Neiburg et al 2001 Dossiê Norbert Elias

February 28, 2017 | Author: uffs | Category: N/A
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Sérgio Miceli

Este livro-dossiê é uma homenagem a Norbert Elias em comemoração ao seu centenário de nascimento. Seus autores buscam responder às questões polêmicas e aos desafios lançados por Elias às ciências sociais, ao mesmo tempo que analisam, sob diferentes pontos de



vista, a abrangência, o significado e a importância de sua contribuição teórica para as ciências humanas e, de modo particular, para as ciências sociais. Destacam a riqueza de sua abordagem multidísciplinar e os aspectos inovadores de seu aparato conceituai e analítico, utilizando-os para estabelecer uma aproximação com Mareei Mauss, polemizar posições com Max Weber e apontar semelhanças com Georg Sirnmel.

Norbert Elias 9 788531 404962

|edusP

Este livro-dossiê é um tributo ao sociólogo Norbert Elias, pelo centenário de seu nascimento, em 1997. Os autores analisam, sob diferentes ângulos, a abrangência de sua contribuição teórica, conceituai e analítica para as ciências humanas e, em particular, para as ciências sociais, com sua fascinante abordagem multidiscíplinar. Heloísa Pontes focaliza a perspectiva analítica de Elias e sua contribuição para a antropologia, estabelecendo um paralelo com Mauss; destaca seu papel na construção da sociologia da vida intelectual e na revisão da tradicional dualidade nas ciências sociais, a dualidade entre as dimensões micro e macro. Federico Neiburg analisa a importância de Elias na elaboração de uma teoria sociologicamente positiva da violência política nas sociedades nacionais modernas e enfatiza sua constante preocupação com os problemas de conceituação. Jessé de Souza polemiza Elias com Weber no aspecto que con-

Dossiê Norbert Elias

Dossiê Norbert Elias ESP Reitor Vice-reitor

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FEDERICO NEIBURG HELOÍSA PONTES JESSÉ SOUZA LEOPOLDO WAIZBORT (ORG.) SÉRGIO MICEU

Jacques Marcovilch Adolpho José Melfi

|edusP EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Presidente Comissão Editorial

Diretora Edil f ria l Diretora Comercial Diretor Administrativo Edilor-Assisteiue

Plínio Martins Filho (Pro-tcmpore) Plínio Martins Filho (Presidente) José Mindlin Laura de Mello e Souza Murillo Marx Oswaldo Paulo Foraltini Silvana Biral Eliana Urabayaslii Renato Calbucci João Bandeira

|edusP

Copyright © 1999

by autores

l" edição 1999 2a edição 2001

SUMÁRIO

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Dossiê Norbert Elias / Federico Neiburg... [et ai.]; Leopoldo Waizbort (org.). - 2. ed. - São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 2001. Outros autores: Heloísa Pontes, Jessé Souza, Sérgio Miceli

Dossi§ Norbert Elias

Bibliografia.

ISBN: 85-314-0496-7 1. Ciências humanas 2. Ciências sociais 3. Elias, Norbert, 1897-1990 4. Sociologia I. Neiburg, Federico. II. Pontes, Heloísa. III. Souza, Jessé. IV. Miceli, Sérgio, 1945V. Waizbort, Leopoldo. 98-5811

3/D724/2. ed. (194043/04)

CDD-300

índice para catálogo sistemático: 1. Ciências sociais 300

Apresentação

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Elias, renovador da ciência social Heloísa Pontes

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Direitos reservados à Edusp - Editora da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374 6° andar - Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitária 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil Fax (Oxxl1) 3818-4151 Tel. (Oxxl 1)3818-4008/3818-4150 www.usp.br/edusp - e-mail: [email protected] Impresso no Brasil 2001 Foi feito o depósito legal

O naciocentrismo das ciências sociais e as formas de conceituar a violência política e os processos de politização da vida social Federico Neiburg

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Elias, Weber e a singularidade cultural brasileira Jessé Souza

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DOSSlê NGRBERT ELIAS

Eli;is e Simmel Leopoldo Wnizbort

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Norbcrt Elias e a questão da determinação 4 v Sérgio Micelí

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APRESENTAÇÃO

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Bibliografia geral

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Cronologia

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Escritos de Norbert Elias

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Sobre os autores

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LEOPOLDO WA1ZBORT t

t m 1997, o centenário de nascimento de Norbert Elias (1897-1990) deu lugar a uma série de eventos e publicações comemorativos. Este dossiê se insere, modestamente, naquele amplo círculo, querendo conjugar duas intenções. Em primeiro lugar, eíe homenageia o sociólogo judeu-alemão no centenário de seu nascimento. "Sociólogo", judeu" e "alemão" são, inclusive, pontos de abordagem privilegiados para se compreender a trajetória pessoal, intelectual e institucional do autor e sua obra (cf. ELIAS, 1991a). Além disso, eles apontam para o leque de formulações teóricas e o sentido de certas escolhas temáticas.

LEOPOLDO WAIZBORT

Entretanto, não se trata de simples homenagem laudatória. Trata-se, antes, de tentar avaliar diferentes dimensões da obra de Elias, abordar seu amplo leque de interesses, as diversas possibilidades de desdobramento das suas contribuições e, ainda, de começar a compreender as linhas e a história de sua recepção, inclusive no Brasil. O dossiê não apresenta um recorte temático, conceituai ou analítico definido, por amplo que seja, porque almeja abordar Elias de perspectivas variadas, dando notícia, inclusive, de diferentes vertentes de aproximação de sua obra e, assim, da própria história de sua recepção por aqui. Não há dúvida de que se trata de uma recepção relativamente recente; por essa razão não há sentido em propor uma delimitação temática clara, quando o grau de especialização e diferenciação na abordagem da obra ainda é incipiente. É cedo para um balanço mais genérico da recepção e incorporação de Elias entre nós; mas é tempo oportuno para demarcar alguns aspectos dessa recepção, apontando ao mesmo tempo para as possibilidades latentes de abordagem e reflexão. Disto resulta que o ponto aglutinador do dossiê é a contribuição de Elias como um todo, vista contudo sob o prisma de abordagens específicas que demarcam, a seu modo, vertentes de sua recepção e incorporação entre nós. De tais aproximações, o que se almeja são vias de acesso a seus postulados mais amplos, suas análises específicas, sua 12

APRESENTAÇÃO

concepção de sociologia e das relações entre as "ciências humanas", suas premissas, sua gênese histórica, seus desenvolvimentos, seus impasses e limites. A importância de Elias para as ciências humanas, e para as ciências sociais em particular, é cada vez mais reconhecida, embora não livre de fortes e polêmicas objeçÕes. Entretanto, tais objeções são, elas mesmas, sintoma de um reconhecimento da obra de Elias. O sociólogo alemão em constante exílio reivindica de maneira enfática uma ciência dos homens que incorpore não só a tríplice repartição das nossas ciências sociais, mas também que abrace disciplinas afins como a psicologia (psicanálise inclusive), economia, filosofia, lingüística, história, teoria literária. Disso resulta a abordagem interdisciplinar que fascina cada vez mais seus leitores. A relevância da "sociologia" de Elias se revela no aparato temático e conceituai que ela oferece. Um modelo geral para abordagens de processos de longa e longuíssima duração; a defesa intransigente de uma teoria dos processos, entrelaçada com uma teoria das figurações, apresentando uma nova e rica abordagem de estática e dinâmica como categorias sociológicas; a percepção desperta para os microfenômenos, conjugando assim, de maneira sempre inventiva, perspectivas micro e macrossociológicas; a rormulação do conceito de sociogênese, reelaborando a idéia de estruturas de personalidade e entrelaçando-a, em uma 13

LEOPOLDO WAIZBORT

relação de dependência mútua, à sociogênese, que por sua vez fornece um quadro geral para a abordagem do Estado moderno como processo e, ainda, da questão do poder, das relações de poder e dos equilíbrios de poder; a formulação da idéia dos "modelos", como modelos de jogo e formas de jogo; a retomada da relação, clássica nos domínios das ciências sociais, de indivíduo e sociedade; a ênfase, historicamente fiindante, na relação entre sociologia e diagnóstico da época e a própria concepção da sociologia como "caçadora de mitos": rodos esses aspectos (dentre outros, que não enumero para não sobrecarregar o leitor) nos mostram a importância indiscutível e a vitalidade dos enfoques de Norbert Elias. Vale a pena ainda lembrar a progressiva publicação de suas obras entre nós, nos últimos dez anos. O Processo Civilizador, A Sociedade da Corte, Humana Conditio, A Sociedade dos Indivíduos, Mozart, Teoria Simbólica, Os Alemães, A Busca da Excitação (ELIAS, 1990a; 1974; 1991c; 1993; 1995; 199Id; 1996; ELIAS & DUNNING, 1992) são todos livros que já podem ser lidos em português. Isto torna Elias cada vez mais acessível aos alunos de graduação e pós-graduação. Ele vai sendo mais e mais incorporado aos cursos, dissertações, teses e publicações científicas, tornando-se uma referência na análise sociológica que vai desde a discussão do lugar do Estado e das relações entre os Estados nacionais até os processos de violência nos

APRESENTAÇÃO

esportes. Com isso, por um lado ele contribui para a validação e valorização de campos e objetos empíricos ainda pouco explorados, assim como, por outro lado, fornece um novo enfoque para temas já usuais, porém, nessa mesma medida, reconfigura-os mediante uma nova construção do objeto. Este Dossiê Norbert Elias reúne cinco intervenções sobre Norbert Elias, cinco respostas às provocações que Elias lançou, e continua a lançar, às ciências sociais. Quatro dos textos aqui teunidos fizeram parte da mesa-redonda "Norbert Elias: 100 Anos", que ocorreu em Caxambu (MG), em 24/10/1997, no XXI Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). O quinto texto foi escrito para uma outra mesa-redonda sobre Elias; mas, como havia circulado, na ocasião, entre os participantes da mesa da Anpocs, encontrou aqui também uma possibilidade de publicação. Gostaria de agradecer a Federico Neiburg, Heloísa Pontes, Jessé Souza e Sérgio Micelí peío engajamento na realização deste projeto em comum; à Anpocs, pela realização da mesa-redonda e ao público que a assistiu e debateu conosco na ocasião. É ensejo dos autores que o dossiê contribua para o debate sobte Elias entre nós e, assim fazendo, possa cumprir seu intento de homenageá-lo.

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ELIAS, RENOVADOR DA CIÊNCIA SOCIAL HELOÍSA PONTES

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Tcxco apresentado na mesa-redonda "Norbert Elias: 100 Anos", cit.

Autor de uma obra sensacional, Norbert Elias perseguiu, ao longo de sua vida,' temas variados e enfrentou desafios D analíticos múltiplos. Seus livros, ao mesmo tempo em que circunscrevem objetos precisos de estudo, deixam aberto, para novas investigações, um leque instigante de problemas e temas. Extrapolando a agenda intelectual da sociologia, as questões analisadas por Elias vêm sendo discutidas e retrabalhadas pelos psicanalistas interessados nas conexões da cultura com o inconsciente, pelos antropólogos que estudam as dimensões simbólicas das sociedades ocidentais, pelos historiadores atentos às engrenagens do co-

HELOÍSA PONTES

ELIAS, R E N O V A D O R DA CIÊNCIA S O C I A L

tidiano e, principalmente, pelos pesquisadores que se dedicam à história das idéias e à sociologia da vida intelectual. Os temas propostos, as fontes utilizadas e os objetos analisados por Elias não só permitem como também exigem essa empreitada interdisciplinar.

1969, traduzido para o francês em 1974 e para o inglês em 1983) resultou de um extenso estudo desenvolvido pelo autor, nos anos de 1930, sobre a nobreza, a realeza e a sociedade de corte na França. Esse estudo quase monográfico constitui, por sua vez, a base de seu outro livro, O Processo Civilizador (publicado em alemão em 1939, traduzido para o inglês em 1978 e para o francês em 1973,

Com o propósito de iluminar alguns aspectos da perspectiva analítica desenvolvida por esse sociólogo de formação e, simultaneamente, ressaltar a sua contribuição para a antropologia, vou abordar, neste ensaio, três questões: a primeira delas diz respeito à possibilidade de estabelecer uma aproximação entre Elias e Mareei Mauss; a segunda refere-se à importância do trabalho de Elias para a construção da sociologia da vida intelectual; a terceira e última questão tematiza a maneira pela qual Eiias, no conjunto de sua produção, abre uma via analítica da maior importância para repensarmos a separação entre as dimensões micro e macro, tradicionalmente estabelecidas no campo das ciências sociais.

mas só editado aqui em 1990). Essa referência às datas de concepção e publicação dos livros mencionados acima visa fornecer indícios mais seguros para a aproximação proposta entre Elias e Mareei Mauss. O trabalho do antropólogo francês, "Ensaio sobre a Dádiva", reconhecidamente de maior envergadura analítica, é de 1924. Os estudos de Elias, como vimos, iniciam-se na década de 1930. A proximidade cronológica evidencia, nesse caso, um enfrentamento semelhante, por parte de ambos os autores, de questões teóricas centrais, como a definição dos fenômenos sociais e a qualificação

Dois dos mais importantes livros de Elias, A Sociedade da Corte e O Processo Civilizador, fazem parte de um projeto de pesquisa mais amplo iniciado pelo autor no período em que vivia na Alemanha, antes da ascensão de Hitler ao poder. O primeiro (publicado em alemão em

da relação indivíduo e sociedade. Mauss renovou o campo conceituai da etnologia, através de análises comparativas sobre a magia e a troca, realizadas por meio de um conhecimento sólido de um vasto conjunto de dados etnográficos produzidos por outros pois, como se sabe, ele nunca fez trabalho de campo. Elias, por sua vez, voltou-se para a análise da civilização ocidental, em meio a uma incursão em aspectos e processos de

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ELIAS E MAUSS: UMA APROXIMAÇÃO DESEJÁVEL

HELOÍSA PONTES

E L I A S , R E N O V A D O R DA C I Ê N C I A S O C I A L

sua história. Isto é feito menos com a intenção de renovar o conhecimento historiografia) das sociedades que toma por objeto (ainda que, indiscutivelmente, este seja um dos saldos de seus trabalhos) e mais com o objetivo de circunscrever uma série de problemas sociológicos de alcance explicativo mais geral. Digamos assim que Elias se utiliza da história para se livrar dela, ou melhor, para através dela garantir o acesso a formações sociais distintas das contemporâneas, modeladas por processos históricos de longa duração, de forma a enfrentar questões sociológicas de ordem mais estrutural.

corte, "o seu caráter específico, único e diferenciado" (ELIAS, 1974, p. 234). Ou, no entender de Mauss, de forma a viabilizar o "princípio e o fim da sociologia: perceber o grupo inteiro e seu comportamento global" (MAUSS, 1974a, p. 181). Nas sociedades, como lembra Mauss, "mais do que idéias ou regras, apreendem-se homens, grupos e seus comportamentos" (MAUSS, 1974a, p. 181). Atento à observação concreta da vida social e ao conjunto de suas múltiplas dimensões, Mauss procura apreender aquilo que lhe parece essencial: "o movimento do todo, o aspecto vivo, o instante fugidio em que a sociedade e os homens tomam consciência sentimental deles mesmos e de sua situação face a outrem" (MAUSS, 1974a, p. 180). Elias, por sua vez, na análise do processo civilizador em curso no Ocidente a partir do século XVI, busca recompor "o movimento em toda a sua polifonia de muitas camadas, não como uma linha, mas como uma espécie de sucessão de motivos semelhantes, em níveis diferentes". (ELIAS, 1990a, p. 104) Se, em Mauss, o movimento do todo é visto sobretudo mediante uma teoria complexa das teciprocidades, que articulam o conjunto das relações sociais e permitem falar em "fato social total", em Elias a abordagem é análoga: ele busca as i n ter-relações e interdependências que lhe permitem, ao fim, trabalhar com um conceito de sociedade que é, de fato, uma rede de re-

Elias e Mauss, apesar de formados no interior de tradições intelectuais distintas e de estudarem sociedades diferentes, perseguem objetivos comuns. Partilham com os historiadores o pressuposto de que é preciso observar o que é dado. Ora, o dado, para dizer nos termos de Mauss, "é Roma, é Atenas, é o francês médio, é o melanésio dessa ou daquela ilha, e não a prece, ou o direito em si" (MAUSS, 1974a, p. 181). O dado, como mostra Elias, em A Sociedade da Corte, é o aristoctata da corte, o indivíduo modelado por um conjunto específico dê códigos de conduta "civilizados", tributário de uma multiplicidade de indivíduos interdependentes. O desafio perseguido por ambos é o de integrai esses dados na recomposição do todo, de fotma a assegurar, segundo Elias, aos homens de uma formação social particular, como é o caso da sociedade da

lações, um todo relacionai.

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HELOÍSA PONTES

Se tanto Elias como Mauss buscam enfocar o movimento do todo, é preciso não esquecer que essa empreitada apresenta dificuldades distintas em função dos objetos e campos de investigação particulares estudados por eles. Feita essa ressalva, vale sublinhar que ambos perseguem, em seus estudos, um objetivo comum: analisar a estrutura e o funcionamento dos sistemas e formações sociais investigados. Nos trabalhos de Mauss e de Elias registra-se, ainda, uma perspectiva semelhante relativa ao projeto de desvendar e simultaneamente articular o domínio das experiências sociais dos grupos estudados às dimensões econômica, simbólica, política e psico-individual que os conformam.

ELIAS, RENOVADOR DA CIÊNCIA SOCIAL

Em seus trabalhos, Elias mostra, de maneira irrefutável e intelectualmente desafiante, a existência de uma conexão forte entre as alterações na estrutura social e as mudanças no comportamento e nas emoções dos indivíduos - reveladas, por exemplo, pelo avanço dos patamares de vergonha, repugnância, controle e, principalmente, autocontrole. Daí a importância das fontes documentais que ele utiliza para analisar o processo civilizador no Ocidente: os manuais de boas maneiras - uma fonte "menor" do ponto de vista literário, mas central para a apreensão dos processos sociais envolvidos na criação e difusão de novos modelos de comportamento e novas formas de expressão dos sentimentos.

Criados a princípio pelos membros das elites como forma de demarcar a sua diferença social, tais modelos de comportamento difundiram-se, paulatinamente, para segmentos cada vez mais amplos da sociedade. Novas maneiras de se portar à mesa, de manejar o garfo, a faca, as mãos, o guardanapo; de lidar com as funções corporais, com os cheiros, a comida, a sexualidade, o escarro, o banho, a sujeira; de se comportar em relação aos outros, os superiores, os inferiores, os mais próximos; de se relacionar com pessoas do mesmo sexo e de sexo diferente, com adultos, velhos e crianças; de expressar e controlar a agressividade, as emoções, os sentimentos; de se comportar, sozinho ou em companhia, no quarto, na sala e demais espaços da casa e da rua, sedimentam-se no decorrer dos séculos. Esses novos códigos de conduta, como mostra Elias, são a um só tempo indicadores e expressão do comportamento civilizado. Uma leitura apressada de O Processo Civilizador talvez o classifique sob o rótulo de história da vida cotidiana. Os objetos selecionados no livro, a atenção concedida às emoções, ao corpo e aos embaraços sociais, assim como as fontes utilizadas apontam para essa classificação. Mas não se engane o leitor desavisado. O trabalho de Elias, sob muitos aspectos pioneiro no tratamento desse tipo de temática - aproximando-se, também neste caso, ao de Mauss, "As Técnicas Corporais", vale lembrar, é de

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HELOÍSA

PONTES

1934 (MAUSS, 1974b) -, não se esgota nessa novidade. Sua força resulta das ligações que o autor estabelece entre as mudanças nos comportamentos, nos costumes e na constituição psíquica dos indivíduos, com as alterações que se verificam na estrutura social. Aí sim a novidade e o impacto intelectual do livro, que, articulando um conhecimento historiográflco sólido com uma perspectiva sociológica abrangente, consegue resgatar as dimensões mais estruturais do processo civilizador, em curso no Ocidente a partir do século XVI. ELIAS E A SOCIOLOGIA DA VIDA INTELECTUAL O rastreamento da sociogênese dos conceitos de civilização (formulado pela inteiligentsia francesa de classe média) e de cultura (elaborado por sua congênere alemã) constitui uma outra chave importante para a explanação do processo civilizador. Mais que uma história das idéias contidas nesses conceitos, Elias realiza nesse rastreamento uma sociologia de sua produção e de seus produtores. A análise dos segmentos intelectuais, responsáveis pela formulação mais sistemática desses conceitos, é feita, na primeira parte de O Processo Civilizador, a partir do esquadrinhamento das relações - de proximidade, aceitação, ou recusa — que os intelectuais mantinham com os grupos de elite vinculados à sociedade da corte. 26

E L I A S , R E N O V A D O R DA C I Ê N C I A S O C I A L

Se, na Alemanha, a universidade constituíu-se, no século XVIII, como o centro social mais importante na disseminação da cultura de sua classe média, na França, foi a corte, com seu núcleo próprio de socíabílidade, que deu direção à vida mundana das elites e dos segmentos intelectuais burgueses que nela se incorporam. A inteiligentsia de classe média alemã, excluída da corte (onde se falava francês e decidia-se a política) e de seu universo de sociabilídade, usa o livro como o meio de comunicação mais importante, pratica o alemão culto como língua escrita unificada, sistematiza o conceito de cultura e cria um estilo de vida frontalmente contrário ao das classes altas. Principal responsável pela formulação de um sistema de pensamento de origem acadêmica, essa inteiligentsia trava "em território politicamente neutro" todas as batalhas que não podem ter lugar "no plano político e social porque as instituições e relações de poder existentes lhes negam instrumentos e mesmo alvos" (ELIAS, 1990a, p. 55). Impotente na política, "mas intelectualmente radical, forja uma tradição própria puramente burguesa, divergindo radicalmente da tradição da aristocracia da corte e de seus modelos" (1990a, p. 63). Na França, ao contrário, a inteiligentsia reformista, representada entre outros pelos fisiocratas, permanece por muito tempo no contexto da tradição da corte: fala a sua língua, lê os mesmos livros, observa as mesmas normas, 27

H E L O Í S A PONTES

ELIAS, RENOVADOR DA CIÊNCIA SOCIAL

pratica a conversa "brilhante" como "arte" francesa e como um dos meios mais importantes de comunicação. Os integrantes dessa intelligentsia formulam um sistema amplo de reformas sociais e políticas, que não se limitam a mudanças no plano econômico. No entanto, não criam modelos opostos aos da sociedade de corte, visto que esta é a sua base social. Os conteúdos antagônicos dos conceitos de civilização e de cultura explicam-se, então, em função da situação distinta dos estratos intelectuais de classe média na França e na Alemanha. Suas posições diferenciadas no plano econômico, político, social e cultural encontram sua expressão mais acabada na formulação desses conceitos. Como mostra Elias, eles são "instrumentos dos círculos de classe média - acima de tudo da intelligentsia de classe média - no conflito social" (1990a, p. 64). Concebendo o social como um sistema de relações entre grupos e indivíduos interdependentes, Elias, ao mesmo tempo em que se detém na investigação da produção e reprodução das formações sociais nas quais se inserem as intelligentsia francesa e alemã, constrói os nexos necessários para pensar as suas transformações internas. Relacionai e processual, sua análise apresenta um dos modelos mais bem-sucedidos da sociologia da vida intelectual.

FRONTEIRAS QUESTIONÁVEIS: A SEPARAÇÃO ENTRE EXPLICAÇÕES MICRO E MACROSSOCIOLÓGICAS

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Outra dimensão central da visada analítica de Elias diz respeito à diluição das fronteiras, tradicionalmente estabelecidas nas ciências sociais, entre as explicações micro e macrossociológicas. Para abordar esse ponto, vou me deter no artigo que o autor publicou em 1987, três anos antes de sua morte: "The Changing Balance o f Power between the Sexes". Originalmente uma conferência feita em Bolonba, no ano de 1985, Elias abre a sua exposição com dois exemplos que, de forma sintética e empiricamente sugestiva, introduzem o ouvinte (e também o leitor) na questão central de sua comunicação: a análise das repartições e das alterações na balança de poder entre os sexos. O primeiro exemplo, retirado da experiência urbana do autor, refere-se a um casal de indianos que Elias costumava encontrar, esporadicamente e sem qualquer contato mais estreito, em suas caminhadas pelas ruas de Londres. O que lhe chamava particularmente a atenção eram a postura corporal e a distância, estritamente observada, que a mulher mantinha em relação ao marido. Vestida de acordo com a tradição indiana reservada às mulheres de sua posição social, ela sempre andava dois ou três passos atras de seu marido. Com voz baixa e a cabeça voltada para a frente, ele a escutava sem lhe dirigir o olhar. Apesar disso,

H E L O Í S A PONTES

na percepção de Elias, eles pareciam conversar avidamente um com outro. Nesses encontros casuais, filtrados pela reflexão aguda do autor, vemos a postura corporal do casal de indianos, vivida por eles no registro de uma segunda natureza, transformar-se em um emblema social. Da voz aos gestos contidos, da distância observada à conversação entabulada, a exposição irrefutável, para os olhos ocidentais, da repartição desigual de poder entre um homem e sua mulher. Eis o ponto: flagrar a assimetria entre os sexos nas entonações da voz, no jeito de caminhar, na forma de posicionar o corpo. Lição maussiana que, constituindo as técnicas corporais como objeto sociológico, nos fez ver o corpo como um dos espaços privilegiados de inscrição do mundo social. Atualizada na comunicação de Elias, ela serve como fio condutor para a exposição do segundo exemplo. Não mais a estranheza decorrente dos hábitos indianos e sim o costume ocidental relativo à maneira como as mulheres, no século passado, eram tratadas em público. Largamente difundido nos códigos tradicionais de conduta entre os europeus das classes altas e médias, tal costume expressava-se por meio de uma gestualidade simétrica, mas oposta, àquela executada pelo casal de indianos mencionado acima. Nesse caso, eram os homens que se posicionavam atrás das mulheres, para que elas, por exemplo, pudessem passar de um ambiente a outro. Eram

ELIAS, RENOVADOR DA CIÊNCIA SOCIAL

eles também que se curvavam para beijar-lhes as mãos, enquanto elas permaneciam eretas. Mas o fato de que nessas situações as mulheres recebessem uma deferêncía corporal, destinada, de um modo geral, às pessoas de alta posição social, não significa, como mostra Elias, que elas tivessem um grande poder social. O exemplo da gestualidade "rebaixada", encenada publicamente, no século passado, pelos homens ocidentais em seus encontros com as mulheres, nos leva, pela contramão, ao tema central de Elias. Tanto o caso indiano quanto os códigos europeus de conduta revelam uma inegável assimetria na balança de poder entre os sexos. Mas dizer que, nos dois exemplos, essa repartição de poder recai favoravelmente sobre os homens, serve apenas para introduzir o problema. O passo seguinte de Elias será a análise criteriosa das alterações na distribuição de poder entre homens e mulheres, em um contexto muito específico: o antigo Estado romano. Em Roma, as mulheres, por muito tempo, foram excluídas das esferas civis e militares, e tinham, como grupo, uma posição bastante periférica em relação ao Estado. Vistas como pessoas pela metade, como seres humanos incompletos, elas nem sequer chegavam a ter nomes próprios. Eram identificadas apenas pelo sobrenome de suas famílias. Além disso, não tinham direiro e acesso à propriedade. Elas próprias eram uma espécie de propriedade

HELOÍSA PONTES

ELIAS, RENOVADOR DA CIÊNCIA SOCIAL

dos homens de suas famílias ou de seus maridos. Assim

Autor de uma das mais belas poesias eróticas da lite-

sendo, não podiam divorciar-se por iniciativa própria, ao contrário de seus maridos, que podiam pleitear o divórcio

ratura ocidental, Catulo, na sua juventude, apaixonou-se por Clódia. Além de casada, mais velha, mais elegante e

quando quisessem, por motivos os mais diversos, entre eles, o fato de suas mulheres beberem vinho. Nesse perío-

mais experiente do que ele, Clódia pertencia a uma das famílias mais aristocráticas de Roma. Catulo, ao contrá-

do, o casamento era ainda um negócio entre famílias e clãs e não uma instituição regulamentada pelo Estado.

rio, descendia de uma família de classe média provinciana. Entre os vários poemas de amor que ele endereçou a

Dito isso, vejamos como Elias irá problematizar as alterações na balança de poder entre os sexos. Como ocorre-

Clódia, encontramos um verso que se tornou célebre: Odeio e amo. Talvez queiras saber "como?" Não sei. Só sei que sinto e crucifico-me.

ram essas mudanças, quais as suas causas imediatas e quais as suas conseqüências a longo prazo? Tais mudanças são, acima de tudo, o resultado do acesso que as mulheres das classes altas romanas passaram a ter a uma parte da propri-

[CATULO, 1996, p. 150.] Pela primeira vez na literatura ocidental, é talvez na

edade de suas famílias de origem. Não por uma generosidade de seus parentes masculinos (pais e irmãos), ressalte-

vida de um homem, foram dadas voz e expressão à ambivalência dos sentimentos que envolvem a experiência

se, e sim em razão do enriquecimento de suas famílias, oriundas da oligarquia aristocrática. Graças às guerras bem-

amorosa. Lonee de ser um caso único, como mostra Elias, relao

sucedidas, os membros masculinos dessas famílias tornaram-se ricos o suficiente para deixarem às suas filhas e ir-

cionamentos como os de Catulo e Clódia (um poeta talentoso, jovem e socialmente inferior e uma mulher mais velha e socialmente superior) sinalizam uma mudança signi-

mãs o controle e o acesso a uma parte de suas propriedades. Essa situação modificou a condição das mulheres e seu

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ficativa na repartição de poder entre os sexos e na forma de expressão dos sentimentos amorosos. Uma maior igualdade entre homens e mulheres - das classes altas, é bom frisar - desencadeia novas formas de controle e autocontrole nas relações conjugais. O fator decisivo para essa alteração e para a maior independência das mulheres assentava-se,

status social. E mais: produziu novas formas de relacionamento entre os sexos e uma nova sensibilidade amorosa, revelada, por exemplo, nos poemas de Catulo - o maior poeta lírico da República romana, nascido em Verona entre 87 e 84 e morto entre 57 e 54 a.C. 32

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HELOÍSA PONTES

E L I A S , R E N O V A D O R DA C I Ê N C I A S O C I A L

como vimos, no fato de que elas passaram a ter acesso a

trado magistralmente ao longo de seus trabalhos de maior

uma parte da propriedade de suas famílias de origem. Revelada a nova condição social das mulheres e as al-

fôlego — como O Processo Civilizador e A Sociedade da Corte, por exemplo, comentados no decorrer deste artigo.

terações que estavam ocorrendo na balança de poder entre os sexos, Elias mostra que o entendimento dessa situa-

A saber: a insuficiência dos modelos explicativos que separam de maneira rígida as dimensões micro e macrosso-

ção é inseparável da análise das mudanças nas relações de

ciológicas. Por meio do esquadrinhamento dos nexos analíticos que conformam e entrelaçam essas duas dimensões, Elias mostra, de maneira cabal, a insuficiência dessas fron-

interdependência entte os grupos de elite e na estrutura do Estado romano — expressas, por exemplo, pela criação de instituições legais mais imparciais e efetivas, e pelo gradual monopólio da força física por parte do Estado. Nesse

teiras. Sua obra é a prova eloqüente de que as dimensões micro e macro, face e contraface de um mesmo processo social, só podem ser entendidas de forma relacionai.

contexto, o casamento deixou de ser um assunto de famí-

Por essa razão, é possível afirmar sem hesitação que Elias, sociólogo de formação, mais do que muitos antro-

lia para se tornar cada vez mais uma associação voluntária entre um homem e uma mulher. Por essa razão, podia ser desfeito a partir da vontade de cada um dos cônjuges. Essa alteração nos costumes foi com o tempo regulamentada juridicamente, através da lei romana que forneceu diversas formas para a viabilização do divórcio.

pólogos de carteirinha, contribuiu decisivamente para consolidar a importância da dimensão simbólica e do significado na análise dos fenômenos sociais e culturais. Sua obra, estrela da mesma grandeza que a de Mareei Mauss, deveria, portanto, ser mais estudada nos inúmeros cursos que nós, antropólogos, dedicamos à história e às teorias

No entanto, com a ascensão do cristianismo, a perda do monopólio da força física por parte do Estado e a con-

xos irá se configurar. Neste caso, e por muitos séculos, em favor inegável dos homens.

da nossa disciplina. O fato de os livros de Elias serem, de um modo geral, incluídos apenas nos cursos optativos de antropologia não sinaliza ainda a manutenção desse precário sistema classificatório que divide as fronteiras entre

A análise das alterações na balança de poder entre os sexos, feita por Elias a partir de um objeto empírico situa-

a sociologia e a antropologia de forma às vezes bem pouco instigante do ponto de vista intelectual.

seqüente desagregação do Império Romano, uma nova e cada vez mais assimétrica repartição de poder entre os se-

do na Antigüidade, reforça aquilo que ele havia demonsat,. uni l

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O NACIOCENTRISMO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E AS FORMAS DE CONCEITUAR A VIOLÊNCIA POLÍTICA E os PROCESSOS DE POLITIZAÇÃO DA VIDA SOCIAL* FEDERICO NEIBURG

Texto apresentado na mesa-redonda "Norbert Elias: 100 Anos", cit. O conteúdo deste texto deve muito ao diálogo que mantive com Lygia Sigaud durante o segundo semestre de 1997, quando tivemos a oportunidade de ministrar juntos um curso sobre Norbert Elias, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, UFRJ. Também se beneficiou do intenso diálogo com Leopoldo Waizbort.

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U objetivo deste texto é mostrar a contribuição singular dos trabalhos de Norbert Elias para a elaboração de uma perspectiva sociologicamente positiva da violência política nas sociedades nacionais modernas. Utilizando categorias correntes na sociologia alemã do primeiro quarto deste século (i, e., entre aqueles que foram mestres de Elias), proponho uma discussão em duas dimensões, que podemos chamar de empírica (ou histórica) e metateórica (ou teorética). Sugiro, igualmente, uma leitura sobre a natureza das relações entre essas duas dimensões na sociologia histórica de Elias, que é sempre, e ao mesmo tempo, teórica e empírica.

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FEOERICO NEIBURG

O N A C 1 0 C E N T R I S M O OAS C i Ê N C I A S SOCIAIS...

Em primeiro lugar, destaco a produtividade de algumas das noções utilizadas por Elias para entender processos de politízação violenta da vida social. A partir do estudo de casos historicamente situados (especialmente os trabalhos de Elias sobre a Alemanha), busco extrair algumas indicações de validade mais geral que possam servir como instrumentos ou princípios para a compreensão de outros processos empíricos. Em particular, interessa-me mostrar a produtividade de duas teorias utilizadas por Elias: sua formulação de uma teoria do poder, a partir da análise da configuração de relações entre grupos establishedç, outsiáers; e a teoria do double-bind, que serve para estudar os mecanismos de legitimação do uso da força (a representação de "inimigos" que, no limite, devem ser morros) e, também, a constituição de identidades individuais e grupais em processos de uso crescente da força. Em segundo lugar, procuro sublinhar a constante preocupação de Elias com os problemas de conceituação em ciências sociais: a crítica a noções que, dado seu conteúdo mais normativo que descritivo, são um obstáculo à compreensão sociológica. Nesse sentido, em Elias - da mesma forma que em Weber, por exemplo -, as preocupações metateóricas são também empíricas: a crítica à capacidade compreensiva de alguns conceitos é inseparável do estudo de sua gênese, pois há uma relação constitutiva entre o sentido dos conceitos e os mundos sociais nos quais eles foram

concebidos — nos quais eles adquiriram os conteúdos que o sociólogo procura, ao mesmo tempo, entender e criticar. Creio que a compreensão das formas violentas de fazer política sugerida por Elias permite observar a importância que a dimensão metateórica tem em seus trabalhos, pois essa compreensão está acompanhada por uma crítica às perspectivas mais comuns em ciências sociais que se limitam a conceituar a violência como algo oposto à pacificação, sempre associada à anomia ou à a-normalidade. São formas de conceituar a violência de maneira sociologicamente negativa: em um caso, como o pólo negativo de um continuum evolutivo ao qual se opõem os estados de paz; em outro, como o pólo negativo de um contraste sociológico no qual a violência pressupõe uma situação de má integração ou de desintegração, oposta a sistemas sociais supostamente bem integrados. Ao contrário, uma compreensão sociologicamente positiva da violência política exige criticar essas polaridades. Para avançar nessa crítica, como em outros capítulos da sua obra, Elias encontra-se com a melhor tradição da ciência social alemã, especificamente, com as análises de Simmel sobre o conflito, e com a sociologia histórica e comparada da dinâmica do mundo religioso e de suas tensões, realizada por Weber .

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l. Especificamente, refiro-me às formules simmeÜanas sobre a produtividade das relações de conflito e a necessidade de analisá-las na sua positividade

FEDERICO NEIBURG

Esta mesa-redonda é uma homenagem a Norbert Elias e, como em toda homenagem, corre-se o risco de reduzi-la a um exercício exegético. Este não é o sentido da minha participação, nem das intervenções de outros colegas. Há pelo menos duas formas de relação com a trajetória e a obra dos protagonistas da história das disciplinas sociais que são muito mais interessantes que a exegética. Uma é a da sociologia histórica da produção intelectual, que relaciona o conteúdo das teorias com as biografias sociais dos seus produtores, a partir do pressuposto que ambos (teorias e produtores) fazem parte de mundos sociais que podem ser analisados como outros quaisquer. A segunda (que sugiro na minha exposição) é uma aproximação instrumental, que parte da suposição de que, em ciências sociais, é possível obter lições úteis e descobrir novas possibilidades de compreensão, quando aplicamos a alguns universos empíricos os princípios de compreensão que foram utilizados em relação a outros. Entretanto, o meu interesse ao focalizar o potencial dos trabalhos de Elias para entender as formas violentas de fazer política tem, também, uma dimensão polêmica, pois se opõe às leituras que englobam a sua perspectiva sob o anátema do "evolucionismo" ou que, em termos (SlMMEL, 1955), e às análises weberianas sobre os processos de constituição de identidades individuais e grupais nas relações conflituosas e concorrenciais entre profetas, magos, sacerdotes e congregações religiosas (p. ex.,WKUKl(, 1964). 42

O N A C I O C E N T R I S M O DAS C I Ê N C I A S SOCIAIS...

mais gerais, lêem nos seus trabalhos uma filosofia da história. Acredito não ser difícil mostrar que essas leituras desqualificado rãs se baseiam em modelos teóricos que, eles mesmos, têm uma enorme dificuldade para conceituar como processos sociais de uma forma que não seja normativa nem teleológica2. O próprio Elias oferece a chave para a compreensão crítica dessa dificuldade quando se refere à relação entre a gênese do mundo de Estados nacionais e a "redução" ao presente das categorias utilizadas pela sociologia - um efeito nas ciências sociais do que ele identificou como sendo uma orientação "intelectual naciocêntrica", que está presente em boa parte das ciências sociais3. Creio ser possível pensar que o nacíocentrismo é um obstáculo que as ciências sociais têm de superar para poder compreender de forma sociologicamente positiva a violência e, em especial, a utilização da violência para fazer política. Violência é uma palavra carregada de conteúdos negativos. Na linguagem ordinária, jornalística ou jurídica, a

2. Algumas das mais influentes referências d es q u ali ficado ias da perspectiva de Elias sobre as relações entre violência e formação dos Estados nacionais podem ser lidas em GIDDENS (1987, p. 195} e BAUMAN (1991, pp. 12 ess.). No mundo francês, referências semelhantes podem ser encontradas, por exemplo, em um debate recente sobre Elias, publicado em um número especial do Cahiers Intemationaux de Sociologie (BimcuiÈKli et alii, 1995). 3. Cf., p. ex., a referência a uma "orientação intelectual centrada na nação", ern ELIAS, I989b, pp. 26-27.

FEDER1CO N E I B U R G

qualificação de um ato como sendo violento comporta uma condenação — sendo que a ausência de uma reflexão sistemática sobre o sentido da palavra violência é responsável pela formulação de objetos de reflexão por parte das ciências sociais que também estão carregados de valores negativos. Diante desse problema, e antes de continuar, cabe um esclarecimento terminológico: assim como Elias, entendo por violência a utilização da força física na regulação das relações sociais, e por violência política o uso da força em

O NAC10CENTFIISMO DAS C I Ê N C I A S S O C I A I S . . .

A constatação da afinidade entre o processo de constituição dos modernos Estados nacionais e a gênese das ciências sociais é quase um lugar comum na literatura 5 . Sobressai, no entanto, a pouca atenção que tem merecido o exame de algumas dimensões e conseqüências dessa afinidade. Ao oferecer meios para conceituar a sociedade e a cultura, as ciências sociais contribuíram para a construção de um mundo social e cultural - feito de nações e de relações internacionais — no qual elas passaram a existir. Ge-

situações públicas (diferente, por exemplo, das situações domésticas), e em relações que são entendidas pelos próprios agentes sociais envolvidos como tendo algo a ver com o mundo da política (ELIAS, 1996). Dessa perspectiva -

neralizando a sugestão de Elias, pode-se descrever como naciocèntricas as teorias da cultura ou da sociedade que

coerente, aliás, com uma visão "antropológica" da política que, espero, ficará mais clara no decorrer da exposição —,

de boa sociedade que, de uma forma ou de outra, se referem sempre a sociedades ou a culturas nacionais6. Ao mesmo tempo que Elias criticou o estahlishmentso-

mundos sociais politizados são aqueles nos quais os indivíduos tendem a conceber seus problemas e relações em termos "políticos", mundos sociais nos quais "a política" não só envolve relações jurídicas, mas também valores morais4.

4. Ainda que Elias reconheça haver diversas implicações do uso da força física no mundo doméstico e no mundo público, dificilmente se encontrará em sua obra alguma definição teórica de violência política, já que a identificação dos atributos do mundo doméstico e do mundo publico ou político envolve uma questão empírica em que é fundamental considerar o ponto de vista dos agentes sociais que deles participam. A exposição mais econômica e densa de Elias sobre as relações entre civilização e violência, e sobre as formas violentas de fazer política, pode ser verificada em ElJAS (1996, pp. 171-203)44

têm no seu horizonte, ao mesmo tempo, uma ambição descritiva e prescritiva em relação a ideais de boa cultura e

ciológico consolidado depois da Segunda Guerra Mundial (em torno de figuras como Parsons, por exemplo), por sua inépcia para conceituar processos7, ele mostrou como essa

5. Além da grande quantidade de referências a processos específicos, a descrição dessa afinidade pode ser reconhecida de Durkheim a Weber, e, de formas diferentes e mais ou menos explícitas, de FoucAUiT f 1966) a HOIÍSBAWM (1991). 6. O naciocentrismo pode ser considerado como sendo uma forma particular do que DULIKHEIM & MAUSS (1969, p. 87) denominaram sociocentrismo -com a finalidade de designar a relação entre as categorias constitutivas de qualquer sistema de classificação, ou cosmologia, e as condições sociais de sua produção. 7. A intenção de explicar a preponderância dos modelos estrutural-funciona-

FEDERICO NEÍBURG

O N A C I O C E N T R I S M O DAS C I Ê N C I A S S O C I A I S - - .

incapacidade pode também ser compreendida sociologica-

são: as classes médias intelectualizadas que opunham os valores da cultura aos títulos de nobreza, a crença no pro-

mente, pois ela exprime uma dimensão do processo civilizatório: as transformações dos conteúdos das palavras civilização na França e cultura na Alemanha mostram, justamente, como essas noções, que algumas vezes serviram para descrever mudanças, gradativãmente passaram a retratar mundos estáticos - restringindo o seu conteúdo a uma referência a "Estados" (c£ ELIAS, 1989a, cap. 1; 1991b; 1996; 1997). Uma vez que as nações se transformaram na única forma de organização das comunidades políticas no plano global — especialmente, depois da Primeira Guerra Mundial e da

autopercepção das classes médias intelectualizadas tinham se nacionalizado (designavam agora ive-ideals e we-images de grupos sociais de urna escala maior), os conteúdos das palavras cultura e civilização tinham-se estatizaão — no duplo sentido de negar o movimento e de estar referidos às comunidades com base territorial e fronteiras políticas

fundação da Liga das Nações -, os ideais de boa sociedade, dizia Elias, passaram a se situar no presente. Afins com esse

que chamamos Estados. A referência a processos de civilização e de cultivação foi substituída pela ênfase nas dife-

movimento são as formas de conceituar a sociedade e a cultura que supõem homogeneidade, equilíbrio e estaticidade (ver, p. ex., ELIAS, 1987b; 1991b, pp. 133-146).

renças entre as nações; o termo civilização passou a distinguir o mundo ocidental de nações e de relações entre

Para os intelectuais ilustrados e humanistas do século

termo cultura começou a ser utilizado no plural, para designar as unidades delimitadas e diferenciadas que se

XVIII, como Voltaire ou Kant, as palavras civilização e cultura eram formas de autopercepção (em termos de Elias: we-images e we-ideals] de grupos sociais em ascen-

fl

gresso e no desenvolvimento da razão à etiqueta cortesa. Um século mais tarde, esses grupos sociais faziam parte do establishment dos novos Estados nacionais, as formas de

listas nas ciências sociais era, para Elias, uma forma de compreender por que a sua própria perspectiva genética sobre o social foi quase desconhecida por historiadores e sociólogos durante mais de trinca anos. Como se sabe, O Processo Civilizador foi editado pela primeira vez em 1939; o texto no qual Elias faz menção aos efeitos da "orientação intelectual naciocêntrica" ("rtaliozentrischen Denkorienttenmg} era o prólogo à 2' edição, publicada em Frankfurt, em 1968.

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nações de toda uma outra forma de organização social; o

autodefinem como culturas nacionais — cultura passou a ser sinônimo de "ser" ou de "caráter nacional" . O processo de nacionalização e de estatização dos conceitos de civilização e cultura tem conseqüências mais Para um comentário a respeito da originalidade da visão de Elias com relação aos estudos antropológicos sobre caráter nacional (e, em geral, sobre a sociologia c a antropologia das culturas c identidades nacionais), ver NKIBURG oi GOLDMAN (1998).

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FEDERICO NEJBURG

O N A C I O C E N T R I S M O DAS C I Ê N C I A S SOCÍAIS...

amplas nas ciências sociais: ele sugere que todos os con-

as teorias, que conformam o que um antropólogo poderia

ceitos (como sociedade ou identidade, por exemplo) que

reconhecer como uma mesma "cosmologia") na qual a boa sociedade é sinônimo de sociedade política, e a política é

designam unidades sociais (e unidades de análise) defini-

descrevem, ideais de homogeneidade e de equilíbrio que legitimam a existência de um mundo que se representa

o contrário da guerra — uma forma pacífica e racional de regular as diferenças e as relações sociais10. Essa imagem da boa sociedade, como se sabe, reconhece formulações célebres na tradição da filosofia políti-

como pacificado, integrado e dividido em unidades com fronteiras bem delimitadas.

ca que remonta a Hobbes; é também o ideal que identifica Weber na figura e na profissão do político e nas carac-

A análise do processo civilizatório permite compreender a gênese de uma configuração social, de uma economia psíquica e, também, dos ideais nos quais elas se legi-

terísticas da burocracia racional; é o mesmo ideal ao qual se refere Habermas quando estuda a gênese da moderna esfera pública burguesa". Segundo esse ideal, a sociedade

timam. Por um lado, a monopolização do uso legítimo da força física pelos Estados e a interiorização das coações sociais nas consciências individuais; por outro, a formula-

política opõe-se ao estado de natureza: em termos evolu-

das a partir da existência de fronteiras territoriais têm conteúdo estatizante e naciocêntrico — pois eles contêm, e

ção de ideais que descrevem uma forma correta de comportamento individual e de sociabilidade, e que enunciam os princípios de legitimação de uma ordem social. Nesse processo — que é o da gênese dos Estados nacionais modernos —, o mundo social se politiza, a parlamentarização garante a pacificação das relações intra-estatais, e a "díplomatização", a pacificação das relações interestatais9. Ao mesmo tempo, constitui-se uma teoria (ou vári-

9. A advertência de Elias, no sentido de que é no plano interestatal que é maior a persistência dos códigos guerreiros, deve estar acompanhada da relativização

da própria separação entre os planos inter e intra-estatais: o que hoje (ou para uns) é uma questão interna, em um outro momento (ou paia outros) pode ser uma questão externa. Considerar essa relatividade é importante para não substancializar a diferença entre, por exemplo, o que é tido como sendo uma guerra civil e uma guerra entre nações — uma questáo-chave na compreensão da relação enrre violência política e nacionalismo. 10. Elias mostrou o desenvolvimento dessa dimensão parlamentarizadorã do processo civilizatório, especialmente, em relação às particularidades do caso inglês (cf., p. ex., EÜAS, 1992, p p - 4 1 ess.). 11. Enquanto em Weber o estudo dos atributos do ripo racional-b u roerá tico implica, fundamentalmente, uma descrição sociológica e distanciada desse ideal (a respeito do qual o próprio Weber tinha sentimentos pelo menos contraditórios), em Habermas, ao contrário, há uma mistura entre a descrição da gênese histórica da esfera pública {na primeira parte do seu livro) e sua intenção de utilizar a história para construir uma fundamentação desse ideal que possa t« uma validade geral (na segunda parte) (cf. HAHKRMA5, 1984). Uma leitura o"e Weber, nesse sentido, pode ser encontrada

FEDER1CO NElBUftG

tivos, a política substitui a violência, as guerras são observadas como momentos extraordinários, as sociedades que praticam a vendetta ou a vingança de sangue são vistas como transicionais ou imperfeitas; o Estado moderno bem constituído monopoliza o uso legítimo da força, a diplomacia garante a paz, o sistema representativo de partidos é o mecanismo peío qual os cidadãos resolvem suas diferenças, escolhendo racionalmente, por meio do voto, os profissionais da política que estarão encarregados de tratar dos assuntos definidos como de interesse público. Essa representação mistura um argumento ético com um argumento historiográfico: a política violenta é uma má política que merece ser condenada; toda forma violenta de marcar diferenças e de regular os conflitos sociais deve ser considerada como um sintoma de atraso, de doença social ou de anomia. Seguindo as sugestões de Elias, creio que se pode comprovar como essa combinação entre argumentos normativos e descritivos tem sido responsável pelas dificuldades que as ciências sociais têm tido para produzir uma visão compreensiva do uso da força física no mundo da política12.

12. E importante esclarecer que a concepção da política como sinônimo de boa sociedade não tem nada de homogêneo e consensual. Ao contrário, como demonstram alguns trabalhos antropológicos sobre os sentidos da política {esp. PALMEIRA &: HEREDIA, noprefy, pode acontecer que ela seja um sinônimo de divisão e de conflito, alguma coisa que tem de ser delimitada a momentos ex50

C N A C I O C E N T R I S M O DAS C I Ê N C I A S SOCIAIS...

A gênese do mundo dividido em unidades sociais de base territorial, separadas por fronteiras políticas, que chamamos Estados nacionais, é paralela à gênese dos valores e ideais que legitimam esse mundo — os valores da diplomacia e da "boa política", associados à existência de partidos e parlamentos. O processo civilizatórío implica, ao mesmo tempo, uma progressiva pacificação do mundo social, produto da monopolização do uso legítimo da força física pelos Estados, e a consagração da paz como um valor positivo. No entanto, como fica claro na obra de Elias, a pacificação não é um processo unidírecional, muito menos a paz, um valor absoluto. Por um lado, a violência é constitutiva do próprio processo civilizatório; os valores da paz se impõem pela força; as guerras são meios para definir e redefinir fronteiras sociais; a consagração de certos aspectos em detrimento de outros como os verdadeiros traços do "caráter" de uma nação (uma forma lingüística ou religiosa, por exemplo) se realiza não só por intermédio de formas "doces" de violência (como as exercidas através do sistema escolar) ,

iraordinários como o "tempo da política", para que seja controlada e não vire causa de violência. Entre ambas as concepções parece surgir um contraste que merece atenção: por um lado, a associação entre a grande política das grandes teorias, impregnada de atributos positivos e, por outro, a pequena política local, impregnada dos atributos negativos vinculados ao íaccionalismo e à venJeOa. 13. Aexpressáo "violência doce" ê utilizada por BotJRDiEU {1980, pp. 209 e ss.).

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O N A C I D C E N T R 1 S M G DAS C I Ê N C I A S SOCIAIS...

mas também por meio de derramamento de sangue14. De fato, Elias adverte claramente que, longe de "normais", os estados de paz são temporários e frágeis15.

cesso civilizatório impõe-se pela força; o próprio ideal de pacificação serve para legitimar assassinatos, exige argumentos em favor das guerras justas (cf. WALZER, 1992).

Por outro lado, como acontece com todos os valores sociais, também aqueles referidos ao uso da força física estão situados no tempo e no espaço social: são relativos a posições e pontos de vista, de forma que o que é legítimo ou justo em um momento, ou para uns, pode não ser legítimo ou justo em um outro momento, ou para outros, Mais ainda: é fácií comprovar a freqüência com que a promessa de um futuro de paz legitima o uso da força (a "violência como parteira da história") tanto para os nacionalistas que buscam impor novas fronteiras entre Estados nacionais, quanto para os revolucionários que tentam refundar a ordem social no plano intra-estatal16. O pro-

14. Já no livro de Elias sobre a sociedade da corte pode-se ler uma análise minuciosa do caráter violento dos processos de nacionalização da vida social na Europa Ocidental a partir do século XIV, com ênfase especial na polítização da religião e nas guerras de religião (El.lAS, 1985, cap. 5, csp. pp. 178-179). 15. Onde, talvez, pode-se achar uma indicação mais clara da necessidade de inverter a relação entre "paz" e "normalidade" para formular o que Elias considerava serem os verdadeiros problemas sociológicos é na análise do Holocausto que ele realizou na época do julgamento de Eichmann (1961-62), e que está incluído como um capítulo {"The Breakdown of Civilizatton") no seu livro The Germans (ELIAS, 1996, pp. 299-402). Um argumento mais gerai sobre a necessidade de substituir a pergunta sobre as condições de possibilidade da violência pela pergunta sobre as condições de possibilidade da paz, podese verificar também em ELIAS (1996, pp. 173-176). 16. A própria relatividade da definição das dimensões intra e ínterestatais é um 52

Gostaria agora de discutir dois instrumentos que permitem perceber melhor a complexidade da visão de Elias sobre o lugar da violência no processo civilizatório — instrumentos que, como já disse, podem nos fazer avançar na construção de uma visão sociologicamente positiva das formas violentas de fazer política. O primeiro elemento refere-se à generalização da análise relativa às relações entre os grupos establisheâ e outsiders. Como se sabe, trata-se de um modelo formulado, pela primeira vez, em um estudo de comunidade realizado por Elias e Scotson nos anos 60, no povoado inglês de Winston Parva. O objetivo da pesquisa era compreender os princípios de diferenciação social que dividiam os moradores do povoado e faziam que os indivíduos e as famílias de statusmais elevado fossem representados como melhores, enquanto sobre os indivíduos e as famílias de status mais baixo pesavam todos os estigmas associados à anomia

ponto muito importante na análise de Elias sobre a violência política e o nacionalismo. Uma das singularidades da sua sociologia é mostrar a necessidade de construir objetos que não estejam restritos às sociedades nac.onais, mregrando na análise o campo das relações in te rés t atais, até agoraL de.xadonas mãos dos especialistas em problemas internacionais (v. ELIAS, 199U, p.

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O N A C I Q C E N T R 1 S M Q DAS C I Ê N C I A S SOCIAIS...

(delinqüência, desintegração, falta de coesão) — estigmas estes que existiam também nas consciências dos dominados, pois eles próprios sentiam-se inferiores. Do ponto de vista de Elias e Scotson, o que fazia deste um caso exemplar era o fato de que, segundo os indicadores sociológicos usuais (como renda, ocupação etc.) dificilmente poder-se-ia encontrar uma diferença significativa entre os dois grupos sociais. A única distinção entre eles estava dada por um princípio de antigüidade: uns moravam em Winston Parva muito antes que os outros — uns eram os established, os outros, que tinham chegado depois, eram os outsiãers. Entre ambos os grupos estabelecia-se uma relação de complementaridade e de conflito. A rejeição entre eles era um elemento essencial na definição da identidade de cada um — o status superior e o carisma dos establisheck, o status mais baixo e a desventura dos outsiders (ELIAS & SCOTSON, 1994). Elias podia reconhecer semelhanças entre a configuração das relações sociais em Winston Parva e a de outros universos sociais por ele estudados anteriormente — como aquele das relações entre a nobreza de espada e de toga, ou entre os cortesaos e os burgueses na sociedade cortesa. A reflexão sobre a configuração establishedloutsiders originou aquela que, talvez, seja a formulação mais sofisticada da teoria eliasiana do poder: uma teoria das relações de poder, na qual a hierarquia social (e a desigualdade) é tam-

bem um assunto de "opinião", já que o status é inseparável das representações sobre o status17. Este não é o lugar para examinar o potencial desse modelo. Interessa-me, mais, enfatizar em que sentido Elias demonstra que as relações established/oufsiders contêm sempre a possibilidade do uso da força física, de que maneira elas podem dar lugar a processos de "violentização" da vida social18. Ainda que os estigmas atribuídos aos outsiâers estivessem associados à delinqüência, Elias não registrou em Winston Parva nenhum uso sistemático da força física para regular as relações sociais. Na sociedade cortesa, por sua vez, a centralidade da figura do rei era a garantia do equilíbrio entre os grupos, ao passo que as tensões entre eles, no lugar de diminuir, aumentavam. Mesmo que nos seus trabalhos seja possível encontrar sugestões sobre o que poderiam ser as linhas principais do estudo da explosão de violência que se seguiu à noite de Varennes, as análises de Elias chegam somente até a época de Luís XVI, sem examinar os acontecimentos desencadeados depois da 17. Uma formulação mais geral dessa teoria está em EUAS (1994), na qual ele afirma claramente a validade geral da configuração establsshedloutsiders paia relações de força e de desigualdade entre grupos que podem ser conceituados, em termos nativos, como sendo de diferentes ordens: raças, cascas, grupos ecmcos, classes, nacionalidades etc. 18.0 próprio Elias refere-se em algumas ocasiões à "violentização" da vida social como sendo "processos de descivilização", mas sem desenvolver uma discussão sistemática sobre essa noção (para uma utilização da noção de descivilizaçáo" inspirada em Elias, cf. MENNELL, 1995, e FLIÍ.TCHKK, 1997).

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O N A C I O C É N T R 1 S M O OAS CIÊNCIAS SOCIAIS.

Revolução Francesa. Onde Elias mais claramente focali-

densidade sociológica que a questão geracional adquire

zou o seu interesse em compreender o uso da força física foi no universo alemão, mais especificamente, na compa-

em Elias se deve à sua inscrição na problemática mais geral das relações established/outsiders.

ração entre dois momentos da história dos alemães. Nessa análise, a teoria das relações establisheá/outsidersò.estmpe.-

Elias analisa a historicidade do uso da força física nas

nha um papel central. O primeiro momento é o que se seguiu à derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, quando jovens oficiais formaram as Freikorps, com o intuito de se contrapor ao que entendiam como uma inadmissível renúncia aos ideais nacionalistas por parte das velhas elites imperiais — em

relações entre os alemães - sendo que o uso da força era, no século XIX, um traço de distinção das elites alemãs em relação a outras elites européias. Elias demonstra o fundamento social desse habitus violento através da etnografia do duelo e das confrarias de estudantes e de jovens militares que formavam a satisfaktionsfãhige Geselhchaft -

um só ano, formações das Freikorps assassinaram mais de mil "inimigos políticos", dentre eles figuras ilustres como

uma sociedade fundada em um ideal militar de honra e de status, tal como o exprimiam a atitude de pedir satisfação diante de ofensas e a utilização recorrente e atuali-

Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg. O segundo momento é o da Alemanha de fins dos anos 60, quando jovens

zada da força física na definição das identidades pessoais e coletivas. A persistência e a generalização dos duelos

tão frustrados com o seu país quanto os de quatro décadas antes se alistaram em grupos terroristas de inspiração marxista, como o Baader-Meinhof. A busca de um senti-

entre os alemães no fim do século passado os distinguem de outros povos europeus entre os quais esse traço do habitus militar há muito havia praticamente desapareci-

do para a vida mediante o uso da violência por parte daqueles que censuravam o establishment das Repúblicas de Weimar e Bonn permitiu a Elias recuperar uma noção (a

do; também exprimem os paradoxos de um Estado que se auto-representava como forte e que, no entanto, tolerava como legítimas formas de fazer justiça e exercer violência fora de seu controle. Revela, ainda, as característi-

de geração) e um problema (o das relações entre gerações) que tinha estado muito em voga entre os que foram seus professores em Heidelberg e Frankfurt 19 . Parece-me que a 19. Cf., p. ex., o célebre texto de Mannheim, originalmente publicado em 1928 56

(MANNHEIM, 1991). Para um esboço da história social da constituição xlas diferenças geracionais em um princípio de diferenciação social e motivo de Luta na Áustria e na Alemanha em fins do século XIX e início do século XX, ver SCHORSKK (1979).

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cas de uma "boa sociedade" que exigia a adesão aos valores da aristocracia militar, e a confiança em seu papel de protagonista no futuro da nação alemã. A persistência entre os alemães dessa disposição favorável ao uso da força física, e as suas condições sociais de possibilidade, estarão, segundo Elias, na base da generalização da violência nas relações entre os alemães depois da crise da República de Weimar, e entre os alemães e os seus vizinhos europeus a partir de 1939. Para uma melhor compreensão dos mecanismos pelos quais uma configuração de relações entre grupos establishedz outsiders pode servir de base para a generalização da violência, examinemos o segundo instrumento analítico utilizado por Elias. Trata-se da noção de double-bind (traduzida para o português como "duplo vínculo"), que Elias tomou emprestada dos estudos realizados por Gregory Bateson nos campos da psiquiatria e da antropologia. Uma análise detalhada do conteúdo da noção de double-bind exigiria outro texto. Este deveria considerar os pontos de proximidade e afastamento entre a pretensão, igualmente totalizadora, dos modelos de compreensão da vida social {e das relações entre natureza e sociedade) em Elias e em Bateson; a centralidade, em ambos, das preocupações com os processos de socialização e de formação dos habitus sociais; e, também, seus respectivos interesses nas relações entre esses processos e os processos mais ge-

rais de mudança sócia! e cultural - uma relação que o próprio ELIAS (1990c, p. 66) fez explícita, e que, até o momento, não mereceu a atenção devida por parte daqueles que comentaram a sua obra. Como se sabe, a teoria do double-bind foi utilizada por Bateson nos seus estudos sobre esquizofrenia e, também, nas suas análises dos processos de mudança cultural — especificamente com relação ao que ele chamou de cismogênese (cf, p. ex., BATESON, 1996a; 1996b; 1973). Em Bateson, a teoria do double-bindserve para descrever uma situação em que o equilíbrio nas relações interpessoais e intergrupaís resulta não da ausência de conflito, mas, ao contrário, de uma oposição e tensão crescentes nos seus termos, na base das situações homeostáticas há conflito e oposição, não integração funcional. Quando se trata de compreender os processos que a clínica médica chama de esquizofrênicos, o foco da atenção coloca-se nas identidades dos indivíduos que participam de configurações familiares; quando se trata de estudos culturais, o foco desloca-se para as identidades grupais. Em ambos os casos, o double-bind descreve elementos que são inerentemente contraditórios: a identidade de um indivíduo ou de um grupo é e não é; ela tem, ao mesmo tempo, atributos positivos e negativos que sempre dependem das posições relativas de indivíduos e de grupos, e dos seus pontos de vista.

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Esse é, justamente, o sentido da análise de Elias das relações establiskedloutsiders: a dinâmica de atração e de repulsão entre os grupos estabelece uma situação de interdependência e de conflito crescentes que, dado um aumento exagerado no diferencial de poder entre eles, pode transformar em legítimo o uso da força e, em casos extremos, pode viabilizar o extermínio como forma de construir a identidade de uns às expensas da própria existência de outros (cf. ELIAS, 1994, p. xxxi). Considero que a teoria do double-bind desempenha nas reflexões de Elias um papel fundamental em dois sentidos: por um lado, ela permite completar a sua demonstração da relação constitutiva entre violência e pacificação; por outro, ela é fundamental para a compreensão dos processos nos quais o uso da força física é crescente — aquilo que o senso comum reconhece como "espirais de violência" e que alguns analistas do nacionalismo e do terrorismo político têm qualificado como processos de autonomização da violência20. No primeiro sentido, a teoria do doitble-bind permite a Elias formular de maneira enfática seu modo de con-

ceber a relação entre paz e violência na ordem nacionalestatal, uma ordem que Elias estava longe de considerar como a realização de um estágio evolutivo superior, ou como o fim da história. Ao contrário, e reproduzindo uma expressão utilizada por ele mesmo de forma recorrente, a ordem nacional-estatal tem, como o deus Jano, duas faces: uma é a face dos ideais de paz e democracia; a outra tem a cor do sangue, da morte e do extermínio. No segundo sentido, o double-bind implica a generalização entre os grupos sociais de um mecanismo recíproco de ameaça e temor que tende a legitimar o uso da força em uma escala cada vez maior. Esse é o caso já mencionado das relações entre as milícias nacionalistas das Freikorfsc os grupos müitarizados do partido social-democrata na época de Weimar e, também, da relação entre grupos como o Baa4er-Meinhof& o Estado alemão ocidental nos

20. Seria interessante explorar o contraste entre a idéia de "auconomizaçlo da violência", utilizada por autores como FELDMAN (1991) para a Irlanda do Norte, e de "rotinizacão da violência", como proposta porTAMBlAH (1997) para o sul da Ásia, de uma forma próxima da noção eliasiana de ritualizaçáo da violência, vinculada a processos de formalização do uso da força física, como nos duelos na Alemanha de início do século XX (ELIAS, 1996, pp. 44-120).

anos 60. Sem dúvida, poderíamos identificar processos semelhantes em universos sociais mais próximos, como na América Latina dos anos 70, no confronto entre grupos de inspiração marxista, que acreditavam ser legítimo fazer política de forma violenta, e formações militares estatais, e paraestatais, que reivindicavam a necessidade de manter o monopólio da violência que supostamente seus inimigos ameaçavam. Creio que, também nesse sentido, a perspectiva de Elias demonstra a limitação das interpretações

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unicausais e epocalistas21, restringidas à consideração da difusão de tradições ideológicas (como a guevarísta, por exemplo). Essas explicações não consideram as condições sociais que tornaram possível a atualização dessas tradições (a dinâmica dos conflitos intergeracionais apontada por Elias, ou a relação entre a origem social dos jovens e os sistemas escolar e universitário, as suas perspectivas de carreira e trabalho etc.}, e são unilaterais, pois não incluem todos os agentes e todos os bandos que estão envolvidos nas relações violentas, e os seus motivos. Ao contrário, uma visão compreensiva, beneficiada pela leitura de Elias aqui sugerida, deve ter por objeto a reconstituição da totalidade da configuração social em que ocorrem os processos de double-bind. Para isso, é condição necessária uma perspectiva distanciada. Somente dessa forma se poderá construir um ponto de vista no qual estejam presentes, de forma não controlada, os ideais de boa sociedade e de boa política do analista, e compreender as condições sociais e os motivos internos que levam homens e mulheres a achar que é legítimo o uso da força para fazer política e que se pode ou deve morrer e matar para impor ideais de boa sociedade em um mundo de nações22. 2I.Sobreanocáode"epocalismo",cf. GEÉRTZ, 1973. 22. Certamente, a compreensão do sentido de matar c morrer por ideais de organização da sociedade proposta por Elias pode ser enriquecida, a partir da consideração das extraordinárias formulações de Kantorowicz relativas à Europa medieval (cf. KANIOROWICZ, 1994). 62

ELIAS, WEBER E A SINGULARIDADE CULTURAL BRASILEIRA* JESSÉ SOUZA

Texto apresentado na mesa-redonda "Norbert Elias: 100 Anos , cit.

t ste artigo não pretende ser uma exegese da obra de Norbert Elias. O leitor certamente encontrará, nos outros textos que serão publicados conjuntamente com o presente, interessantes interpretações de aspectos internos à obra de Elias. Meu interesse neste texto, ao contrário, consiste em relevar um aspecto particular do pensamento deste autor. Este aspecto me parece interessante para a questão da comparação entre diferentes culturas e para a polêmica que contrapõe as noções de relativismo e universalismo nas ciências sociais. A idéia do artigo é polemizar a posição de EHas neste particular comparando-a com a de Max

JESSE SOUZA

Weber e mostrando sua importância para o estudo de uma cultura como a brasileira. Existem paralelos interessantes que podem ser traçados a partir dos interesses de pesquisa de Max Weber e Norbert Elias. Um dos mais evidentes me parece ser a leitura do processo de desenvolvimento ocidental partindo da perspectiva do controle dos afetos e dos sentimentos humanos mais primários. Norbert Elias, no seu livro sobre o processo civilízatórío no ocidente (ELIAS, 1939), propõe uma interpretação do mesmo no sentido de uma tendência crescente ao domínio da vida afetiva e do autocontrole. Elias destaca a figura de Erasmo, pensador holandês, como introdutor da noção de civilizado (àvilifé) como uma forma de comportamento distinto por oposição ao popular ou vulgar. Erasmo seria muito importante para o estudo dessa problemática, dado que ele é uma típica figura da época de transição entre a Idade Média e o advento da sociedade cortesa. Embora não exista ponto zero na questão do controle social do comportamento individual, Elias percebe precisamente na passagem entre essas duas épocas históricas um ponto de inflexão fundamental para o processo civilizatório. A partir dessa época teríamos o desenvolvimento de uma maior sensibilidade em relação ao desconforto social vinculado a certas práticas individuais. Várias das práticas ligadas à condição camponesa, ou outras tidas como su66

ELIAS, WEBER E A SINGULARIDADE CULTURAL B R A S I L E I R A

postamente vulgares, passaram a ser cuidadosamente estigmatizadas e evitadas. O aumento das interações humanas que a sociedade cortesa pressupõe acarreta a necessidade de se lidar com vários tipos de pessoas, adaptando o comportamento aos diversos estratos sociais representados. Nasce aqui uma pressão social de tipo novo que os homens exercem entre si. A necessidade da referência ao outro aumenta. Elias analisa, com base em interessante material empírico, as mudanças de comportamento ocorridas entre os séculos XIII e XVI. Nesse intervalo de tempo, temos uma sensível mudança de atitude em relação a uma série de necessidades naturais dos indivíduos. O comportamento à mesa, o costume de cuspir e assoar o nariz, o sono, a vida sexual, a agressividade etc. passaram a ser regulados de forma a servir de sinal de refinamento e civilidade. Uma outra etapa do processo civilizatório se apresenta quando, por força da crescente divisão do trabalho e acirramento da competição social, o controle externo é substituído pelo controle interno. Apenas com este último desenvolvimento a regulação da vida pulsional atinge o caráter evidente que percebemos hoje. Só então o controle do comportamento individual atinge o nível da sociedade democrática e industrial moderna. Agora, autocontrole transforma-se em princípio da saúde mental e física e é internalizado por cada um dos indivíduos. 67

ELIAS, W E 8 E R E A SINGULARIDADE CULTURAL B R A S I L E I R A

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estamentos sociais -, Weber se preocupa com a comparação entre culturas. Neste contexto, a cultura ocidental é apenas mais uma espécie dentro do gênero. Como "filho" da moderna cultura ocidental, Weber procurou indagar, antes de tudo, como essa cultura específica se constituiu, o que fundamenta a sua peculiaridade em comparação com outras e para que direções ela aponta. É essa a origem do seu monumental estudo comparativo sobre as grandes religiões mundiais. A questão é determinar a especificidade do racionalismo ocidental. O fato é que Weber fica a meio caminho entre a opção de considerar esse um racionalismo dentre outros de igual valor, ou de considerá-lo "superior" ao de outras culturas. Essa ambigüidade fica evidente já no primeiro parágrafo do prefácio geral aos estudos das grandes religiões mundiais:

Para Elias, processo cívilizatório não significa o desabrochar de mudanças racionais e refletidas visando ao melhoramento da vida social. Antes disto, temos a necessidade dos setores mais abastados de se distinguir dos menos favorecidos de modo a se perceber legitimados na sua superioridade. Anteriormente, na Idade Média, o estrato superior não tinha necessidade desse tipo de legitimação. O cavaleiro medieval exercia a dominação sem subterfúgios das armas, prescindindo de outro tipo de invólucro legitímador. A diferença social, nesse estágio, é evidente para todos e garantida pelas armas. O aumento da competição social, no entanto, provoca a necessidade de distinção social por outros meios. O movimento se mostra, tipicamente, como um meio de auferir distinção social por parte do estrato dominante. Assim, à medida que o novo comportamento é assimilado, ele perde seu caráter diferenciador e novos refinamentos têm de ser produzidos. O tema do controle dos afetos, ou da disciplina para usar a linguagem do autor, é um tema central também para Max Weber. A disciplina é uma dimensão fundamental do processo de racionalização societária ocidental, que culmina com a tese do protestantismo ascético como parteiro do "racionalismo da dominação do mundo" típico do Ocidente. Enquanto a atenção de Elias se dirige a um aspecto interno ao processo de desenvolvimento ocidental — daí a sua ênfase na dinâmica entre as classes e os

Problemas de história universal vão ser enfrentados por um filho da moderna cultura européia de forma correta e inevitável sob o seguinte ponto de vista: que associação de condições concorreram para que, precisamente no Ocidente, e apenas nele, tenhamos produções culturais, as quais — pelo menos assim gostamos de imaginar - representam direções de desenvolvimento de significado e validade universais? {WEBER, 1947, p. 1).

De início, é importante notar, significado e validade querem dizer coisas distintas. Significado tem a ver com a noção de Heinrich Rickert de "significação cultural"

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E L I A S , W E B E R E A S l MG U L A R l D AO E C U L T U R A L B R A S I L E I R A

(Kulturhedeutung), que designa um fenômeno digno de

pequeno de adeptos, o que não a classificaria sequer como

relevo, no sentido de importante como objeto de estudo,

grande religião mundial. Se Weber dedica tanto esforço ao seu estudo é precisamente devido a seu papel central na

em comparação com outros mais discretos. O contexto, nesse caso, é neutro com relação a valores, ou seja, não existe avaliação, mas simples "relação com valores", e a escolha se dá por razões heurísticas. Já validade remete a um outro estado de coisas. Validade implica avaliação e, portanto, defesa da exemplaridade da experiência ocidental em comparação com outras culturas. Uma leitura neoevoiucionista da obra weberíana inspirada no evolucionismo formal de um Kohlberg ou Habermas, como a de Schluchter, por exemplo, veria essa exemplaridade no campo moral (SCHLUCHTER, 1979, pp. 34-38)'. í " j.füfí

Um dos principais méritos da sociologia da religião comparada levada a cabo por Weber é enfatizar a dívida ocidental de longo prazo com o judaísmo antigo. En-

Pd.

quanto todos os outros estudos de religião comparada envolvendo hinduísmo, budismo, taoísmo, islamismo, confucionísmo etc. servem para marcar a especificidade do

gênese da religião e, conseqüentemente, da racionalidade ocidental como um todo. É com o judaísmo antigo que temos a "invenção" da concepção suprapessoal da divindade. Muito da capacidade de resistência dos judeus como povo-páría deve-se ao enorme potencial moral dessa concepção2. O mandamento divino é dirigido à consciência do fiel (quanto menos ritualismo, mais o componente ético destaca-se). Instaura-se, desse modo, pela primeira vez como opção consciente, a questão fundamental de toda'moralidade: o que devo fazer? O bem (o mandamento divino) ou o mal (desobedecer a esse mandamento)? É esta tensão que cria, no sentido forte ao termo, a moralidade como uma esfera consciente da vida humana. Esta moralidade ainda é tradicional, ou seja, o grau de consciência e reflexividade ainda é limitado, dado o fato de que a fonte da moralidade (a di-

caminho ocidental por oposição ao oriental, no estudo do judaísmo antigo encontra-se uma finalidade diversa. Ao contrário de todas as grandes religiões mundiais aqui mencionadas, o judaísmo tem um número relativamente

vindade) é indiscutível, sagrada, tabu. Na terminologia da teoria moral contemporânea, a regra moral é rígida, e não

É interessante notar que, mais tarde, Schluchter torna-se bem mais reticente e cuidadoso em relação a esse aspecto. Cf. ScHi.uCHTKH, 19S8, pp. 98-101.

2. Esse potencial foi responsável, por exemplo, pelo destino diverso dos judeus do sul e do norte no cativeiro do Egito. V. WKBER. 1923, pp. 281-400.

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movida por princípios abertos à discussão e à crítica.

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Apenas o Ocidente consegue superar os limites de ura

uma concepção de mundo tradicional e da forma de consciência que lhe corresponde. A aquisição de uma consciên-

ELIAS, WEBER E A S I N G U L A R I D A D E CULTURAL BRASILEIRA

A tese de Weber é de que o protestantismo ascético foi o parteiro não intencional desse mundo secularizado,

cia moral pós-tradícional é o que está em jogo na passagem da ética da convicção, típica de sociedades tradicionais le-

precisamente ao deslocar o prêmio religioso para a repressão dos elementos afetivo e sentimental da personalidade em nome do sucesso da empresa mundana. O racionalis-

gitimadas religiosamente segundo uma moral substantiva, para a ética da responsabilidade, que pressupõe contexto

mo ocidental é visto como o racionalismo do controle dos afetos. Como em Elias, a competição social, ou melhor,

secularizado e subjetivaçao da problemática moral. Essa

uma solidariedade social baseada no princípio da competição, é o estímulo social primário para a disciplina e o controle dos impulsos naturais. Ao invés da ênfase na

passagem é "espontânea" apenas no Ocidente. O seu produto mais acabado é o indivíduo capaz de criticar a si mesmo e à sociedade em que vive. Esse indivíduo liberto das amarras da tradição é o alfa e o ômega de tudo o que associamos com modernidade ocidental, como mercado capi-

fraternidade cristã típica do catolicismo, temos a ênfase na competição de todos entre si, sendo o indivíduo o fundamento moral último e não mais a coletividade. Os 'ou-

talista, democracia, ciência experimental, filosofia, arte moderna etc.

tros" transformam-se de irmãos em competidores. Weber denomina o tipo de racionalismo daí resultante de "racio-

Estava claro para Weber que esse indivíduo é uma mera possibilidade aberta pelo desenvolvimento ociden-

nalismo da dominação do mundo" (Rationalismus der Weltbeherrschun$, pela sua característica de controle, tan-

tal. Ele era perfeitamente consciente do fato de que o processo empírico de individuação leva antes à fragmentação do indivíduo — como fica claro na ironia em relação aos especialistas sem coração, como personalidades mais típicas do mundo moderno, que imaginam, ridiculamen-

to dos instintos naturais humanos quanto da natureza

te, ter alcançado o mais alto grau de civilização. Nada disso, entretanto, retira a verdade da afirmação de que a possibilidade existe, inclusive, em alguma medida, concretamente.

exterior (WEBER, 1947, p. 93). Esse controle é exigido do indivíduo, que deve ter uma organização psíquica e moral nova: toda ênfase legitimadora passa a ser conferida às noções de responsabilidade e iniciativa individual. O racionalismo da dominação do mundo é o mundo da razão instrumental. As três dimensões do pensar e agir humano, relativas aos mundos subjetivo, social e objetivo (da natureza externa por

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ELIAS, W E B E B E A SINGULARIDADE CULTURAL B R A S I L E I R A

oposição à interna do mundo subjetivo) são instrumenta-

se ao exemplo francês, Elias nota que o conceito de "civiü-

lizadas. Isto significa que a atitude dos indivíduos dessa sociedade vai tender a ser instrumental com relação a si

sation deixa paulatinamente de significar o destino social específico da burguesia francesa para representar a auto-

próprios, aos outros com os quais compartilham o mundo social e com relação à natureza exterior. O berço da

consciência (de superioridade) da nação como um todo. O objetivo legitimador agora refere-se ao expansionismo e

nova cultura é o norte europeu e, depois, com força incomparável, os Estados Unidos.

esforço colonizador do país como um todo. Elias cita o discurso de Napoleão à sua tropa pouco antes de ocupar o Egito em 1798: "Soldados, vocês estão prestes a empreender uma conquista, cujas conseqüências

A comparação com Elias se torna mais interessante quando atentamos não mais para as semelhanças, mas sim para as diferenças entre os dois autores, O interesse genético de Elias não se dirige à determinação da especificidade

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ocidental por oposição a outras culturas. Sua atenção se concentra na direção do processo e na determinação da sua dinâmica. Como vimos, a necessidade de distinção social não é "racional", ou seja, baseada em alguma espécie de necessidade social fundamental. Ao contrário, ela é

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para a civilização são imprevisíveis" (ELIAS, 1990b, p. 63). Ao contrário do que ocorreu por ocasião da formação desse conceito, este era usado agora como representando a nação enquanto tal e seu direito e legitimidade de conquistar outros povos. Toma-se agora o resultado do processo civilizatório simplesmente como expressão da pró-

fundamentalmente arbitrária, estigmatizando comporta-

pria capacidade e superioridade. O fato de se perguntar como e por quê, ao longo de muitos séculos, se chegou ao

mentos e favorecendo outros de acordo com as necessidades de legitimação dos estratos sociais superiores. A justificação desses comportamentos como mais saudáveis ou higiênicos é posterior a sua estigmatização.

comportamento civilizado não mais interessa. E a consciência da própria superioridade presta agora, às nações colonizadoras e conquistado r as, o mesmo serviço que já havia prestado ao interesse legitimador dos estratos supe-

Mais importante para nossa argumentação é um outro aspecto do argumento de Elias. Na medida em que se con-

riores (ELIAS, 1939: I, 63-64.). O interesse de Elias é marcadamente desmistificador.

solida o poder dos estratos sociais em benefício dos quais o processo civilizatório se fez, temos a expansão e a tradução de sua visão de mundo à nação como um todo. Referindo-

A ele interessa apontar o caráter arbitrário e derivado de justificações aparentemente neutras com respeito a valor. Apesar da significação desse conceito de neutralidade

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ELIAS, WEBER E A SINGULARIDADE CULTURAL BRASILEIRA

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vaíorativa para o cientista Weber, o homem Weber era menos infenso às suas armadilhas.

com o interesse histórico e genético de sua sociologia e

Na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (WEBER,

aludido acima. Para Günther Roth (RoTH & LEHMANN, 1995), Weber

com o potência! heurístico da racionalização religiosa já

1947) Weber identifica duas versões européias de protestantismo. Uma emotiva, grupai, que ele associa à Alema-

era um whig que tratava o purítanismo como antecessor do liberalismo e individualismo moderno e que percebia o conteúdo político das lutas religiosas pela liberdade. Para

nha, e outra racionalista e individualista, que ele associa à Inglaterra e aos Países Baixos. Sua aversão à primeira tradição e sua admiração pela última fica clara em uma carta endereçada a Adolf Harnack no começo de 1906:

Weber o fundamento do individualismo moderno é que Deus deve ser mais obedecido do que os homens, fundamento este que já é judaico, mas que o puritanismo leva ao limite; esse é o real elemento criativo da cultura oci-

"O fato de a nossa nação jamais ter sido formada na escola do protestantismo ascético é a fonte de tudo que eu odeio nela e em mim mesmo" (Max Weber, apua ROTH & LEHMANN, 1995, p. 85).

dental. Essa parece-me ser também a razão da idealização

Essa impressionante confissão não é um dado isolado no contexto da obra weberiana. Bem ao contrário, ela é

weberiana das instituições políticas inglesas. No seu "Parlamento e Governo em uma Alemanha Reconstruída" de 1918 (WEBER, 1958), onde procurava influenciar a gesta-

um resumo de toda uma concepção de mundo que está na base dos temas que comandaram a curiosidade de Max

ção de novas instituições para a Alemanha do imediato pósguerra, a sugestão é de que as instituições políticas britâ-

Weber. De início ela significa uma relatívizaçao da con-

nicas, especialmente um parlamento livre e atuante, eram a base do poderio mundial britânico. Impressionava a

tribuição francesa para o racionalismo ocidental. A Revolução Francesa, apesar do alvoroço que provoca, não se compara a uma verdadeira revolução da consciência como a do protestantismo ascético. Instituições não se derrubam

Weber a conexão entre puritanismo, democracia, capitalismo competitivo e poderio mundial. Era isto que ele

mento. Uma real mudança institucional advém da conversão aos corações e mentes aos pessoas. Isto tem tudo a ver

queria para a Alemanha de sua época. Acho que aqui encontramos a chave para a ambigüidade de Weber. O fato de remontar ao judaísmo antigo e a toda herança cristã a singularidade do racionalismo oci-

com o método compreensivo da metodologia weberiana,

dental por um lado, ao mesmo tempo em que elege o

pela violência ou pelo sangue da vingança e do ressenti-

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ELIAS, WEBER E A SINGULARIDADE CULTURAL BRASILEIRA

puritanismo como via dourada do mesmo, deve-se, creio eu, à fascinação com o poder imperial inglês à época. Era esse poder e afluência que Weber sonhava para sua Ale-

tante ascético weberiano. Uma leitura atenta da caracterologia do homem cordial descobre que ele é, ponto por ponto, o inverso perfeito do protestante ascético como é definido por Max Weber. O homem cordial é a antipersonalidade por excelência, no sentido de que o contraponto implícito de Sérgio Buarque, leitor de Weber de primeira hora, é a personalidade por excelência para Weber: o protestante ascético cuja condução da vida é determinada "de dentro" (WEBER, 1947, p. 534), por um ato de vontade que controla a emotividade em nome de uma ação conseqüente no mundo externo. Daí ser o racionalismo que habita esse tipo de personalidade o da domina-

manha. Creio que essa "vontade política" o impedia de desenvolver toda a ambivalência que ele próprio detectara no "racionalismo da dominação do mundo". Creio também que a mesma "vontade política" anima parte do nosso pensamento social neste século. O êmulo no caso são os EUA, e não mais a Inglaterra. O conteúdo do racionalismo cultural é o mesmo, e são semelhantes as razões do esquecimento da ambigüidade. O enorme êxito econômico americano, uma categoria que se refere ao sucesso, ou seja, a uma transformação do mundo exterior, transmuda-se imperceptivelmente em superioridade moral, significando o bem, o justo, o democrático, o paradigmático. Da mesma forma que Max Weber, e até, com muito mais razão, grande parte do pensamento social brasileiro, identifica democracia, capitalismo competitivo e afluência material com puritanismo. Pensemos em alguns exemplos concretos. Sérgio Buarque de Holanda, tido com toda a justiça como um dos nossos maiores pensadores, é um caso típico do que afirmei. A sua inspirada teorização sobre o "homem cordial" (BUARQUE DE HOLANDA, 1963, pp. 101-112), como tipo de personalidade mais singular de uma sociedade como a brasileira, remete como contraponto necessário ao protes-

ção do mundo. O homem cordial, nessa unha de raciocínio, se assemelharia ao confuciano, definido por Weber como a oposição mais perfeita ao protestante asceta, dada a determinação externa e tradicional do seu comportamento. O racionalismo típico desta última forma de comportamento foi chamado por Weber, conseqüentemente, de "acomodação ao mundo" (Anpassung an die Weli}. Tivesse Weber estudado o Brasil, no entanto, teria ele chegado, muito provavelmente, a uma conclusão semelhante a de Sérgio Buarque, e eleito o "homem cordial" como o contrário perfeito do protestante nórdico. É que, como chama a atenção Sérgio Buarque, falta ao homem cordial até mesmo o dado ritualístico das boas maneiras que caracte-

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ELIAS, W E B E R E A S1NG ULAR1DAD E CULTURAL BRASILEIRA

ríza o confuciano e o oriental em geral e que implica al-

ciai pela cultural o problema se mantém. Em lugar do

guma forma, ainda que superficial e ditada pelo exterior, de regulação da conduta. Apenas o homem cordial é con-

branco como único elemento capaz de construir uma cultura na qual as funções intelectuais e morais superiores se-

cebido como negatividade pura, entidade amorfa, dominada pelo conteúdo emotivo imediato e necessidade des-

jam dominantes, temos, agora, a cultura protestante (por sinal branquíssima) como a única capaz de construir uma

medida de reconhecimento alheio. Como resultado — daí a caracterologia do homem cordial ser a essência do livro

nação moderna e civilizada. O homem cordial de Sérgio Buarque tem as mesmas

—, não temos aqui nem mercado capitalista moderno nem democracia digna deste nome.

qualidades desprezíveis do negro de Gobineau, quais sejam, as do predomínio do reino dos afetos e emoções, por

Isto não significa que o homem cordial não tenha qualidades para Sérgio Buarque. O fato é que essas quali-

oposição às funções superiores intelectuais e morais, apa-

dades, que foram tão importantes na criação de umagrawde nação nos trópicos, como a plasticidade, capacidade de acomodação e compromisso com o gentio e com o meio físico, são as mesmas vistas como obstáculo para a criação de uma grande nação moderna. Esse é o ponto. A herança

nágio do branco (e do protestante ascético). Onde está a real diferença entre um adepto do racismo científico como Euclides da Cunha e um institucionalista cultural como Simon Schwartzman, por exemplo? Euclides (CUNHA, 1979) é forçado, por estar pensando dentro do contexto do paradigma racista, a construir uma

Esse ponto parece-me fundamental e permanente. Sua permanência relatívíza inclusive a mudança, efetuada nas

dualidade contrapondo o Brasil falso do litoral ao Brasil autêntico do sertão. Assim, apenas o mestiço do litoral seria degenerado, sendo o outro, o do sertão, simplesmen-

primeiras décadas deste século, do paradigma da raça para o da cultura. Se não, vejamos. A contradição fundamen-

te um retardatário. Como conclusão, temos que, se um Brasil está perdido, o outro ainda pode ter esperanças de

tal no "racismo científico" dominante na virada do século no nosso país, era, como se sabe, a conciliação de um pon-

chegar ao mesmo nível de civilização das grandes nações

ibérica passa a ser sinônimo de atraso e anacronismo.

to de vista racista, que tinha o branco como único elemento capaz de formar uma cultura superior, com a realidade brasileira de país mestiço. Se substituirmos a questão ra-

européias da época. Uma dualidade similar, construída inclusive também a partir de uma metáfora espacial, é estabelecida por Simon Schwartzman no seu São Paulo e o Estado Nacional 81

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Simon identifica o protestante asceta, sujeito oculto em Sérgio Buarque, identificação esta aliás correta historicamente, com o americano. Simon (SCHWARTZMAN, 1975) introjeta "os americanos" no Brasil, em São Paulo precisamente, o qual passa a ser uma espécie de Nova Inglaterra tropical, e opõe duas formas brasileiras de ser: uma moderna, empreendedora e libertária, e outra tradicional, retrógrada e arcaica, que reproduzem no nível institucional a mesma oposição que interessava a Sérgio Buarque ao opor homem cordial e protestante asceta {e que Euclides havia sugerido em termos raciais). Novamente temos aqui urn Brasil "perdido", tradicionalista e anacrônico, contraposto a um outro Brasil, que permite esperanças de redenção social. O principal, o essencial não muda: o paradigma absoluto está fora de nós, seja ele a raça branca seja a cultura puritana, e cabe vê-lo em potência ou em semente em nós mesmos como sinal de esperança. A intenção aqui não é, evidentemente (gostaria que isto ficasse bem claro para o leitor), negar a existência de permanências da formação societária brasileira tradicional que implicam opressão, miséria e atraso econômicosocial. Acredito, no entanto, que a ausência de crítica ao projeto cultural (ou ao racionalismo, como diria Weber) tido como superior — o qual chamo de projeto do "protestante ascético" para enfatizar o elemento genético das escolhas culturais contingentes envolvidas — fragiliza po82

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ELIAS, WEBER E A SINGULARIDADE CULTURAL BRASILEIRA

tencialídades de desenvolvimento alternativo para nossos problemas. Essa linha de raciocínio, que no contexto do paradigma cultural parece ter-se iniciado com Sérgio Buarque, tornou-se uma espécie de pressuposto implícito da maior parte de nosso pensamento social. Em Roberto DaMatta, apesar de todo o seu cuidado em tentar perceber ambigüidades culturais, encontramos uma curiosa confirmação do que estamos tentando mostrar. Embora seus últimos textos e entrevistas sejam marcados pela tentativa de apontar, precisamente, também aspectos "positivos" de nossa cultura em comparação com outras (especialmente a americana), seu texto mais denso teoricamente, o capítulo "Você Sabe com Quem Está Falando?" (DAMATTA, 1978), é bem mais unilateral. O conceito de hierarquia, central para a engenhosa visão de DaMatta acerca da realidade brasileira, não tem nenhum aspecto positivo, ao contrário do que defende seu mestre Dumont. Hierarquia é para ele, como a cordialidade para Sérgio Buarque ou ainda a cultura do favor para Roberto Schwartz, uma mera negativídade, sinônimo do engano, da fraude, da ineficiência, do autoritarismo e da tradição por oposição ao moderno. O ponto essencial que me parece digno de crítica nessa tradição — em que uma escolha cultural contingente, um racionalismo específico, para usar a terminologia weberiana, é alçado a princípio acima da crítica como pó83

J E S S É SOUZA

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ELIAS, WEBER E A S I N G U L A R I D A D E CULTURAL B R A S I L E I R A

sitividade pura, ao passo que uma outra escolha cultural,

O contrário é que é verdadeiro. É um lugar comum na nos-

a qual temos bons argumentos para encarar como fenômeno universal no sentido de Dumont, é vista como ne-

sa historiografia o reconhecimento de nossas raízes ibéricas. A negação é mais sutil. Ela advém do não-reconhecimento

gatividade pura — é o esquecimento da noção fundamental de ambigüidade cultural.

de valores positivos desse passado. O passado ibérico traz o peso de tudo aquilo de que queremos nos livrar.

Em outras palavras, se cada opção cultural ou cada racionalismo específico representa absolutizaçoes de pon-

A principal confusão, para mim, é a identificação, exatamente como acontece com Max Weber, entre racio-

tos de vista, como convincentemente defende Weber (apesar de ele próprio não praticar o que diz), não há como se

nalismo ocidental (que apresenta conquistas reais que nenhum de nós gostaria de perder, como: democracia, ciên-

pensar na possibilidade de que um racionalismo particular seja erigido em exemplo absoluto para todos os outros.

cia, capitalismo afluente etc.) e protestantismo puritano. O conteúdo moral do individualismo — daí o interesse na

A exemplaridade possível e desejável é aquela relativa, posto que exige uma perspectiva particular que permita uma

ambigüidade weberiana, já que ninguém melhor do que ele estudou a gênese dessa racionalidade comum — é herança de toda a Europa ocidental. O protestantismo puri-

comparação pontual, limitada, que sempre deixa margem a um cálculo de perdas e ganhos de produções e possibilidades culturais.

tano deveria ser concebido como um caminho alternativo

Na tradição brasileira mencionada acima, a exempla-

dentro dessa herança comum. A referência a Elias, acredito, corrobora a intenção

ridade do projeto cultural do "protestante ascético" não é relativa, mas absoluta, daí o seu sentido de positividade

crítica aqui formulada. Ele chega a considerar uma fase essencial do próprio processo civilizatório quando a cons-

plena. O que se perde nesse movimento, é sempre bom repetir, não é pouco. O que está em jogo aqui me parece

ciência da superioridade do comportamento moldado por esse processo é substancializada na ciência, na técnica e na

ser a possibilidade de avaliação, ou seja, de crítica consciente, distanciada, que envolve sempre a consideração de perdas e ganhos, da própria cultura e das outtas com as quais podemos aprender. A razão disso, me parece, não reside no

arte, enquanto prova da supremacia nacional das grandes nações conquistadoras ocidentais sobre outras culturas (£LIAS,

fato de que negamos explicitamente nossa herança ibérica.

seu Imperialismo e Cultura. (SAID, 1995).

1939: I, 64). Um uso contemporâneo e extremamente estimulante dessa problemática é feito por Edward Saíd no

85

JESSE SOUZA

Para Said, o imperialismo tem a ver, talvez de forma ainda mais importante do que o fato das vantagens econômicas, com retirar a autoridade moral ao derrotado de falar a partir de um ponto de vista particular. Daí Edward Said insistir corretamente no aspecto aparentemente desinteressado do imperialismo, como filantropia, arte, ciência etc. como o núcleo mesmo do domínio imperial. William Blake, citado por Said, vai direto ao ponto da nossa discussão aqui: "O fundamento do Império é arte e ciência. Remova-os e o Império deixa de existir" (apudSMD, 1995, p. 13). O caso do Brasil é atípico. Enquanto a perspectiva de Said é o mundo muçulmano, ou o Oriente como o outro do Ocidente, o Brasi! é simultaneamente Ocidente, por participar da mesma herança judaico-cristl que desemboca na constituição do indivíduo moderno, sem ser reconhecido como taí. Eu gostaria de citar apenas um exemplo para ilustrar o argumento que venho defendendo. O que ErnstTroeltsch chamou de Igreja e seita ao teorizar sobre formas alternativas de comunidade religiosa tem especial significação para o que pretendemos discutir aqui (TROELTSCH, Í994, pp. 427-986). Os tipos de Troeltsch são dimensões distintas e alternativas de comunidade religiosa cristã. A Igreja pode ser caracterizada como uma concepção orgânica de instituição religiosa vista como a presença viva de Cristo na terra. É desse poder que derivam todos os sacramentos.

ELIAS, WEBER

E A SINGULARIDADE CULTURAL BRASILEIRA

Fundamental para nossa discussão é que a Igreja é vista como possuindo prioridade ontológica e temporal sobre os indivíduos. Através da palavra sagrada e dos sacramentos a Igreja aceita e recebe todos os indivíduos tal como eles são, estabelecendo uma hierarquia entre eles a partir do grau de espiritualidade e virtuosismo que é possível a cada qual em termos de vida crista. O conceito de Igreja envolve as noções complementares de hierarquia e eíitismo. A seita, ao contrário, enfatiza o elemento de associação voluntária de fiéis. Nesse sentido o indivíduo cem certa prioridade, temporal ao menos, sobre a comunidade religiosa. A enorme ênfase sectária no voluntarismo e igualdade entre todos os crentes torna-a afim do igualitarismo democrático e das formas associativistas baseadas na autonomia individual. Para Robert Bellah, o sectarismo é a maior fonte do individualismo americano e da idéia "pervasive american (BELLAH, 1986, pp. 243-248) de que os grupos sociais são frágeis e precisam de constante energia para mantê-los funcionando. Mais interessante para nós, no entanto, é a ambigüidade do princípio democrático da seita. A ênfase na pureza, responsável pela enorme energia sectária em perseguir seus fins associativos, acarreta, simultaneamente, uma intransponível oposição entre sectários tidos como puros e não-sectários tidos como impuros. A diferença com relação ao princípio da Igreja não é a posição paradigmática 87

JESSE S O U Z A

do conceito de pureza. O princípio da pureza é básico tanto na hierarquia quanto na seita. A hierarquia no entanto aceita o impuro, enquanto a seita o rejeita. Neste sentido, daí o interesse das ambigüidades culturais para o estudo de questões universais, a afinidade eletiva "democrática" do valor básico do liberalismo político da tolerância é com o princípio hierárquico da Igreja, que a todos acolhe e garante um lugar, e não com o princípio exclusivo da seita. A seita, ao efetuar uma linha divisória intransponível entre o santo e o réprobo, retira a possibilidade de qualquer comércio entre os dois. A ênfase aqui é na intolerância ao outro, seja ele o estrangeiro, o negro ou o latino. O que me interessa aqui, a partir desse exemplo de Troeltsch, é meramente exercitar o princípio da ambigüidade cultural. A idéia de que toda escolha cultural implica perdas e ganhos. Elias, ao atentar para a força do uso de categorias "científicas" como legitimação de hegemonias culturais, abre um enorme campo de reflexão com conseqüências talvez insuspeitadas para o conhecimento de nossa singularidade cultural.

ELIAS E SlMMEL LEOPOLDO WAIZBORT

U ito de maneira abrupta, este texto defende a tese de que elementos fundantes e fundamentais da sociologia de Norbert Elias derivam da obra de Georg Simmel. Mais precisamente, trata-se de mostrar como e em que medida a concepção do social que aparece nos escritos de Elias é muito semelhante, semelhante demais, ao modo como Simmel a elabora; e, em conseqüência disso, tudo o que deriva dessa concepção do social também. O social, seja em Norbert Elias, seja em Georg Simmel, é um conjunto de relações. O "todo", seja ele qual fora "sociedade", o "grupo", a "unidade de sobrevivência —, e

LEOPOLDO W A I Z B O R T

E L I A S E S1UMÇL

um todo relacionai. O que o constitui é o conjunto das re-

apenas uma vez os efeitos múltiplos entre os indivíduos cuja soma resulta naquela coesão em direção à sociedade, então mostra-se imediatamente uma série, melhor dizendo, um mundo daquelas formas de relação que até agora ou não foram compreendidas ou não foram captadas em sua significação vital e de princípio na ciência social. Em resumo, a sociologia limitou-se, de fato, àqueles fenômenos sociais nos quais as forças de interação já estão cristalizadas desde os seus suportes imediatos ao menos em unidades ideais, Os estados e as associações sindicais, as ordens sacerdotais e as formas familiares, as condições econômicas e o exército, as corporações e as comunidades, a formação de classe e a divisão industrial do trabalho - estes e os outros grandes órgãos e sistemas parecem constituir a sociedade e preencher a esfera de sua ciência. É evidente que quanto maior, mais significativa e mais dominante é uma província do interesse social e uma direção da ação, tanto mais rapidamente ocorre aquela elevação da vida e dos efeitos imediatos e interindividuais a formações objetivas, a uma existência abstrata para além dos processos singulares e primários. Só que isso necessita de uma complementação importante, que dê conta dos dois lados da questão. Além daqueles fenômenos perceptíveis de longe, que se impõem por toda parte devido a sua abrangência e importância externa, há um número imenso de formas menores de relação e de modos de interação entre os homens, em casos singulares aparentemente insignificantes, mas que são representados por esses casos singulares em uma medida nem um pouco desprezível, e que, na medida em que elas se movem por entre as amplas formações sociais, por assim dizer oficiais, realizam na verdade a sociedade, tal como nós a conhecemos. A limitação aos primeiros eqüivale aos inícios da ciência do interior do corpo humano, que se limitava aos grandes órgãos, claramente circunscritos: o coração, o fígado, o pulmão, o estômago etc., e que desprezou os tecidos inumeráveis, popularmente não nomeados ou não conhecidos, sem os quais aqueles órgãos mais nítidos jamais poderiam ter resultado em um corpo vivo. A partir de

lações que se estabelecem, a cada momento, entre o conjunto dos elementos que o compõem. Tais relações são sem-

J El!

pre relações em processo, isto é: elas se fazem e desfazem, se constróem, se destroem, se reconstroem, são e deixam de ser, podem se refazer ou não, se rearticular ou não. As relações nunca são sólidas e petrificadas; a cada instante ou elas se atualizam, ou se esgarçam, ou se fortificam, ou se mantêm, ou se enfraquecem. Mas, como quer que seja, há a cada instante algo vivo, em processo. A primeira, e talvez a mais importante, decorrência disto diz respeito à relação, e aos conceitos, de indivíduo e sociedade. Não há "indivíduo", mas apenas, e precisamente, "indivíduo" na sociedade; não há "sociedade", mas apenas, e precisamente, "sociedade" no indivíduo. Em outros termos: os indivíduos fazem a sociedade e a sociedade faz os indivíduos. Indivíduo "em si", assim como sociedade "em si", são mitos — que cabe à sociologia, "caçadora de mitos" que é, derrubar. Vejamos uma sugestiva passagem da Sociologia, que Georg Simmel deixou publicar em 1908: No interior do campo problemático que é constituído através da seleção das formas de interação [ Wechselwirkung[ socialízadora a partir do fenômeno total da sociedade, algumas partes das investigações indicadas aqui ficam por assim dízer quantitativamente para além das tarefas reconhecidas sem mais como sociológicas. Caso se questione 92

LEOPOLDO WA1ZBORT

ií,

formações do tipo nomeado, que foram os objetos usuais da ciência da sociedade, a verdadeira vida da sociedade, presente na experiência, não ganha absolutamente corpo; sem o efeito mediador de inúmeras sínteses, em si mesmas de extensão menor, as quais estas investigações devem dedicar-se em grande parte, tal vida da sociedade se fragmentaria em uma multiplicidade de sistemas descontínuos. O que torna difícil a fixação científica de tais formas sociais aparentemente menores é ao mesmo tempo o que as faz extremamente importantes para um entendimento mais profundo da sociedade; que elas em geral ainda não se firmaram em formações supraindividuais, sólidas, senão que indicam a sociedade in status nascem. Naturalmente não em seus inícios primeiros e historicamente insondáveis, mas sim naqueles que ocorrem a cada dia e a cada momento; a socialização entre os homens se ara e desata e se ata mais uma vez continuamente, como um correr e pulsar eterno que encadeia os indivíduos, até mesmo onde isso não se eleva a organizações próprias. Trata-se aqui como que de procedimentos microscópico-moleculares no interior do material humano, que são contudo o verdadeiro acontecimento que se hipostasia ou encadeia naquelas unidades e sistemas sólidos e macroscópicos. Que os homens se olhem uns aos outros, e que eles sejam invejosos entre si; que eles troquem cartas ou almocem juntos; que eles, inteiramente independentes de quaisquer interesses compreensíveis, se achem simpáticos ou antipáticos; que a gtatidão e uma obra altruísta ensejem uni efeito ligador contínuo e ilacerável; que um pergunre ao outro sobre o caminho e que eles se vistam e se enfeitem uns para os outros - todas as milhares de relações, de pessoa a pessoa, momentâneas ou duradouras, conscientes ou inconscientes, inconseqüentes ou conseqüentes, das quais estes exemplos foram colhidos aleatoriamente, atam-nos incessantemente. A cada instante esses fios são tecidos, desatados, retomados, substituídos por outros, entrelaçados a outros. Aqui repousam as interações, só acessíveis à microscopia psicológica, entte os átomos da sociedade, que sustentam a tenacida-

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ELIAS E S I M M E L

de e a elasticidade, a variedade e a unidade desta vida tão nítida e tão enigmática da sociedade. Trata-se de aplicai o princípio dos efeitos infinitamente múltiplos e infinitamente pequenos justamente ao caráter sincrônico da sociedade, tal como ele se mostrou eficaz nas ciências diacrônicas da geologia, da teoria biológica do desenvolvimento e da história. As diligências imensamente pequenas estabelecem o nexo da unidade histórica, assim como as interações aparentemente menores de pessoa a pessoa estabelecem o nexo da unidade social. O que ocorre continuamente nos contatos físicos e anímicos, nas excitações opostas de prazer e pesar, na conversação e no silêncio, nos interesses comuns e antagônicos - isso constitui o caráter prodigiosamente ilacerável da sociedade, o flutuat de sua vida, com o qual seus elementos ganham, perdem e postetgam incessantemente seu equilíbrio. Talvez se consiga para a ciência da sociedade a partir desse conhecimento o mesmo que para a ciência da vida orgânica significou o início da microscopia. Se até então a investigação estava restrita aos grandes órgãos corporais, tratados separadamente, cujas diversidades de forma e função se apresentavam sem mais, só agora o processo vital mostrou-se em sua combinação de seus suportes menores, as células, e em sua identidade com as numerosas e incessantes interações entre estas. Como elas se ligam entre si ou se destroem, se assimilam ou se influenciam quimicamente - isto permire compreender somente pouco a pouco como o corpo forma a sua forma, a mantém ou a altera. Os grandes órgãos, nos quais estes suportes fundamentais da vida e suas interações reuniram-se em funções e formações específicas perceptíveis mactoscopicamente, não tetíam nunca permitido compreender o nexo da vida, se aqueles inúmeros procedimentos que têm lugat entre os elementos menores - a partir dos quais os elementos macroscópicos como que ganham corpo -, não se tivessem revelado como a vida verdadeira e fundamental. Completamente para alem de qualquer analogia sociológica ou metafísica entre as realidades da sociedade e do organismo, trata-se aqui apenas da analogia da conside-

LEOPOLDO WAIZBORT

r

ração metódica e de seu desenvolvimento; trata-se de descobrir os delicados fios, as relações mínimas entre os homens, cuja repetição contínua fundamenta e suporta todas aquelas grandes formações, tornadas objetivas a que apresentam uma história própria. Esses processos absolutamente primários, que formam a sociedade a partir de um material imediato e individual, devem ser portanto — ao lado dos processos e formações mais elevados e mais complexos - submetidos à consideração formal; as interações singulares que se mostram nessas medidas não inteiramente usuais ao olhar teórico devem ser examinadas como formas formadoras da sociedade, como elementos da socialização em geral. Sim, a estes modos de relação aparentemente insignificantes deve-se dedicar metodicamente tanto mais uma consideração pormenorizada, quanto mais a sociologia trata de relevá-las (SiMMEL, 1908, pp. 31-35).

E L I A S E S1MMEL

SIMMEL, 1890, pp. 129 e ss., esp. p. 131; SÍMMEL, 1900, pp. 91-92, 104, 210; SIMMEL, 1908, pp. 19 e ss., 61-62, 284, 286; SIMMEL, 1917, p. 11), a partir de cada interação singular é possível adentrar na teia do todo. Não há uma via de acesso que seja privilegiada, senão que todas elas levam a ele. Nisto também se mostra uma predileção, por assim dizer, por aquilo que explicita o "caráter sincrônico da sociedade": Simmel posiciona o seu conceito de "interação" [...] no interior de uma tradição, na medida em que ele insiste na ínfinitude de princípio de tudo o que ocorre, considera sem exceções tudo o que ocorre como ligado através de uma multiplicidade de interações e subordina fundamentalmente uma análise dessas interações ao princípio da simultâneidade. Essa primaxia da sincronia sobre a diacronta distingue fundamentalmente sua embocadura de uma análise causai, porque o conceito clássico de causalidade está necessariamente ligado à idéia de uma seqüência temporal no sentido de "um após o outro" (cf. Kant, Kritik der reinen Vernunfi), enquanto a "interação" contém o estado do "um ao lado do oucro" [...] (LiCHTBLAU, 1994, p. 545)'.

Vejam vocês: o que realiza na verdade a sociedade são as relações que se estabelecem entre os singulares, as tais formas menores de relação e de modos de interação entre os homens, que existem aos milhares, infindáveis e em eterno processo. E-mais: onde se situa a verdadeira vida da sociedade, senão nessas relações? Daí Simmel falar na sociedade im status nascens. Simmel (e Elias) procura a sociedade im status nascens; daí sua predileção pelas interações entre os homens ao nível micrológico: o salão, a coquete, o estranho, o passeio e muito mais, como sabem seus leitores. Cada relação é para Simmel significativa e merece ser considerada, pois como tudo é relação, como a sociedade não é nada mais do que o conjunto das interações (v. SIMMEL, 1894, p. 54;

Através do conceito de Wechselwirkung (interação, no sentido de relações mútuas, efeitos mútuos) adentramos

L Essa "tradição" do conceito de inceraçáo percorre uma linha que passa por Kant, pelos românticos, Hegd Schleiermacher e Dilchey. Já nesta tradição ele é um conceito mobilizado contra a idéia de causalidade. Sobre a historia do termo * Wdadwirhaif, v. DAHMK, 1981, pp. 368 e ss.; CHRJSTIAN, U78, pp. 110 ess. 97

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ELIAS E S1MMEL

no tecido da sociedade, na rede de entrelaçamentos, de-

poderiam ser percorridos. Simmel elabora uma rede de

pendências e inter-referências que constituem a sociedade

interações que forma um labirinto. Sua sensibilidade aguçada permite-lhe circular por entre o labirinto com a se-

enquanto tal. Se tudo está a tudo relacionado, trata-se sempre de buscar os laços dessas relações, trata-se de ver as relações mútuas, os "efeitos infinitamente múltiplos", as interações que ocorrem no mundo e na vida.

gurança do ensaio e da tentativa, nunca com a segurança do sistema. Os caminhos que ele percorre incessantemente

Se o efeito, que um elemento exerce sobre uni outro elemento, se

senreda uma rede impenetrável." (HEUSCHELE, 1958, p. 182) Tecer relações, atar fios e penetrar o impenetrável são aventuras: Simmel, o aventureiro. Em Simmel a unidade, e portanto o todo, consiste na interação das partes {cf.

são os fios dessa teia, que ele vai tecendo à medida que se movimenta. "Sua mão delicada ata milhares de fios e de-

torna causa deste último, e irradiar de volta um efeito àquele primeiro, mas que assim se repetindo se torna por seu lado a causa de um efeito de volta, então o jogo pode recomeçar de novo. Com isso está íí!'

dado o esquema de uma efetiva infinítude da atividade. Há aqui uma

SIMMEL, 1898, p. 304). Como a interação é sempre e prin-

infinitude imanente que é comparável à do círculo j...]. (SiMMEL, 1900, pp. 120-121; grifo meu).

cipalmente uma relação mútua e múltipla, e que se estende infinitamente, o resultado disso é que o todo está sempre em processo, móvel, é um tecido que se tece continuamen-

Simmel mostra assim de que natureza é o tecido das relações que ele tem em vista. Trata-se de um jogo. E por isso que M. Landmann "traduziu" Wecbselwírkung como

te. É nesse sentido que, de relação em relação, o mundo de Simmel torna-se um mundo de relações. A idéia de que "algo só [é] em uma relação com um

"interação circular"2, pois se não há circularidade o todo não se tece e os caminhos que Simmel percorre nunca

outro e o outro só [é] em sua relação com aquele" (SiMMEL, 1898, p. 301) se estende ao infinito. "[...] através da dissolução, que prossegue até o infinito, de todo ser-para-

2. "[...] Wecbselwirktmg(zirkulãreltiteraktíon) [...}" LANDMANN, 1976, p. 8. Um exemplo concreto e muito didático dessa circularidade nos c fornecido pelas relações de amor e fidelidade no "Excurso sobre a Fidelidade c. a Gratidão" (SiMMKl., 1908, pp. 652-670, esp. p. 656, tb. pp. 100-161, 165). Uma leitura de um livro como a Saziolagie fornece- n os uma infinidade de exemplos semelhantes. Isto atesta em que medida a circular i da de das interações é o procedimento analítico por excelência de nosso autor. Nos domínios da filosofia, Simmel mostrou como sujeito c objeto estão em interação (cf. SlMMF.i., 1910, p. 87).

si sólido em interações, nós nos aproximamos então daquela unidade funcional de todos os elementos do mundo, na qual o significado de cada elemento é iluminado pelos raios de todos os outros" (SiMMEL, 1900, p- 120, grifo meu). "Sociedade significa sempre [...] que os sin-

l

LEOPOLDO WAIZBORT

gulares, em virtude da influência e da determinação que são exercidas mutuamente, estão ligados. Ela é portanto na verdade algo funcional, algo que os indivíduos fazem e sofrem, e de acordo com seu caráter fundamental não se deveria falar em sociedade, mas sim em socialização" (SiMMEL, 1917, pp. 13-14, grifo meu)3. Deve-se falar em socialização, e não em sociedade, porque socialização enfatiza o processo, enquanto sociedade dá muito mais a impressão de algo estático. Já mesmo no âmbito terminológico, Simmel procura demarcar estática e dinâmica como categorias sociológicas. Por isso a grande sociologia de 1908 pretende apenas fornecer fragmentos e exemplos (c£ SIMMEL, 1908, pp. 9, 31, 65, 172), ao trazer por subtítulo "investigações sobre as formas de socialização": mais que tudo, a sociologia simmeliana é uma sociologia dos processos; ele postula uma "concepção dinâmica e relacionai de sociedade como socialização" (NEDELMANN, 1984, p. 94), em que o todo é o conjunto das relações mútuas, funcionais (c£ SIMMEL, 1908, pp. 23, 62, 178-179). No sentido mais rigoroso possível, pode-se e deve-se dizer o mesmo da sociologia de Norbert Elias. A defesa simmeliana da diferença entre sociedade e socialização

ELIAS E SIMMEL

(isto é, da natureza da sociedade que está aí em jogo) reproduz-se assim no sociólogo de Breslau: agora se fala não propriamente de "socialização", mas sim dos "entrelaçamentos" e "interdependências" que configuram a sociedade enquanto tal. O que é a sociedade? O conjunto da "relações humanas"; a "sociedade enquanto todo" é "o entrelaçamento global dos homens" (ELIAS, 1939, I, p. 191). Tais entrelaçamentos, relações, referências e dependências encontram-se, como Simmel mostrou, em incansável processo. Dar conta desse nexo, o mais das vezes altamente complexo, de relações, sem descuidar de seu caráter processual, vai exigir de Elias, inclusive, a modelagem de seu conceito fundamental:

3. E ainda: "A sociedade não é contudo uma substância, nada que seja por si mesmo concreto, mas sim um acontecimento [...]" {SíMMKL, 1917, p. 14). V. tb. SIMMEL, 1908, p. 61; SIMMHL, 1900, p. 104.

O entrelaçamento das dependências dos homens entre si, suas interdependências são o que os ligam uns aos outros. Elas são o núcleo do que é aqui designado como figuração, como figuração dos homens dependentes uns dos outros e que se orientam uns em relação aos outros. Como os homens são - inicialmente por natureza, e então mediante o aprendizado social, mediante sua educação, mediante a socialização, mediante as necessidades despertas socialmente mais ou menos mutuamente dependentes entre si, então eles, se é que se pode falar assim, só existem enquanto pluralidades, apenas em figurações. Esta é a razão pela qual, como já foi dito, não é muito proveitoso se compreender como a imagem dos homens a imagem dos homens singulares. Ê mais adequado quando se representa como imagem dos homens uma imagem de vários homens interdependentes, que formam figurações entre si, portanto grupos ou sociedades de tipo variado. A partir deste fundamento desaparece a discrepância das

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imagens tradicionais dos homens, a cisão na imagem dos homens singulares, dos indivíduos, que freqüentemente são formados de tal forma, como se houvesse indivíduos sem sociedade; c na imagem das sociedades, que freqüentemente são formadas de tal forma, como se houvesse sociedade sem indivíduos, O conceito de figuração foi introduzido precisamente por essa razão, porque ele exprime de modo mais claro e inequívoco do que os outros instrumentos conceituais da sociologia que aquilo que nós denominamos "sociedade" não é nem uma abstração das peculiaridades dos indivíduos que existem como que sem sociedade, nem um "sistema" ou uma "totalidade" que está para além dos indivíduos, mas sim que, justamente, a sociedade é o próprio entrelaçamento das interdependências formadas pelos indivíduos (ELIAS, 1939, I, pp. LXVII-LXVIII. v. tb. ELIAS, 1970, fig. 2, pp. 11-12).

tica à causalidade e aos determinismos (cf. ELIAS, 1970,

Passagens como essa são recorrentes nos escritos de Elias, e esta é tomada aqui emblematicamente, dispensando-nos de um rastreamento mais detalhado. O que salta aos olhos, ao lermos Elias, é como suas formulações estão na continuidade a mais estreita com o pensamento simmeliano. Sou inclusive tentado a dizer que a contribuição de Elias está em formalizar, no conceito de figuração e suas conseqüências, a concepção que está presente nas análises de Simmel, embora não apareça, então, sob tal terminologia. No pioneiro, é o conceito de "interação" (Wechselwirkung) que fornece lastro para a concepção do todo relacionai. Como Lichtblau nos mostrou, o conceito de interação surge como contraconceito frente ao conceito de causalidade. Em Elias, reproduz-se a cri102

p. 18): toda a sua sociologia dos processos e das figurações se ergue sobre este ponto de honra. Os leitores de Sobre o Processo dct Civilização bem sabem que, se Elias procura ali articular as transformações dos modos de se comportar com as transformações na estrutura da sociedade, não há, em momento algum, determinação de um pelo outro, uma seqüência causai que vá de um ao outro. Muito pelo contrário: o termo predileto de Elias para designar tal articulação é "correspondência": à transformação em uma dimensão "corresponde" uma transformação na outra. É nesse contexto, também, que vemos a crítica eliasiana à "tradição" que faz com que, "na reflexão, transformemos relações em objetos fixos e desrelacionados" (ELIAS, 1970, p. 132). Elias critica a metamorfose do que é relação em substância — e de conceitos relacionais em conceitos substanciais. A tarefa é, inclusive, forjar conceitos que dêem conta de relações — como é o caso do conceito de figuração. Simmel tratou de compreender a necessidade (ou, se se quiser, a gênese) desses conceitos relacionais. O que esta aqui em jogo, diz ele, é a concepção moderna de unidade, que depende das idéias de função, interação, multiplicidade. Unidade consiste na função - função, aqui, parece dever ser compreendida em sentido próximo ao matemático, em que cada parte da multiplicidade é determinada 103

LEOPOLDO WAIZBORT

ELIAS E S I M M E L

pelas outras: Wechselwirkung, uma idéia muito próxima, de resto, do uso que Simmel faz da constelação:

sociedade - um papel fundamental. O próprio conceito

Assim toda unidade não é por assim dizer solipsístíca, mas sim

griff"•> mas sim um "Funktiombegriff"1*. Isto significa: o conceito de sociedade só existe enquanto processo, en-

uma função da multiplicidade. A unidade se realiza imediatamente apenas junto à multiplicidade. Ela se constitui no objeto como a forma na qual a pluralidade de suas partes vive. Unidade e pluralidade são conceitos complementares não só logicamente, mas também cm sua realização. A pluralidade dos elementos produz, através de suas relações mútuas [Wecbselbeziehungen], o que denominamos unidade do todo; mas aquela pluralidade não seria imaginável sem esca unidade [...} (SiMMEL, 1897, p. 225).

simmeüano de "sociedade" é decorrente de sua "gnoseologia" do movimento: "sociedade" não é um "'Substanzbe-

quanto Wechselwirkung. Ele só existe enquanto movimento, mobilidade. Daí o caráter fundamentalmente processual das sociologias de Simmel e Elias: como o movimento é aqui fundamental, eles têm sempre em vista processos, e não estados fixos e acabados. Não é nenhum acaso que Elias procure reabilitar o conceito de "função" en-

Tais relações de "unidade" e "multiplicidade", se transpostas no registro "indivíduo" e "sociedade", tornam-se literalmente uma formulação do conceito eliasiano de "figuração"4; ou, díto de outra maneira, da crítica de Elias,

quanto elemento relacionai: ele fala das "funções enquan-

presente em inúmeros escritos, ao "bomo ctausus". Desse

qual Elias pensa os fenômenos de interdependência, interreferência e entrelaçamento, que ligam os homens em suas

modo, a idéia de interação assume, nas relações que envolvem a multiplicidade e a unidade — como indivíduo e 4. Isto é: a afirmação de Simmel poderia ser lida do seguinte modo: "Assim todo indivíduo não é por assim dizer solipsístico, mas sim uma função da sociedade. O indivíduo se realiza imediatamente apenas junto à sociedade. Ela se constirui no objeto como a forma na qual a pluralidade de suas partes vive. Indivíduo e sociedade são conceitos complementares não só logicamente, mas também em sua realização. A pluralidade dos indivíduos produz, através de suas relações mútuas [ Wecbulbeziehungerfy, o que denominamos unidade do todo, isto é, a sociedade; mas aquela pluralidade não seria imaginável sem esta unidade." Assim, mediante a mera substituição de dois termos, passamos diretamente de Simmel para Elias.

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to atributos das relações" (ELIAS, 1970, p. 137). A idéia de jogo funciona como um modelo através do

múltiplas e variadas relações. No jogo, os participantes medem suas forças entre si. Medir forças entre si é, contudo, exatamente o que os homens fazem a cada instante, ao se relacionarem uns com os outros: "equilíbrios de poder existem por toda parte onde haja uma interdependên5. Respectivamente "conceito substancial" e "conceito funcional". Um antigo aluno de Georg Simmel, Ernst Cassirer, escreveu um üvro sobre isto, para mostrar como o moderno é caracterizado pela passagem do conceito substancial para o funcional (OssiRKR, 1910). 105

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cia funcional entre os homens" (ELIAS, 1970, p. 77). Tal interdependência funcional está ligada, diretamente, ao processo de diferenciação da sociedade (cf. SIMMEL, 1890; 1900), de que a divisão do trabalho é o exemplo mais evidente. Quanto mais diferenciada a sociedade, maior o adensamento das interdependências, que são "funcionais" precisamente porque exprimem o caráter relacionai que dá corpo e densidade ao "todo" (seja ele a "sociedade", a "família", a "tribo", o "grupo profissional", a "unidade de sobrevivência" etc.). O tecido das relações humanas, que o conceito de figuração quer exprimir, é uma rede de jogadores interdependentes. Tomemos um exemplo: a análise da coqueteria por GeorgSimmel(cf. SIMMEL, 1917, pp. 59-61; 1901; 1911; 1909). De que se trata? A coquete se insinua, com suas artes e encantos, para um homem. Ela joga seu charme para ele. Ele aceita entrar no jogo? Ela só pode ser coquete com ele, se ele, em mesma medida, aceita jogar o jogo da coqueteria com ela. Se ele não lhe dá bola, a coisa termina por aí. Mas se ele aceita, então o jogo recomeça a cada novo lance, A coquete se aproxima apenas para, logo a seguir, se afastar, A dinâmica de proximidade e distância é a sua lei. Mas ela não se aproxima se o seu parceiro não a deixa se aproximar; ela não se afasta se ele não a deixa se afastar. A coqueteria enquanto exemplo de jogo e sociabilidade permite-nos ver como o jogo e a sociabi106

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lidade aí envolvidos se aproximam dos atores e do teatro (onde também se trata de "SpieF, "play"}. A coqueteria, enquanto arte de se aproximar e de se afastar, de prometer e insinuar, dar e negar, só se realiza quando os protagonistas jogam um com o outro. A mulher coquete depende por completo do homem com o qual coqueteia. O jogo da coqueteria é um jogo que ela e ele jogam em conjunto, depende de uma relação de interdependência que se tece entre eles. Nenhum deles pode jogá-lo sozinho. Jogar é, sempre, jogar com6. Só há coqueteria por parte da coquete com a respectiva aceitação do jogo por parte do seu parceiro: ela joga com ele. Trata-se aqui, é claro, de um exemplo que exprime o "jogo" em um nível

6. "Quando é que se fala de jogo e o que está implícito nisso? Certamente de início o ir e vir de um movimento que se repete constantemente — pense-se em certos ditos como 'o jogo de luz' ou o jogar das ondas', em que fia um constante ir e vir, ou seja, um movimento que não está ligado a uma finalidade última" (GAUAMER, 1985, p. 38). Sua finalidade é o próprio movimento. O jogo é, por assim dizer, auto-reflexivo. Ao mesmo tempo, como mostra Gadamer, "o jogo aparece então como um auto-mover-se que por seu movimento não pretende fins nem objetivos, mas o movimento como movimento, que quer dizer um fenômeno de redundância, de auto-representação do estar-vivo. [...] A função de representação do jogo é que no final esteja não um algo qualquer, mas aquele movimento de jogo definido c determinado. O jogo, em última instância, é portanto a auto-representação do movimento do jogo. Posso acrescentar de imediato: tal definição do movimento do jogo significa ao mesmo tempo que o jogar exige sempre aquele que vai jogar junto" (GADAMER, 1985, pp. 38-39). Símmel também utiliza o vaivém das ondas como exemplo de jogo {SiMMtL, 1917. p. 67). Elias, por seu lado, fala no "jogo da luz nas folhas de uma árvore" (Ei.iAS, 1939, II, p. 406). 107

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relativamente simples, um "jogo de duas pessoas" (ELIAS, 1970, pp. 84-85). A partir disso, pode-se desenvolver a idéia do "jogo" até níveis imensamente complexos, ao gosto do freguês. Toda a sociologia dos dois sociólogos judeus alemães nada mais faz do que isto. Elias — e Simmel — vai tornando as relações mais complexas, mais diferenciadas, com mais jogadores, regras mais sofisticadas, criando-se interdependências cada vez mais densas, até o limite do jogo da sociedade: um jogo de inúmeras pessoas em inúmeros planos (£LIAS, 1970, pp. 87 e ss.). Aliás, é disto que Simmel extraí a idéia de que "a existência do mundo é um jogo infinito" (SiMMEL, 1910, p. 65). A idéia ao jogo infinito— sem duvida também um eco níetzscheano — é a idéia da teia de relações infindáveis, do tecido que se está sempre a tecer. O relativismo simmeliano é de fato uma "lógica relacionai", "lógica das relações". Esse método [...] não considera mais os objetos como substâncias, como coisa-em-si, mas sim em suas interações, relações com e frente a outros objetos. A intenção do conceito de interação era estudar os objetos em suas relações intercambiáveis com o que está ao seu redor. [...] Mediante o conceito de interação e da idéia de diferenciação, Simmel tentou, já relativamente cedo, levar em consideração na formação de sua teoria a dinâmica da vida social e as relações sociais (DAHME, 1981, p. 251).

Um outro elemento fundamental na demonstração do caráter simmeliano da sociologia de Elias diz respeito 108

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à idéia de concorrência. Concorrência, não há dúvida, é um conceito especialmente significativo para Elias porque ele articula as relações e as mostra enquanto relações de poder. É desnecessário frisar a importância do conceito de concorrência, por exemplo em Sobre o Processo da Civilização (ELIAS, 1939, II, pp. 206 e ss., passim). Na ocasião, Elias faz uma remissão à conferência de Mannheim, pronunciada no Sexto Congresso Alemão de Sociologia, em 1928, acerca da "concorrência no terreno dos fenômenos espirituais" (MANNHEIM, 1928). Teria Elias se esquecido que Mannheim foi um bom aluno de Georg Simmel? E que o mesmo Georg Simmel deixara publicar, em 1903, uma "Sociologia da Concorrência"? (SiMMEL, 1903) E que, poucos anos depois, essa sociologia da concorrência iria ocupar papel de destaque na "grande" Sozwlogie simmeliana? Muitas perguntas para serem respondidas aqui. Basta-nos apenas constatar que o estatuto e sentido da concorrência, tal como aparece em Elias — e os leitores de Sobre o Processo... sabem muito bem o que isto significa —, parece ser diretamente tributário de Simmel. Quanto mais, aliás, adentramos na selva sociológica simmeliana, mais pontos de cruzamento encontramos com a sociologia de Elias. Em ambos se trata de uma sociologia dos grupos sociais, preocupada com as relações — de tensão e poder - que se estabelecem intergrupos e intragrupo. É por isso, inclusive, que a idéia 109

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de conflito desempenha um papel absolutamente fundamenta! para ambos. Assim, quando chegamos quase ao final de Sobre o Processo... e vemos Elias repetir, pela enésima vez, que são os conflitos, as lutas e as tensões os elementos que estruturam o todo (seja social, seja individual), vale dizer, a sociedade (ELIAS, 1939, II, p. 387), de fato estamos reentrando, pela porta dos fundos, na sociologia simmeliana, e em especial no quarto capítulo da Soziologie, intitulado "O Conflito", em que as lutas, tensões, concorrências e conflitos são os elementos que conduzem à "síntese da sociedade" (SlMMEL, 1908, pp. 284-382, aqui p. 328). Uma "teoria das relações entre os homens" não pode prescindir justamente daquilo que faz da sociedade, sociedade, e dos homens, homens: do jogo de forças que constitui as relações humanas. Caberia indagar das razões do conflito. É Elias quem responde mais rapidamente à questão: para ele, sendo os seres humanos naturalmente diferentes entre si, eles necessariamente se relacionam uns com os outros de modo conflituoso. O conflito é inerente às relações sociais, isto é, humanas. "Conflitos são um aspecto da vida em conjunto dos homens uns com os outros" (ELIAS, 1989c, p. 226). E por essa razão que Elias, em seu estudo sobre "Civilização e Violência", afirma que a questão é menos "como é possível que os homens ataquem uns aos ou110

tros?", e muito mais "como é possível que os homens vivam pacificamente em sociedade?". Pois, para ele, "não é a agressividade que deflagra os conflitos, são os conflitos que deflagram a agressividade" (idem)7, Um aspecto onde essa diferença radical entre os indivíduos se apresenta diz respeito aos divetsos, muito complexos e muitas vezes divergentes papéis sociais desempenhados pelos homens. Os indivíduos estão situados em "pontos de cruzamento dos círculos sociais" (SlMMEL, 1890, pp. 237-257; 1908, pp. 456-511), e isso demarca a complexa unicidade a cada um, a cada momento. Nos termos de Elias, isto diz respeito às "cadeias de dependência que se cruzam nos indivíduos" (EuAS, 1939, II, p. 404) e que nada mais fazem que concretizar aqueles infindáveis fios de entrelaçamentos, reciprocidades e interdependências; exatamente o novelo que Sérgio Miceli desenrola a seguir.

7. O processo de civilização diz justamente respeito à regulação dos conflitos mediante coações exteriores e autocoações; quando elas não são ehcazes , o conflito eclode sob a forma de violência.

NORBERT ELIAS E A QUESTÃO DA DETERMINAÇÃO SÉRGIO MICELI

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l\l uma das cenas de abertura do filme Prêt-à-Porter, de Robert Altman, a personagem representada por Sophia Loren, envergando um négligé esvoaçante, ao transitar pelos cômodos de um elegante apartamento parisiense, em busca de seu pequinês, acaba pisando no cocô do cãozinho, sujando o pêlo macio de um carpete impecavelmente limpo. Situações embaraçosas, idênticas a essa, irão se repetir ao longo da narrativa, insinuando ao espectador os laços de interdependência envolvendo os personagens ilustrativos dos diferentes tipos de profissionais na hierarquia da alta costura.

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Estilistas, modelos, costureiras, maquiadores, designers e fabricantes de adereços, fotógrafos, editores e jornalistas de revistas especializadas, repórteres de rádio e televisão, colunistas e comentaristas de moda, publicitários, consultores de mídia e de marketing, camareiras, serventes, estafetas, clientes, sociaiites, deslumbrados, transeuntes, convertidos em figuras ficcíonais, vão sendo introduzidos no enredo por intermédio dos vínculos de toda ordem que mantêm uns com os outros no interior desse universo. Além de exercerem funções profissionais especializadas, tais personagens constróem e destróem parcerias amorosas, redes de amizades, metem-se em rixas e rivalidades, partilham atividades de lazer, misturando todas as esferas de sua existência. Sentem-se integrados, a títulos diversos, numa experiência comum de vida, amor e trabalho, manejando um cabedal próprio de saberes, linguagens, gírias, informações, conhecimentos, tradições, ou seja, um estoque partilhado de referências e valores, um estilo de ser, sentir, pensar e agir. As fezes dos cachorros, focalizadas de relance em momentos estratégicos de atrapalhação dos personagens, adquirem assim as feições de vinhetas metafóricas "comprometedoras", no duplo sentido do termo: desarrumam a ordenação visual de um universo social "limpo" e, ao mesmo tempo, engendram a liga inarredável de constrangimentos e interdependências em meio aos quais eles se

movimentam. A reiterada preocupação de Altman em reconstruir, na complexidade apropriada ao cinema, o universo social em que se enraizam seus personagens, constitui um intróito esclarecedor ao tratamento dado por Elias à questão da determinação. Uma das razões substantivas do interesse crescente pelas obras de Norbert Elias é o fato de ele haver renovado as reflexões sobre a agenda clássica de desafios teóricos em sociologia sem apelar a formalizações empoladas. No intuito de dar continuidade ao debate a respeito de sua contribuição, farei algumas considerações sobre como ele se empenhou em reequacionar criativamente os problemas inerentes à questão da determinação em sociologia. Minhas observações estão quase sempre apoiadas em análises e interpretações contidas em suas monografias em vez de privilegiar seus numerosos escritos de sociologia

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sistemática. Poder-se-ia introduzir a questão da determinação pelo exame de como Elias qualifica as relações entre os diversos domínios da vida social, ou melhor, de como elabora os ligamentos entre as instâncias canônicas - a economia, a sociedade, a política, a cultura. O passo decisivo nesse trâmite consistiu em delegar à esfera da análise propriamente dita o sentido encadeador do balanço de forças envolvendo as classes, os grupos e as instituições, constitutivos de uma dada formação histórica, como a sociedade de 117

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corte francesa, por exemplo. Na medida em que ele desloca a questão da determinação para o âmbito da análise, até mesmo a nomeação das diferentes instâncias passa a depender de uma apreensão circunstanciada das lutas sociais, vale dizer, dos móveis de concorrência bem como dos senrídos que dão Üga à interação das principais forças em confronto. Essa dinâmica das inter-relações e interdependências tem como lastro a reconstrução morfoíógica dos diversos domínios, com ênfase nas definições contrastantes formuladas pelos grupos e facções, nas valências com impacto psico-afetivo, buscando-se recuperar as linguagens e os demais suportes expressivos com que os integrantes de uma determinada formação reconhecem e representam a si mesmos e ao mundo externo — inferiores e superiores, iguais e rivais —, montando-se, por tais perspectivas intrincadas, uma espécie de xadrez hierárquico das relações sociais. E o melhor indicador do rendimento analítico logrado por Elias é a possibilidade de o leitor, mesmo o mais desavisado, poder iniciar a leitura de A Sociedade de Corte (ELIAS, 1974), por exemplo, a partir de qualquer um dos capítulos: seja o consagrado ao habitatàz aristocracia, seja o que esmiuça a etiqueta, ou então aqueles que examinam a produção literária e pictórica, a economia de despesas e de consumo, e as vícissitudes da vida política. Tanto faz o começo adotado porque cada um desses domínios, por 118

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onde pulsam as energias de uma "civilização", reordena a seu modo as interdependências envolvendo os agentes situados em diferentes posições na hierarquia, reprocessando em veio característico o núcleo de tensões e clívagens que perpassa por inteiro a vida social numa dada formação. Cada um dos domínios, a etiqueta por exemplo, reelabora em seus próprios termos e linguagens os fundamentos em que se assenta a economia de trocas materiais e simbólicas, fazendo as vezes de luzeiro especular das demais instâncias. O andamento da análise propicia um desvendamento paulatino das forças sociais atuantes, das feições peculiares, do peso e da contribuição de cada um dos domínios constitutivos de uma formação histórica, sendo impossível definir a priori, ou em abstrato, a primazia desta ou daquela instância. Por outro lado, essa determinação esparramada, invasiva e ubíqua, faz valer seus efeitos e conseqüências sobre todos os grupos e forças sociais constitutivos de uma formação histórica, deixando-se, ao mesmo tempo, impregnar pelas distintas clivagens — superiores x inferiores, homens x mulheres, velhos x jovens etc. - em que se alicerçam as modalidades estruturais de competição. O foco analítico ora privilegia as tensões horizontais, ao salientar rivalidades entre diferentes setores da nobreza, entre as diversas amantes do rei, ora revela traços inusitados nas relações entre homens e mulheres, entre aristocratas e cria119

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dos, cuidando assim para não "congelar" relacionamentos, nenhum deles sendo capaz por sí só de provocar um efeito de arrastão sobre os rumos de transformação da formação social em seu conjunto. A vigência combinada dos recortes já mencionados instaura um modo peculiar de operação da sociabilidade, transitando dos espaços e interações mais próximos do pólo "informal" e "privado" para aqueles enconrradiços na arena "pública" e "formal". Não é difícil imaginar os efeitos deletérios desse modo de tratamento da determinação sobre as representações correntes do que seja a hierarquia social. Em lugar da apreensão substancialista de uma estratificaçao social enrijecida, tensionada em torno de matrizes polarizadas — por exemplo, a burguesia versus o proletariado —, em relação às quais todas as demais forças sociais se reduzem, Elias se esmera em compor um cenário bem mais complexo e diferenciado, fazendo emergir dessa rede de constrangimentos cruzados uma imagem palpitante, provocativa e tumultuada, do que seja a dinâmica da vida em sociedade. Assim como essa concepção de múltiplos e interpelados determinismos se escora numa reconstrução meticulosa da morfologia dos grupos investigados, também consegue delinear registros adequados à tessitura de uma "totalidade" em mosaicos, injetando pulso e vibração na análise por intermédio de evidências insólitas que, por sua vez, repercutem de volta sobre o argumento explicativo.

Trechos de correspondência, episódios de romances, exemplos extraídos de manuais de auto-ajuda, narrativas pictóricas, formas cerimoniais de tratamento, registros de banalidades, "bagatelas" (no linguajar de Saint-Simon), dados sobre despesas e aquisições, relatos de festas e solenidades, duelos, encontros e desacertos amorosos, tudo isso e muito mais pode servir como evidência demonstrativa de análise. O leitor logo vaí se dando conta dos procedimentos e expedientes mobilizados por Elias no intuito de recuperar os registros de sociabilidade em sua dimensão predominantemente "expressiva". A força de impacto de cada um dos domínios recuperados pela análise é mensurada a partir de sua contribuição para o que ele designa por figuração, o conceito por excelência dessa quase obsessão por uma totalidade "expressiva" resultante da cristalização de sentidos em formas historicamente reconhecíveis e determinadas. O teor "expressivo" da sociabilidade, o tempo todo perseguido por Elias como um componente indispensável de seu projeto de argumentação sociológica, condensa experiências, conteúdos e ícones, em conceitos, idéias, obras de arte, episódios de todo tipo, os mais diversos suportes das práticas e comportamentos esclarecendose uns aos outros, fazendo com que essa notação expressiva da determinação apareça ao leitor como um "faiscamento de condicionantes da vida pessoal, grupai e coletiva.

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Verifica-se, contudo, uma segunda modalidade de notação das experiências s ócio-h isto ricas absolutamente crucial para os rumos da análise sociológica em Elias e de ampla repercussão sobre o tratamento conferido à questão da determinação. Refiro-me ao empenho em equilibrar os focos de análise característicos da macro-sociologia com as lentes de percepção proporcionadas pelas representações dos agentes vistos como personalidades únicas, exemplares, indivíduos tomados em sua inteireza, imersos em paixões, interesses, percepções, preconceitos, valores, o manancial de que se alimenta a micro-sociologia. Em Os Alemães (ELIAS, 1996), há uma passagem típica desse modo de ver e explicar o mundo social. Após uma detalhada exposição dos elementos em condições de oferecer uma visão de conjunto da hierarquia vigente na sociedade alemã "kaiseriana", toda a sua argumentação procurando enfatizar a precedência política e simbólica da aristocracia e da alta burocracia civil e militar em relação aos grandes empresários industriais e comerciais, Elias adverte quanto à necessidade de se verificar quais as representações e opiniões que esses mesmos grupos possuem de seu posicionamento nessa hierarquia, buscando assim contrapor juízos subjetivos para testar os teores de validade dos critérios objetivos adotados. Esse esforço em contrabalançar os pontos de vista ressaltados pelo analista com as perspectivas assumidas e Í22

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vivenciadas pelos agentes evidencia uma postura valorizada por Elias, logo incorporada por quase todas as vertentes da sociologia contemporânea, desejosas de aliar ambição teórico-explícativa, fôlego analítico e imaginação expressiva. Elias revigorou essa tradição dos "pais fundadores", buscando compatibilizar uma análise dos processos de socialização, de aprendizagem, de interiorização, ou melhor, de constituição e manejo do habitus — conceito estratégico por ele reposto em circulação —, esse agregado de "máscaras" que operam como se fossem uma segunda natureza, a uma análise dos fundamentos em que se assentam os sistemas institucionalizados de trocas. Acalentadas pelo remoinho de emoções, afetos e sentimentos, as principais esferas institucionalizadas de trocas — a economia, a política, a cultura -, esquadrinhadas em seu funcionamento interno, como que fazem emergir, em meio ao tiroteio dos lances e armações dos personagens envolvidos, as balizas orientadoras de interações impulsionadas pela incandescência de energias represadas e reprocessadas pelos agentes individuais. O funcionamento da corte, as praxes e etiquetas, as prodigalidades de um consumo conspícuo, essa estranha configuração de uma sociedade do desperdício, da ostentação, da pose, inelutavelmente sendo roída por dentro por seus próprios impasses e contradições, torna-se, não obstante, verossímil, plausível, emocionante, quando exami123

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nada em seus próprios termos, a partir dos juízos emitidos, dos lances perpetrados, dos recalques incontidos, dessa mixórdia de ressentimentos miúdos com ambições descalibradas e cálculos pontuais, tanto mais convincentes e persuasívos por estarem associados às práticas rotineiras e aos estratagemas de figuras bem motivadas e aptas a enfrentar, com competência e criatividade, situações extremas e aparentemente sem saída. Um dos pontos de maior interesse nas análises de Elias é justamente o embate entre os circuitos em que se movimentam os personagens da sociedade de corte em destaque analítico, valendo-se das formas vigentes de autocontrole para driblar os concorrentes e ampliar a rede de aliados, e os domínios institucionalizados no interior dos quais vão se viabilizando suas chances de êxito e reconhecimento enquanto membros por inteiro de grupos, classes e instituições. Essa oscilação analítica entre as condutas assumidas pelas figuras com nome próprio, pela legião de personagens anônimos e o estoque provável de comportamentos ao alcance de "sujeitos" coletivos - SaintSimon ou La Rochefoucauld, em confronto com outros assessores de graduação hierárquica equivalente, ou então a amante real Madame de Montespan, em relação aos parentes consanguíneos legítimos do rei, bem como perante outras concorrentes na prestação de favores amorosos — aguça os contrastes entre os mecanismos de interiori-

zação na prática e os efeitos cristalizados nas instâncias de exteriorização expressiva, tais como a alocação de espaço nas residências nobres ou as formas de tratamento dispensadas aos subalternos. Essas transições, dando vivacidade ao enredo sociológico entre níveis distintos de agregação de interesses e de sentidos - a saber, dos indivíduos para os grupos e instituições, das bases estruturais do sistema para as contradições de funcionamento nos rumos de sua mudança, da história pessoal ou grupai para os embates dessas mesmas trajetórias de vida no presente etc. -, garantem o alto rendimento expressivo de suas análises e o fascínio de uma narrativa cambiante entre flash, dose-up, médio alcance e panorâmica. Todavia, o tratamento da determinação não se esgota nesse equacionamento histórico-índutivo das instâncias numa dada formação social, nem nesse equilíbrio de perspectivas coletivas e individuais. O léxico e a sintaxe empregados têm muito a ver com os resultados alcançados, tanto do ponto de vista da análise como em termos da polpa dos argumentos explicativos. Os conceitos esclarecedores da estrutura e dinâmica sociais são os que melhor se prestam à costura analítica das relações multipolares, imbricando agentes individuais, grupos e instituições, nos contextos de uma formação social. Interdependências, constrangimentos, circulação de tensões, figurações, são algumas das noções estratégicas de que se vale Elias com

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vistas a recuperar a trama vivida da sociabilidade. Pelo fato de propiciarem uma descrição matizada, atenta às minúcias e sutilezas das prestações e contraprestaçÕes sociais, ventilando candidamente os temas mais delicados e controversos, esses conceitos — de "média estatura", numa evocação do linguajar de Merton — constituem um indicador importante das dificuldades inerentes ao momento analítico da reconstrução histórico-empíríca. Tais noções lidam o tempo todo com significações e conteúdos extraídos da experiência "civilizatória" das formações sociais analisadas, propiciando as chaves de leitura de condutas, costumes, idéias, ícones, conceitos, linguagens etc. Apesar de terem a função precípua de recuperar os teores "civilízatórios" de uma sociabilidade historicamente situada, dando-lhes, por assim dizer, densidade existencial, são noções "vazias" na acepção de que não possuem nenhum outro significado a não ser o de articularem o arcabouço e o andamento da narrativa analítica. Por conseguinte, esses conceitos - esvaziados de potencial heurístico, ou melhor, carentes de autopropulsão cognitiva - se deixam preencher pelos conteúdos de sentido derivados das lutas sociais, ajustando as lentes de aproximação dos móveis centrais da competição em nível societário. Na qualidade de programas perceptivos "integradores", essas noções instrumentais se mostram capazes de dar liga a uma infinidade de fatos, eventos e informações, retendo

desses materiais empíricos apenas o indispensável à demonstração analítica. Ou seja, esses operadores conceituais cumprem a dupla função de liberar as evidências retidas no plano analítico de sua canga positivista e, ao mesmo tempo, de qualificar os modos de inserção de indivíduos e grupos nas engrenagens da competição, no torvelinho da sociabilidade, revelando assim o quanto e de que maneiras todos, os leitores inclusive, estamos enredados nos jogos de vida e morte que têm lugar no mundo social. Em suma, Elias levou a cabo uma revolução teórica na linguagem conceituai da sociologia, na regionalização do social, bem como no patamar de adensamento e complexidade a que sujeitou a construção analítica de sua argumentação. Ao deixar de apreender quaisquer das instâncias canônicas, em conjunto ou isoladamente - economia, política, sociedade, cultura -, num registro substancializado, como se fossem domínios autonomeáveis, dotados de princípios quase imutáveis de estrutura e funcionamento, Elias desarrumou os esquemas habituais de determinação, ou, se quiserem, de sobredetermínação, assumindo o desafio de buscar reconstruí-los a partir de sua gênese e transformação num dado momento histórico.

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DOSSIÊ NORBERT ELIAS

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CRONOLOGIA

1897 Em 22 de junho nasce Norbert Elias, em Breslau, Prússia (atualmente Wroclau, Polônia), filho único de um próspero casal de judeus-alemães. 1907-15 Freqüenta o Johannes-Gymnasiums em Breslau. Participa do "Jugendbewegung" com um grupo de jovens judeus. 1914 Início da Primeira Guerra Mundial, em 6 de agosto. 1915 Assim que se forma no ginásio, Elias se apresenta como voluntário no exército, sendo destinado a uma unidade de telegrafia. Atua no front ocidental, em Peronne (Somme). 1918 Elias se matricula na Universidade de Breslau, nos cursos de medicina e filosofia. Desiste do estudo da medicina no

DOSSIÊ NQRBERT ELIAS

CRONOLOGIA

primeiro semestre de clínica médica e resolve dedicar-se

Sophie Elias, em Londres. O pai morrerá em Breslau em

inteiramente à filosofia, sob a orientação de R. Hõnigswald.

1940, a mãe será assassinada em Auschwitz., provavelmente

Passa um semestre de estudos em Heidelberg e outro em

em 1941.

1939 Über den Prozess der Zivilisation é publicado em Basiléia

Frciburg. 1924 Em janeiro Elias se doutora com a tese Idee und Individu-

por uma pequena editora. Apenas alguns poucos exempla-

Geschichte

res foram vendidos, já que o livro não podia circular na

(Idéia e Indivíduo. Uma Investigação Crítica acerca do Con-

Alemanha e na Áustria, devido à origem judaica do seu

ceito de História). Trabalha como gerente de exportações em

autor. Elias se torna Sênior Research Pellowship na London

uma fabrica de mercadorias de ferro em Breslau.

School of Economics.

um. Eine kritische Untersuchung zum Begriffder

1925-30 Prepara sua "habilitação" sob a orientação de Alfred

1940 Elias é internado por oito meses na ilha de Man como "enemy alien".

Weber em Heidelberg. 1930-33. Assistente de Karl Mannheim na Universidade de

1945-54 Atividade no programa de educação de adultos do Adult Education Centre. Conferências ocasionais na Lon-

Frankfurt-am-Main. 1933 No início do ano Elias apresenta a sua tese de habilitação,

don School of Economics e no Bedford College em Lon-

Der hofische Mensch. Ein Beitrag zur Soziologie dês Hofes, der

dres. Funda, em conjunto com o psicanalista S.H. Fuchs

bofischen Gesellschaft und dês absoluten Konigtums (O Ho-

(posteriormente Foulkes), a Group Analytic Society. For-

mem da Corte. Uma Contribuição para a Sociologia da Cor-

mação como analista de grupos.

te, da. Sociedade da Corte e da Monarquia Absolutista, que

1954 Docente de sociologia na Universidade de Leicester.

se transformará, em 1969, em A Sociedade da Corte), à

1962-64 Professor temporário de sociologia na Universidade de

Universidade de Frankfurt. O concurso de habilitação é,

Gana, em Akkra.

contudo, Interrompido no meio devido às leis nacional-so-

1965 Publicação de The Established and the Outsiders.

cialistas de impedimento profissional aos judeus. Elias emi-

1969 Nova edição, parcialmente revista, de Über den Prozess der Zivilisation e de Die hofische Gesellschaft.

gra para Paris. 1935 Emigra para Londres e inicia as pesquisas de Über den

1969-71 Conferencista convidado na Holanda (Amsterdã, Haia) e na Alemanha (sobretudo em Konstanz, Aachen,

Prozess der Zivilisation. 1938 Encontra-se pela última vez com seus país, Hermann e 138

Bochum e Bíelefeld). 739

DOSSIÊ NORBERT ELIAS

1970 Publicação de Was ist 1975 Passa a morar em Amsterdã. 1976 Über den Prozess der Zivilisation é publicado em edição de bolso pela editora Suhrkamp e vende rapidamente 20

ESCRITOS DE NORBERT ELIAS'

mil exemplares. N. Elias se torna cada vez mais conhecido, 1977 Recebe o Prêmio Theodor W. Adorno da cidade de Frankfurt-am-Main. É publicado o volume comemorativo aos 80 anos de N. Elias, Human Figurafions. 1979-84 Trabalha no Zentrum für Interdisziplinare Forschung (Centro para a Pesquisa Interdisciplinar) da Universidade de Bieíefeld. 1983 Publicação de Engagement and Distanzierung. 1984 Publicação de ÜberãieZeit. Passa a morar definitivamente em Amsterdã. 1985 Publicação de Humana Conditio. 1987 Publicação de Die Geseltschaft der Individuen.

1. TEXTOS DE N. ELIAS a. Livros próprios

1989 Publicação de Studíen über die Deutschen. 1990 Em l" de agosto, Norbert Elias morre em Amsterdã.

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Este levantamento não se pretende completo.

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