October 11, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
Download Luciano Leite Barbosa - Sursum Corda de W.C.Oliveira...
753
Análise da Obra Sursum Corda: Uma Uma Nênia, de Willy Corrêa de Oliveira Luciano de Souza Leite Barbosa Universidade de Barra Mansa - UBM
[email protected] Palavras-Chave
Música brasileira, Willy Corrêa, Análise Musical
II.
RESUMO CONTEXTO DA OBRA OCorda: A composição Sursum Corda: Uma Nênia , para orquestra de cordas, Uma Nênia deste compositor que é A obra Sursum do compositor Willy Corrêa de Oliveira resume algumas das natural de Pernambuco - radicado em São Paulo -, data do principais tendências da vanguarda va nguarda que se s e configuraram co nfiguraram a partir pa rtir dos final da década de setenta, mais precisamente de 1977. Sendo anos sessenta, entre as quais podemos citar o uso de clusters assim, resume algumas das principais tendências da diatônicos e cromáticos, justaposições de compassos e tonalidades, vanguarda que se configuraram a partir dos anos sessenta, microtonalismo e micropolifonia, além de citações de Beethoven e como o uso de clusters e citações, entre diversos recursos. No Mahler, procedimento que se destaca frente aos outros por ocupar caso desta peça, presenciamos além desses dois exemplos de trechos estratégicos da composição, servindo também como fonte de técnica composicional, a ocorrência de outros mecanismos onde são extraídos os motivos que permeiam toda a peça. O objetivo típicos da musica contemporânea, como justaposições de deste trabalho foi, no entanto, identificar os procedimentos compassos e tonalidades, microtonalismo e micropolifonia, composicionais de Willy Corrêa a fim de uma melhor compreensão de seu pensamento musical. Sendo assim, a análise de Sursum Corda mesclados a alguns procedimentos da música tradicional, como imitação e pólos tonais. Porém, apesar da grande chamou a atenção para uma grande variedade de técnicas de diversidade de materiais encontrados nesta composição, é composição empregadas, sendo a mistura dessas diferentes correntes possível perceber uma obra absolutamente absolutame nte coerente, que de escrita o diferencial de sua construção. unifica diferentes idéias em uma personalidade original e
I.
INTRODUÇÃO
O nome Willy Corrêa de Oliveira (n. 1938) está fortemente vinculado à vanguarda musical brasileira das décadas de sessenta e setenta, sobretudo pela sua participação no grupo Música Nova , do qual, ao lado de Gilberto Mendes, foi também um dos fundadores. Sendo um compositor de postura inovadora e experimental, Willy Corrêa fez contato com os mais importantes compositores de seu tempo, através de cursos realizados no Conservatório de Paris e em Darmstadt, na Europa, e de estudos com Camargo Guarnieri e Olivier Toni, entre outros, no Brasil. A partir da década de setenta passou também a lecionar, le cionar, atuando como professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), formando novos compositores e pesquisadores de música contemporânea brasileira. brasileira. Durante a década de oitenta, porém, sua produtividade enveredou por outros caminhos, chegando a se distanciar de sua atitude experimental. Neste período Willy Corrêa de Oliveira esteve muito engajado em movimentos sociais, afastando-se temporariamente das salas de concerto e da música erudita, dedicando-se a compor músicas de circunstância para o Sindicato dos Metalúrgicos e para o Movimento dos Trabalhadores Trabalhad ores Rurais Sem-Terra ( MST MST ). ). Sua postura, no entanto, mudou a partir da queda do muro de Berlim (1989), e a partir desta data passou a compor “para si mesmo”, tendo aposentado do cargo de professor em 2003. Suas principais influências são, nas palavras do próprio compositor, os “mestres” Beethoven, Haydn, Mozart, Schumann, Schubert e principalmente Chopin. Entre os contemporâneos, Willy Willy Corrêa destaca o nome de Pousseur.
consciente, capaz de manter foco oe ouvinte pelo controle das repetições e variações dos omotivos das texturas. Entretanto, esta é uma composição em que, dentre as diversas técnicas mencionadas acima, a citação é aquela ocupa o lugar de maior destaque, visto que este procedimento está presente em momentos estratégicos, no início da peça e em sua conclusão (de forma variada, neste caso). Além disso, das citações são também extraídos motivos que pontuam e permeiam toda a obra. Dentre as duas citações presentes na música, chama a atenção o trecho extraído da Sinfonia No3 “Eroica” de Beethoven, sobretudo pela relação de Willy Corrêa de Oliveira com este compositor, que o motivou a Beethoven,, Proprietário de um Cérebro escrever o livro Beethoven (Oliveira, 1979). É a partir deste tema que Willy Corrêa constrói o discurso de Sursum Corda, tendo como pano de fundo a tonalidade de Dó menor - tom principal da Sinfonia “Eroica” Willy. -, que é o ambiente harmônico do canto fúnebre de III. ANÁLISE
O título da composição Sursum Corda: Uma Nênia tem significado de canção fúnebre, pois a expressão “Sursum Corda”, do latim, significa “corações ao alto, ou elevemos nossos corações”, enquanto o termo Nênia significa “canto triste, plangente”, correspondendo também à deusa das lamentações entre os Romanos. Tendo em vista estes significados, é possível compreender a obra como um encontro de temas fúnebres, onde são confrontados temas de Beethoven, Mahler e Willy Corrêa, que misturam-se e dissolvem-se na tonalidade de Dó menor, tom de peças dramáticas como o Prelúdio No. No . 20 de Chopin, por exemplo. O caráter , da obra conturbado. é, então, Sobretudo profundamente lento e contemplativo contemplativo, às vezes pela enxurrada
XIX Congresso da ANPPOM ÐCuritiba, Agosto de 2009 ÐDeArtes, UFPR
754
de semitons e microtons que se embaralham, criando texturas densas. O resultante sonoro dessa vasta confluência de semitons é, portanto, em muitos momentos, uma única massa sonora de onde se sobressaem notas pólo apenas, sendo que esta é uma peça onde até os momentos de “repouso” são dotados de tensão, pois nas notas longas surgem os clusters mais volumosos.
harmônicos, e é sobreposto a uma textura mais densa, de tessitura grave, carregada de glissandos, apresentada nas violas, nos violoncelos e contrabaixos. Se na apresentação dos dois primeiros temas o choque era entre tonalidades, neste terceiro tema o compositor explora o choque de duas texturas bem contrastantes, contra stantes, como demonstrado demonstrad o a seguir.
A. Materiais e Texturas Sursum Corda: Uma Nênia é
iniciada com uma citação
Sinfonia No3 literal do de temaBeethoven, do segundoque movimento “Eroica” poucos da compassos após encontra-se sobreposto sobreposto a um outro tema de uma outra citação, desta vez de Mahler, mais especificamente da Sinfonia No5. A resultante deste encontro entre Mahler e Beethoven é um choque de tonalidades e métricas, que remete talvez a uma composição de Charles Ives, mas que neste caso fica incorporada à escrita de Willy Corrêa, que por sua vez se coloca em choque com essas duas obras monumentais: A Sinfonia “Eroica” e a Sinfonia No5.
Figura 1: Trecho da partitura que mostra a sobreposição das citações de Beethoven (nas cinco pautas inferiores) e de Mahler. Figura 2: Terceiro tema da peça. Contraste entre os violinos e as cordas graves.
A exposição destes dois temas ocorre durante os dezoito primeiros compassos compasso s da peça, e chega então, no compasso dezenove, a um cluster diatônico, composto por todas as notas da escala de Dó menor (modo harmônico). Em seguida, os temas de Beethoven e Mahler repousam sobre uma tríade de Dó menor acrescida de uma oitava aumentada - que representa a soma da tonalidade da Sinfonia No3 “Eroica” (Dó menor) com a Sinfonia No5 de Mahler (Dó sustenido) -, expressa pelos violoncelos em harmônicos. Após a fermata sobre este acorde, segue uma pequena transição onde aparecem três tipos de materiais: acordes por quartas nos contrabaixos e nos violinos; a mesma tríade de Dó menor com segunda menor acrescentada nas violas e violoncelos; e clusters diatônicos executados também por violinos, violas e violoncelos. Essa curta transição chega a um novo tema, desta vez original do próprio Willy Corrêa, que tem também um caráter melancólico, como os outros dois expostos até então, mas
Logo em seguida as tessituras se invertem, ou seja, o tema de Willy Correa é apresentado nas cordas graves (violas e violoncelos), enquanto os violinos executam a textura densa com glissandos. Essa configuração é conduzida a uma nova transição, que utiliza materiais rítmicos derivados da Sinfonia “Eroica”, articulando materiais harmônicos semelhantes aos da transição anterior: clusters diatônicos em Si (sem a terça) e em Dó menor (modo melódico), este último com uma segunda menor acrescentada (Sol sustenido), que são transpostos até chegar a um cluster por semitons, no compasso 47, sobreposto a pizzicatos microtonais que anunciam uma nova seção. O compasso 49, entretanto, inaugura um novo ambiente textural, que contrasta com os climas até então apresentados. A partir deste ponto, há uma considerável mudança no parâmetro das durações, pois ocorre uma sobreposição sobrepos ição de notas longas a figuras rítmicas mais frenéticas,
com o diferencial conter um certo O novo tema, apresentado apenasdenos violinos, está lirismo. escrito quase todo em
predominantemente predomina ntemente formada por fusas e semicolcheias. semicolche ias. No plano da harmonia, o foco está na microtonalidade, microtonalid ade, que
XIX Congresso da ANPPOM ÐCuritiba, Agosto de 2009 ÐDeArtes, UFPR
755
somada a uma textura “micropolifônica” “micropolifônica” (à maneira de Ligeti) resulta numa espécie de “ cluster horizontal”, horizontal”, ou seja, em um aglomerado sonoro formado por notas que se sucedem, neste caso, em torno de uma nota pólo.
Figura 3: Compasso 49. Nova configuração de textura.
Sendo assim, conforme a figura acima, temos a partir do compasso 49 a nota Lá bemol no primeiro violino (solista), acompanhada por um pedal de Si natural, em harmônico, nos contrabaixos. Aos poucos, o Lá bemol do violino sofre pequenas alterações, como co mo se variasse varias se em torno de seu próprio próp rio eixo, oscilando entre um microtom mais agudo e outro mais grave, sendo que esta variação aos poucos vai aumentando até chegar a notas “vizinhas” ao Lá bemol, como Si bemol, Lá natural, Sol sustenido (levando em conta a diferença microtonal entre Lá bemol e Sol sustenido), Sol, Si, e voltar ao Lá bemol, que acaba configurando-se como pólo. É importante mencionar também, que a partir desse ponto não há mais fórmula de compasso, sendo a métrica definida a princípio pela p ela notação notaçã o dos segundos, s egundos, e um pouco po uco mais adiante pela simples contagem c ontagem das da s semicolcheias. semicolche ias. No sistema seguinte surge então um grupo de notas executado pelo primeiro violino, que é uma espécie de “conseqüência” da textura imediatamente anterior, e que servirá de motivo principal para o desenvolvimento desta próxima seção. seç ão.
Figura 5: Micropolifonia.
Uma nova seção mais adiante apresenta um cluster de 12 sons, executado por todos os instrumentos da orquestra de cordas. Sobre esse cluster surgem fragmentos motívicos do grupo principal (fig. 4), executados pelos três primeiros violinos e, ao final desta seção, pelas violas. Cabe ainda mencionar que neste trecho, que encerra a seção iniciada no compasso 49, a nota Lá bemol volta a ser pólo, após um momento anterior em que a nota Ré cumpria esta função, sendo executada pelos dois primeiros violinos. A seção a seguir, por sua vez, expõe uma textura em que o pólo de Lá bemol se “expande” “ expande” para alturas próximas como Fá sustenido su stenido e Sol, enquanto ocorrências de figuras derivadas do grupo principal apresentam-se apresentam -se espalhadas pela seção. O diferencial deste trecho, porém, está no acompanhamento diatônico realizado pelos violinos (5, 6 e 7), violas, violoncelos e contrabaixos, apresentado apresentado sempre em colcheias, se opondo ao ritmo livre e sem métrica dos primeiros violinos.
Figura 4: Motivo principal.
Este grupo de notas e constituído por dezoito alturas amparado por um cluster “vertical” “vertical” que contém todas as notas de Dó menor - de onde será extraído um importante subgrupo, formado pelos seguintes intervalos: 2m, trítono, 7m, 3m, 2m, 2M e 2m. Porém, antes que esse motivo seja utilizado, vemos mais adiante o retorno da polarização em Lá bemol, com as mesmas oscilações microtonais do compasso 49, ou seja, alterações que rondam a nota Lá bemol, expandindo-se por notas vizinhas. Vemos que no sistema seguinte é criada aos poucos uma u ma textura textu ra micropolifônica, micropo lifônica, onde o nde os quatro primeiros p rimeiros violinos executam figuras melódicas melódicas que oscilam em torno do pólo Lá bemol, que resulta numa massa sonora densa, no registro agudo, onde os timbres se confundem, e se fundem num cluster “horizontal”.
Figura 6: acordes em colcheias.
A marcha fúnebre da Sinfonia No3 de Beethoven reaparece na seção seguinte, desta vez mesclada a procedimentos da seção anterior, como oscilações cromáticas em torno de uma nota pólo e micropolifonia. A textura deste trecho conduz a um Lá bemol em uníssono, que dá lugar a um Fá e um Dó, nas cordas graves e nos violinos, respectivamente. Aos poucos, figuras rítmicas derivadas da Sinfonia de Beethoven voltam a
XIX Congresso da ANPPOM ÐCuritiba, Agosto de 2009 ÐDeArtes, UFPR
756
se impor, retomando idéias harmônicas do início da peça, como clusters diatônicos, acordes por quartas, entre outras. Então, a peça se encerra quando, em meio às texturas micropolifônicas, surge um uníssono em Sol, que aos poucos é filtrado do emaranhado de notas cromáticas, e que conduz a uma cadência tonal suspensiva, inserida no ambiente harmônico de Dó menor.
de composição, mas que mantiveram vivo o diálogo com a tradição, como Arnold Schoenberg e Pierre Boulez. Ao mesmo tempo, Willy foi durante a década de setenta um compositor que viveu sua época intensamente, trazendo trazendo para a música contemporânea brasileira importantes conquistas da vanguarda européia. Foi capaz de absorver influências diversas, desde Ligeti e Penderecki até Henri Pousseur, sendo que sua escrita aproxima-se também de Giacinto Scelsi, compositor ainda desconhecido à época da concepção de Sursum Corda. fim, éCorda necessário o fator mais importante de Por Sursum não destacar está nasquetécnicas contemporâneas utilizadas, mas sim na mistura delas. Em outras palavras, podemos dizer que é mais m ais importante importan te a forma como co mo o material materia l composicional é trabalhado, através das combinações diversas de linguagens, do que seu conteúdo. Entretanto, apesar de todas as referências, Willy Corrêa de Oliveira foi capaz de assimilar suas influências de uma maneira muito pessoal, sendo sua escrita facilmente reconhecível devido a sua forte personalidade personalid ade musical.
REFERÊNCIAS BONIS, Maurício Funcia De. Um Levantamento dos Estudos sobre a Citação Musical no Século XX. Artigo. ECA - USP. São Paulo, 2006. BOULEZ, Pierre. Apontamentos de Aprendiz. São Paulo: Perspectiva; tradução, Stella Moutinho, Caio Pagano, Lídia Balzarian, 1995. GRIFFITHS, Paul. A Música Moderna: Uma história concisa e ilustrada de Debussy a Boulez. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. OLIVEIRA, Willy Corrêa de. Sursum Corda: Uma Nênia. Cópia de partitura manuscrita. São Paulo, 1977. OLIVEIRA, Willy Corrêa de. Willy Corrêa de Oliveira: Canções para Voz e Piano/ Willy Corrê Corrêaa de Oliveira. São Paulo: Editora ddaa Universidade de São Paulo: Petrobrás, 2006. ULBANERE, Alexandre. Willy Corrêa de Oliveira: Por um Ouvir Materialista Histórico. Dissertação (mestrado). IA - UNESP. São Paulo, 2005. ULBANERE, Alexandre. O Pensamento Musica de W. C. de Oliveira. Artigo. IA - UNESP. São Paulo, 2006. Cultura Brasil. Expressões Latinas. Disponível em < http://www.culturabrasil.pro.br/expressoeslatinasc.htm > Acesso
Figura 7: últimos compassos de Sursum Corda. Este trecho mostra a nota sol sendo “filtrada” aos poucos, conduzindo a música para uma cadência suspensiva em Dó menor.
IV.
em 27/10/2008. Wikipedia. Willy Corrêa de Oliveira. Disponível em < http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Willy_Corr%C3%AAa_ de_Oliveira&oldid=15078113 > Acessado em 07/06/2009.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Análise de Sursum Corda: Uma Nênia nos traz algumas questões importantes sobre o pensamento musical de Willy Corrêa de Oliveira e seu papel na música brasileira. O grande diferencial dessa obra é possibilitar o encontro de diferentes técnicas de composição e, além disso, proporcionar o confronto entre a escrita musical contemporânea e a escrita dos grandes mestres, que neste caso são Beethoven e Mahler. Através do recurso da citação, vemos o quanto o compositor, apesar de sua postura experimental e inovadora, relaciona-se com o passado musical. Assim, podemos comparar Willy Corrêa a outros compositores que pesquisaram novos recursos
XIX Congresso da ANPPOM ÐCuritiba, Agosto de 2009 ÐDeArtes, UFPR