o Desemprego Crônico e a Exigência de Um Novo Trabalhador Para a Velha Ordem
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O DESEMPREGO CRÔNICO E A EXIGÊNCIA DE UM NOVO TRABALHADOR PARA A VELHA ORDEM CHRONIC UNEMPLOYMENT AND THE NEED FOR A NEW WORKER FOR THE OLD ORDER Resumo
Karla Raphaella Costa Pereira¹ Susana Vasconcelos Jimenez²
O presente artigo analisa o ideário educacional vigente, sob a ótica da crítica marxista, discutindo a pedagogia das competências, hoje defendida como ideal para a formação do indivíduo. Insere a exigência de uma formação baseada em competências e habilidades no contexto da crise estrutural do capital, que necessita instituir uma nova lógica de empregabilidade para disfarçar as consequências do desemprego crônico. O trabalhador que antes buscava adquirir uma formação escolarizada para alcançar melhores postos de trabalho, hoje procura possuir determinadas características para, no mínimo, manter-se empregado. O estudo bibliográfico toma por base os autores que buscaram analisar a referida proposta educacional, fazendo o esforço de trazer para o centro do debate os interesses que a governam. Tal discurso, tido como inovador e ideal para o desenvolvimento profissional, prometendo uma melhor preparação para a inserção no mercado de trabalho e a formação voltada para a sociedade do novo milênio, mostra-se superficial e reducionista, na medida em que restringe o acesso do trabalhador aos conhecimentos historicamente construídos pela humanidade. O trabalhador é levado, então, a deixar de lado o aprofundamento crítico das contradições sociais, fechando os olhos para a realidade que o cerca, comungando, assim, com os ideais do capital. Lançar o olhar sob essa realidade faz-se importante para delinear os rumos dados à educação pela política educacional vigente. Palavras chaves: Desemprego crônico. Crise estrutural do capital. Pedagogia das competências. Abstract This article analyzes the current educational ideas from the perspective of Marxist criticism, discussing pedagogy of competences, today defended as ideal for the formation of the individual. Inserts a requirement for a competency based education and skills in the context of the structural crisis of capital that needs to institute a new logic of employability to disguise the effects of chronic unemployment. The worker who sought to acquire training before schooling to achieve better jobs today demand possess certain characteristics to at least keep employee. The bibliographical study is based on the authors sought to examine this educational proposal, making the effort to bring to the center of the debate concerns that govern it. Such discourse, seen as innovative and ideal for professional development, promising a better preparation for entering the labor market and training facing society in the new millennium, seems superficial and reductive, in that it restricts access worker to knowledge historically built by mankind. The worker is then carried to overlook the critical deepening social contradictions, closing his eyes to the reality that surrounds him, communing thus with the ideals of the capital. Launching look under that reality makes it important to outline the directions given to education by educational policy in force. Keywords: Unemployment chronic. Structural crisis of capital. Pedagogy of competences. ¹ Graduanda em Pedagogia Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE e Letras pela Universidade Federal do Ceará - UFC. ² Professora da Universidade Estadual do Ceará – CED/UECE, coordenadora do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO/UECE e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará – UFC.
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INTRODUÇÃO “Não sobrevivem as espécies mais fortes nem as mais inteligentes, mas sim aquelas que melhor respondem à mudança.” Charles Darwin
As competências profissionais nunca tiveram tanta evidência como nos dias de hoje. As prateleiras de autoajuda nas livrarias estão cada vez mais recheadas e as fórmulas mágicas para alcançar o sucesso jamais foram tão procuradas. Os discursos são encantadores e prometem receituários mágicos para que se alcance a tão almejada competência. Não é mais suficiente que o trabalhador possua uma qualificação específica para a atividade que exerce, pois ele precisa, além disso, ser capaz de demostrar flexibilidade, habilidade emocional e relacional, capacidade de renovar valores, possuir conhecimentos de diversas áreas, estar sempre motivado a aprender. As exigências são inúmeras, mas a grande “ jogada” é fazer parecer que tudo isso é natural, que faz parte da evolução do trabalhador e que não é possível outro posicionamento dentro da sociedade do século XXI cada vez mais exigente. A teoria evolucionista de Charles Darwin, apresentada na epígrafe deste texto, destaca sobremaneira tal visão. Ora, se o mercado evoluiu e a sociedade não é mais a mesma, se as cobranças também não são mais as mesmas, como pode o trabalhador se limitar a uma formação em desuso, ultrapassada? Há que se evoluir juntamente com a sociedade. Nas palavras de Darwin: evoluir, pois sobrevirá o mais adaptado às mudanças. O capitalismo, no contexto da crise estrutural, tem levado a humanidade à luta pela sobrevivência nos termos mais animalescos. Se apenas os mais adaptados sobrevivem, se rá necessária então uma “mutação”, uma “evolução” dos indivíduos da espécie humana. Tal comparação pode parecer absurda, já que foi o trabalho o responsável pelo salto ontológico do homem pré-humano para o ser social, contudo o capitalismo leva o trabalhador a um reducionismo alienado, desprovendo-o de suas conquistas histórias e levando a mais dura luta pelo mínimo recurso de sobrevivência.
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Alguns escritores, a exemplo de Phillippe Perrenoud e Edgar Morin, proclamam a mudança como algo indiscutível, portanto a necessidade de uma literatura que possibilite tais mudanças, de uma formação rápida para o trabalhador, onde ele possa munir-se de novas competências e, assim, inserir-se no mercado. Caso essa inserção não ocorra, a formação do profissional não foi suficiente, ele não possui as aptidões necessárias, pois há espaço para todos. A superficialidade das reflexões leva muitos, inclusive alguns estudiosos acadêmicos, a difundir tal discurso, embelezando-o cada vez mais, sabe-se que, o convencimento para tal demanda não é desinteressado. A crise estrutural que o capital vem sofrendo desde meados da década de 1970 demandou tal mudança, pois o modelo de formação exigido do trabalhador atualmente serve à manutenção do capital que precisa adaptar-se às mudanças produtivas impostas pela crise. O trabalho teve como objetivos analisar o ideário educacional vigente, sob a ótica da crítica marxista e discutir os interesses que norteiam a pedagogia das competências, apontada como ideal para a formação do trabalhador.
METODOLOGIA O aporte metodológico apoia-se fundamentalmente na ontologia marxiana, explicitada por Lucáks, já que aquele desnuda a relação homemnatureza-história, apontando que não há, no homem, uma essência humana inata, mas que
a humanidade foi historicamente construída e teve como momento
fundante o trabalho. O mergulho crítico nas leituras e na observação da realidade, enquanto totalidade, faz-se necessário porque a substância do ser social é formada como um complexo de complexos e que cada um desses mantém uma relação (de dependência ontológica, autonomia relativa e determinação recíproca) com o trabalho. A reflexão feita demandou um exame das determinações do fenômeno em questão, a pedagogia das competências como resposta às novas exigências do mercado de trabalho, e a articulação com o processo de reprodução social, à luz da ontologia lucaksiana, para evidenciar sua intrínseca relação com o capitalismo.
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O interesse pelo tema nasceu quando da participação no grupo de pesquisa GESTÃO DO PROJETO EDUCATIVO DA ESCOLA DE ENSINO MÉDIO CEARENSE, localizado no Centro de Educação CED/UECE, em 2008, na ocasião, como bolsista de Iniciação Científica IC/CNPq da Profa. Maria Gláucia Menezes Teixeira Albuquerque. Finda a referida pesquisa e a vigência da bolsa, o estudo ficou em suspenso. A participação posterior como ouvinte nos estudos do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário IMO/UECE, coordenado pela Profa. Susana Vasconcelos Jimenez, trouxe luz aos problemas iniciais e reacendeu o interesse pela pesquisa, além de ter suscitado novas perspectivas à análise, a partir das leituras de obras dos professores que compõem o IMO. A leitura da obra “ A educação do trabalhador, a pedagogia das competências e a crítica marxista ” de Aline Soares Nomeriano, 2007, publicada pela
Edufal suscitou a escrita deste texto que tenta reorientar estudos sobre a noção de competência. O contato com obras de receituários para aquisição das competências também moveu o interesse pelo tema, pois é rotineiro encontrar nas prateleiras das livrarias obras que tentam “orientar” o trabalhador para uma nova postura diante das
novas exigências. A metodologia é de caráter bibliográfico, já que é fundamentada nos estudos de Marx e Lucáks sobre as bases ontológicas do ser social e nos estudos de Nomeriano acerca da pedagogia das competências. A pesquisa faz parte dos esboços iniciais para elaboração monográfica à nível de graduação, intitulada A POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA E O IDEÁRIO DAS COMPETENCIAS: UMA ANÁLISE ONTOMARXISTA, e é relevante para contribuir nas discussões acerca do fazer pedagógico.
RESULTADOS E DISCUSSÃO O desemprego no contexto da crise estrutural do capital Segundo Meszáros, 2007 apud Nomeriano, o capital possui defeitos estruturais inerentes à sua natureza antagônica. Tais defeitos só poderiam ser superados mediante a eliminação da propriedade privada dos meios de produção, o
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que representaria o fim do próprio capital. Nomeriano destaca ainda que são vários os defeitos apontados por Meszáros, contudo, dentre eles, um é mais caro à análise realizada aqui: o desemprego crônico. A acumulação do capital, indispensável à sua sobrevivência, depende do consumo e, para a manutenção de uma massa consumidora, faz-se necessário oferecer aos trabalhadores condições para tal. O que ocorre é que, cada vez mais, “o capital encaminha a contradição de ter que excluir do mercado de trabalho uma
grande massa de trabalhadores, ao mesmo tempo em que necessita do consumidor.” (NOMERIANO, 2007, p. 26) A intensa substituição do trabalho humano por máquinas que não geram mais valia nem são capazes de consumir o que produzem por um preço mais elevado do que aquele que foi gasto na produção, “tem formado um exército de
reserva numa maciça força de trabalho supérflua, descartável.” (NOMERIANO, 2007, p. 27) Tal situação tem evidenciado a crise estrutural do capital enfrentada desde meados da década de 70 que, diferentemente das crises cíclicas, segundo Meszáros apud Pimentel (2010, p. 303), “afeta a totalidade de um complexo social em todas as relações com suas partes constituintes ou subcomplexos, como também a outros complexos aos quais é articulada”.
As crises cíclicas, resultantes da contradição entre consumo e produção, acompanham o capital desde sua gênese, mas historicamente, para efetivar o crescimento do sistema, elas têm sido deslocadas. Com a crise estrutural, as contradições estão sendo acentuadas, pois as consequências da acumulação nas mãos de poucos estão aguçadas e as disparidades do sistema estão cada vez mais visíveis: o desemprego crônico, a fome, a destruição da natureza, a violência. Desde 2008, com a queda do banco Lehman Brothers devido à crise das hipotecas nos Estados Unidos, o mundo enfrenta uma crise. A inadimplência foi apontada como culpada de tal demanda, pois os bancos emprestaram muito dinheiro às pessoas que não podiam pagar. Fato que os levou à falência. O governo precisou injetar dinheiro nas financeiras e tal atitude, em um momento em que os gastos não podiam aumentar, pois a economia não estava mais apresentando
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significativo crescimento, além do fato de, no caso dos Estados Unidos, estarem enfrentando gastos com as atuações militares no Iraque e no Afeganistão. Quase ao mesmo tempo, países da União Europeia, que não apresentavam crescimento significativo há algum tempo, começaram a sofrer com os endividamentos e para escapar desta situação, recorreram ao fundo da união e ao Fundo Monetário Internacional, entretanto, precisaram impor à população medidas muito duras de economia, como corte nos gastos públicos, aumento do desemprego e aumento na cobrança de impostos. Tais crises tem levado a desaceleração da economia global. A pobreza nos Estados Unidos, segundo a Revista Exame Online 2012, por exemplo, vai subir para 15,7% em 2012. Este patamar seria o mais elevado desde 1960. A conjuntura atual mostra que a crise do sistema capitalista nunca esteve tão evidente. A inadimplência que levou a quebra de bancos e financeiras é consequência de algo maior que está no cerne da estrutura de acumulação, na contradição entre o crescimento do desemprego e a necessidade de consumidores. Os países subdesenvolvidos não estão imunes a essa crise, pois “Segundo o FMI e
o Banco Mundial a crise econômica arrastou para a pobreza mais de 50 milhões de pessoas. Um dado que compromete a concretização dos chamados “objetivos do
milénio (sic)”, fixados pela ONU há nove anos, como o da redução da pobreza até 2015.” (www.pt.euronews.com, 2012) Os discursos “otimistas” que apresentam o avanço tecnológico como a
alavanca da economia global e através dos órgãos reguladores mundiais como o Banco Mundial e o FMI impõem aos países subdesenvolvidos medidas para a manutenção do sistema, precisam agora mudar seus discursos, pois a realidade se faz cada vez mais visível. “A tão propalada promessa de modernização, após décadas de intervenção só intensificou a pobreza, a inflação, a dívida crônica e a dependência estrutural.” (PIMENTEL, 2010, p. 307)
Não será possível manter durante muito tempo um “equilíbrio”, como ocorria nas crises cíclicas, para a manutenção do sistema capitalista, pois sua natureza antagônica caminha a passos largos para sua destruição.
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Como dito anteriormente, as consequências da crise não se limitam aos países subdesenvolvidos, ao contrário, diante da crise hodierna, tem sido mais observáveis nos países de capitalismo desenvolvido. O mesmo ocorre com o desemprego que não se restringe aos países subdesenvolvidos nem aos trabalhadores não qualificados ou ainda às classes mais pobres da sociedade. O desemprego atinge, e por isso é dito crônico, a todas as camadas sociais, afetando também os países de capitalismo avançado e aqueles trabalhadores muito bem qualificados que lutam pelas poucas vagas existentes no mercado. Segundo a organização internacional do Trabalho, o desemprego entre jovens de até 24 anos é de 12,6%, equivalente a 74, 5 milhões de pessoas e deve continuar neste patamar nos próximos anos. No Brasil, o número de vagas nos postos de trabalho caiu 25,9% no primeiro semestre de 2012 em relação ao mesmo período do ano anterior. (www.globo.com/g1; www.bbc.co.uk, 2012) Na atual fase do desenvolvimento histórico, estamos assistindo a um crescente desemprego em todas as esferas de atividade, até mesmo nas formas de trabalho flexível – escamoteando a política vigente de precarização e fragmentação da força de trabalho e uma maior exploração do trabalho em tempo parcial; e a uma diminuição bastante significativa do padrão de vida de uma parcela da população trabalhadora. Com a ativação dos limites absolutos do capital e a instauração da crise estrutural do capital, o controle das contradições ou antagonismos de classe se torna cada vez mais difícil, ameaçando a ordem sociometabólica vigente. Nem mesmo com a intensificação da taxa de exploração cada vez mais amplos, vislumbra-se uma saída para esse círculo vicioso. (PIMENTEL, 2010, p. 317)
Para a manutenção do ideário capitalista far-se-ia necessário uma reestruturação do sistema de dominação para que o trabalhador, não percebendo toda a conjuntura que o cerca, fosse responsabilizado por sua capacidade de manter-se empregado. Segundo Nomeriano, 2007, foi a partir dos anos 80 e 90 que se disseminou pelo mundo uma nova forma de acumulação do capital que organizava o trabalho na fábrica de modo flexível e polivalente, privilegiando o trabalho em equipe e a mobilidade do trabalho entre os postos existentes na fábrica. Faz-se necessário aqui, após o entendimento das consequências da crise estrutural do capital e do desemprego crônico, um leve “retorno” histórico para o
entendimento do novo tipo de trabalhador exigido pelo capitalismo, trabalhador este que enfrenta a crise hodierna, que não se insere no mercado de trabalho e que é
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levado a compreender o desemprego como consequência de sua [falta de] formação.
O trabalhador ideal para a sociedade do século XXI A aquisição de competências e habilidades é considerada a melhor forma de profissionalização para a imersão no mercado de trabalho e solução para o problema da qualificação do trabalhador que precisa demonstrar ao empregador muito mais do que os conhecimentos específicos para atuação em determinada área. De acordo com Zarifian apud Nomeriano, o termo competência começa a ganhar destaque no início da década de 70 devido às mudanças ocorridas no mundo do trabalho desde quando se aprofunda a crise da organização taylorista. O autor aponta que houve, neste período, um crescente deslocamento da noção de qualificação do emprego para o indivíduo, passando a importar não mais os “conhecimentos requeridos pelo emprego”, mas “os conhecimentos adquiridos pelo indivíduo”. A noção de qualificação passa a ser substituída pela de competência.
Para os defensores da ideia das competências elas difeririam das habilidades pessoais, pois não seriam simples aptidões subjetivas, mas fruto de trabalho, conhecimento e prática vivencial. Neste sentido, não bastava ao profissional aprender os conhecimentos para o exercício de sua profissão se ele não possuísse, além disso, outras habilidades que o qualificassem para o trabalho. Uma competência permite mobilizar conhecimentos a fim de se enfrentar uma determinada situação. O uso de regras, normas e axiomas não pode ser chamado de competência. A competência não é estática. Ela envolve o uso de vários recursos de forma inovadora e criativa. O indivíduo competente, nos termos tratados aqui, é aquele que não apenas sabe, mas o que sabe -fazer, ou seja, aquele que consegue selecionar os conhecimentos mais pertinentes para a realização de uma tarefa. Não é suficiente conhecer os mecanismos linguísticos, as concepções geográficas, os axiomas matemáticos, se o indivíduo não for capaz de gerir todo esse conhecimento em função de executar uma determinada ação.
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Segundo Daher, (2012, p. 50), a competência trata- se de um “saber agir” que se manifesta num momento adequado e é assimilada pela prática. O autor afirma ainda que a competência se assemelha ao comportamento no trânsito, em que a pessoa precisa dirigir para si e “para os outros”. Para se manter no mercado de trabalho de forma segura e atuante, precisa reconhecer as necessidades da empresa e mobilizar habilidades para suprir tais necessidades. Além de ser competente , as outras pessoas precisam perceber isso.
Para constatar a competência em alguém, é preciso avaliar a árvore pelos frutos. Competência não é um estado ou conhecimento, ela se manifesta em resultados práticos, traduzidos em benefícios ou em atendimentos de metas. Pessoas competentes comunicam-se com clareza, na forma verbal e escrita. Fazem suporte de segundo nível, ou seja, quando ninguém resolve são procuradas em busca de situações criativas. (DAHER, 2012, p. 50)
A cobrança é enorme, pois o trabalhador, atuando, no mínimo oito horas por dia, precisa ainda buscar uma especialização na área em que atua, precisa estar em constante renovação, atualização, criando sempre mais competências e habilidades, operando uma série de exigências para se manter no cargo que ocupa sob pena de perder o posto para alguém mais atualizado, mais dinâmico que ele. O trabalhador vive em constante pressão, não pode jamais se acomodar, não há tempo a perder, pois outros podem lhe tomar o sustento da família. É uma lógica perversa. Tal mudança no ponto de vista educacional trouxe perspectivas completamente diferentes para a escola que não pode mais formar um receptáculo de conteúdos, mas um ser agente na sociedade em que vive. A chamada educação para o século XXI, defendida por muitos intelectuais, como Edgar Morin e Philippe Perrenoudd, nas áreas da educação e confirmada pelos documentos e discursos que orientam a educação mundial na atualidade, traz o conceito de competências e habilidades, forjado na literatura empresarial e transportado para a educação. Perrenoud (1999, p. 24) defende que a discussão do modelo de competências e habilidades tem estado presente em diversos países e vem sendo aplicado em diversos programas educacionais mundo afora: [...] a questão das competências e da relação conhecimentocompetências está no centro de um certo número de reformas
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curriculares em muitos países, mais especialmente no ensino médio. No ensino fundamental, a formação das competências é, em certo sentido, mais evidente e envolve os chamados “ saivor-faire elementares”: ler, escrever, etc.
Tal afirmação é verdadeira, o discurso das competências tem norteado um número significativo de reformas e ações nos mais variados países, assim, o Estado valida tal concepção, fazendo com que o trabalhador se veja na emergência de adquirir as novas exigências do mercado, buscando cursos, programas de qualificação, palestras. Abre-se, de forma contundente um mercado vantajoso de escolas e mais escolas que enriquecem com o discurso das tão sonhadas competências. Fleury e Fleury (2001) apresentam os tipos de competências: Zarifian (1999) diferencia as seguintes competências em uma organização. Competências sobre processos: os conhecimentos do processo de trabalho. Competências técnicas: conhecimentos específicos sobre o trabalho que deve ser realizado. Competências sobre a organização: saber organizar os fluxos de trabalho. Competências de serviço: aliar à competência técnica a pergunta: qual o impacto que este produto ou serviço terá sobre o consumidor final? Competências sociais: saber ser, incluindo atitudes que sustentam os comportamentos das pessoas; o autor identifica três domínios destas competências: autonomia, responsabilização e comunicação. (Grifo nosso)
Devido à exigência de um profissional que possa relacionar os diversos tipos de competências, o desafio da escola atualmente é formar esse tipo de profissional que desempenhe suas funções de maneira eficiente e integrada com as diversas necessidades de seu cargo. É interessante refletir sobre os grifos na citação acima, pois o que antes era considerado característica subjetiva do ser humano passa a ser uma exigência profissional, ou seja, características que poderiam não intervir diretamente na execução de uma determinada função, hoje, é cobrança curricular. De acordo com Zariafian apud Nomeriano (2007, p. 41), mesmo que haja uma tendência a opor qualificação e competência, há que se saber que tais concepções, na verdade, não se opõem, ao contrário, A competência é uma forma de qualificação, ainda emergente. È uma maneira de qualificar. O assalariado é duplamente qualificado: em relação a sua contribuição para a eficiência de um processo de
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produção e a seu lugar na hierarquia salarial. A questão é saber de qual maneira se trata. Da mesma forma que o que temos chamado de ‘qualificação’, em geral, refere -se, na realidade, a um modo histórico particular e sempre dominante: o da qualificação pelo posto de trabalho (pudicamente chamada ‘qualificação do emprego’ ou, simplesmente, ‘qualificação’). Portanto, não se deve fazer distinção
conceitual entre competência e qualificação, a não ser para se dizer que o modelo da competência especifica, hoje, de maneira nova, a construção da qualificação. (NOMERIANO, 2007, p. 41-42)
O
discurso
da
competência
consegue,
entretanto,
impor
aos
trabalhadores um perfil de atuação que pode, diante da crise do capital, cooperar com a recuperação da empresa e servir aos interesses capitalistas. A necessidade de novos trabalhadores existe porque a empresa precisa, muito mais, construir um novo perfil competitivo. O trabalhador é, então, imediatamente identificado com os objetivos da empresa, ele passa a comungar da filosofia da empresa, sentindo-se corresponsável pelo sucesso ou fracasso do empreendimento. Ao mesmo tempo a empresa passa a manipular a formação profissional desse funcionário, diminuindo a importância da escolaridade e dando ênfase à experiência adquirida na empresa, à formação continuada dada dentro da empresa serve mais aos interesses do patrão. Citando ALANIZ, Nomeriano (2007) afirma que a melhor pessoa que se engaja na política da empre sa é aquela que “veste a camisa”, que aceita a rotina, a exigência, as mudanças, que comunga dos ideais da empresa, que a defende, aceitando a flexibilidade do trabalho. O controle do trabalhador, neste modelo de gestão do trabalho é muito mais alienante, pois se dá tanto na expropriação do trabalho livre, como pelo controle da subjetividade do homem. Na lógica da competência, os novos valores requeridos na formação profissional dos indivíduos estão subordinados às atuais necessidades competitivas da empresa. Assim, impõem-se aos trabalhadores a exigência de um perfil profissional capaz de cooperar e adaptar-se aos novos interesses do capital. Essa prevalência dada aos aspectos comportamentais em relação aos aspectos técnicos, abre, ao capital, a possibilidade de explorar ao máximo o componente intelectual do trabalhador. Ao expropriar todas as suas potencialidades, agora entendidas no saber fazer, saber ser e saber aprender, o capital obtém um controle ainda maior e mais sofisticado sobre esse trabalhador. (NOMERIANO, 2007, p. 47-48)
Neste sentido, cabe ao trabalhador manter-se em seu cargo, pois a responsabilidade de munir-se das competências necessárias a ocupar um posto de
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trabalho é exclusivamente do próprio indivíduo. É interessante ressaltar que este discurso está presente constantemente nos meios de comunicação, mostrando vagas de emprego abertas no mercado para que o trabalhador acredite que “há vagas disponíveis no mercado”.
Em reportagem apresentada no dia 25 de junho de 2012, um telejornal de uma das mais assistidas emissoras do país apresentou uma matéria que tinha como título “Agências públicas de emprego têm vagas sobrando em todo o Brasil” (Grifo
nosso). Apenas um mês após essa informação, os jornais informam, como dito anteriormente, aumento da taxa de desemprego em 25,9% no primeiro semestre de 2012. Há algo de muito estranho e contraditório nesses discursos: como é possível a existência de tantas vagas no mercado e o crescente aumento do desemprego? O próprio texto da reportagem, transcrita no site do telejornal, aponta luz a dúvida levantada: Um dos pontos principais para preencher essas vagas é a qualificação profissional. De acordo com a especialista técnica do Centro de Apoio ao Trabalho, Mariana Oliveira, quem está desempregado deve aproveitar esse período para fazer cursos e oficinas. “As empresas que procuram nosso setor de captação de vagas exigem experiência na área, qualificação profissional e escolaridade. Os candidatos têm que ter pró-atividade, iniciativa e boa apresentação na hor a da entrevista”, afirma Mariana. (www.globo.com/jornal hoje, acesso em 25/07/2012) (Grifo nosso)
Está aí o discurso da competência abordado e legitimado: não faltam vagas, falta qualificação. O trabalhador precisa encontrar o emprego que deseja, pois as vagas existem. Ora, como poderia um indivíduo, sem fonte de renda, precisando alimentar a família, fazer cursos e oficinas enquanto está desempregado? O discurso, contudo, é construído para fazer o trabalhador acreditar que, conseguindo “experiência na área, qualificação profissional e escolaridade” e que sendo capaz de demonstrar “pró-atividade e iniciativa”, além de “boa apresentação”, não ficará muito tempo sem emprego. É dessa forma que a categoria empregabilidade assume um caráter profundamente ideológico, legitimando como natural o mal social do desemprego e colocando a responsabilidade pela culpa ou solução de um problema estrutural para o âmbito do indivíduo. [...] A ideologia da empregabilidade dispersa os trabalhadores para o caminho do “salve -se quem puder “, fazendo com que eles se
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percebam enquanto indivíduos concorrentes e não mais como vinculados por uma classe com os mesmos interesses. Tal fato contribui muito com o deslocamento do conflito entre classes antagônicas (capital e trabalho) para o conflito interclasse, ou seja, entre os próprios trabalhadores. (NOMERIANO, 2007, p. 53)
Tanto a noção de competência quanto a de empregabilidade servem, hoje, mais do que nunca, devido à crise estrutural do capital, à manutenção do ideário capitalista, já que quanto mais são importantes as competências, tanto menos significante será a escolaridade e as qualificações formais, assim, para servir a uma empresa flexível, o trabalhador precisa também se flexibilizar.
Ser competente: um receituário a seguir Como dito anteriormente, para buscar uma solução para a crise estrutural, o capital precisou constituir formas de produção flexíveis, avançar nas inovações científico-tecnológicas, reformular os modos de gestão da organização do trabalho e do saber dos trabalhadores. Tais mudanças objetivam adequar a força de trabalho às novas demandas do sistema. Nesse sentido, o conceito de competência firmou-se como uma estratégia para alinhar o interesse [aparentemente e de acordo com o interesse da acumulação] do capital ao interesse do trabalhador.
Ingredientes e modo de preparo Competitividade, produtividade, agilidade, racionalização, flexibilidade, assertividade, amabilidade, empatia são indispensáveis a qualquer trabalhador que deseja manter-se empregado nos dias de hoje. Muito mais do que características subjetivas do indivíduo, elas devem compor o currículo. Há que se buscar, através da experiência, cursos extras, ou da própria natureza humana tais competências. Uns têm, outros não. Aqueles, por possuírem tais habilidades em sua natureza, estão a um passo destes. Os elementos das novas práticas de gestão que configuram o modelo da competência no mundo do trabalho são a valorização dos altos níveis de escolaridade nas normas de contratação; a valorização da mobilidade e do acompanhamento individualizado da carreira; novos critérios de avaliação que valorizam as competências relativas à mobilização do trabalhador e seu compromisso com a
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empresa; a instigação à formação contínua; e a desvalorização de antigos sistemas de hierarquização e classificação, ligando a carreira ao desempenho e à formação. (FLEURY E FLEURY apud DELUIZ, [s/d])
Segundo Deluiz [s/d], “As noções estruturantes do modelo das competências no mundo do trabalho são a flexibilidade, a transferibilidade, a polivalência e a empregabilidade.” Essas características garantem que o trabalhador,
ao deparar-se com situações adversas, estará pronto para aceitar pacificamente mudanças negativas. A empresa, além de apropriar-se da força de trabalho do sujeito, toma posse também de sua subjetividade, pois cria ao redor dele uma necessidade frenética de se manter dentro da empresa, acreditando que isso é algo que depende apenas dele próprio. A demissão ou rebaixamento seriam vistos como naturais, como responsabilidade do trabalhador. O discurso serve para ocultar os verdadeiros motivos: crise enfrentada e a necessidade de manter a todo custo a lógica de acumulação para a manutenção do capital. “No modelo das competências o controle
da força de trabalho se expressa através de estratégias de ressocialização e aculturação pela conformação da subjetividade do trabalhador.” (DELOIZ, [s/d]).
O trabalhador que antes procurava adquirir uma formação escolarizada de relativa qualidade para alcançar melhores postos de trabalho, salários e benefícios, hoje, busca possuir características exigidas pela empresa para, no mínimo, manterse empregado. O que antes demandava investimento de tempo, de escolaridade, de formação técnica, hoje, é substituído por aspectos adquiridos pela experiência de vida, pelo posicionamento. A empresa, portanto se exime da responsabilidade, por exemplo, de formar um profissional, oferecendo-o condições para prosseguir nos estudos, ou realizar uma formação universitária porque não há mais necessidade disso. Esse modelo orienta a formação dos trabalhadores ao estritamente necessário à manutenção de seu posto na empresa e às suas características subjetivas. Dentro dessa lógica, é interessante destacar a importância dada às chamadas competências relacionais como: a capacidade de trabalhar em grupo, a facilidade de comunicação, a disposição ao novo, a habilidade de relacionar-se bem com as pessoas. Esses atributos são completamente subjetivos e incontroláveis. Por
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exemplo, uma pessoa que normalmente alimenta um bom relacionamento com as pessoas pode de repente enfrentar um problema familiar e mudar a atitude perante os demais. Essa mudança pode ser vista como falta de competência relacional? Como mensurar qualidades humanas subjetivas para avaliar o currículo de um profissional? Trabalhar em equipe posta como competência relacional dimensiona o tamanho do abismo que se criou entre os trabalhadores. Lidar bem com os colegas de trabalho não é fácil porque todos são concorrentes. É preciso saber administrar essa relação, os indivíduos temem mais do que nunca perder seu posto de trabalho para alguém mais “competente”. A ideologia das competências tem se mostrado tão
eficaz que separa os trabalhadores, individualiza-os a ponto de que eles não se veem mais como uma classe com interesses comuns, mas como rivais tentando manter seu espaço. Chamadas como “conquiste se espaço”, “vista a camisa da empresa” são seguidas à risca.
CONCLUSÃO Jimenez, 2007, pontua que o problema é a obediência “a uma lógica tão escancaradamente conservadora e despolitizadora” que se debruça
sobre um tal conteúdo parcial e descontextualizado, situado na esfera das obviedades mais banais, dos receituários mais surrados […] em vez de […] tratar de um outro conteúdo crítico analítico, inteligente, voltado para o reconhecimento das profundas relações entre a prática educativa e a materialidade histórico-social. (2007, p. 74).
O discurso das competências, tido como inovador, diferente da formação tradicional, ideal para a sociedade do novo milênio, mostra-se superficial, é claramente reducionista, levando o trabalhador a acreditar que necessita adquirir qualidades banais, deixando de lado uma formação voltada para o aprofundamento crítico das contradições sociais, fechando os olhos para a realidade que o cerca, comungando com os ideais do capital tão “escancaradamente despolitizador”.
Ora, a escola, que deveria travar a batalha em favor do povo, do trabalhador, da classe menos favorecida, provendo mecanismos e armas para a superação do capital, serve como difusora do ideal das competências, atuando como reprodutora dessa lógica.
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O reconhecimento das mudanças na concepção do tempo e na forma de vivê-lo dos jovens não se reduz a formação de competênciasque lhes permitam viver com as situações imprevisíveis, com as incertezas e adaptar-se com facilidade às situações novas. É muito mais do que isso. O trabalho e a construção do saber na escola têm que reconhecer a existência desse sujeito, para o qual a relação passado, presente e futuro é algo bastante diferente do que a escola sempre se propôs a articular. (Krawczyk, 2008, p. 69) (grifo nosso)
A chamada do Manifesto Comunista está cada vez mais atual e necessária: Proletários de todos os países, uni-vos! (MARX, ENGELS) A superação das desigualdades sociais não poderá se dar de outra maneira. As pretensas soluções do capital cada vez mais aprofundam essas diferenças. A única superação possível é a superação do próprio sistema.
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