Matrizes Culturais Da Arte No Brasil - Unidade 1

March 22, 2019 | Author: Francisco Muniz | Category: Rock Art, Ceramics, Red, Homo Sapiens, Museum
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Matr izes Cu ltur a is da

Ar te no Br asi l

Professoras autoras

Maria Elizia Borges , Ludimilia Justino de Melo M elo Vaz e Ivaina de Fátima Oliveira

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Matr izes Cu ltur a is da

Ar te no Br asil

A PR E SENTA Ç ÃO

Sabemos que as nossas matrizes são muitas e diversas, plurais. Basta prestar atenção a nossa língua portuguesa e ver a riqueza de palavras que compõem nosso vocabulário: axé, caxixi, abajour, futebol, etc. Você seria capaz de dizer a origem de cada uma delas? A mesma coisa acontece com o nosso vocabulário de representações visuais. No entanto, apesar dessa diversidade, algumas formas foram historicamente mais valorizadas e consideradas melhores e mais “certas” do que as outras.

Esta proposta está organizada de forma simples, sucinta e didática. Sabemos das diculdades de encontrarmos materiais didáticos publicados sobre tais assuntos agrupados em um único livro. Profa. Leda Guimarães - Coordenadora do Curso

DADOS DA DISCIPLINA

Ementa Ao focarmos esse conteúdo nas três matrizes: indígena, africana e européia queremos colocá-las em pé de igualdade como referência para a nossa formação estética visual, enfatizando algumas especicidades, mas também ressaltando processos de hibridizações, sincretismos, mestiçagens, apropriações, resignicações pelos quais essas matrizes passaram ao longo desses mais de 500 anos de história. O conteúdo dessa disciplina é formado por um texto base da professora Dra. Maria Elizia Borges (unidades 1, 2 e 4), que apresenta a arte rupestre, indígena e as matrizes européias (produção jesuítica e a produção de imagens sacras de vertente popular). Aprofundando a informação sobre arte rupestre, temos o texto complementar da professora Ms. Ludimilia Justino de Melo Vaz. Sobre as matrizes africanas, temos o texto da professora Ms. Ivaina de Fátima Oliveira referente à unidade 2 - Matriz africana. Como texto complementar temos “A falsa idéia de matrizes culturais” de Dernival Venâncio Ramos Júnior e Allysson García Fernandes. A proposta deste material é fornecer aos leitores um conhecimento geral acerca das matrizes culturais da arte no Brasil.

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Matrizes Culturais da Arte no Brasil: estudo das visualidades dos traços estéticos culturais de diferentes povos na formação da nossa arte; sincretismo, retenções, permanência e hibridismos das três matrizes na arte brasileira; o museu afro-brasileiro e demais espaços do gênero; a presença dos aspectos da herança africana e indígena na produção artística no Brasil; espaço da cultura afro-brasileira e indígena no ensino de artes visuais; discussão da lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana.

Objetivos 







Compreender aspectos das matrizes estético culturais da arte brasileira; Entender os processos de sincretismos, mestiçagens e hibridismos na arte brasileira; Discutir e questionar as relações de poder entre as diferentes matrizes culturais; Problematizar o uso das matrizes culturais na formação do docente de artes visuais.

UNIDADES Unidade 1: Matrizes indígenas 1.1 Uma produção artística primordial 1.2 Produções artísticas de caráter coletivo Texto complementar: Arte rupestre brasileira. Uma viagem ao mundo simbólico da Pré-História.

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Unidade 2: Matrizes africanas: religiosidade, resistência e ofícios 2.1 Contribuição da cultura negra na formação cultural brasileira 2.2 Resistência e luta da cultura negra 2.3 Religiosidade africana e sincretismo 2.4 Miradas de universalidade positiva da cultura negra Unidade 3: Matrizes européias: colonizar, catequizar e construir 3.1 Registro artístico de uma terra exótica Unidade 4: Imagens sacras 4.1 Aleijadinho 4.2 Veiga Valle

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Matr izes Cu ltur a is da

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Unida de 1

Matr izes indí genas Professora Autora Maria Elizia Borges*

Nota da autora: Material originalmente elabora-

do com a ajuda de algumas pessoas, às quais dirijo um agradecimento coletivo. No volumoso trabalho de compilação documental e em momentos vários nas atividades da pesquisa, menciono Henrique de Freitas. No trabalho de processamento do texto, recebi ajuda de Rodrigo Borges Marques. A artista Lucimar Bello Pereira Frange fez a leitura crítica. No zelo com o tratamento didático do livro, contei também com a leitura criteriosa do aluno então, secundarista Ricardo Felício do Nascimento. 1 1 Uma pr odução ar tí stica pr imor dial .

A literatura arqueológica menciona três categorias de trabalhos manuais realizados pelas culturas chamadas de primitivas que habitavam todo o território brasileiro, no período denominado Pré-colonial, entre 10.000 a.C. e 15.000 a.C., até a chegada dos portugueses. São artefatos líticos, pinturas e

cerâmicas e estão espalhadas em sítios arqueológicos por todo o país. Das regiões pesquisadas até o momento, destacam-se os estados de Minas Gerais, Goiás, Piauí, São Paulo e Rio Grande do Sul. Os trabalhos manuais não eram considerados obras de arte pelas culturas que os produziram, pelo menos não no sentido formal em que é usado o conceito. Trata-se, na verdade, de uma produção artística originária de um contexto social completamente diferente da civilização ocidental, que adota tal terminologia. Para o arqueólogo Ulpiano Bezerra de Meneses (Zanini, 1983), esses produtos devem ser estudados, quanto a suas funções, e aos procedimentos de manufatura, a m de identicar quais deles teriam  prováveis funções estéticas. Sabe-se que toda manifestação estética propicia um aguçamento na sensibilidade das pessoas, logo, o estudo dessa produção tem grande interesse para os historiadores da arte.

*Mini-currículo da autora: Professora do Programa de Pós-Graduação em Cultura Visual e do Programa de

Pós-Graduação de História, ambos na Universidade Federal de Goiás, Brasil. Pesquisadora do CNPq com artigos publicados no país e no exterior sobre arte funerária no Brasil. Foi professora e coordenadora do curso de Artes Plásticas da Universidade de Ribeirão Preto (1973-91). Ministrou aulas na Faculdade de Arquitetura da Instituição Moura Lacerda (Ribeirão Preto, 1992) e no curso de pós-graduação em História da Universidade Estadual Paulista (Franca, 1994-95). Foi Secretária da Cultura em Ribeirão Preto (1993). Livros publicados: A pintura na “Capital do Café”: sua história e evolução no período da Primeira República (1999); Arte Funerária no Brasil (1890-1930): Ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto (bilíngüe, 2002). Integra o Comitê Brasileiro de História da Arte – CBHA, a Associação Brasileira de Críticos de Arte - ABCA, a Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais – ABEC, a Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP e a Association for Gravestone Studies – AGS. Site: artefunerariabrasil.com.br

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Tanto os arqueólogos como os historiadores da arte se deparam, na coleta do material nos sítios arqueológicos brasileiros, com diculdades de ordem geofísica: variações climáticas, acesso aos sítios, preservação dos materiais como bras, madeiras, peles etc. E de ordem geossocial: nanciamento, sistematização de critérios cientícos e carência de pesquisadores.

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O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), fundado em 1937, é o órgão responsável pela preservação do patrimônio dos sítios arqueológicos.

1.1.1 Artefatos líticos Com lascas de pedras os homens zeram, lâminas de machado com funções múltiplas: furar, cortar, raspar, alisar e pressionar. Nos sítios, é encontrada uma grande variedade desses artefatos, com formas arredondadas, planas e côncovas, tendo pontas bifaciais e losangulares, e acabamento polido. A estrutura geométrica é o ponto comum de todos os artefatos líticos, inclusive dos que continuaram sendo feitos por diferentes tribos indígenas, em períodos posteriores.

Muiraquitã, formas diversas. Zoólitos. Tapajós, Santarém – PA. Museu Paraense Emílio Goeldi - Belém do Pará.

1.1.2 Pinturas rupestres No Brasil, já foram localizadas pinturas rupestres em áreas de Várgea Grande-PI, Lagoa Santa – MG, Jaraguá e Serranópolis – GO, Campos de Lages, São Leopoldo – SC e Montenegro – RS e outras.

Ponta de Flecha. quartzo hialino, cachoeira do Chacorão, rio Tapajós, PA

Há também os  zoólitos, objetos utilitários de pedra, de formas geométricas e naturalistas, que representam animais – aves, peixes etc. – assim como os pequenos objetos líticos – pingentes, berloques e talismãs (muiraquitãs), gurados em sapos, rãs e pererecas.

Pictograas. Abrigo de Santana do Riacho – MG.

São observados dois procedimentos técnicos na feitura dessas pinturas: a pictograa e o petroglifo. O primeiro consiste na pintura sobre superfícies

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rochosas das grutas, com pincéis de bras ou com os dedos, utilizando-se de cores advindas de pigmentos de origem mineral – óxido de ferro (amarelo) – e vegetal – urucum (vermelho), jenipapo (preto) e carvão. O segundo utiliza instrumentos líticos para sulcar, picotear e friccionar as paredes rochosas de grutas e habitações subterrâneas. Independentemente da técnica, os motivos das pinturas rupestres apresentam dois repertórios. O geométrico consta de inúmeras linhas e formas. O orgânico compõe-se de guras humanas e de animais esquematizados e isolados ou associados a cenas de pesca, caça, dança, combate e relações sexuais. Os pormenores, muitas vezes, são naturalistas e o registro do meio ambiente vegetal torna-se raro. Da direita para a esquerda, há aspectos ligados ao movimento, ao espaço e a aparência dessas imagens não verbais.

A cerâmica marajoara foi produzida por agricultores de origem andina, que habitavam as orestas tropicais. Formavam uma sociedade em processo de estraticação social, haja vista o valor dado ao ritual da morte, atestado pela produção de grande quantidade de urnas funerárias bem elaboradas. São urnas de grande porte e exibem decoração exuberante, proveniente da técnica e pintura, com fundo geralmente creme claro, e da técnica excisa, em que o desenho é ressaltado por linhas de várias espessuras, mediante a retirada da superfície da cerâmica, antes da queima. Em ambos os casos, a decoração apresenta-se com formas geométricas estilizadas. Muitas vezes, recorre também à representação zoomorfa de rãs e cobras, ou antropomorfa, de mulheres e homens. Todas as urnas são bem polidas, assim como os vasos e as tangas, que têm o mesmo processo de manufatura. Quanto ao formato, as variações são básicas e simples, variando da forma esférica à cilíndrica.

Petroglifo. Pedra do Ingá – PB.

1.1.3 A Cerâmica A feitura da cerâmica no território brasileiro desenvolveu-se a partir do primeiro milênio a.C., época em que as culturas primitivas já viviam no estágio de sociedade agrícola. A documentação existente nos museus antropológicos do país advém das inúmeras peças realizadas com uma matéria-prima farta – a argila. Fizeram-se recipientes utilitários, como vasilhames e vasos; objetos decorativos e de uso, como estatuetas e tangas; recipientes especícos, como urnas funerárias – vasos onde se depositavam o cadáver ou as cinzas dos mortos. As principais fases da cerâmica ocorreram, sucessivamente, em locais diversos: Ilha de Marajó – AM, Santarém – PA e Maracá – AP.

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Urna antropomorfa marajoara. Cerâmica,Ilha de Marajó – PA. Museu Paraense Emílio Goeldi – Belém do Pará.

A cerâmica de Santarém foi produzida por índios Tapajós, com um sistema de organização grupal superior aos habitantes da Ilha de Marajó, uma comunidade diversicada, hierarquizada e escravocrata. As cerâmicas são menores que as marajoaras e, nas peças, observa-se o emprego da policromia, de três cores ou mais – da incisa – o uso de artefatos líticos para gravar os desenhos – e dos adornos modelados – aplicados na superfície dos vasos. Os Tapajós também empregavam de motivos geo-

métricos estilizados, muito dos quais inspirados nas formas antropomorfas e zoomorfas. A decoração, sempre sutil e delicada, evidencia o grau avançado da manufatura dessas cerâmicas. As estatuetas – ídolos do culto da fertilidade – e os vasos utilizados tanto em ritos cerimônias como nos hábitos do cotidiano, são um bom exemplo disso.

Vaso de gargalo com apliques. Zoomorfos. Cultura Cerâmica. Santarém – PA. Museu Paraense Emílio Goeldi – Belém do Pará.

Quanto à cerâmica de Maracá, encontrada em sítios próximos a igarapés do Rio Maracá, dela só restaram algumas peças vinculadas ao ritual da morte – pequenas urnas funerárias destinadas a sepultamentos secundários. O formato é variado com estilização de formas zoomorfas e antropomorfas complexas, que estão esculpidos até mesmo em adereços, pulseiras, cocares e braçadeiras. Em outros sítios arqueológicos, como o Tupi-guarani, também há exemplos de cerâmica – urnas funerárias, vasos e outros artefatos.

Em resumo, o fenômeno artístico do período pré-colonial reúne grande variedade de artefatos artísticos, produzidos com diferentes técnicas e funções diversicadas por culturas em estágios diferentes de socialização.

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Por que todos os objetos de função utilitária apropriam-se mais da representação antropomorfa e da geométrica? Por que foi dado um maior desempenho técnico e artístico às pinturas rupestres e às urnas? Expressam as formas plásticas o fato diferenciador e identicador dos trabalhos manuais, quanto ao valor de uso e ao valor cerimonial? Estas e outras indagações serão, por certo, elucidadas à medida que essa produção for estudada de um ponto de vista mais global. Peter Pilles, arqueólogo do Serviço Florestal dos Estados Unidos, em entrevista ao jornal O Popular , de 9 de setembro de 1997, conrma pesquisas realizadas na África do Sul, que buscam explicar por que a arte rupestre de vários lugares do mundo, inclusive a do Brasil é parecida. Essa semelhança tem sido relacionada às necessidades básicas das culturas, isto é, considera-se que se trata de uma produção artística primordial. Requer “olhar para ver” as semelhanças entre imagens plásticas, requer atenção e treinamento. SAIBA MAIS  Aonde ir 

em Goiás: 

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Museu de Antropologia da Universidade Federal de Goiás. Praça Universitária - Goiânia. Fundação Jesco Putkamer – Goiânia. Sítios arqueológicos: Serra da Mesa - Serranopólis. Memorial do Cerrado – UCG - Goiânia. Casa do Índio – Goiânia.

Quando viajar, aproveite e visite os espaços listados:    







Urna antropomorfa. Maracá. Cerâmica, escultura Maracá –AP. Museu Paraense Emílio Goeldi- Belém do Pará.

Museu Paraense Emílio Goeldi - Belém – PA. Parque Zoobotânico – Carajás - PA. Museu do Estado. Recife – PE. Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Cidade Universitária-SP. Museu Paulista da Universidade de São Paulo. Jardim do Ipiranga. São Paulo – SP. Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul. Taquara – RS. Museu Universitário. Cidade Universitária. Trindade. Florianópolis – SC.

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1 2 Pr oduções ar tí sticas de car áter  c oletivo .

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Quando os portugueses aportaram em terras do Novo Mundo, ele era habitado por várias culturas nativas. O antropólogo Darcy Ribeiro (Zanini, 1983) faz distinção entre as modalidades gerais dessas culturas, em função dos seus sistemas adaptativos de ordem geográca: Os silvícolas – vivem em regiões de orestas com vegetação densa e clima úmido; Os campineiros – vivem em regiões do cerrado, com vegetação mais rasteira e clima seco. A quantidade de animais é mais escassa. Seu sistema agrícola é inferior ao dos silvícolas.

formas abstratas e cores variadas. A arte do corpo não é feita de maneira aleatória, é determinada pelo ritual e é condizente com o signicado de cada um deles. Cabe a cada indivíduo ressaltar sua beleza dentro das normas preestabelecidas.





Ambas as modalidades são produtoras de uma grande quantidade de artefatos manuais primorosos, de cestaria, cerâmica, tecelagem e plumária. Os objetos confeccionados pelos povos indígenas eram considerados, até há poucos anos, mero documento etnográco. A história da arte moderna começou, então, a avaliar parte desses objetos como fatos artísticos e como pontos de referência estética. Um estudo global dessas comunidades evidenciou a importância da criatividade artística como elemento de integração cultural nessas sociedades. Para os índios, as atividades artísticas fazem parte da vida cotidiana. Todos têm tempo livre, dedicado ao lazer, ao fazer artístico e ao convívio social. A pintura, a escultura, a arquitetura, a decoração, a música, a dança, são todas, manifestações de igual valor expressivo. Todos os elementos da comunidade participam do processo como críticos e como autores. Logo, não existe acervo, pois o produto é feito com função e uso determinados, conrmando, assim, a identidade particular de cada comunidade.

Gênero artístico efêmero. Pintura corporal indígena

1.2.2 Gêneros artísticos perecíveis Alguns povos indígenas dão especial atenção aos cortes de cabelos, aos adornos de lábios , narinas e orelhas; outros adotam adornos e diademas plumários sobre a cabeça; e muitos utilizam arranjos de decoro – braçadeiras, tornozeleiras, tangas, cinturões, faixas e colares, que são feitos de miçangas, sementes, dentes, plumas, cipós e tecidos. Todos esses adereços colocados no corpo pintado servem para identicar o tipo de ritual realizado. As máscaras são objetos ritualísticos elaborados com palha, madeira, pigmentos, etc. Utiliza-se uma guração grotesca e/ou abstrata para simbolizar o imaginário coletivo do bem e do mal, conforme as manifestações místicas dessas culturas.

Três gêneros artísticos destacam-se pela relevância e meticulosidade estilística. São eles: efêmeros,  perecíveis e duradouros.

1.2.1 Gêneros artísticos efêmeros Em rituais cerimoniais, muitos se expressam através da pintura corporal – desenho sobre a pele de

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Máscaras ritualísticas., Índios Tukuna.

Os trançados – cestos, abanos, peneiras, esteiras e redes são produtos elaborados e sua duração também é relativa, pois a matéria-prima empregada consiste de folhas, cipós, talos e bras. A complexidade na combinação das tramas resulta num trançado de formas geométricas.

nam-se símbolo da comunidade, pois exprimem a capacidade do trabalho coletivo e o poder da liderança tribal. Normalmente, elas têm uma conguração com bases circulares ou ovais e o teto cônico, considerados de grande valor arquitetônico.

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Maloca indígena

Cesto Carguerio, katari anon - Índios Wayana-Aparaí 

1.2.3 Gêneros artísticos duradouros Incluem-se, nesse gênero, os objetos cerâmicos e as edicações coletivas. A cerâmica da cultura indígena atual adota processo semelhante ao das culturas pré-coloniais, visto na unidade anterior. Destacam-se aqui, os licocós – peças pequenas de cerâmica que retratam homens, mulheres e crianças com corpos pintados e adornados. Eles são semelhantes às Vênus Esteatopígias, do período paleolítico superior europeu. As primeiras culturas indígenas deram um caráter próprio e inconfundível aos licocós: posição estática, estilizada, desproporção das partes do corpo, movimentos leves e simplicidade temática. Já nas produções atuais, os licocós retratam os hábitos da vida cotidiana: cenas em movimento de formas estilizadas, vazadas e policromadas. São temas narrativos que procuram o resgate de seus mitos. As malocas são moradias edicadas pelos homens. As construções são realizadas da maneira mais rudimentar à mais complexa, conforme o estágio cultural de cada tribo indígena. Existem malocas cuja função é apenas abrigo. As mais elaboradas tor-

Outro modelo de moradia é o de formato quadrangular, telhado de duas águas, podendo abrigar centenas de pessoas. Os sistemas de cobertura são variados, a depender da matéria-prima de cada região: galhos e palhas, folhas de sororoca, toldos de esteiras de cana e palmas. Para reetir O que signica para você o artesanato indígena? É um objeto de decoração ou de uso? Você já dormiu em uma rede? Como se sentiu?

A arquitetura moderna emprega o concreto armado em suas edicações e pode apropriar-se de inúmeras formas cônicas como elemento de liberdade formal e técnica. Um exemplo é a Igreja de São Francisco de Assis de Belo Horizonte projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Você conhece formas similares em outras construções?

Igreja São Francisco de Assis. 1943. Pampulha, Belo Horizonte – MG. Oscar Niemeyer, arquiteto.

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As linguagens visuais podem apresentar similaridades, mas o que se deve levar em conta é o contexto cultural em que ela foi criada. É preciso querer “olhar para ver” as diversidades, além das semelhanças. Saiba mais O que ler:

Maria Heloísa Fénelon Costa. Berta Ribeiro; Aonde ir:

Lavras e Louvores. Museu de Antropologia da Universidade Federal de Goiás. Praça Universitária. Goiânia – GO O que assistir:

Série O povo brasileiro (matrizes indígenas) – youtube Exposição sobre Gilberto Freyre – Youtube Casa da cultura da mulher negra –Canal Futura

Para reetir “Antigamente a gente tinha muitos adornos de penas, eram grandes e grossos, muito mais bonitos que os de agora. Mas naquele tempo não se precisava de tanto trabalho para conseguir as penas: o pajé cantava e elas vinham voando; vinham penas de tucano, de arara, de japu para fazer os colares das mulheres e aqueles diademas grossos”. (Ribeiro e Ribeiro, 1957:79).

Texto Complementar Ar te r upestr e br asileir a Uma viagem ao mundo simbólic o da Pr é Histór ia .

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Ludimília Justino de Melo Vaz 

Arte rupestre é o termo cunhado especicamente para referir-se ao comportamento do homem de culturas ágrafas de representar grasmos em suportes rochosos. São as pinturas e gravuras inscritas em paredões rochosos, ou grandes blocos aorados, que algumas vezes proporcionaram ambiente para o abrigo humano.

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As inscrições rupestres registram o impenetrável mundo simbólico das populações pré-históricas. Não se sabe o que representavam estes desenhos ou qual a sua função no grupo, mas são admiráveis as formas e as cores que perduram ocultas nas paisagens rochosas. No tempo presente o homem contemporâneo permanece utilizando paredes como suporte para se expressar, no entanto, estes grasmos diversos – pichações, grates, palavras de ordem, declarações de amor – contém outros signicados sociais, que devem ser compreendidos dentro do contexto a que pertencem. Comumente esta confusão é feita na intenção de estabelecer parâmetros entre as diferentes manifestações. Contudo, cada sistema simbólico deve ser compreendido dentro do seu próprio contexto. Observe como as classicações que fazemos das formas estéticas do passado são puramente convencionais, realizadas a partir do ponto de vista das noções artísticas do nosso tempo. São tentativas de entender culturas das quais temos apenas vestígios. Apesar de a arte rupestre constituir um objeto xo que está exposto ao consumo visual, a sua função não era a de uma obra artística como entendemos hoje. Ela tinha a nalidade de transmitir e reforçar o conhecimento cultural do grupo, provavelmente, em situações rituais. Para Upiano Bezerra de Meneses (1983), o ponto frágil para a apreciação da manifestação artística do período Pré-colonial é fundamentalmente acreditar na existência de uma categoria à parte de objetos denidos como artísticos. É assim que alguns objetos que não tem nalidade utilitária são enquadrados no âmbito artístico, tais como os adornos e enfeites. Porém, até estes objetos tiveram um signicado social bastante relevante para as sociedades précoloniais, as formas estéticas estavam incorporadas aos artefatos ou utensílios do uso cotidiano, não havendo a categoria de objeto artístico dissociada da função utilitária. Através deles estavam impressas formas estéticas e valores, tais como, posição social, descendência, faixa etária, entre outros. A arte rupestre, como expressão do co-

nhecimento cultural destes grupos, estava misturada à vida cotidiana – ritual, festividade, enterramento – sem que os seus autores distinguissem entre um signicado e outro.

Panorama da arte rupestre no território brasileiro No território brasileiro são encontrados centenas de paredões rochosos com arte rupestre. Os primeiros habitantes nos limites do Brasil viviam da caça e da coleta, seu modo de vida exigia que circulassem em diferentes ambientes ecológicos em busca dos recursos necessários para a manutenção do grupo. Os caçadores coletores estabeleciam-se em acampamentos temporários sob abrigos rochosos, onde manifestavam suas crenças, realizavam rituais, enterravam seus mortos. Posteriormente, quando o homem aprende a cultivar plantas, ele se torna sedentário, constrói sua moradia, aumenta o número de membros da comunidade, mas continua fazendo excursões em abrigos rochosos, para a caça, pesca ou coleta de recursos diversos e também para ns rituais. Nas investigações arqueológicas nem sempre é possível encontrar correspondência entre as pinturas do paredão e os diferentes grupos culturais que ocuparam o abrigo rochoso ao longo do tempo. Isto se dá porque, ao escavar o terreno de um abrigo, são encontrados vestígios de agricultores ceramistas, nas camadas superciais do solo e de caçadores coletores nas camadas mais profundas. E o arqueólogo só poderá associar a arte rupestre a um desses níveis temporais se encontrar vestígios desta atividade, como por exemplo, restos de pigmentos. As classicações estilísticas baseadas nos critérios formais, técnicos e temáticos dos painéis de arte rupestre, têm sido utilizadas por arqueólogos para compreender as dispersões e mudanças culturais desse complexo universo de imagens. Para compreender a diversidade da arte rupestre no Brasil vamos apresentar um quadro geral, baseado nas investigações e registros arqueológicos sistematizados por André Prous (1992). Conforme vamos observar, algumas áreas especícas consolidaram determinados modos ou estilos de fazer grasmos rupestres, baseados em técnicas, temáti-

cas, formas e cores, e que apresentam uma grande distribuição territorial. Nos estudos arqueológicos estes conjuntos são chamados tradições, uma vez que incluem certa variabilidade dentro do conjunto, provocada pela dinâmica cultural. Esta classicação tem sido utilizada como parâmetro de similaridade a cada vez que um novo painel é identicado e estudado (PROUS, 1992; GASPAR, 2003)

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De um modo geral, as gravuras, também chamadas petroglifos, parecem pertencer a contextos sócio-culturais distinto das pinturas, mas algumas vezes se interpenetram. Para a elaboração da gravura era usada uma rocha que servia de artefato para o picoteamento ou fricção do suporte rochoso. Os painéis gravados constituíam desenhos geométricos e formas humanas. Sobre os grasmos geométricos não podemos deixar de dizer que estes participavam ativamente dos códigos de linguagem visual encontrados no território brasileiro. As formas, que para nós são abstratas, tinham um signicado reconhecido e aceito pelos grupos pré-históricos, tanto que, muitos desses desenhos se repetem em diversos painéis, demonstrando a aceitação da representação iconográca (VAZ, 2005). No Rio Grande do Sul um conjunto de gravuras de temática geométrica apresenta-se alinhado nas escarpas do Planalto, corresponde à Tradição Meridional. A temática pode ser dividida em dois grupos. Um que se caracteriza pela ocorrência de círculos maiores rodeados por círculos menores, sugerindo pegadas de felídeos. E a outra apresenta traços retos paralelos ou cruzados e as vezes curvos. A unidade gráca formada por três linhas que partem do mesmo vértice, conhecida por “tridáctilo”, é identicada em diversos painéis gravados.

Gravuras da tradição Meridional. Canhemborá. Nova Palma – RS. Fonte: Prous (1992).

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Gravuras da tradição Meridional. Sítio Josefa – RS. Fonte: Prous (1992).

As gravuras da tradição Geométrica no Nordeste do Brasil estão nas imediações de rios e cachoeiras, algumas vezes sujeitas às enchentes sazonais. A Pedra Lavrada do Ingá, próxima ao município de Campina Grande, na Paraíba é uma obra de tamanho monumental, o bloco rochoso tem 24 metros de largura por três metros de altura. A maioria dos desenhos são sinais não identicados, mas existem também guras zoomorfas e antropomorfas.

Nas ilhas litorâneas do estado de Santa Catarina os locais sinalizados estão a cerca de 15Km da costa, são de difícil acesso e até mesmo perigosos. Este conjunto foi denido como tradição Litorânea Catarinense. Os painéis rupestres orientam-se para o alto-mar, sugerindo uma mensagem endereçada para quem chega do oceano. Os grasmos são compostos por linhas sinuosas, círculos concêntricos e guras humanas bastante esquemáticas.

Pedra Lavrada, Ingá (PB).

Gravuras da tradição Litorânea Catarinense. Ilha dos Corais. Fonte: Prous (1992).

No continente, no planalto brasileiro que vai da região Sul até a Nordeste as gravuras são identicadas como Tradição Geométrica, encontram-se nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Paraíba. Pode-se dizer que se caracterizam por motivos geométricos inexistindo quase completamente representações gurativas. São predominantes as depressões esféricas, destacando-se também os “tridáctilos”.

Gravuras da tradição Geométrica meridional. Morro do Avencal (SC) Fonte: Prous (1992).

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Os pigmentos empregados na arte rupestre são predominantemente de origem mineral. Os óxidos minerais foram empregados para a obtenção dos pigmentos vermelho e amarelo. O branco, também de origem mineral, é encontrado em formações calcárias. O preto é proveniente do carvão de vegetais ou de ossos. Os pigmentos penetram nas ssuras da rocha incorporando-se a ela, o que tem proporcionado longa durabilidade (LAGE, 2002) O conjunto classicado como tradição Planalto apresenta guras basicamente monocrômicas, estão espalhadas desde a fronteira entre Paraná e São Paulo até a Bahia. As pinturas foram produzidas por pigmentos vermelhos, mais raramente aparece o preto, o amarelo e o branco. A temática representa animais, que ocorrem em maior freqüência que os desenhos geométricos, enquanto que as guras humanas são raras. No Vale do Rio São Francisco em Minas Gerais, Bahia e Sergipe ocorrem painéis rochosos de pinturas caracterizadas pelo uso intenso da bicromia, agrupados na Tradição São Francisco. As cores vermelha, amarela, preta e branca dão grande intensidade aos painéis de grasmos geométricos (Fig. 7). A temática abstrata é predominante em relação às guras de animais e humanos. Os raros

O maior acervo de pinturas rupestres está implantado no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. A formação geológica composta por uma cuesta – imensa linha de paredões verticais – abriga um nicho ecológico favorável à ocupação préhistórica. Neste contexto e em suas adjacências já foram registrados mais de 500 painéis rochosos com pinturas e gravuras rupestres.

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Nesta área podem ser identicados dois conjuntos de pinturas rupestres. Um deles, denominado tradição Agreste, tem como elemento denidor as guras animais ou humanas isoladas, de grande tamanho, dando destaque ao painel. O outro conjunto classicado como tradição Nordeste, caracterizase pela abundância de guras humanas agrupadas e formando cenas de expressão dinâmica. Representações de animais da tradição Planalto. Pinturas. Fonte: Prous (1992).

zoomorfos são quase que exclusivamente peixes, pássaros, cobras, lagartos e tartarugas. Ocorrem representações isoladas de pés humanos, armas (lança, propulsores), instrumentos (cestos, tipiti, panela, maracas).

A tradição Agreste é encontrada, além do Piauí, nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Os painéis pintados são compostos por vários sinais acompanhados por animais ou guras humanas, que costumam ser de tamanho grande, destacando-se no conjunto das pinturas. A gura humana pode ser representada de modo isolado ou em raras cenas de poucos personagens. Os animais geralmente são estáticos, havendo emas, quelônios e pássaros de asas abertas e longas pernas, alguns com tendência ao antropomorsmo. Há grandes guras geométricas bem elaboradas e carimbos Saiba mais

Grasmos policrômicos da tradição São Francisco. Lapa do Boquete, Januária (MG). Fonte: Gaspar (2003).

Nos municípios de Montalvânia e Januária, em Minas Gerais, região do São Francisco as investigações arqueológicas revelaram que a ocupação mais antiga da área se deu por volta de 11.000 a.C. Diversos grupos culturais se sucederam ali até o período histórico. O resultado dessa diversidade cultural se manifesta nos paredões rochosos, que apresentam, além das pinturas geométricas policrômicas, outros grasmos semelhantes aos encontrados no Parque Nacional Serra da Capivara – PI, representando humanos em cenas de ação (PROUS et al., 1984, p. 47-58).

Os desenhos gurativos são chamados de antropomórcos quando representam a gura humana, e zoomórcos na representação de animais. O antropomorsmo, por sua vez, indica a gura animal com caracterização humana, como, por exemplo, a posição ereta com os membros superiores abertos. A frontalidade da gura animal, que sempre é representada de perl, neste caso, seria uma tendência ao antropoformismo. Este termo busca descrever guras de âmbito regional, não sendo, convencional a todos a arte rupestre.

As cenas de temática reconhecível da tradição Nordeste sugerem caça, dança, guerra, cópula, rituais, etc. As guras humanas seguram armas (bastões, propulsores), cestas e outros. Estas pinturas fornecem informações sobre a vida cotidiana, as crenças,

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Pinturas da tradição Agreste. Parque Nacional da Serra da Capivara (PI). Fonte: Gaspar (2003).

as manifestações rituais daqueles povos. Entre os animais dominam as emas, os cervídeos e pequenos quadrúpedes. As cenas de caça são as mais representadas, compostas por um ou mais animais, por caçadores e artefatos utilizados para este m.

Grasmos de reconhecimento. Tradição Nordeste. Serra da Capivara – PI. Fonte: Pessis (2003).

Grasmos reconhecimento. Tradição Nordeste. Serra da Capivara – PI. Fonte: Pessis (2003)

As investigações arqueológicas na Serra da Capivara têm dado importantes informações sobre a presença humana na pré-história das Américas, recuando sua antiguidade a cerca de 50 mil anos. O processo de ocupação da região deu-se de maneira contínua. A manifestação pictural aparece ainda no Pleistoceno, período em que a clima sofria baixas temperaturas, a cerca de 29.000 anos atrás. Mas as expressões parietais constituídas nos padrões estilísticos recuam a 12.000 anos (PESSIS, 2003).

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A região do Parque Nacional Serra da Capivara parece ter sido o berço da Tradição Nordeste caracterizada pelas cenas de ação, considerando a quantidade e diversidade dessas pinturas na região. Os grasmos de ação estendem-se pelos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará, Minas Gerais e Goiás. A dispersão do estilo pode estar ligada à expansão do grupo cultural provocada pelo crescimento demográco. As pinturas da região do Seridó, no Rio Grande do Norte, correspondem a uma variação da tradição Nordeste. Os grasmos da região do Seridó destacam-se pela representação humana de boca aberta, talvez simulando um “bico de pássaro”. As guras têm tamanho pequeno, geralmente, pintadas com traço no com tinta líquida vermelha.

Grasmos de ação. Tradição Nordeste. Seridó – RN. Fonte: Pessis (2003).

A temática gurativa na composição de cenas se estende até a região de Lagoa Santa, no estado de Minas Gerais. Nesta região são encontrados painéis pintados cuja particularidade está na freqüência de guras derivadas da forma de pássaro. Encontram-se aves de asas abertas e pequenas guras antropomorfas de corpos lineares e com bico de pássaro. Na Lapa do Ballet estão representadas duas las de guras humanas com identicações de gênero, as mulheres são identicadas pelo volume do ventre e os homens pelo falo.

Representações de gênero. Lapa do Ballet, Lagoa Santa – MG. Fonte: Prous (1992).

A Tradição Nordeste também é identicada em situações pontuais no sudoeste do Mato Grosso. Na Bacia do Rio São Lourenço foram encontrados diversos abrigos com pinturas e lajedos com petroglifos. Em meio às inscrições geométricas predominantes no contexto regional as representações de guras humanas em ação são quantitativamente minoritárias. As cenas reconhecíveis mostram parto, caça e situações rituais. A tradição Amazônica abrange pinturas e gravuras localizadas nos estados do Pará, Roraima, Amapá, Rondônia e Mato Grosso. Só no baixo Rio Amazonas foram identicados mais de uma centena de inscrições rupestres, sendo identicados pelo menos dois estilos de pinturas diferentes. Nesta região os painéis estão compostos por guras humanas simétricas e geometrizadas, que medem cerca de 50cm de altura. Os antropomorfos estão em posição estática, o tronco é retangular preenchido por linhas cruzadas. Os diferentes painéis mostram cabeças humanas gravadas, geralmente radiadas, bastões e linhas curvas gravadas, pinturas de retas e retângulos preenchidos com traços, além das guras humanas esquemáticas de mãos dadas. São, também, recorrentes os desenhos de mãos, algumas vezes preenchidos com círculos concêntricos (Fig. 13). SAIBA MAIS Os desenhos esquemáticos correspondem àqueles que representam apenas elementos essenciais para o reconhecimento do objeto real. As guras humanas esquemáticas estão representadas por tronco, membros estendidos e cabeça apenas delineada, sem detalhamento de pés, mãos ou articulações que poderiam sugerir movimento.

Cabeças humanas. Monte Alegre – PA. Fonte: Pereira (2003).

Os estudos na Caverna da Pedra Pintada, localizada no município de Monte Alegre no estado do Pará, revelam que os caçadores coletores se adaptaram também à oresta tropical. As datações radiocarbônicas situaram as primeiras ocupações entre 11.200 e 10.000 anos atrás, datas que correspondem às camadas com concentração de pigmento utilizado nas pinturas. As guras rupestres são grasmos geométricos, diversos animais e cenas de caça e parto, além de impressões de mãos de crianças e adultos.

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A antiguidade das manifestações rupestre em Goiás A ocupação do Planalto Central, nas divisas do estado de Goiás, teve início a 11.000 anos atrás. Nos municípios de Serranópolis e Caiapônia as formações rochosas de relevo tabular instalam locais que serviram de abrigos para grupos humanos no passado. A estratigraa dos grandes abrigos com arte rupestre indicou a presença dos caçadorescoletores nas primeiras ocupações e de agricultores ceramistas nas mais recentes. No município de Serranópolis estão concentrados cerca de 40 abrigos de ocupações humanas, as ocupações mais antigas são datadas em ao menos 10.500 anos A.P. As pinturas eram feitas com tinta líquida aplicada com um “pincel” ou dedo ou com pigmento seco riscado na rocha. O tamanho predominante das guras é de 15m a 30 cm, mas existem guras com alguns poucos centímetros e outras que atingem até um metro. A cor mais freqüente é o vermelho, mais raramente aparecem o amarelo, o preto e o branco (SCHMITZ, et al.,1984). A temática compõe-se de guras animais, humanas e geométricas. Os animais são variados: lagarto, tatu, tartaruga, macaco, veado, ema, seriema, arara, papagaio e outras aves (Fig. 14). As guras humanas são raras e as pisadas humanas aparecem com certa freqüência. Os grasmos geométricos podem ser círculos, elipses, triângulos, losangos, retângulos, e ainda linhas retas, quebradas e curvas. As guras podem estar vazias ou preenchidas (SCHMITZ, 1984). Em Serranópolis as gravuras aparecem nos abrigos, junto às pinturas. As pinturas eram executadas, geralmente, sobre as partes mais lisas e duras

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petroglifos em uma área de inúmeros abrigos pintados. Os desenhos lineares e fechados aparecem  juntos a pés e guras humanas. As “cruzes” são os únicos desenhos coincidentes nos petroglifos e pinturas. Foram realizados pela técnica de abrasão e picoteamento; os sulcos são preenchidos com pintura vermelha ou preta. O picoteamento parece mais recente do que a técnica de abrasão (SCHMITZ, 1981/82).

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Pinturas, Serranópolis – GO. Fonte: Fundação Bienal (1984).

da rocha, enquanto que os petroglifos aparecem nos arenitos mais moles. Existem também abrigos exclusivamente com gravuras. Neste caso, a temática se caracteriza por geométricos lineares formando ângulos, guras fechadas, círculos preenchidos com raios, grades, elipses, pés de felinos e de humanos, folhas, entre outros. Os únicos motivos elaborados a partir das duas técnicas são folhas e pés. A diversidade de motivos gravados não permitiu um indicador de semelhança estilística, porque alguns grasmos têm ampla distribuição no território brasileiro (SCHMITZ, 1981/82, p. 415). Na região de Caiapônia as técnicas de pintura são as mesmas empregadas em Serranópolis – a tinta líquida aplicada com “pincel”, a pintura a dedo e o bastão seco. O pigmento mais comum foi o vermelho, raramente aparecem o preto e a policromia do vermelho e amarelo e/ou preto. As guras humanas, em tamanho pequeno, cerca de 10cm, representam cenas de ação. Entre os animais estão representados os veados, antas, tatus, tartarugas, onças, aves, macacos e peixes. Algumas vezes os animais compõem cenas com humanos ou são representados em bandos. Os peixes, por exemplo, podem estar aos pares ou em cardumes. Os geométricos ocorrem em menor quantidade, correspondendo a círculos concêntricos, losangos geminados, lineares, entre outros (SCHMITZ, et al.,1984). Em Caiapônia foram localizados três abrigos com

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Pinturas e gravuras são encontradas ainda em outras regiões do estado de Goiás como em Formosa, Serra de Jaraguá, Planaltina de Goiás e Niquelândia. A arte rupestre nestes locais apresenta um alto nível de degradação provocado por fatores diversos, entre eles, a intervenção nos painéis feita pela população atual com inscrições a carvão e o uso dos locais para atividades atuais.

Signicados da arte rupestre na contemporaneidade Depois deste panorama é possível compreender a diversidade dos grupos culturais e a vastidão do território brasileiro por eles ocupado no período pré-histórico. Vale ressaltar, no entanto, a fragilidade deste acervo exposto às intempéries e ao processo de ocupação e usos contemporâneos destes locais. Muitos paredões rochosos têm sido destruídos dando perda irreversível à arte rupestre. A preservação da arte rupestre como patrimônio cultural exige ações e intenções especícas, que lidam com a apreciação da arte, com a conservação do patrimônio e com a continuidade das pesquisas. Trabalhando dentro desta dinâmica de interesses é que a Fundação Museu do Homem Americano, juntamente com o IBAMA elaboraram um Plano de Manejo para ser aplicado no Parque Nacional da Serra da Capirava (GUIDON, 2002). Para alcançar o desenvolvimento econômico e social auto-sustentável, que envolvesse a população local, optou-se pelo turismo. As belezas naturais do Parque aliadas aos vestígios da préhistória foram os grandes atrativos da região. Com este intuito, o Parque foi preparado para a visitação com abertura de estradas e trilhas de acesso, colocação de passarelas para a condução do público nos sítios arqueológicos, além da

preocupação com a higienização do Parque e conservação dos painéis de pinturas rupestres. A preservação do patrimônio arqueológico se  justica, além de outros fatores, pelas referências que traz do passado pré-histórico e pelo testemunho do processo de mudança atravessado pela humanidade.

A arte rupestre é um sistema de signicação do passado que emerge na contemporaneidade com outros sentidos. As manifestações estéticas da pré-história podem produzir vínculos afetivos do homem com o seu espaço, com a sua terra mátria, na medida em que é conhecida e entendida como pertencente aos diferentes grupos sociais que constituem o povo brasileiro.

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