ISI CURSOS
I GOR BARBOSA R IBEIRO I BEIRO MARSO LEONARDO VICTORIAN PAIVA CLEMENT A NTONIO LUCINDO PINTO DE CAMPOS SOBRINHO
Manual do Curso B ásico de Sutura -CBS“A arte de suturar suturar””
I GOR BARBOSA R IBEIRO I BEIRO MARSO LEONARDO VICTORIAN PAIVA CLEMENT A NTONIO LUCINDO PINTO DE CAMPOS SOBRINHO
Manual do Curso B ásico de Sutura -CBS“A arte de suturar suturar””
2ª Edição
SALVADOR-BA 2014
“Só sei que nada sei.”
Sócrates
“I like the impossible because there is less competition”
Walt Disney
O ISI CURSOS
O ISI CURSOS é uma vertente do Instituto Saúde Integral (ISI). O ISI foi idealizado no início de 2011 pelo Dr. Leonardo Clement (na época estudante do 4º ano de medicina), tendo como proposta uma abordagem interdisciplinar e integral ao paciente. Dentro deste contexto o ISI CURSOS foi desenvolvido com o intuito de difundir o conhecimento no âmbito da saúde, sobretudo no que diz respeito às emergências. O início das atividades ocorreu em maio de 2011, com o curso Suporte Básico de Vida (SBV) - “Atitudes Simples que Salvam Vidas”. Nesta oportunidade, acadêmicos, profissionais de saúde e leigos foram capacitados a reconhecer e intervir precocemente em pacientes com parada cardiorrespiratória e demais agravos. Em 2012 o ISI CURSOS teve seu espectro de atuação ampliado e passou a fornecer cursos de capacitação tanto na área de saúde como no âmbito geral 1. Nosso espectro de atuação atualmente engloba todas as pessoas que desejam se capacitar e tornar-se pessoas melhores e mais preparadas, sobretudo no contexto profissional. Portanto, nossa filosofia perpassa pelo bem estar do ser humano. Dentro do ISI CURSOS acreditamos que esse “bem estar” está vinculado à difusão do conhecimento e ampliação do número de acadêmicos e profissionais capacitados e dispostos a aprender e a se capacitar ainda mais. O Curso Básico de Sutura (CBS) foi projetado dentro desta filosofia e tem a proposta de ir além dos ensinamentos técnicos da sutura, alertando os profissionais para questões fundamentais como o atendimento integral e humanizado ao 1
Conheça nossos cursos: veja ao final deste manual a seção “O ISI Cursos”.
paciente. Acreditamos que ao capacitar estudantes e profissionais dentro desta filosofia estamos também conscientizando pessoas, contribuindo para a formação de cidadãos atuantes e construindo uma sociedade melhor. Obrigado por escolher nosso curso!
APRESENTAÇÃO DO MANUAL O dicionário Aurélio traz os seguintes significados para a palavra “manual”: “(1) subst. livro de instruções e (2) adj. portátil; de fácil manuseio; leve”. O presente manual é fiel às “recomendações” do Aurélio, sendo um livro de instruções, extremamente portátil, com uma linguagem “leve”. O manual do CBS foi elaborado com o intuito de auxiliálo na fixação e manutenção dos conhecimentos e habilidades adquiridas no referido curso. Para alcançarmos esse objetivo, os conteúdos são dispostos de maneira similar à abordagem do curso. Utilizamos uma linguagem simples e objetiva para descrever os procedimentos “passo-a-passo”. Além disso, a maioria das imagens presentes neste manual foi extraída dos próprios slides do CBS. Neste manual você também encontrará conteúdos adicionais, que são complementares aos conteúdos discutidos e treinados durante o curso. Para potencializar o seu aprendizado, ao final da maioria dos capítulos trazemos a seção “REVISANDO” , onde utilizamos Mapas Mentais, um meio inovador e revolucionário de resumir e memorizar o conteúdo abordado. Desejo a você uma excelente leitura! Reforce seu aprendizado e continue praticando, pois é como diz o ditado popular: “a prática nos leva à perfeição”. Qualquer dúvida, crítica ou sugestão entre em contato conosco (
[email protected]).
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .......................................................... 1
1.1
SUTURA: UMA ARTE MILENAR .................................1
1.2
PARA QUE SUTURAR? ...........................................2
1.3
REVISANDO... .....................................................5
2 ANTISSEPSIA E SUTURA ......................................... 6 2.1
ASSEPSIA, DESINFECÇÃO, ANTISSEPSIA .....................7
2.2
ANTISSEPSIA DO PROFISSIONAL DE SAÚDE .................8
2.3
ANTISSEPSIA DO CAMPO OPERATÓRIO .................... 11
2.4
REVISANDO... ................................................... 14
3
INTRODUÇÃO À ANESTESIA ............................. 15
3.1
TIPOS DE ANESTESIA .......................................... 16
3.2
TÉCNICA DA ANESTESIA LOCAL ............................. 17
3.3
REVISANDO... ................................................... 21
4 4.1
INSTRUMENTAL CIRÚRGICO BÁSICO .............. 22 BISTURI........................................................... 23
4.2
TESOURAS CIRÚRGICAS ....................................... 26
4.3
PINÇAS DE DISSECÇÃO ........................................ 28
4.4
PORTA AGULHA ................................................ 29 REVISANDO .................................................... 31
5 AGULHAS E FIOS CIRÚRGICOS .......................... 32 5.1
AGULHAS CIRÚRGICAS ........................................ 32
5.2
FIOS CIRÚRGICOS .............................................. 34
6
SÍNTESE X SUTURA............................................... 40
6.1
SÍNTESE CIRÚRGICA ........................................... 40
6.2
SUTURA .......................................................... 42
6.3
REVISANDO... ................................................... 46
7
NÓS CIRÚRGICOS ................................................. 49
7.1
DEFINIÇÃO, COMPONENTES E CLASSIFICAÇÃO .......... 49
7.2
TÉCNICAS DE ELABORAÇÃO DOS NÓS ..................... 51
7.2.1 NÓ DO DEDO MÉDIO:.................................................. 53 7.2.2 NÓ COM PORTA AGULHA .......................................... 56 7.2.3 NÓ DE ROSETA.............................................................. 58
8 INCISÃO, MANUSEIO DO FIO E MONTAGEM DA AGULHA ................................................................. 59
8.1
INCISÃO CIRÚRGICA ........................................... 59
8.2
MANUSEIO DO FIO E MONTAGEM DA AGULHA ........... 61
8.3
REVISANDO... ................................................... 64
9
SUTURAS CONTÍNUAS E DESCONTÍNUAS ...... 66
9.1
CONTÍNUAS x DESCONTÍNUAS ............................... 66
9.2
SUTURAS DECONTÍNUAS...................................... 68
9.2.1 9.2.2 9.2.3 9.2.4 9.2.5
9.3
PONTO SIMPLES ............................................................ 69 PONTO SIMPLES INVERTIDO ...................................... 73 PONTO EM X (“X EXTERNO”) ...................................... 75 PONTO EM U VERTICAL (“DONATI”) ......................... 77 PONTO EM U HORIZONTAL (“COLCHOEIRO”)........ 80
SUTURAS CONTÍNUAS ......................................... 82
9.3.1 9.3.2 9.3.3 9.3.4
CHULEIO SIMPLES......................................................... 82 CHULEIO ANCORADO ................................................. 86 INTRADÉRMICO CONTÍNUO....................................... 87 BARRA GREGA .............................................................. 92
10 A RETIRADA DE PONTOS ................................... 94 10.1
TEMPO DE PERMANÊNCIA DA SUTURA..................... 96
10.2
RETIRADA DO PONTO SIMPLES .............................. 97
10.3
RETIRADA DOS PONTOS EM U ............................... 98
10.4
RETIRADA DO PONTO EM X .................................. 99
10.5
RETIRADA DO PONTO INTRADÉRMICO ................... 100
REFERÊNCIAS............................................................. 101 CONTATOS ................................................................. 103
1
1 1.1
INTRODUÇÃO
SUTURA: UMA ARTE MILENAR
As primeiras menções à sutura remetem aos egípcios por volta de 3.500 a.C.. Nesse período, os aparelhos bucais de grandes formigas ou escaravelhos eram utilizados para aproximar as bordas das feridas. A utilização da sutura como meio para alcançar a cicatrização de feridas também é relatada por Hipocrates e Galeno na Grécia e Roma Antigas, respectivamente. Rhazes (850-923d.C.), grande médico persa, realizou ligadura de vasos e suturas de feridas com cordas extraídas de um alaúde. Atribui-se a esse médico árabe a introdução da palavra kitgut , para designar fios confeccionados com tiras do intestino de animais herbívoros, que eram até então utilizadas apenas como cordas de instrumentos musicais. Acredita-se que essa seja a origem etimológica de um dos fios de sutura mais famosos, o categute. Ambroise Paré (1510-1590), barbeiro e cirurgião francês, utilizou finas tiras de linho e seda para ligaduras vasculares. Ele foi um dos primeiros cirurgiões a acreditar na capacidade de regeneração tecidual, introduzindo fitas adesivas para fechar ferimentos. No século XIX, já havia uma grande variedade de materiais de sutura: instrumental metálico, com agulhas de prata, cobre, alumínio e bronze; fios de material vegetal (linho e algodão) e animal (cabelos, seda, categute). Com o advento da industrialização, o material dos fios passou a ser anexado à agulha. No início do século XX, já se utilizava categute mergulhado em solução esterilizante. Em 1971
2
foi introduzido pela Ethicon o primeiro fio absorvível sintético, um polímero de ácido poliglactínico (Vicryl®). A partir desse período foi iniciado também o uso de fios estéreis agulhados para sutura cirúrgica, apresentação atualmente denominada “Sertix”.
1.2
PARA QUE SUTURAR?
Quando pensamos em sutura, talvez as primeiras palavras que apareçam em nossa mente são: ferida; cicatriz; estética. Grande parte da população leiga acredita que um profissional de saúde, ao realizar uma sutura, deve se preocupar primariamente com o resultado estético do procedimento (“garantir que não fique uma cicatriz feia”). Esperamos que ao final da leitura deste manual você tenha opinião “um pouco” diferente da apresentada acima. Para desmistificar e ilustrar quais devem ser as nossas prioridades ao realizar uma sutura contaremos uma breve história: mulher jovem chega à emergência de uma unidade de pronto-atendimento (UPA), sangrando muito com lesão ampla na região nasal − o nariz da paciente estava destruído e era possível até visualizar a orofaringe a partir da abertura nasal. O profissional responsável pelo atendimento da nossa paciente, nem “pensa duas vezes” e opta por utilizar o fio mais grosso disponível na UPA, realizando uma sutura ampla na área lesada, com forte tensão (figura 1.1).
3
A pergunta que “não quer calar”: o profissional da UPA agiu corretamente? Afinal, como veremos nos próximos capítulos, cada região tem uma indicação própria de tipos de fio e sutura a serem aplicados... E ele não respeitou essa regra básica! Se você respondeu que o profissional agiu corretamente, acertou2! Se a resposta foi negativa, fique atento, pois vamos esclarecer agora as suas dúvidas. Então vamos esclarecê-las: SIM!... Realmente existem regras básicas com indicações de fios e sutura, que deverem ser seguidas por todas as pessoas que realizem este tipo de procedimento. Por outro lado, também existem exceções a essas regras. Ao realizarmos uma sutura devemos sempre ter em mente as prioridades abaixo (figura 1.2), organizadas na seguinte sequência: (1) preservar a vida do indivíduo; (2) após o sucesso na primeira etapa, garantir a manutenção da função do órgão ou região lesada; (3) obtendo sucesso nas etapas 1 e 2, se preocupar com a forma da região; (4) por fim, tentar garantir uma cicatrização estética.
3
No exemplo acima, o “profissional da UPA” seguiu rigorosamente o preconizado na 2
A história relatada acima é inspirada em um fato verídico: um atendimento realizado durante o carnaval de Salvador-BA, pelo Dr. Miguel Setúbal, médico e cirurgião bucomaxilofacial da Equipe de Traumas de Face do SAMU - Salvador-BA. 3 A Pirâmide de Prioridades apresentada acima é “universal”, ou seja, pode ser aplicada em todos os âmbitos do atendimento na saúde. Portanto, guarde com carinho na memória e a aplique em todo e qualquer procedimento realizado.
4
Pirâmide de Prioridades: salvou a vida da paciente, ao fechar a ferida, realizando a hemostasia do local e prevenindo futuras infecções. Além disso, a sutura da figura 1.1 garantiu outros dois níveis de prioridades da pirâmide: a função, pois a paciente será capaz de respirar pela região nasal, após a redução do edema; a forma, pois já é possível identificar que aquele é o nariz da paciente. Após garantir todos esses níveis, o profissional pode então encaminhar a paciente para a equipe de cirurgia plástica, que realizará um novo procedimento para a reconstrução desse nariz da forma mais fiel possível à original, garantindo assim os princípios estéticos. FINALIDADE
Por fim, é válido citar as finalidades gerais da sutura, elencadas pelos principais autores de técnica operatória e cirúrgica: (1) restabelecimento da integridade anatômica e funcional dos tecidos; (2) hemostasia, sobretudo quando não é possível identificar os vasos; (3) sustentação , mantendo as estruturas em posição anatômica; (4) estética (MAGALHÃES, 1989; GOFFI, 2001). Se você prestar atenção, as referidas finalidades já estão incluídas na nossa pirâmide. Mas por que então falar sobre essas finalidades? Observe bem a ordem citada e você verá que é consenso entre esses respeitados autores que a estética será a última preocupação durante a sutura 4. Portanto, é fundamental ter em mente a Pirâmide de Prioridades na realização de todas as suas futuras suturas!
4
Ao enfatizarmos o uso da pirâmide de prioridades não temos o objetivo de reduzir ou excluir a importância da estética no procedimento de sutura. O objetivo aqui é posicionar a estética adequadamente no conjunto de prioridades, de modo que sejamos capazes de garantir as prioridades básicas para, só então, nos preocuparmos com os aspectos estéticos.
5
1.3
REVISANDO... Pirâmide de Prioridades da Sutura
6
2 ANTISSEPSIA E SUTURA Este capítulo é destinado à discussão de procedimentos e técnicas preliminares à sutura. Quando esquecidas ou negligenciadas estas medidas podem comprometer todo o procedimento de sutura, seja a curto, médio ou longo prazo. Desta maneira, nosso principal objetivo é evitar uma das principais complicações da sutura: a INFECÇÃO. Para que você tenha uma ideia da importância da execução bem feita desses procedimentos vamos recorrer mais uma vez à história: até o século XIX, a incidência de infecções após a realização de suturas era extremamente alta. Em meados do século XIX, o professor de cirurgia Joseph Lister (1827-1912), motivado pelos trabalhos sobre procedimentos antissépticos de Louis Pasteur (1822-1895), utilizou ácido carbólico e fenol nas mãos, material cirúrgico e feridas. A introdução desses métodos antissépticos reduziu a taxa de infecção para um valor menor do que cinco por cento, em relação às taxas anteriores. A despeito do conhecimento dessas técnicas profiláticas e das inúmeras campanhas educativas, um estudo de 2006 com profissionais de saúde do Rio de Janeiro demonstrou que mais da metade dos profissionais não realiza a lavagem de maneira correta − sendo que 84% não retira adornos como relógios e anéis e 54% não realiza a lavagem de forma completa. Estudos recentes também comprovam que a lavagem das mãos é a ação isolada mais importante para a prevenção e controle das infecções hospitalares. Portanto, leia com atenção os conceitos abaixo e ponha-os em prática com disciplina.
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2.1 ASSEPSIA, DESINFECÇÃO, ANTISSEPSIA Os termos que intitulam esta seção designam medidas profiláticas que devem ser adotadas por todos os profissionais de saúde. Embora, os três termos designem medidas preventivas, cada um tem um significado distinto, a saber:
Assepsia: Conjunto de medidas que visa impedir o contato de germes com a ferida operatória. Um ambiente asséptico é aquele que está livre de contaminação ou infecção. A esterilização é a principal técnica utilizada para se obter um ambiente asséptico. Na esterilização todas as formas viáveis de germes são destruídas. Realizamos a esterilização em materiais e instrumentos cirúrgicos (Ex.: fio cirúrgico e porta agulha). A esterilização pode ser realizada por diversos meios: calor seco (ex.: estufa), calor úmido (ex.: autoclave), radiação, agentes químicos (ex.: formaldeído, óxido de etileno). Desinfecção: Conjunto de processos que elimina todos os microrganismos, com exceção dos endosporos bacterianos. Esse processo não deve ser confundido com a esterilização, visto que não elimina totalmente todas as formas de vida microbiana. Antissepsia: Conjunto de métodos empregados para impedir a proliferação de microorganismos ou removê-los das superfícies orgânicas. Na antissepsia, os microorganismos são inativados, destruídos ou removidos. Para realizar a antissepsia utilizamos produtos denominados antissépticos. Os principais antissépticos disponíveis no mercado são: o álcool etílico 70˚, a clorexidina e os PVPIs. Os PVPIs têm como componente comum o iodo (polivinilperrolidona 10% e iodo 1%). Tanto os PVPIs como a clorexidina são encontrados em diferentes apresentações, tendo cada qual uma
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finalidade específica no processo de antissepsia (olhar tabela 2.1 a seguir)5. Tipo de Antisséptico Detergente ou Degermante Alcoólico ou Tintura Tópico
Característica/Indicação
Solução a base de sabão. Usado na degermação préoperatória do campo operatório e da equipe. Deve ser removido com água ou soro. Utilizado apenas em pele íntegra. Tem como constituinte básico o álcool. Utilizado na antissepsia do campo operatório após o uso e a remoção do PVPI ou clorexidina degermante. Utilizado apenas em pele íntegra. Sua substância base é a água. Indicado na antissepsia de mucosas e curativos. Utilizado em feridas superficiais, queimaduras, etc.
2.2 ANTISSEPSIA DO PROFISSIONAL DE SAÚDE É do conhecimento de todo profissional de saúde que a “sutura” começa muito antes de empunhar o porta agulha. A antissepsia do profissional compõe uma das primeiras etapas deste procedimento, sendo indispensável a sua realização para que se alcance o sucesso na cicatrização. A antissepsia do profissional começa com a lavagem simples das mãos ou desiquinação . A lavagem das mãos6 é caracterizada pela fricção manual vigorosa de toda a superfície 5
O uso de PVPIs na antissepsia é questionado por alguns autores. Estes se baseiam em estudos recentes que demonstraram que o uso dos PVPIs traz danos à pele, causando lesões por citotoxicidade. Atualmente a primeira opção de escolha na antissepsia é a clorexidina. Entretanto, os PVPIs ainda possuem uma excelente relação custo-benefício no mercado, sendo os mais utilizados na rotina dos serviços públicos de saúde. 6 LEMBRAR... antes de iniciar a desiquinação você deve retirar seus adereços (Ex.: relógio, anéis) e realizar a colocação dos equipamentos de proteção individual (EPIs) disponíveis (Ex.: óculos e máscara). Discutiremos mais à frente a importância do uso destes materiais.
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das mãos e punhos, utilizando-se sabão ou detergente. Não há uma ordem pré-definida na desiquinação, deve-se apenas lavar toda a mão − incluindo unhas e espaços entre os dedos − e o punho. O tempo de execução desse procedimento não deve ser inferior a 30 segundos. Esse tempo corresponde ao período mínimo necessário para ação antisséptica do degermante. Os próximos passos que serão descritos ocorrerão, sobretudo, quando a sutura ocorrer em um centro cirúrgico. Após a desiquinação, será realizada a “escovação cirúrgica”. Essa lavagem geralmente é realizada no lavabo do centro cirúrgico − uma “grande pia” localizada ao lado da sala de cirurgia. A lavagem cirúrgica começa com o ensaboamento. A escova cirúrgica contém duas faces: (1) face superior com esponja embebida em PVPI ou clorexidina degermante; (2) face inferior com cerdas (figuras 2.1 e 2.2). De posse da escova, utilizaremos a face superior para realizar o ensaboamento (figura 2.3) das mãos e antebraços, “espalhando” bastante o PVPI até que ele forme uma espuma ao redor das mãos e antebraços. Em seguida, passamos a escovação das mãos, punhos e antebraços. A escovação ocorrerá sempre em sentido único “distalproximal”. Desta forma, iniciaremos escovando as unhas, em seguida, palmas, dorso, espaços interdigitais, punhos e antebraços. Além disso, a escovação deve ser realizada de modo alternado, iniciamos escovando as unhas de uma das mãos (ex.: direita) e, em seguida, passamos para as unhas da outra mão (ex.: esquerda). Apenas depois de finalizarmos as unhas da segunda mão, é que poderemos passar para a palma da primeira mão e assim sucessivamente. A escovação deve durar em torno de três a cinco minutos. Após a escovação, mãos e antebraços devem ser enxaguados (figura 2.3) com água em abundância, no mesmo sentido da lavagem (“distal-proximal”).
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A lavagem cirúrgica termina com a secagem das mãos. Para realizarmos a secagem, devemos nos dirigir à sala cirúrgica7. Chegando à sala de cirurgia, utilizaremos uma compressa estéril para secar as mãos e antebraços. A secagem 7
Ressaltamos aqui a atenção total, pois após a lavagem você deve manter suas mãos e antebraços elevados acima do nível dos cotovelos para evitar a contaminação dessas regiões que já passaram pela antissepsia. Caso, você abaixe a mão ou toque com a mão ou antebraço em qualquer objeto no trajeto até a sala de cirurgia, você deverá obrigatoriamente retornar ao lavabo e executar todo o procedimento outra vez.
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também segue sentido único distal-proximal, sendo que cada face da compressa se destina a enxugar um dos braços. Assim, ao enxugar mãos, antebraço e cotovelo direitos, por exemplo, devemos dobrar com cuidado a compressa e enxugar mãos, antebraço e cotovelo esquerdos. Todo esse cuidado se deve principalmente ao contato da compressa com o cotovelo − zona de transição entre a parte limpa e a parte contaminada. Agora já estamos prontos para nos paramentarmos! A paramentação em ambiente cirúrgico é composta pelos atos de vestir o avental cirúrgico e colocar as luvas ambos estéreis8. Após a paramentação, já poderemos entrar em contato com o instrumental cirúrgico estéril e realizar a nossa sutura!
2.3 ANTISSEPSIA DO CAMPO OPERATÓRIO Quando por algum motivo ou acidente nos ferimos superficialmente (ex.: escoriações, arranhões), realizamos um curativo comum, não é mesmo? Observe que antes de realizarmos o curativo, comumente lavamos o local seja com água corrente ou soro fisiológico e, em seguida, passamos merthiolate® ou PVPI tópico na ferida. Só após superar essas etapas procedemos com o curativo. Nos ferimentos que iremos suturar faremos o mesmo: antes de realizarmos a sutura precisaremos preparar o local que será suturado. Esse local é denominado campo operatório (ou ferida operatória) e inclui a região composta pela ferida e o seu entorno (“perímetro de segurança”). A antissepsia do campo operatório começa com o processo de degermação − remoção de detritos e impurezas 8
Há uma técnica própria para realizar a paramentação, mas, não entraremos em detalhes para não fugirmos do nosso foco neste curso que é a sutura.
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sobre a ferida e a pele íntegra ao redor da mesma9. Na degermação, procederemos com o uso de luvas de procedimento (não estéreis) e PVPI degermante (uso da face esponjosa da escova cirúrgica − figura 2.2), ensaboando os locais ao redor da ferida (figura 2.4). Em seguida, retiraremos o detergente com uma compressa umedecida em soro fisiológico ou água destilada. Após a retirada do degermante, ainda na pele íntegra, realizaremos a antissepsia com PVPI alcoólico, sempre no sentido proximal-distal no entorno da região lesada (figura 2.5)10.
9
Devemos lembrar aqui que muitas vezes o paciente é vítima, por exemplo, de acidentes de trânsito em locais não asfaltados, apresentando muita terra e outras sujeiras sobre o ferimento. Nesse caso, o ideal é proceder primariamente com lavagem em água corrente ou lavagem profusa com soro fisiológico. 10 Embora nas figuras 2.4 e 2.5 você observe o uso de PVPI, a degermação é preferencialmente realizada com clorexidina degermante 4% e a antissepsia com clorexidina alcoólica 0,5%.
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Na pele íntegra e em mucosas, realizaremos a antissepsia antissepsia com PVPI tópico (figura 2.6). Após a antissepsia da ferida e seu perímetro, colocaremos os campos cirúrgicos (figura 2.7) 11. Observando os conceitos e aplicando com cuidado todos os procedimentos descritos neste capítulo, você ampliará a possibilidade de sucesso nas suas futuras suturas. Caso contrário... há uma grande possibilidade de que você lide com futuras complicações (figura 2.8).
11
Campos cirúrgicos são panos estéreis que ficam sobre o entorno da ferida, delimitando o campo operatório e permitindo maior mobilidade para a realização da sutura e/ou outros procedimentos. Por ser estéril, estamos autorizados a apoiar instrumentais e fios sobre o campo cirúrgico.
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2.4
REVISANDO...
Antissepsia do Profissional Profissional de Saúde Saúde
15
3
INTRODUÇÃO À ANESTESIA
Mesmo após após realizarmos a nossa antissepsia (“antissepsia (“antis sepsia do profissional de saúde”) e a do próprio paciente (“antissepsia do campo operatório”), operatório”), ainda não estamos autorizados a empunhar o porta agulha e iniciar os “pontos da sutura” sutura”. Sei que você já deve estar ansioso para começar a realizar a sua sutura, mas lhe provaremos agora que realizar a anestesia do ferimento é mais um passo indispensável dentro do procedimento de sutura. Quando o paciente chega lesionado à unidade de emergência seja UPA, clínica ou hospital, independente do tamanho ou da gravidade da lesão, o paciente estará fragilizado fisicamente e, na maioria das vezes, também psicologicamente. Portanto, precisamos sempre ter em mente um princípio fundamental, defendido por Hipócrates desde a Grécia Antiga e presente no atual código de ética médica: “o médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade” (CFM, 2009)12.
Respeitaremos sempre o princípio acima e antes da sutura, realizaremos a anestesia adequada ao ferimento do paciente, reduzindo o sofrimento do mesmo e garantindo que não venha a sentir ainda mais dor durante o procedimento. 12
Embora esse princípio esteja num código de conduta da classe médica, ele é mais um daqueles princípios universais que devem ser aplicados em todas as profissões, sobretudo, no âmbito da saúde. Podemos traduzi-lo coloquialmente como: “faça para outro aquilo que você gostaria que fosse feito com você”. Portanto, reflita sobre ele e o adote na sua conduta diária e temos certeza de que você fará a diferença na sua profissão.
16
Portanto, “fique esperto” : o ATENDIMENTO HUMANIZADO ao paciente é uma condição primordial para o sucesso da sua sutura.
3.1
TIPOS DE ANESTESIA
A anestesia é a perda parcial ou total da sensibilidade induzida para amenizar ou evitar a dor durante intervenções, sobretudo, cirúrgicas. Temos a disposição alguns tipos de anestesia:
13
Anestesia Geral: É obtida por meio da administração de anestésico por via endovenosa, por inalação ou por ambas. Neste tipo de anestesia há uma perda de sensibilidade de todo o corpo com rebaixamento do nível de consciência (figura 3.1). Como exemplo de substância anestésica utilizada neste tipo de anestesia, temos o famoso propofol − anestésico endovenoso que ficou famoso ao ser utilizado em “sobredose” pelo cantor Michael Jackson, sendo a substância responsável por sua morte13.
Destacamos o fato para lembrar que os anestésicos, sobretudo os relacionados à anestesia geral, devem ser utilizados com prudência. Os anestésicos compõem um grupo de drogas farmacológicas e toda droga tem sua dose terapêutica − uma quantidade ideal para causar o efeito terapêutico. Doses acima desse limite são prejudiciais ao paciente. Portanto, muita atenção e cuidado ao utilizar os anestésicos!
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3.2
Anestesia Regional: Neste tipo de anestesia há aplicação de anestésicos em locais específicos, visando eliminar a sensibilidade de amplas regiões do corpo. Ela pode alcançar troncos, plexos ou raízes nervosas (figura 3.2). A anestesia das raízes nervosas é denominada raquianesetesia e pode ser subdural ou epidural (figura 3.3), a depender do local em que o anestésico é injetado entre as meninges que envolvem a medula espinhal.
Anestesia Local: Bloqueio da transmissão nervosa limitada a um determinado local. É o tipo de anestesia preferido para os pequenos cortes e lesões, sendo comum na rotina de qualquer serviço de saúde que disponibilize a sutura. Deste modo, detalharemos a técnica de execução da anestesia local abaixo14.
TÉCNICA DA ANESTESIA LOCAL
Há diversas técnicas específicas para a aplicação da anestesia local, mas há um ponto em comum entre a maioria delas: a utilização da infiltração do anestésico nas bordas ou no 14
Para maiores detalhes sobre Anestesia Local, confira a aula Anestesia Local “Xô Stress” disponível na área exclusiva para alunos.
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perímetro da ferida. Antes de realizar a anestesia local lembramos que devem ser realizados previamente os seguintes passos já discutidos: (1) identificação da lesão (2) limpeza da região operatória; (3) antissepsia do campo operatório e do profissional; (4) paramentação, (5) isolamento da região por campos cirúrgicos. Realizados todos esses passos, podemos então realizar o preparo do anestésico, a punção e a infiltração. A etapa de preparo do anestésico é constituída apenas da aspiração do mesmo no seu recipiente de origem com uma seringa. Normalmente uma dosagem próxima de 5mL de Lidocaína 1% (10mg/mL) é suficiente para realização da maioria dos procedimentos. Caso seja necessário uma dosagem superior você deve ficar atento à dose máxima da lidocaína sem vasoconstritor que é de 300mg, ou seja, 30mL. Preparada a seringa, passamos a punção, entrando na pele íntegra ao redor do ferimento ou mesmo nas bordas da ferida com uma angulação de 30º-45º − ângulo entre a seringa e a pele (figura 3.4). Após inserir parte da agulha (figura 3.5), aspiraremos para verificar se não “invadimos a fronteira” de um vaso (principalmente pequenas veias ou vênulas). Caso alguma quantidade de sangue apareça na seringa durante a aspiração, não poderemos infiltrar o anestésico, pois a droga ganharia a circulação venosa, ampliando os efeitos do anestésico e transformando o procedimento em uma anestesia sistêmica. Esse tipo de anestesia não é adequado às nossas necessidades, sendo uma situação perigosa, pois será necessário o domínio de conhecimentos em anestesiologia para lidar com esses efeitos sistêmicos, habilidades que não possuímos no momento. Portanto, se por algum acidente ou falha, houver infiltração de anestésico no território vascular, procure ajuda de profissionais capacitados imediatamente!
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Tendo a certeza de que estamos fora do perímetro vascular, injetaremos o anestésico gradualmente e, simultaneamente, deveremos remover a seringa. Esse movimento garante que o anestésico seja bem distribuído em todo o perímetro, desde o local final da inserção da agulha até o ponto inicial (próximo ao local de entrada na pele). É importante observar que é normal, e até desejável, que haja um pequeno acúmulo de anestésico, causando uma pequena elevação da pele (“botão anestésico”) no local aplicado. Repetiremos esse procedimento em ambas as bordas da ferida ou em ambas as extremidades. Em seguida, aguardaremos 2-5 minutos, para que a droga comece a ter seu efeito, e então com uma pinça de dissecção sem dente ou mesmo com nossa própria mão (lembre que você já está paramentado, utilizando uma luva estéril) testaremos a sensibilidade do paciente no perímetro da ferida. É válido ressaltar que a anestesia local bloqueará apenas os receptores de dor da região, de forma que a sensibilidade tátil e térmica, por exemplo, serão conservadas. Provavelmente o paciente lhe informará que “sente o seu toque” no local ou que está sentindo você “pegando no ferimento”. Desta forma, o importante aqui é tranquilizar o paciente e se certificar de que o mesmo não esteja sentindo dor ao toque. Lembre-se do trecho extraído do código de ética médica, discutido no início deste
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capítulo, e ao realizar o exame, o faça com cautela, pois caso o efeito do anestésico não tenha iniciado, o paciente relatará dor intensa. É importante também que antes de realizar esse exame você peça ao paciente para fechar os olhos, pois quando o paciente visualiza o teste, muitas vezes é induzido a relatar dor, resultando em um “teste falso positivo”. Concluídas todas essas etapas poderemos então empunhar o porta agulha e iniciar a sutura!
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3.3
REVISANDO...
Aplicação da Anestesia Local
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4
INSTRUMENTAL CIRÚRGICO BÁSICO
Para a realização de uma sutura será necessário o uso de ferramentas − instrumentais cirúrgicos (figura 4.1) − que lhe auxiliarão no trabalho de execução do(s) ponto(s), reduzindo os danos inerentes ao próprio procedimento. Desta forma, é fundamental saber identificar o instrumental básico necessário para a realização da sutura, assim como conhecer as funções de cada instrumental para obter uma sutura com o melhor resultado possível. Outro ponto importante é a utilização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Como o próprio termo já indica, o EPI tem o objetivo de proteger o profissional de saúde da contaminação, evitando contato com as secreções e fluidos do paciente. Já falamos anteriormente neste manual, quando nos referimos a paramentação cirúrgica, sobre um EPI bastante comum em qualquer sutura. Você está lembrado? Se não... Pense bem... E recorde da função das luvas! As luvas estéreis são material indispensável em qualquer sutura, elas atendem a todos os critérios da definição acima. Além das luvas, quero lembra-lo de dois EPIs esquecidos e negligenciados por grande parte dos
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profissionais de saúde: os protetores oculares e as máscaras. “Óculos” e máscaras também têm um grande papel, evitando a contaminação do profissional de saúde, sobretudo, em caso de respingos, gotículas e sangramentos arteriais. Portanto, ao realizar a sutura lembre-se sempre de fazer uso dos EPIs! Por fim, lembramos que os instrumentais utilizados na sutura são disponibilizados esterilizados. Desta forma, só devemos manipulá-los após a devida paramentação cirúrgica. A seleção e a arrumação dos instrumentais na mesa cirúrgica devem ser realizadas logo após a paramentação e antes do preparo do anestésico.
4.1
BISTURI
O bisturi é um instrumental fundamental nas cirurgias, na diérese − o primeiro tempo cirúrgico15, que se destina a criar uma ferida cirúrgica, ou seja, uma descontinuidade dos tecidos. A sutura faz parte de outro tempo cirúrgico, a síntese (como discutiremos adiante). Desta forma, neste primeiro momento você pode questionar o motivo de colocá-lo entre os instrumentais discutidos em um manual de sutura. Mas siga em frente na sua leitura e ao final desta seção temos certeza que você entenderá o porquê desta discussão. O nosso curso básico de sutura tem o objetivo de ensinalo a técnica ideal, mas também pretendemos auxilia-lo a lidar com a realidade que você encontrará no nosso sistema de saúde. Por mais que você não tenha contato com o centro cirúrgico, é importante conhecer esse instrumental, pois em certos serviços 15
Tempo cirúrgico é a denominação dada ao conjunto de procedimentos realizados em sequência, que determinam uma fase da cirurgia. Há seis tempos cirúrgicos básicos: diérese, preensão, hemostasia, exposição, especial e síntese.
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de saúde ele pode ser o único instrumental de diérese disponível, sendo utilizado para uma série de funções adaptadas, tais quais: (1) cortar fio, (2) realizar (se necessário) a tricotomia do paciente, entre outras. Essas são funções secundárias, para o qual o bisturi não foi originalmente projetado, mas que pode ser utilizado, desde que manuseado com atenção e cuidado 16. O bisturi é composto por um cabo reto e uma lâmina. Existem duas apresentações de bisturi: (1) bisturi de lâmina móvel (intercambiável); (2) bisturi inteiramente descartável (“montado”) . Atualmente os bisturis intercambiáveis (figura 4.2) são os mais comuns em centros cirúrgicos.
Os bisturis de lâmina móvel possuem uma numeração em seus cabos e lâminas. Os diferentes números representam diferentes formatos e tamanhos de cabos e lâminas. Os cabos mais comuns são os de nº 3 e 4. Quanto maior a numeração do cabo, maior o cabo e maior a lâmina que ele receberá. Desta forma, o bisturi de cabo nº4 recebe as lâminas de nº 18 a 50, sendo as lâminas nº 20,21 e 22 as mais usadas. Já o cabo nº3 recebe as lâminas nº 9 a 17, sendo as de nº 10,11 e 15 as mais comumente utilizadas na rotina cirúrgica (figuras 4.3 e 4.4).
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Ressaltamos aqui que só utilizaremos o bisturi para as referidas funções quando não estiverem disponíveis outros instrumentais mais adequados, como por exemplo, tesouras (discutidos a seguir).
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Para a colocação das lâminas contaremos sempre com o auxílio de uma pinça hemostática pequena reta (figura 4.5), evitando o manuseio direto pelo risco de acidente, como por exemplo, a perfuração da luva. Devemos também “montar o bisturi” sobre a mesa cirúrgica, mantendo a parte funcional do mesmo − em outras palavras, o local onde ficará a lâmina − voltada para abaixo, a fim também de evitar acidentes com o paciente ou a equipe.
Na retirada da lâmina, utilizaremos também uma pinça hemostática reta, realizando a mesma técnica da colocação, mas no sentido inverso. Desta forma, precisaremos prender a pinça à base da lâmina para desencaixá-la e removê-la.
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O bisturi pode ser empunhado de duas maneiras diferentes, “lápis” e arco de violino”, ilustradas nas fotos abaixo (figura 4.6 e 4.7):
4.2
TESOURAS CIRÚRGICAS
As tesouras são utilizadas em ambiente cirúrgico para seccionar, dissecar, divulsionar e desbridar tecidos, além de cortar fios cirúrgicos e outros materiais como gaze, fios, borracha. São classificadas de acordo com os seguintes critérios: (1) tipo de ponta (aguda, romba, uma ponta de cada tipo); (2) curvatura (retas, curvas, mistas); (3) proporção entre a parte funcional e a própria tesoura (1/3:2/3 = Mayo e 1/4:3/4 Metzembaum - figura 4.8)17.
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Apresentamos aqui nessa seção os principais tipos de tesoura utilizados na rotina da sutura. Entretanto, existem outros tipos de tesouras cirúrgicas.
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As tesouras retas do tipo Mayo são usadas principalmente para o corte dos fios na sutura, enquanto as tesouras curvas do tipo Metzembaum são usadas para a divulsão e a secção delicada de tecidos, no preparo das bordas de uma ferida irregular, por exemplo. Ao empunharmos as tesouras cirúrgicas devemos colocar os anéis no primeiro e quarto quirodáctilos com o segundo quirodáctilo estabilizando a articulação do instrumental (figura 4.9).
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4.3
PINÇAS DE DISSECÇÃO
As pinças de dissecção são instrumentos de preensão, ou seja, utilizados para “agarrar” tecidos orgânicos. Na prática da sutura destacamos dois tipos principais: (1) pinça anatômica (ou sem dente); (2) pinça dente de rato. A primeira, quando comparada com a segunda, tem menor poder de preensão e é menos traumática (“atraumática”) ao tecido. Utilizaremos a pinça com dente, quando realizarmos a sutura em tecidos mais resistentes como a pele em extremidades ou couro cabeludo ou para agarrar materiais como campos, gaze, etc. Ao passo que faremos uso da pinça sem dente quando a sutura for realizada em tecidos mais delicados ou até mesmo friáveis, como vasos e vísceras. Para distinguirmos essas pinças devemos observar a extremidade distal (parte funcional): as pinças anatômicas apresentam ranhuras transversais (figura 4.10), enquanto a pinça dente de rato possui um fino dente que confere o nome à pinça (figura 4.11). A empunhadura das pinças é em forma de “lápis” (figura 4.12), devendo-se observar que ela deve ser feita na região mais proximal (próxima à base), para que a pinça cumpra o devido papel, atuando como a extensão da mão do profissional.
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4.4
PORTA AGULHA
O porta agulha é o principal instrumental envolvido na síntese − último tempo cirúrgico que inclui a sutura. Os porta agulhas são fundamentais na realização da sutura, pois a maioria das agulhas é curva e os espaços cirúrgicos são estreitos. Suas pontas podem ser retas, curvas ou anguladas, sendo os porta agulhas de ponta reta os mais comuns na rotina dos serviços de saúde. Há dois tipos principais de porta agulha: (1) Mayo-Hegar (figura 4.13); (2) Mathieu18 (figura 4.14).
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Não detalharemos aqui as características do porta agulha de Mathieu, pois nossa intenção é descrever os instrumentais que você encontrará com maior frequência nos serviços de saúde. Como ele é utilizado apenas em situações específicas, a exemplo de suturas em estruturas mais grosseiras (ex.: esterno e patela), e disponível em poucos serviços, perderíamos o nosso foco.
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O porta agulha de Mayo-Hegar fica preso aos dedos pelos anéis presentes em suas hastes e possui cremalheira para travamento. Além disso, este instrumental possui na parte funcional ranhuras reticuladas com uma fenda central longitudinal, uma característica única que permite a distinção deste porta agulha de outros instrumentais como as pinças hemostáticas (figura 4.15). Todas essas características citadas acima proporcionam uma maior eficiência na fixação da agulha durante a sutura, impedindo a mobilidade da mesma quando o movimento de “pronaçãosupinação” é realizado e a agulha transfixa o tecido. A empunhadura do porta agulha de Mayo-Hegar é similar a realizada com as tesouras, como podemos perceber na figura 4.16.
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4.5
REVISANDO... Instrumentais Cirúrgicos Básicos
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5 AGULHAS E FIOS CIRÚRGICOS Agora que já conhecemos os instrumentais que utilizaremos para confeccionar nossas suturas, discutiremos um pouco sobre os materiais que “atuarão como protagonistas principais nessa estória”: os fios e agulhas. Não adianta ter em mãos os instrumentais citados no capítulo anterior se não dispusermos de uma agulha, para transfixar o tecido, e um fio anexado à agulha, para conter os tecidos. Como vimos no capítulo 1, ao longo do tempo, diferentes tipos de fios e agulhas, dos mais diversos materiais, foram utilizados na realização das suturas. Atualmente, temos uma ampla variedade de tipos de fios e agulhas, que têm suas aplicações específicas. É fundamental sabermos algumas dessas aplicações para que consigamos atingir toda a Pirâmide de Prioridades da Sutura (figura 1.2), alcançando inclusive um bom resultado estético.
5.1 AGULHAS CIRÚRGICAS As agulhas são materiais de pequena haste fina, obtidas a partir de ligas metálicas. Como dito acima, são utilizadas na sutura com o objetivo de transfixar os tecidos, atuando como um guia aos fios de sutura . Elas podem ser descartáveis ou reutilizáveis, mas os serviços de saúde atualmente usam basicamente as agulhas descartáveis. Quanto ao formato, podem ser retas, curvas ou mistas, sendo as curvas as mais comumente utilizadas. As agulhas são compostas por três regiões: (1) fundo; (2) corpo; (3) ponta. De acordo com a característica de cada componente teremos um tipo diferente de agulha. Desta forma,
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quanto ao fundo, podemos ter agulhas traumáticas − quando a agulha não tem o fio anexado ou “montado” − e atraumáticas − agulha fixada ao fio. Quanto ao corpo, as agulhas podem ter essa região em formato cilíndrico (mais comum), triangular ou retangular. Por fim, a ponta das agulhas pode ser cilíndrica, triangular (cortante) ou retangular (romba). A figura a seguir ilustra as agulhas curvas e suas variações:
Acredito que a essa altura você já deva estar até um pouco entediado, pensando o porquê de tanta discussão sobre tipos e formatos de agulha. Mas afinal, para que servem todas essas informações? Perceba que a agulha deve transfixar o
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tecido, causando certa “lesão tecidual”. Desta forma, devemos selecionar uma agulha adequada ao tecido que será suturado, de modo que consigamos transfixar o tecido causando mínima lesão tecidual. Com base nesse raciocínio, as agulhas com pontas e/ou corpos triangulares são indicadas para tecidos densos e resistentes, como a pele. Em estruturas mais delicadas, como a parede de uma artéria, devemos escolher agulhas cilíndricas com ponta romba. As agulhas com corpo e pontas cilíndricas são indicadas, sobretudo, para tecidos menos resistentes e friáveis (ex.: baço e fígado). Agora você pode estar pensando: “tudo bem, já conheço os diferentes tipos de agulha e suas aplicações, mas e agora? Onde posso visualizar essas informações, já que a agulha vem “embalada”?” A resposta para esta pergunta é simples: observaremos todas essas características da agulha no próprio invólucro do fio agulhado descartável (figura 5.2).
5.2
FIOS CIRÚRGICOS
Como dito anteriormente, o fio cirúrgico é indispensável na confecção da sutura, tendo a finalidade de conter ou fixar estruturas. Assim como ocorre com as agulhas, temos fios de
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diversos tipos e materiais, com indicações específicas. Os fios são classificados por pelo menos cinco critérios: (1) forma de apresentação; (2) absorção; (3) origem (ou material); (4) configuração (tipo de filamento); (5) calibre (ou diâmetro):
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Forma de apresentação: Os fios podem ser encontrados na apresentação SERTIX19 − fio agulhado, ou seja, a agulha vem anexada ao fio, sendo os dois componentes vendidos juntos −; SUTUPAK (fio não agulhado, utilizado, sobretudo, na ligadura de vasos); CARRETEL (fio não agulhado, em desuso atualmente). Absorção: Os fios podem ser absorvíveis (ex.: categute, vicryl®) e inabsorvíveis ou não absorvíveis (ex.: nylon e algodão). Os absorvíveis são aqueles em que o material é paulatinamente absorvido pelo organismo, seja por hidrólise, proteólise ou mesmo fagocitose. Durante esse processo, perdem gradualmente a força de resistência tensil − a velocidade com que esse processo ocorre varia de acordo com o material do fio. Origem: Podem ser de origem biológica ou sintética. Os fios de origem biológica são ainda discriminados em fios de origem vegetal (ex.: linho, algodão) ou animal (ex.: seda, categute). Os fios sintéticos podem ser compostos por materiais metálicos (ex.: surgaloy, aciflex) ou polímeros orgânicos (vicryl, prolene, nylon)20. Configuração (figura 5.3): Quando falamos em configuração de um fio cirúrgico, nos referimos ao número de filamentos que o compõe e a disposição dos mesmos na composição do referido fio. Assim, temos fio com múltiplos filamentos (multifilamentar) filamento único ou com (monofilamentar). Estes tendem a ser mais duros, com memória (tendem a voltar à posição anterior quando
Essa é a forma de apresentação utilizada comumente para os fios de sutura. O tipo de material influencia várias características do fio como força tensil, resposta inflamatória, elasticidade, plasticidade, memória, etc. 20
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estirados) e com menor coeficiente de atrito (menor resistência), quando comparados aos primeiros. Continuando a comparação, os fios monofilamentares, apesar de serem mais difíceis de manipular e de realizar os nós, provocam menos trauma no tecido em que atravessam e, posteriormente, são mais fáceis de serem retirados. Calibre: O calibre é classificado de acordo com uma escala que varia de 12-0 (mais fino) até 7 (mais grosso). A regra básica aqui é: quanto maior o número de zeros à direita, menor o calibre e a força tensil do fio (figura 5.4). Essa escala representa a força tensil ou resistência à tração do fio, mas está sujeita à influência do material que o compõe. Por exemplo, um fio 30 de seda é mais grosso do que o fio 3-0 de nylon. Os fios
mais utilizados pelo profissional comum (“não cirurgiões”)
são os fios 2-0 a 5-0 . Os fios de 4 a 7 são muito pouco usados atualmente. Os fios 1 a 3 são usados, sobretudo em locais de alta tensão como a parede abdominal ou em músculos e articulações. Os fios 6-0 a 12-0 são utilizados, sobretudo, na cirurgia plástica e em microcirurgias.
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or a Tensil
Calibre
Após descobrir tantas características e tantas possibilidades de tipos e usos dos fios, talvez você esteja confuso sobre “qual o melhor o fio” ou “como escolher o tipo de fio cirúrgico para a sua sutura”... Infelizmente temos “más notícias”: apesar de toda a evolução dos fios − lembre-se do relato histórico da sutura descrito no capítulo 1− ainda NÃO há um tipo de fio considerado ideal para a sutura. Entretanto, tentaremos ajudá-lo nessa tarefa aparentemente complexa. Para escolher o fio mais adequado a sua sutura você deve prestar atenção nos seguintes fatores: custo, resistência tensil, maleabilidade e reação tecidual21. A escolha correta também perpassará pela observação das características do fio quanto ao seu comportamento físico e biológico ao longo do processo de cicatrização. Devemos confrontar essas características citadas acima com as características do próprio tecido a ser suturado 21
O cobiçado “fio ideal” deverá apresentar as seguintes propriedades: resistência tensil igual a do tecido a ser suturado, ser fino, regular, de fácil esterilização, flexível, de baixo custo e não causar reação tecidual.
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(resistência do tecido, capacidade de regeneração, etc). Desejamos então que o fio mantenha a força tensil até que a cicatriz adquira sua própria resistência frente aos estímulos naturais a que o tecido de origem é submetido rotineiramente. Além disso, o fio deve atuar como material inerte, provocando a menor reação tecidual possível. Para auxilia-lo ainda mais, destacaremos em seguida os principais tipos de fios e suas indicações. Por fim, mais abaixo separamos uma tabela ampla (tabela 5.1), com maior diversidade de fios, suas características e indicações. Guarde essas informações para que quando requisitado você faça a escolha adequada do fio, oferecendo a melhor opção disponível para o seu paciente (lembre-se da importância do atendimento humanizado discutido no capítulo 3!).
Categute: Fio biológico, absorvível, obtido a partir da mucosa do intestino delgado ou da serosa de ruminantes. Os fios categute podem ser simples ou cromados, sendo que estes são absorvidos em cerca de vinte dias enquanto os primeiros têm sua absorção média em um período de oito dias. Esses fios não devem ser utilizados nas suturas superficiais, devido a sua grande permeabilidade. O uso do categute é indicado na sutura de planos musculares. Ele também é uma boa opção para suturas gastrintestinais e é utilizado em cirurgias ginecológicas e urológicas. Vicryl® (Ácido poligaláctico): Fio absorvível de origem sintética possui uma resistência tensil superior a do categute. É hidrolisado e completamente absorvido em 3060 dias. É empregado na sutura do plano subcutâneo e em cirurgias gastrintestinais, urológicas, ginecológicas. Nylon (Poliamida): Fio inabsorvível e sintético. O fio nylon é de difícil manipulação e execução de nó firme. Ele perde resistência tensil ao longo do tempo e causa pouca reação
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tecidual. Este tipo de fio é o preferido para a sutura da pele. Prolene® (Polipropileno): Fio sintético, inabsorvível e monofilamentado. Produz pouca reação tecidual, é facilmente removível e tem a capacidade de reter a tensão por vários anos após sua utilização. É o preferido para sutura intradérmica. Também é utilizado em suturas vasculares.
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6
SÍNTESE x SUTURA
Neste capítulo temos o objetivo de ajudá-lo no entendimento de dois conceitos: a síntese cirúrgica e a sutura. Esses conceitos são motivo de dúvida e confusão nos serviços de saúde, pois uma parte considerável dos profissionais de saúde ou não os conhece ou acredita que são termos sinônimos. Durante a leitura deste capítulo, você perceberá que os termos estão imbricados, mas não são sinônimos. Portanto, esperamos que ao final do capítulo você perceba claramente a diferença entre os termos e seja mais um profissional (ou estudante) informado e capacitado a esclarecer esse tipo de equívoco.
6.1
SÍNTESE CIRÚRGICA
A palavra cirurgia significa “operação manual” − grego cheir (mão) e ergon (trabalho). Durante uma cirurgia executa-se uma série de eventos com a finalidade de salvar a vida do indivíduo e/ou melhorar sua qualidade de vida. Para que esse(s) objetivo(s) seja(m) alcançado(s), esses eventos devem ocorrer, em uma determinada sequência. Desta forma, a cirurgia pode ser dividida em “fases” denominadas “tempos cirúrgicos”. A literatura traz seis tempos cirúrgicos que estão dispostos em uma sequência fixa, obedecendo a lógica de procedimentos e utilização de instrumentais durante o ato cirúrgico (ex.: a diérese − etapa em que o cirurgião realiza a incisão sobre o campo operatório − é o primeiro tempo cirúrgico). Até aqui você pode estar se perguntando: “e onde entra a síntese nessa história?” A resposta para essa pergunta é simples: a síntese é o sexto e último tempo cirúrgico. A síntese é definida classicamente como o “procedimento (ou conjunto de procedimentos) que visa aproximar ou unir as bordas de tecidos seccionados ou ressecados” (MAGALHÃES, 1989). Se você
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observar com atenção o conceito de síntese e a discussão sobre os tempos cirúrgicos, perceberá que faz todo o sentido que a síntese aconteça ao final da cirurgia, pois após realizarmos a incisão, a divulsão dos tecidos − expondo a área a ser abordada − e o próprio procedimento principal a que se destina a cirurgia, precisaremos unir mais uma vez os tecidos e fechar a ferida cirúrgica22. Ao tomar conhecimento de todas essas informações, novos questionamentos podem ter sido formulados, como por exemplo, “qual a finalidade da síntese? para que fechar a ferida cirúrgica?”. Quando realizamos um procedimento para unir tecidos, nosso objetivo deve ser de restituir a continuidade anatômica e funcional da área em questão, de modo que possamos facilitar o processo de cicatrização e evitar possíveis complicações (ex.: infecções). É importante ressaltar que a cicatrização , um processo fisiológico e inerente ao ser humano, é denominada “síntese definitiva”. Portanto, o processo de síntese vai além do momento em que executamos os “procedimentos de síntese”, sendo finalizada com a cicatrização. Para realizarmos a síntese devemos utilizar materiais que resistam às trações a que as feridas serão submetidas, principalmente nas fases iniciais da cicatrização. Atualmente temos a disposição uma série de materiais para garantir a síntese cirúrgica: grampeadores cirúrgicos23 (figura 6.1), fitas adesivas, colas (figura 6.2), agrafes de Michel (“clips”), etc. Entretanto, o principal meio utilizado na síntese continua sendo
22
Os mesmos princípios se aplicam quando realizamos um procedimento de síntese fora do ambiente cirúrgico, a única diferença é que numa ferida advinda de um trauma muitas vezes não realizaremos os demais tempos cirúrgicos, já iniciando da síntese. 23 Os grampeadores, embora descartáveis, constituem um método caro, utilizados principalmente em cirurgia vascular, pulmonar e gastrointestinal.
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a sutura, um procedimento de síntese manual que utiliza fios e agulhas cirúrgicas (discutidos no capítulo 5).
6.2
SUTURA
Agora que já sabemos que a sutura é uma das possibilidades entre os procedimentos de síntese, podemos entender um pouco mais sobre este que é o tema principal deste manual. Para iniciarmos a discussão, leia atentamente o conceito de sutura: “ponto ou conjunto de pontos aplicados no tecido com o objetivo de união, fixação e/ou sustentação, auxiliando o processo de cicatrização” (GOFFI, 2001). Se você
fez a leitura deste manual, desde o primeiro capítulo, perceberá que já conversamos um pouco sobre esse conceito (olhe o capítulo 1, seção 1.2). Portanto, neste capítulo não iremos nos
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deter nas finalidades da sutura, mas em alguns aspectos e conceitos que ainda não foram discutidos.
24
Sutura Ideal: O primeiro conceito a ser discutido é o de “sutura ideal”. Em 1920 Moynihan sugeriu quatro parâmetros para a sutura ideal: Ser suficiente para unir as partes, desaparecer tão logo a cicatrização fosse realizada, ser livre de infecção e não ser irritante. Ao longo do último século esses parâmetros foram sendo destrinchados e aprimorados, ao passo que na atualidade uma sutura ideal apresenta as seguintes caracterísitcas: (1) ausência de infecção; (2) bordas regulares; (3) boa hemostasia; (4) ausência de tecido necrótico; (5) ausência de espaço morto 24; (6) técnica perfeita na execução; (7) adequada cicatrização. É válido ressaltar aqui que a sutura ideal ainda não foi alcançada, mas esses princípios são observados e seguidos rigorosamente pelos melhores cirurgiões e profissionais de saúde. Desta forma, nós também deveremos estar atentos a esses princípios ao executarmos nossas suturas. Técnica: Citamos acima a “técnica perfeita na execução” como um dos parâmetros para nos aproximarmos da sutura ideal. Moynihan também nos orientou quanto à técnica a ser utilizada na sutura, de modo que devemos estar atentos aos seguintes detalhes: (1) tomar igual quantidade de tecidos dos dois lados da ferida; (2) manter equilibro na tensão , isto é, não deve ser muito apertada, nem “frouxa” ; (3) não deixar o nó sobre a incisão ; (4) evitar bordas invertidas; (5) suturar por planos (ex.: unir o plano subcutâneo de uma borda com o plano subcutâneo da outra borda); (6) transfixar as bordas da ferida em dois tempos, ou seja, transfixação completa de uma borda seguida da transfixação
Espaço morto é uma “área livre” dentro da sutura. Corresponde a área que continha tecido antes da lesão, mas que após a lesão não é mais preenchida. Essa região deve estar ausente em uma sutura ideal, pois atua como ambiente propício para desenvolvimento de infecção e reação inflamatória.
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completa da outra borda. Além disso, em destros 25, a sutura horizontal deve ser realizada da direita para a esquerda, possibilitando uma melhor visualização das bordas pelo profissional. Pelo mesmo motivo, as suturas longitudinais devem ser realizadas de baixo para cima e as suturas transversais em sentido proximal para distal. Posicionamento das Bordas: Como abordamos acima, ao executarmos com perfeição a técnica deveremos evitar a inversão das bordas. Entretanto, em algumas suturas seremos obrigados a mantê-las invertidas. Quanto à posição final das bordas cirúrgicas, teremos as seguintes opções (figura 6.3): Confrotamento ou aposição: justaposição das bordas da ferida entre si, não deixando desníveis (perfeita integridade anatômica, funcional e estética). Eversão: justaposição das paredes pela face interna (ex.: suturas vasculares). A eversão das bordas de uma ferida cirúrgica aumenta a superfície lesada de contato, ampliando o traçado da cicatriz (resultado estético pior). Sobreposição: neste caso uma borda fica sobre a outra para ampliar a superfície de contato (ex.: herniações). Inversão: justaposição das paredes pela face externa (ex.: usado em vísceras ocas). A inversão das bordas de uma ferida cirúrgica como a pele pode facilitar a deiscência26 da sutura.
Aconselhamos a todos os alunos canhotos a aprenderem a técnica como destros, pois a maioria absoluta dos instrumentais cirúrgicos foi desenvolvida para atender aos indivíduos destros, de modo que os canhotos ao utilizar a mão de dominância perdem parte da mobilidade e da precisão dos movimentos. 26 A deiscência pode ser definida como a reabertura de uma ferida anteriormente fechada.
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46
6.3
REVISANDO... Síntese Cirúrgica
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Sutura Ideal
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Técnica Perfeita
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7
NÓS CIRÚRGICOS
Este capítulo inicia a “sessão de conteúdos” que foram praticados durante o momento presencial do nosso curso. A partir deste capítulo sugerimos que além da leitura atenta dos conteúdos, você pratique as técnicas discutidas para que estas possam ser efetivamente memorizadas. Neste capítulo discutiremos um pouco dos conhecimentos gerais sobre os nós cirúrgicos e, em seguida, abordaremos especificamente os nós treinados durante o nosso curso: o nó do dedo médio (manual) e a técnica mista (manual + porta agulha).
7.1
DEFINIÇÃO, COMPONENTES E CLASSIFICAÇÃO Ao conceituar o nó cirúrgico Magalhães afirma: “o nó em
cirurgia consiste no entrelaçamento feito entre as extremidades do fio a fim de uni-las e fixá(MAGALHÃES, 1989). las”
Passadas mais de duas décadas essa definição continua sendo utilizada. Um nó cirúrgico é composto por pelo menos três seminós (figura 7.1), tendo o primeiro a função de contenção (C), o segundo, a função de fixação (F) e do terceiro em diante, a função de segurança (S). Desta forma, o primeiro seminó contém e aproxima as bordas do tecido, o segundo
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seminó fixa o primeiro e o terceiro seminó garantirá que caso haja rompimento do primeiro ou do segundo seminós, o nó não se desfaça. Existem diferentes tipos e técnicas de obtenção dos nós, de modo que os nós podem ser classificados quanto à sua estrutura geométrica e quanto à técnica de elaboração (quadro 7.1). A denominação “estrutura geométrica” refere-se ao “aspecto físico resultante do nó com relação ao sentido e a disposição dos seminós” (MAGALHÃES, 1989). Nesse caso os nós
podem ser classificados em nós comuns e especiais. Interessanos aqui particularmente os nós comuns que podem ser do tipo antideslizante ou deslizante27. CLASSIFICAÇÃO TIPO N Comum Geometria
Especial Manual
Técnica
Antideslizante Deslizante Nó do cirurgião Nó de roseta Nó por torção Técnica de Dedo Indicador Pauchet Dedo Médio
Instrumental Mista
Treinamos no nosso curso (e utilizaremos quase sempre na nossa prática) os nós antideslizantes (ou nós quadrados). Estes são nós de maior resistência ao fenômeno de deslizamento, pois são compostos por seminós assimétricos (figura 7.2). Quando nos referimos à assimetria, queremos dizer que são nós compostos por três seminós, no qual o segundo (F), é realizado com a técnica oposta a do primeiro e do terceiro (ou a mesma 27
É importante ter conhecimento deste conteúdo para que você possa entender mais adiante o porquê de alternarmos as técnicas ou alternarmos as mãos durante a execução de um nó manual.
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técnica, mas utilizando mãos alternadas), resultando em uma imagem dita especular (figura 7.2). Já no nó deslizante o primeiro seminó é similar ao do antideslizante, mas o segundo componente é elaborado no mesmo sentido do seminó de contenção (utiliza-se a mesma técnica sem alternar as mãos). Desta forma, os dois têm a mesma conformação (simetria), resultando num nó sujeito ao deslizamento, pois as duas pontas ficam perpendiculares em relação às partes do fio que entram no nó. Esse tipo de nó também tem sua utilidade ao permitir o reajuste de tensão em ligaduras, por exemplo. Entretanto, na prática geral da sutura evitaremos utilizá-lo, pois nosso objetivo é justamente o de evitar o deslizamento ou mesmo o “afrouxamento” do nó, de maneira que deveremos estar atentos à execução dos nós para que realizemos sempre nós antideslizantes.
7.2
TÉCNICAS DE ELABORAÇÃO DOS NÓS
Existem diversas técnicas de elaboração que irão variar quanto ao uso apenas das mãos (manual) ou de instrumentais (instruemntal) ou mesmo a associação das mãos com os
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instrumentais (mista). Aqui discutiremos a técnica manual e a técnica mista28. A técnica independe do nó a ser feito de maneira que podemos conseguir qualquer tipo de nó com qualquer uma das técnicas29. Independente da técnica seguiremos sempre as Leis dos nós (Lei de Livingston):
1ª Lei - “Movimentos iguais de mãos opostas executam um nó perfeito” (MAGALHÃES, 1989) ;
2ª Lei - “A ponta do fio que muda de lado após a execução do primeiro seminó deve voltar ao lado
inicial para realizar o outro seminó”
A principal técnica manual é a “Técnica de Pauchet”, também chamada de técnica unimanual, pois apenas uma das mãos trabalha ativamente na elaboração do nó, enquanto a outra mão apenas auxilia a primeira. A técnica pode ser executada com qualquer uma das mãos e a mão ativa pode utilizar cinco ou quatro dedos (excluindo-se o dedo mínimo) ou três dedos (excluindo-se o dedo mínimo e o anular). Utilizaremos aqui a técnica com três dedos para realização do nó com o dedo médio. Em seguida, descreveremos a execução desta técnica:
28
A técnica instrumental é geralmente utilizada em microcirurgias, quando utilizaremos as pinças e o porta agulha para realização do nó. Esta técnica requer uma prática avançada, não sendo, portanto, nosso foco neste momento. 29 Embora a técnica manual seja pouco utilizada na confecção de suturas, incluímos o nó do dedo médio por ser um nó bastante comum na prática de ligaduras, fixação de drenos entre outros procedimentos.
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7.2.1
NÓ DO DEDO MÉDIO30:
1) Segurar os fios com a ponta dos dedos indicador e polegar (figura 7.3) 2) Iniciar cruzando os fios, de modo que um fio fique por cima e outro por baixo. Realizaremos o nó com a mão que estiver empunhando o fio que ficou por baixo (figura 7.4-1). 3) Colocar a mão direita em posição pronada (“virar a mão”) de modo que os dedos médio, anular e mínimo fiquem sobre o fio de baixo (figura 7.4-2). 4) Passar a mão direita da posição de pronação para posição de supinação (figura 7.4-3A), de modo que os dedos mínimo, anular e médio fiquem sobre o fio de baixo. 5) Com o dedo médio captar o fio de cima, fazendo com que ocorra o cruzamento do fio sobre o outro na região palmar da mão direita (figura 7.4-4) 6) Utilizar o dedo médio para trazer o fio de cima por baixo do fio de baixo (figura 7.4-5A e B) 7) Finalizar o seminó utilizando os dedos médio e anular, de modo a tracionar o fio, completando o primeiro seminó (figura 7.4-6A e B). 8) Acompanhar com o dedo indicador até o local de fixação do seminó. 9) Confeccionar o segundo e o terceiro seminós, alternando as mãos (Ex.: se começamos com a direita, 30
Explanação do seminó realizado com a mão direita (acompanhar na Figura 7.4). Na figura 7.5, temos o segundo seminó realizado com a mão esquerda.
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realizar o segundo seminó com a mão esquerda e o terceiro mais uma vez com a mão direita). Lembramos que antes de realizar os demais seminós devemos sempre cruzar os fios. A confecção do segundo seminó com a mão esquerda pode ser visualizada na figura 7.5.
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56
A técnica mista é feita a partir da ação principal do porta agulha na mão direita com a mão esquerda como auxiliar. É a principal técnica utilizada na sutura . Discutiremos abaixo tanto a técnica geral de confecção de nó antideslizante com porta agulha como também uma variante desta técnica, a confecção do nó de roseta, utilizada nos pontos intradérmicos. 7.2.2
NÓ COM PORTA AGULHA
1) Com a mão esquerda segurar a extremidade do fio com a agulha (evitar o utilizar a mão diretamente no manuseio da agulha); 2) Confeccionar o primeiro seminó, realizando duas voltas com o fio no porta agulha. O sentido das voltas no primeiro seminó fica a critério a seu critério (Ex.: trás frente) 3) Em seguida, com o porta agulha envolvido pelo fio, pinçar a outra extremidade do fio (figura 7.6-4). 4) Após o pinçamento, tracionar o fio, concluindo o primeiro seminó. Neste ponto é válido ressaltar que o movimento de fixação do seminó deve ser realizado com a extremidade do fio sob os cuidados da mão livre do profissional. A mão que empunha o porta agulha deve ficar parada, reduzindo a quantidade de fio que será perdida após o corte do ponto. A mão que está livre puxa o fio em sentido contrário ao das voltas realizas no passo 2. 5) Depois de realizar o primeiro seminó, você realizará o segundo e o terceiro seminós. Apesar desses seminós serem confeccionados de forma semelhante, há algumas diferenças: no segundo e terceiro seminós iremos realizar apenas uma volta com o fio sobre o porta agulha. Além disso, para obedecer as leis dos nós, a volta do fio no porta agulha no segundo seminó será no sentido oposto ao do primeiro seminó; a volta no
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terceiro seminó será no sentido oposto à do segundo, ou seja, no mesmo sentido do primeiro seminó.
58
7.2.3
NÓ DE ROSETA
É utilizado no nosso curso na prática do ponto intradérmico contínuo e da barra grega. O nó com a formação da roseta diferirá do nó anterior apenas na parte final dos seminós, pois em vez de utilizarmos a extremidade livre do fio para pinçar com o porta agulha, precisaremos pinçar o próprio fio (figura 7.7). Discutiremos melhor a execução deste nó no capítulo 9.
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8
INCISÃO, MANUSEIO DO FIO E MONTAGEM DA AGULHA
A técnica de incisão cirúrgica, o manuseio correto do fio cirúrgico e a montagem da agulha cirúrgica compõem um conjunto de habilidades que irão auxiliá-lo durante a aplicação da “técnica perfeita” na execução de uma sutura, como preconizado no capítulo anterior. Neste capítulo você aprenderá a técnica para realização de uma incisão cirúrgica, assim como a identificação das situações em que será necessário realizar uma incisão. Além disso, você aprenderá a técnica para o manuseio correto do fio, evitando a contaminação do mesmo; assim como conhecerá a técnica para montagem da agulha, prevenindo acidentes e a contaminação do próprio profissional de saúde.
8.1
INCISÃO CIRÚRGICA
Na maioria das cirurgias não temos uma ferida previamente presente, de modo que é necessário “confeccionar” a ferida cirúrgica − via de acesso para o cirurgião abordar e solucionar a patologia ou problema do paciente − que será suturada ao final do ato cirúrgico. Além disso, em algumas feridas, antes da abordagem cirúrgica será necessário ampliar a incisão ou regularizar as bordas. Assim, antes de iniciarmos a descrição da técnica de execução das suturas, abordaremos os conceitos básicos para a realização de uma incisão cirúrgica. Em primeiro lugar precisaremos montar o bisturi. Após a colocação da lâmina, empunharemos o bisturi em “lápis” ou “arco de violino” (capítulo 4) e penetraremos com cautela o plano superficial (normalmente a pele), de modo que a lâmina forme um ângulo de 90º com o campo operatório (figura 8.1). Depois desse primeiro contato, inclinaremos o bisturi para que
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ele componha agora um ângulo de 45º com o campo e continuaremos a incisão, de forma que ela satisfaça as nossas necessidades durante o procedimento futuro (figura 8.2). Ao terminar de fazer a incisão, retornaremos o bisturi à posição de 90º e retiraremos o instrumental da ferida cirúrgica recémformada (figura 8.3).
61
As etapas acima devem ser realizadas respeitando-se dois princípios básicos: (1) realizar a incisão por planos; (2) penetrar e incisionar o tecido com empunhadura firme, em um único sentido. O primeiro princípio garante que não causemos um dano maior do que o desejado ao tecido, como por exemplo, lesar vasos profundos “às cegas”. O segundo princípio é responsável pela regularidade das bordas da ferida cirúrgica, característica que facilitará sua cicatrização após a realização do ato cirúrgico, assim como proporcionará melhor resultado estético31.
8.2
MANUSEIO DO FIO E MONTAGEM DA AGULHA
Realizada a incisão, você deve estar ansioso para realizar a sutura, mas antes precisamos discutir mais alguns pontos importantes que serão fundamentais durante a realização da sua sutura. Como foi ressaltado anteriormente, a apresentação “Sertix” traz o fio agulhado dentro de uma embalagem. A importância dessa informação reside no fato dessa embalagem vir lacrada a vácuo, envolvida por outra embalagem plástica externa, constituindo um ambiente interno estéril (figura 8.4). Portanto, a embalagem externa deve 31
Esses princípios explicam o porquê nos casos em que se necessita ampliar ou aprofundar a incisão, se retorna ao ponto inicial da incisão, repetindo todas as etapas discutidas. Desta forma, não devemos tentar aprofundar ou ampliar uma incisão durante a própria incisão (“primeira tentativa”), sob pena de causar danos desnecessários aos nossos pacientes.
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ser aberta com todo o cuidado para não contaminar o conteúdo interno esterilizado. Normalmente, essa embalagem externa é aberta por um ajudante (“circulante”) que não está paramentado. Nesse contexto, essa pessoa abrirá o invólucro externo e nos apresentará a embalagem interna32. Como já estaremos paramentados com luvas estéreis, poderemos tocar no conteúdo interno e pinçar a agulha com o porta agulha − não manusear diretamente a agulha (figura 8.5).
Deveremos montar a agulha no porta agulha posicionando-a na porção média ou entre os dois terços anteriores e o terço posterior do porta agulha, de modo que o corpo da agulha fique voltada para baixo e a ponta fique voltada na nossa direção (figura 8.6). A agulha transfixará a borda da ferida, enquanto a pinça auxiliar (no nosso caso a pinça dente de rato) sustenta a respectiva borda. Após a transfixação, com o porta agulha voltaremos a pinçar a agulha em sua porção média, já a acomodando para um novo ponto (figura 8.7). Nunca, em hipótese alguma, deveremos realizar o “uso manual” da agulha (tocar a agulha com as mãos), pois sempre 32
Esse método para abrir a embalagem externa do fio cirúrgico é válido também para realizar a abertura das demais embalagens de materiais cirúrgicos estéreis como compressas e instrumentais.
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há o risco de penetração da agulha na luva e contaminação do profissional de saúde. Portanto, o “manuseio manual” da agulha da está terminantemente proibido durante a sutura!
Nas suturas em pele, após a realização dos nós, deveremos cortar o fio deixando uma “margem de segurança” ampla, de modo que as pontas tenham cerca de 0,5 cm. Nas suturas em planos internos à pele, as pontas devem ser cortadas
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mais próximas dos nós (exceção categute ou fios rígidos), com margem de segurança mínima de cerca de 0,2 mm. Essa margem de segurança é importante para a prevenção da soltura dos nós, sendo menor em pontos internos para reduzir a possibilidade de reações inflamatórias (menor quantidade de fio dentro da ferida).
8.3
REVISANDO... Técnica de Incisão Cirúrgica
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Manuseio do Fio e Montagem da Agulha
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9
SUTURAS CONTÍNUAS E DESCONTÍNUAS
Neste capítulo abordaremos detalhadamente, “passo a passo”, as suturas discutidas e praticadas durante o nosso curso, assim como as indicações, contraindicações, vantagens e desvantagens de cada tipo de ponto. Ao final deste capítulo você deverá conhecer os tipos de sutura, assim como saber quais suas respectivas aplicações.
9.1
CONTÍNUAS x DESCONTÍNUAS
Como discutimos no capítulo 6 as suturas são classificadas observando-se uma série de parâmetros, de maneira que temos uma grande diversidade de “tipos de suturas”. Entretanto, naquele capítulo não discutimos a classificação das suturas quanto à sequência de pontos. Esta discussão foi postergada para este capítulo propositalmente, pois esta classificação será o nosso principal guia para diferenciar os tipos de pontos com suas respectivas indicações. Desta maneira, quanto a sequencia de pontos temos dois tipos de suturas: (1) descontínuas − para cada alça de fio há um nó correspondente, não havendo continuidade do fio entre as alças; (2) contínuas − existe a continuidade entre as alças, havendo somente dois nós, um inicial e outro final. A execução dessas suturas ocorre por meio de técnicas similares, mas distintas. Esta peculiaridade na técnica de execução confere a cada tipo de sutura características próprias. Assim, antes de optar por um tipo de sutura, o profissional deverá analisar fatores, como por exemplo, necessidade de hemostasia, aproximação, sustentação, tensão e estética da cicatriz, para então realizar a escolha mais adequada às suas
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necessidades. Para que você entenda melhor como realizar essa seleção, discutiremos abaixo um pouco sobre as características de cada tipo de sutura. Após a discussão preparamos um quadro que o ajudará na escolha do tipo da sutura (tabela 9.1).
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Suturas Descontínuas33: Neste tipo de sutura há independência dos pontos, ou seja, os fios são passados e amarrados separadamente, o que impede que o comprometimento de um único ponto interfira em todo o trabalho. Pelo mesmo motivo citado acima, nestas suturas há uma menor quantidade de corpo estranho dentro do tecido, o que possibilita uma menor reação inflamatória tecidual. Esta sutura também é menos isquemiante − a tensão aplicada aos pontos pode ser ajustada individualmente. Por outro lado, as suturas descontínuas são menos hemostáticas, mais trabalhosas, demoradas e possuem um maior custo (maior quantidade de fio cirúrgico utilizado para confecção da sutura) quando comparadas às suturas contínuas. Além disso, neste tipo de sutura as feridas são mais permeáveis. Suturas Contínuas: Neste tipo de sutura o fio é passado do início ao fim sem interrupção, sendo a técnica de execução mais rápida quando comparada à descontínua. Além disso, há uma menor quantidade de fio utilizada para confecção da sutura, reduzindo custos. A sutura contínua também é mais hemostática do que a descontínua. Entretanto, esse tipo de sutura é mais isquemiante; favorece a formação de espaço morto e reação inflamatória34 − maior quantidade de fio dentro da ferida; não proporciona tensão variável na sutura da ferida; há interdependência entre os pontos − havendo rompimento em um ponto da linha de sutura, toda a
Constituem o tipo de sutura indicado em crianças, pois não dificulta o crescimento de tecido entre os pontos, o que é fundamental para esta faixa etária. 34 A forma helicoidal das suturas contínuas também tende a reduzir a microcirculação das bordas das feridas, ampliando o edema no local.
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sutura estará comprometida e a ferida cirúrgica voltará a se abrir, estando totalmente exposta a contaminação.
CARCTER CARCTE R ST STICA ICA TEMP TE MPO O DE EX EXEECU CUÇ Ç O CUSTO HEMOSTASIA/ISQUEMIA PERMEABILIDADE DA FERIDA REAÇ O INFLAMAT RIA INDE IN DEPE PEND ND NC NCIA IA EN ENTR TREE PONTOS VARIAÇ O TENS O ENTRE PONTOS
9.2
DESCONT DESCON T NU NUAS AS +++++ +++++
CONT CON T NU NUAS AS
+++ +++
+++ +++ +++++ +
+++ SIM
+++++ N O
SIM
NÃO
SUTURAS DECONTÍNUAS
No grupo das suturas descontínuas abordaremos as seguintes técnicas: (1) ponto simples; (2) ponto simples invertido; (3) ponto em X; (4) ponto de Donatti (U vertical); (5) ponto em U horizontal35. Durante a execução das suturas descontínuas devemos estar atentos à seguinte situação: a confecção dos pontos deve ser realizada em intervalos regulares (normalmente cerca de 1 cm de distância entre os pontos), mantendo-se também a regularidade na distância entre a borda da ferida e o ponto de penetração da agulha (aproximadamente 1 cm). 35
Existem outras técnicas de pontos contínuos e descontínuos. Se você ficou interessado, entre em contato com o ISI Cursos e reserve sua vaga no Curso de Sutura Avançado. Neste curso serão abordadas técnicas adicionais como o ponto X Interno, o Intradérmico descontínuo, a “Barra Grega” e a sutura em “Bolsa”.
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9.2.1
PONTO SIMPLES
Recomendamos a leitura minuciosa do ponto simples, pois este é o alicerce para a realização de qualquer outra técnica de sutura seja ela contínua ou descontínua. Além disso, é a técnica de sutura mais empregada nos serviços de saúde, pois é indicada em praticamente todos os tipos de tecido − principalmente pele e vasos. Na execução do ponto simples o fio forma uma única ún ica alça dentro do tecido (figura 9.1). Para realizarmos este ponto, deveremos realizar os seguintes passos36 (figuras 9.2 - 9.7): 1) Iniciar na borda distal (melhor visualização da ferida), introduzindo a agulha de fora (pele) para dentro (derme); 2) Puxar a agulha com o porta agulha − usar a pinça de dissecção para auxiliar, sustentando a borda transfixada; 3) Transfixar a borda proximal, de dentro (derme) para fora (pele) − o ponto de transfixação nesta borda deve ser paralelo ao local de transfixação da borda distal; 4) Confeccionar o nó cirúrgico com o porta agulha (três semi-nós) − posicionar o nó preferencialmente na borda distal; 36
Durante a explanação dos diversos tipos de pontos neste manual, consideraremos uma sutura realizada em plano horizontal, tomando como referencial o profissional que realiza a sutura. Desta forma, consideraremos a borda proximal como aquela que está mais próxima do profissional que realiza a sutura e a borda distal aquela que está mais distante do profissional. Além disso, tomaremos como referência o tecido cutâneo, fazendo referência assim aos seguintes planos (profundidade crescente): (1) epiderme, (2) derme/tec. subcutâneo; (3) camada muscular.
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5) Cortar o fio, deixando cerca de 0,5 a 1cm de fio entre o nó e o ponto de corte (margem de segurança).
71
72
O ponto simples oferece bom confrontamento tanto de camadas superficiais como profundas. Conforme observado anteriormente, a distância entre os locais de transfixação em ambas as bordas deve ser proporcional à espessura do tecido que será aproximado e a resistência do tecido à tensão. Desta maneira, normalmente objetivaremos a aposição das bordas, o que garantirá um bom aspecto estético à cicatriz. Entretanto, se a agulha for introduzida na pele de modo que atravesse a derme profunda, ou seja, de modo que a distância entre a borda e o ponto de penetração na pele seja menor do que a distância entre o ponto de penetração na pele e o ponto de transfixação da derme profunda, causaremos a eversão das bordas (figura 9.8).
73
Por outro lado, quando a agulha penetra e sai distante das margens, e a alça profunda é mais próxima das margens, ocorrerá a inversão das bordas (figura 9.9). Por fim, devemos tomar cuidado para garantir que a sutura seja realizada na mesma profundidade em cada lado da ferida, caso contrário, as bordas serão sobrepostas.
9.2.2
PONTO SIMPLES INVERTIDO
O ponto simples invertido, como o próprio termo indica, é um “ponto simples que tem o nó invertido” (figuras 9.10 e 9.11), ou seja, o nó é internalizado, estando localizado dentro do tecido subcutâneo (ou no lado da mucosa, no caso dos órgãos ocos). É indicado, como foi referido acima, para suturas em
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subcutâneo − grande valor estético − e em mucosas de órgãos ocos. De forma geral os pontos dérmicos são pontos de sustentação permanentes que atuam como relaxadores de tensão na linha de sutura. Devido a esse relaxamento, em grande parte dos casos será necessário que após a realização da sutura utilizemos adesivos cirúrgicos ou mesmo micropore para auxiliar na aproximação das bordas e cobrir a ferida cirúrgica, não a deixando exposta às intempéries.
Para a realização do ponto simples invertido, deveremos realizar as seguintes ações:
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1) Iniciar a transfixação na borda proximal, de dentro (derme profunda) para fora (derme superficial); 2) Puxar a agulha com o porta agulha − usar a pinça de dissecção para auxiliar, sustentando a borda transfixada; 3) Transfixar a borda distal, de fora (derme superficial) para dentro (derme profunda) − o ponto de transfixação nesta borda também deve ser paralelo ao local de transfixação da borda distal; 4) Confeccionar o nó cirúrgico com o porta agulha (três semi-nós) − observe que o nó será internalizado, por isso não precisamos lateralizá-lo; 5) Cortar o fio, bem próximo ao nó − a margem de segurança será reduzida para uma distância suficiente apenas para que o nó não se desfaça. 9.2.3
PONTO EM X (“X EXTERNO”)
X, Z, 8 horizontal, ponto cruzado ou de reforço são outras das muitas denominações deste tipo de ponto. O X externo (figura 9.12) garante a ampliação da superfície de apoio de uma sutura, de maneira a obtermos uma maior aproximação e hemostasia. Além disso, não altera o suprimento sanguíneo e possui uma boa captação das bordas, reduzindo distorções e prevenindo a eversão das bordas.
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O X externo é indicado para sutura de tecidos muito vascularizados (ex.: couro cabeludo) ou em regiões com tecidos de maior resistência (ex.: palma da mão e planta do pé). Além disso, é essencial na ligadura para hemostasia em “sangramentos não localizados” , ou seja, sangramentos nos quais não se localiza o ponto de origem (vaso roto). O X externo também é utilizado na sutura de aponeuroses musculares − principalmente em caso de secção transversal dos músculos. Para realização do X externo, deveremos realizar os seguintes passos (figura 9.13): 1) Iniciar transfixação na borda distal, introduzindo a agulha de fora (pele) para dentro (derme); 2) Puxar a agulha com o porta agulha − usar a pinça de dissecção para auxiliar, sustentando a borda transfixada; 3) Transfixar a borda proximal, de dentro (derme) para fora (pele) − o ponto de transfixação nesta borda deve ser paralelo ao local de transfixação da borda distal; 4) Transfixar mais uma vez a borda distal de fora para dentro em um ponto ao lado da transfixação inicial da borda distal (distante cerca de 1cm); 5) Transfixar mais uma vez a borda proximal na mesma direção da perfuração do “passo 4”; 6) Confeccionar o nó cirúrgico com o porta agulha (três seminós) − posicionar o nó preferencialmente na borda distal; 7) Cortar o fio, deixando cerca de 0,5 a 1cm de fio entre o nó e o ponto de corte (margem de segurança) 37.
37
Perceba que até o passo 3 realizamos exatamente os mesmos passos aprendidos no ponto simples. Note também que o ponto X externo na realidade são dois pontos “simples cruzados”.
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9.2.4
PONTO EM U VERTICAL (“DONATI”)
No U vertical cada borda é perfurada duas vezes, ficando a alça formada pelo fio em posição vertical (figura 9.14). Este ponto é indicado para pele, sobretudo, quando há perda de substância em região interna às bordas, objetivando-se uma maior aproximação das mesmas. Além disso, pode ser utilizado em vasos e no couro cabeludo. Na cirurgia geral é utilizado em situações em que desejamos evitar a inversão das bordas da ferida cirúrgica.
Ao praticar você perceberá que o ponto de Donati é composto na realidade por dois pontos, sendo um maior e
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outro menor. O ponto maior tem a finalidade de sustentação da pele e o ponto menor confronta as bordas e evita sua inversão − na realidade promove discreta eversão. O ponto de Donati confere maior resistência à sutura − ampliação da tensão na linha de sutura − e uma mínima alteração do suprimento sanguíneo. Entretanto, geralmente desencadeia uma maior reação inflamatória se comparado aos pontos anteriores e resulta em formação de cicatriz em alto relevo − principalmente se os pontos não forem retirados precocemente. A confecção do U Vertical perpassa pelas seguintes etapas: 1) Iniciar em bordar distal com transfixação perfurante profunda, incluindo tela subcutânea (7-10 mm de profundidade); 2) Realizar transfixação perfurante em borda proximal. Esta segunda perfuração é paralela à primeira e conserva profundidade e distância da borda similar à transfixação anterior; 3) Inverter a agulha38 e realizar nova transfixação na borda proximal (figura 9.15), sendo está também uma transfixação paralela às duas primeiras, mas agora uma perfuração transdérmica (“superficial”, cerca de 2 mm de profundidade); 4) Realizar mais uma transfixação transdérmica, agora na borda distal (figura 9.16 e 9.17), sendo também paralela às outras três perfurações39;
38
A agulha que antes se encontrava com a ponta voltada para você, agora deve ser reposicionada para ficar com a sua curvatura (corpo da agulha) voltada para você e a ponta voltada para frente. 39 Lembre-se do curso: As duas primeiras transfixações foram “batizadas” por nós como “distalzão” e “proximalzão”, enquanto as duas últimas são chamadas de “proximalzinho” e “distalzinho”, consider ando a distância da perfuração das bordas.
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5) Finalizar ponto com a execução do nó do porta agulha (realização de três semi-nós); 6) Cortar o fio, deixando cerca de 0,5 a 1cm de fio entre o nó e o ponto de corte (margem de segurança).
80
9.2.5
PONTO EM U HORIZONTAL (“COLCHOEIRO”)
O ponto em U horizontal é semelhante ao anterior, ficando a alça do fio em posição horizontal. Se desenharmos a “trajetória do ponto” encontraremos um quadrado onde as extremidades de sutura saem pela mesma borda da ferida (figura 9.18). Quando aplicado adequadamente promove uma leve eversão das bordas. Esta eversão amplia a área de contato, resultando em uma cicatriz espessa e pouco estética.
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O ponto de colchoeiro é de rápida execução (quando comparado ao U vertical), reduz espaço morto e amplia a tensão na linha de sutura40. Ele é utilizado para fixação de próteses e drenos. Além disso, tem grande função em locais submetidos a maiores tensões, sendo utilizado em cirurgias de correção de hérnias abdominais e suturas de aponeurose. Também pode ser útil em cirurgias cardiovasculares e gastrintestinais, assim como em suturas de peles espessadas como palmas das mãos e planta dos pés. A confecção do ponto em U horizontal obedece as seguintes etapas: 1) Iniciar transfixação na borda distal, introduzindo a agulha de fora (pele) para dentro (derme); 2) Transfixar a borda proximal, de dentro (derme) para fora (pele) − o ponto de transfixação nesta borda deve ser paralelo ao local de transfixação da borda distal; 3) Inverter a agulha e realizar nova transfixação na borda proximal de fora (pele) para dentro (derme) , estando esta perfuração lateralizada em relação a anterior 41 (traçando uma linha que liga as três perfurações obtêmse um “L”); 4) Retornar à borda distal, transfixando-a de dentro (derme) para fora (pele) paralelamente à perfuração anterior; 5) Finalizar ponto com a execução do nó do porta agulha (realização de três semi-nós); 6) Cortar o fio, deixando cerca de 0,5 a 1cm de fio entre o nó e o ponto de corte (margem de segurança).
40
Deve-se tomar cuidado para não apertar demasiadamente o ponto, pois como o ponto por si só já amplia a tensão há o risco de isquemia das bordas. 41 A distância lateral entre a 2ª e a 3ª perfurações deve ser de 1 a 1,5cm.
82
9.3
SUTURAS CONTÍNUAS
No grupo das suturas contínuas abordaremos as seguintes técnicas: (1) chuleio simples; (2) chuleio ancorado; (3) ponto intradérmico; (4) barra grega. 9.3.1
CHULEIO SIMPLES
O chuleio simples é a sutura contínua de mais rápida execução. Este “ponto” é na realidade uma sequência de pontos simples (figura 9.20). Este tipo de sutura deve ser executada da direita para esquerda, sendo que a agulha sempre entrará na mesma borda da ferida (distal) e sairá na borda oposta (proximal). Como a sutura é contínua há formação de alças que podem ser oblíquas ou transversais como também veremos a seguir.
83
O chuleio simples é usado na sutura de vasos, por ser bastante hemostática, podendo ser realizada de forma isolada ou mesmo sobre uma sutura pré-existente como a barra grega. É utilizado também para a sutura do plano muscular na cirurgia geral. Além disso, pode ser aplicado no peritônio, na tela subcutânea e em aponeuroses. Durante o nosso curso treinamos o chuleio simples com alça interna no sentido transversal. Aqui detalharemos tanto o chuleio simples com alça interna transversal como com a alça interna oblíqua. A escolha do tipo de técnica a ser realizada ficará ao seu critério. Vale ressaltar, que do ponto de vista da eficiência e aspecto final, ambas as técnicas tem resultados semelhantes na literatura. Para a realização do chuleio simples com alça interna oblíqua (figura 9.21A) deveremos executar os seguintes passos: 1) Realizar um ponto simples com nó fixado preferencialmente na borda distal da ferida cirúrgica;
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2) Prosseguir com a inclinação do fio e a transfixação na borda proximal de dentro (derme) para fora (pele); 3) Em seguida, perfurar a borda distal de fora para dentro, sendo esta perfuração paralela a anterior; 4) Os passos 2 e 3 devem ser repetidos até a oclusão da ferida; 5) Ao final do processo, deve-se confeccionar o nó do porta agulha (3 semi-nós) envolvendo a última alça e o fio após transfixação da borda proximal (o nó ficará na borda proximal); 6) Após a confecção do nó você notará que se formou uma pequena alça junto ao nó. Assim, executaremos o corte do fio e da alça de maneira similar aos pontos anteriores (conservando uma margem de segurança de 0,5cm a 1 cm entre o ponto de corte e o nó).
Para a realização do chuleio simples com alça interna transversal (figura 9.21B e 9.22) deveremos executar os seguintes passos: 1) Realizar um ponto simples com nó fixado preferencialmente na borda distal da ferida cirúrgica;
85
2) Tracionar o fio lateralmente − forma-se uma espécie de “L” − e transfixar o fio na borda distal de fora (pele) para dentro (derme)42; 3) Em seguida, perfurar a borda proximal de dentro para fora, sendo esta perfuração paralela a anterior; 4) Ir adiante, perfurando mais uma vez a borda distal de fora para dentro em posição lateral à perfuração da borda distal anterior (na realidade realizaremos a partir de agora várias transfixações seguidas, repetindo os passos 2 e 3 até a oclusão da ferida); 5) Ao final do processo, deve-se confeccionar o nó do porta agulha (3 semi-nós) envolvendo a última alça e o fio após transfixação da borda proximal (o nó ficará na borda proximal); 6) Após a confecção do nó você notará que se formou uma pequena alça junto ao nó. Assim, executaremos o corte do fio e da alça de maneira similar ao chuleio anterior (conservando uma margem de segurança de 0,5cm a 1 cm entre o ponto de corte e o nó).
42
Observe que a diferença entre o chuleio simples com alça interna transversal e aquele com alça interna oblíqua reside basicamente na borda em que iniciamos as transfixações após a execução do ponto simples inicial.
86
9.3.2
CHULEIO ANCORADO
O chuleio ancorado (figuras 9.22 e 9.23) na realidade é uma variação do chuleio simples na qual o fio passa por dentro da alça anterior, havendo uma “ancoragem” antes de ser tracionado. A ancoragem confere maior tensão à linha de sutura e uma maior capacidade de hemostasia. Consequentemente, o chuleio ancorado é mais isquemiante, sendo normalmente contraindicado em músculo, pele e aponeurose. Este tipo de ponto é aplicado principalmente na cirurgia gastrintestinal em suturas longas de vasos e do peritônio.
Durante o nosso curso treinamos a confecção do chuleio ancorado do tipo festonado43. Agora revisaremos as etapas para a confecção deste ponto: 43
Quando ancorado sucessivamente na alça anterior é classificado como “festonado”. Quando a ancoragem ocorre apenas a ca da quatro a cinco pontos é dito “passado”.
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1) Realizar um ponto simples com nó fixado preferencialmente na borda proximal da ferida cirúrgica; 2) Tracionar o fio lateralmente − forma-se uma espécie de “L” − e transfixar o fio na borda proximal de fora (pele) para dentro (derme); 3) Em seguida, perfurar a borda distal na mesma direção de dentro para fora; 4) Ir adiante, perfurando mais uma vez a borda distal de fora para dentro, mas em posição lateral à perfuração da borda distal anterior e, em seguida, a borda proximal de dentro para fora; 5) Antes de prosseguir as transfixações, passar a agulha por dentro da alça formada, ancorando a sutura; 6) A ancoragem deverá ser repetida todas as vezes em que forem realizadas as transfixações distal e proximal. Nesse processo nós sempre passaremos com a agulha por dentro da alça anterior; 7) Ao final do processo, não ancoraremos a última alça que será utilizada para confecção do nó do porta agulha (3 semi-nós) de forma similar à descrita no chuleio simples (o nó ficará na borda proximal); 8) Após a confecção do nó você notará que se formou uma pequena alça junto ao nó. Assim, executaremos o corte do fio e da alça de maneira similar ao chulei o simples (conservando uma margem de segurança de 0,5cm a 1 cm entre o ponto de corte e o nó).
9.3.3
INTRADÉRMICO CONTÍNUO
O ponto intradérmico contínuo constitui um desafio para os profissionais que desejam dominar a sutura. A execução
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correta deste ponto garante um excelente confrontamento das bordas, resultando num excepcional resultado estético. O intradérmico contínuo em sua essência é constituído por uma sequência de pontos simples longitudinais alternados nas bordas da pele (figura 9.23). A tela subcutânea e os tecidos mais profundos devem ser suturados em planos separados para eliminar os espaços mortos e distribuir a tensão. Deve-se ter o cuidado para que ocorra a aposição das bordas. Devemos ressaltar mais uma vez que este tipo de ponto reduz ou mesmo evita as marcas da sutura, devendo haver a retirada dos fios entre uma e duas semanas. Esse ponto tem sua grande indicação na cirurgia plástica, mas também é utilizado no âmbito obstétrico. É fundamental lembrar que o ponto intradérmico contínuo é contraindicado em caso de feridas potencialmente contaminadas.
Antes de descrever a técnica de execução do ponto intradérmico, temos duas recomendações que facilitarão a sua prática: indicamos a lateralização parcial da agulha, de modo a facilitar a transfixação da pele na transição entre a epiderme e a derme. Além disso, recomendamos também a utilização de uma pinça hemostática pequena (“mosquito”, preferencialmente
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reta) para atuar como reparo − prender a ponta solta do fio na extremidade de entrada (figura 9.24).
A realização deste ponto obedece as seguintes etapas (figuras 9.25-9.27): 1) Transfixar a pele íntegra realizando uma perfuração paralela e próxima à extremidade da ferida − preferencialmente, extremidade direita (figura 9.25); 2) Realizar transfixação dérmica da borda distal ; 3) Transfixar borda proximal, sendo o ponto da perfuração de entrada nesta borda paralelo ao ponto de saída da borda distal; 4) Realizar os passos 2 e 3 até o final da ferida, de maneira que as bordas sejam aproximadas e a ferida ocluída (figura 9.26 e 9.27); 5) Ao final, sair da ferida mais uma vez transfixando a pele íntegra, agora da extremidade oposta (figura 9.28). 6) Ajustar o tamanho dos fios (figura 9.28) e realizar de cinco a sete seminós com porta agulha em cada extremidade. Vale ressaltar que ao realizar o primeiro
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semi-nó, formaremos uma roseta (rever capítulo 7). Observe que a roseta é formada a partir do pinçamento do próprio fio (figura 9.29). Os próximos semi-nós (figura 9.30) além de evitarem que o nó se solte e se desfaça, conferirão volume ao nó, evitando que ele seja internalizado, sobretudo, posteriormente, quando a sutura for submetida a algum tipo de tensão. 7) A última etapa é corte do fio. Neste caso, cortaremos apenas a ponta livre do fio, deixando a roseta intacta.
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9.3.4
BARRA GREGA
Esta é mais uma técnica desafiadora devido a sua utilidade prática: o ponto em Barra Grega é muito utilizado na sutura vascular. Esta técnica também é empregada no plano seromuscular em anastomoses do trato digestivo. Desta forma, esta técnica tem sua aplicação em áreas onde não há espaço para falhas. Por outro lado, do ponto de vista geométrico, o ponto em Barra Grega é extremamente simples, pois é formado por uma série de “Us horizontais”. Vale ressaltar aqui que treinamos durante o nosso curso a BARRA GREGA DE HALSTED , porém há também a “Barra Grega de Cushing”, uma variação da primeira técnica (figuras abaixo).
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A realização deste ponto obedece as seguintes etapas: 1) Iniciamos realizando um ponto simples, ou seja, transfixação na borda distal de fora para dentro e, em seguida, borda proximal de dentro para fora. 2) Em seguida, realizamos os 3 seminós e não cortamos o fio. É importante, nesta etapa, trazer para borda proximal o nó, isso facilitará a nossa técnica. 3) Continuamos então na borda proximal e, a partir desta etapa, executaremos a técnica do U horizontal seguidamente. Como já estamos na borda proximal, vamos retornar com a agulha no sentido invertido (ponta da agulha para frente), transfixando a borda proximal ao lado da transfixação anterior e, em seguida, na mesma direção, a borda distal, completando o primeiro “U” (figura 9.33). 4) Após o retorno na borda distal, vamos transfixar novamente a borda distal, porém ao lado da última transfixação, repetindo toda técnica do U horizontal. Vamos repetir a técnica do U horizontal até fechar o ferimento. 5) Ao final, após a transfixação na borda distal, realizaremos o nó em roseta (descrito no ponto intradérmico), para concluir o ponto. Lembre que devemos realizar de 5-7 seminós para dar maior segurança ao nó em roseta!
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10 A RETIRADA DE PONTOS Após a realização da sutura, em alguns casos será necessário, posteriormente, realizar a retirada de pontos. Nesse contexto, é válido ressaltar que assim como a sutura é realizada na maioria das vezes por um médico, a retirada de pontos será feita na maioria das vezes por um profissional de enfermagem. Entretanto, lembramos mais uma vez que é fundamental que todos os integrantes da equipe multidisciplinar possuam esses conhecimentos, a fim de que na falta do profissional especializado, todos possam suprir com competência as necessidades do paciente. Por isso, neste capítulo final discutiremos a técnica de retirada de pontos. A retirada dos pontos dependerá primariamente do objetivo do profissional que realizou a sutura. Desta forma, os seguintes parâmetros influenciarão nesse processo: as características do fio (material e calibre do fio) e a região em que se realizou a sutura (tensão do tecido, capacidade de cicatrização e presença de reação inflamatória). É importante lembrar que os fios absorvíveis normalmente não serão retirados, como por exemplo, nas suturas do plano muscular. Por outro lado, os fios inabsorvíveis aplicados no fechamento das feridas cutâneas devem ser sempre removidos. Considerando que na maioria dos casos os pacientes retiram os pontos pelo menos uma semana após a realização da sutura e que durante esse período os pacientes nem sempre cuidam da antissepsia do ferimento de forma adequada, a técnica para retirada de pontos cutâneos sempre obedecerá a um princípio simples: durante a retirada do ponto cortaremos sempre o fio de maneira que a parte externa do fio (parte que ficou sobre a pele) não atravesse o interior da ferida (“não
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passe por dentro da ferida”) . Essa regra básica evita uma nova
contaminação da ferida e até mesmo uma possível infecção, pois como discutimos acima a parte do fio externa à ferida, sobretudo o nó, fica em contato com todos os microrganimos do meio ambiente, sendo um local que retém “sujidades”. O material utilizado na retirada do ponto também auxiliará o cumprimento da regra discutida acima. Em “condições ideais” utilizaremos uma pinça de dissecção (dente de rato ou anatômica) para auxiliar no pinçamento do nó 44 e uma tesoura Spencer (figura 10.1) para o corte do fio. Como a tesoura Spencer infelizmente é um “objeto em extinção” na maioria dos serviços de saúde poderemos substituí-la por uma tesoura mayo reta de ponta fina, similar a citada no capítulo 4 (figura 4.1).
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O pinçamento do nó será fundamental, pois ao pinçarmos o nó, iremos expor a alça do fio que deverá ser cortada.
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A depender do tipo de sutura que foi realizada, será utilizada uma técnica específica − sempre obedecendo ao princípio básico discutido acima que evita a contaminação da sutura − para cortar e puxar os fios na retirada de pontos. Desta maneira, descreveremos a seguir as técnicas para retirada dos pontos cutâneos mais utilizados nos serviços de saúde.
10.1 TEMPO DE PERMANÊNCIA DA SUTURA Antes de descrever esta técnica gostaríamos de lhe dar mais algumas informações que lhe ajudarão a decidir sobre o tempo ideal de retirada dos pontos... Você deve saber que os fios, de modo geral, devem ser mantidos apenas pelo tempo necessário para que a cicatriz adquira resistência. Nas incisões cutâneas pequenas (4 cm), os pontos podem ser retirados após 4 ou 5 dias, inclusive! Conta muito neste momento a experiência do médico que determinará o momento exato da retirada dos pontos. Os aspectos que favorecem a retirada dos pontos são: 1) 2) 3) 4) 5)
Aspecto da cicatriz seca sem edema nem congestão; Local da ferida livre de tensões excessivas; Direção da cicatriz obedecendo as linhas de força; Ausência de condições que interferem na cicatrização; Tipo de tecido e sua capacidade intrínseca de adquirir resistência tênsil com o processo de cicatrização; 6) Tensão que o tecido é submetido.
De acordo com a área do corpo tem-se a média de dias para a remoção da sutura, como observado no Tabela 10.1.
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REGIÃO DO CORPO Escalpo Sobrancelha Orelha Nariz Lábio Face Tórax/Abdome Pé Mão
REMOÇÃO (DIAS) 6-8 3-5 10-14 3-5 3-4 3-4 8-10 12-14 10-14
10.2 RETIRADA DO PONTO SIMPLES O ponto simples é retirado corretamente quando cortamos o fio logo abaixo do nó na borda onde o nó está localizado, em um ponto distal ao nó . Portanto, se o nó estiver localizado na borda distal, cortaremos o fio o mais próximo possível do ponto de perfuração da agulha45 na borda distal (figura 10.2). Após a realização do corte, pinçaremos o nó para retirar a parte do fio interna à ferida (figura 10.3).
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O corte do fio, neste e nos demais pontos, deve ser bem próximo à pele, de maneira que não fique sobrando em uma das pontas fio que estava em região externa à ferida (detalhe da figura 10.3).
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10.3 RETIRADA DOS PONTOS EM U Na retirada dos pontos em U seguiremos os seguintes passos (figuras 10.4 e 10.5): 1) 2) 3) 4)
Pinçar o nó, elevando-o; Cortar o fio abaixo do nó; Cortar o fio na outra extremidade da mesma borda; Retirar o fio pinçando a alça da outra borda da ferida.
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10.4 RETIRADA DO PONTO EM X O ponto em X, como comentado no capítulo anterior, na realidade são dois pontos simples. Desta forma, o procedimento de retirada do ponto em X também será similar à retirada de dois pontos simples, como descrito abaixo (figura 10.6): 1) Cortar o fio logo abaixo do nó na borda onde o nó está localizado, em um ponto distal ao nó (X azul na figura 10.6); 2) Cortar a outra extremidade do fio localizada na mesma borda, bem rente à pele; 3) Pinçar as pontas de fio externo restantes, retirando a parte interna do fio.
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10.5 RETIRADA DO PONTO INTRADÉRMICO O único ponto contínuo a ser retirado será o intradérmico já que na maioria dos casos utilizaremos no chuleio simples e ancorado fios absorvíveis, sendo estes pontos realizados em regiões internas do corpo. A retirada do ponto intradérmico é extremamente simples, sendo necessário apenas que realizemos o corte do fio logo abaixo de um dos nós46 (mais uma vez bem próximo à pele). Após o corte, pinçaremos o outro nó e retiraremos o fio restante (figura 10.7).
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Não há uma regra específica sobre em qual das extremidades o nó deverá ser cortado. A escolha fica a critério do profissional que retirará os pontos. Entretanto antes de realizarmos a escolha deveremos observar, por exemplo, qual extremidade tem um nó maior (mais fácil de pinçar) ou em qual das extremidades há menor reação inflamatória, etc.
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