Maria Helena Diniz - Conflito de Normas (PDF Montando)
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Um bom livro....
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A noção de antinomia jurídica é intrincada e imprecisa, por engendrar complexidade ante a circunstância de não haver, na seara doutrinária, criterios coordenados e seguros para o seu devido equacionamento em razão: a) da existência de opiniões díspares dos jusfilósofos sobre o tema; b) do fato de muitos teóricos do direito ainda não se terem conscientizado do problema e das soluções que a ciência jurídica pode dar; e c) da inconsistência e incomple- tude dos meios de solução dos conflitos normativos. Este livro tem por escopo elucidar algumas questões sobre as contradições normativas, à altura de sua importância para o mundo jurídico, procurando: a) conceituar a antinomia jurídica; b) apontar os princípios para a resolução de conflito entre as normas de direito interno, entre as de direito internacional, e entre norma de direito interno e norma de direito internacional; c) estudar as situações em que surge conflito entre os próprios critérios solucionadores, ou seja, antinomia de segundo grau, indicando os meta- critérios para sua solução; d) não olvidar, ainda, a hipótese em que se tem lacuna das regras de resolução dos conflitos normativos pela inaplicabilidade daqueles critérios que instaura urna incompletude dos meios de solução; é) rever rever o dogma da coerência lógica do sistema jurídico; e /) esclarecer os limites e funções da ciencia jurídica e do órgão aplicador do direito. Para tanto procurou-se expor as opiniões de alguns autores que se preocuparam com essa problemática, estabelecendo-se um intercâmbio entre filosofia do direito e ciência jurídica, sob a luz dos dados mais recentes da literatura jurídica sobre a questão da correção do direito incorreto.
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Valorosa equipe, como agradecimento, pelo auxílio que, ao longo desses anos de magistério, com tanta dedicação, nos prestou no curso de bacharelado da Faculdade de Direito da PUCSP.
“L’antinomie n’est jamais purementformelle, car toute compréhension d’une régle juridique implique son interprétation ” (Chaim Perelman, Les antinomies en
droit. Essai de synthése, in Les antinomies en droit, Bruxelles, Bruylant, 1965, p. 404).
INDICE PREFÁCIO
Capítulo I CONFLITO NORMATIVO COMO PROBLEMA TEÓRICO Capítulo II ANTINOMIA JURÍDICA COMO PROBLEMA INERENTE AO SISTEMA JURÍDICO E AO CARÁTER DINÂMICO DO DIREITO Capítulo III CONCEITO DE ANTINOMIA JURÍDICA E CONDIÇÕES NECESSÁRIAS À CONFIGURAÇÃO DA INCOMPATIBILIDADE NORMATIVA Capítulo IV CLASSIFICAÇÃO DAS ANTINOMIAS Capítulo V CRITÉRIOS PARA A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DE NORMAS 1. Natureza normativa dos critérios 2. Critérios para a solução de antinomias no direito interno 3. Solução de conflito entre normas de direito internacional privado 4. Princípios para a resolução dos conflitos entre normas de direito internacional público 5. Critérios solucionadores dos conflitos entre norma de direito internacional público e norma de direito interno Capítulo VI ANTINOMIAS DE SEGUNDO GRAU E OS METACRITÉRIOS PARA SUA RESOLUÇÃO Capítulo VII INCOMPLETUDE DOS MEIOS DE SOLUÇÃO DAS ANTINOMIAS JURÍDICAS Capítulo VIII UM CASO DE ANTINOMIA REAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL VIGENTE Capítulo IX HIPÓTESES DE ANTINOMIA APARENTE 1. A questão do conflito existente entre normas relativas à prescrição das ações atinentes aos bens públicos 2. Um caso de ilegitimidade ativa ad causam na ação rescisória Capítulo X CONCLUSÕES BIBLIOGRAFIA
PREFÁCIO Esta pequena obra tem por objetivo traçar considerações gerais sobre o problema dos conflitos normativos, procurando responder, à altura de sua importância para o mundo jurídico, questões como: Que é antinomia jurídica? Há conflito normativo? O ordenamento jurídico pode tolerar dentro de certos limites conflitos entre normas? Seria o conflito normativo apenas aparente? Existiría contradição absoluta entre duas normas jurídicas? Os conflitos normativos são suscetíveis de ser resolvidos? Quais os critérios para solucioná-los? Havería completude de critérios para resolver todas as possíveis antinomias jurídicas? Podería ocorrer conflito entre os vários critérios para solucionar incompatibilidades normativas? Assunto bastante árduo e intrincado, pois a noção de antinomia, além de imprecisa, engendra complexidade, por não se encontrar bem estruturada na seara doutrinária. A antinomia é uma questão aporética, aberta à discussão. Trata-se de um dos temas mais interessantes da atualidade, embora esquecido pela ciência jurídica, ante a idéia bastante difundida de que o direito é necessariamente coerente, não tolerando, por isso, qualquer antinomia, e de que todos os conflitos normativos são aparentes. Todavia a realidade demonstra que essa rigorosa coerência lógica não é requisito essencial do direito, mas do sistema jurídico e que a incompatibilidade entre normas é um fato, apesar de não refletir sobre sua validade. Deveras, não há como negar a possibilidade de os órgãos jurídicos estabelecerem normas que entrem em conflito umas com as outras. Em razão da impossibilidade do legislador conhecer todas as normas que existem no ordenamento jurídico, é plausível a edição de normas antinómicas, de sorte que a antinomia, ante a dinamicidade do direito, pode ser encarada como decorrência da pró pria estrutura do sistema jurídico, que, além de dinâmico, é aberto e prospectivo. Imprescindível se torna a revisão do dogma de coerência, sem desprezar a existência de conflitos normativos, que consistem num convite para esclarecer não só os limites mas também a função da ciência jurídica e do órgão aplicador do direito. Para isso será preciso estabelecer um intercâmbio entre filosofia do direito e ciência jurídica, tendo como guia os dados mais recentes da literatura jusfilosófica e científico-jurídica sobre questões pertinentes à correção do direito incorreto. Com intuito de sermos úteis ao jurista e ao aplicador do direito, aqui assinalamos alguns pontos que nos parecem mais expressivos para configurar a problemática das antinomias jurídicas. MARIA HELENA DINIZ
CAPÍTULO I CONFUTO NORMATIVO COMO PROBLEMA TEÓRICO O presente estudo sobre a questão das antinomias jurídicas não tem a pretensão de ser exaustivo, pois impossível se toma numa só obra estudar com profundidade todas as questões atinentes aos conflitos normativos, porém será preciso evocá-las de modo esquemático, expondo as opiniões de alguns autores que se preocuparam com o problema.
É preciso salientar que se trata de questão controvertida, pois para seu devido equacionamento não há, na doutrina, critérios coordenados e seguros, ante: a) a existência de opiniões díspares dos jusfílósofos a respeito; b ) o fato de, apesar de haver antinomias na seara jurídica, muitos teóricos do direito ainda não se conscientizaram do problema e das soluções que a ciência jurídica pode oferecer; e c) a flagrante incompletude e inconsistência dos meios de resolução das antinomias jurídicas. Inicialmente, antes de estudarmos esse tema, procuraremos situar os conflitos normativos na evolução histórica do direito, pois, como ensina Theodor Stemberg* 1, impossível seria a análise dos problemas jurídicos sem a observância do seu desenvolvimento através dos tempos. Contudo, é necessário esclarecer, nossa localização histórica não tem por escopo acompanhar o desenvolvimento temporal das antinomias jurídicas, abarcando a etiologia histórica do problema em toda a sua extensão. Visamos, tão-somente, a uma fixação, com o 1 auxílio da história, do momento em que o conflito normativo se tornou um problema jurídico. O vocábulo antinomia surgiu na Antigüidade nas lições de Plutarco e Quintiliano, este último chegou até a escrever que numquam lex legi contraria iure ipso sed eae casu colliduntur atque eventu, mas só atingiu certa relevância jurídica no século XVII, com Goclenius que, em sua obra Lexphilosophicum quotanquan clave philosophiae fores aperiuntur, de 1613, distinguiu a antinomia em sentido amplo, que ocorria entre sentenças e proposições, e a em sentido estrito, existente entre leis (pugnantia legum inter se). Esta acepção estrita foi adotada anos depois, em 1660, por Eckolt, no seu livro De antinomiis. Ambos os autores, Goclenius e Eckolt, já falavam em antinomia real e aparente. Zedler, em 1732, na sua obra Grosses vollstaendiges Universallex, conceituou antinomia como o conflito que ocorre quando duas leis se opõem ou se contradizem. No seu livro Philosophia generalis, publicado em 1770, Baumgarten fez menção à antinomia entre direito natural e direito civil 2. Entretanto, o problema do conflito normativo, tal como aparece na atualidade, surgiu na época da Revolução Francesa, que propiciou a consolidação de certas condições políticas, como soberania nacional e separação de poderes, e jurídicas, como a preponderância da lei enquanto fonte do direito, o controle da legalidade das decisões judiciárias e, principalmente, a concepção do direito como sistema3, imprescindíveis para a tomada do contato com essa problemática em termos de profundidade. A soberania nacional, no âmbito interno, pontifica Giannini, corresponde à efetividade da força pela qual as determinações da autoridade são observadas e tornadas de observância incontornável mesmo mediante coação; no âmbito externo, num sentido negativo, indica a não-sujeição a determinações de outros centros normativos. Ao conceito de soberania estão, em geral, coligados o do caráter originário e o do absoluto do poder soberano.
O primeiro, no sentido de fundamento de si próprio eo segundo, no de capacidade de determinar, no campo de sua atuação, a relevância ou o caráter irrelevante de qualquer outro centro normativo que ali atue 4. A teoria dos três poderes de Montesquieu, baseada na fórmula: “Pour qu’on ne puisse pas abuser du pouvoir, il faut que par la disposition des choses, le pouvoir arrete le pouvoir”5, originou a concepção do Poder Judiciário com caracteres próprios e autônomos. Um fato importante que revela a proeminência da lei foi a criação, na França, pela Constituinte de 1790, dos Tribunáis dc Cassação, que exerciam o controle dá legalidade das decisões judiciárias6. Percebe-se que ó Poder Judiciário passou sob o jugo da lei, a qual só ele podia interpretar e aplicar. A teoria clássica da separação de poderes construída com um claro acento antí-hierarquizante e com a finalidade de explodir a concepção mono-hierárquica do sistema político, veio, segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., garantir, de certo modo, uma progréssivâ divisão entre política e direito, regulando a legitimidade da influência política na administração — aceitável no Legislativo, em parte no Executivo e neutralizada no Judiciário — dentro dos quadros do Estado de Direito; criando, concomitantemente, condições para a neutralização do Judiciário, que, rio decorrer do século XIX, se tornou a pedra angular dos sistemas políticos mais desenvolvidos, já que permite a substituição da unidade hierárquica concreta, simbolizada pelo rex, por uma estrutura complexa de comunicação e seu controle entre forças mutuamente interligadas. Ésta atuação é acompanhada de uma desvinculação progressiva do direito de suas bases políticas, éticas, sociais etc. ...7. Donde o lugar privilegiado da lei como fonte formal do direito e a concepção da ordem jurídica como sistema serem novas peças na configuração do problema. Realmente, a canalização das projeções normativas para o endereço político irá exigir, de um lado, a centralização organizada da legislação, de outro, o aparecimento de uma série de conceitos dogmáticos elaborados pela ciência jurídica8. Como se vê, estamos diante do fenômeno da positivação do direito. O termo positivação 9 pode ser entendido num: a) sentido lato, indicando direito positivo como sendo o direito posto, ou seja, o direito vale por força de posição por parte de uma autoridade e só por outra posição pode ser revogado, isto leva a uma compreensão ampla que pode enquadrar, como positivas, formações jurídicas de épocas e lugares heterogêneos, daí a idéia de que a positivação possa ser um fenômeno, senão exclusivo, pelo menos de importância decisiva na formação de qualquer direito; e b) sentido estrito, como termo correlato de decisão; e como toda decisão implica a existencia de motivos decisorios, a positivação é um fenómeno em que todas as valorações, regras e expectativas de comportamento na sociedade têm de ser filtradas, mediante processos decisorios, antes de adquirir validade jurídica. O direito positivo é aquele que é posto por uma decisão, sendo que as premissas da decisão que o põem são também postas por decisão. Aqui tomamos o vocábulo, nesse sentido, procurando configurar uma situação típica do direito moderno. Deveras, verifica-se, no século XIX, que a relação homem e mundo circundante toma contornos específicos 10 11. Como pondera Foucault 11 o mundo circundante aparece como o lugar da experiência humana, sendo o homem o transformador das estruturas do mundo, e o mundo, uma estrutura planificada que inclui o próprio homem. Socialmente temos, então, os problemas da
organização dos quadros técnicos e profissionais, economicamente, a questão da produção planificada, e politicamente, a dos mecanismos de controle da presença das massas no Estado12. Neste contexto, ensina Tércio Sampaio Ferraz Jr.13, “o mundo, lugar da experiência humana, passa a ser encarado pelo homem como um conjunto de problemas que atuam sobre ele motivacionalmente. Todo o problema tem a capacidade de mobilizar uma série de soluções, de questões abertas, passando a exigir do ser humano uma atividade específica: planejamento e decisão, implicando uma situação ambígua: de um lado a relação torna- se, meramente, pragmática do homem com o mundo, pois aquele vendo neste apenas um problema transforma a sua ação em decisão, isto é, uma opção hipotética, que deve modificar-se de acordo com os resultados e cuja validade repousa no seu bom funcionamento; de outro lado, observa-se a progressiva perda do senso comum e a dissolução dos valores aí implicados, que explicam um certo vazio espelhado na ausência de padrões últimos de julgamento, portanto, de base segura para a própria ação de decidir”. Logo o homem é fundamento e objeto da positivação. Não se pode negar que o ser humano é o responsável pela própria positivação do direito. Com isto, a positivação forçou a tematização do ser humano como objeto central de preocupação do jurista. Mesmo correntes que procuram fazer da ciência jurídica uma ciência da norma (posta), não podem deixar de enfrentar o problema do comportamento humano e suas implicações na elaboração e aplicação do direito. O fenômeno da positivação estabelece, assim, o campo em que se move a ciência jurídica atual14. Conseqüentemente, o problema teórico da antinomia jurídica aparece no século XIX marcado pela positivação, representada pela crescente importância da lei e caracterizada pela libertação, que sofre o direito, de parâmetros imutáveis. Com a positivação cresce a disponibilidade espácio-temporal do direito, pois sua validade se torna maleável, podendo ser limitada no tempo e no espaço, adaptada a prováveis necessidades de futuras revisões15. Resta-nos, por derradeiro, assinalar que a teorização do problema do conflito normativo só surgiu nó pleno domínio do positivismo jurídico, porque nos leva à concepção do direito como um sistema normativo 16. É verdade que já nas discussões em torno da hierarquia das fontes, o problema do sistema já havia sido aflorado em conexão com a antinomia. Assim Portalis, em seu Discours préliminaire referente a uma classificação hierárquica em que se alinhavam a lei, os usos, a eqüidade, já dizia: “... L’equité est le retour à la loi naturelle, dans le silence, Vopposition ou 1’obscurité des lois positives...” [grifo nosso]17. Foi preciso que o direito fosse concebido como um sistema normativo para que a antinomia e sua correção se revelassem como problemas teóricos. A antinomia jurídica aparece como um elemento do sistema jurídico e a construção do sistema exige a resolução dos conflitos normativos, pois todo sistema deve e pode alcançar uma coerência interna. O problema científico do conflito normativo é uma questão do século XIX, surgindo com o advento do positivismo jurídico e da concepção do direito como sistema, que criaram condições para o aparecimento de teses em torno da coerência ou incoerência (lógica) do sistema jurídico e da questão da existência ou inexistência de antinomias jurídicas. Notas de rodapé do capítulo I 1. Theodor Stemberg (Introducción a la ciencia del derecho, trad. José Rovira y Ermengol, 2. ed., Barcelona, Labor, 1930, p. 32) escreve: “El que
quiera hacer Derecho sin Historia, no es un jurista, nin siquiera un utopista; no traera a la vida espirito de ordenación social consciente, sino mero disorden y destrucción”. 2. Esta é a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 7, p. 9 e 10. 3. John Gilissen, Le problème des lacunes du droit dans 1’évolution du droit médiéval et moderne, in Le problème des lacunes en droit, Bruxelles, Perelman (publ.), Émile' Bruylant, 1968, p. 232. 4.
Massimo Severo Giannini, Diritto amministrativo, v. 1, p. 95 é s.,
apud Tércio Sampaio Ferraz Jr., Função social da dogmática jurídica, Revista dos Tribunais, 1978, p. 62. 5.
Montesquieu, L’esprit des lois, I, XI, Cap. VI.
6. Gilissen, Le problème des lacunes du droit dans 1’évolution du droit médiéval et moderne, in Le problème, cit., p. 236. 7.
Tércio Sampaio Ferraz Jr., Função social, cit., p. 64.
8.
Tércio Sampaio Ferraz Jr., Função social, cit., p. 66.
9.
Tércio Sampaio Ferraz Jr., Função social, cit., p. 66.
10. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Direito, retórica e comunicação, São Paulo, Saraiva, 1973, p. 169 e s. 11. Foucault, Les mots et les choses, Paris, 1966, p. 356; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Função social, cit., p. 66. 12. Henrique de Lima Vaz, A grande mensagem de S. S. João XXIII, Síntese, Rio de Janeiro, abr./jun. 1963, n. 18, p. 13. 13.
Tércio Sampaio Ferraz Jr., Função social, cit., p. 67.
14. Tércio Sampaio Ferraz Jr, Localização sistemática do problema das lacunas, p. 21 (artigo lido em manuscrito). 15.
V. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Função social, cit., p. 68 e 69.
16. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Pressupostos filosóficos para a concepção de sistema no direito, segundo Emil Lask, São Paulo, 1970. 17. Gilissen, Le problème des lacunes du droit dans 1’évolution du droit médiéval et moderne, in Le problème, cit., p. 238; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Localização histórica do problema das lacunas, p. 9 e 10 (artigo lido em manuscrito); M. Helena Diniz, As lacunas no direito, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1981, p. 11-7.
CAPÍTULO II ANTINOMIA JURÍDICA COMO PROBLEMA INERENTE AO SISTEMA JURÍDICO E AO CARÁTER DINÂMICO DO DIREITO
Neste Capítulo nossa atenção voltar-se-á ao problema da existência das antinomias jurídicas, procurando determinar no ordenamento jurídico a possibilidade ou impossibilidade de colisão de normas. Essa problemática levanta as seguintes questões: Há conflitos normativos? É possível aplicar o princípio da não-contradição aos conflitos de normas? A coerência lógica é uma exigência fundamental do sistema normativo? O sistema jurídico é coerente ou não? Se o sistema normativo apresenta normas contraditórias, qual o sentido do termo antinomia jurídica ? Quais os meios para solucioná-la?1 Fácil é perceber que somente a partir de um modelo de sistema jurídico é que se poderia responder, com segurança e justeza, a essas indagações. Eis por que abrimos o estudo da questão das antinomias jurídicas com um item destinado ao sistema. O sistema jurídico é a ferramenta metodológica que ocupa um lugar central no exame desse problema, permitindo solucioná-lo satisfatoriamente. Como a questão do conflito normativo é, eminentemente, sistemática, julgamos conveniente apresentar a noção de sistema. 1 Sistema significa nexo, uma reunião de coisas ou conjunto de elementos, e método, um instrumento de análise. É o aparelho teórico mediante o qual se pode estudar a realidade. É, por outras palavras, o modo de ver, de ordenar, logicamente, a realidade, que, por sua vez, não é sistemática. Todo sistema é uma reunião de objetos e seus atributos (que constituem seu repertorio), relacionados entre si, conforme certas regras (estrutura do sistema), que variam de concepção a concepção2. Do exposto pode-se concluir que o direito não é um sistema jurídico, mas uma realidade que pode ser estudada de modo sistemático pela ciência do direito. É indubitável que a tarefa mais importante do jurista consiste em apresentar o direito sob uma forma sistemática, para facilitar seu conhecimento e manejo pelos que o aplicam 3. É evidente que a função do cientista do direito não é a mera transcrição de normas, já que estas não se agrupam num todo ordenado, mas sim a descrição e a interpretação, que consistem, fundamentalmente, na determinação das conseqüéncias que derivam dessas normas. Trata-se de uma operação lógica4, que procura estabelecer, de modo racional, um nexo lógico entre as normas e demais elementos do direito, dando-lhes uma certa unidade de sentido. O sistema jurídico é o resultado de uma atividade instauradora que congrega os elementos do direito (repertorio), estabelecendo as relações entre eles (estrutura), albergando uma referência à mundivi- dência que animou o jurista, elaborador desse sistema, projetando-se numa dimensão significativa5 6.0 sistema jurídico não é, portanto, urna construção arbitrária. O direito deve ser visto em sua dinámica como uma realidade que está em perpétuo movimento, acompanhando as relações humanas, modificando-se, adaptando-se às novas exigências e necessidades da vida 6 * * *. A evolução da vida social traz em si novos fatos e conflitos, de maneira que os legisladores, quase que diariamente, passam a elaborar novas leis; juizes e tribunais, constantemente, estabelecem novos precedentes e os próprios valores sofrem mutações, devido ao grande e peculiar dinamismo da vida. O direito é um dado que abrange diferentes experiências que se complementam, como as históricas, as antropológicas, as sociológicas, as
psicológicas, as axiológicas etc., tendo, contudo, um ponto comum: o direito positivo7. A experiência jurídica contém uma imensidão de dados heterogêneos; ante a sua grande complexidade constitutiva, não se reduz à singeleza de um só elemento: o normativo. As normas são apenas uma parte do direito. A idéia do direito como pura normatividade foi criticada por Santi Romano, um dos primeiros a proclamar a insuficiência da concepção normativista, ao declarar que: “Derecho no es solo la norma dada, sino también la entidad de la cual ha emanado la norma. El proceso de objetivación, que da lugar al fenómeno jurídico, no se inicia en la emanación de una regla, sino en un momento anterior: las normas no son sino una manifestación, una de las distintas manifestaciones; un medio por medio del cual se hace valer el poder del yo social”8. Giorgio Campanini9 também entende que o direito não se reduz à lei, ao escrever: “Indubbiamente el concetto di legge è parte integrante dei piü generale concetto di diritto, non è soltanto la legge, nè con essa è stato storicamente identificato: accanto alia legge positiva sono sempre State poste, anche nel momento normativo dei diritto, legge naturale e consuetudine, talchè ridurre la storia dei concetto di diritto alia storia dei concetto de legge sarebbe un’arbitraria e ingiustificata trasposizione sul piano storico di attuali posizioni teoretiche non sufiScien temente e criticamente fondate”. É preciso esclarecer que o normativismo de Hans Kelsen jamais afirmou que direito é só norma, apenas pretendeu que, dentro da complexidade de elementos componentes do fenômeno jurídico, a ciência jurídica, por questão de método, considerasse tão-somente a norma 10. As normas jurídicas são partes de um âmbito maior, que é o direito; sendo assim não esgotam a totalidade do direito, nem podem identificar-se com ele. O direito seria uma ordenação heterônoma das relações sociais, baseada numa integração normativa de fatos e valores 11. Sumamente interessantes são as palavras de Geraldo Ataliba 12: “De nada vale o conhecimento de uma seara, se se desconhece sua articulação com as demais. De pouco vale a familiaridade com certas informações, se não se as coordena com o universo do direito, se não se sabe filiá-las, explicá-las e concatená-las com os fundamentos em geral e com o todo sistemático onde inseridas. É inútil o conhecimento que se limita à superfície dos fenômenos jurídicos, sem buscar penetrar seus fundamentos explicativos e justificativos”. Tudo isso nos leva a crer que o sistema jurídico, criado pelo jurista ao estudar o direito, tem aspecto multifário e progressivo, sendo composto de vários subsistemas. Na tridimensionalidade jurídica de Miguel Reale, encontramos a noção de que o sistema jurídico se compõe de um subsistema de normas, de um subsistema de fatos e de um subsistema de valores, isomórficos entre si, pois deve haver uma insomorfia ou correlação entre eles 13. Ulrich Klug14 define isomorfia como “una relación entre relaciones que puede ser caracterizada de la siguiente manera: dos relaciones R e S serán isomorfas siempre que pueda establecerse entre ellas una relación biunívoca K, el llamado correlador por el que los miembros todos de R quedan coordinados con todos los miembros de S, y al revés; más, de tal modo acoplados, que siempre que entre X’, Y’ del campo R valga la relación R, valga también entre los miembros correspondientes X’, Y’ del campo S la relación S’. Isomorfía es igualdad estructural”. Dessas idéias deduzimos que os elementos do sistema estão vinculados
entre si por uma relação, sendo interdependentes. Se houver incongruência entre eles, temos quebra de isomorfía e lacuna, se houver conflito dentro do subsistema normativo, temos antinomia. Logo, o sistema normativo é aberto 15 , está em relação de importação e exportação de informações com os outros sistemas (fático e valorativo), sendo ele próprio parte do sistema jurídico16. Assim se se conceber o sistema jurídico como aberto e incompleto, revelando o direito como uma realidade complexa, que apresenta uma dimensão normativa, fática e axiológica, temos um conjunto continuo ordenado, que pode abrir-se numa desordem, numa descon- tinuidade, apresentando uma lacuna17, quando não contiver uma solução expressa ou segura para determinado caso 18. A lacuna constitui um estado incompleto do sistema, que deve ser colmatado ante o princípio da plenitude do sistema jurídico. Ao lado desse princípio situa- se o da unidade do sistema jurídico19. Deveras, a fusão dos elementos do direito num só bloco não impede a existência daqueles subsistemas acima citados. Variedade concebida de modo unitário é sistema, que nada mais é senão uma unidade epistemológica de conjuntos20. Esse princípio da unidade pode levar-nos à questão da correção do direito incorreto. Se se apresentar uma antinomia, ou um conflito entre normas, ter-se-á um estado incorreto do sistema, que precisará ser solucionado, pois o postulado desse princípio é o da resolução das contradições 21. O sistema jurídico deverá, teoricamente, formar um todo coerente, devendo, por isso, excluir qualquer contradição lógica nas asserções, feitas pelo jurista, elaborador do sistema, sobre as normas, para assegurar sua homogeneidade e garantir a segurança na aplicação do direito22. Para tanto, o jurista lançará mão de uma interpretação corretiva, guiado pela interpretação sistemática, que o auxiliará na pesquisa dos critérios para solucionar a antinomia a serem utilizados pelo aplicador do direito 23. É preciso frisar que o princípio lógico da não-contradição não se aplica às normas conflitantes, mas às proposições que as descrevem 24. O conflito entre uma norma que determina um certo comportamento como devido (p. ex. adultério deve ser punido; homicídio deve ser punido com prisão) e outra que impõe também como devida outra conduta, inconciliável com aquela (p. ex. adultério não deve ser punido; homicídio deve ser punido com a morte), não é uma contradição lógica, embora seja usual dizer-se que ambas se contradizem. O princípio lógico da não-contradição é aplicável à asserção que pode ser verdadeira ou falsa, e uma contradição lógica entre duas asserções consiste em que apenas uma ou outra pode ser verdadeira, logo, se só uma delas é a verdadeira, a outra terá de ser falsa. Uma norma não é verdadeira nem falsa, mas válida ou inválida. O conflito de normas pressupõe que ambas as normas conflitantes sejam válidas, pois do contrário não havería conflito. Se o princípio da não-contradição tivesse aplicação nas normas conflitantes, só uma delas teria validade, logo não havería conflito. Contudo, o enunciado do jurista que descreve uma ordem normativa, construindo um sistema, afirmando que uma determinada norma é válida, e especialmente a proposição jurídica, que descreve uma ordem jurídica, afirmando que, de harmonia com essa mesma ordem jurídica, sob determinados pressupostos, deve ou não ser posto um certo ato coercivo, podem ser verdadeiros ou falsos. Por isso, o princípio da não-contradição pode ser aplicado às proposições jurídicas que descrevem as normas e só indiretamente às normas. Há uma contradição lógica apenas entre a asserção segundo a qual uma norma é válida e a asserção de que esta norma é inválida. Se uma é verdadeira, a outra não o é. No caso de uma contradição lógica entre duas asserções, uma delas é falsa desde o princípio. O conflito de normas não é uma contradição lógica, mas podería ser comparado a duas forças que agem sobre o
mesmo ponto em direção contrária, de modo que entre duas normas conflitantes existiría um desacordo ou uma oposição e não uma contradição lógica25. Como o conflito normativo não é uma contradição lógica, a derrogação que o soluciona também não é um princípio lógico. A derrogação , segundo Hans Kelsen, é uma função normativa, consistente na negação da validade de norma, geral ou individual, em vigor, por meio de edição de outra norma. O problema da derrogação é, portanto, relativo ao âmbito de validade temporal da norma. A função derrogatória não é de uma das duas normas conflitantes, mas de uma terceira norma, que estabelece que em caso de conflito de normas uma ou outra, ou ambas, perdem a validade. Logo nenhuma das normas em conflito retira a validade da outra. A abolição da validade de uma delas ou de ambas só pode darse mediante um processo de produção de normas, ou seja, por meio de uma norma derrogatória 26. Como a ciencia jurídica procura conhecer o direito como um todo de sentido, deve descrevê-lo em proposições isentas de contradição lógica, partindo do pressuposto de que os conflitos normativos podem e devem ser necessariamente resolvidos pela via interpretativa27. A antinomia representa o conflito entre duas normas, entre dois principios, entre urna norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular28. Antinomia é um fenômeno muito comum entre nós ante a incrível multiplicação de leis. É um problema que se situa ao nivel da estrutura do sistema jurídico (criado pelo jurista), que, submetido ao princípio da não-contradição, deverá ser coerente. A coerência lógica do sistema é exigência fundamental, como já dissemos, do principio da unidade do sistema jurídico29. Por conseguinte, a ciência do direito deve procurar purgar o sistema de qualquer contradição, indicando os critérios para solução dos conflitos normativos e tentando harmonizar os textos legais. A esse esforço ou arte os Estatutos da Universidade de Coimbra de 1772 denominavam terapêutica jurídica. A solução de antinomias é imprescindível para manter a coerência do sistema jurídico, visto que, como nos ensina Paul Foriers, “a afirmação num sistema jurídico de duas normas contraditórias acarreta, necessariamente, a incoerência desse sistema e, portanto, o seu desaparecimento”30. Havendo antinomia, o jurista, ante o caráter dinâmico do direito, passa de um subsistema a outro, apontando critérios para solucionála. O processo de sistematização jurídica compreende várias operações tendentes não só a exibir as propriedades normativas, fáticas e axiológicas do sistema e seus defeitos formais — antinomias e lacunas, mas também a reformulá-lo para alcançar um sistema harmônico, atendendo aos postulados de capacidade total de explicação, ausência de contradições lógicas e aplicabilidade fecunda do direito a casos concretos 31. E, portanto, impossível, no estudo das antinomias jurídicas, considerar o direito sob o prisma estático, pois isso conduziría a uma visão distorcida da realidade jurídica. O jurista, ao construir o sistema jurídico, levando em conta a dinamicidade do direito, teria, na lição de Bobbio, a tarefa de estabelecer critérios para identificar ou reconhecer a antinomia e a de apontar critérios para sua resolução, tão logo seja reconhecida 32. Trata-se de um desenvolvimento aberto do direito dirigido metodicamente, que se mantém dentro dos limites marcados pelo direito, isto é, em consonância com o conteúdo da consciência jurídica geral, com o espírito do ordenamento jurídico, que é mais rico de conteúdo do que as disposições normativas, pois contém idéias jurídicas, critérios valorativos e fáticos. Logo, havendo antinomia, a sua solução é encontrada pelo juiz, ao aplicar o direito, já que não pode eximir-
se de sentenciar, no sistema jurídico, elaborado pelo jurista, ou melhor, nos subconjuntos valorativo, fático e normativo que o integram, e na derrogação feita pelo Legislativo, que tem o condão de eliminá-la. Se se investiga o direito como um fenômeno dinâmico, pode-se verificar que a antinomia aparece fora da ocasião da decisão judicial, pois pode ser detectada num momento anterior e solucionada pelo Poder Legislativo. Mesmo que esta antinomia só surgisse por ocasião da jurisdição, o Legislativo podería resolvê-la, do mesmo modo interpretado pelo magistrado, ou até de maneira contrária. Em razão da proibição da denegação da justiça, ela acaba sendo resolvida pelo órgão judicante, apesar de sua decisão não implicar solução da antinomia, pois somente pretende evitar o prosseguimento desse conflito normativo num dado caso singular. Sem embargo, esse conflito permanece latente dentro do sistema até que o legislador o solucione. Portanto, a antinomia não é um problema que se coloca ao nível da decisão judicial, porque o magistrado não a resolve, apesar de solucionar o caso sub judice. A antinomia continua a existir no sistema jurídico, pois só poderá ser eliminada por meio de ação legislativa33. Notas de rodapé do capítulo II 1. Buch, Conception dialectique des antinomiesjuridiques, in Les antinomies en droit, Bruxelles, Perelman (publ.), Émile Bruylant, 1965, p. 372391. 2. 0 vocábulo sistema é de origem grega, significando aquilo que é construido (synistemi ), isto é, uma totalidade cujas partes apontavam, na sua articulação, para uma ordem qualquer. Platão, Aristóteles e os estoicos empregaram-no, os primeiros, no sentido de algo organizado e os segundos, para designar o conceito de cosmos, de ação deliberadamente planejada e racional (téchné ). Visto como um sistema de regras que se obtém pela experiência ou a posteriori, visando o exercício de uma ação repetível, que almejava a perfeição e que não se submetia à natureza, nem se abandonava ao acaso. Não chegaram a usar a palavra no sentido empregado nos dias atuais. Os romanos não utilizaram o termo, que era por eles desconhecido, tanto que falavam em corpus juris civile e não em systema juris civile. A palavra só veio a aparecer por volta dos séculos XVI e XVII com a teoria da música e com a teologia, onde falava-se em Summa theologica, impondo-se no século XVIII, através do Jusnaturalismo e na ciência em geral, por obra de Christian Wolff, que falava em sistema como nexus veritatum, apoiando-se na correção formal e na perfeição da dedução. Lambert, nos Fragmentos de sistematologia, estabelecia o sistema como um conceito geral e abstrato, como um modelo mecânico, em que o todo é a soma das partes e em si mesmo fechado, onde as suas relações com as partes e as relações das partes entre si estavam determinadas por regras próprias. Sendo que, para Kant, esse todo não seria a soma das partes mas as precedia de algum modo, não permitindo composição e decomposição sem a perda da unidade central, distinguindo o sistema da mera agregação. Hegel e Eisler empregam o vocábulo objetivamente como interdependência totalizante e ordenada de partes, onde a determinação das partes pelo todo ou do todo pelas partes varia de concepção para concepção e logicamente, como ordenação de uma pluralidade de conhecimentos numa totalidade do saber, aproximando, assim, o termo sistema à idéia de método, sendo que até hoje a palavra sistemático é tomada muitas vezes no sentido de metódico. Heck liga ao sistema a noção de ordem. A palavra sistema, portanto, toma conta da terminologia científica do século XVIII, e passa para o século XX. E a lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr.,
Sistema jurídico e teoria geral dos sistemas, apostila do Curso de Extensão Universitária da Associação dos Advogados de São Paulo, mar./jun. 1973, p. 4; Direito, retórica e comunicação, cit., p. 133-7; Conceito de sistema no direito, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1976, p. 9-23; Teoria da norma jurídica, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 140. 3.
M. Helena Diniz, As lacunas, cit., p. 23.
4. Alchourrõn e Bulygin, Introducción a la metodología de las ciencias jurídicas y sociales, Buenos Aires, Ed. Astrea, 1974, p. 111-3; Lourival Vilanova, Teoria da norma fundamental, separata do Anuário do Mestrado em Direito, Pernambuco, n. 7, p. 135, 1976; Kalinowsky, Introduction a la logique juridique, Paris, 1965; Von Wright, Deontic logic, mind. 60, 1951, reproduzido nos Logical studies, London, 1965, e An essay in deontic logic and the general theory of action, Acta philosophica fennica, Amsterdam, v. 21, 1968; José Villar Palasi, La interpretación y los apotegmas jurídico-lógicos, Madrid, Technos, 1975, p. 59. 5. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Teoria da norma, cit., p. 141; Engisch, Introdução ao pensamento jurídico, 2. ed., Lisboa, Ed. Calouste-Gulbenkian, 1964, prefácio do tradutor, p. XXVII; M. Helena Diniz, As lacunas, cit., p. 24. 6. Interessantes são os estudos de Edmond Picard (O direito puro, Lisboa, Ed. Ibero-Americana, 1942, p. 87 e s.) sobre a dinamicidade do fenômeno jurídico. V, ainda, a esse respeito, Francesco Calasso, Storicità del diritto, Milano, 1966, p. 198; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Conceito de sistema, cit., p. 171; M. Helena Diniz, AÍ lacunas, cit., p. 63 e s. 7. Lourival Vilanova, Lógica, ciência do direito e direito, in Filosofia II, Anais do VIII Congresso Interamericano de Filosofia, p. 535. 8. Santi Romano, El ordenamiento jurídico, trad. Retortillo, Madrid, Instituto de Estudios Políticos, 1963; Raul Ahumada transcreve esse trecho (Sobre el concepto del derecho, Revista Brasileira de Filosofia, 55:361). 9. Giorgio Campanini, Ragione e voluntà nella legge, Milano, Giuffrè, p. 3. 10. M. Helena Diniz, A ciência jurídica, 2. ed., Resenha Universitária, 1982, p. 62 e 63; Kelsen, Teoria pura do direito, 2. ed., Lisboa, 1962, v. 1, p. 1. 11. M. Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1983, v. 1, p. 8), adaptando o conceito dado por Miguel Reale, Lições preliminares de direito, São Paulo, Bushatsky, 1973, p. 67. 12. Geraldo Ataliba, no Prefácio ao livro de Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977, p. XIII. 13. Tércio Sampaio Ferraz Esquemáticamente, podemos ter:
Jr., Sistema jurídico, cit.,
p.
9.
14. Ulrich Klug, Lógica jurídica, Publicaciones de la Facultad de Derecho de la Universidad de Caracas, 1961, p. 129. 15. O sistema é aberto quando se pode encaixar um elemento estranho, sem necessidade de modificar sua estrutura. É um sistema incompleto e prospectivo, porque se abre para o que vem, não alterando suas regras. V. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Sistema jurídico, cit., p. 3, 10 e 11. 16. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Teoria da norma jurídica, cit., p. 141, e Conceito de sistema, cit., p. 156, 157, 162 e 171. 17. Goldschmidi, Introducción filosófica al derecho, Buenos Aires, Depalma, 1973, p. 288. 18. Karl Larenz, Metodología de la ciencia del derecho, Barcelona, Ed. Ariel, 1960, p. 292. 19.
Karl Engisch, Introdução, cit., p. 253.
20. V. Nathan Rosentreich, On a constructing a philosophicál system, 1963, p. 21, 24 e 179; Dworkin, Is a law a system of rules?, in Essay in legalphilosophy, Oxford, Ed. Summer, 1968; M. Helena Diniz, A ciência jurídica, cit., p. 149, e As lacunas, cit., p. 66. 21.
Karl Engisch, Introdução, cit., p. 253.
22. Buch, Conception dialectique des antinomies juridiques, in Les antinomies, cit., p. 390 e 391. 23.
Gavazzi, Delle antinomie, Torino, Giappichelli, 1959, p. 166-8.
24.
Kelsen, Teoria generóle delle norme, Torino, Ed. Einaudi, 1985, p.
195. 25. É o que nos ensina Hans Kelsen, Teoria pura, cit., 2. ed., Lisboa, 1962, v. 2, p. 28 e 29; Teoria generale, cit., p. 195, 352-65. Perelman (Les antinomies en droit. Essai de synthèse, in Les antinomies, cit., p. 392 e s.) conclui que as antinomias jurídicas, ao contrário das contradições, não concernem ao verdadeiro e ao falso, mas ao caráter incompatível, numa situação dada, das diretivas que a regem. 26.
Kelsen, Teoria generale, cit., p. 171-4, 196 e 353.
27.
Kelsen, Teoria pura, cit., v. 2, p. 29.
28. Paul Robert (Dictionnaire de l’Academie Française, 1932) escreve: antinomia é a “contradiction reélle ou apparente entre deux principes ou deux lois”; Ranzoli (Dizionario di scienze filosofiche) assevera “antinomia: vocabolo usato originariamente nella teologia e nelle scienze giuridiche, per indicare la contraddizione tra due leggi o principi nella loro applicazione pratica a un caso particolare”; Baldwin (.Dictionary ofphilosophy andpsycology ) afirma
“antinomy: a logical contradiction between two accepted principies, or between conclusions drawn rightly from premises which have equal claim to objective validity. The term, not in common use, though it is be found in application to cases of conflict to positive laws and in controversial theological literature, has acquired a definite place in philosophy from the employment of it by Kant...”. V. a respeito: Malgaud, Les antinomies en droit à propos de Tetude de G. Gavazzi, in Les antinomies, cit., p. 7 e 8; Foriers, Les antinomies en droit, in Les antinomies, cit., p. 20 e 21; Morgenthal, Les antinomies en droit social, in Les antinomies, cit., p. 39; Silance (Quelques exemples d’antinomies et essai de classement, in Les antinomies, cit., p. 63) diz que antinomia é “une contradiction reélle ou apparente entre d eux lois, entre deux dispositions d’une méme loi”; Salmón, Les antinomies en droit international public, in Les antinomies, cit., p. 285; Szabó, Des contradictions et le droit des différents systémes sociaux, in Les antinomies, cit., p. 354. O termo antinomia vem do grego: anti, quer dizer contra; nomos significa lei. 29.
Perelman e Olbrechts-Tyteca, Traité de l’argumentarían, § 46, p.
262. 30. Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1965, p. 134; Paul Foriers, Les lacunes en droit, in Le problè- me, cit., 1968, p. 38. 31. Leo Gabriel, Intégrale logik, 1965, p. 273; M. Helena Diniz, As lacunas, cit., p. 71. 32. Bobbio, Des critères pour resondre les antinomies, in Les antinomies, dt., p. 237. Por ser uma realidade problemática, o estudo da antinomia impõe a determinação da estrutura da incompatibilidade da norma e uma tomada de posição que convenha à solução do conflito normativo, ensina-nos Gavazzi (Delle antinomie, cit., p. 5). 33. V. Luiz Gonzaga Modesto de Paula, A lacuna e a antinomia no direito tributário, RT, 539: 25-33.
CAPÍTULO III CONCEITO DE ANTINOMIA JURÍDICA E CONDIÇÕES NECESSÁRIAS À CONFIGURAÇÃO DA INCOMPATIBILIDADE NORMATIVA
É na lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr. que encontramos o exato conceito de antinomia real. Segundo este autor1, a antinomia jurídica é “a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado”. Antinomia é a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. A antinomia real, no entender de Ulrich Klug1 2, é uma lacuna de conflito ou colisão, porque em sendo conflitantes, as normas se excluem reciprocamente, por ser impossível a remoção da contradição, pela dificuldade de destacar urna como a mais forte ou decisiva, por não haver uma regra que permita decidir entre elas, obrigando o magistrado a solucionar o caso sub judice, segundo os critérios de preenchimento de lacunas. Como ante um caso concreto há sempre a possibilidade de mais de uma interpretação de uma das normas conflitantes, ou de ambas, só haverá antinomia real se, após a interpretação adequada das duas normas, a incompatibilidade entre elas perdurar. Frente a duas normas conflitantes pode-se: a) Rechaçar ou ter por não escrita uma delas, seja por ter o caráter especial em relação à outra, seja por revelar um desvio dos princípios gerais (interpretação ab-rogante). A interpretação ab-rogante é uma ab-rogação em sentido impróprio, pois o jurista, por não ter o poder normativo, não tem, conse- qüentemente, o de abrogar normas; o magistrado pode não aplicar uma norma por considerá-la incompatível ao caso concreto, mas não tem o poder de eliminá-la do ordenamento jurídico. b ) Ter por não escritas as disposições incompatíveis, quando não existe antecedente ou razão válida para preferir uma a outra, de modo que a antinomia entre ambas as converte em reciprocamente ineficazes, caso em que se tem uma lacuna de conflito3. A antinomia real entre duas normas nos conduz ao reconhecimento da exclusão de ambas, o que acarreta uma lacuna de conflito, como diz Ulrich Klug. Para que haja real incompatibilidade entre duas normas será preciso * 4 que: a) Ambas as normas sejam jurídicas. Para que exista antinomia é necessário que as normas conflitantes sejam jurídicas. Não se pode confrontar urna norma com urna lei físico-natural, por pertencerem a géneros diferentes. Toda norma prescreve o que deve ser a conduta dos simples individuos, autoridades e instituições na vida social. É norma de dever-ser dirigida ao comportamento humano 5. E é justamente isso que a distingue da lei da natureza. A lei físico-natural é descritiva do ser e a norma, moral, social ou jurídica, é normativa, isto é, prescritiva de condutas que instauram um dever-ser. A finalidade da lei física é a explicação de relações constantes entre os fenómenos; a lei físico-natural nada impõe à natureza, é a expressão mais ou menos adequada de seu modo de ser. Por isso é constatativa, indicativa de uma
certa ordem, que se verifica em qualquer setor da natureza; é a comprovação de um fato. Ela exprime o que tem de ser ou o que será6. A norma tem por fim provocar um comportamento. Postula urna conduta que, por alguma razão, se estima valiosa, ainda que de fato possa produzir-se um comportamento contrário; prescreve um dever, manda que se faça algo, e, talvez, não seja cumprida, isto porque o suposto filosófico de toda norma é a liberdade dos sujeitos a que obriga. Logo situa-se no campo da atividade humana, representada pela consciência e pela liberdade. Impõe dever, sendo imperativa e não constatativa como a lei física. Não se deve pois confundir as leis físicas, que são leis de comprovação dos fatos, com as normas éticas (jurídicas, religiosas, sociais ou morais), que são normas de direção do comportamento humano, constituindo a medida daquilo que podemos ou não podemos praticar, do que se deve ou não se deve fazer 7. Todas as normas, sejam elas morais, religiosas, sociais ou jurídicas, são mandamentos ou imperativos. O traço distintivo da norma ética da lei física é, portanto, a imperatividade, pois distingue as normas do comportamento humano das leis, que regem fatos. Para verificar se há antinomia jurídica é preciso confrontar «ermas jurídicas entre si. Não há conflito jurídico entre uma norma moral e uma norma jurídica, porque a relação entre elas expressa um conflito de deveres, sob o prisma moral e não sob o ponto de vista jurídico 8. Não se pode, portanto, falar em conflito jurídico ou incompatibilidade jurídica entre duas normas de ordenamentos diferentes, uma do ordenamento normativo moral e outra do jurídico. b) Ambas sejam vigentes e pertencentes a um mesmo ordenamento jurídico. Logo um estudioso do direito comparado não poderia dizer que o artigo X do Código Civil francês é incompatível com o artigo Y do Código Civil brasileiro, apenas poderia mostrar as diferenças que esses dispositivos legais apresentam ou fazer considerações sobre eles, indicando sua preferência por um deles. c) Ambas devem emanar de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, prescrevendo ordens ao mesmo sujeito. d) Ambas devem ter operadores opostos (uma permite, outra obriga) e os seus conteúdos (atos e omissões) devem ser a negação interna um do outro, isto é, uma prescreve o ato e a outra, a omissão. Para haver incompatibilidade, portanto, será necessário que as instruções dadas ao comportamento do sujeito se contradigam, pois, para obedecê-las, ele deverá também desobedecê-las. São antinómicas a norma A que prescreve é permitido fumar neste recinto e a B, que reza é obrigatória a omissão de fumar neste recinto. Nem sempre há conflito absoluto entre duas normas, como no exemplo acima, pois pode haver antinomia parcial, quando uma norma obriga a omissão e outra proíbe a omissão, tendo em vista condições de aplicação, tais que, para obedecer a um comportamento, é preciso desobedecê-lo, p. ex.: feche a janela sempre que estiver aberta e abra a janela sempre que estiver fechada9. e) O sujeito, a quem se dirigem as normas conflitantes, deve ficar numa posição insustentável, isto é, ensina-nos Tércio Sampaio Ferraz Jr., não deve ter meios para se livrar dela, por faltarem critérios, quando a antinomia se dá entre normas cronológica, hierárquica e especialmente semelhantes e por inconsistência de critérios existentes, como é o caso da meta-regra lexposterior generalis non derogat priori speciali, que é parcialmente inefetiva, e do conflito entre os critérios hierárquico e de especialidade. A opção por um deles
contrariaria, na lição de Bobbio, como mais adiante veremos, a necessidade prática de adaptação do direito: teoricamente dever-se-ia escolher o critério hierárquico, pois uma norma constitucional geral tem preferência sobre uma lei ordinária especial, mas a prática, ante a exigência de se aplicarem as normas constitucionais a novas situações, leva, freqüentemente, a fazer triunfar a lei especial, embora ordinária, sobre a constitucional10 11. Em resumo, para haver antinomia real será preciso a concorrência de três condições imprescindíveis11, que são: a) incompatibilidade; b) indecidibilidade; ec) necessidade de decisão. Notas de rodapé do capítulo III 1. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito , cit., p. 14. 2. Ulrich Klug, Observations sur le problème des lacunes en droit, in Le problème, cit., p. 86-9. Ao se conceber a idéia de lacuna ontológica, que representa inadequações da ordem normativa quanto ao ser (sein), abrangendo, além da lacuna diacrítica, a lacuna crítica, que se apresenta quando for impossível uma avaliação deôntica de um comportamento de acordo com a norma, devido a incompletude da ordem jurídica, admite-se, ao lado da lacuna crítica objetiva, que subsiste na hipótese de não- qualificação deôntica de conduta, a lacuna crítica subjetiva, que deriva da impossibilidade de reconhecer se uma norma é válida ou da impossibilidade de a conhecer. A impossibilidade de reconhecer essa norma pode derivar de sua antinomia com uma outra norma, caso em que está presente uma lacuna lógica. A lacuna lógica pode, por sua vez, ser distinguida em duas espécies: a) lacunas lógicas consistentes na antinomia de normas, em que um comportamento, a comissão ou a omissão, é permitido por uma norma e proibido por outra; e b) lacunas lógicas consistentes na antinomia de normas sobre normas e na conseqüente impossibilidade de se saber qual entre as normas incompatíveis é válida. É a lição de Amedeo Conte (Décision, complétude, clôture — A propos des lacunes en droit, in Le problème, cit., 1968, p. 68-73, e Saggio sulla completezza degli ordinamenti giuridici, Torino, Giappichelli, 1962, p. 22, 37, 42 e 43). Sobre lacuna lógica, v. Giacomo Gavazzi, Delle anlinomie, cit., p. 173. Zygmunt Ziembinski fala em lacunas lógicas em caso de antinomias (Les lacunes de la loi dans le système juridique polonais contemporain et les méthodes utilisées pour les combler, in Le problème, cit., p. 130 e s.). Betti (Interpretazione delia legge e degli atti giuridici, 1975, p. 135) refere- se à lacuna de colisão. 3. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Direito, retórica e comunicação, cit., p. 141, nota 136; José Castán Tobefias, Derecho civil español, común y foral, 9. ed., Madrid, Ed. Reus, 1955, t. 1, v. 1, p. 374; Francesco Messineo, Manual de derecho civil y comercial, Buenos Aires, EJEA, 1954, t. 1, p. 103. Georges Boland coloca em destaque a distinção entre antinomia e pseudo- antinomia, por permitir conceituar juridicamente antinomia, que é a impossibilidade de se aplicar simultaneamente, tal como enunciadas, duas normas jurídicas, que são tão precisas para serem aplicadas elas mesmas, e que não são subordinadas uma à outra por uma disposição jurídica imperativa (Quelques propos sur les antinomies et pseudoantinomies, en particulier en droit administratif, in Les antinomies, cit., p. 183-201).
4. Sobre as condições da existência de conflito normativo, v. Kelsen, Teoria generóle, cit., p. 354-6; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 4 e 13; G. Gavazzi, Delle antinomie, cit., p. 50 e s.; M. Helena Diniz, Conceito de norma jurídica como problema de essência, 3. tir., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, p. 85-92. 5. Paul Amselek (Méthode phénoménologique et théorie du droit, Paris, LGDJ, 1964, p. 71) escreve que norma exprime a idéia de que alguma coisa deve ser, e, em particular, que um homem deve conduzir-se de uma determinada maneira. 6. V. Hans Kelsen, Teoria pura, cit., v. 1, n. 18. As leis físicas são fórmulas de relações necessárias e constantes entre os fenômenos, são expressão do princípio da causalidade, segundo o qual verificada a causa verificar-se-á um determinado efeito. Cabe aqui uma notável observação de Goffredo Telles Jr. (O direito quântico, São Paulo, Max Limonad, 1971) de que o determinismo ínfrangível do mundo físico é posto em dúvida pela física moderna. Os físicos consideram as leis físicas como leis de probabilidade. Realmente, se alguém soltar um objeto no espaço ele cairá; a lei da queda dos corpos nos diz que os corpos pesados caem em movimento vertical e uniformemente acelerado. Isto não é um fato, porque nos fatos dados à nossa experiência não existe nenhuma queda que seja rigorosamente vertical e uniformemente acelerada; há a intervenção do ar, do vento etc... Assim sendo, melhor seria afirmar que as leis da natureza formulam regras meramente prováveis. V. Irineu Strenger, Uma teoria quântica do direito, Revista Brasileira de Filosofia, 84: 433, 1971. 7. V. I-Iart, El concepto del derecho, trad. de Carrió, 2. ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1968, p. 10 e 11. 8. Consulte: Merkl, La collisione delle norme tra autorità statale e autorità religiosa, Rivista internazionale di filosofia dei diritto, 1936, p. 522; End, Existentielle Handlungen im Strafrecht, München, 1959, apud G. Gavazzi, Delle antinomie, cit., p. 52; Kelsen, Teoria generale, cit., p. 354-6. 9. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito , cit., p. 13. 10. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 14; Bobbio, Des critères pour résoudre les antinomies, in Les antinomies, cit., p. 256. 11. V. Chaim Perelman, Les antinomies en droit. Essai de synthèse, in Les antinomies, cit., p. 392 e s.; Maria Helena Diniz, Compêndio de introdução à ciência do direito, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 430-1; Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 67-9.
CAPÍTULO IV CLASSIFICAÇÃO DAS ANTINOMIAS Pode-se classificar as antinomias quanto1: A)Ao critério de solução. Hipótese em que se terá: a) antinomia aparente, se os critérios para solucioná-la forem normas integrantes de ordenamento jurídico; e b) antinomia real, se não houver na ordem jurídica qualquer critério normativo para sua solução, sendo, então, imprescindível para a sua eliminação, a edição de uma nova norma. Tal distinção, na opinião de Tércio Sampaio Ferraz Jr. e de Alf Ross, quase nada elucida na seara da teoria geral do direito, porque: 1) não se pode acreditar que, em algum momento histórico, os critérios de solução tenham surgido como normas e não como regras (o que, caso contrário, levaria a concluir que os direitos passariam, paulatinamente, de situações em que as antinomias eram todas reais para situações limites em que seriam todas aparentes), levando a crer que as primeiras normas surgidas na história foram critérios de solução de antinomias; 2) leva à suposição de que todas as regras seriam normas efetivas quando, historicamente, são variáveis e não constantes; 3) conduz à idéia de que, havendo regras normativas, nunca se 1 teria de recorrer a critérios interpretativos não normativos, o que seria impossível. Por tais razões, seria de bom alvitre substituir tal distinção, baseada na existência ou não de critérios normativos para sua solução, por outra, em que antinomia real seria seria aquela onde a posição do sujeito é insustentável porque há: d) lacuna lacuna de regras de solução, ou seja, ausência de critérios para solucioná-la, ou b) antinomia antinomia de segundo grau, ou melhor, conflito entre os critérios existentes, e a aparente, o caso contrário. O reconhecimento de um antinomia real, neste sentido, não exclui a possibilidade de uma solução efetiva, pela edição de uma nova norma que escolha uma das normas conflitantes, ou pelo emprego da interpretação eqüitativa, do recurso aos mecanismos de preenchimento da lacuna (LICC, art. 4 Q ), ou seja, à analogia, ao costume, aos princípios gerais de direito, à doutrina etc. Embora a antinomia real seja solúvel, ela não deixa, por isso, de ser uma antinomia porque a solução dada pelo órgão judicante a resolve tão-somente no caso concreto, não suprimindo sua possibilidade no todo do ordenamento jurídico, e mesmo na hipótese de edição de nova norma que pode eliminar a antinomia, apesar de gerar outras, concomitantemente. Sendo aparente a antinomia, o intérprete ou o aplicador do direito pode conservar as duas normas incompatíveis, optando por uma delas. Tal conciliação se dá por meio da correção, aplicando-se um dos critérios de solução fornecidos pelo próprio sistema (cronológico, hierárquico e da especialidade). Ao conteúdo. Ter-se-á: a) antinomia própria, se se der por razão B) formal, independentemente de seu conteúdo material. Tal antinomia normativa ocorre quando uma conduta aparece ao mesmo tempo prescrita e não prescrita, proibida e não proibida, prescrita e proibida. P. ex.: se norma de Código Militar prescreve a obediência incondicionada a ordens de um superior e disposição do Código Penal proíbe a prática de certos atos (matar, privar alguém da liberdade), quando um capitão ordena o fuzilamento de um prisioneiro de guerra, o soldado vê-se às voltas com duas normas conflitantes, a que o obriga a cumprir ordens do seu superior e a que o proíbe de matar um ser humano. O mesmo se diga de uma
norma que determina a proibição do aborto e de outra que o permite. Somente uma delas pode ser tida como aplicável, e essa será determinada por critérios normativos. No dizer de Capella, urna será negação da outra, se ambas tiverem caráter deôntico oposto e seus conteúdos forem negação interna um do outro, tendo ambas as mesmas condições de aplicação; eb) antinomia imprópria2, se ocorrer em virtude do conteúdo material das normas, podendo apresentar-se como: 1) antinomia de princípios, se houver desarmonia numa ordem jurídica pelo fato dela fazerem parte diferentes idéias fundamentais entre as quais se pode estabelecer um conflito. P. ex.: quando as normas de um ordenamento protegem valores opostos, como liberdade, justiça e segurança. O princípio da justiça ou o da segurança jurídica podem ser atuados na sua pureza, diz Engisch, mas um deles deve ser sacrificado total ou parcialmente. A justiça exige concretização, isto é, uma consideração dos fatos, da pessoa e da situação. A segurança jurídica requer abstração destas circunstâncias circunstâncias individuais, daí impor limites precisos de idade, prazos determinados etc. P. ex.: pode parecer injusto que o indivíduo que pratica atos indecorosos com uma jovem de 13 anos seja punido severamente, enquanto outro, que faz o mesmo com uma moça de 18 anos, imatura, fique impune. A segurança jurídica levou o legislador a estabelecer um limite de idade. Ela exige a aplicação da norma, mesmo quando esta for injusta, mas a justiça, às vezes, requer que se afaste da norma, fazendo com que a segurança deixe de ter relevância. Assim sendo, a norma positiva injusta deve ceder lugar à justiça, que é um princípio imánente e transcendente. Corrige-se o direito positivo com o direito suprapositivo; 2) antinomia valorativa imánente ou de valor ação, se o legislador não for fiel a uma valoração por ele próprio realizada, pondo-se em conflito com as próprias valorações. P. ex.: quando prescreve pena mais leve para delito mais grave. Se uma norma do Código Penal punir menos severamente o infanticidio, morte voluntária de criança pela mãe no momento do parto, ou logo após o nascimento, do que a exposição de criança a perigo de vida através de enjeitamento, surge esse tipo de antinomia, que deve ser, em geral, aceita ou tolerada pelo aplicador, não podendo ser removida pela ciência do direito, mas deve constituir um estímulo ao aplicador, para ver se ela pode ser eliminada por meio de técnica interpretativa; 3) antinomia teleológica, se se apresentar incompatibilidade entre os fins propostos por certa norma e os meios previstos por outra para a consecução daqueles fins. O legislador quer alcançar um fim com uma norma e em outra rejeita os meios para obter tal finalidade. Aparece, portanto, sempre que a relação de meio e fim entre as normas não se verifica, mas deveria verificar-se. Essa antinomia pode, em certos casos, converter-se em antinomia normativa, devendo ser tratada como tal, em outros, terá de ser suportada como a antinomia valorativa. A esses tipos de antinomia imprópria há quem acrescente a antinomia técnica, atinente à falta de uniformidade da terminologia legal. P. ex.: o conceito de posse em direito civil é diverso do conceito de posse em direito administrativo. Realmente, há uma relatividade dos conceitos jurídicos, que têm nas várias normas jurídicas significados bem diferentes. Essas antinomias são impróprias porque não impedem que o sujeito aja conforme as normas, mesmo que não concorde com elas, de modo que o conflito, na verdade, surge entre o comando estabelecido e a consciência do aplicador. As antinomias próprias ou formais se caracterizam pelo fato do sujeito ficar num dilema por não poder atuar segundo uma norma sem violar a outra, devendo optar, e esta sua opção por uma das normas em conflito implica a desobediência a outra, levando-o a recorrer a critérios para sair dessa situação anormal.
Ao âmbito. Poder-se-á ter: a) antinomia de direito interno, que ocorre C) entre normas dentro de um ramo do direito (norma de direito civil conflita com outra de direito civil) ou entre normas de diferentes ramos jurídicos (norma de direito constitucional conflita com norma de direito administrativo); b) antinomia de direito internacional, que aparece entre normas de direito internacional público, isto é, entre tratados ou convenções internacionais, costumes internacionais, princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas, decisões judiciárias, opiniões dos publicistas mais qualificados como meio auxiliar de determinação de normas de direito (art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça), normas criadas pelas organizações internacionais e atos jurídicos unilaterais. Nessas normas existem apenas hierarquias de fato; quanto ao caráter subordinante, são elas mais normas de coordenação do que de subordinação, e, em relação a sua autoridade, mais do que sua fonte importa o valor que elas encarnam. E pode aparecer também, como veremos mais adiante, entre norma de direito internacional privado e norma de direito substancial; c) antinomia de direito interno-internacional, que surge entre norma de direito interno e norma de direito internacional público; sendo que tal questão se resume no problema das relações entre dois ordenamentos, na prevalência de um sobre o outro na sua coordenação. À extensão da contradição. Segundo Alf Ross3 ter-se-á: á) antinomia D) total-total, se uma das normas não puder ser aplicada em nenhuma circunstância sem conflitar com a outra. P. ex.: norma que prescreve que é proibido pisar na grama e outra que estatui que é permitido pisar na grama. É preciso ressaltar que são raras as inconsistências totais ou incompatibilidades absolutas entre dispositivos de um mesmo diploma normativo. Todavia, lembra Alf Ross que a Constituição da Dinamarca, de 1920, prescreve na 1- alínea alínea do § 36 que o número dos membros da Primeira Câmara não pode exceder de 78, e na 2- alínea alínea estatui, detalhadamente, critérios para sua eleição, sugerindo que o número de eleitos é 79. Não há como solucionar tal incompatibilidade absoluta. Logo a busca de uma resolução, conforme as circunstâncias, deve ser feita por meio de interpretação baseada em dados alheios ao texto; b) antinomia total-parcial, se uma das normas não puder ser aplicada, em nenhuma circunstância, sem conflitar com a outra, enquanto esta tem um campo de aplicação que conflita com a anterior apenas em parte. Haverá essa inconsistência total-parcial, p. ex., se uma norma dispõe que os estrangeiros não podem pescar em águas territoriais brasileiras, e outra estabelece que estrangeiro, domiciliado no País há mais de dois anos pode fazêlo; c) antinomia parcial-parcial, quando as duas normas tiverem um campo de aplicação que em parte um entra em conflito com o da outra e em parte não entra. P. ex.: se uma norma reza que o pai, no exercício do pátrio poder, não pode vender bens do filho menor, salvo se houver real necessidade deste e autorização judicial, e outra que prescreve a exigência, para a venda de bens do espolio, de autorização do juiz do inventário e, se os bens forem de incapaz, requer autorização judicial.
A esse respeito bastante interessante é a posição de Hans Kelsen4. Para ele, haverá conflito entre duas normas quando o que uma estabelecer como certo for inconciliável com o que outra estatuir como devido, e a observância ou aplicação de uma delas comportaria, necessária ou possivelmente, a violação da outra. Logo o conflito poderá poderá ser: bilateral , se a aplicação ou observância de uma das duas normas comportar, necessária ou possivelmente, uma violação da outra; unilateral, se apenas a observância ou aplicação de uma das normas comportar uma violação da outra; total, se uma norma prescreve um comportamento e outra o proíbe; e parcial, se o conteúdo de uma diferir apenas em parte do da outra. P. ex.: a) se se houver a norma (1) — bigamia deve ser punida, e a norma (2) —bigamia
não deve ser punida, a aplicação da norma (1) será necessariamente a violação da norma (2), enquanto a aplicação da norma (2) resultará necessariamente na violação da norma (1). O conflito nesse caso será total e e bilateral; b) se se existir a norma (1) — homicídio deve ser punido com a pena de morte, e a norma (2) — homicídio deve ser punido com prisão, a aplicação de uma delas implicará necessariamente violação da outra, mas o conflito será parcial e e bilateral; c ) se se apresentar a norma (1) — furto deve ser punido, e a norma (2) — furto entre parentes não deve ser punido, a aplicação da norma (2) consistirá necessariamente numa violação da norma (1), mas a aplicação da norma (1) implicará apenas uma possível violação violação da norma (2) (somente quando for punido o furto entre parentes). O conflito será bilateral, mas parcial, sendo necessário apenas para a parte relativa à norma (2), e possível somente para a parte atinente à norma (1); d) se se houver a norma (1) — no caso “X” o réu de ve ser punido, e a norma (2) — no caso “X” o réu deve ser punido só se o juiz considerar oportuna a punição, o conflito será bilateral, parcial e e apenas possível para para as duas partes, não sendo, portanto, necessário; e) se se aparecer a norma (1) — homicídio deve ser punido com pena de morte, se o assassino tiver mais de 20 anos, e a norma (2) — homicidio deve ser punido com pena de morte, se o assassino tiver mais de 18 anos, a aplicação da norma (1) não violará a norma (2), e a aplicação da norma (2) será apenas urna possível violação violação da norma (1) (se se punir um assassino que tenha menos de 20 anos). O conflito será parcial, unilateral e e possível so so- mente na parte alusiva à norma (2). Não parece ser possível que um conflito unilateral seja necessário. Tais conflitos normativos existem e pressupõem que as normas conflitantes sejam válidas e são solucionados, como vimos alhures, p. ex., pela derrogação. Notas de rodapé do capítulo IV 1. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, Direito, cit., p. 14-8; Silance, Quelques exemples d’antinomies et essai de classement, in Les antinomies, cit., antinomies, cit., p. 64 e s.; Salmón, Les antinomies en droit intemational public, in Les antinomies, antinomies, cit., p. 285 e s.; Vander Elst, Antinomies en droit intemational privé, in Les antinomies, cit., antinomies, cit., p. 138 e s.; Karl Engisch, Introdução, cit., p. 253-67; Alf Ross, Sobre el derecho y la justicia, Buenos Aires, 1970, p. 124 e s.; Juan Ramón Capella, El derecho como lenguage, lenguage, Barcelona, Ed. Ariel, 1968, p. 279-88,59 e 60; Bobbio, Teoria delTordinamento giuridico, Torino, giuridico, Torino, Giappichelli, 1960, p. 92-5; Kelsen, Teoria pura, pura, cit., v. 2, p. 28; Gavazzi, Delle antinomie, antinomie, cit., p. 66-73; Maria Helena Diniz, Compêndio, cit., Compêndio, cit., p. 431-3. 2.
Karl Engisch, Introdução, cit., Introdução, cit., p. 258-63.
3.
Alf Ross, Sobre el derecho, cit., derecho, cit., p. 124 e 125.
4.
Kelsen, Teoria generale, cit., generale, cit., p. 193-5.
CAPÍTULO V CRITERIOS PARA A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DE NORMAS 1.
Natureza normativa dos critérios
Se, como nos ensina Hans Kelsen1, para haver conflito normativo as duas normas devem ser válidas, pois se uma delas não o for não haverá qualquer antinomia, já que uma das duas normas não existiría juridicamente, jamais se poderá afirmar que apenas uma é válida. Por isso, ante a antinomia jurídica o sujeito, ou seja, o aplicador do direito, ficará num dilema, pois terá que escolher, e sua opção por uma das normas conflitantes implicaria a violação da outra. A ciência jurídica, por essa razão e ante o postulado da coerência do sistema, aponta critérios a que o aplicador deverá recorrer para sair dessa situação anormal. Tais critérios não são princípios lógicos, assim como o conflito normativo não é uma contradição lógica. São critérios normativos, princípios jurídico-positivos, pressupostos implicitamente pelo legislador, apesar de se aproximarem muito das presunções. 2. Critérios para a solução de antinomias no direito interno Ante a importância de se saber qual das duas normas antinómicas deve ser aplicada de preferência, a ordem jurídica prevé uma série de critérios para a solução de antinomias no direito interno, que são2: O hierárquico (“lex superior derogat legi inferiori”), baseado na A) superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre a outra. O principio lex superior quer dizer que em um conflito entre normas de diferentes níveis, a de nível mais alto, qualquer que seja a ordem cronológica, terá preferência em relação à de nível mais baixo. Assim, p. ex., a Constituição prevalece sobre uma lei. Daí falar-se em inconstitucionalidade da lei ou de ilegitimidade de atos normativos diversos da lei, por a contrariarem. Portanto, a ordem hierárquica entre as fontes servirá para solucionar conflitos de normas em diferentes escalões, embora às vezes possa haver incerteza para decidir qual das duas normas antinómicas é a superior3. O cronológico (“lexposterior derogat legipriori”), que se remonta ao B) tempo em que as normas começaram a ter vigência, restringindo-se somente ao conflito de normas pertencentes ao mesmo escalão. Na lição de Hans Kelsen, se se tratar de normas gerais estabelecidas pelo mesmo órgão em diferentes ocasiões, a validade da norma editada em último lugar sobreleva à da norma fixada em primeiro lugar e que a contradiz. Esse princípio também poderá ser aplicado quando as normas antinómicas forem estabelecidas por órgãos diferentes, p. ex., quando a Constituição confere ao rei e ao parlamento poder para regular o mesmo objeto, mediante edição de normas gerais, ou a legislação e o costume são instituídos como fatos produtores de direito. Se as normas conflitantes, total ou parcialmente, forem postas, concomitantemente, com um só ato do mesmo órgão, tal princípio não poderá ser aplicado, logo, se as duas normas forem totalmente antinómicas, deve-se interpretar o fato no sentido de que se deixou ao órgão judicante a opção entre as duas normas; se forem parcialmente conflitantes, deve-se entender que uma limita a validade da outra. Se for impossível qualquer uma dessas interpretações deve- se, no entendimento de Kelsen, concluir que não há qualquer norma jurídica objetivamente válida, ou seja, que o legislador prescreveu algo sem sentido. O critério lex posterior derogat legi priori significa que de duas normas do mesmo nível ou escalão, a última prevalece sobre a anterior.
Ensina-nos Alf Ross que, indubitavelmente, trata-se de um princípio jurídico fundamental, mesmo que não esteja expresso em norma positiva. O legislador pode revogar lei anterior, criando uma nova lei com ela incompatível, que ocupará seu lugar. Mas não se pode, continua ele, elevar esse princípio à categoria de axioma absoluto, porque a experiência demonstra que pode ser deixado de lado se contrariar certas considerações. Logo esse princípio só poderá ser caracterizado como um dos mais importantes princípios de interpretação, já que sua força variará conforme os diferentes casos de inconsistência. Deveras, se: a) a inconsistência for total, será difícil deixar de lado o critério lex posterior derogat legi priori; b) a inconsistência for total- parcial, sendo a última norma especial, a lex posterior operará conjuntamente com a lex specialis; c ) houver inconsistência de norma especial anterior e norma geral posterior, a lex specialis pode, conforme o caso, prevalecer sobre a lex posterior; d) a inconsistência for parcial, a lex posterior apoiará a presunção de que a norma mais recente prefere a anterior, mas nem sempre. A lex posterior apenas será aplicada se o legislador teve o propósito de afastar a anterior. Todavia, nada obsta que tenha tido a intenção de incorporar a nova norma, de modo harmônico, ao direito existente. A decisão sobre qual das duas possibilidades deve ser aplicada ao caso concreto dependerá de uma resolução alheia ao texto 4. Quando a nova norma vem modificar ou regular, de forma diferente, a matéria versada pela anterior, no todo (ab-rogação) ou em parte (derrogação) 5, podem surgir conflitos entre as novas disposições e as relações jurídicas já definidas sob a vigência da velha norma revogada. A norma mais recente só tem vigor para o futuro ou regula situações anteriormente constituidas? A nova norma repercute sobre a antiga atingindo os fatos pretéritos já consumados sob a égide da norma revogada, afetando os efeitos produzidos de situações já passadas ou incidindo sobre efeitos presentes ou futuros de situações pretéritas? Para solucionar tais questões dois são os critérios utilizados 6: a) o das disposições transitorias, chamadas direito intertemporal, que são elaboradas pelo legislador, no próprio texto normativo para conciliar a nova norma com as relações já definidas pela anterior. São disposições que têm vigência temporária, com o objetivo de resolver e evitar os conflitos ou lesões que emergem da nova lei em confronto com a antiga; e b) o dos princípios da retroatividade e da irretroatividade das normas, construções doutrinárias para solucionar conflitos entre a norma mais recente e as relações jurídicas definidas sob a égide da norma anterior, na ausência de normação transitória. É retroativa a norma que atinge os efeitos de atos jurídicos praticados sob o império da revogada. E irretroativa a que não se aplica a qualquer situação jurídica constituída anteriormente. Não se pode aceitar a retroatividade e a irretroatividade como princípios absolutos. O ideal seria que a lei nova retroagisse em alguns casos e em outros não. Foi o que fez o direito pátrio no art. 5 Q , XXXVI, da Constituição Federal, e no art. 6° §§ le, 2- e 39, da Lei de Introdução ao Código Civil, com a redação da Lei n. 3.238/57, ao prescrever que a nova norma em vigor tem efeito imediato e geral, respeitando sempre o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Logo, sob a égide da lei nova, cairíam os efeitos presentes e futuros de situações pretéritas, com exceção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, pois a nova norma, salvo situações anormais de prepotência e ditadura, não pode e não deve retroagir atingindo fatos e efeitos já consumados sob o império da antiga lei. O ato jurídico perfeito é o já consumado, seguindo a norma vigente ao
tempo em que se efetuou. Já se tornou apto para produzir os seus efeitos. O direito adquirido é o que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, de modo que nem lei, nem fato posterior possa alterar tal situação jurídica. Segundo Gabba7, direito adquirido seria todo direito que é consequência de um fato idôneo para gerá-lo em razão de lei vigorante ao tempo em que tal fato teve lugar, muito embora a ocasião em que ele possa vir a atuar ou a valer ainda não se tenha apresentado antes da entrada em vigor de uma nova norma relativa ao mesmo assunto e que, nos termos da lei nova sob o império da qual o fato aconteceu, tenha ele (o direito originado do fato acontecido) entrado, imediatamente, a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu. Portanto, o que não pode ser atingido pelo império da lei nova é apenas o direito adquirido e jamais o direito infieri ou em potência, aspes juris ou simples expectativa de direito, visto que “não se pode admitir direito adquirido a adquirir um direito”8. Realmente, expectativa de direito é a mera possibilidade ou esperança de adquirir um direito, por estar na dependência de um requisito legal ou de um fato aquisitivo específico9. Observa Reynaldo Porchat 10 11 que, quanto às leis de ordem pública, atinentes ao interesse público ou político, estas se aplicam imediatamente e não há direitos adquiridos contra essas normas, ante a prevalência do interesse da coletividade sobre os particulares do indivíduo 11. A coisa julgada12 ou caso julgado é uma qualidade dos efeitos do julgamento. E o fenômeno processual consistente na imutabilidade e indiscutibilidade da sentença, posta ao abrigo dos recursos então definitivamente preclusos, e dos efeitos produzidos pela decisão judicial, porque os consolida. Com a coisa julgada ter-se-á decisão judiciária de que já não caiba mais recurso, por ser definitiva, trazendo a presunção absoluta de que o direito foi aplicado corretamente ao caso sub judice. O de especialidade (lex specialis derogat legi generali ), que visa a C) consideração da matéria normada, com o recurso aos meios interpretativos. Entre a lex specialis e a lex generalis há um quid specie ou uma genus au speci' 3. Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando- se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também esteja previsto na geral (RJTJSP , 29:303). O tipo geral está contido no tipo especial. A norma geral só não se aplica ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial, que a tomam mais suscetível de atendibilidade do que a norma genérica13 14. Para Bobbio15, a superioridade da norma especial sobre a geral constitui expressão da exigência de um caminho da justiça, da legalidade à igualdade, por refletir, de modo claro, a regra da justiça suum cuique tribuere. Ter-se-á, então, de considerar a passagem da lei geral à exceção como uma passagem da legalidade abstrata à eqüidade. Essa transição da norma geral à especial seria o percurso de adaptação progressiva da regra de justiça às articulações da realidade social até o limite ideal de um tratamento diferente para cada indivíduo, isto porque as pessoas pertencentes à mesma categoria deverão ser tratadas da mesma forma e as de outra, de modo diverso. Há, portanto, uma diversificação do desigual. Esse critério serviría, numa certa medida, para solucionar antinomias, tratando desigualmente o que é desigual, fazendo as diferenciações exigidas fática e axiologicamente, apelando para isso à ratio legis. Realmente, se, em certas circunstâncias uma norma ordena ou permite determinado comportamento somente a algumas pessoas, as demais, em idênticas situações, não são alcançadas por ela, por se tratar de disposição
excepcional, que só vale para as situações normadas. Desses critérios, o mais sólido é o hierárquico, mas nem sempre por ser o mais potente é o mais justo. Se esses critérios forem aplicáveis, a posição do sujeito não será insustentável, porque terá uma saída. Se não for possível a remoção do conflito normativo, ante a impossibilidade de se verificar qual é a norma mais forte, surgirá a lacuna de colisão ou de conflito, que será solucionada por meio dos princípios gerais do preenchimento de lacunas. É preciso não olvidar que, havendo antinomia, ou mesmo lacuna de conflito, em casos excepcionais, o valor justum deverá lograr entre duas normas incompatíveis, devendo-se seguir a mais justa ou a mais favorável, procurando salvaguardar a ordem pública ou social 16. Solução de conflito entre normas de direito internacional privado 3. Sabemos que, em razão da soberania estatal, a norma aplica-se no espaço delimitado pelas fronteiras do Estado 17. Todavia esse princípio da territorialidade não pode ser aplicado de modo absoluto, ante o fato da comunidade humana alargar-se no espaço, relacionando-se com pessoas de outros Estados, como seria o caso de um brasileiro que herda de um parente bens situados na Itália; do brasileiro que convola núpcias com francesa na Inglaterra, do norte-americano divorciado que pretende casar-se com brasileira no Brasil; da empresa brasileira que contrata com empresa alemã etc. 18. Sem comprometer a soberania nacional e a ordem internacional, os Estados modernos têm permitido que, em seu território, se apliquem, em determinadas hipóteses, normas estrangeiras, admitindo assim a extraterritorialidade, para tornar mais fáceis as relações internacionais, possibilitando conciliar duas ou mais ordens jurídicas pela adoção de uma norma que dê solução mais justa19. O Brasil adotou a doutrina da territorialidade moderada. Pela territorialidade, a norma aplica-se no território do Estado, inclusive ficto, como embaixadas, consulados e navios de guerra onde quer que se encontrem, navios mercantes em águas territoriais ou em alto-mar, navios estrangeiros, menos os de guerra, em águas territoriais, as aeronaves no espaço aéreo do Estado, assemelhando-se a posição das aeronaves de guerra à dos barcos de guerra. Regula o princípio da territorialidade o regime de bens e obrigações (LICC, arts. 8S e 9Ô). Já que se aplica a lex rei sitae para qualificar bens e reger as relações a eles concernentes — embora a Lei de Introdução ordene a aplicação da lei do domicílio do proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxe, ou se se destinarem a transporte para outros lugares — a norma locus regit actum regula as obrigações que se sujeitam às normas do país em que se constituírem, bem como a prova de fatos ocorridos em país estrangeiro (LICC, art. 13). Pela extraterritorialidade aplica-se a norma em território de outro Estado, segundo os princípios e convenções internacionais. Clas- sicamente denomina-se estatuto pessoal a situação jurídica que rege o estrangeiro pela lei de seu país de origem. Trata-se da hipótese em que a norma de um Estado acompanha um cidadão no estrangeiro para regular seus direitos. Esse estatuto pessoal baseia- se na lei da nacionalidade ou na lei do domicílio. No Brasil, em virtude do disposto no art. 7- da Lei de Introdução ao Código Civil, funda-se na lei do domicílio. Regem-se por esse princípio as questões relativas ao começo e fim da personalidade, ao nome, à capacidade das pessoas, ao direito de família e
sucessões (LICC, arts. 7Q e 10), à competência da autoridade judiciária (LICC, art. 12). Há, apesar disso, um limite à extraterritorialidade da lei, pois atos, sentenças e lei de países alienígenas não serão aceitos no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes (LICC, art. 17)20. Ante a coexistência de várias ordens legislativas de direito internacional privado pode acontecer que, para reger a mesma relação jurídica, os legisladores de dois ou mais Estados interessados, no momento político-jurídico colisional, a qualifiquem de modo diverso, cada qual elegendo elementos de conexão nãocoincidentes. P. ex.: o estado e a capacidade de brasileiro domiciliado na Itália regem-se conforme o direito internacional privado brasileiro pela lei italiana (lei do domicílio), mas pelo direito internacional privado italiano aplica-se o direito brasileiro (lei da nacionalidade). Trata-se do chamado conflito negativo de segundo grau. Na lição de J. R. Franco Fonseca21, pela teoria da remissão ao direito substancial estrangeiro, enten- de-se que a norma de direito internacional privado, ao referir-se, para reger uma relação, à norma jurídica estrangeira, remete sempre o aplicador da lei ao direito substancial estrangeiro qualificador daquela relação e não ao direito internacional privado estrangeiro. Daí a razão pela qual esses conflitos colisionáis são aparentes. As normas de direito internacional privado dão origem, por meio de uma técnica legislativa consistente em remissão a normas alienígenas, a um direito substancial especial, para regulamentar fatos, situações e relações da vida real exterior, aos quais o legislador considera injusta ou inoportuna a aplicação do direito comum nacional do foro. A norma de direito internacional privado, ao inserir na ordem nacional uma lei estrangeira para reger certo fato, só pode referir-se a uma norma material (substancial) alusiva à relação que se pretende qualificar22. Além disso, assevera esse mesmo autor, o momento político, especificamente colisional, no direito internacional privado não é o da aplicação da norma pelo magistrado, mas aquele valorativo em que avulta a figura do legislador. Formulada a norma pelo órgão legiferante não há que se falar em concurso formal, uma vez que já se efetuou a opção e, conseqüentemente, a solução definitiva da alternatividade de normas concorrentes. Logo, se se admitisse a aplicabilidade da norma de direito internacional privado às normas colisionáis de outro Estado, estar-se-ia permitindo que o aplicador do direito exercesse função valorativa, já exaurida pelo Legislativo 23. J. R. Franco da Fonseca ensina-nos ainda que, no plano dogmático, de conflito de normas de direito internacional privado, há conflitos duplos positivos, pois a mesma situação fática que, por um ou alguns de seus elementos, exista em sistemas jurídicos substanciais de dois ou mais Estados, pode ser qualificada de diversos modos pelos legisladores daqueles Estados, ante o fato de cada qual ter optado por um vínculo de conexão diferente. P. ex.: a sucessão de um italiano domiciliado no Brasil, tendo deixado bens imóveis na Inglaterra, rege- se, segundo o direito internacional privado brasileiro (LICC, art. 10), pela norma substancial brasileira (a do domicílio); segundo o direito privado internacional italiano (Disposições Preliminares do CC de 1942, art. 23), pela norma substancial italiana (a da nacionalidade); e conforme o direito privado internacional inglês (Dicey Rule, 127) pela norma substancial britânica (a da situação dos bens). Tais normas colisionáis objetivam qualificar a mesma relação, pela aplicação de seu próprio direito substancial, ligado à espécie por vínculos diferentes. Para solucionar esse conflito ter-se-á a obrigatoriedade imposta ao órgão judicante de aplicar a norma de direito internacional privado de seu país, ignorando a do Estado estrangeiro, igualmente interessado. Quando se impõe ao magistrado a qualificação de uma relação segundo o direito substancial (interno) nacional, não se lhe está
outorgando o direito de sobrepor-se ao legislador, que já fez sua escollha, no prévio momento valorativo, do elemento de conexão que reputou mais conveniente e justo para indicar a norma substancial qualificadora da mesma categoria de relação. O legislador de cada Estado, no momento político-jurídico da opção por um dos vínculos de conexão, tem diante de si uma relação de fato e um concurso formal de normas substanciais; logo, ao editar a norma, que considera justa, está formulando a solução do referido concurso. O aplicador da lei se curva, portanto, ao mandamento de sua própria lei colisional, ou seja, de sua ordem jurídica nacional. Assim sendo, na aplicação da norma já positivada, não há qualquer colisão, pois esta é aparente, uma vez que inexiste conflito formal de normas, por haver, na verdade, duas normas que se integram: a) a norma “colisional” de direito internacional privado (interno) que faz remissão a uma norma de direito substancial (interno) para qualificar determinado fato; e b) a norma “substancial” (incorporada ao direito interno, se estrangeira) a que o legislador de direito internacional privado remete o aplicador 24. No direito internacional privado, portanto, só há antinomia aparente. 4. Princípios para a resolução dos conflitos entre normas de direito internacional público Nos casos de conflito entre normas de direito internacional público 25 , principalmente no que se refere aos tratados, os critérios para solucioná-los, como nos aponta Salmón, são: a) Prior in tempore potior in jus, que dá, havendo conflito entre dois tratados, preferência ao primeiro sobre o segundo, desde que os dois não tenham sido elaborados pelas mesmas partes. Trata-se do princípio da primazia da obrigação anteriormente assumida. Tal principio25 não passa de expressão técnica de regras relativas aos tratados: a regra pacta sunt servanda e a res ínter alios acta. b ) Lex posterior derogatpriori, que se aplica sempre que o segundo tratado dita a lei dos Estados signatários do primeiro. Como o segundo tratado não é res ínter alios acta haverá derrogação expressa ou tácita do primeiro. Se houver conflito entre este critério e o anterior, ter-se-á o conflito de critério, mesmo se se admitir que a aplicação da regra cronológica prevaleça sempre que as partes forem as mesmas nos dois tratados. c) Lex specialis derogat generale, aplicável apenas nos casos de tratados sucessivos entre os mesmos signatários. d) Lex superior derogat inferiori, pelo qual a norma superior se liga não à natureza da fonte mas ao valor por ela colimado. P. ex.: uma norma que concretize o valor ordem pública internacional deverá prevalecer contra a que visa a mera segurança de um dos contratantes; a Carta das Nações Unidas deverá ter preferência ante um tratado em que dois Estados concertam assuntos que só a eles interessam. Nas hipóteses de tratados coletivos ou multilaterais antinómicos poderão surgir dificuldades na aplicação da regra: lex priori, quando os tratados advierem de convenções que nasceram quase que paralelamente, não estando, portanto, muito distanciadas no tempo; lex posterior, por ser, geralmente, difícil que as partes, no correr do tempo, sejam as mesmas, pois os signatários da primeira convenção poderão não ser os mesmos da segunda, daí ser sua aplicação variável apenas em casos muito especiais; lex specialis e lex superior, que, apesar de suscetíveis de ser aplicadas a esses tratados, poderão não o ser pelas mesmas razões acima apontadas, principalmente nas relativas à lex posterior.
5. Critérios solucionadores dos conflitos entre norma de direito internacional público e norma de direito interno Nos conflitos entre norma de direito internacional e norma de direito internó 16 , que ocorrem quando uma lei interna contraria um 26 tratado internacional, a jurisprudencia consagrará a superioridade da norma internacional sobre a interna, se esses conflitos forem submetidos a um juízo internacional. Mas se forem levados à apreciação do juízo interno, poderá reconhecer: A) a autoridade relativa do tratado e de outras fontes jurídicas na ordem interna, entendendo-se que o legislador interno não pretendeu violar o tratado, exceto os casos em que o fizer claramente, hipótese em que a lei interna prevalecerá; B) a superioridade do tratado sobre a lei mais recente em data, como fez, p. ex., o Tribunal de Luxemburgo ao decidir que: d) “en cas de conflit entre les dispositions d’un traité intemational et celles d’une loi interne postérieure, la loi intemationale doit prévaloir sur la loi nationale” (Cour Supérieure, cass. criminelle, 8 juin 1950, Pas. luxembourgeoise, 15:41), e b ) “en cas de conflit entre les dispositions d’un traité intemational et celles d’une loi interne, même postérieure, la loi intemationale doit prévaloir sur la loi interne” (Cour Supérieure, appel. correctionnel, 21 juil. 1951, Pas. luxembourgeoise, 25:235)27; e C) a superioridade do tratado sobre a norma interna, ligando-a, porém, a um controle jurisdicional da constitucionalidade da lei. Tudo dependerá do reconhecimento das normas internacionais feito pela lei nacional do juiz. Notas de rodapé do capítulo V 1. Hans Kelsen, Teoria generale, cit., p. 195, 353, 197, 198, 307-10, 350-4; Kelsen e Ulrich Klug, Rechtsnormen und logische analyse; ein Briefwechsel, 1959 bis 1965, Wien, 1981. No mesmo teor de idéias Adolf Merkl, Allgemeines Verwaltungsrecht, 1927, p. 211. Sobre a positividade desses critérios, v.: Garcia Máynez, Introducción a la lógica jurídica, p. 47; Bobbio, Des critères pour résoudre les antinomies, in Les antinomies, cit., p. 244 e 250. Merkl (Die Rechtseinheidt des õsterreichischen Staates, Archiv des õffentlichen Rechts, 37:15, 1917) chega a afirmar que o princípio lex posterior derogat legi priori não é um princípio lógico, mas uma norma de direito positivo. 2. Bobbio, Des critères pour résoudre les antinomies, in Le problème, cit., p. 237-58, e Teoria, cit., p. 103 e 104; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 14; Foriers, Les antinomies en droit, in Les antinomies, cit., p. 37; Juan Ramón Capella, El derecho, cit., 1968, p. 284; Kelsen, Teoria pura, cit., v. 2, p. 30 e 31; Karl Engisch, Introdução, cit., p. 256 e 257; Garcia Máynez, Some consideration on the problem of antinomies in the law,Archiv fur Rechts und Sozialphilosophie, 49:1 e s., 1963; Maria Flelena Diniz, Compêndio, cit., p. 433-5; Lei de Introdução, cit., p. 69 a 75. 3. Para Hans Kelsen (Teoria pura, cit., v. 2, p. 33 e 34) não há, em normas de diferentes escalões, conflito, porque a norma inferior tem seu fundamento de validade na superior. Só será válida a norma inferior, se estiver em harmonia com a do escalão superior. V., também, Alf Ross, Sobre el derecho, cit., p. 127. 4. Alt Ross, Sobre el derecho, cit., p. 126 c 127. V. nossa Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2-.
5. Sobre a distinção entre ab-rogação e derrogação, v.: M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 1, p. 63; Kelsen, Teoria generóle, cit., p. 177-9; Ferdinand Regelsberger, Pandekten, v. 1, p. 110. 6. M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 1, p. 64; Paulo de Lacerda, Manual do Código Civil brasileiro, Rio de Janeiro, 1918, v. 1, p. 82; Wilson Mello da Silva, Conflito de leis no tempo, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 18, p. 55-76; Gabba, Teoría delia retroattivitá delle leggi, Pisa, 1858, v. 1; PacificiMazzoni, Instituzioni di diritto civile italiano, 1880, v. 1, p. 73; Enrico Tullio Liebman, Eficácia e autoridade da sentença, Rio de Janeiro, Forense, 1945, p. 152-4; R. Limongi França, Direito intertemporal brasileiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1968; Reynaldo Porchat, Da retroatividade das leis civis, São Paulo, 1909, p. 22, 69, 46 e 47; Mantovani, Concorso e conflitto di norme nel diritto penale, Bologna, 1966, p. 309; Vicenzo Simongelli, Su i limitti della legge nel tempo, 1905, v. 1; Donato Fagella, Retroattivitá delle leggi; Bento de Faria, Aplicação e retroatividade da lei, Rio de Janeiro, 1934, p. 25,32,151; Pace, IIdiritto transitorio, Milano, 1944; Paul Roubier, Le droit transitoire; conflits des lois dans le temps, Paris, 1960; Ferdinand Lassalle, Théorie systématique des droits acquis, v. 1, p. 73; Vicente Ráo, O direito e a vida do direito, v. 1, t. 2, p. 452 e 459; Carlos Maximiliano, Direito intertemporal ou teoria da retroatividade das leis, 2. ed., Sao Paulo, Freitas Bastos; Pascuale Fiore, De la irretroactividad e interpretación de las leyes, 3. ed., Madrid, Ed. Reus. 7.
Gabba, Teoria, cit., p. 190 e 191.
8.
Reynaldo Porchat, Da retroatividade, cit., n. 20, p. 22.
9.
M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 1, p. 179.
10.
Reynaldo Porchat, Da retroatividade, cit., p. 69.
11.
Assim:
a) Retroagem sempre as leis constitucionais e políticas (Huc, Beviláqua, Salvat, Bento de Faria, Aubry e Rau, Laurent etc.) (Bento de Faria, Aplicação, cit., p. 25). b ) Retroagem as leis administrativas (Vicente Ráo, O direito, cit., v. 1, t. 2, p. 452). c) Retroagem as normas processuais, principalmente as de organização judiciária e de competência (Coviello, Stolfi, Villeneuve, Garsonne, Ribas etc.) (Bento de Faria, Aplicação, cit., p. 32). d )
Retroagem as leis penais, somente quando benficiarem o réu.
e) As normas relativas ao estado e capacidade das pessoas têm aplicabilidade imediata, ressalvados o estado e a capacidade já adquiridos sob o império da lei velha. f) As novas normas concernentes ao direito de família só retroagem no que atina aos direitos pessoais puros e não com referência aos direitos pessoais relativos ou patrimoniais (Vicente Ráo, O direito, cit., p. 459). g) As novas normas sobre prazo prescricional aplicam-se desde logo se o aumentam, mas deve ser computado o tempo já fluído sob a égide da lei velha. Se encurtam o prazo, o novo lapso de tempo prescricional começa a correr por inteiro a partir da lei revogadora (Bento de Faria, Aplicação, cit., p. 151).
h) As normas que extinguem institutos jurídicos vigoram desde logo (Porchat, Da retroatividade, cit., p. 46 e 47). Sobre esse tema, v. Wilson Mello da Silva, Conflito de leis no tempo, in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 55-76. 12. Enrico Tul lio Liebman, Eficácia, cit., p. 152-4; Kelsen, Teoria generóle, cit., p. 176 e 177. 13. Lincoln Magalhães da Rocha, Justitia, 75: 25. O princípio da especialidade uniformemente aceito pela doutrina funda-se em máximas romanas tais como sempre specialia generalibus insunt; generi per speciem derogantur, specialia generalibus derogant. 14. Marcelo Fortes Barbosa (Conflito de leis penais, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 18, p. 85-108) esclarece que pouco importa que a norma especial, ao neutralizar a geral, imponha pena menor ou maior ao agente. O tipo especial se impõe ainda que mais brando que o genérico. 15. Bobbio, Des critères pour résoudre les antinomies, in Les antinomies, cit., p. 249. 16. Capella (El derecho, cit., p. 284) observa que “a estos tres criterios los viejos tratadistas anadian, según Bobbio ( Ordinamento, cit., p. 103 e 104), la regla lex favorabilis derogat lex odiosa, hoy caída en desuso. No se trataba de una regla que dejara al arbitrio del intérprete la consideración de qué norma era ‘favorable’ ou ‘odiosa’; el criterio suponía que las normas de obligación debían considerarse ‘odiosas’ frente a las ‘favorables’ normas permisivas, pero, como se echa de ver, este criterio es menos neutro ideológicamente que los anteriores al presuponer que las situaciones reguladas mediante normas permisivas son más justas o equitativas que las reguladas por normas de obligación. La regla parece un eco de la doctrina del laissez faire que el laissez faire ha arrinconado con los trastos viejos. Esto no debe sorprender si se advierte la escasa racionalidad del principio”. Na nota 20 acrescenta: “La falta de racionalidad, y no su oscuridad, parece ser la causa del abandono de este canon interpretativo. Bobbio afirma que es oscuro, alegando que la norma jurídica es bilateral y que lo que es favorable para un sujeto es odioso para otro (Ordinamento ... cit., p. 104); en ese argumento hay un equívoco: es la relación jurídica y no la norma, lo bilateral (o plurilateral), la bilateralidad de una norma estaría en todo caso entre edictor (legislador etc.) y sujeto, y seria irrelevante en la aplicación de la regla; de las propias palabras de Bobbio aparece que está pensando en la relación jurídica y no en la norma”. Continua na p. 285: “Caído en desuso, no lo tendremos en cuenta en lo que sigue, pero el lector que lo desee podrá comprobar que su actualidad no sería obstáculo para la validez de nuestras conclusiones sobre el valor de las reglas de solución de antinomias”. 17. A. Franco Montoro, Introdução à ciência do direito, 2. ed., São Paulo, Ed. Martins, v. 2, p. 156. 18. Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, Rio de Janeiro, Forense, 1967, v. 1, p. 158 e 159. 19. Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 160; A. Franco Montoro, Introdução, cit., v. 2, p. 156. 20. Sobre o nome do estrangeiro, v. arts. 31 e 42 e s. da Lei n. 6.815/80. Caio M. da Silva Pereira, Instituições, cit., v. I, p. 170-2; A. Franco Montoro, Introdução, cit., v. 2, p. 157-9; Silvio Rodrigues, Curso de direito civil,
São Paulo, Max Limonad, 1962, v. 1, p. 53-5; M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 1, p. 64 e 65. 21. J. R. Franco da Fonseca, Conflitos duplos negativos (de leis no espaço), in Enciclopédia Saraiva do Direito, n. 18, p. 121-33. 22. Ago, Règles générales des conflits de lois, Recueil des Cours, Paris, t. 58, p. 394, 1936. 23. J. R. Franco da Fonseca, Conflitos duplos negativos (de leis no espaço), in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit.; Savatier, Cours de droit international privé, 1953, n. 376; Rolin, Príncipes de droit international privé, t. 2, p. 619 e s.; Graulich, Les conflits de lois en droit international privé, 1956, p. 209 e s. 24. J. R. Franco da Fonseca, Conflitos duplos positivos (de leis no espaço), in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 134-47; Surville, Du conflit des lois personnelles, Clunet, 1912, p. 23 e s.; Goldschmidt, Derecho internacionalpriva po, Buenos Aires, Depalma, 1977; Oscar Tenorio, Direito internacional privado. Rio de Janeiro, 1961; Haroldo Valladão, Estudos de direito internacional privado, Rio de Janeiro, 1947; Amílcar de Castro, Direito internacional privado, Rio de Janeiro, Forense, 1956; Pierre Arminjon, Précis de droit international privé, Paris, Dalloz, 1952, 3 v.; Verplaetse, Derecho international privado, Madrid, 1954; Henri Batiffol, Aspects philosophiques du droit international privé, Paris, Dalloz, 1956; Raymond Vander Elst, Antinomies en droit international privé, in Les antinomies, cit., p. 138-76. 25. Salmón, Les antinomies en droit international public, in Les antinomies, cit., p. 285-314; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 16 e 17; Michael Akehurst, A modern introduction to international law, London, 1970; Kelsen, Théorie du droit international public,Recueil des Cours, t. 84, v. 3, 1953; Serge Sur, L’interprétation en droit international public, Paris, LGDJ, 1974; Fred Castberg, La méthodologie du droit international public, Recueil des Cours, t. 43, v. 1, p. 373 e s., 1933; Jenks, The conflict of law; making treaties, British Yearbook of International Law, 30: 444-5,1953; Paul de Visscher, Théories et réalités en droit international public, 3. ed., 1960, e De la conclusión des traités internationaux, Bruxelles, 1943, p. 219-36; Oppenheim, International law, 7. ed., London, 1948, v. 1, p. 858 e 859; Guggenheim, Traité de droit international public, Genève, 1953, t. 1, p. 53 e 116; Ray, Des conflits entre principes abstraits et stipulations conventionnelles, Recueil des Cours de VAcadémie de Droit International, t. 2, v. 48, p. 640-2, 1934. V., ainda, Marcelo O. F. Figueiredo Santos, O comércio exterior e a arbitragem, São Paulo, Resenha Tributária, 1986, p. 25-7 e 36-8; Silvio Marcus, Traités et accords internationaux aux États-Unis d’Amérique, Anuales de droit et de Science politique, p. 379, 1959; Chailley, La nature juridique des traités internationaux, n. 96 e s.; João Grandino Rodas (A publicidade nos tratados internacionais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1977) e J. de Soto {La promulgation des traités, 1945), que se referem aos tratados. 26. Salmón, Les antinomies en droit International public, in Les antinomies, cit., p. 315-19; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 17; Krystina Marek, Les rapports entre le droit intemational et le droit interne à la lumière de la jurispmdence de la CPJI, Revue Générale de Droit International Public, n. 2, p. 260-98, 1962; Rolin, La force obligatoire des traites dans la jurisprudence belge, 1953, p. 561 e s.; Dehousse,/ a ratification des traités; essai sur les rapports des traités et du
droit interne, p. 198; Hayoit de Termicourt, Le conflit: Traité — Loi interne, Journal des Tribunaux, p. 481-6, 1963; Paul de Visscher, Théories et réalités, cit., p. 287. 27. V. Pescatore, La prééminence des traités sur la loi interne selon la jurisprudence luxembourgeoise, 1953, p. 645.
CAPÍTULO VI ANTINOMIAS DE SEGUNDO GRAU E OS METACRITÉRIOS PARA SUA RESOLUÇÃO
Embora os critérios anteriormente analisados possam solucionar os problemas de antinomias normativas, não se poderá olvidar situações em que surgem antinomias entre os próprios critérios, quando a um conflito de normas seriam aplicáveis dois critérios, que, contudo, não poderíam ser ao mesmo tempo utilizados na solução da antinomia, pois a aplicação de um levaria à preferência de uma das normas e a de outro resultaria na escolha da outra norma. P. ex.: num conflito entre uma norma constitucional anterior e uma norma ordinária posterior, pelo critério hierárquico haverá preferência pela primeira e pelo cronológico, pela segunda. Ter-se-á antinomia de antinomias, ou seja, antinomia de segundo grau, quando houver conflito entre os critérios: a) hierárquico e cronológico, hipótese em que sendo uma norma anterior-superior antinómica a uma posterior-inferior, pelo critério hierárquico deve-se optar pela primeira e pelo cronológico, pela segunda; b) de especialidade e cronológico, se houver uma norma anteriorespecial conflitante com uma posterior-geral; seria a primeira preferida pelo critério de especialidade e a segunda, pelo critério cronológico; hierárquico e de especialidade, no caso de uma norma supe- riorc) geral ser antinómica a uma inferior-especial, em que prevalece a primeira, aplicando-se o critério hierárquico e a segunda, utilizando- se o da especialidade. Realmente, observa Juan Ramón Capella, os critérios de solução de conflitos não são consistentes, daí a necessidade de se recorrer a uma metalinguagem, ou seja, passar da linguagem legal para a dos juristas, para solucionar de alguma maneira a antinomia entre os critérios de resolução do conflito normativo. Deveras, a doutrina apresenta metacritérios para resolver antinomia de segundo grau que, apesar de terem aplicação restrita à experiência concreta e serem de difícil generalização, são de grande utilidade. Na hipótese de haver conflito entre o critério hierárquico e o cronológico, a meta-regra lex posterior inferiori non derogat priori superiori resolvería o problema, isto é, o critério cronológico não seria aplicável quando a lei posterior for inferior à anterior, pois de outro modo o critério hierárquico seria inoperante. Prevalecerá, portanto, o critério hierárquico, por ser mais forte que o cronológico, visto que a competência se apresenta mais sólida do que a sucessão no tempo, e, além disso, a aplicação do critério cronológico sofre uma limitação por não ser absoluta, já que esse critério só será válido para normas que se encontram no mesmo nível. Em caso de antinomia entre o critério de especialidade e o cronológico, Valeria o metacritério lex posterior generalis non derogat priori speciali, segundo o qual a regra de especialidade prevalecería sobre a cronológica. Esse metacritério é parcialmente inefetivo, por ser menos seguro que o anterior. A meta-regra lex posterior generalis non derogat priori speciali não tem valor absoluto, dado que, às vezes, lex posterior generalis derogat priori speciali, tendo em vista certas circunstâncias presentes. A preferência entre um critério e outro não é evidente, pois se constata uma oscilação entre eles. Não há uma regra definida; conforme o caso, haverá supremacia ora de um, ora de outro critério. No conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, havendo uma
norma superior-geral e outra inferior-especial, não será possível estabelecer uma meta-regra geral, preferindo o critério hierárquico ao da especialidade, ou viceversa, sem contrariar a adaptabilidade do direito. Poder-se-á, então, preferir qualquer um dos critérios, não existindo, portanto, qualquer prevalência. Todavia, segundo Bobbio, dever-se-á optar, teoricamente, pelo hierárquico; uma lei constitucional geral deverá prevalecer sobre uma lei ordinária especial, pois se se admitisse o princípio de que uma lei ordinária especial pudesse derrogar normas constitucionais, os princípios fundamentais do ordenamento jurídico estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu conteúdo. Mas, na prática, a exigência de se adotarem as normas gerais de uma Constituição a situações novas levaria, às vezes, à aplicação de uma lei especial, ainda que ordinária, sobre a Constituição. A supremacia do critério de especialidade só se justificaria, nessa hipótese, a partir do mais alto princípio da justiça: suum cuique tribuere, baseado na interpretação de que “o que é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente, de maneira diferente”. Esse princípio servida numa certa medida para solucionar antinomia, tratando igualmente o que é igual e desigualmente o que é desigual, fazendo as diferenciações exigidas fática e valorativamente. Assim, por exemplo, no conflito entre o critério hierárquico e o da especialidade, uma norma superior-geral (CF/88, art. 5°, XXXVI) e outra inferiorespecial (CPC, art. 485), a coisa julgada, devido à especialidade do art. 485 do estatuto processual só poderia ser prejudicada pelo órgão judicante em ação rescisória interposta nos casos contemplados normativamente, por estar a decisão eivada de algum vício suscetível de conduzir à sua desconstituição. A autoridade da coisa julgada justifica-se no atendimento do interesse público de estabilidade jurídico-social, cedendo somente ao ataque de decisões anu- láveis mediante rescisória interposta dentro do biênio decadencial, desde que configurada uma das causas legais arroladas taxativamente no art. 485 da lei processual civil. Se analisarmos o assunto sob a perspectiva retórica, de grande valia será a aplicação da argumentação a contrario, por fundar-se no princípio da diferença que permite um juízo teleológico e axiológico. Deveras se, em certos casos, a norma ordena ou permite determinada conduta somente a certas pessoas, as demais, em iguais situações, não são por ela abrangidas por ser norma excepcional, que apenas vale para as circunstâncias normadas. Esse instrumento está ínsito no sistema em diretivas que, embora não sejam normas postas, não deixam de ter certo valor vinculante, como: “a inclusão de um importa na exclusão do outro”. Num caso extremo de falta de um critério que possa resolver a antinomia de segundo grau, o critério dos critérios para solucionar o conflito normativo seria o princípio supremo da justiça: entre duas normas incompatíveis dever-se-á escolher a mais justa. Isso é assim porque os referidos critérios não são axiomas, visto que gravitam na interpretação ao lado de considerações valorativas, fazendo com que a lei seja aplicada de acordo com a consciência jurídica popular e com os objetivos sociais'. Portanto, excepcionalmente, o valor justum deve lograr entre duas normas incompatíveis 1 1 2. Notas de rodapé do capítulo VI 1. Bobbio, Des critères pour résoudre les antinomies, in Les antinomies, cit., p. 253-8, e Teoria delVordinamento, cit., p. 115-9; Juan Ramón Capella,£/ derecho, cit., p. 285 e 286; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 14; Alf Ross, Sobre el derecho, cit., p. 129 e 130; Gavazzi, Delle anlinomie, cit., p. 80, 83 e 87; Silance, Quelques
exemples d’antinomies et essai de classement, in Les antinomies, cit., p. 69 e 70; Du Pasquier, Introduction à la théorie générale et à la philosophie du droit, n. 147 e 148. Sobre o argumento a contrario, consulte: M. Helena Diniz, As lacunas, cit., p. 152; Garcia Máynez, Lógica del raciocinio jurídico, MéxicoBuenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1964, p. 170; Klug, Lógica jurídica, Publicaciones de la Facultad de Derecho de la Universidad de Caracas, 196 1, p. 128 e 132; Fabreguettes, La logique judiciaire et 1’art de juger, Paris, 1914; Matteo Pescatore, La lógica dei diritto, Torino, 1883; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Argumento II, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 7, p. 461 e s. 2. Bobbio, Des critères pour résoudre les antinomies, in Les antinomies, cit., p. 237 e 245; Perelman, De la justice, Bruxelles, 1945, p. 72; Maria Helena Diniz, Compêndio, cit., p. 435-6; Lei de Introdução, cit., p. 75-8.
CAPÍTULO VIl INCOMPLETUDE DOS MEIOS DE SOLUÇÃO DAS ANTINOMIAS JURÍDICAS
Em que pese à existência de critérios para a solução dos conflitos normativos e das antinomias de segundo grau, há casos em que se tem lacuna das regras de resolução desses conflitos, ante o fato daqueles critérios não poderem ser aplicados, instaurando-se uma incompletude dos meios de solução e uma antinomia real. Com isso se poderá afirmar, sob o prisma lingüístico, que a linguagem dos critérios de resolução de conflitos, além de inconsistente, é incompleta. Essa incompletude dos meios de solução de antinomias jurídicas conduz à conclusão de que o conflito normativo não poderá ser solucionado por critérios lógicos, ou por procedimentos hermenêuticos, mas poderá ser suprimido pela edição de uma norma derrogatória, que opte por uma das normas antinómicas, ou resolvido pelo emprego de uma interpretação equitativa. Assim, se houver um conflito entre duas normas, por uma delas estatuir como devido algo inconciliável com o que a outra prescreve como tal, ante a inaplicabilidade de um daqueles critérios, essa antinomia se resolve anulando ou limitando a validade de uma das normas antagônicas com uma norma derrogatória, que estabelece o não-mais-dever-ser (Nichtsollen) de um certo comportamento, isto é, afirma que não é mais devida uma conduta assim estatuída em outra norma. Como já vimos em páginas anteriores, extremamente particular é essa função normativa consistente na derrogação da validade de uma outra norma. A derrogação, nos moldes Kelsenianos, é a ab- rogação da validade de uma norma em vigor por meio de outra norma, que estatui não um dever-ser, mas um não-dever-ser. Tal função não é, portanto, de umas das normas em conflito, mas de uma terceira, que estabelece que, em caso de antinomia, uma das duas, ou ambas as normas perdem a validade1. Nenhuma antinomia jurídica, principalmente a real, poderá ser, definitivamente, resolvida pela interpretação científica ou pela decisão judicial, pois estas apenas a solucionam naquele caso sub judice, de modo que o conflito normativo continuará a existir no âmbito das normas gerais. Além disso, será preciso lembrar que o dubium conflitivo é solucionado pelo órgão judicante, sem eliminá-lo, pois alternativas incompatíveis perduram na sua seletividade de novo objeto de decisão. A decisão judicial tão-somente torna alternativas indecidíveis em decidíveis, pondo-lhes um fim. Pôr um fim, não quer significar eliminar incompatibilidades, mas apenas que o conflito não poderá mais ser retomado no plano institucional (coisa julgada). O juiz não terá, portanto, o poder de eliminar a dúvida, que poderá subsistir após a decisão do conflito, pois, na verdade, resolve não a colisão normativa mas o caso concreto submetido a sua apreciação 1 2 . Só o legislador é que poderia eliminá-lo. O ato decisorio apenas empreende a escolha entre as várias soluções possíveis, pondo fim ao conflito sem dissolver a antinomia, pois o caso sub judice por ela resolvido não pode generalizar a solução para outros casos, mesmo que idênticos. A instauração de um modelo jurídico geral compete ao legislador, bem como as modificações e correções de norma que atendam e satisfaçam as necessidades sociais. A norma jurídica individual (sentença) somente poderá ascender a norma geral após um posterior processo de recepção por uma lei. Infere-se daí que o órgão judicante não pode eliminar a antinomia existente nas normas. Enquanto não sobrevier lei estabelecendo critérios sobre o assunto, o conflito permanece. O caso concreto pode ser solucionado, mas a antinomia
não é eliminada, persistindo na ordem positiva. Nota-se, ainda, que mesmo a derrogação, consistente na edição de nova norma ab-rogando pelo menos urna das normas antagónicas, não está isenta do periculum antinomiae, visto que o conflito poderá reaparecer a qualquer tempo, pois a norma que suprime a antinomia poderá, por sua vez, dar origem a um novo conflito3. O reconhecimento da lacuna dos critérios de resolução da antinomia não exclui, como já dissemos alhures, a possibilidade de uma solução efetiva por meio de uma interpretação equitativa4 5 . Daí as palavras de Perelman5 * : “1’équité va devoir pallier éventuellement 1’impossibilité de transcender une régle générale et surtout corriger le droit par 1’abandon du formalisme juridique, là oü celui -ci entraine des antinomies, nous dirons des antagonismes, elle devient la béquille de la justice”. Como em caso de lacuna de conflito, de antinomia de segundo grau, ou mesmo de simples conflito entre duas normas, existem várias soluções incompatíveis, não há uma solução unívoca, por isso há discricionariedade do órgão aplicador que, hoje, pode aplicar uma delas, amanhã, outra. Assim, o magistrado, ao compreender as normas antinómicas, deverá refazer o caminho da fórmula normativa ao ato normativo, tendo presente fatos e valores, para aplicar, em sua plenitude, o significado nelas objetivado, optando pela que for mais favorável6. Deveras, ante a dinamicidade do direito, será possível redimensionar novos valores, pois a norma não é um modelo abstrato oposto à realidade concreta, mas um modelo que expressa uma temporalidade própria, que se caracteriza por um renovar-se e refa- zer-se das soluções normativas, tendo, portanto, um caráter prospectivo, o que obrigará o aplicador a ler a norma sob a luz dos valores, numa oscilação contínua que vai da descoberta do discurso original à experiência valorativa e ideológica do momento atual7. Daí o grande papel da ideologia nos casos de antinomia íntima é a relação entre sistema jurídico e ideologia, vinculação esta que se reflete na solução das inconsistências normativas. Os valores inerentes às normas dão-lhes um significado. Como a norma jurídica é um objeto cultural ela se situa, sob o prisma ontológico, no mundo do ser-dever ser, da integração do valor no fato. A autoridade que elabora norma assume uma atitude de quem relaciona fatos e valores, sem contudo valorar os fatos, pois sua função não é estimar positiva ou negativamente a norma, mas relacioná-la a fatos e a valores dando-lhe um sentido sem lhe atribuir um valor. O sentido da norma é ser ela um instrumento dirigido à liberdade humana, procurando realizar a justiça, dando a cada um o que lhe é devido, segundo uma certa igualdade. Assim quando se fala em norma justa, ou se está pensando no programa valorativo, enquanto projeto modificativo e demarcatório da realidade visada, ou no campo valorativo, enquanto ajustamento à realidade visada. Um sistema jurídico numa dada situação concreta de decisão deve proceder a uma simplificação, ou seja, neutralizar os valores por meio da ideologia. Tércio Sampaio Ferraz Jr. dá à ideologia um papel neutralizador do valor. É a ideologia um conceito axiológico, por ter por objeto os próprios valores, atuando no sentido de função seletiva do valor, como elemento estabilizador. A ideologia fixa a norma positivada, dando-lhe um cerne axiológico indisputável, de modo que ela não possa ser questionada. Com a ideologia, o valor subjetivo passa a ser objetivo. A ideologia é que permitirá solucionar a antinomia jurídica, pois mostrará as fontes geradoras, valorando diretamente certos valores reconhecidos, ligandoos à consciência jurídica popular, determinando as finalidades do ordenamento
jurídico, possibilitando o controle da mens legis e indicando os pontos de partida de uma argumentação jurídica8. A interpretação e aplicação da norma não constituem uma atividade passiva, mas sim ativa, pois não se deve estudar e aplicar os textos normativos ao pé da letra, mas sim em atenção à realidade social subjacente e ao valor que confere sentido a esse fato, regulando a ação para a consecução de uma finalidade, baseando-se, para tal apreciação, não em critérios pessoais, mas nas pautas estimativas informadoras da ordem jurídico-positiva. Requer a hermenêutica sensibilidade e prudência, exigindo que o jurista e o aplicador condicionem e inspirem sua interpretação às balizas contidas no sistema jurídico9. Como a antinomia é uma situação anormal, uma realidade que impõe a determinação da estrutura da incompatibilidade normativa e uma tomada de posição conveniente à solução do conflito 10 11, dever-se- à preferir a decisão razoável à racional. Sugere-se a razoabilidade em oposição à racionalidade. A solução, sob o prisma da lógica do razoável, seria declarar certa norma inaplicável ao caso, pois sua aplicação podería produzir resultados opostos aos pretendidos pela norma11. A lógica do razoável ajusta-se à solução das antinomias, ante o disposto no art. 5Q da nossa Lei de Introdução ao Código Civil, que prescreve que, na aplicação da lei, deverá atender-se aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum. O órgão judicante deverá verificar os resultados práticos que a aplicação da norma produziría em determinado caso concreto, pois somente se esses resultados concordarem com os fins e valores que inspiram a norma, em que se funda, é que ela deverá ser aplicada. Assim, se produzir efeitos contraditórios às valorações e fins conforme os quais se modela a ordem jurídica, a norma, então, não deverá ser aplicada àquele caso. De modo que entre duas normas plenamente justificáveis deve-se opinar pela que permitir a aplicação do direito com sabedoria, justiça, prudência, eficiência e coerência com seus princípios. Na aplicação do direito deve haver flexibilidade do entendimento razoável do preceito e não a uniformidade lógica do raciocínio matemático 12. O art. 5e da Lei de Introdução ao Código Civil, por fornecer critérios hermenêuticos assinalando o modo de aplicação e entendimento das normas, estendendo-se a toda ordenação jurídica, permite corrigir o conflito que se apresenta nas normas, adaptando a que for mais razoável à solução do caso concreto, constituindo uma válvula de segurança que possibilita aliviar a antinomia e a revolta dos fatos contra as normas13. A real antinomia jurídica é uma situação problemática que requer uma solução satisfatória e justa. Para tanto o aplicador do direito está autorizado a recorrer: 1) Aos princípios gerais de direito 14, elementos normativos operantes nos casos concretos problemáticos, decorrentes de uma estimação objetiva, ética e social15. Deveras, para solucionar antinomia, às vezes, será preciso encontrar um princípio geral que abranja os elementos normativos antitéticos. Os princípios gerais de direito são normas de valor genérico que orientam a aplicação jurídica, por isso se impõem com validez normativa onde houver inconsistência de normas. Esses princípios gerais de direito têm natureza múltipla, pois são: a) decorrentes das normas do ordenamento jurídico, ou seja, da análise dos subsistemas normativos. Princípios e normas não funcionam separadamente, ambos têm caráter prescritivo. Atuam os princípios, diante das normas, como fundamento de atuação do sistema normativo e como fundamento criteriológico, isto é, como limite da atividade jurisdicional; b ) derivados das idéias políticas,
sociais e jurídicas vigentes, ou melhor, devem corresponder aos subconjuntos axiológico e fático que compõem o sistema jurídico, constituindo um ponto de união entre consenso social, valores predominantes, aspirações de uma sociedade com o sistema jurídico, apresentando uma certa conexão com a ideologia imperante que condiciona até sua dogmática: daí serem princípios informadores; de maneira que a supracitada relação entre norma e princípio é lógico-valorativa. Apóiam-se estas valorações em critérios de valor objetivo; e c ) reconhecidos pelas nações civilizadas se tiverem substractum comum a todos os povos ou a alguns deles em dadas épocas históricas, não como pretendem os jusnaturalistas, que neles vislumbram princípios jurídicos de validade absolutamente geral16. 2) Aos valores predominantes na sociedade, positivados, implícita ou explícitamente, pela ordem jurídica, para proporcionar a garantia necessária à segurança da comunidade. O juiz deverá, portanto, ante o non liquet, havendo real antinomia normativa, optar pela norma mais justa ao solucionar o conflito, orien- tando-se por critérios seguros, podendo até servir-se de critério meta- normativo, superior à norma, mas contido no ordenamento jurídico, afastando a aplicação de uma das normas em benefício do fim social edo bem comum17. É preciso deixar bem claro que essa interpretação equitativa do órgão judicante lhe confere um poder discricionário e não uma arbitrariedade. É uma permissão de apreciar, eqüitativamente, segundo a lógica do razoável, interesses e fatos não determinados apriori pelo legislador, estabelecendo uma norma individual para o caso concreto. Mas esse poder não quer dizer, em absoluto, decisão contra legem. A eqüidade não é, portanto, uma licença para o arbítrio puro, mas uma atividade jurisdicional condicionada às valorações positivas do ordenamento jurídico, ou seja, relacionando sempre os subsistemas normativos, fáticos e valorativos que compõem o sistema jurídico18. Notas de rodapé do capítulo VII 1. Hans Kelsen (Teoria generale, cit., p. 5,171, 173,177-80,195,196, 270, 353, 356, 366 e 367) procura examinar a natureza e a função da norma derrogatória, desenvolvendo esse estudo em seu trabalho “Derogation” , publicado nos Essays in Jurisprudence in Honor of Roscoe Pound, aos cuidados de Ralph A. Newman, New York, 1962, p. 339-55. 2. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Direito, retórica e comunicação, cit., p, 70, 81, 83 e 177; Teoria, cit., p. 28, 29 e 65; Gavazzi, Delle antinomie, cit., p. 109. 3.
Juan Ramón Capella, El derecho, cit., p. 287 e 288.
4. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 15; Paul Fories, Réflexions sur l’équité et la motivation des jugements, 1956, p. 87. Paulo já dizia “non omne quod licet honestum est” (Digesto, Liv. I, 17); Aristóteles (Ethique à Nicomaque, Liv. V, chap. 10, § 6 9) afirmava que “la nature propre de l’équité consiste à corriger la loi dans la mesure oü celle-ci se montre insuffisante en raison de son caractère général”; De Page,Àpropos du gouvernement des juges; l’équité en face du droit, p. 106. V. sobre interpretação: François Geny, Examen critique de quelques aperçus noveaux sur 1’interprétation des lois, Revue Trimestrielle de Droit Civil, p. 857 e s., 1925; Fories, Réflexions sur 1’interprétation de la loi et ses méthodes, 1957, p. 333 e s., e Actualité du droit naturel et libre recherche scientifique, 1954, p. 494 e s.; Van der Eycken, Méthode positive d’inter prétation juridique,
Bruxelles, 1907. 5. 6. p. 247.
Perelman, De la justice, cit., p. 52. Miguel Reale, O direito como experiência, São Paulo, Saraiva, 1968,
7. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Direito, retórica e comunicação, cit., p. 152 e 153. 8. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Teoria, cit., p. 155-8 e Rigidez ideológica e flexibilidade valorativa, in Filosofia II, Anais do VIII Congresso Interamericano de Filosofia, p. 472 e s; Miedzianagora, Droit positif et ideologie, in Études de logique juridique, Bruxelles, Émile Bruylant, 1973, p. 79 e s.; M. Helena Diniz, As lacunas, cit., p. 243-8; Miguel Reale, Filosofia do direito, Saraiva, v. 1, p. 171. 9. Miguel Reale, Lições preliminares, cit., p. 65 e 298; Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, 3. ed., Rio de Janeiro, 1971, p. 16; R. Limongi França, Da jurisprudência como direito positivo, RFDUSP, 1971, ano LXVI, p. 221. 10.
Gavazzi, Delle antinomie, cit., p. 5 e s.
11. Recaséns Siches, La nueva filosofía de la interpretación del derecho, México, 1950. 12. Recaséns Siches, La nueva filosofia, cit., p. 128, 255-8; M. Helena Diniz, As lacunas, cit., p. 222 e 223; Miguel Reale, Filosofia do direito, cit., v. 2, p. 32 e 33; Alípio Silveira, Hermenêutica no direito brasileiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1968, v. 1, p. 343. 13. M. Helena Diniz, As lacunas, cit., p. 225; Wilson de S. Campos Batalha, Lei de Introdução ao Código Civil, 1959, v. 1, p. 5 e 6. 14. Huberlant, Antinomies et recours aux principes généraux, in Les antinomies, cit., p. 204-36; R. Limongi França, Princípios gerais do direito, 2. ed., São Paulo, Revista do Tribunais, 1971, p. 117; Legaz y Lacambra, Filosofia dei derecho, Barcelona, Bosch, 1972, p. 571; Josef Esser, Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado, Barcelona, Bosch, 1961; François Gillard, La nature des principes généraux du droit, 1962; Del Vecchio, Essai sur les principes généraux du droit, Revue Critique de Législation et de Jurisprudente, p. 165,1925; Letourneur, Les principes généraux du droit dans la jurisprudence du Conseil d’État, in Etudes et documents du Conseil d’Etat de France, Imprimèrie Nationale, 1951, p. 19-31; De Page, Traité élémentaire de droit civil belge, 3. ed., 1962,1.1, n. 104; Ganshof van der Meersch, Le droit de la défense, principe général de droit — réflexions sur les arrêts récents, in Mélanges en Vhonneur de Jean Dabin, Bruxelles, Émile Bruylant, 1963, t. 2, p. 569-614. 15. Garcia de Anterría, no Prefácio ao livro de Viehweg Tópica y jurisprudencia, Madrid, Ed. Taurus, 1964, p. 15, 16 e 17. 16. Pal asi, La interpretación, cit., p. 138; Raz, Legal principies and the limits of law, The Yale Law Journal, n. 81, p. 823, 1972; Arévalo, La doctrina de los principios generales del derecho y las lacunas del ordenamiento administrativo, RAP, 40' 189, 1963; M. Helena Diniz, As lacunas, cit., p. 192 e 198; Engisch, Introdução, cit., p. 248-50; R. Limongi França, Principios, cit., p. 117; Barassi, Istituzioni di diritto civile, Milano, 1914, p. 40; M. Buch, La nature des príncipes généraux du droit, Rapports Belges au VI
Congrès International de Droit Comparé, Hanibourg-Bruxelles, Émile Bruylant, 30 juil.-4 aoüt 1962, p. 55 e s. 17. Foriers, La distinction du fait e du droit devant la Cour de Cassation de Belgique, Dialéctica, 16: 395; Silance, Quelques exemples d’antinomies et essai de classcmcnt, in Les antinomies, cit., p. 120; Di Robilant, Sui principi di giustizia, Milano, Giuffrè, 1959. 18. Alípio Silveira, Hermenêutica, cit., v. 1, p. 380; R. Limongi França, Da jurisprudência como direito positivo, RFDUSP, cit., p. 220; M. Helena Diniz, As lacunas, cit., p. 229-31; Compêndio, cit., p. 437-9.
CAPÍTULO VIII UM CASO DE ANTINOMIA REAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL VIGENTE
Vislumbramos na Lei Maior um caso de antinomia real, ou lacuna de conflito, designada por alguns autores de norma constitucional inconstitucional. Deveras, a nova Carta reza no art. 33 do Ato das Disposições Transitórias que, “ressalvados os créditos de natureza alimentar, o valor dos precatórios judiciais pendentes de pagamento na data da promulgação da Constituição, incluído o remanescente de juros e correção monetária, poderá ser pago em moeda corrente, com atualização, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de oito anos, a partir de 1 Q de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Constituição”. O artigo acima referido é norma cujo comando não pode merecer aplicabilidade, uma vez que dispõe taxativamente contrariando princípios jurídico-constitucionais enfaticamente declarados pela própria Carta. Com efeito, o que o art. 33 está ensejando é, na verdade, um brutal ataque ao princípio da igualdade jurídica, que manda tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. É necessário tratar desigualmente os desiguais. Já Rui Barbosa afirmava: “Tratar com desigualdade a iguais ou a desiguais com igualdade seria desigualdade flagrante e não igualdade real”. É preciso empregar, ao cumprir o preceito da igualdade, a técnica da desigualdade. Para que todos se jam iguais perante a lei, é indispensável distinguir as desigualdades com que os homens comparecem diante dela1. Ao dispor que os precatórios judiciais, pendentes na data da promulgação da Constituição, sofrerão paralisação por oito anos, a norma constitucional, de perfil transitório, está a desigualar pessoas colocadas na mesma situação jurídica de credores do Poder Público. Enquanto os afortunados beneficiários de precatórios expedidos no dia seguinte ao da promulgação irão receber os seus créditos contra as Fazendas Públicas sem outra peia que não a da ordem cronológica de pagamento, os infelicitados credores, que a rigor, antes deles, já estariam na fila do recebimento dos seus quinhões, sofrerão o rude golpe da paralisação punitiva, pois a tanto equivalerá encontrar-se o credor nesta triste contingência de se ver preterido quanto à fruição de um direito que há de ser geral, de aplicação eqüitativa, para todos os que se achem na mesma posição de credores do Poder Público. Mas a antinomia não decorre apenas do choque da norma do art. 33 do referido Ato com o princípio da isonomia, que está rigorosamente instituído pelo texto constitucional no art. 5 o. Ela também contrasta com a disposição taxativa constante do art. 100 da mesma Carta, que, na esteira do princípio em referência, sacramenta outro princípio não menos relevante, que é o da estrita obediência à ordem cronológica dos pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas. Deveras, estatui esse artigo que, “à exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”. Ora, fácil será perceber que se vier a ser cumprida a extravagante determinação do citado art. 33, vai-se criar um hiato na ordem seqüencial dos
pagamentos, sendo que alguns, porque pendentes na data da promulgação da Constituição, serão expungidos da ordem cronológica, enquanto os demais, não atingidos pela data cabalística, 1 ficarão contemplados com o direito de receber na ordem correta, a única adequada ao princípio da isonomia. Nem se argumente que esta modalidade de antinomia seja uma novidade em nosso direito constitucional. A Constituição de 1967, em seu art. 111, também estabeleceu norma jurídica contrastante com o princípio constitucional do monopólio do Poder Judiciário, albergado pelo seu art. 153, § 4 Q . Tanto é certo o que se afirma que até hoje ninguém ousou estabelecer, na prática, o contencioso administrativo previsto naquele dispositivo constitucional. Temos entre os arts. 5- e 100 da Carta Magna e o 33 das Disposições Transitórias xana antinomia real e não aparente, pois não se poderá solucioná-la pelos critérios: a) norma superior revoga a inferior já que as três são da mesma hierarquia; b) norma posterior revoga a anterior, porque todas entraram em vigor na mesma data; e c) norma especial prevalece sobre a geral, porque aquelas normas estão tratando desigualmente os iguais (credores da Fazenda Pública) e esse critério requer que se trate desigualmente o que é desigual. Assim, por meio de uma interpretação corretiva far-se-á com que os arts. 5 Q e 100 prevaleçam sobre o art. 33, sob pena de ofender todo o sistema, pois, ocorrendo a antinomia real, o aplicador, utilizando-se dos mecanismos supletivos de lacuna, resolvendo o problema no caso concreto, já que não poderá eliminar o conflito, deverá aterse ao princípio da isonomia. A esse respeito, bastante expressiva é a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, baseado em Gordillo, que assevera: “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumácia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra” 2. Logo, se as normas conflitantes, total ou parcialmente, forem postas, concomitantemente, com um só ato do constituinte e pertencentes ao mesmo escalão, os critérios lex superior derogat legi inferiori e lex posterior derogat legi priori não poderão ser aplicados; assim, se as normas forem totalmente antinómicas, dever-se-á interpretar o fato no sentido de que se deixou ao órgão aplicador a opção entre elas; se forem parcialmente conflitantes, deve-se entender que uma limita a eficácia da outra; se impossível for qualquer uma dessas interpretações, deve-se concluir que o constituinte prescreveu algo sem sentido3. Notas de rodapé do capítulo VIII 1. Néstor Duarte, O principio da igualdade perante a lei, RF, 156:1,12 e 14. 2. Celso Antônio Bandeira de Mello, Atos administrativos e direito dos administrados, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1981, p. 88. 3. Kelsen, Teoria pura, cit., v. 2, p. 33 e 34. Interessante é o seguinte estudo de Giovanni Bernieri: Rapporti delia costituzione con le leggi anteriori, Archivio Penale, nov./dez. 1950, p. 409; M. Helena Diniz, Norma constitucional e seus efeitos, São Paulo, Saraiva, 1992, p. 114-7; Hamilton Elliot Akel, O poder judicial e a criação da norma individual, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 110-2.
CAPÍTULO IX HIPÓTESES DE ANTINOMIA APARENTE 1. A questão do conflito existente entre normas relativas à prescrição das ações atinentes aos bens públicos As ações sobre bens públicos são prescritíveis ou não? Há urna real antinomia entre as normas sobre prescrição das ações que versam sobre benspúblicos?
Trata-se de tema controvertido, por isso julgamos conveniente, para elucidar tal questão, apresentar uma noção de bens. Bens, segundo Agostinho Alvim1, são coisas materiais ou ¡materiais que têm valor econômico e que podem servir de objeto a uma relação jurídica. Bens são coisas que proporcionam ao sujeito de direito uma utilidade, sendo suscetíveis de apropriação e de estimação pecuniária, constituindo, então, seu patrimônio. Compreendem não só as coisas corpóreas mas também as incorpóreas, como, p. ex., as criações intelectuais (propriedade literária, artística e científica) e os fatos humanos, ou seja, as prestações de dar, fazer e não fazer, que são considerados pelo direito como suscetíveis de constituir objeto da relação jurídica1 2. Logo o patrimônio abrange bens corpóreos ou materiais, como prédios, terrenos etc., e bens incorpóreos, relativos aos direitos que as pessoas físicas ou jurídicas têm sobre as coisas, sobre os produtos de seu intelecto ou contra outra pessoa, apresentando valor econômico, como, p. ex., direitos autorais, reais e pessoais ou obrigacionais* * 3. Os bens que recaírem sob a titularidade de pessoa física ou jurídica, de direito privado, serão particulares e os pertencentes a pessoa jurídica de direito público interno serão bens públicos (CC, art. 65). Os bens públicos podem ser: a) De uso comum do povo. Embora pertencentes a pessoa de direito público interno, podem ser utilizados, sem restrição, gratuita ou onerosamente, por todos, sem necessidade de qualquer permissão especial (praças, jardins, praias, estradas, mar, ruas, rios, golfos, baías) (CC, art. 66,1). Entretanto, não perdem essa natureza se regulamentos administrativos condicionarem ou restringirem o seu uso a certos requisitos ou mesmo se instituírem pagamento de retribuição (CC, art. 68). P. ex.: pedágio nas estradas, como contribuição a sua conservação ou custeio. Pode, ainda, o poder público suspender seu uso por razões de segurança nacional ou do próprio usuário, exemplificativamente: proibição de tráfego, interdição de porto, barragem de rio etc. Temos aí uma propriedade sui generis, segundo Hauriou4, uma posse em nome do interesse coletivo, pois o que é livre é a utilização do bem por qualquer pessoa e não o seu domínio. Logo, o seu titular pode reivindicar, se uma pessoa, natural ou jurídica, pretender o uso exclusivo da coisa comum, impedindo que o grande público dela se utilize. Isto é assim porque o ente público tem a guarda, a administração e a fiscalização dos bens de uso comum. b ) De uso especial (CC, art. 66, II). São os utilizados pelo próprio poder público, constituindo-se por imóveis aplicados ao serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal, como prédios onde funcionam tribunais, escolas públicas, secretarias, ministérios, quartéis etc. Têm, portanto, uma destinação especial. c) Dominicais. Compõem o patrimônio da União, dos Estados ou dos
Municípios, abrangendo bens corpóreos ou incorpóreos (CC, art. 66, III). P. ex.: títulos da dívida pública, estradas de ferro, telégrafos, fazendas do Estado, ilhas formadas em mares territoriais ou rios navegáveis, terras devolutas, terrenos de marinha e acrescidos, bens vagos, quedas-d’água, jazidas e minérios, arsenais com todo material da marinha, exército e aviação, bens que foram do domínio da Coroa, títulos de crédito, dinheiro arrecadado por tributos 5 6 7, cota-parte em impostos, multas cobradas, direito de cobrar dívida, operações de crédito, produtos obtidos com a alienação de bens móveis ou imóveis autorizada legalmente etc.6 7 . Os bens públicos dominicais podem, por determinação legal, ser convertidos em bens de uso comum ou especial. Nada impede a utilização dos bens dominicais por particulares desde que subordinada às normas administrativas, às condições e limitações impostas pelo Poder Público (Lei n. 6.925/81, art. 3e; RTJ, 32: 73; STF, Súmula 477). Os bens públicos apresentam como caracteres 1: a) A inalienabilidade, desde que, ensina Hely Lopes Meirelles, destinados ao uso comum do povo ou a fins administrativos, ou seja, enquanto guardarem a afetação pública. P. ex.: um jardim público não poderá ser vendido se tiver essa destinação, caso contrário, o Município poderá, por lei, alienar o terreno por ele ocupado anteriormente (CC, art. 67), fazendo-o em hasta pública ou por meio de concorrência administrativa ( RF , 83: 275). Logo, só perdem a alienabili- dade, que lhes é peculiar, nos casos e na forma que a lei estabelecer. b) A impenhorabilidade, porque inalienáveis, são insuscetíveis de ser dados em garantia. A impenhorabilidade impede que o bem passe do patrimônio do devedor ao do credor, ou de outrem, por força de execução judicial (adjudicação ou arrematação). c) A imprescritibilidade das ações a eles relativas, devido a sua inalienabilidade. Contudo, poderão ser essas ações prescritíveis nos casos e formas que a lei estatuir, para evitar a especulação ou a má distribuição de um bem necessário ao povo. Se o patrimônio estatal abrange além dos bens corpóreos, os direitos reais epessoais (como os de crédito), as ações a eles atinentes seriam prescritíveis ou não? Essa questão não é nova e tem sido muito discutida ante sua complexidade. As ações sobre bens públicos, seja qual for sua natureza, não estão, em regra, sujeitas à prescrição. No que atina aos direitos reais, isto é, às relações entre o Estado e os bens corpóreos que lhe pertencem, o Decreto n. 19.924/31, art. 1Q (ora revogado pelo Decreto s/n. de 25-4-1991); o Decreto n. 22.785/33, art. 2- (ora revogado pelo Decreto s/n. de 25-4-1991); o Decreto-lein. 710/38, art. 12, parágrafo único; o Decreto-lei n. 9.760/46, art. 200; a Lei n. 6.428/77; o Código Civil, art. 67, têm estatuído que as ações de particulares contra a entidade pública são imprescritíveis (v., também, RT, 453: 66; STF, Súmula 340). Como se vê, referemse apenas à imprescritibilidade das ações sobre direitos reais, visto que o usucapião é modo aquisitivo do direito real 8, ou seja, da propriedade, do usufruto, do uso, da habitação, da enfiteuse e da servidão predial. Todavia, houve a exceção do usucapião especial (EC n. 1/69, art. 171, parágrafo único; Lei n. 6.969/81; Dec. n. 87.040/82, arts. 29, 39, 49, § l9; Dec. n. 87.620/82, arts. I9 a 49, revogado pelo Decreto n. 11, de 18-1-1991). Realmente, a nossa Emenda Constitucional n. 1/69 no art. 171 e parágrafo
único rezava: “A lei federal disporá sobre as condições de legitimação da posse e de preferência para aquisição, até cem hectares, de terras públicas, por aqueles que a tornarem produtivas com o seu trabalho e o de sua família. Parágrafo único. Salvo para execução de planos de reforma agrária, não se fará, sem prévia aprovação do Senado Federal, alienação ou concessão de terras públicas com área superior a três mil hectares”. A revogada Lei n. 6.969/81 veio estabelecer normas sobre a aquisição, por usucapião especial, de imóvel rural possuído por cinco anos ininterruptos, independentemente de justo título e boa-fé, desde que: a) o imóvel não excedesse a vinte e cinco hectares, ou seja, igual a um módulo rural; b ) o possuidor, que não fosse proprietário rural ou urbano, o tornasse produtivo com seu trabalho, nele tendo sua morada; e c ) houvesse sentença judicial declaratoria que servisse de título para a transcrição no Registro de Imóveis (art. I9, parágrafo único). O usucapião especial abrangia as terras particulares e as terras devolutas da União, dos Estados e dos Municípios, conforme especificava o Decreto n. 87.040/82, sem prejuízo de outros direitos conferidos ao posseiro pelo Estatuto da Terra ou pelas leis que dispunham sobre o processo discriminatório de terras devolutas (art. 2 Q ). Não alcançava, portanto, as áreas indispensáveis à segurança nacional, as terras habitadas por silvícolas, nem as áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos atuais ocupantes a preferência para assentamento em outras regiões pelo órgão competente (art. 3 e), isto é, pelo INCRA. A ação de usucapião especial devia ser processada e julgada na comarca da situação do imóvel; porém no caso de usucapião especial em terras devolutas federais, a ação, segundo a Emenda Constitucional n. 1/69, art. 126, promoviase perante a justiça estadual, com recurso para o Tribunal Federal de Recursos, cabendo ao Ministério Público local, na I a instância, a representação judicial da União (art. 4-, § 1Q ). Quanto ao procedimento administrativo para o reconhecimento da aquisição, por usucapião especial, de imóveis rurais compreendidos em terras devolutas, devia- se seguir o disposto no Decreto n. 87.620/82, arts. 1Q a 4Q . Apenas nessa hipótese é que se podia falar em prescrição de ação real contra a Fazenda Pública, por estar autorizada legalmente.
A imprescritibilidade do domínio público, conseqüência de sua inalienabilidade, pois uma vez que não podem ser adquiridas, por qualquer modo, as coisas que estão fora do comércio, não podem elas, por dedução, ser usucapidas, já que, havendo usucapião, o antigo titular perde a ação devido a sua inércia, e, conseqüentemente, o possuidor adquire o direito real , isto é, a propriedade. Com o advento da Constituição Federal de 1988 (art. 191, parágrafo único), atualmente em vigor, reformulou-se a configuração jurídica do usucapião pro labore ou especial, que encontra sua justificação no fato do usucapiente ter tornado, com seu trabalho, produtiva a terra, tendo nela sua morada. Para que se concretize esse modo de aquisição de propriedade será preciso que: a) o ocupante não seja proprietário de imóvel rural ou urbano; b ) a posse, por ele exercida animas domini, seja ininterrupta e sem oposição por cinco anos; c) o ocupante da área de terra, em zona rural, a torne produtiva com seu trabalho agrícola, pecuário ou agroindustrial; d) o usucapiente deve ter nela sua moradia habitual; e) a área, objeto de usucapião, não seja superior a 50 hectares;/) a terra usucapienda não seja pública. Logo, não há que se falar no Brasil, hodiernamente, em usucapião de terras públicas, mesmo que abandonadas ou improdutivas. O grande problema, portanto, está em verificar se há ou não prescritibilidade das ações atinentes ao direito obrigacional ou pessoal do Estado,
que é também bem público. O direito obrigacional, pessoal ou de crédito é concemente às relações jurídicas de ordem patrimonial, que têm por objeto prestações de um sujeito em proveito do outro. Contempla relações jurídicas de natureza pessoal, visto que seu conteúdo é a prestação patrimonial, ou seja, a ação ou omissão da parte vinculada (devedor) tendo em vista o interesse do credor, que, por sua vez, tem o direito de exigir aquela ação ou omissão, de tal modo que, se ela não for cumprida espontaneamente, poderá movimentar a máquina judiciária para obter do patrimônio do devedor a quantia necessária à composição do dano 9. 0 Decreto n. 20.910/32, no art. 1 ao estabelecer que “as dívidas passivas da União, Estados e Municípios, bem assim todo ou qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for sua natureza, prescrevem em cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem”, veio instaurar no sistema uma antinomia teleológica, por ser alusivo não só à prescrição das ações pessoais como também à das reais contra a Fazenda Pública, conflitando outrora com a antiga Emenda Constitucional n. 1/69, art. 171, parágrafo único; a Lei n. 6.969/81; o Decreto n. 19.924/31 e o Decreto n. 22.785/33 (ora revogados pelo Decreto s/n. de 25-4-1991); o Decreto- lei n. 710/38; o Decreto-lei n. 9.760/46, art. 200; a Lei n. 6.428/77 e com o Código Civil, art. 67. Esse tipo de antinomia, como vimos, aparece sempre que a relação de meio a fim entre as normas não se verifica, mas deveria verificar-se. Na antinomia teleológica há uma incompatibilidade entre os fins propostos por certas normas e os meios estabelecidos por outras para a consecução daqueles fins. O legislador pretendeu com determinadas normas certo fim, mas com outras rejeita as medidas capazes de servir de meio para se alcançar tal objetivo 10. Essa antinomia advém de uma subversão, nas expectativas teleológicas e valorativas, que redimensiona as expectativas ideológicas. Trata-se de uma antinomia imprópria e aparente, pois nada impede que se atue conforme as normas, optando por uma delas. Como nos ensina Kelsen, no conflito teleológico, o cumprimento de uma das duas normas contraditórias significa prejuízo para o fim almejado pela outra. Ante o postulado da coerência do sistema o jurista e o aplicador devem recorrer ao critério cronológico, ao hierárquico e ao da especialidade, para remover essa situação anormal, rechaçando uma das normas, destacando a mais forte como a decisiva por ter o caráter especial em relação à outra, por ser hierarquicamente superior ou anterior à outra11. Devem também, ante a dinamicidade do direito, redimensionar os valores, mediante a ideologia, baseando-se nas pautas estimativas, informadoras da ordem jurídico-positiva, preferindo uma decisão razoável. A lógica do razoável ajusta-se à solução da antinomia teleológica, harmonizando-se com o disposto no art. 5o da Lei de Introdução ao Código Civil, que delineia o predomínio da finalidade da norma sobre sua letra. Todavia, é mister verificar os resultados práticos que a aplicação da norma produziría em determinado caso concreto. Somente se esse resultado concordar com os fins e valores que inspiram a norma, em que se funda, deverá ela ser aplicada àquele caso. O art. 59 da Lei de Introdução ao Código Civil permite, portanto, corrigir a contradição das normas relativas à prescrição das ações sobre bens públicos, apontando a que for mais razoável à solução do caso concreto, corrigindo a antinomia 11 12. Com base nessas idéias fácil é denotar que a interpretação literal do art. l e do Decreto n. 20.910/32 levanta muitas dúvidas por ser antinómico ante as normas que proclamam a imprescritibilidade das ações sobre bens públicos, pois, ao referir-se “a todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal”, dá a entender que estende a prescrição qüinqüenal a favor da
Fazenda Pública a toda e qualquer ação, mesmo de natureza não creditória. Na realidade tal não ocorre, pois interpretando-se esse dispositivo corretamente, nota-se que só abrange as ações fundadas em créditos, porque ao estabelecer a prescrição qüinqüenal fala em ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, e não contra a União, Estados e Municípios, dando a entender que se trata de ações de crédito, porque só estas podem ser dirigidas contra a Fazenda Pública, que designa os órgãos ou as repartições da administração pública responsáveis pelos interesses financeiros da administração (CPC, art. 475, III). O Código de Processo Civil, quando faz menção às pessoas jurídicas de direito público interno de administração direta, designa-as especificamente por União, Estado e Município (CPC, art. 475, II), enquanto o Decreto n. 20.910/32 alude apenas à prescrição qüinqüenal a favor da Fazenda Pública, referindo-se tãosomente a todo e qualquer direito que alguém alegue como credor dela, com a finalidade de criar um benefício a favor dela, livrando-a de qualquer ação creditória decorridos cinco anos da data em que podería ser intentada. Nesse mesmo teor de idéias deverão ser interpretados os arts. 178, § 10, VI, do Código Civil (embora haja julgado —RTJ, 80:889—que entenda que esse artigo foi revogado pelo Dec. n. 20.910/32) e 2 e do Decreto-lei n. 4.597/42, que incluiu na abrangência do Decreto n. 20.910 as autarquias e entidades paraestatais, ao estatuir que: “O Decreto n. 20.910, de 6 de janeiro de 1932, que regula a prescrição qüinqüenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou quaisquer contribuições exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos”. A prescrição qüinqüenal não alcança as ações reais contra a Fazenda Pública (RTJ, 37: 297, 58:717; RT, 185: 260, 247:132, 299: 189, 349:113,329:113, 462: 260)13. Quem é o credor das dívidas passivas da Fazenda Pública, autarquias e entidades paraestatais? Os decretos acima mencionados aludem às dívidas passivas dessas entidades públicas, ou seja, às ações pessoais em que elas forem rés, atinentes às obrigações que tiverem com pessoas naturais ou pessoas jurídicas de direito privado. Todavia há quem os interprete extensivamente, como Pontes de Miranda, admitindo que o prazo qüinqüenal ocorre ainda que o credor seja outra pessoa jurídica de direito público interno14, alegando que o merecedor de proteção legal é sempre o que deve e não aquele a quem é devido, logo, no conflito entre os interesses de duas fazendas públicas deve prevalecer sempre o prazo estabelecido pela lei para a prescrição da dívida passiva, assim entre a fazenda credora, seja ela federal, estadual ou municipal, e uma devedora, qualquer que seja ela também, o prazo prescricional deverá ser o de cinco anos (.RT , 423:113). Apesar da consideração que sempre nos mereceram as lições de Pontes de Miranda e as decisões judiciais, pensamos de modo diverso, pois, ao abrangerem as pessoas jurídicas de direito público interno como credora, estão dando àqueles decretos um raio de ação por demais amplo, ultrapassando as legítimas fronteiras das normas, acentuando a antinomia existente sobre o assunto. Realmente se em certas circunstâncias a norma ordena ou permite determinado comportamento apenas a certas pessoas, as demais, em idênticas situações, não são alcançadas pela norma, por se tratar de disposição especial, que vale tão-somente para as hipóteses normadas, pois a inclusão de uma importa na exclusão da outra15. Logo esses decretos só são aplicáveis às ações pessoais em que a entidade pública é devedora de pessoa física ou jurídica de direito privado. Quanto às dívidas ativas da Fazenda Pública é preciso lembrar que os
créditos do Estado contra particulares são, em regra, inalienáveis. As ações da Fazenda Pública contra particulares não subordinadas a prazo especial prescrevem em vinte anos, quando pessoais, e em quinze ou dez, quando reais, segundo a norma geral do art. 177 do Código Civil. Esse dispositivo fixa a prescrição das ações pessoais do poder público contra pessoa física ou jurídica de direito privado em vinte anos, mas, no que concerne à cobrança ativa fazendária, isto é, ao crédito tributário, prevalece o Código Tributário Nacional, que excepcionou, reduzindo para cinco anos o lapso prescricional para o ajuizamento dessas ações (CTN, arts. 156,174, 121). A dívida ativa da Fazenda Pública é o seu crédito exigível, compreendendo tudo que ela tenha direito de vir a receber.
A Fazenda Pública, desde que se envolva numa relação de direito público (relativa a tributos ou penalidades) ou de direito privado (alusiva a preços públicos ou contratos) como credora, terá um crédito público, pelo qual a pessoa física ou jurídica de direito privado, como devedora, fica obrigada a prestar-lhe o objeto de obrigação (Lei n. 6.830/80) 16. Se a ação competir à União contra Estado, ou a Estado contra a União, ou a Estado contra Município, ou a Município contra Estado ou União e vice-versa, qual seria o prazo prescricional? As ações pessoais movidas por pessoa jurídica de direito público interno contra outra pessoa jurídica de direito público interno, ante a falta de menção legal expressa, por força do art. 179 do Código Civil, serão reguladas, quanto ao prazo prescricional, pelo art. 177 desse mesmo diploma legal; logo, a prescrição será vintenária. Tal prazo de vinte anos será favorável ao autor, em razão de sua qualidade de pessoa jurídica de direito público interno, portanto seria ilógico estender, por analogia, a norma contida no Decreto n. 20.910/32, em que o prazo das ações movidas contra a pessoa jurídica de direito público seria de cinco anos, favorecendo-a como ré, devido a sua qualidade de ente público. A prescrição constitui uma pena para o negligente, que deixa de exercer seu direito de ação, dentro de certo prazo, ante uma pretensão resistida17. Poderse-ia conceituá-la, seguindo a esteira de Câmara Leal, como a “extinção de uma ação ajuizável, em virtude de inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso”. Violado o direito, nasce a pretensão contra o sujeito passivo; com a recusa deste em atender a pretensão, nasce a ação processual, com a qual se provoca a intervenção estatal, que prescreverá se o interessado não a mover18. Por ser a prescrição uma sanção criada pela lei contra a inércia do autor, privando-o de um direito, havendo lacuna de conflito ou até mesmo simples antinomia, em casos excepcionais o valor justum deve lograr entre duas normas incompatíveis, devendo-se seguir a mais justa ou a mais favorável, procurando salvaguardar a ordem pública ou social 19. Por isso, parece-nos que o critério mais razoável seria: entre duas prescrições diferentes, aplicar a mais favorável ao autor, que reclama proteção jurídica. Se a lei lhe concede prazo maior para intentar sua ação, esse prazo, que lhe é favorável, deve prevalecer sobre o que lhe é desfavorável, criado em atenção à pessoa do réu20. O critério jurídico a ser adotado é o da prescrição vintenária quando: a) a União for autora contra Estado e Município; b ) Estado for autor contra a União e Município; c) Município for autor contra Estado e União. Exemplificativamente, se, porventura, a União retiver ¿devidamente, mediante fraude, o produto da arrecadação do imposto sobre a propriedade
territorial rural, mencionado na norma constitucional, art. 153, VI, sem distribuir ao Município os 50% a que tem direito, em virtude do disposto no art. 158, II, da Lei Maior, o Município, em conseqüência de imperativo constitucional, poderá mover a ação pessoal contra a União. Tanto as pessoas naturais como as jurídicas sujeitam-se aos efeitos da prescrição, ativa ou passivamente, ou seja, podem invocá-la em seu proveito ou sofrer suas conseqüências quando alegada ex adverso (CC, art. 163)21. Como já afirmamos, não havendo prescrição especial que regule ações de entidade pública contra outra pessoa jurídica de direito público interno, estatuindo prazos mais exíguos, pela conveniência de reduzir o prazo geral para possibilitar o exercício de certos direitos 22, aplica-se o art. 177 do Código Civil. Pelo art. 177 desse diploma legal as ações pessoais, que têm por fim fazer valer direitos oriundos de uma obrigação de dar, fazer ou não fazer algo, quer assumida voluntariamente pelo sujeito passivo, quer imposta por norma jurídica, prescrevem ordinariamente em vinte anos23. As dívidas ativas e passivas de uma pessoa jurídica de direito público contra outra de direito público interno, sujeitam-se à prescrição do art. 177 do Código Civil, que não se conta da lei que defere o direito, mas do ato que lhe recusa aplicação (RTJ , 46:259)24. O tratamento é desigual relativamente à situação do particular em face da Fazenda Pública, como demonstramos em páginas anteriores. As ações reais, por terem por objeto direitos reais, movidos por entidade pública contra outra pessoa jurídica de direito público interno, são, em regra, imprescritíveis, portanto insuscetíveis de usucapião, visto serem inalienáveis; logo, só podería haver prescritibilidade mediante expressa autorização legal (CC, art. 67). Como, p. ex., o Decreto-lei n. 3.365/41, no art. 2 Q , § 2Q , ao dispor que: “Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa”, admitiu a desapropriação de bens de entidade pública por outra pessoa jurídica de direito público interno; então, se há lei que a permite, deveria haver, em nosso ordenamento, uma norma que autorizasse o usucapião de bens pertencentes a um ente público por outra entidade pública. Como não há norma a esse respeito optamos pela tese da imprescritibilidade. Esta seria uma das soluções jurídicas. Mas se houver, em caso de antinomia ou silêncio de texto legal, interpretação de que as ações pessoais de pessoa jurídica de direito público interno contra outra de direito público interno prescrevem dentro de vinte anos contradizendo a eqüidade, produzindo uma situação indesejável, deverá ser afastada. Hipótese em que se terá uma lacuna axiológica ou política. Até mesmo Kelsen admite implicitamente a existência dessa espécie de lacuna, ao afirmar que a aplicação da ordem jurídica vigente pode ser havida como não-eqüitativa ou desacertada, não apenas quando esta não contenha uma norma geral que imponha ao demandado ou acusado uma determinada obrigação, mas também quando ela contenha uma tal norma. Por isso, permite ao juiz não aplicar tal norma, que conduziria a soluções injustas 25. O órgão judicante não deve hesitar em apelar à eqüidade, se da estrita aplicação dos dispositivos legais advierem resultados iníquos ou injustos 26. O aplicador do direito poderá, nesse caso, afastar aquela prescrição vintenária, se sua aplicação causar sérios danos ao crédito público, decidindo pela imprescritibilidade, sob pena de violar o princípio de que é essencial à ordem jurídica a política econômica estabelecida em razão de seu interesse
preponderantemente social, pois o exercício do poder público subordina-se ao princípio de que a administração pública não pode privar-se de certos bens e direitos, consagrados constitucionalmente, para a consecução de suas funções públicas27. É necessário, para manter equilíbrio entre os interesses econômicos das entidades públicas, apelar aos princípios gerais de direito, aplicáveis na inconsistência de normas e na ausência de texto normativo justo ou expresso sobre o assunto28 e correspondentes à ideologia social e aos valores positivados pela ordem jurídica vigente, mantendo, assim, a coerência que deve caracterizar o sistema jurídico, solucionando lacuna axiológica e antinomia. O jurista e o aplicador do direito, para encontrar o princípio geral de direito atinente à questão duvidosa não regulada ou que abranja os elementos normativos antitéticos, deverão pesquisar elementos de índole diversa (normas, fatos e valores), componentes dos subsistemas do sistema jurídico, que, reunidos, podem ser sintetizados num princípio, constituindo um foco de luz para a solução da controvérsia. Da análise dos subsistemas normativo, fático e valorativo, relativos aos bens públicos, percebe-se não só que acima do Estado deve- se assegurar o exercício dos direitos econômicos e sociais, por serem necessários ao exercício das funções públicas, mas também que se deve assegurar a intangibilidade dos bens públicos por estar em jogo o interesse público; convém impedir o seu mau uso. Os bens públicos têm uma importância excepcional; atingidos, desnaturados, desviados de sua finalidade, retidos indevidamente, colocam em perigo a própria ordem pública. Esse princípio da intangibilidade dos bens públicos quer significar certo zelo que as pessoas jurídicas de direito público (titulares desses bens) manifestam por mil formas contra a alienação e a prescrição (TJDF, RDA, ¥7:207), não só resguardando o bem público, impedindo ou dificultando que passe de um a outro sujeito de direito, seja ele particular, seja ele outra entidade pública, mas também tornando-o imune a atentados que lhe impeçam a mais ampla utilização pelo verdadeiro destinatário. Os bens públicos são intangíveis por princípio, constituindo exceção a tangibilidade. Assim sendo, se as normas, num dado caso concreto, não corresponderem a sua finalidade e a sua função, pode-se decidir aplicando-se um princípio geral de direito, que conduza à afirmação da imprescritibilidade de qualquer ação que verse sobre bens públicos. Tal resolução não é contra o direito, visto estar autorizada pelo art. 5- da Lei de Introdução ao Código Civil, já que nada impede que haja uma opção pela norma mais justa, visando manter a coerência do sistema jurídico, afastando a aplicação da outra norma, em prol do fim social e do bem comum29. O aplicador do direito, convém lembrar, ao dar uma solução efetiva por meio de uma interpretação eqüitativa ao conflito normativo ou à lacuna, não os elimina, apenas resolve o caso sub judice. O ato do órgão judicante apenas opta entre várias soluções possíveis, sem dissolver a antinomia ou lacuna existente nas normas referentes à questão da prescrição das ações alusivas a bens públicos, principalmente nas relações entre um ente público com outro. Só o Poder Legislativo podería eliminar a antinomia e a lacuna; logo, enquanto não sobrevier lei prescrevendo critérios sobre o assunto, este será tido como não normado. O caso concreto poderá tão-somente ser solucionado, mas a inconsistência normativa ou a lacuna persistirá na ordem jurídica.
2.
Um caso de ilegitimidade ativa ad causam na ação rescisória
Para discorrermos sobre o assunto imaginamos, hipoteticamente, um caso em que a União Federal e o INCRA tenham ajuizado uma ação rescisória contra um proprietário de uma fazenda, alegando falsidade de prova pericial em que se fundou a sentença rescindenda para fixar o valor da indenização na ação de desapropriação, falsidade esta, ideológica, com relação ao valor da terra nua (CPC, art. 485, VI), formulando um pedido alternativo: a) que o Egrégio Tribunal profira novo julgamento da causa para fixar o valor da indenização no correspondente ao depósito efetuado pelo INCRA, quando da imissão de posse, ou b) que a complementação do valor do depósito seja definida por prova idônea a ser produzida na referida ação, na forma do justo critério prescrito pela Constituição Federal. Se, no processo desapropriatório o INCRA figurou como o único integrante do pólo ativo da demanda, agora, na presente ação rescisória, a União Federal aparece, também, ocupando, na qualidade de litisconsorte ativo, a posição de autor, juntamente com a referida autarquia federal, justificando sua posição processual com base no CPC, arts. 487, II, e 499, § 1º. Invocam os autores, ainda, a Lei n. 8.197/91, permissiva da intervenção da União e o fato de ser ela quem adquire a propriedade do imóvel rural a fim de destiná-lo à reforma agrária. Como a União Federal não figurou como parte na ação de desapropriação e, ante o art. 487, II, do Código de Processo Civil, se legitimou para a propositura da ação rescisória, poderia ela ser admitida como juridicamente interessada nessa ação, dispensando-se, por isso, o depósito de que trata o art. 488, II, do Código de Processo Civil? Na hipótese de ser alegada e acolhida a preliminar de ilegitimidade da União para propor a rescisória, deverá o INCRA efetuar o depósito prévio nos termos da Súmula n. 129 do extinto TFR? Se a ação rescisória for julgada procedente, por unanimidade de votos, deverá o expropriado efetuar o pagamento da multa? Esses problemas acima propostos cingem-se no que têm de nodular ao tema da intepretação das normas alusivas à questão da legitimidade ad causam e o seu enfoque hermenêutico deverá ser feito sob a luz da teoria da concreção jurídica, caracterizada pela circunstância de estabelecer uma correlação entre norma, fato e valor, visando a uma decisão judicial que, além das exigências legais, atenda aos fins sócio-econômicos e axiológicos do direito30. O Código de Processo Civil no art. 487 prescreve que: “Tem legitimidade para propor a ação: — quem foi parte no processo ou seu sucessor a título universal ou I singular; — o terceiro juridicamente interessado; II — o Ministério Público: III a) se não foi ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção; b) quando a sentença é o efeito de colusão das partes, a fim de fraudar a lei”. O autor deverá ter, portanto, legitimidade ad causam, ou seja, título que o habilite a estar em juízo, por estar direta e juridicamente interessado no deslinde da controvérsia, uma vez que a decisão impugnada influiu em seu direito, mesmo que não tenha sido parte no feito anterior. Não bastará que tenha um simples interesse de fato, imprescindível será que haja um interesse jurídico material31.
É mister esclarecer que a decisão rescindenda poderá influir em relação jurídica em que terceiro seja titular, e que por isso terá interesse na rescisória. Todavia, se o terceiro, com pretensão de direito material idêntico ao das partes, tiver a possibilidade de mover ação ordinária comum para tutelar seu direito, que não foi alcançado pelos efeitos da coisa julgada (CPC, art. 472), não terá interesse processual na rescisão. Ensina-nos, com muita lucidez, Vicente Greco Filho que terá interesse processual para a rescisória o terceiro alcançado pela imutabilidade da coisa julgada, que o prejudica, em razão do relacionamento entre aquela relação jurídica e a sua, não terá fundamento perante o direito material para recompor a situação anterior por meio de ação própria. O terceiro prejudicado é o que poderia ter sido assistente no processo principal, podendo obter tãosomente um novo provimento entre as partes que o favoreça, não podendo pleitear na rescisória qualquer indenização por perdas e danos. Será também terceiro juridicamente interessado aquele que deveria ter sido parte no processo primitivo e não o foi com violação das normas de litisconsórcio necessário32. Se a União Federal não foi parte nem interviu na expropriação nem recebeu qualquer precatória atinente à indenização a ser paga pelo valor da terra nua, não teria ela legitimidade ad causam ativa na rescisória, na qualidade de terceiro juridicamente interessado, apenas porque o acórdão rescindendo pudesse causar-lhe algum prejuízo, em razão de ser aquela indenização paga com Títulos de Dívida Agrária, emitidos contra o Tesouro Nacional, com autorização do Congresso. Isto é assim, porque, embora obrigada a reconhecer a eficácia daquele julgado, jamais poderia ser atingida pela autoridade da res judicata, uma vez que lhe seria permitido opor-se à formação da coisa julgada por meio da oposição (CPC, arts. 56 a 61) ou de recurso de terceiro prejudicado (CPC, art. 499), ou ainda, em ocasião ulterior, insurgir- se contra a mesma, por via de ação adequada à tutela de seu direito, incompatível com o declarado no acórdão. Apesar da Lei n. 8.197/91 no art. 2Q prescrever que: “A União poderá intervir nas causas em que figurarem como autoras ou rés as autarquias, as fundações, as sociedades de economia mista e as empresas públicas federais”, tal intervenção de terceiro diz respeito ao seu ingresso como parte em processo pendente entre outras partes, que tenham, por exemplo, negligenciado na defesa de seus interesses, não sendo cabível em rescisória, que visa desconstituir decisão já transitada em julgado, devido ao caráter nitidamente especial do art. 487, II, do Código de Processo Civil. Urge que se faça uma interpretação restritiva do art. 2º da Lei n. 8.197/91, verificando que contém menos do que parece exprimir, indicando que se deve restringir o seu sentido e alcance, considerando-se o fim por ele colimado e os fatores que condicionam sua aplicabilidade. Preciso será limitar a incidência desse comando normativo, impedindo que produza efeitos injustos ou danosos, porque suas palavras, à primeira vista, abrangem hipóteses que nelas, na realidade, não se contêm. Ao utilizarmos esse ato interpretativo, entendendo que o mencionado art. 2º da Lei n. 8.197/91 não é aplicável à rescisão dirigida contra acórdão transitado em julgado protegido constitucionalmente, por ser medida excepcional colocada à disposição unicamente das pessoas taxativamente elencadas no art. 487,I a III, do Estatuto Processual e admissível apenas no modus procedendi e nas hipóteses categoricamente previstas em norma especial (CPC, arts. 485 a 495), não estamos reduzindo o campo dessa norma, mas sim determinando-lhe tão-somente os limites ou as fronteiras exatas, com o auxílio de elementos lógicos e de fatores jurídico-sociais, possibilitando sua aplicação razoável e justa, de maneira que corresponda à sua conexão de sentido 33. Outra não podia ser a interpretação desse comando legal conflitante com a
norma processual, pois não se poderia olvidar a configuração da inconsistência entre os próprios critérios solucionadores dessa antinomia normativa, quando a um conflito de normas seriam aplicáveis dois critérios, que, contudo, não poderiam ser ao mesmo tempo utilizados na solução da antinomia, pois a aplicação de um levaria à preferência de uma das normas e a de outro resultaria na escolha de outra. Deveras, no conflito entre a norma do art. 487, II, do Código de Processo Civil de 1973 e a norma do artigo 2º da Lei n. 8.197/91, pelo critério cronológico prevaleceria a segunda e pelo da especialidade, a primeira, surgindo, então, a antinomia de segundo grau. Ante isso ter-se-á a antinomia entre o critério da especialidade e o cronológico; valeria, então, para solucionar o caso vertente, o metacritério lex posterior generalis non derogat priori speciali, segundo o qual a regra de especialidade prevaleceria sobre a cronológica, logo o art. 487, II, do Estatuto Processual, por ser norma especial, embora anterior, prevalecerá sobre o art. 2º da Lei n. 8.197/91, que é geral e posterior34. Nessa linha de pensamento poder-se-ia admitir apenas a intervenção da União Federal na desapropriação, como assistente, do INCRA; jamais na rescisória como litisconsorte, na qualidade de terceiro juridicamente interessado, por não ter interesse jurídico no resultado da demanda 35. O terceiro estranho ao processo de que resultou a decisão rescindenda, que não se qualificar como sucessor a título universal ou singular de qualquer das partes nem for titular da relação jurídica constituída por outrem, será parte ilegítima para intentar a ação rescisória, já que o limite da coisa julgada não o alcançou. Há falta de interesse de agir quando do sucesso da demanda não advier nenhuma vantagem ou benefício moral ou econômico para o proponente ( RF , 254:330). Se se entendesse que a condenação do INCRA traria reflexos diretos no patrimônio da União Federal, por ser co-proprietária dos bens apropriados ou por ter que pagar, pelo valor da terra nua, os Títulos de Dívida Agrária, esta teria, na verdade, titularidade para figurar na ação, não na qualidade de terceiro interessado juridicamente, mas como litisconsorte necessário. Realmente, se o INCRA dependesse da União, os reflexos patrimoniais de eventual indenização a ser paga aos expropriados dariam a esta até mais do que àquela titularidade para figurar na ação como litisconsorte e não como mero terceiro interessado juridicamente. Ora, se a União Federal passa a ter legitimidade ad causam configurandose o litisconsórcio necessário notwendige Streitgenossenschaft, como, então, se explicaria o fato de não ter sido ela parte na ação de desapropriação, aparecendo apenas como um dos requerentes da rescisória? Se tivesse a União Federal real e legítimo interesse jurídico na demanda, não deveria o INCRA apresentar-se isoladamente no feito expropriatório, devendo integrar o pólo ativo das ações ajuizadas, juntamente com a União na qualidade de litisconsortes (Streitgenossen) ativos necessários, por estarem relacionados com o mesmo direito material, com fundamento no art. 47 do Código de Processo Civil?36 Se a União Federal e o INCRA têm não só natureza jurídica e funções diversas como também patrimônios próprios, qual seria, então, o real interesse jurídico que faz com que a União diretamente se beneficie, ou seja condenada pelo julgado? Qual a relação jurídica de que a União Federal é titular que a vincularia ao expropriado? Se a União Federal tivesse interesse direto na coisa, e não um mero interesse indireto ad adjuvandum tantum, teria sido imprescindível o estabelecimento do status litisconsorcial para obter uma só decisão de mérito
solucionadora da pretensão dos autores, inclusive na ação expropriatória. Para configurar o interesse jurídico direto bastaria, p. ex., comprovar somente que a União seria co-titular do direito de propriedade da fazenda, em razão do ato expropriatório do INCRA, por fornecer subsídios para o pagamento do quantum indenizatório correspondente à terra nua. Ora, o liame que vincula o INCRA à União Federal não é tão estreito assim que as torne comproprietárias daquele imóvel desapropriado, tanto isso é verdade que tal bem será adjudicado apenas ao patrimônio do INCRA para a realização da reforma agrária. Deveras, o INCRA é uma autarquia federal, ou seja, uma pessoa jurídica de direito público de administração indireta, dotada de recursos patrimoniais a ela especialmente destinados para a consecução de determinados serviços de caráter público, com orçamento próprio e autonomia administrativa, sob o controle legalmente previsto pela entidade instituidora. Daí os seguintes requisitos apontados por Seabra Fagundes, na caracterização das autarquias37: a) criação por ato estatal, importando na outorga de personalidade jurídica; b) execução de serviço público por natureza ou por força de lei; c) caráter técnico ou especializado do serviço; d) controle estatal através do qual se efetivem os limites de autonomia; e) autonomia administrativa ou de direção; e f) autonomia patrimonial pela outorga de recursos financeiros próprios e liberdade de sua aplicação nas finalidades do serviço. Se não tivesse qualquer autonomia, se fosse integrado nos liames hierárquicos da administração direta, o INCRA seria uma pseudo-autarquia. O INCRA, além de ter capacidade de autodeterminação, por ser pessoa jurídica de direito público de administração indireta, possui orçamento próprio, distinto do geral da União Federal, tendo um patrimônio auto-suficiente e idôneo à produção de seus rendimentos e ao pagamento de suas dívidas, inclusive das indenizações oriundas de desapropriações que levar a efeito. O INCRA poderá sponte própria emitir juízo sobre o que é ou não interesse social, podendo promover a expropriação, indo a Juízo para efetivar ou executar uma desapropriação por ele mesmo decretada, fixando até mesmo critérios administrativos para suas expropriações, desde que não contrariem os mandamentos legais38. Se a competência expropriatória liga-se à capacidade econômico-financeira quanto à efetivação da reparação patrimonial dos expropriados, onde estão o interesse jurídico da União Federal e a relação jurídica que a ligaria ao INCRA para efeitos da rescisória? Se o INCRA, mediante expressa autorização legal, por ato de seu diretor, pôde decretar a desapropriação para fins de reforma agrária da fazenda, será ele o verdadeiro e único beneficiado, pois terá tal imóvel incorporado em seu patrimônio, para a consecução de seus objetivos. Clara estará, então, a ilegitimidade ativa “ad causam” da União Federal, que não deveria figurar como autora na ação rescisória por faltar-lhe o interesse jurídico material, condição imprescindível para o exame do mérito da rescisória (CPC, art. 267, VI), já que a decisão rescindenda não a beneficia nem a prejudica. Fácil será perceber que estribada no art. 488, II e parágrafo único, do
Estatuto Processual, que reza: “A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do artigo 282, devendo o autor: II — Depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou improcedente. Parágrafo único. Não se aplica o disposto no n. II à União, ao Estado, ao Município e ao Ministério Público”, a União Federal, mais do que ilidir a coisa julgada, a qual de forma alguma poderá atingi-la, prejudicando-a, pretendeu, ao se apresentar como autora da ação, juntamente com o INCRA, fraudar a lei, evitando aquele depósito prévio de 5% do valor da causa, beneficiando, assim, aquela autarquia federal. Na interpretação do parágrafo único do art. 488 do Código de Processo Civil, percebe-se que tal comando legal cataloga os entes públicos isentos do depósito prévio para a interposição da ação rescisória, compreendendo tãosomente a União, os Estados, os Municípios e o Ministério Público. Logo, todas as pessoas jurídicas de direito público de administração indireta deverão efetuar aquele depósito se forem autoras na ação rescisória (STJ, AR, 126-R, DJU, 18 set. 1989), sob pena de indeferimento da petição inicial (CPC, art. 490, II). Outra não é a interpretação jurisprudencial dada a esse dispositivo legal: — TFR, Súmula n. 129 — “É exigível das autarquias o depósito previsto no art. 488, II, do Código de Processo Civil, para efeito de processamento de ação rescisória.” — RTJ, 100 :54 — “Os entes públicos isentos de depósito prévio para a ação rescisória, a que se refere o parágrafo único do art. 488 do Código de Processo Civil, compreendem tão-somente a União, os Estados e os Municípios, não se estendendo o benefício aos órgãos de administração indireta dessas entidades públicas, inclusive as respectivas autarquias...” (No mesmo sentido: JB, 59: 282; RSTJ, 3: 686). Diante do reconhecimento da ilegitimidade ativa ad causam da União Federal, o INCRA deverá, sob pena de extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC, art. 267, VI), depositar, então, 5% do valor da causa, que ficará retido a título de multa, caso a rescisória seja, por unanimidade de votos, declarada improcedente, revertendo em favor do réu, sem prejuízo do pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios (CPC, art. 494, in fine c/c art. 20). Se procedente, o quantum depositado será devolvido ao autor, logo o réu não terá o dever de efetuar pagamento de qualquer multa. Para encerrarmos esta questão, lembramos que a doutrina tem sido unânime em afirmar que a exigência desse depósito de 5% do valor da causa inspirou-se no propósito de desestimular a desmedida ou inoportuna propositura da rescisória, mas sem embargo dessa louvável intentio legis, poder-se-ia até mesmo argumentar que a não aplicabilidade da multa à União, aos Estados, aos Municípios e ao Ministério Público é inconstitucional por estabelecer o cumprimento da pena a priori e por conceder um privilégio, ferindo o princípio da isonomia, pois os poderes públicos em juízo equiparam-se ao particular. Numa ação interposta para exame judicial, as partes se igualam, devendo haver justo equilíbrio de direitos e deveres, donde se conclui que até mesmo a União Federal, como autora da rescisória, deveria efetuar o referido depósito prévio não se podendo apelar ao critério da especialidade para alegar a prevalência do art. 488,
parágrafo único, do Estatuto Processual. Isso porque tal critério exige que pessoas pertencentes à mesma categoria sejam tratadas da mesma forma e as de outra, de modo diverso, requerendo uma diversificação do desigual, solucionando a autonomia normativa, tratando desigualmente o que é desigual. Ora, o art. 488, parágrafo único, está a desigualar os iguais, logo não se poderia nem mesmo falar em conflito entre o critério hierárquico e o da especialidade. Conseqüentemente, nítida deverá ser a superioridade do comando constitucional 39. Notas de rodapé do capítulo VIII 1.
Agostinho Alvim, Curso de direito civil (apostila PUCSP), v. 1, p.
13. 2. Scuto, Istituzioni di diritto privato; parte generale, v. 1, p. 291; Serpa Lopes, Curso de direito civil, 2. ed., Freitas Bastos, 1962, v. 1, p. 354; M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 1, p. 141 e 142; Paulo A. V. Cunha, Do patrimônio, Lisboa, 1934, v. 1; Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, v. 5, p. 365410; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 341 e 349; Planiol, Traité de droit civil, v. 1, n. 747; Silvio Rodrigues, Curso, cit., v. 1, p. 13, 123 e 125. 3. Orlando Gomes, Introdução ao direito civil, 3. ed., Rio de Janeiro, 1971, p. 198; Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, São Paulo, Saraiva, v. 1, p. 146. 4.
Hauriou, Précis de droit administratif, p. 530 e s.
5. O dinheiro arrecadado pelo tributo é bem público dominical já que, segundo Jèze (Cours élémentaire de Science des finances et de législation financière française, 5. ed., 1912), é uma forma de receita, pois é a prestação pecuniária, requerida dos particulares por via da autoridade, a título definitivo e sem contraprestação, para o fim da cobertura das necessidades públicas. Todavia, há quem ache, como José Cretella Jr. (Dos bens públicos, São Paulo, Saraiva, 1969, p. 262, 264, 321 e 322), que o dinheiro, como renda da fazenda pública, participa da natureza dos bens de uso especial, ao afirmar que “sendo a finalidade da renda pública a satisfação dos diversos compromissos do Estado, mas tendo seu destino, como resultado da arrecadação, especializado nas verbas orçamentárias, tais rendas uma vez colocadas nas mãos da autoridade administrativa, pela arrecadação, participam da categoria dos bens de uso especial”. Sem embargo dessa opinião, deduzimos, da leitura dos arts. 6 o, § I o, 39,105 e §§, 112, parágrafo único e outros da Lei n. 4.320/64, que fazem parte do patrimônio das pessoas jurídicas de direito público interno, constituindo bens dominicais, como mencionamos no corpo de nossa obra: impostos, taxas e contribuições de melhoria arrecadados; contribuições da União, Estados e Municípios; cotaparte em impostos; multas cobradas; direito de cobrar dívida; indenizações e restituições; auxílios da União, dos Estados e Municípios; operações de crédito; produtos obtidos com venda de bens permitida por lei etc. 6. Sobre bens públicos, v.: M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 1, p. 1601; Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 221-4; Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, p. 444; Mário Mazagão, Direito administrativo, v. 1, n. 283; Silvio Rodrigues, Curso, cit., v. 1, p. 157-60; Serpa Lopes, Curso, cit., v. 1, p. 375-80. 7. Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo, cit.; M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 1, p. 161,196 e 197; Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., p. 161-4; Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 191 e 224; Caio Mário da Silva
Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 381-9; Spencer Vampré, RT, 54:385 e s.; Mário Mazagão, Direito administrativo, cit.; Álvaro Villaça Azevedo, Bens impenhoráveis, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 11, p. 229; José Cretella Jr., Dos bens públicos, cit., p. 323. 8. A Súmula 340 do STF dispõe que ‘“Desde a vigência do Código Civil os bens dominicais como os demais bens públicos não podem ser adquiridos por usucapião”. Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 11; M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 4, p. 8-13; Clóvis Beviláqua, Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 9. ed., Rio de Janeiro, 1953, v. 9, obs. 1 ao art. 485; Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., 1979, v. 3, p. 243. 9. Clóvis Beviláqua, Comentários ao Código Civil, cit., v. 4, p. 6; M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 2, p. 3; Orlando Gomes, Obrigações, Rio de Janeiro, Forense, 4. ed., 1976, p. 17, 19 e 21; Gaudemet, Théorie générale des obligations, Paris, Sirey, 1965, p. 9 e 12; Savigny, Le droit des obligations, v. 1, p. 11. 10.
Karl Engisch, Introdução, cit., p. 260.
11. V. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit., p. 14 e 16; Engisch, Introdução, cit., p. 256 e 257; José Castán Tobeñas, Derecho civil español, cit., t. 1, v. 1, p. 374; Messineo, Manual, cit.; Kelsen (El contrato y el tratado, p. 85) distingue o conflito lógico do conflito teleológico ao escrever: “Nos achamos cm presença de um conflito lógico quando uma norma estatui o conteúdo A e outra do mesmo sistema prescreve o conteúdo não A ...”. Nos conflitos teleológicos não há incompatibilidade lógica pois “com ajuda de duas frases, que não implicam uma contradição lógica, a sua fórmula é: A deve ser e não A deve ser; mas há conflito quando o cumprimento de uma das duas normas significa prejuízo para o fim desejado pela outra...”. Apenas ante a impossibilidade da remoção da antinomia é que surge a lacuna de conflito, que deverá ser solucionada pelos meios de colmatação de lacunas. 12. Gavazzi, Delle antinomie, cit., p. 5 e s.; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Direito, retórica e comunicação, cit., p. 152 e 153, e Teoria, cit., p. 157 e 158; Miguel Reale, Lições preliminares, cit., p. 65 e 298, e Filosofia do direito, cit., v. 2, p. 32 c 33; Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 16; R. Limongi França, Da jurisprudência como direito positivo, RFDUSP, cit., p. 221; Frederico Marques, artigo publicado em O Estado de S. Paulo, 12 ago. 1956; Alípio Silveira, Hermenêutica, cit., v. 1, p. 343; Wilson de Souza Campos Batalha, Lei de Introdução ao Código Civil, cit., v. 1, p. 5 e 6; Recaséns Siches, La nueva filosofía, cit., México, 1950, p. 128, 255- 8; M. Helena Diniz, As lacunas, cit., p. 222-5. 13. Consulte: Antonio Luiz da Câmara Leal, Da prescrição e decadência, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 293 e 294; Pontes de Miranda, Tratado, cit., v. 6, § 714.2; Silvio Rodrigues, Curso, cit., v. 1, p. 382 e 383. Em sentido contrário, v.: Carpenter, Da prescrição, n. 368 e Carvalho Santos, Código Civil brasileiro interpretado, Freitas Bastos, v. 3, p. 503. 14.
Pontes de Miranda, Tratado, cit., § 714.8.
15.
Klug, Lógica jurídica, cit., p. 132.
16. Sobre a dívida ativa da Fazenda Pública, v. as lições de Câmara Leal {Da prescrição, cit., p. 297, 298 e 299), Bernardo Ribeiro de Moraes
(Dívida ativa da Fazenda Pública, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 29, p. 40 e 41), e Darcy Arruda Miranda (Anotações ao Código Civil brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1981, v. 1, p. 131 e 132). 17. Câmara Leal, Da prescrição, cit., p. 14-9; Silvio Rodrigues, Curso, cit., v. 1, p. 358; Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 452. 18.
Câmara Leal, Da prescrição, cit., p. 12, 20-5.
19. Bobbio, Des critères pour résoudre les antinomies, in Les antinomies, cit., p. 237 e 245; Perelman, De la justice, cit., p. 72. 20.
V. Câmara Leal, Da prescrição, cit., p. 299 e 300.
21.
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 593.
22.
Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 457.
23. M. Helena Diniz, Curso, cit., v. 1, p. 194; Câmara Leal, Da prescrição, cit., p. 224. 24. Até mesmo em caso de lei inconstitucional (ou mesmo ilegal), a prescrição da pretensão começa com o ato que aplica a lei. 25.
Hans Kelsen, Teoria pura, cit., v. 2, p. 107, 108 e 111.
26.
Henri De Page, À propos du gouvernement des juges, cit., p. 106 e
27.
Hoeffer, Les antinomies en droit public, in Les antinomies, cit., p.
122. 177. 28. Huberlant, Antinomies et recours aux principes généraux, in Les antinomies, cit., p. 205; Del Vecchio, Essai sur les principes généraux du droit, Revue Critique de Législation et de Jurisprudence, cit., p. 165; Letourneur, Les principes généraux du droit dans la jurisprudence du Conseil d’État, in Études et documents du Conseil d’État de France, cit., p. 19-31; Jeanneau, Les principes généraux du droit dans la jurisprudence administrative, Paris, Sirey, 1954; Hamson, Pouvoir discrétionnaire et contróle juridictionnel de 1’administration, Paris, LGDJ, 1958, p. 179-94; Henri De Page, Traité élémentaire, cit., 1962,1.1, n. 104; Ganshof van der Meersch, Le droit de la défense, principe général de droit — réflexions sur les arrêts récents, in Mélanges, cit., Bruxelles, Émile Bruylant, 1963, t. 2, p. 569-614. 29. Silance, Quelques exemples d’antinomies et essai de classement, in Les antinomies, cit., p. 120. 30. Vide: Miguel Reale, Lições preliminares de direito, cit., p. 67; Questões de direito, São Paulo, Sugestões Literárias, 1981, p. 7; e Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, cit., 1994, p. 8. 31. Vide: José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1974, v. 5, p. 144-5. 32. Vide: Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1992, v. 2, p. 381-2; Amílcar Mercader, El tercero en el proceso, Buenos Aires, 1960. 33. Consulte: Miguel Reale, Lições preliminares, cit. p. 289; Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, cit., p. 210-4; Luiz Fernando Coelho, Lógica jurídica e interpretação das leis, Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 82-3; R. Limongi França, Formas e aplicação do direito positivo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1969, p. 49; José Frederico Marques, Instituições de
direito processual civil, São Paulo, Saraiva, 1989, v. 2, p. 262; José Alberto dos Reis, Intervenção de terceiros, Coimbra, 1948; M. Helena Diniz, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, cit., p. 393. 34. Vide: Bobbio, Des critères pour résoudre les antinomies, inLes antinomies en droit, cit. p. 253-8; Tércio Sampaio Ferraz Jr., Antinomia, in Enciclopédia Saraiva do Direito, cit, p. 14; Gavazzi, D elle antinomie, cit., p. 80, 83 e 87; e M. Helena Diniz, Conflito de normas, S. Paulo, Saraiva, 1987, p. 54. 35. Consulte: Pontes de Miranda, Tratado da ação rescisória das sentenças e outras decisões, Rio de Janeiro, 1957, p. 153. 36. Litisconsórcio significa, etimológicamente, comparticipação na lide: lis — litis (lide), consortium (comunidade, participação, a mesma sorte na lide). Adelino de Palma Carlos, Ensaio sobre o litisconsórcio, Lisboa, 1956, p. 120-1; De Plácido e Silva e Homero Freire, Litisconsórcio necessário activo, p. 64; Mário Berri, Litisconsorzio, in Novíssimo Digesto Italiano, v. 9; Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do Processo Civil moderno, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987, p. 447; Waldemar Mariz de Oliveira Jr., Teoria geral do processo civil, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1968, p. 257 a 267; Guilherme Estelita, Do litisconsórcio no direito brasileiro, 1955; Redenti, II giudizio civile conpluralità diparti, Milano, 1960; Zani, Litisconsorzio, inNuovo Digesto Italiano, v. 7, p. 1 e s.; Kisch,£>euí.sc7¡e.s Zivilprozessrecht, Leipzig, 1922. 37.
Miguel Reale, Nos quadrantes do direito positivo, 1960, p. 149 a
152. 38. Consulte: Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, cit., p. 495-6; Carlos Alberto Dabus Maluf, Ação de desapropriação, in Coleção Saraiva de Prática do Direito, São Paulo, Saraiva, n. 10, 1985, p. 13. 39. Vide: Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Forense, 1961, v. 6, p. 389; Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 5, p. 149; Luís Eulálio de B. Vidigal, Comentários ao Código de Processo Civil, v. 6, p. 194; Antônio Macedo de Campos, Ação rescisória de sentença, in Coleção Saraiva de Prática do Direito, São Paulo, Saraiva, 1988, n. 37, p. 117; Bobbio, Des critères pour résoudre les antinomies, cit., p. 249 e M. Helena Diniz, Conflito de normas, cit., p. 44; Um caso de ilegitimidade ativa ad causam na ação rescisória, in Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, 1994, n. 41, p. 293 a 303.
CAPÍTULO X CONCLUSÕES É preciso que se faça uma síntese das conclusões a que chegamos: 1) O conflito de normas só se tornou um problema teórico-jurí- dico no século XIX, marcado pela positivação e pela concepção do direito como sistema, que propiciaram o aparecimento de condições imprescindíveis para os problemas da coerência lógica do sistema jurídico e da existência de antinomias jurídicas. 2) O sistema jurídico deve, teoricamente, ser coerente, por isso deve excluir asserção sobre qualquer inconsistência normativa. O principio da unidade do sistema jurídico conduz à questão da correção do direito incorreto. Se houver um conflito normativo, ter-se-á um estado incorreto do sistema que deverá ser solucionado, ante o princípio da resolução das contradições lógicas das asserções sobre as normas feitas pelo jurista ao elaborar o sistema. Para tanto, o jurista deverá utilizar-se de uma interpretação corretiva, apontando critérios para reconhecer e solucionar as antinomias. 3) O conflito normativo pressupõe que as normas inconsistentes sejam válidas, logo só pode ser eliminado pela derrogação, que é uma função normativa consistente na negação da validade de uma ou de ambas as normas pela edição de outra norma. 4) A função derrogatória não é de nenhuma das normas conflitantes mas de uma terceira norma, que prescreve que, na hipótese de haver antinomia, uma ou outra, ou ambas, perdem a validade. 5) A solução da real antinomia é encontrada pelo aplicador do direito, mediante o emprego da interpretação eqüitativa, no sistema jurídico, composto de subsistemas normativos, fáticos e valorativos, elaborado pelo jurista, e sua eliminação se dá pela derrogação feita pelo legislativo. 6) A antinomia jurídica, na lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr., é a oposição existente entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável, pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um dado ordenamento. 7) As condições imprescindíveis para um conflito de normas são: juridicidade de ambas as normas conflitantes; vigência e pertença das normas antitéticas a um mesmo ordenamento jurídico; emissão dessas normas por autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, prescrevendo ordens ao mesmo sujeito; existência, nessas normas, de operadores opostos, pois seus conteúdos devem ser a negação interna um do outro; posição insustentável do sujeito a quem se dirigem as normas inconsistentes. Em suma, para haver antinomia real será preciso: incompatibilidade, indecidibilidade e necessidade de decisão. 8) As antinomias podem classificar-se quanto: d) ao critério de solução, em antinomia aparente e real; b) ao conteúdo, em antinomia própria e imprópria; c) ao âmbito, em antinomia de direito interno, de direito internacional e de direito interno-internacional; e d) à extensão, em antinomia total-total, total-parcial e parcial-parcial. 9) Os critérios solucionadores de antinomias, apontados pela ciência jurídica, são princípios jurídico-positivos. 10) Na solução de conflitos entre normas seria temerário pedir à ciência
do direito uma só regra fixa, como guia seguro para a aplicação das normas contraditórias pelo magistrado, por não existir e por não poder haver um critério único. 11) A resolução de antinomias, desde que não sejam reais, no direito interno opera-se pelos critérios hierárquico (lex superior derogat legi inferiori ), cronológico (lex posterior derogat legi priori ) e pelo da especialidade (lex specialis derogat legi generali ). 12) O conflito entre normas de direito internacional privado é aparente. 13) Os princípios para resolver colisão entre normas de direito internacional público são: prior in temporepotior in jus; lex posterior derogat priori, lex specialis derogat generali e lex superior derogat inferiori. 14) Os critérios solucionadores de inconsistência entre norma de direito interno e norma de direito internacional público são: d) superioridade do tratado sobre a norma interna, se o conflito for submetido a um juízo internacional; b ) autoridade relativa do tratado, se o conflito for apreciado pelo juízo interno e se se reconhecer que o legislador interno não pretendeu violar o tratado, exceto os casos em que o fizer expressamente, hipótese em que haverá superioridade da norma interna; c) superioridade do tratado sobre a lei mais recente em data, se a antinomia for julgada por juízo interno que assim entender; e d ) prevalência do tratado sobre a lei interna, ligando-a, porém, a um controle jurisdicional da constitucionalidade da lei, se assim estabelecer o juízo interno que apreciar tal conflito normativo. 15) A antinomia de segundo grau ocorre quando houver inconsistência entre os critérios: a) hierárquico e cronológico —solucionada pela meta-regra lex posterior inferiori non derogat priori superio- ri ; b ) de especialidade e cronológico — resolvida pelo metacritério lex posteriori generalis non derogat priori speciali; e c) hierárquico e de especialidade — caso em que não será possível estabelecer uma meta-regra geral, preferindo o critério hierárquico ao da especialidade, ou vice-versa, sem contrariar a adaptabilidade do direito. Teoricamente, deve-se optar pelo hierárquico, embora na prática possa haver supremacia do critério da especialidade ante o princípio da justiça suum cuique tribuere. 16) A falta de um critério que possa solucionar antinomia de segundo grau conduz ao apelo ao valor justum, pelo qual se prefere, entre duas normas incompatíveis, a mais justa. 17) O critério dos critérios para solucionar as antinomias seria o do princípio supremo da justiça. Por se tratar de assunto denominado por razões de ordem prática, o logismo absoluto na aplicação dos critérios para sua resolução podería levar a injustiças e iniqüidades. 18) A lacuna das regras de resolução dos conflitos normativos instaura incompletude dos meios de solução e uma antinomia real, que só pode ser suprimida pela edição de uma norma derrogatória que escolha uma das normas conflitantes, ou resolvida, no caso subjudice, pelo emprego de uma interpretação eqüitativa. 19) A ideologia permite solucionar antinomias jurídicas, obrigando o jurista e o aplicador a lerem as normas conflitantes sob a luz dos valores objetivos e dos princípios gerais de direito, indicando-lhes os pontos de partida de uma argumentação jurídica e de uma solução ao conflito, sob o prisma da lógica do razoável.
20) A antinomia existente entre normas atinentes à prescrição das ações relativas aos bens públicos é aparente e impropria.
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