Lori Lambe a Memória Da Língua

March 30, 2019 | Author: João Nuit | Category: Realism (Arts), Love, Short Stories, Books, Image
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Lori lambe a memória da língua1 “We don’t need no education We don’t need no thoughts control   Hey, teacher, teacher, leave those kids alone!” (Pink Floyd)

Tudo bem com a pornografia, mas não toquem nas crianças! Imagens da doçura e da inocncia não deem ser temas dos escritos pornogr"ficos# Preseradas dos enolimentos sensuais, sensuais, tm de pairar $ como an%os no limbo limbo asse&uado asse&uado $ acima dos apelos dos instintos# instintos# 'uan 'u ando do essa essa norma norma do senso senso comu comum m  cont contra rari riad ada, a, proo prooca ca escn escnda dalo lo e cr*ti cr*tica cass indignadas# indignadas# +eantam$se +eantam$se contra o uso pererso da representação representação da infncia infncia at as cabeças mais liberais e mesmo aquelas que não desconecem as teorias freudianas a respeito da se&ualidade infantil demonstram escr-pulos quando confrontadas com essa ousadia# .sse rep-dio / pornografia enolendo enolendo crianças crianças  maior maior quando a abordagem não se fa0 atras da temati0ação temati0ação de um mundo infantil passio, su%eito su%eito a abusos, pois se isso pode proocar  orror e piedade, piedade, não corrompe a alma## Pior  o efeito causado causado quando as e&perincias e&perincias se&uais das crianças, alm de 1narradas por elas mesmas2, resultam em alegria e pra0er, desafiando desafiando a boa conscincia conscincia do leitor# leitor# 3esse 3esse caso, o que se tem  um reforço dos padr4es morais que re%eitam a idia de qualquer iniciatia de sedução proeniente das crianças# 5em comparação, no entanto,  a e&trema perturbação proocada pela ambig6idade narratia causada pelo %ogo entre o que a criança sabe e o que ignora, entre a inocncia e uma sabedoria perersa encenadas no ato da enunciação# 7ale a pena, no entanto, dei&ar ca*rem por terra atitudes defensias e abandonar$se / leitura de dois romances $ desses que se lem num "timo $ 8 9aderno :osa de +ori +amby, de ;ilda ;ilst ;ilst e o .logio .logio / dia# 8u se%a, são te&tos que se dobram sobre outros te&tos para refut"$los, para deles se distanciarem, ou ainda que pareça parado&al para reerenci"$los# 8s dois colocam em questão os meios e&pressios de que se alemE ;ilda, a +iteratura $ a palara $ e 7argas +losa , a pintura $ a imagem isual# 8 se&o, nesses liros, não pode mais ser tomado numa relação de mera referencialidadeB não di0 respeito somente / materialidade das coisas, ao “aspecto seco e  fodido das coisas”,  nem apenas ao imagin"rio acerca do se&oB o se&o se depura num 

F:.AG, 5igmund# 18 Instinto e suas icissitudes2 In$$$# 8bras 9ompletas . :io de Haneiro, Imago, ol# I7,  p#=JK

N con%unto de imagens erbais e isuais que oferece modelos de realidade, mas que ao mesmo tempo tornam eidente que perderam a crença inocente na representação direta das ?coisas do mundo@# Transformaram$se em c>digos, discursos# 8 se&o temati0ado nesses dois liros p4e a nu as possibilidadesL impossibilidades de a palara conferir imagens est"eis da realidade e eidenciam o car"ter ?artificial@, ?art*stico@ do  como  di0$lo# 8 realismo assume sua face equ*oca para o leitor que s> poder" participar de seu %ogo se aceitar a premissa de desiludir$se# C importncia do %ogo par>dico para a literatura moderna  tão grande quanto foi a da imitação para a literatura cl"ssica# Cmbas, par>dia e imitação, estruturam$se atras da adoção de um outro te&to ou para repeti$lo em seus procedimentos te&tuais (imitação), ou  para dele se distanciar por um suplemento significatio irMnico (par>dia)# 3a confluncia da arte da par>dia com outros gneros de apropriação, tais como a citação, a alusão, o  pl"gio, criam$se algumas cristali0aç4es conceituais, dificultando$les o entendimento e confundindo$os, na maioria das e0es, uns com os outros# 9omo não  o caso de demarcar  as fronteiras discursias eLou pragm"ticas entre essas diersas manifestaç4es, usa$se aqui o termo par>dia num sentido bastante amplo, ou se%a, de modo a que inclua não apenas o distanciamento cr*tico, que beira a s"tira descarada como o fa0 ;ilda ;ilst, mas tambm na sua forma mais sutil e delicada, como omenagem, que não e&clui a diferença irMnica, de dia no sentido que le  atribu*do por +inda ;utceon em seu Ama Teoria da Par>dia 1  maioria dos te"ricos da par"dia remontam a raiz etimol"gica do termo ao substantivo grego  parodia,  #ue #uer dizer $contra%canto’&&&'e olharmos mais atentamente para essa raiz obteremos, no entanto, mais informa()o&  natureza te*tual ou discursiva da par"dia +por oposi()o  s-tira. é evidente no elemento odos da palavra, #ue  significa canto& / prefi*o  para tem dois significados, sendo geralmente mencionado apenas um deles % o de contra ou oposi()o&&&0ste é presumilvelmente, o ponto de partida  formal para a componente de   rid1culo pragm-tica habitual da defini()o um te*to é confrontado com outro, com a inten()o de zombar dele ou de o tornar caricato&&& 2o entanto, para em grego também pode

O  significar ao longo de e, portanto, e*iste uma sugest)o de um acordo ou intimidade, em vez de contraste&” 3

4.1. Lori lambe a memória da Língua.

 3o caso de ;ilda ;ilst, a par>dia ousada a que se lançou com a trilogia sacana da qual fa0 parte 8 9aderno :osa (os outros liros são 9ontos [email protected]"rnio e 9artas de um 5edutor  O) Jfoi alm do que o ambiente sadio da alta literatura poderia suportar# Ctingiu em ceio a ipocrisia do mercado de liros num pa*s inculto# ;oue, na erdade, uma declarada irada na carreira liter"ria de ;ilda que, apesar de ser reconecida no meio liter"rio como uma autora sria e talentosa, era pouco lida pelo p-blico não especiali0ado# Co citar um erso de .dna 5aint 7incent licas # (ilustraç4es de Haguar)# 5ão Paulo, dia), cacos de obras de arte, seis b*blias e 8 9apital,# Go que se infere a escola do tipo de li&o de que trata a obra pornogr"fica de ;ildaE li&o da mais alta qualidade, li&o porque sobra não assimil"el  por força do mercado# =O

;I+5T, ;ilda# 8p# 9it (=KK)#p#RJ ;I+5T, ;ilda# 8p# 9it p#K (=KK) = inha pomba rosa, minha avezinha sem penas, minha boneca de carne e de rosada cera, os cabelos de seda ro(ando a cintura, meu cuzinho de amoras, a boca de pitanga mordiscando o rosa brilhante da minha pica, sempre gote9ando por voc=, princezinha persa&&&” “&&&minhas narinas sentiam o cheiro da#uela vagina rodeada de pelos pretos enroladinhos, a#uela  gosma #ue eu lambi a primeira vez parecia a gosma das 9abuticabas +coitadas das  9abuticabas!., a#uela puta vadia era a minha vida, o ar #ue eu respirava& /lhava a noite linda, estrelas, lua, e toda a#uela maravilha n)o tinha a beleza da boceta de 6orina&” GO Am dia, contudo, os pais de +ori descobrem o di"rio e surtam, precisando ser  internados# .la não consegue atinar com os motios que proocam reação tão e&agerada / N

;I+5T, ;ilda #8 9aderno :osa de +ori +amby# p#=S#  ;I+5T, ;ilda# 8 9aderno :osa de +ori +amby# p#N e N J  Idem,ibidem# p K e J= O

 descoberta do di"rio e numa carta aos pais esclarece como tudo aconteceuE  “papi s" escreve de dia e sempre est- cansado de noite, eu ia bem de noite l- no teu escrit"rio #uando voc=s dormiam, pra aprender a escrever como o tio Jalau #ueria& 0u também ouvia o senhor dizer #ue tinha de ser bosta pra dar certo por#ue a gente a#ui é tudo anarfa, né, papi@ 0 ent)o eu fui l- no teu escrit"rio e lia a#ueles livros #ue voc= colou o  papel na t-bua escrito em vermelho Bosta& 0 todas as vezes #ue dava certo eu ir l-, eu lia um pou#uinho dos livros e de revistinhas #ue estavam l- no fundo&&&e vi a#uelas fitas #ue voc=s se trancam l- #uando voc= 9- est- cansado, de tardezinha&&&e também eu peguei alguns pedacinhos da tua hist"ria da mocinha, mas fiz mais diferente, mais como eu achava #ue podia ser se era comigo&&&”



.ssa irada no enredo que ;ilda oferece ao leitor como estratgia irMnica para derrubar qualquer ilusionismo ficcional ( 5ira$se, leitor, desse banquete de alta imprecisão narratia###) impede de colocar a trilogia de ;ilda ao lado da pornografia realista, trata$se nesse caso, como no de 7argas +losa, de um processamento mais sofisticado e proocante, trata$se de uma questão de soberania#

4.2. Elogio à madrasta: a conquista da soberania

9om ria, mas a partir dos dese%os e sonos que guiam o pincel numa noa inenção# 8utras referncias triangulares fa0em do romance uma construção rigorosa# .m todas as telas figuratias, e&istem trs personagens, espelando não s> a relação er>tico$ triangular do romance, mas para colocar o leitor na situação de oyeurE 1esse de costas #ue me observa, #uem poderia ser sen)o voc=@ Koc= acaba de se levantar e se transformar em voyeur&”GQ 3o n*el tem"tico, essa estrutura triangular se reflete na concepção de pia# 8 erbo reconecer neste treco nada anuncia da percepção realista no seu sentido usual, refere$se a um mergulo sem p"ra$quedas num mundo de absoluta estrane0a, o mundo do orr*el dese%o, ou da ascensão ao pra0er, essa “essa limpa palavra”& C concepção de retrato , neste caso, inteiramente diersa, pois di0 respeito a um 1retrato secreto”, tal como prop4e Foncito a +ucrcia di0endo ser o retrato dela, o quadro abstrato de Fernando de 50ys0lo 9amino para i$se pela tensão entre a  presença (a materialidade da obra) e a falta (o inestimento emocional e o efeito do mundo  pro%etado na conscincia do leitor)# R

 7C:UC5 ++85C, dico de modo que as leituras er>ticas feitas das telas retomam$nas em diferença# 3ão se trata, como no caso da par>dia sarc"stica de ;ilda ;ilst, de uma cr*tica aos procedimentos liter"rios que enenenam o mercado, nem de uma tomada de distncia com relação aos perigo de se dei&ar tragar pelo abismo da especulação metaf*sica# 3o caso de dia assume a caracter*stica de um %ogo interte&tual, onde os ob%etos (o pict>rico e o liter"rio) se enriquecem mutuamente# 3o caso, afirma$se a liberdade da imaginação criadora em desafiar o primeiro te&to (no caso, a pintura), conertendo$o, de certo modo, em outro que  fonte de pra0er ao mesmo tempo que representação do pra0er# C possibilidade de desconte&tuali0ar de forma radical as telas e conert$las em outras telas (cenas erbais), deslocando conte&tos, modificando ierarquias, aponta essa possibilidade de ?descompromisso respons"el@ que a literatura ofereceE descompromisso porque pode suberter todo e qualquer dogma, respons"el porque essa subersão origina$se de uma necessidade a que se dee responder#  3o caso de adrasta# Foncito entrega essa redação ao  pai para que este leia e faça o que tem de fa0er, diga o que tem de di0er# 3esse caso ficaria e&plicada a duplicação do enredo nas telas de pintura que teriam inspirado Foncito, como os liros do pai inspiraram +ori, ele se seriu das coleç4es de liros de arte e dos quadros de G# :igoberto para criar o enredo que afastaria a madrasta do pai## Gessa forma a leitura do romance de
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