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March 27, 2019 | Author: Anonymous KR5leB | Category: Tai Chi, Thought, Mind, Death, Sky
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MEDITAÇÃO TAOÍSTA MÉTODOS PARA O CULTIVO DA SAÚDE DA MENTE E DO CORPO

TRADUÇÃO: GIANCARLO SALVAGNI

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MEDITAÇÃO TAOÍSTA

MÉTODOS PARA O CULTIVO DA SAÚDE DA MENTE E DO CORPO

Tradução: Giancarlo Salvagni “Taoist MeditationMeditation- Methods for Cultivating a Healthy Mind and Body” translated and and compiled compiled by Thomas Thomas Cleary – Cleary – Shambala  Shambala Ed., 2000

.........2 Introdução de Thomas Thomas Cleary ................................................... ................................ .......................

Antologia do Cultivo da Realização ....................................................5 Tratado do Sentar e Esquecer ..........................................................49 Provérbios do Mestre Taoísta Danyang ...........................................63 Escritos Secretos sobre os Mecanismos da Natureza .....................68 Segredos Alquímicos do Tai Chi de Zhang Sanfeng .........................71 Registros Secretos do Entendimento do Tao ....................................74

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Introdução de Thomas Cleary

Taoísmo, uma das mais antigas tradições do Oriente, tem crescentemente chamado a atenção do Ocidente moderno. O interesse pelo Taoísmo não está mais confinado em elementos periféricos como alguns gostariam, mas tem se tornado parte da mentalidade normal de indivíduos conscientes e pensadores cosmopolitanos, em diversas áreas da vida contemporânea. contemporânea. Parte da popularidade do Taoísmo no Ocidente pode ser atribuída ao fato do Taoísmo ser não só científico, mas ainda ainda humanístico humanístico e espiritual. espiritual. Taoísmo tem a capacidade de sutil penetração porque ele pode ser compreendido e praticado dentro das estruturas religiosas do mundo todo, ou mesmo sem qualquer estrutura religiosa que seja. Esta abnegada adaptabilidade pode bem ser o motivo da habilidade em penetrar nas culturas ocidentais, independentemente das limitações de doutrinas teológicas ou identidades religiosas. Algumas das artes especializadas que se originam na tradição Taoísta, tais como artes marciais, acupuntura, medicina fitoterápica ou massagem terapêutica, tornam-se cada vez mais familiares no Ocidente. A filosofia social Taoísta e o pensamento estratégico também têm provado ser de grande interesse para os ocidentais em diversos cursos da vida. Ambos estão inseridos nas dimensões do do Taoísmo e têm atraído a atenção de profissionais de diversas áreas: política e militar, agrícola, industrial e comercial, educacional, educacional, medicinal e científica. Meditação é um elemento do Taoísmo de interesse para um largo espectro de pessoas, já que o bem-estar e eficiência de todo o organismo dependem do estado mental. A meditação Taoísta melhora a saúde tanto mental quanto física, já que estas duas faces do bem-estar estão mutuamente e intimamente relacionadas. O entendimento científico moderno do “continuum” corpo/mente confirma as crenças crenças Taoístas tradicionais a respeito das influências dos estados mentais nas condições físicas, e vice-versa. O presente volume apresenta uma seleção de textos sobre meditação Taoísta, abordando tópicos variados sobre um abrangente desenvolvimento humano, tradicionalmente desenvolvidos pelos Taoístas. Uma vez que foram escritos na China, eles estão incorporados nos aspectos costumeiros da cultura chinesa, particularmente no unitarismo do último milênio, no qual os ensinamentos Taoístas, Confucionistas e Budistas são comumente empregados em conjunto, para um equilíbrio não-dogmático na educação superior. Uma parte considerável do material desta tradição, seja da fase clássica ou unitária, é correntemente encontrada em traduções na língua inglesa. Não há um sistema 2

fixo de pensamento na prática do Taoísmo, e diversos métodos foram articulados no correr dos séculos. Temperamentos diferentes em épocas diferentes têm diferentes necessidades, portanto, de acordo com os ensinamentos Taoístas, as respostas do Tao para estas condições cambiantes devem diferir entre si, para que possam ser efetivas. Esta é a principal razão para a publicação de uma variedade de textos desta tradição, para que possam refletir as experiências de pessoas diferenciadas e, conseqüentemente, adquirir um maior equilíbrio, podendo endereçar-se a um maior espectro de temperamentos humanos, mais vasto do que apenas sectários dogmáticos. Ao lado de autênticos ensinamentos Taoístas, pode-se encontrar várias formas de práticas Taoístas comprovadamente falsas ou deterioradas. Avisos neste sentido têm corrido através de muitos séculos. Há ainda mais uma razão para a publicação deste material tradicional: assim o público pode ter algum fundamento e capacidade de avaliação, no caso de práticas que pretendem representar o Taoísmo. A primeira seleção apresentada aqui é um trabalho chamado  Antologia do Cultivo da Realização, de autor desconhecido, identificado apenas como “Cultivador da Realização”. Descoberto em forma de manuscrito e publicado em1739, parece ser um produto da dinastia Ming (1368 -1644). Citando ensinamentos Taoístas, Confucionistas e Budistas, o autor enfatiza um desenvolvimento balanceado dos elementos naturais, sociais e espirituais da vida humana, através de meditações sobre uma larga variedade de tópicos. A segunda seleção é um manual de meditação muito famoso: Tratado do Sentar e Esquecer , de Sima Chengzhen, da dinastia Tang (618-907). A cultura cosmopolita da dinastia Tang fez com que este período fosse chamado de idade dourada da civilização chinesa. As grandes escolas do Budismo Oriental floresceram durante a dinastia Tang, exercendo uma poderosa influência na evolução subseqüente do Confucionismo e do Taoísmo. O Tratado do Sentar e Esquecer é nitidamente Taoísta, ainda que, de um modo geral, seu fraseado seja aceitável para Confucionistas e Budistas. A terceira seção consiste dos ditos de Ma Danyang, um famoso mago Taoísta da dinastia Sung (960-1279). Danyang, cujo nome Taoísta significa “Luz do Sol de Cinábrio”, foi um dos maiores discípulos de Wang Chongyang, o fundador do “Ramo Norte do Taoísmo da Completa Realidade”, um poderoso movimento neo-Taoísta empenhado em reviver aspectos sociais e contemplativos do Taoísmo. A austeridade espiritual do “Ramo Norte do Taoísmo da Completa Realidade” é reminiscente do Budismo Chan (Zen), estudado por diversos neo-Taoístas, e é uma resposta orgânica para os problemas e dificuldades de uma sociedade sob ocupação estrangeira. A quarta seleção é extraída de uma antologia chamada Escritos Secretos sobre os Mecanismos da Natureza. É uma coleção de trechos de 163 fontes da tradição Taoísta, incluindo clássicos antigos, escritos sobre meditação e alquimia espiritual, admoestações e instruções de grandes luminares da espiritualidade Taoísta através das eras. A quinta parte é um discurso de refinamento mental, representado pela ciência da alquimia espiritual. É atribuído a Zhang Sanfeng, figura semi-mitológica da dinastia Ming, supostamente tomado como grande alquimista, tradicionalmente associado com a arte 3

marcial conhecida como Taijiquan (Tai Chi Chuan). Apresentamos aqui, dentre diversas obras do gênero atribuídas ao sábio, os Segredos Alquímicos do Tai Chi de Zhang Sanfeng.  Assim como artistas marciais, tais como lutadores de Shaolin e arqueiros Zen, sempre praticaram meditação, também o fundamento interior do Tai Chi é tradicionalmente associado com a prática interna de meditação. Esta alquimia é baseada no conhecimento da conexão entre mente e corpo, e seu exercício ascende da prática física do Tai Chi Chuan até culminar num elevado nível de completa Realização. A sexta seleção é tomada dos Registros Secretos do Entendimento do Tao , uma rara e notável coleção de comentários de um Taoísta anônimo, conhecido apenas por seu nome devocional. Parece tratar-se de uma obra da recente dinastia Qing (1644-1911), claramente seguindo linhas tradicionais, ainda que permeado por um certo acento dos tempos modernos.

Thomas Cleary

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1 Antologia do Cultivo da Realização O CAMINHO 1 Se as pessoas desejam a mais refinada coisa do mundo, nada se compara ao aprendizado. E se elas querem ser as melhores dentre os aprendizes, então nada se compara com o aprendizado do Caminho. Como costumava dizer Mestre Zhu, “conhecer é buscar o Caminho. Para que serve aprender outra coisa?” Até mesmo a promoção profissional é algo estranho: uma pena que isso tenha sido capaz de corromper tanta gente. O Tao Te Ching diz: “para estabelecer -se como imperador e designar oficiais de alta patente, pode-se ter uma jóia magnífica e dirigir todo um grupo de cavalos, mas nada disso é tão bom quanto avançar calmamente pelo Caminho”. Talento é explorado por outros e raramente atinge sua finalidade; virtude é cultivada pelo indivíduo em si, mas ela tem uma definição. O Caminho é indefinido, mas, quando aplicado, é inexaurível. Por esta razão, pessoas superiores somente dedicam-se ao aprendizado do Caminho. Elas olham para o mérito e a fama, a fortuna e o status como se fossem nuvens passageiras, deixando-os ir e vir, sem que sejam movidos por eles, apesar de estarem entre eles. Mas se as pessoas somente estudam o Caminho, seria devido ao fato de receberem algum benefício? Sim, é isso mesmo. E qual seria este benefício? Aqueles que estudam o Caminho estudam a si mesmos. A mente pode ser ampliada, o corpo beneficiado; doenças podem ser curadas, a morte pode ser evitada. Nada pode ser melhor do que isso. Mas as pessoas que se dedicam ao Caminho realmente recebem esses benefícios e prazeres? Sim, de fato! Caso contrário, por que tanta gente se torna irritada ao ver pessoas que estudam o Caminho, chamando-as de excêntricas e cafonas? Diz o Tao Te Ching : “quando as pessoas superiores ouvem o Caminho, viajam por ele diligentemente. Quando pessoas medíocres escutam falar do Caminho, elas parecem saber do que se trata, como se fosse uma coisa muito óbvia. Quando as pessoas inferiores ouvem sobre o Caminho, riem alto, às gargalhadas; mas, claro, aquilo do qual elas não riem, não poderia ser o Caminho”.

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“Caminho”, com inicial maiúscula, quer dizer “Tao”. Ser ia preferível não traduzir, mas a opção é de Thomas Cleary - “pode significar uma trilha, um caminho, um princípio, método ou doutrina, um sistema de organização; e  pode significar também a matriz, a estrutura e a realidade do próprio universo. Cada arte ou ciência é considerada um tao, ou caminho; mas a origem de tudo, a fonte das artes e ciências, é chamada o Tao  –  o Caminho” (O  Essencial do Tao –  Thomas Cleary  –  Ed. Nova Cultural).

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PRINCÍPIO O Caminho é Um, e apenas Um. No nível celestial, ele é chamado “destino”. No nível humano, “natureza essencial”. No nível fenomenal, é chamado “princípio”. Este princípio atravessa o mundo todo, aparecendo nas atividades diárias. Todo evento, toda coisa tem um princípio natural, do qual não se pode descartar. Portanto, há um princípio subjacente às coisas como elas são, que não pode ser alterado, apenas seguido. As pessoas superiores observam as coisas em termos de princípio  –  certo ou errado, bom ou mau, elas vão procedendo de acordo. Isto é chamado de abnegação, desapego. Desapego resulta em objetividade: objetividade resulta em clareza. Clareza resulta em lidar com eventos acuradamente, compreendendo a natureza das coisas. Ao ver as coisas através do ego, amor e ódio surgem descontroladamente, e não se pode evitar indulgência com os sentimentos. Quando você tem indulgência com os sentimentos, você está sendo subjetivo. Quando você é subjetivo, é ignorante. Quando é ignorante, você fica embaralhado e confuso; isto porque você é consciente apenas de si mesmo, mas não do princípio. Quando há um princípio, há energia. Quando a energia é manifesta, o princípio é oculto. Quando há energia, há forma; e quando a forma é manifesta, a energia está oculta. O princípio é sempre balanceado, enquanto que a energia é parcial; a forma é ainda mais parcial. Equilíbrio é bom em todos os aspectos; sempre há algo que não é bom na parcialidade. Se você quiser converter o que não é bom na parcialidade para retornar ao bem do equilíbrio, você deve examinar a si mesmo cuidadosamente, no limiar da ação. Deve expandir e realizar o que emerge do equilíbrio do princípio; cortar e eliminar o que provém da parcialidade da forma. Depois de um longo tempo, o princípio naturalmente permanecerá, enquanto que o desejo naturalmente desaparecerá. Os princípios do mundo devem ser investigados, ainda que eles não possam ser investigados plenamente. Há um ponto essencial, que é discernir a confusão na própria mente. Com discernimento, vem a clareza. Com a clareza, vem a verdade. Com a verdade, os princípios do mundo são apreendidos e o equilíbrio central é adquirido. Saber que o bom é conseguir equilíbrio e, ainda assim, não alcançá-lo, saber que todos os fenômenos nada mais são do que a própria mente e, ainda assim, não compreender a mente  –  isto é confusão. Saber que a substância do nascimento e da morte é uma coisa séria, mas não transcendê-los, conhecer que a impermanência é fugaz, e não perceber que fundamentalmente não há fugacidade – isto é confusão. O princípio situa-se desde a origem; basta evocá-lo com a mente e lá está ele por si mesmo. O desejo não se situa desde a origem; se você observa cuidadosamente, ele desaparece por si mesmo. Extinguir o desejo e manter o princípio não são duas coisas; na medida em que se detem o desejo, se mantem o princípio. Nada pode beneficiar mais uma pessoa do que o princípio, ainda que aqueles que podem se ater ao princípio sejam tão poucos. Nada pode ferir mais do que o desejo e, no entanto, são tantos os que se mostram tolerantes para com os desejos.

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Quando as pessoas têm desejos, são como árvores tendo insetos; consumidas por algo desconhecido, depois de um certo tempo, entram em colapso. E aqueles que acham que os desejos são divertidos, não percebem que eles ardem como o fogo; serão incendiados se não extingui-los. Seus espíritos sofrerão irritações, álcool e sexo drenarão suas forças vitais, produzindo úlceras e doenças diversas até que chorem de dor, dia e noite. Os Budistas que afirmam o quanto você sofre por seus pecados após a morte não são capazes de perceber o quanto você pode sofrer mesmo em vida.

CÉU E TERRA O Supremo Caminho é sem forma; o universo é o Caminho com forma. O universo não fala por si próprio, mas sábios são o universo com o poder de falar. Eu não consigo ver sábios, mas posso ler seus escritos clássicos. Lendo os clássicos, pode-se apreender seus princípios; por que haveria de ser diferente de ver os sábios? Deus cria nossos corpos e provê nossa natureza. Interior e exterior, ambos vêm de Deus. Como ousaríamos danificá-los? Estamos dentro de Deus, e Deus está dentro de nossos corações. Se notarmos o universo e seguirmos o modelo de sua pureza, isto não será diferente do Supremo Caminho. Mas se temos mesmo a mais leve intenção egoísta, experimentamos penalidades incomuns. O corpo físico é uma natureza que é dádiva de Deus: se você agir de acordo com essa dádiva, você estará espontaneamente livre de ser consumido pelo fogo dos desejos humanos. Tarefas diárias são normas; agir em obediência às leis divinas é evitar excessos equivocados. A trajetória da humanidade é sempre coordenada por movimentos do céu e da terra, alternando movimento e imobilidade. A energia humana está sempre em comunhão com o céu e a terra, alternando inspiração e expiração. O sol descendo em direção à terra é um símbolo do fogo do coração descendo, enquanto que a lua atingindo o centro do céu é um símbolo da água dos rins em ascensão. Mirando acima, vemos a Estrela do Norte permanecendo em seu lugar, com as outras estrelas descrevendo revoluções em torno dela; ela então é chamada de eixo dos céus. Se até mesmo os céus têm um eixo – que é considerado como a raiz da criação – o ser humano também tem seu eixo, que é a fonte da vida e de sua natureza. Ainda que sejam iguais aos humanos, há pessoas especiais que igualam suas qualidades às do céu e da terra. Tente examinar sua mente e sua própria natureza: como podem elas se igualar ao céu e a terra? Se há essa possibilidade, seja diligente; caso contrário, promova uma reforma imediatamente. Faça isso, e atingir uma grandeza humana não será motivo de preocupação. O céu produz e a terra desenvolve. São nossos pai e mãe universais. O céu é ativo, a terra é imóvel; são nossos guia e professor universais. Os sábios antigos eram os filhos do céu e da terra; os sábios do futuro são os amados descendentes do céu e da terra. Aqueles que realmente amam seus pais crescem na virtude; certamente receberão

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a vida. Aqueles que realmente respeitam seus professores aprendem desde o solo até chegar ao cume.

VIDA HUMANA A vida humana é o objetivo supremo. Quando esse objetivo final entra em ação, ele produz uma energia positiva, como o fogo. Fogo é espírito. Quando o objetivo final entra em estado de quietude, produz energia negativa, como a água. Água é vitalidade.O fogo do espírito e a água da vitalidade combinam-se sutilmente, fixando-se entre os rins, para produzir a raiz da energia original. Antes de nascermos, a claridade ou a turvação de nosso recebimento de energia nos é determinada por Deus  –  os humanos nada têm a ver com isso. Mas depois de nascermos, perversidade ou retidão de caráter provém de nossa própria vontade, e Deus nada tem a ver com isso. Céu e terra dão nascimento aos seres humanos, e aqueles de maior inteligência são, sem dúvida, muito poucos; aqueles de uma loucura fundamental são também poucos. São os medíocres os mais numerosos. Pessoas medianas podem fortalecer a si mesmas, até que não haja mais diferenças entre elas e as pessoas superiores. Mas se os medíocres negligenciam a si mesmos, como podem eles se diferenciar dos piores tolos? O povo de hoje sabe apenas que é uma decorrência de seus pais; não percebem que são, tanto eles mesmos quanto seus pais, decorrências do Caminho. Segue-se que os superiores invariavelmente buscam se ater ao Caminho; assim não terão do que se envergonhar diante do céu e da terra, nem passar por desgraças diante do céu e da terra. Disse Mestre Geng: “o Caminho dos reis sábios Wen e Wu ainda não entrou em colapso; ele está nas pessoas. Mas não somente está nas pessoas do passado, mas também nas da era presente. Mas não somente nas de nosso tempo, mas também nas do futuro”. Quando uma pessoa nasce, ela recebe um corpo; em cada corpo está um ser humano real. A sutileza espiritual do ser humano real comunga com o céu e a terra. A claridade e a serenidade do ser humano real estão livres de máculas. O ser humano real nunca cresceu mais ou menos; ele nunca nasceu ou morreu. Se você puder, de fato, cultivar o ser humano real, isso será melhor do que o pobre que recebe dez mil moedas de ouro. Mêncio disse: “a diferença entre homens e animais é insignificante; as pessoas comuns a rejeitam, mas as superiores a mantêm. E os que a mantêm tornam-se sábios, mas as que a rejeitam tornam-se bestas”. Quando a rejeitam, tornam-se bestas imediatamente, e não em outra vida após a morte. A natureza tem cinco forças  –  metal, madeira, água, fogo e terra. São forças porque nunca se extinguem; se o fizessem, por um momento que fosse, não poderiam ser chamadas de forças. A humanidade tem cinco constantes. São chamadas constantes porque são, de fato, invariáveis; se variassem mesmo por um momento, não seriam constantes.

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Essas cinco forças e cinco constantes são inerentes ao corpo humano, aonde constituem cinco órgãos – coração, fígado, pâncreas, pulmões e rins. Os cinco órgãos são a principal raiz que fornece a vida às pessoas; se a raiz principal encontra-se danificada, ela não pode sustentar a vida. E é por isso que médicos iluminados, quando tratam doenças, invariavelmente harmonizam os cinco órgãos primeiramente. Quando as cinco forças operam no curso da atividade cotidiana, elas se tornam em cinco normas. As cinco normas regem o relacionamento entre governo e povo, entre pais e filhos, marido e esposa, entre idosos e jovens, e entre amigos. As cinco normas são a via para o sucesso na vida; se negligenciarem essa via, não merecerão ser chamados de humanos. Por isso os sábios antigos, ao educar as pessoas, primeiro elucidavam os princípios das cinco normas; mas ainda assim há pessoas da presente geração que acham que podem encontrar o Caminho através da mortificação de seus corpos físicos e do afastamento das normas humanas. Certamente estão inconscientes de seu erro; e quanto às outras pessoas que as adoram e reverenciam, também essas não sabem o quanto estão equivocadas.

IDADE AVANÇADA O povo diz que, depois de sessenta anos, começa-se a contar a idade de ano em ano. Depois dos setenta, de mês em mês; depois dos oitenta, dia a dia. Ora, agora tenho mais de oitenta anos  – e daí? Cada dia que vivo é um dia emprestado pelo Céu para realização do Caminho – como eu ousaria desperdiçá-lo? Mesmo que eu consiga realizar o Caminho imediatamente, já é tarde – como pode ser admissível qualquer adiamento? Há muito tempo atrás, três anciões falavam sobre impermanência. Foi quando um deles resolveu falar: “todos participam da festa este ano, mas quem sabe qual de nós não faltará no ano que vem”. Um outro responde: “você fala do que está ainda por demais distante. Tiramos nossos sapatos pela noite, mas quem pode saber qual de nós os calçará pela manhã?“ E então disse o terceiro: “mas isso é ainda remoto! Respiramos, mas ao expirar, não sabemos se poderemos inspirar novamente”. Os sábios não perdem tempo, os bravos não pensam duas vezes. Se você toma conhecimento do Caminho hoje, deve trabalhar nisso nesse mesmo dia; quando você toma conhecimento, essa é a hora de iniciar. Se você diz que não tem tempo para isso hoje e adia para amanhã, receio que quando você quiser fazê-lo, não será mais possível. Os seres humanos têm três tesouros  –  vitalidade, energia e espírito. Na idade avançada, tenha cautela com a exaustão da vitalidade; quando a vitalidade se exaure, você morre. Na idade avançada, se acautele contra a vazão de energia; se a energia é drenada, você morre. Na idade avançada, tenha cautela com a dissociação do espírito; se o espírito se vai, você morre. Como evitar a exaustão da vitalidade? É necessário manter-se afastado do sexo? Como podemos evitar a perda de energia? É necessário falar menos? Como evitar a dissociação do espírito? É necessário extinguir os desejos? O espírito não pode ser estabilizado à força; quando a mente e a respiração descansam mutuamente, um no 9

outro, então o espírito se estabiliza naturalmente. A energia não é drenada casualmente; esqueça as palavras, mantenha-se centrado e a energia se mantem. Vitalidade não é algo que se perde por escoamento; recircule a vitalidade para realimentar o cérebro, e a energia não vaza. Alguns questionam como podemos realimentar nossa energia física quando ela já se mostra deteriorada. É sendo parcimonioso com seu discurso que você realimenta seus pulmões. É moderando a alimentação e as bebidas que se realimenta o estômago. E é detendo a preocupação que se recarrega o coração. Livrando-se do rancor, se revitaliza o fígado. Parando a luxúria promíscua, você revitaliza não só os rins, mas também os órgãos genitais. Mas se você ainda perguntar mais, eu diria a você para não se preocupar com realimentação. Basta revitalizar-se com cautela para perdê-la novamente. Saiba, portanto, que, depois de cem dias, você não vê mais excessos; mas um único dia de desperdício e você pode sentir a insuficiência. Olhe para as plantas, para as árvores; suas folhagens florescem, caem no outono retornando às raízes, seguindo um padrão natural. Ao retornar às raízes, não morrem, mas se regeneram com a chegada da primavera. A partir deste princípio, podemos notar que a regeneração contínua é o Caminho da natureza, e que retornar às raízes é um padrão inerente aos seres. Aqueles que conhecem o padrão inerente, sem violar o Caminho, são as pessoas reais. Essa é a razão das pessoas reais respirarem pelo calcanhar, pois os calcanhares são como raízes. Durante os três meses de inverno, que é a estação de retornar à raiz, você deveria silenciosamente adotar esta prática.

DOENÇA Como surgem as doenças? Todos criam aflições psicológicas baseadas em pensamentos divagantes. Uma vez que as aflições psicológicas vêm à tona, elas injuriam o coração. Uma vez que o coração é injuriado, ele não pode nutrir o estômago, o que faz com que o indivíduo deixe de apreciar a comida. Quando o estômago torna-se debilitado, a energia dos pulmões torna-se deficiente, causando uma tosse indesejável. Se há tosse, a energia da água seca, o que faz com que a energia da madeira seja incompleta  – o cabelo torna-se queimado, os músculos ficam debilitados; e quando a fraqueza espalhase pelos cinco órgãos, a pessoa morre. Quando os pensamentos divagantes germinam e se mesclam, é então que surgem as doenças. As pessoas não notam isso; antes de se considerarem enfermas, elas invariavelmente esperam até que a dor afete seus corpos, sem saber que não se trata de uma coisa que surge da noite para o dia, mas sim de um processo que se desenvolve gradualmente. Fora do corpo, há seis extremos – vento, frio, calor, umidade, secura e fogo. Dentro do corpo, há sete emoções: prazer, raiva, tristeza, alegria, preocupação, medo e surpresa. Aqueles que se tornam doentes pelas sete emoções tornam-se internamente prejudicados

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e desenvolvem sintomas de deficiência. Os que adoecem por causa dos seis extremos, desestabilizam-se externamente, dando vez a doenças de excessos. Deficiência pede reabastecimento; excesso pede drenagem. Enfermidades resultantes de injúria contra a energia física temporal podem ser curadas por ervas, minerais, acupuntura ou moxabustão; mas as que resultam de danos internos à energia primitiva imaterial não podem ser curadas sem contemplação interna e uma realimentação silenciosa. Os dez grandes médicos curam as doenças físicas; os sábios dos Três Ensinamentos curam os distúrbios mentais. Quando os amigos encontram-se doentes, todos sabem examiná-los; mas quando as pessoas mesmas caem enfermas, não sabem como olhar para si mesmas. Se você sabe como observar a si mesmo, mirando internamente, você não vê nem mente, nem corpo. Já que não há corpo nem mente, quem é este que sofre a enfermidade? Quem é este que não é a doença? Se você puder ver a resposta claramente, será espontaneamente regenerado. Quando se medita sobre as doenças, o materialismo diminui gradativamente. Quando se está em guarda contra a morte, a mente, tomada pela plenitude do Caminho, floresce naturalmente. Certa vez, havia um homem com um distúrbio cardíaco. Ao encontrar com um sábio famoso, ouviu dele o seguinte: “sua enfermidade se origina em aflições. Aflições nascem de pensamentos errantes. Mas veja, há três espécies de pensamentos errantes. Se você pensa nos bons tempos e como tudo tem piorado através das décadas, os favores e as hostilidades sofridas, diversas emoções e sentimentos vagos, esse é o pensamento errante do passado. Quando as coisas surgem, você deveria ter uma pronta reação de acordo. Se você hesita demais ao invés de ter opiniões formadas, então esse é o pensamento errante do presente. Se você sonha com toda a fortuna e status que pode vir a ter algum dia, ou espera ansiosamente que seus filhos vençam os degraus da vida para atingirem o sucesso – sendo que muitas vezes essas coisas nem são razoáveis ou fáceis de se obter – esse é o pensamento errante do futuro”. Disse ainda: “esses três tipos de divagações errantes ocorrem subitamente e desaparecem subitamente  – é o que os Budistas Chan chamam de mente ilusória. Se você puder distinguir esse erro, ele se desvanecerá – o que os Budistas Chan chamarão de despertar da mente. Por isso se diz que não devemos nos preocupar com a ocorrência de pensamentos, mas somente nos acautelar para não sermos lentos demais para notá-los acontecendo. A ocorrência dos pensamentos é a doença; não dar continuidade a eles é o remédio”. Mas o velho sábio ainda tinha mais a dizer ao homem do distúrbio cardíaco: “sua doença também é fruto da falha do fogo e da água se mesclarem. Geralmente falando, a obsessão por beldades, do ponto de vista do deboche, é lascívia estimulada externamente, de modo extremo; um sonho úmido causado pelo pensamento em beldades é luxúria produzida internamente. Apegar-se a essas duas coisas dissipa a vitalidade do cérebro. Se você puder detê-las, a energia da água associada a elas será naturalmente produzida em abundância, de modo que poderá ascender e mesclar-se com o coração”. 11

“Quando você pondera e estuda escritos até o ponto de esquecer -se de dormir e comer, isto é uma obstrução abstrata. Quando você persegue seu negócio ou profissão sem se refrear do excesso de trabalho, isto é uma obstrução concreta. Ainda que não sejam lascívia humana, mesmo assim trazem dano à alma. Se você puder acalmá-las, o fogo do coração não se alastrará para cima, podendo descer para mesclar-se com a energia genital”. “Portanto, os dados dos sentidos não são objetivados, e os órgãos dos sentidos não possuem padrões. Indo contra o fluxo e retornando à unidade, as funções dos seis sentidos são desativadas”. O homem da doença cardíaca seguiu o conselho do monge famoso. Mantendo-se isolado num quarto, ele esvaziou sua mente de quaisquer objetos. Depois de praticar sentado por mais de um mês, seu distúrbio cardíaco pareceu desaparecer. Por isso, quando tiver uma doença, conheça a si mesmo. Uma vez que você tome consciência disso, poderá curar-se tão cedo quanto possível. Mas se você se aborrecer com o método de cura e evitar encarar a doença, será tarde demais para lamentar, quando a impermanência chegar até você.

MORTE Quando as pessoas estão no auge da vida, nada falta que elas não queiram perseguir em busca de seus desejos. Mas então sua saúde é danificada e toda a sorte de enfermidades começa a lhes ocorrer. Quando a morte se aproxima, nem mesmo uma casa cheia de filhos e filhas pode ajudá-las; não importa quanto dinheiro tenham, já que ele não compra saúde. Não adianta se lamentar quando já se está às portas da morte, tarde demais! Quem não haveria de temer a morte? É bem melhor cuidar disso antes de estarmos morrendo. Se esperarmos até estarmos à beira da morte para nos acautelarmos contra ela, então será bem difícil escaparmos. E quem não teme a enfermidade? É melhor cuidar disso antes de adoecer. Se esperarmos até adoecermos para depois pensar em cuidar da doença, então ela será bem difícil de ser curada. Observe as coisas no mundo: há algo mais importante do que a vida e a natureza? Pense em todos os eventos do mundo: há algo mais importante do que o nascimento e a morte? Todos gostam da vida, mas não da via para a longa vida. Todos detestam a morte, mas não as coisas que levam a ela. As pessoas estão no mundo, os eventos seguem continuamente, e elas eventualmente morrem; como evitar estar à beira da morte? O melhor é mudar sua atitude tão logo quanto possível, desembaraçando-se de todos os tipos de apelos aos sentidos, para poder se tornar uma pessoa de longevidade através do mundo. O que poderia ser melhor? Alguns podem perguntar: depois de envolvidos pelos objetos dos sentidos por um muito longo período, não será difícil livrar-se deles, mesmo que queiramos fazê-lo de uma 12

tacada só? Mas a resposta é que você, de fato, não quer abrir mão dos desejos, e este é o verdadeiro motivo para dizer que é tão difícil. Suponha que você está morto – há alguma coisa da qual você não queira se desligar? Mesmo que você não esteja morto agora, suponha que está, e então você poderá desistir de todo o embaraço  –  não seria maravilhoso? Também é questionado do que deveríamos nos desembaraçar. Deve-se deixar passar os quatro elementos mais grosseiros e os cinco grupos, sementes de consciência turvada pela emoção. Os reais praticantes do Caminho devem se comportar como se já estivessem mortos, para depois retornar à vida. Para aqueles que estão totalmente mortos, não há coisa no mundo que possa envolvê-los, e não há nenhum princípio místico. Quando se atinge uma total abnegação como essa, somente então isso estará fundamentado. Confúcio disse: “se ouvir o Caminho pela manhã, você pode morrer feliz pela noite”. Este ditado ensina às pessoas o ponto crítico. Ele parece significar que, quando escutam o chamado do Caminho, as pessoas superiores compreendem a vida e a morte no mesmo instante.

SOFRIMENTO Simplesmente porque não podem se livrar de uma coisa, a saber – o desejo, as pessoas desejam fama e lucro, tornando-se presas da fama e do lucro; desejam carne e vinho, tornando-se aprisionadas pela carne e pelo vinho; desejam status e prestígio, tornando-se presas do status e do prestígio, desejam filhos e netos, tornando-se presas aos filhos e aos netos. Elas se aprisionam em toda a sorte de caminhos equivocados, indo e vindo no mundo humano, sujeitando-se a sofrimentos ilimitados. O feto se forma da combinação do esperma do pai com o óvulo da mãe. A bolsa amniótica é como uma prisão restringindo o corpo. Quando a mãe ingere algo muito quente, é como água fervente despejada no corpo fetal; quando ela come algo frio, é como gelo pressionado contra o corpo. Quando a energia é plena e o corpo fetal está completo, ele quer sair com urgência, mas antes deve romper a bolsa. Pode levar alguns dias até que o líquido possa romper a bolsa; as pessoas só falam do sofrimento da mãe no trabalho de parto, mas elas ignoram que o bebê sofre ainda mais. Somente após o parto, quando chora, os sofrimentos do ventre estão superados. Em seguida, há sofrimentos afligindo todo o corpo subseqüentemente. Há fome e sede interiormente; exteriormente, há frio e calor. Febres e distúrbios ocorrem um após o outro. Estes são os sofrimentos da infância. Quando a maturidade é atingida, tem-se que encarar o trabalho. Aqueles que se tornam regentes, preocupam-se com a terra; aqueles que se tornam cidadãos e camponeses preocupam-se com suas próprias pessoas e famílias. Trabalham dia e noite sem descanso, mesmo quando sentados ou em repouso. O fogo está ativo em todos os órgãos internos, calcinando a harmonia natural. A enfermidade persegue o corpo, sem encontrar resistência. 13

Primeiramente, o sofrimento da doença é experimentado. Depois embarcam no sofrimento da morte e depois no da retribuição. Isso segue por eras e eras. Os Budistas falam do sofrimento da separação dos entes queridos, da associação com hostilidades e da insatisfação. Os sofrimentos e misérias do povo são todos produzidos e experimentados pelas próprias pessoas. Há aqueles que se envolvem enganosamente, sem saber o que é sofrimento, mas também há os que têm uma clara consciência do que é sofrer, mas não conseguem evitar. Há um ditado que diz: “não queira casar -se cedo, pois depois de casar-se, a união é mais difícil; não diga que atingir o sucesso é uma grande conquista, pois após sua obtenção, o trabalho é bem maior. Não pense que semear apenas é suficiente, pois cuidar e colher é fatigante; não diga que é melhor ser um monge; depois de tornar-se monge ou sacerdote, isso é mentalmente bem mais difícil. Alguns podem argumentar que os sofrimentos das pessoas mundanas são físicos, enquanto que os dos estudiosos são mentais. Elas amarram a si mesmas sem corda, e se ocupam, mas com nada. Elas não podem deter-se, mesmo quando almejam isso. O que deveria ser feito em tal caso? A resposta para isso é que os eruditos sofrem desse modo apenas quando não encontraram uma tradição autêntica. Quando se encontra uma tradição verdadeira, cabe a si mesmo decidir o que deter e o que deixar prosseguir - que sofrimento pode haver nisso? Entretanto, seguir o Caminho é um método de alento; aquele que fala de sofrimento diante do Caminho é um desajustado.

ESSÊNCIA E VIDA Atravessar o portal para aprender o Caminho pede que você primeiramente entenda a essência e a vida. A essência tem sua fonte e raiz, que é o solo da mente. A vida tem seu tronco, que é a respiração verdadeira. O tronco da vida deve ser sólido, a fonte da essência deve ser cristalina. Como pode a fonte da essência ser purificada? Quando o interior e o exterior são ambos esquecidos, então ela torna-se purificada. Como pode o tronco da vida ser solidificado? Quando o espírito e a energia estão juntos, então ele está sólido. Essência é espírito, vida é vitalidade e energia. O Diagrama do Absoluto diz que “a realidade do infinito e a vitalidade das energias yin e yang sutilmente se unem. O ser humano se origina aqui”. Essência é a realidade do infinito; vida é a vitalidade do yin e do yang. O Mestre da Imutabilidade disse: “a essência está na mente. Na mesma proporção em que a mente é clareada, a essência pode ser observada. Quando a essência se manifesta, a natureza atinge a plenitude. Este é o modo pelo qual a plenitude da natureza pode ser atingida, detendo o fluxo do pensamento. Nada mais tem significado além de serenamente apreender isto”. Todo o trabalho resume-se em deter o pensamento. O melhor e mais rápido método para conseguir isto é manter mente e respiração juntos. Como assim? Energia é a mãe do espírito, espírito é a criança da energia; mente e respiração mantidas juntas são como o encontro da mãe com seu bebê. Quando espírito e energia se fundem, depois de 14

um longo período de intimidade próxima, essa unidade produz grande estabilidade. Isso se chama retornar à raiz e restaurar a vida. Quando a raiz é profunda, o tronco é firme; este é o caminho da longa vida e da visão eterna. O Mestre Ancestral Qiu disse: se a respiração não encontra nenhum fundamento, a vida não é de todo sua”. E eu digo: “se a mente não está de todo esquecida, a respiração não pode ser fundamentada”. Os seres humanos têm uma natureza universal e também uma disposição. A natureza universal é totalmente do absoluto; tão logo ela se converte em yin, yang e os cinco elementos, ela se torna disposição. Portanto, a substância do absoluto cai na disposição – não é o caso haver uma natureza separada. Mestre Zhang disse: “quando você habilmente retorna a isso, lá está a natureza universal”. Questionado se há um habilidoso modo de retorno, ele responde: “sim, Confucionistas falam sobre limpar a mente e se tornar acessível; Budistas falam de observação independente; Taoístas falam do retorno à simplicidade. Esse é o início de um retorno habilidoso”. “Confucionistas dizem que há estabilidade depois de saber quando parar, e então pode haver serenidade após a estabilização. Budistas falam de ver através do vazio da mente e do corpo. Taoístas falam de um retorno à inocência. Esse é o meio de um retorno habilidoso”. “Confucionistas falam de não ter nem vontade, compulsividade, obsessão ou egoísmo. Budistas falam de não ter nem olhos, nem ouvidos, nariz língua, corpo ou mente. Taoístas falam de retorno ao infinito. Esse é a realização do retorno habilidoso”. A natureza humana é originariamente boa, e não há nada que não seja bom em sua disposição. Ter consciência dessa disposição, ao invés de deixar-se levar por ela, é o método da transformação da disposição.

MENTE O ser humano tem uma mente. Externamente é sentimento, internamente é natureza. Avançar é consciência, retornar é sabedoria. Mas se você quer reverter o avanço externo para retornar internamente, seria necessário praticar introspecção? Introspecção implica em introversão e empenho na percepção. O espírito do ser humano está na mente, e o gatilho da mente são os olhos. Segue-se que, quando a função dos olhos está interiorizada, a mente se conserva interiorizada, em harmonia com eles. E não somente permanece no interior, mas também se estabiliza. Uma vez que a mente se estabiliza, o fogo do coração desce, enquanto que a água dos genitais sobe. A boca enche-se de saliva adocicada, os pés caminham por um brilho ígneo. Há sutilezas que não podem ser expressas em palavras. Se os seres humanos têm uma única mente verdadeira, por que eles se perdem em confusão? Eles parecem ter conhecimento, mas não de si mesmos. Portanto, é dito que se você sabe quando se perde, então não se perderá. Quando você precisa seguir, siga. 15

A sinceridade elimina a falsidade, o respeito elimina o conceito. Quando os pensamentos errantes ocorrem numa profusa confusão, não tente detê-los, só olhe de volta para a própria mente – o que são esses pensamentos? Quando você reconhece o que pensa, adquire tranqüilidade no mesmo instante. Estudar o caminho não tem uma técnica especial: observação constante do interior é estudar o Caminho, e quando o falso pensar não está mais lá, isso é o Caminho. Mestre Zhu dizia: “na mesma medida em que toma posse de sua mente, você encontra seu poder interior. Se você a mantem sob cuidadoso controle e não se perde nas coisas, como não ser bem sucedido em corrigi-la? Isso pode ser experimentalmente provado em cerca de meio mês”. E ele ainda dizia: “buscar uma mente liberta não quer dizer buscar uma outra mente para focalizar sua atenção. É melhor, no momento em que percebe a mente liberta, pensar: ‘esta é minha mente; deveria estar à minha disposição para empregá-la  –  não deveria permitir que ela seguisse outros’. Mesmo se sua mente foi parada por um longo período, você pode despertar, e espantará toda falsidade apenas com um brado”. Continua a observar a mente. Quando não houver mais movimento da mente, continue detendo-se na respiração. Quando a respiração estiver assentada, o espírito assentará conjuntamente. É isto que as pessoas reais entendem por “respirar com os calcanhares”. A única coisa que diferencia humanos de animais é a mente. Buda dizia que os praticantes do mal retornam, renascendo em corpos de bestas selvagens. Mas eu digo que as pessoas que perdem suas mentes já se tornaram animais. Por quê? Ora, elas podem ter forma humana, mas não mais são seres humanos. Se sua mente se mantem imóvel ao ver objetos, esse estado é chamado de estar “não nascido”. O “não-nascido” não morre. E sua mente não é limitada por quaisquer objetos dos sentidos. Quando não há limite, há liberação.

SENTIMENTOS Os sete sentimentos já foram mencionados. Quando você está prazeroso, a energia relaxa; quando raivoso, a energia ascende; quando triste, evapora; quando feliz, se dispersa; quando ansioso, ela se adensa; quando surpreso, a energia é desordenada. Perversidade e anormalidade produzem doenças – inchando e bloqueando o coração e o abdômen, instaurando dor no abdômen e laterais, obstruindo a garganta, provocando agitações, palpitações e respiração ofegante. Misturando-se ao sangue, produzem obstrução dos intestinos; com água, produzem indigestão, catarro, salivação. Às vezes causam escleroses e crescimentos como hematomas ou membranas. Os efeitos são muitos para mencioná-los todos. Segue-se que aqueles que são hábeis em higiene recolhem suas emoções e retornam à essência  –  este é um bom método para se livrar de doenças. Os sentimentos agem naturalmente no exterior. Os sábios cuidam deles antes que se tornem em ações, assim podem harmonizá-los com as coisas de modo não emocional, 16

sem nenhuma possessividade, sem serem varridos pelos mesmos no seu envolvimento. São como espelhos cristalinos refletindo objetos: beleza é a beleza das coisas, portanto, não concebem amor por elas; feiúra é a feiúra das coisas, portanto, não precisam odiálas. Por isso é dito: “aberto e imparcial, quando as coisas emergem, responda de acordo”. Imparcialidade significa verdade natural, não adulterada pela subjetividade dos desejos humanos. Responder de acordo significa que, quando há coisas que devem seguir seu rumo, deve-se agir de maneira tal que não cause problemas no contexto. Os Escritos para Estabilizar a Natureza dizem: “os sentimentos das pessoas têm sua cegueira particular, e por essa razão elas não podem alcançar o Caminho. Considerada no todo, essa cegueira está no uso subjetivo do intelecto. Quando se é subjetivo, não se pode estar deliberadamente pronto a responder aos eventos; quando usamos o intelecto, podemos ser espontâneos, com uma clara consciência”. E mais, “os sentimentos das pessoas facilmente são trazidos à tona, e dificilmente são controlados; mas deles todos, o ódio é o pior. Se você puder esquecer imediatamente sua raiva e observar o que é em princípio certo ou errado, você também perceberá que as seduções exteriores nem sequer são dignas de aversão, o que já é meio trajeto andado em busca do Caminho. Mestre Zhu disse: “esqueça o ódio e você será imparcial; veja o que é verdadeiro e siga-o. Esses são dois meios de retornar a si mesmo, livrando-se da cegueira”. Pessoas que apreendem o Caminho estão vazias e silenciosas, por dentro e por fora. No meio da serenidade, olham para dentro: percebendo que na verdade não há coisa alguma, ainda que estejam fisicamente dentro do círculo, transcendem as coisas mentalmente.

PENSAR A mente humana deveria ser mortificada, enquanto que seu potencial deveria ser vivificado. Mortificação tem o sentido de provocar a extinção dos pensamentos de desejo; vivificar tem o sentido de dar vida à sua razão. Pensar é o potencial vivo da mente. Libertar-se do erro é o princípio geral; os nove pensamentos são princípios específicos  – pensar como ver claramente, pensar em como ouvir aguçadamente, pensar em como causar uma impressão calorosa, em como ser respeitável em sua conduta, como ser verdadeiro no discurso, como ser sério no trabalho, como ponderar questões quando em dúvida, que problemas podem ocorrer quando surge a raiva e pensar sobre a justiça quando vêm os lucros. Pensar sobre o Caminho é correto; pensar sobre as coisas é um erro. O Caminho é inerente a nós; quando você pensa no Caminho inerente a nós, pense em si próprio como o Caminho. Quando o pensamento atinge o reino das sutilezas, a mente é compreensiva, clara e límpida, flutuante jubilosa. Somente isto pode ser chamado de auto-realização; se a sua energia mental se exaure, mesmo considerando a profundidade do seu pensar, mesmo que você tenha alguma percepção, isto ainda não é auto-realização.

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Aqueles que atingem a auto-realização sem pensar são sábios; aqueles que obtêm realização pensando são esclarecidos. Não cogitar e não se esforçar é o que se chama verdade; isto se refere ao conhecimento inato que as crianças têm, sem estudo ou reflexão. Optar pelo bom simplesmente significa escolher o não cognitivo e o não estafante. O coração humano tem sete aberturas, a maioria delas fechadas pelos canais sangüíneos. Se você quer abri-los, não poderá fazê-lo sem aprender e pensar. Pensar tem o significado de penetração, aprender tem a função de confirmar. Quando pensar e aprender são ambos empregados, que via não poderá ser obtida? Quando você ainda não penetrou um princípio, é como encarar um muro. Pensar é como abrir buracos nesse muro. Por cada buraco aberto, você consegue o mesmo tanto de luz. Começando pequeno, você vai aumentando, até que eventualmente todo o muro se foi, e então o que há é abertura, acesso livre sem qualquer obstrução. O Livro dos Modos diz: “pense de um modo digno”. Este “digno” significa que ele não é forçado e, desse modo, não é laborioso. Quando não é forçado nem elaborado, isso pode ser chamado de bom pensar. “O pensar de um homem cultivado não vai além de sua posição”. Isso é chamado pensar. Quando está fora de lugar, então é chamado de “pensamentos”. Pensar é uma porta de entrada para o Caminho, enquanto que pensamentos são raízes obstruindo o Caminho.

PENSAMENTOS Simplesmente devido à inconsciência, pensamentos emergem subitamente: isso se chama ignorância. Por causa da ascensão da ignorância, parece que a mente se torna em pensamentos. Mas a mente, na realidade, não se move; quando você atinge este ponto na observação da mente, os pensamentos cessam por si mesmos. Deter os pensamentos não é difícil – se você pode retornar assim que um primeiro pensamento aparece, então o subseqüente naturalmente não continua. Antes da ascensão do pensamento, estamos em fusão com o infinito. Mas se você agora quer entender a não ocorrência de um simples pensamento que seja, você deve examinar de onde os pensamentos surgem. O passado é baseado no presente, o futuro é baseado no passado; se você não tem a mente no presente, então o passado está naturalmente superado. Visões da pessoa e de si mesma certamente são pensamentos, mas também o apego à religião é um pensamento, e deve ser igualmente eliminado. Se você conscientemente tenta deter os pensamentos errantes, eles em troca parecerão aumentar. Tente, ao invés disso, observar o que são esses pensamentos, e eles desaparecerão espontaneamente. Para cultivar a realização, é essencial deter os pensamentos. E para deter os pensamentos, é fundamental observar a mente. Ao se observar a mente, nota-se que a mente não existe; e quando a mente é não-existente, os objetos esvaziam-se por si 18

mesmos. Mas desde que mente e objetos estão presentes, não há detenção. Nesse caso, como pode ocorrer a observação? Gui Feng disse: “conscientemente examine em detalhes; observe muito perceptivamente, com intenção. Se energias do hábito surgirem, cessarão num instante; não as siga e você evitará cair nas indulgências emocionais dos seres humanos ordinários. Também não as destrua e você evitará paralisar-se. O ensinamento todoabrangente da escola da plenitude é, depois tudo, como isto: haja de acordo com a natureza original e a cognição consciente será ininterrupta”. A Tripla Unidade afirma que “os olhos, os ouvidos e a boca são três tesouros. Feche-os e não permita passagens. Deixe-os abandonar uma postura voluntariosa e retornar ao nada, ao vazio; libertar-se dos pensamentos é a normalidade”. Aqueles que se atêm à não-mente dentro da própria mente conseguem discernir sem aniquilar as características da mente. Aqueles que estão livres dos pensamentos, depois deles terem ocorrido, descobrem que os pensamentos não têm uma essência própria – como são condicionalmente originados, conseqüentemente são vazios.

GOSTOS Toda mente humana tem seus gostos. Gostos são as coisas nas quais a mente tende a focalizar. Há coisas que nós não esperamos que sejam assim, mas ainda assim elas são. Depois de tudo, não sabemos porque elas são assim. Na medida em que o nível do caráter humano pode ser julgado por um simples pensamento, e todo o sucesso ou fracasso de uma vida pode ser determinado por um momento, não podemos ser senão cuidadosos. Se as pessoas gostam de humanidade e justiça, cortesia e música, poesia e obras clássicas, sabemos, sem dúvida, que são pessoas inteligentes. Mas se elas gostam de ociosidade, de jogar, beber e prostituição, sabemos, sem dúvida, que são perdulárias. Mas se elas gostam de disputas, armas e glórias, sabemos que são pessoas violentas. Falando de modo geral, há cinco perdas que se seguem do gosto por passatempos e diversão. Elas são a poluição do corpo, fadiga do espírito, desperdício de saúde, perda de tempo, e equívocos no trabalho. Mesmo que você seja extremamente habilidoso, não poderá avançar muito; esta é a razão das pessoas cultas se absterem.

O CORPO O corpo humano tem três câmaras na frente, chamadas de câmara do nirvana, câmara rubra e câmara do pátio amarelo. São nelas que o espírito mora. Nas costas há três passagens, chamadas de passagem do cóccix, passagem do meio da coluna e passagem da pílula de jade. Eles constituem a via pela qual o espírito e a energia circulam. 19

Mêncio disse: “os imperadores sábios Yao e Shun o fizeram por natureza; os reis Tang e Wu o fizeram por descoberta”. Ele disse também: “Tang e Wu o fizeram em pessoa”. Isto é uma questão de redescobrir isto em si mesmo. Os reis Tang e Wu foram capazes de redescobrir os Imperadores Yao e Shun nos corpos de Tang e Wu; e se eles foram hábeis em descobrir isto em si mesmos, então há um sábio imperador Yao e um Shun em cada um de nós. Quando examinamos o corpo interiormente, a energia está lá. Quando examinamos essa energia interiormente, o espírito está lá. Porque as pessoas cultivadas seguem o Caminho em seus corpos, quando o corpo é cultivado, o Caminho é estabelecido. Pessoas imaturas seguem os desejos com seus corpos, e daí seus desejos florescem, enquanto os corpos se vão. O Shurangama Sutra diz: “entre profundamente pelo portal, entre sem se perder, pois quando você conhece a raiz, os seis sentidos se aclaram e acalmam de uma só vez. A razão pela qual as pessoas são incapazes de se ater ao Caminho é porque elas são consumidas pelo corpo”. Se você quer se livrar dessa calcinação, você deveria aceitar esse corpo como uma coisa impermanente, um objeto doloroso sem dono, um saco de pus e sangue, urina e fezes. O corpo todo, dentro e fora, nada tem de bom. Por que você quer alimentá-lo com comidas finas e vesti-lo com trajes sofisticados? Você demonstra acuidade e esperteza quando está na presença de outros. Pessoas que estão sujeitas à compulsão estão confusas na mente e iludidas no coração. Todo o mundo já se sentiu enganado uma vez. Morte é seguida de nascimento, nascimento é seguido de morte. Por éons infinitos temos experimentado dores e vexames incontáveis, sem nunca ter esperança de sair fora. Mas agora que assentei meu coração no Caminho, vejo todo o percurso através de vocês, e também tudo que há para saber a respeito de todos vocês. Não mais serei confundido por vocês, nem compelido por vocês. Gradualmente desenvolva o interior em esvaziamento da personalidade. Se aplicar isso de uma vez, abandonando corpo e personalidade, abandonando o corpo e os fenômenos, mortificando seu corpo físico e repudiando a inteligência, e abraçar essa meta e nunca ir além dela, não é isso aproximar-se do Caminho? Quando os praticantes de magia cultivam a si mesmos, eles invariavelmente restauram seus corpos. Espírito é energia; quando a energia é estabilizada, o espírito está focado. Essência e vida desenvolvidos, o Caminho e o recipiente se encontram um ao outro; espírito e corpo sublimados, eles se fundem na realidade, realidade do Caminho.

CANAIS DE ENERGIA O corpo humano tem doze canais principais de energia 2 e mais oito canais extras; mas apenas dois, conhecidos como canais ativo e passivo, têm ligação com a vida e a morte. Nas pessoas comuns, o canal passivo vai do abdômen para cima, enquanto que o canal ativo está nas costas e desce. Frente e costas estão separados, de modo que o 2

“Meridianos”.

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mecanismo de transformação não tem base. Daí a duração de suas vidas dependerem do montante de energia com a qual elas nasceram. Adeptos da magia reconhecem o canal passivo como aquele no qual todos os canais yin se encontram, e o canal ativo é o que unifica todos os canais yang. Se ambos têm o curso livre, todos os cem canais permitirão o livre fluir da energia. Eles então repelem a convergência de energia negativa e promovem o fogo da energia positiva, praticando o método de movimentar a roda d’água. O método é concentrar o espírito na abertura da energia. Isto se chama retornar à raiz. Com o espírito e a energia se unindo um ao outro, abrace a unidade sem dispersão. Quando a imobilidade culminar em movimento, isso é o espírito novamente conduzindo a energia da raiz para cima, para o nirvana. Nesse ponto, a roda d’água se movimenta pela primeira vez. Se você quer saber o curso da roda d’água, saiba que são os canais passivo e ativo em nossos corpos. Quando a energia sobe pela primeira vez, ela se detem entre os rins e os genitais, então flui em direção às costas, mas fluindo como inundação, sem percorrer os canais; então nós rapidamente usamos o espírito para dirigir a energia de volta para o cóccix e acima, para o meio da coluna. É difícil conduzir pelo meio da coluna; pressione a língua acima contra o palato para fazer a energia ascender diretamente para o meio do cérebro. Aí espírito e a energia se fundem, resultando numa expansão e fluidez que podem ser reconhecidas até certo ponto. Isso se condensa em doce orvalho 3; nesse instante a língua deve ser relaxada, para que esse orvalho possa descer através da garganta e traquéia, percorrer através do coração, retornar ao local de armazenamento4 e parar ali. Quando você praticar essa irrigação por um longo tempo, ela é eventualmente aperfeiçoada, o que permite que a energia preencha os três campos, acima e abaixo, unificando-os. É isto que se entende por dizer que, se você sempre induz a energia a penetrar nas juntas, a vitalidade naturalmente será plena e um espírito aberto estará presente.

MUNDO E SOCIEDADE O mundo é sem descanso, a sociedade está em fluxo. A sociedade pode ser ordenada ou caótica. Em tempos de ordem, é de valor ser talentoso e tirar proveito dela abertamente. Em tempos de caos, é de maior valia ser virtuoso e manter-se oculto. Há gente velha e gente jovem. Quando jovem, é importante estudar e trabalhar duro. Quando idoso, importa ter cuidado e cultivar a calma. Nosso envolvimento no mundo é como cruzar um rio; uma vez que pode haver redemoinhos capazes de nos afogar, devemos saber como evitá-los. Um bom cavalo pode ser bem veloz, mas sempre sofre com o pó no vento. Uma tartaruga mergulhando 3 4

‘Sweet dew”.

 Fala-se aqui, muito provavelmente do Dantien (Tan-tien), centro de energia situado, segundo a tradição, três dedos abaixo do umbigo.

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pode ser uma coisa miraculosa, mas não pode escapar do triste agouro de ter suas tripas arrancadas. Quando um pássaro plana com o vento ou escolhe uma árvore para pousar, como é confortável! Mas quando é capturado numa gaiola em busca de alimento, perde sua liberdade. Agora veja bem: títulos e estipêndios são as gaiolas dos homens! O bem e o mal praticados pelos antigos e o certo e o errado praticado pelas pessoas de hoje foram e são seus próprios sucessos e fracassos. Coisas que já passaram são como fantasmas no mundo; o que se consegue com conversas insípidas sobre elas, qual o ganho de recitá-las? Quando não discursamos ou recitamos, nossas mentes estão serenas, este é o Caminho. O que é liberdade e desembaraço hoje, provém de frustrações dos anos anteriores; como pode você saber se as frustrações de hoje não se tornarão liberdade algum dia?

FAMA E LUCRO Aqueles que não foram bem sucedidos no aprendizado do Caminho falharam em deter os pensamentos errantes que, de certo modo, os obstrui. Aqueles que falharam em deter os pensamentos errantes foram incapazes de esquecer a fama e o lucro que, de certo modo, os controla. Portanto, se o que se deseja é deter os pensamentos errantes, é preciso primeiro mirar a fama e o lucro. A fama é odiada pela Criação, lucro é objeto de disputa emocional. Portanto, fama e lucro são mais letais do que armas. Por quê? Com armas você pode matar, mas as pessoas sabem como evitá-las; mas do jeito que a fama e o lucro matam, as pessoas rumam para a morte sem aviso. Nos velhos tempos, pessoas dedicadas ao Caminho sempre simulavam loucura, pois preferiam viver no anonimato. Hoje em dia, se as pessoas têm o mais insignificante crescimento, elas querem anunciar para o mundo inteiro – que coisa ignóbil! Quando as pessoas cultas estudam o Caminho, esquecem qualquer competitividade e exibicionismo. Indistintamente, elas praticam o cultivo interno e, quando o caráter está estabelecido e o Caminho está claro, não se vangloriam. Eis porque se diz que “aquilo pelo qual as pessoas cultivadas não podem ser alcançadas é apenas aquilo que não se vê”. Lucro é algo sem virtude, ainda que tenha a propriedade de atrair as pessoas. Ele cria pessoas quentes, mas sem fogo. Não tem autoridade, mas põe as pessoas para trabalhar voluntariosamente. Não tem afeições, mas as pessoas não podem esquecê-lo por um momento sequer. Costuma causar a ruína de alguns estudantes do Caminho, assim que eles o vêem: provoca administradores a se desviarem da lei, assim que o vêem. Desde os tempos remotos, corações humanos e leis das nações têm sido corrompidos pelo lucro. Há um grande dano para o mundo dissimulado pelo lucro, mas as pessoas não percebem. Não que elas não saibam, mas foram cegadas pelo lucro. Pilhagem obtida pela quebra de leis é como alimento que causa enfermidade: quando o toma, você só pensa o 22

quanto é pouco, mas quando exposto, você percebe o quanto foi demais. E por que a mesma coisa varia com o tempo? Porque lucro e dano seguem um ao outro. Se você pensar que há malefício no lucro quando o vê, pensamentos de conquista inevitavelmente cessarão. Pessoas cultas acumulam virtudes. Virtudes podem melhorar a saúde e também tornar a pessoa bem sucedida. Portanto, posição e prestígio, boa reputação e longevidade vêm naturalmente para os virtuosos, sem serem desejados. Pessoas mesquinhas acumulam fortuna. A fortuna pode sustentar o corpo, mas pode também lesá-lo. Os que a têm demais podem querer se livrar de apreensões e angústias, mas não o conseguirão.

ENCARGOS Coisas que não deveriam ser feitas não deveriam sequer ser pensadas. Coisas que não se pode falar para outras pessoas também não deveriam ser anunciadas para o Céu. Se você se vigiar a respeito dessas coisas vez ou outra, estará próximo do Caminho. Oportunidades para realizar alguma coisa no mundo são difíceis de surgir. Se alguma coisa pode e deveria ser feita, não se esquive  –  vagabundos não conseguem nada de bom. Por outro lado, alguma coisa que não pode ser feita não deveria ser forçada  – coisas feitas à força trazem fracasso. Há uma razão para cada caso. Pessoas cultivadas discutem o certo e o errado; pessoas insignificantes discutem lucros e perdas. Quando as pessoas não têm nada para fazer, a mente deveria naturalmente se recolher no coração  –  não se deve passar o tempo com pensamentos aleatórios no escuro. Quando há algo a ser feito, a mente deve concentrar-se na verdade  – não se deve seguir pontos de vista subjetivos. Quando suas tarefas são poucas, naturalmente suas dores são poucas. Quando suas palavras são poucas, naturalmente seus problemas são poucos. Quando você come pouco, você naturalmente adoece menos. Quando se tem poucos desejos no coração, se tem poucas preocupações. As duas coisas no mundo que são mais difíceis de realizar são cruzar o oceano e ir para a batalha, mesmo que as pessoas não temam as dificuldades inerentes. Quando se fala de se ater ao Caminho, é tão fácil: temos que nos ater olhando para o interior, e isso não é como o perigo de cruzar o oceano; isso tem a segurança natural dos desígnios celestiais. Não é como ir para a guerra e, no entanto, raramente as pessoas praticam o Caminho. Por que será assim?

COISAS A existência de uma miríade de coisas é nascida do não-ser. Os sentimentos das pessoas comuns normalmente turvam a existência; certamente é difícil olhar para o eterno não-ser, e é ainda mais difícil constantemente negar a existência. Se as pessoas querem 23

permanecer no patamar do eterno não-ser, então é necessário focalizar a natureza essencial. Quando você está focalizado na natureza essencial, nunca houve nada; o simesmo5  é esquecimento, e as coisas sublimam-se espontaneamente. Ainda que as coisas preencham o meio ambiente, elas sempre retornam ao não-ser. Layman Pang disse: “não tenha sua própria mente na miríade de coisas –  por que temer coisas que sempre estão à sua volta?” Há pessoas encantadoras e coisas encantadoras6; ambas podem fazer as pessoas se perderem. Mas será que elas realmente podem fazer alguém se perder? O fato é que as pessoas se perdem por si próprias. A Tábua de Cem Caracteres  diz: é a verdadeira constância que deveria lidar com as coisas; ao lidar com elas, o essencial é não se perder”. Quando você vê coisas fascinantes e concebe um pensamento de gosto por elas, sua mente já foi drenada por elas – você se perdeu. Quando você vê através de uma coisa, você não está confuso por ela; quando você vê através da miríade de coisas, você não está confuso por causa delas. O Sutra de Diamante diz: “todas as coisas compostas são como sonhos, ilusões, sombras; são como o orvalho, como o relâmpago – pratique esta observação”. Tudo no mundo tem seu próprio princípio, a respeito do qual idéias subjetivas são inúteis. Neste caso, qual coisa do mundo está realmente lá para se cogitar ou se preocupar? Este é o motivo de pessoas cultivadas se ocuparem das coisas na medida em que ocorrem, sem dar-lhes a menor importância. Lidam com as coisas como elas são, sem se apegar a elas. Cheng Yinquan diz: “pessoas que se devotam a coisas exteriores querem que elas sejam boas; quando elas conseguem que sejam boas do ponto de vista externo, não percebem que seus próprios corpos e mentes já foram roubados”. Atualmente, pessoas têm diversos bens, casas, roupas, comida e utensílios; mas elas ainda estão embaraçadas por não ter tudo que as outras pessoas têm; mas quando ocorre de não terem tanto aprendizado quanto outras, ou não ter tanta consciência quanto outras, elas não tem vergonha – por que é assim? Sua falta de ponderação é extrema. “

EGO Os  Analectos  registram que Confúcio pôs um fim em quatro coisas  – a voluntariedade, a insistência, obstinação e egoísmo. O fato de o egoísmo concluir a lista significa que voluntariedade, insistência e obstinação são todas mencionadas em função do egoísmo. Se não há egoísmo, também não haverá voluntariedade, insistência e obstinação. O egoísmo é a raiz de todo o interesse próprio. Se não há egoísmo, a raiz é cortada e várias formas de interesse próprio não podem mais emergir. 5

“Self” –  um conceito bastante difícil de traduzir, refere-se ao ser verdadeiro.  Encantadoras, fascinantes no sentido de enfeitiçar  – bewitching.

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Atualmente, as pessoas conscientemente regulam sua conduta; haverá uma única que não o faça por si mesma? Se algo não é de vantagem para a pessoa, o esforço é rejeitado; isto porque os pontos de vista mundanos desconsideram tais coisas como estranhas, deixando-as por fazer. Agora, se há lucro, a pessoa as fará, mesmo com prejuízo da própria saúde. Quão grandes são os danos do egoísmo! Somente quando não há mais egoísmo, o interesse próprio é modificado; a conduta se torna mais elevada e acaba-se também por esquecer do corpo físico. E o que poderia consumi-lo então? Procure dentro de seu corpo – o que é o ego? Uma vez que a noção de si próprio não está lá, você obtem uma libertação significativa. A Coletânea de Yongjia diz: “se a ignorância não é compreendida, você equivocadamente a toma como o si-mesmo. Quando a noção do si-mesmo é assim tomada de modo rígido, aí então a ganância, o ódio e a falsidade arbitrariamente concebidos como existência, dá margem à ascensão de apego”. “Quando você sabe que o corpo é ilusório, você percebe que não há natureza independente. A matéria é um vazio – nesse caso, quem é o si-mesmo?” “Todos os fenômenos têm apenas definições temporais, sem qualquer realidade verdadeira. Nenhum dos quatro elementos ou cinco agrupamentos são o si-mesmo, e também não há combinação. E quando você busca, dentro e fora, descobre def initivamente que não há personalidade”. Examine o ideograma chinês de ego: ele é composto de dois caracteres de “arma” opostos. As calamidades da viciosidade e da violência emergem do ego. Portanto, aqueles cujos corações estão no Caminho devem primeiro se livrar do ego.

IRREALIDADE As pessoas que estudam o Caminho devem primeiro distinguir realidade de irrealidade, antes que possam entrar pelo Caminho. Temos visto atores aparentando fracasso e sucesso, ganhos e perdas, aproximações e afastamentos, tristeza e alegria; suas formas exteriores são conforme demonstram, enquanto que suas mentes estão interiormente serenas. O que eles conseguiram para serem capazes de ter a mente imóvel desse jeito? Eles são absolutamente conscientes de que essas representações, a roupagem e a maquiagem, os estados da mente e as situações da mente são artificialmente criados – eles desligam ou alternam esse papéis, sem ganhos ou perdas para si próprios. Os aprendizes podem entender o Caminho pela contemplação disso. Também se parecem com marionetes  –  suas mãos e pés se movem vagamente como figuras humanas. As pessoas que os desconhecem podem ver as marionetes, mirar os cordões que as sustentam, e ainda assim não perceber que deve haver alguma coisa que sustente os cordões antes que elas possam se mover. Se a pessoa subitamente sair, os cordões das marionetes ainda estarão ali, mas estarão imóveis. O corpo físico de um ser humano é como uma marionete; sua energia e sangue são como os cordões, e a natureza real ou essência são o condutor. 25

Também olhe para a destreza das mãos do artista; ele troca nomes, e alterna objetos para confundir os olhos e as mentes da platéia, que aclamam sua arte como maravilhosa. Todas as engendrações humanas envolvem decepção mental e ilusão, sem muita diferença da destreza das mãos – se você pode ver as coisas sem que seus olhos sejam ofuscados e sua mente embaralhada, então você está próximo do Caminho. Considere também os atores de sombras. Acendem uma lamparina, tocam tambores e uma multidão entra para assistir as sombras projetadas. Na medida em que mentes e olhos seguem as sombras, elas esquecem de si mesmas, até que o óleo da lamparina se acaba, fazendo com que as sombras retornem para o nada. Pessoas inteligentes que observam isto podem, por analogia, entender o Caminho. Quando uma existência é produzida na não-existência, ela existe, embora seja não-existente; quando a existência retorna à não-existência, ela não existe, embora não seja não-existente. Por quê? A existência de uma existência resultante de uma conjunção de condições não tem identidade intrínseca, então é dito que ela é não-existente, no sentido de refutar a visão de permanência. A vacuidade de uma identidade intrínseca inerentemente não tem existência, revelando assim sua real essência; então se diz que ela não é não-existente, para refutar a idéia de aniquilamento. Numa escala menor, dia e noite, nascimento e morte – numa maior, eras e ciclos – todos podem ser entendidos por analogia. Estudantes do Caminho deveriam saber que a natureza essencial é real, enquanto que a miríade de condições é irreal. Todas as coisas usadas na vida diária são como poeira na irrealidade – por que entrar em contendas por mediocridades que não passam de um amontoado de poeira?

OBJETOS Não há nada no mundo, apenas uma mente. Pensamentos em movimento criam todos os objetos. Se os pensamentos não fossem produzidos, objetos espontaneamente desapareceriam. Quando você examina cuidadosamente os pensamentos tumultuados, os pensamentos também são o vazio e o silêncio. Sabemos, portanto, que nada se perde na desilusão e nada se ganha com a iluminação, pois a mente verdadeira, em nada se fiando, nem aumenta e nem diminui. A mente sempre está em torno por causa dos objetos, os objetos são vistos por meio da mente. Se você traz a mente à tona em função de ver objetos, mesmo que viva numa floresta entre montanhas ou numa ilha no oceano, saiba que todas essas coisas são armadilhas mundanas. Quando as pessoas estão emocionalmente apegadas aos objetos, estes enganam as pessoas; quando a mente perde sua normalidade, o indivíduo se torna perturbado. Quando os sentimentos perseguem coisas, essas coisas drenam os sentimentos; quando o espírito deixa sua moradia, o indivíduo torna-se idiota. Bons e maus objetos são todos objetos; mesmo que venham em turba, são inexistentes. Pensamentos perversos e pensamentos positivos, ambos estão na categoria de pensamentos arbitrários; podem ocorrer em confusão, mas são ainda inexistentes. 26

Não diga que os desejos sensuais são prazerosos; se você se perde e esquece de voltar, inevitavelmente chegará ao ponto de danificar seu corpo e sua vida. Você deveria saber que a natureza essencial é real e embarca tudo, sem divisão. Você então deve buscar sabedoria para tornar-se um sábio. Quando você faz com que malefícios se desvaneçam da existência, transforma um mundo impuro numa terra purificada. Quando você retorna à raiz e volta para a vida, o corpo ordinário se transforma no embrião sagrado. Desde que o mundo é apenas uma construção da mente, por que não compreender primeiro a mente? Os dados dos sentidos entram pela consciência discriminatória, portanto, deve-se simplesmente interromper essa consciência discriminatória. Uma criança não tem essa consciência discriminatória, portanto o turvamento dos objetos dos sentidos não encontra abertura para entrar. Nas pessoas realizadas, isso é puro conhecimento; o reino das realidades é completamente claro, e tudo é a terra do entendimento das sutilezas.

ERROS O desvio deliberado do princípio é chamado de mal. O desvio inadvertido do princípio é chamado de erro. Há um provérbio que diz: “se as pessoas não são sábias, como poderiam deixar de cometer enganos?” Este dito pode ser empregado para perdoar os outros, mas não deve ser usado como auto-indulgência. Quando tinha cinqüenta anos, um senhor reconheceu quarenta e nove anos de erros. Agora que tenho oitenta e cinco, estarei eu ciente de meus oitenta e quatro anos de equívocos? Se alguém não reconhece seus erros passados, erros recentes são bem difíceis de se reconhecer. Por quê? Quando você está iludido, agarra-se ao errado como se fosse o certo. Mas quando iluminado, em contraste, você vê até mesmo o certo como errado. Um auto-exame não é algo que deva ser feito apenas três vezes  –  nessas condições, como pode se permitir a repetição de um erro? Mestre Zhu dizia que, “no curso das atividades diárias, quando percebe que alguma coisa está errada, então não queira agir por aquele rumo. Este é um meio de se livrar de doenças”. Se você perguntar como se tornar capaz de “não agir por aquele rumo”, saiba que é como montar um asno em procura de um asno. Quando os estudantes praticam o Budismo da Terra Purificada, isso envolve três elementos de trabalho: verbal, físico e mental. Pessoas com determinação devem aplicar seus esforços, sobretudo na última parte, reformando-se com presteza, com o objetivo de conquistar o Caminho. Às vezes, podemos ouvir a seguinte pergunta: pessoas que erraram podem se arrepender? Seja lá o que for que você fez no passado, de maior ou menor importância, já 27

não pode ser apreendido, interior ou exteriormente  –  isto é o que se chama arrependimento verdadeiro. Também se pergunta o que fazer quando se têm votos e se teme quebrá-los. Quando se está confuso, fala-se de promessas; mas quando se está iluminado, não há promessa alguma. Tente olhar para eles agora mesmo  – onde estão seus votos? Deste modo, pode-se conseguir uma libertação significativa.

BEM O bem é a energia positiva gerada pela primeira movimentação do absoluto. Os humanos o têm como sua principal natureza, o que faz da natureza humana um bem universal. Aqueles que querem cultivar isso devem nutrir-se de energia positiva. Em função da natureza, a energia positiva emerge após a pura energia negativa, depois do décimo mês lunar. Essa é a verdadeira respiração dentro do ciclo. Por meio da adivinhação, Buda disse que o bem e o mal, enquanto causas e efeitos do céu e da terra, são inevitáveis, e serão experimentados em algum dia da vida futura. Confúcio simplesmente disse: ”chegando acima ou chegando abaixo, calmo e confortável ou sempre ansioso”. “Chegando acima” significa avançar dia após dia para a iluminação sublime  –e o que é isso, senão os céus? Já “chegando abaixo” significa afundar em corrupção de base - o que é isso, senão o inferno? Ser “calmo e confortável” significa ser feliz onde estiver – que bênçãos poderiam se comparar a esta? Ser “sempre ansioso” significa que sempre há redemoinhos, aonde quer que você vá –  nenhuma calamidade pode ser maior. Falando de modo geral, o tempo em que você pratica o bem ou o mal é quando você experimenta benção ou calamidade. É como uma sombra ou um eco, sem esperar por outro dia ou pela vida futura. Alguém perguntou a um Budista Chan se o céu e o inferno existem ou não. O Budista respondeu: “com prazer e temor no coração, o bem e o mal se tornam estados; basta compreender a mente unificada e não haverá confusão”. Mas então, “como a mente pode ser compreendida?” Responde novamente o Budista: “não pense de modo algum sobre o bem e o mal’”. Alguns questionam se praticar o bem faz alguma diferença. A resposta é não. Quando os ouvidos não escutam obscenidades, isso é um bem para os ouvidos. Quando os olhos não vêem coisas erradas, isso é uma melhora para os olhos. Quando a boca não se ocupa de palavras falsas, essa é a melhora da mente. Quando a mente não produz pensamentos errantes, esse é o aperfeiçoamento da mente. Quando as mãos não colhem coisas impróprias, isso é uma melhora das mãos. Quando os pés não caminham onde não devem, isso é uma melhora dos pés. Seguir o exemplo de governantes esclarecidos é melhorar a liderança. 28

Seguir o exemplo de sábios ministros é melhorar a administração. Seguir o exemplo da mãe de Mêncio, que escolheu o melhor lugar para viver de acordo com o objetivo de educar seu filho, é melhorar a maternidade. Seguir o exemplo dos discípulos de Confúcio, que cultivaram sua vontade para servir aos seus pais, é aperfeiçoamento do dever filial. Também se pergunta se há algum benefício na prática de obras de caridade como melhorar estradas, reparar mosteiros, cultivando a vida futura. Ouvi um sábio dizer que, “desde os imperadores aos cidadãos comuns, o auto-cultivo é a base para tudo e todos. Se você cultiva algo sem auto-cultivo, isso se chama desconhecer a base”.

SONHOS Por que os sonhos ocorrem? Todos eles são cenas ilusórias criadas por uma consciência adormecida, vagando em esquecimento. A origem, existência, desintegração e desaparecimento do reino dos desejos, formas e abstrações amorfas são justamente uma mente sonhando. As mudanças ocorridas durante os sonhos são existências nascidas do nada. Enquanto sonhamos, dores e prazeres são fisicamente experimentados, mas, com o despertar súbito, vão-se todos de uma vez. Não que eles não sejam não-existentes no despertar  – não, eles são inexistentes desde o princípio. Essa é a razão da Canção da Realização do Caminho dizer que “nos sonhos, há uma variedade de estados, mas depois do despertar, eles estão vazios; não há universo”. As montanhas, rios e paisagens são todas cenas dos sonhos; reis, lordes, generais e ministros são todos pessoas nos sonhos. As escrituras e clássicos do Confucionismo, Taoísmo e Budismo são todos livros de interpretação de sonhos. Nos tempos antigos, alguém perguntou ao mestre sobre seu sono: “num sono simples, você é tomado pela plenitude primordial do universo; quando desperta, rompe o fluxo do ir e vir do passado e do presente. Maravilhoso! Há também um Caminho no dormir?” Disse o mestre: “sim, há um Caminho. Quando as pessoas comuns dormem, primeiro permitem que seus olhos durmam, depois suas mentes. Mas quando eu durmo, primeiro deixo minha mente dormir, depois os olhos”. “Quando eu acordo, primeiro desperto meus olhos, depois minha mente. Despertando os olhos, eu vejo a mente; com a mente desperta, eu não vejo o mundo. Mas quando eu não vejo o mundo, também não vejo a mente. Eu durmo sem mente e acordo sem ela”. Uma nova pergunta: “mas se eu quiser aprender esse estado de não-mente, como devo fazer?” “Não dê atenção à mente ao lidar com objetos, e não note os objetos ao lidar com a mente”, disse o mestre. 29

“Isso é tudo o que sei – como poderia saber algo mais? Quando você acorda, não há nada a saber; quanto mais sabe, mais cansada se torna a mente” É ridículo estar nesta esfera mundana sem saber que os sonhos são sonhos.

FANTASMAS Metade das pessoas do mundo são iludidas por fantasmas, e a outra metade é confundida por outras pessoas. Considerando umas e outras, preenchem praticamente a totalidade do mundo. Aqueles de sublime iluminação tentam salvá-las, falando claramente aquilo que elas se recusam a ouvir. Aqueles em posição de autoridade tentam restringi-las por lei, mas, ainda assim, elas não se detêm. Falsas doutrinas aumentam em popularidade dia após dia – no futuro, quem sabe como isso poderá acabar! Fantasmas são pessoas que já morreram; pessoas são fantasmas que ainda não morreram; e os espíritos das pessoas de hoje são todos pessoas dos velhos tempos. Há fantasmas e espíritos por toda parte; e não somente há fantasmas e espíritos no mundo, mas também os há no corpo. Como sabemos disso? A natureza humana provém da energia positiva, enquanto que o corpo físico vem da energia negativa. Energia positiva é o espírito, e energia negativa é o fantasma. Há um provérbio que diz que, “na mesma medida em que as pessoas têm energia positiva, elas não se transformam em fantasmas, enquanto que, na mesma medida em que têm energia negativa, não se tornam imortais”. Como isto é verdade! Seres humanos são uma mistura de yin e yang, uma combinação de fantasma e espírito: um súbito impulso em direção ao bem é o guia do espírito; um repentino ato malvado é uma compulsão do fantasma. Pessoas cultivadas são cuidadosas quando estão sós, observando os princípios do bem e do mal; este é o modo de distinguir o fantasma do espírito.

ESPÍRITO A verdadeira natureza dos seres humanos é o espírito original. Por ser ele imortal e insondável, com a capacidade de responder magnificamente sem convenções, ele é chamado espírito. Ele é chamado “original” para se diferenciar do espírito pensante, que é adquirido. Aqueles no qual o espírito entra, vivem. Aqueles dos quais o espírito parte, morrem. Como sabemos que o espírito surge? Quando os pensamentos param, o espírito aparece. Quando sabemos que o espírito parte? Quando os pensamentos se tumultuam, o espírito parte.

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O corpo físico é a casa da energia; enquanto a energia lá está, o corpo não deteriora. A energia é a matriz do espírito; enquanto a energia está lá, o espírito não se desintegra. Quando as pessoas fazem o bem, o espírito é concentrado e efetivo; quando praticam o mal, o espírito é disperso e turvo. Quando as pessoas estão enfermas, o espírito se afasta do corpo, e assim não sofre dores; quando as pessoas têm problemas, o espírito se afasta antes, e assim não sofre calamidades. Se as pessoas não encontram o espírito no intervalo de uma respiração, então elas estão incompletas para esse intervalo de respiração. As pessoas têm três vales. O seu vazio é como um vale, e o espírito lá habita  – é chamado de vale do espírito. O mais elevado é chamado de vale celestial; é o centro do nirvana, a raiz dos céus, a câmara original do espírito. Quando o espírito habita o vale celestial, a vitalidade transforma-se em energia e a energia ascende. Depois de nove anos, a câmara celestial está cheia e o portal celestial está lá para ser aberto. O vale do meio é chamado de vale da resposta. É a câmara rubra, o brilhante auditório onde o governo é administrado. Quando o espírito mora no vale da resposta, os ouvidos escutam, os olhos vêem, os cinco sentidos fazem seu trabalho e o corpo todo segue por esse rumo. O vale mais baixo é chamado de vale da alma. Esse é o campo do elixir. Este é o pavilhão secreto do cultivo oculto. Quando o espírito habita o vale da alma, olhar e ouvir dirigem-se para o interior, espírito e energia são mantidos conjuntamente, e vitalidade e consciência abraçam-se numa unidade.

ENERGIA Nas pessoas comuns, a energia sobe pela frente e desce pelas costas. Nas realizadas, sobe pelas costas e desce pela frente. Quando a energia vai para fora e para dentro, isso é chamado de respiração comum; quando ela não vai para fora e para dentro, isso é a verdadeira respiração. De um modo geral, quando a respiração comum é detida, a respiração verdadeira é espontaneamente ativada. O modo pelo qual a respiração é parada não é forçadamente segurá-la, de modo que ela não saia. Isso é uma questão de absoluto senso de vazio, e conseqüente serenidade; quanto mais estável é a mente, mais sutil é a respiração. O meio de se conseguir isso é retornar à quietude da mente, seja no que for que você estiver fazendo, sem imaginar o que está por vir, nem pensar no que já passou. Depois de um tempo, o espírito e a energia se unem, sentimentos e objetos são esquecidos; o espírito se concentra, a energia solidifica-se e passa a haver somente uma respiração no ventre, circulando sem ir para fora ou para dentro. Essa respiração é chamada de respiração do ventre. Uma vez que essa respiração ocorra, mantenha-se estritamente numa quietude vazia, refinando a vitalidade em energia, a qual atravessa as três passagens e corre pelas 31

três câmaras. São chamados de real fole, real forno ou caldeirão e real processo de fixação. No Livro da Abóbada Azul Celestial encontramos: “no passado, encontrei um autêntico mestre que me transmitiu um segredo oralmente; é necessário congelar o espírito e conduzi-lo para a morada da energia”. Isto significa que o que os seres humanos primeiramente recebem, quando estão imbuídos de energia como embriões formados pela vitalidade e pela energia de nossos pai e mãe, é a nossa individualidade, inerente e absoluta. Nas pessoas realizadas, o espírito repousa na respiração, entrando profundamente em sua moradia própria, de modo sutilmente contínuo, sem que haja a menor interrupção. É então que se obtem a maravilha de “concentrar a energia e torná-la maleável”, e então também é possível observar “seu retorno”. Disse Lao-tzu: “o espaço entre o céu e a terra é como um fole”. Os homens nascem pela virtude da energia do céu e da terra; a respiração é o mecanismo do fole. A verdadeira respiração é a energia da respiração. E também essa verdadeira respiração é o tronco da recepção de energia, a fonte da produção de energia. A ascensão e descida da expiração e inspiração em sucessão alternada correspondem ao relacionamento do yin e do yang. Portanto, é dito que “a contagem dos ciclos naturais da respiração tem o ritmo do gotejar do relógio d’água, gota por gota”. Alguns perguntam se o que se diz da verdadeira respiração é o que se chama de fogo alquímico. Mas não, a respiração verdadeira não é considerada como fogo. Fogo é o espírito humano; a respiração é o fole do fogo. A continuidade ininterrupta do fole é o que se chama de “respiração a partir dos calcanhares”, praticada pelas pessoas realizadas. Daí se dizer o seguinte: “coloque-se sossegado no forno medicinal para observar o processo do fogo; acalme a mente, respire e entregue-se à natureza”. O corpo humano todo é um circuito. Quando a energia flui livremente, nos sentimos muito bem, mas quando ela flui com bloqueios, adoecemos. Então dance para relaxar e nutrir a energia do sangue. É um método que pode ser praticado a qualquer hora, de acordo com as conveniências. É essencial unificar a mente e parar a respiração, de modo que o espírito se torna pervasivo, a energia se torna plena e flui com facilidade. Então, deixe seus dentes resplandecer, seja austero e forte, e os falsos pensamentos desaparecerão espontaneamente. Faça isso diversas vezes e então sente-se na calma; essa é a coisa mais efetiva para se livrar da confusão e dissolver doenças. Esse exercício traz grandes benefícios e não deve ser menosprezado.

VITALIDADE As pessoas realizadas refinam a vitalidade, transformando-a em energia; nas pessoas ordinárias, a energia torna-se vitalidade. Os antigos comparavam isso com o mercúrio, querendo dizer que se esvai facilmente; e simbolizavam esse processo com o

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dragão, mostrando a extrema dificuldade de dominá-lo. Aqueles que aderiram ao Caminho o guardam com rigor, sem perdê-lo; isso se chama construir a fundação. Espírito, energia e vitalidade estão sempre tentando deixar as pessoas. Na medida em que você os torna estáveis, assegurando-se que não se afastarão, a vida pode ser prolongada. Wei Boyang disse: “sempre que se menciona a extração do chumbo com adição de mercúrio, isto, na verdade significa fazer a vitalidade retornar para reparar o cérebro”. As pessoas perguntam: “é dito que, quando a dama mística se estabelece, a verdadeira vitalidade se estabiliza. Como podemos estabelecer a dama mística?” Ela se estabelece quando o espírito aberto não morre. “E como o espírito aberto não morre?” Quando você não tem mais desejos e está tão sereno quanto possível, então ele não morre. Aqueles que são bem sucedidos no auto-cultivo tomam o fogo do espírito e a água da vitalidade e os combinam em um mesmo lugar. Quando a serenidade atinge seu limite, ela dá nascimento ao movimento; o fogo da realização transforma a vitalidade em vapor dourado que penetra pelas passagens.

EDUCAÇÃO O Caminho é o sábio sem discurso, o sábio é o Caminho que discursa. Mas mesmo quando se tem o poder do discurso, ele somente serve como meio da pessoa governar o seu ser – isto sem forçar o que é difícil de saber e de fazer. Aqueles que educavam as pessoas na antiguidade, o faziam pelo Caminho dos sábios. Diz o I Ching : “nutrir a retidão com a inocência é a realização dos sábios”. Ou seja, ao educar crianças, se você lhes apresentar os sábios como paradigmas, como poderão elas não seguir o exemplo? Lao-tzu disse que, “quando se cultiva a si mesmo, a virtude é real”. Falar de cultivo com o abandono da pessoa é uma coisa falsa. Atualmente, muitos daqueles que procuram a magia ou a santidade excluem-se da sociedade e se evadem pelo mundo em sua busca. Eles consideram o fato de ter uma casa, esposa e filhos, ou negócios com vizinhos, como uma consumição; acreditam que não podem atingir a santidade ou a magia nessas condições, e então, julgam que devem se excluir da sociedade e vagar pelo mundo. Elas não percebem que o Caminho dos magos e dos Budas não se fragmenta do corpo e da mente. Se você deseja realmente corrigir sua mente e cultivar seu corpo, você pode empregar sua casa, relações, esposa e filhos, todos como meios de refinar-se. Portanto, pessoas caseiras também podem se tornar sábios, magos ou Budas – por que deveria ser necessário abandonar o conveniente em troca do inconveniente?

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APRENDIZADO O aprendizado é a jornada para o Caminho. Os clássicos dos sábios e as tradições dos esclarecidos são os bilhetes para a jornada. Nas últimas gerações, o falso ensinamento tornou-se muito ativo. Mas será que suas palavras e ações refletem o espírito dos clássicos dos sábios e as tradições dos esclarecidos? Se não, se há qualquer inconsistência, então é uma sugestão demoníaca. Os aprendizes do Caminho devem simplesmente recolher seus corpos e mentes seguramente. Exercitar-se com esforço, dissociado do corpo e da mente, não é o caminho correto. Aprender o Caminho não é apenas uma questão de articulação ou entendimento do mesmo. É absolutamente necessário manter seu coração limpo de desejos pelas coisas; faça isso, e você se harmonizará espontaneamente com o Caminho. A vontade de aprender o Caminho deverá ser a mais tenaz possível, se você é pobre, e a mais forte possível, se você é idoso. Se a sua vontade é dirigida pelas energias do ambiente ou tomada por interesses externos, isso não é culpa dessas energias ou desses interesses, mas sim uma aflição resultante de uma vontade deficiente. Examine a si mesmo criticamente; reflita mais e mais e você verá onde está o problema. Dê um fim a ele com intensa determinação, e você será uma pessoa reformada. O que não poderá ser conquistado, se nos empenharmos com seriedade? A mente dos sábios é como a das outras pessoas; como poderia ser isso apenas uma questão de constante clareza e calma? Nada mais é do que ver a realidade e desenvolver estabilidade. Quando você vê a realidade, nenhuma ilusão o confundirá; quando desenvolve estabilidade, as coisas não podem abalá-lo ou afastá-lo da meta. Ver e ouvir são como comer e beber; você necessita disso todo dia, mas também é necessário digerir e eliminar coisas todos os dias. Se você não as digere e elimina, permanecem no intestino, eventualmente produzindo doenças.

CONHECIMENTO A prioridade do aprendizado é obter conhecimento. Obter conhecimento é uma questão de investigar. Tendo estudado, pense; tendo pensado, estude. Quando se alcança o ponto da penetração compreensiva, então o conhecimento é alcançado. Quando o conhecimento é alcançado, então a sinceridade da intenção e a plenitude da mente podem gradualmente ser obtidas. O conhecimento dos aprendizes é limitado, desde que não há limites para os princípios do mundo. Segue-se que, quando há alguma coisa conhecida, há inevitavelmente algo desconhecido. Quando você chega a conhecer o que era desconhecido, então há algo mais ainda desconhecido. Por isso os poetas usaram a metáfora “cortar e polir”. Não se trata de dizer que as pessoas não têm conhecimento, mas o conhecimento verdadeiro é muito difícil de se obter. Quando se trata de pérolas e peças de jade, todos querem apanhá-las e encher seus bolsos  – mas por quê? O conhecimento verdadeiro é 34

tal qual um tesouro, mas se os estudantes do Caminho tiverem essa atitude, não haverá preocupação de esgotarem-se para obter o conhecimento verdadeiro. Quando se trata de conduzir uma espada, ninguém a emprega para cortar sua própria língua ou para experimentá-la em seu próprio corpo, mas por que é assim? A habilidade do conhecimento verdadeiro para ferir as pessoas é tal que, se aqueles que evitam o mal tiverem essa atitude, não haverá preocupação de que o verdadeiro conhecimento não possa ser purificado. A mente humana é originariamente luminosa, mas é coberta por desejos pelas coisas, de forma que ela própria se transforma em desejo; Se você se conscientiza disso, este é um ponto de iluminação; foque aí sua energia e estabilize-a. Hoje você se livra um pouco, amanhã um pouco mais. De repente, os desejos aparecem, subitamente desvanecem  –  você tem consciência disso? Se tem, deve observar; assim não será nem provocado, nem esquecido. E quando atinge este estágio, sua mente é estável e sua natureza está completa. Mas agora sua respiração vai para o interior e para o exterior; você consegue percebê-la? Se pode, detenha-se nela e você pode chegar ao ponto de, deliberadamente, não inspirar ou expirar. Quando chega nesse ponto, tudo é energia, e a vida é estabelecida.

AÇÃO Conhecimento e ação são fundamentalmente um só esforço combinado. Ter sempre presente o conhecimento é saber agir de acordo com ele. Se você não age de acordo com o conhecimento, você é ignorante. Os aculturados entendem o Caminho com seus corpos; onde está o corpo, lá está Caminho. Daí haver exercícios para andar quando você caminha, exercícios de parar quando você está imóvel, e assim para sentar e dormir também. Em qualquer lugar que você estiver, se você estiver livre de pensamentos, será um exercício. Sempre que houver algo que você não pode por em prática, saiba que é simplesmente porque seu conhecimento não é autêntico. Se o seu conhecimento de uma verdade é legítimo, você se sentirá naturalmente feliz por seguir tal verdade. Este é o motivo de se dizer sempre que o aprendizado sempre precisa do conhecimento. Se a sua percepção da realidade não é genuína, e você ainda insiste em tentar agir a seu modo, quanta vontade e energia você tem? Quando a sua vontade estiver exaurida e sua energia decair, você não conseguirá continuar. A noite e a madrugada são horas de descanso para as pessoas cultivadas. De acordo com isto, você deve recolher-se para a câmara do espírito e abraçar a unidade sem divisão. Lá você não encontra sentimentos envolvendo-o, nem há uma sublime verdade – quando você é como o morto em relação ao ser temporal, isso é chamado de o grande repouso. Depois que você chega a ponto de dormir e sonhar sem se tornar confuso, você colhe os efeitos da maestria da seriedade.

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Segue-se a manhã, e esse é o tempo para a renovação diária das pessoas cultivadas. Você deveria acordar cedo e diariamente buscar o que você ainda tem por obter, com a determinação de fazer dez ou cem vezes aquilo que os outros fariam. Os dias se tornam meses, e os meses se tornam anos; aqueles que estudam e se dedicam sem perguntar por quanto tempo, sejam três ou cinco anos, nunca falham em atingir a sabedoria. Quando você está centrado na mente a cada momento, nutrindo-a com cada respiração, o trabalho jamais é interrompido; dia após dia e mês após mês, o aprendizado brilhará com uma luz pura. Alguns perguntam como um projeto natural pode ser completado. É essencial nutrilo conscientemente o tempo todo. Mas também perguntam como purificar os desejos humanos; é somente questão de diminuí-los dia após dia. Todas as pessoas têm conhecimento intuitivo e capacidade inata. O conhecimento intuitivo deve ser trazido à tona e a capacidade inata deve ser despertada. É uma meta de um diligente aprendizado e determinado questionamento. Nossa natureza real é espiritual e muito sutil; quando os pensamentos se tumultuam, ela se esvai, invisível. Se você quer estabilizá-la, deve procurar por sua fonte. O mecanismo está sempre no olho, permanecendo em repouso na mente; quando a mente é sempre clara e calma, espírito e energia retornam à raiz, eventualmente produzindo o tesouro supremo, gradualmente aumentando, circulando acima e abaixo, produzindo a primavera através do corpo. Quando você refina o si-mesmo numa maturidade não adulterada, você esquece os sentimentos em face dos objetos. Acumule o elixir espiritual, usando a energia positiva para controlar a energia negativa, desenvolvendo o sábio embrionário. E esse é o chamado de “humano realizado”.

AUTO-EXAME Auto-exame significa examinar a própria mente. Das vinte e quatro horas do dia, quanto tempo sua mente permanece no interior, e quanto tempo no exterior? Se isto for praticado por um certo período, um certo poder será naturalmente adquirido. Nos velhos tempos, havia um homem que usava pedras pretas e brancas para registrar seu auto-exame da mente. Quando tinha um bom pensamento, derrubava uma pedra branca numa bacia; quando o pensamento era mau, derrubava uma pedra preta. No começo, tinha muitas pedras negras, mas depois, brancas e pretas eram meio a meio. Mais tarde, havia a maioria de brancas, e ainda depois, somente brancas. Finalmente, não havia mais pedra alguma, nem mesmo brancas. Pode parecer um método um pouco grosseiro, mas há algo de profundo nele. Auto-exame significa conhecimento e controle. Não é outra coisa senão reformar suas faltas, desenvolvendo-se conscientemente. Não é nada mais do que a maestria da seriedade. Ainda que o Caminho Supremo não tenha, na verdade, nem prática e nem realização, materialismo é algo que deve ser polido dia após dia.

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As pessoas têm apenas uma única mente. Quando querem permanecer no interior, de quem é essa mente? Quando subitamente volta-se para fora, de quem é essa mente? Quando você puder discernir claramente, então fará progressos no seu cultivo. O auto-exame tem que ser pleno e preciso. O auto-controle deve ser efetivo e decisivo. O desenvolvimento consciente deve ser fluído e despreocupado. Esses três exercícios devem ser praticados todos os dias, até atingir o ponto de realizá-los sem esforço; então eles estarão conquistados. Alguns dizem que podemos transcender imediatamente para o além, sem ter que fazer qualquer esforço. Isto até pode ocorrer com aqueles que têm um conhecimento mais elevado, mas eu não ousaria dizer que qualquer um pode fazê-lo.

RESPEITO A luz espiritual da natureza de base não tem criação ou destruição, nem aumento ou redução. Ainda que possa estar firmemente encoberta por um longo período, um raio de luz espiritual pode extinguir mil males e dar nascimento a dez mil virtudes. Se você pode manter a luz espiritual sempre presente, por que pensar que você é diferente dos sábios? Pergunta-se como manter a luz espiritual sempre presente. Parece essencial ter uma atitude respeitosa. Somente pelo respeito por ela, pode a luz espiritual estar sempre presente. Cautela e esmero são certamente atitudes respeitosas; diligência também é respeito. Quando você é respeitoso, não se entretem com fantasias, não desliza no esquecimento, e não vive com a mente cheia de coisas. Isso parece essencial para a presença da mente, para as linhas mestras do auto-cultivo. Desde dos tempos antigos, os sábios transmitem esse meios de coração. Atualmente as pessoas pensam que se vestir formalmente atrai respeito. Mas respeito é apenas uma questão de se estar centrado na unidade. Quando você está centrado na unidade, está automaticamente livre de deturpações e preconceitos. A mente é o mestre do corpo; respeito é uma característica da mente. Hoje em dia, quando as pessoas entram num templo, elas se tornam respeitosas porque há imagens sacras lá  –  mas por que, então, não sabem que há um espírito real dentro de seus próprios corpos e não o percebem o suficiente para respeitá-lo? Cheng Mingdao disse: “quando pratico caligrafia7, eu me torno extremamente respeitoso, não porque eu insista em que os caracteres são bons, mas porque é um estudo”. Cheng Yinquan disse: “quando Mestre Zhou falava de Unidade, ele se referia a não ter desejos. Mas como podem as pessoas ordinárias alcançar a ausência de desejos? Ora, isso é somente uma questão de respeito. Comece passo a passo, com persistência. Trabalhe nisso, alertando a si mesmo de momento em momento, sem permitir qualquer entorpecimento. Você terá resultados em um dia ou dois”. 7

 A caligraf ia também é arte “interior”.

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O compasso e a régua são modelos do círculo e do quadrado. O nível e o prumo são modelos do plano e do reto. As pessoas que têm o compasso e o esquadro à sua esquerda e o nível e o prumo à sua direita são modelos para a humanidade. A régua e o compasso, o nível e o prumo são a ordem; a ordem é baseada no respeito. Se uma pátria não tem ordem, rebeldes e ladrões aparecerão para arruinar a nação. Se o corpo de alguém não tem ordem, emoções e desejos o atormentarão e arruinarão.

AUTO-CONTROLE Disse um sábio: “ao aprender, aumente a cada dia; no Caminho, diminua a cada dia”. Esse “diminuir” significa reduzir os excessos para adquirir um equilíbrio centrado, desfazendo-se de trivialidades para retornar ao básico, e reduzindo os desejos humanos para retornar aos desígnios celestiais. Pode haver uma centena de desejos humanos, mas é imperativo primeiramente tomar o comando de si mesmo. Comandar a si mesmo é como vencer um inimigo; primeiro você deve saber onde o inimigo está, antes que possa mandar suas tropas. O auto-controle deve ser rigoroso como o capinar do fazendeiro, que deve remover as ervas daninhas pela raiz, antes que possa se livrar de problemas para o livre crescimento da plantação. O auto-controle é como prender um ladrão – não relaxe em nenhum momento. O auto-controle é como executar um rebelde  –  você deve cortar com um único golpe certeiro de espada. Atacar o desejo humano deve ser assim, antes que se possa alcançar sucesso. O auto-controle é uma questão de se livrar do que não estava originariamente em nós. Deveríamos perceber o que lá não estava por natureza, e que isso não se torna inexistente somente depois de superado. O desenvolvimento consciente é questão de preservar o que está originariamente em nós. Deveríamos perceber que isso lá está desde a origem, e não devido ao nosso desenvolvimento consciente.

PARAR Diz o I Ching : “parando nas costas, você não apreende o corpo; atravessando o pátio você não vê a pessoa”. Quando a mente não pode parar, é porque os desejos a agitam. Todo o corpo humano move, menos as costas; o corpo humano todo tem desejos, menos as costas. Portanto, quando o I Ching   ensina as pessoas a deterem a mente nas costas e não se agarrar ao corpo, isto significa esquecer a si mesmo. Quando você esquece a si mesmo, então a raiz que produz os desejos se parte. Isso é se deter na imobilidade. 38

“Não ver a pessoa” significa esquecer -se das pessoas. Quando você as esquece, as coisas desejáveis desaparecem. Isso é se deter na ação. Mestre Cheng disse: “a mente humana precisa ser capaz de parar. Se não há como parar, ela segue as coisas obedientemente, desviada por elas em qualquer direção”. Parar tem dois sentidos. Um é permanecer num certo estado, sem se afastar dele; o outro é cortar alguma coisa e não ter de retornar a ela. Esses dois sentidos de parar são complementares, e isso significa entrar pelo Caminho.

VER As pessoas se levantam e trabalham o dia todo, sem saber para onde suas mentes vão. Algumas delas podem conscientemente manter a presença da mente, mas para a maioria, isso seria uma repressão forçada. Repressão forçada é danificar a mente. A mente humana é muito viva; o espírito deve ser pacífico.Sua natureza deve ser desenvolvida de acordo com seu potencial, sem permitir falta de cuidado, força ou interrupção. Estes são os requerimentos mínimos para o que poderíamos chamar de linhas mestras para o desenvolvimento da mente. O que Confúcio queria dizer com “deter -se no máximo bem” é o que diz Lao-tzu com “vendo o que lá está”, ou Buda com “parecendo independente”. O espírito do ser humano está na mente, enquanto que o gatilho da mente está nos olhos. Quando os olhos são usados para o interior, a mente, em concordância, está voltada para o interior; daí o termo “vendo independentemente”. Ver significa olhar para dentro; independentemente refere-se à independência da mente. Se você olhar para dentro por um longo tempo, não somente sua mente estará presente, mas sua mente finalmente se estabilizará. Com espírito e energia unidos e estáveis, você desperta em êxtase. O céu e a terra comungam, com sutilezas que vão muito além do poder de expressão das palavras. A Escritura da Mente diz: “eu vi a mente e apreendi o Caminho por um milhão de éons”. Agora, quando o sol se põe, quem sabe de onde vem a escuridão que toma o quarto? E então, quando acendemos uma lâmpada, quem sabe para onde vai a escuridão? Devemos entender que a lâmpada não tem motivos para repelir a escuridão, nem a escuridão tem razão de temer a luz. Nenhum dos lados despende qualquer esforço. A lâmpada pode representar o conhecimento desperto, enquanto que a ignorância pode ser representada pela escuridão. Olhe para fenômenos passados como se fossem sonhos, os presentes como relampejos, e os futuros como completa obscuridade. Também olhe para os fenômenos programados do mundo como mutações de momento para momento, como problemas sem fim, se distanciando tão logo quanto possível. Seja lá o que estiver fazendo, você deve praticar o parar e o ver. Parar é serenidade silenciosa; ver é um despertar alerta.

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Pode-se perguntar o que é uma mente clara. A mente vazia é a mente clara. A mente clara não tem imagens de si mesmo, nem da personalidade, do ser ou do vivente; todas as coisas são vazias. Qual a natureza essencial do ver? Seguir a natureza é ver a natureza e, inconscientemente e sem saber, seguir as leis de Deus.

DESENVOLVIMENTO CONSCIENTE As palavras desenvolvimento consciente  vêm juntas; se você não pode manter a presença da mente, como pode se desenvolver? Manter conscientemente a presença da mente é nutrir sua natureza. Antes de seu despertar, é essencial nutri-la conscientemente; mas depois de desperta, é essencial examiná-la introspectivamente. Idéias subjetivas devem ser superadas, e assim que o são, nutrir a consciência torna-se novamente essencial. Aplique essa seqüência sucessivamente, sem permitir qualquer interrupção. Manter a presença da mente não é questão de usar esforço para mantê-la. Simplesmente seja puro, tendo o mínimo possível de desejos – isso é manter a presença da mente. Devemos perceber que esta mente vem quando estamos conscientes, e se vai quando não o estamos. Como lograr estar sempre consciente, de modo que a mente não se afaste? Mas isto é somente uma questão de familiaridade. Tenho visto pássaros selvagens sendo capturados; não são aves domésticas, mas porque se acostumaram e se familiarizaram, não partem, mesmo se incitados a isto. Nossa mente está aqui, em nosso próprio coração  –  se desenvolvermos familiaridade com nossa mente, haverá alguma razão para temer perdê-la? Mestre Zhu disse: “o trabalho de nutrir o fundamental é interrompido muito facilmente. Todavia, tão logo você percebe a interrupção, este é o ponto de retomada. Se concentre em trazer a mente de volta o tempo todo, momento a momento, até haver espontânea continuidade, transformando tudo numa mesma unidade”. Aqueles nos quais vitalidade, energia e espírito têm nutrição e florescimento adequados, viverão; aqueles que os perdem, morrerão. Tente examinar isso no curso de um dia  –  quanto de nutrição adequada e quanto de dispersão e perda eles realizam? Nessas condições, você será capaz de saber sobre a vida e a morte, sem emprego das artes divinatórias. A obra do Caminho requer grande intimidade com cada dia que passa, com cada hora que se vai. Desse modo, você vai desenvolvendo uma familiaridade espontânea, se unificando no Caminho.

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DISCIPLINA Os seres humanos sempre agem de acordo com desejos e emoções; este hábito está tão arraigado que, se tentam obter calma e clareza por um dia sequer, não o conseguem. Por isso é necessário primeiro adquirir disciplina. Adquirir disciplina significa purificar pensamentos, palavras e ações. Não matar, não roubar e não ser promíscuo purificam a ação. Não mentir, não adornar enganosamente o discurso, não ser hipócrita e não falar de modo vicioso purificam a palavra. Livrar-se da ganância, do ódio, do rancor e dos falsos pensamentos purificam o pensamento. Quando você evita tudo que é impróprio em ver, ouvir, falar e agir, isso é a disciplina se consumando. Superar a hostilidade e o desejo é a origem da disciplina. Confúcio disse que uma pessoa cultivada tem três disciplinas. Ele queria dizer que uma pessoa culta sempre deve manter uma atitude de cautela disciplinada, nunca agindo sob compulsão ou sob a energia do sangue 8. Confúcio também dizia que a pessoa culta tem nove pensamentos. Isso quer dizer que a mente de uma pessoa cultivada está sempre alerta, disciplinada espontaneamente, sem ter de se enquadrar em regras. Diz o Shurangama Sutra: “concentrar a mente é disciplina. A estabilidade vem da disciplina, e a introspecção9 vem da estabilidade”.

ESTABILIDADE Um texto sobre a natureza da estabilidade afirma que estabilidade é estar estável mesmo em atividade, e não só quando você está quieto. Melhor do que aprovar o interior e rechaçar o exterior é esquecer ambas as coisas. Quando você se esquece de ambos, você tem clareza sem perturbações. Quando você não tem perturbações, você está estável  –  e assim sendo, como pode a lida com outras pessoas ainda consumi-lo? A mente basicamente quer estabilidade; quando se é realmente incapaz de estabilizá-la, os pensamentos a consomem. Se você detem o fluxo do pensamento e mantem a presença da mente, não há nada para perturbá-la, e ela então se estabiliza espontaneamente. Disse Yunmen: “no primeiro estágio de meditação, os pensamentos param; no segundo estágio, a respiração para; no terceiro, o pulso para. No quarto estágio de meditação, extinção se transforma em grande estabilidade”. Você deve saber que há três vias para a estabilização. A primeira é chamada estabilidade natural; significa que a natureza básica é tranqüila, isenta de perturbação. A segunda é chamada estabilidade cultivada; isto significa nutrir a pureza original da natureza essencial. A terceira é chamada de estabilidade da calma espaçosa; isto quer 8 9

“O sangue subir à cabeça”. “Insight” tem também o significado de “visão interior”. “Visão interior” e “introspecção” são traduções válidas e

interessantíssimas.

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dizer que deve-se seguir com a mente aberta, agindo sem compulsão. Chuang-tzu disse: “a estabilidade da calma espaçosa vem da luz do céu”. Aqueles que se absorveram no Caminho nos velhos tempos nutriram a sabedoria pela desobrigação. Quando a sabedoria se desenvolve, isso nada tem a ver com conhecimento. Quando você está no limiar do adormecer, as coisas do mundo não estão em sua mente; você está física e mentalmente parado, é um momento de samadhi 10 . No sentido da causa, isso é chamado de parar e ver; no sentido do efeito, é chamado de estabilidade e introspecção11.

INTROSPECÇÃO Está dito que a mente humana é como água – quando está cristalina, reflete cada detalhe; quando turva, céu e terra invertem seus lugares. Devemos saber que há três vias de introspecção. A primeira é chamada de introspecção no vazio da pessoa; significa perceber que não há nascimento, nem personalidade. A segunda é chamada de introspecção no vazio dos fenômenos; é perceber que os objetos são condicionais e temporários, não exatamente reais. A terceira é chamada de introspecção no vazio do vazio: cognição e objetos são ambos vazios, e esse senso de vazio é também vazio. Quando começa a cultivar a estabilização, pode-se inesperadamente despertar poderes psíquicos, tais como o conhecimento do passado, do futuro, de outras mentes ou eloqüência desimpedida. É o que Confúcio chama de Caminho da perfeita verdade, pela qual previsões são possíveis. Quando se aprende muito do Caminho, alguns aproveitam para ter fama, lucro e honra mundiais. Mas tudo isso pertence ao espírito e energia contaminados: como não são atitudes seguras, muitos acabam desencarnando voluntariamente. Este tipo de atitude deve ser imediatamente abandonado, pois fenômenos contaminados não são reais. Diz o Tao Te Ching : “as pessoas comuns tentam resplandecer, mas eu mesmo sou obscuro. Elas tentam ser espertas, mas eu mesmo sou ignorante”.

SINCERIDADE Todo o Clássico do Meio Termo   aborda a sinceridade. Escolher o que é bom e mantê-lo com firmeza é uma questão de sinceridade. Envolvimento em auxiliar o próximo e prover uma boa educação são obras de suprema sinceridade. Suprema sinceridade também pode ser chamada de sapiência, e esta é a via celestial. Manter a sinceridade é chamado de sabedoria; é a via humana. Somente quando seguimos o celestial, podemos 10

 Êxtase.

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 Novamente “insight”.

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obter o humano; quando realizamos o humano, podemos nos harmonizar com o celestial. Por isso se diz que as duas vias são uma só no estágio de obtenção. O Caminho do céu e da terra pode dar vida a uma miríade de seres somente por causa da sinceridade. O Caminho dos reis e imperadores só pode governar as pessoas através da sinceridade. O Caminho dos sábios só pode prover uma miríade de virtudes pela sinceridade. Ser cuidadoso quando só e buscar a perfeição são os mais essenciais exercícios da busca pela sinceridade nos afazeres mundanos. A suprema sinceridade pode mover céu e terra e invocar espíritos e fantasmas. Fantasmas e espíritos aparecem em qualquer lugar entre o céu e a terra; ainda que as pessoas não vejam fantasmas e espíritos, elas vêem céu e terra. Fantasmas e espíritos são as almas do céu e da terra, céu e terra são pistas de fantasmas e espíritos. As pessoas cultivadas temem a ordem celeste; eis aí porque temem fantasmas e espíritos. Gente do mundo todo só ousa fazer o que não é bom porque somente temem que as outras pessoas venham a saber. E esses que temem que os outros saibam de suas más ações são os hipócritas, são uma gente muito pequena. Já aqueles que temem o céu são sinceros, são pessoas cultas.

DEVER FILIAL O dever filial é a raiz de uma centena de práticas, a base de um milhar de virtudes. Estabelecer a si mesmo e seguir o Caminho se constitui, na verdade, de dever filial por toda a vida. Trabalhar para prover sustento é um dever familiar. Se a cada passo que você dá, cada palavra que profere, cada pensamento que concebe, você não ousa esquecer de seus pais, sem correr o risco de se desgraçar, perder a cabeça e envergonhar seus pais, então isso pode ser chamado de dever filial. Se a cada passo, palavra pensamento, você não ousa desobedecer ao céu e à terra e não desgraça a si mesmo, perde a cabeça ou viola o princípio, isso pode se chamar humanidade. Os pais são o céu e a terra de um lar; os bons filhos são tão atenciosos com seus pais como o são com o céu e a terra. Quando seus pais os tratam amorosamente, eles são felizes e gratos; quando os pais os tratam mal, magoam-se, mas sem ressentimentos. Céu e terra são os pais de todos os seres. As pessoas deveriam ser atenciosas com o céu e a terra, como o são com seus pais. Quando são ricas e bem sucedidas, deveriam administrar isso sem excessos; quando pobres e cheias de dificuldades, deveriam aceitar com resignação, sem perder o otimismo. Pode-se questionar como exercitar o dever filial após a morte de nossos pais. A resposta é que os corpos das crianças são as relíquias dos parentes; se pudermos cuidar de nós mesmos sem falhas, esse é um bom meio de servir aos nossos pais. Nossa natureza humana é benção do céu e da terra. Se a nutrimos bem, sem prejuízos, esse é o meio de servirmos ao céu e à terra.

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VIRTUDE Na presente era, aqueles que se mantêm no Caminho são raros. Não que o Caminho seja difícil de se ater, mas as pessoas não o conhecem verdadeiramente, ou não o buscam com convicção. A prática de internalizar a virtude começa em fazer a intenção sincera. A prática de cultivar virtude começa com a prática do bem. Disse um sábio que “a riqueza do valor interno é como uma criança”. E quem não começa a vida como uma criança? Se pudermos clarear as manchas dos hábitos, retornaremos à nossa inocência primordial; a virtude dos sábios nada mais é do que isso. Relações políticas, familiares e sociais são expressões do Caminho; aqueles que falam do Caminho sem isso, são desajustados. Sabedoria, humanidade e coragem são expressões universais da virtude; aqueles que falam de virtude sem isso são imorais. Confúcio disse que confiava na virtude. Confiança significa ater-se firmemente de modo a obter a virtude de uma vez por todas, sem jamais perdê-la. Eventualmente ela amadurece, tornando-se humanidade.

HUMANIDADE Humanidade é a característica do que é humano: o humano que não é humanista  jamais conseguirá se tornar um ser humano realizado. Considero o que os Confucionistas chamam de humanidade equivalente ao que os Budistas chamam de relíquias e os Taoístas de pílula dourada. A mente é a casa da humanidade; a humanidade é a proprietária da mente. Purifique sua mente e você sentirá a energia básica voltar, permeando todo o seu corpo; você volta-se e contempla as coisas todas como a unidade que de fato são. Esse é um sinal de auto-realização. Por isso se diz: “no dia em que você governar a si mesmo e retornar à ordem, o mundo todo reverterá em humanidade”. Como o princípio universal de constante renovação da vida reside na mente humana, então ele é chamado de humanidade, baseado em sua capacidade de gerar vida. Por que não nutri-lo conscientemente, para renovação constante da vida em nossas mentes? Wu Liuquan disse: “a vida humana é longa”. Olhei para muita gente por esse viés e descobri que, de maneira geral, aqueles de temperamento morno e suave vivem mais. Aqueles com disposição gentil e decente têm longa vida. Aqueles que têm a mente aberta têm longa vida. Aqueles que são externamente cordiais e dignos têm longa vida. Aqueles que falam com moderação têm longa vida. Tudo isso porque temperança e suavidade, decência e gentileza, abertura da mente, cordialidade e dignidade, e moderação do falar são todos aspectos da humanidade – está claro que eles promoverão longevidade.

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A afirmação de Liuquan contempla um aspecto da humanidade de cada vez, ainda que promovam a longevidade. Mas que tal a longevidade ampliada por aquele que incorporou todas essas qualidades em conjunto? Diz-se que “os humanos são como montanhas”. As montanhas não se movem através das eras; nada tem vida tão longa quanto a montanha. A montanha está sempre imóvel; e os seres humanos devem estar sempre calmos. Quando estamos serenos, o espírito estabiliza, a energia cristaliza, vitalidade nos preenche, e nosso corpo se firma. Nessas condições, quem não teria uma vida longa?

SERENIDADE Um provérbio diz que os sábios atingem a meta suprema valendo-se da serenidade. A meta suprema é o grande equilíbrio como ser humano. Sábios se baseiam na serenidade não porque julguem ser uma coisa boa, mas sim porque nada pode perturbar suas mentes. São naturalmente serenos, sem precisar buscar a serenidade. As pessoas, hoje em dia, buscam a calma, mas não tiveram acesso à verdadeira tradição. Dizem que é preciso acorrentar a mente-macaco firmemente, e capturar a idéiacavalo12  rapidamente. Quando descobrem que nada podem aprisionar ou capturar, acabam por dizer que a mente não pode ser contida em sua natureza suprema, portanto, concluem, esse é o estado calmo da mente. Elas não refletem que sua prática é enganosa, e sua ruína mostra claramente o fracasso na obtenção do conhecimento. Quando você adquire o conhecimento, você tem clareza. Com clareza, vê que todas as verdades do mundo têm um fundamento, e não admite qualquer idéia subjetiva. Isso é conhecido com ganhar estabilidade depois de saber se deter. Depois de ser estável, você pode ser sereno. Depois de sereno, reina a paz. Externamente, você esquece a fama e o lucro, e seu corpo está em paz. Internamente, esquece cogitação e especulação, e sua mente está em paz. Todos dizem que a segurança física é uma benção; mas eu digo que a paz da mente é o Caminho. Quando Huike viu Bodhidharma13, o fundador do Budismo Chan, disse: “minha mente ainda não encontrou a paz; pacifique-a para mim”. Respondeu Bodhidharma: “traga-me sua mente e eu a pacificarei”. Diz Huike: “procurando por minha mente, nada encontrei”. Diz Bodhidharma: “então eu a pacifiquei”. Wenze disse: “quando você procura a mente no passado, presente ou futuro, a mente não está lá. Quando procura a ilusão no coração, ela originariamente não está lá. No não-ser original está a iluminação, esta é a verdadeira realização do Caminho”.

12 13

“Mente-macaco” e “idéia -cavalo”: mente inquieta e pensamentos indo máveis. Bodhidharma (Ta Mo) tem a reputação de ter sido o criador do “Gong Fu” (Kung Fu) do templo Shaolin.

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FELICIDADE Nenhuma felicidade é maior do que seguir o Caminho. Um dia de aprendizado no Caminho é um dia de felicidade. Aprender o Caminho todo dia é felicidade todo dia. Aprender o Caminho por toda a vida é felicidade por toda a vida. O aprendizado do Caminho é basicamente um método de paz e felicidade; por isso os sábios são incansáveis em sua dedicação a ele. Zhou Moushu ensinou os irmãos Cheng a buscar a felicidade de Confúcio e Yen Hui. Essa felicidade tinha que ser encontrada pelo indivíduo em si mesmo, aonde ela é naturalmente suficiente. Mêncio dizia que pessoas aculturadas têm três tipos de felicidade: prazer nos relacionamentos naturais, prazer na individualidade e prazer na educação. A felicidade que depende dos céus ou de outras pessoas não podemos buscar insistentemente; mas por que não buscar a felicidade que depende somente de nós mesmos? Há alguém que não seja compelido por outros? Há alguém que não seja compelido por coisas? Há alguém que não seja compelido pelo corpo físico? As pessoas devem se livrar dessas três compulsões antes que possam falar a si mesmas de felicidade. Eu vi pessoas que exauriram sua força física; elas se sentiram abençoadas quando deixaram as coisas correrem livremente. Se os estudantes do Caminho deixarem as coisas correrem livremente, seu prazer será milhões de vezes maior que o das pessoas mundanas. No ano passado, viajei durante o período mais quente do verão. Vi velhos camponeses sob a sombra das árvores e pensei que isso então seria a benção suprema. Mas agora, quando tenho tempo livre e sento sob as árvores, não vejo o que pode ser tão prazeroso assim. Por quê? No ano passado, procurava pelo ócio quando cansado, e isso é tudo. A idéia é que parece ser assim que os pobres olham para os ricos. Como adultos, deveríamos simplesmente agir de acordo com a situação, com naturalidade; assim, podemos ter um auto-controle de nós mesmos aonde quer que seja. O pensamento cheio de desejos é de todo inútil; todos os apegos, dívidas kármicas,  julgamentos e más ações provêm daí. Quando os pensamentos de desejo vêm à tona, deveríamos ser mais cuidadosos.

EQUILÍBRIO Tudo que os velhos sábios transmitiram foi uma única coisa: equilíbrio. Não ser preconceituoso, não ser prejudicado – eis a substância do equilíbrio. Não ir longe demais, nem cair muito perto – eis a função do equilíbrio. O velho sábio Yao disse: “mantenha-se sinceramente no equilíbrio”. Manter -se no equilíbrio refere-se tanto à ação quanto à quietude. Quando quieto, você mantem esse equilíbrio pela presença consciente da mente. Quando ativo, você mantem o equilíbrio pela adaptação dos eventos. “Sinceramente” significa confiança; isso tem o sentido de

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espontaneamente estabelecer o equilíbrio em todos os momentos, seja lá o que aconteça, sem o menor esforço ou interrupção. O velho sábio Shun disse: “focalize a si mesmo, seja unificado”. Ver claramente a sutileza fundamental chama-se “focalizar”. Ser consistentemente indivisível é ser unificado. Isso quer dizer que a pessoa deve ter uma introspecção focalizada e uma disciplina unificada, antes que possa manter o equilíbrio. A palavra “sinceramente” também inclui este sentido, mas ele teve de se expressar mais claramente, sob pena de não ser compreendido. “A mentalidade humana é instável, a mente do Caminho é fraca”. Produzir pensamentos é o que é a mente humana; não ter pensamentos é a mente do Caminho. Isso quer dizer que a mentalidade humana facilmente lampeja, enquanto que a mente do Caminho facilmente desaparece. Isto fala de um potencial de instabilidade e fraqueza para que as pessoas sejam mais cuidadosas em manter o equilíbrio. Li Yanping costumava sentar-se todos os dias para checar seu estado da mente antes do emergir de emoções, buscando, desse modo, manter seu equilíbrio. Depois de praticar isto por algum tempo, ele percebeu que a raiz do mundo é realmente interior  – “aprender não é somente uma questão de um amontoado de palavras; sente-se sereno, clareie sua mente, e experimente o desígnio da natureza. Se você conseguir mirar a subjetividade dos desejos humanos, eles todos de desvanecerão”. Li Qing-na disse: “o centro do equilíbrio é o ponto de onde os pensamentos não emergem”. E diz o I Ching : “os sábios usam-no para purificar suas mentes, recolhendo-se em sua inacessibilidade”.

APRENDENDO A SABEDORIA Disse um ancião: “qualquer um pode se tornar um Yao ou Shun. Yao e Shun já nasceram sábios; Tang e Wu aprenderam a se tornarem sábios. Mestre Lao disse: “eu não sou um sábio; eu aprendi isto”. Alguém perguntou a Zhou Moushu: “pode a sapiência ser aprendida?” Disse ele: “sim, ela pode”. “Mas há requerimentos?” “Sim, há’”. “Quais são?“ “Unidade é o requerimento essencial. Unidade significa ausência de desejos. Quando você não tem desejos, é calmo e vazio, direto no modo de agir. Quando calmo e vazio, você é claro; quando claro, penetrante. Quando a ação é direta, é objetiva e certeira; quando objetiva e certeira, é universal. É isto que se espera”. Aprender o Caminho é aprender a sapiência. O Caminho é inerente; está em nós, e não vem de fora. Sabedoria não pode ser obtida sem virtude. Nossa natureza humana é a mesma que a dos sábios; se podemos aperfeiçoar essa natureza, então nos tornamos sábios.

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As pessoas que estudam para exames podem ser aprovadas  – todos sabem disto. E por que não sabem todos que as pessoas que estudam a sabedoria podem se tornar sábias? Confúcio estudava incansavelmente porque acreditava que ele mesmo poderia se tornar um sábio; e depois ensinou perseverantemente, porque acreditava que qualquer um poderia se tornar um sábio. Ele atravessou estados e nações de seu tempo, porque pretendia civilizar o mundo com o Caminho dos sábios. Aqueles que os Confucionistas chamam de sábios, os Taoístas e Budistas os chamam de magos e budas. Buda significa “desperto”; magos são os imortais. Estas são definições padrão, mas penso que há outra explicação para a palavra “Buda”. O ideograma chinês para “Buda” é composto de “humano” e “não”. Isto tem o significado de não agir segundo os desejos humanos. Se você é humano, mas faz o que outros humanos não fazem, então se torna um Buda. Para a palavra “mago”, o caractere chinês vem de “humano” e “montanha”. Como a montanha é imóvel, isto tem o sentido de sempre ser estável, sempre sendo sereno. Se as pessoas podem ser como as montanhas, então podem se tornar “imortais”. “Desperto” ou “imortal”, mas como podemos nos tornar sábios? Somente de um modo, pois não há dois ou três; com um exame minucioso, percebemos que Confucionismo, Budismo e Taoísmo se realizam através da libertação dos desejos. Alguns perguntam: “na medida em que nos tornamos sábios, o que podemos fazer para nos livrarmos da força do hábito?” A resposta é que isso só nos parece difícil porque não queremos realmente nos livrar dos hábitos. Se quiséssemos, eles cessariam imediatamente. Por quê? Toda força do hábito é irreal; quando a mente está iludida, ela parece existir, mas ela não está mais lá quando a mente é iluminada. Mas não é porque os hábitos se tornam inexistentes quando a mente se ilumina, mas sim que já eram originariamente inexistentes.

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2 Tratado do Sentar e Esquecer O que as pessoas mais valorizam é a vida; o que a vida mais valoriza é o Caminho. Quando as pessoas estão no Caminho, são como peixes na água. Um peixe no leito seco ainda procura por uma poça d’água, mas pessoas fracas e moribundas nem mesmo têm o bom senso de procurar pelo Caminho. Como é contraditório desgostar da dor e da morte, mas apreciar suas obras; respeitar os nomes do Caminho e da virtude e desrespeitar a prática do Caminho e da virtude! Num impasse, você pensa em avançar; numa perda, você pensa em recuar. Cada momento é como uma jóia preciosa, pois medo e vergonha aprofundam-se um ao outro. Por isso sou muito grato por ter obtido as doutrinas dos clássicos e esbocei sete assuntos que dizem respeito aos ensinamentos sobre a mente, para que possam servir como ajuda significativa no processo de cultivar o Caminho.

FÉ SÉRIA A fé é a raiz do Caminho, e a seriedade é o tronco da virtude. Quando a raiz é profunda, o Caminho pode se desenvolver; quando o tronco é firme, a virtude pode florescer. Um homem que ofereceu uma jóia para um rei teve seu pé amputado como punição: isso porque o rei não podia reconhecer o valor da gema. Um homem bradou para salvar a nação e foi executado por isso. A implicação disso é que, quando assuntos e significados atraem a atenção, a mente se torna confusa; quando princípios e fenômenos aparecem, o pensar se torna atordoante. Agora, considerando como o supremo Caminho transcende forma e sabor, e que a verdadeira essência está aparte de objetos do desejo, como poderia o desavisado ouvir falar do rarefeito e sutil e acreditar nisso, ou ouvir sobre a ausência de imagens e não ficar confuso? Quando as pessoas ouvem falar de sentar e esquecer, se elas acreditam que isso é essencial para a prática do Caminho, respeitam sem dúvidas, e também o colocam em prática, pois estão certas de atingir o Caminho. Por essa razão disse Chuang-tzu: “mortificar o corpo, repudiar a mente, apartar -se da forma, rejeitar o conhecimento, assimilar-se a uma grande penetração  – isso tudo é chamado de sentar e esquecer”. 49

Ao sentar e esquecer, o que não é esquecido? Internamente, você não nota o seu corpo; externamente, você não tem consciência do universo. Na medida em que você se une misticamente com o Caminho, a miríade de cogitações desaparece. Quando Chuang-tzu fala de “grande penetração”, as palavras são superficiais, mas o sentido é profundo. Pessoas confusas ouvem-nas sem acreditar – elas têm um tesouro em seus corações, mas insistem em procurar por jóias. E o que se pode fazer por elas? Dizem as escrituras: “Isso significa que, quando a fé no Caminho é insuficiente, então a pessoa é tocada pela calamidade da descrença. Nesse caso, que esperança pode haver de seguirem o Caminho?”

CORTANDO EMBARAÇOS Cortar embaraços significa livrar-se dos contratempos das preocupações mundanas. Abandone as preocupações e seu corpo não estará mais sob pressão; não engendre nada, e sua mente estará naturalmente calma. Conforme serenidade e simplicidade desenvolvem-se dia após dia, a corrupção mundana diminui dia a dia. Na medida em que seu comportamento se afasta mais e mais da esfera mundana, sua mente aproxima-se mais e mais do Caminho. Quais dos santos e sábios não tomaram esta rota? Os clássicos dizem: “feche os olhos, feche as portas, e você deixa de se exaurir por toda a vida”. Mas há aqueles que promovem uma mostra de virtudes e habilidades, buscando gente que os patrocine. Há os que viajam no afã de fazer visitas, assistindo cerimônias e funerais. Há os que pretendem ser eremitas, mas que desejam, em seus corações, promoções e adiantamentos. Há aqueles que convidam outros para beber e comer, mas esperam por favores futuros. Todos os que se comportam desse modo são espertalhões que concebem maquinações mentais para proveito próprio. Uma vez que nada disso está de acordo com o Caminho e, ainda mais, impede profundamente a prática apropriada, tal comportamento deveria cessar. Dizem os clássicos: “abra seus olhos, ocupe-se de seus afazeres, e você jamais terá salvação por toda a vida”. Na medida em que não iniciamos mais nada, outros naturalmente não serão envolvidos; mesmo que outros iniciem algo, nós não nos envolveremos. Conforme os embaraços passados gradualmente se rarefazem, não inicie novos envolvimentos. Rituais de sociabilidade e intercursos oportunistas naturalmente se tornam remotos, você não se consome mais e permanece em paz. Somente então você pode praticar o Caminho. Chuang-tzu disse: “não se encha de esquemas, não se consuma por preocupações, não se deixe reger por escritórios”. E se algo não puder ser negligenciado, então o faça, aceitando como inevitável. Mas não se enamore disso, nem fixe sua mente, para que isso não se torne habitual.

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RECOLHER A MENTE A mente é o mestre do corpo inteiro, capitão de todo o sistema nervoso. Quando calma, produz introspecção: quando agitada, torna-se turva. Ao vagar entretido em estados de ilusão, quem diria que a verdade é a coisa certa? Ao se entregar complacentemente à artificialidade, quem diria que a futilidade é errada? Confusão e ignorância da mente provém do solo no qual a mente repousa. Mesmo quando você pode escolher um lugar para viver, a intenção é melhorar seu comportamento, adaptando as circunstâncias. Quando você é seletivo em sua escolha de amigos, você valoriza o potencial de benefícios positivos. Quanto mais você se aparta do reino do nascimento e da morte para residir no supremo Caminho – como poderia você não abandonar o primeiro para obter o segundo? Portanto, quando você estuda o Caminho, é necessário sentar-se calmamente, recolher a mente, apartar-se dos objetos e residir no vazio. Residindo no nada, você não pode ser obsedado por nada; entra espontaneamente num estado mental de não resistência, e então, funde-se com o Caminho. Dizem as escrituras: “no supremo Caminho está o nada silencioso, com incomparáveis funções espirituais. A substância da mente é também esta”. A raiz da substância da mente é o Caminho em si mesmo; mas porque o espírito mental é sujeito a influências, sua obscuridade gradualmente se aprofunda. Depois de vagar como ondas por um longo tempo, a mente acaba por se tornar afastada do Caminho. Quando você purifica a corrupção da mente e abre-se para o espírito consciente, isso é chamado de cultivar o Caminho. Quando não mais vaga em ondas, e funde-se com o Caminho, e repousa no Caminho, isto se chama retornar à raiz. Retornar à raiz chama-se serena estabilização. Depois de um longo período de calma estabilização, as enfermidades se rarefazem e a vida é restaurada. É restaurada e continuada, e você adquire espontaneamente o conhecimento do eterno. Pela virtude do conhecimento, deixa de haver obscuridade; no eterno não há mudança ou extinção. Sair do ciclo do nascimento e da morte provém disto. Por isso, para fundamentar a mente no Caminho da verdade, é indispensável não se fixar a nada. As escrituras dizem que “as coisas florescem, e então, cada qual retorna à sua raiz. Retornar à raiz chama-se calma. A calma chama-se restaurar a vida. Restaurar a vida chama-se constância; conhecer o constante chama-se claridade”. Se você forçar a mente a se posicionar no nada, isso se chama ter um objeto; isso não é chamado não ter um objeto. Toda vez que você reside no objeto, isso causa a mente a laborar; não somente é irracional, mas também causa doenças. Conforme a mente não se fixa às coisas, e você pode permanecer imóvel, essa é a fundação para a genuína estabilização. Se você estabiliza a mente por esse meio, sua disposição se torna harmoniosa; quanto mais o fizer, mais leve e renovado você se sentirá. Mas se empregar isto como um teste, erro e verdade tornam-se evidentes.

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Se você extinguir a mente sempre que ela emerge, sem distinguir o certo do errado, então você cancela a sabedoria permanentemente e entra num transe cego. Se você deixa sua mente emergir sem recolher ou controlá-la, então você não tem nada que o diferencia de qualquer reles mortal. Já aqueles que simplesmente param a mente, bem ou mal, sem direção, deixando suas idéias flutuando e vagando, esperando que elas fundamentem a si mesmas, estão apenas enganando a si mesmos. E os que prosseguem de qualquer maneira com seus afazeres enquanto clamam que suas mentes não são afetadas, esses falam muito bem, mas seu comportamento é evidentemente equivocado. Estudantes legítimos devem se conscientizar disso. Agora, pare com a confusão, mas sem extinguir com a sabedoria; mantenha a calma, sem cair no nada. Pratique isso regularmente e você obterá visão verdadeira. Se houver assuntos correntes ou essenciais em dúvida sobre o ensinamento, você pode meditar sobre eles para ter o assunto estabelecido, e então você compreende o que deliberou. Isto também é uma boa base para desenvolver a sabedoria. Uma vez que você entenda, não tenha pensamentos posteriores. Se você se mantem pensando, arruinará sua serenidade com sua inteligência  – você “diminuirá o principal, por conta do interesse”. Mesmo que você se exercite com um relativo esplendor, falhará em obter a realização final.

SIMPLIFICANDO AS COISAS No curso da vida humana é inevitável experimentar as coisas. As coisas têm vários aspectos que não dizem respeito a uma única pessoa. Um pássaro que faz seu ninho num galho na floresta se sentiria perdido em meio a aves de poleiro; um animal que farta-se da água do rio não procura beber no oceano. Observando isso nas coisas externas e compreendendo isso em seu próprio interior, você percebe que tem o seu tanto na vida, e não deve se abalar pelo que não é o seu quinhão.Tome conta das coisas apropriadas e não se ocupe das impróprias. Se você se ocupa de coisas impróprias, isso danifica seu poder intelectual. Se você se empenha naquilo que está além de você, isso desgasta seu corpo. Se você estiver física e psicologicamente complicado, como poderá alcançar o Caminho? Por essa razão, para quem pretende cultivar o Caminho, nada melhor do que simplificar resolutamente as coisas. Discernir o que é essencial ou não, verificar se são sérias ou triviais, distinguir quando tomá-las ou rejeitá-las: tudo o que não é essencial e sério deve ser abandonado. Tudo isso é como consumir vinho e carne, vestir sedas, desfrutar de fama e prestígio, cobrir-se de ouro e jóias. São possessões excessivas do desejo subjetivo; não podem ser tomadas como medicamentos para melhorar a vida. As massas perseguem essas coisas, provocando sua ruína e morte. Se refletirmos silenciosamente sobre isso, veremos quão confusas elas são.

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Disse Chuang-tzu: “aqueles que chegam à verdade da vida não se desgastam por nada que não tenha a ver com a vida”. E aquilo que nada tem a ver com a vida é tudo aquilo que é excessivo. Comida simples e roupas velhas são suficientes para tomar conta da vida essencial; por que você precisaria de vinho, carnes e sedas para completar sua vida? Portanto, tudo que não é necessário para a vida deveria ser eliminado, e o mesmo se aplica aos excessos que vão além das necessidades da vida. Possessões têm uma energia injuriosa, capaz de ferir as pessoas na medida em que vão surgindo. Mesmo que você tenha poucas possessões, ainda assim deveria se preocupar com elas; e o que não dizer se você tem várias! Se você tentar atirar num pardal com uma jóia, as pessoas rirão de você; se isso é ridículo, imagine só o que é voltar as costas para o Caminho e a virtude, desprezando a natureza e a vida, encurtando seu viver com a perseguição de coisas supérfluas! Ao comparar fama e prestígio com o Caminho e com a virtude, os primeiros são artificiais e fúteis, enquanto que o Caminho e a virtude são reais e nobres. Se você pode superar o fútil em favor do nobre, livre-se do primeiro, e deixe de se ferir por conta da fama e deturpar sua vontade por conta do prestígio. Chuang-tzu disse: “Aquele que se perde trabalhando para ter fama não é um cavalheiro”. A Escritura da Ascensão Ocidental diz: “abrace o fundamental, mantenha a unidade”. Imortais espirituais que vão para o excesso não podem manter a unidade; eles somente sentam-se nos postos de glória. Se você não é seletivo, tudo que você entra em contato consumirá sua mente e tornará obtusa sua inteligência; sua prática do Caminho será defeituosa. Mas aqueles que lidam com seus assuntos de modo calmo e sereno, que estão em meio das coisas sem opressão, podem se considerar entre os que conseguem a realização. Se você diz, no entanto, que não está oprimido, mas sem ter atingido a realização, está, no máximo, enganando a si mesmo.

VERDADEIRA VISÃO A verdadeira visão é a precisão do sábio, a perspicácia do hábil, descobrindo as calamidades e bênçãos que podem vir a ser, entendendo quando a ação ou a imobilidade é auspiciosa ou não. Quando você pode antever o potencial antes que um evento seja disparado, e daí age de acordo, guardando cuidadosamente seus passos, trabalhando sem obstrução para preservação da vida, você conduz tudo do início ao fim, sem deixar problemas e sem contrariar a razão, e isso é chamado de verdadeira visão. Comer e dormir podem ser tanto um benefício quanto um dano; cada ato e cada palavra podem ser uma fonte de calamidade ou benção. Mesmo que você administre os diversos ramos habilmente, isso não é tão bom quanto disciplinar a raiz severamente. Vendo a raiz, governe os ramos, mas sem espírito de competitividade.

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Recolha sua mente, simplifique seus afazeres, e reduza a atividade especulativa, dia após dia. Quando você incorpora a quietude e sua mente se torna livre, somente então você pode vislumbrar o sutil. Os clássicos dizem: “seja sempre livre do desejo para ver o sutil”. Entretanto, o corpo com o qual você cultiva o Caminho necessita de roupa e alimento. Há coisas que não podemos dispensar, mas aceite isto com o coração vazio, tome a responsabilidade disso com visão clara. Não diga que isso vai impedir sua mente e criar vergonha e excitação, pois os que assim procedem já têm de antemão as aflições da mente ativas – como se poderia chamar isto de pacificar a mente? Relações humanas, trajes e alimentos são nossos barcos; se você deseja cruzar o mar, usa um barco. Mas uma vez que você cruzou o mar, obviamente não permanece mais no barco. Mas haveria alguma razão para você querer abandonar o barco antes de terminar a travessia? As futilidades de vestir e comer realmente não valem que se trabalhe por elas, mas precisamos comer e vestir justamente para atravessar a futilidade. Ainda que você trabalhe por suas necessidades, não dê ascensão para pensamentos de ganho ou perda; assim, haja ou não algo a ser feito, sua mente sempre estará em paz. Em outras palavras, você faz o que os outros fazem, mas sem ambição; você ganha o que os outros ganham, mas sem acumular como fazem os outros. Quando não se é ambicioso, não se tem ansiedade; quando não se acumula, nada há a perder. Sua aparência externa é como a dos outros, mas sua mente é sempre diferente das coisas mundanas. Esta é a essência da verdadeira prática; deve-se fazer um esforço para aplicá-la. Se os problemas permanecem inatacáveis, mesmo após você cortar embaraços e simplificar as coisas, encare-os objetivamente. Se você se sente pesadamente aflito por causa da sexualidade, você deve ver a compulsão ao sexo como proveniente dos pensamentos. Se esses pensamentos não ocorrem, então não há sexo. Então, você deveria reconhecer que os pensamentos de sexo são externamente vazios, enquanto que a idéia de sexo é uma imaginação interior. Mas se a mente imaginadora está vazia, quem é o sujeito da sexualidade? Dizem as escrituras: “objetos sexuais são pura imaginação; uma vez que imagens mentais são vazias, como pode haver objetos sexuais?“ E mais, pense o quanto as mulheres lindas são mais perigosas do que os espíritos das raposas. Os espíritos das raposas encantam os homens causando aversão, assim eles não entram por maus caminhos, mesmo com ameaça de morte. Por causa dessa aversão, evitam a promiscuidade para sempre. As lindas mulheres enfeitiçam os homens, até que eles se tornam obcecados, mais e mais enredados, mesmo que isso os conduza à morte. Devido a pensamentos errôneos, ao morrer decaem em vários estados, e nascem no inferno. As escrituras afirmam: “nesta vida, escolheram viver como marido e mulher, mas depois da morte, não mais podem estar juntos”. E por que o curso da vida humana é assim? Por causa dos pensamentos errôneos. Considere ainda isto: se a beleza física é invariavelmente atrativa, por que peixes mergulham e pássaros voam quando vêem um humano, mesmo que seja uma linda mulher? Magos miram a beleza física como lama e pó; os sábios a apreciam para a espada ou o machado. 54

Se você não comer por sete dias, pode morrer, mas se você evitar intercurso sexual por cem anos, evitará a morte prematura. Portanto, sabemos que o sexo não é essencial para o corpo ou para a mente, mas é um inimigo da essência e da vida. Por que se deixar obcecar por isso, trazendo destruição para si mesmo? Além disso, se você vê aqueles que fazem coisas erradas como detestáveis, aqueles que fazem boas obras devem ser igualmente desdenhados. Por quê? Porque ambos obstruem o Caminho. Se você é pobre, deve observar isso cuidadosamente. Quem lhe deu a pobreza? Céu e terra sustentam uma imparcialidade; sua presente pobreza não é por conta do céu ou da terra. Quando pai e mães produzem crianças, querem torná-las ricas e prestigiadas; portanto, sua presente pobreza também não se deve a pai e mãe. Pessoas, fantasmas e espíritos não dispõem de tempo livre nem para salvar a si mesmos; como podem ter a força de empobrecê-lo? Prossiga com este exame em reflexão e você descobrirá que a pobreza não tem outra origem que não seja suas próprias ações. E então você conhecerá o comando do céu. A ação é criada por você mesmo, a vida é conferida pelo céu. A relação entre ação e vida é como a sombra e o eco seguindo a forma e o som; não podem ser evitados, mas não deveriam ser rechaçados. Somente o sábio percebe isto; favorecido pelo céu, acatando a ordem celestial, ele não se preocupa. Mas então, como pode a pobreza atormentá-lo? Chuang-tzu disse: “a ação entra, mas não deve ser mantida”. Isto porque é devido à sua própria ação que a pobreza lhe aflige; portanto, ela entra, mas não deveria ser mantida. As escrituras dizem que “o céu e a terra não podem mudar a conduta de uma pessoa, yin e yang não podem desviar sua ação”. Falando nestes termos, isto é um fato real, e não algo artificial; então o que há de fato de que se possa ressentir? Quando um corajoso guerreiro encontra bandoleiros, ele não teme; brandindo a espada, ele segue em frente, enquanto os bandidos se dispersam. Uma vez que a sua façanha encontra-se estabelecida, sua glória e recompensa seguem por toda a vida. Agora considerando, se a pobreza e a doença afligem nossos corpos, eis os bandidos. Mas se temos uma mente imóvel, este é o bravo guerreiro; um exame inteligente é brandir a espada, a dissolução de aflições e problemas são a vitória na guerra, e paz e felicidade permanente são a glória e a recompensa. Toda vez que a miséria oprime nossas mentes, se falhamos em empregar essa observação e, ao contrário, nos tornamos ansiosos e atormentados, somos como as pessoas que encontram bandoleiros, mas sem praticar boas obras, atirando fora suas armaduras, abandonando suas tropas e empenhando-se em fugir. Fazer a coisa errada, abandonar a felicidade e trocá-la pela miséria, quão tolo é isso? Se você está sofrendo de alguma enfermidade, note que ela é proveniente de seu próprio corpo. Se você não tem um corpo próprio, então onde estará a enfermidade? Diz o Tao Te Ching : Se eu não tenho um corpo, que aflição posso ter?” Em seguida, observe a mente, como não tendo um mestre real. Buscando no interior e no exterior, você não acha aquele que percebe; todas as suposições vêm de uma mente divagando.

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Então, se você para o corpo e aquieta a mente, as mil enfermidades desaparecerão. Se você teme a morte, deve pensar em seu corpo com a residência do espírito; essa deterioração física na idade avançada é como uma casa que vai se acabando e não é mais o ideal para habitar. Será necessário abandonar a casa e encontrar outro lugar para repousar. É assim, quando o espírito parte e o corpo morre  –  se você se apega à vida e abomina a morte, tentando evitar a mudança, então a consciência de seu espírito se tornará confusa e não mais operará corretamente. Por causa disso, quando você é energizado no nascimento, não sente a clara e refinada energia, mas em grande parte sente a energia poluída e desgastada.Toda loucura, ganância e desprezo se derivam  justamente daí. Se você lograr ser imparcial perante a vida e tranqüilo perante a morte, isso colocará uma ordem na vida e na morte, permitindo cuidar de uma vida posterior. Se você deseja todo tipo de coisas, todo desejar produz doenças. Mesmo quando um só membro está doente, o corpo todo está incomodado; do mesmo modo, se há uma miríade de dores em uma mente, como poderia a vida ser prolongada, por mais que você o queira? Todo desejo ou ódio é esquecimento da vida. Quando as ilusões acumuladas não são clareadas, interferem na percepção do Caminho. Eis porque precisamos desistir de nossos desejos e residir no vazio, pois assim temos uma base para um gradual esclarecimento. Ao olhar para trás, para nossos antigos desejos, naturalmente veremos que eles não mais têm qualquer apelo. Se vemos objetos com a mente absorvida nos mesmos, então jamais saberemos que há algo errado. Mas se vemos objetos com a mente desligada deles, aí sim somos capazes de ver com perfeita claridade o que é e o que não é. Um homem sóbrio pode ver o que um bêbado faz de errado, mas se ele mesmo se embebeda, não pode estar ciente de seus próprios erros. Uma das escrituras diz: “eu basicamente desisto do profano e desdenho o mundano. Olhos e ouvidos, formas e sons se empenham em afligi-lo. Aromas e sabores desfrutados pelo nariz e pela boca são inimigos”. O velho mestre desdenhou o mundo, abandonou o profano e, estando só, notou que aromas e sabores são inimigos  – como podem aqueles que são indulgentes com seus desejos perceber que “quem compra peixe, compra mau cheiro?”

TRANQUILA ESTABILIDADE Estabilização é o estágio final do afastamento do profano, o fundamento da obtenção do Caminho, a realização da imobilidade cultivada, a consumação de manter a calma. Quando o corpo é como se fosse uma árvore seca, a mente como cinzas mortas, sem reatividade, sem buscar nada, este é o apogeu da tranqüilidade. Não há atividade

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mental na estabilização, e também não há instabilidade. Isso é chamado de tranqüila estabilidade. Chuang-tzu dizia: “aquele que tem a capacidade tranqüilamente estabilizada irradia luz natural”. Capacidade refere-se à mente. Luz natural é introspecção ativa. A mente é um capacitor do Caminho; quando ela está desatravancada e tão quieta quanto possa estar, então lá está o Caminho e a introspecção14 emerge. A introspecção vem da natureza original; ninguém vem a tê-la de repente. Por isso é chamada de luz natural. É só por causa da confusão atormentada causada pelo desejar que ela se obscurece. Limpe-a, torne-a flexível, retifique-a, e restaure-a com pureza e calma, e o real e original espírito consciente se tornará claro para si mesmo; mas isso não significa que então você está produzindo a introspecção. Uma vez que a visão interior emergiu, valorize-a como um tesouro, e não comprometa a estabilidade com preocupações demais. Não que produzir uma visão interior seja difícil; que ela se instale plenamente, mas não a use demais. Desde os velhos tempos tem havido diversas pessoas que esquecem de seus corpos, mas muito poucas que esquecem suas reputações. Ter introspecção e não usá-la é esquecer a reputação; poucos no mundo percebem isto, portanto, isso é considerado como algo difícil. O nobre que não é afetado e o rico que não é extravagante podem manter sua riqueza e nobreza porque não são excessivamente mundanos. Aqueles que podem ser inabalavelmente estáveis e visionários, sem explorar isso, podem realizar profundamente a verdadeira eternidade, porque não são excessivos em matéria de religião. Disse Chuang-tzu: “é fácil saber o Caminho; difícil mesmo é não falar sobre ele”. Saber, mas não falar, é a via para chegar ao céu. Saber, mas falar, é a via para a humanidade. O povo da antiguidade era divino, não humano. A visão interior pode saber do Caminho, mas isto não é obtenção do Caminho. As pessoas podem se valer das vantagens da introspecção, mas sem a realização dos benefícios de se ater ao Caminho. “Use a visão interior para esclarecer o princípio supremo, empregue a eloqüência para mover os sentimentos das pessoas e elevar seus corações, contribuindo para melhora dos eventos em curso, entrando em contato com outros. Se você somente fala de calma constante em meio à atividade, como pode saber que a calma é uma questão de estar calmo para lidar com as pessoas?“ Saiba que essas palavras não expressam tranqüila estabilidade. Mesmo que você se coloque intelectualmente à parte, isso só tende a deixar você menos próximo do Caminho. Você pode originariamente ter saído para caçar veados, mas chega em casa com um coelho. O que você obteve é extremamente insignificante, porque está se portando como pessoa de mente estreita. Disse Chuang-tzu: “aqueles que atingiram o Caminho nos tempos antigos nutriram a sabedoria por meio da serenidade. E a sabedoria cresceu, mas eles não a usaram para engendrar coisa alguma”. Isso é chamado usar a sabedoria para nutrir a serenidade; quando sabedoria e serenidade se combinam para nutrirem-se mutuamente, o padrão da harmonia vem da natureza. 14

 Novamente, “insight” significa “introspecção”, mas no sentido de “visão interior”. Os termos são alterna dos

 privilegiando o sentido, em detrimento da tradução literal.

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Serenidade e sabedoria são estabilidade e introspecção. O padrão de harmonia é a virtude do Caminho. Quando você tem sabedoria, mas não a usa, permanecendo pacífico e sereno, você, depois de trabalhar nisto por um longo período, naturalmente obtem a virtude do Caminho. Essa estabilidade é adquirida por um certo esforço. Pode ser baseado na observação da vantagem ou dano, deter a mente ou temer a calamidade, descartando e removendo hábitos. Em qualquer caso, quando a mente está madura, você se torna estabilizado, como se já fosse muito naturalmente assim. Então trovões podem abalar as montanhas, e isso não o abala, espadas afiadas podem se cruzar em frente aos seus olhos, mas você de nada teme. Olha do alto para a fama e a fortuna como bens transitórios e conhece nascimento e morte como chagas abertas. E então sabemos que, quando logramos nos unificar, solidificamos nosso espírito; e aí, abertura e sutileza da mente são inconcebíveis. A mente é inexistente em si mesma e por si mesma, mas ela não é inexistente na ação. Ela é veloz, mas sem pressa, ela vem sem ser chamada. Seu ódio pode dirigir uma flecha até o alvo distante, seu ressentimento congela em pleno verão. Tenha indulgência com o mal e os nove infernos não estarão tão distantes; acumule o bem e os três céus não estarão tão distantes. Tudo vem e vai subitamente, e os movimentos da mente e sua estabilidade não podem ser nomeados. Se o seu tempo está correto ou não, não pode ser aferido por adivinhação. É mais difícil de domesticar do que veados ou cavalos. Um exaltado mestre ancião empregou o bem eterno para libertação das pessoas; elevando a plataforma do espírito, ele expôs o inefável. Sumarizando as causas e efeitos dos três veículos, ele se expandiu por sobre a natureza das mil coisas. Para uma aproximação gradual, usou o ensinamento diário deliberativo. Para uma aproximação imediata, usou o retorno para onde nada há por aprender. Metaforicamente falando, é como puxar o arco e emitir a flecha; o método é afiar as lâminas e resolver as complicações. Se isto é praticado consistentemente, pelo hábito se tornará natural. Desconsidere o intelectualismo, domine seu corpo, sente-se para esquecer no isolamento, para estabilizar na imobilidade, sutilmente entrando na iluminação. Aqueles que seguem por rumos divergentes jamais entenderão o significado; aqueles que seguem por esta via têm uma chance de chegar ao sublime. Não requer muito esforço, mas é muito efetivo.

OBTER O CAMINHO O caminho é algo de miraculoso. É efetivo e tem uma essência, ainda que seja imaterial e sem forma. Não pode ser sondado nem retrospectivamente, nem prospectivamente, não pode ser alcançado por reflexões ou ecos. Ninguém sabe porque é assim, ainda que o seja. Penetrar a vida completamente, isso é chamado de o Caminho. Sábios perfeitos o atingiram na antiguidade; lições sublimes o transmitem no presente. Se você investigar os princípios de acordo com os termos, os encontrará verdadeiros. Pessoas superiores acreditam nele de todo o coração; dominam a si mesmos 58

e praticam diligentemente, esvaziando suas mentes e abrindo seus espíritos, de modo que o Caminho vem por si mesmo e se concentra. O Caminho tem profundo poder, gradualmente muda o corpo e o espírito. Quando o corpo segue a via da penetração e se une completamente com o espírito, tal pessoa é chamada de humano espiritual. A natureza espiritual não é resistente e é fluída; sua essência nunca muda ou perece. Quando o corpo se assimila ao Caminho, então não há nascimento ou morte. Em oculto, o corpo é o mesmo que o espírito; revelado, o espírito é o mesmo que energia. Por isso é possível “andar sobre a água ou o fogo sem injúria” e “não projetar sombra sob o sol ou sob a lua”. Permanecer na existência ou desaparecer é uma decisão pessoal; pode-se entrar ou sair do portal do Vazio. O corpo é um resíduo material, ainda que possa alcançar um estado de sutileza imaterial; sendo assim, quão mais profundo e mais longe pode o conhecimento espiritual alcançar! A Escritura do Espírito Vivente diz: “quando o corpo e o espírito se unificam, este é o corpo verdadeiro”. A Escritura da Ascensão Ocidental diz: “a longevidade é possível pela união do corpo com o espírito”. Contudo, há diferenças no poder do Caminho da absoluta não-resistência. Quando é profundo, afeta também o corpo; quando superficial, apenas influencia a mente. Aquelas que têm o corpo afetado são as pessoas espirituais; e aquelas que tem a mente influenciada, somente ganham sabedoria introspectiva, mas seus corpos não podem evitar a morte. Por que é assim? A visão interior é uma função da mente; quando é excessivamente utilizada, a mente se torna fatigada. Quando você primeiramente obtem uma visão interior, você está maravilhado e fala muito, sua energia espiritual se escoa, e não há uma restauração espiritual da luz do corpo. Isto pode causar um fim prematuro, de modo que o Caminho dificilmente poderá ser completado. É isto que as escrituras chamam de dissolução do cadáver. Por esta razão, as pessoas superiores ocultam sua luz, na esperança de obter plenitude. Estabilizando seu espírito, acumulando sua energia, o sábio estuda o Caminho e extingue sua mente. Quando o espírito se une com o Caminho, isto se chama obter o Caminho. São as escrituras que dizem: “aqueles que se assimilam ao Caminho obtêm o Caminho”. E dizem ainda: “por que os antigos tanto valorizaram este Caminho? Pode-se obtê-lo sem longas buscas, livrando-se de todas as faltas eventualmente cometidas”. Quando há jade na montanha, as plantas e árvores lá não secam; quando as pessoas abraçam o Caminho, seus corpos são estabilizados por isso. Quando imbuídos de sua influência por um tempo considerável, a constituição física é assimilada ao espírito. Quando você refina o corpo para ganhar acesso às sutilezas, fundindo-se com o Caminho, então você dispersa um corpo nas mil coisas e funde as mil coisas em um corpo. A iluminação da sabedoria é sem limites, a transcendência física é sem fim. Você emprega a totalidade da matéria e do vazio, põe de lado a Criação, para a realização da obra. Resposta genuína sem desvios  –  essa é a virtude do Caminho. A Escritura da  Ascensão Ocidental diz: “tenha a mesma mente que o céu, mas sem saber disto; tenha o 59

mesmo corpo que o Caminho, mas sem distingui-lo. Depois disso, o Caminho do Céu é realizado”. Isto se refere à consumação de sua realização. Quando o espírito não deixa o corpo, este dura tanto quanto o Caminho. Quando o corpo está assimilado ao Caminho, ele nunca cessa de existir. Quando a mente está assimilada ao Caminho, não há nada que ela não possa penetrar. Quando os ouvidos estão assimilados ao Caminho, não há som que não possa ser ouvido. Quando os olhos se assimilam ao Caminho, não há forma que não possa ser vista. Claridade e efetividade dos seis sentidos são provenientes disso, mas medíocres dos tempos recentes, cujas consciências são incapaz de ir muito longe, ouviram falar apenas da via do abandono do corpo, sem perceber as maravilhas do corpo em si. Envergonhados de sua deficiência, imitam os erros de outros. São como os insetos de verão que não acreditam no gelo, ou insetos num jarro, negando a existência do céu e da terra. Se eles não podem ser alcançados em sua ignorância, como podem ser ensinados?

SENTAR E ESQUECER Se você quer cultivar o Caminho e obter realização, primeiro livre-se de comportamentos aberrantes. Com os eventos cortados de tal modo que não há nada para reter em sua mente, sente-se corretamente e olhe internamente, com acurada consciência. Tão logo você note o surgir de um pensamento, imediatamente trate de extingui-lo; capture seus pensamentos na medida em que emergem, para poder tornar sua mente pacífica e quieta. Em seguida, ainda que você possa não ter obsessões óbvias, flutuar, vagar e pensamentos aleatórios devem também ter um fim. Trabalhe diligentemente dia e noite, nunca desistindo, nem por um momento; mas somente cessando a mente tumultuada, mas não a mente luminosa. Desapareça na mente vazia; não desapareça na mente possessiva.Não resida em seja lá o que for, e a mente estará estável. Este método é misterioso, com benefícios muito profundos. A menos que você já tenha afinidade com o Caminho, além de ter uma fé sem divisões, você não poderá verdadeiramente apreciá-lo. Mesmo se você sabe como recitar os textos, ainda tem que discernir entre realidade e artificialidade. Por quê? Som e forma obscurecem a mente, falsidades enganam os ouvidos; personalidade e ego transformam-se numa segunda natureza e o distúrbio da auto-afirmação está então firmemente estabelecido. Quando a mente está separada do Caminho, o princípio é difícil demais de compreender. Se você deseja retornar ao supremo Caminho, tenha uma fé profunda e, primeiramente, aceite três preceitos. Se você praticar em concordância com eles, consistentemente do início ao fim, então obterá o Caminho. São os três preceitos:  Simplificar envolvimentos  Não desejar nada  Aquietar a mente 60

Se você praticar diligentemente, sem desânimo, mesmo que não tenha mente para buscar o Caminho, o Caminho virá por si mesmo. Diz uma das escrituras: “se as pessoas podem esvaziar suas mentes sem engendrar nada, não é que elas queiram o Caminho, mas o Caminho se reverte para elas espontaneamente”. Falando nessa base, esse método de quintessência é genuinamente digno de confiança e verdadeiramente valoroso. Todavia, a mente ordinária é excitável e obstinada, e por muito tempo tem sido assim; portanto, trazer a mente ao descanso por intermédio dos preceitos pode ser, de fato, muito duro. Pode-se tentar trazer a mente ao repouso sem sucesso, ou se pode ter sucesso temporário e perdê-lo de novo. No esforço de controlá-la conforme se desvia, o corpo todo pode transpirar. Depois de um certo tempo, a mente se torna flexível e direta; só então ela está plenamente afinada. Não desista do trabalho diário só porque você está temporariamente inábil para controlar ou concentrar a mente. Tão logo você ganha uma certa calma, aí você deveria estabilizá-la o tempo todo, seja andando, correndo, sentando ou descansando, enquanto lida com assuntos e tarefas concretas, no meio da multidão e da correria. Se há algo que importa ou não, seja sempre como que sem mente; haja quietude ou comoção, permaneça unificado, sem divisão. Se você controlar sua mente muito intensamente, o stress poderá causar doença. Acessos de idiotice insana são típicos disso. Se sua mente está imóvel, então você deve deixá-la prosseguir, achando um meio termo entre a folga e a intensidade. Sempre se harmonize, sendo controlado sem obsessão, sendo natural sem indulgência. Quando você está no meio do clamor sem odiar, e pode lidar com as coisas sem se atormentar, isto é a verdadeira estabilidade. Isto não quer dizer, entretanto, que você busca estar ocupado só porque pode lidar com as coisas sem irritação, ou que você procura estar em meio do clamor só porque pode permanecer imóvel no meio da gritaria. O desinteresse é a verdadeira estabilidade, enquanto que o interesse é uma resposta para os eventos. É como um espelho que reflete as formas de qualquer um ou qualquer coisa que ocorre estar ali. Com hábil aplicação das técnicas, conforme você tenha habilidade para ganhar estabilidade e uma introspecção desatrelada, se isto vem mais cedo ou mais tarde, não depende da pessoa. Não se apresse em buscar a visão interior na estabilidade, pois se você buscá-la, isso trará danos para sua estabilidade, e, danificando a estabilidade, não conseguirá introspecção. Se a visão interior ocorre espontaneamente sem que se busque por ela, então esta é a verdadeira introspecção. Ser visionário sem se aproveitar disto é a verdadeira sabedoria aparentando ignorância; aperfeiçoe interminavelmente as belezas gêmeas da estabilidade e da introspecção. Se você pensa num estado de estabilidade, estará muito sensitivo, e toda a sorte de demônios e entidade seguirá sua mente, em aparente concordância. Os maravilhosos

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e bizarros fenômenos atestados por pessoas realizadas e velhos mestres são evidência disso. Deixe então que haja abertura sem limite acima de sua mente estabilizada, e vastidão sem solo abaixo de sua mente estabilizada. Os velhos hábitos se dissolvem, novos não são criados; livre de amarras e obstruções, você cai fora da rede mundial. Pratique isto e você naturalmente obterá o Caminho. Nas pessoas que obtêm o Caminho há cinco momentos mentais e sete fases físicas. São os cinco momentos mentais:  Mais movimento do que imobilidade.  Iguais movimento e imobilidade.  Maior imobilidade do que movimento.  Imobilidade quando nada há por fazer, movimento somente se impingido por algo.  A mente funde-se com o Caminho, não se tumultuando nem mesmo com impacto. Somente quando alcança esse último estágio você finalmente conquista a paz; as máculas do pecado se foram, você não sofre mais qualquer remorso. As sete fases físicas são:  A ação é de acordo com o tempo, o semblante é gentil e agradável.  Doenças crônicas se dissolvem todas, corpo e mente se tornam leves e refrescados.  Danos da juventude são reparados, a base é restaurada, a vida é revivida.  O tempo de vida é estendido por milhares de anos  – pessoas assim são chamadas “imortais”  O corpo físico é refinado em energia  –  pessoas assim são chamadas de “humanos reais”.  Energia é refinada em espírito  – pessoas assim são chamadas “humanos espirituais”.  O espírito é refinado para fundir-se com o Caminho –  pessoas assim são chamadas “humanos perfeitos”. O poder de percepção se torna claro em cada fase, até que se torna completo e perfeito, quando se obtem o Caminho supremo e se adquire visão interior. Mesmo que você tenha praticado estabilização por muito tempo, se o seu corpo e sua mente não têm esses cinco momentos e essas sete fases, você terá uma vida curta num corpo poluído, retornando ao vácuo quando a matéria desintegrar. Se você clamar que adquiriu introspecção ou que obteve o Caminho, mesmo que você o tenha encontrado em teoria, na realidade você não está lá. Isto é certamente um equívoco.

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3 Provérbios do Mestre Taoísta Danyang AUTO-ILUMINAÇÃO Aprender o Caminho é uma questão de auto-iluminação. O fracasso em realizar a iluminação deve-se à ignorância. Quem quiser romper com a ignorância deve primeiro limpar sua mente. É uma questão de acalmá-la e purificá-la, até que esteja perfeitamente clara. Nisto sendo bem sucedido, atinge-se plenamente o objetivo. Não é obrigatoriamente necessário recorrer a outros para obter instrução.

ENERGIA, NATUREZA, CARÁTER E O CAMINHO Coma moderadamente para cultivar energia. Livre-se do rancor para cultivar a natureza. Seja humilde para cultivar o caráter. Mantenha-se unificado, claro e limpo, calmo e sereno, para cultivar o Caminho. Não ter seu nome rolando e seu coração ocupado com poder e lucro, eis como deixar a concha humana e tornar-se companheiro do Céu.

NÃO-MENTE E MAESTRIA Energia é difícil de reger; é veloz como um cavalo galopante. Somente pela serenidade isto se torna possível. Livre-se dos desejos externos. Se você vê um tumulto diante de seus olhos como se estivesse profundo nas montanhas, em vales inacessíveis, este é o coração do Caminhante. Ninguém pode se exercitar na maestria sem atingir o estado de não-mente.

PADRÕES NATURAIS Quando a mente é estável, sentimentos são esquecidos. Quando o corpo é imaterial, a energia circula. 63

Quando a mente morre, o espírito vive. Quando o positivo é forte, o negativo desvanece. Estes são padrões naturais.

TÉCNICA DE DORMIR A sutileza de preservar a energia não volátil está em manter a vitalidade completa. O mais importante é se guardar durante o sono. Ao ir dormir, mantenha a mente cuidadosamente presente, para que a miríade de pensamentos desapareça. Deite-se de lado, respire suavemente pelo nariz, sem deixar a alma se tumultuar, o espírito sem vagar no exterior. Faça isto, e sua energia e vitalidade se estabilizarão naturalmente.

PUREZA E SERENIDADE Se as pessoas puderem reger a via da pureza e da serenidade, isso é uma coisa excelente. Dizem as escrituras que, “se as pessoas puderem ser sempre puras e serenas, céu e terra se reunirão a elas”. Mas “céu e terra” não significa o céu externo e o solo. Referimo-nos ao céu e terra dentro do corpo. Acima do plexo solar chamamos “céu”, e abaixo dele, chamamos “terra”. Se a energia do céu desce e o vaso da terra se abre, então há harmonia acima e abaixo, e vitalidade e energia se estabilizam.

ATER-SE AO CAMINHO A substância do Caminho é a não-mente, a aplicação é esquecer as palavras. A base é a suavidade, o fundamento é a serenidade e a pureza. Se for isto que as pessoas querem realizar, então devem beber e comer moderadamente, parar de cismar e especular, sentar em silêncio, recolher-se na respiração, e dormir pacificamente para nutrir a energia. Quando sua mente não se agita, sua natureza é estável. Quando seu corpo não é solicitado pelo trabalho, sua vitalidade é completa. Quando seu espírito não é perturbado, o elixir se cristaliza. Depois disto, deve-se extinguir os sentimentos no vazio e fundamentar o espírito no absoluto. Isto tudo pode se chamar ater-se à sutileza do Caminho sem sair de casa.

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PREPARO Tudo requer preparo, pois então não pode haver problemas. Por isso, se aqueles que trabalham no Caminho controlam suas emoções e desejos desde jovens, desde cedo se preparando para isso, então a imortalidade torna-se possível. Se você esperar demais até que envelheça e sua energia e força de vontade comecem a declinar, então será tarde demais para estudar o Caminho.

CLAREZA E PUREZA Clareza e pureza significam clarear a fonte da mente e purificar o oceano de energia. Quando a fonte da mente está clara, as coisas externas não podem perturbá-la; os sentimentos assentam e a iluminação toma seu lugar. Quando o oceano de energia está puro, desejos errados não podem afetá-lo; a vitalidade está completa e o ventre está pleno. Clareia sua mente como se fosse clarear a água. Nutra a energia não-volátil como se fosse nutrir um bebê. Quando a energia não-volátil floresce, o espírito é efetivo. Quando o espírito é efetivo, a energia não-volátil transmuta. Esses são os efeitos da clareza e da pureza. Se você pratica consciente, deliberando exercícios, essas são técnicas limitadas. Se você pratica o princípio da não-mente sem deliberação, esse é o vazio claro e ilimitado.

NÃO DELIBERAR Não deliberar significa não especular e nem cismar. Ainda que se possa agir em meio do amor, desejo, ódio, acumulação, ganhos e perdas, seja sempre não deliberativo. Mesmo quando envolvido nas coisas, mantenha-se desligado. Se você se concentra totalmente e, mais do que isto, clareia sua mente e purifica sua vontade, nutre sua energia e faz seu espírito completo, você desvia-se para a terra da liberdade e entra na vila do nada mais.

NÃO-MENTE Não-mente não significa ser irracional como gatos, cachorros ou insetos.

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Isto significa se empenhar em manter a mente no reino da pureza cristalina, não tendo a mente deturpada. Gente vulgar não tem a mente pura e cristalina, enquanto que a gente do Caminho não tem a mente poluída. Mas isto não significa que elas são totalmente sem mente como árvores, rochas, gatos ou cachorros.

PRÁTICA Estudantes do Caminho devem ter suas mentes no Caminho o tempo todo, não importa o que estiverem fazendo. Quando andam, acertam seus passos na via da igualdade. Quando estão parados, congelam seus sentimentos no espaço cósmico. Quando sentam, harmonizam a respiração em seus narizes. Quando reclinam, abraçam a jóia abaixo do umbigo15. Eventualmente, quando a harmonia da respiração se rompe, parecem imbecis no correr do dia. Esta é a prática correta, e nada tem a ver com receitas deliberadas.

ENERGIA E ESPÍRITO A energia no corpo não pode ser dispersa, e o espírito na mente não pode ser obscurecido. Como evitar a energia dispersa? Não agindo por compulsão. Como evitar obscurecer o espírito? Não mantendo coisas em sua mente.

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“Dantien” (Tan -tien).

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4 Escritos Secretos sobre os Mecanismos da Natureza RECOLHER A MENTE E REFINAR O SI-MESMO O homem realizado Zhengyang disse: “Começar a cultivar a realização é inteiramente baseado no refinamento da mente. Concentre-se em assistir os pensamentos quando emergem, e esteja certo de se manter acuradamente consciente; em seguida, deve-se varrer a miscelânea de pensamentos e retornar a um pensamento só. Quando você lograr a maestria da calma ao máximo, retorne à abertura para se tornar estabilizado, varrendo pensamentos do passado, presente e futuro, aniquilando noções de si mesmo, personalidade, ser ou o vivente da vida. Depois que o solo de sua mente estiver calmo, e o céu de sua natureza estiver claro e fresco, solidifique o espírito para estabilizá-lo na abertura da energia não-volátil. Silenciosamente e com a mente unificada, observe o mecanismo de fechar e abrir, os números de saídas e entradas. Quando você expira, o mecanismo de energia abre; quando você inspira, o mecanismo de energia fecha. O espírito permanece na abertura da energia não-volátil, conscientemente visualizando a energia da expiração e da inspiração: subindo ao longo da coluna como um sol vermelho, em direção ao céu na coroa da cabeça, e descendo ao longo do canal passivo como uma lua branca, rumo à fornalha da terra, no ventre. Conte suas respirações até dez por unidades, até cem por dezenas, até mil, dez mil, mantendo sua mente na numeração, sem se perder, para evitar a dispersão de seus pensamentos e a ruptura de sua atenção. Quando a mente e a respiração permanecem  juntas e trabalham em uníssono, isso mantem a mente sem sobressaltos e previne a atenção de se desviar”. Disse um ancião: “a verdadeira atenção vem e vai  sem interrupção; saber sem observação é meditação. Se você fixa a atenção, você vaga errando por toda parte; mas se você está inativo, cai no vazio. Da atividade mental você cai na não-mente”. Se você torna a mente vazia e aberta, não resistente e receptiva, então já não há nem nascimento nem morte. Se você quer se livrar de pensamentos errantes, primeiro mantenha acurada consciência. Quando você tem consciência, naturalmente não tem pensamentos. Quando não ter pensamentos é praticado até se tornar familiar, acaba resultando em não ter sonhos. Quando você não tem sonhos, “a mente morre e o espírito vive”.

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Isto é muito importante no aqui e agora. Depois de tudo, se a mente não está refinada e, portanto, o espírito não está estável, então a luz da essência oscila inevitavelmente. Se a atenção não está refinada, a emotividade não morre e a raiz da vida não está firme. É preciso extinguir os fogos da mente, extinguir os desejos sem fim. Mantenha-se observando interiormente a realidade única, todo o tempo; em todos os lugares perceba que a miríade de objetos é vazia. Então o céu de sua natureza essencial estará limpo e fresco, e você não mais será arrastado pelo prazer ou diversão. Isso é um mero feito de se refinar o si-mesmo. Portanto, é dito: “antes de refinar o elixir restaurador, primeiro refine o si-mesmo. Quando refinou o si-mesmo, aí sim, refine o elixir”.

RETORNAR AO VAZIO E HIBERNAR NA CAVERNA DA ENERGIA Mestre Shouyang disse: “Quando você se recolhe para trabalhar na via do retorno, você deve sentar -se corretamente num quarto silencioso, e voltar sua atenção para o interior. Congele o espírito no solo do portal da vida, consciente, mas não fixo, consciente disso no início, mas esquecendo-se logo após. Esvazie a mente e solidifique o espírito sem se aderir à forma material, mas sem cair num esquecimento vazio. Com uma consciência aberta e não mais obscurecida, passe a nutrir o silêncio irradiante. Faça isso por um período de queimar três varetas de incenso de cada vez 16. Assim que você sente sua respiração suave e sente-se vazio, essa é a correta prática de solidificar o espírito e obter a transformação. Com sete semanas de prática, água e fogo se mesclarão, e o verdadeiro yang nascerá. Mantenha a iluminação estável por três meses e você poderá se aproximar dos espaços interiores. Gradualmente estabilizando e cristalizando a pílula, mantenha a iluminação constante por cem dias, e então poderá penetrar pelas passagens e aberturas. Quando a mente descansa debaixo do umbigo, isso é chamado de respiração ventral. Mente e respiração submergem conjuntamente na região abaixo do umbigo; mantendo-as claras e puras, são chamadas de “não esquecer”, enquanto que seguir naturalmente com sua clareza e pureza é chamado de “não alimentar”. Tudo é uma questão de criar espaço no lugar onde você recolhe a mente, usando o silêncio como lugar de repouso para o espírito. Faça mais e mais, clareando e clareando ainda mais, aprofundando e aprofundando ainda mais; gradualmente mente e respiração se aproximam para uma união, e espírito e energia se fundem harmoniosamente. Antes que você realize isto, as energias positivas e negativas emergem extaticamente, como se você estivesse intoxicado. 16

 Os incensos chineses são bem mais longos que os populares indianos.

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O MECANISMO NATURAL DE RECOLHER A ATENÇÃO PARA MIRAR O INTERIOR Bai Yuzhan disse: “a via do refinamento interno é extremamente simples e fácil; basta permitir que o fogo do coração desça para o campo do elixir. O campo do elixir é a câmara da água, enquanto que o coração é fogo. Quando o fogo encontra a água, eles se mesclam e o verdadeiro yang é produzido. Eis porque algumas pessoas os chamam de coração e genitais, ao invés de fogo e água”. Zhengyang, um homem realizado, diz: “Fazer com que o fogo do coração desça é como a Estrela do Sul alternar a posição com a Estrela do Norte”. Shi Xingling disse: “recolha seu espírito e retorne para sua energia, e o processo alquímico naturalmente tomará lugar”. Liu Haizhan disse: “Realizei o princípio da vida longa – o intenso yang domina o intenso yin”. Xu Jingyang disse: “revelarei a via de minha família para você  – o sol se alterna com a luz da lua”. Mestre Wang Chongyang disse: “quando você começa a construir a fundação, primeiro tome o espírito na abertura mais alta e afunde até a abertura mais abaixo, na caverna da energia. Mente e respiração mantidas juntas fazem com que a atenção pura seja sempre consciente. Alterne expiração e inspiração na fornalha da criação; depois de um longo tempo isso se torna familiar, o fogo naturalmente brilha abaixo do umbigo, e o tigre emerge da água. Sem sequer tentar retornar ao equilíbrio central, você espontaneamente se torna em equilíbrio central”. “Quando você primeiro observa a abertura, recolhendo sua atenção para mirar o interior, lá está uma pérola negra, como o lado oculto da lua. Constantemente iluminada pelo fogo da mente que segue o vento da respiração, o negrume espontaneamente produz a brancura, o fogo irrompe na água, e uma energia aquecida circula na caverna da energia. Esse é o movimento inicial do verdadeiro yang, produzindo o ser a partir do nãoser”. Ele disse também: “o forjar e refinar do vento e do fogo devem ser aplicados no yang puro para ativar a energia yang. Isso é tudo uma questão de descobrir e conscientemente nutrir o espírito básico, um ponto de Vazio, e armazená-lo na caverna da energia. Isso se chama mandá-lo de volta ao vaso da terra, selando-o firmemente”. “Com a luz etérea e espiritual da essência do espírito básico dentro, seja como a tartaruga se ocultando, como a cobra hibernando; não se esqueça, não force, como se o presente ainda fosse ausente. Eventualmente, expiração e inspiração irão confluir, espírito e energia se abraçarão, a passagem mística se abrirá naturalmente, e a semente da realização será produzida”.

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5 Segredos Alquímicos do Tai Chi  de Zhang Sanfeng 17

1 A verdadeira prática da obra não pode seguir nada criado como regra, pois tudo que é criado é temporal. O Taoísmo, seguindo este rumo, atualmente já está muito deteriorado, sendo muito poucos os capazes de transmitir a verdade. Também não é certo se fixar no não-fazer. Se você não faz nada, cairá num vazio inerte. O Budismo hoje está grandemente afetado por essa deturpação, o que faz com que haja muito poucos Budistas no mundo. A razão pela qual o Caminho não é operativo é que o Caminho não é claramente entendido. Em primeiro lugar a obra é uma questão de extinguir o emocionalismo, e varrer para longe os pensamentos aleatórios. Este é o primeiro passo, construir a fundação e refinar o si-mesmo. Uma vez que a mentalidade humana é posta de lado, a mente celestial pode retornar. Uma vez que os desejos humanos são purificados, então o desígnio celeste está sempre presente. Todos os dias, primeiro aquiete-se por um momento, até que corpo e mente estejam pacificamente assentados e sua respiração seja suave e nivelada. Agora levemente feche seus olhos e mire a região abaixo do coração e acima dos genitais, dentro do espaço de 1,3 polegadas, mas sem se tornar fixo nisso e nem se afastar disso também. Não se esqueça disso e não force isso. Quando a miríade de pensamentos desaparecer e somente a alma estiver presente, isso é chamado de a mente correta. Nessa hora, nessa mente está a vivacidade e a leveza; nessa energia está a serenidade e o contentamento. Quando a expiração sobe, não deve colidir com o coração acima, quando a inspiração desce, não deve colidir com os genitais abaixo. Fechando e abrindo, indo e vindo, pratique isso por uma semana ou duas, e naturalmente os rins e os genitais gradualmente geram vapor, e a energia no campo do elixir é cálida. A respiração será espontaneamente harmonizada, sem que você precise pensar nisso. A energia será espontaneamente refinada, sem que você precise refiná-la. Uma vez que energia e respiração estejam harmonizadas, então naturalmente não há nem saída nem entrada, vinda ou ida para cima, meio ou abaixo. Isso é a respiração ventral. Essa é a respiração espiritual. Esse é o verdadeiro fole, o verdadeiro caldeirão e 17

“Taiji” –  como se sabe, Zhang San Feng é tido como o lendário criador da arte marcial

Tai Chi Chuan

(Taijiquan).

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fornalha. Isso é retornar à raiz e restaurar a vida. Esta é a abertura da mulher misteriosa, a raiz do céu e da terra. Quando a energia atinge este ponto, é como a flor desabrochando, como um embrião concebido. A verdadeira energia espontaneamente evapora e circula desde o cóccix, pela coluna até a cabeça, abaixo das passagens nasais, através da laringe, do coração, e então cai no campo central do elixir. Esse é o movimento inicial da “roda d’água”, mas somente a energia chega aí – o espírito ainda não está completo; portanto, não é ainda o verdadeiro movimento. Não se incomode com isso Eu justamente olho constantemente, muito, muito sutilmente, observando a câmara central. Naturalmente, há um potencial de vida sem fim. Praticando isso por um mês ou dois, meu espírito se torna mais e mais quieto. Quando você está calmo por um longo tempo, energia é produzida abundantemente. Isso é chamado de prática do espírito gerando energia, e energia gerando espírito. Mais uma centena de dias e o espírito vital cresce e cresce, enquanto que a verdadeira energia se torna plena. Um calor suave aparece com abundância, e há uma boa circulação. Água e fogo naturalmente comungam, e céu e terra se unem. O espírito está fluído, a energia está expansiva. Num breve momento, a energia unifica, e um redemoinho espontaneamente sobe pelos cem canais. Este é o verdadeiro movimento da “roda d’água”. Durante esse intervalo, se um ponto de luz espiritual é sentido no campo do elixir, isso é “a pérola negra no fundo da água”, “o broto amarelo dentro da terra”. Nessa hora o yang retorna nebuloso como um sol vermelho quando ascende pela primeira vez, brilhando no oceano, enevoado, difuso, obscuro, mas visível; então o “fogo líder” nasce aí. Enquanto que céu e terra e água e fogo ainda têm que se combinar, imobilize o espírito na absoluta quietude do nada, sem permitir interrupção nesse exercício, até que tudo se torne um todo único e sólido. Isso é chamado de unir os cinco elementos. Então fogo e água se mesclam; conforme a roda d’água roda em reverso, você acumula elixir em quatro intervalos. O espírito permanece interior, a luz da pílula alquímica não se afasta. Isso é chamado de ciclo maior, e refere-se a promover a restauração maior em nove revoluções. Nesse momento, um ponto de absoluta e positiva vitalidade cristaliza-se no centro interior. É armazenada na hora que desejos são clareados e emoções são imobilizadas, ainda que tenham aparência e forma. Quando você chega nesse estágio, a respiração permanece no ventre. Incubá-la interiormente, sem se enganar no tempo, é chamado de “a obra de dez meses”.

2 O exercício da imobilidade está em cada intervalo de tempo. Mesmo dentro de um quarto de hora estão os exercícios de refinar vitalidade em energia, refinar energia em espírito, e refinar espírito de volta em abertura. Isso não vale somente para a obra de dez meses; isso está também na hora, no dia, no mês e no ano. 71

Sente-se, feche seus olhos, torne-se consciente do espírito, aquiete a mente, harmonize a respiração. Esse exercício refina vitalidade em energia. Recolha a atenção para dentro, congele o espírito na abertura alquímica, faça a verdadeira respiração circular; centre o infinito potencial celestial no interior, agindo quando a serenidade atinge o máximo, se tornando imóvel quando a ação atinge o máximo. Esse exercício refina energia em espírito. Desse modo, a verdadeira energia se acumula na fonte, yin e yang retornam à origem e se unem; espontaneamente o vento cresce imóvel, as ondas se acalmam. Nesse momento, mantenho a mente correta no campo do elixir; esse é o processo de “selar”. Dando curso a essas práticas, isso não é mais uma questão de recolhimento por dez meses; como já disse, “quando você opera o processo por um quarto de hora, há um ciclo de um quarto de hora. Quando opera uma hora, dia, mês, ano, há um ciclo de hora, dia mês ou ano”. No caso de um ciclo de um quarto de hora, a primeira metade do quarto de hora é o “aquecimento”, ”alimentar o fogo”, “começo do ciclo lunar”, “primeira fase da lua”, “dificuldade pela manhã”, “primavera e verão”. A segunda metade do ciclo de quarto de hora é o “resfriar”, “retração”, “o fim do ciclo lunar”, “última fase da lua”, escuridão na noite”, “outono e inverno”. Se tomarmos um ciclo de hora dupla, a primeira metade terá quatro divisões de um quarto de hora cada e o mesmo para a segunda metade. O mesmo vale para o ciclo do dia, do mês ou do ano. Isso se chama juntar as cinco forças do yin e do yang: num exercício de quarto de hora, você assume o processo de energia de um ano todo. Nesse estágio, você está verdadeiramente verdadeirame nte vazio e calmo. Continue por um ou dois anos, ou dez anos, ou cem anos, e você transcende o espaço para fundir-se com o vazio cósmico. Este exercício é para refinar o espírito de volta ao vazio. Uma vez que os dez meses de trabalho preliminar foram completados, você deve cuidar do “bebê” durante todo o tempo. Dez passos, cem passos, mil milhas, mil has, dez mil milhas - tudo prossegue gradualmente. Se você deixar isso prosseguir sem restrição, isso se seguirá e não retrocederá. Um clássico sobre o caminho dos imortais diz: “quando o espírito entra na energia, forma o embrião; quando a energia penetra no espírito, ela cristaliza a pílula alquímica”. Isso é o se chama de “um ponto caindo no pátio amarelo”. Pessoas que têm poucos pensamentos errantes obtêm a pílula do elixir rapidamente, enquanto que aqueles que têm pensamentos aleatórios em demasia são lentos para consegui-la. Esse método é simples e fácil, mas as pessoas não podem avançar muito sem alguma dedicação. Se você praticar consistentemente por um longo período, certamente “penetrará o metal e a pedra”, “andará sobre a água e o fogo”, e “compreenderá “compreenderá céu e terra”.

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6 Registros Secretos do Entendimento do Tao VERDADEIRO E FALSO O Velho Homem da Clara Serenidade disse: Não há nada no mundo que não tenha tanto uma versão falsa quanto uma verdadeira. Praticar o Caminho pode também ser verdadeiro ou falso, portanto, os estudantes deveriam primeiramente primeiramente distinguir a diferença com clareza. A verdadeira prática é sinceridade total. Não é uma questão de evitar o mundo e deixar a sociedade. E nem depende de se sentar deliberadamente, ou recitar as escrituras. A coisa essencial é refinar longe do falso e dentro do verdadeiro, para filtrar o verdadeiro do falso. Somente então você obtem a verdadeira realidade da perfeita sinceridade. Se você só se preocupa em recitar escrituras na frente dos outros e não se ocupa com o cultivo interno e o auto-controle, ou se você senta quieto por todo o dia, imóvel como uma estátua, aparentando bem pelo exterior, mas internamente agitado por pensamentos pensamentos errantes e idéias aleatórias – aleatórias – tudo  tudo isso é falso. O falso é antagônico do verdadeiro; por isso, se não for eliminado, acabará por prejudicar a verdade. Mas para se livrar dele, você tem que achar o modo adequado. Se você não encontrá-lo, isso é como fechar a porta para capturar o ladrão; o falso não será eliminado e o verdadeiro certamente sairá ferido. As pessoas que ainda não atingiram a mais alta sabedoria são influenciadas e condicionadas por falsas imagens todos os dias, de modo que elas perdem de vista as realidades naturais. São tão usadas pela inverdade que esta se torna verdadeira para elas. Mesmo aqueles que têm uma consciência um pouco mais elevada e sabem com clareza da artificialidade dos eventos mundanos, quando ensinados a cultivar o real, ainda acham que o artificial é bem difícil de rechaçar. Se forem resolutos, r esolutos, primeiro devem refinar a si mesmos dentro do artificial, até que sintam que não têm mais interesse pelas coisas artificiais; se estiverem dispostos a buscar o real depois disso, aí sim serão capazes de fazê-lo. Se calhou de você ter nascido numa área rural e é basicamente menos complicado e afetado, e nunca teve a experiência do deslumbramento pela prosperidade, sem saber bem o que é isso que chamamos de artificialidade, saiba que você também não conhece a realidade. Isso porque o real está oculto dentro do artificial, mas o artificial

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não é o exterior do real. A quintessência é ser capaz de descobrir o real em meio ao artificial e discernir o artificial em meio ao real. Segue-se, portanto, que para o cultivo do Caminho, não é necessário deixar o lar. Você deve misturar-se com a sociedade, harmonizando a iluminação, vivendo no mundo material sem ser infectado pelo materialismo.

NÃO TENHA PRESSA O Velho Homem da Clara Serenidade disse: Ao sentar-se quieto, haja ou não um específico processo, não se apegue à forma. Se conscientemente ou deliberadamente tentar aplicar imagens mentais, você estará propenso a desenvolver toda a sorte de doenças. Isso se chama “desenhar pernas numa serpente”; você só vai arrumar problemas para si mesmo. Quando olhamos na origem do problema, descobrimos que isso pode ser atribuído à própria fixação da pessoa, pessoa, inflexibilidade, inflexibilidade, e hábito de visões deturpadas. deturpadas. Isso também vem de conceitos, rigidez e fracasso em esclarecer instruções de um professor, para entendê-las plenamente. A conclusão dessa falha em prosseguir segundo os princípios da prática é tomar o elixir muito rapidamente, sem que o processo esteja completo, sentando-se precipitadamente e sem cuidado, antes que as energias yin e yang tenham achado seus respectivos lugares. Alguns, quando sentam, conscientemente focam sua atenção no campo mais baixo do elixir. Outros reviram seus olhos acima e dentro de suas cabeças, para mirar acima. Eles fazem ginástica mental. Alguns concentram a atenção na respiração, como bombeando um fole. Outros focam suas mentes contando as respirações, tentando manter a energia internamente, sem que se disperse para fora. Há um certo número de tais padrões. Eles podem causar vertigens, surdez, avermelhamento dos olhos, distensão do abdômen, dor nos tendões e ossos, nebulosidade nebulosidade mental, emissões noturnas e outros sintomas. Pessoas às quais falta uma capacidade básica tendem a desenvolver doenças em tudo aquilo que elas fazem em suas pretensas práticas de Taoísmo. O que elas não percebem é que praticar o Caminho é cultivar e nutrir o Caminho da natureza, o curso natural. Primeiramente, é essencial clarear a mente e minimizar os desejos. Depois disso, você preserva e nutre o espírito vital. Você pode ser bem sucedido em adquirir longevidade, ou até mesmo na realização como mago (“imortal”) ou Buda (“iluminado”); mas o resultado efetivo é devido à prática indistinta de acordo com o princípio, clareando a mente sem se apegar a nada – nada  – e  e isso não vem de um planejamento artificial. Falando de modo geral, sentar na quietude tem três tipos de princípios. Primeiro, há princípios que baseiam a mais elevada alquimia. No meio, há princípios para refinar o elixir alquímico. Finalmente, há princípios da alquimia menos elevada. 74

Segue-se então que cada passo tem seu processo. A ordem deve ser compreendida, os princípios devem ser observados. Mesmo aqueles que são genuinamente sinceros são habilitados para dar curso aos princípios de preparação e procedimento, mas a maioria age sem cuidados na hora da inteireza. Mas eu vou reverter a ordem e começar a falar da alquimia mais baixa. Não se apresse; você só terá terminado quando adquirir plena resolução, tal que seu espírito esteja claro e fresco. Caso contrário, você meramente terá uma ou duas experiências, ou o processo será rompido logo após iniciar. Se você for descuidado com a alquimia mais baixa, é muito fácil causar danos. Vejo muitas pessoas tentando praticar sem correção, desde o começo. Antes que suas mentes se fundamentem, e antes que percebam as condições corretas, imediatamente cruzam as pernas, entrelaçam as mãos e sentam deliberadamente. Suas cabeças não estão certas de começar; seus corpos não estão aprumados e seu olhar não é nivelado. Tentam operar o processo antes que o fogo esteja nivelado e ativo na fornalha. Ainda que possam permanecer algumas condições necessárias, não podem esperar  – fecham seus olhos firmemente, de modo que a pureza e a poluição não podem ser distinguidas, e a energia positiva não pode ascender. Esta via de prática é dificilmente efetiva. Na prática, olhos e ouvidos são os mais difíceis pontos. Se você simplesmente tomar a distensão da abertura primária para ser o processo do trabalho, pode experimentar coceira e zumbido nos ouvidos, embaço nos olhos, e salivação que deve ser conscientemente engolida. Estes são alguns exemplos de inabilidade de esperar a oportunidade correta, como ter a vista e a luz incapazes de se combinar. Se as aberturas dos ouvidos não se fecharam para o exterior, a respiração no nariz não se torna sutil, o verdadeiro líquido não se produz, ou o fogo da fornalha não é aceso, nenhum estado é autêntico. É de todo essencial alcançar o ponto onde os olhos, ouvidos, nariz e língua se fundem, e vitalidade, energia e espírito entram em fusão; é então que a luz da introspecção brilha irradiante. Se você não espera pela produção do elixir e pelo acender do fogo, como pode ser o grande elixir ser refinado? Se o fogo for insuficiente, a energia negativa poluída do corpo não poderá ser clareada. E então a energia positiva não pode emergir. Sempre falo para as pessoas que primeiro é essencial nivelar bem a índole. Você não deve praticar se sentando precipitadamente; espere até que a energia positiva suba e o elixir seja produzido – somente então é a hora certa. Quando se chega à contemplação do vazio, é essencial reverter a atenção para o interior, o estado de acender a luz . Rodar os olhos para cima dentro da cabeça não é reverter a atenção, nem é acender a luz quando os olhos só vêem escuridão. Você deve alcançar o ponto em que os olhos não vêem, ouvidos não escutam, e a respiração no nariz é extremamente sutil. Então você não tem olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo ou mente; você está consciente apenas da existência da abertura primária, nada mais. Quando atinge esse ponto, a luz de sua verdadeira natureza emerge. Isso é chamado de “o monarca celestial dos quatro elementos oferecendo uma bacia”.

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Depois disso, trabalhe em não perder essa pequena passagem mística; aí será uma boa idéia produzir a pílula alquímica. Mas trabalhe individualmente, porque o estado de acender a luz pode tomar mais ou menos tempo, dependendo de cada um. Acima de tudo, não tenha pressa. Se você não esperar por um estado genuíno, forçando sua visão e considerando isso como acender a luz, sentado com seus olhos fechados, então a energia positiva não poderá entrar e a energia negativa não poderá sair. Você somente vai se enredar inutilmente, sem benefício. Mas há aqueles que rodam seus olhos para cima, no interior da cabeça, com muita força. Se fizerem isso por um longo tempo, sofrerão danos cerebrais e possível cegueira, ambos irreversíveis. Isso é muito prejudicial, por isso leve em conta as advertências deixadas pelos mestres para sistematicamente abranger os requerimentos práticos para realização do Caminho. Revelei os mecanismos místicos sem medo das regras celestiais, na esperança de que cada um possa descobrir o que é ser humano, retornar ao lar, à permanente realização do estado de plenitude do desenvolvimento mais elevado. Se você tem trabalhado há muito tempo e ainda não percebeu nenhuma verdade, é porque sua mente ainda é muito instável. Sábios ensinaram as pessoas como deter a mente e, depois disso, encontra-se calma, estabilidade e meditação pacífica. A função da estabilização é, decerto, valiosa! Se você praticá-la corretamente, sua mente será estável, seu temperamento será nivelado – e então como não poderá você perceber a verdade? Obrar sentado é chamado de sentar na calma porque é uma questão de limpar toda a poluição de sua mente. Uma vez que a poluição é removida e sua mente está clara, a verdade se torna naturalmente evidente. A razão pela qual as pessoas não percebem a verdade é simplesmente porque suas mentes estão cheias de ruído, e elas não podem ver além das coisas e eventos, como eles realmente são. Pratiquem ou não sentar na calma, os estudantes do Caminho devem limpar as velhas impurezas de suas mentes, até que fiquem claras e purificadas. Renove esse trabalho diariamente, sem descuido nem pressa, e você verá o benefício espontaneamente. No início, é necessário um certo esforço. Acumular vitalidade é estabelecer a fundação. Deter os pensamentos é o principal. Unificar energia e espírito é obter o elixir. Manter o espírito imóvel sem dispersão é incubação. Refinar o espírito de volta para o espaço cósmico é obter a pílula alquímica. Depois que a pílula está completa, não é isso a máxima verdade universal? Há um ditado popular que diz que, se você quer fazer um esforço para se aprofundar, use um pilão de ferro em vez de uma agulha. O ponto é que os praticantes do Caminho não devem se apressar para ver resultados. Se há ou não progresso, é algo que não pode ser determinado pela superfície. Você deveria saber que há tempo para subir e tempo para descer, tempo de avançar e tempo de recuar. É como andar por uma trilha na montanha, com partes mais altas e baixas, niveladas ou não – como podem todas as partes serem vistas como iguais? Você tem que seguir o rumo certo para não errar. Mas na medida em que você não deixa de prosseguir, eventualmente alcançará o cume; por que, então, ter pressa? Se 76

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