Mandalas Tibetanas
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O SIMBOLISMO DOS MANDALAS A Kabbalah Ocidental – As Portas das Percepção
Janeiro/2007
Biblioteca Nacional Copyright 2007 / EDA
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS Ao início deste trabalho duas dúvidas nos assaltam: a palavra mandala é substantivo masculino ou feminino? É palavra paroxítona ou proparoxítona? Com relação ao gênero, nas obras por nós consultadas, encontramos os dois gêneros. A Grande Enciclopédia Larousse Cultural1 consigna como substantivo masculino, que é o mais correto e será por nós adotado neste trabalho. A pronúncia paroxítona é a mais usada em português e será por nós adotada, apesar de que na obra “Fundamentos do Misticismo Tibetano2” do Lama Anagarika Govinda, Ed. Pensamento, quando trata dos Métodos de Transliteração e de Pronúncia das Palavras Hindus e Tibetanas, nos é esclarecido que na India e no Tibete a pronúncia é proparoxítona (mándala). O que é símbolo e simbolismo? Na Grande Enciclopédia Larousse Cultural1 encontramos o verbete SÍMBOLO, s. m., do grego symbolon pelo latim symbolum, como sendo sinal figurativo, ser animado ou coisa que representa um conceito. Exemplo: a bandeira, símbolo da pátria. Relativamente a simbolismo, encontramos no “Dicionário da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras3”, elaborado por Antenor Nascentes o verbete SIMBOLISMO, s. m., do francês symbolisme, como sendo um sistema de símbolos destinado a lembrar fatos ou exprimir crenças. No “Vocabulário da Psicanálise4”, de Laplanche e Pontalis, ed. Martins Fontes encontramos no verbete SIMBOLISMO o seguinte: “A noção de simbolismo está hoje tão estreitamente ligada à psicanálise, as palavras simbólico, simbolizar, simbolização são tantas vezes utilizadas e em sentidos tão diversos, finalmente os problemas que dizem respeito ao pensamento simbólico, à criação e ao manejo dos símbolos dependem de tantas disciplinas (psicologia, lingüística, epistemologia, história das religiões, etnologia, etc.), que existe especial dificuldade em querer delimitar um uso propriamente psicanalítico destes termos e em distinguir-lhes diversas acepções.” É conhecido o sentido etimológico de símbolo: o symbolon para os gregos era um sinal de reconhecimento (entre membros de uma mesma seita, por exemplo) que poderia ser duas metades de um objeto partido que se completavam ao serem juntadas por dois membros da seita. Pode-se ver nesta origem, a idéia de que é a ligação que faz o sentido. Na “Introdução à Psicologia Junguiana5”, de Calvin S. Hall e Vernon J. Nordby, ed. Cultrix, encontramos: “Jüng contribuiu de modo primoroso para o estudo dos processos de simbolização: dedicou ao assunto um volume de pesquisas e de escritos muito maior do que o de qualquer outro psicólogo. Dos seus dezoito volumes (obras completas), cinco foram exclusivamente dedicados ao simbolismo da religião e da alquimia, e o assunto é discutido sempre de modo prático em todos os seus escritos. Não seria exagero afirmar que os dois mais importantes conceitos de Jüng são o de arquétipo e o de símbolo. Os dois conceitos estão intimamente ligados. Os símbolos são as manifestações exteriores dos arquétipos. Os arquétipos só podem ser expressos através dos símbolos em razão de se encontrarem profundamente escondidos no inconsciente coletivo sem que a pessoa os conheça.” Para dar uma idéia do que é arquétipo citaremos um trecho da obra “A Busca do Símbolo6” de Edward C. Whitmont, ed. Cultrix: “Um campo de força é um padrão ou configuração energética que se torna perceptível ao observador experiente apenas através da padronização de elementos diretamente observáveis suscetíveis à sua influência. Para dar um exemplo simples, sob a influência de um campo elétrico ou magnético invisí-vel para nossos sentidos, a limalha de ferro se organiza num padrão específico que, em conseqüência, torna visível para nós o efeito do campo de força. O que Jung chama de psique objetiva pode então ser comparado a um estrato energético abrangente do qual surgem atividades de campo de força variáveis, que o observador experiente percebe através das padronizações de configurações de imagem, emoção e impulso. Jung chamou essas expressões do campo psíquico de complexos e arquétipos da psique objetiva. 1/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS Eles são típicas configurações energéticas ativadas por situações e problemas, tanto de fora quanto de dentro, por pessoas, conflitos emocionais, necessidades de maturação, etc. Eles imprimem seus padrões de força na totalidade de acontecimentos dentro de seu alcance. A psique objetiva existe independentemente de nossa volição e intenção subjetivas. Ela opera independentemente, mas pode ser vivenciada e compreendida. Aquilo que, por falta de compreensão, consideraríamos imaginações caóticas, desejos e impulsos, pode revelar significado quando somos capazes de interpretar simbolicamente suas manifestações imagéticas. Quando as expressões da psique objetiva são interpretadas simbolicamente e depois submetidas ao teste de realidade na experiência vivida, vemos que elas não apenas funcionam de uma forma autônoma mas que este funcionamento também parece ter um relacionamento interativo definido com a mente consciente racional e criadora de conceitos.” Na obra “Jüng7”, de Nise da Silveira, editora Paz e Terra, encontramos o seguinte sobre arquétipos: “São matrizes arcaicas onde configurações análogas ou semelhantes tomam forma. Jüng compara o “arquétipo” ao sistema axial dos cristais, que determina a estrutura cristalina na solução saturada, sem possuir, contudo, existência própria. A noção de arquétipo, postulando a existência de uma base psíquica comum a todos os seres humanos, permite compreender por que em lugares e épocas distantes aparecem temas idênticos nos contos de fadas, nos mitos, nos dogmas e ritos das religiões, nas artes, nas produções do inconsciente de um modo geral, seja nos sonhos de pessoas normais, seja nos delírios dos loucos.” Para Jüng, a evolução da psique humana desde o aparecimento do homem na terra deixou marcas no sistema nervoso e no organismo humano, que se escondem no inconsciente psíquico, e podem ser chamadas “resíduos arcaicos”. A isso deu o nome de “imagens primordiais” ou arquétipos, conforme está claramente exposto na obra “O Homem e seus Símbolos8”, de Jüng, editora Nova Fronteira. Voltando ao conceito de símbolo, na obra “A Vida Simbólica9”, ed. Vozes, vol. XVIII/1 das obras completas, Jüng, no parágrafo 416, nos esclarece: “Chamamos de símbolo um conceito, uma figura ou um nome que nos podem ser conhecidos em si, mas cujo conteúdo, emprego ou serventia são específicos ou estranhos, indicando um sentido oculto, obscuro e desconhecido.” E no parágrafo 417: “Um conceito ou uma figura são simbólicos quando significam mais do que indicam ou expressam. Eles têm um aspecto abrangente “inconsciente” que nunca se deixa exaurir ou definir com exatidão. A causa dessa peculiaridade deve ser buscada no fato de no estudo do símbolo o espírito ser levado, em última análise, a representações de natureza transcendental e diante das quais deve capitular nossa compreensão. O círculo, por exemplo, pode levar à representação do Sol “divino”, onde a compreensão racional se mostra incompetente, pois não estamos em condições de definir ou demonstrar um Ser Divino. Somos apenas humanos e nossas faculdades mentais são, portanto, limitadas.” E no parágrafo 418: “Como existem muitas coisas que estão além da compreensão humana, usamos freqüentes vezes – consciente ou inconscientemente – figuras e conceitos simbólicos quando a elas nos referimos; não só usamos símbolos, mas também os produzimos espontaneamente em nossos sonhos. O simbolismo é um dado psicológico que merece um aprofundamento maior.” Na obra “O Homem e seus Símbolos8”já citada, na parte que trata da Função dos Símbolos, nos diz Jüng: “Quando um psicanalista se interessa por símbolos ocupa-se, em primeiro lugar, dos símbolos naturais, distintos dos símbolos culturais. Os primeiros são derivados dos conteúdos inconscientes da psique e, portanto, representam um número imenso de variações das imagens arquetípicas essenciais. Em alguns casos pode-se chegar às suas origens mais arcaicas, isto é, a idéias e imagens que vamos encontrar nos mais antigos registros e nas mais primitivas sociedades.” 2/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS “Os símbolos culturais, por outro lado, são aqueles que foram empregados para expressar “verdades eternas” e que ainda são utilizados em muitas religiões. Estes símbolos culturais guardam, no entanto, muito da sua numinosidade original ou “magia”. Constituem-se em elementos importantes da nossa estrutura mental e forças vitais na edificação da sociedade humana. Erradicá-los seria perda das mais graves. Quando reprimidos ou descurados, a sua energia específica desaparece no inconsciente com incalculáveis conseqüências. Esta energia psíquica que parece ter assim se dispersado vai, de fato, servir para reviver e intensificar o que quer que predomine no inconsciente – tendências, talvez, que até então não tivessem encontrado oportunidade de expressar-se ou, pelo menos, de serem autorizadas a levar uma existência desinibida no consciente. Estas tendências formam no consciente uma “sombra”, sempre presente e potencialmente destruidora.” “A época em que vivemos tem demonstrado o que acontece quando se abrem as portas deste mundo subterrâneo. O homem moderno não entende o quanto o seu “racionalismo” (que lhe destruiu a capacidade para reagir a idéias e símbolos numinosos) o deixou à mercê do “submundo” psíquico. Libertou-se das “superstições” (ou pelo menos pensa tê-lo feito), mas neste processo perdeu seus valores espirituais em escala positivamente alarmante. Suas tradições morais e espirituais desintegraramse e, por isto, paga agora um alto preço em termos de desorientação e dissociação universais.” “Os antropólogos descreveram, muitas vezes, o que acontece a uma sociedade primitiva quando seus valores espirituais sofrem o impacto da civilização moderna. Sua gente perde o sentido da vida, sua organização social se desintegra e os próprios indivíduos entram em decadência moral. Encontramonos agora em idênticas condições. Mas na verdade não chegamos nunca a compreender a natureza do que perdemos, pois os nossos líderes espirituais, infelizmente, preocuparam-se mais em proteger suas instituições do que em entender os mistérios que os símbolos representam. Na minha opinião, a fé não exclui a reflexão (a arma mais forte do homem); mas, infortunadamente, numerosas pessoas religiosas parecem ter tamanho medo da ciência (e, incidentalmente, da psicologia) que se conservam cegas a estas forças psíquicas numinosas que regem, desde sempre, os destinos do homem. Despojamos todas as coisas do seu mistério e da sua numinosidade; e nada mais é sagrado. À medida que aumenta o conhecimento científico diminui o grau de humanização do nosso mundo.” Voltando à obra “Introdução à Psicologia Junguiana5”, temos mais o seguinte com relação a Símbolos: “Em última análise, os símbolos são representações da psique; são projeções de todos os aspectos da natureza humana. Além de expressar a sabedoria humana racial e individualmente adquirida e armazenada, podem representar também os níveis de desenvolvimento, os quais são predestinações da futura condição do indivíduo. O destino do homem e a evolução futura de sua psique estão estabelecidos nos símbolos.” “No entanto, o homem não tem uma consciência direta do conhecimento contido num símbolo; é preciso que decifre o símbolo para lhe descobrir a importante mensagem. Os dois aspectos de um símbolo, um retrospectivo e guiado pelos instintos, o outro prospectivo e guiado pelas metas supremas da individualidade transcendente, constituem as duas faces de uma mesma moeda. A análise retrospectiva expõe a base instintiva e a análise prospectiva revela os anseios da humanidade que aspira à plenitude, ao renascimento, à harmonia, à purificação.” Para encerrar esta síntese sobre o símbolo e o simbolismo, vamos nos reportar à obra PSICOSSÍNTESE10, do Dr. Roberto Assagioli, ed. Cultrix. Ao referir-se à Técnica de Utilização de Símbolos, diz o seguinte: “O objetivo desta técnica é utilizar a enorme e ainda bem longe de ser inteiramente avaliada potência dos símbolos na dinâmica da vida psicológica. Os símbolos estão sendo constantemente usados por todos mas, em geral, de um modo inconsciente e, com freqüência, de maneira não construtiva ou até perniciosa. Portanto, uma das necessidades urgentes da terapia e da educação, é compreender a natureza e o poder dos símbolos, o estudo das muitas classes e espécies de símbolos e sua utilização sistemática para fins terapêuticos, educacionais e de auto-realização. 3/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS A função dinâmica primitiva e básica dos símbolos é a de serem acumuladores, no sentido elétrico, como recipientes e preservadores de uma carga ou voltagem psicológica dinâmica. A segunda função dos símbolos, e a mais importante, é a de transformadores de energias psicológicas. Uma terceira função é a de condutores ou canais de energias psicológicas. A quarta e última função dos símbolos é a de serem integradores das energias psicológicas. Os símbolos como acumuladores, transformadores e condutores de energia psíquicas, e os símbolos como integradores, têm funções terapêuticas e educacionais sumamente importantes e úteis. E isso também pode ser considerado em referência à psicodinâmica, porque a integração é realmente uma função da energia, especificamente a função do que se designa por sintropia, em contraste com a entropia. Sintropia refere-se a uma elevação da tensão da voltagem da energia psicológica e também da biológica.” O princípio de sintropia, bem como sua teoria geral, foram muito bem expostos pelo matemático italiano Luigi Fantappiè. Nascido em Viterbo, em 1901 e falecido na mesma cidade em 1956, ampliou as idéias de Volterra, desenvolvendo uma teoria dos funcionais analíticos, em 1926, e estendeu-a às funções de variáveis complexas. Ele foi um dos fundadores do Departamento de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, onde trabalhou de 1934 a 1939. “Num certo sentido, a sintropia consiste num sistema completo de coleta, armazenagem, transformação e, finalmente, utilização de energias. A sucessão normal da eficiência psicodinâmica do símbolo é a de atrair energias psicológicas, armazená-las, subseqüentemente transformá-las e depois, utilizálas para vários fins, sobretudo para o importante objetivo de integração.” Voltando à natureza e valor qualitativo dos símbolos, convém deixar tão clara quanto possível a relação entre o símbolo e a realidade que ele representa. Essa relação baseia-se principalmente, senão exclusivamente, na analogia. A analogia, poderíamos dizer, é um importante elo psicológico entre realidades externas e internas. A analogia pode ser e tem sido muito mal usada, ou usada de forma exagerada e irreal. Isso ocorreu especialmente durante a Idade Média, e produziu uma reação, uma desvalorização e até uma rejeição da analogia, sobretudo na ciência. Mas como é uma atividade psicológica normal e realmente inevitável, o resultado foi a renúncia a uma valiosa via de acesso ao conhecimento. Um dos modos como a analogia pode ser sistematicamente usada é tentar descobrir novas e incomuns relações e formular hipóteses (ou modo de ver as coisas) que não ocorreram antes. É um método que está repleto de ricas possibilidades para a criatividade, não só numa acepção artística e humanista, mas também de um ponto de vista científico. É claro, precisa ser acompanhado de um uso sistemático do pensamento analítico, a fim de conferir o valor da analogia. Pode-se usar a analogia como um método para obter novas perspectivas, sobre quase todos os assuntos. Está ligada à parte do processo criativo que poderíamos chamar “estágio de afrouxamento”, quando se permite ao inconsciente que estabeleça novas relações criativas; e tem que ser seguido, depois de um processo rigoroso de verificação e pensamento analítico. A analogia é heurística em função e natureza, e fornece uma imagem relativa, não “fotográfica” ou exata, da realidade que, de qualquer forma, é de muito difícil conhecimento, principalmente porque estamos limitados em nossas percepções, pelos nossos sentidos, que só são sensíveis a uma faixa de ondas vibratórias de luz, de som, etc. A possível e desejável integração dos vários campos do conhecimento pelo método de analogia, e os métodos de verificação, sistematização e incorporação do repertório de conhecimento, tem um paralelo na integração da intuição e do intelecto. De fato, a intuição é entre outras coisas, um órgão para a descoberta de analogias.” Após as considerações sobre símbolo e simbolismo, vamos entender o que quer dizer MANDALA. É uma palavra de origem sânscrita. O sânscrito foi um dos idiomas primitivos da India e deu origem às diversas línguas existentes atualmente naquele país, assim como o latim deu origem a várias línguas européias: italiano, francês, romeno, espanhol, português, catalão, etc. Originalmente, em sânscrito, a palavra MANDALA significava círculo, arco, ciclo. 4/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS SHRI-YANTRA
No tantrismo hindu e no budismo tântrico, o MANDALA é um diagrama simbólico representando a evolução e a involução do universo em relação a um ponto central, como define assim o verbete MANDALA, a Grande Enciclopédia Larousse Cultural1. Na “The Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion11”, editada pela Shambala Publications Inc., Boston, USA, que contém todo o vocabulário do Taoísmo, do Hinduísmo, do Budismo e do Zen, é seguinte a tradução do verbete MANDALA: 1. A volumosa coleção de versos do “Rig Veda” é dividida em dez mandalas (ou dez ciclos de hinos). 2. Um desenho místico usado no tantrismo hindu, um diagrama construído, de círculos, quadrados, triângulos, simbolizando as forças cósmicas, e que são usados na prática da meditação. 3. Uma representação simbólica de forças cósmicas, em duas ou três dimensões, que é de considerável significado no budismo tântrico do Tibete, conhecido como Vajrayana. Os mandalas são usados primariamente como um suporte para a meditação, por meio da visualização de um desenho, de uma figura ou de um símbolo. A palavra sânscrita MANDALA foi traduzida para o tibetano como DKYL-KHOR, que se traduz por CENTRO-PERIFERIA. O MANDALA é ainda compreendido como a síntese em um esquema unificado de numerosos elementos distintos, que através da meditação pode ser reconhecido como a natureza básica da existência. O caos aparente e a complexidade das coisas são ordenados em um arranjo de linhas, figuras geométricas ou não, cores, etc. caracterizado por uma hierarquia natural”. Isto nos lembra o lema maçônico expresso em latim ORDO AB CHAOS, usado em documentos, e que significa: “Assim como Deus geometriza, emanando universos com nebulosas multiformes, assim também a Arte Real maçônica transforma o caos em ordem harmoniosa, eliminando a confusão e acendendo a luz da compreensão onde imperavam as trevas da ignorância. Se as pedras brutas arrancadas das pedreiras são talhadas e polidas para a construção de edifícios, templos e catedrais, também os homens comuns são escolhidos pela Maçonaria e por ela preparados, instruídos e transfigurados em mestres aptos a construir, fortalecer, embelezar e aprimorar o edifício social da humanidade.” (Dicionário de Maçonaria12”, de Joaquim Gervásio de Figueiredo, editora Pensamento). A forma do MANDALA, que é determinada pela tradição, no budismo Vajrayana é em sua estrutura básica a representação de um palácio quadrado, com um centro, e quatro portas situadas nos quatro pontos cardeais: norte, sul, leste e oeste. Os mandalas podem ser pintados, desenhados ou feitos como objetos de metal. O hinduísmo tântrico é um sincretismo religioso da India, que dá importância ao cerimonial, às palavras mágicas e sagradas, às músicas sagradas, a deuses e deusas. A palavra TANTRA refere-se a um grupo de textos que orienta esse ramo religioso. Em sânscrito TANTRA quer dizer “contexto” ou “trama” (a trama dos tecidos). O tantrismo absorveu muitos princípios do Ioga. Nesse aspecto, o budismo Vajrayana é o que mais se assemelha ao tantrismo hindu, e por isso é chamado budismo tântrico. No tantrismo hindu, que abordaremos primeiro, os MANDALAS são também chamados de IANTRAS. IANTRA é uma palavra sânscrita que significa SUPORTE. O IANTRA é um diagrama místico usado como um símbolo do divino. Na prática da meditação ele funciona como um suporte, pois por meio de sua visualização concentrada e interpretação simbólica, o devoto pode atingir a união mística com Deus. Na obra “O Tantrismo13”, de Jean-Michel Varenne, editora Martins Fontes encontramos o seguinte: “O IANTRA é um diagrama, uma figura geométrica destinada à instrução e à contemplação iniciática dos adeptos. Composto de pontos, linhas, círculos, triângulos e quadriláteros, cujas múltiplas combinações e emaranhado não obedecem a um propósito meramente artístico; o IANTRA é uma representação estática de forças em movimento.” 5/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS SHRI-YANTRA
O tantrismo se baseia no conceito de uma força extraviada e propõe sua reintegração no princípio imóvel. O IANTRA participa, ritual e pedagogicamente, desta perspectiva, figurando o esquema geométrico dessa potência, simultaneamente, em expansão e contração. A partir de um ponto central chamado BINDU, a abstração das linhas pode ser interpretada em um duplo movimento: excêntrico ou concêntrico. O adepto, ao cabo de uma visualização complexa, chega ao ponto central do diagrama e interiorizao completamente, a fim de que suas próprias energias se fundam na unidade. Essas energias, representadas pela organização espacial do diagrama, reintegram o ponto único, o BINDU, origem do desdobramento, mas também da absorção no divino. O IANTRA é um protótipo energético cuja eficácia cresce segundo o grau de compreensão e de abstração do adepto; este interioriza o modelo a fim de que suas forças psíquicas (cujo esquema ideal o diagrama apresenta) possam reunir-se, organizar-se, recentrar-se. A prática do IANTRA pressupõe uma instrução técnica precisa, trabalhada e esotérica. O IANTRA permanece fechado à consciência profana, que não pode penetrar-lhe os mistérios sem um ensino direto. Essa estrutura abstrata é impenetrável para os não-iniciados, pois as projeções do imaginário são automaticamente neutralizadas. O IANTRA não é um suporte de vidência ou de advinhação, como o TARÔ ou o I CHING. As imagens, os símbolos, os arquétipos oriundos do inconsciente não mantêm contato com esses arabescos enigmáticos. A contemplação do diagrama e seu aprofundamento dependem da consciência do discípulo, de sua capacidade para integrar o esquema. Esta é a razão pela qual existem cerca de 960 modelos de IANTRAS no tantrismo hindu, cada qual adaptado ao plano de realização interior alcançado pelo adepto. Um devoto avançado será capaz de assimilar e de viver a identidade IANTRA - energia – consciência antes de “desaparecer” (esquecer de si mesmo) em sua própria contemplação, ao passo que um principiante deverá se contentar com um estado interiorizado de quietude. Durante a visualização do IANTRA o adepto harmoniza sua substância corporal com o protótipo energético. Cada figura geométrica possui um sentido ao mesmo tempo simbólico e operatório. Assim, o triângulo, conforme seu vértice se dirija para cima ou para baixo, significa respectivamente, a energia espírito e energia matéria. O mais conhecido de todos os IANTRAS é o SHRI-IANTRA, visualizado à pág. 7/21. Vamos procurar interpretar alguma coisa sobre o SHRI-IANTRA, com base em comentários, não só da obra “O Tantrismo13” como também com base na obra “SAKTI y SAKTA14” de Arthur Avalon, pseudônimo de Sir John Woodroffe, editora KIER, Buenos Aires; “TANTRA21” de Georg Feuerstein, Nova Era, Rio de Janeiro, 2004; “THE TANTRA22” de Victor M. Fic, Abhinav Publications, Nova Delhi, India, 2003 e “KAULA TANTRA23” de Tarananda Sati (Osvaldo Luiz Marmo), Madras Editora, São Paulo, 2006. O SHRI-IANTRA propõe a visão unitiva das energias espírito e matéria. É um diagrama composto de nove triângulos entrecruzados, cinco dos quais com o vértice dirigido para baixo e quatro para cima; simboliza o Cosmos e sua Causa Divina. Os dois jogos de triângulos estão superpostos para demonstrar a união do deus SHIVA masculino com a deusa SAKTI feminina. Os cinco triângulos representam o aspecto feminino e o poder de Sakti, e os quatro triângulos representam o aspecto masculino e o poder de SHIVA. Este IANTRA tem nove rodas ou CHAKRAS, algumas formadas pela interseção dos nove triângulos, sendo que esta interseção cria 43 pequenos triângulos. O primeiro CHAKRA exterior é representado pela cor verde, que colore os quarto pontos cardeais norte, sul, leste e oeste e significa o ciclo das aspirações e desejos inconstantes. O segundo CHAKRA é composto por dezesseis pétalas amarelas e o terceiro por oito pétalas vermelhas e significam as pétalas da realização dos desejos. O quarto CHAKRA é composto pelos 14 pequenos triângulos escuros que selam a potencialidade do despertar espiritual. 6/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS SHRI-YANTRA
O quinto e o sexto CHAKRAS são compostos pelos dez pequenos triângulos vermelhos e escuros, que coincidem com a emergência do conhecimento interior. O sétimo CHAKRA é composto pelos oito pequenos triângulos cinzas, que cortam os nós de todos os desejos. O penúltimo CHAKRA é branco e significa a máxima realização espiritual. O último CHAKRA é o ponto BINDU central, dentro de um triângulo amarelo, significando o êxtase realizado: SAT-CHIT-ANANDA ou SERCONSCIÊNCIA-BEATITUDE. Abordaremos agora o MANDALA do Vajrayana ou budismo tântrico. Tomaremos por base a obra “O Budismo Tibetano15”, de Jean-Michel Varenne, editora Martins Fontes. Nela encontramos: “O MANDALA é uma figura geométrica composta por um certo número de quadrados e de círculos que obedecem a uma disposição rigorosamente simétrica, organizada em torno de um ponto central.” Símbolos arquetípicos tibetanos, budas, bodhisattvas, yiddans, divindades pacíficas ou iracundas (irritadas) são pintados sobre tecidos (os tankas) ou desenhados sobre o solo. O MANDALA é uma representação iniciática dos poderes psíquicos atuantes no universo e nos seres; sua contemplação instaura no adepto uma experiência espiritual fundamental e conclui, em princípio, uma longa série de ritos preparatórios. O simbolismo do MANDALA está em íntima correspondência com a metafísica do budismo Mahayana, do qual o Vajrayana é um dos ramos, e se fundamenta na equivalência entre Samsara e Nirvana, ou entre fenômeno e númeno; o iniciado deve aprender a interpretar e depois a integrar o duplo movimento de expansão-contração das forças cósmicas, que criam e destroem alternativamente as várias manifestações das formas de vida no Universo. Este movimento centrífugo e centrípeto começa no centro do MANDALA e se espalha em direção à periferia numa multiplicidade de aspectos; a integração iniciática realiza um caminho em que o iniciado se libera das projeções de sua psique, antes de se estabelecer na unidade de sua consciência incriada. Assim, o MANDALA propõe simultaneamente duas formas de leitura simbólica: 1 - Do centro à periferia, o Um fundamental se desintegra numa pluralidade de emanações. 2 - Da periferia ao centro, a psique reflui, involui sobre si mesma e os elementos dispersos se dissolvem na unidade primordial. A iniciação no MANDALA é uma experiência psicológica e espiritual determinante. A maioria dos seres humanos sofre inconscientemente de uma falta de unidade, de coerência interior e procura sem descanso os meios de pôr um freio no sentimento de dispersão e de desamparo que os oprime. Involuntariamente somos submetidos à tirania das nossas projeções psíquicas; na vigília ou quando sonhamos, estamos sempre fugindo da nossa verdadeira natureza, criando, graças à memória e à imaginação, universos psíquicos paralelos onde atuamos em representações nas quais nossas paixões, desejos e repulsas são fugazmente teatralizadas... Os MANDALAS parecem um teatro, onde se reconstituem os dramas psicológicos quotidianos e fixam os poderes perturbadores numa representação arquetípica. As inúmeras divindades que povoam o MANDALA correspondem aos medos, aos impulsos e repulsas; o simbolismo consegue finalmente “materializar” este turbilhão imperceptível, fixando reações habitualmente ocultas. Por meio desta teatralização simbólica, o adepto aprende a controlar seus impulsos, e a partir deste momento, as energias investidas em suas criações fantasmáticas contribuem para a reintegração da psique individual na unidade impessoal. Assim, o MANDALA é uma iniciação mas também é uma terapia: as atuações inconscientes que desestabilizam o ser profundo acalmam-se ao final de uma assimilação consciente dos mecanismos projetivos, ocorrendo a metanóia. Cada deidade ou divindade honrada no MANDALA é dual e oferece um duplo rosto simbólico, pacífico ou irritado; enquanto formos incapazes de interpretar estas figuras, elas nos deixarão perdidos no labirinto das projeções; assim que estivermos em condições de identificá-las como uma emanação do nosso psiquismo, elas nos indicarão o caminho. 7/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS SHRI-YANTRA
As divindades “habitam” pontos estratégicos; o percurso no MANDALA depende da nossa própria orientação interior: o que provoca o erro de alguns, facilita a libertação espiritual de outros. Os MANDALAS pintados em tecidos (tankas) não se prestam às iniciações, mas sim à contemplação e meditação, bem como à memorização pedagógica das diferentes seqüências iniciáticas. Tradicionalmente, o MANDALA iniciático é desenhado sobre o solo com pó de arroz de diversas cores, e cada cor simbólica é atribuída a cada espaço delimitado pelo entrecruzamento das figuras geométricas. A sua construção exige uma minúcia, uma destreza e uma atenção excepcionais, deixadas a critério dos mestres. A escolha do dia e do lugar propício para a iniciação no MANDALA é fixado pelo mestre de cerimônia, depois de cálculos astrológicos relativos ao discípulo, e cálculos geomânticos relativos ao lugar. Antes da participação do futuro iniciado, nos quatro cantos do MANDALA são colocados vasos votivos, com substâncias preciosas, e ornados com fitas, flores e ramagens. Estes receptáculos consagrados são destinados a acolher a “descida” das divindades que vão ajudar o adepto. Os deuses e divindades que presidirão o desenvolvimento da iniciação são invocados por litanias. A iniciação no MANDALA acontece depois de uma longa preparação. Esta cerimônia é um sacramento, uma espécie de batismo complexo, que aparenta ser uma espécie de drama cósmico, implicando em uma morte de um estado de consciência e o renascimento num estado de consciência superior. Precauções purificadoras são tomadas com relação ao neófito, tais como banhos, jejum e abstinência sexual antes da cerimônia. Esta preparação acalma e harmoniza a psique, antes de conduzi-la a um processo perturbador. Na véspera da iniciação o neófito deve dormir sobre o lado direito, com a cabeça apoiada na palma da mão direita, e recitar mantras ou palavras sagradas. A razão desta posição, segundo a tradição, é porque era a posição de Buda quando de sua morte física. Ao amanhecer do dia da iniciação, o neófito conta os seus sonhos ao mestre, o qual, dependente de sua interpretação, decide realizar ou rejeitar o rito. A cerimônia deve se desenvolver num propósito totalmente desinteressado, sem o desejo de obter recompensas terrestres ou favores celestes. O discípulo reitera os três votos do budismo: o Dharma (a lei e as normas), o Buda (o mestre supremo) e a Sangha (a comunidade monástica). Depois de lhe vendar os olhos, o mestre conduz o discípulo à porta Leste do MANDALA; êste então joga uma flor no círculo e o lugar em que cair vai determinar o caminho adequado e a natureza das divindades protetoras. Conforme os neófitos obedeçam à luxúria, à cólera, à avareza, à confusão mental, etc., diferentes divindades deverão presidir ao desenvolvimento da cerimônia. É portanto indispensável que a totalidade das forças invocadas no MANDALA correspondam ao temperamento do neófito. Este, identificado com o desenvolvimento do mistério iniciático, revive os momentos cruciais das etapas psíquicas de sua vida espiritual. Sem uma perfeita identidade entre suas projeções pessoais e sua representação simbólica, o discípulo seria incapaz de elaborar as inúmeras sugestões impostas pelo drama iniciático, e a reabsorção das projeções na unidade do espírito malograria. As visões obtidas no “círculo mágico” (MANDALA) têm uma consistência e um poder muito forte. A consciência reflui lentamente, volta-se para si mesma e distingue, além das visualizações “holográficas”, o desdobramento das energias que alicerçam a psique. O neófito vai se adiantando aos poucos até o centro do MANDALA, e o estrelamento das divindades pacíficas e irritadas existentes no MANDALA, integramse numa perspectiva geométrica, esboça-se uma estrutura cujas linhas convergem para o ponto central, que acaba por se fundir na própria consciência do adepto, iniciado nos mistérios do espírito incriado. Além de sua materialização espetacular, o MANDALA é uma central de energia, que distribui e absorve as paixões e os desejos, promovendo uma transferência iniciática das forças psíquicas para o espírito incondicionado, que as absorve uma a uma. 8/21
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O MANDALA, diagrama psíquico posto em prática pelos hinduístas e budistas, além de suas implicações culturais e religiosas, revela, muitos séculos antes da psicologia profunda, os mecanismos projetivos da consciência. O psicólogo suiço Carl Gustav Jüng publicou numerosos desenhos realizados por seus pacientes ocidentais, cuja estrutura geométrica e simetria centralizada evocam incontestavelmente os MANDALAS orientais. Nos MANDALAS do budismo tibetano, a partir do centro em expansão, são estabelecidas ao menos cinco zonas essenciais, que correspondem aos cinco poderes associados aos seus principais “bodhissatvas”. Assim, ao “bodhissatva” VAIROCANA, chamado “resplandescente”, de cor branca, é associado ao seu poder sobre a matéria e as trevas mentais. O “bodhissatva” AKSHOBHYA”, chamado “inabalável”, de cor turquesa, é associado ao seu poder sobre o conhecimento e a cólera. O “bodhissatva” RATNASAMBHAVA, chamado “a matriz da gema”, de cor amarela, é associado com a sensação que se degrada em orgulho. O “bodhissatva” AMITABHA, chamado “luz infinita”, de cor vermelha, é associado com a ideação e com a concupiscência. E por último, o “bodhissatva” AMOGASIDHI, chamado “infalível perfeição”, de cor verde, tem poder sobre o “karma” e o ciúme. Os quatro lados do MANDALA são fechados por portas situadas nos pontos cardeais, e do lado de for a devem ficar os demônios, ou as forças inconscientes recalcadas na psique. Além de suas características religiosas e culturais, o MANDALA é também uma invenção terapêutica, cujo enquadramento simbólico e conseqüências psicológicas ultrapassam o hinduísmo e o budismo, alcançando uma experiência espiritual universal. Um dos mais conhecidos MANDALAS tibetanos pintados e de forma apenas circular, dedicado à meditação, é o SIDPE-KORLO, cuja tradução é RODA DA VIDA, que se pode ver na obra “Psicologia e Alquimia16”, de Carl Gustav Jüng, vol. XII das obras completas, ed. Vozes, fig. nº 40. Na página 10, há uma reprodução do mandala tibetano RODA DA VIDA. Em todos os monastérios, santuários, assim como em grande número das habitações tibetanas, há uma representação pintada da Roda da Vida. Vamos procurar interpretar este MANDALA, e tomaremos por base nessa tarefa, as seguintes obras: 1 - Psicologia e Alquimia16, acima citada; 2 - O Budismo Tibetano15, já citado; 3 - Fundamentos do Misticismo Tibetano2, citado no início deste trabalho; e 4 - Introdução à Psicologia Tibetana17, de Clovis Correia de Souza Filho, ed. Vozes. 5 - Teoria e pratica del mandala24, de Giuseppe Tucci, Astrolabio Ubaldini Editore, Roma, 1969. 6 - A mente incorporada - Ciências cognitivas e experiência humana25, de Francisco J. Varela, Evan Thompson & Eleanor Rosch, Artmed Editora, Porto Alegre, 2003. 7 - Caminhos para a iluminação26, de Lama Mipham, Editora Dharma, São Paulo e Rio de Janeiro, 2004. 8 - Budismo27, de Georges da Silva e Rita Homenko, Pensamento, São Paulo, edição de 1999. 9 - A essência dos ensinamentos de Buda28, de Thich Nhat Hanh, Rocco, Rio de Janeiro, 2001. 10 - Budismo29, de Richard A. Gard, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1964. Vamos iniciar a interpretação pelo ponto central, partindo do centro em direção à periferia. No centro da roda vemos uma ave, uma serpente, e um animal, mordendo a cauda um do outro, em círculo. A ave representa o desejo passional, a concupiscência, a inveja, a cobiça, a avidez e o apego. A cobra representa o ódio, a cólera, a aversão, a inimizade. O animal representa a ilusão, a delusão, a ignorância, os impulsos cegos da personalidade, a inconsciência. Enfim, os três representam tudo o que nos envenena psiquicamente, coisas que impelem a individualidade a novos nascimentos e mortes. 9/21
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Estes três motivos básicos, ou causas-raízes da existência não-iluminada, constituem o cubo central da roda dos renascimentos. As três representações, ao morderem a cauda do que está à sua frente, mostrando que estão inseparavelmente ligados, revelam que elas se condicionam reciprocamente. São a causa de todo o sofrimento e insatisfação. Das três raízes, é a ignorância que gera as outras duas, pois é a ignorância da verdadeira natureza das coisas e de nós mesmos que nos levam a considerar o transitório como permanente, e coisas desejáveis irreais, como se fossem reais. Nos seres mentalmente e espiritualmente subdesenvolvidos, guiados por pulsões cegas e dirigidos pelo inconsciente, a carência do verdadeiro conhecimento leva à confusão mental, procurando a felicidade efêmera, a fuga do sofrimento, o medo de perder o que foi conseguido e a luta pela posse de coisas materiais. Geralmente vivemos a “nossa” versão da realidade, projetando esta versão no mundo à nossa volta, até que um dia começamos a indagar se essas projeções existem realmente ou se existe até a entidade pessoal a que damos o nome de eu. É preciso encontrar uma saída deste tumulto, desta situação complexa, mediante a compreensão das três raízes: ignorância/ilusão, desejo/apego, repulsa/ódio. A menos que nos relacionemos com elas como parte do caminho, trabalhando com elas, compreendendo-as e as transcendendo, não encontraremos a saída, o objetivo final da existência. A psicologia budista e transpessoal tibetana nos diz que, se o sofrimento existe, ele deve ser realizado, sua origem deve ser superada, e por este meio a sua cessação deve ser alcançada. Ver as coisas como elas realmente “são” é o início do caminho da salvação. A psicologia tântrica e transpessoal tibetana acrescenta que as próprias situações existenciais da Roda da Vida, com toda a sua confusão e ilusão, fornecem os meios possíveis de realizá-las e superá-las. O círculo central, encerrando as três raízes, mostra a origem do sofrimento. A compreensão da natureza destas três raízes é o tema central da psicologia tibetana da Roda da Vida, e que nos diz que podemos fazer algo a respeito da qualidade de nossa existência. Há um plano relativo e um plano absoluto. A não satisfação de um desejo ocasiona frustração e sofrimento no plano relativo. No plano absoluto este sofrimento teria origem na não realização da verdadeira natureza do ser humano. Da mesma forma, há uma terapia relativa e uma terapia absoluta. A terapia relativa ocupa-se do sofrimento ocasionado no plano da satisfação imediata dos desejos. A terapia absoluta ocupa-se da satisfação de todas as necessidades existenciais, pois se dirige à essência da existência e do ser humano. A terapia absoluta é a que se ocupa da origem primordial de todos os sofrimentos da existência humana, e não apenas com os efeitos relativos decorrentes da inadequação do ser humano à existência. Pela cura da causa, pela cura da origem primordial de todas as frustrações e sofrimentos, curam-se automaticamente todos os efeitos decorrentes. Mas a simples cura dos efeitos, não promove a cura da causa, que é a origem primordial dos mesmos, e assim, o mal voltará a se repetir. Ambas as terapias são válidas nos seus respectivos planos. A terapia absoluta vem alargar as perspectivas da terapia relativa, dando-lhe uma visão mais ampla da realidade e das possibilidades existenciais do ser humano. Embora a terapia tibetana reconheça o valor da terapia relativa, ela atua mais no plano absoluto, no sentido da origem primordial das coisas, em vez de lidar só com os efeitos. Resistir ao sofrimento aumenta a sua intensidade. Realizar a sua origem é o primeiro passo para a sua dissolução. Em volta do círculo central da Roda da Vida, há um segundo círculo maior. Nele vemos figuras claras na metade esquerda e figuras escuras na metade direita, simbolizando os altos e baixos da existência condicionada. Impulsionados pelos aspectos positivos os serem sobem, experimentando sentimentos de satisfação e felicidade. Impulsionados pelos aspectos negativos, os seres descem, experimentando sentimentos de insatisfação e sofrimento. Como a existência dentro deste segundo círculo ainda é condicionada, ela é sempre relativa, e ninguém consegue gozar de uma satisfação duradoura e permanente. Estes altos e baixos existem, tanto no plano material e social, quanto no emocional e mental. 11/21
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É preciso se subtrair a esta lei da relatividade entre causa e efeito, entre ação e reação. Mas isso só é possível saindo do plano relativo para o plano absoluto da realização da verdadeira natureza da existência. A psicologia transpessoal tibetana nos fala sempre em dois planos: o relativo e o absoluto. O absoluto lida com a causa, com a origem primordial, e o relativo lida com os efeitos. Ambos coexistem simultaneamente na existência humana, de modo que, a qualquer instante, pode-se partir do relativo e atingir o absoluto. Os altos e baixos vão se repetindo, às vezes no decorrer de um único dia de nossa existência. Não se trata de querer parar a Roda da Vida, pois o simples fato de existir implica em estar dentro de uma situação existencial, seja agradável ou desagradável. O que faz a diferença é a maneira de encarálas, ou através de uma boa perspectiva ou através de uma má perspectiva. A boa perspectiva é a proposta pela psicologia transpessoal tibetana, de abrir-se à existência e com ela dançar, mesmo nas situações difíceis, de procurar realizar as causas que determinaram as situações existenciais em que nos encontramos, de realizar a origem, tanto do sofrimento da insatisfação, quanto da alegria da satisfação. Em vez de “reagir”, criando uma cadeia ininterrupta de ação e reação, simplesmente tentar “realizar”. Em vez de lidar com os efeitos, lidar com as causas. Pela realização aprende-se a transmutar as situações, em vez de querer evitá-las ou eliminá-las. Esta perspectiva nos dá a chance de sair fora da roda da existência condicionada. A má perspectiva seria dentro da dualidade, de querer de um lado apegar-se às situações agradáveis e, de outro lado, querer afastar-se das situações desagradáveis, em vez de tentar realizar a sua causa, sua origem primordial. Senão lidamos apenas com os efeitos sem jamais se chegar a uma solução satisfatória e duradoura. É uma perspectiva limitada e que não leva muito longe. O terceiro círculo da Roda da Vida está dividido em seis secções. Elas representam na psicologia transpessoal tibetana os seis mundos da existência, ou os seis estados psicológicos. Qual é a natureza deste mundo? De acordo com definição budista, é o que experimentamos como mundo: o resultado das nossas atividades sensoriais, nossos pensamentos, sentimentos e ações. Enquanto os pensamentos, sentimentos e ações forem motivados pela ilusão da nossa separatividade, nós experimentamos um mundo correspondente, limitado, unilateral, e portanto, imperfeito, e no qual nos esforçamos em vão por manter nossa imaginária personalidade, contra a corrente irresistível das formas e condições eternamente mutantes. Assim, o mundo nos aparece como um mundo impermanente, inseguro e amedrontador, porque ameaça desintegrar a personalidade que teimosamente queremos manter permanente. Cria-se, então, um medo, um temor, e é este temor que cerca cada ser humano com um muro, separando uns dos outros, e por via de conseqüência, privando a todos de uma vida mais elevada. A figura budista do “bodhissatva”, o mestre ascensionado que liberta os seres deste temor, pelo exemplo da sua intrepidez, devoção e compaixão sem limites, rompe os muros da separação e da dor, e alarga a visão nas esferas inconcebíveis da liberdade, na qual a solidariedade de todos os seres é revelada e torna-se a base natural da compreensão mútua. Desta forma, compaixão, boa vontade, amor ao próximo, piedade, etc. não deverão mais ser sentidos como “virtudes”, mas como atitudes e comportamento natural e espontâneo da liberdade espiritual. E é por isso que o mestre chinês LAO-TSÉ, em sua obra “Tao Té Ching18” (O Livro do Caminho Perfeito), ed. Pensamento, nos diz no início do Livro II: “O verdadeiro virtuoso não é consciente da sua virtude. Os que possuem atributos no mais alto grau não buscam mostrá-los e, desta forma, os possuem na sua plenitude. O homem de virtude inferior, entretanto, está constantemente preocupado com sua virtude, e devido a isto não possui virtude verdadeira. 12/21
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Os que só a possuem superficialmente empenham-se em não perdê-la e, portanto, não a possuem na forma mais plena. A virtude verdadeira é espontânea e não se atribui nenhum mérito. Os que possuem virtudes no mais alto grau, nada fazem com um interesse em vista e não têm necessidade de coisa alguma. A virtude do perfeito sábio não interfere, ela coopera com uma mente aberta e simpática, enquanto a virtude dos inferiores age com intenção e sob condições e é influenciada pelos desejos. Os que a possuem superficialmente estão sempre agindo sem necessidade.” Em quase todos os templos tibetanos é possível encontrar claras representações das seis esferas do mundo condicionado. As seis esferas estão representadas na Roda da Vida como os seis principais tipos de existência mundana, isto é, existência não-iluminada. A seção central superior nos mostra a música, ou a vida despreocupada, dedicada aos prazeres estéticos. Devido a esta dedicação unilateral aos próprios prazeres, as pessoas se esquecem da verdadeira finalidade da vida, do sofrimento de outros seres, assim como da sua própria transitoriedade. Não sabem que vivem num estado de harmonia temporária, que terá fim logo que as causas, seus méritos morais, estejam esgotados. Vivem, por assim dizer, do capital acumulado das boas ações passadas, sem adicionar novos valores. Eles estão agraciados com beleza, longevidade, libertos temporariamente da dor, mas logo esta falta de sofrimento, de obstáculos e de esforços despojam a sua existência de todos os impulsos criativos, de toda a atividade espiritual e do estímulo para o conhecimento mais profundo. Assim, eles afundam novamente nos estados mais baixos da existência. É a seção da existência onde predominam o orgulho, a vaidade, a arrogância, a auto-imagem e a satisfação dos sentidos. Há intensa preocupação com a auto-imagem, com a auto-gratificação, a auto-glorificação, em atitudes autocentradas, narcisistas e egoístas. Mesmo quando essas pessoas se dedicam à vida espiritual e à meditação há uma noção gratificante de que “eu estou meditando e evoluindo”. A excessiva auto-consciência impede a verdadeira meditação e reforça o sentimento da personalidade e da separatividade. As pessoas podem ter a sensação de que se é “alguém especial”, obrigando à manutenção de uma determinada situação e isto requer esforço e reforça a personalidade, mediante o medo do fracasso e o desejo de sucesso, pois quando há sucesso há amigos e aplausos, e quando há fracassos os amigos fogem e fica-se só. Os valores profundos são trocados pelos efêmeros, e vale-se mais pelo que se aparenta ser, do que pelo que se realmente é. Há sempre uma ligação com os interesses mundanos: riqueza, beleza, forma, consideração do próximo a nós, estética, cirurgias plásticas, etc. A vida torna-se férias constantes, onde o que vale são as aventuras e as diversões. Este tipo de existência não é particularmente dolorosa e há uma relativa alegria. A dor só vem com eventuais desilusões. Como quando se pensa ter atingido um estado permanente de prazer físico, emocional e mental, e algo acontece que desestabiliza este estado, que não pode ser duradouro, porque baseado em falsos valores. E aí, pode surgir um processo de condenação de sí mesmo ou de supostos responsáveis pelo término daquela boa sensação. Ou perde-se “prestígio” e os “amigos” debandam, criticando a quem outrora elogiavam. E um outro estado psicológico começa a se desenvolver, e a roda da vida gira, gira sem parar. Oposta a esta seção da Roda da Vida e da existência, na parte central inferior, vemos outra seção que representa os sofrimentos infernais, sob a forma de diversas torturas, que são auto-impostas pela reação inevitável das próprias ações. O sofrimento é o fogo purificador dos seres. É a existência das emoções mais intensas, onde predominam o ódio, a agressão, é o domínio da psicopatologia, das reações violentas e até do ódio de si mesmo. 13/21
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É uma situação psicológica de contínua tortura mental, e também de alucinações, pensamentos desordenados e distúrbios mentais. Pode começar com o ódio de algo ou de alguém que tentamos destruir, mas o processo pode se tornar auto-destrutivo. Queremos, então, fugir, mas pode ser tarde demais, pois poderemos nos transformar no próprio ódio e não há mais como fugir de nós mesmos. Esta é uma seção de autopunição, fruto de más ações passadas. À direita da seção infernal da Roda da Vida, vemos uma outra seção, com animais. É a seção dos instintos incontroláveis. O psicólogo Daniel Goleman assim se manifestou sobre ela: “O mundo animal da besta estúpida significa o nível de comportamento que é totalmente condicionado e que corresponde ao mundo estudado pelo behaviorismo, onde o princípio determinante da ação e do pensamento é um simples hábito, onde funciona apenas a relação estímulo-resposta.” Este estado psicológico é caracterizado pela falta de humor e de criatividade; e também por uma pessoa fazer-se passar por ignorante quando isto lhe é conveniente. É o estado de certas crenças e estruturas religiosas baseadas no medo, que leva as pessoas a procurarem segurança nelas. São pessoas eficientes em trabalhos mecânicos, que não exigem criatividade, nem iniciativa. São pessoas acomodadas, que preferem ser comandadas e orientadas. Se problemas aparecem, recorrem a todos os tipos de “profissionais” para que eles os resolvam para elas. Se algum imprevisto acontece, sentem-se ameaçadas até à paranóia, devido à total falta de autonomia e raciocínio. Se sentem desconfortáveis e inseguras na presença de pessoas arrojadas ou de estilo de vida diferente. Desconfiam sempre de novas idéias e situações novas. Tudo deve ser superplanejado e pré-dirigido. As suas atitudes são mais motivadas pela preguiça do que por embotamento mental. A única preocupação é a sobrevivência e as possibilidades de evolução são reduzidas. São pessoas teimosas, e que preferem permanecer no erro a fazer o esforço necessário para sair dele. Há uma tendência de se meter em situações das quais não sabem como sair. Sempre justificam os próprios erros inventando desculpas para afirmar que estavam certas. É uma mentalidade que prefere seguir os instintos a ter de comandá-los. Em vez de ações espontâneas prevalecem as reações impulsivas. À direita da Roda da Vida, acima da seção animal, e entre esta e a seção superior dos prazeres mundanos, fica a seção dos humanos strictu sensu representada por uma pessoa sob uma árvore. É a existência das atividades com propósitos, de aspiração mais alta, e onde a liberdade de decisões tem papel essencial, porque as qualidades tornam-se conscientes, e as possibilidades são alcançadas interiormente, e onde é maior a ocorrência da libertação do ciclo de nascimentos e mortes, através da introspecção da verdadeira natureza de si mesmo e de todas as coisas no mundo. Aqui prevalece a inteligência, o raciocínio, surgem novas invenções, é o mundo das pesquisas, do progresso científico e tecnológico. O ritmo é alucinante e frenético e se paga elevado preço por isso (stress físico, emocional e mental). É o mundo da concorrência. A respeito deste mundo, Daniel Goleman nos diz o seguinte: “O mundo humano é a terra do karma, porque os seres humanos podem trabalhar as forças kármicas, isto é, a própria fonte de ilimitadas possibilidades. Aqui é possível utilizar o livre arbítrio, e no momento em que o homem decidir, ele pode dar o rumo certo à sua vida e encontrar o verdadeiro significado da existência.” Um psícologo transpessoal tibetano, Pema Wangyal Rinpoche, em visita aos Estados Unidos, disse: “Se as pessoas daqui canalizassem a quantidade de energia utilizada em pesquisas e descobertas científicas e tecnológicas para a realização da verdadeira natureza da mente, elas já seriam iluminadas há muito tempo.” Os seres humanos desperdiçam uma enorme quantidade de energia na busca de valores relativos. A constante busca destes valores e as freqüentes frustrações e desilusões, e o medo de novos fracassos, criam as condições para neuroses e psicoses. 14/21
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Os psicólogos tibetanos não acham que os seres humanos devam ser meros consumidores de bens perecíveis e de falsos ideais. Para eles a essência do mundo humano é o empenho constante e perseverante, a aspiração única do atingimento do mais alto ideal. Na parte superior esquerda da Roda da Vida e junto à seção central superior dos prazeres, vemos pessoas cuja tônica psicológica é o ciúme e a inveja. É o mundo dos que tem a paranóia de pensar que os outros estão cobiçando as suas coisas, pondo o chamado “olho gordo”. É também o mundo dos que invejam as pessoas e as coisas alheias. Se queremos ajudar estas pessoas, elas desconfiam de nossas intenções, e pensam que queremos nos imiscuir em suas vidas. E se não os ajudamos, nos chamam de soberbos e egoístas. Chegam a sofrer por causa do bem estar alheio, e a felicidade alheia lhes parece uma afronta. Querem se mostrar superiores, mas usam todos os meios torpes, como calúnias, intrigas, difamações, “fofocas”, querendo jogar uns contra os outros para tirar proveitos pessoais. São arrogantes com os mais fracos e submissos com os mais fortes. Só olham os defeitos e fraquezas dos outros e ignoram as qualidades. Estão sempre na defensiva e espionando pelas costas. São ardilosos e traiçoeiros. Há uma constante necessidade de auto-afirmação: “eu sou isso, eu fiz aquilo, sou melhor nisto, etc.” São hipócritas e “blefam” muito. São mesquinhos, alardeando ou cobrando o que dão, e são ingratos e “esquecidos”quando recebem. O cansaço das lutas inglórias e das derrotas acaba trazendo o desejo de se levar uma vida sem tensões constantes, e verdadeiramente humana. Por último, na parte inferior esquerda da Roda da Vida, entre a seção do ciúme e inveja e a seção dos mundos infernais, vemos várias pessoas quase sem roupas. São as chamadas pessoas “famintas”, sempre insatisfeitas, sempre carentes, atormentadas por desejos sem fim. São pessoas que têm incontáveis paixões amorosas e que nunca se satisfazem com os parceiros. Parecem fantasmas atormentados num mundo dos objetos imaginários de seus desejos que não conseguem nunca satisfazer. Não têm equilíbrio na vida e por isso vivem sempre em desarmonia. Os desejos e as paixões são a origem do seu sofrimento, e a instabilidade da própria personalidade os impede de se satisfazer, levando a mais apego e a mais confusão. É um estado de intensa avidez no meio de uma contínua pobreza psicológica. É a incontrolável vontade de possuir tudo o que se vê, ou no qual se pensa: objetos, pessoas, posições, poderes, etc. Na realidade, o objetivo não é a posse em si, mas a busca contínua e a luta contínua pela posse. O desejo insaciável de possuir algo que satisfaça o corpo, os sentidos, a personalidade, é continua e exige um alto preço pago em “taxas” de desgaste físico, emocional e mental, carregando um fardo que acaba sugando todas as energias. E quando elas acabam vem o vazio, o desespero, crises nervosas e emocionais, frustrações, neuroses, ansiedades e depressões. Observando as seis seções da Roda da Vida, vemos que as pessoas são varridas, catapultadas pela ignorância espiritual, de existência em existência, de estado em estado, de mundo em mundo, passando alternativamente, dos mundos infernais para o mundo das condições animais, para o mundo dos “famintos” que se julgam sempre nus, para o mundo dos ciumentos e invejosos, para o mundo dos prazeres mundanos, custando a viver num mundo verdadeiramente humano, com possibilidade de libertar a individualidade, da Roda da Vida. Basicamente, os seis estados psicológicos da Roda da Vida devem ser encarados como uma maneira de lidar com os nossos estados psicológicos na vida diária. O grande valor da psicologia tibetana da Roda da Vida está em nos ajudar a vermos o nosso mundo exatamente como ele é, e ajudar a resolvermos os nossos problemas. A diferença entre o estado mental iluminado e o estado mental confuso está, no primeiro em conhecer a situação existencial exatamente como ela é, e no segundo, em não conhecê-la. 1521
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Toda a situação de nossa vida possui um tremendo significado, e por isso mesmo é que a conscientização da nossa vida atual é da maior importância. Os seis estados psicológicos da Roda da Vida que acabamos de ver nos mostram o lado confuso da nossa mente, mas lado a lado com ele existe o lado iluminado nirvânico aguardando ser descoberto. O objetivo da psicologia transpessoal tibetana tântrica é a de estabelecer a ponte de ligação entre os dois estados mentais. Enquanto não pudermos reencontrar a palavra perdida, aquele espaço mental que é vazio, vasto e luminoso e que é o espaço mental primordial, continuaremos bloqueados na atitude psicológica dualista do “eu” e do “outro”, ou o que é pior, do “eu” contra o “outro”, o que, segundo a psicologia tibetana, é um dos maiores obstáculos ao atingimento supremo, porque a luta entre sujeito e objeto não pára nunca. A dualidade é o grande problema do estado mental confuso, e por isto os psicólogos tibetanos nos dizem que a verdadeira realização depende da transcendência da lógica dualista criada pela ignorância, para o atingimento da intuição direta. Como poderemos reencontrar o espaço mental primordial, vazio, amplo e luminoso, reencontrar a palavra perdida, o estado de pureza e ingenuidade do Jardim do Éden antes da queda de Adão, e sair fora do ciclo da Roda da Vida? Os psicólogos tibetanos nos dizem que é pela realização da verdadeira natureza de nossa mente, e para que isto aconteça eles sugerem a prática da meditação, o cultivo da mente iluminada e compassiva e a transcendência da personalidade. Como um primeiro passo na prática da meditação, façamos uma pausa, para podermos observar melhor a nossa situação atual. Tomemos consciência da prisão em que nos encontramos, pois isto é o primeiro passo para a liberdade. Sentemo-nos e meditemos sobre a nossa situação existencial atual e a nossa ligação com os seis estados psicológicos da Roda da Vida. Isto nos dará a inspiração para prosseguirmos em nossa busca da palavra perdida, que é a porta da saída da Roda da Vida, rumo ao espaço mental primordial. E que cada um de nós siga a sua própria intuição e o TAO, o Caminho da Perfeição..., (que é o título de uma obra de Santa Tereza de Ávila. ) O quarto círculo mais exterior da Roda da Vida é dividido em doze pequenas seções, que em sânscrito são chamadas NIDANAS e que pode ser traduzido por CORRENTE (cadeia formada por elos). É a cadeia da causalidade ou os elos da corrente causal da mente confusa. Os doze NIDANAS representam o mecanismo psicológico do processo do KARMA (relação entre causa e efeito) que atua em todas as situações de nossa existência. É a ligação ou elo de uma situação existencial para outra. Não se pode escapar às reações causadas pelas nossas ações. O quarto círculo da Roda da Vida ilustra uma das verdades enunciadas por Buda: não há existência sem sofrimento, motivo porque o sofrimento é o fato mais comum da existência. A compreensão da verdade do sofrimento, motivado por nossa confusão mental, é o primeiro passo para transcendê-lo. E para compreendê-lo devemos enfrentá-lo face a face, sem rejeição nem aceitação, apenas sendo uma testemunha imparcial dele: apenas é o que é, sem adjetivações ou julgamentos, atitudes que, juntamente com a rejeição, impedem a compreensão. Os doze elos ou NIDANAS constituem o que em sânscrito é chamado "pratityasamutpada". Pratitya se traduz por dependência ou dependente, e Samutpada por surgimento ou origem. Em inglês tem sido traduzido por "dependent origination" (patticca-samuppada, em pali). Em português tem sido traduzido por surgimento ou originação dependente, ou interdependente, ou codependente. Enquanto as seis seções, ou seis mundos existenciais, ou seis estados psicológicos mundanos, representam o mundo samsárico sob a influência das energias que emanam do centro da Roda da Vida, a borda externa com os doze elos mostra a ação das energias interiores na vida individual das pessoas. Este círculo externo é também chamado Roda do Karma. No budismo o karma é a causalidade psicológica - de como os hábitos se formam e perduram, gerando causas e efeitos. 16/21
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O círculo externo pretende mostrar como a causalidade cármica funciona. Seu objetivo é a compreensão da causalidade e como esta compreensão pode ser utilizada para romper as cadeias ou elos do condicionamento mental. A ordem direta e progressiva dos doze elos mantêm o samsara. A ordem "reversa" conduz para fora do samsara, ou para o Nirvana. O tratado Abhidharmakosabhasya descreve os doze elos como divididos em três klesa, dois karma e sete fundamentos. O Khenjug aprofunda a explicação do Abhidharmakosabhasya: os três klesa são os três venenos, a ignorância, o apego e os desejos ou anseios. Os dois karma são a propensão cármica e o vir-a-ser. E os outros sete são fundamentos dos sofrimentos. De klesa surge o karma, do karma surgem os sofrimentos. A ignorância, as propensões cármicas e a consciência são elos projetantes, isto é, elos de existências passadas que projetaram a presente existência. Os elos nome e forma, sentidos, contato, e sentimentos são projetados resultantes, isto é, elos da existência atual resultantes dos elos projetantes. Os elos desejo/anseio, apego e vir-a-ser são fundantes, isto é, elos da existência atual que podem fundar a próxima existência. E nascimento, velhice e morte são elos da próxima existência que são fundados na presente existência, chamados fundados. De acordo com os ensinamentos da Originação Dependente, a causa e o efeito surgem juntos e tudo o que existe é resultado de múltiplas causas e condições. O ovo está na galinha e a galinha está no ovo, surgem em dependência mútua, nenhum dos dois é independente. Nos diz Tich Nhat Hanh: "Para que uma mesa exista, precisamos de madeira, de um carpinteiro ou marceneiro, de tempo, de habilidade e muitas outras causas. E cada uma dessas causas precisa por sua vez de outras causas para existir. A madeira precisa de solo, da floresta, do sol, da chuva, etc. O carpinteiro precisou de seus pais, parentes, de aprendizado com outras pessoas, de ar, comida, bebida, etc. E cada uma dessas coisas, por seu lado, surge em função de outras condições. Se continuarmos, veremos que nada ficará de fora. O cosmos inteiro se uniu para produzir a mesa. Se contemplarmos o sol, as nuvens, as folhas das árvores, veremos a mesa. A causa e o efeito surgem de maneira interdependente". Vamos tentar interpretar cada NIDANA, seguindo o movimento de um ponteiro pequeno de um relógio, que marca as horas, começando pela posição da uma hora, e depois, duas, três, etc. A figura correspondente à primeira hora é a de uma mulher cega, a Ignorância (ego/ ilusão/delusão), apalpando o caminho com um bastão. Por causa de sua cegueira espiritual, os seres humanos vagueiam pela vida, criando uma imagem ilusória de si mesmo e do mundo, pelos anseios voltados para coisas irreais, e seus caráteres são formados por estes anseios que orientam suas vontades. Desconhecem a verdade sobre a natureza da mente e todas as outras coisas. A ignorância forma a mente iludida/ deludida e só a clara luz da verdadeira compreensão forma a mente verdadeira. A Ignorância é klesa projetante. A figura correspondente à segunda hora é a de um oleiro. Simboliza adequadamente a atividade criativa da forma (samskara). Assim como um oleiro cria a forma dos vasos, nós formamos nosso caráter, nosso destino, nosso karma, as conseqüências de nossos pensamentos, palavras e obras. Aqui, "samskara" é a ação volicional, pensamentos, palavras e ações que geram "skandha", agregados ou formações/propensões cármicas, e constituem os princípios ativos dirigentes da consciência, ou o caráter da consciência. Por caráter compreende-se a tendência da vontade, formada pelas ações repetidas. Cada ação deixa um rastro, uma pegada, uma trilha formada pelo caminho percorrido, e onde quer que exista um caminho já trilhado, logo o encontramos quando uma situação semelhante aparecer, e tomamos o caminho espontaneamente. Esta é a lei da ação e reação chamada karma, a lei do movimento na direção da menor resistência e do menor esforço, do freqüentemente trilhado, do caminho mais fácil, ou a força do hábito. Assim como o oleiro forma os vasos, nós criamos o caráter de nossa consciência. Nas formações cármicas estão incluídas todas as ações volitivas e todas as construções mentais, sejam boas, más, ou indiferentes. 17/21
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A ação volitiva é também chamada ação intencional da mente iludida/deludida, em contraste com uma grande aspiração inabalável e perseverante, da clara luz de uma mente verdadeira. "Samskara" é karma projetante. A figura correspondente à terceira hora é a de um macaco e representa a consciência. Do mesmo modo que um macaco inquieto pula de galho em galho, assim a consciência vai de um objeto a outro. A consciência não existe por si mesma. Ela necessita dos objetos dos sentidos, da memória e da imaginação, para existir, acessando uns e outros, criando funções mentais e a dualidade sujeito/objeto. A consciência é fundamento projetante. A figura correspondente à quarta hora é a de um barqueiro conduzindo duas pessoas, que representam o corpo e a mente, o organismo psicofísico, e a íntima relação entre as funções corporais e mentais é comparada a duas pessoas num barco, que representam, também o nome e a forma. A mente é condicionada pelo corpo e vice-versa. A mente percebe através do corpo e o corpo sente através da mente. É fundamento projetado resultante. A figura correspondente à quinta hora mostra as janelas e portas das casas, e representam os seis sentidos budistas: visão, audição, olfato, gustação, tato e pensamento. Estas faculdades são semelhantes às janelas e portas das casas, através das quais percebemos e nos comunicamos com o mundo exterior. É fundamento projetado resultante. A figura correspondente à sexta hora nos mostra um casal numa cama, simbolizando o contato dos sentidos com os objetos. É o contato entre os objetos dos sentidos, os órgãos dos sentidos e a consciência sensorial. É fundamento projetado resultante. A figura correspondente à sétima hora nos mostra uma pessoa com um olho perfurado por uma flecha encaminhando-se para uma queda, simbolizando o predomínio das sensações agradáveis, desagradáveis e neutras ou indiferentes. Em linguagem fenomenológica diz-se quando somos "lançados" no mundo. A flechada no olho significa a intensidade dos sentidos e as futuras conseqüências dolorosas que surpreendem os que se deixam levar apenas por sensações. É fundamento projetado resultante. A figura correspondente à oitava hora mostra um beberrão sentado, com uma taça e toneis de bebidas. Simboliza a sede de viver e a sede dos desejos. A forma básica dos desejos é querer o agradável e ter aversão ao desagradável. A plena atenção ao processo formador de desejos pode determinar a cessação de seu mecanismo autopropulsor. O processo da evolução biológica preconizado na ciência, é simplesmente o transporte para a frente, geração após geração, através das eras geológicas, da vida que é sede de viver, desse instinto de ânsia, que pelos processos biológicos produziu as criaturas viventes, as formas de vida, desde o protoplasma da célula única até o ser mais complexo, que é o humano. É o "elan vital" de Henri Bergson em sua obra "A evolução criadora". Sempre procurando o desconhecido, que será o novo conhecido. A mente no estado de ignorância é dominada pelos desejos, que são causa de sofrimentos. Essa sede é klesa fundante. A figura correspondente à nona hora nos mostra um macaco apanhando frutos de uma árvore, simbolizando a fascinação, a cobiça e o apego. O apego caracteriza-se por noções subjetivas da existência do eu, ou ego, ou "self", de pessoa, personalidade, a idéia de meu e de posses. Apegar-se a um objeto, a outro ser, a uma ideologia política ou religiosa, considerados como meu e minha. Subtrair-se aos sofrimentos significa subtrair-se à sensação de um eu, de um ego, aos pensamentos de meu e minha, em suma, subtrair-se aos apegos. Os apegos nos dão uma falsa sensação de segurança. Podemos nos apegar a conceitos e opiniões tidos como certos e verdadeiros, sem nunca submetê-los a uma dúvida ou crítica construtiva. Há também os apegos aos hábitos, normas, regras e rituais. O apego é klesa fundante. A figura correspondente à décima hora nos mostra uma mulher alegre por sentir-se grávida, simbolizando o vir-a-ser. O apego desencadeia o vir-a-ser, a formação de uma nova situação futura. A meditação e contemplação com profundidade deve nos esclarecer sobre o nosso processo de vir-a-ser, de nosso objetivo final. É karma fundante. 18/21
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A figura correspondente à undécima hora nos mostra uma mulher dando à luz uma criança, simbolizando os nascimentos e os renascimentos. Existindo karma, ele deve renascer. O karma não é uma entidade que vai de vida em vida, como um visitante vai de casa em casa. Ele é a própria energia vida, o "élan vital", a que se agregam as formações cármicas. É tendência natural das formações cármicas se agregar a uma nova matéria que lhe dê sustento. O renascimento terá lugar onde as tendências cármicas encontrarem as melhores condições de expressão, o solo mais apropriado para deitar raízes e a atmosfera mais generosa para produzir frutos. É fundamento fundado. A figura correspondente à duodécima hora nos mostra um homem carregando um cadáver dentro de um fardo. Simboliza que tudo o que nasce, envelhece e morre. É fundamento fundado. Os Mandalas da Roda da Vida mais antigos se encontram nos templos-caverna de "Ajanta", datam do II século A.C., e seus fragmentos ainda podem ser vistos. Os arqueólogos e antropólogos ocidentais os consideraram erroneamente como a representação do zodíaco hindu, também dividido em 12 partes, e com o qual a Roda da Vida tem alguma relação. Sarat Chandra Das, em seu Dicionário Tibetano-Inglês, de 1902(30), no verbete "rten-hbrel-gyi-hkor-lo" menciona a existência de um tratado tibetano ilustrado com dezoito diferentes descrições da Roda da Vida. A mais antiga dessas ilustrações é atribuída ao mestre Nagarjuna, que viveu na India, no II século da Era Cristã, cerca de sete séculos após a existência de Buda. No entanto, ela só se popularizou no Tibete. Cada elo da corrente representa a soma total de todos os outros elos e estão intimamente interligados. Tôdas as fases dessa corrente são fenômenos da mesma ilusão: a realidade da personalidade Pela transcedência dessa ilusão, pulamos fora da corrente e compreendemos que a existência individual só tem sentido em relação ao tôdo, mediante uma vida impessoal. Vencendo a ilusão da personalidade, entendemos que nada e ninguém, pode existir em si mesmo e por si mesmo, porem as formas de vida tem o Universo inteiro por base, e que o significado das formas de vida só pode ser entendido na sua relação com a Vida Universal. No momento em que houver a consciência dessa universalidade, o que também é ecologia, deixaremos de nos identificar com os limites de nossa corporalidade temporal, e poderemos ser, então inundados pela plenitude da Vida, atingindo um estado onde a sensação de tempo desaparece, pela não distinção de passado, presente e futuro, fora da dualidade sujeito/objeto. Meditando nas vidas passadas, presentes e futuras, como uma só, perdemos o temor dos nascimentos e mortes, e esta é uma feliz mensagem da libertação final dos grilhões do cativeiro cármico. Encerrando a apreciação da Roda da Vida, vemos que ela é segura por YAMA, o Deus Tibetano da morte, com a cabeça cingida por cinco crânios, simbolizando os cinco sentidos e os cinco SKANDAS, ou agregados da existência. Entre os ocidentais, foi o psicólogo suíço Carl Gustav Jüng quem mais se dedicou à pesquisa, estudo e interpretação psicológica do MANDALA. Em 1929, êle e o sinólogo alemão Richard Wilhelm, publicaram em Munique, na Alemanha, a obra “O Segrêdo da Flôr de Ouro19”, com a tradução de um velho texto chinês, o TAI I CHING HUA TSUNG TCHI. Richard Wilhelm traduziu o texto para o Alemão e fêz alguns comentários, cabendo a Jüng fazer interpretações psicológicas. “O Segrêdo da Flôr de Ouro19”tem uma tradução em Português, publicada pela ed. Vozes, de Petrópolis, tendo saído a 19ª edição em 1998. Dela extraímos o seguinte: “A alquimia medieval representa o traço de união entre a gnose do II e III séculos da Era Cristã e os processo do inconsciente coletivo que observamos nos homens de hoje. O Inconsciente coletivo equivale ao conceito de instinto, como quando se diz que alguém agiu por instinto. É a mera expressão psiquíca da identidade da estrutura cerebral, independentemente das diferenças raciais. Isto explica a analogia e às vezes a identidade dos temas mitológicos e dos símbolos, sem falar na possibilidade da compreensão humana em geral. 19/21
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS As diversas linhas do desenvolvimento anímico partem de uma base comum, cujas raízes mergulham no passado mais distante. Sobre um ponto de vista puramente psicológico, trata-se de instintos gerais de representação, imaginação e ação. Todas a representações e ações conscientes desenvolveram-se à partir destes protótipos inconscientes e continuam ligadas à eles. A pessoa que depende de um modo preponderante do inconsciente, e é menos propenso à escolha consciente, tem a tendência para um acentuado conservadorismo psíquico”. Observando o sucedido aos grandes místicos da humanidade, me pergunto: o que fizeram tais pessoas para levar à cabo o processo libertador? Na medida em que pude percebê-lo elas nada fizeram, mas deixaram que as coisas acontecessem, de acôrdo com o WU WEI (Ação da Não-ação) preconizado pelo mestre LAO TSÉ quatro séculos antes de Cristo, em seus versos nº 48. Apenas permitiram que a Luz circulasse de acôrdo com sua própria Lei, sem abandonarem seus afazeres habituais. O deixar acontecer, na expressão do grande místico e mestre ECKHART, foi para mim uma chave que abriu a porta para entrar no caminho: “Devemos deixar as coisas acontecerem psiquicamente”. Eis uma Arte Real que muita gente desconhece. Muitas pessoas parecem querer ajudar corrigindo, sem permitir que o processo psíquico se cumpra calmamente. Como ensina o mestre LAO TSÉ: “Quando os afazeres se nos propõe, devemos aceitá-los: quando as coisas acontecem em nossas vidas, devemos compreendê-las à fundo. Um receberá o que vem de fora. O Outro o que vem de dentro. Um receberá de fora o que antes nunca recebera. o outro receberá de dentro a possibilidade antes excluída. Esta conversação do próprio Ser, significa ampliação, elevação e enriquecimento da individualidade. O caminho não é isento de perigos. Tudo que é bom é difícil, e o desenvolvimento da individualidade é uma das tarefas mais árduas. Trata-se de dizer sim a si mesmo, de se tomar como a mais séria das tarefas, tornando-se consciente daquilo que faz. Quer receba seu destino de fora ou de dentro, as vivências e os acontecimentos do caminho, do TAO, são os mesmos.” Se compreendermos o TAO, como método, ou caminho consciente, que deve unir o separado, estaremos bem próximos do conteúdo psicológico do conceito. A meta da Unificação entre a nossa vida de todo o dia e a consciência é a obtenção da vida Consciente, ou como dizem os Chineses, a realização do TAO. A União dos opostos num nível mais alto da consciência não é uma questão de raciocínio, e muito menos de vontade, mas um processo de desenvolvimento psíquico, que se exprime em símbolos. “Historicamente, este processo sempre foi representado através de símbolos e ainda hoje o desenvolvimento da individualidade é figurado mediante imagens simbólicas. Se as fantasias de nossa imaginação forem desenhadas, comparecem símbolos que pertencem principalmente ao tipo do MANDALA, que significa círculo e primordialmente círculo mágico. Os MANDALAS não se difundiram somente através do Oriente, mas a Idade Média ocidental é rica de MANDALAS cristãos. Em geral o Cristo é figurado no centro e os quatro evangelistas ou seus símbolos são colocados nos pontos cardeais. Encontramos um interessante MANDALA em Jacob Boheme, em seu livro sobre a alma. É o olho filosófico, o olho que tudo vê, ou o espelho da sabedoria, denominações que mostram claramente tratar-se de uma summa de sabedoria secreta. A maioria dos MANDALAS tendem para o quaternário, o que lembra a TETRAKTYS pitagórica. Entre os índios pueblo os MANDALAS são desenhados na areia, para uso de rituais. Mas os MANDALAS mais belos são, de modo indiscutível, os do budismo tibetano tântrico. Encontrei desenhos mandálicos entre doentes mentais, pessoas que não tinham qualquer idéia das conexões aqui mencionadas. Algumas de minhas pacientes do sexo feminino não desenhavam, mas dançavam MANDALAS. Na India existe a dança mandálica, onde as figurações da dança têm o mesmo sentido que as dos desenhos. Pacientes que nada podem dizer acerca do sentido simbólico dos MANDALAS, se sentem fascinados por eles e reconhecem que exprimem algo que atua sobre o seu estado 20/21 anímico.” (Jüng, ref. : 19)
O SIMBOLISMO DOS MANDALAS Em julho de 1998, monges tibetanos budistas exibiram danças rituais que visavam reduzir os sentimentos negativos e minimizar a personalidade, no Teatro SESC da Vila Mariana, na rua Pelotas, em São Paulo. Eram danças sagradas do mosteiro SHETCHEN, em que os monges dançarinos e o público compartilharam um momento de espiritualidade. O significado da dança era o de dissolver o apego a nós mesmos e nos conduzir ao amor e compaixão. O mosteiro de SHETCHEN foi fundado em 1735, no Tibete, e destruído durante a invasão chinesa. Foi reconstruído no Nepal, onde hoje funciona. Também se exibiram em São Paulo os dervixes sufistas islâmicos, que dançam girando e rodopiando com a finalidade de parar o pensamento e atingirem uma experiência culminante. Os dervixes pertencem à ordem fundada por RUMI (Jalaluddin Rumi ou Djalal ad-din Rumi), o grande místico sufi, que nasceu em Balkh, Khorasan, na Pérsia (hoje em dia no norte do Afeganistão) no dia 6 de RabiI do ano 604 da Era Muçulmana (30 de setembro de 1207) e morreu em Konya, na Turquia, em 12 de dezembro de 1273. Foi quando chegou e se estabeleceu em Konya que Rumi ali fundou a ordem MEVLEV ou a Ordem dos Dervixes Dançantes. Existem duas obras de Rumi em português, “Masnavi” e “Fihi-Ma-Fihi”, ambas publicadas por Edições Dervish. Na obra “Psicologia a Alquimia16”, no capítulo “Símbolos Oníricos do Processo de Individualização”, Jüng dedica uma parte: “Simbolismo do Mandala”, a interpretação de 56 sonhos de pacientes seus, tôdos de conteúdo mandálico. Encerrando este trabalho, não podemos deixar de mencionar a obra de Rüdiger Dahlke, MANDALAS20, da ed. Pensamento, é um livro de cerca de 350 páginas e que traz perto de 140 símbolos, Iantras e Mandalas, que podem ser coloridos pelo leitor. Alem disso, cada símbolo, tem um comentário ou observações, relacionando a figura com conhecimentos ocultistas, esotéricos e psicológicos. São Paulo Ir:. Adriano Salles Toledo de Carvalho, M:. M:. Bibliografia relacionada no texto: 1 - Grande Enciclopédia Larrouse Cultural; 2 - Fundamentos do Misticismo Tibetano, Lama Anagarika Govinda, ed. Pensamento; 3 - Dicionário da Lingua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, por Antenor Nascentes; 4 - Vocabulário da Psicanálise, de Laclanché e Pontalis, ed. Martins Fontes; 5 - Introdução a Psicologia Junghiana, de Calvin S. Hall e Vernon J. Nordby, ed. Cultrix; 6 - A Busca do Símbolo, de Edward C. Whitmont, ed. Cultrix; 7 - Jüng, de Nise da Silveira, ed. Paz e Terra; 8 - O Homem e seus Símbolos, de Carl Gustav Jüng, ed. Nova Fronteira; 9 - A Vida Simbólica, de Carl Gustav Jüng, ed. Vozes; 10 - Psicossíntese, de Roberto Assagioli, ed. Cultrix; 11 - The Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion, Shambala Publications Inc., Boston, USA; 12 - Dicionário de Maçonaria, de Joaquim Gervásio de Figueiredo, ed. Pensamento; 13 - O Tantrismo, de Jean-Michel Varenne, ed. Martins Fontes; 14 - Sakti y Sakta, Arthur Avalon (Sir John Woodroffe), ed. Kier, Buenos Aires, Argentina; 15 - O Budismo Tibetano, de Jean-Michel Varenne, ed. Martins Fontes; 16 - Psicologia e Alquimia, de Carl Gustav Jüng, ed. Vozes; 17 - Introdução à Psicologia Tibetana, de Clóvis Correa de Souza Filho, ed. Vozes; 18 - Tao Té Ching, de Lao Tsé, ed. Pensamento; 19 - O Segredo da Flôr de Ouro, de Carl Gustav Jüng e Richard Wilhelm, ed. Vozes; 20 - Mandalas, de Rudiger Dahlke, ed. Pensamento. 21 - Tantra - de Georg Feuerstein, Nova Era, Rio de Janeiro, 2004; 22 - The Tantra - de Victor M. Fic, Abhinav Publications, Nova Delhi, India, 2003; 23 - Kaula Tantra - de Tarananda Sati (Osvaldo Luiz Marmo), Madras Editora, São Paulo, 2006; 24 - A Mente Incorporada - Ciências cognitivas e experiência humana - de Francisco J. Varela, Evan Thompson e Eleanor Rosch, Artmed Editora, Porto Alegre, 2003; 25 - Caminhos Para A Iluminação - Lama Mipham, Editora Dharma, São Paulo e Rio de Janeiro, 2004; 26 - Budismo - de Georges da Silva e Rita Homenko, Pensamento, São Paulo, edição de 1999; 27 - A Essência Dos Ensinamentos De Buda - de Tich Nhat Hanh, Rocco, Rio de Janeiro, 2001; 28 - Budismo - de Richard A. Gard, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1964; 29 - Budismo - Significados Profundos - de Hsing Yün, Cultura, 2003; 30 - Dicionário Tibetano-Inglês, de Sarat Chandra Das, Book Faith India, Delhi, 1902, reimpressão de 1998.
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