Ludodiagnóstico

September 23, 2017 | Author: Regislaine Santos | Category: Psychoanalysis, Toys, Psychotherapy, Psychology & Cognitive Science, Sigmund Freud
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Ludodiagnóstico

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L946 Ludodiagnóstico : investigação clínica através do brinquedo / Organizadora, Rosa Maria Lopes Affonso. – Porto Alegre : Artmed, 2012. 288 p. : il. ; 25 cm. ISBN 978-85-363-2695-5 1. Psicanálise. I. Affonso, Rosa Maria Lopes. CDU 159.964.2 Catalogação na publicação: Fernanda B. Handke dos Santos – CRB 10/2107

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Ludodiagnóstico investigação clínica através do brinquedo

Rosa Maria Lopes Affonso organizadora

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© Artmed Editora Ltda., 2012

Capa Ângela Fayet Preparação do original Maria Lúcia Badejo Leitura final Gabriela W. Linck Coordenadora editorial Mônica Ballejo Canto Projeto e editoração Armazém Digital® Editoração Eletrônica – Roberto Carlos Moreira Vieira

Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, foto­cópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 – Pavilhão 5 Cond. Espace Center – Vila Anastácio 05095-035 – São Paulo – SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL

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Autores

Rosa Maria Lopes Affonso (org.) Psicóloga. Mestre, doutora e pós-doc pelo Instituto de Psicologia da Universidade São Paulo. Especialização em Psicoterapia. Professora de Avaliação Psicológica. Supervisora de atendimentos psicoterapêuticos de bebês, crianças, adultos e idosos. Aicil Franco Psicóloga e psicoterapeuta. Mestre e doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo. Especializada no Jogo de Areia na Suíça e nos Estados Unidos e em Psicologia Social pela PUC­‑SP. Professora e supervisora no Instituto Junguiano da Bahia. Membro do conselho editorial da revista Psiquê – Ciência e Vida. Claudia Anaf Psicóloga Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Dagmar Menichetti Psicóloga. Diretora Substituta da Área de Saúde do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Psicologia Clínica pela USP­‑SP. Especialização em Psicologia e Psicoterapia da Infância e Adolescência. Elisa Marina Bourroul Villela Psicóloga Clínica. Doutora em Psicologia. Professora Adjunta da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Helena Rinaldi Rosa Psicóloga. Mestre e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela

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Universidade de São Paulo. Professora Assistente na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Assis. João Augusto Figueiró Médico. Psicoterapeuta. Presidente do Instituto Zero a Seis. Karina Okajima Fukumitsu Psicóloga e psicoterapeuta. Doutoranda em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. Mestre em Psicologia Clínica pela Michigan School of Professional Psychology, Center for Humanistic Studies, EUA. Especialista em Psicopedagogia pela PUC­‑SP e em Gestalt­‑Terapia pela Sedes Sapientiae, SP. Professora do Curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora Convidada do Curso de Especialização em Gestalt­‑Terapia do Instituto Sedes Sapientiae. Katia Wanderley Doutora em Psicologia Clínica pela USP. Chefe da Seção de Psicologia do Hospital do Servidor Público Estadual. Professora e Supervisora do Curso de Psicologia das Faculdades Metropolitanas Unidas.

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Autores

Kayoko Yamamoto Doutora em Psicologia Clínica pelo IPUSP. Departamento de Psicologia Clínica do Ins­ tituto de Psicologia da USP. Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica do Departamento de Psicologia Clínica do IPUSP. Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo Psicóloga. Mestre. Doutora em Psicologia Clínica e Livre Docência em Psicopatologia pela Universidade de São Paulo. Professora Associada da Universidade de São Paulo. Coordenadora do Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social do IPUSP. Maria Leonor Espinosa Enéas Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Professora e supervisora de Psicoterapia Breve de Adultos na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Marisa Cintra Bortoletto Mestre em Psicologia Clínica PUCSP. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica pela USP. Diretora da Verbo Clínica Psicológica. Roberto Evangelista Doutor e Mestre em Psicologia Clínica pela USP. Especialista em Psicologia Hospitalar e Forense pelo CRPSP Trabalho, Ministério Público do Estado de São Paulo e FMU­ ‑Faculdade de Psicologia. Ryad Simon Professor Titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia

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da USP. Orientador Acadêmico do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica do IPUSP. Coordenador do Curso Pós­ ‑Graduação lato sensu: Psicoterapia Breve Operacionalizada do UNIP. Sandra R. de Almeida Lopes Psicóloga Clínica e Hospitalar. Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP. Professora, Supervisora e Pesquisadora nas áreas de Psicologia Hospitalar, Psicologia da Saúde e Psicoterapia do Adolescente no Curso de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Sonia Maria B. A. Parente Psicóloga. Psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae, SP. Psicopedagoga pelo CRP/SP. Mestre e Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP. Coordenadora do Espaço de Pesquisa em Criatividade, Desenvolvimento e Aprendizagem (EPCCO). Walter Trinca Professor Titular no Instituto de Psicologia da USP e Psicanalista. Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalytical Association. Yvette Piha Lehman Professora Titular no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da USP. Membro Associada da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

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Prefácio Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo

É

com imensa satisfação que apresento esta obra que reúne várias contribuições teó­ricas e técnicas enfocando o ludodiagnóstico e o brincar; como o título indica. O jogo é fundamental no psicodiagnóstico compreensivo e interventivo e no tratamento psicoterápico de crianças, sendo esses aspectos aqui apresentados e discutidos. Sua relevância e abrangência ultrapassam os limites da clínica com crianças. O jogo, assim, está presente em todas as atividades humanas, e, como afirma Huizinga, até nos animais. O livro está dividido em sete partes, cada uma com um tema relacionado a Lúdico e cada uma delas com seus diversos capítulos. A obra tem como primeira parte os fundamentos teóricos do ludodiagnóstico, sendo constituída por quatro capítulos. Essa parte traz as relações entre o brincar e a psicanálise; a atitude lúdica com a expansão da consciência. Os aspectos da representação e da significação são também abordados, e um capítulo amplo traz considerações a respeito das bases neurofisiológicas do brincar e da importância do brincar no desenvolvimento cerebral do ser humano. Vale destacar os autores dessa parte. Temos a ilustre presença de mestres da Psicologia Clínica e da Psicanálise em nosso país que nos brindam com seus capítulos: Ryad Simon e Walter Trinca. Os pioneiros da Psicologia são acompanhados por João Augusto Figueiró, médico ilus-

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tre que vem atuando e “batalhando” pela infância em nosso país e no mundo, e por Rosa Maria Lopes Affonso, a organizadora desta obra, que é a principal pesquisadora e conhecedora do ludodiagnóstico em nosso meio. Testemunhas do conhecimento e da experiência dessa grande psicóloga clínica são a segunda e a terceira partes do livro, inteiramente da autoria de Rosa Maria Lopes Affonso. A segunda parte, composta por quatro capítulos, aborda a técnica ludodiagnóstica. A autora discute a história do ludodiagnóstico, as relações com as técnicas projetivas expressivas, a descrição do procedimento ludodiagnóstico e a evolução do brinquedo com os significados que pode ter em cada fase do desenvolvimento. A terceira parte é totalmente dedicada à análise do ludodiagnóstico. Rosa Maria Lopes Affonso trata assim o sintoma no diagnóstico infantil e as relações com o ludodiagnóstico. Ela aborda a análise do procedimento segundo o referencial da Psicanálise e do desenvolvimento psicológico, e conclui a terceira parte com ilustrações clínicas que atestam a experiência clínica da principal autora deste livro. Três capítulos compõem a quarta parte, que trata do ludodiagnóstico e as relações com os testes e técnicas psicológicas. O primeiro e terceiro capítulos, da autoria de Rosa Maria Lopes Affonso, discutem instrumentos para o processo diagnóstico e/ou

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prefácio

intervenção e a avaliação lúdica na psicoterapia infantil, respectivamente. As relações entre o ludodiagnóstico e uso de testes, da autoria de Helena Rinaldi Rosa, e o último com algumas concepções de minha autoria sobre as relações entre o brinquedo e o desenho no diagnóstico e na intervenção. Evidenciando a abrangência do lúdico, a quinta parte aborda os contextos sociais, ou seja, os diversos campos onde o lúdico tem sua relevância. Katia da Silva Wanderley e Sandra R. de Almeida Lopes trazem toda sua experiência de atuação no contexto hospitalar. Ainda na área da saúde, Marisa Cintra Bortoletto traz sua contribuição sobre o uso do ludodiagnóstico no consultório. O lúdico também se faz presente na área jurídica, como mostra o capítulo de Claudia Anaf, Dagmar Menichetti e Roberto Evangelista. E, na área da aprendizagem, Sonia Maria B. A. Parente enfoca especificamente a tendência antissocial. Finalizando essa discussão do ludodiagnóstico em diversos contextos, está o capítulo de Elisa Marina Bourroul Villela sobre o ludodiagnóstico e a deficiência visual. Essa parte evidencia a importância e a aplicação do jogo nesses diversos contextos. Evidenciando a abrangência da técnica lúdica, a sexta parte é constituída por dois capítulos que enfocam a técnica lúdica a partir de outras abordagens. Assim, Karina Okajima Fukumitsu trata a técnica do lúdico na abordagem da Gestalt. E Aicil Franco expõe seu conhecimento e vasta experiência apresentando o jogo de areia no Brasil. Completa a obra a sétima e última parte que trata do lúdico e do desenvolvimento. Dessa forma, temos as relevantes contribui-

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ções de Yvette Piha Lehman, que apresenta o lúdico na adolescência a partir da psicanálise winnicottiana que evidencia os fundamentos da relevância do brincar na atualidade. E finalmente Maria Leonor Espinosa Enéas expõe reflexões sobre os aspectos lúdicos no tratamento do adulto, enfocando a psicoterapia como metáfora. Fica evidente, pela breve descrição que acima fiz, porque iniciei esta apresentação salientando a satisfação de poder apresentar este livro e inclusive ser uma das colaboradoras. A obra foi muito bem pensada, tratando dos aspectos básicos teóricos e práticos do ludodiagnóstico e do brincar. A autora principal e organizadora do livro, a Dra. Rosa Maria Lopes Affonso, vem atuando, investigando, ensinando há anos o Psicodiagnóstico, a Psicoterapia e a Psicologia Clínica, dedicando­‑se de forma mais detida ao Ludodiagnóstico, escrevendo, organizando eventos; enfim, divulgando esse importante procedimento em todas as suas vertentes. Este livro só pôde ser feito e agora chega às nossas mãos por seu empenho, sua dedicação e competência. O leitor, tanto o profissional experiente como o estudante e o profissional em início de carreira, tem neste livro uma relevante contribuição para sua atuação e conhecimento.­ Certamente estes capítulos poderão e deverão inspirar a todos que se interessem pelo ludodiagnóstco, pelo brincar, pela criança, pelo adolescente e adulto nos mais diversos contextos a conhecer, compreender, atuar e se encontrar mais e melhor com o ser humano.

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Sumário

Prefácio ..................................................................................................................................... vii Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo

Apresentação ............................................................................................................................11 Rosa Maria Lopes Affonso

Parte I Fundamentos teóricos do ludodiagnóstico

1 O brincar e a psicanálise: subsídios à técnica................................................................14



2 Atitude lúdica e expansão da consciência......................................................................19



3 As bases neurofisiológicas do brincar . ..........................................................................26

Ryad Simon, Kayoko Yamamoto Walter Trinca

João Augusto Figueiró



4 Brincar, significação e representação.............................................................................38 Rosa Maria Lopes Affonso

Parte II A técnica ludodiagnóstica

5 Breve histórico da técnica...............................................................................................58



6 O ludodiagnóstico e as técnicas projetivas expressivas.................................................64



7 O procedimento ludodiagnóstico.....................................................................................69



8 O brinquedo, sua evolução e seus possíveis significados..............................................78

Rosa Maria Lopes Affonso Rosa Maria Lopes Affonso Rosa Maria Lopes Affonso Rosa Maria Lopes Affonso

Parte iii Análise do ludodiagnóstico

9 O sintoma no diagnóstico infantil..................................................................................102 Rosa Maria Lopes Affonso



10 A análise do procedimento ludodiagnóstico

segundo o referencial teórico psicanalítico ..................................................................107 Rosa Maria Lopes Affonso

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SUMÁRIO

11 Casos clínicos...............................................................................................................110 Rosa Maria Lopes Affonso

Parte IV Ludodiagnóstico e os testes e as técnicas psicológicas

12 Instrumentos para o processo diagnóstico e/ou intervenção........................................138 Rosa Maria Lopes Affonso



13 Compreendendo o uso de testes a partir do ludodiagnóstico.......................................158 Helena Rinaldi Rosa



14 Avaliação lúdica na psicoterapia infantil.......................................................................165 Rosa Maria Lopes Affonso



15 O brinquedo e o desenho: expressão e comunicação de

e com crianças – possibilidades diagnósticas e interventivas......................................175 Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo

Parte V O lúdico e os contextos psicossociais 16 O lúdico no contexto hospitalar: quando o brincar no contexto hospitalar é recreação e quando é ludoterapia..............................................192 Katia Wanderley

17 O uso do recurso gráfico como meio de interação e comunicação com crianças hospitalizadas................................................................200 Sandra R. de Almeida Lopes



18 O ludodiagnóstico no contexto jurídico.........................................................................207 Claudia Anaf, Dagmar Menichetti, Roberto Evangelista



19 O lúdico no consultório: análise do



20 O lúdico e a tendência antissocial na clínica da aprendizagem....................................231



21 O ludodiagnóstico e a deficiência visual.......................................................................240

ludodiagnóstico na demanda da saúde suplementar . .................................................225 Marisa Cintra Bortoletto Sonia Maria B. A. Parente

Elisa Marina Bourroul Villela

Parte VI A técnica lúdica e outras abordagens

22 A técnica lúdica na perspectiva gestáltica....................................................................248



23 O jogo de areia no Brasil...............................................................................................260

Karina Okajima Fukumitsu Aicil Franco

Parte VII O lúdico e o desenvolvimento

24 O lúdico na adolescência: Winnicott e o brincar adolescente.......................................266 Yvette Piha Lehman



25 Psicoterapia e metáfora: aspectos lúdicos em tratamento de adultos..........................271 Maria Leonor Espinosa Enéas

Índice ......................................................................................................................................286

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Apresentação Rosa Maria Lopes Affonso

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ludodiagnóstico é um instrumento de investigação clínica no qual, por meio da utilização de brinquedos, estruturados ou não, o profissional procura estabelecer um vínculo terapêutico com a criança, visando ao diagnóstico de sua personalidade. Tendo como fundamento as teorias do desenvolvimento e da psicopatologia infantil, o ludodiagnóstico é muito utilizado como uma técnica projetiva expressiva, baseada nos princípios da associação livre psicanalítica, aplicada em diagnósticos obtidos sem o depoimento verbal ou por meio da autoexpressão da criança, facilitada pelo contexto clínico lúdico. Parte­‑se do pressuposto que a técnica lúdica possibilita o diagnóstico da estrutura mental como expressão da brincadeira simbólica. Assim, o objetivo nesta obra é reunir os profissionais que, apoiados na estratégia clínica, utilizam esse instrumento, seja nos seus diagnósticos e tratamentos psicoterapêuticos, seja na orientação, prevenção ou intervenção educacional dos distúrbios de aprendizagem, psicossomáticos e de socialização. A reunião dos trabalhos desses especialistas visa à compreensão das aplicações do instrumento ludodiagnóstico, seus fundamentos e suas abordagens teóricas no campo da pesquisa, apresentando os materiais, os registros, os procedimentos e as análises com a população infantil.

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A utilização dos instrumentos lúdicos ou a compreensão das manifestações lúdicas no ser humano, nos seus diferentes contextos sociais, podem extrapolar a preocupação clínica, levando ao estudo das manifestações e aplicações da brincadeira simbólica dentro de um contexto de estimulação e intervenção preventiva da socialização infantil. Assim, nesta obra apresentaremos algumas utilizações da brincadeira simbólica, possibilitando aos profissionais: médicos, psicólogos, neurologistas, educadores em geral, psicopedagogos, terapeutas educacionais, fonoaudiólogos, um estudo das aplicações, limitações e interfaces no uso de materiais lúdicos. O livro está dividido em sete partes. Na primeira parte, apresentaremos os fundamentos do lúdico no ser humano: a constituição do sujeito e as bases neurofisiológicas do brincar, a consciência e a corporalidade, inserindo a noção lúdica segundo o conceito de representação. Na segunda parte, apresentaremos a técnica lúdica: seus fundamentos psicanalíticos; os materiais mais utilizados e os seus possíveis significados a partir da teoria de desenvolvimento psicanalítica; os procedimentos utilizados para a aplicação lúdica; as análises clínicas e a formação profissional necessária. Na terceira parte será estudada a análise do ludodiagnóstico, com exemplos de vários casos clínicos.

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Na quarta parte apresentaremos algumas considerações sobre a relação do lúdico com avaliações psicológicas, testes e técnicas de investigação clínica. Na quinta parte do livro apresentaremos algumas aplicações da técnica ludodiagnóstica: hospitalar, jurídica e em consultório. Na sexta parte discutiremos as diferentes abordagens da técnica lúdica.

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Encerraremos com a sétima parte, na qual procuramos identificar o lúdico no adolescente e no adulto. Portanto, neste livro procuramos reunir os estudiosos do desenvolvimento humano, da psicopatologia infantil, da avaliação psicológica e da psicoterapia infantil, que, por meio da expressão lúdica, procuram colaborar nas pesquisas sobre a expressão, prevenção e elaboração do sofrimento na infância.

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Parte I Fundamentos teóricos do ludodiagnóstico

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1 O brincar e a psicanálise Subsídios à técnica Ryad Simon kayoko yamamoto

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os primórdios da psicanálise de crianças, em 1923, Melanie Klein atendia uma menina de 7 anos, inibida e com mau aproveitamento escolar. A criança não gostava da escola, faltava às aulas e começava a afastar­ ‑se da mãe, apesar de ter anteriormente um bom relacionamento com ela. A criança não desenhava, falava muito pouco. O progresso do atendimento era quase nulo. Klein sentiu que aquela forma de atendimento não levaria muito longe o trabalho. Numa sessão em que a criança ficou silenciosa e retraída, a angústia de Melanie Klein deve tê­‑la mobilizado a criar algum recurso. Avisou que ia sair da sala e voltaria num instante. Como o atendimento era feito na residência, esta pegou alguns brinquedos: algumas bonequinhas, carrinhos, cubos e um trenzinho. Colocou­‑os numa caixa e trouxe para a pacientezinha inibida. A criança interessou­‑se pelos objetos e começou a brincar. Por seu modo de brincar, Klein inferiu que os dois bonecos que a menina utilizou para realizar uma brincadeira poderiam representar a própria paciente e um menininho da escola que havia sido mencionado numa sessão anterior. Parecia haver algum segredo na conduta dos dois bonecos, e que os outros bonecos eram vistos como intrusos e afastados. As atividades dos dois bonecos acabavam em catástrofes, como cair e serem atropelados. Esse brincar era repetido, e, à

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medida que a menina os reproduzia, iam aparecendo crescentes sinais de angústia. Até que a analista começou a intuir, pelos detalhes daquela brincadeira, que a paciente representava alguma atividade sexual entre ela e seu colega da escola. Isso levaria a criança a ter medo de ser descoberta, então ela ficava desconfiando dos outros. Klein interpretou esse significado para a paciente e mostrou­‑lhe que, enquanto brincava, ela se angustiava tanto a ponto de largar o brinquedo. E mais, que não estava mais querendo ir para a escola porque talvez a professora pudesse descobrir tudo e castigá­‑la. Estava sentindo esse medo principalmente com a mãe. E nesse momento podia estar sentindo o mesmo medo de punição com relação a Klein. O efeito dessa interpretação foi nítido: a angústia e a desconfiança da paciente inicialmente aumentaram, mas logo foram seguidas de evidente alívio. Sua expressão facial mudou e, embora não admitisse nem negasse o que foi interpretado, posteriormente mostrou concordância ao produzir mais material corroborando o que fora interpretado. Liberou­‑se mais no brincar e na verbalização. A relação com a analista tornou­‑se menos desconfiada e mais amistosa. Na sequência do atendimento era esperado que a transferência se alternasse entre positiva e negativa, mas, a partir dessa

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sessão a análise evoluiu bem. Concomitantemente foi melhorando o relacionamento com a mãe e com a escola. É notável o quanto a mudança de método favorece novos descobrimentos. Quando Freud abandonou a hipnose e passou a usar o método da associação livre com seus pacientes, teve acesso à descoberta das resistências, dos conflitos inconscientes que permanecem reprimidos, das soluções de compromisso que geram os sintomas, os sonhos e toda a trama que se passa em áreas da mente inacessíveis à abordagem direta. Do mesmo modo, quando Melanie Klein, percebendo a inibição insuperável de sua pacientezinha, teve a intuição genial de introduzir os brinquedos para favorecer a comunicação, abriu caminho para a descoberta de áreas da mente ainda mais profundas que as obtidas pelo método de associação livre dos adultos. Na criança pequena o mecanismo de repressão é menos rígido, facilitando o acesso aos conteúdos inconscientes. Porém, era necessário dispor de recursos para alcançar esse universo que estava mais além da palavra. A psicoterapia psicanalítica do adulto é feita principalmente pelos relatos verbais dos pacientes, mas, como a verbalização da criança pequena é geralmente escassa, foi necessária uma inovação técnica para favorecer uma comunicação mais significativa. Muito se tem dito acerca do brincar como forma de psicoterapia infantil, mas gostaria de me deter sobre as diferentes formas e usos do brincar em psicoterapia. Quando eu, Ryad Simon, era recém­‑formado em psicologia clínica, tive a oportunidade de conhecer e a possibilidade de trabalhar junto com um conhecido psiquiatra infantil, Dr. Haim Grünspum. Seu consultório ficava num grande sobrado, e várias salas eram usadas para ludoterapia, geralmente em grupo. Os brinquedos ficavam em prateleiras, alguns espalhados pelo chão, e eram usados coletivamente. Não havia brinquedo particular, o material era usado à vontade pelas crianças de várias idades, geralmente na latência e pré­‑adolescência. Havia um ringue onde as crianças podiam

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brigar entre si, recipientes com água para introduzir brinquedos ou se molhar, como quisessem. Não havia privacidade. Realizei a visita acompanhado pelo Dr. Haim. Lembro­‑me que quando um garoto se dirigiu a ele desafiando­‑o para uma luta, o terapeuta agarrou o garoto e lhe deu uma gravata, brincando e sorrindo, dando­‑me a ideia de que realizava psicoterapia suportiva. Eu estava aprendendo a fazer psicoterapia psicanalítica de crianças com Virgínia Bicudo, Lygia Amaral e Judith Andreuci. Virgínia, principalmente, voltando de um período de aprimoramento em Londres, junto ao grupo kleiniano, em 1962, fornecia as diretrizes da técnica lúdica em psicanálise infantil. Eu seguia mais ou menos automaticamente as instruções, sem muita clareza do porquê de certos procedimentos técnicos. Por exemplo: a) os brinquedos devem ser de um determi-

nado tamanho, formato e variedade. Em sua monumental Psicanálise de crianças, Klein, no início do Capítulo 2, dá uma relação de brinquedos para crianças pequenas: “Sobre uma pequena mesa baixa estão colocados brinquedos pequenos e simples – homenzinhos e mulheres de madeira, cartas de baralho, carruagens (hoje seriam outros veículos), automóveis, trens (hoje se acrescentam aviõezinhos), animais, peças de construção e casas, bem como papel, tesoura e lápis” (1932, p. 16); b) os brinquedos devem ficar guardados numa caixa de madeira, com cadeado, e a cada sessão a criança acompanha o terapeuta até o armário onde ficam guardadas as caixas lúdicas, cada uma específica para cada criança. Ao final da sessão, os brinquedos são guardados novamente na caixa, trancada, e a criança acompanha o terapeuta até o armário, verificando sua guarda, sempre no mesmo lugar; c) a sala de ludoterapia deve ter chão e paredes laváveis, móveis simples, uma torneira e uma pia (ou então uma bacia com água);

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d) a sessão começava e terminava sempre

no horário combinado. Se o paciente se atrasasse, perderia o tempo de atraso; e) durante a sessão a porta da sala de ludo fica trancada, como na sessão de adultos; f) o contato com os pais é reduzido ao mínimo necessário. Para que serve tudo isso? Klein responde de uma maneira sintética e completa sobre a essência do sentido do brincar: A criança expressa suas fantasias, seus desejos e experiências reais numa forma simbólica através do brincar e dos jogos. Ao assim fazê­‑lo, usa os mesmos modos de expressão arcaicos e filogeneticamente adquiridos, a mesma linguagem com que temos familiaridade através dos sonhos, por assim dizer; e só podemos entender completamente essa linguagem se nos aproximamos dela como Freud nos ensinou na abordagem da linguagem dos sonhos. O simbolismo é apenas uma parte dela. Se desejamos entender o brinquedo da criança corretamente em relação à totalidade de seu comportamento durante a sessão analítica, não devemos nos contentar pinçando separadamente o significado dos símbolos no brincar, por mais impressionantes que sejam – e geralmente o são –, mas devemos fazê­ ‑lo considerando todos os mecanismos e métodos de representação empregados no trabalho onírico, nunca perdendo de vista a relação de cada fator com a situação como um todo. (Klein, 1932 p 7-8)

Voltando aos itens acima: se os brinquedos forem muito grandes, não caberão na caixa; se forem muito complicados, não serão facilmente manipuláveis para expressar uma brincadeira. A variedade de brinquedos é restrita pela mesma questão de espaço, mas também porque a imaginação da criança pode dar muitos usos a poucos brinquedos. Guardam­‑se os brinquedos numa caixa de madeira para permanecerem do mesmo

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modo que foram deixados na sessão anterior. O cadeado existe para garantir que ninguém abra a caixa entre uma sessão e outra. A cada sessão a criança acompanha o terapeuta até o armário onde ficam guardadas as caixas lúdicas, cada uma específica para cada criança. Isso mostra à criança que seu material é inviolável e tem a garantia da guarda do terapeuta. Ao final da sessão, os brinquedos são guardados novamente na caixa, que é trancada, e a criança acompanha o terapeuta até o armário, verificando sua guarda sempre no mesmo lugar. Esse procedimento garante que a caixa só seja aberta e fechada na presença da criança e que só tenham acesso a ela a criança e o terapeuta. Suponhamos que os brinquedos que a criança “A” usa para a ludoterapia fossem manipulados por uma criança “B”, e ainda por uma criança “C”, como no exemplo do Dr. Haim. Suponhamos que a criança “B”, usando o mesmo brinquedo, quebrasse uma parte dele, ou mesmo o destruísse tão completamente que ficasse inutilizado. Qual seria a importância disso? Admitamos que os brinquedos representem os objetos do mundo interno da criança. Suponhamos que um determinado boneco represente o “pai mau” para a criança “A”, que tem muito medo desse brinquedo, e que a criança “B”, numa sessão posterior, manuseando esse mesmo boneco, corte sua cabeça. Qual seria a reação da criança “A”, quando, na sessão seguinte se deparasse com esse “pai mau” de cabeça cortada? Provavelmente ficaria aterrorizada. Entretanto, se não foi a criança “A” que cortou a cabeça do boneco, que uso faria disso o psicoterapeuta para a compreensão dos processos inconscientes da criança “A”? A cabeça do boneco foi cortada pela criança “B”. O que a teria levado a tal ataque? Suponhamos agora que, numa outra sessão, a criança “C”, usando os mesmos brinquedos, observando o homem de cabeça cortada, resolvesse colar de volta a cabeça do boneco. Qual o efeito disso para a criança “B”? E para a criança”A”? É fácil perceber que a manipulação do brinquedo por crianças diferentes em ocasiões diferentes criaria

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tal confusão que terapeuta algum conseguiria desfazer. O brinquedo manipulado por várias crianças não traria problema de interpretação numa psicoterapia suportiva, porque nesta não há a preocupação de compreender os processos inconscientes do pequeno paciente, mas, numa psicoterapia psicanalítica, em que as interpretações principais se apoiam na transferência, a confusão resultante da manipulação do mesmo brinquedo por crianças diferentes tornaria o processo um equivalente do “samba do crioulo doido”.1 Assim, a caixa individualizada e trancada, sendo manipulada somente pelo mesmo paciente, garantiria a segurança de que os brinquedos – que representam os objetos internos da criança – não seriam tocados por outro, evitando interferências causadoras de confusão indecifrável. Nesse ambiente preservado e privativo será possível acompanhar detalhadamente cada movimento do paciente, favorecendo a compreensão da transferência e das cotransferências2 com mais nitidez e segurança. Continuando o esclarecimento dos itens citados, a sala de ludoterapia deve ser de chão e parede laváveis, móveis simples, conter torneira ou bacia para permitir brin-

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O Samba do Crioulo Doido é uma paródia composta pelo escritor e jornalista Sérgio Porto, sob pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, em 1968, para o Teatro de Revista, em que procura ironizar a obrigatoriedade imposta às escolas de samba de retratarem nos seus sambas de enredo somente fatos históricos. A expressão do título é usada, no Brasil, para se referir a coisas sem sentido, a textos mirabolantes e sem nexo. 2 “Cotransferência” refere­‑se ao termo que criei para indicar as transferências colaterais, isto é, as transferências que o paciente faz com pessoas significativas em seu relacionamento pessoal atual ou pretérito (Simon, R. 2004; e capítulo IV de meu livro meu livro Psicoterapia Psicanalítica – Concepção Original). A prática clínica – minha e de outros colegas – tem mostrado a importância de trabalhar a cotransferência para ampliar a compreensão do paciente a respeito das interações inconscientes com pessoas significativas de seu convívio atual e pregresso.

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car com água, tinta, plastilina, etc., facilitando a expressão de formas de agressão ou de gratificação regredidas, que a criança não conseguiria representar com palavras e são necessárias para entendimento dos impulsos, angústias, defesas, bem como das fantasias concomitantes. Já a fixação do tempo ajuda a desenvolver o sentido do tempo, a responsabilidade e a consideração pelo trabalho psicoterápico. Do mesmo modo, a porta trancada garante a privacidade da relação dentro da sessão. E o contato com os pais reduzido ao mínimo necessário evita interferências na relação entre a criança e o terapeuta. Se não puder ser evitado, é preferível conversar na presença da criança. Se os pais forem muito angustiados, solicitando contato frequente, deve­‑se marcar um horário separado para esclarecer as questões. É fácil de ver que todas essas providências técnicas têm o objetivo precípuo de permitir o desenvolvimento da situação analítica. Ou seja, criar uma atmosfera que permita inferir cada movimento dentro da sessão tendo significado no aqui e agora com o terapeuta. É essa condição que favorece a visão clara dos movimentos no brincar como expressão da comunicação das fantasias inconscientes, suas associações e significados. Quando há interferências no material do brinquedo, na sala de ludoterapia, na intromissão de outros, o ambiente fica poluído e confuso, obscurecendo a possibilidade de compressão do interjogo entre fantasias, impulsos, angústias e defesas. Haverá momentos em que a criança pode estar tão atemorizada que não consegue ficar só com o terapeuta. Neste caso, a presença temporária de um adulto garante a entrada e permanência da criança na sala de ludoterapia. E, tão logo as angústias persecutórias transferenciais sejam esclarecidas, o adulto pode retirar­‑se para a sala de espera. Essa sucinta informação sobre a técnica tem o intuito de mostrar a diferença entre ludoterapia psicanalítica e a ludoterapia suportiva. Não há intuito de depreciar a ludoterapia suportiva. Brincar com uma criança despreocupadamente, dar­‑lhe atenção, tratá­‑la com carinho e respeito têm um potencial

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rosa maria lopes Affonso (org.)

terapêutico inegável. Isso permite a catarse, a gratificação da necessidade de calor humano, e, com a redução da angústia, alguma elaboração espontânea em estratos inconscientes da personalidade. Todavia, esse alcance é limitado. Para alcançar estratos mais profundos, modificar conflitos inconscientes que tenham potencial para causar (ou já estejam causando) distúrbios neuróticos ou psicóticos, a via mais apropriada é a ludoterapia psicanalítica. O desenvolvimento da técnica ludoterápica por Melanie Klein proporcionou a ampliação da percepção e compreensão dos conflitos e mecanismos mais profundos da personalidade, abrindo caminho para o tratamento de pacientes psicóticos cuja acessibilidade era muito limitada por via da psicoterapia psicanalítica. Freud (1914) afirmava, em seu artigo sobre introdução ao narcisismo, que os pacientes que padeciam de “neuroses narcísicas” (psicóticos) eram inacessíveis ao tratamento psicanalítico porque sua libido ficava centrada no ego, não permitindo a “transferência”, que era o principal meio de influência psicoterápica. Melanie Klein, com sua aguda intuição para compreensão dos processos inconscientes – obtidos por meio do método da ludoterapia – teve um vislumbre mais amplo e profundo dos primórdios do funcionamento e desenvolvimento mental, lançando as bases para uma abordagem compreensiva dos distúrbios mentais graves (Klein, 1935; 1932; 1946). Seus discípulos mais brilhantes, começando por Rosenfeld (1947), Hanna Segal (1950) e W.R. Bion (1953; 1957) aplicaram suas contribuições ao tratamento psicanalítico de psicóticos, utilizando a abordagem clássica: verbalização por associação livre, uso do divã, várias sessões semanais, abstenção de medicação, conseguindo alguma melhoria na condição de pacientes esquizofrênicos. Isso confirma o entusiasmo de Karl Abraham, que no 8o Congresso In-

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ternacional de Salzburg, em 1924, afirmou que o futuro da pesquisa psicanalítica se assenta na psicanálise de crianças.

Referências Bion, W. R. (1957). Differentiation of the psychotic from the non­‑psychotic personalities. In: W. R. Bion, Second thoughts: Selected papers on psycho­ ‑analysis. New York: J. Aronson. (Obra originalmente publicada em 1953). Bion, W. R. (1967). Notes on the theory of schizophrenia. In: W. R. Bion, Second thoughts: Selected papers on psycho­‑analysis. New York: J. Aronson. (Obra originalmente publicada em 1953). Freud, S. (1973). On narcissism: An introduction. In: S. Freud, The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud (vol. 14). London: Hogarth. (Obra originalmente publicada em 1914). Klein, M. (1975). Notes on some schizoid mechanisms. In: M. Klein, The writings of Melanie Klein (vol. 3). London: Hogarth. (Obra originalmente publicada em 1932). Klein, M. (1986). The psycho­‑analysis of children. In: M. Klein, The writings of Melanie Klein (vol. 2). London: Hogarth. (Obra originalmente publicada em 1932). Klein, M. (1992). A contribution to the psychogenesis of manic­‑depressive states. In: M. Klein, The writings of Melanie Klein (vol. 1). London: Hogarth. (Obra originalmente publicada em 1932). Rosenfeld, H. (1947). Analysis of a schizophrenic state with depersonalization. International Journal of Psycho-Analysis, 28, 130-139. Segal, H. (1950). Some aspects of the analysis of a schizophrenic. The International Journal of Psycho­analysis, 31, 268-278. Simon, R. (2004). Cotransferência e transferência em psicoterapia psicanalítica de “quadros medianos”. In: R. Simon, & K. Yamamoto (Orgs), 8º Encontro do Curso de Especialização em Psico­ terapia Psicanalítica: Variedades de transferência na clínica psicanalítica. São Paulo: Instituto de Psicologia da USP. Simon, R. (2010). Psicoterapia psicanalítica: Con­ cepção original. São Paulo: Casa do Psicólogo.

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