Magia e Cura Kahuna Serge Kahili King

August 31, 2017 | Author: guscorca | Category: Hawaii, Science, Time, Planets, Māori People
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Serge Kahili King – Magia e Cura Kahuna

Serge Kahili King

MAGIA E CURA

KAHUNA 1

Saúde Holística e Práticas de Cura da Polinésia

Tradução: Marcos Malvezzi Leal

MADRAS

Serge Kahili King – Magia e Cura Kahuna

Publicado originalmente em inglês sob o título Kahuna Healing — Holistic health and healing practices of Polynesia, em Theosophical Publishing House, 306 Wes Geneva Road Wheaton, Illinois 60187 USA © 1983, Serge King Tradução autorizada do inglês Direitos de edição para todos os países de língua portuguesa © 2004, Madras Editora Ltda. Editor: Wagner Veneziani Costa Produção e Capa: Equipe Técnica Madras Tradução: Marcos Malvezzi Leal Revisão: Augusto do Nascimento Ana Maria Balboni Palma CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE ________ SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. ____________________ K64m King, Serge Magia e Cura Kahuna: Saúde Holística e Práticas de cura da Polinésia/Serge Hahili King; tradução Marcos Malvezzi Leal. - São Paulo: Madras, 2004 Tradução de: Kahuna healing Apêndice Inclui bibliografia ISBN 85-7374-812-5 1. Cura pela mente. 2. Cura - Havaí. 3. Havaianos - Medicina. 4. Kahuna. I. Título. 04-0798. CDD 615.851 CDU 615.85 23.03.04 __________________ 24.03.04 ________________________ 005926 Proibida a reprodução total ou parcia desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográ ficos, sem permissão expressa do editor (Lei n? 9.610, de 19.2.1998) Todos os direitos desta edição, em língua portuguesa, são reservados pela MADRAS EDITORA LTDA.

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Rua Paulo Gonçalves, 88 — Santana 02403-020 —São Paulo —SP Caixa Postal 12299 — CEP 02013-970 — SP Tel.: (0 11) 6959.1127 — Fax: (0_ _11) 6959.3090 www.madras.com.br

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Dedicatória Este livro é dedicado a Harry L. King, meu pai e meu primeiro professor Huna; a O., que manteve o Huna vivo em mim, enquanto eu crescia e me tornava adulto; a M'Bala, que me ensinou tanto sobre energia psíquica; e especialmente a Wana Kahili, cujo profundo conhecimento da filosofia e das tradições Huna tornaram possível esta apresentação.

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Índice Prefácio ................... ............................................................................................ 06 Capítulo 1 Os Kahunas .......................................................................................................... 14 O Povo da Polinésia ................................................................................... 14 O Sistema Kapu ........................................................................................... 15 Os Kahunas do Havaí ................................................................................ 16 As Ordens Kahunas ................................................................................... 20 A Ordem de Ku .................................. ................... . ......................... ........ 21 A Ordem de Lono .................................... .................................................. 21 A Ordem de Kane ....................................................................................... 21 Os Renegados .............................................................................................. 22 Os Kahunas Hoje ................................. ................... ......... ........................ 22 Capítulo 2 A Tradição Interior ........................................................................................... 23 A "Bíblia" Kahuna....................................................................................... 23 O Conceito de Deus.................................................................................... 25 Kane ................................................................................................................. 25 Ku ..................................................................................................................... 26 Lono ................................................................................................................. 26 Kanaloa........................................................................................................... 26 Homem Trino .............................................................................................. 27 A Divindade .................................................................................................. 27 Espíritos ......................................................................................................... 27 Crenças e Realidade .................................................................................. 28 Vida e Morte ................................................................................................. 29 Bem e Mal ...................................................................................................... 30 Amor e Emoções ......................................................................................... 31 Relatividade ................................................................................................. 32 Capítulo 3 Práticas Psíquicas ......................................................................................... 34 Níveis de Consciência .......................................................................... .....34 Primeiro Nível: Físico (Ike Papakahi) ............................... 34 Segundo Nível: Psíquico (Ike Papalua) ............................. 34 Terceiro Nível: Relacionai (Ike Papakolu) ....................... 35 Quarto Nível: Místico (Ike Papakauna) ............................ 35 Mente, Energia e Matéria ............................................................... ....... 35 Simbologia .................................................................................................... 36 Categorias de Poderes Psíquicos ............................... ........................ 37 Telepatia (Una) ............................................................................. 37 Clarividência (Kilo/Nana Ao) ................................................ 38 Pré-cognição (Wanana) ........................................................... 38 Psicocinesia (Kalakupua) ........................................................ 40 Destruição Psicocinética (Ana-ana) .................................... 40 Contrafeitiçaria ........................................................................................... 42 Habilidades Psíquicas são Neutras ..................................................... 43 Capítulo 4 Abordagem Mente/Corpo .......................................................................... 44

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O Eu Superior (Kane/Aumakua) ....................................................... 44 Mente Consciente (Lono)... ................................................................... 47 O Subconsciente (Ku) ................................................................... 47 O Corpo (Kino) ........................................ ................................................. 48 Fluxo Biológico de Energia ................................................................... 49 Emoções ......................................................................................................... 51 A Natureza e a Formação de Complexos .......................................... 52 Pressuposições (Paulele) ...................................................................... 53 Atitudes (Kuana) ...................................................................................... 54 Complexos (Hilina'i) ..................................................................... ..........55 Feedback Ecológico.............................................................. ....................56 Capítulo 5 Métodos de Cura ............................................................................................ 59 "Terapia Estratégica" .............................................................................. 59 A Abordagem Material ........................................................................... 60 Remédios ..................................................................................................... 60 Dieta ............................................................................................................... 62 Ritual ............................................................................................................. 63 Objetos Energizados................................................................................ 63 A Abordagem Energética ....................................................................... 64 Manipulação Física .................................................................................. 64 O Corpo (Kino) .......................................................................................... 65 Manipulação de Campo ................................................ .......................... 65 A Abordagem Mental .............................................................................. 66 Percepção dos Pensamentos (Ike) ................................................... 67 Estabelecer Metas (Makiá) ......... . ..................................................... 67 Mudar (Kala) ............................................................................................. 68 Direcionar Energia (Manawa) ........................................................... 68 Falha no Tratamento ......................................... ....... — ....................... 69 Cura Divina.................... ............................................................................ 70 Encerramento (Panina) ....................................................................... 71 Epílogo............................................................................................. 72 Apêndice O Código Kahuna ........................................................................................... 75 Regras do Código ....................................................................................... 76 Exemplos ....................................................................................................... 76 Bibliografia Comentada sobre Huna e os Kahunas ............ 80 Outras Referências ................................... , ............................................... 86

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Prefácio 'Tempestade de areia!" Camelos grunhindo, cavalos relinchando, e o pequeno grupo de homens corria para proteger as cabeças de seus animais da poeira cortante, antes de cobrir os próprios rostos com cachecóis de lã. Como era típico em Gobi, a tempestade caíra sobre eles quase sem avisar. Os homens tossiam e praguejavam em mongol e inglês, aglomerando-se e cambaleando passos à frente. Um dos guias havia notado alguns montes de areia à esquerda, antes da tempestade, e era para lá que ele guiava o grupo, na esperança de encontrar alguma pequena proteção contra o vento e a areia. Minutos depois, ele deparou com o que sobrara de um muro de tijolos de barro, remanescente dos antigos vilarejos em ruínas que ainda pontilham o deserto. "Abrigo! Abrigo aqui!", gritou. Sua voz era abafada pelo vento e por seu cachecol, mas a mensagem foi ouvida e passada adiante. Homens e animais marchavam adiante com esforço e dificuldade, na tentativa de se esconder entre os recessos protetores de muros caídos e pilhas de entulho. Aparentemente, o acaso sorrira para eles.

Um dos homens, o mais jovem dos estrangeiros naquela expedição científica e política, abrigou-se na junção de dois muros, a alguma distância dos outros. Lá, agachou-se ao lado do cavalo para esperar que a tempestade passasse. A expedição da qual fazia parte era uma dentre muitas, enviadas pela Inglaterra no começo do século XX, quando a Ásia ainda era um joguete nas lutas por poder entre os impérios britânico, russo e chinês. O jovem refletia sobre tudo isso quando subitamente o solo na frente de seus pés pareceu partir-se, abrindo um buraco diante dele. Em meio à claridade da luz do sol, ofuscada péla cortina de areia, ele viu degraus que conduziam para o fundo escuro. Percebeu que devia estar em cima do telhado de um velho edifício, e seus passos até provavelmente tinham enfraquecido a sustentação. Extremamente curioso e ignorando qualquer perigo, o jovem deixou o cavalo e desceu pelos degraus.

Pela abertura, entrava luz suficiente para lhe permitir enxergar de forma difusa o ambiente; e o que viu fê-lo suspirar, surpreso. Estava numa sala de mais ou menos 9 metros de comprimento por 4,5 metros de largura. As paredes de ambos os lados mostravam o que pareciam ser afrescos, mas a iluminação filtrada através da abertura em cima não possibilitava distinguir detalhes das imagens. Deu mais alguns passos e viu uma mesa na extremidade oposta. Ao se aproximar dela, percebeu que parecia mais um altar de pedra. Bem no centro desse altar, encontrava-se uma jóia, um bracelete. Ao pegá-lo, ouviu um ruído atrás de si, e se voltou. Começava a cair areia pela abertura, ameaçando enterrá-lo vivo. Enfiando o bracelete num bolso, correu de volta aos degraus e quase rastejou para sair. O cavalo não estava mais lá e a tempestade estava piorando. A única coisa que podia fazer agora era encolher-se no canto entre os escombros e esperar. Finalmente, a tempestade acabou. O rapaz, quase totalmente coberto de areia, tirou o pano que lhe cobria a cabeça e apertou os olhos, observando um mundo diferente. O sol brilhava através de um ar limpo e não havia mais nenhum traço do buraco por onde ele se havia espremido para entrar. A areia encobrira tudo, inclusive os pedaços do muro que serviam de abrigo. Foi então que ouviu vozes. "Harry! Harry, onde está você?" "Aqui", ele gritou, e abriu caminho entre a areia, saindo do ninho protetor. Os outros tinham encontrado o seu cavalo, e ficaram muito aliviados ao ver que ele também estava inteiro. Ninguém se interessou por sua história sobre uma sala com afrescos e um altar. Estavam

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ansiosos para sair daquela zona de areia e alcançar as estepes. Após ouvir brincadeiras sobre ter sofrido uma insolação, ele não mencionou mais sua aventura, e a expedição prosseguiu. Alguns meses depois, Harry estava de volta a Londres, reportando-se ao seu superior no departamento do governo onde trabalhava. Quase no fim de seu recital sobre sua participação na expedição, enfiou a mão no bolso e tirou o bracelete. "O que o senhor acha que é isto?", perguntou, colocando o objeto sobre a mesa. "Parece um mapa do sistema solar, não parece?" Harry esperava uma ligeira curiosidade, talvez alguma admiração, mas o homem do outro lado da mesa parecia totalmente perplexo. Hesitante, ele apanhou o bracelete e o examinou com cuidado. No centro, havia uma pedra amarela, como topázio, ao redor da qual e aleatoriamente em círculos concêntricos se encontravam outras pedras menores, em número total de nove. O homem dirigiu um olhar profundo a Harry e disse: "Onde conseguiu isso?" Harry lhe contou a história da tempestade e da sala que descobrira por acaso. "Posso ficar com ele esta noite?", o homem perguntou. "Garanto-lhe que estará em segurança." Embora surpreso, Harry concordou. E o dia seguinte seria o início da mais estranha aventura na vida de Harry. No decorrer do mês seguinte, ele foi apresentado a um grupo de pessoas que não acreditava no acaso, e para as quais a descoberta do bracelete tinha um significado especial. Por fim, acabaria conhecendo' também ensinamentos que, para ele, apresentariam um novo modo de ver e lidar com a realidade. E, finalmente, Harry foi adotado/iniciado pelo grupo ao qual ele sempre chamou de A Organização. O jovem mencionado nessa narrativa era Harry Leland Loring King, meu pai, e foi assim que ele me contou a história. Por intermédio dele, também me associei à Organização, embora a chame por outro nome. Sinto que o conhecimento obtido por meio dessa afiliação é tão importante para a saúde e felicidade, tanto em escala individual quanto mundial, que quero partilhá-lo com você de uma forma que o torne uma realidade viva em sua vida cotidiana. Mas, antes, gostaria de lhe falar um pouco sobre mim e o grupo. Alguns dos leitores podem achar difícil acreditar naquilo que vou dizer, e se quiserem ouvir-me com um pé atrás, não me incomodo. O verdadeiro prato servido pelo livro começa no capítulo 2, e quem quiser poderá ir direto para ele. Outros, porém, talvez se beneficiem ao compreender que há visões do mundo e algumas coisas acontecendo na vida muito diferentes daquilo que a maioria de nós, no Ocidente, é levada a acreditar. Minha primeira lembrança de algo relacionado ao grupo de que estou falando é de quando eu tinha 7 anos, e meu pai me leu uma carta de um homem que, segundo ele, "observava o meu desenvolvimento". Nunca conheci tal homem, mas, mais ou menos naquela época, comecei a cultivar um intenso interesse por astronomia, que nunca diminuiu. De meu pai, herdei uma profunda paixão por ciência e pela natureza, e aprendi muitas lições práticas sobre o poder da mente. Quando estava com 14 anos, meu pai me iniciou no grupo e disse que eu seria procurado por outros professores, com o passar do tempo. Um ano após a morte dele, enquanto eu fazia o primeiro ano de faculdade, fui contatado por um homem do grupo que me disse que, por algum tempo, eu seria mais tutorado através de meus sonhos. Na época, eu estava mais interessado na sobrevivência física, por isso não dei muita importância à informação. Em vez de fazer o segundo ano da faculdade, alistei-me na Marinha e mudei-me para a Califórnia. Poucos meses depois, fui procurado por outra pessoa do grupo, e passamos a nos encontrar regularmente durante todo tempo que durara meu alistamento. Entre outras coisas, fui orientado para um estudo de arqueologia e técnicas de examinar o passado distante. Pouco antes de terminar meu período militar, fui ordenado kahuna da Ordem de Kane, tema ao qual voltarei mais adiante. Nos cinco anos seguintes, meus estudos "extracurriculares" se centralizaram em antropologia, filosofia e religião.

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Em 1964, já tinha constituído família, e trabalhava para uma Agência Voluntária Americana, administrando programas de assistência e desenvolvimento no oeste da África. Lá, fui contatado por um membro africano do grupo, e com sua ajuda vivi alguns dos anos mais aventurosos de minha vida. Na África, envolvi-me profundamente com as técnicas de mudança social e a natureza da força vital, particularmente em sua aplicabilidade à cura. Enquanto trabalhava com os aldeãos e os burocratas do governo, promovendo o desenvolvimento socioeconômico, comecei a ver como as abordagens mais ortodoxas eram ineficazes para induzir qualquer tipo de mudança duradoura. O jeito ortodoxo — e isso se aplica à medicina, psicoterapia e educação, bem como às questões socioeconômicas — é estabelecer um método garantido, certo, lógico e inflexível de operação, e aplicá-lo como lei. Isso ficou maravilhosamente explícito numa experiência que observei em um encontro entre militantes do Corpo de Paz e uma repartição governamental local para o desenvolvimento comunitário. Os membros do Corpo de Paz estavam muito desgostosos com o modo como o governo local estava lidando com o programa de desenvolvimento, pois este não funcionava naquele campo. Em outras palavras, o método não estava resultando nas mudanças desejadas, e a visão do Corpo de Paz era de que o governo não levava em conta o que os aldeãos sentiam. Um porta-voz do governo ficou muito irritado e disse: "Não há nada errado com o método. Ele foi elaborado com muita reflexão e é perfeitamente apropriado para a situação. Não há nada errado com o método. São as pessoas que devem mudar!" Ele bem podia falar em nome de todos os ortodoxos, de qualquer lugar e época. Mas, um sistema assim não funciona muito bem por muito tempo, principalmente porque as pessoas mudam continuamente. Pode parecer um paradoxo à primeira vista, mas um sistema rígido imposto de fora realmente pressupõe que as pessoas não mudam, e que há menos variedade em suas necessidades do que de fato há. Trabalhando diretamente com as necessidades sentidas pelas pessoas, no contexto de suas situações, pude apresentar uma abordagem flexível de desenvolvimento que teve grande sucesso. Realizei coisas que o governo local, o governo federal norte-americano, e às vezes até o Corpo de Paz e os próprios aldeãos achavam, a princípio, impossíveis. E o fiz com poucos recursos e alguns simples e básicos conceitos. O que descobri em meus anos de treinamento individual é que os mesmos princípios básicos se aplicam ao desenvolvimento pessoal bem como ao desenvolvimento social e econômico. No que diz respeito à cura, tive o privilégio na África de estabelecer uma profunda interação com vários curandeiros tradicionais que realmente conheciam seu ofício. Eles me ensinaram algumas coisas fascinantes sobre o que os pesquisadores modernos chamam de campos e correntes de bioenergia, e também sobre as relações entre mente e corpo, e entre corpo e desenvolvimento. Aprendi que é possível para qualquer um tornar-se consciente da fonte de energia emocional, aumentá-la, direcioná-la e usá-la para curar a si próprio ou outras pessoas. O que mais me impressionou foi o conhecimento de que as emoções podem curar ou ferir. Comecei a usar essa ideia em minha família, depois ensinei a eles como aplicá-la livremente sozinhos. Agora, ensinamos os outros. Ao voltar para os Estados Unidos, em 1971, fiz contato com um homem a quem chamarei de WK, o qual eu conhecera numa viagem anterior. WK é um kahuna havaiano, e o que ele me ensinou nos três anos seguintes mudou profundamente a minha vida e me permitiu ajudar muitas outras pessoas a conseguir melhoras duradouras em todo aspecto de suas vidas. Os temas eram suficientemente simples: amor, imaginação, crenças e a natureza do sucesso. Mas a compreensão que WK tinha deles era diferente de tudo o que normalmente é ensinado nesta sociedade. Comecei a ver que sua visão se refletia em minha experiência pessoal. Percebi que havia nela algo a ser compartilhado. O jeito como eu queria fazer isso, porém, causou uma calorosa discussão. Por vários motivos, há muito tempo os kahunas de minha ordem fazem seu trabalho de maneira privada, longe do olhar

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do público. Minha noção era incomum, mas finalmente foi concordado que eu deveria fundar uma nova ordem para o propósito de ensinar publicamente o conhecimento Huna. O resultado foi a Order of Huna International (Ordem de Huna Internacional), fundada em 1973 e registrada pelo estado da Califórnia como uma ordem religiosa não-sectária e sem fins lucrativos. Entretanto, Huna — o nome comum dado ao conhecimento kahuna — não é uma religião. É uma filosofia de realizações que pode ser aplicada em qualquer contexto: religioso, científico, social ou pessoal. Os próprios membros da Huna International não precisam abandonar sua fé tradicional para entrar na ordem, e isso inclui os kahunas. Temos cristãos Huna, judeus Huna, budistas Huna, muçulmanos Huna e assim por diante, e todos chegando à conclusão de que Huna aumenta a apreciação de suas origens religiosas. Qualquer que seja a sua religião, você é afetado pela gravidade. O conhecimento Huna é essa base. O motivo pelo qual as pessoas entram para a ordem é participar de um empreendimento mutuamente cooperativo e benéfico, pois estamos tornando esse conhecimento acessível a todos. Nosso lema é tirado de uma antiga aclamação que os kahunas havaianos faziam do alto de uma torre, e que era um oráculo: Que aquilo que é desconhecido se torne conhecido! Entre 1973 e 1992, a Huna International se desenvolveu numa organização mundial de pessoas praticando e partilhando conhecimento Huna, e sua base de operações mudou para uma antiga sede de sabedoria — a ilha de Kauai, no estado do Havaí. A partir de lá, grande variedade de projetos foi iniciada: Aloha International— educação e contatos. Hawaiian Shaman Training — cursos e aulas (treinamento xamanista). Kino Mana — cursos de trabalhos corporais havaianos. Kauai Village Museum — exibições e exposições culturais havaianas. Finding Each Other International — contatos para desenvolver relacionamentos. Voices ofthe Earth — um fórum para povos nativos. Além desses, existem agora novos capítulos, professores e conselheiros em todo o mundo. Talvez você esteja pensando agora: "Afinal, o que é esse Huna e o que é um kahuna?" Huna é uma palavra havaiana que significa "aquilo que é oculto, ou não óbvio". As vezes, nós chamamos a isso de Conhecimento Oculto, ou a Realidade Secreta. A ideia não é que alguém propositalmente a esconda, mas apenas que ela é difícil de ver. O termo kahuna pode ser traduzido como "um transmissor do segredo" e era usado originalmente para designar aqueles que pertenciam a uma ordem que praticava e ensinava o conhecimento. No Havaí moderno, porém, a palavra é usada para tudo, desde um sacerdote ou ministro ocidental até curandeiros e paranormais comuns, e também para charlatões que exploram os crédulos. Aqui, nós o usamos em seu sentido original. Entre as pessoas que conhecem Huna atualmente, a maioria só tem conhecimento das obras de Max Freedom Long sobre o tema. Max Long foi um estudante de psicologia, religião e ciência psíquica que fez um brilhante trabalho de desvendar boa parte do conhecimento Huna codificado na língua havaiana. Os poucos erros e distorções que aparecem em seu trabalho inicial são compreensíveis, considerando que ele nunca teve uma oportunidade de discutir suas descobertas com um kahuna. Na época em que ele vivia no Havaí, no início do século XX, era contra a lei ser ou afirmar ser um kahuna, e isso perdurou até tempos relativamente recentes. É admirável que Long tenha realizado tanto, baseando-se apenas em histórias, superstições e conhecimento distorcido. Felizmente, ele

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tinha o tipo de raciocínio excelente em fazer correlações com conhecimentos de outras áreas e culturas, e foi capaz de enxergar através da distorção em sua maior parte. Para expandir um pouco mais a sua mente, gostaria de lhe passar um pouco da história da filosofia Huna. Dizem que a história é mais um reflexo do presente que do passado, porque os historiadores tendem a escrever sobre o passado em termos do que a atual geração está disposta a aceitar. O que as pessoas não aceitam não será escrito, ou pelo menos não publicado. À medida que a sociedade muda, também mudam os livros de história. Um exemplo menor é a história dos negros nos Estados Unidos. Antes do movimento pelos direitos civis, a história deles era inexistente. Nada era ensinado nas escolas, ninguém estudava a respeito, e para todos os efeitos não existia tal coisa na mente das pessoas, mesmo as negras. Hoje se sabe que houve muitos negros americanos heroicos e importantes, e os livros de história estão sendo reescritos; mas somente porque a sociedade está disposta a olhar nessa direção. Boa parte do que é escrito como história não passa de palpite, com o historiador desempenhando o papel de um detetive que viaja no tempo e cujas pistas são esparsas. Quanto mais distante você mergulha no passado, mais esparsas são essas pistas. Se há registros históricos, eles ajudam, como os hieróglifos no Egito; mas muitos povos têm histórias orais que indicam o início de suas civilizações num passado muito mais remoto do que os historiadores modernos gostariam de admitir. Essas histórias geralmente são consideradas mitos ou lendas, com a implicação de que provavelmente não são verdadeiras. A história que vou contar é parcialmente oral e parcialmente registrada. Mas a parte registrada não existe de uma forma escrita que você entenderia. Você talvez se surpreenda ao saber que algumas pessoas podem "ler" figuras pintadas em sequência e desenhos entalhados em cavernas com a mesma facilidade com que você lê esta página. De qualquer modo, esta é a história de uma filosofia que me foi contada por WK. Se você a achar inaceitável como fato, pense nela como uma tradição. Isto não afetará a sua habilidade para usar o conhecimento Huna.

******* "Em algum lugar no passado, muito tempo antes da ascensão de Atlântida, uma raça de homens chegou a este sistema solar, vinda de um grupo de estrelas conhecido como as Plêiades. Alguns aterrissaram na Terra e outros em outro planeta que não existe mais. Naquela época, a Terra ficava mais próxima do Sol e a duração do ano era de exatamente 360 dias. Os homens que vieram das estrelas fugiam de uma catástrofe, e tinham a intenção de encontrar paz na Terra. O processo foi lento, porém, pois encontraram aqui outros homens, remanescentes de uma civilização anterior que se havia dizimado. Também encontraram dinossauros inteligentes, e surgiram muitas batalhas por controle territorial. Finalmente, a maior parte dos homens das estrelas se estabeleceu num continente no Pacífico, conhecido hoje em lendas como Mu. Eles chamavam a si próprios de Povo de Mu, mas outros os chamavam de Manahuna ou Menehune, 'o povo do poder secreto', por causa de sua tecnologia avançada e de seus poderes psíquicos. Eram indivíduos pequenos, com aspecto de pigmeus pelos padrões modernos, e muito laboriosos. Ó conhecimento deles era Huna, uma filosofia para se viver com sucesso. Quando perceberam estar assentados em segurança, começaram a ensinar esse .conhecimento aos homens da Terra. Como muitas línguas eram faladas e a língua deles era parcialmente telepática e difícil de aprender, os professores de Mu criaram uma nova língua, bem mais fácil. Esse idioma era estruturado para conter o conhecimento Huna de forma a garantir sua sobrevivência enquanto a língua permanecesse em uso. Hoje, conhecemos essa língua como polinésia, e traços dela são encontrados no mundo todo.

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Vinham homens ao continente de Mu para aprender, e Mu também enviava missões de professores a outras partes do mundo para montar escolas de vários tipos. Um bom número de casamentos interraciais ocorreu entre o povo de Mu e seus vizinhos, resultando em crianças possuidoras de habilidades genéticas e memórias de seus pais nascidos nas estrelas. Gradualmente, aqueles que estudavam com o povo de Mu foram sendo organizados em três ordens diferentes, cada uma praticando o conhecimento Huna com ênfase um pouco diferente. Usando termos em inglês, as ordens poderiam ser chamadas de Intuitionists (Intuitivos), lntellectuals (Intelectuais) e Emotionals (Emocionais). De modo geral, os Intuitivos se desenvolveram no que chamaríamos de místicos, metafísicos e psicólogos ou psicoterapeutas. Os Intelectuais se tornaram o equivalente dos cientistas, técnicos e engenheiros. Os Emocionais eram mais interessados em atividades políticas, econômicas e atléticas. Os três tipos utilizavam em seu trabalho habilidades psíquicas treinadas, e cada grupo ensinava e praticava várias formas de cura física. A parte básica da filosofia Huna é que todo ser humano tem habilidades psíquicas. As ordens treinavam as pessoas em seu uso consciente e disciplinado. No entanto, havia pessoas na Terra antes da chegada do povo de Mu que sabiam usar esse poder à vontade; e ainda hoje existem indivíduos sem a menor ligação com as ordens que podem usar esses poderes psíquicos da mesma maneira. Por muitos séculos, as coisas estavam indo bem na Terra e uma civilização mundial estava sendo formada, quando o povo de Mu cometeu um erro fatal. Eles vinham mantendo contatos regula- res com seus irmãos que se haviam instalado no outro planeta deste sistema solar, mas, com o passar do tempo, viraram as costas para eles, concentrando-se somente na Terra. Chegou um momento em que o planeta irmão começou a enviar desesperados pedidos de ajuda. O povo de lá estava à beira da autodestruição, e havia a necessidade de uma rápida intervenção. Infelizmente, o povo de Mu, na Terra, ficara complacente e não queria que nada perturbasse sua paz; por isso, não deram ouvidos aos apelos e tentaram fingir que não lhes diziam respeito. Tal ato era contrário à sua própria filosofia. Sem que nada pudesse impedi-las, as pessoas do outro planeta criavam cada vez mais terríveis armas de destruição para usar contra os outros até o momento horrível e derradeiro. Chegaram a um ponto em que destruíram todo o planeta, num enorme cataclismo que abalou o sistema solar. O completo desaparecimento de um planeta inteiro causou imenso desequilíbrio, mas as forças da natureza tentaram corrigi-lo. Com isso, as órbitas dos planetas remanescentes foram perturbadas e o efeito sobre a Terra, foi devastador. Nosso planeta foi arremessado para uma nova órbita, um pouco mais distante do sol, e a força da mudança acarretou intensa atividade vulcânica e sísmica. Velhas terras afundaram no mar em alguns lugares, e novas terras subiram em outros. O nível de morte e destruição era indescritível. Com o retorno de uma pequena estabilidade, os sobreviventes observavam uma nova Terra. O continente de Mu não existia mais. Apenas algumas ilhas espalhadas ainda permaneciam intactas, num oceano imenso e vazio. Em todo o mundo, as pessoas revertiam a uma sobrevivência primitiva e iniciavam a árdua escalada de volta à civilização. Em muitos lugares, o povo de Mu era responsabilizado pelo que acontecera, e tinha de se esconder para não ser perseguido. Esses grupos esparsos e solitários deram origem às histórias dos mágicos "pequeninos" (little people) encontradas em quase todas as culturas. As ordens que tinham criado continuaram sem eles, exceto por um raro contato com um número muito limitado de adeptos. Outras civilizações se desenvolveram e caíram. Entre elas, os brilhantes atlantes, que quase alcançaram o domínio do mundo, numa imitação menor de Mu, mas que acabaram aniquilando-se numa guerra que os enviou para o fundo do oceano. Enquanto isso, a

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tradição de Huna era mantida viva por pequenos grupos que inseriam o ensinamento na cultura do lugar onde se instalavam. A maioria deles perdeu o contato entre si, mas todos continuavam a ensinar, curar e treinar. Em alguns casos, foram capazes çlè manter intacta a simplicidade de Huna, mas em outros houve tamanhas distorções que o conhecimento fundamental foi praticamente perdido, e boas práticas eram realizadas com uma falsa compreensão de sua natureza. Após a perturbação causada pela queda de Mu, sobreviventes na Bacia do Pacífico, aos quais hoje chamamos de polinésios, aos quais reuniram-se em dois lugares para reconstruir suas cidades — Samoa e as Ilhas Sociedade. Entre eles, havia membros das três ordens que atuavam como sacerdotes, curandeiros e especialistas técnicos. Só os Intuitivos mantinham contato com seus colegas no resto do mundo. Lentamente, desenvolveram sua tecnologia até o ponto de poderem construir grandes embarcações a vela, capazes de transportar cem pessoas ou mais, e partiram para explorar o que sobrara de Mu. A maioria permaneceu dentro dos toscos limites do velho continente, só ocasionalmente se aventurando nas terras fronteiriças. O grupo que conseguiu ir mais longe, fora das fronteiras continentais, foi o dos maoris, que se assentaram na Nova Zelândia. O nome maori significa "o povo verdadeiro" ou os habitantes originais, referindo-se tanto à origem do velho continente de Mu (como descendentes mistos da raça estelar) quanto ao fato de serem os primeiros a se estabelecer nas novas terras descobertas. Em pouco tempo, eles perderam contato com os outros polinésios e, exceto pela lembrança em velhos cânticos e entoações, os dois grupos foram esquecendo-se entre si, até que os exploradores ocidentais os unissem novamente. Outro grupo, seguindo antigas informações navegacionais contidas em antigos cânticos tradicionais, se fez ao norte a partir do Taiti e das Marquesas para aportar e se assentar nas ilhas havaianas. A primeira ilha onde aportaram foi Kauai, a mais antiga das ilhas principais, e lá eles descobriram alguns dos habitantes Menehune originais, aos quais também chamavam de Mu. Esse povo Mu era muito tímido, mas não belicoso, e às vezes ajudava os recém-chegados. Eles tinham templos de pedra e aquedutos, e eram especialistas em irrigação e construção de lagoas para peixes. Por muitos anos, os dois povos conviveram muito bem, e houve um bom número de casamentos inter-raciais. Foi essa última questão, porém, que levou o rei de Mu a tomar uma decisão dura. Ele percebeu que, se o casamento inter-racial continuasse, o povo de Mu deixaria de existir como grupo separado, por isso resolveu que deveriam ir embora. Diz a tradição que numa noite todo o povo de Mu partiu do extremo norte de Kauai, mas ninguém sabe como ou para onde foi. A princípio, as três ordens de kahunas no Havaí viviam em base de igualdade, e o comércio continuava entre o Havaí, Samoa e Taiti. No século XIII d.C., porém, um kahuna sedento de poder, da ordem dos Emocionais, veio de Samoa para ajudar ostensivamente na reorganização dos Emocionais do Havaí. Em pouco tempo, ele conseguiu o controle religioso e político das ilhas, o que resultou na perda de contato entre o Havaí e o resto da Polinésia; a construção dos grandes veleiros marítimos foi interrompida, as escolas de navegação e astronomia foram abandonadas e as pessoas se tornaram sujeitas a uma religião de superstição e restrição. A ordem dos Intelectuais foi a que mais sofreu, e muito conhecimento foi perdido. Os Intuitivos, na maioria, foram obrigados a se esconder, e um número cada vez maior de Emocionais recorria a práticas distorcidas. Por seiscentos anos, o povo do Havaí sofreu a repressão de um governo autoritário, do terrorismo psíquico e da desordem social. Na época da chegada do capitão Cook, todas as ilhas estavam em guerra. A natureza idílica da vida polinésia era, na verdade, um grande mito perpetuado por estrangeiros que não enxergavam além da superfície. Enquanto tudo isso acontecia, um pequeno grupo de Intuitivos mantinha contato telepático com o resto de sua ordem espalhada pelo mundo, e se satisfazia em trabalhar nos bastidores do cenário mundial para a paz da humanidade. Agora os tempos mudaram,

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e, por causa da rapidez de comunicação, da expansão da consciência em boa parte do mundo, e do crescente entendimento das realidades alternativas, começa-se a sentir que o conhecimento de Huna precisa ser difundido ao máximo e à maior distância possível."

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CAPÍTULO 1

Os Kahunas Desde os tempos das primeiras explorações europeias no Oceano Pacífico, o mundo ocidental acalenta uma imagem romântica dos Mares do Sul, baseada no conceito de uma sociedade primitiva simples, livre de preocupações. Tem sido o sonho de muitos homens abandonar o fardo do trabalho e da família e fugir para uma ilha tropical onde só o que você tem a fazer é deitar-se numa rede, bebendo ponche de frutas, enquanto os nativos de aparência infantil cuidam de todas as suas necessidades. Outra atitude ocidental, menos romântica, é que antes das bênçãos da civilização, os habitantes das ilhas eram selvagens ignorantes, dominados por medos supersticiosos e por uma sensualidade indisciplinada. Paralela a essa atitude é a ideia de que essas pessoas não tinham um pensamento filosófico nem conceitos abstratos, não conheciam a arte, exceto para decoração, não possuíam livros e certamente não dispunham de nenhum tipo de ciência ou tecnologia que valesse a pena mencionar. A verdade, porém, estabelecida por pesquisa científica em muitas áreas, é que as sociedades da Polinésia eram tão complexas quanto a nossa: seus códigos morais, éticos e legais eram igualmente estritos; sua arte e literatura tão ricas quanto as nossas; e sua ciência, igualmente especializada. Entretanto, a orientação na qual tinham desenvolvido esses aspectos era muito diferente. Como indicam os modernos psicólogos sociais, se tentarmos julgar as realizações de outras culturas usando a nossa como padrão, arriscaremos distorcer esse julgamento e limitar severamente qualquer benefício que poderíamos receber do contato com a cultura em questão. E a cultura da Polinésia tem aspectos que nos podem beneficiar em todas as esferas da vida.

O Povo da Polinésia Polinésia é um termo aplicado igualmente a uma área geográfica e a um povo que partilha da mesma origem histórica, linguística, cultural e física. A área geralmente é definida como um triângulo que se estende da Nova Zelândia no sudoeste do Pacífico ao Havaí, no norte, descendo até a Ilha de Páscoa, sudeste, e de volta à Nova Zelândia. E uma área imensa, maior que o continente sul-americano, e salpicada de ilhas vulcânicas e de corais, geralmente separadas a uma distância de 3,2 quilômetros entre si. O mais notável é que toda essa área fora explorada e colonizada, e havia comércio regular entre as ilhas por centenas, talvez milhares, de anos antes de Colombo atravessar o Atlântico. O povo dessa área, os polinésios, inclui os maoris, samoanos, tonganeses, taitianos, marquesanos, havaianos, pascoenses e outros, cujos nomes nos tempos modernos se baseiam em suas regiões. Embora esses grupos sejam separados por vastas distâncias, e em alguns casos não mantenham contato entre si há séculos, há menos diferenças entre eles do que entre vizinhos próximos como os franceses e alemães. Um Maori de nariz fino

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e um havaiano de nariz grosso podem não parecer irmãos, e seus estilos de vida moldados ao ambiente podem variar muito, mas eles compartilham da mesma língua básica, dos heróis culturais, das lendas e do conhecimento interior. E aceitam uns aos outros como descendentes da mesma raça original, como descobriu Peter Buck, um explorador mestiço maori, viajando para outras ilhas que não tinham sequer na memória o registro de contato com um "polinésio" de fora. Uma questão ainda não resolvida pelos antropólogos é qual seria a terra natal dos polinésios, além da questão da rota por eles tomada para chegar ao seu atual lar. A teoria moderna mais aceita é que eles vieram da Indonésia, ou possivelmente da índia, e passaram pelos grupos de ilhas da Melanésia e Micronésia, no oeste do Pacífico, no caminho. Essa teoria se baseia em parte em algumas semelhanças linguísticas menores, na suposta origem de muitas plantas usadas pelos polinésios, em algumas similaridades tecnológicas e na noção de que, como tinham de vir de algum lugar, a origem mais provável seria a Ásia. Max Freedom Long e outros propuseram que a terra natal dos polinésios ficaria no Oriente Próximo. Long baseou sua idéia numa história sem comprovações contada por um inglês que vivera com uma tribo berbere no Saara. Essa tribo afirmava ter pertencido a um grupo que tinha construído as pirâmides do Egito; eles se haviam separado do resto do grupo que buscava uma nova terra no Pacífico. Eu passei, porém, quatro anos e meio, inciò é vindo, com os berberes, e não fui capaz de verificar tal tradição. Mais importante ainda, Long usou, de maneira impressionante, estudos linguísticos para mostrar que o conhecimento kahuna foi incorporado em partes do Antigo e do Novo Testamento da Bíblia. Ele foi mais longe ainda e traçou uma rota dos grupos com destino ao Pacífico, descendo até o Mar Vermelho, ao longo da costa da África até Madagascar (cuja língua tem afinidades com o polinésio), atravessando o oceano e até a índia e de lá através da Indonésia até o Pacífico, usando semelhanças filosóficas como seu principal argumento. Entretanto, outra terra nativa para os polinésios foi proposta por Thor Heyerdahl, de renome Kon Tiki, que tentou provar de uma maneira prática que os polinésios poderiam ter vindo da América do Sul. Como observamos no prólogo, meu mentor kahuna, WK, tem uma versão bastante diferente, apoiada por pesquisadores como James Churchward, autor de vários livros sobre o continente de Mu, e Leinani Melville, autor de Children ofthe Rainbow (Filhos do Arco- íris). Segundo essa versão, a Polinésia seria a fonte de semelhanças culturais em outro lugar e não o recipiente final. Obvio que pode haver dúvida tanto com relação a essa teoria quanto a qualquer outra, mas esta tem a virtude de ser uma versão polinésia e responder a muitas perguntas. Ela explica, por exemplo, por que os navegadores polinésios, extremamente habilidosos, nunca colonizaram nenhuma área fora do triângulo mencionado aqui, e de que forma os subgrupos como os maoris na Nova Zelândia podiam ter antigos cânticos de navegação com instruções para viagens de barco até o Havaí. Também explica por que os grupos como os maoris, havaianos e pascoenses falam em suas lendas sobre pessoas que já viviam nas ilhas quando eles lá chegaram. Na língua havaiana, essas pessoas eram até chamadas de Mu, e há muitas histórias sobre conflitos e cooperação com eles. Na ilha de Kauai, no arquipélago havaiano, vi pisos em templos e trabalhos de alvenaria que se assemelham muito mais aos estilos de construção pré-incas do que a qualquer outra coisa construída pelos primeiros colonizadores polinésios. Eles teriam sido construídos pelo povo de Mu, também conhecido como os Menehune.

O Sistema Kapu A questão da origem talvez nunca seja satisfatoriamente resolvida para todos, mas é um fato que os polinésios já estavam lá quando os europeus chegaram na Polinésia. Entre outras coisas, os primeiros exploradores ocidentais encontraram um poderoso grupo de indivíduos conhecidos como kahunas, que eram os líderes religiosos, mestres artistas e

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artesãos, médicos, advogados, professores e conselheiros políticos da sociedade. Eles e as famílias dos chefes governavam o povo através de um sistema que seria chamado de kapu, embora a maioria dos ocidentais esteja mais acostumada com a forma tongonesa da palavra, tabu ou taboo. O sistema kapu tem sido muito difamado, porque nunca foi bem compreendido. À palavra kapu foi associado o significado de "proibido" e ela passou a ser interpretada como um misterioso alerta a respeito de coisas que escapam ao domínio da razão. Uma compreensão mais completa da palavra, porém, incluiria também os sentidos de "sagrado, santo ou consagrado". O sistema kapu era na verdade um código de leis, necessário para que qualquer sociedade funcione de maneira ordenada. Um certo bosque ou um local de pesca especial podia ser declarado kapu durante uma ou mais temporadas, para não ser superexplorado, por exemplo. Não seria diferente de nossas atuais temporadas regulamentadas de caça e pesca, mas essa visão ambiental era totalmente desconhecida pelos primeiros visitantes europeus à Polinésia, os quais não entendiam por que uma árvore ou local era kapu e outro não era. Certas partes de um templo ou pedaços de terra também podiam ser declarados kapu porque~eram reservados para uso sacerdotal ou dos chefes. O caminho até esses lugares era marcado por um par de varetas cruzadas, encimadas por uma bola de pano branco, e os nativos se recusavam a transpor esses indicadores porque a quebra de um kapu era severamente punida. Entretanto, o mesmo europeu que hesitaria muito antes de violar um sinal da Coroa em seu país, como "Não se aproximar" ou "Proibida a entrada", achava que o nativo da ilha agia apenas por superstição. Os kapus mais difíceis de entender para o estrangeiro eram, lógico, aqueles relacionados aos costumes. Em algumas partes da Polinésia, havia um kapu punível com morte que proibia que a sombra de uma pessoa comum se projetasse sobre um chefe. A princípio, tal coisa parece a mais absurda superstição, mas o estrangeiro provavelmente não saberia que a palavra para sombra também significava "riso", e que o evento acima mencionado podiãser interpretado como desrespeito ou lese majeste. Outro kapu proibia que as mulheres comessem bananas, porque a palavra para banana é parecida com o termo para genitais, e o ato seria tão ofensivo quanto o uso de palavrões de conotação sexual em público nos Estados Unidos. O kapu, portanto, formava a base para o sistema legal polinésio. Em sua melhor aplicação, ele reforçava a coesão e a produtividade da sociedade, mas o sistema podia ser — e freqüentemente era — usado por chefes e sacerdotes gananciosos para exploração política e econômica. Não raro, as rebeliões sociais e/ou emigrações eram inspiradas por kapus exageradamente restritivos impostos ao povo pelos líderes. A severidade dos kapus empregada por Kamehameha, o Grande, a exploração desmedida desses kapus por parte de certos sacerdotes kahuna e a má interpretação psíquica de um líder kahuna oportunista foram alguns dos principais motivos pelos quais todo o sistema kapu no Havaí foi tão facilmente derrubado na época do filho de Kamehameha.

Os Kahunas do Havaí Como tenho mais experiência com os kahunas havaianos do que com os tahunas taitianos ou os tohungas dos maoris, a seção seguinte tratará do sistema havaiano, com base no registro histórico e nas discussões com WK. Quando ancorou na costa a sotavento de Kauai em 19 de janeiro de 1778,o capitão James Cook rompeu um isolamento de seiscentos anos das ilhas havaianas do resto do mundo. Ao contrário da crença popular, porém, o capitão Cook e os que vieram depois não invadiram uma simples ilha paradisíaca. A beleza dessas ilhas vulcânicas era, de fato, espantosa, e quando os habitantes eram amistosos, o eram de verdade. Mas os havaianos não eram inocentes incorruptos nem selvagens ignorantes. A sociedade deles era estru-

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turada como um pleno sistema feudal, e Cook chegou em meio a um violento tumulto social e político. Após o breve choque inicial do contato, os europeus e sua superior tecnologia foram rapidamente explorados, com propósitos políticos, pelos pragmáticos líderes havaianos, incluindo os kahunas. Nos livros de história, muito se fala do capitão Cook, e de como pensaram ser ele o deus Lono, retornando às ilhas. De acordo com o historiador havaiano Kamakau, o povo de Kauai ficou surpreso e assustado diante da visão inédita dos navios britânicos desembarcando na costa. As pessoas não tinham idéia de quem estava nos navios. Foi um kahuna, Kuohu, que chegou à conclusão de que os barcos deviam ser o templo e os altares de Lono porque os mastros e as velas pareciam a haste e as flâmulas usadas numa cerimônia anual dedicada àquele deus. Cook e seus homens desceram na praia para uma curta visita e depois partiram para a América. A notícia se espalhou rapidamente pelas ilhas, e quando Cook retornou e parou na baía de Kealakekua, na Ilha Grande do Havaí, o palco estava montado para uma manobra política incrivelmente astuta, que teria dado certo se Cook não tivesse ficado lá muito tempo. A segunda chegada de Cook ocorreu numa área consagrada a Lono, e foi perto do fim do festival anual dedicado a ele. Não há registros do que vou sugerir e WK diz que não conhece nenhuma tradição que confirme ou negue, mas a coincidência do momento e local onde Cook aportou, na segunda vez, é tão grande que, desconfio, houve a mão dos kahunas por trás. Como veremos mais adiante, eles sem dúvida tinham a capacidade de saber, por clarividência, onde Cook estava e de enviar a ele mensagens telepáticas para guiá-lo até a baía onde milhares de pessoas se reuniam para o festival de Lono. Em seu diário, Cook escreveu que nunca tinha visto tanta gente reunida, em nenhuma das ilhas. Uma vez que o rei da ilha do Havaí estava no processo de consolidar seu poder sobre o povo, como parte de sua campanha de guerra contra Maui, fora provavelmente por sugestão de seus conselheiros kahunas que Cook foi aclamado como o próprio deus Lono, vindo para emprestar seu mana (poder divino) ao lado que obviamente estava certo. Os chefes e os kahunas não eram tolos. Podiam reconhecer uma tecnologia superior, por mais estranha que fosse; conheciam um homem quando o viam; e também sabiam como aproveitar uma oportunidade. Infelizmente, quanto mais tempo Cook se demorava na ilha, mais difícil ficava manter a farsa de que ele era um deus. Quando finalmente partiu, depois de algumas semanas, não disfarçaram o alívio. Infelizmente, porém, Cook teve de voltar uma semana depois para consertar um mastro quebrado. O festival já tinha acabado, o povo estava disperso, e a recepção a Cook foi fria. As relações entre os havaianos e europeus se deterioraram rapidamente nas duas semanas seguintes, até que Cook resolveu fazer de refém a altamente sagrada pessoa do rei por causa de um pequeno roubo por parte de um de seus súditos. Uma batalha eclodiu na praia e Cook foi morto. A questão aqui é que a designação de Cook como o deus Lono foi apenas uma farsa politicamente inspirada para favorecer o regime do. rei Kalaniopuu. Os chefes e kahunas sabiam o que estavam fazendo, mas àquela altura da história havaiana a "religião estatal" era apenas uma ferramenta política usada para aumentar o poder dos chefes e certos sacerdotes, e explorar as massas. A medida que mais europeus começavam a visitar as ilhas, ouviam histórias sobre os estranhos poderes exercidos por determinados indivíduos conhecidos como kahunas. Histórias de telepatia, clarividência, cura pelo toque, provocar morte a distância e caminhar sobre lava incandescente se misturavam a observações de cerimônias exóticas e cânticos, à prática de massagem e medicina de ervas, e à aparente veneração de ídolos grotescos. Era fácil rotular essas histórias como pura superstição, até alguém ficar diretamente envolvido, numa experiência pessoal. Então, tornava-se óbvio para o indivíduo inteligente que algo de fato acontecia por trás da fachada religiosa. Não havia dúvida de que pelo menos alguns kahunas eram capazes de coisas que pareciam desafiar as leis físicas. Quanto mais tempo se vivia nas ilhas, mais se aprendia a aceitar esse fato. Entretanto, por causa de quatro fatores principais, não era fácil descobrir o que realmente estava acontecendo. O primeiro era a relutância natural do cidadão ocidental, treinado em ciência, em aceitar tais habilidades como algo possível. Se fizesse isso, ele

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estaria regressando à Idade das Trevas da magia e superstição que o mundo ocidental se esforçava em deixar para trás. O segundo era a tendência natural dos visitantes de formação cristã para atribuir todas essas coisas à obra do diabo, pois de que outra maneira os pagãos ignorantes poderiam ter esses poderes? O terceiro fator era que, na época da chegada dos primeiros europeus, as principais práticas kahunas eram muito corruptas, e a maior parte do antigo conhecimento fora perdida. Enquanto um pequeno grupo mantinha praticamente intactos os antigos ensinamentos, a maioria dos kahunas — especialmente aqueles envolvidos em política — tinha se degenerado a um mero sacerdócio cerimonial, com pouquíssimos membros que ainda sabiam os rudimentos de coisas como telepatia e clarividência. Isso se torna evidente na história de Hewahewa, sumo sacerdote de Kamahmeha II. Em 1819, pouco depois da morte de Kamehameha I, esse proeminente kahuna, responsável pela imagem do deus da guerra do rei, teve uma visão na qual distinguira representantes do que parecia ser um deus muito mais poderoso aportando nas praias do Havaí. Sem dúvida influenciado por sua familiaridade com a superior tecnologia européia e as histórias cristãs, Hewahewa acabou conquistando o apoio de colegas kahunas, chefes ambiciosos e esposas de reis insatisfeitas para obter a abolição do sistema kapu e depor os velhos deuses. Com isso, ele esperava conseguir as graças dos representantes do novo deus e ao mesmo tempo subjugar o poder de qualquer kahuna rival. Kamehameha II, diferentemente de seu pai, era homem de vontade fraca e, em novembro de 1819, cedeu às pressões de Hewahewa e seus seguidores. Com o ato aparentemente simples de se sentar para fazer uma refeição com as mulheres, Kamehameha II quebrou um sério kapu e abriu um precedente para chefes e cidadãos comuns. A notícia se espalhou por todo o arquipélago de ilhas, agora unido, e as pessoas, há muito oprimidas por kapus exageradamente estritos, começaram a dar vazão aos sentimentos, queimando e destruindo templos e estátuas. Um kahuna rival de Hewahewa tentou impedir isso, mas ele e seus seguidores foram massacrados em batalha. Por seis meses, depois disso, o Havaí foi uma terra sem religião e sem leis. Foi uma época de grande confusão, porque sem os kapus e sem os deuses, não havia diretrizes firmes para conduzir um governo nem segurança psicológica. Finalmente, em 1820, os primeiros missionários cristãos de Boston aportaram onde Hewahewa disse que os tinha visto. Ele e seus colegas kahunas tinham trazido muitas pessoas aleijadas e doentes para o novo deus curar. Eles cantaram uma canção de boas vindas e pediram aos missionários que mostrassem o poder do novo deus, curando os necessitados. Obvio que os missionários não podiam fazer isso, e, depois de muita confusão de ambos os lados, Hewahewa foi obrigado a compreender que tinha interpretado erroneamente sua visão e destruído toda a estrutura formal religiosa e legal de sua nação por nada. Ele é conhecido nos livros de história como Hewahewa, mas esse pode não ter sido seu nome verdadeiro. Os havaianos sempre tiveram muito cuidado com a escolha de nomes baseada nos significados. Parece óbvio que o infeliz sumo sacerdote recebeu o nome de Hewahewa depois desse terrível engano, pois significa "o louco que não reconheceu o significado". O quarto fator que interferiu na compreensão inicial do conhecimento kahuna foi a proibição de todas as práticas kahuna por parte dos missionários cristãos convertidos em políticos, tão logo tiveram o poder de fazer isso. De acordo com Max Long, que viveu nas ilhas enquanto essa lei era válida, a lei do Havaí sobre o uso de magia para cura determinava o seguinte: ''Seção 1034. Feitiçaria – penalidade. Qualquer pessoa que tente a cura de outra através da prática de feitiçaria, bruxaria, ana-ana, hoopiopio, hoounauna, ou hoomanamana (termos que descrevem práticas psíquicas), ou outras superstições ou métodos enganadores, deverá, quando acusada, pagar multa de uma quantia não inferior a cem dólares ou ser preso por no máximo seis meses, cumprindo trabalhos forçados." Há outra seção da lei que classifica o kahuna junto com os buncos e o define como alguém que se apresenta como kahuna, aceita dinheiro sob a alegação de ter poderes mágicos, ou

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admite que é um kahuna. Para tal coisa, a multa sobe para mil dólares ou um ano de aprisionamento.1 Desnecessário dizer que isso era suficiente para levar todos os verdadeiros kahunas a se esconder, o que tornava extremamente difícil para um não-havaiano ter acesso ao conhecimento kahuna. Apesar da lei, porém, tanto os havaianos quanto os não-havaianos livres de preconceitos continuavam a procurar e receber ajuda de kahunas cuja identidade era bem protegida, e os pseudo-kahunas eram freqüentemente exibidos em cerimônias e para fins turísticos. Só recentemente a lei foi mudada, de modo que embora ainda preveja salvaguarda contra fraude, já não é mais crime ser ou afirmar ser um kahuna. A autodestruição de suas tradições religiosas e o poderoso impacto do Cristianismo e da tecnologia ocidental fizeram a maioria dos havaianos rejeitar a influência e os ensinamentos kahunas. O conhecimento kahuna era tradicionalmente passado para um filho natural ou adotado, cautelosamente; mas os fatores citados, além dos casamentos inter-raciais e a dizimação da população através de doenças introduzidas, deixaram um número muito pequeno de indivíduos ainda dispostos ou capazes de continuar com os passos de seus pais. No entanto, em meio a toda dificuldade, continuou existindo um núcleo de kahunas ativos que continuava a praticar cura mental, emocional e física; a ajudar as pessoas a mudar o futuro; e até a praticar a grandemente temida "oração de morte". Nada menos que o curador do Museu Bishop em Honolulu, William Tufts Brigham, dedicou-se durante anos a tentar desvendar o segredo daquelas que ele sabia ser práticas kahunas válidas. Ele teve experiências pessoais de caminhar sobre o fogo, cura e oração de morte telepática, e se convencer, sem a menor dúvida, de que algum conhecimento altamente importante para a humanidade ainda esperava ser dominado. Sua busca nunca teve sucesso, mas, antes de morrer, ele deixou para Max Long um legado do que tinha aprendido, que pode ser assim resumido: "Sou capaz de provar que nenhuma das explicações populares da magia kahuna tem fundamento. Não é sugestão, nem qualquer outra coisa conhecida na psicologia. Eles usam algo que nós ainda temos de descobrir, e é uma coisa de importância inestimável. Simplesmente, temos de descobrir. Revolucionará o mundo, se o fizermos. Mudará todo o conceito da ciência. É algo que traria ordem às crenças religiosas conflitantes... Observe sempre três coisas no estudo dessa magia. Deve haver alguma forma de consciência por trás dela, dirigindo seus processos. Controle de calor ao caminhar sobre o fogo, por exemplo. Deve.haver também alguma forma de força usada em exercer esse controle, se ao menos pudermos reconhecê-la. E, finalmente, deve haver alguma forma de substância, visível ou invisível, através da qual a força pode agir. Observe sempre essas coisas e, se puder encontrar pelo menos uma, ela guiará até as outras".2 Long continuou a busca com base nessas orientações e, embora nunca tenha estudado com um kahuna, por um período de muitos anos ele descobriu os três elementos especificados por Brigham, conduziu experimentos para comprovar a existência deles, encontrou correlações com as descobertas de outros, em outros lugares, e descobriu ainda que o sistema kahuna de conhecimento não era limitado à Polinésia, mas espalhava-se por todo o mundo. Foi um feito notável, tornando os principais elementos desse conhecimento acessíveis ao público pela primeira vez. As coisas com que os kahunas lidam regularmente se tornaram hoje o tema de uma investigação científica cada vez mais difundida bem como de um crescente interesse popular. Há laboratórios estudando a comunicação telepática, o fenômeno de estados

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Max Fredom Long, The Secret Science Behind Miracles (Los Angeles: De Vorss & Co., 1954)

2

Ib.

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alterados de consciência, e a influência psicocinética sobre a matéria, enquanto um número cada-vez maior de corajosos médicos e psicoterapeutas vem experimentando métodos de cura não usuais, tais como imagem guiada, terapia de pressão e a transferência de energia de uma pessoa para outra. Além da resistência conservadora a tudo isso, as investigações são atrapalhadas pela falta de uma teoria coerente e unificada que explique como essas práticas funcionam. O sistema kahuna oferece tanto a prática funcional quanto uma boa teoria de fácil aplicação.

As Ordens Kahunas Kahuna é uma palavra que foi distorcida nos tempos modernos. Originalmente usada para definir um adepto treinado, um guardião e transmissor especializado em conhecimento e poder, ela passou a ser aplicada mais recentemente aos sacerdotes e ministros de religiões ocidentais, paranormais, curandeiros e até líderes de clubes de surfe. Embora isso seja compreensível, pois tais pessoas devem ser especialistas naquilo que sabem, WK afirma que um verdadeiro kahuna é aquele que foi iniciado por um pai natural ou adotivo e treinado era conhecimento esotérico organizado, como parte de um grupo identificável. O uso do termo com o significado de "sacerdotes, ministro ou líder" é uma extensão moderna baseada num erro de interpretação. O mesmo acontece com seu uso para designar para- normais naturais e curandeiros, que podem ou não ter recebido conhecimento dos pais. Os havaianos tinham muitos nomes para indivíduos que usam habilidades psíquicas. Eis alguns: kaula — profeta ou mágico po'ko'i — feiticeiro ho'ola — curandeiro mo'okiko —feiticeiro mau ho'okalakupua — mágico ou adepto kilo'uhane — espiritualista ho 'ike papulua — paranormal Os termos eram aplicados a pessoas que exerciam tais pode- res sem ser kahunas. Os kahunas podiam fazer as mesmas coisas, mas como especialistas treinados pertencentes a uma ordem tradicional. Nesse caso, o indivíduo seria chamado de kahuna kaula, kahuna ho'ola, etc. Além disso, vários tipos de kahunas eram treinados para ser especialistas em coisas que não consideraríamos esotéricas hoje, tais como navegação, medicina, engenharia e meteorologia. Os kahunas eram os cientistas e especialistas técnicos de sua época, mas seu conhecimento se estendia a campos que mal começam a ser explorados no mundo ocidental em ampla escala. Por exemplo, um navegador seria não apenas tecnicamente habilitado, mas também treinado para se comunicar com o vento e as ondas. Originalmente, não havia uma hierarquia estruturada entre os kahunas, o que ainda se observa em duas das ordens descritas a seguir. Na verdade, as ordens eram e são mais parecidas com as guildas medievais do que com ordens religiosas na tradição ocidental. Um kahuna alcança a proeminência, não por promoção, herança ou eleição, mas sim através do respeito por suas habilidades e conhecimento. A mais alta "posição" a que um kahuna pode aspirar é puhi okaoka, que se refere a um indivíduo bem versado em todos os ramos de conhecimento. Como não possuem autoridade estruturada uns sobre os outros, os kahunas são procurados e seguidos por causa do que são capazes de fazer e do que sabem. Em determinado momento da história, os kahunas se dividiram em três ordens amplamente definidas, como explicado por WK no prólogo. Cada uma delas enfatizava uma abordagem específica de conhecimento e prática, mas a diferença tem menos a ver com função do que com técnica. As três utilizavam os elementos de magia descobertos por

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Max Long, e suas áreas de perícia se sobrepunham consideravelmente. Com isso em mente, examinemos agora cada uma dessas ordens.

A Ordem de Ku Essa ordem era chamada de "os Emocionais" por WK e enfatiza uma abordagem sensual/emocional da vida. Em termos de cura, os kahunas dessa ordem são mais propensos a usar exercício, massagem e imposição das mãos como métodos de tratamento. Assim como a psicoterapia, essas técnicas trabalham a liberação de emoções reprimidas e a descoberta de eventos passados que desencadearam os problemas atuais. Quanto ao ambiente, a abordagem consiste particularmente em tentar o controle direto de eventos e circunstâncias com a força de vontade e influenciar as emoções das outras pessoas. Esportes, política, comércio e guerra, bem como religião organizada e cerimonial, são os interesses naturais dos kahunas desta ordem. Foi ela que dominou o Havaí após a chegada do poderoso kahuna Paao Samoa, por volta de 1275 d.C. Ele instituiu uma hierarquia estrita na ordem de Ku e introduziu o sacrifício humano, uma prática que decididamente não faz parte da tradição kahuna. Depois da chegada de Paao e do chefe por ele instalado, todo o tráfico entre o Havaí e o mundo exterior cessou, até a vinda do capitão Cook.

A Ordem de Lono A abordagem desta ordem, os "Intelectuais" de WK, é intelectual/mecânica. No Havaí, ela gerou os médicos e cirurgiões, os agricultores, navegadores, astrônomos e astrólogos, os meteorologistas e os projetistas de navios, que orientavam a construção das grandes canoas oceânicas. Na cura e na psicoterapia, esses kahunas enfatizam o uso de ervas e drogas, dieta e fontes naturais de energia curativa, tais como a luz do sol, sal marinho, cristais e locais especiais descobertos da geomancia (uma forma de adivinhação usando supostas correntes de energia na terra). Eles vêem o ambiente como algo a ser manipulado por meio da compreensão da mecânica de sua operação. No Havaí, essa ordem sofreu muito sob o domínio da Ordem de Ku, e quando os europeus chegaram, boa parte de suas artes já estava perdida.

A Ordem de Kane Esses "Intuitivos" possuem uma abordagem espiritual/ integrativa. As técnicas usadas pelas outras duas ordens são consideradas ferramentas de uso temporário até se alcançar a compreensão básica de que o mundo exterior é apenas uma reflexão do pensamento. A ênfase é a unificação ou integração de espírito, mente e corpo com o propósito do autocontrole, sendo ele a chave para o domínio da vida. Na cura, a importância básica é dada aos efeitos do pensamento sobre o corpo, e as crenças atuais são consideradas mais influentes do que as experiências passadas. O ambiente é visto como uma extensão do corpo, igualmente influenciado por pensamentos e crenças. A imaginação é a ferramenta mais importante dessa ordem, e boa parte do treinamento diz respeito ao uso disciplinado dela. Esses kahunas trabalham com estados alterados de consciência e o uso refinado das habilidades psíquicas, mais do que as outras ordens. Eles poderiam ser considerados filósofos pragmáticos e, em termos de números, sempre foram menores que os kahunas de Ku e Lono. Na época do domínio de Ku no Havaí, sofreram pouco, pois trabalhavam, por assim dizer, "debaixo da terra". De acordo com WK, eles mantinham contato com o resto do mundo por telepatia. Esta é a ordem na qual meu pai foi iniciado e onde eu recebi meu treinamento.

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Os Renegados O fenômeno mais temido no Havaí era a "oração de morte", uma forma de telepatia emocional destrutiva, freqüentemente combinada com sugestão negativa. Quase todos os kahunas que a praticavam eram renegados da ordem de Ku, embora houvesse também feiticeiros não-kahuna que a usavam também. O epíteto mais comum aplicado a eles era kahuna'ai pilau (kahunas que comem imundície). Fosse para ganhar poder sobre outros ou apenas por ganho financeiro, eles usavam seu conhecimento de psiquismo, psicologia e energia emocional para ferir ou matar. Como bem sabia William Brigham, usava-se muito mais do que simples sugestão. A oração de morte podia funcionar mesmo que não houvesse o conhecimento consciente do que estava acontecendo; mas essa prática exigia considerável habilidade por parte do praticante, e sempre que possível a sugestão era usada para facilitá-la. Felizmente, cada ordem tinha um número de kahunas especializados em oki ou kala, formas de magia contrária que anulavam a oração de morte, tornando-a inofensiva. .

Os Kahunas hoje WK supõe não haver no Havaí atualmente mais que vinte e cinco kahunas genuínos, dos quais apenas meia dúzia seria da ordem de Kane. O resto está dividido quase de maneira regular entre Ku e Lono. No entanto, muitos daqueles que se dizem kahunas são apenas paranormais e curandeiros individuais, ou pessoas que dão um show aos turistas. Com poucas exceções, os genuínos kahunas, ou se retiraram totalmente da sociedade ou a ela se integraram, de modo que ninguém sabe quem são ou o que podem fazer. O conhecimento está vivo e operante, mas não é ostensivo. E, ao contrário do que muitos turistas parecem pensar, a ancestralidade havaiana não confere conhecimento kahuna. Mesmo Leinani Melville escreve que praticamente nenhum havaiano ou mestiço havaiano tem a menor compreensão do que é Huna, o conhecimento kahuna. Fora do Havaí, os kahunas também são raros ou se escondem muito bem. Conheci um kahuna maori que me disse que o conhecimento interior praticamente não existe mais entre o seu povo, e meu professor kahuna na África teve só três aprendizes durante os quase sete anos que o conheci. Minhas tentativas de contatar os kahunas que meu pai conheceu na Inglaterra não foram bem-sucedidas. Alguns havaianos se irritam por eu chamar a mim mesmo de kahuna, pois não tenho uma gota de sangue havaiano, embora haja precedentes suficientes nas lendas e histórias do Havaí para pessoas não-polinésias se tomar em kahunas. Lógico que qualquer um pode alegar ser kahuna, mas muito tempo atrás alguém que WK e eu consideramos um grande kahuna nos mandou aplicar este teste: "Pelos seus frutos os conhecereis".

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CAPÍTULO 2

A Tradição Interior A filosofia kahuna pode ser resumida em quatro afirmações, cada uma representada por uma única palavra-chave havaiana: 1. "Você cria a sua realidade (Ike)." Isso significa a sua experiência pessoal da realidade, cada parte dela. Você a cria através de suas crenças, expectativas, atitudes, desejos, medos, julgamentos, interpretações, sentimentos, intenções e pensamentos constantes e persistentes. 2. "Você recebe aquilo em que você se concentra (Makia)." Os pensamentos e sentimentos que você nutre, ciente ou não deles, formam o molde para trazer à sua vida a experiência mais equivalente possível àqueles pensamentos e sentimentos. 3. "Você é ilimitado (Kala)." Não há limites para o seu eu, não há limites entre você e seu corpo, você e o mundo, ou você e Deus. Quaisquer divisões usadas para discussão são termos de função e/ ou conveniência, pois o isolamento é apenas uma útil ilusão. "O seu momento de poder é agora (Manawa)." Você não está preso a nenhuma experiência do passado nem a qualquer percepção do futuro, pois o passado é apenas uma memória e o futuro uma mera possibilidade. Você tem o poder no momento presente de mudar as crenças limitantes e, conscientemente, plantar as sementes para um futuro de sua escolha. Se você muda o pensamento, muda a experiência. Essas ideias não são exclusivas dos kahunas. Na verdade, tomei as frases emprestadas de Seth/Jane Roberts para traduzir os conceitos Huna porque elas se encaixam muito bem; mas as ideias transmitidas pelas palavras podem ser encontradas em muitas fontes, nos escritos de várias épocas. Entretanto, elas nunca foram muito populares porque declaram que, sem exceção, todo indivíduo é responsável por sua experiência pessoal, e isso pode ser visto como uma coisa subversiva pelos governantes e intolerável pelos governados. Curiosamente, o mal-estar produzido pela implicação de responsabilidade costuma cegar as pessoas para a tremenda liberdade inerente que essa filosofia também contém. Nas seções a seguir, abordarei outros aspectos da filosofia kahuna que estão ligados aos anteriormente mencionados. Para esse material, bem como o dos capítulos seguintes, conto com meu treinamento como kahuna da Ordem de Kane, com a área pessoal e a pesquisa literária, além das discussões com WK.

A "Bíblia" Kahuna Boa parte da filosofia kahuna está incorporada na assim chamada "Canção da Criação", também conhecida como Kumulipo, que é o termo mais próximo de uma "bíblia" kahuna que conhecemos hoje. Originalmente parte de uma tradição oral passada aos kahunas treinados em memória perfeita, ela provavelmente foi compilada mais ou menos

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na forma atual em 1700, pelo kahuna Keaulumoku. Todas as traduções já feitas (não muitas) são de um manuscrito que fora propriedade do rei Kalakaua, o qual tinha grande interesse em preservar as tradições havaianas, incluindo os segredos de Huna e a função dos kahunas como curandeiros. Na filosofia kahuna, tanto o mundo espiritual quanto o material ganham forma graças a uma interação entre forças relativas, freqüentemente representadas por um homem e uma mulher. Para cada "deus" no panteão havaiano, com poucas exceções, há um equivalente feminino para ajudar com a criação. Muitos são mencionados nas sete primeiras seções do Kumulipo, junto a versos que parecem contar a formação da vida animal e vegetal na Terra. As entoações ou seções oitava e nona aparentemente falam do nascimento do homem para a percepção consciente e de sua multiplicação sobre a Terra. O resto do total de 16 seções na versão Kalakaua parece ser basicamente genealogias, exceto pelo relato do herói cultural, Maui. Um problema que os estudiosos têm com o Kumulipo, porém, é que eles não conseguem chegar a um acordo quanto à forma de traduzir. Numa tradição oral com uma língua como a havaiana, muita coisa depende de sutilezas de pronúncia e contexto que não podem ser adequadamente transmitidas por palavras escritas. Para dificultar ainda mais as coisas, os kahunas tinham o hábito de incorporar várias nuanças de significado em suas entoações, algo que os chefes faziam mesmo em suas canções de amor. Durante uma visita feita a amigos kahunas no Havaí, disseram-me que o Kumulipo tinha sete nuanças de significado, e eu tive acesso a uma chave para uma dessas nuanças, com a qual estou trabalhando no momento. Quando perguntei por que eles mesmos não a traduziam, disseram que não tinham tanta experiência com tradução quanto eu, não gostavam muito desse tipo de trabalho e tinham coisas melhores para fazer. Para dar um exemplo do que está envolvido, esta é a primeira linha do Kumulipo:

O ke au i kahuli wela ka honua E estas são as várias maneiras como ela foi traduzida: A roda do tempo se volta para os vestígios queimados do mundo. Adolf Bastion Na época que mudou o calor do mundo. Rainha Liluokalani A época em que a terra mudou em calor. Kakahi Na época em que a terra se tornou quente. Martha Beckwith Na época em que esta terra evoluiu como uma bola de fogo. Leinani Melville Sem negar que qualquer uma das traduções acima pode estar correta, eu fiz três outras. A última é parte da tradução em que venho trabalhando atualmente: Houve uma época em que a terra sofreu uma mudança violenta. A semente ativa transformou a terra com paixão. O pensamento muda as coisas terrestres.

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O Conceito de Deus A religião popular do Havaí era repleta de deuses e deusas, fantasmas, fadas, elfos, duendes e espíritos que mudavam de forma a seu bel-prazer e podiam ser amistosos ou hostis com o homem, dependendo da maneira como fossem tratados. Entretanto, essa visão popular era apenas uma distorção do conhecimento kahuna. Quando os primeiros missionários no Havaí tentavam entender a língua dos insulanos, depararam com conceitos tão estranhos ao pensamento deles que certas palavras recebem definições completamente injustificadas. Uma dessas palavras era akua, que foi traduzida como deus. Quando os missionários perguntaram aos havaianos qual nome davam às grandes estátuas que pareciam objetos de veneração, os nativos lhes disseram que o nome delas era akua. Quando perguntaram para quem eles rezavam pedindo conselho, proteção ou a realização de alguma coisa, eles disseram akua. Mas os missionários ficaram confusos quando perceberam que os havaianos usavam o mesmo termo para coisas que não pareciam divinas, incluindo a casta muito desprezada dos escravos. Como escreveu o missionário Lorrin Andrews em seu dicionário de havaiano em 1865, "quando da visita de estrangeiros, a palavra era aplicada a objetos artificiais, à natureza ou propriedade de algo que os havaianos não compreendiam, como um relógio de bolso, uma bússola ou o badalo de um relógio grande, etc." Baseando-se no fato de que akua também era o nome para a noite da lua cheia, Andrews acrescentou: "Parece que a antiga ideia de um akua incorporava algo incompreensível, poderoso e, no entanto, completo".3 Andrews estava na pista certa, mas tanto ele quanto a maioria dos ocidentais descartaram as aparentes anomalias e continuaram pensando que os havaianos e seus kahunas simplesmente veneravam ídolos aos quais chamavam de deuses. A verdade, de importância vital para compreendermos a filosofia e as práticas dos kahunas, é que akua significa "uma ideia em ação plenamente formada". É uma idéia ativa que manifesta efeitos. As raízes da palavra contêm significados que têm a ver com movimento ou tendência de uma pessoa para fora de si, para uma transformação e uma ação completada. Os kahunas sabiamente utilizavam algumas dessas estruturas idealizadas para a cura. Os quatro maiores akua eram Kane, Ku, Lono e Kanaloa. Se pudermos conceber que um tipo específico de ideia pode ser uma essência energética inteligente, então essas ideias podem legitimamente ser chamadas de deuses; do contrário, não.

Kane Externamente, Kane era considerado o deus superior e mais espiritual, nunca representado por uma imagem esculpida. No máximo, ele seria representado por um objeto natural, geralmente uma pedra ereta, sem ornamentos. Era tido como um deus de paz e amor, e seu equivalente feminino era Wahine. Em diálogos banais, kane significa "homem" e wahine "mulher". Kane e Wahine eram, portanto, símbolos equivalentes ao conceito chinês de yin e yang. Para os kahunas, Kane e sua companheira representavam o eu- deus de natureza dual presente em cada ser humano, semelhante ao "Cristo interior" dos cristãos ou à mente do Buda dos budistas. Ele/ela é, em outras palavras, a essência espiritual e a fonte do indivíduo, a alma, o Eu Superior ou Eu Maior. Outro termo para esse "deus pessoal" é aumakua, que Long primorosamente traduziu como "espírito parental totalmente fiel"; e dois outros termos para o mesmo conceito, kumupa'a e 'ao'ao, têm as conotações de professor e guia. Quando os europeus chegaram ao Havaí, a maioria dos

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Lorrin Andrews, A Dictionary of the Hawaiian Language (Rultand, Vermont, e Tóquio: Charles E. Tuttle

Co., Inc., 1974)

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havaianos reverenciava esse espírito interior apenas como uma espécie de ancestral guardião, porque as pessoas haviam misturado a fonte física de sua existência com a espiritual. Falarei mais desse akua e dos dois seguintes no capítulo sobre o método de cura mente/corpo dos kahunas.

Ku Ku era externamente associado à fertilidade, chuva, feitiçaria e guerra. Como termo comum, seus significados têm a ver com simbologia generativa; uma base ou estrutura para algo; uma coisa que pode ser mudada ou transformada; e algo que pode ter complexos emocionais. Psicologicamente, Ku representa o que pode ser chamado de "corpo/mente"; a consciência organizadora do corpo, o recebedor de informações sobre o mundo físico (visíveis e invisíveis), e o executor da ação. É tentador chamá-lo de "subconsciente", como já fiz, mas, se não compreendida a associação integral com o corpo, o termo pode ser mal entendido. Em quase toda loja para turistas no Havaí, você pôde comprar uma estatueta de gesso de Ku, que é um lindo exemplo da "escrita" kahuna de símbolos. A estatueta desse akua mostra um ser praticamente sem cocar (sua província é a imaginação da memória), com serpentinas descendo até o chão (envolvimento primário com o mundo físico), e os olhos fechados (percepção limitada).

Lono Lono era o deus da agricultura, medicina e meteorologia na religião exterior. Na psicologia kahuna, ele representa o intelecto, a porção da mente que percebe, interpreta e dirige. Uma decodificação da raiz do nome revela os significados de receber informação e agir de acordo com a informação recebida; cérebro, principalmente o cérebro anterior, e inteligência; buscar metas; criar desejos; e pensamento imaginativo. A estatueta de Lono é um ser com um cocar alto (imaginação criativa), serpentinas curtas que não chegam ao chão (contato indireto com o físico), e sem olhos (dependente de outra fonte para ter informações sobre o mundo).

Kanaloa Nas lendas havaianas mais antigas, Kanaloa é sempre mencionado como o companheiro de Kane, e os dois viajavam pelas ilhas em busca de fontes de água. Kanaloa era conhecido como um deus de cura e dos oceanos, e costumava ser representado por um polvo ou uma lula, bem como por uma figura esculpida específica. O uso do polvo/lula como símbolo tem a ver com a significância sagrada do número 8 e o fato de que a palavra para as duas criaturas, he'e, significa "fluir" (como no fluxo da força vital) e "livrar" (como livrar-se de uma doença). Após a chegada do Cristianismo às ilhas, Kane, Ku e Lono foram comparados à Trindade, enquanto Kanaloa assumiu o papel de satanás. A palavra kanaloa significa "seguro, firme, inconquistável", e é usada como uma referência poética para comida, um símbolo para poder. Na tradição kahuna interior, Kanaloa representa o Homem Ideal — plenamente ciente, plenamente físico e ao mesmo tempo totalmente espiritual, amando e sendo amado e vivendo em contato com sua fonte. A figura esculpida mostra um ser com um cocar alto (o poder do pensamento criativo), serpentinas chegando ao chão (envolvimento direto com o físico), e os olhos bem abertos (percepção completa do mundo físico e do espiritual).

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Homem Trino Na filosofia e psicologia kahuna, o homem é um ser espiritual com três aspectos representados por Kane, Ku e Lono. No estado ideal, os três funcionam como um, representado por Kanaloa, e nesse estado o homem também é capaz de expressar seu pleno potencial. Por motivos que serão mencionados em capítulos posteriores, pode ocorrer a desunião, causando uma quebra de comunicação entre os três aspectos e uma diminuição da efetividade do homem na vida. Para reconquistar essa efetividade, os kahunas devem primeiro ensinar como reunificar Lono e Ku, o intelecto e o corpo, ou o consciente e subconsciente. Dependendo do sucesso dessa reunificação, a união com o Kane também ocorre. Evidentemente, não falamos aqui de uma reunificação física, pois não existe uma real separação, e sim da reunificação através da percepção aumentada. Simbolicamente, quando as figuras esculpidas de Lono e Ku são combinadas, o resultado é Kanaloa, o companheiro de Deus.

A Divindade Quando Kane se refere a Deus, trata-se de uma referência ao eu-deus muito pessoal do indivíduo. Os kahunas também reconhecem uma Divindade ou um Deus supremo, infinito, e o termo que usam para isso é Kumulipo, a mesma palavra usada para a Canção da Criação e que pode ser traduzida como "fonte de vida". Kumulipo é considerado imanente na natureza, e a unicidade inerente de todas as coisas é aceita como uma verdade básica. Como seres concentrados na realidade física, porém, os kahunas sentem que este mundo é o objeto mais prático para estudo e desenvolvimento. A visão que eles têm deste mundo é muito mais ampla do que a visão tradicional na cultura ocidental, e sua percepção do mundo envolve pontos de vista de vários estados de consciência; por isso, eles sentem que há muito campo para trabalho no "aqui-e-agora" sem especulações inúteis sobre a natureza da Divindade. Huna é uma filosofia pragmática, e não existem teólogos entre os kahunas. Kumulipo é tudo o que existe, infinito, inerentemente amando tudo. Não há muito mais o que dizer sobre isso.

Espíritos O deus pessoal, ou o eu-deus (Kane ou aumakua), não é limitado à humanidade, na filosofia kahuna. Como Deus está em tudo (ou tudo está em Deus — os kahunas concordam com as duas premissas), tudo tem uma forma própria de percepção. Num sentido profundo, tudo é vivo, ciente e responsivo. E tudo, até mesmo aquilo que os cientistas ocidentais consideram matéria "morta", tem um Eu Superior com o qual se pode comunicar conscientemente. A comunicação inconsciente, ou a telepatia subconsciente, está sempre ocorrendo entre nós e nosso ambiente, porque é a forma primária na qual o mundo interage consigo mesmo. Um exemplo seria a maneira como as plantas reagem à dor ou ao prazer de outros seres vivos nas proximidades. Como humanos, porém, temos o potencial para a comunicação telepática consciente, deliberada, com qualquer coisa, e, portanto, o potencial para influenciar propositalmente o ambiente através de meios não físicos. Daí surge a ideia de que existem identidades-deus (aumakuas ou simplesmente akuas) para grupos de coisas, assim como para os indivíduos, e de que a essência grupai é mais do que a soma de suas partes. Assim, uma árvore tem seu próprio aumakua, e a floresta — da qual ela faz parte — também, o mesmo acontecendo no resto do mundo, — e além dele. Antigamente, um kahuna pedia permissão ao espírito de uma árvore antes de cortá-la, ao espírito de um vale antes de atravessá-lo. Ele fazia isso por respeito pela fonte que vivia em tudo, para garantir cooperação. Hoje, um kahuna pode falar com seu carro ou sua casa da mesma maneira, e usar o mesmo conceito em seu trabalho de cura.

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Como já expliquei em outros textos, a palavra inglesa spirit (espírito), aborda grande variedade de fenômenos que os kahunas reconhecem como muito diferentes. Para sermos breves, dentro dessa vasta categoria, os kahunas reconhecem formas-pensamento, manifestações de campos de energia, complexos aparecendo como personalidades separadas, efeitos de extrema sensibilidade telepática ou clarividente, o equivalente dos anjos, bem como "ideias em ação". Apesar dos contos e lendas populares, a filosofia kahuna não inclui a ideia de verdadeiros diabos, demônios ou espíritos dos mortos vagando. Estes são vistos como formas-pensamento criadas consciente ou inconscientemente, ou manifestações de complexos negativos. Entretanto, um kahuna pode agir como se essas coisas existissem caso esteja tratando de alguém que acredita nelas.

Crenças e Realidade Para os kahunas, a crença é a base para a experiência de qualquer realidade. A ideia é que nossa experiência é condicionada pelo que acreditamos, e só podemos experimentar aquilo que acreditamos ser possível em algum nível de consciência. Quanto mais acreditarmos numa coisa, mais profundamente ela afeta nossa experiência. Obviamente, uma das principais tarefas do curandeiro kahuna é ajudar as pessoas a mudar suas crenças doentias em crenças saudáveis. As crenças acalentadas pelas pessoas podem ser divididas em três tipos, todos mantidos ao mesmo tempo. O primeiro tipo é a pressuposição (paulele), um estado de crença no qual não há dúvida nenhuma e a experiência consiste no que se acredita. O segundo é a atitude (kuana), ou as crenças que abrem margem para dúvidas, mas, por serem tão habituais, continuam a influenciar a experiência. O terceiro tipo é a opinião (mana 'o), uma crença facilmente mudada à luz de um novo conhecimento. Em contraste, o novo conhecimento que contradiz pressuposições e atitudes, sozinho, raramente produz mudança. Entrarei em pormenores sobre essas crenças e seus efeitos na saúde no capítulo sobre mente/corpo. Você cria a sua realidade por meio de suas crenças, dizem os kahunas, e as espécies de realidades criadas também podem ser classificadas em três categorias. Os psicólogos ocidentais estão familiarizados com as assim chamadas realidades subjetivas e objetivas. A essas, os kahunas acrescentam uma terceira, que eu chamo de projetiva. A realidade subjetiva é pono'i, uma palavra referente ao sentido que uma pessoa tem do que é certo, apropriado, bom, moral, correto, bem- sucedido, útil, etc. É a realidade do julgamento, e aquela que tem o maior efeito, na saúde e felicidade. Por exemplo, em minha realidade pessoal, fazer caminhadas carregando minha mochila é uma atividade positiva e benéfica, mas na realidade pessoal de minha mulher é negativa e dolorosa. Não se trata de uma simples diferença de opinião; é uma diferença em experiência subjetiva. Em seguida, vem a experiência objetiva, ou, como prefiro chamá-la, realidade compartilhada. A palavra para isso é oia'i'o, que tem significados de substância e fatos, e se refere ao modo como as coisas parecem ser, independentemente de atitudes e opiniões. É a realidade da aparência e interpretação, da tecnologia e da lida prática com o mundo material. Os "fatos" de seu ambiente imediato lhe permitem comer, respirar, trabalhar, brincar e interagir com os outros, e essa é a realidade do oia'i'o. Essa realidade é mais facilmente mudada por meio de uma nova interpretação dos fatos, como frequentemente fazem os inventores. O terceiro tipo de realidade é maoli, que significa "devido à vibração". Essa é a realidade que começa como subjetiva e se torna objetivada por meio de contínua projeção mental. E uma realidade que você cria ou partilha da criação propositalmente, levando o seu desejo do nível de uma ideia ou imagem ao nível da experiência física. Não é uma coisa estranha que só os adeptos podem fazer após muitos anos depois de prática disciplinada.

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Você faz isso sempre que planeja e executa um projeto. Praticamente o mesmo processo pode ser usado para efetuar uma cura. Os kahunas não veem a realidade como algo separado ou fora de nós mesmos, mas tratam-na como parte essencial de um estado psicológico. O potencial que temos é enfatizado pelo fato de que maoli também pode ser traduzido como "um estado de alegria".

Vida e Morte A palavra havaiana para vida é ola, e a mesma palavra é usada para "um meio de sustento ou renda, curar ou ser curado, bem-estar, bem, salvação, conceder vida", e outros significados semelhantes. As raízes dão um significado básico de emitir ou encher-se de luz, e os kahunas usam a luz como um símbolo de energia e também de perfeição. Uma ideia fundamental por trás disso é que uma vida saudável, produtiva e satisfatória está intimamente ligada a um contínuo aumento de percepção. Duas outras palavras que significam luz, ea e ha, também têm o sentido de "respiração", o que exemplifica que o duplo sentido era, aparentemente, comum em muitas filosofias antigas. Além disso, essas duas palavras carregam significados associados ao movimento da água; e a própria água (wai) também é usada como um símbolo da vida. Portanto, a vida é percebida pelos kahunas como algo que flui e se move em ciclos, como a respiração e a água. De fato, uma frase recorrente em lendas e orações do Havaí, wai ola, pode significar igualmente "a água da vida" e "o fluxo da vida". Do ponto de vista ocidental, parece natural olhar a morte como o oposto da vida, e esperar que a palavra kahuna para ela se refira a uma parada do fluxo. Em vez disso, porém, a filosofia kahuna trata a morte como continuação da vida numa direção ou estado diferente. Isso fica evidente nos significados alternativos para os temas comuns e poéticos para a morte, em havaiano, como vemos a seguir: make loa — "forte desejo por algo " hiamoe loa — "desejo de um longo sono " ua makukoa'a'e'oia — "vida que se mantém fluindo " ala ho'i ole mai — "o caminho sem volta" waiho na iwi — "deixar para trás os ossos" moe kau a ho'oilo — "tempo de sono para germinar (renascimento)" a lele nui ka mauli — "o espírito (ou vida) fluiu " lele ka hoaka — "o espírito (ou corpo astral) fluiu " ha'ule — "começar a fazer algo " Um problema importante para muitos filósofos não é apenas por que a morte ocorre, mas por que naquele momento e daquela forma. Superficialmente, parece uma coisa ilógica, sem padrão ou motivo, mas isso acontece porque a cultura ocidental tende a ver a morte como o fim, algo imposto a nós contra a nossa vontade, e pela qual não temos responsabilidade exceto em caso de suicídio. A visão kahuna é muito diferente. A morte é vista como parte da vida, tão natural quanto a mudança das estações ou a metamorfose de uma lagarta em borboleta. Ela ocorre porque faz parte do contínuo processo de vida. O quando e o como são questões de crença pessoal e cultural. Por exemplo, se você desenvolver a crença de que a velhice é uma coisa horrível, que preferiria morrer a ficar velho, provavelmente morrerá, ainda que tenha de criar subconscientemente uma doença ou um acidente como modo de partir. E, se você tem uma crença profundamente arraigada de que, pode envelhecer com dignidade, de maneira agradável e com boa saúde, provavelmente será um centenário ativo e a sua passagem será tranquila e pacífica quando você sentir que sua vida já se cumpriu. E até o último momento da vida física, uma mudança de crença pode mudar suas circunstâncias. Como frequentemente digo a meus alunos, você tem um propósito e o seu Eu Superior providenciará para que esse propósito

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seja cumprido, seja em poucas horas ou cem anos, quer você esperneie e berre o tempo todo, quer se divirta e se delicie. Os kahunas não se importam muito com a vida após a morte porque estão mais interessados na experiência da vida presente. De modo geral, a vida após a morte é considerada um lugar para se reavaliar a vida, renovar-se e rever velhos conhecidos, e ter nova experiência e crescimento. O nome para esse estado é Po, e os kahunas dizem que o visitamos todas as noites em sonhos, quando estamos livres do corpo, e também em certos estados de transe. Nós nascemos de Po, visitamos Po regularmente, e a ele retomaremos, talvez para dele nascer novamente. Quando dizemos nós, a referência é ao intelecto e ao corpo (porção Lono/Ku do eu inteiro), pois o Eu Superior (dumakua) existe continuamente em Po. A língua inglesa às vezes é uma ferramenta imprecisa para a discussão de certos aspectos de Huna. E fácil ter-se a impressão de que Po é um lugar, mas isso não é correto. Po é mais como um estado multidimensional existindo simultaneamente e ocupando o mesmo espaço que a vida física. Uma analogia grosseira seria como vários programas de televisão sendo transmitidos à sua volta agora, mas numa forma que você normalmente não percebe. A vida desperta, em vigília, de acordo com Huna, é como se sintonizar a um canal específico da realidade para obter certos tipos de experiência. A comunicação entre Po e Ao (vida desperta) é possível porque a pessoa inteira existe nos dois mundos ao mesmo tempo, e é só uma questão de mudança de percepção. Em alguns contextos, Po também significa "Mente". A reencarnação faz parte da filosofia kahuna, mas o conceito é radicalmente diferente da maioria dos outros sistemas de pensamento, porque o conceito kahuna de tempo também é radicalmente diferente. Sucintamente, o tempo é uma forma de vibração energética, como o som ou a luz, e que — como eles — possui campos de frequência. Todos os "tempos" estão acontecendo ao mesmo tempo, mas nossos sentidos físicos normalmente restringem nossa percepção a um campo específico que chamamos de presente. Com nossas mentes, somos capazes de transcender limites físicos e ter consciência daquelas porções de nosso eu total que "agora" existem em outros tempos e lugares. O resultado prático desse conceito é que os kahunas não veem a vida presente como o resultado ou efeito de condições numa vida "anterior". Em suma, eles não aceitam a ideia de uma "dívida cármica", que a pessoa deve pagar ou compensar por experiências e ações em uma vida passada. Em vez disso, segundo os kahunas, você contém todas as experiências de reencarnação dentro de si, neste momento, na forma de dados mais ou menos latentes, e a sua vida atual consiste em dados latentes para suas outras vidas. Elas o afetam assim como você as afeta. O relacionamento é antes de reflexão paralela que de causa e efeito, e o seu atual sistema de crenças determina partes de suas outras vidas que você pode conhecer. Você pode mudar sua crença, explorando, compreendendo e afetando vidas "passadas", ou explorando, compreendendo e afetando esta vida. De acordo com os kahunas, tudo é a mesma coisa, e o importante é chegar aos resultados desejados.

Bem e Mal Qualquer filosofia cujo objetivo é servir de diretriz para a conduta humana deve lidar com o problema do bem e do mal, conforme ele aparece no mundo. O método kahuna é extremamente prático e simples. Para começar, não há um paralelo em Huna à noção de um ser maligno como satanás, que tenta e captura as almas dos homens, e que pode convenientemente levar a culpa pelos desvios humanos dos padrões estabelecidos por outros homens. Os kahunas consideram satanás e outros equivalentes personificações das ideias humanas sobre o mal. Eles ensinam que cada ser humano é responsável por suas próprias ações e pelos resultados destas. Tampouco existe um conceito de pecado contra Deus, no sentido ocidental. As leis de Deus são leis naturais, tais como a gravidade, impulso, magnetismo, etc. Por sua natureza, essas leis não podem ser "quebradas por pecado" sem efeitos imediatos. Experimente pecar contra a gravidade, pulando de um

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penhasco. "Viver em pecado, desafiando as leis de Deus" é, portanto, uma impossibilidade na visão kahuna. Por outro lado, isso não significa que os homens não possam cometer atos ruins. Há três palavras em havaiano normalmente traduzidas como pecado, e um exame apurado delas revela muita coisa sobre o pensamento kahuna nessa área. A primeira palavra é hala, e seu significado essencial é "errar por omissão". É a perda do caminho, a falha em fazer algo que deve ser feito. Diferentemente do pecado no sentido ocidental, o conceito se refere ao erro, um julgamento equivocado que pode e deve ser corrigido para o bem do indivíduo, e da sociedade. Abandonar o local de um acidente ou não pagar impostos são omissões que se encaixariam nessa categoria. O segundo tipo de pecado é hewa, o erro do exagero, de fazer alguma coisa em excesso e, portanto, não para o bem do indivíduo e da sociedade. Esse erro também pode e deve ser retificado. Alcoolismo, dirigir sem cuidado e perturbar a paz são atividades hewa. Nem hala nem hewa são considerados atos malignos — estúpidos e loucos, talvez, mas não malignos. A verdadeira palavra para mal é 'ino, que significa prejudicar alguém intencionalmente. A palavra-chave é intencional, o desejo de prejudicar deliberadamente. Isso é mais do que um erro, pois se trata de um ato consciente. É um pecado contra si próprio ou outra pessoa, um pecado contra a vida. E como a chave é o intento, só o indivíduo que comete o ato pode de fato julgar o que fez, pois atos semelhantes podem ser cometidos por razões diferentes. Na guerra, por exemplo, as pessoas são mortas por outras. Mas há alguns que matam por prazer, outros por medo de ser mortos, e outros ainda para defender a quem amam. O intento faz a diferença, e o indivíduo é o juiz de si mesmo, no sentido ético. Usando a palavra sociedade em referência a qualquer tipo de grupo, os kahunas reconhecem que uma sociedade pode estabelecer qualquer regra, lei ou padrão ético que desejar e estipular formas de punição para a desobediência. Ao mesmo tempo, um indivíduo nessa sociedade tem o direito de obedecer às leis e receber os benefícios da sociedade, ou quebrá-las e sofrer as consequências. Uma sociedade pode até estabelecer o que considera leis morais, mas elas continuam sendo as leis dessa sociedade específica e não são necessariamente apropriadas para aplicação universal. Independentemente disso, um indivíduo que acredita ser pecado quebrar as leis de sua sociedade encontrará um meio de punir a si próprio, mesmo que a sociedade não o faça, geralmente através de uma doença ou acidente. Mas, independentemente do que uma sociedade possa ou não fazer com uma pessoa que quebra as leis, o juiz final é o eu-deus da própria pessoa. O único pecado universal é a violência contra a vida. Isso inclui dano intencional de qualquer espécie, e se aplica também a plantas, animais ou à própria Terra, bem como aos seres humanos.

Amor e Emoções Max Long formulou um "mandamento" Huna, o qual definiu como "Não prejudicar". Entre os kahunas, porém, esse princípio é afirmado mais positivamente como um chamado para o amor. Não há mandamentos em Huna. Há, isto sim, lógica, no sentido de uma ligação necessária entre os eventos. Se você comete violência, recebe violência. Se ama, é amado. Isso nada tem a ver com mandamentos; é a natureza da vida. Seguindo a visão kahuna segundo a qual a experiência segue o pensamento e tudo é parte de um todo, você não pode cometer violência sem antes se sentir violento a respeito de si mesmo; não pode odiar os outros sem antes se odiar; e não pode amar sem amar a si próprio. Como disse WK: "Se você não tem uma coisa, não pode dar". O amor é orientado para o crescimento e desenvolvimento, enquanto a violência é restritiva e repressiva. O chamado para o amor, portanto, é muito prático. Se você quiser crescer e se desenvolver e apreciar a vida, pratique o amor. E, em proporção ao grau de sua prática, começando consigo mesmo, você crescerá, se desenvolverá e apreciará a vida.

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Para praticar o amor, porém, você precisa entender o que ele é. Para muitas pessoas da cultura ocidental, parece ser uma espécie de doença ou uma forma de trauma emocional, a julgar pelas descrições. A palavra havaiana para amor é aloha, que a maioria dos turistas em Honolulu sabe que também significa "olá" e "adeus". Mas aloha é usada para esses cumprimentos justamente porque significa amor, pois a melhor maneira de cumprimentar ou se despedir das pessoas é com amor. Agora, o que é o amor? A própria palavra responde. De acordo com as raízes, significa "crescer e prosperar alegremente juntos", "compartilhar a experiência da vida", e "ser feliz com (alguém)". O amor é um modo de agir em relação às outras pessoas e de sentir algo por si mesmo e pelos outros. Esse modo de agir é sempre uma espécie de cura, incentivando o objeto amado a prosperar e brilhar. Pode-se dizer, portanto, que amar é curar, e curar é amar. Lógico que qualquer coisa pode ser chamada de amor, mas o verdadeiro teste é se essa coisa incentiva o crescimento e a felicidade. As emoções são vistas pelos kahunas como uma excitação de energia por todo o corpo, e todas as palavras havaianas relacionadas às emoções refletem essa ideia, geralmente com o uso de imagens aquáticas, como ondas, borrifos ou água fluindo de uma forma ou de outra. O nome específico dado a uma emoção em particular depende dos pensamentos que a acompanham. Em termos de pura sensação, você não verá uma diferença entre raiva e entusiasmo, ou ansiedade e expectativa animada. A estimulação do fluxo emocional pode vir dos seus pensamentos ou de um evento externo, mas de qualquer forma são os pensamentos que perpetuam a emoção, e uma mudança de pensamento pode mudar as emoções que você experimenta.

Relatividade O conceito de relatividade é muito importante na filosofia kahuna, especialmente em relação à cura. A ideia Huna é muito semelhante ao conceito yin/yang dos chineses: tudo é relativo a alguma coisa. Nada pode ser descrito ou experimentado exceto em relação a alguma outra coisa, pois não existem absolutos no mundo de nossa percepção. Essa é uma extensão lógica de uma pressuposição kahuna básica de que Deus, a Divindade, é infinita, e infinito significa ilimitado. Daí, podemos ter a seguinte proposição: Deus é infinito; Portanto Deus é toda a verdade; Portanto a verdade é infinita; Portanto tudoxjue é, é verdadeiro. Como o homem não percebe a infinidade, nunca pode enxergar mais do que uma porção da verdade, e essa porção depende inteiramente de seu sistema de crenças. A medida que mudam suas crenças, também muda sua verdade, e portanto, sua experiência. A percepção da verdade, portanto, é relativa ao estado mental. Em qualquer momento específico, você só consegue experimentar uma verdade relativa. Esse conceito se expressa efetivamente na linguagem de Huna porque a maioria das palavras "código" contém significados relativos. A palavra sagrado (la 'a) também significa "amaldiçoado e deflagrado", e mesmo a palavra aloha, tão fortemente associada a alcançar, fazer contato e partilhar, tem em sua raiz significados adicionais de evitar e reter. A ideia por trás dessas traduções paradoxais é que o significado depende das circunstâncias. O significado só pode ser compreendido em relação ao seu ambiente. Portanto, as palavras só fazem pleno sentido no contexto. Num sentido mais amplo, qualquer porção do universo é o que parece ser em relação a alguma outra parte com que possa ser comparada. Não existem absolutos; não há significado sem relacionamentos; todas as coisas são não apenas interativas, mas interdependentes. Os kahunas usam essa idéia para ajudar uma pessoa a desenvolver um senso de significância poderosamente seguro, enquanto, ao mesmo tempo, ensinam a essa

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pessoa que curar a si própria é o mesmo que curar o mundo, e curar o mundo é curar a si própria. Não se trata de uma perda de individualidade, mas, de uma compreensão de que a própria individualidade é um relacionamento com o ambiente. As ideias filosóficas gerais brevemente apresentadas acima formam a base para as práticas kahuna descritas nos capítulos seguintes.

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CAPÍTULO 3

Práticas Psíquicas Em lendas, narrativas históricas e anedotas de viajantes, há muitos contos sobre as práticas psíquicas dos kahunas do Havaí, práticas essas ainda observadas hoje em dia e que são uma parte essencial dos métodos de cura kahuna. Embora ainda exista muita controvérsia, não nos cabe aqui tentar provar a existência de habilidades psíquicas. Neste capítulo, eu me concentrarei na explicação dos kahunas e no uso que fazem de tais habilidades.

Níveis de Consciência Como descrevi no capítulo anterior, os kahunas reconhecem vários modos de perceber a realidade, e também usam vários níveis de percepção ao realizar suas práticas, cada qual com seu conjunto de regras ou estrutura de crenças. Com isso, eles seguem o conceito psicológico de que vivemos num universo multidimensional, e que podemos alcançar diferentes efeitos e experiências, mudando nosso foco de uma dimensão, ou nível, para outra. Esses níveis supostamente coexistem, de modo que a mudança de um para outro envolve apenas um desvio de atenção. É algo que pode ser comparado a viver num apartamento com um único cômodo, que pode ser usado para dormir, jantar, ler ou fazer algum trabalho criativo. Enquanto fazemos uma coisa ou outra, o cômodo não muda, mas apenas o seu uso e o conceito que temos dele. WK gosta de dividir esses níveis em quatro tipos diferentes. Entretanto, os kahunas consideram todas as categorizações ou divisões de qualquer espécie potencialmente úteis, porém arbitrárias. O isolamento é apenas uma ilusão conveniente. Assim, os kahunas se sentem à vontade para desenvolver qualquer tipo de estrutura explanatória que sirva aos seus propósitos. Com isso em mente, vejamos os quatro níveis de WK:

Primeiro Nível: Físico (Ike Papakahi) Este é o nível do que poderia ser definido como a experiência física bruta. Refere-se ao reino cotidiano comum que conhecemos e no qual trabalhamos com a visão, audição, tato, paladar, olfato e sentimento. Embora não seja irreal, este é um nível de percepção apenas parcial. É um nível pragmático onde se constroem casas, consomem-se alimentos e as pessoas se relacionam com certa independência. Sua característica dominante é o senso da experiência objetiva, de um isolamento entre as pessoas, objetos e eventos.

Segundo Nível: Psíquico (Ike Papalua) Esse é o nível da maior parte da experiência psíquica. Nesse estado, a experiência objetiva não é definida de maneira tão acentuada, pois nele você pode comunicar-se com o seu ambiente e influenciá-lo de modos que não seriam possíveis em ação estrita do

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primeiro nível. A subjetividade se torna mais importante, mas ela é usada como meio de atuar no mundo exterior. Daqui, você pode usar técnicas mentais para criar eventos objetivos.

Terceiro Nível: Relacionai (Ike Papakolu) Este é o estado da inter-relação ou da relatividade. Tempo, espaço, matéria, energia, humanos, plantas e animais se tornam conceitos relativos que interagem constantemente e que não têm significado, exceto em relação uns aos outros. Enquanto os dois primeiros estados são orientados primariamente pela ação, este e o seguinte são mais orientados pela informação. Por exemplo: um adepto kahuna pode usar este estado para aprender a verdadeira natureza da doença de uma pessoa, mudar para o segundo estado a fim de realizar uma cura psíquica, e voltar depois ao primeiro para dar uma massagem ou um remédio de ervas, ou ainda para fazer um ritual que impressione o paciente.

Quarto Nível: Místico (Ike Papakauna) Este é um estado de percepção mística da unicidade do universo. Alguns escritores o chamam de consciência cósmica, e, embora a vivência desse nível possa alterar o modo como uma pessoa vê a vida e resolve agir a partir de então, é um estado puramente subjetivo e não pode ser usado de nenhuma maneira "prática". Como exemplo, se um kahuna, sem nenhum meio de proteção física, deparasse com um leão devorador de homens, poderia usar o segundo nível para influenciar o animal telepaticamente e mandá-lo embora, e poderia mudar para o terceiro nível e determinar por que se deixou cair numa situação assim, aprendendo a mudar" seu modo de pensar e não repetir o ato. Se ele mudasse para o quarto nível, compreenderia que ele e o leão estão unidos no grande esquema das coisas e o que quer que acontecesse estaria certo aos olhos do universo. Entretanto, se ele contasse somente com este estado, provavelmente seria devorado.

Mente, Energia e Matéria Em sua busca pelo conhecimento dos kahunas, Max Long disse que foi orientado a procurar três fatores: uma forma de consciência (no'ono'o), uma forma de força (mana), e uma forma de substância (aka). Como as três são essenciais às práticas psíquicas kahunas, será necessário uma breve explicação de cada uma. Nesse contexto, a consciência (no'ono'o) é vista na forma de imaginação e tem dois aspectos. Um é o de "olhos do subconsciente" (makaku), a imaginação baseada em crenças atuais. Pode mani- festar-se como imagens da memória, sonhos, devaneios habituais ou espontâneos, e até preocupações visualizadas ou expectativas. Esse aspecto é usado na coleta de informações psíquicas (a imaginação não é só fantasia), e geralmente é chamado de "sintonização" por sensitivos e paranormais. O segundo aspecto (laulele) tem na raiz os significados de padrão embrionário e de espalhar ou voar para fora. Trata-se de imaginação conscientemente desejada e dirigida, do tipo que um arquiteto usa antes de colocar suas ideias no papel. Com laulele, o kahuna estabelece um padrão mental para o que ele deseja alcançar, que se encaixe com a ideia filosófica da realidade projetiva. Essa ideia está contida na raiz 'ono de no'ono'o, que significa "ansiar por algo, desejar obter alguma coisa". A ideia pretendida aqui é de uma vontade emocionalmente fortalecida e fortemente dirigida. Dos vários termos havaianos equivalentes à palavra inglesa desire (desejo), só 'ono traz a ideia de intenção de conseguir algo. No'ono'o é, portanto, a imaginação criativa com propósito. Para o kahuna, a verdadeira chave do trabalho psíquico é a força psíquica ou o poder divino (mana). Isso se refere ao poder de qualquer espécie, mas principalmente a confiança e a energia. Como energia, é a força vital que permeia o universo, altamente concentrada nas coisas vivas. Pode ser acumulada, focalizada e transferida de uma pessoa ou um objeto para outro. Mana parece ter muitas das características da eletricidade, do

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magnetismo e da gravidade, e os kahunas interpretam essas três coisas como variações de mana. A efetividade de todas as práticas psíquicas é determinada por sua abundância ou escassez. Portanto, muita atenção deve ser dada ao modo como se aprende a aumentar conscientemente o suprimento disponível. Um modo de fazer isso é usar a imaginação consciente ou a visualização, imaginando que o mana está aumentando — como, de fato, aumenta. Quando as práticas dessa natureza são feitas, você chega a experimentar sensações físicas no corpo, tais como correntes, formigamento ou calor, todos os sinais do fluxo do mana aumentado. Outro modo é praticar várias formas de respiração especializada e exercícios, semelhantes aos usados pelos iogues. Isso se baseia na ideia de que mana também se encontra no ar e pode ser atraído de maneira mais abundante pela respiração controlada conscientemente. Certos alimentos que contêm fortes concentrações de mana podem ser comidos, e alguns objetos como grandes quantidades de mana podem ser manuseados de várias maneiras. O som na forma de canções, entoações e música também pode ser usado. Sem dúvida, a prática mais comum, porém, é o desenrolar consciente da emoção. Para os kahunas, a emoção é mais do que o mero sentimento; é o movimento de mana no corpo acompanhado por um pensamento específico. A emoção forte é comparada à presença de uma grande concentração de mana. O kahuna proficiente deve ser um mestre das emoções, capaz de gerá-las, dirigi-las e dissipá-las à vontade. Praticamente todas as palavras descritivas usadas em Huna para práticas psíquicas contêm raízes que indicam nitidamente o uso da emoção ao realizá-las. Observe, no entanto, o seguinte: quanto mais mana-como-confiança você tiver, menos mana-como-energia precisará; e quanto menos mana-como-confiança tiver, mais manacomo-energia precisará. Aka é a "matéria" básica do universo físico, da qual toda manifestação material é formada. A palavra tem o significado de "luminoso, transparente, sombra, reflexo, espelho, essência". Aka funciona como um espelho que reflete padrões de pensamento no nível tanto psíquico quanto físico. Comparado ao reino do pensamento puro, é uma mera sombra. Os kahunas acreditam que essa "matéria" pode ser formada e moldada por meio do pensamento consciente e inconsciente, e age como um contêiner de mana. Quanto mais mana ela contém, mais densa parece. Algumas formas de aka são conhecidas pelos sensitivos como matéria etérea ou astral, e, sob certas condições no estado psíquico de percepção, ela aparece como algo luminosamente transparente. As características refletoras dessa matéria possibilitam a um curandeiro kahuna mudar as condições, mudando o pensamento.

Simbologia Ao ensinar e praticar suas artes psíquicas, os kahunas fazem grande uso de ferramentas e símbolos metafóricos. Diferentemente de alguns ocultistas ocidentais, que podem atribuir propriedades mágicas inerentes às ferramentas físicas de seu ofício, os kahunas sabem muito bem que o propósito primário de tais ferramentas é estimular a produção de mana pelo subconsciente, e direcionar seu fluxo em determinado sentido pela mente consciente. É evidente que qualquer objeto específico pode ser infundido com um suprimento extra de mana, o que pode torná-lo um estimulante mais eficaz; mas as ferramentas usadas pelos kahunas são mais honradas pelo duplo sentido de seus nomes do que por qualquer eficácia natural que possam ter. Por exemplo, uma ferramenta tradicional usada em muitos antigos rituais kahuna era uma bebida narcótica feita de raiz de awa (kava). A lógica por trás disso era que a palavra awa significa uma "experiência desagradável ou trágica e também um canal ou passagem através de um recife até um porto tranqüilo". Ao oferecer o awa aos deuses, o kahuna estava na verdade realizando um ritual para convencer o subconsciente de que as experiências amargas estavam sendo substituídas pela paz interior. Outra ferramenta

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ainda usada no Havaí para várias práticas, geralmente de proteção, é a folha de ki (ti), porque outros significados de ki são "força, ataque, amarrar e tirar". Animais, plantas, flores, peixes, pássaros, pedras e outros objetos eram todos utilizados de acordo com os vários significados em seus nomes, independentemente de seu uso como fonte extra de mana ou por quaisquer características químicas ou nutricionais. Os kahunas sabem que o poder real de uma palavra está em sua significância psicológica. O som, sozinho, pode estimular um fluxo de mana, mas o som formado em uma palavra com impacto psicológico tem um efeito muito maior. Tanto para ensinar quanto para aprender, geralmente é útil aplicar metáforas. Ao aprender a teoria da eletricidade, por exemplo, um estudante pode ouvir que a eletricidade é como água passando por um cano, o fluxo é parecido com uma corrente, a pressão é como uma voltagem, e a fricção contra o cano é parecida com a resistência. Os kahunas também usam metáforas de uma maneira semelhante para explicar os diferentes aspectos dos conceitos que ensinam. Veja a seguir algumas das metáforas usadas por kahunas havaianos para descrever os efeitos e as ações dos três fatores principais — pensamento imaginativo, energia ou poder, e matéria:

Pensamentos

Pacotes, agrupamentos, sementes, redes, teias, quaisquer instrumentos contundentes, clubes, brotos e filhotes de animais, peixes e flores.

Poder

Água, chuva, nevoeiro e neblina, ondas e vagas, fogo, comida, ramos ou galhos, e cores (especialmente a vermelha).

Matéria (etérea)

Uma ponte, arco, um arco-íris, uma caverna ou gruta, corda, fio ou cordão, sombras, um embrião, articulações do corpo, ganchos e nuvens.

Com esse simbolismo, os kahunas são capazes de ensinar seus conceitos.de uma maneira que os estudantes possam facilmente fazer associações ao mundo natural.

Categorias de Poderes Psíquicos A classificação das práticas psíquicas dos kahunas apresenta um certo problema porque as categorias ocidentais são baseadas em pressuposições muito diferentes. Para os kahunas, todas as práticas kahunas são apenas variações de um processo básico que utiliza o pensamento, a energia e a matéria etérea, ou para comunicar ou mudar condições, ou fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Além disso, eles acreditam que tais práticas envolvem extensões de nossos sentidos existentes, não "extras". Entretanto, para o propósito de nossa discussão, dividirei as práticas psíquicas kahunas nas áreas de telepatia, clarividência, pré-cognição e psicocinesia. O leitor deve compreender, porém, que essas são características de função, não de natureza, e na prática real elas se sobrepõem. A. interpretação kahuna delas difere da ocidental, em muitos aspectos.

Telepatia (Una) Nesse uso kahuna mais estrito, una (telepatia) é a transmissão de pensamentos ou ideias por uma ação da mente e da energia psíquica. Refere-se somente a enviar, não receber, e apenas à telepatia intencional. Os kahunas acreditam que a comunicação mental é uma função natural de todos os seres humanos, e que está em constante operação, apesar da limitada percepção das pessoas. Essa forma de comunicação inconsciente é

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chamada de ike hanau, que pode traduzir-se como "instinto". Una é diferente, pois é aplicada com o uso da vontade, e o processo é muito simples. Você focaliza sua atenção na pessoa com quem quer fazer contato, acumula um suprimento de mana, fixa claramente o pensamento que quer transmitir, e controla o caminho pela força da vontade. A efetividade prática, porém, só é alcançada através do exercício disciplinado e de um apurado conhecimento da natureza da mente, da energia e da matéria. Nesse sentido, não é diferente de nenhuma outra habilidade que exija prática e conhecimento. Na cura, um kahuna usará a telepatia intencional para transmitir sugestões positivas de cura ao paciente, além de quaisquer outras técnicas que possam ser usadas. Os kahunas ensinam que essa habilidade não é afetada pela distância; mas, ao se transmitir a um paciente fora do campo de visão, é ainda mais importante ter uma imagem muito nítida dele. Antigamente, eram usados pedaços de objetos pessoais do paciente, para incrementar a concentração; hoje em dia um kahuna pode usar uma assinatura ou fotografia.

Clarividência (Kilo/NanaAo) A palavra clarividência se refere a dois fenômenos distintos: a habilidade para receber informações mentalmente (kilo); e a habilidade para ver auras e formas livres de energia (nana ao). A recepção mental inclui a ideia ocidental de receber mensagens telepáticas e a técnica conhecida como "psicometria", um processo pelo qual alguém recebe informações sobre pessoas e eventos a partir de um objeto que, de certa forma, esteja a eles relacionados. Também se incluem aí aquelas formas de clarividência nas quais é usada uma ferramenta intermediária, como uma bola de cristal, leitura de cartas e a interpretação de augúrios. Todas elas usam a mesma técnica básica para se alcançar um estado de comunicação mental (ike papalua) através de vários exercícios de concentração e dissociação: focar a mente na pretendida fonte de informação; estar alerta à entrada de informação na forma de imagens, sensações e sentimentos durante o período da focalização; traduzir essa entrada de dados em uma saída significativa. Aplicadas à cura, essas práticas são usadas basicamente para diagnosticar as causas mentais e comportamentais de doenças e para localizar as áreas de tensão no corpo. Percebemos o problema de usar categorias ocidentais quando os kahunas não veem nenhuma diferença entre receber informações telepáticas de um ser humano ou clarividentes de uma rocha. WK diz que o termo nana ao se refere à habilidade para ver coisas como auras, campos de energia e corpos etéreos ou astrais, embora a frase seja traduzida no dicionário havaiano como "interpretação de nuvem" (no sentido de interpretar as formas das nuvens no céu como augúrios). Eu demonstrei em centenas de casos que qualquer pessoa pode ver auras e campos de energia, se souber o que procurar e como procurar, mas a maioria não tem esse conhecimento. Nana ao, porém, inclui a habilidade para interpretar aquilo que se vê. Os kahunas que praticam nana ao como cura, usam-na para determinar áreas de tensão no corpo. Eles também avaliam estados emocionais interpretando visualmente as cores que aparecem e/ou as áreas de relativa luz e sombra. Como uma variação, alguns kahunas usam o sentido do tato em vez da interpretação visual, e isso é chamado de haha. Nesse caso, o kahuna pode passar as mãos sobre o corpo do paciente ou alguns centímetros acima da pele e sentir áreas de "maciez" ou "dureza", esta última indicando regiões com problemas. Um kahuna praticante de clarividência raramente conta só com isso, mas inclui também a telepatia, como parte do processo.

Pré-cognição (Wanana) A pré-cognição — arte da adivinhação - é um conceito que assombra e ao mesmo tempo frustra os cientistas e filósofos. Entretanto, o peso das evidências demonstra que aparentemente é possível ver o futuro e ter um pré-conhecimento de eventos ainda por vir, embora não exista uma prova de alguém que faça isso com cem por cento de acuidade. De fato, a incorreção das previsões paranormais deixa os pesquisadores ainda mais perplexos. A grande pergunta é por que algumas previsões são altamente corretas, outras

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parcialmente, é outras totalmente incorretas, ainda que todas sejam feitas pela mesma pessoa. Adivinhação, ou pré-cognição, é uma prática kahuna muito comum, e todos os kahunas adeptos a usam, pelo menos até certo ponto. Por ser incluída no treinamento kahuna, não nos surpreende que as raízes da língua contenham informações definitivas sobre a natureza do tempo e da pré-cognição. A principal palavra para adivinhação, wanana, significa "observar os padrões do tempo". Nossos sentidos normais e psíquicos nos dizem que o passado é constituído de eventos já ocorridos, e o futuro, de eventos ainda não ocorridos. Parece lógico deduzir, portanto, que o presente consiste em eventos que estão ocorrendo e sendo percebidos. A ideia do tempo presente, porém, apresenta um problema para aqueles que se acostumaram a pensar em passado e futuro como conceitos objetivos. Algumas filosofias orientais afirmam que o presente é uma ilusão porque o tempo é um fluxo contínuo do passado até o futuro. Num certo sentido, alguns cientistas ocidentais concordam, dizendo que, como o presente não pode ser medido objetivamente, ele é apenas uma interface entre o passado e o futuro. Em contraste, a visão kahuna do presente é que ele envolve a gama de eventos em que estamos no processo de perceber e com os quais podemos interagir. Uma expressão usada para designar o presente é i keia manawa, significando "neste fluxo de mana", ou "nesta autoridade de espaço/tempo". Essa idéia nos dá uma visão mais ampla do presente, a qual se encaixa mais com nossas percepções. A palavra mais significativa para o passado é wa'ae'oia, que significa "o período de concordância duradoura". Ela reflete a ideia de que o passado é aquilo que lembramos dele e o que concordamos que ele é, bem como as lembranças existentes no presente. Podemos compreender melhor a ideia kahuna sobre adivinhação na frase usada para futuro: ka wa mahope. Literalmente, significa "o tempo que vem depois", mas mahope também significa "resultado, consequência", indicando o ensinamento kahuna de que o futuro é um resultado do que acontece no presente. Outra palavra para o presente, 'ano, contém essa ideia também. Seus outros significados são "semente, prole". Os kahunas ensinam que o presente é o fruto do passado, e a semente do futuro. Portanto, ao examinarmos com atenção o presente, podemos prever o futuro. Não há necessidade de desviar ou transcender o tempo, pois essa seria uma possibilidade duvidosa, de qualquer forma. O futuro cresce a partir do que está acontecendo agora. Entretanto, isso não implica nenhuma espécie de determinação, porque o momento atual é dinâmico, fluídico, não estático. Toda mudança de pensamento ou ação introduz novas variáveis que podem mudar o curso do futuro, e uma dessas variáveis é o próprio adivinho. Os kahunas sabem que o mero fato de expressar uma previsão já afeta o futuro. Quase todas as palavras Huna relativas a profecias contêm alusões a isso. E os kahunas também sabem que quanto mais informações tivermos sobre o presente, mais corretas serão nossas previsões. Portanto, eles não limitam suas informações ao que existe fisicamente, mas abrem as mentes, de maneira telepática e clarividente, para coletar informações de tantas fontes quanto forem possíveis. Assim, a adivinhação consiste em expandirmos nossa percepção para incluir aspectos invisíveis do momento atual, bem como conhecimento comum, e depois tirarmos conclusões quanto ao mais provável resultado em qualquer tempo futuro. Essa coleta psíquica de informação costuma ser um processo subconsciente, ou seja, a massa de informações não precisa ser acessível à mente consciente. Tendo recebido a ordem de coletar informações, o subconsciente do adivinho faz uma espécie de "estimativa provável" do futuro e a apresenta ao consciente em forma de palavras ou imagens. Os kahunas dizem que esse é o processo empregado por todos os adivinhadores paranormais, quer eles saibam disso quer não. A forma mais correta de previsão é a referente ao futuro próximo ou àqueles eventos cujas "sementes" passadas já germinaram abundantemente, pois nesses casos há menos oportunidade para a introdução de novas variáveis. A verdadeira capacidade do adivinho kahuna está em sua habilidade para receber e

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interpretar informações, sem preconceitos. Dependendo de quanto ele consegue fazer isso, suas previsões serão as mais corretas possíveis, num mundo de potencial infinito. (Falta nos modernos videntes essa última habilidade, pois eles preveem aquilo que gostariam que acontecesse, e não o mais provável.) Quando usada num contexto de cura, a adivinhação é feita para verificar o curso potencial de uma doença e o possível .resultado de vários métodos de tratamento. Com base nessas informações, o kahuna prossegue com seu plano ou o modifica. Ele usará as mesmas informações para dar conselhos ao paciente sobre como fazer o autotratamento e dirigir a própria vida. A ideia de influenciar conscientemente o futuro é inseparável da adivinhação kahuna. Tendo visto os prováveis resultados dos pensamentos e das ações de hoje, ele pode tomar medidas para mudar esses mesmos pensamentos e ações, ou seja, propositadamente introduz novas variáveis para mudar o provável resultado. E nesse ponto que a adivinhação se funde com a psicocinesia, em termos kahuna.

Psicocinesia (Kalakupua) Os pesquisadores ocidentais definem a psicociesia como "fazer um objeto mover-se só a com a força da vontade", mas essa definição limitada não serve para os kahunas. Em primeiro lugar, eles ensinam que só a vontade ('ono) não é capaz de fazer nada. Também é necessário ter imaginação (no'ono'o) para proporcionar o padrão do movimento, energia (mana) para suprir o poder, e um meio reativo (aka) através do qual o poder pode operar. Sem esses, nem a mais intensa vontade funciona. Na verdade, a existência da psicocinesia inconsciente, como no fenômeno poltergeist, parece excluir totalmente a necessidade da vontade. Em segundo lugar, na categoria de psicocinesia os kahunas incluiriam todas as práticas nas quais o mana dirigido pela mente é usado para produzir efeitos sem uma intervenção física direta. A noção deles é que atividades tão variadas como os movimentos não-físicos dos objetos, a cura psíquica, controle psíquico do clima e a mudança do futuro são realizadas pelo mesmo processo. Só o intento difere. Como acreditam que o mundo físico é um reflexo do pensamento, os kahunas acreditam que todas as mudanças em condições são causadas pela psicocinesia, estendendo sua interpretação, e que isso é um processo natural empregado inconscientemente por qualquer pessoa, em menor ou maior grau. Para a psicocinesia controlada consciente, WK me deu a palavra kalakupua, que os antigos missionários traduziram como magia. Um significado oculto dessa palavra baseado em suas raízes seria "liberar os poderes pessoais e transformar desejos em ação completa". O termo kupua e suas raízes é um sinônimo para mana ou para alguém que possua mana, e suas raízes contêm muitas referências a realizar coisas por meio do pensamento, particularmente o pensamento persistente.

Destruição Psicocinética (Ana-ana) Embora aborde a cura kahuna, este livro não seria completo sem uma clara explicação de como se pode prejudicar outra pessoa pelo mesmo processo. Os kahunas ensinam que a única diferença entre cura psicocinética e destruição psicocinética é o intento do praticante, pois o processo usado para ambas é quase o mesmo, e o resultado final é determinado pelos tipos de pensamentos e emoções em ação. Essa explicação não tem a intenção de assustar nem ensinar alguém a abusar de suas habilidades psíquicas. O objetivo aqui é esclarecer um processo raro e há muito tempo mal compreendido, para que você veja que há menos coisas a temer do que imagina. Praticamente todas as culturas têm histórias de bruxos e feiticeiros que podem causar mal a suas vítimas a distância. Quando morei no oeste da África, vi que esse era um medo comum entre as pessoas, e alguns desses feiticeiros ganhavam a vida chantageando as vítimas com uma espécie de escudo protetor. No Havaí, até hoje, os feiticeiros ana-ana são temidos porque podem usar a horrível "oração de morte" em alguém que quebre um

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antigo kapu ou simplesmente irrite o feiticeiro. Os "especialistas" que não têm grandes conhecimentos sobre o fenômeno descartam-no como mera superstição baseada no medo da vítima. Infelizmente, no Havaí a prática é associada aos kahunas em geral. Mesmo Max Long, aquele incansável pesquisador de conhecimento Huna, achava que os kahunas, em determinada época, usavam a oração da morte para punir os malfeitores. Na verdade, só kahunas renegados e independentes, feiticeiros pervertidos, recorriam a essa prática. Seria um erro grave considerar a destruição telepática meramente uma superstição baseada só no medo. Experiências bem-sucedidas com a transmissão telepática de ideias, emoções e diretrizes, feitas por pesquisadores de parapsicologia, fornecem uma base nítida para a aceitação do conceito, por mais repugnante que isso seja. O termo ana-ana, usado em havaiano, implica fazer algo em excesso segundo um plano, e é usado genericamente para englobar todas as práticas que poderiam ser chamadas de "magia negra", mas principalmente a assim chamada oração de morte. Max Long registrou a seguinte oração de morte, feita como uma'ordem ao "deus" Lono. Essa tradução só faz sentido no contexto dos significados alternados das palavras em si, e se compreendermos o pensamento kahuna sobre a natureza da mente. O Lono Ouve a minha voz. Este é o meu plano: Lança-te sobre _ e entra; Entra e envolve; Envolve e conserta.4 A oração tinha a dupla função de estimular o subconsciente do praticante e enviar uma forte sugestão telepática à vítima. Claro que o processo todo envolve muito mais que a simples recitação de uma oração. O praticante ana-ana estabelece primeiramente um contato mental com a vítima pretendida. Isso pode ser feito diretamente, conjurando-se uma imagem da vítima na mente do praticante, ou da forma mais comum, quando ele segura algo pertencente à vítima. A segunda técnica se baseia na ideia de que o padrão etéreo de um indivíduo deixa uma impressão invisível e duradoura no campo energético de qualquer objeto com que tenha contato. Essa impressão costuma ser simbolizada em Huna como um fio pegajoso que liga o objeto e a pessoa. Outra ideia é que essa impressão pode ser "lida" por um paranormal habilidoso e também usada para fazer contato mental com a pessoa que manuseou o objeto. Por esse motivo os antigos chefes havaianos faziam questão de que os fios cortados de seus cabelos, as aparas de unhas, excreções e até os ossos depois da morte fossem escondidos ou jogados fora de uma maneira que nenhum feiticeiro pudesse obtê-los. Isso, porém, não passa de superstição, pois um paranormal treinado não precisa de coisa física nenhuma para fazer esse tipo de contato, embora objetos assim sejam frequentemente usados porque facilitam a concentração. Os medos e a culpa da vítima formam a base do "gancho" psíquico que o praticante estabelece por meio da transmissão telepática de pensamento e emoção, e o sucesso de ana-ana se baseia no exagero e na distorção desses sentimentos. Quanto mais medos e culpas dominarem seus pensamentos, mais rapidamente a vítima sucumbe. Como o intento do feiticeiro ana-ana não é provar um método, e sim alcançar um fim, qualquer técnica que possa acelerar o processo também é usada. Assim, se uma vítima sabe que estão usando ana-ana contra ela, isso age como uma forte sugestão para enfraquecer sua resistência. Na verdade, em alguns casos, o feiticeiro não precisa fazer mais nada, pois o verdadeiro ato de destruição é executado pela própria vítima, o que fez nascer

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Long, Secret Science.

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a crença ocidental de que nada mais se envolve no processo. Em outras ocasiões, o praticante pode usar uma técnica através da qual um objeto é "energizado" com um pensamento emocionalmente carregado, correspondente aos medos e culpas da vítima, e colocado perto dela, de preferência em suas mãos. Esse tipo de objeto, quando usado com esse propósito, é chamado de "isca" (maunu). Também pode afetar algumas pessoas que se encontrem próximas à vítima e que sofram de algum grau dos mesmos medos e culpas. O feiticeiro ana-ana pode usar truques, sugestão, rumores, veneno ou qualquer outra coisa, para fazer a vítima sucumbir. Mas a parte psíquica do processo é quase idêntica àquela usada pelos kahunas curandeiros para a cura a distância. As principais diferenças são o intento, a natureza dos pensamentos e emoções usados, e o fato de que as forças do recebedor são enfatizadas, em vez de seus medos e culpas. Felizmente para a humanidade, há três fatores naturais que diminuem os perigos da feitiçaria destrutiva. O primeiro é o instinto de sobrevivência que ajuda a proteger todos, até certo ponto, dos efeitos das emoções e dos pensamentos negativos. Se isso não fosse verdade, a terra já teria sido despovoada há muito tempo. O segundo é o fato de que a feitiçaria ana-ana exige grande dose de habilidade e treinamento, e são pouquíssimas as pessoas que se submeteriam a isso, pois trata-se de algo que envolve um processo desumano extremamente repugnante. O terceiro é o fato de que os feiticeiros destrutivos em qualquer cultura têm uma vida curta porque as poderosas emoções negativas que eles geram acabam destruindo suas próprias mentes e corpos. Apesar das histórias e lendas populares, não existem bruxos malignos velhos. Eles apenas parecem velhos. Um quarto fator importante é que aqueles que praticam as várias formas de ana-ana e até outras mais amenas, como a "magia do amor" (hana aloha), nunca passaram impunes. Alguns kahunas curandeiros se especializam em determinados modos de proteger os fracos contra influência prejudicial. A seguir discutirei alguns métodos por eles usados.

Contrafeitiçaria Há três categorias gerais de técnicas usadas na contrafeitiçaria kahuna. A mais comum, por causa de sua eficácia generalizada, é pale. As raízes da palavra se referem a uma barreira contra ondas, indicando proteção contra ondas de emoção usadas em ana-ana ou até emoções transmitidas inconscientemente. Em sua forma mais simples, pale é a visualização de um escudo envolvente de luz branca (la 'a kea), acompanhada por fortes emoções positivas e sugestões de força e proteção. Pale tem melhor efeito se o indivíduo aprende a usar a técnica sozinho e quando acredita em sua eficácia. Entretanto, desde que não haja uma descrença ativa, a crença completa não é necessária. Se você praticar isso, nunca precisará preocupar-se com as emoções e pensamentos negativos dos outros, sejam eles deliberados ou inconscientes. Outra categoria de métodos de contrafeitiçaria, usada principalmente pelos Emocionais da Ordem de Ku, envolve uma espécie de filosofia "olho por olho". Todas essas técnicas (kuni, ho'i-ho'i e 'a 'e) têm a ver com infligir destruição ao feiticeiro pelo mesmo meio usado na vítima. Numa história contada a Max Long, o ex-curador do Museu Bishop no Havaí usou uma técnica de retorno para proteger seu jovem porteiro e matar o feiticeiro atacante. A terceira técnica usada em contrafeitiçaria, principalmente pelas Ordens de Lone e Kane (Intelectuais e Intuitivos) é kala, que entre outras coisas significa "libertar uma pessoa de influência maligna". Seu fundamento é libertar a vítima dos próprios medos e culpas, e "desfazer os ganchos." Essencialmente, é uma forma de psicoterapia aplicável à feitiçaria ana-ana, bem como uma eliminação de complexos negativos. Quero lembrar o leitor que os verdadeiros kahunas não acreditam em possessão por espíritos maus, como se fala no Ocidente, sejam eles enviados por um feiticeiro ou não. Isso fica evidente nos

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significados da raiz da palavra para exorcismo, mahiki, que indica remover as crenças negativas do passado.

Habilidades Psíquicas são Neutras As habilidades psíquicas, de acordo com os kahunas, são uma parte natural do ser humano. Todos nós as usamos diariamente e, sem elas, não poderíamos sobreviver. A comunicação telepática com amigos e estranhos, as impressões clarividentes vindas do ambiente, os palpites e sonhos divinatórios sobre o futuro, e a influência psicocinética de eventos ocorrem espontaneamente em todo homem, mulher e criança. Aqui no Ocidente, a parcialidade cultural da sociedade moderna suprimiu grandemente nossa percepção desses acontecimentos, exceto quando eles nos chocam ou assustam. Poucos indivíduos que geralmente são chamados de paranormais (a antiga palavra sensitivos talvez seja mais correta), por sua vez, não suprimiram esse tipo de percepção, fazendo uso dela de maneira mais ou menos aberta. Mas raramente têm a compreensão ou o controle do que fazem. Uma análise da vida dessas pessoas mostra, porém, que a perfeição espiritual, mental, emocional ou física certamente não é uma exigência para a conquista dessas habilidades psíquicas. Isso porque elas são inerentes a todos nós, e não dádivas especiais de um deus caprichoso nem qualidades que não temos, mas precisamos obter. O que devemos obter é a capacidade de usá-las. Os kahunas são homens e mulheres treinados para desenvolver habilidades que eles já possuem, para entender o que estão fazendo e controlar as práticas psíquicas à vontade. Como em todo empreendimento humano, alguns kahunas são mais habilidosos em certas áreas do que outros, e alguns preferem determinadas práticas a outras, mas todos os kahunas têm a mesma preparação e passam pelo mesmo treinamento básico. Independentemente da orientação do indivíduo, cada kahuna aprende quatro áreas que são usadas como estrutura para maior desenvolvimento. As palavras-chave para essas áreas são aquelas mesmas usadas para a filosofia em geral (ike, makia, kala e manawa). Percepção (Ike). Implica a percepção expandida de seus pensamentos, sentimentos, crenças e comportamento; a percepção destes em outras pessoas; a percepção do ambiente visível e invisível. Concentração (Makia). Inclui não só a concentração para aprender, mas também a manipulação da imaginação e das emoções. Libertação (Kala). É um processo pela qual você se liberta das ideias e crenças limitantes; libera seus recursos interiores de energia e habilidade; aprende a ajudar os outros a fazer o mesmo. Direcionamento (Manawa). Essa área lida com a aprendizagem de como dirigir um contínuo fluxo de mana para se alcançar um propósito específico. O uso dos poderes psíquicos é fundamental para o modo de vida kahuna. Na crença deles, a humanidade não pode alcançar seus plenos potenciais a menos que esses poderes sejam conscientemente usados e desenvolvidos.

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CAPÍTULO 4

Abordagem Mente/Corpo Toda a abordagem kahuna das inter-relações mente/corpo se baseia em interpretações populares de três conceitos: mente, energia e matéria. A filosofia e a ciência ocidental sempre foram fascinadas pelas possíveis relações entre esses itens, mas até recentemente, a visão predominante era de que a mente e o corpo fossem entidades separadas. Um grande progresso já foi feito a partir dessa perspectiva dualística, com a compreensão cada vez maior do papel das emoções na doença física; mas uma verdadeira abordagem mente/corpo como a dos kahunas ainda é considerada radical entre a maioria dos profissionais de saúde. Talvez o seja, mas é altamente eficaz e absolutamente essencial para a prática da cura kahuna. Ainda hoje a moderna frase havaiana "hang loose" (literalmente, espairecer, relaxar) é uma referência popular à ideia kahuna de que a infelicidade e as doenças físicas estão diretamente relacionadas a atitudes mentais que produzem ou aumentam a tensão. Os antigos havaianos tinham de lidar com as dificuldades da guerra, rupturas sociais e produção de alimentos, e os modernos enfrentam a discriminação social e as pressões de uma civilização tecnológica. Tanto hoje em dia quanto antigamente, a filosofia do "espairecimento" ajuda a equilibrar a mente e o corpo. Neste capítulo, discutirei mais detalhadamente o modo como os kahunas vêem a mente, e seus efeitos na saúde e no comportamento; o fluxo biológico de energia; a natureza e formação de complexos; e o fator do "feedback ecológico". Incluirei também comentários comparados de psicólogos e outros indivíduos do Ocidente. No ensinamento kahuna, como já foi explicado, a mente possui três aspectos, denominados kane, ku e lono. Três alternativas são, respectivamente, aumakua, unihipili e uhane. Elas interagem intimamente com o corpo, kino.

O Eu Superior (Kane/Aumakua) Na psicologia moderna, o equivalente a esse aspecto do eu, ou do self, seria o da "superalma" ou "superconsciente". Embora poucos sistemas da psicologia moderna se ocupem de tal idéia, um deles é o modelo da psicossíntese de Roberto Assagioli, que diz: "O que distingue a psicossíntese de muitas outras tentativas de compreensão psicológica é a posição que assumimos quanto à existência de um Eu espiritual e de uma

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superconsciência, que são tão básicos quanto as energias instintivas tão bem descritas por Freud".5 Ele prossegue fazendo uma distinção, com a qual os kahunas concordariam, entre o superconsciente e os meros altos estados de percepção. Os kahunas comparam a função do Eu Superior à de um professor e de um artista criativo. Como professor, o Eu Superior é considerado a fonte de todo conhecimento que você possa desejar ou de que possa precisar. Assim, em qualquer estágio ou circunstância específica da vida, você tem acesso ao conhecimento sobre o que fazer para alcançar determinado fim, e como fazê-lo. Esse conhecimento pode ser apresentado por meio de sonhos, visões, inspirações, palpites, ou através de contatos que você tem com pessoas e objetos no mundo físico. Como ele é acessível também por intermédio de uma forma de telepatia, é possível buscá-lo conscientemente, alterando o seu estado de percepção. Assaglioli prescreve uma técnica do tipo kahuna para isso, usando símbolos específicos, e diz ao seu paciente que "há um sábio professor dentro dele, seu Eu espiritual que já conhece seu problema, sua crise, sua perplexidade".6 Nem um kahuna teria explicado melhor. Huna ensina que o eu-deus nunca tenta forçar um determinado modo de pensar ou agir sobre uma mente consciente individual. Em seu papel de professor, ele é um transmissor de informação, e nada mais. Isso significa que ele não lhe diz o que você deve fazer, mas apenas o que pode fazer. O respeito pela liberdade da escolha consciente é sempre mantido, pois é parte do propósito de sua existência aqui. De acordo com os kahunas, portanto, se você espera que uma voz interior tome as decisões em seu lugar, acabará ouvindo suas próprias crenças e hábitos de pensamento, ou os pensamentos de outros, não mais sábios que você. Os kahunas instruem os estudantes a tomar cuidado com as vozes interiores que tentam comandar o pensamento e a ação, pois elas não são do Eu Superior. Na maioria dos casos, são meramente complexos personalizados, que serão discutidos mais tarde. Assagioli reconhece o papel de ensinar quando diz que o propósito do contato com o Eu Superior de um indivíduo é o propósito prático da "criatividade aumentada, da maior habilidade em dar-se de si para algum campo".7 A experiência mística, ou seja, a experiência subjetivamente jubilosa de se unir a um aspecto maior de seu ser (o superconsciente), não é recomendada como um fim em si pelos kahunas nem pelos praticantes da psicossíntese. Os kahunas concordariam plenamente com a afirmação de Assagioli de que, a partir de uma experiência assim, o "sujeito tem de atrair o fogo, o entusiasmo e o incentivo para voltar ao mundo e servir a Deus e ao próximo".8 Em sua função criativa, dizem os kahunas, o eu-deus forma e sustenta o corpo físico durante a vida do indivíduo, e também forma a experiência que o indivíduo tem da realidade física. Para fazer isso, ele usa um "padrão grupai" e também um "padrão pessoal". O primeiro consiste nas leis básicas da natureza, ilimitadas pela opinião cultural sobre o que elas são. É como um acordo geral feito por todos os Eus Superiores humanos (chamados de po'e aumakua, como um grupo) quanto a quais serão as constrições básicas da realidade física, tais como a operação da gravidade, luz, eletromagnetismo, etc. O padrão pessoal é composto das crenças e atitudes do indivíduo, incluindo aquelas opiniões culturais aceitas como fato, que o eu-deus usa para formar a experiência subjetiva de eventos e circunstâncias.

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Roberto Assaglioli, Psychosynthesis (Nova Iorque: Viking Press, 1971)

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Ib.

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Do ponto de vista kahuna, essa ideia tem valor prático. Embora você não possa mudar o curso das estações, pode mudar o rumo dos eventos que experimenta pessoalmente durantes essas estações, alterando o seu modo de pensar. A ideia de mudar o pensamento para alterar os eventos não é uma grande novidade para a lógica ocidental, mas transcende o pensamento psicanalítico tradicional que, de acordo com Freud, tem como objetivo alterar o modo de pensar para mudar as reações às circunstâncias. Maxwell Maltz, M.D., autor de Psycho-Cybernetics, estende-se na descrição de como o modo de pensar alterado leva a circunstâncias mudadas; Assigioli lista várias leis físicas que governam esse conceito; o Dr. Irving Oyle, autor de The Healing Mind, tem certeza de que as ideias podem deixar-nos doentes ou curar-nos; o eminente psiquiatra e hipnoterapeuta Dr. William S. Kroeger diz que "sempre que a atenção se concentrar numa ideia repetidamente, esta tende a se realizar espontaneamente".9 Mas uma leitura meticulosa das assim chamadas "novas psicologias" deixa claro que os escritores se referem ao pensamento afetando o comportamento; e as mudanças comportamentais, portanto, levariam às circunstâncias mudadas. O conceito kahuna é decididamente diferente. Kristin Zambucka, autora com profundos conhecimentos de Huna, escreve: "É só através de nossa consciência que Deus pode entrar neste mundo. Então, Ele se translada em nossa experiência humana". 10 Nesse contexto, Deus é uma referência ao eu-deus (aumakua). Os kahunas ensinam que as ideias geram as circunstâncias, e não apenas condicionam a experiência que temos delas. Como você verá, isso tem uma profunda influência em seus métodos de cura. De acordo com o ensinamento kahuna, o Eu Superior cria as condições de vida geradas pelas crenças pessoais dentro das constrições gerais da realidade física. Um eu-deus só interferirá em eventos gerados por padrões de crenças pessoais se esses mesmos eventos conduzirem à morte iminente, dano físico ou alguma situação que não se encaixe com o propósito global da vida. Nesses momentos, você pode experimentar uma escapatória "miraculosa" ou a resolução de uma situação e, num certo sentido, ganhar outra chance. Acho que essa deve ser a explicação para um notável incidente que ocorreu na África, quando eu regressava de um safári no Saara. Eu estava no banco do passageiro de meu Land Rover. Meu motorista dirigia, e no banco traseiro havia mais dois viajantes. Era noite e estávamos numa estrada de duas pistas, atrás de outro veículo que seguia pelo meio das pistas. Meu motorista resolveu passar, pegando metade do acostamento; e lá estávamos nós, a quase 90 km/ h, quando a luz dos faróis revelou o limite de uma ponte de uma única pista. À esquerda, havia uma pronunciada queda até um rio; à direita, o outro veículo já começava a cruzar a ponte. O motorista girou rapidamente o volante para a direita, o carro deu um tranco e de repente estávamos na ponte, mas o veículo deslizou descontrolado por um campo e batemos numa árvore. Uma das portas traseiras foi arrancada e os outros passageiros caíram para fora, mas nenhum de nós sofreu sequer um arranhão. O outro veículo, um trailer, parou, e no meio dele podíamos ver uma leve ranhura que combinava em altura e cor de tinta com um arranhão na borda direita do teto do Rover. Todas as indicações eram de que tínhamos atravessado a ponte junto ao trailer. Mas fazendo certas medições, descobrimos que este só saiu dela com uns 90 cm de cada lado. É uma noção kahuna que esses "milagres" só acontecem se essa possibilidade existir nas crenças dos indivíduos envolvidos.

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William S. Kroeger e William D. Fezler, Hypnosis and Behavior Modification: Imagery Conditioning

(Filadélfia: J.B. Lippincott Co., 1976). 10

Kristin Zambucka, Ano 'Ano: The Seed (Honolulu: Mana Publishing Co., 1978)

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Mente Consciente (Lono) A mente ou o eu lono é mais ou menos análoga à "mente consciente", na psicologia. É aquele aspecto da mente que se concentra na realidade física, analisa-a, integra-a e forma crenças, atitudes e opiniões sobre ela. A mente lono é uma receptora de informações sutis e brutas de várias fontes e uma orientadora de ação. Se ela orienta bem ou não, é lógico, depende das crenças aceitas. Enquanto ela se achar impotente, agirá de acordo com essa crença. Os kahunas dizem que todas as convicções sobre a realidade ou são aceitas ou estabelecidas pela mente consciente, estando portanto acessíveis a ela para exame a qualquer momento. Essencialmente, essa é a descoberta de Freud de que "a ideia patogênica... está sempre pronta e 'à mão'"11, exceto, porém, que Freud se referia a lembranças, enquanto os kahunas se referem a crenças, das quais as lembranças são apenas representações. A ideia kahuna também é contrária ao modelo psicanalítico o qual implica que as lembranças e memórias causadoras de efeitos são escondidas da mente consciente. Quando as crenças sobre a realidade são aceitas pelo consciente (lono) como fatos inalteráveis, então, para todos os fins práticos, a mente não pode "vê-las" como crenças, sentindo-se indefesa diante de seus efeitos. Uma pessoa que aceita o "fato" de ter uma doença incurável pode sucumbir à sua crença, embora muitas outras pessoas tenham efetivamente curado a si próprias do mesmo mal. Boa parte da cura kahuna envolve ajudar o lono de uma pessoa a mudar sua visão dos fatos aparentes. Sentimentos e emoções são considerados pelos kahunas respostas energéticas ao estímulo de padrões de crenças, informando a mente consciente de quais crenças estão em operação. Idealmente, o lono pode, a partir daí, escolher entre seguir as emoções, não reagir a elas ou redirecioná-las. Mas sem uma compreensão de sua natureza, um lono é propenso a tratar os sentimentos e emoções como se fossem fatos, sobre os quais não tem controle. Novamente, esse não é um conceito novo. Freud reconheceu que as ideias podiam estimular sentimentos que podem ser convertidos através da supressão em sintomas físicos, e essa é a base subjacente para a moderna medicina psicossomática. Maltz diz que uma emoção está "na natureza de um sinal ou sintoma", que ela é "como um termômetro que não causa o calor na sala, mas o mede".12 Além das faculdades da percepção, análise, integração e vontade, os kahunas atribuem à mente consciente a importante faculdade da imaginação criativa (laulele), com a qual o indivíduo imagina propositalmente uma condição que muito deseja experimentar, como uma realidade física. É com o uso dessa faculdade que você pode desenvolver novas habilidades, expandir sua percepção, resolver problemas, mudar crenças e direcionar energia. Os kahunas insistem exaustivamente no treinamento dessa faculdade por .pausa de sua tremenda importância em direcionar as atividades do subconsciente (ku) e em proporcionar padrões para o Eu Superior. Carl Jung foi um dos primeiros psicólogos ocidentais a enfatizar o uso da imaginação criativa, a qual tem ficado cada vez mais popular à medida que as pessoas se tornam cientes de seu potencial.

O Subconsciente (Ku)

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Josef Breuer e Sigmund Freud, Studies on Hysteria, traduzido para o inglês por James Strachey

(Londres: Horgarth Press and the Institute of Psychoanalysis). 12 Maxwell Maltz, Psycho-Cybenietics (Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, Inc., 1960)

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De certa forma, o eu ku, ou "mente corpo" como pode ser chamado, é análogo ao subconsciente na psicologia ocidental, mas uma analogia melhor pode ser com um computador vivo, não material. Maltz usa essa analogia, também, embora ele costume comparar o subconsciente com o cérebro. Os kahunas diriam que o cérebro é a expressão física ou a ferramenta do ku, mas essa distinção não parece ter quaisquer conseqüências sérias. Os kahunas usam qualquer analogia apropriada para o seu propósito e que auxilie a compreensão. No antigo Havaí, o ku era comparado a um servo. Um kahuna moderno trabalhando numa sociedade industrializada provavelmente usaria a analogia do computador. Essencialmente, as funções do ku são manter a integridade do corpo e ter uma visão geral de suas operações, receber percepções e transmiti-las ao consciente, armazenar memória, gerar, guardar, distribuir e transmitir energia, e seguir ordens. Na verdade, todas as funções dessa parte da mente poderiam ser condensadas no último item. Acima de tudo, como um bom servo ou um computador, ele segue ordens. O ku responde a dois tipos de "programação": instinto e hábito. O instinto, como é definido aqui, refere-se a todas as assim chamadas funções involuntárias do corpo, tais como crescimento, desenvolvimento, manutenção e recepção/transmissão sensorial e "extra-sensorial". A idéia kahuna é que essas funções são programadas no ku pelo eu-deus (aumakua) no momento da concepção. Sob esse ponto de vista, a molécula do DNA seria uma expressão dessa programação, e não uma causa. O hábito inclui todo o comportamento programado no ku, direta ou indiretamente pelo consciente (lono). E um comportamento aprendido, oposto ao instintivo. A programação direta envolveria a vontade aplicada do lono, como quando se aprende a dirigir um carro; a programação indireta envolve o comportamento permitido, como por exemplo a aceitação e incorporação do medo que um pai ou mãe tem de cobras ou a predisposição hereditária para uma determinada espécie de doença. Nada disso parece discordar muito das novas psicologias; Maltz e Assagioli dão descrições semelhantes desse aspecto da mente. O impulso para a formação e manutenção de hábitos é uma das principais características do ku. Sem esse impulso, você não pode sobreviver, pois não conseguiria aprender nem reter as técnicas de sobrevivência. Entretanto, os hábitos podem inibir ou encorajar o crescimento e desenvolvimento, dependendo da mente e do corpo, ou de sua natureza. Esse fato é a base para as técnicas de modificação de comportamento, embora os kahunas não concordem com a visão behaviorista de que os pensamentos podem ser explicados em termos de comportamento muscular implícito. Em vez disso, eles acreditam que todos os hábitos são mentais, e as respostas físicas são o resultado. Mesmo Maltz, ao descrever a felicidade como um hábito mental, está realmente falando sobre hábitos emocionais. Para os kahunas, a distinção entre hábitos mentais, emocionais e físicos é importante, mas a moderna psicologia ocidental não parece levar isso em conta. Para continuarmos com a analogia do computador, pode-se dizer em termos kahunas que um programa corresponde a uma crença ou um conjunto de crenças, e que um hábito é o programa em operação, ou a execução de uma crença. Todos os hábitos são baseados em uma ou mais crenças. Por um processo cooperativo entre o consciente e o subconsciente, várias crenças e hábitos são organizados numa gestalt que se torna a personalidade do indivíduo. Como já foi mencionado, o aspecto lono tem a capacidade de examinar essas crenças e mudá-las, daí arrolando a cooperação do ku e do aumakua (Eu Superior) para mudar hábitos, personalidade e circunstância.

O Corpo (Kino) O corpo físico, kino, é concebido pelo kahunas como uma forma-pensamento intensamente energizada. Isso é evidente nas raízes da palavra:

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ki - emitir, um feixe (de pensamentos), força kia - concentrar pensamento ki'i - imagem ino - muito, intensamente no'o - pensamento O corpo é considerado uma ideia do Eu Superior expressa em forma física, modificada pelas crenças do consciente e mantida pelo mente-corpo ou pelo subconsciente. E uma expressão do eu, assim como uma pintura ou escultura é a expressão de um artista. O corpo é ao mesmo tempo um meio de projetar ideias no mundo físico e um dispositivo de feedback ideal para experimentar os efeitos dessas ideias. O seu estado de saúde, seu desenvolvimento físico, suas disposições e sentimentos são expressões de ideias, e estão sujeitos à alteração por uma mudança em seu pensamento consciente. O conceito do corpo como uma forma-pensamento é bastante esotérico, em comparação com o moderno pensamento psicológico. Este último costuma considerar o corpo uma entidade puramente material sujeita aos efeitos do pensamento, mas certamente não um efeito do pensamento. Assagioli, que se aproxima da lógica kahuna em vários sentidos, considera o corpo em termos mecânicos. Ele ensina que o paciente deve se desidentificar com o corpo e enfatiza que "ele é apenas um instrumento". Seu propósito é permitir que o paciente ou sujeito se torne ciente de si mesmo como um centro de consciência e se livre de interpretar a experiência só em termos de sensações físicas e comportamento. A opinião de WK é que, embora possa ter efeitos temporariamente benéficos, tal procedimento cria um falso sentido de separação capaz de inibir o perfeito controle das funções do corpo e diminuir o senso de responsabilidade de uma pessoa pelo comportamento de seu corpo. Como ele mesmo diz: "Claro que você não deve identificar-se com o seu corpo; você é muito mais do que o corpo. Mas ele é a sua criação e por isso responde aos seus pensamentos". Relacionado ao corpo é o conceito do corpo etéreo (aka). Aqui, desviamos muito do centro da moderna psicologia e nos dirigimos aos pontos extremos de seus limites. Sucintamente, o corpo aka é algo como um corpo invisível, duplicado, ocupando o mesmo espaço que o corpo físico, e fornecendo o padrão essencial em torno do qual se forma o corpo físico. O kino aka pode ser considerado a forma-pensamento básica do Eu Superior (aumakua), um tipo de molde. A tendência natural da mente-corpo (ku) é seguir esse padrão, mas ela também tenta seguir o padrão do consciente (lono), representado por crenças aprendidas. A distorção, ou seja, a doença, resulta quando as ideias do lono são diferentes e suficientemente intensas para entrar em conflito com o padrão básico. Os kahunas sentem que é por causa da existência desse padrão etéreo básico que a cura do corpo pode ocorrer, pois sem esse padrão geral nada haveria para guiar o ku nos reparos necessários. Não consegui encontrar nada tão plausível na moderna literatura psicológica ou médica relacionado ao meio pelo qual o corpo sabe como retornar a um estado de saúde.

Fluxo Biológico de Energia Os kahunas dizem que o meio pelo qual a mente afeta a matéria é mana, a força vital. Em termos de corpo físico, essa energia se manifesta tanto como um fluxo ou corrente quanto como um campo. Uma grosseira analogia é a de uma corrente elétrica e seu campo magnético circundante. As propriedades elétricas conhecidas do corpo são consideradas pelos kahunas como subprodutos da corrente e do campo mana. A principal fonte dessa energia é o Eu Superior, que a fornece de uma maneira inexplicável em termos estritamente físicos. A melhor analogia que eu posso fazer seria a de um "buraco branco"

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no centro de seu ser por meio do qual a energia flui livremente a partir de outro universo. Há também uma interação com campos e correntes no ambiente, em forma primária através daquilo que costumamos chamar de chakras na filosofia da ioga ou de pontos de acupuntura, segundo os líderes chineses. Os principais pontos de interação ou intercâmbio são aqueles localizados ao longo da linha que vai do períneo, frente e costas do corpo, até a fontanela, bem ' como outros nas mãos e nos pés. Além disso, a força vital ou mana é absorvida do ambiente quando você respira ou come. Técnicas para aumentar o seu suprimento de mana além do normal (acumulando "sobrecarga", como diz Long) são semelhantes a outras abordagens encontradas em todo o mundo, ou seja, exercícios respiratórios especializados, consumo de alimentos e bebidas especiais, visualização, o uso de "geradores de mana" naturais ou artificiais como cristais e pirâmides, e a estimulação dos pontos de intercâmbio. Também se usa a criação consciente de emoções. A psicologia e a medicina ocidentais parecem estar cada vez mais interessadas no conceito aqui exposto, e as pesquisas aumentam. Entretanto, esse interesse não é novo. Josef Breuer, um colega de Freud, escreveu extensivamente sobre a "excitação tóxica", a transmissão de energia psíquica pelo sistema nervoso de maneira semelhante à eletricidade fluindo através de um fio. Foi Wilhelm Reich, porém, outro colega de Freud, que levou o conceito de energia psíquica ao domínio de uma força física, mensurável. Suas extensas pesquisas sobre a "energia orgônica", como ele chamava essa força, resultaram em dispositivos de cura (proibidos para uso humano pela FDA) e também levaram ao que hoje é conhecido como "terapia bioenergética". Reich sem dúvida reconhecia o elo entre bioenergia (mana) e doença. Como ele teria descrito uma paciente: "O medo que ela tinha de mexer o pescoço existia muito antes do mal que lhe comprometeu as vértebras. De fato, o modo como ela segurava a cabeça e o pescoço era apenas parte de uma atitude biofísica geral que precisamos entender não como o resultado, mas sim a causa do câncer.13 Aparentemente, porém, Reich nunca chegou a ver as crenças como a causa das emoções, pelo menos não diretamente. Ele apresentou doze propriedades da energia orgônica que também se aplicariam a mana como bioenergia. Cinco das mais importantes são estas: 1. Ela seria fundamentalmente diferente da energia eletromagnética, embora esteja relacionada a ela. 2. Teria de existir numa natureza não viva independente de organismos vivos. 3. Permearia e governaria o organismo inteiro, em vez de se limitar a células nervosas individuais ou grupos de células. 4. Ela se manifestaria na produção de calor. 5. Seria capaz de energizar a matéria viva; portanto, teria um efeito positivo de vida.14 Tendo construído e experimentado grande número de dispositivos de energia orgônica, e trabalhado por muitos anos com várias formas de mana, posso dar minha opinião definitiva que as duas são idênticas. Maltz também fala de uma força vital não específica, como sendo "o segredo da cura",15 mas, com exceção de algumas pessoas que seguem o trabalho de Reich, a maior

13

Reich, Wilhelm, The Câncer Biopathy, traduzido para o inglês por Andrew White (Nova Iorque: Farrar,

Strauss & Giroux, 1973). 14

Ib.

15

Maltz, Psycho-Cybernetics.

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parte da atual pesquisa sobre a energia do tipo mana está sendo conduzida por parapsicólogos em parceria com os chamados curandeiros paranormais. A doutora Thelma Moss, uma psicóloga clínica da UCLA (University of Califórnia at Los Angeles), que tem realizado extensas pesquisas com esses curandeiros através do uso da fotografia Kirlian, sente que "há um 'fluxo de energia' do curandeiro que inicia e aumenta o sistema auto-reparador do paciente".16 Entretanto, o conceito de uma força vital se manifestando como uma corrente e um campo parece estar fora dos fundamentos da prática médica psicossomática no Ocidente.

Emoções Os kahunas veem a emoção como a sensação do movimento ou excitamento da energia no corpo, acompanhada por um pensamento específico, e as raízes de todas as palavras havaianas que se referem às emoções contêm essa ideia de movimento. É muito comum na psicologia ocidental discutir as emoções em termos de fluxo de energia, sejam elas consideradas uma energia real ou não; mas para os kahunas é importante saber que uma emoção não é só um movimento de energia. O movimento de energia pode ser sentido sem a emoção. Fique de pé, faça os gestos de correr sem sair do lugar por alguns segundos e você sentirá um formigamento energético por todo o corpo que nada tem a ver com emoção, como normal- v mente a definimos. Para o kahuna, o que distingue a emoção é o pensamento associado, pois é o pensamento que a faz ser emoção em primeiro lugar. Trabalhando com muitas pessoas, descobri que elas acham difícil, quando não impossível, perceber a diferença entre ansiedade e expectativa ou entre raiva e entusiasmo, uma vez que as imagens e os pensamentos associados tenham sido eliminados. Na maior parte da literatura psicológica ocidental que estudei, os autores falam de diferentes emoções e seus efeitos, mas costumam compará-las com pensamentos ou separá-las dos pensamentos. De acordo com o ensinamento kahuna, uma emoção surge quando uma crença ou um complexo de crenças são estimulados por um evento externo ou interno, como um pensamento ou uma lembrança. Isso causa a descarga de uma corrente de energia pelo corpo, descarga esta que age como portadora do conteúdo da crença, assim como a eletricidade passando por um fio telefônico pode transmitir o conteúdo de uma conversa. A mente consciente (lono) percebe isso como um sentimento emocional, ao mesmo tempo em que o subconsciente (ku) coloca em movimento uma reação programada ou habitual à crença, a menos que tenha instruções contrárias da mente consciente (lono). Um exemplo seria você se lembrar de um insulto, ficar zangado novamente, fechar os punhos automaticamente e sentir dor de cabeça. Parte do treinamento kahuna ensina a ajudar o consciente a aprender como perceber as emoções sem deixar que o subconsciente se engaje em ação habitual. O que pode parecer um controle emocional num kahuna bem treinado é, na verdade, uma diretiva consciente de não continuar com um padrão de hábito, alcançado pelo uso do relaxamento muscular para separar o pensamento da ação (como será descrito). O treinamento também consiste em aprender a "ler" o conteúdo informativo da emoção para descobrir a crença que é sua fonte, se ela não for imediatamente aparente. Quando essa fonte for conhecida, o kahuna poderá introduzir uma nova crença para cancelar a antiga e criar um hábito melhor que substitua o outro, menos efetivo. O intento do kahuna determina o que acontece com a descarga energética da emoção em si. Ele pode redirecioná-la de várias maneiras, mas a técnica mais comum é relaxar e deixá-la dissipar-se. Como todas as emoções induzem tensão muscular como preparação

16

Thelma Moss, citada por Charles Panati, Super-senses: Our Potential for Parasensory Experience

(Nova Iorque: Quadrangle / N.Y. Times Book Co., 1974).

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para agir — o que é mais facilmente notado na bem conhecida resposta "fugir ou lutar"— o relaxamento consciente dos músculos tem o efeito de desligar a reação do hábito, dissociando assim a energia do pensamento que a estimula. Você pode experimentar isso pessoalmente, relaxando os músculos ao máximo e, depois, tentar zangar-se, usando a memória ou qualquer outro meio. Você verá que, enquanto seus músculos permanecerem relaxados, é fisiologicamente impossível zangar-se. Essa energia livre é, então, automaticamente dispersada pelo corpo e o campo circundante. Se o kahuna quiser usar a energia por outro motivo, como por exemplo a cura, deverá relaxar os músculos e passar por um processo, talvez de visualização, para canalizar a energia em outro padrão de resposta. E um processo bem parecido com as técnicas de relaxamento e imagem propostas pelo Dr. William Kroger com a ajuda da hipnose. Outras técnicas que o kahuna pode usar são a simples atenção e a vontade, a respiração controlada, e o que poderíamos chamar de "focalização sem julgamento". Esta é uma forma de percepção ou meditação concentrada, não-analítica, muito relaxante e fisicamente benéfica.

A Natureza e a Formação de Complexos Já discutimos as crenças e os complexos de crenças, mas agora quero falar sobre isso com mais detalhes, para mostrar melhor a visão kahuna de como tais coisas afetam a vida de uma pessoa. Uma crença pode ser definida como qualquer ideia que você aceita como verdadeira — uma ideia que valida ou invalida a experiência pessoal. Os kahunas consideram as crenças padrões mais ou menos resistentes de pensamento que são literalmente incorporados, em sua maioria absorvidos pelo corpo, e que governam ou influenciam todo comportamento mental e físico. Com a exceção dos behavioristas, quase todas as psicologias modernas admitem a importância de crenças como fatores que influenciam a saúde e a doença. Kroger enfatiza a necessidade de mudar tanto atitudes quanto comportamentos, e sobre a autoimagem, Maltz diz: "Quando uma ideia ou crença que temos sobre nós mesmos entra nesse quadro, toma-se "verdadeira", pelo menos para nós. Não questionamos sua legitimidade, mas procedemos com relação a ela como se fosse verdadeira".17 Frequentemente, porém, a palavra crença é usada para definir todo tipo de ideia, pensamento, opinião, atitude, etc., sem a menor tentativa de diferenciar crenças em termos de intensidade e efeitos que possam ter. Os kahunas fazem distinções precisas entre o que sentem serem vitais para o processo de tratamento para mudança positiva. O Dr. Oyle se aproxima bastante da visão kahuna ao dizer: "Uma ideia munida de carga emocional de energia é chamada de opinião. Uma opinião rigidamente cristalizada possui carga emocional maior e é chamada de crença".18 Os kahunas vão mais longe ainda e dividem as crenças em três categorias: pressuposições (paulele), atitudes (kuana) e opiniões (mana'o). Essas traduções para o inglês [português] são apenas aproximações usadas para facilitar a nossa discussão aqui. Será mais fácil compreender as diferenças, se usarmos a analogia da água. As pressuposições podem ser consideradas crenças que se tornaram cristalizadas na consciência, como blocos de gelo. Elas tratam de generalidades sobre a vida e o eu, e não mudam facilmente. As atitudes são crenças líquidas. Mudam com

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Maltz, Psycho-Cybernetics.

18

Irving Oyle, Time, Space & Mind (Millbrae, CA: Celestial Arts, 1976).

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mais facilidade, mas a mudança pode envolver um conflito emocional. As opiniões são gasosas, como o vapor d'água, facilmente mudadas com pouca emoção. A última espécie tem relativamente pouco efeito sobre o comportamento habitual, por isso as discussões a seguir se darão em torno das duas primeiras categorias e dos resultantes complexos de crenças.

Pressuposições (Paulele) Paulele tem o significado de "confiança" e "parar de saltitar", implicando um estado ou condição de segurança. As pressuposições que as pessoas têm sobre si próprias e a vida em geral são consideradas pelos kahunas a fundação sobre a qual baseiam todo o seu comportamento. As pressuposições fornecem estrutura básica por meio da qual a experiência é medida, testada e avaliada, e a qual determina a resposta à experiência. Nessa qualidade, elas proporcionam uma sensação de segurança, mesmo quando a experiência é negativa. As pressuposições são absolutamente necessárias para que possamos operar neste mundo, e as aprendemos em sua maioria no início da vida, com nossos pais, parentes, amigos e figuras de autoridade. Uma criança tem de fazer pressuposições sobre a vida para sobreviver, e uma das primeiras é que os pais devem saber como é a vida e, portanto, as pressuposições deles devem ser válidas. Na verdade, as crianças raramente aceitam todas as pressuposições dos pais e de outros, mas fazem escolhas por meio de algum processo interior de decisão que ninguém conhece totalmente. Numa determinada família, uma criança pode aceitar a crença dos pais de que o mundo é um lugar perigoso. Outra criança na mesma família pode rejeitar tal ideia e achar que o mundo é um lugar amistoso; e, no entanto, essa mesma segunda criança pode aceitar a crença dos pais de que algumas pessoas são inferiores. As pressuposições aceitas se tornam os programas que determinam o comportamento, tanto mental quanto físico, e também agem como moldes para o Eu Superior formar a experiência. As pressuposições entram por meio da mente consciente (lono), o intérprete da experiência, embora geralmente num nível que poderia ser chamado de "semiconsciente". Os kahunas não têm um conceito equivalente ao do "inconsciente" de Freud, porque para eles não existe tal coisa como a não-percepção, mas apenas diferentes graus de percepção ou estados de atenção ou não-atenção. Se uma pressuposição sobre a realidade não é conscientemente rejeitada, ou se não entra em conflito direto com as pressuposições existentes, então ela é aceita como verdade pelo indivíduo. Uma vez incorporadas, as pressuposições geralmente são esquecidas, embora continuem operando. Isso não significa que estejam perdidas para a percepção consciente, mas apenas que a mente lono já não presta mais atenção a elas. É mais ou menos como você esquecer que está usando roupa de baixo no decorrer do dia, embora sempre possa lembrar-se. No caso das pressuposições, elas se tomam um jeito tão familiar de interpretar o mundo que acabam sendo ignoradas. Os kahunas não aceitam a ideia de que as causas raízes do comportamento estão enterradas no passado ou em alguma parte da mente acessível só para o especialista treinado. Todas as crenças são acessíveis conscientemente e a qualquer momento, mas por algum motivo não queremos olhar para elas. A mente consciente é como uma sala escura cheia de móveis, e a percepção consciente é como uma lanterna que só pode revelar um número limitado de itens (crenças, lembranças, pensamentos) por vez, mas com o potencial de iluminar qualquer coisa na sala. Se você se acostuma a olhar em uma direção, pode esquecer as antiguidades nas prateleiras atrás; pode ignorar o papel de parede e nem olhar mais para ele; e pode ter uma gaveta cheia de coisas assustadoras que você nunca mais vai abrir, se puder evitar. Às vezes, um especialista pode ajudar você a se lembrar do que esqueceu ou a ter coragem para olhar aquilo que o assusta, mas não pode fazer nada que você mesmo não seja capaz.

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Num certo sentido, a mente subconsciente (ku) é encarregada de incorporar as pressuposições em sua memória e no seu sistema comportamental. Não há o uso da vontade aqui, mas só o impulso de seguir ordens, como um computador. Uma pressuposição funciona como uma diretriz básica, e o ku só pode obedecer de acordo com sua habilidade. Assagioli propôs a seguinte lei psicológica, da qual os kahunas discordariam: "Todas as funções, e suas múltiplas combinações em complexos e subpersonalidades, adotam meios de alcançar seus objetivos sem a nossa percepção, e independente de nossa vontade consciente, ou até em contrariedade a ela".19 A ideia de uma batalha de vontades entre o consciente e o subconsciente é considerada um conceito inválido, de acordo com o ensinamento kahuna. A única batalha é entre a vontade atual do consciente e os efeitos contínuos daquilo que foi desejado no passado.

Atitudes (Kuana) Se as pressuposições podem ser comparadas a uma fundação, as atitudes são a estrutura construída sobre essa fundação. As atitudes também podem ser chamadas de "crenças conciliatórias", porque elas se desenvolvem como meio de conciliação com aspectos da experiência que não são perfeitamente abordados pela pressuposição. São mais específicas do que as pressuposições, e elas abordam as áreas cinzentas da experiência onde alguma crença se faz necessária para que se possa agir, mas a crença ainda é aberta a dúvidas. Como as atitudes são menos seguras que as pressuposições, as pessoas frequentemente as defendem com mais emoção. Quando questionada, uma pessoa se vê forçada a encarar suas inseguranças, e • isso geralmente lhe dá a sensação de ser atacada a ponto de necessitar uma defesa emocional. Essa resistência a ideias ameaçadoras há muito vem sendo notada pelos psicólogos ocidentais. Freud disse: "De fato, os psicólogos admitem, de modo geral, que a aceitação de uma nova ideia (aceitação no sentido de acreditar ou reconhecer como real) é dependente da natureza e da tendência das ideias já unidas no ego".20 Ele acrescentou também que uma ideia não compatível com as ideias existentes provocaria "uma força repelente cujo propósito seria a defesa contra essa ideia incompatível". Como você sabe, algumas das reações mais emocionais ocorrem quando são levantadas questões sobre raça, sexo, religião e política, o que nos revela algo sobre a segurança das atitudes envolvidas. Contudo, quando as pressuposições são questionadas, a reação geralmente é de surpresa pelo fato de algo tão óbvio ser posto em dúvida. Maltz descrevia esse tipo de caso da seguinte maneira: "Diga a um garoto em idade escolar que ele apenas 'pensa' que não entende álgebra, e ele duvidará de sua sanidade".21 Como raramente ocorre uma reação emocional forte quando uma pressuposição é questionada, alguns curandeiros kahuna identificam atitudes e pressuposições pela reação ao desafio, e adaptam o tratamento de acordo com o caso. As atitudes derivam logicamente das pressuposições subjacentes, porque o ku é profundamente lógico. Aqueles que sentem que o subconsciente é irrazoável e ilógico

19

Assagioli, Psychosynthesis.

20

Breuer e Freud, Studies on Hysteria.

21

Maltz, Psycho-Cybernetics.

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sempre terão dificuldade em lidar com ele. Se você, por outro lado, percebe que o subconsciente é tão lógico quanto um computador, terá a chave para criar mudança. Agora, uma vez que tenha incorporado uma pressuposição, o subconsciente criará atitudes lógicas baseadas nela para conciliar a experiência direta, mas sempre apresentará essas questões à mente consciente para aprovação, antes de convertê-las em comportamento habitual. Dependendo de como a sua mente funciona, você pode deliberar por muito tempo até aceitar a atitude, ou pode aceitá-la num piscar de olhos e prontamente esquecê-la até ela lhe causar problemas. Atitudes são logicamente derivadas, mas nem todos usam o mesmo tipo de lógica. A seguir, você encontrará algumas visões kahunas sobre como diferentes atitudes podem surgir da mesma pressuposição básica. Nos dois casos, uma pressuposição dependente também é notada. Essa é uma pressuposição que você aceita como verdadeira a respeito da vida, mas cuja existência depende da aceitação da pressuposição básica. Sujeito 1. Pressuposição básica: Este é um mundo hostil. Pressuposição dependente: A melhor proteção é a fuga. Atitudes derivativas: E este é um mundo hostil e a melhor proteção é a fuga, então (a) minha melhor proteção contra a hostilidade é evitá-la; (b) devo deixar os outros fazer o que quiserem, e eu não serei molestado; (c) devo fingir que sou fraco ou supersimpático para não convidar a um ataque. Sujeito 2. Pressuposição básica: Este é um mundo hostil. Pressuposição dependente: A melhor defesa é uma boa ofensiva. Atitudes derivativas: Se este é um mundo hostil e a melhor defesa é uma boa ofensiva, então (a) minha melhor proteção contra a hostilidade é contra-atacar imediatamente; (b) devo ser suficientemente forte para me defender; (c) nunca devo demonstrar fraqueza; (d) devo suspeitar dos motivos dos outros; (e) devo obter o que eu puder antes que os outros levem tudo embora. É evidente que estes exemplos estão simplificados para o propósito ilustrativo. Entretanto, mostra como as variadas atitudes de dois sujeitos podem resultar em personalidades bem diferentes, mesmo que os dois tenham a mesma pressuposição básica sobre a vida. Suas atitudes também governariam suas reações a doenças, relacionamentos, metas e qualquer aspecto da vida. E suas pressuposições, dizem os kahunas, garantiriam encontrar uma grande dose de hostilidade. Se você interpretar a "autoimagem" como um conjunto de pressuposições, Maltz parece estar falando pelos kahunas, quando diz: "A autoimagem é uma "premissa", uma base, ou uma fundação sobre a qual toda a nossa personalidade, nosso comportamento e até nossas circunstâncias são construídas. Por causa disso, nossas experiências parecem verificar, e daí fortalecer nossa autoimagem, o que acaba gerando um círculo vicioso ou beneficente".22

Complexos (Hilina'i) O complexo de crenças é um sistema de ideias associadas compostas de uma ou mais pressuposições e das atitudes a elas apegadas. O termo kahuna para um complexo de crenças, hilina'i, pode ser traduzido como "uma trança para tentar entender algo". Na simbologia Huna, os complexos são representados por tranças, redes, teias de aranha e feixes de amoreira-preta. As duas primeiras são usadas para complexos em geral, enquanto os dois últimos geralmente são reservados para complexos restritivos. Na prática, as pessoas têm numerosos complexos, necessários para lidar com a vida. É como se disséssemos que você precisa ter crenças para experimentar e lidar com

22

Ib.

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qualquer coisa, e tudo o que você experimenta depende da natureza de suas crenças. Em termos kahuna, um complexo pode ser positivo ou negativo, e o único meio de saber a diferença é pelos efeitos do complexo na vida. Como um complexo consiste em todas as suas crenças a respeito de qualquer assunto específico, e que sejam compatíveis entre si, o problema se torna grande se você tiver dois complexos conflitantes sobre o mesmo tema. Para escrever Psycho-Cybernetics, Maxwell Maltz inspirou-se muito em Prescott Lecky, um psicólogo que ensinava que a personalidade é um sistema de ideias (crenças) que devem parecer compatíveis para a pessoa que as mantém. As ideias inconsistentes com esse sistema são rejeitadas, desacreditadas, e permanecem desativadas. Do ponto de vista kahuna, isso é generalização errônea. Eles veem a personalidade como um sistema de sistemas, um agrupamento de complexos, alguns dos quais podem ou não ser compatíveis porque se baseiam em diferentes pressuposições aceitas de diferentes figuras de autoridade, em diferentes momentos. Por exemplo, os dois sujeitos descritos na seção anterior tinham a mesma pressuposição básica, mas diferentes pressuposições dependentes, e estas davam origem a diferentes atitudes. Ora, seria possível para uma pessoa aceitar uma daquelas pressuposições independentes de sua mãe e uma diferente do pai. O resultado poderia ser dois complexos separados e em sério conflito, com resultantes distorções de personalidade e muita infelicidade. Uma ideia que seja inconsistente com todos os complexos de uma pessoa será rejeitada, como propunha Lecky, mas, se for inconsistente só com alguns complexos, poderá ser aceita por outros. Em casos extremos, isso pode produzir "dupla personalidade", mas, normalmente surgem apenas reações diferentes sob diferentes circunstâncias. Um exemplo desse caso seria um homem que tem uma personalidade "diferente" no trabalho, em casa ou quando está se divertindo. Cada uma dessas situações desencadearia associações e reações de vários complexos dentro de sua total capacidade. Infelizmente, parece que muitas pessoas têm variados números de pressuposições e atitudes conflitantes entrelaçadas em complexos restritivos ou negativos. Negativo aqui se refere a complexos de crenças ineficazes, que não resolvem satisfatoriamente os problemas da vida do ponto de vista do indivíduo, e que vivem em conflito com outras crenças. Um termo para esse tipo de complexo é kuku, que significa "amoreiras-pretas, espinhos, multidão, estar em competição". A duplicação da palavra ku, o aspecto da mente encarregado de manter as crenças, dá a conotação de um subconsciente superestimulado. Os kahunas ensinam que os complexos de crenças agem como sistemas de orientação para o fluxo da força vital, mana. Onde há conflito, o fluxo é distorcido, e essa distorção pode levar à tensão aguda ou crônica num nível muscular, celular ou em algum órgão. Essa tensão pode causar dor e doença, e essa é a base para o ensinamento kahuna de que a fonte de toda doença pode ser encontrada em ideias conflitantes. O termo genérico para doença em havaiano é ma'i, significando "um estado de tensão ou restrição", em outras palavras, estresse. Alguns médicos e psicólogos definem o estresse como condições ambientais que exigem ajuste comportamental, mas, para os kahunas, fazer isso é colocar o carro na frente dos bois. Eles veem o estresse como uma reação interna às condições ambientais (incluindo pensamentos como parte do ambiente pessoal), por lhes parecer evidente que semelhantes condições não causam semelhantes reações em todas as pessoas.

Feedback Ecológico No ensinamento kahuna, os complexos de crenças não afetam apenas os pensamentos, emoções, reações e o corpo físico; eles afetam também o modo como você vê o ambiente e até determinam como é o seu ambiente. Uma maneira de entender esse conceito é compreender que você vê as coisas de acordo com suas crianças, e o que não combina com suas crenças é ignorado. Entretanto, os kahunas acrescentam uma dimensão esotérica a isso, dizendo que as suas crenças são os canais através dos quais o seu Eu

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Superior literalmente produz experiência. Assim, um indivíduo completo — aumakua, lono e ku combinado — forma a própria experiência, percebendo-a e reagindo a ela. A aplicação kahuna prática desse conceito estaria sob o conceito que eu denomino feedback ecológico. Feedback é um processo no qual o resultado modifica os fatores que produzem o resultado. É como jogar tênis, ver onde a bola cai e ajustar o modo de segurar a raquete para receber melhor, da próxima vez. Ecologia é a inter-relação dos organismos com seu ambiente. O feedback ecológico, como eu uso, descreve o processo pelo qual você se torna mais ciente de seu ambiente (incluindo o corpo físico e suas cercanias) para descobrir que tipos de crenças levaram à formação desse ambiente. O termo Huna equivalente é unuhi ao, "interpretar o mundo desperto". Quando as crenças na raiz da experiência são conscientemente reconhecidas, podem ser mudadas, se for desejável, e mudar também o ambiente. Esse conceito, muito diferente do da maioria dos psicólogos modernos, tem vastas implicações. Se você estudar suas doenças, por exemplo, poderá descobrir primeiro as atitudes e depois as pressuposições que produziram o tipo de doenças que você costuma ter. À primeira vista, essa técnica não parece muito diferente da usada por Freud de trabalhar de trás para a frente através de lembranças cronologicamente associadas até chegar ao que ele chamava de "núcleo patogênico". Mas a diferença é profunda, porque Freud trabalhava com as lembranças de eventos e não com as crenças a respeito dos eventos. Quando você desenterra crenças, podem surgir lembranças em qualquer ordem, ou não surgir nada. A maioria dos psicólogos e médicos modernos define certas doenças como psicossomáticas (causadas pela mente ou por emoções) e outros como estritamente orgânicas (causadas por agentes externos ou fatores hereditários). Howard R. e Martha E. Lewis, autores de um livro intitulado Psychosomatics, afirmam que "os pesquisadores vêm descobrindo que as pessoas com certos traços de caráter são passíveis de sofrer certas doenças". Eles dizem: "Excluídas da maior das discussões sobre a psicossomática, porém, estão as condições estritamente herdadas, tais como hemofilia e anemia profunda. Também não são consideradas no campo da psicossomática as doenças causadas por fatores ambientais tais como intoxicação alimentar, doenças ocupacionais e envenenamento por poluentes. Por outro lado, é possível que nesses casos o nível de dano seja causado por estresse psíquico".23 Os kahunas diriam que não só o nível de dano mas também a atração da condição em si são causados por estresse psíquico. Eles reconhecem a predisposição genética para certas doenças, mas em termos de crenças herdadas na memória celular, e não como uma herança física. Quanto a condições como epidemia de gripe, WK as chama primariamente de "mídia-gênicas", indicando que são causadas mais pela mídia do que por qualquer outra coisa. Sua explicação para o fato de a infame "gripe de porco" nunca ter atingido proporções epidêmicas é que as pessoas não gostaram do nome e não acreditavam nela, pois achavam que servia a fins políticos. Segundo o ensinamento Huna, todos os eventos experimentados, incluindo doenças e acidentes, se originam na mente. Já que tantas doenças são refletidas no corpo físico, os kahunas especializados nessa área prestam mais atenção a onde uma doença se manifesta do que ao tipo de doença. A moderna psicossomática parece concordar com isso, até certo ponto. O ensinamento kahuna geral, conforme o aprendi, diz que os conflitos em competência e comunicação se manifestam na cabeça, nos ombros, braços e mãos; conflitos de afeições, responsabilidade e autovalor se manifestam na área entre o plexo solar e o pescoço; conflitos de segurança e autoridade ocorrem entre o plexo solar e a parte superior das coxas; e conflitos referentes

23

Howard R. Lewis e Martha E. Lewis, Psychosomatics (Nova Iorque: Pinnacle Books, 1975)

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a apoio e progresso se manifestam nas pernas e nos pés. Com essa estrutura básica, o corpo — assim como o resto do ambiente — pode ser "lido" para revelar crenças fontes. O feedback ecológico inclui a atenção aos pensamentos e devaneios recorrentes, o conteúdo de padrões de fala espontâneos, e as emoções recorrentes, todos sendo meios de determinar nossas crenças. Esses fatores também são usados no tratamento psicossomático moderno, mas nele a ênfase está mais em mudar o comportamento do que as crenças. Os kahunas diriam que mudar o comportamento é apenas um modo de reforçar mudanças de crença, e a mudança comportamental em si é dependente das mudanças no pensar. As crenças são a base de toda experiência, dizem os kahunas. A realidade não é objetiva, e sim subjetiva. Kristin Zambucka, mencionada anteriormente, diz: "Cabe a nós controlar uma atitude. Nós somos os criadores. Mude os seus pensamentos e você muda o mundo".24 Curiosamente, essa ideia kahuna da realidade sendo totalmente subjetiva encontra paralelos na moderna física das partículas. Fritjof Capra, físico que comparou a física moderna à antiga filosofia do leste da Ásia, fala de uma teoria da física atual nestes termos: "As estruturas básicas do mundo físico são determinadas, em última instância, pelo modo como olhamos este mundo... (e isso) reflete a impossibilidade de separar o observador científico dos fenômenos observados... em sua forma mais extrema, significa que as estruturas e os fenômenos que observamos na natureza nada são além de criações de nossa mente analítica e habituada a categorizar".25 E no entanto, como veremos no capítulo seguinte, os kahunas são capazes de trabalhar com as crenças na objetividade, para efetuar uma cura.

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24

Zambucka, Ano 'Ano.

25

Fritjof Capra, citado por Oyle, Time, Space & the Mind.

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CAPÍTULO 5

Métodos de Cura A cura kahuna envolve toda a pessoa — o Eu Superior, a mente consciente, o subconsciente e o corpo — e também o ambiente da pessoa. Uma vez que o seu propósito é efetuar uma cura e não comprovar determinado método, ela é direcionada para as necessidades individuais. O mesmo kahuna pode usar métodos muito diferentes para tratar duas pessoas com sintomas idênticos porque as crenças delas podem ser diferentes. E as crenças, de acordo com Huna, estão na raiz de toda doença. A ideia kahuna de trabalhar com crenças para iniciar a cura se reflete no termo havaiano geral para saúde e cura, ola. Essa pequena palavra, que tem muitos outros significados, todos relacionados à melhora da vida de uma pessoa, talvez seja mais bem traduzida como iluminação (o — entrar; la — luz, um símbolo para entendimento e poder). Sintomas específicos são tratados como parte do processo de cura total, porque se reconhece que eles apenas servem para mascarar a verdadeira causa da doença. A palavra havaiana para sintoma é ouli (ou — esconder; li — emoções como medo e raiva). Por algum motivo, os kahunas reconheceram bem cedo o que a moderna psicossomática chama de reação de conversão, e que Freud chamava de histeria, ou a conversão de uma condição emocional como a raiva num sintoma físico como enxaqueca. A diferença é que os kahunas consideravam todos os sintomas uma forma de reação de conversão, até o ponto de incluir circunstâncias pessoais como a propensão a acidentes, a pobreza ou a solidão. Dizer que o trabalho com crenças é o fundamento de toda terapia bem sucedida é quase o mesmo que dizer o que é a hipnose, definindo o termo de maneira bem generalizada para incluir a ideia de aceitar a sugestão em todos os níveis. Como afirma Jay Haley, em seu livro Uncommon Therapy: "A influência da hipnose sobre todas as formas de terapia nunca foi devidamente apreciada. Pode- se argumentar que a maioria das abordagens terapêuticas tem sua origem nessa arte".26 Num certo sentido, podemos dizer que todos os métodos de cura kahuna são baseados na sugestão hipnótica — compreendida como mudança de crenças — e que todos os métodos não-hipnóticos usados por eles servem meramente para facilitar esse processo.

"Terapia Estratégica" A abordagem na qual o terapeuta inicia um tratamento baseado em necessidades específicas do paciente é chamada por Haley de "terapia estratégica", quando ele escreve sobre as técnicas psiquiátricas do doutor Milton Erickson, autor de numerosos artigos sobre hipnoterapia e um dos mais proeminentes praticantes dessa arte. "A terapia pode ser chamada de estratégica", diz Haley, "se o clínico inicia o que acontece durante a terapia e designa uma abordagem específica para cada problema".27 Não se sabe há quanto tempo os kahunas vêm usando essa abordagem, mas WK afirma que deve ser há séculos. Falando pelo Ocidente, Haley afirma que ela só começou a proliferar a partir do meio do século XX.

26

Jay Haley, Uncommon Therapy. Nova Iorque: Ballantine Books, 1973.

27

Ib.

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Os métodos de cura estratégica podem ser classificados nas categorias de Abordagem Material, Abordagem Energética e Abordagem Mental. O modo como elas são aplicadas e combinadas depende da natureza da doença e do sistema de crenças do paciente. Os kahunas sempre trabalham dentro do sistema de crenças do paciente, pois do contrário o tratamento seria um convite à resistência ao processo de cura. Uma pessoa que acredita firmemente no tratamento médico será tratada de acordo com sua crença, com os métodos que mais se aproximem da causa, como fazem frequentemente os modernos psiquiatras. Já alguém que acredita em pragas será tratado nesse nível primeiro, embora os praticantes ocidentais dificilmente concordariam com isso. Mesmo assim, a percepção do valor de tal abordagem por parte de alguns terapeutas modernos fica evidente numa afirmação de Kroger: "Temos total consciência de que a fé numa cura específica promove o sucesso dessa mesma cura!"28

A Abordagem Material Essa categoria inclui o uso de remédios, dieta, ritual, amuletos e qualquer outra coisa que envolva a introdução de um objeto ou evento formal no processo de cura. Há duas bases lógicas para essa abordagem. Uma é o fato de que geralmente as pessoas são levadas a acreditar que a matéria ou os eventos exteriores são mais reais do que o pensamento. Os kahunas convertem essa crença numa ferramenta para ajudar na cura. A segunda base é o fato de que certos remédios, alimentos e objetos energizados realmente interagem com o metabolismo do corpo. Muito mais do que as outras abordagens, esta é altamente dependente da aceitação da autoridade do curandeiro pelo paciente. WK diz que a medicina moderna é basicamente cura pela fé. O motivo de os médicos terem tanto sucesso, independentemente do tipo de tratamento que oferecem, é que muita gente confia na habilidade e conhecimento deles. Por isso, o placebo pode ser tão eficaz. Se o paciente acredita firmemente na autoridade e habilidade do curandeiro, pode curar a si próprio mesmo sem o "verdadeiro" remédio.

Remédios Os kahunas têm uma visão distintamente não ortodoxa dos efeitos do remédio, baseada em sua ideia de que a doença não é causada por bactérias, vírus ou agentes carcinogênicos, mas sim por tensão resultante de conflitos de pensamento e energia emocional. De acordo com essa visão, as epidemias são causadas por reações individuais à telepatia social, e não pela disseminação de infecções vindas de fatores exteriores. Embora não tenha mencionado a telepatia como um fator na doença, Reich era de opinião que os efeitos da infecção se originavam dentro do indivíduo como resultado de tensão aguda ou crônica. Após examinar algumas das inconsistências das teorias de infecção em voga na época, Reich disse: "Se essa questão for considerada com atenção, teremos de admitir a inutilidade científica da teoria dos germes no ar".29 Deixe-me explicar que os kahunas não dizem que os germes e micróbios não existem, mas apenas que são catalisadores ou subprodutos da doença e não sua causa. Se não houvesse medo ou tensão indevida nas pessoas, não haveria doença, mesmo com a presença de bactérias ou vírus associados a ela.

28

Kroger, Hypnosis and Behavior Modification.

29

Reich, Cancer Biopathy.

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Cabe aqui uma palavra sobre as epidemias de varíola, sarampo e doenças venéreas que quase dizimaram a população havaiana pouco depois da chegada dos europeus e americanos. De acordo com a visão kahuna, esse foi o resultado de infecção por meio de ideias, muito mais que através de micróbios. Naquela época, os kahunas dominantes tinham perdido a maior parte de seu conhecimento de curas, e os médicos Lono e herbanários eram poucos, a estrutura religiosa e legal do Havaí estava caótica, e os estrangeiros chegaram com incrível exibição de poder e conhecimento, acompanhados por crenças igualmente fortes sobre culpa e pecado. Não é de admirar que tantos havaianos tenham sucumbido e que pouquíssimos kahunas pudessem ajudar. A crença kahuna de que a doença resulta de tensão é verificada nas raízes do termo Huna para remédio e tratamento médico, la 'au lapa'au. Esse termo indica nitidamente a posição kahuna de que a função do remédio é estimular um excitamento de fluxo energético no corpo que ajudará a dissolver a doença induzida por tensão. Por esse motivo, os kahunas definem o remédio, ou medicamento, de maneira mais ampla que no Ocidente. Além de elementos químicos e ervas, eles incluem partes de peixes, animais e plantas cujos nomes, natureza e aparência significam características de cura. Luzes coloridas, vestimentas e objetos também são usados por causa de seu efeito psicológico e fisiológico. A lula seria usada porque seu nome em havaiano (he'e) tem a conotação de doença sendo eliminada; carne de porco pode ser usada por causa de uma semelhante conotação numa palavra havaiana que lembra o nome usado para porco; cana-de-açúcar (ko-kea) também pode ser usada porque o nome significa "funcionar em limpar algo"; e um objeto vermelho também serve porque a cor vermelha, que é sagrada, era associada ao sangue e ao poder divino ou mana. Além desses efeitos psicológicos sobre o subconsciente, os kahunas sabiam dos efeitos físicos de certos ingredientes, mas somente por sua influência estimulante de energia e relaxante muscular, não pela capacidade desses ingredientes de "atacar" qualquer coisa supostamente invadindo o corpo, pois tal conceito é apenas o produto de uma sociedade com crenças temerosas sobre a realidade. WK mencionou uma forma de remédio kahuna havaiano que acredito ser digno de mais investigação. Provavelmente, a melhor tradução para ele seria "aromaterapia". Esse termo tem sido usado no Ocidente, referindo-se, porém, ao uso de essência de flores que pode ser aplicada como pomada ou ingerida, como no caso dos "florais de Bach"*, desenvolvidos por Edward Bach, M.D. O uso kahuna envolve a inalação de fragrâncias diretamente, e pressupõe que a essência do material sendo inalado vai diretamente para a corrente sanguínea através dos pulmões, agindo com mais rapidez do que alguma coisa engolida ou colocada na pele. Embora se usem incenso e perfume no Ocidente para criar uma atmosfera e influenciar as emoções até certo ponto, não considero o uso medicinal direto do aroma comparável à ideia kahuna, exceto o uso de inalantes para aliviar congestão respiratória. Entretanto, encontrei um comentário de um ensaísta francês, Michel Eyquem de Montaigne, que, no século XVI, escreveu: "Assim os médicos (na minha opinião) poderiam usar mais e melhor os odores. Pessoalmente, já observei com frequência que de acordo com sua força e qualidade, os odores mudam e alteram, e enlevam meu espírito, e produzem estranhos efeitos em mim"?30 Outra forma de "remédio" normalmente usada e apreciada pelos kahunas é a água pura, infundida com mana do kahuna e suas formas-pensamento acompanhantes. Tipicamente, um kahuna faz isso focando mana que sai de suas mãos ou hálito na água, ao mesmo tempo em que se concentra numa imagem de cura. Obviamente, o efeito é maior quando se diz ao paciente o que a água vai fazer por ele, e funciona melhor quando a água está "carregada" (energizada) do que quando não está, mesmo que o paciente não tenha

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Informações divulgadas mutuamente, sem referências.

* Ver Autocura pelos Florais de Bach, Madras Editora, 2002.

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testemunhado o processo de energização. Isso sem dúvida não faz parte do campo da ortodoxia ocidental, que provavelmente afirmaria que a água estava funcionando apenas como uma espécie de placebo. Entretanto, Charles Panati, escritor de parapsicologia, fala sobre alguns experimentos realizados pelo bioquímico Justa Smith com um curandeiro, os quais parecem mostrar de forma conclusiva que uma espécie de energia transmitida das mãos do curandeiro de fato modificava soluções enzimáticas. O mesmo curandeiro foi testado sob condições rigorosas pelo Dr. Bernard Graf na Universidade McGill, no Canadá. O curandeiro simplesmente segurava garrafas d'água entre as mãos por algum tempo, todos os dias. As plantas regadas pelo conteúdo dessas garrafas cresciam muito melhor que as do grupo de controle. Um jeito fácil de energizar a água para o gosto tanto quanto para a saúde é deixar uma garrafa cheia diretamente sob a luz do sol por uma hora ou mais, como as pessoas que tomam "banho de sol". Fiz a experiência, embora eu não tivesse um grupo de controle para comparação. Utilizei água energizada por esse processo numa garrafa verde para dois cães pastores alemães, que iam ser sacrificados porque punham para fora tudo o que comiam. Em duas semanas, os dois estavam felizes e saudáveis.

Dieta Os kahunas dão importância à dieta porque os alimentos que comemos normalmente refletem nosso estado de espírito. Por isso, se você muda sua dieta, isso pode ajudá-lo a mudar seu estado de espírito. Certa vez, eu estava para comer com amigos, quando um deles me perguntou: "O que os kahunas comem?" Sorrindo, respondi: "O que quiserem". Menciono isso porque os kahunas, como grupo, não seguem nem recomendam nenhum tipo especial de dieta. Alguns são vegetarianos e outros comem carne, e eu desconfio que alguns nunca comem demais. Como um grande kahuna teria dito, certa vez: "Não é o que entra pela boca do homem que o deixa impuro, mas sim o que sai." No entanto, os kahunas costumam recomendar muita fruta fresca ("viva"), e legumes e vegetais crus, por conterem mais mana. Na verdade, os significados da raiz da palavra havaiana para comida, 'ai, a associam diretamente a mana, e as raízes da palavra kahuna incluem a ideia de ser ele um cozinheiro, aquele que prepara e divide poder com outros. Num livro de June Gutmanis sobre os médicos herbanários kahuna, é observado que o terapeuta kahuna preparava a refeição de cura. Eles não acreditam que a falta de vitaminas e minerais no corpo de uma pessoa seja causada por uma dieta inadequada, mas por certos tipos de pensamento que resultam num desequilíbrio no metabolismo do corpo. O uso de suplementos ajuda a restaurar o equilíbrio do corpo temporariamente, o que pelo menos dá à pessoa oportunidade de melhorar seus pensamentos. Os kahunas ensinam que quanto mais saudável estiver sua mente, mais capaz você será de gerar por si próprio todas as vitaminas e minerais necessários, seja qual for sua dieta. Na tradição médica ocidental, a dieta é usada como importante ferramenta para controlar o peso, mas com os kahunas a dieta tem um papel pequeno nesse tratamento. O kahuna estaria mais preocupado com a atitude da pessoa em relação a si própria e seu peso, e se esse peso interfere em sua capacidade de viver efetivamente. Não há problema nenhum em ter uns quilos "a mais" ou "a menos", segundo a visão kahuna: tais termos só fazem sentido em relação a algum padrão social arbitrário. Uma pessoa gorda pode ser tão saudável, feliz e eficaz quanto uma magra. Não é o peso em si que importa, e sim o possível uso do peso para uma autopunição, ou uma desculpa para evitar relacionamentos, uma substituição por afeição, supressão da expressão emocional, etc. De modo geral, a visão kahuna é que o estado de excesso ou falta de peso segundo as medidas sociais não é uma coisa a ser tratada, a menos que seja um sintoma de conflito interior. São o pensamento e o comportamento que devem receber mais atenção. Isso sendo cuidado, o corpo se ajusta. O jejum não fazia parte da tradição de cura havaiana, mas é usado por kahunas em outros lugares. WK tem os seguintes comentários sobre este assunto: normalmente, o

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corpo opera com a energia suprida pelos alimentos e o arque ele recebe diariamente. No jejum, o corpo deve começar a operar com suas próprias reservas de energia. Estas geralmente são gordura e proteína armazenadas, mas a energia também é armazenada na forma de tensão muscular crônica. Durante o jejum, essa energia da tensão é ativada para operar no corpo, também. Como são intimamente ligadas aos conflitos de crenças, as áreas de tensão virão à tona à medida que a energia for utilizada e a tensão aliviada. Isso costuma ser acompanhado por uma liberação emocional catártica e pela dramática eliminação de sintomas de doenças. O jejum, usado como ferramenta, não é feito para a "purificação" do corpo, mas como meio de expor e drenar a energia de complexos profundamente arraigados. Mesmo assim, ele é só um passo no processo de tratamento, pois, sem uma mudança no modo de pensar, os benefícios do jejum serão temporários. Em meus estudos de literatura relacionada, só encontrei em Reich alguma coisa específica sobre liberações emocionais catárticas devido à liberação de tensão muscular crônica, mas, para os seus pacientes, isso era gerado por massagem e/ou uso de energia orgônica. Que eu saiba, a visão kahuna dos efeitos do jejum é única.

Ritual O ritual tem um papel importante na maioria das práticas de cura, tanto pelos kahunas quanto pelos médicos modernos. Ele inclui tudo na situação de cura que não tenha um efeito direto na cura, mas que sirva para convencer o paciente de que a pessoa certa está fazendo a coisa certa. Assim, um ritual nesse sentido incluiria qualquer coisa, desde uma antiga dança com cantaria enquanto se esfregam folhas ti no paciente, até um médico moderno usando avental branco, sentado num consultório cheio de símbolos de seu sucesso e fama, calmamente dizendo ao paciente que ele sabe tudo o que tem a fazer. O ritual ajuda a estabelecer confiança na autoridade, e isso por sua vez ajuda a abrir a mente do paciente para o processo de cura. Outras formas de ritual usadas no Ocidente são a hipnose formal, a meditação e sessões de terapia em grupo. Lógico que o ritual também pode ser empregado pelo curandeiro para convencer o seu próprio subconsciente de que ele tem o poder de curar.

Objetos Energizados Os objetos que os kahunas consideram fortes fontes de mana são frequentemente usados porque a introdução de mais mana no corpo, de qualquer que seja a fonte, costuma aliviar tensão e, portanto, os sintomas. Os kahunas acham que podem energizar pessoalmente um objeto com o mana deles para tal fim, e Long descreve isso extensivamente, ao lado de relatos de experimentos para demonstrar sua validade. Na praia em Waikiki perto do Hotel Surfrider, há quatro "pedras de cura" que, a lenda local diz, foram energizadas com mana de kahunas que partiram séculos atrás. Entretanto, os kahunas também usam fontes naturais de mana, como pedras e cristais, certas madeiras, e lugares especiais onde o mana seja supostamente mais abundante. Em Nana I Ke Kumu, Mary K. Pukui, uma senhora havaiana com rico conhecimento de cultura do Havaí, diz que "segundo a crença havaiana, mana pode ser emitido de uma rocha, dos ossos dos mortos, do remédio que cura ou da poção que mata".31 Uma das madeiras de cura favoritas era o ébano, chamado de lama em havaiano. O Hawaiian Dictionary (Dicionário Havaiano) de Pukui-Elbert diz isto a respeito do ébano: "A madeira lama era usada em medicina e colocada em altares hula porque seu nome sugeria iluminação; cabanas eram feitas de lama num único dia,

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Mary K. Pukui, E. W. Haertig, e Catherine A. Lee, Nana 1 Ke Kumu (Honolulu: Hui Hanai, 1975)

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enquanto ainda houvesse a luz do sol (lama), e os doentes eram colocados dentro delas para serem curados".32 É impossível, com certeza, separar completamente o efeito direto de remédio, dieta e objetos energizados da reação do paciente ao ambiente ou ritual e à autoridade do curandeiro; mas os kahunas não se interessam por essas distinções desde que haja um efeito benéfico. Esse é um ponto de diferença radical entre a abordagem kahuna de cura e as modernas abordagens ocidentais. Os praticantes ortodoxos ocidentais são propensos a descartar ou proibir qualquer método de tratamento que não se encaixe numa gama relativamente estreita de aceitabilidade. Por exemplo, a seguinte visão de Skinner ainda prevalece entre os psiquiatras e médicos ortodoxos: "Como os eventos mentais ou psíquicos não possuem a dimensão das ciências físicas, temos uma razão adicional para rejeitá-los". E Oyle, que é médico, diz: "A maioria dos meus colegas acredita até hoje que no espaço onde supostamente estão os órgãos só há matéria".33 Naturalmente, uma visão assim limita drasticamente os tipos de tratamento aceitos e permitidos. Isso faz sentido quando uma forma específica de tratamento representa perigo real para o paciente, mas muitos métodos proibidos não se encaixam nessa categoria. Parece que tais métodos foram banidos porque não fazem parte da tradição aceita, e qualquer aplicação deles bem-sucedida é desconsiderada. E isso ocorre apesar do fato de que muitos métodos aceitos têm perigosos efeitos colaterais. Oyle diz que o Food and Drug Administration — órgão norte-americano responsável pelo controle de alimentos e medicamentos "anunciou que quinze pessoas morreram ao tomar Clindamycin e Lincomycin que são frequentemente receitados por médicos para o tratamento de acne e do resfriado comum. Ele acrescenta também que sua clínica foi fechada por não ser nem um pouco ortodoxa, pois lá não faz cirurgias nem prescreve drogas. A tradição ocidental parece dar mais importância ao método que aos resultados, e os métodos não ortodoxos costumam ser rigorosamente evitados e, às vezes, emocionalmente atacados. Reich, cujos livros foram proibidos e queimados pelo governo americano nos anos 50, chamou essa atitude de "praga emocional". Em contraste, os kahunas usam qualquer método que funcione, desde que os efeitos colaterais não sejam sérios. Sua ênfase é o resultado e eles sabem que os métodos são sempre secundários às crenças.

A Abordagem Energética Essa abordagem assume três formas, que podem ser chamadas de manipulação física, de corrente e de campo, embora essa divisão possa ser confusa, pois os kahunas podem usar as três formas simultaneamente. Todas têm o propósito de liberar energia que está bloqueada por tensão, estimulando o fluxo de bioenergia para promover a autocura, e reforçando as sugestões de cura dadas pelo curandeiro.

Manipulação Física Há três subdivisões dessa forma de estimulação energética: lomi, lua e hula. 1. Lomi é uma técnica de massagem direta aplicada aos músculos em estado de tensão aguda ou crônica. É geralmente feita com as mãos, como a massagem sueca, mas antigamente no Havaí também se usava uma vareta especialmente curvada para uma

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_________, e Samuel H. Elbert, Hawaiian Dictionary (Honolulu: University Press of Hawaii, 1975).

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Oyle, Time, Space & Mind.

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massagem mais profunda. Uma variação é 'a'e, referindo-se a um modo de massagear as costas com os pés. 2. Lua é uma forma de combate corpo-a-corpo, como o karatê, também praticado por esporte, como exercício e um meio de descarregar tensão emocional. Uma tradução da raiz da palavra é "eliminar completamente o sofrimento". 3. Hula costuma ser conhecida no Ocidente apenas como uma forma graciosa de dança polinésia, mas a diversão moderna se baseia num antigo sistema para a iluminação do corpo e o desenvolvimento espiritual. Um significado da raiz da palavra é "levantar a chama sagrada" uma referência a um fluxo de energia como o da kundalini ioga. Mesmo em sua forma atual, os movimentos das pernas, quadris e parte superior do corpo conduzem à liberação de bloqueios de tensão muscular. Efeito semelhante é conseguido pelo antigo T'ai Ch’i Ch'uan chinês e pela moderna dança aeróbica, embora de maneiras diferentes.

O Corpo (Kino) Há duas formas principais de manipulação de corrente usadas pelos kahunas, ambas baseadas na ideia de que o mana flui como uma corrente no corpo. 1. Kaomi é uma técnica semelhante à acupressão e consiste em aplicar uma pressão para baixo em pontos especiais no corpo. A vareta usada em lomi às vezes é usada em kaomi também, mas o mais comum é o uso dos dedos ou da base da mão. Em casos de bloqueio, o paciente pode sentir uma dor aguda como o cutucão de uma agulha, no lugar onde a pressão for aplicada. Qualquer pessoa que tenha experimentado a reflexologia, um tipo de massagem nos pés, saberá do que estou falando. As vezes, o alívio do sintoma é imediato e outras vezes são necessários vários tratamentos, dependendo do nível crônico da condição e de quanto medo o paciente tem de mudança. O conceito é que a pressão estimula uma interação maior entre o ponto de pressão e o mana no ambiente ou nas mãos do curandeiro, resultando num fluxo maior que age para quebrar a tensão. 2. Kahi é uma técnica que consiste em aplicar pressão delicada às áreas de tensão ou alisá-las levemente com a mão aberta. Aos olhos do observador, a primeira pode parecer a "imposição de mãos" praticada por alguns evangélicos ocidentais e por enfermeiras que usam o "toque terapêutico"; enquanto a segunda pode parecer-se mais com um carinho. O segredo da efetividade dessa técnica em aliviar os sintomas é a quantidade de mana emitida pelas mãos do curandeiro. Essa técnica pode ser usada por qualquer pessoa, já que todos emitem mana; mas, quanto mais mana for emitido, mais eficaz ela será. Para aumentar a emissão, um kahuna pode usar a visualização, esfregar ligeiramente as palmas das mãos, ou experimentar uma emoção positiva como o amor. Não é por acaso que uma palavra variante, kahiau, significa "dar generosa ou abundantemente com o coração e sem esperar retorno".

Manipulação de Campo Esse método, às vezes chamado de manamana, tem a aparência do kahi, exceto que as mãos do curandeiro não tocam o paciente. Em vez disso, eles ficam a alguns centímetros

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(às vezes até 30 centímetros) acima da pele ou da roupa. O curandeiro gera um excesso de mana em si por meio de várias técnicas já descritas e transfere-o para o campo do paciente por meio de suas mãos, sua vontade e imaginação. A ideia aqui é que um tipo de efeito por indução ocorre, no qual o fluxo do curandeiro energiza o campo do paciente, induzindo um fluxo de corrente no corpo deste. Uma variação incomum às vezes usada é descarregar o campo do paciente, que também parece induzir um fluxo de corrente. De modo geral, a energização é mais útil em casos de fadiga, depressão e contusão, enquanto a descarga é mais útil quando há hipertensão, ansiedade e inchaço. Os efeitos subjetivos de energizar ou descarregar podem variar consideravelmente, mesmo quando o paciente não tem noção do que o curandeiro está fazendo. Em manipulação de campo, o paciente costuma relatar sensações de calor, formigamento e/ou movimento interior ou liberação. Quase sempre o kahuna usará sugestão verbal ou telepática para ajudar o processo. Sendo um método de tratamento tão imaterial, essa técnica está totalmente fora do sistema ocidental ortodoxo. Porém, o toque terapêutico, uma técnica moderna muito semelhante a esse método kahuna, vem sendo cada vez mais aceito em hospitais, onde as enfermeiras o usam como complemento à terapia ortodoxa. É ensinado em uma das principais universidades, líder no treinamento de enfermeiros, e que realiza workshops em hospitais dos Estados Unidos e outros países. Também já ouvi vários médicos mencionando confidencialmente que eles próprios ou alguém que conhecem possuem e usam essa habilidade, mas têm medo de informar seus pacientes sobre isso. O próprio Wilhelm Reich, nada ortodoxo, jamais escreveu sobre esse método, mas numa conversa pessoal, um antigo colega lhe disse que estava presente certa ocasião em que Reich aparentemente usara o método para curar um bebê. Gostaria de terminar esta seção apenas com algumas palavras sobre os supostos efeitos desse tipo de cura sobre o curandeiro. Conheci vários "curandeiros paranormais" que afirmam sentir-se completamente exaustos após ministrar um número de curas usando as mãos. A partir de meus estudos kahuna, aprendi que isso acontece porque eles estão tentando usar a própria energia pessoal, em vez de gerar antecipadamente um excesso de energia ou, melhor ainda, deixar que a energia flua através deles e não diretamente deles. Além disso, eles podem estar subconscientemente resistindo ao processo ou grande carga do paciente, ou qualquer outra coisa, causando tensão muscular que resulta em fadiga. Quem cura do modo kahuna acaba sentindo-se muito melhor do que quando começou. O suposto efeito adverso é o curandeiro "pegar" a doença do paciente através do campo de energia. Eu já vi (e usei) muitos meios simples e com plexos de evitar isso. Aprendi, porém, que a doença não está no campo de energia, mas nos pensamentos do paciente, e um curandeiro só pega a doença se estiver aberto a esses pensamentos. Alguns curandeiros realizam pequenos rituais, como sacudir os dedos para descartar ou descarregar a energia do paciente. O único propósito desse gesto é convencer o subconsciente do curandeiro de que ele está seguro. Não há nada errado nisso, mas se você acredita firmemente que não será afetado, então não será, com ou sem o ritual.

A Abordagem Mental Esse método consiste em ensinar ao paciente como usar sua mente de forma mais eficaz, mas sem tentativas de controle mental por parte do curandeiro. E, sem dúvida, o método mais importante no repertório de cura dos kahunas e considerado o cerne de toda cura, uma vez que toda experiência é um reflexo do pensamento. Para fins de discussão, essa abordagem será apresentada em passos de um processo, mas o leitor deve compreender que, na prática real, a aplicação dos passos não é tão distinta quanto exponho aqui. O processo para você ensinar uma pessoa como cuidar dos próprios pensamentos e da própria cura se baseia num treinamento em quatro passos que o próprio kahuna faz.

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Percepção dos Pensamentos (Ike) Se você pretende conscientemente mudar suas atitudes e pressuposições, precisa antes estar ciente daquelas que tem. Pode parecer óbvio, mas a maioria das pessoas não presta muita atenção consciente ao que pensa e diz em termos dos efeitos potenciais que os pensamentos e palavras exercem na vida. Portanto, no início do tratamento, um kahuna pode ajudar o paciente a se tornar ciente dos padrões habituais de fala, do diálogo interior e dos temas sugeridos em imagens. A atenção aos sentimentos e sonhos recorrentes e às condições externas também .pode ser encorajada. Ao dedicar atenção a esses fatores, o paciente começa a perceber como tem reforçado suas circunstâncias indesejáveis. Um paciente acostumado a suprimir pensamentos indesejáveis talvez precise de uma considerável assistência para trazê-los à atenção consciente, como já descobriram muitos psicólogos e psiquiatras. Uma técnica que os kahunas usam para ajudar esse processo é a imagem guiada, a simulação da imaginação makaku. Makaku pode ser traduzido como "originando no ku" e se refere à imaginação espontânea ou estimulada que revela padrões de crenças. Como mencionei antes, isso está se tornando cada vez mais popular no Ocidente. Às vezes, como acontece na psicanálise, a mera percepção de hábitos indesejáveis de pensamento ou discurso já será suficiente para fazer o paciente mudar imediatamente o modo de pensar, com benefícios resultantes para o corpo ou as circunstâncias. Mas, com frequência, a percepção em si não produz mudança nenhuma. Os kahunas ensinam que isso acontece porque toda experiência contínua é mantida por hábitos, e só a percepção não muda um hábito. O único modo de mudar um hábito é substituí-lo por outro, o que nos leva ao passo seguinte.

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Estabelecer Metas (Makia) As metas, neste contexto, incluem desenvolver novas crenças e hábitos e também fazer planos para o futuro. O paciente recebe ajuda para desenvolver uma ideia nítida quanto ao tipo de saúde, personalidade e ambiente que quer ter, e é auxiliado também na compreensão do que será feito para ele alcançar o que deseja. Uma importante técnica usada em makia é pa laulele, que eu chamo de "ver e ser", e que consiste em imaginar com firmeza uma circunstância desejável e colocar-se a si próprio no centro da imagem de todos os sentidos. É mais ou menos como o estado de espírito de um mímico durante uma apresentação. Essa técnica de imaginação "pré-treina" o subconsciente e o corpo, preparando-os para a nova experiência. Por exemplo, no caso de uma condição crônica — física, de personalidade ou ambiental — você primeiro estabelece as novas metas/crenças/hábitos aplicáveis, e depois usa a imaginação para pré-experimentar a nova condição. Alguns psicólogos ocidentais também prescrevem essa técnica. Kroger a chama de "condicionamento sensorial por imagem", e Maltz descreve uma técnica praticamente idêntica. Assagioli justifica essa abordagem, expondo uma lei psicológica segunda a qual "as imagens e quadros mentais tendem a produzir as condições físicas e os atos externos a elas correspondentes".34 Autossugestões ou afirmações curtas e emocionalmente carregadas também são usadas com makia, mas é importante que o paciente seja bem treinado para isso de modo

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Assagioli, Psychosynthesis.

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eficaz, para que as sugestões realmente ajudem a provocar a nova condição e não resultem simplesmente em suprimir aquilo que ele não quer perceber. Para ser eficaz, uma sugestão ou afirmação tem de ser crível até certo ponto. Dizer "estou saudável" quando se está doente, ou "sou feliz" quando se está triste, pode funcionar com uns e não com outros. O uso da emoção forte ajuda aqui, assim como as técnicas como hipnose que acalmam a parte crítica/analítica do consciente. Se aparentemente houver uma significativa resistência subconsciente à mudança, então o kahuna aplica o passo seguinte.

Mudar (Kala) Essa palavra tem os significados externos de liberação, liberdade e perdão, mas as raízes trazem o sentido de mudar o caminho de uma pessoa. Perdoar, por exemplo, é mudar o modo como você pensa sobre alguém ou alguma coisa. Para kala funcionar, você deve estar conscientemente disposto a fazer a mudança e abandonar os velhos hábitos. Sem alguma motivação positiva para mudança por parte do paciente, mesmo que recebida telepaticamente, o kahuna geralmente nem tenta efetuar a cura. Kroger concordaria. A respeito dos alcoólatras crônicos, ele diz que aquele que "não deseja ser ajudado, ou que é literalmente arrastado contra a vontade, não pode ser ajudado por nenhuma abordagem psicoterápica".35 Quando o paciente tem consciência do conflito interior a respeito de mudar um hábito, uma técnica comum é imediatamente substituir a ação, pensamento ou sentimento negativo por seu oposto. Como a tensão muscular crônica é provocada por uma distorção do fluxo de energia sustentada por hábitos específicos de pensamento, segundo a teoria Huna, uma liberação de tensão ocorrerá quando os pensamentos indesejáveis forem substituídos por pensamentos benéficos. Freud às vezes conseguia esse efeito, "apagando" as lembranças negativas e substituindo-as por positivas. O fator-chave aqui para os kahunas, porém, é a troca, não a supressão seguida por substituição. Para algumas pessoas, isso não é fácil porque seus hábitos podem servir a um propósito desconhecido. Assim, quando o kahuna sente que é apropriado, pode explorar a memória do paciente com ele para interpretar por outro prisma ou até modificar eventos passados. O kahuna pode também ensinar técnicas de relaxamento muscular, pois, quando os músculos estão relaxados, é fisicamente impossível surgirem emoções negativas ou ocorrerem ações indesejáveis. Os pensamentos negativos ainda podem ocorrer, mas, com os músculos relaxados, a reação habitual a eles é desligada e o subconsciente (ku) é mais receptivo à instalação de um novo padrão de hábito. É exatamente isso que acontece na hipnoterapia. A principal ferramenta usada para alterar um modo de pensamento negativo é a imaginação voluntária, ou laulele. Como você deve lembrar-se, essa é a imaginação em que o conteúdo é conscientemente escolhido pelo indivíduo. Seria mais correto dizer o conteúdo vital, pois quase todo tipo de imaginação inclui pelos menos alguns elementos espontâneos (makaku). A imaginação deliberada (laulele) atua como um padrão para canalizar os pensamentos, emoções e ações em novas direções. Uma vez que esse padrão imaginativo esteja estabelecido como um novo hábito, ele se toma makaku ou espontâneo. Isso, porém, envolve o passo seguinte.

Direcionar Energia (Manawa)

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Kroger, Hypnosis and Behavior Modification.

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Essa palavra tem os significados de canalizar e direcionar mana contínua e persistentemente. Envolve o real estabelecimento e a manutenção de novos hábitos de pensamento e comportamento, o que só se consegue com prática e mais prática. Manawa inclui também o uso de qualquer coisa que reforce os novos hábitos que você está tentando estabelecer, tais como livros, palestras, imagens e objetos simbólicos, rituais, ambientes físicos, associação com pessoas que possuem qualidades desejáveis, etc. Mais do que qualquer outra coisa, porém, envolve ação e emoção, o que significa a participação do subconsciente (ku). A lógica kahuna é que as ideias não se tornam materialmente efetivas a menos que façam parte da mente ku. O conhecimento que permanece intelectual nada mais é que uma opinião, e como tal tem pouco efeito no mundo ou no indivíduo. Por isso, outra palavra em Huna para iluminação é na 'auao, cuja melhor tradução seria "conhecimento instintivo".

Falha no Tratamento Apesar do hábil tratamento e das melhores intenções, muitas tentativas de cura falham ou são apenas temporárias. Embora os kahunas saibam que o tratamento mal aplicado pode ser um fator, eles não concordariam com a afirmação de Kroger de que "se um procedimento terapêutico deixa de produzir uma mudança no paciente, a falha está na técnica experimental, e não no paciente".36 A falha não é a questão, e o sucesso da terapia depende muito da habilidade, do conhecimento e da flexibilidade dos curandeiros. Mas, para os kahunas, a única razão subjacente a todas as outras na falha do tratamento é que não houve uma mudança nos hábitos de pensamento por parte do paciente. Isso é visto não como uma falha, mas como um fato. Métodos melhores podem ajudar ou não, mas nada acontecerá, independentemente do método, se o modo de pensar do paciente não for mudado. Os kahunas mencionam vários motivos pelos quais o paciente pode não estar disposto a fazer a mudança. O primeiro motivo pode ser chamado de "resistência custo-benefício". Isso ocorre quando o paciente afirma ter um desejo de ser curado, mas está recebendo benefícios psicológicos, emocionais ou físicos da condição existente, que superam, na visão dele, os benefícios de uma possível cura. Em outras palavras, o custo da cura incluirá abandonar os atuais benefícios da condição, e o paciente não está disposto, consciente ou inconscientemente, a fazer esse sacrifício. Os benefícios atuais podem incluir solidariedade, atenção, vingança, desejo de controle, segurança financeira (no caso de quem recebe pensão por incapacidade), segurança emocional (deverá lidar com responsabilidades indesejáveis se for curado), sofrimento (a pessoa que acredita que deve ser punida), e a segurança da familiaridade com o atual estado. Quando essa espécie de resistência é encontrada, só será obtido um alívio temporário, quando existir, seja qual for o método de tratamento usado. Caberia, então, ao terapeuta ou curandeiro convencer o paciente de que ele teria mais benefícios com a mudança do que persistir no presente estado, embora em alguns casos seja o subconsciente (ku) do paciente que precisa ser convencido. O outro motivo é a falta de confiança no curandeiro ou no método de tratamento usado. O ceticismo de uma mente aberta não costuma ser problema, desde que o curandeiro tenha fé em si mesmo e no que está fazendo. Mas medo e desconfiança por parte do paciente, se persistidos, resultarão no máximo em um efeito temporário. A habilidade do terapeuta ou curandeiro é sem dúvida um fator importante nesse tipo de falha no tratamento, mas os kahunas insistem que não é o fator determinante, pois a fonte

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Ib

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do medo e da desconfiança do paciente pode não ter nada a ver com a capacidade do terapeuta. O motivo marcante para a falha no tratamento é a falta de atenção aos aspectos das atitudes da condição. Quando só os sintomas são tratados e não há mudança correspondente nas atitudes do paciente, o alívio é sempre temporário. O que confunde os médicos ocidentais, dizem os kahunas, é que o paciente pode expressar as mesmas crenças negativas através de diferentes sintomas. Os médicos tratam os sintomas como entidades diferentes, enquanto a causa subjacente é a mesma. Os chamados "curandeiros de fé" enfrentam o mesmo problema. A verdadeira cura pela fé é uma cura de crenças; e, quando isso acontece, a cura é permanente. A maior parte das coisas feitas em nome da fé, porém, não passa de manipulação de energia. Quando a energia é suficientemente intensa, como num encontro da renovação carismática, resultados espetaculares podem ser obtidos. Entretanto, horas, dias ou semanas depois, se o pensamento da pessoa envolvida não mudou permanentemente, a energia se dissipa e o velho sintoma retorna. Também sob essa categoria de falta de atenção às atitudes causativas está o fato de não se levar em conta o lar ou o ambiente de trabalho do paciente, particularmente as pessoas ali presentes. Como os sintomas são expressões de atitudes, alguns são os resultados de atitudes em relação a outras pessoas; e na presença delas os sintomas podem ser agravados. Por isso, uma pessoa pode ser "curada" num hospital, e adoecer novamente quando chega em casa. Sempre que possível, os kahunas incluem a família, os amigos e os inimigos no tratamento, mesmo que só na imaginação. Finalmente, quando o Eu Superior do indivíduo toma a decisão de que o eu físico deve morrer, nada mais pode ser feito, exceto talvez aliviar os sintomas. Entretanto, ninguém mais pode saber se essa decisão foi tomada irrevogavelmente; portanto, os kahunas acham relevante continuar o tratamento enquanto o paciente estiver disposto e for capaz de recebê-lo. Eles não acreditam na ideia de "interferência cármica". Alguns curandeiros se preocupam por estar interferindo no carma da pessoa, ou seu destino preestabelecido, se insistirem na cura, e costumam achar que essa é a causa da dificuldade na cura. Os kahunas consideram a dificuldade um desafio. A palavra deles para destino é hopena, que significa "o resultado do que aconteceu antes". Para eles, isso significa você criar a sua realidade. Se você é um curandeiro e há uma pessoa na sua vida que precisa de cura, então você faz parte do destino dessa pessoa, e ela do seu. Como o destino não é preestabelecido, de acordo com os kahunas, você não pode interferir nele no sentido de obstruí-lo, mas pode mudá-lo desde que todas as partes envolvidas concordem, até certo ponto, com a mudança.

Cura Divina Até agora o elemento mais importante na cura kahuna não foi mencionado. É o eu-deus, aumakua, ou, em termos simples, Deus. Toda cura, na visão kahuna, na verdade nada mais é do que o resultado de uma comunhão natural com o eu-deus, ou permitir que sua fonte de energia flua livremente ao longo do padrão original no corpo etéreo (aka). Doença e distorção de qualquer espécie resultam da interferência nesse fluxo. A cura mais direta do corpo, da mente e das circunstâncias vem quando você envolve o eu-deus em sua vida diária e nos pensamentos, de maneira que inspire amor e confiança. A prática de amor (aloha) que inclui a experiência de partilhar alegria, é o modo de tomar essa união materialmente efetiva. A alegria gera vida e é expansiva, e, quando faz parte de sua vida, automaticamente libera a tensão e age como um convite para que o Eu Superior se torne um parceiro total na manifestação de saúde, felicidade e realização. Como ensinam os kahunas, a cooperação jovial com o "deus-em-tudo" é o melhor remédio para todos os males, a melhor solução de todos os problemas, o melhor meio de alcançar a realização pessoal. Fazer isso, porém, requer um comprometimento de se lembrar constantemente da presença de Deus em todas as pessoas, lugares, coisas e situações. Essa prática me

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trouxe mais alegria, felicidade, saúde e sucesso do que qualquer outra coisa que eu tenha feito. Como se faz isso; essa cooperação com o deus-em-tudo? Bem, pessoalmente experimentei muitos métodos e o melhor para mim veio de um livro de ficção científica de Robert Heinlein, intitulado Stranger In a Strange Land (Estranho numa Terra Estranha) que, aliás, contém um antigo ritual kahuna de partilha da água. No livro, há uma frase simples usada pelo herói: "Tu és Deus". Diga isso mentalmente a todas as coisas, incluindo a si próprio, do momento em que você acorda até a hora de dormir; acredite nisso e sua vida será renovada.

Encerramento (Panina) Algumas pessoas perguntam como eu justifico revelar desse modo o conhecimento kahuna. Elas estão acostumadas com outros grupos que guardam seus segredos como pedras preciosas, os quais seriam deflagrados se outra pessoa olhasse para eles, ou por medo de que outros descubram que não possuem pedras preciosas. Eu não preciso de justificativa porque não temos segredos. Huna é o segredo a ser revelado; os kahunas são seus guardiões, não seus carcereiros. Comunico o grito dos oráculos do antigo Havaí que soava desde os templos: Que o desconhecido se torne conhecido!

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Epílogo A seguir, apresento o relato de uma experiência que tive e que, agora, parece ter acontecido com outra pessoa. Escrevi logo após o ocorrido; e agora, olhando para o passado depois de vários anos, quase me envergonho pelo fervor e pela improbabilidade da experiência, e pelo fato de não ter cumprido devidamente a tarefa que me foi designada. Mas, de fato, ela ocorreu e ainda estou tentando fazer minha parte, e o nome Kaula hoje evoca um tipo de "eu futuro" que me ajuda a ajudar os outros. Foi uma experiência mística em ambiente físico, do tipo que não deixa de mudar a vida de uma pessoa. "No fim de semana do Dia do Trabalho, em 1975, estava acampando com minha família e vários amigos num lugar chamado Happy Gulch (Vale Feliz), no sopé de Mt. Able, na floresta nacional de Los Padres. Durante a noite de 30 de agosto,37 estávamos apreciando o brilho das estrelas e o número de meteoros que cortavam o céu. O frio, porém, logo nos obrigou a refugiar-nos no conforto dos sacos de dormir. No meio da noite, fui despertado por uma voz interior. Olhei meu relógio e vi que eram 2 horas da manhã. A voz insistia para que eu me vestisse e saísse, o que fiz sem hesitação. A noite estava clara e mais quente do que antes, quando fomos dormir. As estrelas pareciam mais brilhantes e a lua ainda não tinha aparecido. O ar trepidava com aquele peculiar movimento de onda que indica um intenso campo de mana, e notei um zumbido profundo que vibrava em tudo. Não era um som mecânico, mas parecia uma pulsação viva. A voz interior me impelia a tomar a trilha até o monte, o que eu fiz prontamente, passando por meus companheiros, ainda adormecidos. Depois fiquei sabendo que eles também ouviram o zumbido, sentiram uma força no ar e também tinham sido chamados por uma voz interior. Mas, não estando familiarizados com a área, eles acharam melhor permanecer no acampamento. Andei bastante, ciente apenas do zumbido e do mana, até minha voz interior me mandar parar e sentar num ponto que tinha uma vista do vale, a oeste. Sentei-me e olhei para as estrelas; elas estavam movendo-se em grandes círculos irregulares, por todo o céu. Pisquei e balancei a cabeça, achando que era uma ilusão de ótica, mas por mais que olhasse, elas continuavam movendo-se. De repente, o zumbido aumentou, senti um formigamento por todo o corpo, e um arco-íris cintilante apareceu à minha frente, pairando no ar, além da beira do penhasco. No mesmo instante, comecei a ouvir o murmúrio de milhões de vozes à minha volta e até dentro de mim, das estrelas, do ar, das plantas, da terra, das células, moléculas e átomos. Aos poucos, pude perceber que aquela miríade de sons falava como Um, em uníssono. E estavam falando comigo, chamando- me por meu nome iniciatório. 'Kaula, Kaula, saiba que EU SOU, sempre, em todo lugar, tudo. EU SOU Aquele Sem Nome de muitos nomes, Aquele Sem Som de muitas vozes. Kaula, seja meu profeta, meu guerreiro de Luz, meu emissário, meu Filho do Arco-íris. Reúna meus filhos e ajude-os a experimentar Minha Presença. Ensine Amor, Kaula, pois o Amor é a chave de tudo. O Amor é o Caminho; o Amor é o Segredo. Ensine Amor, Kaula, e Ame-Me.' Incapaz de falar, enviei um sentimento de amor a todo o universo e fui instantaneamente inundado com um fluxo de retorno tão grande que entrei num estado sem tempo e espaço de pura bem- aventurança, no qual todo pensamento consciente

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N. do T.: nos EUA, o Dia do Trabalho é na l1 segunda-feira de setembro.

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desaparecera. Eu era eu mesmo, e no entanto era TUDO. Era uma folha de grama, vibrando com uma tremenda força interior, enquanto me esfregava lenta e inexoravelmente contra uma rocha milhares de vezes mais pesada e mais dura que eu. Eu era a rocha, encerrada num estranho ciclo de vida cristalina afinado ao tempo galáctico. Era um pássaro, bem aquecido e aconchegado em minhas penas, dormindo e tendo meus sonhos impartilháveis. E uma árvore, um coiote, uma formiga, uma casa, um cometa, uma nuvem, o universo inteiro, uma coisa de cada vez e tudo ao mesmo tempo. E eu era eu. Em determinado momento, fui trazido de volta à percepção física do (aqui-e-agora), ainda tremendo de êxtase. O arco-íris tinha desaparecido e as vozes se calaram, mas sentados à minha volta estavam todos os professores que me ajudaram nesta vida. Meu pai terrestre estava lá, usando a vestimenta do Círculo de Prata. Também estava Wana Kahili, que me iniciou como kahuna; M'Bala, o fetichista do oeste da África; Sufi Joe, o persa; Gordo, o bruxo; Fa Hsien, o lama chinês; Ra Ptah, Manea, Lucius, Rufus, Jarod, Naran e outros. Eram todos tão reais quanto o solo onde eu estava sentado, e queria muito cumprimentar a todos com um abraço, mas senti que a ocasião era solene demais para aquilo. No entanto, sentia o caloroso cumprimento de seus pensamentos. Depois da.alguns momentos, um aguçado sentimento de expectativa se tornou evidente. Então, Wana Kahili e meu pai, que estavam sentados diretamente à minha frente, separaram-se e uma figura vestida de branco e com um capuz subitamente apareceu no meio dos dois. Seguiu-se um período de intenso silêncio, até que a figura de branco jogou o capuz para trás e revelou uma face de tal beleza que eu mal podia desviar os olhos dela, mas senti-me impelido a fazer isso. A cada instante, o rosto mudava de forma, nacionalidade e sexo, mantendo seu brilho interior durante todo o processo. Conforme a face mudava, eu recebia uma imagem interior de associação. Ele era um artista de Mu, um cientista atlante, um explorador lumaniano. Era Gautama, o Buda, Moisés sobre a montanha, Jesus de Nazaré e o profeta Maomé. Ele era Pele, Kuan Yin e Maria, Viracocha, Quetzalcoatl e Kanaloa. Era o Cristo manifesto, o Iluminado, o Professor de Luz. Algum tempo se passou, e então ele e todos os meus professores falaram numa única voz, telepaticamente, em contato direto com minha mente. Primeiro, lembraram-me do plano formado eras terrestres atrás, quando eu tinha concordado em exercer uma função, junto a centenas de outros. Depois, recordaram minha vida atual da infância em diante, incluindo meus erros e desvios do caminho, bem como minhas iniciações e sucessos. Eles apontaram para as fraquezas que permaneciam e as forças negligenciadas e me aconselharam quanto às medidas corretivas para que eu fosse capaz de cumprir minha missão. Finalmente, eles confirmaram o que eu tinha lido nas placas no Havaí e explicaram a relação com minha missão. Quando a preleção acabou, o Cristo se adiantou em minha direção, estendendo as mãos sobre minha cabeça. Imediatamente senti seu poder fluindo até mim e me enchendo de Luz, enquanto ele falava estas palavras: Kaula, que tu sejas ungido com o poder do Espírito Santo como um de meus sacerdotes e profetas na Nova Era. Vai e ensina e escreve sobre a presença de Deus, do significado e do caminho do Amor, do vasto poder e do potencial da mente humana. Vai e cura os doentes de corpo, coração e mente, e ensina-lhes também como curar a si próprios e aos outros. Aconselha, instrui e abre as mentes de todos os que te procurarem, usando esse conhecimento da mente, matéria e energia que te foi passado, e profetiza, sendo guiado pela luz interior. Estabelece templos de sabedoria na região onde esse conhecimento possa ser ensinado e praticado, e cria também comunidades onde o amor e a liberdade prevaleçam. Ajunta ao teu redor fervorosos discípulos para que sejam treinados e ordenados para também fazer essas coisas. Usa os meios do mundo para obter tais fins. Tu sempre serás guiado pela luz interior. O teu é o caminho de Huna, a ciência do Amor, o caminho da Harmonia sobre a Terra e com a Terra, o conhecimento universal. Tu e aqueles por ti guiados sereis chamados Filhos do Arco-íris, como nos dias de outrora. O arco-íris, a estrela de sete pontas e a cruz da vida serão os símbolos de vosso caminho.

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Inumeráveis são os caminhos até Deus, portanto fica em paz com os caminhos dos outros, pois eles, mesmo sem saber, estão seguindo Huna, se o caminho escolhido for certo. Como uma última palavra, começa a preparar teu povo para o tempo da Grande Emigração, pois certamente a humanidade já escolheu como seu destino um retorno às estrelas. Agora de ti despedimos, embora permaneçamos em contato através do Espírito. Não digas a ninguém o que viste ou ouviste até receberes um sinal. Então, tomarás conhecida esta experiência, começarás a escrever o conhecimento das placas e iniciarás a grande obra. E lembra-te sempre: o Amor é a chave. Com isso, a face do Cristo ficou mais reluzente e se estabilizou nos traços sorridentes de um grande ser, oriundo de um lugar distante, e o qual eu já vira em visões anteriores. Então, ele tocou-me no alto da cabeça com o dedo e eu fiquei inconsciente. Quando acordei, estava sozinho em meio ao silêncio. E um novo dia amanhecia, enquanto eu voltava ao acampamento.

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APÊNDICE

O Código Kahuna Uma ocorrência relativamente frequente entre alguns seres humanos é tentar esconder o que sabem dos outros, e o modo mais comum de fazer isso em toda a história da humanidade é usar um tipo de código secreto para a comunicação. Isso obviamente tem vantagens práticas na política, nas guerras e nos tempos de perseguição religiosa. Leonardo da Vinci aprendeu sozinho a escrever de cima para baixo e de trás para a frente, de modo que ninguém conseguisse ler suas notas, a menos que conhecessem o truque do espelho. As vezes, é usada também uma língua rara. Não é incomum entre os sacerdócios o uso de alguma língua especial antiga só conhecida pelos iniciados; e, durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos usaram com sucesso comunicadores em navajo para confundir os inimigos. As linguagens inventadas de brincadeira, como a língua do "P" ou coisa parecida também servem ao mesmo propósito. No antigo Havaí, os chefes tinham construído línguas secretas artificiais, conhecidas genericamente como kake, para poder conversar entre os cidadãos comuns sem ser compreendidos. Entretanto, aquilo que conhecemos como "código kahuna" não se encaixa nessa mesma categoria. O propósito do código não era manter certas coisas em segredo, mas tornar o conhecimento acessível. Eu tenho uma teoria, exposta em outras fontes, de que a língua polinésia foi artificialmente construída mais ou menos da mesma maneira que o esperanto, porém com maior sucesso. De qualquer forma, os kahunas transmitiam seu conhecimento através dos significados das raízes em sua língua, usando regras especiais para estender esses significados. Com essa técnica, grande quantidade de informações podia ser transmitida por uma única palavra, quando devidamente separada. Enquanto a língua continuasse existindo, o conhecimento continuaria disponível para qualquer pessoa que entendesse a técnica. Evidentemente, se a técnica fosse esquecida, então a informação codificada estaria perdida, mesmo que a língua continuasse viva. Parece que foi isso que aconteceu no Havaí depois da chegada de Paao, no século XIII. Na verdade, uma tradução do nome desse sacerdote é "uma limitação do conhecimento". WK e Long acham que o código kahuna é mais facilmente interpretado a partir do dialeto havaiano do polinésio; por isso, essa é a base para as referências neste livro. A fonte usada para os significados de raiz é Hawaiian Dictionary, de Pukui e Elbert, com elaborações fornecidas por WK e meu conhecimento da cultura havaiana. O havaiano é uma língua simples e altamente flexível, baseada num número relativamente pequeno de sons. Transliterado para o inglês, há apenas sete consoantes, H, K, L, M, N, P e W (às vezes pronunciado como V), e as cinco vogais A, E, I, O e U, totalizando doze letras. Há também um sinal de aspa única (') que substitui um som pesado, usado em outras partes da Polinésia e que, portanto, pode ser considerado uma letra. Porém, no

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havaiano moderno, especialmente usado por não-nativos, esse sinal costuma ser omitido. Entre alguns havaianos com forte ancestralidade do Taiti, a letra K é, em alguns casos, substituída por T. Os ocidentais já se familiarizaram com a planta ti e as bonecas tiki, embora no original havaiano, a pronúncia seria ki e ki'i, respectivamente. Devemos observar que Melville discorda disso, e afirma que o T era usado no original havaiano e que, por algum motivo misterioso, os missionários obrigaram os havaianos a usar K. Como as nuanças linguísticas não são importantes para este livro, limito-me a explicar que o som da aspa única entre as sílabas é como da exclamação típica da língua inglesa "oh-oh", expressando surpresa ou preocupação.

Regras do Código Segundo WK, as regras a seguir são usadas para desvendar as informações codificadas numa palavra, usando a palavra kahuna como exemplo. 1. Primeiro, os significados da palavra inteira são explicados. 2. Depois, sempre que possível, a palavra é dividida em palavras separadas, como ka huna e ka.hu na. 3. Em seguida, são procuradas palavras dentro da palavra, como kahu, ahu, huna e una. 4. As sílabas individuais também são examinadas: ka, hu e na. 5. As vogais são duplicadas também: ka'a, hu'u e na'a. 6. E as sílabas são duplicadas: kaka, huhu, e nana. 7. Outras extensões de significado podem ser encontradas ao se acrescentarem várias vogais às sílabas individuais, como em kai, hui e nai. 8. Mais extensões ainda são reveladas quando você trata a palavra como um anagrama, gerando combinações como haka, aka, hana e kanu. 9. Finalmente, uma decodificação apropriada exige conhecimento de referências poéticas, lendárias, figurativas e simbólicas, bem como do sentido do contexto. Decodificar a informação numa palavra-chave havaiana pode ser considerado uma arte e uma ciência. Entretanto, os significados, na maioria dos casos, podem ser determinados por qualquer pessoa com acesso a um bom dicionário havaiano.

Exemplos Já que a palavra kahuna foi usada para demonstrar as regras de decodificação, examinemo-la de acordo com essas regras para descobrirmos o que os kahunas pensavam da própria profissão. Kahuna significa "sacerdote, ministro, feiticeiro, especialista em qualquer profissão; agir como um sacerdote ou especialista". Ka é uma raiz com muitos significados, embora geralmente seja traduzida como os artigos "o/a, os/as". Outros significados são "bater, golpear, impelir; tirar água; limpar (no sentido de tirar ervas daninhas ou lama de uma lagoa, por exemplo); fazer redes e tricotar; revirar o solo ou virar uma corda (como na brincadeira de pula-corda); remover (catarata de um olho, por exemplo); prender (pássaros numa gaiola); amaldiçoar; jogar um cipó ou dardos; entrada (de uma corrente); fazer alguma coisa acontecer". Aplicada na palavra kahuna, o significado de bater ou impelir se refere ao uso forçoso da energia de mana. Tirar água se refere à habilidade kahuna para reduzir ou puxar a força vital (mana) de outra pessoa. Esse é um efeito da oração de morte, mas também pode ser usado como

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cura, para acalmar um indivíduo altamente emocional. Extrair ervas daninhas tem a ver com a remoção da barreira da atitude e dar espaço ao fluxo livre da força vital, já que um dos símbolos dessa força é a água. Uma rede é o símbolo para um complexo psicológico ou um conjunto de crenças, não necessariamente negativas. Fazer uma rede ou tricotar, portanto, refere-se a uma técnica kahuna para construir um novo conjunto de crenças. Revirar o solo se refere à função do kahuna como agente de mudança. Remover (catarata) também tem a ver com a remoção de bloqueios psicológicos. Um pássaro é frequentemente usado para simbolizar uma ideia ou uma pessoa. Prender significa capturar ideias ou influenciar fortemente uma pessoa. A referência à maldição é usada para mostrar que os poderes kahuna podem ser usados para o bem ou o mal. Uma corrente de entrada (como da água) se refere à técnica kahuna de aumentar o suprimento disponível de força vital. Fazer algo acontecer é uma referência direta à habilidade kahuna em manipular circunstâncias. Huna significa "partícula diminuta, pequena, miúda; escondido, secreto, esconder ou disfarçar". Huna é o termo genérico para o conhecimento dos kahunas. Ka-huna, portanto, pode ser traduzido como "o secreto", ou mais exatamente "aquilo que está oculto, escondido ou que não é óbvio". O significado de "partícula diminuta" revela que huna é uma coisa difícil de ver ou reconhecer, não necessariamente escondida de propósito. Há outras palavras com esse significado. Kahu significa "mestre, atendente honorável, guardião, enfermeiro, mantenedor, administrador, pastor; cuidar ou cozinhar num forno; queimar (como lima num fogo aceso); ferver com raiva". Essa palavra demonstra a função do kahuna como mestre e guardião do conhecimento oculto (kahu-huna) e também alguém que se importa com os outros. A ideia de ferver com raiva e queimar (como lima) refere-se ao uso kahuna de uma energia emocional intensificada (mana) para cura e outras obras, já que o fogo é outro símbolo para mana. O conceito de um kahuna como cozinheiro será abordado no parágrafo seguinte. Ahu significa "uma pilha ou coleção; um altar ou santuário; um forno; um capa curta ou manto". Aqui é necessário uma certa extensão do conhecimento para compreender o pleno sentido dessa palavra e a referência anterior a cozinhar. Com relação a cozinhar num forno, há referência implícita a comida particularmente de origem vegetal, pois a carne é cozida sobre um fogo aberto. A palavra para comida vegetal é 'ai, com os significados adicionais de "comer; e exercer e desfrutar os privilégios e responsabilidades do poder ou de governar". Para a mente havaiana,,o cozinheiro (kahu) que usa fogo (mana) num forno (ahu) para preparar (kahu) comida ('ai) é uma representação direta do guardião ou do mestre (kahu) que usa a força vital (mana) num altar (ahu) para acumular ou coletar (ahu) poder ou autoridade ('ai) — em outras palavras, um kahuna. A capa curta ou manto usado pelos chefes e kahunas do antigo Havaí era um símbolo de sua autoridade e poder. Una significa "enviar ou transmitir, comandar, pôr em ação; enviar espíritos para cumprir uma tarefa; fatigado, cansado; esquadrinhar; insistir, perturbar, incomodar". Aqui a referência é à prática kahuna de influência telepática, curando ou até fazendo mal. A fadiga ou cansaço, ou seja, uma perda de força vital, era sintoma da ação da oração de morte. Hu como palavra significa "subir ou inchar (como o fermento); fermentar, transbordar, percolar, efervescer, ferver, vir à tona (como a emoção); rosnar, grunhido, zumbido; um pião; desviar do curso certo, errar o caminho; unir ou juntar-se a". As referências a transbordar e a subir à tona têm a ver com o uso consciente da energia emocional para realizar determinadas práticas kahunas. Rosnar, grunhir e zumbir referem-se ao uso do som, gerando tal energia, e o pião simboliza a energia em movimento. Desviar do curso certo mostra novamente que a energia pode ser mal usada. A ideia de unir-se e juntar-se nesse contexto se refere ao uso da energia para fazer contato

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com o objetivo de uma prática específica, e também a uma espécie de integração psicológica. Na significa "calmo, tranquilo, em paz, saciado, aliviado, assentado ou resolvido; gemer, soluçar ou chorar". Essa é uma referência à habilidade kahuna de curar e resolver problemas. Os gemidos, etc. se referem à função do som em aliviar o estresse e atingir um estado de calma. Kaka repete alguns dos significados de ka, como bater e golpear, e tem a conotação adicional de "pescar com uma rede". O peixe e a água eram símbolos para lembranças no subconsciente (é peixe; lembrança é hali'a, que significa essencialmente "carregar um peixe"). Pescar com rede, portanto, é uma referência a uma prática kahuna um pouco semelhante à psicanálise. Huhu significa "acalentar; apodrecer; zangado, ofendido; repreender ou ficar bravo". Em havaiano, uma sílaba costuma ser duplicada para mostrar intensificação. Nesse caso, a referência é à emoção intensa, que pode ser positiva ou negativa. Nana significa "trançar, tecer ou tricotar; plácido, calmo; profetizar; vir à vida ou ser posto em atividade, mostrar vivacidade, animação, ânimo de vida; espalhar; rosnado, suportar, sexualmente excitado, agressivo; olhar para, observar, prestar atenção a, cuidar de; tranquilizar ou aquietar". O ato de tricotar, etc., repete um significado de ka, e as referências à placidez e calma se relacionam a na. Frequentemente acontece que as palavras-código incluem significados opostos, o que serve para demonstrar a filosofia kahuna da relatividade da vida, semelhante ao conceito yin/yang dos chineses. Portanto, nesse caso temos uma palavra que significa calma, mas também atividade e agressão. A agressão deve ser interpretada num sentido positivo de movimento ou comunicação. Provavelmente assertividade seria um termo melhor. Prestar atenção e observar são significados relacionados à necessidade de um kahuna alcançar um alto estado de percepção para realizar práticas como a profecia, por exemplo. Ka'a significa "rolar, torcer, trançar, girar, revolver; alcançar ou estar num estado de; ter efeito; ausente, passado, revolto, transferido, entregue; pagar, pago; administrar, ser encarregado de; bem versado, habilitado; conto, lenda; fio, linha". Vemos aqui algumas repetições dos significados de ka com extensões interessantes. A referência é novamente à função do kahuna como um agente de mudança, ajudando as pessoas a superar os efeitos do passado e aprender a administrar e assumir responsabilidade pela própria vida, o que requer habilidade. Contos e lendas se referem à informação contida em eventos passados e também ao uso kahuna de histórias instrutivas, e o fio se refere ao elo entre passado e presente e o uso da telepatia. Hu'u não é usado como uma palavra em havaiano. Na'a duplica os significados de na. Kai tem vários dos mesmos significados de ka, e também significa "liderar, direcionar, ou fazer algo deliberadamente; treinar (como que para uma corrida)". A referência é clara, especialmente a ideia da necessidade de prática e aplicação consciente. Kae tem significados opostos, referindo-se a emoções e ações negativas e positivas. Kao significa bater e golpear, mas também faz referências à necessidade de autodisciplina e aos perigos do uso de poder excessivo. Kau é uma palavra com muitos sentidos, dentre os quais o mais importante tem a ver com a habilidade para realizar coisas dentro de um contexto de tempo e o uso da razão. Também duplica os significados de várias raízes anteriores. Hua significa "fruta, semente, prole, resultado, efeito; falar; e emoção". Aqui, a palavra se refere aos efeitos produzidos por palavras e pela energia emocional, e tem outro significado de "persistência", mostrando que a prática e a repetição são importantes. Hue significa '"um recipiente para água (referindo-se ao kahuna como um receptáculo para mana)-, mover-se rapidamente (em referência à ação de mana); remover, expor,

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abrir, empurrar, apalpar, forçar, lavar (tudo em referência à remoção de complexos com o uso de mana)". Os principais significados de hui têm a ver com unir e formar uma organização, uma referência às ordens kahuna. Huo não tem significado algum. Nai significa "conquistar, e lutar para obter, esforçar-se para examinar ou compreender", objetivos e qualidades do kahuna. Nae significa "respiração apertada" (falta de mana); fragrante ou de doce odor (uma referência simbólica ao perigo de se tornar viciado naquilo que se faz); e dividir em partes iguais (um apelo à abordagem equilibrada)". Nao tem a ver com impelir e apalpar, e um intenso uso de mana. Nau significa "mastigar (com a mesma conotação de nosso conhecimento digerível) e prolongar, ou prender a respiração (referência a uma técnica)". Essas informações são suficientes para mostrar quanto ensinamento pode emergir de uma única palavra numa sociedade que valoriza muito as tradições orais. Da palavra simples kahuna, podemos obter um quadro relativamente nítido de um psicólogo/metafísico/ curandeiro altamente habilidoso que usa habilidades psíquicas e força vital para atingir seus fins, mas que também se deve precaver contra o abuso de seus poderes. Deve ser mais fácil ver agora como a língua em si pode ser usada como ferramenta de ensino. Um dos meios favoritos para os kahunas instruírem seus aprendizes era apresentar os ensinamentos na forma de uma história ou lenda. Entretanto, o conhecimento não estava na história em si, que apenas servia como veículo, mas nos nomes dos personagens principais, nos locais e suas inter-relações. O que pode parecer um conto absurdamente exagerado aos ouvidos ocidentais seria, para o kahuna, uma afirmação da filosofia ou a explicação de uma técnica. Como exemplo, citarei a lenda de Moikeha, antigo chefe havaiano. E uma versão condensada da história recontada por Martha Beckwith em Hawaiian Mythology: "Depois de muitas provações e sofrimentos e longas viagens, Moikeha chegou à vila do popular chefe Puna, apaixonou-se pela filha dele, Ho'oipo, ganhou a mão dela num concurso de habilidades, tornou-se o próximo chefe e foi o pai de doze filhos". Para efeito de aparências, essa é apenas uma excitante história de aventuras. No entanto, em código o nome Moikeha descreve aquele que segue o curso da ação (mo) para dominar (mo'i) o conhecimento (ike) espiritual (ha) e alcançar grandes alturas (keha), superando os obstáculos (ke) e o sofrimento (eha). Puna é também uma terma ou fonte de água (mana), e o lar de uma pessoa, e contém significados relativos à união com o eu superior do indivíduo. Ho'oipo, o nome da filha do chefe, significa "fazer amor ou cortejar", e contém os significados ocultos de alcançar ou se unir à verdade no reino dos deuses. Doze é um número significativo no conhecimento kahuna, e os doze filhos representam os frutos do esforço bem-sucedido. Por trás do conto de aventuras, encontra-se a história de uma jornada espiritual.

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Bibliografia Comentada sobre Huna e os Kahunas Esta bibliografia não pretende ser uma lista detalhada de todos os livros sobre Huna e kahunas já publicados. Selecionei livros que considero importantes para este estudo, que me permitem expandir e esclarecer numerosos conceitos kahunas, que são simplesmente raros ou interessantes; e que merecem ser comentados. Citarei aqui apenas a edição que tenho em minha biblioteca. The Secret Science Behind Miracles, de Max Freedom Long. Los Angeles: DeVorss & Co., 1954. Max Freedom foi um estudioso de filosofia e psicologia, com conhecimentos também em teosofia, e que passou 14 anos (1917-1931) nas ilhas do Havaí, como professor e comerciante. Pouco depois de sua chegada, ele passou a se interessar pelas práticas dos kahunas, e, com a ajuda do ex-curador do Museu Bishop, William Brigham, iniciou os estudos que durariam a vida toda, tentando descobrir os segredos do conhecimento deles. Nunca conseguiu obter nenhum diretamente de um kahuna, pois a prática desses conhecimentos estava proibida na época de sua estada nas ilhas e, quando ele retornou ao continente algum tempo depois, percebeu que a descoberta dos segredos kahunas era uma causa sem esperança. Entretanto, sua mente continuou trabalhando na questão, e em 1935 ele teve uma súbita inspiração de examinar as palavras raízes da língua havaiana em busca de pistas para esse conhecimento. Durante um período de 36 anos, ele realizou tremendo trabalho de codificação da língua, realizando experimentos para testar o conhecimento obtido, e detectando o conhecimento codificado em várias culturas e religiões no mundo todo. Publicou seis livros, um número de panfletos e fitas, muitos volumes de um boletim, todos a respeito do estudo de Huna. Hoje em dia, suas obras ainda são a principal fonte de conhecimento do sistema kahuna, e ele costuma ser citado com frequência em livros de parapsicologia, hipnose e áreas relacionadas. Do ponto de vista de WK, porém, embora o que conseguiu seja notável, Long cometeu vários erros que levaram à compreensão distorcida de certos ponto de Huna. Bem no início de The Secret Science, Long fez uma suposição sobre a natureza psico-espiritual do homem, a qual, posteriormente, tratou como fato, chegando a atribuí-la a um ensinamento dos kahunas, o que não era verdade. Ao investigar a crença comum no Havaí de que um homem tem duas almas (um conceito Huna mal compreendido na mentalidade popular havaiana), ele identificou corretamente duas palavras descritivas para esses aspectos do homem — uhane e unihipili. Acertou também ao associar a primeira alma com o que podia ser chamado de "consciente" e a segunda como o "inconsciente". Infelizmente, prosseguiu depois com sua suposição errônea (na página 19): "A raiz em uhane significa falar; por isso, o espírito cujo nome vem dessa raiz pode falar. Como só os seres humanos falam, o espírito deve ser humano. Isso levanta a questão da natureza do outro espírito. Ele é capaz de sofrer, e os animais também são. Pode não ser um homem que fala, mas pelo menos é um espírito do tipo animal, que sofre". Baseando-se somente nessa ideia, depois ele afirmou abertamente na página 100 que "se os kahunas estão certos em afirmar que temos em nós um espírito inferior, menos desenvolvido, que vem do reino animal..." Tanto WK quanto Leinani Melville corroboram a existência de informação codificada na língua havaiana e sua importância para a

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compreensão do sistema Huna, mas em nenhuma parte dos ensinamentos kahuna há indicação de que o espírito ou aspecto subconsciente é considerado menos evoluído, nem que tenha "ascendido gradualmente" (termo de Long) à forma humana após ter sido um animal. Tampouco Long, em seus textos, tentou mostrar que o código diz isso. Ele começou com um palpite que, por algum motivo, interpretou como algo aprendido através do código, e depois passou a tratá-lo como fato comprovado. O segundo erro de Long foi quanto ao fenômeno da possessão. Provavelmente por causa de sua extensa leitura esotérica, Long tinha grande familiaridade com a ideia de que os espíritos dos mortos podem "invadir" uma pessoa viva e "tomar" sua vida. De fato, essa crença é comum em muitas culturas no mundo, e também era popular na religião havaiana externa. Com o apoio desta última, Long concluiu que esse era um ensinamento kahuna, e fez uma investigação apenas superficial das várias palavras para possessão e espíritos obsessores na língua havaiana. Porém, o código kahuna é muito evidente em sua revelação de que a possessão não envolve entidades externas. Num livreto Huna intitulado "Spirits & Possession", eu mostrei que a possessão é um processo pelo qual partes ocultas do eu são expressadas como personalidades separadas, que podem ser benignas ou malévolas, e que em nenhuma parte do código há a menor justificativa para a ideia de que uma pessoa possa ser dominada por algo de fora. Nesse caso, o ensinamento kahuna é muito próximo ao conceito da maioria dos psicólogos. O terceiro erro tem a ver com a função dos chamados espíritos nos fenômenos parapsicológicos. Em seus dois primeiros livros, Long deu muita ênfase a essa questão, embora ao mesmo tempo concordasse que a maioria dos fenômenos poderia ser produzida sem tais espíritos. No entanto, provavelmente estava muito influenciado por suas leituras e relatos contados por terceiros no Havaí para abandonar de vez a ideia de espíritos. WK diz — e o código mostra — que qualquer coisa parecida com um espírito na atividade parapsicológica é de fato uma "forma-pensamento", uma condensação de matéria etérea gerada pelo uso voluntário ou involuntário de mana e também pelo uso intenso de imagens. Isso, óbvio, transcende o que a maioria dos modernos psicólogos aceitaria, mas é um ensinamento kahuna. Por questão de justiça, devemos reconhecer que Long teve de lidar com muitas limitações. Sua formação religiosa e esotérica; sua falta de acesso a um professor kahuna e sua confiança em versões não-kahunas de práticas kahunas; e o dicionário que ele usava, são vários exemplos dessas limitações. O dicionário adotado por Long para o trabalho de decodificação, por exemplo, era a obra de 1865 de Lorrin Andrews (15 mil palavras) que, segundo Pukui e Elbert, continha muitos erros de ortografia e frases truncadas. O estudante moderno tem a vantagem de usar a edição altamente pesquisada de 1971 do Hawaiian Dictionary, de Mary Pukui e Samuel Elbert, com 26 mil verbetes. Huna: The Ancient Religion of Positive Thinking, de William R. Glover. Sunset Beach, Cal.: publicação independente, sem data. Um livro pequeno e excelente sobre a versão de Huna de Max Long, e muito bem organizado. Quando eu digo "versão de Long", refiro- me a numerosas ideias sobre Huna por parte de Long, que não fizeram parte de meu treinamento e/ou para as quais não encontro justificativa na linguagem do código kahuna. Entre elas, a ideia de que temos três eus separados evoluindo desde a condição de animais; que os kahunas acreditavam em três "graus" de mana-, e algumas ideias históricas sobre os kahunas. De modo geral, essas são diferenças de opinião, e são relativamente pouco importantes, comparadas à essência da filosofia Huna, ou seja, que temos o poder de alterar nossa experiência. Glover enfatiza esse aspecto e devota a maior parte de seu livro à "oração efetiva", num formato positivo e bem escrito que eu recomendaria a qualquer pessoa. O uso da lógica para fazer o subconsciente mudar crenças habituais é particularmente bem apresentado e é uma das técnicas mais úteis que já encontrei. (Nota: Glover comete um erro de ortografia na palavra havaiana para estrangeiro ou brancos, escrevendo ha-oli ou holi, quando o termo certo é haole.)

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Kahuna La'au Lapa'au, de Jane Gutmanis. Norfolk Island, Austrália: Island Heritage Ltd.. 1977). Embora trate exclusivamente dos médicos herbanários kahuna do Havaí, esse livro contém riqueza de informações sobre a abordagem kahuna para a saúde e mostra que mesmo aqueles que se especializam em ervas podem melhorar a técnica com boa psicologia e manipulação física, bem como telepatia, clarividência, cores, astrologia e mana. Embora os psicólogos modernos questionem a validades das últimas, para o kahuna elas simplesmente fazem parte do repertório do tratamento. Em seu Prólogo, Gutmanis descreve o tratamento kahuna de uma mulher, por volta do ano de 1900. O notável no processo é o óbvio entendimento, por parte do kahuna, da psicogênese da doença; e isso ocorreu apenas cinco anos depois da publicação Studies on Hysteria, de Freud e Breuer. Também fascinante é que a mulher foi aconselhada por seu médico não havaiano a procurar um kahuna, pois ele não fora capaz de tratar suas dores de cabeça e a garganta inflamada. O kahuna começou o tratamento de maneira surpreendentemente moderna, pedindo o "histórico" da paciente; isto é, perguntando-lhe que problemas a preocupavam. Imediatamente, ela relatou uma briga feia com o filho, que o fizera sair de casa. As dores começaram logo depois disso. Quando a história acabou, o kahuna ordenou que a família ajuntasse determinados itens necessários para o ritual de cura. Seu diagnóstico era que ela cometera um erro e estava sofrendo as consequências. As dores eram o resultado de uma culpa extrema, e os "deuses" teriam de ser invocados para ajudar. Primeiro, ele pediu que a mulher fizesse uma confissão completa de sua culpa na presença da família. Em seguida, ele realizou uma purificação da casa, do quintal e de tudo nela existente para limpar a atmosfera emocional deixada pela briga. Esse procedimento faz parte da crença kahuna de que as emoções são uma forma de energia verdadeira que pode afetar o ambiente e as pessoas que entram em contato com ele. Em seguida, ele preparou a comida e as ervas, explicou sua simbologia, consagrou-as, e começou a rezar. Como a mulher era cristã, primeiro ele rezou à Trindade, pedindo ajuda para a cura. Mas como ela era havaiana, ele rezou também aos antigos deuses havaianos. Dessa forma, ele incorporou todas as crenças religiosas da mulher, num procedimento condizente com a ideia de que o tratamento deve sempre ser adaptado às crenças do paciente e que o resultado é mais importante que o método. Após as orações, a maior parte da comida foi dada à mulher, e o resto dividido entre os familiares. Todos os presentes compreenderam isso como uma forma de comunhão, mas foi um momento agradável e feliz. Até esse ponto, o tratamento tinha levado oito horas, com a mulher sendo o centro das atenções. Então, o kahuna lhe disse para ir dormir e que os deuses lhe dariam um sonho, caso estivessem satisfeitos com suas oferendas. Na manhã seguinte, ela contou um sonho sobre seu filho, no qual tudo era perdoado entre os dois. Entretanto, em vez de terminar o tratamento aí, o kahuna prosseguiu e fez a mulher passar por uma cerimônia de purificação no mar para "selar" a cura. Parte dessa cerimônia envolvia o visível efeito placebo de passar uma lei (guirlanda de flores) sobre as áreas afetadas para eliminar os últimos vestígios da doença. Antes de sair, o kahuna prescreveu que a paciente consumisse ouriço-do-mar, rico em vitaminas, todos os dias, até recuperar todo o seu vigor. A semelhança com a psiquiatria moderna nessa história é tão óbvia que nenhum outro comentário é necessário. O resto do livro trata basicamente da prática da medicina com ervas, mas Gutmanis inclui mais alguns relatos de tratamentos semelhantes a esse. Huna: A Beginner's Guide, de Enid Hoffman, Gloucester, Mass.: ParaResearch, 1976. Um livro com linguagem informal, amigável, baseado nos ensinamentos de Max Long, mas enfatizando a comunicação e o treinamento com o subconsciente. É uma ótima introdução a Huna, e contém alguns conselhos excelentes sobre como usar o pêndulo para a autopercepção e o autodesenvolvimento. Hoffman observa corretamente que foi Long

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quem iniciou o uso do pêndulo em ligação ao conceito Huna de comunicação e treinamento subconsciente. Imagineering for Health, de Serge King. Wheaton, Ill.: Theosofical Publishing House, Quest Books, 1981. Esse livro de minha autoria não contém uma única palavra havaiana nem qualquer menção aos kahunas, mas se baseia inteiramente em meu treinamento e estudo kahuna. A primeira parte trata da natureza das crenças e da mente; a segunda parte relaciona crenças e doenças a áreas específicas do corpo; e a terceira parte é repleta de técnicas de cura práticas. The Kahunas: Versatile Mystics of Old Hawaii, de L. R. McBride. Hilo, Havaí: Petroglyph Press, 1972. É um excelente livrinho, escrito por um homem que obviamente tem profundo amor e grande respeito pelas coisas havaianas. No segundo capítulo, ele fala das lendas sobre os sacerdotes ou kahunas brancos trazidos de terras estrangeiras, e cita uma fonte histórica que diz que "dois dos sumos sacerdotes mais proeminentes em todas as ilhas eram descendentes desses estrangeiros". Há muitas informações sobre vários tipos de especialistas kahunas, incluindo curandeiros, e um bom capítulo sobre o poder das palavras. Por todo o livro aparecem muitas palavras e frases havaianas que seriam do interesse de qualquer pessoa que deseje fazer mais pesquisas sobre Huna. Children ofthe Rainbow, de Leinani Melville. Wheaton, 111.: Theosophical Publishing House, Quest Books, 1969. Melville recebeu de sua avó, na década de 1930, a tarefa de escrever esse livro sobre a religião, as lendas e os deuses do Havaí pré-cristão. Ele só terminou o livro, porém, no fim dos anos de 1960. Diz que foi ajudado por Lahilahi Webb, um ex-guarda de tesouros havaianos no Museu Bishop em Honolulu, que lhe mostrou como decodificar a língua havaiana. Também teve ajuda de uma senhora idosa havaiana que lhe ensinou as verdades espirituais sobre as quais ele escreve. Melville insiste em usar a pronúncia taitiana para palavras havaianas, dizendo em determinado ponto que "os missionários, após se estabelecerem, criaram uma nova língua para os 'pagãos que eles vieram salvar do abismo da escuridão', usando uma de suas expressões. Eles removeram o R nativo e o substituíram por um L, mudaram o 7 para K, e substituíram V por W. Isso é um absurdo linguístico, mas Melville obviamente não via os missionários com bons olhos. Ele relaciona um número de lendas, como as deve ter ouvido, e se aventura em algumas traduções altamente criativas dos versos Kumulipo. A origem dos polinésios é atribuída a Mu, que ele também chama de Ta Rua, e os ensinamentos kahunas são apresentados em um estilo muito "espiritual". Cerca de um terço do livro é tomado por antigos símbolos havaianos usados em tecidos e outras coisas. Os símbolos são válidos, mas a interpretação de Melville quanto ao significado é passível de questionamento. The Kahunas: The Black — and White - Magicians of Hawaii, editado por Sibley S. Morrill. Boston: Branden Press, 1969. Uma coletânea de dez artigos curtos sobre os kahunas, de autores do século XIX e XX, esse pequeno livro contém interessantes materiais históricos e pontos de vista. Em um dos artigos, Morril diz: "Realmente, se fizermos uma tentativa razoável de julgar a questão das evidências oferecidas, a única coisa sensata que podemos fazer é, no mínimo, realizarmos um estudo sério das afirmações kahunas do Havaí — não com o propósito de desmenti-las, mas apenas para descobrir quais são os fatos, um procedimento que deveria ser adotado no exame de qualquer assunto de interesse e disputa". J. S. Emerson, cujo preconceito cristão é demonstrado em sua referência às "inefáveis abominações de hula", mostra, porém, um bom discernimento quando diz, em relação a uma cerimônia kahuna: "Em suma, o deus não faz o kahuna, mas o kahuna frequentemente faz o seu deus". Francis J. Green escreveu sobre o treinamento dos tohungas (kahunas) maoris, e disse que ao fim de um período de cinco anos, o candidato tinha de passar em quatro testes, o último dos quais era enfeitiçar um escravo ou nativo e fazê-lo cair morto.

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Como eles não eram renegados, acredito que esse teste tinha a ver com hipnose e indução à inconsciência com uma grande carga de mana, em vez de morte. The Miracle of Mana-Force, de Madeleine C. Morris. West Nyack, N.Y.: Parker Publishing Co., 1975. Há uma certa classe de livros que eu chamo de "pop-positivos". Eles têm títulos sugestivos, técnicas com nomes pseudotecnológicos e prometem riqueza, amor e poder além de nossa imaginação. As vezes, apesar da "hipérbole", esses livros contêm boas informações. O livro de Morris é um desses. Os títulos dos capítulos são suficientes para afastar qualquer estudante sério de Huna (exemplos: "Campodomia da Força Mana; Apertando o Botão Mágico MFP para qualquer Quantidade de Dinheiro; Encantamétrica da Força Mana"), e a "casuística" se torna cansativa. Entretanto, o livro está cheio de técnicas bem organizadas e trabalháveis para situações muito específicas. Nesse sentido, ele supre uma necessidade que a maioria dos outros livros não satisfaz. Infelizmente, Morris afirma que obteve todo esse conhecimento sobre mana, os três eus e aka diretamente de uma kahuna, quando é gritantemente óbvio, a julgar pela fraseologia, que ela tirou tudo de Max Long, sem lhe dar os devidos créditos. Nana I Ke Kumu, de Mary K. Pukui, E. W. Haertig, e Catherine A. Lee. Honolulu: Hui Hanai, 1975. Uma obra ímpar, Nana I Ke Kumu foi publicada pelo Queen Liliuokalani Childrens Center, um centro para o bem-estar da criança, com o propósito de apresentar e esclarecer conceitos culturais havaianos e compará-los às modernas noções psiquiátricas e psicológicas. Como dizem os autores, ele foi escrito basicamente para médicos, psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, membros do clero, etc., que trabalham como os havaianos. Muitos equívocos culturais ocorreram entre os havaianos necessitados e os não-havaianos envolvidos em profissões de ajuda, e esses equívocos atrapalharam grandemente a assistência efetiva. Quanto ao formato, o livro apresenta palavras ou frases havaianas representando conceitos profundamente arraigados e os explica por meio de casuística e análise. A maioria das explicações foi obtida por Mary Pukui, cujos ancestrais havaianos incluem kahunas. Como resultado, foram incluídos muitos conceitos e práticas kahuna tradicionais, além de referências a experiências místicas e psíquicas. Nas palavras dos autores: "Há muitas referências a ocorrências sobrenaturais ou místicas. Embora sejam dadas interpretações e comparações psiquiátricas, necessárias para o propósito deste livro, os autores não consideram sua prerrogativa concordar ou discordar com o caráter sobrenatural dos incidentes. Essas experiências místicas foram relatadas com a maior fidelidade possível. Sua inclusão neste volume é essencial. A vida e o pensamento havaianos não podem ser compreendidos sem que se saiba dessas experiências." Por todo o livro, os autores explicam repetidamente quantos havaianos modernos confundiram o conhecimento antigo e não entendem mais as próprias tradições, conforme eram ensinadas pelos antigos kahunas. Isso geralmente resulta em desordens psicogenéticas baseadas em crenças errôneas; desordens de uma natureza com a qual os não-havaianos não conseguem se identificar. Os autores mencionam ainda que experiências como ver e falar com visões, que um psiquiatra moderno poderia classificar de esquizofrenia, não são necessariamente patológicas no contexto havaiano. Entre as importantes ideias presentes no livro, uma que se destaca nos termos desta obra é a explicação do conceito ho'oponopono. É uma forma de terapia em família/grupo praticada desde tempos antigos até os dias atuais, geralmente conduzida por um kahuna ou membro mais velho da família. A semelhança com as modernas terapias em grupo é notável. O formato básico, tirado do livro, é o seguinte: Oração de abertura e orações sempre que necessário. Uma afirmação do problema óbvio a ser resolvido ou impedido de piorar.

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A "resolução" de cada problema sucessivo que se torna evidente (chamada de mahiki, "descascar"). Auto-escrutínio e discussão de condutas, atitudes e emoções individuais. Uma qualidade de verdade e sinceridade absolutas. Controle de emoções destrutivas, canalizando a discussão através do líder. Questionamento dos participantes pelo líder. Confissão honesta aos deuses (ou a Deus) e uns aos outros de erros, raivas e ressentimentos. Restituição imediata ou planos para fazer a restituição assim que possível. Perdão mútuo e liberação de culpas, ressentimentos e tensões ocasionados pela falha cometida. Oração de encerramento (ritual). Depois da resolução de uma disputa, o líder declararia ho'omalu (paz), indicando que o assunto está encerrado de uma vez por todas e não deve ser retomado. Um segundo volume de Nana I Ke Kumu tem ótimos capítulos sobre os kahunas e cura, sonhos, PES e conceitos de autoimagem entre os havaianos. The Kahuna Sorcerers ofHawaii, Past and Present, de Julius Scammon Rodman. Hicksville, N.Y.: Exposition Press, 1979. Esse livro é muito interessante e informativo sob vários pontos de vista, particularmente no que diz respeito ao real conhecimento kahuna. Nesse sentido, o livro é basicamente uma coletânea de superstições sobre os kahunas, e, embora Rodman mencione os curandeiros kahuna, ele está mais interessado em aterrorizar o leitor com histórias de maldições kahunas. O tom do livro é definido no prefácio de Evelyn Wells, que diz: "Se você encontrar um kahuna, sentado ao seu lado talvez diante de um balcão para almoçar ou num bar, ele lhe parecerá uma pessoa comum, mas você não deve dizer ou fazer coisa alguma que o ofenda. Você o reconhecerá pelo brilho avermelhado em seus olhos, quando ele olhar para você. Os olhos do kahuna são vermelhos assim por causa das poções mágicas que o ajudam a desenvolver seus extraordinários poderes". Essa descrição é tão pitoresca que um programa popular de TV no Havaí usou-a como base para um programa envolvendo um kahuna, com efeitos especiais e tudo. Na verdade, a superstição sobre uma kahuna com olhos vermelhos (kahuna makole) vem do fato de makole ser um trocadilho, um dos entretenimentos havaianos favoritos. E uma contração de maka ole, um eufemismo de maka ula, que significa "com olhos vermelhos", mas também "profeta ou mago", quando pronunciada como uma única palavra, makaula. E os kahunas não obtêm seus poderes de poções mágicas, mas de disciplinas mentais. Além de fazer pleno uso de contos supersticiosos, Rodman emprega insinuações quando não encontra fontes que sustentem suas idéias. Por exemplo, ele diz: "Não há como saber atualmente até que ponto os chineses influenciaram determinadas práticas kahunas havaianas". Prossegue dizendo que eles exerceram alguma influência simplesmente porque estavam lá. ("Um chinês fabricava açúcar em 1802"). Essa inconstância é geral. Após reconhecer Mary K. Pukui como "a maior autoridade havaiana em questões de cultura clássica", ele praticamente diz que as afirmações dela sobre as práticas kahuna pré-descobertas não são confiáveis. Para dar algum crédito a Rodman, ele inclui no livro algumas cartas e manuscritos muito interessantes de Leinani Melville; comentário crítico de Charles Kenn, autoridade em cultura havaiana e um dos poucos professores da arte de lua (combate corpo-a-corpo); e boas fotos históricas. Cerca de um terço do livro é dedicado a práticas funerárias antigas e modernas e sua busca pelo tesouro de

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Kamehameha, duas coisas que nada têm a ver com os kahunas, embora sejam assuntos interessantes. Ano'Ano: The Seed, de Kristin Zambucka. Honolulu: Mana Publishing Co., 1978. Um livro curto, escrito em estilo quase poético com lindas ilustrações, repleto de ensinamentos kahuna em forma condensada. Os ensinamentos são apresentados como uma história na qual os insulanos estão procurando a verdade sobre si próprios e seu mundo. Zambucka diz que ela completou o trabalho "após muitos anos de pesquisa e pintura na área do Pacífico". WK recomenda esse livro como uma boa ilustração de ideias kahunas. Entre as ideias apresentadas, há esta, que é uma premissa fundamental da abordagem de cura psicossomática e muito apropriada como conclusão deste volume: "Ainda que eu viaje longe, só conhecerei o que levo comigo, pois todo homem é um espelho. Só vemos a nós mesmos refletidos naqueles que estão à nossa volta. Suas atitudes e ações são reflexos das nossas. O mundo inteiro e suas condições têm seus equivalentes dentro de nós. Olhe para dentro. Corrija-se e o seu mundo mudará."

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