Martin Sherman BENT

May 10, 2018 | Author: Eliane Ramin | Category: Adolf Hitler, Nazism, Love, Unrest
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teatro...

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BENT De

Martin Sherman

A t e n ção : Texto distribuído em caráter puramente de uso e leitura PESSOAL.

Todos os direitos reservados reservados aos detentores d etentores legais dos direitos da obra. Para a representação e comercialização legal da p eça, entrar em contato com o autor.

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ATO 1

Cena 1 [A sala de estar de um apartamento. Pequeno. Mobília esparsa. Uma mesa com  plantas. A porta à direita leva a um corredor para fora. Bem próximo está uma saída para a cozinha. À direita, uma saída para o quarto, e perto uma saída para o banheiro.] [Entra Max. Ele tem 34 anos e usa um roupão. Ele está de ressaca. Ele olha para o apartamento.] [entra no banheiro  –   –  pausa  –então no palco, mas do banheiro] Max: Meu Deus [entra Meu Deus! [Max volta para a sala e senta. Entra Rudy. Ele tem 30 anos e usa um roupão. Ele usa óculos e segura uma xícara.] Max ; Max olha e não toma. toma .] Toma aqui. Rudy: Toma aqui. [entrega a xícara a Max; Quer café? xícara .] Obrigado. Max: [pega a xícara.] [Eles se beijam. Max bebe café.] café.] Rudy: É tarde. São quase três horas. A gente dormiu muito e eu perdi a aula.

Detesto dançar quando perco a aula. Faz mal para os músculos. E não tem lugar pra aquecer no clube. Eu detesto aquele clube. O piso não é bom. É cimento. A gente não deveria dançar no cimento. Arrebenta com o tornozelo. Eles cobriram com madeira. Na noite passada, antes do show, eu me arrebentei na madeira muito, muito mesmo - e podia ouvir o cimento. Vou reclamar. Eu realmente vou. (Ele vai para a cozinha.]

[senta em silêncio e observa] observa ] Oh Deus! Max: [senta [Ruby volta da cozinha com uma jarra de água e joga um pouco nas plantas.] Rudy: As plantas estão morrendo. A luz desse apartamento é ruim. Queria que a

gente morasse num lugar decente. Queria que uma das suas idéias surgisse do nada. Ora essa, me escute, desejando um lugar maior. Logo Rosen vai bater na nossa porta, você sabe disso, querendo o dinheiro do aluguel. Nós estamos três semanas atrasados. Ele sempre vem num domingo. Só se importa com dinheiro.

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ATO 1

Cena 1 [A sala de estar de um apartamento. Pequeno. Mobília esparsa. Uma mesa com  plantas. A porta à direita leva a um corredor para fora. Bem próximo está uma saída para a cozinha. À direita, uma saída para o quarto, e perto uma saída para o banheiro.] [Entra Max. Ele tem 34 anos e usa um roupão. Ele está de ressaca. Ele olha para o apartamento.] [entra no banheiro  –   –  pausa  –então no palco, mas do banheiro] Max: Meu Deus [entra Meu Deus! [Max volta para a sala e senta. Entra Rudy. Ele tem 30 anos e usa um roupão. Ele usa óculos e segura uma xícara.] Max ; Max olha e não toma. toma .] Toma aqui. Rudy: Toma aqui. [entrega a xícara a Max; Quer café? xícara .] Obrigado. Max: [pega a xícara.] [Eles se beijam. Max bebe café.] café.] Rudy: É tarde. São quase três horas. A gente dormiu muito e eu perdi a aula.

Detesto dançar quando perco a aula. Faz mal para os músculos. E não tem lugar pra aquecer no clube. Eu detesto aquele clube. O piso não é bom. É cimento. A gente não deveria dançar no cimento. Arrebenta com o tornozelo. Eles cobriram com madeira. Na noite passada, antes do show, eu me arrebentei na madeira muito, muito mesmo - e podia ouvir o cimento. Vou reclamar. Eu realmente vou. (Ele vai para a cozinha.]

[senta em silêncio e observa] observa ] Oh Deus! Max: [senta [Ruby volta da cozinha com uma jarra de água e joga um pouco nas plantas.] Rudy: As plantas estão morrendo. A luz desse apartamento é ruim. Queria que a

gente morasse num lugar decente. Queria que uma das suas idéias surgisse do nada. Ora essa, me escute, desejando um lugar maior. Logo Rosen vai bater na nossa porta, você sabe disso, querendo o dinheiro do aluguel. Nós estamos três semanas atrasados. Ele sempre vem num domingo. Só se importa com dinheiro.

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O que são três semanas? Ele pode esperar. Bem, pelo menos, eu tenho um novo emprego. Vou pagar na quinta, se Greta mantiver manti ver o clube aberto. O tal do negócio enche o saco. Bem, eu acho que isso quer dizer que eu não posso reclamar do cimento, né? O negócio é o seguinte: eu não quero dançar com tornozelo machucado. Mais café? [Max balança a cabeça num “sim”. Ruby entre na cozinha. Max olha o espaço. Ele  põe sua mão na cabeça e suspira fundo, então então fecha os olhos.] olhos .] Max: Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. (abre seus olhos, respirafundo novamente).

Seis. Sete. Oito. Nove. Dez. [Rudy volta da cozinha cozinha e dá uma outra xícara de café para Max. Rudy recomeça a regar as plantas. Max o observa por um momento.] Max: O.K. Fala aí. Rudy: O quê? Max: Você sabe. Rudy: Não... Max: Vamos lá! Rudy: Eu não sei de nada. Escute, você acha que eu devo pedir dinheiro

emprestado pra Lena para pagar o aluguel? Ela é tão boazinha! Não sente nada por música. O que é loucura, l oucura, já que ela é tão bonita. Pernas perfeitas. Teddy quer fazer uma dança pra ela em total silêncio. Você acha que isso é uma boa idéia? Só que não há lugar nenhum pra isso. Não há trabalho. Lena perdeu aquela turnê. Então ela deve estar sem um tostão. Acho que ela não vai nos emprestar dinheiro. Quer comida? Max: Só me diga. Rudy: O quê? Max: Deve ter sido horrível. Rudy: O que deve ser “horrível”?

i sso que você não vai vai me dizer. Max: É por isso Rudy: Te dizer o quê? Max: Não finja pra mim. Rudy: Eu não estou fingindo nada.

( silêncio.) Não é? Max: Eu ia me odiar, não é? (silêncio.)

4 Rudy: Vou preparar o café da manhã. Max: Eu fui podre, não é? Rudy: Ovos e queijo. Max: Eu não quero ovos. Rudy: Bem, a gente tem sorte de tê-los. Eu os roubei do clube. Eles não

precisam de ovos. As pessoas vão lá pra beber e ver um show magnífico. É tão engraçado, porque aquele show enche o saco. Você sabe, fico tão envergonhado que eu tenho que pensar em outras coisas enquando estou dançando. Penso em lista de compras, alguém pode dizer, que você não está pensando em chapéus de palha, lírios, quero dizer, pode até parecer, particularmente quando é lista de compras. Você fica com uma expressão de deprimido quando não dá pra pagar as compras do mês. Max: [ergue a mão e tampa a boca de Rudy.] Pára com isso! [Rudy tenta falar .]

Pára com isso! [Eles lutam, mas ele mantém a mão sobre a boca de Rudy.] Eu quero saber o que eu fiz.. [solta Rudy.] Rudy: [sorri.] Eu te amo. [entra na cozinha.] Max: Rudy! Suas plantas! Eu vou jogá-las fora se você não me contar o que

aconteceu. (Rudy volta. Max pisa nas plantas] Rudy: Você não faria isso. Max: Quer apostar? Eu fiz isso no mês passado. Rudy: Você matou uma. Aquilo foi maldade. Max: Vou fazer isso de novo. Rudy: Não toque nelas. Você tem que ser bom para as plantas. Elas podem te

ouvir. (para as plantas) Ele sente muito. Não quis fazer isso. Ele está apenas de ressaca. Max: O que eu fiz? (silêncio) Rudy: Nada demais. Max: Eu não consigo me lembrar de nada. E quando eu não lembro isso quer

dizer... Rudy: Não quer dizer nada. Você bebeu muito. É isso! O de sempre.

5 Max: Como isso aqui aconteceu? (tira o robe; nos ombros há uma marca na sua

pele.] R udy: O que é isso?

Max: Ai! Não toque! Rudy: Eu quero ver. Max: Então olhe! Não tem que tocar. Rudy: O que é isso? Max: O que parece? Uma grande marca azul. E tem outra aqui. [mostra uma

marca no seu braço.] Rudy: Nossa! Max: Como eu “peguei” elas? Rudy: Você caiu. Max: Como? Rudy: Alguém te empurrou. Max: Quem? Rudy: Um cara. Max: Que cara? Rudy: Amigo do Nicky. Max: Quem é Nicky? Rudy: Um dos garçons do clube. Max: Qual deles? Rudy: O ruivo. Max: Não me lembro dele. Rudy: Ele é um pouco gordo. Max: Por que esse cara iria me empurrar? Rudy: Você pediu pro Nicky vir pra casa com a gente. Max: Pedi? Rudy: Sim. Max: Mas ele é gordo!

6 R udy: Só um pouquinho.

Max: Um menage a tròis com um gordo? Rudy: Não um menange a tróis. Um menange à doze pessoas. Você convidou

todos os garçons! Todos ao mesmo tempo. Você estava em pé encima da mesa, fazendo uma oferta geral. Max: Nossa! E depois? Rudy: O amigo do Nicky te empurrou da mesa. Max: E…? Rudy: Você foi pro chão encima de um cara vestido de couro. Max: O que ele estava fazendo no chão? Rudy: Eu não sei. Max: A Greta ficou nervosa? Rudy: Ela n ficou muito satisfeita [ pausa.] Já era tarde. Quase todo mundo tinha

ido embora. E você estava muito bêbado. As pessoas gostam quando você fica bêbado. (pausa) Até te dão comida. Max: Eu nunca quis comida. Por que você não me parou? Rudy: Como é que eu posso te parar? Max: Não me deixe beber. Rudy: Ah, com certeza. Quando você estiver deprimido? Max: É. Eu estava deprimido. Rudy: Claro. Max: Eu não me lembro por quê. Rudy: Então a bebida fez efeito, não fez? (volta para cozinha)

[Um homem loiro, na faixa dos seus vinte anos, entra, com olhos sonolentos, sai do quarto. Ele está nu.] Homem loiro: Bom dia. (Ele tropeça no banheiro) Max: Rudy! Rudy: [saindo da cozinha.] O que foi? Max: Quem era ele? Rudy: Ele o quê?

7 Max: Aquela pessoa Rudy: Ah tá! Ele. O loiro? Max: Sim. Rudy: E grande? Max: Sim. Rudy: É o cara que você caiu em cima. Max: O cara vestido de couro? Rudy: Sim. Você o trouxe pra casa. [entra na cozinha.]  Max: Rudy! Suas plantas! Rudy: [volta da cozinha.] Você trouxe ele pra casa, é isso. Ele veio te seguindo.

Todo aquele couro, todas aquelas correntes. Você o convidou para sua pequena tropa de assalto. Você insultou todos os amigos dele. Eles foram embora. Não sei como eles não te arrebentaram, mas não fizeram nada. E você o trouxe pra cá. Max: E nós fizemos um menage a tròis? Rudy: Talvez vocês dois  fizeram um menage a tròis. Max, essas coisas não

existem. Você pega os caras. Você acha que está fazendo isso pra mim também. Mas não faz. E eu não gosto disso. Você e os outros caras acabam me ignorando no final. Além disso, na noite passada, você e sua pequena tropa de assalto começaram a ficar agressivos, e eu sei que dor   é uma coisa muito chique, mas não faz o meu estilo, porque a dor machuca, então eu fui dormir. ( leva uma xícara de café para Max, e com outra despeja nas plantas). Aqui, Walter, tome um pouco de café. Max: Walter? Rudy: Eu dou nome às plantas. Elas são minhas amigas.

[Rudy entra na cozinha. O homem loiro sai do banheiro, vestindo uma toalha. Ele sorri para Max.] Max: Rudyl Rudy: [volta da cozinha; olha para o loiro] Oi. Tem um robe lá no quarto.

[O loiro entra no quarto. Pausa]  Max: Desculpe. Rudy: Tudo bem.

8 Max: Eu sou podre! Por que eu sou tão podre? Por que eu faço essas coisas?

Mas ele é bonito, não é? Eu não lembro de nada. Não lembro o que nós fizemos na cama. Por que eu nunca me lembro? Rudy: Você estava bêbado. E chapado de cocaína. Max: Isso também? Rudy: Sim. Max: De quem era a coca? Rudy: Da Anna. Max: Eu não lembro. Rudy: Você tinha organizado uns esquemas pra pegar uma remessa pra vender. Max: Uma remessa? Rudy: Sim. Max: Jesus! Quando? Rudy: Não sei. Max: Isso podia ser muito dinheiro pro aluguel. Rudy: Anna deve se lembrar. Max: Certo. Tudo bem - aluguel, dinheiro. Talvez… Você acha que...? Rudy: O quê? Max: Nós podemos pedir pra ele. Rudy: Quem? Max: Ele! Rudy: Você está brincando. Max: Por que não? Rudy: A gente nem o conhece. Max: Eu dormi com ele. Eu acho. Será como foi? Rudy: Você pegou ele uma noite, e vai pedir para ele um empréstimo para pagar

o aluguel? Max: Bem, você sabe como eu sou. Rudy: Claro. Max: Eu consigo convencer as pessoas a fazer coisas.

9 Rudy: Claro Max: Eu posso tentar. Rudy: Não vai funcionar. Ele acha que você é rico. Max: Rico? Rudy: Você falou pra ele que era rico. Max: Excelente! Rudy: E polonês. Max: Polonês? Rudy: Você fez até sotaque.

[Rudy ri e volta para a cozinha. O loiro sai do quarto num robe curto. De pé olha  para Max. Silêncio embaraçoso.] Max: Oi. Loiro: Oi. O robe é curto. Fico parecendo bobo. Max: Você está bem. Loiro: É mesmo? Você também. [vai até Max e o beija, então começa a tirar o

robe de Max, e morde Max no peito] Hummm... Max: Opa! Agora não! Loiro: Mais tarde então. Max: Sim. Loiro: No campo. Max: Campo? Loiro: Sua voz agora está diferente Max: É mesmo? Loiro: Você não tem sotaque. Max: Só quando estou bêbado. Loiro: É? Max: Na noite passada… foi bom? Loiro: O que você acha? Max: Estou perguntando.

10 Loiro: Você tem que perguntar? Rudy: [entra com uma xícara de café] Alguém quer café? Loiro: Sim. Obrigado. [Rudy entrega uma xícara para ele. Silêncio] Esse lugar... Max: Sim? Loiro: É muito... [pára - silêncio]  Max: Pequeno? Loiro: Isso. Exatamente! Max: Eu acho que é mesmo. Loiro: Pessoas como você são estranhas, mantendo lugares assim na cidade.

Não encontro pessoas como você com muita freqüência. Mas você me interessa, o seu tipo. Max: Escuta... Loiro: Olha, não importa, quem você seja, quem eu sou. Eu estou de férias. Isso

é o que importa! E o campo vai ser um lugar legal. Max: O que o campo tem a ver? Loiro: Ora, sua casa de campo! Max: [a Rudy ] Minha casa de campo? Rudy: Ah. É isso aí. Eu esqueci de dizer que você disse isso pra ele. Nós

deveríamos estar indo para lá essa tarde. Max: Para nossa casa de campo? Rudy: Sua casa de campo. Max: Como a gente chega lá? Rudy: De carro. Max: O meu? Rudy: É isso aí! Max: Por que não ficamos aqui? Loiro: Não venha com brincadeiras. Você me prometeu dois dias na sua casa de

campo. Max: O seu nome… Loiro: Como?

11 Max: Eu esqueci o seu nome. Loiro: Wolf. Max: Wolf? Bom nome. Wolf : Eu não esqueci o seu. Max: Olha, Wolf, eu não tenho carro. Wolf : Claro que você tem! Max: Não. Wolf : Você me mostrou. Ali na rua. Me apontou. Max: Eu fiz isso? Não era meu. Wolf : Não era seu? Max: Não. Eu não tenho nenhuma casa no campo também. Wolf : Claro que você tem. Você me disse isso. Max: Eu estava brincando. Wolf : Eu não gosto desse tipo de brincadeira. Você não me quer com você, é

isso? Talvez eu não seja bom demais pra você. Não seja rico o suficiente. Meu pai fabricava relógios. Não é grande coisa. Não é, Barão? [Pausa.]  Max: Barão? Rudy: Não olhe pra mim. Dessa eu não sabia! Max: Barão. [começa a rir.]

[Há uma pequena batida na porta da frente.] Rudy: Rosen! Max: Merda! Wolf : Você gosta de rir de mim, não é, Barão?

[A batida continua.] Max: Escute, Wolf querido, você é muito, muito gentil e bonito e gostei muito de

você, mas está vendo, eu não sou essa maravilha, porque eu tenho o hábito de ficar bêbado e chapado e inventar coisas. Acredite em mim. Eu não sou nenhum barão. Não tem casa de campo. Não tem dinheiro. Não tenho nenhum tostão. Às vezes eu vendo cocaína, às vezes eu encontro pessoas pra investir em alguns negócios. Às vezes... bem... eu “surrupio”, entende? E eu sou bom nisso, e em algumas semanas eu tenho dinheiro novamente. Mas agora, nada. Rudy e eu não

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podemos pagar nosso aluguel. O aluguel desse muquifo aqui. Isso é tudo o que nós temos. E aquele homem batendo na porta é o proprietário. E ele vai nos atirar na rua porque a gente não pode pagar o aluguel. Na rua, Wolf, as ruas. Cheias de sujeira, vermes, piolhos e… mijo, mijo! A menos que alguém possa nos ajudar. A menos que alguém nos dê uma mãozinha. Essa é a verdade! Olha, você não acredita em mim, eu vou te mostrar. Bem aqui nós temos, como nos filmes, o proprietário avarento. (põe sua mão na porta) Som de fanfarra, por favor. (Rudy imita o som de um trompete). Max: Aqui está ele, o único e poderoso: Abraham Rosen!

[Max abre a porta com pompa. Dois homens estão lá fora  – um Capitão da Gestapo e um oficial usando uniforme na zista, ambos com armas. Max fecha a  porta.] Max: Aquele não é o Rosen!

[A porta começa a ser chutada até abrir. O capitão aponta para Wolf.] Captão: ELE! Wolf : Não!

[Wolf atira café no capitão e corre até o banheiro. O capitão e o oficial vão atrás dele. Rudy tenta ir ao banheiro também até que Max o segura.] Max: Burro! Corre!

[Max arrasta Rudy e eles correm pela porta da frente. As luzes se apagam no lado esquerdo do palco. Um tiro soa no banheiro. Wolf grita. As luzes acendem no lado esquerdo do palco assim que Greta entra. Greta é um homem vestido de mulher. Ele usa um vestido prateado, botas de salto alto e de couro, e um chapéu, além de carregar uma chibata de prata. Ele é ao mesmo tempo elegante e estranho. O capitão observa o oficial arrastar Wolf para fora do banheiro. Wolf está sangrando, mas ainda está vivo. Ele olha para o capitão e se arrasta vagarosamente em sua direção.] Wolf : Filho da puta! Captain: Wolfgang Granz, nós temos uma ordem de prisão para você. Você

resistiu. Que pena! [O capitão segura Wolf pelo pescoço, tira uma faca, e corta sua garganta. Greta  puxa uma corda sobre ele e abaixa um trapézio. Ele empura a barra do trapézio e

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se senta nele. Uma projeção no centro do palco mostra BERLIN-19341] [As luzes se apagam no apartamento. Holofote sobre Greta.] Cena 2 Greta sentada no trapézio. Ela canta numa voz sedutora e abafada. Greta:

Ruas de Berlim, Devo te deixar logo,  Ah! Você ira me esquecer? Eu estive realmente aqui? Me encontre um bar Em ruas pavimentadas Onde os garotos são bonitos Onde não posso amar Mais do que um dia Mas um dia é o suficiente nessa cidade.

Me encontre um rapaz Com olhos da cor do oceano E mostre a ele nenhuma piedade.  Arranque seus olhos, Ele não precisa ver Como eles te comem vivo nessa cidade.

Ruas de Berlim Você irá sentir minha falta? Ruas de Berlim, Você se importa? Ruas de Berlim, Você irá chorar 1

 É interessante observar que a 2ª Guerra Mundial começa em 1940 e termina em 1945, contudo, o processo de ascensão do Nazismo ao poder e as atrocidades de Hitler iniciaram-se bem antes de 1940. Adolf Hitler defendia a raça ariana como representação máxima da perfeição e pureza, portanto, tudo começa com a eliminação maciça de deficientes físicos e mentais que eram enviados para os primeiros protótipos de câmara de gás. Os homossexuais também entram nessa categoria no mesmo período. O filme  Amém de Costa-Gravas retrata muito bem essa fase anterior, quando um oficial nazista e um padre tentam avisar o mundo das atrocidades cometidas por Hitler, principalmente, o pontificado de Pio XII, apelidado de o “Papa de Hitler”.

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Se eu desaparecer De repente? Greta: [holofote acende. Luz sobre o clube de Greta. À esquerda do palco. Greta

está no camarim à direita  –  uma cadeira na frente do espelho e uma tela para troca de roupas atrás. Greta entra no camarim. As luzes se apagam lentamente sobre o clube.] Meus heróis! Onde vocês estão?  [Max e Rudy surgem atrás da tela. Eles estão usando calças e camisetas, peças de roupas de casa noturnas. Greta olha para eles.] Greta: Idiotas! 

[Max se senta num banquinho, perdido em pensamentos. Greta está sentada na cadeira, ajustando suas roupas na frente do espelho.] Greta: Estou me livrando dessas músicas desagradáveis. Quem eu estou

enganando? Estou me livrando do clube. Bem, talvez… talvez não. Posso fazer isso se tornar uma outra coisa. Vamos ver. Rudy: É seguro? Greta: O quê? Rudy: Nós irmos pra casa? Greta: Suas bichas burras! São acéfalos? Claro que não é seguro. Rudy: Eu quero ir pra casa. Greta: Você não pode. Não pode ir a lugar nenhum. Rudy: Eu tenho que pegar minhas plantas. Greta: Jesus! Esqueça suas plantas. Não pode ir pra casa. Vocês não podem

nem ficar aqui. Não podem contatar amigos, nem tentem ver a Lena. Ela é boa demais e vão colocá-la em confusão. Entendeu? Vocês têm que sair de Berlim. Rudy: Por quê? Eu moro aqui, trabalho aqui. Greta: Não. Você está demitido. Rudy: Eu não estou entendendo. O que nós fizemos? Por que a gente tem que ir

embora? Greta: Não vão embora. Fiquem. Sejam bichas mortas então. Quem liga pra isso?

Eu não! Max: [olha pra Greta] Quem era ele? Greta: Quem era quem?

15 Max: O loiro? Greta: Wolfgang Granz. Max: E daí? Greta: Ele era o namorado do Karl Ernst. Max: Quem é Karl Enrst? Greta: Em que mundo vocês vivem? Não tem curiosidade nenhuma sobre as

coisas que estão acontecendo? Max: Greta, não venha com sermão. Quem é Karl Ernst? Greta: Agente do Von Helldorf 2. Vocês sabem quem é Von Helldorf? Max: O chefe das patrulhas de Berlim. Greta: Não acredito! Finalmente vocês ouviram falar de alguém. Certo. É o

segundo homem no comando da SA, logo abaixo de Ernst Rohm 3. Rudy: Ah. Ernst Rohm. Eu o conheço. (Max e Greta olham para ele.) É aquela

bicha gorda, com aquelas cicatrizes horríveis no rosto, um grande manda-chuva, amigo pessoal de Hitler. Anda por aí com um monte de rapazes bonitos. Vai a todos os clubes. Eu me sentei com ele numa mesa uma vez. Ele já esteve aqui, não é? Max: Rudy, cala a boca! Rudy: Por quê? Max: Só cale a boca, ok? (a Greta) Então? Greta: Então Hitler prendeu Rohm na noite passada. Max: Você está brincando. Ele é braço-direito do cara! Greta: Era. Morreu. Como qualquer outro que está no alto escalão da SA: morto.

Sua ceninha em cima daquela mesa não foi o único evento da noite. Que noite terrível! A cidade está em pânico. Não viu os soldados nas ruas? A SS. Como vocês chegaram aqui usando roupão? Rapazes, vocês têm uma puta sorte. O boato é que Rohm e seu comando  –  Von Helldorf, Ernst, o namorado loiro, estavam planejando um complô. Eu não acredito nisso. Vão pro inferno! Deixem que eles se matem, quem se importa? Agora, é o fim do clube. Enquanto Rohm 2

 Wolf-Heinrich Von Helldorf (1896-1944) teria participado de um “suposto” complô para tirar Hitler do  poder em ascenção na Alemanha e na consolidação do Nazismo. 3  Ernst Rohm (1887-1934) atuou durante a 1ª Guerra Mundial com forte participação política e teve um forte  papel na construção do Partido Nazista. O episódio a que Greta se refere é a “traição” de Hitler que não hesita em descartar Rohm, dado que sua conduta começa a prejudicar a imagem do Partido Nazista.

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estava vivo, dava pra manter um clube. De qualquer forma, é o que você conseguiu, meu bem, Wolfgang Granz. Espero que vocês tinham tido uma boa foda. Qual é o problema? Você pegou o cara errado, é isso! Rudy: Nós podemos explicar para alguém que não o conhecíamos. Greta: Claro. Explique para toda a SS! Você não explica mais. Você sabe que as

bichas não são mais populares. Era o Rohm quem mantinha as bichas em paz.  Agora vocês são como os judeus. Odiados, meu bem, odiados. Rudy: E você? Greta: Eu? Todo mundo sabe que eu não sou bicha. Eu tenho esposa e filhos.

Claro, que isso não importa muito nos dias de hoje, importa? Mas eu ainda não sou viado! Quanto a isso... (tira a roupa) Eu vou aonde o dinheiro está. Ou estava. Max: [se levanta.]  Dinheiro? Greta: Claro. Max: Dinheiro! Ah, Greta... Greta: O que há contigo? Max: Quanto? Greta: Quanto o quê? Max: Quanto eles te deram? Greta: [rindo] Ah. [tira um bolo de notas.] Esse tanto. Max: E você contou pra eles onde o Granz estava? Greta: Contei pra eles, merda, mostrei pra eles o seu prédio. Rudy: Greta, você não fez... Greta: Por que não? Você não brinca com a SS. De qualquer forma, é o que ele

faria, o seu grande partido. Ele está atrás de dinheiro também. Ele não era muto bom nisso. Mas eu... eu sou dinamite. Olha aqui. Vou fazer um favor para vocês. Peguem isso! (dá um pouco do dinheiro) Rudy: Não. Greta: Vai ajudá-los. Rudy: A gente não quer isso. Max: Cala a boca, Rudy. Rudy: Pare de me falar para…

17 Max: Cala a boca! Não é o bastante. A gente precisa de mais. Greta: Então pegue mais. Max: Se eles nos pegarem, isso não vai ajudar você. Greta: Hhhumm! Uma ameaça? [pausa.] Vamos fazer o seguinte (tira mais

dinheiro) Eu já tirei vantagem da sua bondade, então estou devolvendo um pouco. Leve tudo! Rudy: Não pegue esse dinheiro. Max: O.K. [pega o dinheiro.] Greta: Agora saiam! Max: [a R udy] Vamos… Rudy: Pra onde? Eu não vou sair de Berlim. Max: Nós temos que sair. Rudy: Nós não temos que fazer isso. Max: Eles estão procurando por nós. Rudy: Mas eu moro aqui. Max: Vamos… Rudy: Eu paguei por aulas de danças para as próximas duas semanas. Não

posso ir embora. E as minhas plantas... Max: Meu Deus! Vamos! Rudy: Se você não tivesse ficado bêbado... Max: Não vem com essa. Rudy: Por que você tinha que levá-lo pra casa? Max: Como eu ia saber? Eu não me lembro. Rudy: Você estragou tudo. Max: Claro. Como sempre. Então você se vira, tudo bem? Volte pra suas aulas de

dança. Eles podem te dar um tiro no meio do seu arabesque. Pegue a metade. (tira um pouco de dinheiro) Rudy: Eu não quero isso. Max: Então vai se foder! [ameaça sair.]  Rudy: Max!

18 Greta: Max, ele não vai dar conta disso sozinho. Olhe pra ele. Fiquem juntos.

[Max se volta para Rudy ] Segure a mão dele, bobinho. [Rudy segura a mão de Max.] É isso aí! Rudy: Para onde nós vamos? Greta: Não! Não digam nada na minha frente. Saiam!

[Max olha para Greta. Então ele pega Rudy pelo braço e saem do quarto. Greta remove sua peruca. Ele se olha no espelho, então…

BLACKOUT

Cena 3

Luzes sobre um parque em Cologne. Um homem de meia-idade, bem vestido (Freddie) está sentado num banco. Ele está lendo um jornal. Max entra. Ele vê o homem e vai até o banco. O homem olha para cima. Freddie: Sente-se. [Max se senta] Freddie: Finja que somos estranhos. Tendo uma conversinha no parque.

Perfeitamente normal. (dobra o jornal) Faça algo inocente. Alimente os pombos. Max: Não tem nenhum pombo aqui. Freddie: Aqui. [entrega a Max um envelope.]  Max: Você está muito bem. Freddie: Você parece mais velho. Max: O que tem nisso? Freddie: Seus documentos e uma passagem para Amsterdã. Max: Só uma? Freddie: Sim. Max: Merda. Freddie: Fale baixo. Lembre-se: somos estranhos. Apenas uma conversa casual.

Perfeitamente normal.

19 Max: Uma passagem! Mas eu te disse no telefone... Freddie: Uma passagem. É tudo! Max: Não posso pegar isso. Porra! Eu até mataria por isso. Tome aqui. (devolve o

envelope) Obrigado, de qualquer forma. [levante-se.] Freddie: Sente-se. Não foi fácil conseguir aqueles documentos para você. Se a

família descobre… [Max se senta.] Freddie: Eu tenho que ser cuidadoso. Eles aprovaram uma lei, você sabe. Não

temos mais a permissão de ser bichas mais. Nem podemos beijar ou abraçar. Sequer fantasiar. Eles podem te prender por ter pensamentos de viado. Max: [ri.] Ah, tio Freddie. Freddie: Isso não tem graça. Max: Tem. Freddie: A família cuida de mim. Mas você... fica jogando isso na cara de todo

mundo. Não me admira que eles não queiram nada contigo. Por que você não pode ser mais discreto em relação a isso? Podia ter se estabilizado, se casado, pagava para ficar com alguns rapazes de vez em quando. Merda! Pegue essa passagem. Max: Não posso. Pare de oferecer isso pra mim. [Silêncio.] Freddie: Olhe lá. Max: Onde? Freddie: Logo ali. Consegue vê-lo? Max: Quem? Freddie: O de bigode. Max: Sim. Freddie: Bonitão. Max: Eu acho. Freddie: Acha que ele é viado? Max: Não me importo. Freddie: Faz anos que você anda por aí, não é? Com aquele bailarino. A família

sabe de tudo isso. Você não pode viver desse jeito. Pegue essa passagem. Max: Eu preciso de duas.

20 Freddie: Eu não consigo duas. Max: Claro que consegue. Freddie: É. Acho que ele é viado. Você tem que ser cuidadoso. O que você

sente por ele? Você o ama? Max: Quem? Freddie: O bailarino. Max:  Jesusl Freddie: Você o ama? Max: Não seja estúpido. O que é amor? Bobagem. Eu sou adulto agora. Só me

sinto responsável. Freddie: Bicha não dá conta desse tipo de responsabilidade. Por que você está

rindo? Max: Essa palavra: bicha. Olha, você acha que isso tudo é um feriado? Nós

estamos vagando pelo campo. Estamos acampados em algum lugar por aí. Então de repente eles estão checando documentos e nós temos que sair correndo.  Agora estamos morando fora de Colônia, na porra de um bosque! Num grupo de barracas, você estaria preparado para isso? Eu, numa barraca! Com centenas de pessoas desempregadas, chatas. A maioria deles está desempregado. Eles não estão fugindo da Gestapo. Eu não nasci pra isso, tio Freddie. Eu fui criado para viver uma vida confortável. Como você. E eu tenho andado por aí sem rumo faz tanto tempo. Você está certo. A família e eu devemos nos entender. Então, que tal um trato? Duas passagens para Amsterdã. E duas identidades novas. Assim que a gente chegar em Amsterdã, eu me livro dele. Aí eles podem me ter de volta.... Freddie: Talvez eles não te queiram de volta mais. Isso já faz muito tempo... Max: Eles me querem. É um bom negócio. Eu sou filho único. (pausa) Lembra

daquele casamento que meu pai queria arranjar? O pai dela tinha fábricas de botões também. Li sobre ela nos jornais. É uma viúva conveniente, morando em Bruxelas. Fazemos os arranjos novamente. Eu me caso com ela. Nossas fábricas de botões podem se unir com a fábrica de botões dela. É um bom negócio. Você sabe. E no final das contas, quando tudo isso acabar, você pode conseguir que eu volte para Alemanhã. E se eu quiser um rapaz, eu pago para ele. Como você. Serei uma bicha bem... discreta. Não é justo? É o que o meu pai sempre quis. Só nos ajude a sair daqui vivos!

21 Fred: Terei que pedir para o seu pai. Max: Isso mesmo. Peça para ele. Freddie: Não posso fazer coisas por conta própria. Não agora. (entrega o

envelope). Apenas isso. Max: Não posso aceitar isso. Freddie: Ele está olhando na nossa direção. Ele poderia ser da polícia. Não. Ele é

bicha. Ele tem olhos de bicha. Mesmo assim, a gente não pode afirmar com certeza. Bem, é melhor você ir. Vamos ser discertos. Perfeitamente normais. Eu irei perguntar para o seu pai. Max: Logo? Freddie: Sim. Posso te ligar? Max: No bosque? Freddie: Me ligue. Na sexta-feira.

[Freddie guarda o envelope. Max se levanta.] Max: Você parece muito bem, tio Freddie.

[Max sai. Freddie pega seu jornal, olha para ele, guarda e se prepara para sair, mas se volta para olhar o homem de bigode então... BLACKOUT

Cena 4

[O bosque. Em frente à barraca. Rudy está sentado na frente do fogo. Ele come algumas maçãs, queijo e tem uma faca na mão. Ele grita para Max que está dentro da barraca.]  Rudy: Queijo, Max?

[Max sai da barraca, se senta.  ] Max: Onde você conseguiu queijo? Roubou? Rudy: Eu não roubo coisas. Eu cavei um buraco. Max: Você o quê? Rudy: Cavei um buraco. Bem ali fora de Cologne. Eles estão construindo uma

estrada. Você pode se registrar lá na hora toda manhazinha. Eles não checam seus documentos. É bom exercício também, para os seus ombros. Estou ficando

22

com ombros legais. Mas meus pés... Dança nunca mais! Oh, meu Deus. Aqui. Pegue um pouco. Max: Eu não quero comer. Você não deveria ficar cavando buracos. Eu quero

comida de verdade pelo amor de Deus. (pega o queijo). Olhe pra isso! Ésse queijo nojento. Você não sabe de onde veio esse queijo. Olhe para essas barracas. Não há ninguém com quem conversar. (come o pedaço de queiro) Isso não tem gosto! Rudy: Então não coma. Eu vou comer. Tenho maçãs também. Max: Eu odeio maçãs. Rudy: Então passe fome. O que você fez ontem enquanto eu estava cavando? Max: Nada. Rudy: Você não estava aqui quando eu voltei. Max: Fui à cidade. Rudy: Se divertir? Max: Estou trabalhando numa coisa. Rudy: É mesmo? Max: É. Um acordo. (pega uma maçã) R udy: Ah, um acordo. Maravilha!

Max: Eu posso conseguir novos documentos e passagens para Amsterdã. Rudy: Você disse isso para Hamburgo. Max: Não ia funcionar em Hamburgo. Rudy: Você disse o mesmo para Stuttgart. Max: Você vai agora recitar a lista? Rudy: Por que não? Estou cansado dos seus planos. Você tem razão. Esse

queijo fede. Não quero comer isso. (chuta o fogo) Max: Você tem que comer. Rudy: Vou jogar fora. Max: Sua resistência fica baixa quando não come. Rudy: E daí? Max: Ok. Fique doente.

23 Rudy: Não. Eu não quero ficar doente. [come um pedaço de queijo.] Se eu ficar

doente, você vai me deixar pra trás. t rás. Você só está esperando que eu fique doente. Max: Ah, lá vamos nós de novo! Rudy: Você iria adorar se eu morresse... Max: Rudy! Eu só quero nos tirar daqui. Dessas barracas horríveis. Não tem ar.

Nós estamos ao ar livre, mesmo assim não tem ar. Não consigo respirar. Eu tenho que dar um jeito de nós cruzarmos a fronteira. Rudy: Por que nós não fazemos isso? Max: Como assim? Rudy: Um cara do trabalho hoje estava me contando que é fácil cruzar a fronteira. Max: Ah, claro, muito simples. Você só anda um pouquinho. E é claro que eles

atiram em nós! Rudy: Ele disse que sabia de indicações. Max: Indicações? Rudy: Indicações para atravessar. Eu contei para ele que ia falar com você. Max: Aqui? Rudy: Sim. Max: Eu te disse que não quero que ninguém saiba que nós estamos aqui ou que

nós estamos tentando cruzar a fronteira. Você é tão burro assim? assim? Rudy: Eu não sou burro. Max: Ele podia contar para polícia. Rudy: Ok. Então eu sou burro. Por que nós não tentamos de outro jeito? Max: Porque . . . Rudy: Por quê? Max: Estou trabalhando num acordo. Rudy: Com quem? Max: Não posso te dizer. Não posso falar sobre isso antes que aconteça. Porque

não vai acontecer e eu sou supersticioso. Rudy: Por que não fala sobre isso? Max: Então você saberia…

24 Rudy: O quê? Max: Que eu estou tentando. Rudy: Isso é loucura. Nós estamos no meio de uma selva... Max: Bosque. Rudy: Selva. Eu sou um bailarino, não Robin Hood. Não posso dançar mais.

 Acabei com meus pés. Mas você não se importa. Você e seus negócios! Você fazia negócios em Berlin, agora você faz seus negócios na selva. Max: Bosque. Rudy: Selva. Eu quero sair daqui. Sabe que eu podia ter feito isso antes? Eu

conheci um homem em Frankfurt. Você estava na cidade “trabalhando num negócio”. Ele me deu carona. Era um homem velho e rico também. Podia ter ficado com ele. Podia fazer com que ele me tirasse do país. Ele me queria, sabe. Mas não… Eu tinha que pensar em você. Não era justo   contigo. Eu sou burro, você tem razão. Você teria aproveitado a chance. Você só fica andando por aí, esperando que eu morra. Eu até acho que você pôs veneno nesse queijo. Max: Esse queijo é seu. Engula isso. Por favor, morra engasgado com isso! Não

consigo te dizer o quanto eu quero que você se engasgue com isso! Meu Deus! (Max se levanta) i ndo? Rudy: Aonde você está indo? Max: Eu tenho que sair daqui. Não consigo respirar. Vou andar um pouco. Rudy: Você não pode. Não há lugar para dar um passeio. Apenas barracas e

essa selva. Max: Estou com febre. Rudy: O quê? Max: Estou com febre! Estou queimando. Rudy: É um truque! (levanta-se, vai até ele, tenta sentir sua temperatura na testa) Max: [empurra Rudy] Eu sei. Estou mentindo. Cai fora! Rudy: Me deixa ver. [coloca a mão na testa de Max] Você está com febre. Max: É esse queijo! Você me envenenou. Que inferno! Vou morrer numa selva.

(senta-se novamente) Rudy: Bosque. [senta-se.] [Silêncio.] Max: Lembra da cocaína?

25 Rudy: Sim. Max: Eu queria um pouco. Rudy: Sim. Max: O que você gostaria de ter agora? Rudy: Óculos novos. Max: O quê? Rudy: Meus olhos mudaram um pouco. Preciso de uma nova receita. Eu queria

óculos novos. Max: Em Amsterdã. Rudy: Claro. Max: Em Amsterdã. Cocaína e óculos novos. Confie em mim. Plantas. Você vai

ter suas plantas. Lindas plantas holandesas. E aulas de dança holandesas. Seus pés vão voltar a ser os mesmos. Não vai ter que cavar buracos. Mas vai ter que desistir dessa história de ter ombros novos. E você quer saber? Nós podemos comprar um cachorro holandês. Todo mundo deve ter um cachorro. Não sei por que a gente não tinha um em Berlim. Vamos ter um em Amsterdã. (silêncio) Confie em mim. (Rudy olha para Max e sorri. Silêncio) Rudy: Como está sua febre? Max: Queimando.

[ Rudy toca a testa de Max, fica com sua mão na testa.] Max: Não. Rudy: Desculpe, Max. [mexe com sua testa.] Max: Não. Rudy: Eu realmente te amo. Max: NÃO. [empurra a mão de Rudy.] Se eles nos virem… das outras barracas…

eles sempre estão olhando... eles podem nos expulsar daqui... por nos tocar... nós temos que ser cuidadosos... temos que ser muito cuidadosos... Rudy: Tudo bem. [Pausa - começa a cantar.]

Ruas de Berlim, Devo te deixar logo, ah !

26 Max: O que você está fazendo? Rudy: Cantando. Nós estamos sentados ao redor de uma fogueira. É quando as

pessoas cantam. Deve ser desse jeito que a Juventude de Hitler faz. Eles cantam canções antigas, também. Eu tenho certeza que eles não têm permissão de se tocarem. Max: Não tenha tanta certeza. Rudy: Bem, é injusto se eles podem e nós não podemos. [canta.]

Ruas de Berlim, Eu devo te deixar logo  Ah! [Max toca a mão de Rudy e a segura; e no chão, onde eles não podem ser vistos, e sorri.] Max: Shh! [Eles começam a rir e a cantar.] Max e Rudy: Você ira me esquecer?

Eu estive realmente aqui? Voz: [da escuridão] Lá! São eles! [Uma luz ilumina Max e Rudy .] Uma outra voz: [da escuridão] Maximilian Berber. Rudolf Hennings. Mãos ao alto.

Vocês estão presos.

BLACKOUT

Cena 5

[Ouve-se um apito de trem. Som de um trem se movimentando. Som de apito novamente. Um círculo de luz surge. É um trem de transporte de prisioneiros. Cinco prisioneiros estão na luz – dois homens em roupas civis, então Rudy e Max, um homem nos seus vinte anos, vestindo um uniforme listrado com um triângulo rosa costurado nele.] [Um guarda fica cruzando o círculo. Ele carrega um rifle. Silêncio.] Rudy: Para onde você acha que eles estão nos levando?

[Silêncio. Os outros prisioneiros olham para frente. O guarda anda através do círculo de luz. Silêncio.]

27 Rudy: [ ao prisioneiro ao seu lado] Você foi julgado?

[O prisioneiro não responde.] Max: Rudy!

[Silêncio. Rudy e Max olham um para o outro. Estão ambos apavorados. Rudy começa a esticar sua mão, então recua. U m grito é ouvido em “off” –  além do círculo. Rudy e Max olham um para o outro, então se viram. Silêncio. O guarda anda através do círculo de luz. Silêncio. Um outro grito. Silêncio.]

[O guarda anda através do círculo de luz. Um oficial da SS entra. O círculo se expande lentamente. O oficial olha para os prisioneiros um por um até parar em Rudy.] Oficial: Óculos. (silêncio) Me dê seus óculos. (Rudy entrega seus óculos ao

oficial. O oficial os examina.) Óculos. Sinal de Inteligentsia. Rudy: O quê? Oficial: [sorri.] Fique de pé. (empurra Rudy para que ele fique de pé.) Pise nos

seus óculos. (Rudy fica de pé  – horrorizado). Pise neles. (Rudy pisa nos óculos.) Levem-no. Rudy: Max! [Rudy olha para Max. O guarda empurra Rudy para fora do círculo. O

oficial sorri.] Oficial: Óculos.

[Ele chuta os óculos quebrados. O oficial deixa o círculo. O foco de luz diminui. Max olha adiante. O guarda anda através do círculo. Silêncio. Um grito é ouvido em “off”, além do círculo. O grito de Rudy. Max end urece. Max se mexe como se fosse levantar. O homem com o triângulo cor-de-rosa (Horst) se move em direção a Max. Ele o toca.) Horst: Não.

[Ele tira a mão de Max e olha bem adiante. O guarda anda através do círculo de luz.] Horst: Não se mexa. Você não pode ajudá-lo.

[Rudy grita. Silêncio. O guarda anda através do círculo de luz..] Max: Isso não está acontecendo.

28 Horst: Está sim. Max: Para onde estão nos levando? Horst: Dachau. Max: Como você sabe? Hors: Eu já estive em trens como esse. Eles me levaram para Colônia para um

filme de propaganda. O triângulo rosa em boa saúde. Agora é voltar para Dachau. Max: Triângulo rosa? O que é isso? Horst: Bicha. Se você é bicha, é o que você usa. Se você é judeu, uma estrela

amarela. Criminoso político, um triângulo vermelho. Criminosos comuns, verde. A insígnia rosa é o mais baixo nível. [Ele olha adiante. O guarda anda através do círculo de luz. Rudy grita. Rudy grita.] Max: Isso não está acontecendo. (Silêncio). Isso não está acontecendo..

[Silêncio.]  Horst: Me escute. Se sobreviver ao trem, você tem uma chance. Aqui é onde eles

arrebentam com você. Você não pode fazer nada pelo seu amigo. Se tentar ajudá-lo, eles vão te matar. Se tentar cuidar dos seus ferimentos, vão te matar. Mesmo que você veja o que eles fizeram com ele  – escutar  –  ouvir o que eles fizerem com ele, eles vão te matar. Se quiser sobreviver, ele não pode existir. (Rudy grita.) Max: Isso não está acontecendo. (Rudy grita.) Horst: Ele não tinha chance. Ele usava óculos. [Rudy grita.] Horst: Se quiser ficar vivo, ele não pode existir. [Rudy grita.]  Horst: Está acontecendo. [Horst se afasta. O foco de luz está no rosto de Max.

Rudy grita. Max olha adiante, murmurando consigo mesmo.]  Max: Isso não está acontecendo… Isso não está acontecendo...

[A luz se expande. O guarda arrasta Rudy que está semiconsciente. Seu corpo está ensagüentado e dilacerado. O guarda o ergue. O oficial entra no círculo. Max olha adiante. O oficial olha para Max. Max ainda está murmurando para si mesmo.) Oficial: [a Max ]  Quem é esse homem? Max: Eu não sei. (pare de murmurar, olha bem adiante.) Oficial: É seu amigo? [Silêncio.]

29 Max: Não. [Rudy geme.] Oficial: Olhe para ele. (Max olha bem adiante.) Olha! (Max olha para Rudy. O

oficial bate no peito de Rudy. Rudy grita.) É seu amigo? Max: Não.

[O oficial bate em Rudy no peito. Rudy grita.] Oficial: É seu amigo? Max: Não. [Silêncio.] Oficial: Bata nele. (Max olha para o oficial.] Desse jeito. [bate em Rudy no peito.

Rudy grita.] Oficial: Bata nele. (Max não se mexe.) É seu amigo? [Max não se mexe.] É seu

amigo? Max: Não.. [fecha seus olhos. Bate em Rudy no peito. Rudy grita.] Oficial: Abra seus olhos. (Max abre seus olhos.) De novo! (Max bate Rudy no

peito.) De novo! [Max bate em Rudy novamente, novamente, novamente… ] Chega! [empurra Rudy no chão aos pés de Max.) É seu amigo? Max: Não. Oficial: [sorri.] Não.

[O oficial deixa o círculo de luz. O guarda o acompanha. A luz focalize o rosto de Max. O trem é ouvido andando através da noite. O trem apita. Rudy pode ser ouvindo  – gemendo  – e chamando pelo nome de Max. Max olha fixo para frente. Rudy chama o nome de Max. O nome se funde ao apito do trem. Max suspira fundo.) Max: Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. (suspira fundo novamente) Seis. Sete. Oito.

Nove. Dez. [Rudy chama o nome de Max. Max olha adiante. A luz escurece sobre Max, quase  perto do “blackout”. Então, de repente, a luz expande incluindo os outros três

 prisioneiros. Um raio de luz da manhã. Rudy caído aos pés de Max. O guarda cruza o círculo de luz. O oficial entra no círculo. Ele olha para Max.) Oficial: Levante-se. [olha para Max.] Vamos ver. [ao guarda) Leve-o. (chuta o

corpo de Rudy que rola – olha para ele] Está morto. [O oficial sai. O guarda empurra Max com seu rifle. Eles saem da luz. A luz diminui sobre os outros prisioneiros.]

30 BLACKOUT

Cena 6

Luz acende num lado do palco. Um grande barril está no chão. Um prisioneiro contra-mestre (kapo) permanece atrás do barril, com uma grande concha. Ele mexe no barril. O kapo veste um triângulo verde no seu uniforme. Prisioneiros aparecem, um por um, com tigelas em suas mãos para se alimentarem. Todos eles usam uniformes. [Um prisioneiro com uma estrela amarela entra. O kapo mexe a sopa. Ele enche a tigela do prisioneiro. O prisioneiro sai. Um prisioneiro com o triângulo vermelho entra. O kapo mexe a sopa e enche a sua tigela. O prisioneiro sai. Horst entra. O kapo não mexe na sopa.)

Horst: Só sopa? Você só mexeu na parte de cima. Não tem nada, só água. Não

tem carne, nem verdura…. Nada. Kapo: Pegue o que você tem aí. Horst: [pega na concha.] Me dá um pouco de carne. Kapo: [empurra Horst.] Sua bicha! Pegue o que você tem aí.

[Blackout. Luzes no outro lado do palco. Num canto bem apertado no fim das barracas. Horst se arrasta e se senta com sua tigela. Ele bebe a sopa. Max entra, arrastando-se ao lado de Horst. Ele carrega uma tigela. Ele usa o uniforme da  prisão com uma estrela amarela.) Max: Oi. [Horst olha para ele; não diz nada; Max ergue sua tigela) Toma aqui. Horst: Me deixa em paz. Max: Eu tenho algo extra. Um pouco de verdura. Tome aqui. ( derrama algumas

verduras da sua tigela para a de Horst .) Horst: Obrigado. (Eles comem em silêncio. Horst olha para cima, observando o

uniforme de Max .) Uma estrela amarela? Max: O que foi? Horst: Você é judeu? Max: Sim, claro.

31 Horst: Eu não tinha pensando nisso. (Silêncio) Sinto muito sobre seu amigo. Max: Quem? Horst: Seu amigo. Max: Ah. [Silêncio.] Horst: Não é um lugar muito sociável por aqui. (ri) Não é? Max: [aponta para o triângulo rosa de Horst .] Como você conseguiu isso? Horst: Eu assinei uma petição. Max: E? Horst: E foi isso. Max: Que tipo de petição? Horst: Por Magnus Hirschfeld. Max: Ah sim, eu me lembro dele em Berlim. Horst: Berlim. Max: Ele queria… Horst: Legalizar os homossexuais. Max: Claro. Eu me lembro. Horst: Era o que ele fez, por algum tempo. Era quase um movimento político.

Então os nazistas vieram. Bem, eu era enfermeiro. Eles diziam que um homossexual não podia ser enfermeiro. Imaginavam que eu podia tocar no pênis do paciente. Pelo amor de Deus! Achavam melhor que eu fosse prisioneiro do que enfermeiro. Uma ocupação mais adequada. Então, foi assim que eu consegui meu triângulo rosa. E como você conseguiu sua estrela amarela? Max: Eu sou judeu. Horst: Você não é judeu. Você é homossexual. (Silêncio.) Max: Eu não queria isso. Horst: Não queria o quê? Max: Um triângulo rosa. Horst: Não queria esse? Max: Você me disse que era a categoria mais baixa. Então eu não quis ter um

triângulo rosa.

32 Horst: Então? Max: Então… eu fiz um trato. Horst: Um trato? Max: Claro. Eu sou bom nisso. Horst: Com a Gestapo? Max: Claro. Horst: Você está cheio de merda na cabeça! [Silêncio.] Max: Eu vou fazer um monte de acordos por aqui. Eles não podem nos manter

aqui pra sempre. Mais cedo ou mais tarde, vão nos soltar. Eu estou sob custódia, proteção, é o que eles me disseram. Eu vou sobreviver! Horst: Não duvido disso. Max: Claro. Eu sou bom nisso. Horst: Obrigado pelas verduras. [começa a se afastar.]  Max: Aonde você está indo? Horst: Dormir. Nós levantamos às quatro da manhã. Estou no destacamento das

pedras. Eu talho pedras. É divertido. Com licença… Max: Não vá! Horst: Eu estou cansado. Max: Eu não tenho ninguém com quem converser. Horst: Converse com seus compatriotas. Max: Eu não sou judeu. Horst: Então por que você está usando isso? Max: Você me disse que rosa era a categoria mais baixa. Horst: É… Por causa disso, os outros prisioneiros nos odeiam tanto. Max: Eu tenho carne na minha sopa. Você não. Horst: Bom para você. Max: Não vá. Horst: Olhe, amizades duram menos que doze horas nesse lugar. Nós já tivemos

a nossa no trem. Por que você não vai incomodar outra pessoa? Max: Você não acha que eu teria feito isso, acha? Quero dizer… Fora do trem?

33 Horst: Eu não teria tanta certeza. Max: Eu vou sobreviver. Horst: Sim. Max: Por causa de você. Você me disse como. Horst: Sim. [Pausa.] Eu fiz.. [Pausa.] Sinto muito. Max: Sobre o quê? Horst: Eu não sei. O seu amigo. Max: Ah. [Silêncio.] Ele não era meu amigo. [Silêncio.] Horst: Você deveria estar usando um triângulo rosa. Max: Eu fiz um acordo. Horst: Você não faz acordos aqui. Max: Mas eu fiz. Eu fiz um acordo. Horst: Claro. (começa a sair novamente.) Max: Eles disseram se eu... pudesse... eles disseram... Horst: O quê? Max: Nada. (Horst se arrasta para Max novamente) Se eu pudesse provar... Eu

não sei como... Horst: O quê? [pára, senta-se ao lado de Max) Max: Nada. [Silêncio.] Horst: Tente. [Silêncio.] Acho que você consegue. [Silêncio.] Tente me dizer. Max: Nada. [Silêncio.] Horst: O.K. [afastando-se.] Max: Eu fiz… Eles me levaram… para aquele quarto... Horst: [pára.] Onde? Max: Para aquele quarto. Horst: No trem? Max: No trem. E eles disseram… prove que você é... E eu fiz... Horst: Provar que você é o quê? Max: Nada.

34 Horst: Nada o quê? Max: Que não é viado. Horst: Como? Max: Ela. Horst: Ela? Max: Eles disseram, se você... e eu fiz... Horst: Fez o quê? Max: Ela. Fiz… Horst: Fez o quê? Max: Amor. Horst: Com quem? Max: Com ela. Horst: Quem era ela? Max: Devia ter… só… talvez só treze anos... e ela talvez estivesse morta. Horst: Nossa! Max: Morta há alguns minutos… com uma bala na cabeça… eles disseram…

prove que você é... e eu provei… que você é…muitos deles, assistindo… rindo… bebendo... Ele é um pouco bichinha, disseram, ele não dá conta... mas eu fiz... Horst: Como? Max: Eu não… Não… sei. Eu queria… Horst: Ficar vivo. Max: E havia algo… Horst: Algo…? Max: Excitante. Horst: Meu Deus. Max: Eu bati nele, você sabe. Eu a beijei. Lábios mortos. Eu o matei. Doces

lábios. Um anjo. Horst: Meu Deus.

35 Max: Ela foi como um anjo que veio para me salvar... no começo... seus seios...

no começo... E eles diziam ele não consegue… ele é um pouco bichinha…. Mas eu fiz… e provei… Provei que eu não era... (Silêncio.) E eles gostaram. Horst: Sim. Max: E eu disse: eu não sou viado. E eles riram. E eu disse… me dê uma estrela

amarela. E eles me disseram claro... façam dele um judeu. Ele não é viado. E eles riram. Eles estavam se divertindo. Mas eu… consegui… minha estrela… Horst: [gentilmente.] Tudo bem. Max: Eu consegui minha estrela. Horst: Sim. [ estende sua mão e toca o rosto de Max.] Max: Não faça isso! (empurrando-o) Você não deve fazer isso. Para o seu próprio

bem. Não deve me tocar. Eu sou uma pessoa desprezível. Horst: Não… (Horst toca Max novamente. Max bate nele.] Max: Podre. Horst: [olhando para Max] Não. [engatinhando e sai.) Max: [sozinho. Ele suspira fundo. Fecha seus olhos e abre novamente.] Um.

Dois. Três. Quatro. Cinco. (respire fundo novamente.) Six. Sete. Oit o. Nove. Dez.

BL ACK OUT E FIM DO PRIMEIRO ATO

ATO 2

Cena 1 [Um mês mais tarde.Uma grande cerca cruza o palco. Na frente da cerca, num lado, há uma pilha de pedras. Do outro lado, bem longe, um fosso profundo. Max está movendo pedras. Ele carrega uma pedra de uma pilha para outra e começa uma nova pilha. Ele volta e leva uma outra pedra. As pedras são carregadas uma  por uma. Ele usa o uniforme do campo de concentração e um chapéu. Um guarda entra com Horst. Horst também veste uniforme e chapéu. O guarda é muito ríspido e seco.] Guarda : Aqui. Você vai trabalhar aqui.

36 Horst: Sim, senhor. Guarda : Ele te explica. Horst: Sim, senhor. Guarda : Eu fico lá em cima. [ aponta para cima.] Horst: Sim, senhor. Guarda : Eu vejo tudo. Horst: Sim, senhor. Guarda : Nada de moleza. Horst: Não, senhor. Guarda : Eu vejo tudo. Horst: Sim, senhor. Guarda : [a Max] Você. Max: [põe a pedra no chão.] Sim, senhor. Guarda : Diga a ele o que fazer. Max: Sim, senhor. Guarda : Nada de moleza. Max: Não, senhor. Guarda : Eu vejo tudo. Max: Sim, senhor. Guarda : [a Horst] Você. Horst: Sim, senhor. Guarda : A cada duas horas tem um período de descanso. Horst: Sim, senhor. Guarda : Três minutos. Horst: Sim, senhor. Guarda : Fique atento. Horst: Sim, senhor. Guarda : Não se mova. Horst: Não, senhor.

37 Guarda : Descanse. Horst: Sim, senhor. Guarda : Três minutos. Horst: Sim, senhor. Guarda : Um sinal toca. Horst: Sim, senhor. Guarda : [a Max] Você. Max: Sim, senhor. Guarda : Explique para ele. Max: Sim, senhor. Guarda : Nada de moleza. Max: Não, senhor. Guarda : [a Horst ] Você. Horst: Sim, senhor. Guarda : Quando o sino tocar. Horst: Sim, senhor. Guarda : Não se mova. Horst: Não, senhor. Guarda : Três minutos. Horst: Sim, senhor. Guarda : Ele vai te explicar. Horst: Sim, senhor. Guarda : [a Max] Você. Max: Sim, senhor. Guarda : Você é o responsável. Max: Sim, senhor. Guarda : Eu estou lá encima. Max: Sim, senhor. Guarda : [a Horst] Você.

38 Horst: Sim, senhor. Guard: Eu vejo tudo. Horst: Sim, senhor.

[O guarda sai. Horst observa cuidadosamente até que ele esteja longe.] H orst : Nós tínhamos um carinha assim na escola. Costumava nos liderar como

naquela brincadeira “Simon diz 4”. Max: O.K. Eu vou explicar. Horst: O.K. Max: Olha, não podemos ficar parados aqui. Temos que mover pedras. Horst: Sim, senhor. Max: Você está vendo aquelas... Horst: Sim, senhor. Max: Você carrega uma de cada vez. Horst: Sim, senhor. Max: E move de um lado para outro. Horst: Sim, senhor. Max: E então quando a pilha inteira estiver lá, você carrega uma pedra de cada

vez e coloca de volta na pilha antiga. Horst: [olha para Max. Silêncio.] Coloco de volta? Max: Sim. Horst: Nós ficamos movendo pedras de um lado para o outro e então as

colocamos de volta para o mesmo lugar? Max: Sim, senhor. Horst: Por quê? Max: Comece a se mexer. Ele está nos observando.

[Max continua a mover as pedras. Horst faz a mesma coisa. Eles fazem em ritmos diferentes, às vezes, passando um pelo outro.] Horst: O.K.

4

“Simon Says” é uma brincadeira comum entre as crianças, quando um líder diz o que todas as demais

devem fazer.

39 Max: Isso é para nos deixar loucos. Horst: Essas são pesadas. Max: Você se acostuma com elas. Horst: O que você quer dizer com “nos deixar loucos”? Max: É porque não faz sentido. Não tem nenhum propósito ficar trocando pedra

de um lugar para outro. Eu já saquei! Eles querem nos enlouquecer. Horst: Eles provavelmente sabem o que estão fazendo. Max: Mas não funciona. Eu já saquei. É a melhor função do campo. É por isso

que eu te trouxe pra cá. Horst: O quê? [deixa a pedra no chão.] Max: Não pare. Mantenha o movimento. [Horst pega a pedra e a movimenta .]

Mais alguns detalhes. Está vendo aquela cerca? Horst: Sim. Max: É elétrica. Não toque nela. Você vai fritar! Horst: Não vou tocá-la. Max: E lá adiante… tem aquele fosso. Horst: Onde? Max: Logo ali. Horst: Ah, claro. Aquele lugar fede. Max: São corpos. Horst: No fosso? Max: Sim. Às vezes, temos que atirá-los nele. Horst: Bem, isso deve quebrar a rotina. O que você quis dizer em me trazer para

cá? Max: Não ande tão rápido. Horst: Por quê? Max: Você vai se cansar. Crie um ritmo para isso. Bem leve e devagar. Horst: Ok. Melhor assim? Max: É. Horst: O que você quis dizer em me trazer para cá?

40 Max: Eu fiz um acordo. Horst: Eu não quero ouvir. [Silêncio.] Tudo bem, vamos lá. Que diabo é isso?

Você me trouxe pra cá? Que direito você tinha… Max: Cuidado. Horst: O quê? Max: Você pode deixar a pedra cair. Horst: Eu não vou. Estou segurando, segurando bem firme. Agora, que direito

você tinha... Max: Você estava nas rochas? Horst: Sim. Max: Era pior do que isso, não é? Horst: Eu acho. Max: Lá as pessoas ficam doentes,não é? Horst: Sim. Max: Morrem? Horst: Sim. Max: Os guardas batem em você se você não fizer o trabalho direito, não é? Horst: Sim. Max: [orgulhosamente] Então? Horst: Então o quê? Max: Então era perigoso. Horst: E isso aqui não é? Max: Não. Ninguém fica doente aqui. Olhe para todos esses caras movendo

pedras lá. (aponta) Eles parecem mais saudáveis que a maioria. Ninguém morre. Os guardas não batem em você porque o trabalho não é essencial. O que tudo isso só pode fazer é nos enlouquecer. Horst: Isso é tudo? Max: Sim. Horst: Então talvez o outro trabalho fosse melhor.

41 Max: Não. Eu pensei bem. Esse é o melhor trabalho no campo se você quiser

manter sua sanidade, se você tiver alguém com quem conversar. Horst: Ah, agora eu entendo! Alguém pra conversar. Você não acha que devia ter

me perguntado primeiro? Max: Perguntado o quê? Horst: Se eu queria mover pedras, se eu queria conversar com você? Max: Não tive essa oportunidade. Eles tinham levado você. Horst: Graças a Deus! Max: Suas novas barracas, todas têm triângulos rosas, não é? Horst: Sim. Eles estão prendendo mais bichas a cada dia. Ficam despejando nos

campos agora. E a sua é toda cheia de estrelas amarelas? Max: Sim. Horst: Bom. Vocês poderiam formar um grupo religioso então. Havia um idoso

naquelas rochas. Um rabino. Muito bom. Não é fácil ser bom aqui, sabe. Mas ele era. Aí, eu pensei em você. Max: Por quê? Horst: Talvez se você o conhecesse, ia ter orgulho da sua estrela amarela. Iria ter

orgulho de alguma coisa. (Silêncio.) Max: Não fique olhando para mim. Desde que eles não nos vejam olhando um

para o outro, não podem dizer que estamos conversando. (silêncio.) Horst: De onde vieram aqueles corpos? Max: Que corpos? Horst: Aqueles do fosso. Max: Da cerca. A brincadeira do chapéu. Horst: O que é isso? Max: Às vezes, um guarda atira o chapéu de um prisioneiro na cerca. Ele ordena

que ele vá pegar o chapéu. Se ele não pega, o guarda atira nele. Se ele pega o chapéu, ele é eletrocutado. Horst: Eu acho que vou começar a gostar daqui. Muito obrigado. Max: Eu realmente quis te fazer um favor.

42 Horst: Um favor! Sei… Você só quer alguém para converser para não ficar doido.

E eu sou aquele que sabe do seu segredo. Max: Que segredo? Horst: Que você é um triângulo rosa. Max: Não. Agora eu sou judeu. Horst: Você não é judeu. Max: Eles acham que eu sou. Horst: Mas é mentira. Max: É uma mentira esperta. Horst: Você é doido. Max: Eu achava que você ia ficar grato. Horst: É por isso que você gosta dessa função. Não te enlouquece porque você

 já enlouqueceu! Max: Eu gastei dinheiro trazendo você pra cá. Horst: Dinheiro? Max: Sim. Eu subornei o guarda. Horst: Onde você conseguiu dinheiro? Max: Meu tio me mandou um pouco. Primeiro numa carta que eu recebi dele. Ele

não assinou, mas tinha dinheiro dentro dela. Horst: E você subornou o guarda? Max: Sim. Horst: Por minha causa? Max: Sim. Horst: Usou o seu dinheiro? Max: Sim. Horst: Provavelmente você nunca mais vai ter aquele dinheiro de volta. Max: Provavelmente não. Horst: Você é louco! Max: Eu achei que você ia ficar agradecido. Horst: Você devia ter me perguntado primeiro.

43 Max: Como eu podia te perguntar? Nós estamos em barracas separadas. Você

acha fácil subornar um guarda? É complicado e perigoso. Ele podia ter me atacado. Eu me arrisquei. E achava que você ia ficar agradecido. Horst: Eu não estou agradecido. Eu gostava de quebrar rochas. Eu gostava do

velho rabino. Isso é loucura. Doze horas disso por dia? Eu vou ficar louco em uma semana como você. Jesus Cristo! Max: Sinto muito por ter feito isso. Horst: Você sente muito? Max: Você não pensou nesse campo, é isso. Você não sabe o que é bom para

você. Essa é a melhor função que alguém pode ter. Horst: Mover pedras de um lado para o outro sem nenhuma razão. Perto de um

fosso com corpos apodrecendo e uma cerca que pode te fritar até virar pó. É essa a melhor função que alguém pode ter? Max: Sim, você não entende... Horst: Eu não quero entender. Nem quero falar com você. Max: Você tem que falar comigo. Horst: Por quê? Max: Eu te trouxe aqui para conversar. Horst: Bem, pior pra você. Eu não quero falar. Carregue suas pedras, e eu

carrego as minhas. Só não fale comigo.

[Eles carregam suas pedras. Um longo silêncio.]

Max: Eu achava que você ia ficar agradecido.

BLACKOUT

Cena 2

O mesmo cenário. Três dias depois.

44

Max e Horst estão carregando pedras. Faz muito calor. Suas camisestas estão no chão. Um longo silêncio. Horst: Está tão quente! Max: É mesmo. Horst: O calor está queimando. Max: Sim. [Silêncio.]  Max: Você falou comigo. Horst: Conversa sobre o tempo, é isso. Max: Depois de três dias de silêncio. Horst: Conversa sobre o tempo. Todo mundo fala sobre o tempo. [Silêncio.] De

qualquer forma... (Silêncio) Max: Você disse alguma coisa? Horst: Não. [Silêncio.] Horst: De qualquer forma. Max: De qualquer forma? Horst: De qualquer forma, eu peço desculpas. (fica de pé) Às vezes nesse lugar,

eu me comporto como todo mundo  –  de forma horrível. Arrasado, desanimado, sinto muito. Você estava me fazendo um favor. Esse é um bom lugar. E o favor não vai funcionar se a gente não conversar,não é? Max: Mexa-se! Horst: O quê? Max: Converse enquanto você está se mexendo. Não pare. Eles podem nos ver. Horst: [começa a carregar a pedra novamente) É difícil conversar quando você

está num ponto e eu estou em outro. Deus, como está quente! (silêncio.) Horst: Alguém morreu ontem à noite. Max: Onde? Horst: Na minha barraca. Um muçulmano. Max: Um árabe?

45 Horst: Não. Um muçulmano. É como eles chamam: o morto que anda.Você sabe,

um daqueles caras que se recusam a comer, a falar, apenas vagam esperando pela morte. Max: Eu já vi gente assim. Horst: Alguém morreu. Na minha barraca. [Silêncio.] Deus, como está quente!

[Silêncio.] Max: Bem, a gente vai perder as Olimpíadas. Horst: O quê? Max: As Olimpíadas. É no próximo mês… em Berlim. Horst: Eu sabia que tinha uma razão para estar aqui. Max: Talvez eles nos soltem. Horst: Por causa das Olimpíadas? Max: Como um gesto de boa-vontade. É possível, você não acha? Horst: Eu acho que está muito quente. [Silêncio.] Max: Ouvi um boato. Horst: Qual? Max: Nós vamos ter sardinhas hoje à noite. Horst: Não gosto de sardinhas. Max: É apenas um boato. [Silêncio.] Horst: Meu Deus, como está quente! [Silêncio.] Max: Claro que está. [Silêncio.] Horst: Está o quê? [Silêncio.] Max: Claro que está quente. [Silêncio.] Horst: Vamos supor… [Silêncio.] Max: O quê? [Silêncio.] Horst: Supor que depois de tudo isso...  [Silêncio.] Nós não temos mais nada

sobre o que conversar. [Um som alto de sino toca. Max e Horst colocam suas pedras no chão e ficam de  pé atentos, olhando adiante..]

46 Horst: Merda! Melhor mover pedras do que ficar debaixo desse sol. Hhum,

período de descanso, sei! Max: É parte do plano deles. Horst: Que plano? Max: Nos enlouquecer. [Silêncio.] Eu fui perverso em te trazer aqui,não é? Horst: Não. Max: Eu fui, não é? Horst: Não. Max: Eu não tinha o direito... Horst: Pare com isso. Pare de pensar no quanto você é horrível! Vamos, não

fique deprimido. Sorria. (Silêncio.) Você não está sorrindo. Max: Você não pode me ver. Horst: Eu posso sentir você. Max: Queria que a gente pudesse se olhar. Horst: Eu posso sentir você. Max: Eles odeiam se alguém fica olhando para outra pessoa. Horst: Eu dei uma olhadinha. Max: Em quê? Horst: Em você. Max: Quando? Horst: Antes. Max: É mesmo? Horst: Algumas “olhadinhas”. Você é muito sexy. Max: Eu? Horst: Sem a sua camiseta. Max: Não. Horst: Quando tira essa camiseta. Você sabe que é sexy. Max: Não. Horst: Mentiroso.

47 Max: [sorri.] Claro que eu sou mentiroso. Horst: Claro. Max: Eu sempre fui sexy. Horst: Uh-huh. Max: Desde que eu era garoto. Horst: É mesmo? Max: Aos doze anos. Eu já entrei em muita encrenca quando eu tinha... Horst: Doze? Max: Doze. Horst: Seu corpo é muito bonito. Max: Eu cuido dele. Eu faço exercícios. Horst: O quê? Max: À noite, eu faço flexões nas barracas. Horst: Depois de ficar carregando pedras por 12 horas? Max: Claro. Eu já pensei nisso. Você tem que manter seu corpo inteiro forte. Você

mesmo. É assim que você sobrevive aqui. Você deveria fazer i sso. Horst: Eu não gosto de fazer exercícios. Max: Você é enfermeiro. Horst: Para outras pessoas. Não para mim mesmo. Max: Você tem que pensar em sobreviver. Horst: Dormir. Eu só penso em dormir. É assim que eu sobrevivo. Ou pensar em

nada. (Silêncio.) Isso me assuta. Quando eu penso no nada. (Sil êncio.) Max: Seu corpo é bonito também. Horst: É normal. Não sou grande coisa! Max: Não, é legal. Horst: Não tão legal quanto o seu. Max: Não. Mas é legal. Horst: Como você sabe? Max: Eu dei uma olhada. Eu também dou umas olhadinhas também.

48 Horst: Quando? Max: O dia inteiro. Horst: É mesmo? Max: Sim. [Silêncio.] Horst: Escuta, você… Max: O quê? Horst: Sente falta… Max: O quê? Horst: Você sabe… Max: Não, eu não sei. Horst: Todo mundo sente falta disso. Max: Não. Horst: Todo mundo no campo. Max: Não. Horst: Alguns enlouquecem sentindo falta disso. Max: Não. Horst: Ah, deixa disso! Ninguém vai nos ouvir. Você não é uma estrela amarela

comigo, lembra? Você sente falta disso? Max: Eu não quero… Horst: O quê? Max: Sentir falta disso. Horst: Mas você sente? [Silêncio.] Max: Sim. Horst: Eu também. [Silêncio.] Mas nós não podemos. Max: O quê? Horst: Sentir falta disso. [Silêncio.] Nós estamos aqui juntos. Não temos que

sentir falta disso. Max: Não podemos nos olhar. Não podemos nos tocar. Horst: Mas nós podemos sentir... Max: Sentir o quê?

49 Horst: Um ao outro. Sem olhar. Sem tocar. Eu posso sentir você agora mesmo.

 Ao meu lado. Você consegue me sentir? Max: Não. Horst: Vamos lá! Não tenha medo. Ninguém pode nos ouvir. Você consegue me

sentir? Max: Talvez. Horst: Ninguém vai saber. Está tudo bem. Me sinta. Max: Talvez. Horst: Me sinta. Max: Está tão quente. Horst: Eu estou tocando você. Max: Não. Horst: Estou tocando você. Max: Está queimando. Horst: Estou beijando você. Max: Queima. Horst: Beijando seus olhos. Max: Quente. Horst: Beijando seus lábios. Max: Sim. Horst: Boca. Max: Sim. Horst: Dentro da sua boca. Max: Sim. Horst: Pescoço. Max: Sim. Horst: Agora desço… Max: Sim. Horst: Descendo…

50 Max: Sim. Horst: Peito. Minha língua… Max: Queimando. Horst: No seu peito. Max: Sua boca. Horst: Estou beijando seu peito. Max: Claro. Horst: Bem forte. Max: Sim. Horst: Descendo… Max: Sim. Horst: Descendo… Max: Sim, vai! Horst: Seu pau. Max: Sim. Horst: Você sente a minha boca? Max: Sim. Você sente minha pica? Horst: Sim. Você sente… Max: Você sente… Horst: Boca. Max: Pica. Horst: Pica. Max: Boca. Horst: Você sente meu pau? Max: Você sente minha boca? Horst: Sim. Max: Você sabe o que eu estou fazendo? Horst: Sim. Você consegue sentir o que eu estou fazendo? Max: Sim.

51 Horst: O gosto. Max: Sinto. Horst: Juntos… Max: Juntos… Horst: Você me sente? Max: Eu sinto você. Horst: Eu vejo você. Max: Eu sinto você. Horst: Eu tenho você. Max: Eu quero você. Horst: Você me sente dentro de você? Max: Eu quero você dentro de mim. Horst: Sinta… Max: Eu tenho você dentro de mim. Horst: Dentro… Max: Forte. Horst: Você me sente estocar... Max: Segura! Horst: Estocar… Max: Forte… Horst: Oh… Max: Forte… Horst: Oh… Max: Forte... Horst: Eu vou ... Max: Forte… Horst: Você sente… Eu vou… Max: Eu sinto nós dois. Horst: Você…?

52 Max: Oh, sim… Horst: Você…? Max: É. É. Horst: Sente… Max: Sim, bem forte. Horst: Sinta… Max: Mais. Horst: Ohh . . . Max: Agora… Horst: Sim… Max: Agora! [ofega.] Oh! Ohl Meu Deus! [tem o orgasmo.]  Horst: Ohh! . . . Agora! Ohh! . . . [tem o orgasmo.] [Silêncio.] Horst: Nossa![Silêncio.] Horst: Você conseguiu? Max: Sim. E você? Horst: Sim.[Silêncio.]  Max: Você transa bem. Horst: Você também. [Silêncio.] Max: Estou melado! [Silêncio.] Horst: Max? Max: O quê? Horst: Nós fizemos isso. Não importa aquela porra de guarda e campo, mas a

gente fez isso! Max: Não grite. Horst: O.K. Mas estou gritando aqui dentro. Nós conseguimos. Eles não vão nos

matar. Nós fizemos amor. Nós somos humanos. Nós fizemos amor. Eles não vão nos matar. [Silêncio] Max: Eu nunca… Horst: O quê?

53 Max: Pensei que a gente… Horst: O quê? Max: Pudesse fazer isso em três minutos.

[Eles riem. O sino toca.]

BLACKOUT

Cena 3

Mesmo cenário. Dois meses depois. Max and Horst estão concentrados, vestindo o uniforme. Horst: Eu vou enlouquecer. (Silêncio.) Vou enlouquecer. (Silêncio) Vou ficar

doido. Eu sonho com pedras. Eu fecho meus olhos e me vejo carregando pedras. Elas nunca acabam. Nunca acabam. (Silêncio.) Eu vou enlouquecer. Max: Pense em outra coisa. Horst: Eu não consigo pensar. Fico acordado durante à noite. Max: A noite toda? Horst: Pera aí, você não ouviu ontem à noite? Os companheiros de barraca

tiveram que ficar fora a noite toda. Max: Não. Horst: Sim. Tivemos que ficar em posição de alerta a noite toda. Punição. Max: Por quê? Horst: Alguém da nossa barraca se matou. Max: O muçulmano? Horst: Claro que não. Não significa nada se um muçulmano se mata, mas se u ma

pessoa que eles consideram como “gente” se mata, bem... é um tipo de desafio, não é? Eles odeiam isso – é um ato de livre arbítrio. Max: Sinto muito. Horst: Claro. Sua estrela amarela sente muito. [Silêncio.]  Max: Ouvi um boato.

54 Horst: Qual? Max: Vamos ter sardinhas esta noite… Horst: Eu odeio sardinhas. Eu odeio essa comida toda. Restos. Restos de

sardinha. É tudo o que eles conseguem. Nada que a gente possa comer de verdade. Não sabia que você agüentava comer restos de sardinha. (Silêncio.) Eu vou enlouquecer. Max: O.K. O.K. Você vai enlouquecer. Eu sinto muito. A culpa é minha. Horst: O que você quer dizer com sua culpa? Max: Por ter te trazido pra cá. Porque você me faz sentir tão culpado. E eu acho

que você tem razão. Essa função é a pior. Eu calculei errado. Sinto muito. Horst: Estou feliz de estar aqui. Max: Ah, claro… Horst: Eu estou. É sério. Max: Como você consegue? Horst: Isso é o meu segredo.

[Pausa.] [O sino toca. Max começa a carregar pedras. Horst permanence  parado.)

Horst: Talvez se eu fechasse meus olhos... Max: Ouvi um boato. Horst: Qual? [começa a carregar pedras.] Max: Nós vamos ter batatas. Horst: Quando? Max: Amanhã. Horst: Eu não acredito nisso. Max: Eles falaram isso na minha barraca. Horst: Quem são eles? Max: Alguns caras. Horst: Eles são bonitos?

55 Max: Cai fora! Horst: Você devia estar conosco, onde você pertence... Max: Não. Mas você não deveria estar aqui. Horst: Eu quero ficar aqui. Max: Por que você quer ficar aqui – ficou maluco? Horst: Claro que sou maluco. Estou tentando te dizer que sou maluco. E eu quero

ficar aqui. Max: Por quê? Horst: Ora, porque… porque eu adoro pedras! [Pausa.] Porque eu te amo.

[Silêncio.] É mesmo. Eu te amo. Quando não estou sonhando com pedras, sonho com você. Nas últimas seis semanas, eu tenho sonhado com você. Isso me ajuda a ficar de pé. Isso me ajuda a ter certeza que minha cama está arrumada e que não vou ser punido por isso. Me ajuda a agüentar aquela comida fedida. Me ajuda a lidar com as brigas constantes na barraca. Sabendo que eu verei você. Pelo menos, no cantinho dos meus olhos, quando eu passo por você.... É uma razão para viver. Então eu estou feliz de estar aqui.

[Max está numa pilha de pedras, movendo-as em pilhas simétricas.]

Horst: O que você está fazendo? Max: Organizando essas direitinho. A gente tem feito um trabalho malfeito. Eles

podem bater em você por causa disso. [Silêncio.] Não me ame. Horst: Isso me faz feliz. Não me faz mal algum. É o meu segredo. Max: Não me ame. Horst: É o meu segredo. E eu tenho até um sinal. Ninguém sabe disso. Quando

eu esfrego minha sobrancelha esquerda para você, assim... (esfrega sua sobracenlha esquerda) Isso quer dizer EU TE AMO. Mas você não sabia disso. Eu faço isso até mesmo na frente dos guardas. Ninguém sabe. É o meu segredo. (começa a tossir.) Está frio! Era melhor quando estava quente. Não gosto do frio. Max: Não me ame. Horst: Não posso evitar. Max: Eu não quero que ninguém me ame.

56 Horst: Isso é difícil. Max: Eu não posso amar ninguém de volta. Horst: Quem está pedindo pra você fazer isso? Max: Bichas não foram feitas para amar. Eu sei. Eu achava que amava alguém

certa vez. Ele trabalhava na fábrica do meu pai. Meu pai pagou para ele ir embora. E ele foi. Bichas não foram feitas para amar. Eles não querem que a gente se ame. Você sabe quem me amava? Aquele garoto. O bailarino. Eu não me lembro mais do nome dele. Mas eu o matei. Está vendo? Viado não pode amar ninguém. Eu vou matar você. Me odeie. Assim é melhor. Me odeie, mas não me ame. [Max termina de organizar as pedras. Ele volta a carregar outras pedras. Silêncio. Horst começa a tossir novamente.] Max: Por que você está tossindo? Horst: Porque eu gosto. Max: Você apanhou um resfriado? Horst: Provavelmente. Em pé a noite inteira. No vento. Max: O inverno está chegando. Horst: Eu sei. [Silêncio.] Eu só queria fechar meus olhos... Max: Ouvi um boato. Horst: Eu não me importo. Max: Não quer ouvir isso? Horst: Engula seus boatos. (tosse novamente, escorrega, deixa as pedras caírem

e caí no chão.) Max: Horst! [põe suas pedras no chão.] Horst: Merda. [Max vai até ele.] Não se mexa! Ele está observando. O guarda.

Não me ajude. Se você me ajudar, eles vão matar você. Volte para suas pedras. Está me ouvindo, volte! [Max volta, pega sua pedra, mas permanece olhando para Horst. Horst está tossindo. Olha para Max.] Mexa-se! [Max movimenta a pedra. ] Certo. Estou bem. Vou me levantar. Vou me levantar. Não tente me ajudar. Estou de pé. Está tudo bem. (pega sua pedra) Essas merdas ficam cada vez mais pesadas. (começa a carregar as pedras). O guarda estava observando. Ele iria te matar se você me ajudasse. Nunca observe. Lembra? Eu te amo. Mas eu não vou te ajudar se você cair. Nem ouse me ajudar. Você nem mesmo me ama, então

57

por que você iria me ajudar? Nós temos que salvar a nós mesmos. Você não entende? Max: Sim, eu entendo. Horst: Me prometa. Vamos. Me prometa. Cada um vai cuidar de si mesmo. Max: Ok. Horst: Eu prometo! Max: É ISSO! Horst: Você é um idiota. Eu não te amo mais. Era apenas um sentimento

passageiro. Eu me amo. Coitado de você, não ama ninguém. (Silêncio.) Está esfriando. O inverno está chegando. (Eles andam, movendo pedras em silêncio.)

BLACKOUT

Cena 4

Mesmo cenário. Dois meses depois. Max e Horst estão carregando pedras. Eles usam jaquetas. Horst anda mais devagar do que o habitual como se estivesse desnorteado. Ele segura as pedras com dificuldade.Horst tem um acesso de tosse. Max: Você tem um líder na sua barraca. (A tosse de Horst continua. ] Ele pode

conseguir remédios. [a tosse continua.] Você tem que pedir para ele. [a tosse continua.] Você tem que conseguir ajuda. [a tosse continua.] Você tem que parar de tossir – droga! [O acesso de tosse diminui gradualmente.] Horst: Não importa. Max: Se você for bom para o kapo... Horst: Não importa. Max: Algum tipo de remédio. Horst: Para quê? A tosse? E as minhas mãos? Max: Eu te disse o que você deveria fazer: exercitar-se. Horst: Elas estão congeladas.

58 Max: Então faça exercícios. Horst: Não importa. Max: Toda noite, eu mexo os meus dedos para cima e para baixo. Eu não faço

mais flexões. Mexo apenas os dedos. Horst: Não importa. Max: Você está perdendo peso. Horst: Eu não gosto de sardinhas. [começa a tossir novamente.Isso continua por

um minuto, então diminui.] Max: Está ficando pior. Horst: Está esfriando. Max: Você precisa de remédios. Horst: Pare de ficar resmungando no meu ouvido. Max: Converse com o seu kapo. Horst: Ele não liga. Max: Peça para ele. Horst: Ele quer dinheiro. Max: Você tem certeza? Horst: Não importa. Max: Eu pensei que você se importava consigo mesmo. Horst: Você não sabe de nada. Max: Eu pensei que você se amasse. Horst: Está fazendo frio demais. Max: Você quer saber? [Silêncio.] Quer saber? Você está se tornando um

muçulmano. Eu estou ficando com medo. Horst: Quem não está... Max: Estou com medo por você. Horst: Fique com medo por você mesmo. Max: Por que você não me escuta? Horst: Muçulmanos não escutam. Max: Você não é muçulmano.

59 Horst: Você disse que eu era. Max: Eu não quis dizer isso. Você não é muçulmano. Horst: Você não é judeu. Max: Será que você não consegue esquer isso? Horst: Se eu puder esquecer isso então... Eu sou muçulmano.

[O sino toca. Eles deixam as pedras caírem e ficam em posição de atenção, lado a lado, olhando adiante.] Horst: Veja, eu só estou com frio. Meus dedos estão dormentes. Não posso parar

de tossir. Eu odeio a comida. É isso. Nada especial. Não fique chateado. Max: Eu quero que você se cuide. Horst: Eu faria isso se estivesse aquecido. Max: Eu vou aquecer você. Horst: Você não pode. Max: Eu sei como. Horst: Não, você não sabe. Max: Eu sei. Sou muito bom nisso. Você mesmo disse. Horst: Quando? Max: Estou do seu lado. Horst: Não comece. Max: Eu vou fazer amor com você. Horst: Agora não. Max: Sim. Agora. Horst: Estou com dor de cabeça. Não posso. Max: Não brinque com isso. Eu vou fazer amor com você. Horst: Não. Max: Eu vou te aquecer. [Pausa.] Horst: Você não consegue. Max: Você vai se sentir aquecido... Horst: Eu não consigo.

60 Max: Vai sentir isso. [Pausa.] Horst: Nos meus dedos? Max: Em toda parte. Horst: Eu não consigo. Max: Estou beijando seus dedos. Horst: Eles estão dormentes. Max: Minha boca está quente. Horst: Elas estão frias. Max: Minha boca está em chamas. Horst: Meus dedos… Max: Estão se aquecendo. Horst: Estão? Max: Eles estão ficando quentes. Horst: Não sei. Max: Eles estão ficando quentes. Horst: Um pouquinho. Max: Eles estão ficando quentes. Horst: Sim. Max: Minha boca está em chamas. Seus dedos estão em chamas. Seu corpo está

em chamas. Horst: Sim. Max: Minha boca cobre você todo. Horst: Sim. Max: Minha boca está no seu peito... Horst: Sim. Max: Beijando seu peito. Horst: Sim. Max: Aquecendo-o. Horst: Sim.

61 Max: Mordendo seu peito. Horst: Sim. Max: Mordendo… bem… Horst: Sim. Max: Mais forte… bem forte... mais forte... Horst: Pare! Isso machuca! Max: Mais forte… Horst: Não, pare com isso. Estou falando sério. Você está me machucando. [Uma

pausa. Max segura o fôlego.) Max: Você recuou. Horst: Droga. Max: Está excitante. Horst: Para você talvez. Eu não tento machucar você. Max: Eu gosto de um pouco de dor. É excitante. Horst: Não tem nada de excitante. Não quando você é bruto. Max: Eu não estou sendo bruto. Horst: Sim, você está. Às vezes você é bruto. Max: Ok. E daí? É excitante… Horst: Por que você tem que estragar tudo? Você estava me aquecendo. Por que

você não consegue ser gentil? Max: Eu sou. Horst: Você não é. Você tentou me machucar. Você tenta me aquecer, então me

machuca? Eu já sou ferido o suficiente. Não quero mais dor. Por que você não consegue ser gentil? Max: Eu sou. Horst: Não, você não é. Você é como eles. Você é como a Gestapo. Você é

como os guardas. Nós paramos de ser gentis. Eu já observava isso, quando estávamos lá fora. As pessoas causavam dor umas nas outras e chamavam isso de amor. Eu não quero ser assim mais. Você não faz amor para machucar as pessoas.

62 Max: Eu queria te aquecer. Era tudo o que eu queria. Não consigo fazer nada

certo. Não entendo você. Eu costumava fazer as coisas funcionarem. Horst: Você ainda consegue. Max: As pessoas gostavam quando eu era bruto. A maioria. Não todo mundo.

Menos ele. Horst: Quem? Max: O bailarino. Mas o resto gostava. Só um pouco de dor. Horst: Você gostava disso? Max: Eu não me lembro. Nunca conseguia me lembrar. Estava sempre bêbado.

Havia sempre cocaína também. Nada parecia importar muito. Horst: Algumas coisas realmente importam. Max: Não para você. Horst: Claro que sim. Max: Eu não entendo você. O dia todo você passou dizendo que nada

importava... sua tosse, seus dedos... Horst: Eles importam. Max: Eu não entendo nada mais. Horst: Eles importam e eu não sou muçulmano. Você não é judeu e meus dedos

estão frios. Max: Eu quero que você seja feliz. Horst: É verdade? Max: Eu acho. Não sei. [Pausa.] Sim. Horst: Então seja gentil comigo. Max: Eu não sei como. Horst: Apenas me abrace. Max: Eu tenho medo de abraçar você. Horst: Não tenha. Max: Eu tenho. Horst: Não tenha. Max: Eu vou me sufocar.

63 Horst: Me abrace. Por favor, me abrace. Max: Ok. Eu estou abraçando você. Horst: É mesmo? Max: Sim. Você está nos meus braços. Horst: Estou? Max: Você está aqui nos meus braços. Eu prometo que vou te segurar. Você está

aqui. Horst: Me toque. Max: Não. Horst: Gentilmente… Max: Aqui. Horst: Você está me tocando Max: Sim. Tocando. Suavemente… Eu estou te tocando bem suave, bem gentil.

Você está seguro. Vou te manter a salvo e quente…. Você está comigo agora… agora… Você nunca mais vai sentir frio novamente. Eu est ou te abraçando... tão seguro e quente... Enquanto você estiver aqui, enquanto você estiver aqui comigo, enquanto eu estiver te abraçando, você vai estar salvo...

BLACKOUT

Cena 5  [Mesmo cenário.Três dias mais tarde. Max está carregando pedras. Horst está empilhando as pedras numa outra pilha com cuidado.]  Horst: O ar está fresco hoje. Limpo.

[ Max entrega a Horst uma seringa e uma agulha assim que ele passa pela pilha de pedras. Horst começa a tossir  – continua a tossir  – então pára de repente.) Max: Parece que melhorou. Horst: Parece. Max: Está espectorando. Horst: É.

64 Max: O remédio está fazendo efeito. Horst: Sim. [Silêncio.] Obrigado. [Silêncio.] Por que não me conta? Max: Contar o quê? Horst: Como você conseguiu esse remédio. Max: Eu te disse. Falei com um dos líderes da barraca. Ele me levou a um oficial. Horst: Qual? Max: Um capitão. Ele é novo. Horst: Ele é podre. Max: Você o conhece? Horst: Já ouvi falar sobre ele. Você deu dinheiro para ele? Max: Sim. Horst: Eu não acredito em você. Max: Por quê? Horst: Você não tem dinheiro. Max: Por que você nunca acredita em mim? Horst: Porque eu sei quando você está mentindo. Você acha que é tão bom

nisso, mas não é. Sua voz muda. Max: O quê? Horst: Ela muda. Soa diferente. Max: Besteira. [Silêncio.] Max: Ei . . . Adivinha quem eu vi? Horst: Onde? Max: Na minha barraca. Horst: Marlene Dietrich. Max: Não. O dono do apartamento em Berlim, Rosen. Horst: Nossa! Max: Bom homem. Horst: Eu pensei que você o odiasse. Max: Claro. Eu costumava achar que ele era o que eu achava que devia ser.

65 Horst: Como assim? Max: Um judeu nojento. Horst: Ele provavelmente pensava que você era uma bicha nojenta. Max: Provavelmente. Horst: Agora ele acha que você não é bicha. Ele deve estar muito confuso. Que

vergonha! Max: Não é vergonha. Não comece! [Horst tem outro ataque de tosse .] Você está

tomando o remédio? Horst: [a tosse diminui.] Claro que eu estou. [Silêncio.] Claro que eu estou, Max.

Fico contente que você conseguiu o remédio. Max: Eu também. [Silêncio.] Horst: Mas eu queria saber como. Max: Eu já te contei. Horst: Você é um mentiroso. [Silêncio.] M ax: Eu nunca conheci ninguém como você. Não consigo fazer você acreditar em

mim. Horst: Como você conseguiu isso? Max: Não vai ficar grato por isso? Horst: Eu não estou sendo? Max: Acho que você não vai gostar da resposta. Horst: Eu arrisco! Max: Então quando eu te contar como foi, você vai começar a reclamar. Horst: Arrisque! Max: Eu chupei ele. Horst: O quê? Max: Eu te disse que você não iria gostar. Horst: Aquele capitão da SS? Max: Huhum… Horst: Ele é O maior filho da puta... Max: Eu sei.

66 Horst: Você chupou ele? Max: Eu tive. Eu não tinha nenhum dinheiro. Horst: Você tocou nele? Max: Não, só chupei. Era o que ele queria e eu precisava do remédio. Horst: Eu preferia tossir. Max: Não, você não preferia... Horst: Ele é bicha? Max: Vá saber! Talvez com um pouco de tesão. Claro que ele podia ser bicha.

Você não gosta de pensar nisso, não é? Você não quer que eles sejam viados também! [Silêncio.] Horst: Talvez não… Bem… Pro diabo! Existem bichas nazistas. Santo viado.

Mediocridade bicha. São apenas pessoas. É por isso que eu assinei aquele petição do Hirschfeld. É por isso que eu acabei parando aqui. É por isso que eu estou usando esse triângulo cor de rosa. É por isso que eu acho que você devia estar usando isso também. Max: Você acha que aquele filho da puta da SS deixaria uma bicha chupá-

lo?Claro que não. Ele me mataria se soubesse que eu era bicha. Minha estrela amarela conseguiu o seu remédio. Horst: Quem precisa disso? Max: Então devolva! Jogue fora! Por que você não faz isso? E morra! Eu estou

cansado de você ficar me dizendo para usar esse triângulo rosa. Horst: Ele se lembra de você? Max: Quem? Horst: Rosen? Max: Sim, ele disse que ainda devia o aluguel. Horst: Como está Berlim? Ele falou alguma coisa? Max: Bem pior. Horst: Eu sinto falta da cidade. Max: Sim. [Pausa.] Max: O Clube da Greta? Horst: Não.

67 Max: Bom. Você tinha gosto. Ia ao Rato Branco? Horst: Às vezes. Max: Estou surpreso que você nunca tenha me vi sto. Horst: O que você estava usando? Max: As coisas da moda. Eu era bem conhecido. Horst: Por quê? Max: Porque eu estava sempre fazendo papel de tolo. Você tomava banho de

sol? Horst: Eu adorava tomar banho de sol. Max: No rio. Horst: Claro. Max: E você nunca me viu? Horst: Bem, na verdade, eu já tinha te visto no rio. E você estava fazendo papel

de tolo. E eu disse, algum dia eu estarei em Dachau com aquele homem carregando pedras. Max: Eu não gostava de Berlim. Sempre me assustou. Mas agora eu gosto e sinto

falta da cidade. Horst: [termina de endireitar as pedras e começa a desfazer a pilha novamente.]

Nós ainda voltaremos para aquele lugar algum dia. Max: Quando a gente sair daqui? Horst: Sim. Max: Nós vamos conseguir, não é? Horst: Nós temos, não é? Max: Sim. Horst? Horst: O quê? Max: Nós podemos voltar juntos.

[Uma capitão da SS entra. O guarda está com ele. Max e Horst se entreolham por um segundo, então continuam com sua tarefa. O capitão olha para Max por um bom tempo, então para Horst, então para Max novamente.] Capitão: [a Max] Você, Judeu. Max: [fica parado] Sim, senhor?

68 Capitão: Está se sentindo melhor? Max: Senhor? Capitão: Seu resfriado? Max: Sim, senhor. Capitão: Formidável. Max: Sim, senhor. Capitão: Você parece tão forte. Max: Sim, senhor. Capitão: De maneira alguma doente. Max: Não, senhor. Capitão: Não? Max: Agora não, senhor. Capitão: Continue.

[Max começa a mover as pedras. O capitão observa Max e Horst. Ele mantém o ritmo para cima e para baixo. Max e Horst carregam as pedras. O capitão anda um pouco. Horst tosse e tenta abafar o som.)

Capitão: Ah. [Horst pare de tossir .] Você. Aberração. Horst: [abafa e fica parado.] Sim, senhor? Capitão: Você está doente? Horst: Não, senhor. Capitão: Você está com tosse. Horst: Não, senhor. Capitão: Eu ouvi você tossir. Horst: Sim, senhor. Capitão: Alguma coisa na sua garganta? Horst: Sim, senhor. Capitão: Do café da manhã? Horst: Sim, senhor.

69 Capitão: Continue.

[Horst começa seu trabalho. Max e Horst movem as pedras. O capitão fica a observá-los. Ele tira um cigarro. O guarda acende. O capitão fuma o cigarro e observa Max e Horst. Max e Horst continuam a mover pedras. Horst tosse novamente, tentando abafar o som, mas a tosse sai.) Capitão: Você. Aberração. Horst: [fica parado.] Sim, senhor. Capitão: Você tossiu. Horst: Sim, senhor. Capitão: Você não está bem. Horst: Estou, sim senhor. Capitão: Agora eu entendo. [a Max] Você. Judeu. Max: [fica parado.] Sim, senhor. Capitão: Observe. Max: Observar, senhor? Capitão: Sim. Observe. (a Horst) Você. Horst: Sim, senhor. Capitão: Ponha essa pedra no chão. Horst: Sim, senhor. [põe a pedra no chão.] Capitão: Bom. Agora tire o seu chapéu.

[Uma longa pausa.] Horst: Meu chapéu, senhor? Capitão: Sim. O seu chapéu. Horst: Meu chapéu, senhor? Capitão: O seu chapéu. Horst: Sim, senhor.

[Horst tira o seu chapéu. A mão de Max se mexe. Horst olha de soslaio como num aviso.) Capitão: [a Max] Você. Max: Sim, senhor.

70 Capitão: Relaxe. Max: Sim, senhor. Capitão: E observe… Max: Sim, senhor. Capitão: [a Horst] Você. Horst: Sim, senhor. Capitão: Atire seu chapéu. (Horst joga seu chapéu no chão) Não aí. Horst: Não aqui, senhor? Capitão: Não. Pegue o chapéu. Horst: Sim, senhor.. [pega o chapéu] Captain: Jogue o chapéu na cerca. Horst: Na cerca, senhor? Capitão: Na cerca. (Horst começa a tossir.) Tudo bem. Nós vamos esperar. (A

tosse diminui. ) Você está se sentindo melhor? Horst: Sim, senhor. Capitão: Tosse desagradável. Horst: Sim, senhor. Capitão: Na cerca. Agora. Horst: Na cerca. Sim, senhor.

[Horst olha para Max, um outro olhar de aviso então ele atira o chapéu na cerca.  A cerca faísca.] Capitão: [a Max] Você. Max: Sim, senhor.. Capitão: Você está observando? Max: Sim, senhor. Capitão: Bom. ( a Horst) Você. Horst: Sim, senhor. Capitão: Pegue seu chapéu.

71

[O capitão guia o guarda. O guarda aponta o rifle para Horst.] Horst: Agora, senhor? Capitão: Agora. Horst: Você tem certeza, senhor? Capitão: Claro. Horst: Eu poderia ficar sem o meu chapéu, senhor? Capitão: Não. Horst: [fica silencioso por um momento. Sente q ue Max o observa e dá uma

olhadela para Max; seus olhos dizendo “não se mexa”. Volta -se para o capitão.] Sim, senhor. [Horst olha para Max. Ele esfrega sua sobrancelha esquerda. Ele volta e olha  para o capitão novamente. O capitão espera. O guarda está apontando seu rifle  para ele. Horst se volta para a cerca. Ele começa a andar bem devagar para  pegar seu chapéu. Ele quase alcança a cerca, quando, de repente  – ele se volta correndo em direção ao capitão, gritando em fúria. O guarda atira em Horst. Horst se arremessa no capitão e arranha o seu rosto. O guarda atira em Horst novamente. Ele cai morto. Silêncio. O capitão passa a mão no seu rosto.) Capitão: Ele me arranhou! (a Max) Você. Judeu. (Max fica calado.) Você! Max: Sim, senhor. Capitão: Eu espero que o remédio tenha ajudado. [vira-se para ir embora, mas

volta] Livre-se desse corpo. [Silêncio.]  Max: Sim, senhor.

[O capitão sai. O guarda aponta o rifle para Max e o abaixa, então sai logo atrás do capitão. Max olha para Horst. Silêncio. Max abre sua boca para chorar. Não consegue. Silêncio. Max anda em direção ao corpo de Horst. Ele cuidadosamente tenta erguê-lo, a cabeça de Horst repousando no seu peito. Ele olha adiante. Ele carrega Horst em direção ao fosso, com os pés dele se arrastando pelo chão. O sino toca.) Max: Não! [Ele olha para cima onde está o guarda e de volta para Horst. Ele fica

em posição de atenção. Horst começa a cair. Max tenta segurá-lo. Ele  permanence parado, olhando para Horst, aguarrando-se a Horst.) Tudo bem. Eu não vou deixar você cair. Vou te segurar. Se eu ficar em estado de atenção, posso te segurar. Eles irão me deixar te segurar. Não vou deixar você cair. [Silêncio.] Eu nunca te abracei antes. [Silêncio.] Você não tem mais que se

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preocupar com as pedras. Eu farei a sua parte também. Eu carregarei duas vezes mais cada dia. Eu farei a sua parte também. Não se preocupe mais com as pedras. [Silêncio.] Quer saber? [Silêncio.] Horst? [Silêncio.] Quer saber ? [Silêncio.] Eu acho… [Silêncio.] Eu acho que eu te amo. [Silêncio.] Shh! Não conte pra ninguém. Eu acho que eu amei… Não consigo mais lembrar o nome dele… Um bailarino. Acho que eu o amei também. Não fique com ciúmes. Acho que amei… um rapaz há muito tempo atrás. Na fábrica do meu pai. Hans. Era esse o nome dele. Mas o bailarino. Eu não me lembro do nome dele.. [Silêncio.] Eu te amo. [Silêncio.] Que mal há nisso? (Silêncio) O que há de errado com isso? [Ele começa a chorar. O sino toca. Ele arrasta o corpo de Horst até o fosso. Ele o atira no fosso. Ele se volta e olha para as pedras. Ele respira fundo. Ele anda sobre as pedras e pega uma. Ele se move para o outro lado. Ele respire fundo novamente. E fica parado.) Max: Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. [respire fundo.) Seis, sete, oito, nove, dez.

[Ele pega uma pedra e se move para o outro lado Ele carrega uma outra pedra. Uma outra pedra. Ele pára. Respira fundo novamente. Move uma outra pedra. Move uma outra pedra. Ele pára. Ele tenta respirar fundo novamente, mas não consegue. Sua mão está tremendo. Ele segura sua mão. Ele pega uma outra  pedra e começa a movê-la. Ele pára. Ele deixa a pedra cair. Ele se move em direção ao fosso. Ele pula dentro do fosso e desaparece. Uma longa pausa. Max sai do fosso, segurando a jaqueta com o triângulo rosa de Horst. Ele veste a  jaqueta. Max se volta e olha para a cerca. Max anda em direção à cerca. A cerca se ilumina e vai se tornando mais brilhante até que a luz consome o palco e cega a platéia.)

FIM DO A TO II

Informações adicionais

Os eventos que levaram os nazistas a perseguição a homossexuais e as atrocidade nos campos de concentração. 1871 Rei Wilhelm estabeleceu o Segundo Reich e adotou o código Bavariano. O

parágrafo 175 desse código estabeleceu a homossexualidade como fora dos padrões, “comportamentos lascivos e anti-naturais”, prescrevendo sentenças de prisão de um dia a cinco anos.

73 1897  Adolf Brand, Magnus Hirschfeld e Max Spohr criaram a primeira

organização de luta pelos Direitos Gays  –  A Comunidade Humanitária Científica. 1898  Uma petição de 900 assinaturas foi submetida ao Reichstag, exigindo a

revogação do parágrafo 175. A petição foi rejeitada. Mais petições foram submetidas nos próximos dez anos. 1910  O governo propôs a mesma lei contra atos de lesbianismo. O anúncio

fracassou. 1919 Hirschfeld abriu o Instituto para Ciência Sexual em Berlim. 1920 Hirschfeld (judeu além de ser homossexual) foi atacado por anti-semitas em

Munique. Mais tarde no mesmo ano, ele foi atacado por nazistas e deixado na calçada com fratura no crânio. 1921  O Teatro Eros, o primeiro teatro homossexual, foi inaugurado por Bruno

Mattusek em Berlim. A SA e suas tropas, a organização paramilitar nazista foi fundada. 1923  Fascistas atiraram e feriram vários membros de uma platéia para o

primeiro filme pró-homossexualidade de Hirschfeld “Different from the Others” (Diferente dos Outros) em Viena. 1925  A reconstrução do Partido Nacional dos Trabalhadores Socialistas (o título

oficial do partido nazisto). No verão: formação das primeiras unidades da SS. Ernst Rohm, um dos conselheiros chefes de Adolf Hitler, e homossexual, processou um rapaz michê de 17 anos que o havia roubado na manhã seguinte. 1928  O Partido Nacional Socialista emitiu seu parecer oficial sobre os

homosexuals em 14 de maio: “Não é necessário que vo cê e eu vivamos, mas é necessário que o povo alemão viva. E isso pode viver se houver luta, pelos meios da luta. E só pode haver luta se mantivermos nossa masculinidade. E só pode haver masculinidade se existir o exercício da disciplina, especialmente nas questões do amor. O amor livre e os desvios são indisciplinas. Portanto, nós rejeitamos vocês assim como nós rejeitamos qualquer coisa que moleste nosso povo. O amor homossexual é nosso inimigo.”

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O comitê de Reichstag, numa votação de 15 a 13, aprovou a reforma penal que abolia todos crimes relacionados à prática homossexual. 1929 A queda da bolsa.

 A reforma penal foi desprezada antes que começasse a valer. Os Nazistas chegam ao poder. 1930 Ernst Rohm é eleito o chefe das tropas.

1933 Janeiro: Hitler se torna o chanceler do Reich. Março: O campo de

concentração de Dachau é criado. Abril: Formação da Gestapo (a políti ca secreta do estado) em Berlim. O Instituto de Ciência Sexual de Hirschfeld é invadido pelos nazistas. 1934 Junho: A Noite das Facas Longas: Rohm é executado com um tiro. Hitler

emite uma ordem para eliminar todos os homossexuais que faziam parte do exército: 200 líderes da SA foram reunidos e massacrados. Julho: O ativista gay Kurt Hiller foi preso e enviado ao campo de concentração de Oranienburg. Uma lei foi assinada estabelecendo a esterilização de todos homossexuais, esquizofrênicos, epiléticos, usuários de drogas, histéricos e aqueles que possuam qualquer má-formação biológica ou nasceram cegos. Em 1935, 56.000 pessoas haviam s ido “tratadas”. Na prática, os homossexuais foram literalmente castrados. Todas as atividades do Grupo de Direitos Humanos de Hirschfeld foram banidas, e o movimento homossexual foi esmagado. 1935 No primeiro aniversário de Rohm Putsch, o páragrafo 175 foi revisado: dez

possíveis atos homossexuais foram adicionados como penalizados, incluindo beijos, um abraço e até mesmo fantasias homossexuais. 1936 Um trecho da fala de Heinrich Himmler: "No noso julgamento da

homossexualidade – um sintoma da degeneração que pode destruir nossa raça – nós devemos nos guiar pelos princípios nórdicos de extermínio dos degenerados”. “Custódia preventiva” – internamento em campos de concentração começa para civis transgressores, incluindo homossexuais. Os campos de concentração no início eram centros de detenção: eles haviam se transformadodo em campos de extermínio depois de 1940.

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