Música(s) e seus ensinos (livro de Maura Penna)

May 28, 2018 | Author: Anne Oliveira | Category: Homo Sapiens, Perception, Singing, Sociology, Schools
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Maura Penna

MÚSICA(S) .

e seu ensIno

Editora SI/tina

SUMÁRIO PREFÁCIO- .Jusamara Souza

9

APRESENTAÇiio 11 PARTE

I-

MlJSICA(S)

15

E MUSICI\LIZ!\çAo

CAPÍTULO I - Dó, ré, mi, fá e muito mais: discutindo

o que

é música

17

27

CAPÍTULO2 - Musicalização: tema e reavaliações CAPÍTULO3 - Música(s) e seu ensino: reflexões 48 sobre cenas cotidianas

CAPÍTUI.O4 -. Contribuições para uma revisão das noções de arte como linguagem e como comunicação 64 PI\RTE

U-

MlJSICI\(s)

I~CULTURI\(S)

77

CAPíTULO5 - Poéticas musicais e práticas sociais: reflexões sobre a educação musical diante da diversidade 79

.

)

CAPíTULO6 - Música(s), globalização e identidade o projeto "Pernambuco em Concerto" 99 PI\RTE

lU -

MlJSICI\

NO CURRícul.O

CAPÍTULO7 - A dupla dimensão

e a música na escola: PARTE

IV -

117

I~SCOLI\R

da política educacional

e a música na escola: 1-- analisando e termos normati vos 11 9 CAPÍTULO8 - A dupla dimensão

a legislação

da política

II- da legislação

educacional à prática escolar

PENSANDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA

CAPÍTULO9 - Ressignificando

regional:

e recriando

159 músicas:

'4. ,

a proposta do re-arranjo em co-autoria com Vanildo Mousinho Marinho CAPÍTULO 10 - A fala como recurso na educação possibilidades e relações 195 REFERÊNCIAS

217

161 musical:

138

1. DÓ, RÉ, MI, FÁ E MUITO MAIS: discutindo o que

é

música*

o

que é música'! Esse é um tema aparentemente fácil, ou mesmo óbvio. Afinal, em nosso dia-a-dia convivemos com música e não temos muita dificuldade chuveiro;

dançamos

nhia de nossas

J ,igamos

em saber do que se trata.

para ouvir um pouco de música

enquanto

dirigimos;

o som

cantamos

no

ao som de música; o nosso MP3 nos dá a compa-

músicas

preferidas

em diversos

momcntos

por aí vai. ;\s manifestações

musicais são extrcmamente

um concerto

sinfônica,

de orquestra

pagode ... um grupo de ciranda,

do dia, e

diversi ficadas:

um grupo de rock, de rap, de

de maracatu,

de reisado ... o coral da

igreja, o canto na procissão ... a roda de amigos que canta e batuca na mesa de bar, o violão

na varanda

da fazenda ... São manifestações

musicais diferenciadas: produções populares, eruditas (a chamada música "clássica") ou da indústria culturaltodas são música. Mas que características perpassam todas essas manifestações, tornandoas "música",! O que, em suma, caracteriza a música? A questão, dessa forma, já não fica tão óbvia. Poderíamos tentar encerrar

a discussão

dizendo:

a música é

uma forma de arte que tem como material básico o som. Entretanto, na verdade, pl icamos permanece

estaríamos

apenas abrindo

o que é arte e, portanto,

pois não ex-

o problema,

que

em aberto: afinal, o que é arte? O fato é que a concepção

de arte vem sendo discutida estudiosos

novas questões,

só deslocamos

por filósofos,

desde a Antigüidade

mento histórico

e a perspectiva

clássica,

estetas e os mais diversos variando

conforme

o mo-

de análise. Sendo assim, não vamos

Versão revista do artigo publicado em Ensino de Arte - Revista da Associação de Arte-Educadores do Estado de São Paulo, ano lI, n" m, [1999], p.14-l7. 17

pretender

resolver

a questão,

mas apenas tentar esclarecer

alguns de

seus aspectos. Apesar sentados básico

dos problemas

- a música

da definição

de música acima apre-

é uma forma de arte que tem como

o som -, propomos

discussão, costumam

casos, o homem cria técnicas que utilizam distintamente de uma certa forma selecionam

tomá-Ia

provisoriamente

material

para a nossa

em que vamos questionar dois dizeres correntes, que ser tomados como "óbvios" sem uma maior reflexão.

Todos já devem ter ouvido

sar, por exemplo,

I) Os

pássaros

Pretendemos, nos a elas.

aqui, questionar

I.

essas afirmações,

opondo-

A arte de modo geral - e a música aí compreendida atividade

essencialmente

significações

-- é urna

humana, através da qual o homem constrói

na sua relação com o mundo. O fazer arte é uma ativi-

se distanciam

canto do pássaro

visuais,

nas artes plásticas; Ao contrário

apetrechos formões;

uma construção

e daí por diante.

dos pássaros,

o homem constrói e cria diversos

para o seu fazer artístico:

utensílios

pianos, flautas, todos os instrumentos

variados, musicais;

de pincéis a tudo isso e

atividades

artísticas,

Seria possível

o homem emprega

argumentar

I

nio Jardim

18

o espaço ou o momento

o

históri-

(1995),

em seu instigante

artigo

Antô-

Pássaros não fazem

música; formigas não fazem política: Se os pássaros que cantam não cantassem como cantam não seriam aqueles pássaros. Se as formigas não se organizassem como se organizam não seriam formigas. Quer dizer: os pássaros não sabem, nem precisam saber que cantam. Nós sabemos que eles cantam, eles não. Eles são o seu canto, eles só são. (Jardim, 1995, p.79)

do pró-

mesmo nesses

A esse respeito, ver Schrocder (2005, p.13-17), que analisa como esta concepção se manifesta com constância na fala de educadores, músicos e críticos. Comparativamente, para uma análise da representação de música como linguagem no discurso de professores de música em escolas de educação básica, ver Duarte (2004, p. 110-117).

não varia conforme

do fazer musical humano,

mundo, como a música do homem. Nesse sentido, posiciona-se

que, em várias

apenas os recursos

prio corpo - como para cantar ou dançar. No entanto,

por lá. Diferentemente

co: o cantar do pássaro é da espécie, e caracteriza-o como o pássaro tal. Não é, portanto, uma atividade significativa e intencional sobre o

muito mais. Já os pássaros não fabricam ferramentas para as suas atividades: não produzem dispositivos para a construção de ninhos c nem para o seu cantar.

para fazer uso do

de pássaro - um bem-te-vi, por exemplo -, ela canta do mesmo jeito hoje, como cantava há séculos atrás; canta do mesmo jeito na Paraíba, como canta no Rio Grande do Sul ou em outros continentes - se

ção de formas significativas. E aqui o termo "forma" tem um sentido amplo: construção de formas sonoras, no caso da música; de formas

criativa,

de técnicas

são uma característica essencialmente humana - o que já di ferencia, portanto, o fazer artístico humano do cantar dos pássaros. Por outro lado, se pensarmos em uma determinada espécie

houver bem-te-vi

uma atividade

em um

do andar natural e até certo ponto contrariam

Assim, o desenvolvimento

- constru-

dade intencional,

nos modos de utilizar a voz, tão diferentes

corpo, a criação de instrumentos que expandam as suas possibilidades, a construção de ferramentas para o seu agir sobre o mundo

fazem música. universal

da natu-

cantor lírico - como Luciano Pavarotti - e em um cantor popularcomo Zeca Pagodinho. Ou observar como as posições de pés no balé a natureza.

2) A música é uma linguagem

o corpo, que

possibilidades

reza, muitas vezes quase a desafiando. E essas técnicas de utilização do corpo estão ligadas a detenninadas concepções de arte. Basta pen-

clássico

falar que:

e aprimoram

Sendo assim, quando dizemos ca, cstamos,

na verdade,

sa, essencialmente

projetando

humana.

nossa medida, estamos

fazem músi-

sobre eles uma experiência

Estamos

"humanizando" 19

que os pássaros interpretando os pássaros.

nos-

o seu cantar na

Até este ponto de nossa discussão, Os pássaros

não fazem música.

criam, produzem A música

é possível estabelecer

humana,

a arte em geral - é urna atividade

da ou 5" diminuta,

intencional,

do sem causar grandes estranhezas - quem toca violão conhece bem os acordes de 5" diminuta. Esse intervalo - composto pelas notas si e

de criação de significa-

ções. Nesse sentido, podemos falar das linguagens Podemos,

agora, passar a questionar

- a música é uma linguagem

a segunda

artísticas. afirmação:

universal.

de organização

E esse aspecto

dinâmico

compreendê-Ia

em toda a sua riqueza e complexidade.

da música é essencial

"trítono",

hoje correntemente

emprega-

por causa disso era proibido (Candé, 1983, p.222-223). Assim, se a arte é um fenômeno universal, corno linguagem culturalmente Inclusive,

o espaço social. Isso quer dizer que o fazer musical não é o mesmo nos diversos momentos da história da humanidade ou nos diferentes os princípios

o chamado

fá, por exemplo - era considerado, no século XIV, como "a mais terrível das dissonâncias", sendo chamado de o "diabo na música", c

Afirmamos que, distintamente do canto do pássaro, o fazer musical humano varia, diferencia-se conforme o momento histórico e

povos, pois são diferenciados

definidas das notas musicais e que são utilizados por outras culturas em sua música. Mas mesmo o modo como a tonalidade e seus princípios são definidos na música ocidental sofre variações, conforme o momento histórico. Uma evidência disso é o intervalo de 4" aumenta-

fazem música;

música.

- ou melhor,

essencialmente

Os homens

que:

dos sons.

para que possamos

diferenciando-se

dentro de urna mesma sociedade-

de cultura

é

para cultura.

corno a nossa, a brasi-

leira -, de grupo para grupo, pois em nosso país convivem práticas musicais distintas, uma vez que podemos pensar nas manifestações culturais e artísticas eruditas, e nas diversas formas de arte e cultura populares,

Na medida em que alguma forma de música está presente em

construída,

com sua imensa variedade.

uma linguagem

cultural,

consideramos

Exatamente

porque a música é

familiar aquele tipo de músi-

todos os tempos e em todos os grupos sociais, podemos dizer que é um fenômeno universal. Contudo, a música realiza-se de modos dife-

ca que faz parte de nossa vivência; justamente porque o fazer parte de nossa vivência permite que nós nos familiarizemos com os seus

renciados,

princípios de organização sonora, o que a torna urna música significativa para nós. Em contrapartida, costumamos "estranhar" a

concretiza-se

diferentemente,

conforme

o momento

da his-

tória de cada povo, de cada grupo. Exemplificando: entre os sons possíveis de serem captados pelo ouvido humano, entre todos os sons da natureza seleciona,

e os possíveis num determinado

seu material

musical,

de serem produzidos, momento

estabelecendo

a música estruturava-se

dentro dos princípios ples, a música cumprem

aqueles

o modo de articular

esses sons. Assim é que, para a civilização séculos,

cada grupo social

histórico, européia

exclusivamente

da tonal idade: colocando

que são o vários

a partir das notas e de um modo bem sim-

tonal utiliza sete notas (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si) que

funções distintas e hierarquizadas

te, etc.) dentro de um determinado

(como tônica, dominan-

tom (por exemplo,

dó maior);

possibilidades

de sons que não se enquadram

20

nas alturas

Quem é que já não

ouviu alguém dizer - ou até mesmo disse - a seguinte frase: "isto não é música"? Essa atitude em relação à música do outro pode ser por exemplo,

por parte de um músico

erudito

em rela-

ção ao rap, de um velho seresteiro em relação ao barulhento rock do filho do vizinho, de um jovem roqueiro em relação à música erudita contemporânea, música

O que

ou de um fã de música sertaneja

indígena. é

em relação

Como bem coloca.T . .Tota de Moraes,

a uma

no seu livro

música:

a

partir daí são estabelecidos princípios para a organização das notas em sucessão (na melodia) ou em simultaneidade (na harmonia). Há, no entanto,

que não faz parte de nossa experiência.

encontrada,

e organizar

e durante

música

Cada um de nós costuma emprestar tanta importância

à

música que ouve mais freqüentemente, que acaba por tender a não encarar como música, como significação, a ati-

21

vidade musical do vizinho, quer este more ao lado, quer ele viva na Polínésia. [E] Isso é uma atitude [... ] cultural. (Moraes, 1983, p.15-16) Esperamos,

portanto,

ter deixado

claro que a música

não é

temos consciência uma gravação,

como registro puramente

A chamada sas correntes

uma linguagem universal, seria sempre significativa - isto é, qualquer música seria significativa para qualquer pessoa -, independen-

Luigi Russolo,

Agora podemos no início deste texto:-

retomar a definição LI

em relação

à música

movimento

apresentada

música é uma forma de arte que tem como

material básico o som. E podemos

ajustá-Ia

um pouquinho

mais, di-

zendo: - a música é uma linguagem

artística, cultural mente constru ída,

"música

que se desenvolvem futurista

impulsionado

o serialismo

eletrônica,

essas diversas correntes

da música erudita contribuem

e

- a música

XX e XI,

para a renova-

ção do fazer musical e da própria música, não apenas pela incorporação de outros recursos

expressivos,

material

sonoro passa a ser tratado. Como já apontado,

propriamente

mas também

sical, assim como o modo de articulá-Ias

ao caráter dinâmico da música. Falamos que a música tem por material básico o som - e não nos referimos por acaso a "material

ma, durante

básico".

dro é alterado

único ou exclusivo

vanguardas

etc. Ao longo dos séculos

uma outra questão,

Pois o fato é que o som não é o material

Marinetti

da escola de Viena, assim

pelas chamadas

aleatória,

abarca diver-

por Filippo Tommaso

dodecafônico

que tem como material básico o som. Nesse ponto, é preciso retomar e que diz respeito

cor-

desde o início do século XX, com o

cada grupo social seleciona

que até agora ficou encoberta,

ao vivo e

sonoro. Nesse sentido,

erudita contemporânea"

como, a partir do pós-guerra, concreta,

provisória

entre uma apresentação

rentes da música contemporânea propõem incorporar - de modo planejado e intencionalesse aspecto cênico ao evento musical.

uma linguagem universal. É, sem dúvida, um fenômeno universal, mas como linguagem é culturalmente construída. Se a música fosse

temente da cultura, e desse modo a estranheza do outro não existiria.

da diferença

pelo modo como o

aqueles sons que são o seu material e organizá-Ios.

Desta for-

vários séculos, só se fazia música na civilização

tal a partir das notas e dentro dos princípios pelas diversas correntes

da tonalidade.

contemporâneas

mu-

ocidenEste qua-

acima referi-

da música. Como diversos historiadores apontam, em seus primórdios a música era parte de rituais comunitários e integrava diversos

das, cujas contribuições

se entrecruzam

pendo ou reinterpretando

os princípios

elementos presentes na vida grupal; mesmo na Cirécia Antiga, "música e poesia eram uma coisa só; poemas recitados eram entoados e,

ando o material musical para muito além das notas: incorporam o ruído como material musical; exploram fontes sonoras alternativas,

algumas

desde aparelhos

vezes, associados

à dança" (Menuhin;

Davis,

1981, p.3S).

Essa integração também é encontrada em correntes contemporâneas à manifestação musical da música erudita, que têm incorporado ~utros recursos expressivos,

como luzes, movimento,

encenação,

etc.

E bom lembrar também que toda performance musical têm um aspecto cênico, quer este seja intencionalmente planejado e explorado ou não. Os regentes e solistas da música erudita "sabem" disso - talvez de um modo não-consciente, gestos

e expressões

Os roqueiros

também

raciais

mas sabem -, na medida integram

a sua interpretação

sabem, com os cabelos

sendo jogadas ... Nós, ouvintes,

musical.

voando e as guitarras

também sabemos,

22

em que seus

na medida em que

eletrônicos

novos de produzir

e se complementam, da tonalidade

a objetos do cotidiano,

sons com os instrumentos

como, por exemplo, manusear diretamente percutir a caixa de madeira do violino. Essas correntes da natureza

permitem,

ou do cotidiano

rom-

e ainda ampli-

incluindo

modos

musicais

tradicionais-

as cordas

do piano, ou

ainda, tomar gravações

de sons

como material para a composição

musi-

cal. Assim, é justamente nesse contexto musical que o canto de um pássaro pode se tornar música: nesse caso, o homem intencionalmente se apropria tístico, quando finalidade

do canto do pássaro,

incorporando-o

em seu fazer ar-

grava esse canto e o articula a outros elementos,

significativa,

em uma peça musical.

23

com

Essa ampliação. rentes

que renavaram

cOlTespande organizar

a música

também

erudita

pelas car-

já estão. incarparadas

XX e XI -

vivendo e interaginda musical.

- praposta

nas séculas

a uma nava estética,

muitas

do intérprete.

a princípias

vezes, a participação

Nesse sentida,

distintas

lógica de uma escrita canceptuais

que subvertem

tradicianal

criadas

criativa

de

agora insuficiente

por abras que jagam inovações

relativamente

uma vez que a

para o registro dessas navas

Na entanto., apesar de seu importante cantemporâneas

para

A música assim con-

na grafia musical,

notação. tradicianal não é mais suficiente alternativas sanoras2.

e estreita

a

papel, essas correntes

da música erudita têm, de moda geral, um pública pequeno;

são. pauca contempladas

nos repertórios

das

Prapastas

pedagógicas

acreditamas na medida

para nós: não estamos familiarizadas

de arganizaçãa

sonara,

que tadas as vanguardas em que cumprem

com

cam a sua estética. Aliás,

nanda as limites da própria linguagem

artística

questia-

em seus padrões

de

sam,

musicais

con-

vencionais, como no ensino tradicional. Nesse quadro, o trabalho sonoro criati vo torna-se mai s acess ível, não dependendo de uma longa formação

voltada

para o aprendizado

/\ proposta

da notação

tradicional,

de música,

vinculada

ou contraponto.

pedagógica

da oficina

traz sem dúvida indicações

- ou em substituição

sição não teria sentido,

música na escola é justamente dando-lhe

- à música de base tonal. Tal opo-

na medida

em que a função

ampliar o universo

acesso à maior diversidade

sicais, pois a música, em suas mais variadas farmas, cultural

novas recursas expressivas

e significativos.

E muitas desses recursas

capaz de enriquecer

experiência

expressiva

e significativa.

3

E essa função é importante e vál ida, mesmo que a corrente de vanguarda não perdure ou não eonsiga se difundir de modo mais amplo.

24

A questão. de cama viabilizar tema para uma autra discussão,

4

de

musical do aluno, mu-

é um patrimônio.

a vida de cada um, ampliando.

sica na escala dentro. de um projeta arte e à cultura. A esse respeito, ver a diseussão de Pergamo (1993, p.IS-40) sobre as eonsequências gráficas das novas orientações da música contemporânea -liberação da tonalidade, ruptura da simetria e da periodicidade rítmica, busca de novas sonoridades.

do ensino

possível de manifestações

rial sanara, para apontar alternativas

indicando

à

valio-

sas para a educação musical. Consideramos, contudo, que não é o caso de opor um padrão a outro, de colocar a música contemporânea

arganizaçãa já cansagrados'. Neste sentido, essas diversas carrentes da música erudita cantemporânea cantribuem para ampliar a matepara o fazer musical,

cantem-

a própria

em oposição

safrem este "estranhamenta",

a função. de abrir caminhos,

eruditas

de moda ampla, e não mais as notas ou os elementos

estética da música contemporânea,

saam "estranhas"

e signifi-

para a prática

ação do aluna, senda a material básica desse pracessa

drões da música tanal e, exatamente vivência,

expressivas

sam" au "experimentação. sanara". Na aficina, a música não. é tomada cama pranta, a ser aprendida e repetida, mas a ser canstruída pela

das regras de harmonia

as seus princípias

de arganizaçãa

abrem alternativas de campasitares

can-

parâneas - como Paynter e Astan (1970) ou Schafer (1991; 1994)baseiam-se na trabalha exploratória e criativa sobre a material sanode ro na "aficina de música" 4 - também chamada de "labaratória

arquestras au mesmo na formação. de músicos e de professores de música. Na verdade, essas novas sanoridades distanciam-se das papor não fazerem parte de nassa

na fazer artística,

cam padrões mais tradicionais

da música contemporânea

·educativa.

às "navas

cam material idades e

que não. têm precedentes".

cebida exige, partanta,

cativos

completamente

mais rotineiramente

Par autro lado., esses novos recursas

da executante,

Lapes (1990, p.l) refere-se

e novas formatividades

as necessidades madelas

musical

as sans (em séries, blocas, massas, texturas, etc.), levanda-

se em canta, paéticas

da material

a sua

Cabe, partanto,

pensar a mú-

de demacratização

no acesso. à

este projeto educacional

seria

de moda que não cabe aqui estendê-

A respeito, ver o Capítulo 9.

25

Ia. No entanto, queremos

ressaltar que não há um caminho

único nem

uma receita pronta para esse projeto de uma educação musical É preciso construí-Io, e para tal duas atitudes renodemocratizante. vadoras são imprescindíveis:

2. MUS[CALIZAÇÃO: tema e reavaliações*

I) Em lugar da acomodação, que leva a repetir sem crítica ou questionamentos os modelos tradicionais de ensino de música, faz-se necessária a disposição alternativas, de modo consciente.

de buscar e experimentar

Pode parecer que todos entendem o que é "musical ização". Porém, essa primeira apreensão é vaga e abstrata, em contraste com

2) Em lugar de se prender a um determinado "padrão" musical, faz-se necessário encarar a música em sua diversidade e di-

a riqueza de significados que essa noção pode adquirir, metida ao crivo da reflexão.

namismo, pois sendo uma linguagem cultural e historicamente construída, a música é viva e está em constante movimento.

Expl icar a musical ização apenas em termos

de música, estaremos

contribuindo

de música

(ou

1\ronoff (1974, p.34): "1\ música é

mina. Mas, Como bem evidencia

cm si nton ia com esse projeto

de democratização no acesso à arte e à cultura, sua efetiva construção.

sub-

correlatos) é permanecer no nível da abstração, em que a música é um pressuposto dado, inquestionável e sagrado, que se autodeter-

Sendo assim, na medida em que formos capazes de ampliar a nossa concepção

quando

uma experiência humana. Não deriva das propriedades físicas som como tais, mas si m da relação do homem com o som" I.

para a

1\ partir dessa constatação, termos de nossa linguagem

corrente

reinquirindo

- o que é música,

linguagem artística e assim por diante -, torna-se priação da musicalização em suas determinações. explicitar uma concepção de musicali/.ação, revela uma visão de mundo. Escolhemos deverá fundamentar

sucessivamente

do os

o que é arte,

possível a reaproDefinir, afinal, é

como uma proposta

para repensar a musicalização a prática - a vertente sociológica

que

._. reflexão que e educacional,

que acreditamos ser mais adequada para tentar responder aos problemas da realidade brasileira. Como ponto de partida de nossa discussão, tomemos as seguintes definições:

*

Versão revista do prefácio e 10 capítulo do Iivro de nossa autoria, Reavaliações e buscas em musicalização (São Paulo: Loyola, 1990. p. 13-37). Para maiores detalhes sobre a revisão empreendida, ver Apresentação.

I Em todos os casos de original em língua estrangeira, a tradução é nossa.

26

27

Musicalização:

ato ou processo

Musicalizar(-se): internamente,

de musicalizar.

sistema

tornare-se) sensível à música, de modo que, a pessoa reaja, mova-se

temperado,

as regras para sua manipulação: etc. representam deceu durante

pode-se dizer assim. No entanto, convém ir

mais a fundo nesse pequeno lhor importantes

questões

enunciado,

para revelar e delimitar

entre todas as possibilidades

ras, um certo leque de sons como "material

com ela (cf. Gainza,

1988, p.10l). Provisoriamente,

delimitando,

me-

códigos

"a escala de sete sons, a tonalidade

formais aos quais a música ocidental

condiciona

1a reavaliação: a música como linguagem socia Imente construída

ou monótona

porque não se baseia nas mesmas convenções"

que são tomados

como a menor distância

a própria discriminação

a identificação

de intervalos

igualando

"possível"

(Porquin,

os semitons, entre os sons,

auditiva, gerando dificuldade

mais

Pode-se

até dizer que o som naturalmente

antiga do que a linguagem ou a arte; começa com a VO/. e com a nossa necessidade preponderante de nos dar os outros". Com essa frase, Menuhin e Davis (1981, p.l) começam a sua exposição sobre A mú-

existência

sica do homem.

esta necessidade

E da voz que se lança, o homem construiu, em seu desenvolvimento histórico, a música como uma linguagcm artística, estruturada

dos sons, diferenciadas

e organizada. Como uma forma de arte - cuja especificidade é ter o som como material básic02 -, caracteriza-se como um meio de ex-

tem por base um padrão culturalmente

pressão e de comunicação. Meio de expressão, por objetivar c dar forma a uma vivência humana, e de comunicação por revelar essa

cialmente

experiência

aprendido

pessoal

de modo que possa alcançar

o outro e ser com-

comprecnsão sem dúvida distinta da que se aplica à linguagem verbal cotidiana, conceitual, cuja apreensão é marcada por um alto grau de automatismo. artística,

culturalmcnte

construída,

a

música - juntamente com seus princípios de organização - é um fenômeno histórico e social. Desse modo, por exemplo, a civilização européia,

em sua evolução,

consolidou

até poderia

como urna tendência

servir

para explicar

nas mais diferentes é respondida

a música tonal, com base no

nização contato

cotidiano,

A esse respeito, ver

° Capítulo

I.

28

da música",

a sua

em todas as épocas.

compartilhado artística,

padrão

apreendido

pela familiarização

(social).

Iidade

a ela,

para a orgaeste quc, so-

- pcla vivência,

- embora

Mas

de organização

e no espaço

ou mesmo a sensibi

linguagem

Com essas afirmações,

também

pclo

possa ser

dom inato. Trata-se, construÍda

torna-se

dada, nem a razões de vontade na verdade,

num processo sua emotividade

a reagir ao estímulo

seu próprio

individual

de uma sensibilidade

- muitas vezes não-consciente

potencial idades de cada indivíduo

da sensibilidade

mais claro que o "ser sensí-

ê uma questão mística ou de empatia, não se refere

(sua capacidade

etc.) são trabalhadas

musical.

Se o educador

ou dc

adquirida, - em que as

de discriminação

e preparadas acreditar

de modo

que a questão

é dada ou não de berço, ou que, em termos de músi-

ca, "não há nada para entender, 2

e isso

na escola.

vel à música" não a uma sensibilidade

auditiva,

toca e faz as pes-

por formas concretas

é socialmente

dos sons.

do ser humano,

a "necessidade

sociedades,

da música,

dos sons numa construÍdo,

universal

no tempo (histórico)

Assi m, a compreensão

partilhada (d. Vasquez, 1978). Porém, para que possa ser cfetivamente compartilhada, precisa ser "compreendida" - uma forma dc

Sendo uma linguagcm

soas dançarem,

para

menores. No entanto, outros grupos e ou-

tras culturas criaram modelos distintos para a organização "I\. música é a nossa mais antiga forma de expressão,

obe-

à música dos

que pode nos parecer incompreensível

1982, p.42). Além disso, o sistema temperado,

subjacentcs.

e estabelecendo

três séculos, e que a opõem nitidamente

outros continentes, simplesmente

musical"

sono-

basta escutar",

trabalho.

29

então tornará

inútil o

não basta escutar: quando não se dispõe dos instrumentos de percepçào que permitam ao indivíduo "situarse", a música permanece sendo um mundo hermético, uma massa inrorme, um ruído monótono ou aborrecido I···)

percebidos. Na perspectiva

(Forquin, 1982, pAO).

ver os instrumentos

[ ... 1

facilmente

detectável

to os instrumentos

experiência,

que lhe sirvam como esquemas

de interpretação.

Assim,

ro/musical

abordada,

acumuladas, senvolvidos.

cotidiana

relacionado

musicalizar

necessários

à música, apreendê-Ia,

como significativo.

apenas quando

portanto,

de percepção

possa ser sensível A condição para que o indivíduo possa apreender a obra, dando-lhe sentido, é o domínio prévio dos instrumentos de percepção - isto é, de referenciais internalizados, construÍdos a partir de sua

com base na comunicação

-, enquan-

do arranjo não são, muitas vezes, conscientemente é desenvol-

para que o indivíduo

recebendo

o material sono-

Pois nada é significativo e articulado

quando compatível

no vazio, mas

ao quadro das experiências

com os esquemas

de percepção

de-

a sua "competêneia artística" está diretamente vinculada ao grau desse domínio e ao refinamento desses esquemas de interpretação (cf. Bourdieu;

Darbel, 2003, p.71-74).:\ Na falta desses instrumentos

pecíficos,

o indivíduo

se orienta por referenciais

cotidiana,

aplicando

às obras de arte aqueles

emprestados mesmos

da vida

referenciais

que lhe permitem apreender os objetos de seu ambiente diário como dotados de sentido (Bourdieu; Darbel, 2003, p.80). Sendo assim, a situação aplicação

da música é particularmente de categorias

de percepção

reavaliação: O acesso socialmente diferenciado à música, à arte e à cultura

2a

es-

desfavorável,

pois nela "essa

extra-estéticas

é mais difícil,

Se os esquemas desenvolvidos

de percepção

pelas experiências

das linguagens

que não é apenas a escola que musicaliza. formas

de educação

rais populares,

não-formal,

artísticas

de vida de cada um, torna-se Musicalizam

ligadas a diferentes

as chamadas práticas

cultu-

como as que dizem respeito ao processo de aprendiza-

por faha de relerenciaf anedótico realista ou de conotação ética suscetível de ser atribuída com suficiente facilidade" (Forquin, 1982,

gem das crianças

numa escola de samba ou dos participantes

grupo de ciranda

ou de folia de reis'l. E mais ainda: para alguém

p.40). Tal fato é constatado com clareza ao se verificar que o foco de atenção, numa música popular de sucesso, tocada com freqüência nas rádios, é muito mais a letra - já que o verbal oferece um sentido

nunca participou uma "atividade dispersas

de algo que possa ser socialmente musical",

Para toda essa discussão sobre a especifieidade da percepção c compreensão das linguagens artísticas, e ainda sobre as condições sociais de acesso à arte e o papel da cscola nesse processo, imcnsamcnte útil é a obra referida de Pierre Bourdieu e Alain Darbel, O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público (2003). Baseada nos dados de uma pesquisa empírica sobre a freqüência a museus, e portanto diretamente vinculada à questão das artes visuais, a obra oferece um material teórico necessário à reflexão do educador que lida com qualquer linguagem artística, inclusive a musical. Ver principalmcnte I" parteCondições sociais da prática cultural (p.36-67) - c 2" parte- Obras culturais e disposição culta (p. 68-111).

30

musicalizam

e assistemáticas

MP3 ... ), dançar, batucar 3

tas que funcionam, musicalizar. Esses

através

dependem,

diretamente

4

de vida, no CD, no

como uma forma "espontânea"

de musicalização

apesar de serem relacionados pontânea",

(no rádio,

que como

na mesa de um bar, etc. -, experiências

digamos,

processos

de um

reconhecido

as suas experiências

- o ouvir música

dos são qualitativamente

socioculturais

são claro

de vivências

-

'-, pois seus resulta-

No caso da "musicalização assistemáticas,

e de maneira

do indivíduo;

de se

não são equivalentes

e complementares

distintos.

es-

condições

bastante

as possibilidades clara, das condições

estas que, como veremos,

A respeito, ver, entre outros, Conde e Neves, 1984/1985. 31

es-

tam-

bém interferem

nos processos

nem todos têm, socialmente, no momento

formais de musicalização.

atual, sob a forma de diferentes

que essas manifestações

Isso porque

acesso à imensa riqueza que é a música

musicais

manifestações.

diferenciadas

carregam

deste trabalho,

discutiremos

a musicalização

um processo educacional orientado. Se desconsiderarmos essa indagação, música

abstrata

- "a música

acima dos homens, desconhecendo

pela música"

que a produzem

em nome

-, estaremos

socialmente.

em nome da qual agimos é um padrão,

como

transmitindo

de uma

forte

Apenas como um exemplo da influência

dessa

vale citar Edgar Willems,

conhecido

metodológica,

Estaremos,

ainda,

sob a forma de

belga faem ter-

ainda serve de base a muitas práticas.

sem dúvida, de uma visão etnocêntrica, vivo e dinâmico da música. Segundo nhecidamente percepção

uma forma (entre outras) de

impondo

pedagogo

fundamentada

Chega ele a

ao grau atual de evolução

de nossa raça" (Wi Ilcms, 1966, p.14 -- grifos do original), justificando, assim, a importância que lhe confere em seu método. Trata-se,

situando-a

o fato de que esta música

ou mesmo

abordagem,

de novos materiais

a música tonal ainda é um padrão bastante

lecido em 1978, cuja proposta mos psicológicos,

expressão musical tornada modelo e tornada valor através de um processo histórico-social. Assim, quando musicalizamos em nome dela ou para ela, estamos

No entanto,

no processo educativo.

expressões culturais diferenciadas, que refletem - não de modo mecânico, vale lembrar - modos de vida e concepções de mundo. E da consciência

tonal e a incorporação

do sistema

se referir ao sentido tonal como "próprio

que a música só existe concretamente

dessa forma escondemos

que trouxe, em uma nova etapa, a própria

sonoros.

Visto signifi-

cações sociais diversas, cabe indagar qual é a música que nos serve de referência para musicalizar. Essa pergunta é imprescindível, já que, no âmbito

lução da música erudita, desagregação

um padrão

Gainza

um caráter

(1977,

relega o caráter

p.41), a música

erudita

tem reco-

e elaborado,

exigindo

para sua

extenso

uma dose considerável

que também

de elementos

mentais.

Em contra-

posição, diversas formas da música popular caracterizam-se por estruturas breves e vitais, por vezes esquerm"iticasÜ Historicamente, a música

erudita

configurou-se

como uma música de elite, de modo

que, sendo ela o padrão (educacional)

a alcançar ou mesmo a venerar,

cultural. A título de exemplificação, cabe lembrar dos jesuítas, que foram, em seu trabalho de catequização, os primeiros professores de

é, ao mesmo

música européia no Brasil. Segundo Kiefer (1976, p. 10-13), eles desculturaram a tal ponto a música indígena que dela praticamente não restam vestígios na chamada "música brasileira" - da qual não

do obras que constitui

faz parte a música dos grupos recolhida e estudada.

é

2003, p.239). No entanto, se a escola define o ideal, dificilmente

a

pre o papel de fornecer a todos os meios para alcançá-Ia. Não são fatores do tipo pobreza de espírito ou de inteligência

educação

indígenas

O padrão

- referência

e modelo

musical

nas escolas

brasileiras

isolados,

que atualmente

- que tem direcionado (especializadas

ou não')

tempo,

escolar desempenha

um ideal tornado

inacessívcl.

"A transmissão

sempre uma função de legitimação", consagrancomo "dignas de ser admiradas",

contribuindo

com isso para "definir a hierarquia dos bens culturais válida em determinada sociedade, em dcterminado momento" (Bourdieu; Darbel,

que mantêm

a grande

maioria

da população

brasileira

cum-

distante

da

tem sido o da música erudita européia, de base tonal. Note-se que o tonalismo, que se encontra também bastante fixado na música popular de nossos dias, é apenas um momento

5

(embora marcante)

na evo-

Por "escola regular", referimo-nos às escolas de educação básica, voltadas para a formação geral; já "escola especializada" diz respeito a escolas cujo ensino se restringe a um campo específico - no nosso caso, trata-se de escolas de música.

32

(, Sem dúvida, há generalização nessas referências à música erudita e popular, sem considerar as diferenças qualitativas entre obras determinadas. Além disso, cabe ressaltar que essa caracterização genérica do modo de estruturação de cada uma delas não corresponde automaticamente a um critério de valor - principalmente quando se procura tomar cada manifestação musical em seu contexto cultural e social mais amplo.

33

música erudita; esse tipo de argumento nações. "A estatística

as reais determi-

revela que o acesso às obras culturais

gio da classe culta; no entanto, legitimidade"

só esconde

(Bourdieu;

tal privilégio

é privilé-

exibe a aparência

te tendo condições tria eu IturaF.

Nesse quadro, portanto,

da

Darbel, 2003, p.69). Ligada ao lazer, a arte

de romper com os padrões difundidos

suficiente

foi tida durante

muito tempo (e ainda hoje) como uma "atividade

de sua real apreensão,

misteriosamente

inspirada",

referenciais

o que mascarava

so era dado apenas aos que usufruíam duzidas,

o fato de que seu aces-

das riquezas socialmente

pois "esse lazer ocioso, essa utilização

pro-

do tempo livre não

foram dados a todos por igual dentro da sociedade:

constituíram-se

embora,

que permitam

de familiarização. (2003, p.169),

fusão da cultura é muito mais intensa, rápida e diversificada

portanto,

em outros momentos dos indivíduos

e outros cspaços,

um universo

está a princípio

musical extremamente

disposição

amplo e rico, for-

mado pela música de diversas épocas, de diferentes Isto em termos de uma "possibilidade

it

formas e estilos.

pura", teórica e potencial,

por-

vada àqueles

privilégio

ca estão direcionados

para "compensar"

pelos esquemas

perceptivos

dizem Bourdieu

e Darbel (2003, p.71), "A obra de arte considerada

enquanto

bem simbólico

e interpretativos

de apreensão,

de que dispõe.

não existe como tal a não ser para quem

detenha os meios de apropriar-se dela". Assim sendo, sem sequer chegar a considerar ções de existência próximas

de boa parte da população

do nível da sobrevivência,

"possibilidades", Esta

vivência

restrita,

limitada,

passando

produzida

ainda estão

inúmeras

dessas

dos, igualmente, erudita?

pela

ausência

Um imenso número de pessoas

numa situação

sociocultural

musicais

facultativa

uma "necessidade pri márias",

é, cul-

é produ to da cultural,

como

dizer, então, que a escola existe exatamente

toda essa situação elementos

apresentada,

desempenharia,

um papel democratizante, de percepção

elaboradas

fornecendo

para o acesso e a apreensão

necessários

e complexas

promovendo

a to-

da música quase auto-

o domínio

para a apropriação

da música erudita,

dos

das formas

que historica-

erudita.

portanto,

instrumentos

musical em que vive, dificilmen-

34

reser-

das obras,

mente tem sido um privilégio das elites. Mas é realmente assim?

de esquemas

se encontra,

tal que dispõe de parcos

a crítica da realidade

facultativa,

Essa entrada

das "necessidades

esse quadro, a musicalização

maticamente,

7

para exercer

entrada

e Darbel

por que a vivência artística ao largo da música

perceptivos de maior alcance, é também sua produtora, pois dificilmente oferece elementos que possam levar ao aprimoramento desses esquemas.

para o processo

130urdieu

de se apropriarem

de quem pôde desenvolver

Seria possível

instrumentos que as condi-

brasileira

vetando-lhe

é possível compreender

da maioria é bastante

Como

para a democrati-

e do modo de vida. Assim, a necessidade

à sua apreensão.

pelos instrumentos

de

condição de acesso e direcionamento da escolha da música erudita, está diretamente vinculada ao domínio dos instrumentos necessários

que a "possibilidade real" de usufruir dessa disponibilidade não é dada a todos. Para cada indivíduo, a escolha e o "consumo" de músie limitados

franca é também

de usar dessa liberdade".

tural", que, ao contrário

em termos

o domínio

oportunidades

como mostram

que, dotados da faculdade

têm o privilégio

educação

previamente

seja necessária

possibilitem

No entanto,

"entrada

não são garantia

perceber essa música como significativa-

a gratuidade

zação e esses concertos

gratltitos

à música erudita,

pois esta requer

sem dúvida,

em privilégio das classes favorecidas, que também foram as classes sociais dominantes" (Porcher, 1982, p.13). Atualmente, numa sociedade urbana e industrial, onde a dido que

concertos

para um acesso democrático

pela indús-

Convém difusão

não considerar de padrões

de modo mecânico

pela indústria

cultural

ou automático e sua assimilação.

a questão

da

Os estudos

de recepção têm trazido sign i ficati va contri bu ição, ao en focal' as interpretações e reelaborações empreendidas pelos agcntes de cada segmento social, evidenciando sua não-passividade - o que, no entanto, também não pode ser supervalorizado. A respeito, ver Capítulos 5 e 6.

35

~

3" reavaliação: a escola e seus limites

10 a

A escola, ao mesmo tempo em que forma alguns, exclui outros - basta observar os índices de evasão e repetência, que conseguem

e quem são os

ter êxito. O ensino da música, especificamente,

escapa do quadro geral do sistema de ensino brasileiro, excludente e el itista. Vários oriundos mesmo

mecanismos

das camadas impossibilitando

uma "escolarização cacionais, mecanismosx,

buscando

o "desempenho

referência

r

arte em geral, a respeito das quais não há disposições

a

edu-

alcance

durante

dos alunos que ingressam

proposta

edude

legais (Constitui-

a obrigatoriedade

do ensino fun-

Y

às classes subalternas

mais precárias

(equipamentos,

- dispõem

de condi-

profissionais,

etc.)I2,

familiar,

de condições

favoráveis

a um bom dcscmpenho

escolar, ou que possam promover uma disposição durável prática cultural (nos tcrmos cm que a escola irá exigir).

para a

8 (ou 9) anos') -, uma parte significativa concluí-Io.

Con-

quando

entram,

de mais baixa qualidade".

o fazem

mais tardia-

Assim, em algumas

regiões, os índices de analfabetismo ainda são expressivos. No Estado da Paraíba, por exemplo, a taxa de analfabetismo na população de

H

- é dado pelas

de uma escolari/.ação

na I a série não consegue

de entrar na escola;

mente e em escolas

em princípio

onde justamente seriam neccssários os mel hores rccursos, já que os alunos desscs estabelccimcntos não dispõem normalmcnte, em scu

10

tribui para tanto o fato de que, como aponta Cunha (1983, p. 169), "Os setores de mais baixa renda da sociedade brasileira têm menos chances

mais democrático,

ções de ensino

desses

ambientc

do oferecimento

- portanto

alguns da realidade

legais que defi-

parcas horas destinadas a Arte no currículo da educação básica". Por outro lado, as escolas dos bairros periféricos - de um modo geral as destinadas

nossa

lugar, apesar dos dispositivos

- c a contrapartida e gratuita

para

outro lado, mesmo nas escolas da zona urbana, a partir da Y série o índice de distorção idade-série alcança mais da metade dos alunos'o Quanto às escolas especializadas no ensino de música ou de

Não nos cabe,

mas apontaremos

ção e Lei 9394/96) que determinam pública

desigual".

uma melhor compreensão como

Em primeiro damental

di ficu Itando ou propriamente

anos é de 13,86%; acima de 15 anos chega aos 29,71 %. Por

nam o seu oferecimento ou gratuidade, tica patente aelitização no acesso. Atualmente, o espaço educacional para a atividade al1ística de maior

dos indivíduos

da população,

até os mecanismos

detalhadamente,

cacional brasileira, musicalização.

que ainda é

seu sucesso escolar - desde os relativos

desigual",

que promovem

aqui, estudá-Ios

atuam para a exclusão

mais pobres

não

15

Tomamos como base para nossa seleção c apresentação desses mecanismos o estudo feito por Luiz Antônio Cunha, em Educação e desenvolvimento sacia! no I3rasi! (1983). A Lei 11.27412006 (que altera a Lei 9394/96) amplia o ensino fundamental para 9 anos, com a obrigatoriedade de matrícula neste nível de ensino aos seis anos de idade. Entretanlo, segundo seu Artigo 6°, a implementação desta mudança deve ser realizada alé 20 I O (Brasil, 2006a).

36

Dados apresentados nos "Indicadores demográficos e educacionais", disponibiliz.ados on line pelo Ministério da Educação c acessados em I 8/ O 4 /2 O O 8 : < h

11

12

li P : / / p o r Ia I . m c c . g o v . b r / i n d e x . p h P ') o P t i o n

==

co m_co nlen 1&Ias k==view &i d==9782& Ilem id==99999999> A respeito, ver Capítulos 7 e 8. Com base em nossa experiência como professora da rede públ ica do Governo do Distrito Federal, entre os anos de 1977 e 1984, apresentamos como exemplo o caso de BrasÍI ia, onde se tem uma das redes oficiais de ensino mais bem estruturadas, fornecendo educação gratuita a amplas e diferenciadas camadas da população. Entre as escolas da rede, encontram-se a Escola de Música de Brasília - talvez a maior e mais bem equipada escola pública de nível médio especializada em música do país - e as Escolas Parque - desti nadas a ati vidades de complemcntação da formação regular, dentre elas as artísticas. Pelo menos até 1984, quando eram quatro as Escolas Parque, todas clas localizavam-se no Plano Piloto, onelc o nível de viela era mais alto, c os professores especializados em música de apenas uma Escola Parque eram em maior número que o conjunto desses professores na Regional de uma das cidades-satélites mais distantes.

37

No nível do processo pedagógico I

!

vI

valoriza e reforça os padrões culturais

propriamente

expressos

no vocabulário,

estrutura das frases, nas maneiras de se relacionar das médias, segregando

os alunos que não os possuem.

mentos, interesses),

sendo de difícil assimilação

simulam

a discriminação

fracassar

interioriza

incapacidade encontram

evidências

representa

a atitude

da incorporação

à sua própria

que, preso a determinados eles correspondem),

O que

assinalados.

mas não dou para isso", além

a realidade

mostra um processo

I"

e que procura uma escola especializada e ampliar

não foi valorizada

no campo

para aprofundar

suas possibilidades

nunca mais voltar, por vezes deixando

ção da competência

. \I~postos para oé adquirida aprendizadoatravés formalizado. A competência artística, tão referida, das "aprendizagens imperceptíveis

!

')J

(j

e inconscientes" de uma educação precoce, "ao mesmo tcmpo, difusa e total" (Bourdieu; Darbel, 2003, p.l 05), quc, através de uma lenta

:

ção permanente e generalizada para decifrar os objetos e os comportamentos culturais", através do domínioa cultura de suas como linguagens, de seus familiarização, é capaz de interiorizar uma "diSPOSiJ princípios de organização (p.11 O). 1 ...

para

até de tocar? Foi excluído;

sua

considerada;

pior:

artística,

demonstram

são os mesmos

que agem no campo

familiar

já presentes,

e cotidiana.

trazidas

A escola pelos

Assim, são pressupostas

pois se

de sua

certas condi-

ções prévias, como base para a ação escolar. A própria comunicação é função

da cultura-

de apreciação,

como "sistema

de pensamento

38

de esquemas

e de ação, historicamente

tende a favorecer

de pensamento,

já controlados explicitamente

dora, por exemplo,

a retomada

de percepção

inconscientemente, os princípios

consou de

por um lado,

da gramática

as leis da harmonia

cria-

e do contraponto,

ou as regras da composição pietural, e, por outro, ao fornecer o material verbal e conceitual indispensável para dar nome às di ferenças,

antes de tudo, percebidas

puramente

(Bourdieu;

intuitiva.

Darbel,

de maneira

2003, p.1 06)

e a

atua sobre

alunos

escolar

de esquemas

ao formular

que

o acesso a uma cultura erudita,

que não é dado a todos na sociedade. culturais

artístico,

a educação

expressão,

a sua

que os mecanismos

1

ciente

seus conhe-

e sai de lá desiludido,

ou mesmo

trata de uma única e mesma questão:

percepção,

I

da

agem no interior do sistema de ensino (em geral) para a exclusão

pedagógica

Dessa forma, o ensino artístico encontrado nas escolas - (\ nas especializadas - só pode ser eficaz para aqueles que I

~Y

musical idade não era "a musical idade" que norteava o ensino ali. Bourdieu e DarbeJ (2003, p.l 00-111), discutindo a forma-

vivência

os

2003,

tiveram as condições sociais necessárias para desenvolver uma competência prévia, uma familiaridade e prática cultural como pressu-

do aluno?

prática

experiências

segundo

Darbel,

MIr

padrões (e mesmo a certos métodos que a

é incapaz de atender às necessidades

e até mesmo compõe,

formal,

e culturais

(Bourdieu;

inclusive

de ensino

música popular, que toca de ouvido, improvisa

seletividade

lingüísticos

tal transmissão"

trans-

;si' 1'-..jJ'v-

se

O que dizer de alguém com uma experiência

vivência

efetua

erudita

da culpa pelo fracasso como falta de talento, aptidão

ou musical idade, quando

cimentos

\""~ dY

1983, p.217).

o ensino de música, também

música,

mais ou menos "da cultura

p.11 0-111).

comporta-

para aqueles que não

da atuação dos mecanismos "estudei

a Escola

- que o receptor deve a seu

e o aluno que é levado a

(Cunha,

especificamente

quais

A ação peda-

"as razões da culpa como devidas

e falta de motivação"

Enfocando

condicionado"

mitida pela Escola e dos modelos

agem de tal forma que dis-

que produzem,

e socialmente

meio, e que se aproxima

na

vigentes nas cama-

gógica se baseia e se utiliza desses padrões (a linguagem, os vi venciam em casa. Esses mecanismos

constituído

dito, a escola

=

A revelação

la é o que permite entender

plenamente

relativos

à atuação da esco-

a nossa colocação

anterior

a

respeito da música erudita, como um padrão que tem norteado o ensino na área: é o padrão a alcançar, legitimado pela escola, que a estabelece como a música digna de ser admirada; ao mesmo tempo, é um ideal inacessível,

de

desses mecanismos

uma vez que Jl aç.ão l2e.délg6g.ie-a-s.ó.é eficaz sobre

um~ vivência cultural prévJa, que a_es.cola pres~upõe,-:nasJlão move sistematicamente.

39

.p'ro-

\

!'.'

(V'

I"

< \ tI.! ,-. _~ Ir .

ir'

r

\

.•

frv ~ f/ f/Y

Se a condição

para o sucesso

I~~

isso é tão necessário

escol"!., tanto no campo da

pressupostos,

~omo no desempenho global, é uma competência prévia, gerada por experiências culturais que são desigualmente distribuídas

9 ',cY.

na sociedade,

a escola acaba por reproduzir

essas desigualdades

ciais, Se a institu ição escolar se dispensa de promover te esta cultura que ela pressupõe, o que alguns recebem

- como dizem Bourdieu

(2003, p.1 08) -, estará perpetuando

e legitimando

ini-

as ações de educação

os concertos

gratuitos,

competência

e Darbel

J;.«

.

ao

cultural (dentro e fora da escola, como

por exemplo).

IpU

p,,'ry'

.'

,,"

,tl.lj;/j.

é um lugar de conflito, .

mesmo conquista roduto histórico influenciá-Ia, um espaço

d)

passível de ser transformada

I'

técnicas

Id

I

cada educador

brasileira.

na ação pedagógica transformadora "compensa" excludente,

de música

mais amplo

nos moldes

somente

Como decorrência

a crianças

e

Não cabe to-

portanto, como um trabalho "pré-musical", de um instrumento,

de

imediata

tradicionais

uma

(o estudo

etc.). Tampouco

a entende-

(o que é uma visão bastante

de todas as reavaliações

empreendidas:'

a educação

f

tado que se de-;:rina a todos que, na situação escolar, necessitam de-r: concebemos ou aaprimorar musicalização como um processo edueacional oriensenvolver seus esquemas de apreensão da linguagem musical - mesmo

que sejam adolescentes

ou adultos.

Necessitam,

tampouco

seja

tais esquemas

não

portanto, aproximá-Ios da música, em suas diversas manifestações (inclusive eruditas). Nesse caso, o trabalho deve mobilizar todos os

irá fazer com que sua prática musical qualquer

o acesso socialmente

antes reforça as diferenças

diferenciado

socioculturais.

à arte,

elitista e

Mas se a trans-

como um todo não se opera pela ação isolada

ou em apenas uma área de conhecimento,

bém se realiza através dessas várias instâncias: atitude

um conjunto

por sua função

de carúter técnico ou profissionaJizante. para um aprendizado

ape-

porque foram privados

necessariamente

de um professor

musical,

em si mesmas, para um estudo

a musicalização

fato de se ter a música ou a arte como material

por si mesma. Uma educação

da educação

tema redescoberlo da pedagogia

que se justificam

mos como dirigida comum).

social, não se trans-

pois, como foi visto, no quadro de um sistema educacional formação

uma

de cada educador,

através

ela tam-

através da ação e da

de cada matéria

40

(

não pode se eximir da

atuação de cada um não ira .•.. "salvar"

O simples

não compreendemos

preparação

do

. responsabilidade de agir, dentro de todos os limites e contra eles, no espaço do dia-a-dia escolar. A pequena

procurar

que busque democratizá-Ia.

Nessa perspectiva,

de "teoria musical",

no seu

que traz em si a possibilidade

a escola, como instituição

forma em seu caráter seletivo,

orientado

O

mar a musicali/.ação, de

É portanto

de ensino-aprendizagem,

fazer-se a cada dia, é um movimento novo. Assim, enquanto

pedagógico

Musicalil.ação:

aprofundado,

I' ~ .

essa mesma sociedade.

vivo, onde o processo

brasileira),

musical para poucos, para poder pensar a musical ização

como etapa preparatória

(ou

a .Hescoaeumarealca ecompexaeclnamlca: da sociedade na qual se insere, não deixa

também produzindo

da educação

de exclusão; entender como se reproduz

nas como um procedimento

I'

A

mas no quadro

as desigualdades

,/

ela também

a nossa prática e seus

tanto no plano da ação como da

da análise do ensino de arte e de música (que não

no vazio,

como um processo

, ,.fi) No entanto, se a escola reproduz a estrutura de classes, manf ;j/tendo e legitimando o acesso diferenciado à cultura, à arte e à música, J

Através

profundamente

esforços

conhecer os mecanismos

a todos

sociais, não sendo capaz de quebrar o CÍrculo vicioso que condena fracasso

ocorre

metodicamen-

"ao [se] omitir de fornecer

da família"

reflexão.

repensar

articulando

escolar,

etc. Por

recursos

em sua vivência

disponíveis

experiências

socialmente

culturais

das condições

cotidiana

para promover de contato

para desenvolver

prévia à escola,

a familiarização

com a linguagem

cabendo,

que reiterada. musical

desen-

volveriam imperceptivelmente, procurando substitutivos (aproximados) dessa vivência. Ou ainda atender àqueles que, dispondo no seu ambiente distintas

sociocultural formas

das oportunidades

da linguagem

musical,

41

para se familiarizar necessitam

com

de um processo

' .k::-'

n~' lÃ. uÚjJ-"'~ U"

,t,'I

orientado

de musicalização

ses esquemas

perceptivos

como meio para tomar consciência de que já dispõem

des-

nada pela indústria

e para expandi-Ios

Em um ou outro caso, as crianças seriam os destinatários ideais do processo de musicalização (embora não exclusivos). No

J/,.,yJ:~'

primeiro

caso, porque, se um trabalho sistemático

ser iniciado nos primeiros

~ty {l

anos de escolarização

e ter prosseguimen-

to, a escola teria, enfim, condições para desenvolver Ias crianças os instrumentos adequados à apreensão cais, em sua multiplicidade,

rompendo

deados que mantêm a arte (especialmente como privilégio familiarização

das elites. No segundo, se reforçariam

. mento da criança. (r,. //lJi'.;S/~ Interl igando-se,

.,'J' ./ (sociais

de difusão

em suas formas

mutuamente,

da cultura -- informais,

cotidianos,

e multifacetada,

e resistência. baseadas

As diversas

em estruturas

integrando

manifestações

mais simples,

significativas, contexto de vida de seus produtores. O que acontece nomuitas vezes, ao se levantar a necessidade do aluno, é cair numa posição

finda por cair numa rejeição

eruditas) e da

são de

teórica de exaltação

da arte e da cultura

dos interesses

populares,

são mantidos

"gueto cultural" -lingüístico, artístico, liberto do irracional ismo, o antielitismo

aos processos

'c[áticOCfã

praticamente

como tal". Como

aponta Rouanet (1987), esse antiel itismo contami nado pelo "irracionalismo" leva a um resultado altamente conservador: sob a bandeira da defesa

no curso do desenvolvi-

de u ma forma ou de outra,

mesmo quando

é complexa

da cultura popular, que, ao pretender denunciar o caráter elitista do acesso à arte e à "alta cultura" (em nosso caso, à música erudita),

sociais enca-

a ação da musicalização

de conformismo

musicais,

partir da cultura

em todas aquedas obras musi-

os mecanismos

elementos

(sempre

desse tipo pudesse

cultural-

universalidade,

os limites de um

musical"'. Em contrapartida, seria a defesa do ideal derl1o-

o que significa

criar condições

para que

10dDs possam é~mpliar o seu acesso ao saber e à arte, em suas diversas

.' i 1"imperceptí~eis

~'I.j

-, ~ musical iZ,ação não se exaure em si mesma. Ela artlcula-se a Inserçao do lI1clIvlduo em seu meio s~clocultural, devendo, portanto, contnbllll' para tornar a sua relaçao com o ambiente gica voltada para a aquisição

dos esquemas

de percepção

formas,

.. Nesse sentido,

não-familiarizados ,cia, a vivência

. prinCipalmente

previamente,

autorizar a instituição escolar a desempenhar a função que lhe incumbe de fato e de direito, a saber, desenvolver em todos os integrantes da sociedade, sem qual[ ...

(1982,1'.63) expressa, com toda clareza: "Se a educação

13

e

deve partir de

sua própria cultura, ainda que seja a cultura do oprimido". A musicalização, portanto, -- não --- deve - -- trazer- "-um --padrão musie alheio,

impondo-o

1

que assume um caráter de emergên-

real do aluno, por mais restrita que seja, não pode ser

---------

uma política cultural em que

. . _. na muslcalIzaçao Junto aos

a arte devem estar a serviço do homem, sua estratégia

cal exterior

rejeitando

da lingua-

negada. g es~

da notação, gerado na

pouco comprometida com esses "avanços" que só experimentou como doações. Traçou, por isso, seLirumo fundada na transmissão oral e na recepção aural, mais do que

que se inserem

da leitura e escrita.

Djavan, que, mesmo sem ter tido formação acadêmica -- aprendeu violão sozinho, olhando, ouvindo e acompanhando as cifras em revis-

Isto pode scr visto de divcrsas maneiras como, por exemplo, na tcrminologia usada para designar esse tipo dc música: "grande música", "música séria", "música culta", "cultura de altitude" etc. Também cm determinados casos quando uma aproximação com a música erudita é usada como explicação para a qualidade musical dc alguns músicos populares I... ] (Schroeder, 2005, p.18-19)

participou

musicais

na indústria

muitas vezes a

Por sua vez, a "academia" notada - é o "conservatório", escolas

especializadas

em música. Este modelo

como fonte do conhecimento racterísticas

marcantes

- guardiã

que aqui tomamos musical,

erudita

e

como o padrão das privilegia

a escrita

de modo que uma de suas ca-

é "tomar a partitura

,

da música

como música",

nos ter-

Conforme acessos, em 20/08/2003, de: (a) texto de Betina Dowsley (julho de 200 I), disponível em ; (b) entrevista, datada de 1999, disponível em: .. > Apresentação ao CD Bicho Solto, disponível em: . acesso em 15/0412008.

53

O "violão de ouvido" é uma forma popularde

mos de Jardim (2002, p.1 09). Vale ressaltar que, quando falamos do conservatório como representante das escolas de música de caráter

prática da música, característico

técnico-profisssionalizante,

ta própria,

não temos por referência

instituições

con-

cretas específicas - que têm suas particularidades e seu dinamismo". Antes, referimo-nos a um padrão cultural tradicional de ensino de música,

bastante

difundido

muitas vezes encontradas, universidades

e ainda dominante,

cujas práticas

inclusive, em departamentos

(em certas disciplinas).

Calcada

em grande

parte no

posição

Segundo

Jerome Bruner, as experiências

zenadas

para que possam estar disponíveis,

diversas

formas de representação:

ta de um conhecimento

tante resistente

da através de "imagens

'tradições'

I...] é

E o "objetivo

a invariabilidade.

O passado

elas se referem impõe práticas fixas (normalmente como a repetição",

como mostra Hobsbawn

tradição,

mantém-se

portanto,

e a característica real ou forjado formalizadas),

das a que tais

(1997, p.1 O). Dentro dessa

o direcionamento

do ensino de música

por con-

olho no braço do violão

+

sonoro e a

no violão (ou seja, a ação motora).

Conservatório de Paris - fundado em 1795 (Vieira, 200 I, p.47) -, a tradição desse tipo de ensino se mantém como referência, sendo basa transformações.

de pessoas que aprenderam

os outros tocarem:

ouvido em ação. Nele, a relação básica é entre o resultado

são

de música de

observando

aprendizagem

mo de reflexão;

tindo reconstituir,

ser arma-

necessário,

sob

o "modo ativo" (ou inativo) resul-

obtido pela própria ação física, com um míni-

o "modo icônico"

o "modo simbólico"

precisam

quando

mentais"

refere-se à experiência (visuais, auditivas

faz uso de palavras

armazena-

ou cinestésicas);

ou outros símbolos,

prever, registrar e comunicar-se

(cL J\ronoll,

permi1974,

p.31-33; Santos, 1994, p.29-34). São esses, portanto, os "modos de conhecer" ou "modos de representação cio mundo exterior". Nesse

para o domínio da leitura e escrita musicais, em função da prática de instrumentos tradicionais, num modelo que é atrativo na medida em

quadro, a prática musical exemplificada pela cena 2 envolve, basicamente, o modo ativo e o modo icônico, que diz respeito às imagens

que "serve para a perpetuação de algo estabelecido", Mendes e Cunha (200 I, p.85).

auditivas,

musical,

corno apontam

Vejamos, então, algumas cenas cotidianas de aprendizado bastante características. A cena 2 caracteriza o comumente

chamado "tocar de ouvido", ca corrente do conservatório, expressamente

e a cena 3 o "tocar por partitura", prátionde o tocar de ouvido é, muitas vezes,

proibido.

estando

o modo simbólico

ausente. Assim, "há consciência nos encadeamentos escolhidos, mos enquanto

constructos",

Como discutido sável pela formação como os chorões

de representação

praticamente

de processos harmônicos mas não há conhecimento

revelados dos mes-

como diz Santos (1994, p.17).

antes, esse tocar de ouvido pode ser respon-

de músicos com práticas verdadeiramente estudados

por Assano

(200 I) ou músicos

ricas, como

Djavan, que se inserem na indústria cultural e alcançam amplo reconhecimento. Característico de uma educação não-formal', ligada à

. Cena 2 O rapaz toca violão numa roda de amigos que cantam. "Catando" no braço do violão, acompanha uma canção que não conhecia.

música popular, por vezes se insere em práticas que apresentam ma sistematização,

como nos chamados

métodos

algu-

de violão popular

= Mas ele não sabe dizer qual é a tonalidade, toca ou porque usa este e não qualquer

4

qual acorde outro.

Ver, entre outros, Arroyo (200 I), que analisa os processos de questionamento interno e de renovação em um conservatório de Minas Gerais.

54

5

Libâneo (2007, p.88-89) caracteriza a educação não-formal como intencional, embora com baixo grau de eSlruturação e sistematização. Já a educação formal, que pode ocorrer em espaços institucionalizados ou não, configura-se como um ensino intencional, sistemático, com condições previamente preparadas, caracterizando-se como um trabalho pedagó gico-d idático.

55

ou nos revistinhas

de canções cifradas, por exemplo, que já envolvem

alguma representação Contrastando ticas correntemente

simbólica, através da classificação dos acordes. com a cena 2, as próximas cenas retratam prárelacionadas

erudita, em contextos

ao ensino-aprendizagem

de educação

da música

ções simbólicas da linguagem musical, que permitem o seu registro, a comunicação e a conscientização de suas estruturas. Já a última cena é comprometida pela falta das imagens auditivas, fundamentais no ensino da música, já que esta se concretiza como fato sonoro.

formal.

. Cena 4 . Cena 3 De olho na partitura, a menina "tirando" uma nova música.

"cata"

as teclas do piano,

= Mas ela não é capaz de "imaginar"

a música antes de fazer o piano soar; é a partitura que indica a ação motora sobre o instrumento, da qual os sons resultam.

No piano ou em qualquer feito caso do que podemos

chamar

de adestramento

esse é um per-

que acontece

quando

simultâneo

envolvidos

o estudo do instrumento

visual-motor:

com o instrumento

os modos de conhecer

ação motora), ficando relegado chamado "ouvido interior".

e a partitura.

simbólico

Esse modelo de aprendizado seus significados

e ativo (a

relacionado

de educação

com o

musical opõe-se àquele ilustraem que se inserem e pelos

sociais. Se o "tocar de ouvido" se configura

uma forma

do

No caso, estão

(a notação),

o modo icônico,

do pela cena 2, até mesmo pelos contextos vezes como

se inicia através

não-formal

ligada

Esse exercício

de "leitura"

é bastante

zado com a notação convencional

ali (é nota tal), ponha o dedo aqui". Muitas vezes, é isso o

"bolinha contato

outro instrulllento,

I\. turma de crianças realiza uma leitura rítmica, batendo com a mão o pulso nas carteiras e falando ta - taa - ta - ta - ta ta - taa ... (para o ritmo). = Mas sem que esta leitura de durações diferentes considere, por exemplo, as relações de impulso/apoio que caracterizam o ritmo musical.

muitas

à musica

percepção,

corrente,

nas tradicionais

visando ao adestramento

sendo reali-

aulas de teoria e

para a leitura da partitura.

Tam-

bém pode, entretanto, ter lugar com formas de representação mais analógicas e simples - como cartões, blocos ou traços proporcionais -, seja como etapa preparatória para abordar a notação, seja em práticas que, trabalhando sobre os elementos musicais básicos, procuram formar conceitos musicais6 Em qualquer uma dessas situações educativas, o resultado da leitura rítmica apresentada na cena 4 é igualmente

mecânico

e sem expressividade,

pois:

... ) enfatizar o treino de relações isoladas, objetivando sua automatização, é reduzir os elementos musicais a ca-

popular, o adestramento visual-motor exige a função do professor, para o aprendizado da leitura da partitura e a "apresentação" ao ins-

tegorias rígidas que não guardam mais nenhuma relação com o fenômeno real, vivo em cada contexto, descarae-

trumento,

terizando

estando vinculado

à música erudita e a situações

ção formal - seja em uma escola especializada professor

inter-rc!acionar

(, Por formar conceitos

na medida

o domínio do instru-

mento à formação de imagens auditivas e à sua representação simbólica, ou, em outros termos, na medida em que elas não articulam os três modos de conhecer.

I\. cena 2, pela falta de domínio

56

a linguagem.

A fragmentação

do objeto musical

ou em aulas com um

particular Mas as cenas 2 e 3 têm cada qual a sua limitação,

em que nenhuma delas consegue

de educa-

das representa-

entendemos

o desenvolvimento

de referenciais

de

percepção internalizados que permitam identificar, no fato sonoro, os atributos que caracterizam os elementos musicais. Esse processo diferencia-se radicalmente, portanto, de fornecer e/ou decorar uma definição (verbal) preestabelecida, pois a definição é um recurso para expressar um conceito, mas não garante, por si só, o domínio do mesmo e a capacidade dc aplicá-Ia em uma nova situação.

57

em unidades mais simples para compreensão e análise não deve provocar simplificação tal que o destitua de dimensão estética e musical (Santos, 1990, p.34).

De acordo com os modos de conhecer mente referidos, apresentando

Como

linguagem

artística,

a música caracteri7a-se

por sua

de Bruner,

anterior-

essa cena coloca em ação apenas o modo simbólico,

urna prática ainda corrente,

embora já denunciada

por

Dalcroze (que procurou superá-Ia através de sua proposta pedagógica) no início do século passado, com relação a seus alunos de harmo-

função expressiva. A própria forma de organi/,ação de seus elementos de linguagem - que segue princípios e padrões diferenciados, con-

nia do Conservatório

forme o tempo (histórico) e o espaço (social)- determ ina o conteúdo expressivo da obra. Assim, o desafio é trabalhar os elementos musi-

dessa cena é tão absurda quanto a de alguém que é capaz de redigir U per-feitamente em latim ou alemão (com tudo correto' . ortografia 'oor'mática, concordâncias, declinações) sem ter a menor idéia do que

cais básicos

em sua função

expressiva,

preservando,

mesmo

nas

práticas mais elementares, o caráter artístico-expressivo da música. Nesse sentido, mesmo as primeiras músicas tocadas no instrumento devem ser abordadas em seu fraseado, cm lugar da sucessão mecânica de sons que o adestramento visual-motor (ilustrado pela cena 3) e o exercício de leitura rítmica da cena 4 costumam produ/.ir. [sso impl ica a necessidade de selecionar e preparar exerCÍcios e repertório que, além de promover um progressivo domínio do instrumento, sejam significativos em termos musicais: "Toda atividade de ensino da música requer o desenvolvimento de práticas qLle devem se caracterizar como ex pressões musicais significativas e não simplesmente como um conjunto de exercícios para a assimilação de aspectos técnicos e estruturais" (Queiroz, 2005, p.55). Em um estágio mais avançado de aprendi:t:ado musical, situa-se a cena 5, típica de um ensino tradicional de música, de caráter técnico-profissionalizante, em que, muitas vezes, a partitura da como música, como já discutido.

é toma-

significa.

Nos

de Genebra

dois casos,

(cL Santos,

executa-se

1994, p.43). A situação

um verdadeiro

"jogo

de

significantes", obedecendo a todas as regras de sua organi7ação e articulação (de sua sintaxe, em suma), sem que se chegue a construir uma significação - o que é essencial para a configuração linguagem, inclusive a artístico-musical.

de uma

Corno vimos, a notação musical é produto de uma abstração, permitindo

registrar

a estruturação

musical,

sendo útil para pensar a

organização dos sons na sua ausência, mas não é música, pois esta só se realiza em sua concreticidade sonora, com profunda característica temporal. A música, como fato empírico, só existe enquanto soa. A partitura não soa por si só; ela representa os sons. No entanto, só os representa

efetivamente

quando

se liga a um significado

sonoro,

correspondendo a uma imagem auditiva; quando, ao ser lida, pode "soar na cabeça" - ou seja, quando os modos simbólico e icônico se interligam. Nesse sentido, e a operação sobre ela Só a posse da imagem sonora garantem o exercício da atividade musical na ausência do 1 ...

. Cena 5 Sentado à mesa, com lápis e papel de música, o estudante "calcula" qual deve ser o próximo acorde num exerCÍcio de harmonia. Mas a harmonia é realizada como um perfeito exercício de bolas na pauta, sem a menor idéia de como soa o que está sendo grafado/representado; a "descoberta" de sua realidade sonora apenas se dá quando, depois de concluído, o exercício é tocado ao piano.

material concreto. A operação através de proposições musicais abstratas (grafia musical e proposições lógicas, hipotético-dedutivas) supõe a audição interior das relações concretas entre parâmetros da linguagem musical. Caso contrário, as relações estabelecidas serão mecânicas, vazias (Santos, 1994, p.38). Essa audição possui referenciais

58

1

interior, entretanto,

sonoros internalizados

59

só é possível

para quem

ou, em outros termos, para

quem dispõe dos esquemas linguagem

de percepção

necessários

à apreensão

da

biográficas dos músicos em questão de certo modo contradizem essa "naturalidade". Dentre os textos analisa-

musical. Se as práticas de educação musical exemplificadas

pelas cenas 3 e 5 só podem ser realmente

eficazes

elas próprias

dos ditos esquemas

não promovem

a formação

cepção.

Por vezes,

vivência

prévia ou a outras atividades

conjunto,

tais práticas

configuram

pedagógicas

uma formação

de per-

articulam-se

educativas,

a uma

de moclo que, em

que consegue

alcançar

a neces-

sária vinculação entre o fato sonoro e a sua representação entre a experiência musical e sua fonnal ização abstrata. No entanto,

dos, em todos os casos onde há informações sobre o ambiente familiar e/ou social dos músicos, nota-se que pelo menos um dos pais (às vezes ambos) ou algum parente mUito próximo era músico profissional ou amador, ou então o músico teve acesso, desde a mais tenra idade, a um ambiente musical (geralmente uma igreja) de maneira intensiva (Schoroeder, 2005, p.46).

nessas condições,

mesmo quando essa articulação

gráfica,

não se verifica,

A visão da musical idade como inata desconsidcra

esses modelos de pedagogia musical (retratados pelas cenas 3, 4 e 5) são correntemente aceitos e reconhecidos como um estudo "sério" de

os fatores sociais c culturais que promovem

música, posto que se ligam à música notada, à partitura e aos padrões

arte e que afetam portanto, que:

acadêmicos

e tradicionais

de ensino.

Estudo

de desenvolver

os esque-

mas de percepção

da linguagem

musical e,

à apreensão

naturalmente

de suas práticas. E, como conseqüência,

do isto não ocorre, atribui-se musical idade ou "talento", Analisando dores, críticos

o problema

quan-

ao próprio aluno: falta-lhe

e os próprios

do músico" músicos,

revela como se mantém e é reproduzida musical idade ou do "talento"

paixões á primeira vista (Forqui n, 1982, p.44 _. gri fos do original).

que circula entre educa-

Schoroeder a concepção

(2005,

p.43-53)

do inatismo

- que pode ser entendido

Dessa forma, as práticas educativas

da

como "uma

musical idade precocemente madura" (p.53). Nesse quadro, independentemente de qualquer experiência, a musicalidade é considerada como inerente e natural: Nessa maneira de conceber o talento musical como algo dado a priori e que precisa apenas de disparadores para que afiare, o meio ambiente exerce apenas o papel de desencadeador das potencialidades latentes. Entretanto é interessante observar que, embora o talento seja considerado, via de regra, um atributo natural, as informações

retratadas

5, até mesmo do ponto de vista metodológico, dentes,

pois baseiam-se

em habilidades

prévias

nas cenas 3 e

são elitistas

e exclu-

- entendidas

como

constitutivas da musical idade - que, por sua vez, dependem de fatores sociais. Esses procedimcntos pedagógicos correntementc adotados pressupõem

60

esquece,

supõe uma informação, uma fam iliari I.ação, uma freq uentação, únicos elementos capazes de propiciar ao indivíduo esses esquemas, esses sistemas de referências, esse programa de percepção equipada, mais apto a criar no indivíduo o amor pela arfe do que as efêmeras e ilusórias

por certo.

a "imagem

Essa concepção

..I a apreensão da obra de arte não é nunca imedi({/a: ela

por outro, supõe que o ouvido interno será formado espontaneamente, acreditando, portanto, que os rcferenciais auditivos internalizados decorrerão

musical.

à

sério que, legitimado,

por um lado se exime da responsabilidade necessários

a experiência

totalmentc

um acesso diferenciado

uma familiarização

aginclo a partir claí: fornecendo ção gráfica,

antcrior

as regras de organização

etc. Esconde-se,

com a linguagem

a nomcnclatura

formal, a técnica

instrumental,

assim, o fato de que as oportunidades

familiarização com a linguagem musical, capazes quemas de percepção necessários à sua apreensão, desiguais

- e especialmente

de contato

e

de formar os essão socialmente

cm relação à música erudita.

61

musical,

correta, a representa-

Ao proceder como se as desigualdades em matéria de cultura não pudessem se referir senão a desigualdades de natureza, ou seja, desigualdades de dom, e ao omilir ele fornecer a lodos o que alguns recebem da família, o sistema escolar perpetua c sanciona as desigualdades iniciais (Bourdieu; Darbel, 2003, p.1 08). Desse modo, os mecanismos

sociais de acesso diferenciado

à

cultura e à arte são reforçados e legitimados pelas práticas de ensino de música que não se questionam criticamente, desconhecendo os seus próprios

pressupostos,

e nas quais os professores

foram ensinados, limitando-se (Santos, 1990, p.34).

a "ir fazendo

As cenas 2 a 5 são exemplos não esgotam problemas.

as práticas educativas Elas serviram

esquemáticos,

dá conta da di versidade

formas

e da educação

erudita,

nas demais A princípio,

práticas

especializada

poderia

músico popular, recursos para o aprimoramento

musical

popular

e a vivência

Por outro lado, a escola

correntes propiciar,

sonora que a mesma

especializada

tal tem principalmente

uma função utilitária,

meta (e uma opressão),

em si mesma,

a oposição

entre a música

a

de defini-

no papel (como na popular

e erudita

e

ampla como

para um projeto de democrati-

Por que a escola discrimina o músico que "lira as músicas de ouvido" c supervaloriza o que lê a partitura? Por que desvalorizar o músico que "faz música", c supervalorizar o músico que "sabe música"? 1 ... 1 Para a construção de urna escola de música i ncl udenle, é preciso que o "conhecimento científico", escondido muitas vezes sob o discurso musical acadêmico, dialogue com o discurso musical

no

das ruas, sem hierarquil.ação, para que, tanto um quanto outro, possam ser enriquecidos (J\ssano, 200 I, p.6).

ao Cabe reconhecer,

onde o "tocar também

posde

pode não

enquanto

lo conservatorial, música"

finalmente,

a sua força como padrão

de um "ensino

do modesério de

desse modelo são fatores

que dificultam e atrasam a renovação das práticas pedagógicas e metodológicas. Portanto, deixemos para trás as práticas fíxas da tradição, buscando construir alternativas que atendam às necessidades dos diferentes

contextos

em que a educação

musical pode atuar, com-

prometendo-se sempre com um projeto de democratização à arte e à cultura.

no conserva-

sendo o virtuosismo

que a predominância

e, ainda, a falta de questionamento

uma

de modo que o prazer de tocar pode se dissol-

62

a exploração,

sob o aprendizado

de regras de estruturação

significativa, é condição indispensável zação no acesso à arte e à cultura.

em música.

corresponder às necessidades e expectativas do músico popular, que, portanto, pode preferir não procurá-Ia. Para ele, a técnica instrumentório se torna um objetivo

Ultrapassar

de sua prática (como

sibilita são desconsideradas pelo conservatório, ouvido" chega a ser até mesmo uma "heresia".

valoriza

como a profu-

suas formas de ensino-aprendizagem, em prol de uma concepção de música que considere toda a multiplicidade de manifestações

da

a notação convencional, enquanto forma de registro de suas obras). No entanto, na realidade isso pode não acontecer: muitas vezes, a experiência

A prática popular

quase desaparece,

ções, da "matemática" cena 5), etc.

em ter-

dos campos

izante da escola especializada

a escola

momentos

na cena 2, e da música

cenas, que exemplificam

ensino técnico-profissional

muitos

ex istente, mas que

próprias

não-formal,

preparatórios,

improvisação e a expressão, sempre no fa7.er sonoro, ao passo que, no ensino de caráter técnico-profissionalizante, a música-som em

de nossa prática. Tais cenas

de ensino-aprendizagem

popular

e arpejos.

exerCÍcios

que sem dúvida

como pretexto para uma discussão fundamentais

música

são de escalas

no campo da música, nem os seus

mos gerais, que tampouco ilustram

como

tudo como já se fez"

permite abordar

questões

ensinam

ver ao longo de infindáveis

63

do acesso

Curriculares

4. CONTRIBUiÇÕES PARA UMA REVISÃO DAS NOÇÕES DE ARTE COMO UNGUAGEM E COMO COMUNICAÇÃO'

Nacionais

Ao longo deste livro, referimo-nos Neste capítulo,

noção, apresentando na dicotomia

trazemos

música,

de conteúdos

um dos blocos

significativa

em Música:

reflexões

codifieação/decodificação,

--

tcórica proposta, ~ibuições clarear educativa mcntada,

noções

correntes

Desse modo, p~;;;-;'amos em nossa

seja cada vez mais consciente buscando

assim

UITl

para que

nossa

e mais solidamente

aprimoramento

do ensino de arte. Vale salientar sobre a arte ou a música

área,

contribuir

constante

que não nos interessa

a tcorização para a

constantemcnte,

das "linguagens

artísticas"

especificamente da "linguagem musical", por exemplo. cnsino de música, tanto a tendência mais tradicional técnico-profissionalizante) da arte-educação terrada,

,).J..

~

tomado,

sem consciência

..•... ·\t~ ..~••• - subJacentes 7J

~(m'l

portanto,

teóricas

quanto aquela mais próxima das propostas

utilizam com freqüência

I994a, p.30-31).

o termo "linguagem"

A noção também

aparece

(17on-

das implicações

socialmente

-- c aqui cabe uma

coneeituais

c teórico-filo-

dos diversos / posicionamentos que IJodem estar ao uso desse termo. E em sua imprecisão c ambigüidade, que a noção de linguagem tem circulado em nossa área.

c análises

têm seu significado

como manejá-Ias

apenas

pressuposto,

consistentemente?

em sua

A produtividade

de

nossos estudos fica comprometida,

na medida em que se tomam como ou mesmo simplesmente

ambíguas,

Nesse quadro, são correntes ser ou não uma linguagem. da Associação ANPPOM ferências

Nacional

(João Pessoa, para observar

as controvérsias

transpos-

acerca de a arte

Isso ficou evidente no VII Encontro de Pesquisa

e Pós-Graduação

Anual

em Música!

1995), bastando cotejar os resumos das conos posicionamentos

divergentes:

nos Parâmetros "Tradicionalmente,

" Versão revista do artigo publicado na coletânea: Penna, Mama (coord.). Os parâmetros curricll!ares nacionais e as concepções de arte. João Pessoa: CCHLA/UPPB, 1997 (Caderno de Textos do CClILJ\, n. 15).

64

e o acesso

1982). No entanto

de

base noções implícitas, tas do senso comum. _. ou

Na área do (de caráter

artísticas

como as condições

Mas o discurso científico não pode se estrutural' sobre noções implícitas, pois, se as noções que adotamos como centrais em discussões imprecisão,

A noção de arte como linguagem

da

\

l

autocrítica -, tal noção é freqüentemente utilizada sem uma clareza de definição, sem delimitar o modelo de linguagem que está sendo

Q,;Vr"'$ 1 sóficas . ]w decorrentes

prática pedagógica.

Falamos,

(lj.1J/'(I'04:

para funda-

"Apreciação

e compreensão

tem sido útil, direcionando na medida em que permite

questões

com as linguagens

ú arte (Forquin,

diferenciado

conação

para

e suas Tecnologias".

o mito do dom e colocar

cJ.,p;LVf'

da qual idade

por si só, mas uma fundamentação

Códigos

familiarização

muitas vezes empregado

Llill-ª.@ordagem interd isc ipl inar, incorporando

da lingüística.

combater

baseado

_ em relação às linguagens artísticas. Acrcditando que a articulação cntre áreas do sabcr pode ser produtiva, adotamos, para a discussão

é denominado:

envolvimento

A noção de arte como ~guagem uma perspectiva de atuação pedagógica,

acerca dessa

uma crítica ao modelo de comunicação

escuta,

de Arte

na proposta

Iing~é! em musical" (Brasil, 1997a, p.79-80; 1998a, p.84-85). Já no documento para o ensino médio (Brasil, 1999), a Arte integra a área

com freqüência à arte como

algumas

para a área de conhecimento

em que, especificamente

"Linguagens,

linguagem.

(PCill

nõ ensino fundamental,

guagem,

a música sempre foi considerada

ligada, de algum modo, aos sentimentos

ções", segundo

Enrico 17ubini (ANPPOM,

"A música não é urna linguagem

65

uma line às emo-

1995, p.26).

internacional.

De fato, ela

\

j

não é uma linguagem rio", declara

absolutamente.

Ela não tem vocabulá-

David Witten (ANPPOM,

Em contrapartida,

1995, p.27-28).

as artes defrontam-se

com a impossibilida-

de de se estabelecer dicionários. Nesse sentido, o trecho seguinte mantém um claro paralelo com o posicionamento de Witten, antes citado:

A postura de que a música - ou, de modo mais amplo, a arte - não é uma linguagem

toma como referência

a linguagem

verbal, de

A fotografia, portanto, não tem vocabulário.

caráter conceitual. É esse paradigma que sustenta a postura de Susanne Langer (1989), que intluencia muitos outros estudiosos. Para essa autora:

obviamente verdadeiro com respeito à pintura, ao desenho, etc. Existe, sem dúvida, uma técnica de pintar objetos, mas a lei que governa a referida técnica não pode chamar-sc propriamentc dc "sintaxe", pois não existem quaisquer itens que possam ser denominados, metaforica-

Parece, então, que embora nos refiramos muitas vel:Cs

mente, as "palavras" da retratação. Uma vez que não temos palavras, não pode haver dicionário de significados para linhas, sornbreados, ou outros elementos da técnica pictórica (Langer, 1989, p.1 02).

aos diferentes meios de representação não-verbal como "linguagens" distintas, trata-se realmente de uma terminologia frouxa. A linguagem, na acepção estrita, é essencialmente discursiva; possui unidades permanentes de significação combináveis em unidadcs maiores; possui equivalências fixas que possibilitam a definição c a tradução; suas conotações são gerais I... J OS significados fornecidos através da linguagem são sucessivamente entendidos e reunidos em um todo pelo processo chamado discurso I... (Langer, 1989, p.103-1 04). J

Esperamos

mostrar,

a linguagem

verbal está sendo enfocada,

aqui,

dentro da ~radição saussuriana, ue [email protected]:1 lín uaS-9mo LU11 sistema abstrato, formal, independente de seu uso. Dessa forma, a significação

(de um texto)

é tida como totalmente

determinada

pelo

funcionamento do sistema lingüístico e nele se esgota. Nessa tradição, que influenciou todo o estruturalismo nas ciências humanas', uma característica das linguagens é poder ser dicionarizada permite fornecer definições que explicitam as "equivalências das "unidades

I

permanentes

- o que fixas"

de significação".

"Se o estruturalismo engloba um fenômeno muito diversificado, mais do que um método e menos do que uma filosofia, ele encontra seu cerne, sua base unificadora no modelo da lingüística moderna e na figura daquele que é apresentado como o seu iniciador: Ferdinand de Saussure." (Dosse, 1993, p. 63; ct". tb. p. 15,44).

66

no curso da presente

discussão,

como

esse modelo de Iinguagem verbal (e de discurso) que serve de parâmetro limitapara as concepções de Langer acerca da arte é extremamente do, não sendo adequado para a compreensão quer do uso da língua nas interações cotidianas, quer das linguagens artísticas. Na verdade,

No entanto,

O mesmo é

as controvérsias

!l.nguagem inserem-se te: desde a Antigüidade,

numa discussão discute-se

SOb!:9..J.Ulrte.ser_o.~l não uma mu ito mais ampla e persisten-

na fi losofia o que

é a Iinguagem e

qual a sua relação com o mundo (cf. NEP, 1993). Mesmo com respeito unicamente à linguagem verbal, no próprio campo da lingüística há teorias

em oposição.

Tanto Saussure

.. com a

t.Llliuia..liuglli'l

versus

L:lli:!. quanto Chomsky opo~m.petçnc·é Vt:.s.l/:i performance , instauram uma lingüístic~1 do sistema, excluindo do estudo científico da língua os segundos elementos dos pares, relativos à linguagem em uso2. Dessa forma, estes teóricos estudam a linguagem verbal- essencialmente humana - in vitro, considerando

válido apenas:

) Quanto às teorias destes autores, cuja influência se faz presente até hoje em di versas áreas do conhecimento, ver os clássicos trabalhos: Saussure (1970) e Chomsky (1975).

67

[...] o estudo do sistemático e do invariável, do que não se desenvolve no tempo mas que permanece relati vamente fixo e portanto possível de descrever por meio de regras. Deste ponto de vista, o discurso- que é a única "realidade" lingüística exterior, dada à experiência - é um produto teoricamente secundário dos mecanismos mentais que tornam possível a linguagem (Reyes, 1990, p.39) 1 ...

não tivesse nenhum nív~.Lintralingjjístic.2-.de significação . -- ..•...•~ A sugestão aqui feita [...] postula que a significação dos' enunciados e os sentidos dos textos são o produto (função) de um conjunto de fatores entre os quais a contextualização ou inserção contextual tem um papel relevante [...] (Marcuschi, 1995, pA5-46). .....,..".

1

Convém Contudo,

tendências

como a análise do discurso estudo a linguagem

em uso, tornando

ção, e colocando compreensão, inclusive, almente

ambígua

o contexto

e indeterminada",

c a inten-

os processos

de

do sentido, explicitando,

de mundo e das inferências

Nesse quadro, considera-se

se esgota no próprio funcionamento embora,

centrais

c de negociação

o papel dos conhecimentos

significação.

- tomam como objeto de

em pauta, entre outras questões,

interpretação

Marcuschi

mais recentes no campo da lingüísticae a,pragmática'

a linguagem

na

como essenci-

de modo que a significação do sistema lingüística

não

abstrato,

a significação não se acha autonomamente no texto como se a linguagem tivesse uma signi ficação "literal" plena e identificável. Por outro lado, também parece evidente que a significação não é uma decorrência da pura e simples contextualização dos enunciados, como se a língua 1

destacar as diferenças

(1995)

e o de Langer

dades permanentes "uma significação

-, este autor defende uma posição diametralmente

afirmando

que "a significação

No entanto,

tema lingüístico,

da significação;

68

"uni-

oposta, no texto".

não se esgota no funcionamento

ela também se constitui

um nível importante

Enquanto

não se acha autonomamente

se a significação

de

fixas" - ou seja, nos termos de

Marcuschi

do sis-

através dele, que configura

negar este nível intralingüístico

imp-Jic.ari.a.suI1QrqLle é:pos.sÚ!eüóili

e...q!lélLquerjnter-

~ç..ãu.dc_q.Llalq~le(JY)\.to. Em contraposição à visão dos significados lingüísticas como fixos, permanentes e literais, articulados em sucessão

no discurso,

be, portanto,

como defendido

a significação

por Langer, Marcuschi

como resultante

de um conjunto

concede fato-

res, entre eles a iJ) .' 'çãe contextu~. Dessa forma, são possíveis múltiplas leituras de um mesmo texto, mas não qualquer leitura, próprio sistema

1

antes citado.

(verbal) como possuindo

de significação" e "equivalências 'I iteral' plena e identi ficável",

uma vez que, entre os diversos ) É nestas tendências da lingüística que buscamos referenciais teóricos para a revisão das noções de arte como linguagem e como comunicação. Conscientemente, não nos propomos a abordar as diversas contribuições do campo da semiótica/semiologia. Vale lembrar que a pragmática não é um campo de estudos exclusivo da lingüística (d. Moeschler; Reboul, 1994), sendo fortemente vinculada à filosofia, dc onde provêm muitos de seus conceitos básicos (cf. Reyes, 1990, p.22). " A esse respeito, diz Marcuschi (2007, p.138): 1... "a língua não tem uma semântica imanente, mas ela é um sistema de signos indeterminados em vários níveis (sintático, semântico, morfológico e pragmático)". Ver, ainda, Franchi (1977, p.23); Possenti (1993, p.58); Marcuschi (200 I, p.43).

entre este posicionamento

(1989),

Susanne Langer concebe a linguagem

~ç-ªo

sem dúvida, deste dependa.

[ ...

..•.••...

lingüística.

fatores envolvidos,

atua também

Em suma, embora a significação

da dele, ela não se esgota no funcionamento

do sistema

o

depen-

lingüística.

Nesse quadro, "discurso" é algo mais do que a combinação sucessiva de "unidades de significação" em "unidades maiores", como propõe

Langer

(1989, p.1 03-104

- acima citado).

O discurso

deve ser tratado apenas como "uma virtual idade previsível combinação embora

de elementos

estes aspectos

Jnas não suficientes 1993,

segundo

sejam,

não

por certa

regras

sintáticas

conhecidas",

sem dúvida,

suportes

necessários--

- para explicar

p.61). 69

a sua significação

(Possenti,

[ ...

1

dizer que o falante constitui

que ele, submetendo-se mentos

sintáticos

momento

O

discurso

significa

ao que é determinado

e semânticos,

certos

valores

em que fala, considerando

os recursos

de outros

falantes

alternativos

a situação

põem à disposição, quados

o discurso

aqueles

em que escolhe,

lingüístico

momento,

O

que lhe parecem

lhe

os mais ade-

,I,

história momento,

Por todo o exposto,

texto. A pragmática ção, o que equivale

em cujo funcionamcnto sustentada.

e princípios

de organização. que trata

corno um sislcma formal, abstrato,

sc esgota a signi ficação,

E assim sendo, tal concepção

não podc mais scr

não pode servir de medida

para excluir da arte o caráter de linguagem. Acreditamos dcm, num trabalho

que as novas contribuições interdisciplinar,

para a revisão

da noção de arte como linguagem.

complexidade

que as questões

5

Esta perspectiva

permite

da lingüística

trazer relevantes

acerca

(verbal)

po-

Entretanto, assumem

à de linguagem

e

por sua pró-

estuda

a linguagem

em função

da comunica-

a dizer que se ocupa da relação entre a linguagem

Um modelo dicotomia

"codificação

municação/informação,

corrente

uma concepção

de comunicação

e decodificação"('.

é o quc se bascia

Dcrivado

na

da teoria da co-

este modelo já clássico fundamcnta

diversas

abordagens do texto e do discurso, assim como discussõcs a respeito das linguagens artísticas, sua apreciação e seu ensino. Tratando a comunicação

como um processo em quc o cmissor codifica

a mensa-

gem e o receptor a decodifica, tal modelo pressupõe que, havendo o domínio do código - o que permite uma decodificação adcquada -, o sentido original da mensagem emissor) pode scr resgatado.

(ou, em outros termos,

a intenção

do

como

produto

pela na

de

convenção - ou seja, de processos históricos e sociais -, ao mesmo tempo em que reconhece o seu caráter dinâmico: "Produzir um discurso é continuar agindo com essa língua não só em relação a um inter!ocutor, mas também sobre a própria língua. No mínimo, a cada vez que um locutor diz uma palavra, está colaborando para que a língua continue mantendo um determinado traço ou, inversamente, para quc ela vcnha a modificar-se" [... ] (Possenti, 1993, p. 57-58)

70

neste

contribuições

da linguagem

tratar a linguagem

que subjaz

em pauta pela pragmática,

Código e Decodificação: de comunicação

o termo "língua"

torna-se claro que a abordagem

verbal simplesmcnte

por nos centrar,

como "a colocação

- ou seja, o discurso artístico -- como a colocação em funcionamento de uma linguagem artística com certa finalidade, ou em outros ter-

a linguagem

colocada

optamos

pria perspectiva de análise: "A pragmática é a disciplina lingüística que estuda como os seres falantes interpretam enunciados em con-

- que se restringe ao verbal- por "linguagem", esta colocação é também apropriada para a arte, e podemos tratar a man ifestação artística

de seus elementos

ocidental,

na noção de comunicação,

que é, inclusive,

de uma língua com certa

1993, p.49). Se substituirmos

mos, o uso intencional

do pensamento

e o falante" - ou, de modo mais amplo, da relação entre a linguagem e seus usuários (Reyes, 1990, p.17).

ser entendido

de recursos expressivos

(Possenti,

até

no

1993, p.59).5

pode, portanto,

em funcionamento finalidade"

(Possenti,

que o trabalho

e o seu próprio,

ele-

sociais)

fala e tendo em vista os efeitos que quer produzir, entre

dizer

(certos

(, Na área de arte, podemos destacar outro modelo corrente: a concepção da arte como expressão e comunicação. Essa é uma perspectiva construída no Romantismo, que trata a arte como expressão de sentimentos e emoções, colocando como centrais as noções de genialidade, imaginação e originalidade. Dessa forma, a idéia de convenção é totalmente descartada, o que impossibilita que a arte seja tratada como linguagem. A noção ele comunicação, então, fica inteiramente subordinada à de expressão, de modo que ~~omunicação é considerada como decorrente da intuição, da empatia, da comunhão - ou seja, do encontro entre a emoção do artista e a do espectador. Sobre esta concepção e os seus problemas, ver Penna e Alves (200 I).

71

o problema

desta concepção

o emissor, ao codificar pedaços

a mensagem,

é o seu mecanicismo: colocasse

dentro de um balde e o enviasse

ao receptor,

vez, de posse das regras de "montagem",

é como se

a sua significação

aos

e este, por sua

reconstituísse

a significa-

ção original da mensagem. Nesta visão, marcada por um alto grau de automatismo, o domínio do código garantiria uma "leitura" (ou seja, uma decodificação) unívoca e sem ambiguidade. Esse modelo, portanto, desconsidera tanto a atividade - o "trabalho", (emissor

nos termos e receptor,

de interpretação

(1993)

- dos interlocutores

no modelo em discussão),

e de negociação

quanto os processos

do sentido. No entanto,

de mundo, a intenção,

tende e a interpretação

diferente

do interlocutor,

ativo e atua na construção

o sistema

entre outros),

sobre o que é dito.

entre o que o locutor preque por sua vez também

ceptor que deeodifica

a mensagem

resgatando

a sua plena significa-

ção como pretendida pelo emissor revela-se, pois, uma simplificação idealizada do processo de comun icação em sua complex idade e di na-

No entanto, as noções de código e decodificação são correntes em estudos acerca da arte e seu ensino - tendo sido inclusive

gua. São trabalhadores (Possenti,

empregadas

a abordagem

1993,

de Possenti

p.S8).

e o modelo

em pauta, torna-se bastante evidente o mecanicismo

de

deste

mismo, seja qual for o "código"

recursos

que a língua

que mais adequadamente

1993, p.58). Assim, seu trabalho

oferece

à sua atividade,

servem à sua finalidade

(Possenti,

não se reduz a uma "codificação"

que a torne passível de uma "decodificação" porque a língua não é simplesmente

72

automáti-

um "código",

não

_·ou o tipo de linguagem-

utilizado.

Vemos, pois, que a noção de código tem raízes na tradição saussuriana Uá criticada na primeira parte deste artigo), que trata a linguagem como um sistema abstrato, formal, independente de seu uso. As considerações tadas, aplicam-se damente, portanto, ficação

de Possenti

também

permitem

a inadequação

(1993, p.58), antes apresen-

às linguagens

múltiplas

"leituras"

artísticas, possíveis.

do modelo de comunicação

e decodificação

para o tratamento

em alguns

de nossos

que, reconheciTorna-se evidente, baseado na codi-

das linguagens

trabalhos

anteriores.

artísticas.

Ana-Mae

Barbosa (1991, p.53), autora constantemente referida no campo do ensino de arte, trata do "discurso decodificador". Por sua vez, Fonterrada

(1994a,

comunicativo

os múltiplos

é

da sign ificação, não sendo apenas um mero

"receptor" de uma mensagem. Mesmo quando o sistema lingüístico é compartilhado, a "leitura" nunca é unívoca. I\. concepção de um re-

dentre

ca, exatamente

um trabalho

Dessa forma, nem sempre há coincidência

menológico-existencial

da mensagem

Como já discutido,

a relação entre os interlocutores,

de modo que é possível

último. A "língua", de que trata Possenti, corresponde ao código, e o falante ou locutor, ao emissor. Para esse autor, o locutor escolhe, aqueles

determinado.

[... ] o falante nem é inútil, nem todo-poderoso. Entre ele e o ouvinte está a língua, e, na verdade, o que foi dito, se, por um lado, é a garantia it qual pode apelar o locutor, se acusado de produzir um el"cito que não intencionava, pode ser a garantia do interlocutor de que tal efeito decorre do que foi dito. É que é possível um trabalho diferente sobre a mesma coisa. [... 1 um Isujeitol constitui um enunciado para produzir um certo efeito, e outro trabalhou sobre um enunciado para extrair dele um certo efeito. I\. coincidência não é garantida. Se a língua fosse um sistema estruturado efetivamente, isto é, não indeterminado, da qual interlocutores se apropriassem, este tipo de resultado não seria possível. 1...1 Os interiocutores não são nem escravos nem senhores da lín-

Se compararmos comunicação

de Possenti

é um sistema plenamente

lingüístico não atua sozinho na construção da significação, sendo relevantes diversos outros fatores (eomo o contexto, os conhecimentos

também

p.36)-

à linguagem

que defende

da linguagem

uma compreensão

musical e seu ensino - afirma

da linguagem

feno-

verbal, passível de ser aplicada que o aspecto

depende de que se compartilhe

um "mes-

mo código lingüístico". Inclusive, apesar de sua fundamentação se apoiar marcadamente em uma visão romântica (Penna; Alves, 200 I), os Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de Arte no ensino fundamental

empregam

ocasionalmente

73

o termo "código",

como na

passagem

seguinte,

sobre o ensino de arte na "escola

tradicional":

"competia a ele lo professor] 'transmitir' aos alunos os códigos, conceitos e categorias, ligados a padrões estéticos que variavam de linguagem para linguagem" (Brasil, I 997a, p.l O). Acreditamos, empregadas,

entretanto,

em trabalhos

que muitas vezes tais noções

acadêmicos,

sem que haja consciência

coisa,

mas antes ganha

a sua significação

interior de todo um campo conceitual, do qual depende, atua na construção do próprio objeto de estudo. Em determinado

no

diferencia-

de museus, que influencia

muitos outros autores - como Porcher (1982) ou Porquin

(1982) - e

em que nos apoiamos em diversos trabalhos (ver, p.ex., Capítulo 2). Na referida obra, é bastante clara a influência da teoria da comunicação, como nesta passagem

acerca da apreciação

entre esses dois fatores, a recepção

ocorre em

esperadas

das de acesso à arte quanto da ação da escola na reprodução dessas condições. Essas noções são centrais, por exemplo, na clássica obra de Bourdieu e Darbcl (2003 - I a edição francesa de 1969), baseada em pesquisa empÍrica sobre a freqüentação

Desse modo, se não hou-

das

e dessa forma

socialmente

ver algum "desajuste"

ofertada.

são

momento, a noção de código e suas corrc1atas

foram úteis para a crítica tanto das condições

à informação

níveis ótimos, permitindo o resgate da mensagem original - neste caso, a mensagem é "corretamente" deci frada, ou seja, decodificada. Diferentes interpretações, portanto, não são tidas como naturais e

implicações decorrentes do modelo de comunicação do qual se origium nome nam. No entanto, uma noção teórica não é simplesmente que se dá a alguma

"ser proporcional"

em tal modelo,

consideradas

altamente

como "desvios",

normativo;

pelo contrário,

em relação a uma pressuposta

são

recep-

ção "padrão". Dessa forma, as noções de código e decodificação, embora possam ser úteis para a discussão de questões relativas à apreciação

artística

(porquin,

1982, p.39-44),

também

possibilitam

equívocos bastante graves, como o de se pretender que o ato pedagógico no campo da arte possa tornar "uma mensagem" capaz de "ser decodificada de modo idêntico por vários indivíduos - os alunos" (Porcher, 1982, p.19). Seja aplicada à linguagem

verbal ou às linguagens

artísticas,

a concepção de comunicação baseada na codificação e decodificação pressupõe um código (ou sistema lingüístico) tomado como um sistema formal plenamente determinado - enfoque cujos problemas já discutimos. Sendo assim, tal noção de comunicação é questionada até mesmo no próprio campo da lingüística:

de obras de arte:

I·.. 10 modelo textual desenvolvido a partir da teoria da Quando" a mensagem não pode ser decifrada senão pelos detentores de um código que deve ser adquirido por uma longa aprendizagem institucionaimente organizada, é evidente que a recepção depende do controle que o receptor tem do código ou, por outras palavras, depende da diferença entre o nível da informação oferecida e o nível de competência do receptor (Bourdieu; Darbel, 2003, p.120).

comunicação, que operava na dicotomia codijicaçào e decodijicaçc7o, tem que ser superado e substituído por um modelo construtivo, cognitivo c interacionista que permite ver o sentido como resultado de uma negociação realizada com base em suposições mutuamente acessíveis aos interaetantes (Marcuschi, 1995, p.46). Na área de artes, a persistência

Aqui, trabalha-se que a recepção

I

adequada

claramente depende

com um modelo idealizado, do domínio

do código,

em

que deve

No original francês, o termo utilizado é "Iorsque ". A nosso ver, no contexto da discussão desenvolvida, a tradução mais adequada seria "uma vez que".

74

de problemas

derivados

des-

sa concepção oriunda da teoria da comunicação exige esforços para a sua superação, ao mesmo tempo em que não se pode prescindir de alguma concepção de comunicação que sustente a discussão das linguagens

artísticas.

A noção da arte como meio de comunicação

expressão é corrente, embora sem uma maior explicitação, carregando muitas vezes fortes marcas de uma visão romântica, que mistifica 75

e

a arte e que não é capaz de sustentar para a democratização to, precisamos

um projeto

de ensino

do acesso à culturax. Para embasar

de uma noção de arte como comunicação

voltado tal proje-

e expressão

vinculada a uma concepção de linguagem, para que seja possível dar-lhe bases históricas e culturais - quer dizer, convencionadas. Entretanto, uma vez que a convenção não se configura como determinante absoluto, a linguagem artística não deve ser tomada como um sistema abstrato plenamente em cujo funcionamento necessária,

portanto,

determinado

se esgota a questão uma concepção

- como um "código" da significação.

aberta de linguagem

-,

Faz-se artística,

capaz de articular questões relati vas ao seu uso, à contex tual ização'J, à intencional idade e aos processos de interpretação, entre outras. Desse modo, a noção de linguagem atitude criadora convencionais

individualrelativos

em determinados

artística seria capaz de articular a

inclusive

aos princípios

momentos

históricos

Nos limites deste trabalho,

na apreciação

PARTE

11

- e os aspectos

de organização

que vigoram

e espaços sociais.

não pretendemos

esgotar

a ques-

tão das noções de arte como Iinguagem e como comunicação, ou apresentar uma resposta definitiva de como devem ser abordadas. Antes, levantamos necessidade

problemas e apontamos algumas direções, reafirmando a de rever tais noções, para que seja possível clarear as

concepções

que sustentam

MÚSICA(S) E

a nossa ação educativa.

CULTURA(S) Em sua pesquisa que analisa o discurso de professores de música na educação básica, Duarte (2004) mostra como persiste uma visão romântica da arte como comunicação e expressão, que influencia, inclusive, a concepção dos professores sobre o ensino de música (ver especialmente p.147-IS8). ~ Nesse sentido, é possível pensar, inclusive, em processos de "recontextualização". Como um exemplo, a nossa relação atual (audição em salas de concertos) com obras da música erudita que tinham originalmente outras funções - como a suíte (música para dança) ou o réquiem (música sacra, para missa fúnebre). São exemplos que evidenciam que a contextualização envolve aspectos culturais e conhecimentos de mundo, que podem diferir, conforme se trate do contexto da criação original, ou da apreciação nos dias de hoje. x

76

5. POÉTICAS MUSICAIS E PRÁTICAS SOCIAIS: reflexões sobre a educação musical diante da diversidade*

Como

reconhecer,

acolher

e trabalhar

com a diversidade

cultural no processo pedagógico? Esta é uma discussão que se coloca para todas as áreas de conhecimento que integram o currículo escolar, como um desafio constante na construção mente democrática, em um país multiracetado Se este é um desafio

constante,

de uma educação como o nosso.

ele se renova,

real-

atualmente,

das Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura aji'on° O I/2004, do brasileira e ajiricana, instituídas pela Resolução

diante

Conselho Nacional de Educação/CNE (Brasil, 2004b). Essas diretrizes atendem à Lei n° 10.639/2003, que altera a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação NacionallLDB (l "ei n" 9.394/1996), acrescentando-lhe o artigo 26-1\, que torna "obrigatório o ensino sobre História e Cultura I\fro-Brasileira" nos estabelecimentos de ensino fundamental

e médio (Brasil, 2004b, p.35). E o desafio se torna ainda

maior diante da ampliação

do artigo 26-1\, que passa a abranger

bém a história e cultura indígena I, como estabelecido 11.645, sancionada em IO de março de 2008. Nesse

artigo,

tratar as múltiplas

,

1

discutimos

manifestações

como a educação

tam-

pela Lei n" musical

musicais, que expressam

pode

poéticas e

Versão revista e ampl iada do artigo publ icado na Revista da 11BEM, Porto Alegre, n. 13, p. 7-16,2005. Agradecemos às contribuições, nesta revisão, de Eliane Brito de Lima. Pela Lei n° 11.64512008, o artigo 26-A da LDB passa a vigorar com a seguinte redação: "Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afra-brasileira e indígena" (Brasil, 2008a).

79

ções do multiculturalismo, que ressalta "o papel da educação e do currículo na formação de futuras gerações nos valores de apreciação à diversidade cultural e desafio a preconceitos a ela relacionados"

à relação

Nesse quadro, a noção de poética musical remete à eanção e entre melodia e poesia. Nesse sentido, Emmanuel Coêlho

Maciel

(1999),

(Canen,

pode-se

práticas sociais distintas.

Para tal, tomamos

2002, p.175). Com isso, não pretendemos

das referidas

diretrizes

dar indicações

curriculares

ra, mas antes contribuir

como base as contribui-

relativas

para as necessárias

acerca

03/2004

da

coloca

chamar de 'Po-

poesia e música

Mas poesia e música encontram-se

- CNE:

na internet2,

daquilo que poderíamos

Nessa concepção,

distintos, que se encontram e se entrecruzam do, então, a poética musical.

afro-brasilci-

discussões

plural idade, pois, como coloca o próprio Parecer

disponível

onde exista perfeita unidade entre letra e música",

falar da "existência

ética-musical'."

para a aplicação

à cultura

em texto atualmente

que, em "canções

são fenômenos

na canção, configurantambém nas semelhanças

entre os modos de estruturação de cada uma dessas Iinguagens, como nos mostra Lucia Santaella em seu texto "Poesia e músiea: seme-

É importante destacar que não se trata de mudar um foeo etnocêntrico marcadamente de raiz européia por um

lhanças e diferenças"

(2002), fundamentando-se

na semiótica:

africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares a música, ela também, no jogo de suas configurações, apresenta modos de engendramcnto que são típicos da função poética da linguagem, a saber, projeções de similaridade, nas suas mais diversas possibili-dades de atualiPoesia e música zação" sobre o eixo da contiguidade.

para a diversidade cultural, racial, social e econômica braÉ preciso ter clarCl.a quc o Ar!. 26-A acressilcira. cido ú Lei 9.394/1996 provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos, exige que se repensem rclações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de en1 ...

1 ...

1

1 ...

sino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas. (Brasil, 2004b, p.17)

Pensando a "poética Diante

sociais -, a primeira que se entende

necessidade

por "poética

- poéticas que sentimos

musical".

verbal, buscando

ticas próprias,

e práticas

foi a de delimitar

Num primeiro

que vem desde a obra Poética, de Aristóteles, linguagem

musicais

o

entendimento, 3

a noção se prende

à

o conceito de poesia e as suas caracterís-

em contraposição

à prosa (Massaud,

2002,

pA02).

Nesse sentido, são significados do substantivo feminino "poética", listados no dicionário eletrônico Aurélioséculo XXI: (1) arte de fazer versos;

(2) teoria da versificação;

da natureza,

da forma e das leis da poesia;

sobre a poesia ou a estética.

80

(3) crítica literária que trata (4) estudo

ou tratado

1

Enfatizamos que o texto de Maciel (1999) está disponível na interneI, ou melhor, a World Wide Web (Grande Rcde Mundial), que é uma mídia característica de nossa época, que tem permitido vencer as distâncias geográficas, disponibilizando uma quantidade e variedade infinita de informações e produções acessíveis rapidamente, a um simples toque. Assim, é interessante observar que nessa grande rede virtual convivem, também, diferentes concepções de poética musical, como veremos adiante. Ressaltemos quc os textos de Maciel (1999) e Lopes (1990) continuam acessíveis em 05/04/2008.

musical"

do tema escolhido

1

"Na terminologia do Círculo Lingüístico ele Praga, o conceito ele actualização dos meios lingüísticos cOlTesponde ao conceito de 'estranhamento' da linguagem elaborado pelos fonnalistas russos e significa que na linguagem poética, sob um ponto de vista funcional, o sinal lingüístico não constitui um instrumento veiculante de referentes preexistentes e externos a si mesmo - e daí o valor autónomo do sinal-e que, sob um ponto ele vista estrutural, a linguagem poética apresenta autonomia sistemática em relação a outras linguagens funcionais, realizando-se segunelo leis, modalidades e potencial idades específicas" (Silva, 1994, p.53). 81

são construções de formas, jogos de estruturação, ecos e reverberações, progressões e retrogradações, sobreposições, inversões, enfim, poetas e músicos são diagramadores da linguagem (Santaclla, 2002, p.46-47). Essas considerações

estendem

a noção de função poética da

linguagem verbal à música, como linguagem não-verbal. A função poética - como função estética - da linguagem discutida

pelos formalistas

de Praga, dentre eles Roman Jakobson.

Esse teórico discute o conceito de poeticidade

referindo-se

a uma fun-

ção estética ou uma função poética da linguagem. Quando essa função é dominante, os vários planos do sistema lingüístico (os planos fonológico, morfológico,

etc.) passam a ter valores próprios,

distintos

do papel apenas instrumental

cotidiana

- seja a linguagem

esses recursos lingüísticos ção, ganhando

autônomos,

que têm na Iinguagem

prática ou a linguagem estão subordinados

alto grau de automatismo

Essa perspectiva pressão

foi

russos, teóricos da literatura, e pelos estu-

diosos do Círculo Lingüístico

guagem poética, é aí, então, no coração da estrutura, que música e poesia, antes de tudo, se encontram. É aí que o musical da poesia se enlaça ao poético da música (Santaella, 2002, p.47).

"poética

então, estender

bete "poética"

para si mesmos, para "a sua forma externa e interna", e não para uma realidade extralinguística - orientação própria da função refereneial - ou para a subjeti vidade do autor - orientação própria da função expressiva (Silva, 1994, p.49-40). que a função poética da linguagem

que Santaella

(2002, pA7) apontou como constitutivas

da linguagem

verbal às diversas

de Nicola I\bbagnano

(p.772) ao verbete "estética"

(1998), remete o ver(p.367-374):

moderna e contemporânea. Isso não ocorria, porém, na filosofia antiga, em que as noções de arte e belo eram consideradas diferentes e reciprocamente independentes. fi. doutrina da arte era chamada pelos antigos com o nome de scu próprio objeto, poelica, ou seja, arte produtiva, produtiva de imagens I...), enquanto o belo (não incluído no número dos objetos produZÍveis) não se incluía na poética e era considerado à parte (fl.bbagnano, 1998, p.367).

ver-

de formas,

De fato, segundo Massaud (2002, pA02), "o pensamento estético começou pela poesia (Platão, Aristóteles) e durante séculos não conheceu

sica quanto da poesia: Se o modo de estruturação da linguagem musical guarda muitas semelhanças com o modo de estruturação da lin-

outro objeto",

Essa concepção

tanto da múprocessos

82

na própria

Com esse termo lestéticaj designa-se a ciência (filosófica) da arte e do belo. 1... 1 Dissemos "arte e belo" porque as investigações em torno desses dois objetos coincidem ou, pelo menos, estão estreitamente mescladas na filosofia

(Silva, 1994, p.53). Assim,

na construção

ressonância

verbal

à função de comunica-

nos jogos de estruturação,

a idéia de poética

Dicionário defilosofia,

teórica -, em que

bal baseia-se

que encontra

linguagens artísticas não-verbais, dentre elas a música, tratando por poética o seu processo estético e de criação. Nesse mesmo sentido, o

1

Fica claro, portanto,

musical",

mais ampla da ex-

etimologia do termo "poesia", que, do grego poíesis, significa "ação de fazer, criar, alguma coisa" (Massaud, 2002, p.402). É possível,

das diversas análises que Jakobson consagrou à função estética, ou função poética, da linguagem verbal j.., I ~onclui-se que, em seu entender, nos textos em que aquela função actua como dominante as estruturas verbais adquirem valor autónomo, orientando-se os sinais lingüísticos 1 ...

permite uma concepção

estéticos

ampla de "poética

e de estruturação

musical",

da linguagem,

vinculada está presente

I 'xlo de José Júlio Lopes (1990) sobre a música contemporânea, hém atualmente disponível na internet, onde convivem diferentes "pções

de "poética

musical",

Diz o referido autor:

83

aos no tamcon-

Um número crescente

de obras oriundas

Contribuições do multiculturalismo para pensar a educação musical

da chamada

música contemporânea apresenta formas e configurações radicalmente diferentes da tradição r ... ); são obras estruturadas e concebidas como objectos estéticos de organi-

Até aqui, desenvolvemos

discutimos artísticas.

modos de selecionar

ções através da linguagem

sons e organizá-Ios,

através

só se realiza em diferentes

de diferentes

manifestações

musicais,

contextualizadas,

sociais: distintas ções, de socializar sonora daquela produzir

poéticas

musicais,

a dominar

com poéticas

funções diferenciadas. Por outro lado, podemos

os princípios

por princípio,

educar.

na escola,

significa-

de construção

musicais

distintas,

também

situar a educação

que cumprem

embora

como

quando submetieducativos

caiba à instituição

dizem respeito

à prática escolar

Por outro lado, nas propostas

passamos

a

com a diversidade

nas diversas

curriculares

que

linguagens

para o ensino

musical diante da diversidade,

p.175) como um "movimento para os desafios

não se escolar,

cultural

nos campos

para a construção

esta que se vincula à "imposição

a todos os membros da sociedade"

p.20). Assim,

toma-

por Ana Canen (2002, do saber".

"teve início em países nos quais a diversidade

tural é vista como um problema nal", unidade

definido

teórico e político que busca respostas

da pluralidade

multiculturalismo

a preocupação

da unidade

nacio-

de uma cultura,

(Gonçalves;

com a multiculturalidade

O culdita

Silva, 2000, resulta

dos

desafios colocados por sociedades cada vez mais plurais e menos homogêneas, em que convivem diversas etnias, hábitos culturais e valores diferenciados - por vezes em conflitos. Países como a Inglaterra, antigos colonizadores, viram-se diante da necessidade de lidar com a diversidade colônias.

tas plurais

cultural

resultante

'onceitos,

para incorporar

de imigrantes

o multiculturalismo

a di versidade

cultural

de suas antigas busca "respos-

e o desafio

nos diversos campos da vida social, incluindo

(Canen, 2002, p.178). Questionando 'ultura dominante, ;1

o currículo

o multiculturalismo

'olher a diversidade

para a formação

84

Agora,

de arte de modo geral, pois muitas das questões

Por seu caráter político,

uma prática social, muitas vezes institucionalizada, apenas

práticas

grupos sociais podem

da ao sistema escolar. Vale lembrar que processos desenvolvem

e

de usufruir/con-

de construir

poética, etc. Assim, diferentes

e trabalhar

dife-

são social

a diversas

modos diversos

manifestações e aprender

musicais

articulando-se

poéticas implicam

sumir determinadas

ou seja,

que expressam

mos o ensino

Para pensar a educação

de que,

(no plural),

musicais.

musical pode trabalhar

explici-

de manifestações musicais presentes no mundo de hoje, que expressam diferentes poéticas. Para tanto, em alguns momentos, aborda-

superior,

rentes poéticas. Por sua vez, as diferentes culturalmente

músicas

de poéticas

como a educação

mos como base o rnulticulturalismo,

criando significa-

É bom tomar consciência

musical.

discutir

considerações,

fundamental e médio, a música faz parte da área de conhecimento Arte (Brasil, 1997a, 1998a, 1999).

quando falamos de "a linguagem musical" ou "a música", estamos trabalhando em um nível de abstração. A "linguagem musical" só se concretiza,

nossa concepção

dc novas poéticas (Lopes, 1990). Vê-se, portanto, que é possível considerar "poéticas musicais" como di ferentes estéticas, modos distintos de criação musical, diferentes

tando

z.ação instável e de contornos indefinidos como resultado de novos procedimentos, de novas direcções e de novos parâmetros numa prática que operou profundos e sucessivos cortes com o passado, vivendo o conflito e as tensões que opõem os velhos métodos e os seus resultados à busca incessante de novas formatividadcs e ao aprofundamento

algumas

cultural

de cidadãos

presente tolerantes

85

a pre-

a educação"

como expressão

busca propostas na sociedade, e democráticos.

da

que possam contribuindo

o

debate

interculturais

e a teorização

na educação

interagem

diferentes

diferentes

concepções

sobre

constituem

posições

as perspectivas

teóricas

e políticas.

de multiculturalismo

ções que se encaminham

multi

um campo complexo, Estudos

e

no qual sobre as

no Brasil" revelam posi-

para uma perspectiva

multi/intercultural,

propondo uma "análise semântica" dos prefixos multi-, pluri-, intere trans-, tentando esclarecer o conflito conceitual dos termos. Conforme Silva (2003, p.48), por mais que a bibliografia beleça associações

com o "multiculturalismo

a respeito esta-

crítico de resistência"

proposto por Peter McLaren', "um significativo grupo de pesquisadores da multiculturalidade e educação apontam para um consenso no uso do termo interculturalidade", buscando discutir formas pedagógicas de intervenção A mudança

na realidade

de designação

multicultural.

é justificada

pela significação

do

prefixo inler-. que expressa o sentido de interação, troca, reciprocidade e solidariedade entre as culturas, sendo, o diálogo, imprescindível, nesta perspectiva. na direção grupos

Nessa medida, a interculturalidade

de novas possibilidades

diferentes,

buscando

de relação entre sujeitos

promover

o reconhecimento

renças culturais e, ao mesmo tempo, estabelece interati va e de dinamicidade entre elas.

4

5

uma mudança

e entre

pela "tradição"

de perspectiva

de seu uso no campo da arte. Mas o tomamos

em uma

perspectiva crítica e, paralelamente, procuramos explicitar a noção de cultura que baseia a nossa discussão pedagógica. No campo do ensino de arte, a questão da multiculturalidade vem se colocando em certos círculos acadêmicos brasileiros há algum tempo. A inglesa RacheI Mason é uma especialista

e pesquisa-

dora da multiculturalidade, e, desde sua participação no Congresso da Federação dos Arte-Educadores do BrasiIlFAEB, em 1990, mantém intercâmbio com núcleos acadêmicos da área em nosso país (Barbosa, 200 I, p.8), tendo sido aqui publicado, em 200 I, o seu livro

Por uma arte-educação multicuftural (Mason, 200 I). Por outro lado, a arte tem cumprido movimento do multiculturalismo:

importante

papel

no

das difeSe admitirmos que tanto a força quanto o potencial crítico do multiculturalismo residc nas formas de expressão que seus adeptos util izam na esfera públ ica, somos levados a aceitar que foram as artes as responsáveis pela rápida difusão desse movimento. Ofereceram uma linguagem mais que adequada (Gonçalves; Silva, 2000, p.29).

não acarree de posicio-

Ver, entre outros, Canen, Arbaehe c Franco (200 I). Para uma boa exposição sobre esta discussão, ver Lima (2007, p.22-31). MeLaren (1997, p.123) defende um "multiculturalismo crítico de resistência", no qual se deve questionar o essencialismo monocultural de toda forma de centrismos: "O multiculturalismo de resistência também se recusa a ver a cultura como não-conflitiva, harmoniosa c consensual. A democracia, a partir desta perspectiva, é compreendida como tensa - não como um estado de relações culturais c políticas sempre harmonioso, suave e sem cicatrizes. O multieulturalismo de resistência não compreende a di versidade como uma meta, mas argumenta que a diversidade deve ser afirmada dentro de uma política de crítica c compromisso com a justiça social".

86

200 I, p.76). Concordamos com esse questionamento, entendendo que a concepção é mais importante que a designação adotada. Assim, mantemos como preferencial o uso do termo multiculturalismo, até

uma relação crítica,

No entanto, a si mples mudança de nomenclatura ta, automaticamente,

avança

namento. "Não será a concepção de inter/multiculturalismo que adotarmos mais importante que o prefixo a ser empregado?" (Moreira,

A influência leira

revela-se,

dessa abordagem

por exemplo,

na política educacional

na presença

do tema

brasi-

transversal

Pluralidade Cultural nos'parâmetros Currieulares Nacionais (PCN) para os diversos níveis do ensino fundamental. Os temas 'transversais são questões

que devem "atravessar"

o currículo,

sendo tratadas

em

todas as áreas de conhecimento, estabelecendo relações entre os conhecimentos teoricamente sistematizados e as questões da vida real. Uma vez que toda manifestação artística é uma produção cultural, o "tema da plural idade cultural tem relevância especial no ensino de arte, pois permite ao aluno lidar com a diversidade

87

de modo positivo

na arte e na vida", como dizem os próprios Parâmetros 5" a 8" séries (Brasil,

O multiculturalismo ção ampla educação

artísticas,

musical.

uma condição

as múltiplas

Uma concepção

musical possa atender

Por outro lado, a concepção

turalidade contribui para a ampliação norteia nossa postura educacional. Em suas origens,

da concepção

o movimento

étnicas,

de música que

multiculturalliga-se

cultural"

(Gonçalves;

p.28). Assim, a nosso ver, a postura multiculturalista tes grupos musicais

de produções

artísticas

e musicais,

sociais que produzem

ou adotam

a

a diferenpoéticas

as referências

educação

não podem se restringir

enraíza

musical

na cultura européia.

sidade de manifestações Como linguagem

discutido

cultural,

para as práticas

Torna-se

pcdagógicas

em que se

abarcar

nos Capítulos

a diver-

I e 2, sendo a música

um tipo de música se torna significativo cotidiana,

de organização

sonora,

com a sua poética.

uma com Em

contrapartida, a música que não faz parte de nossa experiência vista com "estranhamento". Essa atitude de estranhamento desconsideração

mercadoria/o

Nesse qua-

como familiar, compreensível

é e

que envolve massificação,

todos os cidadãos

trabalhar

brasileiros,

a partir da realidade

desenvolver

e

"nova" para

integra o contexto ou procurar no cotidiano

de modo que é mais

de vida de nossos

o seu senso crítico. J\fi nal, a educação

alunos, musi-

cal na escola básica (em como objetivo LIma mudança na experiência de vida e, especialmente, na forma de se relacionar com a música e com a arte no cotidiano. No entanto, como mostra Duarte (2004, p.134), é corrente a visão da "música 'da mídia' I...] como elemento estranho ao professor do seu trabalho".

[de música),

algo que o perturba,

Embora sejam bem-vindos cultural,

criar uma polarização

ou "superior"

estudos críticos sobre a indústria

entre ela e LIma arte dita "verdadeira"

é uma atitude reducionista

sidera, inclusive,

o complexo

que está fora

processo

e improdutiva, histórico

que descon-

que cerca a produ-

em relação à vivência musical do outro muitas vezes

se articula a uma crítica às produções considerar

que, nas sociedades de consumo, os bens

sociocultural em que vivemos, e não cabe negá-Io excluí-Io. O fato é que a música da mídia está presente

para nós

nos familiarizamos

a música - tornam-se

que possa ser reconhecida

procurando

musicais, incluindo as populares e as da mídia.

na medida em que, pela vivência os seus princípios

indispensável

novidade

produtivo

por particularida-

à música erudita,

- incluindo

de praticamente

des de classe, de região OLlde geração, por exemplo. Como conseqüência dessa postura,

culturais

Esse processo,

Silva, 2000,

vinculadas

como suas, sejam esses grupos marcados

historicamente essa questão, compreendendo industriais capitalistas, centradas no mercado

espaço

determinadas

de bens culturais leva, sem

portanto significativa, e ao mesmo tempo suficientemente levar à compra do atual "sucesso das paradas".

basica-

deve abarcar

massificada

dro encontramos a repetição incessante de fórmulas composicionais, com pequenas variações para configurar uma novidade, mas uma

da multicul-

mas pouco a pouco "vai cedendo

para outros aspectos da dominação diversidade

da

ampla de música é, por um lado,

para que a educação

multicultural.

mente às questões

e diferenciadas

e o mesmo se coloca no campo específico

necessária

à perspectiva

de abarcar

A lógica da produção

dúvida, a uma padronização excessiva, relacionada à homogeneização do gosto e à ampliação do consumo. Mas é necessário contextualizar

no ensino de arte implica uma concep-

de arte, capaz

manifestações

para Arte nas

1998a, pAI).

o outro como "vítima"

mídia. Isso merece uma reflexão

da indústria cultural, passiva

e alienada

levando a

do poder da

mais profunda6

(, Para tal, retomamos, nos próximos parágrafos, a discussão desenvolvida em Penna (2003a, p 9-10).

88

'/ Ao discutir a expansão dos mercados, para a qual contribui "a obsolescência planejada dos produtos, a fim de poder vender outros novos", diz Garcia Canclini (2005, p.220): "Na verdade, as políticas industriais que tornam emprestáveis os aparelhos elétricos a cada cinco anos, ou desatualizam os computadores a cada três, bem como as políticas publicitárias que põem fora de moda a roupa a cada seis meses e as canções a cada seis semanas são modos de administrar o tempo".

89

ção artística.

Por um lado, cabe abordar

mente, compreendendo,

como mostram

que o gosto revela uma competência capital cultural desenvolvido

a questão

do gosto critica-

Bourdieu

e Darbel

estética,

gradualmente,

sendo produto

e familiarização

o que depende,

portanto,

Nesse sentido,

Subtil (2003), em sua pesquisa

música mediática

com determinados

entre crianças legítima',

em que se vive.

sobre a recepção

de 9 a II anos, comenta:

da

decorre

ausência do 'capital cultural' [... [. A maioria das crianças tadas afirma não conhecer o universo da cultura erudita,

entrevisconside-

pela indústria

mente,

as relações

"populares"

cultural

é necessariamente

entre as esferas

são intrincadas.

gerem as simples Shakespeare como

muito mais complexa Nunca é demais

dicotomias.

escrevia

suas peças para serem

entretenimento

num teatro

popular;

do que sulembrar

ratura

brasileira,

foi escrito

semanalmente

ou que Mernú-

to), muito semelhante,

(para citar só dois) escreveram encomenda

direta

(raraco,

A proposta

às novelas

como muitas

de seus meccnas

do cotidiano

(isto é,

para consumo

nesse sentido,

são de hoje; ou que compositores

tas, eventos

da lite-

na forma de folhetim

no jornal

imedia-

Bach ou Mozart

para ornamentar horas

sob fes-

de ócio

200 I, p.128).

para música

dos Parâmetros

de música

bastante

aberta, considerando

90

e a qualidade

defendendo

uma educação

esté-

musical que contribua

- em alcance e qual idade-- da ex periência a oposição

do

cultural,

de sua experiência

cultural de nossos alunos, cabe adotar uma concepção

artística e

ampla de mú-

entre popular

e erudito,

procure apreender todas as manifestações musicais como significativas - evitando, portanto, deslegitimar a música do outro, através da imposição de uma única visão.

prática

Assim, a concepção

de música e de arte que embasa

pedagógica

suficientemente

torna-se

ampla

a nossa

para abarcar

a

multiplicidade, indicando o diálogo como prática e princípio para lidar com a diversidade. O diálogo como princípio baseia-se numa concepção di nâmica de cultura, que a entende como "viva", em constante processo. Se as linguagens artísticas - e suas diversas poéticas - são "historicamente construídas", esta construção histórica não se encontra apenas atrás de nós, em algum momento passado, mas se processa também no momento presente, através das nossas escolhas em relação às produções artísticas e a seu "consumo".

o diálogo Como

Curriculares

Na-

a diversidade

como princípio

vimos,

interculturalidade, clara, o sentido

cionais para Arte (Brasil, 1997a; 1998a; cL tb Penna, 200 I c), uma orientação oficial para a prática pedagógica nas escolas, revela uma concepção

a

de televi-

de suas peças

ou preencher

que

apresentadas

rias de um sargento de milícias, hoje um clássico capítulos

e

a vivência

o alcance

sica e de arte que, suplantando

Afinal, como mostra Faraco (200 I),

é certamente

J\ questão

ditas "eruditas"

que tome como ponto de partida

com a música popu lar e com a indústria

ruim e, historica-

de produção

assim, o desafio de superar

aluno, sua relação

para a expansão

da

rando-o estranho, longínquo e inacessível" (Subtil, 2003, p.23-24). Por outro lado, é preciso considerar que nem tudo que é produzido

musical

Portanto,

com o universo erudito

e trazendo,

buscando ampliar tico-musical.

"A análise

no caso a música clássica,

musicais

histórica dicotomia entre música erudita e popular. A proposta para as sa a 8' séries do ensino fundamental, especialmente, busca uma educação

bens simbólicos,

sociocultural

dos dados revela que a falta de familiarização ou com a 'cultura

de um

desde a infância, através

da frequentação

do ambiente

de manifestações

(2003),

alguns

autores

por considerarem de interação,

necessário propõem

o uso do termo

que manifesta,

troca, reciprocidade

de forma mais e solidariedade

entre as culturas. Lima (2007, p.31), por exemplo, defende que, na educação, "o termo interculturalismo indica uma relação de reciprocidade, ou seja, marca uma convivência solidária onde as trocas são mútuas,

proporcionando

que estão envolvidos

aprendizagem

nesta relação".

91

e enriquecimento

Nesse sentido,

aos

a perspectiva

interculturaI

pode estimular,

na prática pedagógica,

um processo

de

tam, por exemplo, suas experiências, bem como O impacto das aulas sobre as mcsmas), fichas de observação e outros instrumentos ajudam nesta trajetória. O ajuste de rotas que a avaliação diagnóstica multicultural permite, pode desafiar noções de multiculturalismo que, muitas vezes, tratam da diversidade cultural de forma abstrata, como se esta estivesse presente apenas na sociedade mais ampla./\ avaliação concebida de forma multicultural volta-se justamente ao reconhecimento da diversidade cul-

reflexão-ação-reflexão, em que a relação de alteridade seja considerada e o diálogo, fundamental. "A ênfase na relação intencional entre sujeitos de diferentes relação

intercultural",

culturas

portanto,

uma perspectiva

multicultural

o traço característico

da

Fleuri (2000, 1'.8 - grifos do origi-

segundo

nal). Realça-se,

constitui

a intencional idade: o educador para intercultural

quando

avança

de

se empenha

na construção e efetivação de um projeto educativo intencional que promova a relação entre pessoas de culturas diferentes. Assim, "o

tural c da construção das diferenças também no interior da sala de aula concreta em que o professor atua (Canen,

trabalho intercultural pretende contribuir para superar tanto a atitude de medo quanto a de indiferente tolerância ante o 'outro', construindo uma disponibilidade cultural"

para a leitura

positiva

da pluralidade

2003, 1'.17).

(Pleuri, O diálogo

Como

entrc diversas

manifestações

do em sala de aula, pode promover pliação do universo

artísticas,

a troca de experiências

de uma turma sentam juntos

e moram

for orientado

no mesmo

bairro,

perdida

troca com as expressões

de "pedagogia

a riqueza

que poderia

e práticas

musicais

na proxi-

Assim, se o

apenas pela experiência

da maioria - no que a autora denomina será certamente

e a am-

básica, se os alunos

midade da escola, isso não torna essa turma homogênea. pedagógico

trabalha-

cultural dos alunos. Como coloca Santos (1990,

1'.41-42) em artigo sobre a música na educação

trabalho

2002, p.190).

social c

musical

do agrado"

ser propiciada

guetos

de grupos minoritários.

central

modo de tratar a diversidade,

podem evitar a "guetização"

o diálogo

- o processo

-, um dos riscos do multiculturalismo,

da guetização

acontece

cidades culturais

quando,

de diferentes

e a troca de de fechar em

apontado

outros, Canen (2002) e, no campo da arte, Peregrino

por, entre

(1995). O risco

em nome de valorizar

grupos, especialmente

as especifi-

daqueles

histo-

ricamente dominados, acaba-se por prender esses grupos no gueto de sua particularidade, isolando-os.

-,.

pela

Para que seja possível efetivar esse diálogo e troca de experiências, é fundamental conhecer a vivência dos alunos. Nesse sentido, a "avaliação diagnóstica multicultural" é um componente em currículos multiculturalmente orientados:

experiências

No entanto,

dentro do próprio

lismo, há posições divergentes expressivo

dessa problemática

da reserva

indígena

Raposa

movimento

do multicultura-

a respeito da guetização.

Um exemplo

é a discussão em torno da demarcação Serra do Sol, em Roraima,

que abarca

extensa área, onde já existem "três pequenas cidades, quatro vilarejos, oito estradas e catorze grandes lavouras de arroz" (Cabral, 2005, 1'.61). Antecedendo

a homologação

2005, pelo Presidente

da criação da reserva, em abril de

da República,

uma reportagem

na televisão

O trabalho de avaliação diagnóstica implica um acompanhamento contínuo das atividades desenvolvidas no

mostrou depoimentos de índios que tinham posições distintas: alguns defendiam a demarcação da reserva em território contínuo - como de

currículo em ação. O objetivo é o conhecimento dos universos culturais dos alunos, bem como em que medida o

tínua que preservasse

diálogo entre estes e os padrões culturais abraçados pelo professor está sendo bem-sucedido. Trabalhos em grupo, testes, provas, diários reflexivos (em que os alunos rela-

92

fato ocorreu -, enquanto

outros defendiam

as cidades,

uma demarcação

declarando

isolados.

Como mostra Cabral (2005, 1'.61-63), a própria

indígena

está dividida:

reserva demarcada

embora

lideranças

em terras contínuas

93

não-con-

que não queriam indígenas

população

declarem

é imprescindível

se ver que a

para a pre-

servação

de sua cultura,

costumes

e organização

social,

não são

poucos os índios "que também protestam contra a demarcação e a subseqüente expulsão dos brancos e suas delícias - como luz elétrica, televisão,

celular,

dinheiro".

Certamente,

é uma discussão

muito

complexa, que não pretendemos encerrar, mas que exempli fica a problemática da guetização e, mais ainda, do fechamento em território próprio. No campo curriculares culturais

que se voltam

específicos

se pensarmos

a guetização

exclusivamente

levaria

a propostas

ao estudo

dos padrões

do grupo. Essa postura é bastante

no amplo e diversificado

da humanidade, manifestações

da educação,

se considerarmos

a multiplicidade

musicais, expressando

sição a esse enfoque exclusivo po, Canen (2002, p.18S-187) leve a "pensar em estratégias

patrimônio

acontece

se enriquece renovações.

Em opo-

vezes, a guetização

incorporou elementos da tradição aero-brasileira (Gonçalves; Silva, 2000, p.29-30).

os

Um outro risco do multiculturalismo

está ligada a uma idealízação

levando ao "congelamento" ou "fixação" de das raíz'es culturaisx, práticas culturais, o que nega o caráter vivo e dinâmico da cultura e

essa fixação das práticas culturais "folclorismo":

da sociedade. Este é um risco a evitar, por exemplo, ao tratar a cultura afro-brasileira e indígena, como determinado com a inclusão do Artigo 26-A na atual LOB. É preciso enfocar a contribuição

negra e

Para uma discussão da idealização das raÍzes, ligada ao questionamcnto das noções de perda de identidade c desenraizamento, ver Penna (2002e). Embora abordada no quadro da migração, a discussão das bases epistemológieas e do valor heurÍstieo de tais noções pode ser útil para áreas de estudo que se valem das mesmas noções para tratar, por exemplo, a questão da identidade cul tural.

94

na educação,

de determinados

Trata-se da redução tiva de valorização aspectos folclóricos versos. Perspectivas

indígena em nossa cultura como um processo dinâmico, evitando tomar práticas culturais como emblemas fixos, como muitas vezes

K

com intercâmbios, reapropriações, ressignifieações, Nesse sentido, é bem interessante a discussão de Luiz

transformados. Basta lembrar que, em algumas cidades brasileiras, o reggae virou .I'amba-reggae c, em outras,

articulações,

intercâmbios interculturais", sendo a base desse trabalho o diálogo, e "jamais o monólogo que aprisiona os sujeitos exclusivamente em seus

Muitas

e

sido esse o caso do rap e do reggae? Ambos nascem na Jamaiea. Onde chegam, aglutinam, prioritariamente, jovens negros, o que Ihes conf'cre um caráter eminentemente étnico. Mas são imediatamente

quase infinita de

modos de ver o mundo" - e, podemos acrescentar, que aprisiona sujeitos nos seus próprios padrões estéticos e artísticos.

se transforma

Maranhão, Nova lorque e Lisboa. Em cada lugar que se instala, impregna-se de outras formas musicais. Não teria

artístico e cultural

que permitam

cultura

Ele pode, por exemplo, ter sua origem na Jamaica, em Kingston e migrar para São Paulo, Paris, São Luiz do

das práticas musicais próprias do grupropõe que a abertura ü diversidade curriculares

Pois a própria

Alberto Gonçalves e Petronilha Gonçalves e Silva (2000, p.29-30) sobre o que chamam de "fenômeno musical do mu!ticulturalismo", que é híbrido e miscigenado:

reducionista,

poéticas diferenciadas.

em livros didáticos.

ligado a

grupos, é cair no

do multieulturalismo a uma perspecde costumes, festas, receitas c outros e "exóticos" de grupos culturais dieurrieulares que reduzem o multieul-

turalismo a momentos de "feiras de culturas", celebração do Dia do Índio, Semana da Consciência Negra e outras formas mais pontuais podem correr esse risco (Canen, 2002, p.182). Esse risco é particularmente acentuado na área de arte, devido à prática, ainda corrente, de vincular as atividades a serem desenvolvidas

nas aulas de arte ao calendário

95

de datas comemorativas,

o

que é reforçado

por diversos livros didáticos.

do ao congelamento

O folclorismo

e à fixação das práticas culturais,

está liga-

na medida em

que trabalha com a idéia do "típico", que nega o dinamismo ra e muitas

vezes cai em estereótipos.

especificidade

de diferentes

congelar

suas práticas,

culturais

e artísticas.

Reconhecer

e valorizar

grupos não implica, necessariamente,

desconsiderando

o caráter

Assim, o folclorismo

expressa

relações

a valori/,ação

que preconiza

em

o que Canen e

de "multiculturalismo

liberal ou de

da diversidade

cultu-

ral sem questionar a construção das diferenças e estereótipos". Por sua vez, "o multiculturalismo em sentido mais crítico, também denominado

perspectiva

são. Esforça-se

intercultural

em integrar

I...], busca superar

crítica

ocasiões

folclóricas

A nosso ver, o que o multiculturalismo ção musical

_. e, de modo mais amplo,

necessidade

de trabalhar

ticas, considerando cada escola

poderia

vozes dos "grupos centivando

em determinado buscar, culturais

no espaço

artís-

conforme

Nesse sentido,

da aula de arte, acolher

plurais"

guetização

evitar

a guetização

que a constituem,

e, mais ainda,

resulte na inversão da oposição

de certo modo, exclua eruditas,

ção européia

as possibilidades

as in-

responsável

que esta

entre popular e erudito, e, de diálogo

por serem estas julgadas

e ocidental,

evitar

com as formas

a expressão

da civiliza-

pela opressão de padrões cultu-

rais outros, de grupos não-dominantes. Certamente,

esse modelo da cultura européia. dita é também

Entretanto,

parte do patrimônio

cultural

em grande medida,

por um lado, a arte eruda humanidade;

é mais

uma manifestação, ao lado das demais. Por outro lado, as produções eruditas também estão sujeitas a diferentes apropriações, e tampouco devem

ser congeladas

ou idealizadas.

96

l~ possível,

portanto,

e reflexão,

pode superar

a um processo

manifestações

oposições

promovendo reapropriações significativas riências culturais. O desafio é ultrapassar

da arte

e dicotomias,

e o intercâmbio de expea oposição entre música

popular e música erudita, não pri vilegiando algum desses campos de produção em detrimento do outro, para poder conhecer, usufruir e dialogar com o vasto universo versas poéticas.

Entendemos

de produções

musicais,

com suas di-

"uma

finais

que o objetivo

último do ensino de arte na edu-

cação básica (aí incluída a música) é ampliar o alcance da experiência

artística dos alunos, contribuindo

e a qualidade

para uma participa-

ção mais ampla e significativa na cultura socialmente produzida _ ou, melhor dizendo, nas culturas, para lembrar sempre da diversidade. O efeito de um ensino que realmente cumpra esse objetivo vai além dos muros da escola, modificando o modo de o indivíduo se relacionar

com a música e a arte. Para que o ensino de arte possa de

fato contribuir da vivência

para essa ampliação

do aluno e promover

de manifestação para tal.

artística.

No entanto, apropriações,

as formas eruditas retratam,

2002, p.64). Submetidas

e a reflexão

Considerações

o diálogo entre essas diversas vozes (Canen, 2002, p.I78).

Pois é preciso

artísticas

inclusive

Oliveira,

mais

de manifestações

grupo cultural.

e étnicos

mule o diálogo

dos preconceitos

para o ensino de arte -, é a

com a diversidade

(Canen;

sínteses interculturais

e da cultura eruditas podem ser ressignificadas. Assim, um processo pedagógico que acolha a plural idade de produções artísticas e esti-

indica para a educa-

a todas corno significativas,

sua contextualização

essa vi-

a discussões

amplas sobre a construção histórica das diferenças, e formas de superá-Ios" (Canen, 2002, p.183).

criativas"

das culturas, buscando promover

de diálogo cultural, questionamento a

vivo das práticas

Oliveira (2002, p.63) denominam humanas,

da cultu-

reinterpretação

da experiência

o diálogo com as múltiplas

E o multiculturalismo

o multiculturalismo

até mesmo conflitantes.

analisando perspectivas nifica coisas diferentes

cultural, deve partir formas

nos traz indicações

está sujeito

a diferentes

Como diz Mason (1999, p.16),

em arte-educação, "multiculturalismo sigem contextos nacionais e regionais diferen-

tes". Mas, como Ana Canen (2002), acreditamos que a resposta está, sempre, no diálogo, na troca e no intercâmbio, baseados no respeito pelas diferentes zes curriculares

relativas

vivências. à cultura

97

Nesse mesmo sentido, afro-brasileira

as diretri-

colocam

que "a

educação

das relações étnico-raciais

cos e negros, projeto

trocas

conjunto

equânime"

impõe aprendizagens

de conhecimentos,

para construção

quebra

de uma sociedade

Sem dúvida,

o diálogo e a troca de experiências

cal. Se, como professores,

livro didático,

sequer seremos

capazes de iniciaresse

será desconsiderar,

para o diálogo

com seus modelos

de buscar e construir

o aluno e acolher

às indica-

escolares

de arte,

a vivência do alunoenfim. Pelo contrá-

os caminhos

inicia-se com a disposição

as suas práticas culturais.

necessários em olhar para

E essas práticas

bem mais do que mera questão de gosto pessoal,

respeito às histórias de diferentes

podem dizendo

grupos, nas suas lutas pelo direito a

sua especificidade e a seus valores próprios. Enfim, o multiculturalismo indica que as aulas de música e, de modo geral, de arte podem também contribuir para "a formação de cidadãos abertos ao mundo, flexíveis em seus valores, tolerantes e democráticos"

(Canen,

2002, p. 176). Mas isso na medida

nossas aulas forem capazes de acolher a diversidade te na sociedade

e trabalhar

e mesmo os educadores posta orientadora

que discutem

concretas cientes

para tanto, a discussão

pensáveis

em concerto, tradicionais já tínhamos

reunindo

diversos

grupos

musicais

- de populares

a outros de caráter mais contemporâneo; alguns de que ouvido falar, outros totalmente desconhecidos. Por uma

curiosidade e interesse próprios de quem atuava com educação musical e trabalhava com questões de identidade regional, levamos para casa esse CD c não nos arrepcndemos;

pelo contrário,

nos a diversidade

e a multiplicidade

mos em adquirir

os CDs e as fitas de vídeo de mesmo

apresentadas.

encantaram-

Assim, não hesitatítulo, com

capas diversas (e conteúdos diferentes), com os quais fomos nos deparando em muitas ocasiões nos anos seguintes. Procurando discutir o tema "Diversidade Cultural, Linguagens

e Identidades",

considerando-o tões como:

examinamos

estimulante

esse material com novo olhar,

e adequado

para a discussão

de ques-

de as propostas Entretanto,

e a reflexão

o que

como pro-

a sua dificuldade

significa fazer arte ou música no mundo contemporâneo? E quando essa atuação acontece em Recife/Pernambuco/ Nordeste/Brasil?

em

e concepções

em ação - ou seja, resultarem

da prática escolar cotidiana.

questionar ternativas.

cultural presen-

o multiculturalismo

reconhecem

chegar à sala de aula, a dificuldade no currículo

em que

Há alguns anos, encontramos por acaso, nas prateleiras de CDs de um hipermercado de Recife, um CD intitulado Pernambuco

com ela. Para tal, não há receitas prontas,

dos currÍCulos

se

em mudanças

embora

O que faz ser nordestino, ou na música')

não sufi-

são, sem dúvida,

seja na vida, nas artes, na literatura

indis-

para darem um rumo às nossas buscas, para que possamos os padrões

de nossa própria

98

*

musi-

diálogo, pois nossa tendência

desqual ificar e desvalorizar

intercultura!

GLOBALlZAÇÃO E IDENTIDADE O projeto "Pernambuco em concerto"

presos a nossos padrões

a sua música, a sua dança, a sua prática artística, rio, a possibilidade

MÚSICA(S), REGIONAL:

são indica-

gosto, ou simplesmente

ções de algum

traduzirem

6.

igual,

em arte e em educação

nos mantivermos

presos a nosso próprio

significar

justa,

(Brasil, 2004b, p.14).

ções viáveis para o trabalho pedagógico pessoais,

entre bran-

de desconfianças,

prática e construir

novas al-

,

Versão retrabalhada do texto: "Pernambuco em concerto": identidade regional e cidadania cultural. In: t=olóquio Internacional Cidadania Cultural, 2., 2007, Campina Grande. II Cidadania Cu/fural: diversidade cultural, linguagens e identidades. Recife: Ed. Universitária/UFPE, 2007. v. 2. p.563-577.

99

Que tipo de postura contribui dania cultural?

Apesar educação

de não abordarem

para a efetivação

temáticas

da

geram reflexões que podem con-

tribuir para o enriquecimento de nossas práticas pedagógicas. porque trabalhamos com produções artísticas historicamente

Isso si-

tuadas e contextualizadas, de modo que as profundas e rápidas mudanças da contemporaneidade exigem um contínuo questionamento das noções que embasam nossa prátiea, como aquelas relativas à própria coneepção de música e de cultura. Nesse sentido, a discussão aqui apresentada

interliga-se

Nesse sentido, análises talismo

especificamente

musical, essas indagações

de uma cida-

diretamente

especialmente quando trata das contribuições para a educação musical.

ao capítulo

anterior,

do multiculturalismo

e da indústria

do mercado capitalista e à ideologia da indústria cultural'" esquecem tanto a diversidade existente na própria indústria cultural, as diferentes esferas e possi bil idades que ela abarca, quanto outras "servidões" a que a arte (assim como os artistas) esteve submetida em outros momentos históricos. Sem dúvida,

- que permitem

susten-

de intercâmbio,

uma intensa troca: fluxo de pessoas,

há massificação

161) mostra,

por exemplo,

legitimidade,

na Primeira República,

em um programa

enfim

de mercadorias

da indústria

televisivo,

cultural

A globalização - e a partir daqui optamos por esse termo - é vista ora como demoníaca, ameaçadora, ora como redentora. Mas reconhecê-Ia

como

parte do

apanhava

da políatravés

com outras manifesta-

ções populares originárias de periferias, como o rap ou o funk. Em outros momentos históricos, as artes (e a música) estive-

um ponto de vista sociológico,

o

"sambista

se repete, na atualidade,

áreas, do econômico ao cultural (aliás, no quadro do capitalismo, cultural é também mercadoria, é também econômico).

caberia

ao se inserir na indústria cu Itural

ainda, como esse processo de legitimação

ram submetidas,

talvez,

na indústria

como o samba ganha progressivamente

de todos os tipos, de informações. Fala-se, então, em "globalização", "mundialização", "internacionalização", processo que afeta todas as

mais acertadamente,

e mercantilização

cultural; no entanto, ao mesmo tempo, ela é também um espaço que dá legitimidade a certas produções populares. Wisnik (1983, p.1 5 1-

declarou

os avanços tecnológicos

de transportes

de

globalização - carregam, a nosso ver, um certo simplismo e mecanicismo. Por exemplo, denúncias da "submissão das artes à servidão

cia"2. Lembremos, tam facilidades de comunicação,

do capi-

do processo

da época - o rádio e o mercado fonográfico -, o que lhe propiciou sair da "marginal idade", literalmente. Pois, como a cantora Beth Carvalho

Produções culturais na contemporancidadc: o mercado e a indústria cultural No mundo contemporâneo,

pautadas pela demonização

cultural - como representantes

também,

a outras "servidões"

Norbert Elias (1995, p.16-31), servir seu "príncipe", igual ao do cozinheiro. padrões estéticos r1itos internos

analisando

a trajetória

Isso significava,

torturantes.

de Mozart

sob

mostra como ele estava submetido

sendo um mero "serviçal"

que agradassem

que não a capitalista.

da corte, com status

inclusive, compor dentro dos

ao príncipe,

Consciente

a

o que lhe gerava con-

de seu potencial

artístico,

momento histórico em que vivemos, enfocando seu processo como contraditório,

percebendo

que também artieula diferenças

Sem dúvida, há relações desiguais,

e resistências.

relações de força e de dominação

(mesmo que não explícitas) nos processos de troca e de interação, que mereceme devem - ser questionadas criticamente, mas acreditamos que o essencial é procurar compreender o dinamismo do processo, que não é linear nem mecânico, evitando-se maniqueísmos. 100

I

Como encontramos em uma dissertação de mestrado de cuja banca de defesa participamos. Diante de nosso qucstionamento, foi rccomendada c aceita a revisão deste ponto. Declaração de Beth Carvalho, no programa Altas Horas, da Rede Globo, na madrugada do dia 22/07/2007. Para uma análise histórica do percurso do samba da marginal idade à legitimação, ver Cunha (2004). 101

desejoso

de compor segundo sua própria imaginação

buscou, no contexto

social e histórico em que vivia, diversas

tivas para se "libertar" em tal processo:

de tal "servidão",

"Mozart

Iibertar dos aristocratas, próprios

recursos,

musical.

E perdeu a batalha"

alterna-

sem êxito, consumindo-se

lutou com uma coragem seus patronos

e senhores.

em prol de sua dignidade

espantosa

para se

Fez isto com seus

pessoal

e de sua obra

(p.16). Já na sua época, escritores

mostrou dicaz encontrou patronato

por assinatura,

dis-

outras

alternativas

para romper

ao mercado"

Fica claro, portanto, enfocam

de "vender"

a sua produção

artística

do o seu era

que o processo

da globalização,

cultural

truções de referenciais de "traduções"

de identidade

Nesse contexto

de especificidades,

cultural,

influências.

a globalização

dentro de um processo

práticas culturais

em contato, dialogam e se interconectam

recons-

Para tais autores,

tem um efeito positivo,

histórico,

Canclini

não resulta em homogeneização

a reafirmações

das diversas

vocar" reações, culturais.

ao "proem termos

diversas

entram

de múltiplas formas, de modo

que as manifestações culturais não podem mais ser compreendidas em função de demarcações territoriais ou nacionais. Buscam-se, então, novos conceitos e permitam

que dêem conta do dinamismo

compreender

temporaneidade.

as produções

Dentre eles, destaca-se

por diversos

autores,

desse processo

artístico-culturais o conceito

por sua capacidade

da con-

de "hibridismo", de:

1capturar, de maneira talvez mais flexível (c também !, a natureza necessariapor isso talvez mais acurada)

suas contradiçõcs

de modo homogêneo,

como agcnte da influência

lista) americana, que ameaça a nossa cultura "própria", "nordesti na", "brasi leira"'.

como

mente inconclusa do processo de articulação social das diferenças locais no contexto de interconexão ampliada que a globalização promove. Entre a submissão completa a uma cultura homogeneizante e a afirmação intransigente dc uma tradição imóvcl, instaura-se, portanto, um intervalo dc recriação e reinscrição identitária do local que é irredutÍvel a um ou a outro desses pólos extremados (Anjos, 2005, p.30).

(imperia-

"autêntica",

oposição entre, de um lado, as "autênticas" manifestações da cultura popular nordestina (especialmente as de procedência sertaneja) ou da cultura erudita que com elas estivcsse plenamente identificada, e, do outro lado, a cultura hegemônica produzida no Sudeste e a "disseminada cultura de massas norte-americana". Por sua vez, Michel Zaidan Filho (200 I, p.21-22) faz alusão a esse mesmo movimento como defensor de uma "reelaboração complexa (erudita) de traços culturais ditos normalmente nordestinos, regionais, tradicionais, telúricos, pitorescos etc. ete. etc., por um mandarinato cultural (verdadeiro latifúndio simbólico), a que se atribui o papel de definir a 'alma do povo"'.

l....

1 ...

Como uma exemplificação de posturas com base nesse tipo de oposição, ver a discussão de Moacirdos Anjos (2005, p. 57-60) sobre o Movimento Armorial (criado na década de 1970) como "a formulação mais sofisticada do papel da tradição cultural nordestina na invenção de uma idéia de Brasil". O 'S Curriculares 1'1111 'ens específicas,

apontando

ainda a necessidade

de os concursos

pl'd)licos respeitarem tal formação (cf. Brasil, 2006b, p.202; 204). Mas quem trabalha com arte nas séries iniciais do ensino 1IIIIdamental e na educação infantil? Em relação a esses níveis de \'IISiIlO, o problema pJ'()f 'ssor licenciado,

é ainda mais sério, pois neles não costuma e o ensino de arte normalmente

atuar o

fica a cargo do

pl()fcssor de classe. Como já vimos, os Parâmetros CurricuJares Na1 11)l1:IISem Arte para as I" a 4" séries trazem propostas para artes VISllilis, música, teatro e dança, enquanto, por outro lado, poucos 1 IIIsos ,superiores

de Pedagogia

contemplam,

em seu currículo,

tll',111l1a(s)destas linguagens artísticas. De acordo com a atual LDB, a educação

infantil constitui

a

1'111);1inicial da educação básica. No entanto, o próprio Referencial ( '1lIricular Nacional para a Educação Infantil (RCNE!) considera 'lI\\' :\inda são dominantes tanto a "tradição assistencialista das cre1111',"quanto a "marca da antecipação da escolaridade das pré-esco11'," (Ihasil,

1998c, p.5 - Carta do Ministro).

1'1Ill("ip;d mente nas creches, observa-se

Em muitos contextos,

um descuido

com a formação

1'11IIIS,sional do professor, o que é respaldado, como mostra Brandão ( '()()I. p, 79-84), pela força da maternagem 10 na representação do eduI lIillll illl';lIltil,

como

urna prática polivante, contudo, está na contramão do próprio percurso da área de ensino de arte, que tem apontado para o resgate dos

Graduação

Illdi "lção que se alinha com essas Diretrizes dos Cursos de Gradua'liO na área de arte, que estabelecem a licenciatura em cada lingua-

Vale lembrar que o RCNEI)'")',11':\ p:lra a educação

infantil,

documento

também

t\ I !l'sl 'EEARTES

de orientação

sem caráter

peda-

obrigatório-

-, tendo depois se subdividido em diversas conforme sua especificidade, dentre elas a de música, 111\ 1!II'illdl,; que, para atuar em classes de educação infantil, basta ter li 1111I'(llll criança" (as qualidades de uma mãe) é usada como justi1111I1IVII p:lra os desvios de função encontrados pela pesquisadora em 111I I ',:lS l·n.:cilcs estaduais de Campina Grande/PB, onde funcionárias I 1IIIII1II Ild:l.s para serviços gerais são deslocadas para sala de aula, 111111111111\ ('\\1110professoras (Brandão, 2007, p.72-79). dI'

, IIIIII~,,'(H"S,

131

traz com destaque, Mundo", p.4S-81).

em seu volume denominado

"Conhecimento

de

uma proposta bastante detalhada para música (Brasil, 1998d, Há estudiosos,

pontos, essa proposta

contudo,

que consideram

reflete "uma visão romântica

que, em alguns e uma concepção

idílica de educação musical" (Souza, 1998, p. 133). De qualquer forma, tudo indica que a proposta curricular e pedagógica desse referencial é uma idealização muito distante da realidade atual, e somente em poucas e privilegiadas escolas deste país encontraremos um professor graduado na área específica de música atuando neste nível escolar, especialmente Quanto

infantil,

portanto,

existe

uma proposta

específica para música - sem subordiná-Ia à área de Arte - apresentada no Referencial Curricular Nacional. No entanto, pela não obrigatoriedade deste documento e pelo percurso histórico desse nível de ensino, acreditamos amplos.Como realizada

improvável

a sua concretização

municipais

das decisões

pedagógicas

básica, através de alguma

norma oficial que

IIld ique especificamente

a sua obrigatoriedade

em todo o país, a

ItllUção atual não apresenta I':dll 'ação Artística:

a música,

mudanças

expressivas

como conteúdo

de educação

ern termos mais

I IIllquista importante, (' ('lIitura

infantil de Campi-

da Câmara

com a aprovação, dos Deputados,

'()()8. que altera o Artigo

111 IVOSparágrafos 1I1I

26 da Lei n° 9.394/96,

que estabelecem

10, Illas não exclusivo,

I""

pela Comissão

de Educação

do Projeto de lei

do componente

curricular

princi-

Continuidades

e diferenças

Por tudo que foi discutido legais e normativos

(d) preparar apresentações de eventos comemorativos

a respeito

de alcance nacional,

dos diversos

termos

fica claro que, por um lado,

a atual LDB refere-se à arte de forma imprecisa, ao mesmo tempo em que os Parâmetros para os ensinos fundamental e médio estabelecem um espaço potencial para a música como parte do conteúdo "Arte",

sem contudo

garantir

a sua efetiva presença

132

curricular

na prática

es-

obriga-

de que trata o ~

(lll seja, "o ensino da arte" (Brasil, 2008b). No momento,

acom-

1lIllill:ltilJ por intensa mobilização, o projeto segue sua tramitação ('.III\:lr:1 cios Deputados, tendo sido encaminhado à Comissão

I l'/i1, 1'111nível nacional, di 11111i ·~Ina escola.

pois visam,

2.732/

acrescentando-lhe

voltadas

palmente, (a) acompanhar atividades cotidianas (lanche, oração, recreio, fila, etc.); (b) auxiliar o processo de alfabetização; (c) acalmar

nU

a música como "conteúdo

pl"1I 1111 'nlc decidida, mas sem dúvida foram cumpridas, 1101 ( ',II11ara, importantes etapas na busca da implantação

e relaxar, através de audição ou canto; para os pais, relacionadas ao calendário da escola.

a obri-

I' i10ri 'dade da educação musical, em sua especificidade, nas escolas básica. Em maio de 2008, esse movimento alcançou uma

t

musicais,

continua

',lll1orclinada ao campo mais amplo e múltiplo das artes. Há, por outro lado, um movimento que reivindica

baseando-se em grande parte na "tradição" das práticas pedagógicas deste nível de ensino. Desse modo, as atividades musicais não estão propriamente

à

em relação

curricular,

na Grande/PB, são as professoras de sala que, mesmo sem formação adequada (inicial ou continuada), realizam atividades musicais,

para objetivos

de

do ensino

dI' música na educação

mostram Penna e Meio (2006), com base em pesquisa

em instituições

fundamentalmente,

(':Ida 'scola. Assim, quanto a uma garantia real da presença

d(, l'tillcação

na rede pública.

à educação

('olar, que depende,

'1111~lillli
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