O CORPO INCERTO
O CORPO INCERTO CORPOREIDADE, TECNOLOGIAS MÉDICAS E CULTURA CONTEMPORÂNEA
Francisco Ortega
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Nina Barbieri Capa
Renata Negrelly sobre ilustração de Andreas Vesalius Editoração Eletrônica
Renata Negrelly
CIP-BRASIL, CATALOGAÇÃO-NA-FONTE DO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS
O88c
Ortega, Francisco, 1967O corpo incerto : corporeidade, tecnologias médicas e cultura contemporânea / Ortega Francisco. - Rio de Janeiro : Garamond, 2008. 14x21cm; 256p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7617-140-9 1. Imagem corporal. 2. Corpo humano. 3. Beleza física. 4. Inovações médicas. I. Título. 08-0589.
CDD: 306 CDU: 316.7
A minha filha Luisa, um novo começo.
Gostaria de agradecer a uma série de pes- soas que de uma maneira ou outra contri- buíram para a realização deste livro. A minha esposa e companheira, Bethâ- nia, pelo apoio e estímulo constante e pela vida compartilhada. A meu amigo e colega, Jurandir Freire Costa, pela inspiração constante e pela amizade. Aos amigos, colegas e alunos do Instituto de Medicina Social da UERJ e do Progra- ma de Pesquisas da Ação e do Sujeito (IMS-UERJ – PEPAS), especialmente a meu amigo e colega Benilton Bezerra Jr. Muitas idéias derivam de nossos cursos e discussões. A meu amigo Fernando Vidal, do Institu- to Max Planck de História da Ciência de Berlim, e aos funcionários do Instituto, lugar de pesquisa privilegiado, que me forneceu um acesso ao material sem o qual este livro não existiria. A Bernard Andrieu, da Universidade de Nancy, pela disponibilidade e ajuda pres- tada. A meu amigo, Pepe Duran, pela leitura
cuidadosa de alguns dos textos e pelas ótimas idéias. A Mechthild Fend, do Instituto Max Plan- ck de História da Ciência de Berlim, pela sua ajuda fundamental na preparação das imagens deste livro. A Lilian Krakowski Chazan, pela leitura atenta de partes do livro. A Susan Aldworth, pela gentileza de ce- der algumas imagens usadas neste livro. Aos doutores Waldir Leopércio Junior e Gabriel Treiger, pela ajuda quando o corpo me fez interromper a escrita deste livro. A meu amigo, Marcelo Land, que no mo- mento necessário está sempre presente. Aos amigos Beni, Célia, Claudia, Gabi, Marcelo e Nando, pelos momentos feli- zes. A minha mãe, Antonia, e ao meu irmão, Luis, presentes na distância. Last but not least, à Divane, Nájla, An- dré e Nagib, pelo carinho e apoio, e pela hospitalidade pernambucana, que me faz sentir em casa. Nájla, especialmente, sempre me animou a acabar este livro.
Nosso corpo é o exemplo mais destacado do ambíguo.
William James
SUMÁRIO
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Introdução
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Do corpo submetido à submissão ao corpo
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Modificações corporais na cultura contemporânea
69
O corpo transparente: para uma história cultural da visualização médica do corpo
187
O corpo entre construtivismo e fenomenologia
231
Referências bibliográficas
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INTRODUÇÃO
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O CORPO INCERTO
INTRODUÇÃO
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“N
osso corpo é o exemplo mais destacado do ambíguo”. A observação de William James, escolhida como lema deste livro,
descreve de maneira precisa o estatuto do corpo na cultura contemporânea. Os textos que compõem este volume refletem sobre essa situação e procuram mapear instâncias diferentes, nas quais a ambigüidade corporal se apresenta. Trata-se de analisar os efeitos, na sub jetividade, do que se vem chamando de culto ao corpo, ou de cultura somática, e, em especial, o fato paradoxal de que o aumento de controle e atenção sobre o corpo produz uma maior incerteza sobre ele. Assistimos a numerosas tentativas de mudar o corpo, de personalizá-lo, que abarcam desde o fisiculturismo, as cirurgias plásticas, a arte corporal, até formas mais radicais de modificações corporais, que incluem amputações voluntárias de membros. O corpo tornou-se o espaço da criação e da utopia, um continente virgem a ser conquistado. No fundo, poucos estão totalmente satisfeitos com o corpo que têm, e se podemos melhorá-lo e possuímos a tecnologia e os recursos suficientes, por que não aperfeiçoá-lo? Precisamente devido à sobrevalorização e ao enorme investimento simbólico que vem sofrendo, o corpo tornou-se objeto de desconfiança, receio, angústia, insegurança e mal-estar para muitos: aceitamos apenas o corpo em transformação, em mutação constante. Uma suspeita do corpo que se transfigura em “pavor da carne”, desconfiança da materialidade corporal e desejo de sua superação. O corpo é o abjeto; a abjeção, neste contexto, deve ser entendida como rejeição corporal da corporeidade, que encontramos em vários modelos corporais de nossa cultura: desde os ideais descarnados de pureza digital das modelos fotográficas, das quais a mínima gordurinha é digitalmente eliminada, até os diversos projetos
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em realidade virtual, inteligência artificial, pós-humanismos e a arte carnal de Orlan e Sterlac. Este último milita pela obsolescência do corpo e a superação das limitações que a corporeidade nos impõe, prolongando, assim, a longa tradição do pensamento ocidental de desprezo do corpo e de separação da mente e do corpo. Analogamente, na tecnobiomedicina contemporânea, os corpos são progressivamente virtualizados. O uso crescente de novas tecnologias de visualização, associado ao desenvolvimento de anatomias e clínicas virtuais, se adequa a uma prática médica cada vez mais digitalizada, levando a ultrapassar os limites entre o corpo real e o virtual. O virtual não é mais o oposto do real, aparece como seu prolongamento, e o corpo é basicamente uma imagem que se apresenta dotada de materialidade, em concorrência com a materialidade real do corpo físico. Trata-se de um corpo construído, despojado de sua dimensão subjetiva, descarnado. O corpo obsoleto da arte carnal encontra o corpo obsoleto produzido pelas tecnologias de visualização médica. Também nos debates acerca do estatuto do corpo reencontramos esse mesmo modelo descarnado, presente em diversas variantes do construtivismo social que rejeitam a sua materialidade e experiência subjetiva. Acreditamos que uma certa desconfiança e ansiedade frente a nossa corporeidade estão operando tanto em diversos ideais de corpo disponíveis na nossa cultura, como no corpo fornecido pelas tecnologias médicas e nas reflexões de múltiplas versões de construtivismo. Este livro transita por esses campos diversos – o culto ao corpo, as modificações corporais, a visualização médica e os debates sobre o corpo – refletindo sobre os elementos comuns e alertando sobre os riscos éticos e psicológicos envolvidos no desprezo da corporeidade e seus efeitos na construção subjetiva.