Download Música(s) e seus ensinos (livro de Maura Penna)...
Maura Penna
MÚSICA(S) .
e seu ensIno
Editora SI/tina
SUMÁRIO PREFÁCIO- .Jusamara Souza
9
APRESENTAÇiio 11 PARTE
I-
MlJSICA(S)
15
E MUSICI\LIZ!\çAo
CAPÍTULO I - Dó, ré, mi, fá e muito mais: discutindo
o que
é música
17
27
CAPÍTULO2 - Musicalização: tema e reavaliações CAPÍTULO3 - Música(s) e seu ensino: reflexões 48 sobre cenas cotidianas
CAPÍTUI.O4 -. Contribuições para uma revisão das noções de arte como linguagem e como comunicação 64 PI\RTE
U-
MlJSICI\(s)
I~CULTURI\(S)
77
CAPíTULO5 - Poéticas musicais e práticas sociais: reflexões sobre a educação musical diante da diversidade 79
.
)
CAPíTULO6 - Música(s), globalização e identidade o projeto "Pernambuco em Concerto" 99 PI\RTE
lU -
MlJSICI\
NO CURRícul.O
CAPÍTULO7 - A dupla dimensão
e a música na escola: PARTE
IV -
117
I~SCOLI\R
da política educacional
e a música na escola: 1-- analisando e termos normati vos 11 9 CAPÍTULO8 - A dupla dimensão
a legislação
da política
II- da legislação
educacional à prática escolar
PENSANDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA
CAPÍTULO9 - Ressignificando
regional:
e recriando
159 músicas:
'4. ,
a proposta do re-arranjo em co-autoria com Vanildo Mousinho Marinho CAPÍTULO 10 - A fala como recurso na educação possibilidades e relações 195 REFERÊNCIAS
217
161 musical:
138
1. DÓ, RÉ, MI, FÁ E MUITO MAIS: discutindo o que
é
música*
o
que é música'! Esse é um tema aparentemente fácil, ou mesmo óbvio. Afinal, em nosso dia-a-dia convivemos com música e não temos muita dificuldade chuveiro;
dançamos
nhia de nossas
J ,igamos
em saber do que se trata.
para ouvir um pouco de música
enquanto
dirigimos;
o som
cantamos
no
ao som de música; o nosso MP3 nos dá a compa-
músicas
preferidas
em diversos
momcntos
por aí vai. ;\s manifestações
musicais são extrcmamente
um concerto
sinfônica,
de orquestra
pagode ... um grupo de ciranda,
do dia, e
diversi ficadas:
um grupo de rock, de rap, de
de maracatu,
de reisado ... o coral da
igreja, o canto na procissão ... a roda de amigos que canta e batuca na mesa de bar, o violão
na varanda
da fazenda ... São manifestações
musicais diferenciadas: produções populares, eruditas (a chamada música "clássica") ou da indústria culturaltodas são música. Mas que características perpassam todas essas manifestações, tornandoas "música",! O que, em suma, caracteriza a música? A questão, dessa forma, já não fica tão óbvia. Poderíamos tentar encerrar
a discussão
dizendo:
a música é
uma forma de arte que tem como material básico o som. Entretanto, na verdade, pl icamos permanece
estaríamos
apenas abrindo
o que é arte e, portanto,
pois não ex-
o problema,
que
em aberto: afinal, o que é arte? O fato é que a concepção
de arte vem sendo discutida estudiosos
novas questões,
só deslocamos
por filósofos,
desde a Antigüidade
mento histórico
e a perspectiva
clássica,
estetas e os mais diversos variando
conforme
o mo-
de análise. Sendo assim, não vamos
Versão revista do artigo publicado em Ensino de Arte - Revista da Associação de Arte-Educadores do Estado de São Paulo, ano lI, n" m, [1999], p.14-l7. 17
pretender
resolver
a questão,
mas apenas tentar esclarecer
alguns de
seus aspectos. Apesar sentados básico
dos problemas
- a música
da definição
de música acima apre-
é uma forma de arte que tem como
o som -, propomos
discussão, costumam
casos, o homem cria técnicas que utilizam distintamente de uma certa forma selecionam
tomá-Ia
provisoriamente
material
para a nossa
em que vamos questionar dois dizeres correntes, que ser tomados como "óbvios" sem uma maior reflexão.
Todos já devem ter ouvido
sar, por exemplo,
I) Os
pássaros
Pretendemos, nos a elas.
aqui, questionar
I.
essas afirmações,
opondo-
A arte de modo geral - e a música aí compreendida atividade
essencialmente
significações
-- é urna
humana, através da qual o homem constrói
na sua relação com o mundo. O fazer arte é uma ativi-
se distanciam
canto do pássaro
visuais,
nas artes plásticas; Ao contrário
apetrechos formões;
uma construção
e daí por diante.
dos pássaros,
o homem constrói e cria diversos
para o seu fazer artístico:
utensílios
pianos, flautas, todos os instrumentos
variados, musicais;
de pincéis a tudo isso e
atividades
artísticas,
Seria possível
o homem emprega
argumentar
I
nio Jardim
18
o espaço ou o momento
o
históri-
(1995),
em seu instigante
artigo
Antô-
Pássaros não fazem
música; formigas não fazem política: Se os pássaros que cantam não cantassem como cantam não seriam aqueles pássaros. Se as formigas não se organizassem como se organizam não seriam formigas. Quer dizer: os pássaros não sabem, nem precisam saber que cantam. Nós sabemos que eles cantam, eles não. Eles são o seu canto, eles só são. (Jardim, 1995, p.79)
do pró-
mesmo nesses
A esse respeito, ver Schrocder (2005, p.13-17), que analisa como esta concepção se manifesta com constância na fala de educadores, músicos e críticos. Comparativamente, para uma análise da representação de música como linguagem no discurso de professores de música em escolas de educação básica, ver Duarte (2004, p. 110-117).
não varia conforme
do fazer musical humano,
mundo, como a música do homem. Nesse sentido, posiciona-se
que, em várias
apenas os recursos
prio corpo - como para cantar ou dançar. No entanto,
por lá. Diferentemente
co: o cantar do pássaro é da espécie, e caracteriza-o como o pássaro tal. Não é, portanto, uma atividade significativa e intencional sobre o
muito mais. Já os pássaros não fabricam ferramentas para as suas atividades: não produzem dispositivos para a construção de ninhos c nem para o seu cantar.
para fazer uso do
de pássaro - um bem-te-vi, por exemplo -, ela canta do mesmo jeito hoje, como cantava há séculos atrás; canta do mesmo jeito na Paraíba, como canta no Rio Grande do Sul ou em outros continentes - se
ção de formas significativas. E aqui o termo "forma" tem um sentido amplo: construção de formas sonoras, no caso da música; de formas
criativa,
de técnicas
são uma característica essencialmente humana - o que já di ferencia, portanto, o fazer artístico humano do cantar dos pássaros. Por outro lado, se pensarmos em uma determinada espécie
houver bem-te-vi
uma atividade
em um
do andar natural e até certo ponto contrariam
Assim, o desenvolvimento
- constru-
dade intencional,
nos modos de utilizar a voz, tão diferentes
corpo, a criação de instrumentos que expandam as suas possibilidades, a construção de ferramentas para o seu agir sobre o mundo
fazem música. universal
da natu-
cantor lírico - como Luciano Pavarotti - e em um cantor popularcomo Zeca Pagodinho. Ou observar como as posições de pés no balé a natureza.
2) A música é uma linguagem
o corpo, que
possibilidades
reza, muitas vezes quase a desafiando. E essas técnicas de utilização do corpo estão ligadas a detenninadas concepções de arte. Basta pen-
clássico
falar que:
e aprimoram
Sendo assim, quando dizemos ca, cstamos,
na verdade,
sa, essencialmente
projetando
humana.
nossa medida, estamos
fazem músi-
sobre eles uma experiência
Estamos
"humanizando" 19
que os pássaros interpretando os pássaros.
nos-
o seu cantar na
Até este ponto de nossa discussão, Os pássaros
não fazem música.
criam, produzem A música
é possível estabelecer
humana,
a arte em geral - é urna atividade
da ou 5" diminuta,
intencional,
do sem causar grandes estranhezas - quem toca violão conhece bem os acordes de 5" diminuta. Esse intervalo - composto pelas notas si e
de criação de significa-
ções. Nesse sentido, podemos falar das linguagens Podemos,
agora, passar a questionar
- a música é uma linguagem
a segunda
artísticas. afirmação:
universal.
de organização
E esse aspecto
dinâmico
compreendê-Ia
em toda a sua riqueza e complexidade.
da música é essencial
"trítono",
hoje correntemente
emprega-
por causa disso era proibido (Candé, 1983, p.222-223). Assim, se a arte é um fenômeno universal, corno linguagem culturalmente Inclusive,
o espaço social. Isso quer dizer que o fazer musical não é o mesmo nos diversos momentos da história da humanidade ou nos diferentes os princípios
o chamado
fá, por exemplo - era considerado, no século XIV, como "a mais terrível das dissonâncias", sendo chamado de o "diabo na música", c
Afirmamos que, distintamente do canto do pássaro, o fazer musical humano varia, diferencia-se conforme o momento histórico e
povos, pois são diferenciados
definidas das notas musicais e que são utilizados por outras culturas em sua música. Mas mesmo o modo como a tonalidade e seus princípios são definidos na música ocidental sofre variações, conforme o momento histórico. Uma evidência disso é o intervalo de 4" aumenta-
fazem música;
música.
- ou melhor,
essencialmente
Os homens
que:
dos sons.
para que possamos
diferenciando-se
dentro de urna mesma sociedade-
de cultura
é
para cultura.
corno a nossa, a brasi-
leira -, de grupo para grupo, pois em nosso país convivem práticas musicais distintas, uma vez que podemos pensar nas manifestações culturais e artísticas eruditas, e nas diversas formas de arte e cultura populares,
Na medida em que alguma forma de música está presente em
construída,
com sua imensa variedade.
uma linguagem
cultural,
consideramos
Exatamente
porque a música é
familiar aquele tipo de músi-
todos os tempos e em todos os grupos sociais, podemos dizer que é um fenômeno universal. Contudo, a música realiza-se de modos dife-
ca que faz parte de nossa vivência; justamente porque o fazer parte de nossa vivência permite que nós nos familiarizemos com os seus
renciados,
princípios de organização sonora, o que a torna urna música significativa para nós. Em contrapartida, costumamos "estranhar" a
concretiza-se
diferentemente,
conforme
o momento
da his-
tória de cada povo, de cada grupo. Exemplificando: entre os sons possíveis de serem captados pelo ouvido humano, entre todos os sons da natureza seleciona,
e os possíveis num determinado
seu material
musical,
de serem produzidos, momento
estabelecendo
a música estruturava-se
dentro dos princípios ples, a música cumprem
aqueles
o modo de articular
esses sons. Assim é que, para a civilização séculos,
cada grupo social
histórico, européia
exclusivamente
da tonal idade: colocando
que são o vários
a partir das notas e de um modo bem sim-
tonal utiliza sete notas (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si) que
funções distintas e hierarquizadas
te, etc.) dentro de um determinado
(como tônica, dominan-
tom (por exemplo,
dó maior);
possibilidades
de sons que não se enquadram
20
nas alturas
Quem é que já não
ouviu alguém dizer - ou até mesmo disse - a seguinte frase: "isto não é música"? Essa atitude em relação à música do outro pode ser por exemplo,
por parte de um músico
erudito
em rela-
ção ao rap, de um velho seresteiro em relação ao barulhento rock do filho do vizinho, de um jovem roqueiro em relação à música erudita contemporânea, música
O que
ou de um fã de música sertaneja
indígena. é
em relação
Como bem coloca.T . .Tota de Moraes,
a uma
no seu livro
música:
a
partir daí são estabelecidos princípios para a organização das notas em sucessão (na melodia) ou em simultaneidade (na harmonia). Há, no entanto,
que não faz parte de nossa experiência.
encontrada,
e organizar
e durante
música
Cada um de nós costuma emprestar tanta importância
à
música que ouve mais freqüentemente, que acaba por tender a não encarar como música, como significação, a ati-
21
vidade musical do vizinho, quer este more ao lado, quer ele viva na Polínésia. [E] Isso é uma atitude [... ] cultural. (Moraes, 1983, p.15-16) Esperamos,
portanto,
ter deixado
claro que a música
não é
temos consciência uma gravação,
como registro puramente
A chamada sas correntes
uma linguagem universal, seria sempre significativa - isto é, qualquer música seria significativa para qualquer pessoa -, independen-
Luigi Russolo,
Agora podemos no início deste texto:-
retomar a definição LI
em relação
à música
movimento
apresentada
música é uma forma de arte que tem como
material básico o som. E podemos
ajustá-Ia
um pouquinho
mais, di-
zendo: - a música é uma linguagem
artística, cultural mente constru ída,
"música
que se desenvolvem futurista
impulsionado
o serialismo
eletrônica,
essas diversas correntes
da música erudita contribuem
e
- a música
XX e XI,
para a renova-
ção do fazer musical e da própria música, não apenas pela incorporação de outros recursos
expressivos,
material
sonoro passa a ser tratado. Como já apontado,
propriamente
mas também
sical, assim como o modo de articulá-Ias
ao caráter dinâmico da música. Falamos que a música tem por material básico o som - e não nos referimos por acaso a "material
ma, durante
básico".
dro é alterado
único ou exclusivo
vanguardas
etc. Ao longo dos séculos
uma outra questão,
Pois o fato é que o som não é o material
Marinetti
da escola de Viena, assim
pelas chamadas
aleatória,
abarca diver-
por Filippo Tommaso
dodecafônico
que tem como material básico o som. Nesse ponto, é preciso retomar e que diz respeito
cor-
desde o início do século XX, com o
cada grupo social seleciona
que até agora ficou encoberta,
ao vivo e
sonoro. Nesse sentido,
erudita contemporânea"
como, a partir do pós-guerra, concreta,
provisória
entre uma apresentação
rentes da música contemporânea propõem incorporar - de modo planejado e intencionalesse aspecto cênico ao evento musical.
uma linguagem universal. É, sem dúvida, um fenômeno universal, mas como linguagem é culturalmente construída. Se a música fosse
temente da cultura, e desse modo a estranheza do outro não existiria.
da diferença
pelo modo como o
aqueles sons que são o seu material e organizá-Ios.
Desta for-
vários séculos, só se fazia música na civilização
tal a partir das notas e dentro dos princípios pelas diversas correntes
da tonalidade.
contemporâneas
mu-
ocidenEste qua-
acima referi-
da música. Como diversos historiadores apontam, em seus primórdios a música era parte de rituais comunitários e integrava diversos
das, cujas contribuições
se entrecruzam
pendo ou reinterpretando
os princípios
elementos presentes na vida grupal; mesmo na Cirécia Antiga, "música e poesia eram uma coisa só; poemas recitados eram entoados e,
ando o material musical para muito além das notas: incorporam o ruído como material musical; exploram fontes sonoras alternativas,
algumas
desde aparelhos
vezes, associados
à dança" (Menuhin;
Davis,
1981, p.3S).
Essa integração também é encontrada em correntes contemporâneas à manifestação musical da música erudita, que têm incorporado ~utros recursos expressivos,
como luzes, movimento,
encenação,
etc.
E bom lembrar também que toda performance musical têm um aspecto cênico, quer este seja intencionalmente planejado e explorado ou não. Os regentes e solistas da música erudita "sabem" disso - talvez de um modo não-consciente, gestos
e expressões
Os roqueiros
também
raciais
mas sabem -, na medida integram
a sua interpretação
sabem, com os cabelos
sendo jogadas ... Nós, ouvintes,
musical.
voando e as guitarras
também sabemos,
22
em que seus
na medida em que
eletrônicos
novos de produzir
e se complementam, da tonalidade
a objetos do cotidiano,
sons com os instrumentos
como, por exemplo, manusear diretamente percutir a caixa de madeira do violino. Essas correntes da natureza
permitem,
ou do cotidiano
rom-
e ainda ampli-
incluindo
modos
musicais
tradicionais-
as cordas
do piano, ou
ainda, tomar gravações
de sons
como material para a composição
musi-
cal. Assim, é justamente nesse contexto musical que o canto de um pássaro pode se tornar música: nesse caso, o homem intencionalmente se apropria tístico, quando finalidade
do canto do pássaro,
incorporando-o
em seu fazer ar-
grava esse canto e o articula a outros elementos,
significativa,
em uma peça musical.
23
com
Essa ampliação. rentes
que renavaram
cOlTespande organizar
a música
também
erudita
pelas car-
já estão. incarparadas
XX e XI -
vivendo e interaginda musical.
- praposta
nas séculas
a uma nava estética,
muitas
do intérprete.
a princípias
vezes, a participação
Nesse sentida,
distintas
lógica de uma escrita canceptuais
que subvertem
tradicianal
criadas
criativa
de
agora insuficiente
por abras que jagam inovações
relativamente
uma vez que a
para o registro dessas navas
Na entanto., apesar de seu importante cantemporâneas
para
A música assim con-
na grafia musical,
notação. tradicianal não é mais suficiente alternativas sanoras2.
e estreita
a
papel, essas correntes
da música erudita têm, de moda geral, um pública pequeno;
são. pauca contempladas
nos repertórios
das
Prapastas
pedagógicas
acreditamas na medida
para nós: não estamos familiarizadas
de arganizaçãa
sonara,
que tadas as vanguardas em que cumprem
com
cam a sua estética. Aliás,
nanda as limites da própria linguagem
artística
questia-
em seus padrões
de
sam,
musicais
con-
vencionais, como no ensino tradicional. Nesse quadro, o trabalho sonoro criati vo torna-se mai s acess ível, não dependendo de uma longa formação
voltada
para o aprendizado
/\ proposta
da notação
tradicional,
de música,
vinculada
ou contraponto.
pedagógica
da oficina
traz sem dúvida indicações
- ou em substituição
sição não teria sentido,
música na escola é justamente dando-lhe
- à música de base tonal. Tal opo-
na medida
em que a função
ampliar o universo
acesso à maior diversidade
sicais, pois a música, em suas mais variadas farmas, cultural
novas recursas expressivas
e significativos.
E muitas desses recursas
capaz de enriquecer
experiência
expressiva
e significativa.
3
E essa função é importante e vál ida, mesmo que a corrente de vanguarda não perdure ou não eonsiga se difundir de modo mais amplo.
24
A questão. de cama viabilizar tema para uma autra discussão,
4
de
musical do aluno, mu-
é um patrimônio.
a vida de cada um, ampliando.
sica na escala dentro. de um projeta arte e à cultura. A esse respeito, ver a diseussão de Pergamo (1993, p.IS-40) sobre as eonsequências gráficas das novas orientações da música contemporânea -liberação da tonalidade, ruptura da simetria e da periodicidade rítmica, busca de novas sonoridades.
do ensino
possível de manifestações
rial sanara, para apontar alternativas
indicando
à
valio-
sas para a educação musical. Consideramos, contudo, que não é o caso de opor um padrão a outro, de colocar a música contemporânea
arganizaçãa já cansagrados'. Neste sentido, essas diversas carrentes da música erudita cantemporânea cantribuem para ampliar a matepara o fazer musical,
cantem-
a própria
em oposição
safrem este "estranhamenta",
a função. de abrir caminhos,
eruditas
de moda ampla, e não mais as notas ou os elementos
estética da música contemporânea,
saam "estranhas"
e signifi-
para a prática
ação do aluna, senda a material básica desse pracessa
drões da música tanal e, exatamente vivência,
expressivas
sam" au "experimentação. sanara". Na aficina, a música não. é tomada cama pranta, a ser aprendida e repetida, mas a ser canstruída pela
das regras de harmonia
as seus princípias
de arganizaçãa
abrem alternativas de campasitares
can-
parâneas - como Paynter e Astan (1970) ou Schafer (1991; 1994)baseiam-se na trabalha exploratória e criativa sobre a material sanode ro na "aficina de música" 4 - também chamada de "labaratória
arquestras au mesmo na formação. de músicos e de professores de música. Na verdade, essas novas sanoridades distanciam-se das papor não fazerem parte de nassa
na fazer artística,
cam padrões mais tradicionais
da música contemporânea
·educativa.
às "navas
cam material idades e
que não. têm precedentes".
cebida exige, partanta,
cativos
completamente
mais rotineiramente
Par autro lado., esses novos recursas
da executante,
Lapes (1990, p.l) refere-se
e novas formatividades
as necessidades madelas
musical
as sans (em séries, blocas, massas, texturas, etc.), levanda-
se em canta, paéticas
da material
a sua
Cabe, partanto,
pensar a mú-
de demacratização
no acesso. à
este projeto educacional
seria
de moda que não cabe aqui estendê-
A respeito, ver o Capítulo 9.
25
Ia. No entanto, queremos
ressaltar que não há um caminho
único nem
uma receita pronta para esse projeto de uma educação musical É preciso construí-Io, e para tal duas atitudes renodemocratizante. vadoras são imprescindíveis:
2. MUS[CALIZAÇÃO: tema e reavaliações*
I) Em lugar da acomodação, que leva a repetir sem crítica ou questionamentos os modelos tradicionais de ensino de música, faz-se necessária a disposição alternativas, de modo consciente.
de buscar e experimentar
Pode parecer que todos entendem o que é "musical ização". Porém, essa primeira apreensão é vaga e abstrata, em contraste com
2) Em lugar de se prender a um determinado "padrão" musical, faz-se necessário encarar a música em sua diversidade e di-
a riqueza de significados que essa noção pode adquirir, metida ao crivo da reflexão.
namismo, pois sendo uma linguagem cultural e historicamente construída, a música é viva e está em constante movimento.
Expl icar a musical ização apenas em termos
de música, estaremos
contribuindo
de música
(ou
1\ronoff (1974, p.34): "1\ música é
mina. Mas, Como bem evidencia
cm si nton ia com esse projeto
de democratização no acesso à arte e à cultura, sua efetiva construção.
sub-
correlatos) é permanecer no nível da abstração, em que a música é um pressuposto dado, inquestionável e sagrado, que se autodeter-
Sendo assim, na medida em que formos capazes de ampliar a nossa concepção
quando
uma experiência humana. Não deriva das propriedades físicas som como tais, mas si m da relação do homem com o som" I.
para a
1\ partir dessa constatação, termos de nossa linguagem
corrente
reinquirindo
- o que é música,
linguagem artística e assim por diante -, torna-se priação da musicalização em suas determinações. explicitar uma concepção de musicali/.ação, revela uma visão de mundo. Escolhemos deverá fundamentar
sucessivamente
do os
o que é arte,
possível a reaproDefinir, afinal, é
como uma proposta
para repensar a musicalização a prática - a vertente sociológica
que
._. reflexão que e educacional,
que acreditamos ser mais adequada para tentar responder aos problemas da realidade brasileira. Como ponto de partida de nossa discussão, tomemos as seguintes definições:
*
Versão revista do prefácio e 10 capítulo do Iivro de nossa autoria, Reavaliações e buscas em musicalização (São Paulo: Loyola, 1990. p. 13-37). Para maiores detalhes sobre a revisão empreendida, ver Apresentação.
I Em todos os casos de original em língua estrangeira, a tradução é nossa.
26
27
Musicalização:
ato ou processo
Musicalizar(-se): internamente,
de musicalizar.
sistema
tornare-se) sensível à música, de modo que, a pessoa reaja, mova-se
temperado,
as regras para sua manipulação: etc. representam deceu durante
pode-se dizer assim. No entanto, convém ir
mais a fundo nesse pequeno lhor importantes
questões
enunciado,
para revelar e delimitar
entre todas as possibilidades
ras, um certo leque de sons como "material
com ela (cf. Gainza,
1988, p.10l). Provisoriamente,
delimitando,
me-
códigos
"a escala de sete sons, a tonalidade
formais aos quais a música ocidental
condiciona
1a reavaliação: a música como linguagem socia Imente construída
ou monótona
porque não se baseia nas mesmas convenções"
que são tomados
como a menor distância
a própria discriminação
a identificação
de intervalos
igualando
"possível"
(Porquin,
os semitons, entre os sons,
auditiva, gerando dificuldade
mais
Pode-se
até dizer que o som naturalmente
antiga do que a linguagem ou a arte; começa com a VO/. e com a nossa necessidade preponderante de nos dar os outros". Com essa frase, Menuhin e Davis (1981, p.l) começam a sua exposição sobre A mú-
existência
sica do homem.
esta necessidade
E da voz que se lança, o homem construiu, em seu desenvolvimento histórico, a música como uma linguagcm artística, estruturada
dos sons, diferenciadas
e organizada. Como uma forma de arte - cuja especificidade é ter o som como material básic02 -, caracteriza-se como um meio de ex-
tem por base um padrão culturalmente
pressão e de comunicação. Meio de expressão, por objetivar c dar forma a uma vivência humana, e de comunicação por revelar essa
cialmente
experiência
aprendido
pessoal
de modo que possa alcançar
o outro e ser com-
comprecnsão sem dúvida distinta da que se aplica à linguagem verbal cotidiana, conceitual, cuja apreensão é marcada por um alto grau de automatismo. artística,
culturalmcnte
construída,
a
música - juntamente com seus princípios de organização - é um fenômeno histórico e social. Desse modo, por exemplo, a civilização européia,
em sua evolução,
consolidou
até poderia
como urna tendência
servir
para explicar
nas mais diferentes é respondida
a música tonal, com base no
nização contato
cotidiano,
A esse respeito, ver
° Capítulo
I.
28
da música",
a sua
em todas as épocas.
compartilhado artística,
padrão
apreendido
pela familiarização
(social).
Iidade
a ela,
para a orgaeste quc, so-
- pcla vivência,
- embora
Mas
de organização
e no espaço
ou mesmo a sensibi
linguagem
Com essas afirmações,
também
pclo
possa ser
dom inato. Trata-se, construÍda
torna-se
dada, nem a razões de vontade na verdade,
num processo sua emotividade
a reagir ao estímulo
seu próprio
individual
de uma sensibilidade
- muitas vezes não-consciente
potencial idades de cada indivíduo
da sensibilidade
mais claro que o "ser sensí-
ê uma questão mística ou de empatia, não se refere
(sua capacidade
etc.) são trabalhadas
musical.
Se o educador
ou dc
adquirida, - em que as
de discriminação
e preparadas acreditar
de modo
que a questão
é dada ou não de berço, ou que, em termos de músi-
ca, "não há nada para entender, 2
e isso
na escola.
vel à música" não a uma sensibilidade
auditiva,
toca e faz as pes-
por formas concretas
é socialmente
dos sons.
do ser humano,
a "necessidade
sociedades,
da música,
dos sons numa construÍdo,
universal
no tempo (histórico)
Assi m, a compreensão
partilhada (d. Vasquez, 1978). Porém, para que possa ser cfetivamente compartilhada, precisa ser "compreendida" - uma forma dc
Sendo uma linguagcm
soas dançarem,
para
menores. No entanto, outros grupos e ou-
tras culturas criaram modelos distintos para a organização "I\. música é a nossa mais antiga forma de expressão,
obe-
à música dos
que pode nos parecer incompreensível
1982, p.42). Além disso, o sistema temperado,
subjacentcs.
e estabelecendo
três séculos, e que a opõem nitidamente
outros continentes, simplesmente
musical"
sono-
basta escutar",
trabalho.
29
então tornará
inútil o
não basta escutar: quando não se dispõe dos instrumentos de percepçào que permitam ao indivíduo "situarse", a música permanece sendo um mundo hermético, uma massa inrorme, um ruído monótono ou aborrecido I···)
percebidos. Na perspectiva
(Forquin, 1982, pAO).
ver os instrumentos
[ ... 1
facilmente
detectável
to os instrumentos
experiência,
que lhe sirvam como esquemas
de interpretação.
Assim,
ro/musical
abordada,
acumuladas, senvolvidos.
cotidiana
relacionado
musicalizar
necessários
à música, apreendê-Ia,
como significativo.
apenas quando
portanto,
de percepção
possa ser sensível A condição para que o indivíduo possa apreender a obra, dando-lhe sentido, é o domínio prévio dos instrumentos de percepção - isto é, de referenciais internalizados, construÍdos a partir de sua
com base na comunicação
-, enquan-
do arranjo não são, muitas vezes, conscientemente é desenvol-
para que o indivíduo
recebendo
o material sono-
Pois nada é significativo e articulado
quando compatível
no vazio, mas
ao quadro das experiências
com os esquemas
de percepção
de-
a sua "competêneia artística" está diretamente vinculada ao grau desse domínio e ao refinamento desses esquemas de interpretação (cf. Bourdieu;
Darbel, 2003, p.71-74).:\ Na falta desses instrumentos
pecíficos,
o indivíduo
se orienta por referenciais
cotidiana,
aplicando
às obras de arte aqueles
emprestados mesmos
da vida
referenciais
que lhe permitem apreender os objetos de seu ambiente diário como dotados de sentido (Bourdieu; Darbel, 2003, p.80). Sendo assim, a situação aplicação
da música é particularmente de categorias
de percepção
reavaliação: O acesso socialmente diferenciado à música, à arte e à cultura
2a
es-
desfavorável,
pois nela "essa
extra-estéticas
é mais difícil,
Se os esquemas desenvolvidos
de percepção
pelas experiências
das linguagens
que não é apenas a escola que musicaliza. formas
de educação
rais populares,
não-formal,
artísticas
de vida de cada um, torna-se Musicalizam
ligadas a diferentes
as chamadas práticas
cultu-
como as que dizem respeito ao processo de aprendiza-
por faha de relerenciaf anedótico realista ou de conotação ética suscetível de ser atribuída com suficiente facilidade" (Forquin, 1982,
gem das crianças
numa escola de samba ou dos participantes
grupo de ciranda
ou de folia de reis'l. E mais ainda: para alguém
p.40). Tal fato é constatado com clareza ao se verificar que o foco de atenção, numa música popular de sucesso, tocada com freqüência nas rádios, é muito mais a letra - já que o verbal oferece um sentido
nunca participou uma "atividade dispersas
de algo que possa ser socialmente musical",
Para toda essa discussão sobre a especifieidade da percepção c compreensão das linguagens artísticas, e ainda sobre as condições sociais de acesso à arte e o papel da cscola nesse processo, imcnsamcnte útil é a obra referida de Pierre Bourdieu e Alain Darbel, O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público (2003). Baseada nos dados de uma pesquisa empírica sobre a freqüência a museus, e portanto diretamente vinculada à questão das artes visuais, a obra oferece um material teórico necessário à reflexão do educador que lida com qualquer linguagem artística, inclusive a musical. Ver principalmcnte I" parteCondições sociais da prática cultural (p.36-67) - c 2" parte- Obras culturais e disposição culta (p. 68-111).
30
musicalizam
e assistemáticas
MP3 ... ), dançar, batucar 3
tas que funcionam, musicalizar. Esses
através
dependem,
diretamente
4
de vida, no CD, no
como uma forma "espontânea"
de musicalização
apesar de serem relacionados pontânea",
(no rádio,
que como
na mesa de um bar, etc. -, experiências
digamos,
processos
de um
reconhecido
as suas experiências
- o ouvir música
dos são qualitativamente
socioculturais
são claro
de vivências
-
'-, pois seus resulta-
No caso da "musicalização assistemáticas,
e de maneira
do indivíduo;
de se
não são equivalentes
e complementares
distintos.
es-
condições
bastante
as possibilidades clara, das condições
estas que, como veremos,
A respeito, ver, entre outros, Conde e Neves, 1984/1985. 31
es-
tam-
bém interferem
nos processos
nem todos têm, socialmente, no momento
formais de musicalização.
atual, sob a forma de diferentes
que essas manifestações
Isso porque
acesso à imensa riqueza que é a música
musicais
manifestações.
diferenciadas
carregam
deste trabalho,
discutiremos
a musicalização
um processo educacional orientado. Se desconsiderarmos essa indagação, música
abstrata
- "a música
acima dos homens, desconhecendo
pela música"
que a produzem
em nome
-, estaremos
socialmente.
em nome da qual agimos é um padrão,
como
transmitindo
de uma
forte
Apenas como um exemplo da influência
dessa
vale citar Edgar Willems,
conhecido
metodológica,
Estaremos,
ainda,
sob a forma de
belga faem ter-
ainda serve de base a muitas práticas.
sem dúvida, de uma visão etnocêntrica, vivo e dinâmico da música. Segundo nhecidamente percepção
uma forma (entre outras) de
impondo
pedagogo
fundamentada
Chega ele a
ao grau atual de evolução
de nossa raça" (Wi Ilcms, 1966, p.14 -- grifos do original), justificando, assim, a importância que lhe confere em seu método. Trata-se,
situando-a
o fato de que esta música
ou mesmo
abordagem,
de novos materiais
a música tonal ainda é um padrão bastante
lecido em 1978, cuja proposta mos psicológicos,
expressão musical tornada modelo e tornada valor através de um processo histórico-social. Assim, quando musicalizamos em nome dela ou para ela, estamos
No entanto,
no processo educativo.
expressões culturais diferenciadas, que refletem - não de modo mecânico, vale lembrar - modos de vida e concepções de mundo. E da consciência
tonal e a incorporação
do sistema
se referir ao sentido tonal como "próprio
que a música só existe concretamente
dessa forma escondemos
que trouxe, em uma nova etapa, a própria
sonoros.
Visto signifi-
cações sociais diversas, cabe indagar qual é a música que nos serve de referência para musicalizar. Essa pergunta é imprescindível, já que, no âmbito
lução da música erudita, desagregação
um padrão
Gainza
um caráter
(1977,
relega o caráter
p.41), a música
erudita
tem reco-
e elaborado,
exigindo
para sua
extenso
uma dose considerável
que também
de elementos
mentais.
Em contra-
posição, diversas formas da música popular caracterizam-se por estruturas breves e vitais, por vezes esquerm"iticasÜ Historicamente, a música
erudita
configurou-se
como uma música de elite, de modo
que, sendo ela o padrão (educacional)
a alcançar ou mesmo a venerar,
cultural. A título de exemplificação, cabe lembrar dos jesuítas, que foram, em seu trabalho de catequização, os primeiros professores de
é, ao mesmo
música européia no Brasil. Segundo Kiefer (1976, p. 10-13), eles desculturaram a tal ponto a música indígena que dela praticamente não restam vestígios na chamada "música brasileira" - da qual não
do obras que constitui
faz parte a música dos grupos recolhida e estudada.
é
2003, p.239). No entanto, se a escola define o ideal, dificilmente
a
pre o papel de fornecer a todos os meios para alcançá-Ia. Não são fatores do tipo pobreza de espírito ou de inteligência
educação
indígenas
O padrão
- referência
e modelo
musical
nas escolas
brasileiras
isolados,
que atualmente
- que tem direcionado (especializadas
ou não')
tempo,
escolar desempenha
um ideal tornado
inacessívcl.
"A transmissão
sempre uma função de legitimação", consagrancomo "dignas de ser admiradas",
contribuindo
com isso para "definir a hierarquia dos bens culturais válida em determinada sociedade, em dcterminado momento" (Bourdieu; Darbel,
que mantêm
a grande
maioria
da população
brasileira
cum-
distante
da
tem sido o da música erudita européia, de base tonal. Note-se que o tonalismo, que se encontra também bastante fixado na música popular de nossos dias, é apenas um momento
5
(embora marcante)
na evo-
Por "escola regular", referimo-nos às escolas de educação básica, voltadas para a formação geral; já "escola especializada" diz respeito a escolas cujo ensino se restringe a um campo específico - no nosso caso, trata-se de escolas de música.
32
(, Sem dúvida, há generalização nessas referências à música erudita e popular, sem considerar as diferenças qualitativas entre obras determinadas. Além disso, cabe ressaltar que essa caracterização genérica do modo de estruturação de cada uma delas não corresponde automaticamente a um critério de valor - principalmente quando se procura tomar cada manifestação musical em seu contexto cultural e social mais amplo.
33
música erudita; esse tipo de argumento nações. "A estatística
as reais determi-
revela que o acesso às obras culturais
gio da classe culta; no entanto, legitimidade"
só esconde
(Bourdieu;
tal privilégio
é privilé-
exibe a aparência
te tendo condições tria eu IturaF.
Nesse quadro, portanto,
da
Darbel, 2003, p.69). Ligada ao lazer, a arte
de romper com os padrões difundidos
suficiente
foi tida durante
muito tempo (e ainda hoje) como uma "atividade
de sua real apreensão,
misteriosamente
inspirada",
referenciais
o que mascarava
so era dado apenas aos que usufruíam duzidas,
o fato de que seu aces-
das riquezas socialmente
pois "esse lazer ocioso, essa utilização
pro-
do tempo livre não
foram dados a todos por igual dentro da sociedade:
constituíram-se
embora,
que permitam
de familiarização. (2003, p.169),
fusão da cultura é muito mais intensa, rápida e diversificada
portanto,
em outros momentos dos indivíduos
e outros cspaços,
um universo
está a princípio
musical extremamente
disposição
amplo e rico, for-
mado pela música de diversas épocas, de diferentes Isto em termos de uma "possibilidade
it
formas e estilos.
pura", teórica e potencial,
por-
vada àqueles
privilégio
ca estão direcionados
para "compensar"
pelos esquemas
perceptivos
dizem Bourdieu
e Darbel (2003, p.71), "A obra de arte considerada
enquanto
bem simbólico
e interpretativos
de apreensão,
de que dispõe.
não existe como tal a não ser para quem
detenha os meios de apropriar-se dela". Assim sendo, sem sequer chegar a considerar ções de existência próximas
de boa parte da população
do nível da sobrevivência,
"possibilidades", Esta
vivência
restrita,
limitada,
passando
produzida
ainda estão
inúmeras
dessas
dos, igualmente, erudita?
pela
ausência
Um imenso número de pessoas
numa situação
sociocultural
musicais
facultativa
uma "necessidade pri márias",
é, cul-
é produ to da cultural,
como
dizer, então, que a escola existe exatamente
toda essa situação elementos
apresentada,
desempenharia,
um papel democratizante, de percepção
elaboradas
fornecendo
para o acesso e a apreensão
necessários
e complexas
promovendo
a to-
da música quase auto-
o domínio
para a apropriação
da música erudita,
dos
das formas
que historica-
erudita.
portanto,
instrumentos
musical em que vive, dificilmen-
34
reser-
das obras,
mente tem sido um privilégio das elites. Mas é realmente assim?
de esquemas
se encontra,
tal que dispõe de parcos
a crítica da realidade
facultativa,
Essa entrada
das "necessidades
esse quadro, a musicalização
maticamente,
7
para exercer
entrada
e Darbel
por que a vivência artística ao largo da música
perceptivos de maior alcance, é também sua produtora, pois dificilmente oferece elementos que possam levar ao aprimoramento desses esquemas.
para o processo
130urdieu
de se apropriarem
de quem pôde desenvolver
Seria possível
instrumentos que as condi-
brasileira
vetando-lhe
é possível compreender
da maioria é bastante
Como
para a democrati-
e do modo de vida. Assim, a necessidade
à sua apreensão.
pelos instrumentos
de
condição de acesso e direcionamento da escolha da música erudita, está diretamente vinculada ao domínio dos instrumentos necessários
que a "possibilidade real" de usufruir dessa disponibilidade não é dada a todos. Para cada indivíduo, a escolha e o "consumo" de músie limitados
franca é também
de usar dessa liberdade".
tural", que, ao contrário
em termos
o domínio
oportunidades
como mostram
que, dotados da faculdade
têm o privilégio
educação
previamente
seja necessária
possibilitem
No entanto,
"entrada
não são garantia
perceber essa música como significativa-
a gratuidade
zação e esses concertos
gratltitos
à música erudita,
pois esta requer
sem dúvida,
em privilégio das classes favorecidas, que também foram as classes sociais dominantes" (Porcher, 1982, p.13). Atualmente, numa sociedade urbana e industrial, onde a dido que
concertos
para um acesso democrático
pela indús-
Convém difusão
não considerar de padrões
de modo mecânico
pela indústria
cultural
ou automático e sua assimilação.
a questão
da
Os estudos
de recepção têm trazido sign i ficati va contri bu ição, ao en focal' as interpretações e reelaborações empreendidas pelos agcntes de cada segmento social, evidenciando sua não-passividade - o que, no entanto, também não pode ser supervalorizado. A respeito, ver Capítulos 5 e 6.
35
~
3" reavaliação: a escola e seus limites
10 a
A escola, ao mesmo tempo em que forma alguns, exclui outros - basta observar os índices de evasão e repetência, que conseguem
e quem são os
ter êxito. O ensino da música, especificamente,
escapa do quadro geral do sistema de ensino brasileiro, excludente e el itista. Vários oriundos mesmo
mecanismos
das camadas impossibilitando
uma "escolarização cacionais, mecanismosx,
buscando
o "desempenho
referência
r
arte em geral, a respeito das quais não há disposições
a
edu-
alcance
durante
dos alunos que ingressam
proposta
edude
legais (Constitui-
a obrigatoriedade
do ensino fun-
Y
às classes subalternas
mais precárias
(equipamentos,
- dispõem
de condi-
profissionais,
etc.)I2,
familiar,
de condições
favoráveis
a um bom dcscmpenho
escolar, ou que possam promover uma disposição durável prática cultural (nos tcrmos cm que a escola irá exigir).
para a
8 (ou 9) anos') -, uma parte significativa concluí-Io.
Con-
quando
entram,
de mais baixa qualidade".
o fazem
mais tardia-
Assim, em algumas
regiões, os índices de analfabetismo ainda são expressivos. No Estado da Paraíba, por exemplo, a taxa de analfabetismo na população de
H
- é dado pelas
de uma escolari/.ação
na I a série não consegue
de entrar na escola;
mente e em escolas
em princípio
onde justamente seriam neccssários os mel hores rccursos, já que os alunos desscs estabelccimcntos não dispõem normalmcnte, em scu
10
tribui para tanto o fato de que, como aponta Cunha (1983, p. 169), "Os setores de mais baixa renda da sociedade brasileira têm menos chances
mais democrático,
ções de ensino
desses
ambientc
do oferecimento
- portanto
alguns da realidade
legais que defi-
parcas horas destinadas a Arte no currículo da educação básica". Por outro lado, as escolas dos bairros periféricos - de um modo geral as destinadas
nossa
lugar, apesar dos dispositivos
- c a contrapartida e gratuita
para
outro lado, mesmo nas escolas da zona urbana, a partir da Y série o índice de distorção idade-série alcança mais da metade dos alunos'o Quanto às escolas especializadas no ensino de música ou de
Não nos cabe,
mas apontaremos
ção e Lei 9394/96) que determinam pública
desigual".
uma melhor compreensão como
Em primeiro damental
di ficu Itando ou propriamente
anos é de 13,86%; acima de 15 anos chega aos 29,71 %. Por
nam o seu oferecimento ou gratuidade, tica patente aelitização no acesso. Atualmente, o espaço educacional para a atividade al1ística de maior
dos indivíduos
da população,
até os mecanismos
detalhadamente,
cacional brasileira, musicalização.
que ainda é
seu sucesso escolar - desde os relativos
desigual",
que promovem
aqui, estudá-Ios
atuam para a exclusão
mais pobres
não
15
Tomamos como base para nossa seleção c apresentação desses mecanismos o estudo feito por Luiz Antônio Cunha, em Educação e desenvolvimento sacia! no I3rasi! (1983). A Lei 11.27412006 (que altera a Lei 9394/96) amplia o ensino fundamental para 9 anos, com a obrigatoriedade de matrícula neste nível de ensino aos seis anos de idade. Entretanlo, segundo seu Artigo 6°, a implementação desta mudança deve ser realizada alé 20 I O (Brasil, 2006a).
36
Dados apresentados nos "Indicadores demográficos e educacionais", disponibiliz.ados on line pelo Ministério da Educação c acessados em I 8/ O 4 /2 O O 8 : < h
11
12
li P : / / p o r Ia I . m c c . g o v . b r / i n d e x . p h P ') o P t i o n
==
co m_co nlen 1&Ias k==view &i d==9782& Ilem id==99999999> A respeito, ver Capítulos 7 e 8. Com base em nossa experiência como professora da rede públ ica do Governo do Distrito Federal, entre os anos de 1977 e 1984, apresentamos como exemplo o caso de BrasÍI ia, onde se tem uma das redes oficiais de ensino mais bem estruturadas, fornecendo educação gratuita a amplas e diferenciadas camadas da população. Entre as escolas da rede, encontram-se a Escola de Música de Brasília - talvez a maior e mais bem equipada escola pública de nível médio especializada em música do país - e as Escolas Parque - desti nadas a ati vidades de complemcntação da formação regular, dentre elas as artísticas. Pelo menos até 1984, quando eram quatro as Escolas Parque, todas clas localizavam-se no Plano Piloto, onelc o nível de viela era mais alto, c os professores especializados em música de apenas uma Escola Parque eram em maior número que o conjunto desses professores na Regional de uma das cidades-satélites mais distantes.
37
No nível do processo pedagógico I
!
vI
valoriza e reforça os padrões culturais
propriamente
expressos
no vocabulário,
estrutura das frases, nas maneiras de se relacionar das médias, segregando
os alunos que não os possuem.
mentos, interesses),
sendo de difícil assimilação
simulam
a discriminação
fracassar
interioriza
incapacidade encontram
evidências
representa
a atitude
da incorporação
à sua própria
que, preso a determinados eles correspondem),
O que
assinalados.
mas não dou para isso", além
a realidade
mostra um processo
I"
e que procura uma escola especializada e ampliar
não foi valorizada
no campo
para aprofundar
suas possibilidades
nunca mais voltar, por vezes deixando
ção da competência
. \I~postos para oé adquirida aprendizadoatravés formalizado. A competência artística, tão referida, das "aprendizagens imperceptíveis
!
')J
(j
e inconscientes" de uma educação precoce, "ao mesmo tcmpo, difusa e total" (Bourdieu; Darbel, 2003, p.l 05), quc, através de uma lenta
:
ção permanente e generalizada para decifrar os objetos e os comportamentos culturais", através do domínioa cultura de suas como linguagens, de seus familiarização, é capaz de interiorizar uma "diSPOSiJ princípios de organização (p.11 O). 1 ...
para
até de tocar? Foi excluído;
sua
considerada;
pior:
artística,
demonstram
são os mesmos
que agem no campo
familiar
já presentes,
e cotidiana.
trazidas
A escola pelos
Assim, são pressupostas
pois se
de sua
certas condi-
ções prévias, como base para a ação escolar. A própria comunicação é função
da cultura-
de apreciação,
como "sistema
de pensamento
38
de esquemas
e de ação, historicamente
tende a favorecer
de pensamento,
já controlados explicitamente
dora, por exemplo,
a retomada
de percepção
inconscientemente, os princípios
consou de
por um lado,
da gramática
as leis da harmonia
cria-
e do contraponto,
ou as regras da composição pietural, e, por outro, ao fornecer o material verbal e conceitual indispensável para dar nome às di ferenças,
antes de tudo, percebidas
puramente
(Bourdieu;
intuitiva.
Darbel,
de maneira
2003, p.1 06)
e a
atua sobre
alunos
escolar
de esquemas
ao formular
que
o acesso a uma cultura erudita,
que não é dado a todos na sociedade. culturais
artístico,
a educação
expressão,
a sua
que os mecanismos
1
ciente
seus conhe-
e sai de lá desiludido,
ou mesmo
trata de uma única e mesma questão:
percepção,
I
da
agem no interior do sistema de ensino (em geral) para a exclusão
pedagógica
Dessa forma, o ensino artístico encontrado nas escolas - (\ nas especializadas - só pode ser eficaz para aqueles que I
~Y
musical idade não era "a musical idade" que norteava o ensino ali. Bourdieu e DarbeJ (2003, p.l 00-111), discutindo a forma-
vivência
os
2003,
tiveram as condições sociais necessárias para desenvolver uma competência prévia, uma familiaridade e prática cultural como pressu-
do aluno?
prática
experiências
segundo
Darbel,
MIr
padrões (e mesmo a certos métodos que a
é incapaz de atender às necessidades
e até mesmo compõe,
formal,
e culturais
(Bourdieu;
inclusive
de ensino
música popular, que toca de ouvido, improvisa
seletividade
lingüísticos
tal transmissão"
trans-
;si' 1'-..jJ'v-
se
O que dizer de alguém com uma experiência
vivência
efetua
erudita
da culpa pelo fracasso como falta de talento, aptidão
ou musical idade, quando
cimentos
\""~ dY
1983, p.217).
o ensino de música, também
música,
mais ou menos "da cultura
p.11 0-111).
comporta-
para aqueles que não
da atuação dos mecanismos "estudei
a Escola
- que o receptor deve a seu
e o aluno que é levado a
(Cunha,
especificamente
quais
A ação peda-
"as razões da culpa como devidas
e falta de motivação"
Enfocando
condicionado"
mitida pela Escola e dos modelos
agem de tal forma que dis-
que produzem,
e socialmente
meio, e que se aproxima
na
vigentes nas cama-
gógica se baseia e se utiliza desses padrões (a linguagem, os vi venciam em casa. Esses mecanismos
constituído
dito, a escola
=
A revelação
la é o que permite entender
plenamente
relativos
à atuação da esco-
a nossa colocação
anterior
a
respeito da música erudita, como um padrão que tem norteado o ensino na área: é o padrão a alcançar, legitimado pela escola, que a estabelece como a música digna de ser admirada; ao mesmo tempo, é um ideal inacessível,
de
desses mecanismos
uma vez que Jl aç.ão l2e.délg6g.ie-a-s.ó.é eficaz sobre
um~ vivência cultural prévJa, que a_es.cola pres~upõe,-:nasJlão move sistematicamente.
39
.p'ro-
\
!'.'
(V'
I"
< \ tI.! ,-. _~ Ir .
ir'
r
\
.•
frv ~ f/ f/Y
Se a condição
para o sucesso
I~~
isso é tão necessário
escol"!., tanto no campo da
pressupostos,
~omo no desempenho global, é uma competência prévia, gerada por experiências culturais que são desigualmente distribuídas
9 ',cY.
na sociedade,
a escola acaba por reproduzir
essas desigualdades
ciais, Se a institu ição escolar se dispensa de promover te esta cultura que ela pressupõe, o que alguns recebem
- como dizem Bourdieu
(2003, p.1 08) -, estará perpetuando
e legitimando
ini-
as ações de educação
os concertos
gratuitos,
competência
e Darbel
J;.«
.
ao
cultural (dentro e fora da escola, como
por exemplo).
IpU
p,,'ry'
.'
,,"
,tl.lj;/j.
é um lugar de conflito, .
mesmo conquista roduto histórico influenciá-Ia, um espaço
d)
passível de ser transformada
I'
técnicas
Id
I
cada educador
brasileira.
na ação pedagógica transformadora "compensa" excludente,
de música
mais amplo
nos moldes
somente
Como decorrência
a crianças
e
Não cabe to-
portanto, como um trabalho "pré-musical", de um instrumento,
de
imediata
tradicionais
uma
(o estudo
etc.). Tampouco
a entende-
(o que é uma visão bastante
de todas as reavaliações
empreendidas:'
a educação
f
tado que se de-;:rina a todos que, na situação escolar, necessitam de-r: concebemos ou aaprimorar musicalização como um processo edueacional oriensenvolver seus esquemas de apreensão da linguagem musical - mesmo
que sejam adolescentes
ou adultos.
Necessitam,
tampouco
seja
tais esquemas
não
portanto, aproximá-Ios da música, em suas diversas manifestações (inclusive eruditas). Nesse caso, o trabalho deve mobilizar todos os
irá fazer com que sua prática musical qualquer
o acesso socialmente
antes reforça as diferenças
diferenciado
socioculturais.
à arte,
elitista e
Mas se a trans-
como um todo não se opera pela ação isolada
ou em apenas uma área de conhecimento,
bém se realiza através dessas várias instâncias: atitude
um conjunto
por sua função
de carúter técnico ou profissionaJizante. para um aprendizado
ape-
porque foram privados
necessariamente
de um professor
musical,
em si mesmas, para um estudo
a musicalização
fato de se ter a música ou a arte como material
por si mesma. Uma educação
da educação
tema redescoberlo da pedagogia
que se justificam
mos como dirigida comum).
social, não se trans-
pois, como foi visto, no quadro de um sistema educacional formação
uma
de cada educador,
através
ela tam-
através da ação e da
de cada matéria
40
(
não pode se eximir da
atuação de cada um não ira .•.. "salvar"
O simples
não compreendemos
preparação
do
. responsabilidade de agir, dentro de todos os limites e contra eles, no espaço do dia-a-dia escolar. A pequena
procurar
que busque democratizá-Ia.
Nessa perspectiva,
de "teoria musical",
no seu
que traz em si a possibilidade
a escola, como instituição
forma em seu caráter seletivo,
orientado
O
mar a musicali/.ação, de
É portanto
de ensino-aprendizagem,
fazer-se a cada dia, é um movimento novo. Assim, enquanto
pedagógico
Musicalil.ação:
aprofundado,
I' ~ .
essa mesma sociedade.
vivo, onde o processo
brasileira),
musical para poucos, para poder pensar a musical ização
como etapa preparatória
(ou
a .Hescoaeumarealca ecompexaeclnamlca: da sociedade na qual se insere, não deixa
também produzindo
da educação
de exclusão; entender como se reproduz
nas como um procedimento
I'
A
mas no quadro
as desigualdades
,/
ela também
a nossa prática e seus
tanto no plano da ação como da
da análise do ensino de arte e de música (que não
no vazio,
como um processo
, ,.fi) No entanto, se a escola reproduz a estrutura de classes, manf ;j/tendo e legitimando o acesso diferenciado à cultura, à arte e à música, J
Através
profundamente
esforços
conhecer os mecanismos
a todos
sociais, não sendo capaz de quebrar o CÍrculo vicioso que condena fracasso
ocorre
metodicamen-
"ao [se] omitir de fornecer
da família"
reflexão.
repensar
articulando
escolar,
etc. Por
recursos
em sua vivência
disponíveis
experiências
socialmente
culturais
das condições
cotidiana
para promover de contato
para desenvolver
prévia à escola,
a familiarização
com a linguagem
cabendo,
que reiterada. musical
desen-
volveriam imperceptivelmente, procurando substitutivos (aproximados) dessa vivência. Ou ainda atender àqueles que, dispondo no seu ambiente distintas
sociocultural formas
das oportunidades
da linguagem
musical,
41
para se familiarizar necessitam
com
de um processo
' .k::-'
n~' lÃ. uÚjJ-"'~ U"
,t,'I
orientado
de musicalização
ses esquemas
perceptivos
como meio para tomar consciência de que já dispõem
des-
nada pela indústria
e para expandi-Ios
Em um ou outro caso, as crianças seriam os destinatários ideais do processo de musicalização (embora não exclusivos). No
J/,.,yJ:~'
primeiro
caso, porque, se um trabalho sistemático
ser iniciado nos primeiros
~ty {l
anos de escolarização
e ter prosseguimen-
to, a escola teria, enfim, condições para desenvolver Ias crianças os instrumentos adequados à apreensão cais, em sua multiplicidade,
rompendo
deados que mantêm a arte (especialmente como privilégio familiarização
das elites. No segundo, se reforçariam
. mento da criança. (r,. //lJi'.;S/~ Interl igando-se,
.,'J' ./ (sociais
de difusão
em suas formas
mutuamente,
da cultura -- informais,
cotidianos,
e multifacetada,
e resistência. baseadas
As diversas
em estruturas
integrando
manifestações
mais simples,
significativas, contexto de vida de seus produtores. O que acontece nomuitas vezes, ao se levantar a necessidade do aluno, é cair numa posição
finda por cair numa rejeição
eruditas) e da
são de
teórica de exaltação
da arte e da cultura
dos interesses
populares,
são mantidos
"gueto cultural" -lingüístico, artístico, liberto do irracional ismo, o antielitismo
aos processos
'c[áticOCfã
praticamente
como tal". Como
aponta Rouanet (1987), esse antiel itismo contami nado pelo "irracionalismo" leva a um resultado altamente conservador: sob a bandeira da defesa
no curso do desenvolvi-
de u ma forma ou de outra,
mesmo quando
é complexa
da cultura popular, que, ao pretender denunciar o caráter elitista do acesso à arte e à "alta cultura" (em nosso caso, à música erudita),
sociais enca-
a ação da musicalização
de conformismo
musicais,
partir da cultura
em todas aquedas obras musi-
os mecanismos
elementos
(sempre
desse tipo pudesse
cultural-
universalidade,
os limites de um
musical"'. Em contrapartida, seria a defesa do ideal derl1o-
o que significa
criar condições
para que
10dDs possam é~mpliar o seu acesso ao saber e à arte, em suas diversas
.' i 1"imperceptí~eis
~'I.j
-, ~ musical iZ,ação não se exaure em si mesma. Ela artlcula-se a Inserçao do lI1clIvlduo em seu meio s~clocultural, devendo, portanto, contnbllll' para tornar a sua relaçao com o ambiente gica voltada para a aquisição
dos esquemas
de percepção
formas,
.. Nesse sentido,
não-familiarizados ,cia, a vivência
. prinCipalmente
previamente,
autorizar a instituição escolar a desempenhar a função que lhe incumbe de fato e de direito, a saber, desenvolver em todos os integrantes da sociedade, sem qual[ ...
(1982,1'.63) expressa, com toda clareza: "Se a educação
13
e
deve partir de
sua própria cultura, ainda que seja a cultura do oprimido". A musicalização, portanto, -- não --- deve - -- trazer- "-um --padrão musie alheio,
impondo-o
1
que assume um caráter de emergên-
real do aluno, por mais restrita que seja, não pode ser
---------
uma política cultural em que
. . _. na muslcalIzaçao Junto aos
a arte devem estar a serviço do homem, sua estratégia
cal exterior
rejeitando
da lingua-
negada. g es~
da notação, gerado na
pouco comprometida com esses "avanços" que só experimentou como doações. Traçou, por isso, seLirumo fundada na transmissão oral e na recepção aural, mais do que
que se inserem
da leitura e escrita.
Djavan, que, mesmo sem ter tido formação acadêmica -- aprendeu violão sozinho, olhando, ouvindo e acompanhando as cifras em revis-
Isto pode scr visto de divcrsas maneiras como, por exemplo, na tcrminologia usada para designar esse tipo dc música: "grande música", "música séria", "música culta", "cultura de altitude" etc. Também cm determinados casos quando uma aproximação com a música erudita é usada como explicação para a qualidade musical dc alguns músicos populares I... ] (Schroeder, 2005, p.18-19)
participou
musicais
na indústria
muitas vezes a
Por sua vez, a "academia" notada - é o "conservatório", escolas
especializadas
em música. Este modelo
como fonte do conhecimento racterísticas
marcantes
- guardiã
que aqui tomamos musical,
erudita
e
como o padrão das privilegia
a escrita
de modo que uma de suas ca-
é "tomar a partitura
,
da música
como música",
nos ter-
Conforme acessos, em 20/08/2003, de: (a) texto de Betina Dowsley (julho de 200 I), disponível em ; (b) entrevista, datada de 1999, disponível em: .. > Apresentação ao CD Bicho Solto, disponível em: . acesso em 15/0412008.
53
O "violão de ouvido" é uma forma popularde
mos de Jardim (2002, p.1 09). Vale ressaltar que, quando falamos do conservatório como representante das escolas de música de caráter
prática da música, característico
técnico-profisssionalizante,
ta própria,
não temos por referência
instituições
con-
cretas específicas - que têm suas particularidades e seu dinamismo". Antes, referimo-nos a um padrão cultural tradicional de ensino de música,
bastante
difundido
muitas vezes encontradas, universidades
e ainda dominante,
cujas práticas
inclusive, em departamentos
(em certas disciplinas).
Calcada
em grande
parte no
posição
Segundo
Jerome Bruner, as experiências
zenadas
para que possam estar disponíveis,
diversas
formas de representação:
ta de um conhecimento
tante resistente
da através de "imagens
'tradições'
I...] é
E o "objetivo
a invariabilidade.
O passado
elas se referem impõe práticas fixas (normalmente como a repetição",
como mostra Hobsbawn
tradição,
mantém-se
portanto,
e a característica real ou forjado formalizadas),
das a que tais
(1997, p.1 O). Dentro dessa
o direcionamento
do ensino de música
por con-
olho no braço do violão
+
sonoro e a
no violão (ou seja, a ação motora).
Conservatório de Paris - fundado em 1795 (Vieira, 200 I, p.47) -, a tradição desse tipo de ensino se mantém como referência, sendo basa transformações.
de pessoas que aprenderam
os outros tocarem:
ouvido em ação. Nele, a relação básica é entre o resultado
são
de música de
observando
aprendizagem
mo de reflexão;
tindo reconstituir,
ser arma-
necessário,
sob
o "modo ativo" (ou inativo) resul-
obtido pela própria ação física, com um míni-
o "modo icônico"
o "modo simbólico"
precisam
quando
mentais"
refere-se à experiência (visuais, auditivas
faz uso de palavras
armazena-
ou cinestésicas);
ou outros símbolos,
prever, registrar e comunicar-se
(cL J\ronoll,
permi1974,
p.31-33; Santos, 1994, p.29-34). São esses, portanto, os "modos de conhecer" ou "modos de representação cio mundo exterior". Nesse
para o domínio da leitura e escrita musicais, em função da prática de instrumentos tradicionais, num modelo que é atrativo na medida em
quadro, a prática musical exemplificada pela cena 2 envolve, basicamente, o modo ativo e o modo icônico, que diz respeito às imagens
que "serve para a perpetuação de algo estabelecido", Mendes e Cunha (200 I, p.85).
auditivas,
musical,
corno apontam
Vejamos, então, algumas cenas cotidianas de aprendizado bastante características. A cena 2 caracteriza o comumente
chamado "tocar de ouvido", ca corrente do conservatório, expressamente
e a cena 3 o "tocar por partitura", prátionde o tocar de ouvido é, muitas vezes,
proibido.
estando
o modo simbólico
ausente. Assim, "há consciência nos encadeamentos escolhidos, mos enquanto
constructos",
Como discutido sável pela formação como os chorões
de representação
praticamente
de processos harmônicos mas não há conhecimento
revelados dos mes-
como diz Santos (1994, p.17).
antes, esse tocar de ouvido pode ser respon-
de músicos com práticas verdadeiramente estudados
por Assano
(200 I) ou músicos
ricas, como
Djavan, que se inserem na indústria cultural e alcançam amplo reconhecimento. Característico de uma educação não-formal', ligada à
. Cena 2 O rapaz toca violão numa roda de amigos que cantam. "Catando" no braço do violão, acompanha uma canção que não conhecia.
música popular, por vezes se insere em práticas que apresentam ma sistematização,
como nos chamados
métodos
algu-
de violão popular
= Mas ele não sabe dizer qual é a tonalidade, toca ou porque usa este e não qualquer
4
qual acorde outro.
Ver, entre outros, Arroyo (200 I), que analisa os processos de questionamento interno e de renovação em um conservatório de Minas Gerais.
54
5
Libâneo (2007, p.88-89) caracteriza a educação não-formal como intencional, embora com baixo grau de eSlruturação e sistematização. Já a educação formal, que pode ocorrer em espaços institucionalizados ou não, configura-se como um ensino intencional, sistemático, com condições previamente preparadas, caracterizando-se como um trabalho pedagó gico-d idático.
55
ou nos revistinhas
de canções cifradas, por exemplo, que já envolvem
alguma representação Contrastando ticas correntemente
simbólica, através da classificação dos acordes. com a cena 2, as próximas cenas retratam prárelacionadas
erudita, em contextos
ao ensino-aprendizagem
de educação
da música
ções simbólicas da linguagem musical, que permitem o seu registro, a comunicação e a conscientização de suas estruturas. Já a última cena é comprometida pela falta das imagens auditivas, fundamentais no ensino da música, já que esta se concretiza como fato sonoro.
formal.
. Cena 4 . Cena 3 De olho na partitura, a menina "tirando" uma nova música.
"cata"
as teclas do piano,
= Mas ela não é capaz de "imaginar"
a música antes de fazer o piano soar; é a partitura que indica a ação motora sobre o instrumento, da qual os sons resultam.
No piano ou em qualquer feito caso do que podemos
chamar
de adestramento
esse é um per-
que acontece
quando
simultâneo
envolvidos
o estudo do instrumento
visual-motor:
com o instrumento
os modos de conhecer
ação motora), ficando relegado chamado "ouvido interior".
e a partitura.
simbólico
Esse modelo de aprendizado seus significados
e ativo (a
relacionado
de educação
com o
musical opõe-se àquele ilustraem que se inserem e pelos
sociais. Se o "tocar de ouvido" se configura
uma forma
do
No caso, estão
(a notação),
o modo icônico,
do pela cena 2, até mesmo pelos contextos vezes como
se inicia através
não-formal
ligada
Esse exercício
de "leitura"
é bastante
zado com a notação convencional
ali (é nota tal), ponha o dedo aqui". Muitas vezes, é isso o
"bolinha contato
outro instrulllento,
I\. turma de crianças realiza uma leitura rítmica, batendo com a mão o pulso nas carteiras e falando ta - taa - ta - ta - ta ta - taa ... (para o ritmo). = Mas sem que esta leitura de durações diferentes considere, por exemplo, as relações de impulso/apoio que caracterizam o ritmo musical.
muitas
à musica
percepção,
corrente,
nas tradicionais
visando ao adestramento
sendo reali-
aulas de teoria e
para a leitura da partitura.
Tam-
bém pode, entretanto, ter lugar com formas de representação mais analógicas e simples - como cartões, blocos ou traços proporcionais -, seja como etapa preparatória para abordar a notação, seja em práticas que, trabalhando sobre os elementos musicais básicos, procuram formar conceitos musicais6 Em qualquer uma dessas situações educativas, o resultado da leitura rítmica apresentada na cena 4 é igualmente
mecânico
e sem expressividade,
pois:
... ) enfatizar o treino de relações isoladas, objetivando sua automatização, é reduzir os elementos musicais a ca-
popular, o adestramento visual-motor exige a função do professor, para o aprendizado da leitura da partitura e a "apresentação" ao ins-
tegorias rígidas que não guardam mais nenhuma relação com o fenômeno real, vivo em cada contexto, descarae-
trumento,
terizando
estando vinculado
à música erudita e a situações
ção formal - seja em uma escola especializada professor
inter-rc!acionar
(, Por formar conceitos
na medida
o domínio do instru-
mento à formação de imagens auditivas e à sua representação simbólica, ou, em outros termos, na medida em que elas não articulam os três modos de conhecer.
I\. cena 2, pela falta de domínio
56
a linguagem.
A fragmentação
do objeto musical
ou em aulas com um
particular Mas as cenas 2 e 3 têm cada qual a sua limitação,
em que nenhuma delas consegue
de educa-
das representa-
entendemos
o desenvolvimento
de referenciais
de
percepção internalizados que permitam identificar, no fato sonoro, os atributos que caracterizam os elementos musicais. Esse processo diferencia-se radicalmente, portanto, de fornecer e/ou decorar uma definição (verbal) preestabelecida, pois a definição é um recurso para expressar um conceito, mas não garante, por si só, o domínio do mesmo e a capacidade dc aplicá-Ia em uma nova situação.
57
em unidades mais simples para compreensão e análise não deve provocar simplificação tal que o destitua de dimensão estética e musical (Santos, 1990, p.34).
De acordo com os modos de conhecer mente referidos, apresentando
Como
linguagem
artística,
a música caracteri7a-se
por sua
de Bruner,
anterior-
essa cena coloca em ação apenas o modo simbólico,
urna prática ainda corrente,
embora já denunciada
por
Dalcroze (que procurou superá-Ia através de sua proposta pedagógica) no início do século passado, com relação a seus alunos de harmo-
função expressiva. A própria forma de organi/,ação de seus elementos de linguagem - que segue princípios e padrões diferenciados, con-
nia do Conservatório
forme o tempo (histórico) e o espaço (social)- determ ina o conteúdo expressivo da obra. Assim, o desafio é trabalhar os elementos musi-
dessa cena é tão absurda quanto a de alguém que é capaz de redigir U per-feitamente em latim ou alemão (com tudo correto' . ortografia 'oor'mática, concordâncias, declinações) sem ter a menor idéia do que
cais básicos
em sua função
expressiva,
preservando,
mesmo
nas
práticas mais elementares, o caráter artístico-expressivo da música. Nesse sentido, mesmo as primeiras músicas tocadas no instrumento devem ser abordadas em seu fraseado, cm lugar da sucessão mecânica de sons que o adestramento visual-motor (ilustrado pela cena 3) e o exercício de leitura rítmica da cena 4 costumam produ/.ir. [sso impl ica a necessidade de selecionar e preparar exerCÍcios e repertório que, além de promover um progressivo domínio do instrumento, sejam significativos em termos musicais: "Toda atividade de ensino da música requer o desenvolvimento de práticas qLle devem se caracterizar como ex pressões musicais significativas e não simplesmente como um conjunto de exercícios para a assimilação de aspectos técnicos e estruturais" (Queiroz, 2005, p.55). Em um estágio mais avançado de aprendi:t:ado musical, situa-se a cena 5, típica de um ensino tradicional de música, de caráter técnico-profissionalizante, em que, muitas vezes, a partitura da como música, como já discutido.
é toma-
significa.
Nos
de Genebra
dois casos,
(cL Santos,
executa-se
1994, p.43). A situação
um verdadeiro
"jogo
de
significantes", obedecendo a todas as regras de sua organi7ação e articulação (de sua sintaxe, em suma), sem que se chegue a construir uma significação - o que é essencial para a configuração linguagem, inclusive a artístico-musical.
de uma
Corno vimos, a notação musical é produto de uma abstração, permitindo
registrar
a estruturação
musical,
sendo útil para pensar a
organização dos sons na sua ausência, mas não é música, pois esta só se realiza em sua concreticidade sonora, com profunda característica temporal. A música, como fato empírico, só existe enquanto soa. A partitura não soa por si só; ela representa os sons. No entanto, só os representa
efetivamente
quando
se liga a um significado
sonoro,
correspondendo a uma imagem auditiva; quando, ao ser lida, pode "soar na cabeça" - ou seja, quando os modos simbólico e icônico se interligam. Nesse sentido, e a operação sobre ela Só a posse da imagem sonora garantem o exercício da atividade musical na ausência do 1 ...
. Cena 5 Sentado à mesa, com lápis e papel de música, o estudante "calcula" qual deve ser o próximo acorde num exerCÍcio de harmonia. Mas a harmonia é realizada como um perfeito exercício de bolas na pauta, sem a menor idéia de como soa o que está sendo grafado/representado; a "descoberta" de sua realidade sonora apenas se dá quando, depois de concluído, o exercício é tocado ao piano.
material concreto. A operação através de proposições musicais abstratas (grafia musical e proposições lógicas, hipotético-dedutivas) supõe a audição interior das relações concretas entre parâmetros da linguagem musical. Caso contrário, as relações estabelecidas serão mecânicas, vazias (Santos, 1994, p.38). Essa audição possui referenciais
58
1
interior, entretanto,
sonoros internalizados
59
só é possível
para quem
ou, em outros termos, para
quem dispõe dos esquemas linguagem
de percepção
necessários
à apreensão
da
biográficas dos músicos em questão de certo modo contradizem essa "naturalidade". Dentre os textos analisa-
musical. Se as práticas de educação musical exemplificadas
pelas cenas 3 e 5 só podem ser realmente
eficazes
elas próprias
dos ditos esquemas
não promovem
a formação
cepção.
Por vezes,
vivência
prévia ou a outras atividades
conjunto,
tais práticas
configuram
pedagógicas
uma formação
de per-
articulam-se
educativas,
a uma
de moclo que, em
que consegue
alcançar
a neces-
sária vinculação entre o fato sonoro e a sua representação entre a experiência musical e sua fonnal ização abstrata. No entanto,
dos, em todos os casos onde há informações sobre o ambiente familiar e/ou social dos músicos, nota-se que pelo menos um dos pais (às vezes ambos) ou algum parente mUito próximo era músico profissional ou amador, ou então o músico teve acesso, desde a mais tenra idade, a um ambiente musical (geralmente uma igreja) de maneira intensiva (Schoroeder, 2005, p.46).
nessas condições,
mesmo quando essa articulação
gráfica,
não se verifica,
A visão da musical idade como inata desconsidcra
esses modelos de pedagogia musical (retratados pelas cenas 3, 4 e 5) são correntemente aceitos e reconhecidos como um estudo "sério" de
os fatores sociais c culturais que promovem
música, posto que se ligam à música notada, à partitura e aos padrões
arte e que afetam portanto, que:
acadêmicos
e tradicionais
de ensino.
Estudo
de desenvolver
os esque-
mas de percepção
da linguagem
musical e,
à apreensão
naturalmente
de suas práticas. E, como conseqüência,
do isto não ocorre, atribui-se musical idade ou "talento", Analisando dores, críticos
o problema
quan-
ao próprio aluno: falta-lhe
e os próprios
do músico" músicos,
revela como se mantém e é reproduzida musical idade ou do "talento"
paixões á primeira vista (Forqui n, 1982, p.44 _. gri fos do original).
que circula entre educa-
Schoroeder a concepção
(2005,
p.43-53)
do inatismo
- que pode ser entendido
Dessa forma, as práticas educativas
da
como "uma
musical idade precocemente madura" (p.53). Nesse quadro, independentemente de qualquer experiência, a musicalidade é considerada como inerente e natural: Nessa maneira de conceber o talento musical como algo dado a priori e que precisa apenas de disparadores para que afiare, o meio ambiente exerce apenas o papel de desencadeador das potencialidades latentes. Entretanto é interessante observar que, embora o talento seja considerado, via de regra, um atributo natural, as informações
retratadas
5, até mesmo do ponto de vista metodológico, dentes,
pois baseiam-se
em habilidades
prévias
nas cenas 3 e
são elitistas
e exclu-
- entendidas
como
constitutivas da musical idade - que, por sua vez, dependem de fatores sociais. Esses procedimcntos pedagógicos correntementc adotados pressupõem
60
esquece,
supõe uma informação, uma fam iliari I.ação, uma freq uentação, únicos elementos capazes de propiciar ao indivíduo esses esquemas, esses sistemas de referências, esse programa de percepção equipada, mais apto a criar no indivíduo o amor pela arfe do que as efêmeras e ilusórias
por certo.
a "imagem
Essa concepção
..I a apreensão da obra de arte não é nunca imedi({/a: ela
por outro, supõe que o ouvido interno será formado espontaneamente, acreditando, portanto, que os rcferenciais auditivos internalizados decorrerão
musical.
à
sério que, legitimado,
por um lado se exime da responsabilidade necessários
a experiência
totalmentc
um acesso diferenciado
uma familiarização
aginclo a partir claí: fornecendo ção gráfica,
antcrior
as regras de organização
etc. Esconde-se,
com a linguagem
a nomcnclatura
formal, a técnica
instrumental,
assim, o fato de que as oportunidades
familiarização com a linguagem musical, capazes quemas de percepção necessários à sua apreensão, desiguais
- e especialmente
de contato
e
de formar os essão socialmente
cm relação à música erudita.
61
musical,
correta, a representa-
Ao proceder como se as desigualdades em matéria de cultura não pudessem se referir senão a desigualdades de natureza, ou seja, desigualdades de dom, e ao omilir ele fornecer a lodos o que alguns recebem da família, o sistema escolar perpetua c sanciona as desigualdades iniciais (Bourdieu; Darbel, 2003, p.1 08). Desse modo, os mecanismos
sociais de acesso diferenciado
à
cultura e à arte são reforçados e legitimados pelas práticas de ensino de música que não se questionam criticamente, desconhecendo os seus próprios
pressupostos,
e nas quais os professores
foram ensinados, limitando-se (Santos, 1990, p.34).
a "ir fazendo
As cenas 2 a 5 são exemplos não esgotam problemas.
as práticas educativas Elas serviram
esquemáticos,
dá conta da di versidade
formas
e da educação
erudita,
nas demais A princípio,
práticas
especializada
poderia
músico popular, recursos para o aprimoramento
musical
popular
e a vivência
Por outro lado, a escola
correntes propiciar,
sonora que a mesma
especializada
tal tem principalmente
uma função utilitária,
meta (e uma opressão),
em si mesma,
a oposição
entre a música
a
de defini-
no papel (como na popular
e erudita
e
ampla como
para um projeto de democrati-
Por que a escola discrimina o músico que "lira as músicas de ouvido" c supervaloriza o que lê a partitura? Por que desvalorizar o músico que "faz música", c supervalorizar o músico que "sabe música"? 1 ... 1 Para a construção de urna escola de música i ncl udenle, é preciso que o "conhecimento científico", escondido muitas vezes sob o discurso musical acadêmico, dialogue com o discurso musical
no
das ruas, sem hierarquil.ação, para que, tanto um quanto outro, possam ser enriquecidos (J\ssano, 200 I, p.6).
ao Cabe reconhecer,
onde o "tocar também
posde
pode não
enquanto
lo conservatorial, música"
finalmente,
a sua força como padrão
de um "ensino
do modesério de
desse modelo são fatores
que dificultam e atrasam a renovação das práticas pedagógicas e metodológicas. Portanto, deixemos para trás as práticas fíxas da tradição, buscando construir alternativas que atendam às necessidades dos diferentes
contextos
em que a educação
musical pode atuar, com-
prometendo-se sempre com um projeto de democratização à arte e à cultura.
no conserva-
sendo o virtuosismo
que a predominância
e, ainda, a falta de questionamento
uma
de modo que o prazer de tocar pode se dissol-
62
a exploração,
sob o aprendizado
de regras de estruturação
significativa, é condição indispensável zação no acesso à arte e à cultura.
em música.
corresponder às necessidades e expectativas do músico popular, que, portanto, pode preferir não procurá-Ia. Para ele, a técnica instrumentório se torna um objetivo
Ultrapassar
de sua prática (como
sibilita são desconsideradas pelo conservatório, ouvido" chega a ser até mesmo uma "heresia".
valoriza
como a profu-
suas formas de ensino-aprendizagem, em prol de uma concepção de música que considere toda a multiplicidade de manifestações
da
a notação convencional, enquanto forma de registro de suas obras). No entanto, na realidade isso pode não acontecer: muitas vezes, a experiência
A prática popular
quase desaparece,
ções, da "matemática" cena 5), etc.
em ter-
dos campos
izante da escola especializada
a escola
momentos
na cena 2, e da música
cenas, que exemplificam
ensino técnico-profissional
muitos
ex istente, mas que
próprias
não-formal,
preparatórios,
improvisação e a expressão, sempre no fa7.er sonoro, ao passo que, no ensino de caráter técnico-profissionalizante, a música-som em
de nossa prática. Tais cenas
de ensino-aprendizagem
popular
e arpejos.
exerCÍcios
que sem dúvida
como pretexto para uma discussão fundamentais
música
são de escalas
no campo da música, nem os seus
mos gerais, que tampouco ilustram
como
tudo como já se fez"
permite abordar
questões
ensinam
ver ao longo de infindáveis
63
do acesso
Curriculares
4. CONTRIBUiÇÕES PARA UMA REVISÃO DAS NOÇÕES DE ARTE COMO UNGUAGEM E COMO COMUNICAÇÃO'
Nacionais
Ao longo deste livro, referimo-nos Neste capítulo,
noção, apresentando na dicotomia
trazemos
música,
de conteúdos
um dos blocos
significativa
em Música:
reflexões
codifieação/decodificação,
--
tcórica proposta, ~ibuições clarear educativa mcntada,
noções
correntes
Desse modo, p~;;;-;'amos em nossa
seja cada vez mais consciente buscando
assim
UITl
para que
nossa
e mais solidamente
aprimoramento
do ensino de arte. Vale salientar sobre a arte ou a música
área,
contribuir
constante
que não nos interessa
a tcorização para a
constantemcnte,
das "linguagens
artísticas"
especificamente da "linguagem musical", por exemplo. cnsino de música, tanto a tendência mais tradicional técnico-profissionalizante) da arte-educação terrada,
,).J..
~
tomado,
sem consciência
..•... ·\t~ ..~••• - subJacentes 7J
~(m'l
portanto,
teóricas
quanto aquela mais próxima das propostas
utilizam com freqüência
I994a, p.30-31).
o termo "linguagem"
A noção também
aparece
(17on-
das implicações
socialmente
-- c aqui cabe uma
coneeituais
c teórico-filo-
dos diversos / posicionamentos que IJodem estar ao uso desse termo. E em sua imprecisão c ambigüidade, que a noção de linguagem tem circulado em nossa área.
c análises
têm seu significado
como manejá-Ias
apenas
pressuposto,
consistentemente?
em sua
A produtividade
de
nossos estudos fica comprometida,
na medida em que se tomam como ou mesmo simplesmente
ambíguas,
Nesse quadro, são correntes ser ou não uma linguagem. da Associação ANPPOM ferências
Nacional
(João Pessoa, para observar
as controvérsias
transpos-
acerca de a arte
Isso ficou evidente no VII Encontro de Pesquisa
e Pós-Graduação
Anual
em Música!
1995), bastando cotejar os resumos das conos posicionamentos
divergentes:
nos Parâmetros "Tradicionalmente,
" Versão revista do artigo publicado na coletânea: Penna, Mama (coord.). Os parâmetros curricll!ares nacionais e as concepções de arte. João Pessoa: CCHLA/UPPB, 1997 (Caderno de Textos do CClILJ\, n. 15).
64
e o acesso
1982). No entanto
de
base noções implícitas, tas do senso comum. _. ou
Na área do (de caráter
artísticas
como as condições
Mas o discurso científico não pode se estrutural' sobre noções implícitas, pois, se as noções que adotamos como centrais em discussões imprecisão,
A noção de arte como linguagem
da
\
l
autocrítica -, tal noção é freqüentemente utilizada sem uma clareza de definição, sem delimitar o modelo de linguagem que está sendo
Q,;Vr"'$ 1 sóficas . ]w decorrentes
prática pedagógica.
Falamos,
(lj.1J/'(I'04:
para funda-
"Apreciação
e compreensão
tem sido útil, direcionando na medida em que permite
questões
com as linguagens
ú arte (Forquin,
diferenciado
conação
para
e suas Tecnologias".
o mito do dom e colocar
cJ.,p;LVf'
da qual idade
por si só, mas uma fundamentação
Códigos
familiarização
muitas vezes empregado
Llill-ª.@ordagem interd isc ipl inar, incorporando
da lingüística.
combater
baseado
_ em relação às linguagens artísticas. Acrcditando que a articulação cntre áreas do sabcr pode ser produtiva, adotamos, para a discussão
é denominado:
envolvimento
A noção de arte como ~guagem uma perspectiva de atuação pedagógica,
acerca dessa
uma crítica ao modelo de comunicação
escuta,
de Arte
na proposta
Iing~é! em musical" (Brasil, 1997a, p.79-80; 1998a, p.84-85). Já no documento para o ensino médio (Brasil, 1999), a Arte integra a área
com freqüência à arte como
algumas
para a área de conhecimento
em que, especificamente
"Linguagens,
linguagem.
(PCill
nõ ensino fundamental,
guagem,
a música sempre foi considerada
ligada, de algum modo, aos sentimentos
ções", segundo
Enrico 17ubini (ANPPOM,
"A música não é urna linguagem
65
uma line às emo-
1995, p.26).
internacional.
De fato, ela
\
j
não é uma linguagem rio", declara
absolutamente.
Ela não tem vocabulá-
David Witten (ANPPOM,
Em contrapartida,
1995, p.27-28).
as artes defrontam-se
com a impossibilida-
de de se estabelecer dicionários. Nesse sentido, o trecho seguinte mantém um claro paralelo com o posicionamento de Witten, antes citado:
A postura de que a música - ou, de modo mais amplo, a arte - não é uma linguagem
toma como referência
a linguagem
verbal, de
A fotografia, portanto, não tem vocabulário.
caráter conceitual. É esse paradigma que sustenta a postura de Susanne Langer (1989), que intluencia muitos outros estudiosos. Para essa autora:
obviamente verdadeiro com respeito à pintura, ao desenho, etc. Existe, sem dúvida, uma técnica de pintar objetos, mas a lei que governa a referida técnica não pode chamar-sc propriamentc dc "sintaxe", pois não existem quaisquer itens que possam ser denominados, metaforica-
Parece, então, que embora nos refiramos muitas vel:Cs
mente, as "palavras" da retratação. Uma vez que não temos palavras, não pode haver dicionário de significados para linhas, sornbreados, ou outros elementos da técnica pictórica (Langer, 1989, p.1 02).
aos diferentes meios de representação não-verbal como "linguagens" distintas, trata-se realmente de uma terminologia frouxa. A linguagem, na acepção estrita, é essencialmente discursiva; possui unidades permanentes de significação combináveis em unidadcs maiores; possui equivalências fixas que possibilitam a definição c a tradução; suas conotações são gerais I... J OS significados fornecidos através da linguagem são sucessivamente entendidos e reunidos em um todo pelo processo chamado discurso I... (Langer, 1989, p.103-1 04). J
Esperamos
mostrar,
a linguagem
verbal está sendo enfocada,
aqui,
dentro da ~radição saussuriana, ue
[email protected]:1 lín uaS-9mo LU11 sistema abstrato, formal, independente de seu uso. Dessa forma, a significação
(de um texto)
é tida como totalmente
determinada
pelo
funcionamento do sistema lingüístico e nele se esgota. Nessa tradição, que influenciou todo o estruturalismo nas ciências humanas', uma característica das linguagens é poder ser dicionarizada permite fornecer definições que explicitam as "equivalências das "unidades
I
permanentes
- o que fixas"
de significação".
"Se o estruturalismo engloba um fenômeno muito diversificado, mais do que um método e menos do que uma filosofia, ele encontra seu cerne, sua base unificadora no modelo da lingüística moderna e na figura daquele que é apresentado como o seu iniciador: Ferdinand de Saussure." (Dosse, 1993, p. 63; ct". tb. p. 15,44).
66
no curso da presente
discussão,
como
esse modelo de Iinguagem verbal (e de discurso) que serve de parâmetro limitapara as concepções de Langer acerca da arte é extremamente do, não sendo adequado para a compreensão quer do uso da língua nas interações cotidianas, quer das linguagens artísticas. Na verdade,
No entanto,
O mesmo é
as controvérsias
!l.nguagem inserem-se te: desde a Antigüidade,
numa discussão discute-se
SOb!:9..J.Ulrte.ser_o.~l não uma mu ito mais ampla e persisten-
na fi losofia o que
é a Iinguagem e
qual a sua relação com o mundo (cf. NEP, 1993). Mesmo com respeito unicamente à linguagem verbal, no próprio campo da lingüística há teorias
em oposição.
Tanto Saussure
.. com a
t.Llliuia..liuglli'l
versus
L:lli:!. quanto Chomsky opo~m.petçnc·é Vt:.s.l/:i performance , instauram uma lingüístic~1 do sistema, excluindo do estudo científico da língua os segundos elementos dos pares, relativos à linguagem em uso2. Dessa forma, estes teóricos estudam a linguagem verbal- essencialmente humana - in vitro, considerando
válido apenas:
) Quanto às teorias destes autores, cuja influência se faz presente até hoje em di versas áreas do conhecimento, ver os clássicos trabalhos: Saussure (1970) e Chomsky (1975).
67
[...] o estudo do sistemático e do invariável, do que não se desenvolve no tempo mas que permanece relati vamente fixo e portanto possível de descrever por meio de regras. Deste ponto de vista, o discurso- que é a única "realidade" lingüística exterior, dada à experiência - é um produto teoricamente secundário dos mecanismos mentais que tornam possível a linguagem (Reyes, 1990, p.39) 1 ...
não tivesse nenhum nív~.Lintralingjjístic.2-.de significação . -- ..•...•~ A sugestão aqui feita [...] postula que a significação dos' enunciados e os sentidos dos textos são o produto (função) de um conjunto de fatores entre os quais a contextualização ou inserção contextual tem um papel relevante [...] (Marcuschi, 1995, pA5-46). .....,..".
1
Convém Contudo,
tendências
como a análise do discurso estudo a linguagem
em uso, tornando
ção, e colocando compreensão, inclusive, almente
ambígua
o contexto
e indeterminada",
c a inten-
os processos
de
do sentido, explicitando,
de mundo e das inferências
Nesse quadro, considera-se
se esgota no próprio funcionamento embora,
centrais
c de negociação
o papel dos conhecimentos
significação.
- tomam como objeto de
em pauta, entre outras questões,
interpretação
Marcuschi
mais recentes no campo da lingüísticae a,pragmática'
a linguagem
na
como essenci-
de modo que a significação do sistema lingüística
não
abstrato,
a significação não se acha autonomamente no texto como se a linguagem tivesse uma signi ficação "literal" plena e identificável. Por outro lado, também parece evidente que a significação não é uma decorrência da pura e simples contextualização dos enunciados, como se a língua 1
destacar as diferenças
(1995)
e o de Langer
dades permanentes "uma significação
-, este autor defende uma posição diametralmente
afirmando
que "a significação
No entanto,
tema lingüístico,
da significação;
68
"uni-
oposta, no texto".
não se esgota no funcionamento
ela também se constitui
um nível importante
Enquanto
não se acha autonomamente
se a significação
de
fixas" - ou seja, nos termos de
Marcuschi
do sis-
através dele, que configura
negar este nível intralingüístico
imp-Jic.ari.a.suI1QrqLle é:pos.sÚ!eüóili
e...q!lélLquerjnter-
~ç..ãu.dc_q.Llalq~le(JY)\.to. Em contraposição à visão dos significados lingüísticas como fixos, permanentes e literais, articulados em sucessão
no discurso,
be, portanto,
como defendido
a significação
por Langer, Marcuschi
como resultante
de um conjunto
concede fato-
res, entre eles a iJ) .' 'çãe contextu~. Dessa forma, são possíveis múltiplas leituras de um mesmo texto, mas não qualquer leitura, próprio sistema
1
antes citado.
(verbal) como possuindo
de significação" e "equivalências 'I iteral' plena e identi ficável",
uma vez que, entre os diversos ) É nestas tendências da lingüística que buscamos referenciais teóricos para a revisão das noções de arte como linguagem e como comunicação. Conscientemente, não nos propomos a abordar as diversas contribuições do campo da semiótica/semiologia. Vale lembrar que a pragmática não é um campo de estudos exclusivo da lingüística (d. Moeschler; Reboul, 1994), sendo fortemente vinculada à filosofia, dc onde provêm muitos de seus conceitos básicos (cf. Reyes, 1990, p.22). " A esse respeito, diz Marcuschi (2007, p.138): 1... "a língua não tem uma semântica imanente, mas ela é um sistema de signos indeterminados em vários níveis (sintático, semântico, morfológico e pragmático)". Ver, ainda, Franchi (1977, p.23); Possenti (1993, p.58); Marcuschi (200 I, p.43).
entre este posicionamento
(1989),
Susanne Langer concebe a linguagem
~ç-ªo
sem dúvida, deste dependa.
[ ...
..•.••...
lingüística.
fatores envolvidos,
atua também
Em suma, embora a significação
da dele, ela não se esgota no funcionamento
do sistema
o
depen-
lingüística.
Nesse quadro, "discurso" é algo mais do que a combinação sucessiva de "unidades de significação" em "unidades maiores", como propõe
Langer
(1989, p.1 03-104
- acima citado).
O discurso
deve ser tratado apenas como "uma virtual idade previsível combinação embora
de elementos
estes aspectos
Jnas não suficientes 1993,
segundo
sejam,
não
por certa
regras
sintáticas
conhecidas",
sem dúvida,
suportes
necessários--
- para explicar
p.61). 69
a sua significação
(Possenti,
[ ...
1
dizer que o falante constitui
que ele, submetendo-se mentos
sintáticos
momento
O
discurso
significa
ao que é determinado
e semânticos,
certos
valores
em que fala, considerando
os recursos
de outros
falantes
alternativos
a situação
põem à disposição, quados
o discurso
aqueles
em que escolhe,
lingüístico
momento,
O
que lhe parecem
lhe
os mais ade-
,I,
história momento,
Por todo o exposto,
texto. A pragmática ção, o que equivale
em cujo funcionamcnto sustentada.
e princípios
de organização. que trata
corno um sislcma formal, abstrato,
sc esgota a signi ficação,
E assim sendo, tal concepção
não podc mais scr
não pode servir de medida
para excluir da arte o caráter de linguagem. Acreditamos dcm, num trabalho
que as novas contribuições interdisciplinar,
para a revisão
da noção de arte como linguagem.
complexidade
que as questões
5
Esta perspectiva
permite
da lingüística
trazer relevantes
acerca
(verbal)
po-
Entretanto, assumem
à de linguagem
e
por sua pró-
estuda
a linguagem
em função
da comunica-
a dizer que se ocupa da relação entre a linguagem
Um modelo dicotomia
"codificação
municação/informação,
corrente
uma concepção
de comunicação
e decodificação"('.
é o quc se bascia
Dcrivado
na
da teoria da co-
este modelo já clássico fundamcnta
diversas
abordagens do texto e do discurso, assim como discussõcs a respeito das linguagens artísticas, sua apreciação e seu ensino. Tratando a comunicação
como um processo em quc o cmissor codifica
a mensa-
gem e o receptor a decodifica, tal modelo pressupõe que, havendo o domínio do código - o que permite uma decodificação adcquada -, o sentido original da mensagem emissor) pode scr resgatado.
(ou, em outros termos,
a intenção
do
como
produto
pela na
de
convenção - ou seja, de processos históricos e sociais -, ao mesmo tempo em que reconhece o seu caráter dinâmico: "Produzir um discurso é continuar agindo com essa língua não só em relação a um inter!ocutor, mas também sobre a própria língua. No mínimo, a cada vez que um locutor diz uma palavra, está colaborando para que a língua continue mantendo um determinado traço ou, inversamente, para quc ela vcnha a modificar-se" [... ] (Possenti, 1993, p. 57-58)
70
neste
contribuições
da linguagem
tratar a linguagem
que subjaz
em pauta pela pragmática,
Código e Decodificação: de comunicação
o termo "língua"
torna-se claro que a abordagem
verbal simplesmcnte
por nos centrar,
como "a colocação
- ou seja, o discurso artístico -- como a colocação em funcionamento de uma linguagem artística com certa finalidade, ou em outros ter-
a linguagem
colocada
optamos
pria perspectiva de análise: "A pragmática é a disciplina lingüística que estuda como os seres falantes interpretam enunciados em con-
- que se restringe ao verbal- por "linguagem", esta colocação é também apropriada para a arte, e podemos tratar a man ifestação artística
de seus elementos
ocidental,
na noção de comunicação,
que é, inclusive,
de uma língua com certa
1993, p.49). Se substituirmos
mos, o uso intencional
do pensamento
e o falante" - ou, de modo mais amplo, da relação entre a linguagem e seus usuários (Reyes, 1990, p.17).
ser entendido
de recursos expressivos
(Possenti,
até
no
1993, p.59).5
pode, portanto,
em funcionamento finalidade"
(Possenti,
que o trabalho
e o seu próprio,
ele-
sociais)
fala e tendo em vista os efeitos que quer produzir, entre
dizer
(certos
(, Na área de arte, podemos destacar outro modelo corrente: a concepção da arte como expressão e comunicação. Essa é uma perspectiva construída no Romantismo, que trata a arte como expressão de sentimentos e emoções, colocando como centrais as noções de genialidade, imaginação e originalidade. Dessa forma, a idéia de convenção é totalmente descartada, o que impossibilita que a arte seja tratada como linguagem. A noção ele comunicação, então, fica inteiramente subordinada à de expressão, de modo que ~~omunicação é considerada como decorrente da intuição, da empatia, da comunhão - ou seja, do encontro entre a emoção do artista e a do espectador. Sobre esta concepção e os seus problemas, ver Penna e Alves (200 I).
71
o problema
desta concepção
o emissor, ao codificar pedaços
a mensagem,
é o seu mecanicismo: colocasse
dentro de um balde e o enviasse
ao receptor,
vez, de posse das regras de "montagem",
é como se
a sua significação
aos
e este, por sua
reconstituísse
a significa-
ção original da mensagem. Nesta visão, marcada por um alto grau de automatismo, o domínio do código garantiria uma "leitura" (ou seja, uma decodificação) unívoca e sem ambiguidade. Esse modelo, portanto, desconsidera tanto a atividade - o "trabalho", (emissor
nos termos e receptor,
de interpretação
(1993)
- dos interlocutores
no modelo em discussão),
e de negociação
quanto os processos
do sentido. No entanto,
de mundo, a intenção,
tende e a interpretação
diferente
do interlocutor,
ativo e atua na construção
o sistema
entre outros),
sobre o que é dito.
entre o que o locutor preque por sua vez também
ceptor que deeodifica
a mensagem
resgatando
a sua plena significa-
ção como pretendida pelo emissor revela-se, pois, uma simplificação idealizada do processo de comun icação em sua complex idade e di na-
No entanto, as noções de código e decodificação são correntes em estudos acerca da arte e seu ensino - tendo sido inclusive
gua. São trabalhadores (Possenti,
empregadas
a abordagem
1993,
de Possenti
p.S8).
e o modelo
em pauta, torna-se bastante evidente o mecanicismo
de
deste
mismo, seja qual for o "código"
recursos
que a língua
que mais adequadamente
1993, p.58). Assim, seu trabalho
oferece
à sua atividade,
servem à sua finalidade
(Possenti,
não se reduz a uma "codificação"
que a torne passível de uma "decodificação" porque a língua não é simplesmente
72
automáti-
um "código",
não
_·ou o tipo de linguagem-
utilizado.
Vemos, pois, que a noção de código tem raízes na tradição saussuriana Uá criticada na primeira parte deste artigo), que trata a linguagem como um sistema abstrato, formal, independente de seu uso. As considerações tadas, aplicam-se damente, portanto, ficação
de Possenti
também
permitem
a inadequação
(1993, p.58), antes apresen-
às linguagens
múltiplas
"leituras"
artísticas, possíveis.
do modelo de comunicação
e decodificação
para o tratamento
em alguns
de nossos
que, reconheciTorna-se evidente, baseado na codi-
das linguagens
trabalhos
anteriores.
artísticas.
Ana-Mae
Barbosa (1991, p.53), autora constantemente referida no campo do ensino de arte, trata do "discurso decodificador". Por sua vez, Fonterrada
(1994a,
comunicativo
os múltiplos
é
da sign ificação, não sendo apenas um mero
"receptor" de uma mensagem. Mesmo quando o sistema lingüístico é compartilhado, a "leitura" nunca é unívoca. I\. concepção de um re-
dentre
ca, exatamente
um trabalho
Dessa forma, nem sempre há coincidência
menológico-existencial
da mensagem
Como já discutido,
a relação entre os interlocutores,
de modo que é possível
último. A "língua", de que trata Possenti, corresponde ao código, e o falante ou locutor, ao emissor. Para esse autor, o locutor escolhe, aqueles
determinado.
[... ] o falante nem é inútil, nem todo-poderoso. Entre ele e o ouvinte está a língua, e, na verdade, o que foi dito, se, por um lado, é a garantia it qual pode apelar o locutor, se acusado de produzir um el"cito que não intencionava, pode ser a garantia do interlocutor de que tal efeito decorre do que foi dito. É que é possível um trabalho diferente sobre a mesma coisa. [... 1 um Isujeitol constitui um enunciado para produzir um certo efeito, e outro trabalhou sobre um enunciado para extrair dele um certo efeito. I\. coincidência não é garantida. Se a língua fosse um sistema estruturado efetivamente, isto é, não indeterminado, da qual interlocutores se apropriassem, este tipo de resultado não seria possível. 1...1 Os interiocutores não são nem escravos nem senhores da lín-
Se compararmos comunicação
de Possenti
é um sistema plenamente
lingüístico não atua sozinho na construção da significação, sendo relevantes diversos outros fatores (eomo o contexto, os conhecimentos
também
p.36)-
à linguagem
que defende
da linguagem
uma compreensão
musical e seu ensino - afirma
da linguagem
feno-
verbal, passível de ser aplicada que o aspecto
depende de que se compartilhe
um "mes-
mo código lingüístico". Inclusive, apesar de sua fundamentação se apoiar marcadamente em uma visão romântica (Penna; Alves, 200 I), os Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de Arte no ensino fundamental
empregam
ocasionalmente
73
o termo "código",
como na
passagem
seguinte,
sobre o ensino de arte na "escola
tradicional":
"competia a ele lo professor] 'transmitir' aos alunos os códigos, conceitos e categorias, ligados a padrões estéticos que variavam de linguagem para linguagem" (Brasil, I 997a, p.l O). Acreditamos, empregadas,
entretanto,
em trabalhos
que muitas vezes tais noções
acadêmicos,
sem que haja consciência
coisa,
mas antes ganha
a sua significação
interior de todo um campo conceitual, do qual depende, atua na construção do próprio objeto de estudo. Em determinado
no
diferencia-
de museus, que influencia
muitos outros autores - como Porcher (1982) ou Porquin
(1982) - e
em que nos apoiamos em diversos trabalhos (ver, p.ex., Capítulo 2). Na referida obra, é bastante clara a influência da teoria da comunicação, como nesta passagem
acerca da apreciação
entre esses dois fatores, a recepção
ocorre em
esperadas
das de acesso à arte quanto da ação da escola na reprodução dessas condições. Essas noções são centrais, por exemplo, na clássica obra de Bourdieu e Darbcl (2003 - I a edição francesa de 1969), baseada em pesquisa empÍrica sobre a freqüentação
Desse modo, se não hou-
das
e dessa forma
socialmente
ver algum "desajuste"
ofertada.
são
momento, a noção de código e suas corrc1atas
foram úteis para a crítica tanto das condições
à informação
níveis ótimos, permitindo o resgate da mensagem original - neste caso, a mensagem é "corretamente" deci frada, ou seja, decodificada. Diferentes interpretações, portanto, não são tidas como naturais e
implicações decorrentes do modelo de comunicação do qual se origium nome nam. No entanto, uma noção teórica não é simplesmente que se dá a alguma
"ser proporcional"
em tal modelo,
consideradas
altamente
como "desvios",
normativo;
pelo contrário,
em relação a uma pressuposta
são
recep-
ção "padrão". Dessa forma, as noções de código e decodificação, embora possam ser úteis para a discussão de questões relativas à apreciação
artística
(porquin,
1982, p.39-44),
também
possibilitam
equívocos bastante graves, como o de se pretender que o ato pedagógico no campo da arte possa tornar "uma mensagem" capaz de "ser decodificada de modo idêntico por vários indivíduos - os alunos" (Porcher, 1982, p.19). Seja aplicada à linguagem
verbal ou às linguagens
artísticas,
a concepção de comunicação baseada na codificação e decodificação pressupõe um código (ou sistema lingüístico) tomado como um sistema formal plenamente determinado - enfoque cujos problemas já discutimos. Sendo assim, tal noção de comunicação é questionada até mesmo no próprio campo da lingüística:
de obras de arte:
I·.. 10 modelo textual desenvolvido a partir da teoria da Quando" a mensagem não pode ser decifrada senão pelos detentores de um código que deve ser adquirido por uma longa aprendizagem institucionaimente organizada, é evidente que a recepção depende do controle que o receptor tem do código ou, por outras palavras, depende da diferença entre o nível da informação oferecida e o nível de competência do receptor (Bourdieu; Darbel, 2003, p.120).
comunicação, que operava na dicotomia codijicaçào e decodijicaçc7o, tem que ser superado e substituído por um modelo construtivo, cognitivo c interacionista que permite ver o sentido como resultado de uma negociação realizada com base em suposições mutuamente acessíveis aos interaetantes (Marcuschi, 1995, p.46). Na área de artes, a persistência
Aqui, trabalha-se que a recepção
I
adequada
claramente depende
com um modelo idealizado, do domínio
do código,
em
que deve
No original francês, o termo utilizado é "Iorsque ". A nosso ver, no contexto da discussão desenvolvida, a tradução mais adequada seria "uma vez que".
74
de problemas
derivados
des-
sa concepção oriunda da teoria da comunicação exige esforços para a sua superação, ao mesmo tempo em que não se pode prescindir de alguma concepção de comunicação que sustente a discussão das linguagens
artísticas.
A noção da arte como meio de comunicação
expressão é corrente, embora sem uma maior explicitação, carregando muitas vezes fortes marcas de uma visão romântica, que mistifica 75
e
a arte e que não é capaz de sustentar para a democratização to, precisamos
um projeto
de ensino
do acesso à culturax. Para embasar
de uma noção de arte como comunicação
voltado tal proje-
e expressão
vinculada a uma concepção de linguagem, para que seja possível dar-lhe bases históricas e culturais - quer dizer, convencionadas. Entretanto, uma vez que a convenção não se configura como determinante absoluto, a linguagem artística não deve ser tomada como um sistema abstrato plenamente em cujo funcionamento necessária,
portanto,
determinado
se esgota a questão uma concepção
- como um "código" da significação.
aberta de linguagem
-,
Faz-se artística,
capaz de articular questões relati vas ao seu uso, à contex tual ização'J, à intencional idade e aos processos de interpretação, entre outras. Desse modo, a noção de linguagem atitude criadora convencionais
individualrelativos
em determinados
artística seria capaz de articular a
inclusive
aos princípios
momentos
históricos
Nos limites deste trabalho,
na apreciação
PARTE
11
- e os aspectos
de organização
que vigoram
e espaços sociais.
não pretendemos
esgotar
a ques-
tão das noções de arte como Iinguagem e como comunicação, ou apresentar uma resposta definitiva de como devem ser abordadas. Antes, levantamos necessidade
problemas e apontamos algumas direções, reafirmando a de rever tais noções, para que seja possível clarear as
concepções
que sustentam
MÚSICA(S) E
a nossa ação educativa.
CULTURA(S) Em sua pesquisa que analisa o discurso de professores de música na educação básica, Duarte (2004) mostra como persiste uma visão romântica da arte como comunicação e expressão, que influencia, inclusive, a concepção dos professores sobre o ensino de música (ver especialmente p.147-IS8). ~ Nesse sentido, é possível pensar, inclusive, em processos de "recontextualização". Como um exemplo, a nossa relação atual (audição em salas de concertos) com obras da música erudita que tinham originalmente outras funções - como a suíte (música para dança) ou o réquiem (música sacra, para missa fúnebre). São exemplos que evidenciam que a contextualização envolve aspectos culturais e conhecimentos de mundo, que podem diferir, conforme se trate do contexto da criação original, ou da apreciação nos dias de hoje. x
76
5. POÉTICAS MUSICAIS E PRÁTICAS SOCIAIS: reflexões sobre a educação musical diante da diversidade*
Como
reconhecer,
acolher
e trabalhar
com a diversidade
cultural no processo pedagógico? Esta é uma discussão que se coloca para todas as áreas de conhecimento que integram o currículo escolar, como um desafio constante na construção mente democrática, em um país multiracetado Se este é um desafio
constante,
de uma educação como o nosso.
ele se renova,
real-
atualmente,
das Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura aji'on° O I/2004, do brasileira e ajiricana, instituídas pela Resolução
diante
Conselho Nacional de Educação/CNE (Brasil, 2004b). Essas diretrizes atendem à Lei n° 10.639/2003, que altera a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação NacionallLDB (l "ei n" 9.394/1996), acrescentando-lhe o artigo 26-1\, que torna "obrigatório o ensino sobre História e Cultura I\fro-Brasileira" nos estabelecimentos de ensino fundamental
e médio (Brasil, 2004b, p.35). E o desafio se torna ainda
maior diante da ampliação
do artigo 26-1\, que passa a abranger
bém a história e cultura indígena I, como estabelecido 11.645, sancionada em IO de março de 2008. Nesse
artigo,
tratar as múltiplas
,
1
discutimos
manifestações
como a educação
tam-
pela Lei n" musical
musicais, que expressam
pode
poéticas e
Versão revista e ampl iada do artigo publ icado na Revista da 11BEM, Porto Alegre, n. 13, p. 7-16,2005. Agradecemos às contribuições, nesta revisão, de Eliane Brito de Lima. Pela Lei n° 11.64512008, o artigo 26-A da LDB passa a vigorar com a seguinte redação: "Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afra-brasileira e indígena" (Brasil, 2008a).
79
ções do multiculturalismo, que ressalta "o papel da educação e do currículo na formação de futuras gerações nos valores de apreciação à diversidade cultural e desafio a preconceitos a ela relacionados"
à relação
Nesse quadro, a noção de poética musical remete à eanção e entre melodia e poesia. Nesse sentido, Emmanuel Coêlho
Maciel
(1999),
(Canen,
pode-se
práticas sociais distintas.
Para tal, tomamos
2002, p.175). Com isso, não pretendemos
das referidas
diretrizes
dar indicações
curriculares
ra, mas antes contribuir
como base as contribui-
relativas
para as necessárias
acerca
03/2004
da
coloca
chamar de 'Po-
poesia e música
Mas poesia e música encontram-se
- CNE:
na internet2,
daquilo que poderíamos
Nessa concepção,
distintos, que se encontram e se entrecruzam do, então, a poética musical.
afro-brasilci-
discussões
plural idade, pois, como coloca o próprio Parecer
disponível
onde exista perfeita unidade entre letra e música",
falar da "existência
ética-musical'."
para a aplicação
à cultura
em texto atualmente
que, em "canções
são fenômenos
na canção, configurantambém nas semelhanças
entre os modos de estruturação de cada uma dessas Iinguagens, como nos mostra Lucia Santaella em seu texto "Poesia e músiea: seme-
É importante destacar que não se trata de mudar um foeo etnocêntrico marcadamente de raiz européia por um
lhanças e diferenças"
(2002), fundamentando-se
na semiótica:
africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares a música, ela também, no jogo de suas configurações, apresenta modos de engendramcnto que são típicos da função poética da linguagem, a saber, projeções de similaridade, nas suas mais diversas possibili-dades de atualiPoesia e música zação" sobre o eixo da contiguidade.
para a diversidade cultural, racial, social e econômica braÉ preciso ter clarCl.a quc o Ar!. 26-A acressilcira. cido ú Lei 9.394/1996 provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos, exige que se repensem rclações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de en1 ...
1 ...
1
1 ...
sino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas. (Brasil, 2004b, p.17)
Pensando a "poética Diante
sociais -, a primeira que se entende
necessidade
por "poética
- poéticas que sentimos
musical".
verbal, buscando
ticas próprias,
e práticas
foi a de delimitar
Num primeiro
que vem desde a obra Poética, de Aristóteles, linguagem
musicais
o
entendimento, 3
a noção se prende
à
o conceito de poesia e as suas caracterís-
em contraposição
à prosa (Massaud,
2002,
pA02).
Nesse sentido, são significados do substantivo feminino "poética", listados no dicionário eletrônico Aurélioséculo XXI: (1) arte de fazer versos;
(2) teoria da versificação;
da natureza,
da forma e das leis da poesia;
sobre a poesia ou a estética.
80
(3) crítica literária que trata (4) estudo
ou tratado
1
Enfatizamos que o texto de Maciel (1999) está disponível na interneI, ou melhor, a World Wide Web (Grande Rcde Mundial), que é uma mídia característica de nossa época, que tem permitido vencer as distâncias geográficas, disponibilizando uma quantidade e variedade infinita de informações e produções acessíveis rapidamente, a um simples toque. Assim, é interessante observar que nessa grande rede virtual convivem, também, diferentes concepções de poética musical, como veremos adiante. Ressaltemos quc os textos de Maciel (1999) e Lopes (1990) continuam acessíveis em 05/04/2008.
musical"
do tema escolhido
1
"Na terminologia do Círculo Lingüístico ele Praga, o conceito ele actualização dos meios lingüísticos cOlTesponde ao conceito de 'estranhamento' da linguagem elaborado pelos fonnalistas russos e significa que na linguagem poética, sob um ponto de vista funcional, o sinal lingüístico não constitui um instrumento veiculante de referentes preexistentes e externos a si mesmo - e daí o valor autónomo do sinal-e que, sob um ponto ele vista estrutural, a linguagem poética apresenta autonomia sistemática em relação a outras linguagens funcionais, realizando-se segunelo leis, modalidades e potencial idades específicas" (Silva, 1994, p.53). 81
são construções de formas, jogos de estruturação, ecos e reverberações, progressões e retrogradações, sobreposições, inversões, enfim, poetas e músicos são diagramadores da linguagem (Santaclla, 2002, p.46-47). Essas considerações
estendem
a noção de função poética da
linguagem verbal à música, como linguagem não-verbal. A função poética - como função estética - da linguagem discutida
pelos formalistas
de Praga, dentre eles Roman Jakobson.
Esse teórico discute o conceito de poeticidade
referindo-se
a uma fun-
ção estética ou uma função poética da linguagem. Quando essa função é dominante, os vários planos do sistema lingüístico (os planos fonológico, morfológico,
etc.) passam a ter valores próprios,
distintos
do papel apenas instrumental
cotidiana
- seja a linguagem
esses recursos lingüísticos ção, ganhando
autônomos,
que têm na Iinguagem
prática ou a linguagem estão subordinados
alto grau de automatismo
Essa perspectiva pressão
foi
russos, teóricos da literatura, e pelos estu-
diosos do Círculo Lingüístico
guagem poética, é aí, então, no coração da estrutura, que música e poesia, antes de tudo, se encontram. É aí que o musical da poesia se enlaça ao poético da música (Santaella, 2002, p.47).
"poética
então, estender
bete "poética"
para si mesmos, para "a sua forma externa e interna", e não para uma realidade extralinguística - orientação própria da função refereneial - ou para a subjeti vidade do autor - orientação própria da função expressiva (Silva, 1994, p.49-40). que a função poética da linguagem
que Santaella
(2002, pA7) apontou como constitutivas
da linguagem
verbal às diversas
de Nicola I\bbagnano
(p.772) ao verbete "estética"
(1998), remete o ver(p.367-374):
moderna e contemporânea. Isso não ocorria, porém, na filosofia antiga, em que as noções de arte e belo eram consideradas diferentes e reciprocamente independentes. fi. doutrina da arte era chamada pelos antigos com o nome de scu próprio objeto, poelica, ou seja, arte produtiva, produtiva de imagens I...), enquanto o belo (não incluído no número dos objetos produZÍveis) não se incluía na poética e era considerado à parte (fl.bbagnano, 1998, p.367).
ver-
de formas,
De fato, segundo Massaud (2002, pA02), "o pensamento estético começou pela poesia (Platão, Aristóteles) e durante séculos não conheceu
sica quanto da poesia: Se o modo de estruturação da linguagem musical guarda muitas semelhanças com o modo de estruturação da lin-
outro objeto",
Essa concepção
tanto da múprocessos
82
na própria
Com esse termo lestéticaj designa-se a ciência (filosófica) da arte e do belo. 1... 1 Dissemos "arte e belo" porque as investigações em torno desses dois objetos coincidem ou, pelo menos, estão estreitamente mescladas na filosofia
(Silva, 1994, p.53). Assim,
na construção
ressonância
verbal
à função de comunica-
nos jogos de estruturação,
a idéia de poética
Dicionário defilosofia,
teórica -, em que
bal baseia-se
que encontra
linguagens artísticas não-verbais, dentre elas a música, tratando por poética o seu processo estético e de criação. Nesse mesmo sentido, o
1
Fica claro, portanto,
musical",
mais ampla da ex-
etimologia do termo "poesia", que, do grego poíesis, significa "ação de fazer, criar, alguma coisa" (Massaud, 2002, p.402). É possível,
das diversas análises que Jakobson consagrou à função estética, ou função poética, da linguagem verbal j.., I ~onclui-se que, em seu entender, nos textos em que aquela função actua como dominante as estruturas verbais adquirem valor autónomo, orientando-se os sinais lingüísticos 1 ...
permite uma concepção
estéticos
ampla de "poética
e de estruturação
musical",
da linguagem,
vinculada está presente
I 'xlo de José Júlio Lopes (1990) sobre a música contemporânea, hém atualmente disponível na internet, onde convivem diferentes "pções
de "poética
musical",
Diz o referido autor:
83
aos no tamcon-
Um número crescente
de obras oriundas
Contribuições do multiculturalismo para pensar a educação musical
da chamada
música contemporânea apresenta formas e configurações radicalmente diferentes da tradição r ... ); são obras estruturadas e concebidas como objectos estéticos de organi-
Até aqui, desenvolvemos
discutimos artísticas.
modos de selecionar
ções através da linguagem
sons e organizá-Ios,
através
só se realiza em diferentes
de diferentes
manifestações
musicais,
contextualizadas,
sociais: distintas ções, de socializar sonora daquela produzir
poéticas
musicais,
a dominar
com poéticas
funções diferenciadas. Por outro lado, podemos
os princípios
por princípio,
educar.
na escola,
significa-
de construção
musicais
distintas,
também
situar a educação
que cumprem
embora
como
quando submetieducativos
caiba à instituição
dizem respeito
à prática escolar
Por outro lado, nas propostas
passamos
a
com a diversidade
nas diversas
curriculares
que
linguagens
para o ensino
musical diante da diversidade,
p.175) como um "movimento para os desafios
não se escolar,
cultural
nos campos
para a construção
esta que se vincula à "imposição
a todos os membros da sociedade"
p.20). Assim,
toma-
por Ana Canen (2002, do saber".
"teve início em países nos quais a diversidade
tural é vista como um problema nal", unidade
definido
teórico e político que busca respostas
da pluralidade
multiculturalismo
a preocupação
da unidade
nacio-
de uma cultura,
(Gonçalves;
com a multiculturalidade
O culdita
Silva, 2000, resulta
dos
desafios colocados por sociedades cada vez mais plurais e menos homogêneas, em que convivem diversas etnias, hábitos culturais e valores diferenciados - por vezes em conflitos. Países como a Inglaterra, antigos colonizadores, viram-se diante da necessidade de lidar com a diversidade colônias.
tas plurais
cultural
resultante
'onceitos,
para incorporar
de imigrantes
o multiculturalismo
a di versidade
cultural
de suas antigas busca "respos-
e o desafio
nos diversos campos da vida social, incluindo
(Canen, 2002, p.178). Questionando 'ultura dominante, ;1
o currículo
o multiculturalismo
'olher a diversidade
para a formação
84
Agora,
de arte de modo geral, pois muitas das questões
Por seu caráter político,
uma prática social, muitas vezes institucionalizada, apenas
práticas
grupos sociais podem
da ao sistema escolar. Vale lembrar que processos desenvolvem
e
de usufruir/con-
de construir
poética, etc. Assim, diferentes
e trabalhar
dife-
são social
a diversas
modos diversos
manifestações e aprender
musicais
articulando-se
poéticas implicam
sumir determinadas
ou seja,
que expressam
mos o ensino
Para pensar a educação
de que,
(no plural),
musicais.
musical pode trabalhar
explici-
de manifestações musicais presentes no mundo de hoje, que expressam diferentes poéticas. Para tanto, em alguns momentos, aborda-
superior,
rentes poéticas. Por sua vez, as diferentes culturalmente
músicas
de poéticas
como a educação
mos como base o rnulticulturalismo,
criando significa-
É bom tomar consciência
musical.
discutir
considerações,
fundamental e médio, a música faz parte da área de conhecimento Arte (Brasil, 1997a, 1998a, 1999).
quando falamos de "a linguagem musical" ou "a música", estamos trabalhando em um nível de abstração. A "linguagem musical" só se concretiza,
nossa concepção
dc novas poéticas (Lopes, 1990). Vê-se, portanto, que é possível considerar "poéticas musicais" como di ferentes estéticas, modos distintos de criação musical, diferentes
tando
z.ação instável e de contornos indefinidos como resultado de novos procedimentos, de novas direcções e de novos parâmetros numa prática que operou profundos e sucessivos cortes com o passado, vivendo o conflito e as tensões que opõem os velhos métodos e os seus resultados à busca incessante de novas formatividadcs e ao aprofundamento
algumas
cultural
de cidadãos
presente tolerantes
85
a pre-
a educação"
como expressão
busca propostas na sociedade, e democráticos.
da
que possam contribuindo
o
debate
interculturais
e a teorização
na educação
interagem
diferentes
diferentes
concepções
sobre
constituem
posições
as perspectivas
teóricas
e políticas.
de multiculturalismo
ções que se encaminham
multi
um campo complexo, Estudos
e
no qual sobre as
no Brasil" revelam posi-
para uma perspectiva
multi/intercultural,
propondo uma "análise semântica" dos prefixos multi-, pluri-, intere trans-, tentando esclarecer o conflito conceitual dos termos. Conforme Silva (2003, p.48), por mais que a bibliografia beleça associações
com o "multiculturalismo
a respeito esta-
crítico de resistência"
proposto por Peter McLaren', "um significativo grupo de pesquisadores da multiculturalidade e educação apontam para um consenso no uso do termo interculturalidade", buscando discutir formas pedagógicas de intervenção A mudança
na realidade
de designação
multicultural.
é justificada
pela significação
do
prefixo inler-. que expressa o sentido de interação, troca, reciprocidade e solidariedade entre as culturas, sendo, o diálogo, imprescindível, nesta perspectiva. na direção grupos
Nessa medida, a interculturalidade
de novas possibilidades
diferentes,
buscando
de relação entre sujeitos
promover
o reconhecimento
renças culturais e, ao mesmo tempo, estabelece interati va e de dinamicidade entre elas.
4
5
uma mudança
e entre
pela "tradição"
de perspectiva
de seu uso no campo da arte. Mas o tomamos
em uma
perspectiva crítica e, paralelamente, procuramos explicitar a noção de cultura que baseia a nossa discussão pedagógica. No campo do ensino de arte, a questão da multiculturalidade vem se colocando em certos círculos acadêmicos brasileiros há algum tempo. A inglesa RacheI Mason é uma especialista
e pesquisa-
dora da multiculturalidade, e, desde sua participação no Congresso da Federação dos Arte-Educadores do BrasiIlFAEB, em 1990, mantém intercâmbio com núcleos acadêmicos da área em nosso país (Barbosa, 200 I, p.8), tendo sido aqui publicado, em 200 I, o seu livro
Por uma arte-educação multicuftural (Mason, 200 I). Por outro lado, a arte tem cumprido movimento do multiculturalismo:
importante
papel
no
das difeSe admitirmos que tanto a força quanto o potencial crítico do multiculturalismo residc nas formas de expressão que seus adeptos util izam na esfera públ ica, somos levados a aceitar que foram as artes as responsáveis pela rápida difusão desse movimento. Ofereceram uma linguagem mais que adequada (Gonçalves; Silva, 2000, p.29).
não acarree de posicio-
Ver, entre outros, Canen, Arbaehe c Franco (200 I). Para uma boa exposição sobre esta discussão, ver Lima (2007, p.22-31). MeLaren (1997, p.123) defende um "multiculturalismo crítico de resistência", no qual se deve questionar o essencialismo monocultural de toda forma de centrismos: "O multiculturalismo de resistência também se recusa a ver a cultura como não-conflitiva, harmoniosa c consensual. A democracia, a partir desta perspectiva, é compreendida como tensa - não como um estado de relações culturais c políticas sempre harmonioso, suave e sem cicatrizes. O multieulturalismo de resistência não compreende a di versidade como uma meta, mas argumenta que a diversidade deve ser afirmada dentro de uma política de crítica c compromisso com a justiça social".
86
200 I, p.76). Concordamos com esse questionamento, entendendo que a concepção é mais importante que a designação adotada. Assim, mantemos como preferencial o uso do termo multiculturalismo, até
uma relação crítica,
No entanto, a si mples mudança de nomenclatura ta, automaticamente,
avança
namento. "Não será a concepção de inter/multiculturalismo que adotarmos mais importante que o prefixo a ser empregado?" (Moreira,
A influência leira
revela-se,
dessa abordagem
por exemplo,
na política educacional
na presença
do tema
brasi-
transversal
Pluralidade Cultural nos'parâmetros Currieulares Nacionais (PCN) para os diversos níveis do ensino fundamental. Os temas 'transversais são questões
que devem "atravessar"
o currículo,
sendo tratadas
em
todas as áreas de conhecimento, estabelecendo relações entre os conhecimentos teoricamente sistematizados e as questões da vida real. Uma vez que toda manifestação artística é uma produção cultural, o "tema da plural idade cultural tem relevância especial no ensino de arte, pois permite ao aluno lidar com a diversidade
87
de modo positivo
na arte e na vida", como dizem os próprios Parâmetros 5" a 8" séries (Brasil,
O multiculturalismo ção ampla educação
artísticas,
musical.
uma condição
as múltiplas
Uma concepção
musical possa atender
Por outro lado, a concepção
turalidade contribui para a ampliação norteia nossa postura educacional. Em suas origens,
da concepção
o movimento
étnicas,
de música que
multiculturalliga-se
cultural"
(Gonçalves;
p.28). Assim, a nosso ver, a postura multiculturalista tes grupos musicais
de produções
artísticas
e musicais,
sociais que produzem
ou adotam
a
a diferenpoéticas
as referências
educação
não podem se restringir
enraíza
musical
na cultura européia.
sidade de manifestações Como linguagem
discutido
cultural,
para as práticas
Torna-se
pcdagógicas
em que se
abarcar
nos Capítulos
a diver-
I e 2, sendo a música
um tipo de música se torna significativo cotidiana,
de organização
sonora,
com a sua poética.
uma com Em
contrapartida, a música que não faz parte de nossa experiência vista com "estranhamento". Essa atitude de estranhamento desconsideração
mercadoria/o
Nesse qua-
como familiar, compreensível
é e
que envolve massificação,
todos os cidadãos
trabalhar
brasileiros,
a partir da realidade
desenvolver
e
"nova" para
integra o contexto ou procurar no cotidiano
de modo que é mais
de vida de nossos
o seu senso crítico. J\fi nal, a educação
alunos, musi-
cal na escola básica (em como objetivo LIma mudança na experiência de vida e, especialmente, na forma de se relacionar com a música e com a arte no cotidiano. No entanto, como mostra Duarte (2004, p.134), é corrente a visão da "música 'da mídia' I...] como elemento estranho ao professor do seu trabalho".
[de música),
algo que o perturba,
Embora sejam bem-vindos cultural,
criar uma polarização
ou "superior"
estudos críticos sobre a indústria
entre ela e LIma arte dita "verdadeira"
é uma atitude reducionista
sidera, inclusive,
o complexo
que está fora
processo
e improdutiva, histórico
que descon-
que cerca a produ-
em relação à vivência musical do outro muitas vezes
se articula a uma crítica às produções considerar
que, nas sociedades de consumo, os bens
sociocultural em que vivemos, e não cabe negá-Io excluí-Io. O fato é que a música da mídia está presente
para nós
nos familiarizamos
a música - tornam-se
que possa ser reconhecida
procurando
musicais, incluindo as populares e as da mídia.
na medida em que, pela vivência os seus princípios
indispensável
novidade
produtivo
por particularida-
à música erudita,
- incluindo
de praticamente
des de classe, de região OLlde geração, por exemplo. Como conseqüência dessa postura,
culturais
Esse processo,
Silva, 2000,
vinculadas
como suas, sejam esses grupos marcados
historicamente essa questão, compreendendo industriais capitalistas, centradas no mercado
espaço
determinadas
de bens culturais leva, sem
portanto significativa, e ao mesmo tempo suficientemente levar à compra do atual "sucesso das paradas".
basica-
deve abarcar
massificada
dro encontramos a repetição incessante de fórmulas composicionais, com pequenas variações para configurar uma novidade, mas uma
da multicul-
mas pouco a pouco "vai cedendo
para outros aspectos da dominação diversidade
da
ampla de música é, por um lado,
para que a educação
multicultural.
mente às questões
e diferenciadas
e o mesmo se coloca no campo específico
necessária
à perspectiva
de abarcar
A lógica da produção
dúvida, a uma padronização excessiva, relacionada à homogeneização do gosto e à ampliação do consumo. Mas é necessário contextualizar
no ensino de arte implica uma concep-
de arte, capaz
manifestações
para Arte nas
1998a, pAI).
o outro como "vítima"
mídia. Isso merece uma reflexão
da indústria cultural, passiva
e alienada
levando a
do poder da
mais profunda6
(, Para tal, retomamos, nos próximos parágrafos, a discussão desenvolvida em Penna (2003a, p 9-10).
88
'/ Ao discutir a expansão dos mercados, para a qual contribui "a obsolescência planejada dos produtos, a fim de poder vender outros novos", diz Garcia Canclini (2005, p.220): "Na verdade, as políticas industriais que tornam emprestáveis os aparelhos elétricos a cada cinco anos, ou desatualizam os computadores a cada três, bem como as políticas publicitárias que põem fora de moda a roupa a cada seis meses e as canções a cada seis semanas são modos de administrar o tempo".
89
ção artística.
Por um lado, cabe abordar
mente, compreendendo,
como mostram
que o gosto revela uma competência capital cultural desenvolvido
a questão
do gosto critica-
Bourdieu
e Darbel
estética,
gradualmente,
sendo produto
e familiarização
o que depende,
portanto,
Nesse sentido,
Subtil (2003), em sua pesquisa
música mediática
com determinados
entre crianças legítima',
em que se vive.
sobre a recepção
de 9 a II anos, comenta:
da
decorre
ausência do 'capital cultural' [... [. A maioria das crianças tadas afirma não conhecer o universo da cultura erudita,
entrevisconside-
pela indústria
mente,
as relações
"populares"
cultural
é necessariamente
entre as esferas
são intrincadas.
gerem as simples Shakespeare como
muito mais complexa Nunca é demais
dicotomias.
escrevia
suas peças para serem
entretenimento
num teatro
popular;
do que sulembrar
ratura
brasileira,
foi escrito
semanalmente
ou que Mernú-
to), muito semelhante,
(para citar só dois) escreveram encomenda
direta
(raraco,
A proposta
às novelas
como muitas
de seus meccnas
do cotidiano
(isto é,
para consumo
nesse sentido,
são de hoje; ou que compositores
tas, eventos
da lite-
na forma de folhetim
no jornal
imedia-
Bach ou Mozart
para ornamentar horas
sob fes-
de ócio
200 I, p.128).
para música
dos Parâmetros
de música
bastante
aberta, considerando
90
e a qualidade
defendendo
uma educação
esté-
musical que contribua
- em alcance e qual idade-- da ex periência a oposição
do
cultural,
de sua experiência
cultural de nossos alunos, cabe adotar uma concepção
artística e
ampla de mú-
entre popular
e erudito,
procure apreender todas as manifestações musicais como significativas - evitando, portanto, deslegitimar a música do outro, através da imposição de uma única visão.
prática
Assim, a concepção
de música e de arte que embasa
pedagógica
suficientemente
torna-se
ampla
a nossa
para abarcar
a
multiplicidade, indicando o diálogo como prática e princípio para lidar com a diversidade. O diálogo como princípio baseia-se numa concepção di nâmica de cultura, que a entende como "viva", em constante processo. Se as linguagens artísticas - e suas diversas poéticas - são "historicamente construídas", esta construção histórica não se encontra apenas atrás de nós, em algum momento passado, mas se processa também no momento presente, através das nossas escolhas em relação às produções artísticas e a seu "consumo".
o diálogo Como
Curriculares
Na-
a diversidade
como princípio
vimos,
interculturalidade, clara, o sentido
cionais para Arte (Brasil, 1997a; 1998a; cL tb Penna, 200 I c), uma orientação oficial para a prática pedagógica nas escolas, revela uma concepção
a
de televi-
de suas peças
ou preencher
que
apresentadas
rias de um sargento de milícias, hoje um clássico capítulos
e
a vivência
o alcance
sica e de arte que, suplantando
Afinal, como mostra Faraco (200 I),
é certamente
J\ questão
ditas "eruditas"
que tome como ponto de partida
com a música popu lar e com a indústria
ruim e, historica-
de produção
assim, o desafio de superar
aluno, sua relação
para a expansão
da
rando-o estranho, longínquo e inacessível" (Subtil, 2003, p.23-24). Por outro lado, é preciso considerar que nem tudo que é produzido
musical
Portanto,
com o universo erudito
e trazendo,
buscando ampliar tico-musical.
"A análise
no caso a música clássica,
musicais
histórica dicotomia entre música erudita e popular. A proposta para as sa a 8' séries do ensino fundamental, especialmente, busca uma educação
bens simbólicos,
sociocultural
dos dados revela que a falta de familiarização ou com a 'cultura
de um
desde a infância, através
da frequentação
do ambiente
de manifestações
(2003),
alguns
autores
por considerarem de interação,
necessário propõem
o uso do termo
que manifesta,
troca, reciprocidade
de forma mais e solidariedade
entre as culturas. Lima (2007, p.31), por exemplo, defende que, na educação, "o termo interculturalismo indica uma relação de reciprocidade, ou seja, marca uma convivência solidária onde as trocas são mútuas,
proporcionando
que estão envolvidos
aprendizagem
nesta relação".
91
e enriquecimento
Nesse sentido,
aos
a perspectiva
interculturaI
pode estimular,
na prática pedagógica,
um processo
de
tam, por exemplo, suas experiências, bem como O impacto das aulas sobre as mcsmas), fichas de observação e outros instrumentos ajudam nesta trajetória. O ajuste de rotas que a avaliação diagnóstica multicultural permite, pode desafiar noções de multiculturalismo que, muitas vezes, tratam da diversidade cultural de forma abstrata, como se esta estivesse presente apenas na sociedade mais ampla./\ avaliação concebida de forma multicultural volta-se justamente ao reconhecimento da diversidade cul-
reflexão-ação-reflexão, em que a relação de alteridade seja considerada e o diálogo, fundamental. "A ênfase na relação intencional entre sujeitos de diferentes relação
intercultural",
culturas
portanto,
uma perspectiva
multicultural
o traço característico
da
Fleuri (2000, 1'.8 - grifos do origi-
segundo
nal). Realça-se,
constitui
a intencional idade: o educador para intercultural
quando
avança
de
se empenha
na construção e efetivação de um projeto educativo intencional que promova a relação entre pessoas de culturas diferentes. Assim, "o
tural c da construção das diferenças também no interior da sala de aula concreta em que o professor atua (Canen,
trabalho intercultural pretende contribuir para superar tanto a atitude de medo quanto a de indiferente tolerância ante o 'outro', construindo uma disponibilidade cultural"
para a leitura
positiva
da pluralidade
2003, 1'.17).
(Pleuri, O diálogo
Como
entrc diversas
manifestações
do em sala de aula, pode promover pliação do universo
artísticas,
a troca de experiências
de uma turma sentam juntos
e moram
for orientado
no mesmo
bairro,
perdida
troca com as expressões
de "pedagogia
a riqueza
que poderia
e práticas
musicais
na proxi-
Assim, se o
apenas pela experiência
da maioria - no que a autora denomina será certamente
e a am-
básica, se os alunos
midade da escola, isso não torna essa turma homogênea. pedagógico
trabalha-
cultural dos alunos. Como coloca Santos (1990,
1'.41-42) em artigo sobre a música na educação
trabalho
2002, p.190).
social c
musical
do agrado"
ser propiciada
guetos
de grupos minoritários.
central
modo de tratar a diversidade,
podem evitar a "guetização"
o diálogo
- o processo
-, um dos riscos do multiculturalismo,
da guetização
acontece
cidades culturais
quando,
de diferentes
e a troca de de fechar em
apontado
outros, Canen (2002) e, no campo da arte, Peregrino
por, entre
(1995). O risco
em nome de valorizar
grupos, especialmente
as especifi-
daqueles
histo-
ricamente dominados, acaba-se por prender esses grupos no gueto de sua particularidade, isolando-os.
-,.
pela
Para que seja possível efetivar esse diálogo e troca de experiências, é fundamental conhecer a vivência dos alunos. Nesse sentido, a "avaliação diagnóstica multicultural" é um componente em currículos multiculturalmente orientados:
experiências
No entanto,
dentro do próprio
lismo, há posições divergentes expressivo
dessa problemática
da reserva
indígena
Raposa
movimento
do multicultura-
a respeito da guetização.
Um exemplo
é a discussão em torno da demarcação Serra do Sol, em Roraima,
que abarca
extensa área, onde já existem "três pequenas cidades, quatro vilarejos, oito estradas e catorze grandes lavouras de arroz" (Cabral, 2005, 1'.61). Antecedendo
a homologação
2005, pelo Presidente
da criação da reserva, em abril de
da República,
uma reportagem
na televisão
O trabalho de avaliação diagnóstica implica um acompanhamento contínuo das atividades desenvolvidas no
mostrou depoimentos de índios que tinham posições distintas: alguns defendiam a demarcação da reserva em território contínuo - como de
currículo em ação. O objetivo é o conhecimento dos universos culturais dos alunos, bem como em que medida o
tínua que preservasse
diálogo entre estes e os padrões culturais abraçados pelo professor está sendo bem-sucedido. Trabalhos em grupo, testes, provas, diários reflexivos (em que os alunos rela-
92
fato ocorreu -, enquanto
outros defendiam
as cidades,
uma demarcação
declarando
isolados.
Como mostra Cabral (2005, 1'.61-63), a própria
indígena
está dividida:
reserva demarcada
embora
lideranças
em terras contínuas
93
não-con-
que não queriam indígenas
população
declarem
é imprescindível
se ver que a
para a pre-
servação
de sua cultura,
costumes
e organização
social,
não são
poucos os índios "que também protestam contra a demarcação e a subseqüente expulsão dos brancos e suas delícias - como luz elétrica, televisão,
celular,
dinheiro".
Certamente,
é uma discussão
muito
complexa, que não pretendemos encerrar, mas que exempli fica a problemática da guetização e, mais ainda, do fechamento em território próprio. No campo curriculares culturais
que se voltam
específicos
se pensarmos
a guetização
exclusivamente
levaria
a propostas
ao estudo
dos padrões
do grupo. Essa postura é bastante
no amplo e diversificado
da humanidade, manifestações
da educação,
se considerarmos
a multiplicidade
musicais, expressando
sição a esse enfoque exclusivo po, Canen (2002, p.18S-187) leve a "pensar em estratégias
patrimônio
acontece
se enriquece renovações.
Em opo-
vezes, a guetização
incorporou elementos da tradição aero-brasileira (Gonçalves; Silva, 2000, p.29-30).
os
Um outro risco do multiculturalismo
está ligada a uma idealízação
levando ao "congelamento" ou "fixação" de das raíz'es culturaisx, práticas culturais, o que nega o caráter vivo e dinâmico da cultura e
essa fixação das práticas culturais "folclorismo":
da sociedade. Este é um risco a evitar, por exemplo, ao tratar a cultura afro-brasileira e indígena, como determinado com a inclusão do Artigo 26-A na atual LOB. É preciso enfocar a contribuição
negra e
Para uma discussão da idealização das raÍzes, ligada ao questionamcnto das noções de perda de identidade c desenraizamento, ver Penna (2002e). Embora abordada no quadro da migração, a discussão das bases epistemológieas e do valor heurÍstieo de tais noções pode ser útil para áreas de estudo que se valem das mesmas noções para tratar, por exemplo, a questão da identidade cul tural.
94
na educação,
de determinados
Trata-se da redução tiva de valorização aspectos folclóricos versos. Perspectivas
indígena em nossa cultura como um processo dinâmico, evitando tomar práticas culturais como emblemas fixos, como muitas vezes
K
com intercâmbios, reapropriações, ressignifieações, Nesse sentido, é bem interessante a discussão de Luiz
transformados. Basta lembrar que, em algumas cidades brasileiras, o reggae virou .I'amba-reggae c, em outras,
articulações,
intercâmbios interculturais", sendo a base desse trabalho o diálogo, e "jamais o monólogo que aprisiona os sujeitos exclusivamente em seus
Muitas
e
sido esse o caso do rap e do reggae? Ambos nascem na Jamaiea. Onde chegam, aglutinam, prioritariamente, jovens negros, o que Ihes conf'cre um caráter eminentemente étnico. Mas são imediatamente
quase infinita de
modos de ver o mundo" - e, podemos acrescentar, que aprisiona sujeitos nos seus próprios padrões estéticos e artísticos.
se transforma
Maranhão, Nova lorque e Lisboa. Em cada lugar que se instala, impregna-se de outras formas musicais. Não teria
artístico e cultural
que permitam
cultura
Ele pode, por exemplo, ter sua origem na Jamaica, em Kingston e migrar para São Paulo, Paris, São Luiz do
das práticas musicais próprias do grupropõe que a abertura ü diversidade curriculares
Pois a própria
Alberto Gonçalves e Petronilha Gonçalves e Silva (2000, p.29-30) sobre o que chamam de "fenômeno musical do mu!ticulturalismo", que é híbrido e miscigenado:
reducionista,
poéticas diferenciadas.
em livros didáticos.
ligado a
grupos, é cair no
do multieulturalismo a uma perspecde costumes, festas, receitas c outros e "exóticos" de grupos culturais dieurrieulares que reduzem o multieul-
turalismo a momentos de "feiras de culturas", celebração do Dia do Índio, Semana da Consciência Negra e outras formas mais pontuais podem correr esse risco (Canen, 2002, p.182). Esse risco é particularmente acentuado na área de arte, devido à prática, ainda corrente, de vincular as atividades a serem desenvolvidas
nas aulas de arte ao calendário
95
de datas comemorativas,
o
que é reforçado
por diversos livros didáticos.
do ao congelamento
O folclorismo
e à fixação das práticas culturais,
está liga-
na medida em
que trabalha com a idéia do "típico", que nega o dinamismo ra e muitas
vezes cai em estereótipos.
especificidade
de diferentes
congelar
suas práticas,
culturais
e artísticas.
Reconhecer
e valorizar
grupos não implica, necessariamente,
desconsiderando
o caráter
Assim, o folclorismo
expressa
relações
a valori/,ação
que preconiza
em
o que Canen e
de "multiculturalismo
liberal ou de
da diversidade
cultu-
ral sem questionar a construção das diferenças e estereótipos". Por sua vez, "o multiculturalismo em sentido mais crítico, também denominado
perspectiva
são. Esforça-se
intercultural
em integrar
I...], busca superar
crítica
ocasiões
folclóricas
A nosso ver, o que o multiculturalismo ção musical
_. e, de modo mais amplo,
necessidade
de trabalhar
ticas, considerando cada escola
poderia
vozes dos "grupos centivando
em determinado buscar, culturais
no espaço
artís-
conforme
Nesse sentido,
da aula de arte, acolher
plurais"
guetização
evitar
a guetização
que a constituem,
e, mais ainda,
resulte na inversão da oposição
de certo modo, exclua eruditas,
ção européia
as possibilidades
as in-
responsável
que esta
entre popular e erudito, e, de diálogo
por serem estas julgadas
e ocidental,
evitar
com as formas
a expressão
da civiliza-
pela opressão de padrões cultu-
rais outros, de grupos não-dominantes. Certamente,
esse modelo da cultura européia. dita é também
Entretanto,
parte do patrimônio
cultural
em grande medida,
por um lado, a arte eruda humanidade;
é mais
uma manifestação, ao lado das demais. Por outro lado, as produções eruditas também estão sujeitas a diferentes apropriações, e tampouco devem
ser congeladas
ou idealizadas.
96
l~ possível,
portanto,
e reflexão,
pode superar
a um processo
manifestações
oposições
promovendo reapropriações significativas riências culturais. O desafio é ultrapassar
da arte
e dicotomias,
e o intercâmbio de expea oposição entre música
popular e música erudita, não pri vilegiando algum desses campos de produção em detrimento do outro, para poder conhecer, usufruir e dialogar com o vasto universo versas poéticas.
Entendemos
de produções
musicais,
com suas di-
"uma
finais
que o objetivo
último do ensino de arte na edu-
cação básica (aí incluída a música) é ampliar o alcance da experiência
artística dos alunos, contribuindo
e a qualidade
para uma participa-
ção mais ampla e significativa na cultura socialmente produzida _ ou, melhor dizendo, nas culturas, para lembrar sempre da diversidade. O efeito de um ensino que realmente cumpra esse objetivo vai além dos muros da escola, modificando o modo de o indivíduo se relacionar
com a música e a arte. Para que o ensino de arte possa de
fato contribuir da vivência
para essa ampliação
do aluno e promover
de manifestação para tal.
artística.
No entanto, apropriações,
as formas eruditas retratam,
2002, p.64). Submetidas
e a reflexão
Considerações
o diálogo entre essas diversas vozes (Canen, 2002, p.I78).
Pois é preciso
artísticas
inclusive
Oliveira,
mais
de manifestações
grupo cultural.
e étnicos
mule o diálogo
dos preconceitos
para o ensino de arte -, é a
com a diversidade
(Canen;
sínteses interculturais
e da cultura eruditas podem ser ressignificadas. Assim, um processo pedagógico que acolha a plural idade de produções artísticas e esti-
indica para a educa-
a todas corno significativas,
sua contextualização
essa vi-
a discussões
amplas sobre a construção histórica das diferenças, e formas de superá-Ios" (Canen, 2002, p.183).
criativas"
das culturas, buscando promover
de diálogo cultural, questionamento a
vivo das práticas
Oliveira (2002, p.63) denominam humanas,
da cultu-
reinterpretação
da experiência
o diálogo com as múltiplas
E o multiculturalismo
o multiculturalismo
até mesmo conflitantes.
analisando perspectivas nifica coisas diferentes
cultural, deve partir formas
nos traz indicações
está sujeito
a diferentes
Como diz Mason (1999, p.16),
em arte-educação, "multiculturalismo sigem contextos nacionais e regionais diferen-
tes". Mas, como Ana Canen (2002), acreditamos que a resposta está, sempre, no diálogo, na troca e no intercâmbio, baseados no respeito pelas diferentes zes curriculares
relativas
vivências. à cultura
97
Nesse mesmo sentido, afro-brasileira
as diretri-
colocam
que "a
educação
das relações étnico-raciais
cos e negros, projeto
trocas
conjunto
equânime"
impõe aprendizagens
de conhecimentos,
para construção
quebra
de uma sociedade
Sem dúvida,
o diálogo e a troca de experiências
cal. Se, como professores,
livro didático,
sequer seremos
capazes de iniciaresse
será desconsiderar,
para o diálogo
com seus modelos
de buscar e construir
o aluno e acolher
às indica-
escolares
de arte,
a vivência do alunoenfim. Pelo contrá-
os caminhos
inicia-se com a disposição
as suas práticas culturais.
necessários em olhar para
E essas práticas
bem mais do que mera questão de gosto pessoal,
respeito às histórias de diferentes
podem dizendo
grupos, nas suas lutas pelo direito a
sua especificidade e a seus valores próprios. Enfim, o multiculturalismo indica que as aulas de música e, de modo geral, de arte podem também contribuir para "a formação de cidadãos abertos ao mundo, flexíveis em seus valores, tolerantes e democráticos"
(Canen,
2002, p. 176). Mas isso na medida
nossas aulas forem capazes de acolher a diversidade te na sociedade
e trabalhar
e mesmo os educadores posta orientadora
que discutem
concretas cientes
para tanto, a discussão
pensáveis
em concerto, tradicionais já tínhamos
reunindo
diversos
grupos
musicais
- de populares
a outros de caráter mais contemporâneo; alguns de que ouvido falar, outros totalmente desconhecidos. Por uma
curiosidade e interesse próprios de quem atuava com educação musical e trabalhava com questões de identidade regional, levamos para casa esse CD c não nos arrepcndemos;
pelo contrário,
nos a diversidade
e a multiplicidade
mos em adquirir
os CDs e as fitas de vídeo de mesmo
apresentadas.
encantaram-
Assim, não hesitatítulo, com
capas diversas (e conteúdos diferentes), com os quais fomos nos deparando em muitas ocasiões nos anos seguintes. Procurando discutir o tema "Diversidade Cultural, Linguagens
e Identidades",
considerando-o tões como:
examinamos
estimulante
esse material com novo olhar,
e adequado
para a discussão
de ques-
de as propostas Entretanto,
e a reflexão
o que
como pro-
a sua dificuldade
significa fazer arte ou música no mundo contemporâneo? E quando essa atuação acontece em Recife/Pernambuco/ Nordeste/Brasil?
em
e concepções
em ação - ou seja, resultarem
da prática escolar cotidiana.
questionar ternativas.
cultural presen-
o multiculturalismo
reconhecem
chegar à sala de aula, a dificuldade no currículo
em que
Há alguns anos, encontramos por acaso, nas prateleiras de CDs de um hipermercado de Recife, um CD intitulado Pernambuco
com ela. Para tal, não há receitas prontas,
dos currÍCulos
se
em mudanças
embora
O que faz ser nordestino, ou na música')
não sufi-
são, sem dúvida,
seja na vida, nas artes, na literatura
indis-
para darem um rumo às nossas buscas, para que possamos os padrões
de nossa própria
98
*
musi-
diálogo, pois nossa tendência
desqual ificar e desvalorizar
intercultura!
GLOBALlZAÇÃO E IDENTIDADE O projeto "Pernambuco em concerto"
presos a nossos padrões
a sua música, a sua dança, a sua prática artística, rio, a possibilidade
MÚSICA(S), REGIONAL:
são indica-
gosto, ou simplesmente
ções de algum
traduzirem
6.
igual,
em arte e em educação
nos mantivermos
presos a nosso próprio
significar
justa,
(Brasil, 2004b, p.14).
ções viáveis para o trabalho pedagógico pessoais,
entre bran-
de desconfianças,
prática e construir
novas al-
,
Versão retrabalhada do texto: "Pernambuco em concerto": identidade regional e cidadania cultural. In: t=olóquio Internacional Cidadania Cultural, 2., 2007, Campina Grande. II Cidadania Cu/fural: diversidade cultural, linguagens e identidades. Recife: Ed. Universitária/UFPE, 2007. v. 2. p.563-577.
99
Que tipo de postura contribui dania cultural?
Apesar educação
de não abordarem
para a efetivação
temáticas
da
geram reflexões que podem con-
tribuir para o enriquecimento de nossas práticas pedagógicas. porque trabalhamos com produções artísticas historicamente
Isso si-
tuadas e contextualizadas, de modo que as profundas e rápidas mudanças da contemporaneidade exigem um contínuo questionamento das noções que embasam nossa prátiea, como aquelas relativas à própria coneepção de música e de cultura. Nesse sentido, a discussão aqui apresentada
interliga-se
Nesse sentido, análises talismo
especificamente
musical, essas indagações
de uma cida-
diretamente
especialmente quando trata das contribuições para a educação musical.
ao capítulo
anterior,
do multiculturalismo
e da indústria
do mercado capitalista e à ideologia da indústria cultural'" esquecem tanto a diversidade existente na própria indústria cultural, as diferentes esferas e possi bil idades que ela abarca, quanto outras "servidões" a que a arte (assim como os artistas) esteve submetida em outros momentos históricos. Sem dúvida,
- que permitem
susten-
de intercâmbio,
uma intensa troca: fluxo de pessoas,
há massificação
161) mostra,
por exemplo,
legitimidade,
na Primeira República,
em um programa
enfim
de mercadorias
da indústria
televisivo,
cultural
A globalização - e a partir daqui optamos por esse termo - é vista ora como demoníaca, ameaçadora, ora como redentora. Mas reconhecê-Ia
como
parte do
apanhava
da políatravés
com outras manifesta-
ções populares originárias de periferias, como o rap ou o funk. Em outros momentos históricos, as artes (e a música) estive-
um ponto de vista sociológico,
o
"sambista
se repete, na atualidade,
áreas, do econômico ao cultural (aliás, no quadro do capitalismo, cultural é também mercadoria, é também econômico).
caberia
ao se inserir na indústria cu Itural
ainda, como esse processo de legitimação
ram submetidas,
talvez,
na indústria
como o samba ganha progressivamente
de todos os tipos, de informações. Fala-se, então, em "globalização", "mundialização", "internacionalização", processo que afeta todas as
mais acertadamente,
e mercantilização
cultural; no entanto, ao mesmo tempo, ela é também um espaço que dá legitimidade a certas produções populares. Wisnik (1983, p.1 5 1-
declarou
os avanços tecnológicos
de transportes
de
globalização - carregam, a nosso ver, um certo simplismo e mecanicismo. Por exemplo, denúncias da "submissão das artes à servidão
cia"2. Lembremos, tam facilidades de comunicação,
do capi-
do processo
da época - o rádio e o mercado fonográfico -, o que lhe propiciou sair da "marginal idade", literalmente. Pois, como a cantora Beth Carvalho
Produções culturais na contemporancidadc: o mercado e a indústria cultural No mundo contemporâneo,
pautadas pela demonização
cultural - como representantes
também,
a outras "servidões"
Norbert Elias (1995, p.16-31), servir seu "príncipe", igual ao do cozinheiro. padrões estéticos r1itos internos
analisando
a trajetória
Isso significava,
torturantes.
de Mozart
sob
mostra como ele estava submetido
sendo um mero "serviçal"
que agradassem
que não a capitalista.
da corte, com status
inclusive, compor dentro dos
ao príncipe,
Consciente
a
o que lhe gerava con-
de seu potencial
artístico,
momento histórico em que vivemos, enfocando seu processo como contraditório,
percebendo
que também artieula diferenças
Sem dúvida, há relações desiguais,
e resistências.
relações de força e de dominação
(mesmo que não explícitas) nos processos de troca e de interação, que mereceme devem - ser questionadas criticamente, mas acreditamos que o essencial é procurar compreender o dinamismo do processo, que não é linear nem mecânico, evitando-se maniqueísmos. 100
I
Como encontramos em uma dissertação de mestrado de cuja banca de defesa participamos. Diante de nosso qucstionamento, foi rccomendada c aceita a revisão deste ponto. Declaração de Beth Carvalho, no programa Altas Horas, da Rede Globo, na madrugada do dia 22/07/2007. Para uma análise histórica do percurso do samba da marginal idade à legitimação, ver Cunha (2004). 101
desejoso
de compor segundo sua própria imaginação
buscou, no contexto
social e histórico em que vivia, diversas
tivas para se "libertar" em tal processo:
de tal "servidão",
"Mozart
Iibertar dos aristocratas, próprios
recursos,
musical.
E perdeu a batalha"
alterna-
sem êxito, consumindo-se
lutou com uma coragem seus patronos
e senhores.
em prol de sua dignidade
espantosa
para se
Fez isto com seus
pessoal
e de sua obra
(p.16). Já na sua época, escritores
mostrou dicaz encontrou patronato
por assinatura,
dis-
outras
alternativas
para romper
ao mercado"
Fica claro, portanto, enfocam
de "vender"
a sua produção
artística
do o seu era
que o processo
da globalização,
cultural
truções de referenciais de "traduções"
de identidade
Nesse contexto
de especificidades,
cultural,
influências.
a globalização
dentro de um processo
práticas culturais
em contato, dialogam e se interconectam
recons-
Para tais autores,
tem um efeito positivo,
histórico,
Canclini
não resulta em homogeneização
a reafirmações
das diversas
vocar" reações, culturais.
ao "proem termos
diversas
entram
de múltiplas formas, de modo
que as manifestações culturais não podem mais ser compreendidas em função de demarcações territoriais ou nacionais. Buscam-se, então, novos conceitos e permitam
que dêem conta do dinamismo
compreender
temporaneidade.
as produções
Dentre eles, destaca-se
por diversos
autores,
desse processo
artístico-culturais o conceito
por sua capacidade
da con-
de "hibridismo", de:
1capturar, de maneira talvez mais flexível (c também !, a natureza necessariapor isso talvez mais acurada)
suas contradiçõcs
de modo homogêneo,
como agcnte da influência
lista) americana, que ameaça a nossa cultura "própria", "nordesti na", "brasi leira"'.
como
mente inconclusa do processo de articulação social das diferenças locais no contexto de interconexão ampliada que a globalização promove. Entre a submissão completa a uma cultura homogeneizante e a afirmação intransigente dc uma tradição imóvcl, instaura-se, portanto, um intervalo dc recriação e reinscrição identitária do local que é irredutÍvel a um ou a outro desses pólos extremados (Anjos, 2005, p.30).
(imperia-
"autêntica",
oposição entre, de um lado, as "autênticas" manifestações da cultura popular nordestina (especialmente as de procedência sertaneja) ou da cultura erudita que com elas estivcsse plenamente identificada, e, do outro lado, a cultura hegemônica produzida no Sudeste e a "disseminada cultura de massas norte-americana". Por sua vez, Michel Zaidan Filho (200 I, p.21-22) faz alusão a esse mesmo movimento como defensor de uma "reelaboração complexa (erudita) de traços culturais ditos normalmente nordestinos, regionais, tradicionais, telúricos, pitorescos etc. ete. etc., por um mandarinato cultural (verdadeiro latifúndio simbólico), a que se atribui o papel de definir a 'alma do povo"'.
l....
1 ...
Como uma exemplificação de posturas com base nesse tipo de oposição, ver a discussão de Moacirdos Anjos (2005, p. 57-60) sobre o Movimento Armorial (criado na década de 1970) como "a formulação mais sofisticada do papel da tradição cultural nordestina na invenção de uma idéia de Brasil". O 'S Curriculares 1'1111 'ens específicas,
apontando
ainda a necessidade
de os concursos
pl'd)licos respeitarem tal formação (cf. Brasil, 2006b, p.202; 204). Mas quem trabalha com arte nas séries iniciais do ensino 1IIIIdamental e na educação infantil? Em relação a esses níveis de \'IISiIlO, o problema pJ'()f 'ssor licenciado,
é ainda mais sério, pois neles não costuma e o ensino de arte normalmente
atuar o
fica a cargo do
pl()fcssor de classe. Como já vimos, os Parâmetros CurricuJares Na1 11)l1:IISem Arte para as I" a 4" séries trazem propostas para artes VISllilis, música, teatro e dança, enquanto, por outro lado, poucos 1 IIIsos ,superiores
de Pedagogia
contemplam,
em seu currículo,
tll',111l1a(s)destas linguagens artísticas. De acordo com a atual LDB, a educação
infantil constitui
a
1'111);1inicial da educação básica. No entanto, o próprio Referencial ( '1lIricular Nacional para a Educação Infantil (RCNE!) considera 'lI\\' :\inda são dominantes tanto a "tradição assistencialista das cre1111',"quanto a "marca da antecipação da escolaridade das pré-esco11'," (Ihasil,
1998c, p.5 - Carta do Ministro).
1'1Ill("ip;d mente nas creches, observa-se
Em muitos contextos,
um descuido
com a formação
1'11IIIS,sional do professor, o que é respaldado, como mostra Brandão ( '()()I. p, 79-84), pela força da maternagem 10 na representação do eduI lIillll illl';lIltil,
como
urna prática polivante, contudo, está na contramão do próprio percurso da área de ensino de arte, que tem apontado para o resgate dos
Graduação
Illdi "lção que se alinha com essas Diretrizes dos Cursos de Gradua'liO na área de arte, que estabelecem a licenciatura em cada lingua-
Vale lembrar que o RCNEI)'")',11':\ p:lra a educação
infantil,
documento
também
t\ I !l'sl 'EEARTES
de orientação
sem caráter
peda-
obrigatório-
-, tendo depois se subdividido em diversas conforme sua especificidade, dentre elas a de música, 111\ 1!II'illdl,; que, para atuar em classes de educação infantil, basta ter li 1111I'(llll criança" (as qualidades de uma mãe) é usada como justi1111I1IVII p:lra os desvios de função encontrados pela pesquisadora em 111I I ',:lS l·n.:cilcs estaduais de Campina Grande/PB, onde funcionárias I 1IIIII1II Ild:l.s para serviços gerais são deslocadas para sala de aula, 111111111111\ ('\\1110professoras (Brandão, 2007, p.72-79). dI'
, IIIIII~,,'(H"S,
131
traz com destaque, Mundo", p.4S-81).
em seu volume denominado
"Conhecimento
de
uma proposta bastante detalhada para música (Brasil, 1998d, Há estudiosos,
pontos, essa proposta
contudo,
que consideram
reflete "uma visão romântica
que, em alguns e uma concepção
idílica de educação musical" (Souza, 1998, p. 133). De qualquer forma, tudo indica que a proposta curricular e pedagógica desse referencial é uma idealização muito distante da realidade atual, e somente em poucas e privilegiadas escolas deste país encontraremos um professor graduado na área específica de música atuando neste nível escolar, especialmente Quanto
infantil,
portanto,
existe
uma proposta
específica para música - sem subordiná-Ia à área de Arte - apresentada no Referencial Curricular Nacional. No entanto, pela não obrigatoriedade deste documento e pelo percurso histórico desse nível de ensino, acreditamos amplos.Como realizada
improvável
a sua concretização
municipais
das decisões
pedagógicas
básica, através de alguma
norma oficial que
IIld ique especificamente
a sua obrigatoriedade
em todo o país, a
ItllUção atual não apresenta I':dll 'ação Artística:
a música,
mudanças
expressivas
como conteúdo
de educação
ern termos mais
I IIllquista importante, (' ('lIitura
infantil de Campi-
da Câmara
com a aprovação, dos Deputados,
'()()8. que altera o Artigo
111 IVOSparágrafos 1I1I
26 da Lei n° 9.394/96,
que estabelecem
10, Illas não exclusivo,
I""
pela Comissão
de Educação
do Projeto de lei
do componente
curricular
princi-
Continuidades
e diferenças
Por tudo que foi discutido legais e normativos
(d) preparar apresentações de eventos comemorativos
a respeito
de alcance nacional,
dos diversos
termos
fica claro que, por um lado,
a atual LDB refere-se à arte de forma imprecisa, ao mesmo tempo em que os Parâmetros para os ensinos fundamental e médio estabelecem um espaço potencial para a música como parte do conteúdo "Arte",
sem contudo
garantir
a sua efetiva presença
132
curricular
na prática
es-
obriga-
de que trata o ~
(lll seja, "o ensino da arte" (Brasil, 2008b). No momento,
acom-
1lIllill:ltilJ por intensa mobilização, o projeto segue sua tramitação ('.III\:lr:1 cios Deputados, tendo sido encaminhado à Comissão
I l'/i1, 1'111nível nacional, di 11111i ·~Ina escola.
pois visam,
2.732/
acrescentando-lhe
voltadas
palmente, (a) acompanhar atividades cotidianas (lanche, oração, recreio, fila, etc.); (b) auxiliar o processo de alfabetização; (c) acalmar
nU
a música como "conteúdo
pl"1I 1111 'nlc decidida, mas sem dúvida foram cumpridas, 1101 ( ',II11ara, importantes etapas na busca da implantação
e relaxar, através de audição ou canto; para os pais, relacionadas ao calendário da escola.
a obri-
I' i10ri 'dade da educação musical, em sua especificidade, nas escolas básica. Em maio de 2008, esse movimento alcançou uma
t
musicais,
continua
',lll1orclinada ao campo mais amplo e múltiplo das artes. Há, por outro lado, um movimento que reivindica
baseando-se em grande parte na "tradição" das práticas pedagógicas deste nível de ensino. Desse modo, as atividades musicais não estão propriamente
à
em relação
curricular,
na Grande/PB, são as professoras de sala que, mesmo sem formação adequada (inicial ou continuada), realizam atividades musicais,
para objetivos
de
do ensino
dI' música na educação
mostram Penna e Meio (2006), com base em pesquisa
em instituições
fundamentalmente,
(':Ida 'scola. Assim, quanto a uma garantia real da presença
d(, l'tillcação
na rede pública.
à educação
('olar, que depende,
'1111~lillli