O Cinema Da Poesia PDF
October 11, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Rosa Maria Martelo
O CINEMA DA POESIA
DOCUMENTA
L’homme est le seul être qui s’intéresse aux images en tant que telles. Giorgio Agamben, Image et Mémoire
PREÂMBULO
Poesia: imagem, cinema
Que carga e equilíbrio de forças são esses que atravessam sa m o un univ iver erso so lílíri rico co,, as su suas as am amea eaça çass e im imag agen ens, s, e no noss depõ de põem em na ór órbi bita ta da pa pala lavr vra, a, da fig figur uraç ação ão,, da mú músi sica ca?? Herberto Helder , «O Nome Coroado»
1.
Os ensaios reunidos neste livro constituem diferentes tentativas de apro ap roxi xima maçã çãoo ao aoss pr proc oces esso soss de fazer ima imagem gem na po poes esia ia mo mode dern rnaa e co cont ntem em-porân por ânea ea.. Em Embo bora ra tra traba balhe lhem m ob obra rass e qu ques estõe tõess dif difer eren enci ciad adas as,, tod todos os in incid cidem em sobre formas de conceber e articular as imagens na poesia, ou sobre os modos como o te texxto po poééti ticco se pe pennsa em diálogo co com m outras art rtees da imagem, especialmente o cinema. O carácter plural, proliferante, da imagem na poesia de tradição moderna sugere com frequência relações de intermedialidade com a imagem em movimento produzida tecnicamente, e essa é uma questão que este conjunto de ensaios privilegia, embora enquadrando-a num espaço de reflexão mais amplo. Quando são tidos em conta os diálogos da poesia com o cinema, a prese pr esença nça tem temáti ática ca do uni unive verso rso cin cinem emato atográ gráfico fico é nor norma malme lmente nte de desta stacad cada, a, pelo que ganham especial relevância os poemas dedicados a filmes, realizado za dorres e ac acto torres es,, ou os po poem emas as qu quee fu func ncio iona nam m po porr pr proc oces esso soss ec ecfr frás ástitico coss e por transposição narrativa. Basta folhear uma antologia dedicada às relaPreâmbulo •
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ções entre a poesia e o cinema — por exemplo o volume Viento de Cine (Conget, 2002), que percorre a poesia espanhola de expressão exp ressão castelhana de 1900 a 1999, ou The Faber Book of Movie Verse (French (French e Wlaschin, 1994), que reúne selecção deaspoesia emoslíngua inglesa para pa ra en enco cont ntra rar r umuma vas asto toextensa conj co njun unto to de po poem emas insp in spir irad ados pela pe la me memó móri riaa — do cine ci nema ma e pe pela la ex expe peri riên ênci ciaa de es espe pect ctad ador or.. Sã Sãoo mu muit itos os os po poem emas as qu quee fa fala lam m de fil film mes es,, cl clás ássi sico coss ou nã não, o, do ac acto to de fil filma marr, da dass sa sala lass de pr proj ojec ecçã ção, o, da dass di di-vas do cinema, de realizadores, e assim por diante. E também são muitos os ex exem empl plos os de po poem emas as qu quee pa part rtem em de im imag agen enss mu muititoo co conc ncre reta tas,s, ex extr traí aída dass de obr obras as cin cinem emato atogr gráfic áficas as esp especí ecífica ficas,s, poe poema mass que têm uma dim dimen ensão são ecfrástica e descrevem planos ou sequências fílmicas identificáveis. No caso da poes po esia ia (Frias, port po rtug ugue uesa sa,, en entr tre e os te text xtos os anto an tolo logi giad ados os predominam no vo volu lume me Poemas Cinema (Frias, Martelo, Queirós, 2010) também essas com formas de diálogo: no seu conjunto, a secção «Depois do filme», que reúne textos articuláveis com diversos filmes, e a secção seguinte, dedicada a vários tipos de homenagens a realizadores e actores, congregam a maior part pa rtee do doss po poem emas as co coliligi gido dos,s, es escr crititos os po porr po poet etas as qu quee re repr pres esen enta tam m vá vári rias as ge ge-rações. Jorge de Sena, Eugénio de Andrade, Mário Cesariny e Alexandr Alexandree O’Neill, O’Ne ill, mas também Gastão Cruz, Ruy Belo, Manuel António Pina, ou Adília Adí lia Lope Lopes,s, Man Manuel uel de Frei reitas tas e Jo José sé Migu Miguel el Sil Silva, va, são algu alguns ns dos nome nomess que podemos ver represe representados ntados nessas secções. Há, no entanto, um outro tipo de relação entre a poesia e o cinema (maisis pr (ma preci ecisam sament ente, e, en entre tre umacertapoesia e um ce )que,sendoemcert rtoo ci cine nema ma )que,sendoembora menos fácil de reconhecer e antologiar, tem consequências mais profund fu ndas as,, po porq rque ue di dizz res espe peititoo às cu cump mplilici cida dade dess en entr tree du duas as ar arte tess qu quee pa part rtililha ham m umaa ex um exte tens nsaa e mu multltím ímod odaa re refle flexã xãoo so sobr bree os pr proc oces esso soss de fa faze zerr im imag agem em.. Her er-berto Helder, Carlos de Oliveira, Luiza Neto Jorge, Al Berto, Luís Miguel Nava,, Fe Nava Fernando rnando Guerreiro ou Manuel Gusmão desenvolvem formas de in12
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termedialidade situáveis nesse plano, que este livro procura apreender. Embora tecnicamente, mais do que ontologicamente, o termo imagem signifiquee al qu algo go de su subs bsta tanc ncia ialm lmen ente te di dife ferren ente te pa para ra ca cada da um umaa da dass du duas as ar arte tes,s, as co conncepções de dade imagem eque) os )processos deumapro relação entre as desco des conti ntinui nuida de,, cho choque configu con figuram ramuma proble blemá mátic ticaaimagens quelhe que lhess(transição, é com comum. um. Após uma extensa análise comparativa envolvendo o confronto do cinema com a pintura e com o teatro, Noël Carroll responde à pergunta «o que é o cinema?» centrando-se no facto de este ser uma instância da imagem em movimento e preencher preencher,, portanto, as seguintes condições: (…) co (…) cons nsid ider eram amos os qu quee al algo go é um umaa in inst stân ânci ciaa da im imag agem em em mo movi vime ment ntoo se se,, e apenas se, (1) é uma apresentação autónoma numa série de apresentações; (2) pertence à classe das coisas cuja impressão de movimento é tecnicamente possível; (3) as suas ocorrências [tokens] performativas performativas são geradas por matrizes que também são já ocorrências; (4) as suas ocorrências performativas performativ as não são em si mesmas objectos artísticos; artísticos; e (5) é uma apresentação bidimensional. (Carroll, 2008: 78)
Se nos ativermos a este tipo de definição d efinição da imagem em movimento — e recorde-s -see que Carroll pr preefere a noçã çãoo de «movin ingg im imaage» à de «m «mooving picture», por aquela lhe permitir pôr de parte a ideia de representação associada ao termo «picture» (cf. Carroll, 2008: 63) —, de imediato se tornarão evidentes as diferenças entre a imagem poética e a imagem em movimento da qual o cinema é uma instância. Mesmo tendo em conta os modos como a imagem poética pode apropriar-se da ideia de movimento, as condições técnicas relativas à produção e actualização actuali zação das imagens em movimento — que, tal como são definidas por Carroll, não excluem meios de produção como o vídeo — e ainda a bidimensionaliPreâmbulo •
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dade da imagem, bem como a su suaa act ctua ualliza zaçção so sobb a fo forrma de tokens ,pa, parecem colocar-nos, de facto, muito longe do campo da poesia e da condição verbal das suas imagens. E no entanto, são muitos os casos em que acomo poesia, ou maisquer rigorosamente alguma poesia,fantasmática poesia, a si mesma se apresenta apresen ta s «cinema», acentuando a condição fantasmá tica das imagens imagen verbais, quer reivindicando pelo menos dois dos aspectos salientados sali entados por Carroll: a produção de imagens não-estáticas e a condição encadeada dessas imagens. Muito concretamente, esta analogia surge em poéticas que assentam na produtividade da imagem, entendida esta última tanto no se sent ntid idoo qu quee a retó tóri rica ca at atri ribbui a es este te te term rmoo qu quaant ntoo na ac acep epçã çãoo ma mais is la lata ta de uma produção verbal conduzida por poéticas do «olho da mente» (Collins, 1991). Se Robert Bresson definiu o cinematógrafo como «uma escrita com imagens em movimento e sons» (2000: 17), simetricamente também há uma escrita (uma poesia) que a si mesma se define como um cinematógrafo com sons e imagens em movimento.
2.
A este nível, talvez o interesse interesse da poesia poesia pelo pelo cinema cinema se tenha desendesenvolvido paralelamente a uma certa cumplicidade entre o cinema de vanguarda dos anos 20 e o discurso poético. Fernand Léger ( Ballet Mécanique , 1924), Marcel Duchamp ( Anémic Anémic Cinéma , 1926), Hans Richter (Rythme 21, 1921) e Man Ray (Retour à la Raison, 1923; Emak Bakia , 1926), para dar alguns exemplos, foram sensíveis à criação de uma «música visual», assente na composição rítmica (não narrativa) das imagens de matriz dadaísta, à qual a ideia de poesia estava subjacente. Emak Bakia , de Man Ray, que se auto-designava como «Cinépoème», procurava captar a vibração, o dinamismo, as tensões entre as formas, através de re14
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lações rítmicas. E Germaine Dulac ambicionava um cinema que se apresentasse como «sinfonia visual» (apud Grilo, Grilo, 2007: 52), propondo-o em equações como esta: O filme integral que todos desejamos compor é uma sinfonia visual feita de imagens ritm tmaadas e que só a sen enssaç ação ão de um ar arttista é capaz de coorden enar ar e de col olooca carr no ec ecrrã. Nã Nãoo é a pe perrso sona nage gem m a co coiisa mai aiss impo port rtan ante te do cinnem ci ema, a, mas si sim m a rel elat atiivid idaade das imag agen enss en entr tree si e, co com mo em to toddas as outras artes, não é o facto exterior que verdadeiramente interessa, mas a emanaçã na çãoo in inte teri rior or,, um ce cert rtoo mo movi vim men ento to da dass co cois isas as e da dass pe pess ssoa oass vi vist stoo at atra ravé véss de um estado de alma. É esta a verdadeira essência da sétima arte. (Ibid.)
Neste mesmo contexto, ao promoverem promoverem uma ideia de poesia que autonomizava o acto poético da sua concretização verbal, os surrealistas abriam caminho a que a imagem poética pudesse encontrar no cinema um modo natural de realização. Isso mesmo era já antevisto por Apollinaire em «L’esprit nouveau et les poètes» (1917), quando anunciava a morte do livro e a transposição da poesia para novos suportes materiais: «Pode-se ser poeta em todos os domínios: basta ser-se aventureiro e partir à descoberta», argumentava (Apollinaire, 1991: 950). E na década de 20, Jean Epstein, desenvolver, a partir Louis Delluc,1924), o conceito de fotogenia («De ao («De quelques conditions de ladephotogénie», pôde mesmo concluir que o cinema seria a poesia verdad verdadeira. eira. E tão verdad verdadeira eira quanto a visão: «O cinema é o mais poderoso meio da poesia, o meio mais verdadeiro para o que não é verdadeiro, para o irreal, o “surreal” como diria Apollinaire» (Epstein, 1993: 318).
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Man Ray, Emak Bakia , 1926
Do po ponnto de vis ista ta teórico co,, as afinidades entr tree o cinema e a poesia fo fo-ram sublinhadas desde cedo. Lembremo-nos da importância de que se revestiu o estudo do haiku para Eisenstein e de como o cineasta reconheceu, na tensão imagética desta forma poética, um princípio de construção a transferir para a montagem dialéctica que iria desenvolver no cinema (cf. Eisenstein, 1977: 31-32); ou recor recordemos demos a importânc importância ia dada pelos formalistas russos às afinidades entre o cinema e a poesia, nos en16
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saios reunidos em Poetica Kino. Logo em 1927, Iouri Tynianov escreveu, em «Os fundamentos do cinema»: No cinema, os planos não se «desenrolam» numa ordem sucessiva, por um desenvol desenvolvimento vimento progressivo, progressivo, eles alternam. É esse o fundamento da montagem. Os planos alternam da mesma maneira que um verso sucede a outro, ou uma unidade métrica a outra, sobre uma fronteira precisa. O cinema desenvolve-se por saltos de de um plano a outro, tal como a poesia de um verso a outro verso. Por estranho que pareça, se quisermos estabelecer uma analogia entre o cinema e as artes da palavra, a única relação legítima legítima será não entre o cinema e a prosa, mas entre o cinema e a poesia. (…) O carácter «saltante» do cinema, o papel que nele detém a unidade do pl plan ano, o, a tr tran ansfi sfigu gura raçã çãoo se semâ mânt ntic icaa qu quee ne nele le so sofr frem em os ob obje ject ctos os qu quot otid idia iano noss (no verso: as palavras; no cinema: as coisas) aproximam o cinema da poesia.
Noutro dos ensaios de Poetika Kino, «Poesia e prosa no cinema», Chklovski distinguiria, por sua vez, um cinema de poesia de um cinema de prosa, acentuando no primeiro a prevalência das soluções formais em detrimento do enredo (in Albéra, 1996: 139-142). Fortalecia-se, assim, um trânsito multímodo entre cinema e poesia. T ambém contexto da vanguarda norte-americana, recordar, dar , entreno muitos exemplos, exempl os, os intertítulo intertítulos s com versospoderíamos de Whitman em diál di álog ogoo co com m im imag agen enss de Nova Ior orqu quee em Manh Manhatta atta , de Ch Chaarles Sheeler e Paul Strand (1921); e, de um modo geral, sabemos que são múltiplas as afini afi nida dade dess en entr tree as du duas as ar arte tess na nass pr prim imei eira rass va vang ngua uarrda das, s, ex expl plor orad adas as nu numa ma resposta idêntica e partilhada ao desenvolvimento técnico e à velocidade da no nova va ex expe peri riên ênci ciaa ur urba bana na (c (cf.f. Vi Villllan anue ueva va,, 20 2008 08).). Num es estu tudo do de dedi dica cado do às relações entre a poesia e o cinema independente, Scott MacDonald mostra que, depois da Segunda Guerra Mundial, a vanguarda francesa foi Preâmbulo •
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muitas vezes recordada pelos cineclubes norte-americanos em programas que enfatizavam a relação entre o cinema e a poesia (MacDonald, 2007). Em 1946, a associação Art and Cinema organizava organizava em São Francisco uma sessão intitulada «Poetry in Cinema», apresentando Le sang d’un Poète , de Cocteau (1930) (cf. MacDonald, 2007: 5). Não muito mais tarde, em 1958, em «Cinema as an instrument of poetry», Luis Buñuel falaria ainda do cinema como «instrumento de poesia», enfatizando «tudo quanto, esta últitima úl ma pa pala lavr vra, a, co cont ntém ém de se sent ntid idoo lilibe bert rtár ário io,, de su subv bver ersã sãoo da re real alid idad ade, e, pa passsagem para o maravil maravilhoso hoso mundo do subconsci subconsciente, ente, e inconformismo perante a sociedade restritiva restritiva que nos rodeia» (apud MacDonald, MacDonald, 2007: 6). E na década de 60, as in inte terracçõ çõees entr tree os ch cham amad adoos New Americ icaan Poets e o cinema de vanguarda, ou «underground», foram inúmeras, evidenciando o rec ecur urso so a té técn cnic icas asco comu muns ns,, co como momo most stra raDa Dani niel elKa Kane neem em WeSawtheLight (2009), ao analisar a produtividade do intercâmbio mantido por Robert Cree Cr eele leyy e Sta tann Bra rakh khag age, e, ou po porr Fra rank nk O’ O’Ha Hara ra e Al Alfr fred ed Le Leslslie ie,, en entr tree ou outr tros os..
3.
A relação entre imagem, movimento movimento e tempo assume um papel de relevo quando a poesia moderna ou herdeira da tradição moderna se pensa emdeslocação, diálogo com cinema: T«O cinema da pintura a acção latente de de opercurso. ome-se umextrai poema: não há diferença», escreverá Herberto Helder na década de 70, num texto hoje recolhido em Photomaton & Vox (2006: (2006: 142), depois de defender explicitamente que «qualquer poema é um filme», e que, na poesia, «o único elemento que importa é o tempo, e o espaço é a metáfora do tempo» ( idem: 140), perspectiva que transporta a ideia de imagem em movimento para o âmbito bi to da dass im imag agen enss ve verb rbai ais. s. Co Com m ef efei eito to,, se Her erbe bert rtoo Hel elde derr fa fazz de depe pend nder er as imagens verbais do ritmo, e portanto do corpo e da voz, é precisamente 18
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porque elas são entendidas como uma emergência da matéria em movimento: som, isto é, tempo — «a ressurreição do instante exactamente exactamente anterior à morte» (ibid .).) — e imagem. Som (traduzindo-se) em imagem. Mas,s, o po Ma poet etaa ta tamb mbém ém su subl blin inha ha qu quee «[ «[a] a] im imag agem em mu multltip iplilica ca a co cons nsci ciên ênci cia» a» (2009: 429), e as múltiplas referências que faz à morte (juntando assassínio e assinatura para sugerir a radicalidad radicalidadee do processo de des-subjectivação inerente ao acto poético) podem ser entendidas neste contexto, porquanto registam um efeito decorrente do fluxo das imagens no poema. Reco Re cord rde-s e-see que es essa sa me mesm smaa de des-s s-sub ubje jecti ctiva vaçã çãoo er era, a, de re resto sto,, pr prem emed edita itada da-mente procurada pela vanguarda dadaísta no cinema através da valorização da imagem fragmentária em detrimento da narratividade. Como faz notar Philippe-Alain Michaud, Hans Richter recordava, num texto de 1961, a «chasse au sujet» levada a cabo pelos dadaístas, evocando-a no duplo sentido de uma «caça» ao sujeito da acção (acepção lógica) e de uma «caça» ao assunto da intriga (cf. Michaud, 2005: 3). A cumplicid cumplicidade ade entre a ideia de imagem explicitada por Herb Herberto erto Helder e a imagem em movimento do cinema talvez resulte mais nítida se a contrastarmos com a noção de poesia emblemática proposta por Diderot em 1751, na sua «Lettre sur les sourds et les muets»: O discurso poetaQue é, então, atravessado por um aespírito quealgumas move e anima todas as do sílabas. espírito é esse? Senti-lhe presença, vezes: mas tudo quanto sei é que, graças a ele, as coisas são ditas e representadas ao mesmo tempo; enquanto o entendimento as apreende, deixa-se a alma comover por elas, vê-as a imaginação e recebe-as o ouvido; e o discurso deixa de ser um conjunto de termos energéticos que expõem o pensamento com força e nobreza para se transformar numa tessitura de hierógli fos, encaixados encaixados uns nos outros, que o pintam. Nes Nessa sa medida, medida, poderia dizer que que toda a poesia é emblemática. Preâmbulo •
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Mas a intelecção do emblema poético não é dada a qualquer pessoa. Para o sentir profundamente é preciso estar quase em estado de o criar. (…) (Diderot, 1875: 374 — destaques meus)
Para Diderot, Diderot, as imagens da poesia poesi a (em sentido retórico estrito, estrit o, mas também numa ambição mais lata de visão e de forma, subjacente, de resto, à imagem tal como é definida pela retórica) seriam construídas sobre a sugestão do sensível, pintariam o pensamento recorrendo a um tecido de hieróglifos encaixados uns sobre os outros. Mas, se esta concepçãoo ai çã aind ndaa es esta tará rá pr pres esen ente te na tr trad adiç ição ão da po poes esia ia mo mode dern rna, a, el elaa ta tamb mbém ém se será rá problematizada em função da condição evanescente, virtual, imaterial da imagem poética, e sobretudo em função da condição sempre plural das imagens na poesia. E digo sempre plural plural porque, na poesia, a imagem ou é gerada por um princípio metafórico, que inevitavelmente a pluraliza, ou surge em articulações metonímicas, e portanto por encadeamento e/ou colisão — uma outra forma de multiplicidade. A importânc importância ia atribuída por Her Herberto berto Helder à rela relação ção entre imagem ge m e te temp mpoo im impl plic icaa um umaa id idei eiaa de mo movi vim men ento to qu quee po pode de se serr co colo loca cada da em paralelo com um comentário retrospectivo de Ezra Pound em ABC of Reading (1 (193 934) 4) ac acer erca ca da dass fa falh lhas as do pr prim imei eiro ro im imag agis ismo mo.. Pou ound nd ob obse serv rvaa o errro de se te er terr val alor oriz izaado a im imag ageem es está táti tica ca em de detr trim imen ento to da im imag agem em em movimento, erro de que teria resultado uma desnecessária separação entre imagem (erradamente (erradamente tida como fixa) e acção ( pr praxis axis , tempo, movimento). Para Pound, Pound, a imagem poética é, em si mesma, imagem em movimento, não uma imagem à qual o movimento possa ser acrescentado: A derrota da propagan propaganda da imagis imagista ta inicia iniciall não radico radicouu em asserçõe asserçõess inexactas, mas sim em asserções incompletas. Os detractores tomaram o sentido mais acessível e mais fácil e pensaram somente na imagem estática. Se 20
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não se co não cons nseg egui uirr pe pens nsar ar o im imag agis ism mo ou a fa fano nope peia ia co como mo in inte tegr gran ando do a im imaagem em movimento, ter-se-á que fazer uma divisão inteiramente desnecessária entre imagem fixa e práxis ou acção. (Pound, 1960: 52)
Deleuze dizia não compreender que a filosofia não se interessasse pelo cinema, quando o que ela pretendia era integrar o movimento no pensamento, tal como, paralelamente, o cinema o integrava na imagem (Deleuze, 1990: 82). Ora, o que podemos observar em muita da poesia modernista, e na poesia que depois assimilou os modernismos, é precisamente essa tentativa de integrar o movimento no pensamento, mas atravéss da im vé imag ageem verb rbaal. Pens nseemos no breve po poeema «I «Inn a Sta tati tioon of th thee Metro», de Pound, na sua primeira versão ( Poetry , 1913): The ap The appa pari riti tion on of th thes esee fa face cess in th thee cr crow owdd : Pet etal alss on a wet et,, bl blac ackk bo boug ughh . (Pound, 2005: 22)
Apesar de dialogarem dialogarem com o efeito de suspensão ou congel congelamento amento da imagem próprio do haiku, os dois versos integram o movimento na passagem da primeira imagem, perceptiva percepti va e descritiva (uma imagem que já de si capta o movimento), movimento), para a segunda. O poema faz-se da tensão entr en tree as du duaas, e da rela laçã çãoo de equ quiv ivaalên ênccia qu quee as ar arti ticu cula la,, mas man ante tend ndoo-as autónomas, de modo semelhante a um plano fílmico ao qual se seguisse um segundo plano que retomasse o primeiro e lhe acrescentasse um efeito de sobreimpressão. O que é magnífico nos dois versos de Pound é a transição imagética de um para o outro, sendo nessa transição que o vínculo entre exterioridade objectiva e interioridade subjectiva se estabelece, para recordar os termos do poeta em «Vorticism» (Fortnightly Review , XCV CVI, I, Set etem embr broo de 19 1914 14,, i inn W Wacior acior,, 2007:18 2007:18).). Como é sabido, Preâmbulo •
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em «A Few Do Donn’ts ts», »,1 Pou ound nd de defin finiu iu su suci cint ntam amen ente te a im imag agem em co como mo «o qu quee apresenta un complexo intelectual e emocional num instante de tempo» (in Cook 2004: 84). Mas esse «instante» só pode ser sugerido pela transitrans ição entre as imagens, pela sua fugaz sobreposição, e portanto nunca por uma única imagem. Toda a argumentação de Pound, quando explica como só ao fim de um ano, e de muitas tentativas, chega a esta espécie de sent ido: «O “poema de uma só imagem” imagem” é uma forma de haiku, vai neste sentido: sobreposição, sobre posição, ou seja, uma ideia sobreposta a outra ideia» escreve escreve ainda em «V «Vor ortitici cism sm», », su suge geri rind ndoo qu quee um umaa im imag agem em só in inte terres essa sa à po poes esia ia qu quan ando do é desdobrável noutras imagens, e/ou articulável com outras imagens.
4.
Será de realçar, então, que, para a poesia moderna, como para o cinema, o foco de interesse nunca está em pensar a imagem, uma imagem, mas sim em potenciar o fluxo das imagens e as relações que estas mantêm entre si. «Uma im imaage gem m nun unca ca su surrge is isol olad adaa. O que con onta ta é a relaç ação ão entr tree as im imag agen ens» s»,, le lemb mbra ra Del eleu euze ze (1 (199 990: 0: 75 75).). E es esta ta é, ce cert rtam amen ente te,, um umaa qu ques estã tãoo fulcral na poesia moderna ou herdeira da tradição moderna. Veremos adiante, no estudo dedicado a Fernando Pessoa, que já em 1912, nos ensaios em A Águia , Pessoa era sensível a esta questão, ao prever que opublicados futuro da poesia portuguesa passaria pela aceleração do processo de articulação das imagens cujo fluxo deveria atingir uma rapidez até então desc de scon onhe heci cida da.. Es Essa sa he hera ranç nça, a, ob obvi viam amen ente te nã nãoo ap apen enas as pe pesso ssoan ana, a, fo foi,i, se sem m dú dú-vida, determinante para a evolução da poesia portuguesa do século XX. Herberto Herbe rto Helder refere-se várias vezes à condição plural das imagens na po poes esia ia,, us usan ando do ex expr pres essõ sões es co como mo «c «col olar ar de pé péro rola las» s» (H (Hel elde derr, 20 2006 06:: 13 139) 9) ,
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«A Few Don’ts», Poetry , I-6, 1913, retomado em «A retrospect» (1918).
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ou «e «enx nxam ames es da dass im imag agen ens» s» (2 (200 009: 9: 40 401) 1) pa para ra su suge geri rirr a su suaa mu multltip iplilici cida dade de.. Sem que possamos decidir se fala do cinema ou da poesia, escreve: «Aliment me ntam amoo-no noss de im imag agen enss em emen enda dada das», s», afi afirm rman ando do de depo pois is qu quee «a im imag agem em (…) é uma gramática profunda no sentido em que se refere que o desejo é profundo, e profunda a morte, e a vida ressurrecta» (Helder, 1998: 8). Mas já Rimbaud, numa carta que viria a ser determinante para a leitura crítica da tradição da poesia moderna, formulava a seguinte poética da cria cr iaçã çãoo (e (em m 18 1871 71,, e, ob obvi viam amen ente te,, ma mais is de du duas as dé déca cada dass an ante tess da in inve venç nção ão do cinematógrafo dos Lumière): Eis o que me parece evidente: assisto à eclosão do meu pensamento: vejo-o, ouço-o: dou uma arcada: a sinfonia estremece nas profundezas ou entra de súbito em cena. (Rimbaud, 1999: 242 — destaques meus)
A caracte caracterizaçã rizaçãoo do acto de criação poética enqua enquanto nto proce processo sso de assistir à eclosão do pensamento vendo-o e ouvindo-o — e portanto não tant ta ntoo na co cond ndiç ição ão de pr prod odut utor or,, ma mass en enqu quan anto to es espe pect ctad ador or de um umaa ba band ndaa-imag -im agem em ar artic ticul ulad adaa com uma ba band nda-s a-som om (a (ate tente nte-se -se ta tamb mbém ém na su suge gestã stãoo de plu plura ralid lidad adee in intr trod oduzi uzida da pel pelaa pa palav lavra ra sinfonia na asse asserção rção rimb rimbald aldian iana) a) — configura uma descrição que pode considerar-se essencial para a estr trut uraç ação ão da idei id eia a de po poes esia ia mode mo dern rna e ta tamb mbém ém pa para ra a su suaa ap apr rox oxim imaç ação ão aoutur cinema: nela, podemos observar a arelação entre imagem, movimento e te temp mpoo (m (mus usic ical al). ). Qu Quan ando do,, ce cerrca de um sé sécu culo lo de depo pois is,, Her erbe bert rtoo Hel elde derr fala fa la,, em «A «Ant ntro ropo pofa fagi gias as», », de «u «uma ma es espé péci ciee de ci cine nema ma da dass pa pala lavr vras as»» pa para ra se referir «a um novo universo ao qual é possível assistir as sistir / “ver” / como se vê o que comporta uma certa inflexão / de voz» (Helder, 2009: 274), podemos surpreender nestes versos uma ideia de poesia sem dúvida devedora da formulação de Rimbaud acima referida. E importa sublinhar que esta últitima úl ma nã nãoo se tr trad aduz uz ap apen enas as nu numa ma po poét étic icaa da pr prod oduç ução ão,, en envo volv lven endo do ta tammPreâmbulo •
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bém uma poética da recepção, o que é importante para o posterior diálogo da poesia com o cinema em função da experiência de assistir à pro jecção de filmes. filmes.2 Por ou outr troo la lado do,, na na narr rrat ativ ivaa de Ri Rimb mbau aud, d, o pe pens nsam amen ento to em emer erge ge co como mo imagem também na medida em que se apresenta livre de uma visão positiva, delimitada pelas capacidades ópticas humanas: emerge como visão alucinada, como possibilidade filmofânica, não como uma reactualização descritivista do visto. Ou seja, surge como cinema também no sentido de implicar uma espécie de supra-visão, uma visão descentrada (e recorde-se que falamos de uma das cartas em que Rimbaud equaciona o processo de alterização como condição da poesia). Nessa medida, poderíamos pensar no que sublinha João Mário Grilo, em As Lições do Cinema : O olho do cinema é justamente justament e um olho surreal, não por ser se r um «olho surr su rreal ealis ista» ta»,, ma mass por est estar ar do dotad tadoo de pr prop opri rieda edades des ana analílític ticas as in inum umana anas, s, so so-bre-humanas, por ser um olho objectivo capaz de, pela primeira vez, publicar a intimidade mais secreta das coisas. (Grilo, 2007: 59)
Isto mesmo tinha observado Walter Benjamin, em «A obra de arte na época da sua possibilidade de reprodução técnica» (1935-38), a propósito do papel de recursos técnicos específicos do cinema, como o grande plano e a câmara lenta. «Assim se torna evidente que a natureza que fala à câmara é diferente da natureza que fala aos olhos», escrevia Benj Be njam amin in (2 (200 006: 6: 23 233) 3),, pa para ra de depo pois is es esta tabe bele lece cerr um pa para rale lelo lo en entr tree câ câma mara ra e inconsciente óptico, por um lado, e psicanálise e inconsciente pulsional, por outro (idem: 234). Pela mesma época, as considerações de H.D. e Bryher nos artigos que publicaram na revista Close Close Up (1927-1933) 2
Cf. infra , «Na sala escura», p. 167.
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também acentuavam fortemente este tipo de relação, como sublinha Laura Marcus (1998:100).
5.
Em «P «Par arle lerr, ce n’e ’est st pa pass voi oirr» — um br breeve diá iálo loggo in incl cluí uído do em L’En pelo qual Deleuze tinha, significativamente, especial preditretien Infini pelo lecção —, Maurice Blanchot recupera esta tradição poética, de novo muit mu itoo vi viva va no noss an anos os 60 60,, en enfa fatitiza zand ndoo a lilibe berrda dade de de vi visã sãoo co cons nseg egui uida da at atra ra-vés da palavra. Falar não é o mesmo que ver, observa Blanchot: «[f]alar lilibe berta rta o pe pens nsam amen ento to da daqu quel elaa ex exig igên ênci ciaa óp óptitica ca qu que, e, na tr trad adiç ição ão oc ocid iden enta tal,l, condiciona há milhares de anos a nossa aproximação às coisas e nos convida a pensar sob a garantia da luz, ou sob a ameaça da ausência de luz» (Blanchot 1969: 38). E o diálogo prossegue nestes termos: — (…). A linguagem actua como se pudéssemos ver a coisa de todos os lados. — E é então que a perversão começa. A palavra deixa de surgir como como palavra e passa a apresentarapresentar-se se como uma visão livre das limitaçõ limitações es da vista. Não como um modo de dizer, mas como uma maneira transcendente de ver. (Idem: 40)
Encontramos aqui uma questão fulcral para o entendimento da imagem na poesia moderna. A ideia — «perversa», diz o texto de Blanchot — de que a linguagem nos permitiria ver a coisa de todos os lados (como se a palavra se transformasse em visão livre de constrangimentos, como se pusesse de parte o dizer em favor de uma maneira transcendente de ver) remete me te pa para ra um umaa lo long ngaa tr trad adiç ição ão id idea ealilist sta, a, mu muititoo pa part rtic icul ular arme ment ntee pa para ra as te teoorias românticas da imaginação e para o seu afastamento relativamente ao Preâmbulo •
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empirismo lockiano empirismo lockiano.. Com os românti românticos, cos, resume W.J.T .J.T.. Mitchell, «a imagem [image] sublimada, abstraída, desloca e integra a noção empirista de imagem verbal enquanto representação transparente da realidade material, tall co ta como mo an ante tess a im imag agem em [p [pic ictu turre] in inte tegr grar araa as fig figur uras as de ret etór óric ica» a» (M (Mititch chel ell,l, 1987 19 87:: 25 25).). A es este te ní nívvel el,, po pode derrem emos os de deliline near ar um umaa im impo port rtan ante te ma matr triz iz pa para ra as noçõ no ções es de im imag agem em de dese senv nvol olvi vida dass na po poes esia ia de tr trad adiç ição ão mo mode dern rna. a. Com efeito, Maurice Blanchot não se limita a pôr de parte essa ess a contraprova da luz, do visível; o que ele recusa é o par visível/invisível em em si mesmo, para valorizar o acontecimento indescritível, aquele que prescinde inteiramente de uma função de representação e duplica o uso da linguagem numa meditação acerca dos usos da linguagem: Para levarm levarmos os às úl últim timas as co conse nsequ quênc ência iass o rig rigor or desta desta frase: frase: «Fala «Falarr não é o mesmo que ver…», devemos alargar-lhe o âmbito ao ponto de nela incluirmoss as nossas próprias palavras e pensamentos. Não devemos pensar cluirmo como se víssemos o acontecimento. O acontecimento não é o advento de algu al guma ma co cois isa. a. Nã Nãoo é um ob obje ject ctoo di dito to,, ma mass an ante tess o movi vim men ento to de di dize zerr qu quee é efectuado pelo acontecimento em si mesmo. (Janvier s.d.: 8-9)
Pre rete tend nden endo do co colo loca carr em ev evid idên ênci ciaa os po pont ntos os de co cont ntac acto to en entr tree o pe pennsamento de Blanchot e o de Deleuze, Antoine Janvier, que acabo de citar, conclui que falar não seria, então, ver, mas fazer com que se veja («faire voir») (cf. idem: 13): Donner à voir , como resume um título de Paul Éluard Élua rd (1939). (1939). Estaría Estaríamos, mos, assim, assim, ao níve nívell de um «de-fora «de-fora»» da linguage linguagem m (que (q ue nã nãoo lh lhee é ext xteeri rioor, mas que é a ext xteerio iorrid idaade da lilinngua uage gem m3), no qua quall visão e audição poderiam funcionar num registo livre, tanto da domiDeleuz Dele uzee te tem m em co cont ntaa o en ensa saio io «L «Laa pe pens nsée ée du de deho hors rs», », de dedi dica cado do po porr Fou ouca caul ultt à le leit itur uraa de Blanchot (Critique , nº 229, 1966). 3
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nância do ocularcentrismo (Jay, 1993) quanto do próprio idealismo romântico. Nesta perspectiva, visão e audição (como imagens verbais, na escrita) estariam directamente ligadas à crise modernista da representação e impli im plica cari riam am a di dime mens nsão ão me meta ta-r -refl eflex exiv ivaa de dese senv nvol olvi vida da pe pelo loss Mod oder erni nism smos os e depois enfatizada por muitas das poéticas neo-vanguardistas de 60. Construídas sobre a sugestão do sensível, mas acontecendo no limite da linguagem, as imagens da poesia trabalhariam sobre a falência da visão, mas sem abdicar da concreção imagética. «Dir-se-ia que a língua é tomada por um delírio, que a faz precisamente sair dos seus próprios sulcos», afirma Deleuze, em Crítica e Clínica , para depois sublinhar o processo de levar a linguagem a um limite, (…) a um exterior ou a um avesso consistindo em Visões e em Audições quee já nã qu nãoo fa fazzem pa part rtee de ne nenh nhuuma lílíng ngua ua.. Es Essa sass vi visõ sões es nã nãoo sã sãoo fa fant ntas asm mas as,, mas verdadeiras verdadeiras ideias que o escritor vê e ouve nos interstícios da linguagem. (…) Elas não estão no exterior da linguagem, elas são o seu exterior. O escritor enquanto vidente e ouvinte, objectivo da literatura: é a passagem da vida na linguagem que constitui as Ideias. (Deleuze 2000: 16)
O exterior da linguagem seria, assim, um não-dito cuja apropriação implicaria a imagem como esquema de organização e apresentação de conteúdos de pensamento, para usar os termos de Jacques Morizot (2004: 17).4 E que também implicaria a emergência de um princípio p rincípio de visualidade não circunscrito à experiência óptica enquanto contraprova da mimese: livre, portanto, de uma focalização subjectiva. De resto, não é por acaso, que os processos de des-subjectivação pensados pela poesia de tradição moderna a partir de conceitos como os de alterização (Rim4
Cf. infra , «1961: as imagens», p. 120.
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baud, Emily Dickinson), impessoalidade (Eliot) ou fingimento (Pessoa) (Pessoa) se articulam com poéticas que acentuadamente valorizam a imagem verbal. Tem sido defendido por muitos estudiosos da imagem visual que esta contém sempre um potencial de sentido proposicional, para usar os term te rmos os de Jac acqu ques es Bo Bouv uver eres esse se (apud Mor oriz izot ot 20 2004 04:: 15 15).). Jea eann-Lu Lucc Nan ancy cy é um dos autores que defendem essa perspectiva, mas complementa-a considerando que, simetricamente, ao fundo do texto há sempre imagem: «uma frase de imagem e uma visão de sentido», resume (Nancy, 2003: 140). Ou seja, haveria na imagem uma vocação de texto (de palavra, emissão de sentido), uma vocação proposicional; e haveria no texto uma vocação de imagem imagem (de visão e de forma) — o que poria em causa uma oposição linear que associasse texto e significação, por um lado, e imagem e forma, por outro (cf. idem: 121). Vindo embora de um contexto de pensamento bastante diferente, W.J.T. Mitchell também tem defendido a necessidade de não se entender texto e imagem visual como um par opositivo, e insiste na necessidade de estudarmos as relações texto/imagem, «… a inextricável tessitura de representação e discurso, a imbricação da experiência verbal com a experiência visual» (Mitchell, 1995: 83).5 Penso ser esta afinidade, esta possibilidade de intercâmbio e de reciprocidade, qu quee se co colloca no plano de uma ontol oloogia da imagem e não no plano formal ou técnico, o que está na base dos mais profundos diálogos entre a poesia e o cinema enquanto arte. Numa formulação que passa exactamente pela constatação do conteúdo proposicional contido na imagem, Álvaro de Campos escreve: Sobre esta questão, veja-se especialmente «What is an image?» (Mitchell, 1987: 7-46) e «Beyond comparison: Picture, Picture, text and method» (Mitchell, 1995: 83-107). 5
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Toda a arte é uma forma de literatura, porque toda a arte é dizer qualquer coisa. Há duas formas de dizer — falar e estar calado. As artes que não são literatura são as projecções de um silêncio expressivo. Há que procurar em toda a arte que não é literatura a frase silenciosa que ela contém, ou o poema, ou o romance, ou o drama. (…) (Pessoa, 2000: 411)
Acrescente-se Acrescentese que também há que procur procurar ar na poesia o fundo de imagem (em movimento) que ela contém.
6.
O ag agen enci ciam amen ento to de IMA IMAGEN GENSS LIV LIVRES RES em AR ARTI TICU CULAÇ LAÇÕES ÕES LI LIVR VRES ES é um princípio estruturante da poesia moderna ou de tradição moderna, e um processo que pode explicar o seu interesse pelo cinema num plano situável muito para além da mera abordagem temática do mundo do cinema. Manuel Gusmão, em cuja poesia encontramos inúmeras articulações deste tipo, fala de «um outro da linguagem» (Gusmão, 2010: 182), de «a «alg lgoo qu quee nã nãoo po pode de se serr co conc nceb ebid idoo se sem m liling ngua uage gem m e qu quee en entr tret etan anto to lh lhee é de cert rtaa fo forrma ou em cert rtaa medida irredutí tívvel» (ibid .). E, na sua po poeesi siaa, o diálogo com o cinema é certamente uma das estratégias a que recorre para pa ra di dize zerr es esse se «o «out utro ro da liling ngua uage gem» m».. Es Essa sa ir irre redu dutitibi bililida dade de,, qu quee a ret etór óric ica a designa por catacrese, é uma das dimensões di mensões que a poesia de tradição modern de rnaa pr proc ocur uraa ca capt ptar ar tr trab abal alha hand ndoo o fu fund ndoo de im imag agem em qu quee Nan ancy cy id iden entiti-fica no texto. Mas, como foi referido anteriormente, esse fundo de imagem é plural, feito de relações entre imagens. O que necessariamente convoca os processos de articulação e montagem. Chegamos, assim, a dois movimentos fundamentais na relação da poesia de tradição moderna com o cinema: um deles assenta no estranhament me ntoo pr prov ovoc ocad adoo pe pela la im imag agem em (e (em m se sent ntid idoo re retó tóri rico co),), na me metá táfo fora ra,, na ca ca-Preâmbulo •
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tacrese (aproximável da noção deleuziana de imagem-cristal, como veremos na última secção deste livro); o outro, funda-se na metonímia e diz res espe peit itoo ao flu fluxo xo da dass im imag agen enss em re rela laçõ ções es de co cont ntig igui uida dade de,, de ch choq oque ue,, de tensão. Trata-se, naturalmente, de dois movimentos convergentes convergentes e articulá cu láve veis is en entr tree si si.. Pod oder erem emos os ob obse servá rvá-l -los os na nass ob obra rass do doss po poet etas as co conv nvoc ocad ados os nos estudos reunidos neste volume.
7.
Em «Sorcellerie et cinéma», um texto publicado por Artaud em 1927, é muito interessante notar a similitude de algumas das reflexões a propósito do cinema com as considerações de Chklovski dez anos antes, em «A arte como técnica», a propósito do efeito de desfamiliarização, ou estranhamento, na poesia (1917), sem esquecermos que os formalistas russos foram muito assertivos as sertivos ao aproximarem o cinema da poesia, e não da prosa. Diz Artaud: Sempre Semp re re reco conh nhec ecii no ci cine nema ma um umaa va vant ntag agem em no qu quee re resp spei eita ta ao mo movi vime ment ntoo e à matéria das imagens. Há, no cinema, todo um lado de imprevisto e de mistério que não existe nas outras artes. É certo que qualquer imagem, a mais simples, simples, a mais banal, chega ao ecrã transposta. transposta. Mas o mais pequeno pormenor porme nor,, o obje objecto cto mai maiss insi insignifi gnificant cantee ganh ganham am um sent sentido ido e uma vida que lhes pertencem perte ncem de ra raiz. iz. E isto independentemente do valor de significação das imagens em si mesmas, do pensamento que traduzem, do símbolo que constituem. Na medida em que isola os objectos, o cinema dá-lhes uma vida à parte, que tende a tornar-se autónoma e a separar-se do sentido comum desses objectos. Uma folha, uma garrafa, uma mão, etc., adquirem um tipo de vida quase animal, pronta a ser utilizada. (…) Há ainda essa es pécie de excit excitação ação físi física ca que que é comunic comunicada ada dir directa ectamente mente ao cére cérebro bro pela rotaç rotação ão 30
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das imagens. (…) O espírito comove-se independentemente da representação. (…) O cinema é essencialmente revelador de toda uma vida oculta, com a qual nos põe em relação directa. directa. (Artaud, 2004: 256-7 — destaques destaques meus)
Poucos anos antes, em Boujour cinéma , Jean Epstein considerara o cine ci nema ma so sobr bren enat atur ural al na su suaa es essê sênc ncia ia (c (cff. 19 1921 21:: 43 43), ), fa fact ctoo qu quee se co conc ncrret etiizaria no grande plano, que era, para Epstein, a alma do cinema (cf. idem: 94). De modo semelhante, o que Artaud destaca no cinema é, como se pode verificar, a desfamiliarização do objecto, que se torna plurissignificativo no processo de fazer f azer imagem. Muitas das aproximações entre o cinema experimental das primeiras vanguardas e a poesia assentam neste estranhamento. E o que Epstein diz acerca da fotogenia como condição da imagem fílmica também passa de Artaud. Como é mostr mo strad adoo po por r Fer erna nand ndoo Gu Guer erre reir iro, o,perto em Tdas eoriapalavras do Fantasma , aimageméo ,aimageméo eterno «revenant» da escrita, o seu fantasma. Apreender esse «revenant» envolve um desejo de cinema: Faz azer er pe pela la pa pala lavr vra, a, na po poes esia ia,, al algo go qu quee se as asse seme melh lhee ao ef efei eito to al aluc ucin inat atóório da Imagem Cinematográfica. Cinematográfica. Algo que tem a ver com os seus poderes extáticos — de fixação, stase, na imagem: independentemente independentemente do seu caráct rá cter er fig figuura rati tivo vo,, já qu quee es essa sa «pr pris ise» e» se po podde dar em no novvel elos os de dev eviir do rea eall acelerados , de modo a que o poema (o livro) ou da imagem —, mas agora acelerados produza, no seu conjunto, uma forma-figura — melhor, o análogo movente do seu complexo de emoções e sucos, neuro-adrenalínicos, que produz efeitos e se objectiva no e como real. (Guerreiro, 2011: 29)
Paralelamente, Fernando Guerreiro afirmara, recordando Epstein, que «o cinema é a poesia exteriorizada, continuada por meios visíveis, as imagens» (idem: 28). Essas imagens, associa-as ao fantasma , a um resto Preâmbulo •
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infixáv infix ável el qu quee o ci cine nema ma po pode de mo most stra rarr co como mo au ausê sênc ncia ia,, ou me melh lhor or,, en enqu quan anto to aparição que se ausenta. Como diz Derrida, em Spectres de Marx , «[o] espectro é também, entre outras coisas, aquilo que imaginamos, o que pensam sa mos ver e pr proj ojeect ctaamo moss — num ecr crãã im imag agin ináário io,, aí on onde de nad adaa há pa para ra ver. Por vezes, não há sequer ecrã, e um ecrã tem sempre, no fundo que ele é, umaa es um estru trutur turaa de de desa sapa pari riçã çãoo em de desa sapa pare reci cime ment nto» o» (D (Der erri rida da,, 19 1993 93:: 16 165) 5).. É, po port rtaant nto, o, fa fazzen endo do ap apel eloo ao ci cinnem emaa qu quee Fern rnaand ndoo Gue uerr rrei eirro fa fala la do «r «reegres gr esso so de dess ssee re rest sto» o» (1 (19) 9),, de dess ssaa «d «des esap apar ariç ição ão em de desa sapa pare reci cime ment nto» o» na po poes esia ia:: A imagem (o seu corpo: figuras) figuras) constituirá constituirá assim a memória ou a recriação desse fantasma (sonoro: mudo, visual: desaparecido). O seu som (gramática: ritmo) tornado imagem. (Idem: 20)
Encontramos aqui o eco de Fernando Pessoa, num dos «Apontament me ntos os so sobr bree ci cine nema ma»» re reco colh lhid idos os po porr Pat atri rici cioo Fer erra rari ri e Cl Clau audi diaa J. Fis isch cher er no volume Argumentos para Filmes : Namedidaemqueascoisas são nã nãoo po pode dem m de deix ixar ar de se serr. As co cois isas as pa pass ssam am na medida em que não são. (Sí (Símbo mbolo lo ci cinem nemato atográ gráfico fico).). (P (Pess essoa, oa, 201 2011: 1: 81)
A vertigem imagética apontada por Pessoa Pessoa continuará presente em alguns dos maiores poetas vindos da tradição moderna. Em Luiza Neto Jorge, Jor ge, por exempl exemplo. o. Recordemos Recordemos o início do «Reca «Recanto nto 9», de Dezanove (1969): Recantos (1969): Do lado de cá nem só havia o sangue e do lado de lá nem só a atmosfera nem só por baixo sol e, flutuando, o écran panorâmico mas a pele entre espelhos imagens sobrepostas sobrepostas 32
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de uma transfusão progressiva como no filme em que deus se investia sobre outra divindade de demónios longínquos. (…) (Jorge, 1993: 189)
Neste poema, é particularmente interessante a relação entre o process ce ssoo de «t «tra rans nsfu fusã são» o» im imag agét étic icaa pr proc ocur urad adoo pe pela lass me metá táfo fora rass de Net etoo Jor orge ge e a técnica especificamente cinematográfica de construção de metáforas por sobr so brei eimp mprres essã sãoo de im imag agen enss no noss me mesm smos os fo foto togr gram amas as,, à qu qual al o po poem emaa al alud ude. e. Em Theorizing the Moving Image , Noël Carroll considera essencial nessa técnica cinematográfica uma confluência (uma «homoespacialidade», visualmente perceptível e não sujeitaespacial a um critério de verdade) que é igualmente determinante, do ponto de vista semântico, para a condição de porosidade que encontramos nas imagens verbais de Luiza Neto Jorge: «A ho homo moes espa paci cial alid idad ade» e»,, es escr crev evee Ca Carr rrol oll,l, «f «fac acul ulta ta os me meio ioss qu quee pe perm rmititem em lili-gar categorias díspares em metáforas visuais por processos funcionalmente equivalentes aos que ligam categorias díspares nas metáforas verbais» (1996: 214). A «transfusão» entre reinos diferenciados, intensamente trabalhada por Neto Jorge, pluraliza a imagem e torna-a instável, movente, pelo que se compreende a aproximação a este processo cinematográfico, evocado no poema transcrito. Estudos recentes têm vindo a mostrar que, do ponto de vista da leitura, a imagem metafórica nunca produz o cruzamento sincrético de duas imagens perceptivas unindo-as numa imagem únic ún ica, a, mas an ante tess a co cons nstr truç uçãão al alte terrna nada da de ca cadda um umaa das im imag ageens env nvol olvi vi-dass na me da metá táfo fora ra vi visu sual al,, nu num m jo jogo go de so sobr brep epos osiç içõe õess qu quee nã nãoo lh lhes es de desf sfaz az a au au-tono to nomi miaa re rela latitiva va.. Par araa Da Dani niel el W. Gl Glea easo son, n, «a ma maio iori riaa do doss le leititor ores es or orga gani niza za as imagens visuais relativas aos termos metafóricos que estruturalmente Preâmbulo •
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lhes correspondem através de um esquema visual, uma figura abstracta de mediação que permite ao leitor ir e vir facilmente entre as duas imagens» (Gleason, 2009: 464). Este processo de leitura da metáfora parece relacionarna r-se se co com m a su suge gest stão ão de pl plur ural alid idad adee pr pres esen ente te na im imag agem em po poét étic icaa de ma matr triz iz metafórica, e com a sua percepção como «cinema». 8.
Em Herberto Helder, a questão da evanescência da imagem visual surg su rge, e, en entr tree mu muit itos os ou outr tros os ex exem empl plos os po poss ssív ívei eis, s, no te text xtoo «( «(mo moto toci cicl clet etas as da anunci anu nciaçã ação)» o)»,, de Photomaton &V & Vox .6 Ao situar a motoc motociclet icletaa do anjo São Gabr Ga brie iell «a «aoo la lado do es esqu quer erdo do do qu quad adro ro de Fra An Ange gelilico co,, fo fora ra de dele le»» (H (Hel elde derr, 2006: 101), oimaginados: poeta sugerea vertigem que ela traduz atributos próprios(odosfluxo espaços verbalmente temporal, a velocidade inevita vi tave velm lmeent ntee pl plur ural al da dass im imag agen enss no po poem ema) a) e, ac acim imaa de tu tudo do,, a lilibber erda dade de da visão face a contingências ópticas e processos de representação. Se as imag im agen enss ve verb rbai aiss se ca cara ract cter eriz izam am pe pela la su suaa co cond ndiç ição ão im imat ater eria ial,l, co comp mpre reen ende de--se que a evanescência da imagem fílmica, a sua condição de phasma ou ou aparição, seja um dos aspectos que mais interessa à poesia. E a este nível é sobretudo com o que Deleuze chama imagem-cristal, no cinema, que a poesia dialoga, já que ela expõe a intrusão inquietante do virtual, a coexist xi stên ênccia do act ctuual e do vi virt rtua ual,l, co com mo veremos com mais po porrmen enoor na úl úl-tima secção deste livro. Par aral alel elam amen ente te,, se se,, na es escr critita, a, nã nãoo é po poss ssív ível el pe pens nsar ar es essa sa ev evan anes escê cênc ncia ia se sem m recorrer à imagem, então a poesia moderna tem, fatalmente, de trabalhar umaa su um sugges estã tãoo de deccon oncr creç eçãão se sem m a qua uall nã nãoo po pode deeenf nfaatitiza zarr es esse sefu funndo dode deim imaagem presente no texto do qual fala Nancy. Os argumentos de Epstein para 6
Cf. infra , «Imagens, paisagens, espaços poéticos», p. 55.
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distin dist ingu guir ir o ci cine nema ma da lilite tera ratu tura ra em fu funç nção ão da concretude tamb também ém poder poderiam iam ser usados para caracterizar alguma poesia moderna, no seu esforço de gerar uma escrita capaz de produzir e articular pensamentos-imagens-em-movimento: «no ecrã, como no discurso dos povos primitivos, não se trata nunca de caça, mas, numa só imagem imediata, da caça ao arco, da caça à foca, da caça à baleia, etc.», diz Epstein (apud Grilo, Grilo, 2007: 59). Pound defendera uma perspectiva semelhante em «A Few don’ts», ao sublinhar que, quan qu ando doaa po poes esia ia as asse sent ntav avaa no ol olho ho im imag agin inan ante te do dole leititor or,, es essa sa di dime mens nsão ão nã nãoo se perderia na tradução de um poema para uma língua estrangeira (in Co Cook ok,, 2004 04:: 86) 6).. Por su suaa ve vez, z, Ruy Belo dir iráá alg lgoo de mui uito to se seme melh lhaant ntee às palavras de Jean Epstein, mas a propósito da poesia: «Quando o poeta, no seiodeumpoema,profereapalavra árvore (…)écomoseutilizasseumaverdadeira ase suas folhas, suavortristeza te za ou aárvore, legr le gria ia»» com (Bel (B elooos20seus 02:: pássaros, 02 83).). O qu 83 que é, ne nest staa fr fras aseea,sua a «v «vesombra, erdad adei eirraa ár árvo re» e»?? Provavelmente, o fundo de visão, a sugestão de concretude, associados ao nome árvore ; a sugestão de u árvore precisa, em vez de a árvore. árvore. Mas re uma ma árvore parrepa e-se se qu quee Ruy Be Belo lo lo logo go lh lhee as asso soci ciaa do doisis su subs bsta tant ntiv ivos os ab abst stra ract ctos os,, «t «tri rist stez ezaa e aleg al egri riaa», »,co colo loca cado doss ao aome mesm smoo ní níve vell do doss pá páss ssar aros osee da dass fo folh lhas asda daár árvvor oree — qu que, e, note no te-s -se, e,nã nãoo pr prec ecisisaa de di dize zerr qu qual al é ex exac acta tame ment nte. e.Ou Ouse seja ja,, es esse se fu fund ndoo de vi visã sãoo traduz-se em iconofilia (num fazer imagem), mas não exclui uma certa vaguidade do ponto de vista da concreção imagética e, portanto, alguma iconofo no fobi biaa (u (um m de desf sfaz azer er da im imag agem em).). An Andr dréé Bret eton on,, po porr ex exem empl plo, o, co cons nsid ider erav ava a a in insp spir iraç ação ão ve verb rbal al «i «infi nfini nita tame ment ntee ma maisis ri rica ca em se sent ntid idoo vi visu sual al,, in infin finititam amen ente te maisis res ma esisiste tent ntee à vi visã sãoo oc ocul ular ar,, do qu quee as im imag agen enss vi visu suai aiss pr prop opri riam amen ente te di dita tas» s» (apud Jay Jay,, 199 1994: 4: 26 260) 0).. Coi Coisa sa qu que, e, co como mo se sa sabe be,, não não im impe pedi diuu os su surr rrea ealilista stass de explorarem as potencialidades do cinema, embora precisamente para ques qu estition onar ar a ic icon onofi ofililiaa in iner eren ente te a um pe pens nsam amen ento to de ma matr triz iz po posisititivi vist sta. a. O interesse da poesia de tradição moderna pelo cinema vem, certamente, da sua determinação em explorar os nexos metafóricos, a virtuaPreâmbulo •
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lid idad adee, a pr prol olififeera raçã çãoo e a pe perm rmut utaa da dass im imaage genns; mas ta tamb mbéém ve vem m da bus usca ca de concretude e velocidade (da exploração de relações metonímicas, da «mon «m onta tage gem» m»).). É es esta ta se segu gund ndaa ve vert rten ente te qu quee ve vemo moss ililus ustr trad adaa nu num m po poem emaa de Álva Ál varo ro de Cam Campos pos cit citad adoo por Patr atrici icioo Fer erra rari ri e Cl Claud audia ia J. Fisc ischer her nu numa ma das notas de Argumentos para filmes , «Autoscopia II — Carnaval», no qual as ruas são descritas como «Fitas de cinema correndo sempre» (Pessoa, 2011: 16,, no 16 nota ta 9) 9),, de desc scri riçã çãoo qu quee po pode demo moss ve verr de dese senv nvol olvi vida da nu num m ex exce cert rtoo de «P «Pas as-sagem das Horas», igualmente destacado pelos organizadores do livro: (…) Rumor trafego carroça comboio carros eu-sinto sol rua, Aros caixotes caixotes trolley loja loja rua vitrines vitrines saia saia olhos olhos Rapidamente calhas carroças caixotes rua atravessar rua Passeio logistas «perdão» rua Rua a passear por mim a passear pela rua por mim Tudo espelhos as lojas de cá dentro das lojas de lá A velocidade dos carros ao contrário nos espelhos obliquos das montras, O chão no ar o sol por baixo dos pés rua regas flores no cesto rua O meu passado rua estremece camion rua não me recordo rua Eu de cabeça para baixo no centro da minha consciencia de mim, Rua sem poder encontrar uma sensação só de cada vez rua Rua traz dos meus meus braços meus pés Rua pra em X eme pra Y emdeante Z pordebaixo dentro dos Rua pelo meu monoculo em circulos de cinematographo pequeno, Kaleidoscopio em curvas iriadas nitidas rua (Pessoa, 2011: 15)
Nestes versos, Pessoa Pessoa não anda longe de algumas das razões que levaram muitos poetas do início do século XX a interessarem-se pelo cinema. E isto porque a questão da fluência das imagens, do seu ritmo e monta36
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gem, interessa ao olhar de Álvaro de Campos. Poderíamos Poderíamos mesmo entreverr, nest ve stee excert rtoo, a rel elaaçã çãoo en entr tree o im impa pact ctoo do cin ineema e o mod odoo co com mo algum vanguardismo (designadamente (designadamente o Futurismo Futurismo)) libertou a imagem da poes po esia ia do pr proc oceess ssoo da me metá táfo fora ra em fa favo vorr de um umaa rel elaç ação ão me meto tonním ímic icaa (m (mas as não narrativa).7 Estruturalmente, há muitos pontos de contacto entre o exce ex cert rtoo de «P «Pas assa sage gem m da dass Hor oras as»» ac acim imaa tr tran ansc scri rito to e um po poem emaa de Vic icen ente te Aleixand Alei xandre, re, intitu intitulado lado «Cine «Cinemáti mática», ca», Ámbito, (1924-27): Venías cerrada, cer rada, hermética, hermé tica, a ramalazos de viento crudo, por calles tajadas a golpe de rachas, seco. Planos simultáneos —sombras: abierta, cerrada —.Suelos. (…) Tubo. Calle cuesta arriba, a rriba, gris de plomo. La hora, el tiempo. Ojos metidos, profundos, bajo el arco firme, negro. Veladores del camino ca mino —ángulos, sombras— siniestros. Te pasan ângulos —cal le, —calle, Calle, calle, calle—. Ti Tiemblos. emblos. (…) (in Conget, 2002: 58) Fernando Guerreiro tem vindo a demonstrar a importância do Futurismo e das suas «imagens escultórico-dinâmicas» escultórico-dinâmicas» para as relações (indirectas) entre Orpheu e o cinema (cf. Guerreiro, 2011a: 188 ss.). 7
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