MONÓLOGOS FEMININOS

April 26, 2019 | Author: Felipe Vieira de Galisteo | Category: Sky, Love, Time, Nature
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TEXTO 1

Eu não estou conseguindo ser fiel a mim mesma... Não estou. Estas coisas menores, todas elas, por que as deixo me consumirem tanto? Elas apenas passam, não são cicatrizes que guardarei na alma como a da facada que tu me deu, Pan. O que eu sinto é confuso, mas é tão maior dentro do meu peito que eu quase não consigo guardar só pra mim... E que eu gosto tanto de dividir contigo... Mas com o mundo? Não, eu já disse, o mundo não precisa saber. Mas realmente... Ser fiel ao que eu sinto talvez seja o meu instinto que não escuto. Esse é o começo que tu me falava, não? Bom... Eu queria te dizer que estou começando então. Mas não sei se conseguirei chegar até o fim. Isso é o que queria te dizer! Esse é meu medo, não uma vergonha, claro que não. Apenas o meu medo de que tudo acabe se sair daqui e se revelar ao mundo. Que acabe a minha sinceridade. Que acabe o nosso amor.

TEXTO 2

Eu... Eu estou com um frio no estômago, sabe? Uma angústia porque... Eu não sei. Na verdade eu sei, mas... Esquece. Esquece. São paranoias, confusões na minha cabeça. Eu não quero que tu me ache estranha, eu não quero estar estranha contigo. Não agora, principalmente. Eu quero, na verdade, ficar bem perto de ti. Eu estou com... Eu... Com medo... Uma sensação de finitude, de que... Tudo tem um fim. Não, não te assusta, não estou falando de nós, estou falando da vida em geral, estou falando que tudo parece passar, assim, de um jeito que... Que se piscarmos os olhos nós vamos perder de vista... E que nunca mais vai voltar, que não teremos a mesma chance uma vez mais. Não! Que os olhos que estão na frente dos nossos num segundo não estão mais lá. O amor? Um sonho antigo o amor. Tão antigo e tão efêmero... Como o pôr-do-sol. Ao mesmo tempo em que é eterno, é apenas um instante, e logo virá a escuridão. Eu não quero que o instante acabe. Eu quero viver com intensidade aquilo que eu desejo e que eu amo. Uma luta pela própria vida, uma luta sem descanso... Porque depois o descanso será eterno. Por isso essa angústia. De que a luta, no final das contas, não valeu a pena, que esse combate existencial que temos pela frente todo santo dia é apenas um sopro, não mais que isso... Metáfora triste de uma vida que não tem tanta importância porque não pode ser guardada nem mesmo na memória, porque esta também é efêmera. O que fica de tudo isso, no fim? Porque o fim está ali na frente. Eu quase posso vê-lo quando estou triste... Nada fica no fim. Existe apenas isso que estou dizendo neste momento, existe apenas o que faço agora, o que fazemos juntas... Mas, e depois? O resto é um passado sem volta que desejamos reviver ou esquecer... Reviver não podemos, mas esquecer... Esquecer temos pelo menos a morte para esquecer... Mas reviver não! Só existe a caminhada, desde que nascemos... Desde que nascemos e aprendemos a caminhar, vivemos para isso... Só o caminho importa. E ele é tão solitário...

TEXTO 3

tudo o que escrevi tudo pela qual lutei tudo me parece tão sem sentido ninguém me escutou e continuamos mudas aqui vamos gritar para quê por quê para quem grite grite sempre grite uma vez mais grite ninguém escutará sua voz nossas vozes ninguém escutou quando estávamos lá fora quem escutará agora que estamos aqui dentro ninguém escuta ninguém ninguém respeita ninguém o mundo está surdo porque existem coisas mais amenas para serem escutadas mesmo que sejam mentiras tudo pela qual lutamos não valeu de nada e nunca valerá

TEXTO 4

não se preocupe é só pagar que todas as suas preocupações acabam num instante um pouco de dinheiro em troca de uma boa foda isto aqui é um negócio o sexo é um negócio um negócio duro de agüentar mas por apenas um pouco de dinheiro ou por um pouco de pó as suas preocupações acabam por se reduzir numa boa foda e a minha noite se torna um pouco mais lucrativa e prazerosa o sexo é um negócio e um negócio duro de agüentar mas hoje ninguém aqui vai sair no prejuízo já perdemos um longo tempo conversando para que tanto blá blá blá um pouco mais de ação nessa noite esquizofrenicamente parada morta um pouco mais de foda já que viver cheio de preocupações é foda esvazia o seu saco de preocupações ejacula elas de dentro de você e eu nem vou precisar tomar conta delas de dentro de mim se nos prevenirmos da visceralidade dos sentimentos verdadeiros afinal eu sou uma puta e o sexo é um negócio um negócio duro de agüentar e é bom que todas as preocupações fiquem guardadas do lado de fora da minha buceta

TEXTO 5

veja a minha alma através dos meus olhos veja ela está afogada na merda sua tola sua estúpida estamos todos afundados na merda estamos com os ouvidos e com as bocas cheios de merda e ninguém percebe o que é pior ninguém percebe que está surdo imerso na merda ninguém percebe o gosto de merda que já faz parte do hálito cotidiano destas múmias que acreditam que a economia consumista já lhes concedeu a alforria ninguém ao menos sente o cheiro de merda impregnado ao nosso redor e você fica resmungando sobre o nosso amor o amor não tem sentido não possui significado algum em meio à esta existência nula afogada na merda não importa então vê se cala sua boca e me deixa em paz mas antes de me deixar em paz tenta deixar de ser burra sua egoísta sua estúpida e fecha os olhos enquanto eles violentam você para tentar dormir para tentar esquecer o momento e sonhar relembrando o nosso amor que merda eu sofro tanto só de imaginar você sentindo dor mas eu não consigo chorar uma gota deste sofrimento todo o amor é uma merda o amor é esta merda que nos cobre até a cabeça o amor é a flor mais sutil que nasce no meio de todo este excrementício será que a poesia perdeu o sentido

TEXTO 6

é disso que você gosta eu fui forte me olha pára me olha é disto que você gosta então escreva sobre isto e publique num dos seus livros para sua eternidade ser adorada já que o seu presente está cheio de nojo e ódio já que o seu presente não tem lágrimas nos olhos não tem amor me diz o que você sente agora olhando para mim sabe quantos são sempre eu sou espancada e estuprada por um número incontável de homens toda semana e o que você sente é por isso que você não me ama mais é por isso que você acha que o amor é uma merda que estamos nós duas atoladas na merda de um amor que nos aprisiona olha para isto aqui de que merda de prisão estamos falando eu não sou mais bonita para você não é eu devo estar repleta de doenças que aqueles maníacos ejaculam em mim não é eu sou uma monstruosidade para sua inteligência refinada eu sou uma jovem tola e egoísta é isso que você disse não é egoísta uma egoísta estuprada arrombada que não faz mais porra de revolução nenhuma porque não existe mais revolução na qual você possa acreditar não é isso então não sirvo para sua poesia não sirvo para porra nenhuma não é eu não sou realmente uma grandessíssima egoísta fala alguma coisa desgraçada fala alguma coisa porra diz ao menos que sente pena de mim ou que me respeita por eu ser tão forte diz ao menos que não concorda com o que está acontecendo que isso está errado que nosso mundo está mais torto do que nunca num abismo pior do que onde nós duas estamos e onde eu sofro tanto diz que me ama mais uma vez sua puta de merda sua geladeira cheia de poesia me olha nos olhos levanta essa cabeça e pára de chorar porque eu não vou chorar nunca mais

TEXTO 7

Sabe no que eu acredito? Eu acredito que tu não sabe o que é o amor. Eu acho que tu nunca sentiu amor por ninguém na tua vida. Eu acho que o amor não passou nem de raspão por ela. Essa tua vidinha de merda. Vem me falar de filosofia barata. E tu? Passa o dia inteiro fodendo comigo cheio de blá blá blá tentando me desnortear, e quando vejo em ti alguns fragmentos de fraqueza tu esconde eles debaixo do tapete da ironia, me agredindo como se eu fosse uma cadela! Tu não precisa mentir o tempo inteiro cara. Tu não precisa mostrar para mim apenas aquilo que tu gosta em ti mesmo. Eu também queria ver um pouco a parte bonita. Mas quem sabe se ela existe de verdade, não é? Pelo visto o que sobrou do teu ar de cafajeste romântico foi apenas a estupidez. Sim, já que estamos supondo aqui que realmente a essência das coisas não existe, e que as coisas apenas são, então ser o que tu é se resume a isso: um fodedor de buceta. Um pau duro coberto de sarcasmo. Uma máscara de Don Juan canastrão! A tua boca não beija. Não! Ela chuta. Tu não sabe beijar. Não. Tu só sabe bater. Bater e foder. Isso tu faz muito bem! Tu é praticamente um macaco. Tu é pior que um macaco. Porque os macacos ainda fazem carinho um nos outros para se protegerem dos piolhos. Quando tu faz carinho não é pra acariciar o outro, muito menos pra proteger. É pra dar prazer pras tuas próprias mãos. Porque não ficou em casa batendo punheta então? Tu ficou de olho em mim a noite inteira pra dar prazer aos teus olhos, não para me conhecer de verdade. Não! Isso não te interessa. Tu prefere o teatro das tuas inverdades para não deixar teu pau dormir sozinho e depois despeja tua porra na primeira boca que aceitar teus socos. Eu não sou uma puta, seu idiota. Eu sou uma santa acreditando que há alguma coisa bonita em ti. E eu sou uma burra em

pensar isso. Em acreditar nos teus lampejos de sensibilidade. Tu não quer o amor. Não. Tu não quer saber o que essa palavra significa. Só que ao mesmo tempo tu não deseja apenas um computador, uma boneca inflável ou uma putinha apaixonada. Não! Não pode ser apenas isso, não é? Isso por si só não te satisfaz totalmente. Sanguessuga! Mentiroso! Tu quer alguém para massacrar. É isso? Eu sou o objeto do teu massacre? Me diga o que tu quer cara? Por favor. Eu queria tanto ouvir alguma verdade ainda hoje. Não posso passar um dia inteiro mentindo.

TEXTO 8

Não existe depois. Lembra? Pelo menos isso prova que o antes existe. Mesmo no agora lembramos dele. Por quanto tempo? E o agora... O agora se esvai como água entre meus dedos. Sabe... Eu olho para o sol se pondo e a lua acordando e vejo neles os nossos olhos. E vejo em nossos olhos um instante apenas. Sem dia, sem noite. Um instante. Único. Envolto numa bolha. E neste instante único envolto em uma bolha vejo nossos corpos sobrevoando para além das paredes do teu quarto. E lá no alto nos deparamos com o dia fazendo sexo com a noite. Um único instante. Apenas um eclipse que se eternizou no passado. Quando menos se espera, a bolha estoura. Mas nós não caímos em um abismo. Não. Nós simplesmente desaparecemos. Não deveria ser um fim. A bolha é um círculo, como a lua, o sol, os nossos olhos... E o círculo não tem início ou fim para quem olha. Apenas para quem o começa e o termina. Talvez seja por isso que necessitamos ter tanto cuidado com ele. Porque nós estamos olhando o que nós mesmos desenhamos no ar... Não é uma obra que, quando tu chega de repente, se possa compreender tão logo se olhe para ela. Para nós. E nós éramos alguma coisa, talvez mesmo sem nunca o ser. Mas éramos. Mesmo sem nome, éramos um instante preso em uma bolha. A nossa bolha, bonita, imunda... Lindamente suja. Por que um instante não é pra sempre? Eu não sei... A bolha estourou... Eu não consigo ver mais nada. Meus olhos estão apenas recordando. Lembrando que nós não vivemos o suficiente. Sim. Mesmo exaustos, nós não tivemos o bastante. Talvez tivesse que ser assim. Mas eu não acredito nisso. Eu acredito que abrimos feridas onde a dor já se acabava, como uma anestesia às avessas... Sabe? Não mais um sono profundo, e sim uma navalha afiada nos machucando até esquecermos de sorrir. Só que essa anestesia é uma mentira. Não dura para sempre. A máscara vai cair e as cicatrizes ficarão expostas para lembrarmos da dor... Consegue sentir? Tem um sorriso no meu rosto...

TEXTO 9

Quanta estupidez há numa guerra. Como é estúpido o homem com suas guerras. Vejam qual é a minha e percebam os meus motivos, percebam a diferença entre vocês e eu. Minha batalha de todos os dias é lutar para sobreviver sozinha no meio do nada. E não apenas sobreviver por mim, mas por essa vida que está dentro de mim. Conseguem compreender isto? Luto contra a sede e a fome. Luto contra a loucura e a solidão. E tudo por quê? Porque há algo vivo aqui dentro de mim que pode fazer melhor, que eu posso ensinar a fazer o melhor pela humanidade, mesmo que esse também seja o fruto de sua violência. Eles me tiraram tudo. Destruíram nosso vilarejo, mataram meus amigos, meu marido. Covardes! Monstros covardes!

Percebem o que fizeram? Eram muitos. Malditos! Eles eram muitos! Tiraram tudo de mim. E me deixaram essa cicatriz que carrego há nove meses e que sempre será minha até o meu último dia de vida. Como eu pensei na morte... Não sei como sobrevivi. Mas, se estou aqui, farei dessa vida que começou na morte transformar-se em um ser humano bom. Um ser humano bom!

TEXTO 10

Esse vento frio me consome. Sou pequena demais para a imensidão do céu. Vem junto comigo Pan, segura a minha mão! O céu é lindo daqui. Tão longe. Tão perto. Como tu, Pandora! Por que tu não segurou minha mão com força? Por que não mergulha no infinito comigo? O instante eternizado nos teus olhos, Pan! Pula! Pula! Eu estou sentindo tanto frio aqui... Sozinha! Pula comigo! Tu está tão distante... Tu não me escuta... Nem eu mesma posso escutar meus gritos. Quanto silêncio há na queda. Tenta me alcançar, Pandora! Vamos! O tempo agora é outro, ele não vai acabar nunca! Por que tu ainda está aí em cima, Pan?! Por que tu não veio comigo?! Por que tu não olha pra baixo para olhar nos meus olhos, Pan?! E a nossa eternidade? Pra mim ela começa agora, e todo o resto acaba por aqui. E pra ti? Tu não responde! O que fica pra ti? A memória?! Tu não responde! Pula de uma vez! Se não pulou comigo, se não segurou forte a minha mão pra mergulhar no infinito, pula agora e tenta me alcançar, Pan! Olha nos meus olhos! Responde alguma coisa! O meu tempo acabou. Tu está distante demais. Tudo está tão escuro. O céu está cada vez mais distante. Teus olhos cada vez mais distantes... Por quê? Resta apenas o silêncio agora. O meu sono sem sonhos. A minha solidão... O meu frio.

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