcheirosa, infestada de pulgas, mas julgo que ainda detesto mais as viagens - murmurou Isabel, na esperança de não acordar a sua aia. - Pois bem, mas terá de se habituar a elas, não é verdade? De julho a Novembro, todos os anos, a partir de agora - disse Parry. - Espero conseguir visitar grande parte do meu reino. 72 - Claro que sim - Thomas Parry sorriu, ao pensar no reino de Isabel e do perto que estivera de perder tudo, antes que fosse seu. Também Isabel recordava as perigosas atribulações que ela e Kat, Thomas e Blanche Parry tinham sofrido e partilhado. Nos últimos dias tinha pensado muito nesses tempos, desde que estava a ler o diário onde sua mãe descrevia os primeiros meses do namoro de Henrique. Que opção terá uma jovem quando um rei ou um nobre lhe impoe os seus afectos, que opção terá, senão submeter-se, pensou Isabel. Uma mulher não tem outra saída. É como uma corça perseguida por cães de caça. Um espírito feminino anulado pelos rígidos ensinamentos de que um homem deve ter sempre aquilo que deseja. Que o que uma mulher  quer nada significa, ou é até menos que nada. A mãe acossada por Henrique. Ela própria, ainda criança, por Thomas Seymour. O lorde-almirante do reino. O seu nome e imagem invadiram os pensamentos de Isabel. Via-o claramente, belo e altivo, de barba ruiva e braços duros como o ferro. Felizmente, Parry tinha voltado às suas contas, por isso não notou o rubor no rosto de Isabel

 

à simples recordação de um homem, que morrera havia mais de dez anos. Fechou os olhos, ainda conseguia sentir o cheiro dele... Deus, até o seu sabor. Ouvia-o ainda vociferar a sua exclamação favorita: ”Pela alma de Cristo!” - uma invocação jovial que lhe atravessava a neblina do sono, um momento antes de se abrirem os pesados cortinados do seu leito e de a imponente presença de Thomas Seymour encher os seus luminosos aposentos. - Levantai-vos, princesa. O dia está bonito demais para se ficar na cama! Isabel corara, enquanto procurava cobrir os pequenos seios nus com os lençóis de linho, esgueirando-se para debaixo das cobertas, incapaz de falar, de tão envergonhada. - Deveríeis ter vergonha, almirante! - exclamara Kat, levantando-se do seu catre aos pés do leito de Isabel. Seymour de pernas nuas e coberto apenas com a camisa de noite, saltara já   para dentro da cama de Isabel para fazer cócegas à jovem de treze anos, até os seus gritinhos e risos ecoarem por todo Chelsea Manor. Kat correra a fechar a porta do aposento, e ficara de mãos nas ancas diante dos corpos emaranhados nos lençóis, tentando decidir o que havia de fazer, para terminar tão ofensivo espectáculo. Mas enquanto os observava, o gigante ruivo e a sua querida lady Isabel, sentiu que os lábios apertados esboçavam um sorriso. Faziam um belo par, muito mais belo do que o que Seymour fazia com Catarina a 73 sua simpática esposa de meia-idade. Kat arrependeu-se imediatamente de tão escandalosos  pensamentos, mas tinha de admitir que Isabel e Catarina não eram as únicas mulheres daquela casa que Thomas Seymour enfeitiçara. Seymour voltou-se de costas e sorriu a Kat. - Pronto mulher! Vesti depressa a vossa protegida porque, esta manhã, vamos caçar. - Saí já dessa cama! - ordenou finalmente Kat com uma voz que, para mal dos seus  pecados, lhe saíra mais afectuosa que autoritária. - Muito bem, Isabel - acrescentou. Tendes de vos levantar. - Mandai-o sair. - Fora! - ordenou Kat a Seymour. - A princesa precisa de privacidade. - Volto-me de costas - ripostou ele voltado para a tapeçaria de veludo. - Vá, prometo não espreitar. Kat e Isabel trocaram um olhar de dúvida. - Não me vou embora, de modo que deveis apressar-vos, senhoras. Com um risinho envergonhado, Isabel saltou da cama, envolta no  fino lençol  e ficou à espera que a aia cobrisse apressadamente o seu corpo magro com uma camisa de algodão. - Vesti a jaqueta vermelha e a saia preta de brocado - exclamou como se estivesse no mar a dar ordens aos seus grumetes. Enquanto Kat lhe atava o espartilho, a princesa perguntava a si própria se a madrasta saberia do esposo, se saberia que ele a estava a pôr em ridículo. Afastou os pensamentos da doce Catarina Parr, pois gostava muito dela. Afinal, fora ela a única mãe que Isabel conhecera. Uma palmada no traseiro, sobre o saiote, arrancou-lhe um grito de surpresa. Voltou-se e viu Thomas Seymour a sorrir descaradamente. Contudo, antes que Kat o  pudesse evitar beijou o rosto corado de Isabel e deu um enorme beliscão na coxa da aia. - Maravilhosa - disse, olhando Isabel de alto a abaixo numa rápida inspecção. - Nos estábulos dentro de três quartos de hora, nem um minuto a mais - e saiu porta fora, deixando as duas mulheres perplexas diante de tanta audácia.

 

Agora, que a carruagem real seguia aos solavancos na estrada esburacada, recordava a sua adorada madrasta, Catarina Parr. Isabel tinha nove anos, quando Henrique, envelhecido e doente, casara com Catarina, sua sexta esposa. Por fim, já sem ilusões de encontrar o amor  ou de pr prod oduz uzir  ir  herdeiros var varõe ões, s, co cont nten ento touu-se se co com m uma uma mulh mulher er cu cujo joss do domí míni nios os fortaleceriam as fronteiras da Escócia e que o pudesse consolar na velhice. E foi 74 o que ela fez, sentando-se horas a fio com a perna ferida do rei no colo, discutindo amigavelmente com ele filosofia e religião. Quando Henrique escolheu Catarina, esta tinha sido durante muitos anos a figura central de um círculo de mulheres de espírito forte e   pensam pensament entos os ava avançad nçados os que, que, patroc patrocina inando ndo gra grandes ndes sábios sábios e eru erudit ditos os do contin continente ente,, introduziam as doutrinas humanistas e a reforma religiosa na corte. Ostentavam assim o  primeiro poder efectivo, ainda que limitado, das mulheres inglesas, sobre reis e príncipes. Mesmo assim, pensou Isabel, a sua adoração por Catarina Parr surgiu de algo mais   prof profun undo do que que o resp respei eito to,, poi poiss pouco poucoss mese mesess de depoi poiss da su suaa coroa coroaçã çãoo tinh tinha, a, nã nãoo só conseguido acalmar o espírito furioso e o corpo doente do esposo, como também arrancar a havia muito afastada bastarda de Ana Bolena de um solitário exílio para o cálido seio da família real. De novo, Henrique dispensou a sua afeição à filha ruiva e encarregou Catarina da brilhante educação clássica de Isabel. Numa rápida manobra a rainha devolvera à enteada trono. o dom mais precioso da sua vida: o recuperar o seu lugar na linha de sucessão ao Henrique Henriq ue morreu quatro anos mais tarde, tarde, deixando deixando a sua viúva convertida convertida na mulher mais rica de Inglaterra. Isabel vivia com a Rainha em Chelsea e ela e Eduardo, seu irmão coroa cor oado do Rei, Rei, co com m no nove ve an anos os - foram consolados pelos seus carinhos. Mas depois,  passados quatro meses da morte de Henrique tudo mudou mais uma vez. A rainha-viúva apaixonara-se irremediavelmente por Thomas Seymour, tio do jovem rei e lorde-almirante da Marinha Real.  Nesses dias mágicos o ambiente da casa de Chelsea estava impregnado de sensualidade e Isabel viu desenvolver-se diante dos seus olhos de menina romântica o alegre e animado namoro de Thomas Seymour e Catarina Parr. Por todo o lado havia risos, música e alegria,   bem bem com comoo um bon bondo doso so afec afecto to - um umaa exis existê tênc ncia ia perfe perfeit itame ament ntee embr embria iaga gador doraa pa para ra a estudiosa e modesta princesa. Fascinada, Isabel via a até então recatada e séria Catarina transforma trans formar-se r-se numa jovem ébria de amor. E assim, assim, quando Thomas Seymour Seymour começou a  perseguir Isabel, esta não estava preparada para distinguir o assédio de um divertimento inocente. Thomas. Nos jardins, oferecendo-lhe delicados ramos de flores que ele colhera com as suas  próprias mãos, de dedos grossos. Thomas. Nos seus aposentos, despertando-a alegremente todas as manhãs. Thomas. Invadindo-lhe a sala de estudo, como um rapazinho endiabrado, quando ela tentava concentrar-se nas lições. Thomas. Gracejando com ela. Perseguindo-a. Tocando-a. 75 Por fim, era já incapaz de ouvir o nome daquele homem sem corar furiosamente. Ensinavase às mulheres que o interesse romântico por um homem era, só por si, sinal de falta de castidade e que uma donzela não podia vangloriar-se de nunca nenhum homem ter tocado o seu corpo quando este já se introduzira no seu espírito. Thomas Seymour já fizera mais que

 

introduzir-se no espírito de Isabel. Como uma fortaleza com brechas nos muros, a princesa fora invadida e tomada. De nada servira falar com a madrasta. - Como podeis pensar tais coisas de Thomas? - perguntou lady Catarina Seymour, fazendo girar distraída e continuamente no dedo o anel de pérola. - É apenas uma brincadeira, Isabel. É um homem divertido, que vos ama como um pai. - Mas, minha mãe, os criados já falam. Kat diz que a minha reputação... - Kat não passa de uma tonta! Isabel estava preocupada com a madrasta. Sabia que alguma coisa não estava bem. Catarina não estava em si. A majestosa confiança e serenidade que irradiavam do seu ser tinham-se esfumado e sido substituídas por um desconcerto e nervosismo estranhos. Nada fizera para  pôr fim às visit visitas as matinais de Thoma Thomass aos aposen aposentos tos de Isabel, Isabel, nem para calar os rumor rumores es que se começavam a espalhar, atrás dos muros da casa de Chelsea. - Escutai, Isabel - ordenou Catarina. - Deveis aprender a primeira regra de uma casa real. Sois a princesa. Eles são os criados. As suas intrigas não vos podem atingir. A sua voz, outro outrora ra calma, segura e bem modulada tinha um novo tom estridente. Até uma criança entenderia que as suas palavras não eram lógicas. - Sempre me haveis dito que a modéstia de uma donzela... - Como vos atreveis a contradizer-me com as minhas próprias palavras! - gritou Catarina. as vossas queixa Ide, deixai-me emantes paz edele que enão tenha de ouvirque de novo s acerca de meu esposo. Tive três posso dizer-vos me diverti maisqueixas durante um ano, com Thomas Seymour, do que com os outros três a vida toda! Sozinha na sala de estudo Isabel aproveitava o resto de luz da tarde e semicerrava os olhos  para conseguir conseguir ler o seu volume de textos de Cícero. Cícero. O seu amado tutor, Asham, tivera tivera de se recolher ao leito, subitamente apoquentado por uma indisposição. As outras donzelas da casa de lady

76 Catarina que estudavam com Isabel, regozijaram-se com a oportunidade de um dia sem lições, mas Isabel ia a meio de uma tradução de comentários de estadistas romanos acerca dos últimos dias da República. Apenas os estudos lhe davam algum alívio dos seus conturbados pensamentos, pois ultimamente Catarina começara a acompanhar Thomas Seym Seymou ourr nas nas su suas as vi visi sita tass mati matina nais is,, sa salt ltan ando do-l -lhe he na cama cama co com m ele ele e fa faze zend ndoo-lh lhee impiedosamente cócegas. Na semana anterior a rainha-viúva segurara mesmo os braços de Isabel, enquanto Thomas lhe rasgara a camisa em tiras com uma enorme faca. Era tudo tão confuso. Porque agiria Catarina de um modo tão estranho? Seria por estar  finalmente grávida do filho de Seymour? A notícia encheu o coração de Isabel de amor e alegria pela madrasta - ao mesmo tempo que sentia incontrolável ciúme e terrível vergonha  pelas suas tórridas fantasias secretas, acerca do esposo da mulher que mais adorava neste mundo. Todos os dias rogava a Deus que a guiasse, mas pouca ajuda recebia do céu. Assim, voltava-se para os livros. Isabel estava tão absorvida na sua tradução que só deu por Thomas Seymour ter entrado quando este pronunciou o seu nome, em voz baixa. Voltou-se, esperando ver o habitual companheiro de folguedos mas, em seu lugar encontrou um cavalheiro sisudo e cortês. Isabel perscrutou o rosto de Seymour e ficou alarmada ao ver-lhe os olhos rasos de lágrimas. - Lady Catarina? Está doente? - perguntou Isabel agarrando com força as mãos d dee Seymour.

 

Este abanou a cabeça mas não lhe ofereceu qualquer explicação para a sua tristeza. - Que se  passa então? Dizei-me, dizei-me! - Não tenho coragem, Isabel - disse, por fim, sem largar as mãos brancas da princesa. - Mas tenho de vos dizer isto, se não enlouqueço. O imenso amor que sinto por vós faz com que o meu casamento com lady Catarina seja para mim uma carga onerosa e pesada. Isabel sentiu que o ar lhe faltava. Não conseguia mexer-se. Com aquela declaração todos os  pensamentos lhe tinham fugido da cabeça, qual bando de andorinhas, do telhado de uma catedral. - Casei-me com ela por saber que ficaríeis a seu cargo após a morte de vosso pai - disse em voz baixa. - E nada mais desejava que estar perto da vossa doce presença. Não sabia de que outra forma o poderia conseguir. As lágrimas corriam pelas faces de Thomas Seymour, porém Isabel surpreendeu-se a si  própria ao apenas poder pronunciar palavras iradas. - Posso ser míope, mas não sou cega, senhor. Não me quereis pela minha pessoa, mas sim pelo meu sangue real e proximidade do trono! 77 Ao acusá-lo daquela maneira, Isabel ignorava de onde lhe tinham saído aquelas ideias, uma vez que nunca havia reflectido, em consciência, sobre tal questão. -Se Não me amais! me eamais! - exclamou, toda a ovass alma Seym ymou our r negas ne gasse se Não rápi rápida da veem veemen ente teme ment ntee a rogando acus acusaç ação, ão,com e lh lhe e pr prova ssee que qu queeThomas esta estava va redondamente enganada. Não precisou esperar muito. Ele caiu de joelhos, agarrando-lhe a fímbria do vestido. - Tendes-me em tão baixo conceito, para duvidar da minha sinceridade Isabel? - Olhou-a fixamente nos olhos, não permitindo que ela se afastasse. - E tão mal pensais de vós? Pois com tais sentimentos desacreditais-vos como mulher digna de ser adorada por um homem como eu. Não vedes como estais só, como sois desejável? Julgo... - continuou com grande  paixão na voz. - Julgo que, sem vós, morrerei. Era encantadora. Era desejável. Era uma mulher, não mais uma criança. E aquele homem tão belo amava-a. Amava-a. Dos lábios de Isabel escapou-se um suspiro de alegria e alívio. O almirante do reino aproveitou o ensejo para se erguer, arrebatar a princesa nos seus  braços e beijá-la apaixonadamente como faz um homem que ama uma mulher e como uma  jovem só em sonhos espera ser beijada. Isabel afogava-se, levada pela enorme onda de doçura e paixão. Afogava-se, morria... - Oh, meu Deus! Aquelas palavras, ouvidas como que a grande distância, obrigaram Isabel a sair das   profundezas. Abriu os olhos para encontrar lady Seymour, com o seu ventre avultado, encostada à porta da sala de estudo. Isabel e Seymour separaram-se imediatamente, trémulos e mortificados. Fez-se silêncio. Isabel mal conseguia respirar sob o peso da insuportável vergonha que sentia. Finalmente, dois pássaros a chilrear no parapeito da janela, quebraram o silêncio. Isabel atreveu-se a olhar para Seymour e viu-lhe os olhos brilhantes, atrevidos. Começara já a imaginar  argumentos, desculpas e mentiras. Catarina, fazendo uso da pouca dignidade que lhe restara, voltara-lhes as costas e saíra. E Seymour seguiu-a depois de ter lançado a Isabel um olhar aflito. A aia de Isabel abriu um olho e apercebeu-se que estava sentada diante de Parry, dentro da abafada carruagem, que seguia aos solavancos pela estrada poeirenta.

 

78 - Oh, ainda não chegámos? Parry indicou-lhe com os olhos que não estavam sós. Kat endireitou-se imediatamente e esboçou um sorriso forçado. Era a companheira mais íntima de Isabel, porém mantinha sempre o rígido código de etiqueta e a distância devida, a uma criada da rainha. - Majestade... Haveis dormido bem Kat? - perguntou p erguntou Isabel. - Não posso dizer que sim, com tanto solavanco, mas pelo menos ajudou-me a matar o tempo. Olha Parry, que temos aí no cesto para comer? Tenho sempre fome quando acordo. - Quando não tendes fome, senhora Ashley? Pareceis-me sempre um poço sem fundo. Kat bateu em Parry com o leque e recebeu em troca um beliscão no joelho magro. Isabel observou os gracejos daqueles dois amigos que se sentiam perfeitamente à vontade um com o outro, tal como com a sua ama, outrora princesa, agora rainha. Tempos houvera em que as coisas não tinham sido fáceis para eles. - Continuais Continuais com a mesm mesmaa canti cantiga? ga? - vocif vociferou erou lorde Tyrwhitt Tyrwhitt.. Isabel recusou mostr mostrar-se ar-se trémula diante do seu inquisidor, embora lhe doesse saber que Kat Ashley e os Parry, encerrados na Torre, estariam a ser igualmente interrogados. A conspiração traiçoeira de Thomas Seymour deixara-os a todos em apuros. -letra. Com efeit efeito, o, lorde Tyrwhitt Tyrwhitt,, pois a canção é verdadeira e portanto não lhe posso mudar a - Pergunto-vos mais uma vez, princesa. Haveis tido conhecimento da conspiração do almirante do reino para raptar o rei vosso irmão e fomentar um levantamento? - Volto a repetir-vos. De nada sabia e os meus criados também ignoravam tal rebelião. - Mas vós casar-vos-íeis com ele, sendo a sucessora ao trono. Não haveis entendido que casar, sem o consentimento escrito e selado do Conselho é ilegal e teria posto em causa a vossa sucessão? - Não tinha intenções algumas de me casar com Thomas Seymour esforçava-se por manter  a voz calma e firme, apesar de não o serem os seus pensamentos. Casar com um homem que tinha traído a própria esposa, obrigando Isabel a fazer o mesmo? 79 Casar com um homem cuja sinistra influência a havia afastado, depois de ter caído em desgraça, desgra ça, da casa da madrast madrasta, a, a quem a vergonha destruí destruíra ra a saúde, para a por a ela e aos criados em perigo de morte? - Mas em várias ocasiões, o vosso servidor, Thomas Parry, falou com Seymour dessa  possibilidade - insistiu Tyrwhitt. - Apenas falaram de terras, das minhas e das dele, que estão muito próximas. É muito diferente de combinar um casamento. Tyrwhitt inclinou-se para Isabel, com o rosto tão próximo do dela que a princesa lhe sentiu o cheiro a cebola e a cerveja no hálito. - Diz-se que estais grávida de Seymour. Certamente pensáveis casar-vos com ele. - Tal seria impossível - respondeu fitando Tyrwhitt com ar de desafio. - O almirante do reino não se encontra em liberdade. Está preso na Torre de Londres. Isabel recordou o rosto anguloso de Seymour e tentou imaginar que terrível paixão se teria apossado aposs ado dele, para entra entrarr furtivame furtivamente nte no palácio palácio real, matar o cão de guarda favorito favorito do rei e tentar chegar até ele. De que sofrimentos padeceria agora no seu cativeiro? Estariam a

 

tort tortur urá-l á-lo, o, co como mo havi haviam am ameaç ameaçad adoo fa faze zerr com com Kat Kat e Thom Thomas as Pa Parr rry, y, para para co cons nseg egui uir  r  confissões que ligassem a princesa ao traidor? - Que conhecimento tendes dos movimentos de Seymour para conseguir apoios para a sua rebelião nos condados ocidentais? - Não tenho conhecimento de nada! Quantas vezes tereis de me atormentar com as mesmas  perguntas? -Isabel Até saber verdade da vossa boca - ripostou. ficouarígida. Depois disse, num tom frio e cortante: - Lorde Tyrwhitt, sempre acreditei que fôsseis um homem decidido e inteligente. Não obstante, tratar como uma pedinte uma pessoa que, um dia poderá vir a ser vossa soberana,  parece-me uma perfeita estupidez. Isabel viu o ódio brilhar nos olhos azuis de Tyrwhitt... era um ultraje que uma criança de catorze anos - e ainda por cima do sexo feminino - lhe falasse assim. Contudo, Isabel aperc ape rcebe ebeuu-se se que Cata Catari rina na Parr Parr ti tinha nha-l -lhe he pelo pelo meno menoss lega legado do a su suaa in intu tuiç ição ão pa para ra a diplomacia. Quando deveria conter-se; quando deveria manter-se em silêncio, para proteger  amigos fiéis; e quando falar com eloquência e sem receio. - Advirto-vos, senhor, para que vos acauteleis - prosseguiu. - Sou filha de meu pai e herdei dele o seu génio e boa memória em relação aos inimigos da coroa. 80 O mestre-cavaleiro de Isabel galopou até à carruagem e ajustou o passo da montada para  poder falar pela janela aberta. - Majestade, já estamos perto de Oxted. Quais são as vossas ordens? - Desejo ver o maior número possível de súbditos. E desejo que todos me vejam. Que  preparativos se fizeram? - Os habituais. As ruas foram limpas, as rameiras e os idiotas foram postos fora de circulação, retiraram-se os patíbulos. As casas, lojas e edifícios públicos foram pintados e enfeitados. E na praça há uma multidão que aguarda a vossa chegada. - Mandai avisar que vou entrar na povoação - disse a Dudley. - E que estou muito satisfeita  por poder vê-los. - Sim, Majestade. - E, Robin, manda que me tragam a montada. Vou entrar a cavalo na aldeia. Dudley sorriu de modo tão gentil e afectuoso que o porte altivo da rainha vacilou. Depois  picou o cavalo e desapareceu. Querido Robin. Tão leal. Tão digno de confiança. Tão diferente de Thomas Seymour... Seymour morrera decapitado. Isabel ainda se sentia trémula ao lembrar-se como estivera  prestes de ter o mesmo fim. Lady Catarina não tivera tanta sorte. Três meses depois de ter  encontrado Isabel nos braços de Seymour e de a ter expulso de casa, dera à luz uma menina. Adoeceu depois do parto, mas Thomas demorou três dias para chamar um físico. A ex-rainha-viúva ficara extremamente inquieta, talvez suspeitando que o marido desejava a sua morte. À medida que a febre subia, exprimia em voz bem alta as suas suspeitas de traição, acusando-o a ele e a todos os que a rodeavam de não se importarem com ela e de troçarem do seu sofrimento. Diz-se que Thomas se deitou a seu lado para a acalmar com  palavras  palav ras meigas, mas ela empurrar empurrara-o, a-o, acusando-o de não querer chamar o físico. físico. A febre  piorou e morreu dois dias antes do décimo quarto aniversário de Isabel. Todas as acusações, que fizera no leito, tinham sido consideradas delírios. Porém, pareceu suspeito o desgosto de Isabel pela morte da madrasta. Dizia-se que Catarina tinha recuperado temporalmente o

 

tino antes de morrer e ditara um novo testamento ”na posse do seu juízo, memória e discrição”. Nele legou a sua enorme fortuna ao marido. A declaração, feita no leito de morte, foi apressadamente aceite mesmo sem a sua assinatura. Da noite para o dia, Thomas Seymour convertera-se num homem riquíssimo. O caso de Seymour foi a primeira lição que Isabel recebeu acerca dos homens traiçoeiros e ambiciosos. Esquecera Thomas, como quem esquece 81 um sonho mau quando chega a manhã e havia Muitos anos que não pensava nele. Todavia o diário de sua mãe tinha-a obrigado a recuperar imagens e recordações dos cantos mais recônditos do seu espírito. Agora, ouvia-se já ao longe o som dos sinos que repicavam para lhe dar as boas-vindas. Isabel imaginou a sua entrada em Oxted. Seria semelhante à que fizera noutras cidades e aldeias aldei as ao longo do caminh caminho. o. Haveri Haveriaa discu discursos rsos de boas-vindas boas-vindas,, teatro, teatro, cortejos cortejos e músic música, a, cria crianç nças as a cant cantar ar e a reci recita tar, r, tu tudo do em su suaa ho honr nra. a. Dete Deterr-se se-i -iaa pa para ra fa fala larr ao po povo vo,,  pronunciando uma espécie de discurso de sua autoria e ouviria atentamente as queixas que os representantes das povoações teriam oportunidade de fazer. Enquanto os seus criados compravam provisões aos agricultores e mercadores locais, ela visitaria a oficina de tecelagem e depois talvez escolhesse uma casa, importante ou humilde e, sem aviso prévio, solicitaria um muito prato de comida ou uma bebida fresca aos seus anfitriões profundamente honrados, mas nervosos. Era fantástico receber aquele banho de afecto e, apesar de se sentir cansada e dorida a rainha apercebeu-se de que o coração lhe batia acelerado, antecipando a alegre entrada na aldeia. Ainda não tenho seis meses de reinado, pensou Isabel, e já me sinto ansiosa pelo amor do meu povo. Os sinos continuaram a tocar e Isabel viu no seu caminho os primeiros habitantes da aldeia: mulheres, com os seus trajes domingueiros, lavradores muito asseados, crianças, aos ombros dos pais e irmãos, para poderem avistar a filha do Grande Henrique, a sua nova e adorada Rainha Isabel. Sim, pensou enquanto alisava os anéis rebeldes do cabelo e endireitava a jaqueta, teriam agora ocasião de a ver. E de a ver em todo os seu esplendor. Mas, no dia seguinte, quando chegasse a Edenbridge e à casa de sua mãe em Hever, seria ela quem observaria tudo ansiosamente. 25 de Março de 1527 Diário, Por vezes penso que a vida, que vivo a pouco e pouco, não passa de um sonho e que as cenas da noite são a realidade. Hoje tenho essa sensação. Porque Henrique, rei de Inglaterra  pediu-me que fosse sua esposa e a legítima rainha deste país! Perseguiu-me e resisti, tornei-me uma presa ainda mais desejável. Retirei-me para casa da minha família em Hever, onde as suas cartas me seguiram, enviadas por um mensageiro especial. Cartas 82 cheias de apaixonados juramentos de amor, a implorar que me tornasse sua amante. Afirmava Afir mava que, ”havia mais de um ano fora atingi atingido do pelas setas do amor” e pedia desculpa  por me perseguir e enfadar. Respondi, recusando-o, citando palavras de sua própria avó, Elizabeth Woodville que, enquanto era assediada por seu avô com intenções de se deitar  com ela, respondera: ”Posso não ter suficientes qualidades para ser vossa rainha, senhor,

 

mas tenho demasiadas para ser apenas vossa amante.” Usei os ardis que aprendi em França e que o punham louco de desejo, embora francamente não passassem de um jogo que me era perfeitamente natural. Talvez que, algures nos meus sonhos mais fantasiosos, me visse rainha... mas não passavam disso mesmo, de fantasias! Agora é o rei que afirma que a fantasia pode transformar-se em realidade. Sem enviar mensageiro ou aviso, Henrique cavalgou de manhã cedo até ao fosso de Hever  e atravessou a ponte, entrando no pátio e despertando etodos em casa com ruído dos cascos dos cavalos. Exigiu que oempedrado recebesse imediatamente eu, alvoroçada, vesti-o me, lavei o rosto e mastiguei um raminho de hortelã para refrescar o hálito. Depois, valendo-me de toda a dignidade que era possível àquela hora, fui saudar o rei. Estava excitado, sujo de lama, com o rosto vermelho e falava aos gritos. Agarrou-me, puxou-me  para si, beijou-me rudemente na boca. Cheirava a suor, a fumo e a cavalos, mas a sua  paixão desenfreada parecia-me de uma estranha doçura, tão parecida com a de outro do mesmo nome, que me sinto vacilar ao toque das suas mãos. Começou a caminhar de um lado para o outro e agitava o dedo indicador para reforçar as suas palavras. - já estou farto do meu maldito casamento! - exclamou. - já basta que a mão irada de Deus me tenha impedido de engendrar um filho varão. - Mas Catarina... - tentei dizer. - Catarina é minha cunhada. A esposa de meu irmão. É da minha família e, segundo o direito canónico, estou proibido me casaruma comseparação ela devidodaaorainha. grau de afinidade! - Não compreendo como possaisde conseguir - O Papa há-de me ajudar. Sou o Defensor da Fé. Clemente já conferiu outras dispensas e invalidou casamentos reais nos quais surgiram problemas de sucessão. Só preciso de o convencer do erro. Há-de ajudar-me! 83 - Se alguém for capaz de o fazer entender - disse eu, com cautela. - Esse alguém sois vós, meu Senhor. - E o cardeal Wolsey também me ajudará nesta questão. - E o que dirá Catarina? - Há-de concordar. Vou fazê-la entender que vivemos em pecado durante muitos anos. E como é extremamente piedosa desejará professar e passar a ser noiva de Jesus. Oh, Não,  Não, Não! - exclamou, como louco. - Não vedes que estou doente de amor? Não consigo dormir. dormi r. Não consig consigoo comer. já não consigo governar o país. Não penso senão em possuirpossuirvos. Tendes de ser minha! Se não, juro que parto o mundo em dois, com as minhas próprias mãos! - Depois caiu de joelhos. - Desposai-me, desposai-me. Dai-me filhos, para acabar  com esta maldição que pesa sobre a minha vida! Fiquei imóvel e silenciosa como uma estátua, enquanto o meu pensamento corria célere: Cristoo bendito, o homem que tenho a meus pés quer depor uma rainha por minha causa e Crist mandá-la para um convento! Está disposto a discutir com o Papa por intermédio ddee Wolsey. Que mau bocado ira passar o cardeal! Assim, por trás do título e do valor que o amor do rei  possa ter, sinto, nisto tudo, o perfume da vingança. - Dizei que sim, Ana - exclamou Henrique. - Dizei que sim e sede a minha rainha! Mas ali, em Hever Hall, com um rei ajoelhado a meus pés, debaixo do sol da manhã que aquecia o ar e as pedras do chão, tive um mau presságio que, como um vento maligno, me reteve as palavras na garganta. Levei a mão ao pescoç pescoçoo como se quisesse desfazer desfazer um nó, mas foi inútil.

 

- Vou pensar - respondi. - Vou reflectir sobre a vossa proposta e, em devido tempo, vos darei conhecimento da minha resposta. O rei ficou sem fala por eu não ter saltado de alegria com a sua oferta. É verdade seja dita, estava assombrada. Mas uma coisa estranha e fria   parali paralisav sava-m a-me. e. Ped Pedi-l i-lhe he que par parti tisse sse e ele assim assim fez fez,, soltan soltando do improp impropéri érios os contra contra as mulheres. E é neste estado que me encontro, buscando um sinal que me aclare o futuro, seja ele de perdição ou glória, se eu tomar o caminho que Henrique deseja. É isso que espero. Afectuosamente vossa, Ana 84 9 de Abril de 1527 Diário, Acabei de regressar de Cantuária, na companhia de George. Fui incapaz de pronunciar   palavra durante todo o caminho, incapaz de pronunciar palavra e trémula por ter visto diante de mim o meu futuro como um festejo de São João em todas as suas glórias. Se os santos o permitirem serei rainha de Inglaterra e darei a Henrique o seu filho tão desejado. Sei que isto é verdade e, enquanto antes me afundava num mar de receio e indecisão, sei que agora estou a salvo, com os pés firmemente plantados sobre o destino de Inglaterra.  Rainha Ana. E soube-o da seguinte maneira.

Henrique pressionava-me continuamente, enchendo-me de promessas e beijos. - ”Quero casar convosco” afirmava. afirmava. ”Casar convosco convosco e repudiar repudiar Catarina.” No entanto, entanto, as palavras palavras soavam-me a falso, pois Catarina é do mais puro sangue-real de Espanha, estimada por  todos e tão devota que deve comunicar directamente com Deus. Porém, Henrique não desistia. Esse homem que declara a guerra a imperadores, impõe leis e conta o ouro da sua infindável fortuna, este homem tentava convencer, de joelhos, uma jovem plebeia a ser sua esposa. Sentia-me terrivelmente indecisa. Passava horas a percorrer o labirinto do jardim, a reflectir  sobre o meu destino. Deveria confiar nos fados e pôr a minha vida nas mãos dele? Ou estaria completamente louca, aceitando participar em tal jogo? George, a cujos ouvidos tinha chegado a maledicência do palácio, apressou-se a voltar a casa para estar comigo. Fiquei feliz por ver o rosto firme e o sorriso afectuoso de meu irmão. - Vamos fazer uma visita à Santa Donzela do Kent - sugeriu. Dizem que prevê o futuro. Já tinha ouvido falar daquela jovem camponesa que aconselhava reis e políticos e cujas visões vis ões se convert convertiam iam em realidade. Vivia agora aqui perto, retirada num convento de Cantuária. Foi uma larga viagem a cavalo, por entre atalhos lamacentos, até ao leste do condado de Kent. E o que vimos! O que ouvimos! Que odores! No dia seguinte havia mercado e vimo vimoss desf desfil ilar ar um se semm-núm númer eroo de ca camp mpone onesa sass com ce cest stos os carr carreg egad ados os de co couve uves, s, alcachofras, nabos, pêras, groselhas e caranguejos do rio. Soavam os chocalhos das vacas e dos bois e o ranger das carroças que se atolavam na lama até meio das rodas. Pastores, com os seus rebanhos, de ovelhas e 85 cabras e varas de porcos, um homem grosseiro grosseiro passou com o cavalo cavalo a galope e espalhou a lama por toda a parte. Jovens camponesas, com os pés sujos de barro, riam e gracejavam;

 

homens rudes lançavam-me olhares indiscretos. Cheirava a couro molhado e a lã húmida. Depois avistámos ao longe a cúpula da catedral de Cantuária. Fora das muralhas da cidade os aldeãos montavam um tosco acampamento, à espera da primeira luz da manhã para começarem a vender a mercadoria. Entrámos Entrá mos na cidade e diri dirigimo-no gimo-noss ao convent conventoo do Santo Sepulcro onde, quando pedimo pedimoss  para ver a Santa Donzela, nos fizeram percorrer um corredor estreito e húmido. Via as mulheres... as irmãs, sendo freiras, outras banidas Os olho olhoss des dessa sass jo jove vens ns algumas se segu guia iamm-me me in inve vejo josa sassapenas do doss ricos rinobres cos ve vest stid idos os das qu queesuas nunca nunfamílias. ca mais mais envergariam. Definhavam no ranço de uma vida sem amor, ocultas atrás dos muros de um convento. Abriram a porta de uma simples cela. Ali estava ela, a jovem camponesa feita freira, de  joelhos e de costas voltadas para mim. A porta fechou-se. Ficámos sós dentro da pequena cela de pedra cinzenta, sem adornos, as paredes nuas, sem um tapete sequer para evitar o frio do chão. A cama era estreita, os lençóis ásperos e a cadeira não era estofada. A cela estava quase na penumbra e a luz que entrava pela pequena janela dava em cheio sobre um crucifixo pregado na parede, por cima de um altar, junto ao qual a jovem ajoelhada rezava fervorosamente. Dispus-me a expor-lhe os meus cuidados. Ficou imóvel e não se tinha levantado, nem sequer voltado a cabeça, quando a ouvi murmurar. - Ana! - sabia o meu nome! -Ela Santa irmã - edisse em mim. buscaQue de...olhos, nunca tinha visto olhos assim! Pareciam voltou-se fixoueuos- venho olhos em ouro líquido, irrequietos e penetrantes como setas. Terríveis, terríveis e enlouquecidos. Vilhe as formas sob o hábito de noviça e era apenas uma jovem camponesa, com a pele ainda crestada do sol. Dizia-se que entrava em transe nos campos e pântanos lamacentos, que ajoelhava e tinha visões - do Céu, do Inferno, do Purgatório, das almas que por lá vagueavam... Voltou a pronunciar o meu nome, numa voz infantil pura e doce e tomou-me as mãos nas suas, ásperas e calosas. Moveu os lábios secos em silêncio. Uma oração? Palavras divinas inspiradas por Deus? Uma resposta ao diabo que se escondia por trás dos seus magros ombros? Deve ter notado a minha rigidez, pois disse: 86 - Não vos alarmeis, bondosa senhora, o vosso destino está traçado. Vejo a vossa vida desenrolar-se diante dos meus olhos. Desejais que vos diga o que vejo? - Sim! Sim! - exclamei. Desejava ouvir, porém alguma coisa dentro de mim me dizia que deveria partir antes de a ouvir descrever o meu futuro. Fechou os olhos perturbados, torceu os lábios exangues e murmurou: - Ai... - não era uma palavra, mas quase um sopro, um demorado suspiro. - Tenho nas minhas, as mãos de uma Rainha. Senti os olhos trémulos, mas resisti e conservei a calma. - Dizei-me mais. - Sim, há mais. Um herdeiro Tudor surgirá do vosso ventre, para brilhar como a mais bela estrela de Inglaterra e só se apagará duas dezenas e quatro anos depois. - Um varão Tudor! - exclamei. - Um filho para Henrique. Estais certa? A jovem abriu muito os olhos - de um brilho amarelado - mas estou certa de que não me via. - Estou cansada - gemeu.

 

Ajudei-a a sentar-se na cadeira pouco cómoda. Parecia cega, débil, ainda entre dois mundos. - Ide - disse. - Sede Rainha. Sede Rainha. Parti então e regressei a casa, sem trocar uma palavra com o meu irmão, tal era o receio que sentia em falar da profecia. Mas agora aqui, no meu quarto de paredes cinzentas, julgo estar   preparada para acreditar que é verdade. A freira do Kent sabia o meu nome e sem fazer   perguntas, disse-me vida. meu destino Amanhã escreverei Henrique, direi ao rei aasminha palavras queOdeseja escutar. está Sereidecidido. sua esposa, a rainha Ana, e elea terá um filho varão. Afectuosamente vossa, Ana 25 de Abril de 1527 Diário, Dei por escrito o meu consentimento a Henrique. Junto enviei-lhe um alfinete de pedrarias  para selar o meu assentimento. Tem pintada 87 uma dama sobre um mar embravecido embravecido.. Essa dama representa representa a minha pessoa que conhece os perigos de um tal compromisso e, mesmo assim, se atreve a enfrentar o mar violento, nessa pequena embarcação a que se chama Amor. Amor! Foipoderia isso quedesejar jurei na minha carta, amor tão raro como oe seu, falso. que nunca pretendente maisumdedicado e apaixonado que oembora presente que Sei me oferece - o ser rainha - é mais do que alguma vez sonhei, porém, no fundo da minha alma, onde guardo os sentimentos mais sinceros... Não o amo. A minha esperança fervorosa, o que mais peço a Deus é que chegue o dia em que o meu coração se abra como uma rosa ao sol da Primavera. Até lá, e embora tenha prometido ser sua, continuo a recusar qualquer pedido seu para me deitar com ele, até que o casamento nos una legalmente, pois por mais que o deseje, a minha virtude proíbe tão íntimos contactos. Nesta questão disse apenas meia verdade. Deveria desejá-lo. O meu futuro esposo é um homem atraente para qualquer mulher - de ombros largos, peito forte e pernas bem musculadas. Um queixo firme e faces saudáveis. É louro, de cabelo arruivado, encaracolado e ainda abundante e olhos azuis muito belos e expressivos. Mas o melhor de tudo é a boca, de lábios carnudos e suaves, dentes fortes e  brancos, hálito doce. Gosto do seu modo de beijar - forte insistente, doce e brincalhão - e do seu sorriso. Então parece-me ser o homem mais bonito que já conheci. Quis informar-me junto de minha irmã Mary a respeito das proezas do rei como amante, mas ela manteve-se discreta o que é estranho da sua parte; resolvi então insistir com risinhos e indirectas, mas de nada me serviu. Limitou-se a dizer-me que é prodigiosamente dotado. Mas isso não era novidade para mim, pois sinto a sua virilidade durante os nossos castos abraços. Será que me ama deveras? Creio que sim. Fará de mim sua rainha? Julgo que sim. Oh, diário, estou tão agradecida por ter este espaço para escrever as minhas confidências, pois não tenho a quem confiar estes pensamentos e sucessos. Sois o meu grande segredo e guardar-vos-ei toda a minha vida. Afectuosamente vossa, Ana

 

88 6 de Maio de 1527 Diário, Depois do meu regresso à Corte, ocupo uma posição elevada, em nada semelhante à que ocupava antes. A causa de tudo isto é o amor declarado do rei pela minha pessoa e as atenções com que me cumula. A maioria julga-me sua amante de corpo e espírito.  quando Ninguém, nem mesmo Wolsey acreditaria na verdade, merainha. mantenho casta e que Henrique me possuir não serei uma concubina... masque a sua Contudo, rainha ou amante, a consideração em que agora me têm os nobres aumentou substancialmente. Vêm procurar-me em busca de favores, sabendo da minha relação com o rei Henrique. Chamam-me amiga. - Minha senhora Ana, por obséquio, uma palavra vossa para que o filho de meu irmão consiga um lugar na corte. - Gentil senhora, que bela estais hoje - segue-se um beija-mão. - Poderei dar-vos uma palavra acerca dos meus bosques que estão infestados de caçadores furtivos e precisavam de alguma vigilância do rei? Oh, que prazer me dá este servilismo. Devem julgar-me muito estúpida, para ter esquecido que, há algum tempo, me consideravam uma pessoa inferior. Eu, a filha de um vulgar  homem ambicioso, e irmã da rameira do rei. Sim, até mesmo pai me costureiras. presta homenagem, os dias joalheiros, mulheres para memeu pentearem, Ele, antesenviando-me tão avarento,todos quer assegurar-se da boa apresentação da favorita do rei. Tenta saber como estão as coisas entre mim e o monarca,  porém nego-me a divulgar-lhe a verdade do que se passa entre nós. Meu pai morre por  saber. Como se eu ainda fosse a jovem ingénua de antigamente, quando me puxava as orelhas, ou empurrava, atirando-me ao chão para me obrigar a responder imediatamente a tudo o que me perguntava. Mas já não é assim. No entanto embora me mortifique ainda me inspira um certo temor e respeito. Que bom será ficar livre do seu jugo. Para mim, o mais estranho é a consideração que Catarina, cuja aia ainda sou, continua a ter   por mim. Não é nem surda, nem cega e deve saber o lugar que ocupo no coração de Henrique. Mesmo assim, trata-me com a mesma amabilidade de sempre. Enquanto me ocupo das suas necessidades diárias e a observo de perto, apercebo-me 89 que ali está a mulher que mais ama o homem que está apaixonado por mim. Seguramente, ignora os planos que Henrique tem para ela, pois mesmo que conhecesse a profundidade do seu amor por mim, considerar-me-ia apenas uma amante e nada mais. Aos reis, por antigo costume, permitem-se todos os prazeres. Por vezes sinto pena dela e ponho-me no seu lugar. Ama o rei como eu amei Harry Percy, talvez ainda mais, pois eu era apenas uma menina e Henrique é o seu amado já há muitos anos. Vi-me obrigada a ver, embora de longe, como Percy se casava e se deitava com outra, tal como ela teve de suportar todos os dias as infidelidades do marido.  Não deveria pensar demasiado nisto, nem na minha deslealdade em relação à rainha, pois vacilaria na resolução que tomei. Devo apoiar a crença de Henrique em que a maior  necessidade de Inglaterra é um herdeiro, um filho varão e que serei eu a dar-lho e não a sua estéril esposa. Ultimamente tudo isto me tem dado cuidado. Parece que o tempo passa e nada se  faz em relação ao divórcio. Sei que o rei está preocupado com outros assuntos. O enviado francês

 

que veio para estabelecer o tratado entre França e Inglaterra (e declarar guerra ao imperador  Carlos) ocupa-lhe grande parte do tempo. Todos os dias ele e Wolsey passam horas a conspirar e a fazer planos e depois convocam reuniões com os diplomatas franceses para discutir e negociar todas estas questões. Quando à noite, Henrique vem ter comigo, depois de todas estas negociações, vejo-lhe as rugas da fronte e escuto o tom de cansaço na sua voz. Se ele e Francisco não unirem esforços contrae ao Espanha. imperador,Carlos acabarão permitir ele governe mundo. Sãoe já suas as terras alemãs tem por como refénsque os dois filhos deo Francisco, reteve, do mesmo modo, o rei de França, que trocou a liberdade pela prisão dos herdeiros. Que ironia. França e Inglaterra, antigos inimigos, unem agora esforços para evitar uma derrota. A pequena princesa Maria vai ser um peão nestas negociações. Hão-de casá-la com um desses filhos prisioneiros, unindo assim, por meio do matrimónio, o poder e a majestade de dois países. Muitas vezes pergunto a mim mesma como se alterará esta situação quando for rainha, mãe do filho de Henri Henrique. que. Mas agora sei que as negoci negociações ações deverão prosse prosseguir, guir, como se tudo estivesse bem entre o rei e a rainha, pois, de contrário, ocorreria a morte de 90 alguns dos participantes. Assim, guardo silêncio e confio na palavra de Henrique. Afectuosamente vossa, Ana 20 de Maio de 1527 Diário, A paciência nunca foi a minha maior virtude e senti-me ofendida ao ver o meu destino tomar um lugar secundário na atenção do rei, em relação às negociações entre franceses e ingleses. Mas finalmente terminaram as conversações e preparou-se um banquete e uma festa em honra do embaixador francês, como nunca se tinha visto outro assim, desde a famosa celebração do Campo do Pano de Ouro. Fiz os meus próprios planos. Levei horas e horas de pé, a provar um vestido que suplantasse os de todas as das outras. Recorri a meu  pai para comprar vários colares de pedrarias e negociei com um perfumista uma essência conhecida pelos seus efeitos exóticos.  Nos últimos dias travei amizade com Maurice Mamoule, actual secretário do embaixador  visconde de Tourenne. Recordava-se de mim, em França, na corte de Francisco, quando era uma menina de doze anos, magrizela e ficou encantado ao ver como a minha influência tinha aumentado, apesar de julgar, como quase toda a gente que eu era apenas a rameira do rei. O facto não me rebaixava aos seus olhos, pois vindo de uma corte tão debochada e liberal como a francesa subi ainda mais na sua consideração. Mantinha-me informada de tudo o que se passava e nos dias que faltavam para o banquete, disse-me que nos círculos oficiais soava que Henrique poderia repudiar a esposa. Implorei-lhe que me contasse mais   pormen pormenore ores. s. O emb embaix aixador ador fra francê ncêss acr acredi editav tavaa (ta (tall com comoo deseja desejava va Wolsey Wolsey,, pois pois era  partidário dos franceses) que a eleita seria Renée, minha companheira de folguedos e  princesa de sangue. O meu coração sobressaltou-se. Comentava-se que Henrique queria ver-se livre de Catarina e eu sabia que a princesa francesa não interessava ao rei. Era de estatura invulgarmente baixa e coxeava, devido a uma deformidade. Sabia que Henrique nunca se contentaria como uma mãe tão imperfeita para os filhos perfeitos que desejava ter.

 

91 Assim, vesti-me com grande satisfação para aquela festa e enverguei um traje reluzente de cetim negro e púrpur púrpura, a, debruado a armi arminho, nho, que causou sensaç sensação ão entre as outra outrass damas. O mesmo aconteceu com as jóias e o perfume, quando nos encaminhámos para a festa, acompanhando a rainha. Que belos foram esse dia e essa noite! Henrique estava magnífico com o seu fato de seda amarela e enormes diamantes, dando as boas-vindas a todos os convidados franceses. em voz trovejante e com um sorriso que denunciava o êxito obtido com os O pátio apresentava um fausto que eu nunca tinha visto. Ornamentado com tapetes multicolores de frutas e flores, de cor púrpura, vitrinas cheias com baixelas de ouro e prata, como que para anunciarem: ”Olhai, esta é a nossa riqueza, uni-vos a nós.” Primeiro, Prim eiro, teve lugar o torne torneio, io, animado e aguerrido, aguerrido, dando-me ideia de sonho sonhoss de guerras futuras. Depois, várias representações, numa das quais a princesa Maria tinha o papel  principal. Aprisionada nos seus vestidos dourados e nos múltiplos rubis, esmeraldas e pérolas, parecia frágil e mais jovem do que os seus onze anos. A sua vozinha fina não vacilou e recitou as suas falas com toda a dignidade, sem consciência de que estava a chegar ao fim a sua utilidade como peão real. O rei e a rainha presidiram ao banquete lado a lado. Observei o amor que brotava como um rio, nascente eraoceano Catarina, o mar revolto na pessoa de Henrique.Fui Porém, nem umada gota contidaque nesse lhe para foi devolvida. Os olhos dele seguiam-me. cautelosa e desviei a minha atenção do rei. Porém, de cada vez que o fitava, apercebia-me dos seus olhos sobre os meus. Outros o notaram. Catarina fingiu não perceber o que se passava. Pouco depois da meia-noite, apareceram todos os lordes de França vestidos à maneira veneziana, de veludo azul e negro. A música encheu o perfumado jardim ao luar  e o baile começou.. Henrique pediu ao viscon começou visconde de de toure tourenne nne que, na primeira primeira dança fizesse par com Maria. Ela curvou-se graciosamente e começaram ambos a dançar. Sua mãe resplandecia de orgulho espanhol. Vi depois que esperava que Henrique lhe pegasse na mão, mas bastou um segundo para que o seu sorriso se tornasse amargo. Henrique atravessou o salão e dirigiu-se a mim e, à vista de todos, estendeu-me a mão. O momento foi terrível para a minha rainha e maravilhoso para mim. Olhei-o nos olhos, agradeci-lhe em silêncio, com toda a sinceridade e estendi-lhe também a mão. Enquanto nos deslocávamos para o centro, 92 não senti qualquer tremor, apenas uma firme resolução. Aos primeiros acordes, começámos uma galharda e foi nesse momento perfeito, que tornou público o seu amor por mim. Afectuosamente vossa,  Ana

93 no GRANDE ESPELHO DA SUA SALA DE BANHO, Isabel observava o trabalho das duas damas que lhe entrançavam o cabelo com  fios e raminhos de pequenas  pérolas negras.

- Abri a boca, majestade - ordenou lady Sidney e Isabel obedeceu e sorriu com os lábios afastados, mostrando as gengivas, qual animal selvagem a rugir, para que a aia pudesse limpar os seus reais dentes com um palito de ouro esmaltado. - Desejais empoar-vos esta noite? - inquiriu lady Bolton, segurando na mão um boião de

 

casca de ovo e alúmen finamente moídos. - Creio que não - respondeu Isabel, aceitando das mãos de lady Sidney um copo de água com manjerona. Lavou a boca com ela e cuspiu para uma tigela. - Ainda estou jovem e fresca para passar bem sem pó, não credes? - perguntou a rainha, sabendo muito bem que as suas aias saltariam saltariam imediatamen imediatamente te para elogiar a sua juventude e beleza beleza num coro ruidoso ruidoso que lhe agradaria ouvir. Isabel ergueu-se, as outras aias que se afadigavam em seu redor  quarto de dormir, mandou onde Katembora e várias serviçais tinham estendido sobree aentrou cama no de madeira pintada o vestuário para aquela noite. Sobre a mesa de tampo de prata, tinham exposto um fabuloso conjunto de jóias e a sua cadeira favorita estava coberta com grande variedade varied ade de delic delicados ados escarpins. Despin Despindo do o roupão deixou-se deixou-se ficar imóvel, imóvel, à espera que as aias dispusessem sobre ela a base do seu vestuário tal como um escudeiro pode cobrir  com uma armadura o corpo do seu senhor. Primeiro, a cinta foi apertada em redor do corpo  já esguio de Isabel, cobrindo-lhe o ventre e os peitos, para formar como que uma tábua em forma de V. - Não tenho um novo par de meias de seda? - perguntou a rainha e lady Springfield apresentou-lhe imediatamente duas fitas de um finíssimo tecido de seda. 94 - Vossabrancas Majestade gosta desta nova moda italiana? - perguntou-lhe a aia envolvendo-lhe as  pernas como alabastro. - Adoro coisas bonitas - replicou Isabel, esforçando-se por deixar que Kat lhe enfiasse o  pesado vestido de veludo sobra a cabeça e lhe começasse a abotoar nas costas uma centena de botões de pérola. - Porém, vestir bem, para mim é mais um acto de estado, que uma  paixão. O embaixador francês veio ratificar o tratado de paz, mas esta será também a  primeira ocasião em que me vão conhecer como rainha, de modo que a minha pessoa deverá reflectir a magnificência e a glória de Inglaterra. A rainha pensou, sem que o declarasse em voz alta que, nessa semana, todo aquele fausto tinha um significado mais profundo. Isto porque, não só sua mãe tinha sido educada na corte de Francisco I, como também a amizade com os franceses fora sua grande esperança durante o longo esforço pelo divórcio de seu pai e Catarina de Aragão. Não podiam esquecer que Isabel era filha de Anne de Boullans, famosa pela sua beleza, alegria, encanto e ele elegânc gância. ia. Enq Enquant uantoo os ing ingles leses es des despre prezava zavam m a Gra Grande nde Pr Prost ostitu ituta, ta, na opiniã opiniãoo dos franceses, sua mãe era uma figura cujos atributos deveriam ser emulados e até mesmo e, se  possível, ultrapassados. Enquanto as mangas de veludo púrpura, com pesados bordados as prata e ouro eram apertadas, Kat ergueu dois relógios incrustados a pedras preciosas, para que a rainha escolhesse. - A flor ou o barco, Majestade? - Nenhum deles. Levarei o pregador de meu pai. - Como melhor vos aprouver. Kat precisou de ambas as mãos para erguer a gigantesca safira rodeada de diamantes e rubis cor-de-rosa. Ao pregá-la no centro do corpete acolchoado do vestido, Kat murmurou: - Perguntai por vossa prima Maria e pelo esposo que foi recentemente feito rei. - E que hei-de perguntar? - Isabel parecia ligeiramente divertida com a típica impertinência de Kat. - Se ela está a gostar da vida de casada com o seu namorado de infância e a sua autoritária sogra Médicis? Ou se está grávida e vai dar à luz um príncipe francês, que um

 

dia reclamará o meu trono. - Fazeis troça da vossa antiga companheira - disse, com ar de desprezo, enquanto colocava várias fieiras de pérolas em redor do pescoço, dos pulsos e da cintura de Isabel. - Porém, essa jovem rainha da Escócia é sobrinha de vosso pai e deve ser vigiada de perto. Agora que também é rainha de França vai causar-vos problemas. Recordai o que vos digo. 95 - Tenho sempre em conta as vossas palavras, Kat, mas penso que esta noite não será o momento indicado para conversar acerca de minha prima. Esta noite vamos celebrar uma  paz conseguida a muito custo. Não concordais? Kat voltou a cara num gesto mal-humorado, contudo Isabel pegou-lhe no queixo e sorriu, conseguindo por fim extrair da idosa aia uma expressão mais agradável. - Tendes um ar radiante, Majestade - disse Kat, com um último e imperceptível toque, para melhor ajustar o vestido da rainha. - A noite será vossa. Isabel saiu majestosamente do seu quarto de dormir, entrando na sala do Conselho, onde ajoelhado e aguardando a chegada da rainha, Robert Dudley, baixou a cabeça em sinal de obediência. - Majestade! A rainha estendeu-Lhe a alva mão, tão coberta de anéis que ele apenas lhe pôde levar aos lábios as pontas dos dedos. - Erguei-vos, Robin. Deixai que vos veja - ordenou. Dudley pôs-se imediatamente de pé, erguendo-se perante ela como uma torre imponente. Apesar da sua estatura, a rainha teve de erguer os olhos para o seu mestre-cavaleiro. Ama-me deveras, pensou Isabel. O que lhe leio no olhar é uma emoção difícil de fingir. De facto, naquela noite, Dudley estava totalmente deslumbrado pela régia presença da sua amiga de infância. Não sabia dizer se o efeito era causado pela sua beleza pálida e luminescente, pela profusão de ouro e pedras preciosas que cintilavam ao pôr do Sol ou  pelo perfume hipnótico que espalhava à sua volta com um leque de pequenas plumas de avestruz. - Não tenho palavras, Isabel - murmurou ele, junto à frágil concha da orelha da rainha, pois era-lhe proibido mostrar em público uma tal familiaridade. - Invejo os embaixadores franceses que vos vão monopolizar toda esta noite. - Não penseis que não tenho tempo para me ocupar de vós, Robin - disse ela admirando o bem que lhe assentava o gibão azul de brocado. Espero que sejais o meu par na primeira galharda da noite. - O vosso desejo dar-me-ia um imenso prazer - replicou e, pegando-lhe na mão, colocou-a sobre o seu braço para a escoltar até à câmara, onde se encontravam já reunidos os embaixadores franceses. Whitehall tinha-se rapidamente tornado o palácio preferido de Isabel em Londres, com as suas alas espaçosas, espalhadas sobre mais de oito hectares de terreno à beira-rio. A sua construção fora levada a cabo através 96 de vários séculos, de modo que tinha um desenho arbitrário, já com zonas antiquadas e em franca decadência. Mesmo assim, Isabel adorava as imponentes salas, esplendidamente decoradas, e encantava-se naquela enorme casa cheia de cortesãos e cortesãs, sempre muito elegantes, elegan tes, para os divertime divertimentos ntos nocturnos nocturnos,, que agora se curvavam, curvavam, em profun profundas das vénias,

 

enquanto ela avançava pelo braço do seu belo acompanhante. Era excelente ser rainha de Inglaterra, por direito e merecimento. Neste momento, pensou, não tenho um único cuidado neste mundo. - Horroriza-os pensar que, quando se inclinam perante vós, estão também a inclinar-se  perante mim - declarou Dudley, disfarçando um sorriso. - Tendes razão, Robin. Apostaria que sois o homem mais invejado na corte de Inglaterra. Ele soltou umahaverão pequena - Sem dúvida degargalhada. ter mais razões de queixa depois desta semana. - E porquê? - Porque me excedi a mim mesmo nos preparativos. Festejos faustosos e magníficos em todos os sentidos. Comida, decoração, música, teatro. Vereis que vos será difícil acreditar  que o tesouro está praticamente vazio - disse com um sorriso astuto. - Robin! - Concordastes que o espectáculo para os franceses teria de ser muito interessante - disse, numa tentativa de evitar a fúria súbita da rainha. E custou tudo muito menos do que de facto parece. Por exemplo, todas as flores vieram do vosso castelo de Richmond e as aves de caça... - Pronto, já basta! - detiveram-se diante das enormes portas de madeira trabalhada da câmara real, guardadas pelo que parecia ser um pequeno regimento de soldados franceses e ingleses. Necessito de um momento para me - Ficarão-deslumbrados convosco, Isabel. Soisrecompor. como o sol que penetra numa escura tarde inglesa. Isabel respirou fundo, como se quisesse recuperar a coragem que lhe faltava. - Estou pronta - disse por fim, e Dudley fez sinal às sentinelas para que abrissem as encont ontro ro foram foram os   portas, deixando a rainha avançar com passo majestoso. Ao seu enc embaixadores embaix adores franceses e as suas elegantes damas, ataviadas com sedas reluzentes e saias de balão, e Isabel aceitou fazer-se conduzir pelos dois dignitários, um em cada braço: monsieur Mont Morency e monsieur de Vielleville. Aí, sob a obra-prima de HoIbein, 97 um mural representando toda a família Tudor, Isabel começou a exercer o seu fascínio sobre todos os presentes. Dudley reparou que se havia colocado junto ao enorme e estranhamente fiel retrato de seu pai, com quem tanto se parecia, como que para fazer  lembrar a todos que era de inquestionável linhagem real. Isabel era uma mulher e uma rainha magnífica, pensou Robert Dudley, enquanto se dirigia a passos largos para os festejos da noite. Faria tudo o que estivesse ao seu alcance para garantir para si próprio não só o seu amor como também a esquiva coroa de rei consorte. - Quando era princesa, estive dois meses prisioneira na Torre de Londres, juntamente com outros nobres acusados de conspirar para a deposição de minha irmã e para que eu ocupasse  posteriormente o trono disse Isabel a Mont Morency e a de Vielleville, enquanto passeavam  pelo jardim à luz dos archotes. - Certamente teria sido condenada à morte, se não tivesse sido a lealdade dos meus súbditos. Aproximaram-se do enorme relógio de sol, colocado dentro de uma fonte, por sua vez rodeada por trinta e quatro colunas encimadas por animais dourados com o brasão dos Tudor. Decerto que a grandiosidade do jardim empalideceria, em comparação com muitos   jardi jardins ns de pal paláci ácios os fra frances nceses, es, mas Is Isabel abel est estava ava dec decidi idida da a im impre pressi ssioná oná-lo -loss par paraa os convencer que era, mesmo com a sua juventude e feminilidade, um monarca tão poderoso

 

como o havia sido o seu orgulhoso pai. - Indica as horas de trinta maneiras diferentes - afirmou referindo-se ao relógio. - Quase tantas como opiniões há acerca do caminho para a paz entre os nossos dois países respondeu Vielleville com uma expressão cínica. - Ah - suspirou Isabel, pensativa. - Quo homines, tot sententiae. - Tendes razão, Majestade - aquiesceu Mont Morency. - Há tantas opiniões quantos são os homens... cabeça. e as mulheres, segundo parece - acrescentou, com um respeitoso aceno de O som de uma dezena de trombetas veio avisar que o jantar estava servido. - Vamos então, meus senhores? - Tout à vous - responderam os embaixadores espontaneamente e em uníssono. Todos riram alegremente, com um bom humor que todos partilhavam naquele momento perfeito e, como que de propósito, um arco-íris de água colorida saltou das várias fontes. 98 Isabel conduziu os franceses em direcção a uma porta feita de rosas Tudor e folhagem. Ao abri-la, não pôde evitar uma exclamação de prazer, pois dava para uma vasta praça sob as enormes janelas da Galeria de Whitehall. Tinham transformado o espaço num vale encantado. Iluminado por archotes e envolvido na mais suave das músicas para alaúde e virginal, estavam com brocados de ouro e prata e praticamente invisíveis sobasasparedes inúmeras floresrevestidas recém-cortadas que as cobriam, bem como o tecto e o solo do pavilhão. Coroas e grinaldas de violetas, goivos,  primaveras, botões-de-ouro, e narcisos em grande variedade e profusão, tudo rodeavam e enfeitavam, saindo de traves e arcos. Por detrás do toldo havia um enorme mural de minúsculas rosas, representando a rainha Isabel, montada sobre um alazão branco. Quando a rainha entrou, os seus escarpins afundaram-se num tapete de folhas de alfazema, hissopo e rainha dos prados. As múltiplas fragrâncias eram deliciosas e a rainha, que geralmente não apreciava perfumes fortes, mal conseguia respirar. Fez uma pausa, ladeada pelos embaixadores franceses e todos  juntos assistiram a uma improvisada farsa. Cada uma das damas francesas ocupava o espaço de três pessoas, devido à amplitude das suas saias. Assim e de bom grado, as damas inglesas, tinham-se sentado so sobr bree al almo mofa fada dass e, como comoda dame ment ntee in inst stal alad adas as,, er eram am serv servid idas as,, por entre entre riso risos, s, pe pelo loss cavalheiros ingleses e mostravam-se muito divertidas.  Num extremo do pavilhão, Isabel reparou que Robin Dudley observava de longe a sua fantástica criação, como se fosse um mestre-de-cerimónias. Era seu, de corpo e alma, o seu homem, o seu soldado. O seu leal servidor. O seu amo. Este último atributo produziu nela um calafrio e um rubor cor de morango cobriu-lhe as faces pálidas. De súbito, ele voltou-se e viu-a. Os seus olhos encontraram-se, como se encontram o falcão e a presa, no momento anterior anteri or ao ataque morta mortal,l, pois o amor que voava tão rapid rapidamente amente de Isabel para Dudley e vice-versa era ardente e forte, como a morte perpetrada pela ave de rapina. Imediatamente a rainha se viu rodeada por uma dúzia de cortesãos e damas que surgiram  para a acompanhar até ao lugar de honra, sob um dossel de lilases, quase da cor do seu vestido, e nesse momento, foi-lhe ocultada a vista do seu bem-fadado. Não importa, pensou Isabel, sentando-se ladeada pelos embaixadores franceses, a noite é ainda uma criança e tratarei de a aproveitar.

 

99 A   porta dos aposentos privados de Dudley abriu-se de rompante para revelar a lareira acesa. Isabel encapuçada numa capa de veludo, ficou na soleira a olhar para Robin que, com o seu gibão húmido de veludo azul, depois de uma noite de grandes danças, a esperava com um agradável sorriso no belo rosto. Desfaziam-se todas as dúvidas que sentia pelo ousado acto- de vir aos seus - Depressa murmurou ele,aposentos. fazendo-a entrar. Retirou-lhe devagar o capuz e viu que Isabel observava os aposentos com uma expressão surpreendida. - Será a modéstia dos meus aposentos que tanta surpresa vos causa, ou o facto de vos terdes atrevido a vir até eles? - Foi o ter vindo até eles - respondeu sorrindo maliciosamente. - Julgo que, esta noite, já tenhamos causado um grande escândalo disse, enquanto retirava a capa. - Era uma ocasião de Estado. Devíeis ter dançado com outros que não apenas comigo. - E dancei! Dancei com os embaixadores. Uma vez com cada um deles. E também com lorde Cecil. - Isabel! - Ora, que me importa! Sois muito melhor dançarino e eu sou a rainha. Danço com quem me apraz. Além do mais foram apenas os ingleses que repararam - disse Isabel, entrando no quarto. - Os franceses não se escandalizam facilmente. Não haveis visto o modo como madame de Vielleville namorou o jovem lorde North? N orth? Dudley riu-se ao recordá-lo. - O pobre estava tão atordoado que não conseguia atinar com o passo. - Ela é muito bela. - Não é nada comparada convosco - uma expressão de ternura suavizou-lhe o olhar. Isabel viu-o, erguer a mão, com a palma para fora e notou que o coração lhe batia mais acelerado. Para outra, aquela palma não mais seria que uma mera saudação. Porém, para Isabel era um eco do passado, uma demonstração de amor infantil, metade de um semicírculo que apenas ela poderia completar. Recordou o tempo em que se encontrava no bosque por trás de Hatfield Hall. Aí estavam ela e Robin, com apenas nove anos, vestidos para saírem, desgrenhados e cheios de calor  devido ao exercício. Dois cavalos castanhos pastavam sossegadamente erva e musgo do chão, sob os ramos de um carvalho. Dudley era o mais pequeno dos dois, pois Isabel semp sempre re fo fora ra uma uma cria crianç nçaa al alta ta.. Por orém ém o corp corpoo do rapa rapazi zinh nhoo era era só sóli lido do e fo fort rtee e movimentava-se com uma graciosidade pouco comum. Quando saíram de Hatfield, como muitas vezes faziam depois de terminadas 100 as suas lições, correndo e saltando muros de pedra e sebes, Robin picou a montada com uma feroz insistência conseguindo que o animal desse saltos altíssimos e atingisse grandes velocidades. Isabel conseguiu o mesmo desempenho do seu cavalo, por força do amor e da vontade Com um sorriso malicioso, as crianças em frente uma da outra, uniam as palmas das mãos a esquerda de Robin com a direita de Isabel. Robin foi o primeiro a falar: - Formamos ambos um umacampanário. amêijoa - disse Isabel, soltando um risinho. A qualidade preferida do seu companheiro de folguedos era a capacidade que tinha de a fazer rir e inspirar acções

 

travessas, talvez a única leviandade permitida na rígida vida real da jovem princesa. Imediatamente, Isabel reparou que a expressão do olhar do seu jovem amigo se tinha alterado. Deixara de ser maliciosa para se tornar séria. Os olhos vivos estavam agora fixos,  parecendo observá-la com a mesma atenção com que, por vezes, se examina o interior de uma flor. E quando voltou a falar, também a sua voz parecia alterada. - juntos - disse Robin, em voz baixa. - Somos uma oração. A sensação quecoração roçou adealma de Isabel era subtilpara como o toqueaquela de uma borboleta e sentiu agitar-se o seu menina. Sem palavras exprimir ternura apertou mais a sua mão na dele. Ele imitou-a e o momento foi mágico. Isabel teve subitamente a sensação de pequenas partículas de poeira girando suspensas no ar quente, iluminadas pelo sol, que cintilava através dos ramos do carvalho. Ouviu o doce trinar dos pássaros tão belo que se comoveu e julgou que ia chorar Reparou no calor do corpo de Robin Dudley que lhe chegava através do gibão azul, envolvendo-a como um abraço. Também ele parecia assombrado por aquele momento estranho e maravilhoso. Depois, como nenhum deles sabia como o interromper, a natureza tomou essa iniciativa. Um sopro de vento nos ramos enviou-lhes uma chuva de folhas que lhes picou as cabeças. Surpreendidos, os dois jovens separaram as mãos por entre risadas. O feitiço quebrara-se. - A que vamos brincar? -- Trouxe dados. Não meuns apetece jogar aos dados. sugeriu, u, esperando da parte de Isabel um - Quereis apanhar um sapo para ver como é? - sugeri dramático suspiro de recusa. - Que vos parece o jogo da Rainha e do Cortesão? - Robin! - exclamou Isabel. 101 - Que foi? Gostais do jogo e além do mais até o jogais muito bem. - Pois gosto - admitiu Isabel. - Mas não o deveríamos jogar. - E porque não? - Porque pode ser... traiçoeiro. - Apenas porque sois vós que o jogais - respondeu ele, em voz doce. - Muito bem. Então... Robin tomou entre os dedos um caracol que tinha escapado do interior da touca de Isabel e acariciou-o, para a arreliar. - Não gostais do jogo porque desejais ser rainha e temeis que tal não aconteça. - Não quero ser rainha! - protestou Isabel, sentindo-se corar. - O meu irmão é o herdeiro e adoro Eduardo! - Perdão, Isabel, não quis ofender-vos. E não faz mal fingir, juro-vos que não. Imediatamente, colocando um pé adiante do outro, Robin inclinou-se numa profunda reverência, com os braços abertos como as asas de um falcão. Ao erguer-se, juntou-os, agitando agita ndo exageradament exageradamentee as mãos, num gesto de obediência obediência que arrancou arrancou uma gargalhada inesperada da garganta de Isabel. - Majestade - proferiu num tom demasiado lúgubre para os seus nove anos. Isabel colaborou no jogo. -- Haveis-me, Sir Dinglebelly respondeu com excessiva seriedade. Robin pois-armado cavaleiro?

ergueu uma sobrancelha. - Oh, sim. Não recordais a festa que dei em vossa honra? Toda a vossa família esteve

 

 presente. Vosso pai estava muito orgulhoso e vossos irmãos, cheios de inveja. - Mas claro, como pude olvidar uma tão magnífica celebração? E não me haveis oferecido cinco casas, vinte mil carneiros e um armário com uma baixela de ouro? - Haveis esquecido os cavalos’ - Nunca, Majestade! Um estábulo cheio. Fostes extremamente generosa comigo. - Com efeito. E dizei-me, sir Robert o que me haveis trazido vós? Isabel, já plenamente concentrada seude papel, voltou-se comrainha imperiosos amigo. Sabeis que, no além lisonja, a vossa exige ademanes, presentes. distanciando-se Tesouros ricos.doFortunas. Livros raros. jóias. Animais exóticos. - Como o papagaio verde que vos ofereci a semana passada? 102 - Elogia as minhas virtudes com toda a esperteza - replicou Isabel delineando a história num complicado enredo, caminhando sob os ramos com a altivez de quem percorre as salas de um palácio. - ”Deus salve a rainha Bess” - grasnou a jovem, na voz do papagaio imaginário. - ”Sois a mais bela das rosas Tudor e o vosso perfume é mais doce, mais doce, mais doce, aarrgh, aarrrgh!” - depois retomou a sua própria voz. - Mas isso foi a semana  passada. Onde está a oferta desta semana? - inquiriu petulante. O rapazinho pegou na mão de Isabel e abriu-lhe os dedos. Colocou-lhe na palma um  pequeno objecto. Era uma pedra, e macia, tratava-se mas um milagre forma. coração Embora fosse obviamente natural e não vulgar, tivesse negra sido talhada, de umdeperfeito desenhado pela natureza. Abandonando todo o fingimento do jogo, Isabel contemplou a   perf perfei eiçã çãoo do obje object ctoo e o si sign gnif ific icad adoo do pr pres esen ente te.. Pe Pela la segu segunda nda ve vez, z, naque naquela la tard tarde, e, encontrou-se sem palavras para responder. Também Robert Dudley abandonara o jogo da Rainha e do Cortesão. - Gostais? - perguntou emocionado. - Gosto muito, onde o haveis encontrado? - É um segredo meu. - Então! Dizei-me. É espantoso. Tenho de saber, Robin! - Não vos digo - declarou, erguendo o queixo, num gesto determinado. - Deveis dizer-mo. A rainha exige que q ue o façais - anunciou Isabel em tom altivo. Robin. pensou uns momentos antes de retomar o fio da fantasia. - Às vossas ordens, Majestade. Os vossos desejos são ordens. Mas primeiro dizei-me: não recebo um beijo, em troca do que vos trouxe? - Não, não recebeis um beijo! - exclamou Isabel fingindo-se ultrajada. De súbito, num gesto esplendidamente teatral, Robin prostrou-se no chão, aos pés de Isabel e começou a beijar-lhe a fímbria de veludo do vestido. - Oh. Majestade! Majestade! Deixai que vos beije a orla do Vestido, os pés, o saiote, os tornozelos! Isab Isabel el so solt ltou ou um umaa gargal gargalha hadi dinh nha, a, quan quando do Ro Robi binn lh lhee ergue ergueuu a saia saia até até ao aoss jo joel elhos hos,, continuando a enumerar em tom de jocosa cortesia, as várias partes do vestuário e da anatomia de Isabel que poderia beijar. Esta ria às gargalhadas, até as lágrimas lhe correrem  pelas faces e ambos tiveram de se agarrar aos respectivos estômagos para recuperar o fôlego. - Vamos cavalgar um pouco - sugeriu Robin, quando o conseguiu. 103

 

- Onde vamos? - perguntou Isabel, aguardando uma resposta que se transformasse num fecho oportuno para aquele momento intemporal. O jovem olhou-lhe os olhos cor de âmbar e apercebeu-se do desafio lançado por aquela  pálida  páli da jovem. E como a conhecia tão bem e já então amava, repli replicou cou com a energia energia de um aventureiro, de um pirata de um rei. - Ao futuro - exclamou. - Vamos cavalgar até ao futuro! E facto assim fora, pensou através Isabel, sorrindo, deixava voar poisar o pensamento, como umdegrande pássaro invisível, do tempo,enquanto para a fazer de novo nos aposentos aquecidos de Robin. Ali, diante dela, estava o mesmo belo jovem, de gibão azul, com a  palma da mão erguida. -  juntos somos uma oração - murmurou, ele retri retribuindo buindo-lhe -lhe o sorriso. sorriso. Lentamente, Lentamente, ela uniu a sua mão à dele. Sim, pensou Isabel, era ainda o mesmo jovem que conseguia divertila e fazê-la rir às gargalhadas. O mesmo rapaz leal e que, antes de ela ter qualquer  esperança de chegar ao trono, vendera parte das suas propriedades para lhe pagar as dívidas. O homem corajoso que ousara rebelar-se contra a sua irmã Maria e que fora para ela uma rocha durante os tempos terríveis em que tinham estado prisioneiros na Torre. Também, pensou Isabel, tinha sido o único a conseguir percorrer o complicado labirinto que levava ao seu coração. Os olhos dela caíram sobre um grupo de miniaturas, dispostas numa mesa. Aproximou-se  para as ver melhor. - A vossa família - disse em voz baixa. - Todos os Dudleys, excepto Robin e o irmão Ambrose, Ambro se, tinham já falec falecido. ido. - Ergueu uma das molduras douradas douradas,, onde estava retratado um homem, de olhar pesado, com cerca de quarenta anos. - O meu avô Edraunci - disse Dudley espreitando sobre o ombro de Isabel. - Leal servidor e instrumento do rei Henrique VII. -  Meu avô... - a voz de Isabel calou-se por instantes, recordando histórias que ouvira cerca do primeiro rei Tudor, que tomara à força o trono de Inglaterra. O primeiro rei inglês que se apercebera que o dinheiro significava poder. E aquele homem, cujo retrato segurava na mão, Edimund Dudley fora o instrumento desse rei, para obter a sua enorme fortuna. - Ouvi dizer - prosseguiu Isabel - que Edimund Dudley usava métodos, digamos que pouco edificantes, para enriquecer a coroa. - A extorsão é geralmente um método pouco edificante - concordou Robin, com um sorriso malicioso. - E mostrava uma certa tendência para enriquecer ao mesmo tempo os seus cofres particulares. - Não despertava muitas simpatias? - foi a pergunta, p ergunta, até certo ponto retórica de Isabel. 104 - Falemos antes de desprezo. De facto, muitas vezes foi comparado a um lobo voraz. - Havei-lo conhecido? - perguntou Isabel. - Não tive oportunidade - Dudley inclinou-se como que fazendo menção de limpar com o dedo o pó das miniaturas. Porém Isabel percebeu que o gesto fora um pretexto para ocultar  o profundo desconforto de um homem que habitualmente se sentia à vontade. - Porque meu pai o mandou executar - sugeriu Isabel. O leve descer de ombros de Dudley mostrou-lhe que tinha acertado. - Seriada normal Henrique se sentisse agradecido. Herdou milhões de libras, depois morte que do pai, e essa quantia foi quase toda obtida... peloquatro meu avô. - Foi no princípio do reinado de meu pai. Queria desesperadamente que o povo o amasse -

 

Isab Isabel el en engo goli liuu em se seco co,, por es esta tarr a defe defend nder er um co comp mpor orta tame ment ntoo crim crimin inos osoo do seu seu  progenitor, sentindo, ao mesmo tempo, alguma compreensão pelos dilemas que um novo monarca tem de enfrentar. - Julgo que decidiu ceder à pressão popular. - Mas chamar-lhe traição... - Não foi justo, Robin. Mas também sabeis que meu pai não era exactamente conhecido  pela sua justeza - Isabel, poisou o retrato de Edimund Dudley e pegou noutra miniatura, esta dentro moldura enfeitada - Julgo que de vosuma pareceis muito a vossocom pai. pequenas pérolas. - Outro traidor à coroa - disse Dudley com amargura. Isabel acariciou-lhe a face com as costas da mão. - Os Tudor e os Dudley. Estamos intimamente ligados uns com os outros. Intimamente ligados. De súbito era a vez de Isabel se sentir pouco à vontade. Afastou o pensamento do espírito, o  pensamento que Kat lá tinha insidiosamente plantado, que Robin Dudley descendia de uma longa linhagem de traidores, que tinha ”sangue ruim” nas veias. Voltou-se e poisou de novo na mesa a miniatura de John Dudley. - Gostais então da minha pequena galeria familiar? - perguntou Dudley passando para o lado de Isabel onde se manteve, mas sem lhe tocar. Entre eles havia uma longa corrente de silêncio. - Gosto - respondeu. - Mas, onde está vossa mãe? - Minha mãe era demasiado modesta para posar para um retrato declarou declarou,, enquanto enquanto Isabel Isabel se dirigia à lareira para aquecer as mãos. Dudley ficou imóvel. Havia uma carta aberta sobre a chaminé e os olhos da rainha poisavam já no seu conteúdo íntimo. 105 - ”Meu muito amado esposo...” - leu em voz alta e voltou-se para ele, dirigindo-lhe um olhar de desafio. - Pelo que vejo trocais correspondência com Amy, coitada que está tão afastada da corte. Dudley pôde ver no rosto de Isabel uma tempestade de emoções em conflito. Desejava ardentemente responder de um modo que agradasse à rainha. - Trata dos assuntos de casa, como é próprio das boas esposas e mantêm-me informado de tudo - replicou por fim. - Assuntos de casa, é isso? - Isabel pegou na carta e levou-a até junto do lume para melhor a ler, sabendo que estava a praticar um acto cruel e infantil e sabendo que Robin se sentiria muito incomodado a cada palavra. - ...”Tal como me pedistes apressei-me a vender a lã recém-tosquiada, embora com um lucro um pouco menor, mas não poderia ser de outro modo para  poderdes amortizar a dívida que tanto desejais pagar.” Isabel pareceu ficar mais aliviada e, com algum arrependimento colocou de novo a carta sobre a chaminé. - Precisais de dinheiro? Vou tratar de tudo para que possais dispor daquilo que necessitais. - Não quero o vosso dinheiro. Quero-vos, Isabel - estendeu a mão porém ela afastou-se antes que ele lhe pudesse tocar. - Então, Robin, sois completamente louco. Se vos ofereço títulos, propriedades, ouro, deveis aceitá-los e prosperar. a rainha. Afinal não ver-me rodeada de pobres. Robin apercebeu-se de que aSou doçura do momento seposso esgotava inexoravelmente como a areia de uma ampulheta.

 

- Então ela está bem? Estou a referir-me a Amy - a rainha estava muito séria e tocou numa veia que lhe latejava, cor de púrpura, sob a alvura da sua pele. - Porque fazeis isto, Isabel? - Ela está bem? - Não muito. Tem um tumor num seio. Parecia que uma mão invisível tinha esbofeteado a rainha. Abandonou toda a arrogância. Olhou frentemau? para Conheci Robert Dudley e perguntou-se com um olhar criançadesse culpada: - Será de muito uma senhora, lady Windham quedemorreu mal. Foi horrível. - Não, meu amor - e Dudley passou o braço em redor da cintura de Isabel. - Não está a morrer - e perguntou a si mesmo se seria razão para se sentirem felizes ou infelizes. 106 - Oh, Robin, porque haveremos de padecer tanto nesta vida? - Sabeis bem qual a resposta. Porém a razão da nossa tristeza é, ao mesmo tempo, a resp respos osta ta para para os noss nossos os pi pior ores es cu cuid idad ados os.. É vo voss ssaa a co coro roaa de In Ingl glat ater erra ra.. A vos vossa sa responsabilidade é completa e o vosso poder sem limites. Podeis fazer tudo, como vos aprouver. Podeis enaltecer-me ou rebaixar-me. Podeis fazer de mim rei ou mandar-me executar em Tower Green. Sou vosso servo, Isabel, e o meu destino está nas vossas mãos. Dudley soltou a rainha e voltou-se para esconder dela a sua expressão ferida. Apesar dos seus ares e das intimidades que tinha com a mulher mais poderosa do mundo, sentia-se  profundamente humilhado pela verdade que as suas palavras continham. - Robin, de repente senti-me cansada. Perdoais-me se eu não ficar? - Perdoar-vos, Majestade? - Dudley soltou uma pequena gargalhada e, voltando-se para ela executou uma perfeita vénia de cortesão. Mesmo que me enviásseis para o inferno por toda a eternidade, perdoar-vos-ia, Isabel. Porém, não permito que partais esta noite sem um  beijo. Ela correu para ele como uma borboleta em direcção à luz. Enquanto Dudley a estreitava nos braços, sentiram-s sentiram-see ambos alheados da culpa, do medo e da dor e aquele momento momento foi iluminado pelo brilho do mais puro desejo e do amor mais terno. já não era rainha, nem ele o seu servo. 1 de junho de 1527 Diário, Hoje sinto-me muito feliz, pois Henrique já tomou medidas que, por fim, permitem que nos casemos. O cardeal Wolsey concebeu o astuto plano de chamar Henrique a depor como réu réu per perant antee um tr trib ibun unal al ec ecle lesi siás ásti tico co,, de modo modo a po pode derr pr prov ovar ar a ilega ilegali lidad dadee do seu seu casamento com Catarina. Não parece ser lógico? Deixai que vos explique, tal como ele o fez, durante a visita desta noite. Em primeiro lugar, Wolsey sabia que o rei desejava obter a separação legal da rainha, mas Henrique não foi totalmente sincero com o cardeal, pois este ainda pensa que o rei deseja casar-se não comigo mas com Renée, a princesa francesa. Assim Wolsey, como legado  papal que é (isto significa que age independentemente, sob as ordens de Roma, para vigiar  convoco ocou u hoje hoje em York um tribuna tribunall secreto, as virtudes das almas de Inglaterra) conv composto por sábios e clérigos respeitados para decidir o destino do rei. Evidentemente que esses clérigos foram cuidadosamente escolhidos, encontrando-se

 

107 entre eles William Warham, arcebispo de Cantuária, cuja opinião pôs em causa, há muitos anos, a legitimidade da dispensa papal que permitiu a Henrique desposar a viúva de Artur. Henrique diz que, em  breve Wolsey ditará a sentença de divórcio e que depois o Papa em Roma, assinará essa inteligente decisão. Contu Con tudo, do, ai aind ndaa ma mais is impo import rtant antee é o se segr gredo edo de dess ssaa co conve nvenç nção ão.. Se Cata Catari rina na tive tiver  r  conhecimento seguramente ao imperador e ao próprio Papa. Mas Henrique dissedela, queirátudo estava a queixar-se decorrer com discrição,Carlos que todos os participantes chegam, de barco ou barcaça, ao molhe da residência de Wolsey e que os prelados se retiram para um aposento do castelo, sem qualquer pompa ou circunstância. O Papa tem Henrique por amigo e campeão, desde os primeiros tempos em que o príncipe inglês travou uma acalorada batalha contra Lutero. (Uma pequena divagação... nunca contei a Henrique a minha simpatia pelas ideias protestantes e não julgo prudente fazê-lo agora.  Não serve a nossa causa actual. Mas um dia, quando formos marido e mulher, ligados pelo amor pelos laços de muitos filhos, então direi o que penso...) Henrique sente pelo Papa grande respeito e é certamente o rei mais fervorosamente católico de toda a cristandade. E apesar do seu plano estar astuciosamente delineado e dele resultarem benefícios materiais, Henrique (sempre citando o Levítico) acredita piamente estar sob a protecção divina. Wolsey goza de grande estima e consideração da parte de Henrique, pela sua participação neste tribunal tribunal eclesiás eclesiástico, tico, pois em lugar de apresenta apresentarr o rei como um homem que se quer  ver livre da esposa, leva Henrique a defender-se da acusação, feita pelo tribunal, de que ele e Catarina infringiram o direito canónico e viviam em pecado. Quando a bula papal que lhes permitiu coabitarem como marido e mulher fora apresentada para justificar as suas acções, o cardeal e os seus homens correrão a demonstrar o seu erro inocente, porém gravoso e de onde resultará uma rápida anulação. Esta noite Henrique estava muito feliz, embora cansado. Tem confiança que a anulação chegue rapidamente para que possamos ser finalmente um só. Rezo do fundo do coração que tal aconteça e que eu possa dar um filho ao rei. Afectuosamente vossa,  Ana

108 21 de junho de 1527 Diário, A esperança transformou-se em horror, a alegria em pranto, pois a loucura apoderou-se de Roma. Os alemães e alguns mercenários espanhóis do exército imperial saquearam a cidade santa, provocando um massacre sangrento. Mutilaram, assassinaram, roubaram os tesouros de todas as igrejas. Andaram de porta em porta, torturando e matando padres e cardeais, violando e decapitando freiras. Cometeram atrocidades inconcebíveis: profanaram relíquias dos dos sa sant ntos os,, dest destru ruír íram am al alta tare ress sa sagr grad ados os.. O Vati Vatica cano no trans transfo form rmouou-se se nu num m está estábu bulo lo ensanguentado. O papa Clemente esconde-se agora na outra margem do Tibre, na Fortaleza de Santo Ângelo. E é exactamente aí que reside o problema. Embora lamente a humanidade, prevalecem os meus pensamentos egoístas. O tribunal de Wolsey que deve decidir acerca do casamento do rei Henriquedonecessita necessi ta da confirmaçã confi o doa Santo Padre legalidade. Mas sendo  prisioneiro imperador, não rmação se atreve desafiar a irapara do ter sobrinho de Catarina, comeste tal dispensa que transformaria aquele casamento numa farsa, transformando-a a ela numa

 

rameira real e a princesa numa elegante bastarda. Assim, recusando-se a admitir o fracasso, Wolsey reuniu o tribunal secreto (que já não era secreto para ninguém - Catarina teve imediatamente conhecimento dele) e depois partiu com grande pompa para França, onde espera conseguir um pacto, para entrar em guerra com Espanha e auxiliar o Papa, libertando-o, se possível. Porém, tanto eu como Henrique suspeitamos que Wolsey espera que a missão não tenha êxito, para que possa alcançar o papado para si próprio. Assisti ao lado de Henrique à passagem da enorme comitiva que acompanhava Wolsey. Dezenas de homens com trajes de veludo negro, emblemas eclesiásticos e o Grande Selo de Inglaterra saíram os portões de Westminster. - O cardeal prometeu-me retomar o processo assim que se restabeleça a paz - disse-me nessa ocasião. - Julgais que me mentiu, Ana? - Lembrai-vos que é um homem ambicioso - respondi. - Teremos de enfrentar o mundo so sozi zinh nhos os,, vós vós e eu. En Enqu quant antoo Wols Wolsey ey es esti tive verr au ause sent ntee em Fr Franç ançaa de deve vemo moss pr proc oced eder  er  independentemente. O rei tomou a minha mão e levou-a ao coração que batia acelerado.

109 - Devo enfrentar Catarina. É necessário que rompa com ela e deixemos de viver como marido e mulher. - Sim, deveis fazê-lo - disse eu, colocando-lhe a mão sobre o meu seio. Ele corou e beijoume apaixonadamente. - Ide amanhã murmurei-lhe ao ouvido. Assim fará, levando-lhe a notícia do fim do casamento. E eu, terei de me preparar para não sentir compaixão por ela, de contrário não mais poderei viver comigo própria. p rópria. Afectuosamente vossa,  Ana

6 de Agosto de 1527 Diário, Vim passar os meses de Verão ao Castelo de Hever, enquanto o rei caça com os seus homens. Quando o meu irmão George se separou deles para me vir visitar, fiquei a saber  que estava equivocada ao pensar que Henrique e eu éramos as únicas pessoas a desejar o nosso casamento. O caso é que vários membros da minha família - meu pai, meu tio, o duque duq ue de No Norf rfol olk, k, me meuu ir irmã mãoo - se mant mantêm êm ao lado lado de Su Suaa Maje Majest stad ade, e, in intr trig igan ando do,, maquinando, apresentando planos em meu nome (e portanto no próprio). De facto, as suas fortunas têm prosperado, pois são considerados futuros parentes do rei. Henrique deu-lhes terras, títulos e maior proximidade no contacto pessoal. Como uma família de aranhas, tecem a sua teia em redor do rei, atraindo-o com os seus fios brilhantes, caçando a presa  para alimentar os seus apetites. Não me agrada esta atitude da minha família mas, por  enquanto, não tenho outro remédio. Embora seja eu a governar o coração de Henrique, ainda são os homens que governam o mundo. George trouxe-me notícias de Wolsey que ainda se encontra em França. O porco de chapéu vermelho, como George lhe chama, concentra os esforços em benefício próprio, tentando formar um governo papal no exílio, na cidade de Avinhão. Outorgando a si próprio o título de salvador da Igreja, quer actuar como Papa durante o cativeiro de Clemente. Porém, o  plano necessita nada do apoio este preferiu carta directamente ao Papa, solicitando-lhe maisde queHenrique; uma autorização para enviar cometeruma bigamia. Wolsey

 

110 conseguiu interceptá-la. George disse-me que Wolsey sabe já que o objecto dos desejos do rei sou eu e não a princesa Renée. Ficou furioso, mas está principalmente aterrorizado. Aterrorizado e impotente. George viu a carta que o cardeal Wolsey escreveu ao rei. Nela, implorava-lhe que retirasse o documento e apresentava os seus protestos de que nada mais desejava para além de levar  avosso bommais termo o ”assunto deT.Henrique. Assinava ”com a mão rude eEbor! trémula do humilde servosecreto” e capelão, Carlis Ebor”. Com que então, T. Carlis Idiota Gordo. Espero que se afogue nessas suas melífluas palavras. Mais tarde, George mostrou-me uma bolsa de veludo de onde retirou um documento enrolado e lacrado, com o selo escarlate de Henrique. Era uma segunda missiva para o reitor da igreja de Hever, John Barlow, que goza da nossa absoluta confiança, levar ao Papa, ainda retido em Santo Ângelo. George disse-me que não podia abri-la, mas eu desejava ver o conteúdo do documento que certamente tratava do meu casamento com Henrique. Insisti e ameacei George e, na noite anterior à carta chegar às mãos de Barlow, o meu irmão e eu descemos a escada do castelo, até à cozinha escura, agora deserta, com excepção dos ratos. Pusemos uma panela de água a ferver e, com todo o cuidado abrimos a carta com o vapor. Depois, à luz trémula de uma vela lemos o plano concebido pelo Rei e  por aqueles que desejam ver-me rainha.  Não se mencionava o meu nome, porém a intenção era clara: que o Papa concedesse autorização a Henrique para se casar com uma mulher com quem poderia estar relacionado   por uma afinidade de primeiro grau. George deduziu que se tratava de uma alusão à intimidade de Henrique com a nossa irmã Mary. Perguntei a George se achava prudente,  pois a relação familiar de Henrique com o irmão Artur fora o pretexto para a anulação do seu casamento. George não me quis dar a sua opinião, apenas insistiu para que terminasse rapidamente a leitura do documento. Seguia-se a questão de Henrique ter ou não o direito de se casar com uma mulher que  pudesse anteriormente ter contraído matrimónio (embora sem que este fosse consumado). Referia-se evidentemente a mim e a Henry Percy. Julguei prudente aquela cláusula, pois haveria quem se servisse desse contrato de juventude para se opor ao casamento real. Dominei-me para não pensar no meu doce Percy e no nosso triste destino. Já faz parte do  passado. E agora, apenas o futuro interessa. 111 Lemos a parte final da missiva. Não sabia se haveria de rir ou chorar e George estava simplesmente chocado. Permitiria que o rei se casasse com uma pessoa com quem já tinha mantido intimidades! - Esta Esta últi última ma cl cláu áusu sula la é per perfe feit itam ament entee desnec desneces essá sári riaa - ex excl clam amei ei e co come mece ceii sela selarr o documento. George olhou-me com uma interrogação maliciosa no olhar. - Escuta-me bem, meu irmão. Não sou amante do rei e nunca serei outra coisa senão a rainha. Não me deito com ele, sem primeiro ter a coroa na cabeça e nada me fará mudar de opinião. - E eu que pensava que o nosso pai era a pessoa mais dura desta família - respondeu ele. Depois, com a vela na mão, conduziu-me pela escada de caracol até ao quarto. - Espantasme, doce irmãzinha. E naminha verdade, querido Diário, também me sinto desconcertada comigo própria.

 

Afectuosamente vossa, Ana 22 de Novembro de 1527 Diário, Foi hoje o dia da doce vingança! Passaram duas semanas desde que a corte se mudou para o Palácio Richmond e eu, o únicoe objecto dos desejos rei, mudei-me também. Aqui, Henriquedegoza da minha presença mantém-me junto a do si como se eu fosse um apêndice necessário. Fala livremente com os seus conselheiros na minha presença, embora não me consulte acerca dos assuntos de estado, mas apenas nas questões do divórcio, casamento e sucessão ao trono. Chegaram-nos notícias de Wolsey e da sua missão no estrangeiro que evidenciam que os seus esforços têm sido em vão. Não se conseguiu uma nova sede papal em Avinhão, nem a  paz, nem ajuda para o divórcio. Wolsey teve conhecimento da nossa missiva ao Papa e, sem dúvida, se sentiu traído. E, também preocupado pela possibilidade de meu pai sussurrar ao ouvido do rei acusações maliciosas contra ele, o cardeal apressou-se a regressar de França. Voltou debilitado e de mãos vazias e depois de cavalgar directamente de Dover até 112 ao palácio de Richmond, enviou um mensageiro a Henrique, perguntando se e quando o rei o poderia receber. Encontrava-me com Sua Majestade, quando o homem do cardeal veio pedir instruções, sabendo perfeitamente que o Rei o receberia em privado, como sempre fazia. Antes que terminasse de falar, recordei-me de traições passadas e da cruel tomada de posição de Wolse em relação ao meu caso com Percy Percy.. Lembrei-me que me consi considerar deraraa ”uma menina tola que andava pela corte”. Agora era ele o tolo e, por isso, falei antes do rei poder dizer o que quer que fosse e respondi à pergunta do mensageiro com ar altivo e imponente: ”Onde haveria o cardeal de ir, senão aqui, onde está o rei?” O homem ficou assombrado com a minha audácia e olhou para Henrique em busca de uma resposta mais oportuna. Porém Henrique deve ter considerado inteligente a minha ou estava ele próprio enfadado com T. Carlis Ebor e respondeu: ”Fazei conforme disse a senhora.” O mensageiro empalideceu ao ouvir estas palavras, apercebendo-se certamente de qual seria a sua próxi próxima ma tarefa - fazer chegar o recado a Wolse Wolsey. y. Diz-se que a ira recai sempre sobre a cabeça do mensageiro, portador de más notícias. Assim, indisposto Só de pensar  que assim seria, deu meia volta e partiu. Henrique nada me disse e também não me pediu que saísse quando Wolsey se apresentasse. Quando por fim o cardeal apareceu, ainda coberto do pó da viagem e sem muita dignidade, ajoelhou-se diante do rei e, como eu estava a seu lado - ajoelhou diante de mim. Tinha as faces ruborizadas, os olhos Postos no chão e a voz embargada pela raiva e pelo medo. Ergueu-se Ergueu -se por fim e falaram de muita muitass coisas, mas juro que não consegui consegui ouvir tudo, pois dentro da minha cabeça, repicavam alegremente os sinos. O homem de vermelho fora suplantado por uma jovem e castigado pelos seus actos cruéis contra ela. Afectuosamente vossa,  Ana

 

16 de Janeiro de 1528 Diário, Como é estranho continuar a ser aia da rainha Catarina. Entre ela e o rei prevalecem regras de convencionalismo e civilidade, 113 apesar de um dia eu poder usurpar-lhe o lugar. Quando olho para ela, vejo-lhe os olhos  brilhantes de coragem continuar a lutar, as narinas frementes, boca e resolutadee não posso evitar que mepara percorra um arrepio. Tenho de admitir que ame faltadura a confiança Henrique de que Catarina se renda à sua vontade. Diz que a conhece bem, contudo ela não mostra qualquer sinal de fraqueza. Por vezes, à noite, convida-me para jogar às cartas, com ela e com outras damas. Chego a imaginar que estas solicitações sejam o pretexto para me vigiar e afastar de Henrique. Ontem à noite, Catarina e eu sentámo-nos à mesa. Vi que os seus olhos caíam sobre as minhas mãos e que observava o meu sexto dedo, impossível de esconder. A princípio aquilo aborreceu-me, mas logo a seguir resolvi ser mais ousada. Usei a mão com maior  fr frequ equên ênci cia, a, com com gest gestos os gr grac acio ioso soss e fl flor orea eado doss que pun punha ham m em ev evid idên ênci ciaa a mi minh nhaa anormal anor malida idade, de, enquant enquantoo as outras outras dam damas as ocultav ocultavam am sorri sorrisos sos pro provoca vocados dos pela pela min minha ha audácia. A rainha manteve-se fria e em silêncio. O jogo continuou e, mais tarde, recebi uma carta valiosa... o Rei de Copas. A envenenada carta estava entre nós, sobre a mesa, com um monarcaa pintad monarc pintadoo em cores alegr alegres, es, deitado de costas costas.. Ningué Ninguém m se mexeu. Ninguém Ninguém falou. falou. O ar estava impregnado de ciúmes - os dela, pelo meu futuro, os meus pelo seu passado. Por fim, a rainha quebrou o silêncio e falou com o seu marcado sotaque espanhol, cheio de amargura: - Minha senhora Ana, haveis tido sorte por vos ter calhado um rei. Mas não sois como as outras. Tereis tudo... ou nada. Depois, colocou as suas cartas sobre o rei... e saiu. Senti gelar-se-me o coração dentro do   peito. Naquele momento compreendi o que significava ter como inimiga uma grande rainha, com gerações de sangue real a correr-lhe nas veias. Não importava que me casasse com um rei, mesmo quando tivesse a coroa sobre a minha cabeça nunca seria dona da sua majestade, da sua segurança e superioridade. Que tenho eu, então? O amor de Henrique? A ambição da minha família? A promessa de uma freira meia louca? Mas, verdade seja dita, o que me conduz para um destino desconhecido é o meu desejo de conseguir mais do que o que a vida me ofereceu até aqui. Catarina tem razão. Tive a sorte de que me saísse um rei, mas com esta única carta vou apostar num jogo grande e perigoso e ganhar tudo... ou ficar sem nada. Afectuosamente vossa,  Ana

114 29 de Março de 1528 Diário, Desde o seu regresso que o humilhado cardeal tem envidado os maiores esforços para que eu me case com o rei. Meu pai, vangloriando-se da sua participação no caso, chamou-me à  parte para me dar conselhos e eu fiz um esforço para me calar e escutei-o. Disse-me que me seria vantajoso tornar-me amiga do de cardeal. teu destino suas mãos”, afirmou. Dizia-se que o Papa fugira Roma ”O e procurara asiloestá na ainda cidadenas de Orvieto que, assolada pela peste, era um local fora do alcance dos soldados do imperador. Era de lá que

 

Wolsey esperava uma resposta complacente com as suas súplicas. Enquanto o meu pai me falava de intrigas e planos apercebi-me que o fazia como a um igual e não na sua filha mais nova. juro que, nesse momento, qualquer coisa se agitou dentro de mim, uma força que crescia à medida que ele falava. Senti a alma enorme, imóvel e aberta com um campo iluminado pelo sol. Senti-me satisfeita, magnânima. Assim, agradeci a meu pai os seus bons conselhos e prometi-lhe que, de futuro, mostraria algum respeito e amizade pelo velho Wolsey eagora pelo mais papeldois que desempenha nesteoassunto. Assim fiz. Ele e Henrique trouxeram cavalheiros para serviço da nossa causa, o doutor Edward Fox e o doutor Stephen Gardiner que, a caminho de Orvieto com cartas para o Papa, vieram apresentar-me os seus respeitos e declarar o grande afã dos seus senhores por uma rápida conclusão do caso. Trouxeram-me um recado de Henrique a dizer  que deveríamos conseguir o nosso objectivo, o que, para além de tudo o mais, traria mais sossego ao seu coração e paz ao meu espírito. Mostraram-me depois uma segunda missiva. Tratava-se de uma lista de todas as minhas virtudes, compilada por Wolsey e pelo rei e que deveria ser lida em voz alta pelos emissários Fox e Gardiner ao Papa. Sorri perante aquela obra-prima de lisonja e, por fim, tive mesmo de soltar uma gargalhada, pois diz que sou uma donzela sensata e dócil, pura e virginal. Sou sábia, bela, tenho sangue nobre, sou educada e capaz de fazer nascer filhos saudáveis. Com o fim de fortalecer as suas esperanças em Clemente, Henrique enviou um arauto à cidade de Burgos, para declarar guerra ao imperador. Era apenas uma ameaça sem sentido,  pois nunca entraria em guerra contra a França e a Flandres, já que perderia 115 desse modo os seus mercado mercadoss de lã. Todavia, Henrique sabia que os franceses avançavam avançavam rapidamente pela Itália e, em breve, os seus soldados libertariam o país e também o Santo Padre. Ficámos então à espera. Lá fora, os dias de Inverno são escuros e gelados. Mas aqui, dentro dos muros do castelo, sinto-me abrigada pela capa protectora que é o amor de Henrique. Sinto muita esperança e até felicidade. O rei é quase casto quando me abraça, tão convencido está do seu êxito, de que em breve se casará comigo e me levará para a cama. Mas quem mais me surpreende é o cardeal. Todas as segundas-feiras à noite, quando a corte se encontra em Londres, Wolsey recebe-nos faustosamente. Dá grandes festas e solenes banquetes nas suas residências de York e Hampton Court. Ceamos numa baixela de ouro, dançamos, representamos e divertimo-nos, por vezes até ao amanhecer. Tendo em consid consideração eração as suas amabilidades, amabilidades, enviei-l enviei-lhe he recentemente recentemente uma carta para lhe agradecer agradec er o que tem feito por mim e prometer-lhe outras recompensas quando for rainha. Enquanto escrevia essas palavras elogiosas a seu respeito, tive de me deter para reflectir,  pois há muito pouco tempo só lhe desejava mal ou até mesmo a morte. Serei uma pessoa com duas caras, hipócrita por conveniência? Ou será sincero, aquilo que escrevi? Estou extremamente confundida com tudo isto. Acredito que as pessoas mudem. Mas quem será que mudou? O cardeal parece-me sincero. E mesmo que os seus motivos sejam impuros (respeita o rei e receia a sua ira) as suas acções são um facto. Se, por meio de maquinações, me fizer rainha, devo dizer que não gosto dele porque sei que não gosta de mim? Julgo que não. Pelo menos vossa, por agora, que esperamos novas de Itália, considero-o meu amigo. Afectuosamente Ana

 

3 de Maio de 1528 Diário, Depois de enfrentarem as tempestades no mar e os rios fora do leito, os doutores Fox e Gardi Gar dine nerr ch chega egara ram m fi fina nalm lmen ente te a Or Orvi viet etoo e ao Pa Papa pa.. As vá vári rias as ca cart rtas as en entr treg egues ues po por  r  Clemente deixaram-nos cheios de esperança. O Santo Padre, mesmo encontrando-se em deploráveis 116 condi con diçõe ções, s, nos nos se seus us exí exígu guos os ap apos osen ento toss de exp expat atri riad ado, o, pr prom omet eteu eu ac aced eder er às no noss ssas as solicitações. Primeiro: o julgamento para determinar a validade do casamento de Catarina e Henrique Henriq ue deve reali realizar-se zar-se em solo inglês inglês.. O Papa deverá enviar o cardeal cardeal Campeggio, um   juiz juiz rec reconh onheci ecidame damente nte imp imparc arcial ial,, para para par partic ticipa iparr no caso, caso, juntam juntament entee com Wol Wolsey sey.. Segundo: que depois destes prelados terem dado o seu parecer, este não seja passível de apelo, nem sequer pela Cúria Romana. As cartas dos emissários expunham a intenção de Clemente se manter do lado de Henrique, mesmo contra a vontade do imperador, o que nos encheu a todos de alegria. Durante toda a Primav Pri mavera era esp esperá erámos mos com ans ansied iedade ade esses esses docu documen mentos tos.. Ent Entret retanto anto o cardea cardeall Wolsey Wolsey continuou a conferir favores à nossa família: pôs fim à antiga disputa das terras de Piers Butler, Butle r, conferind conferindoo a meu pai não só mais propried propriedades ades como também o título título de conde de Ormond, distinção que me converte em filha de nobre. Durante esta espera, algumas pessoas adoeceram em Greenwich, vítimas de varíola, o que levou Henrique a querer mudar-me para uns aposentos sobranceiros ao pátio, para maior  segurança. Embora nunca tivessem sido usados como quartos de dormir, eram muito alegres - tinham enormes janelas sobre o pátio e eram muito soalheiros. O mais importante era a privacidade, pois Henrique podia vir sempre que lhe aprouvesse e passámos algumas tardes muito muito diver divertidas tidas.. Escrevia-me Escrevia-me canções que cantáv cantávamos amos acompanhadas acompanhadas à flauta flauta a ao virginal. Falou-me de batalhas, do choque das espadas e das armaduras, dos seus homens e da coragem que todos eles demonstravam. É estranho, mas quando fala dessas coisas,  parece mais um rapazinho que um rei. Vi nele uma centelha de bondade humana que muito me agradou e me deu a certeza, que este homem, que combate como um soldado, me fará feliz quando nos casarmos. E assim, continuámos à espera dos documentos. Ontem, porém, quando o sol se derramava em luz doirada, vi à entrada dos meus aposentos um homem que quase não reconheci. Era o doutor Fox, salpicado de lama e cansado, tendo cavalgado noite e dia depois da travessia de Calais, na sua pressa de nos fazer chegar chegar as notícias do Papa. Trazia consigo documentos assinados por Clemente que nos davam autorização autori zação para reunir o tribu tribunal nal em Inglaterra! Inglaterra! Mandei que lhe servissem servissem vinho, carne e  pão e sentei-o junto ao lume. Depois Henrique chegou e, enquanto comia, o enviado referiu toda a argúcia e hábeis manobras do doutor Gardiner junto 117 do Papa, para obter um resultado frutífero. Tinha travado uma terrível batalha contra as fortes objecções de Clemente, opondo-lhes ameaças e lisonja. Por fim, lacrimejante, o Sumo Pontífice cedera, depois do aviso de que o seu fiel monarca inglês lhe retiraria o apoio.  Não assinara o segundo documento, aquele que prometia não poder haver apelo da decisão do tribunal, porém deu a sua palavra verbal. Era suficiente parauma umacriança comemoração. Henrique beijou-me, abraçou-me, levantou-me nocausa ar como se eu fora e depois abraçou também o doutor Fox, prosseguindo com as suas demonstrações de alegria.

 

 Nessa noite, já tarde, depois da partida do doutor Fox, Henrique e eu ficámos abraçados. Beijou-me o rosto, o pescoço, os ombros nus. Com o casamento tão próximo senti que a minha castidade fraquejava, devido à sensação de calor entre as minhas pernas quando o seu corpo se chegou ao meu. Abrindo o corpete à sua boca ávida, encontrou os meus seios com os mamilos duros. ”Vou possuir-vos, Ana, vou possuir-vos meu amor” murmurou em voz baixa e rouca. O meu baixo-ventre dizia que sim, mas respondi ”não”. Tínhamo-nos contido tanto tempo. soltou-me. Comdoascardeal pernas eCampeggio o coração trémulosdurante separámo-nos com Então doçura,elenaconcordou certeza dee que a chegada estaria para breve e logo poderíamos ter um leito nupcial e engendrar  um filho. A doçura da noite primaveril entra pelas janelas, enquanto escrevo à luz da vela. Em breve tudo estará bem. Afectuosamente vossa, Ana 15 de junho de 1528 Diário, Jesus nos acuda, chegou nova epidemia’. Quando a corte em Greenwich fazia planos para se mudar para Waltham, chegaram  Nota: Sweati Sweating ng sickness: sickness: epidemia que grassou em Inglaterra nos séculos XV e XVI, caracterizada por transpiração abundante e quase sempre pela morte do doente. [N. da T.] 118 de Londres essas notícias que deixaram todos em silêncio. Todos os dias morrem milhares de pessoas. Famílias inteiras desaparecem em poucas horas. Fui em busca do rei e encontrei-o nos aposentos do boticário. Tendo sabido da notícia ele e o velho John Coke deitaram mãos ao trabalho, na esperança de encontrar algum remédio. Estavam os dois inclinados sobre um cavalete coberto de boiões e cestos com ervas aromáticas e poções de cores estranhas. Henrique esmagava num almofariz um monte de flores fedorentas, enquanto o mestre Coke lhe segredava receitas ao ouvido. - Henrique - disse eu e ele voltou-se imediatamente. Juro que lhe li no rosto uma certa expressão de felicidade. - Entrai, Ana e vede o que já fizemos - aproximei-me e ele mostrou-me o que tinha já moído. Tratava-se de uma pasta verde-acinzentada com cheiro a bolor. - Vedes este emplastro de ervas? Quando se espalha sobre a pele extrai o veneno da doença. - Sua Majestade é muito sábia nas coisas da medicina - disse o mestre Coke agitando um líquido castanho dentro de um copo. Fez aqui uma mistura com meimendro, vinho e gengibre que uma pessoa que tenha contraído este novo mal deve tomar durante nove dias a fio, seguida por esta outra - levantou aquilo que parecia ser meia tigela de melaço. - Henrique... - tentei fazer-me ouvir. - Escutai, meu amor. Nestes tempos de peste deveis lembrar-vos de comer com frugalidade,  beber ainda menos e tomar as pílulas de Rasis uma vez por semana. Eliminai a peçonha dos vossos aposentos com vinagre e braseiros b raseiros acesos de dia e de noite. - Não é a primeira vez que vejo esta peste - resmungou o velho Coke, voltando-se para a sua mesa de feiticeiro. - Começa com uma dor na cabeça e no coração, depois a pessoa começa a suar e tem uma terrível sensação de medo, de apreensão, se assim quiserdes. É depois como uma pancada desferida come as umaxilas, pau. Não adianta o doente agasalharse. Ardeatingido em suores malcheirosos desde a cabeça até ao baixo-ventre. - Henrique - exclamei. - A minha aia adoeceu - o rei ficou sério e depois empalideceu. -

 

Significa que não posso ir para Waltham com a corte. Tenho de me despedir de vós. Irei  para Hever. Ficarei lá até que tudo termine. - Uma separação, logo agora... não posso suportar tal ideia! 119 - Mas tem de ser, meu senhor - atreveu-se John Coke. - É a lei. Se um membro da casa... -mestre Conheço a lei!já- com exclamou Henrique angustiado com arrastando a ideia. - Deixai-nos a sós, Cokebem - disse, mais delicadeza, e o velho saiu, os pés. Henrique manteve-se um pouco afastado, mas não estendeu o braço para me atrair a si. Parecia totalmente impotente, como nunca antes o vira. - Que devo fazer? Sois o meu amor e quero-vos a meu lado... mas sou o rei e tenho em  primeiro lugar de salvar a minha vida. - Eu vou. Não há mais nada a fazer - preparei-me para partir. - Levai convosco estas poções, por favor! - Preparai um pacote com as instruções e eu mando alguém cá buscá-las.  já tinha a mão na porta quando senti os seus braços rodearem-me trémulos e cheios de  paixão. Voltei-me e ficámos frente a frente. - Deus nos ajude, ana. Por favor, não vos quero morta - beijou-me. O medo tornara amarga a sua boca. - Nem eu a vós, meu amor - soltou-me, com os olhos húmidos. - Ide com Deus - disse eu, e logo parti. Afectuosamente vossa, Ana 23 de junho de 1528 Diário, Escrevo com a mão trémula. Este poderá ser o meu fim, pois a morte ronda os muros de Hever e receio que venha atrás de mim. já tantos desapareceram. Antes da minha apressada  partida do castelo de Greenwich, morreram centenas de pessoas em poucas horas, muitas  pertencentes à casa do rei. Norfolk está doente e o filho mais velho e herdeiro de Suffolk  faleceu. A sinistra ceifeira ronda também as estradas entre Greenwich e Edenbridge, onde, com olhos sombrios desfilam cocheiros, camponeses, criadas, em carruagens fechadas sem se saudarem pelo caminho. Os corpos apodrecem no local onde caem e são pasto dos corvos. A morte apoderou-se de Hever. William Carey, marido de minha irmã, já foi ter com o Criador. Meu pai e meu irmão George estão gravemente enfermos. Felizmente minha mãe encontra-se bem, mas 120 tratando do marido e do filho, quem sabe se não acabará também por cair doente. Esta manhã, o jovem Zouche, mensageiro especial do rei, que leva e trás as nossas inúmeras cartas, chegou a Hever logo depois do meio-dia, com um recado da parte de Henrique Rex. Contudo, antes de sair da minha vista, agarrou-se ao ventre, com o rosto muito pálido. Implorou-me que o deixasse partir e certamente que o fiz. Porém, quando os seus olhos se encontraram com os meus vi neles o terror e, depois de me ter despedido, vi-o cair junto à porta e faleceu nos aposentos dos criados, pouco depois das quatro horas.  Na carta que em meWaltham. mandou, Diz-me Henrique detenha boa saúde, emborapela permaneça enclausurado quediz-me esperaque quegoza eu não sido afectada doença, recordando-me que ”muito poucas mulheres” contraíram a doença e que nenhuma na corte

 

e muito poucas fora dela morreram. Não passam de esperanças vãs e ainda por cima equivocadas. A minha aia morreu. E também a nossa ajudante de cozinha, tal como a irmã de minha mãe. Rezo pela saúde do rei, mas sinto certa amargura pela sua alegre disposição. Mantém-se isolado, caminha sozinho em jardins desertos, medita e escreve acerca da questão do divórcio, esperando o regresso de Campeggio. Não sei como pode pensar nisso quando uma tal pestilência assola as nossas almas. Por vezes receio que o rei seja cruel, estranho frio. e os salões ficaram às escuras, sem que os criados tenham deixado luzes Voltou a eanoitecer acesas nas suas rondas nocturnas. Afinal, Afinal, fui eu mesma que as fiz, pois os corredore corredoress sem iluminação são demasiado sinistros e atraem os demónios. Acendi um a um os candeeiros,  porém pouco conforto me deram - apenas sombras mais longas, murmúrios nos cantos escuros e o ranger das portas. Quando finalmente subi a escada de caracol para o meu quarto, pensei ouvir o roçagar de vestidos uns passos atrás de mim. Voltei-me para enfrentar o espectro e apenas encontrei uma imagem furtiva criada pelo medo. Dizem que a esconderijo  possível. Diário, amigo... rezai por mim. doença começa assim. Aqui não há esconderijo Estou certa de que a minha vida está nas mãos de Deus. Afectuosamente vossa, Ana Deus me ajude. O mal ataca-me. já não posso escrever. 121 2 de Julho de 1528 Diário, Encontrei-me com a morte, mas sobrevivi para contar o que aconteceu. Pouco recordo do mal que se apoderou do meu corpo, excepto sentir uma dor aguda nos olhos e um calor tão terrível, que mais parecia que o sangue me fervia nas veias. Chamei minha mãe e o seu rosto foi a última imagem nítida que me ficou na mente, antes de uma noite longa e estranha descer sobre mim. Dizem que estive na cama, troçando da morte, durante cinco dias, estrebuchando debaixo das cobertas, gritando no meu delírio, umas vezes alegre, outras como se travasse um combate mortal com o próprio demónio. Minha mãe, essa mulher fiel e dedicada, disse-me que a doença tomou um curso assustador,  pois em vez de trans transpirar pirar a peçonha, esta recolheu, recolheu, obrigando o meu corpo a feder com os vapores venenosos. Tão desesperada estava que mandou chamar o capelão Barlow para me dar a extrema-unção e que acabou por sair do quarto depois de se ter despedido da criança que levara à pia baptismal, vinte anos antes. Do meu estad estadoo de inconsciênc inconsciência, ia, recordo cores muito bril brilhantes hantes e sempr sempree em movimento. Por vez vezes es tomavam tomavam a for forma ma de elf elfos, os, dan dançand çandoo entrel entrelaça açados dos num est estran ranho ho círcul círculo. o. Também ouvia música ao longe, o doce e alegre repicar dos sinos das fadas. Porém, outras vezes a escuridão sufocante caía sobre mim. Não havia luz, nem som, apenas um vazio tão negro e esmagador que percebi que tinha morrido e ido para o Inferno, pois o negrume era terrível. Tive a certeza de que Deus e Jesus não residiam nesse local. Por isso, quando as cores e os sons voltaram a explodir naquela negra prisão, devo ter gritado de alegria, pois apercebi-me de que estava viva ou que ia a caminho do céu. Então, momentos antes de regressar a este mundo, tive a visão da mãe de minha mãe, Margaret, falecida há muitos anos. Parecia muito bela, mesmo com o rosto enrugado e o cabelo muito bemuma vestida e com o corpo de uma jovem. Parecia luz doosseu interior. inter ior.branco, Tinha na cabeça coroa enorme e o pescoço, os pulsos e os irradiar dedos cobertos cobert de  jóias. Depois vi que não tinha o ventre liso e mais parecia uma doce madona grávida.

 

Cruzou as mãos sobre o ventre e sorriu. De súbito percebi que o rosto não pertencia à minha avó e que, afinal, era o meu. Nesse momento abri os olhos e vi a minha mãe que me olhava a sorrir. 122 Encontrou-me fraca como um recém-nascido depois do meu regresso daquele outro mundo, a Deussenão aelecera minha vida, masdotambém meuhairmão George de rique meu  mas pai, agradeço pai, que tam também bém restab ressó tabele ceram. m. Quando Quan soube soube adade min minha enf enferm ermida idade, de,e aHenriq Hen ue enviou-me o doutor Butts, seu físico particular. O rei ficou enfadado por o seu físico  principal se encontrar ausente e não poder vir ver-me, mas esperava que o homem que me enviou me conseguisse curar. Afinal chegou tarde demais para tratar a doença, porém trazia consigo um documento de Henrique que me fez bem ao espírito. Era uma carta do rei de França, confirmando o seu apoio ao divórcio de Henrique, o que para nós é muito importante. Sem a estima de Francisco decerto a nossa causa estaria perdida. O doutor  Butts trouxe ainda uma carta  particular de Henrique, implorando-me que regressasse à corte no momento em que me sentisse suficientemente forte. Por ora, contento-me com o meu repouso em Hever, rezando para que a viagem do cardeal Campeggio de Itália para França e depois para Inglaterra, se faça em segurança e também para agradecer a Deus o estar viva. Afectuosamente vossa, Ana 5 de Agosto de 1528 Diário, Pelas chagas de Cristo! O cardeal Campeggio ainda não partiu para França enquanto que durante todo este tempo, pensávamos, Henrique e eu, que ele vinha a caminho para nos trazer a salvação. O pobre homem sofre de gota, de modo que tem estado acamado em Itália, à espera de melhorar. Entretanto, os soldados franceses perdem diariamente terreno  para os soldados imperiais que se aproximam de Orvieto, onde o Papa ainda reside. Que acontecerá se o imperador Carlos tomar como prisioneiro o velho Clemente? Manterá a sua recente simpatia pela nossa causa? Se assim não for, tudo será inútil. Insisto com meu pai e meu irmão e até com meu tio Norfolk, para saber novas da guerra em Itália. Tento dormir de noite, mas apenas consigo rezar e suplicar a Deus que ajude os soldados do 123 rei Francisco, para que lutem com bravura e tenham sorte. Que as suas armaduras, espadas e escudos resistam às investidas dos exércitos do imperador. Henrique He nrique deseja que fique com ele em Amp Ampthi thill ll dur durant antee duas semanas, semanas, por porém ém rec recuse usei.i. Regr Regress essare areii uma vez mais mais a Edenbridge, pois não desejo dar que falar. Henrique está muito feliz por me ver de novo com saúde e dirige diari diariamente amente escandalosas escandalosas manifest manifestações ações de amor e luxúria luxúria pela minha  pessoa, afagando-me em público. Também me pede que faça planos para o casamento, mas é uma loucura! Em breve, o cardeal Campeggio estará recuperado e poderá iniciar a viagem  para cá. Quando chegar, não deverá pensar que o rei deseja divorciar-se para casar comigo. Disse-o a Henrique que se riu e me beijou com atrevimento. Mortifica-me ter de o conter,  por issopela volto parada Hever House, que a gota do velho cardeal melhore e rezarei vitória França. Não onde possoaguardarei perder a esperança. Afectuosamente vossa,

 

Ana 19 de Outubro de 1528 Diário, Que desventura a minha! Quando regressei da caça com Urían, passei pela cozinha e escutei, por acaso uma conversa entre duas criadas. Não passava de maledicência, porém ofendeu ofe ndeu-me -me pro profun fundam dament ente. e. Coment Comentavam avam esc escand andali alizada zadas, s, por entre entre risos, risos, que a ama daquela casa era objecto de mexericos trazidos de Londres, juntamente com especiarias e lã da ”Nan Bolena, rameiramostrei de olhosfirmeza negros do era como referiama aminha mim. Eu,Flandres. uma rameira! Eu queasempre emrei”, querer manterseintacta virgindade. A minha conduta tem sido forte e casta, e tenho conseguido afastar um homem cheio de desejos. Acaso discutiria um rei com o papa e o imperador para conseguir um casamento legal com uma rameira? Mas tudo isto não passa de maledicência e não tem qualquer importância. O pior, é não caso do div haver progr progressos essos no caso divórc órcio. io. Campeg Campeggio gio chegou chegou finalm finalmente ente a Ing Inglat laterr erra, a, queixando-se constantemente das pernas gotosas e não convoca o tribunal. Para mim, a doença é um pretexto, com a intenção de atrasar as coisas. Depende 124 do Papa e diz-me o coração que, apesar dos protestos de amizade de Clemente a Henrique, o Santo Padre é um homem como os outros, que teme pela sua vida e bem-estar. Juro que anda a enganar o rei e que este o ignora. Há uma semana que Henrique veio a Hever. Chegou com notícias que decerto me levantariam o ânimo - contou-me como, depois de uma semana acamado no Palácio de Bath, Campeggio se levantou, para lhe solicitar uma audiência e que, enquanto a barcaça do legado descia o Tamisa até Bridewell, caiu uma chuvada de proporções bíblicas. Como não  podia andar a cavalo ou a pé, o cardeal teve de ser transportado por quatro homens numa cadeira de veludo vermelho desde a margem do rio até aos degraus do castelo, onde Henrique o aguardava. O velho Wolsey que acompanhava o cardeal montado numa mula ficou encharcado e enlameado até aos ossos. Lá dentro a ocasião foi magnífica. Um enorme festim com belos discursos para celebrar as cartas do Papa. Henrique pôs debaixo do nariz de Campeggio o bispado de Durham, segundo se diz, há muito almejado por ele. Mas mesmo assim, nada aconteceu! Alegando dores e indisposição, o cardeal implorou-lhe que o deixasse regressar e Henrique não teve coragem de recusar.  No dia seguinte, Henrique empreendeu a viagem a Bath para lhe expor a questão teológica do casamento, mas Campeggio fez-se desentendido e implorou ao rei que considerasse válido o seu estado matrimonial. Quando Henrique se rec recusou usou a fazê-l fazê-lo, o, firme firme mas delicadamente, o cardeal apresentou uma nova sugestão que agradou ao rei. Que a rainha se retirasse para um convento, era o seu conselho; mulher piedosa e razoável, certamente aceitaria a ideia. De facto, no dia seguinte, Campeggio e Wolsey dirigiram-se em peregrinação até à residência de Catarina, em BridewelI, e disseram-lhe que o Papa desejava para ela aquele final feliz. Disse-me Henrique que a rainha adiou a resposta por vários dias e foi ela própria visit vis itar ar Cam Campegg peggio io a Bat Bath. h. Dirigi Dirigiu-l u-lhe he ent então ão pal palavr avras as dur duras as que o deixar deixaram am aflit aflitoo e assombrado. assom brado. DisseDisse-lhe lhe firmemen firmemente te que tencionava viver e morr morrer er dentro dentro do matrimónio matrimónio a que Deus a tinha chamado. Nunca tivera relações com Artur, irmão de Henrique, e era certamente chegara leito com do rei. Preferia ser esquartejada vezes a ver virgem alteradoquando o seu estado de ao casada o rei, seu esposo legítimo. e morrer várias Como se isto não bastasse para me fazer sentir desgraçada, uma enorme multidão furiosa

 

com estes preparativos para o divórcio, 125 aproximou-se do palácio de BridewelI, aos gritos, aclamando Catarina. ”Vitória sobre os nossos inimigos!” gritavam. Quem é esse inimigo, perguntei a mim própria, senão eu a vossa futura rainha. Fiquei feita umasefúria. Investi Henrique espanhola qual cão assolado contra um urso.do Gostava de saber como atreve estacontra insignificante a opor-se a enviados Papa, cortesãos e reis. E como pode o rei permitir que o astuto Campeggio finja os ataques de gota e jogue com ele como se de um baralho de cartas se tratasse? O indelicado legado nem sequer me veio visitar, apesar de Henrique mo ter prometido, O rei tentou tomar-me nos seus braços e beijar-me para me acalmar, mas não lho permiti. Tinha de entender que o estavam a pôr a ridículo. Assim acariciou-me o cabelo, afagou-me a mão e prometeu-me que, a partir  daí, as coisas se passariam de outro modo. Depois partiu a cavalo cheio de esperanças. Fiquei a rezar. Ontem chegou uma carta em que Henrique me dizia ter emitido uma ordem escrita para que as multidões não mais se pudessem reunir em redor do palácio. Mas o que pensará ele? Que  basta que não possam dizer em público que adoram a rainha, para que deixem de o sentir? A seguir, informou-me de que convocara para o seu salão de Bridewell, uma reunião com as autoridades de Londres. Esperava poder garantir a sua lealdade para a causa do divórcio. Mostrou-se extremamente deferente com Catarina, disse que ainda a amava muito, mas que ansiava pela separação, por ter problemas de consciência e necessitar de herdeiros varões. Disse-me também que o presidente e os edis lhe tinham parecido submissos, porém que, ao ouvi-los murmurar entre si, acrescentou mais uma coisa para que percebessem como estava decidido. Que se soubesse de alguém que falasse em termos pouco apropriados do seu Príncipe ”não haveria cabeça, por mais importante que fosse” que não pudesse rolar. O golpe final, escrevia, era que a rainha tinha encontrado, ou talvez forjado uma cópia da dispensa para o seu casamento com Henrique, e que fora entregue, segundo afirma, a sua mãe Isabel, antes desta morrer. Este documento, com um texto diferente daquele que Henrique guarda, lança na maior ansiedade e confusão o cardeal Wolsey e o rei. Agora  são eles mesmos que atrasam o julgamento! Os golpes do rei apenas ferem, não matam. E aqui em Hever sinto-me impotente, sem outra compensação para as minhas penas que não 126 seja um corpo cansado, mau humor e uma desagradável desagradável alcunha. O futuro afigura-se-me negro. Afectuosamente vossa,  Ana

2 de Março de 1529 Diário, Receio que a vossa fiel amiga se esteja a transformar numa megera. Sinto-me ferida e choro, devido vexames e frustrações, que acabo gritar ao rei toda a minha acumulada. Elea tantos abraça-me ternamente e acalma-me compor palavras esperançosas. Quemraiva me vê nestes novos e luxuosos aposentos, aqui em Greenwich, repletos de presentes do meu

 

adorado Henrique, rodeada pela minha família e cortesãos que esperam ver-me rainha,  pensa que sou feliz, e me sinto esperançosa e satisfeita. Todavia, os desgostos são muitos. O cardeal Campeggio já está há  sete meses em Inglaterra e ainda não considerou oportuno convo con voca carr o trib tribuna unal. l. Sete Sete mese mesess de vi viss adiam adiament entos os,, de um umaa pe perm rman anent entee troca troca de correspondência com Roma, que mais parece uma maré circular, cheia de solicitações, argumentos vãos e mentiras. Henrique Henriq ue resoluções enviou à rainh rainha delegação, ção,em de relação que Warham. parte,disse-lhe para lhe comunicar  as duras quea uma haviadelega tomado a ela. fazia Warham que havia rumo rumore ress de consp conspir iraç açõe õess co cont ntra ra o rei rei e das das qu quai aiss Cata Catari rina na er eraa ca caus usa. a. Tinha Tinhamm-no no aconselhado a evitar o leito e a companhia da rainha não fosse ser envenenado por ela ou  pelos criados da casa. Dizem que ela tudo escutou, com uma expressão empedernida e lhes ordenou que se retirassem. O rei colocou então espiões em seu redor, para evitar toda a sua correspondência com Mendoza, o embaixador de Espanha. Henrique proibiu ainda a rainha de ver a filha Maria, medida que me parece extremamente cruel. Perguntais se estas medidas foram suficientes para dissuadir a rainha? De modo algum. A sua teimosia é cada vez maior e esta feliz mártir é sustentada com o apoio incondicional dos seus leais súbditos. Há dias em que, num acesso de raiva, tenho vontade de lhe arrancar os olhos  piedosos  piedo sos e de estrangul estrangular ar todos aqueles homens de libr libré, é, que não conseguem mais do que incomodá-la, pois não compreendem o seu pensamento, nem conseguem desviá-la da sua firmeza. 127 Todavia o pior e mais perigoso para mim é esse maldito Wolsey estar mais uma vez a tramar a minha perdição. A semana passada o deão da capela de Henrique encontrou, entre as minhas coisas, o tratado de Tyndale, ”Obediência de um Cristão”, e levou-o à atenção do cardeal. Wolsey entregou-o ao rei. É verdade que a simples leitura desse livro é considerada um afastamento da fé católica e uma heresia. Imaginei o sorriso complacente de Wolsey, enquanto eu caída em desgraça, transportava o habitual feixe a caminho da prisão. Sabia que era loucura pensar em tais coisas e, na verdade, a raiva era maior que o medo. Jurei a George e aos outros cortesãos alto e bom som que era o melhor livro que alguma vez o deão e o cardeal haviam arrebatado a alguém. Fui ter imediatamente com o rei e ajoelhei para lhe pedir perdão pelo meu acto. Ele disseme então, para grande alívio meu, que havia reflectido sobre o assunto e que, embora ainda fosse um católico leal, desejava ler o livro para poder dar a sua opinião e talvez escrever  também um tratado sobre o assunto. Salvaram-me o espírito e o coração abertos que tanto aprecio em Henrique. Todavia, tenho a certeza absoluta de que Wolsey continua a desejar a minha queda. E, enquanto escrevo, custa-me a crer que o rei compareça alguma vez perante o tribunal ou que consiga separar-se legalmente de Catarina. Campeggio, que é uma raposa astuta, afirma que deixou crescer a barba mal tratada em sinal de luto pela igreja de Inglaterra. Sei que nunca teve intenções de nos alegrar e que o que nos disse foram apenas promessas vãs e mentiras ditas por Clemente. Dói-me a cabeça devido à raiva que sinto e a este Inverno frio que parece não ter fim. Há muitas semanas que não vimos o Sol. Afectuosamente vossa, Ana 31 de Maio de 1529 Diário, Que manhã tão bela! Reuniu-se o tribunal do legado pontíficio e o meu casamento está

 

agora assegurado. Ontem à noite, estava muito frio na residência que meu pai tem em Durham, junto ao rio, quando a barcaça dourada do rei Henrique o trouxe até aqui, para 128 aguardar a mudança de maré. Estava muito alegre e seguro, pois tendo deitado para trás das costas todas as desculpas e demoras de Clemente fora ele próprio a convocar o tribunal. Disse que opara fizera para causa. evitar que o Papaestá, o mandasse poisHenrique tal seria desastroso a nossa O assunto pois, em reunir marchaeme aRoma, esta hora encontra-se no castelo de Greenwich aguardando a convocatória formal da parte do  priorado de Blackfriars, onde o tribunal terá lugar. Ontem à noite distraiu-nos - a mim, a meu pai e a meu irmão George - com eruditas epístolas que escreveu sobre a questão do seu casamento e divórcio à luz do direito canónic canó nico. o. Henr Henriqu iquee tor tornou nou-se -se um esp especi eciali alista sta e está está con convenc vencido ido de que os cardea cardeais is apoiarão a sua causa. Durante as horas que passou connosco mostrou-se muito satisfeito e à-vontade com a sua nova família, como já nos chama, e comigo, sua ruborizada noiva. Quando a maré mudou e a barcaça de Henri Henrique que partiu, encontr encontrei ei o meu pai sentado diante da enorme lareira, contemplando o lume com ar absorto. Aproximei-me dele, aqueci as mãos, mas deixei-me ficar em silêncio. Os nossos olhos cruzaram-se e li nos dele uma espécie de consternação, talvez de assombro, antes de o ver desviar o rosto. Retirei-me e subi as escadas. Lá em cima, encontrei encontrei-me -me com George no corredor onde ficam os nossos quartos e, à luz das velas, conversámos em surdina. Meu querido George, é agora Escudeiro do Corpo do Rei e Mestre dos Cães de Caça. Perguntei-lhe se sabia quais as ideias de meu  pai a respeito da minha pessoa e respondeu-me que sim. - O nosso pai humilha-se diante do rei, tal como eu. Receamos o mínimo deslize,  pronunciar uma palavra áspera ou branda demais, que possa ser mal interpretada. Mas tu, Ana, tem-no a teus pés. Juro que se lhe ordenasses, lavava a tua roupa! Gritas, soltas impropérios, amuas. Tens conhecimento de assuntos importantes, como se fosses um homem. E agora apresenta-se diante de um tribunal pontifício para pedir o divórcio de Catarina e a tua mão. Este nosso rei não parece o mesmo e disso és tu, provavelmente, a única causa. O nosso pai já o percebeu e não compreende, nem se sente satisfeito. - Não se sente satisfeito, porquê? A filha vai ser rainha. - Ainda não há a certeza, Ana. - Mas o rei acredita... - O rei acredita em sonhos. 129 - E eu também! - respondi, com veemência. - Henrique governa este país e nem os Lordes, nem o imperador, nem o Papa, nem até mesmo Deus, o farão desistir do seu intento. E o seu intento sou eu. Garanto-te que é um mistério como isto aconteceu. Usei os artifícios que aprendi em França, o meu espírito, a minha reticência para fazer com que me desejasse mais mas, para ser honest honesta, a, meu irmão irmão,, não sei porque razão Sua Majestade se apaixonou  por mim, com tal ardor. Sei que a sua paixão é tão profunda que há-de mover céus e terra  para me ter. Portanto, podes confiar, George. Geo rge. Vou ser rainha. Vais ver. Ele sorriu com tanta esperança e afecto que o meu coração transbordou de amor. Embora meu duvideBolena. do meuAssim, destinoaguardo e não seja leal, tenhoaguarda sorte em um irmão comopai George aquicompletamente em Durham e Henrique emterGreenwich. Aguardamos que todos os bispos ingleses e os cardeais do tribunal de Blackfriars se reúnam

 

envergando vestes e chapéus escarlates e se sentem em tronos forrados a ouro, para o chamarem a depor acusando-o, de ter vivido em adultério durante mais de vinte anos. Ide com graça e honra, Henrique. Agitai o mundo e recebei em vossas mãos os pedaços caídos para que sejam nossos e apenas nossos! Afectuosamente vossa,  Ana 21 de Junho de 1529 Diário,

A batalha está a ser travada pelas duas partes. E embora ambas se encontrem feridas, nenhuma foi ainda derrotada. Contemplei o rio das janelas de Durham e vi a barcaça de Catarina seguir para o tribunal de Blackfriars levada pela maré da manhã.  Nas margens do rio juntava-se uma multidão, constituída principalmente por mulheres, que aclamavam a rainha no seu percurso, com gritos de afecto e lealdade. Sei que eram apenas alguns dos muitos apoiantes da rainha que me detestam. Falaram-me das multidões que se  juntam  junt am à entra entrada da de Blackf Blackfriars riars Hall Hall,, à espera espera dela, que a chamam pelo nome, que lhe dão força para levar a cabo a sua maldita campanha contra o rei. 130 O dia estava diabolicamente quente e não corria qualquer brisa ao longo do rio. Cá dentro, o ambiente tinha o cheiro do medo. As horas passavam lentamente e nem uma palavra de meu pai ou de meu tio Norfolk, acerca do que se estava a passar. Porém, quando a longa tarde se dissolveu num crepúsculo cor de mel, começou o cortejo flutuante de lanchas,  barcas e barcaças, transportando rio acima, os participantes do tribunal de volta para Londres. O magnífico  barco de Henrique separou-se dos outros e atracou no ancoradouro de Durham. Sorrindo, com ar de desafio, à vista de todos, atravessou o relvado e eu, contagiada por  aquela ousadia, fui recebê-lo no meu rico vestido cor de safira, com o cabelo solto pelas costas abaixo. Mas assim que se encontrou dentro de casa, a altivez do rei desvaneceu-se. O sorriso pareceu murchar e transformar-se numa expressão de raiva e de cansaço. Obriguei aquele guerreiro exausto a sentar-se e mostrei-me pródiga nos meus carinhos limpei-lhe o suor da testa, perfumei-lhe as roupas, trouxe-lhe vinho gelado e beijei-o docemente. Então sorriu, parecendo recordar-se das razões que nos tinham levado a travar tão dura  batalha e começou a falar do seu dia no tribunal. Começara com uma sentida declaração, em que expusera os seus terríveis remorsos pelos actos inocentemente adúlteros, cometidos  por ele com Catarina, esposa legítima de seu irmão. - Falei bem e durante muito tempo - disse. - Apresentei os meus argumentos para conseguir  alguma vantagem, contudo, quando terminei, Catarina ergueu-se e, com a sua altivez de  princesa espanhola, atravessou a sala silenciando todos, e ajoelhou a meus pés. Então, Ana, suplicou-me, por todo o amor que houvera entre nós e por amor a Deus, em nome de quem afirmava falar, que a tratasse conforme era de justiça e direito. Pediu piedade e compaixão,  por ser estrangeira e acrescentou que não contava com assistência jurídica suficiente. É verda ver dade. de. os dois dois advog advogad ados os impe imperi riai ais, s, cu cuja ja ch cheg egada ada da Flan Flandr dres es ag aguar uarda dava va pa para ra defenderem o seu caso, dizem oixai sobrinho Carlos o permitiu, teme temendo ndo pela pela se segur guran ança çanão dos doapareceram... s dois dois home homens ns. . Ma Masque s de deix ai que vos diga di ganãoque Cata Catari rina na envergo enve rgonha nharia ria qualquer qualquer adv advogad ogado. o. Afi Afirmo rmouu ter sid sidoo sempre sempre uma mulher mulher humild humildee e

 

obediente, mostrando afecto pelos meus amigos e ódio pelos meus inimigos. Falou dos filhos nados-mortos e de que o seu falecimento não fora culpa sua, mas sim a vontade de Deus.  Nesse momento, Henrique deteve-se e lançou a cabeça para trás, como se se recordasse de um acontecimento doloroso. 131 - Que foi, meu amor? - perguntei. - Que mais disse ela? - Que Deus era sua testemunha testemunha... ... quantas vezes invocou o nome de Deus... Que, quando a tomei pela primeira vez no leito, era uma donzela e nunca nenhum homem lhe tinha alguma vez tocado. Chegara virgem ao leito de Artur e virgem de lá saíra. - É o oposto àquilo em que baseais toda a vossa argumentação, não é verdade? - O rei acenou gravemente com a cabeça. - Mas meu pai - prossegui - recorda-se de ter falado com Artur na manhã seguinte ao casamento e de este lhe ter dito claramente: ”Trazei-me um copo de cerveja, pois esta noite estive no meio de Espanha!” Outros afirmam que é verdade, que ela não era virgem quando chegou ao vosso leito, de modo que o vosso caso se justifica, por mais que Catarina invoque o nome de Deus. Henrique escutou os meus argumentos, mas mesmo assim parecia preocupado. - Não haveis visto a multidão quando abandonou a sala. Estavam todos com ela. Os bispos, os clérigos, os advogados e os embaixadores ficaram sentados em silêncio e cheios de assombro, ouvindo as aclamações através das portas abertas. ”Viva Catarina!”, gritava o  povo. ”Que bem se defende!” ”Não tem nada a temer!” Oh, Ana, que fortaleza a dela! - E vossa também! - exclamei, tomando nas minhas as mãos de Henrique. Apercebi-me do seu pescoço tenso, do rosto corado, da expressão de infelicidade. - Catarina falou verdade ao dizer que é uma eestrangeira. strangeira. Este país é vosso e ela só foi rainha  porque vós o haveis querido! - É verdade, é verdade - concordou o rei, mais animado com as minhas palavras. - O vosso sangue Tudor lutou para obter a coroa e conseguiu-a. Sois o oitavo Henrique a governar esta terra, e sois de longe o maior. Não há princesa espanhola que possa matar os vossos desígnios. - Nem um maldito cardeal! Erguemos os olhos e vimos que meu pai entrara, vindo do rio. - Com vossa permissão, Majestade, devo dizer-vos que Wolsey não é para vós um servidor  leal. A questão escapa-se-nos das mãos, creio que por sua culpa. - Fazeis um juízo severo, Thomas. - Nem por isso, Senhor. Sois demasiado benévolo. O duque de Norfolk enviado por vós em missão diplomática a França, cita o rei Francisco, quando diz que Wolsey gozava de ”um  privilegiado 132 contacto contac to com Roma, tal como o cardeal cardeal Campeggio”. Pergunt Pergunto-vos: o-vos: onde está a lealdade? lealdade? Até mesmo Thomas More, esse erudito, qualifica as suas acções de astutas e diz que tem agido perfidamente convosco. O povo também o odeia, Majestade, pois tem lançado impostos exagerados para financiar as guerras no estrangeiro. Digo-vos que o deveis vigiar  de perto e nãode sóvermelho. a ele como também ao cardeal Campeggio que não passa de um lacaio  papal, vestido - Obri Obrigado gado pelos vossos conselhos, lorde Ormond e também pelos vossos, minha querida.

 

Mas embora possais estar certos acerca dos cardeais, acredito do fundo do meu coração que nunca se atreverão a manobrar contra mim. Em Roma, o Papa detestaria perder o seu aliado inglês. Meus amigos, tivemos um dia difícil, mas acabaremos por vencer. Assim, tendo recuperado o bom humor, o rei jantou connosco em Durham. A refeição foi agradável e divertida. Toquei alaúde, cantámos e, depois de meu pai se ter retirado, abraçámo-nos e beijámo-nos. Henrique disse que seria eu que o faria mover céus e terra. do fundo do meu coração  poder corresponder-lhe do Ama-me verdadeiramente eu espero mesmo modo. Sei que umedia o meu amor igualará o dele, mas por agora tenho ainda de fingir. Sou Afectuosamente vossa,  Ana

25 de Julho de 1529 Diário, A traição cometida pelo Papa é tão difícil de imaginar, que me custa falar dela. Mas devo fazê-lo, pois o meu destino e o de Henrique estão entrelaçados. O julgamento foi suspenso sem qual qualque querr veredi veredicto cto,, nem fav favorá orável vel,, nem cont contrár rário io ao div divórc órcio io do rei. rei. Termin Terminou ou simplesmente, para que o caso fosse transladado para Roma, o que é pura e simplesmente uma desgraça. Catarina ganhou esta batalha, pois se o caso for julgado nessa cidade, certamente será decidido a seu favor. É muito claro como as coisas chegaram a este ponto e a rainha, embora vitoriosa, não é a causa. Tal como eu, é um mero peão dos homens e das suas guerras. O que aconteceu é que, sem que disso tivéssemos conhecimento, os franceses foram derrotados pelas tropas 133 imperiais em Landriano, no campo italiano e uma peste levou os sobreviventes. Assim, enqua enq uant ntoo Hen Henri riqu quee su supor porta tava va um calo caloro roso so Verão Verão aq aqui ui em Bl Blac ackf kfri riar ars, s, ag aguar uarda dando ndo  pacientemente a resolução da sua causa, o papa Clemente foi a Barcelona e assinou um tratado, com o recém-coroado imperador. Depois, o nosso aliado Francisco foi a Cambrai fazer a paz. Tudo isso ignorávamos, apenas tínham tín hamos os conheci conhecimen mento to da sus suspen pensão são do jul julgam gament entoo e a inform informação ação de que quando quando reabrisse em Roma teria uma conclusão justa. Só mais tarde, tudo se tornou claro para os nossos espíritos. O Papa, agora em paz com o imperador Carlos - sobrinho da rainha Catarina - nunca dará o seu consentimento a este divórcio.  No dia 23 de Junho, último dia do julgamento e, supostamente, o da leitura da sentença, dirigi-me a Blackfriars, pois enlouqueceria se ficasse à espera em Durham HalI, para saber  o que seria de mim, e escondi-me numa galeria. Os cardeais estavam de pé e vi Wolsey, mudo e trémulo, enquanto o cardeal Campeggio, com ar afectado, fazia o seu virtuoso discurso. Declarou Declar ou temer o desagr desagrado ado de Deus e a condena condenação ção da sua alma, se concedesse concedesse favores a um príncipe ou homem de estado e que, por enquanto, não poderia pronunciar qualquer  sentença. Henrique, preparado para boas notícias, sentiu-se ofendido e impotente como uma criança pequena. Abandonou a sala, espumando de cólera, fazendo tremer o chão que  pisava. O duque de Suffolk falou então em nome do rei, dando largas à sua fúria: -cardeal Pela santa vejo agora que é verdade quegaleria, diziamtenho os antigos. Nunca ouve legadopor  ou que missa, favorecesse a Inglaterra. Sozinhao na de confessar que chorei todo o tempo perdido, por todas as esperanças destroçadas.

 

E onde estava a grande influência do cardeal Wolsey em toda esta questão? Não sei. Velho impotente, que nos fez crer em vão, que aquele tribunal nos seria favorável se reunisse em Inglaterra. Maldito Wolsey, filho de um carniceiro de lpswich, elevado à mais alta glória. A sua estrela perdeu o brilho. Henrique dá-me agora ouvidos, quando lhe falo mal de T Carlis Ebor. E o maldito cardeal há-se sofrer com o meu desagrado. juro que o farei cair, para nunca mais se levantar. Afectuosamente vossa,

 Ana

134 31 de Agosto de 1529 Diário, O rei e eu, achamo-no achamo-nos, s, acompanhad acompanhados os por toda a corte em plena caçada de Verão, tendonos alojado em Waltham, Bamett, Tuttenhanger Holbom, Windsor e também Reading. Há sempre murmúrios por entre o seu séquito, quando, ao lado do rei, monto o meu alazão, magnificamente ajaezado e coberto por um caparazão de veludo negro, debruado a ouro. Porém os murmúrios sobem de tom, quando vou com ele na garupa do cavalo. As gentes que nos vêem passar estão plenamente convencidas que sou sua amante de alma e coração. Hoje, cavalgámos por prados e colinas floridas, com o estrépito das trombetas e o latido dos cães, perseguindo majestosos veados, com o vento a bater-nos nas faces queimadas do sol. Henrique adora caçar. É maravilhoso vê-lo montar o seu alazão branco, ousado e viril, com os olhos   brilhantes de felicidade. Todos os cuidados desaparecem, sob aqueles cascos trovejantes e esquece mesmo as preocupações acerca do seu divórcio com Catarina. Mandei vir o meu cão Urian, que acaba de matar uma vaca, rasgando-lhe a garganta. Henrique pagou-a ao camponês mas, mesmo assim, murmurou-se que Urian era o nome de um demónio, o que me transforma, mais uma vez, numa bruxa, capaz de prendeu o rei com os seus feitiços. É verdade que ele está muito apaixonado e não oculta o que sente por mim.  Não só me cumula de presentes - selas e arneses, vestidos, arco e flechas, luva de caça, e até roupa interior  - como mostra publicamente o seu afecto: acaricia-me e beija-me à vista de todos. Esta noite, enquanto ceávamos junto à enorme lareira, acesa nos seus aposentos privados, disse-lhe que não julgava prudentes aquelas demonstrações. Lá longe, em Roma, os seus homens continuam a tentar adiar o julgamento do divórcio. A rainha, embora afastada da vista de Henrique, persiste por sua vez em falar com os embaixadores espanhóis a seu favor. Até que tudo se resolva teremos de manter uma aparência de castidade. Depois, quando terminámos, corados pela boa comida e pelo vinho, ele voltou-se de costas  para atiçar o fogo e disse-me em voz baixa e, com alguma astúcia, penso eu, que há uns meses atrás Clemente lhe havia dito que se se mantivesse casado com Catarina, ele, o Papa, conferiria uma dispensa legal, para tornar legítimos os meus 135  bastardos, filhos de Henrique. Não podia acreditar nos meus ouvidos! Ergui-me e prepareime para abandonar a sua câmara, antes que o rei me visse chorar de raiva. Mas ele agarroume, já na soleira da porta. -- Ana, Nunca concordava com tal coisa. Então,ficai. porque me disse haveisque falado no assunto? - Porque vos digo tudo!

 

- Acredito que haveis apreciado a oferta. Manter a rainha. Possuir-me. Legalizar os nossos  bastardos. Continuar amigo do Papa. Sim, Henrique, agrada-vos bastante! - Tentei escaparme, porém abraçou-me com força e as lágrimas rolaram-me pelas faces. - Meu Deus, como fui insensata! Fiquei à espera tanto tempo, entretanto poderia ter arranjado um casamento vantajoso e ter tido filhos! Posso despedir-me da minha juventude desperdiçada! O rei inclinou a cabeça, com o queixo trémulo e os olhos húmidos. -Ali Escutai, Hei-de convosco ou sem tivesse o consentimento do aPapa. fiquei,Ana. como uma casar-me surda que, naquelecom momento, recuperado capacidade de ouvir. - Fá-lo-eis? - Se necessário for. Fiquei em silêncio, sabendo o que tudo aquilo significava para ele. A excomunhão da Igreja. Uma guerra santa contra toda a Inglaterra. - Sabeis que li o vosso livro? - perguntou Henrique, em voz baixa. -  A Obediência de um Cristão, de Tyndale. - E o que haveis encontrado nele? - As passagens que marcastes com a unha, para que eu reparasse... li-as várias vezes - olhou  para o lume. - É um livro para ser lido por todos os reis. Diz que estes são responsáveis, não só pelos corpos, como pelas almas dos seus súbditos. - Prossegui - pedi eu, já sem lágrimas. - Sou o rei de Inglaterra e, como tal, em virtude de um antigo direito, sou imperador  absoluto... e Papa, no meu próprio reino. - Claro que o sois, Henrique! - exclamei. - E se estais de acordo com as ideias desse livro, tenho outro que podeis examinar. - De que livro se trata? - perguntou, iluminando-se-lhe os olhos com um brilho igual ao que mostrara durante a caçada. - Súplica pelos Mendigos de um tal Simon Fish.

- E que diz? 136 - Que a reforma das igrejas deve ser da responsabilidade do rei e não dos clérigos, pois estes são cruéis e corruptos e que o Purgatório nada mais é do que uma invenção grosseira,   para para ext extorq orquir uir din dinhei heiro ro aos bons bons cri cristã stãos, os, poi poiss est estes es acredi acreditam tam err errada adamen mente te que os sacrifícios monetários podem ajudar os entes queridos presos entre o Céu e o Inferno. - É um título estranho para um livro. - Fish escreve, com inteligência, acerca das hordas de mendigos ingleses, criados, segundo diz, porque o clero lhes rouba o dinheiro que poderiam ganhar com trabalho honesto. Uma sombra passou pelo rosto de Henrique e pareceu nesse momento transformar-se num novo Atlas, com o peso do mundo sobre os ombros. - Essas ideias são certas e verdadeiras, garanto-vos, porém não passam de palavras escritas no papel por autores que apenas têm de cuidar da sua vida. Não me posso arriscar agora a uma guerra com toda a Europa católica. Não disponho de um exército suficientemente numeroso, nem de dinheiro para pagar aos soldados. Toda a Inglaterra sofreria se... - Bem sei. -- Também E também,o sei. ainda não perdemos em Roma! - Meu Deus, Ana, amo-vos! - exclamou, estreitando-me contra o peito. - Ficai e lutai

 

comigo, pois conseguiremos a vitória. Sei que assim será! - Ficarei, Henrique, ficarei - nesse momento, beijei-o e abracei-o. A nossa batalha será longa e brutal, contudo, esta noite, soube que continuava determinado e, mais importante ainda, soube que ele vira o caminho que leva à nossa meta, iluminado por uma luz diferente - uma luz cuja fonte estava longe de Roma e se chamava Lutero. Afectuosamente vossa,  Ana

27 de Outubro de 1529 Diário, Que maravilhosa ocasião. O grande cardeal Wolsey caiu do seu pedestal e eu, ”a menina tola da corte” fui o instrumento da sua

137 destruição. Verdadeiramente foi ele que cavou a própria sepultura, fazendo prevalecer a lei estrangeira - a do Papa - sobre a do Rei, desafiando assim a lei inglesa de  Praemzinire. Deste modo, numa formosa manhã da passada semana, os duques de Norfolk Norfolk e de Suffolk  diri dirigi gira ramm-se se ao palá paláci cioo de Yo York rk e ex exig igir iram am ao chanc chancel eler er o Grand Grandee Se Selo lo do Reino Reino,, destituindo-o do seu cargo e de todas as suas terras e bens mundanos. Com a cabeça baixa e o rabo entre as gordas pernas, saiu do palácio de York, dentro da sua barcaça pintada, enquanto era vaiado por pelo menos uma centena de cidadãos de Londres que gritavam dos seus barcos na esperança que fosse enviado como prisioneiro para a Torre. Porém o seu destino era outro: o desterro para uma casa fria e distante chamada Esher. A minha participação consistiu em fazer ver a Henrique que Wolsey não era um amigo, mas sim quem, muito pelo contrário, tinha sido a causa de muitos problemas e desgraças  para o Rei. Enquanto  passeávamos nos jardins de Greenwich, com o vento a fazer rodopiar  as folhas junto aos nossos pés, fiz um sermão a Henrique como se fosse um severo  preceptor. - O grande empréstimo contraído pelo cardeal para pagar a vossa guerra contra os franceses - disse eu - endividou todos os súbditos ingleses do reino em pelo menos cinco libras. Mas o pior foi que os seus erros diplomáticos nos privaram dos nossos aliados franceses e tornaram inútil toda a subserviência para com o rei Francisco. A Inglaterra perdeu a sua  posição entre as potências europeias. Henrique assentiu COM UM gesto grave, sabendo que aquilo que eu dizia era verdade, o que me deu coragem para prosseguir. - Haveis erguido este sacerdote a uma altura tal que a sua riqueza ascende a um terço do vosso tesouro, e ele não tem um país para governar  com o seu rendimento. Sabeis que chamam ao vosso cardeal o rei da Europa? Henrique estremeceu como se lhe tivesse desferido um golpe, pois na sua indignação contra o velho Wolsey, misturavam-se também a lealdade e o amor, e sofria por ter de se separar  dele. Mas não havia outro remédio. O seu destino estava decidido. Quando Wolsey saiu do palácio de York, Henrique levou-me até lá, para passarmos revista aos seus bens confiscados. Era difícil imaginar as riquezas e a quantidade de coisas que vimos sobre enormes cavaletes e encostadas às paredes. Tapeçarias, dezenas de carpetes, almofadas, reposteiros, dezasseis camas lavradas de dossel,

 

138 mesas, tronos, arcas, quadros enormes, uma baixela e taças de ouro para servir cem  pessoas, cruzes de ouro e pedrarias, cálices e paramentos. - São agora vossos, por direito, Henrique - disse eu, olhando para toda aquela riqueza acumulada. Vi o espanto nos olhos do rei, por possuir agora aquele tesouro. - E vosso também, Ana - disse. Sorri disfarçadamente. -OUm presente casamento depensando Wolsey, não é verdade? rei ficou numdesilêncio triste, talvez nos bons conselhos do cardeal. - Haveis feito bem, Henrique. Era hora de Wolsey partir. - Sim. Agora preciso de um chancel chanceler er que não seja clérigo. Que pensais da minha escolha de Thomas More? Demorei a resposta, pois sabia que o advogado e sábio autor da obra Utopia era amigo de Henrique. Era um homem respeitado pela sua justeza e muito apreciado na corte e entre o  povo. Mas a sua nomeação fez-me pensar. É um acérrimo católico e opõe-se ao divórcio - disse eu por fim, É verdade. E insisto para que siga a sua consciência. Mas não deverá preocupar-se com o meu divórcio, apenas com assuntos e questões legais. More sempre se mostrou um servidor leal e obediente e apenas me dá opiniões quando insisto para que o faça. Recordei o momento em que vira Thomas More pela primeira vez. Encontrava-me na sala de audiências do rei e, em meu redor, ouvia o arrastar dos vestidos de seda e o tilintar de   pesa pesadas das co corr rrent entes es de ouro, ouro, cont contra ra os pr preg egad ador ores es de pe pedr dras as pr prec ecio iosa sas. s. O ar esta estava va impregnado de perfume francês, proveniente das dobras e folhos de todos os gibões e corpetes de renda. Depois, por entre este jardim de pavões, surgira uma ave de plumagem diferente - um homem magro envergando vestes simples, negras e grosseiras. Tinha olhos doces e expressão amável. Precedia-o a sua reputação. Amigo de Henrique desde a juventude, seu conselheiro de muitos anos, estimava Catarina e fora o anfitrião de Erasmo, quando este visitara a Inglaterra. Era muito amigo da família, casado há muitos anos com Alice More, mulher de língua afiada, e pai extremoso de uma filha natural e de outra que adoptara, sendo-lhe ambas muito dedicadas. dedicadas. Não consegui desviar os olhos do seu rosto, rosto, imaginando as doces  palavras que aqueles lábios pronunciavam aos ouvidos das filhas. Educava-as com afecto e oferecia-lhes 139 uma boa orientação para esta vida difícil. Tudo o que nunca recebi da parte de meu pai. Lembrei-me Lembr ei-me do rosto dele - olhos de aço, boca aperta apertada, da, dando-me rudes conselh conselhos os para a minha ascensão social. O meu valor era apenas medido por essa bitola... regressei ao  presente e respondi à pergunta que Henrique formulara. - A veneração de More por Vossa Majestade é admirável e certamente sincera, mas tem uma família a sustentar e precisa progredir na carreira. - Questionais os seus motivos? - perguntou Henrique. - Os motivos, não, mas a  propensão para mudar de ideias. Não preconiza, na sua Utopia, a inflexibilidade para quem cometa adultério ou qualquer outro pecado que tenha a ver com o sexo? A primeira ofensa seria castigada com a escravatura. A segunda, nada menos que a morte. Mas no seu livro, também prevê que o divórcio seja possível. E julgo que, -com É verdade. com todos os meus argumentos racionais e teológicos, conseguirei que mude de parecer e

 

que se converta num precioso aliado para a nossa causa. Rezo para que Henrique não se engane, pois afigura-se-me que teremos de enfrentar uma luta e uma batalha terríveis. Afectuosamente vossa, Ana 2 de Dezembro de 1529 Diário,  Neste cinzentodoe castelo. ventoso,Ovivento meu agitava-me irmão partiropara França. Despedimo-nos praia de Dover,dia à sombra cabelo e a saia com tal força,naque mais  pareciam velas de lona, e apenas o braço forte de George no meu, conseguiu manter os meus pés em solo inglês. Estava frio, mas sentíamos o calor da nossa afeição. Apertou-me as mãos trémulas dentro do regalo de raposa, enquanto observávamos os   pequenos botes cortar as ondas carregados com cestos, baús e barris em direcção ao  Princess Mary, que se encontrava ancorado ao largo da costa coberta de espuma. Falámos de muitas coisas, juntando as cabeças. De como o amor de Henríque por mim tinha feito subir a posição e a fortuna da nossa família - o meu pai era agora conde de Wiltshire e de 140 Ormond, George era lorde Rochford e eu, lady Ana Rochford. George fora ainda nomeado embaixador em França, daí a sua partida para esse país. Recordámos o grande banquete que Henrique oferecera em Whitehall para celebrar essa as asce cens nsão ão da nos nossa sa fa famí míli lia. a. Foi Foi uma uma fe fest staa ma magní gnífi fica, ca, pa para ra on onde de fo fora ram m co conv nvid idad ados os importante impor tantess nobres. George disse que tinha vist vistoo a irmã do rei, a duquesa de Suffolk Suffolk ficar  mais verde que a seda do seu vestido, ao ver-me sentada à direita de Henrique, lugar  reservado a rainhas coroadas. Du Belay, o embaixador francês, observou atentamente todos os pormenores da festa e George teve oportunidade de ver Eustace Chapuys, novo espião do imperador na corte (e conselheiro de Catarina) tomar notas num pequeno caderninho que trazia à cintura. Estou certa de que tudo o que aconteceu terá sido descrito numa carta a seu amo Carlos, para ser utilizado como arma em proveito de sua tia. Houve muitas e variadas iguarias nesse banquete - ganso assado, lebre, cordeiro, pombo, codor cod orni nizz e vead veado, o, bolo boloss de ma mant ntei eiga ga rech rechead eados os com fr frut utos os de In Inve vern rno, o, en enor orme mess quantidades de vinho doce, imensas tartes de pêra e maçã. Os músicos tocaram durante o festim. Depois vieram os bobos e novamente os músicos após as mesas terem sido retiradas. retir adas. Dançámos Dançámos,, rimos e diver divertimo timo-nos -nos até de manhã, quando a luz do sol começou a entrar pelas janelas do palácio. Foi uma noite tão feliz que houve quem murmurasse que a festa parecia um banquete de casamento. Enquanto George e eu nos encontrávamos na praia, chegou um cavalheiro com a esposa e o seu séquito para fazerem a travessia do canal. O homem era bem parecido, a mulher  form formos osaa e segu seguia iamm-no noss as cria criada dass e vári várias as filh filhas as.. De Deti tive vera ramm-se se co cont ntra ra o ve vent nto, o, estremecendo só de pensar que teriam de realizar a travessia num barco de madeira, sobre o mar revolto. - Oh, George - exclamei. - Acabo de ter uma visão do meu passado! Tinha nove anos. Era alta e muito magra, lembras-te? - Lembro-me de ti assim. Alegre, de temperamento vivo. Olhos negros. A menina de nosso  pai. - Nã Nãoo est estav avas as co conn nnos osco co aq aqui ui em Do Dove ver, r, no di diaa em qu quee no noss ssaa irm rmãã Mar Mary e eu acompanhámos a princesa na sua viagem nupcial para França?

 

- Nessa altura, encontrava-me em Londres. - Estava um dia parecido com o de hoje, cinzento, frio, com o mar bravo. Estávamos todos na praia, a olhar para os vários navios 141 ancorados ao largo, aguardando o nosso embarque. Foi nesse dia que vi Henrique pela  primeira vez. Pareceu-me belo como um deus, coroado rei havia feliz com com ao sua esposa espanhol espanhola. a. Viera desped despedir-s ir-se e da irmã irmã, , que enviara parapouco, casar ainda em França velho rei Luís. Vi-o na praia, embora ele não tivesse reparado em mim que não passava de uma menina magrizela. Nesses tempos, só tinha olhos para a rainha, a orgulhosa Catarina, grávida, de ventre inchado. - Recordo-me de Henrique nesses tempos - disse George. - Parecia-me desmesuradamente grande, como se as suas veste vestess estivess estivessem em a ponto de rebentar de tanta vital vitalidade idade e avidez  pelo mundo. A sua infância fora uma espécie de prisão; segundo filho, destinado à igreja, enclausurado nos austeros aposentos do próprio pai. Bem instruído, mas sem poder falar  senão com os seus preceptores, caminhava sozinho pelos jardins vazios do palácio. Um  jovem isolado. Depois o pai morreu logo a seguir a Artur. Oh, Ana o jovem Henrique  parecia  parec ia uma borbol borboleta eta acabada de sair de um casulo, completame completamente nte formado, para seguir  uma vida alegre e emocionante. Henrique, o Grande... um cognome apropriado para um rei maravilhoso. George voltou-se e tomou-me as mãos. - Há-de casar  contigo. Sei que arranjará maneira. Tenciono regressar para presenciar a coroação de minha irmã.  Nesse momento, surgiu um marinheiro que veio avisar George de que deveria embarcar no  pequeno bote, para chegar ao navio que, ao largo, balançava com o embate das ondas. Beijei-o, encomendei-o a Deus e deixei-o ir. Subiu a bordo e vi um golpe de vento arrebatar-lhe o gorro, que afinal conseguiu segurar com a mão. Voltou-se e sorriu de novo,  parecendo de novo, com ar traquinas. O caloroso afecto do seu sorriso percorreu a praia e envolveu-me como uma capa de lã. Assim protegida, fiquei a ver partir o navio, que em  breve desaparecia na linha do horizonte. Afectuosamente vossa, Ana  Nota: Segundo os registos históricos, o príncipe Artur morreu em 1502, cinco meses após o seu casamento com Catarina de Aragão. Henrique VII, seu pai e pai de Henrique VIII, morreu em 1509. [N. da T.] 142 25 de Dezembro de 1529 Diário, Ai que desdita a minha! Escondida nos meus aposentos, oiço o ruído das festividades natalícias no grande salão de Greenwich celebrações grandiosas e públicas presididas pelo rei e pela rainha, enquanto que eu estou apenas acompanhada por minha mãe e irmã, Thomas Cranmer e alguns cortesãos que me são fiéis. George continua em França e meu  pai - que julgo ignorar o significado da palavra lealdade - festeja esta nnoite oite ao lado do rei. Reprovei veementemente Henrique por esta triste decisão, porém declarou-se impotente  para alterar Catarina uma antiga - Enquanto fortradição. rainha - respondeu - deve manter-se como minha consorte oficial, durante as festas de Natal e Páscoa. Noutras ocasiões, meu amor, sereis certamente vós a

 

acompanhar-me. já causámos escândalo por exibir em público o nosso amor, todavia nestes dias sagrados, os meus súbditos não permitiriam a vossa presença a meu lado e revoltar-seiam. Perdoai-me, Ana, peço-vos.  Não perdoei ao rei e, com as lágrimas a correrem-me pelas faces, ordenei-lhe que se afastasse da minha vista. Agora escuto a música que chega do salão lá de baixo, imagino as mesas festivas, iluminadas por um milhar de velas, os esplêndidos convidados de Henrique, as suas jóias, ausência. as suas vestes elegantes, a dançar e a rir, com os meus inimigos, encantados com a minha Confessei estas tristezas a minha irmã viúva, que escutou as críticas que fiz a quem me detesta. Em primeiro lugar, a rainha que, com a sua perseverança e exasperante dignidade, contém as maquinações de Henrique e recusa-se a tratar-me mal. Mary afirma que Catarina não acredita que nos casemos e, que se se mantiver firme no seu lugar e nada disser de ofensivo ou insultuoso, chegará o dia em que recuperará a sua posição no coração do rei  bem como a validade do seu casamento. Diz que a rainha não pode odiar-me, pois a sua fé católica e amor piedoso não lho permitem. É bem diferente a atitude da princesa Maria. Tal como eu, minha irmã apercebe-se do veneno do olhar da jovem. Católica ou não, deseja ver-me morta. E embora Henrique despreze cada vez mais Catarina, adora a sua bonita filha Maria, agora com treze anos, inteligente e instruída, a sua Pérola do Mundo. Até que do meu ventre nasça um príncipe, esta frágil menina continua a ser a única herdeira legítima do Rei. 143 Inimigas de menor importância mas, mesmo assim incómodas, são as aias espanholas de Catarina. já afirmei de viva voz que gostaria de as ver afogadas no fundo do mar. Mary  perguntou-me se era verdade que eu dissera à aia da Rainha, Maria de Moreto, que preferia ser enforcada a reconhecer Catarina como minha ama. Confessei que sim, que era verdade e Maria soltou uma gargalhada que eu acompanhei. Foi bom sentir erguer-se a nuvem cinzenta do meu coração enquanto arremetíamos contra outros adversários, com gracejos e troças. Depoi Dep oiss perg pergun unto touu-me me qua quall er eraa o me meuu ma mais is fe ferv rvor oros osoo des desej ejo. o. Levei Levei algu algum m temp tempoo a responder. Que Henrique afastasse da corte a rainha Catarina e a princesa Maria, respondi,  por fim. - Deixa-me dizer-te como poderás obter tal favor do rei. - Inclinou-se mais. - Henrique é um homem lascivo e nem todos os beijos e carícias deste mundo o contentam. - É como te digo, minha irmã. Nos seus sonhos sou muito melhor do que poderia ser na realidade. - Dá-lhe alguma coisa, Ana, mas mantém a tua virgindade. Adopta a técnica francesa para o satisfazer... com a boca. Juro que para ele será maravilhoso e que nem conseguirás contar  os presentes e favores que te concederá depois de uma noite de tais carícias. Senti ferver-me o sangue. Deveria aceitar o conselho de uma concubina usada e desprezada  por Henrique? - Queres ensinar-me estratégias de amor, quando estou a um passo da coroa co roa de Inglaterra? - Oh, faz como quiseres, minha irmã. Mas essa coroa está ainda firme sobre a cabeça de Catarina, que não desistirá dela assim com tanta facilidade. -- Henrique Henrique ama-me! é caprichoso. Tive desejos de lhe esbofetear o belo rosto; contive-me, porém. Embora acredite piamente

 

nas boas intenções do rei, sinto-me abandonada e afastada durante as festividades do Natal. Meu Deus, rezo para que minha irmã se engane e que, no próximo Natal eu já seja rainha. Afectuosamente vossa,  Ana

144 9Estou de Junho 1530 Diário, muitodesatisfeita por nos últimos tempos estar a ser instruída nas artes da intriga e da  política. Os meus professores - Norfolk, Suffolk, Thomas More e lorde Wiltshire, meu pai, são os maiores artistas deste mundo. Observo-os atentamente, enquanto tecem, com fios dourados, juntamente com o rei, a bela tapeçaria de feudos, súbditos, guerras e impostos; a seguir bordam-na com elegante diplomacia e leis e embainham-na com o fio que são os nobres e os guerreiros fiéis. Fui mandada chamar por um tal mestre Cromwell, secretário do cardeal Wolsey e essa audiência deixou-me intrigada. Aquele homenzinho, vestido de negro, como os advogados, de olhos vivos, nariz pontiagudo, boca pequena numa cara redonda, vinha pedir-me, em nome do seu ainda banido e desterrado amo, um gesto amável da minha parte e da de Henrique. Enquanto se referia a Wolsey, muito doente de hidropisia, desesperado e com extrema necessidade de conforto, tive a sensação de que havia naquele homem uma segunda intenção. Nada nas suas palavras me faria suspeitar da sua deslealdade. Apenas um certo brilho nos seus olhos inteligentes, um meio sorriso nos lábios, que falavam de outros objectivos object ivos e esquem esquemas. as. Talvez que este filho de um fabricant fabricantee de cerveja, que tanto subir subiraa na vida, sentisse admiração pela jovem que transformara o outrora poderoso cardeal num  pobre suplicante. Este estranho homem provocou a minha curiosidade, de tão seguro e confiante. Todavia evitei interrogá-lo e, com fingida generosidade, entreguei-lhe um pequeno presente para Wolsey - um caderninho dourado que trazia à cintura e onde escrevi algumas palavras de consolo e louvor. Ele agradeceu humildemente, fez uma profunda reverência e retirou-se. Pressinto que Thomas Cromwell fará parte do meu futuro. Decerto que o tempo o dirá.  Neste seu apaixonado apego à minha pessoa, o rei delineou uma interessante estratégia para solicitar o divórcio. O novo capelão da minha família, Thomas Cranmer, homem afável e não opinassem necessitavasedao  aprovação bondoso, vindo de Cambridge, sugeriu de ousadamente que Henrique de Roma, apenas da opinião vários teólogos europeus que Papa agira bem ou não ao conferir ao rei uma dispensa para se casar com a viúva do irmão. Estes poderiam

145 mesmo julgar julgar o caso. Esta ideia tão simples teve o efeito de uma bomba sobre a cabeça do rei. Impression Impre ssionado ado com a opinião do seu clérigo, Henrique Henrique declarou que Cranmer Cranmer tinha toda a razão e, sem demora, enviou emissários a todas as universidades da Europa, com os bolsos cheios de ouro. A finalidade seria guiar o espírito dos eruditos em direito canónico e ajudálos a ver a lógica do seu divórcio, para que dessem um parecer favorável sobre esta questão. Daqui retiro a lição de que, qu e, para obter determinados fins, não importam os meios utilizados. E o nosso casamento é causa bastante todona ostipo de es intrigas maquiavélicas. Con Contu tudo, do, futuro isto isto ca caus usou ou gr grand ande e con confu fusã são. o. Opara povo povo nas cidad cidades e ca camp mpos os de desp spre reza za os sacerdotes e bispos ingleses, de modo que quando esses mesmos clérigos defendem nos

 

seus púlpitos o direito de Henrique se divorciar de Catarina e da regra de Roma, insultamnos e mostram-se ofendidos. O próprio Henrique vacila nas questões heréticas. Furioso com o tratado de Tyndale que crucificava Wolsey e condenava o seu divórcio, ofereceu subitamente a este autor um lugar no Conselho Real, na condição de que se retratasse em  público! Por vezes, parece-me que o mundo enlouqueceu e eu com ele. Porém, se queremos atingir a nossa meta, devo continuar firme nos meus propósitos e apoiar Henrique. Afectuosamente vossa,  Ana

1 de Dezembro de 1530 Diário, T Carlis Ebor morreu. Não decapitado conforme ordem dada por Henrique, mas de vulgar  disenteria a caminho da Torre de Londres. Receei que a batalha final de Wolsey pela estima de Henrique obtivesse nova vitória porque, ultimamente, o rei se tem mostrado insatisfeito com os seus conselheiros Wiltshire, Suffolk e Norfolk, lamentando que o cardeal fosse um homem muito melhor do que todos eles juntos. Devolvera-lhe as terras, deixara-o continuar arcebispo de York e fizera-lhe um pequeno presente de três mil libras. Fiquei muito preocupada. E se Henrique reincorporasse esse prelado 146 no seu Conselho? Wolsey continuava a odiar-me. Nas últimas semanas, vim a saber através de ce cert rtos os es espi piõe ões, s, que, que, dur durant antee a su suaa au ausê sênc ncia ia da co cort rte, e, o card cardea eall se co corr rres espo pondi ndiaa traiçoeiramente com o Papa e tinha aprovado um édito para me obrigar a separar do rei. O duque de Norfolk, sem dúvida com interesses egoístas, que coincidiam com os meus desejos, arrancou ao doutor Goatini a declaração de que o cardeal pedira ao Papa a excomunhão de Henrique, a menos que este me expulsasse da corte. Pior ainda, o cardeal  preparava um enorme levantamento, para ele próprio conseguir as rédeas do governo. No Parlamento o novo chanceler, Thomas More, falou com rancor de Wolsey, o ”eunuco” caído em desgraça, e da necessidade do rei eliminar do seu rebanho os homens imperfeitos e corruptos. Os meus ruidosos protestos juntamente com a declaração de More e a informação de Norfolk de ser ignorados. Comuma expressão silen silencioso cioso,, sem dúvida não compuderam o coração coraçãdeixar o parti partido, do, Henrique assinou ordemimpenetrável, para a rápid rápidaa  prisão do cardeal Wolsey. Como faltava decidir quem executaria essa ordem e poucos se mostravam com coragem  para tal tarefa, fui eu própria que designei a pessoa. E a minha escolha recaiu, nada mais, nada menos, do que sobre Henry Percy, lorde Northumberland. Oh, que doce vingança! Quem me dera ter sido uma mosca poisada, nessa noite, numa parede da casa do cardeal  justamente na véspera do dia em que ele esperava ser reconduzido no bispado de York. Afinal, viu Percy entrar-lhe na sala de jantar e dizer estas palavras: ”Meu senhor, venho  prender-vos, pois sois acusado de alta traição.” Depois, sob pesada escolta armada, e com muito mau tempo, enquanto era conduzido para sul, para a sua inevitáv inevitável el execuçã execução, o, senti sentiu-se u-se indispo indisposto sto e caiu. O carde cardeal al Wols Wolsey ey morreu na Abadia de Leicester, muito mais em paz do que eu esperava, privando os meus olhos do seu humilhante fim. Afectuosamente vossa,  Ana

 

7 de Fevereiro de 1531 Diário, Deus abençoe o mestre Cromwell. Em estreita e clandestina relação com Sua Majestade tem um aposento no palácio de Greenwich, 147 a que o rei tem acesso secreto - delineou um plano tão ousado, brilhante e extraordinário que já se avista o fim da ”grande questão” do rei. Só um espírito brilhante poderia conceber  a consagração de Henrique como Chefe Supremo da Igreja de Inglaterra!  No sínodo de Cantuária, Cromwell falou diante dos clérigos reunidos, fazendo notar que os sacerdotes ingleses conferem toda a autoridade a uma potência estrangeira - o Papa. Depois, esgrimindo este facto com uma mão e o terror com a outra, acusou todos os clérigos da ilha de faltarem à lei de  Praemlinire, o mesmo crime de traição que ocasionara a queda de Wolsey, Finalmente exigiu que pagassem um preço, por assim dizer um resgate,  para obterem o perdão do rei! Cromwell afirma que quando se quebrar a espinha dorsal da Igreja, o Santo Padre cairá do seu trono e Henrique passará a ser o Vigário de Cristo em Inglaterra e poderá então ordenar o prelado mais importante do país - o Arcebispo de Cantuária - que lhe concederá o divórcio. Depois, contrairemos matrimónio. Pois bem, foi enorme a celeuma daquela comunicação. Horrorizados, mas engolindo a sua raiva, os  bisposs tentaram  bispo tentaram em vão chegar a uma conclusão menos drástic drásticaa do que declarar declarar Henrique Protector e Chefe Supremo da Igreja e do Clero em Inglaterra! O lorde-chanceler More ficou lívido. Porém mostrou-se impotente no seu novo cargo que dantes o velho Wolsey manobrava como um garrote. Tal como já antes dissera a Henrique, More não alterou a sua posição acerca do divórcio real, mantendo-se firmemente contra. Porém, Thomas More não passa de um títere do rei, demasiado bondoso e flexível para ir  contra a sua vontade. Nas suas funções, este homem tão dedicado à família, com princípios supost sup ostame amente nte ele elevad vados, os, tem per perseg seguid uidoo impied impiedosa osament mentee os hereges hereges.. Afirma Afirma que os descrentes descre ntes nada mais merecem que a exterminaç exterminação ão e mostr mostra-se a-se simplesm simplesmente ente intolerant intolerante. e. Os seus escritos constantes sobre a questão desagradam ao rei e com toda a razão. Como se fosse pouco, aos cidadãos encontrados encontrados a ler a  Prática dos Prelados de Tyndale, atam-lhes essa obra ao pescoço com uma corda e obrigam-nos obrigam-nos a desfilar desfilar pelas ruas de Londres, Londres, para depois queimarem os livros em grandes piras. já mandou chicotear e torturar homens e mulheres, ameaçando lançá-los também à fogueira. Insensível ao incómodo do seu chanceler, o rei ordenou a More que fizesse um discurso na Câmara dos Lordes e a seguir na Câmara dos Comuns, defendendo perante elas os motivos de Henrique para se divorciar de Catarina. Angustiado e humilhado, More argumentou 148 que o seu Rei não agia por amor a uma dama, como alguns diziam, mas puramente por    prob proble lema mass de consc consciê iênc ncia ia e es escr crúp úpul ulos os.. More More de deve ve terter-se se sent sentid idoo su sufo foca cado do po porr ter  ter   pronunciado mentiras tão amargas. Espanta-me esta histórica decisão de Henrique, pois foi só por mim que arrebatou o chapéu ao Papa e o colocou sobre a sua coroa. Tremo só de pensar... mas também sorrio. Sou Afectuosamente vossa, Ana

 

149 Espero ter descoberto o que Vossa Majestade deseja - disse o mordomo-mor Francis Knol Kn olly lys, s, por so sobr bree o ruid ruidos osoo entr entrec echoc hocar ar das das pes pesada adass chave chavess na corre corrent ntee qu quee tinh tinhaa  pendurada à sua fina cintura. O primo de Isabel tinha pernas compridas e era uns centímetros mais alto que a rainha, mas mesmo assim era-lhe difícil acertar o passo pelo dela enquanto atravessavam a longa galeria do castelo de Greenwich. - Minha mãe foi uma das aias da vossa mãe até quase ao fim da vida - declarou. - Segundo me disse, era perigoso mostrar simpatia pela rainha Ana e a maior parte dos seus pertences foram dispersos ou destruídos logo após a sua morte. Isabel sentiu uma sensação dolorosa invadir-lhe o corpo ao pensar naquela mulher, outrora tão amada pelo esposo, cuja memória fora tão rápida e rudemente esquecida. Era-lhe estranho e até incómodo falar abertamente da mãe, condenada por alta traição, cujo nome mal pronunciara nos seus vinte e cinco anos. Porém KnoIlys, seu parente por parte dos Bolena, parecia não ter escrúpulos em falar do assunto. - O nosso amigo Thomas Wyatt, Deus tenha a sua alma em descanso, sempre disse que o  pai estivera apaixonado por Ana Bolena. Escrevia-lhe versos e o rei tinha ciúmes. Foi-lhe fiel até ao dia em que ela morreu. Fora o mesmo Wyatt que, não só oferecera o diário a sua mãe, como lhe instilara confiança  para nele escrever; tinha também defrontado muitas vezes a ira do rei, mas conseguira viver  a sua vida e morrer de morte natural. O filho, do mesmo nome, protestante patriota, morrera havia alguns anos sob o machado do carrasco depois de conduzir uma revolta contra o facto da rainha Maria ter escolhido um noivo espanhol. - Pronto, Majestade - KnoIlys deteve-se ao fundo do corredor, junto a uma porta de madeira trabalhada enquanto escolhia, entre as muitas 150 chaves que trazia à cinta, aquela que servia na fechadura ferrugenta - Não há aqui muita coisa, contudo, julgo que tudo isto pertenceu à rainha. Abriu de par em par a porta de um quarto que pouco maior era que um armário e que deveria tapeçaria, ter servidopara de aposento privado a alguma cortesão.pelas Knollys  pesada revelar uma janela suja. Oaia pó ou rodopiava fitasafastou de luz, uma que conseguiam a muito custo entrar através do vidro. - Desejais que vos traga um archote? - Não, não. Abri a janela. Será suficiente. Com enorme rangido abriu a vidraça e o quarto encheu-se com a luz da manhã. - Obrigada, Francis, estou-vos muito grata. Podeis retirar-vos. - Majestade - Knollys inclinou-se com as pernas rígidas e saiu, fechando a porta atrás de si e sem fazer ruído. Isabel viu-se por fim sozinha, com tudo o que restava de sua mãe e olhou com avidez para tudo o que a rodeava - aqui uma almofada bordada, ali uma tapeçaria antiga, descuidadamente dobrada, um par de castiçais de bronze, um crucifixo, uma campainha de vidro veneziano ja rachada. Isabel abriu o armário. No seu interior pendia um vestido já desbotado, com enfeites vermelhos e cor-de-laranja, cuja estreitaestavam cintura eamarrotadas corpete davam créditodo aosarmário, rumorescom acerca da figura de Ana Bolena. As mangas no fundo as fitas de seda ainda passadas nas ilhós. Isabel ergueu uma delas e reparou na pequena pala

 

 pontiaguda, para tapar o pequeno dedo, próximo do pulso esquerdo. A mãe inspirara aquela moda para esconder aquele diminuto apêndice de carne e unha, a sua ”marca de bruxa”. Isabel encostou a manga ao rosto. Inspirou profundamente, pois os anos haviam disfarçado os odores. Porém restava um doce perfume, juntamente com o cheiro de um corpo humano, uma mistura de essências e almíscar. Sua mãe. Sim. Era-lhe tão distante e, ao mesmo tempo, tão familiar. Fechou os olhos e tentou recordar-lhe o rosto, porém apenas via uma luz ofuscante, a recordação de um riso alegre e partes de uma canção de embalar, francesa, cantados numa voz bem modulada. A rainha fixou a seguir o olhar no catre baixo, agora desprovido de colchão, onde estavam empilhadas várias caixas e um enorme baú pintado, ao estilo italiano. Abriu-o e descobriu uma nuvem de traças mortas e uma mistura de objectos que mostrava bem a pressa com que tinham sido guardados. Havia um cesto com sapatos de salto, um par de cetim verde, debruado a renda, um de brocado de ouro e outro de veludo negro 151 com borlas prateadas. Em todos eles havia a marca do pé esguio de Ana, marca essa de que a rainha tinha dificuldade em afastar a fastar o olhar. Porém havia mais. Envolvida num pano fino encontrava-se um regalo de raposa vermelha, quase comido pelas traças e uma caixa de prata para cosméticos - um pó branco, fantasmagórico que havia muito, perdera o perfume, um boião de vermelhão, para dar cor  às faces, frascos de loções agora duras e rachadas. Em pequenos sacos, atados com fitas,  poções de ervas e preparados medicinais, já transformados em pó. A miniatura de um belo homem, emoldurada a pérolas, talvez seu tio George. Encontrou, cuidadosamente dobrada, a libré de um dos criados de Ana uma jaqueta de veludo púrpura e azul, com as palavras  La  Plus Hereuse, ”a mais feliz”, bordadas no peito. Isabel fechou o baú com uma pancada seca, enviando outra nuvem de pó para a sua dança rodopiante à luz do sol e abriu uma das caixas de madeira. Livros. Os livros de Ana. Isabel sabia que eram preciosos, pois tinham formado a substância da inteligência e das crenças de sua mãe. A rainha pegou num deles e leu o título gravado a ouro sobre a capa de pele: A  Nobre Arte da Montaria e Caça. Lá estavam os muito folheados Contos de Cantuária, de Chaucer, vários livros de cavalaria, vários livros de poesia francesa. Encontrou um volume enorme desenhos de todas outro as flores árvores medicinais as suas de utilizações. E ainda de ecapa cor inglesas de vinhoe eoutro comdearplantas de ter tido muito com uso: tratava-se da obra de Tyndale Obedi Obediência ência de um Cristão, Cristão, que sua mãe oferecera a seu pai  para que o rei pudesse ler e tomar conhecimento dos princípios da nova religião. Isabel abriu o livro com todo o cuidado, voltando as páginas do mesmo modo que imaginava terem-no feito seus pais. Deteve-se, atraída por um sulco quase invisível, que sublinhava uma passagem da página setenta e um. Falava do dever de Henrique cuidar das almas dos seus súbditos. Era o texto que Ana marcara com a unha  para que Henrique o lesse com atenção. A nova religião. Quantos não tinham morrido, pensou Isabel,  só  pelo direito de acreditar que um homem podia falar directamente com Deus, escolhendo o raciocínio à fé. Se a Reforma tivesse sido um caminho, este teria começado às portas da cidade Wittenberg, a cidade de Lutero, estendendo-se por todo o continente, ramificando-se por todas as cidades econvertidos aldeias. Lutero, Calvino,cheia Zwingli, como grandes generais, haviam conduzido exércitos de pela estrada de mártires sem vida, até uma revolução que mudara para sempre a história do mundo.

 

E, em Inglaterra, pensava Isabel, passando o dedo pela passagem marcada do livro de Tyndale, uma jovem plebeia, tinha, para espanto dos 152

fiéis, afastado de Roma o seu rei, profundamente católico, que assumira a independência da religião. Claro que fora um caminho sinuoso e difícil para os ingleses. Henrique, outrora o soberano mais estimado pelo Papa, estava longe de ser um zeloso reformador. De facto, manteve-se um católico fiel até à morte, em todos os aspectos, excepto em um - a sua descrença na supremacia do Papa. Não fora a cega paixão por sua mãe, pensou Isabel, e a necessidade política de um herdeiro varão que ela lhe prometera e a Inglaterra teria continuado esmagada pelas garras da autoridade papal. A insistência de seu pai em que o casamento com a viúva do irmão fora uma blasfémia aos olhos de Deus, não dava direito aos ingleses de lerem as Escrituras na sua própria língua. Embora Henrique Henrique tivesse tivesse ele próprio tido conheci conhecimento mento das obras de Tyndal Tyndale, e, condenava condenava do fundo do coração a tradução que esse autor fizera da Bíblia. Isabel recordava-se que o seu preceptor lhe contara que o pai tinha acusado Tyndale de traição simplesmente por ter  tentado imprimir a sua Bíblia em Inglaterra e de como os agentes reais o tinham perseguido implacavelmente quando fugiu para a Europa em busca de um editor. Por fim, no ano em que Henrique se apresentou perante o sínodo de Cantuária e se declarou Chefe Supremo da Igreja Igr eja de Ing Inglat laterr erra, a, enf enfren rentan tando do a sua pró própri priaa exc excomu omunhão nhão,, ordeno ordenouu a execuçã execuçãoo de Tyndale como herege. O homem que tinha dito a um amigo católico: ”Se Deus mo  permitir, não hão-de passar muitos anos até que consiga que o simples rapazinho que conduz o arado saiba mais que vós acerca das Escrituras”, foi publicamente afastado e queimado enquanto gritava: ”Que Deus abra os olhos do rei de Inglaterra!” Quando Henrique morrera, agarrado à mão de Thomas Cranmer, seu grande amigo, o reimenino Eduardo VI, meio-irmão de Isabel, ocupara o trono e conduzira a Inglaterra para o seu primeiro compromisso com o protestantismo fanático e opressor. Contudo, Isabel tinha conhecimento de que os sequazes de Eduardo haviam saqueado as igrejas, não tanto para as despirem dos sagrados símbolos católicos, como para retirarem todo o ouro e prata dos altares e assim enriquecerem o desprovido tesouro real. Mais tarde, durante o reinado de sua irmã Maria, a contra-revolução não passara de outro  pesadelo. Os laços com foram a am Reforma apenas sobrevivera na clande cla ndesti stinid nidade, ade, mil milhar hares esRoma de her herege egess restabelecidos, protes protestan tantes tes foram for mortos mortos, , inc inclui luindo ndo Thomas Thomas Cranmer e a vida da própria Isabel correra sérios riscos. Obrigada a assistir à missa para se fingir crente, rezara todos os dias a Jesus para ter forças para continuar e um dia poder  restaurar o verdadeiro destino da sua nação. Uma vez no trono, Isabel cumprira as suas intenções, sem derramamento de sangue. 153 Mesmo assim, assim, a religião era uma questão complicad complicada, a, pensava Isabel enquant enquantoo volta voltava va as   página páginass da obr obraa  Loucura de Tynd Tyndal ale. e. Mesm Mesmoo ela, ela, co com m a su suaa po post stur uraa mode modera rada da e indulgente, acreditava que os sacerdotes deviam manter-se celibatários. Como poderiam atender com dedicação e honestidade à obra de Deus, mantendo ao mesmo tempo uma mulher na cama e filhos para criar. E tinha de admitir que a sua natureza dramática uma questão, apreciavaIsabel, os grandes rituais, a música e ose ricos paramentos da antiga fé.  Era concluiu enquanto fechava o livro o metia entre as dobras da sua saia, tão profunda e complicada como a alma das pessoas, uma questão que se manteria sujeita a mudanças

 

durante todo o seu reinado e pelo futuro de Inglaterra. Porém, sentia grande prazer e agrado em saber que os importantes acontecimentos na Igreja e no Estado, embora não tivessem tido origem em Ana e Henrique haviam pelo menos tido os seus mais importantes pontos de viragem em redor de seus pais. Isabel fechou a caixa de madeira e a janela e, com um sorriso satisfeito, saiu do quarto cheio de recordações de sua mãe, tencionando lá voltar num outro dia. 15 de Agosto de 1531 Diário, Acusam-me de arrogância e astúcia. Mas, dizei-me, qual a mulher que vive e respira que consegue resistir a ser um pouco arrogante, quando, por sua causa, o próprio rei e Inglaterra expulsa da corte a sua esposa e rainha? Louvado seja Jesus por ter permitido que tal tenha finalmente acontecido. Em todos os palácios de Henrique, lady Ana de Rochford ocupa agora os aposentos que foram de Catarina. Como é agradável não sentir os seus olhares gelados, não ver a sua expressão austera, nem ter de suportar em todos os dias festivos, a sua imponente presença pública e ar piedoso. O rei sente-se aliviado por ter derrubado Catarina do seu trono, sem que se ouvisse falar de qualquer castigo ou excomunhão de Roma. A princesa Maria foi também afastada da corte e Henrique Henrique obrigou-a a uma separação da mãe que julgo excessiva e mesmo cruel. Porém, Henrique diz, e com alguma razão que,  juntas, são fortes e podem fomentar uma conspiração e talvez mesmo um levantamento contra nós.

154 E que mulher carente de astúcia conseguiria presidir com o rei e o embaixador de França na mesa principal do banquete, acima de seu pai e dos duques de Norfolk e Suffolk, sendo o centro das negociações para a obtenção da sua própria mão. Suponho que sim, que sou astuta. Mas não procurei este caminho estranho e perigoso. Era apenas uma simples jovem que amava um simples rapaz. Mas depois de me haverem arrebatado esse amor e com a  presença de Henrique, tenho de confessar que mudei, endureci, granjeei inimigos e aprendi uma forma de guerra cortês em que talvez uma alma mais sensível se sentiria ferida e acabaria por morrer. eu, Não, não.desf vez iniciada, esta batalha pelaa coroa Inglaterra  Mas poderá pode rá não. ter ter se senão não euum deUma sfech echo. o. Sere Se reii ra rain inha ha.. árdua Os qu que e lu luta tam m meu meu de lado lado serã serãoo não bem recompensados. Os que se opõem, vão desejar nunca o ter feito.  Nos últimos dias, o rei parece um enorme touro bravo, que avista no horizonte verdes  pastagens e para lá se encaminha, pisando tudo o que se encontra no caminho, apesar dos  perigosos obstáculos. Infelizmente, não sinto ainda por Henrique um amor profundo. Porém, acredito que algo muito parecido já se forma no meu peito. Seria uma mulher fria se não me sentisse comovida pela sua afeição. Julgo que em breve conseguirei amá-lo. Afectuosamente vossa, Ana 29 de Setembro de 1531 Oh, diário! O de vos escrever hojechamada e em qualquer outraDepois ocasião, à boapara sorte e a lealdade de facto uma ajudante de cozinha Margaret. de devo-o se ausentar visitar o irmão doente no sul de Londres, voltou à casa de Durham que meu pai possui perto do rio e

 

encontrou nas ruas uma concentração pouco vulgar de pessoas. Dessas casas e cabanas as mulheres que me odeiam e adoram a rainha lançaram gritos contra a minha pessoa. Eram centenas, ou melhor, milhares que se haviam reunido, empunhando vassouras, facas e paus que brandiam no ar como se me quisessem atingir no peito ou na cabeça. ”Não queremos  Nan Bolena. Vamos matar a rameira de olhos esbugalhados”, gritavam. 155 minha serviçal disse que tremera de medo e tivera até de soltar impropérios contra mim, temendo pela sua vida. Ao dirigir-se  para casa, a multidão - pois era no que se tinha transformado aumentara. Ao grande número de mulheres, tinham-se juntado vários homens com trajes femininos e empunhando armas assassinas. E, por entre a multidão, correu o rumor de que eu me encontrava na residência de Durham. Margaret desejava poder correr até aqui com a notícia, mas receou que as suas acções se tornassem suspeitas para a multidão em fúria e portanto, viu-se obrigada a procurar um atalho para conseguir chegar a casa de meu pai antes de toda a multidão assassina. O dia estav estavaa quente e eu encontrava encontrava-me -me com minha mãe no quarto onde as costurei costureiras ras me  provavam alguns vestidos para a corte. Meu pai encontrava-se em França e Henrique, na caça, estava também distante distante quando Margaret, Margaret, vermelha e a suar, ofegante ofegante como um cão, entrou de rompante para trazer as novidades. - Peço perdão lady Rochford, mas uma enorme multidão dirige-se para cá, com intenção de vos fazer mal! Minha mãe olhou-me nos olhos. - Ide-vos - disse às costureiras e a Margaret. - Dizei aos outros criados que deixem imediatamente o trabalho e partam. Todos, excepto mestre Richardson. Dizei-lhe que iremos ter com ele na porta que dá para o rio. Envergonho-me de dizer que me senti paralisada de medo e que apenas tive presença de espírito para agarrar no diário, escondê-lo nas minhas saias, antes que a mão segura de minha minha mã mãee me con condu duzi ziss ssee pela pelass es esca cada das, s, entr entreg egand andoo-nos nos ao aoss cu cuid idad ados os do cr cria iado do.. Richardson era um homem forte e calmo e, com uma rapidez de que mal me apercebi, levou-nos pelo enorme relvado até um pequeno barco que balançava no ancoradouro. Depois, ouvi o som trazido pelo vento. Um som que me pareceu familiar, mas não consegui reconhecer. Parei para escutar com depressa!” os pés firmes na relva, tentei lembrar-me. Minha mãe chamava-me: ”Ana,e, vem Percebi então de que se tratava. Era o ruído de vozes, de muita muitass vozes e os seus gritos pareciam pareciam terrívei terríveiss quando chamavam pelo meu nome, entrechocando armas, batendo com as botas no chão, aproximando-se, cada vez mais... Richardson Richar dson agarrou agarrou-me -me pelo braço e puxou-me puxou-me para o barco, onde minha mãe me recebe recebeuu com os olhos aterrorizados. Ao afastarmo-nos 156 ouvimos vidros que se partiam, e paus a bater em pedra: avistámos a multidão a invadir a casa de meu pai, gente horrível que saía pelas portas das traseiras para o relvado que dava  para o rio. Eram mulheres furiosas que corriam para a margem com o rosto afogueado,  brandindo vassouras e paus, soltando esperança de que eu morresse afogada. impropérios, desejando que o barco se voltasse na Agora estou alojada em Greenwich e escrevo com mão trémula, à luz da vela. Não sou

 

 perfeita, mas juro que não mereço tanto mal. Peço a Deus que me proteja e veja o meu lado  bom. Afectuosamente vossa, Ana 14 de Maio de 1532 Diário, O rei e Cromwell travam uma terrível batalha contra o clero inglês e Thomas More, que o apoiou, foi derrotado. Henrique mostrou o seu desagrado pela lealdade da igreja a Roma que tem redundado em prejuízo da fidelidade a Inglaterra e à coroa. Assim, segundo as normas tradicionais, o Papa era o verdadeiro rei e Henrique não passava de um peão. Os   bispos Tunstall e Fisher defenderam com toda a veemência essas antigas leis, o que enfureceu Henrique. Apesar da preocupação que sentia para que os súbditos considerassem sagradas as leis da Igreja, e temendo que se passasse o mesmo que nos tempos de Thomas Becket, Henrique e Cromwell apresentaram o caso no Parlamento; os lordes apoiaram a Súplica ica contra contra os Tri Tribuna bunais is Ordinári Ordinários, os, o Pa caus causa. a. Na sua sua Súpl Parl rlam amen ento to recu recuso souu os  julgamentos eclesiásticos e o direito canónico que, redigido em latim, impunha severas medidas aos Ingleses, sem que o pudessem contestar. Por decreto canónico, no julga julgamento mento contra um acusad acusadoo de heresia, crime punido com a pena de morte, podem servir de testemunhas pessoas más e desonestas que podiam desejar-lhe mal, enquanto que nos tribunais comuns as testemunhas têm de provar a sua honestidade e boas intenções antes de falarem contra o acusado. O próprio More, chanceler  do reino, católico fervoroso como há poucos, apoia estas normas injustas nos seus escritos, afirmando que a heresia é um crime tão mau que nenhuma lei é dura demais se for eficaz 157  para eliminar os que a cometem, pois as almas são muito mais importantes que o direito civil. Com efeito, More parece provocar não só a oposição ao modo de Henrique agir contra a Igreja, mas também contra o divórcio real. Não se aperceberá que a ira do Rei equivale à morte? Cromwellassustados e Henrique assediaram com de intimidações os pusilânimes e fracosa clérigos, com a perspectiva ficarem seme ameaças as suas terras. Pouco dispostos servir de mártires renderam-se mais uma vez à vontade do rei. Os cobardes prelados  passaram para as mãos de Henrique um documento intitulado A Submissão do Clero. O rei aceitou-o avidamente. Supõe uma enorme mudança dentro da igreja e concede à coroa as suas antigas prerrogativas e autoridade. A partir de agora não se  podem  fazer leis sem o consentimento real e o sínodo não pode reunir-se sem autorização do rei. Foi um grande dia para o rei, para Cromwell e também para mim, pois pondo fim ao poder  da Igreja de Roma, Henrique está mais próximo próximo de consegu conseguir ir o divór divórcio cio e eu de chegar ao trono. No dia seguinte à entrega de A Subm Submiss issão ão do Clero, Clero, no palácio de York, o chanceler More, completamente derrotado, devolveu a Henrique o Grande Selo do Reino, resignou das suas funções e retirou-se do cargo. Henrique, agora senhor absoluto do seu reino e da igreja, aceitou. Afectuosamente vossa, Ana 20 de Agosto de 1532 Diário,

 

Alguma mulher poderá gabar-se de ter mais e mais ferozes inimigos do que eu? Homens do  povo e nobres, mulheres, jovens, velhos, clérigos e até crianças. Um dia da última semana, enquanto andava a cavalo com Henrique, um rapazinho com menos de dez anos saiu ao caminho das nossas montadas gritando insultos à ”rameira do rei” para logo desaparecer   por entre os altos arbustos. Henrique fez tenções de o mandar capturar, porém pedi-lhe ara a conh conhec ecer er o pe peso so da dass su suas as pa pala lavr vras as ou as clemên cle mência cia.. Era dem demasi asiado ado jovem jovem   ppar consequências, comentou Henrique, mas há-de detestar-me quando eu for rainha. Porém, a meu pedido deixou ir a criança. 158 Muito mais me perturba a duquesa de Suffolk, irmã de Henrique que, sem dúvida se recorda de mim, quando eu não passava de uma menina pequena, irmã da sua aia, quando há muitos anos partiu para França, para se casar com o velho rei Luís. Agora o irmão quer  desposar-me, erguer-me acima dela, fazer de mim a sua rainha. Despreza-me abertamente e os seus insultos outra coisa não são que ciúmes. Foi rainha de França durante três curtos meses e, logo a seguir, casou em segredo e por amor com Charles Brandon, o melhor amigo de Henrique. Agora a paixão transformou-se em azedume. Ele trata-a com brutalidade e desprezo e considera-a propriedade sua. Contudo minha tia a mal-humorada lady Norfolk, tem mostrado ultimamente um ódio ainda mais desprezível à minha pessoa, mostrando-se muito ofendida com a minha subida de  posição. É verdade que a linhagem que Henrique encomendou para a família Bolena é tudo menos verdadeira. verdadeira. As raízes raízes da ricamente ricamente ornamentad ornamentadaa e color colorida ida árvore genealógica genealógica não  passam de mentiras. O meu mais antigo antepassado era um tal Geoffrey Bolena, mercador  de lã, chegado a solo inglês há cem anos atrás, e não, conforme afirmam os heráldicos de Henrique, um lorde normando aportado à ilha quinhentos anos antes. Porém, apesar dos meus avisos e súplicas, sabendo bem que estas invenções apenas haveriam de contrariar os nobres verdadeiramente puros, Henrique insistiu na mentira e exibiu orgulhosamente o documento nos salões da corte. A maioria das damas, ocultando-se por detrás dos seus leques, murmurou, troçando de mim com crueldade. Mas não a duquesa de Norfolk. Essa avançou, Majestosa, na minha direcção, olhou para o documento, pegou nele e rasgou-o em dois!  Não admira a saúde Henrique se eesteja a ressentir. Acabou desubstancialmente. fazer quarenta anosAse mostra bem que a idade quedetem, no rosto no corpo, pois engordou faces, outrora juvenis, são agora uma máscara de tristeza. Uma enorme úlcera purulenta na coxa causa-lhe dores insuportáveis. Tem constantemente dores de cabeça. Mal consegue montar. Tentei tratar dele. Consultei boticários, e mulheres com fama de bruxas para poder curar os seus males. Por alguns dias, uma poção de calêndula e olmo melhorou bastante a ferida da perna, porém, já se mostra de novo ensanguentada e com muito mau cheiro. Quando geme devido às dores de cabeça, massajo-lhe as frontes e a testa. ”Ah, Nan, que dedos tão frescos, que mãos tão suaves!” exclama, queixoso. Nestes momentos, em que o tenho preso a mim, sinto verdadeiro 159 afecto Para falar verdade, demasiado para o poder amar todo o coração,portalele. como amei o meu doce receio-o, Percy. Quem me ouvir fustigar o rei comdepalavras ásperas, não imagina o medo que sinto quando se aproxima. Conheço as suas capacidades,

 

o fogo interior que se transforma em loucura. Vejo o campo de batalha que é a sua alma, os ater at erro rori riza zado doss demó demóni nios os na su suaa cab cabeç eçaa em com comba bate te pe perp rpét étuo uo co cont ntra ra os an anjo joss da su suaa inteligência, da razão e da poesia. Apenas Wolsey conhecia bem o rei... e está morto. Os outros vêem apenas a imagem que ele deseja apresentar, magnífico no seu gibão aberto, de ombros largos, coberto de  sedas esc escarl arlate ates, s, peles peles e our ouro, o, qual Pos Poseid eidón ón fazend fazendoo estremecer a terra, provocando tempestades. Quer ser temido por todos e, quando sente que assim é, despreza-os. Assusta-me este rei louco, porém tenho de disfarçar o medo com  provocantes gargalhadas e palavras semelhantes às suas. Ele não se apercebe da minha  primorosa representação e pensa que, exceptuando a ausência de sangue real, sou sua igual. Talvez sejamos parecidos, como um veado o é de quem o  persegue, o cavalo e o cão, até à sua morte. Contudo sei que esta igualdade é a causa do amor que sente por mim e, que se necessário for, removerá as sete colinas de Roma Ro ma para me fazer sua rainha. Afectuosamente vossa,  Ana

2 de Setembro de 1532 Diário, Pensei ter, em cartas passadas, catalogado todos os meus inimigos. Contudo, chegou um de tão longe (e talvez de tão baixo) que mesmo eu fui apanhada de surpresa. Henrique deixou  bem claro a todos que nos casaremos e aqueles que não o desejam tentam, por todos os meios impedir-nos o caminho. Uns argumentam que o casamento do rei com a rainha é legítimo e não pode ser dissolvido. Outros dizem que o divórcio é um erro e contra a vontade de Deus. Há ainda quem afirme que não sou adequada, pois sou plebeia e não  posso trazer as vantagens de uma princesa estrangeira. Mas, de súbito, lady Nothumberland irrompeu no cenário da política do reino. Esta mulher  amarga e ressentida é afinal a esposa separada do meu querido Henry Percy e avançou com uma carta 160 infa infame me,, em que que lo lord rdee No Nort rthu humb mber erla land nd af afir irma ma ter ter esta estabe bele lecid cidoo um pr préé-co cont ntra rato to de casamento com a minha pessoa. Se isto se provar, o meu noivado com Henrique poderá ser  anulado. Bom, a acusação é verdadeira e os factos ficaram há muito escritos nestas páginas,  porém não passou de uma promessa de casamento entre dois namorados, apesar de se chamar deitasse pré-contrato e nos ligarosperante a lei. No entanto, estiveousadia. disposta a que esta megera a perder todos meus planos, de modo quenão agi com Em primeiro lugar, fui eu própria levar ao rei a ofensiva carta e declarei-lhe: - Isto é obviamente mentira. Quem o afirma é uma mulher que deseja apenas o meu mal  porque seu marido nunca a amou... porque me amava a mim. Quando éramos jovens, sentíamos uma atracção verdadeira e profunda, mas juro que nunca estivemos prometidos, nem nunca fomos amantes, como é aqui sugerido, antes de o cardeal Wolsey nos ter  separado. Imploro-vos, chamai o acusado e deixai que fale a verdade. O rei, que evidentemente desejava que a carta fosse mentira, concordou e mandou que os escrivães redigissem uma intimação a Northumberland. Entretanto, chamei o meu mensageiro para que levasse rapidamente a Percy uma carta minha, marcando-lhe um encontro secreto, num local onde havíamos estado juntos muitos anos antes. Sob a cobertura da noite, velada e disfarçada, passei pelos sonolentos guardas do palácio e entrei sozinhaem na busca carruagem que percorreu as ruas empedradas e vazias, só frequentadas por mendigos de comida e pelas prostitutas. Havia muitos anos que não via Percy de perto. Recordo agora o seu rosto, a sua doce expressão, a testa rosada e

 

lisa e o modo como fazia o meu coração bater descompassadamente e os meus pés voarem,  para ir ter com ele. A carruagem deixou-me na taberna de Rosewood que também dispunha de quartos. O escassoo perío escass período do de tempo não me permiti permitira ra aguardar aguardar a respos resposta ta de lorde Northumberlan Northumberland, d, mas tinha esperança que haveria de comparecer. Lá dentro, perguntei a um desmazelado criado cri ado em que quarto   poderia encontrar mestre Longheart (pseudónimo que outrora usávamos para passar recados amorosos). O homem, fedendo a cerveja, lançou-me um olhar lascivo, enrugando o rosto coberto de sujidade. - Que desejais desse homem? - resmungou, em tom impertinente. 161 - Dizei-me onde se encontra - gritei insistente por entre os véus que me cobriam. c obriam. Apontou para as escadas com o queixo mal barbeado. - Número três. A porta abriu-se antes de eu ter batido. Percy escutara os meus passos no corredor. Candeeiros fumegantes iluminavam o aposento e o homem curvado que me convidou a entrar. Ah, Senhor! Nem sei como descrever sem lágrimas nos olhos, o retrato daquele rosto desfigurado e lastimoso aspecto. Embora não o queira admitir, Percy está doente. Tem uma cor mortiça, acinzentada, manchas avermelhadas da febre e os olhos encovados. Nada resta do belo jovem que foi, excepto talvez o seu olhar bondoso que agora me fixava. - Entrai, Ana! - disse em voz rouca e logo fechou a porta. Não passámos juntos mais de uma hora arriscando-nos a que se soubesse que nos tínhamos encontrado. Primeiro falámos dos venturosos tempos passados, do que nos acontecera, do estranho rumo que tomara a minha vida, do seu casamento forçado e sem amor  com a megera que agora desejava a minha destruição e da sua chamada à presença do rei. Percy sabia que havia apenas uma resposta a dar e que teria de mentir. O rei não desejava  saber  a verdade, se esta nos separasse. Assim, como amigos e sem necessidade de pretextos, combinei com Henry Percy unirmo-nos uma vez mais e negar que alguma vez os nossos corações se tivessem comprometido com um futuro casamento. Fiquei a ver da galeria, enquanto prestava as suas declarações perante o rei e o Parlamento. Pobre Percy, parecia ainda mais mirrado, cinzento e velho que nos dias anteriores. Em voz rouca mas firme, negou três vezes o disseram: nosso pré-contrato, tal como Judas fez com otudo. Senhor. Satisfeitos, o Parlamento e Henrique ”Podeis retirar-vos” e ali terminou Afectuosamente vossa, Ana 6 de Outubro de 1532 Ah, diário! Vivemos um idílico Outono. Navegando no Tamisa, numa barcaça dourada, passando por  quintas, campos e aldeias, as tardes 162 decorrem com doçura e calma.  Nada de olhares curiosos, nem vozes desagradáveis a interromperem-nos estas horas de paz. O rei de Inglaterra e a marquesa de Pembroke (é o meu novo título que me transforma no mais alto par do reino, exceptuando o rei e os duques de Norfolk e Suffolk) percorremfoiesta estrada reunir-nos-emos de água até Dover para logo canal para Calais. Aí, conforme planeado, com o rei de atravessarmos França que seráo testemunha do nosso casamento. Deus seja louvado, vamos por fim casar-nos!

 

Uma vez que o arcebispo de Cantuária, Warham, falecera de idade avançada, deixando livre a mais importante sede eclesiástica de Inglaterra, o espírito de Henríque pareceu abrir-se abri r-se como como uma flor ao sol de Primavera, e dele brotavam, como sementes, as   poss possib ibil ilid idad ades es de mu muda danç nçaa que enc enchi hiam am o ar ar.. Nem Nem me mesm smoo os co cort rtes esãos ãos que deram deram desculpas fingidas para se manterem à margem da nossa viagem nupcial conseguiram alterar o humor de Henrique. O rei não quis levar em conta as minhas dúvidas por não casar  em solo inglês, onde as rainhas devem contrair matrimónio e ser coroadas, assegurando-me que o apoio firme de Francisco valia o seu peso em ouro e que a seguir eu seria coroada em Inglaterra. Nem sequer a peste que grassava nas localidades situadas nas margens do rio, conseguiu ensombrar a sua felicidade. Entregou-se a um turbilhão de preparativos - enviou exércitos de ourives, costureiras, rendeiras, peleiros - para me tratarem do d o enxoval. Partimos de Greenwich na barcaça real, carregada de armários cheios de roupa, caixotes com reposteiros, tapeçarias, uma baixela de ouro e até mesmo a enorme cama de Henrique que foi desmontada para a podermos transportar. Os nossos amigos e favoritos George e Mary, Henry Norris, Francis Bryan e Thomas Wyatt viajarn por terra com as centenas de  pessoas que fazem parte do nosso séquito e vão encontrar-se connosco em Dover para fazermos a travessia. O meu coração bate de prazer e ansiedade. Na minha cabeça fervilham pensamentos, planos e sonhos, prestes a serem concretizados. Vi uma miragem na superfície da água. Milhares de velas a cintilar na catedral de Winchester - um baptizado. Junto à pia baptismal estou eu, rainha de Inglaterra, com um  bebezinho coberto de sedas nos braços, o rostinho uma miniatura do de Henrique. Vejo o  pai que nos sorri - à esposa e ao legítimo príncipe Tudor - toda a dor, toda a raiva já apagadas e esquecidas. Atrás do rei vejo os outrora ressentidos cortesãos, agora elogiosos e alegres, alegre s, prest prestando ando tributo à mãe do seu futuro rei. E atrás de todas essas figuras fantasmagóricas 163 encontra-se meu pai. O rosto suavizado, um sorriso nos lábios, os olhos húmidos. Sente-se orgulhoso de mim, da minha vida, do meu real filho. A visão apaga-se. Uma nuvem tapou o Sol, extinguindo as milhares de velas que ardiam com o reflexo do rio. Nas águas agora sombrias assisto a uma nova fantasia. Vejo os meus  piores inimigos: banhado do vermelhas inferno, está o fantasma cardeal Wolsey, tendo recuperado a dignidade naspelo suasfogo vestes e segurando nasdomãos a cruz de prata ea mitra. Sem pronunciar palavra, mexe os lábios para me amaldiçoar em toda a impotência da sua condenação. Vejo Catarina e Maria e, também, as maldosas duquesas de Norfolk e Suffolk. Envelheceram e parecem repulsivas, corcundas, com a pele manchada, os dentes negros e a voz estridente e aguda. Mais uma vez o sol descobriu, limpando o meu espírito de sonhos purulentos e inundandoos de esperança. Talvez aprenda a comportar-me como convém a uma rainha - com magn ma gnani animi mida dade de e demo demons nstr trand andoo gener generos osid idad adee de espí espíri rito to par paraa com os in inim imig igos os - e descubra o poço de onde brotam todos os actos de benevolência. Ou talvez não. Devo terminar estas divagações e reunir-me a Henrique para jantarmos na coberta, ao pôr  do Sol. Prometeu-me uma surpresa, de modo que em breve vos escreverei de novo. Afectuosamente vossa,  Ana

7 de Outubro de 1532 Diário, Hoje, treme-me a mão ao escrever-vos. Mas não é a humidade da manhã, nem as correntes

 

de ar e o frio que arrefecem as cabinas deste barco e me fazem estremecer a mão que segura a pena. Pelo contrário e, para minha completa surpresa, trata-se de uma profunda emoção que me invade o corpo e a alma. A emoção é o amor doce e sincero pelo meu prometido que me agita o coração e as entranhas. O milagre que tanto esperei e pelo qual rezei, tornou-se realidade. Se alguém soubesse o que se passou ontem à noite, quando Henrique me surpreendeu, concluiria talvez que o que eu sinto não 164 é verdadeiro amor, mas simplesmente gratidão pela sua generosidade. Ontem à noite, quando vim cear à coberta, sobre a mesa não havia carneiro, empadões ou lebre assada, mas sim todas as Jóias de Catarina, os tesouros de família - pulseiras, colares, pregadores,  brincos, anéis, pequenas tiaras de  pérolas e esmeraldas, diamantes, rubis e safiras - tudo isto cintilava à luz alaranjada do pôr do Sol. O rei mostrava-se orgulhoso, com uma expressão animada no olhar, aguardando, como um rapazito a minha expressão de espanto e gritos de doce alegria. Porém fiquei sem fala, paralisada. - Então? - perguntou. - Que dizeis, Nan? Para conseguir isto tive de lutar contra Catarina como um mastim contra um urso. Sabia que ele esperava abraços, calorosos beijos e extravagante extrav agantess agrade agradeciment cimentos os por um presen presente te tão maravilhos maravilhoso. o. Mas apenas consegui consegui rir! Um riso descontrolado e muito ruidoso. juro que as minhas gargalhadas nada tinham a ver  com a derro derrota ta de Catar Catarina, ina, e mais parec parecia ia que tinham arra arrancado ncado a rolha a um barril barril de dor  que habita a minha alma. Todos os receios, ódios e maldades daqueles últimos seis anos tinham sido cuspidos ao som do meu riso. E acabou por ser contagioso, pois assim que se dispersou a primeira onda de dor, Henrique imitou-me com as suas enormes e sinceras risadas Foi-nos impossível conter-nos, tivemos de nos dobrar agarrados ao ventre já dorido, abraçando-nos, com as lágrimas a correrem pelas faces, até que, aos poucos, conseguimos   parar. Olhámo-nos nos olhos. Beijámo-nos. Primeiro ao de leve, nos lábios húmidos e salgados, depois mais demorada e profundamente. Senti o coração bater-me com força no  peito. Um calor que descia-me ao baixo-ventre e às coxas. Os joelhos trémulos. E, involuntari involu ntariamente amente o meu pensamento pensamento repetia este cântico: ”Amo”Amo-vos, vos, Henrique, amo-vos Henrique, amo-vos...” Dentro de mim, umao onda de indescritível Agarrei-me homem, àquele amigo leal,cresceu cujo amor  tinha levado a enfrentaralegria. tempestades e maresàquele embravecidos, de onde tinha saído ileso para se casar comigo. Foi tal a ânsia de me agarrar ao seu corpo que foi ele que teve de pôr fim ao nosso apaixonado abraço. - Nan, Nan - murmurou. - Temos de nos conter ou não chegareis virgem à noite de núpcias. - Soltou-me com ar deslumbrado, pois nunca, antes deste momento, sentira tal fervor nos meus beijos. - Olhai, experimentai isto - pediu-me, pondo-me um colar ao pescoço. Deixai-me ver. Com as mãos sobre os meus ombros, Henrique fez-me dar meia volta. Nos seus olhos vi reflectida a água cintilante, a luz do fim da 165 tarde, o brilho das pedras preciosas do meu pescoço mas, principalmente... o meu amor. Sei que que mais viu efeliz sorriu-me, de afecto. - Soufoio isso homem de todacheio a Inglaterra - disse o rei. - E eu - respondi. - Sou a mais feliz das mulheres.

 

Afectuosamente vossa,  Ana

18 de Outubro de 1532 Diário, Que dias e noites de gozo e delírio! Ataviada com belos vestidos e jóias principescas, rode rodead adaa po porr um sé séqu quit itoo desl deslum umbr bran ante te,, de desf sfru ruto to de um semsem-fi fim m de ba banq nque uete tes, s, representações e bailes em minha honra. Calais é uma localidade estranha e maravilhosa. Solo francês, francês, govern governoo inglês, inglês, o último último redut redutoo inglês no conti continente, nente, recebeu-m recebeu-mee melhor melhor do que a terra onde nasci. Quando saímos do edifício do tesouro, onde ficámos luxuosamente alojados, e percorremos a antiga cidade murada, em grande procissão, para ir ouvir missa a S. Nicolau, a multidão aclamou-me a mim e ao rei. As crianças lançavam-me flores, os adultos sorriam-me com ar sincero. Ultimamente acalmei o meu coração enfurecido que ameaçava rebentar quando, ao chegar  à cidade de Dover, antes da travessi travessiaa do canal, chegou a notícia de que Eleanor, rainha de França (e minha antiga ama), juntamente com as outras damas da corte, se recusava a receber-me ou a acompanhar Francisco ao casamento. Compreendo a posição da rainha Elean Eleanor or.. É irmã irmã do imper imperad ador or e por porta tant nto, o, so sobr brin inha ha de Catar Catarin ina. a. Po Poré rém, m, a duque duquesa sa Marguerite de Alençon, irmã de Francisco, não tem qualquer razão para tomar uma posição tão insultuosa. Sempre a servi com lealdade e grande afeição e, com ela, aprendi não só a cultivar o meu talento como a exercer ousadamente os artifícios de que os homens tanto gostam. Além do mais, não seguia à risca o que estava estabelecido e defendia ideias luteranas no seio da igreja católica. Foi exactamente Marguerite de Alençon quem me deixou ler os tratados, onde o rei encontrou argumentos para submeter a Igreja. Este desaire feriu-me como uma amarga traição, embora não fosse tão desagradável como a oferta do rei francês - a que mais vale chamar insulto: fazer-se acompanhar da duquesa 166 de Vendome. Esta mulher é famosa pela sua má reputação: não passa de uma cortesã! As arrogantes damas da corte francesa esquecem que as conheço bem e que sei como todas elas são licenciosas e lascivas. Gostaria de saber qual delas teria conseguido manter à distância os apetites do seu rei. Provavelmente nenhuma. Ao tomar tomar sem conh conheci ecimen mento to dominar destas destas ter terrív ríveis eis notíci not ícias asPedi nada disse. disse. Man Mantiv e a cab cabeça eça abem levantada, me deixar pelo mau génio. a Henrique quetive comunicasse seu  primo Francisco que seria melhor deixar a duquesa de Vendôme em casa e vir sozinho, pois era a sua presença que era para mim da maior importância. Henrique, habituado às minhas  birras, pôde ver desta vez a minha nova dignidade de rainha. Orgulhoso e feliz, disse que agora, nem nada nem ninguém, o afastarão do seu caminho. O casamento realizar-se-á com Francisco a nosso lado. Afectuosamente vossa, Ana 22 de Outubro de 1532 Diário, Fazendo entrechocar os baldes, as minhas aias conversam enquanto vão enchendo uma  banheira de cobre, diante da enorme lareira do meu quarto e acendendo também braseiras  para aquecer o gelado aposento, do meu contíguos banho. Sei o criado de quarto de Henrique fez exactamente o mesmo antes nos aposentos aosque meus. Imagino o tema dos comentários das minhas aias quando as dispensar das suas tarefas: ”O

 

rei e a marquesa de Pembroke tomaram banho”, dirão em surdina. ”Jantaram e beberam um  pouco, sentimos no hálito dela o cheiro do vinho. Era ainda cedo quando se recolheu aos seus aposentos e nos disse que desejava tomar banho. Quando fomos em busca da banheira de cobre, o mordomo do tesouro disse-nos que os criados do rei tinham feito o mesmo  pedido. Quando regressámos, lady Ana cantava, de muito bom humor. Aquecemos a água, salpicámo-la com rosas perfumadas, essências e óleos e ajudámo-la a entrar. Lady Ana não Gostaríamos amos de é muito grande, sabeis. Magra, seios pequenos,  pescoço longo e esguio. Gostarí  saber  o que viu o rei nela. Depois do banho, ordenou-nos que envolvêssemos o seu corpo  perfumado em vários metros de cetim negro debruado a veludo - uma camisa de dormir  magnífica que Henrique 167 lhe ofereceu - e a seguir que lhe soltássemos o cabelo e lho escovássemos até ficar tão  brilhante como o que tinha vestido. Depois mandou-nos embora. Vai deitar-se com o rei”, murmurarão escandalizadas, tapando a boca com as mãos. ”Manteve-se virgem todos estes anos. Porque não esperar? Não se compreende.” Passo a explicar o porquê da minha estranha decisão. já escrevi acerca do meu recémdescoberto amor por Henrique e das grandes comemorações anteriores ao nosso casamento realizadas em Calais. É a noite anterior à partida do rei para Bolonha, onde deverá encontrar-se com Francisco e com ele participar em lides e torneios, antes de regressarem ambos para o nosso casamento. Henrique e eu decidimos hoje  jantar em privado pois, no seu regresso e com o casamento, haverá muita agitação e será difícil termos privacidade. Assim, ao princípio da noite, pus-me bonita e atravessei a porta secreta entre as nossas câmaras. O rei tinha mandado servir, no seu quarto, uma bela ceia diante da lareira acesa. Depois de ordenar a todos os criados que saíssem, ofereceu-me ele próprio uma cadeira estofada e serviu o vinho em duas taças cravejadas de pedrarias. Inclinou-se e beijou-me o  pescoço. - Teremos dois grandes reis no nosso casamento, Ana. Que opinais? Olhei-o nos olhos. - Opino que, dois está muito bem... mas um seria suficiente. Ele apreciou o cumprimento e sorriu, puxou a cadeira para diante da minha e bebeu um grande gole de vinho. quePorém, pouco vos importa que Francisco aprove ou nãoverdadeiro o nosso casamento? -- Quereis De mododizer algum. haveis descoberto ultimamente o vosso poder sobre o clero, os cardeais e o Papa. Porquê dividi-lo com outro homem, mesmo sendo, também ele, rei? Henrique reflectiu um pouco, depois esboçou um sorriso fino e calmo como uma meia-lua. - Gosto da vossa maneira de pensar, minha querida - redarguiu. - Gosto mesmo muito. Bebei! - Tocámos as taças. - A Henrique, o maior rei, aquele que não teme ninguém. De tal forma inchou de orgulho que me pareceu ainda maior do que realmente era. O coração parecia querer saltar-me do  peito, ao sentir que estava em presença de alguém tão imponente e de tão fina inteligência.  Nesse momento, Diário, amei muito esse homem, capaz de fazer mover o mundo por mim.. 168 -vosso Vamos cear leito. e beber, meu amor - respondi. - Depois, podeis tomar-me de corpo e alma no grande Dos seus lábios desapareceu o sorriso de meia-lua.

 

- Agora? Aqui? Antes da nossa noite de núpcias? - Exactamente - tomei-lhe a mão do outro lado da mesa. - Henrique, durante seis anos, quebrámos todas as regras, excepto uma. Sugiro que o façamos agora. Que dizeis? Pôs-se de pé de um salto, arrebatou-me e cobriu-me de beijos, sem deixar de pronunciar o meu nome, como uma ladainha: ”Ana, Ana, Ana...” Assim dirigimo-nos para os nossos respectivos quartos para tomarmos banho. Como um  baptismo diante do fogo, juntar-nos-emos para realizar os nossos sonhos. Sempre sonhei casar-me por amor. Henrique quer um filho. Que assim seja! Afectuosamente vossa,  Ana

23 de Outubro de 1532 Oh, diário, Juro que Deus no Céu troça de mim! Que outra coisa posso pensar ao recordar a noite  passada? A noite que profetizava glória, que me prometia uma bela recompensa por seis anos de sereno sacrifício e castidade da parte de ambos. Henrique, o grande rei, a própria imagem da virilidade, quando confrontado com o objecto dos seus desejos mais sinceros e ardentes, que lhe estendia os braços para o abraçar e os lábios para o beijar... falhou. Falhou completamente. Talvez fosse o excesso do vinho francês. Bebera à ceia e continuara a fazê-lo durante o  banho, julgo que para tomar coragem para um tão importante momento. Talvez se deva culpar a tensão da espera de todos estes anos, da nossa viagem para Calais, da sua falta de saúde. Talvez - e é o que mais temo - tenha olhado para mim, nua na sua cama e não tenha visto já a presa fugidia porque tanto ansiava, mas unicamente uma vítima assustada, que, com olhos de pomba, pede uma morte suave. Viu-o e sentiu-se gelar. Nem a terrível necessidade de ter filhos conseguiu reacender o fogo no caçador, fogo esse, que se apagara com a minha rendição. 169  Não houve nada a fazer. Insistências, brincadeiras, abraços à espera do reacender dos desejos. desejo s. Desejei que se enraivecess enraivecesse, e, que se insurgiss insurgissee contra contra aquela monstruosa monstruosa ocasião,  pois uma paixão forte dá por vezes origem a outra. Mas pareceu-me cansado, rendido, sem  possibilidade de reparação. A sua corpulência pareceu definhar, não ou conseguia enfrentar os meus olhos marejados de lágrimas, não pelo meu desapontamento surpresa, mas pela tristeza do meu amado. Assim, Henrique, o rei e Ana, marquesa de Pembroke, futura rainha, passaram separados a sua noite de comemoração e rebelde união. Eu, rígida, no imponente leito de dossel, ele numa cadeira junto à janela, à espera da madrugada. Por fim, devo ter adormecido, pois quando a luz da manhã me obrigou a abrir os olhos, o rei tinha saído dos seus aposentos, Não chamei as aias e esforcei-me por vestir os voluptuosos metros de cetim da minha camisa de dormir. Pus uma expressão falsa no rosto - lânguida e satisfeita - como se pudesse usar uma máscara para enganar a todos com a minha falsa identidade. Regressando aos meus aposentos com boa disposição, perguntei às minhas aias por onde andava o rei. Pelos seus olhares humildes e tímidos, vi que Henrique tinha colocado a máscara de leão triunfante e que agora todos sabiam que a nossa ligação era um facto consumado, pelo que o meu futuro como sua rainha estava assegurado. Disseram-me que, ao amanhecer, o meu noivo partira a cavalo em direcção a Bolonha, acompanhado por um batalhão de soldados.

 

Tenho o coração pesado como chumbo. Que Deus vingador  retribui tão grandes esforços com tão pequena recompensa? Devo passar os próximos quatro dias com este segredo.  Ninguém pode saber do declínio de Henrique. Absolutamente ninguém. Julgo que a sua fraqueza seja temporária. Talvez necessite do doirado vínculo de um casamento legítimo  para endurecer a sua ”resolução”. Penso também que, com esse negro fracasso, nasceu dentro do rei uma coisa monstruosa que nenhuma união legítima com esta que vos escreve,  poderá apagar. Como uma semente doente plantada no Inverno, ameaça brotar com a chuva e o sol das estações seguintes, para se transformar numa horrível trepadeira sufocando a alegria da vida e a vida do amor. Todavia de nada servem estas negras conjecturas. Continuarei a afivelar no rosto a minha máscara de felicidade, até que a sua imagem no espelho me engane a mim própria. Endireito-me com firmeza 170 e olho para o futuro. Para o melhor e para o pior, os anos hão-de revelar o que me espera. Afectuosamente vossa,  Ana

28 de Outubro de 1532 Diário, Continuamos em Calais. Chove e o vento sopra forte. É impossível fazermos a travessia  para Inglaterra. Desde que escrevi pela última vez, muitas coisas aconteceram no que diz respeito a circunstâncias e sentimentos. Durante a ausência de Henrique que fora buscar o rei francês esperei, tentando não desesperar, recuperar as forças com os meus amigos e família. George e Mary, felizes por se encontrarem de novo em França, organizaram um  piquenique na praia num dia ventoso. Thomas Wyatt, amigo fiel em todos os momentos, ainda me presta respeitosa homenagem e escreveu-me uns versos para a ocasião, falando da sua paixão nunca correspondida e finalmente apagada. Diziam assim:  Por vezes sinto um fogo arder em mim No mar, na água em terra, até no vento Sigo então o braseiro até aofim  De Dover p’ra Calais, onde perde o alento

Uma fria tarde, sentei-me com Thomas junto à lareira e passámos o dia em calmas reminiscências. Passaram dez anos desde o meu regresso da corte francesa, quando me ofereceu o diário.várias Perguntou-me se costumava escrever nele Thomas e respondi-lhe versos, anotava recordações e pouco mais. Embora Wyattque sejafazia um alguns amigo sincero, sinto escrúpulos em falar das minhas confidências a este livro. Os reis chegaram chegaram com toda a pompa e circun circunstânc stância, ia, no dia anterior anterior ao do meu prometido prometido casamento porém eu, por razões de dignidade e protocolo, ausentei-me. Henrique veio cumprimentar-me em privado assim que chegou. Nem ele, nem eu falámos do seu triste fracasso na véspera da partida, pois trazia graves novidades. Ao quarto dia da viagem, em Bolonha, o rei retirou o seu apoio ao 171 nosso casamento. Tinham chegado notícias da Áustria, onde as tropas de Carlos haviam derrotado os inimigos turcos. A estrondosa vitória do sobrinho de Catarina deixara os homens ansiosos por um novo campo de batalha e Francisco receava que, se desse agora a sua bênção ao nosso casamento, o imperador - magoado e vexado - lançasse o seu exército contra a França. Não soube o que dizer. Pareceu-me um cruel insulto ao nosso casamento, um obstáculo

 Não soube o que dizer. Pareceu me um cruel insulto ao nosso casamento, um obstáculo

 

desagradável e o final de uma longa estrada. Porém, naquele dia sentia-me um poço de calma e razão. Pela primeira vez vi que aquelas circunstâncias nada tinham de pessoal e eram simples factos políticos próprios de reis e papas. Sentia-me Rainha, portanto agi como tal, e em vez de gritos e lágrimas, ofereci a Henrique uma possível solução. Disse-lhe: - Meu amor, não falámos já, de como seria melhor realizarmos o nosso casamento em solo inglês? Os súbditos que não me apreciam adorariam poder considerar o nosso casamento falso e ilegítimo. Juro-vos que aguardarei de bom grado um enlace nas familiares costas da nossa Inglaterra. Henrique manteve-se em silêncio e pareceu digerir estas ideias como se se tratassem de uma opípara refeição. Nesse momento, soou uma pancada na porta. Era o Perfeito de Paris, em pessoa. Viera a mando de Francisco com um presente para mim - um diamante enorme e luminoso numa caixa de veludo púrpura. Depois da partida do Perfeito e com a pedra  preciosa (que Henrique calculou valer cerca de quinze mil coroas) cintilando entre nós, o dia par pareceu eceu-me -me mui muito to mai maiss alegre alegre.. Concor Concordám dámos os que, se des desejá ejávam vamos os que Fr Franci ancisco sco continuasse nosso aliado, precisava de mais atenções e eu seria a pessoa indicada para lhas dispensar. dispen sar. Depois, Henriqu Henriquee volto voltou-se u-se para mim, poisou as mãos sobre os meus ombros e olhou-me nos olhos. Parecia querer falar, abriu os lábios mas as palavras não lhe saíram. Deixou cair as mãos e afastou-se com o pretexto de ter outros assuntos a tratar. Senti que, se as tivesse pronunciado, teriam comentado a atitude real que eu ultimamente tomara, para seu grande orgulho. Era pois o momento de fazer planos para o meu encontro com Francisco. Sabia que teria de ser esp esplên lêndid dido, o, uma ocas ocasião ião maravi maravilho lhosa. sa. Seria Seria nece necessá ssário rio fornec fornecerer-lhe lhe um ambien ambiente te faustoso - a melhor música, o vinho mais doce, os mais deliciosos manjares, a melhor  decoração, as roupas mais elegantes que imaginar se possa. Tudo isto e até mais poderia eu oferecer-lhe, pois, com a nossa hospitalidade, 172 teríamos de dizer a Francisco que não estávamos zangados, nem lhe guardávamos rancor   por nos ter retirado o apoio e que, para ele, seria interessante que, embora tendo-nos  publicamente voltado as costas, continuasse a ser um amigo bom e fiel.  Na noite em que se teria celebrado o nosso casamento, Henrique e o rei Francisco jantaram  juntos na associação comerciantes eu decorara com enorme Mesas e armários, ornamentados com ados baixela de ouroque pertencente a Henrique. Aszelo. paredes cobertas com  preciosas tapeçarias e todos os cantos iluminados por velas em candelabros de ouro e  pedrarias. Músicos exímios, vindos de Paris, executavam as mais modernas composições e quando os dois grandes reis estavam repletos de comida e bebida, todas as portas se abriram  para por elas entrarem, numa onda de luz, oito damas mascaradas mascaradas dançando ao som de uma bela melodia. As vestes, exoticamente desenhadas eram de gaze, tecido de prata e cetim carmesim, debruado a ouro. Todas as damas misteriosas escolheram um convidado francês para dançar. Um deles foi Francisco, que estava espantoso no seu traje cor de  púrpura, com um colar de diamantes, pérolas e esmeraldas maiores que ovos de pata. Depois, a um sinal, todas as damas baixaram as máscaras, revelando o rosto. Era eu o par  do rei francês. Os seus olhos iluminaram-se de alegria e surpresa. Via que admirara a minha audaciosa entrada e aquela ideia inteligente. Saltámos e rodopiámos e vi que Henrique nos olhava satisfeito do seu lugar porque o rei de França rendia homenagem à sua amada. Mais tarde,

numa conversa privada com Francisco, falámos de muitas coisas. Recordações dos meus

 

anos na corte, muita lisonja de ambas as partes e palavras graves que tocaram ao de leve assuntos de Estado. Ele pediu perdão (imagine-se) por ter discordado publicamente com o nosso casamento e deu-me explicações, que aceitei com real graciosidade. Em lugar do apoio público, ofereceu-me deliciosas intrigas para, com o auxílio dos cardeais franceses de Tournon e Grammont, conseguir que o Papa demorasse o seu julgamento final acerca do Divórcio que parece favorecer Catarina. A noite esteve esplêndida e foi um êxito. Henrique não cabia em si de júbilo. Tentei aproveitar-me do seu bom humor e, quando nos retirámos, já tarde, nessa noite, atirei-me de livre vontade nos seus braços e fui recebida com grande entusiasmo. Foi maravilhosa aquela união imprevista, brusca e terna, dolorosa mas doce. O meu corpo e as minhas entranhas receberam Henrique Rex que me mostrou 173 o seu mais apaixonado afecto. A noite fez-se dia, mas nunca nos afastámos do leito real. Depois começaram as tempestades, tornando impossível a nossa travessia para Inglaterra. Ficámos satisfeitos. As refeições eram-nos servidas à porta do quarto. Durante três noites e três dias não vimos ninguém. Rimos, cantámos, tocámos duetos, comemos, bebemos, tomámos banho juntos diante da lareira e fizemos planos e amor. Finalmente, há duas horas, Henrique vestiu-se, dizendo que o melhor seria tratar dos preparativos para a nossa travessia, pois o temporal estava a amainar. Beijou-me com um sorriso. Nunca o tinha visto tão satisfeito. Depois, deixou-me aqui sozinha e... é por isso que estou a escrever. Os meus receios quase desapareceram. O meu casamento parece assegurado e,  se há um Deus no Céu, em breve surgirá um fruto destes dias de sensualidade. Vejo diante de mim um futuro sem nuvens, pois o amor abençoa esta união e como um farol, iluminará  para  sempre o nosso caminho.

Afectuosamente vossa, Ana 3 de Janeiro de 1533 Diário, Deus permita que a profecia se torne realidade. Tenho no ventre o filho de Henrique! Desde o noss nossoo regr regres esso so de Cala Calais is que que te tenho nho rezad rezadoo to todos dos os di dias as para para que esse esse mi mila lagr gree acontecesse, pois com as festas e os assuntos de Estado, o rei e eu temos tido pouco tempo e menosOsprivacidade pararezaram o amor.também Toda a para corteque soube que reclusão tínhamosem finalmente dormido  juntos. meus amigos aquela Calais tivesse um feliz resultado. Os meus inimigos tremiam só de pensar. Mal conseguia respirar quando se aproximava o meu período mensal, que afinal não chegou. Alegrei-me abertamente com todos os estranhos arrancos do meu ventre. Comia cestas de maçãs verdes, eu que nunca gostara de fruta. Os meus seios incharam, parecendo querer rebentar os corpetes. O meu rosto arredondou e perdeu os seus ângulos. Nada contei a Henrique, desejando uma verdadeira prova do meu estado. Mas quando a data do segundo  período passou, sem que sangrasse, fui ter com ele - dois dias a seguir ao Ano 174  Novo - e disse que me tinha esquecido de um presente. Entr Entreguei-l eguei-lhe he uma bonita caixinha caixinha de prata, forrada de tecido. Ele olhou-me, cansado e preocupado com os seus assuntos. - Nada tenho para vos dar em troca, meu amor. - Oh, mas Henrique - disse eu - este presente é para vos agradecer outro que já me haveis

dado.

 

Ele inclinou a cabeça e observou o meu sorriso misterioso para logo depois abrir a caixa. Lá dentro, envolvida em tule estava uma minúscula touca de baptizado que eu bordara com fio dourado e púrpura. Ele ficou a olhar, sem que o seu espírito ocupado conseguisse entender do que se tratava. - É verdade? - perguntou num murmúrio e quase sem acreditar. - Estou grávida do vosso filho, Henrique. Do nosso filho. Ele agarrou-me, esmagou-me contra si, gritando o meu nome. Beijou-me a boca, as faces, os olhos, o pescoço. Senti as suas lágrimas quentes no meu peito, e o seu real corpo estremecia de soluços enquanto murmurava: - Muito obrigado, muito obrigado, muito obrigado. Finalmente endireitou-se, com as faces molhadas e os olhos muito brilhantes. - Há muito a fazer - disse-me. d isse-me. - Esse rapaz tem de nascer de uma rainha. Tomei-lhe a mão nas minhas e beijei-a. - Senhor, sou eu que humildemente vos agradeço. Depois deixou-me, partindo com passo forte, decidido a colocar-me na cabeça a coroa de Inglaterra. Afectuosamente vossa,  Ana

16 de Janeiro de 1533 Diário, Pa Para ra além além da cor corte te of ofic icia ial, l, fo form rmada ada por por lo lord rdes es e da dama mas, s, me memb mbro ross do Pa Parl rlam ament ento, o, conselheiros, chanceleres e bispos, há uma corte secreta, um governo clandestino dos poucos que de facto governam o estado. Actualmente são o rei e o secretário Cromwell quem decide a hora do nascer do Sol e da mudança das marés. Conspiram 175 ambo am boss co cons nsta tant ntem ement entee e Henr Henriq ique ue dá cada cada vez vez ma mais is impor importâ tânc ncia ia ao aoss co cons nsel elhos hos de Cromwell. É claro que ele é muito inteligente e apoia totalmente o nosso casamento. Este homem estranho que não possui grande estatura física, nem a pompa do cardeal Wolsey - belas residências, jóias maravilhosas, festejos faustosos - parece-me ser uma   pessoa muito valiosa. Uma aura de grande e digna autoridade rodeia a sua modesta  presença. Sei que a ambição que lhe incendeia os pequenos olhos negros é tão grande como aHenrique de Wolsey. Não comete erros, pois de seu amo serviu-lhe de lição. Vejo se apoia neste homem comoa queda o fez com o cardeal e fico pensativa. Será que que Cromwell que de tão alto favor goza agora, irá cair tão baixo como Wolsey, com o assuntos importantes, menos um caprichoso correr do tempo? Não interessa, pois todos os assuntos  foram, por ora, esquecidos. Este assunto, disse-me Henrique é como uma moeda que tem escrito numa face o nosso casamento e no reverso o seu divórcio de Catarina. Cranmer, emb embaix aixador ador na Cor Corte te  Imperial  de Espanha foi apressadamente chamado a Inglaterra para ser consagrado arcebispo de Cantuária. Entretanto, os agentes de Henrique em Roma procuram obter do Papa as bulas necessárias para essa consagração. O Santo Padre não deverá saber que a nomeação de Cranmer tem apenas um objectivo - conceder o divórcio ao rei - antes de assinar as ditas bulas. De contrário tudo estará perdido. Clemente ainda acredita, conforme Francisco lhe prometeu, que Henrique acatará a decisão sobre a questão do seu casamento, que será tomada esta Primavera, por um tribunal constituído em França. Assim toda as conversas acerca de casamento, gravidez e coroação foram silenciadas. Este

frio e calmo mês de Janeiro passa muito devagar. Todas as manhãs, acordo e rezo para não

 

encontrar sangue entre as minhas pernas, sinal de um aborto que poderia desbaratar tão minuciosos planos de batalha. Meu pai, que é dos poucos a saber do meu estado, e veio visitar-me aos meus aposentos onde se exibiam todos os presentes de Henrique: belos tapetes, pratos de ouro, uma nova mesa de jogo ornamentada com mosaicos azuis, parecia triste, e pouco disse enquanto estivemos sentados junto à lareira. Por fim, gracejei: - Pareceis aborrecido, meu pai. Já tendes demasiados netos? Não me respondeu nem me olhou nos olhos. Contudo decidi não me calar em face do seu silêncio e continuei a insistir. - Dizei-me, 176  porque haveis mudado de ideias em relação a este casamento? Porque vos opondes a ele? - Nunca o quis. - Não é verdade! Haveis sido vós quem me colocou ainda menina, sob os olhos ávidos do rei. Haveis-me vestido, penteado, servido como uma iguaria francesa num tabuleiro de  prata. Queríeis que ele me quisesse! - Mas não que se casasse contigo! - Porque não, meu pai? Serei rainha. Rainha de Inglaterra. Fechou a boca como uma amêi am êijo joa. a. Pa Pare reci ciaa te terr en engol golid idoo uma uma poção poção venen venenos osa. a. Na lare lareir ira, a, salt saltou ou um carvã carvãoo incandescente e ao ouvir aquele som, apercebi-me daquilo que meu pai pensava. - Vou ficar acima de vós, não é verdade? Serei a vossa Rainha. Tereis de dobrar o joelho a vossa filha mais jovem, e isso mortifica-vos. - Muito - murmurou, com ar  furioso. - Haveis sido vós a arranjá-lo, meu pai. Agora não estais a gostar do d o preço. - Negas a tua própria ambição? - Certamente que nego! - exclamei. - Quando era apenas uma menina recém-chegada de França, não tinha mais que uma ambição: casar-me por amor, com um belo jovem. Depois vós e o cardeal Wolsey amaldiçoaram o doce ribeiro que era a minha vida, interromperamno, alterando o seu curso natural e assim, quando o persistente amor de Henrique rompeu o dique, saiu das margens e transformou-se numa torrente tumultuosa, em busca de um novo caudal... que lhe é próprio. Um caudal que afogou Wolsey e que agora ameaça, igualmente, engolir-vos. Vi-lhe no olhar uma expressão dura e fria. - Escuta Ana. Esse jogo é mais perigoso que o que pensas. Brincas com reis e bispos, até mesmo com Roma. Transformas os homens em tolos. E outros morrerão por tua causa. Vais acabar mal e arrastarás a tua família atrás de ti. Retirou-se abruptamente, deixando a sua filha mais nova assustada e raivosa contra aquele insensível pai. Afectuosamente vossa,  Ana

177 27 de Janeiro de 1533 Diário, A pena treme enquanto escrevo, pois desposei o rei de Inglaterra. Passaram seis anos desde que me propôs este casamento. Seis anos! Espantam-me todas as montanhas que foram movidas para esta rara ocasião, apesar de o casamento não ter sido aquilo que imaginara.

Celebrou-se à pressa e em segredo, às primeiras horas da manhã, enquanto todos dormiam.

 

O secretário Cromwell, Henrique e eu concebemos juntos o plano. As testemunhas - eram  poucas - meu pai, minha mãe, George, Thomas Wyatt e sua irmã Margaret Lee - foram acord aco rdada adass do so sono no e avis avisad adas as pelos pelos noss nossos os me mens nsag agei eiro ross de que dever deveria iam m vesti vestirr-se se rapidamente à luz dos archotes. Usando de toda a possível discrição, avançaram como ladrões junto aos muros do palácio deserto, até à capela, onde Henrique, Cromwell e eu  própria os aguardávamos. Em voz baixa, tremendo de frio, pedimos-lhes paciência e boa disposição, sem lhe revelarmos o nosso plano. Só quando chegou Thomas Cranmer, com o seu ar sombrio e oficial se aperceberam do objectivo daquela reunião. Pediu a todos que se aproximassem para ser testemunhas do solene casamento do rei com Ana Bolena. Foi uma troca de votos breve e simples. O som das nossas vozes ecoava na capela vazia. Ouvi minha mãe chorar. Não me atrevi a olhar para os olhos de meu pai. Henrique estava de mau humor, rígido de medo e creio que zangado porque o nosso casamento estava desprovido da cerimónia apropriada, sendo apenas aquele ritual pobre e fugidio. Quando Henrique me colocou o anel no dedo, a porta da capela rangeu ruidosamente. Fora apenas uma corrente de ar que empurrara a porta, mas os olhos do rei sobressaltaram-se como os de um animal assustado e praguejou em surdina. Desejei acalmá-lo e coloquei-lhe a mão sobre o meu ventre. - Não precisais ter mais preocupações, meu amor. já está feito disse eu. aproximou-se mou-se para nos feli felicitar citar,, depois exigiu ser ele a guardar-nos os anéis Cromwell aproxi  para maior segurança. segurança. Até à chegada das bulas de Clemente Clemente e da consagração consagração de Cranmer  Cranmer  esta união deverá manter-se secreta. Assim, um a um, saímos da capela, e partimos em várias direcções. Dirigi-me apressadamente para os meus aposentos. Os corredores estavam escuros e gelados, mas não dei pelo frio nem pela solidão. Senti, sim, o bebé que dormia no meu ventre e 178 fazia parte de mim. Gostaria de saber se consegue sonhar ou se partilho com ele os meus sonhos. Será que quando o meu bobo me faz rir, sente o calor e o efeito benéfico das minhas gargalhadas? Entrei discretamente nos meus aposentos, passando pelas minhas aias sem as despertar. Dirigi-me ao meu leito frio e solitário e dormi pela primeira vez como uma mulher casada. Afectuosamente vossa,  Ana 24 de Maio de 1533 Diário, Esta noite estou, cheia de felicidade, retirada dentro das muralhas da Torre de Londres, como sempre o fizeram os reis e rainhas antes da sua coroação. É verdade que foi o amor  de Henrique e a minha persistência que tornaram possível este dia, mas temos também de dar crédito ao belo plano de Thomas Cromwell. Passo a relatar as suas maquinações, como um capítulo da História, pois o meu casamento com o rei transformou-se em mais um ramo da antiga árvore de linhagens de Inglaterra e deve por isso merecer reconhecimento. O meu casamento manteve-se secreto até chegarem as bulas de Roma e Thomas Cranmer  ver a sua consagração como o bispo mais importante de Inglaterra. Porém, antes de jurar  fidelidade à Igreja e seguindo o inteligente plano delineado pelo rei e por Cromwell, este homem prestou um juramento insólito, afirmando submeter-se em primeiro lugar ao seu rei e ao seu país. A seguir o Parlamento aprovou rapidamente uma lei que confere ao arcebispo de Cantuária autoridade suprema, no que concerne aos assuntos espirituais, proibindo todos

os apelos a Roma. Meu irmão George foi enviado a França para participar o nosso

 

casamento ao rei desse país. Francisco outorgou a sua generosa bênção e sua irmã Marg Ma rgue ueri rite te,, que que me mese sess ante antes, s, me havi haviaa desp despre reza zado do em Ca Cala lais is,, en envi viou ou-no -noss as su suas as felicitações. Estava tudo pronto. Henrique anunciou ao Parlamento o nosso casamento e comunicou-o a Catarina por  intermédio de um enviado especial. Todavia, com a sua teimosia habitual, Catarina não se deu por vencida. ”Continuo a ser a rainha”, disse aos duques de Norfolk e Suffolk. ”Sê-loei 179 até à morte.” Disseram-me que, recentemente, mandou fazer para os criados librés novas com as iniciais H, de Henrique e C, de Catarina entrelaçadas. Nada sinto por ela, Diário, nem tristeza, nem raiva, nem compaixão. Apenas desejo que, como que por magia de um Merlim, ela possa, pura e simplesmente, desaparecer. É verdade que a sua presença aqui na corte se torna cada vez mais vaga e que as vozes dos que lhe são leais, embora insistentes,  poucos mais são agora que débeis sussurros. Mesmo assim, incomoda-me. Mas estou a divagar. O divórcio de Catarina e Henrique foi apresentado há seis dias diante do priorato de Dunstable. Nessa altura, o arcebispo Cranmer, com a autoridade que lhe fora conferida, considerou inválido o casamento e deu a ambas as partes autorização para casarem de novo. A noite passada, numa galeria de Lambeth Manor, esse mesmo bispo afirmou que o meu casamento com Henrique era inteiramente legal e que não havia qualquer impedimento para a minha coroação. O primeiro dia amanheceu azul e perfeito. Em nada me afectaram todos os supersticiosos rumores que vêm maus augúrios para esta ocasião - um peixe com quase trinta metros, que foi encontrado na costa norte, o grande cometa com uma cauda semelhante à barba branca de um velho. Acord Aco rdei ei no ca cast stel eloo de Gr Green eenwi wich, ch, ao so som m de di disp spar aros os de canhã canhão. o. As mi minh nhas as aias aias obrig obr igar aram am-m -mee a sa sair ir do le leit itoo para para me en enve verg rgar arem em um ve vest stid idoo de ouro ouro co com m pé péro rola la incrustadas nas mangas, no corpete e no pano que me cobria o ventre inchado. Escovaramme lentamente o cabelo e deixaram-no solto, apenas seguro por um círculo de diamantes de onde partia uma cauda de ouro e tule. Margaret Mortimer olhava o rio pela janela e exclamou: ”Olhai, um grande dragão vermelho, que cospe fogo pela boca!” E assim era. Numa barcaçafogo vinha efeito um dragão, acompanhado de terríveis monstros e homens que faziam comcom grande ruído. Essa esplêndida barcaça conduzia uma pequena armada - centenas de embarcações, com  bandeiras coloridas e sinos vinham buscar-me, deixando no Tamisa uma esteira de música. E assim, por entre esse espectáculo flutuante, levaram-me rio acima em direcção à Torre de Londres, cujos canhões disparavam para me receber. Perto das escadas da fortaleza, juntara-se uma enorme multidão que se apartou, quando entrei, para me deixar ver ao fundo, como o meu esposo me sorria, de braços abertos,  para me receber. Com o olhar preso no seu, percorri a distância que nos separava. Foram 180 certamente passos felizes, mais felizes ainda quando cheguei junto a ele e colocou ambas as mãos sobre o filho que carrego no ventre e me beijou com toda a reverência. Sou incapaz de dizer o quanto me reconfortou aquela exibição pública do seu amor. Depois, o idoso lorde Kingston, guardião da Torre, atravessou o pátio e, com Henrique,

escoltou-me até aos aposentos da rainha, renovados para a ocasião. Não consegui perceber 

 

se a expressão de amargura que lhe li no rosto, resultava da dor do seu pobre corpo aleijado ou do seu bem conhecido amor por Catarina e pelo desgosto que lhe causava ver-se obrigado a ser meu anfitrião. Contudo, até aqui, tem-se mostrado delicado e nada ensombra este alegre retiro de três dias, de onde ond e ressurgirei rainha. Afectuosamente vossa,  Ana

30 de Maio de 1533 Diário, Será verdade? Atrever-me-ei a escrever estas palavras? Fui coroada rainha de Inglaterra. Rainha Ana. Ana, a Rainha.  Anna Rainha. As palavras assim ligadas parecem-me justas. O meu coração bate agora a ritmo normal, mas nessas horas que duraram o cortejo e as cerimónias, receei várias vezes poder rebentar de alegria e terror.  No sábado de manhã percorri em cortejo as ruas de Londres, engalanadas a seda e veludo, com pendões multicolores ondulando na brisa e fontes de onde o vinho brotava. Os nobres assistiam das suas janelas e os plebeus, guardas, artesãos e autoridades municipais estavam  presentes nas ruas para assistir ao maravilhoso desfile. Havia franceses ataviados de azul e amarelo, cavalgando esplêndidos corcéis; damas em carruagens escarlates, vestidas da mesma cor, o lorde Chanceler do Reino, o alcaide de Londres, todos com os seus trajes de cerimónia. Com o ventre inchado para que todos vissem, sentei-me imponente, no meu belo vestido branco debruado a arminho, numa liteira aberta sob um dossel de pano dourado, transportado por quatro cavaleiros que marchavam a meu lado. Logo atrás seguiam as damas da nobreza e, a seguir, a guarda real fechava o cortejo. Foi um espectáculo maravilhoso embora, para falar verdade, poucos assistentes gritassem ”Deus Salve a Rainha” ou sequer erguessem 181 os barretes. O meu bobo provocava-os dizendo: ”Tendes tinha na cabeça e não quereis que se saiba!”, mas apenas alguns lhe fizeram a vontade. Porém nada disto me surpreendeu. Sei que o povo não me ama. Muito provavelmente queriam ver o meu sexto dedo, quando lhes acenava ou procuravam-me no pescoço uma marca de feitiçaria. Só no dia seguinte fui levada para a abadia de Westminster para a minha coroação. Neste momento moment o solen solene e triun triunfante fante,,todas vi a altiva de Norfolk na cauda e o diante duque de Suffolk, queetentara com as suasduquesa forças evitar aquelepegar-me dia, segurar na coroa de mim, junto ao altar, onde se encontrava o Arcebispo Cranmer. Aí ajoelhei e me prostrei nas lajes antes de me erguer para ser ungida. Henrique, bendito seja, manteve-se na sombra,  para que eu brilhasse sozinha e de um local onde apenas podia ser visto por mim, lançavame olhares de encorajamento. Pouco ouvi dos antigos rituais da coroação que Cranmer   pronunciou em latim, mas senti o doce peso da Coroa de Santo Eduardo sobre a minha cabeça, o frio do ceptro de ouro na minha mão direita, e a suavidade da vara de marfim marfim na esquerda. Já coroada, percorri os poucos passos até ao trono de ouro e veludo e nele me sentei. Ao olhar para o mar de rostos daqueles que agora eram meus súbditos e naquele meu  primeiro momento como rainha, senti um medo terrível. Desejei sorrir, mas senti as feições rígidas, como se me tivesse transformado em estátua de gelo. O ceptro e a vara pareceramme demasiado pesados e imaginei que me poderiam escorregar das mãos e cair no chão. Se tal tivesse ocorrido, todos aqueles rostos fechado soltariam soltariam gargal gargalhadas. hadas. ”Ana, a rainha rainha

impostora - uma plebeia, uma rameira, que tenta converter o seu bastardo em rei de

 

Inglaterra.” Porém, e sempre recordarei esse momento, senti que a bendita criança se mexia no meu ventre como que para dizer: ”Não temais, minha mãe, pois estou aqui convosco.” Como um ofuscante sol de Verão, aquele sinal interior fez-me sentir um calor tão íntimo que as minhas feições rígidas se dissolveram e consegui sorrir. Sei que foi um sorriso deslumbrante e cheio de amor que iluminou a austera abadia e os rostos sombrios e atravessou os vidros pintados para brilhar sobre Londres, proclamando o meu direito a sentar-me neste trono. Afectuosamente vossa,  Rainha Ana

182 era tal o silêncio no castelo que, quando Isabel fechou o diário no colo, conseguiu ouvir o sangue latejar-lhe nos ouvidos. Esboçou um leve sorriso ao pensar que se tratava da mãe e da sua coroação. Fora de facto um pequeno pontapé seu, que tinha dado a Ana a coragem  para enfrentar o mundo como rainha. Sim, percebera de repente que a mãe tinha sido muito corajosa. Tinha resistido com firmeza a todos os embates. Dela, Isabel herdara a sua coragem e não de seu pai, como sempre julgara. Desde a mais tenra infância que ouvira dizer que a mãe fora uma traidora e que todos os traidores eram cobardes. A dor de o saber  e de conhecer a reputação de Ana como adúltera e rameira tinha abalado a sua delicada alma de criança e feito com que, enquanto jovem, a pequena princesa deixasse de pensar na mãe e nunca mais pronunciasse o seu nome. Porém, Isabel apercebia-se agora de que Ana fizera uma coisa maravilhosa. Um perfeito milagre. Uma vitória contra o impossível. Durante seis anos contivera as investidas do rei de Inglaterra para poder usar a coroa e assegurar a legitimidade dos filhos que tivesse. Havia vários meses que Isabel lia o diário em momentos esquivos e as palavras e a história tinham-na tinham -na comovi comovido, do, educado e,  por vezes, enfurecido. Ali, nas últimas  passagens estava relatado o caminho percorrido pela mãe para se transformar de plebeia em rainha, numa cerimónia que mais parecia um funeral que uma comemoração com o ódio do povo, dos súbditos, quando por fim recebeu a coroa. E aquelas palavras fizeram com que Isabel se recordasse da sua própria coroação. Mesmo sendo filha de rei, Isabel travara uma dura batalha para subir ao trono. Em pequena, vivera tempo sempretinha à sombra de Eduardo, o herdeiro incontestável. O pai, bondoso,  pouco para dispensar àquela criança alegre e ruiva que era, embora sem dúvida, uma recordação 184 do seu mais apaixonado amor, então perdido. Embora Isabel tivesse passado a infância afastada da corte - fora da vista e do pensamento do pai - quando Henrique, o Grande, morreu, foi para ela como se o Sol se tivesse posto e não voltasse a nascer. Num abrir e fechar de olhos, terminara também o breve e turbulento reinado de Eduardo, seu irmão e amigo, bem como a cobiça dos homens que o tentaram controlar. Seguira-se o reinado de Maria, a seguinte, na linha de sucessão, que se agarrara ao trono com garras de ave de rapina. A sua infância, como única filha de Henrique e Catarina fora doce e suave. Porém, Ana Bolena entrara nas suas vidas e tudo envenenara. A fria dança de amargura amargu ra e ódio de Maria girara em torno da mãe de Isabel e, em menor grau, da pequena irmã mais nova.

De facto, Maria mostrara notável contenção em relação a Isabel, durante o seu breve

 

reinado. Diante das numerosas intrigas, destinadas a livrar o país da rainha católica e fazer  subir ao trono a popular princesa, que tanto se parecia com Henrique, em jovem, todos os conselheiros de Maria eram de opinião que deveria eliminar a ”pequena rameira”, a herege  protestante e possível usurpadora da coroa. Isabel levantou-se da cadeira e sentiu o cansaço sobre os seus frágeis ombros, cobertos por uma pesada capa de arminho. Apagou as velas, uma a uma e subiu para a enorme cama de dossel. Os tijolos quentes, que Kat colocara entre os lençóis, estavam já frios, de modo que se enrolou para conseguir aquecer. Porém o sono teimava em não vir e as recordações do tortuoso tortu oso caminho para a sua própria coroação, flutua flutuavam-lhe vam-lhe diante dos olhos, como uma  peça de sonho em que os actores eram ela e a sua família. O ano em que Maria ficou grávida do seu amado Filipe foi para Isabel um dos tempos mais desanimadores da sua vida. Com um herdeiro legítimo prestes a nascer, todas as esperanças de vir a ser rainha se esmagaram como o corpo de uma gaivota contra um rochedo. Fora chamada de um longo exílio para acompanhar a rainha durante a sua estada em Greenwich. Sabia que a sua presença oferec ofereceria eria a Maria e aos seus conselheiros conselheiros uma alegria alegria perversa. Para eles seria maravilhoso verem murchar a pretensão de Isabel ao trono, à medida que o ventre de Maria florescia. Poder-se-ia pensar que aqueles dias mais abençoados e fecundos suavizariam o tratamento cruel dos hereges protestantes ordenado pela rainha Maria, mas não fora esse o caso. Do seu quarto, onde se resguardava, possuída por um frenesim assassino, Maria ordenava o aumento das perseguições e mortes na fogueira, como se exigisse a erradicação de todos os infiéis de Inglaterra, antes de trazer ao mundo o filho que esperava. 185 Durante esse resguardo, Filipe interessara-se pela cunhada de vinte e um anos. Passavam  juntos muitas horas, discutindo as perspectivas de casamento de Isabel, todas elas capazes aumentar o poder já substancial do rei de Espanha na Europa, porém delicada e firmemente recusadas por Isabel. Recordava-se de ter achado o rei de Espanha melancólico mas atraente, um pouco mais baixo do que ela e sempre com problemas de saúde, sofrendo de um mal persistente no estômago. Porém, Filipe encantara-se naquela robusta jovem cujo espírito e erudição contrastavam com a piedosa devoção de sua esposa. Isabel supunha que o inte intere ress ssee dede Fili Fi lipe pe por po r el elaa deobede obe deci ciaea sepel pelo o quisesse meno menoss em parte parteo domínio a razõ razões es depr prát átic icas as.. Na  possibilidade Maria morrer parto ele manter Inglaterra, teria certamente de procurar casar-se com a irmã da mulher. Todavia, ao recordar os dias em que aguardavam a chegada da criança prometida pelas parteiras, Isabel pensava que o interesse de Filipe por ela não era apenas prático. Tinha a certeza de que se apaixonara e que a teria preferido para compartilhar co mpartilhar o trono de Inglaterra. O filho de Maria não chegou a nascer. A data esperada chegou e passou sem que a rainha sentisse os sinais de parto. Maria permaneceu durante horas sentada no chão, entre almofadas, vendo, triste e horrorizada, o seu ventre a diminuir de volume. E, enquanto desinchava, o poder  e a importância de Isabel aumentavam na proporção inversa. Era evidente que Maria sofrera uma falsa gravidez e que, já idosa, poderia afinal ser estéril. Mortificada pelo seu fracasso, Maria saiu do seu resguardo e anunciou que a corte se mudaria para o palácio de Oatlands. Isabel foi sumariamente despedida e enviada de novo  para o seu exílio.   Nas Nas su suas as viage viagens ns,, Ma Mari riaa e Is Isabe abell havi haviam am cava cavalg lgad adoo sepa separa radas das por en entr tree o po povo vo e

descobriram que era escasso o apoio dos súbditos à rainha. Já ninguém com menos de trinta

 

anos era católico e o tratamento assassino dado aos hereges enfurecia a populaça. A desilusão da falsa gravidez fora o golpe final que, qual machado do carrasco, arrancara, por  fim, Maria do coração dos ingleses. Segundo Isabel veio a saber, a pomposa comitiva para Oatlands encontrara na estrada rostos sombrios e os gritos de ”Deus Salve a Rainha” tinham sido forçados. Por sua vez, a modesta caravana em que Isabel regressava a Hatfield encontrara os caminhos cheios de camponeses que a saudavam calorosamente, o que   pro provo voco couu na pr prin ince cesa sa o es espa pant ntoo de perc perceb eber er qu quee o po povo vo de In Ingl glat ater erra ra a am amav avaa   prof profun unda dame ment ntee e vi viaa nela nela um umaa en encar carna nação ção fe femi mini nina na do amad amadoo rei rei Henr Henríq íque ue VIII VIII e acreditava que viria a ser a próxima rainha.  No ano seguinte, Maria estava a morrer. No fim, foi a sua condição de mulher que a atraiçoou e os órgãos femininos apodreceram-lhe no 186 ventre. Filipe, muito interessado, cumprira o seu papel, convencendo Maria, nos últimos dias de vida, a nomear Isabel sua sucessora. Assim, quando os mensageiros reais entraram em Hatfield com as muito esperadas notícias, Isabel estava mais que preparada para ser  rainha. Preparada e ansiosa. Minha pobre mãe,depensou Isabel,Quando quase ninguém a cabeça de bom grado, naquela coroação Primavera. chegara adescobrira vez de Isabel, no pino do Inverno, milhares de barretes tinham sido atirados ao céu gelado e azul. Nesse dia glorioso, as  pessoas tinham-na envolvido no seu amor. O espectáculo ultrapassara mesmo a imaginação de Isabel. As ruas estavam cheias de gente. Um milhar de cavaleiros em orgulhoso desfile, a sua litei liteira ra de ouro, seguida pelo seu amado Robin, cavalgando cavalgando o alazão branco, enormes enormes gritos, preces e felicitações, palavras ternas que a iam reconfortando. Fora um momento da mais pura alegria. - Deus salve Vossa Graça! - exclamavam. - E Deus vos salve a todos! - respondera cheia de emoção. Em cada paragem do cortejo, havia uma pequena representação, recitava-se um poema, cantava-se. E, em cada uma delas, Isabel ouvia com atenção e juntava-se aos celebrantes, para que, no momento em que retomasse retom asse o seu camin caminho, ho, tivesse dado a cada um dos seus súbditos uma pequena parte do seu coração. A promessae ruidosa de ser uma boa rainha para o seu feitafora em um Cheapside,  perante a entusiasmada multidão dos habitantes depovo, Londres, desafio, tanto para ela como para os que a escutavam, pois Isabel sabia que lhes devia o trono. Sabia que sem o amor do povo, Maria teria tido a coragem de a mandar executar por heresia. Sem o amor do povo nunca teria sentido o peso da coroa de Inglaterra sobre a sua cabeça. Por fim, Isabel sentiu, que as pálpebras lhe pesavam de sono. Foi este amor que minha mãe não não teve teve,, pens pensou ou ante antess de ador adorme mece cer. r. An Anaa fo fora ra simp simple lesm smen ente te in inco comp mpre reen endi dida da.. Incompreendida até à morte. 4 de Junho de 1533 Diário, Este é o Verão mais doce da minha vida. Em Windsor os dias são longos e calmos e o ar  está impregnado do perfume das rosas e da relva cortada. Henrique decidiu não sair para caçar, para poder ficar mais próximo de mim e assim, sai  por vezes por um dia para se dedicar  187

à caça e à falcoaria, mas regressa ao cair da noite, trazendo-me provas do seu amor - ramos

 

das minhas violetas preferidas, cestos de sumarentas amoras, uma pena de mocho, um laço de erva entrançada com folhas de salgueiro e lírios. O rei sente orgulho no meu belo ventre e, atrevo-me a dizer que, mulher alguma se poderia sentir mais estimada do que eu. Do enxoval de Catarina, recebi grande quantidade de jóias, taças de prata, bacias, camas e tamboretes. Através do meu Conselho Privado posso receber os rendimentos das minhas muitas propriedades. E Henrique honrou-me com a condição de  femme sole, o que me  permite administrar os meus assuntos sem a sua interferência. Felizmente não nos chegaram aos ouvidos protestos de Roma ou do Imperador Carlos. Devem ter compreendido que quem se opõe a Henrique corre sérios riscos. Francisco mantém-se nosso amigo e enviou-nos um maravilhoso presente de casamento - quatro mulas e uma bela liteira liteira ao estilo italiano, ricamente trabalhada e dourada, fechada por  antigas tapeçarias e enfeitada com almofadas acolchoadas de veludo púrpura. A carta que a acompanhava dizia esperar que o presente fosse digno de tão bela rainha. Os meus aposentos são noite e dia palco de todo o tipo de divertimentos. Música, danças,  jogos e representações. Tenho um novo bobo - uma mulher, veja-se! Faz-nos rir com as suas partidas e comentários inteligentes. Entre as minhas aias e cavalheiros surgem muitos romances, com as suas pequenas intrigas e enredos. Mas, no seu todo, mantenho uma casa virtuosa e sossegada. Proibi as discussões e que os meus servidores frequentem locais de má nota ou ou sejam vistos condutas em companhias pouco recomendáveis. As minhas aiaspara nunca incentivam permitem licenciosas e são mantidas ocupadas a coser os  pobres, devendo também assistir diariamente ao serviço divino. Por vezes julgo estar a ficar  um pouco séria demais, mas agora, depois da nomeação de Henrique como Chefe Supremo da Igreja e do Estado, a rainha tem de dar exemplo cristão. E também porque Deus abençoa os verdadeiros crentes com filhos varões, devo conduzir-me segundo a moral e as suas leis. Há um jovem cortesão que atrai as minhas atenções. Chama-se Mark Smeaton e é um óptimo músico e cantor. É bonito, honesto e gracioso, no que me recorda o jovem Percy,  por quem estive apaixonada. Mark presta-me mais do que a devida homenagem a uma rainha, o que para mim tem semelhanças semelhanças com o amor cortês. Senta-se a meus pés, toca alaúde e canta baladas doces com a sua voz de 188 anjo. Nãonas deveria encorajá-lo, mas a sua toca-me e muitas vezes reclamo a sua  presença minhas reuniões privadas. Atédevoção Henrique gosta do jovem Smeaton e lhe dedica uma atenção paternal. Estou de boa saúde e com boas cores no meu rost rostoo geralment geralmentee pálido. O rapaz dá voltas e  pontapés  ponta pés com toda a energi energiaa e ningué ninguém m se atrev atrevee a falar de abortos ou nados-mort nados-mortos. os. Mas  para falar com franqueza, franqueza, tenho alguns receio receioss de morrer morrer de parto e, como tal, enviei uma mensagem à freira de Kent, solicitando mais uma vez a sua colaboração. Já que na profecia em que falou do meu filho Tudor e do seu longo e próspero reinado não mencionou a minha pessoa ou a minha vida, quis recorrer recorrer a ela para que, com a ajuda das suas terríveis terríveis visões, possa conhecer também o meu destino. Isto porque, se vier a morrer, há disposições que devo tomar e cartas que tenho de escrever. Porém, segundo a resposta da abadessa, a santa irmã mantém-se em rigorosa clausura, não vê ninguém e todos os assuntos mundanos foram relegados em prol da espiritualidade. Assim, o meu destino será revelado com o lento correr do tempo e terei de viver com a minha impaciência. Afectuosamente vossa,

 Ana

 

12 de julho de 1533 Diário, Por fim chegaram notícias de Roma e são muito desagradáveis. Há dois dias, quando Henrique saiu para a caça, senti uma estranha inquietação. Receei que a sua vida pudesse estar em perigo e que os meus terrores fossem proféticos. juro que, depois de ter ficado grávida, desenvolvi outro sentido, Para além da vista e do ouvido, uma espécie de conhecimento, sem justificação. Mesmo assim, quando Henrique partiu e não regressou ao cair da noite, não receei que tivesse adoecido ou estivesse ferido. No momento em que me ia recolher ao leito, o conde de Shrewsbury chegou para me dizer que, tendo cavalgado até mais longe que o previsto, sua Majestade passaria a noite em Buckdon Lodge, continuaria a caçar durante o dia seguinte e regressaria depois. Percorreu-me um gélido arrepio e  perguntei ao conde se o rei estava bem e se a caçada fora bem sucedida. O conde respondeu que o rei se encontrava perfeitamente e quanto ao resto, os veados mostravam-se arredios e ainda não apanhara 189 nenhuma peça. Adormeci, mas com sono leve e passei todo o dia seguinte numa estranha disposição.  Nessa noite, o rei regressou com vários homens, de humor alegre e ruidoso. Porém, quando veio minha ter comigo meusdoaposentos e, dispensando-me sorrisos abraços, perguntou  pela saúdeaos e pela nosso filho, senti nele uma dor surda e um certo me desassossego. Insisti e afirmou estar apenas cansado pela longa distância percorrida. Porém, pedi-lhe que se sentasse, massajei-lhe as têmporas e a testa e insisti de novo, mas com cautela. Soltou um longo suspiro que pareceu esvaziar o seu enorme corpo. Fez tenção de falar, mas as  palavras não lhe saíram. Cobriu os olhos com a enorme mão, cheia de anéis e pronunciou o meu nome, com voz triste. - Ana... não estive a caçar. - Onde haveis estado, então? - Em Guildford, Guildford, com os homens do meu Consel Conselho ho Privado. Não desejava preocupar-vos, meu amor, mas a verdade é que tive notícias de Clemente acerca do meu divórcio. - Não quer concedê-lo? - Pior ainda. Anulou o nosso casamento e declarou ilegítima toda a nossa descendência. Se até Setembro não me tiver separado Cranmer de vós e retomado Catarina... excomungado. Eo mesmo se passará com o arcebispo - soltou novo suspiroserei e pareceu subitamente abatido. Ajoelhei Ajoel hei para ficar numa posição inferior à sua e, quando falei, as  palavras soaram-me na cabeça, como se esta não passasse de uma concha vazia. - Não era o que já esperávamos, Henrique? - Era, claro que sim. Mas o saber que se avizinha uma grande tempestade, não evita os estragos estra gos quando ela final finalmente mente chega. Os campos e as culturas são destruídos, as árvores arrancadas, arranc adas, as praias inundada inundadass e as pessoas morrem morrem - abanou a cabeça, cabeça, pertu perturbado. rbado. - Não esperava sentir-me tão... vazio. A Igreja Católica foi para mim uma mãe, durante toda a minha vida. Tenho sido o seu filho mais fiel e sempre me prestou grande auxílio.  Nada podia argumentar contra aquelas palavras e sabia que seria imprudente falar com aspereza da mãe a um filho, mesmo que ele tivesse antes utilizado esse tom de voz. - Agora o filho ingrato corta a cabeça da mãe e substitui-a pela sua - olhou-me com uma expressão de desespero no olhar. - Não tinha outra alternativa, Ana. Não tinha outra

alternativa!

 

190 Peguei-lhe docemente nas mãos. - Escutai. Há mães que recusam deixar que os filhos cresçam e assumam os seus direitos. E Henrique, como rei de Inglaterra, tendes antigos direitos de soberania. Se ela não os reconhecer, tereis de os tomar à força. Para o bem de Inglaterra! Acenou com a cabeça, sem pronunciar palavra, concordando, ainda que de má vontade. - Não se pode fazer nada? - perguntei. - Os meus conselheiros de direito canónico sugerem que ultrapasse Clemente e apele a um concílio geral. Mas isso apenas atrasaria a sentença. - Francisco não poderá ajudar-vos? Está de boas relações com o Papa. E que diz de tudo isto o secretário Cromwell? Henrique soltou uma fria gargalhada. - O mesmo que vós, acerca dos meus direitos de Rei estarem à frente da Igreja. Porém às vezes faz-me pensar. Parece não sentir temor a Deus. - Julgo que mestre Cromwell sente temor a Deus, tal como nós, Henrique. Pura e simplesmente não receia a Igreja. E nisso creio que tem razão. Henrique esboçou um sorriso estranho e tocou-me ternamente no rosto. - A minha esposa luterana. Arrebatou-me a minha mãe, seduzindo-me com promessas maiores do queestremeceu as do Céu. ao ouvir estas palavras, pois sempre julgara ter sido ele a O meu corpo arrebatar-m arreba tar-me. e. Mas guarde guardeii para mim essas ideias e não o contradisse contradisse,, pois sabia que tinha feito uma promessa, cujo cumprimento o compensaria da perda da Santa Madre Igreja. O nosso filho. O seu pequeno príncipe. E a sucessão ininterrupta dos grandes reis Tudor. Afectuosamente vossa, Ana 5 de Agosto de 1533 Diário, Fui vítima de uma terrível traição e o traidor foi Henrique. Um golpe inesperado, sobretudo  porque meu marido teve a bondade 191 de enviar há pouco tempo para os meus aposentos em Greenwich, a que em breve me recolherei parto, umapor  esplêndida e luxuosa cama,E,com de cetim escarlate debruado apara ouro,o escolhida ele na casa do tesouro. paradossel meu benefício e grande irritação de Catarina, mandou pedir-lhe um rico pano de linho de Espanha, o qual enfaixou todos os bebés reais no dia do baptismo. Mas na quarta-feira passada, chegou-me aos ouvidos a história das escapadelas de Henrique com Elizabeth Carew, minha aia, uma jovem de grande beleza, mas pouca inteligência. Mentiras mal intencionadas, pensei, oportunamente espalhadas por eu estar já no fim do tempo e porque a minha língua, geralmente afiada se tinha suavizado, devido à gravidez.  Não me parecia possível, pois Henrique possuíra-me de corpo e alma ainda não havia um ano. Um curto ano, depois de tantos a combater lado a lado como soldados numa grande cruzada. Mas quando, na missa de domingo, entre o toque dos sinos e o sussurro dos tafetás, ouvi o nome dos nobres que apoiavam esse romance, percebi que era verdade. Sabia que nada significa para a minha alta posição, pois a coroa está segura na minha cabeça. Sabia também que a condut condutaa de Henrique não era errada, errada, nem sequer extraordin extraordinária, ária, segundo os

 padrões reais. Mas, mesmo assim, a ideia de que a sua paixão se dirigisse a outra mulher 

 

que não eu, fez estremecer o frágil amor que sentia por ele. Tantos anos de dor e luta desperdiçados nos braços de uma tonta. Dirigi-me aos aposentos do rei, o mais depressa que a minha figura de rosto e ventre grotescamente inchados mo permitiram e atirei-me a ele, com uma incontrolável fúria. - Porco! - gritei, ao mesmo tempo que o esbofeteava, deixando-lhe a face quente e vermelha. O meu amante infiel, esposo e rei ficou abismado. Olhou-me com uma calma de morte, porém os seus olhos diziam que os rumores eram verdadeiros e os meus ardiam-me de lágrimas amargas. - Onde está o homem doce e terno que me prometeu adoração eterna, que antes de assinar as suas cartas dizia não buscar mais ninguém - olhei para um lado e  para outro, como se procurasse esse homem. - Onde está ele, pois aqui apenas vejo um traidor de duas caras! O olhar de Henrique fitou-me com tal desprezo que me surpreendeu, já que eu esperava um sinal dos seus remorsos. Porém, pelo contrário, paralisou-me com um olhar firme e respondeu friamente: 192 - Fe Fecha chare reis is os ol olho hos, s, mi minh nhaa queri querida, da, e su supo port rtar arei eiss o qu quee outra outras, s, me melh lhor ores es qu quee vós, vós, suportaram. Deveis saber que a qualquer momento vos posso fazer descer, tal como vos fiz subir - tocou na face avermelhada e demorou perigosamente mão enormee retirou no meua  pescoço. Mal conseguia respirar. - Rainha Ana... - murmurou com ara de desprezo mão. - Ide. - Vou, Henrique - repliquei, encarando-o e sem retroceder. - Mas sabei que haveis ofendido vergonhosamente a vossa fiel esposa, mãe de vosso filho. Voltei-me e abandonei com altivez os aposentos do rei, para voltar aos meus e chorar o meu desgosto. Porque não há ninguém senão vós, Diário que conheça a profundidade desta traição. Estou muito sozinha. Henrique e eu não falamos um com o outro há vários dias. A criança dá pontapés no meu ventre e na dor que me causa encontro consolo, pois se o amor do rei se dissipou, este menino continuará ser um cordão dourado entre sua Majestade e eu - cintilante, inquebrável e para sempre. Afectuosamente vossa, Ana 29 de Agosto de 1533 Diário, Foi um dia glorioso! Entre o som dos tambores e das alegres trombetas, os estandartes agitam-se. Na suave brisa de Agosto, tomo o meu lugar na barcaça real. Henrique despediuse com beijos e mostras de regozijo (esquecidas que foram todas as discussões). Abraçoume com força e ternura. - Amo-vos Nan - murmurou-me ao ouvido. - Somos um só nesse menino - e poisou a mão, como uma bênção, sobre o meu ventre. Partiu, depois de ouvir inúmeras aclamações. O momento foi só meu, mais memorável que a minha coroação. As árvores balançavam nas margens, o rio Tamisa era verde e dourado e a maré-cheia levou-nos pelo sinuoso caminho  para Greenwich, cheio de gente que acenava, mas não sorria. Quem me dera que o tivessem feito, para mim, para a rainha, para o meu ventre que albergava o herdeiro Tudor. Porém a maioria continua leal a Catarina 193

e à filha. Vão mudar de opinião quando ele nascer e com certeza que me vão adorar e

 

desejar longa vida e saúde à rainha Ana. Os muros e ameias do castelo de Greenwich  brilhavam à luz do pôr do Sol quando chegámos. Lordes e damas, muito bem vestidos, aguardavam-nos na margem e vieram ajudar-me a recolher aos meus aposentos. Foi há muitos anos que o pai de Henrique, o primeiro rei Tudor criou este cerimonial. Talvez por  ter conseguido a coroa pela força das armas e não por linhagem, quis que fosse assim o nascimento dos filhos. O grande rio da história, pensei, corre sob esta barcaça real e Henrique, eu e o nosso filho, desaguamos nele, como pequenos ribeiros, entrando para sempre nos seus anais. Com discreta pompa, fui conduzida à capela, onde me aguardava o meu bom amigo Cranmer. Recebi a comunhão das suas mãos e os nobres presentes rezaram com ele para que Deus me desse uma boa hora. Ao sairmos, vi a princesa Maria, magra e hirta, com os olhos escuros a seguirem-me o caminho. Sorri-lhe bondosamente ao passar, disposta a oferecer-lhe o amor que tinha para dar, mas vi que interpretou o meu gesto como provocação. Não importa, pensei. Sei que deseja a morte do meu filho e a minha. Os lordes e as damas escoltaram-me então à minha câmara, serviram-me vinho aromático e  brindaram em minha honra. Meu irmão George estava entre os homens, a rebentar de orgulho por mim e muito feliz. Peguei-lhe na mão e murmurei: - Meu fiel irmão, pensas que isto fará com que mudem as coisas entre eles e eu? -olhos Penso - Quando fores a mãe adomulher futurodelicada Rei será que como lhes arrancassem dos um- respondeu. véu e, por fim, poderão perceber é aseminha irmã. Subiram-me as lágrimas aos olhos, tal foi a onda de amor e gratidão que senti por George. Porém,, antes que começas Porém começasse se a chorar chorar,, ele e meu tio lorde Rochiord pegaram-me pegaram-me na mão e conduziram-me até à entrada dos meus aposentos, desejaram-me boa sorte e aí me deixar dei xaram. am. Qua Quando ndo todos todos os cavalh cavalheir eiros os se ret retira iraram ram,, as min minhas has aias aias seg seguir uiramam-me me e fecharam a porta atrás de mim. Segundo a lei, não posso abandonar estas paredes senão depois do parto e apenas poderei ver estas mulheres que comigo se retiraram. O lugar era escuro e mal arejado, com pesadas tapeçarias a cobrirem todas as paredes, tectos e janelas excepto uma. Vi a cama estreita, onde teria lugar o parto, as braseiras para aquecer o quarto, os frascos 194 perfume cobrirem o nos cheiro pegajoso domsangue e estremeci nas e  de bacias baci as,, nos nospara mo mont ntes es de panos pa rasg ra sgad ados os,, num nu en enor orme me co conj njun unto to aodereparar lanc lancet etas as epanelas noutr noutros os assustadores instrumentos de parteiras. A outra câmara era mais alegre. A minha cama era de madeira trabalhada e tinha um rico dossel. Imagi Imaginei-me nei-me mãe orgul orgulhosa, hosa, naquele naquele leito, leito, recebendo recebendo visitas visitas impor importante tantes, s, sentada sentada entre os lençóis, com uma capa de veludo escarlate, forrada de arminho. E quando me viessem apresentar os seus respeitos, veriam o pequeno príncipe, adormecido no seu imponente berço, com quatro remates de ouro e prata e uma colcha tecida a ouro e debruada a arminho. Dizem-me Dizemme que em breve entrar entrarei ei em trabalho trabalho de parto. parto. Rezo do fundo do coração coração para ter  coragem, para não gritar, para me preparar  para a dor. Há quem me odeie tanto que espera à porta dos meus aposentos para ouvir os meus gritos de agonia. Imploro-vos, meu Deus que me deis forças nesta hora e para que meu filho nasça saudável e formoso. Afectuosamente vossa, Ana

 

8 de Setembro de 1533 Diário, Tenho uma filha a quem chamei Isabel. Vivi o seu nascimento, terrível e sangrento, como um sonho sombrio em que, como bruxas, as parteiras murmuravam feitiços  por  entre as minhas pernas. As repetidas orações para pedir um filho foram missas vãs por entre os meus gritos e impropérios. Nem um sopro de brisa no ar fedorento e húmido fazia ondular  as cortinas escarlates da minha cama de dossel, quando Henrique entrou, cheio de sorrisos,  para ver o seu pequeno príncipe, trazendo no hálito o odor da comernoração. Não reparou na expressão de terror das minhas aias, que, para que não as visse, voltaram o rosto acobardadas, murmurando assustadas, não fosse, mais tarde, considerá-las testemunhas do crime daquela noite. Ouviu apenas os fortes vagidos do herdeiro que tanto desejara. - Onde está, Ana? Onde está o meu filho? - Os meses, não, os anos de tensão tinham-se dissipado das suas feições. Tinha o ar jovem e bem-parecido de quando me começara a cortejar, sete anos atrás. 195 - Mostrai-me o meu filho - olhou em seu redor, de aia para aia, fitou o berço dourado e sentiu o frio do medo inundar-lhe o coração. - Tendes uma filha muito formosa - disse eu, com o que me restava de coragem. assassino, contra - Umacontra filha...a -criança. murmurou. - Uma - Li-lhe nos olhos umenrugado brilho assassin mim, Receei que filha?! arrebatasse o pequeno bebé e lhe o, abrisse a cabeça como se faz a um melão maduro, ou que a esmagasse contra a coluna da cama até a matar. A sua raiva indescritível era uma terrível onda de silêncio que se abatia contra o meu corpo exausto. - Sois uma mentirosa! - exclamou. - Uma mentirosa! Haveis-me prometido um filho. Por  esta mulher queixosa renunciei à minha piedosa rainha, ao amor dos meus súbditos e até a Roma! Vós senhora, pagareis por tudo isto! isto! - E retirou-se retirou-se dos meus aposentos, aposentos, escarlate escarlate e coberto de suor. Um filho varão! Essa simples promessa que fizera a Henrique, mantivera vivo o nosso sonho e haveria de ser a minha perdição. Mas, oh! Algumas promessas são difíceis de cumprir, outras seria melhor não terem sido feitas, outras ainda são mentiras que nunca tivemos intenções de dizer.

Sinto cabeçaque, girarprometeu, como umsurgiria moinho do de papel. E que dizer da freira de Kent e do meu ”filho aTudor” meu ventre? Um filho, dissera, iluminaria as terras britânicas. Teria percebido mal? Referir-se-iam as suas palavras a algo da órbita celeste?’ Teria eu ficado ofuscada com o significado da palavra? Quando naquele dia, sendo ainda uma jovem magra, me encontrei na cela nua, sob o olhar meio enlouquecido daquele oráculo e escutei a profecia saída dos lábios gretados da freira, terei, na minha terrível ânsia, captado apenas o que desejava ouvir? Deve ter sido assim, pois essa adivinha nunca se enganava. Como fui tola! Depois de terem banhado e enfaixado a recém-nascida em metros de pano, de modo que só o pequeno rosto sobressaísse, colocaram-na nos meus braços. Olhei para aquela criaturinha rosada, causadora da minha destruição. Chorava, sem dentes, esforçando-se por se libertar  da sua prisão de musselina. Abriu os olhos e quase fiquei sem fôlego... eram os olhos de Henrique! Os olhos furiosos de Henrique.  Nota: A palavra ”son”, filho, em inglês e ”sun”, sol, têm quase a mesma sonoridade. Daí a  possível confusão. N. da T.

 

196 Isabel, oh meu Deus, és bem filha de teu pai. Nasceste do meu ventre, do meu sangue, com as minhas orações, mas mostras a raiva de teu pai. Permitirá ele que continues viva? Permitirá que eu continue viva? Minha inocente menina, minha filha, em que mundo terrível terrí vel te fiz nascer? Os meus seios choram por ti e, neste momento, nada mais desejo do que chegar-te ao coração para que te alimentes do amor de tua mãe. Mas eis que chega a ama, gorda, macia e reconfortante para te arrebatar dos meus braços doridos. É com um humilde sorriso que pega em ti, mas sabe que será ela a sentir a tua boca a mamar, será ela que há-de contar os teus dedinhos, que penteará a seda dos teus cabelinhos, que secará as lágrimas que eu nunca verei. Não, nunca me deixarão ficar perto de ti, minha filha, poisvão criar-te como princesa. Receberás cortesias e não beijos, abraços sobre ”metros de cetim engomado, lisonjas dos cortesãos, não ternas palavras de amor. Oh, Isabel, pequenina, oiço-te chorar no aposento ao lado. Escuto-te, sinto-te, recordo-me de ti, dentro do meu ventre. Pedirei para te ver e vão trazer-te esta noite, mas amanhã terás  partido, ficarás sequestrada nos aposentos das crianças, afastados dos meus por corredores escuros e cheios de correntes de ar. Henrique não quer que uma criança impertinente lhe estrague os seus festejos, as suas reuniões do conselho, os seus namoros. Ver-te-ei cada vez menos. O leite secará nos meus seios que deixarão de te desejar. Terei de cantar e dançar, dançar, conversar alegremente com as minhas aias, jogar às cartas. Ser rainha e nunca te pegar ao colo. Recordo-me de uma patrícia romana, cujo nome esqueci, encerrada numa escura prisão por  carcereiros que pretendiam matá-la à fome. Conseguiu manter-se viva devido à filha que a vinha visitar  todos os dias e a alimentava em segredo. Essa bondosa jovem, que acabara também ela de ser mãe, com fingi fingidos dos abraços deixava que, escondi escondida da pelas muitas muitas dobras das suas vestes, a mãe mamasse nos seus seios cheios de leite. A idosa mulher não enfraqueceu nem morreu e, quando os guardas descobriram o subterfúgio, enterneceram-se, talvez devido a recordações das suas mães e libertaram-na. Mãe e filha, filha e mãe. Estimavam-se muito uma à outra. Oh, Isabel... Henrique odeia-me, diz que o enganei, que o cobri de vergonha. Todos os grandiosos e fantásticos festejos e torneios para o pequeno príncipe foram anulados e substituídos por   brindes à saúde da princesa e orações para que o meu ventre albergue, enfim, o tão desejado herdeiro. E tentaremos de novo trazer ao mundo esse varão filho de 197 tua mãe Ana e de teu pai Henrique. Juntaremos com raiva os nossos corpos, implorando que, a cada investida, da próxima vez que estiver nesta câmara, seja para dar à luz o almejado varão. Mas falharemos sempre. Sei-o, com uma terrível certeza. A freira louca vaticinou o meu sol Tudor e, quando olho nos teus olhos, nos olhos que herdaste de teu pai, sei que o sol és tu, Isabel. Brilharás sobre o mundo com glória e esplendor, apesar da fúria do rei teu pai. Disso estou certa. O futuro chega até mim, como um vento escuro e uivante. Estou perdida, minha filha, mas tu foste encontrada. E serás rainha. Afectuosamente vossa,  Ana

12 de Outubro de 1533 Diário,

Fiquei ciente de factos bem desagradáveis. Mente-se às rainhas grávidas, a bem da sua

 

saúde, ou melhor, a bem da saúde da criança. Mantiveram-me na ignorância de um enorme escândalo em cujo centro se encontra a Santa Freira de Kent. Tem falado contra mim e contra Henrique, dizendo que não teremos bom fim, rogando pragas sobre a nossa casa e afirmando afirm ando a legit legitimidad imidadee do casamento do rei com Catar Catarina. ina. Sua Majes Majestade tade está furiosa e Cromwell mandou prender a freira, acusando-a de traição. O secretário tem uma lista com os nomes dos seus simpatizantes e todos estremecem só de pensar que podem fazer parte dela. Fala-se que a freira confessará ser culpada de corrupção, tendo sido aliciada por vários cortesãos, entre os quais Thomas More. Sinto-me como um peixe retirado da água. Que hei-de pensar? Terá mentido ou a sua confissão tem por fim escapar à morte? Será que nunca teve o dom de adivinhar e as   palavras que me disse há anos não passavam de ilusões de uma louca camponesa, transformada em profetisa pelos bispos sedentos de milagres?  Naquela ocasião acreditei nela, mas tomei as suas palavras como melhor me serviam. Porém, diz-mo o coração, Isabel há-de reinar, embora seja necessário que eu contribua com mão firme para o cumprimento de tal promessa. O rei, meu esposo, cansou-se de mim e tenho de me esforçar para reacender o seu amor. Está satisfeito com a sua filhinha, já me falou de um Acto de Sucessão que garanta a 198 ascensão ao trono adiante de Maria, mas apenas após o filho que pensa que em breve sua lhe darei. Assim, mostro-me terna e submissa e incentivo-o a fazer passar a lei. Os que me detestam, agora mais que nunca, sorriem desdenhosos e murmuram que sigo o rei como se fosse um cãozinho. Embora me desagrade, devo humilhar-me, pois diz-me o coração que não terei filhos varões com Henrique e tenho de preservar a coroa para Isabel. É estranho pensar no dia da coroação de minha filha, que é ainda muito pequenina e frágil. Rosada, com cabelo alourado, olhos doces, reconhece-me como sua mãe, reconhece o meu corpo como tendo sido a sua casa e, para além de serem poucos os momentos em que a  posso abraçar, nunca terei autorização de lhe dar o seio. Mas, sabe quem sou, aninha-se confortavelmente a mim, sorri-me. Amo esta criança sem necessitar de estímulos, como um dia amei o jovem Percy, só que ainda mais. Sempre que me sento, peço que ma tragam numa almofada de veludo que é colocada a meus pés. Todas as minhas aias dizem que é muito bonita, comríque osueseus eássemo a sua pele que Implor Imp lorei ei a Hen Henríq quecaracóis dispens dispensáss emos s asacetinada Conv Convenç enções ões,cheira , que tão Isabel Isabem. bel pude pudesse sse  ficar  connosco e não fosse enviada para a sua residência, longe da corte. Mas ele troçou. - Gosto muito da minha filha, mas é uma filha, Ana. Não será melhor que vos esforceis por  me dar filhos varões em vez de passar o tempo a olhar para essa menina? Disse-o num tom frio, vazio, como uma sebe no Inverno. Sabia que seria inútil implorar, mas esperava que mudasse de ideias e me permitisse o conforto de ter comigo a minha filha. - As crianças reais partem para a sua própria residência quando têm apenas três meses de idade - expliquei. - Essa regra foi feita por homens que nada entendem da necessidade de uma mãe ter os filhos junto a si. Ele voltou-se, grunhindo como um urso. - Trata-se de um ritual de Reis, senhora, de Reis! Como vos atreveis a criticá-lo? Caí de joelhos e beijei-lhe a mão para o acalmar, murmurando desculpas. Envergonho-me de descer tão baixo, mas não quero pôr Isabel em perigo, com a minha arrogância.

 

Afectuosamente vossa,  Ana

199 Isabel olhava aturdida para os círculos em redor das velas tremeluzentes, com as lágrimas a correrem-lhe pelas faces frias. - Minha mãe - disse num murmúrio. Suspirou, exalando todo o ar que tinha nos pulmões,  parecendo-lh  parec endo-lhee difí difícil cil voltar voltar a respi respirar. rar. Aquela revel revelação ação comovera-a comovera-a profu profundament ndamente. e. Sua mãe amara-a. Adorara-a.   Esforçara-se por  mantê-la

a seu lado. Não obstante, lendo nas entrelinhas, Isabel apercebia-se de que aquele amor maternal tinha sido tão surpreendente para Ana, como o era agora para a própria filha. Ana lutara tanto pela coroa, esforçara-se tanto por  amar Henrique, tivera de se defender dos seus inimigos, com tal afinco que, no seu  pensamento, a criança que ia dar à luz acabara por converter-se no tão almejado príncipe. Comoo dever Com deveria ia te terr si sido do gr gran ande de aq aque uele le am amor or,, pens pensou ou Isabe Isabel, l, pa para ra qu quee a mã mãee tives tivesse se ultrapassado o desapontamento de ter tido uma filha em vez do desejado varão. Ou talvez fosse aquele o significado da maternidade. A criança nasce do corpo de sua mãe, que nada mais pode fazer do que amá-la quer seja do sexo feminino ou masculino, dócil ou terriv ter rivelm elment ente imp impert ertine inente nte,, bela bel a ou mon monstr struos uosame amente nte deform deformada. ada. Mas Isabel Isabelcoragem, tinha tinha a sensação deeque Ana sentira esse amor mais profundamente, lutara com mais humilhara-se com maior resignação e acreditara no destino de Isabel com mais convicção do que qualquer outra mãe faria por uma filha. Amara-a. E Henrique, o seu pai infiel? Que deveria pensar dele? Sabia que não seria correcto vilipendíá-lo. Era o rei e, segundo a antiga lei não escrita de Inglaterra, tinha direito a ter uma amante, por muito que gostasse da rainha. Falecera no ano em que Isabel fizera catorze anos e, nessa altura, transformara-se já do belo monarca glorioso, robusto e animado retratado 200 em quadros, tapeçarias, jóias, mobiliário e moedas, numa obscena montanha de carne, cujos olhos eram meras fendas num rosto inchado e lascivo e que, pela sua corpulência e devido à  perna tinha de ser transpor transportado tado aposento aposen to para aposento, numa carregada  por seisdoente, homens. Isabel conheceu-o nessedeestado e sabia que o pai pouco se liteira preocupara com ela. Isabel fora sempre um precioso trunfo político para Henrique, uma princesa que  poderia casar com um príncipe estrangeiro e que, durante aqueles anos, raramente se dera ao trabalho de querer ver. Sempre que o rei a mandava chamar, o seu coração de criança estremecia com o medo que as pessoas reservam para o Juízo Final.  Não se atrevia a olhá-lo nos olhos, pois sabia que lhe exigia submissão e obediência cega. Era esse o dever inalterável de um filho para com o  progenitor. E, claro, Henrique era o rei e estava habituado a contar com o preito de todos os seus súbditos, mesmo dos mais nobres e importantes. Durante essas audiências, Isabel tinha de cair várias vezes de joelhos e manter-se em silêncio a seus pés, sentindo o cheiro da carne em decomposição e da dass pútr pútrid idas as ligad ligadur uras as da su sua a pe perna rna fer ferida ida.. Po Porr vezes, vezes, esquecia-se mesmo da presença da filha, passando a outros assuntos e permitindo apenas que se erguesse da sua prostração quando já tinha os joelhos negros e quase perdera os sentidos, devido aos desagradáveis vapores.

Porém, pensou Isabel, sempre amara seu pai, admirava o poder e lealdade que inspirava aos

 

seus súbditos e enchia-se de orgulho, quando os cortesãos lhe garantiam a semelhança do seu carácter e físico com os do rei quando jovem. Encontrava sempre um pretexto para lhe  perdoar os excessos, o facto de quase ignorar a sua pessoa e os seus acessos de mau humor. Até mesmo o ter mandado matar sua mãe. Basta, ordenou Isabel a si própria, voltando a guardar o diário na arca. Não devia pensar  mais naquilo. Fora suficiente por uma noite o ter sabido que a mãe a amara. A jovem rainha sentiu que alguma coisa se expandia no seu interior, como uma semente que brota da terra macia para se abrir ao sol e ao calor. Enquanto a luz da manhã entrava pelas janelas dos seus aposentos, Isabel Tudor, filha de Ana Bolena, descobriu surpreendida que estava a sorrir. - Majestade! Isabel voltou-se e viu o seu secretário real, William Cecil aproximar-se a correr durante o seu passeio pela galeria do Palácio de Richmond, único exercício possível naquela tarde fria e chuvosa. Cecil abriu 201 caminho por entre as damas que, qual bando de pássaros coloridos, rodeavam a rainha, e chegou a seu lado. -matinal. Bom-dia, meu senhor. Espero que estejais de boa saúde. Senti a falta da nossa conversa - O debate com o Conselho Privado foi acalorado e não está ainda concluído, Majestade. Com um gesto, a rainha ordenou-lhe que começasse a falar, porém Cecil hesitou, lançando um olhar reprovador às ruidosas aias. - Tendes toda a minha atenção - garantiu Isabel. Porém Cecil recusou-se teimosamente a tratar dos assuntos diante de um público tão ruidoso. - Muito bem! A rainha voltou-se para as suas damas e erguendo o queixo ordenou-lhes que se retirassem. Estas dispersaram e desapareceram como que por magia. Ela e Cecil ficaram, por fim a sós, na longa galeria, onde ecoava o bater da chuva nas janelas. - Deixai que adivinhe - comentou Isabel. - A Escócia. Quereis que gaste mais dinheiro com os protestantes. - Érebeldes imperioso - implorou Cecil. - já lhes enviei demasiado. Sou muito pobre, Cecil. Além do mais, duvido que os Franceses apreciem o facto de eu me opor abertamente aos seus aliados. - Desejais então que os católicos governem o país? - Isabel suspirou exasperada. - Enviai então as vossas tropas para lhes opor opo r resistência. - Não. Não o farei. - Fazeis mal, senhora. Essa decisão é mal aconselhada. Isabel voltou-se para o seu conselheiro como se desejasse lançar-se furiosamente contra ele. Porém, o olhar de Cecil era tão sincero e determinado que se deteve. Tratava-se do mais avisadoo dos seus consel avisad conselheiro heiros, s, do mais prodigi prodigiosamen osamente te informado. informado. Seu antigo servidor servidor e  protestante fiel, conseguira tornar-se indispensável a Maria, sua irmã católica durante o reinado desta, sem renunciar a sua fidelidade a Isabel. Mostrava-se invariavelmente partidário de uma intervenção armada na Escócia e acreditava na justiça de tal medida desde que, em 1540, ele próprio participara na batalha de Pinkie.

- Não me sinto inclinada a concordar convosco, lorde Cecil. Falai-me no assunto dentro de

 

uma ou duas semanas. - Nesse caso, renunciarei ao meu cargo - disse inesperadamente. - Como assim? 202 - É esta a minha postura. Será um erro sem paralelo e não mais poderei considerar-me vosso conselheiro, se insistirdes nesta desastrosa estratégia. Isabel fitou o secretário, buscando-lhe no rosto o menor sinal de indecisão. Porém, tal não existia. Não se lia nele a menor partícula de dúvida. - Muito bem. Tratai dos pormenores e mantende-me ao corrente de tudo. - Agradeço a Vossa Majestade. Prometo que haveis de vos alegrar com essa decisão. - Também me prometeis que, quando acabarmos de pagar uma guerra no estrangeiro haverá dinheiro para a nossa governação? - Não, senhora. Mas prometo que as vossas fronteiras a norte estarão, de futuro, a salvo de uma invasão católica. - Pois bem, já é alguma coisa co isa - replicou Isabel asperamente. - já é alguma coisa. 2 de Dezembro de 1533 Diário, A raiva corrói-me as entranhas como se de uma ratazana negra se tratasse. Levaram-me Isabel, levaram-na Hatfield,Sou ondea viverá gente quefazer lhe épara estranha, e que ematitude breve se transformará napara sua família. rainha com e nada posso impedir esta contrária à natureza. Estou separada da minha filha, encurralada por uma fria tradição criada por homens, que não têm em conta os sentimentos femininos. Sinto também um ódio cada vez maior por  lady Maria. Triste sorte a minha que, quando finalmente terminou a terrível batalha com sua mãe Catarina, não me concede tréguas. Como um dragão que se ergue das cinzas da sua predecessora, Maria surge ameaçando-me com as garras de fora, olhos soltando fogo, fixados na coroa que considera sua. Desafia seu pai. Teimosa e doce como outrora sua mãe, mas mesmo assim, desafia-o. Quando lhe disseram que lhe tinha sido retirado o título de Princesa de Inglaterra e que passaria a ser  simplesmente lady Maria, replicou que não tinha conhecimento de nenhuma outra Princesa de Inglaterra e recusou-se a responder por outro nome que não fosse o que, assegura, lhe corresponde diante de Deus e da lei do seu país. 203 A jovem, com apenas dezassete anos, brinca com a traição, pois sabe que tais palavras e atitudes rebeldes inflamam a população que continua a detestar-me, considerando-me a ”Grande Prostituta” e a Isabel a ”Pequena Prostituta”. De bom grado veriam no trono essa cabra espanhola. Oh, Diário, com quanto fervor rezei para que os meus súbditos me amassem, a mim e à minha minha filh filha. a. Ma Mass sã sãoo perv perver erso sos. s. Quan Quando do fa faço ço ge gene nero roso soss do dona nati tivo voss ao aoss po pobr bres es da dass localidades por onde passamos quando a corte se translada - dez libras por uma vaca  para lhes alimentar os filhos, quando poucos xelins chegariam para a adquirir - dizem que tento comprar o amor dos meus súbditos. E embora o povo odeie a ruindade do Papa e de todo o clero e se indigne contra a corrupção e concessão de indulgências, gostariam de ter uma rainha papista e sentem saudades dos d os rituais católicos. Não compreendo! Aqui na corte, lady Maria tem os seus leais seguidores que, se lhes fosse concedida oportunidade, ergueriam o seu traiçoeiro estandarte em nome dela, para que todo o povo a

segu seguis isse se.. Há semp sempre re ma male ledi dicê cênc ncia ia qu quee vati vatici cina na a mi minh nhaa mere mereci cida da qu qued eda. a. E esta esta

 

maledicência tem sempre Maria no seu centro. Impõe-se dobrar o atrevimento desta jovem,  porém receio que o plano de Henrique para o fazer acabe por ser posto de parte. Ordenou a Maria que vá viver para Hatfield e sirva de dama de honor de sua meia-irmã Isabel. Perguntei ao rei o porquê de colocar uma víbora junto da nossa filha, mas ele não deu importância aos meus cuidados, dizendo que Maria era desobediente, mas não perigosa. Talvez eu veja inimigos a espreitar em cada canto, mas sinto que o plano de Henrique e a   pouca importância que dá aos meus receios são uma pequena vingança contra mimVingança pela humilhação que o fiz passar ao dar à luz uma filha e não um filho varão. Embora prossiga no seu intento de passar a lei o Acto de Sucessão, continua distante da minha pessoa, vindo ao meu leito apenas quando disso tem necessidade. De facto seria cega, se não visse o modo como devora com o olhar as minhas formosas aias, ou surda se não ouvisse o tom amargo com que me chama sua rainha. O amor por Henrique que cultivei até o ver crescer, definha agora, pois não se alimentou de uma nascente no meu interior, mas sim da sua volúvel paixão. A falta desse amor da parte do rei, um amor que pensei receber diariamente, deixa-me vazia e desconsolada. George, meu irmão e amigo, continua no estrangeiro, embaixador  204 em França. E que, agorasearrebatam-me a minha filha dos braços. Aqui meaencontro, lobos da corte tivessem a mínima oportunidade, me arrancariam carne. entre os Tenho de ter forças para recomeçar. Os meus inimigos não devem conseguir os seus intentos. Lutei para conseguir esta posição e este nome, e não hão-de fazer-me vacilar. Sou a rainha Ana. Eles que tentem derrubar-me do trono. Eles que tentem... Afectuosamente vossa, Ana 7 de Abril de 1534 Diário, Estou de novo grávida. Henrique está encantado com a notícia e cheio de esperanças que desta vez nasça um varão. Porém, querendo prevenir outra desilusão, mostra-se distante e até um pouco cruel. A maledicência da corte fez-me chegar aos ouvidos que dorme não só com damas, mas também com as mais baixas prostitutas que vai visitar à cidade. Estou  preocupada que possa trazer doenças para o nosso leito, de modo que resolvi visitar uma que dizem curasdeste que os remédios do boticário.  velha No primeiro diaterdemelhores Primavera ano, vesti-me modestamente e sem confessar a ninguém onde ia, mandei vir uma carruagem simples, conduzida pelo meu habitual cocheiro. cochei ro. Como companh companheiro eiro de viagem levei  Ptirkoy, um cachorro que me foi oferecido  por meu primo Francis Bryan. Instala-se comodamente no meu colo e aceita sempre as minhas festas e carícias sobre o seu pêlo aveludado. Segue-me constantemente e é um súbdito doce e engraçado que me ama incondicionalmente. O Sol brilhava sobre as minhas costas, quando passei o portão do palácio. Várias pessoas olharam, mas ninguém falou comigo, limitando-se a inclinarem-se à minha passagem. Quando a carruagem chegou, vi que o meu bom cocheiro tinha sido substituído por um desconhecido de libré, alto e bem-parecido - Jolin, como disse que se chamava. Quando me ajudou a subir, lançou-me um sorriso um pouco atrevido, mas mesmo assim tive esperanças que fosse bom homem e amasse a sua rainha. Porém decidi ter algumas precauções, para que ele não visse a velha que eu ia visitar, não fosse ele

 

205 fiel a outras pessoas e me acusasse de conspirar com bruxas. Sei que é assim que começa a maledicência. Partimos enfim naquela bela manhã, John, o cocheiro,  Ptirkoy e eu. Percorremos primeiro ruas empedradas e depois caminhos mais estreitos até chegarmos a uma pequena casa a necessitar de reparações. Com Ptirkoy debaixo do braço, assegurei-me que John não visse a velha enrugada que me abria a decrépita porta. - Bem vinda, gentil senhora - disse ela, fazendo-me entrar. Não era o lugar escuro e mórbido que eu imaginara, e que agourava o exterior do edifício. O sol entrava pela porta do jardim e as janelas lançavam luz e sombra sobre as mesas, onde se empilhavam flores e ervas a secar e até insectos vivos fechados em frascos. Das vigas do tecto, pendiam mais  plantas, lançando pela casa o seu perfume e numa concha nacarada fervia um líquido de onde se erguia um vapor de aroma açucarado. Perto da janela, e sem qualquer gaiola estava  poisado um papagaio cinzento, de cauda escarlate e bico negro e curvo. Com a cabeça de lado, a ave ladrou como um cão, deixando o pobre  Ptirkoy a tremer de medo nos meus  braços. A velha desconhecia a minha verdadeira identidade, pois embora me parecesse bondosa não se inclinou nem ajoelhou diante de mim. Senti-me satisfeita por poder manter o anonimato, pois todas de conduta, quando sabem quem esou. Assim, ocultei as minhas mãos as nãopessoas fosse elamudam ver o meu famoso dedo e reconhecer-me apresenteime apenas como lady Ana. - Poisai o cachorro no chão, senhora, para que possa farejar à vontade. Vai encontrar muitos cheiros agradáveis. Então de que se trata? - perguntou enquanto eu fazia conforme me tinha dito. A velha começara a esmagar sementes amarelas dentro de um almofariz de madeira. - Alguma coisa para a vossa gravidez? Soltei uma gargalhada, pois não havia maneira dela saber que eu estava de esperanças - Não é disso que necessito, mas podeis dizer-me se será rapaz ou menina? Está tá pa para ra al além ém da dass minh minhas as cap - Não. Es capaci acidade dades. s. Pos Posso so ter muitos muitos conheci conheciment mentos os medicinais, mas não sou vidente, senhora. Imitando Ptirkoy, tomei a liberdade de observar  de perto os frascos que enchiam as prateleiras, sendo-me familiares alguns dos seus conteúdos. Havia-osViexóticos, uns secos, outros em forma de poção. Todos despertavam a minha curiosidade. flores amarelas 206 de retama, que Henrique toma destiladas em água para o estômago, e bagas de bérberis,  boas para a diarreia e para as febres. - O meu marido anda com c om outras mulheres e receio que me infecte. - Sim, fazeis bem em preocupar-vos. E ele? Apresenta algum sinal de doença, como erupções avermelhadas no corpo, na palma das mãos ou na planta dos pés, uma ferida no membro, perda de cabelo no rosto ou na cabeça? - Não, nada disso. A velha olhou para mim e observou-me o rosto, mais parecendo sondar-me a alma. - já não sois jovem, mas sois ainda muito bonita. Porque pensais que procura outras? Soltei uma gargalhada que soou amarga aos meus ouvidos.

É uma história longa e triste para ser contada numa fria noite de Inverno respondi. Ela sorriu, mostrando dentes surpreendentemente saudáveis, pequenos e brancos.

 

- Talvez que um dia ma contareis. E eu contar-vos-ei outra. Velha como sou, os homens ainda me confundem, pela maneira como encontram e perdem o amor. Se ao menos amassem as esposas como amam as mães... Abanou a cabeça e pediu que me aproximasse da luz. Olhei pela janela, para o jardim emaranhado, enquanto ela me observava o cabelo, as unhas, a pele, os olhos e o hálito. Ergueu os braços rígidos para que eu a imitasse e palpou-me os seios. fim. - Den Dentro tro das vossas vossas veias correm humores - Estais de boa saúde - disse por fim. saudáveis, mas estais um pouco melancólica. Posso dar-vos uma coisa para isso - dirigiu-se às prateleiras, observou-as com atenção e, por fim, os seus olhos poisaram sobre o desejado frasco. Aproximei-me para ver o que continha - um pó verde-escuro. - Como se chama? - Matricária. Um simples tónico para beber com água. Não há outra erva para eliminar do coração os vapores melancólicos, para o fortalecer e tornar-vos alegre e feliz como já haveis sido. - Tendes a certeza de que já fui feliz? - A certeza absoluta, senhora. - Como assim? - Porque há ainda uma leve centelha nos vossos olhos tristes. 207 ficou debaixo do poleiro do papagaio a ladrar-lhe, e o pássaro respondia imitandolhe os latidos. Peguei-lhe, enquanto a velha senhora embrulhava um pouco de matricária num pergaminho que selava com cera cor de laranja. Paguei-lhe o que me pediu. - Voltai se virdes sinais em vós ou em vosso marido - abriu a porta. - Boa sorte, senhora e  boa viagem. Era estranho, mas não tinha vontade de partir. A companhia daquela mulher numa morada tão humilde, animara-me e sentia-me mais à vontade do que nos ricos confortos da corte. Porém não podia ficar nem falar-lhe dos verdadeiros desejos do meu coração. Recebi o embrulho com a matricária e depois tomei-lhe as mãos. - Sois muito boa - disse-lhe, apertando-lhe suavemente os dedos. Ouvi o papagaio dizer  ”Bom-dia! Bom-dia!” e fechei a porta. John desceu do seu assento para me ajudar a subir.  Ptirkoy

A cortesia de me perguntar o que fora ali fazer, porém via a curiosidade a queimar-lhe o  proibia-o olhar. Voltou para a almofada, contudo, antes de picar os cavalos, a idosa mulher abriu de novo a porta e saiu sorrindo com os seus belos dentes, quase sem fôlego. - Senhora! - chamou. Inclinei-me da janela e atirou-me para o colo outro embrulho de  pergaminho. - Um remédio para a vossa gravidez. Uma poção muito boa para os rins e para o fígado. Procurei o dinheiro na mínha bolsa, porém segurou-me a mão. - Não. É um presente meu - e pronto. Desapareceu dentro de casa. Os cavalos, sentindo o chicote, fizeram avançar a carruagem e as lágrimas assomaram-me aos olhos. Não eram causadas pela dor, ou pela fúria, simplesmente pela simpatia da idosa mulher. Puxei  Ptirkoy mais para junto de mim, mas ele é um fraco substituto para a  pequenina que eu tanto desejo abraçar. Afectuosamente vossa,

 Ana

 

4 de Julho de 1534 Acaso todos os homens serão traidores? Não haverá entre o sexo masculino um único que seja fiel? Por toda a corte correm rumores de que há uma conspiração para envenenar  lady Maria com uma poção mágica, preparada por mim. Sem desejar acrescentar  208 achas à foguei fogueira ra desta maledicênci maledicência, a, mas necessi necessitando tando saber a sua origem, enviei os meus es espi piõe ões. s. Re Regr gres essa sara ram m da caça caça tr traz azend endoo na boc bocaa reta retalh lhos os da me ment ntir iraa qu quee co cons nsegu eguii reconstituir por completo.  Lady Maria está, como sempre, no centro da questão, queixandose de indisposição, devido a uma poção que, alegadamente, lhe misturaram na comida. E como os magros rendimentos que aufere não lhe permitem ter um provador ao seu serviço, não tem mais remédio senão comer o que lhe põem na frente, para não morrer de fome. A  base das suas queixas eram os seus criados fiéis e partidários que correram a levar, o mais rapidamente possível, as notícias de Hatfield Hall até à corte. Acrescentam-se os olhos do cocheiro John que viu e contou o meu encontro com a velha que falou de poções e a quem decerto hão-de chamar bruxa. Mas quem foi a boca que espalhou estes rumores? Foi uma amarga surpresa até para mim, que estou tão habituada a traições: nem mais nem menos que Henry antigo a cujo serviço esteve John o cocheiro. Percy. MeuPercy, amadoo meu e amigo quenamorado, até há pouco tempo conspirara comigo para que o nosso  passado compromisso não pusesse em perigo o actual. A princípio, não pude acreditar que tivesse sido ele a levantar falsos testemunhos. Porém, escutei essa versão de várias fontes e, quando na missa de domingo olhei para ele, desviou imediatamente a cabeça para não ter  de me fitar. Tive pois a certeza de que era verdade. Nunca saberei a razão porque se voltou contra mim e se tornou meu inimigo. Talvez que a triste enfermidade do seu corpo lhe tivesse agarrado a alma com dedos gelados. Talvez tivesse encontrado um novo bode expiatório para a história da sua amarga vida - eu própria. Talvez uma obscura vantagem  política seja a recompensa que espera obter com a minha queda. Não sei, nem me interessa averiguá-lo. Apenas posso negar essa conspiração assassina e remendar o melhor possível o tecido danificado que é a minha reputação. Com esse fim e também para ver Isabel, dirigi-me a Hertfordshire e Hatfield Hall. Apesar  dostijolo amplos pátios e ao pátios jardins jardi ns e antigo, do seu arborizado de caça, a casa pequena. de vermelho, estilo com ameiasparque e torreões, muito friaé emuito feia por dentro.É Penso que se aquela criança tivesse sido um varão, teria uma residência real muito mais imponente. Reservando-me o doce prazer de beijar minha filha, recuperei a compostura e benevolência e mandei as minhas saudações a lady Maria, pedindo-lhe que me visitasse e honrasse como rainha. Com 209 toda a franqueza, disse-lhe que, se o fizesse, seria bem recebida e recuperaria as boas graças e os favores de seu pai. Esperei que a jovem, que tanto deseja o amor do rei, obedecesse para o conseguir. Mas não. A resposta ao meu convite foi como que uma bofetada no rosto - recebi uma nota seca, escrita por sua mão a dizer que a única rainha de Inglaterra que conhecia era sua mãe. E

que se a amante do rei e marquesa de Pembroke desejasse falar a seu pai em seu favor, ficaria muito grata. Senti uma mão fria apertar-me o coração co ração com aquela resposta.

 

Mandei então chamar a senhora Shelton que supervisiona essa maldita bastarda e dei-lhe novas instruções instruções para que qualquer insubordin insubordinação ação fosse tratada com força e intolerânci intolerância. a. ”Batei-lhe, se preciso for”, disse-lhe eu. ”Deixai que conheça a força do desagrado da rainha como já conhece o de seu pai.” Assim me despedi de tudo o que era desagradável e apressei-me a chegar aos aposentos soalheiros de Isabel, onde esta dormia no seu berço real. Os seus servidores, em número de oitenta, rodeavam-na de todos os confortos - uma ama seca para lhe tratar da roupa confeccionada por costureiras e bordadoras, todo o tipo de ajudantes para os mais diversos trabalhos e três criadas para lhe embalarem o berço. Minha prima, lady Bryan que é a governanta  principal, veio cumprimentar-me, satisfeita com aquela visita oportuna, Secara-se o leite de Agnes, a ama que alimentara a princesa desde o seu nascimento e era imperioso encontrar outra. Lady Bryan apresentou-me vários nomes com variadas recomendações e passámos algum tempo a decidir, já que a saúde e a conduta das amas são de grande importância. Não precisa de ser bem-nascida, se bem que deve provir de uma família saudável, livre de qualquer ascendente de criminalidade ou louc loucur ura. a. Até Até o qu quee come come e be bebe be,, enqu enquan antto dá de mam amar ar à cria crianç nça, a, tem de ser  ser  cuid cuidad ados osam amen ente te vi vigi giad ado, o, po pois is os humo humore ress do seu seu co corp rpoo pa pass ssam am pa para ra o do be bebé bé.. Concordámos por fim que Mary Gibbons de Hampstead substituiria Agnes. Também a minha opinião outroàassunto - atendo chegada do enviado francês que dentrotive de de dezdar dias viria fazer umasobre inspecção inspecção princ princesa, esa, em vista vist a o seu noivado com o terceiro filho do rei Francisco. Se bem que os banhos não se publiquem senão dentro de set setee ano anos, s, estes estes dip diplom lomata atass exigem exigem pod poder er inf inform ormarar-se se sat satisf isfato atoria riamen mente te sobre sobre a candidata. Poderão ver Isabel envolta nas ricas vestes que lhe correspondem como princesa e, mais tarde no 210 seu ambiente natural, para que se assegurem de que não tem qualquer defeito físico, pois os  boatos maliciosos acerca das deformidades de minha filha chegaram a todas as cortes da Europa.. Embora não concord Europa concordee com estes cost costumes umes que rebaixam a minha filha filha à condiçã condiçãoo de bem móvel, não tenho outro remédio se não aceitá-los e fico até satisfeita por saber que se casará, nada menos que com um príncipe de França. Por isso, eexibiram diante de mim, o belo trabalho das costureiras para queocasi o examinasse vestidos roupa para o berço confeccionados especialmente  para aquela ocasião. ão.  Era umtrabalho maravilhoso e apreciei enormemente a minúcia e a pequenez dessas peças, bem como a sua riqueza. Cetim amarelo pálido em que uma rosa Tudor bordada a fio de ouro e prata, representava Isabel entre outras duas maiores, simbolizando a minha pessoa e a de Henrique, Os vestidos eram da mais fina seda e tule brancos, em camadas sobre renda francesa e enfeitados com fitas e laços carmesim. E a touca, como uma pequena coroa estava bordada toda em volta com pequenos diamantes e pérolas. Por fim, a minha doce menina acordou e trouxeram-ma de rosto vermelho a chorar com toda a força. Parecia demasiado quente na capa apertada de musselina, de modo que pedia à ama que lha desapertasse. Assim que se sentiu à vontade, deixou de chorar e veio bem disposta aninhar-se nos meus braços. Oh, quanto amor sinto por esta criança, talvez a única coisa boa desta minha vida infeliz. A tarde foi deliciosa e a minha única tristeza foi a hora da partida, quando tive de me retirar. Poderia ter ficado mais um pouco, porém Henrique

nunca vê com bons olhos o tempo que passo em Hatfield nem a viagem até lá, pensando que é difícil e que poderá prejudicar a criança que trago no ventre. Cedo aos seus desejos e

 

tento não o contrariar, evitando falar em voz muito alta. Porém, não quero afastar-me de Isabel e faço esta calma peregrinação sempre que possível. Afectuosamente vossa,  Ana

22 de Setembro de 1534 Diário, O cisma da Igreja católica paira como uma nuvem negra sobre a já tempestuosa Inglaterra. Os súbditos de Henrique sentem-se 211 feridos por ter de jurar que apoiam o nosso casamento, sem levarem em conta qualquer  autoridade ou potentados estrangeiros. Também lhes é exigido que rejeitem o casamento do rei com Catarina e que aceitem que Isabel seja colocada em primeiro lugar na linha de sucessão ao trono. Nas cidades e aldeias há um clima de irritação contra os padres que afirmam que o Papa é apenas o bispo de Roma e que, para os ingleses, o nosso arcebispo de Cantuária é o mais importante representante de Deus. Não apreciam tais mudanças. Todos, homens e mulheres, nobres e plebeus são obrigados, sob pena de tortura, morte ou amputação a jurar que amam a ”rameira” que é agora rainha e a negar que o rei seja um tirano herege. A Kent, que por fim ainda se retratou Freira de em suas profecias contrapara mimdepois e contraser  o rei,Santa foi enforcada Tybum, aberta viva edas retiradas as entranhas,

esquartejada e as partes do corpo espalhadas pelos quatro cantos de Londres. Atormenta-me a sua morte e, em sonhos, vejo os seus olhos enlouquecidos. As suas profecias alteraram o curso da minha vida e, embora depois viesse viesse a mudar de opinião, continuo a acreditar que as primeiras palavras inocent inocentes es foram proferidas com honestidade honestidade e por inspiração divina. Thomas More recusou teimosamente o juramento. jurará o Acto de Sucessão, mas não pode - porque a sua consciência não lho permite - negar a validade do primeiro casamento do rei. Homem inteligente, rodeou o juramento desejando longa vida a Henrique, a mim e a nossa nobre descendência, mas nunca afirmou que o nosso casamento fosse legítimo. Recusou-se terminantemente a jurar a questão do rei ser o chefe supremo da igreja de Inglaterra, utilizando como argumento os primeiros escritos de Henrique, a   Declaração dos Sete Sacramentos

em que sobe afirmaa acabeça suprema Papa. que opoderia Papa colocara coroa de Inglaterra de autoridade Henrique do e que se Afirmou o desejasse depô-lo.a Henrique ficou furioso com tal raciocínio e com a recusa de More que logo mandou  prender. A sua actual residência é a câmara dos traidores na Torre de Londres. Henrique lamenta a decisão e  prisão de More e questiona as suas próprias crenças. Mas eu,  pelo contrário, desafio essa ”consciência” que More considera tão sagrada e que certamente fará dele um mártir muito amado, se por acaso vier a ser morto por traição. Só pergunto  para que serve a consciência quando conduz uma pessoa ao caminho errado? Um louco  pode seguir a sua que lhe diz que deve assassinar a mulher e os filhos. Deveremos então  perdoar-lhe o

 

212 crime? A consciência de More que é tida por todos em tão alta estima, diz-lhe que o Papa um simples mortal - não é apenas o Príncipe de Roma, mas foi colocado no trono pelo  próprio Deus e deve por isso sentir-se no direito de dar ordens aos reis de terras distantes. Decerto não tem razão, conforme já o sabem os membros do cada vez mais numeroso exército de Lutero. Este Papa é um homem, nasceu de uma mulher e não tem mais comunicação com Deus do que qualquer outro homem ou mulher. Onde On de es esta tava va a co cons nsci ciênc ência ia de Mo More re qua quand ndoo ac acei eito touu o ca carg rgoo de ch chanc ancel eler er,, saben sabendo do  perfeitamente que a intenção de Henrique era fazer-me sua rainha? Talvez na bolsa que necessitava encher para sustentar a família. E onde estava a sua consciência quando, depois de ter dependido de Thomas Wolsey para subir, lhe voltou as costas no Parlamento, com declarações vis e impiedosas que fizeram tremer mesmo os seus apoiantes. Vejo o turbilhão causado pelo amor de Henrique por mim. É irónico, não é verdade? Esse amor já não existe, as leis de Inglaterra foram alteradas, o rei controla a igreja e a minha filha poderá herdar o trono. Quando empreendi este caminho, nunca pensei que as coisas se  passassem assim. Mas enganei-me. E a história não tem fim. Veremos como prossegue. Afectuosamente vossa, Ana 213 Isabel ergueu os olhos dos documentos que se amontoavam sobre a sua mesa para fitar a formosa cabeça de Robert Dudley curvada sobre o pergaminho em que escrevia, com cuidadosos gestos de pena. Tinham passado quase todo o dia sós, encerrados nos aposentos  privados da rainha e esta tinha-se recusado a receber quase todos os conselheiros que lhe haviam solicitado uma audiência. Aquilo era demasiado bom para poder permitir que os seus velhos e vaidosos servidores quebrassem o feitiço de sonho que ela e Robin haviam criado. Quando sacudia de cima de si a rigidez e os procedimentos formais, conseguia, horas a fio, imaginar que ela e Dudley eram o rei e a rainha, tratando dos assuntos do Estado com calma e em boa harmonia. - A quem escreveis, Robin? - perguntou, delicadamente. - A lorde Sussex, representante da coroa na Irlanda - replicou ele, prosseguindo a sua escrita. - Solicitei-lhe que vos enviasse alguns cavalos irlandeses - terminou com um floreado e ergueu o olhar para Isabel. Disse-lhe que vos haveis tornado uma óptima caçadora e que necessitais de montadas especialmente fortes e capazes de galopar. Que sois louca pela velocidade e cavalgais os animais obrigando-os a correr quase até à morte. Robin sorriu-lhe com tanta ternura que Isabel percebeu que corava. Aquelas sessões a dois tinham-se tornado frequentes, durante a viagem de William Cecil à  Escócia,  para negociar  o tratado de paz de Edimburgo. Acabavam geralmente com Isabel nos braços de Dudley, quando o crepúsculo de Verão dava lugar às cálidas noites. Tinha plena consciência de que todo todoss na co cort rtee es esta tavam vam es esca canda ndali liza zado doss e at atéé mesm mesmoo o povo povo murm murmur urav avaa acerc acercaa do comportamen compor tamento to indeco indecoroso roso da rainha, rainha, porém não consegu conseguia ia obrigar-se obrigar-se a volta voltarr a proceder  proceder  como seria próprio. Mais tarde, teria mais do que tempo para o fazer. Além do mais tratavam de muitos assuntos durante aquelas sessões.

 

214 Tinha supervisionado as negociações com a Escócia, revisto os despachos que Cecil diariamente lhe enviava, fazendo-lhe chegar prontamente as suas impressões e opiniões. Mantivera-se ao corrente dos movimentos de sua ambiciosa e traiçoeira prima Maria, rainha dos Escoceses, viúva recente de Francisco, jovem rei de França, que ameaçava regressar às ilhas britânicas, com a sua ridícula pretensão ao trono de Inglaterra. Havia também examinado e acrescentado o projecto de lei dos seus conselheiros  para a reforma da moeda. Po Porr se seuu lado lado,, Rob Robin in,, devi devido do à su suaa re recen cente te in infl fluê uênc ncia ia com comoo fa favor vorit ito, o, atra atraír íraa tant tantos os seguid seg uidore oress como como ini inimi migos. gos. Aprende Aprendera ra bas bastan tante te sob sobre re a máquin máquinaa governa governamen mental tal e as  propriedades da coroa e oferecia-lhe bons conselhos acerca de várias questões. Era verdade que, nas últimas semanas, pouco tempo tivera para actividades que não incluí inc luísse ssem m o seu ama amado. do. Quando Quando não est estava avam m a trabal trabalhar har com comoo agora, agora, cav cavalg algavam avam,, caçavam ou permaneciam juntos, sem outra companhia. A rainha evitava com toda a delicadeza, discussões com os seus conselheiros que esperavam vê-la casada com um  príncipe estrangeiro. Nem tinha continuado a ler o diário de sua mãe, pois tornara-se-lhe extremamente doloroso assistir ao desenrolar da perdição de Ana Bolena. Para dizer a verda ver dade, de, as noit noites es de Is Isabe abell es esta tava vam m apai apaixo xonad nadam ament entee ocu ocupa pada dass po porr Dudl Dudley ey e nã nãoo  permitiam passatempos tãointeressante privados e solitários como a leitura deIsabel. um diário íntimo. - Tenho diante de mim um documento, Robin - disse De que se trata, meu amor? - perguntou Robin, com ar distraído. É a nomeação de conde...  para um tal Robert Dudley - respondeu ela, ocultando um sorriso. Quando a rainha pronunciou tais palavras, os ouvidos de Dudley, ou melhor o rosto e todo o seu corpo ficaram alerta. Ambos sabiam que o elevar de Dudley a par do reino era um dos  pré-requisitos para o casamento. - Não sabia que havíeis mandado redigir esse documento - disse ele, erguendo-se da cadeira. Espreguiçou-se languidamente e tentou manter uma aparente indiferença. Porém, Isabel sabia que o coração dele batia forte e que desejava ver o documento com os seus próprios olhos, sentir o pergaminho entre os seus dedos. Embora apaixonada pelo seu mestre  palafreneiro e acreditando ser correspondida com amor ardente, Isabel não tinha ilusões a respeito de Robert Dudley. Este era o homem mais ambicioso que alguma vez de bom  grado todos os  presentes de propriedades ou títulos que lhe fizera. Atravessou o aposento com aquele passo tão do seu agrado - ao mesmo tempo gracioso e viril - e inclinou-se sobre o ombro dela para lhe beijar o pescoço nu, demorando nele os seus lábios. A rainha teve vontade de saber se os olhos dele a fitavam a si ou à patente do título de conde que tinha entre mãos - Quando o assinará Vossa Majestade? - perguntou em voz contida. - Quando nos aprouver - respondeu, com altivez, usando o plural majestático que ele tanto desprezava. Ofendido, mas sem o querer mostrar, Dudley ergueu uma madeixa de cabelo dos ombros luminosamente alvos de Isabel e beijou-os. Ela voltou-se para ele, que percorreu com os lábios quentes a superfície dos pequenos seios a erguerem-se-lhe do decote quadrado do corpete. Isabel deixou escapar num suspiro todo o ar que respirava e, fechando os olhos, introduziu os dedos nas ondas de cabelo castanho de Robin. Sentiu-se de súbito perdida,

conhecera e aceitara

tão perdida que o  pergaminho

que fazia de Robert Dudley conde de Leicester, caiu

lentamente no chão.

 

Isabel apressou-se a percorrer os verdejantes jardins do Palácio de Richmond para ir ter  com Robin aos estábulos. Este prometera-lhe uma corrida veloz num novo cavalo cinzento a que pusera o nome de Speedwell. Tão desejosa estava de ver o seu amor, que mal reparava nas belas flores ou nos canteiros de ervas perfumadas que enfeitavam os caminhos de pedra. Foi, por isso, tomada de surpresa ao ver-se diante do seu secretário, William Cecil, que a aguardara no atalho. - Meu senhor Cecil! Haveis-me assustado! - Fez-lhe sinal para que se aproximasse e a cumprimentasse, o que ele fez com a devida cortesia, mas com pouca da sua habitual amabilidade. Isabel conhecera no ano anterior a teimosia de Cecil, quando hesitara em enviar o exército inglês para apoiar na Escócia os rebeldes protestantes. Deixara que fosse dele a decisão que, afinal, não podia ter sido mais acertada.  Nesse dia, para além de parecer cansado depois da viagem de regresso de Edimburgo, a expressão severa e zangada do seu rosto, dava a entender um grande desassossego, para o qual a rainha não ignorava o motivo. Cecil começou a falar, sem pedir autorização, com a voz trémula de raiva e contenção diplomática. - Maje Majest stad ade, e, si sint ntoo-me me co conf nfun undi dido do.. Não Não co cons nsig igoo compr compree eende nderr co como mo as co cois isas as se deterioraram assim durante a minha ausência - disse. Porém, Isabel não estava disposta a facilitar-lhe o caminho. 216 - Coisas? Que coisas, William? - Os assuntos de Estado, senhora... e o que resta da vossa reputação. - Tenho trat tratado ado dos assuntos assuntos de Estado, Estado, lorde Cecil, tal como vós haveis feito feito na Escócia. Estou muito satisfeita com o tratado. Assim, não precisaremos de nos preocupar com uma alia al ianç nçaa fran francoco-es esco coce cesa sa ou que que exé exérc rcit itos os nos in inva vada dam, m, vi vindo ndoss de no nort rte. e. Tamb Também ém estabelecemos, de uma vez por todas, o protestantismo nas ilhas britânicas. Quanto à minha reputação... - Diz-se que vos tendes fechado e que pouco apareceis, tão envolvida estais com lorde Robert. É verdade. Tenho passado momentos muito agradáveis com Robin. Cecil sentia-se a perder  a compostura. - Não vedes como a vossa boa reputação está a ser destruída? Que perdeis as oportunidades de fazer um bom casamento no estrangeiro? Maria, a vossa prima escocesa, declara que estais decidida a casar com o vosso mestre-cavalariço. O pai do arquiduque dá ouvidos aos rumores do vosso escandaloso comportamento. As calúnias do embaixador Quandra são ainda ain da mai maiss perigo perigosas sas.. Foi contar ao rei Fili Filipe pe que sois sois uma mulher mulher com comple pletam tament entee dominada pela luxúria, sem inteligência ou consciência, possuída por uma centena de demónios! - O embaixador espanhol nunca gostou de mim e julga-me uma mulher indigna até que me case. O silêncio de Cecil neste último ponto inflamou imediatamente o génio de Isabel. - Concordais com ele, não é verdade? A rainha voltou-se de costas para que o consel conselheiro heiro não pudesse ver as lágrimas de fúria que lhe assomavam aos olhos.

- Não há qualquer dúvida de que vos deveis casar, senhora - replicou Cecil, mais delicado e seguindo atrás dela. - Mas sabeis que não é de modo algum verdade que vos ache indigna

 

se não o fizerdes. A vossa conduta com lorde Robert - escolhia as palavras com todo o cuidado mesmo que seja só aparentemente errada, é mais séria do que julgais. E também contribuiu para degradar a minha posição... - Não é verdade - disse Isabel, com toda a energia. Mas Cecil estava decidido a que a rainha o escutasse e continuou como se ela nada tivesse dito. - ...De tal forma que, se insistirdes em manter esse homem como vosso conselheiro  principal e continuardes a insistir na ideia de o desposar... - Como pensais que posso casar-me com lorde Robert, secretário Cecil? - interrompeu Isabel. - Ele tem esposa. 217 - Uma esposa doente, como toda a corte bem sabe. - Atreveis-vos a sugerir que Robin e eu estejamos à espera da morte de Amy Dudley? - Podeis negá-lo, senhora? - replicou Cecil, em voz baixa. Isabel sentia o pescoço arder de fúria, por Cecil ter dado voz ao seu terrível e inconfessável desejo. -não Como vos continuar dizia, Majestade, estais determinada a prosseguir por este perigoso caminho, poderei ao vossoseserviço como secretário. William! A rainha voltou-se e viu Cecil com uma expressão de tristeza e impotência no rosto e os  braços caídos. Isabel sentiu embotarem-se-lhe os sentidos, como se lhe tivessem lançado uma pesada capa sobre a cabeça. As palavras de Cecil chegaram-lhe distantes e apagadas. - De bom grado vos servirei em qualquer outro cargo, Majestade. Na vossa cozinha, no vosso jardim... Sei que é uma loucura pedir que escolhais entre mim e lorde Robert e não insisto na vossa resposta imediata. Mas peço a Vossa Majestade para pensar no assunto durante as próximas semanas e que depois mande avisar-me da decisão tomada. Cecil implorou-lhe com os olhos que o deixasse partir. Com um aceno de cabeça, Isabel acedeu e o conselheiro desapareceu no caminho empedrado. Isabell ali ficou, imóvel como um pilar do jardim e deu por si a discutir Isabe discutir em silêncio silêncio com o secretário ausente.  Não me obrigueis a escolher, Cecil, imploro-vos! Tenho sido tão feliz. Dudley é o homem em que confio e que adoro. Não vedes que não desejo na minha cama o corpo de um estranho, de um rude estrangeiro? Desejo casar-me com o meu amigo, o meu compatriota, o meu amor. Posso fazer como entender. Não sou uma jovem impotente, usada pelo pai  para negociar e vender a quem preferir. Sou a rainha de Inglaterra e, por Deus, hei-de fazer  como bem entender! De súbito, como que saind saindoo de um denso nevoeiro, Isabel sentiu sentiu o Sol do meio-dia na sua cabeça descoberta, aspirou os vários perfumes vindos do jardim, ouviu as vozes das damas no peral. E depois invadiu-lhe o crânio uma dor enorme, como se uma dezena de agulhas lá se tivessem espetado com terrível violência. Cambaleou e quase caiu, sem ter onde se apoiar. - Kat, ajudai-me - murmurou, quasenuma prece. p rece. Sabia que os jardins do palácio estavam cheios de cortesãos, alabardeiros, serventes e

 jardineiros, mas receou ser vista naquele estado de fraqueza, de modo que apelou para todas as suas forças para se manter

 

218 direita, conseguindo a compostura suficiente para acenar com ar altivo a cavalheiros e damas e se dirigir ao palácio e aos seus aposentos. A aflição de Isabe Isabell fora certamente certamente evidente para todos, pois quando chegou, pálida como um cadáver, Kat tinha já aberto o seu leito real. A rainha atirou-se nos braços da sua aia e deixou que ela a ajudasse a deitar. Aos confusos murmúrios de Isabel a aia respondia em voz baixa: ”Descansai, minha querida, descansai.” Isabel passou três dias de cama, atormentada por um fogo na cabeça que parecia absorverlhe todo o calor dos membros e do ventre. Delirava de dor e chorava, mesmo enquanto dormia. Chamava alternadamente por Robin Dudley e por Cecil e até, para grande aflição de Kat, por sua mãe, Ana Bolena. Foram chamados os três físicos reais, que se reuniram  junto ao leito em que Isabel continuava prostrada para sugerirem, num murmúrio, inúteis remédios. Tomaram-lhe o pulso e julgaram-no forte, Não sofria de defluxo ou varíola, mas continuou tão doente que, durante esses três dias, Kat não dormiu, receando que a sua querida menina morresse sem ter a seu lado alguém que a amasse. Isabel abriu os olhos na terceira noite e encontrou a sua aia a acender velas para iluminar a sua vigília dentro do abafado aposento. Via que a idosa companheira se movia com lentidão, com as pálpebras pesadas sobre os olhos cansados. -AKat! primeira palavra pronunciada por Isabel, depois de um tão prolongado silêncio foi surpreendentemente forte e clara. A aia voltou-se ao ouvir o seu nome e viu que a rainha se tentava sentar, desperta e com os o s olhos brilhantes. - Isabel! - exclamou e caiu sobre a sua ama, abraçando-a por entre copiosas lágrimas. Kat afastou o cabelo frisado da testa da rainha e procurou ler-lhe nos olhos uma resposta. - Estou bem, Kat. Sinto-me bem. Um pouco fraca, talvez, mas nada que algum alimento leve não possa curar. - Lady Sidney! - chamou Kat e a porta abriu-se instantaneamente, pois a dama aguardava do outro lado. Mary Sidney entrou, enquanto Kat afofava as almofadas nas costas da rainha. - Majestade, como me alegra ver-vos restabelecida - lady Sidney aproximou-se do leito. Ajoelhou e beijou a mão de Isabel. - Dizei-me o que vos apetece. 219 - Um caldo. Salgado. Peras cortadas. E um pano molhado. Cheiro pior que uma cabra. - Sim, senhora - disse lady Sidney com um sorriso. A rainha regressava à vida com o temperamento intacto. Fez uma venia e apressou-se a sair. - Só mais uma coisa, Mary, quando voltardes fazei com que Kat se deite imediatamente a dormir  - Como desejardes - disse e saiu do aposento. - Majestade... - objectou Kat. Mas agora que o perigo passara, Isabel apercebia-se de que o cansaço vencia a amiga. - Katherine Champemowne Ashley - disse em tom severo mas, ao mesmo tempo, bemdisp dispos osto to.. - A voss vossaa ra rain inha ha te tem m para para conv convos osco co um umaa dí dívi vida da pe pelo loss vo voss ssos os cu cuid idado adoss e inigualável devoção, mas deu-vos uma ordem e não tolerará qualquer desobediência a ela. - Si Sim, m, Ma Maje jest stad adee - su subm bmis issa sa,, Kat Kat in incl clin inou ou a cabe cabeça ça e ab abdi dico couu do doss cu cuid idad ados os qu quee

 prodigalizara à rainha, pois via-a melhor. - Então trazei-me aquele jarro turco da minha mesa - Kat entregou-lhe o pequeno recipiente

 

de onde a rainha retirou uma chave. - Abri a arca que está aos pés da cama e trazei-me o livro de capa de pele vermelho-escura. Depois aproximai as velas da minha cabeceira. Kat moveu-se devagar, já aturdida pelo sono. Quando entregou o diário de Ana Bolena nas mãos de Isabel estava demasiado demasiado cansada para perguntar que livro era aquele que tinha de ser fechado à chave, aos pés da cama da rainha. Ao receber o volume, Isabel murmurou suavemente: - Esta noite sonhei com minha mãe. - Ah, haveis pronunciado o nome dela, durante o sono. - Ah, sim? - Isabel sorriu e recordou o seu sonho. - Que haveis sonhado? - Que ela se encontrava no alto da torre de um palácio, ou pelo menos julgo que era ela, embora não lhe visse o rosto, já que estava iluminado por uma intensa luz. Chamava-me  pelo nome: ”Aproxima-te Isabel”, dizia. ”Quero dizer-te uma coisa.” - E que vos disse? - Nada - respondeu Isabel, apertando o diário contra o peito. - Não teve tempo, pois o castelo começou a desmoronar-se. As pedras e o estuque caíam em seu redor, mas vi-a sentada sobre um tamborete com as muralhas do castelo amontoadas junto dela. - Isabel tomou as mãos de Kat e acariciou-lhe a pele,  seca e manchada. - Ide, deixai que lady Sidney 220 vos deite. Descansai. Amanhã já estarei de pé e preciso de vós recuperada. A idosa aia retirou-se da presença da rainha, agradecida mas com certa relutância. Isabel abriu o diário de Ana na página em que o tinha deixado. Despertara com um receio terrível,  juntamente com um desejo, não menos intenso de saber os pormenores mais íntimos do final infeliz de sua mãe. De súbito, teve a certeza que naquelas páginas não estava apenas a sua história, mas também a chave do seu futuro. Devia estudar o diário e aprender com ele, como se fosse um general a estudar os pormenores de uma grande batalha. Isabel sabia que se encontrava na primeira de muitas encruzilhadas, e que era o único mapa de que se  poderia servir para lhe guiar os passos. Começou a ler avidamente, decidida a terminar o diário antes do nascer do dia. Em poucos momentos, ficou tão absorvida pelas páginas que, quando Mary Sidney regressou com o caldo e as pêras, a rainha nem deu pela sua presença. 12 de Dezembro, de 1534 Diário, Sinto-me completamente transtornada por ter visto uma pessoa agir de modo tão vil e malicioso que me fez doer o coração. Essa pessoa baniu da corte uma pobre viúva, abandonada pela família, e cujo único crime fora casar por amor e ter ficado grávida após essa união. A pobre viúva, agora uma noiva feli felizz era, Mary Bolen Bolenaa Carey e a pessoa cruel era pura e simplesmente, sua irmã... eu mesma. Quando reflicto no assunto, apercebo-me que o que me levou a tal acto de maldade talvez tenha sido o facto de a minha gravidez ter terminado num aborto, no próprio dia em que me inteirei intei rei da quest questão ão de minha irmã irmã.. Estav Estavaa ainda recolhida recolhida no leito, leito, sem encont encontrar rar palavras  para contar ao rei o que me acontecera - dorida, fraca, lamentando-me por esta desgraça que viera somar-se somar-se a tudo o resto quando recebi minh minhaa irmã, acabada de chegar de Calais, radiante e com uma nova vida no ventre. O fel subiu-me à garganta e, mesmo antes de

medir as possíveis consequências, gritei acusando-a de ser uma desgraça para si própria e de trazer o escândalo para a corte, só para desonrar o meu nome. Mesmo cega de fúria vi

 

surgir no rosto alegre de Mary uma expressão de assombro e os olhos marejarem-se-lhe de lágrimas. Voltou-se para se afastar da minha nefasta presença, 221  porém, como um arqueiro soltando setas envenenadas, lancei-lhe estas palavras do meu leito: - Quem te deu autorização para te retirares da presença da rainha? - Mary imobilizou-se. Volta-te para mim, Mary. Deixa-me ver o rosto da irmã ingrata que se atreveu a entregar a sua pessoa a um simples soldado, sem autorização do rei, quando se poderia obter alguma vantagem com uma aliança matrimonial. - Deves perdoar-me, minha irmã, mas ele é jovem e o amor foi mais forte que a razão. Estava convencida que a vida me guardava tão pouca coisa e ele tanta, que pensei não haver melhor caminho que escolhê-lo e levar uma existência honrada a seu lado. Nossos pais e até nosso irmão George foram cruéis e voltaram-me as costas. - E o mesmo farei eu! - gritei-lhe. - Sai! Na minha corte só há lugar para um bobo! Embora ofendida pelas minhas palavras, manteve uma postura orgulhosa, sem dúvida apoiada no amor de seu esposo e saiu dos meus aposentos. Se já me sentia mal, pior fiquei. Chorei e gritei de fúria até vomitar, odiando a minha irmã tão feliz e odiando-me também a mim própria.

Quando falei com o secretário Cromwell no seu gabinete privado, este mostrou-me uma carta que recebera de minha irmã, implorando-lhe que falasse em seu favor a Henrique, confiando que este intercederia por ela para me acalmar a raiva. Dizia saber que poderia ter  casado com um homem de melho melhorr nasciment nascimento, o, mas não com quem a amasse tanto e fosse fosse tão honesto. ”Preferia mendigar o pão com ele do que ser a maior rainha de toda a Cristandade”, escrevera. - Se me atrevo a dar-vos um conselho, Majestade - disse o secretário Cromwell -, deveis  perdoar vossa irmã. Afinal, é do vosso sangue... e o mal está feito. O rei... - fez uma pausa como se se tivesse esquecido do que ia dizer. - Que se passa com o rei? - Julgo que Sua Majestade não gostaria de ser incomodado com esta questão. - Muito bem - disse eu, em voz v oz firme. Evitei comentar que o rei interpretaria como uma ofensa a menção do nome de uma antiga amante sua e nem sequer me dignei informá-lo dos remorsos que sofria, devido ao meu comportamento para com minha irmã. 222 - Enviai a Mary e a seu esposo a minha bênção e a do rei. E quando a criança nascer  mandai-lhe um rico presente, para que saiba que o nosso amor é sincero. - Muito bem, Majestade. Podeis deixar o assunto nas minhas mãos. Quando saí dos aposentos de Cromwell espantei-me que um homem tão próximo do rei vivesse de forma tão modesta. Decerto se poderia dar ao luxo de ter uma almofada mais macia na cadeira, tapetes mais novos no chão e alguns reposteiros que melhor imPedissem as correntes correntes de ar. Talvez que na sua integ integral ral e indiv indivisa isa dedicação dedicação ao serviço do monarca, monarca, não sinta o frio ou a pobreza dos seus aposentos. Por essa altura, já Henrique recebera a notícia do meu aborto e, em público, mostrava-se

um pouco mais frio do que antes. Porém no meu leito, onde veio exercer os seus direitos a altas horas da noite

 

- nunca mais viera ter comigo por prazer - tratou-me com rudeza e crueldade. Cheirava a cerveja e senti no seu corpo o perfume de outra mulher. - Como está a minha rainha? - perguntou naquele desagradável tom de voz em que tão bem se nota o seu desagrado. - Tentaremos de novo, Ana, embora o vosso ventre pareça ser um local pouco confortável para os meus filhos varões. Contive-me, para não pronunciar algumas palavras amargas. Abri as pernas, suportei o seu hálito e recebi a sua odiosa semente, pois foi esta a cama que eu própria fiz e não tenho outro remédio senão deitar-me nela. Afectuosamente vossa, Ana 24 de Fevereiro de 1535 Diário, Apesar da minha desdita, passei com as minhas aias uma noite animada, pois o bobo que tenho ao meu serviço - uma mulher chamada Niniane - diverte-nos a todas. Arranja maneiras maravilhosas de troçar dos nossos inimigos. Diz disparates e trocadilhos, entoa canções maliciosas, cujos versos cantamos todas juntas. Faz contorções, quase impossíveis, com o corpo e com o rosto, malabarismos, 223 conta histórias libertinas que completa cascosdeleite de cavalos, de sinos ribombar de trovões. A maior parte dascom vezeso som e paradenosso faz dostoque homens o alvoe das suas piadas e cómicos relatos. Descreve-os como nobres de pouca inteligência, janotas  presunçosos, tolos desajeitados e bispos concupiscentes. Retratou um homem enganado, que encontrara a mulher na cama com o amante, como sendo um cão, caído de uma janela. Soltámos Soltá mos enormes gargalhadas até as lágrimas nos correrem pelo rosto, rosto, mas pedimos-lhe pedimos-lhe que contasse mais, o que fez, até quase não se poder manter de pé. Paguei-lhe muito bem em elogios e dinheiro e pedi-lhe que se mantivesse junto a mim, pois com tantos cuidados a multiplicarem-se de dia para dia, bem preciso de algum alívio, de vez em quando.  Não contente com as rameiras que mantém em bordéis privados, nem sequer com as donzelas que chama aos seus aposentos para satisfazer os seus venais desejos, Henrique voltou a tomar Elizabeth Carew como amante. Parece não se tratar de um interesse  passageiro e não escondem da minha vista a ligação amorosa, exibindo mesmo o romance  para que toda a corte veja. Ultimamente, esta bela aia aparece com o pescoço coberto de ricas jóias que apenas podem ser de origem real e um sorriso confiante devido à protecção conferida por Henrique. Durantee vários meses, suporte Durant suporteii esta humilhação humilhação em silêncio e, depois, deixei que a fúria que sentia vencesse a razão, ordenando à senhora Carew que se retirasse da corte. Henrique soube e anulou imediatamente a minha ordem, enviando-me uma severa mensagem onde me dizia que  seria melhor contentar-me como que ele  fizera por mim, pois não o repetiria, nem que fosse necessário. Meu Jesus, este homem, meu esposo, humilha-me até a alma. Depois de ter sofrido como o alvo do seu amor não correspondido, sou tratada como o foi a  pobre rainha Catarina. E não se ficou por aqui. Henrique começou agora a mostrar afecto por sua filha Maria. Enviou-lhe uma nova liteira e belos reposteiros para os seus aposentos em Hatfield Hall. Mas o meu maior receio é que fale dela aos seus cortesãos, com mais amor do que de Isabel. Na última visita que fiz a nossa filha, fiz-me acompanhar a Hertfordshire de alguns lordes e damas, entre os quais

estavam os duques de Suffolk e Norfolk. A viagem foi muito agradável e esperava poder   passar umas horas felizes nos aposentos de Isabel, com todos os cortesãos a renderem-lhe

 

as devidas homenagens. Todavia, quando chegámos aos portões de Hatfield e nos levaram cavalos e carruagens, todos excepto 224 duas das minhas aias, desapareceram, como por encanto (certamente se tratava de um plano  já preparado) e dirigiram-se aos aposentos de Maria para lhe prestarem homenagem! Fiquei muda de espanto junto às minhas fiéis aias que tentavam conter a minha indignação. Também elas tinham sido tomadas de surpresa por tão indelicado motim, mas disfarçaram e acons aco nsel elha hara ramm-me me a ir te terr di dire rect ctam amen ente te co com m mi minh nhaa filh filha, a, pois pois sabi sabiam am que ao vê vê-l -la, a, melhoraria de disposição. Isabel ainda não tem dois anos, mas mostra um espírito vivo e move-se como um redemoinho sobre os seus pequeninos pés. É uma criança feliz e tão bonita que me comove. Falei com lady Bryan, que diz que minha filha sofre muito com o nascimento dos dentes molares, molar es, pois rompe rompem m com grande lent lentidão. idão. Prometi Prometi-lhe -lhe enviar óleo de alfazema para lhe aliviar a dor das gengivas e acalmar o choro nocturno. A tard tardee pode poderi riaa te terr dec decor orri rido do tr tran anqu quil ilam ament entee ma mass acab acabou ou po porr term termin inar ar de modo modo desagradável quando recebi um insultuoso recado de lady Maria Maria,, que se recusou a sair dos seus aposentos pois não desejava ver-me. E, quando mais tarde dei ordens à senhora Shelton para que a jovem fosse castigada pela sua indelicadeza, Henrique tratou de me contrariar. Confesso que, se um dia estremeci com as suas acusações de a querer envenenar, hoje  penso que a sua execução seria o único fim para uma pessoa tão traiçoeira. Ela e a sua escabrosa escabr osa mãe! Conti Continuam nuam ambas a recusa recusarr pronunciar pronunciar o juramento juramento obrigatório obrigatório que todos têm de prestar, sob pena de serem executados. Que Deus me oiça! Hei-de ser o fim dessa  jovem ou ela acabará por ser o meu! Afectuosamente vossa, Ana 2 de Março de 1535 Diário, Receio que os franceses me estejam a abandonar como ratazanas que fogem de um navio a afundar-se! Os meus bons aliados, gente do país em que fui educada, apoiantes do meu casamento, dão agora poucas mostras de amizade. Tive disso a prova com a chegada da delegação do rei Francisco, chefiada pelo almirante de França e meu bom amigo Chabot de Brion, que recebi com todas as honras nas 225 suas várias visitas a Inglaterra, assim como em Calais anteriormente ao meu casamento. Eu e ele compreendemo-nos perfeitamente, falamos a mesma língua, pensamos do mesmo modo. Acreditei na sinceridade das suas prodigiosas lisonjas.  Nesta ocasião em que veio discutir um casamento real, Chabot não fez qualquer tentativa  para conseguir uma audiência comigo, como impõe a cortesia. Tão-pouco trouxe qualquer   presente como prova da amizade de Francisco, nem sequer me apresentou os cumprimentos do seu rei. Quando Henrique perguntou se o almirante desejava ver a rainha este respondeu que apenas o faria  se assim aprouvesse ao Rei! Absteve-se de todos os festejos, justas e  jogos de ténis que eu preparara para ele com tanto cuidado. E, quando por acaso me viu, foi

tão frio e pouco gracioso que me passou pela ideia um estranho pensamento - que aquele homem não seria Chabot, mas um desconhecido que se fazia passar por ele. Senti-me

 

confundida com tal comportamento e assim me mantive até se darem início às negociações  para uma aliança franco-britânica e ao pedido da mão de minha filha. Parece que as lealdades do rei Francisco se dirigem agora para Roma. Embora continue a afirmar inválido o casamento de Henrique e Catarina, continua a considerar Maria como herdeira e, por esse motivo, exigiu que se levassem a cabo os antigos esponsais dessa desagradável jovem com seu filho, o Delfim. Foram feitas ameaças no sentido de casar o  príncipe francês com a filha do Imperador, se não se cumprisse aquele compromisso. Estas surpresas tão desagradáveis irritaram-me de tal maneira que  perdi a compostura no  banquete  banque te final dado em honra dos emiss emissários ários france franceses ses e, tendo bebido um pouco demais, agi com modos pouco apropriados. Chabot estava sentado a meu lado, com uma expressão fria no rosto, mantendo comigo uma conversa frívola e eu, por minha parte, falei como uma  jovem inconsciente. Depois olhei para Henrique, no outro lado do salão e vi que fitava com ardo ar dorr a su suaa am aman ante te muit muitoo que queri rida da.. O rei rei es esta tava va im imóv óvel el e o seu seu ol olha harr ap apai aixo xona nado, do, semelhante ao que outrora me lançava, fez-me soltar uma amarga gargalhada que, por  efeito do vinho se transformou numa interminável torrente. Chabot ofendeu-se e perguntou se troçava dele, o que me provocou ainda mais o riso. Com o rosto afogueado de cólera, levantou-se indignado, com intenção de partir. Imediatamente me acalmei e lhe agarrei o   bra braço ço,, sabe sabend ndoo qu quee aque aquele le mo mome ment ntân âneo eo la laps psoo de sani sanida dade de po pode deri riaa pr prej ejud udic icar  ar  irreparavelmente a causa de 226 minha filha. Consciente de que só a verdade poderia aplacar o francês, confessei-lhe, ainda que humilhando-me, que tinha visto as atenções de Henrique para com a sua amante. Sentime grata por poder comprovar que Chabot acreditara na minha explicação, porém estremeci de desagrado ao ver o olhar de piedade que me lançava. Depois da partida da delegação francesa, Henrique expressou o seu desacordo em relação à  proposta e sugeriu como alternativa que a mão de Isabel fosse oferecida ao duque de Angoulême. A delegação partiu, não sem antes prometer formalmente uma resposta pronta. Julguei que o comportamento de Henrique para comigo não pudesse ser mais frio, porém enganava-me. Depois da partida dos franceses, olhou-me duramente e afirmou: - Senhora, deveis pedir a Deus que a resposta seja favorável a vossa filha pois de que me servireis vós ambas senão para tais alianças? Decorreram já muitas semanas e esperamos em vão saber o que foi decidido. Aproxima-se a Páscoa, porém não sinto desejos de qualquer celebração. Faço aquilo que se espera de uma rainha - encomendo vestidos novos, organizo as festas e representações e mando dizer missas com intenção especial - mas cada dia que passa sinto o silêncio que chega do outro lado do Canal e que soa dentro da minha cabeça como um dobre de sinos no corredor vazio de uma abadia. Rogo a Deus que desta vez se ponha do meu lado, pois os meus pecados nunca foram tão grandes como a pena que  por eles tenho de cumprir. Afectuosamente vossa, Ana 14 de Abril de 1535 Diário, As minhas preces foram atendidas! Os franceses concordaram, por fim, com o casamento de Isabel com o duque de Angoulême. O casamento será negociado em Calais, no fim de Maio. E é com toda a alegria que digo que meu irmão George está de regresso a Inglaterra,

depois do cumprimento da sua longa missão em França. Agrada-me de sobremaneira que regresse ao meu círculo, pois traz-me mais do que divertimento, canções, modas, livros e

 

novas ideias. Traz-me o seu amor e lealdade de que tanto senti a falta. Tanta é a 227 atençãoo que dedica a sua irmã e rainha atençã rainha que a minha vida floresce floresceuu com um novo perfume. Ele, Francis Weston, Henry Norris e Mark Smeaton juntam-se às minhas aias Para festejos nocturnos, com música, bailes e jogos e também para se divertirem com as graças de  Niniane. Sei que Deus não foi muito bom para alguns homens. Recentemente foram parar à prisão vários monges cartuxos que se recusaram a prestar o juramento. Thomas More e John Fisher continuam presos na Torre por se recusarem a obedecer. São muitas vezes visitados   pelo secretário Cromwell que lhes oferece toda a espécie de saídas para a situação, imitando outros. Até os membros da família de More fizeram o juramento. Porém ele opõese tão teimosamente que a fúria de Henrique é cada vez maior para com esse seu velho amigo, transformado agora em inimigo. Quem sabe, talvez que vinda das sombras da cela, a razão desça sobre More e este se convença a prestar o juramento, para pôr fim a tão desnecessária prisão. George acompanha-me muitas vezes a Hatfield, onde comprova o rápido crescimento da sua formosa sobrinha. Cromwell, Henrique e eu estamos a tomar o seu desmame. Lady Maria, ainda confinada em Hatfield, mantém aí aprovidências sua corte depara apoiantes, não tão secreta como muitos supõem, e de que fazem parte entre outros o embaixador Chapuys. As cartas que cons consta tant ntem emen ente te envi enviaa ao Impe Impera rado dorr se segu guem em,, sem sem dú dúvi vida da,, ch chei eias as de esqu esquem emas as e conspirações (todas em vão) para tentar colocá-la c olocá-la em primeiro lugar na linha da sucessão. Ter-me-ei esquecido de mencionar a morte do papa Clemente e a sua substituição pelo novo pontífice Paulo III? Este, de carácter muito mais decidido do que o seu antecessor, ameaça a paz de Henrique, declarando que o vai depor por ter contraído matrimónio comigo, prometendo mesmo uma invasão. O rei pouco se preocupa, já que França e Espanha em breve entrarão em guerra guerra e assim o’ Imperador Imperador ver-sever-se-áá tão ocupado, ocupado, que lhe será impossível invadir Inglaterra. Por outro lado, um tal confronto faria com que Francisco reclamasse a ajuda inglesa e a sua aliança com Henrique daria ao rei grande satisfação. O meu ânimo melhorou tanto que comecei mesmo a imaginar estratégias próprias. Mas essas, deixo-as eu para outro dia. Afectuosamente vossa, Ana 228 20 de Maio de 1535 Diário, Estou grávida e dentro de mim cresce uma nova esperança, com a pujança de uma semente na Primavera. Perdoa-me Isabel, mas ultimamente as minhas orações são destinadas a implorar que o bebé seja um varão, o príncipe que Henrique tanto deseja e o nosso salvador. Esta esperança, unida a uma grande vontade de resistir, de sobreviver a esta vida que escolhi, a este destino, fez surgir no meu pensamento um plano que, se chegar a bom termo, restabelecerá o meu poder e a minha posição no trono. Tenho de fazer com que o rei volte a apaixonar-se por mim. Tenho de reanimar o corpo gasto e o coração infeliz da jovem

ousada e arrogante, cujos olhos brilhantes atraíram Henrique a um labirinto de desejo e lá o conseguiram reter durante seis longos anos. Tenho de fingir que me inspira luxúria o corpo

 

que outrora parecia de ferro e que, agora, não é mais que uma massa disforme coberta de  pústulas. Todavia, mais importante que a paixão física, será convencê-lo de que todos os sacrifícios e cuidados por que passou para me possuir não foram em vão. Que todos os ardis e planos, o divórcio e o seu casamento comigo deram bons frutos e não unicamente a morte de amigos, a sua excomunhão e o ódio dos seus súbditos. Pensarei um pouco mais sobre esteaassunto, delinearei os pormenores dagravidez. intriga, pois não posso falhar.tido filhos seus  Niniane, mulher-bobo, graceja com a minha Dir-se-ia que tinha   para para est estar ar tão bem inf inform ormada ada de tod todos os os movime movimento ntoss interi interiore ores, s, estran estranhos hos desejo desejos, s, este estado estado   provoca. Uma noite em que eu e ela estávamos dolorosos prazeres que este so sozi zinh nhas as nos nos me meus us apose aposent ntos os,, sa salt ltou ou para para o me meuu leit leitoo e enr enrol olan andodo-se se num numaa bol bola, a, transformou-se no bebé dentro do meu ventre, soltando vagidos, dando pontapés exigindo mimo que lhe desse maçãs, doces recém feitos e lhe cantasse canções de embalar. - Sou o pequeno príncipe! - gritava ele (ou ela por ele). - Sou o príncipe e futuro rei de Inglaterra e estou cansado da escuridão. Trazei-me luz! E doces! E jóias, e ouro, pois sou filho de meu pai e desejo, acima de tudo, ser rico! Mestre Holbein desenhou o meu retrato, sem que lho solicitassem. Embora ninguém mo dissesse, diss esse, percebi que não me tinha favorec favorecido ido absolutame absolutamente nte nada, antes pelo contr contrário: ário: o rosto inchado pela gravidez, o cabelo dentro de uma touca. Apenas Niniane ao vê-lo exclamou: 229 - Quem é esta porca parideira, com tantos queixos? Decerto não se trata de Sua Majestade, que é dona de um pescoço de cisne! Quando afirmei que, de facto, era eu, agarrou no ofensivo desenho e dançou em volta do aposento entoando uma estranha melodia em que exigia que Holbein fosse punido por  aquela traição: deveriam pendurá-lo pelos polegares em Tyburn, completamente nu e enfiarem-lhe o ofensivo retrato pelo traseiro acima. Oh, como me faz rir. Por outro lado, à sua maneira desequilibrada, procura em mim amizade, pois diz a verdade com o seu humor  atrevido, rara qualidade, que muito poucos querem partilhar comigo. Todas as perguntas que faço a Niniane acerca da sua vida passada ficam sem resposta, pois rodeia-as e diz piadas, mantendo intacto o mistério da sua história. Muitas vezes me interrogo acerca desta estranha e invulgar mulher, que mostra também grande inteligência e laivos de bondade. Como chegou a esta vida? Quem será a sua família? A sua classe? Talvez um dia mo diga. Afectuosamente vossa,  Ana

7 de junho de 1535 Diário, A minha estrela voltou a reluzir e sou o único amor de Henrique. Propicia-me mais cuidados que nunca, mantém-me perto de si em todas as circunstâncias. Dir-vos-ei como tal aconteceu: primeiro a criança que trago no ventre arredondou-me as faces encovadas e deume um ar saudável. Apaguei com várias aplicações de mercúrio as rugas que já me tinham aparecido em redor dos olhos e da boca, pois embora corrosivo e prejudicial para a pele, fez maravilhas e deixa-me o rosto liso. Disfarcei a palidez com uma fina camada de pó de chumbo, depois um toque de alúmen para conseguir um tom rosado nas faces e cochonilha  para os lábios. Todos estes cuidados fizeram-me parecer mais jovem e bela do que antes.

Pus de lado redes e toucados e soltei o cabelo pelas costas, como usava nos tempos do nosso namoro. Escolhi as suas cores favoritas para os meus vestidos, vermelho vivo, rosa,

 

negro brilhante, verde-esmeralda. Entre as Jóias escolhi aquelas com um valor sentimental,   por terem sido presentes seus, quando o nosso amor florescia. Paguei uma fortuna por  diversos 230  perfumes franceses, óleos para o banho e cremes e sempre que saía parecia flutuar numa nuvem de fragrâncias. Foi assim que me apresentei ante o rei, a princípio durante breves instantes ao passar por  um aposento cheio de gente, onde ele se encontrava. Não falava, mas lançava-lhe um sorriso sedutor, um olhar de lado, de admiração pela sua pessoa. As celebrações do Dia de Maio ofereceram-me uma bela oportunidade para brilhar. Fui escolhida para rainha dos festejos e levava um vestido coberto de flores de seda. Na representação executei uma dança alegre e uma canção que todos aplaudiram com sinceridade. Satisfez-me ver os olhos do rei fixos, não na sua amante mas, com uma expressão orgulhosa, na sua esposa. Quando agradeci, fiz a reverência na sua direcção, olhei-o nos olhos e percebi que me pertencia de novo. Quando o baile começou, atravessou a   sala para me pegar  na mão e, enquanto dançámos a galharda, saltou de novo COMO UM jovem veado. Percebi que se sentia feliz, de modo que, nessa noite, fiquei a aguardá-lo nos meus aposentos e, conforme supusera, o rei veio procurar-me. Enquanto lhe servia vinho aromático diante da lareira acesa, reuni toda a minha coragem e mostrei-me ousada com ele, tal como fizera antes que o amor e o casamento me tivessem enfraquecido. Ao mesmo tempo que lhe massajava as têmporas disse-lhe que se pensasse  bem descobriria que estava unido à minha pessoa como nenhum outro homem o estava a uma mulher. Que o tinha arrancado a um estado de pecado que era o seu casamento com Catarina e que, sem mim, nunca teria reformado a Igreja. Além do mais, com essa reforma, tinha recebido todas as riquezas dos mosteiros e era agora o príncipe mais rico que alguma vez existira em Inglaterra. Escuto Esc utou-m u-mee com atençã atenção, o, ref reflec lectin tindo do nas mi minhas nhas pal palavr avras as e ord ordenan enando do mesmo mesmo que  prosseguisse, o que fiz imediatamente. Entreguei-lhe a minha escova para que fizesse como quando éramos jovens e ele escovou-me o cabelo até este parecer um pano de seda negra. Dísse-lhe que a sua virilidade nos concedera uma nova oportunidade de termos o nosso   príncipe. E depois, como mestre Holbein, pintei um quadro em que Henrique e eu estávamos de um lado, como aliados, enquanto do outro se encontravam todos os nossos inim inimig igos os.. O trai traiço çoei eiro ro Im Impe pera rado dor, r, os vo volú lúve veis is fr fran ance cese ses, s, o be beli lige gera rant ntee Pa Papa pa,, a traiçoeiramente teimosa Catarina e Maria que, por trás das costas do pai, continuava a tentar reunir um exército de revoltosos. Disse-lhe que ele e eu tínhamos sido separados por  forças cruéis que nunca 231 compreenderiam a fortaleza da nossa união. A seguir beijei-o, avivando a paixão do rei e do homem que dentro dele existia. Não precisou de mais incentivo, arrancou-me o vestido e levou-me para a cama. Como havia pouco tempo tinha visto o seu corpo, não foi para mim uma surpresa a sua obesidade, nem as varizes salientes e as chagas purulentas que lhe cobriam as pernas e as coxas. Até então, nunca fingira sentir desejo por ele e limitara-me a voltar a cara e a deixá-

lo servir-se de mim o mais rapidamente possível. Contudo, nesse momento, recorri a toda a minha decisão e fiz amor com ele. Foi um teste à minha capacidade de representar pois,

 

honestamente, já não me resta qualquer afecto por este animal a quem chamo esposo. Uma vez satisfeito, o rei ficou em êxtase, cheio de esperanças pelo nosso futuro, pelo seu filho varão e pela glória de Inglaterra. Pronunciou de novo o meu nome com grande ternura e alegrei-me em silêncio, por ter conseguido, sozinha e mais uma vez, alterar o meu destino. Com a minha filha nos braços, Deus seja louvado, afastei-me do negro abismo que nos atraía. Jesus está certamente connosco. Afectuosamente vossa, Ana 20 de julho de 1535 Diário, Como pode um homem tão bom e erudito contribuir para a sua própria execução? Que sentido faz manter-se fiel a um princípio contra o qual todos se conformam, tendo a morte como única saída? Maldito Thomas More! Está morto, com a cabeça espetada num pau na  ponte de Londres a fazer companhia às de john Fisher e dos monges cartuxos. Não poderia ter proferido o juramento para salvar a vida? E Henrique acabou por  fazer  de More um mártir católico, em redor do qual se juntarão os seus súbditos, ainda com maior fervor. Meu pai e meu irmão George assistiram às execuções. Primeiro Fisher que fora nomeado  pelo Papa bispo de Rochester e estava de tal modo fraco que todos se espantaram de ver  tanto sangue jorrar de um corpo tão esquelético. Mas é a execução de More que me assombra os que sonhos devaneios. barba longa curto. e emaranhada, as suas exortações ao carrasco para não efalhasse, pois A tinha o pescoço 232 Vendou ele próprio os olhos com um pano de linho e estendeu o seu corpo enfermo sobre o cadafalso, pois o cepo era baixo e muito pequeno. Chegou mesmo a gracejar. Disse ao carrasco que não lhe cortasse a barba, pois esta não cometera nenhuma traição. E ali jazia um grande homem, um perfeito idiota, deitado sobre o tronco, à espera do machado. Quando chegou a notícia da execução de More, o rei e eu estávamos diante da mesa de  jogo. - Pelo sangue de Cristo - vociferou com o rosto escarlate. Morreu o homem mais honesto deste país! - Depois saiu da sala e fechou-se nos seus aposentos durante vários dias.  juro não pensar mais nisto. Vou afastar do meu espírito todos estas terríveis ideias, pois sou ainda a rainha e tenho de pensar noutros assuntos muito importantes. Afectuosamente vossa, Ana 10 de Agosto de 1535 Diário, Este Verão, Henrique levou consigo nos seus passeios a sua rainha, de ventre cada vez mais arredondado e a quem trata com a maior deferência. Como noutros tempos, fico a seu lado durante as caçadas, vemos os veados correrem, disparamos juntos, bebemos cerveja à tarde e divertimo-nos mais do que em muitos anos.  Nos condados de Winchester e Hampshire recebemos boa e graciosa hospitalidade dos nossos nobres súbditos em diversas mansões, castelos e pavilhões de caça. E embora fortes chuvadas nos tenham roubado dias de falcoaria, não tivemos de enfrentar multidões furiosas a ensombrarem a nossa viagem de prazer. Tenho esperança de que isto seja o  prenúncio da aceitação da minha pessoa e da princesinha, porém diz-me o coração que é o medo da mão de Henrique que obriga o povo à submissão e o torna mais cordato.

Mesmo assim, esperavam-nos outro tipo de prazeres. Os mosteiros de Rochester e Dunst abriram perante o rei os seus tesouros de objectos religiosos. Grandes e pesadas cruzes de

 

mitras cravejadas de pedras preciosas, báculos, cálices para a missa; tudo aquilo, obscenamente rico e desnecessário para adorar 

ouro, finas tapeçarias,

233 a Deus, foi levado para Londres pelos homens do rei, como se fossem despojos de guerra. Talvez aquelas novas riquezas volta demoHenrique, agora abe abert rtam amen ente te con contr traa es essa sass duas duastivessem ped pedra rass dado es espa panho nhola lassà cabeça que que,, co como mós mós depois mo moin inho ho,, fala tem tem  penduradas ao pescoço. - Não mais sofrerei atribulações, receios ou ansiedades por causa da antiga rainha ou de lady Maria - ouvi-o dizer a Suffolk. - Vereis como o próximo Parlamento me libertará delas. Não espero mais! Abstive-me de intervir, pois parece que o rei não precisa de mais nenhum incentivo para as mandar executar. executar. Ah, como seria bom que essas duas feras desaparece desaparecessem ssem deste mundo, ficando a minha Isabel livre do seu veneno. Rezo para que Henrique não vacile e chegue até ao final, como quando fez de mim rainha! Se assim for, o nosso futuro estará assegurado. Agora, alojados em Wolfe Hall no condado de Wiltshire, perto de Cales, sentimo-nos  perfeitamente em casa na mansão da família Seymour. Thomas e a sua fértil esposa Margar Margaret et inspiram inspiram-nos -nosfoicom a sua fecundidade, fecundida de,depois têm dezháfilho filhos s vivos menina meninas, s, cinco varões. Edward o Mestre do Corpo Henrique alguns anos- ecinco sua irmã Jane - vulgar e apagada - dama de honor de Catarina. O irmão falou por ela, demasiado tímida  para nos pedir um lugar na corte. Henrique deixou bem claro que desejava agradar a Edward, de modo que terei de arranjar a este rato um lugar entre as minhas aias.   Não minto se disser que tenho desfrutado deste Verão, mas que prefiro regressar às comodidades de casa e da corte já que tenho de levar esta gravidez a bom termo e garantir o nascimento da criança. Afectuosamente vossa,  Ana

5 de Dezembro de 1535 Diário,  Não posso crer na última traição de Henrique. Transformou o rato em sua amante. Fui substituída pela minha tímida e recatada aia Jane Seymour. Ninguém a acha formosa, apenas uma figura gorducha e apagada, com uma voz que não se consegue ouvir, de tão  baixo que fala. Também não parece ser muito inteligente. Mas não importa, seu irmão Edward pensa por ela. Henrique está encantado, 234 de um modo como nunca antes o vi, excepto quando estava apaixonado por mim. Mas como poderá esta mulher pouco interessante despertar tal paixão no rei? Decerto que o romance é obra de Edward, para conseguir um bom lugar junto do rei. Receio que o meu inconstante primo Francis Bryan e também Nicholas Carew façam parte da conspiração.  Não haverá um cortesão leal? Julgo que não. Puseram Jane a representar o meu antigo  papel amoroso - tentando Henrique com pequenas provocações, tímidos sorrisos, promessas de submissão que levam, não ao leito, mas a castos beijos e promessas de muitos filhos varões. Tenho de admitir que perdi a paciência com este rei mulherengo e não consigo esconder o

meu desagrado. desagrado. Não deixo de o vituperar em públic públicoo e em privado. Quando ele diz ”sim”, digo ”não”, só pelo prazer de o contradizer. Descobri novos modos de o irritar e de troçar 

 

daquele pomposo monte de carne, rindo-me dos seus horríveis escarpins e dos seus fatos ofensivamente cobertos de pedrarias, sempre a aumentar de tamanho, que o cobrem como a uma parede. Ordenou a todos os seus homens que rapassem a cabeça e deixassem crescer a  barba e assim, utilizando utilizando a obser observação vação de Niniane, anunciei anunciei,, em voz bem alta, durante durante um  jantar, que o rei parecia uma bola de bilhar barbuda. Insulto também Norfolk, há ter muito meu inimigo, me calunia se que se queixou de eu me dirigido a ele commas umque tomagora que nem se usa nas paracostas. falar Dizcom os cães. Porém, Niniane, quando ouviu isto, afirmou que meu tio Norfolk se deveria sentir  honrado pois eu tratava os cães melhor que a maior parte das pessoas. Quanto à senhora Seymour que, outro dia, surpreendi a namorar descaradamente o rei, sentada no seu colo, dei-lhe uma sonora bofetada e fiz-lhe um enorme arranhão no rosto. Henrique tolera as minhas atitudes com uma estranha serenidade que preocupa meu irmão George, pois considera ser esta a calma antes da tempestade. Porém, parece que um estranho demónio me domina e não consigo conter as minhas ousadias. O Deus cruel que decidiu o meu destino, será o juiz que dite outros castigos, pois a luva foi lançada e a  batalha começou. Afectuosamente vossa, Ana 235 9 de Janeiro de 1536 Diário, Faleceu Catarina, antiga Rainha de Inglaterra e eu estou arrasada. Tão violento e pouco natural foi o seu fim, com horríveis vómitos e dores insuportáveis no ventre que há quem diga que foi envenenada. Mas não é verdade, pois os seus únicos inimigos éramos o rei e eu, que por certo não somos responsáveis. Henríque não cabe em si de contente. ”Deus seja louvado! Estamos livre da possibilidade de haver uma guerra!” gritou assim que lhe chegou a notícia da sua morte. É verdade que o Imperador Carlos, sobrinho de Catarina, já não tem pretexto para nos invadir, desde que sua prima Maria esteja em segurança, já que ninguém sabe como será a sucessão ao trono. Por isso me recolhi nos meus aposentos, mas nem mesmo no meu leito encontro descanso. É verdade que chorei de felicidade ao saber a notícia e dei um bom presente a mestre Ellis, o mensageiro que ma trouxe. Alegrei-me por Henrique ter mandado vir Isabel de Hatfield,  para que assistisse às celebrações, mandando-a vestir de amarelo, a condizer com o seu gibão e o meu vestido e também que tenha entrado nos meus aposentos para, num transporte de alegria, dançar uma gavota com as minhas aias. Porém, quando pegou ao colo na nossa filha e a exibiu de aposento em aposento para que todos lhe prestassem a devida homenagem, senti uma súbita dor no coração. Mandei sair todas as aias e nem Niniane me consolou no meu desgosto. Apercebi-me de que a morte de Catarina poderia ser o meu fim. Enquanto fosse viva, Henrique nunca se poderia divorciar da minha pessoa, de contrário teria de voltar para ela. Mas com a sua morte, o rei está livre para se casar com quem quiser. Dizeis-me que o rei não se divorciará de mim. Mas pensai bem! Vejo os olhares amorosos que lança ao rosto gordo e  sem graça de Jane Seymour. Oiço a maledicência falar de um terceiro casamento, que o rei nunca contradiz.

Oh, Isabel! O homem que agora exibe perante os seus cortesãos a sua loira filha vestida de amarelo, pode ser o instrumento da minha e da tua destruição. Reza comigo, minha querida

 

filha para que a criança que trago no ventre seja um varão. Porque o bom rei Henrique  pouco aprecia a sua família e pouca intenção tem de lhe dedicar amor. Como uma enorme tempestade vinda do mar a ocidente, 236 receio que a sua fúria Afectuosamente vossa,seja impossível de conter e nos afogue a todos.  Ana

28 de Janeiro de 1536 Diário, Passou-se aquilo que eu mais temia. Abortei o meu salvador, pois a carne ensanguentada que expeli do meu ventre, era certamente um varão. A grande celebração pela morte de Catarina durara semanas. Henrique não permitiu o luto na corte, nem em público. Festas, bailes, representações, até missas foram ditas em sinal de alegria e os que amavam a rainha tiveram de lamentar em segredo a sua morte. Realizou-se uma justa, porém procurei sossego longe da ruidosa multidão e recolhi aos meus aposentos com Margaret Lee e Niniane, que nos divertiu cantando versos e canções de Chaucer. De repente, ouvimos um ruído como se os soldados se tivessem aproximado da minha porta e, assustadas meu tio Norfolk irromper calma dadurante tarde com desagradáveis notícias. O reivimos jazia como morto no pátio, caídopela da montada a justa e esmagado  pelo pesado corpo do cavalo! Senti a mão fria do medo apoderar-se dos meus membros, cabeça, ventre e toda a energia se escoou das minhas veias. Margaret afirma que fiquei com uma palidez de morte e tentou consolar-me. Porém Norfolk, como uma víbora maligna  picou-me o coração com as suas duras palavras. Se Henrique morresse eu estaria perdida com toda a certeza, pois não havia ninguem leal a Isabel que apoiasse a sua sucessão ao trono trono.. Se eu luta lutass ssee por por el elaa e me decl declar aras asse se rege regent nte, e, decer decerto to se segu seguir iria iam m gr gran andes des discórdias e uma guerra civil. Entretanto, já eu lamentava a súbita perda de Henrique, ao mesmo tempo que sentia um grande alívio com a morte do animal que tinha por marido. Logo a seguir Norfolk retirou-se sem se dar ao trabalho de fazer a devida reverência, pois já não me considerava sua rainha. Atur Aturdi dida da,, mo mort rtif ific icad ada, a, at ator orme ment ntad adaa po porr te terr rrív ívei eiss pr pres essá sági gios os co come mece ceii a trem tremer  er  descont des control roladam adament ente. e. Margar Margaret et e Nin Ninian ianee tentar tentaram am ani animar mar-me -me,, para para det deter er os tremor tremores, es, consolar-me com palavras bondosas, 237 mas tudo o que eu desejava era ter Isabel nos braços, pois o perigo rondava-nos como uma trupe sombria de macabros saltimbancos. Margaret retirou-se, prometendo que Isabel me seria entregue e que mandaria também vir alguns homens que me fossem leais. Contudo, quando chegaram - Wyatt, Norris, Weston - trouxeram-me a notícia de que o rei estava vivo! De facto tinha estado inconsciente durante duas horas, mas voltara a montar o cavalo e desejava continuar a justa. Pois bem, recolhi-me ao leito por pura exaustão de espírito. Embora Niniane tenha conseguido provocar algumas gargalhadas apesar de tão  perversas ocorrências, de novo empalideci e senti que as  forças me faltavam. No dia em que o corpo de Catarina foi sepultado, o sangue correu entre as minhas coxas e o bebé

morreu dentro do meu ventre. A parteira examinou o feto e declarou que parecia ser um varão. Disseram-no a Henrique que surgiu nos meus aposentos feito uma fúria ainda maior  do que no dia em que Isabel nasceu.

 

- Ve Vejo jo clar claram amen ente te que que De Deus us nã nãoo de dese seja ja dardar-me me filh filhos os va varõ rões es af afir irmo mouu nu num m to tom m extremamente frio, mas sem erguer a voz. Respondi-lhe que não fora obra de Deus e que o nascimento prematuro tinha ocorrido depois de eu ter recebido a notícia da sua morte,  brutalmente dada por Norfolk; porém nada o comoveu. Não levou em conta o meu estado de fraqueza, nem a minha perda, só a sua. Retirou-se do aposento sem se dignar olhar para trás, dizendo falaria comigo quandojunto me encontrasse recuperada. Margaret Leeque mantivera-se fielmente a mim e rompeu a chorar quando o rei saiu. Desejei poder acalmá-la dizendo-lhe que haveria de ter outros filhos, mas ela mostrou-se inconsolável e contou-me os seus receios. Toda a corte murmurava que Henrique afirmava agora ter sido seduzido por meio de feit feitiçari içariaa prati praticada cada por mim e que o nosso casamento casamento não tinha validade. Dizia que Deus lhe mostrara a verdade impedindo-o de ter filhos e que desejava desposar  a virtuosa Jane Seymour. Feitiçaria! Como se eu fosse bruxa! A mão com seis dedos, a marca do Diabo no pescoço, as poções que usei para lhe mitigar as dores, a magia dos meus dedos que lhe aliviavam as dores de cabeça... cabeça... Tudo isso acabaria por se voltar contra mim. Vi que o meu destino não era melhor que o de Catarina e o de Isabel seria igual ao de Maria. Vi-me repudiada, com uma filha bastarda, enviada para um lugar  triste e distante, onde nem poderia receber o consolo e a visita de outras pessoas. 238 Senti as pernas fracas, o coração pesado. Recolhi ao leito, sem vontade de o abandonar. Que nos irá acontecer? Afectuosamente vossa, Ana 6 de Fevereiro de 1536 Diário, Que dia tão triste. Morreu o meu querido Ptirkoy. Foi Henrique que me deu a notícia com a mesma indelicadeza com que meu tio Norfolk me participara a morte do rei. Rezava eu com o meu capelão Matthew Parker, quando Henrique entrou de rompante nos meus aposentos para me dizer que ia para Londres festejar a terça-feira de Entrudo e que desejava que eu ficas ficasse se em Greenw Greenwich. ich. Implore Imploreii que me deixas deixasse se acompanhá-l acompanhá-lo, o, pois Isabel Isabel estava alojada em Londres e desejava vê-la. Recusou o meu pedido e também não quis levar uma lista de medidas para várias toucas de seda que desejava que fossem feitas para a princesa. Declarou com toda a crueldade que ela não precisava de toucas tão finas e perguntou-me se eu não tinha mais nada que fazer com o meu tempo do que escrever listas tolas, de coisas que não tinham qualquer utilidade. Irritei-me ao ouvir tais comentários acerca de nossa filha e deitei-lhe em cara que o seu amor inconsistente dava azo a que outros mostrassem abertamente a sua deslealdade. Até mesmo mestre Cromwell tirava a boina ao ouvir o nome de lady Maria. Henrique não respondeu a isto, pelo menos de modo satisfatório e fez menção de se ir embora. Porém  peguei-lhe num braço e disse-lhe algumas verdades da sua nova amante, lady Jane. - Está a brincar convosco, Henrique, tal como eu fiz. Afinal, imita os meus artifícios. Ouvi dizer que não aceitou a bolsa de soberanos de ouro que lhe haveis oferecido, não foi Henrique? Não é verdade que afirmou que sentiria a sua honra e virtude manchadas se aceitasse um tal presente sem ser vossa legítima esposa? Sereis tão cego que não possais ver que tem dois irmãos inteligentes que, através dela, buscam honrarias para si próprios?

Contende essa língua viperina, senhora, para não ter de ser eu a remeter vos ao silêncio. - E como o faríeis, Henrique? Com o divórcio? Enviando-me para um convento?

 

239 - Não abuseis da minha paciência, Ana, que já pouca me resta. Mesmo assim arranjei coragem para o enfrentar e olhei-o fixamente nos olhos. - Nunca vos amei, Henrique. Nem uma única vez, nestes últimos dez anos. - A boca dele estremeceu,  porém mante manteve ve o queixo firme firme enquanto eu lhe espicaç espicaçava ava o orgul orgulho ho com um sorriso malicioso. pensado que tinha sentidoestas a mor amor pors vós? Claro que como sim. sabeis, A cor subí subíu-lhe u-lhe ao- Haveis rost rostoo gordo quando pronunciei falsas falsa palavras, palavr as, pois Diário, amei-o uma vez, antes de me ter entregado a ele. E em Calais, no Inverno a seguir. Porém, nesse momento não lhe dei a satisfação de falar desse amor. - Ide ter com a vossa amada de cara de cavalo - gritei. - Possuí-a! Mas podeis retirar dos vossos pensamentos a ideia de que Ana Bolena alguma vez amou Sua Graciosa Majestade. Porque nunca tal aconteceu. Nunca! Ele fixou-me com o seu terrível olhar e, nesse momento, pensei que fosse erguer a mão  para me matar com pancada. - O vosso cão morreu - preferiu dizer. Depois sorriu. - Que pena, pois era certamente o vosso súbdito mais leal.  Não cheguei a ver Henrique partir pois imediatamente as lágrimas cegaram-me. Lágrimas que teve a satisfação de saber ter sido o causador. Afectuosamente vossa, Ana 9 de Abril de 1536 Diário, Por um breve tempo julguei que, mais uma vez, tudo estava bem. O embaixador Chapuys trouxe uma mensagem do Imperador. Nela mostrava interesse em negociar um tratado comigo e com Henrique, agora que a morte de Catarina retirara um enorme obstáculo do nosso caminho para uma possível aliança. Agradou-me que desejasse falar também comigo,  pois mostrava o respeito que Carlos tinha por mim como rainha. Este plano espanhol agradou agr adou de sob sobrem remane aneira ira ao sec secret retári árioo Cro Cromwe mwell ll,, que ultima ultimament mentee con consid sidera erava va os franceses aliados fracos e de pouca confiança. Ainda para mais, 240  julgo que se preocupava que um dia a Inglaterra pudesse ver-se sozinha contra Espanha e França. Assim, marcou-se uma ronda de conversações e festejos em honra de Chapuys. Henrique não tomou qualquer medida para me excluir destes planos, de modo que fiz grandes preparativos para um jantar privado, após a missa a que assistiriam os grandes nobres do reino e Chapuys como convidado de honra, na esperança que algumas questões importantes pudessem ser resolvidas à minha mesa. Correu tudo bem durante a missa em que o arcebispo Cranmer pronunciou um sermão de marcado conteúdo político e em que o embaix emb aixado adorr corres correspond pondeu, eu, com compla placen cente, te, aos meu meuss sor sorris risos. os. Porém, Porém, quando quando chegou chegou o momento de Chapuys se dirigir aos meus aposentos, Henrique requereu a sua presença e a dos membros do seu Conselho Privado e deixou-me a presidir a uma festa vazia, cujo prato  principal foi a minha humilhação. Afinal, o rei nunca aceitou os termos de Chapuys, pois este exigia em primeiro lugar que Henrique se submetesse ao Papa e em segundo que legitimasse a sua bastarda Maria. Cromwell, furioso por ver destruídos os seus próprios planos, retirou-se indisposto e há

cinco dias que se recolheu ao leito na sua residência. Receio que o seu desconforto seja a minha única consolação em todo este assunto. Henrique pouco amor demonstra por Isabel e nem se incomoda em fingir qualquer 

 

consideração por mim. Julgo que os meus dias na corte estejam contados e várias das minhas aias atreveram-se a falar-me de conventos distantes, onde uma rainha deposta pode encontrar abrigo. Ultimamente pouco há que me console. Apenas a doce música de Mark Smeaton e as graças de Niniane são bálsamo para a minha alma ferida. Rodeiam-me ainda alguns amigos Thomas Wyatt, -Henry Weston. Bem sei que lisonjas e galanteios nãofiéis: têm ardor romântico já não Norris, sou belaFrancis - mas são sim a expressão de uma corajosa constância e do amor cortês. Esta bondosa atenção fez-me sentir   por eles uma apaixonada e profunda afeição, mais do que a que senti por Percy ou Henrique e mais rara que a que devoto a Isabel, pois esta está ligada a mim por um vínculo de sangue. A amizade é a mais bela flor, a dádiva de um coração abnegado a outro. Sempre me sentirei grata por isso. Pouco afecto sinto pela maioria das mulheres, pois sempre me detestaram e desconfiaram de mim, mas Margaret Lee é mais do que 241 minha irmã Mary. Como me amima! É Dama do Corpo da Rainha e é seu dever cuidar de mim, mas sei que se esmera a escolher as roupas que devo usar por mais me favorecerem cor, estilo e corteas que melhor me fiquem. Arranja-me vestidos, aquece-me as mãos e os  pés, massaja-me têmporas quando me dói a cabeça,ostudo com tal ternura que por vezes me comove. E o meu doce George. Nenhuma mulher teve alguma vez um irmão melhor. Partilhamos recordações das nossas vidas desde que éramos crianças. Continua a troçar de mim e quando rimos juntos, todos os cuidados e desgostos do presente desaparecem como que por  magia. Fecho os olhos e vejo-o, vejo-o, subir a escada de caracol para ir ao meu quarto em Hever  Hall, onde, em surdina, as nossas vozes infantis planeavam grandes guerras e tolas  brincadeiras. Lembro-me de um Outono que passámos em Edenbridge. Um dia fez uma coroa de flores, coloc col ocouou-ma ma na cab cabeç eçaa e nom nomeou eou-s -see Rain Rainha ha das Fo Folh lhas as.. ”Ajo ”Ajoel elha haii po pois is so souu a vo voss ssaa soberana!” exclamava eu, imponente, enquanto, em meu redor, caíam milhares de folhas vermelhas, vermel has, douradas e alara alaranjadas njadas.. ”Poderosa ”Poderosa Majestade” Majestade” exclamava George ”vede como vossos súbditos se curvam perante vós!” Depois soltávamos enormes gargalhadas até o ventre nos doer. Já fui Rainha de Inglaterra. Agora sou apenas a Rainha das Folhas. Afectuosamente vossa, Ana Di Diár ário io,, enc encon ontr troo-me me pris prisio ione neir iraa na Torr Torree de Londr Londres es.. Chor Chorai ai por mim, mim, po pois is esto estouu certamente perdida, acusada de adultério, que é o mesmo que traição. Em Inglaterra o adultério praticado por uma rainha é traição e a traição é punida com a morte. Nem sequer    posso esperar um julgamento imparcial, nem que se contentem a enviar-me para um convento distante, pois Henrique quer-me morta. Mark Smeaton e Henry Norris, pobres rapazes, acusados de relações carnais com a rainha, estão também na Torre. Diz-se que confessaram ter-se deitado comigo. Claro que não o fizeram, pois são homens honestos e essa hedionda acusação é completamente falsa. Uma mentira. Tê-los-ão torturado para lhes arrancar essas confissões? Serei também torturada? Trata-se por certo de uma intriga de

Cromwell. Ultimamente voltou me as costas e é perfeitamente capaz de o fazer. Eu mesma assisti a como guiava o rei até à minha cama,

 

242 fazendo-o percorrer o labirinto do seu divórcio de Catarina e da desavença com o Papa. Aqueles olhos brilhantes. Aquela boca cruel. Vi a sua expressão enquanto conduzia aos meus aposentos a maldita delegação. Em silêncio, deixou que fosse meu tio Norfolk a darme voz de prisão, mas a sua presença lançou uma sombra de desgraça sobre a minha cabeça. luz dodedia, obrigaram-me a subir riofossem numa rude para queapenas todos vissem, Em semplena a escolta amigos ou cortesãos que ome fiéis,barcaça acompanhada  por horríveis inimigos e harpias. Lady Kingston, minha tia lady Bolena, a senhora CoffinI, cujo nome tão bem lhe fica. Ficaram atrás de mim, onde não as pudes pudesse se ver, cravando-me os olhos no pescoço e sem pronunciarem uma única palavra que me desse alento. Senti que a sanidade me abandonava para se reunir com o remoinho da corrente do rio, deixando-me o cérebro vazio, privada de bom senso e razão. Ajudai-me, meu Deus! Parece-me que, ao chegar aqui, não me comportei como uma rainha. Ri, chorei e tremi descontroladamente. Depois da barcaça me deixar nos degraus da Torre, senti-me gelar à vista das húmidas  paredes da prisão e, de tal modo que me faltaram as forças, que caí de joelhos. Lorde Kingston, o Guardião da Fortaleza veio receber-me, tomou-me o braço e disse-me uma   palavr palavraa amá amável vel.. Julgo Julgo que ass assim im foi foi,, pois pois pou pouco co rec record ordoo dessa dessa ocas ocasião ião,, excepto excepto ter   perguntado se seria encarcerada numa masmorra e lorde Kingston ter dito que não, que seria alojada meus antigos em que vi ficara antesgordos da minha coroação. Também me nos lembro que, ao seraposentos, conduzidanaqueles aos aposentos, um dos corvos a saltar  sobre a relva e soltei uma gargalhada. Mas, nesse momento, ouvi o canhão da Torre ribombar pelo Tamisa para anunciar a minha chegada e avistei o cadafalso de madeira, onde tinham lugar as execuções. Thomas More, pensei, o bom doutor More. Não pude conter as lágrimas amargas, ao lembrar-me que a sua cabeça rolara sobre a relva verde. Mestre Kingston conduziu-me até à porta da prisão e despediu-se. Agarrei-me a chorar ao seu braço. ”Morrerei sem julgamento?” Respondeu-me que até o súbdito mais pobre tem direito à justiça. Soltei uma louca gargalhada sob o seu olhar compadecido. Pedi um espelho para ver a imagem de uma rainha caída em desgraça, mas não satisfizeram o meu desejo. Estou encurralada aqui. Encurralada com estas horríveis mulheres que me torturam dizendo-me que toda a Londres se alegrou  Nota: Coffin significa caixão em português. N. da T. 243 e comemora nas ruas a minha prisão; que agora lady Maria, ou antes a princesa Maria tomará o lugar que lhe compete na linha da sucessão. Odeiam-me, mas servem-me com todas as atenções. Sei que foram avisadas de que deveriam recordar-se de tudo o que eu disser, para mais tarde poderem incriminar-me. Sei que estão à escuta mas não consigo conter-me e da minha boca sai como água de um poço, uma corrente contínua de impropérios e insultos aos meus inimigos, maldições contra Inglaterra, à qual desejo, se morrerr aqui, sete anos de tempestade morre tempestadess e pestes. pestes. Isabel, minha Isabel, que te fiz eu? Se sou traidora, tu serás apenas a filha de uma traidora. Perdeste por certo tua mãe, perdeste a tua futura coroa e talvez a tua vida... Só eu sou a culpada, só eu sou a culpada, só eu sou a culpada. Perdoa-me, minha querida. E minha mãe. Morrerá de desgosto. Morrerá como eu, que Jesus me ajude. Estou só e tenho tanto medo.

Ana

 

13 de Maio de 1536 Diário, Recuperei Recuper ei a luci lucidez, dez, mas o mundo que vejo em meu redor é um local tão aterrador aterrador que me sinto tentada a regressar à loucura. Prenderam George, meu irmão, acusando-o de ser meu amante. Nós, incestuosos! Espanta-me tanto empenho da parte de Henrique, apenas para  possuir essa mulher vulgar. Francis Weston e William Breyerton são também acusados do mesmo delito Markpresos Smeaton e a Henry Norris na Torre. Até permitir  mesmo Thomas Wyatt e reuniram-se Richard Pageaforam por essa razão. Meu Deus, não posso que estes bons homens estejam a sofrer pela loucura que foi a minha vida. A toda a hora suplico às minhas carcereiras que me informem sobre o meu destino, mas estas limitam-se a contar os mexericos que sabem me vão fazer sofrer. Dizem-me que, todas as noites, Henrique se desloca de barcaça à residência dos Carews, onde se aloja a senhora Seymour   para aí se divertir e aguardar o meu julgamento e condenação à morte. Roguei a lorde Kingston que leve as minha minhass cartas ao rei e ao secretár secretário io Cromwell Cromwell,, mas o alcaide recusa-se, dizendo que apenas poderá transmitir recados orais a partir da Torre. Sei que é fiel à 244  princesa Maria, como anteriormente o foi a Catarina, de modo que não me conferirá favores que possam para reabilitar-me. Tenho um modoculpada de comunicação com os meus acusadores, que saibam que de nãoencontrar me considerarei desses delitos, nem de outros, provenientes de mentiras ou de corrupção e dizer-lhes também que nenhum homem honesto poderá declarar contra mim.  Nunca mais recebi uma palavra de meu pai ou tive notícias dele e não sei se foi igualmente acusado de crimes de traição e se encontra detido. Nem imagino se será um dos que me acusam. Com a desgraça que caiu sobre a cabeça da filha e do filho, qualquer homem se sentiria desanimado e morreria de vergonha. Não obstante, suspeito que meu pai,  se não está implicado, já arranjou maneira de usar a nossa queda em seu proveito. O pouco consolo que aqui encontro devo-o à sobrinha de lorde Kingston, a senhora Sommerville que veio integrar o número das minhas carcereiras. Esta senhora já não é muito jovem, nem é bonita, mas tem uns olhos calmos que parecem sossegar tudo em seu redor. Para irritação de seu tio e das outras senhoras trata-me com a delicadeza devida à rainha que ainda sou. Dou por mim a desejar os poucos momentos em que estamos sós,  para falar com ela com sinceridade e sem receios e nessas ocasiões posso escrever-vos. Embora não me dê falsas esperanças acerca da minha libertação ou que seja ilibada das acusações que me fazem, oferece-me a esperança da felicidade no paraíso, para o caso de vir a morrer, pois jura não conhecer mulher melhor do que eu. Consola-me ainda de outras formas - lê-me as Escrituras, deixa-me falar da minha Isabel e conta-me histórias dos seus filhos. E, Diário, escova-me o cabelo, com todo o prazer. Esta pequena atenção faz-me por  vezes chorar, pois fá-lo com toda a ternura, como dantes Henrique costumava pentear-me. Já pensei em pedir à senhora Sommerville que me ajude a enviar as cartas para fora da Torre, mas não tive coragem. Acredito que não quereria recusar e um tal acto poderia pôr a sua vida em risco, por minha causa. Até os meus pedidos para me confessar ao arcebispo Cranmer têm sido cruelmente ignorados. Por vezes receio não voltar a ver um rosto  bondoso e familiar.

Afectuosamente vossa,  Ana

 

245 15 de Maio de 1536 Diário, O meu destino transformou-se num pesadelo atroz. Vou morrer acusada de atraiçoar  Henrique, condenada pelos meus pares, devido a uma abominável mentira. Apenas uma mentira. O meu esposo, meu amigo e amante de dez anos vai assassinar-me publicamente a sangue-frio... porá objecções. Comoopode ser? tanto Comofervor chegaram as coisasuma ao  ponto de todoseosninguém lordes ingleses terem abraçado mal com que executam dama para que o marido se possa casar com outra? É certo que Henrique não é um marido vulgar. É o rei. O sol. Um Deus na terra. Mas eu conheço-o e a verdade é que Henrique não  passa de um homem colocado no trono por outros, por meio de guerras, matanças e sede de  poder. Esta é a verdade que conhecem e os degrada e o mesmo se passou com seus pais e com os pais de seus pais. Do mesmo modo que um molho picante não pode ocultar o sabor  da carne podre, também as armadilhas da corte são incapazes de disfarçar os instintos  básicos que governam o coração dos nobres ingleses. Hoje, todos os que sobreviveram a essas matanças, sentam-se como abutres esfomeados sobre as carcaças dos caídos. Muitos pares de olhos, negros e brilhantes, observam, rapaces, o festim. Os haveres dos que foram condenados comigo - rendimentos e rendas, tapeçarias, roupas, móveis das casas ricas - serão disputados como carniça pelos seus bicos ávidos. As renegam condenados, insensato mostrar traidores, ainda quefamílias sejam do mesmoossangue. E sei pois que émeu pai não é um afecto homempelos insensato. Thomas Bolena nunca será confundido com um capitão que se recusa abandonar o navio afundado. Oh, não, nada disso. Dizem-me que no julgamento de Weston, Norris, Breyerton e Smeaton ajudou a condená-los por adultério com a sua própria filha. E diz-se também que se ofereceu para servir de testemunha no meu julgamento e no de George, mas que no fim o  pouparam à indignidade. JUlgo que se lá se encontrasse nos teria considerado culpados tal como o fizeram vinte e seis dos meus pares. Tudo porque meu pai aprecia demasiado o seu  pescoço para poder amar traidores. Também não quero julgar-me melhor do que realmente sou. Meu pai nunca gostou de mim. Nem sequer me via, eu era apenas uma rapariga para utilizar, uma rapariga inteligente, com alguma beleza e ousadia e força de vontade próprias de um 246 homem. Certamente o mortificou que sua filha mais nova se tivesse atrevido a arrebatar-lhe das mãos as rédeas e ousasse cavalgar o rápido alazão da sua vida, em direcção à glória e à desgraça. Nunca me amou. Tenho de descrever o meu julgamento, pois fará parte da história e embora neste momento, seja perigoso para qualquer ser dar uma versão diferente da imposta por Henrique, um dia saber-se-á da infâmia deste tribunal e da grosseira injustiça por ele cometida. Os meus amigos compareceram perante os seus pares no dia 12 de Maio e foram todos considerados culpados de traição - por terem tido relações carnais com a rainha e por terem conspirado contra a vida do rei. Vão sofrer uma morte horrenda, castigo guardado apenas para os traidores e hereges. Três dias depois desta condenação foi a vez da minha. Conduziram-me desde os meus aposentos em Tower Green para o cinzento e antigo edifício onde se situa o salão do rei. Quando entrei, vi que se tratava de um vasto aposento,

capaz de albergar as duas mil pessoas que já lá se encontravam para a grande ocasião que era o julgamento de uma rainha acusada de traição. Na sala a abarrotar de gente, encontravam-se, lado a lado, o alcaide de Londres e os seus edis, inúmeros cortesãos, vários

 

embaixadores estrangeiros, com os seus escrivães acocorados ao lado, nobres rurais com as suas esposas, que certamente lhes teriam implorado vir a Londres para não perderem tal espectáculo, e uma chusma de populares para verem fazer justiça à Grande Prostituta que havia tanto tempo odiavam. Abriram-se alas para me deixar passar. Fingindo um triunfo imaginário, endireitei os ombros eSeymour, ergui o queixo, mais do que em qualquer outra ocasião. As de minhas aias,plumagem. excepto a senhora apropriadamente ausente, mais pareciam pássaros colorida Porém elas, que sempre tinham formado um alegre bando em meu redor, estavam agora separadas, sob a protecção de suas famílias ou entre grupos de novos amigos. Margaret Lee agarrava-se ao braço de Thomas Wyatt com uma estranha expressão que não era mais que um misto de alegria e desgosto pela recente libertação de seu irmão e pela minha omnipresente desgraça. Wyatt parecia profundamente triste e, em silêncio, agradecilhe ter-me oferecido este Diário, o amigo mais leal que tive em toda a minha vida.  Niniane colocou-se à minha vista, quando passei. E talvez influenciada por aquela ridícula ocasião, foi precisamente ela, o meu bobo, a única pessoa a quem falei em toda a multidão. 247 - Niniane - disse e detive-me junto a ela que, espantada, esboçou um malicioso sorriso e se aproximou de mim. - Creio que mais querem dar-vos outro nome - murmurou. - E que nome será? - perguntei. - Rainha Ana Sem Cabeça, Majestade. - Será um nome muito bem escolhido - disse eu, retribuindo-lhe o sorriso. - Adoro-vos, senhora - disse. - O meu coração de bobo sentirá eternamente a vossa falta. Prossegui o meu caminho. Ali, diante de mim, em duas filas junto à barra, envergando as vestes escarlates, encontravam-se os vinte e seis pares de Inglaterra, de expressão grave no rosto. rost o. Entre eles vi Henry Percy de Northu Northumberl mberland, and, pálido, encolhido e parecendo parecendo muito muito mais velho do que realmente era. À frente de todos eles, num estrado mais alto, sob um real dossel sentava-se, não o rei, pois não tivera estômago para tanto, mas meu tio Norfolk, incl inclin inad adoo ao pe peso so de mu muit itos os cola colare ress de ouro ouro,, em empu punh nhan ando do um en enor orme me ba bast stão ão e acompanhado pelo conde de Surrey e pelo lorde-chanceler AudIey. Meu tio não perdeu tempo e leu com voz clara e imperturbável as acusações que me eram imputadas: que eu, a rainha, durante mais de três anos desrespeitara o meu casamento, guardando no coração maus sentimentos em relação ao rei e cedendo, todos os dias, aos meus caprichos e desejos carnais. Com falsidade e ânimo traiçoeiro, mediante palavras,  beijos, carícias, presentes e vários incentivos inqualificáveis procurava os servidores do rei  para com eles exercer actividades de adultério e concubinato. Afirmou que meu irmão George se deixara seduzir por profundos beijos com a sua língua na minha boca e minha na dele e que conhecera carnalmente a própria irmã numa ligação incestuosa. Afirmou-se também que, com outros, eu teria conspirado para assassinar o rei,  já que nunca o amara do fundo do meu coração, chegando chegando a prometer prometer casamento casamento a um dos meus companheiros de cama, após a morte de Henrique. Foram fornecidas as datas e os locais os meus supostos mas terríveis delitos, de índole lasciva. Parece que os meus incontroláveis desejos me conduziam a frequentes e perigosas indiscrições. Recebia vários

amantes numa só noite e, menos de um mês após o nascimento de Isabel e até mesmo durante a gravidez. Devo dizer que nem tudo era mentira - de facto, troçara da pessoa do rei, das suas roupas, ridicularizara as baladas que escrevera. Mas calculei que estivessem

 

desesperados quando o consideraram prova de traição. 248 Depois de lidas as acusações, ergui-m ergui-mee para proferir proferir a minha defesa, mas fui aspera asperamente mente silenciada por meu tio. Não tinham sido permitidas testemunhas a meu favor. Este processo infamee edeirreg infam irregular ulardeofendeu de talfalar!” maneira maneira os espectadores espectadores que houve uma agitação agita çãoter na sido sala seguida gritos ”Deixem-na e ”Deixem-na apresentar as provas!” Penso esse o momento mais doce que vivi como rainha e em que senti ter o apoio do povo. Não  posso dizer que me amassem, mas era, sem dúvida, indigno de ver. Se a mulher do rei  podia ser tratada daquele modo dentro de um tribunal, ficava demonstrado que qualquer   pessoa abaixo dela poderia receber pior tratamento pois a justiça morrera certamente em Inglaterra. Assim, contendo a voz furiosa com que desejava insultar aqueles vermes, limitei-me a declarar-me inocente de todas as acusações, pedindo a Deus que fosse minha testemunha. A seguir, Norfolk solicitou aos membros do tribunal que dessem o seu veredicto; como não  poderia deixar de ser, um a um, declararam-me culpada. Vi como aquela simples palavra lhes saía dos lábios corrompidos, mas pouco me incomodou a sua repetição... excepto quando foi pronunciada por uma certa boca. Henry PercyHesitou hesitoue,antes demomento pronunciardesafiei-o as sílabasolhando-o que levariam à mortePorém, a únicafoimulher que amara. nesse nos olhos. como uma luva atirada ao chão que, por medo, ninguém recolhe. Recusou o meu olhar, e  pronunciou a palavra ”culpada” mais alto que todos os outros.  Norfolk bateu três vezes com o bastão branco no chão, fazendo o eco percorrer o salão, agora tão silencioso que se poderia ouvir o adejar das asas de uma pomba. - Porque haveis ofendido o nosso rei e soberano, cometendo traição contra a sua pessoa, haveis merecido a morte e sereis queimada aqui, na Torre de Londres, ou decapitada, conforme aprouver ao rei. Ergueu-se então um burburinho por entre a multidão. ”Não há direito!” ”Onde está o rei e a sua nova amante?” ”Onde está a justiça?” e outros impropérios contra aquele cobarde tribunal. Se os ânimos não se tivessem exaltado, eu poderia ter sido levada da sala sem  pronunciar  pronun ciar palavra, porém aquilo obrigou lorde duque de Norfolk  a pesar a conveniência de me deixar falar ou de me remeter ao silêncio. Por fim concedeu-me a palavra. Consciente de que, se alguma vez possuí dignidade era esse o momento de apelar  para  para ela, olhei de frente para os meus acusadores e, sem que a voz me falhasse, declarei: 249 - Senhores! Sei que tendes consciência de me haver condenado por razões que nada têm com as provas que foram hoje trazidas trazidas à vossa prese presença. nça. O meu único pecado contra o rei foi o ciúme e falta de humildade. Mas vós tendes de seguir o rei. Estou preparada para morrer, senhores, e apenas lamento que homens inocentes e leais a Henrique tenham  perdido a vida por minha causa. - Depois voltei-me para a multidão, para os meus súbditos que se mantinham imóveis e silenciosos, para que me pudessem olhar o rosto que tantas vezes tinham aviltado, de modo a que vissem a minha inocência e pedi-lhes humildemente que rezassem por mim. Não deixei que ninguém me tocasse quando, com passo majestoso,

saí do salão, ainda Rainha de Inglaterra. Mais tarde, nos meus aposentos da prisão, lady Sommerville veio contar-me tristemente a enorme farsa que fora o julgamento de meu irmão. Disse-me que George se defendera com

 

tanta graça e engenho que todos acreditavam que seria ilibado. Porém, parece que se deixou levar pela raiva e, saboreando aquele momento de desafio, fez a acusação pública de aquilo que o tinham proibido terminantemente de falar - a impotência de Henrique. Dizia-se que eu tinha declarado a minha cunhada, e ela a George, que o rei não tinha vigor nem força  para o acto viril. Aquilo provocara tais murmúrios que meu tio tivera de repor a ordem. Mas, a boa senhora, momento de Como desrespeito de tal forma os lordesdisse-me que custou a meu irmão aaquele liberdade e a vida. castigoofendeu final, seremos mantidos isolados, sem o consolo um do outro, até à morte. Por fim, contou-me como, ao terminar a sessão, lorde Norfolk pediu a todos os pares que se levantassem e todos obedeceram todos excepto um. Henry Percy continuou no seu lugar,  prostrado e mortalmente enfermo. Foi levado do salão por quatro guardas, pois os outros lordes não tinham tempo a perder com fracos ou feridos. Portanto agora, terei de enfrentar as chamas, ou se alguma recordaçãominha comover a generosidade de Henrique, o machado. Estou muito cansada e rezo para poder encontrar  alguma paz num sono reconfortante, porém as esperanças desta desgraçada mulher em refugiar-se em doces sonhos, são elas próprias, um sonho inpossível. Afectuosamente vossa,  Ana

250 16 de Maio de 1536 Diário, O meu amigo arcebispo Cranmer veio visitar-me. Por um instante pensei que viesse trazerme o perdão do rei - talvez o meu desterro para um convento distante. Mas o único alívio trazido por Cranmer é a morte indolor. Não serei queimada, pois o rei assim o dispôs. Pobre Cranmer... magro como uma espada, o nariz afilado e os olhos apagados pelo sofrimento. Cheirava a incenso como se tivesse estado a rezar longas horas na capela cheia de fumo. Porém a sua voz era forte e firme quando me saudou, conseguindo mesmo esboçar um sorriso. Porém, tinha pouco tempo e passou a informar-me da missão de que o secretário Cromwell o encarregara. - O rei e Cromwell estão informados das minhas disposições - disse. - Escrevi a Sua Majestade após a vossa prisão, dizendo nunca ter tido melhor  opinião de outra mulher e que logo a seguir ao rei éreis a criatura por quem mais estima sinto. - Haveis escrito isso ao rei? - Claro que sim. Trata-se da verdade. - Haveis sido muito corajoso, Thomas. - O rei está decidido a contrair novo casamento, Ana - disse, aclarando a garganta. - Não quer que haja qualquer impedimento. Além do mais exige que Isabel... seja considerada  bastarda. Estremeci ao ouvir tão terríveis palavras. Tudo o que fizera em prol de minha filha, tinha sido em vão. - Não lhe basta a minha morte? - Uns dias antes do vosso julgamento, tentou obrigar pela força Henry Percy a assinar um documento afirmando o pré-contrato de matrimónio que ambos havíeis feito. Percy estava

muito fraco e doente, mas recusou. Agora o rei exige que sejais vós a fornecer-lhe prova de que o casamento com ele é nulo e inválido. - Quer que eu lhe forneça a prova?

 

- Sim. Podeis contradizer lorde Northumberland e afirmar que ele fez convosco o précontrato, ou podeis informar o rei do seu próprio caso com vossa irmã, o que o colocará num grau de afinidade demasiado próximo para vos poder desposar. - Então o rei deseja ser informado por  mim de que fornicou com Mary... - Não me peçais que vos explique as estranhas ideias de Henrique. Sabeis que é impossível. 251 Porém o meu espírito animara-se já com novas possibilidades. - Se nunca fomos casados, Cranmer, então nunca fui rainha, não será assim? - Sim. - E o adultério, noutra que não a rainha, não poderá ser considerado traição. - Vejo os caminhos do vosso raciocínio, senhora - disse hesitando na escolha das palavras. Mas, infelizmente, não é desejo do rei manter-vos viva. Apenas deseja que Isabel seja considerada ilegítima. - Dizei-me. Este plano terá sido delineado por Cromwell? - Exactamente. Segui-lhe a pista até aos encontros com o embaixador Chapuys, destinados a conseguir uma aliança imperial. Lembrais-vos de que quando as negociações falharam, Cromwell recolheu ao leito durante cinco dias, alegando uma indisposição? Julgo que deve este esquema, e agora emergiu do casulo qual borboleta ter ficado abrindo deitado as a preparar malévola suas asas sobre a presa. A presa sois vós, senhora. Reuniu os vosso inimigos, todos eles espiões dentro de vossa casa, para testemunharem contra vós. Mandou chamar Mark Smeaton à sua residência de Throgsneck Street, com o pretexto de que o  pobre rapaz tocasse para ele. Obteve a sua confissão sob tortura. - Já imaginava. Mas porquê? Porque o fez Cromwell? Não foi ele que torceu e retorceu a lei inglesa e o raciocínio humano, para tornar possível o meu casamento com Henrique? - Haveis esquecido de que é uma borboleta que segue para onde o vento sopra? - Sim, e há apenas um vento em Inglaterra - disse eu, com amargura. - Chama-se Henrique. - Recordai que Cromwell chegou a falar com todo o fervor em prol da aliança imperial mas, quando o rei se mostrou contra, o secretário apercebeu-se que tinha escolhido mal. Para agradar a Henrique, havia apenas uma coisa que lhe poderia oferecer: um novo casamento com Jane Seymour. Um casamento sem impedimentos. - Mas será que Henrique deseja seriamente ver-me morta? Chegou a amar-me muito, Cranmer. Do fundo do coração. Bem sabeis o que fez para que eu fosse sua. - E vós senhora, bem sabeis que com um homem como Henrique o pêndulo da paixão  balança de um lado para o outro. Receio... - fez uma pausa, pois as palavras eram demasiado difíceis para as

252  pronunciar. - Receio que se não lhe deres o que deseja, as coisas não correrão bem para Isabel. Senti o sangue gelar-me nas veias e estremeci. - Também a matará? O rei Henrique é capaz de grandes crueldades e, se lhe convier, o assassínio da própria filha

não seráconvosco. inconcebível. o seudeincubo um opretexto, tal como fizeram Sois Ele umaoubruxa, modo Cromwell que vossa arranjarão filha também é. Ou talvez que, sendo bastarda, as suas perspectivas de casamento sejam poucas e a menina se converta numa peça desnecessária, até mesmo incómoda. Tudo é possível, pois o rei está louco.

 

- O que dizeis é traição, arcebispo. - Se a verdade é traição, então a vossa acusação é justa. - Eu fui condenada por uma mentira. - Todos o sabemos, senhora.  Não sendo capaz de me fitar, por vergonha, olhou pela janela para Tower Green. Porém, quando os seus fixaram no exterior e opares vi apertar os dentes, aproximei-me saber para onde olhos olhavasetão interessado. Vários de trabalhadores traziam tábuaspara de madeira para o centro da relva e empilhavam-nas ao lado do cadafalso onde morrera Thomas More. - Perguntais se o rei já não sente amor por vós. Julgo que alguma centelha terá restado nesse archote que ardeu com tanta violência. Mandou vir de Calais o melhor carrasco do continente, para a vossa execução... para que seja levada a cabo com toda a facilidade. Ao ouvir tais palavras senti-me inundada por uma onda de medo, porém logo a seguir  acalmei-me e consegui dar mostras de alguma ironia: - Ah, já tinha ouvido dizer que os carrascos de Calais são muito bons. E o meu pescoço é fino. Deve ser uma ocasião muito elegante. - Oh, Majestade! - Cranmer caiu de joelhos diante de mim, tomou-me as mãos nas suas e beijou-as, chorando amargamente. - Então, meu amigo, não choreisdivinos por mim. que este entender, fim que agora tão injusto e cruel nos parece, faz parte dos  planos quePenso não podemos mas que são certamente perfeitos. Disse-o para lhe apaziguar o espírito, pois não era exactamente o que sentia no coração. Algum tempo depois, limpou as lágrimas e ajudei-o a erguer-se. - Sinto-me envergonhado que sejais vós a consolar-me, quando seria meu dever trazer-vos conforto. 253 - Não importa. Trazei-me uma pena e pergaminho e escreverei o documento que Henrique deseja. Quando Cranmer me entregou estes objectos, sentei-me e escrevi uma confissão, afirmando que, de facto facto,, houvera um pré-co pré-contrat ntratoo entre mim e Henry Percy e que, entre mim e o rei, havia um parentesco por afinidade, devido à anterior relação deste com minha irmã. Também acrescentei que o tinha enfeitiçado e que não o considerava ligado a mim por  esses falsos laços de matrimónio. Garanti-lhe que nossa filha era ilegítima e assinei por fim ”Ana, marquesa marquesa de Pembroke. Enquant Enquantoo secava a tint tinta, a, com todo o cuidado, cuidado, para que não  pudesse haver qualquer dúvida ou erro nas minhas declarações, perguntei a Cranmer o que seria dele. - Suponho estar a salvo. Certos membros do Conselho Privado chamaram-me para me advertir advert ir de que o meu dever era admitir aparent aparentement ementee a vossa culpa. Lorde Sussex tratou de me recordar da nossa antiga profecia: ”Serão queimados dois ou três bispos e uma rainha.” - Como se fosse preciso recordar-vos que podereis cair comigo. Cranmer fechou os olhos e deitou a cabeça para pa ra trás, com os lábios apertados numa eexpressão xpressão de tristeza. - Abandonei-vos, Majestade. Mas, por favor, crede que não foi por cobardia. Estavas já

 perdida e o meu apoio nesse momento de nada valeria. Devo sobreviver para continuar a obra da Nova Igreja. - Bem sei, Cranmer, haveis agido bem. Vou rezar até ao meu último suspiro para que a Igreja de Inglaterra não mais volte a cair sob o jugo de Roma - olhou-me com um ar 

 

indescritivelmente triste. - Alguma vez voltareis a ver vossa esposa holandesa? - perguntei. - Julgo que não. Esse casamento foi um acto irreflectido. - Mas Cranmer, haveis casado por amor. É muito raro, mas nunca irreflectido. Talvez quando Henrique se cansar dos vossos serviços possais viajar de novo até à Holanda para a voltar a ver. Ele soltou uma pequena gargalhada e a seguir sorriu. - Sim. Talvez. Obrigado, porbondoso. pensardes em mim num momento tão difícil para vós. Juro que não conheçoMajestade, ninguém tão A seguir o bom padre escutou-me pela última vez em confissão e deu-me uma suave  penitência pelos meus pecados. Era tempo de se retirar. Enrolou o maldito documento, meteu-o numa bolsa e disse-me que não me aconselharia a ter coragem, pois já tinha mais 254 do que ele alguma vez pensara possuir. Despediu-se então e disse que rezaria por mim com toda a sua alma. Beijei-o e deixei-o ir. Senti envolver-me envolver-me uma estr estranha anha felicidade, felicidade, como se me tivessem coberto os ombros com um xaile quente. A presença daquele homem fora um belo presente de Henrique e dera-me a conhecer que eu tinha feito o melhor possível para proteger a minha doce e inocente filha. Afectuosamente vossa,  Ana

255 Majestade! A saudação de Mary Sidney atravessou como uma espada o pensamento de Isabel, separando-a da tragédia em que estava profundamente imersa. Ana, o arcebispo Cranmer, o seu último encontro na torre, tudo desapareceu quando um cortejo de aias entrou pelo aposento, transportando bacias de água fumegante, destinada à sala de banho da rainha. - Então! Levantai-vos! - exclamou lady Sidney, puxando as cobertas de seda, sem grandes cerimónias. - Haveis estado deitada tempo suficiente. Os vossos conselheiros clamam por  vós, incluindo meu irmão. - Como está Robin? - perguntou Isabel, sentindo-se um pouco estranha, por não ter pensado no seu amado durante algum tempo. - Preocupado Preocupado convosco, senhora. Robert tem-se mostrado taciturno taciturno depois do regresso regresso de lorde Cecil e da vossa indisposição. Então, deixai que vos ajude. Apoiai-vos em mim, pois decerto ainda sentireis as pernas fracas - Onde está Kat? - Dorme e ressona na sua câmara. Ontem à noite, quando a deitei por entre os risos e as exclamações das outras aias, morreu para o mundo em três tempos. Nem sequer se mexeu, lady Be quand qua ndoo o es esqu quil iloo de es esti tima maçã çãoo de lady Bent nton on lh lhee su subi biuu pa para ra o ombr ombro. o. Esta Estava va completamente exausta. Mary Sidney obrigou Isabel a levant levantar-se. ar-se. Embora sentiss sentissee as pernas como gelatina gelatina,, logo  prescindiu do auxílio da aia. - Podeis ir. Vede que ponham uma boa porção de óleo de lilás no meu banho. E quero lavar  o cabelo.

- Será Ide. prudente, Majestade? Ainda agora... - Sim, senhora - disse a aia e logo desapareceu no aposento contíguo.

 

256 Ainda havia mais algumas páginas para ler, porém Isabel retirou o diário da mãe de entre as dobras dos lençóis amarrotados e devolveu-o à arca fechada que tinha aos pés da cama. Com a fina camisa de dormir a flutuar-lhe junto aos tornozelos, sentindo-se leve como uma  pena, entrou na sala de banho. lady Sidney Aí, para o banho da rainha, ordenando que despejassem maisocupava-se água quentedos na preparativos tina, que trouxessem mais panos de linho e uma mãocheia de pétalas de rosa e ervas. Isabel via o vapor de água erguer-se da banheira de cobre a embaciar o espelho a toda a altura da parede. Experimentando de novo a temperatura da água, Mary Sidney pediu à rainha que entrasse. Outra aia a despiu antes de se sentar na água quente e perfumada. Várias mãos começaram a massajar-lhe suavemente a pele pálida e macia. O vapor  suavizara suavi zara o ar e abafara abafara as vozes das aias que, senti sentindo ndo a rainha rainha ainda fraca, fraca, conversavam em voz baixa e sossegada. Em redor da sua cabeça pairava um aroma a alfazema e ervas. A água batia-lhe batia-lhe no pescoço e, com a rapid rapidez ez de um falcão de caça, o espírit espíritoo de Isabel Isabel voou  para a Torre de Londres. Entrou no pensamento de sua mãe. Sentiu-lhe a delicadeza do pescoço e imaginou a lâmina do carrasco a cortar tecidos e ossos. Perguntou a si própria se teria sentido dor, se teria visto

o mundo por uma última vez através dos olhos de uma cabeça sem corpo, a rolar nos relvados de Green Tower.  A traição dos homens.

O horror da imagem, devolveu Isabel aos seus próprios pensamentos. À coragem de sua mãe. Ana lutara tanto tempo pela sua dignidade e para poder ser senhora do seu destino. Lutara como um homem e, como um galante cavaleiro, defrontara e derrotara um após outro, os seus formidáveis inimigos - Wolsey, Suffolk, Clemente. Fora, porém, abandonada  pelo mais importante dos seus aliados. Ah, a traição! Lamentou-se Isabel, em silêncio. Henrique lutara ao lado de Ana enquanto esta se mostrara forte, enquanto recusara dar-lhe o que ele mais desejava - o seu sexo. No momento em que sucumbiu às suas investidas e ao sagrado estado do matrimónio, o rei voltou-se voltou -se contra ela. Cruelment Cruelmente. e. De súbit súbito. o. Com repugnante perversidade. perversidade. Trespassa Trespassara ra a armadura de ferro, empalando a mulher que tanto amara, no lugar vulnerável entre as suas coxas. Até àquele momento, Isabel nunca compreendera ou aceitara a vil traição de seu pai. Henrique amara Ana com uma paixão tão forte que abalara as fundações de Inglaterra, ou melhor de toda a cristandade. E quando 257 os seus desejos se alteraram, não lhe bastou desterrá-la. Como toda a gente, Isabel sempre acreditara, que Ana merecera a sua morte, como adúltera e traidora. Os poucos que sabiam da sua inocência tinham morrido ou, como lady Sommerville, ocultado a verdade para sa salv lvar ar a vida vida.. At Atéé me mesm smoo Crom Cromwe well ll,, que que ti tinha nha ar arqu quit itec ecta tado do os maio maiore ress triu triunf nfos os de Henrique, fora decapitado à sombra daquela desgraça. Isabel enfrentava agora o espectro do seu antes amado pai, transformado num rei mulherengo, infiel e bestial.

Cecil estado muito preocupado, Majestade - dissedelady Sidney, interrompendo o- Lorde devaneio detem Isabel. - Tem vindo indagar do vosso estado saúde pelo menos duas ou três vezes por dia. É o mais fiel dos vossos servidores, senhora.   E o mais mais cu culp lpado ado,, di diss ssee para para co cons nsig igoo a ra rain inha, ha, co corr rrig igin indo do a aia. aia. Ceci Cecill de deve veri riaa ter  ter 

 

cons consci ciên ênci ciaa de qu quee o se seuu ul ulti tima mato to ha havi viaa si sido do a caus causaa da su suaa do doen ença ça e sent sentia ia-s -see envergonhado. Porém, quando o voltasse a ver mostrar-se-ia bondosa e delicada, pois os motivos do seu conselheiro eram puros e de modo algum egoístas. Na sua opinião, o romance com Dudley era injurioso à sua posição de rainha e o casamento com ele seria uma   perfeita desgraça. Porém, naquele momento queria deixar de pensar em tudo isso, e saborear dedos que a massajavam e a aromática neblina em redor da sua cabeça, felizmenteoslivre das dores. A primeira reunião da rainha com o seu Conselho Privado, após a doença fora um êxito completo. Isabel elogiara efusivamente os seus homens pelo triunfo de Edimburgo e, para surpresa de todos, mostrara-se decidida a aplicar um novo imposto. Nesse dia houvera uma certa camaradagem e descontracção e até algumas gargalhadas, que Isabel considerara muito agradáveis. Pensava tê-los enfeitiçado e sossegado. Até mesmo lorde Cecil se mostrava de bom humor, apesar da sua expressão de perpétua reserva ser um sinal de que não esquecera o seu ultimato. Como não insistira na concessão do título de conde a Cecil... haveria tempo. O sol da tarde penetrava em raios oblíquos pelas janelas, enquanto os conselheiros conversavam animadamente e arrumavam os documentos antes de partirem. Isabel foi a  primeira a reparar no jovem mensageiro que, muito nervoso, caíra de joelhos diante dela aguardando que dessem pela sua presença. A rainha mandou-o erguer-se e os conselheiros remeteram-se ao silêncio, como se todos pressentissem a importância daquela missão. O rapazinho aclarou duas vezes a garganta e só depois começou a falar. 258 - Majestade, venho de Cunmor House, no Devon. Ao ouvir o nome da residência da família de Robin Dudley, Isabel sentiu um aperto no estômago. Desejou subitamente que o jovem se esfumasse. Mas este continuou: - Lady Amy Dudley faleceu. Ao regressarem do mercado, os criados encontraram-na morta ao fundo das escadas. Tinha o pescoço... - o rapazinho hesitava em pronunciar as palavras. Partiu o pescoço, mas a morte parece não ter resultado da queda. O toucado estava intacto. Dizem que se trata de um crime. Isabell ouviu os consel Isabe conselheiro heiross explod explodirem irem em impropério impropérioss e num excitado burburinho, burburinho, mas fez um esforço para manter a compostura. - já informaram lorde Robert Dudley? - perguntou. - Sim, Majestade. Há uns instantes, nos estábulos. - Muito bem. - Isabel estava disposta a evitar o olhar dos seus conselheiros e a não permitir  que vissem que tinha o rosto afogueado. - Que alguém lhe pague - ordenou, sem se voltar para o conselho e encaminhando-se para as portas duplas. Eles sabem! Pensou Isabel, despedindo com um gesto um pequeno contingente de aias que esperavam para a acompanhar dali aos seus aposentos. Nesse momento não conseguiu suportar os seus olhares desconfiados de falsa deferência. Tinha de percorrer enormes corredores e subir centenas de degraus, passando por cortesãos, guardas e alabardeiros, desconfiando que todos eles troçavam dela.

Quando, por fim, entrou naestranhamente câmara real, Isabel estremeceu ver que estava a abarrotar damas e cavalheiros, todos reservados e sem ao se atreverem, conforme seria de esperar dadas as circunstâncias, a cochichar entre si. Descobriu que a razão de tal reserva se encontrava no extremo do salão com sua irmã Mary Sidney.

 

Robin. estava pálido e, encolhido de medo, parecia ter perdido a habitual robustez. - Fora! - exclamou Isabel. - Todos daqui daq ui para fora! A sala esvaziou-se em segundos, tão brusca fora a ordem da rainha. Até mesmo Kat que acabara de sair do interior da câmara real, não se atreveu a perguntar se a ordem também lhe era dirigida e seguiu os outros. Apenas Robin ficou, sozinho e imóvel naquele fim de tarde. pois na afliçãonadosua momento, lembrara de acender velas. Isabel Estava passouescuro, por Dudley e entrou câmara, ninguém deixandoseque ele a seguisse em as silêncio,  para logo fechar a porta. Esperava que as profundas inspirações lhe trouxessem calma e fortaleza, bem como a sanidade necessárias para não explodir. 259 - Porquê? - perguntou quebrando por fim o terrível silêncio. - Isabel... - Robin, ela estava a morrer. Não podíeis ter esperado? Dudley dirigiu-se a Isabel com os braços estendidos, mas ela esquivou-se ao seu abraço. - Isabel, como podeis pensar tal coisa a meu respeito? Não há provas de que tenha sido assassinada. Apenas estranhas circunstâncias. Isabel examinou Dudley. Observou-lhe os movimentos dos músculos do rosto, a textura da voz, o gesto dos ombros. Porém, por mais que o tentasse, não conseguia discernir se as suas palavras eram verdadeiras ou falsas. - Amy foi encontrada ao fundo das escadas. Provavelmente partiu o pescoço na queda. - E agora as suspeitas recaem sobre vós - disse Isabel. - E também sobre mim. Não vedes o que parece? A rainha de Inglaterra perde a cabeça pelo seu mestre cavalariço. Não querem que a sua esposa continue a ser um impedimento para o escandaloso romance e portanto foi encontrada convenientemente morta. - Juro que não assassinei a minha mulher. - E também jurais não a ter  mandado assassinar? Jurais não ter plantado no espírito dos vossos fiéis servidores a ideia de que desejáveis sobretudo ver-vos livre dela? - Vou repetir. Não assassinei Amy. Mas não vos vou mentir. Estou contente por ela ter  morrido. - Robin! Após as últimas palavras de Dudley, Isabel sentiu que o aposento começava a girar e, por  um breve instante não viu ali o seu amado, mas sim o rosto de seu pai Henrique. A besta. Henrique que, alegremente vestido de amarelo, lamentava a execução de sua mãe casandose, no dia seguinte, com a senhora Seymour. Também ele se sentira satisfeito com a morte da mulher. A traição dos homens. - Falai verdade, Isabel - viu o rosto de Dudley, sobrepondo-se à fantasmagórica aparição de seu pai. - Também vós desejastes que morresse. - Confesso que vos quis só para mim, todavia nunca quis nas minhas mãos o sangue de outra mulher. - Isabel, amo-vos de todo o coração. Deus ou o destino acharam por bem desimpedir-me o caminho... estou livre para casar. - Não! - Isabel tapou os ouvidos com as mãos. - Não digais tal coisa. - Ouvia de novo a voz

do pai. Contente por ela ter morrido... livre para casar... contente por ela ter morrido... 260 - Isabel - Dudley estendeu o braço, mas o corpo da rainha tremia de emoção.

 

- Não, por favor. Não me toqueis - tentou acalmar-se e recuperar a razão. - Ide, Robin. Julgo que vos deveis retirar da corte por algum tempo. Haverá um inquérito e comprovarse-á a vossa inocência olhou-o nos olhos. - Comprovar-se-á que estais inocente não é verdade? Sim, claro. Muito bem. Ide então para Kew - o pensamento de Isabel corria célere. - Aí ficareis calma calmamente, mente, até quecomunicações. vos mande chamar. Não fale faleis is senão com lorde Cecil, Cecil, que será quem vos leva as minhas - Escrever-me-eis? Se tenho de me exilar do vosso corpo, meu amor, não posso manter-me ao mesmo tempo afastado dos vossos pensamentos. - Escrever-vos-ei. Dudley caiu de joelhos diante de Isabel e apoiou a cabeça nas dobras da sua saia. A rainha segurou-lhe o rosto com as mãos e limpou-lhe as lágrimas que lhe caíam dos olhos. Assim se deixaram ficar durante algum tempo até ela lhe pedir que se erguesse. Robert Dudley obedeceu, beijou-lhe os dedos e solicitou autorização para se retirar. Depois, trémulo, abandonou os aposentos. Frágil como vidro veneziano, Isabel Tudor deitou-se no seu leito real e começou a chorar. Chorou pela mãe e pelo pai, por Robin e Amy, pelo amor, pela morte e pelos doces sonhos que sabia perdidos para sempre. 17 de Maio de 1536 Diário, O rei foi mais uma vez misericordioso. Dispensou os meus amigos e o meu irmão do sofrim sof riment entoo de uma len lenta ta agon agonia. ia. Não obstan obstante, te, estão estão todos todos mortos mortos,, com as cabe cabeças ças separadas dos corpos, o sangue a inundar as botas do carrasco. Não me era possível ver o cadafalso da janela da minha prisão, de modo que solicitei a lady Kingston que me levasse a ver o tão monstruoso acontecimento provocado pela minha loucura.  juntou-se uma enorme multidão para assistir ao evento do dia - famílias inteiras com o cesto da merenda, funcionários do governo de alta e baixa condição, dignitários estrangeiros, comerciantes que tinham fechado as suas lojas como se se tratasse de um dia festivo. O cadafalso fora erguido bem alto para que todos pudessem testemunhar a brutalidade e, assim, um por um, Norris, Weston, Breyerton 261 e Smeaton tomaram os seus lugares. Do meu parapeito não me foi possível escutar as últimas palavras pronunciadas por homens tão corajosos, mas soube depois que nenhum deles me traíra, tendo apenas pedido que a misericórdia divina lhes permitisse morrer sem sofrimento. Quando meu irmão George chegou ao cadafalso fez-se um profundo silêncio. As mulheres  puxavam os filhos para que não vissem um condenado por incesto. Um homem gordo olhou-o com um sorriso malicioso, recordando-se talvez de como sua irmã ou filha se retorciam debaixo do seu repulsivo peso. Vi um jovem nobre que, na sua inexperiência sonhava chegar à corte, olhar aquele espectáculo, imóvel como uma pedra. Decerto sentia o medo correr-lhe nas veias, ao aperceber-se claramente do perigo mortal que representava a sua ansiada profissão.

antesassim Desejei desesperadamente atrairamor o olhar de meuoirmão que inclinasse a cabeça, para lhe poder enviar todo o meu e receber seu, para iluminarmos as nossas escuras viagens. Mas tinha os olhos fixos num ponto distante, os movimentos cheios de dignidade e escolhia cuidadosamente as suas últimas palavras, para que aquele acto final

 

fosse recordado como belo e corajoso. Depois de se despedir, fez uma pausa e ergueu a cabeça para o céu azul, onde passavam grandes nuvens brancas. Recordei-me do dia ventoso em que fui a Dover despedir-me dele, antes da sua partida para França. De novo vi o gesto gracioso dos seus dedos a agarrar a boina que o vento queria arrebatar. Ah, como esse dia fora feliz e que esperanças tínhamos ainda diante de nós. Olhei também céuaclamações para não odaquela ver ajoelhar diante do carrasco.  pancada surda epara ouvio as rude assistência. Voltei asEscutei costas, apenas pois nãoa desejava ver a fonte de sangue brotar do corpo de meu irmão por sobre o relvado de Tower  Green. Lady Kingston observava-me da porta da prisão, com os olhos impiedosos, a boca apertada sob o nariz bolboso e o queixo gordo. Vencida pela crueldade a que assistira e receando que a minh minhaa Is Isab abel el poss possaa so sofr frer er o mesm mesmoo dest destin ino, o, po porr mi minh nhaa cu culp lpa, a, fa fale leii-lh lhee em to tom m implorante. Humilhei-me e declarei-me arrependida pelo tratamento que dera a lady Maria, na esperança que este se apiedasse da sua irmãzinha, uma inocente sem outros amigos nesta vida. A minha carcereira, embora fria como uma pedra, concordou em transmitir os meus  protestos à mulher a quem chamou princesa Maria. Senti 262 que a garra que me oprimia o coração se alargava um pouco e respirei com mais facilidade. Tenho agora de me preparar para a minha morte que terá lugar amanhã de manhã. Dai-me forças, meu Jesus. Afectuosamente vossa,  Ana

18 de Maio de 1536 Diário, Atrasaram a minha morte um dia mais e, embora julgue que a intenção seja torturaremme com estas pequenas crueldades, sinto-me feliz pois o tempo será bem aproveitado. Hoje tenciono escrever a Isabel, do fundo do meu coração e para que só ela leia as minhas  palavras. Entregarei este livro à guarda de lady Sommerville que me prometeu, em devido tempo, o entregá-lo nas mãos de minha filha. Tendes sido para mim, um diário confidente e bondoso. Escrevi toda a minha vida nas vossas páginas páginas vazias. Durante todos estes anos comecei a ver-v ver-vos os como uma dama boa e generosa, já de uma certa idade, dotada de engenho e grande inteligência. Imagino-vos sentada, junto a uma janela cheia de sol, a ler as minhas confidências com a mesma avidez com que se lê a carta de uma amiga. Apesar de nunca me ter chegado uma resposta vossa, recebi um caudal de invisíveis riquezas. Quando a pena toca no papel, ocorre uma estranha alquimia. O meu diário foi como a pedra filosofal e recebeu recordações, sonhos, conversas, esperanças, receios e  pensamentos dispersos - os metais base - para logo os transformar em ouro. Julgo que este ouro tenha sido a expansão do meu espírito, alargamento da minha alma. E por esse dom vos agradeço de todo coração. Deixai que me despeça de vós, com os meus últimos versos: Morte, embala-me o sono Traz-me o repouso final Leva de mim o fantasma Que foi causa do meu mal Que o dobre

do sino triste Anuncie a

minha morte Que outro consolo não há...

 

263 O meu nome foi manchado Com falsidade e rancor  O conforto terminado Despedi-me do amor  Que o dobre do sino triste Anuncie a minha morte Que outro consolo não

há...

Afectuosamente vossa, Ana Minha querida Isabel, A última vez que te vi tinhas tu, minha doce filha, apenas três anos. Eras bela como uma  boneca e tinhas o génio mais meigo que já vi numa criança. Recordo esse dia, pois o sol da Primavera entrava pela janela dos teus aposentos e o teu vestidinho de cetim vermelho  parecia incendiado de tanta luz, quando te aproximaste de mim, de braços estendidos. Talvez não recordes esses primeiros anos, porém Isabel, não minto quando te digo que embora o tempo que passámos juntas fosse infelizmente escasso, conhecias-me e amavasme. Amavas-me de um modo tão possessivo, que esse sentimento me parecia estranho, vindo de uma criança tão pequena. O meu colo servia-te de trono e era eu o teu único súbdito. Quando aí, te encontravas exigias toda a minha atenção e não permitias qualquer  interferência. Eras tu que me ordenavas que canções cantar, que histórias contar, que parte do teu pescoço, orelhas e pés beijar ou acariciar. Adorava esses raros momentos, essas horas encantadas e espero que te recordes deles, pois vou morrer sabendo que te deixo órfã de mãe, num mundo cruel e perigoso. Tudo indica que nunca será tua a coroa de Inglaterra. Maria pode reinar e a descendência de Jane Seymour terá por certo precedência mas, mesmo assim, já que vou morrer, tenho de acreditar que um dia serás Rainha. Não foi a profecia da Freira de Kent que mo disse, embora acredite que ela tenha visto o futuro, antes de se transformar num peão de homens  poderosos. Vejo como o destino tem um estranho modo de fugir, súbita e violentamente, ao nosso controle. Vejo-te um dia a governar Inglaterra, pois para além do meu sangue determinado, possuis também a linhagem real de teu pai. 264 Amanhã morrerei, não por avidez de luxúria, mas porque quis comandar o meu destino.  Não é um acto apropriado para uma mulher, bem o sei, mas muitas vezes pensei que o meu espírito espír ito era mais parecido com o de um homem. Neste mundo, uma mulher nasce com um dono que é seu pai. Este governa-lhe a vida até a entregar nas mãos de um marido, que lha governa até à morte. Muitos pregadores afirmam que a mulher não tem alma. Porém uma qualquer alteração na minha natureza, sempre me impediu de obedecer aos homens. Era apenas uma menina quando me defrontei com estes dignos opositores - meu pai, o cardeal Wolsey, Henrique. Mantive-me firme como um cavaleiro num campo de batalha. Reuni forças, avancei, recuei, participei em muitas escaramuças, servi-me da diplomacia, venci importantes batalhas. E perdi a guerra. Assi As sim, m, e exc excep epto to pela pela dor dor de te deix deixar ar,, mi minha nha filh filha, a, de na nada da me ar arre repe pendo ndo.. Vivi Vivi verdadeiramente uma vida que está vedada à maioria das mulheres. Conheci o verdadeiro

amor, luteidiga por que uma sou coroa e consegui-a, tratei,o com rainhas e cardeais. Tive poder uma filha. Há quem bruxa, mas tu leste meu reis, diário e saberás que o meu não  provém de Satanás. Creio que o meu coração começou a endurecer com a perda do meu primeiro amor,

 

Henry Percy. Poderia ter-me deixado vencer por essa terrível infelicidade, mas, pelo contrário, como os ursos feridos e ensanguentados, acorrentados e atacados por mastins uivantes, senti nascer em mim a fúria necessária nece ssária para atacar de novo e viver outro dia. Embora fosse para meu pai uma filha obediente, tivesse amado dois homens e sido traída  pelos três, não te vou dizer que todos eles são traidores. Alguns que conheci - teu tio George,aThomas Norris, Weston, Breyerton - foram bons e sinceros mim. E  perdoo teu pai, Wyatt, Isabel, pois julgo compreender a estranheza do seu carácter.para Os homens amam o que não podem obter e odeiam o que não conseguem controlar. Para Henrique fui ambas as coisas. Assim, filha, embora tenha sofrido e em breve vá morrer, devido a esta necessidade egoísta de governar o meu destino, imploro-te que faças o mesmo. Que nenhum homem te governe. Entrega-te ao amor, aos prazeres da carne, casa-te, se o desejares, mas guarda dos homens uma parte do teu espírito. É assim que colocarei a cabeça no cepo do carrasco, sem me lamentar ou recear a morte. E embora antes de receber os sacramentos, jure pela salvação da minha alma que estou inocente de todos os crimes de que fui acusada, por ti, dobro-me humildemente perante o rei e peço o seu perdão. 265 Em breve morrerei, porém sinto a alegria de uma parte de mim continuar a viver em ti. Como único legado, deixo-te o meu diário, com a história dos teus antepassados. Quero também que saibas, Isabel, que este coração de mãe está cheio de amor por ti e que quando estiver no Céu olharei por ti, com ternura, durante toda a tua vida. Adeus, minha querida filha, adeus. Afectuosamente, Ana 267 William Cecil ergueu o olhar para ver entrar a rainha na sala do Conselho. O Sol mal se tinha erguido e quase toda a corte dormia ainda. Contudo, gostava de se levantar cedo e agora sentava-se sozinho atrás da porta, perdido em silenciosa contemplação, de modo que Isabel não deu logo pela sua presença. A postura insólita da rainha - uma espécie de’calma interior, pensou ele impediu-o de quebrar o silêncio e de se fazer anunciar. Viu-a dirigir-se directamente à sua mesa, onde se encontrava um monte de documentos de Estado e de cartas e começar a folheá-los até achar o que precisava. Foi nesse momento que viu o reflexo do sol sobre a faca que Isabel segurava nos seus longos dedos. Ergueu-a e, com golpes certeiros, certeiros, rasgou rasgou o pergaminho, uma, duas... talvez uma dezena de vezes até cair feito em tiras, sobre as enceradas tábuas do soalho. Só quando se preparava para sair, reparou no seu fiel conselheiro. Cecil teve a impressão de que, nesse momento, Isabel endireitou ainda mais a sua régia figura. Não lhe sorriu, nem lhe lançou um olhar gelado. Cumprimentou-o simplesmente, com uma reservada inclinação de cabeça, enquanto se dirigia à porta. Passados alguns minutos, Cecil levantou-se e dirigiu-se ao documento que ficara no chão. Inclinou-se e pegou nas tiras para as colocar sobre a mesa. Levou apenas uns instantes a

reconstruir a página, fora destruída com tanto desagrado pela rainha. Era a nomeação de conde para Robert que Dudley. - Fazei-la entrar, Kat e depois deixai-nos a sós. A aia de Isabel abriu a porta para dar passagem a lady Matilde Sommerville na câmara da

 

rainha, e logo se retirou. Pondo-lhe a mão 268 no braço, Isabel impediu a idosa senhora de a saudar com uma reverência, que já lhe era difícil executar. aos - Sentai-vos juntopora uma mim,mesa lady de Sommerville. Enquanto se dirigiam janela, passaram tampo de prata onde estavam dispostos uma dúzia de idênticos distintivos bordados, dos que são cosidos nas librés dos servidores reais. Deteve-se e semicerrou os olhos para melhor os ver, embora não se atrevesse a pegarlhes. Isabel, percebendo-lhe o interesse, entregou-lhe um dos distintivos, que ela aproximou dos olhos. O desenho era um falcão branco, com coroa e ceptro, sobre um arbusto de onde brotavam rosas brancas e vermelhas. A dama sorriu. É um símbo símbolo lo orgulhoso, não é verdade, verdade, lady Sommerville? Sim. E honrais a memória de vossa mãe ao usar o seu distintivo favorito, Majestade - fez tenções de o poisar, mas Isabel impediu-a. - Não. Fica para vós se o desejardes, como recordação das duas. - Vinde sentar-vos. A idosa dama e a jovem rainha sentaram-se junto à janela sobranceira ao rio. - Gostaria que me descrevesses a morte de minha mãe, lady Sommerville. A idosa mulher ficou em silêncio durante muito tempo, olhando as barcaças do Tamisa. De tal forma que Isabel julgou que talvez não tivesse escutado o seu pedido ou não conseguisse responder pela dor que lhe causara. Por fim, lady Sommerville falou. Os seus dedos curvos tocavam no distintivo bordado e os olhos mortiços viam de novo os acontecimentos de muitos anos atrás. - Naquela terrível manhã o sol brilhava. brilhava. A rainh rainhaa vossa mãe conseguiu conseguiu reunir dentro de si necessários ios para enfrentar o fim que se aproximava. Pediuum sopro de força e valentia, necessár nos que a vestíssemos com um simples traje cinzento de damasco, que lhe deixava o colo a descoberto e que lhe levantássemos o cabelo e o recolhêssemos numa touca de linho. Embora o seu rosto não estivesse empoado ou pintado - oh, como estava bela naquela manhã e como parecia jovem. E sorria, sorria de quase felicidade. Lorde Kingston ficara  perturbado pela sua atitude e dizia que a rainha parecia sentir alegria e prazer na morte. Porém,, eu sabia bem que tal não era verdade, pois não desejava deixar este mundo, nem a Porém filhinha tão pequena, qual cordeiro entre leões. ”Caminhou ”Cami nhou orgulhosamente orgulhosamente até Tower Green. Não chorou, nem desmaiou ao avistar o cadafalso e a multidão desgovernada emudeceu à sua chegada. Até o carrasco francês, de Saint Omer, ficou tão admirado com

- Entrai  junto - disse.à assentos

269 a sua beleza e calma aceitação do seu destino, que pareceu estremecer e não ter vontade de levar acabo a macabra tarefa de que fora incumbido. ”Subiu os degraus do estrado que, por ordem do rei, estavam mais baixos, depois da execução de seu irmão e amigos, para que a sua morte não pudesse ser vista por tanta gente. Olhou em seu redor, confusa, por não ver o cepo. Porém o carrasco - a quem pagou os seus

serviços amavelmente com a de suamodo perícia seriamãe necessário. Pediu-lhe então queexplicou-lhe pronunciasse as últimasque, palavras, quenãovossa voltou-se para a multidão sem temer os seus olhares sedentos de sangue. ”Despediu-se então e, com voz firme e sonora, pediu que rezassem por ela. Depois fez o

 

mesmo que fazem todos os que vão Morrer, para proteger aqueles que amam - mentiu ao elogiar enormemente o rei seu esposo, dizendo nunca ter existido um príncipe tão bom e clemente. A seguir ajoelhou, arranjando as saias com todo o cuidado sobre os pés e os tornozelos e vendou ela própria os seus belos olhos castanhos. O carrasco, desejando minorar-lhe a dor e os últimos na receios, um dirigindo-se artifício inteligente. Pegou espada que se encontrava escondida palha concebeu e afastou-se, aos degraus do na cadafalso, ao mesmo tempo que pedia em voz alta ”Trazei-me a espada!” No mesmo instante em que vossa mãe voltava os olhos vendados para o sítio de onde partia a voz, o carrasco girou sobre os calcanhares e, com um golpe certeiro arrancou-lhe a cabeça do pescoço. O ardil dera resultado. Vossa mãe nunca soube que a espada se aproximava.” Lady Sommerville deteve-se, segundo pareceu a Isabel, vencida pela mesma tristeza e horror que sentira no momento da morte de sua mãe. - Conforme é costume, o carrasco retirou-lhe a venda dos olhos e ergueu a cabeça ensanguentada para ser vista pela multidão. Saiba Vossa Majestade que as aclamações foram ruidosas mas, verdade seja dita, feitas com pouco ânimo, pois poucos se acercaram para molhar um trapo no sangue da rainha, para lhes servir como recordação. Vossa mãe morrera com tanta coragem que transformara o rei num vulgar assassino de mulheres. Ao contrário dos rumores postos a circular os lábios de vossa mãe não se moveram movera m depois da cabeça ter sido separada do corpo. Posso dizer, com toda a franqueza, que não sentiu dor alguma e que morreu nesse preciso momento. Isabel colocou os seus longos dedos sobre a mão ossuda da idosa mulher e apertou-a para a consolar, embora não conseguisse olhá-la nos olhos. 270 - Eu e as outras aias enrolámos-lhe o corpo e a cabeça num pano. Henrique não julgara apropriado fornecer-lhe um caixão, de modo que metemos as duas partes numa simples caixa e vários homens a transportaram transportaram para a capela de São Pedro ad Vincula junto a Tower Green. Green. Aí a enterraram, por baixo do coro, onde permanece até hoje. As dua duass mul mulher heres es manti mantiver veram-s am-see algum algum tempo tempo em silênc silêncio, io, escuta escutando ndo os gritos gritos dos  barqueiros no rio. - Haveis lido o diário, Lady Sommerville? - perguntou por fim Isabel. - Sim. Li-o todo, Majestade. Excepto a última parte que foi escrita apenas para ser lida por  vossos olhos. Isabel sorriu. - Haveis-me feito um presente de incalculável valor. Desejaria de todo o coração poder  também fazer-vos um. Dizei-me como poderei recompensar a vossa fidelidade. A idosa mulher pensou apenas um momento, como se calculasse que a rainha lhe faria aquela oferta. - Tenho uma neta, Majestade. Uma criança de dezassete anos. Nunca esteve na corte e, como aprecia a vida do campo, não sente qualquer ambição por vir para cá - fez nova pausa como se escolhesse as palavras, com todo o cuidado. - Ama um jovem, filho de um artesão

da terra onde que está aprender o ofíciotêm de planos seu pai.para Também Conforme é devive, costume, meu afilho e sua mulher a casarlhe comquer um muito. viúvo, velho e desdentado e assim poderem enriquecer as suas terras - olhou para a rainha com uma expressão de súplica no rosto. - Majestade, a menina vai ficar com o coração partido

 

em mil pedaços. Os olhos de lady Sommerville ficaram repentinamente rasos de água. Isabel puxou o seu lenço de dentro da manga e ofereceu-o à anciã que, o recebeu agradecida, para limpar as lágrimas. - Perdoai-me - implorou. -filho Nadae nora há a perdoar, senhora. Ouvirecompensados o vosso pedidopelo e vousacrifício concedê-lo. Tratarei deque queavosso sejam generosamente de permitirem filha case com quem deseja. - Oh, Majestade! - murmurou aturdida lady Sommerville. Os olhos de Isabel poisaram sobre o diário de sua mãe, que estava sobre o leito. - Considerai-o um presente de... de minha mãe, a rainha Ana. - Vossa mãe foi uma grande mulher, Majestade. Incompreendida, sim, mas deveis sentir  orgulho de ter sangue Bolena a correr-vos nas veias. Isabel ajudou lady Sommerville a erguer-se e conduziu-a à porta. - 271 Haveis-me prestado um grande favor, com esta audiência, Majestade. Isabel fitou os olhos cansados da idosa mulher. - Fostes vós quem me fez o favor, senhora. Haveis-me devolvido um tesouro que não tinha ideia de ter perdido. E um amor que ignorava ter-me sido dedicado. Quando lady Sommerville se ergueu da reverência, achou-se envolvida num cálido abraço que o seu velho corpo nunca recebera nem de homem nem de mãe. - Deus vos abençoe, minha filha. A Inglaterra tem sorte em ter-vos como rainha. Quando a porta se fechou, Isabel dirigiu-se à cama e pegou no diário. Apertou o livro vermelho-escuro contra si e tentou com toda as suas forças recordar o rosto de sua mãe. Porém não conseguiu. - Kat! - chamou e instantaneamente a aia apareceu para receber ordens. - Mandai preparar a minha barcaça. Esta tarde vou descer o rio.

- Como vos aprouver, Majestade. Qual o destino que devo indicar? - O destino? A Torre de Londres. Sem fanfarras, fanfarras, a barcaça real seguiu silenciosamente rio abaixo, austera e imponente. O céu da tarde cobrira-se de nuvens de trovoada, atravessadas pelos raios de sol que pareciam incendiar as águas do rio. Isabel seguia sozinha na coberta, pois prescindira de todas as suas damas, para grande ofensa de Kat. - Não é o comportamento apropriado para uma rainha - ralhou. Sair assim, sem a protecção das suas damas e cortesãos. E ir à Torre. Posso perguntar-vos o que tendes vós a tratar na Torre, assim de repente? - Cois Coisas as minha minhass - resp respon onde deuu Is Isabe abel, l, com com bom mo modo do,, sem sem se dei deixa xarr pertu perturb rbar ar pe pela la autoridade de Kat. - Coisas minhas. Enquanto via o sol brincar sobre as águas e entre as nuvens, Isabel sentiu uma grande calma descer sobre si. Sentiu-se melhor, mais forte e íntegra que nunca. Tinha assuntos urgentes a tratar. Coisas para as quais não poderia recorrer aos seus conselheiros - nem sequer a William Cecil.

Mãe. A chegada da rainha ao cais Torresalto, tomou totalmenteosdecapacetes surpresa eosmurmuraram guardas da Porta dos Traidores. Puseram-se de da pé num endireitaram

as saudações formais, enquanto

 

272 Isabel desembarcava e passava por baixo da grade de Tower Green. já avançava pelo enorme pátio quando o calvo alcaide veio a correr juntar-se a ela, sacudindo ainda do negro gibão os restos do jantar. - Majestade! Que honra! Mas não vos esperávamos... em que posso servir-vos?... Olhai onde pondes os pés. Estamos arranjar este caminho, Majestade, não seria bom que escorregásseis e caísseis. Quereisa aceitar meu braço? - Vejo muito bem onde ponho os pés lorde Harrington e agradeço-vos o braço. Todavia desejava ficar só. De facto ficar-vos-ia muito grata se ordenásseis aos guardas e aos trabalhadores que se retirassem do relvado. Desejo ficar completamente c ompletamente só. - Só, Majestade? Bastou a severi severidade dade da expressão expressão da rainha para confirma confirmarr a ordem ordem.. O alcaide alcaide afastou-se afastou-se,, sacudindo a cabeça, tão preocupado que meteu o pé entre duas lajes, tropeçou e só no último momento se conseguiu endireitar, evitando uma queda embaraçosa. Isabel sorriu, vendo que os pedreiros e carpinteiros se afastavam, e que os guardas dos vários portões e orde dem m de Sua Maje Majest stad adee e entra ent rada dass eram eram ma mand ndad ados os reti retira rarr dos se seus us post postos os po por  r  or desapareciam. Por fim, ficou só no antigo pátio do castelo, com as enormes muralhas da White Tower a erguerem-se acima da sua cabeça. Olhou para as ameias entre a Torre dos Sinos e a Torre Beauchamp, que várias vezes percorrera durante a sua prisão. Recordou a escadaria húmida e o seu encontro clandestino com Robin. Lembrou-se como o horror das masmorras, com os seus seus inst instru rume ment ntos os de to tort rtur uraa lh lhee ro roub ubav avam am o son onoo à no noit ite, e, pr preo eocu cupa pada da co com m a  possibilidade de vir a ser vítima da roda, da prensa, dos artefactos para esmagar os dentes e  partir dedos. A Torre era um local onde um prisioneiro podia morrer de medo, só com a  perspectiva de uma agonia espantosa. E agora era sua, já não receava aquele lugar, nem os fantasmas de quem lá tinha perdido a vida. Isabel aproximou-se das portas do salão do rei e abriu-as de par em  par. Entrou na enorme câmara cheia de ecos, sob cujo tecto abobadado se tinha reunido a ruidosa multidão  para assistir ao julgamento de sua mãe. Sentiu o bater do bastão do duque de Norfolk no chão de madeira, para repor a ordem, as vestes escarlates dos vinte seis pares da rainha e o cheiro do medo de agirem mal e incorrerem na ira do Rei que certamente cairia sobre as suas cabeças. Mãe. Imaginava Ana a reunir o que lhe restava de coragem para comparecer diante do tribunal, respondendo às falsas e terríveis acusações com 267 uma elegante atitude de desafio. Escutara inimigos e antigos amigos declararem-na culpada de traição, adultéri’o e incesto. ”Condenada pelos seus pares devido a uma mentira monumental.” Mesmo assim, pensou Isabel, sua mãe não fora uma santa. Afinal tinha as mãos manchadas de sangue. Fora implacável e mais ousada que qualquer mulher inglesa se atrevera a ser até aí. Desde a juventude que se mostrara voluntariosa, possuíra uma língua afiada e muito mau génio. Fora uma mulher governada por paixões, pela ambição... mas nunca se submetera à

vontade homens. Como é dos estranha a herança do sangue, pensou Isabel. Nunca conheci minha mãe, não tinha maneira de saber nada a seu respeito, porém o meu carácter é, por vezes, o reflexo do seu. Muitas vezes... mas nem sempre. Ocorria-lhe que Ana fora muitas vezes inspirada pela

 

raiva e pelo desejo de vingança. Wolsey, Catarina, Maria, Norfolk. Porém todo aquele mal crescera e medrara acabando por se voltar contra ela. Seria melhor nunca lhe imitar aquele traço de carácter. Quando a rainha saiu do salão do rei, o Sol ocultara-se completamente nas negras nuvens e Tower Green estava na penumbra. Embora não houvesse ali nenhum cadafalso, Isabel encaminhou-se o local ondeComo deveria sidopossível erguidouma o demorte sua mãe e onde o sangue desta manchara apara relva de Maio. teriatersido tão ignominiosa? Os dois homens da vida de uma mulher são seu pai e seu esposo, pensou Isabel. Com espantosa rudeza, o pai de Ana utilizara a filha em proveito próprio e abandonara-a quando  já de nada lhe poderia servir. O esposo de Ana. Não havia dúvida que Henrique a amara. Mas ela fora encurralada por  esse amor, como uma corça perseguida por cães. Não tivera outro remédio senão participar  na caçada. Henrique quisera-a com desvario, sem pensar em impedimentos. Quando um rei deseja uma mulher a resposta tem forçosamente de ser ”Sim, meu senhor”. A menos que, como Ana, se proponha enfrentar um enorme desafio. Fora a presa mais esquiva de Henriqu Henr ique, e, cond conduzi uzindondo-oo a uma imp impetu etuosa osa cor corrid ridaa em terren terrenos os perigo perigosos sos e obs obscur curos, os, fazendo-lhe ferver o sangue na antecipação da captura. Mesmo assim, escapara-lhe ano após ano, até ele se sentir meio louco com a perseguição e os seus fracassos. Porém, a verdade é que Ana era ainda a presa. Restava-lhe fugir ou entregar-se a um amor que, como sempre soubera, equivaleria à morte. Isabel reflectiu sobre o esposo de sua mãe. O homem que ela descrevera no seu diário como a ”Besta” era afinal o rei seu pai. 274 Amava, não, adorava adorava meu pai, pensou a rainha. Era o meu senhor, o meu rei, o meu Deus, antes de Deus. E agora minha mãe diz-me que foi um monstro. Oh, que duro golpe foi esta revelação. Mostrara-se cruel e ofensivamente injusto, mas Isabel sabia que nunca poderia prescindir  daquilo que dele herdara. Aprendera com ele o que seria provavelmente o princípio mais importante do seu reinado. Que conquanto pudesse ser boa e generosa, buscando a paz para o seu reino e a harmonia entre o povo teria sempre de ser  rainha absoluta, de contrário  perderia o trono que tanto lhe custara a conseguir. Estremeceu, pois a escuridão aumentava em seu redor. Atravessou o relvado em direcção à Capela de São Pedro ad Vincula e abriu as portas pesadas e de gonzos enferrujados. Era   pequ pequen enaa e nua, nua, co cons nstr truí uída da no an anti tigo go es esti tilo lo norm normand ando, o, ap apen enas as co com m algu alguma mass ve vela lass a iluminarem a nave e, no ar, o cheiro acre do incenso. Era um local escuro e melancólico. Ajoelhou, por instantes, aos pés do crucifixo do altar, mas não se deteve, pois buscava o coro. O chão de mármore não indicava o que jazia por baixo dele - os restos mortais de sua mãe, assassinada às mãos de seu pai. Sem o esperar, Isabel sentiu-se invadida por uma insuportável dor de perda que a fez vacilar. A mãe, que lhe pegara ao colo, que a amara, que morrera porque Isabel nascera mulher, encontrava-se agora sob os seus pés e, dela, nada mais restava que um monte de ossos sem crânio.  No meio do silêncio, Isabel tentou ouvir a voz de Ana vinda da sepultura. Uma mensagem,

uma lição, lhe chegou, uma desesperada tristeza com por Robin Dudley. O um seu aviso. amigo Mas maisnada querido, que maisexcepto doces sensações lhe provocara, quem compartilhara as mais ousadas fantasias. Perdera a confiança nele. Perdera a confiança nos homens. Se a voz de sua mãe se conseguisse fazer ouvir, seria certamente para lhe dizer:

 

 Nunca entregues o governo a homem algum. Depois uma estranha ideia começou a tomar  forma na sua cabeça. O único homem que teria uma causa natural para a dominar - seu

 pai - estava morto. Porque haveria de se casar agora... ou alguma vez? Para que renunciar  ao fabuloso poder da coroa em favor de um marido? Essa renúncia não seria afinal uma enorme insensatez? Estou completamente louca, pensou. Imediatamente se deteve. desvario estarei  planear? Um monarca que deseja manter-se sem filhos, para pôr fim Que à maior dinastia que jáa reinou em Inglaterra? Recordou-se do dia em que, ainda menina, anunciara orgulhosamente a Robin. que nunca se casaria. Ele rira, acusando-a de ser tola. Que uma princesa estava destinada a casar. Tinham passado vinte anos. Era rainha

275 e ali estava a recordar tal promessa. Saberia ja o seu jovem coração, que as mulheres deviam recear o amor? - Será que nunca me casarei? - perguntou Isabel em voz alta, as palavras ecoando na capela de mármore. Nunca me casarei? Nunca terei filhos varões? Nunca darei à luz uma filha? Sentiu os olhos marejados de lágrimas. Nunca ter uma filha que lhe  falasse docemente, que conservasse os tesouros da sua vida - um anel, um livro, um lenço com a sua inicial. Mas não, esforçou-se por abandonar o sentimentalismo. Que necessidade tinha de filhos? Tinha toda uma riqueza de súbditos que a amavam e adoravam e que se recordariam do seu glorioso reinado. Depois, como um milagre, a penumbra da capela foi trespassada por um único raio de sol através da janela do clerestório. Isabel fixou o olhar naquele esplendor e, de repente... Pois  bem, tinha-se transformado na luz que a cegara ao entrar pela janela dos seus aposentos de criança em Hatfield. Oh! Sentia o rico aroma de essência e almíscar. Oh! Ouvia um riso alegre, o som de uma canção de embalar francesa. E depois, numa visão fantasmagórica,  brilhante e nítida, surgiu na luz a imagem de um par de olhos - vivos, negros e fascinantes. Sim, sim, eram os olhos de sua mãe! Olhos maliciosos e sedutores que teriam enlouquecido de desejo um homem, afogando-lhe a alma nas suas escuras aguas. Olhos luminosos e arrogantes, onde vivia uma viva inteligência que desafiava o desespero. Olhos sempre esperançosos que procuravam a paixão onde não era possível encontrá-la. A visão começou a desaparecer. - Não! - exclamou Isabel, em voz alta, pois desejava ardentemente conservar por mais uns momentos a visão de sua mãe. Os olhos pareciam sorrir e o coração de Isabel exultou ao ver que estavam cheios de uma alegria muda e que reflectiam o amor por uma pequenita ruiva que se dirigia de braços estendidos em direcção ao afectuoso abraço de sua mãe. - Não! Ficai comigo, minha mãe! Este Estende ndeuu a mã mão, o, mas mas a imag imagem em dos ol olhos hos desa desapa pare reci cia. a. Esba Esbati tiaa-se se...... e desap desapar arec eceu eu completamente, deixando atrás de si um raio de luz que atravessava a janela do clerestório, mas que também desapareceu quando uma grande nuvem cobriu o sol. Isabel permaneceu imóvel na capela como se fosse uma imagem da Virgem. A visão

desaparecera, poréma for a capaz de se recordar. Agora levara consigo parte do espírito de sua mãe, que nunca abandonaria - que seria como uma segunda coluna vertebral para a manter nos anos que se seguiriam, como um segundo coração a bater-lhe no peito. De certo

 

276 necessitaria de muita coragem para ser a Rainha que a freira de Kent com tanta certeza vaticinara. O sol Tudor que, surgido do ventre de Ana Bolena, brilharia como a mais luminosa estrela de Inglaterra. Isabel voltou-se e abandonou a capela com a força do destino atrás de si, fechando com estrondo as pesadas portas. Sim, pensou enquanto caminhava em direcção à tarde soalheira, sou filha de minha mãe. E tudo farei para que se sinta orgulhosa de mim.  Agradecimentos

Este livro resulta de vinte e cinco anos de apaixonado interesse pela fantástica época Tudor, em Inglaterra. Este meu empenho teve início após a leitura dos romances de Norah Lofts que me apresentaram os dois titãs femininos dos princípios do século XVI, Ana Bolena e Catarina de Aragão. Em seguida, o simples interesse transformou-se numa investigação séria, através da qual adquirii conheciment adquir conhecimentos os e uma visão da vida e da época das minhas personag personagens, ens, servindoservindome de biogra biografias fias da autor autoria ia de Carolly Carolly Erickson, Marie Louise Bruce, Elizabeth Elizabeth Jenki Jenkins ns e Paul Johnson. A obra World Lit Oide by Fire foi a minha fonte de conhecimentos para compreender Lutero e a Reforma Protestante. Do fundo do coração agradeço à minha editora Jeanette Seaver, pela profunda compreensão que demonstrou por esta obra; a minha revisora, Ann Marlowe por saber mais do que eu acerca do século XVI: e à minha agente pela sua dedicação ao tentar encontrar o devido lugar para este livro. Tenho enormes dívidas de gratidão para com várias pessoas. A minha professora Deena Metzger, que me ajudou a passar da escrita de guiões para o cinema para a escrita de romances. Billie Morton, meu querido amigo e sócio de quinze anos, que não só fez a sugestão original para que eu escrevesse este livro, mas que me assediou constantemente com cr crít ític icas as bondo bondosa sass mas mas ri rigor goros osam ament entee hone honest stas as e co com m ad adve vert rtên ênci cias as acer acerca ca das oportunidades perdidas. ”Skippy, coração de leão”, minha mãe que foi a primeira e mais acérrima defensora da minha actividade literária e que continua a ser a minha maior  inspiração. Para Max Thomas, meu marido, amigo, professor e aliado, com quem tenho a mais  profunda dívida de amor e apreço. Com firme lealdade e benevolência Têm-me apoiado física, emocional, espiritual e materialmente em todos estes anos que passámos juntos.

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