livro_fonoaudiologia afasia

July 8, 2019 | Author: Danniel Cabral Leão Ferreira | Category: Chapeuzinho Vermelho, Patologia da Fala, Linguística, Semiótica, Cognição
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Pesquisa e Material Desenvolvidos com Base em Critérios Linguísticos para a Prática Fonoaudiológica Fonoaudiológi ca nas Afasias A fasias

Organizadores Ricardo Joseh Lima Solange Iglesias de Lima

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Pesquisa e material desenvolvidos com base em critérios linguísticos para a prática fonoaudiológica nas afasias / organizadores Ricardo Joseh Lima, Solange Iglesias de Lima. – Rio de Janeiro: UVA, 2009. 104 p. : 30cm. ISBN 978-85-61698-03-4 1. Afasia. 2. Linguística. 3. Fonoaudiologia. I. Lima, Ricardo

Ficha catalográca eleborada pela BIBLIOTECA CENTRAL DA UVA Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho

Nota sobre os organizadores Ricardo Joseh Lima 

Doutor em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, docente da graduação em Letras e Pósgraduação Stricto Sensu   em Letras, área de concentração - Linguística, coordenador do Programa Linguagem em Condições Diferenciadas, do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Solange Iglesias de Lima 

Mestre em Linguística pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), fonoaudióloga, docente dos Cursos de Graduação em Fonoaudiologia e em Psicologia e membro do Comitê de Pesquisa do Programa de Iniciação Cientíca da Universidade Veiga de Almeida, diretora técnica e administrativa da Clínica de Fonoaudiolog Fonoaudiologia ia do Centro de Saúde Veiga de Almeida, bolsista Proatec do Programa Linguagem em Condições Diferenciadas, Diferenciadas, do Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Sumário

Agradecimentos Prefácio Parte I Capítulo I – Linguística e Fonoaudiologia: um diálogo possível nos estudos de afasias

Parte II Capítulo II – Aspectos Quantitativos e Qualitativos da Fala Af ásica Capítulo III – Nomeação de Figuras por Afásicos no Português Brasileiro Capítulo IV – Aspectos Metodológicos na Avaliação da Compreensão de Agramáticos Afásicos de Broca Capítulo V – Aspectos Metodológicos na Avaliação da Produção de Afásicos de Broca Apêndice da parte II

Parte III Advertência Material FonoLing

Agradecimentos À Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), por ter possibilitado, com a cessão de espaço (sala 11.111 bloco F) e de bolsas de extensão, as condições estruturais para que as atividades do Programa Linguagem em Condições Diferenciadas (PLCD) venham sendo realizadas. À Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), pela concessão do incentivo por meio do pro grama Proatec, que possibilitou a inclusão e permanência da fonoaudióloga Solange Iglesias de Lima. Ao Centro de Saúde Veiga de Almeida, que, por meio da Clínica de Fonoaudiologia, possibilitou a criação do Centro de Recuperação do Paciente Afásico (CRPA) e o incentivo a essa publicação. Às professoras Letícia Maria Sicuro Corrêa (PUC-Rio) e Marina Rosa Ana Augusto (Uerj), cujos con vívios e experiência acadêmica em muito contribuíram para a elaboração das pesquisas, sem que, no entanto, sejam responsáveis por erros que tenham sido cometidos em sua realização. Aos bolsistas de extensão, colaboradores e voluntários que auxiliaram na coordenação das atividades e no contato com os afásicos nos últimos três anos: Juliana Chagas, Andréia Brandão, Carolina Ferreira, Aline Dias, Suzana Vieira, Daniele Kazan, Clara Villarinho, Renê Forster, Helena Santos, Juliana Adauto, Daniele Rosa, Cláudia Nascimento, Queila Martins e Victoria Haddad. Às pessoas afásicas que participaram (e ainda participam) desse projeto, pela conança e paciência que tiveram (e têm) ao demonstrar suas diculdades. Este trabalho é para vocês.

Prefácio Em dezembro de 2007, por força do Ato Executivo 17/2007-Reitoria, foi criado o Programa Linguagem em Condições Diferenciadas (PLCD), com o objetivo de estender o alcance de atividades realizadas por seu predecessor, o Programa Surdez. Com isso, estavam criadas as bases para a concretização de pesquisas que tivessem como escopo outras situações além da surdez, como as afasias, tema deste livro, e o Décit Especíco da Linguagem (DEL)1. Este livro é o resultado dos trabalhos realizados pela equipe que compõe o Projeto Linguagem em Circunstâncias Excepcionais, que integra o PLCD e focaliza aspectos linguísticos das afasias. Uma de suas atividades foi a confecção da cartilha “Falando sobre afasia, entendendo o afásico ”, com a nalidade de divul gar, em linguagem informal, informações sobre afasia para afásicos, familiares, prossionais e interessados no tema. A equipe do Projeto Linguagem em Circunstâncias Excepcionais é composta atualmente por um lin guista (coordenador), uma fonoaudióloga e alunos de graduação e pós-graduação. Essa conguração permitiu a concretização desta obra, que contém o Material elaborado com a nalidade de servir de apoio ao trabalho do fonoaudiólogo e a apresentação de resultados de pesquisas realizadas pela sua equipe. A primeira parte deste livro é dedicada a um capítulo único, que apresenta as bases e as justicativas para a concepção de um trabalho que construa elos entre a Linguística e a Fonoaudiologia. Na segunda parte, são apresentadas as pesquisas realizadas por bolsistas de extensão e por alunos de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Letras da Uerj. Os dois primeiros capítulos (II e III) dessa parte foram escritos pelos bolsistas, em colaboração com o coordenador do projeto e com uma fonoaudióloga. Esses capítulos focalizam os passos para a realização de uma pesquisa com afásicos seguindo critérios linguísticos. Os outros dois capítulos dessa parte (IV e V) foram escritos a partir das dissertações de mestrado defendidas em março de 2008 por Clara Villarinho e Renê Forster. A terceira parte traz os materiais que compõem o que chamamos, informalmente, de FonoLing – atividades e testes linguisticamente orientados a partir dos níveis gramaticais (Fonologia, Morfologia, Sintaxe e Semântica). A ideia do Material FonoLing  surgiu da necessidade, sentida pelo coordenador do projeto e pela fonoaudióloga, de constituir um conjunto de situações de avaliação que conjugasse tanto aspectos linguísticos quanto fonoaudiológicos como sua característica principal e denidora. Desse modo, por exemplo, mencio nam-se os níveis linguísticos ao mesmo tempo em que se concedem liberdades na aplicação do Material que estejam compatíveis com a prática fonoaudiológica. Com o auxílio dos bolsistas, foram realizadas as etapas de levantamento de dados, elaboração de versões, aplicações prévias, até chegar-se à forma nal. Essa forma nal, no entanto, não signica que o Material está terminado, sem direito a revisão. Pelo contrário. O Material, tal como está constituído e apresentado, não possui a ambição de ser comparado a out ros que são utilizados com frequência na prática fonoaudiológica no Brasil e no exterior. No momento, ele se situa como uma indicação de caminhos a serem seguidos, uma proposta de visualização das relações entre Linguística e Fonoaudiologia e uma aposta nos frutos que essa relação pode trazer para o principal interessado: o afásico. O futuro dirá se estamos longe ou não deste sonho.

1 Este tema é atualmente abordado no projeto “DEL: conhecendo populações em condições diferenciadas de aquisição da língua”, coordenado pela Profa. Marina Rosa Ana Augusto (Uerj).

Parte I

Capítulo I Linguística e

Fonoaudiologia: um diálogo possível nos estudos de afasias Solange Iglesias de Lima (UVA- Proatec Uerj) Ricardo Joseh Lima (Uerj)

Capítulo I - Linguística e Fonoaudiologia: um diálogo possível nos estudos de afasias

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D

entre os estudos propostos pela ciência fonoaudiológica, está a ênfase nos estu dos afasiológicos. Devido à complexidade das manifestações afásicas, os modelos de caracterização foram baseados em critérios desenvolvidos por áreas correlatas, as quais também enfrentam diferentes condições e possibilidades de entendimento dessa instigante ocorrência: a afasia. Esta ciência, contemporânea na sua existência, também se ocupa em reordenar, reativar ou recuperar os problemas identicados na linguagem motivados por problemas de origem neurológica ou mesmo os atribuídos às desordens na aquisição e ou desenvolvimento linguístico que não estejam creditados aos problemas neurogênicos. Sendo uma ciência de ordem prática, necessita de suporte teórico que sustente e alimente as etapas metodológicas descritas para o adequado restabelecimento da faculdade comunicativa, independentemente da sua natureza. Assim, ao tratar a linguagem como foco das manifestações que pretende analisar, supõe a existência de argumentos teóricos sucientes para poder considerar e identicar certas condições de irregularidade. Ao “isolar” o fenômeno afásico, identica que essa manifestação é determinada por um acon tecimento orgânico (acidente vascular cerebral hemorrágico ou isquêmico, traumas crânio-encefálicos) no córtex cerebral (hemisfério esquerdo, preferencialmente), interrompendo as vias de informações ner vosas entre centros reguladores da linguagem humana. Descritas dessa forma, as afasias pertencem ao repertório das impossibilidades decorrentes daquelas enfermidades, sendo estas uma condição es pecíca para identicação do diagnóstico afásico. Porém, nem toda alteração no córtex adulto provoca um estado afásico: as condições neuroanatomosiológicas que determinam as afasias são especiais, regulares e possíveis de serem identicadas a partir de exames clínicos e instrumentais. Essa descrição favorece e indica que, ao emprestar os conhecimentos anatômicos, siológicos e funcionais, a Neuro ciência contribui com seu escopo teórico, determinando, assim, uma forma de descrição das afasias. Esse modelo de apresentação de uma manifestação afásica identica a etiologia do problema, porém, apenas a etiologia, fator que não é menos importante para caracterização das afasias, contudo, desvia o que, de fato, pode ser recuperado por meio da atuação fonoaudiológica. Por meio dos tempos, a prática clínica fonoaudiológica, que se ocupa desses transtornos, foi baseada em princípios fornecidos pelas escolas médicas mundiais, as quais orientaram durante décadas os procedimentos de avaliação, descrição, diagnósticos e conduta terapêutica nas afasias. Com o avanço das técnicas de intervenção fonoaudiológica nesses quadros, novos rumos foram tomados pelos prossionais que atuam diretamente com esses sujeitos e, assim, outros pos síveis diálogos foram iniciados. Um desses diálogos pode vir a se revelar extremamente frutífero para a Fonoaudiologia. O contato mais estreito com a metodologia e os objetivos da ciência Linguística traria benefícios não apenas para as questões com as quais a Fonoaudiologia trabalha. Em um ato de alta generosidade cientíca, a Fonoaudiologia poderia contribuir também, com sua experiência e interdisci -

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Parte I

plinaridade natural, para a (in)formação da Linguística. Desse modo, o diálogo pode ser estabelecido em seu aspecto pleno, em que ambos os lados ouvem e se pronunciam. Para demonstrar que esse diálogo não apenas é viável, mas também proveitoso, é que essa publicação foi idealizada. O Material FonoLing, que consta da terceira parte, foi pensado e elaborado a partir da construção desse diálogo. Ao mesmo tempo em que contempla de modo sistemático os níveis de análise linguística (Fonologia, Morfologia, Sintaxe e Semântica), apresenta-se como ferramenta de diagnóstico e instrumento de auxílio ao tratamento das afasias. A advertência, que introduz esta parte do livro, apresenta com mais detalhes as bases e os objetivos desse Material. Ainda, pesquisas que utilizaram parte do Material FonoLing compõem a segunda parte do livro. O aspecto morfológico está contemplado no capítulo de Forster, que aborda especicamente a morfolo gia verbal. Esse capítulo contém também uma abordagem do aspecto sintático, ao focalizar a repetição de estruturas sintáticas que variam das mais simples às mais complexas. O aspecto morfossintático também é o foco do artigo de Lima, Martins, Nascimento e Garrão: a análise de narrativas de afásicos se dá por meio de critérios formais, tais como presença de exão, elaboração do sintagma verbal, presença de oração subordinada, entre outros. A fronteira entre sintaxe e semântica está presente no capítulo de Villarinho, que estuda a compreensão de sentenças por meio de testes, utiliz ando gravuras e encenações. Essa fronteira é ultrapassada no capítulo de Lima, Adauto, Rosa e Lima, que, por meio de um teste de nomeação, busca caracterizar os problemas semânticos que podem surgir em decorrência da afasia.

Afasia no contexto fonoaudiológico Para o prossional responsável pela avaliação e diagnósticos de sujeitos afásicos e conse quente acompanhamento, talvez, um dos maiores desaos seja a seleção de um instrumento adequado para a realização dessas ações. Pelas características que envolvem as síndromes afásicas, podemos armar que são também diversos os modos e parâmetros capazes de categorizar esses impedimentos na linguagem. Entende-se por afasia uma perda ou prejuízo da habilidade linguística causada por lesão no córtex cerebral adulto (ARDILA, A. & BENSON, F. 1996. trad.). Tradicionalmente, os modelos de descrição dos sintomas relacionados às afasias estiveram sempre impregnados por uma nomenclatura médica que se mantinha el às características clínicas da lesão. Assim, os resultados obtidos por meio da aplicação de protocolos estavam, na verdade, ob jetivando compreender como o cérebro estruturava as habilidades linguísticas e cognitivas a partir da identicação dos sintomas afásicos, independentemente de sua natureza. A criação de protocolos de avaliação submetida a esse modelo de descrição estabelecia os cri térios de categorização dos sintomas e, a partir daí, sugeria um tipo ou subtipo de afasia. As evidências que ocorriam na linguagem estavam na dependência de um local anatômico previsto para ocorrência de uma forma afásica. Desta forma, um décit funcional na área de Broca provocaria o tipo afasia de Broca; um décit na área funcional de Wernicke provocaria afasia de Wernicke e, assim por diante. A estreita relação lesão-sintoma congurava a forma adequada de entendimento de como o cérebro processava a produção e compreensão de linguagem e também servia de base para a classicação de um tipo afásico. Esse ponto de vista orientou (e ainda orienta) os procedimentos de avaliação, descrição e diagnose de síndromes afásicas. As distinções classicatórias baseavam-se em certas dicotomias do tipo motor/sensorial (GOLDSTEIN 1948), anterior/posterior (WERNICKE, 1881; LICHTHEIM, 1885), expressiva/receptiva (MC BRIDE, 1935) não uente/uente (BENSON, 1967), eferente/aferente (LURIA, 1966) e mais uma sequência de subtipos que foram surgindo à medida que novas características e particularidades eram considera das. Assim, os efeitos causados por diferentes modelos e princípios de análise e descrição criaram mais controvérsias do que soluções. Nesse cenário, as terminologias afasia e síndrome afásica passaram a representar manifestações idênticas, sendo seu uso um caso de opção terminológica. Importante notar que o termo afasia pode variar entre um uso marcado pela herança neurológica ou apropriar-se de um signicado privilegiado pelo sintoma linguístico. Talvez o que deva ser considerado, no âmbito da ciência

Capítulo I - Linguística e Fonoaudiologia: um diálogo possível nos estudos de afasias

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Fonoaudiológica, não seja necessariamente a controvérsia terminológica, porém, o que se entende sobre linguagem, sua natureza teórica e implicações metodológicas. O diagnóstico de afasia não é uma tarefa complexa, de forma geral; se houver um dano no tecido cortical em áreas instrumentais da linguagem, e o indivíduo demonstrar diculdades em produzir e/ou compreender o que lhe é dito, este pode ser considerado afásico. O problema está justamente na diversidade das manifestações linguísticas, o que leva a crer que o substrato que se modica, ou seja, a linguagem, possui critérios e condições que deverão ser submetidas à ótica clinica de quem avalia e diagnostica. É nesse sentido, portanto, que a opção por uma teoria de linguagem se faz necessária. Embora particulares, as metodologias de investigação da linguagem tornam-se (quase sempre) coad juvantes quando se pretende dar um tratamento linguístico às síndromes afásicas. Em alguns casos, e não raros, os protocolos de avaliação da linguagem são utilizados como forma de roteirizar um fato que já é observável, seja pelo fonoaudiólogo, médico, familiares, ou mesmo pelo próprio indivíduo, que, em certas condições, reconhece suas diculdades. Os resultados obtidos com base nesses protocolos passam a legitimar as circunstâncias em que o discurso está sendo produzido/interpretado. Por outro lado, a falta da aplicação de um instrumento formal de investigação para esses casos torna inviável o estabelecimento de um diagnóstico objetivo. A clínica fonoaudiológica que atua nessa dimensão tem utilizado alguns protocolos que, em sua maioria, foram elaborados nos idiomas inglês e francês e, adequadamente, traduzidos para o idioma Português. No entanto, entende-se que as diferenças, ou seja, os parâmetros individuais de cada língua, que inter ferem e determinam o processamento das informações no cérebro humano, não devam ser desconsid erados. Testes tradicionais, como os de Goodglass & Kaplan (1983), Schuell (1955), Luria (1970), Sarno (1969), entre inúmeros outros indicadores, são utilizados como instrumentos de detecção das violações na produção e/ou interpretação da linguagem. As tarefas propostas incluem a capacidade de nomear, produzir sentenças, repetir elementos de menor ou maior complexidade e identicar argumentos semân ticos, desta forma, propondo-se a alcançar todos os níveis considerados verbais e/ou não verbais. Se observarmos os critérios de análise e padronização dos resultados, podemos identicar os propósitos pelos quais esses testes foram elaborados. Reconhecendo as diferentes épocas em que foram produzi dos, entendemos que as condições e parâmetros das tarefas idealizadas foram instrumentos inovadores para o entendimento da forma como a linguagem se ordenava no cérebro humano. Portanto, como taxo nomia de um fenômeno linguístico-cognitivo, os scores obtidos proporcionavam o estabelecimento de uma nova visão para um problema, até então, de difícil solução. Durante alguns anos, os estudos fonoaudiológicos das afasias aderiram a essas condições de mensuração. A abrangência dos testes internacionais somados à informação clínica-médica sobre a origem do problema afásico compunha e determinava os procedimentos de recuperação da linguagem. Dentre todos os argumentos defendidos em favor de uma classicação dos sintomas, e a partir dela, o consequente diagnóstico – em alguns casos, por exclusão –, as afasias receberam várias nomenclaturas, que pouco contribuíam para uma terapêutica eciente, objetiva e rápida. Os sintomas que receberam tratamento linguístico (parafasias, perseverações, jargões, agramatismo, ecolalia etc.) compunham uma série de fenômenos que determinavam a forma de exibição do problema e, assim, poderiam categori zar um tipo ou subtipo afásico. De certa forma, esses critérios de classicação, diagnóstico e acom panhamento deixaram de lado o que, na verdade, justicava todo esse empreendimento. Se a afasia é um problema na linguagem, entendida como impedimento de comunicação, por meio da utilização de elementos de uma dada língua, então, muitos fatores linguísticos foram deixados de lado, compromet endo o entendimento do acesso e processamento dessas informações. É claro e determinante que as afasias são decorrentes de dano do material neurológico e, nesses casos, torna-se impossível assumir essa manifestação sem privilegiar esse conhecimento. A ênfase dada apenas a essa circunstância clínica distanciou o aspecto do conhecimento linguístico em situações discursivas. A prática fonoaudiológica está comprometida com ambas as situações etiológicas, porém, o material de investigação disponível é composto por critérios determinados por um instrumental orig inário da tecnologia por imagem (tomograa computadorizada do crânio, ressonância magnética de

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Parte I

emissão isótopos) e/ou por um modelo de linguagem independente da sua referência teórica. Entender que a observação da imagem cerebral determina e informa o local da lesão deve ser ponto de partida da análise. O rastreamento cerebral, sem a menor dúvida, torna explícita a alteração siológica, mas não indica se há ou não um quadro afásico. Em outras palavras, a imagem cerebral permite, com grande segurança, a visualização do estado e condições físicas da massa cerebral. Entretanto, muitas vezes, essa possibilidade se confunde como “determinismo” para o diagnóstico afásico. Se, por exemplo, essa análise siológica considera que a área de Broca (terceira circunvolução frontal ascendente – esquerda) seja responsável pela elaboração dos atos motores da fala, numa análise neurolinguística, essa mesma área e suas adjacências são responsáveis por parte da elaboração da sintaxe de uma língua (GRODZIN SKY 2000). O dinamismo que compõe a linguagem humana parece permanecer “estático” quando anali sado por uma vertente clínica, impondo-lhe um alto grau de responsabilidade, quando, na verdade, o que se manifesta é a alteração do funcionamento da comunicação. Para dar conta desse impedimento, apro pria-se, então, de uma análise que interfere tanto na modelagem clínica quanto num modelo indistinto sobre a linguagem. Uma condição teórica que privilegie a linguagem em uso ou a forma de habilitação de uma dada língua, independentemente de ser o pressuposto inato, cognitivo ou social, também oferece critérios metodológicos exatos e controlados, capazes de servir às necessidades da prática fonoaudi ológica em síndromes afásicas. Esses empréstimos não interferem na consolidação da responsabilidade de ser o fonoaudiólogo o prossional apto para conduzir a terapêutica com esses sujeitos. À medida que o “diálogo” se torna possível, não apenas como discurso interdisciplinar, mas também como criação de instrumentos ajustados e controlados cienticamente, talvez, uma nova forma de “pensar” as afasias possa ser frutífera para essa população.

Referências ARDILA, A.; BENSON, F. Aphasia – A clinical perspective. Oxford: Oxford University Press, 1996. BENSON, D. F. Fluency in Aphasia: correlation with radioactive scan localization. Cortex, 3:373-394, 1967. GOLDSTEIN, K. Language and language disturbances. New York, 1968. GOODGLASS, H.; KAPLAN, E. The assessment of aphasia and related disorders. Philadelphia, 1983. GRODZINSKY, Y. The neurology of syntax: language without broca’s area. Tel-Aviv University, 2000. LICHTHEIM, L. On Aphasia. Brain, 7:433-484, 1885. LURIA, A.R. Higher cortical functions in man. New York: Basic Books, 1966. ______ ___. Traumatic Aphasia. Mouton: The Hague, 1970. MCBRIDE, K. L.; WEISENBURG, T.S. Aphasia. New York: Hafner, 1935. SARNO, M.T. The Communication Prole: Manual of directions. New York, 1969. SCHUELL, H. Minnesota test for the differential diagnosis of aphasia. Minnesopolis: University of Minnesota Press, 1955. WERNICKE, C. Lehrbuch der gehirnkrankheitein. Berlim: Theodor Fischer, 1881.

Parte II

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Parte II

Capítulo II Aspectos

Quantitativos e Qualitativos da Fala Afásica no Português Brasileiro Ricardo Joseh Lima (Uerj) Queila Castro Martins (UERJ - BIG-FAPERJ) Cláudia Cristina Nascimento (UERJ - BIG-FAPERJ) Elisabeth Maia Garrão (UVA - UERJ - COPAT 2006/2007)

Capítulo II - Aspectos quantitativos e qualitativos da fala afásica no português brasileiro

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Introdução

E

ste capítulo traz os resultados de uma pesquisa iniciada em julho de 2007, com o objetivo de realizar observações quantitativas e qualitativas da fala afásica no Portu guês Brasileiro. Para tanto, adotaram-se como bases metodológicas as propostas de Saffran et al. (1989) e Rochon et al. (2000). Com isso, buscou-se prover a análise do conceito de uência  (e suas ramicações) com dados que, por serem mensuráveis e obtidos a partir de instâncias concretas, podem auxiliar na decisão da classicação de um paciente afásico ou no agrupa mento de pacientes. A seção 2 traz uma descrição das bases metodológicas utilizadas, bem como a motivação para sua utilização. Na seção 3, são apresentadas as etapas que constituíram a presente pesquisa e os resul tados gerais. A seção 4 encerra o capítulo com comentários sobre esse tipo de pesquisa, seus resultados e sua importância para o diálogo que pode ser desenvolvido entre Linguística e Fonoaudiologia.

Análise Quantitativa da Produção (AQP) Afásica Procedimentos para a análise das narrativas Participaram desta pesquisa os afásicos JM, RC e RP 1 2. Para cada um, foi selecionado um controle, que possuísse o mesmo perl etário e educacional do afásico. Para cada controle e afásico, foram elaboradas chas contendo informações sobre eles: iniciais (que cam no lugar do nome do par ticipante), idade, sexo, escolaridade, a data de gravação da narrativa, o bolsista que gravou, datas de transcrição e tempo da gravação. Segue um exemplo de cha de um controle e um afásico 3: FICHA DE INFORMANTE – AFÁSICO JM Iniciais: JM Idade: 58 anos Sexo: F Escolaridade: 5ª série do EF Data de gravação: 17/10/2007 Bolsista: Queila Martins Datas de transcrição: 06/11/2007 Tempo de gravação: 2.14 min Narrativa: Chapeuzinho vermelho

FICHA DE INFORMANTE – CONTROLE ZC Iniciais: ZC Idade: 48 anos Sexo: F Escolaridade: 5ª série do EF Data de gravação: 20/08/2007 Bolsista: Queila Martins Datas de transcrição: 21/08/2007 Tempo de gravação: 3.45 min Narrativa: Chapeuzinho Vermelho

1 Ver detalhes sobre idade, local da lesão, etiologia etc. no Apêndice. 2 Todos os sujeitos participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual armavam estar cientes dos objetivos da pesquisa e permitiam a divulgação dos resultados obtidos. Estes termos estão registrados na Comissão de Ética em Pesquisa (COEP) da Uerj, sob o número 067/2007. 3 As demais chas estão no Anexo deste capítulo.

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Parte II

Após as gravações realizadas com o auxílio de um gravador digital, partimos para uma outra etapa, que era a da transcrição e contagem de palavras dentro do tempo de narrativa do controle e tam bém do afásico. Nosso objetivo era encontrar cento e cinquenta palavras que servissem de teste para nossa pesquisa. Vejamos a transcrição total (contendo todas as palavras narradas) de um controle e um afásico: Transcrição total controle ZC “ Então era uma vez uma linda menina a sua mãe a amava muito então resolveu fazer um um gorrinho vermelho então ela foi apelidada de Chapeuzinho Vermelho a sua vó andava muito doente e a sua mãe muito atare- 

fada falou assim Chapeuzinho leva um uns docinho delicioso que eu z para tua vó então a Chapeuzinho Vermelho saiu e a mãe explicou lha você não não conversa com ninguém no bosque porque é muito perigoso então Chapeu -  zinho Vermelho encontrou com um sua vó com o lobo e cou conversando com ele e o lobo tentou comê-la mas aí ele pensou não eu vou se passar pelo eu vou eu vou pedir pra acompanhar ela mas num instante ela não aceitou então o lobo o lobo foi pelo caminho e a Chapeuzinho foi por ou tro sendo que o lobo pegou um caminh o mais curto e chegando lá na casa da vó da Chapeuzinho Vermelho ele bateu na porta e a vó pensando que era a Chapeuzinho Vermelho mandou entrar então ele avançou na vó da Chapeuzinho Vermelho e a engoliu e rapidamente ele colocou

as roupas da da vó da Chapeuzinho Vermelho e deitou na cama ngindo está muito doente então a Chapeuzinho Vermelho chegou e bateu na porta e a vó que na verdade era o lobo falou pode entrar é só tirar a tranca da porta e entrar então quando a Chapeuzinho Vermelho chegou ela estranhou porque é muito tempo ela não não a via né

visto a vó mas ela estranhou que este estava pouco diferente aí ela falou vó que olho tão grande que a senhora tá

aí ele falou assim é pra te ver melhor minha netinha aí mas que nariz que nariz tão grande que a senhora tá é pra te cheirar melhor minha netinha aí depois ela falou mas que boca tão grande vó aí o lobo se levantou falou é pra te comer melhor então a Chapeuzinho pulou saiu começou a gritar gritar pois pela sorte da Chapeuzinho Vermelho é

que ia passando um um caçador pelo bosque e escutou o grito da Chapeuzinho Vermelho então ele correndo aden adentrou pela casa e salvou a Chapeuzinho Vermelho do lobo e a ma matou o lobo e abriu a barriga do lobo e e tirou e tirou a vó que ele tinha engolido e e e todos foram felizes para sempre” 

NTP=397 

Transcrição total afásico JM “é de (risos) (risos) É :: da vovó aí tinha a vovó arranjou o o o o outro como é o nome dele do (risos) também vou esquecer desse aqui né do do :: como é que é isso :: pera aí isso isso agora eu pensei aí ele vem aí ele quer quer os doce os doce entendeu aí o que que aconteceu a do a vovó a vovó pe :: jun sentou ela né aí pera aí deixa eu mostrar como acontece pra você aí a aí ela pegou o ra o o outro né aí pegou e falou assim não não eu quero eu (pausa) (aí) aí o o o o primeiro né primeiro não isso primeiro é a mãe primeiro é a a menina a meni na né aí vem vem ele né aí depois ele quer falar assim falar assim ah vovó a menina fala ah vovó oh vovó vou comprar umas doces pra você ah então tá aí quando o lo quando o lo é :: o que que aconteceu ele pegou a velhinha e se segurou aí quando chegou na casa dela ela fala vovó vovó oh vovó aí quando foi isso veio veio um um senhor entendeu aí

ele pegou a ele pá matou ele foi isso é lindo eu adorava fazer essa história isso (risos) aí aí o que que aconteceu ela ela tirou aí vem a vovó e a menina entendeu aí pegou né os doces e tudo (risos)” 

NTP = 261 A transcrição total foi feita da seguinte forma: os bolsistas escutaram a gravação e tran screveram palavra por palavra proferidas pelo narrador. Todas as palavras foram transcritas elmente ao que foi dito. Sem haver neste momento preocupação com o que se diz, transcreve-se tudo que é narrado. Feitas as transcrições, seguimos critérios de exclusões, eliminando as palavras que não ser -

Capítulo II - Aspectos quantitativos e qualitativos da fala afásica no português brasileiro

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viriam para o teste. Dentre as palavras que caram para análise(denominadas palavras de narrativa, denidas como palavras que apresentam conteúdo proporcional para contagem e análise), seleciona mos, então, as primeiras cento e cinquenta. Desta etapa, retiramos, então, o número de palavras total (NPT), o número de palavras de narrativa (NPN) e as cento e cinquenta primeiras palavras de narrativa. De todos esses números, ainda obtivemos o tempo da narrativa e marcamos o número de palavras por minuto de narração. A exclusão das palavras após a transcrição foi feita, como dito anteriormente, seguindo alguns critérios especícos, que nos levaram a cortar alguns tipos de palavra, tais como: neologismos (A), respostas diretas a uma pergunta feita pelo pesquisador (B), comentários realizados pelo controle ou afásico (C), iniciadores habituais (D) de discurso (aí, então , entre outros), conjunções (E), introdutores de discurso direto (F) e materiais reparados (repetições [G1], interrupções [G2], emendas [G3] e elabo rações [G4]). Observe a seguir um exemplo de cada tipo de marcação para as palavras que foram excluídas: A (gou); B (a fada deu um vestido para a Cinderela  em resposta à pergunta O que a fada deu à Cindere-  la? ); C (como é o nome dele do...); D (entendeu); E (ele foi e  ele falou); F (a menina fala); G1 (a do a vó); G2 (isso isso ); G3 (primeiro é não isso primeiro) e G4 (é de). Com esta etapa, chegamos às transcrições com marcações dos tipos de exclusão que deveriam ser feitos. Ao lado de cada exclusão a ser feita, colocamos os números respectivos do tipo de exclusão. Observe, abaixo, um exemplo de texto marcado de um controle e de um afásico: Transcrição com marcações - Controle ZC “Então(D)  era uma vez uma linda menina a sua mãe a amava muito então(D)  resolveu fazer um(G2)  um gorrinho vermelho então(D)  ela foi apelidada de Chapeuzinho Vermelho a sua vó andava muito doente e a sua mãe muito atarefada falou assim(F)  Chapeuzinho leva um(G2)  uns docinho delicioso que eu z para tua vó então(D)  a Chapeuzinho Vermelho saiu e a mãe explicou(F)  lha você não(G1)  não conversa com ninguém no bosque porque é muito perigoso então(D)   Chapeuzinho Vermelho encontrou com um sua vó(G3)   com o lobo e(E)   cou conver -  sando com ele e o lobo tentou comê-la mas aí(D) ele pensou(F)   não eu vou se passar pelo(G3) eu vou(G2)  eu vou pedir pra acompanhar ela mas num instante ela não aceitou então(D) o lobo(G1)  o lobo foi pelo caminho e a Chapeuzinho foi por outro sendo que o lobo pegou um caminho mais curto e chegando lá na casa da vó da Cha-  peuzinho Vermelho ele bateu na porta e a vó pensando que era a Chapeuzinho Vermelho mandou entrar então(D)  ele avançou na vó da Chapeuzinho Vermelho e a engoliu e rapidamente ele colocou as roupas da(G4)   da vó da Chapeuzinho Vermelho e deitou na cama ngindo está muito doente então(D)  a Chapeuzinho Vermelho chegou e bateu na porta e a vó que na verdade era o lobo falou(F)  pode entrar é só tirar a tranca da porta e entrar então(D)  quando a Chapeuzinho Vermelho chegou ela estranhou porque é muito tempo ela não(G1)   não a via né(D)   visto a vó mas ela estranhou que este estava pouco diferente  aí(D) ela falou(F)   vó que olho tão grande que a senhora tá aí(D) ele falou assim(F)  é pra te ver melhor minha netinha aí(D)  mas que nariz(G1)  que nariz tão grande que a senhora tá é pra te cheirar melhor minha netinha  aí(D)   depois ela falou(F)  mas que boca tão grande vó aí o lobo se levantou   falou(F)   é pra te comer melhor então(D)   a Chapeuzinho pulou saiu começou a gritar gritar pois pela sorte da Chapeuzinho Vermelho é que ia passando  um(G4)  um caçador pelo bosque e escutou o grito da Chapeu-  zinho Vermelho então(D)  ele correndo aden(G4)  adentrou pela casa e salvou a Chapeuzinho Vermelho do lobo e a  ma(G4)  matou o lobo e abriu a barriga do lobo e(G2) e tirou(G1)  e tirou a vó que ele tinha engolido e e(G2)  e todos foram felizes para sempre” 

Nº de marcações = 41 Transcrição com marcações - Afásico JM “É de(G4) ( risos ) ( risos )(D)  É :: da vovó aí(D)  tinha a vovó arranjou o o o(G1)  o outro como é o nome dele do (C) ( risos )(D) também vou esquecer desse aqui(C)  né(D) do do (C) :: como é que é isso :: (C)  pera aí(D) isso(G2)  isso agora eu pensei(C) aí(D)  ele vem aí(D)  ele quer quer os doce(G1)  os doce entendeu(D) aí(D) 

18

Parte II

o que que aconteceu(G4) a do a vovó(G1)   a vovó pe :: (G3)  jun(G3)   sentou ela né(D) aí(D) pera aí(D) deixa eu mostrar como acontece pra você(C) aí(D) a aí(D)  ela pegou o ra o(G3)  o outro né(D) aí(D) pegou e falou assim(F)  não não(D) eu quero(G4) eu(G4) (pausa) (aí)(D) aí(D) o o o(G1) o(G4) primeiro(G1) né(D) primeiro é não isso primeiro(G3) é a mãe primeiro(G3) é(G3) a(G1) a menina(G1)   a menina né(D) aí(D)   vem vem ele né(D) aí(D)  depois ele quer falar assim falar assim(F)   ah vovó a menina fala(F) ah vovó(G3)   oh vovó vou comprar umas doces pra você ah   então(D)  tá aí(D) quando o lo quando(G1)  o lo é :: (G1) o que que aconteceu(C)   ele pegou a velhinha e se segurou aí(D)   quando chegou na casa dela ela fala(F)   vovó vovó oh vovó aí(D)   quando foi isso veio(G1)   veio um(G1)   um senhor entendeu(D) aí(D) ele pegou a(G3)   ele pá matou ele foi isso lindo eu adorava fazer essa história isso(C) (risos)(D) aí(D) aí(D) o que que aconteceu(C) ela(G1)   ela tirou aí(D)  vem a vovó e a menina entendeu(D) aí(D)  pegou né(D)  os doces e tudo (risos)(D)” 

Nº de marcações = 77 Chegamos ao texto contendo apenas as palavras de narrativa (aquelas palavras que não são excluídas e que servem para análise do pesquisador). Os textos dos controles e afásicos passaram, então, de muitas palavras a um número bem menor. No caso dos afásicos, algumas transcrições das cento e cinquenta palavras são compatíveis às transcrições após cortes, devido ao baixo número de palavras de narrativa, não obtendo, muitas vezes, nem mesmo as cento e cinquenta: Transcrição com cortes - Controle ZC “ Era uma vez uma linda menina a sua mãe a amava muito resolveu fazer um gorrinho vermelho ela foi apelidada de Chapeuzinho Vermelho a sua vó andava muito doente e a sua mãe muito atarefada Chapeuzinho leva

uns docinho delicioso que eu z para tua vó a Chapeuzinho Vermelho saiu e lha você não conversa com ninguém no bosque porque é muito perigoso Chapeuzinho Vermelho encontrou com o lobo cou conversando com ele e o lobo tentou comê-la mas não eu vou pedir pra acompanhar ela mas num instante ela não aceitou o lobo foi pelo

caminho e a Chapeuzinho foi por outro sendo que o lobo pegou um caminho mais curto e chegando lá na casa da vó da Chapeuzinho Vermelho ele bateu na porta e a vó pensando que era a Chapeuzinho Vermelho mandou entrar ele avançou na vó da Chapeuzinho Vermelho e a engoliu e rapidamente el e colocou as roupas da vó da Chapeuzinho

Vermelho e deitou na cama ngindo está muito doente a Chapeuzinho Vermelho chegou e bateu na porta e a vó que na verdade era o lobo pode entrar é só tirar a tranca da porta e entrar quando a Chapeuzinho Vermelho chegou ela estranhou porque é muito tempo ela não a via visto a vó mas ela estranhou que este estava pouco diferente  vó que olho tão grande que a senhora tá é pra te ver melhor minha netinha mas que nariz tão grande que a senhora tá é pra te cheirar melhor minha netinha  depois mas que boca tão grande vó aí o lobo se levantou é pra te comer mel -  hor a Chapeuzinho pulou saiu começou a gritar gritar pois pela sorte da Chapeuzinho Vermelho é que ia passando  um caçador pelo bosque e escutou o grito da Chapeuzinho Vermelho ele correndo adentrou pela casa e salvou a Chapeuzinho Vermelho do lobo e matou o lobo e abriu a barriga do lobo e tirou a vó que ele tinha engolido e todos foram felizes para sempre” 

Nº de palavras de narrativa: 334  Transcrição com cortes - Afásico JM “ É :: da vovó tinha a vovó arranjou o outro ele vem ele quer quer os doce a vovó sentou ela ela pegou

o outro a menina vem vem ele ah vovó oh vovó vou comprar umas doces pra você ah tá ele pegou a velhinha e se segurou quando chegou na casa dela vovó vovó oh vovó quando foi isso veio um senhor ele pá matou ele foi isso ela tirou vem a vovó e a menina pegou os doces e tudo” 

Nº de palavras de narrativa: 82

Capítulo II - Aspectos quantitativos e qualitativos da fala afásica no português brasileiro

19

Observe-se, como dito, que, nos textos dos afásicos, não obtivemos as cento e cinquenta palavras requeridas, mas, mesmo assim, realizamos as análises e alcançamos nosso ideal primeiro: o de comparar suas narrativas às dos controles. O número menor de palavras não causou problemas ou diculdades em nossa pesquisa. Lembramos que, por razões de compreensão, entre os controles, há al gumas palavras acrescidas às cento e cinquenta, contendo em média cento e cinquenta, mas, em alguns casos, há algumas palavras a mais para completar o enunciado. Veja abaixo as palavras separadas para análise do controle ZC e do afásico JM: Controle - ZC “Era uma vez uma linda menina a sua mãe a amava muito resolveu fazer um gorrinho vermelho ela foi apelidada de ChapeuzinhoVermelho a sua vó andava muito doente e a sua mãe muito atarefada Chapeuzinho leva uns docinho delicioso que eu z para tua vó a ChapeuzinhoVermelho saiu e lha você não conversa com ninguém no bosque porque é muito perigoso ChapeuzinhoVermelho encontrou com o lobo cou conversando com ele e o lobo tentou comê-la mas não eu vou pedir pra acompanhar ela mas num instante ela não aceitou o lobo foi pelo caminho e a Chapeuzinho foi por outro sendo que o lobo pegou um caminho mais curto e chegando lá na casa da vó da ChapeuzinhoVermelho ele bateu na porta e a vó pensando que era a ChapeuzinhoVermelho mandou entrar ele avançou na vó da ChapeuzinhoVermelho e a engoliu e rapidamente ele colocou as roupas da vó da Chapeuz inhoVermelho”

AFÁSICO: JM “É :: da vovó tinha a vovó arranjou o outro ele vem ele quer quer os doce a vovó sentou ela ela pegou o outro a menina vem vem ele ah vovó oh vovó vou comprar umas doces pra você ah ta ele pegou a velhinha e se segurou quando chegou na casa dela vovó vovó oh vovó quando foi isso veio um senhor ele pá matou ele foi isso ela tirou vem a vovó e a menina pegou os doces e tudo”

Uma pequena observação na contagem das palavras é que palavras compostas são contadas como apenas uma. É o que ocorre com as palavras Chapeuzinho Vermelho , que são contadas como apenas uma palavra. Após a fase de transcrição total, marcação, cortes e palavras nais, obtivemos a seguinte tabela para cada participante (controle ou afásico): Controles NPT TEMPO NARRATIVA NPT/TEMPO NPN EXCLUÍDAS

CM

RM

ZC

284 613 397 2.36 MIN 5.20 MIN 3.45 MIN 112.2 115,66 105.86 260 566 334 24 47 41

Afásicos NPT TEMPO NARRATIVA NPT/TEMPO NPN EXCLUÍDAS

RP JM RC 216 261 243 2.78 MIN 2.14 MIN 4.50 MIN 65.4 121,9 31,04 141 82 149 75 77 94

20

Parte II

Sendo: NPT – número de palavras total; Tempo de Narrativa – tempo que durou a narrativa; NPT/TEMPO – o número de palavras tot al pelo Tempo de Narrativa; NPN – o número de palavras de narrativa s (obtidas depois das exclusões); EXCLUÍDAS – o número de marcações de exclusão de acordo com os critérios vis tos acima. Note-se que nem sempre c ada marcação contém somente uma palavra.

Resultados Separamos as NPN em enunciados, denidos como conjunto de palavras que contivesse um sentido fechado; assim, não zemos a divisão baseada na denição tradicional de orações. A partir de então, demos início a um outro momento, que foi a fase da análise desses enunciados e classicação de cada tipo de palavra que compunha esses enunciados. Os enunciados separados foram colocados em tabelas com os seguintes itens de classicação: tipo de enunciado em sentença (TE), tópico-comentário e outros; palavras de narrativa (PN); quantidade de palavras consideradas de classe aberta (substantivos, verbos, adjetivos e advérbios) (CA); quantidade de substantivos (S); número de substantivos que exigem artigo (Sart); número de substantivos que exigem artigo e estão precedidos de artigo (SART); número de pronomes (Pro); número de verbos (V); número de verbos principais (VP); número de verbos que deveriam estar exionados (Vf); número de verbos que es tão exionados (VF); taxa de auxiliares (cálculo de verbos que há em cada enunciado e relação entre eles) (AUX); número de sentenças encaixadas (subordinadas) (ENC); vericação de sentença gramatical (OK); número de constituintes do sintagma nominal (CSN) e verbal (CSV). Abaixo, demonstramos as tabelas de um controle e de um afásico, nas quais aparecem os dezesseis itens mencionados acima: CONTROLE - ZC ENUNCIADOS Era uma vez uma linda menina a sua mãe a amava muito resolveu fazer um gorrinho vermelho ela foi apelidada de Chapeuzinho Vermelho a sua vó andava muito doente e a sua mãe muito atarefada Chapeuzinho leva uns docinho delicioso que eu z para tua vó a Chapeuzinho Vermelho saiu

TE S S S

PN 6 6 5

S

5

3 1

0

0

1

1 1

S 0

6 6

4 1 3 1

1 1

1 1

0 0

1 0

S 11

6

3

2

2

S

3

2

1

1

e lha você não conversa com ninguém no bosque porque é muito S 13 perigoso

5

2

Chapeuzinho Vermelho encontrou com o lobo cou conversando com ele e o lobo tentou comê-la mas não eu vou pedir pra acompanhar ela mas num instante ela não aceitou o lobo foi pelo caminho e a Chapeuzinho foi por outro sendo que o lobo pegou um caminho mais curto

CA 4 3 4

S Sart SART Pro V VP Vf 2 1 0 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 1 0 2 1 1 1 1 1

VF AUX ENC OK CSN CSV

1 1

2 2

0 0

1 1

0 1

4 2

1

3

0

1

1

4

1

1

2

0

1

1

3

1 0

1 0

1 0

2 0

0 0

1 1

1

3

 /



1

2 1

2

2

4

1

1

1

6

1

0

1 1

1

1

2

0

1

1

1

0

0

0

2 1

2

2

5

1

1

1

7

S

5

3

2

1

1

0

1 1

1

1

2

0

1

1

2

S S

4 5

2 3

0 1

0 1

0 1

1 1

2 1 2 1

2 2

2 2

4 4

0 0

1 1

1 1

3 2

S

8

4

0

0

0

1

3 1

1

1

5

1

1

1

4

S S S

6 5 6

3 0 3 2 2 1

1 2 1

1 2 1

1 0 0

1 1 1 1 1 1

1 1 1

1 1 1

3 2 2

0 0 0

1 1 1

1 1 1

2 2 1

S

9

5 2

2

2

0

1 1

1

1

2

0

1

1

4

21

Capítulo II - Aspectos quantitativos e qualitativos da fala afásica no português brasileiro e chegando lá na casa da vó da Chapeuzinho Vermelho ele bateu na porta

S

13

7

4

4

4

1

2

1

2

2

4

1

1

1

2

e a vó pensando que era a ChapeuS zinho Vermelho mandou entrar

10

6 2

2

2

0

4 1

2

2

7

1

1

1

2

6

3 2

2

2

1

1

1

1

1

2

0

1

1

3

3

1

0

0

0

1

1

1

1

1

2

0

1

1

2

10

5

3

3

3

1

1 1

1

1

2

0

1

1

4

151 81 32 27

27

10 32 21 27 27

63

5

22

20

63

ele avançou na vó da Chapeuzinho S Vermelho E a engoliu S E rapidamente ele colocou as roupas da vó da Chapeuzinho Vermelho

S

TOTAL

AFÁSICO - JM ENUNCIADOS É :: da vovó tinha a vovó arrranjou o outro ele vem ele quer quer os doce a vovó sentou ela ela pegou o outro a menina vem vem ele ah vovó, oh vovó vou comprar umas doces pra você ah tá ele pegou a velhinha e se segurou quando chegou na casa dela vovó vovó oh vovó quando foi isso, veio um senhor ele pá matou ele foi isso ela tirou vem a vovó e a menina pegou os doces e tudo TOTAL

TE / S S / S S S S S S S

PN 3 3 1 2 2 2 3 4 4 3 2

CA 1 2 1 / 1 1 2 2 1 2 1

S Sart SART Pro / /  1  /  /  1 1 1  / / / /  / / / /  / / /  1  / / /  1  /  1 1 1 1 1 1 1  /  1 1 1  /  1 1 1  / / /  1

V VP Vf 1 1 1 1 1 1 1 1 1 / / / 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

VF AUX ENC OK CSN CSV / / / 2 1 2 /  1  / 2 1 2 /  1 1 2 1 1 / / / / / /   /  1 1 2 1 1 /  1 1 2 1 1 /  1 2 1 2 1 /  1 2 1 2 1 /  1 2 1 2 1 /  1 1 2 1 1 /  1 1 2 1 1

S

10

5

3

1

 /

/

2

1

1

1

 / S S / S S S S S S

2 7 5 4 6 4 2 2 6 5 82

/ 3 2 3 3 1 2 1 3 2 39

/ 1 1 3 1  / /  / 2 1

/ 1  / /  / / / / 2 1 10

/ 2 / / / / / /  2 1 10

/ 1 /  / / 2  1 1 /  /  10

/ 2 1 / 2 1 1 1 1  1

/ 2 1 / 1 1 1 1 1 1 20

/ 2 1 / 2 1 1 1 1 1 21

/ / 2 4 1 2 / / 2 4 1 2 1 2 1 2 1 2 1 2 21 43

3



1

1

3

/ / /  / 1 /  /  /  /  /  1

/  1 1 / 1 1 1 1 1 1 18

/ 2 1 / 1 1  / 1 2 1 18

/  4 3 /   3 2 2 1 1 3 37

Todo o trabalho realizado até aqui e os que seguem foram feitos por duas bolsistas, para comparação e segurança de dados. Gravação, transcrição, classicação e demais tarefas foram feitas duas vezes, comparadas e, ainda, reclassicadas, mediante divergências. É importante ressaltar que as diferenças apresentadas foram de um número baixo. Após a etapa das classicações de cada enunciado, partimos para uma nova etapa, de acordo com o texto de Rochon et al. (2000), que é a de classicação de acordo com treze itens. São números e cálculos baseados nas tabelas de classicação, como foi visto acima. Nessas tabelas, demonstramos números gerais e completos para cada controle e afásico.

22

Parte II

Os treze itens que compõem estas tabelas são os seguintes: 1. Taxa de classe fechada (palavras que são classicadas como classe fechada); 2. Taxa de artigos por substantivos (relação de substantivos que foram corretamente determi nados por artigos); 3. Proporção de pronomes nos enunciados; 4. Proporção de verbos utilizados; 5. Índice de exão dos verbos; 6. Elaboração de auxiliares (relação dos verbos entre si dentro dos enunciados); 7. Proporção de palavras por sentenças; 8. Proporção de sentenças bem formadas; 9. Elaboração estrutural das sentenças; 10. Índice de encaixamento (quantidade e relação das orações subordinadas com principais); 11. Média de palavras por enunciado; 12. Taxa de fala (palavras por minuto de narração); 13. Medida de esforço do falante. Vale, aqui, apresentar as tabelas de treze itens de cada participante, controles e afásicos. Entendemos a importância de se apresentar a tabela nal de treze itens de todos os informantes (controles e afásicos) para questão de comparação e comprovação de nossa pesquisa. Abaixo, seguem as tabelas formuladas após o fechamento das tabelas de classicação de enunciados de cada pesquisado:  Controles Tabela dos Treze Itens - CM Taxa de CF Taxa de Artigos/Substantivos Proporção de Pronomes Proporção de Verbos Índice de Flexão Elaboração de Aux Proporção de Palavras em Sentenças Proporção de Sentenças Bem Formadas Elaboração Estrutural das Sentenças Índice de Encaixamento Média de Palavras do Enunciado Taxa de Fala Medida de Esforço

0,42 1 0,1 0,53 1 2,11 0,98 0,94 4,55 0,38 8,44 101,92 0,93

Tabela dos Treze Itens - RM Taxa de CF Taxa de Artigos/Substantivos Proporção de Pronomes Proporção de Verbos Índice de Flexão Elaboração de Aux Proporção de Palavras em Sentenças Proporção de Sentenças Bem Formadas Elaboração Estrutural das Sentenças Índice de Encaixamento Média de Palavras do Enunciado Taxa de Fala

0,43 1 0,06 0,39 1 2,35 0,98 0,93 5,9 0,43 10,12 106,19

Capítulo II - Aspectos quantitativos e qualitativos da fala afásica no português brasileiro Medida de Esforço

0,92

Tabela dos Treze Itens - ZC Taxa de CF Taxa de Artigos/Substantivos Proporção de Pronomes Proporção de Verbos Índice de Flexão Elaboração de Aux Proporção de Palavras em Sentenças Proporção de Sentenças Bem Formadas Elaboração Estrutural das Sentenças Índice de Encaixamento Média de Palavras do Enunciado Taxa de Fala Medida de Esforço

0,46 1 0,23 0,5 1 2 0,96 0,95 4 0,22 6,86 89,06 0,82

Afásicos Tabela dos Treze Itens - RC Taxa de CF Taxa de Artigos/Substantivos Proporção de Pronomes Proporção de Verbos Índice de Flexão Elaboração de Aux Proporção de Palavras em Sentenças Proporção de Sentenças Bem Formadas Elaboração Estrutural das Sentenças Índice de Encaixamento Média de Palavras do Enunciado Taxa de Fala Medida de Esforço

0,31 1 0,38 0,65 1 1,26 0,92 0,86 2,91 0,08 4,02 33,11 0,57

Tabela dos Treze Itens - RP Taxa de CF Taxa de Artigos/Substantivos Proporção de Pronomes Proporção de Verbos Índice de Flexão Elaboração de Aux Proporção de Palavras em Sentenças Proporção de Sentenças Bem Formadas Elaboração Estrutural das Sentenças Índice de Encaixamento Média de Palavras do Enunciado Taxa de Fala Medida de Esforço

0,36 1 0,66 0,86 1 1,75 0,84 0,82 2,68 0 4,7 62.42 0,68

23

24

Parte II

Tabela dos Treze Itens - JM Taxa de CF Taxa de Artigos/Substantivos Proporção de Pronomes Proporção de Verbos Índice de Flexão Elaboração de Aux Proporção de Palavras em Sentenças Proporção de Sentenças Bem Formadas Elaboração Estrutural das Sentenças Índice de Encaixamento Média de Palavras do Enunciado Taxa de Fala Medida de Esforço

0,52 1 0,37 0,56 1 1,15 0,9 0,81 3,07 0,05 4,55 38,31 0,31

Agora, de forma esquematizada, e para melhor visualização das comparações que podem ser traçadas entre a fala afásica e a dos controles, apresentamos uma tabela única, com os 13 itens e os grácos de cada um deles: Itens 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

RP 0,36 1 0,66 0,86 1 1,75 0,84 0,82 2,68 0 4,7 62,42 0,68

Afásicos JM 0,52 1 0,37 0,56 1 1,15 0,9 0,81 3,07 0, 05 4,55 38,31 0,31

RC 0,31 1 0,38 0,65 1 1,26 0,92 0,86 2,91 0,08 4,02 33,11 0,57

Itens 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13

RM 0,43 1 0,06 0,39 1 2,35 0,98 0,93 5,9 0,43 10,12 106,19 0,92

Controles ZC 0,46 1 0,23 0,5 1 2 0,96 0,95 4 0,22 6,86 89,06 0,82

CM 0,42 1 0,1 0,53 1 2,11 0,98 0,94 4,55 0,38 8,44 101,92 0,93

Capítulo II - Aspectos quantitativos e qualitativos da fala afásica no português brasileiro

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Parte II

Capítulo II - Aspectos quantitativos e qualitativos da fala afásica no português brasileiro

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Parte II

Capítulo II - Aspectos quantitativos e qualitativos da fala afásica no português brasileiro

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Resultados e Comentários O intuito deste capítulo foi apresentar os resultados gerais de uma pesquisa que investiga o conceito de uência nas afasias. O termo “gerais” refere-se aos números superciais, não trabalhados, gerados pelas classicações realizadas de acordo com a proposta metodológica apontada na Introdução. Com isso, não se pensou em realizar um trabalho que pudesse ser comparado com os realizados por grupos de pesquisa que se aprofundam em análises dos resultados. Qual foi, então, o real intuito deste capítulo? Pode-se dizer que foi trazer à tona a discussão sobre uma opção metodológica de denição do conceito de “uência”. Ao levantar a hipótese de aspectos morfológicos, sintáticos e outros relacionados à taxa de palavras por minuto, este estudo deseja fornecer ferramentas para que se possa pensar em uma prática de conceitualizar uência. Essa prática reete a disposição do diálogo entre Fonoaudiologia e Linguística, que pode ser realizado a contento. Desse modo, de posse de tal proposta metodológica, o fonoaudiólogo pode detalhar melhor o perl de seu paciente e entender o foco de seus problemas. Ao se apresentar a divisão entre morfologia e sintaxe, poderá o fonoaudiólogo observar qual desses níveis encontra-se mais afetado em determinado paciente. Além disso, uma vez tendo descrito o desempenho de determinado paciente, pode-se pensar em proceder a uma análise de grupos de pacientes, com a nalidade de vericar se alguns sintomas (como problemas exclusivamente sintáticos, por exemplo) ocorrem com frequência ou não. Agindo desse modo, o fonoaudiólogo ainda estará contribuindo com as pesquisas linguísticas, uma vez que terá um conjunto de dados signicativos que servirão de base para o renamento das classicações e dos critérios a serem adotados em futuras pesquisas. Nesse ponto, o linguista pode fornecer novas propostas metodológicas, partindo da contribuição do fonoaudiólogo, fechando e continuando o diálogo produtivo entre essas duas áreas.

Referências ROCHON, E., SAFFRAN, E., BERNDT, R., SCHWARTZ, M. (2000). Quantitative analysis of aphasic sen tence production: further development and new data. Brain and Language 72: 193-218. SAFFRAN, E. M., BERNDT, R. S., SCHWARTZ, M. F. (1989). The quantitative analysis of agrammatic pro duction: Procedure and data. Brain and Language 37: 440–479.

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Parte II

Capítulo III Nomeação de

guras por afásicos

no português brasileiro

Ricardo Joseh Lima (Uerj) Daniele Caiafa Rosa (Uerj - Extensão) Juliana da Adauto Pereira (Uerj - Ex tensão) Solange Iglesias de Lima (UVA - Proatec - Uerj)

Capítulo III - Nomeação de guras por afásicos no por tuguês brasileiro

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Introdução

E

ste capítulo traz os resultados de uma pesquisa iniciada em fevereiro de 2008 com o objetivo de avaliar habilidades de nomeação de guras em falantes afásicos. Sua preo cupação central foi construir um material que estabelecesse as bases para pesquisas mais aprofundadas, que consigam se aprofundar na análise da seletividade dos erros cometidos pelos afásicos nesse tipo de tarefa. A seção 2 descreve os aspectos metodológicos da pesquisa e, na seção 3, apresentamos os resultados. A seção 4 encerra o capítulo com comentários gerais a respeito desse tipo de pesquisa.

Metodologia Nesta seção, serão apresentadas algumas considerações sobre a metodologia que serviu de base a esta pesquisa. Em primeiro lugar, no próximo item, é apresentada a descrição dos materiais, em seguida, os sujeitos e, por m, detalhamos os procedimentos de aplicação do teste.

Materiais Para confecção do teste de nomeação, foram elaboradas 19 categorias, cada qual com 8 nomes correspondentes, totalizando, portanto, 152 desenhos. Essa quantidade de desenhos foi necessária para que se tivesse um número razoável de nomes em cada categoria. Caso houvesse um baixo número (ap enas dois ou três) em cada categoria, em caso de erro pelo afásico, não se poderia concluir se o afásico tem problemas em nomear elementos de determinada categoria. A tabela com as categorias e os nomes está na Terceira Parte deste livro. Durante a elaboração das categorias, algumas palavras foram pensadas, mas, depois, retiradas do material por serem consideradas raras ou difíceis de desenhar. Esse foi o caso da palavra PRESUNTO, que ao ser desenhado, cou difícil de ser reconhecido, e das palavras CAMALEÃO e LAGARTIXA, que quando desenhados, tiveram difícil reconhecimento por não haver diferenças marcantes à primeira vista entre estes animais. Em outra situação, categorias inteiras tiveram que ser unidas, transformando-se em uma nova categoria. Foi o caso das categorias dos ANFÍBIOS e dos RÉPTEIS, que se uniram na categoria OUTROS. Essa união foi necessária porque não se conseguiu preencher a quantidade estipulada de oito nomes que obedecessem aos critérios de frequência e identicabilidade por categoria.

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Parte II

Para a confecção do material, foram pesquisados outros testes de moldes parecidos, como o conhecido teste da ABFW (ANDRADE, BEFI-LOPES, FERNANDES & WERTZNER, 2000), que, no entanto, foi elaborado de modo a ser voltado para crianças, o teste de BOSTON (GOODGLASS & KAPLAN, 1972) e o teste “dos 400” (CYCOWICZ et al., 1997), que além de apresentar desenhos de difícil reconhecimento, continha palavras com certo distanciamento cultural, como, por exemplo, as palavras LUVA DE BASE BALL, CAPACETE DE FUTEBOL AMERICANO, TACO DE BASEBALL etc. Com as categorias já completas e denidas, buscou-se uma pessoa para desenhar os objetos. A aluna da Uerj Elaine Mendes da Silva aceitou o trabalho e confeccionou de forma manual os desenhos, que depois foram passados para o computador pelo processo de digitalização de imagens, por meio de um scanner .

Sujeitos A pesquisa contou com dois grupos de participantes. O primeiro, composto pelos não afásicos (controles), os quais nos ofereceram instrumento para comparação do desempenho dos pacientes afási cos, ao passo que o segundo grupo corresponde aos sujeitos investigados. O grupo de afásicos participante nesta pesquisa é formado por três homens e duas mulheres. Para preservar suas identidades, eles serão identicados como CL, RC, ZB, CS e RP 4 5. Os controles foram divididos em dois grupos, sendo o primeiro de 32 alunos universitários (es tudantes de Letras) e o segundo, de cinco que têm perl semelhante aos dos pacientes afásicos. Foram, portanto, SA, do sexo masculino, na idade de 53 anos e Ensino Médio; RQ, homem, 54 anos, Nível Médio; EX, mulher, 49 anos, Ensino Médio; CQ, mulher, 50 anos, Nível Médio; WJ, homem, 21 anos, Nível Mé dio. O primeiro grupo foi criado para avaliar se havia guras que estariam causando diculdades na nomea ção e se havia nomes alternativos ao que havíamos pensado para as guras. Assim, por exemplo, a gura do ”tomate” levou a um número razoável de incertezas (com muitos nomeando-a como “abóbora”), e a gura da ”salsicha” foi nomeada como “cachorro-quente”, que passou a ser aceito como nome correto. Com isso, pôde-se aplicar o teste ao segundo grupo e, em seguida, aos afásicos.

Procedimentos de aplicação Com o objetivo de evitar repetição de erros na nomeação das guras devido a cansaço dos participantes, elaboraram-se quatro arquivos nos quais as guras apareciam organizadas de maneiras diferentes. Estes arquivos foram nomeados COND. O total de guras era de 152, e na COND. 1, estavam organizadas sequencialmente de 1-76 e de 77-152. A COND. 2, tinha as guras distribuídas de 1-76 e de 152-77. Na COND. 3, a sequência era de 76-1 e de 77-152. Finalmente, na COND. 4, apresentavam-se de 76-1 e de 152-77. Desta maneira, na aplicação da avaliação, as sequências eram distribuídas de acordo com o número de participantes, para que não houvesse excesso de aplicação de uma mesma sequên cia. Todas as avaliações foram aplicadas por estudantes de Letras bolsistas do PLCD e gravadas em áudio, para posterior avaliação da nomeação. O material foi inicialmente apresentado aos 32 controles (estudantes universitários), na sala do PLCD, na Uerj. Para a maioria, foi dividido em duas etapas: a primeira até a metade da apresentação, e a segunda até o m, havendo um pequeno intervalo, de aproximadamente 5 minutos, entre uma e outra. O tempo de duração das gravações foi, em média, de 6 min 29 seg. 4 Ver detalhes sobre idade, local da lesão, etiologia etc. no Apêndice. 5 Todos os sujeitos participantes assinar am um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual armavam estar cientes dos objetivos da pesquisa e permitiam a divulgação dos resultados obtidos. Estes termos estão registrados na Comissão de Ética em Pesquisa (COEP) da Uerj, sob o número 067/2007.

Capítulo III - Nomeação de guras por afásicos no por tuguês brasileiro

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Para os controles RQ, AS, WJ, EX e CQ, as avaliações foram feitas em suas residências, e buscou-se um ambiente tranquilo, protegido de barulho e ruídos, com o objetivo de não desviar a aten ção dos participantes e tampouco comprometer a qualidade da gravação. Antes de iniciar as sessões, o objetivo da pesquisa e a relevância de suas participações foram esclarecidos para estes controles. Além disso, visto que nenhum deles conhecia o termo afasia, e todos queriam saber se havia a possibilidade de serem afásicos, aproveitou-se o momento para elucidar dúvidas sobre o quadro clinico de pacientes afásicos. Posteriormente, explicadas as etapas, foram informados de que seriam gravados e da neces sidade do preenchimento e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os controles optaram por não fazer o intervalo na apresentação e prosseguiram a aval iação em uma única etapa. O controle RQ concluiu em 5min 47s, AS, em 8min 26s e WJ, em 7min 44s. As mulheres EX e CQ efetuaram em 7min 03s e 5min 31s, respectivamente. Os encontros com os afásicos foram na própria clínica onde faziam seus tratamentos. As ses sões para aplicação da avaliação eram individuais e conduzidas por um estudante de Letras . O período de aplicação e a quantidade de sessões necessárias para o encerramento da aval iação variaram de acordo com o desempenho e vontade (pois tinham a liberdade de pedir para encerrar a avaliação no momento em desejassem) de cada paciente. A participante RC concluiu em apenas uma etapa, em uma sessão de 11min 57s, enquanto o CL, em duas etapas, que duraram somadas 16min 41s, pois este se serviu de um intervalo de aproximadamente 4 min. E a participante ZB, em uma sessão com um pequeno intervalo entre uma sequência de slides e outra, realizando por completo em 26min 33s. Os outros dois participantes precisaram de duas sessões, em dias alternados, para concluir a avaliação. Ambos utilizaram um intervalo de aproximadamente cinco minutos entre cada etapa. O paciente CM concluiu em duas etapas, com o total de 26min 72s. RB realizou em quatro etapas, sendo a primeira sessão dividida em duas etapas, somando 27min 11s, e a segunda sessão, também em duas etapas, que totalizaram 51min 63s.

Resultados Como apontado na Introdução, não foi o objetivo desta pesquisa realizar análises e aprofunda mentos dos resultados aqui obtidos. Seu intuito foi o de enfatizar as práticas metodológicas que surgem do diálogo entre a Linguística e a Fonoaudiologia e direcionar análises de resultados a partir dessa par ceria. Desse modo, nos limitamos a apresentar de forma geral e esquematizada alguns resultados, que serão comentados brevemente, em particular: Nomes que levaram ao erro Na tabela 1, observamos os nomes, separados por categoria, que levaram os participantes da pesquisa a cometerem erros em sua nomeação. Os nomes que estão em negrito levaram ao erro tanto controles quanto afásicos; os que estão sem formatação levaram ao erro apenas os afásicos. Tabela 1 – Nomes que levaram ao erro Alvo Tucano Pombo Pica-pau Beija-or Pinguim Patins

Quantidade 2 1 2 1 1 1

Categoria Aves Aves Aves Aves Aves Brinquedos

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Parte II

Gangorra Pião Dominó Chuveiro Pia Colher Machado Chave de fenda Hospital Estádio Escola Violino Sanfona Pandeiro Ovelha Gato Tigre Golnho Lagartixa Orelha Cozinheiro Policial Calça Saia Camisa Metrô Pente Escova de dente Chuchu

1 1 1 3 1 1 3 2 2 2 1 2 1 1 1 1 2 2 1 1 1 1 2 1 1 1 1 1 1

Brinquedos Brinquedos Brinquedos Objetos do lar Objetos do lar Objetos do lar Ferramentas Ferramentas Imóveis Imóveis Imóveis Instrumentos musicais Instrumentos musicais Instrumentos musicais Animais domésticos Animais domésticos Animais selvagens Animais marinhos Animais (outros) Partes do corpo Prossões Prossões Roupa Roupa Roupa Meios de transporte Objetos de uso pessoal Objetos de uso pessoal Vegetais

Detalhamento dos erros dos afásicos Na tabela 2, são apresentados os erros cometidos por cada afásico. Considerou-se erro so mente a nomeação que não era idêntica à esperada e que não era fruto de problemas no desenho do nome ou que fosse um nome alternativo. Assim, as nomeações do “tomate” como “abóbora” e de “quadro ne gro” como “professor” não foram contadas como erros. Essa decisão também valeu para as respostas fornecidas pelos indivíduos controles. Tabela 2 – Erros cometidos pelos afásicos Alvo Golnho Pandeiro Chuchu Policial

Erro Peixe Tamborim Fruta Caçador

Afásico CL CL CL CL

Chuveiro Calça Patins Violino Golnho Sanfona

Banheiro Jeans Patinete Violão Foca Piano

CS CS CS CS CS CS

Capítulo III - Nomeação de guras por afásicos no por tuguês brasileiro Tucano Machado Pombo Pente Ovelha Hospital Pica-pau Tigre Cozinheiro

Arara Martelo Passarinho Escova Zebra Médico Passarinho Pantera Restaurante

CS CS CS CS CS CS CS CS CS

Chuveiro Violino Tucano Machado Hospital Pica-pau Tigre Gangorra Escova de dente Estádio Pião Pia Colher Lagartixa Chave de fenda Dominó Beija-or Gato

Guarda-chuva Violão Pica-pau Martelo Ambulância c/ cara na cadeira Papagaio Onça Brinquedo Pasta Futebol Brinquedo Água com copo Panela Besouro Gira fenda Brinquedo Pica-pau Onça

RC RC RC RC RC RC RC RC RC RC RC RC RC RC RC RC RC RC

Chuveiro Calça Machado Estádio Chave de fenda Saia Metrô Escola Camisa Orelha Pinguim

Chuva Roupa Pá Bola Chaves Roupa Direto Os meninos andando para lá, para comer Roupa Olho Pinto

RP RP RP RP RP RP RP RP RP RP RP

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Frequência dos nomes do teste A título de ilustração, seguem as médias e medianas das frequências dos nomes que formaram cada categoria. As frequências foram obtidas a partir do corpus  NILC/São Carlos (disponível na Internet, no endereço http://www.linguateca.pt/acdc/, acessado em novembro de 2008):

Tabela 3 - Médias e medianas das frequências dos nomes que formaram cada categoria Categorias Imóveis Prossões Meios de transporte Partes do corpo Elementos da natureza

Média 5079,375 3387 3071,875 2534,125 1256,125

Mediana 3131 1974 1176,5 1598,5 1085

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Parte II

Brinquedos Roupas Animais domésticos Objetos do lar Objetos de uso pessoal Alimentos feitos pelo homem Vegetais Instrumentos musicais Animais (outros) Animais marinhos Frutas Animais selvagens Ferramentas Aves

666,875 661,375 486,5 415,375 372,75 331 270,5 201 175,8 160,25 144,75 140 94,75 53,5

65 527 367,5 302,5 349 296,5 166,5 134 165,5 156,5 139 123 80 40

Estudos posteriores poderão revelar se há alguma tendência tanto em controles como em afásicos em nomear erradamente guras que correspondem a nomes pouco frequentes. De modo geral isso, é o que parece acontecer com os controles, mas não com os afásicos, se levarmos em conta a média, mas com os dois grupos, se levarmos em conta a mediana. A média de frequência dos 152 itens do teste é 1026,4 (com mediana 230); a média de frequência das nomeações erradas dos controles foi de 264,33 (com mediana 125); já a média de frequência das nomeações erradas dos afásicos foi de 873,5 (com mediana de 118). Categorias que induziram ao erro Na tabela 4, contabilizaram-se os erros divididos por categoria, a m de comparar afásicos e controles. Como se pode perceber, algumas categorias não produziram nenhum erro por parte de nenhum grupo (Alimentos feitos pelo homem e Natureza); outras categorias apresentaram mais dicul dades somente para um grupo (caso dos Instrumentos musicais para os controles, mas não para os afásicos, e caso das Roupas para os afásicos, mas não para os controles).

Tabela 4 – Comparação do número de erros por categoria entre controles e afásicos Categoria Aves Brinquedos Objetos do lar Imóveis Instrumentos musicais Roupas Ferramentas Animais domésticos Prossões Objetos de uso pessoal Animais selvagens Animais marinhos Animais (outros) Partes do corpo Meios de transporte Vegetais Alimentos feitos pelo homem Frutas Elementos da natureza

Afásicos 5 4 3 3 3 3 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 0 0 0

Controles 7 4 0 2 6 0 4 3 2 0 3 7 2 0 2 2 0 1 0

Capítulo III - Nomeação de guras por afásicos no por tuguês brasileiro

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Comentários nais

Conforme apontado na Introdução, não foi objetivo deste estudo realizar uma pesquisa apro fundada e detalhada sobre as características dos processos que envolvem a nomeação em afásicos. Nosso intuito foi o de apresentar questões metodológicas que auxiliarão nas análises linguísticas deste tema. Alguns itens merecem destaque. Em primeiro lugar, a busca por um número razoável de ocor rências de nomes em uma classe é essencial para se ter noção se o afásico possui diculdades em nomear elementos pertencentes a essa classe. O controle da frequência do item também pode ter rele vância: itens que ocorrem muito frequentemente na fala podem ser mais facilmente acessados pelos afásicos do que aqueles que raramente são pronunciados ou ouvidos. A criação de listas de aplicação também é um critério importante: se todos os itens forem apresentados na mesma ordem para vários afásicos, corre-se o risco de os itens que aparecerem por último apresentarem maior diculdade na no meação porque estão por último, e fatores como cansaço podem ocasionar erros. O balanceamento dos itens em diversas ordens inibe esses fatores. Por m, não se deve deixar de mencionar que o teste de nomeação não admite em uma primeira etapa pistas para o afásico, quer elas sejam fonológicas (os primeiros sons da palavra) ou semânticas (para que um item serve, qual é sua forma etc.). Isso porque a diculdade do afásico pode estar justamente em um desses aspectos. O uso de pistas pode vir em uma segunda etapa, somente a partir da análise do desempenho do afásico na primeira etapa. Em nossos dados, observamos que o afásico CS nomeia “golnho” como “foca”, uma troca que pode ser analisada como semântica, já que são animais marinhos e a estrutura fonológica das palavras não é semelhante. Já o afásico RP nomeia “pinguim” como “pinto” – embora sejam animais, a maior semelhança aparente entre eles é a sílaba inicial (“pin”).

Referências ANDRADE, C.; BEFI-LOPES, D.; FERNANDES, F.; WERTZNER, H. ABFW - Teste de linguagem infantil: nas áreas de Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática.  Pro Fono: São Paulo,  2000. GOODGLASS, H., KAPLAN, E. The assessment of aphasia and related disorders. Philadelphia, PA: Lea and Febirger, 1972. CYCOWICZ, Y. M., FRIEDMAN, D., ROTHSTEIN, M., & SNODGRASS, J.G. Picture naming by young chil dren: norms for name agreement, familiarity, and visual complexity. Journal of Experimental Child Psychology, 65:171-237, 1997.

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Parte II

Capítulo IV Aspectos

metodológicos na avaliação da compreensão de agramáticos afásicos de broca

Clara Villarinho (Doutoranda PUC-Rio)

Capítulo IV -Aspectos metodológicos na avaliação da compreensão de agramáticos af ásicos de broca

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Introdução

A

metodologia experimental usada com ns de pesquisa fundamenta-se na utilização de testes que permitam isolar os fatores que se intentam estudar de outras possíveis inuências, e, por isso, requer uma atenção minuciosa a uma série de aspectos rela cionados aos procedimentos e materiais utilizados. A escolha do tipo de teste a ser empregado torna-se essencial, a depender dos objetivos buscados nessa investigação, e cada uma de suas partes deve ser pensada mantendo-se esse objetivo em foco. No caso de uma pesquisa linguística, os testes devem levar em conta não apenas o tipo de tarefa, que deve ser adequado à realidade do indi víduo que o realizará e coerente para as estruturas investigadas, mas também o tipo de sentença 1 que constará do teste e sua formação. Este capítulo tem como objetivo apresentar um processo de elabora ção de experimentos voltados para a avaliação linguística de pacientes afásicos, além de discutir alguns pontos relevantes a respeito das questões metodológicas envolvidas na construção e aplicação desses testes, em especial quando estas podem se reetir nos resultados da pesquisa. Os experimentos apresentados nesse capítulo são os utilizados na pesquisa de Villarinho (2008) para testar a compreensão de afásicos de Broca, clinicamente classicados como agramáticos, em sen tenças ativas, passivas, e interrogativas QU de sujeito e objeto, com o intuito de avaliar em que medida os resultados dos pacientes poderiam ser condizentes com um padrão geral que os caracterizaria como um grupo, o que não é consensual entre os autores da área e vem sendo amplamente discutido por meio de diversos trabalhos (cf . VILLARINHO, 2008, para uma revisão). Essas sentenças foram escolhidas, pois permitem a oposição entre as versões com e sem movimento de sintagmas (respectivamente, as passivas e interrogativas de objeto, e as ativas e interrogativas de sujeito), que seria crucial para a car acterização desse padrão, no qual se preveria que o grupo, de forma homogênea, apresentaria um des empenho problemático nas primeiras e um comportamento quase perfeito nas segundas (GRODZINSKY, 1990 e trabalhos subsequentes), o que se deveria a uma diculdade na atribuição de papéis temáticos aos sintagmas nominais movidos 2. Para essa avaliação, foram escolhidos dois tipos de teste – o teste de correspondência sen tença-gravura e um tipo de teste de encenação –, que, como se verá adiante, podem ser considerados os mais adequados às estruturas testadas e às diculdades dos pacientes afásicos. Assim, neste capítulo, os detalhes de ambos os paradigmas experimentais e sua inuência nos resultados serão discutidos. Para tal, a próxima seção trará uma descrição geral dos dois testes e de sua metodologia geral e ex plicará os principais motivos para sua escolha. As duas seções seguintes apresentarão de forma mais especica os experimentos utilizados na pesquisa de Villarinho (2008), demonstrando sua elaboração e procedimentos de aplicação, além dos problemas metodológicos encontrados em cada um deles e 1 O termo sentença é utilizado, nos estudos linguíst icos, para designar uma unidade gramati cal composta por uma ou mais orações (expressando uma proposição e incluindo minimam ente um predicado e um sujeito, explícito ou implíci to). 2 Alguns trechos desse capítulo são adaptações do texto no trabalho original em Villarinho (2008), especialmente nas seções de descrição dos dois experimentos da pesquisa.

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Parte II

os resultados obtidos. A última seção do capítulo trará alguns comentários nais acerca das questões discutidas aqui.

Apresentação das metodologias Como foi mencionado anteriormente, os testes empregados na pesquisa foram escolhidos por demonstrarem-se os mais adequados, em termos metodológicos, às sentenças investigadas e aos participantes da tarefa. Tendo-se em vista que esses testes podem ser aplicados também, com algu mas alterações, a outros tipos de estrutura e com outros grupos de indivíduos 3, considerou-se que um teste simples de correspondência sentença-gravura seria o ideal para a testagem das sentenças ativas e passivas, enquanto as interrogativas deveriam ser investigadas em um tipo de teste de encenação, uma vez que outras metodologias têm se apresentado problemáticas, por não atenderem às restrições necessárias para uma adequação metodológica (VILLARINHO E FORSTER, 2007). Assim, essa seção será dedicada à explicitação das características gerais dos dois tipos de testes, bem como os motivos que levaram à sua escolha. Correspondência sentença-gravura De um modo geral, no teste de correspondência sentença-gravura (doravante CSG), é apre sentado ao participante um dado número de guras que reetem o assunto investigado, e uma sentença é falada ou reproduzida pelo experimentador. O participante é, então, solicitado a escolher, dentre as gravuras apresentadas, aquela que possui um signicado correspondente à sentença-teste. Pode-se dizer que esse seja o tipo de paradigma experimental mais utilizado na literatura sobre o agramatismo, na avaliação do desempenho desses pacientes em diferentes tipos de estrutura (CARAMAZZA E ZURIF, 1976; GRODZINSKY, 1989; HICKOK, ZURIF E CANSECO-GONZALEZ, 1993; LUKATELA, SHANKWEILER E CRAIN, 1995; BERETTA ET AL,1996; HERMONT, 1999; LAW E LEUNG, 2000; BURCHERT, BLESER E SONNTAG, 2001). Por esse motivo, as particularidades desse teste costumam variar de acordo com os objetivos de cada estudo, principalmente com relação ao tipo e quantidade de gravuras apresentadas ao participante, embora algumas variações dessa espécie possam se mostrar problemáticas se a es colha das guras em relação às sentenças não for cuidadosa, uma vez que, em uma tarefa de escolha obrigatória entre respostas já dadas, diferentes possibilidades de opções geram diferentes padrões de resposta, dependendo de como a língua está afetada (GRODZINSKY E MAREK, 1988). Esse problema é, no entanto, minimizado, ao se utilizar esse tipo de teste na avaliaç ão de estruturas não muito complexas, como as ativas e as passivas, para as quais se mostra bastante adequado, já que, como cará claro mais adiante, pode ser aplicado em uma versão simples, motivo pelo qual foi o paradigma experimental escolhido para testá-las. Além disso, esse tipo de teste mostra vantagens em comparação a outras metodologias, pois não requer habilidades que poderiam ser processualmente, ou mesmo sicamente, custosas para os afásicos (já que, como se sabe, os décits linguísticos podem ser acompanhados de outros tipos de deciência), e por permitir um amplo controle de possíveis fatores que poderiam inuenciar seu resultado nal. Dessa forma, pode-se considerar que essas tenham sido as características que levaram o paradigma de correspondência sentença-gravura a ser o mais largamente utilizado na literatura para testar especicamente esses tipos de sentença (MIERA E CUETOS, 1998; BERETTA E MUNN, 1998; HERMONT, 1999; BURCHERT, DE BLESER E SONNTAG, 2001; CARAMAZZA ET AL., 2005, entre outros).

3

Na literatura em psicolinguística, ambos os testes s ão comumente utilizados para testar, por exemplo, crianças em fase de desenvolvimento linguístico, e indivíduos com décits que envolvam a língua, como o Décit Especicamente Linguístico e o Décit de Aprendizagem (cf. CORRÊA, 2006).

Capítulo IV -Aspectos metodológicos na avaliação da compreensão de agramáticos af ásicos de broca

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Encenação Existem, nas pesquisas sobre o agramatismo e a afasia de Broca, dois tipos de metodologia de encenação. Em um dos tipos, que talvez seja o mais comumente utilizado para testar diferentes tipos de estrutura, especialmente as estruturas relativas e clivadas (CAPLAN, HILDEBRANDT E MAKRIS, 1996; CAPLAN E FUTTER, 1986; HAGIWARA E CAPLAN, 1990, RIGALLEAU, BAUDIFFIER E CAPLAN 2004, en tre outros), uma sentença é dita pelo experimentador, e o participante deve realizar uma cena, utilizando bonecos, que corresponda à sentença (algumas vezes, o experimentador pode realizar parte da cena, que deve ser completada pelo participante [FIGUEIREDO, 1999]). No outro tipo, é o experimentador quem realiza a cena, a respeito da qual, em seguida, é feita ao participante uma pergunta, que deve ser re spondida apontando-se algum dos personagens envolvidos na encenação. Os materiais utilizados nesse teste, portanto, são apenas os bonecos necessários à encenação, sendo sua quantidade e tipo variáveis de acordo com os objetivos do estudo, o que deve ser adequadamente pensado, para que não surjam problemas de ordem metodológica, como no caso mencionado no paradigma de correspondência sen tença-gravura (cf . GRODZINSKY, 1986b). Naturalmente, para uma investigação sobre sentenças interrogativas, o teste mais adequado é o do segundo tipo descrito, nos moldes de Hickok e Avrutin (1996). Apesar de essas estruturas serem ainda pouco estudadas na literatura da área, esse é o tipo de experimento mais comumente utilizado nos estudos existentes (HICKOK E AVRUTIN, 1996; THOMPSON ET AL., 1999), especialmente por se ad equar à realidade representada pela sentença, e por ser, como apontam Hickok e Avrutin (1996), menos computacionalmente custoso que o teste de CSG, o que faz com que seus resultados não possam ser atribuídos a inuências das demandas da tarefa. Isso é assumido pelos autores com base na interpreta ção de que, enquanto a correspondência sentença-gravura envolveria não apenas o processamento da sentença testada, mas também o processamento das duas guras, o estabelecimento de comparações e a formação de alguns julgamentos, a encenação exigiria um menor processamento da tarefa, sendo menos metalinguístico. Conforme foi mencionado, a maior parte das características especícas dos paradigmas ex perimentais são determinadas em função de sua aplicação em cada pesquisa. Assim, os detalhes dos dois tipos de teste introduzidos nesta seção são apresentados mais aprofundadamente nas próximas seções, que são dedicadas aos métodos utilizados por Villarinho (2008) nos testes de CSG e encenação, respectivamente, e a seus resultados. Experimento 1: Testando Ativas e Passivas com correspondência sentença-gravura Na introdução deste capítulo, foi brevemente discutido que o objetivo de nossa pesquisa era o de vericar a possível existência de um padrão de desempenho entre os pacientes agramáticos afásicos de Broca, caracterizado pelo bom desempenho em sentenças sem movimento sintagmático e pela má compreensão de sentenças com esse tipo de movimento. Desde a década de 80, os principais argumen tos contra ou a favor da validade do agrupamento de pacientes de acordo com esse perl têm sido busca dos principalmente em resultados de estudos com sentenças ativas e passivas, em que os defensores da existência do grupo consideram encontrar um padrão homogêneo, e os outros autores acreditam numa grande variação individual que impossibilitaria a existência do grupo. Por esse motivo, essas estruturas foram o foco da pesquisa apresentada aqui. Assim, avaliou-se, nesse teste, se o tipo de estrutura afetaria o desempenho do paciente e se a reversibilidade das estruturas teria alguma inuência na compreensão dos indivíduos, já que a não reversibilidade semântica poderia funcionar como uma “pista” que facilitaria a compreensão dos indivíduos (cf . seção Sentenças). Para tal, consideraram-se como variáveis independentes o tipo de es trutura (ativa e passiva), a reversibilidade (reversível e não reversível) e, secundariamente, a posição do personagem correspondente ao agente da sentença na gura (à esquerda ou à direita). A variável depen dente é o número de acertos na escolha da gravura correspondente à sentença (em oposição à gravura que representa a sentença com papéis temáticos invertidos). Foram submetidos ao teste quatro pacien -

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tes que potencialmente formariam um grupo com perl homogêneo, uma vez que foram selecionados de acordo com os critérios tradicionais de seleção, que incluem sua classicação como agramáticos de acordo com o Teste de Boston (GOODGLASS E KAPLAN, 1972), e o diagnóstico clínico, realizado por uma fonoaudióloga, que se baseou nas manifestações linguísticas dos pacientes (desempenho clássico de agramáticos, marcado por fala telegráca constituída principalmente de sentenças simples em ordem canônica e marcada pela omissão de itens funcionais [preposições, determinantes] e axos), bem como no seu local de lesão (que deveria afetar a área de Broca) 4.5

Método Como foi dito anteriormente, há, nos diversos estudos que utilizam esse teste, alguma variação quanto ao número de guras exibidas aos sujeitos, a depender dos objetivos da pesquisa e do controle metodológico utilizado. No caso da pesquisa de Villarinho (2008), que buscava investigar a designação de papéis temáticos a sintagmas nominais, eram apresentadas ao participante três guras: uma correta, uma que representava a sentença com os papéis temáticos invertidos e uma sem nenhuma relação com a sentença. Essa terceira gura tem uma função de controle, e torna possível vericar se um desem penho aleatório apresentado pelo paciente (numa escolha indiscriminada das guras) seria derivado de problemas na compreensão da sintaxe ou na compreensão do teste ou do conteúdo semântico da sen tença, já que, no primeiro caso, o paciente jamais escolheria a gura controle e, no segundo, sim. Assim, ao se testar uma sentença como “A mulher beijou a menina” ou “A menina foi beijada pela mulher”, as guras apresentadas ao paciente seriam (a) uma mulher beijando uma menina, (b) uma menina beijando uma mulher e (c) um homem assaltando um menino.

Sentenças No que diz respeito às sentenças utilizadas, foram testadas 12 estruturas semanticamente reversíveis na voz ativa e 12 na voz passiva, exemplicadas em (01), além de 12 ativas e 12 passivas não reversíveis, exemplicadas em (02). (1)

a. O menino assaltou o homem.

b. O homem foi assaltado pelo menino. (2)

a. O homem tocou o sino.

b. O sino foi tocado pelo homem. Com o objetivo de se uniformizarem as sentenças, em especial as passivas, todas as estruturas eram formadas com verbos da primeira conjugação (para que não houvesse diferenças nas exões de tempo) e continham sempre dois DPs 6 de mesmo gênero (para que o morfema de gênero no particípio não pudesse denunciar a resposta correta), sendo seis entre as 12 sentenças sempre no feminino e seis no masculino. Dentre as seis de cada gênero, em quatro sentenças, foram utilizados personagens huma nos (homem, mulher, menino, menina, rapaz, moça) e, em duas, foram utilizados animais (sempre com gêneros compatíveis com o nome, como vaca, cobra, zebra, para o feminino, ou gato, cachorro, leão, para o masculino), pois esses são os tipos de personagem comumente usados na literatura nesse tipo de teste. Na gura 1, são ilustrados os personagens utilizados. 4 Esses pacientes foram disponibilizados por uma parceria estabelecida entre o Programa Linguagem em Condições Diferenciadas (Uerj) e o Ambulatório de Fonoaudiologia da Univers idade Veiga de Almeida, por meio do trabalho da fonoaudióloga Solange Lima, cuja colaboração foi fundamental para o desenvolvimento desta pesquisa. 5 Ver detalhes sobre idade, local da lesão, etiologia etc. no Apêndice. 6 DP é a abreviação para Determiner Phrase (Sintagma Determinador). É uma notação utilizada recentemente na Teoria Gerativa para fazer referência ao que tradicionalmente se conhece como Sintagma Nominal.

Capítulo IV -Aspectos metodológicos na avaliação da compreensão de agramáticos af ásicos de broca

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Figura 1 – Personagens utilizados no Experimento 1

Tendo-se em vista que a utilização de estruturas não reversíveis em testes, especialmente na CSG, requer algumas considerações metodológicas especícas (uma vez que sua natureza semântica demanda um maior cuidado na formulação dos materiais do experimento), a próxima subseção será dedicada a explicar algumas dessas especicidades e determinar as principais medidas necessárias a serem tomadas ao se testarem essas estruturas.

Estruturas não reversíveis Apesar de o foco dos estudos sobre o agramatismo e a afasia de Broca ser, naturalmente, as sentenças semanticamente reversíveis, nas quais é possível observar a designação de papéis temáticos aos dois DPs, o desempenho de pacientes neste tipo de sentença costuma ser também avaliado, com o intuito de investigar a assunção de que afásicos agramáticos não teriam problemas em compreender essas estruturas, pois se sustentariam em uma “pista” semântica (a animacidade dos DPs) para in terpretar a sentença. A ideia seria a de que essa “pista” impediria uma interpretação do DP inanimado como agente da sentença, logo fazendo com que o paciente compreenda os papéis temáticos dos DPs corretamente, com base nessa estratégia e não necessariamente por seu conhecimento sintático. Esse seria o caso das sentenças apresentadas em (02), nas quais o afásico não precisaria conseguir atribuir os papéis temáticos de agente a “o homem” e de tema a “o sino” por meio do processamento sintático, pois apenas seria necessário que ele soubesse que um sino não pode tocar um homem (CARAMAZZA E ZURIF, 1976).

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Parte II

Apesar de esse tipo de estrutura já ter sido testado por diversos autores, alguns problemas metodológicos recorrentes nesses estudos podem ter afetado seus resultados. Esses problemas são consequências da utilização do paradigma de CSG, já que, ao se apresentar a gura com os papéis temáticos invertidos, é possível que se perca o referencial do que seria ou não possível de ser repre sentado. Isso ocorre porque, se uma sentença como “o menino comeu a maçã” fosse testada, seria necessária a existência de uma gura (a com os papéis temáticos invertidos) representando uma maçã comendo um menino, o que pode demonstrar ao sujeito que o teste es tá inserido em um universo em que maçãs podem comer meninos. Além de trazerem a representação de imagens bizarras, como uma maçã comendo um menino (CARAMAZZA E ZURIF, 1976) ou um banco empurrando uma senhora (SU, LEE E CHUNG, 2007), um teste nesses moldes faz com que a proposta do experimento perca o sentido, visto que a reversibilidade se dene em um dado universo, e esses desenhos demonstram que, no universo do teste, essas sentenças são, de fato, reversíveis (GRODZINSKY E MAREK, 1988). Para contornar esse problema, as sentenças não reversíveis utilizadas nesse teste foram formadas apenas com verbos inacusativos com alternância causativa, e as guras incorretas não represen tavam uma inversão de papéis temáticos, mas os personagens e os objetos envolvidos na ação lado a lado, com o objeto sofrendo a ação independentemente da atuação do personagem. Assim, para testar uma sentença como (02), a gura incorreta apresentaria um sino tocando e um homem, ao lado, alheio à situação. Essa modicação faz com que seja possível investigar uma atribuição errada de papéis temáti cos ou uma impossibilidade de se atribuírem papéis temáticos sem que a reversibilidade da sentença seja perdida, já que, nessas condições, haveria duas possíveis interpretações: o paciente pode atribuir o papel de tema ao objeto interpretando o verbo ou como transitivo, atribuindo o papel de agente ao per sonagem (o que seria o correto), ou como inacusativo, sendo o personagem apenas coadjuvante na ação (PIÑANGO E ZURIF, 2001). É verdade, contudo, que, nas passivas, que são as sentenças críticas para o afásico, pois apresentam alteração de ordem canônica, a informação lexical da preposição no PP (“ pelo  homem”) poderia informar ao sujeito que o DP deve receber papel de agente, fazendo com que haja uma tendência de se interpretarem as sentenças da forma correta.

Figuras As guras utilizadas nesse experimento foram planejadas de forma a tornarem o teste simples e acessível para os afásicos, e, ainda, serem um instrumento de maior controle dos fatores extralinguísti cos que poderiam inuenciar o desempenho do sujeito ao realizar a tarefa. Dessa maneira, foram feitos desenhos simples, em preto e branco ou escala de cinza, que, como foi explicado, eram apresentados em grupos de três: a gura correta, a incorreta e a controle. Cada um dos desenhos encontrava-se em um cartão medindo cerca de 10 X 15 cm. No que concerne ao controle de fatores extralinguísticos, a principal preocupação durante a confecção do material foi com a possível inuência de uma estratégia interpretativa baseada na dis posição dos personagens nos desenhos. Como se sabe, a utilização de estratégias não linguísticas é um recurso naturalmente empregado pelos indivíduos para lidar com tarefas processualmente muito custosas (BEVER, 1970), e sujeitos afásicos são impelidos a explorar ainda mais essas estratégias, de forma a compensar as faltas causadas por seu décit, que os impediriam de realizar ecientemente a tarefa (GRODZINSKY, 1986). O uso dessas estratégias por pacientes afásicos tem sido bastante investi gado, em especial nos estudos sobre a produção (CAPLAN, 1983; HARTSUIKER E KOLK, 1998), embora a maioria dos estudos a respeito da compreensão agramática não pareça levar em conta essa possibili dade quando da elaboração dos materiais utilizados em seus testes. Dessa forma, o emprego de estratégias durante a realização de uma tarefa pode interferir nos resultados, visto que eles não reetirão o desempenho linguístico do participante, mas o padrão resul tante da associação do conhecimento linguístico à tendência de resposta gerada pela estratégia. É por esse motivo que a elaboração desse experimento precisou considerar esses aspectos, de forma a tornálo mais isento de inuências externas ao uso linguístico.

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Especicamente, observou-se que as estratégias de produção reportadas por Caplan (1983) e Hartsuiker e Kolk (1998) poderiam ser relevantes em um teste que envolvesse a interpretação de gu ras, como o proposto aqui. Esses autores sugerem que existem três estratégias que são empregadas, tanto por afásicos quanto por indivíduos neurologicamente intactos, ao produzir uma sentença em uma situação experimental: (1) produzir sentenças preferencialmente na voz ativa; (2) colocar o DP com papel temático de agente à esquerda do verbo; (3) colocar a entidade animada à esquerda do verbo. Com base nos dados encontrados por Flores d’Arcais (1975 apud HARTSUIKER E KOLK, 1998) 7, Hartsuiker e Kolk (1998) adicionam, ainda, que, em tarefas de descrição de guras, uma quarta é observada: os indivíduos tendem a começar a resposta com o elemento à esquerda da gura. Sendo assim, não é difícil imaginar que algumas dessas estratégias poderiam também, de alguma forma, atuar na compreensão, especialmente em uma tarefa como a de CSG: os indivíduos poderiam, por exemplo, inferir, a partir da associação dessas estratégias, que o agente da sentença deve ser o personagem representado à esquerda da gura, o que inuenciaria a compreensão das sentenças dependendo da posição do agente na gura (se todas as guras tivessem o agente desenhado à direita, por exemplo, a interpretação de uma sentença ativa poderia ser prejudicada). No entanto, em geral, os estudos que utilizam esse paradigma experimental não costumam controlar o posicionamento dos per sonagens nas guras e, muitas vezes, sequer citam como essa distribuição está organizada, como é o caso, por exemplo, dos trabalhos de Friederici e Graetz (1987), Hagiwara (1993), Beretta e Munn (1998), Beretta et al. (1999), Law e Leung (2000), Beretta et al. (2001), Luzzatti, Toraldo e Guasti (2001), Love e Oster (2002) e Caramazza et al. (2005). Por esse motivo, para nossa pesquisa, foram realizadas algumas modicações no formato clássico da tarefa de CSG. Nesse trabalho, optou-se por controlar esse fator, e, para tal, utilizaram-se dois tipos de gura: um em que o personagem que representa o agente aparecia à esquerda do desenho (nas três guras do teste) e outro em que o personagem aparecia à direita. Assim, cada sentença rever sível8 desse teste foi aplicada duas vezes (em sessões diferentes), uma vez para ser comparada a um grupo de guras com o agente à esquerda e uma outra vez para ser comparada com guras com o agente à direita, como exemplicado na gura 2, na qual são apresentadas as duas condições em que a sentença “a mulher beijou a menina” apareceria no teste. Figura 2 – Condições experimentais da sentença “a mulher beijou a menina” Condição 1: Agente correto à esCondição 2: Agente correto à querda direta

Figura correta

7 Esses dados foram obtidos em um estudo com indivíduo s não lesionados. 8 Como ca evidente, não haveria motivo para fa zer o mesmo com as não reversíveis.

Figura correta

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Parte II

Figura incorreta

Figura controle

Figura incorreta

Figura controle

Procedimentos de aplicação do teste Tendo-se em vista a quantidade de itens que formavam a tarefa, esse teste foi aplicado aos quatro afásicos em duas sessões. A primeira delas constava de 48 sentenças, sendo essas as 12 de cada um dos quatro tipos de sentenças testados (ativas e passivas, reversíveis e não reversíveis). Nesta sessão, metade das sentenças ativas e passivas reversíveis aparecia na Condição 1 e a outra met ade na Condição 2, de forma a se evitar uma tendência de resposta ao se apresentar sempre o mesmo padrão de distribuição dos desenhos. Na segunda sessão, que era formada apenas pelas estruturas reversíveis, as sentenças testadas na primeira sessão eram repetidas, dessa vez, aparecendo na condição oposta à que apareceram na primeira sessão. A ordem de apresentação das sentenças foi aleatorizada para as duas sessões, e as sentenças foram reorganizadas para evitar casos em que as mesmas guras fossem repetidas em até três rodadas consecutivas. Também foi aleatorizada a distribuição das três guras apresentadas em relação ao indi víduo: na posição (a), em cima, (b), ao centro, ou (c), embaixo, como mostra a gura 3, abaixo.

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Figura 3 - Disposição das guras diante do paciente no Experimento 1

Antes da aplicação efetiva do teste, a experimentadora conversava com os participantes e explicava o que aconteceria durante o experimento, indicando qual seria a tarefa a ser realizada pelo afásico. Para que se conrmasse que o paciente seria capaz de participar do experimento e que dicul dades não relacionadas ao décit sintático não interfeririam no teste, a experimentadora apresentava os personagens ao paciente e procurava se certicar de que os itens lexicais corretos eram relacionados às suas respectivas representações nos desenhos. Para a aplicação do teste, então, as guras eram dispostas à frente do afásico, e a senten ça-teste era lida pela experimentadora. Algumas vezes, em especial nos primeiros itens do teste, as sentenças eram precedidas de alguma instrução ou incentivo que reforçavam a tarefa que deveria ser realizada, como “mostra pra mim a gura que combina com o que eu vou falar ”. Em cada item do teste, as sentenças poderiam ser repetidas quantas vezes o sujeito achasse necessário, e o tempo utilizado pelo participante para escolher uma gura era livre, sendo permitido que sua opção fosse mudada quan tas vezes desejasse. A última gura escolhida era a registrada pela experimentadora. Os pacientes, que muitas vezes se mostravam exauridos ou mesmo enfadados pela realização do teste, eram sempre estimulados a pedir, quando achassem necessário, que a sessão fosse pausada ou terminada, embora nenhum afásico tenha se utilizado dessa possibilidade. Por isso, a experimentadora procurava fazer pequenas pausas durante o teste, caso achasse conveniente, dada a observação das condições de cada participante. Todas as sessões foram lmadas, para que posteriormente os dados coletados pudessem ser conferidos. É importante ressaltar que a presença de uma câmera lmadora durante a aplicação dos testes não pareceu inuenciar o comportamento dos sujeitos, mesmo porque esses pacientes já cos tumavam ter algumas de suas sessões de tratamento com a fonoaudióloga lmadas, o que fez com que eles se acostumassem com o uso da câmera.

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Parte II

Resultados Nesta seção, são reportados os resultados individuais e do grupo encontrados em cada condição do Experimento 1. Considerando-se os objetivos deste capítulo, contudo, não serão abordados aqui os detalhes maiores a respeito das análises estatísticas e teóricas desses resultados (para essa discussão, reporta-se ao trabalho original). Assim, na tabela abaixo, são demonstrados os resultados gerais em cada tipo de sentença testado e a probabilidade de os desempenhos não terem sido ao acaso, ou seja, de não estarem no nível da chance 9, obtida pela realização de um teste binomial. Tabela 1 – Teste binomial dos resultados individuais no Experimento 1: total de acertos (média) e valor de p  Paciente

Ativa reversível

Passiva reversível

Ativa não reversível

CS

23/24 (95,8%) p < .00001 a

20/24 (83,3%) p = .0006 a

12/12 (100%) p = .0002 a

Rassiva não reversível 9/12 (75%) p = .0537

20/24 (83,3%) p = .0006 a 16/24 (66,6%) p = .04 a 12/24 (50%) p = .16 73,95% p =.02 a

11/24 (45,8%) p = .15 13/24 (54,16%) p = .15 8/24 (33,3%) p = .04b 54,16% p =.14

12/12 (100%) p = .0002 a 7/12 (58,3%) p = .19 10/12 (83,3%) p = .016 a 85,4% p =.016 a

12/12 (100%) p = .0002 a 5/12 (41,6%) p = .19 8/12 (66,6%) p = .12 70,8% p =.12

RC ZB RP Grupo

 acima da chance; b  abaixo da chance



Apesar de o grupo não ter obtido o desempenho esperado pelos defensores do padrão de comportamento agramático (apresentado apenas por RC), esses resultados não podem ser conclusivos para a contestação do padrão, visto que os resultados de ZB e RP, respectivamente, nas reversíveis e não reversíveis, ao serem excluídos (por demonstrarem problemas ligados à realização da tarefa), levam o resultado do grupo a convergir para o padrão. No entanto, o resultado mais relevante para a argu mentação em Villarinho (2008) em favor de uma revisão dos critérios de classicação e agrupamento de afásicos (que deveria levar em conta subgrupos ou diferentes níveis de severidade) é o quadro que se delineia entre os pacientes, no qual, ao que parece, se apresenta uma gradação no desempenho: os pacientes CS e RC têm bom desempenho geral, acima da chance em três das quatro condições (o resul tado de CS nas passivas não reversíveis aproxima-se de um desempenho acima da chance), enquanto ZB tem o desempenho mais afetado, cando acima da chance em apenas um dos tipos de sentença, e RP apresenta um desempenho ainda mais baixo, e talvez um pouco confuso, cando acima da chance em apenas uma das condições, como ZB, mas com desempenho abaixo da chance em outra condição, num tipo de comportamento que pode indicar o uso de estratégias para a realização da tarefa. Com relação aos dados das estruturas reversíveis analisados separadamente por condição tes tada (com o agente da sentença à direita ou à esquerda da gura), o teste binomial, cujos resultados são apresentados na tabela 2, revelou que o paciente CS obteve um desempenho acima do nível da chance, a despeito do posicionamento do agente nas guras. Similarmente, os desempenhos dos pacientes ZB e RP não se modicaram em função das condições, permanecendo no nível da chance. Apenas a paciente RC pareceu ser sensível à alteração do posicionamento do personagem na gura, visto que a condição 9 Calcula-se, aqui, a possibilidade de acerto em 50%, seguindo os demais autores que utilizam esse tipo de paradigma experimental, porque, apesar de o teste possuir três guras como opções de escolha para os afásicos, a terceira é apenas um controle, e os pacientes nunca escolhem essa gura. Na real idade, no nosso caso, a paciente RC escolheu a gura controle como respo sta em uma das observações, mas, como essa escolha foi feita no início da sessão de teste e não houve reincidência, consideramos que tenha sido um problema na compreensão do teste e essa observação não foi considerada.

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em que as sentenças ativas eram comparadas a guras com o agente à esquerda foi a única em que RC obteve um desempenho acima da chance. Uma análise comparativa desses resultados, utilizandose a ANOVA, contudo, não revelou diferenças signicativas em nenhum dos casos, o que indica que, na realidade, a posição dos personagens nas guras não é um fator de inuência no desempenho dos pacientes.

Tabela 2 – Teste binomial dos resultados individuais e do grupo no Experimento 1 por tipo de gura: total de acertos (média) e valor de p  paciente

ativas agente à esquerda

passivas agente à esquerda

ativas agente à direita

passivas agente à direita

CS

12/12 (100%) p = .0002 a

10/12 (83,3%) p = .016 a

11/12 (91,6%) p = .0029 a

10/12 (83,3%) p = .016 a

RC

11/12 (91,6%) p = .0029 a

4/12 (33,3%) p = .12

9/12 (75%) p = .0537

7/12 (58,3%) p = .19

9/12 (75%) p = .0537 4/12 (33,3%) p = .12 75% p = .0537 a  acima da chance

7/12 (58,3%) p = .19 4/12 (33,3%) p = .12 52% p =.22

7/12 (58,3%) p = .19 8/12 (66,6%) p = .12 72,9% p =.12

6/12 (50%) p = .22 4/12 (33,3%) p = .12 56,25% p =.22

ZB RP Grupo

Um fato importante para a discussão proposta nesse capítulo é o de os resultados nas senten ças não reversíveis terem sido consideravelmente baixos, contrariando a expectativa de um desempenho quase perfeito nessas estruturas, tanto por parte daqueles que defendem o padrão quanto por parte daqueles contrários a ele (já que a “pista” semântica fornecida nessas sentenças poderia, além de indicar a designação correta de papéis temáticos, acarretar uma diminuição do custo da tarefa em diferentes aspectos processuais). Esse resultado é relevante para essa discussão por dois motivos, ambos ligados a questões de formulação metodológica dos testes. Em primeiro lugar, pode-se argumentar que os maus resultados obtidos nesta pesquisa se deveram a um entendimento deciente da tarefa, que pode ter sido originado pela opção de se utilizarem verbos com alternância causativa e pelos tipos de desenho apresentados nas guras, cuja conguração, no caso das guras incorretas, se diferenciava evidentemente dos demais desenhos utilizados no teste. De fato, a paciente ZB deu indícios de que estaria confusa com essas sentenças, pois, por muitas vezes, a participante escolhia uma das guras como resposta ao teste e, após tentar explicar o motivo de sua escolha e ser requisitada a conrmar sua resposta, escolhia a outra gura. Em segundo lugar, é possível que se questione o motivo de se obterem bons resultados nesse tipo de sentença em diferentes estudos na literatura, visto que talvez o problema levantado por Grodzin sky e Marek (1988) não se aplique, e a apresentação de guras inverossímeis, na verdade, eleve o des empenho do paciente: ao observar representações de imagens bizarras, ele escolhe consistentemente a outra opção, que é a correta. Naturalmente, esse problema é atenuado por resultados obtidos com outras metodologias experimentais que investigaram essas estruturas e demonstraram bons desempenhos, embora essa seja uma questão que precise ser melhor pensada. É importante mencionar que, ao discutir o problema gerado pelo teste de não reversíveis por meio da utilização de guras, Grodzinsky e Marek (1988) consideram ser mais adequada a opção por um teste que inverta o paradigma desse experimento, como numa “correspondência gravura-sentença”, conforme realizado por Slobin (1966 apud   GRODZINSKY E MAREK, 1988), no qual apenas uma gura (representando uma situação possível e não reversível) seria apresentada, e uma de duas sentenças

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Parte II

seria falada: ou a com papéis temáticos corretos ou a com papéis temáticos invertidos. Esse é um ex perimento similar ao chamado julgamento de verdade (HERMONT, 1999; INGLIS, 1999). Experimento 2: Testando Interrogativas com Encenação As estruturas interrogativas, cujo estudo ainda é pouco desenvolvido na área, foram testadas porque, além de permitirem a observação da dissociação entre sujeito e objeto, a partir da qual se podem traçar comparações teóricas com as sentenças ativas e passivas (pela alteração da ordem canônica), a avaliação de versões com o elemento QU quem   e com o elemento QU que-N  permite a observação de aspectos do processamento dessas estruturas ligados às diferenças na referencialidade dos dois tipos de elemento interrogativos. Costuma-se assumir que o padrão esperado como característico do com portamento agramático seja aquele encontrado por Hickok e Avrutin (1996), que consideram que a capa cidade de se construírem cadeias de ligação estaria afetada na afasia de Broca, enquanto a formação de cadeias de regência estaria intacta, o que faria com que o paciente fosse capaz de atribuir perfeitamente os papéis temáticos em interrogativas com quem , mantendo um desempenho acima da chance mesmo em sentenças com movimento, mas não em interrogativas com que-N , nas quais se observa um padrão idêntico ao encontrado em outras estruturas que requerem a formação de cadeias afetadas pelo décit. No entanto, alguns resultados vêm sugerindo a existência de subgrupos dentro do agramatismo, con forme apontado por Thompson et al. (1999), o que pode ser comparado aos resultados encontrados em nosso experimento 1. Dessa forma, o objetivo desse segundo experimento era observar se algum padrão de desempenho emergiria dos resultados dos pacientes como um grupo ou se as diferenças individuais seriam mais patentes, servindo de contra-argumento para esse tipo de análise. Para tal, é necessário observar se há diferenças nos desempenhos dos pacientes dependendo do tipo de estrutura testado, além de vericar se o tipo de elemento QU utilizado nas sente nças inuencia a compreensão dos indivíduos e, portando, as variáveis independentes consideradas foram os tipos de extração do elemento QU (de sujeito, de objeto e de objeto sem extração, ou in situ) e o tipo de inter rogativa QU (que-N e quem), sendo a variável dependente, o número de escolhas do personagem correto em resposta à interrogativa (em oposição ao personagem incorreto ou ao personagem coadjuvante; cf . seção 3.1).

Método Para esse experimento, a cena representada demonstrava um personagem (ex. um elefante) praticando uma ação (chutar, caçar, atacar, derrubar etc.) sobre outro personagem (ex. uma girafa), que, por sua vez, fazia a mesma ação com outro personagem do mesmo tipo do primeiro (ex. um outro elefante). Em seguida, era feita uma pergunta (a sentença-teste) sobre a cena, à qual o sujeito deveria responder apontando para um dos personagens. Apenas os personagens que são duplos são respostas às perguntas, como no exemplo acima, no qual apenas um dos dois elefantes poderia ser a resposta de perguntas como “quem  / que elefante   chutou a girafa?” – QU sujeito – ou “quem  / que elefante  a girafa chutou?” – QU objeto: Figura 4 – Encenação das interrogativas “quem/ que elefante chutou a girafa?” ou  “quem/ que elefante a girafa chutou?”.

Capítulo IV -Aspectos metodológicos na avaliação da compreensão de agramáticos af ásicos de broca

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Sentenças Neste experimento, foram testadas 72 sentenças interrogativas QU: 36 com elemento QU quem, e 36 com elemento QU que-N , sendo 12 de sujeito, 12 de objeto e 12 de objeto in situ, de cada um dos dois tipos, como exemplicado em (03) e (04).

(3) a. Quem  atacou o elefante? b. Quem  o rinoceronte atacou? c. O elefante atacou quem ? (4) a. Que girafa atacou a zebra? b. Que tigre  o rinoceronte atacou? c. A zebra atacou que girafa ? Na elaboração das sentenças que fariam parte do teste, houve a preocupação em se utilizarem apenas verbos da primeira conjugação (para que houvesse uma regularidade no experimento), que rep resentassem apenas ações que pudessem ser bastante visíveis e facilmente encenadas para o afásico, sem ações como “morder” ou “arranhar”, que não poderiam ser precisamente encenadas, dadas as limitações de realismo na manipulação dos bonecos. Além disso, devido ao estudo de Inglis (1999) que reportou que alguns afásicos se mostravam resistentes a uma encenação que envolvesse dois animais que habitavam continentes diferentes (como uma girafa e um tigre, por exemplo), inicialmente, pro curou-se utilizar apenas personagens que pudessem interagir no mundo real. Contudo, a quantidade restrita de bonecos de animais disponíveis fez com que fosse necessária a inclusão de um personagem que não poderia, na realidade, interagir com os demais. Ao todo, foram utilizados seis verbos (empurrar, machucar, chutar, atacar, derrubar e caçar) e seis personagens (elefante, girafa, zebra, leão, rinoceronte e tigre), que, combinados, formaram as sentenças usadas no experimento. Todas as sentenças testadas eram reversíveis e, como forma de manter essa reversibilidade, alguns verbos só puderam ser combinados a determinados animais, o que impediu um equilíbrio maior na quantidade de vezes em que cada animal aparecia como sujeito ou objeto da sentença. Esse problema refere-se particularmente ao verbo caçar , já que a sua utilização com personagens que não apresentam a mesma capacidade de caçar e serem caçados (como um leão e uma girafa) poderia inuenciar a resposta do afásico. É importante notar que nenhum dos estudos citados que utilizam esse paradigma experimen tal apresenta esse tipo de preocupação.

Personagens Na encenação, foram utilizados 12 bonecos, sendo dois exemplares de cada um dos seis tipos de animal, referentes aos seis personagens que apareciam nas sentenças testadas. Esses bonecos eram feitos de plástico e mediam cerca de 5 X 3 cm, nem sempre possuindo tamanhos em escala real e apre sentando medidas mais ou menos semelhantes entre si. Durante a confecção dos materiais do teste, houve uma preocupação com esse aspecto, já que se pretendia fazer uma encenação o mais realista pos sível, pois alguns afásicos, por serem adultos e estarem muitas vezes desestabilizados emocionalmente ao confrontarem seus décits, poderiam sentir-se desconfortáveis ao realizar uma tarefa aparentemente infantil, usando “brinquedos”10. No entanto, não foi possível encontrar bonecos que se adequassem a 10 De fato, ao nal da primeira sessão desse teste, a paciente RC, que apresenta um quadro de transtorno de humor ocasionado por sua lesão, demonstrou estar contrariada por participar de um experimento com “bichinhos”.

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Parte II

esse critério, e os animais utilizados, apesar de serem realistas em suas aparências, não possuíam ta manhos realistas em relação uns aos outros.

Procedimentos de aplicação do teste Esse experimento foi aplicado em duas sessões, cada uma constando de 36 sentenças-teste, apresentadas em ordem aleatória. Assim como no Experimento 1, a sessão de teste começava com uma conversa entre a experimentadora e o paciente, na qual a tarefa era explicada, e os personagens que a compunham eram identicados. A aplicação do teste procedia da seguinte maneira: primeiramente, a sentença a ser testada era dita ao sujeito, como forma de diminuir custos de processamento e memória necessários para a interpretação da encenação. Em seguida, os três animais envolvidos na sentença eram colocados à frente do afásico (aquele referente ao sujeito, à esquerda, o animal diferente, ao centro e o referente ao objeto, à direita), e a encenação era realizada pela experimentadora. A sentença era, então, repetida, e o paciente deveria apontar para o boneco que representasse a resposta correta à per gunta ouvida. O modo de aplicação desse experimento era idêntico ao do experimento anterior, tendo o afásico liberdade para pedir que se repetissem as perguntas, para mudar uma resposta dada, para pedir pausas ou o término da sessão etc. (o paciente CS solicitou a interrupção da primeira seção e, por isso, sua avaliação ocorreu em três seções). Nesse experimento, todas as sessões também foram lmadas, com o intuito possibilitar que os dados coletados fossem conferidos posteriormente.

Resultados Assim como no Experimento 1, foram analisados estatisticamente os dados obtidos no Experi mento 2, e esses resultados serão apresentados nesta seção. Nas tabelas 4 e 5, são apresentados os resultados obtidos com o teste binomial para as interrogativas com que -N  e quem , respectivamente.11 Tabela 3 – Binomiais dos resultados individuais e do grupo no Experimento 2, interrogativas com QUE-N : total de acertos (média) e valor de p  QUE-N   sujeito

QUE-N   objeto

QUE-N  objeto in situ 

ZB

5/12 (41,6%) p  = .18 7/12 (58,3%) p  = .045 a  5/12 (41,6%) p  = .18

8/12 (66,6%) p  = .014 a  6/12 (50%) p  = .11 2/12 (16,6%) p  = .13

11/12 (91,6%) p  = . 00004 a  6/12 (50%) p  = .11 0/12 (0%) p  = .008 b 

RP

0/12 (0%) p  = .008 b 

7/12 (58,3%) p  = .045 a 

12/12 (100%) p  = . 000001 a 

Grupo

35,4% p  =.23

47,9% p  = .18

60,4% p  = .045 a 

paciente CS RC

 acima da chance; b  abaixo da chance



11 No caso desse experimento, a chance de acerto era de uma entre três opções, já que eram utilizados três bonecos para a encenação, e, dessa maneira, consid era-se que o nível da chance seja igual a 33,33%.

Capítulo IV -Aspectos metodológicos na avaliação da compreensão de agramáticos af ásicos de broca

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Tabela 4 – Binomiais dos resultados individuais e do grupo no Experimento 2, interrogativas com QUEM: total de acertos (média) e valor de p  paciente

QUEM sujeito

QUEM objeto

QUEM objeto in situ 

CS

11/12 (91,6%) p  = . 00004 a 

8/12 (66,6%) p  = .014 a 

11/12 (91,6%) p  = .00004 a 

7/12 (58,3%) p  = .045 a  1/12 (8,3%) p  = .048 a  0/12 (0%) p  = .008 b  39,6% p  = .23

9/12 (75%) p  = .003 a  2/12 (16,6%) p  = .13 8/12 (66,6%) p  = .014 a  56,25% p  = .11

7/12 (58,3%) p  = .045 a  0/12 (0%) p  = .008 b  10/12 (83,3%) p  = .0004 a  58,3% p  =.045 a 

RC ZB RP Grupo

 acima da chance; b  abaixo da chance



O que se observa nesses resultados é que os desempenhos do grupo nem mesmo se aproxi mam do padrão esperado para o desempenho agramático, uma vez que há uma grande variação individ ual, o que se assemelha ao citado resultado de Thompson et al (1999). Novamente, o que os resultados demonstram é uma gradação nos desempenhos muito semelhante àquela encontrada no Experimento 1, corroborando uma análise em níveis de severidade: CS e RC apresentam um bom desempenho em quase todas as estruturas (com RC se assemelhando mais ao padrão esperado) e RP e ZB, com desempenhos muito baixos, já que, apesar de RP ter demonstrado um desempenho acima da chance em quase todas as interrogativas de objeto, esse tipo de padrão pode não se dever a uma boa compreensão, pois ca clara a utilização de algum tipo de estratégia para responder à tarefa. O mesmo pode se considerar para o desempenho acima da chance de ZB nas interrogativas de sujeito com quem . Assim, pode-se dizer que ZB e RP teriam usado estratégias diferentes, que os levaram a resultados diferentes, e que, no entanto, ambos tiveram baixos desempenhos nas interrogativas. Uma análise dos tipos de erro cometidos por esses pacientes, que são reportados na tabela 5, poderia revelar o tipo de estratégia utilizada por eles, e é esse o tipo de análise mais relevante para a discussão sobre aspectos metodológicos desenvolvida aqui. Os dois tipos de erro possíveis nesse experimento equivalem aos dois personagens da encenação além do correto: o erro de “inversão” é aquele em que o paciente escolhe como resposta o boneco que seria a resposta caso tivesse uma in terpretação inversa dos papéis temáticos da sentença (esse boneco está sempre posicionado em uma das extremidades da encenação); e o erro “coadjuvante” é aquele em que o paciente escolhe o boneco que participa da ação, mas nunca é uma alternativa para as interrogativas do experimento (é o boneco posicionado sempre ao centro na encenação). No caso de RP, por exemplo, seria possível conjeturar que o paciente tenha utilizado a estratégia de sempre apontar para o personagem cujo nome foi mencionado por último, escolha que explicaria o mau desempenho nas interrogativas de sujeito e o bom desempenho nas de objeto in situ   com que-N   (embora não dê conta dos demais padrões encontrados). No caso de ZB, não se mostra claramente qual estratégia poderia ter sido utilizada, mas observa-se que a paciente demonstrava uma preferência por sempre apontar para o boneco coadjuvante (mesmo nas sentenças em que seu desempenho cou no nível da chance, há uma pequena concentração de erros desse tipo). Na verdade, esse tipo de erro parece marcar o desempenho de ZB e RP, além de aparecer também com alguma frequência no desempenho de RC, e de ter aparecido nos resultados de CS apenas na condição em que o paciente cou com desempenho na chance, o que pode indicar que o mau desempenho dos pa cientes nessas condições vai além de um problema de designação de papéis temáticos a DPs. Talvez seja possível explicar esse comportamento considerando-se uma provável interferência do tipo de sentença, que é mais complexa e mais processualmente custosa, ou do tipo de tarefa, no décit dos pacientes, que os levaria a esse tipo de erro (cf. GRODZINSKY, 1995, nota 3). Curiosamente, contudo, em nenhum dos estudos anteriores que testaram interrogativas utilizando esse paradigma experimental, os pacientes testados escolheram o personagem coadjuvante como resposta.

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Parte II

Tabela 5 – Tipos de erro por paciente no Experimento 2, interrogativas com QUE- N  paciente

CS

RC

ZB

RP

QUE-N  sujeito

inversão: 2 coadjuvante: 5 inversão: 4 coadjuvante: 0 inversão: 1 coadjuvante: 0

inversão: 2 coadjuvante: 3 inversão: 4 coadjuvante: 2 inversão: 5 coadjuvante: 1

inversão: 0 coadjuvante: 7 inversão: 4 coadjuvante: 6 inversão: 4 coadjuvante: 8

inversão: 1 coadjuvante: 11 inversão: 0 coadjuvante: 5 inversão: 0 coadjuvante: 0

QUEM objeto

inversão: 1 coadjuvante: 0 inversão: 4 coadjuvante: 0

inversão: 3 coadjuvante: 2 inversão: 2 coadjuvante: 1

inversão: 3 coadjuvante: 8 inversão: 2 coadjuvante: 8

inversão: 2 coadjuvante: 10 inversão: 0 coadjuvante: 4

QUEM objeto in situ

inversão: 1 coadjuvante: 0

inversão: 3 coadjuvante: 2

inversão: 3 coadjuvante: 9

inversão: 0 coadjuvante: 2

QUE-N  objeto QUE-N  objeto in situ  QUEM sujeito

Uma possibilidade a se pensar, nesse caso, é a de que esse problema tenha sido gerado pela distribuição dos personagens na cena. Como foi dito anteriormente, os personagens cavam sempre em uma posição xa, e a direção da encenação não foi alterada ao longo das observações, o que talvez possa ter ocasionado alguma preferência para o paciente de apontar para uma das três posições. Essa ideia poderia explicar a concentração de erros no coadjuvante, que é o personagem ao centro da cena, e o único de um tipo diferente dos demais, deixando-o em maior evidência. Seria possível também que o paciente, tendo diculdades em compreender a interrogativa, baseie sua interpretação na cena vista, fazendo apenas um mapeamento lexical da sentença e optando por indicar como resposta um dos perso nagens mencionados, independentemente da atribuição, correta ou inversa, de papéis temáticos (assim, se o paciente ouve, no exemplo da gura 4, “quem chutou a girafa?” ou “que elefante chutou a girafa”? suas possibilidades de resposta estariam entre apontar para a girafa e um dos elefantes). Na verdade, o comportamento do paciente RP vem enfatizar essas possibilidades, já que quando as interrogativas eram ditas ao paciente, sua resposta sempre envolvia apenas o boneco mais à direita e o do centro, sempre ignorando o mais à esquerda (que havia sido o primeiro a participar da encenação), o que o fez errar todas as interrogativas de sujeito. Como se observa, a utilização de estratégias para compensar o décit se apresenta novamente nesse experimento, e vem levantar questões ainda não investigadas a respeito da compreensão dos pacientes agramáticos, para as quais não se podem formular explicações mais consistentes devido ao número reduzido de dados coletados. Assim como se observou no Experimento 1, os pacientes que demonstram um maior grau de severidade em seus décits são aqueles que parecem necessitar de um suporte extralinguístico para a realização da tarefa, e esse tipo de comportamento também é observado nos casos em que os pacientes com melhores níveis de desempenho se deparam com itens que se apre sentam com uma maior diculdade. Considerações nais

O objetivo desse capítulo era o de trazer à discussão a importância de um planejamento cui dadoso para a construção de materiais de testes linguísticos e para sua aplicação, em especial no caso de avaliações de pacientes com décits, que podem envolver diferentes tipos de habilidade, como o décit agramático. Em casos como esses, ao se tomar algum fenômeno sintático como objeto, torna-se essencial que se isolem as variáveis que se pretendem investigar, levando-se em conta, por exemplo, interferências de outros décits linguísticos, principalmente ligados à semântica lexical (que comumente acompanha décits agramáticos), e de outras demandas envolvidas na tarefa. Essas demandas podem compreender fatores que têm se mostrado relevantes durante a participação de pacientes afásicos em alguns tipos de teste. Esses fatores podem ser de ordem cognitiva, física e mesmo psicológica, já que

Capítulo IV -Aspectos metodológicos na avaliação da compreensão de agramáticos af ásicos de broca

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uma lesão cerebral, a depender de sua extensão e gravidade, em geral, acaba por afetar outras funções, além da língua, que são controladas pelas áreas atingidas, podendo ocasionar, por exemplo, distúrbios emocionais e deciências motoras. Para atender a esse objetivo, foram focalizadas aqui as considerações metodológicas envolvi das na formulação e realização da pesquisa apresentada em Villarinho (2008), em que foram avaliados os desempenhos de quatro pacientes afásicos classicados como agramáticos em dois tipos de experimen to que testavam sentenças ativas, passivas e interrogativas QU. Os experimentos desse trabalho foram elaborados de forma a neutralizar ao máximo os problemas citados e, para tal, foram realizados com algumas alterações nos paradigmas tradicionais de CSG e encenação, a partir das quais se buscou, prin cipalmente, reduzir as demandas cognitivas e físicas envolvidas nas tarefas, por exemplo, utilizando-se três personagens na encenação (tornando a situação de teste mais verossímil) e apresentando-se uma versão simples do teste de CSG, além do controle de possíveis fatores de inuência para os resultados, como a posição dos personagens nas guras. Em linhas gerais, os resultados obtidos nessa pesquisa demonstraram que os experimentos puderam atender ao que se propunham, visto que os pacientes pareceram compreender as tarefas que lhes eram demandadas e toda a preocupação com controles metodológicos permitiu um melhor entendi mento do comportamento de cada paciente. Pode-se citar como exemplos as guras com personagens em posições opostas no teste de CSG, que se apresentaram como não relevantes para o desempenho em um experimento de compreensão, a utilização de uma gura controle, que demonstrou que os problemas de compreensão dos pacientes eram, de fato, devidos ao décit sintático, e a utilização de três persona gens na encenação, que acabou por demonstrar uma má compreensão que pode ir além da designação incorreta de papéis temáticos (devido à escolha do personagem coadjuvante). Por outro lado, esses mes mos controles metodológicos revelaram comportamentos inesperados (dos quais podem ser mesmo os causadores), para os quais não se puderam formular explicações menos superciais que a do uso de estratégias de caráter ainda consideravelmente obscuro, que aparecem exatamente nas situações em que o décit linguístico se demonstra mais severo (especialmente observadas nos casos dos pacientes RP e ZB), como se apresenta na escolha consistente do personagem coadjuvante no teste de encenação e nos maus desempenhos nas sentenças não reversíveis no teste de CSG.

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Parte II

Capítulo V Aspectos

metodológicos na avaliação da Produção de afásicos de broca

Renê Forster (Doutorando PUC-Rio)

Capítulo V -Aspectos metodológicos na avaliação da Produção de afásicos de broca

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Introdução

D

esde meados da década de setenta, quando se descobriu que o agramatismo poderia estar relacionado particularmente a um nível de análise linguística – a sintaxe (Cf. CARAMAZZA & ZURIF, 1976) –, este distúrbio vem sendo considerado uma fonte po tencial de dados para as ciências da linguagem. Esta perspectiva ganhou força com a descoberta subsequente de que o agramatismo tratava-se de um distúrbio seletivo , i.e., um distúrbio que afetava componentes especícos do sistema sintático, e não, como já se havia acreditado, a sintaxe como um todo. Neste prisma, considera-se que a lesão cerebral que ocasiona o agramatismo afeta um determinado tipo de componente sintático e que, analisando o comportamento agramático, seria pos sível descobrir o papel que este componente ausente desempenharia na organização e/ou funcionamento da linguagem do indivíduo normal. Assim, pode-se pensar de forma simplicada que, se um agramático consegue produzir um enunciado A, mas não um enunciado B , é possível perguntar qual é a propriedade deste enunciado  B  que o torna problemático para este indivíduo. Se, além disso, este mesmo agramático consegue produzir C , mas não D , pode-se perguntar ainda se B  e D  poderiam ter uma propriedade em comum, digamos uma propriedade x . Se a propriedade x é comum não só a B e D , mas também a F, H, J  e, se todas elas também são difíceis para este e para outros afásicos, poderíamos perguntar qual o papel da propriedade x no atual entendimento da sintaxe. Caso x seja uma propriedade que tenha passado despercebida até o momento, é possível investigar como o conhecimento atual pode vir a comportar x e em que medida x seria uma categoria relevante. Se x já é uma categoria de análise da teoria sintática, tem-se, então, uma evidência de que esta propriedade pode gozar de certa realidade psicológica (isto é, esta categoria não seria apenas um construto teórico, mas, de alguma forma, estaria codicada na mente), e isto poderia, inclusive, favorecer esta determinada teoria que entende a língua como um sistema contendo a proprie dade x, em detrimento de uma outra teoria qualquer que não considere e não explique tal propriedade. Este tipo de situação ilustra como o agramatismo pode ser tratado com um dado no âmbito da linguística cognitiva. Antes de prosseguir, deve ser notado que, na acepção apresentada até aqui, o agramatismo é tratado em seu aspecto psicológico. Embora o agramatismo seja derivado de um fenômeno físico e siológico (uma lesão cerebral), quando se falou a respeito de um propriedade x  que poderia subjazer a enunciados ou a comportamentos diversos, não houve a intenção de fazer referência a alguma porção do tecido neural, mas, na verdade, a um nível mais abstrato, um nível mental. Como não há meios de se investigar uma entidade abstrata diretamente, devemos buscar entidades concretas que possam nos dizer como ela funciona. No caso particular do agramatismo, é preciso basear-se no comportamento observável de um determinado indivíduo, para que, com isso, seja possível realizar inferências acerca do sistema linguístico abstrato que está por trás deste comportamento. Como já foi dito, é possível considerar, neste sentido, as sentenças que um indivíduo produz ou deixa de produzir como um objeto de estudo, como uma manifestação deste sistema abstrato. Certamente, no entanto, não é qualquer

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produção linguística que interessa a um pesquisador, mas sim aquelas que possam conrmar ou re futar uma determinada ideia, que possam reetir os interesses e objetivos de uma pesquisa. Assim, o pesquisador deve lançar mão de algumas técnicas que o auxiliem a produzir este comportamento. Além disso, é necessário, principalmente, que este comportamento seja produzido de uma forma mensurável, isto é, é necessário tornar quanticável a diferença entre, por exemplo, a produção de sentenças do tipo A e a produção de sentenças do tipo B . Esta quanticação é que permitirá armar que um dado sujeito preservou os mecanismos necessários à produção de A, mas não de B. Este artigo trata dos meios de fazer emergir um comportamento linguístico especíco. De forma mais precisa, trata-se da metodologia em estudos sobre a produção de afásicos de Broca a partir de uma pesquisa realizada em Forster (2008)1 2. Nosso objetivo é o de levantar, por meio deste trabalho, algumas discussões correntes no campo da afasiologia e também algumas reexões derivadas desta pesquisa, que abordou dois temas: em primeiro lugar, a produção de Concordância e Tempo e, em se gundo, a produção de sentenças complexas, não canônicas e com movimento. Trataremos de cada um destes dois temas nas seções subsequentes, com vistas, principalmente, a apresentar a metodologia de elaboração das baterias de avaliação aplicadas aos voluntários da referida pesquisa.

Concordância e Tempo na produção agramática Friedmann e Grodzinsky (1997) lançaram uma das hipóteses mais debatidas no campo da afasiologia, a chamada Hipótese da Poda da Árvore (HPA). Basicamente esta hipótese prevê que, se to marmos como base a representação arbórea da estrutura sintática adotada no âmbito da Teoria Gerativa, poderemos ver que o comportamento de um afásico agramático seria reexo da poda das partes mais altas desta árvore. Em outros termos, os autores propõem que, no que diz respeito à produção , o décit agramático seria caracterizado por uma incapacidade de lidar com os constituintes hierarquicamente superiores das sentenças. Esta hipótese contempla três níveis de severidade (FRIEDMANN, 2001), ilus trados na Figura 1. Agramáticos leves teriam somente CP 3 comprometido e, com isso, estariam inaptos a produzir sentenças com constituintes alocados neste nível como interrogativa(s)-Qu e subordinadas desenvolvidas. Agramáticos moderados, além de CP, teriam TP comprometido, e, com isso, teriam prob lemas na produção da morfologia exional responsável pela codicação da informação temporal nos verbos. Agramáticos severos, por sua vez, além de CP e TP, teriam AgrP comprometido, e estariam, portanto, inaptos a codicar de maneira adequada a informação referente à concordância entre sujeito e verbo. Figura 5 - Ilustração dos níveis de comprometimento sintático de acordo com a HPA.

1 A referida dissertação de mestrado foi realizada sob a orientação de Ricardo Joseh Lima, no programa de pós-graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O presente artigo se beneciou, sem dúvida, dos comentários feitos por Eduardo Kenedy, Érica Rodrigues, Letícia Corrêa e Marina Augusto à dissertação. 2 Algumas partes deste texto são reproduções textuais da dissertação. 3 Seguindo a tradição adotada no campo, utilizamos as siglas em inglês. Assim, por CP, entenda-se Sintagma Complemen tizador; por TP, Sintagma Temporal; por AgrP, Sintagma de Concordância e, por VP, Sintagma Verbal.

Capítulo V -Aspectos metodológicos na avaliação da Produção de afásicos de broca

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Formulada desta maneira, a HPA prevê a controversa possibilidade de dissociação entre Tempo e Concordância4, isto é, a possibilidade de existirem agramáticos que conseguem usar adequadamente as desinências de tempo, mas não as de concordância. Tal previsão é controversa porque, ainda que os autores tenham apresentado dados de uma agramática capaz de codicar adequadamente a informa ção de concordância, mas não a de tempo, este resultado não pôde ser replicado por outros autores. Burchert, Swoboda-Moll & De Bleser (2005) relatam, inclusive, uma dissociação inversa, isto é, Con cordância comprometida e Tempo preservado, o que falsearia denitivamente a hipótese. Controversa também porque o nó AgrP foi banido em formulações mais recentes do modelo sintático gerativista em favor de uma representação que permite alocar as marcas de tempo e concordância em um mesmo nó. Partindo, então, desta discussão a respeito da dissociação entre Concordância e Tempo, foi elaborado um experimento, com o objetivo de vericar se tal dissociação seria vericável em afásicos do Português Brasileiro. A primeira etapa nesta direção foi a de selecionar os sujeitos que participariam da pesquisa. Para isto, estabelecemos como critério de seleção a presença de uma lesão cerebral na área de Broca ou adjacências, e também a presença de um comportamento assintático na fala espontânea. Entretanto, a importância dada a estes dois critérios não foi a mesma, e isto se deu em função dos objetivos deste trabalho. Considerando que nosso objetivo central era o de estabelecer um diálogo com a literatura, acr editamos que o critério fundamental seria o aspecto funcional. Uma posição diferente deveria ser adot ada se nosso objetivo fosse o de discutir a localização neural de componentes do sistema linguístico, pois, neste caso, seria necessário ter conhecimento do local preciso da lesão para, assim, poder delinear associações entre porções do tecido neural e funções linguísticas. Ainda que existam estudos que, com este objetivo, não sejam cuidadosos em relação ao local de lesão 5, acreditamos que este seja um aspecto fundamental para dar validade às conclusões obtidas. Como já se sabe, existe uma relação entre a existência de problemas sintáticos e lesões na área de Broca. Apesar disto, como também se sabe, a relação entre áreas e funções costuma ser instável, pois lesões em uma determinada área podem produzir sintomas diferentes em diferentes indivíduos, bem como um mesmo sintoma pode ser gerado por lesões em áreas diferentes. Assim, inferir que problemas sintáticos sejam um indício preciso de uma lesão na área de Broca e ignorar os dados de localização obtidos por técnicas de neuroimagem parece ser um procedimento inadequado a estudos que visem determinar a localização de uma função especíca. Já os estudos voltados exclusivamente para aspectos funcionais podem prescindir de informações precisas sobre localização, pois, mesmo não conhecendo o local de lesão, é possível conhecer o componente funcional  perdido (independentemente de sua local ização neural) e, a partir daí, realizar as inferências sobre o sistema linguístico normal. Assim, no caso em questão, o primordial é que o comportamento linguístico do sujeito demonstre indícios de que haja um comprometimento no domínio de interesse (como no domínio sintático, por exemplo), o que pode ser evidenciado a partir de uma avaliação preliminar. Comumente, a literatura utiliza para este m testes clínicos como o Teste de Boston (GOODGLASS & KAPLAN, 1983). Veremos adiante que existem prob lemas relacionados à seleção realizada a partir deste tipo de teste, principalmente, no que concerne aos estudos de grupo, entretanto, este parece ser um caminho útil para estudos com foco nos aspectos fun cionais. No que diz respeito aos estudos que visam, como o nosso, estabelecer uma discussão com a lit eratura, este tipo de teste é, na verdade, fundamental, pois, geralmente, estes são os testes empregados nas pesquisas em geral, de forma que a importância de sua utilização consiste em manter as mesmas condições de seleção utilizadas em outros estudos. Infelizmente, ainda que desejável, estes testes não puderam ser realizados nesta pesquisa por questões de tempo. Apesar disto, uma avaliação preliminar foi conduzida a partir da fala espontânea dos sujeitos por meio de gravações de suas sessões de terapia fonoaudiológica. Todos os quatro sujeitos selecionados demonstraram um comportamento assintático e fala não uente (telegráca) em maior ou menor grau. No que diz respeito ao aspecto siológico, todos tinham lesões potencialmente relacionadas à área de Broca. 6

4 O termo Concordância refere-se, no contex to da HPA, principalmente, ao nó AgrP, presente em formulações menos recentes da Teoria Gerativa (POLLOCK, 1989). Refere-se também, de forma indireta, às marcas morfológicas de concordância com o sujeito expressas no verbo. 5 Ver os comentários feitos em Forster (2007) a respeito do trabalho de Grodzinsky (2000). 6 Ver detalhes sobre idade, local da lesão, etiologia etc. no Apêndice.

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Escolhidos os sujeitos, o segundo passo da pesquisa foi a escolha de uma tarefa que nos permitisse vericar como os afásicos codicavam as informações de Concordância e Tempo no verbo. Nossa primeira opção foi a de adaptar uma tarefa aplicada em Friedmann e Grodzinsky (1997), tarefa que chamaremos de narrativa de eliciação . Levando em conta uma sentença introdutória, os participantes teriam que, nesta tarefa, completar uma segunda sentença com um verbo exionado corretamente. Para responder de forma apropriada, os afásicos teriam de completar a segunda sentença copiando um verbo fornecido no innitivo na primeira oração (V2), mas alterando sua exão para adequá-lo ao tempo, à pessoa e ao número requeridos pela segunda sentença. As sentenças (01) e (02), abaixo, são exemplos da tarefa elaborada. Na primeira, é apresentada uma sentença eliciando o pretérito perfeito, na segunda, o presente, os dois tempos avaliados neste teste (o verbo sublinhado (V4) indica a resposta que deveria ser fornecida pelo informante). Eu queria comprar uma caneta. Então, eu passei na loja e [ comprei ]. ( 01 )   (V1)

(V2)

(V3)

(V4)

Eu quero comprar uma caneta. Então, eu passo na loja e [compro ]. ( 02 ) (V1)

(V2)

(V3)

(V4)

Este teste foi aplicado, inicialmente, aos afásicos CS e RP, e os resultados nos levaram a não repetir a mesma tarefa com os outros informantes. Isto porque o desempenho de ambos se mostrou muito ruim durante o teste: o informante RP teve extrema diculdade em completar as sentenças e, na impossibilidade de responder verbalmente, respondia com gestos, ainda que tenha sido repetidamente advertido de que não deveria fazê-lo; a informante RC, dentre as 52 sentenças que respondeu (metade do total), acertou apenas duas vezes. 7 Estes resultados demonstraram a necessidade de uma reelabora ção do instrumento de avaliação, já que os dados coletados não revelavam nenhum aspecto relevante a respeito do sistema linguístico dos informantes. Uma nova tarefa foi elaborada, então, com a preocupação de não somente avaliar o aspec to linguístico investigado (Concordância e Tempo), mas também com uma preocupação relacionada à condição cognitiva dos informantes. Na narrativa de eliciação, o afásico deveria ser capaz de armazenar na memória o conteúdo lexical de (V2) e também os traços de pessoa, número e tempo de (V3) para fornecer a resposta correta. Assim, o afásico além de tentar compreender a sentença que estava sendo apresentada (apenas oralmente), deveria atentar para os itens relevantes a serem armazenados. Ainda que esta tarefa parecesse razoavelmente semelhante às condições naturais de produção, as capacidades envolvidas poderiam ir além do possível para os informantes. Na segunda tarefa elaborada, que será chamada de eliciação forçada, as sentenças eram apre sentadas visualmente em uma tela de computador, juntamente com três opções de resposta, como vemos na Figura 6. Isto fornecia ao afásico um suporte xo para consultar os aspectos relevantes da sentença que determinariam a exão do verbo. Além disso, as sentenças eram mais curtas, o que fazia com que os traços relevantes de Concordância e Tempo estivessem contíguos ao verbo eliciado e não há algumas palavras de distância, como na narrativa de eliciação. Uma outra vantagem desta t arefa é o fato de que os participantes foram autorizados a apontar a opção desejada, permitindo que, ao fornecer a resposta, os afásicos passassem ao largo dos problemas fonológicos e lexicais, apresentados, em maior ou menor grau, em todos eles.

7 Os erros, nesta tarefa , poderiam ser de três tipos: parciais de concordânci a (como responder comprou em (01)), parciais de tempo (como responder compro em (01)) ou absolutos (como responder compr a em (01)). Os dois acertos men cionados são acer tos absolutos. O número de acertos parciais tamb ém foi baixo, chegando a apenas 3 sentenças.

Capítulo V -Aspectos metodológicos na avaliação da Produção de afásicos de broca

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Figura 6 - Exemplo de um slide da condição de Concordância

A desvantagem da nova tarefa dizia respeito ao tipo de habilidade linguística avaliada. Ain da que este tipo de tarefa já tenha sido usado em estudos anteriores (WENZLAFF & CLAHSEN, 2004; BURCHERT, SWOBODA-MOLL & DE BLESER, 2005) com o objetivo de avaliar a produção linguística, existem autores que levantam a possibilidade de que esta tarefa avaliaria a compreensão; outros sugerem, ainda, que se trataria, na verdade, de uma tarefa de julgamento de gramaticalidade: “The reason for the forced-choice completion appearing in this judgment section is that the subject always used a judgment heuristic in these tasks: trying every alternative, judging it, and then choosing (this was obvious both from the patient’s behavior during the test and from her own report about the method she used).” (FRIEDMANN & GRODZINSKY, 1997, p. 406). “… these might not truly be production tasks. Considering the fact that participants had to select the correct verb form from two or three given candidates, these tasks might very well target com -  prehension instead of production of verb inection.”  (KOK, KOLK & DOORN, 2007, p. 275). Foi esta controvérsia que fez com que optássemos inicialmente por uma tarefa mais natural, como parecia ser a narrativa de eliciação. Entretanto, a necessidade de adaptar as condições de avaliação à capacidade dos informantes fez com que seguíssemos Wenzlaff e Clahsen (2004) e De Burchert, Swo boda-Mol e De Blesser (2005), elegendo a tarefa de eliciação forçada para avaliar os informantes. O total de estímulos oferecidos nesta tarefa foi escolhido com o intuito de poupar os partici pantes. O teste era composto de 144 sentenças, sendo 48 na condição de Tempo, 48 na de Concordância e 48 distratores. A escolha do número total de estímulos se deu em uma tentativa de equacionar um número razoavelmente capaz de fornecer análises estatísticas (assim, no menor contraste testado, o de forma pronominal, havia oito dados de cada pronome por condição) com a menor quantidade possível de sentenças. No caso dos informantes que se mostraram mais lentos ou indispostos (CS e RC), os distratores foram, ainda, retirados, para diminuir o número de estímulos. Na condição de Tempo deste teste, a resposta foi induzida a partir de enunciados como (03), que continham diferentes expressões adverbiais divididas em dois grupos: as de presente (todo dia, toda semana, todo mês, todo ano) e as de pretérito (ontem, semana passada, mês passado, ano passado) 8. Nas sentenças desta condição, o sujeito poderia ser qualquer uma das três pessoas do discurso em qualquer das suas marcações de número (singular e plural). As combinações de número e pessoa foram distribuídas igualmente ao longo das observações, sob a forma dos pronomes eu, você, ele, nós, vocês e eles. A apresentação das sentenças era feita por meio de slides, em um monitor de 15 polegadas, no qual, além da sentença, eram apresentadas três opções de resposta (gura 6): a resposta correta; uma com o verbo em uma forma nita inadequada (pretérito, quando a correta estava no presente ou viceversa) e outra com um verbo no innitivo. Estas opções foram escolhidas para que, independentemente 8 É importante notar que existem diferenças aspectuais entre as sentenças de presente e passado. Veja-se Forster (2008) para uma dis cussão a respeito desta questão. Descrições mais detalhadas de todos os experimentos relatados neste artigo podem ser encontradas também no referido trabalho.

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do Tempo a ser eliciado (presente ou pretérito), as opções fossem sempre as mesmas. A inclusão do innitivo como alternativa permitiria vericar se a preferência pelo innitivo em línguas como inglês e alemão (cf. FRIEDMANN, 2000) possui paralelo no português. A opção por uma forma nita incorreta foi disponibilizada para, em caso de erro, vericar se haveria preferência pela forma innitiva ou nita, opção esta que poderia indicar sensibilidade ao traço de nitude. Durante a aplicação, o experimentador lia as sentenças e, também, todas as opções, podendo repetir a leitura quantas vezes o afásico achasse necessário. Como resposta, o afásico deveria apontar para uma das opções e, caso conseguisse, pro nunciá-la. Todo dia eu [_____] a roupa. ( 03 ) Na condição de Concordância, foi investigado se os participantes levavam em conta as informações de número e de pessoa expressas morfologicamente no verbo. A resposta, nesta condição, era induzida a partir da alternância entre os pronomes eu, você, ele, nós 9, vocês e eles, em sentenças como a (04). Nós [_____] uma música. ( 04 ) Além da opção correta de resposta, eram apresentadas ao afásico uma forma verbal com o número incorreto e uma outra com a pessoa incorreta, mantendo o Tempo sempre constante. Estas alternativas foram escolhidas, pois permitiam investigar se uma eventual incapacidade de estabelecer a Concordância com o sujeito poderia ser atribuída especicamente ao traço de número ou pessoa. Tam bém permitiriam investigar quase todas as exões possíveis, considerando que o paradigma exional do PB possui, hoje, apenas quatro formas distintas. O procedimento foi o mesmo adotado na condição de Tempo. Participaram deste experimento todos os quatro afásicos mencionados no início desta seção. Para todos eles, foi fornecida uma etapa de treinamento, na qual o experimentador explicava a tarefa ao informante e o auxiliava a completar algumas sentenças semelhantes às sentenças experimentais. Os resultados do experimento foram como segue. Tabela 1 – Número total de acertos (e signicância) dos resultados por sujeito no experimento de eliciação forçada10 CS

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