NOBRE, Marcos. A Teoria Crítica

November 1, 2018 | Author: Macell Leitão | Category: Sociology, Frankfurt School, Market (Economics), Capitalism, Karl Marx
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A TEORIA CRITICA Marcos Nobre

FILOSOFIA

^ Z A H A R



P A S S 0 - A -P A S S 0

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Sumário

Introdução

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Teoria Crítica e Escola de F r a n k f u r t

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A idéia de u m a Teoria Crítica

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A Teoria Crítica s e g u n d o M a x H o r k h e i m e r

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Modelos de Teoria Crítica

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Breve n o t a final

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Seleção de textos

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Referências e fontes

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l eituras recomendadas

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Sobre o autor

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Introdução Quando se diz que alguém tem uma "teoria" sobre determinado tema ou assunto, pretende-se com isso, na maioria das vezes, dizer que esse alguém tem u m a hipótese ou u m conjunto de argumentos adequados para explicar ou compreender u m determinado fenômeno ou u m a determinada conexão de fenômenos. Nesse sentido, a "teoria", ao pretender explicar ou compreender u m a conexão de acontecimentos, tem como intuito mostrar "como as coisas são". Em se t ratando de u m a teoria científica, a explicação deve ser capaz também de prever eventos futuros, ou então de compreender os eventos n o m u n d o de tal maneira a produzir também prognósticos a partir das conexões significativas encontradas. E u m a teoria é confirmada ou refutada c o n f o r m e as previsões e os p r o g n ó s t i c o s se m o s t r e m corretos o u incorretos. Esse sentido de teoria se contrapõe habitualmente à "prática". Em u m primeiro sentido dessa contraposição, como o que se pode encontrar, p o r exemplo, n o dizer corrente "a teoria na prática é outra" e em outras expressões semelhantes, a prática seria u m a aplicação da teoria e mostraria que há u m a distância entre dizer "como as coisas

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são" e utilizar essa elaboração p a r a m a n i p u l a r objetos e eventos n o m u n d o . Além de indicar que essa distância t e m de ser s u p e r a d a para que se possa "colocar e m prática" a teoria. E m u m o u t r o sentido, entretanto, a "teoria" se contrapõe à "prática" segundo a idéia de que há u m a diferença qualitativa entre "como as coisas são" e " c o m o as coisas deveriam ser". Neste segundo sentido, a prática n ã o é aplicação da teoria, mas u m c o n j u n t o de ideais que orientam a ação, de princípios segundo os quais se deve agir para m o l d a r a própria vida e o m u n d o . Na tradição de pensam e n t o d o idealismo alemão, p o r exemplo, inaugurada p o r I m m a n u e l Kant (1724-1804), esse segundo sentido de "prática" é o mais elevado, aquele que é objeto da "filosofia prática", que abrange disciplinas c o m o a moral, a ética, a política e o direito. Nesse sentido, entretanto, a distância e a diferença entre "o que é" e "o que deve ser", entre a teoria e a prática, n ã o deve ser superada (o verbo "dever" já indicando aqui que se trata de u m a prescrição prática), sob p e n a de se destruir seja a teoria, seja a própria prática. Teoria e prática t ê m lógicas diferentes, e que n ã o devem se confundir. E m outras palavras, se fazemos teoria p a r a d e m o n s t r a r c o m o as coisas devem ser, não conseguimos mostrar c o m o de fato são; se dizemos que as coisas devem ser c o m o de fato são, eliminam o s a possibilidade de que possam ser o u t r a coisa que n ã o o que são. C o m isso, estabelece-se u m fosso entre a teoria e a prática que não pode ser transposto senão ao preço de eliminar do horizonte da reflexão a lógica própria de u m a

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das duas dimensões f u n d a m e n t a i s da vida h u m a n a : o "conhecer" e o "agir". Nesse contexto, que significado p o d e ter a expressão "Teoria Crítica"? Se se trata de teoria, de "como as coisas são", c o m o seria possível criticar esse estado de coisas n o contexto da própria teoria? A crítica, nesse caso, não seria exatamente atributo da prática, da perspectiva de "como as coisas deveriam ser"? E incluir a crítica na teoria não signilicaria, portanto, abdicar da tarefa de apresentar "as coisas c o m o são", não significaria a b a n d o n a r o conhecer em prol tio agir simplesmente? E agir sem conhecer não irá resultar e m u m a ação cega, que não leva em conta "como as coisas são"? A Teoria Crítica e n f r e n t o u esses questionamentos p o r meio de u m a crítica à distinção entre teoria e prática assim formulada. E isso sem abdicar seja da idéia de conhecer "as coisas c o m o são", seja de agir segundo " c o m o as coisas deveriam ser". A Teoria Crítica não se bate n e m por u m a ação cega (sem levar em conta o conhecimento) nem p o r u m conhecimento vazio (que ignora que as coisas p o d e r i a m ser de o u t r o m o d o ) , mas questiona o sentido de "teoria" e de "prática" e a própria distinção entre esses dois m o m e n tos. Caberá à idéia m e s m a de "crítica" o papel de realizar essa tarefa. Há certamente muitos sentidos de "crítica", na própria 11 adição da Teoria Crítica. Mas o sentido f u n d a m e n t a l é o tle que não é possível mostrar "como as coisas são" senão a partir da perspectiva de "como deveriam ser": "crítica" • ignifica, antes de mais nada, dizer o que é e m vista do que

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ainda n ã o é m a s pode ser. Note-se, p o r t a n t o , q u e n ã o se trata de u m p o n t o de vista utópico, n o sentido de irrealizável o u inalcançável, m a s de enxergar n o m u n d o real as suas potencialidades melhores, de c o m p r e e n d e r o que é t e n d o e m vista o m e l h o r que ele traz e m b u t i d o e m si. Nesse primeiro sentido, o p o n t o de vista crítico é aquele que vê o que existe da perspectiva do novo que ainda n ã o nasceu, mas que se encontra e m germe n o p r ó p r i o existente. Note-se, ainda, q u e n ã o se trata t a m p o u c o de abdicar de conhecer, de dizer " c o m o as coisas são", n e m de abdicar da tarefa teórica de produzir prognósticos. Ocorre que, do p o n t o de vista crítico, aquele que separa rigidamente "como as coisas são" de "como devem ser" só consegue dizer c o m o elas são parcialmente,

p o r q u e não é capaz de ver que "as

coisas c o m o devem ser" é t a m b é m u m a parte de c o m o as coisas são; p o r q u e não consegue enxergar na realidade presente aqueles elementos q u e impedem a realização plena de todas as suas potencialidades. Eis o segundo sentido f u n d a mental da crítica: u m p o n t o de vista capaz de apontar e analisar os obstáculos a serem superados p a r a q u e as p o tencialidades m e l h o r e s presentes n o existente p o s s a m se realizar. D o p o n t o de vista crítico, portanto, a análise do existente a partir da realização d o novo — que se insinua n o existente, mas ainda não é — p e r m i t e a apresentação de " c o m o as coisas são" e n q u a n t o obstáculos à realização das suas potencialidades melhores: apresenta o existente d o p o n t o de vista das o p o r t u n i d a d e s de emancipação

relativa-

m e n t e à d o m i n a ç ã o vigente. A tarefa primeira da Teoria

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(Crítica é, p o r t a n t o , a de apresentar "as coisas c o m o são" sob .1 forma de tendências presentes n o desenvolvimento histói ico. E o delineamento de tais tendências só se t o r n a possível i partir da p r ó p r i a perspectiva da emancipação, da realizad o de u m a sociedade livre e justa, de m o d o que "tendência" significa, então, apresentar, a cada vez, e m cada m o m e n t o histórico, os arranjos concretos t a n t o dos potenciais e m a n t ipatórios q u a n t o dos obstáculos à emancipação. Vê-se já que a Teoria Crítica tem s e m p r e c o m o u m a de suas mais i m p o r t a n t e s tarefas a p r o d u ç ã o de u m determiinido diagnóstico d o t e m p o presente, baseado e m tendências r st inturais d o m o d e l o de organização social vigente, b e m i oino em situações históricas concretas, e m que se m o s t r a m tanto as o p o r t u n i d a d e s e potencialidades para a emanciparão q u a n t o os obstáculos reais a ela. C o m isso, tem-se u m diagnóstico d o t e m p o presente que permite então, t a m b é m , produção de prognósticos sobre o r u m o d o desenvolvimento histórico. Esses prognósticos, p o r sua vez, a p o n t a m não apenas para a natureza dos obstáculos a serem superados e »eu provável desenvolvimento n o t e m p o , mas para ações • a pazes de superá-los. Sendo assim, a teoria crítica n ã o p o d e se c o n f i r m a r scnflo na prática t r a n s f o r m a d o r a das relações sociais vigentes. As ações a serem e m p r e e n d i d a s p a r a a superação títm obstáculos à emancipação constituem-se em u m m o liiriilo ila p r ó p r i a teoria. Nesse sentido, o curso histórico ; i" ,u on tecimentos — c o m o resultado das ações e m p r e e n dlilris l o n t r a a e s t r u t u r a de d o m i n a ç ã o vigente — dá a nif dul,i para a c o n f i r m a ç ã o o u refutação dos prognósticos

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da teoria, Note-se, entretanto, que a prática n ã o significa aqui u m a m e r a aplicação da teoria, m a s envolve

embates

e conflitos que se costuma caracterizar c o m o "políticos" o u "sociais". A prática é u m m o m e n t o da teoria, e os resultados das ações e m p r e e n d i d a s a partir de prognósticos teóricos t o r n a m - s e , p o r sua vez, u m n o v o material a ser elaborado pela teoria, que é, assim, t a m b é m u m m o m e n t o necessário da prática. O esquema apresentado até aqui, com as idéias de crítica, emancipação, tendências, diagnóstico d o t e m p o e prognósticos, com sua relação tão peculiar entre teoria e prática, é o esquema que será r e t o m a d o em cada m o m e n t o desta exposição a partir de agora. De m o d o que, apesar de ainda m u i t o abstrata, essa primeira caracterização da Teoria Crítica deverá servir já p a r a delimitar melhor o objeto deste livro: a "idéia" de Teoria Crítica. Mas essa idéia vem ligada a u m a determinada tradição de pensamento, a u m c a m p o teórico que congrega diferentes autores, razão pela qual é necessário começar p o r u m a apresentação histórica dessa tradição intelectual.

Teoria Crítica e Escola de Frankfurt A Teoria Crítica. Essa expressão, tal c o m o é conhecida hoje, surgiu pela primeira vez c o m o conceito e m u m texto de M a x H o r k h e i m e r (1895-1973) de n o m e "Teoria Tradicional e Teoria Crítica", de 1937. Esse texto foi publicado na Zeitschrift für Sozialforschung

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[Revista de Pesquisa Social], que

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foi editada de 1932 até 1942 pelo p r ó p r i o Horkheimer. Essa revista era a publicação oficial d o Institut f ü r Sozialforschung [Instituto de Pesquisa Social], f u n d a d o em 1923 n a cidade alemã de F r a n k f u r t a m Main, e que foi presidido pelo mesmo H o r k h e i m e r de 1930 a 1958. A explicação sobre a origem da expressão "Teoria Crílica" já traz consigo u m a grande q u a n t i d a d e de dados e elementos a serem analisados. Vê-se, p o r exemplo, que a I eoria Crítica está ligada a u m Instituto, a u m a revista, a u m pensador que estava n o centro de a m b o s (Horkheimer) e a u m período histórico m a r c a d o pelo nazismo (1933-45), pelo stalinismo (1924-53) e pela Segunda Guerra Mundial (1939-45). A partir de agora, esses elementos históricos decisivos aparecerão neste livro à m e d i d a que for necessário i aracterizar a Teoria Crítica em cada u m dos seus momentos. O Instituto de Pesquisa Social nasceu da iniciativa d o economista e cientista social Felix Weil (1898-1975), apoiado decisivamente pelo t a m b é m economista Friedrich Poliock (1894-1970) e p o r Horkheimer. A doação inicial que permitiu a criação d o Instituto veio d o pai de Weil, u m rico cerealista estabelecido na Argentina n o final d o século XIX. Nao obstante isso, o objetivo principal d o Instituto era o de promover, e m â m b i t o universitário, investigações científii as a partir da obra de K a r l M a r x (1818-1883). Vê-se já que ti I co ria Crítica, desde o início, tem p o r referência o m a r • usino e seu m é t o d o — o m o d e l o da "crítica da economia política" (é justamente esse o subtítulo da o b r a máxima de Marx, O

Capital).

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Nesse contexto, é preciso lembrar que o marxismo, à exceção da então União Soviética, era então marginalizado na universidade e m todo o m u n d o , c o n t a n d o apenas com alguns poucos professores. Por isso, o projeto de Weil, Pollock e Horkheimer, então bastante jovens, teria de contar, para ser aprovado, t a n t o com u m a negociação com o Ministério da Educação alemão q u a n t o com u m acordo com a Universidade de Frankfurt ( f u n d a d a em 1914), de m o d o a assegurar que o diretor d o Instituto tivesse t a m b é m u m a cadeira c o m o professor. Além disso, era necessário encontrar u m n o m e já estabelecido n a esfera universitária para dirigir o Instituto. O primeiro indicado foi o economista e sociólogo Kurt Albert Gerlach (1886-1922), que entretanto faleceu antes que fosse expedida a autorização oficial para o f u n c i o n a m e n t o do Instituto. A partir de 1924, a direção coube ao historiador Carl G r ü n b e r g (1861-1940). Ele já editava a i m p o r t a n t e publicação Archiv für die Geschichte des Sozialismus und derArbeiterbewegung

[Arquivo para a história d o

socialismo e d o m o v i m e n t o operário], que se t o r n o u então a publicação oficial do Instituto. Assim, a história do socialismo e o m o v i m e n t o operário passaram a ser o objeto principal de pesquisa d o p r ó p r i o Instituto, que se t o r n o u rapidamente u m dos mais i m p o r t a n t e s arquivos para pesquisa sobre esses temas. 1

E m 1928, G r ü n b e r g ficou impossibilitado de prosse-

guir em suas funções de professor e de diretor d o Instituto devido a u m acidente vascular cerebral. Depois de gestões e negociações c o m relação aos dois postos, H o r k h e i m e r pas-

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sou a acumular essas duas funções, a p a r t i r de 1930. C o m i sso, u m a nova etapa da vida d o Instituto se i n i c i o u — a q u e la que irá dizer respeito mais p r o p r i a m e n t e à Teoria Crítica. H o r k h e i m e r traçou t o d o u m novo p r o g r a m a de invesligação e de f u n c i o n a m e n t o do Instituto. Lançou as bases ile u m trabalho coletivo interdisciplinar, u m a grande inovação para a época. Tratava-se de dar u m sentido positivo .10 a p r o f u n d a m e n t o da especialização n o âmbito das ciêni ias h u m a n a s , e m que disciplinas c o m o a economia, o direito, a ciência política e a psicologia ganhavam cada vez mais a u t o n o m i a e independência. Isto foi feito de m o d o a, de u m lado, valorizar a especialização em seus aspectos positivos, e, de outro, garantir u m a certa unidade para os resultados das pesquisas em cada u m desses r a m o s do conhecimento. E essa unidade era dada justamente pela refelência à o b r a de Marx, razão pela qual essa experiência inovadora ficou conhecida c o m o "materialismo interdisciplinar". Esse foi, portanto, o primeiro sentido da Teoria < Irítica tal c o m o teorizada p o r H o r k h e i m e r nesse período: I >rsquisadores de diferentes especialidades trabalhando e m regime interdisciplinar e t e n d o c o m o referência c o m u m a li.idição marxista. E, para espelhar a p r o d u ç ã o dessas pes• 111 isas, H o r k h e i m e r f u n d o u u m a nova publicação, a já m e n • tonada Zeitschrift für

Sozialforschung.

Para q u e se tenha u m a idéia da a m p l i t u d e desse projeto, hasta citar alguns dos n o m e s envolvidos: e m economia, íilcm de Friedrich Pollock, Henryk G r o s s m a n n (1881-1950) r A rkadij G u r l a n d (1904-1979); em ciência política e direito, I i.mz N e u m a n n (1900-1954) e O t t o Kirchheimer (1905-

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1965); n a crítica da cultura, T h e o d o r W. A d o r n o (19031969) — que viria posteriormente a ser o grande parceiro de H o r k h e i m e r na p r o d u ç ã o e m filosofia — , Leo Lõwenthal (1900-1993) e, alguns anos mais tarde, Walter Benjamin (1892-1940); e m filosofia, além de Horkheimer, t a m b é m H e r b e r t Marcuse (1898-1978); e e m psicologia e psicanálise, Erich F r o m m (1900-1980). A Escola de Frankfurt. A simples m e n ç ã o dos n o m e s citados anteriomente — alguns b e m mais conhecidos d o que outros — já p o d e provocar a pergunta: mas esse c o n j u n t o de autores não é o que se costuma agrupar sob o n o m e de Escola de Frankfurt? De fato, foi (e ainda é em alguns círculos) m u i t o c o m u m referir-se a esse coletivo c o m o Escola de Frankfurt. Mas h á u m a série de problemas nessa d e n o m i nação. E m p r i m e i r o lugar, a idéia de "escola" passa a impressão de que se trata de u m c o n j u n t o de autores q u e partilhav a m integralmente u m a d o u t r i n a c o m u m , o que n ã o é o caso. Ter a obra de M a r x c o m o referência, c o m o horizonte c o m u m , não significa partilhar dos m e s m o s diagnósticos e das m e s m a s opiniões. Pelo contrário, o desenvolvimento da Teoria Crítica mostra que havia acirradas divergências entre os colaboradores d o Instituto, n ã o só p o r q u e a própria o b r a de M a r x se presta a interpretações divergentes, mas t a m b é m pelo fato de que as maneiras de se utilizar de M a r x para c o m p r e e n d e r o t e m p o presente são diversas. Em segundo lugar, h á o problema de saber quais autores devem ser incluídos o u excluídos desse conjunto. Tamb é m n ã o há critério que t e n h a se d e m o n s t r a d o eficaz, já que

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há grande divergência de diagnósticos entre os colaboradores mencionados, para não falar daqueles que não f o r a m aqui lembrados. Se for t o m a d a a colaboração na Revista d o Instituto c o m o critério, tem-se já o problema, p o r exemplo, de incluir nessa classificação autores que não têm c o m o horizonte de seus trabalhos a obra de Marx. Talvez o critério mais razoável fosse o d o p e r t e n c i m e n t o ao Instituto. Mas, m! esse critério p o d e ser aplicável nos primeiros anos da década de 1930, ele se t o r n a posteriormente de difícil verih< ação, já que as sucessivas m u d a n ç a s de sede do Instituto durante o exílio imposto pelo nazismo alteram bastante a sua composição, o que t a m b é m ocorreu n o período posteI ior a 1950, q u a n d o o Instituto volta a f u n c i o n a r e m solo .demão. Sendo assim, o que significa então essa poderosa eti«jiu la "Escola de F r a n k f u r t " e qual sua relação com a Teoria « i ilica? Para c o m p r e e n d e r isso, é necessário retomar a hisloi i-i tio Instituto e a experiência histórica d o nazismo. A iiles de mais nada, é preciso lembrar que, ao lançar as bases ii>« materialismo interdisciplinar, e m seu discurso de posse Mit direção do Instituto, em 1931, H o r k h e i m e r já tinha diante de si a vertiginosa ascensão d o m o v i m e n t o nazista. Nesse c ontexto, é desnecessário lembrar os riscos que corria um Instituto declaradamente marxista e composto em sua II in.i. maioria p o r pesquisadores de origem judaica. E o (piihii

diante da real possibilidade da t o m a d a do poder p o r

Adull 11ítler fez c o m que o Instituto inaugurasse, naquele mu «mo ano, u m escritório em Genebra, na Suíça, e transfeiÍMf o sen capital para a Holanda. Desse modo, q u a n d o

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Hitler torna-se chanceler do governo alemão, e m janeiro de 1933, o Instituto transfere sua sede administrativa quase que imediatamente p a r a Genebra e a b a n d o n a as instalações e m Frankfurt. De fato, H o r k h e i m e r acabou exonerado de suas f u n ções na Universidade já e m abril de 1933 e as instalações do Instituto em Frankfurt f o r a m depredadas pelos nazistas. A editora alemã da revista i n f o r m o u H o r k h e i m e r de que n ã o poderia mais publicá-la. Assim começou o longo exílio do Instituto e de seus pesquisadores, que iria d u r a r até 1950, q u a n d o de sua reinauguração em Frankfurt. C o m a solidariedade de intelectuais franceses e ingleses, o Instituto abre p e q u e n o s escritórios em Londres e e m Paris e passa a editar a revista na capital francesa. Em busca de u m a nova sede para o Instituto, H o r k h e i m e r recebe u m a oferta m u i t o favorável da Universidade de Columbia, e m Nova York, o que permite, já em 1934, a transferência das instalações. Até o início da Segunda Guerra Mundial, e m 1939, grande parte dos colaboradores do Instituto emigra para os Estados Unidos. C o m a t o m a d a de Paris pelo exército nazista, e m 1940, mais u m a vez a edição da revista é interrompida, sendo retomada apenas em 1942, em Nova York, com a publicação dos seus dois últimos n ú m e r o s , sob o título em inglês de Studies in Philosophy and Social Science [Estudos de filosofia e ciência social]. Nesse contexto, é preciso enfatizar que a etiqueta "Escola de F r a n k f u r t " surgirá apenas na década de 1950, após o r e t o r n o do Instituto à Alemanha. Trata-se, portanto, de u m a d e n o m i n a ç ã o retrospectiva, quer dizer, que n ã o tinha

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sido utilizada até então e c o m a qual se reconstruiu em u m determinado sentido a experiência anterior. Essa característica d o rótulo "Escola de F r a n k f u r t " tem muitas implicações. Em p r i m e i r o lugar, significa q u e o sentido da expressão "Escola de F r a n k f u r t " será em grande parte m o l d a d o por alguns dos pensadores ligados à experiência da Teoria Crítica, e m particular aqueles que r e t o r n a r a m à Alemanha após o final da Segunda Guerra Mundial, já que muitos permaneceram nos países e m que e n c o n t r a r a m abrigo da perseguição nazista. Além disso, terão mais influência na moldagem d o rótulo "Escola de F r a n k f u r t " aqueles intelectuais que tiveram posições de direção n o pós-guerra, tanto no Instituto c o m o na Universidade. Nesse sentido, H o r k h e i mer é a figura central desse movimento, já que não apenas permanece na direção d o Instituto e m sua reinauguração cm Frankfurt c o m o torna-se reitor da Universidade. A seu lado, c o m o í n t i m o colaborador, está T h e o d o r W. Adorno, i|ue o sucedeu n a direção do Instituto e m 1958. Em segundo lugar, o rótulo "Escola de Frankfurt" teve um i m p o r t a n t e papel para fortalecer e amplificar as intervenções (principalmente de A d o r n o e de Horkheimer) n o debate público alemão das décadas de 1950 e 1960. Era premente e indispensável u m a discussão sobre as causas e os efeitos da experiência n a z i s t a — c o m todas as consequêni ias para a República Federal Alemã q u e surgia — e u m debate sobre a natureza d o então c h a m a d o "bloco soviético" (ao qual pertencia u m a parte da A l e m a n h a dividida após a guerra, a República Democrática Alemã). Além disso, havia que se tentar compreender a f o r m a d o capitalismo sob o

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a r r a n j o social que se convencionou chamar de "Estado de bem-estar social", as novas f o r m a s de p r o d u ç ã o industrial da cultura e da arte, a natureza das novas f o r m a s de controle social e dos novos métodos quantitativos de pesquisa social, o papel da ciência e da técnica, além d o trabalho e m t o r n o de temas clássicos da filosofia e da teoria social. Esses são alguns dos principais temas do que se conv e n c i o n o u chamar de "Escola de Frankfurt". C o m o será explicado adiante, este livro não trata e m detalhe desses temas, mas concentra-se e m apresentar a idéia de u m a Teoria Crítica. Seja c o m o for, pode-se já concluir que Escola de F r a n k f u r t designa antes de mais nada u m a f o r m a de intervenção político-intelectual (mas n ã o partidária) n o debate público alemão d o pós-guerra, tanto n o âmbito acadêmico c o m o n o da esfera pública entendida mais a m plamente. E u m a f o r m a de intervenção de grande i m p o r tância e conseqüências, n ã o apenas para o debate público e acadêmico alemão. Compreende-se, portanto, por que os n o m e s de H o r k h e i m e r e A d o r n o são sempre lembrados c o m o pertencentes à Escola, ao passo que os demais c o m p o n e n t e s variam muito. Nesse sentido, a riqueza da experiência da Teoria Crítica até a década de 1950 permitiu que se lançasse m ã o de temas e desenvolvimentos teóricos os mais diversos, p o r vezes até m e s m o conflitantes entre si, ao m e s m o t e m p o e m que se afirmava perfazerem u m a unidade doutrinária. C o m isso, interesses teóricos muitas vezes divergentes p u d e r a m encontrar ressonância e m pelo m e n o s u m dos autores da Escola e afirmar, assim, sua referência a u m suposto "núcleo

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teórico comum", legitimando, com isso, sua pretensão de pertença à Escola. Esse tipo de p r o c e d i m e n t o levou muitas vezes a que, p a r t i n d o de u m a d e t e r m i n a d a obra de determinado autor, fossem atribuídos aos outros "componentes" da Escola aquela m e s m a posição teórica. Da m e s m a forma, objeções dirigidas a u m único " c o m p o n e n t e " afetavam o c o n j u n t o da Escola. Aqui parece residir justamente o p o d e r d o rótulo "Escola de Frankfurt": sua força está exatamente em que inexiste a unidade, ao m e s m o t e m p o e m que a unidade é afirmada com t o d o vigor a cada vez. N ã o há mais sentido, entretanto, e m prosseguir r e a f i r m a n d o u m a unidade d o u trinária inexistente. É por isso que retomar a expressão original "Teoria Crítica" significa, entre outras coisas, demarcar u m c a m p o teórico que valoriza e estimula a pluralidade de modelos críticos em seu interior. Nesse sentido, a líscola de F r a n k f u r t diz respeito a u m d e t e r m i n a d o m o m e n to e a u m a determinada constelação da Teoria Crítica. A liscola de F r a n k f u r t c o m o d e n o m i n a ç ã o político-intelectual já c u m p r i u — e com louvor — seu papel histórico. Cabe hoje levar adiante o projeto crítico sob novas formas.

A idéia de uma Teoria Crítica Pelo exposto até aqui, Teoria Crítica designa pelo m e n o s três coisas: u m c a m p o teórico, u m g r u p o específico de intelectuais filiados a esse c a m p o teórico e inicialmente reunidos cm t o r n o de u m a instituição d e t e r m i n a d a (o Instituto de

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Pesquisa Social) e a Escola de Frankfurt. C o m o já justificado há pouco, o interesse deste livro concentra-se nos dois primeiros sentidos de Teoria Crítica. O que significa, entretanto, falar em u m c a m p o teórico determinado? Para que isso seja possível, é necessário apresentar os critérios a partir dos quais é possível demarcar as fronteiras desse campo, quer dizer, o espaço teórico dentro d o qual aqueles pesquisadores que a ele se filiam desenvolvem suas investigações. Nos escritos de H o r k h e i m e r da década de 1930, o c a m p o da Teoria Crítica t e m c o m o critério de demarcação f u n d a m e n tal o seguinte: p r o d u z Teoria Crítica t o d o aquele que desenvolve seu trabalho teórico a partir da obra de Marx. Seguem-se daí pelo m e n o s duas características da Teoria Crítica. Em primeiro lugar, ela designa u m c a m p o que já existia previamente à sua conceituação pelo p r ó p r i o Horkheimer, isto é, o c a m p o d o marxismo. Nesse primeiro sentido, H o r k h e i m e r pretende ter conceitualizado os elem e n t o s teóricos f u n d a m e n t a i s que distinguem o c a m p o d o m a r x i s m o de outras concepções teóricas. É o que se pode chamar de Teoria Crítica em sentido amplo. E m segundo lugar, H o r k h e i m e r dá a sua versão desses elementos teóricos fundamentais, quer dizer, apresenta tanto a sua interpretação específica d o p e n s a m e n t o de M a r x c o m o p r o c u r a utilizar-se desses parâmetros interpretativos p a r a analisar o m o m e n t o histórico e m que se encontra. Dito de o u t r a maneira, H o r k h e i m e r apresenta a sua conceituação da Teoria Crítica. E o que se p o d e c h a m a r de Teoria Crítica em sentido restrito.

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Assim, cada interpretação dos princípios orientadores do c a m p o da Teoria Crítica e cada tentativa de se utilizar deles para a compreensão d o m o m e n t o presente a partir dos escritos de H o r k h e i m e r da década de 1930 constitui-se em Teoria Crítica em sentido restrito. Esse sentido aparecerá t a m b é m neste livro na apresentação de modelos de Teoria Crítica que têm essa conceituação de H o r k h e i m e r c o m o referência central. E, c o m o já indicado na " I n t r o d u ção", t o d o m o d e l o crítico traz consigo u m d e t e r m i n a d o diagnóstico do t e m p o presente e u m c o n j u n t o de prognósticos de possíveis d e s e n v o l v i m e n t o s , b a s e a d o s e m tendências discerníveis e m cada m o m e n t o

histórico

determinado. C o m o se pode ver, é característica f u n d a m e n t a l da Teoria Crítica (tanto em sentido a m p l o c o m o em sentido restrito) ser p e r m a n e n t e m e n t e renovada e exercitada, n ã o p o d e n d o ser fixada e m u m c o n j u n t o de teses imutáveis. O i|ue significa dizer, igualmente, que t o m a r a obra de M a r x c o m o referência primeira da investigação não significa tomá-la c o m o u m a doutrina acabada, m a s c o m o u m conjunto de problemas e de perguntas que cabe atualizar a cada vez, segundo cada constelação histórica específica. Nesse sentido, p a r a finalizar esta seção, serão esquematicamente apresentadas algumas das formulações de M a r x que são fundamentais para a conceituação de u m a Teoria Crítica, e cm seguida os princípios f u n d a m e n t a i s que demarcam o i iimpo da Teoria Crítica em sentido amplo, com base t a n t o nos textos de M a r x quanto nos escritos de H o r k h e i m e r da década de 1930.

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Na seção seguinte, será apresentado o m o d e l o crítico inaugural construído p o r H o r k h e i m e r nesse período, com especial ênfase n o já m e n c i o n a d o artigo "Teoria Tradicional e Teoria Crítica". Ainda que as formulações de H o r k h e i m e r nesse texto devam m u i t o aos trabalhos do pensador m a r xista Georg Lukács (1885-1971), autor do livro seminal História e consciência de classe (1923), essa i m p o r t a n t e referência n ã o será explorada aqui, buscando-se somente ressaltar o vínculo dos conceitos elaborados por H o r k h e i m e r com os elementos apresentados da o b r a de Marx. Nesse p o n t o surge o sentido preciso em que será utilizada p r o p r i a m e n t e a expressão "Teoria Crítica" neste livro: t o d o m o d e l o crítico construído a partir do modelo apresentado p o r H o r k h e i m e r e m seu texto de 1937. Nesse sentido, se a obra de M a r x é a referência f u n d a m e n t a l para a f o r m u lação d o m o d e l o de 1937, m u i t o s dos modelos críticos f o r m u l a d o s posteriormente — seja p o r outros autores, seja pelo p r ó p r i o H o r k h e i m e r — terão por referência f u n d a mental n ã o a obra de M a r x diretamente, mas os escritos de H o r k h e i m e r da década de 1930. Na seção subsequente, serão apresentados os elementos mais gerais de alguns desses modelos de Teoria Crítica que têm c o m o referência f u n d a m e n t a l o m o d e l o desenvolvido p o r H o r k h e i m e r n a década de 1930. Isso não significa — é sempre b o m reafirmar — que o c a m p o mais geral da Teoria Crítica se reduza a eles, mas sim que eles se constit u e m naqueles modelos críticos mais conhecidos n o interior da Teoria Crítica em sentido restrito — aqueles que têm c o m o referência f u n d a m e n t a l os escritos de H o r k h e i m e r da

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década de 1930. Seguem-se a essa seção algumas breves i onsiderações finais. A matriz da Teoria Crítica: a análise do capitalismo por Karl Marx. O capitalismo é u m a f o r m a histórica que se caractei iza por organizar toda a vida social em t o r n o do mercado, lím contraste com todas as f o r m a s históricas anteriores, o 11 icrcado capitalista não é simplesmente u m elemento social entre m u i t o s outros, m a s é o centro p a r a o qual convergem todas as atividades de p r o d u ç ã o e de r e p r o d u ç ã o da sociedade. Por isso, a tarefa primordial da Teoria Crítica desde sua primeira formulação na obra de M a r x é a de compreender ti natureza d o mercado capitalista. C o m p r e e n d e r c o m o se estrutura o mercado e de que maneira o c o n j u n t o da sociedade se organiza a partir dessa estrutura significa, simultaneamente, compreender c o m o se distribui o poder político e a riqueza, qual a f o r m a do Estado, que papéis desempenham a família e a religião, e muitas outras coisas mais. Diferentemente de todas as f o r m a s históricas anteriores, n o capitalismo t o d o e qualquer artefato é u m p r o d u t o para ser trocado. É a lógica da troca que determina o comportamento dos agentes no mercado, e n ã o quaisquer ou11 as motivações c o m o valores, crenças religiosas ou determinações culturais. Não se pretende com isso dizer que não haja valores e crenças, mas sim que, n o mercado, eles devem se subordinar à lógica da troca mercantil. A fim de compreendê-la, é preciso começar a análise por sua unidade elementar, a mercadoria. Dizer que o m e r -

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cado é o centro em t o r n o d o qual se organiza o c o n j u n t o da sociedade capitalista significa então dizer que, potencialmente, t o d o e qualquer b e m deve ter u m d e t e r m i n a d o valor, quer dizer, que t o d o b e m deve poder ser apreciável, deve p o d e r assumir a f o r m a de u m a mercadoria. Foi assim por exemplo que, pela primeira vez na história, o trabalho h u m a n o t o r n o u - s e u m a mercadoria. Mas, nesse caso, o que é que se vende e m troca de u m salário? M a r x diz que não é o trabalho e n q u a n t o tal que é vendido mas a força de trabalho,

isto é, as capacidades físicas e

mentais do h o m e m de utilizar i n s t r u m e n t o s e m á q u i n a s para produzir mercadorias. Isso significa, entretanto, que a força de trabalho estava separada dos i n s t r u m e n t o s de trabalho que lhe p e r m i t i a m produzir bens; essa separação estrutural é u m a característica da f o r m a histórica do capitalismo. Para compreender essa separação histórica do h o m e m de seus i n s t r u m e n t o s de trabalho, é necessário inicialmente lembrar o vertiginoso desenvolvimento tecnológico que a c o m p a n h a o capitalismo. A capacidade de controle dos f e n ô m e n o s naturais, os a u m e n t o s de produtividade d o trabalho, o desenvolvimento da infraestrutura de transportes e de comunicações são sempre crescentes sob o capitalismo. Isso significa, entretanto, que os i n s t r u m e n t o s de trabalho t o r n a m - s e t a m b é m cada vez mais sofisticados e complexos, o que exige, p o r sua vez, quantidades cada vez maiores de capital para se adquirirem as m á q u i n a s e equipamentos adequados a u m mercado competitivo.

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Em sua origem, esse vertiginoso e contínuo progresso lécnico só foi possível p o r q u e a riqueza da sociedade estava acumulada nas m ã o s de alguns poucos que, ao empregarem essa riqueza n a aquisição de equipamentos e m á q u i n a s recém-inventados, fizeram dela capital, t o r n a n d o - s e eles próprios capitalistas.

De o u t r o lado, a partir do final d o

século XV t e m início na Inglaterra o longo e decisivo p r o cesso d o "cercamento" — a expressão sistemática de camponeses de suas terras. Essa massa populacional viu-se então obrigada a migrar para as cidades, onde, p o r sua vez, encon11 aram a novidade das grandes indústrias, com sua p r o d u ção em larga escala e suas máquinas. Despojada da terra e de seus i n s t r u m e n t o s de trabalho, só restava a essa imensa massa de despossuídos vender o único b e m reconhecido pelo mercado de que ainda dispunha: a sua capacidade de operar as novas m á q u i n a s e os novos equipamentos, e m outras palavras, a sua força de trabalho. Ao vendê-la, esses grandes contingentes t o r n a r a m - s e proletários. N ã o se trata mais, portanto, da família c a m p o nesa que d i s p u n h a dos meios para produzir a sua própria miIisistência, mas de trabalhadores u r b a n o s que vendem sua força de trabalho em troca de u m salário. E, ao utilizarem o salário recebido na c o m p r a de mercadorias para sua própria sobrevivência, os proletários criam t a m b é m o mercado inIri no para o p r ó p r i o capital industrial. C o m isso, analisa Marx, a sociedade capitalista dividese estruturalmente em duas classes, assim caracterizadas pela posição que o c u p a m p o r cada u m a delas n o processo produtivo: capitalistas são aqueles que d e t ê m os meios de

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produção e que os p õ e m e m f u n c i o n a m e n t o com a força de trabalho que compram-, e proletários são aqueles que vendem sua força de trabalho ao capitalista em troca de u m salário. Além de sua f u n ç ã o de troca, o mercado funciona t a m b é m c o m o u m m e c a n i s m o de aprofundamento

das de-

sigualdades, pois, segundo as análises de M a r x d o funcionam e n t o da economia capitalista, a distribuição de bens seg u n d o a divisão em classes tende a produzir u m polo de intensa acumulação de riqueza e u m o u t r o polo de crescente pobreza. N ã o é dessa maneira, entretanto, que o mercado surge na sociedade capitalista. Ele aparece c o m o u m a instituição neutra, cuja lógica da troca de mercadorias de valores iguais não favorece n e m desfavorece n i n g u é m em particular, mas f u n c i o n a segundo regras que valem para todos, independ e n t e m e n t e de sua posição social, política e econômica. O mercado capitalista aparece c o m o aquele m o m e n t o da vida social em que a troca de mercadorias de igual valor segundo regras que valem para todos é t a m b é m p o r isso u m a troca justa. Nesse sentido, ele p r o m e t e ser a instituição que garante e p r o m o v e os ideais da sociedade capitalista: a liberdade e a igualdade para todos. Marx, em acordo com a c h a m a d a economia política clássica inglesa — essencialmente A d a m Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823) — afirma que, n o mercado, as mercadorias são de fato vendidas pelo seu valor. Mas diz t a m b é m que o mercado, em lugar de p r o m o v e r a igualdade e a liberdade que promete, p e r p e t u a e a p r o f u n d a desigualdades que estão na origem d o p r ó p r i o capitalismo, acirran-

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do as diferenças de p o d e r e de riqueza entre capitalistas e proletários. M a r x m o s t r a que há u m a diferença entre o salário que o proletário recebe pela utilização de sua força de trabalho pelo capitalista (que corresponde ao valor de mercado da força de trabalho) e o valor que a força de trabalho é capaz de produzir (que se agrega à mercadoria produzida). Essa diferença entre o que a força de trabalho "vale n o mercado" e o valor maior que ela é capaz de produzir (chamada p o r M a r x de "mais-valia") é apropriada privadamente pelo capitalista sob a f o r m a d o lucro. E, para Marx, enquanto houver lucro, não é possível realizar a liberdade e ,i igualdade prometidas pelo capitalismo. É certo que esse m e c a n i s m o p e r m a n e n t e e cotidiano da promessa da liberdade e da igualdade sob relações sociais Capitalistas é real e efetivo, m o l d a n d o de fato a consciência l.into de capitalistas c o m o de proletários. Mas o reconhecimento dessa ilusão real produzida pelo sistema não deve nbscurecer o fato de que, apesar disso, a promessa de igualdade e de liberdade está t a m b é m de algum m o d o inscrita Hessa f o r m a de organização social. E n ã o é apenas isso, o i .ipitalismo é a primeira formação histórica que desenvolve de maneira tão vertiginosa a técnica e a p r o d u ç ã o que t o r n a de fato possível a realização da liberdade e da igualdade, l i n d a que sua efetiva realização dependa, para Marx, da destruição dessa f o r m a histórica de p r o d u ç ã o . E as análises de Marx c o n d u z e m ao prognóstico de q u e o capitalismo tende a essa destruição, tanto p o r sua p r ó p r i a lógica interna m > ntraditória — M a r x conclui que, c o m o tempo, a taxa de Itiu o tende a cair estruturalmente, o q u e viria a provocar o

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colapso da lógica de f u n c i o n a m e n t o d o sistema — c o m o pela ação consciente d o proletariado contra o poder d o capital. Nesse sentido, a destruição d o capitalismo e a instauração de u m a sociedade de livres e iguais é u m a tendência real presente n o p r ó p r i o sistema. Para Marx, p o r t a n t o , a liberdade e a igualdade só poderão ser realizadas c o m a abolição do capital. Mas é i m p o r tante notar que é o p r ó p r i o capitalismo que simultaneam e n t e p r o m e t e u m a sociedade livre e igual e, n o seu funcion a m e n t o concreto, r o u b a a cada vez a possibilidade dessa realização. Dito de o u t r a maneira, a realização da liberdade e da igualdade depende de u m a revolução que venha a abolir o capital e sua f o r m a social. Essa revolução é obra d o proletariado organizado c o m o classe, vale dizer, d o proletariado consciente de que a realização da liberdade e da igualdade depende da abolição d o p r ó p r i o capital. Essa

emancipação

do proletariado em relação à d o m i n a ç ã o capitalista, entretanto, encontra obstáculos concretos. A conscientização do proletariado c o m o classe é u m processo q u e tem de superar t a n t o as ilusões reais produzidas pelo capitalismo c o m o a repressão dos movimentos emancipatórios pelo poder político, econômico e social do capital. Os princípios fundamentais

da Teoria Crítica. Dessa sucinta

recapitulação de alguns elementos da análise d o capitalismo feita p o r M a r x já é possível enunciar os princípios f u n d a mentais que distinguem a Teoria Crítica (em sentido anv pio) de outras correntes de pensamento, demarcando, assim,

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0 seu campo. O esforço analítico de M a r x está f u n d a m e n talmente na perspectiva da superação da d o m i n a ç ã o capitalista e a n c o r a d o na realização da liberdade e da igualdade, que, sob o capitalismo, p e r m a n e c e m apenas aparentemente 1 cais. Trata-se, portanto, para Marx, de destruir essa aparênc ia por meio da efetiva realização da liberdade e da igualdade. Nesse sentido, essa perspectiva de emancipação não é um ideal, m e r a m e n t e imaginado pelo teórico, mas u m a possibilidade real, inscrita na própria lógica social do capitalismo. Mas, se é assim, t a m b é m a realização dessa possibilidade concreta da emancipação, da construção de u m a iociedade de mulheres e h o m e n s livres e iguais, não é obra dn teoria que a descortina, mas da prática t r a n s f o r m a d o r a que a t o r n a real. Assim, a Teoria Crítica só se confirma n a Imítica t r a n s f o r m a d o r a das relações sociais vigentes. Isso n ã o significa, entretanto, que haja u m a b a n d o n o da leoria e m prol da prática. É certo que a Teoria Crítica, em sua formulação original em Marx, está dirigida para e pela pi.itica t r a n s f o r m a d o r a . Mas isso não quer dizer que seja nu nos i m p o r t a n t e a análise das estruturas sociais reais e m (JUC estão inscritos t a n t o os potenciais de emancipação quanto os obstáculos concretos à sua efetivação. Pelo cont tá lio, o delineamento de tendências d o desenvolvimento histórico ganha u m a extraordinária importância: tanto com (fliH'U> ao diagnóstico do t e m p o presente a partir da lógica do i apitai — lógica que é estruturante d o c o n j u n t o da st ti iedade capitalista — c o m o com relação aos prognósticos •jui podem ser derivados a partir desse diagnóstico. É com h i e n a s tendências estruturais da lógica social do capitalis-

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m o e n o exame dos arranjos históricos concretos em que essa lógica se expressa — com base n o diagnóstico do p r e s e n t e , p o r t a n t o — q u e se d e s e n h a m as p e r s p e c t i v a s d o sentido do desenvolvimento histórico — os prognósticos, em s u m a — que o r i e n t a m o sentido das ações transform a d o r a s p o r empreender. Sendo assim, a teoria é tão i m p o r t a n t e p a r a o c a m p o crítico que o seu sentido se altera p o r inteiro: n ã o cabe a ela limitar-se a dizer c o m o as coisas funcionam,

mas sim anali-

sar o f u n c i o n a m e n t o concreto delas à luz de u m a pação ao m e s m o t e m p o concretamente

emanci-

possível e bloqueada

pelas relações sociais vigentes. C o m isso, é a própria perspectiva da emancipação que t o r n a possível a teoria, pois é ela q u e abre pela primeira vez o c a m i n h o para a efetiva compreensão das relações sociais. Sem a perspectiva da emancipação, permanece-se n o âmbito das ilusões reais criadas pela própria lógica interna da organização social capitalista. Dito de o u t r a maneira, é a orientação para a emancipação

o que permite compreender a sociedade e m

seu conjunto, que permite pela primeira vez a constituição de u m a teoria em sentido enfático. A orientação para a emancipação é o primeiro princípio f u n d a m e n t a l da Teoria Crítica. Se, portanto, a orientação para a emancipação está na base da teoria, c o m o o que confere sentido ao trabalho teórico, a teoria não p o d e se limitar a descrever o m u n d o social, mas tem de examiná-lo sob a perspectiva da distância que separa o que existe das possibilidades melhores nele embutidas e não realizadas, vale dizer, à luz da carência d o

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que é frente ao melhor que p o d e ser. Nesse sentido, a orientação para a emancipação exige que a teoria seja expressão de u m comportamento

crítico relativamente ao conhecimen-

to p r o d u z i d o sob condições sociais capitalistas e à própria realidade social que esse conhecimento pretende apreender. Esse c o m p o r t a m e n t o crítico é o segundo princípio

funda-

mental da Teoria Crítica. C o m o n o caso d o primeiro princípio, t a m b é m o comp o r t a m e n t o crítico com relação ao conhecimento e à realidade social não é algo que o teórico i n t r o d u z "de fora", mas sim u m princípio inscrito n o real. Pois esse c o m p o r t a m e n t o é exatamente aquele que caracteriza a posição social do proletariado n o processo de p r o d u ç ã o social, vale dizer, a sua posição de classe. Esse p o n t o de vista permite identificar as tendências estruturais do desenvolvimento histórico e seus arranjos concretos da perspectiva das potencialidades

e

dos obstáculos à emancipação. Esses dois princípios f u n d a m e n t a i s da Teoria Crítica herdados de Marx, ao m e s m o t e m p o e m q u e caracterizam o c a m p o crítico, t a m b é m d e m a r c a m negativamente esse campo, já que excluem tanto aqueles teóricos que constroem modelos abstratos de sociedades perfeitas (e que nessa vertente intelectual são c h a m a d o s de utópicos o u 110 rmativistas) c o m o aqueles que p r e t e n d e m reduzir a tarela da teoria a u m a descrição neutra d o f u n c i o n a m e n t o da iociedade (chamados de positivistas). Os dois princípios mostram a possibilidade de a sociedade emancipada estar inscrita na f o r m a atual de organização social c o m o u m a tendência real de desenvolvimento, c a b e n d o à teoria o exa-

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m e do existente não para descrevê-lo simplesmente, mas para identificar e analisar a cada vez os obstáculos e as potencialidades de emancipação presentes e m cada m o m e n t o histórico.

A Teoria Crítica segundo Max Horkheimer Pelo que foi apresentado até aqui, u m a análise de "Teoria Tradicional e Teoria Crítica" tem de mostrar de que maneira esse texto de H o r k h e i m e r interpreta e f o r m u l a os dois princípios f u n d a m e n t a i s da Teoria Crítica e c o m o se utiliza deles para fornecer u m diagnóstico d o t e m p o presente. Sendo assim, há que examinar c o m o H o r k h e i m e r f o r m u l a nesse texto o princípio do comportamento

crítico relativamente ao

conhecimento p r o d u z i d o sob condições sociais capitalistas e à própria realidade social que esse conhecimento pretende apreender com base n o princípio da orientação para a emancipação que caracteriza mais a m p l a m e n t e a perspectiva crítica. Nesse sentido, o c o n h e c i m e n t o crítico opõe-se a t o d o c o n h e c i m e n t o que não tiver sido p r o d u z i d o a partir desses dois princípios f u n d a m e n t a i s . Mas, c o m o se verá, não se trata simplesmente de rejeitar o c o n h e c i m e n t o que n ã o dispõe da perspectiva da emancipação e m sua produção; ao contrário, trata-se, para a perspectiva crítica, de m o s t r a r p r i m e i r a m e n t e p o r que ele é parcial, p a r a então buscar integrá-lo, sob nova f o r m a , ao c o n j u n t o do conhecimento crítico. E, c o m o e s t a m p a d o n o p r ó p r i o título d o artigo,

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esse c o n h e c i m e n t o p r o d u z i d o sob condições sociais capitalistas é d e n o m i n a d o p o r H o r k h e i m e r "Teoria Tradicional". A concepção tradicional de teoria. A concepção m o d e r n a de i iência e de teoria científica estabeleceu-se c o m o u m conjunto de princípios abstratos a partir dos quais se t o r n a possível f o r m u l a r leis que explicam a conexão necessária dos f e n ô m e n o s naturais segundo relações de causa e efeito. () cientista procura aplicar os princípios e leis a f e n ô m e n o s particulares, f o r m u l a n d o hipóteses que se constituem e m previsões sobre o que tem necessariamente de ocorrer a partir de determinadas condições iniciais. A ocorrência d o lenômeno previsto pela teoria significa a confirmação da previsão e, nesse sentido, a confirmação de u m a própria teoria. Caso contrário, passa a ser necessário rever as condições do experimento de verificação, ou algum aspecto da própria teoria. Entendida assim, a teoria científica coloca c o m o tarefa 11 n icamente o estabelecimento de vínculos necessários entre os fenômenos naturais a partir de leis e princípios mais gerais. C o m isso, o cientista é aquele q u e observa os fenômenos e estabelece conexões objetivas entre eles, quer dizer, conexões que se dão na natureza i n d e p e n d e n t e m e n t e de qualquer intervenção de sua parte. Para tanto, tem de absi i .1 ir das qualidades concretas dos objetos e d o sentido que possam ter n o contexto das relações sociais, para considelá los u n i c a m e n t e c o m o elementos de u m a cadeia causai necessária. Essas são as características mais gerais do que

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H o r k h e i m e r d e n o m i n a concepção tradicional

de teoria, a

Teoria Tradicional. O que acontece, entretanto, q u a n d o esse m o d e l o de ciência é transposto p a r a o estudo d o h o m e m e m sociedade, p a r a as hoje d e n o m i n a d a s "ciências h u m a n a s " ? C o m o é possível, nesse caso, m e r a m e n t e observar os f e n ô m e n o s e estabelecer conexões causais objetivas entre eles, q u a n d o o objeto e m questão (as relações sociais) é u m p r o d u t o da ação h u m a n a ? Além disso, o que significa então u m " f e n ô m e n o " social? P o d e - s e t r a t á - l o c o m o se fosse u m e v e n t o da natureza? Para que seja possível essa transposição do modelo tradicional de teoria das ciências naturais para as ciências h u m a n a s , torna-se necessário antes de mais n a d a separar o cientista social do agente social que ele t a m b é m é, o u seja, diferenciar o observador de relações sociais d o m e m b r o de u m a sociedade concreta. Para tanto, é preciso distinguir rigidamente a observação da sociedade de u m a avaliação da observação feita, o u seja, é necessário separar, de u m lado, a descrição de c o m o funciona a sociedade, e de outro, os valores próprios a cada cientista c o m o agente social. Dito de outra maneira, se, n o caso d o estudo da sociedade h u m a n a , o sujeito (o cientista) é t a m b é m simultaneam e n t e o objeto da investigação (como agente social), o u seja, se a sociedade é resultado da ação h u m a n a de que participa aquele que pretende entendê-la, é preciso separar essas duas facetas d o m e s m o indivíduo de m o d o que n ã o se c o n f u n d a m o u misturem. Para isso, é necessário estabelecer u m método científico (à maneira das ciências naturais) que

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impeça que o cientista social, consciente o u inconscientemente, dirija a investigação dos f e n ô m e n o s sociais para u m a mera confirmação de seus valores pessoais. Em outras palavras, esse m é t o d o científico tem de separar rigidamente o que é d o d o m í n i o do conhecimento

e

0 que pertence ao d o m í n i o da ação. Dessa perspectiva tradicional de teoria, n ã o cabe ao cientista qualquer valoração do objeto estudado, mas tão somente a sua classificação e explicação segundo os parâmetros neutros do método. Na concepção tradicional, portanto, a teoria não p o d e em n e n h u m caso ter por objetivo a ação, não pode ter u m objetivo prático n o m u n d o , mas tão somente apresentar a conexão dos f e n ô m e n o s sociais tais c o m o se apresentam a um observador isolado da prática. D o contrário, o observador deixa de ser u m cientista e passa a ser u m agente social 1 orno qualquer outro, i m b u í d o de u m a determinada coni epção de m u n d o , de u m d e t e r m i n a d o c o n j u n t o de valores cm n o m e dos quais age. A partir de tais critérios, a concepção tradicional de teoria t a m b é m estabelece u m a especialização da atividade do cientista social análoga àquela d o cientista da natureza. Sendo possível circunscrever u m r a m o de investigação da sociedade a p a r t a d o de toda e qualquer valoração de seu objeto (ou seja, sendo possível circunscrever u m c a m p o de investigação que se estabeleça i n d e p e n d e n t e m e n t e de t o d a > qualquer concepção de m u n d o particular), tem-se u m a di-.iiplina científica. Foi assim que surgiram disciplinas 11' Mtíficas c o m o a sociologia, a antropologia social e a ciên• l,i política, sendo q u e esses parâmetros vieram t a m b é m a

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reorientar disciplinas já existentes, c o m o a história, a psicologia e o direito, p o r exemplo. A concepção tradicional de teoria estimulou o s u r g i m e n t o de disciplinas particulares e u m a crescente especialização n o â m b i t o de cada disciplina em particular. A atitude crítica. Segundo Horkheimer, a perspectiva tradicional de teoria, p r e t e n d e n d o simplesmente explicar o f u n c i o n a m e n t o da sociedade, termina p o r adaptar o pensam e n t o à realidade. Em n o m e de u m a pretensa neutralidade da descrição, a Teoria Tradicional resigna-se à f o r m a histórica presente da dominação. E m u m a sociedade dividida e m classes, a concepção tradicional acaba p o r justificar essa divisão c o m o necessária. Mas, pelo que foi visto até agora, seriam essas críticas aceitáveis? Afinal, não é necessário resguardar a ciência da confusão c o m concepções de valor? N ã o é necessário separar "conhecer" e "agir" c o m o dimensões radicalmente distintas, se há intenção de alcançar o autêntico conhecimento científico da realidade? O p r o b l e m a está, diz Horkheimer, e m q u e o conhecim e n t o da realidade social é u m m o m e n t o da ação social — assim c o m o esta é u m m o m e n t o daquele. Não se trata de negar que conhecer e agir sejam distintos, mas de reconhecer que têm de ser considerados c o n j u n t a m e n t e . Se a realidade social é o resultado da ação h u m a n a , esta se dá, p o r sua vez, n o contexto de estruturas históricas determinadas, de u m a dada f o r m a de organização social. Desse m o d o , o p r i m e i r o passo é o de investigar essas estruturas, de maneira

A Teoria Crítica

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H descobrir quais são as condições históricas em que se dá a ação. Ao fixar a separação entre conhecer e agir, entre teoria r prática, segundo u m m é t o d o estabelecido a partir de I '.i râmetros da ciência natural m o d e r n a , a teoria tradicional rs pulsa d o seu c a m p o de reflexão as condicionantes histói h ,is do seu p r ó p r i o método. Se t o d o conhecimento p r o d u /H lo é, entretanto, historicamente d e t e r m i n a d o (mutável no tempo, p o r t a n t o ) , não é possível ignorar essas condicionantes senão ao preço de permanecer na superfície dos fenômenos, sem ser capaz, portanto, de conhecer p o r inteiro suas if.us conexões na realidade social. E m outras palavras, na i ouccpção tradicional de teoria, o m é t o d o é t r a n s f o r m a d o ialética do Esclarecimento,

u m a investigação sobre a razão

h u m a n a de a m p l o espectro. Seu objetivo foi o de buscar compreender p o r que a racionalidade das relações sociais humanas, ao invés de levar à instauração de u m a sociedade de mulheres e h o m e n s livres e iguais, acabou p o r produzir um sistema social q u e bloqueou estruturalmente qualquer possibilidade emancipatória e t r a n s f o r m o u os indivíduos em engrenagens de u m mecanismo que n ã o c o m p r e e n d e m e não d o m i n a m e ao qual se s u b m e t e m e se adaptam, impotentes. Esse problema mais geral se t r a d u z na tarefa de compreender c o m o a razão h u m a n a acabou p o r restringir-

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se historicamente à sua f u n ç ã o instrumental, cuja f o r m a social concreta é a do m u n d o administrado. Traduzido nos t e r m o s d o artigo "Teoria Tradicional e Teoria Crítica", seria c o m o dizer que a f o r m a de p e n s a m e n t o ilusória e parcial própria da Teoria Tradicional é n ã o apenas d o m i n a n t e , m a s t a m b é m a única f o r m a possível de racionalidade sob o capitalismo administrado. Sendo assim, a racionalidade c o m o u m t o d o reduz-se a u m a f u n ç ã o de adaptação à realidade, à p r o d u ç ã o do c o n f o r m i s m o diante da d o m i n a ç ã o vigente. Essa sujeição ao m u n d o tal qual aparece n ã o é mais, portanto, u m a ilusão real que p o d e ser superada pelo c o m p o r t a m e n t o crítico e pela ação transform a d o r a . Ela é u m a sujeição sem alternativa, p o r q u e a racionalidade própria da Teoria Crítica n ã o encontra mais ancor a m e n t o concreto na realidade social d o capitalismo administrado, u m a vez que n ã o são mais discerníveis as tendências reais da emancipação. A d o m i n a ç ã o total e completa da racionalidade instrumental sobre o c o n j u n t o da sociedade capitalista resulta então n o m e n c i o n a d o bloqueio estrutural da prática. Mas, se é assim, t a m b é m o p r ó p r i o exercício crítico encontra-se e m u m a aporia: se a razão instrumental é a f o r m a única de racionalidade no capitalismo administrado, b l o q u e a n d o qualquer possibilidade real de emancipação, e m n o m e de que é possível criticar a racionalidade instrumental? H o r k h e i m e r e A d o r n o a s s u m e m conscientemente essa aporia, dizendo que ela é, n o capitalismo administrado, a condição de u m a crítica cuja possibilidade se t o r n o u extremamente precária.

A Teoria Crítica

O modelo comunicativo

de Jürgen Habermas.

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O p o n t o de

partida da formulação de H a b e r m a s da Teoria Crítica será justamente a situação da teoria tal c o m o descrita na Dialética do Esclarecimento.

H a b e r m a s pretende criticar o diag-

nóstico desse livro de H o r k h e i m e r e A d o r n o e, para isso, retoma, sob m u i t o s aspectos, o m o d e l o crítico presente e m "Teoria Tradicional e Teoria Crítica". Para Habermas, apoiar conscientemente a possibilidade da crítica em u m a aporia (como fizeram H o r k h e i m e r e Adorno) significa colocar e m risco o p r ó p r i o projeto crítico. Pois tal aporia fragiliza tanto a possibilidade de u m c o m p o r t a m e n t o crítico relativamente ao conhecimento q u a n t o a orientação para a emancipação. É evidente, entretanto, que H o r k h e i m e r e A d o r n o chegaram a tal posição teórica levados pela exigência m e s m a da Teoria Crítica de analisar o m o m e n t o histórico sem retoques n e m concessões, o u seja, pela exigência de p r o d u z i r u m diagnóstico d o m o m e n t o presente capaz de apresentar com rigor as tendências estruturais do capitalismo administrado. Sendo assim, de m o d o a se c o n t r a p o r a essa posição aporética de H o r k h e i m e r e Adorno, H a b e r m a s p r o p ô s u m diagnóstico do m o m e n t o presente divergente daquele apresentado na Dialética do Esclarecimento. N e m p o r isso, entretanto, deixam de existir algumas convergências importantes entre os dois diagnósticos. Partindo da constatação de que o capitalismo passou a ser regulado pelo Estado, H a b e r m a s concluiu que as duas tendências f u n d a m e n t a i s para a e m a n cipação presentes na teoria marxista — a d o colapso interno, em razão da q u e d a tendencial da taxa de lucro, e aquela

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da organização d o proletariado contra a d o m i n a ç ã o d o capital — t i n h a m sido neutralizadas. E m b o a medida, esses elementos estão presentes t a m b é m n o diagnóstico f o r m u l a d o p o r H o r k h e i m e r e A d o r n o em seu livro. A diferença está, entretanto, em que H a b e r m a s n ã o conclui daí que as o p o r t u n i d a d e s para a emancipação t e n h a m sido estruturalmente bloqueadas, mas sim que é necessário repensar o p r ó p r i o sentido de emancipação da sociedade tal c o m o originalmente f o r m u l a d o p o r M a r x e t a m b é m p o r H o r k h e i m e r e m "Teoria Tradicional e Teoria Crítica". Nesse sentido trata-se, para Habermas, de constatar que, p a r a enfrentar as tarefas clássicas da própria Teoria Crítica, é preciso hoje ampliar seus temas e encontrar u m novo paradigma explicativo. Pois, se os p a r â m e t r o s originais da Teoria Crítica levaram a que, na Dialética do Esclarecimento, fosse posta em risco a própria possibilidade da crítica e da emancipação, são esses parâmetros m e s m o s que têm de ser revistos, sob pena de se perder exatamente o essencial dessa tradição de pensamento. Para Habermas, portanto, são as próprias formulações originais de M a r x que têm de ser abandonadas. Isso n ã o p o r q u e H a b e r m a s pretenda abrir m ã o da crítica, mas porque, para ele, os conceitos originais da Teoria Crítica não são mais suficientemente críticos frente à realidade atual. A Dialética do Esclarecimento

tinha p o r objeto princi-

pal de investigação a razão h u m a n a e as f o r m a s sociais da racionalidade, concluindo dessa investigação que a razão instrumental consistia na f o r m a estruturante e única da

A Teoria Crítica

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racionalidade social n o capitalismo administrado. Isso resultava em u m a situação aporética d o c o m p o r t a m e n t o crítico e em u m bloqueio estrutural da prática transformadora. Sendo assim, para se contrapor a esse diagnóstico de Horkheimer e A d o r n o , H a b e r m a s f o r m u l o u u m novo conceito de

racionalidade. Para ele, a racionalidade instrumental identificada p o r

H o r k h e i m e r e A d o r n o c o m o a única d o m i n a n t e e, por isso, objeto p o r excelência da crítica não deve ser demonizada, mas é preciso, diferentemente, i m p o r - l h e freios. Para tanto, H a b e r m a s irá f o r m u l a r u m a teoria da racionalidade de dupla face, em que a instrumental convive com u m outro tipo de racionalidade que ele d e n o m i n a "comunicativa". Essa teoria é f o r m u l a d a em termos de u m a teoria da ação, que H a b e r m a s apresentou de maneira mais detalhada em seu livro Theorie des Kommunikativen

Handelns

(Teoria da

ação comunicativa, sem tradução para o português), de 1981. (Uma primeira formulação das teses que viriam a ser defendidas nesse livro encontra-se n o artigo "Técnica e ciência c o m o 'ideologia'", de 1968.) Assim, ao contrário de H o r k h e i m e r e Adorno, que apresentam u m a teoria d o desenvolvimento da racionalidade h u m a n a que culmina em u m prevalecimento da razão instrumental c o m o f o r m a única da racionalidade, Habermas pretende m o s t r a r que a evolução histórico-social das formas de racionalidade leva a u m a progressiva diferenciação da razão h u m a n a em dois tipos de racionalidade — a instrumental

ea

comunicativa.

A ação instrumental é aquela orientada para o êxito, em que o agente calcula os melhores meios p a r a atingir fins

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determinados previamente. Esse tipo de ação é aquele que caracteriza p a r a H a b e r m a s o trabalho — aquelas ações dirigidas à d o m i n a ç ã o da natureza e à organização da sociedade que visam à p r o d u ç ã o das condições materiais da vida e que p e r m i t e m a coordenação das ações, isto é, possibilitam a reprodução material da sociedade. E m contraste com esse tipo de racionalidade, surge aquela própria da ação de tipo comunicativo, quer dizer, orientada para o entendimento

e n ã o para a manipulação de

objetos e pessoas n o m u n d o e m vista da reprodução material da vida ( c o m o é o caso da racionalidade instrumental). A ação orientada para o e n t e n d i m e n t o é aquela que permite, p o r sua vez, a r e p r o d u ç ã o simbólica da sociedade. Segundo Habermas, a f o r m a social p r ó p r i a d o capitalismo c o n t e m p o r â n e o é aquela em que a orientação da ação para o e n t e n d i m e n t o encontra-se presente n o p r ó p r i o processo de f o r m a ç ã o da identidade de cada indivíduo, nas próprias instituições e m que ele é socializado e nos processos de aprendizado e de constituição da personalidade. A racionalidade comunicativa encontra-se assim, p a r a Habermas, efetivamente inscrita n a realidade das relações sociais contemporâneas. Sendo u m tipo de orientação da ação efetivamente presente na realidade das relações sociais, a orientação para o e n t e n d i m e n t o só é possível, entretanto, p o r q u e projeta condições ideais em que n ã o haveria qualquer obstáculo à plena comunicação entre os interlocutores. Nesse sentido, diz Habermas, tais condições ideais são, p o r paradoxal que

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possa parecer, condições de comunicações reais n o m u n d o . Para eles, se n ã o fosse assim, n ã o seria sequer possível falar em u m a ação orientada para o entendimento, em u m a ação comunicativa. A ação comunicativa se caracteriza p o r pressupor a cada vez u m a série de condições como: que n ã o haja assimetrias de poder, dinheiro o u posição social entre os sujeilos que p r e t e n d e m se entender, que os sujeitos só se deixem convencer pelo m e l h o r argumento; o u que não haja distúrbios psicológicos que atrapalhem a comunicação. Salta aos olhos, entretanto, que condições c o m o essas jamais se cumprem n o m u n d o real das relações sociais, e m que as assimetrias e dissimetrias entre os sujeitos são a regra e não a exceção. Mas esse é justamente o a r g u m e n t o de Habermas: ao orientar sua ação para o entendimento, os sujeitos antecipam necessariamente

tais condições ideais, pois sem elas

não seria possível u m a ação comunicativa; simultaneamenIe, entretanto, tais condições necessárias n ã o são cumpridas, o que permite, p o r sua vez, que sejam detectadas todas as distorções da comunicação — aqueles obstáculos que impedem a cada vez a p l e n a realização de u m a ação c o m u n i c a tiva. Para que a comunicação possa se dar, essas condições ideais têm de ser antecipadas e m situações reais de ação, o que significa que essa antecipação encontra-se inscrita na vida social concreta. C o m isso, H a b e r m a s p o d e simultaneamente fornecer u m a solução para o a n c o r a m e n t o real da emancipação na configuração social atual e estabelecer u m

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p a r â m e t r o crítico para avaliar t a n t o o conhecimento produzido q u a n t o situações sociais concretas, já que o potencial comunicativo

inscrito na vida social jamais se realiza plena-

mente. C o m H a b e r m a s , surge a idéia de u m a racionalidade dúplice, e m que a racionalidade instrumental e a comunicativa se m o s t r a m ambas não apenas necessárias à p r o d u ç ã o e reprodução da vida em sociedade, c o m o t a m b é m complementares.

F u n d a m e n t a l para H a b e r m a s é q u e cada u m a

dessas racionalidades n ã o extrapole seus d o m í n i o s próprios. Q u a n d o isso acontece, temos o que ele d e n o m i n a patologia social. T a m b é m aqui, a teoria comporta-se

critica-

mente em relação à realidade social, na m e d i d a e m que é capaz de detectar essas patologias e dispõe de parâmetros críticos para a p o n t a r a ação concreta a ser empreendida para eliminá-las. É grande a distância, entretanto, a separar essas f o r m u lações de H a b e r m a s da enunciação original dos princípios f u n d a m e n t a i s da Teoria Crítica tal c o m o realizada por Marx. Entre outras, u m a das conseqüências mais imediatas dessa reformulação dos parâmetros críticos p o r H a b e r m a s é a de que "emancipação" deixa de ser s i n ô n i m o de "revolução", de abolição das relações sociais capitalistas pela ação consciente do proletariado c o m o classe. O que terá como contrapartida, p o r exemplo, u m a valorização dos potenciais emancipatórios presentes nos mecanismos de participação próprios d o Estado democrático de direito, que é o principal objeto de investigação dos trabalhos de H a b e r m a s a partir da década de 1990.

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Breve nota final Este volume de introdução terá sido já bem-sucedido se t i ver sido capaz de estimular a leitura dos vários autores aqui mencionados. Nesse sentido, terá atingido seu objetivo se essa nota final significar u m começo: o da tentativa de decifrar nos vários autores da Teoria Crítica os modelos que propõem. Dessa perspectiva, a idéia de u m a escola (como a Escola de Frankfurt) parece redutora diante de u m a experiência m u i t o mais interessante e rica, q u e é a da pluralidade de modelos n o c a m p o da Teoria Crítica, t a n t o em seu sentido amplo c o m o n o sentido restrito daqueles que têm por referência as formulações de H o r k h e i m e r em seus esi ritos da década de 1930. Mas esta n o t a final é t a m b é m u m começo no sentido de que a tradição intelectual da Teoria Crítica não se contenta em analisar contribuições de seu p r ó p r i o c a m p o à maneira de u m a classificação de fósseis. Cada exame de cada modelo crítico vem carregado t a m b é m de novos problemas ç perguntas, exatamente n o espírito de p e r m a n e n t e renovad o e atualização que caracteriza essa teoria: Será que os princípios f u n d a m e n t a i s da Teoria Crítica tais c o m o formulados originalmente p o r M a r x são, ainda hoje, suficientes para demarcar o c a m p o crítico? Se ainda o (Ao, será que o sentido da orientação p a r a a emancipação e ilo c o m p o r t a m e n t o crítico diante do c o n h e c i m e n t o e da realidade social deve permanecer o m e s m o , o u devemos tilribuir novos sentidos a esses princípios? Nesse caso, qual ler ia o seu novo c o n t e ú d o e que c a m p o teórico ele d e m a r -

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caria? Se a posição n o interior d o c a m p o for a da Teoria Crítica e m sentido restrito, será que a conceituação elaborada p o r H o r k h e i m e r n a década de 1930 ainda deve permanecer a referência central? Tentar responder a essas perguntas e problemas é levar a Teoria Crítica adiante, e n ã o simplesmente encontrar para ela u m lugar a n ó d i n o n o arquivo m o r t o da história do pensamento.

Seleção de textos

Para os sujeitos do comportamento crítico, o caráter discrepante cindido do todo social, em sua figura atual, passa a ser contradição consciente. Ao reconhecer o m o d o de economia vigente e o todo cultural nele baseado como produto do trabalho h u m a n o , e como a organização de que a humanidade foi capaz e que impôs a si mesma na época atual, aqueles sujeitos se identificam, eles mesmos, com esse todo c o compreendem como vontade e razão: ele é o seu próprio mundo. Por outro lado, descobrem que a sociedade é comparável com processos naturais extra-humanos, meros mecanismos, porque as formas culturais baseadas em luta e opressão não é a prova de u m a vontade autoconsciente e unitária. Em outras palavras: este m u n d o não é o deles, mas sim o m u n d o do capital. Aliás a história não pôde até agora ser compreendida a rigor, pois compreensíveis são apenas os indivíduos e grupos isolados, e mesmo esta compreensão não se dá de u m a f o r m a exaustiva, u m a vez que eles, por força da dependência interna de uma sociedade desumana, são ainda funções meramente mecânicas, inclusive na ação consciente. Aquela identificação é portanto contraditória, pois encerra em si u m a contradição que caracteriza todos os conceitos da maneira de pensar crítica. Assim as categorias econômicas tais como trabalho, valor e produtividade

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são para ela exatamente o que são nesta ordem [social], e qualquer outra interpretação não passa de mau idealismo. Por outro lado, aceitar isso simplesmente aparece como uma inverdade torpe: o reconhecimento crítico das categorias dominantes na vida social contém ao mesmo tempo a sua condenação. O caráter dialético desta autoconcepção do homem contemporâneo condiciona em última instância também a obscuridade da crítica kantiana da razão. A razão não pode tornar-se, ela mesma, transparente enquanto os homens agem como membros de um organismo irracional. Como uma unidade naturalmente crescente e decadente, o organismo não é para a sociedade uma espécie de modelo, mas sim uma forma apática do ser, da qual tem que se emancipar. Um comportamento que esteja orientado para essa emancipação, que tenha por meta a transformação do todo, pode servir-se sem dúvida do trabalho teórico, tal como ocorre dentro da ordem desta realidade existente. Contudo ele dispensa o caráter pragmático que advém do pensamento tradicional como u m trabalho profissional socialmente útil. Max Horkheimer, "Teoria Tradicional e Teoria Crítica" Contradições Uma moral como sistema, com princípios e conclusões, uma lógica férrea e a possibilidade de uma aplicação segura a todo dilema moral — eis aí o que se pede aos filósofos. Em geral, eles responderam a essa expectativa. Mesmo quando não estabeleceram nenhum sistema prático ou uma casuís-

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tica elaborada, eles conseguiram deduzir d o sistema teórico a obediência à autoridade. Na maioria das vezes, voltaram a fundamentar, valendo-se dos recursos da lógica, da intuii ção e da evidência, t o d a a escala dos valores tal como já a sancionara a prática pública. " H o n r a i os deuses com a religião legada por vossos ancestrais", diz Epicuro e o próprio Hegel secundou-o. Q u e m hesita a se pronunciar nesse sentido será solicitado ainda mais energicamente a fornecer um princípio universal. Se o p e n s a m e n t o não se limita a ratificar os preceitos vigentes, ele deverá se apresentar de maneira ainda mais segura de si, mais universal, mais autoritária, do que q u a n d o se limita a justificar o que já está em vigor. Será que você considera injusto o poder dominante? Q u e m sabe você quer que impere o caos e n ã o o poder? Você está criticando a uniformização da vida e o progresso? Será que, à noite, a gente deve voltar a a c e n d e r velas de cera? Será que o fedor d o lixo deve voltar a empestear nossas cidades, c o m o na Idade Média? Você n ã o gosta dos matadouros, será que a sociedade deve passar a comer legumes crus? Por mais a b s u r d o que seja, a resposta positiva a essas questões encontra ouvidos. O anarquismo político, a reação cultural baseada n o artesanato, o vegetarianismo radical, as seitas e partidos excêntricos têm o c h a m a d o apelo publicitário. A doutrina só precisa ser geral, segura de si, universal e imperativa. O que é intolerável é a tentativa de escapar à disjuntiva "ou isso — o u aquilo", a desconfiança d o princípio abstrato, a firmeza sem doutrina.

" Wilhelm Nestle (org.), Die Nachsokratiker. I-.195.

Iena, 1923. Vol. I, 72a,

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Dois jovens conversam: A — Você n ã o quer ser médico? B — Por causa da profissão, os médicos estão sempre lidando com os m o r i b u n d o s , e isso endurece as pessoas. Depois, com a institucionalização crescente, os médicos passam a representar e m face do doente a empresa c o m sua hierarquia. Muitas vezes, ele se vê tentado a se apresentar c o m o o administrador da morte. Ele se t o r n a o agente da grande empresa e m face dos consumidores. Q u a n d o se trata de automóveis, isso n ã o é tão grave assim, mas q u a n d o os bens administrados são a vida e os consumidores são pessoas que sofrem, trata-se de u m a situação e m que não gostaria de m e encontrar. A profissão d o médico de família talvez fosse mais inofensiva, mas ela está e m decadência. A — Você acha que n ã o deveria mais haver médicos e que deveríamos voltar aos charlatães? B — Não disse isso. Só tenho h o r r o r de m e tornar médico, e sobretudo u m desses diretores-médicos com poder de c o m a n d o sobre u m hospital público. Apesar disso, acho que é melhor, naturalmente, que haja médicos e hospitais d o que deixar os doentes morrer. T a m b é m n ã o quero ser n e n h u m p r o m o t o r público, mas acho que dar liberdade aos assaltantes seria u m mal m u i t o maior d o q u e a existência dessa corporação que os põe na cadeia. A justiça é racional. N ã o sou contra a razão, só quero enxergar a f o r m a que ela assumiu. A — Você está se contradizendo. Você se aproveita o t e m p o t o d o dos serviços dos médicos e dos juizes. Você é tão culpado q u a n t o eles próprios. Só que você não quer se dar ao trabalho de fazer o que os outros fazem p o r você. Sua

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própria existência pressupõe o princípio a que você gostaria cie escapar. B — Não nego isso, mas a contradição é necessária. Ela é u m a resposta ã contradição objetiva da sociedade. Q u a n d o a divisão do trabalho é tão diferenciada c o m o hoje e m dia, é possível que e m d a d o lugar se manifeste u m h o r r o r responsável pela culpabilidade de todos. Se esse h o r r o r se difundir, se pelo m e n o s u m a pequena parte da h u m a n i d a d e se t o r n a r consciente dele, talvez os m a n i c ô m i o s e as penitenciárias se t o r n e m mais h u m a n o s e os tribunais acabem se t o r n a n d o supérfluos. Mas n ã o é absolutamente por isso que eu quero ser escritor. Eu só queria ver com maior clareza a situação terrível e m q u e t u d o se encontra hoje em dia. A — Mas se todos pensassem c o m o você, e ninguém quisesse sujar as mãos, então não haveria n e m médicos n e m juizes, e o m u n d o pareceria ainda mais horrível. B — Mas é justamente isso que m e parece questionável, pois, se todos pensassem c o m o eu, espero, n ã o apenas os remédios contra o m a l iam diminuir, mas o p r ó p r i o mal. A h u m a n i d a d e ainda tem outras possibilidades. Eu não sou a h u m a n i d a d e inteira e n ã o posso simplesmente t o m a r o seu lugar e m m e u s pensamentos. O preceito m o r a l que diz que cada u m a de m i n h a s ações deveria poder ser t o m a d a c o m o u m a m á x i m a universal é m u i t o problemático. Ele ignora a história. Por que m i n h a aversão a ser médico deveria eqüivaler à opinião de que n ã o deve haver médicos? Na verdade, há tantas pessoas aí q u e p o d e m ser bons médicos e têm mais de u m a chance de vir a ser médicos. Se eles se c o m p o r t a r e m m o r a l m e n t e d e n t r o dos limites traçados atualmente para

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sua profissão, terão m i n h a admiração. Talvez cheguem mesm o a m i n o r a r o m a l que descrevi p a r a você; talvez, ao contrário, agravem-no ainda mais, apesar de toda a sua competência técnica e t o d a a sua moralidade. M i n h a vida, tal c o m o a imagino, m e u h o r r o r e m i n h a vontade de conhecer p a r e c e m - m e tão justificados c o m o a própria profissão de médico, m e s m o que eu não possa ajudar diretamente a ninguém. A — M a s se você soubesse que você poderia, se estudasse p a r a médico, vir a salvar a vida de u m a pessoa a m a d a , vida que ela perderia c o m t o d a a certeza, não fosse p o r você, você não se dedicaria imediatamente ao estudo da medicina? B — Provavelmente, mas você m e s m o está v e n d o que, com seu gosto por u m a coerência inexorável, você acaba t e n d o de recorrer a u m exemplo absurdo, e n q u a n t o eu, com m i n h a teimosia sem n e n h u m sentido prático e c o m m i n h a s contradições, n ã o m e afastei do bom-senso. Esse diálogo se repete sempre que u m a pessoa n ã o quer abrir m ã o do p e n s a m e n t o e m benefício da prática. Ela vai sempre encontrar a lógica e a coerência n o lado contrário. Q u e m for contra a vivissecção não deve mais fazer n e n h u m m o v i m e n t o respiratório, p o r q u e isto p o d e custar a vida a u m bacilo. A lógica está a serviço d o progresso e da reação, ou, e m t o d o caso, da realidade. Mas, na época de u m a educação radicalmente realista, os diálogos tornaram-se mais raros, e o interlocutor neurótico B precisa de u m a força s o b r e - h u m a n a para n ã o ficar são. M a x H o r k h e i m e r e T h e o d o r Adorno, Dialética do

Esclarecimento

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Até a m e t a d e d o século XIX, o m o d o de p r o d u ç ã o capitalista se i m p ô s a tal p o n t o , na Inglaterra e na França, que M a r x pôde reconhecer o q u a d r o institucional da sociedade nas relações de p r o d u ç ã o e, ao m e s m o t e m p o , criticar o f u n d a m e n t o de legitimação da troca dos equivalentes. Ele elaborou a crítica da ideologia burguesa e m f o r m a de economia política: sua teoria do valor d o trabalho destruiu a aparência de liberdade, na qual a relação de violência social, subjacente à relação d o trabalho assalariado, tornara-se irreconhecível pela instituição jurídica do livre contrato de trabalho. Ora, o que Marcuse critica e m M a x Weber é o fato de que, sem ter levado em conta a visão penetrante de Marx, ele se fixa a u m conceito abstrato de racionalização que n ã o enuncia o conteúdo de adaptação do q u a d r o institucional específico a cada classe, adaptação aos subsistemas progressivos d o agir racional-com-respeito-a-fins, mas q u e mais u m a vez os esconde. Marcuse sabe m u i t o b e m que a análise marxista não pode mais ser aplicada sem restrições às sociedades d o capitalismo em fase tardia que Max Weber já tem em vista. Mas ele queria mostrar, t o m a n d o Max Weber c o m o exemplo, que o desenvolvimento da sociedade m o d e r n a n o quadro de u m capitalismo regulado pelo Estado escapa aos conceitos, se o capitalismo liberal n ã o for p r e v i a m e n t e conceitualizado. Desde a última q u a r t a parte do século XIX nos países capitalistas mais avançados, duas tendências de

desenvolvi-

mento p o d e m ser notadas: (1) u m acréscimo da atividade intervencionista d o Estado, que deve garantir a estabilidade

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d o sistema, e (2) u m a crescente interdependência entre a pesquisa e a técnica, que t r a n s f o r m o u a ciência n a principal força produtiva. Ambas as tendências p e r t u r b a m aquela constelação d o q u a d r o institucional e dos subsistemas d o agir racional-com-respeito-a-fins, pela qual se caracterizava o capitalismo desenvolvido dentro d o liberalismo. C o m isso, caem p o r terra relevantes condições de aplicação da economia política, na formulação que, t e n d o e m vista o capitalismo liberal, M a r x lhe deu a justo título. Creio que a chave para a análise da constelação modificada se encontra n a tese básica de Marcuse, segundo a qual técnica e ciência hoje a s s u m e m t a m b é m o papel de legitimar a dominação. A regulação a longo prazo do processo econômico intervenção

pela

do Estado originou-se da defesa contra as dis-

funções que ameaçavam o sistema de u m capitalismo aband o n a d o a si mesmo, cujo desenvolvimento efetivo contrariava tão obviamente a sua própria idéia de u m a sociedade burguesa que se emancipasse da d o m i n a ç ã o e neutralizasse o poder. A ideologia básica da troca justa, que M a r x conseguiu desmascarar teoricamente, fracassou na prática. A form a de valorização do capital na economia privada só podia ser m a n t i d a pelos corretivos estatais de u m a política socioeconômica que estabilizava a circulação. O q u a d r o institucional da sociedade foi repolitizado. Ele h o j e n ã o mais coincide imediatamente c o m as relações de produção, ou seja, com u m a o r d e m de direito privado que garanta a circulação da economia capitalista, e com as correspondentes garantias gerais de o r d e m do Estado burguês. C o m isso, alterou-se a relação entre o sistema econômico e o sistema

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de dominação: política não é mais apenas u m f e n ô m e n o de superestrutura. Se a sociedade não continua mais a se autorregular "de m a n e i r a a u t ô n o m a " c o m o u m a esfera subjacente ao Estado e p o r ele pressuposta — e essa era a verdadeira novidade do m o d o capitalista de p r o d u ç ã o — , a sociedade e o Estado n ã o estão mais n u m a relação que a teoria marxista d e t e r m i n o u c o m o relação entre a base e a superestrutura. Mas, então, u m a teoria crítica da sociedade t a m b é m n ã o pode mais ser f o r m u l a d a exclusivamente e m termos de u m a crítica da economia política. U m m o d o de teorização que isole metodicamente as leis econômicas de m o v i m e n t o da sociedade só p o d e ter a pretensão de compreender a contextura da vida da sociedade nas suas categorias essenciais, e n q u a n t o a política for dependente da base econômica e essa última, inversamente, n ã o tiver q u e ser compreendida t a m b é m c o m o u m a f u n ç ã o da atividade d o Estado e dos conflitos que se resolvem politicamente. Segundo Marx, a crítica da economia política só se constituía e m teoria da sociedade burguesa e n q u a n t o era u m a crítica da ideologia. Mas, se a ideologia da troca justa d e s m o r o n a , o sistema de d o m i n a ç ã o t a m b é m n ã o pode mais ser criticado

imediata-

mente a partir das relações de produção. Depois do d e s m o r o n a m e n t o dessa ideologia, a d o m i nação política requer u m a nova legitimação. Ora, c o m o o p o d e r exercido indiretamente sobre o processo de troca é p o r sua vez c o n t r o l a d o pela d o m i n a ç ã o organizada préestatalmente e institucionalizada ao m o d o de u m Estado, a legitimação não p o d e mais ser derivada de u m a o r d e m n ã o política, das relações de produção. Nessa medida, renova-se

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a pressão, existente nas sociedades pré-capitalistas, n o sentido da legitimação direta. Por o u t r o lado, o restabelecimento da d o m i n a ç ã o política imediata ( n u m a f o r m a tradicional da legitimação baseada sobre a tradição cultural) t o r n o u - s e impossível. Por u m lado, as tradições já estão de qualquer maneira enfraquecidas; p o r outro, nas sociedades industrialmente desenvolvidas, os resultados da emancipação burguesa com respeito à d o m i n a ç ã o política imediata (os direitos f u n d a m e n t a i s e o mecanismo das eleições gerais) só p o d e m ser plenamente ignorados nos períodos de ação. A dominação formalmente democrática nos sistemas do capitalismo regulado pelo Estado está sujeita a u m a exigência de legitimação que não p o d e mais ser satisfeita pelas retomadas da f o r m a de legitimação pré-burguesa. Por isso surge, n o lugar da ideologia da troca livre, u m programa de

substitu-

tivos, que n ã o é mais orientado pelas conseqüências sociais da instituição do m e r c a d o , m a s pelas c o n s e q ü ê n c i a s sociais de u m a atividade de Estado que compensa as disfunções da troca livre. Ela conjuga o m o m e n t o da ideologia burguesa do r e n d i m e n t o (que desloca, entretanto, d o mercado para o sistema escolar, a atribuição de status c o n f o r m e a medida d o r e n d i m e n t o individual) com a garantia do m í n i m o de bem-estar social, a perspectiva de segurança do lugar de trabalho, b e m c o m o a estabilidade dos vencimentos. Esse p r o g r a m a de substitutivos obriga o sistema de d o m i n a ç ã o a preservar as condições de estabilidade de u m sistema global que garanta a segurança social e as chances de ascensão pessoal, e a prevenir os riscos d o crescimento. Isso exige u m espaço de manipulação para as intervenções

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d o Estado que, ao preço de u m a restrição das instituições de direito privado, assegurara a f o r m a privada da valorização do capital e vinculam a fidelidade das massas a essa forma. Na medida e m que a atividade do Estado é dirigida para a estabilidade e o c r e s c i m e n t o d o s i s t e m a e c o n ô m i c o , a política assume u m caráter negativo peculiar: ela visa a eliminar as disfunções e evitar os riscos que ameacem o sistema, portanto, n ã o para a realização de objetivos práticos mas para a solução de questões técnicas. Isso foi m o s t r a d o claramente p o r Claus Offe, na sua contribuição para o Dia dos Sociólogos de Frankfurt (Frankfurter Soziologentag) deste ano: Nessa estrutura da relação entre a economia e o Estado, a 'política' degenera n u m agir q u e segue numerosos e sempre novos 'imperativos que dizem respeito ao que deve ser evitado', ao m e s m o t e m p o que a q u a n t i d a d e de i n f o r m a ções sociológicas diferenciadas, injetadas n o sistema social, possibilita o rápido reconhecimento das zonas de risco, b e m c o m o o t r a t a m e n t o das ameaças efetivas. O que é novo nessa estrutura é ... o fato de que os riscos da estabilidade incorporados n o m e c a n i s m o de valorização d o capital nos m e r cados altamente organizados da economia privada, riscos que, todavia, são manipuláveis, prescrevem aquelas ações e medidas preventivas que devem ser aceitas n a medida em que se quer que elas sejam harmonizadas com a oferta de legitimação existente (com programa de substitutivos)".*

* Claus Offe, "Zur Klassentheorie und Herrschaftsstruktur im staatlich regulierten Kapitalismus" (manuscrito).

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Offe vê m u i t o b e m que a atividade d o Estado é restringida p o r essas orientações de ação preventiva a tarefas técnicas administrativamente solúveis, de m o d o que as questões práticas são deixadas de lado. Os conteúdos práticos são eliminados. A política de estilo antigo, já pela p r ó p r i a f o r m a de legitimar a dominação, era levada a se d e t e r m i n a r e m relação aos fins práticos: as interpretações do "bem-viver" eram dirigidas para as contexturas de interação. Isso vale t a m b é m para a ideologia da sociedade burguesa. Por o u t r o lado, o p r o g r a m a de substitutivos hoje d o m i n a n t e é voltado tão somente para o f u n c i o n a m e n t o de u m sistema dirigido. Ele exclui as questões práticas e, c o m isso, a discussão sobre aceitação de padrões que só seriam acessíveis a u m a f o r m a ção democrática da vontade. A solução de tarefas técnicas não d e p e n d e de discussão pública. Discussões públicas poderiam, antes, problematizar as condições de c o n t o r n o d o sistema, dentro das quais as tarefas da atividade d o Estado se apresentam c o m o técnicas. A nova política de intervencionismo d o Estado exige, p o r isso, u m a despolitização da massa da população. Na m e d i d a em que as questões políticas são excluídas, a opinião pública política p e r d e a sua função. Por o u t r o lado, o q u a d r o institucional da sociedade continua ainda a ser distinto do agir racional-com-respeitoa-afins. Tal c o m o antes, sua organização é u m a questão da práxis ligada à comunicação e não apenas da técnica, c o m o quer que ela seja dirigida cientificamente. Portanto, a tendência de p ô r a práxis entre parênteses, ligada à nova f o r m a de d o m i n a ç ã o política, n ã o se compreende p o r si só. O

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programa de substitutivos que legitima a d o m i n a ç ã o deixa sem legitimação u m p o n t o importante: c o m o fazer com que a despolitização das massas se torne plausível para elas próprias? Marcuse poderia responder a isso: fazendo com que técnica e ciência a s s u m a m também

o papel de u m a

ideologia. Jürgen Habermas, "Técnica e ciência e n q u a n t o 'ideologia'", seção V.

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