o corpo na arte contemporânea brasileira - Viviane Matesco
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0 corpo na arte contemporanea brasileira VIVIANE MATESCO s expressoes artisticas do imagina- rio do corpo servem de baliza para . a compreensao dos novos papeis que ele desempenha na estrutura socioeconomica do seculo XX. 0 corpo aparece em acees, performances, trabalhos sensoriais, moldes, panes proteticas, videos e fotografias, o que revela uma mudanca significativa nas formas de sua percepcao. Os artistas exploram sua temporalidade, contingencia e instabilidade, compreendem sua importancia na busca de novas formas de liberdade e no questionamento de convencoes artisticas e sociais. Esta reflexao sobre o corpo na arte brasileira focalizard tres momentos: o primeiro parte da ruptura operada na ciecada de 1960 corn a introduce° da nocao de happenning, por Wesley Duke Lee e Nelson Leiner, e o desenvolvimento de modelos participantes que integram o priblico em experiencias sensoriais , p or Oiticica, Clark e Pape. Urn segundo momento envolve a conjuntura da decada de 1970, e investiga a importancia que o corpo do artista assume na desmaterializacao da arte e no clima de protesto politico e da contracultura. 0 terceiro momento envolve a geracao dos anos 80/90, marcada pelas novas tecnologias e pelo retorno ao objeto, sem o fervor e o aspecto dramatic° de libe-
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raga° do corpo dos arms 6o/76. Selecionamos trabalhos pontuais no intuito de anahsar a questa° em contextos artisticos diversos, sem a pretensao de abranger, em tao pouco espaco, o grande nUmero de manifestagoes ocorridas ao longo de 40 anos. Na decada de 1960, sob a influencia das teorias de Althusser e Marcuse, a utopia visando a liberar o individuo de sua alienacao na sociedade de massas capitalista estava diretamente ligada a reconquista do proprio corpo.' A descoberta do corpo pela arte, nos anos 6o, significava uma subversao de tabus e interditos, e tornava o espectador testemunha da transgressao das regras socioculturais. Contra a hipocrisia do sistema e o apelo a autenticidade, constrei-se o mito de urn corpo puro. Nesta conjuntura, as acees dos artistas associados corn o Fluxus e happennings marcam a dimensao hist6rica e social da vida: o corpo como locus do "eu" e o sitio onde o dominio public° encontra o privado.2 No Brasil, apesar do antecedente historic° da intervencao de nevi° de Carvalho, 3 a introduce° da nocao de happenning devese a Nelson Leiner e Wesley Duke Lee. Em 1963, Duke Lee provoca o primeiro happenning no Brasil, no Joao Sebastiao Bar em Sao Paulo, onde realiza uma exposicao, na epoca considerada pomografica, em que as
pessoas utilizavam lanternas para ver os quadros.4 Em r966, Wesley funda, junto corn Nelson Leiner e Geraldo de Barros, a Rex Gallery, uma tentativa de forrnar uma cooperativa de artistas, 5 cujo objetivo era questionar a precariedade do sistema de arte. Depois de uma serie de eventos, no decorrer de um ano, resolvem fechar a galeria corn urn happenning de Nelson Leiner. 0 happenning Exposicao-nao Exposicao convidava o poblico a cortar as correntes que prendiam os quadros presos as paredes e a levar tantas obras quanto possivel. Esses dois primeiros happennings baseiam-se em uma subversa. ° das condicoes habituais de exposicao, em uma clara referencia as condic6es do mercado de arte. Enquanto as correntes internacionais escapavam dos mecanismos oficiais da arte, buscando alternativas contrarias ao seu funcionamento capitalista, aqui, sintomaticamente, os happennings surgiam atrelados a insatisfacao corn a quase inexistencia de urn sistema formal de arte.° Os happennings subsequentes de Leiner objetivavam uma relac5o n5o hierarquizada corn o public°, e se inseriam em uma visa° desmistificadora da arte, emblema do conjunto de sua obra. Playground, realizado em 1969 nas partes externas do MASP e do MAM/ RJ, incluia objetos que previam a participacao do public°. Deve-se ressaltar, contudo, que a necessidade de transmitir ao pUblico uma vis5o critica em relacao ao aspecto institucional da arte toma sua obra singular em relac5o a outras proposig6es da epoca. 9 Durante os anos 6o, Helio Oiticica, Lygia Clark é Lygia Pape diluem a separacao entre arte e public°, desenvolvendo modelos participativos que integram o public° em experiencias sensoriais. Provenientes do Neoconcretismo - movimento que significa uma humanizacao da linguagem construtiva
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atraves de uma investigacao, baseada na nocao de olhar corporificado de Merleau Ponty - Oiticica, Pape e Clark radicalizam o desvio do projeto construtivo ao negar a esfera estetica mediante novas praticas artIsticas. Em Lygia Clark, o sentido de manipulagdo da-abra já se encontra nos Repantes e nos Bichos, mas 6 no final dos anos 6o que seu trabalho radicaliza o envolvimento do corpo, assumindo urn carter de terapia mediada pelos "objetos relacionais". Em A Casa é o Corpo, Clark relaciona corpo e arquitetura em uma estrutura em forma de labirinto, na qual as pessoas vivenciam sensorial e emocionalmente as diversas fases da gestac5o; destina-se, segundo a artista, a experiencia fanstamatica e simbolica da interioridade do corpo. 8 As mudancas que ela prop6e na relac5o sujeito-objeto contestam os opostos tradicionais, tais como corpo e mente, interior e exterior, real e imaginario, masculino e feminino. 0 corpo torna-se o centro das atencoes e . espaco para o autoconhecimento."Na fantasmatica do corpo, o que me interessa nao é o corpo em 5i",9 afirma a artista, referindo-se ao conjunto de conteados psiquicos que determinam a percepcao, a memaria de vivencias do mundo que habita o sujeito. Dal o desenvolvimento de estrategias para desentorpecer, no espectador, seu "corpo vibratil", fazendo corn que o fluxo coletivo de pensamentos corporificados, sentimentos e ideias, constituintes do ser, revele-se para ele proprio.mNa Sorbonne, na decada de 70, a artista desenvolve o "corpo coletivo" em experiencias como Time?, Baba Antropolagica e Rede de Elastic°, nas quais urn grupo vive proposicoes em conjunto e troca entre si conteUdos psiquicos. A noc5o de corpo praticamente se identifica com a concepcao de cor na trajetoria de Oiticica." Dos primeiros trabalhos concre-
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tos as propostas de Antiarte, a cor assume uma agao transitoria que funda a obra na propria relagao corn o sujeito. A partir dos Penetraveis, &Slides e Parangoles, esta dimens5o sera Tadicalizada pela manipulacao e utilizacao do "plurissensorial", termo utilizado pelo pr6prio artista para designar urn alargamento da percepcao crometica, que agora se desvencilha do monopolio visual, requisita o corpo do individuo e instaura uma nova ordem: a fruicao como proposta de arte. 0 Parangole, de 1964, é uma manifestacao que tern como base capas feitas corn panos interligados, revelados apenas quando a pessoa se movimenta. A cor ganha urn dinamismo no espaco, atraves da associacao corn a danca e a mUsica, e assume urn careter literal de vivencia, reunindo sensacoes visuals, tateis e ritmicas. A 1' III dos Poranfiolils, a ear passa a Sc relacionar corn E:C!r1:1:Acbe:: corporals e ernucties clue supaern, ranitas vmtes, 111Ila ViVE:!!-!Cia desestibilizadora, uria vez clue Mia se vincula a pressupostus estf.iricas estabelecidos. tygia Pape cornecti I in be u deSel ivolver mxperiencitts corn pm ticipacim do pnbliIto nu final do dactyl' de 60. Trubolhos corno Divisor, 0 Ovo e Radii dos Pritzeres evidenciarn urn caraler coleti(plias n carpi) do espectador 6 estiMI
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cionalinente. A construcao de urn nova FloMerit - ideal construtivo quo pennant-ice na decarla de Go-- e a proposta tie vivencias clue ilependem exelusivamente da partiCipa00 do especiador, e par isso no° tem um cararor de espetneulo, distanciam os traballms de Clark, Oiticica e }'ape de outras expressees corporals no rtivel internacional. Au inves de contestar a disciplina, os cedigos e as :1011MIS sociais, a opciio sera de abrir novos caroinhos, ampliando a percepccio e a consciencia do sujeilo. inna relaccio que iosili-
Va para despertar, diversa da europeia e americana que contesta para denunciar. 0 Sala° da Bassola, em 1969, introduz no cenerio brasileiro as transformac6es na linguagen1 artistica que já ocorriam interimcionalmente: as praticas experimentais questionam a autonomia da pintura e da escultura, o monopolio da visualidade e a tradicao da recepcao da arte. He uma radicalizacao das proposicOes duchampianas, uma reavaliacao da arte, uma interrogacao sobre seu sentido e funcao na sociedade. A ruptura dos suportes habituais e a mescla de tecnicas acentuam o carater multidisciplinar da arte, o que leva a uma major abrangencia da atividade artistica, incorporando desde objetos, ambientes, intervencoes, fotografia, rriapa , filIOC::::,VIC1005.1, ate carimbott i.'mirneogrutos. Muitus trabrilhos envolventio o corpo 5o realizados posses suportus, por meio de experiencias estaticas inavadoras is litenoloOds geradoras de irnagerm Indust] tars. tto en Lint°, mu vez tie tiaLi-los cm no tuna linguagem conclicicmada bistoncarnet-lie, pi Ica izarn a precarimludc tecuica e o it/wok/linento corn srluocoes ernoeinnais e coriditinus." 0 confronto direto do urtista corn A cthnesa I (Ostia gesto1 pei forma t icos no!: trabulhos de . lose Roberto Aguilar, tole de l'reitas, Paulo 13ruseky, Leticia Parente, Ivens Machado, Anna Bella Geiger, Anita Malin Maiolino, Sonia Andrade, ctntrc., outros. Dais trabalbos emblernaticos representain esta p oduc;-Ito: Marco Rernstrada, de 1974, video no qual Leticia Parente bordou as painvras "Made In Brasil" sobre a propria Planta dos pas, coin uma agulha e 'Mita preta, e a filme Super-8 In-Out, de Anna Maria Mujolino, em que a cainera fixa em close uma boca inicialmente taparla corn fita adesiva e, depow, livre, tentanclo articular algurn cliscurso ern uma clara referencia a censura e a um-
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possibilidade de expressao. No final da decada, o grupo 3NOS3, que reline Hudinilson Jr., Rafael Franca e Mario Ramiro, foi responsave' por imarneras intervengOes urbanas, muitas delas corn plastic° industrial, realizadas clandestinamente nas primeiras horas da manha, criando situagOes ca6ticas em pontos estrategicos de Sao Paulo.r 3 Paralelamente, desenvolvem a experimentacao de novas meios - o uso artistic° da fotoc6pia, conhecido por Copy Art nos Estados Unidos e Xerox Art no Brasil, envolve a relagao corn o prOprio corpo na producao dos tres artistas. No entanto, foi sem chlvida Hudinilson Jr. quem mais radicalizou a relagao perforrnatica corporal. Desde seus trabalhos anteriores corn colagem, xilogravura e grafite notase a presenca do corpo no vies de uma poetica homossexual; entretanto, nas performances corn a maquina xerox, ele praticamente se coloca em urn embate sexual. De uma maneira mais distanciada, Paulo Bmscky desenvolve, em Recife, alguns trabalhos corn maquina xerox. Corn LMNUZX,fogo!, de 1980, filma em Super-8 o ato de colocar fogo em diversos materials em cima do visor da copiadora. Em Xerperformance mostra, tambem atraves do Super-8, o relacionamento corpora° corn a maquina xerox. 0 clima de protesto no final da decada de 1960 é acirrado no Brasil par condigiies especificas como o endurecimento da ditadura militar, o decreto do Al-5, a censura dos meios de expresso e uma repressao sangrenta. Essa situacao repercute na elaboracao dos trabalhos, que exaltam a contracultura e tern o sentido de rebater a carga repressiva do ambiente. As transgressees dos artistas irrompem alem das fronteiras da arte, uma vez que nao pretendem refietir passivamente a sociedade em que vivem: produzem intervencees na paisagem urbana, passam a uti534
lizar o proprio corpo como suporte artistic° e convertem suas obras em performances no espago public°. Corpobra, de Antonio Manuel, é simbolo da postura assumida na decada de 70.0 nu de Antonio Manuel, desfilado sem autorizacao no uernissage do Salao de Arte Modema de 1970, expressa um posicionamento politico que questiona o elitismo da cultura e do sistema. Da mesma maneira, Tiradentes: Totem - Monument° ao Preso Politico, uma acao realizada por Cildo Meireles em Belo Horizonte, em que ateia fogo ern dez galinhas vivas, é uma referencia literal a tor. _ tura. A questao politica tambem reverbera no experimentalism° radical de Barrio. 0 trabalho com trouxas ensangilentadas, constituido de sangue, came, ossos, barro e cordas, era uma clara alusao aos corpos esquartejados e a repressao militar. Os dejetos, as materiais pereciveis e as intervencoes no cotidiano Tido s6 questionam os pressupostos esteticos, como representam uma oposigao aos valores de uma sociedade desigual. Suas intervencOes partem da agao do corpo do artista que, par meio de atuagoes inesperadas, mobiliza as espagos e revela outros sentidos da realidade. 0 foco na transitoriedade dos materiais, sobretudo aqueles que supoem urn fluxo organic°, distancia suas experiencias da racionalizagao inerente aos processos conceituais da decada. A putrefagao, as dejetos, as humores do corpo e a violenta sensualidade da came supoem um envolvimento sensorial do corpo de maneira particular, pois implicam uma experiencia de repulsa pelo seu carter escatologico.mEste aspecto, no entanto, engloba uma sensibilidade que ultrapassa a mera descricao material; seus trabalhos alcancam outras dimensoes poeticas, constituindo-se em situagOes que impossibilitam a divisao tradicional entre subjetividade e objetividade ou entre mente e corpo.
Ivens Machado desenvolve uma serie de instalagaes, performances e videos, nos quais o corpo ocupa lugar central, seja pela referencia sanguinolenta de uma carcaga bovina, seja pela atmosfera hospitalar de bandagens e azulejos assepticos, au por videos que registram performances de situagoes obsessivas. No final da decada, inicia a sorie cam cacos de vidro que prenuncia a substituigao de procedimentos conceituais par trabalhos nos quais sobressai o aspecto imaginativo. Grandes esculturas de cimento, revestidas de pontiagudos cacos de vidro, Tapete, Bumerangue, Consolador tern urn claro carater simbedico que supOe a ideia de afligao: o toque, o aconchego, o prazer sexual sao sugeridos por um vies perverso, coma se corporificasse a ideia do corte.'s 0 sentido de corporeidade tambem esta presente nos trabalhos de TUnga, corn feltro, borracha e materiais eletricos, do final da decada de 70, que sugerem uma experiencia visivel de manifestacOes inconscientes, como se a obra fosse uma plastica do desejo. Seu trabalho nao lida somente cam as caracteristicas fisicas dos materiais, mas cam significacees que se produzem nas diversas formas adquiridas pela materia. Cabelos, ossos, cranios e pr6teses dentarias sao indicadores de uma presenga que nao se esgota em sua manifestacao. 0 que interessa nao e o corpo, nao é o objeto em si mesmo, mas sua fantasmatica, aquilo que mesmo nao podendo se ver, produz efeitos. ,6 As performances de limp já se inserem em uma conjuntura diversa daquela do experimentalismo da virada dos anos 60/70. Ern limp, a dimensao objetual e performatica encontram-se de tal modo entrelacadas que o sentido de urn trabalho se completa no outro; assim, as 7Yancas originaram-se do artigo sabre as gemeas siamesas, par sua vez ligado a performance das
Xifopa gas Capilares e a performance corn serpentes, Van guarda Visperine. Ap6s o dominio quase exclusivo da pintura nos anos 8o, a performance e a arte corporal sao utilizadas de maneira radicalmente novas. 0 engajamento direto do corpo desaparece em proveito de uma metafora do corpo, que adquire agora uma nova concepquo. A identificagao do artista corn o pr6prio corpo desempenha um papel central nos anos 60/70, já para a geracao atual o corpo perde o carater provocador. Para a arte corporal dos anos 60, o corpo constitui o original par excelencia, que nao se pode falsificar, enquanto as artistas atuais pensam que a diferenga entre autentico e falso, verdadeiro e artificial, original e copia nao delimita fronteiras nas discussoes de arte.r 7 Muitos retomam a metodos de representagao e de narracao, seja em objeto, seja em imagem, coma os fragmentos de marmore de Angela Freiberger, trabalhados a partir do proprio corpo da artista, óu as visceras e corpos esquartejados na pintura de Adriana Varejao, ambos bem diferentes dos c6digos de desmaterializagao da obra de arte, vigentes na decada de 70. A fragmentagao do corpo em objetos ou imagens tambena é uma via recorrente na arte contemporanea, como se observa nos trabalhos em madeira esmaltada de Edgard de Sousa, que tanto se referem a fluidos do corpo como nas pegas em formato de gotas, on a fragmentos coma dorsos, au mesmo a fusao de dois homens pelo tronco. Aqui, da mesma forma que nas imagens processadas em computador a partir do registro corn camera automatica de performances privadas, o artista convene-se no protagonista de sua arte, explorando a natureza e a pertinencia de sua auto-apresentacao.'s Na producao de Nazareth Pacheco, as objetos possuem uma relagao de carater agressivo
CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS
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e sadico corn o corpo. Na mostra de suas pequenas caixas, em 1993, este carater se exprime por meio de materiais que falam de sua experiencia corn o corpo: fragmentos, como mechas de cabelos, fotografias, bulas e receitas, referem-se aos tratamentos medicos e de beleza, aos sacrificios impostos mulher pelos padrOes esteticos dominantes. Seus trabalhos posteriores corn especulos e forceps complementam a imagem de tortura na relagao corn o corpo feminino. Na Inesma linha, os vestidos feitos de laminas de barbear ou de bisturi, assim como seus colares perfurantes, denunciam a perversao do toque ou do adorn° que fere: 9 Dois artistas sao exemplares para mostrar como a utilizagao do corporeo pode ter
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aprocirriacir,es opostas, 'rips tralii i. lbos Karin Lambrecirt, a utilli:acao de mai.:ulais orgnnicos assocrailos a palavras condo pur parte:i tin filcut), nixo an ue e tanner: corpo, conk) Erns, .c.adrnacd, conic•o, .Z.eVer-; tcf se de um citrate( 51.inbolill•T: ClUO fume te ;Jos ciclos dit naturcila, ao CC:ipl3 a inorte. As rnarert) nni; ccrres e o tra tan -lento fisico leva. tarribern a 1-c:beret -tar rnineria piciorica Li carnalirlade. Au lenge cla sua trajeteala, a cargii draniatica de seu indica() 'or arnpliado COM a ideia di) SaCrliiCitli, do abate de animals, o debater agonisante da Caine e 0 escorrimento do sanguesobre a tela eoutros suportes. 2`) Ern, postura oposia, a recorrencia, nos traballms de Arlgeth Verrosa, de vertebras, denies, cilinios, irnagens tomogralicas, moldes facials, pseuclocartilagense irnagens corporais se.cionadas rervidencia urn desejo de exploraclio formal pela ordenactio clas part.es quo se apresentarn sera villa, coma se fossem resicluos muclos, imagens descarnadirs de urn corpo. Em rnuitos artistas, coma Ricardo Ventura, Ernesto Neto, Eliane Duarte e Franklin
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Cassaro, o corpo tangencia o trabalho pot meio de urn sentido latente de corporeidade. Os trabalhoS de Ricardo Ventura ecoam carnalidade a partir de uma concretude tactil e sensual que provoca o individuo em uma dimensao anterior a razao. De forma paralela, na obra de Eliane Duarte, a fantasmatica requer uma corporeidade, urn corpo interim e visceral. Na serie corn meias de seda recheadas corn chumbinho, de Ernesto Neto, os elementos se prolongam sensualmente no espaco, como se fossem corpos que distendessem sua pele. Neto privilegia o espago da troca: nao se trata de esculpir corn formas organicas, mas de estabelecer urn processo que contenha a ideia de fusao. Nos trabalhos posteriores, o visual é acorn-
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infancia a sexualidade, como Fabrica Fallus e Kaminhas-sutrinhas, originadas das performances Sex Manisse e Lovely Babies. Na serie Fabrica Fallus, a artista transforma corn humor objetos comprados na sex shop em brinquedos, questionando a proibicao da imagem do penis. Em Desenhando corn tergos, utiliza uma infinidade de tergos para ocupar o chao de uma sala corn figuras de penis. Unir uma imagem sexual, o penis, a uma imagem religiosa, o terco, expOe em came viva a censura da sexualidade pela religiao. A relagao entre performance e outros meios de expressao tambem caracteriza as geracoes mais recentes, urn exemplo disso é o trabalho da pernambucana Juliana Notari. Na sua produgao, o corpo esta presente nao apenas nas performances, mas tambem em objetos que sugerem seres hibridos. Seus trabalhos podem misturar seres vivos, como na proposta corn jabutis, ou o andar sobre cacos de vidro, e muitas vezes incluem videoinstalagao. A extensao do corpo corn partes protedcas cria corpos estranhos a referenda humana. Urn antecedente dessa pratica sac) as roupas coletivas de James Lee Byars e as esculturas de corpo de Rebecca Horn. Ana Miguel costura seres de outro planeta corn o croche: boneca corn varios olhOs, bicos de seio que brotam de suti5s, luvas corn olhos ou corn garras. Nos trabalhos de Laura Lima, pessoas utilizam vestes ou partes proteticas pie estendem o corpo, sugerindo seres hibridos, como aquele em que dois homens, ligados pela cintura por uma fralda, movemse constantemente pelo espaco, a formar uma nova especie. As esculturas de ferro de Felix Bressan sac) prolongamentos de urn corpo ausente. Corpos hibridos que sugerem imagens de maquinas e seres pre-historicos, seus trabalhos recentes radicalizam a relacao corn o corpo ao utilizar moldes de pias e
bides, fundidos em ferro sem acabamento, cujas irriperfeigOes, buracos e ferrugens funcionam como ferimentos na prOpria pele." Os prolongamentos do corpo tambern estao no cerne de trabalho de Michel Groisman. Em sua triologia de performances, compostas por Criaturas,"flansferencias e Tear, desenvolve uma linguagem constituida por urn tipo de movimentagao corporal integrada ao uso de aparelhos. Compostas por rodas, extensees, dobradiga, tubos, entre outros, essas extensees sao construidas pelo ardsta para cada pane do corpo, em referenda a um tipo de agao, como em D-ansferincia, em que passa a chama de urn ponto ao outro do corpo, pot meio da movimentagao e de urn complexo sistema de tubos e velas. 0 corpo retoma em imagens de fotografia ou de novas midias. Apesar da sua exposicao obsessiva na ültima decada, este se apresenta de maneira ambigua, pois as imagens reforcam uma ausencia. Fragmentado, o corpo aparece para provar sua presenga fisica atraves de videos, fotografias e outros meios tecnologicos. A proliferacao de imagens de fragmentos corporais parece refletir sua desmaterializagao. Uma nova geracao de artistas discute o aniquilamento do individuo na sociedade de massas, utilizando a fotografia como meio. A impossibilidade de identificar o outro e a si mesmo em uma sociedade esfacelada e a recusa em produzir obras fotograficas, nas quais a objetividade da imagem seja a tecnica principal, levaram a fotografia a beira da abstragao, tendo como base o proprio corpo ou o corpo do outro.22A segmentacao do corpo aparece relacionada a perda de identidade ou a hibridizacoes nos trabalhos de Rubens Mano, Rochelle Costi, Marcia Xavier, Marcelo Hara, Rafael Assef, Vicente de Mello, Janaina Tschape, entre muitos outros.
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Duas . abordagens sugerem posigOes divergentes em relacao a tecnologia e a virtualizacao das relacees. 0 grupo Corpus Informaticos, coordenado por Beatriz Medeiros da Universidade de Brasfiia, desenvolve experiencias performaticas por meio de uma rede informatizada, na qual a telepresenca elimina a necessidade de urn corpo fisico e palpavel para ocorrer uma interacao. 23 0 objetivo e investigar a possibilidade de um "corpo informatico", de urn "corpo-carne numerico" e verificar a sobrevivencia de urn corpo sensual e sexual transformado em imagem. A performance em telepresenca realiza-se via webdialogos, correio eletronico e outros softwares de comunicageo, permitindo texto, imagem e som em tempo real. 0 grupo Corpus Informoiticos afirma a telepresenga como uma quase-presenca, capaz de encontro e afeto, assim como de prazer estetico. De maneira oposta, o trabalho de Yiftah Peled refiete a experiencia alienada do corpo diante da falta de densidade de urn mundo cada vez mais virtual, e questiona as possibilidades de comunicacao pelo olhar e pela pele. Na Bienal de Curitiba, de 1995,
Peled mostra uma fotografia elaborada de sua pele, enquanto se ouve o ritmo de seu corageo. Seguindo esta mesma linha, outro trabalho tern por foco o ato da respiragdo. Em ambos, o tempo se refere ao registro do ritmo da vida, do tempo proprio do humano. 24 A questa° do corpo tern sido objeto de muitos estudos nos (izltimos anos, devido a prOpria relevancia que o tema assumiu em todas discussoes contemporaneas e, par isso mesmo, vem sendo pesquisada por diversas areas, como a antropologia, sociologia e psicanalise, que freqfientemente utilizam a arte como ilustracao. Pen- outro lado, grande parte das pesquisas relativas a arte tem se restringido a aspectos especificos as performances e as 'novas interees corn recursos tecnolOgicos. Neste texto, procura-se lancar urn olhar mais amplo sobre o tema, sempre a partir dos proprios contextos e discussoes artisticas, e as varias facetas que a relacao corpo/arte pode assumir: corpo e performance, corpo em imagens e midias eletr8nicas, corpo e sexualidade, corpo fragmentado e hibrido e corpo como projecao psiquica ou corporeidade.
15. CANONGIA, Ligja (ed.). Ivens Machado, o engenheiro de fcibulas. Rio de Janeiro: Pacci Imperial, 2001, • 16. BASUALDO, C. 1./ma Vanguarda Mperina. In: 'nava. New York Center for Curatorial Studies, Bart College, 1997, p.41. 17. FLECK, Robert, op. cit., p. 316. 18. MESQUITA, Ivo. Edgard de Souza, esculturas. Panorama da Arte Braiileira. Sao Paulo: MAM, 1997. 19.CHIARELLI,Tadeu. 1./ma realidade dilacerante: a product:10 de Nazareth Pacheco. Ibidem, p. 112. 20. CANONGIA, Ligia. Violencia e Paixiio. Rio de Janeiro: Museu de Axle Modema, 2002.
2r. OLIVA, F. Bressan forja estetica do ago na Thomas Cohn. 0 Estado de Sao Paulo, 15/03/02. 22.Ver CHIAREIIJ,Tadeu. Identidade/Nao-identidade, sabre a fotografia brasileira hoje. Rio de Janeiro: Centro Cultural Light 1997. 23. Ver www.corpos.org 24. PEFtAZZO, Nelly. Jogar dentro dos finites do campo: Yiftah Peled. Curitiba: Fudacao Cultural de Curitiba, 1997.
Notas FLECK, It. L'Actualite du Happenning. In: Hors Limites, Fart e la vie 1952-1994. Paris: Centre Georges Pompidou, 19912. JONES, A. Body, splits. In: WARR, T (ed.) The Artist's Body. London: Phaidon Press, 2000, p. 16. 3. 0 artista lanca novo traje de veil°, saindo pelas rims de Sao Paulo, em z 956, vestido corn saiote, blusa de nailon e meias arrastao. 4. Ver Wesley Duke Lee. Colecao Arte Brasileira Contemporanea. Rio de Janeiro: Funarte, 1980. 5. Foram incoxporados, depois, Jose' Resende, Carlos Fajardo e Frederico Nasser. 6. Vet DUARTE, Paulo Sergio. Os anos 6o, transformagao da arte no Brasil. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 1988. 7. CHIARELLI,Tadeu. Nelson Leiner, arte e nem arte. sao Paulo: Takano, 2002. I.
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8. In: Lygia Clark. Barcelona Fundaci6n AntoniTapies, 997. 9. In: FIGUEIREDO, L. Cartas. Rio de Janeiro. Ed. UFRJ, 1996, p. 223-230. ROLNIK, S. Molda-se uma alma contemporanea: o vaziopleno de Lygia Clark In: BENILTON, B. e PLATINO, C. (orgs.), Corpo, Afeto, Linguagem: a questao do sentido hoje. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2001, p. 317. Ver MATESCO,Viviane.Corpo-Cor em Hello Oiticica. XXIV Siena! de Sao Paulo. Sao Paulo: Fundacao Bienal, 1998. 12. FERREIRA, Gloria e TERRA, Paula. Situacaes Arte Brasileira anos 70. Rio de Janeiro. Casa Franca-Brasil, p. 15-28. 13 Ver www.autopsi.de 14. FREIRE, C. Artur Barrio: sictransit gloria mundi. In: Artur Barrio, a Metaforas dos Fluxos. Sao Paulo: Paco das Artes, 2000, p. 21.
CRITICA DE ARTE NO BRASIL: TEMATICAS CONTEMPORANEAS
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