Miguel Reale - O Direito como Experiência [OCR].pdf
April 9, 2017 | Author: Adjair Brasiliano | Category: N/A
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O DIREITO COMO MIGU EL REALE EXPERIÊN CIA
.&
MIGUEL REALE
O DIREITO COMO EXPERIÊNCIA (Introdução à Epistemologia Jurídica) 2!' EDIÇÃO FAC-SIMILAR COM NOTA INTRODUTIVA DO AUTOR
1992
ISBN 85-02-00967-2 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasill Reale, Miguel, 19100 Direito como experiência : introdução à epistemologia jurídica / Miguel Reale. - 2. ed. - São Paulo: Saraiva, 1992.
1. Direito - Filosofia 2. Dir ito - Teoria 1. Título. 91-1089
CDU-340.12 lndices para catálogo sistemático:
1. Direito : Filosofia 340. 12 2. Direito jurldico : Teoria do Direito 340. 12 3. Epistemologia jurídica : Direito 340. 12
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PRINCIPAIS OBRAS DO AUTOR O Esrado Moderno. 1933, 3 edições esg. Formação da Polt'lica Burguesa. 1935. esg. O Capilalismo Internacional. 1935. esg. Atualidades de um Mundo Anligo. 1936. esg. Atualidades Brasileiras. 1937. csg. Fundamentos do Direi/o. 1940. esg. 2. ed. Revista dos Tribunais, 1972. Teoria do Direito e do Estado. 1940. esg. 2. cd. 1960. esg. 3. ed., rev., Livr. Martins Ed., 1972. esg. 4. ed., Saraiva, 1984. A Doutrina de Kant no Brasil. 1949, esg. Filosofia do Direito. 1. ed. 1953. 2. ed. 1957. 3. ed. 1962. 4. ed. 1965. esg. 5. ed. 1969. 6. ed. Saraiva, 1972. 7. ed. 1975. 8. ed. 1978. 9. ed. 1982. 10. ed. 1983. 11. ed. 1986. 12. ed. 1987. 13. ed. 1990. Horizontes do Direito e da História. Saraiva, 1956. 2. ed. 1977. Nos Quadrantes do Direito Positivo. Ed. Michalany, 1960. Filosofia em São Paulo, 1962. esg. 2. ed. Ed. Grijalbo-EDUSP, 1976. Parlamentarismo Brasileiro, 2. ed. Saraiva, 1962. Pluralismo e Liberdade. Saraiva, 1963. Imperativos da Revolução de Março. Livr. Martins Ed., 1965. Poemas do Amor e do Tempo. Saraiva, 1965. Introdução e Notas aos "Cadernos de Filosofia", de Diogo Antonio Feijó. Ed. Grijalbo, 1967. Revogação e Anulamento do Ato Administrativo. Forense, 1968. 2. ed. 1980. Teoria Tridimensional do Direito. Saraiva, 1968. 4. ed. 1986. Revolução e Democracia. Ed. Convívio, 1969. 2. ed. 1977. O Direito como Experiência, Saraiva, 1968. Direito Administrativo. forense, 1969. Problemas de Nosso Tempo. Ed. GrijalboEDUSP, 1969. Lições Preliminares de Direito. Bushatsky, 1973, 18. ed. Saraiva, 1991. Lições Preliminares de Direito. Ed. portuguesa. Coimbra, Livr. Almedina, 1982. Cem Anos de Ciência do Direito no Brasil. Saraiva, 1973. Experiência e Cultura. Ed. Grijalbo-EDUSP, 1977. Polt'lica de Ontem e de Hoje (Introdução à Teoria do Estado), Saraiva, 1978. Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. Saraiva, 1978. Poemas da Noite. Ed. Soma, 1980. O Homem e seus Horizontes. Ed. Convívio, 1980.
Questões de Direito. Sugestões Literárias, 1981. Miguel Reale na UnB, Brasília, 1982. A Filosofia na Obra de Machado de Assis Antologia Filosófica de Machado de Assis. Pioneira, 1982. Verdade e Conjetura. Nova Fronteira, 1983. Obras Políticas (1 ~ fase - 1931-1937). UnB, 1983. 3 vols. Direito Natural I Direito Positivo. Saraiva, 1984. Figuras da Inteligência Brasileira. Tempo Brasileiro Ed. e Univ. do Ceará, 1984. Teoria e Prática do Direito. Saraiva, 1984. Sonetos da Verdade. Nova Fronteira, 1984. Por uma Constituição Brasileira. Revista dos Tribunais. 1985. Reforma Universitária. Ed. Convívio, 1985. O Projeto de Código Civil. Saraiva, 1986. Liberdade e Democracia. Saraiva, 1987. Memórias. v. 1. Destinos Cruzados. Saraiva, 1986. 2. ed. 1987. Memórias. v. 2. A Balança e a Espada. Saraiva, 1987. Introdução à Filosofia. Saraiva, 1988. O Belo e outros Valores. Academia Brasileira de Letras, 1989. Aplicações da Constituição de 1988. Forense, 1990. Nova Fase do Direito Moderno, Ed. Saraiva, 1990.
Vida Oculta, Massao Ohno/Stefanowski Editores, 1990.
PRINCIPAIS OBRAS TRADUZIDAS
Filosofia dei Diritto. Trad. Luigi Bagoli G. Ricci. Torino, Giappichelli, 1956. li Dirillo come Esperienza, com ensaio introd. de Domenico Coccopalmerio. Milano, Giuffre, 1973. Teoría Tridimensional dei Derecho. Trad. J. A. Sardina-Paramo. Santiago de Compostella, lmprenta Paredes, 1973. 2. ed. Universidad de Chile, Valparaíso (na coletânea "Juristas Perenes"). Fundamentos dei Derecho. Trad. Jolio A. Chiappini. Buenos Aires, Depalma, 1976. Introducción ai Derecho. Trad. Brufau Prats. Madrid, Ed. Pirámide, 1976. 2. ed. 1977. 9. ed. 1989. Filosofia dei Derecho. Trad. Miguel Angel Herreros. Madrid, Ed. Pirâmide, 1979. Expérience et Culture. Trad. Giovanni Deli' Anna. Bourdeaux, Éditions Biere, 1990.
À Faculdade de Jurisprudência da Universidade de Gênova
ÍNDICE GERAL PÁG.
Nota introdulória 1-
II -
XIII
Motivo da edição fac-similar
XIII
Momentos da Teoria Tridimensional do Direito
XIV
Ili -
Lógica Jurídica Formal e Lógica Jurídica Dialérica
XIX
IV -
O problemático e o conjelural no Direito
V VI
XXI
Modelos do Direito: Modelos Jurídicos e Modelos Dogmáticos
XXIV
Uma antiga conversa a.inda alua[ sobre o presente livro
XXIX
Prefácio da 1. ª edição
XX XVII
ENSAIO
1
O PROBLEMA DA EXPERrnNC!A JURIDICA -
li -
A crise da teoria da experiência jurídica e a atualidade do tema
1
As três perspectivas filosóficas fundamentais da experiência jurídica
7
JU -
A experiência ética na linha de Kant e dos neokantianos
13
IV -
A experiência ética a partir da fenomenologia
20
ENSAIO II
EXPERISNCIA JURIDICA PRIO.-CATEGORIAL E OBJETIVAÇÃO CIENTIFICA II -
Concretitude axiológica da experiência jurídica Problematicismo e tipicidade da experiência jurídica dialética
25 Sua natureza 31
I!! -
A experiência jurídica pré-categorial
36
IV -
A ordem imanente à experiência jurídica
41
A experiência jurídica como objetivação científica
47
V -
X
M!GUEL
ENSAIO
REALE
III
ESTRUTURAS FUNDAMENTAIS DO CONHECIMENTO JURlDICO I II -
A experiência jurídica sob os prismas transcendental positivo
e empírico· 51
Espécies de pesquisas positivas do Direito
58
III -
Lógica jurídica e Lógica jurídica formal
65
IV -
Analítica e Dialética Jurídicas
70
ENSAIO IV
FILOSOFIA JURIDICA, TEORIA GERAL DO DIREITO E DOGMÁTICA JURIDICA 1II III -
A Filosofia jurídica e o papel da Jurisprudência -
A crise do Direito
75
Ontognoseologia e Epistemologia jurídicas
84
A Teoria Geral do Direito como teoria positiva de todas as formas cln experiência jurídica
88
ENSAIO V
NATUREZA E OBJETO DA CLtNCIA DO DIREITO li -
Direções fundamentais
93
O Direito como realidade "a se" de caráter normativo
95
TTI -
O neo-positivismo jurídico
TV -
O Direito como fato
V VI -
98 101
Rumo à compreensão integral cio Direito
107
A Jurisprudência como ciência histórico-cultural compreensivo-normativa
111
ENSAIO VI
CltNCIA DO DIREITO E DOGMÁTICA JURIDICA -
Os dois momentos da pesquisa jurídica
123
Momento normativo e momento dogmático
131
Ili -
Sistema e problema
135
IV -
Problemática do "dogma" jurídico
139
li -
O OJREHO COMO EXPERIÊNCIA
ENSAIO
XI
Vil
ESTRUTURAS E MODELOS DA EXPERIE.NCTA JURIDICA - O PROBLEMA DAS FONTES DO DIREITO I li -
Do conceito de estrutura na Sociologia e na Jurisprudência
147
O conceito de estrutura no plano filosófico e no científico-positivo
154
Tii -
Natureza dos modelos jurídicos
161
IV -
A teoria dos modelos jurídicos e a das fontes formais
167
Ciência do Direito e Teoria da Comunicação
173
Espécies de modelos jurídicos e sua correlação
179
V VI -
ENSAIO
VIII
GIONESE E VIDA DOS MODELOS JURíDICOS 1 II ITI IV V
-
Duas espécies de normativismo jurídico Nomogênese jurídica O nexo fálico-axiológico - O fato e o direito Problemas de semântica jurídica
200 209
O tempo no Direito
218
ENSAIO
187 192
IX
COLOCAÇÃO DO PROBLEMA FILOSÓFICO DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO
li
Do divórcio entre o filósofo do Direito e o jurista A perspectiva do filósofo no processo hermenêutico
ENSAIO
227 231
X
PROBLEMAS DE HERMEN10UTICA JURJDICA 111 Ili IV V VI VII -
A interpretação corno terna de Filosofia e de Teoria Geral do Direito A Hermenêutica jurídica como ciência positiva Fenomenologia do ato interpretativo e objetividade O intérprete perante as intencionalidades objetivadas Ato interpretativo e norma jurídica Imperatividade e interpretação Natureza axiológica do ato interpretativo e sua condicionalidade histórica
235 237
239 241 245 248 250
Xll VIII IX X -
MIGUEL
REALE
Logicidade concreta do ato interpretativo como exigência de objetivação racional
252
Plenitude do ordenamento jurídico e pluralismo metódico
255
Interpretação e integração normativa
257
ENSAIO
XI
EXPER!eNCIA MORAL E EXPERrnNCIA JURIDICA Duas perspectivas do problema
261
Sentido da subjetividade da Moral e da objetividade do Direito
264
III -
A moralidade do Direito
269
IV -
Os corolários da atributividade
271
1 II -
ENSAIO
XII
PENA DE MORTE E MIST1':RIO 1li -
O problema da morte na consciência contemporânea
277
A morte e o conceito racional de pena
279
III -
A morte à luz da filosofia existencial: Sêneca, Agostinho, Heidegger e
Sartre
280
IV -
O absurdo da morte na gradação das penas
285
INDICE DOS AUTORES CITADOS
289
NOTA INTRODUTÓRIA SUMÁRIO: I Motivo da Edição Fac-similar; II - Momentos da Teoria Tridimensional do Direito; Ili - Lógica Jurídica Formal e Lógica Jurídica Dialética; IV - O Problemático e o Conjetural no Direito; V - Modelos do Direito: Modelos Jurídicos e Modelos Dogmáticos; VI - Uma Antiga Conversa ainda Atual sobre o Presente Livro.
I
MOTIVO DA EDIÇÃO FAC-SIMILAR ~ 1. Quando a Saraiva, a fim de atender a pedidos chegados de todos os recantos do País, resolveu publicar a 2.ª edição de O Direito como Experiência fiquei diante de uma alternativa: ou atualizar a obra, refundindo-a em alguns pontos para fazê-la corresponder ao desenvolvimento de meus estudos, quase vinte quatro anos após a primeira edição, ou, então, manter o texto inalterado, feita apenas a correção de lapsos graves que o enfeiavam.
Após atenta releitura, optei por esta segunda solução, porque me parece que o livro exige menos retificações de fundo do que notas complementares, com remissão a tópicos de livros posteriores onde o assunto passou a ser versado com mais amplitude ou profundidade. Daí a idéia da presente Nota Introdutória, a exemplo da tradução italiana, mas com o objetivo específico de salientar as conseqüências das investigações por mim elaboradas com base nas conclusões a que chegara em 1968. Na realidade, a presente obra tem a distingui-la o fato de ter operado, por assim dizer, como um divisor de águas na corrente de minhas pesquisas, abrindo meu espírito para problemas tanto de Filosofia Geral como de Filosofia e Ciência do Direito: alterá-la substancialmente significaria, pois, perder o nexo que suas raízes guardam com os desenvolvimentos teóricos, notadamente em razão da passagem de uma teoria da experiência jurídica para os amplos quadros de uma teoria da experiência em geral, objeto de Ex'[>eriência e Cultura, publicado em 1977.
XIV
MIGUEL
REALE
Nem mesmo me parece necessário converter os Ensaios em Capítulos, como se fez na edição italiana 1, por ter o ilustre mestre que a dirigiu, o Professor Domenico Coccopalmerio, da Universidade de Trieste, considerado plenamente comprovado o travamento que une todos os estudos numa seqüência lógica essencial. Além do mais, na inteligência do autor, certos livros se revestem de uma configuração especial, de tal modo que nasce o receio de retocá-los para não alterar-lhes a fisionomia. Problema, pois, de filiação espiritual que peço seja respeitada. O que me comove é saber que, depois de tantos anos, estando o livro esgotado, dele se faziam fotocópias para pesquisas de seminários, ou para atender àqueles que cuidam da história das idéias jurídicas no Brasil, onde é sem dúvida crescente o interesse pelos problemas de Filosofia Social e Jurídica, não somente em razão de novos cursos universitários que conduzem à interdisciplinaridade, mas também em virtude da insegurança que reina em nosso ordenamento jurídico positivo, impondo o exame de seus alicerces. Foi talvez a Filosofia do Direito o primeiro ramo filosófico a adquirir, em nossa Terra, dimensão própria, projetando-se universalmente por seus valores próprios, muito embora em necessária e fecunda correlação com o diálogo das idéias acima de distinções de fronteiras ou de idiomas. Hoje em dia, outros campos lavrados por nossos "filosofantes'', como é o caso da Lógica Paraconsistente de Newton A. da Costa, atraem a atenção de pensadores alienígenas, adquirindo, assim, a projeção já alcançada pelo Brasil no plano do Direito Positivo (nesse sentido bastaria o exemplo de Teixeira de Freitas). na Música, nas Letras, na Arquitetura e em alguns domínios da Ciência positiva. Espero que esta edição, com as notas que a acompanham, possa preencher a reclamada lacuna, contribuindo para a transladação à esfera do Direito do espírito crítico de que andamos tão precisados.
II
MOMENTOS DA TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO ~ 2. A teoria tridimensional do Direito não surgiu de repente, desde logo plenamente constituída, mas veio sendo completada e aperfeiçoada ao longo do tempo, graças a um constante trabalho de auto-
1. Vide MIGUEL REALE - li diri110 come esperienza, Giuffre Editore, 1973, com Saggío i11trod11ttivo de DoMENICO CoccoPAl.MER!O.
0 DIREITO COMO EXPERIÊNCIA
XV
crítica e também em função da emergência de novas diretrizes doutrinárias no domínio da Ciência ou da Filosofia do Direito. É claro que, como sói acontecer, essa teoria foi fruto de uma intuição inicial, qwmdo, ao constatar a persistência de uma divisão tripartida da Filosofia elo Direito para fins didát;cos - desde o positivista Icilio Vanni até os neokantistas Giorgio D21 Vecchio ·2 Adolfo H.avà - , me ocorreu perguntar se essa tripartição não ocultava um problema de fundo relativo à estrutura mesma de fenômeno jurídico. até então não devidamente analisado.
Essa primeira tomada de posição ocorreu em 1940, com a simultânea publicaão de duas obras básicas na história de meu pensamento jurídico, Fundamentos do Direito e Teoria do Direito e do Eshdo ', de concepção geminada, corno foi bem observado, na época, por Waldemar Ferreira. Nesses dois livros já saliento a existência de três elementos constitutivos, sempre presentes em toda experiência jurídica, a que denominei fato, 1.:alot e norma, segundo terminologia ao depois uni\·ersalizada. Essa primeira colocação do problema traduziu-se numa correlação estática e ainda não plenamente esclarecida entre aqueles fatores, por não ter ainda concebido o valor como ekmento autônomo, não redutível aos objetos ideais. Só depois viria superar a "idealidade axiológica" de inspiração platônica estabelecida por Max Scheler e Nicolai Hartmann, cujas diretrizes então seguia. Isto, porém, não me impediu de, à pág. 26 de Teoria do Direito e do Est':lio, já poder afirmar, em 1940, que "é da int8grw:;ão do fato em wn i.:~lcr que surge a nonna", o que permitiu a Josef Kunz, em seu conhecido estudo sobre a Filosofia do Direito na América Latina, referir-se à "fórmula H.eale" como integração normativa de fatos segundo valores, expressão primeira da tridimensionalidade. ~ 3. Foi nos anos seguintes, como o demonstram as sucessivas preleções taquigrafadas de meu curso de Filosofia do Direito, que minhas idéias sobre a tridimensionalidade vieram progressivamente se determinando, cm virtude, em primeiro lugar, de uma revisão da teoria dos objetos de Frank Brentano com base numa compreensão J'e:i.lista da distinção kantiana entre ser (Sein) e d%er-s::>r (Sollen), com o entendimento de que o que dei.:e ser não pode deixai· de converter-se em algum momento da história, em algo de atualizado ou realizável,
2. O primeiro. tese com que me apresentei ao concurso de Filosofia do Direito na histórica Faculdade do Largo de S~o Francisco. apareceu como ediçi'o particular (2." ed. da Rel'i.11nais. com ampla Introdução de THEOPHILO CAVALCAN 11 FILHO) e o segundo foi i icialmenle publicado pela Livraria Martins Editora. sendo a 4.' cd. da Editora Saraiva, reestruturada com todos os textos estrangeiros traduzidos (1984).
XVI
MIGUEL
REALE
sob pena de esfumar-se como quimérica aparência. Desse modo, o valor deixava de ser algo que é (um dado lógico ou ideal) para passar a ser algo que deve se1· (um dado deontológico). Não creio que essa mudança de enfoque seja irrelevante para um conceito autônomo de Axiologia. Por outro lado, minha análise do problema do conhecimento levou-me a outra e complementar conclusão quanto à correlação essencial entre sujeito e objeto, exposta em termos ontog1wswlógicos, isto é, como fatores em mútua e unitária dependência. É claro, penso eu, que nessa dupla correlação entre sujeito e objeto e ser e dever-ser está imanente uma dialética de novo tipo, a dia!étioa de complementaridade, por sinal que cada vez mais prevalecente no campo da Filosofia da Ciência, como viria a expor, detalhadamente, em meu livro Experiência e Cultura (1977). De tal modo, o objeto (meta do processo gnoseológico) se convertia concretamente no objetivo visado pelo processo valorativo e ético, compondo em integralidade meu pensamento filosófico, depois exposto na obra supracitada. Cabe notar que essas colocações dos dados do problema ocorreram sob a influência crescente da fenomenologia de Husserl, mas em uma "visão histórica" que poucos a consideravam compatível com a sua teoria transcendental. Sua obra póstuma A crise da Ciência européia e a fencm.eno!ogia transcendental viria, porém, dar-me razão. Foi, assim, que surgiu o meu historicismo axiológico, feliz denominação dada a meu pensamento pelo fraterno amigo Luigi Bagolini, ao prefaciar a tradução italiana de minha Filo.sofia do Direito, que ele me deu a honra de traduzir conjuntamente com Giovanni Ricci. Na concepção histórico-axiológica da vida humana, que, em minha experiência pessoal representava o superamento do historicismo de Benedetto Croce e Giovanni Gentile, ainda apegados à dialética hegeliana, já está implícita a dial-etização ds fato, valor e norma, a qual, no dizer de Sanchez De La Torre, catedrático da Universidade de Madrid, representou inovação fundamental no estudo do que há de factual, normativo e axiológico na experiência social e jurídica. Em verdade, é tão-somente quando os três fatores são vistos como termos entre si diaieticamente correlacionados que se pode considerar elaborada uma teoria fundada na estrutura tridimensional de qualquer segmento ou momento da experiência jurídica. Foi propriamente em 1952 que essa idéia se me apresentou de maneira clara, sendo recebi· da com entusiasmo por Luigi Bagolini, ao retomar seu curso em nossa Faculdade de Direito. Como se vê, minha Filosofia do Direito, cuja 1.ª edição é de 1953, significa o ponto de chegada de uma longa e coni"inuada pesquisa, muito embora interrompida por freqüentes intervalos determinados por atividades políticas e administrativas, a que os intelectuais não podem fugir, sobretudo nos países do Terceiro Mundo. Aliás, se os
O DIREITO COMO EXPERIÊNCIA
XVII
empenhos práticos, de um lado, nos afastam das elaborações teóricas, de outro, nos enriquecem de senso do real concreto, alimentando e reorientando as fases sucessivas de indagação. § 4. Compre€nde-se, desse modo, também sob o ponto de vista existencial, minha crescente simpatia pelo problema da concreção no processo histórico-social, em geral, e no processo jurídico em particular, o que começa a se delinear de maneira positiva em meu ensaio pioneiro (modéstia à parte) intitulado Goncreção dg fato, val,or e norma no Direito Rrmu11w Clássico", o qual, segundo me é relatado por meu caro amigo Almiro Couto e Silva, que lhe ouviu as lições, em 1-Ieidelberg, era apresentado por Gerardo Broggini como uma das fontes da teoria da concreção jurídica. Pois bem, foi em O Direito como Experiência que surgiu, em 1968, plenamente desenvolvida a minha visão concreta ou experiencial da realidade jurídica, superando de vez não somente o formalismo jurídico, cuja máxima expressão foi 1-Ians Kelsen, mas também todas as modalidades de compreensão unilateral do mundo jurídico, em contraposição frontal às recentes pretensões do neopositivismo ou do neo-realismo jurídicos, que, através de caminhos paralelos, pretendiam reduzir o Direito ao meramente factual. 1968 foi um ano decisivo na história de minha vivência jurídica, repetindo 1940 no que se refere à elaboração de duas obras geminadas, ou seja, Teoria Tridimensional do Direito e O Direito como Experiência, ambas de Saraiva - Livreiros Editores. São livros que não podem ser compreendidos senão em essencial correlação, sendo o segundo, por assim dizer, continuação e especificação do primeiro como projeção no plano epistemológico das idéias gerais anteriormente firmadas. Todavia, nem sempre se poderá estabelecer essa correlação em termos de gênero e espécie, porquanto o desenrolar da pesquisa implica, de per si, ir freqüentemente do genérico ao específico, e vice-versa. Vista no seu todo, a apontada correlação me parece, no entanto, plausível. ~. em suma, na presente obra que a correlação fático-axiológiconormativa se apresenta em sua concretitude. Esta põe-se no plano filosófico ou transcendental como momento da ontognoseologia jurídica e do historicismo axiológico - objeto da citada 1.ª edição de Teoria Tridirnen.si.vnal do Direito -, mas se realiza como modalidade de estruturas sociais, ou modelos jurídicos no plano empírico da experiência do Direito, o que explica o título dado à obra. Dessarte, à cornpreensão fi"losófica vem acrescentar-se a compreensão sociológica, esta nas linhas da Sociologia estruturalista de 3. Trabalho publicado na Revista da Faculdade de Direito da USP. vol. 49, 1954, e inserto, depois, na 1: edição de Horizontes do Direito e da História, 1956, págs. 58-RI.
XVIII
MIGUEL
REALE
Talcott Parsons e Robert Merton, coincidentes, aliás, em vários pontos, com as contribuições renovadoras de Gilberto Freyre. A teoria dos modelos jurídicos eu a esbocei, inicialmente, em comunicação escrita para o Congresso Internacional de Filosofia, realizado em Viena, em agosto de 1968, apresentando-se já elaborada em seus pontos capitais em O Direito como Expsriência. Quando concordei em publicar a 4.ª edição de Teorh! Tridimensional do Direito (1986), resolvi acrescentar-lhe um longo estudo destinado a atualizá-la, oportunidade em que tratei com mais profundidade do papel desempenhado pela Lebenswelt (o mundo da vida comum) de inspiração husserliana na vida e morte dos modelos jurídicos, consoante será realçado logo mais. O certo é que a presente obra constitui um momento essencial em minhas renovadas investigações, tendo representado ponto de partida para estudos posteriores, não só na esfera do Direito, mas também na tela da Filosofia Gerai, como o demonstra talvez a minha obra capital, Experiência e Cultura, recentemente vertida para o francês•. Nesse sentido, rogo ao benévolo leitor que estenda a este livro as referências que encontrar a um meu escrito de 1966, intitulado "Fenomenologia, Ontognoseologia e Reflexão Crítico-Histórica", porquanto ele foi o embrião de Experiência e Cultura. Apenas para completar a exposição dos momentos da leoria tridimensional do Direito, de seu Ensaio X sobre problemas de Hermenêutica Jurídica resultaram minhas últimas pesquisas sobre os pressupostos filosóficos e a natureza da interpretação do Direito, à luz do pensamento conjetural, tal como é exposto em Estudos de Filosofia e Ciência do Direito (1978) e Noi:~t Fase do Direito Moderno (1990). É por todas essas razões que, ao se dispor a Editora Saraiva a fazer a 2.ª edição de O Direito ccmw Experiência, julguei mais conveniente limitar-me à revisão de lapsos da edição anterior, fazendo-a anteceder desta Nota Introdutória destinada a apontar os pontos fJUe merecem correção ou complementos, à luz dos últimos desenvolvimentos de minhas pesquisas. Ver-se-á que não teria senticlo refundir algumas páginas de um livro que possui a sua dimensão histórica na evolução de meu pensamento. O cotejo desta Nota com o texto de 1968 servirá tanto para comprovar a evolução como a contínua revisão crítica e as retificações essenciais à investigação científica, a qual, conforme conhecido magistério de Karl Popper, se desenvolve segundo sucessivas tentativas e refutações, o que não significa que deva ser alterado o que ainda resiste à ação erosiva do tempo.
4. Cf. Expérience er C11/111re, Fondemelll d'une tlrforie gé11éra/e de f'expérience, 1990, trad. de Giovanni Dell'Anna, Editions Biére, Bordeaux. com prefácios de }EAN-MARC TRIGEAUD
e
CAND!DO MENDES.
O DIREITO COMO EXPERIÊNCIA
XIX
III LóGICA JURtDICA FORMAL E LóGICA JURíDICA DIALÉTICA 5. Por ocasião do III Congresso de Filosofia Social e Jurídica, ocorrido cm São Paulo, cujos Anais foram publicados sob o título .Liberdade, Participação, Comunidade\ Roberto Vernengo, ilustre professor de Filosofia do Direito da Universidade de Buenos Aires, ofereceu uma comunicação destinada a delinear a situação atual da Lógica Jurídica. Nesse trabalho R. Vernengo atribui à posição de Carlos Cossio e à minha, perante essa disciplina, mero valor de documentos históricos superados pelo rápido desenvolvimento dos estudos. Ele pode ter razão quanto a Cossio, que reduzia a Lógica Jurídica à Teoria Pura do Direito - o que é deveras inadmissível, muito embora Hans Kelsen tenha contribuído mais do que ninguém para uma visão autônoma e geral do "normativo" com base na categoria de dever-ser -, mas não penso que a crítica seja procedente com relação ao que afirmo nos parágrafos 8 e seguintes do Ensaio II deste livro (págs. 65 usque 74). Ou Vernengo tresleu o que escrevi, ou se deixou levar pela paixão neopositivista de não admitir outra Lógica além da Lógica Formal, Simbólica, Matemática ou que melhor nome tenha, não admitindo, por prevenção, a Lógica Dialética ou Concreta. Penso que as dúvidas por mim suscitadas, em 1968, sobre o alcance da Lógica Jurídica, enquanto Lógica das estruturas proposicionais do Direito, ainda não foram de todo superadas, como o demonstra o inquietante diálogo travado entre Hans Kelsen e Ulrich Klug, que levou o Mestre da Teoria Pura às surpreendentes conclusões contidas em sua obra póstuma, Teori.a Geral das Norm'.1.s ". ~ 6. A Lógica Jurídica formal, tal como é hoje em dia entendida, tem uma história recente, adquirindo perfil mais nítido a partir dos estudos de De6ntica Juríd'ioa estabelecidos com base nas decisivas contribuições sobre a teoria das normas de Von Wright, o qual em 1951, por sugestão de Broad, passou a usar o sintagma Deontic Logic como título de seu já clássico ensaio sobre o sistema formal de lógica dos modos deônticos obrigatório, proibido ou per· mi tido. Como nos lembra Tecla Mazzarese, Norberto Bobbio, em 1962, em Diritto e Lo9ica, já inrfagara da possibilidade de serem respondidas pela Deõntica Jurídica, enquanto memento da Lógica Jurídica, estas duas perguntas: a) "É possível, e em que condições, uma válida inferência entre normas?"; b) "Quais são as características de 5. Cf. Edição do INSTITUTO BRASltF.lRO Df. F1wsoF1A, São Paulo, 1986. 6. Cf., sobre o assunto, MIGUEt REAi.E - No1·a Fase. do Direito Moderno, São Paulo, 1990, pág. 201, no estudo intitulado "O terceiro Kelsen".
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um sistema jurídico e em que condições se pode falar de um ordenamento jurídico como sistema?" 1 • Pois bem, são esses dois quesitos que Tecla Mazzarese, com base em análise da linguagem jurídica, considera ainda não resolvidos satisfatoriamente pela Deôntica Jurídica 8 • Comparada com essa atual atitude dubitativa, não se poderá negar que, em 1968, eu revelava posição mais otimista perante a Deôntica Jurídica, da qual esperava, como se pode ler à pág. 68, "preciosas contribuições à determinação dos conceitos jurídicos, da estrutura da norma jurídica, do silogismo prático e dos nexos de inferência entre as proposições normativas, em geral, bem como à elucidação das figuras de qualificação jurídica e das condições indispensáveis à configuração do Direito como 'sistema' e 'ordenamento'". Esclareço, no entanto, que, na mesma pág. 68, declaro ser "evidente que a Lógica Jurídica formal não pode deixar de fazer abstração do variável oonWúdo axiológico das regras de direito, assim como de sua mutável condicionalidade fática", o que não excluía a possibilidade da formalização normativa chegar a levar em conta, vetorialmente, a existência da realidade factual ou valorativa do Direito no seu todo, sem imiscuir-se na infinita variabilidade dos fatos e valores. Neste ponto, confesso que fui surpreendido pelos recentíssimos trabalhos de forrruilização dual (a norma em função do valor) ou mesmo trina (a norma em função do fato e do valor) resultantes da aplicação ao mundo do Direito da Lógica Paraconsistente, um de cujos fundadores é o grande lógico brasileiro Newton A. da Costa. Nem é demais lembrar que nessa tarefa pioneira colabora por sinal também Roberto J. Vernengo, ao lado de Leila Zardo Puga e outros. Quanto à formalização da teoria tridimensional, bastará referir-me ao estudo de Leila, que a analisa sob o prisma da Lógica Paraconsistente 9 • Como se vê, houve e continua a haver inegáveis progressos na tela lógico-juridica, mas sem desmentido de minhas colocações iniciais do assunto quanto ao que, no Direito, transcende o aspecto proposicional. Todavia, o que me parece fora de contestação é que a Lógica Jurídica formal não cobre, nem pode cobrir, todos os momentos do processo normativo peculiar à experiência do Direito, quer no que se refere à gênese dos modelos juridicos e suas mutações, por tratarse de um sistema normativo dinâmico cheio de insurgências e recorrências; quer no tocante aos problemas de validade e eficácia; quer 7. Diritto e Logica, 1962, págs. 25 e segs. 8. TECLA MAZZARESE, Logica Deolltica e /inguaggio giuridico, Pádua, 1989, pág. 3 e passim. 9. Cf. LEILA Z. PuoA - "A Lógica deôntica e a Teoria Tridimensional do Direito", em Revista dos Tribunais, 1988, vol. 634, págs. 36 e segs.
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no concernente à sempre aberta captação hermenêutica de seus significados; quer quanto aos critérios de sua aplicação judicial, e, por fim, no que se refere às exigências lógicas que presidem a técnica da argumentação e de persuasão, objeto de conhecidos estudos de Perelman, Viehweg e Esser. Para esse amplíssimo e variegado campo da experiência jurídica é que, a meu ver, torna-se necessário recorrer a processos dialéticos, cuja variedade e amplitude ponho em realce em Experiência e Cultura. Não vejo razão, pois, para alterar o que escrevo, de págs. 70 a 74, sobre uma distinção fundamental entre Analítica e Dialética Jurldicas, sobretudo depois que foi superado o monopólio marxista na matéria, reconhecendo-se outras modalidades de dialética, à cuja frente situo a dialétioa d.e cornpl.61'/'LentaridJ:ul,e como a mais própria ao mundo do Direito. Nem é de somenos salientar a correlação existente entre essas duas ordens de método e de pesquisa, como assinalo na parte conclusiva do Ensaio III. IV O PROBLEMATICO E O CONJETURAL NO DIREITO § 7. Tenho para mim que a evolução de meu pensamento não obedece a mutações bruscas, mas antes a uma demorada vivência dos problemas. É o que se pode notar quanto ao assunto tratado no Ensaio VI deste livro, onde me refiro aos estudos, em cuja modernidade é manifesta, sobre a natureza problemática ou dogmática da Ciência do Direito, entendido, é claro, o termo "dogmático" em seu sentido técnico, isto é, como enunciação da norma jurídica
a ser seguida, em virtude de uma decisão do poder, que põe fim, velo menos provisoriamente, às opções espontâneas do processo normativo.
Como explico, no mencionado Ensaio, o momento normativo do Direito - que pode ter início no âmbito da sociedade civil para, aos poucos, merecer a atenção do legislador ou dos órgãos jurisdicionais, para distinguirmos entre Civil Law e Common Law - é uma das expressões mais significativas do processo geral de objetivação, ou melhor, de objetivização de formas de sentir, pensar e querer, mediante as quais o homem se afirma como indivíduo ou como membro de uma coletividade. Sem se converter em algo de objetivo ou de heterônomo, ou seja, em algo dotado por si mesmo de validade e eficácia, o ato humano se esfuma ou se esvai, sem deixar sinal de si. A objetivização - que é o ato de tornar algo objetivo, distinto do sujeito criador -, como penso ter demonstrado em vários escritos, mas sobretudo em Experiência e Cultura, é o ato nomotético fundante sem o qual as obras do homem não se transfeririam de geração a geração
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no processo civilizatório. É que, se um ato é dotado de per si de validade e eficãcia, pelo menos como potencialidade, ele culmina em alguma forma objetiva, que pode ser tanto uma fórmula científica quanto um poema, tanto uma obra de arte quanto um enunciado normativo, uma regra destinada a disciplinar uma classe previsível de ações futuras. Ao contrário da afirmação de N. Hartmann, que vê nas objetivizações um ato de resfriamento, por assim dizer, do "espírito subjetivo", entendo que elas o potenciam, não apenas porque asseguram duração às suas criações, mas também porque permitem a intercomunicação e o confronto com as objetivizações oriundas dos demais homens, constituindo, assim, a ponte e a base do desenvolvimento material e espiritual. Não há dúvida que as obras instauradas, aquilo que Hartmann denomina hegelianamente "espírito objetivo", pode converter-se em fator de resistência ou de empecilho a novos atos institutivos, mas, em geral, ele opera como plataforma a partir da qual o homem se lança a novos vôos. Através de múltiplas modalidades de comportamento (acordo de vontades no plano negocial; reiterados modos de ser e de entender consolidados em usos e costumes, convergência de julgados de órgãos jurisdicionais e, por fim, a decisão do legislador) desenvolve-se a experiência normativa do Direito, a qual tende sempre a converter-se em parâmetros ou paradigmas, à cuja luz possam ser aferidos os contratos, obedecidos os costumes, cumpridas as sentenças e as leis. § 8. Ora, perante esses processos múltiplos e incessantes de "norrnativização da vida humana" há os que optam por um entendimento aberto, dando um sentido problemático até mesmo às soluções resultantes de um acordo de vontades privadas ou de uma decisão do poder público, cuja provisoriedade proclamam; há os que, em campo oposto, enaltecem o valor primordial do decidido (fonte primeira de todos os tipos de "decisionismo") e atribuem mero valor preparatório a tudo aquilo que antecede a formulação da norma imperativa, e são os que conferem valor primordial à Dogmática Jurídica; e, em terceiro lugar, figuram aqueles que não vêem contraposição entre problema e dogma jurídico (entenda-se: norma jurídica obrigatória posta por ato de autoridade) e, por via de conseqüência, entre problema e sistema, convictos de que este não supera aquele, pela simples razão de não se poder compreender o sistema com abstração de todos os problemas que lhe deram causa. É claro que a cada uma dessas diretrizes fundamentais correspondem também três tipos de obrigatori.füade jur·ídíca, a qual é puramente indicativa, segundo pensam os primeiros (natureza facultativa da norma jurídica, certificável em cada caso); enquanto é imperativa, no entendimento dos segundos, como expressão do querido e decidido (natureza imperativa da norma jurídica, de per si,
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erga omnes); sendo, para os que se alinham na terceira posição, uma obrigatoriedade desvinculada da vontade de quem põe a regula iuris, em virtude de seu conteúdo essencialmente a."Ciológico, deven-
do, pois, o dogma legal ser recebido, como e~crevo à pág. 134, "não como um conteúdo ordenado e rígido, mas como um sentido de ação que objetivamente deve ser valorado e concretamente experienciado", podendo-se afirmar que "o poder queda, de certa forma, envolvido pela norma que ele acaba de positivar", inserindo-se no contexto normativo a que pôs termo em virtude de sua superior opção. ~ 9. Pois bem, foi a meditação dessa complexa problemática que aos poucos me levou a analisar o pensamento problemático como tal, objeto de um pequeno livro, Verdade e Conjetura, que é de 1983. o qual influiu em Nova Fase do Direito Moderno, no que se refere à natureza conjetural de categorias jurídicas fundamentais, como a de pessoa humana, a da obrigatoriedade da lei mesmo para os que a ignorem; a unidade e as lacunas dos sistemas e ordenamentos jurídicos. É claro que, se fosse tratar, hoje em dia, dos temas ventilados no Ensaio VI, os analisaria mais diretamente à luz do "pensamento conjetural", muito embora já tivesse, em 1968, plena consciência do valor do "problemático" na vida social, em geral, e na jurídica em particular, dado o reconhecimento da radical historicidade do ser hmnano, ao qual é inerente o valor da liberdade, muito embora nenhuma responsabilidade tenha quanto à sua chegada onde e como no Mundo. Ora, meus estudos sobre a conjetura, a partir sobretudo das referências de Kant ao pensamento problemático - ponto de sua doutrina bem pouco analisado -, chegaram a algumas conclusões que me permito aqui enumerar:
a)
a conjetura não se confunde nem com o quimérico nem com o arbitrário, mas corresponde antes a um juízo de plausibilidade, formulado em isonomia com a experiência, de tal modo que dura enquanto esta com ela se harmoniza;
b)
a conjetura não corresponde a um juízo aleatório ou eventual, mas nasce, ao contrário, da necessidade de atender a certos reclamos experienciais que a ciência desconsidera por estarem além de suas possibilidades certificadoras ou verificadoras;
c)
a conjetura possui um status epistemológico próprio, não se confundindo com a probabilidade, cujos dados numéricos são certificáveis ou previsíveis, nem com a analogia .• que obedece a parâmetros racionais próprios, de procedência ou viabilidade; a conjetura, não obstante a problematicidade que a envolve,
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alberga uma compreensão de sentido válida tanto no plano da Ciência como no da Metafísica; a conjetura, na tela científica, às vezes opera como uma "suposição", uma "hipótese imaginária", ou uma "ficção", a partir da qual se pode chegar a formas de conhecimento verificáveis 00 •
Penso eu que, com tais colocações do problema, superam-se muitas das razões da contraposição rigidamente firmada entre prob"lema e sistema, em virtude do que neste há de conjetural; em última análise, um sistema é uma ordenação conjetural de problemas que visa tanto a compreendê-los como a possibilitar o advento de novos problemas, assegurando a continuidade da ciência, a qual não tem apenas uma finalidade gnoseológica, mas também o fim ético de aperfeiçoamento humano. No que tange à questão particular da obrigatoriedade objetiva do Direito, de que trata o Ensaio VI, o pensamento conjetural me parece ser de grande valia, pois a exigibilidade de sujeição à lei daqlleles que a ignoram somente se legitima à luz de um postulado da razão prática jurídica, uma vez que admitir o contrário importaria no absurdo de subverter-se toda a ordem jurídica, sem a qual a sociedade pereceria. Ora, todo postulado, à luz da Epistemologia contemporânea, é essencialmente um como se, um als ob ou als if, admitido em razão do absurdo a que nos levaria a tese oposta, operando como "hipótese de trabalho", conforme feliz terminologia de Claude Bernard.
V MODELOS DO DIREITO: MODELOS JURíDICOS E MODELOS DOGMATICOS § 10. Uma das partes fundamentais, e, a meu ver, mais originais do presente livro refere-se à colocação da experiência jurídica em termos de "estruturas normativas" ou "modelos jurídicos". É no Ensaio VII que procuro demonstrar que a vida do Direito não se desenvolve com referência a modews abstratos postos ab extra, por um ato de autoridade, mas sim como uma contínua "provação" ou "experimentação" de modelos concretos, onde o formal necessariamente se casa ao conteúdo, sendo observáveis, nesse processo, avanços e recuos, ou, como diria Gilberto Freyre, surgências, insurgências e recorrências. 10. Sobre todos esses pontos, v. de Janeiro, 1983.
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Verdade e Co11jet11rn, Rio
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É claro que, no plano puramente lógico, podemos conceber mogmáticos, cuja finalidade é determinar: a) como as fontes podem produzir modelos jurídicos válidos; b) que é que esses modelos significam; c) como é que eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos, subsistemas e sistemas, tudo na unidade lógico-axiológica do ordenamento jurídico nacional. Se, efetivamente, a missão mais imediata dos juristas é determinar o que os modelos jurídicos significam, não é menos certo que, por razões de Política do Direito e pelo próprio evolver da Ciência Jurídica, cabe-lhes abrir primeiramente o caminho para a revogação dos modelos jurídicos tornados inadequados e sua substituição por outros mais correspondentes às necessidades materiais e espirituais do povo. Essa posição de vanguarda do Juristenrecht é incontestável, devendo-se reconhecer que os jurisconsultos brasileiros, de Ribas a Teixeira de Freitas, de Lafayette a Clóvis, de Rui ou Pedro Lessa a Pontes de Miranda, têm sabido con·esponder a esse nobre mandato intelectual. A irredutibilidade dos modelos dogmáticos às estruturas das fontes formais e dos modelos jurídicos, longe de cercear-lhes plena liberdade investigadora, vai compondo, aos poucos, o horizonte teórico dentro do qual se desenrola o drama da experiência jurídica nacional. Que missão poderia haver maior que essa?
VI UMA ANTIGA CONVERSA AINDA ATUAL SOBRE O PRESENTE LIVRO Editado, em 1968, O Direito como EX'periência, provocou ele incontinenti a atenção dos cultores do Direito do País, com a publicação de artigos que enalteceram seus méritos, mas formularam críticas e observações que me pareceram merecedores de resposta, a que dei o título de Cmiversa com meus crítiooo, tal como consta do fascículo 74 da Revi.sta Brasileira. de Filooofia, do segundo trimestre de 1969, págs. 231 e seguintes. Os trabalhos a que me refiro nessa resposta - a qual, por sua atualidade, julgo de bom alvitre apresentar como complemento às considerações anteriores, conforme artigos constantes do mesmo fas·· ciculo da RBF - foram de autoria dos saudosos amigos e colegas Leonardo Van Acker e Theophilo Cavalcanti Filho, que escreveram, respectivamente, sobre EX'[lfffiência e epúitemologüz jurídica e A revolta contra o f ormoJ,ismo jurídico e o -problema da experiência. Os demais artigos foram escritos por Renato Cirell Czerna - Fundonalidade histórico-cultural e antiformalismo; Irineu Strenger - Dia-
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lética da experiência jurídica; e Tércio Sampaio Ferraz Jr. - Algumas observações em torno da cientificidade do Direito segundo Miguel &ale.
Foi esse, sem sombra de dúvida, um momento que veio confirmar a maturidade dos estudos de Filosofia do Direito no Brasil. Eis a parte essencial do mencionado texto, atualizada apenas a sua ortografia: Fundação da Ciência do Direito
"A colocação da científicidade do Direito em termos de experiência resultou de exigências intrínsecas ao desenvolvimento da pesquisa, ditadas pela necessidade de atingir um conceito de Ciência Jurídica que seja tão concreto como concreto se me afigura o Direito na concretitude da experiência social e histórica. Não vi razão para, como intróito do livro, relembrar os pressupostos de minha posição ontognoseológica, preferindo reportar-me a trabalhos anteriores, a fim de concentrar a atenção do leitor no âmbito de sua projeção 'epistemológica'. Eis aqui um ponto, a meu ver, capital, este da Epistemológica como especificação do processo ontognoseológico. Põe-se uma correlação essencial entre processo ontognoseológico e processo histórico-cultural, sem que, isto não obstante, um se reduza ao outro. O realismo ontognoseológico é realismo na medida e enquanto a subjetividade transcendental outorga sentido ao real, em função de estruturas imanentes a este; e é ontognoseológico enquanto o objeto só o é por sua essencial correlação à consciência mesma. A essa luz, a antinomia entre 'realismo' e 'idealismo' passa, por assim dizer, a um segundo plano, prevalecendo o sentido de unidade do processo em que a consciência e a realidade concretamente se correlacionam. Poder-se-ia mesmo dizer que a funcionalidade entre os dois termos, o sujeito e o objeto, opera como síntese a priori condicionante de um processo cognoscitivo e, ao mesmo tempo, prático, marcado pelo sentido dialético de complementaridade. Poder-se-ia dizer que no 'envolvente ontognoseológico' se sucedem os momentos distintos de objetivação, não se podendo sequer considerar o dado empírico como sendo de todo independente do sujeito cognoscente: mesmo aquilo que é percebido e captado como 'dado natural', num esforço metódico de despersonalização, não pode, enquanto objeto, deixar de se situar no âmbito ontognológico, o que torna impossível a absolutização da ciência como 'positividade', bem como torna precário todo formalismo 'a se stante'. É dentro dessa compreensão integrante que o processo históricocultural assinala os momentos da objetivação cognoscitiva, revelan-
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do-se como 'experiência', na qual se insere a 'experiência do Direito'. Esta corresponde, pois, a um caso particular e a um momento da objetivação progressiva do espírito humano enquanto instaura as 'estruturas da ciência', recortando-as no plano 'infinitamente determinável' daquilo que se supõe fora dele como 'natureza', isto é, como dado não constituído, mas oferecido à fonte espiritual doadora de sentido, para só então se apresentar como objeto. A esse ato fundamental de concreção e de 'con-criação' denomino 'ato objetivante', que é o ato fundante da ciência, a qual só é possível na medida em que a estrutura da 'expressão', intersubjetivamente comunicável, não é mera cópia, nem adequação extrínseca a algo, mas antes um modo necessário de ser de algo. Por outras palavras, onde não há objetividade não há Ciência; e toda Ciência é a objetivação de algo 12 • Posta a questão nesses termos, pareceu-me que, sob o ângulo da tarefa que me havia proposto, - que era a de determinar a 'fundação da Ciência do Direito', - a questão primordial se resumia em saber qual o processo de 'objetivação' da experiência jurídica no quadro de uma concreta compreensão objetiva. Para tal análise, comecei por propor-me o problema da 'experiência ética em geral', afrontando um tema que Kant deixara num verdadeiro beco sem saída. Teria sido mais fácil tomar o problema como resolvido, como o têm feito em geral os sociólogos, subentendendo soluções de caráter empírico, mas me pareceu que é nas obras dos neo-kantianos, de Cohen, Natorp e Cassirer, assim como nas meditações que se desenrolam de Husserl a Scheler, Hartmann e Heidegger, que mais viva se faz sentir a necessidade de superar-se o restrito conceito de experiência de Kant, sem, resultar afetada, ma'l antes integrada na nova sol1UÇão, a contribuição do mesmo Kant relativamente às condiçõzs lógicas do saber científico.
Foi a essa luz que cheguei à conclusão da possibilidade de uma 'ciência do social', em geral, por ser possível e, mais do que is1o, imprescindível, a ca1egorização autônoma de uma 'experiência de humano', complementarmente às 'experiências do natural'. O conceito de 'causalidade motiracional', inspirada por Husserl, mas não integralmente correspondente ao seu ainda impreciso enunciado, julguei ser o capaz de dar-nos a comprEensão da 'experiência ética', e da jurídica em particular, como distinta e autônoma modalidade de experiência. O passo sucessivo nessa análise, - que se desdobra ao longo do!: Ensaios, constituindo a linha interna que os integra em unidade, consistiu em ver a experiência jurídica como 'processus', valendo-me 12. E expc>riências quc> sejam providas de uma estrutura
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