Lucifer Historico

April 17, 2019 | Author: Darla Marcondes | Category: Mummy, Ancient Egypt, Osiris, Israel, Política internacional
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EM BUSCA DO LÚCIFER HISTÓRICO

Shirlei Massapust

 YHWH será acalmado acalmado por ti. Venha atrevida e irritada, i rritada, trabalhando e batucando este ponto cantado. Chorosa e dramática, você contará a história deste funeral para o Rei de Babel.

Certa vez o Juiz de Israel enviou uma ministra religiosa como embaixatriz para entregar e traduzir oralmente uma carta ao Rei de Babel ( )à época em que o estreito relacionamento entre os dois reinos era atestado pelo obelisco de Kalah, exposto no Museu Britânico, que retrata o rei de Israel Jeú (842-815 ANE) prostrado diante de Salmanasar III, pagando-lhe tributo. 1 Ele explicou a ela que o viajante costumava ter problemas com a Casa de Jacó ( ), pois o cidadão de renda per capita mais modesta do estado sulista xingava todo nortista de vampiro, digo, ḫapiru ( ), quando lhe contratava como prestador de serviços. Ao invés de remunerar os obreiros era mais fácil ultrajá-los ( ), reduzi-los à mendicância ( )2 e agregá-los como escravos! O Juiz de Israel desejava que seu aliado político atuasse como árbitro na solução do conflito, provavelmente ordenando a alforria dos cidadãos escravizados por mais de três anos na forma do § 117 do Código de Hamurabi, mas respeitando o direito previsto no § 119, dos pais que pagassem o resgate das mães de filhos comuns3  ainda que todos fossem instruídos e educados para o exercício do comercio familiar. O  māšāl apresentado pela dramática dramática encenação da embaixatriz para entreter a realeza era um fragmento independente e autônomo. Fazia parte da burocracia da época trocar presentes diplomáticos sempre que o representante de um estado estrangeiro visitava o outro. Então, como a Babilônia era cheia de túmulos suntuosos, lendas de espíritos ancestrais e a coisa mais chique do mundo era construir pirâmides, o Juiz de Israel achou que o Rei de Babel adoraria receber estórias de funerais, exumações e fantasmas! A primeira delas era a cópia resumida de um Livro das Sombras (uma espécie de epitáfio móvel, escrito para ser lido com solenidade soleni dade durante o enterro do seu protagonista). 1

 SAMPAIO, Fernando G. A G. A História do Demônio . Porto Alegre, Garatuja, 1976, p 28.  O hebraico moderno excluiu o verbo ultrajar  (  ( ) de Isaías 14:3, mas ele existe no manuscrito 1QIsaª. O termo  é o verbo mendigar  (  ( ) no tempo perfeito, reflexivo, com sufixo. 3  Talvez seja necessário emendar  (1Q Isaa) ou  (4Q Isac) em . A referência referência diz respeito aos filhos das escravas, futuros mestres de obras ( ). R. Ḥiyya comenta sobre Isaías 14:2, informando que era permitido manter relacionamento sexual com uma escrava após o terceiro mês de cativeiro. (PISKA 12:17. Em: BRAUDE, William G. P ĕsiḳta -Ra ḇ Kahă na  na . Philadelphia, The Jewish Publication Society, 2002, p 322). ĕsiḳta dĕ -Ra  2

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HISTÓRIAS DE FANTASMAS Foram encontradas vinte e cinco cópias do Livro de Isaías em Ḫirbet Qumrân e outra no Wadi Murabba‘at. Todos datam por volta do ano 100 a.C. Infelizmente apenas três copias (1Q Isaa, 4Q Isac e 4Q Isa e) contém o capítulo 14 no todo ou em partes. Eugene Ultrich publicou fotos coloridas de todos os rolos e fragmentos nos volumes X e XXXII do periódico Discoveries in the Judaean Desert   (DJD) da Universidade de Oxford. Fotos legíveis em preto e branco de IQ Isaª também foram publicadas por Millar Burrows e John Trever na coletânea The Dead Sea Scrolls of St. Mark’s Monastery . O manuscrito 1Q Isaa  possui um sistema ortográfico e morfológico diferente do hebraico moderno4, mas é possível regredir termos do texto corrente para preencher as lacunas deixadas por uma costura no couro do manuscrito sempre que as palavras deformadas pela textura irregular parecem ser as mesmas. Somente uma palavra na décima quinta linha da coluna XII de 1Q Isaa  não pôde ser reconstituída porque ela é um termo de três consoantes, iniciado por alef ( alef  ( ), que inexiste no códice Firkovich B 19 (1008 d.C.) e seus derivados. Esta é a minha reconstituição do conjunto de documentos enviados de presente para o Rei de Babel, narrando os preparativos de um enterro en terro e uma exumação: Conteúdo do manuscrito 1Q Isaª correspondente a Isaías 14:4-21  6

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 . .  15  19

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Col. Linha XII 6 XII 7 XII 8 XII 9 XII 10 XII 11 XII 12 XII 13 XII 14 XII 15 XII 16 XII 17 XII 18 XII 19 XII 20 20 XII 21 XII 22 XII 23 4

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Existem centenas de milhares de edições revistas e anotadas conforme a orientação ideológica de centenas de milhares de organizações religiosas diferentes e é por isso i sso mesmo que nenhuma delas nos no s serve. (Afinal já dizia um velho ditado: Traduttore, traditore ...). ...). Se eu simplesmente traduzisse o quadro acima sem explicá-lo haveria só mais um grão de milho extra no saco; só mais uma entre infinitas opções que se escolhem com base na fé ou pura confiança. 4

 BROYLES, Craig C. & EVANS, Craig A. Writing & Reading the Scroll of Isaiah: Studies of an Interpretative Tradition. New York, Brill, 1997, Vol 2, p 502.

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Portanto é mais importante investigar o contexto histórico e ambientação da narrativa do que traduzi-la sequencialmente.  A princípio adotarei o método da navalha de Ockan para estipular o contexto, batendo de frente contra todas as crenças, inclusive as nossas. Por exemplo, analisando criticamente o  o  māšāl percebemos que traduzir   por expressões surrealistas como “subirei acima das nuvens” 5  não faz o menor sentido. Acontece que   é um termo incomum para nuvens. Este vernáculo costuma indicar uma floresta ou a terra barrenta encharcada pela chuva. Definitivamente bāmoṯ ê ( ) também não é o verbo subir! E eu não seria a primeira pessoa a imaginar que todos os tradutores “podem ter optado pela omissão de uma palavra incompreensível”. 6  O fato do plural bāmoṯ ê anteceder o singular ‘āḇ demonstra tratar-se tratar-se de um conjunto de coisas menores dentro de uma coisa maior. Ou seja, o sítio arqueológico pode ser reconhecido pela existência de existência de mais de um bāmāh dentro da cidade escondida na floresta. O bāmāh era um altar ao ar livre construído constru ído nos arredores do cemitério 7 de uma cidade fortificada, rodeada por uma reserva ecológica. 8 O termo deriva da raiz bāmâ bāmâ que se refere aos órgãos internos, lombo ou parte do corpo de um vertebrado que tenha bastante carne, preferencialmente localizada na parte inferior do corpo, mais preferencialmente ainda na parte traseira. Os altares de  YHWH (único deus mencionado no texto) foram chamados de bāmoṯ ê porque eles funcionavam como uma espécie de churrasqueira e eram neles que os sacerdotes sacrificavam e coziam os animais ofertados para o consumo.9 Somente o sacrifício expiatório não era comido pelos ministros religiosos nem por suas respectivas famílias ou qualquer outro o utro cidadão da comunidade. Está escrito que o lugar freqüentado por Enlil Ben Šaḥar Ša ḥar ficava na pedreira ao norte ( ) da montanha da congregação ( ). Em 1Q Isaª existe um contraste vertical entre as expressões “pedras ao norte” ( ) e “pedras da cisterna” ( ).10  No Salmo 48:3 a mesma expressão yark ethê ṣāpôn ṣāpôn ( ) se repete, provavelmente se referindo 11 ao mesmo sítio arqueológico.   Diante do exposto parece seguro afirmar que este local deve ser Tel Dan: Única cidade fortificada israelita possuidora de dois altares (bāmoṯ ê), ê), escondida na floresta, no sopé do Monte Hermon. Nela tudo foi construído com pedregulhos empilhados, inclusive as cisternas. PERGUNTA: O ESPÍRITO DO HOMEM MORTO SUBIU ATÉ OS “ ASTROS DE DEUS”? Este foi um dado que me intrigou por muito tempo: Por que há “astros” ou “planetas de órbita interior” nos arredores dos altares? Os antigos egípcios acreditavam que o espírito humano é composto de três partes chamadas ka , ba  5

BÍBLIA DE JERUSALÉM . São Paulo, Paulus, julho de 1995, p 1382.  VAUGHAN, Patrick H. The Meaning of ‘Bām â’ â’ in the Old Testament : A study of etymological, textual and archeological evidence, p 89, nota 2. 7  LWRY, Samuel. Maṣṣēbāh Maṣṣēbāh and Bāmāh in 1Q IsaiahA 6:13. Em: Journal of Biblical Literature , Literature , vol. 76, nº 3 (setembro de 1957), p 225-232. 8  FRAZER, J.G. El Folklore em el Antiguo Testamento . Trd. Gerardo Novas. México, Fondo de Cultura Econômica, 1981, p 452-459. 9  A forma de construir e administrar o altar de sacrifícios é descrita no Livro do Êxodo , do capítulo 25 ao 31. 10  JENSEN, Joseph. Helel Ben Shaḥar Sha ḥar (Isaiah 14:12-15) 14:12-15) in Bible and Tradition. Em: BROYLES, Craig C. & EVANS, Craig  A. Writing and Reading the Scroll of Isaiah : Isaiah : Studies of an interpretative tradition. tradition. New York, Brill, 1997, p 341 11  ROBINSON, A. Zion and Ṣāpôn Ṣāpôn in Psalm XLVIII 3. Em: Vetus Testamentum . EUA, BRILL, janeiro de 1974, vol. 24, fascículo 1, p 118. 6

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e akh . Quando alguém morre o akh  vai a julgamento na corte celeste enquanto os dois outros elementos permanecem na terra. Uma múmia dotada de ka , ba  e akh   é auto suficiente, pois o akh   coleta nutrientes para sustentar-se. Por outro lado, a que teve o akh   condenado à segunda morte se transformava num espírito faminto. O ba   era representado por um homem pássaro. “Ele podia esvoaçar à vontade, mas sempre retornava ao cadáver, seu perpétuo poleiro”.12  Até hoje, entre os judeus, o ba   é chamado de neshama ( ) e acredita-se que ele permaneça no cemitério pairando sobre os seus ossos. Em Ugarit existia um esquema semelhante, se não idêntico, onde o fantasma que sempre retorna ao cadáver era chamado de rāphā.13 Assim como os egípcios escreviam livros dos mortos, em Ugarit redigia-se o Livro do Sacrifício das Sombras , convidando os habitantes da “cidade dos repāim” (rpi arṣ) – necrópole onde os mortos habitavam – a avaliar e recepcionar o novato.  A congregação dos repāim em 1Q Isaa  retrata este mesmo antiqüíssimo rito funerário com retoques inovadores. Inseri comentários para facilitar a leitura: [O Juiz de Israel fez um pedido para sua embaixatriz:]  — Você contará a história deste funeral para o Rei de Babel. [1º DOCUMENTO]:  — Entoai lamentações. Aprisione o mestre de obras deitado [em] madhēbāh. Ore: “YHWH quebrou14 o cetro dos sentenciados [e o] báculo dos legisladores”.   — Uma ventania furiosa e incessante castigava aquela equipe inabalável. [O mestre de obras] perseguiu os companheiros15 com firmeza sem arroxear [de frio].   — Toda área estava 16 silenciosa. Rinnah   partiu [um cipreste (Cupressus sempervirens ) pensando que fosse cedro (Cedrus libani ). Enlil Ben Šaḥar brincou com ele dizendo]:  Até seus Cedros do Líbano se alegraram pelo cipreste [dizendo]:  “Desde quando desabaste nenhum lenhador subiu para nos cortar!”

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 A ERA DOS REIS DIVINOS : 3000-1500 a.C. Trd. Pedro Maia Soares. Rio de Janeiro, Abril, 1991, p 74.   FORD, J. N. The “Living Rephaim” of Ugarit: Quick or Defunct? Em: BUTZON Verlag & KEVELAER, Bercker (ed.) Ugarit-Forschungen : Internationales Jahrbuch für die Altertumskunde Syrien-Palästinas. German, Neukirchener Verlag Neukirchen-Vluyn, 1992, band 24, p 98. 14  Isto deve ser uma metáfora onde a divindade destrói alegorias simbólicas por representação, mas a fraze admite a interpretação alternativa “YHWH quebrou”. Efetivamente deus é uma entidade abstrata incapaz de quebrar objetos, mas que poderia ser representada por uma estátua portando cetros frágeis e quebradiços. Embora os adereços não sejam partes dos corpos humanos eles realmente integram as figuras das estátuas. Daí a possibilidade de imaginar  “YHWH” quebrado por causa da p erda dos seus cetros. Neste caso o s maus tratos ao ícone dariam azar no jogo ao seu proprietário, Enlil Ben Šaḥar, que perdeu após ser “enfeitiçado”. Para outros exemplos de castigos a estátuas veja o costume popular brasileiro de pendurar o Santo Antônio de ponta cabeça num poço até que o intervencionismo mágico assegure o casamento da sua devota, e também o costume egípcio de destruir diáriamente, à noite, uma estátua de cera do crocodilo Apepi amarrada com fios de cabelo para que ele não soubrepujasse o deus sol Rá e houvesse a aurora na manhã seguinte. Freud explica que, na crença popular egípcia, “os demônios das trevas, das nuvens e das chuvas, sentiam os danos infligidos a suas imagens como se tivessem sido causados a eles próprios”. (FREUD, Sigmund. Totem e Tabu, e Outros Trabalhos . Trd. Órizon Carneiro Muniz. Rio de Janeiro, Imago, 1974, p 101-102). 15  O termo  traduz-se literalmente como uma pessoal “proeminente”, em ascensão social. O “companheiro” é uma espécie de estagiário que trabalha sob a supervisão direta do mestre de obras, laborando e aprendendo o ofício. 16   Nos tempos bíblicos Rinnah ( ) era um nome masculino. Provém do radical   (alegria) e indica um “cantor alegre”. Um dos descendentes de Judá tinha este nome (I Crônicas 4:20). 13

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 — O subsolo da necrópole treme por ti.  — A cidade te recepciona.  — Os repāim peticionaram17 por ti.  — Todos os bodes da nação. — Todos os grandes reis levantaram dos seus tronos. — Todos se cumprimentam, questionando mutuamente: [Enlil], até vossas jóias são como as nossas, para nos imitar? [Rico anônimo], seu luxo desceu à cova! [Pobre anônimo], sua carniça zune.  Abaixo pupas fazem sua cama. Um cobertor de larvas.   — Enlil Ben Šaḥar, você perdeu a sua vez!  Você caiu no chão, azarado ( ḥlš) pelas costas?  — Você abriu seu coração ao céu e orou: 18

Escalarei os declives, [onde observamos] os astros.  . . Erguerei meu túmulo [...] na montanha da solenidade, na pedreira ao norte. Subirei aos altares (bāmoṯ ê) ocultos pela floresta como um magnata (‘elyōn)! do orifício da cisterna.

 — Então para a cova foi descido, para o fundo

 A meu ver a narrativa do funeral de Enlil Ben Šaḥar termina neste ponto, pois o documento descreve a morte de um eleito de deus19 conjugado com um funeral bem sucedido, perfeito e completo, com direito a leitura do tradicional Livro do Sacrifício das Sombras.20  Traduzindo em termos egípcios, o seu akh  subiu às “estrelas de deus” ( ) que não eram outra coisa se não os e próprios r pāim congregados... A propósito, no caso desta expressão plural específica, nós lemos nos manuscritos fragmentários Ena I iii-iv e Enb I iii-iii que  “Kôkabel ensinou os sinais dos astros” ( ) após descer 21 do Monte Hermon , sendo que no seu calendário “os astros adentraram as 17

 Não encontrei  em dicionários. No códice Firkovich B19A verifica-se a substituição de   por  que, em sentido jurídico, indica o ato de apresentar uma contestação como d efesa processual. 18  O termo significa “colocar em uso” e o cognato representa algo “utilizável”. Nesta frase ele aparece acompanhado da preposição prefixa  (do, da, de, deste, etc.). Considerando que a interpreta ção de  depende do termo paralelo a  (referente ao sorteio) eu traduzi livremente como “ esta rodada ” porque o Talmude   descreve este jogo de azar como sendo essencialmente o mesmo praticado entre as famílias judaicas. O mais comum é o jogo de piorra. 19   É possível que o copista haja omitido ou suprimido o termo que conceituava uma pessoa ofertada em sacrifício ( ) para não assustar o rei ( ) com um ambíguo homônimo homógrafo. 20  Sobre o ritual de sacrifício humano recomendo a leitura dos livros: STAVRAKOPOULOU, Francesca. King Manasseh and Child Sacrifice : Biblical Distortions of Historical Realities. New York, Walter de Gruyter, 2004. 405p; TIERNEY, Patrick. O Altar Supremo : Uma história de sacrifício humano. Trd. Dílson Bento de Faria Lima. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1993. 508p; MACCOBY, Hyam. The Sacred Executioner : Human Sacrifice and the Legacy of Guilt. New York, Thames and Hudson, 1982. 208p. – Sobre o Livro do Sacrifício das Sombras recomendo a leitura da peça preparada especialmente para o funeral de Niqmaddu (RS 34.126/KTU 1.1161), transliterado e traduzido em: SHIPP, R. Mark. Of Dead Kings and Dirges : Myth and Meaning in Isaiah 14:4b-21. Atlanta, Society of Biblical Literature, 2002, p 54-60. 21  Em: MILIK, J.T. The Books of Enoch : Aramaic Fragments of Qumrân Cave 4. Oxford, Oxford University Press, 1976, p 20, 158 e 159.

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primeiras portas do firmamento” ( ).22 Ora, se um vigilante que descia do Monte Hermon após observar as evoluções dos dois planetas de órbita interior foi chamado de Kôkabel ( ), é presumível que todos aqueles que faziam a mesma coisa no mesmíssimo lugar poderiam ser kôchevêi’el ( ). Por que não? PERGUNTA: ENLIL BEN Š AḥAR FOI ASSOCIADO AO PLANETA V ÊNUS? De acordo com Anita Seppilli, a passagem em questão  “fez pensar na existência de alguma lenda astral de anjos caídos, hebraica ou babilônica, tanto mais admissível quanto se tenha em conta o uso astrológico de personificar nos planetas as divindades”.23  Eu discordo. O tratado Shabbos do Talmude Bavli  compila um horóscopo onde o planeta Vênus é chamado de Ḵ oḵāḇ Noǥhā’ e Mercúrio de Ḵ oḵāḇ.24 O Targum   de Isaías 14:12 cita igualmente ḵoḵāḇ noǥhā’ ( ) na frase em que o novo protagonista da estória alterada afirma ser “Vênus entre os planetas de órbita interior” ( ).25 A tradicional equiparação poética do observador com o astro o bservado veio daí. O problema é que Vênus tinha uma péssima reputação. De acordo com o Talmude, “aquele que nasce na hora do planeta Vênus” ( ) será um homem varonil e promíscuo porque a chama da paixão queima dentro de si. Ora, quem escreveria no epitáfio de um ente querido que ele foi um mulherengo, um galinha, associando-o a influencia daquele astro vil? Ninguém!  Antes seria mais vantajoso associá-lo a Mercúrio porque “quem nasce na hora de Mercúrio” ( ) está predestinado a ser um homem sábio. 26 Talvez o grupo pré-existente intitulado de kôchevêi’el ( ) em 1Q Isaª possuísse alguma relação analógica, simbólica ou metafórica com as estrelas da manhã  ( ) associadas aos Filhos de Elohim ( ) em Jó 38:7, e também com Kôkabel ( ) nos apócrifos de Enoch. Mas eles  já estavam no local onde o protagonista iria subir e, portanto, obviamente ainda não incluía o próprio Enlil Ben Šaḥar. Diante do exposto é mais seguro interpretar a frase  nas linhas 14-15 da coluna XII de 1Q Isaª como “Eu escalarei os declives, [que nos servem como] pontos de observação astronômica [para delimitar o horário da jornada de trabalho]”.27 22

 QEnastr d 1 ii:4. Em: MILIK, J.T. Op cit , p 296-297.  SEPPILLI, Anita. O Diabo na Literatura e na Arte. Em: Revista do Arquivo Municipal , vol LXXXV. São Paulo, Sociedade de Etnografia e Folclore e da Sociedade de Sociologia, setembro 1942, p 34. 24  STIEGLITZ, Robert R. The Hebrew Names of the Seven Planets. In: Journal of Near Eastern Studies , Vol. 40, No. 2. EUA, The University of Chicago Press, Apr., 1981, p 135. 25  STENNING. J. F. The Targum of Isaiah. London, Oxford, 1953, p 48-49. 26  GOLDWURM, R' Hersh (ed.) Talmud Bavli : The Schottenstein daf Yomi Edition – Tractate Shabbos. Brooklin, Mesorah Publications (Artscroll), 2004, 156a 3. 27  Nos textos de Ugarit e em linguagens cognatas o planeta Vênus era chamado de Dilibat . Inexistem provas de que ele fosse personificado por Ištar ou ‘Aṯtar na Babilônia. No Egito o akh não subia com destino aos os planetas de órbita interior. O mais comum é que fosse para o paraíso celeste no cinturão de Orion ou, fortuitamente, para a constelação do crocodilo (Draco). Houve uma época em que a estrela Thuban, da constelação do crocodilo, era a estrela polar em cuja volta todas as outras estrelas pareciam girar. Por causa de uma ilusão óptica ela parecia afugentar os outros astros do seu lugar no centro do universo. Por isso os egípcios observavam-na com muita atenção. Foi assim por milênios até o dia em que o dragão adormecido também começou a mover-se no céu, expulso de seu antigo posto... Os persas representavam Draco como uma serpente comedora de homens. Uma lenda chinesa descreve tal constelação roubando e comendo o Sol ou a Lua durante eclipses (foi basicamente por isso que os chineses inventaram um golpe de Kung Fu chamado “dragão pegador de esferas” que tinha por objetivo enfraquecer o adversário arrancando-lhe os testículos). Na maior pirâmide do complexo de Gizé existem duas janelas-túneis, apontando uma para Thuban e outra para Orion, que representava Osíris, o deus castrado pela serpente Seth. — Considerando que a serpente era o totem da tribo de Dan, suspeito que se os r e pāim de Tel Dan tivessem de escolher entre ir para Draco ou Orion eles escolheriam Draco. 23

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PERGUNTA: QUAL O SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO “TODOS OS BODES DA TERRA”?  A frase de 1Q Isaa que conceitua os repāim como “todos os bodes deste chão” ( ) usa sentido figurado idêntico ao de Ezequiel 34:17, onde o deus de Israel compara as diferentes castas israelitas com ovelhas, carneiros e bodes, conforme o crescente grau de importância hierárquica. Por outro lado o Livro de Daniel   narra um sonho profético sobre um gigantesco bode ( ) que da uma chifrada nas estrelas ( ) do exército do céu ( ) para derrubá-las (Daniel: 8:8-10). Logo a seguir o anjo Gabriel explica que tudo não passa de alegoria: Ali o bode estrangeiro representa a Grécia e as estrelas são todos os povos que os gregos chamavam de bárbaros (Israel incluso).  A analogia da frase “todos os bodes da terra” ( ), em 1QIsaª, foi bastante inteligente, pois o sentido bíblico de   se refere ao antigo macho alfa de um rebanho de caprinos que perdeu o posto para outro bode. Redak sugeriu que eles representam reis e príncipes que perderam o posto pela abertura da sucessão, mas receberam sepultamento adequado.28 Noutro episódio bíblico os irmãos de José despiram-no, sepultaram-no vivo numa cisterna seca, “executaram um bode” ( ) e imergiram a vestimenta no sangue do animal para dar prova do óbito (Gênese 37: 22-31). A literatura apócrifa afirma que Aśael também foi sepultado vivo por Rafael, por ordem de deus em resposta às suplicas dos homens. 29  Anualmente romeiros israelitas iam ao suposto sepulcro de Aśael e lá soltavam o bode -expiatório. (Segundo a hipótese de Hyan Maccoby, o sorteio do bode-expiatório e da pomba no rito de purificação do leproso30 substituíram o sacrifício humano).31 É improvável, mas não impossível que o costume de comparar os r epāim aos bodes criados pelos israelitas tenha se desdobrado em lendas medievais esdrúxulas; a exemplo da assembléia de bruxos reunida para beijar o ânus do bode na ilustração do frontispício da tradução francesa do Tractatus contra sectum Valdensium  (1460) de Johannes Tinctoris.32

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 ROSENBERG, Rabbi A. J. Isaiah : A New English Translation. Brooklyn, Judaica Press, 2007, Vol 1, p 124.  4Q201, IV, v. 5. Em: MILIK, J.T. The Books of Enoch : Aramaic Fragments of Qumrân Cave 4. Oxford University Press, 1976, p 162; CHARLES, R.H. (trd). The Book of Enoch : Together with a Reprint of the Greek Fragments. USA, Kessinger, 2008, p 22-23. 30  Levítico 16:9-10 e 16:9-21. 31  MACCOBY, Hyan. The Sacred Executioner . New York, Thames and Hudson, 1982, p 35-36. 32   No séc. XIV o termo mais comum usado pela acusação em processos judiciais para referir-se às reuniões dos acusados de bruxaria era “sinagoga”, embora “sabá”, igualmente insultuoso para os judeus, se tornasse comum no século seguinte. (RUSSELL, Jeffrey Burton. História da Feitiçaria : Feiticeiros, hereges e pagãos. Trd. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro, Campus, 1993, p 59). 29

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Mosaico bizantino do século VI (São Apolinário, Ravena) representando uma releitura cristã de Ezequiel 34:17. Ao invés de YHWH organizar a escala hierárquica da sociedade israelita, aqui Jesus entrega suas ovelhas aos auspícios do anjo mais humilde, vestido de vermelho, e permite que Satanás, vestido de azul, colete todas as cabras e bodes.

PERGUNTA: QUEM PODE SE REUNIR A OS REPĀIM? E QUEM NÃO PODE? Nós já estabelecemos que o contexto da narrativa fala sobre um homem subindo uma montanha para visitar os “altares na floresta” ( ). Agora repare que não se deve confundir ‘elyōn ( ) com Elohim ( )! Isto que aparece em Isaías 14:14 não é um nome de deus, mas sim um adjetivo para homens importantes. Enlil Ben Šaḥar prometeu se portar “como um nobre” ( ) conforme os usos e costumes da época. Acontece que ele foi enterrado nos arredores daquela cidade. Os corpos dos primeiros reis eram os únicos aos quais se permitia o luxo de serem enterrados regularmente dentro de uma cidade.33 A casta dos construtores também era enterrada na cidade, só que em lugares estranhíssimos a exemplo de Abiram sepulto sob a pedra de fundação de Jericó, Segub sepulto sob o portão principal de Jericó 34 e Enlil Ben Šaḥar que escolheu ser sepultado dentro de uma cisterna artificial em Tel Dan. O contexto de 1Q Isaa  fala do momento em que os r epāim ( ) recebem um recém chegado no subsolo da cidade que, naturalmente, continha um cemitério ( ). Lá existia todo tipo de defunto, variando desde a múmia natural conservada mediante técnicas de desidratação ( ) até aquele mais maltratado, de carne podre, cheio de ovos e larvas de moscas. Tal riqueza de detalhes serve para estabelecer um contraste entre o sepultamento ideal e o indesejável. Num dado momento um morto bem conservado reclamou do aspecto de outro mal conservado: “Sua carniça zune. Abaixo pupas fazem sua cama. Um cobertor de larvas” ( ). 33

 VAUGHAN, Patrick H. The Meaning of ‘Bām â’ in the Old Testament : A study of etymological, textual and archeological evidence, p 19. 34   STAVRAKOPOULOU, Francesca. King Manasseh and Child Sacrifice : Biblical Distortions of Historical Realities. New  York, Walter de Gruyter, 2004, p 186-187.

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Isso não era nada bom. Antigamente afirmar que o corpo de um membro da elite se degradou era uma ofensa grave. É por isso que, em II Reis 1:1-3, o clero israelita ofende um interventor de uma seita concorrente chamando-o de  “Senhor das Moscas, deus de Ekron” ( ). No Egito a alma do infeliz possuidor de u m corpo degradado era condenada à segunda morte. Cada um dos mortos convocados para a assembléia está falando com e sobre todos os outros, pois no início está escrito: “Todos se cumprimentam, questionando mutuamente” ( ). A primeira pergunta deve ter sido dirigida ao anfitrião da solenidade, que estava vestido de forma tão perfeitamente adequada que os r epāim exclamam admirados: “Até vossas jóias são como as nossas, para nos imitar!” ( ). Parece que o mestre de obras foi enterrado fantasiado de rei, embora ele não fosse um rei. Este era um costume amplamente difundido. O termo que descreve as jóias de Enlil Ben Šaḥar integrava o jargão específico do culto nos bāmoṯ ê, designando qualquer peça diferente de brincos que fosse composta por filamentos.35 Por exemplo, estas contas vermelhas descobertas em Tel Dan:

Beads found between stones of the core. © 1994. The Israel Exploration Society.36 Os repāim concluíram que o imitador parecia bom o bastante para habitar entre os nobres. “Seu luxo desceu à cova” ( ) tal como um verdadeiro membro da nobreza maliku , merecedor do título ‘elyōn ( ). PERGUNTA:  V OCÊ ESCREVEU QUE O MESTRE DE OBRAS ESTAVA DEITADO EM MADHĒBĀH . O QUE É ISTO? UM CAIXÃO ? UM SARCÓFAGO? UMA PELE DE BODE? Ninguém sabe. Existem somente duas outras menções a madhēbāh, ambas com sentido incerto, nas linhas 3.25 e 12.18 do manuscrito 1QHª, em paralelo a “tumulto” e “ruína”.37 A sonoridade lembra maṣṣēbāh ( ), que 38 era a lápide com epitáfio.  A diferença é que a ma ṣṣēbāh ficava acima de um túmulo, ao ar livre, enquanto a madhēbāh ficava abaixo. Coincidentemente madhēbāh lembra o nome da cidade Mādabā ( ), citada na oitava linha da Estela de Mesha. Seria um produto importado de Mādabā? Alguns sugeriram 35

 Compare  com o feminino em Oséias 2:13.  BIRAN, Avraham. Biblical Dan. Jerusalém, T he Israel Exploration Society, 1994, figura entre as páginas 146 e 147. 37   SHIPP, R. Mark. Of Dead Kings and Dirges:   Myth and Meaning in Isaiah 14:4b-21. Atlanta, Society of Biblical Literature, 2002, p 130, nota 1. 38  IWRY, Samuel. Maṣṣēbāh and Bāmāh in 1Q IsaiahA 6:13. Em: Journal of Biblical Literature , vol. 76, nº 3 (setembro de 1957), p 227. 36

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que madhēbāh ( ) são peças de ouro ( , corrompido como ). No Talmude, Rav Yehudah fala em “recalcular tributos” ( ) enquanto a gemara  sugere o pedido de “trazer mais” ( ) riquezas (Shabbos 150a). Se você for supersticioso talvez importe saber que o espírito de Enlil Ben Šaḥar me respondeu durante um sonho que madhēbāh era um adjetivo aplicado ao espólio coletado pelos israelitas durante um episódio que inspirou o cronista do Livro do Êxodo a escrever: “Os filhos de Israel fizeram como Moisés havia dito, e pediram aos egípcios objetos de prata, objetos de ouro e roupas.  YHWH fez com que o seu povo encontrasse graça aos olhos dos egípcios, de maneira que estes lhes davam o que pediam” (Êxodo 12:35-36). PERGUNTA: O  QUE ERAM OS TRONOS DOS repāim? SERIA POSSÍVEL PRODUZIR A MUMIFICAÇÃO NATURAL POR LIOFILIZAÇÃO SE O TÚMULO ESTIVESSE CHEIO DE MOBÍLIA IGUAL À TUMBA DE TUTANKAMON?

Ibn Ezra sugeriu que os repā îm citados em Isaías 14 foram enterrados  junto aos seus tronos reais pressupondo que todos os redivivos eram reis estrangeiros.39  Mas eu não acredito que houvesse mobília de verdade nos túmulos israelitas nem que os repā îm fossem estrangeiros. Repare que a prática de enterrar o morto com sua mobília era raríssima até mesmo no Egito. Por exemplo, quando Nefer-ef-Nesu, chefe dos escultores de Gizé, decorou seu próprio jazigo na forma de um micro tumulo real ele pintou calcário para parecer granito rosa e incluiu um trono para bonecos.40 Noutros casos o trono é totalmente simbólico, tal como na seguinte oração egípcia: Fórmula para impedir que seja roubado a N. o seu lugar que é o seu trono, no reino dos mortos . – Que ele diga: “O meu lugar é o meu trono! Vinde, fazei círculo à minha volta! Eu sou o vosso senhor, deuses; vinde, depois de mim! Eu sou o filho do vosso senhor; vós pertenceisme, (pois) foi o meu pai que vos criou”.41 Quando Enlil Ben Šaḥar desejou agir como um aristocrata ( ) ele não estava ameaçando usurpar a posição de YHWH, seu deus, mas simplesmente expressando a intenção de se unir aos r epā îm. Depois que Enlil construíu seu trono  ( ) todos os repā îm levantaram dos seus tronos  ( ); ou seja, dos seus túmulos. Diante do exposto fica provado que a hipótese do uso de ilustrações ou pequenas maquetes depositadas nos jazigos é mais plausível do que o enterro da volumosa mobília verdadeira.

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 ROSENBERG, Rabbi A. J. Isaiah : A New English Translation. Brooklyn, Judaica Press, 2007, Vol 1, p 125, nota 9.  MORELL, Virginia & GARRET, Kenneth. Os Operários das Pirâmides. Em: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL . Ano 2, nº 19, novembro de 2001, p 100. 41 O LIVRO DOS MORTOS DO ANTIGO EGIPTO . Trd. Maria Helena Lopes. Lisboa, Assírio & Alvim, p 1991, p 80. 40

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FIGURA: Trono de Ahiran, rei de Tiro, esculpido em baixo relevo n a lateral do seu sarcófago de pedra (Biblos, séc. XIII a.C.). Sem sombra de dúvida Ahiran foi um dos r epā îm ancestrais. (Foto extraída da Wikipédia, verbete Ahiran).

PERGUNTA: FOI ENCONTRADA ALGUMA MÚMIA NO SÍTIO ARQUEOLÓGICO QUE COMPROVE A HIPÓTESE DA MUMIFICAÇÃO NATURAL ? Não foi encontrada nenhuma múmia em Tel Dan nem no Monte Hermon, mas havia túmulos vazios. Outros túmulos continham ossadas normais. Logo é possível que somente as múmias tenham sido profanadas e queimadas à época das reformas religiosas tão comuns na antiguidade.  Atualmente há outros mortos miraculosos naquela região. Por exemplo, o ermitão Yussef Makhluf, santo da Ordem Libanesa Maronita. Durante a vida ele percorreu as montanhas orando junto aos cedros em idioma aramaico. Yussef faleceu em 24 de dezembro de 1898 e foi sepultado pelo frade François Al Sebrini num pequeno cemitério privado do Mosteiro de Saint-Maron, em  Annaya. “O túmulo estava situado muito abaixo do nível do solo”. O chão foi preparado com “algumas pedras” sobre as quais estenderam “algumas tábuas e uma pele de cabra, e em cima de tudo isto o corpo”.42 Não havia caixão. Uma grande pedra coberta com terra fechava este túmulo incomum, parecido com uma cisterna inacabada... Na ocasião da primeira exumação em 15 de abril de 1899, dez testemunhas constataram a remoção do cadáver intacto de Yussef  junto a várias ossadas sepultas noutras camadas da cova coletiva. Os ossos forneceram um parâmetro de comparação e contraste entre a decomposição

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 DAHER, Paul. Vie, Survie et Prodiges de L’Ermite Charbel Makhlouf . Paris, Spes, 1953, p 97.

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das caveiras e o excelente estado de conservação da múmia natural. O santo foi exumado e exposto outras três vezes em 1899, 1950 e 1952.

Romeiros libaneses observam a exposição da múmia de Yussef Makhluf.

 Yussef Makhluf, exposto num caixão de vidro entre os dias 7 e 25 de agosto de 1952.43

 A propósito, quando o corpo incorrupto de Yussef Makhluf foi removido da cova coletiva em 1899, junto com várias ossadas, todos os restos mortais foram apresentados pelos monges às testemunhas presentes a fim de dar prova da ocorrência de um milagre, pois se a mumificação fosse obra da natureza então todos os mortos deveriam estar mumificados. PERGUNTA: O CETRO DOS SENTENCIADOS E O BÁCULO DOS LEGISLADORES SÃO DOIS CAJADOS DIFERENTES OU O MESMO OBJETO CHAMADO POR NOMES DIFERENTES ? O cetro dos sentenciados ( ) e o báculo dos legisladores  ( ) são dois objetos diferentes. O termo se refere a uma sentença judicial de pronúncia ou impronúncia com efeito difuso. A quebra dos cetros poderia representar a vitória sobre a morte no tribunal celeste e a conquista da eternidade. Sobretudo o versículo bíblico se assemelha ao capítulo do tablete CTA 23:8, encontrado em Ugarit, onde o folclórico “príncipe da morte” porta um par de cetros na ocasião em que é abatido pelo deus El: mt.wšr.ytb. bdh.ḫṭ.tkl. 43

 DAHER, Paul. Vie, Survie et Prodiges de L’Ermite Charbel Makhlouf , figura entre as páginas 112 e 113.

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bdh ḫṭ.ủlmn. Mot e Šar quedaram. Numa mão o cetro do luto. Noutra mão o cetro do véu-de-viúva.44

O texto funerário de Niqmaddu45 revela que muito cedo, em Ugarit, as famílias dos finados já escreviam “Livros do Sacrifício das Sombras”, invocando os r epāim para um banquete de oferendas durante o qual era julgada a aptid ão dos recém falecidos para unir-se a eles. No Egito existia um costume parecido: Os funerais eram preparados pintando “Livros dos Mortos” onde o julgamento das almas é retratado. O espírito do morto, depois de ter invocado Osíris e os 42 juizes do tribunal divino, declara que não cometeu nenhum pecado e, portanto, que merece obter a vida eterna. O deus Thot também comparecia na forma de um babuíno e os devotos seguravam flores de lótus.46 Em Tel Dan, perto dos bāmoṯ ê, achou-se cerâmica representando um macaco, flores de lótus e figuras humanas vestidas à moda egípcia. Pequenas estátuas e bustos representando reis egípcios ou fenícios portavam diferentes tipos de coroas e cetros. Uma delas foi encontrada próxima aos cacos de um dos três jarros decorados com serpentes usados pelos sacerdotes. Outro jarro continha uma cabeçinha de rei com a coroa branca de Osíris. 47  Seu padrão iconográfico é o mesmo de outra estatueta de bronze de Osíris, com cetros:

FIGURAS: Cabeça de rei com a coroa branca de Osíris e estátua de Osíris, ambas encontradas em Tel Dan.

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 CTA 23:8. Em: Gibson, J. C. L. Canaanite Myths and Legends. Londres, T & T Clark, 2004, p 123.  RS 34.126/KTU 1.1161, linha 18. Em: SHIPP, R. Mark. Of Dead Kings and Dirges : Myth and Meaning in Is aiah 14:4b21. Atlanta, Society of Biblical Literature, 2002, p 57. 46   TIRADRITTI, Francesco & LUCA, Araldo De. Tesouros do Egito do Museu Egípcio do Cairo . Trd. Maria de Lourdes Giannini. São Paulo, Manole, 1998, 301. 47  BIRAN, Avraham. Biblical Dan. Jerusalém, T he Israel Exploration Society, 1994, figura entre as páginas 146 e 1177. 45

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Supondo que YHWH seja o deus que presidia o julgamento dos mortos no reino israelita, e que os repāim exerciam a função de jurados, que função teria Osíris, um deus estrangeiro? Será que as estatuetas de Osíris e dos reis egípcios não representavam deuses e reis, mas sim homens fantasiados? Isto acontecia muito no Egito: Neste mundo os símbolos da nobreza só podiam ser ostentados pelos faraós. Porém na morte o par de cetros (khereb  e heqa ) eram adereços de domínio público. Na tumba de Ihmotep, por exemplo, foi achada uma figura shabit   devidamente paramentada com os cetros reais e a coroa branca para permitir ao espírito do arquiteto que reinasse numa realidade alternativa, num reino de faz de conta. 48 Um escultor de Tel Dan esculpiu um amuleto mortuário representando uma cena típica do Livro dos Mortos com várias adaptações. No Egito as cenas sempre mostram o perfil do falecido para que o observador conheça sua face. Em Tel Dan o morto é um homem esbelto de ombros largos e braços tão grossos quanto suas pernas esguias. Ele aparece virado de costas para o observador como se a exibição das proporções atléticas do corpo fosse mais importante do que a própria identidade facial. Este homem segura o tradicional cetro do poder diante de um trono onde, no lugar do deus Osíris, existe uma pequena figura antropomorfa com cabeça de serpente e corpo feminino. Os seios fartos e a barriga proeminente demonstram que ela está grávida. Uma escultura de cabeça similar à da deusa cobra adornava um jarro quebrado:

ESQUERDA: Amuleto mortuário proveniente de Tel Dan onde YHWH (?), na forma de uma deusa cobra, recebe um homem recém falecido. DIREITA: Possível cabeça da deusa cobra que antes adornava um jarro quebrado.

Segundo Patrick Tierney as sete figuras acima são cópias de “amuletos do séc. II a. C. ostentando símbolos judaicos: YHWH com aspectos de serpentes”.49 Observe a serpente usada como se fosse um cinto de pênis falso na figura do canto superior direito e compare com as ilustrações da página 26. 48

  TIRADRITTI, Francesco & LUCA, Araldo De. Tesouros do Egito do Museu Egípcio do Cairo . Trd. Maria de Lourdes Giannini. São Paulo, Manole, 1998, 122. 49   TIERNEY, Patrick. O Altar Supremo : Uma história de sacrifício humano. Trd. Dílson Bento de Faria Lima. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1993, p 429.

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Na mitologia egípcia o deus Osíris foi morto pela serpente (Seth) que, coincidentemente, era o animal totêmico da tribo de Dan. Daí a possível pertinência temática. No texto destacado de 1Q Isa a  o mestre de obras Enlil Ben Šaḥar foi amaldiçoado por YHWH, mas durante seu julgamento “os r epāim contestam por ti” ( ). Os outros mortos peticionam perante  YHWH assegurando a integridade moral do recém falecido. E pode não ser inútil mencionar a existência de um mito universal sobre cetros capazes de dar aos seus detentores o poder de convocar e comandar os mortos. Numa obra indiana do séc. VI o “cetro da morte” é um “estranho cetro adornado com um crânio no topo” que também pertenceu ao deus da morte,  Yama, até o dia em que ele foi assassinado pelo maligno Mahiṣa. Este espólio foi herdado por K ᾱlῑ, a deusa da guerra, que complementou seu terrível visual adornando-se com um colar de cabeças humanas (Dev ῑ -Mᾱhᾱtmya 2.22 e 7.6).50  No século X o geógrafo árabe Massudi registrou a descoberta de um templo escondido na floresta, numa montanha da Boêmia, onde “previa-se o futuro e conjurava-se a má sorte”. O templo era construído em madeira e sustentado por capitéis feitos com os grandes chifres dos animais selvagens da floresta. No centro erguia-se a “a estátua de um velho apoiado num cajado que lhe servia também para fazer saírem esqueletos de túmulos”. 51 PERGUNTA: E XISTEM FONTES COGNATAS QUE COMPROVEM O USO DE UM RITUAL PARA CHAMAR OS FANTASMAS DOS MORTOS ? J. N. Ford compilou e publicou um vasto material sobre o chamamento dos r pāim no estimado periódico acadêmico Ugarit-Forschungen .52 No Livro do Sacrifício das Sombras preparado para o funeral de Niqmaddu, rei de Ugarit, os repāim foram despertados e congregados para recepcionar o recém falecido em seu trono (seu túmulo), exatamente como ocorre em 1Q Isa a. Nesta ocasião a família de Niqmaddu lhes ofereceu um banquete de sacrifícios.53 De acordo com J. T. Milik, no período persa era o arcanjo Rafael ( ) quem chefiava os e 54 r pāim.  O livro Shem Ephraim , citado por Shlomo Yitzḥaqi, informa que o anjo da morte podia acordar e agrupar aquela casta de mortos. 55  Ainda hoje os elementos fundamentais do folclore sobre um governante do submundo continuam a subsistir nas fontes mais disparatadas. Por exemplo, um opúsculo italiano editado no séc. XVIII ensina o leitor a evocar um servo de Lúcifer que “ressuscita os mortos”. Seu nome, Frucissière, parece o da vila francesa Frucière com erro ortográfico ou uma corrupção do verbo italiano fruire  no imperfeito fruissi  com sufixo, indicando algo ‘muitíssimo apreciável’. 56 Outra obra fraudulenta, editada por Johann Weyer em 1577, menciona um e

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 COBURN, Thomas B. Encontering the Goddess : A translation of the Dev ῑ -Mᾱhᾱtmya and a study of its interpretation. Ney York, State University of New York, 1991, p 41 e 61. 51  PENROSE, Valentine. A Condessa Sanguinária . Trd. Regina Grisse Agostinho. São Paulo, Paz e Terra, 1992, p 30. 52  FORD, J. N. The “Living Rephaim” of Ugarit: Quick or Defunct? Em: Ugarit-Forschungen , Band 24 (1992), p 73-101. 53  RS 34.126/KTU 1.1161, linha 18. Em: SHIPP, R. Mark. Of Dead Kings and Dirges : Myth and Meaning in Is aiah 14:4b21. Atlanta, Society of Biblical Literature, 2002, p 57. 54  MILIK, J.T. (Ed.). The Books of Enoch : Aramaic Fragments of Qumrân Cave 4. Oxford, Oxford University, 1976. XV, p 174. 55  ROSENBERG, Rabbi A. J. Isaiah : A New English Translation. Brooklyn, Judaica Press, 2007, Vol 1, p 125, nota 9. 56  GRIMORIUM VERUM. Em: SHAH, Idries.  A Tradição Secreta da Magia . Trd. Roberto B. O. Goldkorn. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1995, p 108.

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dragão eloqüente capaz de responder as perguntas dos humanos, prestando auxílio na resolução de vários problemas da vida quotidiana, inclusive os financeiros. Este dragão governa trinta legiões de espíritos e é capaz de alterar o lugar onde os mortos se encontram, congregando os finados erguidos de seus sepulcros: Bune Dux magnus & fortis, apparet ut draco, tribus capitibus, tertium vero assimilatur homini. Muta loquitur voce: Mortuos locum mutare facit, & dæmones supra defunctorum sepulchra congregari: omnimodo hominem locupletat, redditque loquacem & sapientem: ad quæsita vere respondet. Huic legiones parent triginta .57 Kornmam afirmou no livro temático De  cadavre vivum ementife   (séc. XVII) que os judeus chamam o demônio de Príncipe dos Corpos “porque eles expulsam dos cadáveres este príncipe ou princípio impuro”. Ele compilou o testemunho fantasioso de certo Padre Armentarius que tentou realizar o ritual inverso para vivificar um filho falecido. O corpo da criança permaneceu incólume por cerca de um ano “semelhante a um cadáver vivo”, mas quando o Príncipe dos Corpos se retirou a múmia apodreceu.58 PERGUNTA: ISAÍAS 14 DESCREVE A CAPANHA MILITAR DE NEBUCHADNEZZAR II?  Acredito que o autor do séc. VII ou VIII a.C. não descreveu uma guerra, pois 1Q Isaa  atesta expressamente a ausência de inimigos naquele lugar tranqüilo onde toda a terra repousa em silencio ( ). O que seus personagens tinham era um medo justificável do vento que uiva. Até hoje, nas partes mais importantes da cordilheira do Líbano ( ) a ventania é mais perigosa do que a neve, podendo congelar pessoas em poucos minutos. Studies of the Hermon wind (…) show that winds of 50 knots are common for several months a year. Some windstorms attain what is considered to be an extremely destructive velocity: 100 to 150 knots. (In Haifa Port, loading and unloading is halted when the wind velocity reaches 30 knots, and when it reaches 40 knots all the ships are tied to wharfs).59 Lembram do episódio bíblico onde uma mulher desobedece à ordem de correr sem olhar para traz, fica parada observando o cataclismo que destrói a cidade e se transforma numa estátua de sal? (Gênese 19: 26). Pois no Monte Hermon um andarilho inapto que não souber lidar com a força da natureza pode acabar transformado numa estátua de gelo... Nada poderia ser mais heróico do que subir aquela montanha em meio à ventania, fazendo piadas! É por isso que, durante o velório, os convivas contaram um episódio da vida deste trabalhador destemido. No contexto o mestre de obras ( ) instrui um grupo de companheiros ( ) que subiu a montanha para coletar madeira. O 57

  PSEUDOMONARCHIA DÆMONUM, § 24. Em: WEYER, Johann. De praestigiis dæmonum   (1577). Digitalizado por Joseph H. Peterson © 2000. URL: http://www.esotericarchives.com/esoteric.htm Acessado em 05/06/2011 às 12h. 58  KORNMAN. De cadavre vivum ementife , p 20-21 e 103. Em: DES MOUSSEAUX, Roger Gougenot. Les Médiateurs Et Les Moyens De La Magie : Les Hallucinations Et Les Savants, Le Fantôme Humain Et Le Principe Vital. França, Nabu Press, 2010. 59  DAR, Shimon. Settlements and Cult Sites on Mount Hermon, Israel:  Ituraean culture in the Hellenistic and Roman periods. Trd. M. Erez. (BAR International Series 589). Oxford, Tempus Repartvm, 1993, p 7.

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sentido literal de  indica um pessoal “proeminente”, em ascensão social. Eles eram como os estagiários que aprendem um ofício laborando sob a supervisão de um instrutor. “Uma ventania furiosa e incessante castigava aquela equipe inabalável”. Porém o mestre de obras “perseguiu os companheiros com firmeza, sem arroxear de frio” ( ). Quando toda área estava silenciosa, 60 Rinnah   partiu um cipreste (Cupressus sempervirens ) e apresentou como se fosse cedro (Cedrus libani ). O mestre viu e ironizou:  Até os Cedros do Líbano se alegraram pelo cipreste. Depois continuou a bronquear com o lenhador amador em tom de mofa, mimetizando o discurso dos cedros para o cipreste. Daí a prosopopéia: Desde quando desabaste nenhum lenhador subiu para nos cortar!  (Isaías 14:8 segundo IQIsaª, coluna XII, linhas 9-10). O aprendizado sobre como distinguir uma árvore da outra era muito importante, pois até hoje o cipreste é conhecido no mercado como “cedro bastardo” sendo às vezes confundido com a outra madeira mais valiosa. PERGUNTA: COMO SE TRADUZ ENLIL BEN Š AḥAR ? Para todos os judeus era prática normal um homem ser conhecido como o filho de seu pai. A inclusão de um patronímico geralmente indica ou insinua que a pessoa em questão seja de alto status   social.61 Logo, certamente Enlil é intitulado Ben Šaḥar por ser filho legítimo de um israelita chamado Šaḥar.62 Este nome próprio masculino singular deriva do substantivo šaḥar ( ), referente à coloração multifacetada que o céu assume durante o crepúsculo e a aurora. No idioma dos índios tupi este mesmo fenômeno era chamado de “Céu  Vermelho” (ibiporanga ). Na Bíblia esse era o horário ideal para se executar criminosos. Até os anjos fogem quando šaḥar está chegando. Como se não bastasse um homem ter um nome assim tão ‘poderoso’, ele ainda soube escolher outro nome à altura para o seu filho! O imperativo é uma forma relacionada (hiph'il ) do verbo chorar, utilizado dentro do contexto do culto aos mortos.63 Ou seja, trata-se do choro das carpideiras mas também daquele som agudo produzido pelo vento que até hoje as pessoas associam ao murmúrio das almas dos mortos. Naquela época Enlil era o nome de um monte de pessoas, uma multidão de fantasmas, um monte de deuses, etc., assim 60

  Nos tempos bíblicos Rinnah ( ) era um nome masculino. Provém do radical   (alegria) e indica um “cantor alegre”. Um dos descendentes de Judá tinha este nome (I Crônicas 4:20). 61   GOODMAN, Martin.  A Classe Dirigente da Judéia : As origens da revolta judaica contra Roma, 66-70 d.C. Trd.  Alexandre Lissovsky e Elisabeth Lissovsky. Imago, p 124. 62  Gibson se equivocou ao associar este Ša ḥar com o semideus Šaḥar, meio-irmão de Šalem, mencionado nas placas CTA 23 e KTU 1.23 de Ugarit. (GIBSON, J. C. L. Canaanite Myths and Legends . London, T & T Clark, 2004, p 29, nota 1). Pelo abismo temporal que separa ambas as fontes aquele ente mitológico poderia ser, na melhor das hipóteses, somente o pai epônimo do clã dos Ben Šaḥar. 63 GESENIUS, Wilhelm. Commentar über den Jesaia. Leipzig, Friedr. Christ. Wilh. Vogel, 1821, p 480.

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como Maria é nome de um monte de portuguesas, um monte de beatas, um monte de santas, etc. É por isso que quando William Gallagher selecionou documentos pelo critério da contemporaneidade e proximidade topográfica, ele descobriu que “as fontes são tão numerosas e as informações tão variadas que illil   é, sobretudo, um termo coletivo para indicar qualquer coisa”. 64  Como o manuscrito 4EnGiantsc  menciona Gilgameš ( ) entre os filhos dos 65 vigilantes , talvez não seja inútil lembrar que o folclore de Ugarit descrevia o rei Gilgameš como descendente de um gênio lillû (ab-ba-ni li 2-la2).66 Tanto o nome masculino Enlil ( ) quanto o feminino Lilith ( )67 são cognatos à antiqüíssima raiz LIL e muitos acreditavam na possibilidade de interagir com os lilim durante sonhos noturnos, visões diurnas e delírios de febre.68 PERGUNTA: QUEM ESCREVEU IQ ISAª? Isaías certamente não produziu esta cópia específica. Em Ḫirbet Qumrân existe uma montanha cheia de cavernas que funcionava como um shopping de manuscritos. Nós sabemos que a livraria-editora ( ) da quarta caverna pertencia ao clã dos Bnei Šaḥar ( ), emigrado de Israel, pois felizmente os seus antigos proprietários guardaram uma missiva criptografada, notóriamente de caráter privado, contendo “palavras do Maskīl para todos os Bnei Šaḥar” ( [ ]).69  A análise filológica determinou que os manuscritos catalogados como 1Q a Isa  e 1QS, achados na 1ª caverna, foram escritos em ortografia idêntica à da fonte donde foi copiado 4Q Enc, produzido para o comércio na 4ª caverna.70 Portanto é perfeitamente possível que o documento histórico relatando o funeral de Enlil Ben Šaḥar tenha sido preservado, copiado e vendido pelo próprio clã dos Bnei Šaḥar. (Eles também são autores de todas as cópias dos livros de Enoch aramaicos e outros tratados sobre vigilantes capitalistas, pais de gigantes híbridos, os quais foram somente descobertos naquela loja). PERGUNTA: QUANDO ISTO ACONTECEU? Embora a data do manuscrito disponível (150-100 a.C.) não condiga com a data presumível dos fatos narrados (860-820 a.C.), a referência a um grande abalo sísmico ( ), a menção ao sepultamento cuidadoso de homens sob as pedras da cisterna  ( ), sob o piso da cisterna seca  ( 64

  GALLAGHER, Willian R. On the Identity of Helel ben Sahar of Is. 14:12-15. Em: Ugarit-forschungen , nº 26.  Alemanha, Verlag Butzon & Bercker Kevelaer, 1994, p 145. 65  MILIK, J.T. The Books of Enoch : Aramaic Fragments of Qumrân Cave 4. Oxford, Oxford University Press, 1976, p 29313. 66  Epopéia de Gilgameš (iii 18). Em: SHIPP, R. Mark. Of Dead Kings and Dirges : Myth and Meaning in Isaiah 14:4b-21.  Atlanta, Society of Biblical Literature, 2002, p 92-93. 67   Na mitologia Lilith interage com um ídolo cabeludo ( ), com os sacerdotes ṣiyyim ( ) com os penitentes eremitas ( ), com os romeiros das ilhas ( ) e os chacais ( ) enquanto as filhas da gula ( ) vão às festas só para comer, fingindo participar do culto (Isaías 34:13-14). Talvez os ṣiyyim sejam os “entendidos em conjurar Leviatã” citados em Jó 3:8 (compare com Salmos 74:9 e 74:14). De acordo com Édouard Langton, os adjetivos ‘och ı̂ym,  ‘iyyim e tannim   derivam de radicais no sentido de “uivar” ou “gemer de forma contínua e dissonante”. ( Lá Démonologie:   étude de la doctrine juive et chrétienne son origine et son développement. Trd. G. Waringhien. Paris, Payot, 1951, p 51-52). 68  PATAI, Raphael. The Hebrew Goddess . New York, KTAV, 1978, p 228-229. 69  4Q Mysteriesª (4Q298). Em: MARTÍNEZ, Florentino García & TIGCHELAAR, Eibert J. C. The Dead Sea Scroll Study Edition : Volume 1 (1Q1 – 4Q273). New York, Brill, 1997, p 656-657. 70  MILIK, J.T. The Books of Enoch : Aramaic Fragments of Qumrân Cave 4. Oxford, Oxford University Press, 1976, p 23.

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) e o fato do texto fazer juízo de valor positivo dos bāmoṯ ê “que tanto nojo causavam aos últimos profetas” 71  são elementos suficientes para fixar o contexto narrativo na segunda idade do ferro. O primeiro documento descreve o enterro de Enlil Ben Šaḥar logo após a invenção da cisterna artificial com revestimento impermeável e sua respectiva implementação naquela cidade. 72 O segundo documento descreve a exumação de alguém após a ocorrência de um terremoto cuja magnitude foi estimada por volta de 8.2 na escala Richter, que destruiu numerosos sítios arqueológicos em meados do 8º século a.C. PERGUNTA: ENLIL BEN Š AḥAR FOI MORTO POR YHWH?  YHWH não mata ninguém em narrativas históricas (só nas míticas), pois deus é um ente abstrato; mas comumente quando alguém morre as famílias dizem que isso aconteceu porque ‘deus quis’ ou porque ‘chegou sua hora’. Uma das formas de se traduzir 1Q Isa a  fornece instruções aos responsáveis pelo velório para sepultar Enlil Ben Šaḥar e prestar luto:  — Entoai lamentações. Aprisione o mestre de obras deitado [em] madhēbāh. Ore: “YHWH quebrou o cetro dos sentenciados [e o] báculo dos legisladores”. Na carta remetida pelo Maskīl aos Bnei Šaḥar de Ḫirbet Qumrân, o líder comunitário informa que deus “rebaixou o lugar de Šaḥar” ( [ ]) 73 para o “mais profundo abismo”  ([ ] ).   Portanto a hipótese de sacrifício humano não está completamente fora de cogitação. Como a profissão era herdada de pai para filho, provavelmente o epíteto “mestre de obras” ( ) servia para Enlil e Šaḥar. De acordo com Francesca Stavrakopoulou, os construtores estavam expostos ao regramento ético da classe e, à época, era esperado que eles fossem capazes de proteger suas obras ofertando sacrifícios humanos. Por exemplo, quando o arquiteto Hiel reconstruiu Jericó ele foi amaldiçoado ante YHWH e incumbido de sacrificar dois de seus filhos. Abiram, o primogênito, foi enterrado sob a pedra de fundação. Seu irmão Segub foi enterrado sob o portão principal da cidade (Josué 6:26 e 1 Reis 16:34).74 Em nosso caso parece que o mestre de obras girou um dado pião sobre a tabuleta ou pôs em movimento qualquer outro artefato usado em jogos de azar. Quando o objeto parou o árbitro revelou o resultado: “Enlil Ben Šaḥar, você perdeu esta rodada!” 75 ( ). O fato foi e lastimado pelos r pāim que levantaram a hipótese de alguém haver rogado 71

 FRAZER, J.G. El Folklore em el Antiguo Testamento . Trd. Gerardo Novas. México, Fondo de Cultura Econômica, 1981, p 458. 72  Na Estela de Mesha (851–842 a.C.) o rei de Moabe narra o planejamento e construção de  um bāmāh em honra de Kemoš que seria o ponto central de uma nova cidade, Karchoh, com reservatório público e cisternas particulares. Um grupo de prisioneiros de guerra israelitas, devotos de YHWH, foi capturado e instruído nas técnicas de construção de cisternas artificiais com revestimento impermeável para servirem como escravos. Foi somente após a libertação ou fuga de um ou mais escravos cativos que as novas técnicas foram levadas para Israel. 73  4Q Mysteriesª (4Q298). Em: MARTÍNEZ, Florentino García & TIGCHELAAR, Eibert J. C. The Dead Sea Scroll Study Edition : Volume 1 (1Q1 – 4Q273). New York, Brill, 1997, p 656-657. 74   STAVRAKOPOULOU, Francesca. King Manasseh and Child Sacrifice : Biblical Distortions of Historical Realities. New  York, Walter de Gruyter, 2004, p 186-187. 75 significa “colocar em uso” e o cognato representa algo “utilizável”.

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praga para fazê-lo perder. Eles questionam ao jogador: “Você se prosternou no solo [e foi] azarado (ḥlš) pelas costas?” ( ). Ou seja, os redivivos sugerem que Enlil Ben Šaḥar foi atraiçoado enquanto realizava uma reverência universalmente conhecida no mundo antigo, chamada em sânscrito de aṣṭāṅga, onde mãos, peito, fronte e pés tocam o solo.76 PERGUNTA: ENLIL BEN Š AḥAR FOI APUNHALADO PELAS COSTAS? Eu acho que não, apesar de haver autores de peso afirmando isso. R. Mark Shipp acatou a sugestão de Van Leeuwen e ambos traduziram  como “helpless on your back”.77 Essa tradução é inverossímil, posto que o homem sorteado não morreu imediatamente. Ele teve tempo de discursar a respeito e realizar seu último desejo, que foi o de construir um jazigo perpétuo na área periférica ao norte do cemitério dos repāim. Como um moribundo, mortalmente ferido, seria capaz de carregar pedregulhos para a montanha, escavar e cimentar um túmulo no formato de uma cisterna? PERGUNTA: POR QUE ENLIL BEN Š AḥAR N ÃO FUGIU SABENDO QUE IA MORRER ? Talvez não pudesse. Talvez não quisesse. Depois que Jefté prometeu sacrificar sua filha para YHWH, a menina correu em sua direção dançando e tocando tamborim (Juízes 11: 29-31). Jefté cumpriu o voto e foi promovido a  juiz de Israel. A menina que seria apenas uma mulher comum caso permanecesse viva tornou-se uma santa cujo túmulo atraía peregrinos de toda parte, instituindo-se uma procissão anual em sua homenagem.  A história (...) fazia parte de um costume nada ambíguo da Idade do Ferro de sacrificar crianças em troca de sucessos militares. O rei Mecha de Moab imolou seu filho nas muralhas de uma cidade moabita sitiada (2 Reis 3,27). Agamenon sacrificou sua filha Ifigênia para ter ventos favoráveis para a esquadra grega que partia para conquistar Tróia. Idomeneus, um dos gregos que retomavam triunfantes de Tróia, fez uma promessa bastante semelhante à de Jefté — sacrificar a primeira criatura que encontrasse fora de casa. Aconteceu ser seu próprio filho e ele o matou. O grego Meandro, da mesma maneira, prometeu que sacrificaria as primeiras pessoas que o congratulassem pela vitória militar na Anatólia. O infeliz grupo consistia de sua mãe, esposa e filho. Talvez todas estas promessas vagas, seguidas por encontros  “casuais” com membros próximos da família do líder militar tenham sido

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Gĕwî ( ) é um termo arcaico singular que se encaixa adequadamente na análise sintática da frase e em seu contexto, sendo usado para descrever as costas de um homem. O hebraico moderno apresenta o termo plural gôyîm ( ) em Isaías 14:6, 14:9, 14:12 e 14:18, conceituado como um adjetivo pejorativo equivalente aos “bárbaros” (βάρβαρος) do idioma grego. Dizer-se que os repāim eram gôyîm seria faltar com respeito mesmo se alguns deles fossem estrangeiros e, naturalmente, IQ Isaª não menciona gôyîm em lugar nenhum. Na linha 14 da coluna XII a palavra correspondente em Isaías 14:12 é gĕwî. Nas linhas 8, 11 e 19, da coluna XII, a palavra correspondente em Isaías 14:6, 14:9 e 14:18 é  (proeminente). Foi só no códice Firkovich B 19 que tudo virou gôyîm para concordar com a deforma, digo, reforma do Targum . [LEEUWEN, Raymond C. Van. Isa 14:12, Ḥôlēš ‘al gwym and Gilgamesh XI, 6. Em: Journal of Biblical Literature , Vol. 99, Nº 2 (Jun., 1980), p 175, 179, etc]. 77  SHIPP, R. Mark. Of Dead Kings and Dirges . Atlanta, Society of Biblical Literature, 2002, p 131, nota 7.

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anteriormente coreografadas com cuidado. De qualquer maneira, seguiam uma fórmula ritual bem conhecida no mundo antigo.78 É possível que Enlil estivesse esperançoso de que o seu túmulo se tornasse objeto de romaria após o sacrifício ritual. Ao deixar de ser um mero mortal para se reunir aos repāim ele também deixou de ser mestre de obras, passando a exercer função análoga a do alegórico Governador do Norte 79 que aplacou a ira do Deus Rei afiançando a integridade moral de Israel numa parábola do Bahir 34-35, publicado em 1176: Todas as direções (Ruach-ot ) estão fechadas, exceto o norte, que está aberto ao bem e ao mal. (...) Por exemplo: Um rei queria punir e açoitar seus escravos. Um governante se levantou e perguntou o motivo. O rei apresentou suas razões. O governador objetou: “Seus escravos jamais fizeram tal coisa. Serei fiador deles até investigar-se o ocorrido. Primeiro investigue e depois castigue”. Enquanto isso a raiva do rei foi acalmada. 80

Nesta parábola o “escravo” é o monarca de Israel que deveria responder pelas faltas da nação perante o Deus Rei. O Governador do Norte faz-se fiador daquele a quem deus deveria fulminar com sua ira. Subentende-se que o homem sorteado como fiador expirava as faltas do afiançado morrendo em seu lugar e, conseqüentemente, impedindo a desgraça do próprio Reino de Israel. Nesta hipótese um cidadão comum poderia ser transformado em anjo, na categoria do repāim, adquirindo status  de santo padroeiro da nação. PERGUNTA: COMO ERA FEITO O SORTEIO? QUAIS ERAM AS REGAS DO JOGO? Não há detalhes sobre as regras do jogo em IQ Isaª. Em 1836 o arqueólogo Igael Iadin encontrou runas gregas (ὄστρακον) e corpos sepultados dentro de cisternas na antiga fortaleza de Massada, onde ele supôs que um grupo de mártires tenha sorteado vidas humanas na primavera do ano 73. A informação sobre o uso de um jogo de azar em Isaías 14:12, seguido do sacrifício do perdedor para solucionar problemas econômicos, provém de um debate entre rabinos onde foi firmado consenso de que o jogo supostamente descrito em era essencialmente o mesmo praticado entre as famílias judaicas para dividir guloseimas entre as crianças. De acordo com o Talmude , antigamente a classe sacerdotal também dividia as oferendas de comida doadas à sinagoga para sua alimentação por este meio (Shabbos, 149b).

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 TIERNEY, Patrick. O Altar Supremo : Uma história do sacrifício humano. Trd. Dílson Bento de Faria Ferreira Lima. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1993, p 419. 79  Dependendo da versão consultada a função do “governador” é escrita como  (Ms. Munich, hebr. 209), (Ms. Or. 832 da British Library) ou  (Ms. 3086 da Biblioteca Casanatense). Em todos os casos o hebreu deriva do grego hegemon . A tradução latina de Flavius Mithridates usa o termo episcopus . 80   CAMPANINI, Saverio. The Book of Bahir : Flavius Mithridates’ Latim Translation, the Hebrew Text and an English  Version. Torino, Nino Aragno Editore, 2005, p 259.

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Modelo de dado pião usado para sortear doces nos jogos de ḥănukkāh.

Em 1Q Isaª o verbo ḥlš indica o ato de perder a partida.81 Ḥlš ( ) era o antônimo de gbr ( ). Ambos representam respectivamente o cansaço e a virilidade físicos ou o fracasso e a vitória abstratos. 82 O plural de gbr é gibbōr îm ( ) cujo antônimo é nephilîm ( ). Mas não está escrito que Enlil Ben Šaḥar figurava entre os nephilîm. Pelo contrário, ele foi imediatamente aceito entre os repāim ( ). As testemunhas estavam insatisfeitas, informando que o perdedor não era um fraco: Ele enfrentava até o vento das montanhas! PERGUNTA: E XISTE ALGUMA PROVA BÍBLICA DO SACRIFÍCIO HUMANO DE ISRAELITAS SORTEADOS ?  Anteriormente comentamos que 1Q Isaa convida a “entoar lamentações” ( )83 pela morte de um homem. A frase  revela que a causa da morte: Enlil Ben Šaḥar perdeu uma aposta, cavou um túmulo e morreu. Não está escrito que ele foi sacrificado embora tal hipótese seja plausível. Afinal, como um sujeito tão saudável poderia saber que ia morrer em breve? Isso também aconteceu com Acã, o soldado sorteado por Josué para expiar a culpa coletiva do exército pela derrota de Israel na primeira batalha contra Hai. Após fazer Acã repetir um discurso ritual de responsabilidade, a comunidade o apedrejou até a morte. Erigiram um monte de pedras sobre seu corpo e denominaram o lugar de “vale de Açor”, em honra de Acã. Quando as tropas israelitas finalmente ganharam a guerra o rei da cidade vencida foi enforcado e, tal como foi feito com Acã, sobre seu corpo foi erigido um monumento funerário feito de “um grande monte de pedras” (Josué 8:29).84  A seqüência conhecida, mas não preservada, de uma narrativa dos fragmentos aramaicos de I Enoch prossegue informando que um “vigia” ( ) 85 chamado Aśael foi sepultado por Rafael ( ) , por ordem de YHWH, numa

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 GOLDWURM, R' Hersh (ed.) Talmud Bavli : Tractate Shabbos. Brooklin, Artscroll, 2004, 149b 3.  LEEUWEN, Raymond C. Van. Isa 14:12, Ḥôlēš ‘al gwym and Gilgamesh XI, 6. Em: Journal of Biblical Literature , Vol. 99, Nº 2 (Jun., 1980), p 176-177. 83   Poder-se-ia traduzir perfeitamente “Onde o mestre de obras sentará... ”, mas a expressão “Entoai lamentações ” é muito boa para iniciar um opúsculo posto que o termo lamentações  ( ) também foi usado como título de um livro bíblico. 84   TIERNEY, Patrick. O Altar Supremo : Uma história de sacrifício humano. Trd Dílson Bento de Faria Lima. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1993, p 418. 85  Sobre um exemplo de soldados humanos, todos vivos, representando voluntariamente Rafael, Sariel, Gabriel e Miguel no momento em que o quarteto de “arcanjos” combate um exército inimigo que representa involuntariamente Belial, veja  A Regra da Guerra   (1QM, coluna 8, linhas 15 e 16). Sobre o exemplo do espírito de um ser humano morto, chamado Azarias, representando voluntariamente Rafael (‘Ραφαήλ), leia a narrativa completa do Livro de Tobias . 82

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área desabitada chamada Δαδουηλ (busto divino).86 Sua cova era revestida de  “pedras ásperas e pontiagudas”.87  Tal como os arquitetos, o vigia foi julgado culpado por modificar a função dos recursos da natureza:  Aśael ensinou os homens a fabricar espadas de ferro e couraças de cobre e lhes mostrou o que se escava e como poderiam trabalhar o ouro para deixá-lo preparado; e quanto à prata, a lavrá-la para braceletes e outros adornos para as mulheres. Às mulheres revelou acerca do antimônio e acerca do sombreado nos olhos e de todas as pedras preciosas e sobre as tinturas (4Q202, coluna II, v. 26-29).88 Considerando que o túmulo de Aśael existia e era anualmente visitado por numerosos romeiros israelitas, que lhe sacrificavam um bode (Levítico 16:810 e 26), suponho que este personagem não era um ente mitológico. Como este nome era escrito cada vez de uma forma diferente ( ; ; ), poder-se-ia considerá-lo uma corrupção mnemônica de Hazael ( ), regente de Aram-Damascus (c. 842 BC-805 BC) ou de Asa ( ), rei de Judá (908-867 BC). Inclusive um documento da cultura yazīdī informa que, antes de se tornar um anjo, Azazīl ( ) era humano, descendente em linha paterna de Šehar Ben Jebr e foi apelidado de Rei Pavão ( ).89 Nos fragmentos de Ḫirbet Qumrân ele caminha sobre o Monte Hermon ( ) na companhia de Ḥermonî ( ), Kôkabel ( ) e Danî’el ( ), cujos nomes estão relacionados indiretamente à matéria ou a topografia descrita em 1Q Isa a. PERGUNTA: Na minha Bíblia está escrito: “Nas profundezas, o cemitério se agita por causa de ti, para vir ao teu encontro; para receber-te despertou os mortos, todos os potentados da terra, fez erguerem-se dos seus tronos todos os reis das nações” (Isaías 14:9). O que isto significa? É o dia do juízo final quando os mortos ressuscitam?  Atualmente os judeus acreditam que a alma do morto, chamada de neshamá ( ), fica pairando sobre o túmulo esperando o dia do juízo final coletivo, quando todos ressuscitarão e terão vida eterna. Antigamente os israelitas do Reino do Norte não acreditavam em julgamento coletivo nem em ressurreição. Assim como os egípcios, eles pensavam que o julgamento da alma do morto acontecia logo após o óbito e que os mortos nunca mais voltariam a andar. Contudo os fantasmas interagiam, conversavam e até voam! Nesta ocasião solene YHWH escutava a opinião de um júri constituído pelos repāim. Caso o recém falecido fosse inocentado ele seria habilitado para fazer várias coisas. Por exemplo, poderia atuar como jurado na ocasião do próximo óbito. Poderia ser chamado para abençoar casamentos. Poderia comparecer numa espécie de sessão mediúnica para dar conselhos aos vivos e receitar remédios. 86

 MILIK, J.T. (ED.), WITH THE COLLABORATION OF MATTHEW BLACK. The Books of Enoch : Aramaic Fragments of Qumrân Cave 4. Oxford, Oxford University Press, 1976, p 30, nota I. 87  CHARLES, R.H. (trd). The Book of Enoch:  Together with a Reprint of the Greek Fragments. USA, Kessinger, 2008, p 22-23. 88  MARTÍNEZ, Florentino García. Textos de Qumran. Trd. Valmor da Silva. Petrópolis, Vozes, 1995, 290. 89  JOSEPH, Isya. Devil Workship : The Sacred Books and Traditions of the Yezids. 1919, p 37-38.

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Em troca do seu auxílio os devotos lhe ofertariam sacrifícios de animais. Enfim, enquanto o morto não fosse esquecido ele jamais sairia da vida comunitária. O capítulo 14 de Isaías informa que a comunidade realizou um ritual para congregar os repāim. Eles foram despertos ritualisticamente dentro dos seus respectivos túmulos para recepcionar, avaliar e contestar em favor de um novo companheiro recém falecido durante o julgamento que determinaria se ele estaria apto a se unir à congregação ou se deveria sofrer a segunda morte. Na parte correspondente do manuscrito 1Q Isaa (séc. 100 a.C.) está escrito:  — As covas do cemitério se agitam por ti.  — A necrópole te recepciona.  — Os repāim peticionam por ti.  — Todos os bodes da nação, todos os grandes reis levantaram dos seus tronos.

Embora fossem entidades benéficas, os repāim eram o que havia de mais parecido com o vampiro europeu no reino israelita do norte até o séc. VIII a.C. Eles eram mortos cujos corpos permaneciam em bom estado de conservação por causa da forma que foram enterrados. Eles curavam os aliados e adoeciam os inimigos do reino. Os repāim eram alimentados de forma regular ou eventual pela oferta de sangue e gordura de animais kosher . Devotos vertiam pequenas quantidades de sangue em honra aos mortos fazendo um corte no centro da testa ou furando o lóbulo de uma orelha. Eles conversavam com os vivos durante sonhos noturnos, visões diurnas, ou com o auxílio de um médium. Havia mitos sobre a descendência pós-morte dos r epāim, dita yelîde hārāpāh; superstição que custou a vida de alguns enfermos de gigantismo e polidactilia.90 Os repāim são a “aristocracia entre os mortos”.91 Aquela nação milenar possuía centenas de governantes históricos para honrar, somando desde a realeza maliku   de Ugarit até os últimos juizes de Israel. Por esta razão creio que a forma mais adequada de interpretar a expressão  repetida nas linhas 11 e 19 de 1QIsaª é traduzi-la como “todos os grandes reis”. Quando o adjetivo  aparece isolado na linha 8 ele apenas conceitua a grandeza da força física e psicológica dos companheiros que estudam sob a supervisão de Enlil Ben Šaḥar, carregando madeira e trabalhando na construção do jazigo do mestre. A conclusão da obra mestra é o momento em que os instruídos sacrificam o instrutor e selam o seu jazigo perpétuo. Modernamente a alegoria da morte do arquiteto representa “a certeza de que todo sacrifício é a chave de uma satisfação futura”. 92 Considerando que o rāphā é quase um anjo, unir-se aos repāim devia ser insofismavelmente um bem. Para garantir sua vaga no cargo um plebeu necessitaria ser eleito para participar como vitima no ritual de sacrifício de um falso nobre intitulado mōlek. Então seus descendentes vivos tornar-se-iam nobres verdadeiros. No caso de Enlil Ben Šaḥar os repāim fizeram juízo de valor positivo sobre o recém chegado. Todos ficaram admirados com seu vestuário, 90

  FORD, J. N. The “Living Rephaim” of Ugarit: Quick or Defunct? Em: BUTZON Verlag & KEVELAER, Bercker (ed.) Ugarit-Forschungen:   Internationales Jahrbuch für die Altertumskunde Syrien-Palästinas. German, Neukirchener Verlag Neukirchen-Vluyn, 1992, band 24, p 88. 91   FORD, J. N. The “Living Rephaim” of Ugarit: Quick or Defunct? Em: BUTZON Verlag & KEVELAER, Bercker (ed.) Ugarit-Forschungen : Internationales Jahrbuch für die Altertumskunde Syrien-Palästinas. German, Neukirchener Verlag Neukirchen-Vluyn, 1992, band 24, p 97. 92 RITUAL DO GRAU DE MESTRE-MAÇON (GR .'. 3). Minas Gerais, Grande Loja de Minas Grais, 1976, p 9- 10.

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questionando: “Até vossas jóias são como as nossas, para nos imitar?” Logo depois o texto fornece mais duas possibilidades de avaliação aplicável aos demais congregados, dando a entender que os mortos se dividem em três classes contendo 1) o imitador do rei (mōlek?) suficientemente bem apresentado, 2) os verdadeiros maliku  com túmulos luxuosos e 3) os putrefatos que foram enterrados sem cuidados especiais.  As avaliações do rico e do putrefato são exemplificativas. O contraste ente o luxo de um e a podridão de outro indica a necessidade de conservar os corpos. Afinal, não faria sentido um morto recriminar o aspecto de outro morto em estágio avançado de decomposição nem gabar-se de possuir um túmulo limpo se em vinte e quatro horas ele também se enchesse de larvas e pupas de moscas varejeiras. (Em 1994, arqueólogos da Inspetoria de Antiguidades do Egito descobriram múmias de homens circuncidados, enterrados entre os séculos I a.C. a III d.C., dentro de grutas na montanha do oásis de Kharga. 93 Porém não havia necessidade dos israelitas importarem técnicas egípcias. Elementos textuais indicam que eles sabiam que é possível mumificar um corpo mediante liofilização depositando-o numa cisterna escavada no alto de uma montanha. Este sepulcro de terra e pedra mantém a temperatura da cova uniforme durante todo o ano, enquanto que ar e luz, necessários para o crescimento de bactérias são praticamente excluídos). PERGUNTA: O QUE ESTÁ ESCRITO NO SEGUNDO DOCUMENTO? O segundo documento é uma notícia anexa sobre a exumação de corpos soterrados debaixo dos escombros de seus lares após a ocorrência de um terremoto. Os poucos corpos resgatados e conservados por meio de técnicas rudimentares de liofilização foram reunido aos r epāim. O sacerdote conversa indistintamente com pessoas vivas e mortas consolando a todos: 2º DOCUMENTO:

— A testemunha narrou a notícia detalhadamente para o homem ouvir [sobre] um estrondoso abalo sísmico nos reinos [que] fez do país um deserto: “A cidade despedaçou; os soterrados94  não saem dos [escombros dos] seus lares”. [A presença dos repāim foi requisitada durante ‘sessões espíritas’ emergenciais:]  “Todos os grandes reis baixam honrados [na] casa do homem”. [O sacerdote felicitou o cadáver de um nobre vitimado pela tragédia, liofilizou-o e adornou dentro dos padrões estéticos da cultura local, que não diferiam muito do gótico moderno. No velório ele e stava “terrivelmente” bem vestido:] Tu foste exumado95, ramo de nobre árvore genealógica (nēṣer ). 93

 ARNT, Ricardo. Múmias plebéias. I n: Super Interessante , ano 12, nº 4. São Paulo, Editora Abril, abril de 1998, p 36.  Rashi e Redak sugeriram que o termo equivale à prisão domiciliar perpetuada até a morte do prisioneiro. (Cf: ROSENBERG, Rabbi A. J. Isaiah : A New English Translation. Brooklyn, Judaica Press, 2007, Vol 1, p 127, nota 17). 95  Saul M. Olyan observa que o idiom  (Hiphil / Hophal) com   ocorre no sentido inequívoco de lançar algo ou alguém “do ponto A para o ponto B”. Uma dessas ocorrências é uma forma passiva do verbo  usada em Isaías 94

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[Sua aparecia é] terrível [por estar] vestido de sa crificados! [Sua mortalha foi costurada com partes dos] perfu rados pela lâmina! Seque [e] seja descido par a a cisterna pedregosa, múmia liofilizada. [A seguir o sacerdote tenta consolar os r epāim pela perda definitiva dos seus descendentes e conterrâneos que não puderam ser reunidos a eles:]  Vocês não se reunirão na sepultura porque a terra corrompeu os outros. Nunca mais será revelado o nome da semente que quebra pedras. [Finalmente o sacerdote volta a falar com os vivos congregados na cidade e lhes instrui sobre como fabricar parte do traje típico dos novos r epāim:]   — Sacrifique sua roupa íntima curtindo [os membros dos] contraventores juridicamente desembaraçados.  — [Para que não haja] nenhuma vingança [por parte da parentela] recolham [somente os] incircuncisos pobres e desfigurados sobre o solo nas cidades.

Um detalhe merece atenção especial. O ministro religioso fala aos r epā îm sobre o temor de que nunca mais seja revelado o nome da semente que fraciona as pedras ( ). Qual seria a relação de causa e efeito entre o terremoto e a revelação do grão inominado, rotulado como uma “semente destruidora” ou “semente esmigalhadora” ( )? Será que isto era um segredo industrial? De acordo com um conto folclórico narrado no Talmude (B. Gittin 68a-b) a palavra perdida é shamir  ( ), referente à espiga do milho comum (Zea mays ) cultivado como ração para galináceos. A função do rei dos mortos sepultado numa cisterna era contar a estória da espiga aos novos construtores por intermédio de um interprete:  — Não me foi confiada sua guarda.   — Seu depositário fiel é o Mestre do Mar  — e ele entregará somente ao galo selvagem a quem ele prometeu emprestar.  — O que [o galo selvagem] faz com ela?  — Ele a leva para as montanhas onde não há vegetação,   — a deixa sobre o cume da montanha,  — até abrir rachaduras na pedreira.  — Então ele coleta sementes das árvores, joga-as ali e elas brotam.  — [A montanha] se torna verdejante.  — É por isto que chamamos [o galo] de “quebrador de montanhas”.96

14:19 para descrever o ato enquanto a preposição  indica o lugar de onde o sujeito do verbo foi removido. Com base nestas constatações Saul M. Olyan conclui que Isaías 14:19 se refere a um nobre que foi enterrado e seu corpo exumado. Eu só tenho a acrescentar que este nobre não era o mesmo Enlil Ben Ša ḥar citado acima, nem o Rei da Babilônia, e ele não foi enterrado por pessoas, mas sim soterrado pelo terremoto e depois exumado dos escombros para receber um funeral digno. (OLYAN, Saul M. Was the “King of Babylon” Buried Before His Corpse Was Exposed? Some Thoughts on Isa 14,19. Em: MITTEILUNGEN . Berlim, Setembro de 2006, Vol 118, nº 3, p 423). 96  GOLDWURM, R' Hersh (ed.) Talmud Bavli : Tractate Gittin. Brooklin, Mesorah Publications (Artscroll), 2001, p 68b 1.

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 Arqueólogos descobriram que a mágica arquitetônica do fracionamento das pedreiras era comumente feita no mundo antigo jogando-se sementes em pequenas fendas nas rochas, abertas com cuias de madeira molhada. Ao germinar as raízes causavam fissuras e, por volta da terceira colheita de milho, alguns blocos se desprendiam da montanha. Mas os israelitas acataram o tabu com tanta firmeza que, embora o milho fosse conhecido e cultivado, nenhum manuscrito hebraico ou aramaico nomeou-o antes da era cristã. No folclore o furto da espiga de milho pelos seres humanos fez com que a estória terminasse tragicamente com o suicídio do galo selvagem, chamado duchifas  (  ou ), envergonhado pela impossibilidade de cumprir a promessa de emprestar sua preciosa espiga para o Mestre do Mar. 97 PERGUNTA: COMO OS R EPĀÎM PODERÍAM ESTAR “ VESTIDOS DE SACRIFICADOS”? Essa frase é bizarra. As roupas íntimas foram costuradas com pedaços de couro humano curtido, furtado dos cadáveres vitimados pela catástrofe. Como a circuncisão não era obrigatória no Reino de Israel o critério da observação não seria útil para diferenciar os cadáveres israelitas dos estrangeiros. Então para que o ministro religioso manda espoliar partes dissecadas de “incircuncisos”? Será que só servia órgãos não circuncidados porque a “roupa íntima” fabricada pelo ministro religioso era um cinto de fertilidade98 à moda egípcia?

1º: Baixo relevo no palácio de Khorsabad mostrando o brinco de ānkh com um dedo amputado usado pelo rei Sargão II. 2º: Detalhe de uma estátua votiva egípcia do período dinástico primitivo representando o cinto de fertilidade com penduricalho em forma de pênis. 3º e 4º: Cintos fálicos de serpentes representados num tarô florentino do séc. XVI e num tarô italiano do séc. XVII. Compare com o cinto fálico de serpente usado por YHWH nos amuletos do séc. II a. C copiados por Patrick Tierney, reproduzidos na página 14.

No segundo documento a classe sacerdotal do reino de Israel foi descrita da pior forma possível, furtando mortos sem identificação, temendo a vingança dos parentes vivos, etc. Neste ponto o escriba de 1Q Isa a  começa a rasurar 97

 GOLDWURM, R' Hersh (ed.) Idem , p 68b1.   Um fragmento do livro Martírio de Isaías   (séc. II a.C.), preservado no texto etíope ' Ergata Īsāy èy ās , menciona o nome do homem que oficiava como ministro religioso dos bām oṯ ê das montanhas em domínio israelita à época em que Ezequias e Manassés reinaram em Judá. O folclore judaico afirma que, ao morrer, este personagem histórico se transformou no anjo da morte e informa que Samael ainda possui um cinto fálico ou “casamenteiro” parecido com uma serpente branca ou incolor, sem olhos. Era basicamente um falo falso e estéril chamado em aramaico de tanin’iver . Bacharach ressalta que esta “serpente” nunca procriava e não punha ovos. ( Pardes Rimmonim   186d; ‘Emeq haMelekh  84b, 121b e 140b. Em: PATAI, Raphael. Gates to the Old City . Ney York, Avon Books, 1980, p 458). 98

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explicitamente e dar mostras de que outros mexeram da redação. Há letras flutuantes e um par de termos truncados de forma assimétrica. Apesar do  do  estar ilegível percebemos que esta é a única vez em que o termo é este e não  (substituído por  nos versículos 17 e 20 dos textos medievais). é escrito primeiro na forma correta e depois com  no fim, quando a regra geral é usar . Portanto acredito que o relato foi reformulado ou redigido por inimigos políticos que lhe adicionaram toques de humor negro. O ritual abolido séculos atrás deveria parecer demasiadamente confuso. Ou então talvez os repā îm precisassem de amuletos de fertilidade para garantir o crescimento do milho, o desenvolvimento das árvores e o fluxo das águas nas montanhas. Afinal uma cisterna (bôr) não funciona sozinha. Toda a acrópole precisava ser impecavelmente projetada para abrigar um grande reservatório subterrâneo (’śwḥ) sob uma área de proteção ambiental, nas montanhas, mais os dutos e canais que levam a água de casa em casa, todas erigidas em locais propícios. A cisterna residencial era o coroamento da criação arquitetônica.

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PERGUNTAS SUPÉRFLUAS SOBRE TEMAS V ARIADOS Shirlei Massapust

PERGUNTA: OS COMENTÁRIOS RABÍNICOS E A EXEGESE CRISTÃ CONCORDAM QUE O R EI DA B ABILÔNIA MORREU EM BATALHA , CAÍDO SOBRE UM EXÉRCITO DE MORTOS E  APODRECEU AO RELENTO. DESSA FORMA ELE ESTARIA METAFORICAMENTE VESTIDO DE EXECUTADOS COMO A SALSICHA DO CACHORRO QUENTE ESTÁ VESTIDA DE PÃO ? Se fosse caso de metáfora por que o putrefato estava coberto, mas não vestido, de larvas de moscas? Por que não disseram que os soterrados estavam vestidos de escombros? Por que nunca se usou metáfora similar na Bíblia nem em nenhuma outra fonte cognata? A mim parece que rotular um cadáver completo, caído sobre outro, como vestimenta seria totalmente absurso. PERGUNTA: EM G ESCHICHTE I SRAELS (1900), H. WINCKLER PROPÔS A EMENDA DE EM ISAÍAS HÊL ĒL   PARA A PRONÚNCIA ÁRABE HILAL ( ) E DE   PARA 14:12,  AFIM DE DEMONSTRAR QUE O HEBRAICO Š ḥR  (CÉU VERMELHO)  DERIVA DO  ASSÍRIO ŠḥR (LUA)  E INTERPRETAR HÊLĒL  BEN ŠHAḥAR COMO  “LUA CRESCENTE , FILHO DO DEUS-LUA”. O QUE VOCÊ PENSA SOBRE ISSO? É por razões como esta que autores dados à política não deveriam cursar História. Se há necessidade de substituir  por , etc., é porque o historiador é incapaz de traduzir o que deseja na forma como está escrito. Noutras palavras, é porque o texto não diz o que ele quer que seja dito! Sinceramente penso que a única utilidade de uma proposta onde o hebraico šḥr  (céu vermelho) não derive do cuneiforme šḥr (céu vermelho), mas sim do assírio šḥr (lua) ou do árabe šḥr (lua) seja a de emprestar cultura a discursos prosélitos. Convoque o mundo inteiro para colaborar na construção de um baralho lingüístico e você poderá afirmar tudo sobre qualquer coisa com base em coincidências. Porém, uma vez elaborado o sinuoso artifício, ele terá tantos ligamentos frágeis quanto uma colcha de retalhos. PERGUNTA: EM IQ ISAª , COLUNA XII, LINHAS 19-20, CORRESPONDENTE A ISAÍAS 14:19,  ESTÁ ESCRITO . TEM UMA PÁGINA DE CORRESPONDÊNCIAS BÍBLICAS NA INTERNET TRADUZINDO   COMO  “CISTERNA DE CARBÚNCULOS ”. SERIAM TESOUROS DE RUBI E ZOISITA?  A maior riqueza dos assentamentos descobertos no Monte Hermon é a notória manifestação da inteligência humana aplicada às obras da construção civil com paredes fortificadas em pontos estratégicos para resistir aos ventos fortíssimos e minimizar a erosão invernal. Certos canais para escoamento de águas, poços e cisternas ainda funcionam. Apesar de tudo os arqueólogos não acharam itens de grande valor monetário no Monte Hermon. Não há registros historiográficos sobre a prática de decorar túmulos com mosaicos. O que mais se vê nas fotos das expedições são vasos de argila e túmulos vazios.

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FIGURAS: Dois túmulos no Monte Hermon descobertos e fotografados pelo arqueólogo Shimon Dar e sua equipe. 1: Entrada de uma tumba construída na colina ao sul de Maqam Ibrahim el-Halil. 2: Interior de uma caverna funerária no sopé do assentamento de Bir na-Sobah.99

É preciso respeitar a correspondência contextual das frases que falam

das “pedras da cisterna” ( (

) como parte integrante das “pedras ao norte” ) no Monte Hermon. O nome da  “cisterna de rubis” ( ) não

deve ser interpretado em sentido estrito, pois o revestimento de um jazigo desta magnitude com rubis seria impagável, impensável e impossível. 100  Logo   deve ser traduzido em sentido lato como “cisterna feita de pedras comuns”. Portanto mantenho minha tradução: “Seque [e] seja descido para a cisterna pedregosa, cadáver prensado” ( ). PERGUNTA: H AVIA UMA PEDRA VERDE-ESMERALDA NA TESTA DE ENLIL BEN Š AḥAR ? ESTA PEDRA SERIA A MESMA CITADA NO POEMA P  ARZIVAL ? Não há descrição de nada parecido em 1Q Isaª nem no códice Firkovich B 19 (1008 d.C.) ou em qualquer outra cópia do Livro de Isaías em hebraico. Tal associação inexiste no poema Parzival   (1215) de Wolfram. 101 Durante a Idade Média o protagonista da lenda da esmeralda que se parte em três pedaços por causa do pecado do seu portador era o Rei da Hungria. 102 99

 DAR, Shimon. Settlements and Cult Sites on Mount Hermon, Israel . Oxford, B.A.R., 1993, p 102 e 135.  O tamanho das cisternas artificiais da segunda idade do ferro girava em torno de oito metros de profundidade por quatro de largura. Elas tinham forma de sino com arcos e colunas para s uportar o peso da estrutura. 101  Wolfram von Eschenbach afirmou haver lido sobre os ensinamentos de um astrólogo árabe chamado Flegetanis, que teria aprendido o mistério das estrelas com os persas maniqueístas. Então ele escreveu Parzival   (1215) onde conceitua certa pedra de cor verde-esmeralda sob diferentes adjetivos. De acordo com Koenraad Logghe, as expressões  lapis ex cœlis  e lapsit ex cælis  se traduzem como “pedra dos céus”. Já lapsit exillis  e lapis exellis  não seriam propriamente latim, mas um anagrama com formas alternativas de escrita. Logghe propôs que uma “pedra exilada” ( lapis exilis ) poderia ser uma pedra pequena e insignificante. Ele localizou uma referência de Arnold de Villanova, no Rosarium Philosophorum  (1550), que descreve o lapis exilis  como uma substância vendida a baixo custo no mercado. “Ele é desvalorizado pelos tolos e mais amado pelos eruditos”. (LOGGHE, Koenraad. De Graal : tussen heidense en christelijke erfenis. Alemanha, Werkgoep Traditie, 1997, p V, 28, 212, 603-604). 102  No Liber Mineralibus , Alberto Magno narra uma anedota onde “o rei da Hungria que reina nos nossos dias, estando unido à sua mulher (in coitu cum uxora sua ) e tendo esta pedra no dedo, por causa da união, viu-a quebrar-se em três partes”. No livro VI do seu opúsculo sobre os vegetais o mesmo autor endossa a crendice de que o mal olhado dos 100

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 Atualmente existem inúmeras variantes da lenda circulando em impressos de incontáveis sociedades privadas, seitas e tribos urbanas.103 Essa estória nasceu fraudulenta, mas mesmo assim é possível que Enlil Ben Šaḥar ostentasse uma marca rubra na carne.  Antigamente, além

de chorar nos funerais, os israelitas faziam uma  “incisão entre os olhos” (Deuteronômio 14:1; Levítico 19: 28). Os orientais também produziam um corte oval ou transversal no centro da testa para desenhar o terceiro olho (ᾱjña), o qual passou a ser pintado com pó vermelho ou representado por pedras preciosas. Em todos os casos o objetivo era a aquisição de poderes para o ataque ou defesa mágicos. Nós sabemos que a pedra brilhante  ( ) ou ágata de fogo tinha uma importante função mágica por causa de uma referência ambígua nos apócrifos de Enoch. A tradução acadêmica da frase  na segunda linha do primeiro fragmento do manuscrito 4Q Enª sugere que “Baraq’el ensinou os sinais dos trovões”.104  Mas na bíblia hebraica a raiz  é usada 105 para descrever o brilho da pedra brilhante.  A lenda transmitida pela tradição oral sugere que o ente que desceu à necrópole em Isaías 14:12-14 estava usando um terceiro olho entalhado numa “falsa esmeralda”. A pedra partiu-se em três fragmentos dentre os quais um foi jogado no Geh Hinnóm (ou seja, no lixão), um caiu no meio do caminho e o último ficou em sua testa. De acordo com Eugénio Canseliet, o alquimista reconhece a origem das suas tinturas pela coloração do enxofre secreto e “esse spiritus mundi   dissolvido no cristal dos Filósofos, produz essa mesma esmeralda que se soltou da fronte de Lúcifer, no momento da sua queda”.106  Para um joalheiro não há charada mais fácil de decifrar, pois certas ágatas parecem muito com olhos. Duas camadas precisam ser lapidadas antes da exposição do núcleo sulfuroso.

Olho de S ῑva: Amuleto contra o mau olhado.

batráquios é capaz de saturar e quebrar esmeraldas. (ALBERTO MAGNO. Liber Mineralibus , livro VI e ALBERTO MAGNO. Tratado Segundo , capítulo I, parágrafo 269, da edição crítica de E. Meyer e Ch. Jessen, Berlim, 1867. Em: HUSSON, Bernard. O Grande e o Pequeno Alberto . Trd. Raquel Silva. Lisboa, Edições 70, 1970, p 70-71). 103  Arthur Edward Wait comentou informes tardios que descrevem uma pedra caída do céu que antes pertencia à coroa do Arcanjo Lúcifer: “Nós ouvimos certa vez que os tronos vacantes, abandonados pelos anjos caídos, foram reservados para almas humanas”. (The Hidden Church of the Holy Graal : Its egends and symbilism, p 323; The Galahad Quest in  Arthurian Literature,  p 578). Outra variante esdrúxula consta num impresso de circulação interna da sociedade Lectorium Rosacrucianum, fundada em 1936, que conceitua a “pedra preciosa” como um asteróide proveniente de um antigo planeta do sistema solar que acabou explodido em três partes, por bombas atômicas, pelos seus próprios habitantes a dezesseis milhões de anos. (LÚCIFER, A ESTRELA DA MANHÃ. Em: Pentagrama : Revista bimestral do Lectorium Rosacrucianum. Ano vinte e três, número 4, p 36). Márcio Puliesi e Norberto de Paula Lima escreveram: “Na testa de Lúcifer (…) havia uma esmeralda, representando o seu Terceiro Olho. (…) Essa esmeralda partiu-se, pois sua  justa visão do Universo passou a ficar prejudicada, deformada, partida. Um dos três pedaços ficou em sua testa. (…) Outro pedaço (…) caiu (…) na Terra. (…) Um terceiro pedaço, caiu (…) na Geena”. (CORPUS HERMETICUM . Trd. Márcio Puliesi e Norberto de Paula Lima. São Paulo, Hemus, contracapa). 104  MILIK, J.T. (Ed.). The Books of Enoch : Aramaic Fragments of Qumrân C ave 4. Oxford, Oxford University Press, 1976. XV, p 157-158. 105  Repare que a versão hebraica de Ezequiel 28:13 não fala da esmeralda ( ), como na versão grega, e sim da pedra brilhante ( ). Ela foi uma das pedras que adornaram a cobertura ( ) de ouro usada pelo falecido rei de Tiro (Ezequiel 28:13), que talvez possuísse uma máscara mortuária  ( ). 106  FULCANELLI. As Mansões Filosofais. Trd. António Last e António Lopes Ribeiro. Lisboa, Edições 70, 1962, p 29.

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 A ágata de núcleo verde-esmeralda é tingida por uma bolha de enxofre que quase chegou à superfície durante a formação da rocha. Os orientais chamam-na de Olho de S ῑva e ela é o terceiro olho par excelence   preferível a todo tipo de pó ou corte. É preciso remover a íris e lapidá-la caso o objetivo seja utilizar como jóia. Portanto parece que o criador da lenda imaginou alguém reduzindo um Olho de S ῑva  para fixar numa máscara mortuária. Os pedaços descartados iam caindo pelo caminho, na terra, no cemitério ou no lixo. PERGUNTA: A RAIZ DA ÚLTIMA PALAVRA DO VERSÍCULO IS 14:12 DEVE SER “GEV”  (COMUNIDADE) E NESTE VERSO GÔYÎM SIGNIFICA “ESTRANGEIROS ”. E XISTE OUTRO SIGNIFICADO DE “COSTAS”, MAS É UM HOMÔNIMO HOMÓGRAFO . OU ENTÃO NAQUELE TEMPO AS COMUNIDADES SE SENTAVAM EM RODA , DE COSTAS PARA O EXTERIOR  , NA HORA DE DECIDIR COISAS . EM HEBRAICO UMA PALAVRA SIGNIFICA ALGO E TAMBÉM  ALGO A MAIS , DE MODO QUE A POESIA SE MANIFESTE. N ÃO HÁ LEITURAS ERRADAS EM JUDAÍSMO ,  NÃO HÁ HERESIAS ,  A NÃO SER SE A LEITURA FOR OFENSIVA . SE O TROCADILHO FOR UM CACÓFATON . PORTANTO NÃO SE TRATA DE OPOR UM SIGNIFICADO A OUTRO E SIM DE PENETRAR UM SIGNIFICADO PELO OUTRO . TEM UMA CANTIGA EM QUE GAV  SIGNIFICA “OMBROS”:  VESHUVNETZEA EL HADERECH  YAD BEYAD LADERECH BESHALSHELET ZACHAV  VESHUVNETZEA EL HADERECH  AM ECHAD LADERECH  VESHIREINU AL GAV E DE NOVO SAIREMOS AO CAMINHO DE MÃOS DADAS NO CAMINHO COMO NUMA CORRENTE DE OURO E DE NOVO SAIREMOS AO CAMINHO UM POVO NO CAMINHO E NOSSA CANÇÃO [SHIREINU ] SOBRE [AL] OS OMBROS [G AV ]

GAVA SIGNIFICA ESTAR EM TORNO , FICAR DE COSTAS , ESTAR EM RODA . GAV  É:  ALTO;  O QUE RODEIA;  PORTANTO ,  TORSO ,  AS COSTAS DO HOMEM .  “SOBRE AS COSTAS”  NÃO SERIA TÃO POÉTICO . PORTANTO O CONTEXTO É DE “OMBROS”. O hebraico moderno aplica o termo gôyîm ( ) em Isaías 14:12 como adjetivo pejorativo. Conforme exposto, dizer que os repāim eram gôyîm seria faltar com respeito. Porém IQ Isaª não menciona gôyîm em lugar nenhum. 107 Na linha 14 da coluna XII a palavra correspondente em Isaías 14:12 é gĕwî ( ). Portanto “costas” é a única tradução plausível e possível. Este termo não é ofensivo, pois não é vergonhoso que um ser humano sadio e anatomicamente 107

 Na coluna XII, linhas 11 e 19, o adjetivo  e se aplica aos repā îm. O Rabbi Aaron não mentiu ao substituir este elogio pelo xingamento  que lemos no hebraico moderno (Isaías 14:9 e 14:18) pois os repā’   îm referidos no capítulo eram membros da aristocracia israelita, que vivia em guerra contra seus inimigos políticos do Reino de Judá. Contudo  não é uma forma atualizada de  e a teoria das mater lectiones  não se aplica ao caso.

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correto tenha algo além de ombros na parte traseira, principalmente porque o sujeito da oração estava vestido e o malfeitor – que não desejava ser visto pela vitima de maledicência – proferiu imprecações por trás das suas costas, sem lhe tocar o corpo para não chamar a atenção. Não é culpa dos personagens nem do escriba se bāmoṯ ê ( ) também significa “intestinos” ou “partes baixas” nem se a palavra usada para descrever o orifício da cisterna ( ) parece com um termo que significa “nádegas” ou “ânus” ( ). O contexto narrativo distingue o uso correto dos homônimos homógrafos cujos significados alternativos não encaixam nas fazes. Portanto o erotismo mora na mente do bufão que ri sem razão de coisa nenhuma. PERGUNTA: UM RABINO CONTOU QUE ISAIAS 14:9 DESCREVE A TORTURA DA ALMA DE NEBUCHADNEZZAR II. DISSE QUE O REI ERA HOMOSSEXUAL ,  GOSTAVA DE EMPALAR HOMENS E FOI EMPALADO COMO CASTIGO . ELE INVENTOU ISSO? O texto em análise não menciona Nebuchadnezzar II em nenhum momento. Historicamente o rei Nebuchadnezzar II empalava os inimigos sim, mas ele usava lanças de madeira iguais às do Vlad Drácula, e não a folclórica  “magia de extensão”. Ele também não morreu empalado por Tzedkiyahu e Isaías 14:9 não menciona nenhum episódio de empalamento. Isso é lenda...  Acontece que o Talmude registrou uma anedota do Rav Yehudah onde este monarca produziu uma ereção peniana de 300 amah   (150 metros) para enfileirar seus inimigos empalados feito pedacinhos de carne num espeto de churrasco. A magia amplificadora só funcionava com incircuncisos porque o valor numérico da palavra arel   (incircunciso) é 300. Então, para por fim à vilania daquele tirano, deus permitiu que Tzedkiyahu, rei de Judá, não fosse submetido ao ritual judaico da circuncisão. No fim da anedota Nebuchadnezzar II morre empalado por Tzedkiyahu, desce ao reino dos mortos e reencontra os homens que havia embebedado e matado. Lá ele escuta uma voz celeste que diz: “É você quem excede em beleza? Então desça e se prepare para dormir com os incircuncisos”. (Tractate Shabbos 149b).108  A moral desta estória cômica e fictícia é que o vinho torna o ébrio vulnerável à violência. JOSIAS: SINCERAMENTE ,  EU ME RECUSO A ACEITAR ESTAS PASSAGENS COMO  ACONTECIMENTOS NA TERRA. IMAGINO QUE TUDO ISTO PODE TER ACONTECIDO NAS DIMENSÕES ESPIRITUAIS. Terra tremendo, cidades destruídas, preocupação em enterrar os mortos, etc. Tudo isso já aconteceu inúmeras vezes em nosso planeta. Por exemplo, no dia 27/02/2010 o eixo de rotação da Terra foi permanentemente inclinado em oito centímetros por causa de um terremoto de magnitude entre 8 e 9 pontos na escala Ricter. No que diz respeito ao caso concreto em análise, referências paralelas em Isaías 2:19-21 e Amos 1:2 confirmam a ocorrência de um terremoto no século 8 a.C. e evidências arqueológicas demonstram que sua intensidade atingiu 8.2 na escala Ricter. Mas a culpa não foi de ninguém... Não está escrito em Isaías 14:16 que um simples homem foi capaz de fazer o 108

 GOLDWURM, R' Hersh (ed.) Talmud Bavli : Tractate Shabbos. Brooklin, Artscroll, 2004, 149b 4.

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planeta tremer. IYSH ( ), homem, é o masculino de ISHÁH ( ), mulher. Estes vernáculos hebraicos designam respectivamente o varão e a virago da espécie Homo sapiens , não se aplicando aos anjos. PERGUNTA: POR QUE OS ANTIGOS EGÍPCIOS MUMIFICAVAM OS MORTOS?  “Embeleze sua morada na Necrópole e enriqueça seu lugar no Poente”, dizia o príncipe Hordedef da 4ª dinastia egípcia, pois “a casa da morte é para a eternidade”.109  Outro texto do Antigo Império obrigava os trabalhadores à tarefa de construir para si “uma boa morada no cemitério, dignificando sua estada no Ocidente”.110  O corpo bem tratado e conservado num sarcófago condigno era o maior ornamento do jazigo. No início a construção do túmulo do Faraó do Egito era um projeto nacional.111  Mais tarde ocorreu a progressiva simplificação do rito para servir à necessidade das classes menos favorecidas. Mesmo após o sepultamento, o morto continuava presente na vida de seus familiares; era comum que estes buscassem a intercessão do falecido em assuntos corriqueiros. Em uma carta colocada na sepultura de uma mulher por seus parentes, pedia-se à morta que resolvessem uma disputa entre dois de seus filhos – um deles morto, o outro ainda vivo. Em outra comunicação desse tipo, um desafortunado viúvo queixava-se junto à falecida esposa: “Que mal fiz a você para que me tornasse tão pobre? Por que você deseja tanto me oprimir, a mim que sempre fui teu fiel marido?”.112

Os egípcios não inventaram a mumificação embora hajam popularizado e modificado muitos detalhes deste complicado rito funerário. Por exemplo, eles produziam estatuas shabti   para servir ou substituir ao falecido 113 enquanto os seus antecessores não se contentavam com funcionários fictícios. Durante um breve período na história da Suméria, era costumeiro enterrar vivos os servidores domésticos do rei – guardas, músicos, damas de honra, ou criados – no lado de fora da câmara mortuária principal. Em uma sepultura dessas foram encontradas nada menos que 74 pessoas, as quais talvez tenham sido drogadas a um ponto de insensibilidade antes de ser enterradas. Supunha-se que elas cuidariam do monarca após a morte, assim como o haviam servido em vida. 114

Preparar-se para a morte era um assunto que numerosos povos antigos levavam a sério. Mas estar morto não significava desaparecer para sempre. O espírito de um falecido podia visitar este mundo por meio de um retrato, esculpido ou pintado, ou do verdadeiro corpo, mumificado e adornado.115 O corpo deveria manter-se intacto para a alma retornar a ele após a audiência 109

NATIONAL GEOGRAFIC BRASIL , edição especial ‘Tesouros do Egito’. RJ, Editora Abril, Janeiro de 2003, p 115.  MORELL, Virginia. Os Operários das Pirâmides. Em: National Geografic Brasil , ano 2, nº 19, novembro 2001, p 100. 111  MORELL, Virginia. Os Operários das Pirâmides. Em: National Geografic Brasil , ano 2, nº 19, novembro 2001, p 86-87. 112  A ERA DOS REIS DIVINOS : 3000-1500 a. C. Trd. Pedro Maia Soares. Rio de Janeiro, Abril, 1991, p 74. 113  TIRADRITTI, Francesco e DE LUCA, Araldo. Tesouros do Egito : do museu do Cairo. Trd. Maria de Lourdes Giannini. Bela Vista, Manole, 1998, p 216. 114  A ERA DOS REIS DIVINOS : 3000-1500 a.C. Trd. Pedro Maia Soares. Rio de Janeiro, Abril, 1991, p 31-32. 115 NATIONAL GEOGRAFIC BRASIL , edição especial ‘Tesouros do Egito’. Rio de Janeiro, Editora Abril, Janeiro de 2003, p 115. 110

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com deus. Nada mais natural, portanto, que os duradouros símbolos da cultura dos povos que compartilhavam tais crenças fossem mansões para os mortos.116 PERGUNTA: POR QUE OS R EPĀIM NÃO SE DESAPEGAM DA MATÉRIA MORTA ? E  POR QUE A ALMA DO JUDEU NÃO VAI PARA O CÉU ? Sepultar os mortos com esmero era um costume honroso. Se você fosse um fantasma não acharia legal ter um túmulo decorado para habitar? A alma do judeu ou do antigo cidadão israelita só sobe ao céu em caso de extrema necessidade, mas lá não é uma colônia de férias para abrigar almas bondosas.  Analisando quatro versões do Midrash dos Dez Mandamentos , o  Alfabeto do Rabi Akiva  e outros textos fragmentários, Gershom Schoelem descobriu que até a Idade Média os judeus sentiam um respeitoso temor reverencial pelo paraíso celeste, pois os perigos da ascensão são grandes e aumentam à medida que a  jornada avança. A mais notável etapa é a interpretação dada, nas Pequenas Hehalot , a um famoso fragmento que se encontra no Talmud  e na Tossefta : Quatro entraram no “Paraíso”: ben-Azai, ben-Zoma, Aher e Rabi G  Akiva. Rabi Akiva lhes disse: “Quando chegardes ao lugar das placas de mármore brilhantes, não digais: Água, água! Pois está escrito: Aquele que fala mentiras não permanecerá na minha presença”. (Haguigá 14b; Tossefta).117

Os místicos demonstraram uma compreensão perfeitamente correta do significado desta passagem e sua interpretação fornece prova de que a tradição continuava viva entre eles. No manuscrito de Munique dos textos das Hehalot118 lê-se a respeito dos perigos da ascensão: Mas, quando alguém era indigno de contemplar o Rei em sua beleza, os anjos nos portais perturbavam seus sentidos e o confundiam. E quando eles lhe diziam: “Entra”, ele entrava, e instantaneamente eles o agarravam e o atiravam na corrente chamejante de lava. E no portão do sexto palácio era como se centenas de milhares e milhões de ondas de água se levantassem contra ele, e não havia uma única gota de água119, só o brilho etéreo das placas de mármore com que o palácio era revestido. Mas, se ele estava em pé em frente aos anjos e perguntava: “Qual é o significado destas águas”, começavam a apedrejá-lo e diziam: “Infeliz, não vês com teus próprios olhos? És talvez da semente dos que beijaram o Bezerro de Ouro e indigno de contemplar o Rei em sua beleza?”... E ele não pode sair até que eles lhe golpeiem a cabeça com barras de ferro e o firam. E isto será um sinal para todos os tempos de que ninguém poderá errar

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 A ERA DOS REIS DIVINOS : 3000-1500 a. C. Trd. Pedro Maia Soares. Rio de Janeiro, Abril, 1991, p 74.  SCHOELEM, Gershom. As Grandes C orrentes da Mística J udaica . Trd. J. Guinsburg e outros. São Paulo, Perspectiva, 1995, 57. 118  Segundo ms. Munique 22, f. 162b, uma elaboração das explicações que já Hai Gaon cita em seu comentário a esta passagem das "Pequenas Hehalot". Encontra-se quase exatamente nas "Grandes Hehalot", cap. XIX. 119   Lendo isso é impossível não compararmos com o momento em que a Rainha de Sabá entra no palácio do Rei Salomão conforme o livro sagrado do islamismo: “A ela foi dito, ‘Entrai no palácio’. E quando ela o viu, julgou que era uma massa de água, e descobriu as suas pernas. Salomão disse: ‘É um palácio com um suave pavimento de chapas de vidro’. Ela disse: ‘Meu Senhor, eu tenho na verdade lesado a minha alma’”. (Corão, capítulo 27:45. Em: O SAGRADO  AL-CORÃO. Grã Bretanha, Islam International Publications, 1988, p 372). 117

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às portas do sexto palácio e ver o brilho etéreo das placas e perguntar por elas e tomá-las por água, para que não se ponha em perigo.120

Quem escapava da tortura na primeira prova não deixava de queimar na segunda. Anjos se atiram contra o viajante para “forçá-lo a regressar” (Haguigá 15b). Um fogo que provém do seu próprio corpo ameaça devorá-lo (Hehalot Rabati, cap. III,4). No Livro Hebraico de Enoch há um relato da descrição que o patriarca faz ao Rabi Ismael de sua metamorfose no anjo Metatron, quando suas carnes foram transformadas em “tochas ardentes”. Segundo as Grandes Hehalot, todos os místicos sofrem esta transformação, com a diferença de que, sendo menos dignos que Enoch, podem ser devorados pelas “tochas ardentes”. Noutro fragmento o místico deve ser capaz de permanecer de pé “sem as mãos e os pés”, pois ambos serão queimados.121 Esta permanência na vertical sem os pés, num espaço sem fundo, é mencionada noutros lugares como uma vivência característica. O Apocalipse de Abraão122 cita uma etapa bastante parecida. E perigos similares são descritos na Liturgia de Mitras, contida no grande papiro mágico de Paris, onde a ascensão mística apresenta muitos paralelos. No Corpus Hermeticum   lemos que é impossível que a alma seja “divinizada” enquanto permanecer num corpo humano.123 As almas fazem sua entrada na imortalidade transformando-se em fogo e depois, neste estado, são absorvidas pelos astros errantes ou fixos.124 PERGUNTA: SE NÃO ERA IMPOSSÍVEL SUBIR AO CÉU ,  ENTÃO ENLIL BEN Š AḥAR PODERIA TER REUNIDO UM EXÉRCITO PARA GUERREAR CONTRA DEUS ?  Acredite em mim: Jacó foi o único personagem da bíblia hebraica que lutou contra deus num dia em que a divindade desceu a Terra, sendo por isso renomeado como Israel. Inclusive parece que deus gosta de praticar a luta livre esportiva, pois o troca tapas com Jacó foi muito apreciado. (Gênese  32:25-30; Oséas   12:4-5; Zohar, Sitrei Torah 1:147b-148b). Nenhum anjo ou fantasma  jamais tentou repetir semelhante ato de heroísmo na história da mitologia semita. Nem mesmo Satã, que é um anjo com funções de promotor público. PERGUNTA: TEMPOS ATRÁS OCORREU UM DEBATE SOBRE SE  ASHMODAI SERIA O PAI DE HÊLĒL BEN Š AḥAR . COMO FOI SOLUCIONADA A QUESTÃO? Tudo não passou de um amontoado de coincidências. O Talmude (B. Gittin 68a-b) descreve Ashmodai como um sábio que saía diariamente para estudar geologia e astronomia. Ele viveu desta forma até o dia em que construiu uma cisterna para uso privado, selada com a impressão do seu sinete, 120

 SCHOELEM, Gershom. As Grandes C orrentes da Mística J udaica . Trd. J. Guinsburg e outros. São Paulo, Perspectiva, 1995, 58. 121   Manuscrito de Oxford, n. 1531, f. 41a (final) sobre a visão do arconte da primeira porta: "Enquanto eu o contemplava, queimaram-se minhas mãos e fiquei para do sem mãos e sem pés". 122  Ed. Box, cap. XVII: "Veio um fogo contra nós e havia uma voz no fogo... E o local alto onde estávamos em dado momento elevou-se ainda mais, mas logo depois despenhou-se no abismo". 123  HERMES TRISMEGISTOS. Corpus Hermeticum, Discurso de Iniciação, A Tábua de Esmeralda.  Texto estabelecido e traduzido por: Márcio Puliesi e Norberto de Paula Lima. São Paulo, Hemus, p 46-47. 124  HERMES TRISMEGISTOS. Corpus Hermeticum, Discurso de Iniciação, A Tábua de Esmeralda.  Texto estabelecido e traduzido por: Márcio Puliesi e Norberto de Paula Lima. São Paulo, Hemus, p 47.

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numa montanha, e foi sepultado vivo dentro dela por Benayahu ben Yehoyada.  Após três dias de confinamento o espírito de Ashmodai foi questionado a respeito do método arquitetônico de fracionar pedras sem o uso de ferramentas.125  Até aqui o texto revela um paralelo notável com a menção à  “semente destruidora” ou “semente esmigalhadora” ( ) na vigésima a segunda linha da coluna XII de 1Q Isa , cujo segredo era guardado pelos repā îm sepultos dentro de cisternas na pedreira ao norte do Monte Hermon. O problema é que o tratado Gittin só passou a constar no Talmude  a partir do Codex Munich 95, escrito entre 1340 e 1370, inexistindo no Codex Florence, datado de 1177. É provável que a estória tenha migrado do folclore persa para a tradição rabínica durante o século XIII ou XIV, pois o teólogo persa Mawlānā Rūmī   (1207-1273) narrou-a parcialmente omitindo o nome de  Ashmodai e usando como alcunha Sahar ( )126  ou “Lua Cheia” 127, que lembra mnemonicamente Šaḥar ( ) malograda a distinção dos objetos.  Apesar das semelhanças todas as versões são demasiadamente recentes, confusas e fantasiosas... Pior que elas somente a cópia em francês provençal da cópia latina da cópia aramaica dos selos das cisternas dos anjos Ananel128 e  Ashmodai129 redigidos em hieróglifos; achada num sebo em 1890 pelo marquês Stanislas de Guaïta e reproduzida por François Ribadeau Dumas:

Selo de Ashmodai em grafia coloquial simplificada e truncada.

Reconstituição em grafia não simplificada do selo de Ashmodai. Se isto não representasse uma palavra composta, serviria para proteger o homem que caminha na planície pela aurora (saḥeru) com um amuleto de longevidade (ānkh) e um amuleto de proteção (o cetro). Supondo que esta tira selasse um túmulo ela representaria a “saída para o dia” do espírito liberto.

Nos textos mais antigos do folclore, que se aproximam vagamente da historicidade, Ashmodai é genro do sacerdote Samael. Presumivelmente ambos eram jovens demais ou não haviam nascido quando Hêlēl ben Šaḥar morreu. Portanto Ashmodai não poderia ser pai de Hêlēl  ben Šaḥar. Na melhor das 125

 GOLDWURM, R' Hersh (ed.) Talmud Bavli : The Schottenstein daf Yomi Edition - Tractate Gittin. Brooklin, Mesorah Publications (Artscroll), 2001, p 68a 1. 126  RUMI, Jalaluddin. Masnavi. Trd. Mônica Cromberg e Ana Sarda. Rio de Janeiro, Edições Dervish, 1992, p 219. 127   NICHOLSON, Reynold A. The Mathnawí of Jalálu’ddin Rúmí : Translation of Books III and IV. Cambridge, Gibb Memorial Trust, 1930, p 343. 128   Muitos nomes do manuscrito Les Clavicules de Salomon   estão corrompidos. O anjo Anael citado no fólio 65 é provavelmente o vigilante Ananel ( ) dos apócrifos aramaicos, descrito como o décimo terceiro chefe de dezena que foi pai de gigantes após desposar uma mulher comum (Enª I 3:7). O selo de Ananel no fólio 65 é composto por um par de hieróglifos que representam um pênis ereto apontado para uma vagina receptiva, exatamente como a palavra  “sexo” era redigida em fontes egípcias milenares. Os desenhos anatômicos são simples e literais. 129   Transliteraram  Asmodaios (Ασμοδαίος)   Ashmedai ( ) como Asmodel e Masmodai nas Clavículas de Salomon . (C LAVÍCULAS DE S  ALOMON . Barcelona, Humanitas, 1997, p 69 e 164).

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hipóteses seria seu primo ou bisneto. O folclore nomeia sua esposa Mahalath e sua filha Igrat. Dizem que foi ousado o bastante para se apresentar na Espanha como príncipe Ben-Hadad III130 e ocupar o trono vacante do falecido rei Hazael. PERGUNTA: N A DOUTRINA ESOTÉRICA OS INICIADOS APRENDEM QUE LÚCIFER É UM  ARQUETIPO QUE REPRESENTA A UNIÃO DO ÓVULO COM O ESPERMATOZÓIDE? Nas doutrinas místicas e esotéricas existe um rico simbolismo autônimo e independente de suas fontes inspiradoras. Por exemplo, Chaïn Vital (15431620) registrou a teoria de Issac Louria (1534-1574) onde o solo predestinado à escultura de Adão já existia na forma de um homem ideal antes da sua modelagem. Na massa antropomorfa do mundo dividido em fronteiras a terra de Israel equivaleria ao busto enquanto a parte inferior, que ia do sexo até os pés que pisam “solo estrangeiro” 131, seria “aquela facção caída do céu” referida pelo adjetivo ℓūcĭfĕr nas versões latinas de Isaías 14:12.132  A charada do rabino foi quase corretamente compreendida pelo místico Emanuel Swedenborg (1688-1722) que deduziu a inexistência de menções a anjos caídos porque todos os repāim vêm “do gênero humano”.133 Mas isto não impediu Alphonse Louis Constand (1810-1875) de rechaçar a inspiração de Swedenborg e concluir que Issac Louria identifica ℓūcĭfĕr com o sêmen portador do poder genético da criação de novos corpos mediante fecundação. Edward  Alexander Crowley (1875-1947) acatou a teoria sobre a força criadora do sêmen134  e foi seguido por todas as ordens iniciáticas da modernidade. 135 Contudo ainda sou de opinião que a única coisa fértil em Isaías 14 é a imaginação exacerbada de certos rabinos, teólogos, místicos, maçons, etc. Hoje a corrente majoritária proclama que os ritos de fertilidade estão intimamente ligados ao agnosticismo e ao cristianismo primitivo, substituindo os antigos sacrifícios de sangue. Porém, para a corrente minoritária, a redução minimalista do homem ao sêmen ou ao orgasmo latente 136 é uma galhofa ou blasfêmia pré-ordenada que simboliza “de fachada” os frutos da razão (motivo, aliás, competentemente representado no Finnegans Wake  de James Joyce). 130

 ESCOLA DE RASHBA. Em: PATAI, Raphael. Gates to the Old City . Ney York, Avon Books, 1980, p 459.  Hayyin Vital informa que este solo é a região mítica dividida em seis direções cujos nomes iniciam pelas letras do titulo do anjo Métatron ( ). 132  VITAL, Hayyin. Traité des Révolutions des Âmes . Trd. Edgard Jégut. Milano, Arché, 1987, p 157. 133  Swedenborg acresce a informação equivocada de que “por ℓūcĭfĕr se entendem os que são de Babel ou de Babilônia, os que estendem seus domínios até ao céu”. (SWEDENBORG, Emanuel. O Céu e o Inferno . Traduzido do latim pelo Rev. Levindo Castro de la Fayette. Rio de Janeiro, Editora e Livraria Swedenborg, 1987, p 274, parágrafo 544). O problema é que embora o adjetivo ℓūcĭfĕr se refera ao Rei da Babilônia nas traduções bíblicas em latim, o israelita Enlil Ben Šaḥar não era o Rei da Babilônia nas fontes mais antigas e menos adulteradas. 134  CROWLEY, Aleister. A Arte Mágica e o Testamento de Madame Blair . Trd. A. C. Godoy. SP, Madras, 1996, p 29. 135  Quando Alphonse Louis Constand (1810-1875) leu sobre a alegoria de Issac Louria ele chegou à conclusão de que ℓūcĭfĕr é o sêmen masculino. Ele estipulou que o sêmen é um agente mágico causador de efeitos benéficos, mas um falso ℓūcĭfĕr que inexiste fora do mundo das idéias produziria distúrbios psicológicos nos celibatários, s entimento de culpa nos crédulos que violam tabus e outros tantos malefícios resultantes do efeito Nocebo... Por outro lado o verdadeiro agente biológico provedor do nascimento é também a causa primeira da mortalidade: “A queda de Adão foi uma embriaguez erótica (...) Toda paixão amorosa que invade os sentidos é um turbilhão desta luz (...) cujo emprego inteligente aquece e vivifica. (...) O homem seria chamado a exercer um império soberano sobre esta luz e a conquistar por este meio sua imortalidade. (...) Esta luz, enquanto devoradora, vingadora e fatal, seria (...) o erro suplicante (...), os choros e ranger de dentes dos entes abortados (...), o fantasma da vida que lhes escapa e parece insultar o seu espírito”. (LÉVI, Éliphas. História da Magia . Trd. Rosabis Camaysar. S. Paulo, Pensamento, 1995, p 159-160). 136  Wilhelm Reich ampliou este tópico ao teorizar que aquilo que os místicos cristãos chamam de “mal” ou “diabo” é a insatisfação do orgasmo reprimido em decorrência dos costumes sociais: Isto constitui um obstáculo à vida racional, causa ansiedade constante e impede o homem de realizar a si mesmo e às suas aspirações. (REICH, Wilhelm. Ether, God and Devil : Cosmic Superimposition. Trd. Therese Pol. New York, The Noonday Press, 1973, p 132). 131

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