O Breviário Da Confiança - Monsenhor Ascanio Brandao
March 20, 2017 | Author: Jaster IV | Category: N/A
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Monsenhor Ascânio Brandão
O Breviário da Confiança Pensamentos para cada dia do ano 5ª edição
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Brandão, Monsenhor Ascânio, Falecido em 1956 Breviário da Confiança / Monsenhor Ascânio Brandão - Lorena: Cléofas, 2015 360 páginas ISBN 978-85-88158-89-4 1a edição: 2013 5a edição: 2015 Capa, diagramação e versão digital: Jeferson Rocha © 2015 - EDITORA CLÉOFAS - Todos os direitos reservados Caixa Postal 100 - Lorena - SP CEP 12600-970 Tel/Fax: (12) 3152-6566 www.cleofas.com.br
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Apresentação Já dei este livro de presente para muitas pessoas, e sempre o propaguei por onde passei pregando a Palavra de Deus; e nunca encontrei uma pessoa que não ficasse encantada com ele depois de meditar com ele. O BREVIÁRIO DA CONFIANÇA, de Mons. Ascânio Brandão é uma dessas obras de espiritualidade que nunca perdem seu valor; excelente para aquele que deseja viver conforme a vontade de Deus e se conformar a ela. Sobretudo ensina às almas a confiança na Misericórdia Infinita de Jesus. É um livro que foi publicado pela Editora Rosário, do Pe. Afonso de Santa Cruz, e que deu muitos frutos em muitas edições. Consolou muitas almas aflitas, despertou belas vocações religiosas, e esclareceu a muitos que pensavam ser a nossa fé algo triste e pesado de se viver. Agora Pe. Afonso autorizou que a Editora Cléofas o publique para continuar a ajudar muitas almas que sofrem. Por isso, sou imensamente grato ao Pe. Afonso de Santa Cruz por esse seu gesto de generosidade. Como Sacerdote e diretor de almas, Mons. Ascânio, um sacerdote que morreu com fama de santidade, autor desta obra imortal, esteve sempre em contato direto com todo tipo de sofrimentos e de almas. Ele diz: “o sei por experiência: – A confiança faz milagres! Sinto e vejo quanto é verdade o que escreveu Santa Teresinha: – “à confiança e tão só a confiança nos há de levar ao amor! nunca se tem confiança demais! Ela repete muitas vezes: confiança! sim, muita confiança! nunca se tem confiança demais no bom Deus sempre tão bom e misericordioso, como dizia Santa Terezinha, a missionária da confiança”. Ele prega a confiança que abre o coração e vê em Nosso Senhor um doce Pai Misericordioso. Mons. Ascânio mostra com ímpar sabedoria que “a confiança não é uma virtude passiva”. Não basta confiar e cruzar os braços. “A Confiança não exclui, antes, supõe o esforço, a luta, o sacrifício. A paz de Nosso Senhor se conquista na guerra. Guerra às más paixões, guerra ao nosso EU”. Mas não se confunde esta consoladora doutrina da confiança com um “semiquietismo” perigoso. O autor diz palavras de sabedoria, sobretudo o que vivemos e sofremos 4
neste “vale de lágrimas”, e dá conforto às almas heroicas e generosas, sujeitas às provações das “noites místicas” tão angustiantes; essas almas sofrem um tipo de martírio, pois são objeto das predileções divinas. Espero que a publicação desta obra de imenso valor pela Editora Cléofas – o bom discípulo de Emaús – possa dar consolo e trazer a salvação aos que a usarem no dia a dia. Consagro-o aos Sagrados Corações de Jesus e da Virgem Maria. Prof. Felipe Aquino Lorena, 07 de junho de 2013.
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PREFÁCIO O “BREVIÁRIO DA CONFIANÇA”, leitores queridos, aí está em nova edição. Vai continuar a missão que desempenhou tão bem até hoje: – a de pregar às almas a confiança na Misericórdia Infinita do Sagrado Coração de Jesus. Graças a Deus foram consoladores os frutos colhidos na primeira edição. Consolou muitas almas aflitas, despertou belas vocações religiosas, e esclareceu a tantos que olhavam a nossa fé sob o aspecto terrível de uma piedade jansenista1 que estreita os horizontes e aperta o coração. CONFIANÇA! Sim, muita confiança! NUNCA SE TEM CONFIANÇA DEMAIS NO BOM DEUS SEMPRE TÃO BOM E MISERICORDIOSO, dizia Santa Terezinha, a Missionária incomparável da confiança. Quero pregar a confiança, esta confiança que abre o coração e vê em Nosso Senhor um doce Pai Misericordioso. Há um Temor de Deus, princípio da sabedoria. Este temor é necessário e é salutar. E há um temor que é MEDO DE DEUS, um terror da Justiça Divina, que apavora muitas almas e desconhece as ternuras do Amor Misericordioso. Oh! Como este terror jansenista, da Justiça Divina, acabrunha as almas, aperta o coração e limita os horizontes tão vastos e encantadores da verdadeira e sólida piedade evangélica! A CONFIANÇA NÃO É UMA VIRTUDE PASSIVA. Não basta confiar e cruzar os braços. NÃO EXISTE E NÃO PODE EXISTIR, disse Leão XIII, virtude passiva. A Confiança não exclui, antes, supõe o esforço, a luta, o sacrifício. A paz de Nosso Senhor se conquista na guerra. Guerra às más paixões, guerra ao nosso EU. Condição essencial da santidade é o Amor. E o amor é o fruto e a conquista de uma vida espiritual de uma ascese forte, viril, enérgica, e toda impregnada de abnegação e de sacrifício. Que ninguém confunda esta consoladora doutrina da confiança com um SEMIQUIETISMO2 perigoso que parece inculcar às almas, até mesmo às pouco adiantadas, disposições de PASSIVIDADE que não convêm realmente a todos, e pretende chegar cedo demais a SIMPLIFICAR a vida espiritual, esquecendo que, para a maior parte das almas, esta simplificação só se 6
fará utilmente, depois dos longos exercícios da meditação discursiva, do exame, e da prática das virtudes morais. Quis também dizer aqui uma palavra de conforto a estas almas heroicas e generosas, sujeitas às provações destas NOITES MÍSTICAS tão desoladoras e angustiosas. Quem mais do que estas almas têm necessidade de um conforto nestas purificações passivas, tão dolorosas? Não poderia calar este gênero de martírio e deixar, sem uma palavra, estas almas generosas, objeto das predileções divinas. O “Breviário da Confiança” varia de página a página, porque variadas são as dores e as amarguras desta pobre vida. Dirige-se a quantos sofrem as torturas de uma dor física, ou de uma angústia moral, até o ignorado martírio dos que passam aquelas NOITES, tão bem descritas por São João da Cruz. Os meses de Maio, Junho, Agosto e Setembro estudam respectivamente quatro fontes da verdadeira Confiança: – Maria Santíssima, O Evangelho, a Imitação e o Pequenino Caminho da Infância Espiritual da grande Missionária da Confiança, Santa Teresa do Menino Jesus. O mês de Novembro consagrei-o à saudade de nossos mortos queridos. Sacerdote e diretor de almas, a Divina Providência me pôs sempre em contato direto com todo gênero de sofrimentos e de almas. E o sei por experiência: – A confiança faz milagres! Sinto e vejo quanto é verdade o que escreveu Santa Teresinha: – A CONFIANÇA E TÃO SÓ A CONFIANÇA NOS HÁ DE LEVAR AO AMOR! NUNCA SE TEM CONFIANÇA DEMAIS! Aí está, meus leitores, o “Breviário da Confiança”. Não tem absolutamente pretensões literárias, nem se apresenta com a autoridade de um TRATADO SOBRE A CONFIANÇA. É uma palavrinha amiga para cada dia, uma gota de bálsamo para as feridas que a vida nos vai abrindo também cada dia no pobre coração. Mons. Ascânio Brandão 1 - O Jansenismo foi uma heresia de Jansen, bispo de Ypres, na França, condenada em 1653 pelo papa Inocêncio X. Era rigorista, combatia a recepção frequente dos sacramentos e gerava medo de Deus.
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2 - Quietismo é uma heresia de Níquel Molinos que ensinava a passividade absoluta no trabalho da própria perfeição. Foi condenada pelo papa Inocêncio XI e Inocêncio XII, em 1699.
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1 DE JANEIRO MAIS UM ANO! Sem a cruz não podemos viver. Sem ela não nos salvaremos. Nosso Senhor disse: “Quem não recebe a minha cruz e não me segue não é digno de mim”1 .Nosso Divino Rei Crucificado abriu-nos a estrada real da santa cruz, a única que vai dar ao Céu. Como custa, Senhor, carregar o fardo tão pesado das amarguras da vida! Bem dizia Jó: “A vida do homem na terra é um combate”. Dias há em que nos sentimos desfalecer! E hoje começa mais um ano de lutas, mais um ano de sofrimentos... Que nos reservam os dias que se vão suceder? O que for, ó meu Deus, da Vossa Santíssima Vontade! Os dias passam e a eternidade se aproxima. Aproveitemos o tempo! Não pode ser este o último ano de nossa existência? Por que não o aproveitamos para juntar tesouros para o Céu? E a minha mina desses tesouros é a cruz. Dai-nos, Senhor, o conhecimento e o amor da cruz. Coragem! Digamos do fundo de nossos corações: “Eis-nos aqui, Senhor, para fazermos o que a Vós aprouver. Mais um ano de vida nos concede a Vossa Misericórdia! Que saibamos aproveitar o tempo. Ensinai-nos a trabalhar para o Céu e fazer a Vossa Santíssima Vontade!”
2 DE JANEIRO O CORTEJO DO MENINO JESUS Hoje a Santa Igreja festeja o Santíssimo Nome de Jesus e adora a Jesus Menino nos braços de Maria. O nome de Jesus! Bálsamo suave para as feridas de nossos corações! Quando nas horas de dor nos sentirmos levados a murmurar e à irritação, digamos muitas vezes, até que passe a tempestade e se acalme nosso espírito: “Jesus! Jesus! meu doce Jesus!” Muita devoção, almas que sofreis, muita devoção ao nome de Jesus! Aceitai a sua cruz. Ei-lo, tão pequenino, a chorar na manjedoura de Belém, e a derramar seu sangue na circuncisão! O 9
nome de Jesus foi gravado em sangue. É uma lição para nossas almas tão fracas, tão delicadas, que não querem sofrer. Aceitemos o cortejo de Jesus. Sabeis qual é? Ouvi. Um dia, durante a Santa Missa, o Menino Jesus apresentou-se a uma religiosa, alma simples, humilde, com tal quantidade de cruzes na mão que mal as podia segurar. Grandes e pequenas cruzes. Estas mais numerosas. Graciosamente lhe perguntou: “Queres-me com todo o meu cortejo?” Ela respondeu: “Sim, eu te quero com todo o Teu cortejo, ó meu querido Menino Jesus!” Aceitemos corajosamente, amorosamente, o Pequenino e Divino Infante do Presépio e dos braços de Maria, mas com todo o seu cortejo inseparável: as cruzes grandes e, principalmente, as inumeráveis e pequenas cruzes de cada dia.
3 DE JANEIRO O REPOUSO NO CÉU A vida é para a luta. No Céu é que há repouso. Aqui somos soldados em combate, só podendo descansar depois de alcançada a vitória. Nada de covardia nem de desânimo! É preciso que a morte nos venha encontrar com as armas na mão. A nossa peleja é pela conquista do Céu, onde encontraremos o repouso eterno, esse mesmo repouso que imploramos na prece pelos nossos defuntos quando dizemos: “Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno”. O sofrimento é o nosso purgatório na terra. Dura pouco, pois tudo passa depressa no mundo. É rica mina de que, se soubermos aproveitar o ouro, ganharemos um tesouro de paz, na terra, e aquele eterno repouso que Nosso Senhor nos reserva no Céu. Paciência! Coragem! Vale a pena sofrer tão pouco para ganhar tanto! “Um eterno repouso, dizia Santo Agostinho, deveria ser comprado por um trabalho eterno. Mas como é grande a Misericórdia Divina! Deus não nos diz: “trabalhai um milhão de anos, nem – mil anos, mas sim – trabalhai, sofrei durante o pouco tempo que viveis na terra e adquirireis um repouso sem fim.”
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Por um repouso eterno não vale, pois, sofrer um pouco nesta vida tão fugaz?
4 DE JANEIRO SEJA FEITA A VOSSA VONTADE! Toda santidade consiste em fazer a vontade de Deus. “Não acreditemos, dizia Santa Teresa, que o nosso adiantamento na perfeição depende de algum meio desconhecido e extraordinário. Não, todo nosso bem consiste na conformidade da nossa vontade com a vontade de Deus.2 É o que assim diz Nosso Senhor no Evangelho: “Nem todo o que Me diz: “Senhor! Senhor! – entrará no reino dos Céus, mas o que faz a vontade de meu Pai, que está no Céu, esse entrará no reino dos Céus.3 “Fazer a vontade de Deus! Eis aí a perfeição, a santidade, a justiça.” “Quem se une à vontade de Deus, diz Santo Afonso, vive e se salva; quem dela se separa, morre e se perde.”4 Não tenhamos ilusões sobre a perfeição cristã. Façamos o que Deus quer, resignados à Sua Santíssima Vontade. FAÇA-SE A VOSSA VONTADE! No Pai Nosso, rezamos todos os dias: “Seja feita a vossa vontade assim na terra como no Céu”, Não é isso um ato de resignação à Vontade de Deus? Por que mentir, rezando assim, quando tivermos o coração revoltado contra a Santíssima Vontade de Deus? Convençamo-nos de que Nosso Senhor é Pai, é o Pai das Misericórdias, Deus de Toda Consolação, e que só quer o nosso bem, a nossa salvação eterna. As cruzes que Ele nos envia são para o bem de nossa alma. Só Ele sabe o que precisamos. Não podemos compreender os seus desígnios, nem conhecer os seus caminhos. Curvemos a cabeça. Seja feita a Vossa vontade, ó Senhor!
5 DE JANEIRO FAZER O QUE DEUS QUER, QUERER O QUE DEUS FAZ Eis a síntese da perfeição, o meio seguro de se chegar à santidade. Fora disso, a ilusão, o risco da perdição! Toda a perfeição consiste em que executemos o que 11
Deus quer de nós. “Se nos queremos santificar, diz o Padre Saint Omer C.SS.R., basta que, renegando a nossa própria vontade, façamos sempre a de Deus, porque todos os preceitos e todos os conselhos Divinos se resumem, em substância, em que devemos sofrer tudo o que Deus quer e como Deus quer.”5 Não é tão simples? A uniformidade da nossa vontade com a vontade de Deus é o auge da perfeição. “A vontade Divina, diz Santo Afonso, é a única regra do justo e do perfeito, e o seu cumprimento dá a medida do nosso adiantamento.” Guardemos bem esses princípios. Deus faz conhecer a sua vontade pelas regras que nos traçou e pelos acontecimentos que nos envia, donde a vontade de Deus significada e a vontade do bel-prazer Divino. A vontade de Deus significada, a encontramos nos Mandamentos de Deus e da Igreja, nos Conselhos, Inspirações, Regras e Constituições. A do bel-prazer, nos acontecimentos de nossa vida. Não é, pois, tão difícil conhecer a vontade de Deus. Um coração reto a descobre logo. Em síntese: com a vontade de Deus significada e com a vontade do bel-prazer Divino, façamos tudo o que Deus quer, e queiramos, de coração, o que Deus faz! Nisto consiste a inteira perfeição, a santidade.
6 DE JANEIRO OS DESÍGNIOS DE DEUS Deus tem desígnios insondáveis sobre nós. Só ele sabe o que necessitamos. O sofrimento que, às vezes, tanto nos revolta, é, podemos crê-lo, misericórdia, pura misericórdia Divina. Na Eternidade louvaremos mil vezes a mão que nos feriu. Dor bendita! Digamos com Santo André: “Ó boa cruz!” Peçamos a Nosso Senhor que se cumpra a Sua Santíssima Vontade. “Oh! Se compreendêssemos os desígnios de Deus e os nossos verdadeiros interesses, não poderíamos ter outro desejo senão o de Lhe obedecer, outro temor senão o de não Lhe ser bastante obediente. Suplicaríamos e haveríamos de importunar a Deus com as nossas orações para que se faça a Sua vontade e não a nossa, porque abandonar a sábia e tão poderosa mão de Deus para seguirmos as 12
nossas luzes tão pobres, e vivermos ao gosto de nossas fantasias, seria verdadeira loucura e supremo infortúnio”.6 É loucura desprezar as luzes do Alto. Somos tão cegos, e ainda queremos contrariar os desígnios de Deus sobre nós, claramente manifestados na obediência e nos acontecimentos da vida! Cavamos assim a nossa ruína e arriscamos a salvação eterna!
7 DE JANEIRO OS TRÊS GRAUS DA CONFORMIDADE São três os graus da conformidade com a vontade de Deus. No primeiro grau, a alma sofre com paciência; mas preferiria não sofrer. Não é isento de queixa, embora acompanhada sempre do estribilho: Não pode ser!... Paciência! Deus assim quis! Seja feita a Vontade de Deus! Já é agradável a Nosso Senhor a alma assim resignada, mas ela se acha ainda na via do temor e da imperfeição. No segundo grau, o sofrimento é acolhido como um hóspede do Céu, sendo reconhecido o seu valor e as vantagens que traz para o nosso adiantamento. Mas há ainda alguma queixa. A natureza não pode ainda dominar-se inteiramente. Entretanto, a alma se conserva em paz e bendiz a Mão Divina que a fere. Já se apresenta mais perfeita. No terceiro grau é alcançado o ideal da perfeição, que consiste na santidade. Procura-se, ama-se o sofrimento. A alma se alegra porque sofre e pode dizer, como Santa Teresa: Sofro, porque não sofro. O anjo do Carmelo de Lisieux escrevia à sua irmã: “Tenho necessidade de esquecer a terra. Aqui tudo me aborrece e só encontro uma alegria, a de sofrer, e essa alegria ultrapassa a toda alegria”.7 É o ideal da perfeição. Os principiantes têm a resignação que vem do temor; os adiantados, a conformidade que vem da esperança; os perfeitos, o amor à cruz, que abraçam com ardor. Ah! Sejamos generosos e abracemos a cruz na perfeição do amor.
8 DE JANEIRO SENHOR! PENSAI EM NÓS! 13
A adversidade é uma lembrança de Deus. Quando Ele a dá, Deus nos cumula de graças escolhidas. É ela o caminho mais rápido seguro do Céu. A prosperidade é para temer. “A ciência dos santos, escreveu Santo Afonso, consiste em sofrer constantemente por Jesus Cristo. É pelo sofrimento que mais prontamente nos santificamos. Às grandes almas reserva Deus grandes obras, em grandes provações. Todas as obras Divinas têm o selo da cruz. As provações eram para os santos o sinal mais certo das predileções Divinas”. O Bem-aventurado Henrique Suzo teve, excepcionalmente, uma trégua nas provações que tanto sofria. Queixou-se então às religiosas, suas filhas espirituais: “Tenho muito medo de ir mal, disse ele, porque há quatro semanas que não sofro ataques de ninguém. Tenho medo de que Deus não pense em mim”. Mal acabara de falar, vieram dizer-lhe que poderosos perseguidores juraram matá-lo. Sentiu um momento de horror. “Quisera saber por que mereci a morte”, disse ele. – “Por causa das conversões que fazeis”, responderam-lhe. – “Oh! Então, louvado seja Deus!” E voltou-se para as irmãs: “Vamos, minhas irmãs! Coragem! Deus pensou em mim! Ele não me abandonou!”8 Verdade é que, quando sofremos, Deus pensa em nós. O sofrimento é um pensamento de amor, de misericórdia, do Pai Celeste que nos quer salvar! Senhor! Senhor! Pensai em nós!
9 DE JANEIRO A MÃE E A MADRASTA A adversidade nos assusta. Somos tão pusilânimes! Ela é um remédio amargo que o Médico Celeste nos prescreve para curar-nos dos males que acompanham a prosperidade. “A prosperidade, diz São Francisco de Sales, tem atrativos que encantam os sentidos e adormecem a razão. Ela nos faz mudar imperceptivelmente de vida, de tal sorte que nos apegamos aos dons e nos esquecemos do Benfeitor”.9 Correr-nos tudo bem na vida nem sempre é bom sinal. Cuidado! O Padre Jerônimo perguntou um dia a Santo Inácio como alcançar caminho mais curto da perfeição e do Céu. Respondeu o Santo que era sofrendo muitas e grandes adversidades por amor de Jesus Cristo. Não foi a 14
senda das adversidades a trilhada pelos santos? Não há virtude sólida sem provação. A adversidade é uma mina de ouro da qual se podem tirar as mais altas virtudes e méritos inesgotáveis. “A prosperidade, dizia ainda São Francisco de Sales, é madrasta da virtude, cuja mãe é a adversidade.” É nos braços de tão boa mãe que nos salvaremos. Temos que sofrer a pena do pecado, ou aqui ou no Purgatório. A adversidade é um purgatório antecipado, menos terrível e mais eficaz. Deus não castiga duas vezes a mesma falta. Depois de nos ter purificado no crisol do sofrimento, como o ouro na fornalha, Ele nos achará dignos d’Ele, e nos receberá como vítimas de holocausto. Ó adversidade, mãe boa, ainda que austera, tomai-nos, salvai-nos! Quanto à prosperidade... Cuidado com a madrasta!
10 DE JANEIRO MARTÍRIO DE ALFINETADAS As contrariedades e pequenos aborrecimentos de cada dia constituem o que Santa Teresinha chamava martírio de alfinetadas. Custam mais, às vezes, do que os grandes golpes. Ah! mas são tão preciosas essas pequeninas cruzes! Nem sempre teremos ocasião de sofrer grandes provações e o martírio, mas teremos, todos os dias, a cada momento, os pequenos sacrifícios. Constantemente renovados, estes nos fornecerão quotidianamente muitas ocasiões para a prática das mais raras e sólidas virtudes, tais como a caridade, a paciência, a doçura, a humildade de coração, a benignidade, a renúncia ao nosso humor, etc. E essas pequenas virtudes quotidianas praticadas fielmente nos farão uma rica messe de graças e de méritos para a eternidade. “É por esse meio, diz Padre Caussade10, que melhor do que por todas as práticas e todos os outros meios, podemos obter o grande dom da oração interior, a paz do coração, o recolhimento, a presença contínua de Deus e seu puro e perfeito amor”. Só essa cruz carregada pacientemente nos dará uma infinidade de graças e nos servirá, mais eficazmente do que as provações mais dolorosas, para nos levar à união com Deus e nos desapegar de nós mesmos. Muitas e pequeninas cruzes e provações, suportadas pacientemente, a todo 15
momento, constituem tão precioso tesouro para o Céu! Custa sofrê-las, é verdade, mas como são pequeninas, passam logo. Quanto mais ocultas, tanto mais preciosas. Terá a glória do martírio quem aproveitar esse martírio de alfinetadas!
11 DE JANEIRO O TRIGO E A PALHA Muita gente pensa ter a bênção de Deus só quando prospera, goza a vida e não tem ocasião de sofrer. “É um engano, diz Santo Afonso de Ligório, porque é na adversidade e não na prosperidade que Deus prova a fidelidade de seus servos e separa o trigo da palha. Quem nas penas se humilha e se resigna à vontade de Deus, é o trigo destinado ao Paraíso. O que se orgulha e se impacienta, depois abandona a Deus, é a palha destinada ao inferno. Quem traz a sua cruz com paciência, acrescenta o santo, salva-se; quem a leva com impaciência, perde-se. Sejamos o trigo bom e não a palha inútil. Temos todos a nossa cruz. Por que iremos arrastá-la, murmurando contra o Senhor? Ele nô-la dá por misericórdia. O tempo das provações é o tempo em que, longe de sermos esquecidos, somos lembrados e muito bem lembrados por Deus. É o tempo da separação do trigo da palha. A palha voa a qualquer sopro do capricho e do menor sofrimento. O trigo, o bom trigo da alma resignada e paciente vai para o Celeiro Eterno. Não sejamos tão leves como a palha. Saibamos sofrer e dominar o nosso orgulho, que se revolta tão facilmente contra o Senhor. Deus nem sempre abençoa a prosperidade, e não é gozando a vida que se chega à Vida. A palha vai para o fogo, e o trigo, para o celeiro. Que no dia da separação do trigo da palha sejamos o bom trigo, Senhor!
12 DE JANEIRO COMO A VIDA É TRISTE! O santo Cura d’Ars, pouco tempo antes de morrer, exclamou: “Como a vida é 16
triste! Quando vim para a paróquia d’Ars, se tivesse previsto os sofrimentos que me esperavam, morreria de apreensão”. Há muita gente que pode dizer como o santo, depois de ter abraçado um estado de vida penoso, como, por exemplo, o dos casados. E há momentos, Senhor, em que o fardo da vida é tão pesado! Sentimos necessidade de desabafar o coração, suspirando: “Como a vida é triste!” Soframos cada dia o que cada dia nos vem. Não estejamos a dar rédeas à nossa imaginação, pensando no futuro, que nem sempre nos é sorridente. “O futuro a Deus pertence”, diz o povo. Abandonemonos cegamente nas mãos da Divina Providência. Tudo quanto nos vem do Alto é bom. É para nosso bem. Tudo é bom para o Céu! Santa Teresinha não queria que se chamasse vida a esta vida terrena, mas sim à vida eterna. Sua enfermeira, vendo-a sofrer tanto nos seus últimos dias, suspirou: “Ah! Como a vida é triste!” – “A vida não é triste, minha irmã, exclamou Teresinha; é, ao contrário, muito alegre. Se dissésseis que a terra, exílio, é triste, eu vos compreenderia. É um erro dar o nome de vida ao que deve acabar logo. Só as causas do Céu merecem o nome de vida. E por isso a vida não é triste; é alegre, muito alegre”.11 Vida do Céu! Só ela é verdadeira vida! Vida da terra! Como és triste! Triste como a morte!
13 DE JANEIRO TÃO POUCO, SENHOR, O QUE SOFRI! Aqui achamos horroroso o pouco que sofremos. Gememos, e tanta blasfêmia nos vem ao pensamento, e quase nos brota dos lábios, na hora das provações! E é tão pouco o que sofremos, tão pouco! Que nos reserva, entretanto, Nosso Senhor, no Paraíso? A felicidade eterna! Isto será, porventura, pouco? Somos, na verdade, insensatos e injustos, quando nos queixamos demais do sofrimento. Não sabemos medir a desproporção entre a recompensa que nos está reservada no Céu e o trabalho que, para merecê-la, somos chamados a realizar nesta vida. Os santos, já neste exílio abrasados no amor Divino, tão bem compreendiam esta verdade que se apaixonavam pelo sofrimento. Quando deixarmos o desterro penoso desta vida efêmera e, talvez, após o martírio das chamas expiatórias, chegarmos ao Céu, à Pátria, e lá ouvirmos a doce melodia dos Anjos, o cântico 17
eterno, e a felicidade que Deus preparou para seus eleitos, e extasiarmos diante daquilo que os olhos nunca viram, os ouvidos nunca ouviram, haveremos de bradar: “Ah! Senhor! Senhor! Tão pouco o que sofremos e tão grande a recompensa! Jesus! Por que não sofremos ainda mais por Vosso Amor?...” Se no Céu se pudesse sofrer e chorar, ah! sofreríamos, sim, choraríamos de arrependimento, por não termos sofrido mais aqui na terra! Só temos esta vida para sofrer e, por isso, se os santos a ela pudessem voltar, um único objetivo os absorveria aqui: a posse e gozo do inestimável tesouro da cruz, dessa cruz pesada que arrastamos, talvez revoltados e a blasfemar. Oh! Se soubéssemos aproveitar bem a vida!
14 DE JANEIRO QUE DIAS SOMBRIOS! Há certos dias em que tudo parece estar conjurado contra nós, fazendo-nos sofrer. Desde cedo, os espinhos! Esquecimentos, desprezos, indiferença dos amigos, repreensões imerecidas, contratempos, dores físicas, mal-estar, cansaço! Ai, Jesus, que tédio, que dia triste e sombrio! Nessas ocasiões precisamos ter coragem e abraçar a cruz com generosidade. Não queremos penitências. Horrorizam-nos os cilícios, disciplinas e jejuns. Haverá jejum mais difícil do que se impõe à língua, quando ela quer queixar-se e até blasfemar? E, mais doloroso do que qualquer disciplina ou cilício, não é o martírio lento da monotonia de uma vida pesada e cheia de pequeninos sacrifícios, contratempos e mil outros sofrimentos cotidianos? Ninguém vive sem cruz, seja rei ou papa. Ninguém escapa às vicissitudes e dores inevitáveis. Um bom meio de tranquilizar o espírito, acalmar o coração agitado, nesses dias sombrios, é entregar tudo, sem reserva, nas mãos de Nossa Senhora. Uma AveMaria, rezada com fervor e pausadamente, um olhar a uma imagem querida da Mãe do Céu, um terço, principalmente, um terço bem rezado. Que bálsamo! Não digais: “Não posso rezar”. Podeis, sim, podeis! Com um pouco de boa vontade se acalma o coração. Não é Maria a Consoladora dos aflitos? 18
15 DE JANEIRO É DEMAIS...! Não sejamos tão impacientes no sofrimento. A impaciência duplica-nos a dor. O ferido necessita de repouso. Quanto mais o enfermo se agita, arranha, coça e mexe as feridas, tanto pior. Sofre mais e até se arrisca a uma infecção, que pode ser fatal. Dá-se o mesmo com as feridas da alma, as feridas do coração. Quando elas aparecem, vamos logo ao Médico Divino e Ele, tão misericordioso, há de pensá-Ias carinhosamente, derramando sobre as mesmas o bálsamo suavíssimo do seu Amor. “Vinde a Mim, diz-nos Ele. Eu vos aliviarei.” Jesus, tão bom, ouve toda queixa, cura todas as feridas do coração. Na ordem da graça, porém, como na da natureza, o processo da cura, se bem que seguro, é lento. Por que tanta impaciência? O remédio queima, arde, mas é eficaz. Os doentes irascíveis e impacientes arrancam o curativo e metem na ferida as unhas venenosas. É perigoso. Não façamos assim, oh! não. Poderia ser fatal. Convençamo-nos desta verdade, já tantas vezes experimentada; a impaciência agrava o sofrimento, rouba-nos o mérito da cruz, torna-a mais pesada e insuportável! Não digamos, portanto: “É demais! É demais!” – Santa Teresinha! dizia o contrário: “Ainda mais, ainda mais, Senhor!” – Se não pudermos chegar a tanto, resignemo-nos a dizer: Nunca é demais, Senhor, nunca é demais o que sofremos, mas ajudai-nos a tudo suportar!”
16 DE JANEIRO NÃO SABEIS O QUE PEDIS Nosso Senhor prometeu ouvir todas as nossas orações. “Pedi e recebereis”; batei e se vos abrirá. Que belas promessas e parábolas sobre a oração, as quais tanto
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nos animam e nos excitam à confiança! Entretanto, como Deus é Pai e melhor do que nós sabe o que é bom para a nossa salvação eterna, nem sempre atende às nossas preces. Por quê? Onde estão as suas promessas Divinas? Ah! Não sabemos o que pedimos. Um pai extremoso dará ao filhinho travesso, para brincar, um revólver carregado, uma faca, uma navalha? A criança chora, teima, mas não pode ser atendida. Seria uma crueldade atendê-la. Que pede muita gente a Deus? A prosperidade temporal, bons negócios, saúde, honras, triunfos que excitam a vaidade. E Nosso Senhor bem vê que tudo será mal aproveitado, que a prosperidade, como péssima madrasta, será a ruína daquela pobre alma tão fraca e tão leviana! E, deixando de atendê-la, manda-lhe cruzes e revezes. Deixará Nosso Senhor de cumprir suas promessas? Não, mil vezes não! Muitas vezes é melhor graça negar do que conceder o que pedimos. Quando certa mãe pediu ao Mestre Divino dois lugares no Reino Eterno para seus filhos, um à direita e outro à esquerda, disse-lhe Jesus: “Não sabeis o que pedis!” O mesmo se pode repetir a quantos pedem a Deus os bens temporais e se esquecem dos bens eternos. Ah! É bem verdade isto: Deus nega por misericórdia o que concederia por justiça e por castigo. Oh! se soubéssemos!...
17 DE JANEIRO O ACASO! O acaso não existe. É uma palavra sem sentido, vazia, a laicização da Providência, para uso dos corações maus, que querem livrar-se da submissão, da oração e do reconhecimento. Uma alma cristã não usa esta linguagem bárbara: “É o destino!... um acaso!... a fatalidade inevitável!” E a Providência? A Divina Providência! Oh! Tanta gente que se diz devota e piedosa e, contudo, crê, como os pagãos, num destino cego! O homem admite a fatalidade, porque desconhece as combinações e planos Divinos, em que tudo, tudo, foi providencialmente preparado. Como muito bem disse Joseph de Maistre, o acaso é o incógnito da Providência. “Convençamo-nos, escreveu Mgr. Gay, de que, se no meio de tantos acidentes de todo gênero de que a vida está cheia, soubéssemos reconhecer a vontade de Deus, não condenaríamos nossos Anjos a verem em nós tantas 20
admirações pouco respeitosas, tantos escândalos sem fundamento, tantas cóleras injustas, tantos desânimos injuriosos a Deus, ai! e tantos desesperos que muitas vezes nos põem em risco de perder-nos.”12 Divina Providência! Divina Providência! Vossos caminhos, Senhor, são ocultos, e vossos desígnios, misteriosos!
18 DE JANEIRO A DOENÇA A doença, olhada pelo prisma da fé, não é um mal. Deus a permite para nosso bem, para a salvação de nossa alma. Fere o corpo para que não morra a alma. Ela nos oferece grandes vantagens. Separa-nos dos loucos e pecaminosos prazeres do mundo. Abate o corpo, que é sempre instrumento do pecado. Afasta-nos das criaturas, da dissipação e de muitas faltas graves. Faz-nos pensar na eternidade e na loucura das vaidades humanas. Quantas desilusões do mundo num leito de dores! Saber aproveitar as lições da enfermidade é receber uma multidão de graças escolhidas do Céu. São Francisco de Assis, em vez de se queixar na doença, exclamava, cheio de gratidão: “Senhor, os sofrimentos que me enviais são, aos meus olhos, incomparáveis tesouros. Agradeço a Vossa Misericórdia Infinita, que me castiga neste mundo para me poupar na eternidade”. A doença é um purgatório antecipado, e mais eficaz e proveitoso do que o outro pelo qual teremos de passar, porque os méritos do sofrimento, neste mundo, pelos do sangue de Jesus Cristo, são de um valor incomparável para resgate de nossa dívida. “Neste mundo, disse Santa Catarina de Gênova, as pessoas doentes acham o Purgatório no seu próprio corpo”. Por que não aproveitar a doença para a expiação, menos dolorosa e mais fácil e eficaz, de nossos pecados, tão grandes e numerosos?
19 DE JANEIRO
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PICADAS DE ABELHAS Sofrermos da parte dos maus, sermos perseguidos, maltratados pelos inimigos, por quem odeia a nossa fé, é doloroso, na verdade, mas suportável, e o pensamento de que nada podemos esperar deles senão isso mesmo, leva-nos facilmente à resignação. Nosso Senhor não foi saciado de opróbios pelos seus inimigos? E pode o discípulo ser melhor que o Mestre? Há, porém, uma cruz que, por ser mais pesada que muitas outras, é inevitável: o sofrimento que nos vem da parte dos bons. Há tanto mal-entendido, tanta suspeita infundada, de resultados fatais, em certas circunstâncias da vida! São Francisco de Sales chama a esse sofrimento de picadas de abelhas. As abelhas não são tão boas? Dão-nos o mel, a cera, trabalham tanto para nós! Há muita gente boa e generosa como as abelhas, e que às vezes nos fere e nos magoa, talvez com boa intenção, por um zelo amargo, um preconceito, ou qualquer outro motivo. Abracemos essa cruz, que é de ouro! “Ser desprezado e acusado pelos maus, diz, na “VIDA DEVOTA”, o melífluo Doutor, é até doce para um homem de coragem; mas, ser repreendido, acusado, maltratado pelas pessoas de bem, pelos amigos, pelos parentes... como é doloroso! Como as picadas das abelhas ardem mais que as das moscas, assim o mal que se recebe das pessoas de bem, e as contradições que estas nos fazem, são bem mais insuportáveis que as outras.” Aceitemos as picadas das abelhas e não nos admiremos. Há tanta vespa neste mundo, meu Deus!...
20 DE JANEIRO OS BONS CARRASCOS Bons carrascos são os indivíduos que, embora bons, virtuosos, de boas intenções, mas levados, talvez, pela intriga, por uma excitação nervosa, por excesso de mal-entendido e amargo zelo, maltratam-nos, perseguem-nos e nos fazem sofrer. E não é raro isto. São Pedro de Alcântara, cheio de compaixão para com Santa Teresa, disse-lhe que uma das maiores penas deste exílio era a que ela
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havia sofrido, isto é, a contradição das pessoas de bem. Vede quantos exemplos desse martírio tão cruel para um coração sensível: São João da Cruz foi lançado numa prisão pelos Padres da Observância, privado da Santa Missa, em rigorosa abstinência, disciplina e insultos; Leão IX esteve prevenido contra São Pedro Damião, por causa das más línguas; Santo Afonso teve como um dos seus grandes perseguidores o Pe. Francisco de Paula, um homem de Deus, virtuosíssimo, de uma vida exemplar. Disse o Pe. Luiz de La Puente, na Vida do Padre Baltazar Álvares: – “...Os mais santos, enfim, podem-se fazer sofrer mutuamente, ou porque se enganem, ou porque não compreendam as coisas do mesmo modo. Haverá sempre entre os homens diversidade de vida e de humores. Tenhamos paciência com os bons carrascos. Neste mundo não somos todos da mesma forma. Há tanta variedade de gênio, educação, temperamento e caráter! Os bons carrascos são inevitáveis!
21 DE JANEIRO QUE BOA COMPANHIA! Quando somos caluniados, nosso amor-próprio se revolta, porque nos sentimos rebaixados e humilhados pelos que anteriormente nos admiravam e não seriam capazes, sequer, de uma suspeita sobre o que se nos atribuem, com injustiça, numa calúnia. Tenhamos paciência! Caluniado, perseguido, foi Nosso Divino Redentor, e se calou. E os santos? O que sofreram! Santo Atanásio, perseguido, caluniado, viveu longos anos escondido e tratado como feiticeiro. São João Crisóstomo foi acusado como homem de maus costumes. A. S. Romualdo atribuíram um crime tão horroroso e bárbaro que chegaram a procurá-lo para queimá-lo vivo na praça pública. Tal a indignação causada pela calúnia! São Francisco de Sales gemeu durante três anos sob calúnia de ter relações criminosas com certa pessoa, e o santo tudo sofreu em silêncio. Santa Teresa e São João da Cruz chegaram a ser presos. E Santo Afonso? Sofreu tanto, a ponto de ser expulso da própria Congregação por ele fundada! E São Claret não foi chamado “o grande caluniado do século XIX? Que boa companhia! Não queremos, pois, suportar uma leve suspeita, uma 23
palavrinha pouco verdadeira sobre a nossa reputação? Ai! Como somos delicados! Quando formos caluniados, lembremo-nos, para nosso consolo, de que estamos em boa companhia!
22 DE JANEIRO QUE MAL FIZ EU? Exprimem estas palavras, queixa injusta e irrefletida de muitas pessoas, quando sentem o golpe das adversidades: “Que mal fiz eu para sofrer tanto?” O sofrimento é consequência do pecado, e todo filho de Adão está sujeito à lei divina que o decretou. Quando Jesus veio à terra para nos remir, tomou a cruz e nela morreu, num oceano de dores. Teria feito algum mal Aquele que é a própria Justiça, o Santo por excelência? Maria, concebida sem pecado, não teve, em amarguras e cruéis angústias, toda a sua vida? E os santos? Há, porventura, alguém que não tenha sofrido, e muito? Quão injusta, inepta e, ainda mais blasfema, a expressão: “Que mal fiz eu para que Deus me castigue?” Que mal? Um mal imenso; o pecado! Um só pecado grave nos faz merecer o inferno. E quantos já cometemos!... O sofrimento é como o sol: nasce para todos. Aceitemo-lo resignados e como discípulos de um Deus crucificado. É lícito que nos queixemos, sem injustiça e blasfêmia, diante de Nosso Senhor, saciado de opróbios? São Pedro Mártir, tendo sido lançado injustamente numa prisão, queixou-se a Nosso Senhor: “Mas que crime fiz eu Senhor, para ser assim castigado?” – “E eu, respondeu o Crucificado, por que crime fui pregado na cruz?”
23 DE JANEIRO A HUMILHAÇÃO! A humilhação revolta. É o que fere mais dolorosamente o nosso amor-próprio. Esmaga-nos e, quando nos bate, precisamos coragem e muita virtude para sofrêla em silêncio. E, sem a humilhação, ninguém pode saber se é realmente 24
humilde. “A humilhação, diz São Bernardo, leva-nos à humildade, assim como a paciência, à paz, e o estudo à ciência. Quereis experimentar se a vossa humildade é verdadeira, até onde vai, se adianta ou recua? As humilhações vos fornecerão o meio.”13 Quem deseja a virtude não pode fugir da via da humilhação, porque não será levado pela humildade quem não suporta a humilhação. Diz São Francisco de Sales que muitas pessoas consentem em se humilhar, mas não querem ser humilhadas. Estão erradas. Só se conhece bem o humilde verdadeiro na humilhação. Que humilhações não sofrem os santos! E tinham sede, uma sede insaciável de humilhações e desprezos! Se nos conhecêssemos bem à luz da fé, se pudéssemos ver o que realmente somos, com aquele penetrante olhar dos santos, saberíamos o que valemos, o que temos, o que podemos. E nos capacitaríamos então de que, na verdade, só merecemos desprezos, humilhações! Paciência nas humilhações, porque as merecemos!
24 DE JANEIRO POR QUE A DOENÇA? Primeiro, porque Deus a permitiu, e tudo que Deus permite, estejamos bem certos disto, é para nosso bem. Depois, como a saúde, a doença e também um dom de Deus. Nosso Senhor nô-la dá para provar nossa virtude e corrigir-nos de nossos defeitos; para mostrar-nos a nossa fraqueza e os desabusar; para desapegar-nos do amor às coisas terrenas e dos prazeres sensuais; para amortecer o ardor impetuoso e diminuir as forças da carne, nosso grande inimigo; para nos lembrar que estamos aqui no exílio e que o Céu é a nossa verdadeira pátria; para dar-nos, enfim, todas as vantagens que se recolhem dessa provação, quando se aceita com gratidão, como um favor especial.14 Quantas vantagens! E ainda há quem pergunte, com desespero: “Por que a doença, meu Deus? Por que sofrer?” “Bem santificada, escreve o Pe. Saint Jure, a doença é um dos momentos mais preciosos da vida. Muitas vezes, num dia de doença, suportada como é preciso, adiantamos mais na virtude, pagamos mais à justiça Divina pelos nossos pecados passados, juntamos mais tesouros para o Céu, tornamo-nos mais agradáveis a 25
Deus e Lhe damos mais glória do que numa semana ou num mês de saúde”.15 E ainda perguntais: “Por que a doença?”
25 DE JANEIRO O APÓSTOLO DE JESUS CRUCIFICADO São Paulo é o Apóstolo da Cruz. Só quis conhecer e pregar Jesus Cristo crucificado. Por isso foi o Vaso de eleição para levar o nome de Jesus aos gentios. “E eu lhe farei ver, disse o Senhor a Ananias, como é preciso sofrer pelo meu nome”.16 O grande Apóstolo se gloriava nas suas dores, nas suas fraquezas, para ter a força Divina. E não temia nem os ultrajes, nem as injúrias, perseguições, desprezos, açoites, por amor de Jesus Cristo, com quem vivia tão estreitamente unido, até à identificação, essa sublime identificação de que ele se fez o arauto. “Vivo, escreveu ele, mas já não sou eu que vivo, vive em mim Cristo”. Eis o segredo de todos os prodígios do seu apostolado, da conversão de tantos gentios e de sua pregação eficaz e maravilhosa. São Paulo foi saciado de amarguras desde que conheceu Jesus Cristo e resolveu pregar a loucura da cruz. Ele nos ensina a pagar o mal com o bem, a ser pequeno, humilde, a padecer afrontas e desprezar as frivolidades do século. Prega Jesus crucificado. Ó doce e preciosa doutrina! Que riqueza! As epístolas de São Paulo consolam o coração aflito! Quando Saulo caiu na estrada de Damasco, perguntou a Deus: “Senhor, que quereis que eu faça?” E foi fiel à graça, à vontade de Deus! Na estrada de nossa vida, quando nos fulminar algum desses raios de dor, voltemo-nos para o Céu e consultemos a vontade Divina: “Meu Deus, que quereis que eu faça?” E aceitemos o que vier do Céu!
26 DE JANEIRO TRABALHAR, SOFRER, MORRER! Nas horas de angústia, nos momentos tristes e amargos da vida, quando as tribulações e a adversidade nos visitam com todo o seu doloroso cortejo, ah! 26
Quanto nos custou a resignação e conformidade com a Santíssima Vontade de Deus! Paciência! Paciência! Trabalhar, sofrer, morrer, eis a lei de que ninguém se pode isentar, a condição de todos os mortais. Paciência! Paciência! Bem poucos compreendem a necessidade de nossa conformação com a Vontade de Deus, condição essa, entretanto, essencial para a salvação de nossas almas. “Não são aqueles que dizem Senhor! Senhor! os que entram no reino dos céus, mas sim os que fazem a vontade de meu Pai”, disse Nosso Senhor no Evangelho. E no ‘’Pai Nosso’’ rezamos: “Seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu”. Rezam muitos devotos o “Pai Nosso”, mas bem poucos o compreendem! Toda santidade consiste em fazer o que Deus quer de nós. Nas alegrias, nas horas felizes, na saúde, na prosperidade – “Faça-se a Vossa vontade, ó Senhor!” Nas tristezas e amarguras da vida, nos revezes da sorte, na doença, nas adversidades – “Faça-se a vossa vontade, Senhor”! Trabalhar, sofrer, morrer... É o nosso destino aqui! Depois, se formos fiéis, virão o descanso e a vida eterna!
27 DE JANEIRO ONDE ESTÁ A PERFEIÇÃO? Em Deus. “Cada qual, diz de modo admirável São Francisco de Sales, cada qual faz a perfeição a seu modo. Uns a põem na austeridade do hábito; outros, no comer, na esmola, na frequência dos sacramentos; outros, na oração, numa espécie de contemplação passiva e sobre-eminente; outros, nas graças 27
extraordinárias”: “Quanto a mim, conclui o santo, não sei nem conheço outra perfeição senão amar a Deus de todo o coração e ao próximo como a si mesmo.” Há devotos fervorosos, anjos na Igreja, a rezar e a comungar, quando em casa, longe estão de se conformarem com a vontade de Deus, e se fazem demônios de ira e impaciência! Rezam piedosa e docemente, de cabecinha torta: “Faça-se a vossa vontade assim na terra como no céu”. Em casa levantam a cabeça, blasfemam contra a Providência e se queixam da vida, como não o faria um pagão. Seria melhor que assim corrigissem o “Pai Nosso”: “Seja feita a vossa vontade, contanto... que se faça a minha!” É falsa toda a piedade que não se basear no cumprimento da vontade de Deus. Portanto, meus amigos, paciência! paciência! Se é vontade de Deus que soframos, resignemo-nos. “Faça-se a vossa vontade.” Isto é a perfeição, a santidade.
28 DE JANEIRO NA ADVERSIDADE SE PROVA A DEVOÇÃO Há muitas almas cristãs que vivem e pensam como pagãos. Escandalizam-se com a cruz. Não se conquista o prêmio sem luta, sem sacrifício. Descanso, paz, gozo perfeito, só no Céu. A terra é lugar de combate. Disse-o o profeta Jó: “A vida do homem neste mundo é um combate”. Aqui na terra não haverá descanso completo. Adoremos os desígnios de Deus, que assim permitiu para que mais meritória se tornasse a nossa conquista do Céu! Na adversidade é que se conhece quem tem verdadeira ou falsa devoção. Ser devoto fervoroso, quando tudo nos corre bem na vida, quando a fortuna nos sorri, quando as honras e a glória nos seguem, não é tão meritório nem pode dar bem a conhecer se a devoção é realmente sólida e sincera. Disse com razão Santo
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Afonso, que é na provação que se conhece a virtude de uma alma. Muitas almas mimosas, delicadas e suscetíveis, só fazem a vontade de Deus enquanto Deus lhes faz a própria, quando tudo lhes corre bem na vida. No sofrimento, na adversidade, abandonam a Deus, queixam-se da Providência, blasfemam contra a Bondade Divina. Falsa piedade! Falsos devotos! Se, à luz da fé, olharmos as coisas deste mundo, chegaremos à conclusão de que aqui, muitas vezes os males não são males, os bens não são bens, e de que há desgraças que são golpes da Providência, e sucessos que são castigos.
29 DE JANEIRO UM MESTRE ADMIRÁVEL São Francisco de Sales é um mestre admirável na arte de curar e aliviar as feridas da alma. É o santo da doçura e da paciência. Que riqueza de ensinamentos contêm os seus escritos! Consolam e desafogam tanto o coração oprimido! Fazei, nas aflições, uma boa leitura de São Francisco de Sales. Que alívio tereis! O grande e melífluo Doutor não nos aconselha as penitências corporais, duras em excesso e que assustam a nossa fraqueza. Quer ele, de preferência, que aprendamos a mortificar a nossa vontade, abater o nosso orgulho e amar o próximo, aceitando o que Deus nos envia com resignação e doçura. “Os que procuram as mortificações voluntárias, escreve o santo, caminham a pé sob o estandarte de Cristo. Aceitar, porém, as cruzes que Deus nos envia e pacientemente suportá-las, é andar a cavalo”. Hoje diria o santo: “... é voar de avião”. “Lembremo-nos, escreve ele, da coroa celeste, que não se concede sem vitória, não se obtém sem combate. É bom, pois, que achemos agradáveis os combates das tribulações. Ah! se pudéssemos contemplar a glória, veríamos que nada são as aflições e perturbações contínuas. Por que nos hão, pois, de afligir as 29
pequenas dificuldades que Deus nos envia? E por que nos impacientaremos com tão pouco, se uma só gota de humildade bastaria para nos fazer suportar, com paciência, o que justamente nos sucede em castigo de nossos pecados? Ó São Francisco de Sales, ensinai-nos a sofrer!”
30 DE JANEIRO SEJAMOS RESIGNADOS NA DOENÇA Esta resignação é tão agradável a Deus que, em pouco tempo de doença, enriquece a alma de mais tesouros de graças do que, em saúde, mil obras de zelo e caridade. “O que glorifica a Deus, diz Santo Afonso, não são as nossas obras, mas a nossa resignação e conformidade da nossa vontade com a do Senhor!” Sofrer como Jesus Cristo não é sofrer, dizia outro santo. A doença nos abate e leva ao desânimo. Almas piedosas se sentem como que abandonadas por Deus, acabrunhadas, tristes. Tudo na vida lhes parece tão diferente, tão doloroso, tão cheio de tédio e amargura! Oh! A monotonia de um quarto de doente! Longas horas de silêncio, de abandono e sofrimento! Paciência, alma cristã! Procura um crucifixo, uma imagem de Nossa Senhora e reza ao menos uma breve jaculatória: “Faça-se a Vossa Vontade, meu Deus!” “Não digamos a Deus senão esta jaculatória, dizia o citado Santo Afonso: Faça-se a Vossa Vontade! Repitamo-la, do fundo do coração, cem vezes, mil vezes, sempre. Daremos mais prazer a Deus só com esta palavra do que com todas as mortificações e devoções possíveis.” A fé é um bálsamo consolador para nossas almas em todas as vicissitudes da vida. Se tivéssemos mais fé sofreríamos muito menos.
31 DE JANEIRO AS MISERICÓRDIAS DO SENHOR 30
Na doença como na saúde, a alma cristã deve exclamar: Senhor! Faça-se a Vossa Vontade! Santo Afonso dizia nas enfermidades: “Senhor! Eu nem desejo sarar nem permanecer doente. Somente quero o que Vós quereis”. “Por isso, acrescentava, o melhor e mais perfeito é não pedir nem a saúde nem a doença, mas abandonar-se à Vontade de Deus, a fim de que Ele determine o que Lhe aprouver”. São Camilo de Lelis teve cinco longas e dolorosas enfermidades, que ele chamava de “misericórdias do Senhor”. A doença, se fere o corpo, cura muitas vezes a pobre alma enferma. Salviano costumava dizer que a doença é um meio tão comum de santificação para as almas, que muitas pessoas nunca chegariam à santidade se gozassem de uma boa saúde. Resignai-vos, almas que sofreis! Nessa enfermidade que vos acabrunha e abate, nessas horas penosas e longas de tantas dores, está a Vontade de Deus, a Mão misericordiosa de Deus a vos amparar e livrar de tantos males, pecados e desgraças! Um dia tudo isso veremos claramente no Céu e abençoaremos a Mão de Deus, que nos fez sofrer! Bendigamos a Mão de Deus que nos fere! Louvemos as doenças, porque são elas as misericórdias do Senhor! 1 - Mt 10,38. 2 - Castelo interior 11 – Morada 1. 3 - Mt 7,21. 4 - Cam. Salvação – 1 – par. med. 77. 5 - Prat. de La perf. C. 1, § 2 – Saint Omer C. SS. R. 6 - D. Lehodey – Le Saint Abandon (O Santo Abandono) – p. 1. cap. 1. 7 - Lettres – Sainte Therèse de L’Enfant Jesus – 5.e lettre à Céline, (Cartas – Santa Teresa do Menino Jesus, Cartas à Celina). 8 - Beato Henrique Suzo – Exempl. c. XXX. 9 - Esprit de Saint François de Salles – c. X – 2.
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10 - Pe. Caussade – Abandon – 1-c. V. 11 - “Conseils et souvenirs. Sainte Therèse de L’Enfant Jesus” (Conselhos e Lembranças - Santa Teresa do Menino Jesus). 12 - Mgr. Gay - Abandon .1 (Bispo Gay) 13 - D. Lehodey - Le Saint Abondon (O Santo Abandono) 14 - Pe. Rodrigues - Perf. Christ, 80. tact. c. XVI. 15 - Pe. Saint jure - Com. et. am. N. S. C. I - III - c. XXIV. 16 - Atos 9,15-16.
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1 DE FEVEREIRO BENDITO SEJA O NOME DO SENHOR! O príncipe poderoso e rico, que era Jó, viu-se batido pelas maiores adversidades. No mesmo dia lhe deram a infausta notícia da morte de todos os filhos e da perda de todos os seus haveres. Para completar o doloroso quadro, viu-se ele coberto de lepra e desprezado por todos, até pelos mais caros amigos e pela própria esposa. Calmo, sereno, em paz, o pobrezinho não proferiu uma só blasfêmia. Limitou-se a pronunciar estas palavras que se tornaram célebres: “O Senhor me deu, o Senhor me tirou. Seja bendito o seu santo nome!” E o Senhor, depois de longa e cruciante prova, recompensou generosamente a paciência do seu servo. Jó recuperou tudo quanto perdera e morreu feliz e rico de bens do Céu e dos bens da terra. Deus nos fere para salvar-nos. Quanto maior for a adversidade, tanto maior será a recompensa. E o Céu está reservado para os que sofrem e sabem dizer como Jó: “O Senhor me deu, o Senhor me tirou. Bendito seja o nome do Senhor”. O Céu, dizia o Pe. Baltazar Álvares, é o reino dos tentados, dos aflitos, dos desprezados, dos indigentes. Lá não se entra sem provações”. Longe de lamentar a nossa sorte e de nos queixarmos da Bondade Divina, deveríamos, nas aflições da vida, olhar para o Alto, imitar o profeta da Iduméa e glorificar o nome do Senhor. Oh! Como é agradável a Deus a alma que, na adversidade, ainda com lágrimas nos olhos, sabe dizer: Bendito seja o nome de Jesus!
2 DE FEVEREIRO A ETERNIDADE, O MUNDO, A VONTADE DE DEUS A uma jovem que ia deixar o mundo para receber, num convento, o hábito 33
religioso, disse Santa Catarina de Gênova: “Que a eternidade esteja em vosso espírito, o mundo sob vossos pés, a Vontade de Deus em todas as vossas ações e que o Amor Divino brilhe em vosso coração!” A meditação destas palavras não será para nós grande incentivo, poderoso estímulo no sofrimento e tribulações da vida? Quem pensa na eternidade não vive de ilusões e compreende o que Bossuet chamava a pavorosa seriedade da vida humana. Quem tem, no espírito, a eternidade, sabe desprezar o que é caduco e efêmero. Sob nossos pés esteja o mundo. A iconografia representa São Francisco de Assis pisando o mundo e abraçado a Jesus Cristo na cruz. Façamos também assim. Esteja o mundo sob nossos pés, para que possamos sentir a doçura, a unção Divina das ternuras do abraço de Nosso Senhor na cruz. Não fomos criados senão para isto: fazer a Vontade de Deus. A ela obedeçamos, pois, em todas as ações de nossa vida. “Ó Vontade de meu Deus, toda santa, toda amável, dizia Santo Afonso, quero abraçar-vos!” Caros leitores, só com a prática desse desejo é que seremos felizes e teremos segura a salvação. Seja ela o nosso programa de vida!
3 DE FEVEREIRO AQUI SE FAZ A VONTADE DE DEUS! Quando vem a doença, ah! como custa a virtude da paciência! Pois é esse o tempo mais precioso da vida durante o qual se enriquece a alma cristã com a colheita de benefícios para o Céu. Descuidamo-nos de fazer penitência voluntária pelos nossos pecados, e Deus, na Sua Misericórdia, envia-nos a doença para purificar-nos e nos fazer experimentar, desde já, um pouco do fogo expiatório do Purgatório. Com pequeno sofrimento pagamos aqui uma grande parte da dívida que contraímos com a Divina Justiça. Feliz o que sabe sofrer com paciência, pois amontoa riquezas para o Céu!
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A perfeição consiste em fazer a Vontade de Deus, e esta tanto se faz com a oração, assistindo à Santa Missa, com as obras de caridade, ou retido, crucificado, a padecer, num leito de dores. Um só ato de conformidade, com a Santíssima Vontade de Deus vale mais, na doença, para a glória de Deus, do que mil trabalhos na saúde. Tal é a doutrina dos santos, havendo a experiência comprovado o valor e a fecundidade do sofrimento na Igreja. Durante a última doença de Santo Geraldo Magela, mandou ele escrever o seguinte na porta da sua cela: “Aqui se faz a Vontade de Deus!” E o santo dizia, sorrindo: “Penso que meu leito é para mim a Vontade de Deus. Esta Santa Vontade e a minha se unem aqui.” Perguntando-lhe o médico se preferia a vida ou a morte, disse: “Não quero viver nem morrer, quero o que Deus quer!” Sublime resposta! Pedi a Nosso Senhor que vos dê a conformidade com a Sua Santíssima Vontade.
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4 DE FEVEREIRO O OURO DA PACIÊNCIA NA BOLSA DAS TRIBULAÇÕES Nas tribulações, quando nos impacientamos, perdemos um rico tesouro de graças que, aproveitadas, dariam um aumento de glória no Céu e um bom desconto nas dívidas de nossos enormes pecados. Vai esclarecer-nos uma parábola. Um rei mandou prender dois súditos que lhe deviam grandes somas e nada possuíam para resgate das dívidas. Sua Majestade foi à prisão, levando duas bolsas cheias de ouro, que atirou com força às cabeças dos seus devedores. Um deles, indignado, com a cabeça a latejar de dor, arremessou para um canto, sem ter querido saber de seu conteúdo, a bolsa que lhe fora destinada. O outro, apanhando a bolsa, agradeceu ao rei, resgatou a dívida com o dinheiro recebido, e saiu da prisão. Estamos no caso dos dois prisioneiros. Temos dívidas enormes contraídas para com Deus. Dívidas de pecados, de abusos da graça, etc. Nosso Senhor tem piedade de nossa miséria e, para nos livrar da triste escravidão do pecado, manda-nos o ouro da paciência na bolsa das tribulações, a fim de resgatarmos as nossas dívidas com esse tesouro. Aos que suportam com paciência o golpe dessas tribulações e, apanhando a bolsa, aproveitam o ouro para o pagamento de suas dívidas, a graça em abundância, o perdão, a misericórdia! Aos que, com orgulho, revoltam-se contra o Rei dos Céus que, para salvá-los, feriu-os com a bolsa de ouro das tribulações – a prisão do pecado, aqui, a prisão do inferno, na eternidade. Dai-nos, Senhor, o ouro da paciência na bolsa das tribulações!
5 DE FEVEREIRO A VARA E A SERPENTE São Francisco de Sales, admirável nas suas comparações geniais, referindo-se à 36
vara de Moisés, que se transformava em serpente quando no chão, e voltava a ser vara na mão do profeta, escreveu: “Se olhais para a terra, a vara, de que se serviu Moisés diante do Faraó, é medonha serpente, mas, se a vedes na mão de Moisés, é uma varinha com a qual ele opera milagres. São assim as tribulações. Consideradas em si, na verdade, são horríveis e intoleráveis; consideradas na mão de Deus, são amáveis e deliciosas”. E a vara, na mão de Moisés, não fez tantos prodígios? Acostumemo-nos a olhar as adversidades com mais espírito de fé, nunca isoladas, separadas da Mão de Deus. Na Mão de Deus, a vara das tribulações é vara e nada mais. Não assusta, e é capaz de fender o rochedo de nossos corações para fazer brotar neles fontes de graças e lágrimas suaves e redentoras da Contrição. Fora nos horroriza, é medonha serpente e venenosa demais... Meu Deus, não permitais que eu considere o meu sofrimento deste mundo fora das vossas Mãos! Livrai-me da serpente venenosa! Estejam meus sofrimentos em vossas mãos!
6 DE FEVEREIRO “OS CRUCIFICADOS” Crucificados são os que, como São Paulo, completam em si a paixão de Jesus Cristo, os que não querem outra ciência a não ser a da cruz do Mestre e os que podem dizer, como o Apóstolo: “O meu viver, a minha vida é Cristo”. E se poderia acrescentar: Cristo crucificado! – Nosso Senhor quer almas reparadoras, almas crucificadas para a salvação do mundo. No diálogo II de Santa Catarina de Sena, disse o Pai Eterno: “Os perfeitos devem tornar-se mediadores entre Mim e os homens caídos no abismo do pecado, porque é pela mediação de meus amigos que eu hei de conceder misericórdia ao mundo. Podem ser chamados de outros “Jesus crucificados”. Meu filho único veio como Mediador para curar o homem da miséria e reconciliá-lo Comigo, sofrendo com paciência até a morte ignominiosa da cruz. Assim fazem os que estão crucificados pelos seus santos desejos. Tornam-se mediadores por suas humildes orações, exortações e vida 37
santa, que os tornam modelos de todos. Brilham eles como pedras preciosas de virtude, suportando pacientemente os defeitos do próximo”.1 Graças a Deus há na Igreja muitos “crucificados”, talvez ocultos, ignorados no silêncio do claustro e até no bulício do mundo, nos hospitais, nos conventos. São as almas pacientes, que se sacrificam pela conversão dos pecadores, almas reparadoras. Não havemos de querer para nós a honra dos “crucificados”?
7 DE FEVEREIRO A CHUVA DE OURO Um lavrador, dizia o célebre jesuíta Pe. Baltazar Álvares, um lavrador plantou bela e extensa vinha. Um temporal com granizo devastou-lhe as plantações. Que prejuízo, dir-se-á, que desgraça! Porém... Oh milagre! Os granizos eram de ouro e de pedras preciosas. Colheu-os todos o lavrador com lucro incomparável em relação ao prejuízo sofrido com a devastação do vinhedo. Pois bem! São de ouro os desprezos, sofrimentos, adversidades e aflições que caem, como granizo, sobre uma alma verdadeiramente paciente. O que ela ganha vale infinitamente mais do que o que perde. Almas cristãs, vamos acalmar os nossos corações tão perturbados pela impaciência! Adoremos em tudo os desígnios da Divina Providência! Se nos quiser Deus no sofrimento, na contradição, na doença, nas amarguras... Paciência! Quanta tribulação na vida! Aceitemos tudo com resignação, como granizo caído do Céu. Granizo que mata nosso amor- -próprio, destrói a erva daninha de nosso orgulho, arrasa a nossa vinha da vaidade, de prazeres e riqueza, os granizos de ouro que foram as tribulações da vida, sofridas por amor de Deus. Bendita chuva de ouro!
8 DE FEVEREIRO 38
O PEREGRINO LOUCO Tudo nos indica que aqui não temos moradia permanente. No dizer do Apóstolo: Somos peregrinos, viajores, com destino ao porto da Eternidade e à morada do Céu. A Igreja nos chama “viator”, viajante, caminhante. À Sagrada Eucaristia dá a São Tomás de Aquino o nome de “Pão dos Anjos” e “Pão dos Viajantes”. Peregrinos em terra estranha, no exílio, longe da verdadeira pátria, que podemos esperar senão amarguras, desprezos e lágrimas? Pode alguém ser feliz no exílio? Na – “Salve-Rainha” – gememos: “A Vós bradamos os degredados filhos de Eva”. Só depois do exílio é que Maria nos há de mostrar a Jesus, bendito fruto de seu ventre. Já que somos peregrinos, por que procurar loucamente, na terra, uma felicidade que não existe? Se um peregrino, em viagem para a sua pátria, onde o esperam os pais ricos e carinhosos, os amigos, a paz e a fortuna, se deixasse ficar pelas estradas e se metesse por estradas tortuosas, em busca de aventuras e tesouros fantásticos que só existem na imaginação e na lenda, não seria louco e não se perderia? Ah! Somos também assim. E nossa loucura é maior, porque se trata da verdadeira pátria e dos tesouros imperecíveis da Vida Eterna!
9 DE FEVEREIRO TUDO QUE ME ACONTECE É PARA MEU BEM! Deus não é Pai? E um pai deseja mal a seu filho? Vós, que sois maus, disse Nosso Senhor, se vosso filho pede um pão lhe dais pedra, ou, se quer um peixe lhe dais um escorpião?” Quanto mais vosso Pai que está nos Céus! E essas graças, esses golpes doloridos e revezes da fortuna e calamidades, é tudo, tudo para nosso bem! Nem sempre para o bem temporal, mas sempre para o bem eterno! Podemos dizer, cheios de confiança, e resignados, em todos os sofrimentos: Tudo que me acontece é para
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meu bem! A Divina Providência vela por nós. Deus é Eterno e Misericordioso. Eterno, quer que desprezemos as coisas temporais e não nos esqueçamos dos bens eternos. Misericordioso, inclina-se até a fragilidade, a miséria de nossa vida, para nos socorrer, não caindo um fio de cabelo de nossas cabeças sem a sua Vontade Divina. Um piedoso fidalgo, conta o Pe. Huguet2, tinha o costume de dizer sempre, em todos os acontecimentos da vida: “Tudo que me acontece é para meu bem!” Um dia, no momento de embarcar em viagem para a Inglaterra, caiu e fraturou as pernas. Não deixou de exclamar: Tudo que me acontece é para meu bem”. Os amigos, admirados dessa linguagem, disseram-lhe: “Então será para teu bem quebrarem-se as duas pernas, além de ficar prejudicada a tua viagem de negócios sérios e importantes?” – “Sim, replicou ele, Deus sabe o que faz! Creio que tudo aconteceu para meu bem”. Poucos dias depois se soube que naufragara o navio em que o piedoso fidalgo deveria viajar.
10 DE FEVEREIRO PARTIRAM ANTES... Não choremos os nossos mortos como quem não crê na ressurreição da carne, como os que não têm esperança. A saudade é amarga e dolorosa, e as lágrimas não podem deixar de correr quando o golpe da morte nos vem arrebatar os que tanto amamos. Chorar os nossos mortos não é um mal. Nosso Senhor não chorou sobre a sepultura de Lázaro? A fé não nos condena à insensibilidade, à dureza de coração. Sim, deixemos que corram essas lágrimas saudosas e irreprimíveis. Choremos, sim, os nossos mortos, mas choremos como quem tem fé. Um dia os veremos na verdadeira Pátria, onde não haverá mais luto nem dores. Olhemos para o Céu e enchamos o coração de esperanças. Também nós partiremos, um dia, e tornaremos a ver aqueles que tanto amamos neste mundo. Os que partiram, não os que perdemos para sempre. São Cipriano escreveu, numa bela carta de consolação, este pensamento: “Não choreis desesperadamente os que o Senhor livrou deste mundo. Eles 40
partiram antes, numa viagem que também havemos de fazer”. Entre os que viajam neste mundo, por terra ou por mar, uns chegam antes, e outros, depois. Uns vêm adiante, e outros, atrás. Os que morreram, meus caros, partiram antes, apenas. Consolemo-nos! Não iremos também depois e não veremos os nossos que já chegaram?
11 DE FEVEREIRO SERÁS FELIZ NO CÉU! À humilde Bernadete, na gruta de Lourdes, disse Nossa Senhora: “Não te prometo felicidade aqui na terra, mas a felicidade do Céu”. Os olhos inocentes da Pastorinha, que contemplaram a visão níveo-azul da gruta de Mosabielle, nunca mais se puderam encantar pelas belezas da terra. “Depois que se viu Nossa Senhora, dizia a Santa, só se deseja morrer, para Vê-la de novo no Céu”. Nem as imagens mais belas, nem as festas mais brilhantes consolavam o coração de Santa Bernadete. Deste mundo, ela só queria o sofrimento e o Amor. Não tivemos a ventura de, com estes olhos mortais, contemplar, como Bernadete, a beleza de Maria. Mas a fé não nos ensina que um dia A veremos na Eternidade, no Céu? Que as belezas caducas não nos seduzam. E que a esperança do Céu nos conforme. No Céu, com Maria! Que felicidade! Soframos um pouco neste exílio, com resignação. Nossa Senhora vela por nós. E, se amarmos e invocarmos com carinho e devoção tão boa e terna mãe, oh! é certo, bem certo que nos salvaremos. O servo de Maria não pode perecer, diz São Bernardo. E, neste exílio tão triste, console-nos o pensamento de que veremos um dia, no Céu, a Mãe, Refúgio dos pecadores. No Céu! No Céu! Com minha Mãe estarei.
12 DE FEVEREIRO O SOFRIMENTO VEM DE DEUS 41
Sim, vem de Deus o sofrimento. Será possível?!... Tudo o que existe no mundo, exceto o pecado, é verdade certa que vem de Deus, Criador de todas as coisas. As trevas e o mal não se produzem por criação divina, mas por subtração da luz e do bem. Diz a Sagrada Escritura: o Senhor, na sua munificência, nos dá a luz. Retirando-se esta, vêm as trevas. O Senhor nos dá a paz, a sua graça. Abusamos da graça e ela se retrai, vindo o pecado. Só o pecado não vem de Deus. Tudo mais que nos sucede é pela vontade do Senhor. E o sofrimento? Deus o sabe! Só podemos garantir que ele é para nosso bem. Deus só faz o bem. Se alguém nos dissesse que vira uma luz que produzia trevas, uma brancura que enegrecia, um calor que gelava, não o acreditaríamos. E por quê? Porque os contrastes fazem ressaltar logo o absurdo da afirmação. Pois é ainda mais absurdo, contrário à natureza Divina, deixar Deus de fazer o bem. Portanto, nos sofrimentos, acima das criaturas que nos ferem, olhemos para o Alto e adoremos os desígnios Eternos, cheios de confiança, e certos de que, vindo, como vem, de Deus, todo sofrimento é para nós um bem, um grande bem!
13 DE FEVEREIRO O DIVINO CIRURGIÃO A prosperidade gera muitas enfermidades graves. E não é possível curá-las sem remédio amargo, sem regime, e, quando o perigo é iminente, sem operação. Há de intervir hábil e sábio cirurgião. E é Nosso Senhor, o Cirurgião Divino da Misericórdia. Médico e Pai de nossas almas, quem nos vem salvar. Pode uma criança chorar, revoltar-se, gritar desesperada, quando, enferma, necessita de uma operação dolorosa. Não importa! A operação há de ser feita e quem vai levar à mesa operatória esse entezinho, objeto de todo o seu amor e ternura, é a própria mãe carinhosa. Eventualmente, o pai, sendo médico, poderá ver-se obrigado a efetuar, ele mesmo a intervenção dolorosa, a cortar um braço, uma perna do amado doentinho, a fim de evitar que, por exemplo, se generalize uma gangrena, que seria fatal. Isto não é doloroso para o coração delicado e sensível de um pai? Corta, fere, com lágrimas nos olhos. Nosso Senhor é o mais terno, o mais delicado e o mais amável dos pais. A gangrena do pecado, gerada na 42
prosperidade, no orgulho, na sensualidade, nas seduções do mundo, ameaça nossa vida eterna, a salvação de nossa alma. E o Pai de Misericórdia quer salvarnos. Que faz Ele? Envia-nos a dor, a tribulação, sofrimentos cruéis. Compreendeis agora, almas atribuladas, por que sofreis tanto? Santo Agostinho pedia a Nosso Senhor: “Queima, Senhor, corta neste mundo, contanto que me poupes na vida eterna”. Divino Cirurgião da Misericórdia, fazei também assim comigo! Salva-me!
14 DE FEVEREIRO O BOM SOFRIMENTO Já conheceis a expressão de São Francisco de Sales. A adversidade é mãe e a prosperidade madrasta da virtude. Quereis a prova? Manassés, no trono real, cercado de glória e de honras, era um sacrílego; na prisão, humilhado, sofrendo, torna-se um santo. Que foi David na prosperidade? Um homicida, um adúltero. Ferido pela morte de Absalão, chora, arrependido, quando a adversidade o visita. Reconhece o seu crime e canta o seu ‘’miserere’’: “Foi bom para a minha alma, Senhor, que me tivesses humilhado!” O filho pródigo vivia, na casa de seu pai, na riqueza e na prosperidade. Nada lhe faltava. Esbanjava todo seu dinheiro nas orgias e no pecado. Sai da casa paterna. Gasta a herança recebida. Vem-lhe a miséria, a fome e, na adversidade, encontrando-se na triste condição de guardador de porcos, lembra-se do pai e se levanta: Levantar-me-ei desta miséria e irei a meu pai! É esta a história de muitas conversões. François Coppé esquecera-se de Deus e viveu longos anos no ceticismo. Feriu-o a doença, a adversidade o atirou nos hospitais, onde sofreu muito. Converteu-se e, escrevendo a história da sua volta para Deus, deu graças à Divina Providência, e ao seu martírio chamou – “O bom sofrimento”. Acolhamos o sofrimento. Ele não é mau. Vem do Céu. É o bom sofrimento!
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ESCOLHE UMA CRUZ Há duas cruzes ao lado de Nosso Senhor, no Calvário: a do bom e a do mau ladrão. Sem cruz não se vive na terra. O sofrimento é condição de nossa vida. Uma das cruzes nos há de pertencer. A do Bom Ladrão é a cruz do penitente. Dimas viu-se miserável, e pobre, carregado de crimes, pregado no madeiro infame. Contemplou ao seu lado a Misericórdia, resignou-se ao sofrimento e pediu a Nosso Senhor: “Senhor, lembrai-Vos de mim em Vosso Reino”. E ouviu a doce voz da Misericórdia: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Valeu-lhe o Céu um ato de conformidade à vontade de Deus, um olhar de confiança em Jesus Crucificado. O mau ladrão amaldiçoa o seu destino, blasfema, renega a sua cruz e se une aos que insultam a cruz de Jesus Cristo. Morre condenado. Ambos na cruz, um se salva e outro se perde. Se não é possível evitar a cruz, roubemos também o Céu, como o Bom Ladrão, pela resignação à vontade de Deus, pela meditação da cruz de Nosso Divino Redentor. É o caminho mais curto do Céu. Vede o que disse Nosso Senhor a Dimas: “Hoje estarás Comigo no Paraíso”. Hoje! Como Nosso Senhor tem pressa em dar o Paraíso às almas conformadas com a Sua Vontade Santíssima! Lá está o Calvário, com as duas cruzes ao lado de Nosso Divino Redentor. Escolhe a tua cruz!
16 DE FEVEREIRO QUEM DEVE MAIS? Vivemos contando, medindo cuidadosamente os sofrimentos que nos afligem. De nada nos esquecemos. Costumamos até exagerar as nossas dores. Trazemos pesado e medido o sofrimento, e diante de Deus, nas orações, queremos ser atendidos e não admitimos delongas. São de São João Crisóstomo estas palavras: “Sois muito exatos em contar os sofrimentos. E o sois, porventura, em contar os pecados que os provocam? 44
Pensais, tão só, nos pecados que cometeis durante um dia, sem contar os inumeráveis pecados de toda a vida, que não quereis conhecer. E vereis quanta injustiça, quanta ofensa a Deus vos hão de chegar à memória!” E temos coragem de medir, pesar as ofensas, os crimes que cometemos? “Se Vós, Senhor, medirdes as nossas iniquidades, que será de nós?” Examinemos cuidadosamente nossas consciências. Um olhar sobre a vida passada, sobre a multidão de nossos pecados. E depois calculemos o que havemos sofrido neste mundo. Não temos mais pecados do que sofrimentos? E se um só pecado mortal merece um castigo eterno, que merecemos com tanto pecado? Quem deve mais?
17 DE FEVEREIRO BENDITO SEJA DEUS! Santa Teresa se oferecia a Deus cinquenta vezes por dia, para que o Senhor dispusesse dela como quisesse, e se propunha a abraçar o que Nosso Senhor lhe enviasse, fosse a prosperidade ou a adversidade. Eis o que é importante na vida de perfeição. Só isso basta para santificar em pouco tempo uma alma. Na prosperidade, todo o mundo está disposto a conformar-se com a Vontade Divina. Na adversidade, bem poucos. Demos graças a Deus quando a sua misericórdia nos cumula de favores e bens temporais. É muito bela a gratidão e atrai novas bênçãos do Céu! Mas... Não nos esqueçamos de que a adversidade é também uma graça, e das maiores. Se dissermos, na prosperidade, “Bendito seja Deus, por que não o fazermos também nas adversidades? Imitemos o Santo Profeta Jó e seremos agradáveis ao Senhor. “Um só Bendito seja Deus, nas contrariedades, dizia o Pe. João D’Ávila, vale mais do que mil orações de graças quando estamos na prosperidade e tudo nos corre bem.”
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Nas alegrias e consolações? Bendito seja Deus! Na doença ou na saúde? Bendito seja Deus! Nas trevas ou na luz? Bendito seja Deus! Como é agradável a Nosso Senhor uma criatura assim resignada, humilde, paciente! É uma pérola do Coração de Jesus!
18 DE FEVEREIRO O VERME E O SERAFIM Se a perfeição está em fazer a vontade de Deus, pouco importa, neste mundo ou no outro, o lugar que a Providência nos reservou. Os Santos, no Céu, amam a Deus com amor perfeito. E em que consiste esse amor? Na conformidade com a Vontade Divina. Nosso Senhor nos ensinou a pedir o cumprimento da Sua Santíssima Vontade na terra como no Céu. Não o dizemos todos os dias no “Pai Nosso?” Aceitemos, neste mundo, o que Deus quiser, o último ou o primeiro lugar. Quando se cumpre a Vontade de Deus, não há lugar, nem ofício, nem condição desprezíveis neste mundo. Na cozinha dum Mosteiro como na direção geral da Ordem, pode uma alma santificar-se e enriquecer-se de méritos para o Céu. Basta para isso a sua conformidade com a Vontade de Deus. Só disso depende a nossa perfeição. Disse Santa Teresa: “O que nesta prática for bem fiel receberá do Céu maiores dons e fará mais progresso na vida interior”. Tinha razão o Bem-aventurado Henrique Suzo, quando, ao meditar essas verdades, dizia: “Prefiro ser neste mundo o verme mais miserável da terra, pela Vontade de Deus, do que um serafim no Céu, pela minha própria vontade!”
19 DE FEVEREIRO O MONGE SANTO Não há necessidade, para a perfeição, de austeridades espantosas nem de obras maravilhosas. É muito simples a virtude e nada tem de complicado. Um ato de 46
conformidade, um sim perene ou renovado a cada instante ao que Deus quiser. Nada perturba a alma verdadeiramente abandonada à vontade de Deus. Tem o paraíso da terra! Cesário conta de um monge simples, de uma vida nada mais austera do que a de qualquer de seus irmãos, e que não obstante, operava milagres estupendos. O abade não sabia explicar o fato, que causava admiração a todo o Mosteiro. O religioso, na sua vida monástica em nada se distinguia dos seus irmãos. “Que devoções práticas, perguntou-lhe o abade, para que o Senhor te dê a graça de operar tantos prodígios?” O pobre monge respondeu: “Sou o mais imperfeito de meus irmãos e só procuro fazer uma coisa: conformar-me em tudo com a Vontade de Deus”. E tornou a perguntar o abade: Quando puseram fogo em nossas plantações e nos prejudicaram as terras, não te causaram tristeza a nossa penúria e tantas outras desgraças que nos sucederam?” – “Oh! não, meu Pai, replicou o monge, eu louvei a Deus e até fiquei contente. Deus tudo permitiu para nosso bem. Louvado seja Deus!” O abade compreendeu logo que a santidade daquele monge estava no seu heroísmo em aceitar os males e golpes adversos e na sua conformidade, em tudo, com a Vontade de Deus!
20 DE FEVEREIRO O SOL E A LUA “O homem santo, diz a Escritura, permanece na sabedoria como o Sol, mas o insensato muda como a lua.” O pecador insensato se distingue pela inconstância e impaciência em todos os seus atos. Ora crê, ora descrê. Hoje ri, ditoso na prosperidade, regozija-se com seus amigos, goza a felicidade até a embriaguez, até a loucura. Amanhã vem o golpe da adversidade. Uma desgraça, uma doença, uma calamidade qualquer. Chora até o desespero, revolta-se contra o Senhor, grita e se exaspera. Ora é humilde, ora soberbo até a insensatez. Enfim, o pecador muda conforme a sua situação de adversidade ou de prosperidade. E, do mesmo modo que a nossa vida muda, como a lua, do gozo para a dor, da alegria para o luto, o pecador insensato muda da felicidade para o desespero. Já não é assim o justo. Calmo, sereno, permanece sempre igual, como o Sol, escondido entre nuvens ou a brilhar no 47
zênite. Na fraqueza da sua natureza humana, sente, é verdade, mas se conserva sereno, resignado, humilde. A prosperidade não o ensoberbece, a adversidade não o abate. Se o exterior é, às vezes, sombrio e triste, como um dia sem sol, o interior está calmo e sempre iluminado pelo Sol Divino, porque, atrás das nuvens espessas de tantas amarguras, o sol de seu coração se conserva sempre brilhante e esplendoroso.
21 DE FEVEREIRO ACIMA DAS NUVENS Quem repousa tranquilamente no seio da vontade de Deus, eleva-se bem alto, acima de todas as nuvens que toldam o céu de nossa vida e a enchem de tempestades e relâmpagos. E quem, acima das nuvens, percebe a tempestade a rugir, furiosa, a seus pés, e não pode ser atingido pelos raios, permanece calmo, não teme. Quando só se deseja fazer, neste mundo, a vontade de Deus, o coração não sofre as agitações e abalos tremendos como em dias de horrorosa tempestade. Paira tranquilo, acima daquelas nuvens sombrias, resignado e todo cheio da Vontade de Deus. Dessas almas resignadas disse Salviano: “Se estão em baixa condição, assim querem ficar. Se na pobreza, querem ser pobres. No sofrimento querem sofrer. Querem enfim, o que Deus quer. E sempre estão contentes. Vem o calor, o vento, o frio, a chuva: Deus assim quis! Seja Deus louvado! Vem a perseguição, a doença, a morte dos entes mais queridos? Deus assim quis! Louvado seja Deus! Santa Madalena de Pazzi, chegada a esse grau de abandono, ao pronunciar as palavras: “Vontade de Deus! Vontade de meu Deus! – entrava em êxtase”. Ó meu Deus! Meu Deus! Ensinai-me a fazer a vossa Santa Vontade. E que, nas asas de Vosso Amor, eu paire acima das nuvens de minha vida, pejadas de raios e tempestades, de tantas dores e aflições!
22 DE FEVEREIRO A FILHA DE SÃO PEDRO 48
São Pedro era casado antes do chamamento Divino e da sua vida apostólica. Tinha uma filha, Santa Petronilha, que vivia sempre enferma e, na flor da idade, gemia num leito, paralítica de todos os membros e a sofrer dores agudas e cruciantes. O Príncipe dos Apóstolos fazia, em toda parte, estupendos milagres e inúmeras curas maravilhosas. Perguntaram-lhe um dia: “Ó Apóstolo Pedro, operais tantas curas e até a vossa sombra realiza prodígios entre os enfermos; por que, pois, a vossa presença em casa e o vosso amor paterno não curam Petronilha, que tanto padece?” Propositadamente, respondeu o Apóstolo, deixo minha filha enferma. Ela tem necessidade de ser doente para se salvar. Entretanto, para vos provar que a posso curar, vou ordenar-lhe que se levante. – “Levanta-te, Pretonilha, e serve a mesa”. A menina se levantou curada, serviu a mesa e voltou depois para o leito, com as mesmas enfermidades. Petronilha era bela, cheia de encantos, e poderia perder-se nas seduções do mundo. Deus a fez enferma para livrá-la dos perigos, dar-lhe méritos para o Céu e santificá-Ia, até que, do martírio do leito, fosse ao martírio glorioso dos primeiros dias do Cristianismo. Quando Nosso Senhor, apesar de nossas orações, não nos ouve na enfermidade, é porque nos trata com misericórdia, como São Pedro à sua filha. Resignemo-nos!
23 DE FEVEREIRO GRANDE PENA VIVER SEM PENA! Esta era a máxima de Santo Agostinho. Os santos mais unidos a Nosso Senhor, do alto da Montanha do Amor, divisam mais largos horizontes do que nós. Eles sabem o que é Eternidade e o quanto vale sofrer por amor de Deus e para salvação de nossa alma, destinada à felicidade eterna. Todos os santos foram, não só pacientes e conformados no sofrimento, como apaixonados pela cruz: “Ou sofrer ou morrer!” – exclama Santa Teresa. “Sofrer e ser desprezado por Vós!” – dizia São João da Cruz. Compreende o mundo essa linguagem? A nossa delicadeza e sensualidade não acham exagero nessas expressões? Ah! Somos ainda grosseiros demais! A cruz de Jesus Cristo nos escandaliza como escandalizava aos pagãos no tempo de São 49
Pedro. Santo Agostinho, depois de tantos e tão funestos erros em busca da felicidade, achou-a, finalmente, na cruz de Jesus Cristo. E ele podia dizer: “Grande pena é viver sem pena!” Sim, porque, sem sofrimento, sem cruz, não há méritos, não há virtude sólida, não há salvação garantida. Desde que Nosso Divino Mestre nos remiu pela cruz, não pode haver salvação fora da cruz! E, se é tão necessário sofrer, é também, na verdade, grande pena viver sem pena!
24 DE FEVEREIRO O PÃO SEM AÇÚCAR E O AÇÚCAR SEM PÃO Muita gente procura mais, na devoção, as consolações de Deus do que o Deus das consolações – diz o autor da “Imitação”. Como as crianças que não procuram um alimento substancial, contentando-se com as guloseimas, confeitos e doces, querem certas almas um fervor sensível, as doçuras da oração. Se Deus lhes retira as consolações, queixam-se, abatem-se e murmuram. E não é raro que cheguem até a deixar os exercícios de piedade. O amor Divino traz uma doçura infinita, enche e transborda o coração, mas nem sempre é todo de alegrias e consolações. Jesus Cristo é um Esposo Crucificado. E ninguém O pode amar verdadeiramente sem a cruz. O pão da dor – de que fala o Salmista, deve ser o alimento preferido das almas que aspiram a uma piedade sólida e seguem o Divino Mestre até o Calvário. Santa Catarina de Sena experimentou tantas securas na devoção que se julgou abandonada por Deus. Santa Teresinha, durante longos anos, provou a mais cruciante aridez espiritual. E estas Santas foram duas almas seráficas! Muitas almas preferem, como diz São Francisco de Sales, o pão sem açúcar de uma devoção bem sólida e, mesmo sem consolações, provam, até o sacrifício, o seu verdadeiro amor a Jesus Cristo. Outras querem apenas açúcar das consolações e rejeitam o pão do sacrifício, pão substancial da dor. Ó meu Jesus, prefiro o Vosso pão sem açúcar ao Vosso açúcar sem pão!
25 DE FEVEREIRO UM SORRISO NA DOR 50
Aceitar a dor sem queixa é virtude e virtude sólida. Aceitá-la com sorriso, é heroísmo. Conheceis o clássico sorriso de Santa Teresinha? É um sorriso entre rosas, mas rosas de espinhos duros e penetrantes. Quando vem o sofrimento, é preciso recebê-lo bem, como quem recebe um hóspede querido. Pois assim fazia o Anjo do Carmelo. Uma noviça quis ter uma prova da virtude heroica da Santa. “Dois meses antes da sua morte – diz a irmãzinha – fui fazer uma visita à Irmã Teresa e, como tinha ouvido elogiar muito a sua paciência, veio-me a vontade de a observar num momento de crise. E vejo logo o seu rosto revestir-se de um ar de alegria e repontar de seus lábios um sorriso celeste. Perguntando-lhe então a razão daquela mudança, respondeu: “Por isso mesmo que sinto dores fortes, preciso amar o sofrimento e mostrar-lhe sempre boa cara”.3 Custa muito um sorriso, quando se apresenta à nossa fraqueza a Irmã Dor. Custa, mas não é impossível. Havemos de recebê-la. É uma necessidade fazê-lo. Nosso Senhor a mandou. É mensageira do Céu. É a Vontade de Deus. Se, como Santa Teresinha, não pudermos recebê-la com sorriso doce e amável, sejamos delicados. Ela é boa, veio do Céu, veio curar-nos. Que entre sossegada a Irmã Dor e não repare a nossa grosseria se, por acaso, a recebermos sem um gesto amável e um bom sorriso!
26 DE FEVEREIRO PASSAI POR BAIXO! É ainda o Anjo do Carmelo quem nos vai dar uma lição para as dificuldades da vida. Há certas almas que acham tudo difícil. Se se lhes apresenta um embaraço, abatem-se, querem vencer e não podem, querem passar sobre as dificuldades e o acham impossível... E como sofrem! Numa grave tentação e sério embaraço na vida espiritual, disse uma noviça a Santa Teresinha: “Não posso passar por cima deste obstáculo!” – Respondeu a Santa: “Por que há de querer passar por cima? Passe por baixo! É próprio das almas grandes voar lá por cima das nuvens, quando cá por baixo ruge o trovão e se desencadeia a tempestade. Quanto a nós, contentemo-nos em passar por baixo, com humildade e paciência. A propósito, 51
lembro-me disto, que me aconteceu quando era criança: um dia estava um cavalo à entrada do jardim, impedindo a passagem. Enquanto os circunstantes, com cuidado em mim, discutiam o meio de desviar o animal, eu passei sossegadamente por baixo deste. Eis aí como é bom ser pequenina e se conservar cada um no seu tamanhozinho”.4 Com a paciência e a humildade, ficai sempre pequeninos, como as criancinhas, e, quando algum cavalo das dificuldades da vida vos ameaçar ou vos impedir a porta da paz de vossa alma, como Teresinha, depressa!... Passai por baixo!
27 DE FEVEREIRO OS MÁRTIRES Quereríamos a glória do martírio. Que inveja nos causam os heróis cristãos na arena do anfiteatro, nas prisões, nos cavaletes, na cruz! E podemos ter a glória do martírio e de um martírio não menos glorioso do que o daqueles que derramaram seu sangue pela causa de Cristo. Diz Santo Agostinho que o martírio não consiste na pena, mas na causa ou fim por que se morre. E o Angélico Doutor ensina que se pode ser verdadeiro mártir, morrendo no exercício de um ato de virtude. Aceitarmos o que o Céu nos envia de sofrimento e de cruzes, assim como, e principalmente, a morte, para agradar a Deus e nos conformar à Sua Santíssima Vontade, – é, pois, martírio, e tem o mérito do martírio. E quem faz esse ato, diz, com autoridade, Santo Afonso, ainda que não morra em mãos do carrasco, tem o mérito do martírio. As vozes autorizadas de três Doutores da Igreja afirmam que podemos ter a glória do martírio sem derramar o nosso sangue, com a simples aceitação heroica da vontade de Deus. Não temos, porventura, em nossa vida tantas ocasiões de exercer heroicamente a virtude da paciência? E o dever a cumprir cada dia, monótono, duro, quase insuportável!... E o que sofremos dos que nos molestam? E a doença cruciante, longa, talvez incurável? Não quereis, pois, a glória dos mártires? Por que não aproveitais o martírio que Nosso Senhor vos envia? Que bela coroa reserva o Rei 52
dos Mártires aos heróis e mártires da Santíssima vontade de Deus.
28 DE FEVEREIRO INÚTIL... “Sou inútil” – geme alguém no leito de dores, reduzido a uma inação dolorosa. Quer trabalhar, quer lutar como antes, e se vê amarrado, de mãos e pés, num leito, preso à monotonia de um quarto de enfermo. Sou inútil! Que pensamento cruciante, por exemplo, para um coração de apóstolo, sedento de lutar pela salvação das almas, ao contemplar a seara amadurecida e..., sem operários. Ah! Não digamos – sou inútil –, quando é vontade de Deus que soframos. Inútil era, talvez, o nosso trabalho todo, sem vida interior, sem pureza de intenção. Deus não precisa de nós. Somos puros instrumentos nas Suas Mãos Divinas. E o instrumento pode ser robusto ou enfermo, grande ou pequeno. A salvação das almas é Obra Divina. No leito de dores, o apóstolo pode salvar mais almas pela paciência do que pelas mais brilhantes pregações. “O que glorifica a Deus – diz Santo Afonso – não são as nossas obras, mas a nossa resignação e a conformidade da nossa vontade com a Vontade de Deus”. O apostolado do sofrimento, por ser o mais oculto e penoso, é também o mais eficaz. Escrevia Santa Teresinha a um missionário: “Meu irmão, Deus quer firmar o Seu Reino nas almas; muito mais pelo sofrimento e a perseguição do que por brilhantes pregações”.5 Não és inútil na cruz da enfermidade, oh! não, bom apóstolo; estás firmando o Reino de Deus nas almas!
29 DE FEVEREIRO (Nos anos bissextos) A VIDA DA GRAÇA E A VIDA DA GLÓRIA A vida da graça é o gérmen do qual a vida da glória é o desabrochar. Passamos 53
uma a lutar, na prova e a outra, na felicidade em triunfo. Quanto ao fundo, porém, consistem na mesma vida sobrenatural e divina, que começa aqui na terra e se consuma no Céu. Aliás, a vida da graça é a condição indispensável da vida da glória, da qual determina e marca a medida. Deve-se pois, desejar uma como se deseja a outra. Deus assim o quer, porque este é o fim supremo de nossa existência. Nosso Senhor se ocupa em nô-lo fazer atingir, assim como o demônio se ocupa em nos perder. As almas que compreendem o sentido do seu destino, não têm outro objetivo, no meio dos trabalhos e vicissitudes da terra, senão o de conservar a vida da graça, tão preciosa e tão disputada, em todo seu desenvolvimento. Mas Nosso Senhor disse que, se o grão de semente não cai na terra e não morre, não há germinação. Morramos, pois, na terra úmida e fria das provações deste mundo, e deixemos que a semente de nossa vida, saciada de amarguras e contradições, apodreça e morra, para que dela germine e brote a vida da glória que esperamos gozar um dia no Céu! 1 - Diálogos. II - p. 129. 2 - Huguet - La perfection Chrétienne en exemples, S. C. V. 3 - “Conseils et souvenirs”. 4 - “Conseils et souvenirs”. 5 - “Lettres de Sainte Therèse de L’Enfant jesus à des missionaires” - 6.mer lettre.
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1 DE MARÇO A CRUZ E A EUCARISTIA Quereis a perfeição? Buscai-a nestas duas fontes: a Cruz e a Eucaristia. “Se alguém quer ser perfeito” – diz Nosso Senhor – tome “a cruz de cada dia”. E não é a Eucaristia o pão da vida eterna, a memória da paixão de Jesus Cristo? A ideia do sacrifício da cruz é inseparável a do sacrifício do Altar. Não se vive neste mundo sem cruz, mas para nos ajudar a carregá-la, deu-nos o Senhor a Eucaristia. Ó bondade, ó misericórdia do Coração de Jesus! Sempre nos convida ao seu banquete de amor: “Vinde a mim, vós que estais sobrecarregados e que tanto sofreis, vinde, Eu vos aliviarei”. Se a cruz é de todos os dias, todos os dias vamos também à Eucaristia. Quando se padece, alivia-se o coração com uma visitinha ao Sacrário, com uma comunhão bem feita! “Os homens – dizia Jó – são consoladores importunos”. Tomemos o hábito de correr logo ao Sacrário, à mesa da comunhão, quando o sofrimento nos acabrunha, quando o coração está sobrecarregado e ferido. Só Ele, só Jesus pode suavizar a nossa dor. Disse Nosso Senhor a uma alma: “Quando quero conduzir uma alma ao cume da perfeição, Eu lhe dou a cruz e a Eucaristia. A Eucaristia faz, primeiro aceitar, depois, amar e, afinal, desejar a cruz. A cruz purifica a alma e a dispõe e prepara para o Banquete Eucarístico. A Eucaristia nutre, fortifica a alma, ajuda a levar a cruz e sustenta-a no caminho do Calvário”. Haverá dons mais preciosos do que a cruz e a Eucaristia?
2 DE MARÇO O AMOR DE DEUS E O AMOR DO BEM Há sofrimentos inevitáveis aos que lutam no campo do apostolado: contradições, ciúmes, perseguições. Quem tem a pureza de intenção e trabalha com os olhos fitos em Deus, tudo vence e não se abate. O apóstolo imperfeito, de uma virtude medíocre, desanima. “Há uma confusão – diz o Pe. Dosda1 – entre o amor de 55
Deus e o amor do bem. Sofreríamos menos, se compreendêssemos melhor essa distinção. Há circunstâncias em que precisamos deixar o bem que Deus não pede de nós, para nos apegar só a Ele e entregar-nos inteiramente à Sua Divina Providência. A procura do bem não é verdadeira caridade, quando se quer o bem com uma intenção má ou até mesmo quando se quer o bem pelo bem. A Divina caridade quer, sem dúvida, o bem, mas Ela o quer por Deus. Quantos desânimos, quanta inveja e ciúmes, quanta pequenez entre homens menos amigos de Nosso Senhor do que do bem! Seus esforços para o bem muitas vezes não adiantam e eles ficam desapontados. Vêm outros participar dos mesmos trabalhos que eles e ficam invejosos e ciumentos. Para realizar suas empresas, não receiam desacreditar ou contrariar outros operários da mesma obra, tão grande, a de Redenção. Amam-se a si próprios e querem mais o bem humano do que o bem Divino. Fazem que vão a Jesus Cristo e não fazem mais do que uma habilíssima e, muitas vezes, inconveniente volta sobre si mesmos. Ignoram a diferença que há entre um homem do bem e um homem de Deus. Quantas obras brilhantes na aparência são estéreis na realidade, porque o amor próprio, mais do que o amor Divino, presidiu a sua formação e direção! Eis aí porque sofrem e se afadigam e se aborrecem tantos que trabalham na seara do Senhor!”
3 DE MARÇO DIVINA PROVIDÊNCIA! DIVINA PROVIDÊNCIA! Quem sofre deve, a cada golpe, olhar para o Céu. Tudo vem do Alto. Não compreendemos os desígnios de Deus. Mistério dos mistérios é o da Divina Providência! Há ocasiões em que o enigma se nos apresenta espantoso, torturante. Passamos por uma das provas mais difíceis de nossa fé quando a Providência, por estradas tortuosas, leva-nos ao cumprimento dos seus eternos desígnios. Os juízos da Providência são incompreensíveis. Deus começa reduzindo ao nada aqueles que Ele encarrega de alguma missão. A morte é o caminho pelo qual nos conduz ordinariamente à Vida. “Ninguém compreende por onde Ele passa” – diz Mgr. Gay. Sim, meu Deus, ninguém compreende por 56
onde passais nem o que quereis de nós nesta aflição, neste golpe, nesta morte, neste fracasso de uma obra! Tudo foi preparado no Céu. Mas de uma coisa podemos ter certeza, embora nos levem as aparências a negá-lo: foi para o bem de nossas almas! Nosso Senhor revelou a Santa Madalena Postel que ela seria fundadora de uma comunidade, mais tarde bem numerosa. Entretanto, durante trinta anos, parecia Deus empenhado em impedir a obra, que passou pelas mais duras provas, por insucessos e fracassos repetidos. Conheceis a história edificante e dolorosa da fundação de tantas ordens e institutos que são hoje a glória da Igreja? Insondáveis desígnios de Deus, mas, estejamos certos, desígnios de misericórdia e de amor! Dizia a Madre Maria do Santíssimo Sacramento, fundadora das Irmãs Franciscanas Missionárias: “Uma das nossas grandes alegrias no Céu será ver, nos planos Divinos, como fomos conduzidos, nos longos caminhos da vida, pelos cuidados da Divina Providência, que sem que o soubéssemos, afastou de nós tantos perigos e colocou em nosso caminho tudo de que tínhamos necessidade para servir aos seus desígnios”. Ó Divina Providência! É para se chorar de amor! Só o pensar em vós comove tanto, meu Deus!
4 DE MARÇO DEUS NÃO O QUIS! Deus quer de nós uma só e única coisa: o cumprimento da Sua Vontade Santíssima. O mais é acessório e até inútil e perigoso para nossa salvação. O dever cumprido nos assegura também o cumprimento da Vontade de Deus. Quem fez o que deve, fez o que pôde, fez o que Deus quis, podendo ficar tranquilo e abandonar-se inteiramente nas mãos da Divina Providência. O sucesso? A vitória? O êxito? Pouco importam. Se Deus os quis? Insucessos, fracassos, humilhações? Deus os permitiu? Louvado seja Deus! Temos certeza de haver cumprido o dever e a consciência está sossegada? Tudo vai bem. Deus não o quis! A pureza de intenção é que vale em nossas obras. Vigiemos a nossa pureza de intenção e nunca ficaremos dolorosamente surpreendidos com os fracassos de nossas boas obras. Apeguemo-nos unicamente à vontade de Deus e 57
fiquemos indiferentes ao sucesso ou insucesso, à vitória ou ao fracasso. Disse o Pe. Lehody2: “Sabemos que Deus quer de nós esta boa obra, mas desconhecemos as Suas ulteriores intenções. Muitas vezes, para nos exercitar na virtude da santa indiferença, Deus nos inspira desígnios muito elevados, cujo sucesso, entretanto, não quer”. Queixarmo-nos, lamentarmo-nos, descrermos da Providência? Seria orgulho e loucura. Deus sabe o que faz! Se o fracasso nos humilhou e purificou nossa intenção, bendigamos a Deus! Pereceu esta obra de zelo para o nosso bem! Deus não a quis!
5 DE MARÇO DEIXA-ME PLANTAR A CRUZ Nosso Senhor quer salvar-nos pela cruz – já muitas vezes o tenho dito e repetido aqui. Ele parece dizer-nos quando se nos apresenta com a cruz: “Alma querida, deixa-me plantar a minha cruz no teu coração”. Sejamos generosos, vamos! Plante-a Ele onde e como quiser, e deixe-a bem firme. Que a tempestade de minhas ingratidões e os ventos furiosos das tentações não a possam nunca arrancar! Só Nosso Senhor sabe onde vai plantar sua cruz na terra árida de meu coração. É preciso cavar a terra, e as enxadas das provações, em mãos de bons operários – as criaturas que nos perseguem e humilham – preparam a cova. Depois a cruz é levantada. É mais um sofrimento. Quando a cruz não está nos ombros, mas penetra numa chaga aberta e a sangrar, custa suportá-la, meu Deus!... Quantas vezes, justamente quando a terra de nosso coração sofreu tantos golpes, foi cavada e batida pelos operários da dor, chega-nos a cruz pesada do Calvário! Deixemos que Nosso Senhor plante essa cruz bendita! Morremos de dor, numa agonia triste! Não importa! Ressuscitaremos no Amor! Feliz, mil vezes feliz a alma que compreendeu o mistério da cruz! No deserto desta vida, só há um abrigo seguro: é a sombra da árvore frondosa da cruz. Não tenhamos medo da cruz. Deixemos que Nosso Senhor venha, sim, deixemos que Ele venha quando e com a cruz que quiser. Ele nos dirá, cheio de amor: “Deixa-me plantar a cruz!” Plantai-a, sim, meu Jesus, neste deserto do meu coração ingrato, aqui bem 58
no centro, ou melhor, onde quiserdes; mas plantai-a bem, porque a tempestade aqui é forte!
6 DE MARÇO ENTRE OS SERAFINS! Toda santidade consiste em fazer a vontade de Deus. A santidade é a perfeição. Amar a Deus quer dizer: cumprir em tudo a Sua Santíssima Vontade. Já o provamos e é de fé. Portanto, fazer tudo o que Deus quer e querer tudo o que Deus faz, é viver como os anjos, que executam sempre, e com perfeição, as ordens do Senhor. Nas trevas, em que se agita a nossa existência, temos um mérito superior ao dos anjos, porque executamos a vontade de Deus na luta, entre inimigos terríveis, que a combatem a cada instante. “Às vezes – dizia Santa Teresinha – custa à nossa fraqueza dar a Nosso Senhor aquilo que Ele pede. E, porque custa, é meritório e precioso o nosso sacrifício. No Céu, é bem recompensada a alma que, neste mundo, lutou para abraçar e cumprir em tudo a Vontade Santíssima de Deus. Um dia, a Bem-aventurada Estefania de Soncino, dominicana, foi levada ao Céu, em êxtase, e viu diversas pessoas que conheceu na terra colocadas entre os serafins. Foi-lhe revelado que elas estavam em grau tão sublime de glória pela perfeita união de suas vontades com a de Deus!” A vida dos serafins é a vida do Amor, na glória. A vida das almas abandonadas à Vontade de Deus e a vida do amor, na terra. Vida seráfica. Não quereis pertencer ao coro dos serafins da terra?
7 DE MARÇO “LOGO TEREI TUDO!” Há sempre um vácuo no meu coração. Um abismo! Nada o pode preencher, nem a glória, nem o prazer, nem a ciência, nem a riqueza! No auge da glória, do prazer, da ciência, e da riqueza, ouço o pobre Salomão a gemer: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”. Nada pode saciar um coração de ânsias infinitas, a não 59
ser o Infinito, que sois Vós, só o Infinito, só Vós, meu Deus, que sois Tudo! Compreende-se porque o Poverello de Assis transbordava de alegria, quando suspirava, dia e noite: “Meu Deus e meu tudo!” Compreende-se também a nostalgia de nossos corações, quando buscam felicidade neste mundo e voltam desolados e tristes. Não achamos tudo o que desejamos fora Daquele que só Ele é Tudo. A vida dos Santos é o desprezo de tudo por Aquele que é o “Tudo”. Só nisso se acha a paz, a felicidade, o paraíso na terra. E será alguém, neste mundo, mais feliz do que um santo? Um pouco antes de sua morte, perguntaram a São Tomás de Aquino se não tinha necessidade de alguma coisa. – “Não tenho necessidade de nada – respondeu o santo – logo terei tudo, gozarei o Bem supremo!” Meu Deus e meu Tudo! Meu Deus, quero amar-Vos! Meu tudo, quero possuirVos!
8 DE MARÇO ATÉ QUANDO? Sabeis o que é uma Eternidade? Imaginai um pouco. Se um beija-flor viesse, de cem em cem anos, beijar uma flor e só voltar um século depois. E assim de século em século. Quantos milhões de séculos seriam necessários para que beijasse todas as flores que há na face da terra e as que hão de sorrir, em todos os jardins e montanhas e vales deste mundo, até a consumação dos séculos? É possível calculá-lo? E se o absurdo desta hipótese se realizasse? A Eternidade teria acabado ou, sequer, sofrido qualquer pequenina modificação? Oh! não!... Continuaria sempre a mesma e imutável Eternidade!... Assim, o condenado ao Inferno estará sempre, eternamente, a sofrer!... E quem mereceu o prêmio do Céu, será sempre, eternamente, feliz!... Uma alma, um Deus, uma Eternidade! Santa Teresa sofria a meditação destas palavras, vendo a loucura dos pecadores e o nosso pouco zelo pela salvação das almas. Passam-se os séculos e os condenados bradam no Abismo: Até quando este penar? Respondem as vozes eternas: “Não findará jamais! Durará perpetuamente!” E para evitar o tamanho horror desse inferno, para salvar nossa alma, não queremos gemer um pouco 60
neste mundo, sob o golpe da dor? Vem o sofrimento, vêm as cruzes e, revoltado contra o Senhor, há quem diga: “Sofrer, padecer tanto... Ó meu Deus, basta de dores! Até quando, até quando?” Nosso Senhor dirá: “Apenas até chegar ao Céu, meu filho! E no Inferno, até quando? Por toda a eternidade!”...
9 DE MARÇO OLHAI OS “PASSARINHOS!...” Nosso Senhor nos manda olhar os passarinhos.3 Ei-los, tão mimosos, a voar descuidados, pela amplidão, a cantar, sempre felizes, glorificando o nome do Senhor. Vem a tempestade e derruba-lhes os ninhos. Eles constroem novos ninhos em outros galhos e cantam sempre quando a madrugada sorri. A mão de um perverso rouba-lhes os filhotes. No dia seguinte, ao romper da aurora, cantam de novo, esquecidos da mágoa que os fez pipilar na véspera, saudosos, de galho em galho, à procura dos filhotes. O frio chega. Fogem para distantes plagas. E cantam no exílio também. Nossos irmãos, os passarinhos, são mestres de abandono e confiança na Divina Providência. Por isso, dizia Nosso Senhor: “Olhai os passarinhos”. A serva de Deus Madre Maria Teresa dos Anjos, carmelita, morta em odor de santidade, no Carmelo de Cristo Rei de “Nogent sur Marne”, na França, em 1931, era uma dessas almas de abandono heroico à Divina Providência. Diversas vezes foi exilada por perseguições religiosas e conheceu duras provações com a sua comunidade, errante e perseguida pela Bélgica, Suíça e França. “Recebi do Céu uma lição – escreveu ela – e uma lição que me fez bem. Expulsei de minha cela uma andorinha, que lá fizera o seu ninho, e a este também destruí. Pois ela voltou, cantou alegremente e desapareceu, voando pelo Céu azul. Jesus destruiu todos os ninhos que procurei construir. Tirou-me todo o apoio humano. E que farei? Cantarei seus louvores. É minha missão cantar. A Providência nutre os passarinhos ao sol e pelos céus azuis”. Meu Jesus, que eu seja como os passarinhos! Que eu nunca me queixe de Vossa Providência e saiba cantar nas provações!
10 DE MARÇO 61
O MEU CARRASCO O meu carrasco de cada momento, tirano que não me dá sossego, é meu amorpróprio. Não somos felizes, porque não somos livres. Andamos presos, acorrentados aos caprichos do nosso eu, despótico, cruel inimigo de Deus, inimigo de nossa salvação. “A vontade própria – diz Santo Afonso – é a ruína das virtudes, a fonte de todos os males, a única porta do pecado e da imperfeição, arma favorita do tentador contra os religiosos, o carrasco de seus escravos, um inferno antecipado.” A paz vem da obediência, porque a obediência é a Vontade de Deus, a Vontade de Deus é o Amor e só o Amor Divino enche e pacifica o nosso coração. O Demônio persegue a obediência e com furor, porque só ela basta para a perfeição de uma alma. E o Diabo se reveste de nossa vontade própria e nos tiraniza. Por que sofrem tantas almas consagradas a Deus? O carrasco não as deixa em paz! A obediência custa, exige sacrifícios, imolações e até martírios. O carrasco protesta e obriga a sua vítima à revolta. É uma escravidão penosa! Justo castigo do Céu para quem renega o leve jugo de Nosso Senhor, que é o jugo suave da obediência. Que doce alívio a obediência traz! Obedecer com simplicidade, como uma criancinha, que doce paraíso! A consciência tranquila dirá, talvez no meio de duros sacrifícios: “Obedeço, faço a vontade de Deus. Meu sacrifício a fazer é este. Deus o exige. Bendito seja Deus!” E o carrasco, humilhado, foge! Não quereis humilhar um pouco o vosso carrasco, já que é quase impossível matá-lo?
11 DE MARÇO BOM SINAL Bom sinal nas obras de Deus é o sinal da Cruz. Basta dizer que é este o sinal do cristão. Não o aprendemos na primeira lição do catecismo? Para se conhecer se uma obra é verdadeiramente de Deus, é mister verificar se traz o selo da contradição, das perseguições, dos reveses. Carta sem selo não 62
segue ou chega com multa ao destino. Nossa alma também não chegará ao seu destino, à Bem-aventurança, à posse de Deus sem que esteja selada pela penitência ou pela inocência. O selo inviolável da inocência, bem poucos o levam, mas o da penitência é indispensável, sob pena de condenação ou da multa terrível do Purgatório. Nem todos nós podemos abraçar as austeridades dos anacoretas ou a vida monástica, mas podemos, todos, fazer a penitência que Deus nos envia nas amarguras e reveses da vida, na contradição, na luta contra o nosso eu. E, quando empreendermos alguma obra de puro interesse da glória de Deus, estejamos convencidos de que, sem a cruz, ela não poderá prosperar. O selo da cruz é que dá valor a tudo. Nas obras de Deus e das almas, dizia São Vicente de Paulo: “O sinal de que Deus tem grandes desígnios sobre elas é enviar-lhes penas sobre penas, desolações sobre desolações”. Não é, pois, bom sinal o selo da contradição e das perseguições nas obras de Deus?
12 DE MARÇO AMÉM! SEMPRE AMÉM! É fácil e doce rezar o Amém depois das orações. Difícil e duro é, porém, fazê-lo nas amarguras e reveses e mil sofrimentos da vida. É a mais curta das orações, mas, também, a que mais custa rezar! Amém! Assim seja! Veio a doença com todo seu cortejo de dores? Amém! Assim seja! Faça-se a Vossa Vontade, meu Deus! Veio a perseguição? Amém! Assim seja! Uma separação que nos fere tanto e nos é tão penosa? Amém! Assim seja! Golpes da ingratidão, do desprezo, de humilhações? Amém! Assim seja! Visitou-nos a pobreza? Amém! Assim seja! Desolações interiores, trevas em nossas almas, o martírio de tentações pavorosas? Meu Deus! Amém! Assim seja! O amém e o sim são as palavras mais belas que podemos dizer a Nosso Senhor. Significam elas o abandono cego, total, de nossa vontade à Vontade Divina, o que é a perfeição, a santidade. Guido de Fontgallant, aos 11 anos, morre como um santo, todo abrasado do amor 63
Divino. Que fez de mais essa criança? Pronunciou em toda sua vida um belo sim a Jesus e aceitou, num sim heroico, o sacrifício da vida e de todo seu ideal de sacerdócio. O sim, o Amém, fazem milagres da graça! São o abandono e, no abandono, diz Mgr. Gay, a docilidade é ativa e a indiferença da alma é amorosa. A alma é um SIM vivo. Cada suspiro, cada passo é um AMÉM abrasado, que se vai juntar ao AMÉM celeste.4 Meu Deus, quero dizer-Vos sempre, sempre, em toda a vida: Amém! Amém! Sim! e Sim!
13 DE MARÇO “NADA DESEJAR, NADA PEDIR, NADA RECUSAR” Quando a alma realizou, com a purificação dos próprios pecados e o gradativo progresso nas virtudes, o que Santo Afonso chama a unificação da própria vontade com a Vontade de Deus, nada mais deseja neste mundo. Ela fica como um lago sereno e sempre tranquilo, onde se espelham o sol da justiça e o céu azul da paz. O coração humano, quando vive longe da Vontade de Deus, é um oceano agitado pelas tempestades de mil desejos. Quem busca essa Santíssima Vontade e sabe querer o que Deus quer, realiza o ideal de abandono, que São Francisco de Sales exprime nestas poucas palavras, as quais, como tantas outras do melífluo doutor, são um programa de perfeição: “Nada desejar, nada pedir, nada recusar!” Nada desejar! Sim! Pois Deus não nos basta? Por que alimentarmos desejos irrealizáveis? A quem Deus não basta, nada basta. Nada pedir! Entendamo-nos: – nada pedir fora da vontade de Deus, principalmente em se tratando de coisas temporais. Nada recusar! Veio-nos uma contradição? Não a recusemos. Uma alegria, também não. Dores, calúnias, perseguições, reveses, pobreza, ingratidões, desolações interiores? Nada recusar!... Por quê? Porque é a Vontade de Deus! E a Vontade de Deus é toda santa e amável, quer nosso bem. Seríamos felizes, neste mundo, e nosso pobre coração sofreria menos, se 64
realizássemos perfeitamente o ideal do abandono: nada desejando, nada pedindo, nada recusando...
14 DE MARÇO APRENDE COMO SE AMA Um dia Nosso Senhor, mostrando à Santa Gema Galgani as suas chagas, disselhe: “Vê, minha filha, e aprende como se ama!” Não é essa a linguagem do Crucifixo? Assim, Deus amou o mundo até lhe dar Seu Filho Unigênito! Como não amar um Deus tão bom? Ó abismo da Misericórdia Divina! Não se compreende a miséria humana, o abismo da ingratidão dos homens! Jesus crucificado é a eterna lição de amor! É no Calvário que se aprende a amar o Amor, na expressão de Santa Teresinha. Jesus nos mostra suas cinco chagas. Cinco bocas abertas, pedindo o nosso coração, pedindo o nosso amor. Santo Afonso, para satisfazer o seu ardente e apaixonado amor a Jesus Crucificado, pintou uma imagem que lança das chagas dos pés, das mãos e dos lados, setas de amor, para ferir os nossos corações. O quadro não é obra-prima de arte, mas comove, porque nos faz lembrar que o martírio do Calvário foi um martírio de Amor. Sim, meu Jesus crucificado, dai-me a graça de amar-Vos! Vossas chagas pedem meu amor e eu me arrependo de minha ingratidão! Quero ouvir a Vossa Voz da Cruz: “Vê, meu filho, aprende como se ama!” Quero aprender a Vos amar!
15 DE MARÇO O SONHO, A REALIDADE Sonhadores, temo-los e muito. Há quem não seja amigo do bom senso e, em vez de se apegar à realidade das coisas, sonha e sonha doidamente. Na vida espiritual, sobretudo, é bem desastrado sonhar, abandonando a realidade da vida cristã. Os sonhadores não querem aceitar a penitência do cumprimento dos deveres de estado, monótonos, cheios de pequeninos sacrifícios e exigindo, por vezes, uma contínua abnegação. Entretanto, pensam em trapas, em conventos, 65
em vida mística, em prodígios de apostolado, em uma santidade original, exótica, fora do comum. Certas almas sonhadoras, quando contrariadas, não atendem aos seus diretores espirituais. Desprezam os pequeninos sacrifícios quotidianos, sonham e têm a presunção de aspirar à penitência dos anacoretas. Dessas almas, escreveu São Francisco de Sales: “Fazem grandes projetos de servir a Deus, por ações eminentes e sofrimentos extraordinários, para cuja execução talvez nunca se apresentem ocasiões. E, enquanto abraçam, na imaginação, cruzes que não existem, fogem, ardentemente, das que, bem menores, envia-lhes hoje a Divina Providência. Não é, pois, lamentável tentação ser tão valoroso em espírito e tão fraco diante da realidade? Livrai-nos, Deus, desses ardores de imaginação, que nutrem, muitas vezes, a secreta estima de nós mesmos”.5 Deixemos o sonho de nossa presunção e abracemos as cruzes que, na realidade, achamos cada dia! Nada de sonhos!
16 DE MARÇO A LAMA E O AÇÚCAR As tentações são uma prova dura, penosa, porém, necessária. Deus permite que sejamos tentados para que, na fornalha das tentações, retempere-se o aço de nossa lama, e nesse crisol se purifique o ouro da virtude. Paciência, calma, confiança! As tentações impuras são as mais terríveis! Almas generosas sentemse horrorizadas quando o Monstro da Impureza, em formas espantosas e variadas, aparece-lhes com mil tentações contra a bela virtude. Oh! Essas provas, que parecem afastar nossa alma de Nosso Senhor, que é a Pureza Infinita e essencial, unem-na ainda mais a Ele. As tentações contra a castidade nos tornam mais castos, se a elas resistimos corajosamente. São vantajosas, porque nos ensinam a combater, mostram a nossa miséria, os pontos fracos de nossa alma, dão-nos ocasiões de mortificações e nos avisam de que estejamos alertas, porque, a cada passo, nossa miséria nos pode levar ao abismo. As tentações de 66
impureza tornam as almas mais puras, mais belas e queridas de Nosso Senhor. Como é possível? – pergunta a pobre alma que se julga maculada pelas imundas tentações. Sim. Para que o açúcar fique bem puro e brilhante, cobre-se-o de lama, e esta, absorvendo toda a impureza nele contida, deixa-o bem limpo. As tentações de impureza, nos planos Divinos, vêm sobre nós como a lama no açúcar, não para nos manchar, mas purificar-nos cada vez mais!
17 DE MARÇO “A ALMA PRIMEIRO, O CORPO DEPOIS” O corpo é exigente e insaciável. O cristão deve tratá-Io como escravo e não como senhor. Sob pretexto de saúde, muita gente se sujeita aos caprichos despóticos da carne. Usando de uma expressão franciscana – havemos de tratar o nosso jumentinho com prudência. Nem o sacrificar a ponto de não poder trabalhar, nem lhe dar tudo quanto exige e deixá-lo indômito e perigoso. A fórmula de Santa Gema Galgani diz tudo: “A alma primeiro, o corpo depois...”. Há muito exagero de cuidados com a saúde corporal, com prejuízo da alma! – “Temei – dizia Santo Afonso – que, tomando muito a peito o cuidado com vossa saúde corporal, ponhais em perigo a saúde de vossa alma, ao menos, a obra da vossa santiticação. Pensai que, se os santos tivessem, como vós, tanto cuidado com a saúde, nunca se teriam santificado”.6 Santa Teresa, falando às suas filhas sobre o exagero da preocupação com a saúde, dizia: “Desde que me trato com menos cuidado e delicadeza, passo muito melhor”. E assim é. O corpo bem tratado, tratado com extrema delicadeza, vai-se tornando cada vez mais exigente, com sério prejuízo para a vida espiritual. Desde que dele nos despreocupamos, abrandam-se seus ardentes desejos. Prega Nosso Senhor que, em caso de necessidade, deve-se perder o corpo para se salvar a alma. A carne mortificada acha a paz, vindo todo o nosso desassossego de não estabelecermos em nós esta ordem: “a alma primeiro, o corpo depois”.
18 DE MARÇO 67
“UM GRANDE OPERÁRIO” Ninguém se queixe de pouca inteligência ou pouca aptidão para isto ou aquilo, principalmente no serviço de Deus. Considerar-se assim é uma fonte de muita tristeza para quem não crê firmemente nos desígnios da Divina Providência. Se Nosso Senhor nos chama, pela obediência, para alguma obra ou trabalho superior às nossas forças, não desanimemos. O operário faz os seus instrumentos de tamanho, grossura e forma apropriados à obra que quer executar. Do mesmo modo, Deus nos distribui o espírito e os talentos segundo os desígnios que tem a nosso respeito, para o seu serviço, na medida da glória que daí quer tirar. Para que nos queixarmos de que não possuímos esta ou aquela aptidão, este ou aquele talento? O Divino Operário sabe o que faz! Para as obras Divinas, qualquer instrumento serve. E, em geral, o Senhor aproveita os piores, os mais miseráveis, para mostrar que a obra é toda Sua e não humana. “Credeme – dizia São Francisco de Sales – Deus é um grande Operário. Com pobres instrumentos, faz excelentes obras. Ele escolhe ordinariamente as coisas fracas para confundir os fortes, a ignorância para confundir a ciência e que nada é para destruir o que parece ser alguma coisa. Que não fez Ele com uma varinha na mão de Moisés e com uma caveira de burro na de Sansão? Por que venceu Holofernes senão pela mão de uma mulher?” O operário bate, corta, aplaina, ajusta, ferindo a madeira, a pedra, o mármore. Deixemos que o Divino Operário trabalhe em nós. Que corte, fira, bata! Será para fazer-nos obras-primas da Sua Misericórdia.
19 DE MARÇO SÃO JOSÉ, MODELO DE PACIÊNCIA Da vida de São José nada consta de extraordinário. Tudo simples. Não foi um taumaturgo, não fez milagres em vida, não profetizou, não consta fenômeno algum, a seu respeito, da natureza daqueles que, à leitura da vida de alguns santos, arrebatam-nos a admiração. O milagre maior do Santo Patriarca foi o do
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seu abandono e conformidade à Vontade de Deus. Que modelo de paciência! Pensa em abandonar a Esposa após a encarnação do Verbo. É avisado pelo Anjo e sem demora obedece. Nasce Jesus na pobre manjedoura, e ali está São José, cheio de amor e confiança, adorando o Verbo feito Homem. Que paciência ante os desprezos de Belém, quando procurava uma hospedagem! O Anjo de novo o avisa. Foge para o Egito com Maria e o Deus pequenino. Sofre no exílio privações, insultos e mil reveses. Sempre paciente, abandonado e confiante. Recebe nova ordem do Céu. Volta para Nazaré e ali vive no silêncio, na simplicidade, na mais profunda humildade, a vida comum de um operário pobre. Morre nos braços de Jesus e Maria. Vida tão simples! A virtude heroica de São José foi o abandono, que é a perfeição do amor. O coração de São José foi, por certo, o coração de um serafim, todo abrasado de Amor Divino. E como o abandono é o fruto mais belo do Amor, pode-se imaginar qual seria a vida de confiança e abandono de São José!
20 DE MARÇO UMA VIRTUDE ANTIPÁTICA Simpática aos outros e antipática ao nosso amor-próprio, é a virtude da humildade. A nossa natureza dificilmente a suporta e, sempre revoltada, vive a maltratá-la. Nessa revolta, só a humilhação nos ajudará eficazmente a abater o nosso orgulho, inclinando-nos à humildade. – “A humilhação leva à humildade – diz São Bernardo7 – assim como a paciência à luz e o estudo à ciência”. Quereis provar se vossa humildade é verdadeira, até onde vai, se adianta ou recua? As humilhações vos fornecerão o meio. Sem humilhação não se pode conhecer bem o verdadeiro humilde. Muitos, diante dos outros, humilham-se até o pó da terra, com expressões exageradas e até ridículas. Ai! porém, de quem quiser humilhálos! Revoltam-se logo. – “As palavras de humilhação que não partem do coração e não são bem sinceras – diz São Francisco de Sales – radicam fino e sublime orgulho de quem só deseja ter a glória de ser julgado humilde, jazendo como o remador que chega ao seu fim, voltando-lhe as costas e, sem pensar, atira-se a velas pandas, pelo mar da vaidade.8 Não é assim que se conhece o verdadeiro 69
humilde, mas sim na humilhação pura penosa, que vem dos outros. E essa é a que ninguém deseja, porque, na verdade, é antipática, aborrecida e repugnante. Eis porque dizia D. Lehodey9 – “A virtude da humildade é de todas a mais antipática”.
21 DE MARÇO O “RÁDIUM” Para o “câncer” a medicina emprega com efeitos maravilhosos, em muitos casos, o “rádium”. Expor a úlcera ao “rádium” é soberano remédio. Na vida espiritual há um “câncer” terrível e perigoso: a impureza. Parece incurável e, se não há cuidado em tratá-lo, deita raízes, envenena toda a alma, arrasta-a ao abismo e à morte. Que fazer quando a ferida perigosa está minando o organismo? Procurar sem demora um bom médico e um instituto de “rádium”. O bom médico, no caso da impureza espiritual, é Nosso Senhor, Médico Divino de nossas almas. A sua Misericórdia Infinita é o “Rádium”, Soberano, que tudo cura. Vamos ao Instituto de “Rádium” que se encontra em toda parte e nada custa: a capela, onde se acha Nosso Senhor Sacramentado, a Hóstia Imaculada da Santa Comunhão. O “rádium” nem sempre cura a ferida maligna do corpo, principalmente se o mal se complicar, deitando muitas e profundas raízes. Mas o Vosso “Rádium” Soberano da Eucaristia é sempre eficaz, ó meu Jesus-Hóstia! Por mais extenso e profundo que seja o “câncer” da impureza, tenhamos confiança! Seremos curados! Procuremos o Médico Divino, o “Rádium” Celeste e esperemos... A luta é grande, é terrível. Sem a mortificação dos sentidos e a fuga das ocasiões, sem aquela guerra de que nos fala Nosso Senhor no Evangelho, não chegaremos à paz a doce paz das almas puras. Nenhum combate mais duro que o combate pela pureza. Mas, confiança! O “Rádium Celeste, o Divino Rádium” da Santa Eucaristia, já curou tantas almas! E há de curar sempre o câncer da impureza, contando que a pobre vítima tenha generosidade na luta, tenha confiança e nunca desanime na peleja, que é tremenda.
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FANTASMAS DO CREPÚSCULO Há um sofrimento reservado às almas interiores, aos amigos de Jesus: o da secura ou aridez, que se costuma chamar desolação. Jesus, na conversão das almas para o Seu Amor, enche o coração fiel de consolações sensíveis. É uma doçura rezar, meditar, estar bem junto do Sacrário. As comunhões são tão doces! Estaríamos horas inteiras nas doçuras de uma meditação, de uma visita ao Santíssimo, de um terço aos pés de Nossa Senhora! É o Tabor! Faríamos o nosso tabernáculo ao pé do Sacrário e lá permaneceríamos uma eternidade. Para nos desapegar das doçuras terrenas, enche-nos Nosso Senhor das doçuras do Céu. Trata-nos como criancinhas, que precisam de carinho e ternura. Depois... Ah! tudo se transforma. Vêm, as desolações. Uma aridez impressionante sucede ao fervor sensível. Nosso coração já não sente mais aquelas palpitações de amor. A meditação é penosa, a oração difícil, cheia de distrações. O que antes era doçura, até parece aborrecer-nos. Que monotonia! Tem-se uma impressão de abandono Divino. É a noite que se aproxima, noite de trevas, noite das provações espirituais, que nos desapegam e purificam. Silêncio! Abandono! Esperai. O Esposo voltará logo. Depois da noite há de raiar a aurora do Amor. Agora é o crepúsculo, as sombras se alongam e qualquer coisa toma as proporções de fantasmas. Não vos assusteis. Tudo passa. Fechai os olhos. Abandono e confiança! Esperai a noite que se aproxima!
23 DE MARÇO O LABIRINTO As provações espirituais, preciosas, na verdade, porém duras, Deus só as envia aos seus amigos prediletos. A santidade é o mais difícil e o mais penoso dos trabalhos. A vida contemplativa só é fecunda e bela porque se passa num verdadeiro calvário. Às alegrias sensíveis e consolações sem par dos primeiros dias de fervor, sucede-se uma aridez penosa. Meu coração é de gelo – dizem as pobres almas – sinto que não tenho amor a Jesus, perdi minha piedade, estou
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condenada! Que desolação! Vêm logo as alternativas de fervor e aridez. Nas consolações, no fervor sensível, compreende-se tudo, caminha-se com segurança, em pleno dia, à luz do sol radiante e belo. Depois, entra-se numa floresta espessa e já não se pode ver mais a estrada certa. É a desorientação. Nem a palavra do diretor espiritual já nos conforta. Uma desoladora confusão! Quer a pobre alma guiar-se, achar o caminho e, a cada passo, encontra uma dificuldade, um obstáculo, uma dúvida cruel, uma tentação. Verdadeiro labirinto! Que fazer? Nesse transe penoso da vida espiritual, só há um remédio: a confiança, até ao abandono, nas mãos de Deus. Fechai os olhos, almas piedosas, dai a mão a Jesus e deixai que Ele vos conduza para onde quiser. Esse “fechar os olhos” e esse “dar a mão a Jesus” são a confiança e o abandono. Não vos perturbeis. Se não conheceis o caminho, por que procurá-Io em vão? O Vosso Guia é seguro, mas é preciso que fecheis os olhos e Lhe deis a mão. O abandono e a confiança, entretanto, não excluem o esforço. Enganar-se-ia quem julgasse ser necessário apenas o gesto de abandonar-se e confiar em Nosso Senhor, sem mais. O abandono é o cume da Montanha do amor, dizia Mgr. Gay, e o amor se conquista na luta e no sacrifício.
24 DE MARÇO A BOLINHA DO MENINO JESUS Que faz uma criança quando ganha uma bolinha nova e graciosa? Alegra-se, toma-a, cheia de carinho, sorri, feliz brinca com seu pequenino tesouro. Depois, atira-a para um canto, onde fica muito tempo esquecida. Um belo dia toma de novo a sua bolinha e com ela brinca e se diverte. E, quando dela se farta, se encontra um alfinete, fura-a toda e acaba por despedaçá-la, curiosa. Fica assim o destino da bolinha sujeito aos caprichos da criança! Santa Teresinha, no seu adorável espírito infantil, acha isso uma das mais belas imagens da vida espiritual. A alma, como a bolinha, se faz o brinquedo do Menino Jesus. Eu sou a bolinha do Menino Jesus – dizia a Santa da confiança e do abandono – que Ele faça de mim o que quiser. Brinque à vontade com a sua bolinha. Se me quiser atirar a um canto, abandonada, serei feliz, contanto que Ele o queira. Eu me 72
ofereço ao Menino Jesus para ser o seu brinquedo, uma bolinha que Ele pode pisar, ferir, atirar ao canto ou apertar contra o coração. Enfim, eu quisera divertir o Menino Jesus e entregar-me aos seus caprichos infantis.10 Como isso é belo e heroico! Não quereis também, a exemplo de Santa Teresinha, ser a bolinha do Menino Jesus?
25 DE MARÇO SIM! “FIAT!” A mais bela palavra que disse Nossa Senhora foi o “Fiat”, o sim da Anunciação. E dessa palavra nos veio a Redenção, com Jesus, e Jesus Crucificado. Como é poderoso o Sim! Como ele opera maravilhas! O Anjo manifesta a Vontade do Altíssimo e Nossa Senhora, sem hesitar, responde: Eis a escrava do Senhor, façase em mim segundo a Sua palavra. E toda a vida de Maria foi um sim, um “fiat”, um ato de abandono perfeito, total, à Vontade do Pai Celeste. Anuncia-lhe Simeão a espada da dor. Responde, humilde: “fiat.” “Sim”. Vem o Pretório, a Cruz, o Calvário. “Sim”, sempre “sim”. Depois, a dolorosa saudade, a paz, a Ascensão, as amarguras do exílio... E Nossa Senhora diz sempre: “fiat,” “fiat”; sim, sempre sim, ó meu Deus! Não há mais perfeito modelo de abandono. Se o abandono é a expressão mais alta do amor, é o auge da perfeição possível neste mundo, o que não era o abandono de Nossa Senhora, sendo Ela a Rainha dos Serafins? Não há dúvida, a mais bela palavra de Nossa Senhora foi o “sim”, o “fiat” da Anunciação. Sem esse “fiat”, que seria de nós? Nossa perfeição também virá do “sim”, do “fiat”, que soubermos dizer a Nosso Senhor a cada passo de nossa vida e, principalmente, no sofrimento.
26 DE MARÇO CONFIANÇA OBSTINADA Podem-se pôr limites ao que é infinito? Pois não é infinita a misericórdia Divina, 73
não é um Oceano Infinito de Misericórdia? Se o Senhor é infinitamente justo, é também infinitamente Misericordioso. E, neste mundo, vivemos no tempo da Misericórdia. Abri o Evangelho. Tudo ali vos inspira confiança e enche o coração. Por que duvidar, se empenhamos da nossa parte todos os nossos esforços, por que desconfiar de um Pai tão bom e poderoso? Nosso Senhor é o Pai do filho pródigo, e o Bom Pastor. Por que nos deixou Ele, no Evangelho, parábolas tão belas, tão comovedoras? Não foi para a manifestação da Sua bondade infinita? Ah! não compreendo as almas que têm medo de Deus! Como é doloroso e triste ao coração de um pai estender ao filho os braços cheios de ternura e se ver repelido! É preciso que confiemos. A medida da confiança é confiar sem medida. A confiança, somente ela nos leva ao Amor! O temor leva à justiça severa, tal como a representam os pecadores. Mas não é essa justiça que Jesus terá para com os que O amam – escreve Santa Teresinha à irmã11 : Nossa confiança é combatida obstinadamente pelo Inferno, porque ela é a vida, a salvação. A obstinação de Satã, oporemos a obstinação de nossa confiança. E seremos salvos! Meu Jesus, ajudai-me a vencer-me, e dai-me esta confiança obstinada que arrebatava o vosso Coração!
27 DE MARÇO AS NOITES Para a contemplação, exige Deus uma grande pureza de coração, um desapego total das criaturas e de nós mesmos. Ora, até as almas adiantadas na perfeição estão sujeitas a imperfeições e sentem renascer, embora atenuadas, as misérias dos vícios capitais. A fim de preparar essas almas fiéis e generosas ao mais alto grau de contemplação, Deus lhes envia provas, chamadas passivas, porque é Ele quem as produz, não tendo a alma senão que as aceitar pacientemente. Ninguém descreve melhor essas provações do que São João da Cruz, na sua “Noite Obscura”. Chama-se noite essa prova, porque a alma fica como que em trevas, sem poder discorrer ou meditar, e a luz da contemplação que recebe é tão fraca 74
que dá a impressão de uma noite escura. O Santo distingue duas noites. A primeira nos desapega de todas as coisas sensíveis. Tira-nos a parte sensível da piedade. Deixa-nos num deserto de aridez, onde caminhamos penosamente, sob a ardência do sol de mil provações. É a noite dos sentidos. Desapega-nos do que é sensível. A segunda tira-nos até as consolações espirituais. É o entendimento nas trevas, a vontade na aridez, a memória sem lembranças, e as afeições perdidas na dor e na angústia. Ninguém pode fazer ideia desse martírio sem o experimentar. Que fazer? Contra ele só há estes remédios: a confiança, o abandono e coragem! Deus vos prepara grandes coisas! Amar a Deus na contemplação é ser milionário da graça. Consolai-vos, pobres almas. Dizei, como Santa Teresinha: Pouco importa que não sinta o meu amor, contanto que seja sensível a Jesus! Nas trevas dessas noites, fechai os olhos, deixai que ruja a tempestade. Confiança! Confiança! Abandono!
28 DE MARÇO O CARVÃO E A BRASA Ninguém melhor do que São João da Cruz falou das noites do sentido e do espírito. Uma comparação do grande Doutor nos ajuda a compreendê-las. Elas são provações do Amor Divino. O Amor Divino é fogo e o fogo acende, ilumina, purifica. Que faz na madeira o fogo material? Começa por secá-la violentamente e, enquanto seca, ela chora toda a seiva. Depois a enegrece, suja-a, fá-Ia exalar mau cheiro, extraindo assim e tornando visíveis todos os elementos grosseiros e ocultos que embaraçavam a sua ação. Ei-Ia, finalmente, inflamada, brilhante, luminosa e quente, convertida em brasa. O fogo transformou pois a madeira em fogo também. Não fica aí traçada uma bela imagem da contemplação amorosa? Nosso Senhor, quando nos escolhe e chama à vida contemplativa, é o Fogo Divino que procura a madeira verde, cheia de impurezas e seiva de amor-próprio de nossa alma. E logo o fogo do Amor queima. Efeito: as provações. Ao queimar, seca a madeira e a faz chorar. Daí, a aridez espiritual, que tanto nos faz sofrer. Que secura e que deserto é então a pobre alma! Todas as nossas misérias exalam mau odor, aparecendo-nos em toda sua hediondez. E nos sentimos fracos, 75
pobres, miseráveis, humilhados. Vem o desapego de tudo e de todos. Agora, purificada a madeira, o fogo a transforma em brasa vermelha e luminosa, isto é, em fogo. Nas provações, almas piedosas, confiança! Lembrai-vos do carvão e da brasa. Deixai que o fogo do Amor Divino vos devore e vos faça uma brasa viva de amor.
29 DE MARÇO TENTAÇÕES Entre as provações das almas generosas, as tentações são das mais duras, constituindo verdadeiro martírio. Elas são variadas e terríveis. E mais hoje do que em tempo algum. Tentações contra a fé, produzidas pelo demônio ou sugeridos pela atmosfera materialista que nos cerca, tentações contra a esperança, tentações de desânimo. Tentações contra a caridade. Que luta, meu Deus! O Inferno parece, às vezes, todo contra nós!... Dolorosas provas! Como vencê-las? Quando a veemência da tentação nos assalta, é imperiosa, domina-nos, fazendo-nos sentir como que abandonados do Céu! Principalmente nas tentações impuras. Então é que a confiança e a coragem nos são absolutamente necessárias. Nosso Senhor não nos abandona. Deixa-nos lutar para que seja provada nossa virtude. Não nos perturbe o horror das tentações. Santa Catarina de Sena e Santa Ângela de Foligno, duas almas virgens e seráficas, foram provadas pelas mais horríveis tentações de impureza. Depois da tempestade de uma tentação impura, queixou-se Santa Catarina de Sena a Jesus: Onde estavas, meu Jesus, durante essa tempestade? E Jesus lhe disse com amor: No meio de teu coração! Assim vos responderá também Nosso Senhor, ó almas tentadas, depois de cada provação. Coragem! São Vicente de Paulo e Santa Teresinha sofreram, durante longos anos, as mais terríveis tentações contra a fé, tentações de materialismo e descrença. E venceram. Receberam as tentações com paciência e calma, porém, sempre dispostos a resisti-las. A inquietação é pior. Confiança e Amor! Combatamos cheios de coragem o inimigo, porém sempre calmos e confiantes! 76
30 DE MARÇO MINHAS MISÉRIAS São Paulo tem uma palavra consoladora em relação à nossa miséria: “Aos que amam a Deus, tudo coopera para o bem”. E Santo Agostinho acrescenta: “Até os pecados”. Sim, porque os pecados nos humilham e nossas misérias nos obrigam a tocar o fundo de nossa abjeção e desconfiar de nós. Os santos mestres da vida espiritual nos dizem, com São Francisco de Sales: Quanto mais nos sentimos miseráveis, tanto mais devemos confiar na Misericórdia de Deus. Porque, entre a Misericórdia e a miséria, há uma ligação tão grande que uma não pode se exercer sem a outra. E por quê? Mgr. Gay nos dá a razão: O pecado atinge a Deus no sentido de que O ofende, nunca no de que O modifica. Modifica os seus atos, mas não a sua essência, nem muda o seu amor para conosco. Assim como, em face do nada, sua bondade se torna amor, assim também, para com o pecador, seu amor se torna misericórdia. Deus só exige uma coisa: que tenhamos confiança Nele. Que consolação! Nossos pecados, que ofenderam a Majestade Infinita de Deus, nossas misérias tão grandes, vão servir de lenha para um Incêndio de Amor! Longe de nos entristecer, devemos regozijar-nos, com Santa Teresinha, por nos vermos tão miseráveis e tão necessitados de misericórdia! Abençoadas misérias! Talvez que, sem elas, não experimentássemos, ó Clementíssimo Jesus, as doçuras do Vosso Amor Misericordioso!
31 DE MARÇO UM MILHÃO DE EXPERIÊNCIAS Caímos tantas vezes! Senhor, quanta miséria! Por que nos admirarmos de ser a enfermidade enferma, a fraqueza fraca, a miséria miserável? Que somos diante de Deus, que é o Divino Forte, senão fraqueza? Paciência! Nossa miséria é uma doença que não tem cura neste mundo. Nosso Senhor quer a nossa vontade. Ele faz o resto! A santidade não é obra de um dia. Enquanto não tocarmos a nossa miséria com o dedo e não nos convencermos do nada que somos, ainda nos resta 77
muito a caminhar. As quedas têm esta vantagem: ajudam-nos a desprezar-nos, a desconfiar de nossas próprias forças e a só confiar em Deus. Essa é a razão por que caímos tanto. Estejamos bem convencidos – diz o Padre Caussada12 – de que nossa miséria é a causa de todas as nossas fraquezas e de que estas, Deus as permite por misericórdia. Sem isso, nunca nos curaríamos de uma presunção e de uma orgulhosa confiança em nós mesmos. Jamais compreenderíamos, como é preciso, que todo mal vem de nós e todo o bem somente de Deus. Só com “um milhão de experiências pessoais” é que se pode adquirir o hábito desse duplo sentimento... Por que o desânimo quando nos achamos fracos e cobertos de miséria, caindo a cada passo? Que podemos nós? Humilhemo-nos! Paciência! Aspiremos à perfeição, à santidade, com e apesar de nossas misérias. Já temos um milhão de experiências pessoais?
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1 - Pe. Dosda - “L’ Union avec Dieu” - Cs. 111 e X. (A união com Deus). 2 - Saint Abandon. 3 - Mt 6,26 4 - Mgr. Gay - Vie et vertus chrétienne - Abandon II 5 - “Traité d’Amou d Dieu” - I - XII - c.VC. (Tratado do amor de Deus) 6 - Santo Afonso A verdadeira esposa de Jesus Cristo, c. VIII. 7 - “Saint Bernard”. 8 - Esprit de Saint François de Salles - XVI - 35. 9 - “Saint Abandon” 10 - História de uma alma - c. VI. 11 - 6me. lettre à Sr. Marie du Sacré Couer 12 - L’ abandon à La Divine providence - T. II.
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1 DE ABRIL UM BOM DOENTE Não vos queixeis, desesperados, dessa enfermidade que vos prende ao leito dias e dias, e nem sequer vos permite rezar como quereis. Paciência! O leito de um enfermo, como disse São Francisco de Sales, é um altar de sacrifício. Feliz o justo que não perturba esse sacrifício com seus gritos e murmúrios e, adorando essa Mão benfazeja que se oculta nos instrumentos que emprega, dá os seus golpes salutares, adora também esses golpes e sente todo o mérito da distinção que com eles recebe. Como sua alma sairá brilhante do cadinho das tribulações! Como ouro experimentado sete vezes. Não podeis rezar? Contentai-vos com sofrer pacientemente a moléstia e oferecer vossos sofrimentos a Nosso Senhor, em piedosas jaculatórias, embora entrecortadas pelos gemidos. Na doença, um ato de conformidade com a Vontade de Deus vale por mil orações e penitências no tempo da saúde. Poupai o vosso organismo durante a enfermidade. Se vos cansa uma oração longa, fazei uma oração curta. Se não podeis rezar de joelhos, rezai sentado e, se até sentado vos cansais, rezai deitado. Obedecei ao médico que vos ordena repouso. Nosso Senhor bem sabe que a vossa fraqueza não permite esforço penoso. As jaculatórias devem ser a oração preferida dos enfermos. São curtas e, brotada da alma, agradam tanto ao coração de Jesus! Portanto, obedecei ao médico e aos enfermeiros e contentai-vos em ser um bom doente... É só isso que Nosso Senhor deseja de vós!
2 DE ABRIL TUDO TEM SEU TEMPO! A divina Providência nos prepara de tal forma os dias e horas e acontecimentos de nossa vida, que tudo vem a seu tempo, já marcado nos desígnios eternos. E estejamos bem certos disso – para nosso bem ou em mira do nosso bem eterno. Se soubermos aproveitar as ocasiões, se não abusarmos de nossa liberdade, podemos ganhar, a cada instante, ricos tesouros de graças e méritos para o Céu. 80
A doença, como a saúde, vem a seu tempo. Há tempo de gozar e tempo de sofrer, tempo de rir e tempo de chorar. Veio a doença? Resignemo-nos. Agora Nosso Senhor me quer sofrendo com Ele na cruz. Quisera trabalhar, realizar tantos projetos para a glória de Deus e o bem das almas! Por que me crucifica Deus em um leito, justamente agora, quando ia realizar meus projetos? – Assim dizem muitos, desolados. E se queixam e quase blasfemam da Divina Providência! Que insensatez! Deus não precisa de nós! Qualquer instrumento Lhe serve para realizar os seus desígnios e salvar as almas. Não sejamos tão presunçosos. Resignemo-nos. Quando Deus nos convida ao sofrimento, dispensa-nos da ação – diz São Francisco de Sales. – Por isso – acrescenta o Santo – uma hora de sofrimento por amor e submissão à Vontade de Deus vale mais do que muitos dias de trabalhos, feitos com menos amor. Tudo tem seu tempo! Agora é tempo de sofrer? Aceito, Jesus! Seja o que Vós quiserdes!
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3 DE ABRIL CALVÁRIO E TABOR Muitos querem servir a Deus no Tabor e bem poucos o querem no Calvário. No Tabor da saúde, que diligência, que zelo, que boa vontade! As orações se prolongam por longos minutos, e até por horas, ao pé do Sacrário. Louvam, bendizem ao Senhor como o Profeta-Rei em todas as maravilhas da criação. Cantam o “Magnificat” e o “Te-Deum”. Veio o calvário da doença, com a cruz do leito, os cravos e feridas, dores por todo o corpo, o fel das amarguras e desgostos da vida. Aí desaparece a piedade! Ao “Te-Deum”, sucede um “Miserere” sem contrição, e ao “Magnificat”, um “De profundis” queixoso e desolado. Se louvamos a Deus na saúde, por que não O bendizer na doença? É que só queremos fazer a Vontade de Deus quando essa Santa Vontade está conforme a nossa. Quando Deus quer que estejamos doentes, queremos estar sãos. Quando Ele quer que exerçamos a paciência, queremos exercer a humildade, a devoção, a oração ou outra qualquer virtude, não por ser mais da Vontade de Deus, mas por O ser da nossa. É um erro e de consequências lamentáveis na vida espiritual. Acostumemos a nossa pobre e rebelde natureza à paciência e à resignação, principalmente na doença. No Tabor da saúde façamos, sim, a nossa tenda aos pés do Senhor, mas não nos esqueçamos de que precisamos, também como Nossa Senhora, ficar ao pé da cruz, resignados e humildemente submissos à Vontade de Deus!
4 DE ABRIL “UM TEMPO PRECIOSO” A doença, dizia São Vicente de Paulo, é um estado quase insuportável à natureza. E, contudo, é ela um dos mais poderosos meios de que Deus se serve para nos fazer entrar no cumprimento de nossos deveres, para desligar-nos dos afetos ao pecado e para nos encher com os dons de Sua graça. É pela doença que as almas se purificam e as que não são virtuosas encontram um meio eficaz de o ser. 82
Nenhum estado há mais próprio do que este para a prática do bem. E por que é assim tão precioso o tempo da doença? Porque na enfermidade se exercita maravilhosamente a fé, brilha a esperança com mais esplendor, a resignação, o amor de Deus, todas as virtudes aí encontram matéria ampla para se exercer. O verdadeiro tempo de expiar os pecados e de experimentar a graça do perdão é o da doença, diz Bossuet. Enquanto esse espinho nos fere e incomoda, pesa sobre nós a Mão de Deus e Ele próprio nos impõe a penitência, segundo a medida da Sua infinita Misericórdia. Para que não percamos um tesouro tão grande do Céu, como o que nos vem pela doença, Nosso Senhor só nos impõe uma condição: a que aceitemos conformados e resignados a Sua Santíssima Vontade. Então, por que não aproveitar bem a doença, já que a temos de sofrer de qualquer modo?
5 DE ABRIL VANTAGENS DE MINHAS MISÉRIAS Uma das artes mais belas é a de aproveitar as nossas misérias para o nosso progresso espiritual, assim como se aproveita o esterco, nos jardins, para florescimento das rosas e açucenas de esquisito e delicado perfume. Quanto mais fracos e miseráveis nos sentimos, tanto mais nos regozijemos, porque nossas caras misérias, como dizia uma alma santa, fazem-nos humildes, desconfiados de nós próprios, matam nossa suficiência e, por isso mesmo, unem-nos mais a Nosso Senhor, se, num gesto de amor e arrependimento, voltamo-nos logo para Ele. Nossas misérias têm suas vantagens, e grandes. Fazem-nos pacientes e cheios de indulgência para com as misérias alheias, causam-nos uma como desconfiança de nós mesmos e nos obrigam a recorrer, a cada passo, à Misericórdia Divina. Como é bom sentir-se a gente pobre, fraco, miserável, incapaz de todo bem! Isso, que levaria ao desespero certas almas orgulhosas, deve encher-nos de confiança cega, bem obstinada, no Coração de Jesus. Sou fraco? Vós sois o Divino Forte, ó Jesus! Sustentai-me! Sou pobre? Vós sois a 83
Riqueza infinita. Valei-me! Nada posso, nada tenho, nada sou? Que fazer? Humilhar-me, abater meu orgulho e tudo esperar da Misericórdia Divina. Só nossas misérias nos podem dar tais sentimentos, e só um milhão de experiências pessoais no campo da fraqueza nos levarão a crer nas vantagens de nossas misérias...
6 DE ABRIL SE NÃO TIVESSE CAÍDO... Se caímos numa falta, devemos levantar-nos depressa, correr a Nosso Senhor e pedir-Lhe perdão, cheios de confiança. Não custa o perdão desde que nosso arrependimento seja bem humilde, sincero e firme o nosso propósito de emenda. Oh! Se compreendêssemos o Coração de Jesus! É todo misericórdia, doçura e perdão! Ah! – dizia Santa Teresinha – Como a misericórdia e a bondade do Coração de Jesus são pouco conhecidas!1 Caímos? Pois bem, levantemo-nos, e depressa! Quando o Filho Pródigo, do abismo de sua miséria, resolveu sair da abjeção em que vivia, disse: Eu me levantarei! E logo em seguida: E irei ao meu Pai! Sabemos como foi recebido. Façamos também assim depois de cada uma de nossas misérias. Um gesto de confiança no Coração de Jesus faz milagres. Talvez – diz piedoso autor – que nem Madalena, nem Agostinho, nem Margarida de Cortona se houvessem santificado, se não tivessem caído. Os grandes no pecado costumam ser também grandes na santidade. Ó meu Deus, como é bom sentir-se a gente miserável. E depois de uma queda, tocar o chão duro da própria miséria, e chorar, arrependido, e experimentar a doçura de Vossa Misericórdia!... Se não tivesse caído, não seria tão feliz! Oh! Feliz culpa! Oh! Culpa feliz! Dizia Santo Agostinho.
7 DE ABRIL UM BEIJO DE MISERICÓRDIA E AMOR 84
Um dia – conta a Irmã Benigna Consolata – eu pus ao lado da folha de papel em que escrevia uma estatueta do Menino Jesus. Um pequeno movimento que fiz a derrubou. Levantei-a do chão, sem demora, e dei um beijo em Nosso Senhor, dizendo: “Se não tivesses caído, não terias este beijo”. Ele respondeu: “É assim, minha Benigna, quando cometes uma falta involuntária. Não me ofendes, mas o ato da humildade e de amor que fazes depois, é o beijo que me dás, e eu não o teria recebido se não tivesses cometido essa imperfeição.2 Pode-se imaginar um símbolo mais comovedor da alegria que causamos ao Coração de Jesus quando, depois de nossas misérias quotidianas, voltamo-nos para Ele, cheios de confiança? Nossas faltas – diz o Pe. Paul de Jaegher, S. J.3 – têm como missão principal fazer-nos conhecer experimentalmente e tocar com os dedos nossa imensa miséria e total impotência. Centenas, milhares de imitações não nos poderiam dar essa humildade sentida e vivida que, unicamente com a graça de Deus, a experiência, mil vezes repetida, de nossa miséria, pode dar-nos. Abençoadas misérias que nos alcançam tanta misericórdia!
8 DE ABRIL CEGO DE MISERICÓRDIA Estará Nosso Senhor descontente com as nossas misérias? E com os nossos defeitos? São inquirições angustiosas de certas almas que desejam amar a Nosso Senhor e se sentem fracas e desconfiadas. A uma pergunta destas, respondeu Santa Teresinha a uma de suas noviças: “Sossegue. O Esposo que escolheu possui, certamente, todas as perfeições imagináveis, mas – se assim me é permitido falar – tem, ao mesmo tempo, dois grandes defeitos: é cego e ignora a ciência do cálculo”. Essas falhas que seriam lastimáveis num esposo terreno, tornam infinitamente mais belo e amável o nosso Esposo celeste. Se Ele quisesse olhar-nos com olhos de ver, se soubesse calcular, bastaria a vista de nossos pecados para nos aniquilar. Mas não é assim: o grande amor que nos tem Lhe veda os olhos para não ver nossas imperfeições. Pense nisto: se o maior de todos 85
os pecadores se arrepender na hora da morte e expirar num ato de amor a Deus – Nosso Senhor, imediatamente, sem atender às graças inumeráveis de que esse infeliz abusou, nem aos crimes que praticou, mas olhando só o seu arrependimento, abre-lhe sem demora os braços da sua misericórdia. Mas, para que Nosso Senhor se haja para conosco à maneira de um cego e não nos peça contas, necessário é Levá-lo pelo coração. É este o seu fraco”.4 Por que o desalento em nossas fraquezas e misérias? Nosso Divino Esposo ficou cego de misericórdia!
9 DE ABRIL NEM UM PEIXE! São Pedro e os companheiros passaram toda a noite a pescar, mas as redes se conservaram vazias. Nenhum peixe! Veio a manhã. Apareceu um Personagem Desconhecido e lhes pergunta se haviam pescado alguma coisa. “Não”, respondem secamente e desconfiados. Então lhes diz o Personagem Misterioso: “Lançai a rede à direita”. E que pesca maravilhosa! Nosso Senhor ainda faz assim conosco. Deixa-nos a lutar uma noite toda, de meses e anos, com tantas misérias, tantos defeitos a corrigir, tantos pecados. Em vão lançamos, à direita e à esquerda, a rede de nossos esforços... Nada! Nenhum peixe! Só depois é que Jesus aparece e ordena que lancemos mais uma vez a rede de um ato de confiança. E... Que pesca maravilhosa! Em poucos dias ganhamos mais do que em longos anos. Nunca nos desalentem as nossas misérias. Dum momento para outro Nosso Senhor retira os obstáculos, enche-nos de coragem e nos santifica, recompensando assim nossos esforços. Mas é preciso que, como São Pedro, não desanimemos e passemos a noite toda das provações a lançar a rede da boa vontade e dos esforços. Logo pela manhã virá Jesus, e a pesca será maravilhosa. Santa Teresa conta que lutou durante longos anos para se corrigir dum defeito e que, num dia apenas, por uma graça infusa, viu-se livre dele. Desejemos a Santidade e façamos esforços para alcançá-la. Um dia seremos santos. Depende 86
isso de nós, de nossa confiança e amor, e sobretudo de nossos esforços, da luta.
1O DE ABRIL TEM PACIÊNCIA CONTIGO! É preciso que tenhamos muita paciência conosco e ainda mais do que com outros. Somos, às vezes, insuportáveis a nós mesmos. Tanta miséria, quedas repetidas, defeitos incorrigíveis, fraquezas vergonhosas, covardia, desânimos, pecados sobre pecados! Oh! Que desolação! Não nos perturbemos. Calma e paciência. Quanto mais perturbação tanto pior. É orgulho não nos conformarmos com a nossa fraqueza e a nossa miséria. Às vezes é mais fácil termos paciência com os outros do que conosco. Com a natureza rebelde, atrevida, grosseira que possuímos, perdemos a calma! Não maltratemos o nosso jumentinho a pancadas de impaciência. É pior. Será preferível que lhe demos boa ração de calma e tranquilidade e confiança. Um dia Nosso Senhor disse a uma dessas almas já quase desesperadas com a sua má natureza, sempre rebelde e recalcitrante: “Minha filha, fui tão paciente contigo, pois é preciso que também tenhas paciência contigo mesma.5 Tenhamos então muita paciência conosco. Se Nosso Senhor, que é a Infinita Justiça, a própria Santidade, se Ele que tanto odeia o pecado nos suporta por misericórdia, – por que não nos havemos de suportar na miséria?
11 DE ABRIL HORA SOLENE! Soror Elisabete da Trindade dizia na hora da morte: “Como é solene a hora em que me acho!” Solene, sim, porque era a de sua passagem para a Eternidade, era a hora de se apresentar à Justiça Divina. Experimento – acrescentou ela – um sentimento indefinível, algo da Justiça e da Santidade de Deus. Acho-me tão pequenina e desprovida de méritos! Como é preciso dar confiança aos
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agonizantes!6 Sim, as horas solenes fazem tremer. A natureza, no momento decisivo da partida do exílio, apavora-se e treme. Mais do que nunca, a confiança é necessária. Quem viveu no Coração de Jesus há de morrer nesse Divino Coração. A Misericórdia Divina jamais será tão pródiga como nos últimos instantes. Um ato de confiança, resignação e amor, nesses momentos, pode fazer do pecador miserável um justo, um santo. Precisamos aceitar a morte conformados com a vontade de Deus. “Aceitarmos a morte que Deus nos apresenta e conformarmonos com a Vontade Divina – diz Santo Afonso – é merecermos uma recompensa semelhante à dos mártires”. E o Pe. Luiz de Blois assegura-nos “que, na morte, um ato de perfeita conformidade com a Vontade de Deus nos preserva, não somente do Inferno, mas até do Purgatório”.7 Também há de chegar para nós a hora solene. Seja solene pelo amor e a confiança a nossa entrada na vida eterna!
12 DE ABRIL ONDE CAI A ÁRVORE, AÍ FICA! Quando se vive na casa de Deus e ao lado de Nosso Senhor, é preciso ter confiança, principalmente na hora da morte. Das almas devotas do seu Coração, disse Nosso Senhor a Santa Margarida Maria: “Serei, na hora da morte, seu Refúgio seguro”. Por que tremer? Nossos pecados? Oh! Basta um olhar de amor e de arrependimento e firme propósito. E o Bom Ladrão e Madalena, e o Publicano, e o Filho Pródigo? A hora da morte é a última hora do tempo da misericórdia. Não seremos abandonados. Confiança! Da família abençoada de Santa Teresinha saíram, para a vida religiosa, muitas almas santas. Uma delas foi a sua tia materna Soror Maria Dositéa da Visitação de Santa Maria. Pouco antes de sua morte, após uma vida santa, recebeu ela a visita de Mgr. Outremont, bispo de Mans. Disse-lhe o prelado: “Nada de receios, minha filha. Onde cai a árvore, aí fica. Brevemente há de tombar no Coração de Jesus, para n’Ele permanecer eternamente”. Essas palavras encheram de confiança e amor o coração da santa 88
visitandina, que morreu toda abandonada no Coração de Jesus, aos 24 de fevereiro de 1877. Ah! Façamos com que a árvore de nossa vida se carregue de frutos de confiança, abandono e amor! E que, vergada ao peso desses frutos, incline-se para o Coração de Jesus e, com a morte, nele caia e permaneça para sempre!
13 DE ABRIL O ESCULTOR DIVINO Para construir a Jerusalém celeste, quer o Senhor, pedras bem talhadas, obrasprimas de arte e estátuas belas e vivas de amor. E Ele, o Divino Escultor, é quem prepara, talha e aperfeiçoa, com o cinzel das criaturas, as pedras vivas da Pátria celeste. O escultor, ante o bloco de mármore, sente palpitar a chama do seu ideal de artista. E bate, corta, desbasta, até que apareça aos seus olhos a estátua que idealizou. Assim faz Nosso Senhor conosco. Somos pedras vivas, destinadas à construção da Jerusalém celeste. “O mundo – diz São Francisco de Sales – é uma oficina, na qual são batidas e talhadas as pedras vivas que devem servir na construção da Jerusalém celeste”. Que belo destino é o nosso! Se o mármore pudesse sentir como nós, que honra e glória não teria em ser trabalhado nas mãos de um Miguel Ângelo, de um Cellini, e admirado nos templos e museus! Haverá maior e mais genial artista do que Deus? E não havemos de querer que Ele trabalhe em nós? Deixemos, sim, que, com o cinzel da enfermidade, do martírio quotidiano de mil contrariedades, Ele, o Divino Escultor, bata, corte, desbarate e faça da pedra dura e fria de nossa pobre alma uma estátua viva do seu Amor misericordioso!
14 DE ABRIL O BRAÇO DA MISERICÓRDIA Conta-se, na vida prodigiosa de Santa Catarina de Racconigi, da Ordem Terceira de São Domingos, morta em 1547, que a Santa vira Nosso Senhor de tal modo 89
crucificado, que um braço estava mais longo do que o outro. Jesus lhe disse então que o braço mais curto representava a Sua Justiça e o mais longo a Sua Misericórdia. “Eles são iguais, minha filha, disse o Crucificado – mas neste século corrompido, a misericórdia se estende mais do que a justiça”. Sim, vivemos no tempo da misericórdia. Quanto maior é a ingratidão dos homens, maior é a Misericórdia Divina. Nosso Senhor quer vencer-nos nesta batalha terrível da nossa maldade contra a Sua bondade, da nossa miséria contra a Sua misericórdia. Ah! Não desça sobre nós o braço terrível da Justiça Divina! Quem poderia subsistir ante o rigor dessa Justiça Eterna? Desça, sim, o braço da Misericórdia. Ele é bem longo, alcança a terra, chega até as profundezas do abismo insondável de nossa miséria. Mais ainda do que no século de Santa Catarina de Racconigi, o Vosso braço de Misericórdia, ó Jesus, deve socorrer-nos e sustentar. Mistério de Amor! Quanto maior é o pecado dos homens, quanto mais Vos fere a nossa ingratidão, tanto mais nos amais e nos cumulais dos tesouros de Vossas misericórdias! Braço Divino da misericórdia, descei sobre nós!
15 DE ABRIL EM LIBERDADE Ninguém é mais livre do que a alma inteiramente abandonada à Vontade de Deus. Nada a perturba e embaraça. Luta, sofre, trabalha, sempre feliz, numa paz inalterável. As almas imperfeitas sofrem muito. Uma palavrinha as perturba, qualquer moléstia ou contrariedade as atira num mar de aflições e queixas desesperadas. A alma abandonada, confiante, só tem um ideal: fazer a vontade de Deus. Passará da saúde para a doença, da secura para as consolações, da calma para a tentação, dos reveses da sorte para a prosperidade, sempre conformada, humilde, feliz por cumprir a Vontade Daquele que tudo dispõe, neste mundo, para nosso bem. É a santa liberdade dos filhos de Deus, dos discípulos fiéis da cruz. “Se há alguma coisa – diz Bossuet8 – capaz de tornar livre um coração, é o perfeito abandono a 90
Deus, à Sua Santíssima vontade.” A mortificação, o espírito de sacrifício, a humildade provada das humilhações, ajudam-nos muito na conquista dessa liberdade do coração. Vamos romper as cadeias que nos prendem a este eu orgulhoso e tirano, que nos escraviza. E cantaremos então como o salmista: “Quebrai, Senhor, minhas cadeias. Eu Vos sacrificarei uma hóstia de louvor!”
16 DE ABRIL MINHA COROA DE ESPINHOS Há pessoas que são vítimas de um mal intolerável: a dor de cabeça. Dor como a do martírio de uma coroa de espinhos. Outras, esgotadas pelo trabalho intelectual ou por preocupações e desgostos sérios, sentem-se enlouquecer de dor. Oh! Como é preciso ter paciência! A agitação aumenta o sofrimento. Para se poder suportá-lo, é mister que se encha a cabeça de pensamentos bons e consoladores! “Não nos admiremos – dizia o mártir Santo Agapito – se a cabeça que deve ser coroada no Céu, sofra aqui na terra”. Unamo-nos a Jesus Cristo no Pretório coroado de agudos e penetrantes espinhos, e contemplemos um quadro do “Ecce Homo”. Quão doloroso foi o suplício da coroação de espinhos! Ofereçamos os espinhos de nossa coroa de dores a Jesus, coroado de espinhos. Que tesouro de graças não podemos obter por esse sofrimento bem suportado, em união com Deus Nosso Senhor! Santa Margarida Maria sofreu, sem cessar, durante longos dias e noites, uma terrível dor de cabeça, a cujo propósito disse: “Devo ao meu Salvador mais reconhecimento por esta coroa, que ninguém pode tirar de minha fronte, do que a que lhe deveria pela dádiva de todos os diademas do Universo. Esta coroa me põe muitas vezes na feliz necessidade de passar noites sem sono e, assim, poder pensar mais no meu Doce Jesus”.
17 DE ABRIL NOITES SANTAS É terrível uma noite de insônia! É quando uma enfermidade nos faz passar 91
noites de angústia e sofrimento, a velar, sem que tenhamos um minuto de repouso!... É horroroso esse martírio! Mais uma razão para que o suportemos pacientemente. Insônia e impaciência serão dois martírios em vez de um. Não há remédio? Calma, seja o que Deus quiser! Muitas vezes a paciência sossega os nervos e vem o sono. Quando o relógio, no seu tic-tac importuno, aborrecer-vos, lembrai-vos de que cada minuto aqui, principalmente no sofrimento, pode valernos um grau a mais de felicidade no Céu! Ouvis bater as horas? Fazei o que aconselha Santo Afonso: lembrai-vos de Nossa Senhora, tão boa Mãe, consoladora dos aflitos, saúde dos enfermos, e rezai uma Ave Maria. De momento em momento oferecei vossos padecimentos e incômodos ao Coração de Jesus, que vela a noite toda e não dorme, por amor! Adorai-O no Seu sofrer em todos os Sacrários do mundo. E, quando raiar a aurora, depois de sete, oito horas de insônia e martírio, sentir-vos-ei felizes oferecendo a Jesus os tesouros de paciência e conformidade, adquiridos durante a noite. É a nossa hora santa, em união com as agonias da noite santa de Getsêmani! Não podeis rezar no leito de dores? Oferecei a Nosso Senhor as vossas noites santas.
18 DE ABRIL A GRAÇA E A CRUZ Perguntaram ao santo Cura d’Ars o que era preciso para alcançar o Céu. “A graça e a cruz”, respondeu o santo. Que precisamos mais? A graça faz-nos dignos do Céu pela Misericórdia Divina; a cruz nos enriquece de méritos, desapega-nos da terra e nos ajuda a morrer para nós e a ressuscitar para a vida do Amor, que aqui começa e se consuma na glória. Deus nos promete a sua graça, mas, para que a conservemos, são-nos necessários o sofrimento, a mortificação, a paciência, a conformidade com a vontade de Deus, o que, tudo, só na cruz podemos encontrar. A graça é o diamante que o Divino Rico nos dá e que a cruz lapida, tornando-a uma joia brilhante e bela aos olhos Divinos. Ah! Como será bela, no 92
Céu, a coroa de graças, toda cravada de diamantes lapidados nas amarguras, nas doenças, nas contradições, calúnias, perseguições e reveses! Sofrer é uma riqueza! “Não lamentemos a sorte dos que padecem – dizia o Pe. Ravignan – mas sim a dos que padecem sem mérito”. É lamentável, sim, que se deixe perder tanta riqueza da graça, porque se rejeita a cruz. A graça e a cruz são irmãs. A graça é a riqueza que o Rico por excelência nos dá, e que, neste mundo, precisamos colocar no Banco da Cruz, para que nos renda juros de cem por um, garantindo-nos a Vida Eterna!
19 DE ABRIL DEUS TARDA MAS NÃO FALHA Assim diz o povo, cheio de confiança na Divina Providência. De fato, experimentamos, a cada passo, os efeitos da Misericórdia Divina, sempre solícita em nos Socorrer. Deus tem a sua hora e é mister esperá-la. Nossa oração deve ser perseverante e humilde. A impaciência e a revolta afastam-nos a graça. “Não vos desespereis – diz o Pe. Luiz Dupont – quando Vosso Pai Celeste demora em vos atender”. Quando Deus tarda é porque nos prepara surpresas de Sua bondade e misericórdia. Ele não é só Pai, mas é o mais solícito e carinhoso dos pais. Esperemos. Tudo quanto Ele faz tenho-o repetido mil vezes – é para nosso bem; se nem sempre para o bem temporal, sempre, sempre, para o bem eterno. Por que nos desesperarmos? Seria loucura. Santa Mônica, cheia de dor, rezou durante quase vinte anos, pedindo uma graça exclusivamente de interesse da glória de Deus: a conversão de Agostinho, seu filho. E não desanimou. Que bela recompensa de tão longa espera! Teve o filho batizado, bom cristão, sacerdote, bispo, doutor da Igreja e santo. Deus tardou mas foi generoso. Tantos anos de lágrimas e orações foram generosamente, superabundantemente pagos! Quando se trata com Deus, não se perde em esperar. Ao contrário, lucra-se tanto quanto mais se espera, porque – diz o povo, com sabedoria, “Deus tarda mas não falha”.
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20 DE ABRIL ESCOLHO TUDO! Não estejamos a medir os nossos sofrimentos, a compará-los com os dos outros, a desejar este, rejeitar aquele e pedir a Nosso Senhor que deles nos poupe. O melhor e mais perfeito é não escolher, deixando que se cumpra inteiramente a Vontade Divina. “As melhores mortificações – dizia São Francisco de Sales – não são as que escolhemos, mas as que Deus escolhe”. A cruz que Ele talha nos vem coberta de preciosas graças, que não seriam concedidas se nós tivéssemos escolhido nossa cruz. Ou nada escolher, ou escolher tudo que Ele quiser, tudo, com generosidade, como o fez Santa Teresinha. Leônia, irmã da santa, apresentando a esta e a Celina uma cesta cheia de retalhos, fitas e galões, disselhes: “Tomem lá e escolham”. Celina escolheu um novelo de cordão. Teresinha, porém, refletiu e exclamou: “Eu cá escolho tudo”. Ao lembrar esse episódio de sua infância, na História de um a alm a, comenta o Anjo do Carmelo: “Neste episódio vejo resumida a minha vida. Quando, mais tarde, descobri os caminhos da perfeição, compreendi que, para se chegar a ser santa, é necessário sofrer muito, ambicionar sempre o que há de mais perfeito e esquecer-se de si mesma. Entendi que há numerosos graus na escola da santidade, e que cada alma é livre de fazer pouco ou muito por seu amor, de escolher, numa palavra, entre os diversos sacrifícios que lhe pede. Exclamei, então, como autora, na quadra infantil: “Escolho tudo!” Não me amedronta ter que sofrer por Vós! Escolho tudo O que Vós quereis!”9 Que generosidade! Não quereis escolher tudo que Nosso Senhor vos mandar do Céu com a cruz?
21 DE ABRIL LARGURA, COMPRIMENTO E ALTURA DA CRUZ A piedosa autora dos “Avisos espirituais” escreve, no seu livro de consolações, 94
que devemos aceitar a cruz que Nosso Senhor nos envia, sem a diminuir em largura, nem em comprimento ou em altura. Tal como a recebemos, devemos levá-la até ao calvário, como o fez o nosso Divino Redentor. Aceitai vossa cruz na sua largura, que abraça todas as coisas e circunstâncias capazes de vos fazerem sofrer, todas as penas, tudo o que vier! Aceitai-a no seu comprimento, isto é, na duração. Dizei assim: “Quanto tempo Nosso Senhor me quiser no sofrimento, sofrerei por seu amor, até à morte, se for de Sua Vontade!” Aceitai a vossa cruz na sua altura, isto é, na grandeza dos tormentos que vos acabrunham. Às vezes a cruz é muito alta. Que fazer? Por ser maior, será mais preciosa. A medida de nossa felicidade e glória no Céu será a medida da nossa cruz. Esperai a cruz que Nosso Senhor vos mandar e não procureis cortá-la para diminuí-la no cumprimento. Sofrei quanto tempo Ele quiser! A cruz que vem do Céu é uma obra de arte bem talhada e bela. Foi preparada pelo Artista Divino. Por que estragar, com a nossa ignorância, o trabalho tão rico do Divino Carpinteiro da Judeia? É ridículo e estúpido um operário boçal mutilar o trabalho de um artista. Não estraguemos a obra-prima do Divino Artista que talhou nossa cruz!
22 DE ABRIL O MEDO DA CRUZ Nosso Senhor abraçou amorosamente a cruz, levou-a até o Calvário e nela morreu por amor de nós. Por que ter medo da cruz? Santo André, ao vê-la, não pôde conter os transportes de júbilo de sua alma e exclamou: “Ó boa cruz!” – Ó boa cruz!” Boa cruz, diz o Apóstolo. E nós a achamos sempre tão má quando vem a hora de abraçá-la! Como somos fracos e imperfeitos! E o medo da cruz, diz o santo Cura d’Ars, é a nossa maior cruz. O sofrimento, quando acha almas decididas e corajosas que o enfrentem, fica sempre reduzido à metade. Nossos nervos e imaginação costumam exagerar muito o peso e o tamanho da cruz. Se soubéssemos o valor desta, andaríamos à sua procura como o avarento à procura do ouro. Quem menos sofre é quem não teme a cruz. Para fugir dela, atiram-se almas, como loucas mariposas, ao fogo de tanto falso brilho 95
do mundo e dos prazeres e, pobrezinhas, sofrem mais. A cruz de Nosso Senhor é pesada, mas temos quem nos ajude a carregá-la. Ele mesmo, o nosso doce Jesus, transformado em Cirineu da Misericórdia depois de Sua paixão, vem carregar a nossa cruz ou, melhor, ajudar-nos a carregá-la até ao Calvário. E não quereis carregar, com o Vosso Pai Celeste, a cruz que Ele vos oferece com tanto amor e para o vosso bem, ajudando-vos, ainda, a carregá-la, como Divino Cirineu da Misericórdia? Por que tanto medo da cruz?...
23 DE ABRIL JUIZ E PAI Deus nos há de julgar! Este pensamento, que aterroriza tantas almas, deveria consolar-nos. Como poderemos pensar sem tremer no juízo Divino, quando santos como São Bernardo e São Jerônimo tremiam só à meditação dessa verdade eterna? Quem nos vai julgar? Um Deus, sim, um Deus de justiça, que encontra imperfeições até nos seus Anjos! Mas esse Deus é nosso Pai e Pai por toda a eternidade, Pai das misericórdias. Deus é justo, sim, e por isso mesmo é que devemos ter confiança. Sendo justo, saberá levar em conta a nossa fraqueza, a nossa ignorância e miséria, verá a nossa boa vontade, a pureza de nossas intenções. Temê-Lo, por quê? Ele bem sabe de que barro somos feitos. Portanto, confiança! Perguntaram a Santo Ambrósio, quando moribundo, se não temia os juízos de Deus. “Ah! – respondeu o santo – temos um mestre tão bom!”... “Tenha confiança em Nosso Senhor”, dizia o sacerdote a Frederico Ozanan. “Ó meu padre – respondeu o servo de Deus, em agonia – como ter medo de Nosso Senhor? Amo-O tanto!” Amemos o Coração de Jesus, fonte de misericórdia e perdão. É nosso Juiz, sim, mas também é nosso Pai. “Como é doce morrer – dizia Santa Margarida Maria – para ser julgada por Aquele em cujo Coração vivemos!”
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24 DE ABRIL MIGALHAS E IGUARIAS Da mesa do Senhor, preparada para os seus eleitos, caem migalhas, que são as riquezas, a prosperidade, as honras e prazeres deste mundo. Há, porém, na mesa, iguarias finas, alimento substancial, que Deus só concede aos amigos mais íntimos e queridos, aos que, dedicadamente e cheios de gratidão, aceitam o seu convite. Essas iguarias finas da mesa Divina são as cruzes e provações da vida. Elas sustentam admiravelmente nossa vida espiritual. E Nosso Senhor convida todos ao Seu Banquete substancial de Amor, onde cada alma encontra a iguaria do sofrimento que a deve sustentar e robustecer para a luta. Só os amigos de Jesus, e amigos generosos, aceitam o amoroso convite. Muitos se contentam com as migalhas. Mas, de migalhas, não pode viver nossa pobre alma. Ela precisa de bom alimento. O amigo senta-se à mesa do amigo e, saboreando as iguarias, entretém-se com ele em doces palestras, firmando os laços de recíproca amizade. Por que havemos de viver, como os cães, a esperar as migalhas da mesa de Nosso Senhor e a disputa, vergonhosamente, com aqueles que as procuram, na avidez de honras, prazeres e riquezas? Não prefiramos roer o osso duro de tantas desilusões e prazeres loucos do mundo, alimentar-nos de migalhas, a sentarmonos, felizes e confiantes, à mesa saborosa e substancial de Nosso Senhor!
25 DE ABRIL CRUZES PEQUENINAS As cruzes grandes assustam, mas são raras. As pequeninas acompanham-nos por toda parte. Não damos um passo sem as encontrar. Uma palavrinha seca, um olhar indiferente, uma pequenina dor, um contratempo, uma pessoa importuna, a chuva, o vento, a falta de qualquer objeto, são tantas pequeninas cruzes e aborrecimentos no curto espaço de um dia! Por que havemos de nos impacientar com isso e aspirar a sofrimentos, grandes perseguições etc., que talvez nunca teremos que experimentar? Contentemo-nos com as cruzes pequeninas. Elas 97
são preciosas. Santa Teresinha as amava tanto! “Longe de me querer igualar às grandes almas que, desde a sua infância, praticam toda espécie de macerações – escreve a Santinha – fiz consistir minhas penitências em quebrar minha vontade, reter uma palavra de réplica, prestar pequenos serviços sem dar a entender que o faço, e mil outras coisas deste gênero”. Não é um meio eficaz de santificação? Talvez custem mais essas cruzes pequeninas do que muitas das grandes. Desde o amanhecer até o repouso da noite, encontramos as pequeninas. Aproveitemos essa riqueza. Sejamos avaros das coisas celestes. Quanta abnegação e espírito de sacrifício na prática da aceitação quotidiana das cruzes pequeninas.
26 DE ABRIL PALAVRAS DE CONFORTO O bem-aventurado Henrique Suzo era um apaixonado amante da cruz. Sua vida foi um martírio contínuo. Eis as palavras de conforto que o Beato dirigia sempre aos que sofriam: “Se estais doentes, regozijai-vos, porque o Senhor está pensando em vós”. “Cada enfermo se julga o mais enfermo, cada pobre, o mais indigente. E nem um nem outro pensa em encher as mãos com os tesouros da graça que nos vêm pelo sofrimento.” “O sofrimento é o exercício mais salutar que Deus impõe à nossa alma e ao nosso corpo. E é mais difícil sofrer com paciência e em silêncio do que fazer milagres, mesmo o de ressuscitar os mortos.” “Quando Jesus Cristo vos deixa sofrer sem consolação, como Ele sofreu no Jardim das Oliveiras, não a procureis fora do Seu coração cheio de dor. Quereis gozar, quando Jesus sua sangue, para expiar os nossos prazeres culpáveis?” “Para o enfermo, a mais bela das ocupações e das artes deve ser a dos atos de resignação, enquanto espera pacientemente o socorro do Céu.” Guardemos sempre tão belos pensamentos, que tanto nos podem ajudar no
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tempo das provações, isto é, quando Nosso Senhor pensa em nós e nos acha dignos de sofrer alguma coisa por seu amor. Na verdade, é tão grande e preciosa a graça de sofrer, que não a merecemos!
27 DE ABRIL DIAS PERDIDOS O Imperador Tito, quando passava o dia sem fazer algum bem, costumava dizer: “Perdi o meu dia”. Para nós, o dia perdido é o que passamos sem sofrer. “A cruz – diz a Autora dos Avisos Espirituais – preserva os nossos dias da esterilidade”. Portanto, receemos inutilizar nossa vida, tão preciosa, desprezando a cruz. O sofrimento enche nossos dias de bênçãos e graças do Céu. Que boa escola a em que se aprende a ver o que é caduco! “Quem não sofre, que é que pode saber?”, pergunta o Espírito Santo. Se somos tão ignorantes do mistério da cruz, é porque temos preguiça de frequentar a nossa escola Divina do Calvário! Que vida inútil a nossa! Oh! Aproveitemos o tempo. Temos só esta vida para sofrer e dar a Nosso Senhor as provas de um amor generoso. “O sofrimento, unido ao amor – dizia Santa Teresinha – é a única coisa que me parece desejável neste vale de lágrimas”.10 Na hora da morte, as alegrias efêmeras desta vida, os loucos prazeres que nos seduziram, hão de nos atormentar horrorosamente. O sofrimento, ao contrário, há de consolar-nos. Veremos dias cheios de méritos, dias passados no Calvário, bem junto à cruz. Oh! sim, ao deixarmos este mundo, só uma coisa nos há de consolar imensamente: termos sofrido por amor de Deus!
28 DE ABRIL REFÚGIO SEGURO Onde haverá um refúgio seguro para nossa pobre alma, quando abatida pelo sofrimento? E, nas tentações e perigos, onde nos abrigaremos? Santo Agostinho responde: “Nas chagas de meu Jesus e, principalmente, na chaga do Seu 99
coração”. São Boaventura estava bem certo de que as Santas Chagas de Nosso Senhor são o melhor refúgio na vida e na morte, quando dizia: “Se eu nada mais puder fazer, meu Jesus, procurarei vossas chagas e aí permanecerei”. Beijemos, em nossos crucifixos, as Chagas Divinas das mãos. Elas nos ensinam a aceitar as amarguras, as contradições que encontramos com o trabalho de nossas mãos. As Chagas dos pés nos ensinarão a caminhar corajosamente na via dolorosa do Calvário. A chaga do Coração nos dirá o amor infinito com que somos amados e a nossa ingratidão sem par. Olhemos, sim, Nosso Deus cravado na cruz e aprendamos a amá-lo com generosidade. Aos devotos das Chagas do seu Coração, prometeu Nosso Senhor a Margarida Maria: “Eu serei seu refúgio seguro na vida e, principalmente, na hora da morte”. A uma alma provada, dizia Nosso Senhor: “Minha filha, molha no sangue de minhas Chagas o pão duro de tuas amarguras e sofrimentos, e serás feliz”. Ó doce e terno Coração, morada e refúgio de nossas almas! Tende piedade de nós!
29 DE ABRIL BEM-AVENTURADOS OS QUE CHORAM “Bem-aventurados, isto é, felizes – diz Nosso Senhor – “os que choram.” Este mundo é o vale das lágrimas. Nosso Senhor também chorou. Chorou a ingratidão de Jerusalém, chorou na sepultura de Lázaro, no Horto das Oliveiras e, antes, havia chorado nas palhinhas da manjedoura de Belém. Oh lágrimas Divinas e redentoras, sois nosso conforto! E, para santificar nossa dor, Jesus abençoa nossas lágrimas do alto da Montanha. “Felizes...” Então será feliz quem chora? Sim, porque a lágrima salva, desafoga o coração. Lembremo-nos das lágrimas de Madalena e das do filho pródigo. Como é bom chorar de amor e de arrependimento! Santifiquemos nossas lágrimas na paciência e na resignação. Deus não nos proíbe chorar; quer, porém,
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que o nosso pranto seja, não como o de quem não tem esperança, mas o que suaviza, desafoga o coração, paga o tributo à natureza e se transforma depois em pérolas de abandono à Vontade Santíssima de Deus. No Céu, onde não haverá mais dores nem gemidos, Ele, Nosso Divino Consolador, enxugará nossas lágrimas. “Como eu tenho sede do Céu – dizia Santa Teresinha, – dessa mansão bemaventurada, onde amarei para sempre a Jesus! Mas... para chegar até lá, é preciso sofrer e chorar”.11 Soframos, pois, choremos, resignados, nas trevas dessa noite da vida. Paciência! Logo há de raiar a madrugada do Céu!
30 DE ABRIL AS DUAS COROAS Nosso Senhor apareceu a Santa Catarina de Sena com duas coroas nas mãos, uma de espinhos e outra de flores. Minha filha – disse Jesus, – terás de receber, necessariamente, uma destas coroas e depois a outra. Se quiseres receber nesta vida a coroa de espinhos, eu te reservarei a outra, a de flores, para a vida eterna. Se ao contrário, quiseres agora a de flores, eu te reservarei a de espinhos para depois de tua morte”. Respondeu a santa: “Senhor, de há muito renunciei minha vontade, mas se quereis minha resposta, digo-Vos que, acima de tudo, quero viver toda a minha vida com a Vossa Paixão e achar minha consolação em sofrer por Vós.12 Esta é a lei: uma coroa de espinhos, e depois outra de rosas. Primeiro a Cruz, depois a Luz. Felizes os que, na vida, podem sofrer um pouco por amor de Deus. A Santa escreveu numa de suas cartas: “Devemos suportar tudo, porque o sofrimento é pequeno e a recompensa é grande. O servo do mundo traz a sua cruz, a cruz do demônio. E nós não queremos a cruz de Jesus Cristo?”13 “Minha filha – disse Nosso Senhor a Santa Catarina – o justo é capaz de sofrer e eu o privo dos bens da terra para lhe dar maior abundância dos bens do Céu”.14 Ó
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grande santa, dai-nos a vossa inteligência da cruz! 1 - Sainte Therèse de L ‘Enfant Jesus. 7º lettre à des Missionaires. 2 - Souer Begne Consolata Ferrere - Vie. 3 - Pe. Paul de Jaegher. S. J. - Confiance - II vol. - c. IV. 4 - “Saint Therèse - Conseils et souvenirs”..
5 - Pe. Poullain, B.J. - “Journal de Lucie-Christine”. 6 - Elisabeth de la Trinité - “souvenirs” c. XVII. 7 - Santo Afonso - Preparação para a morte 10º. 8 - “Bossuet” - “Parfait abandon”. 9 - História de uma Alma - c.I. 10 - Saint Therèse - “9.e lettre à des missionaires”. 11 - 5me. lettre à Sr. Marie du Sacré Coeur. 12 - “Vie de Saint Catharine - Sem. par St. raymond de Capp.”. 13 - “Lettres - III - p.215”. 14 - Diálogos - p.279.
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1 DE MAIO MÃE! MINHA MÃE! Maio, primavera de nossas almas, doce mês de Nossa Senhora! “Temos um sagrado instinto – diz o Apóstolo São Paulo que nos leva a chamar pelo Senhor e dizer-Lhe: Pai! Pai! Na mais bela das preces, Nosso Senhor quer ser chamado Pai: “Pai Nosso, que estais no Céu”. Uma noviça, encontrando Santa Teresinha na cela, absorvida numa meditação profunda, perguntou-lhe: “Em que pensa?” Respondeu-lhe a santa, docemente: “Ah! minha irmã, medito o Pai Nosso! É tão doce chamar Nosso Senhor de Pai!” Há também em nós um instinto que nos constrange suavemente a bradar à Maria, do abismo de nossas misérias: “Mãe! Minha Mãe!” “Mamãe!” É o grito espontâneo do filhinho que padece. E como é triste sofrer sem um olhar, sem um carinho de mãe! Deus teve misericórdia de nós e deu-nos mãe. Não nos deixou órfãos neste exílio. “Eis a Vossa Mãe!” – diz-nos Jesus na hora suprema das suas amarguras. E agora sentimos a doçura de invocar Maria e Lhe bradamos, cheios de confiança: “Mãe! minha Mãe!” E “quem tem mãe não perece”, diz o povo. Vi uma cena que me comoveu. Um moço enfermo, na flor dos seus dezessete anos, quase em agonia. Sofria tanto! Sua mãe velava-lhe à cabeceira havia mais de um ano, sempre carinhosa. O sofrimento chega ao paroxismo. “Mamãe! – diz o pobrezinho, a chorar, aconchegado ao seio materno, – e não fosse você, minha mãezinha, eu não poderia sofrer tanto neste mundo!” Ah! Olhemos também para o Céu nas horas sombrias deste exílio e brademos: Maria! Mãe do Céu! Sem o vosso doce e carinhoso olhar materno, quem poderia suportar a noite horrorosa de tantas provações?
2 DE MAIO MACHUCOU-SE, MEU FILHO? 103
Há uma lenda que traduz a delicadeza do coração materno. Um moço, apaixonado por uma criatura perversa e má, sujeitava-se a todos os seus caprichos, à custa dos maiores sacrifícios. Um dia, fez-lhe ela a monstruosa exigência de arrancar o coração materno e lho levar. “Impossível”, diz, com desespero, o jovem. “Pois não terás o meu amor! Retira-te!” O pobre e infeliz apaixonado, desvairado e cego, acaba por satisfazer o criminoso desejo do viperino objeto de seu louco amor. Mata a desventurada mãe, arranca-lhe o coração e o envolve, quente e palpitante, numa toalha. Foge desesperado e, ao atravessar uma montanha, tropeça e cai violentamente sobre o solo pedregoso. Uma voz se ouviu, saindo do coração materno em sangue, voz carinhosa e mansa: “Machucou-se, meu filho?” É assim o coração materno. Nenhuma ingratidão o vence. Assim é o coração de Nossa Senhora Mãe do Céu. Pela criatura que nos seduz e tiraniza, consumamos um crime: ferimos o coração de Maria pelo pecado, pela multidão de nossos crimes, arrancamo-lhe o coração, com tanta maldade. Vem o sofrimento e, nas pedras do caminho agreste da vida, tropeçamos e caímos violentamente. Quedas de reveses e doenças e perseguições e desprezos e calúnias. Vendo-nos em terra, feridos, pergunta-nos carinhosamente o Coração de Maria: “Machucou-se, meu filho? Oh! Quero salvar-te, quero curar-te das feridas do caminho, meu filho, meu ingrato filho!”
3 DE MAIO VIVA A CRUZ! Santa Verônica Juliana, apaixonada pelo martírio, dizia em transportes de júbilo: “Viva a cruz isolada, nua, e viva o sofrimento!” A Igreja também, na sua liturgia, convida-nos a saudar a cruz: “Ó cruz, eu te saúdo, minha única esperança!” Sim, neste mundo, no exílio em que vivemos, se quisermos salvar a nossa alma, só teremos um meio de que lançar mão: o madeiro da Cruz. É duro, aterroriza a nossa fraqueza, mas não há remédio. Só pela estrada real da Santa Cruz, chegaremos ao Céu. É a lei. Inocência ou 104
penitência! Somos, porventura, inocentes? Ai! Lá se foi, há tantos anos, a túnica imaculada da Pia batismal. Resta-nos a cruz. Por que rejeitar, então, ou aceitá-la blasfemando, revoltado contra o Céu? Santa Catarina de Sena nos aconselha: “Esteja a árvore da cruz plantada no nosso coração e na nossa alma; sede semelhantes a Jesus Crucificado; escondei-vos nas chagas de Jesus Crucificado, banhai-vos no sangue de Jesus Crucificado, inebriai-vos e revesti-vos de opróbrios, sofrendo por amor de Jesus Crucificado”. São Paulo não queria pregar outra coisa senão Jesus Cristo e Jesus Cristo Crucificado. Quem não sofre, que pode saber? Ó ciência da Cruz, iluminai minha inteligência, abrasai meu coração!
4 DE MAIO NÃO HÁ VINHO! Nossa Senhora é sempre mãe solícita e carinhosa. Vede nas bodas de Caná. Faltou vinho. Os noivos ficariam confusos e envergonhados com a situação. Não era chegada a hora de Jesus. Sabia-o Nossa Senhora, mas não se pôde conter na bondade do seu coração materno. Volta-se para o Filho: “Não há mais vinho!” Não obstante a resposta de Jesus, de que ainda não havia chegado a Sua hora, Ela dá ordem aos criados: “Fazei o que Ele vos ordenar”. E o milagre se realiza. Em toda situação angustiosa de nossa vida, vamos à Maria. Seremos atendidos. “Lembrai-vos – diz São Bernardo – que nunca se ouviu dizer que alguém jamais recorreu à Vossa proteção e foi por Vós desamparado.” Falta, no banquete de nossa vida, o vinho do Divino Amor, do abandono, da confiança, da paciência nas tribulações? Vamos a Nossa Senhora. Não seremos confundidos. Ela pedirá a Jesus que faça de novo o prodígio das bodas de Caná. E, voltando-se para as criaturas que nos rodeiam e de que a Providência se utiliza para nossa santificação, há de dizer-lhes: “Fazei o que Ele vos ordenar”. Elas talvez nos firam e nos façam sofrer bastante, mas... Paciência! Enchem-se de água das tribulações as hidras de pedra de nosso coração. Jesus fará o milagre de transformá-las no vinho generoso e bom do Seu Divino Amor! 105
5 DE MAIO RAINHA DOS MÁRTIRES Não se pode contestar, afirma Santo Afonso, que Maria tenha sido mártir. Provam-no Dionísio Cartusiano, Perbalto, Catarino e muitos outros. Para o martírio, basta uma dor suficiente para dar a morte, ainda que, na realidade, não se venha a morrer. São João Evangelista tem as honras do martírio, embora não tenha morrido na caldeira de azeite fervente. A obediência faz mártires. Maria foi mártir, sem que tocassem os algozes em seu corpo virginal. Ela teve um martírio dos mais cruéis: o do coração. O nome de Maria tem, entre outras significações, a de mar, oceano. Toda a vida de Nossa Senhora foi um oceano de dores e Ela própria, uma Rosa de martírio. À semelhança da rosa que cresce entre os espinhos a Mãe de Deus – revelou o Anjo a Santa Brígida – crescia em anos no meio dos sofrimentos. E assim como, à medida que cresce a rosa, crescem os espinhos, assim também, quanto mais a Virgem, Rosa eleita do Senhor, crescia em idade, mais cresciam, para atormentá-la, os espinhos de seu martírio cruel. Nossa vida pode ser um martírio, martírio lento de pequeninos aborrecimentos quotidianos, martírio de enfermidades e reveses. Um olhar à Rainha dos mártires! Coragem! Que o doce perfume da Rosa Mística suavize a dor das feridas que cada dia nos fazem os espinhos da vida!
6 DE MAIO O OCEANO DE AMARGURAS O Profeta não sabia a que comparar a dor imensa, o doloroso martírio de Nossa Senhora. Só a imensidade e as agitações do oceano lhe podem servir de pálida imagem. Comentando as palavras do profeta, exclama um Autor piedoso: “Virgem bendita, assim como a amargura do mar excede a todas as amarguras, assim a tua dor excede a todas as dores”. Por isso, disse Santo Anselmo que, se Deus não tivesse conservado a vida a Maria por um milagre singular, a dor 106
imensa que Ela sofria poderia matá-la a todo instante. Para compreender o martírio da Mãe de Deus, seria preciso meditar a imensidade do seu amor a Jesus. “Onde está o nosso tesouro – diz o Evangelho – aí está nosso coração”, o tesouro de Maria era Jesus, e quanto mais o amava, mais sofria. Ele, a riqueza dos Céus e da terra, viu-O, pobrezinho e nu, deitado sobre as palhinhas de uma estrebaria. Ele, a Santidade Infinita, viu-O, contado entre os celerados, e viu Barrabás a Ele preferido. Viu-O descarnado e nu, banhado em sangue, poeira e escarros, insultado, blasfemado, no patíbulo infame da cruz. Teria alguém sofrido mais do que Nossa Senhora, tão inocente, imaculada e bela? E eu, pobre e indigno pecador, não quero sofrer! O frágil batel de minha vida, quero atirá-lo, ó Maria, a velas pandas, no oceano imenso da meditação de vossas dores. Salvaime!
7 DE MAIO NO EXÍLIO Estamos exilados na terra. Nossa pátria é o Céu. Eva, mãe dos homens, legoulhes a morte, o pecado, a perdição e as amarguras do desterro. “Degredados filhos de Eva.” É de degredos a nossa condição aqui! Maria, a quem o Anjo saudou: “Ave.” “Deus te salve.” – Veio consolar-nos no exílio, veio salvar-nos e ajudarnos a chegar à Pátria, ao Céu. Em terra estranha, nem conhecemos o caminho nem temos sossego. Façamo-nos pequeninos pela humildade, resignação e abandono. Roguemos a Nossa Senhora que nos guie e nos venha adoçar, com o seu carinho materno, os dissabores e a saudade amarga da Pátria. Sem Maria, o exílio da terra é muito duro. Não A vemos ainda, é verdade, mas sentimos a sua doce proteção, a influência do seu carinhoso amor. Longe da pátria, o filho se sente feliz quando recebe uma carta da mamãe querida. Beija-a e a lê comovido. As suas expressões ternas, que lhe despertam tão doces recordações e lhe excitam as saudades do lar, o carinho e solicitude maternais que nelas transparecem, tudo, tudo lhe fala ao coração. Sofre, sim, mas consola-o e conforta-o o pensamento de que um anjo reza por ele e o acompanha, dia e noite, carinhosamente, a pensar, a chorar, preparando agradáveis surpresas para a 107
volta, do exílio, de seu filho amado. Oh! Quando, no triste exílio desta vida, sentirmos o coração oprimido de tristeza e saudades, olhemos para o Céu. Maria lá nos espera. Beijemos o seu terço. É a carta do seu carinhoso amor materno, escrita por Ela mesma, para consolar-nos.
8 DE MAIO CONVERTEI-ME EM AMARGURAS AS CONSOLAÇÕES DA TERRA Um desejo ardente abrasou o virginal coraçãozinho de Santa Teresinha do Menino Jesus no dia de sua primeira comunhão: o de sofrer e sofrer muito por Jesus. Heroico e belo ideal para uma criança de 11 anos! “Ao receber Jesus-Hóstia, meu Divino Amor – escreve ela – senti-me atraída para o sofrimento, achando-lhe encantos que me arrebatavam, a despeito de não ter ainda claro e perfeito conhecimento deles. Tive também outro ardente desejo: o de amar unicamente a Deus e só Nele achar alegria. Enquanto me entretinha em dar ação de graças, ia repetindo amiudadas vezes: Ó meu Jesus, doçura inefável, convertei-me em amarguras todas as consolações da terra”.1 E esta heroica e bela prece da Imitação vinha espontaneamente aos lábios da criança, saída bem do fundo da alma. Naquela fusão de amor em que estava o serafim do Carmelo, deu-lhe Nosso Senhor a graça que a levaria ao grau de santidade a que chegou, a graça de compreender e amar o sofrimento. A florzinha de Maria Imaculada deveria sentir ainda na terra o inverno de muitas e dolorosas provações! Não importa! Ela só queria o que de melhor temos no mundo: a riqueza de sofrer e amar por Jesus!
9 DE MAIO ESTRELA DO MAR 108
Os navegantes, em eras remotas, não tinham a bússola. Atiravam-se à imensidade dos oceanos confiantes no brilho das estrelas. Os Fenícios, por exemplo, quanto fizeram pela conquista do mundo conhecido! E com que arrojos de seus marujos! Guiavam-se pela estrela do mar. No mar deste mundo fomos lançados pela Divina Providência. Bem frágil e pequenina, quase em ruínas, é a embarcação em que lhe vamos enfrentar os rigores. Nela teremos que fazer a longa e penosa viagem da vida. E havemos de chegar ao porto do Céu, ao porto da Eternidade. Como nos parece ainda tão longe a hora feliz da chegada, de aportarmos à Pátria, de vermos nossa Mãe! A estrela que guiava os Fenícios e navegantes de outrora, não os livraria do perigo na hora terrível das tempestades e das agitações medonhas do oceano. Entretanto, a nossa Estrela do Mar, por efeito de uma Astrologia miraculosa, protege, ampara e livra dos perigos os que caminham a fitá-la, entre o refúgio das ondas agitadas pelas imensas angústias e amarguras desta vida. Diz São Bernardo: “Olha para a estrela, invoca Maria!” E cantemos sempre: Estrela dos Mares, guiai-me! Mãe querida de meu Jesus, sede minha Mãe! Virgem e Porta feliz do Céu, ajudai-me!
10 DE MAIO SOFRER COM MARIA A mãe não abandona o filho no sofrimento. Fica ao seu lado, carinhosa, solícita; empregando todo o esforço para lhe mitigar a dor e enxugar-lhe o pranto. O coração materno sofre quando sofrem os filhos. A criancinha, quando ferida, grita, instintivamente: “Mamãe!” Filhos de Nossa Senhora, eternas crianças, à caça das borboletas de nossas ilusões, tantas vezes caímos e nos ferimos nas pedras do caminho da vida! Nessas ocasiões, façamos como as criancinhas e gritemos: “Mamãe, Mãe do Céu, meu Refúgio, valei-me!” Soframos com Maria, como a criancinha machucada, no regaço materno. Se a 109
nossa amargura vem do pecado, Ela é Refúgio dos pecadores! É o pecador miserável e pobre quem tem mais direito à proteção Daquela que é o refúgio dos pecadores! Se nos acabrunha a doença, um olhar para o Céu: Nossa Senhora é saúde dos enfermos! Nas aflições que nos atormentam, a Consoladora dos aflitos será nosso conforto. Não há sofrimento que Maria não possa aliviar. Basta recorrer a Ela com amor, confiança e abandono de criancinha ferida, no regaço materno. Sofrer com Maria é consolo sem igual. Um doente me dizia, chorando: “Ah! meu padre, se eu, ao menos, tivesse minha mãe aqui comigo! Mas sou órfão!...” – Meu filho – disse-lhe eu – temos Nossa Senhora, que é Mãe, e que não nos abandona, não morre, não nos deixa órfãos!” – Ah! – respondeu-me – que Nossa Senhora venha então me amparar, seja minha Mãe e me ajude a sofrer!” Digamos também assim nas amarguras da vida!
11 DE MAIO NO CÉU VEREI MARIA! É a mais consoladora esperança. No Céu, lá na pátria bem-aventurada, onde não haverá mais luto, nem prantos, nem dores, nem enfermidades: lá onde a felicidade é eterna, verei Maria, minha Mãe, meu doce refúgio! Consoladora verdadeira! Oh! Tenhamos paciência no exílio. A vida passa tão depressa! Suportemos pacientemente as trevas desta noite, em péssima hospedaria, no dizer de Santa Teresa. Logo, no dia eterno e esplendoroso do Céu, veremos Nossa Senhora, a beleza e o encanto do Paraíso! Santa Bernadete sofria ao pensar no Céu. Tinha uma saudade imensa de Nossa Senhora! Ouviram-na murmurar na agonia: “O Céu! O Céu! Trabalhemos para o Céu! Soframos pelo Céu! O resto nada vale!” E acrescentava: “Oh! Nossa Senhora é tão bela que, depois que a vimos uma vez, custa suportar a vida até de novo a rever no Céu!” Sim, a Virgem Santíssima, ideal de beleza e de amor, beleza imaterial e sublime, é o Paraíso no Paraíso! Vale sofrer um pouco neste mundo, para poder contemplá-la no Céu! Se soubéssemos! Cantemos com o povo: 110
“Com minha Mãe estarei, Em seu coração terno! Em seu colo materno, Sem fim, descansarei! Quando, minha Mãe, terei essa ventura e poderei cantar eternamente vossas misericórdias? Quando?!...
12 DE MAIO SORRISO QUE CONFORTA “Na época em que se realizavam as aparições de Lourdes, conta o Conde de Broussard, eu me encontrava em Cauterets. Nenhuma crença tinha nessas aparições, nem acreditava na existência de Deus. Era um devasso e ateu declarado. Lendo num jornal a notícia de que Bernadete tivera mais uma aparição, em 16 de junho, na qual a Virgem lhe sorria, tomei a resolução de ir a Lourdes para convencer a menina de que era uma embusteira. Fui à casa dos Soubirous, onde encontrei Bernadete sentada à porta, cerzindo meias. Ela me parecia bastante vulgar, mas, nos traços do semblante sofredor, espalhava-se uma grande doçura. A pedido meu, fez o histórico das aparições, com uma simplicidade e firmeza que me comoviam. – Então, disse-lhe eu, como é que sorria a bela Senhora? A pastorinha olhou-me espantada e, após uns momentos de silêncio, respondeu: Ah! senhor, só alguém que viesse do Céu poderia imitar aquele sorriso. – Não me fará o favor de experimentá-lo para mim? Eu sou um incrédulo. Não acredito nas suas visões. Nublou-se o semblante da menina, tomando uma expressão de severidade. – Então pensa o senhor que sou uma mentirosa? Senti-me desarmado. Não! Bernadete não poderia ser uma embusteira. E experimentei o desejo de lhe pedir perdão de joelhos. 111
– Visto que é um pecador, retornou ela, vou imitar para o senhor o sorriso da Santíssima Virgem. Levantou-se com muita dignidade, juntou as mãos e o seu rosto se iluminou com um sorriso tão angelicamente belo, que não me pude conter. Caí de joelhos, convencido de que estava vendo no semblante da visionária o doce sorriso da própria Virgem. Desde então, no mais fundo de minha alma, conservo aquele sorriso indefinível do Céu. Muitas lágrimas já me tem ele enxugado! Perdi a esposa. Perdi as duas filhas, que eram o meu encanto. Sinto, porém, que não estou só no mundo, pois me acompanha sempre o sorriso da Santíssima Virgem, que me anima a vida.”
13 DE MAIO O SORRISO DA VIRGEM Aos 13 de maio, a florzinha delicada de Nossa Senhora, Santa Teresinha do Menino Jesus, foi agraciada pelo sorriso da Virgem. Uma doença estranha acabrunhava a pobre criança. O pai e as irmãs recorreram à Santíssima Virgem. “E eu – escreve Teresinha – já não encontrando nenhum socorro neste mundo, quase a morrer de dor, voltara-me para minha Mãe do Céu, suplicando-Lhe que tivesse compaixão de sua filhinha. Animou-se de súbito a estátua.2 A Virgem tomou um aspecto tão belo que nunca achei expressão para descrever essa formosura Divina. Ressumbravam do seu semblante uma doçura, uma bondade e ternura inefáveis, mas o que se me gravou nas profundezas da alma foi o seu sorriso arrebatador! Desvaneceram-se minhas mágoas, brotaram-se-me dos olhos duas grossas lágrimas, que me rolaram silenciosamente pela face. Ah! Eram lágrimas de alegria celeste e sem mistura! A Virgem Santíssima adiantouse para mim! Sorriu-me!... Que ventura a minha!”3 E o sorriso de Maria curou Teresinha. E nos cura também de todas as enfermidades, de nossas misérias e pecados. Sorriso de Maria é esse convite da consciência para que deixemos o pecado e façamos uma boa confissão. Sorriso de Maria é essa inspiração da graça para nossa santificação. Sorriso de Maria são as 112
misericórdias Divinas que Ela faz chover sobre nós, eternos réus da justiça Divina, sempre isentos do castigo pela proteção Materna Daquela que é o Refúgio dos pecadores! Ó Maria! Vós que sorristes ao inocente anjo do Carmelo, dai-me o Vosso sorriso de misericórdia. Sofro tanto e sou tão pecador!
14 DE MAIO STABAT MATER! Maria, ao pé da cruz, é a imagem mais perfeita do sofrimento heroico e resignado, é modelo de paciência, exemplo para nossa alma tão fraca e tão avessa à dor. “Stabat”, “De pé” – diz o Evangelho. Eis o lastimoso estado de Jesus Cristo moribundo, descrito por Nossa Senhora, nas revelações de Santa Brígida: “Estava – diz a Virgem – o meu querido Jesus pregado ao madeiro, saturado de tormentos e agonizante. Seus olhos encovados, semicerrados e sem brilho. Os lábios pendentes e a boca aberta. As faces, descarnadas e pregadas aos dentes. Triste o rosto. A cabeça pendia-lhe sobre o peito e os cabelos, negros de sangue já coagulado e sujo. O ventre unido aos rins, braços e pernas esticados e o corpo coalhado de sangue”. E todo esse martírio de Jesus se refletia em Maria. “Quem estivesse no Calvário – diz São João Crisóstomo – veria dois altares, onde se consumavam dois grandes sacrifícios; um era o corpo de Jesus, o outro o coração de Maria.” “Ou melhor – diz São Boaventura – só havia um altar, a cruz, onde a Mãe era sacrificada com o Cordeiro Divino.” O consolo das mães, na doença dos filhos, é poder ajudá-los, socorrê-los com todo o carinho e mil indústrias e remédios, até a morte. Ah! Que alívio Nossa Senhora podia dar a Jesus? Ouvia blasfêmia, insultos. Seu Divino Filho morre desolado, num oceano de dores! Dizei-me se poderá haver uma dor igual? E Maria a dar-nos o exemplo, heroica, firme, sempre de pé, “Stabat”!...
15 DE MAIO
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SAÚDE DOS ENFERMOS “Saúde dos enfermos” é o título consolador que a Igreja dá a Nossa Senhora. Não há miséria da criatura humana sem a misericórdia de Maria. “Não há quem se possa esconder aos raios benéficos da luz e calor do sol ardente do seio materno. “A doença – diz a Imitação – torna poucas pessoas melhores.” É que não se faz bom uso dessa graça. Um tempo precioso como esse não se deveria perder inutilmente. A resignação, a conformidade com a vontade de Deus, enriquecemnos de méritos num leito de dores. Entretanto, como somos fracos e impacientes! Nossa Senhora se compadeça de nós! Quando vier a doença, corramos logo a seus pés. Ela é mãe, e a mãe é a mais solícita e carinhosa das enfermeiras. Os santuários da Virgem, em todo o mundo, estão repletos de exvotos, atestando curas, milagres estupendos. Em Lourdes, a Saúde dos enfermos abre os tesouros da sua bondade. Haverá espetáculo mais comovedor do que o dessas multidões de padecentes a chorar e a bradar: “Saúde dos enfermos, rogai por nós, Jesus, filho de Davi, tende piedade de nós?” Não consta, nos Evangelhos, nenhuma cura operada por Nossa Senhora; estejamos certos, entretanto, de que nenhum daqueles estupendos milagres de Nosso Senhor se realizou sem a influência de um terno olhar de Maria. Jesus reservou a sua Mãe o poder de curar e consolar os enfermos através dos séculos, a fim de que todas as gerações, que a chamam “Bem-aventurada”, também a pudessem chamar “Saúde dos enfermos”.
16 DE MAIO DOCE CORAÇÃO DE MARIA, SEDE A NOSSA SALVAÇÃO Sempre me encheu de suave emoção e terna piedade esta popularíssima invocação, que tão repetidamente ouvimos ressoar, tanto nas catedrais, como nas modestas capelinhas das estradas: “Doce Coração de Maria, sede a nossa Salvação!” 114
Nesta vida tão fugaz, tão cheia de ilusões e desenganos, de amarguras e reveses, de flores de alegrias e venturas que, passando, deixam apenas duros espinhos; nesta vida tão triste, no exílio deste mundo – o coração de nossa Mãe do Céu é, ao mesmo tempo, nosso refúgio, nossa consolação e nossa alegria. “Doce Coração de Maria, sede a nossa Salvação!” Maria nos salvará. “O servo de Maria – disse São Bernardo – não pode perecer”. Invoquemos sempre a nossa Mãe do Céu. Não deixemos passar um só dia de nossa vida sem um obséquio, uma prática de piedade, ainda que uma simples “Ave-Maria”, em louvor à nossa Mãe do Céu. Tudo será, um dia, recompensado. Um piedoso exemplo: Uma tarde, “Mgr. Dupanloup”, o ilustre e santo bispo de Orleans, foi chamado para ministrar os últimos sacramentos a uma pobre tuberculosa. Ao vê-la martirizada de dores, num leito de miséria, conrrangeu-selhe o coração, do qual brotaram estas confortadoras palavras: “Tenha coragem, minha filha, coragem e confiança em Nossa Senhora! Ela não a abandonará!... Em resposta, disse- lhe, sorrindo, a moribunda, com uma expressão de doçura, calma e suave resignação: “Ah! meu prelado, estou conformada. Não tenho medo da morte. Há vinte e dois anos que recito o meu terço repetindo tantas vezes esta súplica: SANTA MARIA, MÃE DE DEUS, ROGAI POR NÓS PECADORES, AGORA E NA HORA DE NOSSA MORTE! Como posso, pois, duvidar de que me não ajude agora a Santíssima Virgem? Hei de morrer com Maria e Ela me há de levar ao Céu. Ó doce esperança! Seja-nos permitida a felicidade de assim nos acharmos em nossa hora extrema! DOCE CORAÇÃO DE MARIA, SEDE A NOSSA SALVAÇÃO!
17 DE MAIO AO DESPERTAR O primeiro pensamento que ordinariamente nos assalta, pela manhã, ao despertar, é, o que nos possa estar reservado, no correr do dia, de alegrias ou de trabalhos e cruzes. Quando o peso da vida se nos faz sentir quase esmagador,
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basta esse pensamento para nos amargurar o coração. Coragem, almas cristãs! Nosso Senhor não nos manda carregar a cruz de cada dia e segui-lo? “Tome a sua cruz de cada dia”, diz o Evangelho. Feliz o que a encontra logo ao despertar. Santa Teresinha experimentou, como nós, dias pesados e sombrios, manhãs sem sol e de tempestades. Ela nos vai ensinar como proceder em semelhantes dias. – Outrora, disse ela às suas noviças, quando ainda estava no mundo, costumava pensar, ao acordar, no que de triste ou de agradável me poderia acontecer durante o dia e, se algo triste pressentia, triste me levantava. Agora é tudo ao contrário: apenas me levanto, penso logo nas contrariedades e trabalhos que me esperam e fico cheia de alegria e de coragem, meditando nas venturosas ocasiões em que terei de dar provas do meu amor a Jesus, ganhando assim o pão de meus filhos, pois como tais considero todas as almas. Beijo, a seguir, o meu crucifixo, docemente o coloco sobre o travesseiro enquanto me visto, e lhe digo: Meu doce Jesus, quanto trabalhastes e chorastes durante os trinta e três anos de Vossa vida mortal! Pois bem, descansai agora. Toca-me a mim a vez de trabalhar e de sofrer!”4 Façamos também assim! Um olhar à Mãe do Céu e coragem!
18 DE MAIO CAUSA DA NOSSA ALEGRIA Alegremo-nos, sim, mas em Deus, como Nossa Senhora. “E me alegrei em Deus, meu Salvador”.5 O Apóstolo nos aconselha a alegria santa, no Senhor. É a alegria que nos vem da meditação da misericórdia Divina, do Céu que esperamos, das magníficas recompensas que Nosso Senhor reserva aos eleitos. É a única verdadeira alegria que podemos gozar neste vale de lágrimas em que vivemos. Afastemos de nós tanto a má tristeza quanto a alegria vã. “A má tristeza sucede à alegria vã”, diz o Espírito Santo.6 Quando nos sentirmos levados à tristeza acabrunhadora, que desespera e irrita, faz-nos desconfiados, desagradáveis ao
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próximo e a nós mesmos, lembremo-nos da santa alegria de Nossa Senhora em casa de sua prima Santa Isabel. Procuremos consolar-nos no Senhor. Confiantes, rezemos um terço, uma jaculatória à Mãe do Céu, e Ela nos sorrirá e encher-nosá de alegria o coração. Se ao contrário, uma alegria vã nos arrebata o peito e nos arrasta do recolhimento de espírito para as loucuras de mil fantasias perigosas, lembremo-nos de Maria ao pé da cruz. Fugiremos assim da má tristeza e da alegria vã. Nosso coração encher-se-á de paz, dessa doce paz que Nosso Senhor nos prometeu. Ó Virgem, sois, na verdade, causa de nossa alegria. Que seria de nós sem o vosso amparo no triste exílio deste mundo!
19 DE MAIO A ESPERANÇA DOS DESESPERADOS “É Maria Santíssima a esperança até dos desesperados” disse Santo Anselmo. Quem a Ela se entregou não se há de perder. Confiança! “O servo de Maria não pode perecer”, exclama São Bernardo. Nunca se ouviu dizer que quem recorreu à sua proteção fosse por Ela desamparado. O Pe. Hermann, célebre artista judeu, cuja conversão tanto abalou a Europa em meados do século passado, deixando o mundo, abraçou a Regra da Ordem dos Carmelitas descalços. Tinha um desgosto profundo vendo sua mãe fanática no judaísmo. Rezava muito por ela; jejuava, fazia penitência. Aos 13 de dezembro de 1855, morreu ela sem os sacramentos. O pobre filho, acabrunhado de dor, foi procurar o santo, Cura D’Ars. E este, que bem penetrava o segredo dos corações, lhe disse: “Tenha esperança. Receberá um dia, na Festa da Imaculada Conceição, uma carta que o há de consolar”. Passaram-se seis anos. E no dia 8 de dezembro de 1864, o Pe. Hermann, já esquecido do que disse o Cura D’Ars, recebe uma carta que o comove profundamente. Essa carta lhe dizia que pessoa piedosa, morta em odor de
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santidade, ousou interrogar a Nosso Senhor sobre a morte da mãe do Pe. Hermann e o Bom Mestre lhe revelou: “Não devo minha graça a ninguém, mas não falto às promessas que fiz sobre a oração. Toda oração que tem por objeto a glória de Deus e a salvação das almas, é ouvida, se é bem feita”. E acrescentou que a oração do Pe. Hermann, tão devoto de Nossa Senhora, foi ouvida. Sua mãe, ao morrer, alcançou miraculosamente a graça da conversão. Suas últimas palavras foram: “Ó Jesus, eu creio, espero em Vós, tende piedade de mim!” Ah! Não desesperemos da salvação de ninguém! Nem presunção, nem desespero! Onde acharmos devoção em Nossa Senhora, confiança, muita confiança! Nunca se perde o servo de Maria! Ninguém a invoca sem ser atendido. Ó Misericórdia de Maria!
20 DE MAIO ELA PERDEU MAIS! Quando sentimos o coração imerso num oceano de amarguras, cruentamente ferido pela saudade de um ente desaparecido, precisamos contemplar Nossa Senhora ao pé da cruz. É junto Dela, a consoladora dos aflitos, que encontraremos consolação. Uma senhora piedosa teve a desventura de perder um filho em pleno viço da mocidade. Era filho único, o raio de sol de sua existência. A pobre mãe ficou inconsolável. Quase em desespero, chorava desoladamente e definhava de amargura e cruéis saudades. Um artista genial, reproduzindo numa tela as feições do saudoso e chorado filho, e pintando noutra Nossa Senhora da Piedade, com Jesus nos braços, lívido, ensanguentado, morto, escreveu o seguinte sob a última: “Ela perdeu mais do que vós!” A vista do retrato do filho exacerbou naturalmente a dor da inconsolável mãe, mas, contemplando atentamente o outro quadro e meditando as palavras nele escritas, murmurou: “Sim, Ela perdeu mais do que eu”. E não se desesperou! Ergueu-se, cheia de coragem, enxugou as lágrimas e ofereceu a Nossa Senhora toda a imensa dor que a acabrunhava. Mães acabrunhadas de saudades, quando tiverdes o coração partido de dor pela 118
morte de um filho querido, contemplai Nossa Senhora das Dores ao pé da cruz. Ela perdeu mais do que vós e não se desesperou!
21 DE MAIO CONFIANÇA EM MARIA Estejamos confiantes, sempre confiantes, quando invocarmos a Maria. “Ó Virgem fidelíssima – diz Santo Efrém – não temos, nem podemos ter confiança senão em Vós. Se nos abandonardes, que será de nós?” E São Germano põe as seguintes palavras nos lábios de Nossa Senhora: “Eu sou o grande hospital para os enfermos do pecado. Sou a fonte perene da saúde, a ruína do demônio, cidade do refúgio para os que a mim recorrem. Chegai-vos, hauri em mim, com fé, toda abundância das graças”. Santo Ildefonso, outra voz autorizada, assim se dirige à Virgem: “A Divina Majestade resolveu confiar às tuas mãos, ó Maria, todas as graças que determinou conceder-nos”. Não é, pois, Maria a mediadora de todas as graças? Confiemos muito na sua proteção. Nas tristezas do exílio, desamparados das criaturas que nos desprezam, de nós se esquecem e nos ferem o coração, só Maria Santíssima, só Ela, Mãe carinhosa, não nos abandona! Confiança, confiança em Maria! “Por que recearmos – escreve São Bernardo – de nos aproximar de Maria? Somos fracos? Ela se mostra doce e suave aos mais pobres e miseráveis. A todos abre o seio de sua Misericórdia. Ao prisioneiro dá liberdade, ao doente, saúde, ao pecador, perdão, ao justo a graça. Ninguém se pode subtrair ao império da sua Misericórdia. Podemos desconfiar ainda, sem a ofender?” Oh! Hei de bradar sempre: “Maria! Maria! Confio em Vós!”
22 DE MAIO O MENINO DO SIM 119
Guido de Fontgallant é o modelo mais tocante para a nossa confiança e terno amor filial a Nossa Senhora. Aos 22 de maio fez a sua Primeira Comunhão. Jesus pediu-lhe um “sim” generoso e heroico, o sacrifício do seu ideal de sacerdócio e da vida. Na gruta de Lourdes, ouve o chamado de Nossa Senhora: “Meu querido Guido, eu te virei buscar logo. Será num sábado. Arrebatar-te-ei dos braços de tua mamãe para te levar direitinho ao Céu”. E a Virgem veio buscá-lo. Era um sábado, 24 de janeiro de 1925. “Que dia é hoje, mamãe? – pergunta o enfermozinho. – “É sábado, meu filhinho”. – “Oh, é sábado?! Então é hoje que vou morrer. É o dia de Nossa Senhora. Ela me vai tirar dos braços de mamãe”. A mãe desata a chorar. “Não chore, mamãe. Há de ser suave. Quando eu já não puder falar, diga a Jesus que O amo, que gosto muito Dele. Encoste-O aos meus lábios para que eu O beije”. Recebeu a Unção dos enfermos. Caiu em agonia. Depois, parecendo fitar uma visão, abre os bracinhos e murmura: “Jesus, eu Vos amo”. Em seguida, mais baixo: “Mamãe!” Essa “Mamãe” não era, por certo, a Condessa de Fontgallant, mas sim a Mamãe do Céu, que o anjinho contemplava no êxtase da agonia. Viveu essa criança num heroico martírio de sete anos, e sempre a murmurar aquele “sim” a Jesus. Na idade em que as crianças ainda não pensam nas coisas graves e eternas, já estava Guido familiarizado com o pensamento da morte e, a cada sacrifício oculto, pequenino, porém heroico, repetia a mais bela palavra que se pode dizer a Jesus: “Sim”. Que belo modelo de resignação e confiança! Ó Maria, fazei que o imitemos no sim e no amor que Vos dedicou!
23 DE MAIO DIREITO DE CONFIAR O Profeta Davi cantou ao Senhor: “Usarás de indulgência para com meu pecado, pois ele é grande”. Pois não deveria dizer ele o contrário?, observa um comentador das Escrituras. Se é grande o pecado, como há de ser isso motivo de perdão? Mas é que a Misericórdia se exercita e brilha tanto mais, quanto maior 120
for a miséria. A minha miséria me confere um direito, e direito sagrado: o de confiar na Misericórdia. E, ou uso deste direito e me salvo, ou desprezo-o e me condeno. Tem mais direito quem mais necessita. Entre vinte ou mais enfermos, qual deve ser o primeiro socorrido? O que mais sofre, qual deve merecer a minha esmola em primeiro lugar? O mais necessitado, o que está a morrer de fome. Aplico ao caso o exemplo. Sou pecador, enfermo, leproso de tantos e tão graves pecados? Tenho ainda mais direito à Misericórdia Daquela que é a Saúde dos enfermos, o Refúgio dos pecadores! Sou pobre, fiquei na miséria de um filho pródigo, reduzido às condições de um guardador de porcos, ou de um mendigo das estradas? Devo e tenho direito de confiar na Tesoureira das Graças. Ah! O que espanta ao pecador, isto é, a Justiça Divina, deve consolar-me, porque Deus é Justo, sim, mas é também Misericordioso e tem pena de nossa miséria. E a prova mais bela é que nos entregou à misericórdia, dando-nos o direito sagrado e inviolável de confiar em Maria.
24 DE MAIO AUXÍLIO DOS CRISTÃOS Em nossa fraqueza, na miséria desta vida, precisamos de poderoso auxílio para as lutas pela salvação eterna. O título confortador de “Auxílio dos Cristãos” nos enche de confiança. Na batalha de Lepanto, enquanto as hostes cristãs davam combate aos inimigos da cruz, Pio V suscita a Cristandade a orar e entregar a Nossa Senhora a causa da Igreja e da civilização. E a vitória foi brilhante. Mais duros são os combates de nossa alma, vítima dos assaltos de mil tentações, reveses e dores cruéis. “A nossa vida é um combate”, gemia o profeta Jó. E que combate difícil, renhido, sem tréguas! Há dias em que o desânimo parece invadir-nos! Coragem, alma cristã, Maria é nosso doce e poderoso Auxílio. Quando o soldado entrou na luta, recuar é covardia, tremer é arriscar-se mais ainda. Avante! No combate pela salvação de nossa alma, podemos ter a certeza da vitória, porque só se perde quem quer, só morre na luta quem não empregou as armas de segurança e eficácia que lhe estavam às mãos. Quem tem Maria Santíssima por Auxílio no combate, pode perecer? Não! Confiança, confiança! 121
Maria nos salvará! Todo o inferno, todo o furor de nossas loucas paixões, todos os inimigos de nossa pobre alma, nada poderão contra nós, se nos abrigarmos sob o cetro de Maria Auxiliadora!
25 DE MAIO AGORA E NA HORA DE NOSSA MORTE! A mãe não assiste indiferente à agonia de um filho. Nossa Senhora, a melhor e mais santa e perfeita das mães, há de ser indiferente para conosco nos últimos e terríveis momentos de nossa vida? São João de Deus, nas lutas de uma agonia dolorosa, queixou-se à Virgem Santíssima: “Ó minha Mãe, não Vos sinto ao meu lado para amparar-me!” – “Oh! meu filho, responde Maria, não é meu costume abandonar, em tal hora, os meus servos fiéis. Quem todos os dias repetiu na “Ave-Maria”: Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte, poderá morrer sem a proteção da Mãe de Deus?” Oh! Não! Tenhamos confiança! Se o pensamento da morte nos horroriza, se temos receio dos últimos combates da agonia, confiança em Nossa Senhora! Não seremos desamparados. O Menológio cistercense conta de um monge que, na hora da morte, cercado de seus irmãos, sorria feliz e tranquilo, enquanto os monges oravam junto ao leito de agonia, cheios de terror ao espetáculo da morte que iam contemplar. E, pensando na Eterna Justiça, que vê faltas e imperfeições até nos seus Anjos, pediram todos a misericórdia Divina para o agonizante. Admirado por ver sorrir o monge naquela hora tão grave e solene, pergunta-lhe um dos irmãos: “Que é isto, meu irmão? Nosso Padre São Bernardo, em igual momento extremo, tremia apavorado, e tu ris?” – “Ah! meu irmão, responde o moribundo, como não me hei de alegrar? Tenho aqui presente Nossa Senhora, que me dá força e vence o demônio”, E expirou com doce sorriso. Ó Maria, livrai-nos do inimigo e, na hora da morte, recebei-nos!
26 DE MAIO E EU TENHO MARIA! 122
Conta-se, na história do processo da beatificação de São Francisco de Sales, que em Chablais, um moço possesso havia mais de cinco anos, foi levado ao sepulcro do grande santo. Ali, submetido a um grande interrogatório, o demônio, furioso, uivava desesperado, e não deixava a sua pobre vítima. Então, a venerável Madre de Chaugy exclamou, com a sua proverbial e edificante piedade: “Ó Santa Mãe de Deus, rogai por nós! Maria, Mãe de Jesus, ajudai-nos!” Ouvido o nome de Maria, o espírito infernal uivou, gritou horrorosamente: “Maria... Maria... Ah! eu não tenho Maria... Não digas este nome, que me espanta e estremece! Ah! se eu tivesse Maria, uma Maria como tendes, não seria o que sou!... Mas eu não tenho Maria!” Os assistentes choravam. O demônio ainda exclamou: “Se tivesse um desses momentos tão numerosos que perdeis, e Maria, já não seria demônio!” E eu mil vezes feliz, embora neste exílio tão perigoso da vida, e nas trevas de mil sofrimentos, tenho Maria e tenho tempo para me salvar! Não sou feliz? Oh! Não haverá dor, nem desgraça, nem amargura neste mundo que me façam desgraçado, se me conservo fiel e devoto fervoroso da Mãe de Deus. Eu tenho Maria! Que consolação! Que ventura!
27 DE MAIO SOIS MINHA MÃE! Santa Teresinha, a encantadora florzinha do Carmelo, foi a missionária da confiança e do Amor Misericordioso. Na sua doce via da infância espiritual, vai conduzindo a Nosso Senhor legiões de almazinhas do seu Pequenino Caminho. Ela nos ensina a confiar em Maria, e eis como fala de Nossa Senhora: “Surpreendo-me, às vezes, a dizer à Santíssima Virgem – Ó minha Mãe querida, sabeis que me julgo mais feliz do que Vós? Eu Vos tenho por Mãe, e Vós não tendes uma Santíssima Virgem para amar! ...Verdade é que sois a Mãe de Jesus, mas Vós me destes Jesus e Ele, na cruz, Vos deu a nós como nossa Mãe. E por isso somos mais ricos do que Vós! Outrora, na Vossa humildade, queríeis ser a pequenina escrava da Mãe de Deus. E eu, pobre criaturinha, sou, não vossa escrava, mas vossa filha! Sois a Mãe de Jesus e sois minha Mãe!”7
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Sois minha Mãe! Que pensamento confortador! E quem tem mãe não perece, não sofre, ou, se chora, tem consolo, tem o seio materno, quente e amoroso, onde desabafar o coração. Nem sempre Deus nos conserva neste exílio da vida o coração de nossa mãe da terra. Quantos de nós têm no peito a ferida da saudade materna, ainda aberta e a sangrar. Mas, oh! Maria, sois a Mãe terna, Mãe cujo amor não desfalece, Mãe cujo coração é tão grande, tão belo, tão misericordioso e bom, que só no Céu o poderemos um dia saber. E sois minha Mãe! Sois minha Mãe! Que felicidade!
28 DE MAIO UM BRADO DE CONFIANÇA O seráfico doutor São Boaventura é incomparável quando fala do Amor Divino e de Nossa Senhora. É dele este brado de confiança. O pecador miserável e pobre jamais poderá desesperar da salvação, se, penetrado de sentimentos de confiança, repetir, cheio de confiança e amor, o que diz o santo: “Ainda que o Senhor me tivesse condenado, eu teria a certeza de que não recusaria a salvação a quem O ama e busca de coração. Eu O estreitaria em meus braços, cheio de amor, e enquanto não me abençoasse, não O deixaria. Se se retirasse, teria de levar-me consigo. Se outra coisa não pudesse fazer, esconder-me-ia nas suas Chagas e, nesse Asilo Sagrado, Ele não se há de separar de mim. Enfim, se o meu Redentor, por causa de meus pecados, atirasse-me longe de Si, lançar-me-ia aos pés de Sua Mãe e, prostrado, não me levantaria enquanto Ela não me obtivesse o perdão. Pois essa Mãe de Misericórdia não pode ser insensível às misérias de seus filhos, nem recusará atender aos infelizes que a Ela recorrem. E, se não por obrigação, ao menos por compaixão, Ela não deixaria de fazer violência ao Coração de Jesus para que me perdoe”. Que brado de confiança! É a linguagem autorizada de um teólogo e doutor da Igreja. Assim se exprimem São Pedro Damião, Santo Anselmo e, mil vezes, Santo Afonso, o apóstolo da confiança em Maria! Ó Maria, perpétuo socorro de minha perpétua miséria, tenho confiança em Vós!
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29 DE MAIO O CRUCIFIXO Santa Maria Madalena de Pazzi sofria horrorosamente numa enfermidade cruel. As dores atrozes não a deixavam um só instante. E ela, calma e sorridente. – “Donde vos vem tanta força para suportardes tantos sofrimentos sem uma queixa? – perguntam-lhe. “Vede, responde a santa, mostrando um crucifixo na parede, – vede o que o Amor infinito de Deus fez pela minha salvação. Isto é que me sustenta!” O crucifixo é um bom companheiro e melhor dos mestres no sofrimento. Muito se aprende no Calvário. São Tomás de Aquino perguntou a São Boaventura onde ia buscar os tesouros de doutrina que difundia em seus escritos. E São Boaventura mostrou-lhe o crucifixo. Outro santo e doutor, Afonso de Ligório, nos instantes de agonia, abraçava e beijava amorosamente o crucifixo. “Oh! – Exclamava ele, como é bom morrer abraçado à cruz!” Tenhamos o hábito piedoso de trazer conosco um crucifixo e contemplar e meditar as Chagas Divinas, ouvindo as lições da cruz. Na cruz, a paz e a salvação! São Francisco Xavier teve notícia, nas índias, de que um vulcão enorme em erupção ameaçava o povo das missões. – “Levem a cruz ao vulcão”, ordena o santo. Assim fizeram. Apagaram-se maravilhosamente as chamas. Extinguiu-se o vulcão. No vulcão de nossa alma, agitada pelas paixões e pela revolta contra a dor, lancemos o Crucifixo. Ele tudo acalma! Ele nos salvará!
30 DE MAIO PERPÉTUO SOCORRO DE PERPÉTUA MISÉRIA A Santa Igreja nos ensina em sua Liturgia da Missa, na festa de Maria Auxiliadora, 24 de maio, que Deus constituiu na Bem-aventurada Virgem Maria 125
“um perpétuo socorro para defesa do povo cristão”. Por que profetizara a Virgem que todas as gerações haviam de chamá-la Bem-aventurada? Porque seria Ela, para todas as gerações, um perpétuo socorro. O título de “Perpétuo Socorro” inspira confiança. Nossa Senhora, no quadro miraculoso de Roma, quis mostrar ao povo cristão que é sempre Mãe solícita e carinhosa. Perpétuo socorro de nossa perpétua miséria! Pelos meados do século XV, um negociante piedoso embarca na ilha de Creta para a Itália. Leva consigo um tesouro precioso, belo quadro de Nossa Senhora. Em pleno mar se desencadeia horrorosa tempestade. Já desesperada, a tripulação, a convite do piedoso negociante, prostra-se diante da imagem da Virgem. Rapidamente cessa o furor das ondas e o Céu torna-se claro e sereno. O quadro miraculoso foi a Roma e, por ordem da Virgem, exposto e venerado na Igreja de São Mateus, faz milagres, confirmando o título que trazia de “Perpétuo Socorro”. Afinal, depois de longo esquecimento, veio a imagem miraculosa aos filhos de Santo Afonso. Em 26 de abril de 1866, foi levada em triunfo para a Igreja de Santo Afonso, em Roma, onde é venerada até hoje. “Nossa Senhora do Perpétuo Socorro” é um título de Maria que enche o coração e o faz transbordar de confiança. Ó Maria, na enfermidade, nas aflições, na dor e na tristeza, nas provas e reveses, na vida e na morte, vinde, vinde em meu socorro, ó Mãe carinhosa!
31 DE MAIO ONIPOTÊNCIA SUPLICANTE “Maria, diz São Bernardo, é a Onipotência Suplicante.” “Virgem Poderosa”, chama-a a Igreja nas Ladainhas Lauretanas. Por quê? Responde-nos o Anjo da Anunciação: “Porque achaste graça junto de Deus”. E a graça que Maria recebeu foi com tal abundância, para nos socorrer, que não há favor nem misericórdia que não nos possa obter. É a Tesoureira das Graças. Nenhuma graça nos vem do Céu sem que passe pelas suas mãos. Mãos abençoadas e carinhosas de Maria, como sois belas, na imagem da Vossa aparição à Santa Catarina Labouré! Mãos abertas, distribuindo graças sobre a terra, iluminando as trevas deste mundo! E o que consola é que a “Onipotência Suplicante” é nossa Mãe! Ó Maria, quando 126
nossa cabeça atormentada, dolorida e cansada de sofrer no exílio, quiser um repouso, um alívio, deixai-nos repousá-la no Vosso seio materno, doce e carinhoso abrigo. “Virgem Santíssima, repitamos, na bela prece do Pe. Perreyve, nos vossos dias gloriosos, não Vos esqueçais das tristezas da terra. Lançai um olhar de bondade sobre os que sofrem, lutam contra as dificuldades e não cessam de temperar seus lábios nas amarguras da vida. Mãe, tende piedade dos que se amam e estão separados! Piedade do isolamento do coração! Piedade da fraqueza de nossa fé! Piedade dos objetos de nossa ternura! Piedade dos que choram, dos que rezam, dos que tremem! Dai a todos a esperança e a paz! Assim seja!”
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1 - História de uma alma, c. IV e Imitação - I - III - XXVI - 3. 2 - Uma estátua de Nossa Senhora das Graças, que Teresa tinha à cabeçeira. 3 - História de uma alma - c.III. 4 - “Conseils et Souvenirs”. 5 - São Lucas 1,47. 6 - Provérbios, 14,13. 7 - Sainte Therèse de L’ Enfant Jesus. Vie - Lettres 13.e à Céline.
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1 DE JUNHO VINDE A MIM! Um dia, Nosso Senhor, cheio de ternura e de compaixão pelos sofrimentos que nos acabrunham, abriu seus braços, num gesto de amor, e exclamou: “Vinde a mim, vós que sofreis e estais sobrecarregados, e Eu vos aliviarei”.1 Que bondade do coração de Jesus! Quer consolar-nos a aliviar-nos das amarguras da vida. E são tantas! Que nos há de consolar neste mundo? “Os homens diz Jó – são consoladores importunos. Só Nosso Senhor, só Ele, Bondade Infinita, Abismo insondável de misericórdia, pode aliviar-nos do peso quase insuportável dos sofrimentos da vida!” Nas nossas aflições, vamos ao Sacrário. Acharemos ali o coração misericordioso de Jesus, tão amável e tão amante, à nossa espera, para nos aliviar. É o mesmo Jesus que outrora enxugou, na Judeia, as lágrimas de dor e saudades da viúva de Naim, e de Jairo, e das irmãs de Lázaro; Jesus, que consolou e perdoou a Madalena; que ouviu as queixas e gemidos dos enfermos, dos leprosos e dos miseráveis que O seguiam à beira das estradas; Jesus do Evangelho, o Filho de Maria, real e verdadeiramente presente como está no Céu. Não estamos acostumados a ouvir falar na presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo no Sacrário e no Altar? Ah! Se tivéssemos fé, ó doce Jesus, sofreríamos muito menos. Só o pensamento da Vossa presença real no Sacrário a nos dizer – “vinde a Mim!” – só isto nos consolaria de todos os sofrimentos e penas desta vida!
2 DE JUNHO QUERO, SÊ LIMPO! “E aconteceu que, estando em uma daquelas cidades, eis que um homem, cheio de lepra, vendo a Jesus, veio para Ele e, lançando-se com o rosto em terra, adorava-O suplicando-Lhe, e posto de joelhos, rogou-Lhe, dizendo: Senhor, se queres, bem me podes limpar. Jesus, compadecido dele, estendeu a sua Mão e, 129
tocando-o disse: Quero, sê limpo. E, tendo dito isso, desapareceu dele a lepra e ficou limpo.”2 Todos nós temos a lepra do pecado e somos manchados. Somos, talvez, mais hediondos aos olhos dos Anjos do que os mais chagados leprosos. Que fazer? Como o infeliz do Evangelho, procuremos a Jesus. Achá-Lo-emos sempre misericordioso e terno, compassivo e bom. Digamos-Lhe então, adorando-O no Sacrário: Senhor, queres curar-me? Depois, uma boa confissão, um ato de confiança, e Jesus estenderá sobre nós a sua Mão Divina e benfazeja, e nos tocará, dizendo: “Quero, meu filho, sê limpo”. Não é preciso mais do que um pouco de humildade e muita confiança, com firmeza e propósito. Vede o leproso. Prostra-se humildemente aos pés do Mestre, com o rosto em terra, suplica e faz um ato de fé. “Senhor, diz ele, confiante no poder de Jesus, se queres, podes limpar-me”. Jesus, meu doce Jesus, sou também leproso, curai-me. Podeis limpar-me. Dizeime, como ao Lázaro do Evangelho, a vossa palavra de misericórdia: “Quero, sê limpo!”
3 DE JUNHO POR QUE TEMEIS? “E, subindo Ele para um barca, seguiram-na seus discípulos. E logo sobreveio um grande movimento do mar, de tal sorte que a barca se cobria de ondas; mas Ele dormia. Então se chegaram a Ele os seus discípulos e O acordaram, dizendo: Senhor, salva-nos, perecemos! E Jesus lhes disse: Por que temeis, homens de pouca fé? E levantando-se, mandou aos ventos e ao mar, e seguiu-se uma grande tranquilidade.”3 Nossa vida é toda cheia de tempestades. A frágil barquinha de nossa existência se vê, quase todos os dias, nas agitações das ondas de amarguras, contradições, lutas, reveses, ingratidões, e parece naufragar de dor e desespero. Não temos bastante fé! Tinha razão Nosso Senhor quando increpava aos discípulos: “homens de pouca fé”. Jesus, Deus, Senhor dos mares e das tempestades, não 130
estava com eles? Por que temer? Recebemos Nosso Senhor tantas vezes na Comunhão! Pela graça, vive Ele conosco, sabemo-lo pela fé. E aí vêm as ondas agitadas de tentações horrorosas. E o mar de nossa vida espiritual é um caos tenebroso. Agita-o violenta tempestade! Escuridão profunda, trevas espessas! E Jesus dorme! Rezamos, pedimos, choramos. E Ele dorme! Ah! Confiança, alma cristã! Não há perigo! Ele se levantará antes do naufrágio e nos dirá: “Por que temeis?” E há de seguir-se uma grande tranquilidade!...
4 DE JUNHO TEM CONFIANÇA, FILHO... “Eis que vieram ter com Ele uns homens, trazendo no leito um homem que era paralítico, o qual era introduzido por quatro homens e procuravam introduzi-lo e pô-lo diante Dele. E, como não pudessem apresentá-lo, não achando por onde o passar por causa de muita gente, subiram sobre o telhado e descobriram o telhado da casa onde estava; e, tendo feito uma abertura pelas telhas, arriaram o leito em que o paralítico jazia, pondo-o no meio da casa, diante de Jesus. E, vendo Jesus a sua fé, disse ao paralítico: – tem confiança, filho; homem, os teus pecados te são perdoados.”4 Que confiança a do paralítico! Levado caridosamente por quatro homens, sujeita-se a todo sacrifício para chegar à presença de Jesus. E é conduzido no próprio leito em que jazia, talvez há muitos anos. Atravessa a multidão, sobe ao telhado e chega até Nosso Senhor. Que bons amigos os quatro homens que o conduziram! Quando a paralisia do pecado, da tibieza, dos maus hábitos nos impedir os passos no caminho da salvação, aceitemos os bons amigos que nos levem ao Médico Divino. São eles as boas leituras, o confessor, os sofrimentos, a doença, os golpes da vida. Esses amigos nos farão subir pela confiança, descobrirão o telhado de nosso pobre coração, fechado pelo egoísmo, e nos farão descer pela humildade, talvez pelas humilhações, até a presença tão doce de Jesus. Ouviremos, então, a palavra que nos há de encher o coração: “Tem confiança, filho, teus pecados te são perdoados”. 131
5 DE JUNHO NÃO VIM PARA CHAMAR OS JUSTOS, MAS OS PECADORES “Vendo, porém, os fariseus e os escribas, que comiam com os publicanos e pecadores, murmuraram, dizendo aos discípulos de Jesus: Por que razão comeis vós e bebeis com os publicanos e pecadores? Por que razão vosso Mestre come e bebe com os publicanos e pecadores? Ouvindo isto, Jesus, respondendo-lhes, disse: Não têm os sãos necessidade de médico, mas sim os que estão enfermos. Ide-vos, pois, e aprendei o que quer dizer: Misericórdia quero e não sacrifício, porque não vim chamar os justos, mas os pecadores, à penitência.”5 Vede a misericórdia do Coração de Jesus! Come e bebe com os publicanos e pecadores, procura-os como o faz o Bom Pastor à ovelha desgarrada, e o Pai, ao Filho pródigo! E, quando os fariseus murmuram, responde: “Não têm os sãos necessidade de médico, mas sim os que estão enfermos. Vim chamar os pecadores à penitência”. Por que ter medo de Nosso Senhor e tratá-Lo como um Juiz severo e duro, que só castiga? Oh! A Misericórdia do Coração de Jesus não é bem conhecida! Há o temor de Deus, que é o princípio da sabedoria, na expressão da Escritura, e o medo de Deus. Este é injusto e seca a fonte da Misericórdia. Medo de um Pai, de um Amigo, de um Irmão! Nosso Senhor se queixou a Santa Margarida e a Soror Benigna de que os homens o tratam como carrasco e desconhecem o seu Coração! “O que mais ofende a Jesus, disse Santa Teresinha, e O fere no coração, é a falta de confiança. Não desconfiemos jamais da Misericórdia de Jesus!
6 DE JUNHO QUERES FICAR SÃO? “Ora, há em Jerusalém uma piscina probática, que, em hebreu, chama-se Betsaida, a qual tem cinco alpendres. Ora, estava aí um homem que havia trinta e 132
oito anos se achava enfermo. A este, vendo-o Jesus deitado e sabendo que já de há muito tempo estava enfermo lhe disse: Quereis ficar são? Respondeu-Lhe o enfermo: Senhor, não tenho ninguém que me lance na piscina quando a água estiver revolta, porque, enquanto vou, outro entra antes de mim. Disse-lhe Jesus: Levanta-te, toma o teu leito e anda.”6 Havia trinta e oito anos que o enfermo esperava à beira da piscina probática. E não desanimou! Viu tantos que dali saíram curados e esperava... Veio um dia Nosso Senhor e com duas palavras o levantou curado: “Levanta-te, toma o teu leito e anda!” Tem confiança, pobre alma. Há muitos anos talvez, que estás enferma de pecados e defeitos, imperfeições e misérias. Espera, persevera, até que venha a hora de Jesus, até que soe a hora da Misericórdia. Luta, sofre, humilha-te! Quando Jesus vier, há de se compadecer de tua miséria e Lhe dirás, talvez, que te falta um homem, um Diretor espiritual, alguém que te dirija nos caminhos do Céu, da perfeição, que te lance na piscina do Amor Divino, onde se purificam as almas. E Jesus te dirá: “Queres ficar sã?” E a tua alma sentirá, num instante, o efeito da graça, que cura e salva, e desse Amor que abrasa e faz correr nas vias da salvação.
7 DE JUNHO EU IREI E O CURAREI “Ora, estava ali muito mal, quase a morrer, o criado de um centurião, que muito o estimava. Tendo ouvido falar de Jesus, enviou-lhe uns anciãos dos judeus, rogando-Lhe que viesse curar o seu criado, dizendo: Senhor, um meu criado jaz em casa paralítico e é fortemente atormentado. Mas eles, havendo chegado a Jesus, Lhe rogavam insistentemente, dizendo-Lhe: É digno de que lhe faças este favor, porque ama a nossa nação e ele mesmo edificou uma sinagoga. E Jesus disse: Eu irei e o curarei.”7 Mal acabaram os anciãos de falar e Jesus foi logo dizendo: “Eu irei e o curarei”. Que desejo de fazer o bem, de curar e de salvar tem o Coração de Jesus! E vai sem demora à casa do Centurião. Este veio prestar-se humildemente aos pés do 133
Senhor, exclamando: Eu não sou digno de que entreis em minha casa. “Uma palavra e meu criado estará salvo!” E Jesus, para recompensar tanta confiança, diz a palavra que salva e cura. Humildade e confiança foram as virtudes da súplica do centurião. E foi ele sem demora atendido e louvado por Nosso Senhor. Sim, Jesus tem pressa de nos curar do pecado. E Ele diz aos santos Anjos que pedem nossa salvação: “Eu irei e o curarei”. Mas, quando Deus vem, quer encontrar-nos humildes e confiantes, depois de nossos sinceros esforços. E uma palavra Sua há de curar este criado, há tantos anos enfermo: o nosso pobre coração!
8 DE JUNHO NÃO CHORES! “Aconteceu que ia depois para uma cidade chamada Naim e iam com ele os seus discípulos e uma grande multidão de povo. E, chegando perto da porta da cidade, eis que era levado um defunto, filho único de sua mãe, e esta era viúva, e vinha com ela muita gente da cidade. Logo que o Senhor a viu, movido de compaixão para com ela, disse-lhe: Não chores. E aproximou-se e tocou o esquife (pararam logo os que o levavam) e lhe disse: Moço, eu te ordeno, levanta-te. Então se assentou o que estava morto e começou a falar, e Jesus o entregou à sua mãe.”8 Nosso Senhor, que, no Sermão da Montanha, diz: “Bem-aventurados os que choram”, pede à viúva de Naim que não chore: “Não chores!” Bem-aventurados os que choram seus pecados. Essas lágrimas de arrependimento e amor redimem, purificam nosso coração e nos enchem de felicidade e de paz. Mas ai! Como são amargas as lágrimas de uma piedosa mãe que chora a morte espiritual de um filho transviado, no vício e no pecado, e já o vê caminhando para a sepultura da eterna perdição! Pobre mãe, tem confiança! Ainda que vejas teu filho perdido, em estado desesperador, endurecido no vício, cadáver sem a vida cristã da graça, confia, espera! Jesus há de passar logo, e tuas lágrimas, assim como tuas orações, não serão perdidas. Ele te há de consolar como à viúva de Naim, ressuscitando teu filho, pela conversão, para uma vida melhor. Não te lembras de Santa Mônica? Chorou quase vinte anos por Agostinho! Ah! Não 134
chores! Tem confiança!
9 DE JUNHO VAI EM PAZ ....”Pelo que digo a ti: muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas, a quem menos perdoa, menos ama. E os que estavam junto à mesa começaram a dizer consigo mesmo: Quem é este que também perdoa pecados? E disse à mulher: A tua fé te salvou. Vai em paz.”9 A desordem de Madalena foi ter amado loucamente as criaturas, e a salvação da pecadora foi ter amado, e muito, a Nosso Senhor. Este amor de Madalena era o amor confiante, penitente, que atrai o Amor misericordioso. As almas grandes no pecado costumam também ser grandes no Amor Divino. Vede Agostinho, Margarida de Cortona, Maria Egipcíaca. Que almas seráficas! O amor das criaturas, que mancha e perde, transforma-se, purifica e salva, quando voltado para o Criador. Eis porque Nosso Senhor assim pode falar de Madalena: “Muitos pecados lhe são perdoados porque muito amou”. Tua alma está coberta de iniquidades, de crimes, de pecados vergonhosos? Ah! Não tenhas receio!... Corre depressa a Jesus e pede-Lhe perdão, como fez Madalena, num gesto de confiança e de amor penitente. E serás perdoado! O amor e a confiança ressuscitam as almas que buscam o Salvador com todas as forças. É só isto que pede o Coração misericordioso de Jesus. Amor e confiança! – dizia uma alma arrependida. O resto... não existe para mim!10
10 DE JUNHO TEM CONFIANÇA, VAI EM PAZ E FICA SÃ “E disse Jesus: Alguém me tocou, porque conheci que uma virtude saíra de mim. E olhava em roda para ver aquela que isto havia feito. Porém a mulher, vendo que não esteve oculta, temendo e tremendo, bem certa do que lhe tinha
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acontecido, veio e se prostrou diante Dele e Lhe disse toda a verdade e declarou diante de todo povo por que causa O tocara e de que modo ficara logo curada. Então, vendo-a, disse-lhe: Tem confiança, filha, a tua fé te salvou, vai em paz e fica sã de tua enfermidade. E ficou sã a mulher desde aquela hora.”11 “Temendo e tremendo”, diz o Evangelho, a pobre mulher se aproximou de Jesus e declarou por que O tocara. E, vendo-a assim, naquele temor, como se tivesse faltado ao respeito devido ao Mestre, Jesus lhe disse: “Tem confiança”. Nosso Senhor não quer que O tratemos cheios de medo, de escrúpulos, de receios e desconfianças, como certas almas tímidas, acanhadas demais, por uma doutrina de fundo jansenista, que, infelizmente, ainda se vê, hoje, bem propagada. Ele nos repete, como à pobre enferma do Evangelho, quando O tocamos, e tão de perto, na Eucaristia: “Tem confiança. Tua fé te salvou”. E nossos pecados? E a enfermidade de nossos vícios? “Vai em paz e fica sã de tua enfermidade”, repete Jesus à nossa alma, sempre enferma, sempre cheia de misérias. Aproximemonos de Jesus, não temendo nem tremendo, mas amando e confiando...
11 DE JUNHO NÃO ESTÁ MORTA, MAS DORME! “Falando-lhe ainda, veio um príncipe da sinagoga, dizendo-lhe: Morreu a tua filha, para que afadigas mais o Mestre? Não queiras incomodá-lO. Mas Jesus, tendo ouvido o que diziam, disse ao príncipe da sinagoga, ao pai da menina: Não temas; crê somente e será salva. E não consentiu que alguém O seguisse senão Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago. Chegando, pois, à casa do príncipe da sinagoga, vê os tocadores de flauta e uma turba de povo fazendo barulho, e todos chorando e fazendo grandes prantos. Havendo, pois, entrado, disse-lhes: Para que vos turbais e estais chorando? Não choreis, retirai-vos, porque não está morta a menina, mas dorme.”12 “Morreu, diziam, para que afadigas mais o Mestre?” Assim nos fala o demônio do Desespero, quando pecamos. “Morreu a tua alma! Está perdida e condenada... Para que ainda procuras e afadigas a Jesus com tuas orações?” Não demos 136
ouvidos a mais terrível das tentações, a desconfiança da misericórdia Divina. Pecamos! Morreu a nossa pobre alma! Como Jairo, o piedoso príncipe da sinagoga, vamos a Jesus. Ninguém nos tire a convicção de que nossa alma ressuscitará pela graça. Jesus dirá ao nosso coração, que chora, arrependido: “Por que vos turbais e estais chorando? Não está morta, mas dorme”. E despertará do sono do pecado, isto é, da morte, a nossa pobre alma.
12 DE JUNHO TENDE CONFIANÇA, SOU EU, NÃO TEMAIS “Mas eles tanto que viram a Jesus, que, andando sobre o mar se aproxima da barca, pensaram que era um fantasma, turbaram-se e temeram, dizendo: É um fantasma! E possuídos de medo, gritaram, porque todos O viram e conturbaramse. Mas logo Jesus lhes falou dizendo: Tende confiança, sou Eu, não temais.”13 “É um fantasma!” gritaram, apavorados e a tremer, os apóstolos, nas trevas do mar, quando Jesus se aproximava, caminhando sobre as ondas. Os escrúpulos, o medo da Justiça Divina lançam algumas almas num estado horrível de perturbação. Jesus delas se aproxima, quer socorrê-las, vem sobre as ondas agitadas de mil provações e reveses e, vendo-O, não O reconhecem. Gritam, porque não reconhecem o Coração de Jesus! Percebem apenas esse Jesus fantasma, desfigurado pelo Jansenismo, e gritam, perturbam-se e tremem num oceano escuro de mil dúvidas e tentações, de desespero e desconfiança. E Nosso Senhor, misericordioso, aproxima-se. E que consolação quando O reconhecem e ouvem a Sua voz: “Tende confiança, sou Eu, não temais”. Guardemos as palavras de Jesus no coração. “Tende confiança! Por que desesperar? Sou Eu”. E com Jesus quem perece? “Não temais”. Medo de um Amigo, de um Pai onipotente e misericordioso?!...
13 DE JUNHO NEM EU TE CONDENAREI 137
“Mas Jesus, abaixando-se, escrevia com o dedo em terra. E, como continuassem a interrogá-lO, ergue-se e lhes disse: Aquele de vós que está sem pecado atire-lhe a primeira pedra. E, inclinando-se de novo, continuava a escrever em terra. Eles então, ouvindo isto, saíam, um após outro, começando pelos mais velhos e ficou só Jesus e a mulher que estava no meio. Erguendo-se, pois, Jesus disse-lhe: Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condena? Ninguém, Senhor, respondeu ela. Nem eu te condenarei, disse-lhe então Jesus; vai e não peques mais.”14 Saíram todos os que acusavam a pobre pecadora e a queriam apedrejar. Só ficaram Jesus, diz o Evangelho, e a mulher que estava no meio. A miséria diante da Misericórdia! E Jesus não a repreende, nem lhe diz palavra sobre o pecado cometido. Pergunta, com infinita doçura: “Ninguém te condenou?” – “Ninguém, Senhor, responde a pecadora. “Nem Eu te condenarei! Vai em paz e não queiras mais pecar!” Notai como Jesus trata os pecadores e nunca desespereis do perdão. Zaqueu, a adúltera, a Samaritana, o Bom Ladrão e Madalena experimentaram os efeitos da Infinita Misericórdia do Coração de Jesus. E ainda tremeis e desconfiais do perdão? Ah! Jesus, dizei à minha alma arrependida a palavra de misericórdia e de perdão: “Nem Eu te condenarei!” E não hei de pecar mais, ajudado pela Vossa graça onipotente!
14 DE JUNHO EU SOU O BOM PASTOR “Eu sou o Bom Pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas; porém, o mercenário, o que não é pastor, de quem as ovelhas não são próprias, quando vê vir o lobo, deixa as ovelhas e foge, e o lobo arrebata e dispersa as ovelhas. Mas o mercenário foge, porque é mercenário e não lhe importam as ovelhas. Eu sou o Bom Pastor e conheço as minhas ovelhas, e as minhas ovelhas me conhecem, assim como o Pai Me conhece e Eu conheço a Meu Pai, e Eu dou a Minha vida pelas minhas ovelhas.”15 138
“Eu sou o Bom Pastor”, diz Jesus, com infinita doçura. Tão bom que não só vigia, mas conhece e ama as suas ovelhas. Dá por elas a vida. Alimenta-as com a Sua própria substância, no Sacramento do Altar. A mais tocante de todas as imagens, em que Jesus se apresenta para arrebatar o nosso coração e nos encher de confiança é, sem dúvida, a do Bom Pastor. “Conheço as minhas ovelhas, diz Ele, e as minhas ovelhas me conhecem”. Esse conhecimento mútuo entre pastor e ovelhas se dá na confiança, no abandono e no amor. O lobo rodeia o aprisco, voraz espreitando as ovelhinhas. Mas o Bom Pastor vigia e não teme. As tentações do demônio, alma cristã, perseguem-vos, e o Inferno emprega, desesperado, todos os esforços para vos arrebatar do rebanho do Bom Pastor, do Aprisco do Coração de Jesus! Não tenhais medo! O Bom Pastor vigia e o lobo não vos há de arrebatar. Mas é necessário ficar no Aprisco de Jesus e dentro dos muros da confiança que o cercam e vos livram do perigo.
15 DE JUNHO O FILHO DO HOMEM NÃO VEIO PARA PERDER AS ALMAS “Enviou diante de Si mensageiros, que, caminhando, entraram numa cidade dos samaritanos para Lhe preparar pousada. E não O receberam, por ter aparência de que ia para Jerusalém. Vendo isto, Seus discípulos Tiago e João disseram: Senhor, queres que digamos que desça fogo do Céu e os consuma? Porém, voltando-se para eles, repreendeu-os dizendo: Não sabeis de que espírito sois! O Filho do homem não veio para perder as almas, mas para salvá-las”.16 Jesus, diz o Evangelho, voltando-se para os discípulos que pediam fogo e castigos para a cidade, repreendeu-os: “Não sabeis de que espírito sois?” É que o espírito de doçura, perdão e misericórdia, caracteriza a doutrina de Nosso Senhor, em seu Evangelho. “Não veio o Filho do homem para perder as almas, mas para salvá-las”. Fogem do espírito evangélico o rigor e dureza com que alguns cristãos tratam o próximo sob pretexto de combater pela fé, e chamar a vingança Divina sobre o pecado. Fazem de Deus um Deus vingativo e terrível.
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Assustam as pobres almas e irritam ainda mais os inimigos de Nosso Senhor e da Igreja. Ah! Não conhecem o espírito do Evangelho esses apóstolos imprudentes, irritadiços e intolerantes. Tenhamos paciência e doçura com os pecadores, como Jesus tem paciência e misericórdia conosco. Para longe de nós esse zelo amargo. Havemos então de perder as almas que o Filho do homem veio salvar?
16 DE JUNHO VENDO-O, O SAMARITANO MOVEU-SE DE COMPAIXÃO “Um homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de ladrões que o despojaram; e, depois de o haverem ferido, retiraram-se deixando-o semimorto. Sucedeu, porém que passasse pelo mesmo caminho um sacerdote, que, depois de o ver, passou adiante. Passou igualmente, de largo, depois de o ver, um levita, que se achava perto. Mas um samaritano, que seguia seu caminho chegou junto dele e, vendo-o moveu-se de compaixão.”17 O nosso Bom Samaritano é Jesus. Feridos pelo pecado, despojados de toda riqueza da graça, fomos atirados à beira da estrada deste mundo. Nem o sacerdote, nem o levita que passaram nos socorreram. Passaram de longe. Sim, porque há sacerdotes e levitas que não nos falam da Misericórdia Divina, dos tesouros infinitos do Coração de Jesus. Passam de longe e nos deixam a gemer com as feridas do pecado, do medo e dos escrúpulos, sempre doloridos e a sangrar. Há de vir, porém, Jesus, o Bom Samaritano, numa inspiração da graça, numa boa leitura, numa meditação e, melhor ainda, num bom sacerdote e confessor experimentado nos segredos do Amor misericordioso. E nossas feridas serão ungidas com o óleo da confiança. E seremos levados à Hospedaria do Amor, porque passou Jesus, Bom Samaritano de nossas almas, que, vendo-nos, chegou-se junto a nós e moveu-se de compaixão.
17 DE JUNHO ACHEI A MINHA OVELHA 140
“Qual de vós o homem que tendo cem ovelhas, se perder uma delas, porventura não deixa as noventa e nove no deserto e não vai em busca da que tinha perdido até que a encontre? E quando a tiver encontrado a põe sobre os ombros, cheio de gosto, e, vindo para casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: congratulai-vos comigo, porque achei a minha ovelha que se tinha perdido?”18 Quanto faz o bom pastor pela ovelha perdida! Sai a procurá-la, deixando noventa e nove no deserto. Quando sentirdes, almas santas e amorosas, o coração num deserto de aridez cruciante, não vos perturbeis. Jesus, o Bom Pastor, saiu à procura das ovelhinhas perdidas, os pecadores, e vos deixou no deserto. Regozijai-vos com isso e sofrei com paciência a vossa provação pelo bem dos pecadores. Depois o Bom Pastor encontra a sua ovelhinha. Não a maltrata porque fugiu do rebanho. Alegra-se porque a achou e a põe sobre os ombros, cheio de gosto, di-lo o Evangelho. Que misericórdia! Quando o pecador se converte, sente uma doçura inexprimível, chora de felicidade, experimenta uma paz suave e confortadora. É o delicioso repouso nos ombros do Bom Pastor. Não é assim, pecador arrependido, não é assim que Nosso Senhor vos trata? Que festa no Céu quando Jesus convoca os santos e anjos, seus amigos e vizinhos, e lhes diz: “Congratulai-vos comigo, porque achei a minha ovelha que tinha perdido, o meu pecador querido, aquela pobre alma que salvei da condenação eterna!” Jesus, Bom Pastor, meu coração não pode mais resistir às ternuras do Vosso Amor misericordioso!...
18 DE JUNHO “TEU IRMÃO HÁ DE RESSUSCITAR” “Ora, Marta, tanto que ouviu que vinha Jesus saiu a recebê-lO. Maria, porém, ficara sentada em casa. Disse então Marta a Jesus: Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido; mas também agora sei que tudo o que pedires a Deus, Deus te concederá. Respondeu-lhe Jesus: Teu irmão há de ressuscitar.”19 Por que Maria fica sentada em casa, no dizer do Evangelista e Marta sai, aflita, ao 141
encontro de Jesus e lhe expõe a razão por que chora, por que sofre? Maria é o modelo das almas abandonadas à vontade santíssima de Deus. Espera, calma, em paz, que o Mestre venha. Lázaro morreu. O irmão querido partiu para a vida eterna, deixando-a saudosa e triste – é verdade – mas resignada e confiante. Nos golpes da vida, imitai a calma e doce resignação de Maria. Marta é a prece das almas aflitas. Maria, a oração do abandono e da confiança. Ambas agradam a Nosso Senhor e são ouvidas. No entanto, a oração de Maria é mais perfeita e mais bela. Nas aflições da vida, vamos a Jesus, depressa e confiantes como o fizeram as irmãs de Lázaro. Ou correndo ao encontro de Jesus, suplicante e em pranto, ou no silêncio de um ato de conformidade à Vontade santíssima de Deus. Juntemos, nas aflições, a oração fervorosa de Marta à calma resignação e a doce confiança de Maria, porque arribas mereceram a ressurreição de Lázaro. “Teu irmão há de ressuscitar!” Notai que Maria fica sentada em casa, mas quando chega o Senhor, levanta-se depressa, diz o Evangelho e corre ao encontro de Jesus. Espera, vai ao encontro de Jesus. Sempre o abandono, mas também sempre o esforço, a diligência em correr ao encontro do Mestre. O abandono não dispensa o esforço.
19 DE JUNHO QUE QUERES QUE TE FAÇA? “Ora, aconteceu, quando ia chegando a Jericó, que um cego estava sentado à borda do caminho, pedindo esmola; e, ouvindo o tropel da gente que passava perguntou que era aquilo. Disseram-lhe, porém, que era Jesus Nazareno que passava. Exclamou logo, dizendo: Jesus filho de Davi, tem piedade de mim! E os que iam adiante repreendiam-no para que se calasse, mas ele cada vez gritava mais: Filho de Davi, tem piedade de mim! Então Jesus, parando, mandou que Lho trouxessem e, quando se aproximou perguntou-lhe, dizendo: Que queres que te faça? Ele, porém, respondeu: Senhor, que eu veja! E Jesus lhe disse: “Vê! Tua fé te salvou.”20 Ouvindo o tropel da gente que passava, pergunta o cego o que era. Disseram-lhe 142
que passava Jesus de Nazaré. Não se pôde conter. Encheu-se-lhe o coração de confiança e ele logo exclamou: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” E o repreenderam para que se calasse. Mas, diz o evangelista, ele gritava mais: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” Que confiança! Quando, nas trevas da cegueira de tantos pecados e tentações, queremos recorrer a Jesus que passa e implorar a sua Divina Misericórdia, somos repreendidos e o demônio do desespero e da desconfiança no-lo quer impedir, ah! como o cego de Jericó, gritemos ainda mais alto: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” E Ele dirá: “Que queres que te faça, meu filho?” – “Que eu veja meu Jesus, que eu veja o Vosso Amor, a Vossa misericórdia!” E Ele dirá: “Vê! Tua fé te salvou”. E veremos a Jesus como Ele é realmente: doce e cheio de misericórdia!
20 DE JUNHO “ENTROU HOJE A SALVAÇÃO EM TUA CASA” “Quando Jesus chegou àquele lugar, levantando os olhos, viu-o e lhe disse: Zaqueu, desce depressa, porque importa que eu fique hoje em tua casa. E desceu a toda pressa e recebeu-O com gosto. Mas, vendo isto, todos murmuraram, dizendo que se tinha ido hospedar em casa de um homem pecador. Entretanto Zaqueu, posto na presença do Senhor disse-Lhe: Senhor, eu estou para dar aos pobres a metade dos meus bens e naquilo em que eu tiver defraudado a alguém, pagar-lhe-ei quadruplicado. Jesus lhe disse: Pois então entrou hoje a salvação nesta casa porque também este é um filho de Abraão. Na verdade, o filho do homem veio buscar e salvar o que tinha perdido.”21 Zaqueu nada pediu. Curioso, desejou ver a Jesus que passava, e subiu, porque era de baixa estatura, a um sicômoro. Jesus o descobre. Levanta os olhos e lhe diz: “Zaqueu, desce depressa, porque importa que Eu fique hoje em tua casa”. E Jesus entrou na casa do pecador, a quem converteu, fazendo entrar ali a salvação. Quanta misericórdia! Como Zaqueu, somos também pecadores e, também como ele, de pequena estatura na virtude e no amor. No sicômoro da confiança, esperemos Nosso Senhor. Vê-Lo-emos passar, distribuindo o perdão e fazendo o bem. E Ele nos dirá, com um olhar cheio de doçura: “Desce depressa, 143
importa que Eu fique em tua casa”. E, ainda como Zaqueu, sejamos generosos em reparar as nossas faltas e em pagar quadruplicado o que devemos pelos nossos pecados. Temos os méritos de Jesus Crucificado. E na casa de nossa pobre alma há de entrar a salvação!
21 DE JUNHO MINHA ALMA ESTÁ TRISTE ATÉ A MORTE “E tendo tomado Consigo a Pedro e aos dois filhos de Zebedeu, Tiago e João, começou a entristecer-se a apavorar-se, a angustiar-se e ficar abatido. Disse-lhes então; Minha alma está triste até a morte; demorai-vos aqui e velai Comigo.”22 Notai nas expressões do Evangelista o horror da agonia de Jesus no Horto; começou a entristecer-se a apavorar-se, a angustiar-se e a ficar abatido. Não é assim que nossa alma às vezes fica? Que agonia dolorosa! Há provações na vida espiritual que lembram os horrores do Getsêmani. Tristeza, pavor, angústia, abatimento... Entre os seus amigos escolhe Nosso Senhor alguns para que participem das suas amarguras do Horto. Pedro, Tiago e João dormiram, não obstante o gemido angustioso do Coração de Jesus: “Minha alma está triste até a morte!” Alma generosa e fiel, repara a ingratidão do mundo nesta agonia eterna de Jesus em face das iniquidades que cobrem a face da terra! Sê reparadora. Aceita pacientemente, pelos pecados do mundo, essas agonias horrorosas de tuas provações na vida espiritual. Contempla Jesus pálido, a suar sangue, triste, abatido, como que esmagado, no Jardim das Oliveiras. Sofre também com Ele! Ele te pede com amor: “Vela Comigo, fica, demora-te aqui. Eu sofro. Chora, padece, agoniza Comigo pelos pecados do mundo!”
22 DE JUNHO PAI, SE É POSSÍVEL, PASSA DE MIM ESTE CÁLICE 144
“E tendo-se adiantado um pouco apartou-se deles cerca de um tiro de pedra e, caindo de joelhos prostrou-se sobre a terra, com o rosto no chão, e orava para que, se fosse possível passasse dele aquela hora. E disse: Pai, se é possível, passa de mim este cálice! Pai, todas as coisas são possíveis; se é do teu agrado, aparta de mim este cálice; contudo, não se faça a minha vontade, mas sim a tua, não seja como eu quero mas sim como tu queres.”23 Viu todo o suplício que O esperava. Viu suas carnes despedaçadas no Pretório, a face esbofeteada e coberta de escarros nojentos. Viu Pedro negando-O e blasfemando-O, os Apóstolos fugindo. A cruz e o Calvário. Maria chorando. Os insultos da plebe. O desamparo do Céu, o abandono horroroso de seu pai. E, prostrado em terra, banhado em sangue, Jesus só teve esta prece, o mais perfeito e sublime ato de abandono: “Pai, se é possível, passa de mim este cálice. Contudo, não se faça a minha vontade, mas sim a tua. Não seja como eu quero, mas sim como tu queres!” Nosso pobre coração espera talvez um golpe, o martírio de uma provação! É da vontade de Deus que soframos! Aos pés de Nosso Senhor podemos dizer: “Meu Deus se é possível, afaste-se de mim tamanha desgraça, este cálice tão amargo!” Mas saibamos acrescentar com o nosso Divino Modelo do Getsêmani: “Contudo, faça- se a Vossa vontade, Senhor, e não a minha!”
23 DE JUNHO HOJE ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO “Ora, um daqueles ladrões, que estavam dependurados, blasfemava contra Ele, dizendo: Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós. Mas o outro, respondendo o repreendia, dizendo: Nem ainda tu temes a Deus estando no mesmo suplício? E nós temos o castigo que merecem as nossas obras; mas este nenhum mal fez. E dizia a Jesus: Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu reino. E Jesus lhe respondeu: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso.”24 O Bom Ladrão é o mais tocante modelo das almas confiantes. Viu Jesus no patíbulo entre criminosos. Ouviu as acusações, os insultos e blasfêmias do povo. 145
E, naquele homem desfigurado, ali na cruz, reconhece o Messias prometido, o Senhor que lhe pode abrir as portas do reino do Céu. “Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu reino!” Belo ato de confiança! Um criminoso, um infeliz salteador, um condenado e com justiça, por tantos crimes, tem confiança em Jesus e Lhe pede uma lembrança apenas, quando chegar ao Reino Eterno. E, como não é pequeno o mérito da confiança, responde Jesus ao ladrão: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso!” Dois pecadores no Calvário. Um é o Desespero que blasfema. O outro, a Confiança, a pedir Misericórdia. Gestas se perde. Dimas se salva. O Bom Ladrão é o grande, talvez o maior dos missionários da Confiança! Imitemo-lo!
24 DE JUNHO EIS A TUA MÃE! “Entretanto estavam em pé, junto da cruz de Jesus, sua Mãe e a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, pois tendo visto sua Mãe e o discípulo que Ele amava, de pé, junto Dela, disse à Sua Mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis a tua Mãe.”25 Eis a tua Mãe! Queria dizer Jesus: “Eis a misericórdia, o perdão, a vossa riqueza, a salvação do mundo”. Era o testamento da misericórdia. No Cenáculo, deu-nos o testamento do Amor, a Eucaristia. Na cruz o testamento da Misericórdia. Sua Mãe para nossa Mãe! Ó Maria, não nos podeis desamparar! Fomos entregues à vossa proteção num testamento de sangue e de lágrimas. Sangue de um Deus e lágrimas da Mãe de Deus! “Mulher, eis aí o teu filho!” Desde aquela hora até hoje nunca foi desmentida a proteção materna de Nossa Senhora. “Quem recorreu à vossa proteção e foi por vós desamparado ó Maria?” – pergunta São Bernardo. Custamos o sangue de um Deus e foram bem amargas as lágrimas da Virgem ao pé da cruz. A alma do pecador, banhada no sangue de Jesus e orvalhada no pranto de Nossa Senhora, deve ter confiança no perdão, deve esperar misericórdia. Esperar contra toda esperança, porque fomos entregues no 146
Calvário Àquela que foi chamada: Esperança até dos desesperados!
25 DE JUNHO MEU DEUS, POR QUE ME DESAMPARASTES? “Era então, quase a hora sexta, e toda a terra se cobriu de trevas até a hora nona, e escureceu-se o sol. E, perto da hora nona, exclamou Jesus: “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparastes?” Deus permite que nossa alma fique, às vezes, como que abandonada. Nenhuma consolação, nenhuma luz. Provações de todo gênero e de todo lado. Tentações, angústias. Parece que vamos perecer, e o Braço forte e Divino que nos sustentava, já nem O percebemos. Que fazer então? Dizer como Jesus: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” E ficar em paz. É um exercício penoso o que faz então a pobre alma. Parece fria, insensível, como num túmulo. Não possui mais aquela doçura da presença de Jesus. Sente-se tão mal! É a agonia e o desamparo da cruz. “Meu Jesus, Meu Deus, por que me abandonastes?” Oh! Como é preciosa esta agonia! Suportada humilde e pacientemente, é uma fonte de graças escolhidas do Céu. É preciso que soframos e sejamos conformes a Jesus, e Jesus Crucificado, para que se complete em nós o mistério da salvação. E, nestas trevas horrorosas do Calvário, na provação dura e quase desesperadora do abandono aparente do Céu, quando nossa pobre alma se vê crucificada e batida pelo sofrimento, ficamos, como Jesus, a clamar: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” Nessas horas repitamos também: “Sim meu Pai, aceito o cálice que me ofereceis!” E hão de vir sobre nossa alma torrentes de graças, para nós e os pecadores, porque as trevas do Calvário, disse Elisabete Leseur, são fecundas.
26 DE JUNHO EU TENHO SEDE “Depois sabendo Jesus que tudo estava cumprido para se acabar de cumprir a 147
Escritura, disse: Tenho sede! Tinha, porém, ali perto um vaso cheio de vinagre. Então, correndo logo um deles, tomando uma esponja, a ensopou em vinagre e a pôs sobre uma cana e Lhe dava de beber.”26 Jesus, agonizante, na cruz! Tem sede! “Sitio!” “Eu tenho sede!” De suplícios mais horrorosos não se queixou e nem pediu alívio. E clama: “Tenho sede!” Ah! É a sede de nossas almas, sede de amor, que O devora. Jesus quer na linfa cristalina das almas remidas, água pura, de puro amor de nossos corações. Corações cheios de confiança, de abandono, que O amem e Lhe deem almas, muitas almas. E, quando na tortura horrorosa dessa sede de Amor, Jesus nos pede o coração pela confiança, chegamos-Lhe aos lábios em brasa e ressequidos a esponja ensopada em vinagre de desespero, de dúvida e desconfiança da sua Misericórdia. E como não a rejeitar, triste e amargurado? Ah! Demos a Jesus agonizante e sequioso, todo o amor de nosso coração, e que esse amor seja um amor confiante na sua Misericórdia infinita. Aliviemos a sede abrasadora de Nosso Divino Redentor, a nos pedir almas, muitas almas que podemos salvar pregando a Sua Bondade e o Seu Amor Misericordioso! Afastai dos lábios do Divino agonizante o fel do desespero e o vinagre da desconfiança, que perdem tantas almas!
27 DE JUNHO TUDO ESTÁ CONSUMADO! “Jesus, havendo tomado o vinagre, disse: Tudo está consumado. Clamando então, segunda vez, com grande voz disse: Pai, nas Tuas Mãos encomendo o meu espírito. E, dizendo isto, abaixando a cabeça, rendeu o espírito.”27 Sim, estava consumada a obra do Amor Misericordioso. “Assim amou Deus o mundo até dar por ele a vida de seu Filho Unigênito.” E, cumprida a sua missão, cumprida a Vontade de seu Pai Celeste, entregou-Lhe Jesus o Seu Espírito: “Pai, em Tuas Mãos encomendo o meu espírito”. Tudo estava consumado, porque estava cumprida a vontade do Pai, até o horror das agonias do Calvário e a morte no patíbulo da cruz. Jesus morre num ato de abandono e conformidade à vontade de Seu Pai. Naquela última hora, quando se aproximar o momento 148
decisivo em que nossa pobre alma, no tormento da agonia, há de lutar nas trevas de um calvário de tentações e sofrimentos, vinde Jesus, vinde socorrer-nos! Que a lembrança de Vossa agonia na cruz venha confortar-nos. E possamos, naquela hora derradeira, ter a consciência de que cumprimos a Vossa Santíssima Vontade. Queremos também dizer: “Tudo está consumado!” Sim, consumada a obra do Vosso Amor Misericordioso em nossa pobre alma. E, sossegados, diremos ao Senhor: “Pai, em Vossas Mãos encomendo o meu espírito”.
28 DE JUNHO MULHER, POR QUE CHORAS? “Ditas estas palavras, olhou para trás e viu a Jesus em pé, sem saber que era Jesus. Disse-lhe Jesus: Mulher, por que choras?”28 Maria viu Jesus e não O reconheceu. Continua a chorar. E a voz consoladora pergunta: “Mulher, por que choras?” Depois, que alegria! Maria! – “Rabboni!” Uma só palavra e se dissipam as trevas, abre-se o coração da pecadora arrependida. Em certas provações da vida espiritual, Jesus se oculta ou fica desconhecido a certas almas que Lhe choram a ausência aparente. Tão perto de Jesus, falando e tratando com Ele no Sacrário, na Comunhão, e não O reconhecem, não O sentem! É um martírio! Só quem ama O pode compreender! Tratar com Jesus e não O reconhecer, adorá-Lo na Eucaristia, no Sacrário, no Altar, na Mesa Santa, e tudo no suplício de uma aridez, de uma frieza, de uma indiferença aterradora! Como não há de chorar a pobre alma? Como Madalena, ela interroga a quem encontra nos caminhos: “Onde O puseram?” Como a Esposa dos Cantares suspira, desolada, pelo seu Amado. Esperai com paciência, almas escolhidas. Logo virá o Amado, e O vereis, e em transportes do Amor O reconhecereis. – Maria! – “Rabboni!” Esperai! Por que chorais?
29 DE JUNHO
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A PAZ ESTEJA CONVOSCO! “Ora, estando ainda falando nisto, chegada, porém, a tarde daquele dia, o primeiro imediato ao sábado, e estando fechadas as portas onde se achavam os discípulos, por medo dos judeus, apareceu aos onze, estando eles à mesa, e disse-lhes: A paz esteja convosco. Sou eu, não temais.”29 Diversas vezes se encontram no Evangelho estas palavras de Jesus: “Sou eu, não temais”. Ao surgir maravilhosamente entre os discípulos, estando eles de portas fechadas e medrosos dos judeus, Nosso Senhor repete a senha da confiança: “Sou eu, não temais”. Vem trazer a paz: “A paz esteja conosco!” Paz e confiança! Deus da paz, Deus de misericórdia e Pai de toda a consolação, Jesus não quer ser temido. O Amor misericordioso há de vencer tudo. “A paz esteja convosco!” Não é a paz que o mundo promete, mas a doce paz que se conquista na luta, no sacrifício, quando se conseguiu abafar a voz das paixões, fazer um silêncio interior no cenáculo do coração. O mar é agitado e terrível na superfície. Diz-se, porém, que nas profundezas dos oceanos reinam calma e silêncio eternos. Assim as almas verdadeiramente amantes de Jesus. Sofrem mil provações! Que martírios e que cruzes! A natureza chora clama e se agita. Mas lá, bem nas profundezas da alma, que paz, que doce paz!
30 DE JUNHO OLHAI PARA MINHAS MÃOS E PÉS “Mas eles, perturbados e espantados, cuidavam que viam algum espírito. E disselhes: Por que estais vós turbados e que pensamentos são estes que vos sobem aos corações? Olhai para as minhas mãos e pés, porque sou eu mesmo. E, dizendo isto, mostrou-lhes suas mãos, os pés e o lado.”30 Não há outro recurso quando a gente se vê pobre, miserável e coberto de pecados: olhar as mãos, os pés e o lado de Jesus, isto é, as suas Chagas Sagradas! Meus méritos são as Vossas Chagas”, dizia São Boaventura. “Perturbados e espantados, diz o Evangelista, os discípulos receberam o Mestre. “Por que estais 150
perturbados e que pensamentos são esses que vos sobem aos corações?” Assim fala Nosso Senhor às almas tímidas e desconfiadas, e atormentadas de pensamentos tristes e desesperadores. E, para lhes dar confiança, mostra-lhes as Chagas: “Olhai para minhas mãos e pés e o lado”. Quando o desespero de Caim e de Judas me tentar dizendo: “Teu pecado é grande demais para que tenhas perdão”, meu Jesus Crucificado, lançarei, cheio de confiança, um olhar às Vossas Santas Chagas e, principalmente, às Chagas de Vosso Coração aberto pela lança. Tenho certeza do perdão, com a firmeza do meu bom propósito. Meu Jesus, ainda que a minha alma se cubra de todos os pecados que, por desgraça, podem se cometer, nunca permitais cometa eu o monstruoso pecado de Caim e de Judas: a desconfiança de Vossa Misericórdia! 1 - São Mateus 11,28.
2 - São Marcos 1,40-45; São Mateus 8,2-4; São Lucas 5,12-15. 3 - São Mateus 8,23-27; São Lucas 8,22-25. 4 - São Marcos 2,1-5; São Mateus 9. 5 - Mc 2,15-22; Mt 9,10-17. 6 - São João 5,1-18. 7 - São Lucas 7,2-10; São Mateus 8,5-13. 8 - Lc 7,11-18. 9 - Lc 7,36-50. 10 - Eva lavalliére. 11 - São Lucas, 8,45-47; São Mateus 9,18-26. 12 - São Marcos 5,35-43. - São Mateus 9,18-19.23-26; São Lucas 8, 49-50. 13 - São João 6,16-21; São Marcos 6,49-50. 14 - São João 8,1-11. 15 - São João 10,1-21. 16 - São Lucas, 9,51-56. 17 - São Lucas 10,25-37. 18 - São Lucas, 15,1-10.
19 - São João 11,1-44. 20 - São Lucas 18,35-43; São marcos 10,46-52. 21 - São Lucas, 19,1-10.
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22 - São Marcos 14,32-34. 23 - São Mateus 26,36-38; Marcos 14,32-34; Lucas 22,39-46. 24 - São Lucas 23,39-43. 25 - São João 19,25-27. 26 - São Mateus 27,48; São Marcos 15,36. 27 - São Mateus 27,50; São Lucas, 23,46. 28 - São Mateus 28,5-7; São Marcos 16,5-7; São Lucas, 24,5-6. 29 - São João 20,19-20; São Marcos 16,12-14; São Lucas, 24, 36-38. 30 - São João 20, 26-29; São Marcos 16,14; São Lucas 24,36-39.
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1 DE JULHO MEU CRUCIFIXO Encontramos Jesus no Evangelho. Saboreamos toda a infinita doçura da sua palavra. Quando o coração, este nosso pobre coração, sentir-se mal, desconfiado e triste, vamos ao Evangelho. Uma página do Evangelho consola mais do que os mais belos e sublimes tratados saídos das mãos dos homens. E um olhar ao Crucifixo, o livro querido dos santos. À Santa Teresa disse Jesus: “Eu te darei um livro vivo”, era a cruz. “Dai-me o meu livro”, dizia São Felipe Benício. Apresentaram-lhe um Breviário e uma Imitação. Faz ele um gesto e mostra o Crucifixo. Era o seu livro querido. Com meu Evangelho e meu Crucifixo, que não suportarei? Dois livros inseparáveis. O Evangelho contém a lição do sofrimento e o Crucifixo nos mostra a prática do sofrimento. Bom amigo, bom conselheiro e bom mestre é meu Crucifixo. “A Cruz é uma escola”, dizia Santo Agostinho. E que se aprende nessa escola? A sofrer pacientemente, a perdoar e a suportar o peso da vida. Olhando a Cruz, minha alma reza, perdoa, espera, confia, abandona-se. A um pobre leigo de convento, humilde e analfabeto, perguntou-se onde aprendera tanta ciência das coisas espirituais, incrível num ignorante como ele. Respondeu: “Aprendi num livro de cinco letras vermelhas”. Referia-se ao Crucifixo, com suas Chagas abertas. Meu Crucifixo! Nunca te deixarei, mestre querido de minha alma!
2 DE JULHO A VISITAÇÃO A dor te veio visitar, como Nossa Senhora à sua prima Santa Isabel, para te fazer bem e te encher de graças. Que fazer? Recebê-la com muito amor. Entoar um “Magnificat”. Com ela vem Jesus. O sofrimento é a visitação do Senhor! Não maltrates o Hóspede Divino. É a Misericórdia que procura a miséria. Recebe a visita honrosa, se não com alegria ao menos pacientemente. E sabe Deus como te é necessária! A visita que recebes é de caridade, como a de Maria à Isabel. O anjo 153
do Carmelo, Santa Teresa do Menino Jesus, aconselhava sempre as suas noviças que dessem bom agasalho ao sofrimento, recebendo-o com um sorriso nos lábios. Custa – é verdade – a princípio. Depois se adquire o hábito, aprende-se a ser bem polido e amável para a visita inevitável de quase todos os dias. A dor não é má. Vem visitar-nos em nome do Senhor. Por que não a receber bem? Traz notícias do Céu, fala-nos de Jesus, ensina-nos o desapego dos prazeres e mostranos a realidade da vida. Oh! Não sejas grosseiro! Recebe essa dama celeste com amabilidade. Ela é a embaixatriz do Céu e nos faz tanto bem! Sê amável e agradecido ao Senhor, que mandou fazer-te uma visita.
3 DE JULHO SOFRER AMANDO E SOFRER SEM AMAR “Há duas maneiras de sofrer – dizia o santo Cura d’Ars: sofrer amando e sofrer sem amar. Uns sofrem como o Bom Ladrão; outros, como o mau. Ambos sofreram pena igual, mas só um tornou meritório o seu sofrimento”. Sem Deus não é possível a um pobre e fraco mortal o peso de tantos sofrimentos! Do berço ao túmulo, é nossa vida um gemido entrecortado de uns poucos sorrisos. Sofrer, sempre sofrer, é o destino de todo mortal. Mas é mister aproveitar o sofrimento. Soframos bem, já que não é possível evitar as cruzes. E o amor, só o amor nos pode consolar e aliviar o coração. Não sejamos quais mercenários que trabalham com má vontade e a se queixarem. Trabalhemos e soframos alegremente. “No serviço de Deus – dizia São Francisco de Sales – devem-se considerar mais os advérbios do que os verbos. Não está o nosso mérito em servir a Deus ou sofrer, mas em servi-lo BEM e sofrer BEM”. E, para bem servir a Deus e bem sofrer, é preciso amar. O amor ajuda a sofrer e o sofrimento ajuda o amor. Um não vive sem o outro. Sofrer bem ajuda a bem amar. E quanto mais se ama ainda mais se sofre. Há, porém, uma diferença entre sofrer amando e sofrer sem amar: quem sofre amando, sofre em paz e, quem sofre sem amar, sofre em desespero. Podese dizer com Santo Agostinho: “Quem ama não sofre e, se sofre, ama o sofrimento”.
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4 DE JULHO A HORA DAS GRANDES ALMAS A hora da desgraça e dos grandes sofrimentos, de golpes e reveses, é a hora das grandes almas. Quantas, na prosperidade, mostravam-se insignificantes, mesquinhas, acanhadas. Veio o golpe das adversidades, soou a hora da desgraça, e que prodígios e transformações! Vede Inácio de Loyola. Simples soldado iludido, como tantos, pelas vaidades da terra, egoísta, orgulhoso. A ferida o prostrou num leito. E, ferido o corpo, uma leitura, verdadeiro golpe da graça, transforma-o e santifica-o. Não foi um golpe assim motivo de conversão para Margarida de Cortônia e Francisco de Borgia? Quando já tudo parece perdido, quando Nosso Senhor nos reduz ao pó, ao nada que somos, pela humilhação, o abatimento; quando reveses e, principalmente, grandes calamidades nos ferem, é então chegada a nossa hora, ou melhor a hora de Deus. Esperemos confiantes! A Providência vai, talvez, realizar os grandes e eternos desígnios que tem sobre nós: “Quando tudo está perdido – dizia Lacordaire – então é a hora das grandes almas”. Na desgraça, não nos mostremos mesquinhos, espíritos acanhados e eternos queixosos da Divina Providência. As desgraças são golpes do Artista Divino e dão, no mármore de nossas almas, uma expressão de beleza encantadora. Não quereis que, para esse bloco informe de vossa alma egoísta, chegue a hora de ser obra-prima da graça e enlevo de estetas espirituais, os Anjos do Senhor?
5 DE JULHO “QUO VADIS?” Contam as tradições de Roma que São Pedro fugia, medroso, da perseguição de Nero quando encontrou Jesus no caminho, com a cruz às costas. “Para onde vais, meu Senhor?”, pergunta o apóstolo. “Para Roma, diz Jesus, e para ser de novo crucificado”. Pedro compreendeu a lição. Voltou e sujeitou-se 155
corajosamente ao martírio. Jesus continua ainda a sofrer. E até o fim dos séculos há de carregar, em seus ombros feridos, o peso enorme de nossos pecados. A paixão de Jesus continua no Sacrário, no Altar, no seio da Igreja. No Sacrário, abandonado; o Altar, profanado; nos filhos ingratos da Santa Igreja; nessa legião de almas tíbias, pusilânimes em face da cruz e da perseguição dos maus. E quando fugis do sofrimento, e não quereis lutar por amor de Deus nesse dever penoso, nessa obra de apostolado difícil e na vocação a que fostes chamados, Jesus se vos apresenta no caminho da vida com a sua cruz. E para onde vai? Para o calvário do vosso coração ingrato, onde será de novo crucificado. PerguntaiLhe como São Pedro: “Para onde vais, Senhor?” – “Quo vadis?” E que a resposta do Senhor, como ao Apóstolo, faça-vos retroceder, corajosamente, lutar pela vossa salvação eterna e sofrer em união com os méritos do Sangue Divino derramado na cruz!
6 DE JULHO AGRICULTURA DE DEUS Diz o Apóstolo que somos a agricultura de Deus. Nossa alma é o campo. Deus, o Agricultor Celeste. Na parábola do semeador, Jesus compara também o nosso coração à terra, onde cai a boa semente da palavra de Deus. Que faz o bom agricultor? Prepara a terra, cortando-a, revolvendo-a a golpes de enxada e arado. Depois semeia. E, quando nasce a planta, cuida que não a sufoquem os espinhos ou a má erva. Vem a poda e são cortados os ramos. Certas árvores, como as mangueiras, exigem até golpes incisivos no tronco. Outras ficam reduzidas a uns poucos e bem podados galhos. Aos menos entendidos, o trabalho do agricultor parece mais obra de destruição que de cultura. Entretanto, vem o outono, vem a colheita, e que riqueza, que belos frutos, que delícia! Somos a agricultura de Deus, no expressivo dizer do Apóstolo, e não queremos o trabalho do Agricultor celeste no campo de nossas almas? Sob a forma de um agricultor apresentou-se Jesus a Madalena, na madrugada da ressurreição. Que simbolismo tocante! O Divino e bom Agricultor quer trabalhar. Dai-lhe o campo de vosso coração. Para a sementeira da graça deixai que a dor, bom arado, rasgue 156
nele sulcos profundos. A sementeira da graça e do amor será tanto maior quanto maior o terreno preparado. E vereis depois, no outono da vida, que rica e bela colheita para a Eternidade!
7 DE JULHO IMOBILIDADE PENOSA Imóvel num leito, a sofrer, horas e horas eternas num quarto, silencioso, a contemplar as paredes, os móveis, a contar as tábuas do forro! Gemidos a cada agulhada que fere o corpo, na dor sem alívio! E sempre ali o pobre enfermo, condenado à imobilidade penosa, que já dura, talvez, meses e até anos. É preciso ter experimentado o peso dessa cruz para se avaliar como é duro! Com razão escreveu Lacordaire: “A doença me parece o que, neste mundo, mais virtudes exige, porque abate as forças justamente quando mais delas precisamos”. São horríveis a tortura física e a tortura moral que nos vêm particularmente da inação a que ficamos condenados. Eis porque devemos ter paciência com os enfermos, que, por sua vez, devem ser pacientes consigo mesmos. Essa inação e imobilidade irritam, abatem e até desesperam certas almas acostumadas à vida e à luta. Dizia o apostólico e ardente cardeal Lavigerie: “O inferno, para mim, seria uma eternidade na imobilidade”. Numa provação tão dura, quanto merecimento! Ah! se soubéssemos aproveitar o tesouro de graça que acompanha essa cruz! Nessas horas de penosa imobilidade, precisamos lembrar-nos da imóvel eternidade do inferno! Sempre! Nunca! Eternamente! Sofrei a imobilidade de vossa doença, e vos fixareis um dia na Imobilidade Eterna, que é Deus, que é o Céu!
8 DE JULHO EXÍLIO DO CORAÇÃO O mais triste dos exílios é o do coração. Faz sofrer mesmo dentro da família e da pátria. Sofrimento do amor, é inevitável, pois, no dizer do fino psicólogo da 157
Imitação, “não se vive sem amar e não se ama sem sofrer”. As almas nobres sentem no coração um abismo, que nada pode encher. Nem o prazer dos sentidos, nem as honras, nem as glórias, nem o amor da terra. Daí a melancolia dos grandes corações, prova evidente de que esta vida é um exílio, no qual quem mais sofre é o coração. Bendita seja a Misericórdia Divina por nos trazer o coração sempre inquieto e insatisfeito até que repouse plenamente em Deus. Esse exílio do coração foi o tormento de Santo Agostinho: “Nosso coração está sempre inquieto, Senhor, enquanto não descansa em Vós”. Jesus é a pátria do nosso coração. Só Nele se encontram repouso, alegria e paz. E fora de Jesus, fora do seu amor, não há sossego, viveremos inquietos, agitados e tristes como o peregrino cansado, saudoso e faminto, em viagem penosa, à procura da pátria. Quando o coração experimenta as tristezas do exílio, do abandono das criaturas, da incompreensão dos amigos, da ingratidão do amor, volte-se depressa para Jesus, verdadeira pátria dos corações. Para o exílio do meu coração, ó Jesus, só a pátria de Vosso Coração!
9 DE JULHO CAMINHO DA CASA PATERNA Há muitas moradas na casa de meu Pai”, disse Nosso Senhor, mas, segundo comenta piedoso autor, é um só o caminho para lá chegar: o da Santa Cruz, de que nos fala a Imitação. O filho pródigo não teria voltado à casa paterna se a dor e a miséria o não tivessem batido. E tão grande a misericórdia Divina que nos obriga pelo sofrimento a ter saudades do Céu, desapegando-nos assim de toda vaidade e ilusão deste mundo. E, quando o coração se desiludiu das criaturas e já sofreu bastante, toma uma resolução: “Eu me levantarei e irei a meu Pai”. E se põe sem demora a caminho da casa paterna. A Divina Providência, em Sua Misericórdia, de tal modo dispõe as coisas neste mundo, que nos coloca na feliz impossibilidade de nos acostumarmos com a felicidade e o paraíso que a terra nos promete e oferece. O sofrimento é o nosso caminho para a casa paterna. “Creio, no fundo de minha alma, e sinto em minha consciência – escreveu De maistre – que, se o homem pudesse viver neste mundo isento de todo 158
sofrimento, acabaria por se embrutecer a ponto de ficar inteiramente esquecido de todas as coisas celestes e do próprio Deus. E como nos poderíamos ocupar de uma ordem superior de coisas, se, na em que vivemos, as misérias que nos acabrunham não nos desiludissem dos encantos enganadores desta vida infeliz!” Dor bendita! És o caminho da casa de meu Pai!
10 DE JULHO SALOMÃO E JÓ Salomão e Jó, observa Pascal, foram os que até hoje falaram melhor da miséria do homem. Um feliz, o outro desgraçado. Aquele conheceu pela experiência a vaidade dos prazeres; este, a realidade dos males. A pompa de Salomão deslumbrou todo o mundo. Foi o mais rico e feliz dos monarcas. Que lhe faltou? Tudo quanto pode desejar um coração, ele o possuía. A glória, o gênio, a beleza, o prazer, as honras, o ouro! E termina seus dias na solidão, no abandono! E tamanha glória passa como o vento. “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!” Salomão é a triste experiência da vaidade, dos prazeres e de toda felicidade terrena. Que vale apegar-se loucamente ao que tão depressa se vai deixar? Não nos deslumbre a pompa de Salomão. Também não nos assuste a desgraça de Jó. Este começou feliz e rico, amigo do Senhor. Veio a sofrer as maiores desventuras e calamidades. Conheceu a realidade dos males. E a prosperidade faz Salomão pecador e idólatra. A desgraça purifica ainda mais e santifica maravilhosamente o pobre Jó. Livre-nos o Senhor da prosperidade de Salomão, que acaba no pecado e é vaidade das vaidades. E lembremo-nos de Jó, do qual diz a Escritura: “não pecou contra o Senhor, não blasfemou contra o Céu, na desgraça”. Ó pobreza de Jó sem pecado, és verdadeira riqueza! Ó riqueza de Salomão com o pecado, és verdadeira e real pobreza!
11 DE JULHO NEGOCIAR A FELICIDADE 159
A felicidade é um negócio. E os que sabem empregar bem o capital em bancos e boas transações, gozam os juros de cem por um, aqui e na vida eterna. Que faz o bom negociante? Coloca o seu capital em negócios seguros e de vantagens certas. Compra e vende com lucros. Quereis ser felizes? Imitai o negociante. Com a moeda de vosso conforto, riqueza e saúde, comprai um pouco de felicidade para os que sofrem. E são tantos! O segredo da felicidade, segundo o Evangelho, está em fazer os outros felizes. “Bem-aventurados os misericordiosos – disse Nosso Senhor – porque eles alcançarão misericórdia”. Vede os que padecem, os que choram, os desgraçados, e sereis menos egoístas, e o vosso coração se há de abrir, cheio de ternura e de bondade, para com os pobres e os que trazem também o coração a sangrar. O egoísmo é estéril e duro. No sofrimento, nos golpes da vida, nas desgraças que nos afligem, há um remédio eficaz e infalível para o alívio do coração: é entregarmo-nos às obras de misericórdia, visitar os pobres, os enfermos, encarcerados, dar esmolas, proteger os infelizes. É remédio eficaz nas tentações contra a fé! E, enxugando as lágrimas alheias, enxugamos também as nossas. Experimentai a boa receita e vereis. São Vicente de Paulo viu-se livre de uma terrível tentação contra a fé dando-se ao serviço dos pobres. E quantos e belos exemplos! Quereis ser felizes? Negociai a felicidade, pondo a vossa esmola no banco da pobreza, e o consolo, no coração dos que sofrem! É bom negócio! Sereis felizes!
12 DE JULHO TRÊS CRUZES Santa Margarida Maria conta, numa das visões do Coração de Jesus que, num dia de Páscoa, Nosso Senhor lhe apresentara três cruzes. Perguntou-Lhe a santa a significação de tais cruzes. “Minha filha – responde o Mestre – serás muito perseguida pelo Demônio, pelo mundo e por ti mesma”. Eis aí as cruzes maiores de nossa vida. O Demônio, invejoso de nossa felicidade e do tesouro incomparável da graça que nos foi dada em abundância no Calvário, pelos méritos de Jesus Crucificado, que são nossos, aquele espírito do mal de tal modo nos persegue que, no dizer da Escritura, parece um leão furioso a rugir em torno 160
de nós. Que martírio o das tentações! O inferno não nos deixa em tréguas. Pobres almas tentadas, consolai-vos! É a vossa cruz! Aceita-a pacientemente. O mundo é também uma cruz e bem pesada. Quanta sedução perigosa, quanta mentira e falsidade! O mundo, chafurdado na lama e embriagado no prazer dos sentidos, jamais há de compreender as almas que se entregam a Nosso Senhor. É justo e natural que as persiga. Não estranheis a perseguição do mundo, disse Jesus. – “O mundo vos odeia.” Finalmente, a nossa maior cruz talvez seja a terceira, nós mesmos, esse eu orgulhoso, difícil, rebelde, a arrastar-nos sempre ao pecado e a ferir-nos. Ah! se não o perseguimos estaremos perdidos. Diz o Evangelho, para nos inculcar como devemos combater o orgulho e o amor-próprio: “Quem ama a sua alma, perde-a”. Meu Jesus, pela vossa cruz, ajudai-me a carregar minhas três cruzes!
13 DE JULHO VENCEDOR, MESTRE, AMIGO E HERDEIRO Saber sofrer é das artes a mais bela e a mais difícil. Quem a aprendeu é um herói, venceu a maior das batalhas. Combater, lutar com outros, bem pouco é em comparação com a luta que dentro de nós se trava entre o espírito e a carne, e com o combate às perseguições que, a cada momento, vêm-nos de fora: Lutas interiores, íntimos martírios cruciantes e perseguições de mil cruzes exteriores, semeadas pelo caminho de nossa vida. Por isso escreveu a espiritual e suave escritora russa Mme. Swetchine: “Quem souber sofrer será vencedor de si próprio neste mundo, amigo de Jesus Cristo e herdeiro do Céu”. Vencedor de si, do próprio eu abatido pelo sofrimento, eis a vitória! Cortado o mal pela raiz, que é o orgulho, o eu vivo, está ganha a peleja. Mestre do mundo! Quem tudo desprezou e tudo soube sofrer, conquistou o mundo. No dizer do Mestre, é o pacífico que possui a terra. Quem despreza o mundo por amor de Deus é o senhor do mundo, porque o mundo poderoso e agitador de corações já não vence o homem verdadeiramente interior! Amigo de Jesus Cristo! Não é Jesus o amigo dos que sofrem? Nem é mister prová-lo. Basta ler o Evangelho: “Vinde a mim vós que sofreis, eu vos aliviarei!” Que consoladora promessa! A amizade dos grandes 161
se conquista em banquetes e festins; o amor de Jesus, no sofrimento e no Calvário. Finalmente, o que sabe sofrer é o herdeiro do Céu. Não está cheia a Escritura de promessas e recompensas aos que padecem? E as bemaventuranças? Muitas terminam assim: “porque deles é o reino dos céus...” Então não vale a pena sofrer um pouco por amor de Deus?
14 DE JULHO ABISMOS Diz misteriosamente o salmista que um abismo chama outro abismo. Sim, o abismo de nosso pecado chamou o abismo do sofrimento. Quando pecaram nossos primeiros pais, logo se fez sentir o castigo: a dor. Eva daria à luz aos seus filhos entre gemidos e dores. Adão comeria o pão com o suor do rosto, isto é, com a dor e o sacrifício. Ali estavam os dois abismos do pecado e da dor. Um terceiro iria chamar os dois primeiros: o abismo da Misericórdia Divina. E este se abriu no Calvário. E os outros dois se precipitaram nele, no abismo da Cruz, isto é, no abismo do Amor Misericordioso. Sempre abismo a chamar abismos! Muitas vezes, à Santa Margarida Maria e à confidente das suas santas chagas, a humilde Soror Marta da Visitação, Jesus repete que Seu Coração Divino e suas Chagas Divinas são abismo de misericórdia, oceano de misericórdia, de tal modo profundo e extenso que dá bem uma imagem do Infinito. Abismo cuja profundidade e vastidão são incomensuráveis! E há ainda quem, desconfiando sempre da Misericórdia infinita, queira medir as profundezas do abismo do Amor Misericordioso e julgar o Infinito pelo finito! Que insensatez! Que mesquinharia! Medir pelo egoísmo de nosso coração o imenso e eterno abismo de Misericórdia do Coração Sacratíssimo de Jesus! Abismo de miséria, cala-te e adora! Para a miséria, só a Misericórdia. Para um abismo, só outro abismo.
15 DE JULHO JESUS SEM A CRUZ 162
Não se compreende cristão sem cruz. “Ignorais – diz Bossuet que o nome de cristão significa homem destinado ao sofrimento?” Os cristãos delicados, inimigos da dor, quase pagãos, querem Jesus, sim, adoram-no e pretendem amálo, mas... Sem a cruz. Querem o Menino Jesus, sim, nos braços de Maria, cheio de encantos, porém, longe da gruta de Belém, da pobreza e miséria do estábulo, da companhia dos pobres e dos animais. Querem Jesus, sim, mas transfigurado no Tabor, resplandecente de glória, a provocar o êxtase e a admiração dos três discípulos Pedro, Tiago e João. Ah! O Tabor é montanha predileta dos cristãos delicados. Como lhes horroriza, porém, o Calvário! Como lhes é insuportável a montanha do martírio! Querem um Cristo de iluminuras, de arte e beleza, um Cristo resplandecente no Tabor e na Ressurreição! Páginas há do Evangelho que eles não podem ler, de duras que são, principalmente as que pregam a penitência e a luta contra as paixões e a tríplice concupiscência! Jesus não nos vem sem a cruz! Esta é a condição para servi-lo e amá-lo. “Se alguém quer ser meu discípulo, que se renuncie, tome a sua cruz de cada dia e me siga...”. E, para nos dar exemplo, vai Nosso Senhor adiante com a sua cruz. Não, jamais encontrareis esse Jesus de vossos sonhos e loucas fantasias, ó delicados inimigos da cruz! Jesus sem cruz não existe! E, pois, também não se compreenderá um cristão sem cruz. Não pode o discípulo ser maior nem melhor que o Mestre!
16 DE JULHO JUSTIÇA E MISERICÓRDIA Sofremos por justiça e misericórdia. É de justiça que recebemos o castigo das ofensas contra Deus, de nossos pecados, tão grandes e já tão numerosos que nem os podemos contar. A dor entrou no mundo com o pecado, e é punição e castigo desse mesmo pecado. Entretanto, se é justo o castigo, o sofrimento é também misericórdia. Na dor se realiza o que cantou David: “Beijaram-se a justiça e a paz, isto é, a Misericórdia”. Sofrem neste mundo os bons e os maus. Também por Misericórdia e justiça. 163
“Verdade é – escreve Santo Agostinho, na sua Cidade de Deus, verdade é que tanto os cristãos como os infiéis não foram poupados. A hora do julgamento de uns e outros ainda não chegou. A paciência de Deus convida os maus à penitência, com os flagelos, e assim forma também os bons na paciência. Aprouve à Divina Providência preparar para o futuro bens eternos de que hão de gozar os justos, com a exclusão dos culpados, e males que hão de ferir os ímpios, sem atingir os bons. Quanto, porém, aos bens e males temporais, quis o Senhor fossem comuns aos bons e aos maus, a fim de que, nem se tivesse pressa e ardor em procurar os bens de que gozam também os maus, nem houvesse tanto medo e covardia em fugir dos males a que estão sujeitos os bons, sem nenhuma exceção”.1 Aí estão a justiça e a misericórdia nesse mistério do sofrimento, que escandaliza a tantos cristãos, que sempre lamentam a dor e a perseguição dos justos e a prosperidade dos maus! Em tudo, Justiça e Misericórdia!
17 DE JULHO A CRUZ DE CADA UM Cada um de nós tem a sua cruz. Dela não podemos fugir. E não se podem comparar as de uns com as de outros. Todos sofrem, variando a dor de coração para coração. O que para este é martírio é, para aquele, consolo. Um historiador de Mgr. Dupanloup conta que o Pe. Bougaud e o Pe. Lagrange, dois futuros ilustres bispos franceses, discutiam a questão: Quem sofreu mais, Maria Antonieta ou Maria Stuart? Mgr. Dupanloup os deixou falar um bom quarto de hora. Disse-lhes depois cheio de bondade: “Meus amigos, meus bons amigos, as dores não se comparam!...2 Sim, as dores não se comparam. Assim como não há dois homens iguais em tudo, assim também são diversos e não se podem comparar os sofrimentos e dores. Cada um tem a sua cruz. Por isso é que Jesus Cristo, o mais profundo conhecedor do nosso coração, ordena que tomemos a cruz para segui-LO, mas a cruz de cada um, pessoal. Diz o Evangelho: “Tome a sua cruz”. Essa cruz é a cruz 164
de todo dia. Cruz de golpes de coração, a cada passo, em família; cruz de mortificações e do cumprimento do dever; cruz de ingratidões e olhares indiferentes, trabalhos pesados; cruzes pequeninas, de todo o mundo ignoradas; dores íntimas, que nos partem o coração e de que ninguém poderia sequer suspeitar! Ah! como são preciosas e queridas ao Senhor essas pequeninas cruzes! Só elas bastam para nos santificar. São as nossas cruzes. Cada um tem a sua, a do Evangelho.
18 DE JULHO ORAÇÃO DOS QUE SOFREM Do Journal et Pensées de chaque jour, daquela alma escolhida que foi Elizabete Leseur, aqui reproduzo, sem comentar, a edificante página de 18 de julho de 1912. É a oração dos que sofrem, tão sublime e consoladora. Eis a transcrição: “Meu Deus, deponho a vossos pés o meu fardo de sofrimentos, de tristezas, de renúncias; ofereço tudo pelo Coração de Jesus e peço ao Vosso Amor que transforme estas provas em alegria e santidade para os que amo, em graça para as almas, em dons preciosos para Vossa Igreja. Neste abismo de acabrunhamento físico, desgostos e de cansaço moral, de trevas, em que me lançastes, deixai passar um raio de Vossa triunfante claridade! Ou melhor – porque as trevas de Getsêmani e do Calvário são fecundas – fazei que todo este mal sirva para o bem de todos. Ajudai-me a ocultar o despojamento interior e a pobreza espiritual sob a riqueza do sorriso e os esplendores da caridade. Quando a cruz se tornar mais pesada, ponde a Vossa doce Mão sob o fardo que Vós mesmo colocastes sobre meu corpo dolorido. Senhor, eu Vos adoro e ainda sou e serei sempre a Vossa devedora, porque, como Divino contrapeso aos meus sofrimentos, Vós me dais a “Eucaristia do Céu. Aleluia!” Tão formosa oração, verdadeira oração dos que sofrem, partida de um coração que tanto sofreu na terra e se fez mestra na arte da cruz, – a Santa Igreja a enriqueceu com 300 dias de indulgência cada vez – (Ex rescripto S.P.A. 27 Juni 1922). Convém receitá-la nos dias de dor e de trevas. Consola. É a oração dos que 165
sofrem.
19 DE JULHO ENTRE DOIS MUNDOS Por que tanto sofre o homem no mundo? Por quê? É a dolorosa, inquieta e desesperadora interrogação de toda filosofia, de toda religião, de todo sábio. Temos sede e fome insaciáveis de uma felicidade que se não encontra em parte alguma. “Quereis saber – diz Lammenais – por que é o homem a mais sofredora das criaturas? É porque tem ele um pé no finito e outro no Infinito e está como que esquartejado, não por quatro cavalos, como nos tempos do horror, mas por dois mundos.” Esta é a razão última por que sofremos. Dotados de um coração de ânsias infinitas, criados à imagem e à semelhança do Eterno, como podem o finito e o efêmero contentar-nos? E procuramos loucamente uma felicidade eterna no temporal, a satisfação de um desejo infinito no finito. E como não sofrer? Ó ânsia eterna que nos devora! Que suplício não padecem o gênio, o santo, o artista, almas nobres, dotadas com mais perfeição deste senso do Infinito e do Eterno! O homem animal não é todo o homem. Há em nós a carne e o espírito. Esta dualidade inimiga foi assim analisada pelo gênio de São Paulo: “A carne luta contra o espírito e o espírito luta contra a carne”. Temos em nós dois homens: o animal e espiritual. Pascal diria o Anjo e a Besta. Um tende para Infinito, outro para o finito, um para o Eterno, outro para o efêmero. E ficamos entre dois mundos, nesta luta a que nenhuma guerra, nenhum combate se pode comparar. Como, pois, não sofrer? E, coisa singular! É nessa luta, nessa guerra feita, como nos ensina o Evangelho, que achamos a paz, a doce paz que Jesus nos veio trazer!
20 DE JULHO AGONIAS DO GETSÊMANI “Quando Jesus está presente – diz o autor da Imitação – tudo é doce e nada 166
parece difícil.” A alma sente-se corajosa no sofrimento, é capaz de sofrer até o martírio pelo seu Amado. Tudo é fácil e doce no caminho da vida espiritual. É o paraíso! Mas Jesus quer os seus eleitos no Calvário e raras vezes no Tabor. Retira-se, afasta-se, depois das consolações do amor sensível. E que desolação para uma pobre alma! Que deserto árido a oração! Custam os sacrifícios! Tudo se mudou. A fraqueza e a miséria humana aí estão a esmagá-la. Para as almas verdadeiramente amantes, é uma agonia de Getsêmani é um desamparo da cruz. Durante quarenta anos tão horríveis suplícios esmagaram o pobre coração de Santa Joana de Chantal! Viveu abandonada às penas interiores. Sua pobre alma parecia manchada de horríveis crimes e nem ousava levantar os olhos para o Céu, envergonhada do que lhe parecia ingratidão e impureza. Tentações contra os mais adoráveis mistérios de fé, dúvidas, maus desejos de blasfemar contra a Misericórdia Divina. Dizia ela que sua pobre alma era como um bosque onde passeavam os mais hediondos répteis, os mais nojentos animais e ela não os podia expulsar. Quando lhe faltavam de provações na vida espiritual, rolavam-lhe pelas faces grossas lágrimas. As noites, passava-as em verdadeira agonia. A história das provações interiores da grande santa é um consolo. Foi de agonias a vida espiritual de Santa Chantal. E agonias do Getsêmani... Vede que exemplo! Almas provadas, consolai-vos com a santa Fundadora da Visitação.
21 DE JULHO A ARGILA E O VASO Em diversas passagens da Escritura, o Espírito Santo compara o homem à obra do oleiro. Não nos formou Deus do barro? O oleiro torneia os vasos e os destina ao uso que lhe apraz. Ora o endurece no fogo, ora o prepara de mil formas, quebra-o até. E nunca o vaso diz ao oleiro: “Não estou contente. Por que me faz assim?” Levanta-te – diz o Senhor ao profeta Jeremias – e desce à casa do oleiro. Nesse momento o artista torneava um de seus vasos. De repente quebra o que estava preparando com argila. Não o achou a seu gosto. Então disse o Senhor a 167
Jeremias: “Ó casa de Israel, não poderia eu fazer de vós o que o oleiro faz com seu vaso? Não estais na Minha Mão como o barro na mão do oleiro?” Sim, estamos nas Mãos de Deus como o barro na mão do oleiro. Deixemos que o Divino Artista faça de nós o que quiser. Cumpra-se a Sua Santíssima Vontade. O barro não se pode queixar. Passará a pobre argila de nosso corpo, talvez pelo fogo das provações de tantas doenças e o martírio da dor. Seremos quebrados, sofreremos mil golpes e reveses. Deixemos que este barro vil e pecaminoso seja amassado e batido. E não nos queixemos da Divina Providência! O barro por acaso diz ao oleiro: “Não estou contente? Por que me fazes assim?” Abandonemo-nos nas Mãos de Deus como a argila nas mãos do oleiro. E Ele, o Divino Artista, fará de nós um belo e rico vaso de eleição!
22 DE JULHO TEUS PECADOS SERÃO PERDOADOS À Madalena, arrependida e humilhada a seus pés, disse Nosso Senhor a mais consoladora palavra do seu Misericordioso Coração: “Teus pecados te serão perdoados!” Poderíamos dizer, com Santo Agostinho: “Ó feliz culpa”. Ó culpa feliz, que mereceu tão grande e suave perdão! Depois de pecar, não deixemos entrar em nosso coração o desespero. Confiança! Seja o nosso arrependimento forte e grande, porém, tranquilo, nada inquieto, desanimado e turbulento. Vede Madalena. Pecou, foi o escândalo da cidade, encheu de luto o coração de Marta e de Lázaro. Mas que confiança na misericórdia do Coração de Jesus! Sentiu-se tocada pela graça e não hesitou. Sem demora vai à casa de Simão, chora, arrependida, aos pés de Jesus, ouve a palavra tão doce do Amor Misericordioso, que perdoa e ama, e se levanta calma, cheia de paz e de amor. Notai, no Evangelho, o amor ardente da pecadora arrependida. Aos pés do Mestre, calma, na Betânia, enquanto Marta se agita e se afadiga. Se a vemos chorando aos pés da cruz e aflita na madrugada da ressurreição, é por Jesus, só por Jesus. O Amor ferido e o Amor ausente, só isto a faz chorar e sofrer. O resto é como se não existisse para ela. Grande coração! Grande amor! Como Nosso Senhor enche de amor o coração que antes, cheio de 168
pecado, esvaziou-se para seu Divino Amor!
23 DE JULHO O FOGO DO AMOR E O LENHO DA CRUZ Não há verdadeiro amor sem sacrifício. “Não se ama sem sofrer” diz a Imitação. O amor de Jesus Cristo alimenta-se de sacrifícios. “O fogo sagrado do amor de Jesus – escreveu São Francisco de Sales – nutre-se com o lenho da cruz.” – É a lei do amor desde que o Filho do Homem veio a este mundo. “Deus é o amor”, diz o Apóstolo. E São Paulo nos prega Jesus, e Jesus crucificado, para nos dar a entender que só na cruz se acha o Amor. O espírito do Cristianismo – disse Ollé Laprume – é essencialmente espírito de sacrifício e espírito de amor, porque é o espírito de Cristo, e o Cristo, o verdadeiro Cristo, é o Cristo Crucificado, o Cristo que sofre porque ama”.3 Amor e sofrimento! Duas sublimes palavras. Produzem elas dois sentimentos nobres e os mais belos que possam fazer pulsar o nosso coração e ajudá-lo nas suas ascensões para Deus!4 Por que as almas abrasadas de Amor Divino têm sede de sofrimento e são amantes apaixonadas da cruz? Porque o Amor tem fome de sacrifícios. E, quanto mais sofre, mais quer sofrer. Como se explicam as palavras de Santa Teresa: “Ou sofrer ou morrer”? E estas de Santa Madalena de Pazzi: “Sofrer sempre, meu Deus! Nunca morrer!” Compreende-se tanto amor pela cruz sem o Divino Amor? Sim. Onde há fogo do Divino Amor, é porque aí se queima o lenho da cruz!
24 DE JULHO TOME A SUA CRUZ E ME SIGA Somos chamados a subir o Gólgota, acompanhando o Mestre. “Tome a sua cruz e me siga!” Felizes os que ouviram o convite honroso de Nosso Senhor e se alistaram entre as almas generosas e reparadoras, sempre fiéis em seguir o Esposo no caminho do Calvário. Conta-se que o Pe. João d’Ávila, santo homem de Deus, ilustre filho da Companhia de Jesus, hesitava um dia em prosseguir 169
uma caminhada difícil para assistir ao Santo Sacrifício da Missa. E, fatigado e enfermo, já ia voltar, quando lhe apareceu Nosso Senhor e, mostrando-lhe a chaga do Coração disse: “A fadiga, o sofrimento, meu filho, não me impediram de chegar ao alto do Calvário!” Que nenhum sofrimento nos afaste da via da cruz. É preciso sofrer! Vamos corajosos até o Calvário! A cruz é pesada e o caminho áspero e difícil. Coragem! Adiante vai Nosso Senhor com mais pesada Cruz! “A fadiga e o sofrimento – diz Jesus ao seu servo – não me impediram de chegar ao alto do Calvário.” Nada de covardia! Não fujamos, horrorizados, do Calvário, como o fizeram os discípulos naquela triste noite da Paixão. Sejamos os Cirineus de Jesus, pela nossa vida de reparação e de amor. Vamos! Um pouco mais de generosidade! Sejamos para Jesus Crucificado, Maria, João e Madalena. Maria, pelo amor. João, pela fidelidade. Madalena, pelo arrependimento.
25 DE JULHO O PURGATÓRIO DA TERRA Podemos expiar nossos pecados aqui e pagar vantajosamente a nossa pena pela penitência. E o sofrimento, suportado pacientemente, ajuda-nos a fazer o purgatório neste mundo. Diz a Imitação de Cristo: “Aqui tem grande e saudável purgatório o homem paciente, que, recebendo injúrias, mais se dói da maldade do injuriador que da sua própria ofensa; que roga a Deus, sinceramente, por seus inimigos, e de coração perdoa os agravos e, se alguém o ofendeu, não tarda em pedir-lhe perdão; que mais facilmente se compadece do que se ira; que se faz violência a si mesmo e trabalha por sujeitar de todo a carne ao espírito. Melhor é purgar agora os pecados do que deixá-los para os purgar na outra vida”.5 Em outra passagem acrescenta o Autor: “Se disseres que não podes sofrer tanto, como sofrerás o fogo do purgatório? De dois males se há de escolher o menor. Para evitares, pois, os tormentos eternos, sofre por Deus, e de bom ânimo, os males presentes”.6
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Ah! sim, para evitar um eterno e horroroso tormento, não havemos de querer sofrer um pouco neste mundo? E o Purgatório? Já pensamos, já meditamos seriamente na intensidade e no horror das suas penas? E podemos evitar o Purgatório! Basta entrar na fornalha do Divino Amor e alimentar-lhe o fogo com o lenho da cruz. As almas aqui abrasadas no Amor não sofrerão, por certo, o fogo do Purgatório, porque o Amor é doce Purgatório da terra!
26 DE JULHO UM GRANDE SACRAMENTO Quando Maria Antonieta seguiu o caminho do Patíbulo, disse, com muita fé e resignação: “Vou receber um grande sacramento”. Ela tinha razão. O sofrimento é, na verdade, um sacramento, que um santo acrescentava aos sete (sacramentos) da Igreja. O oitavo Sacramento de amor e de misericórdia! Quantas graças não nos traz do Céu! O que perdeu a graça a encontra, muitas vezes, na dor. Quantos santos, em gozo da glória, estariam talvez hoje no Inferno, se não tivessem sofrido, se a Divina Providência não os houvesse ferido com a adversidade! Com os sacramentos, o sofrimento aumenta a graça e nos enriquece de méritos para o Céu. Será mister prová-lo? Já não o vimos tantas vezes nestas páginas? O sofrimento é um batismo de regeneração, a confirmação de nossa miséria, a penitência de nossos pecados, a Eucaristia do Amor, a Unção dos enfermos, da Misericórdia, a Ordem que nos consagra vítimas do Amor, o Matrimônio do Celeste Esposo. Grande Sacramento! E não se pode entrar no Céu sem o receber. Não nos ordena Jesus a penitência como necessária porta do Céu? “Se não fizeres penitência, todos perecereis!” Vede o que nos diz o Evangelho sobre a necessidade da Penitência! Podemos salvar-nos sem penitência? E que é a penitência senão o Sofrimento? Sem o primeiro e o oitavo sacramento, não entrará, quem pecou, no Reino dos Céus!
27 DE JULHO 171
PROSPERIDADE-CASTIGO “Eu tremo – dizia Santo Ambrósio – quando vejo o pecador feliz.” É a prosperidade castigo. O homem feliz na terra se esquece do Céu, materializa-se, nada sabe. “Quem não sofre que é que pode saber?” – pergunta a Escritura. Os prazeres enervam e nos tornam incapazes de pensar nas coisas eternas. Diz São Paulo, e com razão, que o homem animal não percebe as coisas espirituais. Falai em Deus, alma e eternidade a um desses gozadores da vida. Ele não vos entenderá. Abnegação! Penitência! Espírito de sacrifício! Oh! é linguagem do Céu. Os bárbaros não a compreendem. A prosperidade cegou muitos homens e nessa cegueira se condenaram. “Considerai – diz São Jerônimo – que é grande a cólera de Deus quando não castiga os pecadores.” Temei a prosperidade orgulhosa e infatuada. Os ricos e os grandes do mundo julgam-se dispensados de amar e servir a Deus na humildade e no sacrifício. “Ai dos ricos – diz Nosso Senhor – porque eles têm neste mundo a sua consolação.” Não vos lembrais da prosperidade do rico epulão e da miséria de Lázaro? O rico foi sepultado no Inferno, diz Nosso Senhor. Eis a desgraça da prosperidade. E Lázaro foi levado ao seio de Abraão. Eis a recompensa da adversidade. Não sejamos como os pagãos, que só na prosperidade é que acreditam na proteção dos deuses. Para o cristão, a prosperidade pode ser e tantas vezes é, um sinal bem certo de reprovação eterna, principalmente se ela subsiste com a vida de pecado e de escândalos.
28 DE JULHO A ESCOLA DOS SANTOS A escola dos santos foi a escola da cruz. Não se encontrará um só que não tenha passado por muitas e grandes tribulações para chegar à glória. E todos abençoaram e amaram apaixonadamente a cruz. Os santos – diz a Imitação7 – e amigos de Cristo serviram o Senhor em fome, em sede, em frio e nudez, em 172
trabalhos e fadigas, em vigílias e jejuns, em orações e santas meditações, em perseguições e muitos opróbrios. Oh! quantas e quão graves tribulações padeciam os apóstolos, os mártires. os confessores, as virgens e todos os demais que quiseram seguir as pisadas de Cristo! Pois aborreceram neste mundo suas vidas para as possuírem na eternidade.8 A vida dos santos é um poema de Amor e de dor. “A cruz – diz São Francisco de Sales – é a porta real para a entrada no templo da santidade.” Nenhum santo aprendeu a amar noutra escola. São Paulo, mestre do Amor, foi também mestre da cruz. Eis como se exprime: “Eu vos digo a verdade em Cristo e não minto, exprimo o testemunho que dá minha consciência no Espírito Santo, e é que eu experimento uma grande tristeza e uma dor contínua em meu coração”. Ah! sim, a tristeza de São Paulo é a de todos os santos. Ver Deus ofendido e não amado, sentir o coração ferido de Amor e viver nas trevas de uma angustiosa aridez! Contemplar o mundo no pecado e ver a Paixão de Jesus perpetuar-se, as almas que se perdem, a indiferença dos bons! Oh! se soubéssemos o que padece um santo, mesmo sem provações exteriores!
29 DE JULHO SOFRER E PERDOAR Como é doce a paciência dos santos! Sabem sofrer e sabem perdoar! Um homem perverso e cruel atirou com violência uma pedra que foi ferir gravemente o santo e pobrezinho São Bento Labre. Inclinou-se humildemente o santo, tomou a pedra, beijou-a e colocou-a respeitosamente num muro do caminho. Prosseguiu a viagem a rezar todo o tempo pelo seu agressor. Que doçura e paciência! Isto é ser cristão, é ser verdadeiro discípulo de Jesus Cristo! Quando muitas pedras de contradições, palavras duras e injúrias nos forem atiradas, fiquemos tranquilos. Oremos pelos que nos perseguirem. É um meio excelente para recuperar a calma e dominar esses instintos de cólera e orgulho que não nos deixam em paz. Um dia Santa Isabel recebeu uma afronta. A injúria a foi ferir no âmago do coração. Sentiu-se perturbada e correu aos pés de Nosso Senhor. Fez violência ao coração 173
e começou penosamente a rezar pelos que a insultaram, dizendo: “Meu Jesus, dai aos que me insultaram um benefício, uma graça que corresponda a cada injúria”. Quando assim rezava, Nosso Senhor lhe disse: “Nunca me fizeste orações mais agradáveis e belas do que estas. Penetraram tuas súplicas até o fundo de meu coração. Perdoo, minha filha, por isso, todos os pecados de toda tua vida”. Tenhamos a doce certeza de que assim nos falará Nosso Senhor, se soubermos, como Ele, sofrer e perdoar!
30 DE JULHO SENHOR, VOS ME ENGANASTES! “Deus – escreveu Lacordaire – ocultou no sofrimento um bálsamo reparador e misterioso”. A alegria de sofrer, que experimentaram os verdadeiros amigos de Nosso Senhor, o mundo jamais será capaz de a entender.” Santa Teresa disse: “Este sentimento, sentimento simultâneo de alegria e de dor, é uma alegria apenas nascente, algo de incompreensível para mim. O prazer e a dor que sinto ao mesmo tempo, são para mim um mistério”.9 São Francisco de Sales escreve admiravelmente sobre esse mistério de dor e alegria na alma do justo: “Jesus Cristo sofre com quem por Ele sofre... Jesus tira dos sofrimentos de seus amigos uma parte. Seu divino Amor faz achar doçura na dor, semelhantemente a fontes de água doce que se encontrassem em pleno oceano e às aragens frescas recebidas na fornalha pelos três meninos da Babilônia. Quando se ama não se sofre, mas, se vem o sofrimento, é recebido com amor”.10 Em cada amargura, em cada provação, uma gota de bálsamo suave e delicioso de amor e de paz. Para quem ama a Jesus, a própria dor consola observa Santo Agostinho. Oh! doce mistério de amor e de misericórdia! Sofre-se o tormento, o exílio, o castigo, a punição do pecado, goza-se desde já a recompensa, a paz, a suavidade do Amor. Por isso é que um solitário, já no fim de uma vida austera, dizia: “Senhor, Vós me enganastes! Julgava que, para Vos servir, era preciso sofrer só e muito para Vós e, entretanto, que doçura e que paz! Vós me 174
enganastes, Senhor!”
31 DE JULHO MOMENTOS PRECIOSOS “Os momentos de sofrimento – diz Bossuet – são momentos preciosos.” É que, no sofrimento, cumpre-se a Vontade de Deus. Só tem méritos para o Céu o que fazemos dentro dos limites da Vontade Santíssima de Deus. Ora, se Deus nos permite a enfermidade, aceitemo-la, assim como tudo o que Ele quiser, e resignemo-nos. O autor da Imitação diz muitas vezes: “Não há outra esperança nem outra redenção fora da cruz”. A cruz que nos enviou Nosso Senhor é doença? Vamos carregá-la pacientemente ao Calvário. Enquanto sofremos estamos ganhando para o Céu e mais do que em tempo de prosperidade e saúde. Na saúde, quanto trabalho, na aparência, para a glória de Deus, mas realmente, por vanglória, por atividade natural e por questão de temperamento. Vem a doença e nos afligimos tanto. Por quê? Por que nos queixamos então da Providência? Oh! não havia bastante pureza de intenção em nossos trabalhos. Não estávamos fazendo a vontade de Deus, mas sim a nossa. Todas essas verdades se esclarecem numa séria meditação, feita num leito de enfermidade. Sofrer é também trabalhar para Deus, é cumprir a Vontade do Senhor. “Uma hora de sofrimento – dizia Santo Afonso vale mais do que todos os tesouros da terra.” E o Pe. Ravignan: “Trabalhar é rezar, mas sofrer ainda é melhor”. Momentos preciosos os da enfermidade! Se soubéssemos aproveitá-los! Que riqueza para o Céu! 1 - De Civitate Dei - lib. 1 - ch. I. 2 - Rouzic. - “Douleur et résignation”. 3 - Les sources de la paix intellectualle (As fontes da paz intelectual). 4 - Douleur et résignation - Rousic (Dor e resignação). 5 - Imitação de Cristo. Livro I - c. XXIV. 6 - Imitação de Cristo. livro III - c. XII v.2. 7 - São João 12,25.
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8 - Imitação - LXVIII. V - 1-2. 9 - Vida de Santa Teresa, por ela mesma, Caps. XXX e XXXV. 10 - Esprit doe Saint François de Salles - III - part. c. XLVIII.
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1 DE AGOSTO DO PROVEITO DAS ADVERSIDADES (Imitação c. XII) Bom é que, de tempos em tempos, sucedam-nos coisas adversas e nos venham trabalhos, porque fazem recolher o homem dentro do seu coração, para que, conhecendo que vive em desterro, não ponha a sua esperança em coisa alguma do mundo. Bom é que padeçamos algumas vezes contradições e que os homens pensem mal ou pouco favoravelmente de nós, ainda que façamos o bem e tenhamos boa intenção. Estas coisas, de ordinário, ajudam-nos a sermos humildes e nos defendem da vanglória. Porque então buscamos melhor a Deus por testemunha interior, quando exteriormente somos desprezados pelos homens que pensam mal de nós. Por isso deveria o homem firmar-se de tal modo em Deus que lhe não fosse necessário buscar muitas consolações humanas. Quando o homem de boa vida é atribulado, tentado ou combatido de maus pensamentos, então conhece ter de Deus necessidade, experimentando que sem Ele não pode fazer coisa boa. Então se entristece, geme e pede ao Senhor que o livre dos males de que padece. Então sente que se lhe dilata a vida, deseja que se lhe apresse a morte, para ser desatado das prisões do corpo e unir-se com Cristo. Então conhece que não há nem pode haver no mundo perfeita segurança nem paz perfeita.
2 DE AGOSTO COMO RESISTIR ÀS TENTAÇÕES (Imitação c. XIII – L.1) Enquanto vivemos no mundo não podemos estar sem trabalhos e tentações. Por isso está escrito no livro de Jó: “A vida do homem sobre a terra é uma contínua
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tentação”. Ninguém é tão santo e tão perfeito que não tenha, algumas vezes, tentações, e não podemos viver sem elas. São, contudo as tentações utilíssimas ao homem, posto que sejam importunas e pesadas; porque nelas é humilhado, instruído e purificado. Todos os santos passaram por muitas tentações e trabalhos, e foi assim que aproveitaram. E os que não quiserem sofrer e levar com ânimo foram tidos por maus e desfaleceram no caminho da salvação. Não há ordem tão santa nem lugar tão retirado onde não haja tentações e adversidades. Nenhum homem está inteiramente livre de tentações enquanto vive, porque em nós mesmos está a causa donde vêm elas, pois nascemos com a inclinação ao pecado. Passada uma tentação ou tribulação, sobrevém outra, e sempre teremos que sofrer, porque se perdeu o bem de nossa primeira felicidade. Muitos querem fugir às tentações e caem nelas mais gravemente. Não as podemos vencer só com fugir-lhes, mas com paciência e verdadeira humildade nos fazemos mais fortes que nossos inimigos. O fogo prova o ferro e a tentação, o justo. Nas tentações e adversidades se vê quanto cada um tem aproveitado, e nelas consiste o maior merecimento e se conhece melhor a virtude. Não é muito ser um homem devoto e fervoroso quando nada o penaliza; mas, se no tempo da adversidade se mantém com paciência, dá esperanças de grande aproveitamento.
3 DE AGOSTO DO SOFRIMENTO DOS DEFEITOS DO PRÓXIMO (Imitação – L. 1 – c. XVI) O que o homem não pode emendar em si ou nos outros, deve sofrê-lo com paciência, até que Deus ordene de outro modo. Considera que assim convém melhor para tua provação e paciência, sem as quais não são dignos de muita estimação os nossos merecimentos. Deves pedir a Deus que te ajude para que possa vencer esses obstáculos ou sofrê-los com resignação. Estuda e aprende a sofrer com paciência quaisquer defeitos e fraquezas alheias, pois tu também fazes sofrer muito aos outros. Se todos fossem perfeitos, que teríamos então que sofrer dos outros por amor de Deus? Porém, assim Deus o permite para que aprendamos a relevar as faltas dos outros, porque ninguém há sem carga, 178
ninguém sem defeito, ninguém é suficiente nem completamente sábio para si: mas convém que uns e outros nos soframos, e nos consolemos, e reciprocamente nos ajudemos com instruções e advertências. De quanta virtude cada um é, melhor se manifesta na oração da adversidade. Porque as ocasiões não fazem o homem fraco, porém, descobrem o que ele é. Ofendemo-nos facilmente com os defeitos alheios e não trabalhamos por emendar os nossos. Queremos que os outros sejam castigados com rigor e não queremos ser repreendidos.
4 DE AGOSTO SOLIDÃO E PAZ (Imitação – L. 1 – c. XX) Oh! quem nunca buscara alegria transitória! Oh! quem nunca se ocupara do mundo! Quão pura consciência teria! Oh! quem cortara todo vão cuidado e somente tratara das coisas salutares e divinas e pusera em Deus toda sua esperança! Que paz e sossego não lograria! Ninguém é digno de consolação celestial se não se exercitar com diligência na santa compunção. Se queres compungir-te de coração, entra em teu retiro e desterra de ti todo cuidado do mundo, segundo está escrito: “Compungi-vos em vossos retiros”. Nele acharás o que muitas vezes perdes fora. Para que queres ver o que te não é lícito possuir? – Passa o mundo e sua concupiscência! Os desejos sensuais nos arrastam a passatempo; mas, passada aquela hora, que te fica senão peso na consciência e distração no coração? A saída alegre faz muitas vezes a volta triste, e a véspera deleitosa prepara aflita manhã. E deste modo todo gosto carnal entra suavemente, mas por fim atormenta e mata. Se visses diante de ti todas as coisas, que seria isto senão uma visão fantástica? Levanta teus olhos a Deus nas alturas e pede-Lhe perdão de teus pecados e negligências. Deixa aos vãos as coisas vãs e tem cuidado do que Deus te ordena. Fecha-te em teu aposento e chama em teu auxílio a teu amado Jesus. Vive com Ele na tua cela, que não acharás noutro lugar tanta paz. Se não saísses fora nem ouvisses novidades, melhor permanecerias em santa paz. Mas, por isso que folgas em ouvir, algumas vezes, novidades, terás que sofrer desassossego de coração. 179
5 DE AGOSTO CONSIDERAÇÃO DAS MISÉRIAS HUMANAS (Imitação – c. XXII) Miserável serás onde quer que estejas e para onde quer que te voltes, se não te converteres a Deus. Por que te afliges se te não sucede o que queres e desejas? Quem é que tem todas as coisas à medida dos seus desejos? Por certo, nem eu, nem tu, nem homem algum sobre a terra. Ninguém vive no mundo sem alguma tribulação ou angústia, ainda que seja rei ou papa. Pois quem é que está melhor? Certamente o que pode padecer alguma coisa por amor de Deus. Dizem muitos fracos e tíbios: “Olhai que bela vida leva aquele homem! Como é rico, nobre, poderoso, elevado!” Levanta, porém, o pensamento aos bens do Céu e verás que todos os bens temporais nada são! Sempre incertos, são pesados, porque nunca se possuem sem cuidado e temor. Não consiste a felicidade do homem em ter abundância de bens temporais. Basta-lhe a mediania. Por certo é miséria grande viver na terra. Quanto mais um homem quiser ser espiritual tanto mais amarga se lhe fará a vida presente, pois melhor conhece e mais claramente os defeitos da corrupção humana. Muito oprimido se sente o homem interior com as necessidades corporais deste mundo. Mas ai dos que não conhecem esta miséria! E, ainda mais ai dos que amam esta vida miserável e perecedora! Ó loucos e duros de coração, os que tão profundamente jazem apegados à terra, de que nada gostam senão das coisas carnais. Infelizes! Virá o dia em que verão, muito à sua custa, quão vil e nada era tudo que amavam!
6 DE AGOSTO TEMPO DE MERECER (Imitação – L. I – c. XX) Quando estás atribulado e aflito, então é tempo de merecer. “Convém que passes por fogo e por água antes que chegues ao lugar de descanso”, diz o salmista. Se não te fizeres violência, não vencerás o vício. Enquanto estamos neste frágil 180
corpo, não podemos estar sem pecado, nem viver sem fadiga e dor. De boa vontade queríamos o descanso sem miséria alguma. Porém, com o pecado, perdemos a inocência, perdemos também a verdadeira felicidade. Por isto nos importa ter paciência e esperar a misericórdia de Deus “até que esta maldade se acabe e seja destruída a mortalidade da vida”. Oh! quão grande é a fraqueza humana, que sempre está inclinada aos vícios! Com muita razão nos devemos humilhar e não nos ter em grande conta, pois somos tão frágeis e tão inconstantes. Depressa se perde, por descuido, o que, com muito trabalho, dificultosamente se ganhou pela graça. Ai de nós se assim queremos buscar o descanso, como se já tivéramos paz e segurança, quando em nossa vida não aparece ainda sinal de verdadeira santidade! Bem necessário era ainda que fôssemos instruídos outra vez, como dóceis noviços, nos bons costumes, se, por ventura, houvesse esperança de alguma futura emenda e de maior aproveitamento espiritual.
7 DE AGOSTO SOFRER COM CRISTO E POR CRISTO PARA REINAR COM CRISTO (Imitação – c. I – Livro II) Que vês no mundo que possa merecer teus afetos, não sendo ele o lugar de teu descanso? O Céu deve ser tua morada e, como de passagem, hás de olhar as coisas terrenas. Tudo acaba e tu, igualmente, virás a ter fim. Olha, não lhe cries amor para que te não cativem e morras em suas prisões. No Altíssimo põe teu pensamento, e tua oração, sem cessar, seja dirigida a Cristo Senhor Nosso. Se não sabes contemplar as coisas celestiais, medita na Paixão do Salvador e habita gostosamente em suas chagas sagradas. Se devotamente recorreres a esses preciosos e sanguinolentos sinais de seu amor para conosco, sentirás ânimo grande na tribulação, não farás muito caso do desprezo dos homens e facilmente sofrerás as palavras dos maldizentes. O mesmo Jesus Cristo foi também no mundo desprezado dos homens e, no maior aperto, entre grandes afrontas, desamparado de amigos e conhecidos. Esse Senhor quis padecer e ser desprezado e tu, à vista de tanta paciência, ousas queixar-te de alguma coisa? 181
Jesus Cristo teve inimigos e detratores; e tu queres que todos sejam teus amigos e benfeitores? Como coroará Deus a tua paciência se, em nenhuma adversidade, fores provado? Se nada queres sofrer, como serás amigo de Cristo? Sofre com Cristo e por Cristo, se queres reinar com Cristo.
8 DE AGOSTO DA HUMILDE SUBMISSÃO (Imitação – Livro II – c. II) Não te importe muito saber quem é por ti ou contra ti; mas só deseja e procura que Deus te ajude em tudo o que fizeres. Tem boa consciência e Deus te defenderá, porque, a quem Deus quiser ajudar, nenhum mal lhe fará a malícia dos homens. Se souberes calar e sofrer, sem dúvida verás o auxílio de Deus. Ele sabe o tempo e o modo de te aliviar; entrega-te, pois, em suas Mãos. A Deus pertence ajudar-te e aliviar-te de toda confusão. Algumas vezes convém muito, para guardar maior humildade, que outros saibam e repreendam nossos defeitos. Quando um homem se humilha por seus defeitos, abranda facilmente os outros e sem dificuldade satisfaz aos que estão irados contra ele. Deus defende e livra o humilde, ama-o e dá-lhe consolação, inclina-se para ele, concede-lhe graça e, depois do seu abatimento, levanta-o a grande honra. Ao humilde descobre os seus segredos e o atrai docemente a si. O humilde, recebida a ofensa, fica em paz: porque tem sua confiança em Deus e não no mundo. Não cuides que tens aproveitado se te não avalias inferior a todos.
9 DE AGOSTO DO HOMEM BOM E PACÍFICO (Imitação – c. III – Livro II) Procura, para ti primeiro, a paz e depois poderás procurá-la para outros. O homem pacífico é mais útil que o homem douto. O homem apaixonado até o bem converte em mal e crê no mal com facilidade. Pelo contrário, o homem bom e 182
pacífico todas as coisas leva em bem. Quem está em boa paz, de ninguém suspeita mal; mas quem vive descontente e inquieto, com diversas suspeitas se atormenta, nem vive em sossego, nem deixa sossegar os outros. Diz muitas vezes o que não deveria dizer e deixa de fazer o que mais lhe conviria. Considera as obrigações alheias e descuida-se de seus próprios deveres. Tem, pois, primeiramente zelo de ti, depois o terás justamente de teu próximo. Tu sabes desculpar e dissimular bem as tuas faltas e não queres aceitar as desculpas alheias. Mas justo fora que te acusasses a ti e desculpasses a teu irmão. Sofre os outros, se queres que eles te sofram. Olha quão longe estás ainda da verdadeira caridade e da humildade que se não sabe irar senão contra si. Não é ação de avultado merecimento viver em paz com os bons e mansos. Isto a todos naturalmente agrada, e cada um, de boa vontade, tem paz e ama os que concordam com ele. Porém, viver em paz com os ásperos, perversos e de má condição, ou com aqueles que nos contrariam e combatem, é grande graça e ação varonil e louvável. Alguns há que têm paz consigo e com os outros. Outros há que nem a têm consigo nem a deixam ter os demais. São molestos para os outros e ainda o são mais para si mesmos. E há outros que têm paz consigo e trabalham para dá-la aos outros.
10 DE AGOSTO ALEGRIA DA BOA CONSCIÊNCIA (Imitação – Livro II – c. VI) “A glória do homem virtuoso é o bom testemunho da sua consciência.” Tem boa consciência e sempre terás alegria. A boa consciência é muito sofredora e conserva-se alegre nas adversidades. A má consciência está sempre inquieta e assustada. Gozarás de doce sossego se teu coração de nada te acusa. Não te alegres senão quando fizeres algum bem. Os maus nunca têm alegria verdadeira nem sentem paz interior, porque disse o Senhor: “Não há paz para o ímpio”. E se disserem: vivemos em sossego, nenhum mal nos acontece; quem se atreverá a ofender-nos? Não lhes dês crédito; porque de repente se levantará contra ele a ira de Deus e se reduzirão a nada suas obras e perecerão seus pensamentos. Não 183
é dificultoso ao que ama gloriar-se na tribulação, porque gloriar-se desta sorte é gloriar-se da cruz do Senhor. Pouco dura a glória que o homem dá e recebe. A glória do mundo anda sempre acompanhada de tristeza. A glória dos bons está na sua consciência e não na boca dos homens. A alegria dos justos é de Deus e em Deus, e sua alegria vem da verdade. Quem deseja a verdadeira e eterna glória não faz caso da temporal. Quem a glória temporal procura ou a não despreza de coração, sinal é que não ama a celestial. Grande sossego de coração tem aquele que nada se lhe dá dos louvores nem das afrontas. Facilmente estará contente e sossegado o que tem a consciência limpa. Não és mais santo porque te louvam, nem mais ruim porque te vituperam. O que és, isso és, e por que te estimem os homens não podes ser perante Deus maior do que és. Se atenderes ao que és no teu interior, não se te dará do que te dizem os homens. “O homem vê no rosto e Deus no coração.” O homem considera as obras e Deus pesa as intenções. Trabalhar sempre bem e ter-se em pouca conta é o indício duma alma humilde.
11 DE AGOSTO QUÃO POUCOS SÃO OS QUE AMAM A CRUZ DE JESUS CRISTO (Imitação – c. XI – Livro II) Jesus Cristo tem agora muitos que amam o seu reino celestial, mas poucos que levam a sua cruz. Muitos desejam sua consolação e muito poucos desejam a tribulação. Muitos companheiros acha de sua mesa e poucos de sua abstinência. Todos querem gozar de sua alegria, mas poucos querem sofrer alguma coisa por Ele. Muitos seguem a Jesus até o partir do pão, porém poucos até o beber o cálice da sua paixão. Muitos admiram seus milagres, mas poucos abraçam a ignomínia da cruz. Muitos amam a Jesus quando não há adversidade. Muitos O louvam e exaltam enquanto Dele recebem algumas consolações. Porém, se Jesus se lhes esconde e os deixa por algum tempo, logo se queixam ou demasiadamente desanimam. Aqueles, porém, que amam a Jesus por amor de Jesus e não por amor de sua própria consolação, tanto O louvam em toda tribulação e angústia de coração como nas mais doces consolações. E, ainda que nunca mais se lhes quisesse dar consolação, sempre O louvariam e Lhe dariam graças. 184
Oh! quanto é poderoso o amor de Jesus, quanto é puro e sem mistura de interesse e amor próprio! Não são, porventura, mercenários os que sempre buscam consolações? Não se amam a si mais do que a Cristo os que de contínuo pensam em seus proveitos e comodidades? Onde se achará algum homem que queira servir a Deus de graça? Ainda entre pessoas espirituais raramente se encontra uma que viva inteiramente desapegada de tudo. Quem decobrirá, pois, o verdadeiro pobre de espírito e desapegado de amor de todas as criaturas? “Pérola preciosa que é preciso buscar nas extremidades da terra.”
12 DE AGOSTO O CAMINHO REAL DA SANTA CRUZ (Imitação – Livro II – c. XII) A muitos parecem duras estas palavras do Salvador: “Renuncia a ti mesmo, toma a tua cruz e segue-me”. Porém, muito mais duras parecerão aquelas que Ele pronunciar no dia de Juízo: “Apartai-vos de Mim, malditos, ide para o fogo eterno”. Os que agora ouvem e seguem de boa vontade a palavra da cruz, não temerão então a sentença da eterna condenação. Este sinal da cruz aparecerá no Céu quando o Senhor vier e julgar. Então todos os servos da cruz que se conformaram na vida com Cristo Crucificado se achegarão a Jesus Cristo Juiz com grande confiança. Por que temes, pois, tomar a cruz pela qual se vai ao Céu? Na cruz está a salvação e a vida, na cruz a proteção contra nossos inimigos. Da cruz emanam as suavidades celestiais; na cruz está a fortaleza da alma, a alegria do coração, o compêndio da virtude, a perfeição da santidade. Não há salvação da alma nem esperança da vida eterna senão na cruz. Toma, pois, a tua cruz, segue a Jesus e chegarás à vida eterna. Este Senhor foi adiante, levando às costas a sua cruz e nela morreu por ti, para que tu leves também a tua e nela desejes morrer. Porque, se morreres com Ele, também com Ele viverás, e, se fores seu companheiro no trabalho, o serás também na glória. Verdadeiramente, todo negócio de nossa salvação consiste em amar a cruz e em morrer nela. Nem há outro caminho para a vida e para a verdadeira paz do coração senão o da cruz e da mortificação contínua. Vai aonde quiseres; não acharás caminho mais excelente 185
para te elevares, nem mais seguro para te abateres, sem perigo de cair, que o da santa cruz.
13 DE AGOSTO LEVA TUA CRUZ DE BOA VONTADE! (Imitação – c. XII – v. 4 – Livro II) Deus quer que aprendas a sofrer a tribulação sem alívio, sujeitando-te de todo a Ele e fazendo-te mais humilde com a tribulação. Ninguém sente mais vivamente a Paixão de Cristo que aquele que padece pelos semelhantes. Assim, sempre a cruz está preparada e em qualquer lugar te espera. Para qualquer parte que vás, não lhe podes fugir, porque, para onde quer que fores, levas a ti contigo e sempre acharás a ti mesmo. Ou te eleves ou te abaixes; ou te dês às coisas exteriores ou às interiores, em tudo acharás cruz. E é necessário que sempre tenhas paciência, se queres paz interior e merecer a coroa eterna. Se de boa vontade levares a cruz, ela te levará e te guiará ao termo tão desejado, onde cessarás de sofrer, mas não será neste mundo. Se de má vontade a levares, aumentar-lhe-ás o peso e mais carregado irás. Pois, em todo caso, é forçoso que a leves. Se te eximires de uma cruz, acharás certamente outra e, talvez, mais pesada. Pensas tu poder escapar ao que nenhum mortal pôde evitar? Que santo houve jamais neste mundo sem cruz e sem tribulação? Nem ainda Jesus Cristo, Nosso Senhor, esteve, enquanto viveu, uma hora sem padecer. Convinha – disse Ele mesmo – que Cristo sofresse, que ressuscitasse dos mortos e assim entrasse em sua glória. Como, pois, buscas tu outro caminho para entrar no Céu que não seja o caminho real da santa cruz? Toda a vida de Cristo foi cruz e martírio; e tu queres que a tua seja descanso e alegria?
14 DE AGOSTO LEVAR A CRUZ E AMAR A CRUZ (Imitação – Livro II – c. XII – vs. 8-9-10-11) 186
Quanto mais se debilita a carne pela aflição, tanto mais se fortalece o espírito pela graça interior. E, às vezes, é tal o seu amor dos sofrimentos e tanto o desejo de conformar-se a Jesus Cristo Crucificado, que não quer estar um só momento sem dor e tribulação, pois crê ser tanto mais aceito a Deus quanto forem maiores os trabalhos que por seu respeito puder sofrer. Não é isto virtude humana, senão graça de Jesus Cristo, que tão poderosamente faz tão grandes coisas na carne frágil, fazendo-lhe que ame e sofra com afeto intenso aqueles mesmos males a que naturalmente tem horror e aversão. Não há coisa mais contrária à inclinação do homem que levar a cruz, amar a cruz, castigar o corpo e pô-lo em servidão, fugir das honras, sofrer de bom grado as injúrias, desprezar-se a si mesmo e desejar que o desprezem; suportar as aflições e desgraças e não desejar prosperidade alguma neste mundo. Se consideras as tuas forças, acharás que nada disto podes fazer. Porém, se confiares no Senhor do Céu, Ele te enviará celestial fortaleza e terás poder sobre a carne e o mundo. Se te armares do escudo da fé e do sinal da cruz de Jesus Cristo, nem o mesmo demônio temerás. Resolve-te, pois, como bom e fiel servo de Jesus Cristo, a levar varonilmente a cruz do Homem Deus crucificado por teu amor. Prepara-te para sofrer nesta miserável vida muitas adversidades e vários incômodos, porque assim estará Ele contigo onde quer que estiveres e, na verdade, acharás a Jesus em qualquer parte que te escondas. Assim convém que seja e não há outro remédio para minorar a dor e a tribulação dos males senão sofrê-las com resignação.
15 DE AGOSTO O PARAÍSO NA TERRA (Imitação L. II – c. XII v. 11) Quando chegares ao estado em que a aflição te seja suave e gostosa por amor de Jesus Cristo, dá-te então por feliz, porque achaste o paraíso na terra. Mas, enquanto o padecer te for molesto e buscares evitá-la, crê que te vai mal, e onde quer que fores, contigo irá a tribulação. Se te resolveres, como deves, a sofrer e morrer, logo te irá melhor e acharás a paz. E, ainda quando fosses arrebatado, como São Paulo, ao terceiro Céu, nem por isso estarias isento de padecer. “Eu lhe 187
mostrarei – diz Jesus – quando convém que ele sofra por meu nome.” Não te resta, pois, senão sofrer, se estás resolvido a amar e servir perpetuamente a Jesus. Prouvera a Deus que fosses digno de padecer alguma coisa pelo nome de Jesus! Que glória para ti! Que alegria para os santos de Deus! Que edificação para o próximo! Todos recomendam a paciência, ainda que poucos queiram exercitála. Não deverias com razão padecer males por amor de Jesus Cristo, quando tantos padecem males incomensuravelmente maiores por amor do mundo? Sabe e tem por certo que tua vida deve ser uma contínua morte e quanto mais morre cada um para si mesmo, tanto mais começa a viver para Deus. Só é capaz de contemplar as coisas celestiais o que se resolve a sofrer adversidades por Cristo! E, se te dessem a escolher, antes deverias desejar padecer trabalhos por amor de Jesus Cristo que ser recreado com muitas consolações, porque assim serias conforme ao Salvador e mais semelhante a todos os santos. Não consiste, pois, nosso merecimento e a perfeição de nosso estado nas muitas suavidades e consolações, mais sim no sofrimento dos males e tribulações.
16 DE AGOSTO CONSOLAÇÃO E PERTURBAÇÕES (Imitação – c. IX – Livro II) Quando Deus te der alguma consolação espiritual, receba-a agradecido, reconhecendo que é dom de Deus e não merecimento teu. Com ela não te desvaneças nem te alegres em excesso, nem presumas vãmente de ti, mas humilha-te pelo dom recebido e sê mais acautelado e timorato em todas as tuas obras, porque passará aquela hora de alegria e virá a tentação. Quando te for tirada a consolação, não desesperes logo, mas espera com humildade e paciência que volte esta alegria celeste, porque todo poderoso é Deus para dá-la de novo e ainda maior que a precedente. Isto não é novo nem estranho para os que têm experiência dos caminhos do Senhor. Os grandes santos e os antigos profetas experimentaram muitas vezes esta alternativa de paz e de perturbação. Um deles, David, sentindo a presença da graça, exclamava: – “Disse na minha abundância: não serei abatido jamais”. Porém, vendo que a graça se ausentava dele, 188
acrescentava: – “Apartastes de mim o vosso rosto e para logo fui conturbado”. Nesta perturbação, porém, não desesperes, antes, com maior instância, roga ao Senhor, dizendo: – “A Vós, Senhor, clamarei e ao meu Deus invocarei”. Por fim, alcança o fruto da sua oração e dá testemunho de ter sido ouvido, dizendo: – “Ouviu-me o Senhor e teve compaixão de mim, o Senhor declarou-se meu protetor”. Mas em quê “Convertestes, diz, o meu pranto em gozo e cercastes-me de alegria”. Ora, se Deus assim faz com os grandes santos, nós, fracos e pobres, não devemos desconfiar por nos sentirmos já fervorosos, já tíbios, porque o espírito de Deus vem e retira-se segundo lhe apraz? Por isso disse o bemaventurado Jó: – “Visitais o homem pela manhã e logo o provais”. Em quem posso eu esperar ou em quem devo pôr minha confiança senão na infinita misericórdia de Deus e na esperança da graça celestial? Não encontrei nunca um homem tão devoto que alguma vez se não visse privado da consolação Divina ou não sentisse diminuição de fervor. Nenhum santo foi tão altamente arrebatado e da luz divina esclarecido, que antes ou depois, não fosse tentado. Não é, pois, digno da alta contemplação de Deus quem por Ele não sofreu alguma tribulação.
17 DE AGOSTO POR QUE BUSCAS DESCANSO? (Imitação – c. X – L. II) Para que buscas descanso se nasceste para o trabalho? Dispõe-te à paciência, mais do que à consolação, e a levar a cruz antes do que ter alegria. Que homem mundano não receberia de boa vontade a consolação e alegria espiritual se delas sempre pudesse gozar? As consolações espirituais excedem a todos os prazeres do mundo e os deleites da carne. Porque todas as delícias do mundo ou são torpes ou vãs, e só as espirituais são alegres e honestas, geradas pelas virtudes e infundidas por Deus nos corações puros. Mas ninguém pode lograr continuamente estas consolações divinas à medida do seu desejo, porque breve é o tempo em que não há tentação. Um grande obstáculo às consolações celestes é a falsa liberdade da alma e a presunçosa confiança em si mesmo. Deus faz bem ao homem dando-lhe a graça da consolação; o homem faz mal não atribuindo 189
tudo a Deus e não Lhe dando graças. E, se em nós não abundam os dons da graça, é porque somos ingratos a seu Autor, não Lhos atribuindo como à fonte de todo o bem. Porque nunca recusa Deus a graça a quem dignamente é agradecido, e nega ordinariamente ao soberbo o que costuma dar ao humilde. Não quero consolação que me tire a compunção, nem contemplação que me faça cair em desvanecimento. Pois nem tudo o que é elevado é santo, nem tudo o que é doce é bom, nem todo desejo é puro, nem tudo o que nos agrada, agrada a Deus. De boa mente aceito a graça que me faz humilde e timorato e que melhor me dispõe para renunciar a mim mesmo. O homem instruído pela graça e escarmentado em tê-la perdido, não ousará atribuir-se a si bem algum, antes se confessará pobre e sem merecimento. Dá a Deus o que é de Deus e atribui a ti o que é teu; isto é, dá graças a Deus pelos auxílios que te concede e só a ti atribui à culpa e reconhece que, não havendo em ti senão pecado, nada te é devido senão a pena do pecado. Põe-te, pois, no último lugar e alcançarás o primeiro, porque o que é mais alto se apoia sobre o que é mais baixo.
18 DE AGOSTO PACIÊNCIA E LUTA CONTRA AS PAIXÕES (Imitação – c. XII – Livro III) A alma: Deus e Senhor meu, vejo quão necessária me é a paciência, porque nesta vida acontecem muitas adversidades. Faça eu o que fizer para ter paz, nunca minha vida estará sem batalha e sem dor. Jesus Cristo: Assim é, filho meu, mas não quero que faças consistir a paz na isenção de tentações ou em não encontrar coisa alguma que te aflija. Antes, quando tiveres padecido muitas tribulações e experimentado muitas adversidades, então crê que achaste a paz. Se disseres que não podes sofrer tanto, como sofrerás o fogo do purgatório? De dois males sempre se há de escolher o menor. Para evitares, pois, os tormentos eternos, sofre por Deus – e de bom ânimo – os males presentes. Pensas tu que os mundanos têm pouco ou nada que sofrer? Ainda os que vivem nas maiores delícias não estão livres de
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padecer. Dirás, talvez, que têm muitos divertimentos e seguem seus apetites e, por isso, se lhes dá pouco de algumas tribulações. Seja, embora, assim e tenham eles quanto desejam, dize-me quanto tempo lhes durará esta felicidade imaginária? Olha que os mais ricos e abastados do século desaparecerão como o fumo e não ficará memória de suas alegrias passadas. E, ainda enquanto vivem, não descansam sem amargura, sem aborrecimento e temor. Porque, da mesma causa donde recebem deleites lhes vêm ordinariamente pena e dor. A minha justiça é que os castiga desta sorte. Já que, desordenadamente, buscam e seguem os deleites, é bem que não os gozem sem confusão e sem amargura. Oh! quão breves, quão falsos, quão desordenados e torpes são todos estes prazeres! Tu, pois, meu filho, não sigas teus apetites e quebranta tua vontade, DELEITA-TE NO SENHOR E ELE TE DARÁ O QUE PEDIR O TEU CORAÇÃO. Se, pois, queres gozar uma verdadeira alegria e abundantes consolações, despreza todas as coisas do mundo, corta todos os seus prazeres, e Eu te abençoarei e derramarei em teu peito inefável doçura.
19 DE AGOSTO SOFRIMENTO DAS INJÚRIAS E VERDADEIRA PACIÊNCIA (Imitação – c. XIX – Livro III) Jesus: Que dizes, filho? Cessa de queixar-te, considerando minha paixão e os sofrimentos dos santos. AINDA NÃO RESISTISTE ATÉ DERRAMAR SANGUE. Pouco é o que padeces em comparação com o que padeceram meus servos, tão fortemente tentados, provados e exercitados por tão diversos modos. Traze à memória as mui graves penas por que passaram, para que facilmente sofras teus pequenos trabalhos. E, se não te parecem pequenos, olha, não seja a tua impaciência que os figure pesados. Sejam, porém, grandes ou pequenos, procura levá-los todos com paciência. Quanto mais te dispuseres a sofrer, tanto mais cordato serás e maior será teu merecimento. A firme resolução e o hábito de sofrer te tornarão até mais suave o sofrimento. Nunca digas: “Não posso sofrer isto, ou tal homem, nem devo aturar tais insultos. Injuriou-me gravemente e levanta-me coisas que nem ao pensamento me vieram. Eu sofreria facilmente 191
outras pessoas e outras ofensas que me fossem menos sensíveis”. Este discurso é indiscreto e vão, pois nele não se considera o que é a virtude da paciência nem quem há de recompensar; mas... a pessoa que ofende e a ofensa recebida. Não é verdadeiro sofredor quem sofre só o que lhe parece. Quem possui a virtude da paciência não olha se aquele que maltrata é superior, igualou inferior, se é homem bom e santo ou perverso e indigno. Mas, indiferente para com as criaturas, recebe todo o mal que lhe fazem como se viera das mãos de Deus e julga isto por uma causa de grande utilidade. Pois vive persuadido de que o mal, por leve que seja, sofrido por amor de Deus, não pode ficar sem recompensa. Prepara-te, pois, para a batalha, se queres conseguir a vitória. Sem peleja não podes alcançar o prêmio da paciência. Se não queres padecer, não esperes ser coroado, porém, se o desejas ser, peleja valorosamente e sofre com paciência. Sem trabalho não se chega ao descanso, sem peleja não se consegue a vitória.
20 DE AGOSTO TRIBULAÇÕES E MISÉRIAS (Imitação – c. XX – L. III) Ai! Que vida esta, cercada, de todos os lados, de tribulações e misérias, onde tudo está cheio de laços e de inimigos! Ainda uma tribulação ou tentação não é passada já outra está conosco. Ainda não saímos de uma batalha, já outras muitas estão sobre nós sem as esperarmos. E como se pode amar uma vida cheia de tantas amarguras, sujeita a tantas calamidades e misérias? Como se pode até chamar vida o que gera tantas dores e mortes? Contudo, muitos a amam e trabalham para nela descobrir sua felicidade. Muitas vezes nos queixamos de que o mundo é enganoso e vão, mas nem por isso o deixamos facilmente, porque os apetites sensuais têm em nós grande domínio. Umas coisas nos inclinam a amar o mundo e outras a desprezá-lo. Inclinam-nos a amá-lo a sensualidade, a cobiça e soberba da vida. Porém, as penas e misérias que seguem estas, causam-nos tédio e aversão ao mundo. Mas ai! O deleite leva de vencida as almas dos que estão entregues ao mundo e têm por gosto viver na escravidão dos sentidos, porque não conhecem nem gostaram da suavidade de Deus, nem da beleza 192
interior da virtude. Pelo contrário, os que desprezam perfeitamente o mundo e trabalham por viver para Deus em santa vigilância, não ignoram a Divina doçura que é concedida a quem deveras se renuncia a si mesmo, e conhece claramente quão errado vai o mundo e quão perigosamente se engana quem o ama.
21 DE AGOSTO PARA CONSERVAR A PAZ (Imitação – c. XXIII – Livro III) Jesus Cristo: Filho, vou agora ensinar-te o caminho da paz e da verdadeira felicidade. Alma: Fazei-me, Senhor, esta graça, que me alegro muito de Vos ouvir. Jesus Cristo: Procura, Filho, fazer antes a vontade de outrem que a tua. Contenta-te com o pouco e estima sempre o último lugar e gosta de ser inferior a todos. Deseja e pede sempre a Deus que se cumpra em ti inteiramente a Sua Vontade. Quem assim faz, está no caminho da paz e do descanso. Alma: Senhor, estes curtos preceitos que me dais encerram uma grande perfeição. Contam poucas palavras, porém, estão cheias de sentido e de copioso fruto. Se eu fosse fiel em guardá-los, não entraria em mim tão facilmente a perturbação. Porque todas as vezes que me acontece perder a paz e o sossego, reconheço ter-me apartado destas máximas. Mas Vós, que podeis tudo e desejais sempre o proveito das almas, aumentai em mim Vossa graça, para que, obedecendo a Vossos preceitos possa alcançar a minha salvação.
22 DE AGOSTO CONTRA A LÍNGUA DOS MURMURADORES (Imitação – c. XXVIII – Livro III) Jesus Cristo: Filho, não te escandalizes se alguns tiverem má opinião e disserem o que não quiseres ouvir. Tu deves pensar mais mal de ti e crer que és o mais 193
imperfeito de todos os homens. Se andares recolhido dentre de ti, que te importarão as palavras que o vento leva? Não é pouca prudência saber calar no tempo adverso e voltar-se para mim de coração, sem se inquietar do que dirão os homens. Não faças consistir a tua paz na boca dos homens. Se pensarem de ti bem ou mal, não serás por isto homem diferente. Onde está a verdadeira paz e a glória verdadeira? Não é, porventura, em Mim? O que não deseja agradar aos homens nem teme desagradar-lhes, esse gozará de muita paz. Do amor desordenado e do vão temor nasce todo o desassossego do coração e distração dos sentidos.
23 DE AGOSTO COMO DEVEMOS INVOCAR A DEUS NA TRIBULAÇÃO (Imitação – c. XXIV – Livro III) Alma: Seja Vosso nome para sempre bendito, Senhor, pois quisestes provar-me com esta tribulação. E, porque não posso evitá-la, que outra coisa farei senão acolher-me a Vós, para que me auxilieis e a convertais em proveito meu? Senhor, sinto-me atribulado, meu coração está desassossegado por causa desta paixão que me atormenta vivamente. Que vos direi agora, ó Pai amantíssimo? Rodeado estou de angústias. Salvai-me nesta hora! Vós permitistes que eu chegasse a este aperto, para que sejais glorificado quando eu estiver muito abatido e for por Vós livre. Dignai-Vos, Senhor, socorrer-me, porque, pobre criatura, que posso eu fazer e onde irei sem Vós? Dai-me paciência, Senhor, ainda desta vez. Estendeime a Vossa Mão, Deus meu, e não temerei, por mais forte que seja a tribulação. Que posso eu dizer-Vos neste estado? Senhor, faça-se a Vossa vontade! Bem merecido tenho eu as angústias e tribulações em que me vejo. Convém que as sofra e oxalá seja com paciência, até que passe a tempestade e venha a bonança. Poderosa é a Vossa Mão onipotente para afastar de mim esta tentação e moderar sua violência, para que não sucumba de todo, como tantas vezes tendes feito para comigo, Deus meu, misericórdia minha. E, quanto mais para mim é dificultosa esta mudança, tanto mais fácil é ela para Vós. PORQUE É OBRA DA
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DESTRA DO ALTÍSSIMO.
24 DE AGOSTO NESTA VIDA NINGUÉM ESTÁ LIVRE DE TENTAÇÕES (Imitação – c. XXXV – Livro III) Jesus Cristo: Filho, nunca estarás seguro nesta vida, por isso, enquanto viveres, sempre te serão necessárias as armas espirituais. Andas cercado de inimigos: à direita e à esquerda te acometem, Se, pois, não te cobrires por todos os lados, com o escudo da paciência, não estarás por muito tempo sem feridas. Além disto, se teu coração não se fixar irrevogavelmente em Mim, com a firme vontade de sofrer tudo por Meu Amor, não poderás aguentar tão renhida batalha nem alcançar a palma dos bem-aventurados. Convém-te, pois, arrostar varonilmente todos os obstáculos e pelejar com muito esforço contra tudo o que se te opuser. PORQUE O MANÁ SÓ É CONCEDIDO AO VENCEDOR; E AO PREGUIÇOSO MUITA MISÉRIA O ESPERA. Se nesta vida buscas descanso, como chegarás depois à bem-aventurança? Não esperes ter aqui muito descanso, mas arma-te de paciência para sofrer tudo. Procura a verdadeira paz, não na terra, mas no Céu; não nos homens, nem em criatura alguma, mas em Deus só. Pelo amor de Deus deves sofrer de bom grado todas as adversidades, como os trabalhos, dores, tentações, vexames, angústias, perseguições, necessidades, doenças, injúrias, maledicências, repreensões, censuras, humilhações, afrontas, desprezos e vilipêndios. Estes são os degraus por onde se sobe à perfeição da virtude. Estes são os exercícios do novo soldado de Cristo, estes os diamantes e as pérolas que ornam a sua coroa celestial. Eu darei eterno galardão por breve trabalho e glória infinita por contusão passageira. Os meus santos sofreram tudo com paciência e confiaram mais em Deus que em si, porque sabiam que todos os sofrimentos da vida presente não têm proporção com a glória com que devem ser recompensados no futuro.
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CONTRA OS VÃOS JUÍZOS DOS HOMENS (Imitação – c. XXXVI – Livro III) Jesus Cristo: Filho, põe o teu coração firme em Deus e não temas os juízos dos homens quando a consciência te não acusa. Bom e ditoso é também padecer desta sorte, e isto não é duro ao coração humilde que confia mais em Deus que em si mesmo. A maior parte dos homens fala demasiadamente e por isso se deve dar pouco crédito ao que diz. Além do que, não é possível contentar a todos. Ainda que Paulo trabalhasse por agradar a todos no Senhor, FAZENDO-SE TUDO PARA TODOS, nem por isso deixava de ser muito indiferente aos juízos dos homens. Fez quanto estava de sua parte pela salvação dos outros, porém, não pôde livrar-se de que os homens o julgassem, e por vezes o desprezassem. Por isso pôs tudo nas Mãos de Deus, que tudo conhece, e, com paciência e humildade, defendia-se das más línguas, dos juízos temerários dos que discorrem como sugere a paixão. Algumas vezes, porém, respondeu às acusações para que seu silêncio não causasse escândalo aos fracos. Que tens tu que temer de um homem mortal? Do homem que hoje está vivo e amanhã já não existe! Teme a Deus e não temerás as ameaças dos homens. Que te pode fazer aquele que te desonra com ameaças e injúrias? Mais dano faz a si mesmo que a ti e, seja ele quem for, não poderá fugir do juízo de Deus. Põe os olhos em Deus e não contendas com queixas e disputas. E, se agora pareces sucumbir e sofrer confusão que não mereceste, não murmures por isso, nem pela impaciência diminuas a vitória. Levanta, antes, teus olhos ao Céu, para Mim, que sou bastante poderoso para livrar do opróbrio e da injúria e PARA DAR A CADA UM SEGUNDO SUAS OBRAS...
26 DE AGOSTO SOFRER NA ESPERANÇA DOS BENS ETERNOS (Imitação – c. XLVII – Livro III) Jesus Cristo: Filho, não esmoreças nos trabalhos que por Mim empreendeste,
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nem te desanimes com as tribulações, mas, em tudo que te acontecer, minhas promessas te consolem e fortifiquem. Eu sou bastante poderoso para te dar uma recompensa sem limites e sem medida. Os trabalhos que agora padeces não serão dilatados, nem sempre viverás oprimido de dores. Espera um pouco e verás quão depressa passam os males. Virá uma hora em que cessará todo o trabalho e inquietação. Sempre é breve tudo o que passa com o tempo. Faze com cuidado o que tens que fazer, trabalha fielmente na minha vinha, e Eu mesmo serei a tua recompensa. Escreve, lê, canta, suspira, guarda silêncio, ora, sofre varonilmente a adversidade: a vida eterna merece ser comprada por estas maiores pelejas. Virá a paz um dia que o Senhor sabe, e não haverá mais noite nem dia, como na terra, mas luz perpétua, claridade infinita, paz inalterável e descanso eterno. Não dirás então: QUEM ME LIVRARÁ DESTE CORPO MORTAL? Nem clamarás: AI DE MIM, QUE SE PROLONGOU O MEU DESTERRO. Porque a NOITE SERÁ DESTRUÍDA e a salvação será eterna, não haverá angústia alguma, mas bemaventurada alegria, doçura da sociedade celeste e da formosura do Paraíso. Oh! se visses as coroas imortais que meus santos possuem no Céu e a glória de que gozam agora aqueles que neste mundo eram desprezados e tidos como indignos da mesma vida! Certamente te humilharias até a terra e mais quererias obedecer a todos que mandar a um só! E não desejarias os passatempos desta vida, mas antes te alegrarias de ser atribulado por amor de Deus e terias por grandíssimo lucro ser avaliado por nada entre os homens. Oh! Se gostasses destas verdades e elas penetrassem até o fundo do teu coração, como ousarias queixar-te uma só vez? Que coisa há tão penosa que não se deva fazer pela vida eterna? Será coisa sem importância ganhar ou perder o reino de Deus?
27 DE AGOSTO O CÉU E AS MISÉRIAS DESTA VIDA (Imitação – c. XLVIII – Livro III) A alma: Ó bem-aventurada mansão da cidade celestial! Ó dia claríssimo da eternidade, que nenhuma noite escurece, mas que sempre brilha com os raios da soberana verdade! Dia sempre alegre, sempre seguro, cuja felicidade não terá 197
mudança. Oh! quem me dera ver amanhecer este dia e passarem já as sombras das coisas perecedoras! Este ditoso dia já luz para os santos com seu eterno resplendor, porém, para nós, viajantes no deserto deste mundo, só de longe vislumbra e, como entre sombras, nos aparece. Os cidadãos do Céu sabem quão alegre seja aquele dia, mas os degradados filhos de Eva gemem de ver quão amarga e fastidiosa seja a vida presente. Os dias deste mundo são poucos e maus, cheios de dores e misérias. Neles o homem se mancha com muitos pecados, molesta-se com muitos temores, ocupa-se com muitos cuidados, distrai-se com muitas curiosidades e se embaraça com muitas vaidades, é cercado de erros, quebrantado de trabalhos, perseguido de tentações, afeminado pelos prazeres, atormentado pela pobreza. Oh! quando virá o fim de todos estes males? Quando me lembrarei, Senhor, de Vós só? Quando me alegrarei plenamente em Vós? Quando gozarei da verdadeira liberdade sem impedimento nem embaraço de corpo e de espírito? Quando possuirei essa paz sólida, essa paz imperturbável e segura, essa paz interior e exterior, paz de todo permanente e invariável? Ó bom Jesus, quando me será dado vê-lo? Quando contemplarei a glória de vosso reino? Quando me sereis tudo em todas as coisas? Quando estarei convosco no reino que preparastes desde toda eternidade para os que Vos amam? Ai! Pobre e desterrado me vejo em terra inimiga, onde há guerra contínua e grandes infortúnios. Consolai o meu desterro, mitigai a dor de meu coração, que por Vós suspira com todo o ardor de seus desejos. Todo prazer do mundo é para mim penoso e tormentoso.
28 DE AGOSTO ENTREGUE-SE NAS MÃOS DE DEUS O ATRIBULADO (Imitação – c. L – Livro III) A alma: Senhor, Deus Pai Santo, agora e para sempre sede bendito, porque se faz como Vós quereis e é bom o que fazeis. Alegre-se o vosso servo em Vós, não em si nem em algum outro, porque Vós só sois a verdadeira alegria, Vós só, Senhor, sois a minha esperança, minha coroa, meu gozo e minha glória. Que tem o vosso servo senão o que de Vós recebeu? E, ainda, sem o ter merecido! Tudo é vosso 198
quanto me destes e por mim fizestes. Pobre sou e cheio de trabalhos desde a minha infância. E minha alma se entristece algumas vezes por derramar lágrimas, outras vezes se perturba consigo pelas paixões que a oprimem. Eu desejo e suplico a alegria dessa paz que concedeis aos vossos filhos, a quem alimentais com a luz de vossas consolações. Se Vós me derdes a paz, se derramardes em mim vossa santa alegria, ficará a alma de vosso servo cheia duma doce melodia e, transportado de amor, cantará vossos louvores. Porém, se Vos apartais dele, como muitas vezes fazeis, não poderá correr pelo caminho de vossos mandamentos, só lhe restará pôr-se de joelhos e bater no peito, porque não lhe vai como dantes, quando vossa luz resplandecia sobre sua cabeça e, à sombra de vossas asas, se achava defendido da violência das tentações. Pai justo e sempre digno de louvor, é chegada a hora em que o vosso servo deve ser provado. Pai amoroso, justo é que vosso servo sofra alguma coisa, nesta hora, por vosso amor. Pai soberanamente adorável, chegada é a hora que havíeis previsto desde a eternidade, na qual cumpre que vosso servo seja abatido no exterior por um pouco de tempo, para viver sempre Convosco espiritualmente. É necessário que, por um pouco de tempo, seja abatido, humilhado, aniquilado diante dos homens, consumido de sofrimentos e enfermidades, a fim de que ressuscite convosco na aurora da nova luz e entre na posse da glória do Paraíso.
29 DE AGOSTO QUANDO NOS DISSEREM PALAVRAS DE AFRONTAS (Imitação – c. XLVII) Jesus Cristo: Filho, está firme e espera em mim. Que são as palavras dos homens senão palavras? Ferem o ar, mas não ofendem a quem está firme e sólido como o rochedo. Se, com efeito, és culpado, serve-te do que disserem contra ti para te emendares. Se a tua consciência de nada te acusa, lembra-te de que deves sofrer com alegria esta ligeira pena, por amor de Deus. Bem é que sofras, às vezes ao menos, más palavras, já que não podes sofrer mais pesados golpes. Por que motivo tão ligeiras palavras te chegam ao coração, senão porque és ainda carnal e demasiadamente te preocupas com os juízos dos homens? Porque temes ser 199
desprezado, por isso não queres ser repreendido de tuas faltas e buscas escusas para as ocultar. Examina melhor teu coração e acharás que ainda vive em ti o amor do mundo e o desejo vão de agradar aos homens. Porque a repugnância que tens em ser humilhado e confundido por tuas fraquezas prova que não tens humildade sincera, que não estás verdadeiramente morto ao mundo e que o mundo não está crucificado para ti. Ouve as minhas palavras e não farás caso do que os homens disserem! Quando eles disserem contra ti tudo quanto inventar a mais negra malícia, que dano receberias destas injúrias se as desprezasses inteiramente como a palha que o vento leva? Poderiam, porventura, fazer cair-te da cabeça um só cabelo? Quem não anda recolhido interiormente e não traz a Deus diante dos olhos facilmente se comove com a menor palavra que o ofende. Mas quem confia em Mim e não se apega ao seu próprio parecer, não terá nada que temer dos homens. Porque Eu sou o juiz e conheço todos os segredos do coração humano. Eu sei como as coisas passam, eu conheço perfeitamente quem faz a injúria e quem a sofre. De mim saiu esta palavra: EU PERMITI ESTE SUCESSO PARA QUE DESCUBRA O QUE HÁ OCULTO EM MUITOS CORAÇÕES.
30 DE AGOSTO O TESTEMUNHO DOS HOMENS E O DE DEUS (Imitação – c. XLVI – Livro III) Jesus Cristo: O testemunho dos homens muitas vezes é falso, mas o meu Juízo é sempre verdadeiro, ele subsistirá e não será revogado. A maior parte das vezes é oculto e poucas pessoas descobrem suas particularidades, porém nunca erra, nem pode errar, ainda que aos olhos dos néscios nem sempre pareça justo. A Mim, pois, deves recorrer em todos os juízos que se formam sobre a terra e não confiar no teu próprio. O justo não se turbará com qualquer coisa que lhe aconteça por ordem de Deus. Pouco lhe importará que o acusem injustamente. Nem se encherá de vanglória se outros o defenderem com razão, porque sabe que Eu sou perscrutador dos corações e dos pensamentos e não julgo segundo o
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exterior e as aparências. O que parece louvável ao juízo dos homens muitas vezes é criminoso aos meus Olhos. A alma: Senhor, Deus, justo Juiz, forte e paciente que conheceis a fraqueza do homem e sua propensão para o mal, sede minha fortaleza e toda a minha confiança, pois basta que a minha consciência não me acuse. Vós conheceis em mim ainda aquilo que eu não conheço e por isso devo humilhar-me todas as vezes que sou repreendido e devo sofrer este tratamento com mansidão. Perdoaime, Senhor piedoso, as vezes que assim não procedi e dai-me a graça de um maior sofrimento para o futuro. Porque mais confiança devo ter em Vossa grande Misericórdia para alcançar o perdão do que em minha presumida virtude julgo ter para justificar o que a consciência mal conhece. Ainda que eu não tenha nada de que me acuse, nem por isso devo julgar-me justificado, porque, se Vós julgardes com rigor e sem misericórdia, não se achará quem seja justo aos vossos Olhos.
31 DE AGOSTO NÃO DESANIMAR QUANDO CAI (Imitação) Jesus Cristo: Filho, muito mais me agradam a humildade e a paciência nos trabalhos que muita devoção e fervor na prosperidade. Por que te entristeces tanto com te imputarem alguma falta leve? Ainda que ela fosse grave, nem por isso deverias inquietar-se. Deixa-a passar, porque não é a primeira, nem nova, nem será a última, se continuares a viver. Por esforçado te deves ter se não caíres em culpa grave. Aconselhas bem aos outros e sabes dar-lhes ânimo com palavras, porém, quando vem à tua porta alguma repentina tribulação, logo te falta conselho e valor. Considera tua grande fragilidade, que experimentas a cada passo, em pequenas ocasiões, e, todavia Deus o permite assim para tua salvação. Desterra de teu coração, quanto puderes, tudo o que perturba e, se a tribulação chegar a te tocar, não permitas que te abata e que embarace por muito tempo o teu espírito. Sofre, ao menos, com paciência, já que não podes sofrer com alegria. Quando ouvires coisas que te não agradam e te sentires indignado, reprime-te e não deixes sair de tua boca alguma palavra ofensiva, que escandalize os fracos. 201
Em breve se aquietará o ímpeto excitado em teu coração e a dor interna se adoçará com a volta da minha graça. Eu ainda vivo, diz o Senhor, e sempre disposto a socorrer-te e consolar-te mais do que nunca, se puseres em Mim a tua confiança e Me invocares com fervor. Toma ânimo e prepara-te para transes maiores. Ainda que te vejas muitas vezes atribulado e gravemente tentado, nem por isso te julgues perdido. Homem és e não Deus, carne, e não anjo. Como poderias tu estar sempre num mesmo estado de virtude, quando esta perseverança faltou ao anjo, no Céu, e ao primeiro homem, no Paraíso? Eu sou quem sustenta e livra aos que choram e faz subir à participação de minha Divindade os que conhecem sua fraqueza.
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1 DE SETEMBRO A FÉ NA VIA DA INFÂNCIA ESPIRITUAL A primeira virtude teologal, na pequenina via da infância, tem o encanto e a simplicidade que caracterizam o espírito de Santa Teresinha. Essa virtude é a fé pura, ardente e heroica: pura, simples e sem ilusões, como a da criancinha, que crê sempre, sem hesitação, em tudo o que lhe dizem os pais; ardente, viva, capaz de fazer dar o sangue e a vida por um só artigo de fé; e, sobretudo, heroica. As tentações contra a fé constituem uma provação dolorosa, um verdadeiro martírio. Como sofre a pobre alma que se vê submersa em tão horríveis trevas! O anjo do Carmelo experimentou essas angústias durante longos anos. A cada tentação, respondia ela com um ato de fé, podendo-se avaliar o que sofreu pelo seguinte, que deixou escrito na História de um a Alm a: “Pronunciei mais atos de fé no espaço de um ano do que em toda a minha vida passada”. Ocorriam-lhe os pensamentos mais grosseiros e do mais estúpido materialismo. O Céu lhe parecia fechado em trevas. Eis como ela nos ensina a combatê-los1 : “A cada nova ocasião de combate, quando o inimigo me quer provocar, procedo com valor. Como sei que o duelo é uma covardia, não enfrento o adversário, dou-lhe sempre as costas e corro, pressurosa para Jesus, a assegurar-Lhe que estou pronta a derramar todo o meu sangue pela afirmação de que há um Céu, a dizer-Lhe que me considero feliz por me ser dado contemplar, desde esta terra, com os olhos da alma, esse mesmo Céu, tão belo, que me espera, a fim de que se sirva ELE franqueá-lo, por toda eternidade, aos pobres pecadores”. Amar a Nosso Senhor, amá-Lo da profundeza da alma, e sentir-se nas trevas de horríveis tentações contra a fé, privado de todo consolo, vivendo num deserto de aridez cruciante, – tal foi o martírio de Santa Teresinha, que tanto consola as almas provadas na fé “É tão doce – dizia ela2 – servir ao bom Deus, na noite e na prova! Só temos esta vida para viver de fé!” Se a fé só existe nesta vida, por que não há de ser provada para que se torne mais firme e cheia de méritos?
2 DE SETEMBRO 203
A HUMILDADE NA VIA DA INFÂNCIA ESPIRITUAL Dizia Santa Teresa que a humildade consiste na verdade. E a santa de Lisieux pôde confessar3: – “Parece-me que a humildade é a verdade. Não, sei se sou humilde, mas vejo a verdade em todas as coisas”. É uma graça – e das maiores – ver em todas as coisas a verdade, banir as ilusões do amor próprio, conhecer-se a si mesmo e a Deus. Por isso rogava Santo Agostinho ao Senhor: – “Senhor, que eu me conheça e Vos conheça”. Disse Mgr. Gay que nada mata o orgulho como o espírito de infância. Fazer-se criancinha, e criancinha humilde, fraca, escondida e tímida; julgar-se incapaz de dar um passo firme sem o apoio de um braço estranho; retrair-se; não desejar aparecer, nem brilhar, ah! bem poucos compreendem toda essa simplicidade na vida espiritual. – “O que em minha alma agrada ao bom Deus – escreve Santa Teresinha4 – é ver o amor que tenho à minha pequenez e à minha pobreza, é a minha esperança cega em Sua Misericórdia.” Muita gente sofre quando considera sua fraqueza e miséria. Pois, na via da infância, quem se vê miserável e muito necessitado de misericórdia, chega até a se alegrar! – “De nada mais me admiro, diz a santinha5 , nem me aflijo por ver que sou a própria fraqueza; pelo contrário, dela me glorifico e espero cada dia descobrir em mim novas imperfeições. Confesso que as luzes sobre o meu nada me fazem maior bem do que as luzes sobre a fé”. A humildade não consiste nos belos pensamentos sobre a virtude, nem em nos confessarmos perante os homens, mas em certa disposição do coração, que se julga sempre pequenino diante de Deus; em ser como uma criancinha incapaz de tudo; em ver, conhecer e amar a sua pequenez e pobreza a, por isso mesmo, não desanimar, mas abandonar-se, cegamente, nos braços da Misericórdia!
3 DE SETEMBRO QUE É SE FAZER PEQUENINO? As noviças do Mosteiro de Lisieux, ouvindo Santa Teresinha falar sempre no seu pequenino caminho da infância espiritual, perguntaram-lhe um dia: – “Que é 204
preciso fazer para se ter o espírito de infância? Que é se fazer pequenino, ficar pequenino?” Responde a santa6: – “Ficar pequeno é reconhecer o próprio nada, tudo esperar de Deus, não se afligir com as suas faltas, porque as criancinhas, se caem muitas vezes, por serem pequenas, pouco se molestam; é desprender-se da riqueza e com coisa alguma se inquietar. Entre os pobres, o pai dá ao filho, enquanto, pequeno tudo que lhe é necessário, mas, quando este cresce, não quer mais sustentar e lhe diz: – Já te podes manter agora com teu trabalho. Pois bem, é para não ouvir essa linguagem que não quero crescer, de modo a me julgar sempre incapaz de ganhar a minha vida eterna! Ficar pequeno é, ainda, não se atribuir o mérito das virtudes praticadas, mas reconhecê-Ias como retiradas de um tesouro posto por Deus nas mãos de seu filhinho, para dele se utilizar quando tiver necessidade”. Como isso simplifica a vida espiritual, evitando complicações desesperadoras e angústias, nas quais se debatem tantas pobres almas, sequiosas de perfeição, mas amedrontadas com o rigor da Eterna Justiça. Não nos ordena Nosso Senhor que nos façamos pequenos para entrar no Reino dos Céus? E uma criancinha pode ter medo de um Pai tão Misericordioso? Ah! matemos esse orgulho de julgar-nos sempre grandes e que, até na prática da virtude, infiltra-se com sutileza, fazendo com que nos julguemos capazes de muito, ou já adiantados, quando somos, na realidade, ainda tão pobres e miseráveis! Façamo-nos pequeninos, bem criancinhas, humildes, pobres, abandonados à Misericórdia Divina! É tão bom ser pequeno e humilde! Como se inunda o coração de paz quando se vive assim, como criancinha, na vida espiritual!
4 DE SETEMBRO NUNCA É DEMAIS A CONFIANÇA! Nunca – dizia Santa Teresinha – nunca é demais a confiança no bom Deus, tão poderoso e tão misericordioso! Que belas consoladoras palavras da incomparável missionária da confiança! Sim, a confiança na Misericórdia Divina nunca é demais. Pode-se limitar o que não tem limites, o que é infinito? Para nos incutir confiança, Nosso Senhor se fez menino, em Belém, nosso irmão, nosso amigo. 205
Pregou na Judeia, comparando-se ao bom pastor e ao bom samaritano acariciando as criancinhas, comendo e bebendo com os pecadores. Deixou-se ficar reduzido, aniquilado, sob as espécies Eucarísticas, no Cenáculo, e morreu, pregado a uma cruz, perdoando e amando. E, depois disso, encontram-se ainda almas desesperadas da sua salvação!... Não se compreende como se possa ter medo de um Pai tão misericordioso e terno! Essa desconfiança fere e ofende tanto o coração de Jesus! “Ó Jesus – escreve Santa Teresinha7 – deixai-me dizer que vosso amor vai até a loucura. Como queres que meu coração não se atire para Vós? Como poderá ter limites a minha confiança?” Por que temer? A um missionário, seu irmão espiritual, escrevia a santinha8: – “Desde que me foi dado compreender o amor do Coração de Jesus, confesso que expulsei todo temor de meu coração! A lembrança de minhas faltas me humilha e me leva a, não me apoiar em minha força, que é fraqueza; porém, mais do que isso, ela me fala, da misericórdia e do amor. Pois as faltas, quando lançadas com confiança no braseiro devorante do Amor, não serão sem demora consumidas?” Almas tímidas e desconfiadas, se com sinceridade vos quereis dar à emenda de vossa vida, bani de vossos corações todo esse medo de Deus, que vos acabrunha, e abri as asas da confiança. Voai sem receio na amplidão infinita do céu do Amor! Amor e confiança! E nada mais vos será necessário!
5 DE SETEMBRO SOFRER E AMAR Sofrer e amar!... É o que tem valor neste mundo. Nada mais subsiste fora disto. No sofrimento se ama, e o amor é tudo. São João da Cruz disse: – “Sem o amor nada são todas as obras reunidas”. E o amor só se encontra na cruz. “O sofrimento unido ao amor, escreve Santa Teresinha9, é a única coisa que me parece desejável neste vale de lágrimas”. Para consolo das almas na vida da infância, escreve a santa a uma de suas irmãs10 – “Não acreditemos que se encontre o amor sem o sofrimento. Isso é peculiar à nossa natureza. Mas que tesouros nos faz adquirir o sofrimento! É o nosso 206
ganha-pão, e de tal modo precioso, que Jesus desceu à terra para possuí-lo. Quiséramos sofrer generosamente, imensamente; quiséramos não cair nunca. Que ilusão! Mas que me importa cair a todo instante. Sinto a minha fraqueza e tiro daí grande proveito. Meu Deus, vede o que posso eu fazer se não me tomais em Vossos braços Se entretanto me deixais só, ah! é que Vos apraz ver-me derrubada, e, então, por que me inquietar?” A natureza rebelde e sedenta de prazer repugna o sofrimento, contra ele se insurge, sendo um tormento a luta que dentro de nós se trava. O amor, porém, tudo vence e, dominada a natureza rebelde, resplandece no coração, dissipando as trevas do medo e do horror à cruz. Como sabemos, não se ama sem sofrer nem se sofre bem sem amar. Na via da infância, é ilusão amar sem sofrer. Mas que alegria sofrer por Jesus! “Haverá alegria maior, diz a santinha, do que sofrer por Vosso amor? Quanto mais intenso é o sofrimento e menos aparece aos olhos das Criaturas, tanto mais ele Vos faz sorrir, ó meu Deus!”11
6 DE SETEMBRO SACRIFÍCIO E RECOMPENSA É tão pequeno o sacrifício e tão grande a recompensa! Uma felicidade eterna deveria custar – se isso fosse possível – um trabalho eterno. Entretanto, Nosso Senhor só nos pede um pouco de sacrifício, e este mesmo aligeirado no seu peso pelo amor! Ó misericórdia infinita! Era considerando essas verdades que o Apóstolo das gentes, apaixonado pela cruz, não achava bastante todo sofrimento pela glória eterna. “Ao ver as recompensas eternas em tamanha desproporção com os ligeiros sacrifícios desta vida – escreve Santa Terezinha – quisera amar a Jesus, amá-Lo apaixonadamente, e dar-Lhe mil provas de minha ternura, enquanto me era dado fazê-lo.”12 Todo sacrifício é pouco na conquista do Céu! E, se nesta vida, já é tão doce amar sofrendo, que não será então, na glória, amar o Amor? A vida passa e a eternidade se aproxima. Logo veremos a Deus e viveremos a verdadeira vida. Depois das amarguras deste mundo, mitigaremos a nossa sede ardente de 207
felicidade na fonte eterna da doçura. “Sim, minha irmã – escrevia Santa Teresinha a Celina13 – a imagem deste mundo passa e não tardará que vejamos novos céus, um sol mais brilhante e esplendoroso, mares eternos e horizontes infinitos. Não seremos mais prisioneiros numa terra de exílio. Tudo se acabará!” Ó meu Deus! Tão grande, a eterna recompensa, não será ainda bastante para tão pequeno sacrifício?! Oh! Sejamos um pouco mais generosos e não nos queixemos tanto na dor!
7 DE SETEMBRO QUE É O REINO DO AMOR? O reino do Amor é o Céu, é a pátria querida de nosso coração, ora exilado, triste e saudoso neste vale de lágrimas. A nossa Santinha o descreve com intuição genial das coisas celestes. “Lá – diz Santa Teresinha14 – não encontraremos olhares indiferentes nem invejosos, porque a felicidade de cada um será a de todos. Entre os mártires nos assemelharemos aos mártires; entre os doutores, aos doutores; entre as virgens, às virgens. Assim como numa família, todos, sem inveja, confiam uns aos outros, assim nos haveremos no Céu com os nossos irmãos. Julgais que os grandes santos, conhecendo quanto devem às almas pequeninas, ao vê-las no Céu não as amarão com um amor sem igual? Haverá lá, certamente, muitas simpatias deliciosas e surpreendentes. O privilegiado de um apóstolo, de um grande doutor, será talvez um pequenino selvagem; o amigo íntimo de um patriarca, uma simples criancinha. Oh! como eu quisera estar nesse reino de amor.” Ah! Mas como, para a conquista desse reino do Amor, é preciso sofrer e chorar! Coragem! Tudo passa depressa neste mundo. Amemos o Amor e soframos pelo Amor. “Como tenho sede dessa mansão bem-aventurada! – escrevia Santa Teresinha à Madre Maria do Sagrado Coração, sua irmã15 – Mas... é preciso sofrer e chorar para se chegar lá. Pois bem, quero sofrer tudo quanto aprouver ao meu Bem-Amado. Quero deixar que Ele faça o que quiser da sua bolinha.” Para diante, pois! Coragem! Confiança! Abandono! É tudo tão pouco pela conquista do Reino Eterno, do Eterno Amor! 208
8 DE SETEMBRO AURORA DA MISERICÓRDIA Santa Catarina Labouré, a inocente filha de São Vicente de Paulo, viu Nossa Senhora nas aparições da medalha milagrosa. Era tão bela! Das mãos da Virgem, anéis de fulgurantes pedrarias irradiavam luzes esplendorosas que chegavam até a terra, simbolizando as graças e misericórdias de Maria, descendo sobre o mundo. “O vestido de Nossa Senhora – disse a vidente, com toda a sua adorável simplicidade de camponesa – era da cor do céu, quando ainda de madrugada, pouco antes do nascer do sol”. Que tocante simbolismo! A Aurora da Misericórdia anunciando o Sol do Amor! Hoje nasceu Maria. Raiou a Aurora da Salvação, tão suave e tão bela. O povo costuma cantar, numa de suas trovas de devoção a Nossa Senhora do Rosário: “Bendito e louvado seja O Rosário de Maria Se Ela não viesse ao mundo, Ai! de nós o que seria!” Sim! Ai! de nós o que seria, ó Mãe de Misericórdia, se não raiasse hoje para o mundo a aurora fulgurante do vosso nascimento! Como somos felizes! “Às vezes – escreve Teresinha a Celina16 – surpreendo-me a dizer à Santíssima Virgem: – Sabeis que me considero mais feliz que Vós? Tenho-vos por Mãe e Não tendes por Mãe como eu uma santíssima virgem para amar!... Verdade é que sois Mãe de Jesus, mas Jesus que também é dos mortais, a nós mortais, vos deu na cruz. Somos, pois mais ricos do que Vós; outrora, na vossa humildade, queríeis ser a escrava da Mãe de Deus e entretanto, eu pobre criatura, não sou vossa escrava, mas vossa filha! Sois Mãe de Jesus e minha Mãe”. Que felicidade a de ser filho de Maria! Não é esse pensamento de grande consolo para o nosso exílio?
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9 DE SETEMBRO COMO A GALINHA E OS PINTAINHOS... Que ternura da Misericórdia do Coração de Jesus! Compara-se à galinha, acolhendo amorosamente os pintinhos sob as asas! Quando viu a ingratidão de Jerusalém, chorou. E lembrou-se um dia do quanto fizera para salvá-la! “Jerusalém! Jerusalém! Quantas vezes quis Eu ajuntar teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintainhos sob as asas; e não quiseste”. Observai bem a solicitude, o carinho e tudo quanto faz uma galinha aos seus pintinhos. E não é para chorar de amor e reconhecimento, sabermos que assim nos trata a Misericórdia de Nosso Senhor? Santa Teresinha, já nos seus últimos dias, passeava, muito enfraquecida, pelo jardim do Mosteiro, encostada a uma de suas irmãs. De repente parou a contemplar a cena encantadora de uma galinha branca, abrigando, sob as asas, seus pintainhos. Encheram-se de lágrimas os olhos da santinha, que, voltando-se para a irmã, disse: – “Entremos logo, minha irmã, não posso ficar mais aqui”. E chorou, por muito tempo, na cela, sem poder articular uma sílaba. Olhando, afinal, para a irmã, com expressão toda celestial assim continuou: – “Eu pensava em Nosso Senhor, minha irmã, naquela amável comparação de que Ele se serviu para nos fazer crer na sua ternura. Quanto fez Ele por mim em toda a minha vida! Ocultou-me inteiramente sob suas asas! Não posso dizer o que se passou no meu coração! Ah! O bom Deus faz muito bem em se ocultar aos meus olhares e me mostrar raras vezes como que os efeitos da Sua misericórdia! Sinto que eu não poderia suportar doçura tamanha!”17 Olhemos um pouco para a nossa vida! Quanta misericórdia e amor de Jesus no gesto de nos querer abrigar sob suas asas! Jerusalém ingrata de minha alma, converte-te e chora de arrependimento e de amor!
10 DE SETEMBRO O SOFRIMENTO, CÉU DA TERRA 210
O sofrimento é o Céu da terra, porque Jesus está junto de quem sofre, e estar com Jesus é sentir a doçura do paraíso. Sem sofrer e sofrer muito, não se achará o Amor, isto é, o Céu. Se na cruz se encontra Jesus, também se encontra ali o Céu, porque, na bela expressão de Guido de Fontgallant, “o Céu é Jesus”. Em síntese: – o sofrimento é o Céu da terra, porque no sofrimento se acha o Amor, e o Amor é Jesus, e Jesus é o Céu! Dizia Santa Teresinha, no mais perfeito abandono: – “Não desejo nem o sofrimento nem a morte e, entretanto, eu os amo tanto! Chamei-os, durante tanto tempo, como mensageiros da alegria. Possuí o sofrimento e julguei tocar as praias celestes!”18. E, em paz e alegria, o anjo do Carmelo saboreava os frutos amargos, tendo sempre um sorriso de acolhimento para a dor. Disseram-lhe um dia as noviças, que presenciavam o seu sofrimento: – “Temos pena, de vos ver sofrer e de pensar que ainda tereis muito que sofrer!” A Santa respondeu: – “Oh! Não vos aflijais por minha causa. Cheguei ao ponto de não poder mais sofrer, porque todo o sofrimento me é doce”19. Certa ocasião, uma irmã, que duvidava da heroica paciência de Teresa, encontrando-a com a expressão de uma alegria celeste, inquiriu-lhe a causa: “É porque senti uma viva dor – respondeu ela – e sempre me esforço por amar o sofrimento e acolhê-lo bem”. Doutra feita perguntaram-lhe: – “Por que está tão alegre esta manhã?” Sua resposta foi esta: – “É porque tive hoje dois pequenos sofrimentos e nada me causa tanta alegria como a dor”. Teresinha era feliz em sofrer e o seu incomparável e belo sorriso jamais a abandonou até a morte. E esse sorriso nos diz que, na via da infância espiritual, O SOFRIMENTO É O CÉU DA TERRA!
11 DE SETEMBRO Ó AMOR DE INEFÁVEL PROVIDÊNCIA! Mais uma parábola de Santa Teresinha, a fim de nos dar a entender o Amor Misericordioso do Coração de Jesus para conosco. Não são somente as almas que pecam que devem amor e reconhecimento a Nosso Senhor, mas também as inocentes. – “Eu sei, – dizia o anjo do Carmelo, – eu sei que Jesus me tem perdoado mais do que a Santa Madalena. Suponha-se que o filho de um hábil 211
médico, tropeçando numa pedra que encontra em seu caminho, caia, fraturando, por exemplo, uma perna. Vem prontamente o pai, levanta-o com amor, trata com cuidado o ferimento, empregando todos os recursos da cirurgia. Em pouco tempo, o paciente, completamente curado, manifesta ao pai o seu reconhecimento. Indubitavelmente, esse filho tem muita razão de amar o pai! Outra suposição. O pai, prevenido da existência de uma pedra no caminho do filho, adianta-se a este e a retira sem ter sido visto por ninguém. Decerto esse filho, objeto de tão previdente ternura, ignorando a desgraça de que o preservou a mão paterna, não testemunhará reconhecimento algum ao pai, e não o ficará amando tanto como se lhe devesse a cura de um ferimento mortal. Mas não passará a amá-lo mais, se de tudo vier a saber? Pois bem, eu sou esse filho, objeto do amor previdente de um Pai que não enviou seu Verbo para resgatar os justos, mas os pecadores. Ele quer que eu O ame porque me perdoou, não muito, mas tudo. Sem esperar que eu O ame tanto quanto Santa Madalena, faz-me saber como me tinha amado com um amor de inefável providência, a fim de que agora O ame eu até a loucura.” Em toda a nossa vida, esse Amor atua, curando-nos as feridas do coração, ou, cheio de prudente desvelo, afastando de nossos caminhos todo perigo, todo tropeço, todo abismo! Ó Amor de inefável providência!
12 DE SETEMBRO PAI MISERICORDIOSO Diz o Apóstolo que ninguém é tão pai como Deus. Que bela e consoladora expressão! “Ninguém é tão pai!” E pai Misericordioso! Para obter a misericórdia é mister uma só coisa: ter confiança ilimitada. No Pai Nosso Jesus nos ordena que chamemos pai a Deus. Embora numa desoladora e cruel aridez, Santa Teresinha rezava sempre. Uma noviça, entrando-lhe um dia na cela, sentiu-se arrebatada com a expressão toda celestial do rosto da santinha. Esta costurava com certa atividade, parecendo, entretanto, toda perdida numa contemplação profunda. 212
Perguntando-lhe a irmã em que estava a pensar, respondeu-lhe: – “Estou meditando o Pai Nosso. Consola tanto chamar a Deus de NOSSO PAI!”20. E lhe tremeluziam lágrimas nos olhos. Se nosso Deus é Pai, por que O tratar como juiz severo e duro? Por que O tratar como carrasco? Depois das faltas, principalmente depois de nossas quedas, precisamos abrir o coração à confiança filial e voltar para o Pai, com o arrependimento e propósito do Filho Pródigo. Santa Teresinha escreve: – “Um pai tem dois filhos peraltas e desobedientes. Indo castigá-los, foge-lhe um, tremendo e cheio de terror, ao passo que o outro se lhe atira nos braços, arrependido, prometendo tornar-se bom, emendar-se e pedindo-lhe que o castigue com um beijo. Seria possível resistir esse pai feliz à confiança, filial da criança? Bem sabe ele que o filho há de reincidir nas suas faltas, mas a sua disposição é para perdoá-lo sempre e assim o tomar pelo coração. Nada digo a respeito do outro filho, mas é dever que seu pai não poderá amá-lo e tratá-lo com a mesma indulgência que ao irmão.21 Deus é Pai! Como este pensamento nos abre o coração e o enche de confiança!
13 DE SETEMBRO ATÉ ONDE VAI MINHA ESPERANÇA! Quando a alma chega à perfeição do abandono, desse abandono filial e heroico da via da infância espiritual, não há mais desânimo possível, ainda que as provações cheguem ao extremo do martírio mais cruel. Santa Teresinha, no meio dos horrorosos sofrimentos dos seus últimos dias, pedia às suas irmãzinhas: “Rezai por mim... Quando suplico ao Céu que venha em meu auxílio, é que me sinto mais desamparada”. E como faz para não desanimar nesse desamparo? perguntaram-lhe. Volto-me para o bom Deus e todos os santos e ainda lhes agradeço. Creio que eles querem ver até onde vai chegar minha esperança”. Oh! não foi em vão que me entraram no coração estas palavras de Jó22: Mesmo que o Senhor me matasse, eu esperaria ainda Nele”. Confiança heroica! Não desanimemos quando, após tantos sofrimentos, promessas e penitências, parece fechado o Céu às nossas súplicas e sentimos, cada vez mais, a impressão do desamparo. A provação é dura... Faça Nosso Senhor de nós o que quiser! Ele 213
sabe o que faz! Nossa esperança, nossa confiança, a exemplo de Santa Teresinha, devem conservar-se sempre firmes e inabaláveis. Devemos ter certeza de que o que nos vem do Céu é bom e vem por misericórdia. O abandono confiante nas mãos da Providência é a atitude mais consoladora e racional! Se pecamos, choremos e batamos à porta do Coração de Jesus, Seja depois... O que Ele quiser! Pereça tudo, menos a confiança! A confiança faz milagres. Só é desgraçado quem não confia em Vós, ó doce e misericordioso Coração de Jesus!
14 DE SETEMBRO A EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ! A venerável Mechtilde do Santíssimo Sacramento escreveu: “A invenção da Santa Cruz é uma festa comum para todos os cristãos, pois o sofrer é coisa que todo dia nos sucede. A exaltação da Santa Cruz é, pelo contrário, uma festa muito rara, porque poucas são as almas que louvam e exaltam a cruz, com cuja imposição lhes manifesta Deus o poder da sua graça.” A cruz será exaltada no dia do Juízo, naquele vale em que todos havemos de comparecer; essa cruz que será vista, com inefável alegria, pelo justo que ela salvou e redimiu! A cruz é inevitável. Por que não aceitá-la, pois, com amor? Vivamos numa perpétua exaltação da santa cruz. Exaltemos essa cruz tão desprezada e injuriada, essa cruz que tamanho horror causa à nossa extrema delicadeza e imensa sensualidade. O Apóstolo São Paulo dizia: “Livre-me Deus de me gloriar de outra coisa que não seja a cruz de Jesus Cristo!” Não nos assuste a cruz. “O medo da cruz – disse o santo Cura D’Ars – é a nossa maior cruz.” Exaltemos a cruz que Nosso Senhor nos destinou, manifeste-se ela por doença, morte, luto, calúnia, perseguição, provações interiores, pelo que for! Só pela cruz nos salvará Aquele que morreu na cruz! Santa Isabel de Turíngia fez este pedido a Nosso Senhor: “Meu Deus, cruz por cruzes!” E Jesus lhe respondeu: “Minha filha, Amor por Amor!”
15 DE SETEMBRO 214
MÃE DAS LÁGRIMAS Diz o canto litúrgico que aos pés da cruz estava a MÃE DOLOROSA. Lágrimas benditas de Maria! Lágrimas redentoras, que, com o sangue de Jesus, livraramnos da culpa e nos abriram as portas do Céu! Quanto é bela a suave invocação de NOSSA SENHORA DAS DORES! Consola saber que Jesus e Maria choraram como choramos nós, pobres mortais, neste mundo de exilados. Hoje nos convida a Santa Igreja a honrar as dores de Maria, Mãe querida, aos pés da cruz, lacrimosa. Jesus sofreu no corpo, e Maria, no coração. Enquanto das feridas abertas do Redentor corria o sangue que nos remiu, dos angustiosos olhos de Maria jorravam lágrimas, sangue do coração, essas pérolas riquíssimas e preciosas que nos foram dadas como penhor de salvação eterna. Sangue de Jesus e lágrimas de Maria, sois nosso tesouro, nossa vida, nossa redenção! Digamos as jaculatórias que são mais caras a Nossa Senhora: “Jesus, ouvi nossas preces! Pelas lágrimas de Vossa Mãe Santíssima!” Que nos poderá negar o mais Santo e Amoroso dos Filhos quando lhe apresentamos a nossa súplica invocando o que há de mais precioso e santo, as lágrimas de Sua Mãe Maria Santíssima? Quando nos fizer chorar a vida triste, amarga e penosa, olhemos para o Céu ou, melhor, dirijamo-nos ao Calvário e, aos pés de Jesus Crucificado, digamos, cheios de amor, desabafando o coração: “Vede Jesus, que são as lágrimas Daquela que mais Vos amou na terra e mais Vos ama no Céu! Sangue de Jesus, lavai-nos da culpa! Lágrimas de Maria, alcançai-nos perdão e misericórdia!”
16 DE SETEMBRO ALAVANCA DO MUNDO A alavanca do mundo é a oração, a oração confiante. Disse um sábio: “Dai-me um ponto de apoio e levantarei o mundo”. O que Arquimedes não pôde alcançar, foi plenamente alcançado pelos santos. O Todo Poderoso lhes deu um ponto de apoio: Ele próprio, e só Ele. Por alavanca, deu-lhes a oração, abrasada no fogo do Amor. E, assim providos, eles conseguiram levantar o mundo, do mesmo modo que os santos militantes o levantam hoje e continuarão a levantá-lo até a 215
consumação dos séculos”.23 Tenhamos confiança, porque só a confiança, e mais nada senão ela nos levará ao Amor. Rezemos depois e peçamos o que quisermos, procurando, para a alavanca da oração, o ponto de apoio único, forte, inabalável, onipotente, eterno: o Coração de Jesus, esse Coração que só respira amor e confiança. Digamos sempre como jaculatória predileta: “Sagrado Coração de Jesus, tenho confiança em Vós!” A oração confiante faz milagres. Não só levanta, mas cria novos mundos da graça e do amor. Quantas vezes repetiu Nosso Senhor aos que Dele se aproximavam: “Tem confiança! Tem confiança!” Depois que Ele nos deu Seu Coração Divino como apoio, confiante, não há criatura, por mais fraca, miserável e pobre, que não seja capaz de levantar mundos com a alavanca poderosa da oração!
17 DE SETEMBRO CORAÇÃO GRANDE E PEQUENINO Uma santa indiferença para com tudo que não seja Deus é o ideal da perfeição, que os autores da vida espiritual preconizam e nos incitam a conseguir. Santa Teresinha bem cedo o alcançou. Escrevia ela à Madre Inês: “Se soubésseis até que ponto quero ser indiferente às coisas da terra! Que me importam as belezas criadas? Ter-me-ia como bem desgraçada se as possuísse! Ah! Como me parece grande, o coração em, relação aos bens deste mundo, pois todos juntos são para mim sem valia; mas como me parece ele pequenino quando considero a Imensidade de Jesus”.24 Nosso coração padece por ser grande, por ter proporções infinitas, criado como foi para o que é grande, imenso, infinito... Não haverá neste mundo o que o possa encher. No auge da glória, da riqueza, do prazer, o homem se sentirá sempre uma criatura infeliz. Salomão e Creso, porventura acharam paz na riqueza? Criados como fomos para Deus, fora de Deus seremos eternamente desgraçados. Só um caminho nos conduz à felicidade: Jesus! Ele é caminho, verdade e vida. Como, diante de Jesus, é pequenino e humilde o nosso coração, esse mesmo coração que foi criado para Ele, com tamanhas proporções que não o podem alegrar nem encher todas as ilusões do mundo e do pecado! 216
18 DE SETEMBRO QUEM BATEU? São José de Cupertino, em sua doce simplicidade, dizia, numa comparação feliz: “Deus, no seu poder e na sua bondade, parece brincar conosco aquele jogo de criança em que, vendando-se os olhos a uma delas, batem-lhe as outras e lhe perguntam: quem bateu? A adivinhação é, muitas vezes, demorada”. Deus, enviando-nos contradições, reveses da fortuna, perseguições, doenças etc., pergunta-nos depois: “Quem bateu?” Em nossa ignorância, respondemos: “Foi tal indivíduo que me ofendeu, um superior, que me persegue, o vento que me resfriou, um mau negócio etc.” Ah! Como nos enganamos! Não adivinhamos que quem bateu foi Ele próprio, foi Nosso Senhor! Os que nos fazem sofrer são meros instrumentos de sua misericórdia, destinados a nos ajudar a fazer penitência e a conhecer a nossa miséria. O Profeta Jó adivinhou logo, desde o primeiro momento, donde lhe provieram os golpes da desventura: Deus me deu – exclama ele – e Deus me tirou”. Ele não os atribuiu aos Sabeus, nem ao fogo, nem aos homens... “É mister essa perspicácia do santo Jó – diz a piedosa autora dos Avisos Espirituais – para descobrirmos a Mão de Deus em tudo, principalmente nos reveses, nas desgraças”. Quem bateu? Neste mundo temos os olhos vendados, mas, como bons cristãos, podemos adivinhar quem nos bateu e para que nos bateu: foi Ele, o Senhor, não para brincar, mas para salvar...
19 DE SETEMBRO COM JESUS NO DESERTO A vida espiritual, após as consolações dos primeiros dias, transforma-se, às vezes, num deserto árido. Desaparece o amor sensível. É uma provação e das mais angustiosas. A Divina Providência nos prepara o Purgatório doce do Amor aqui na terra, nas trevas e no deserto. Santa Teresinha amou a Jesus, desinteressadamente, neste deserto. Ela só queria Jesus. Era o amor levado ao 217
heroísmo. “Amemos a Jesus, escreve à Celina, a ponto de sofrermos tudo o que Ele quiser, mesmo a aridez e frieza aparentes. É sublime o amor a Jesus sem o gozo das doçuras desse amor. É um martírio!... Pois bem, morramos mártires! Oh! minha irmãzinha, desprendamo-nos da terra e voemos para a montanha do Amor, onde encontraremos o belo lírio de nossas almas. Desapeguemo-nos das consolações de Jesus para só a Ele nos unirmos.”25 Consolai-vos na aridez, almas piedosas e verdadeiramente amantes de Nosso Senhor. Estar com Jesus e amá-Lo, é tudo e é só o que vale neste mundo. Se Jesus está conosco nas delícias, encantos e consolações do amor, alegrai-vos, chorai de amor e reconhecimento. Se, porém, Ele vos convida para o deserto, obriga-vos a segui-Lo, a queimar os pés nos areiais adustos e a suar e padecer, sem alívio e descanso, à beira de uma fonte ou à sombra de uma palmeira, coragem! Segui Vosso Esposo! Basta que O ameis! Não importa sentir o amor. Oh! Bem poucos são os corações generosos que seguem a Jesus no deserto!
20 DE SETEMBRO CHORAR DIANTE DE DEUS Santa Teresinha desejava a perfeição de suas noviças no amor desinteressado a Jesus. Dizendo-lhe certo dia uma delas que, quando sofria, costumava ir sem demora confiar suas mágoas a Jesus, no Tabernáculo, desabafando-Lhe, a chorar, o coração, ponderou-lhe a santa: “Derramar lágrimas diante de Jesus! Ah! não faças mais isto! Muito menos nos devemos mostrar tristes perante Ele do que perante as criaturas. Pois se é apenas com os nossos Mosteiros que Esse bom Mestre conta para o regozijo e alegria de Seu Coração, se Ele vem a nós para repousar e se esquecer das contínuas lamentações dos seus amigos do mundo – e neste exílio todos choram e gemem – como, em vez de reconhecer o preço da cruz, havemos nós de entristecê-Lo também com as nossas mágoas e queixas, como o comum dos mortais? Francamente, tal proceder não é de quem Lhe tem um amor desinteressado. Nós é que O devemos consolar e não Ele a nós. Com o Seu Coração tão compassivo, Ele nos enxugará as lágrimas, mas se retirará triste por não ter podido repousar em nossa alma”.26 218
Não se devem entender as palavras de Santa Teresinha como uma censura a quem vai desabafar o seu coração ante Jesus, chorar e pedir consolação ao Divino, Verdadeiro e Único Consolador! Não! Podemos chorar, sim, diante de Jesus, mas saibamos ser generosos, quando já tivermos aprendido a sofrer e amar. Santa Teresinha se refere às almas já adiantadas na via do amor e não aos pobres mortais que ainda ensaiam os primeiros passos nessa via e tanto precisam chorar diante de Jesus!
21 DE SETEMBRO VIVER DE AMOR NO CALVÁRIO Cantava, numa de suas poesias,27 o Serafim de Lisieux: “Viver de amor não é, neste degredo, Fixar-se no Tabor: é, com Jesus, Subir pelo Calvário, sem ter medo, E olhar, como o maior tesouro, a Cruz. Hei de viver, hei de gozar lá no Empíreo, Então terá fugido, enfim, a dor, Mas, cá na terra, quero, em meu martírio, Viver de amor.” Teresa, que sempre viveu de amor, jamais se afastou do Calvário. Dois meses antes de morrer, escreveu a certo sacerdote, um de seus irmãos espirituais: – “Não aspiro libertar-me das penas do exílio, porque a única coisa que me apraz neste vale de lágrimas é o sofrimento, unido ao amor. Amar ao pé da cruz é mais belo e heroico do que amar nos esplendores do Tabor. É ali que se prova o verdadeiro amor”. E a Santinha, sentindo a nossa fraqueza, ensina-nos a sofrer, até mesmo quando, para tanto, falta-nos coragem. “Soframos – diz ela – ainda que com amargura e sem coragem. Também Jesus sofreu com tristeza. Por acaso 219
teria a alma possibilidade de sofrer sem tristeza? Pura ilusão é, pois, queremos sofrer generosamente, heroicamente...” Sim, a nossa fraqueza é enorme, sendo, pois, raro e difícil, senão impossível, haver quem, como alguns santos, seja capaz de sofrer com generosidade e heroísmo. Nem por isso deixa, porém, de ser meritório nosso sofrimento; desde que o saibamos aproveitar e humildemente nos abandonemos, resignados, nas Mãos de Deus, procurando, como Teresa, VIVER DE AMOR NO CALVÁRIO.
22 DE SETEMBRO O CÁLICE ESTÁ PARA TRANSBORDAR! O sofrimento chegou ao paroxismo nos últimos dias da vitimazinha do Amor Misericordioso. Foi submersa num oceano de dores corporais e de trevas horrorosas que passou Teresinha a sua última noite neste exílio da terra. Mais do que nunca experimentou ela então o puro sofrimento, sem a menor mistura de consolação. Em sua terrível agonia, que durou cerca de doze horas, exclamava: “Ó meu Deus! Ó doce Virgem Maria! Vinde em meu socorro! O cálice está a transbordar! Nunca poderia pensar que fosse possível sofrer tanto... Não o posso explicar senão pelo meu extremo desejo de salvar almas”. E depois, cheia de resignação e doçura: “Ó meu Deus”. Estou por tudo que quiserdes, mas tende compaixão de mim! Em tudo a vitimazinha se assemelhava a Jesus Crucificado, nas trevas do abandono de seu Pai, na cruz: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” E, para dar a entender que o fundo de sua alma, não obstante o horror dessas agonias e trevas, permanecia calmo e todo cheio da vontade de Deus, afirmou: “É pura verdade tudo quanto escrevi sobre os meus desejos de sofrer muito pelo bom Deus! Ah! não me arrependo, não, de me ter oferecido como vítima de Amor!” Na véspera do dia 30 de setembro de 1897, seu natal para o Céu, respondeu a uma irmãzinha que lhe pedira uma palavra de adeus: “Disse tudo... Tudo está consumado. É só o amor que vale!” Como é belo sofrer e amar até morrer de amor, na via da infância!
23 DE SETEMBRO 220
FELICIDADE DE SOFRER A felicidade de sofrer transparece em todas as fases da vida de Santa Teresinha. Ela realizou praticamente a sua admirável doutrina sobre o valor e o alcance do sofrimento. Sofrer com resignação é virtude, mas sofrer com alegria é heroísmo. Desde pequenina, Teresa sentiu irresistível atrativo para o sofrimento. – “A cruz, diz ela, acompanhou-me desde o berço, e Jesus fez-me amá-la apaixonadamente”. Ela achava que nenhuma tribulação é demais para conquista da palma, pelo que chamava perdido o dia passado sem sofrimento. Eram, para ela, de festa os dias em que sofria. Eis as palavras suas28: – “Sabeis quais são os meus domingos e feriados? São os dias em que o bom Deus me envia mais provações”. Mais, ainda29: “Se um sofrimento amargo um dia O coração vos vier conter, Dele fazei vossa alegria, Sofrer por Deus! Oh! Que prazer!” Sofrer por Deus era a sua ventura. Numa das maiores tribulações de sua vida, quando o coração se lhe partia de dor, vendo enfermo o pai tão querido, vítima de um insulto cerebral, escreveu a uma das irmãs30: “Que privilégio de Jesus! Como é preciso que Ele nos ame para enviar-nos tamanha dor! A eternidade não nos será bastante para bendizê-Lo. Cumula-nos de favores como cumulava aos maiores santos!” Que perfume suave exala a humilde violeta do Calvário, que, com o seu pequenino caminho, ensina-nos a chegar ao heroísmo da santidade só pelo amor, aproveitando as provações da vida!
24 DE SETEMBRO O PEQUENO CAMINHO 221
Disse Bento XV, em memorável discurso sobre a heroicidade das virtudes de Santa Teresinha: – “A Infância espiritual é condição necessária para obter a vida eterna: os fiéis de todas as nações devem generosamente entrar no caminho pelo qual a Irmã Teresa do Menino Jesus atingiu o heroísmo da virtude”. As palavras do pontífice nada mais são do que o eco do Evangelho: – “Se não vos fizerdes pequeninos, não podereis entrar no Reino dos Céus.” A infância espiritual, segundo Bento XV, é caminho necessário da salvação e condição necessária para se chegar ao Céu. Tudo é simples no pequenino caminho preconizado por Teresinha. Basta humilhar-se e amar o Amor! Nem todos podem chegar à perfeição pelos caminhos difíceis, duros e assustadores dos anacoretas e dos gigantes da penitência e da santidade, como Santo Hilário, Margarida de Cortona ou Simão Estilita. Impossível é imitar esses heróis. Para tanto seria necessária uma graça especialíssima do Alto, a qual mui dificilmente se poderia impetrar sem presunção. Certo é que somos todos chamados por Jesus à perfeição: – “Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito”. Deve, pois, existir outro caminho, acessível às almas fracas, pobres, pequeninas, como as nossas, as quais também poderão amar a Deus e chegar à santidade, à perfeição. Teresinha disse: – “Felizmente há muitas moradas no Reino do Céu. Se não houvesse senão aquelas com acesso por caminhos para mim incompreensíveis, eu lá não entraria, certamente... Mas, se há a morada das grandes almas, a dos Padres do deserto e a dos mártires da penitência, não deixará de haver também a das criancinhas, e nosso lugar está guardado entre estas”.
25 DE SETEMBRO O AMOR NA VIA DA INFÂNCIA ESPIRITUAL O amor é tudo na vida da infância. A confiança também. Teresa leva-nos à pátria das virtudes pelo amor e não, ao invés, ao amor pela prática das virtudes. Escrevia Ela à sua prima Maria Guerin31 : “Desejais saber como chegar à perfeição? Só conheço um meio: o amor”. Segundo comenta o autor de O Espírito 222
de Santa Teresinha, essa resposta lembra a réplica de São Francisco de Sales ao seguinte conceito de certa religiosa: “Quero adquirir o amor pela humildade”. Replicou o Santo: “Pois eu quero adquirir a humildade pelo amor”. O amor é um incentivo poderoso e eficaz para a virtude. Ele suaviza a aspereza dos trabalhos e torna doce todo sacrifício no caminho da perfeição. Na via da infância, Teresinha nos quer levar ao amor, ao puro amor, bem certa de que dessa fonte riquíssima brotam a perfeição e as virtudes mais heroicas. Nosso Senhor não precisa de nossos atos brilhantes, nem de nossas obras. Ele só quer o amor de nossos corações. Por isso dizia São João da Cruz: “O mais leve movimento de uma alma animada de puro amor é mais proveitoso à Igreja do que todas as demais obras reunidas”. Como isto consola as almas fracas e pequeninas! Quem pode amar pode tudo. Ou nas lutas do Apostolado, pregando, ensinando, catequizando em missões, ou na obscuridade e no silêncio do mosteiro, sempre se pode amar, e só esse amor é o que vale. Os enfermos, os pobres, os infelizes, as almazinhas pequeninas e fracas, as crianças, todos, todos podem santificar-se, porque todos podem amar e o Amor é tudo! Como isto consola e simplifica a vida espiritual!
26 DE SETEMBRO A ESPERANÇA NA VIA DA INFÂNCIA ESPIRITUAL A esperança é doce alívio e bálsamo suavíssimo nas agruras do exílio da terra. “O tempo passa como um sonho, dizia Teresinha, mas Deus já nos vê na glória e se regozija com a nossa eterna felicidade! Como este pensamento faz bem à minha alma! Compreendo porque Ele nos deixa sofrer!...”32 Quem pensa no Céu acha pouco e leve todo sofrimento deste exílio. Era em transportes de amor e de alegria que o Anjo do Carmelo pensava no Céu. “Amanhã dizia, estaremos no porto! Meu Deus, que veremos então? O Senhor será a alma de nossa alma, Mistério insondável! Os olhos humanos nunca viram a luz incriada, os ouvidos humanos nunca ouviram as incomparáveis melodias dos céus, nem jamais pôde o coração humano compreender o que reserva o
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futuro. E tudo isso virá logo, logo sim, se amarmos a Jesus apaixonadamente.”33 A esperança é o bálsamo suave que Nosso Senhor nos deu para as feridas tão dolorosas do coração. E não nos iludimos, como diz a impiedade, oh! Não! O Céu é uma realidade! E virá logo! Mais depressa talvez do que pensamos. Todo sofrimento é suportável quando se medita bem na recompensa que o Senhor prometeu aos eleitos. A figura deste mundo passa. E por que nos apegarmos ao que só nos faz desgraçados? Seremos saciados plenamente de todo desejo e sonho de felicidade. E nossa alegria será eterna! Ó Paraíso! Façamo-nos aqui pequenos, porque é estreita a porta do Céu, e só entram lá as almas pequeninas!...
27 DE SETEMBRO A PENITÊNCIA NA VIA DA INFÂNCIA ESPIRITUAL A penitência, na via da infância, não contém as macerações e prodígios de mortificação, mais admiráveis que imitáveis, dos grandes anacoretas e grandes santos penitentes. Não. É simples, oculta e, por isso mesmo, heroica. Escreve Teresa, na História de um a alm a 34: “Longe de me querer assemelhar às belas almas que, desde a infância, praticam toda espécie de macerações, fiz consistir as minhas penitências, unicamente, em quebrar a minha vontade, reter uma palavra de réplica, prestar pequenos serviços em torno de mim, sem lhes dar importância, e mil outras coisas do mesmo gênero.” Essas mortificações, que parecem pequeninas, insignificantes, são mais duras que as grandes macerações voluntárias. Vencer e sacrificar a vontade, o amor próprio, o orgulho enfim, é penoso e difícil. O martírio das pequeninas cruzes e das alfinetadas é mais longo e necessita uma virtude heroica. Aprendamos a sofrer, aproveitando as pequeninas cruzes de cada dia santificando nossas dores. Depois do pecado, para quem ofendeu a Nosso Senhor, só uma porta no Céu: a da penitência. Esta só palavra já assusta a nossa fraqueza. Que fazer? Se não 224
podemos todos com as macerações dos grandes santos, entremos no pequenino caminho e aproveitemos tudo o que o Céu nos manda cada dia: contrariedades, privações, doenças e tropeços sem conta que topamos no caminho da vida! Soframos, com sorriso heroico, o que for da vontade de Deus!
28 DE SETEMBRO A CONFIANÇA NA VIA DA INFÂNCIA ESPIRITUAL A confiança é tudo na vida de Teresa. A confiança e o abandono. A criancinha não desconfia, um só momento, do amor materno. Entrega-se à mãe, não pensa em si. Seu único ideal é este: amar. E que mais resta a quem se fez criança por amor de Deus senão confiar, e confiar cega e obstinadamente? Oh! Não é bastante a nossa confiança no Coração de Jesus! Há muitos que rezam o CREDO e não creem na Misericórdia! Infelizes! Jesus não há de usar toda a severidade de sua justiça eterna para os que O amam. Por que desconfiar? “É a confiança e só ela que nos há de levar ao amor”, dizia Teresinha35 . A criança tem medo e foge, espavorida, de sua mãe? Oh! Não... Almas que por aí viveis atormentadas e oprimidas pelo temor, imitai a confiança da criancinha, nas vossas relações para com Nosso Senhor! Libertai-vos do jugo de ferro desse medo de Deus, desse mesquinho e vil jansenismo. Eia! Avante! Confiança! Pôr limites à confiança é ousadia, é como querer diminuir a Misericórdia Divina. Se Teresinha se tornou a grande santa que hoje admiramos e contamos nas honras dos altares, deve-o à confiança e ao Amor. A confiança e o Amor foram a senda luminosa de sua vida. Esse caminho pequenino, simples, belo, será o prêmio de nossa generosidade no combate aos nossos pecados, e nos levará ao Coração de Jesus. “Na verdade, a confiança de Teresinha desentulhou o caminho do Céu.”36
29 DE SETEMBRO A JUSTIÇA DIVINA E A VIA DA INFÂNCIA 225
A Justiça Divina, que amedronta as grandes almas, é motivo de alegria e confiança para as almas pequeninas. Deus é justo e, porque é justo, conhecendo profundamente nossa fraqueza, sabe avaliar com precisão o que somos e podemos. Como, pois, não há de usar de misericórdia para conosco? Não é justo também que, já que Nosso Senhor nos deu a sua misericórdia, manifeste-se esta onde há maiores e mais tristes misérias? Fiquemos sempre pequeninos e não temamos. “Os pequeninos – diz o Espírito Santo37 – serão julgados com extrema doçura.” Santa Teresinha fala o que segue:38 “É possível ficar pequenino, mesmo nos cargos mais elevados e de maiores responsabilidades. Não está escrito que o Senhor se levantará para salvar os mansos e humildes da terra?” – “Notai – esclarece a Santa – que Ele não diz JULGAR, mas, sim SALVAR!” É essa a Justiça Divina que amedronta e faz tremer tantas almas desconfiadas e cheias de escrúpulos. Justiça Misericordiosa do Coração de Jesus, vede o que sou: fraco e miserável. É justo que o pobre do meu coração receba a esmola do Vosso Amor e se agasalhe no asilo da Vossa Misericórdia!
30 DE SETEMBRO MEU DEUS... EU VOS AMO! Depois de ter passado a vida no Amor, ia morrer, num ato de amor, o serafim do Carmelo! Era 30 de setembro de 1897. Estava a raiar para ela a aurora do dia eterno. Pela manhã, a vitimazinha lançou um olhar de amor para a estátua da Virgem, exclamando: “Oh! como Lhe rezei com fervor!...” Mas era a agonia pura, sem a menor mistura de consolação... E depois, sufocada: “Oh! falta-me o ar da terra! Quando me será dado respirar o do Céu?... Às duas horas e meia, dando mostra de que o sofrimento havia chegado ao extremo, disse: “Minha Madre, o cálice está a transbordar! Jamais poderia imaginar que me fosse possível sofrer tanto! Não posso explicar isso senão pelo meu ardente desejo de salvar almas”. E depois: “É bem verdade, tudo quanto escrevi sobre o meu desejo de sofrer! Não me arrependo de me haver entregue ao amor”. E repetiu essas palavras diversas vezes. Tamanha a sede de amar e de sofrer consumia o Serafim da montanha santa do Carmelo! Quando, ao cair da tarde, soaram as tristes badaladas das Ave226
Marias, contemplou ela meigamente à Maria e, voltando-se para a Madre Priora: “É a agonia, minha Madre?” – “Sim, minha filha, é a agonia, mas Jesus a quer prolongar ainda algumas horas”. E ela, resignada: “Pois bem... Vamos... Eu não quisera sofrer menos... “ E, fixando o crucifixo: “Meu Deus... eu... vos amo!” E sua bela alma voou para o Céu. Morreu de amor! Realizaram-se todos os seus sonhos. Como é bom viver sofrendo e amando até morrer de amor! 1 - História de uma alma - c.IX. 2 - Conseils et Souvenirs. 3 - Conseils et Souvenirs. 4 - 6me.lettre 11. Soeur Marie du Sacré Coeur. 5 - História de uma alma. - c.IX. 6 - Conseils et Souvenirs 7 - História de uma alma. - c.XI. 8 - 5me. lettre é des Missionaires 9 - 9me. lettre à des Missionaires. 10 - 5me. lettre à sa soeur Céline. 11 - História de uma alma. - c.IX. 12 - História de uma alma - c.V. 13 - 5me. lettre à sa soeur Céline. 14 - “Conseils et Souvenirs”. 15 - 5me. lettre à Soeur Marie du Sacré Coeur. 16 - 13me. lettre à Céline. 17 - História de uma alma - c.XII. 18 - História de uma alma. - c.VIII. 19 - Idem - c.XII. 20 - História de uma alma - c.XII. 21 - 8e. lettre à des Missionaires. 22 - Jó, 13,15. 23 - História de uma alma. - c.X. 24 - “Conseils et Souvenirs”.
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25 - Lettres - 14 de Julho de 1889 e Maio de 1980. 26 - “Conseils et Souvenirs”. 27 - “Saint Therèse de L’Enfant Jesus - Poésies”. 28 - “Conseils et Souvenirs”. 29 - Poésies. 30 - Carta à Celina - janeiro de 1889. 31 - Lettres à Marie Guerim - 1894. 32 - 8me. lettre à Céline. 33 - 6me. lettre à Céline. 34 - História de uma alma. - c. LV. 35 - 6e. lettre à Sn. Marie du Sacre Coeur. 36 - Expressão do saudoso Cardeal Bourne. 37 - Sap - VI 7. 38 - Psalm. - LXXV - 9.
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1 DE OUTUBRO O ABANDONO NA VIA DA INFÂNCIA ESPIRITUAL O abandono está muito longe desse quietismo perigoso e estúpido, que consiste em cruzar os braços indolentemente, deixando a Nosso Senhor todo o encargo de nossa santificação, sem a cooperação da nossa vontade, do nosso sacrifício, e daquilo, diz o Pe. Mateo, a que chamamos abandono e que é, afinal, a expressão do amor perfeito. No dizer de Mgr. Gay, o abandono é o cume da montanha do amor, é a perfeição do amor. Na via da infância, é o gesto da criatura que, sentindo-se fraca e incapaz de dar, por si só, um passo no caminho da virtude, atira-se, como uma débil criança, aos braços paternos e adormece, tranquilamente reclinada sobre o Coração Divino, certa, bem certa de que assim não correrá perigo e percorrerá com segurança o seu caminho, sem temor da trevas que o obscurecem em noites tenebrosas de cruéis provações! Sabe alguém, porventura, se a saúde ou a doença, a fortuna ou a pobreza lhe são hoje um bem ou um mal? Não... Mas não o ignora Deus. As crianças nada sabem..., entregam-se à vontade paterna e ficam confiantes. Faça também assim a minha pobre alma, que tanto se agita e se perturba. Outro posto não deve ambicionar senão o do repouso no Coração de Jesus, na luta como na paz... Na vida como na morte. O resto... rir ou chorar, viver ou morrer, a doçura ou a amargura das coisas da vida – que me seja tudo isso indiferente, ainda que a minha natureza humana grite e se revolte! Tal é o abandono na doce via de Teresinha!
2 DE OUTUBRO O SOFRIMENTO NA VIA DA INFÂNCIA ESPIRITUAL “Deus não fez a dor – escreve Mgr. Laveille1 . – A dor é fruto do pecado. 229
Entretanto, uma disposição misericordiosa da Bondade Divina a transforma em preservativo e remédio. O sofrimento purifica”. Teresinha compreendeu admiravelmente a missão Divina do sofrimento e sempre o acolheu com o mais doce e belo sorriso. Aos quatorze anos escrevia ela à Irmã Inês2: – “É bem verdade que o fel está sempre de mistura nos cálices que sorvemos. Para mim, os espinhos nos facilitam o desapego da terra, e fazem que elevemos os olhos muito para cima deste mundo”. Nosso Senhor nos manda o sofrimento a fim de que nos desiludamos do mundo e das criaturas e contemos só com Ele. No seu pequenino caminho, Teresinha nos ensina a arte de sofrer. Consiste ela em aceitar todas as pequeninas cruzes que nos aparecem cada dia, a cada hora, a cada momento, e fazê-lo sempre pacientemente, humildemente, com sorriso acolhedor. Disse ela: – “Sofro de instante a instante... É por se pensar no passado e no futuro que costuma vir o desânimo”. Em outra ocasião, torturada por horrorosos e incríveis sofrimentos, murmurou docemente3: – “O bom Deus não me fez pressentir a morte próxima, mas me dá ainda mais e muito maiores sofrimentos... Entretanto, não me atormento por isso. Só quero pensar no momento presente”. E é nisto que está o segredo do sofrimento na via da infância: sofrer com um sorriso tudo o que vem das mãos de Deus, as grandes e as pequenas cruzes, e isso cada dia, a cada hora, a cada instante, sem olhar o passado nem o futuro.
3 DE OUTUBRO O AMOR MISERICORDIOSO Amor misericordioso é o que se inclina para a miséria, procurando-a, para transformá-la em ardente chama de amor. Santa Teresinha dizia que, quanto mais pobre e miserável é uma alma, tanto mais apta está para as operações do Amor que consome e transforma. Estas palavras são de Jesus: Vim trazer o fogo à terra. E que desejo Eu senão que ele acenda e arda?” Neste mundo somos todos pobres, fracos, miseráveis. Que fazer então? Fugir, por indignos, do Amor? Não. Mesmo por isso devemos correr pressurosos para a fornalha ardente do 230
Amor Misericordioso. Foi para a miséria que a Misericórdia baixou à terra. Sobre os escombros de nossa miséria, levanta o Senhor o seu trono de Misericórdia. Tão poucas são as almas que compreendem o Coração de Jesus! Quanto nos consola saber que, não obstante os abismos e o horror de nossa miséria, somos amados, e amados com um amor infinito, pelo Amor Misericordioso! Há muitas almas desconfiadas, timoratas e revoltadas contra Deus, porque não acreditam na Misericórdia, não conhecem o Amor Misericordioso. É a essas almas que o Anjo do Carmelo quer que se fale muito da Misericórdia, que se pregue o Amor, o Amor Misericordioso. Ó Santa Teresinha, anseio a graça de amar o Amor, e essa graça eu a imploro à missionária que vos fizestes, com estas palavras: “Voltarei à terra para fazer amar o Amor!”
4 DE OUTUBRO PEQUENO SERMÃO DE SÃO FRANCISCO O Seráfico São Francisco de Assis fazia, no Alverne, esta profunda meditação: “O Céu aberto em cima de minha cabeça. O Inferno aberto sob meus pés. E o cristão, no meio! Assim estou no mundo, sob um Céu que me espera e cujo pensamento me conforta e estimula na luta”. Quando a cruz pesar demais sobre nossos ombros doloridos, olhemos para o Céu. Certo dia, ouvindo São Francisco o tanger de uma corda da lira celeste nas mãos de um anjo, desfaleceu. Sua pobre natureza sentiu-se aniquilada ante a estupenda maravilha de tão deliciosa melodia. Que não será, ó meu Deus, ouvir os cânticos eternos! Santo Inácio dizia: “Como me parece pequena e vil esta terra, quando contemplo o Céu!” O Céu aberto! Eia! Confiança! Todo sofrimento é pouco para tamanha felicidade! O Inferno aberto! Meditemos um pouco. Pode-se comparar todo nosso martírio, toda a amargura da terra, a uma só das penas eternas? Então, por que não suportarmos hoje um castigo tão leve em reparação de nossos pecados, que, mil vezes, já mereceram a condenação eterna? O cristão, no meio... Para a luta, para a escolha livre do seu destino! Oh! Como a vida é séria e cheia de responsabilidades! No meio, entre o Céu e a terra, o cristão em luta! Oh! 231
Saibamos sofrer e, com o pobrezinho de Assis, meditemos o que somos, onde estamos e o que nos espera na Eternidade!
5 DE OUTUBRO O PÃO DA DOR E O PÃO DOS ANJOS Só o Pão dos Anjos nos sustenta e nos dá força quando nos chega o pão da dor. A Eucaristia e a cruz vivem unidas. A Eucaristia é o sacramento do amor e sem a cruz não se vive no amor. Não se ama sem sofrer. Ninguém precisa tanto da comunhão como o que padece. Dizia uma santa carmelita que a comunhão de tudo consola o penitente. Na primitiva Igreja, os primeiros cristãos comungavam cotidianamente nas catacumbas e, com o sorriso nos lábios, ofereciam generosamente a Deus todo sacrifício, todas as dores, o próprio sangue. A Eucaristia lembra-nos o Grande Sacrifício do Calvário e nos fala com eloquência da cruz, do sofrimento. É tão suave padecer, e até morrer, com Jesus no coração, como São Tarcísio! Quando nos sentirmos abatidos com o pobre coração ferido, dilacerado, nos embates da vida, precisados de conforto, consolação e alívio, procuremos a santa Eucaristia. No Altar, no Sacrário, na Santa Mesa, encontraremos o Mestre, o Amigo, o Pai, o Irmão, que enxugará nossas lágrimas e nos ajudará a levar a cruz. Oh! se tivéssemos bastante fé, sempre que nos atormentasse o sofrimento, que nos ferisse qualquer golpe, haveríamos de desoprimir-nos no Calvário, saberíamos ocultar as nossas dores, com toda a generosidade, na chaga do Coração Eucarístico de Jesus. A Eucaristia e a dor são asas do Amor Divino, com as quais voaremos, como as águias, sobre o vale triste das amarguras da vida, até poder fitar, sem receio, o eterno e esplendoroso Sol do Amor! Dai-me, Senhor, o Vosso PÃO DOS ANJOS, e com ele podeis enviar-me o PÃO DA DOR!
6 DE OUTUBRO O ALIMENTO DO AMOR NA TERRA 232
“O sofrimento – diz Lehodey4 – é o alimento necessário, substancial, do santo amor.” O Amor Divino cresce na dor. Quanto mais pungente é a dor, tanto mais vivas são as chamas do amor. É no Calvário que se ama verdadeiramente! Para se compreenderem bem certos segredos do amor, é necessário sofrer e sofrer muito. Os santos tinham fome do sofrimento e podiam dizer, com Santa Teresinha: “Eu não poderia viver neste mundo sem o Amor e o sofrimento”. Pode-se, porventura, viver sem alimento? E pode, quem ama, viver sem padecer, se o seu alimento é o pão do sofrimento? Quando se ama, dizia Santa Maria Madalena Postel5 : “Nada se padece, porque é muito grande a felicidade de sofrer pelo objeto amado”. No festim das almas abrasadas, realiza-se o banquete do Amor, em que o Mestre parte com elas o pão da dor. Essas almas, quanto mais sofrem, mais querem sofrer, porque, também, quanto mais se ama, mais se deseja amar. Elas sofrem para mais amar e amam para mais sofrer. Amam porque sofrem e sofrem porque amam. Tirai o sofrimento a uma alma abrasada no Divino Amor e ela vos dirá, como Santa Teresa, QUE SOFRE, PORQUE NÃO SOFRE! Tão identificada fica com seu Divino Amor que, como São Paulo, não ama e nada quer amar nem conhecer senão Jesus e Jesus Crucificado! Não pode viver longe do Calvário! Ó vida preciosa e rica de méritos!
7 DE OUTUBRO ROSÁRIO, MINHA ALEGRIA! Nossa Senhora, dizem as ladainhas lauretanas, é causa de nossa alegria. O Rosário trouxe alegria ao mundo convulsionado e triste, nos dias de São Domingos. Hoje, quando tanto se padece neste exílio, precisamos, mais do que em tempo algum, recorrer a Maria. E o Rosário é a mais bela e consoladora das preces. Quanto conforta um terço bem rezado nas nossas aflições! “Um terço aos pés do Sacrário – dizia uma santa alma – me consola mais do que tudo neste mundo.” Oh! quando as amarguras da vida estiverem a transbordar no cálice de nosso coração, não nos deixemos levar ao desespero. Vamos a Maria! LancemosLhe, um olhar de terno afeto e confiança e, de joelhos, recitemos-Lhe um terço, 233
um rosário... O pobre coração aflito, cansado e ferido, experimentará um alívio tão grande como o de quem, desafogado, respira, a plenos pulmões, o ar puro da montanha! O Rosário é, na verdade, minha alegria, meu consolo, arma de minha confiança, penhor de salvação eterna! A quantas almas opressas não trouxe ele a paz e as mais suaves consolações! Corações aflitos, nas dores, reveses e sofrimentos de toda sorte, que vos acabrunham nesta vida mortal – não vos esqueçais da receita miraculosa: o rosário, o rosário, sempre o rosário! Nas horas longas, eternas, de uma monotonia pesada e quase insuportável a velar num quarto de enfermo, não vos esqueçais de Nossa Senhora, de vossa boa Mãe, a Consoladora dos aflitos: Recitai o Rosário. Tanto consolo ele nos traz, tanto alivia o peso das dores que nos esmagam! Ó Rosário, minha alegria, que eu jamais te esqueça!
8 DE OUTUBRO LÍRIOS DO CALVÁRIO Santa Teresinha, Soror Elizabete da Trindade e Gema Galgani foram três lírios que Nosso Senhor fez brotar no Calvário. Sofreram muito e, por isso, amaram também muito. O anjo do Carmelo queria ser mártir e viu seus desejos plenamente realizados no martírio do amor. Quanta sede da cruz na sua alma seráfica! Escreve ela6: – “Como Vós, meu Jesus, meu Esposo adorado, quisera ser flagelada e crucificada; quisera morrer esfolada como São Bartolomeu; como São João, quisera ser atirada em óleo fervente; como Santo Inácio de Antioquia, triturada pelos dentes das feras, a fim de tornar-me um pão digno de Deus; como Santa Inês e Santa Cecília, apresentar o meu pescoço à espada do carrasco e, como Joana d’Arc, murmurar o nome de Jesus numa fogueira ardente!” E, até a consumação do seu martírio doloroso de vítima do Amor, Santa Teresinha viveu no Calvário, ao lado de seu Divino Esposo Crucificado!
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Soror Elizabete da Trindade se oferece a Jesus “como uma humanidade de acréscimo, na qual possa Ele ainda sofrer para glória de Seu Pai e as necessidades de Sua Igreja e perpetuar no mundo Sua, vida de reparação, de sacrifício, de louvor e de adoração”.7 Que vítima de amor e de reparação! Que sublimes páginas nos deixou ela sobre a cruz e o sofrimento! À Gema Galgani, o terceiro, delicado lírio do Calvário, que teve em seu corpo os estigmas sagrados, disse Nosso Senhor8: – “Queres amar? Aprende primeiro a sofrer. O sofrimento ensina a amar. Os únicos adornos e joias de uma esposa de Jesus Cristo Crucificado são os espinhos da cruz. Que martírio padeceu Ele! Viveu amando e agonizando no Calvário!” Se quereis fazer ideia das belezas da vida interior passada no Calvário, lede a vida e os escritos dos três lírios e anjos da cruz!
9 DE OUTUBRO UM “FIAT” E UM “GLORIA-PATRI” O “Fiat” é uma palavra maravilhosa. Fez surgir do nada tudo o que existe. Pronunciou-a a Santíssima Virgem, no dia da Anunciação, e baixou do Céu o Filho de Deus. Nas agonias do Horto, quando foi apresentado a Jesus o cálice das amarguras, é ainda um “Fiat” generoso que nos traz a Redenção. Faça-se a Vossa Vontade! Sem essa palavra tão pequenina e tão bela, não enviaria Deus ao mundo o Seu Divino Filho nem aceitaria o sacrifício da nossa Redenção. Alma cristã, sem um “Fiat” generoso de teu coração, Jesus não virá identificar-se contigo no Amor, e realizar essa sublime encarnação do Verbo na alma, como no seio da Virgem, bem nas profundezas e no silêncio de uma vida de recolhimento e de amor. Sem um “Fiat” no sofrimento, nas penas interiores e exteriores, não haverá redenção para teus pecados, tão numerosos e tão grandes! Precisamos viver de expiação e, no dizer de São Paulo – “completar em nosso corpo a Paixão de Jesus Cristo”. E isto se faz com a aceitação generosa e fiel da Cruz. “Fiat!” Sim, faça-se a Vossa Vontade, Senhor! Digamos sempre esta palavra tão
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bela e tão poderosa, ainda que isso nos custe uma agonia de Getsêmani! E, como devemos oferecer o sacrifício que nos pede o Senhor, com generosidade e alegria de sofrer por Quem sofreu por nós, acrescentemos ao nosso “Fiat” um “GloriaPatri!” É dever nosso sofrer com paciência e beijar, agradecidos, a Mão que nos fere! Oh! como isto agrada a Nosso Senhor e nos atrai as bênçãos do Céu!
10 DE OUTUBRO MEU POBRE CORAÇÃO... VAMOS! Caímos outra vez! Mais um pecado grave... Ou a miséria de uma falta humilhante! Até quando, meu Deus?! ... E quase desesperados nos revoltamos contra nós mesmos, num arrependimento agitado, amargo, impetuoso. Não devemos proceder assim. Precisamos ter paciência. Fomos traídos pelo coração ingrato e mau. Não o irritemos ainda mais. Quando alguém se fere não deve arranhar, irritado, a ferida, mas pensá-la cuidadosamente e acalmar-se. O doce São Francisco de Sales escreveu 9:– “Se eu caísse numa grande falta, não censuraria meu coração com frases como estas: Miserável! Abominável! Depois de tantas resoluções ainda te deixaste arrastar ao pecado! Morre de vergonha! Não ouses levantar os olhos para o céu, traidor, impudente, desleal, imprudente! Não, eu não lhe falaria, assim, mas procuraria corrigi-lo racionalmente, pelo caminho da piedade. dizendo-lhe docemente: Ora, meu pobre coração... Vamos! Caímos? Pois bem. Levantemo-nos. Deixemos esta miséria, vamos reclamar infinita misericórdia de Deus. Ela nos há de assistir daqui em diante, para que sejamos mais fortes, e vivamos no caminho da humildade. Coragem! Deus nos ajudará. E eu, assim, com a sólida resolução de nunca mais cair, empregaria todos os meios de não pecar”. Se uma falta que tivermos a desgraça de cometer nos levar a um ato de humildade e a um arrependimento sincero, devemos ficar tranquilos. Tenhamos paciência com o nosso coração! Ele é doente e não tem bastante juízo. Havemos de curá-lo só com bondade. Pois, meu pobre coração, levanta-te! Vamos! Vamos! 236
Vamos para Nosso Senhor, meu pobrezinho!
11 DE OUTUBRO A ESTÁTUA DO MESTRE DIVINO Santa Joana de Chantal sofria muito por sentir, quando orava, que sua alma ficava como que insensível, numa desoladora e triste aridez diante de Nosso Senhor. São Francisco de Sales consolou-a com a bela parábola da estátua. “Minha filha, diz o santo, se uma estátua colocada dentro dum nicho, num salão, pudesse falar e se lhe perguntasse: – Por que estás aí? Porque, diria ela, o meu mestre aqui me colocou. Por que não te moves? – Porque ele quer que eu permaneça imóvel. – De que te serve isso? Que proveito tiras daí? – Não é para meu proveito nem para me servir que estou aqui, mas para servir e obedecer à vontade de meu Senhor e Mestre. – Mas tu não o vês! – Pouco importa, responderia a estátua, ele me vê e fica satisfeito com minha permanência no lugar em que me pôs. – Mas não desejarias ter movimento, ir para junto dele? – Não, se ele não o ordenar. – Nada desejas então? – Não, porque estou onde meu Senhor e Mestre me colocou e sua vontade é a única alegria de meu ser”. – “Minha filha, termina o santo, não é uma boa oração apegar-se unicamente à vontade de Deus? Oh! não vos desanimeis, pobres mortais, se vos sentirdes naquele estado de alma! Deixai que o Artista e Mestre Divino faça o que quiser da sua estátua. A oração humilde, submissa, vale mais do que os êxtases. Nosso Senhor disse uma vez à Santa Margarida Maria: “Minha filha, a oração de submissão e de sacrifício Me é mais agradáveis do que a contemplação”.
12 DE OUTUBRO JESUS SÓ E A CRUZ! A vida de uma alma que chegou a viver de amor, é de abandono amoroso e filial nos braços do Pai Celeste, no Ascensor Divino, conforme a genial expressão de 237
Santa Teresinha. E então ela só tem este pensamento e este desejo: Jesus e a sua cruz. Quem já não tem, no mundo, outra aspiração, outro amor, realizou o mais belo e sublime ideal da perfeição. “O amor de Jesus Cristo – escreve Santo Afonso – põe o indivíduo num estado de absoluta indiferença. Não distingue o doce do amargo; nada do que lhe agrada lhe é desejável: só lhe apraz o que agrada ao Senhor; encara do mesmo modo as grandes como as pequenas coisas, tendo como essencial que sejam agradáveis a Deus.” O amor leva ao abandono e torna a fé mais viva e a confiança inabalável. É bom e delicioso acompanhar Jesus nos encantos de sua adolescência em Nazaré, nos esplendores do Tabor, na entrada triunfal em Jerusalém; é, porém, mais necessário e eficaz vê-Lo e amá-Lo na Cruz! Bem poucos são os que generosamente seguem o Mestre até ao Calvário e podem dizer, como certas almas seráficas e loucamente apaixonadas da cruz: “Jesus só e a sua cruz!” E mais não é preciso! A cruz é a salvação, é o amor, a glória, o remédio, o consolo, a paz! Quanto mais se ama tanto mais se aborrece tudo o que não seja o objeto amado. Quando se chega a amar verdadeiramente a Jesus Cristo, outro desejo não se tem senão este: Jesus, Jesus só e a sua cruz!
13 DE OUTUBRO A VIOLÊNCIA MISERICORDIOSA DE JESUS É por determinação Divina que sofremos e que nos molesta a dor. Para nos salvar, violenta-nos assim a Misericórdia do Coração de Jesus. Oh! como havemos de bendizer um dia, no Céu, essa Mão que nos feriu, que nos fez sofrer! E é por necessidade, em nosso benefício, que Nosso Senhor nos bate e nos fere. Para salvar o filhinho querido, Jesus, Médico Celeste, vê-se constrangido a lhe propinar medicamento amargo, a maltratar lhe o corpo, a ferir-lhe a carne. “Jesus nos fere, diz graciosamente Santa Teresinha, mas, quando o faz, volta o rosto para não nos ver sofrer.” Ah! Como ofendem o Coração Misericordioso de Jesus essas queixas injustas, essas revoltas na dor, essas quase blasfêmias dos seus amigos, escandalizados e, muitas vezes, revoltados contra o sofrimento! 238
Pobre Jesus! O bom Cirurgião Divino nos fere por amor, no empenho de curarnos e salvar-nos e, em troca, vociferamos queixas, blasfêmias e insultos! Sejamos delicados. Não estejamos constantemente a gemer e a lamentar-nos do pouco que sofremos. Soror Benigna Consolata Ferrero, a vitimazinha do Coração de Jesus, padecia horrivelmente no seu leito de morte, quando uma tarde, repentinamente, sentiu-se tomada de tamanha comoção que se debulhou toda em pranto. “Por que choras assim? – lhe perguntaram. “Oh! – respondeu, estou vendo a violência que Jesus se está fazendo para me fazer sofrer! Ele foi a isso forçado porque me escolheu para vítima, mas ai! Como Lhe custa ocultar-me o seu Amor!” E olhando, cheia de ternura, uma imagem do Sagrado Coração, exclamou: – “Meu Jesus, bem sei que me tendes muito amor e nele creio”. Oh! Jesus de inefável bondade, quanta violência fazeis ao Vosso Coração misericordioso para nos deixar a sofrer neste exílio da terra!
14 DE OUTUBRO SOFRER DE TODOS E NÃO FAZER NINGUÉM SOFRER É uma regra de ouro da caridade cristã. Neste mundo nunca estamos sem alguma cruz, e cruz que nos vem do próximo. As desigualdades de gênio, condição, educação e caráter, geram mil aborrecimentos, mal-entendidos, questiúnculas e muitos outros males torturantes para o nosso espírito e que tanto nos afligem o coração... Paciência, alma cristã! Não convém acrescentar nova dor a outra dor. A perturbação, a impaciência, a vingança, aumentam o peso daquela cruz. Resignemo-nos ao ato heroico de “sofrer de todos e não fazer ninguém sofrer”. Assim dizia um santo: “Não prejudicar a ninguém e fazer o bem a todos”. O perdão é um bálsamo suave. Alivia a quem sofre a injúria, consola o Coração de Jesus e costuma ligar os corações, desunidos pelo ódio com laços de uma estreita amizade. Soframos do próximo que nos aborrece, tudo o que Nosso Senhor permitir que ele nos faça, vendo nele o instrumento da Justiça Divina a castigar-nos de nossos pecados e infidelidades. Suportemos os defeitos alheios,
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porque também os temos, ignorando, talvez, quanto estes custam ao próximo. São Paulo quer que nos ajudemos mutuamente a carregar o pesado fardo da vida. Só conseguiremos isto, praticando aquela regra de ouro: “Sofrer de todos e não fazer sofrer a ninguém”.
15 DE OUTUBRO PÉSSIMA HOSPEDARIA! Um dia Nosso Senhor disse a Santa Teresa: “Considera minha viela cheia de sofrimentos e persuade-te de que aquele que é mais amado de meu Pai é também o que recebe mais cruzes; a medida do seu amor é também a medida do sofrimento que Ele envia. Em que poderia Eu melhor testemunhar-te minha predileção do que desejando para os que amo o que desejei para mim? E a santa, abrasada nas chamas do Divino amor, soube carregar as cruzes tão pesadas que Deus lhe enviou. Que grande mestra do Amor e do sofrimento é Santa Teresa! O Amor é inseparável da cruz. Só quem ama pode saber o valor da cruz! “Ou sofrer ou morrer”, dizia a Matriarca do Carmelo. Notamos que os santos seráficos foram os que mais sofreram. Se a dor é a escola onde se aprende a amar, por que desprezá-la? Que insensatos somos todos os que preferimos um pequenino e louco prazer à dor tão fecunda, à mortificação, ao sacrifício! Como nos havemos de arrepender na hora da morte de não ter sofrido com paciência e abraçado generosamente a cruz! “A vida – dizia Santa Teresa – é apenas uma noite, que se passa numa péssima hospedaria.” Logo há de raiar a aurora do dia eterno. Paciência! Por uma noite só não queremos sofrer um pouco? Quanto mais longo e doloroso é o exílio, tanto mais feliz e agradável será a volta à pátria. Oh! Veremos logo o Céu, a nossa pátria! Tudo passa! Suportemos apenas por mais uma noite a péssima hospedaria desta terra de exílio. Amanhã será o dia eterno, a Pátria, o Céu!
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Ah! Como dói a calúnia! Como é duro viver sob o peso duma infâmia, humilhado, abatido, coberto de vergonha! Mas olhemos para a cruz! “Jesus Crucificado! Eis a verdadeira serpente de bronze que nos cura as mordeduras elas línguas de áspides maldizentes”, dizia São Francisco de Sales10. Nosso Senhor, caluniado – diz o Evangelho – calava-se. Quando nos calamos, Deus fala por nós. Que é, afinal, essa reputação pela qual tanto sofremos? Uma opinião, uma sombra, uma fumaça! Deus sabe tudo e Ele nos há de julgar! Nada valem os juízos dos homens. Tenhamos confiança e não seremos abandonados. No dia do Juízo, tudo se há de esclarecer e a recompensa virá. São Geraldo Magela foi caluniado de um crime horroroso por uma mulher indigna. Santo Afonso, perturbado, chamou o santo e o fez ciente da acusação. Conservando-se impassível como o mármore, Geraldo não pronunciou uma palavra. Santo Afonso proibiu-lhe a comunhão e toda relação fora do convento. O irmão nem sequer murmurou. Aconselharam-no a defender-se e, ao menos, a pedir licença para comungar. “Não – respondeu o santo – Morramos esmagados sob a vontade de Deus!” Cinquenta dias depois, a mulher infame, sob o peso do remorso, retratou-se da calúnia. Geraldo não se comoveu e, quando Santo Afonso lhe perguntou o motivo por que se havia calado e não se justificara, ele respondeu: “Meu Pai, é que a Regra me ordena que não me escuse, mas que sofra em silêncio toda espécie de mortificação!” Que exemplo para o nosso orgulho, que não suporta nem uma leve suspeita!
17 DE OUTUBRO GOLPES DE MISERICÓRDIA Os golpes que sofremos na vida vêm do alto. São golpes de misericórdia, golpes de Cirurgião, para curar. Ferem, causam dor, provocam gemidos? Não importa. Deixemos que o Médico Divino faça a operação necessária. Sem ela nos perderemos. Bendigamos a Mão Divina, que nos fere por misericórdia. É mão de pai, de amigo, que nos quer salvar. Não há outro remédio para nossa salvação. O Senhor, na Sua Providência Amorosa, decretou bater-nos, ferir-nos. Faça-se a vontade Divina, toda santa, toda amável! Um dia, no Céu, compreenderemos 241
tudo. Como castigo, Deus, muitas vezes deixa-nos na prosperidade. Felizes os que são batidos pela Mão Divina! É o sinal mais certo de que caminham para a salvação. Sofremos, choramos, aflige-nos a dor? Vamos! Coragem! Deixemos que os golpes nos firam, que nos abram feridas, que as façam sangrar! Tudo será bom para o Céu! É com sangue e com lágrimas que se argamassa aqui o edifício do Amor. São golpes de Misericórdia ou, melhor, do Amor Misericordioso. Nas nossas aflições, é assim que devemos rezar: “Batei, cortai, feri, meu Deus, contanto que me salve. Faça-se a Vossa Santíssima e Adorável Vontade!” Nos golpes que nos vêm do alto, há Justiça e Misericórdia. A Justiça pune e expia o pecado. A Misericórdia salva, purifica e nos leva ao Amor.
18 DE OUTUBRO A MELHOR DAS ORAÇÕES A melhor das orações é o Pai-Nosso e, no Pai-Nosso, o melhor é aquele – “Seja feita a Vossa Vontade assim na terra como no Céu”. Nesse conceito está o segredo da santidade. Não basta dizer: “Senhor! Senhor!” É mister acrescentar: “Seja feita a Vossa Vontade. “Não são os que dizem: “Senhor! Senhor! – diz o Evangelho – que hão de entrar no Reino dos Céus, mas sim os que fazem a Vontade do Pai Eterno”. Pouco importam mil coroas e devoçõezinhas originais se não sabemos conformar a nossa vontade com a Vontade de Deus. Já o disse e repito: “Fazer o que Deus quer e querer o que Deus faz, é a melhor das orações”. E nisto se resume toda a vida cristã. A oração de conformidade é a mais perfeita e agradável a Nosso Senhor. Por que nos sobrecarregamos frequentemente com tantas devoções, até com prejuízo dos deveres mais graves de estado e as observamos todas tão escrupulosamente, se o essencial, que é o dever, talvez monótono, fica esquecido e desprezado, e não aceitamos sem revolta o que Deus Nosso Senhor nos envia de sofrimentos e cruzes? Digamos, sim, o Pai-Nosso, todos os dias, e com fervor. Não nos esqueçamos, porém, de que, se a prece dominical é a melhor das orações, é justamente porque, naquele – “Seja feita a Vossa Vontade assim na terra como no Céu” – resume-se toda a vida cristã!
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19 DE OUTUBRO FELIZ PENITÊNCIA QUE ME DEU TANTA GLÓRIA! São Pedro de Alcântara, prodígio de penitência e de oração, viveu sofrendo. É de apavorar o que dele escreveram os seus biógrafos. Quanto não padeceu de disciplinas, jejuns, calúnias, perseguições, maus tratos, martírios cruciantes! Viveu no Calvário, observou toda a austeridade dos anacoretas. Nosso Senhor não se deixa vencer em generosidade. O Céu é recompensa tão grande e tão desproporcionada aos maiores sofrimentos desta vida, que tudo é pouco para tão grande glória! São Pedro de Alcântara, no esplendor da glória, aparecendo a Santa Teresa, disse-lhe, como o vencedor que recebeu a palma do triunfo: “Feliz penitência! Oh! sim, feliz penitência que me alcançou tamanha glória!” Quando, nesta vida penosa e triste, certos golpes, reveses e privações nos custarem o sangue do coração! Coragem! Vamos! Um olhar para o Céu! Seja a nossa penitência, a penitência que nos mandar Jesus, isto é, a contrariedade, o revés, a doença, tudo, tudo o que vier das mãos de Deus! Mais vale aceitar resignadamente a cruz que Nosso Senhor nos põe sobre os ombros do que procurar voluntariamente outras, cujo peso nossos ombros tão fracos talvez não possam suportar! Eia! Coragem! Tudo passa! Soframos o dia só desta vida, e teremos o gozo eterno. No Céu nos alegraremos de ter sofrido aqui. Oh! feliz penitência que nos dará tanta glória!
20 DE OUTUBRO BONDADE E JUSTIÇA Segundo Bossuet, a bondade e a justiça Divinas são como que os dois braços de Deus. Destes, é a bondade o direito. Tudo o que de meritório aparece em todas as obras, é a bondade que faz. Deixem conduzir-se os homens pela bondade e ela os encherá de benefícios e de munificências. A bondade e a justiça operam em
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campos diferentes. A primeira precede à segunda. O que ela, de princípio, institui, é perfeito e são. Agrega-se-lhe, porém, depois, o pecado, criando o terreno para a ação da justiça. Entre a bondade e a justiça há esta diferença: ao passo que a justiça não invade as atribuições da bondade, esta se antecipa muitas vezes à ação daquela com a munificência do perdão ao delinquente do pecado. Deus é justo, mas é bom também, é naturalmente bom. Assim como a água corre naturalmente da fonte e o sol espalha naturalmente os seus raios, assim também Deus pratica naturalmente o bem e quer naturalmente o bem. Sendo, por natureza, infinitamente bom e possuidor de riquezas infinitas, deve Ele, também por natureza, ser benfazejo, liberal, magnífico. Quando a Justiça de Deus castiga o ímpio, não a move Deus, que não quer a perdição de ninguém, mas sim a malícia e ingratidão que atraem a indignação e o castigo. Se Deus é naturalmente bom, por que o temor? E quem teme a Justiça Divina deve, com todo o cuidado, fugir do pecado, que tanto a provoca.
21 DE OUTUBRO BONDADE ONIPOTENTE Deus é Onipotente e, sendo Onipotente, é bom. Já meditamos um pouco essa verdade e estamos dela persuadidos? Em Deus une-se a bondade ao Poder Soberano. Não é uma razão, e das maiores, para que tenhamos confiança? A Liturgia sempre repete: “Oh! Deus, sois bom e todo poderoso!” É mister que tenhamos a persuasão firme, inabalável, de que Deus é a Bondade Onipotente. Diz o Padre Ravignan: “Enquanto a alma não estiver firmemente persuadida da união desta bondade com o poder de Deus, não tem senão a metade da força e do amor, nem faz uma ideia perfeita do socorro Divino, do qual tudo devemos esperar. A fé, que nada teme, é sempre necessária às almas que querem imitar corajosamente a Jesus Cristo. Tenham elas a esperança de tudo conseguir!” Deus é meu Pai. É o Pai que está nos Céus. É Pai Onipotente. Nem todo pai socorre e protege o filho na medida que deseja, por falta de possibilidade. O meu 244
Pai do Céu é, porém, Onipotente. E quer fazer-me todo bem, porque é naturalmente bom, porque é a própria Bondade. Deverei ter medo, afastar-me, transido de terror ante a Onipotência Divina? Oh! As pobres almas tímidas, escrupulosas e sem confiança, às quais tanto assustam a Justiça e Onipotência Divina, deveriam, antes encontrar nelas um incentivo para o amor. Deus é justo. Melhor do que eu sabe Ele, portanto, quanto sou miserável. Deus é onipotente e bom. Ele há de empregar, por certo, a Onipotência de sua Bondade para me salvar!
22 DE OUTUBRO JESUS E OS PECADORES Jesus, nos Evangelhos, aparece sempre rodeado de enfermos, pecadores e publicanos. Os judeus murmuravam: – “Este recebe os pecadores”. “E a quem desejais então que Ele receba? – pergunta São Francisco de Sales. Não é honroso para um médico ser procurado pelos doentes, principalmente quando as suas doenças são incuráveis?” Nosso Senhor, não tanto para repelir a temeridade dos fariseus, como para nos encorajar a aproximarmo-nos dele, atira para longe, por meio de parábolas, a consideração farisaica. A missão de Nosso Senhor é levar os pecadores à misericórdia. Se é admissível dureza bastante numa mãe para esquecer o filho, temos de Deus a promessa nos Livros Santos, de que jamais se esquecerá de nós. “A bondade Divina e a alma verdadeira penitente – escreve o admirável Taulero – tão de acordo ficam que, após a reconciliação, nem parece ter havido ruptura. A Divina Providência não compreende o homem pelos seus desregramentos passados, preparando as coisas de tal forma que os pecados anteriores, quando serviram para humilhar-nos e encher-nos de arrependimento sincero, concorrem até para a nossa santificação, porque nos tornam vigilantes, firmes e resolvidos a nunca mais cometê-los. Comentando o texto de São Paulo: “Diligentibus Deum omnia cooperantur in bonum”, acrescentava Santo Agostinho – “etiam peccata”. – Aos que amam a Deus tudo coopera para o bem, até os pecados. Sim até os pecados, quando, depois da queda nos levantamos mais sinceramente arrependidos e sobretudo vigilantes e resolvidos a nunca 245
mais ofender ao Senhor. Quanta misericórdia! Jesus é SALVADOR. “Vim para salvar o que estava perdido”, declara-nos Ele, cheio de bondade. O pecador, pois, não pode nem deve desanimar. Não é Jesus o Cordeiro de Deus que apaga os pecados do mundo? Confiança! Confiança!
23 DE OUTUBRO AS LÁGRIMAS DO PECADOR A conversão de um pecador é jubilosamente festejada pelos espíritos celestes. Segundo Bossuet, são tão preciosas as lágrimas dos pecadores que as recolhem, na terra, para serem levadas ao Céu. E tamanha é a sua virtude, que se estende até os anjos, sendo para maravilhar que estes têm mais estima pelas lágrimas que os pecadores derramam do que pelas que chora a própria inocência. Assim, a amargura da penitência tem, para os anjos, mais doçura que as mesmas doçuras da devoção. Compreendei, ó pecadores convertidos, que as vossas lágrimas penetram no Céu porque vão alegrar os anjos. Vede como as lágrimas da penitência são proveitosas para os que as derramam, pois que também o são para os espíritos angélicos. Que abundante satisfação produzirá, um dia, também em nós, a aflição de um coração arrependido, se já a produz nos anjos, aos quais o Filho de Deus, por sua graça promete tornar-nos semelhantes. “Bemaventurados os que choram”, disse Nosso Senhor. Não foi BEM-AVENTURADA aquela pecadora que, sem hesitar um instante, correu à casa de Simão e chorou, arrependida, aos pés de Jesus? Bem-aventurados são também, e mil vezes felizes, tantos pecadores que acharam mais consolação e alegria nas lágrimas da contrição do que em todos os prazeres da terra! Ó meu Jesus, como é bom chorar arrependido aos vossos pés! Nunca é desprezada a lágrima do pecador!
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SEJA O QUE DEUS QUISER! Nada nos acontece sem permissão divina. Só o que Deus quiser, e nada mais. E isto nos deve encher de consolação, porque Deus só quer o nosso bem. Assim, devemos aceitar com a mesma indiferença a saúde ou a doença, porque, como tudo, elas nos vêm da misericórdia Eterna. Que podem temer as almas entregues, em total abandono, nas mãos de Deus? Chega ao cume da perfeição o que vive abandonado e inteiramente submisso aos decretos da Divina Providência. Se a essa adorável Providência nos entregarmos, acolheremos com a mesma indiferença a humilhação ou a glória, a secura, a aridez, a privação ou toda a unção das Divinas consolações, a vida ou a morte. Em tudo e por tudo diremos sempre. SEJA O QUE DEUS QUISER! É uma jaculatória semelhante àquela SEJA FEITA A VOSSA VONTADE do Pai-Nosso e do Jardim das Oliveiras. Não nos preocupemos com o futuro, com o que nos poderá suceder de bom ou de mau, com a ideia de nos vir a caber em particular a glória ou a humilhação, a pobreza ou a riqueza. SEJA O QUE DEUS QUISER! O futuro a Deus pertence! Quanto ao presente, por que nos aborrecermos a todo instante com as ninharias que nos absorvem os dias? SEJA O QUE DEUS QUISER! O santo abandono de uma alma nos braços da Divina Providência inunda-a de paz e a torna invulnerável. Portanto... Vamos... Em tudo... SEJA O QUE DEUS QUISER!
25 DE OUTUBRO COMO É BOM ENTREGAR-SE À DIVINA PROVIDÊNCIA! A Providência de Deus é admirável e infinita. Intervém em tudo, reina em tudo e faz reverter tudo em sua glória. Por que nos inquietarmos? Deus sabe o que faz! E tudo faz para nosso bem. Por isso dizia Santa Joana de Chantal, a admirável filha de São Francisco de Sales: “O perfeito abandono de nós mesmos nos braços da Divina Providência, a aquiescência amorosa a tudo que de nós quiser, o santo afeto de lhe agradar pelos atos de todas as virtudes, segundo as ocasiões, 247
sobretudo a santa caridade e a humildade, – tudo isso é lenha que alimenta o sagrado fogo do amor celeste”. A entrega total, o perfeito abandono nas Mãos da Providência, eis o ideal da perfeição, porque a perfeição é o amor e o abandono é o cume da montanha do Amor. “É fora de dúvida – diz o melífluo Doutor – que deveríamos contemplar cem vezes por dia essa amorosa Providência de Deus, que, por previdência, tem sempre o seu coração voltado para nós como, pela confiança, devemos ter o nosso voltado para Ele. E, fundindo os nossos corações na sua Divina vontade, deveríamos exclamar devotadamente: Ó Bondade de infinita doçura! Quanto é amável a vossa vontade e quanto são para desejar os vossos favores! Arme-se o Céu contra mim, contra mim conspirem a terra e os elementos, declarem-me guerra todas as criaturas... Nada temo! Basta-me saber que estou com Deus e que Deus está comigo!” Como é bom entregar-se à Divina Providência!
26 DE OUTUBRO UM AMOR BRANDO, SOSSEGADO E TERNO São Francisco de Sales, que é mestre incomparável na arte do Amor Divino, diz que o Senhor quer que O amemos, mas com um amor brando, sossegado e terno. Nada de inquietações e desespero! Caímos? Não é para admirar uma coisa tão comum à fragilidade humana. Esforcemo-nos por fazer tudo com perfeição. A confiança não dispensa o esforço – e um esforço grande – para a perfeição. Se, entretanto, cairmos, a despeito de nossos esforços e boa vontade, que fazer? Paciência! Confiança! Abandono! Inútil é que nos revoltemos contra nós mesmos, em desesperos e inquietações. Devemos odiar os próprios defeitos, não com um ódio cheio de despeito, mas com um ódio tranquilo. O desespero agrava o mal, abre novas feridas. O nosso amor-próprio se revolta. Não queremos a humilhação de ser pobres, pequenos, fracos, miseráveis! E nos revoltamos cheios de orgulho. São Francisco de Sales assim nos aconselha: “Esforçai-vos por fazer tudo com perfeição e não vos preocupeis depois com o 248
que tiverdes feito, pensando, sim, no que resta a fazer e caminhando com singeleza na via do Senhor, sem atormentar o espírito. Considerai vossos defeitos com mais dó que indignação, com mais humildade que severidade, e conservai o coração cheio de um amor brando, sossegado e terno.”
27 DE OUTUBRO LÍRIOS ENTRE ESPINHOS Atormentam-se pobres almas inocentes com as mais horrorosas e imundas tentações contra a angélica virtude. É um suplício e dos mais dolorosos. O pior e mais penoso, é que, após o combate, ficam numa desolação de dúvidas cruéis, sensações desagradáveis e um mal-estar de verdadeira agonia. Os lírios mais formosos são os que florescem entre espinhos. Assim a bela virtude. Nesta vida mortal, até os maiores santos padeceram terríveis assaltos do Demônio e da Impureza. Deus quer a virtude provada e bem polida, como pedra rara ou como ouro, no crisol das tentações. Não vos inquieteis demasiadamente, almas piedosas, com o horror das tentações impuras. “Como é possível – diz a infeliz alma tentada – como é possível, a um coração casto, o assédio de tantos maus desejos? Como pode o meu espírito, a minha imaginação ter pensamentos tão indignos? Não serei um monstro de impureza?” Oh! não, pobre alma, não és um monstro de impureza. A tua virtude permanece intacta e bela, como o lírio entre espinhos tão pungentes das tentações infernais. São Paulo, arrebatado aos céus, vivia unido a Jesus Cristo, numa identificação de amor. “Vivo – diz ele – mas não sou eu que vivo. Vive Cristo em mim.” E tão grande santo foi tentado horrivelmente pela carne. E Deus não o livrou de tais tentações, para conservá-lo na humildade. Confiai em Jesus e sofrei a tentação. Não sereis vencidos!
28 DE OUTUBRO TENTAÇÕES DE BLASFÊMIA Até as almas mais santas sofrem tentações de blasfêmia. O pobre e santo Jó não 249
foi cruelmente instigado pelo inferno a blasfemar contra o Céu? Santa Catarina de Sena e grande número de outras almas santas padeceram esse suplício. O próprio São Francisco de Sales, tão paciente, tão dócil e resignado à vontade de Deus, não poucas vezes teve ímpeto de blasfemar. É uma provação horrorosa e repugnante para um coração que ama ou deseja amar a Nosso Senhor! Como vencê-la? O melífluo Doutor nos dá, de ciência própria, o seguinte ensinamento: “Não vos aflijais com as tentações de blasfêmia. Deixai que o demônio as maquine à vontade, mas conservai bem fechadas as portas da alma, pois que lhe virá o cansaço ou será ele, afinal, obrigado por Deus a levantar o cerco. Considerai que o tamanho barulho que ele faz em torno da alma é sinal de que ainda não penetrou nela. Coragem! Enquanto puderdes dizer, resolutamente, mesmo sem sentir – VIVA JESUS! – nada deveis temer”. Calma na tentação! O demônio tenta perturbar-nos, contando tirar partido para vencer, na confusão, e assim se lançar em nosso interior. Quando perturbados pelas horríveis tentações infernais, devemos voltar a alma para Nosso Senhor, recitar repetidas jaculatórias e atos de fé, e tranquilizar-nos. O inferno que bata e ruja à nossa porta! Não lhe daremos entrada! E é só. Não teremos depois senão que suportar, pacientes e tranquilos, o barulho exterior.
29 DE OUTUBRO AS CRUZES DA PROVIDÊNCIA As cruzes que nos envia a Divina Providência são melhores do que as que voluntariamente procuramos na penitência. Diz São Francisco de Sales que as cruzes que encontramos pelas ruas são excelentes, e que mais o são ainda – e tanto mais quanto mais importunas – as que se nos deparam em casa. Valem mais as cruzes do que as disciplinas, os jejuns, e tudo o mais que inventou a austeridade. É entre elas que resplandece a generosidade dos filhos da cruz e dos habitantes do Calvário. As cruzes que a nós próprios nos impomos são inferiores, por que, por isso mesmo que são nossas, têm menos merecimento. Humilhemonos e recebamos com alegria as que nos forem impostas contra a nossa vontade. Com o comprimento da cruz cresce o seu preço. Sejamos fiéis até a morte e 250
teremos a coroa de glória. Amemos o crucifixo. Não queremos ser crucificados? Recebamos com amor as cruzes que sem nossa escolha nos forem dadas por Deus. Bendigamo-las, pois estão perfumadas com a essência do lugar donde procedem. Onde houver menos escolha, haverá mais agrado de Deus. Nosso Senhor nos mostrou bem que não devemos escolher as cruzes, mas tomá-las como nos vierem. Quando Ele morreu para nos resgatar e satisfazer a vontade de seu Pai Celeste, não escolheu a cruz, tendo aceitado humildemente a que lhe fora preparada pelos judeus. Façamos também assim. Como são meritórias as cruzes que nos manda a Providência Misericordiosa de Deus!
30 DE OUTUBRO SERVIR POR AMOR O filho serve ao pai como filho e não como escravo, sem temer o castigo nem esperar recompensa. Quer agradar ao pai e dar-lhe prova de amor filial. Amor por amor! Para o coração verdadeiramente amante, a única recompensa para o amor é o próprio amor. É com afeto filial que devemos servir a Deus. Para nos provar que esse dom de piedade filial nos é dado pelo Divino Espírito Santo, diz São Paulo na epístola aos Romanos: “Não recebemos o espírito de temor e de escravidão, mas o de adoção de filhos de Deus, em virtude de que O chamamos de Pai”. Como é doce chamar a Deus de Pai e servi-Lo como filho! É necessário pregar o amor às almas tímidas, demasiadamente assustadas com os rigores da Justiça Divina. Um filho só deve ter o receio, principalmente se é pequenino e fraco, de se afastar dos braços paternos... Façamos como as criancinhas que, sempre confiantes e abandonadas nos braços dos pais, não têm outra preocupação senão a de amá-los. Assim nos aconselha São Francisco de Sales; e a admirável missionária do Amor Misericordioso, Santa Teresinha, mostrandonos o Evangelho, convida-nos a fazermo-nos criancinhas e entregarmo-nos ao amor, num abandono filial. Oh! Sirvamos a Deus como filhos. Há tão poucas almas que O servem por amor!
31 DE OUTUBRO 251
A ORAÇÃO DOS ENFERMOS O enfermo se purifica no sofrimento. Por oração lhe bastam estas palavras, muitas vezes repetidas: “Meu Deus! Meu Pai! Faça-se a Vossa Santíssima Vontade!” Basta que as recite mentalmente, se não o puder fazer com os lábios. O essencial é que saiam do coração. Aliás, o sofrimento já é em si uma oração. Que fazer a criatura se lhe tirar Deus a saúde e a reduzir a um estado penoso e difícil de inação? Blasfemar? Não, mas, pelo contrário, recitar esta jaculatória de amor resignado e confiante: “Bendito seja Deus!” Nosso Pai do Céu sabe, melhor do que nós, o que faz e só faz o que é necessário. A recitação de uma simples jaculatória basta para santificar a doença e encher o enfermo de méritos para a vida eterna. “Já que a doença nos faz gemer e suspirar, diz São Francisco de Sales, suspiremos por Deus. Entre jaculatórias gemidas e gemidos de jaculatórias, vamos levando a cruz da enfermidade.” A oração é mais aceita na doença do que em qualquer outro tempo, principalmente a oração de conformidade. Não nos aflijamos se as dores, o sono, o cansaço, o abatimento geral não nos permitirem orar nem meditar, na doença. Se nós, que somos maus, não exigimos esforços grandes aos doentes, como os há de exigir Nosso Senhor, que é tão bom? O gemido do enfermo já é uma oração. E ele que diga e repita, se não com os lábios, ao menos de coração: “Faça-se a Vossa Vontade, ó meu Deus”! Por que, pois, a aflição na doença, pelo motivo de não podermos rezar? 1 - Mgr. Laveille - Sainte Therèse de l’Enfant Jesus - c.XI. 2 - Lettre à Soeur Agnès de Jesus./3 - Novissima Verba - 19 de agosto, 1987. 3 - Novíssima Verba - 23 agosto, 1987. 4 - D.Vital Lehodey - Saint Abandon - II part. c. V. 5 - Sainte Marie M. postel - 2ºvol. - c. XXVII. 6 - História de uma alma - c.XII. 7 - Elizabeth de la Trinité - XII - XIII. 8 - Gema Galgani - Cs. IV e VI. 9 - Vie de Saint François de Salles - I - V.
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10 - l’ Esprit de Saint François de Salles - I.
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1 DE NOVEMBRO O CÉU! O CÉU! Como nos faz bem o pensamento do Céu! Ajuda-nos a sofrer e nos enche de esperança! Escrevia Santa Teresinha à sua irmã1 : “Tenho sede do Céu, dessa mansão bem-aventurada, onde se amará Jesus sem restrições! Mas, para lá chegar, é preciso sofrer e chorar; pois bem! Quero sofrer tudo o que aprouver ao meu Bem-Amado, quero deixar que Ele faça de sua bolinha o que quiser!” Logo estaremos na eternidade e veremos plenamente realizado, conforme nosso ardente desejo, o nosso sonho de eterna felicidade! Não nos impacientemos! “A figura deste mundo passa” – diz o profeta Isaías2 –, e passa depressa. Logo chegaremos à Pátria, ao Céu. E lá não haverá lágrimas, nem morte, nem dor, nem luto, nem gemidos. Santa Maria Egipcíaca, após a sua maravilhosa conversão, foi viver no deserto, em cuja horrorosa solidão permaneceu mais de cinquenta anos, na mais dura penitência. Quando a santa estava quase a expirar, perguntou-lhe São Sózimo como pudera ela suportar, durante tantos anos e naquele lugar de horrores, uma vida tão austera: “Meu padre, com a esperança do Céu!”3 Ah! O Céu! O Céu! Que doce consolo para quem sofre! Santos do Paraíso, ajudaime na luta pelo Céu!
2 DE NOVEMBRO PENSAMENTOS CONSOLADORES DO PURGATÓRIO Segundo um dos biógrafos de São Francisco de Sales, o santo dizia e sempre repetia que, em sua opinião, devemos tirar mais consolação do que temor do pensamento do Purgatório. Verdade é que, naquele lugar de expiação, são tão grandes os tormentos que não se lhes podem comparar as maiores dores desta vida. Mas também as alegrias interiores são lá de forma tal que não há neste 254
mundo prosperidade nem, alegria que as igualem. E quereis saber por que consola o pensamento do Purgatório? Pois é o próprio São Francisco de Sales quem o vai mostrar: – “1. As almas ali vivem numa contínua união com Deus. – 2. Estão perfeitamente conformadas com a vontade de Deus. Só querem o que Deus quer. Se lhes fosse aberto o Paraíso, prefeririam precipitar-se no Inferno a apresentar-se manchadas diante de Deus. – 3. Purificam-se voluntariamente, amorosamente, porque assim o quer Deus. – 4. Querem permanecer da forma que agradar a Deus e por todo tempo que for da vontade d’Ele. – 5. São invencíveis na prova e não podem ter um movimento sequer de impaciência, nem cometer qualquer imperfeição. – 6. Amam mais a Deus do que a si próprias, com amor simples, puro e desinteressado. – 7. São consoladas pelos anjos. – 8. Estão certas de sua salvação, como uma esperança inigualável. – 9. As suas amarguras são mitigadas por uma paz profunda. – 10. Se é infernal a dor que sofrem, a caridade derrama-lhes no coração inefável ternura, a caridade que é mais forte que a morte e mais poderosa que o inferno. – 11. O Purgatório é um feliz estado, mais desejável que temível, porque as chamas que lá existem são chamas de amor”. Na verdade, padece-se muito no Purgatório. Mas como nos consola a certeza de que o martírio que lá se sofre é o martírio do Amor e de que se tem lá o conforto da esperança!
3 DE NOVEMBRO OS ESQUECIDOS Quando morremos, vamos para aquela região que o salmista denomina “terra do esquecimento”. Já Santo Agostinho dizia, com mágoa: “Oh! como nos esquecemos dos nossos mortos!” E São Francisco de Sales acrescentou: “Não nos lembramos bastante dos nossos mortos; tanto é assim que não falamos muito deles. Fugimos do assunto como de uma coisa funesta”. Deixamos os mortos enterrarem seus mortos. Extingue-se em nós a sua memória com os dobres do sino. Pouca gente se lembra de que a verdadeira amizade não pode terminar com a morte, porque mais forte do que esta é o amor verdadeiro. Só a 255
Religião de Jesus Cristo cultiva, com extremos de ternura, a amizade consoladora e forte que atravessa os túmulos e vai até o seio da eternidade! Só as almas verdadeiramente piedosas jamais se esquecem dos entes queridos que a morte lhes arrebata. O dogma da comunhão dos santos é uma das fontes mais ricas de consolações da Igreja. Graças a ele não seremos esquecidos para sempre. Todos os dias, no Altar sagrado o ministro do Senhor tem em lembrança os mortos, com saudades, e implora para eles a misericórdia Divina. O ofício Divino repete sempre: “E as almas dos fiéis, pela misericórdia de Deus, descansem em paz”. Como é consoladora a nossa fé! Humilhe-nos o pensamento da morte, que nos fará esquecidos. Console-nos o dogma da comunhão dos santos. Para a Igreja, nossa Mãe querida, nunca seremos esquecidos.
4 DE NOVEMBRO MISERICÓRDIA PARA OS MISERICORDIOSOS Deus, que julgará “as justiças da terra”, no dizer do salmista, há de, também, usar de misericórdia para com os misericordiosos. É da Escritura, que a caridade cobre a multidão dos pecados, isto é, que ela cobre, não alguns pecados, apenas, mas “a multidão dos pecados” (1Pd 4,8). Que motivo de confiança na misericórdia Divina terá todo aquele que neste mundo usar de misericórdia para com seu próximo! A caridade faz milagres. A esmola redime, sobe ao Trono Divino e faz descer sobre o coração generoso de quem a deu todas as bênçãos do Céu. Ainda mais: a esmola vai à região dos mortos, levando refrigério às benditas almas do Purgatório. Podemos socorrer os nossos mortos queridos, ser-lhes ainda úteis, ajudá-los melhor do que quando, nesta terra de exílio, viviam ao nosso lado. Tomemos, para isso, o piedoso costume de dar a esmola pedindo orações pelos nossos parentes e amigos falecidos. “Oh! se nos fosse revelado – escreve São João Crisóstomo – o bem que a nossos mortos fazem a esmola que damos ao mendigo e a oração que a este pedimos! Nossa esmola se torna onipotente, comove o coração de Deus, alcança d’Ele quanto pede. Se quisermos, portanto, no dia tremendo da Justiça, quando nossa pobre alma pecadora se apresentar ante o Juiz Supremo, se quisermos misericórdia e perdão, – sejamos desde já 256
misericordiosos. BEM-AVENTURADOS OS MISERICORDIOSOS, PORQUE ALCANÇARÃO MISERICÓRDIA.”
5 DE NOVEMBRO CHORAR CRISTÃMENTE OS MORTOS A Religião de Nosso Senhor Jesus Cristo não proíbe que choremos os nossos mortos queridos. Podemos, pois, render a estes o tributo de nossas lágrimas e de nossas saudades. Com esta pobre natureza, como ficarmos insensíveis ante a morte de um ente estremecido? Como nos custa ver arrebatados pela morte os entes com os quais convivemos, nosso pai, nossa mãe, nosso filho, nosso irmão, nosso amigo!... A Religião, se bem que nos ensine a ser fortes na dor e a meditar na Paixão de Jesus Cristo, não nos veda aquelas lágrimas e saudades. Ela não tem o estoicismo pagão, estúpido e antinatural. Pois Jesus não chorou na sepultura de Lázaro? Não choraram, na Paixão, Maria e Madalena e as Santas Mulheres? A Religião nos permite chorar do mesmo modo os nossos mortos. Quer apenas que o façamos, não como os pagãos, desesperados e desiludidos, mas como quem tem esperança na vida eterna e crê na imortalidade. Choremos a separação dolorosa, mas com a doce esperança de que, um dia, numa pátria melhor, onde não haverá luto, nem dor ou sofrimento de qualquer espécie, nem separação, tornaremos a ver todos aqueles que amamos aqui na terra. Como essa esperança consola! O cristão não deve dizer, com desespero, ante o cadáver gelado de um ente querido: “Nunca mais te verei! Adeus para sempre!” Não! Embora em pranto, suas palavras devem ser estas: “Até ao Céu! Lá nos tornaremos a ver e seremos para sempre felizes!”
6 DE NOVEMBRO SURPRESAS DA MISERICÓRDIA! Feridos pelo golpe cruel da separação de um ente querido que a morte nos veio arrebatar, sentimos consolo em vê-lo partir para a vida eterna confortado com os 257
últimos sacramentos e entre as orações da Santa Igreja. Mas, ai! como é triste ver traiçoeiramente surpreendido pela morte, ainda afastado dos sacramentos, por quem tanto rezáramos! Partir assim, sem se reconciliar com Deus! Que grande lástima! Cruel pensamento para uma alma verdadeiramente piedosa! Entretanto, ninguém deve desesperar da salvação de quem quer que seja. A Igreja que, na canonização dos santos, declara que certo justo que está no Céu, jamais permitiu que se publicasse um decreto declarando alguém no inferno. São Francisco de Sales não queria que até o último suspiro dos pecadores se desesperasse da conversão destes, nem que se julgasse mal dos que morressem após uma vida má. E dava esta razão: “Nem a primeira graça, nem a última, que é a perseverança, são méritos nossos. Ambas são gratuitas. Entre o último suspiro de um moribundo e a eternidade, entre Deus e a alma se passam certos mistérios de amor que só no Céu conheceremos um dia”. Console-nos, pois, o pensamento de que no Céu nos esperam muitas SURPRESAS DA MISERICÓRDIA DIVINA!
7 DE NOVEMBRO MEU ANJINHO! Que criança encantadora! Era o raio de sol de um lar feliz. De repente, a mão gelada e inexorável da morte vem ceifar a florzinha ainda não desabrochada de todo para a vida! Quem pode avaliar a dor imensa de um coração materno, ferido na sua corda mais sensível e delicada? Chorai, mãe cristã! É tão natural o vosso pranto e tão necessário para o desafogo do coração! Mas não vos desespereis! Vosso filhinho, tão belo, tão puro, não deveria ficar mais na terra, porque a vontade de Deus o queria no Céu. Ora, vamos! Coragem! “Eis o vosso filhinho no Céu – diz São Francisco de Sales – com os santos e anjos inocentes. Ele conhece bem agora o trabalho que com ele tivestes durante o pouco tempo em que dele cuidastes e se recorda das orações que por ele recitastes. Em troca, roga por vós a Deus e pede-Lhe que abençoe sua mamãezinha querida, que, no mundo, chora, saudosa, e que lhe dê bastante conformidade com a vontade do Senhor. Oh! como foi ele feliz em ter voado para o Céu sem haver conhecido a malícia do mundo!” Já não tendes sobre os ombros a responsabilidade da educação e da 258
salvação eterna de um filho. E como as lágrimas de saudade que verteis pela morte do anjinho, que roga por vós no Céu, são diferentes das que derramam tantas mães desventuradas, que por aí assistem à ruína moral de seus filhos! Deveis agradecer a Nosso Senhor que, livrando-vos de tamanha responsabilidade, deu-vos um anjinho e um protetor no Céu!
8 DE NOVEMBRO NÃO DESESPERAR DA SALVAÇÃO DOS SUICIDAS Suicidou-se! Está perdido e condenado para sempre Oh! Não digamos assim do infeliz que, num ato de desespero, deu cabo da existência. Verdade é que a Igreja condena o suicídio como um crime hediondo. Ela quer ensinar-nos o respeito à vida que não nos pertence, e a resignação à vontade de Deus, sem jamais ter dito ou ensinado que o suicida esteja condenado e perdido para sempre. Quem pode saber o que, em tão violento transe, passa-se entre Deus e a pobre alma? Quem pode penetrar no pensamento do infeliz suicida após o disparo da arma fatal? Não havia tempo, dir-se-á. Que importa? Uma palavra, um grito, um olhar, um ato de amor Divino, suscitados pela misericórdia Divina, bastam para a salvação, naquela hora extrema. Além do mais, uma enfermidade mental, uma neurastenia profunda, uma fraqueza de momento, não são razões de molde a mover-nos ao perdão do pobre suicida? E, então, Deus, que é Pai, que se inclina, cheio de misericórdia, sobre nossas misérias, há de ser mais duro de coração do que nós, que somos tão maus? Oh! O suicídio não se justifica. É, na verdade, um crime e um crime hediondo. Entretanto, não devemos chorar, desesperados, os que assim acabam tragicamente a vida, porque não podemos nem devemos desesperar da salvação de quem quer que seja!
9 DE NOVEMBRO O PAI DOS QUE NÃO TÊM PAI 259
A morte veio arrebatar alguém que era tudo nos teus dias: teu pai, e pai carinhoso e terno. Olha para o Céu e lembra-te de que Nosso Senhor nos manda chamar a Deus de pai: “Nosso Pai”. Vem de Deus toda paternidade e, como diz o Apóstolo, ninguém é tão pai como Ele. É o Senhor Pai de Misericórdias e Deus de todas as consolações! Na tua aflição, recorre a Ele. “Os homens – diz Jó – são consoladores importunos. Quanto consola a só ideia de que Deus não me abandona, de que Ele é meu Pai, e o mais carinhoso dos pais!” Mostrando à família a imagem do Sagrado Coração, exclamava um operário no leito da agonia: “Meus filhos, vou morrer, mas não vos deixarei sem pai, porque, neste Coração Divino e misericordioso, achareis sempre o Pai dos que não têm pai! Belo testamento! Quando o “poverello” de Assis, perseguido pelo pai, deu-lhe tudo quanto possuía e, só e nu, viu-se despojado de todo laço terreno, levantou as mãos para o Céu e entregou-se a Deus, podendo exclamar: “Agora sim, posso dizer em verdade: – Meu Pai que estás no Céu”. Quando nos fere o golpe da orfandade e a imagem tão doce de nosso pai desaparece nas sombras da morte, deixando-nos o coração vazio, triste, a sangrar, Ó meu Deus, como é preciso olhar para o Céu e invocar a vossa doce Paternidade! Senhor, Pai dos que não têm pai, sede meu Pai, Pai de misericórdia e Deus de toda consolação!
10 DE NOVEMBRO A PRESENÇA REAL DE MINHA MÃE! Nada mais triste – escreveu Frederico Ozanan – nada mais desolador do que o vácuo aberto pela morte em redor de nós. Conheci esse tormento depois da morte de minha mãe, porém, durou pouco. Não tardaram a vir outros momentos, em que cheguei a compreender que não estava só e que algo, de uma suavidade infinita, passou-se dentro de mim. Era uma confiança que não me havia abandonado. Era uma presença benfazeja, embora invisível. Era como se uma alma estremecida me acariciasse, de passagem, com a ponta de suas asas. E, assim como outrora, eu reconhecia agora os passos, a voz, a respiração de minha mãe. Quando um bafejo aquecia, reanimava as minhas forças, quando uma ideia 260
nobre preponderava em meu espírito, quando um impulso generoso abalava a minha vontade, logo me vinha o pensamento de que partia dela. Há instantes de comoção súbita em que me parece ver minha mãe ao meu lado. Há certas horas em que se estabelece uma espécie de diálogo entre os nossos corações, e então choro mais, talvez, do que nos primeiros meses, mas a essa melancolia se mistura uma paz inefável. Quando pratico o bem, quando faço qualquer coisa pelo pobre a quem ela tanto socorria, quando estou em paz com Deus, que ela tão bem serviu, – parece-me que ela me sorri de longe. Às vezes, ao rezar, julgo ouvi-la rezando comigo. Finalmente, quando comungo, quando o Salvador vem visitar-me, afigura-se-me que ela O segue até o meu coração, como tantas vezes o seguia, em viático, à casa dos pobres. E, então sinto A PRESENÇA REAL DE MINHA MÃE JUNTO DE MIM!” Oh! Como é consolador chorar com a saudade benfazeja de uma santa mãe já morta!
11 DE NOVEMBRO A SAUDADE DE NOSSOS MORTOS A saudade de nossos mortos é cruciante e amarga. Sentimos um vácuo profundo, quando a morte nos rouba algum ente querido. Abre-se a ferida e parece que nunca mais se cicatrizará. Só o tempo consegue suavizar um pouco a dor. Contemplemos Nossa Senhora da Soledade, naquelas horas amargas em que Ela chorava a ausência cruel do seu Amado Filho. Juntemos nossa saudade a saudade de Maria. Ela também experimentou as saudades de um filho e a tristeza da viuvez. Consolemo-nos. Nossos mortos queridos terminaram a sua peregrinação pelo mundo. Chegaram à Pátria, onde um dia os tornaremos a ver. A vida passa tão depressa! Não choramos quando alguém que amamos se ausenta de nós por alguns dias, porque temos certeza de que depressa o veremos de novo. Que é, afinal, a vida, em comparação com a Eternidade? Um dia, uma hora, um minuto, um segundo, menos ainda! O tempo passará veloz sobre nós e não tardará a chegar a hora de nossa partida, a hora de vermos de novo os que tanto amamos na terra. A saudade cristã, toda feita de esperança, desaparecerá, 261
para nunca mais nos torturar, quando, contemplando no Céu a Eterna Beleza, amarmos, com amor puro, eterno, os que hoje choramos com uma saudade amarga e cruel, que nos dilacera o peito!
12 DE NOVEMBRO O CONSOLADOR “Nosso Senhor Jesus Cristo – escreve o piedoso autor das Palhetas de ouro, – para nossa consolação, quis experimentar as amarguras que causa ao coração humano a perda daqueles a quem ama. Lázaro era apenas seu amigo, conforme diz Mgr. de Segur, e, todavia, Jesus, que ia ressuscitá-lo, quis sofrer, para santificá-las, as dolorosas emoções da separação. Quis chorar”. Nada santifica mais do que as lágrimas, quando elas são vivificadas pelo amor Divino. Como nos é dolorosa a morte das pessoas que amamos! No seu esquife mortuário vai um pedaço de nosso coração, se não toda a nossa vida. Alma cristã, coragem! Para essas torturas, para tais dores, só há uma consolação, a que o Senhor nos dá, cheio de misericórdia! Na verdade, somente Vós, ó meu Deus, sois o consolador! Junto de Vós, de Vossa Mão Paternal, que fere e cura, acha o pobre coração humano a paz e felicidade, não deste mundo, mas do Céu. Que vale ser feliz neste mundo? Esta vida é toda de ilusão, de desenganos cruéis, traições, abandono de tudo e de todos! Só não é infeliz quem tem a graça e a fé. Apeguemo-nos à tábua de salvação que nos oferece a Religião, à doce esperança cristã. Um olhar para o Céu! Vamos! Coragem! Choremos, como Jesus na sepultura de Lázaro, mas esperemos, confiantes, o dia da ressurreição e da vida eterna. Não choremos como os que não creem na imortalidade!
13 DE NOVEMBRO MORRER PARA VIVER E VIVER PARA MORRER “Nesta vida – diz São Francisco de Sales – vivemos morrendo e morremos vivendo continuamente. Só os que morreram no Senhor são verdadeiramente 262
felizes, porque só eles vivem a vida verdadeira.” Não nos aflijamos desesperadamente quando Nosso Senhor vem chamar para a vida eterna alguns dos nossos entes queridos. Ele é o Senhor da vida e da morte e só Ele sabe o que nos convém. Louvemos a misericórdia Divina, quando nos conserva a vida ou no-la tira. Nas obras de Deus, tudo é bom, tudo é santo. O cristão verdadeiramente avisado e prudente não se apega loucamente à vida. Conforme o desejo do Apóstolo, ele realiza um “Morro todo dia”, isto é, morre cada dia mais para as vaidades e loucuras do mundo e do pecado, a fim de viver em Cristo Senhor Nosso, “Viver para morrer” e morrer para viver a vida verdadeira e eterna. Que belo ideal! Nossa vida é uma morte contínua e nossa morte é uma vida infindável. Diz a Igreja dos que morreram no Senhor: natalício, nascimento. Que bela e tocante expressão de nossa imortalidade! Começamos a viver na morte, e vivemos na vida sempre a morrer. Sejamos como a semente que, atirada ao chão, morre, mas, germinando, chega a transformar-se em árvore frondosa e carregada de frutos. Senhor, que minha vida se passe nessa morte gloriosa que me há de conduzir à vida verdadeira e eterna, isto é, a Vós mesmo, que sois a Vida!
14 DE NOVEMBRO VERDADEIRAS DORES E VERDADEIROS CONSOLADORES “Se há verdadeiras dores – escreve Joseph de Maistre – muito mais raros são os verdadeiros consoladores.” O egoísmo, a leviandade do homem moderno afastam-no do leito dos enfermos e das câmaras mortuárias, e, se acontece algum aparecer em qualquer desses lugares, orgulhoso, cheio de sensualidade, saturado de prazer, é para aconselhar distrações. Não pensa em consolar, mas em distrair. Como pode o materialista grosseiro consolar o que sofre, se lhe falta a doce esperança cristã? Numa de suas mais belas cartas de consolação cristã, escreve Joseph de Maistre a uma senhora que perdera um filho querido: – “Quem mais do que vós, senhora, tem necessidade de se elevar aos altos e
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consoladores pensamentos! O sacrifício de vosso filho morto desaparece diante do vosso. O dele foi só o da morte, ao passo que o vosso é o de lhe ter sobrevivido. Todas as consolações humanas são vãs. Tirai os olhos da terra deste deserto ensanguentado, e devassai o véu da morte: vereis que o vosso filho está na eternidade”. Sócrates, pouco antes de tomar a cicuta que lhe deu a morte, disse aos seus amigos: – “Quando dispuserem de meu corpo, não digam que é a Sócrates que se vai incinerar ou sepultar. Não me confundam com o meu cadáver”. Sócrates falava como pagão e apenas para consolar os seus discípulos. Quanto a nós, temos a esperança cristã. Vosso filho morto não se confunde com o seu cadáver. A crisálida grosseira e feia desfez-se em pó e a borboleta imortal, abrindo suas asas de ouro e azul, voou para a Pátria. Tudo o que amamos e admiramos em nossos mortos queridos vive, e jamais morrerá. Doce pensamento e suave esperança! Verdadeira consolação!
15 DE NOVEMBRO LÁGRIMAS DE UMA VIÚVA CRISTÃ A uma viúva cristã, São Francisco de Sales escreveu esta carta consoladora: “Meu Deus, como esta vida é enganadora! E como são breves as suas consolações! Num momento aparecem e noutro se dissipam. Se não fora a eternidade para onde se dirigem nossos dias, com razão lamentaríamos a nossa condição humana. Escrevo-vos com o coração cheio de desgostos pela perda que tivestes e, ainda mais, pela ideia do golpe que o vosso deve receber quando lhe for revelada a infausta notícia de vossa viuvez, tão repentina e lamentável. Deus, que vos deu esse marido, foi também quem o chamou agora para Si. A nossa natureza, a cuja condição não podemos escapar, é feita de tal modo que morreremos em hora imprevista. Eis porque precisamos ter paciência e procurar adoçar o mal que não nos é possível evitar. Além disso, vamos pensar na Eternidade, onde nos serão reparadas todas as perdas e se restaurará a nossa sociedade depois de desunida pela morte. Suportemos pacientemente a separação cruel, a saudade martirizante. Que as lágrimas de uma viúva cristã sejam lágrimas de saudade e de esperança; saudade do companheiro tão querido, 264
que a morte arrebatou, e esperança, a doce esperança de que, um dia, há de encontrá-lo na vida eterna e feliz do Céu!”
16 DE NOVEMBRO A VOZ DE MINHA MÃE! Escuta, filho querido e saudoso, a voz de tua santa mãe, agora no seio da vida eterna. Ela ainda te ensina a amar e a servir a Deus, ainda te fala da virtude e do bem. Não queiras manchar a tua alma no pecado nem trair a respeitável memória de tua santa mãe. Escreveu o Padre Perreupe a um amigo que houvera perdido a mãe: “Meu caro: A terra é a cidade da ilusão, do sonho, da dúvida. As realidades verdadeiramente dignas deste nome estão num mundo melhor. Quando os entes que amamos vão dormir no Senhor, não ficam perdidos para nós, e a palavra “órfão” não me parece cristã. Sei o que são as dores que te afligem. Só o tempo e a Mão da Providência as podem mitigar. Abraço-te, meu filho, e apraz-me dizer-te que tua mãe, como um anjo da guarda, protege, por ordem de Deus, a tua juventude. Ela te fala ainda ao coração. Quando, na tua alma, ouvires o eco de um bom desejo, de uma boa inspiração, de uma resolução generosa, fica atento: ele reflete a voz que tanto amavas. Se, quando és tentado pelo pecado ou seduzido pelas coisas proibidas, ouves, dentro de ti, como que o murmúrio de uma reprovação, acata-o: é a voz de tua mãe. Se um dia essa voz te convidar a te chegares com mais ternura a esse Deus que abençoou a tua infância e se te repreender por te afastares do altar de tua primeira comunhão; se ela avivar em ti recordações que fazem chorar e que triunfam sempre nos corações nobres, ouvea, e te salvarás. É a voz de tua mãe”. Como é bom ouvir sempre no coração a voz de uma santa mãe!
17 DE NOVEMBRO LOGO NOS VEREMOS DE NOVO No Céu tornaremos a ver os nossos mortos queridos e os reconheceremos. Que 265
grande felicidade, depois de lhes havermos chorado tanto a ausência cruel de longos anos, amargurados pela saudade que só se extingue na sepultura! Que alegria, no fim da vida em tão bela companhia! “Meu Deus – exclama São Francisco de Sales – se a boa amizade humana é tão agradavelmente amável, que não será ver a suavidade sagrada do amor recíproco dos bem-aventurados?” No Céu nos veremos e nos amaremos verdadeiramente. Este pensamento suaviza muito a chaga aberta no coração, quando vemos partir alguém que muito amamos, para a vida eterna! Logo nos veremos de novo! Logo, sim, pois que a vida passa tão depressa! Não nos deixemos arrastar ao desespero. Não somos pagãos. O que além-túmulo nos espera, se formos fiéis a Deus e à sua santa lei, é a visão beatífica do Senhor e, nessa visão, que sacia plenamente, veremos também, à luz do Eterno Sol de nossas almas, os entes que nos precederam na morte. E nunca mais os perderemos, porque lá não haverá mais luto, nem pranto, nem tristeza, nem dor.
18 DE NOVEMBRO DEUS O PERMITIU! SILÊNCIO! Era uma vida tão preciosa, tão necessária para o bem das almas, para a família, para a pátria e para a Igreja! E a morte impiedosa e cruel vem arrebatá-la, quem sabe, no momento mesmo em que mais útil parecia! Que fazer? Queixar-se de Deus, maldizer a Providência? Seria loucura. É-nos incompreensível a razão por que aprouve a Deus o sacrifício de uma vida tão cara. Silêncio! Deus o permitiu! Louvado seja o Senhor! Ignoramos os planos e desígnios da Providência com relação às criaturas. Não temos senão que curvar a cabeça e adorar o Senhor em silêncio. “Deus sabe o que faz”, exclama o povo em sua sabedoria. Uma excelente mãe de família, modelo exemplar de vida cristã, cheia de filhos ainda pequeninos e tão necessitados do carinho materno, é arrebatada pela morte. Chamou-a Deus a Si! Quem pode compreender semelhante decisão da Providência? Deus o permitiu! Silêncio! Mais tarde, aqui ou no Céu, saberemos tudo e louvaremos a Misericórdia Divina que assim operou. 266
Diante de certos golpes da vida, de certas calamidades e fracassos, incompreensíveis à nossa razão, só nos resta fazer como Jó: louvar ao Senhor que assim o permitiu. Deus o permitiu! Silêncio! Silêncio! Nenhuma blasfêmia!...
19 DE NOVEMBRO AS AMIZADES DEPOIS DA MORTE No Céu conheceremos nossos parentes e amigos e haveremos de amá-los mais do que durante a nossa vida neste mundo. “A contemplação da Essência Divina – diz Santo Tomás de Aquino – não absorve os santos de maneira a impedir-lhes a percepção das coisas sensíveis, a contemplação das criaturas e a sua própria ação. Reciprocamente, essa percepção, essa contemplação e essa ação não os podem distrair da visão beatífica de Deus. Assim era em relação a Nosso Senhor aqui na terra.4 Que consolação para nós quando, feridos pela saudade, choramos a morte de amigos e parentes queridos! É tão difícil, em meio das paixões e vicissitudes deste mundo, sustentar a amizade aqui na terra contra as ingratidões e tantos outros contratempos e obstáculos! No Céu, entretanto, nós nos amaremos em Deus, de uma amizade pura, sublime, como é a dos eleitos. Disse Santo Agostinho que os bem-aventurados formarão uma cidade onde terão todos uma só alma e um só coração, de tal sorte que, na perfeição dessa unidade, os pensamentos de cada um não serão ocultos aos outros. Lá não haverá olhares indiferentes. Todos serão mutuamente amigos, na harmonia de uma intimidade deliciosa. “Oh! – exclama São Francisco de Sales – como essa amizade é preciosa e como é preciso amar, na terra, como se ama no céu!”
20 DE NOVEMBRO UMA CONSOLAÇÃO
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A esmola corporal e a esmola espiritual nos ajudam a aliviar o sofrimento das benditas almas do Purgatório. A nossa caridade pode estender-se além-túmulo e chegar até a Igreja padecente. Consola-nos este pensamento. Tenhamos piedade de nossos mortos queridos. Por eles, diz Berlioux, velemos à cabeceira dos agonizantes; por eles, visitemos os prisioneiros; por eles, protejamos os órfãos; por eles, consolemos as viúvas; por eles, enxuguemos as lágrimas dos que choram. E que a nossa caridade, diminuindo os sofrimentos deste mundo, que é um Purgatório também, suavize e abrevie para os nossos irmãos defuntos o Purgatório da outra vida! O que nos retém, quando se trata do alívio e livramento destas queridas almas? O que poderia servir-nos de escusa, se as esquecêssemos, quando nos é tão fácil irmos em socorro delas? E quem virá, um dia, em nosso auxílio, se nada fizermos pelos outros?
21 DE NOVEMBRO OS AMIGOS NO CÉU Como há de ser doce a amizade no Céu, se, já neste mundo de misérias e contradições, é tão suave e confortadora! Aqui, nosso coração sofre para sustentar a amizade entre reveses e duros sacrifícios. Não choremos com desespero os nossos amigos que partiram. A morte, já o vimos, não separa os corações. A verdadeira amizade, a amizade cristã, é eterna. Escrevia São Francisco Xavier, lá das Índias, a Santo Inácio, seu pai espiritual e seu maior amigo: “Dizeis, no excesso de vossa amizade por mim, que desejaríeis ardentemente ver-me ainda uma vez antes de morrer. Ah! só Deus, que vê o interior dos corações, sabe quão viva e profunda impressão causou em minha alma este doce testemunho de vosso amor para comigo! Cada vez que me lembro dele – e isto se dá muitas vezes – involuntariamente me correm lágrimas dos olhos. Peço a Deus que, se não nos tornarmos a ver na terra, gozemos unidos, na feliz eternidade, o repouso que não se pode encontrar na vida presente. De fato, não nos tornaremos a ver, senão por meio de cartas. Mas no céu, ah! sê-lo-á face 268
a face! E, então, como nos abraçaremos!”5 Oh! quem poderá descrever os transportes de santa alegria dos amigos, no Céu! Depois das trevas e lutas do exílio, sempre unidos na provação, dois corações sinceramente amigos, amigos em Jesus, ei-los agora felizes, no Céu! Realiza-se a palavra da Escritura: “O amigo fiel é um remédio que dá a vida e a imortalidade, e os que temem o Senhor encontrarão um tal amigo”.6
22 DE NOVEMBRO SEMPRE UNIDOS São Francisco de Sales considera a verdadeira amizade cristã um prelúdio e antegozo do Céu. “Se a nossa amizade – escreve o santo – transforma-se em caridade, em devoção, em perfeição cristã, ó Deus! quanto será preciosa! Oh! como é bom amar, na terra, como se ama no Céu, e aprender a estimar-nos, nesta vida, como nos havemos de estimar e querer eternamente na outra.” Os corações unidos aqui pelos laços de uma amizade pura e sobrenatural, continuarão sempre unidos no Céu. São Vicente de Paulo teve uma consoladora visão na morte de Santa Chantal, a fundadora da Visitação. Sabendo da grande enfermidade de Santa Chantal, pôs-se São Vicente a rezar por ela. E viu como pequeno globo de fogo, que se elevava da terra e se ia reunir nas regiões do ar a outro globo maior e mais luminoso, e ambos reunidos se elevaram mais, entraram e se derramaram num outro globo, infinitamente maior e mais luminoso do que os primeiros. Interiormente ouviu o santo a explicação do mistério. O primeiro globo era a alma de Santa Chantal, o segundo, a de São Francisco de Sales e o terceiro, a Essência Divina. As duas almas se uniram e ambas, a Deus, ao seu Soberano Princípio.7 Tal será, no Céu, a união dos corações que se amaram verdadeira e santamente neste mundo. O laço da amizade cristã é a fé! E, no Amor Divino, na Caridade Eterna, em Cristo, unem-se aqui as almas. Na morte, essa união será ainda mais perfeita.
23 DE NOVEMBRO 269
DEUS TOMOU O QUE LHE PERTENCIA! Morreu-nos algum ente querido. Sentimo-lo, e isto é natural. Mas, sem grave injustiça, não podemos revoltar-nos contra Deus. Cabem-nos, respeitosamente, nos lábios, um grito de dor, os gemidos que o golpe nos obriga a dar. A blasfêmia, nunca! Deus tem direito ao que lhe pertence. Viemos de Deus e para Ele voltaremos. É a ordem da criação. Os que morreram voltaram para o seu Senhor. Por mais que os amássemos aqui, não nos pertenciam. Como chora desolada esta pobre mãe, amargurada por uma saudade imensa do filhinho querido! Ah! Se ela soubesse que o anjinho idolatrado de seu coração saiu de seus braços para o seio de Deus e é tão feliz no Céu! Se meditasse bem no quanto se alegrou o coração de Deus recebendo uma almazinha inocente no Paraíso! Oh! Por certo não havia de se revoltar contra Deus, e numa blasfêmia, queixar-se do Senhor. – “Por que tirou Deus meu filhinho? Por quê? Antes não tivesse ele nascido!” A mãe de Santa Teresinha, na morte de seus filhos, toda resignada, jamais admitia essa linguagem em seus lábios, linguagem tão comum, infelizmente, disse ela, nas mães sem uma piedade esclarecida, sem uma fé bem viva. “Deus me deu, Deus me tirou! Bendito seja Deus! Faça-se a Vossa Vontade, meu Deus! Eu Vos entrego, meu Deus, eu Vos restituo o que é Vosso! Tende piedade de uma mãe aflita! Ofereço-Vos, meu Senhor, este sacrifício!” Rezai assim, mães aflitas. E o consolo de nossa fé há de aliviar a vossa dor.
24 DE NOVEMBRO O AMANTE DA CRUZ São João da Cruz foi uma imagem viva de Jesus Crucificado. A Igreja o proclama “exímio amante da cruz”. Sofria ele um contínuo martírio. No corpo, longas e dolorosas enfermidades. No coração, golpes de desprezo e ingratidões de amigos e beneficiados seus. Quantas calúnias, insultos e desprezos não suportou em toda a vida! E, corajoso, alegre, por se assemelhar ao Divino Mestre Crucificado! Ouvi estas palavras de tão grande mestre: “Desejais gozar neste mundo. Se 270
soubésseis como é glorioso para Deus e útil para vós sofrer; nunca havíeis de procurar em parte alguma o gozo, as alegrias desta vida. Ao invés, olharíeis a cruz que Deus vos põe aos ombros como de todas as graças a maior”. O grande amante da cruz vivia todo absorvido na contemplação do mistério do Calvário. Nosso Senhor, aparecendo-lhe, pergunta o que deseja como recompensa pelo muito que fizera para as almas e para a glória de Deus: “Senhor – responde o santo – só quero, como recompensa, sofrer e ser desprezado por Vós!” Que heroísmo! Sublime resposta! Oh! São João da Cruz, não temos o vosso amor à cruz, mas alcançai-nos, ao menos, a conformidade à vontade de Deus nas tribulações da vida!
25 DE NOVEMBRO “SURSUM CORDA!” Deus separa agora o que Ele uniu, mas para reunir tudo depois numa vida melhor e eterna. Logo se há de romper o véu que nos encobre a visão Divina, e no Senhor veremos os que choramos saudosos. Que pensamento consolador! – “Fico sempre comovido – escreveu Lamenais – quando leio, na Escritura Sagrada, aquelas histórias ingênuas dos dias antigos, no tempo dos patriarcas. Tempo feliz em que os homens viviam e morriam com tanta calma, como quem dorme depois de um dia fatigante e laborioso”. “Iam juntar-se aos pais” – e a morte era só isto. Por que também não fazemos assim? Por que, no dizer do Apóstolo, afligimo-nos tanto com os que não têm esperança? Veremos depois, na glória, os nossos mortos, naquele dia que já nos marcou a Divina Providência. E, naquela região da luz, da paz, do amor e da verdade, veremos também como Nosso Senhor foi misericordioso conosco, permitindo-nos sofrer neste mundo. Rezemos e muito, nas aflições. A oração consola e leva o coração para o alto. “Sursum corda!” “Levantai os corações!” diz-nos a Liturgia Sagrada a cada instante. Sim. Arranquemos este pobre coração dilacerado pela dor, arranquemo-lo da terra para o Céu. Quando se sofre e o golpe é profundo e dolorido, o pobre coração não tem outro recurso, outro alívio senão no Céu. 271
“Sursum corda!” Vamos! Elevemos para o Alto, para a atmosfera dos pensamentos sobrenaturais, este pobre coração ferido!
26 DE NOVEMBRO A PAZ NA DOR Nas grandes dores do coração e de nossa alma, nada podem os homens sem Deus. Só Deus, que envia o sofrimento, é de uma doçura inefável. “O mundo vê a cruz – diz São Bernardo – mas não vê a unção”. Louis Veuillot, esse homem de uma fé viva e ardente, consolava-se, na morte de seus filhos, dizendo: “Vejo meus filhos no Céu, ao lado de sua mãe, como estavam unidos aqui, porém felizes, imortais. É um grupo de estrelas a brilhar e esclarecer o caminho de minha vida. Vem do além-túmulo, sobre meu coração, uma serenidade Celestial e Divina. Que milagres faz Deus por nós, que somos tão ingratos! Que misericórdia fazer-nos achar a paz numa tão grande dor! O sulco que se abriu em nosso coração se enche de uma semente de fé, de esperança e de amor! Não há morte; há separação. Houve uma ausência apenas, que amanhã pode terminar”.8 “Sim – exclamava ainda aquele cristão verdadeiro e sincero, Deus me deu, Deus me tirou! Seja bendito seu santo nome!” Tudo o mais é inútil acrescentar! Esperemos tranquilos o dia da ressurreição. Consolemo-nos em Jesus Cristo, e Jesus Cristo Crucificado por nós. Com ele morramos agora para a ressurreição futura!”
27 DE NOVEMBRO NOSSA ESPERANÇA Há homens materializados, pagãos, sem esperança alguma além-túmulo. Julgam encontrar alívio no pensamento de uma aniquilação total da criatura humana após a morte. É a esperança pagã. A esperança dos gentios, diz Santo Ambrósio, é que a morte faça acabar todos os males. E, como tiveram uma vida estéril, assim, dizem, a morte será apenas o fim de uma carreira de sofrimentos a que 272
estávamos presos. Quanto a nós, cristãos, mais generosos, pela esperança na recompensa, somos mais resignados, porque temos motivos de consolação. Não cremos ter perdido, mas apenas enviado um pouco antes de nós os que morreram, não como vítimas para a morte, mas como cidadãos para a Eternidade! Não julgueis assim com tanta crueldade os nossos mortos! Eles não são apenas esse barro vil, esse monturo de vermes que ali estão na sepultura. A bela e grande alma, que o Criador lhes deu, é imortal e vive e espera, talvez, a vossa piedade, a vossa oração, no Purgatório. Não, mil vezes não! Nem tudo acaba na morte! A morte nunca foi aquele aniquilamento estúpido que prega o materialismo. Seria um desespero passar assim pela vida, à espera só de um túmulo, de um monturo de vermes e um punhado de cinza! Deus não nos criou para o aniquilamento, mas para a Sua Glória e para o Seu Amor, isto é, para a felicidade eterna!
28 DE NOVEMBRO O SOFRIMENTO E O PURGATÓRIO “Aliviemos as almas do Purgatório – diz São João Crisóstomo – aliviemo-las por tudo o que nos penaliza, porque Deus tem cuidado em aplicar aos mortos os méritos dos vivos.” Escreve Berlioux: “O sofrimento é a grande satisfação que o Senhor pede aos devedores da Justiça”. Logo, soframos pelos nossos mortos, a fim de que eles sofram menos. Oh! se tivéssemos uma fé mais viva, uma caridade mais ardente, que mortificações nos imporíamos a nós mesmos para libertar do Purgatório nossos parentes e amigos, eles que tanto nos amaram, que sofreram, talvez, por nós, e estão agora sofrendo de maneira tão horrível! Já que não somos capazes de tamanhas penitências como os santos, tenhamos generosidade para alguns pequenos sacrifícios. O sacrifício de um prazer, de uma afeição perigosa, de uma leitura má, de uma vaidade, etc. “Escolhei a melhor vítima, aconselha o P. Félix, S.J., escolhei-a, sobretudo, no fundo de posso coração.” Por aqueles que amais, sacrificai o que tendes de mais caro. Sacrificai-vos a vós mesmos, e que o preço do sacrifício pessoal se torne o resgate do sofrimento.” “Ah! vejo, acrescenta o Pe. Berlioux, vejo essas almas felizes elevarem-se para o Céu nas 273
asas de nossos sacrifícios, de nossas austeridades e sofrimentos!” Que objeto de consolação e de esperança! Ó meu Deus! Ó Jesus Crucificado, fazei-nos compreender o valor do sofrimento!
29 DE NOVEMBRO A MÃE DAS ALMAS DO PURGATÓRIO Maria Santíssima não é só na terra a consoladora dos aflitos. O amor de tão doce e santa Mãe se estende até as chamas expiatórias do Purgatório. Que mãe ficaria insensível vendo um filho num braseiro ardente, a sofrer? Nossa Senhora, a mais terna das mães, não é insensível ao padecimento horroroso de seus filhos. Sobre o fogo vingador da Justiça Eterna, derrama a Santíssima Virgem a chuva benfazeja do seu carinho Materno. “Oh! como é boa Maria, exclama São Vicente Ferrer, para os seus filhos que gemem no Purgatório! Por sua intercessão, a todo momento, são consolados e socorridos.” Disse Nossa Senhora a Santa Brígida: “Eu sou a Mãe de todos que estão no Purgatório, porque todas as penas infligidas aos mortos, para expiação de suas culpas, são aliviadas pelas minhas orações”. Como é bom ser filho de Maria! Socorre-os Ela na triste peregrinação pela vida, socorre-os naquela derradeira hora, a hora da passagem para a Eternidade. E vai além o seu amor materno. Desce ao Purgatório, visita seus filhos, consola-os. Ó Maria, doce estrela de Jacó, que brilhais sobre o Oceano de fogo que se chama Purgatório, tende compaixão das pobres almas, almas de meus queridos, almas abandonadas que expiam no Purgatório. Boa Mãe, vinde em meu socorro, doce alívio de minha alma, doce refrigério do Purgatório!
30 DE NOVEMBRO SANTO ANDRÉ E A CRUZ Santo André, cuja festa a Igreja celebra hoje, foi um dos mais apaixonados amantes da cruz. Após fadigas e mil tribulações sofridas pelo nome de Cristo, no apostolado tão difícil e duro entre os bárbaros da Citia e da Trácia, o desejo louco 274
de sofrer ainda não havia saciado o coração do apóstolo. Em Patras, na Acaia, foi condenado à morte, e à morte da cruz, como Jesus Cristo, o doce objeto de seu amor. Nunca se viu ninguém tão apaixonado pelos gozos da terra como André, pela cruz. Viu-a e delirou de amor. Saudou-a em transportes de alegria. Abraçoua. Exclamava ele – ó boa cruz, instrumento mais de felicidade que de tormento, quanto tempo te desejei! É possível conhecer-te e não te amar? O que procurei sem descanso foi a ti. Afinal te possuo, todos os meus desejos estão satisfeitos. No delírio de seu amor, ele desejaria que da mesma alegria que o faz estremecer participasse a cruz. “Que! – exclama São Bernardo – é tanta a alegria que se possa comunicar ao lenho!” Tal é a santa loucura da cruz de que fala São Paulo, loucura que salva e consola. Oh! Como é belo sofrer e carregar a cruz com Nosso Senhor! O mundo não compreende esta linguagem! A loucura do pecado faz sofrer no desespero! A loucura da cruz faz sofrer em transportes de alegria e de amor! 1 - Lettres - 501e. à Sainte Marie du Sacré Couer - (Hist. d’une âme-app). 2 - Isaías - 64,4. 3 - Apocalipse 11,4. 4 - Sum. 30. part. Questio 84. 5 - Lettres de Saint François Xavier - Lettre XCIII, nº3. 6 - Eclesiástico 6,16. 7 - Abelly - Vie de Saint Vicent de paul - Tom. II - cap. VI. 8 - Louis Veuillot - Lettre à Monsieur de Pontmartin.
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1 DE DEZEMBRO COMO SE DEVE SOFRER Nosso Senhor mesmo ensinou à confidente de Seu Coração, Soror Benigna Consolata Ferrero, como se deve sofrer e santificar a dor. “Quando sofres – dizlhe Jesus – quer interna quer externamente, não percas o merecimento da dor. Sofre unicamente por Mim. Neste ponto é que a maior parte das almas, muitas até piedosíssimas, perderam muitos merecimentos, contando o que sofrem a quem as quer ouvir, pois, embora não se queixem, nem por isso deixam de desejar a compaixão das criaturas. Quando o Meu Divino Coração manda o sofrimento, quer que seja recebido com paciência e resignação. Essas pessoas imaginam talvez que aliviarão as suas penas, confiando-as à criatura. A natureza fica satisfeita com esse desabafo, mas a graça se enfraquece e logo há de faltar coragem para suportar as penas com amor. Quero ditar-te, Eu mesmo – diz Jesus – os sentimentos que te deverão animar no meio das maiores provações. Dirás ao teu Esposo: “Jesus, único Amor de meu coração, quero sofrer o que estou sofrendo e tudo o que quiseres que sofra puramente por Vosso amor e não pelos merecimentos que possa adquirir, nem pelo galardão que me prometeis, mas unicamente para Vos agradar, para Vos louvar e bendizer, tanto na dor como na alegria”. Era assim que Jesus instruía a grande privilegiada alma de Soror Benigna. Por sua vez, dizia ela, num ato de amor e de renúncia: “Meu Jesus, a Vossa vontade é a minha vontade. Tomai tudo: pais, parentes, bens, afeições, saúde, honra, tudo!... Contanto que me deixes o coração para Vos amar. É quanto me basta!” Oh! Quem nos dera uma legião de almas assim generosas!
2 DE DEZEMBRO O PODER DA CONFIANÇA A confiança tem um poder imenso sobre o Coração de Jesus. Nosso Senhor 276
revelou a Santa Gertrudes que a confiança de uma alma faz tal violência ao Seu Coração, que Ele é forçado a favorecê-la em tudo. Era com uma certa liberdade que Santa Catarina de Sena orava ao Senhor, no excesso de uma grande confiança. “Senhor, dizia ela uma vez – não me afastarei de junto de Vossos Pés, da Vossa Presença, enquanto a Vossa Bondade não me tiver concedido o que desejo, enquanto não Vos aprouver fazer o que Vos peço.” Continuou ela: “Senhor, eu quero que me prometais a vida eterna para todos aqueles que eu amo”. Depois com uma santa audácia, estendia a mão para o Tabernáculo: “Senhor, ponde a Vossa Mão na minha! Sim, dai-me uma prova de que me dareis o que Vos peço”. Que confiança! Escreve o Pe. Sauvé no seu admirável Jesus intime: “Teremos posto em nossas preces uma confiança total, um pouco desse absolutismo da criança que solicita da mãe o objeto que deseja? O absolutismo dos pobres mendigos que nos perseguem e que, à força de importunações, conseguem ser atendidos? Principalmente esse absolutismo, ao mesmo tempo respeitoso e tão confiante, dos santos, em suas súplicas?” Sim, ou temos uma confiança cega, absoluta, no Coração de Jesus, ou nada conseguiremos na vida espiritual. Que poder não tem um só suspiro do coração seguido de um – “Confio em Vós, meu Jesus!...
3 DE DEZEMBRO MEUS PECADOS E A MISERICÓRDIA Quantas vezes o inferno não nos vem segredar maliciosamente aos ouvidos: “Hás de morrer e serás reduzido a pó. Nada existe além-túmulo. Deixa-te de ilusões e loucas fantasias! Goza as delícias da vida antes que teu corpo seja um monturo de vermes”. E os pensamentos do mais estúpido materialismo nos assaltam furiosamente. A pobre alma resiste com um ato de fé. A tentação agora é outra: “És uma alma condenada – diz-nos Satã – nada fizeste para a vida eterna. Estás coberta de pecados e misérias que só merecem o inferno. Já não terás o perdão. Teus pecados e o abuso da graça te hão de condenar eternamente”. Que suplício o de uma pobre alma sequiosa do amor de Jesus e mergulhada num oceano de dúvidas, a se debater nas trevas de horrorosa 277
tentação de desespero! Só a confiança pode vencer o Inferno, mas uma confiança heroica, cega, obstinada como a de Jó. Santa Catarina de Sena, vítima das tentações de desespero, dizia: “Confio em Jesus Cristo, meu Senhor, porque vejo, não há comparação possível entre a Misericórdia Divina e meus pecados. Se todos os pecados que se podem cometer se reunissem numa criatura, seriam como uma gota de vinagre no meio do mar”.1 Oh! Que são meus pecados ante a Misericórdia Divina? Há em Deus tanta misericórdia e tanta, que o coração e a língua humanas são incapazes de exprimila ou sequer imaginá-la. Ó Misericórdia! Ó Misericórdia! Que mais se pode dizer?
4 DE DEZEMBRO AMÉM! AMÉM! AMÉM! Veio a enfermidade, e o apóstolo, sequioso de almas, sonhando arrebatar e conquistar muitos corações para Jesus Cristo, vê-se reduzido a uma inação forçada, preso entre as paredes de um quarto de enfermo, numa solidão, quase abandonado. Deus assim o quis! E quem pode saber os desígnios da Providência? O Pe. Perreyve, que havia experimentado essa provação difícil, escrevia a um amigo em idêntica situação: Meu caro, Deus neste momento te faz uma pergunta estranha, pergunta que sempre repete Ele às almas que O desejam servir muito: “Meu filho, consentes em ser absolutamente nada? – Sim, Senhor. Coragem, meu amigo, demos tudo o que Jesus pede. Esta é a condição para a fecundidade de nosso apostolado e da felicidade no Céu, Amém! Soframos, Amém! Trabalhemos, ou nada façamos, o silêncio, a palavra, a doença, a força, a glória, a vergonha, a vida, a morte!... Amém! Amém! Amém!” Nosso Senhor às vezes se contenta só com a generosidade de nosso coração e o sacrifício que fazemos. A cruz pesada que nos oferece vale mais aos seus Olhos Divinos do que todos os prodígios do apostolado exterior. Sacrificai, pois, ó apóstolos enfermos, sacrificai generosamente a Nosso Senhor vossos planos e ideais. É mais precioso e mais rico o apostolado do sofrimento. E por vossa generosidade quantas almas 278
não salvará Nosso Senhor? Oh! na Eternidade, só na Eternidade, veremos quantas maravilhas operaram os apóstolos enfermos!
5 DE DEZEMBRO CRER SEM VER E COMPREENDER Esmagada sob o peso das mais horrorosas tentações contra a fé, Soror Benigna, a confidente da Misericórdia Divina, ouviu a doce voz de Nosso Senhor: “Coragem, minha esposa, coragem! Embora não O vejas, embora não O ouças, o teu Deus está sempre junto de ti. O sentimento, ainda que dê a certeza, diminui a fé. Retiro a consolação sensível à alma que quero exercitar perfeitamente na virtude da fé. É preciso crer sem ver, crer sem compreender”. Assim é que se sujeita a razão e se glorifica a Deus. Queres agradar a Deus? Não te metas a perscrutar os seus desígnios a teu respeito. Deixa que Ele te trate como melhor Lhe apraz. Com um só ato da Sua Vontade, pode fazer, no espaço de um minuto, o que exigiria longos anos de trabalhos e esforços. Gostas muito da oração e isto é excelente: “contudo, julgas talvez, que, rezando tanto tempo quanto desejas e costumas, satisfazes plenamente aos teus deveres? Vejo melhor e mais longe que tu, e assim é que, no fundo de teu coração, percebo um verme roedor... Por fora nada aparece, mas Eu descubro lá, bem no âmago, aquela complacência secreta, aquele orgulho refinado que se ocultam sob as aparências da piedade e te levam a escolher certas práticas que, de ordinário, só servem para alimentar o teu amorpróprio”. Que faz então o Divino Esposo? Corta, retalha sem dó, sem compaixão, sem atender aos gemidos da pobre natureza ferida. “Atiro para fora tudo que está gasto e corrompido para atalhar o mal e evitar maiores estragos e prejuízos.”
6 DE DEZEMBRO CADA DIA, O QUE DEUS QUISER! O segredo de sofrer com paciência é não se inquietar nem com o passado, nem com o presente, e muito menos, com o futuro. Aceitai o que vier cada dia. Nosso 279
Senhor nos manda tomar a cruz de cada dia para O seguir. Notai bem: “a cruz de cada dia...” – “Basta a cada dia a sua malícia.” Um sofrimento, um revés, uma doença, um golpe de coração. Aceitemos resignadamente tudo, tudo. Absolutamente tudo. A natureza se revolta e se impacienta numa agitação estéril e que só agrava a nossa situação. Façamos ouvir logo no primeiro grito da natureza revoltada a voz tão doce de Nosso Senhor: “Basta a cada dia a sua malícia.” O Pe. Lacordaire comenta2: “Que bela e tocante palavra! E como é apropriada à nossa miséria! Não nos inquietemos com o futuro! Carreguemos somente o fardo de cada dia!” A cruz se torna mais leve quando aceita por amor. É preciso tomá-la, pois, todo dia. Quanto tempo ficará assim pesando sobre nossos ombros? Se quisermos santificar-nos deveras... A vida inteira a carregaremos. “Impossível! Não se pode suportar tamanha dor!” – diz a natureza revoltada. A graça, porém, vence a natureza. E, se Nosso Senhor nos manda carregar a cruz de “cada dia”, é porque nos dá também “o pão de cada dia”, o pão da Sua Graça, o pão do Seu Amor!
7 DE DEZEMBRO O MÉRITO DOS BONS DESEJOS Consolem-se as boas almas, cheias de ardor apostólico, na sua enfermidade. Esta página Diário da Confidente do Am or Misericordioso há de lhes falar ao coração. Estava enferma a esposa predileta de Nosso Senhor. – “Minha Benigna – disselhes Jesus – agora estás aqui sem nada fazer e tinhas tanto que escrever! Entretanto, agora fazes muito mais, porque fazes a Minha Vontade. Que fiz Eu quando estava oculto no seio de Minha Santíssima Mãe? Vim para salvar o mundo e fazia a Vontade de Meu Pai. Assim, há muitas almas que desejariam fazer muito para Minha Glória, quereriam percorrer o mundo para convertê-lo; entretanto, estão presas a um leito e, ainda entregues nas mãos de outros. Pois bem! Por um só ato de resignação à Minha Vontade, elas fazem mais do que se percorressem o mundo para salvar as almas. Escreve isto que me dá prazer, porque vai fazer muito bem às almas. Minha Benigna, essas almas não devem perder as suas energias em inúteis e estéreis desejos de ação. Se elas desejassem 280
fazer grandes coisas por mim, mas não fossem resignadas à minha Vontade, seus desejos não teriam valor e não fariam outra coisa além de as fatigar e esgotar, como fazem os muitos ramos numa planta. Ao invés, quando elas estão resignadas à minha Vontade, têm o mérito dos desejos e, se Eu quiser, por elas posso fazer muito bem às almas.”3 Oh! Apóstolos enfermos, lede esta página de ouro e guardai-a no coração!
8 DE DEZEMBRO A MÃE DA SANTA ESPERANÇA Mãe da santa esperança, e esperança até dos desesperados, é Maria Santíssima, cuja Imaculada Conceição celebra hoje, entre os esplendores da Liturgia, a Santa Igreja de Deus! “Toda bela sois, Maria. E a mancha do pecado não existe em Vós.” Assim canta hoje a prece litúrgica. E, para consolo nosso, acrescenta: “Vós, advogada dos pecadores, rogai por nós, intercedei por nós”. É assim que a Igreja nos ensina a recorrer à Santíssima Virgem. Canta o privilégio único da Imaculada Conceição, louva em Maria a criatura mais formosa, mais perfeita saída das Mãos Divinas, e logo implora a materna proteção da Virgem sob o título, de todos o mais belo e consolador para nós, pobres mortais, de “Advogada dos pecadores”. Maria, sempre que volveu à terra seus olhares de Mãe, em Lourdes, como nas aparições da medalha milagrosa, em Sallette, em Fátima, sempre se manifestou solícita e carinhosa para com os seus filhos, os pobres pecadores. Ela, na gruta maravilhosa de Massabielle, antes de se dar a conhecer – “Eu sou a Imaculada Conceição” – pede à inocente Bernadete orações pelos pecadores, penitências pelos pecadores. Oh! Sois, na verdade, toda bela, ó Maria Imaculada, e cheia de Misericórdia.
9 DE DEZEMBRO MILAGRES DA CONFIANÇA O pobre Jó, todo ferido, no auge do sofrimento e da miséria, ainda esperava no 281
Senhor. “Ainda que o Senhor me tirasse a vida, ainda assim esperaria Nele.” Deus recompensou tamanha confiança, e a saúde e a prosperidade voltaram à casa de Jó. Exemplos sublimes dessa confiança heroica, sempre os encontramos nas Escrituras e na vida dos santos. Nunca se ouviu dizer deixasse Nosso Senhor sem recompensa quem Nele confiou. A confiança faz milagres. Numa de suas viagens, São Martinho caiu nas mãos de salteadores, na estrada. Foi roubado e despojado. Iam já os bandidos matar o santo, quando, repentinamente, cheios de um pavor misterioso, puseram-no em liberdade, contra toda expectativa. Perguntaram depois ao santo Bispo se, no tamanho risco de vida por que passara, não teria sentido medo. “Nenhum – respondeu ele – eu sabia que a Intervenção Divina era tanto mais certa quanto menos prováveis os recursos humanos.” Que bela confiança! Na viagem que fazemos para a Eternidade, quantas vezes não somos assaltados pelos inimigos de nossa pobre alma! Tentações, combates terríveis do inferno. Confiemos na Providência! Ela nos ajudará na hora extrema, quando talvez já não houver mais esperança de socorro humano. “A Providência – diz São Francisco de Sales – só demora o seu socorro para provocar nossa confiança.” Confiança, pois. A confiança faz milagres!
10 DE DEZEMBRO O TRABALHO DO DIVINO ARTISTA O pintor, ao começar a sua obra, traça riscos na tela e faz borrões azuis, amarelos, verdes etc. Quem não entende e jamais viu como se executam as obras-primas, sorri, talvez incrédulo e sem perceber o que deseja o artista. Mas uns minutos e o borrão azul é um céu, o verde, uma campina, o amarelo, um canteiro de rosas. O quadro maravilhoso aí está, chamando a atenção e a provocar as críticas e exclamações mais lisonjeiras de todos. A obra maravilhosa do Artista Divino, a que Ele executa nas almas, é também assim. Quem compreende o que de nós quer Nosso Senhor, quando, na tela de nossa vida, atira esses borrões feios, de cores berrantes, de tantas e tão cruéis provações? Ah! Só Ele sabe o que há de fazer de nossa vida. O plano Divino, como o ideal do artista, não se compreende 282
logo no início da obra. Deixemo-Lo trabalhar! Não sejamos tão estúpidos como os que censuram a tela borrada do pintor. Os planos da Divina Providência nos são ocultos. Os planos de nossa sabedoria – que mais se poderia chamar loucura – não coincidem com os planos da Sabedoria Divina. Daí tanto desespero, tantas amarguras e desilusões dos que não confiam em Nosso Senhor e não têm paciência, não esperam o fim do trabalho do Divino Artista. Oh! deixai que Jesus, o Divino Mestre, faça o que quiser na tela frágil de nossa vida! Esperai! Confiai! E as maravilhas do Artista Celeste hão de extasiar-vos.
11 DE DEZEMBRO NO JARDIM DA MISERICÓRDIA “Quando tivermos deixado esta terra de exílio – escreve piedoso autor – e nossos olhos se entreabrirem aos esplendores e encantos do além, tudo nos será revelado. Como nos havemos de felicitar então pela nossa confiança obstinada em Nosso Senhor! Como nos alegraremos por ter tido uma confiança tão imensa como a nossa imensa miséria.” No jardim maravilhoso do Céu, onde floresceremos por toda a eternidade, descobriremos, admirados, entre magníficas rosas e delicadas tulipas e graciosos crisântemos, originais e soberbas orquídeas de Jesus, as flores mais delicadas e ingratas, que reclamaram do Jardineiro Celeste tantos e duros trabalhos para conservá-las vivas. Oh! haveremos de estar, talvez, entre essas flores que exigiram de Nosso Senhor tamanhos esforços e cuidados! O jardineiro se orgulha quando tirou da floresta uma orquídea rara e a trouxe carinhosamente para o jardim, entre mil cuidados e sacrifícios. E tratou-a e vigiou-a dia e noite até que a viu salva e toda bela entre as demais flores. Jesus se regozijará, quando no Céu nos receber, a nós, pobres flores agrestes que Ele, cheio de amor, veio buscar na floresta tão feia deste mundo, para o jardim da Sua Misericórdia.4
12 DE DEZEMBRO CONFIANÇA-BARÔMETRO 283
“Nossa confiança – diz o Pe. Paulo de Jaegher, S.J.5 – é, infelizmente, como um barômetro: abaixa com a chuva e sobe com o tempo bom.” Sentimos na oração, na santa comunhão, um fervor delicioso, um recolhimento doce, lágrimas de ternura: sobe nossa confiança. Depois, vêm logo, muitas vezes, uma aridez torturante, fadiga, distrações na oração, provações, etc. Que frieza! Julgamo-nos tíbios e indiferentes. A tempestade, a chuva, a borrasca, as trevas. Nossa confiança desce e desce muito. Bradamos como os apóstolos na barca, à hora da tempestade: Senhor! Senhor! Salvai-nos, que perecemos! Nosso Senhor permite, em nossa vida espiritual, essas borrascas e trevas, para experimentar nossa confiança e firmá-la cada vez mais. Quer ver-nos humildes e bem desconfiados de nossa fraqueza. Quer que por Ele brademos na hora do perigo e sejamos forçados, por experiência própria, a reconhecer nossa fraqueza, a sondar o abismo de nossa miséria. Não tenhamos medo das provações. Fazem bem à nossa pobre alma. Não nos deixemos influenciar pelas securas e misérias e mil tentações. Seja nossa confiança firme, inabalável. E mais do que nunca, nessas horas de provação, peçamos ao Coração Misericordioso de Jesus nos livre da confiança-barômetro.
13 DE DEZEMBRO CONFIA E ESPERA! Lucie-Christine é o pseudônimo que oculta o nome de uma grande mística contemporânea, que viveu em Paris e nos deixou, em seus escritos, luzes maravilhosas sobre a Bondade Infinita de Nosso Senhor. Ela escreveu em um diário íntimo, publicado pelo Pe. Poulain, S.J., esta nota breve e tão sugestiva: “25 de agosto de 1882 – Bondade de Jesus sentida na Comunhão. – Morremos sem ter conhecido a bondade de Nosso Senhor, mesmo com estas inefáveis comunicações”. Oh! É bem verdade. Nunca chegaremos nesta vida a conhecer o fundo destes abismos da bondade infinita de Jesus Eucarístico! Somos mesquinhos demais quando desconfiamos da Misericórdia Divina. Bem dizia Santa Teresinha: “A desconfiança é o que mais fere o Coração de Jesus”. E a medida das graças é a confiança. “Possuireis todas as coisas sobre as quais se 284
estender a vossa confiança – diz São Bernardo – Se esperais muito de Deus, Ele fará muito por vós. Se esperais pouco, Ele fará pouco.” Confia! Espera! Nunca é demais a confiança! Somos loucos. O receio de pedir muito, o sentimento de uma falsa humildade deixam-nos sempre miseráveis e pobres. E podíamos enriquecer-nos imensamente, como tantas almas confiantes! Meu Jesus, perdão, não quero jamais desconfiar de Vossa Bondade. Creio no Vosso Amor Misericordioso, espero tudo de Vosso Coração. Senhor, curai o perigoso “câncer” de minha desconfiança.
14 DE DEZEMBRO ABISMO SOBRE ABISMO Meditemos com Santa Margarida Maria os abismos insondáveis do Coração de Jesus. Eis como ela nos fala, com tanta eloquência, desses abismos: “O Coração de Jesus é um abismo de amor, onde havemos de abismar todo o amor-próprio que em nós existe, com todas as suas produções más, isto é, respeitos humanos e desejos de nos satisfazer. Se estais no abismo da pobreza e desnudados de vós mesmos, ide abismar-vos no Coração de Jesus. Ele vos enriquecerá. Se vos achais num abismo de fraqueza e caís a cada instante, ide abismar-vos na força do Sagrado Coração, que vos fortificará e vos livrará. Se estais no abismo das misérias, ide abismar-vos no Coração adorável todo cheio de misericórdia. Se vos achais num abismo de orgulho e de amor-próprio, de vanglória, abismai-vos no abismo de humildade do Sagrado Coração. Se vos achais num abismo de trevas, Ele vos revestirá de Sua luz. Quando vos mergulhais num abismo de tristeza, ide abismar-vos no abrigo da alegria Divina do Sagrado Coração de Jesus e achareis um tesouro que dissipará todas as tristezas e aflições de vosso espírito. Nas inquietações, nas dúvidas, ide abismar-vos na paz desse Adorável Coração. Se vos encontrais num abismo de temor, abismai-vos na Confiança do Coração de Jesus e o temor há de ceder lugar ao Amor”.6 Abismo sobre abismo! Ó Jesus, dai-me cada vez mais Amor e Confiança na Onipotência Misericordiosa de Vosso Coração! 285
15 DE DEZEMBRO ALMAS REPARADORAS Hoje, mais do que em tempo algum, o mundo, para se salvar, tem necessidade de almas generosas, de almas reparadoras. “A necessidade de reparar – escreve o admirável Pe. Plus, S. J.7 – não se impõe somente como dedução dos princípios sobre que assenta a nossa fé católica e, especialmente, a doutrina do Corpo Místico e o Dogma da Redenção, impõe-se também como consequência forçosa de um ensinamento formal, constante e muitas vezes repetido de Nosso Senhor! Não nos soa ao ouvido a palavra de Jesus: – Fazei penitência! Fazei penitência! Que é a penitência? Reparação. O mundo, chafurdado na lama da sensualidade, saturado de orgulho sacrílego, tem necessidade de almas reparadoras. E são poucas! Quem nos dera uma legião de almas como Simone Dennriel, cujo brado é o de todos os corações generosos que hoje se imolam no altar da reparação. – Tenho necessidade de sofrer – escreve ela8 – quero sofrer, porque Jesus sofreu por mim, porque Deus o pede em expiação dos crimes do mundo. Quero sofrer, porque o sofrimento é a mais poderosa das orações... Porque o sofrimento eleva e purifica... Quero sofrer, porque a felicidade se encontra no sofrimento e a minha alma, anseia pela verdadeira felicidade. Sofrer, sofrer durante cem anos, se preciso for, para salvar almas e dar glória a Deus... Tenho necessidade de oração contínua, que é a força da alma e a chave do Céu. A oração une a Jesus e ajuda a suportar tudo para sua glória. A oração é irmã do sofrimento. Ambos se unem para se oferecerem a Deus e salvarem o mundo. Jesus não os separou na sua vida oculta, nem na Paixão, nem na cruz.”
16 DE DEZEMBRO VANTAGENS DA PACIÊNCIA NAS ENFERMIDADES São tantas e tão consoladoras as vantagens da paciência nas enfermidades que
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impossível seria enumerá-las todas. Vejamos algumas. “A paciência – diz o Pe. Lapuente9 – coloca-nos no auge da vida cristã, porque ela, segundo o apóstolo São Tiago, é a que faz a obra perfeita e dela, como diz a Glosa, nasce a perfeição, à qual se chega pelos oito degraus das bem-aveturanças que Cristo Nosso Senhor pregou na Montanha. E, dessas bem-aventuranças, a última consiste na paciência.” A paciência é, pois, a pedra de toque para conhecer os graus da santidade, conforme o que diz o sábio: “A doutrina do varão se conhece na paciência, porque, sabendo sofrer, descobre que tem a verdadeira sabedoria e conforma a vida com ela”. A paciência é o sinal certo do amor que temos a Deus. Torna-nos semelhantes a Jesus Cristo Nosso Senhor, cuja vida foi toda um exercício de paciência. Faz ainda mártires, porque não pequeno martírio é superior, sem queixas, blasfêmias e ira, tantas dores da enfermidade. “A paciência – diz Santo Agostinho – vence todas as coisas adversas, não lutando, não sofrendo, não murmurando, mas dando graças a Deus por tudo!” A paciência livra dos males eternos, alcança a coroa de glória, fecha a porta do inferno e abre a do Paraíso. É a doença uma boa escola de santidade, porque, sofrendo, exercita a alma na paciência e a paciência leva à perfeição do Amor.
17 DE DEZEMBRO VIDA, MINHA VIDA, POR QUE TE PERTURBAS? Nos dias que antecederam a vinda do Salvador, contam as tradições, o templo de Jerusalém se enchia de rumores e sinais estranhos. Um doutor da lei, testemunha desses prodígios, exclamou: “Templo, ó Templo, que tens? Por que te perturbas?” – E falando eu de outro templo da vida humana, digo também, com o mesmo acento melancólico: “Ó vida! Ó vida! por que te perturbas? Não encontrarás jamais repouso? Não te acalmas?” Nossa vida é um oceano sempre agitado. Não há sossego. Que queremos? Que buscamos? A felicidade! A felicidade! E a felicidade nos foge! Quem a conhece? Quem a viu? Eis por que se perturba nosso coração e vive sempre a padecer, insaciável, louco, à procura de um ideal, de um sonho irrealizável neste mundo. A felicidade, no dizer de Santo Agostinho, é o fim último do homem. 287
É por isso que o homem se atira loucamente à procura do prazer, da glória, da satisfação dos sentidos. E encontra depois de tudo um vácuo, um abismo no coração. Nunca se satisfaz. Por quê? Porque, vindos de Deus, criados para o Eterno e o Infinito, sempre, fora de Deus, havemos de ser desgraçados. E, enquanto não chegar aquela Visão Eterna de Eterna Beleza e do Eterno Amor no Céu, nossa vida se passará, como o templo de Jerusalém, à espera do Salvador, sempre em rumores estranhos e agitações assustadoras.
18 DE DEZEMBRO “VIDEBIMUS!” Um religioso da Ordem de São Domingos, ao exorcizar um possesso, perguntou ao demônio em que lugar queria ele habitar. O demônio respondeu pela boca do possesso: “Quisera estar no Céu, para gozar a visão de Deus. Eu só vi um instante a Sua Face Adorável e, para obter segunda vez esse favor e gozar ainda, um instante só, a mesma felicidade, aceitaria tudo, tudo o que sofreram todos os demônios reunidos, desde o começo e até o último dia do Juízo”. Pediu o religioso ao demônio que fizesse uma descrição da Beleza Divina. – “O pedido que me fazes – responde o espírito infernal – é insensato, porque a Beleza de Deus não se pode descrever nem representar. Ainda que se reunissem todas as belezas criadas, tudo o que há de encanto e perfeição na terra e no Céu, todos os encantos das flores, o brilho dos astros e das pedrarias, as magnificências do sol e das estrelas, tudo seria nada comparado à Beleza Divina, ou, melhor, seria noite escura em presença de um sol brilhante”.10 Oh! Essa Beleza Eterna nos é destinada. E a veremos! “Videbimus!” Que maravilha e que benefício! Que prodígio de Amor! Oh! Bondade de meu Deus! Imensa e Divina Ternura! Tinha razão o Santo Profeta Davi para cantar extasiado: “Oh! Senhor, quão grande é a multidão das Vossas Misericórdias, da Vossa Doçura, que reservais aos que Vos temem!” Paciência, alma sofredora! Vale a pena sofrer um pouco. “Videbimus!” – Veremos a felicidade!
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LIVRE!... Queremos ser livres. É uma das aspirações mais ardentes da Humanidade. O sonho do mundo. E como sofre o homem em busca do seu ideal, até hoje em vão procurando, nesta terra vil, neste mundo de injustiças! As revoluções abalam o mundo e a liberdade refulge aos olhos dos sonhadores, aos olhos do povo, como um raio de luz, para desaparecer logo, deixando-nos em trevas. A liberdade completa, o paraíso terrestre, que uma filosofia materialista prega, é uma utopia, suprema loucura. Esse anseio de liberdade que agita nosso coração, não encontrará, na escravidão horrorosa das paixões libertadas, a sua plena satisfação. Somos grandes demais e nosso coração tem proporções infinitas. Não há felicidade terrena que o satisfaça. Livres são os que se libertaram da escravidão das paixões e do pecado, os que gozam a liberdade de nossos sonhos quando se realizar o que escreveu o Apóstolo na Visão de Pathmos: “E Deus enxugará toda lágrima de seus olhos, e não haverá mais morte, nem luto, nem clamor, nem mais haverá dor, porquanto as coisas de outrora desapareceram”. Só no Céu, sem o peso de um corpo mortal e cheio de miséria, na posse do Bem Eterno, na satisfação plena de todos os ideais de felicidade que hoje nos agitam, só no Céu poderemos dizer em verdade: “Livre! Eternamente livre!
20 DE DEZEMBRO O DESERTO QUE CHORA Contam os viajantes, que à noite, quando os vendavais sopram furiosamente as areias do deserto, ouve-se ao longe como que um soluço, um gemido angustiado. “Escuta – diz o árabe – escuta o deserto! Não ouves como ele chora? Chora, coitado, porque desejaria tanto ser uma campina, um prado verdejante!” “Eis aí o coração do homem”, diz com felicidade um Autor. O pecado fez do nosso coração, outrora campo florido e embalsamado, um enorme, árido e triste deserto. Uma solidão horrorosa. Mas esse deserto vivo tem consciência de sua enorme desgraça e quer reverdecer e reflorir. E se queixa, e chora desolado. No 289
Céu, só no Céu, o Amor fará o milagre da transformação do deserto. Aqui, nosso pobre coração, ao vento das paixões e desses sonhos de felicidade, que nos agitam e nos fustigam dolorosamente; nas trevas de uma noite de incertezas, dúvidas, martírios e dores de toda sorte, aqui neste mundo frágil e miserável, por certo há de gemer, há de soluçar o triste deserto de nossa vida. É bem verdade: nossa vida vai passando e vai sempre mergulhada numa tristeza imensa de se ver insatisfeita. Vai, pobrezinha, de flor em flor, de sonho em sonho, à procura, em toda parte, de um não sei que, que a possa encher, saciar plenamente. E não encontra em parte alguma do mundo o que procura. É o eterno deserto a soluçar. Desilude-te, homem sensual, desilude-te! A felicidade, não a encontrarás fora do Senhor. Só no Céu o deserto de nossa vida será a campina embalsamada de Amor e de Verdade!
21 DE DEZEMBRO MELANCOLIA DAS GRANDES ALMAS “Não há grande homem sem melancolia”, diziam os antigos. A melancolia nos grandes corações é uma aparição velada, um sentimento do Infinito, a nostalgia do Céu. O Infinito é fim supremo dos desejos do homem. Fora disto, nada pode satisfazer suas aspirações e encher o vácuo imenso que a necessidade de ser feliz cavou em nossa alma. Chateaubriand estuda com fina psicologia essa imensa e misteriosa vaga de tristeza que nos invade a alma e faz chorar por um nada, por uma flor, um olhar, uma recordação, um espetáculo da natureza. Ê uma paixão que não é a glória, uma paixão que não é o amor, nada de carnal ou terrestre. Algo de estranho, indefinível, que se apodera da alma e a faz chorar e perguntar a si própria: “Que tenho? que se passa em mim?” Oh! é o Infinito que fala à pobre alma sob uma forma vaga e natural. Não é a graça nem a natureza, mas algo de intermediário entre uma e outra. Deus nos criou para amá-Lo e, sempre que O deixamos, nosso pobre coração, sedento de felicidade, chora pelo Infinito Amor. E, ainda que não tivéssemos abandonado o Senhor, haverá, um coração nobre sem melancolia ao experimentar a miséria, a fragilidade, a vaidade de todas as coisas terrenas? E 290
poderá satisfazer-se neste mundo um coração finito com uma sede de felicidade infinita?
22 DE DEZEMBRO CORAÇÃO-ABISMO O coração humano é abismo insondável. Nada o satisfaz na terra. A Escritura o compara às profundezas do oceano.11 Esse coração busca a felicidade e nunca, ainda que lhe deem tudo que deseja e a que aspira, e tudo que é desejável e possível neste mundo, nunca estará satisfeito. Há de gemer como Salomão: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade”. “Há um momento, diz Lacordaire – em que as potências todas do homem, saciadas, dão-lhe a invencível certeza do Nada do universo.” Esse universo tão grande, sombra do infinito, caindo num coração que não tem espaço, perde nele o seu próprio espaço. É a razão dessa imensa e profunda melancolia que invade, por vezes, os corações nobres. Melancolia que faz chorar nos festins e nos triunfos mais brilhantes, no apogeu da glória humana, na saciedade de todo prazer terrestre. Era à consideração da fragilidade de todas as coisas, do nada de tudo que não é Deus, que Agostinho, sondando as profundezas de seu coração, exclama: “Senhor, há de andar sempre inquieto nosso coração até que descanse em Vós”.
23 DE DEZEMBRO A ETERNA FUGITIVA A felicidade na terra é a eterna fugitiva. Um relâmpago. Brilha no oriente, some no ocidente. A terra a vê e exulta, mas ela passa. Passa como a juventude, como a beleza, como o talento, como tudo que é bom. E assim vai esta vida, cheia de dores e mil angústias, entre luzes e trevas. Buscam os homens a Felicidade como quem persegue a própria sombra. E o homem, saciado de prazer e de glória, torna-se infeliz, porque chega à triste realidade das coisas, ao conhecimento experimental da incapacidade de tudo que é finito para lhe saciar o coração. O 291
pobre tem uma ilusão. Quer ser rico. Sonha e vive nessa esperança. É feliz com o pouco que Deus lhe dá. O rico, porém, que viu nas suas mãos o ouro e aproveitou seus tesouros para satisfazer todos os desejos e caprichos, não tem necessidade de filosofia para conhecer o que valem o ouro e os sentidos na questão da felicidade. Basta-lhe um olhar rápido sobre todas as coisas, para que presencie o espetáculo da desolação humana sob a forma mais dramática. O voluptuoso pobre tem ainda uma ilusão. O voluptuoso rico não a tem mais. Perdeu, na saciedade, o último bem dos desgraçados. Só Jesus, que é eterno, e só o Amor Eterno podem consolar-nos, quando, na terra, a eterna fugitiva nos abandona!
24 DE DEZEMBRO É BOM SOFRER PARA SER BOM “Quando se deseja saber o que vale uma alma – escreveu Lacordaire –, é mister tocá-la. E, se ela não dá o som do sacrifício, esteja ela coberta de púrpura, passai, passai! Não é uma alma!” A dor é escola das almas, e não parece ter alma quem não sabe sofrer e se imolar. O sofrimento revela-nos as profundezas de nossa alma com toda a sua complexidade e mil delicadezas, e com isso nos revela também as profundezas de alma de nossos semelhantes. Saber sofrer é necessário, ao menos para se não fazer sofrer os outros. Somos todos para com os outros uma fonte de aborrecimentos e pesares. A dor santifica-nos, ensinando-nos a doçura, a caridade suave para com o próximo. O sofrimento é a escola da bondade. Uma alma vulgar é incapaz de perceber e nem pode suspeitar o que se passa num coração nobre e nas almas delicadas. E certos espíritos grosseiros passam indiferentes, como os viajantes do caminho de Jericó, ante as dores secretas e as chagas doloridas desse pobre samaritano atirado à beira do caminho. O sofrimento repugna, é verdade, aterroriza a nossa fraqueza, mas é tão belo, tão luminoso! Quando não nos preparasse uma coroa de glória no Céu, bastava cultivasse ele em nós a flor da bondade! Como é bom sofrer para ser bom! 292
25 DE DEZEMBRO “GLORIA IN EXCELSIS DEO!” Os anjos cantaram no presépio de Belém: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. Jesus baixou à terra. O Príncipe da paz veio estabelecer o seu reino de Amor e de Misericórdia. E nos dirá: “Eu vos dou minha paz!” A paz de Deus não é como a dos homens. Os homens procuram a paz nos tratados, nos discursos, mas guardam no coração tanto ódio e tanta maldade! A Vossa paz, doce menino do Presépio, ó adorável Menino Jesus, é a paz inalterável e doce que penetra nas profundezas do coração. Ó doce paz do Senhor, como és boa para os que te conhecem! Mas a paz se encontra na luta contra nossa ingrata e pobre natureza, rebelde à Graça. E só quem, cheio de boa vontade, abraçou a cruz de Jesus Cristo e aceitou o combate, só esse goza a verdadeira paz dos filhos de Deus. Vem daí a felicidade incomparável dos santos. Agora, mais do que nunca, o mundo tem necessidade de santos, porque o mundo tem necessidade de paz! Santos, isto é, homens de boa vontade! Precisamos de santos que preguem o amor, como São Francisco de Assis ou Santa Catarina de Sena, que assim bradava: “Paz! Paz! Paz!... Nada triunfa no coração do homem como a Paz. O ódio do próximo é uma ofensa contra Deus. Devemos odiar o ódio”. Venha a paz sobre o mundo, ó Menino Jesus do Presépio, venha a Paz aos nossos corações!
26 DE DEZEMBRO EXEMPLO DE PACIÊNCIA O grande São Remígio, arcebispo de Rheims, mostrou-se, numa desgraça, modelo de heroica paciência. Ameaçava o país uma crise terrível, e a fome seria fatal. O santo, previdente, juntou para os seus pobres grande quantidade de trigo. Uns malfeitores invejosos correram a lançar fogo em todos os celeiros. O santo, mal teve disso notícia, montou a cavalo e sem demora se precipitou para ver se 293
continha ainda os criminosos e salvar o trigo dos pobrezinhos. Mas ai! era já tarde. As chamas se levantavam, devorando tudo. Que fazer? O homem de Deus parou o cavalo, contemplou uns instantes aquele espetáculo tão desolador, apeou e adiantou-se para o fogo. Era um dia de inverno. Começou a esfregar as mãos e foi aquecer-se tranquilamente ao calor das chamas. E, ao verem-no tão calmo, admiraram-se todos. – “Meus amigos – disse todo afável e sorridente o Arcebispo –, afinal de contas, sempre é o calor uma coisa muito boa!” Belo exemplo de paciência! Se caiu sobre nós uma desgraça irremediável, que fazer? Aproveitar o que tenha ela de bom. E... Paciência, abandono à Santíssima Vontade de Deus! É inútil perder a paz. “Há males que vêm para o bem”, diz o povo. E de grandes calamidades saíram grandes santos. Portanto, quando as chamas de todas as calamidades vierem devorar a pobre casinha de nossos sonhos, tenhamos paciência! Há de haver aí fogo de algum bem. E que esse nos aqueça o pobre coração!
27 DE DEZEMBRO A VIRTUDE DOS HERÓIS A paciência é uma virtude heroica. A Escritura diz que é melhor o homem paciente do que o guerreiro conquistador de cidades e que mais vale o homem paciente do que o forte. Os teólogos classificam as virtudes e as dividem em grupos caracterizados pelas virtudes cardeais. A paciência deveria estar no grupo das virtudes da Temperança. E não está. Foi classificada como Fortaleza e como parte desta virtude. De fato, o homem paciente é o verdadeiro forte. A paciência é uma virtude oculta, silenciosa, sem brilho. Há virtudes brilhantes e virtudes da obscuridade. Há virtudes que todos veem e admiram, aclamam, recompensam, e virtudes ignoradas como a violeta e que só se percebem pelo suave e divino perfume que exalam. As grandes virtudes, as que aparecem aos olhos humanos, são mais fáceis e atraentes. As virtudes ocultas, porém, são tão difíceis e pesadas! Sofrer sem que ninguém o saiba, ter um sorriso na adversidade, um olhar de doçura para o inimigo ou para quem nos maltrata e persegue, procurar, em tudo, o mais perfeito e com mais sacrifício. Oh! Meu Deus, só uma fonte inesgotável de 294
paciência! Também chamam a isso longanimidade. Realmente, só uma grande alma pode resistir e perseverar nessa luta. E eis porque a paciência é a virtude dos heróis!
28 DE DEZEMBRO TORMENTO DO INFINITO Um ser é feliz quando tem aquilo para que foi feita a sua natureza. Ora, o homem foi criado por Deus e para Deus. Logo, o que lhe falta aqui é e será sempre... Deus. Sim, queira ou não, creia ou não creia, pense n’Ele ou d’Ele se esqueça, o homem precisa de Deus para ser feliz. E, quanto mais nobre é uma alma, mais vasto o coração e mais bela a inteligência, mais se faz sentir e atormenta essa necessidade imperiosa do Infinito, do Eterno, do Amor e da Verdade. “As almas fracas e pouco elevadas – escreveu Lacordaire12 – acham na terra um elemento que basta à sua inteligência e sacia o seu amor. Não percebem elas o vácuo imenso das coisas visíveis, porque são incapazes de o sondar muito além. Porém, uma alma a quem Deus, na criação, fez mais aproximada do Infinito, sente, e bem depressa, o limite estreito que a encerra. Tem ela tristezas misteriosas, de que procura a causa e julga que um certo concurso de circunstâncias lhe perturba, talvez, a vida. Engana-se, porém. Essa perturbação vem de mais alto! É o tormento de Infinito, de que falava o poeta”.13 Compreendem os espíritos vulgares esse gênero de sofrimento? Os corações nobres não padecem só a imensa dor e a nostalgia penosa do Infinito. Um sofrimento ainda maior os atormenta: a incompreensão, a ignorância, a indiferença com que o mundo passa ao lado dessas dores secretas.
29 DE DEZEMBRO FECUNDIDADE DO SOFRIMENTO O sofrimento é fecundo. “O sofrimento – escreve a admirável Elizabete Leseur14 – o sofrimento atua de um modo impetuoso em nós, primeiro, por uma espécie 295
de renovamento íntimo, em outros também, talvez muito longe e sem que saibamos neste mundo o trabalho que fazemos por eles. O sofrimento é um ato. Cristo fez mais na cruz pela humanidade do que falando e trabalhando na Galileia ou em Jerusalém. O sofrimento faz a vida: ele transforma tudo o que toca e tudo o que atinge.” “O sofrimento é um ato.” Que fórmula impressionante! Convém guardá-la. Trabalha, quem sofre bem. Pode salvar almas como o apóstolo da palavra, como o sacerdote missionário mais ativo e ardente. A grande missionária dos últimos tempos, o Anjo do Carmelo de Lisieux, pôde dizer e experimentou o valor do sofrimento pela salvação das almas. – “Pelo sofrimento e a perseguição – disse ela15 – muito mais que por brilhantes pregações, Deus quer firmar o Seu Reino nas almas...” Nossos sacrifícios, nossos esforços e os mais obscuros de nossos atos não estão perdidos, é minha opinião absoluta: todos têm repercussão longínqua e profunda. Este pensamento não dá lugar ao desânimo e não permite a covardia. “Somos pobres jornaleiros da vida.” Assim concluiu Elizabete. Semeemos e Deus fará surgir a colheita. Semeemos o bem na dor e na alegria, no Tabor e no Calvário, no “Fiat” do Getsêmani e nos Aleluias da Ressurreição. Porém, é mais fecundo o bem semeado na dor, no sofrimento, enfim, porque o sofrimento é um ato.
30 DE DEZEMBRO REPARAÇÃO! Conheceis a palavra de Pascal, impressionante e profundamente verdadeira: “Jesus Cristo estará agonizante até o fim do mundo. Não se pode dormir durante esse tempo!”? “Dormir – comenta o Pe. Plus16 – como pensar em tal quando o Mestre está aí suspenso, a padecer, para muitos, infelizmente em vão?” – “Pois que – dizia Urias a Davi – o meu general Joab dorme numa tenda de campanha e eu havia de ir descansar num palácio! Não, não aceito este privilégio
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triste!” À vista do Crucificado perde-se a vontade de viver sem cruz. Os santos, com o Apóstolo das Gentes, sofrem todos a sublime loucura da cruz. Sofrem, porque não sofrem ainda mais. É a sede de Amor e essa sede só se pode satisfazer, aqui no exílio, de cruz, de sofrimento, e martírios. São Felipe Néri estava à morte, esgotado, sem forças. O médico mandou-lhe que tomasse um caldo. Trazendo-lhe, começa a tomá-lo. Para de repente e exclama: “Ah! meu Jesus! que diferença entre nós! Fostes cravado no duro madeiro da cruz e eu descanso num leito tão cômodo! Deram-vos a beber fel e vinagre e a mim enchem-me de carinhos. Em torno de Vós havia inimigos, que vos insultavam, e junto de mim só há amigos, que se esforçam por me consolar!” E o santo se pôs a chorar. Oh! Como Nosso Senhor Crucificado apaixona os santos! Saibamos sofrer em espírito de reparação pelos nossos pecados, e olhemos com mais fé, com mais amor, o nosso crucifixo!
31 DE DEZEMBRO “TE DEUM LAUDAMUS” Mais um ano que se passa. Mais um passo de gigante deu minha vida para a Eternidade! Fui feliz? Fui desgraçado? Só Vós, ó meu Deus, sabeis se tantas horas amargas, se tantos golpes que me dilaceraram o coração nestes 365 dias, foram para minha desgraça ou para minha felicidade! Quantos benefícios me concedeu a Vossa Misericórdia, Senhor! Eu Vos agradeço. E minhas dores e lágrimas, todas as chagas que os dias sombrios deste ano me abriram no coração, aceitai-os unidos ao mérito de Vossas Chagas da Cruz, em expiação de meus inumeráveis pecados. Senhor, Deus dos humildes, dos pobres, dos infelizes, dos que choram, tende misericórdia de meu pobre coração, tão louco e tão seduzido pelas belezas criadas, de meu coração que aspira a uma Felicidade, a uma Paz verdadeira e nunca pode encontrá-la fora de Vós, vivendo, entretanto, como louca mariposa, a debater-se e queimar as asas na falsa luz das belezas criadas. Senhor, dai-me um coração todo Vosso. Deus! Ó meu Deus, Solução de todos os problemas e meu Ideal! Ó Deus, povoai as solidões mais devastadas, consolai as dores mais pungentes, enchei os vácuos mais profundos, aquecei os corações 297
mais frios. Ó Vós, Senhor, que compreendeis todas as aspirações, protegeis todas as liberdades, respeitais todos os sentimentos, restaurais todas as ruínas e secundais todos os esforços. Senhor, acalmai as paixões, fortificai as vontades, sustentai os fracos, dilatai os corações. Dai-nos a paz! Deus da Misericórdia e da Verdade, meu Deus e meu Tudo! 1 - Sainte Catherine de Sienne. Lettre CC., c. XLII - trad. franc. 2 - lettres à des Jeunes gens. 3 - Soeur Benigne - c.v. 4 - Jaeguer - la Confiance. 5 - Opus cit. 6 - Sainte Margarite Marie - Ecrits divers - Tom. II. 7 - A reparação por nós mesmos - c. II. 8 - Une âme réparatrice - Simone. 9 - La perfecion en las enfermedades - c. X. p. 142. 10 - Herota “in Promptuario”. 11 - Eclesiástico 42,18. 12 - Lacordaire - letre à Mme. de Pravilles. 13 - Musset - “Malgré moi L’Infinit me tourment!” 14 - Jornal e pensamentos de cada dia. 15 - 6me. lettre à des Missionaires. 16 - Pe. Plus, S. J. A reparação por nós mesmos. - Livro II - c. 1.
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Index Folha de Rosto Ficha Catalográifca Apresentação Prefácio JANEIRO FEVEREIRO MARÇO ABRIL MAIO JUNHO JULHO AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO DEZEMBRO
2 3 4 6 9 33 55 80 103 129 153 177 203 229 254 276
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