July 22, 2019 | Author: eric.sapinho | Category: N/A
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Contra o FinanCismo – o método m ais PrátiCo e eFiCiente Para investir em ações
Contra o FinanCismo – o método m ais PrátiCo e eFiCiente Para investir em ações
1a Edição
Felipe Miranda e Rodolfo Amstalden
São Paulo, 2016
Ao Ramiro
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Miranda, Felipe Contra o financismo : o método mais prático e eficiente para investir em ações / Felipe Miranda e Rodolfo Amstalden. -- 1. ed. -- São Paulo : Empiricus, 2016.
Bibliografia. ISBN 978-85-92581-01-5
1. Ações (Finanças) 2. Bolsa de valores 3. Finanças pessoais 4. Investimentos 5. Mercado de ações 6. Mercado de capitais I. Amstalden, Rodolfo. II. Título.
16-06800
CDD-332.6
Índices para catálogo sistemático: 1. Mercado financeiro e de capitais : Economia 332.6
Capa e Ilustrações - Marcelo Torres Projeto Gráfico - Renata Torres Diagramação - Guilherme Montanari Revisão: Daniela Piccoli, Frederico Rosas e Renato Torelli
[email protected]
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Contra o FinanCismo – o método m ais PrátiCo e eFiCiente Para investir em ações
Prefácio .................................................................... 09 Introdução............................................................... 19 I. Quer investir em valor?..................................... 33 II. As armadilhas de valor .................................... 59 III. Crítica da razão pura...................................... 79 IV. Buffett vale mais ..............................................95 V. Um pouco de muito risco ............................. 107 VI. Opcionalidades .............................................. 121 Epílogo................................................................... 139
PreFáCio Por Caio Mesquita CEO da Empiricus Caro leitor,
Você tem em mãos um título contrário ao “Financismo”. Provavelmente nunca ouviu tal expressão, mas pode deduzir seu significado com o empurrãozinho semântico aqui prefaciado por mim, a pedido do Felipe e do Rodolfo. A Empiricus cunha o Financismo como um conjunto de hábitos potencialmente nocivos ao bolso do investidor. Não é coincidência que o termo soe estranho, pois ele pretende provocar a estranheza.
Os financistas promovem uma complexidade – desnecessária, é claro – da linguagem, sempre falando difícil o que poderia ter sido dito de maneira fácil. Trata-se de um artifício retórico para tentar distanciar as pessoas normais (advogados, engenheiros, médicos etc.) das pessoas financistas, atribuindo a essas últimas um monopólio do conhecimento lucrativo. Como advogado, engenheiro ou médico, você lida diariamente com temas tão complexos quanto uma conciliação de normas e jurisprudências antagônicas, o dimensionamento estrutural de uma ponte de concreto armado ou o perfil epidemiológico de pacientes com meningioma cerebral. .9 .
Por que você não conseguiria entender sobre o funcionamento de um título público que protege contra a inflação ou sobre o fluxo de caixa de uma empresa que distribui dividendos regularmente?
Se você dirige uma dúvida objetiva a um financista – por exemplo, vale a pena comprar dólares agora? – e recebe uma resposta confusa, ininteligível, esteja certo de que a culpa mora do lado financista do balcão. Eu, Felipe, Rodolfo ou qualquer analista da Empiricus jamais saberemos responder se o dólar vai subir ou vai cair. Mas nos sentimos confortáveis em analisar se vale a pena comprar dólares ou reais agora, com a máxima clareza possível. Fingem-se iguais, mas são óticas bem diferentes. Prever o futuro (vai subir ou vai cair) nada tem a ver com a nobre tarefa de pesar vários tipos de futuro (vale a pena?). Prever o futuro é uma ambição impossível. Pesar vários futuros é um exercício útil. O Financismo ambiciona prever o futuro, mas só consegue prever o passado – aquele mesmo passado que não vale nada, pois já aconteceu. Quando, em meados de 2014, nosso estrategista Felipe Miranda temia uma potencial recessão de -3% para 2015, o consenso de mercado unia-se em torno de +1% de crescimento. A realidade se provou ainda mais dura que o temor do Felipe, e atropelou completamente o consenso de mercado, marcando retração de -4%. O episódio referendou nossa tese metafórica de O Fim do Brasil e, mais importante, referendou dicas de investimento que geraram milhões de reais em valor para nossos leitores. .10.
Como conseguimos atingir esse alto grau de verossimilhança num momento em que o futuro desafiava radicalmente o passado? Lendo aquilo que o Financismo não lia, estudando aquilo que o Financismo não estudava, falando aquilo que os advogados, engenheiros e médicos poderiam compreender facilmente.
Miramos o ideal de John Maynard Keynes – o principal economista do século XX –, que preconizava: “Quando nós, economistas, conseguirmos construir nosso raciocínio como pessoas humildes e competentes, no mesmo nível dos dentistas, estaremos numa situação esplêndida”. Como se referenciar pelo ethos profissional do dentista? Trabalhando num ritmo oposto ao do consenso pasteurizado de mercado, que não cabe em planilhas de excel. Viajamos pelo país, visitamos fábricas, conversamos com concorrentes, sentimos o cheiro do mérito ou do embuste nos discursos corporativos.
Para analisar a realidade, precisamos experimentá-la de inúmeras maneiras, em um exercício multissensorial que o financista mediano já abandonou faz tempo. Precisamos mergulhar naquilo que não nos pertence. A planilha de excel, portanto, não basta, pois só preenchemos as células com aquilo que já sabemos, ou calculamos saber.
Ouço dizerem: “é impossível bater o mercado”! Gênios como Warren Buffett ou George Soros seriam meras excrescências estatísticas. Mas como o financista sabe dessa impossibilidade, se ele sequer tentou bater o mercado? O mercado – para o Financismo – é o último dos adversários. Frequentemen te, o financista nem chega a alcançá-lo, parando em outros obstáculos imediatos.
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Para na já citada metodologia rasa das planilhas, para nos interesses comerciais do banco no qual trabalha ou nas ordens frenéticas da corretagem que remunera seu trabalho. Desimpedido, poderia seguir em frente. Travado, desiste e adere ao conforto de uma remuneração por soma zero, em que o cliente perde enquanto ele ganha. Lembro-me de um gestor profissional conversando com o Felipe sobre os desafios de montar e acompanhar a Carteira Empiricus. “Felipe, como é brigar noite e dia contra o CDI? Muito estressante?” Pergunta aparentemente absurda, pois seria exatamente essa a briga designada, por vocação, ao próprio gestor – o qual retrucou: “Eu não brigo contra o CDI. Brigo contra a administradora do meu fundo, contra os cotistas, contra o 2/20, contra a ANBIMA e contra a CVM. Quando chego no CDI, lá no fim da fila, já estou exausto”. Ao se perceber uma vítima do Financismo, o profissional da Faria Lima tem duas escolhas: conformar-se ou trabalhar como um louco para comprar sua alforria o quanto antes. Via de regra, não são escolhas mutuamente excludentes, e o preço da alforria sobe a cada dia, ajustado pelo CDI. Posso afirmar pois fui eu mesmo, certa vez, a vítima dessa mesma ditadura financista. Trabalhei em bancos internacionais – aqui, na Europa, em Nova York –, onde conheci a arrogância e a incompetência que tanto nos distanciam dos nobres dentistas. Em 2009, mastigando disso tudo, tivemos uma cárie e fundamos a Empiricus.
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O que significa “Empiricus”? – de certo, não é uma alcunha comum. Nossa marca é inspirada em Sextus Empiricus, filósofo grego conhecido como o pai do Ceticismo. Cético – como bem definiu Oscar Wilde – é o homem que conhece o preço de tudo, e não conhece o valor de nada. Bem antes de Oscar Wilde ou de David Hume, Sextus já pregava a suspen são das crenças absolutas e alertava para as ameaças do raciocínio por indução, que se presta a tirar conclusões gerais a partir de observações particulares. Seu pensar era bem mais simples. Deparando-se com razões ou sentimentos de ordem X, Sextus limitava-se a afirmar, numa postura humilde em relação à realidade: “parece-me, neste momento, que isso significa X”. Portanto, sem que tal afirmação despertasse a ânsia de uma definição completa e imutável do mundo exterior. Sextus não teria problema algum em provocar sua audiência com um discurso destrutivo de O Fim do Brasil para então – tempos depois – repro vocá-la por meio de uma tese construtiva de Contragolpe. “Eu sei que o mel que eu provo tem um gosto doce” – ele dizia. “Mas sei também que esse adocicado talvez não me explique nada sobre as verdadeiras propriedades do mel”.
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Quais são as verdadeiras propriedades de um título público? A política fiscal por trás do déficit primário? O Estado de mal-estar social? Quais são as verdadeiras propriedades de uma ação? A empresa por trás da ação? Os investidores que insistem, dia a dia, em comprá-la e vendê-la? Quais são as verdadeiras propriedades de um fundo imobiliário? Metros quadrados, nível de vacância, liquidez restrita? Quais são as verdadeiras propriedades do câmbio? Termos de troca das commodities, intervenção via swaps do Banco Central, quantitative easing do Fed?
Todas as respostas, parciais, são negativas e afirmativas em diferentes proporções. Diante de tantos salgados, amargos e azedos do mel financeiro, devemos servir um banquete completo para os deuses do mercado, resistindo à tentação de pular direto para a sobremesa e pedir a conta.
Se tais e tais coisas acontecerem (ninguém sabe se acontecerão), quanto poderemos ganhar? E quanto poderemos perder? Esse é o único raciocínio legítimo para um analista que não queira se meter a prever o futuro. O Financismo, entretanto, impede que as humildes sugestões de Sextus Empiricus sejam levadas a cabo dentro das instituições financeiras. Analistas de bancos e corretoras precisam saber exatamente o que acontecerá e não podem se dar ao luxo de perder, nem mesmo por mera hipótese.
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Sem meio termo, ou eles partem de premissas utopicamente racionais ou de premissas descaradamente comerciais. Não é à toa que o Financismo produz estudos e recomendações que interessam apenas aos financistas, e a ninguém mais. No utopicamente racional, vale a briga infantil entre as melhores projeções de inflação, câmbio, Ebitda e lucro – sem qualquer apelo prático. Aquilo que Deirdre McCloskey ilustrou como “boys playing games in their sandbox”. Garotos entretidos pela construção de castelos de areia, valoran do-os como castelos de verdade. No descaradamente comercial, ganha o analista que mais gerar dinheiro para os deals do banco: empréstimos-ponte, aberturas de capital, advisory para fusões & aquisições. Quem ganha é o banco e, depois, o analista. Não ganha o dentista.
Com a Empiricus – e com este livro, em particular – brigamos pela defi nição de um novo tipo de financista. Aquele que é dentista cinco dias por semana e também sabe cuidar de seus investimentos. Aquele que entende quando ouve de finanças e se faz entender quando fala de finanças. Miramos um novo tipo de financista. Como chegaremos lá? Contando histórias. Contadores de histórias que são, Felipe e Rodolfo dedicam boa parte do livro a narrativas pessoais e coletivas que tocam em diversos campos do saber (e do não saber). Aproximam, assim, a experiência de aprender sobre investimentos à experiência cotidiana. .15.
Temos que dançar dançando, e investir investindo. Não existe fórmula mágica, robôs, algoritmos ou guias definitivos para o seu bolso. Pare de procurar por essas soluções externas e comece a experimentar você mesmo. As próximas páginas não vão prepará-lo para se tornar um investidor de sucesso, do quilate de Buffett ou Soros. Soros. Páginas escritas em ouro não pode riam prometer isso, pois Buffett ou Soros amparam-se, principalmente, em conhecimento tácito. Veja só o que Buffett disse aos sócios da Ambev quando questionado Veja sobre tomada de decisão de investimento: “Em todas as ações e empresas que investi, tomei a decisão em menos de dois minutos. Gosto de olhar no olho de quem toca o negócio e ver se ele é fanático, fan ático, se se preocupa com seus clientes e se sente mal quando algum (cliente) é mal atendido’’.
Você não é Warren Você Warren Buffett, mas já está preparado preparado desde antes deste prefá cio. Preparado não para um sucesso de capa de revista, mas sim para o sucessuce sso que nos interessa: cumprir necessidades e satisfazer vontades financeiras, suas e de sua família, ao longo de todo o seu ciclo de vida. Indo contra o Financismo, Felipe e Rodolfo falam de um método prático e eficiente para investir em ações. O que esperar ao final da leitura? Sem spoilers, você vai aprender sobre Kafka, Tales de Mileto, Gilmar Fubá e o tutu de feijão feijã o da Solange. Vai Vai entender também tamb ém como pensam Nassim Nas sim Taleb, Taleb, Harry Markowitz, Benjamin Graham e Daniel Kahneman. É como querer financiar o que há de bom.
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introdução
“Querido Pai, Tu me perguntaste recentemente por que afirmo ter medo de ti. Eu não soube, como de costume, o que te responder, em parte justa- mente pelo medo que tenho de ti, em parte porque existem tantos detalhes na justificativa desse medo, que eu não poderia reuni-los no ato de falar de modo mais ou menos coerente. E se procuro re- sponder-te aqui por escrito, não deixará de ser de modo incompleto, porque também no ato de escrever o medo e suas consequências me atrapalham diante de ti e porque a grandeza do tema ultrapassa de longe minha memória e meu entendimento”. .19.
Apesar de começar assim, este livro pouco tem de kafkiano. Ele não traz nenhuma ideia repressiva ou surreal. Tampouco simboliza um acerto de contas com a figura paterna. Há outros motivos envolvidos desde o início. Essas linhas primeiras, extraídas da Carta ao Pai de Kafka, são uma homenagem amorosa aos nossos pais, mestres e a todos aqueles que, de alguma forma, exerceram ascendência intelectual sobre os autores. Obrigado, nós amamos vocês. Para além dessa gratidão pessoal, o trecho foi escolhido visando rebater o fato estilizado – antigo e autoritário – de que só o especialista em Admi nistração ou Ciências Econômicas pode fazer bons investimentos. Aceitar esse clichê é compactuar com uma limitação intelectual cujos danos à saúde (financeira) são irreversíveis. Ao longo dos próximos capítulos, você perceberá que os autores têm uma ideia fixa na cabeça: seguindo lições simples, o leigo pode se sair inclusive melhor do que o profissional financeiro. Usando sua própria inteligência, o advogado, engenheiro ou médico está habilitado a bater as recomendações do gerente de banco, inclusive por larga margem. Como bem nos ensinou o investidor Guimarães Rosa, o que esta vida quer da gente é coragem. Enfrentaremos corajosamente o estereótipo do financista sabe-tudo, amparados na certeza de que uma mudança tangível na forma de tratar seus investimentos poderá alçá-lo a uma nova compreensão do que é rentabilidade. Estamos propondo algo essencial: livrar-se da necessidade de estar 100% certo nas teses de investimento. Em vez dessa massagem ao ego, .20.
privilegiamos o foco total em ganhar dinheiro – seja nos campos filosó fico, teórico ou prático. Não somos mais crianças a ponto de saber tudo. Abandonamos lá atrás a obsessão por se estar sempre corretos, vencendo a discussão. Agora temos um objetivo adulto: fazer nossos leitores mais ricos.
Se você é daqueles que se preocupam com os melhores racionais e os mais sofisticados métodos de investimento, então precisará entrar na fila do diploma de PhD. Antes que perca tempo e dinheiro com cursos platônicos, precisamos lhe dizer que não vai adiantar. Praticamente todos os modelos financeiros são simplificações grosseiras da realidade. E a realidade das ações é também a realidade das empresas – que, por sua vez, carregam uma complexidade muito grande para caber em planilhas de Excel. Fenômenos sociais não podem ser reduzidos a cartilhas econômicas. Ao tentar fazê-lo, não estamos apenas simplificando a realidade, mas distorcendo o mundo, naquilo que a linguagem técnica batizou de “não-ergodicidade”. Distorções de interpretação nos investimentos têm um corolário imediato: prejuízo.
Já se você tem uma outra motivação – em vez de estar certo, quer sim plesmente ganhar dinheiro – então pode abrir mão de ser um PhD. Você reconhece a impossibilidade de entender a realidade e tentar adivinhar o futuro. O ininteligível não significa o “não inteligente”. Em vez de procurar entender o mundo e fazê-lo caber em poucas linhas de uma planilha, passe a aproveitar o quanto não conhece. Em vez de brigar contra sua ignorância, beneficie-se dela. Do limão à caipirinha. Como viver num mundo que não entendemos? Essa é a tarefa, afinal. .21.
Gostaríamos de saber das coisas, mas não é assim que funciona. Lembra o Caetano em Cajuína ? “Existirmos, a que será que se destina?” Não sabe mos, nem vamos saber. Ora, então por que tentamos entender cada nota de rodapé da realidade financeira, em vez de focarmos em beneficiar-nos da nossa ignorância e da incerteza que nos cerca? Trazendo para a linguagem canônica de finanças, estamos propondo um instrumental mais moderno frente ao típico investimento em valor (value investing). Uma filosofia que permita ganhos formidáveis (e intuitivos) ao investidor leigo no longo prazo. Que fique clara a mensagem: qualquer um pode se tornar milionário in vestindo em ações. Não requer conhecimento elaborado em Finanças. Exige apenas assumir que você vai errar várias vezes. Estar equivocado faz parte do processo. Basta que perca pouco quando erra e ganhe muito ao acertar. Fazendo isso, um único acerto empurrará o agregado de sua carteira para o positivo. O resumo é esse.
Se você reparar na Carta ao Pai , Kafka assume que a grandeza do tema ultrapassa seu entendimento. Se o sujeito é incapaz de entender a relação com o próprio Pai, com quem esteve, até aquele momento, por 36 anos, como poderá compreender uma empresa ou uma ação? Não estamos aqui para entender. Estamos aqui para triunfar.
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Jogo de inFluênCias A organização (ou a falta dela) deste livro é curiosa. Reúne relatos pessoais, casos reais, um pouco de filosofia e, mais importante, o objetivo de mostrar a capacidade de o leigo superar o profissional – falamos aqui espe cificamente do caso financeiro, mas estamos um tanto convencidos à esta altura de que serviria para quase todas as disciplinas das Ciências Sociais.
Se você tem alma engenheira, não se preocupe, pois este é também um trabalho de algumas tecnicidades. Sob o ponto de vista técnico, estamos nos inspirando no conceito de “antifragilidade” tal como definido por Nassim Taleb. Trata-se, obviamente, de interpretação própria dos autores, de modo que nossas culpas serão sempre nossas, e de mais ninguém. Essa veia técnica absorve o conceito de Taleb e o relaciona diretamente ao investimento em ações e em demais ativos financeiros. Grosso modo, estamos afirmando que estratégias desenhadas sob uma abordagem antifrágil são – ao menos do ponto de vista filosófico – superiores àquelas do tradicio nal investimento em valor ou a qualquer outro método manjado. Mas o leitor distante do mundo de Finanças não precisa se preocupar com isso neste momento. Tudo será explicado em cenas dos próximos capítulos. Antes que sejamos bombardeados por milhares de e-mails das viúvas de Warren Buffett e Benjamin Graham, cumpre esclarecer: não há absolutamen te nada contra o value investing original. Ao contrário, achamos que essa abordagem funciona também. E já se provou historicamente adequada para carteiras de ações voltadas ao longo prazo.
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Somos, sim, e continuaremos sendo admiradores desses monstros sa grados. Estamos defendendo apenas uma superioridade epistemológica na antifragilidade frente aos ensinamentos da Escola de Valor. Não precisamos ter medo dos nossos pais e mestres. Se quiserem, ainda assim, mandar e-mails em defesa de Buffett (como se ele precisasse), responderemos com prazer.
uma raiz FilosóFiCa “É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo”. (Clarice Lispector)
Um bebê precisa ser capaz de catalogar os nutrientes do leite materno antes da amamentação? Ciclistas do Tour de France estudam noções cinéticas essenciais à Engenharia Mecânica? Veja bem, não é por que você não entende uma coisa que ela não existe. Há o conhecimento passível de narrativa/formalização e há o mais opaco. Com todo o perdão da palavra, eu, imitando a Clarice Lispector, sou um mistério para mim.
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Na Escola, misturávamos história antiga e mitologia grega, temperando a salada com dúvidas – algumas filosóficas – sobre o que era filosofia. Não sabia se o tal Aristóteles era Deus, semideus, herói ou humano. Recentemente fiquei feliz em saber que o sujeito pertencia à ultima categoria. Ele também cometia seus erros. Se fosse herói, teria – como os outros – morrido de overdose. Então deixe-me contar uma história rápida, causo real. Tales de Mileto, matemático e filósofo pré-socrático, embora dotado de competências mercantis razoáveis, vivia uma vida sem luxo. Por isso, enfrentava com frequência críticas inspiradas no dito popular da época: “aqueles que podem, fazem; os outros filosofam”. De tanto ouvir, Tales se cansou da turma do amendoim. Numa tentativa de demonstrar que sua opção pela filosofia derivava de interesse genuíno (e não da falta de alternativas), alugou todas as prensas de olivas de Mileto e adjacências num momento supostamente adverso para a colheita. Para tanto, fez um pagamento antecipado muito barato (já que tudo indicava colheita ruim), garantindo o aluguel futuro das prensas. As condições climáticas mostraram-se profícuas e renderam uma colheita altamente produtiva, fomentando a demanda por prensas e trazendo grandes lucros para Tales. Aristóteles interpretou essa história como uma demonstração da capacidade de Tales de antecipar condições climáticas favoráveis à colheita, graças a seus conhecimentos de astrologia. Nessa leitura aristotélica, a razão do filósofo teria sido a força por trás de seu enriquecimento. Não concordamos.
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Na verdade, a coisa funciona justamente na direção contrária: os lucros vieram do aproveitamento da ignorânc ignorância, ia, e não do conheci conhecimento. mento. Tales estava na posição de se beneficiar fortemente de um resultado positivo, tendo, em contrapartida, sua perda limitada pelo pagamento antecipado e barato. Paga-se um preço pequeno para expor-se a uma chance de grandes lucros. Perde-se pouco em caso de resultado negativo e ganha-se muito em caso de acerto. Essa é a ideia central da antifragilidade.
Há uma separação importante entre os talesianos e os aristotélicos. Os primeiros se preocupam com os efeitos práticos da exposição, com os payoffs e as consequências práticas de cada ação, enquanto os últimos focam o conhecimento per se, a preocupação vaidosa com estar certo ou errado. Dada a impossibilidade de se prever o futuro e adivinhar qual cenário vingará à frente, o foco nos n os impactos impac tos (e não o evento em si) é a coisa co isa mais mai s importante para investimentos bem feitos.
a hora de deFinir “Eu errei mais de nove mil arremessos em minha carreira. Perdi quase 300 jogos. Por 26 vezes, me confiaram a bola do jogo e eu errei. Eu falhei, e falhei e falhei de novo em minha vida. E é por isso que eu prosperei”.
Quem disse isso foi um jogador de basquete, numa famosa propaganda da Nike. Sim, Michael Jordan entendeu o ponto. O esporte, o empreendedo rismo e o investimento são todos processos de tentativa e erro. .26.
O erro faz parte das situações que envolvem incerteza. Não dá para tentar domesticar o desconhecido, tratando a realidade com a mesma complexidade de videogame ou jogos de cassino, em que os cenários potenciais e as probabilidades de ocorrência são conhecidas a priori. Interessante como empresários entendem facilmente a questão, mas acadêmicos & afins passam batido. Vejam como pensa o pessoal da 3G – Lemann, Telles e Sicupira: “Claro que é da natureza humana querer que a incerteza vá embora. Mas esse desejo pode levá-lo a agir rápido, às vezes rápido demais. De onde eu venho, você percebe rapidamente que a incerteza jamais desaparecerá, não importa quais ações ou decisões tomemos”.
Preâmbulos feitos, por que o nome estranho de antifragilidade? Sem pre Preâmbulos cisar recorrer recorrer ao dicionário – ok, você pode conferir se quiser, sem problema –, o que é frágil? Basicamente, algo que se quebra facilmente mediante um choque. E qual o contrário de frágil? Com frequência, apontam-se supostos antônimos como forte, vigoroso, robusto. Ora, o contrário de negativo não é neutro, mas sim positivo. De maneira análoga, o antônimo de frágil não pode ser simplesmente algo que resiste bravamente a um choque. O oposto de frágil deve se beneficiar de um choque. Na ausência de outro termo pré-existente, ficamos com antifrágil: aquilo que se beneficia do impacto, da turbulência, da incerteza, da volatilidade, volatili dade, da ignorânc ignorância, ia, do desconhe desconhecido. cido. Esmiuçando a coisa, definições um pouco mais formais para o propósito deste livro seguem abaixo: - Frágil: toda coisa ou situação em que as perdas aumentam mais do que .27.
proporcionalmente conforme a intensidade do choque negativo; os ganhos, por sua vez, aparecem em intensidade inferior àquela do choque positivo. - Robusto: toda situação ou coisa com resposta linear à intensidade do choque. - Antifrágil: toda coisa ou situação em que os ganhos aumentam mais do que proporcionalmente conforme a intensidade do choque positivo; as perdas, por sua vez, ficam maiores em intensidade inferior àquela do choque negativo. Uma xícara é frágil ao impacto. Vários choques muito pequenos não vão fazê-la quebrar. Um único golpe um pouco mais forte e ela está desfeita. O corpo humano é frágil à altura. Dez quedas de 50 centímetros causam pouca (ou nenhuma) lesão. Uma única queda de cinco metros pode ser fatal. Tacar 1.000 pedras de 100 gramas num sujeito pode ser desprezível. Basta uma pedra de 100 kg para empurrar o cidadão para o andar de cima. Em cada uma dessas situações, o resultado negativo (prejuízo ou perda) aumenta em velocidade superior àquela da intensidade do choque. Em contrapartida, a compra de um seguro para sua casa pode ser antifrágil. Quanto mais extremo for um evento – exemplo: incêndio em toda a residência –, mais terá valido a pena fazer o seguro. Pequenos choques não mexem muito com você, mas algo impactante o deixará satisfeito por ter feito o seguro (importante frisar que falamos da contratação do seguro e não da perda da casa em si). Os ganhos de felicidade em ter concordado com o corretor serão maiores conforme a intensidade do choque – se é que é possível alguma felicidade decorrente de conversas com corretores de seguro.
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Quando se está diante de algo frágil, um evento adverso vai lhe trazer grandes perdas. E quanto mais adverso, ainda maiores as perdas. Já um evento positivo traz poucos ganhos, que crescem em ritmo lento à medida que o resultado favorável se intensifica. Em contrapartida, na antifragilidade, um evento adverso lhe traz poucas perdas. E se o evento vai se tornando ainda mais adverso, o tamanho das perdas vai aumentando lentamente, ou nem sequer aumenta. Enquanto isso, um evento positivo traz grandes ganhos, que sobem rapidamente com a intensidade do cenário favorável. Resume-se a coisa assim: o frágil não gosta de volatilidade e eventos extremos. Além disso, em situações de fragilidade, você perde muito se estiver errado e ganha pouco se estiver certo. Analogamente, o antifrágil adora volatilidade e eventos extremos. Sob antifragilidade, você perde pouco se estiver errado e ganha muito quando acerta. Quando você faz o seguro da casa, você não acha que sua casa vai necessariamente pegar fogo. Mas, se estiver errado, perderá apenas o valor do prêmio. Certamente, um prejuízo pequeno frente à possibilidade de arcar com todo o patrimônio imobiliário.
v amos Por Partes O livro é estruturado no seguinte sentido: da apresentação dos pilares ortodoxos do investimento em valor para a defesa da superioridade filosófica da antifragilidade. .29.
O primeiro capítulo introduz o value investing tradicional. Colocamos aí os principais conceitos do Investimento Investiment o em Valor Valor a partir dos ensinamentos clássicos de Benjamin Graham e Warren Buffett. Tratamos também da evolução da Escola de Valor, passando da maior importância ao passado, conforme as determinações iniciais de Graham, para posterior possibilidade de incorporarem-se fluxos futuros na determinação do valor de uma empresa, tratando da influência de Philip Fisher sobre Warren Buffett. A seção é fechada com a exposição de um Modelo de Fluxo de Caixa Descontado, e de como o método remete ao mito da Cama de Procustos. A segunda parte aborda as armadilhas canônicas, ca nônicas, que ensejam en sejam uma discussão mais ampla sobre o que é valor. Existiria mesmo uma aparente verdade aristotélica capaz de cravar crav ar com precisão qual o valor de uma empresa? Recado antecipado: não há somente armadilhas de valor; o próprio valor é uma armadilha. A rigor, os riscos escondidos e os eventos imprevisíveis são aqueles que acabam determinando a evolução de um ativo financeiro. Isso remete ao problema clássico da indução de David Hume e aos tais cisnes negros de Nassim Taleb. O terceiro capítulo faz um apanhado sobre a inadequação da hipótese de que podemos conhecer os fluxos de caixa futuros e, portanto, o valor de uma empresa. O investidor é um ser humano – e não um sujeito capaz de fazer cálculos e processar informações perfeitamente. O homem é uma coisa e aquilo que a Teoria Teoria Econômica Econômi ca chama de Homo Economicus Economicu s é outra, bem diferente. A quarta parte funciona como uma espécie de ressalva. Expõe como Buffett é, na verdade, muito mais complexo do que os livros sobre ele supõem. Letras não são capazes de dar a devida precisão à abordagem .30.
buffettiana do ponto de vista prático. Muito do processo de investimento se apoia em conhecimento tácito, há um grande reducionismo nas narrati vas e boa parte dos casos de sucesso de Warren Warren Buffett esteve, a rigor, mais associada ao growth investing (investimento em crescimento futuro, e não em valor). E se Buffett responde pelo tradicionalismo em ações, Markowitz faz o mesmo para a montagem de portfólio. O capítulo subsequente versa exatamente sobre o platonismo de uma tal fronteira eficiente, que inclusive ganhou prêmio Nobel de Economia. As premissas são completamente impertinentes e o objetivo aqui é mostrar como um portfólio composto por 90/95% de um ativo sem nenhum risco, combinado a uma pequena parcela (10/5%) de algo muito arriscado – com a óbvia contrapartida de bom re torno potencial –, é superior a uma carteira feita por vários ativos de risco médio. De novo, o problema dos riscos escondidos. O sexto bloco representa o ponto máximo da argumentação. Definimos em detalhes a abordagem filosófica e teórica da antifragilidade, para então mostrarmos como a coisa funciona na prática. Daremos exemplos reais de investimentos embasados na antifragilidade, porque isso aqui não é cultura de enciclopédia. Por fim, o capítulo sétimo faz a conclusão dos argumentos anteriores, e sebo nas canelas. Só há uma forma de se aprender a cozinhar: cozinhando. Já diria Jorge Ben: tem que dançar dançando. Grosso Grosso modo, é assim também com investimentos. Faça você mesmo.
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i. Q uer investir em valor? Este não é um livro sobre value investing. Ao menos nestas páginas, não estamos bitolados em investimento em valor, escola de valor ou qualquer outro nome a gosto do freguês que envolva “valor”. Há centenas de livros na área. Alguns são bem legais, desconfia-se de muitos. Por ora, queremos apenas apresentar o value investing da forma como bem (ou mal) entendemos. É histórica a incapacidade de estabelecer uma visão definitiva sobre investimento em valor. Portanto, isso aqui é só como nós vemos a coisa em nosso dia a dia de analistas. Na verdade, o investimento em valor é simples de entender – de implementar, nem tanto.
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Num esforço didático, acho que dá pra resumir a filosofia em dois pilares centrais: (i) Uma ação é a menor representação do capital próprio de uma empresa. (ii) Podemos estimar com alguma precisão o valor de uma companhia. A essa cifra dá-se o nome de valor intrínseco – por ser indissociável, inapartável e íntimo à firma.
Ora, se uma ação é – em última instância – uma empresa, e eu posso calcular o valor dessa empresa, então tenho uma sequência lógica: o preço da ação deve convergir para o valor intrínseco. Basta o sujeito calcular o valor intrínseco e olhar para o preço da ação, de modo a capturar distorções entre ambos. Se o preço da ação for inferior ao valor intrínseco, você compra. Caso contrário, você vende. Pau, pedra e fim do caminho. Bebendo da fonte ipsis litteris, Warren Buffett caracteriza seu método como a forma de se comprar algo que vale um dólar (valor) por cinquenta cents (preço). E citando outra frase clássica do oráculo de Omaha: se um negócio vai bem, no fim das contas a ação acaba refletindo isso, numa referência explícita à convergência. Aparentemente, tudo se resume em saber o diabo do valor intrínseco, dado que o preço da ação é informação pública. Aqui já vale a pena atentar para certas nuances da metodologia… A afirmação de que a ação é a menor fração do capital próprio da empresa decorre de uma constatação contábil e jurídica – ignorando razões .34.
práticas de que quem forma o preço da ação é o mercado e, por conseguinte, investidores. Todas as vicissitudes da interação social dos agentes de mercado são simplesmente ignoradas. Já a ideia de que existe um valor intrínseco passível de estimativa não provém da dedução lógica. Ao contrário, é premissa do modelo, proveniente da suposta observação empírica de Benjamin Graham (precursor do value investing) lá por meados do século XX – sim, bem antes da internet e da atual pluralidade de informações. Assume-se que é assim e ponto final. O próprio Graham chegou a ser questionado sobre a justificativa por trás da convergência entre preço das ações e seu valor intrínseco, ao que respondeu da seguinte forma: “Não sei explicar o porquê. Simplesmente é assim. Tenho observado esse comportamento por vários anos”. Explicação clara e indubitável: a convergência é uma hipótese assumida ad hoc . Basta sentar no sofá de uma sala (eterna?) de espera e aguardar chamarem sua senha para o paraíso de precificação.
De volta ao purgatório, tudo se resume ao cálculo do valor intrínseco – essa espécie de verdade aristotélica de quanto vale precisamente uma empresa, a reger o cosmo financeiro. Como definir esse tinhoso? Originalmente, conforme os ensinamentos de Ben Graham, o valor intrínseco seria definido a partir dos bens e direitos já detidos pela companhia. Diferente do Raul Seixas, Graham não era astrólogo, nem conhecia a histó ria do início ao fim. Apoiava-se no presente e no passado para determinar o valor de uma firma. Toda a informação era extraída de demonstrações de resultados e balanços já divulgados.
.35.
No meio do século XX, adivinhar o futuro significava introduzir elementos da ficção na análise de ativos financeiros. Certa vez, Graham chegou a dizer: “a combinação de fórmulas precisas e suposições imprecisas pode ser usada para estabelecer ou justificar qualquer valor desejado, por mais alto que seja”. Versão mais elegante para a seguinte afirmação rápida e rasteira: “as planilhas de projeção aceitam qualquer coisa”. Uma das formas preferidas de Graham para estimar o valor intrínseco apoiava-se essencialmente no patrimônio líquido da empresa. Racional bastante simples: ora, se uma ação é cotada a preço inferior ao dos ativos menos suas obrigações financeiras, então seu valor real está acima daquilo, configurando-se num ponto de entrada. Anomalias ainda mais gritantes seriam descontos no valor da ação frente à soma do ativo circulante, ou até mesmo na comparação com o montante detido no caixa. Além de observações a respeito do patrimônio líquido ou de seus ativos mais líquidos, distorções em relação ao NAV (net asset value; valor do ativo líquido) ou a seu valor de liquidação merecem atenção. Grosso modo, o primeiro representa o valor de todos os ativos da companhia, apreçados corretamente a partir de cotações de mercado, subtraídos de suas obrigações financeiras. Já o valor de liquidação oferece a ideia do quanto a companhia poderia levantar caso fosse vendida integral e imediatamente. Warren Buffett gosta de lembrar que sempre haverá a opção de liquidar um negócio e ir embora caso as coisas não caminhem bem – por isso, observa com relativa frequência descontos frente ao valor de liquidação. Para encerrar a exposição inicial, cito a descrição do próprio Graham para sua maneira original de investir em ações. Sou uma espécie de Eça de Queiroz e acho uma lamentável sabujice essa história de falar bem uma .36.
outra língua. Ainda assim, mesmo dispondo de péssimo inglês, arrisco uma tradução livre da definição: “Meu primeiro instrumental, mais limitado, contempla compra de ações a preços inferiores ao valor de seu ativo circulante, sem dar nenhum peso à planta e a outros ativos fixos, e subtraindo todas as obrigações financeiras da firma. Nós usamos extensivamente essa téc- nica na gestão de fundos de investimento e, por um período difícil de 30 anos, devemos ter ganhado aproximadamente 20% ao ano. Por um momento, entretanto, depois da metade dos anos 50, esse tipo de oportunidade ficou bastante raro por conta do persistente otimismo generalizado. Depois, as oportunidades voltaram em maior frequên- cia com a queda de 1973/74. Em janeiro de 1976, nós contamos 300 situações como essa no stock guide da S&P, cerca de 10% do total”.
Há também um outro método de Graham, similar ao primeiro em sua filosofia: “Comprar grupos de ações a preços inferiores a seu valor intrínseco, indicado a partir de um ou mais critérios simples. O critério que eu prefiro é a relação de sete vezes os lucros reportados nos últimos 12 meses. Você pode usar outros – como o retorno corrente de divi - dendos acima de sete por cento ao ano ou valor de livro superior ao preço da ação em 120%, etc. Nós estamos terminando um estudo de performance dessas abordagens ao longo da última metade de século (1925-1975). Elas geram consistentemente retorno de 15% ou mais por ano, equivalente a duas vezes o desempenho do índice Dow Jones em igual intervalo. Tenho muita confiança no seguinte tripé .37.
desse método: lógica sólida, simplicidade da aplicação e um exce- lente histórico. No final, é uma técnica que permite ao verdadeiro investidor explorar o excesso de otimismo ou de apreensão inerentes à especulação alheia”.
PesCador do Futuro Sou do tempo das locadoras de fitas VHS. Religiosamente aos sábados, meu pai ia à Pop Arte, na Av. Heitor Penteado, bairro do Sumarezinho, São Paulo. Hoje virou papelaria, daquelas meio bregas – toldo cor-de-rosa e pla quinha emoldurada na entrada com madeira de lei: “Temos Wi-Fi”. Eu tinha dois heróis e sempre insistia que meu velho voltasse da Heitor carregando ao menos um deles embaixo do braço. Enquanto empurrava os óculos com o indicador direito contra o meio das sobrancelhas para mitigar a miopia, ele acelerava o passo pela calçada, prensando a sacola bege nas costelas com a parte interna do braço. Dentro, havia de conter Rocky: O Lutador e/ou De Volta para o Futuro. Sem isso, meu final de semana estava acabado. Decorei até mesmo as frases do Paulie e nunca me esquecerei da engraçada previsão de Dr. Emmett Brown de que Ronald Reagan seria presidente dos EUA. Rocky Balboa era um semideus, símbolo da superioridade da intuição, da sabedoria de rua e do improviso sobre o tecnicismo. Como um bom herói, poderia ter também morrido de overdose (de esteroides), mas está aí até hoje. Marty McFly, por sua vez, representava o novíssimo, o skate voador e o colete vermelho fofinho, igualzinho ao do meu sócio Caio Mesquita. .38.
Desde então, sou um apaixonado pelo futuro, mas confesso: já desisti de entendê-lo. Virei uma espécie (menos santa) de Madre Teresa. “O ontem já foi. O amanhã ainda não chegou. Nós só temos o hoje. Vamos começar”.
Philip Fisher pensava diferente. O professor da Stanford Graduate School of Business e fundador da gestora de recursos Fisher & Co. é tido como o precursor do growth investing, em linhas gerais a capacidade de o crescimento futuro agregar valor. A ideia central de Fisher é de que determinados negócios oferecem boa dose de certeza sobre sua capacidade de expansão – assim, na avaliação de uma companhia, negligenciar o componente de crescimento poderia levar à precipitada conclusão de que uma ação está cara quando, na verdade, se mostra barata se contemplar o rendimento futuro. Em manuais superficiais de finanças, o growth investing é apresentado como diametralmente oposto à abordagem value. Eu, que posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, não gosto de colocar as coisas dentro de gavetas sem fundo falso. Discordo, portanto, de qualquer antagonismo – Fisher é complementar a Graham. A asser tiva é corroborada por autoavaliação de Warren Buffett, o maior ex poente do value investing, resumindo a si mesmo como 85% Graham, 15% Fisher. Filosoficamente, Fisher não trouxe grandes novidades à ideia de valor intrínseco e convergência de preços. Apenas reconheceu uma firma como uma entidade viva, com bens e direitos variando mediante a passagem do tempo. Por conseguinte, o valor intrínseco pode ir crescendo com a empresa. Saímos de uma abordagem mecanicista, que trata o valor da firma .39.
como um parâmetro, para uma perspectiva menos newtoniana, em que o valor intrínseco se torna uma variável. Obcecado por vantagens competitivas de longo prazo, Fisher apresentou em sua obra mais emblemática – Common Stocks and Uncommon Profits – uma espécie de guia qualitativo para a identificação de empresas bem geridas e com oportunidades de sólido crescimento à frente, batizado de Fifteen Points to Look for in a Common Stock . A apresentação dessas quinze coisas para procurar em uma ação resume o essencial sobre growth investing. Não é à toa que perdemos tempo com isso. O reconhecimento de um futuro gerador de valor é a centelha para uma série de problemas epistemológicos na análise de ações (chegaremos lá). Por ora, seguimos o guia de Fisher:
1- A companhia dispõe de produtos/serviços com potencial de mer cado suficiente para crescer suas vendas com vigor por vários anos? Uma empresa que mira um período consistente de crescimento expressivo precisa estar diante de mercados grandes e em expansão. 2- Existe obstinação dos administradores da empresa por novos produtos/processos capazes de dar um novo salto às vendas quando os serviços anteriores já esgotaram suas possibilidades? Todos os mercados encontram a maturidade e, para manter crescimento acima da média por um período de décadas, uma empresa necessita desen volver novos produtos para expandir o mercado atual ou encontrar um novo.
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3- Quão efetiva é a área de pesquisa e desenvolvimento da companhia frente a seu tamanho? Para desenvolver um novo produto, o esforço em P&D precisa ser eficiente. 4- O tamanho da equipe de vendas é superior à média de mercado? Poucos produtos e serviços são tão atrativos a ponto de maximizarem seu potencial sem o devido aparelhamento da área comercial e de marketing.
5- A margem líquida compensa? Uma empresa pode crescer uma enor midade, mas a expansão deverá ser acompanhada de lucros capazes de remunerar seus investidores. 6- O que tem sido feito em favor da margem de lucro? Não importa a margem líquida do passado, mas sim a do futuro. A inflação exercerá pressão sobre as margens e a concorrência vai tentar empurrar os preços de mercado para baixo, de modo que precisamos monitorar a atividade em prol da redução de custos. 7- A companhia oferece um bom clima para trabalho em grupos? Uma empresa é feita de pessoas e pessoas mais felizes produzem mais. É capcioso medir isso, mas você pode procurar por boas políticas de remuneração e analisar a forma como o top management trata os demais empregados. 8- A empresa se pauta em incentivos meritocráticos? Procure por mérito nas promoções e salários que reconheçam diferenciais de produtividade. Evite ambientes de nepotismo ou politicagem.
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9- Existe uma cultura enraizada – com a devida profundidade no management – capaz de transcender uma única gestão? Estamos atrás de crescimento por décadas, sendo nevrálgica uma amostra grande de talento do management por gerações. Alerta adicional sobre management relutante em delegar funções. 10- A análise de custos e a contabilidade são suficientemente boas? (alguém aí pensou nas incorporadoras brasileiras?). Não dá pra crescer de forma sustentada sem saber exatamente como se comportam os custos de cada etapa das operações.
11- Há algum atalho, uma dica ou qualquer coisa que possa fazer o in vestidor perceber as vantagens competitivas daquela empresa frente aos competidores? É importante ao investidor entender de onde vêm os fatores de sucesso daquela firma e como ela lida com a concorrência. 12- Qual é o horizonte temporal das perspectivas de lucros? Curto ou longo? Fisher sempre manteve horizontes dilatados em seus investimentos. Exigia isso das empresas também. A obsessão por atender estimativas de lucros trimestrais por vezes representa a perda de grandes oportunidades de longo prazo. 13- O crescimento futuro exigirá levantar dinheiro via emissão de ações e, portanto, diluirá os acionistas antigos? A empresa precisa conseguir se financiar com fluxo de caixa próprio ou a partir da tomada de dívida, sem pedir dinheiro novo aos acionistas. 14- A Diretoria conversa com a comunidade financeira de forma ampla e transparente na bonança, mas não quer papo quando das vacas .42.
magras? Todo negócio vai ter seus percalços. Escolha firmas dispostas a mostrar todo o aspecto do negócio, suas partes boas e ruins – você precisa conhecer o inimigo e, portanto, é importante conversar também sobre os pontos fracos.
15- Por fim, a integridade dos administradores é inquestionável? Para Fisher, o investidor jamais deveria colocar seu dinheiro na ação de uma empresa cujos donos não se relacionam com o mercado de forma 100% confiável. Pronto: você já tem 15% do cérebro de Warren Buffett. É bom, mas pre feriria 15% do patrimônio, né?
BiCho de sete CaBeças Não dá pé, não tem pé nem cabeça, não tem ninguém que mereça, é o bicho de sete cabeças. Reconhecida a capacidade de o futuro agregar valor, chegamos ao palavrão maior, o modelo de Fluxo de Caixa Descontado (Discounted Cash Flow, ou simplesmente DCF). O nome é longo, mas esse bicho não me assusta, nem vai assustá-lo. Quanto você pagaria por um bilhete da seguinte loteria: ela te premia com R$ 100 no cenário A e com R$ 0 no cenário B. As chances de acontecer cada um dos eventos é a mesma, 50%.
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A (R$ 100, 50%) (50%*100) + (50%*0) = R$ 50 B (R$ 0, 50%)
Se você não é um sujeito avesso a riscos, está disposto a pagar R$ 50 para participar desse jogo. É o valor esperado da loteria, nada mais natural. O valor de um jogo – análogo ao valor de uma empresa – se dá justamente pelas suas entradas líquidas de caixa ponderadas pelo futuro. Pois bem, o valor de uma firma vem de seus fluxos de caixa projetados. Evidentemente, uma mesma cifra não representa a mesma coisa hoje e amanhã. Há um custo do dinheiro intimamente associado ao tempo, e esse custo é dado pela taxa de juros. Logo, precisamos descontar os fluxos de caixa futuros da empresa por uma determinada taxa de juro. O modelo de Fluxo de Caixa Descontado foi originalmente formalizado na tese de doutorado de John Burr Williams, posteriormente sacramentada no livro clássico The Theory of Investment Value . A ideia é intuitiva e está alinhada aos princípios filosóficos do value in vesting. John explica que o valor de uma empresa é definido pela soma dos fluxos de caixa esperados de hoje até o infinito, trazidos ao tempo presente pela taxa de juros apropriada. E se a ação é o pedaço de uma empresa, o valor da ação decorre facilmente do cálculo anterior. Depois de ler as próximas linhas, talvez você pense que tenho algo pessoal contra o DCF. Eu juro: ele nunca me tratou mal, nem quis sair com minha mulher ou me negou uma carona. Minha relação com o Fluxo de .44.
Caixa Descontado parte de uma história curiosa, mas as críticas são essencialmente técnicas, ok? Começo pela experiência pessoal. Apesar da calvície, não sou tão velho assim. Mas em Finanças me considero um dinossauro.
Por influência do meu pai, que acabara de deixar o Banco Safra depois de 20 anos e fora trabalhar em casa como trader/analista de ações, comecei cedo na renda variável. Pé trocado! Comprei minha primeira ação aos 14 anos. Era o auge da Nasdaq e eu, metido a descolado, fui logo enchendo o carrinho (à época bem pequeno, por razões óbvias) das famosas Globonabo. Gostaria de esquecer da PLIM4. Em contrapartida, se pudesse, tatuaria as queridas CMET4, que me renderiam alguns quinhões. Fique tranquilo, não há trauma nenhum nisso. O resto da adolescência foi todo normal – com exceção de uma dedicação imbecil aos estudos. Natu ral também acabou sendo a escolha pela Faculdade de Ciências Econômicas; nem sei se foi muito bem “escolha”…
Estava no primeiro ano da FEA-USP quando pintou uma vaga de está gio. Eu tirava notas legais, com exceção da disciplina do professor Flávio Saez, que eu odiava – a disciplina, não o professor. Então decidi que queria mesmo trabalhar, fui fazer entrevista no Deutsche Bank. O salário era bonito para a época e o cartão servia para inflar o ego adolescente e idiota ao traduzir em negrito: Banco Alemão. Fui à entrevista sem grandes pretensões. Eles queriam alguém do quarto ano e era improvável aceitarem um menor de idade com inglês macarrônico. Ao final, resolveram me contratar. Ainda não sei a razão, só sei que foi .45.
assim. Dizem que está cada vez mais impossível arrumar estagiário, naquela época já era difícil. E lá fui eu pra área de sales de mercados emergentes, com foco em operações estruturadas de derivativos. Alguém conhece lugar pior para começar? Já não bastava perder a virgindade com a Globonabo?
Bom, de cara, percebi de onde vinha o apelido “cowboys do mercado” para os traders do Deutsche. A experiência foi traumática e durou meses. “Pai, o ambiente de investment banking não é pra mim. Trabalho 13 horas por dia, corro feito louco, não me dão nada que valha pensar, me cobram coisas sem qualquer sentido e ainda me tratam como um verme. Por favor, deixa eu pedir as contas? Quero seguir carreira acadêmica”. Sério, mudei de ideia em seis meses. Mergulharia integralmente nos es tudos, prestaria Anpec (prova de seleção para o mestrado em Economia) e seria professor universitário. Felizmente, Drummond estava ao meu lado: havia uma pedra no meio do caminho, que obrigou a virar o volante noutra direção. “Felipe, tem uma vaga na LCA. É a sua cara. Eles estão montando uma área especial na consultoria, voltada pra análise de ações. Querem gente nova, dedicada e com flexibilidade de horário. Posso mandar seu currículo?” Eu não podia negar a chance de trabalhar ao lado do estádio do Pacaembu. Já combinei a tal flexibilidade de horário com as noites de quarta-feira – eu teria a chance de parar o carro sem pagar o flanelinha e usufruir semanal mente da calabresa na barraca durante a caminhada de volta. Isso sim é vida.
Então lá fui eu para uma nova rodada de perguntas com o RH. Dona Jú lia, muito gentil, conversou comigo por uns 45 minutos e disse ter gostado de mim – pois é, tem gosto para tudo, bicho. Só pediu algo simples como lição de casa: “Você pode fazer esta análise de Ultrapar pra gente?” .46.
Era uma planilha com modelo de Fluxo de Caixa Descontado para Ultrapar e suas 276 mil unidades operacionais. O Excel continha mil linhas, separadas em oito abas diferentes. Arrisquei-me numa inicial masturbação com os números. Mas logo percebi que aquilo era tão absurdo que poderia preencher as células com qualquer coisa que me viesse à cabeça. Uma clara transcrição quantitativa do que é a subjetividade.
Se eu estivesse otimista com a empresa, colocaria números alinhados a bom prognóstico de crescimento e expansão de margens. Estava feito um DCF capaz de entregar uma ação bem atrativa, descontada frente a seu valor intrínseco. Já se eu não gostasse da companhia, embutiria ritmo fraco das receitas e margens estagnadas, deixando a ação cara. Sábios mesmo foram Pérsio Arida e Deirdre McCloskey – não necessariamente nessa mesma or dem –, que perceberam a importância da retórica na Economia… Talvez ainda pior: uma única linha em meio àquelas mil seria suficiente para mudar tudo. Uma célula (i)mexível tornaria o caro barato e vice-versa, com variações radicais sobre o valor intrínseco. Resultado: não fui adiante com a lição de casa, desisti da vaga de imediato. Adeus ao Paca, adeus à calabresa.
Por ironia, aquilo despertou minha atual vocação. Se há algum uso pra mim nesta vida, é como analista de ações. E não vou para compactuar com um método que pressupõe preenchimento exato de mil linhas. Desde então, firmei esse compromisso ético e moral. Como resume Taleb: se você vê uma fraude e não a aponta, então você também é uma fraude.
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rei nu, rei Posto Quero deixar o rei nu. Vamos construir juntos um modelo de DCF para você ver com os próprios olhos as doses de absurdo envolvidas. O financismo engravatado tenta, platonicamente, fazer com que a realidade complexa caiba numa planilhinha de Excel. A melhor forma de aprender sobre um método (e suas fragilidades) é pela via da aplicação prática. Então, vamos lá enfrentar o gigante Piaimã, o monstro Venceslau Pietro Pietra. As nuances técnicas são chatas, e podem soar ainda mais monótonas para o leitor não técnico. Mas não se preocupe: delas não depende o cerne da discussão, visto que podem ser puladas sem nenhuma perda relevante de conteúdo. O aparato técnico configura apenas um reforço adicional ao argumento. Quando pintar uma fórmula que o cansa, vá direto ao parágrafo seguinte. Retomemos o conceito de DCF rapidinho para deixar as coisas mais fáceis – entre a repetição e a confusão, prefiro a primeira. O modelo de Fluxo de Caixa Descontado tem a pretensão de definir o valor de uma empresa a partir da soma dos fluxos de caixa projetados, de hoje até o infinito, trazidos a valor presente por uma taxa de desconto adequada. Por imposição lógica, tudo começa, portanto, com a determinação dos fluxos de caixa. Precisamos chegar nesses danados. Funciona basicamente assim: partimos da receita bruta, extraímos os impostos diretos e fazemos a primeira pausa na receita líquida. .48.
Receita Bruta – Impostos Diretos = Receita Líquida
Daí tomamos fôlego para subtrair o Custo dos Produtos Vendidos, alcançando o lucro bruto. Receita Líquida – CPV = Lucro Bruto
Retiramos despesas de Vendas, Gerais e Administrativas, chegando ao lucro operacional. Lucro Bruto – Despesas VGA = Lucro Operacional
Somamos então a depreciação, mas retiramos os gastos com investimen to (Capex) e a variação do capital de giro (K Giro). Lucro Operacional + Depreciação – Capex – K Giro = FCx
Pronto! Temos o fluxo de caixa da empresa num dado período. Faremos nosso modelo aqui para uma empresa de varejo. Poderia ser qualquer uma. Cada qual tem uma especificidade, mas a essência é a mesma. Na primeira linha, a receita bruta é, por definição, a multiplicação de duas variáveis: a quantidade vendida e seu respectivo preço. Coisa fácil. Basta prever quanto a empresa vai vender e a cifra cobrada por cada unidade. Para uma companhia de varejo, em particular, a estimativa de faturamento é normalmente separada entre lojas existentes e lojas novas. Assume-se certo crescimento para as lojas já maduras (conceito usual de “same store .49.
sales”) e uma curva de maturação para as debutantes, sob premissa de evolu ção gradual das vendas conforme a experiência histórica. Também precisamos pensar nos componentes de inflação, em como a empresa vai conseguir remarcar preços, e dessa forma matamos o primeiro passo. Chegar na receita líquida é trivial, em que se pesem isenções tributárias ou aproveitamento de créditos fiscais. Os impostos diretos oferecem alíquotas (infelizmente) conhecidas, de modo que basta tirá-los da receita bruta para chegarmos ao faturamento líquido. Tranquilão. Rumamos agora ao lucro bruto, dedutível de dois jeitos: ou você estima cada linha de custo dos produtos vendidos ou simplesmente projeta um percentual de margem bruta. Seja como for, passamos aqui necessariamente pelo conhecimento do custo de todas as matérias-primas e dos indicadores de eficiência da empresa no trato dos insumos. De posse do lucro bruto, queremos chegar no lucro operacional, certo? De novo, duas formas possíveis: supor diretamente uma margem operacional ou passar, linha a linha, pelas despesas de vendas, gerais e administrativas (no jargão em inglês, SG&A). Neste caso, precisamos conhecer a estratégia de marketing, política de remuneração, eventuais comissões, demissões e outras nuances. Não à toa, o tal SG&A é conhecido como a bolsa de mulher da demonstração de resultados, onde cabe tudo e onde ninguém acha nada. Agora faltam só três coisas até o fluxo de caixa do primeiro ano: gastos com investimento (no jargão inglês, capex), depreciação e variação do capital de giro. .50.
O capex depende da decisão empresarial de quanto aplicar para expansão ou manutenção da capacidade. A depreciação é feita usualmente como um patamar fixo por ano (20% do ativo fixo, por exemplo). Já a variação de capital de giro exige nada menos do que a estimativa de todos os ativos e passivos mais dinâmicos da empresa. Como hipótese (bem) simplificadora, normalmente se atribui um percentual da variação da receita como proxy da variação do capital de giro. Aí mora a ideia de que, se a empresa está crescendo num dado ritmo, precisará administrar seu ativo circulante líquido em ritmo parelho. Pois bem, por meio desse esforço rápido, temos o fluxo de caixa do primeiro ano. Replicamos o mesmo exercício para todos os demais anos, até o infinito, e trazemos a soma total a valor presente pela taxa de desconto apropriada. Nem mesmo os financistas mais bitolados vão perder tempo estendendo o cálculo até o infinito. Então, a rotina manda projetar os fluxos de caixa para um intervalo prático (cinco, dez ou quinze anos) e posteriormente assumir que o negócio analisado entra em regime de perpetuidade – isto é, passa a crescer numa velocidade vegetativa constante. Por conseguinte, deparamo-nos com a soma de dois blocos temporais distintos. O primeiro deles contempla o horizonte efetivo de projeção e o outro vem da perpetuidade. É fácil encontrar uma fórmula para a perpetuidade, matemática ancestral. Ela é a soma dos termos de uma progressão geométrica infinita e convergente. Na dúvida, o Excel faz pra você. De nossa parte, tudo que .51.
precisamos saber para o cálculo da perpetuidade é (i) qual o ritmo de crescimento da empresa quando ela atinge a maturação e (ii) qual a taxa de desconto apropriada.
Vixe, mas até agora não falamos dessa última… tratamos apenas generica mente de uma taxa de desconto “adequada”. Mas qual é? Ora, se os fluxos de caixa estão associados intrinsicamente à empresa, deve haver também uma taxa de juro que represente o custo do dinheiro no tempo para nossa companhia de varejo. O nome desse pedágio temporal é custo médio ponderado de capital (weighted average cost of capital, ou WACC). Normalmente, uma empresa é formada tanto por capital próprio (acionistas) quanto de terceiros (credores da dívida). Logo, a taxa de juro apropriada para descontar os fluxos de caixa tem de ser aquela que remunera simultaneamente os credores e os acionistas, ponderando por suas respectivas participações.
WACC é apenas isso: a taxa de juro ponderada entre o custo da dívida e o retorno exigido pelos acionistas. Formalmente, temos:
, onde: “D” é a dívida, informação encontrada no balanço da empresa listada. “E” é o valor de mercado (equity), também informação pública.
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“Kd” é o custo médio da dívida, igualmente público (a rigor, podemos subtrair daqui o benefício fiscal da dívida). “Ke” é o custo do capital, que precisa ser estimado. “D+E” é a soma do capital próprio e de terceiros.
Concluímos que todas as variáveis são conhecidas ou facilmente calculadas, com exceção do Ke. O custo do capital (isto é, o retorno exigido pelo acionista) precisa ser calculado. Como de praxe, isso é feito por uma equação de CAPM (Capital Asset Pricing Model), definida conforme segue:
, onde: E(Ri) é o custo do capital, exatamente a variável em que estamos interessados. Rf é uma taxa de juros livre de risco. mede a resposta da ação às variações de mercado; se o mercado anda 1 ponto, quanto anda, na média, a ação? E(Rm) é o retorno esperado para o mercado como um todo.
A equação do CAPM é intuitiva. Segundo ela, o retorno de uma ação é dado pelo o rendimento de um ativo livre de risco (Rf) mais quanto há
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de excesso do retorno de mercado sobre o ativo livre de risco (E(Rm) – Rf), ponderado pela resposta da respectiva ação a variações do mercado. Legal, porque de posse do custo de capital temos tudo o que precisamos para chegar ao WACC. Recapitulando: compreendemos os fluxos de caixa para o horizonte de projeção, o valor da perpetuidade e a taxa de desconto desses fluxos. Barba, cabelo e bigode. Atravessamos tudo o que precisávamos para o modelo de fluxo de caixa descontado. Primeiro, você calcula os fluxos de caixa para cada um dos períodos de projeção. Em seguida, define o valor da perpetuidade a partir de (i) crescimento vegetativo de longo prazo, (ii) cálculo do WACC e (iii) soma da PG infinita e convergente. Por fim, traz tudo a valor presente pelo WACC.
C’est fini: estimamos o valor da empresa. Daí para chegar no valor da ação é fácil: retiramos a dívida líquida e dividimos pelo número de ações.
em Berço esPlêndido Depois de todo esse esforço técnico, permita-me uma digressão: você já ouviu falar de Procusto? Ele era um marginal grego perigosíssimo. Pintou e bordou até encontrar o herói Teseu, que o decapitou merecidamente. Antes disso, porém, Procusto fez várias vítimas, despertando inveja nos mais maldosos assassinos em série. .54.
O bandido tinha em sua casa uma cama de ferro moldada a seu exato tamanho. Todos os viajantes que por lá passavam recebiam o hospitaleiro con vite para se deitarem nessa cama. De forma a adaptar os hóspedes ao repouso, Procusto seguia à risca o molde, cortando as pernas dos mais altos e esticando os mais baixos. Assim, todos poderiam caber em sua cama “versátil”. O modelo de Fluxo de Caixa Descontado não é nada além da representação financeira do mito grego da cama de Procusto. Cortamos as pernas da realidade econômica & financeira para fazê-la caber nas células de Excel.
Sejamos honestos: é impossível saber com precisão qual será a receita do próximo ano – o passo número um do nosso modelo. Definir o fatura mento implicaria conhecer toda a dinâmica macroeconômica (PIB, câmbio, juros, inflação), o comportamento dos consumidores, o acerto nas coleções de verão/inverno, condições climáticas, dinâmica da concorrência… Para o lucro bruto, enfrentamos a questão de matérias-primas com preços comoditizados, definidos por mercados globais. E também a capacidade da empresa se reinventar na produtividade (vai tentar estimar o lucro bruto de uma Ambev, por exemplo, que se reinventa a cada trimestre…). Respeitando a sequência, poderíamos tecer essas mesmas críticas linha a linha, até chegar ao fluxo de caixa. Seria um mero exercício de redundância. Os financistas querem matematizar o mundo, eles querem que sejamos capazes de – através da utilização de “sólidos” critérios quantitativos – dis farçar nosso viés qualitativo. Mas não conhecemos sequer uma célula da planilha de mil linhas por mil colunas. E qualquer pequeno desvio é capaz .55.
de causar distorções de pelos menos 10% no valor da empresa (na verdade, 10% de erro seria como acertar em cheio). Evidentemente, erros de 10% ou 100% podem ser decisivos para inverter uma decisão de compra ou venda de determinada ação. Não tenho a pretensão de virar Teseu, mas reservo ainda mais uma crítica ao Procusto financeiro. Existe um problema de autorreferência, ou seja, de incoerência interna ao modelo. Repare que quando o financista constrói um DCF, ele está interessado – sob última instância – em saber se o potencial de valorização embutido naquela ação merece uma compra. Estamos todos interessados nesse upside. Porém, ao estimar o WACC, precisamos passar pelo custo do capital, que é a pergunta exata de quanto se exige de retorno para estar na ação. Conforme o CAPM, a ação está apreçada na exata medida da exigência do investidor – o CAPM se apoia em premissas de mercados eficientes, em que todos os ativos são apreçados corretamente, não havendo espaço para valorizações anormais. Nesse ambiente pasteurizado, todas as ações renderiam a mesma coisa quando ponderadas pelo risco. Em outras palavras, você está interessado em ações capazes de oferecer grande potencial de valorização e, para calcular isso, usa um método que supõe apreçamento perfeito, sem espaço para retornos acima da média quando ponderados por risco. Isso é o mesmo que procurar pastel de carne com azeitona numa pastelaria cuja receita do pastel proíbe azeitonas (o que seria uma lástima).
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Não podemos, no mesmo método, usar o CAPM e esperar por valorizações extraordinárias ponderadas pelo fator de risco. Os financistas precisam decidir o que querem da vida. Tom Copeland, considerado um dos maiores entendidos de avaliação de empresas no mundo, pendura há décadas o seguinte quadro em seu escritório: “DCF RIP”. Em bom português, Fluxo de Caixa Descontado, descanse em paz.
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ii. as armadilhas de valor Ainda me lembro bem daquele verão de 1988. Algumas coisas foram muito marcantes. O gol de carrinho do Viola contra o Guarani, O Último Imperador do Bertolucci e suas nove estatuetas do Oscar, e aquele apartamento no Guarujá, praia da Enseada, perto da Brunella. Algo esteve acima de tudo isso, porém. A constatação de como meu pai colocava a família à frente de seu próprio interesse. Ramiro andava de Chevettão, mas resolveu fazer uma surpresa para minha mãe. Era merecido, claro. Aliás, se fosse uma questão estrita de mérito, talvez coubesse coisa melhor.
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Entrou em casa sem conseguir disfarçar. Falava alto e ria desenfreadamente. Gostaria de tê-lo visto mais assim, mesmo com aquelas risadas um pouco constrangedoras e exageradas. A alegria descomedida tinha uma razão. Ele tinha acabado de comprar um Monza Classic 2.0, raridade à época. Azul marinho, aquele bem típico, que se confunde com a cor do terno, exatamente do jeitinho que minha mãe gostava.
Único dono, só 15 mil km rodados, um brilho. Era o presente ideal para a Dona Lúcia. E o melhor: sem esfolar o bolso. Meu pai veio me confidenciar que encontrara uma verdadeira barganha. Pediu sigilo, segredo nosso. “Não vá contar pra sua mãe que fiquei pechinchando por aí”. A felicidade e as doses de uísque que sucederam a apresentação do carro tinham lá sua justificativa. Havíamos comprado o carro do ano, a cópia fresquinha do Opel Ascona alemão, com desconto de 30% sobre o preço de tabela. Baita negócio!
Ou nem tanto… A alegria virou frustração antes das águas de março fecharem o verão. Quem gostou mesmo do Monza cor de terno foi o mecânico da família. O sujeito enriqueceu. Em dois meses, gastamos mais da metade do valor do carro em sete consertos. Na verdade, tínhamos comprado um Monza todo detonado nas engrenagens. Enquanto isso, o Chevette estava lá, impávido como Muhammad Ali. De repente, o barato ficou caro. O que meu pai passou a chamar de economia com porcaria. Lição prática – e custosa – de que, por vezes, existe um motivo pras coisas serem baratas. Logo, queremos alertar o investidor (prin.60.
cipalmente o investidor Fenômeno) de que a coisa pode não ser exatamente o que parece numa primeira olhada. Na análise de ações, esse tipo de situação é batizado de armadilha de valor, a famosa “value trap”. Aquilo que, numa abordagem inicial, pode parecer descontado em relação a seu valor intrínseco na verdade não é. O valor intrínseco do Monza era substancialmente inferior ao que parecia. Tomamos o carro médio como bom indicador do valor do Monza, o que se mostrou – a posteriori – uma estupidez.
armadilhas ClássiCas Neste capítulo, trataremos das armadilhas de valor clássicas. Como já narrado em verso & prosa, o cerne do value investing tradicional é comprar empresas abaixo do valor de seus bens e direitos. Por conseguinte, uma das recomendações mais típicas seria a de procurar ações a níveis inferiores ao valor do patrimônio líquido.
Simples, não? Easy like a Sunday morning. Porém, surgem ao menos três eventuais armadilhas mais relevantes dentro da análise de Preço sobre Valor Patrimonial: (i) O patrimônio líquido pode estar enviesado pelo enorme otimismo na determinação do valor dos ativos. Algumas empresas superdimensionam seus ativos,
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induzindo valor muito alto para o patrimônio. Não é tão raro encontrar esse problema, pois há alguma subjetividade na análise de ativos – ativo fixo, imobilizado e intangível são linhas facilmente sobreavaliadas. Assim, qualquer compra de ação baseada na atratividade vinda do desconto face ao valor patrimonial exige uma observação criteriosa do tratamento dado ao valor dos ativos. (ii) Uma empresa pode estar descontada em relação ao patrimônio líquido porque esperam-se seguidos prejuízos no futuro. Num primeiro momento, os prejuízos soam como pequenos tropeços de uma demonstração de resultados trimestral. Mas logo se acumulam e passam a transitar pelo balanço. Mais especificamente, viram subtrações ao patrimônio líquido. Ou seja, o patrimônio vai cair no futuro, enriquecendo apenas os mecânicos de plantão (no mercado financeiro, mecânicos são os advogados). (iii) O patrimônio da empresa pode não estar sendo remunerado adequadamente, e isso justificaria o desconto na ação. Temos exemplos claros na Bolsa brasileira. Bancos médios e estatais passam longos períodos esperando que suas ações prevaleçam sobre o patrimônio, o que não acontece por conta dos baixos retornos sobre o equity. Outro caso clássico está no setor imobiliário. Incorporadoras com altos níveis de retorno sobre o patrimônio conseguem negociar a valuations esticados (até 2x o valor de livro), enquanto as que remuneram o equity inadequadamente ficam cada vez mais baratas (casos impressionantes de até 0,2x o valor de livro).
Algo parecido acontece com análises que envolvem Preço sobre Valor de Liquidação. Será que a alternativa de liquidação está sendo mesmo contem plada? Porque se a empresa não está realmente pensando nisso, vira somente uma referência platônica. São muitas empresas negociando abaixo de seu valor de liquidação e poucas efetivamente sendo liquidadas.
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Quando uma companhia destrói valor ao longo do tempo, é natural que ela negocie abaixo de seu valor de liquidação. A cada minuto que passa, a empresa está valendo menos e menos. Outra questão polêmica diz respeito ao cálculo exato do liquidation value. Haverá, de fato, comprador para os ativos naqueles preços? Ou esta mos apenas tomando uma impressão média a partir de outros ativos, sem cunho prático? Se não houver comprador, não existe valor de liquidação. Até mesmo ações negociando abaixo do dinheiro em caixa podem significar armadilhas. Imagine-se diante de uma companhia com valor de mercado inferior ao que consta no caixa. Você acha aquilo absurdo, uma barganha imperdível, e logo sai comprando. É óbvio, né?
Bom, mais ou menos… Pense no caso de empresas pré-operacionais, por exemplo. Por definição, elas ainda não têm operação, tampouco receitas. Elas queimam caixa. Assim, as disponibilidades imediatas que você observa naquele momento não podem servir como proxy para o valor da companhia. Já no dia seguinte, o caixa estará menor, e se a empresa não for bem-sucedida na transição à fase operacional, a liquidez vai convergir para zero. Então, o valor dessa companhia pode ser mesmo nulo. Existe uma única boa notícia para a ação nesse caso: do chão ela não passa. Conforme visto no capítulo anterior, Benjamin Graham também considerava o lastro aos lucros passados. Graham gostava de comprar ações negociando abaixo de 7x os lucros dos últimos 12 meses. Mas será que houve algum acontecimento extraordinário influenciando os lucros passados ou eles decorrem de fatores estritamente operacionais? Se o lucro se deu por conta da venda de ativos ou de uma reavaliação de portfólio, isso pode significar pouca coisa. .63.
Além disso, qual a capacidade de a empresa voltar a entregar lucros iguais ou maiores à frente? Por definição (e não há nenhum problema na definição), uma empresa vale seus fluxos de caixa de hoje ao infinito – ou seja, interessam na verdade os lucros futuros, e não os lucros passados. Você pode encontrar por aí uma companhia negociando a até 3x lucros, justamente porque se espera vigorosa redução de seus lucros futuros. Telecoms no Brasil negociaram descontadas por vários anos. Além dos problemas de go vernança corporativa no setor, essa avaliação modesta refletia justamente a percepção de que os lucros iriam, na melhor das hipóteses, ficar parados. O mercado estava certo. Entrando agora nas armadilhas associadas aos resultados futuros, as nuances são ainda mais emblemáticas. Uma ação atrativa pode ser vista como aparentemente cara se não for contemplado o adequado crescimento vindouro. De forma análoga, o sonho de uma baita expansão à frente pode tornar qualquer ação supostamente atrativa. Exemplo emblemático das sutilezas associadas a crescimento futuro vem das ações de Ambev. Elas são consideradas caras praticamente desde seu primeiro trade e teimam em continuar subindo a longo prazo – lembro apenas de um ano de queda, em 2008, quando absolutamente tudo caiu por conta da crise imobiliária americana. E então, será que Ambev é mesmo cara? De forma a aliviar o problema, recomendamos sim que o investidor admita a possibilidade de o crescimento futuro agregar valor, mas que o faça de modo conservador. Com isso, pode até ser que você perca algumas oportunidades atrativas no caso de uma expansão vigorosa. Entretanto, é melhor perder certas chances de lucro do que mergulhar .64.
em um buraco negro de prejuízos. Prudência e dinheiro no bolso, canja de galinha não faz mal a ninguém. Também dá pra fazer a conta ao contrário. Rodar um modelo de Fluxo de Caixa Descontado de trás para frente, ou seja, vendo qual crescimento está sendo considerado naquele respectivo preço de mercado. Assim, você conclui se acha o ritmo implícito razoável ou exagerado. Se a expansão im plícita no preço da ação for considerada baixa, você compra. Caso contrário, você fica fora. Ao se deparar com alguma das armadilhas clássicas, o investidor deve sempre avaliar os parâmetros quantitativos com postura crítica. Desconfie das próprias premissas e das métricas generalistas. Não raro, um múltiplo excessivamente baixo por muito tempo tem uma real razão de ser – ameaças concorrenciais, contingências fora do balanço, interesses egoístas do controlador e risco regulatório são apenas algumas das razões mais frequentes. De maneira geral, buscar fluxos de caixa consistentes, focar em negócios defensivos, com larga margem de segurança e sob contabilidade confiável funcionam bem. Tudo isso – claro – deve ser conjugado a um preço razoável. É difícil reunir esse monte de coisas. Mas fazer o quê? Value investing é para ser rentável, não para ser fácil.
uma ação é uma emPresa? Meu tio Miguel foi operador de commodities de 1984 até 1992. Natural das Minas Gerais, estabeleceu-se na Lapa, mais precisamente na Rua Catão, .65.
tão logo chegou em São Paulo no começo dos anos 80. Era razoavelmente gordo, canhoto e de nariz grande, herdado da ascendência libanesa. A entrada imediata no mercado financeiro, sob indicação do meu pai, tirou-lhe boa parte dos hábitos antigos – exceções feitas à jaqueta de couro com ombreira e às visitas frequentes ao Bar Valadares, onde o ambiente aliviava a saudade da raiz mineira. Tio Miguel era pouco estudado (mentia ao dizer que completara o segundo grau), caipira e esperto, além de especialmente briguento. Tinha mau hálito. Fez sua principal desavença na corretora em janeiro de 1991, quando também ficou rico – bastante rico. O alvo era João Clarindo Fon seco (nome fictício), então economista-chefe e PhD em geopolítica. Clarindo era o oposto do meu tio, compartilhando apenas a relação genealógica com o Oriente Médio e a halitose. Muito estudado, cosmopolita, erudito (pseudo), magro e um idiota. Dentro do mercado financeiro brazuca, João Clarindo era possivelmente o maior estudioso do Kuwait à época. Sabia exatamente as nuances por trás da invasão iraquiana e foi um dos primeiros a alertar em terras brasilis, ainda na primeira semana de outubro de 1990, sobre a iminente entrada dos EUA na Guerra – o que viria a se confirmar no janeiro seguinte. A perspectiva de participação americana no conflito foi se tornando consensual. A isso, seguiu-se recomendação explícita de Clarindo: “compremos lotes e lotes de petróleo. Bush (o pai) está prestes a declarar entrada no Golfo. Petróleo sobe com guerra no Oriente Médio”.
De súbito interveio Miguel, com a educação costumeira: “Doutorzinho, vai lá estudar sua geopolítica e deixa o trade comigo. Petróleo não pode .66.
subir com uma guerra programada. Todos já sabem da guerra e estocaram milhões de barris no porão. Vamos vender lotes e lotes de petróleo enquanto todo mundo está comprando”. A proposta do trader era totalmente contrária às posições de consenso. Todas as grandes mesas de operação estavam comprando petróleo, na expectativa de guerra iminente. Clarindo rebateu com a arrogância de sempre e teve como tréplica o olho esquerdo acertado em cheio por um direto de esquerda do meu tio. O feeling de trader (ou talvez a força física) acabou se impondo e a corretora terminou mesmo shorteando a commodity, seja lá por quais motivos. Clarindo acabou se demitindo depois daquela cena brutal. Miguel, porém, continuou empregado por recorrer ao crédito de favores pessoais feitos anteriormente ao dono da corretora. O petróleo, por sua vez, desabou. Confundiu-se a guerra com o próprio petróleo. A commodity pode ter forte relação com movimentos bélicos, mas o petróleo não é a própria guerra. Se todos esperavam a guerra, o nível de estoques de petróleo já havia se ajustado a essa expectativa unânime.
Damos o nome de “conflation” (peço desculpas pelo anglicismo, mas desconheço a versão em português) a toda situação em que uma variável é confundida com outra de maneira simplista. Y não é X, mas sim uma função de X. Existe uma relação entre ambas as coisas, isso não quer dizer que uma signifique exatamente a outra. Assim chegaremos à constatação de que uma ação não é exatamente uma empresa. Certamente, existe um vínculo aí. Conforme vimos, o preço da ação é uma função de variáveis corporativas – o que é bem relevante, .67.
mas não diz tudo. Para dificultar as coisas, essa função acionária é tão complexa que não temos meios – nem nós, nem ninguém – de tratá-la em bases puramente matemáticas. Nem mesmo aquele japa que sentava à sua frente no colégio Etapa conseguiria. Isso torna o Value Investing um desafio maior, e bem mais interessante, pois sua premissa mais elementar fica em xeque: a ação não pode ser entendida meramente como uma representação direta da firma. Lembra da abordagem clássica do Investimento em Valor, que identifica um valor intrínseco para a ação e, posteriormente, supõe convergência entre o preço de tela e esse valor intrínseco? O preço, por definição, denota uma variável extrínseca, que não está embutida na essência da coisa. Preços representam a materialização do acordo imediato entre duas pessoas, comprador e vendedor, em praça pública. Enquanto o preço é algo observável e tangível, o valor viria de algo não observável, mas passível de estimação. Ao final do filme, de acordo com o enredo da Escola de Valor, os dois acabam se encontrando. Mas será que os destinos realmente se cruzam?
Lá vem o Valor, cheio de paixão… vamos tentar entender quem é esse cara. Originalmente, a noção de valor aparece – tal como a descrevem Adam Smith e Karl Marx – associada à Teoria do Valor-Trabalho. O valor econômi co de um determinado bem viria da quantidade de trabalho necessária para produzi-lo, computando-se também o trabalho anterior em maquinário e nas matérias-primas empregadas no processo produtivo. Acima de tudo, o .68.
trabalho seria o elemento agregador de valor; logo, a quantidade média de tempo de trabalho alocado para produzir um bem determinaria seu valor. David Ricardo, que também contribuiu para os pilares da Teoria do Valor-Trabalho, sofistica um pouco o conceito precursor e relaciona o valor geral de determinada mercadoria também ao seu valor de uso (ou seja, ao quanto ela proporciona de utilidade, bem-estar). Para fazermos justiça, Marx também já havia entrado mais fundo na questão do valor de uso, embora focando nas funções coletivas do valor-trabalho. Digeridos os adendos e críticas iniciais, o salto mais contundente na Teoria do Valor-Trabalho foi provavelmente promovido pela Escola Austríaca. Num insight que hoje parece intuitivo, mas na época foi revolucionário, Carl Menger e Ludwig von Mises associaram valor à utilidade e raridade do bem.
E a síntese disso tudo – que acabou dominando o mainstream econômico – veio de Léon Walras, Stanley Jevons e também do mesmo Menger. Cada um de sua forma, os três conectaram o valor do bem à sua utilidade marginal. Ou seja, o valor de um bem estaria atrelado ao benefício incremental proporcionado ao indivíduo, a partir de uma unidade adicional de consumo. Todo o paradigma walrasiano (de Léon Walras, pilar das Finanças Moder nas), ao igualar o valor do bem à utilidade marginal, recorre a parâmetros essencialmente individuais. A função utilidade (medida de bem-estar) é pensada principalmente sob a ótica do indivíduo. E aí mora o problema. Quando você reconhece esse aspecto “egoísta”, simplesmente precisa abandonar a noção de valor intrínseco. O valor passa a ser subjetivo, per.69.
tencente apenas ao sujeito. Não há mais valor intrínseco, inapartável, indissociável da empresa. Ele depende de uma contrapartida: o homem humano. Portanto, é extrínseco à companhia.
Sob essa ótica, o valor intrínseco não sobrevive. Só existem percepções de valor, elaboradas de maneira abstrata e inerente à concepção individual. Tais percepções constituem uma expressão momentânea da necessidade dos indivíduos e da capacidade dos objetos em atender essa necessidade. Isso já seria suficiente para abalar a noção de valor intrínseco, mas vamos cutucar um pouco mais. A Teoria Econômica tradicional sabe do problema e tenta driblá-lo por meio de uma hipótese (artificial) de agregação: assumese um indivíduo representativo, com uma função de utilidade média. Dessa forma, bastaria conhecermos esse indivíduo médio que saberíamos da preferência de toda a sociedade. Isso é obviamente problemático, porque a definição parte de uma observação individual e, no momento subsequente, retira suas características individuais. Para apreçamento de ações isso é especialmente ardiloso, posto que os investidores cultivam expectativas diferentes sobre o futuro, negociam em moedas diferentes, deparam-se com taxas de juro diferentes, etc. Se você fizer contas em cima de um “indivíduo representativo”, vai chegar num valor médio que representa algo caríssimo para uns e baratíssimo para outros. De novo, perdemos a noção global de intrínseco. Além de nos policiarmos contra as armadilhas de valor, devemos estar bem cientes de que o próprio valor é uma armadilha. .70.
ConCurso de Beleza Seguinte, vamos esquecer por alguns minutos o embate supracitado. Pau sa entre os rounds. Vamos supor que, por milagre da natureza, tenhamos encontrado a verdade aristotélica e chegamos ao famoso valor intrínseco. Qual a garantia de que haverá convergência entre preço e valor? E em que velocidade dar-se-á esse processo? Se ontem o preço da ação era diferente do valor, hoje ele é diferente, e amanhã também, por que alcançaremos a paridade depois de amanhã? Lembre-se que as ações do UOL negociaram por uma década a uma fração do que seria minimamente razoável (abaixo do caixa, por certo tempo) e fizeram muita gente boa desistir do investimento. Retomemos então o conceito de conflation: uma ação não é uma empresa. Obviamente, há uma função ligando essas duas coisas, mas não a conhecemos, tampouco sabemos tratá-la matematicamente. Você não pode trocar sua ação por um pedacinho da empresa ou por um luxo anual pré-determinado. Juridicamente, ao deter um ativo mobiliário, você ganha acesso a um conjunto de direitos previstos em contrato, e não à empresa em si. Confundir essa lista de direitos com a própria empresa é ignorar o contrato e a interação social diariamente responsável pela marcação a mercado. O preço da ação é determinado pelos acordos de compra & venda de uma série de pessoas com acesso à Bolsa, e não por uma suposta convergência imediata rumo ao valor intrínseco. Então não há como abstrair o processo .71.
de formação de preços e contemplar apenas o valor intrínseco sob uma hipótese platônica de convergência. Conforme resumiu Keynes, a Bolsa é um concurso de beleza em que ganha aquele que acertar a princesa mais bonita, por unanimidade. Não se trata de votar na mais bonita, mas naquela que os outros acharão a mais bonita. Entramos aí numa espécie de teoria dos jogos circular, em que o sujeito tenta adivinhar a opinião de um terceiro. Por sua vez, o terceiro adivinha o que os outros vão adivinhar dele e entramos numa espiral infinita. Não há nenhuma garantia de que vencerá o jurado que efetivamente votou na garota “idealmente” mais bonita. A empresa mais barata pode não representar a ação mais valorizada daquele ano.
t erno de alFaiate No fundo, o grande problema dos analistas de ações está na arrogância em torno de sua suposta capacidade de identificar quanto vale uma empresa e de adivinhar para onde vai o ativo financeiro subjacente. O financista se acha apto a identificar um valor intrínseco em demonstrações financeiras passadas ou a prever o futuro melhor do que os outros. Mas nunca vimos inteligência brotar de planilhas de Excel. A grande geração de valor não está nos resultados ou balanços passados, até por uma nuance associada ao acesso à informação. Quando das ideias originais de Graham, grandes distorções entre preço e valor poderiam ser facil.72.
mente obtidas por meio de dados históricos porque a restrição à informação era enorme. Hoje, o nível de pesquisa para se identificar anomalias de preços é tal que, se uma ação negocia abaixo de seu valor patrimonial, muita gente já sabe, e normalmente há uma boa razão para ser assim. Provavelmente, aquele patrimônio não está sendo remunerado de maneira adequada. A grande questão nesse caso não seria acusar o desconto frente ao patrimônio, mas sim saber se os próximos anos trarão uma virada importante no retorno do negócio. Para uma empresa, o valor nasce dos fluxos de caixa de hoje até o infinito. Ou seja, o passado não importa. Se uma firma gerou lucros bilionários no pas sado e de repente vem uma concorrente com nova tecnologia e simplesmente destrói a anterior, a firma antiga vale zero. Seus lucros passados não têm nenhum valor. Precisamos olhar para frente, para os fluxos de caixa futuros. O diabo é que esses fluxos são imprevisíveis. Eles dependem de uma infinidade de variáveis selvagens, into the wild, que viajam para onde bem entendem. Ninguém em sã consciência traçará o roteiro de antemão. Os modelos de Fluxo de Caixa Descontado são ultrajantes do ponto de vista epistemológico. Apoiam-se nas informações disponíveis hoje, ignorando que as coisas mudam com o passar do tempo. Como fenômenos sociais típicos, as características corporativas, setoriais e macroeconômicas assumem comportamento errático, pois dependem sempre de novos mapas de informações, indisponíveis na data inicial (só conhecidos a posteriori). Aos técnicos, falamos aqui da rejeição à hipótese de ergodicidade. Em bom português, as propriedades estatísticas de uma série não são preservadas ao longo do tempo. As coisas mudam! E isso inviabiliza qualquer tentativa de previsão apoiada em critérios quantitativos. .73.
É como pedir aos comentaristas de futebol todos os resultados do Brasileirão com um ano de antecedência. É como ir ao psicanalista e pedir: “Doutor, me fala como eu vou me comportar daqui a três meses, preciso me preparar até lá”. Já vi muita gente culpar um modelo mal feito pelos erros de projeção. Isso é uma bobagem. Absolutamente, não se trata de tentar sofisticar os modelos em prol de previsões melhores. Cito dois exemplos clássicos, entre outros milhões dignos de nota para ilustrar o caso. Nada mais emblemático do que a implosão do fundo LTCM durante a crise russa, quando dois prêmios Nobel de Economia – Myron Scholes e Robert Merton – usavam métodos quantitativos dos mais complexos para tentar predizer o comportamento dos ativos financeiros. Não havia no mundo sujeitos melhores em modelagem. Erraram não no modelo em si, mas em acreditar na sua clarividência. O outro caso ocorreu entre 2007 e 2008, na antessala do estouro da crise imobiliária americana, a maior desde 1929. O também Nobel Joseph Sti glitz – com ajuda dos irmãos Peter e Jonathan Orszag – rodou uma série de simulações para Fannie Mae e Freddie Mac (empresas de crédito imobiliário bancadas pelo governo dos EUA). Concluiu extenso relatório com duas afirmações: “com base na experiência histórica, o risco para o governo de um potencial calote na dívida delas é efetivamente zero”, e “a probabilidade de um default é considerada tão baixa que é até difícil de se detectar”. Poucos meses depois, Fannie Mae e Freddie Mac estavam quebradinhas da silva. Não é aquele modelo específico que está errado, é a própria prática de se usar modelo para algo imodelável – peço licença a Antonio Magri pelo .74.
neologismo. Ao modelar em excesso, você perde o apego à realidade, distorcendo por completo as ferramentas que deveriam te ajudar a desparafusar o mercado. A geração de valor não está no passado, por razões práticas e teóricas. Tampouco pode estar nas previsões para um futuro incógnito. Os grandes ganhos financeiros vêm justamente do imponderável. Viradas operacionais, crescimento exponencial, fusões e aquisições, um suíço que por acaso nasceu no Rio de Janeiro – e assim por diante. É o tipo de acontecimento batizado como Cisne Negro pela literatura clássica – evento raro, de alto impacto e imprevisível (depois que acontece parece óbvio, mas não é). Papo rápido sobre etimologia: antes da descoberta da Austrália, sequer precisávamos caracterizar a cor dos cisnes. No Velho Continente, apenas cisnes brancos eram conhecidos, ponto final. Então, tirando o chão dos ornitologistas da época, um único cisne negro foi suficiente para dizimar tudo que havia sido escrito sobre os cisnes. Ninguém aqui está tão preocupado com o estudo das aves, é só um exemplo pontual do problema clássico da indução de David Hume, poste riormente também explorado por Karl Popper e seu falseacionismo. Basicamente, aludimos a problemas de interpretação associados a conclusões gerais a partir de casos particulares. Você vê uma série de cisnes brancos e imediatamente conclui que todos seguem o mesmo padrão. Mas basta uma – apenas uma – informação contrária para derrubar o paradigma. Essa é a proposta clássica de David Hume. .75.
Popper, por sua vez, estende o conceito para o alerta de que teorias não podem ser confirmadas, mesmo a partir de muitas observações, já que uma única exceção, mesmo que ainda não conhecida por ora, pode aparecer lá na frente e mudar tudo. As teorias poderiam, portanto, somente ser negadas, nunca categoricamente afirmadas. Veja por exemplo o que me aconteceu no triste ano de 1989. Eu passei esse período inteiro em Minas Gerais, com a família da minha mãe. Interiorzão mesmo. Fazenda, sem energia ou telefone. Por todo o ano, alimentamos um peru. Criei um grande carinho pelo bicho. Ele mancava da perna esquerda, igual ao meu tio, e, por isso, eu dei o nome de Geraldo. Alimentei o peru por 360 dias consecutivos. A cada manhã, prato cheio, ele tinha uma confirmação adicional sobre o amor da família Miranda. Crescia a confiança, baseada na larga série de informações passadas (amostra grande, 360 observações) de que as coisas continuariam indo muito bem. Então, chegada a noite de Natal, no suposto ápice da cumplicidade, lá estava o Geraldo virando jantar. O peru virou cisne negro. Devo admitir: eu nunca passei um ano em Minas Gerais, nem sequer conheci o Geraldo. A metáfora original é de Bertrand Russell, que bem distinguiu a frequente confusão entre ausência de evidência e evidência de ausência. O fato de você nunca ter visto Deus não significa que Ele não existe. O que é óbvio aos religiosos escapa aos financistas.
Ufa! Esta seção serviu para questionar a convicção de que podemos iden tificar valor a partir de informações passadas. Ela também brochou com a vontade de antever os resultados corporativos e, por conseguinte, das ações. .76.
Assim, vamos desmontando mitos enraizados no profissional típico do mercado financeiro, que veste terno de alfaiate. Felizmente, não tomamos seu tempo pra defender uma postura niilista, de queimar a teoria ortodoxa sem colocar nada no lugar. Temos de propor algo que seja mais bonito filosoficamente, e muito mais prático. Temos de propor a antifragilidade.
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iii. CrítiCa da razão Pura Quando eu era pequeno, tudo parecia naturalmente maior. Eu vinha para São Paulo com meus pais e achava shopping uma coisa gigantesca. Mais tarde, quando tive que escolher entre ser analista de shoppings ou de bancos, preferi a segunda opção, tamanho meu trauma de infância.
Era trauma mesmo, porque uma vez eu me perdi no Shopping Morumbi. Havia dezenas de crianças perambulando sozinhas pelos enormes corredores do Morumbi, todas absolutamente perdidas. Eu me somava àquele exército de nanicos em movimento quasibrowniano, não fosse minha vontade direcional de achar a loja de brinquedos. Eu queria o Pegasus.
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Não o cavalo alado, obviamente. Nunca fui dessas crianças que gosta de cavalo alado. O Pegasus era um carrinho de controle remoto da Estrela, réplica da BMW–M1. Para um brinquedo até que corria bem, fazendo 20 km/h, ou um pouco mais na descida. Bebia cinco pilhas grandes, sem falar nas seis pequenas do controle. Eu sonhava com o Pegasus, pedia pro meu pai, contava os dias. No Natal de 88, já não acreditava mais em Noel, de modo que a única chance seria me desgarrar da minha mãe dentro da Sears e me alistar. Marchei e marchei naquele shopping, até que encontrei o Pegasus. A moça da loja perguntou meu nome, anunciou no sistema de som e logo meu pai apareceu. Estava tudo dando certo. Peguei o controle na mão, fiz tudo o que podia com o carrinho, trezentos e sessenta, cavalo de pau, e pedi pra ir embora. Em cinco minutos, brinquei o que podia, e pedi pra ir embora sem carrinho. Meu pai ficou me olhando embasbacado, sem entender nada e agradecendo a Deus, porque eita brinquedo caro. A mãe disse que era coisa de criança.
Naquele Natal – ainda me lembro – ganhei um banco imobiliário do Papai Noel. Foi supresa, eu não esperava. Fiquei muito feliz, como coisa de criança mesmo. E assim aprendi a graça de não esperar.
Coisa de adulto No capítulo I, aprendemos como calcular o preço de uma ação por meio do modelo de DCF (Fluxo de Caixa Descontado). Logo em seguida, no .80.
capítulo II, fomos introduzidos a algumas armadilhas inerentes ao modelo e – em termos mais gerais – à própria Escola do Value Investing. Vimos in clusive que o conceito de Valor é em si uma armadilha. Pena que não é o bastante, quem te conhece que te venda. Porque, mesmo sabendo que existem armadilhas, caímos nelas como patinhos. Justo nós, iluministas vacinados, somos pegos por nossos próprios truques. Fazemos engenharia reversa, contas de chegada para provar com os números – coitados dos números – aquilo que mais desejamos. Cursamos MBAs Ivy League para acertamos em cheio, bem mais que a média. Pesquisas de autoavaliação mostram que a maioria dos alunos de MBA (87% em Stanford) julga-se acima da média, numa clara incoerência esta tística. Esses mesmos estudantes viram financistas inteiramente convictos das projeções que fazem, tão convictos que começam pelo fim. Primeiro dizem para si mesmos o que acham de determinado investimento e depois buscam os meios técnico-científicos mais arrojados para corroborar seu achismo. A razão é também a mais forte das emoções: o desejo de controle. Esse desejo passou a perturbar os economistas modernos, especialmente na passagem para o século XX, quando os primeiros expoentes da Economia Política (Smith, Marx, Ricardo) foram dando lugar a abordagens menos conceituais e mais “objetivas”. Em busca de teoremas econômicos, a matematização foi ganhando espaço nos manuais e nas escolas – institucionalizada por nomes como Ed geworth, Marshall e Samuelson. Toda essa aparente evolução quantitativa do arcabouço teórico despontava como simples, clara e natural. Muita coisa foi .81.
importada da Física, irmã mais velha que toda ciência infantil queria imitar. Infelizmente, sem rigor epistemológico.
Só havia uma forma de a Matemática realmente caber nos modelos eco nômicos, sem que as exceções ultrapassassem as regras. Nós, economistas, teríamos todos que fazer uma espécie de Juramento de Hipócrates logo no primeiro ano de faculdade. Teríamos que jurar de pé junto nossa própria racionalidade. Indo além, concordaríamos também por unanimidade que qualquer indivíduo – enquanto agente econômico – agiria em plena confor midade com preceitos racionais. Nascia assim o homo economicus. Não vamos adentrar em detalhes sobre alicerces lógicos, mas as premissas que formalmente definem a racionalidade do homo economicus são bem exigentes – ao menos para a maioria das pessoas demasiadamente humanas que eu conheço (inclusive eu mesmo). Duas das principais premissas dizem respeito à consistência e à completude.
Ser consistente é não cair em contradições. Se você prefere as ações da Ambev às de Gerdau, e prefere Gerdau a Embraer, então não pode preferir Embraer a Ambev. Não pode investir em LCIs só porque os outros estão investindo, ou porque seu private banker te levou para jogar golfe. Nem vale entrar no cheque especial enquanto tem saldo na poupança para cobrir a posição. Em paralelo, ser completo é ter algo sério a dizer sobre absolutamente tudo. Qualquer proposição que lhe aparecer à frente, você será capaz de falar se é verdadeira ou falsa. Dotado de completude, você saberá afirmar se o preço-alvo estimado pelo analista de sellside é fruto do DCF ou de influências da área comercial do banco. Nenhum ativo financeiro fica em cima do .82.
muro: ou é pra comprar ou é pra vender. E todos os preços convergem para seus respectivos valores intrínsecos (e não o contrário!). Mediante críticas de que esse indivíduo racional divergia da realidade, os economistas modernos respondiam que a Ciência não deveria estar preocupada com a realidade, mas sim com uma realidade, passível de modelagem. E a partir dela faríamos pequenos ajustes. Décadas mais tarde, com o triunfo da Economia Comportamental, conseguimos notar que os pequenos ajustes tinham ficado grandes demais; e a realidade só encolhendo, coitada. Formalmente, só reconhecemos isso em 2002, quando o Nobel de Economia foi conferido ao psicólogo Daniel Kahneman. Mas antes tarde do que nunca. Infelizmente, a Teoria Financeira que orienta várias das práticas de mercado – sobretudo o apreçamento de ações – ainda não fez esse reconhe cimento de gramado. Nós, engravatados da Faria Lima (ou de Wall Street, tanto faz), continuamos habitando um mundo em que é possível formar expectativas exatas sobre eventos futuros e – por conseguinte – sobre os preços dos ativos financeiros.
À esPera A esta altura do livro, creio que já compreendemos a dependência-vício que o investidor tem em relação ao futuro. O passado não serve para estimar o valor justo de uma ação, tampouco o presente. Por eliminação, resta o futuro – ou mais precisamente – os fluxos de caixa daqui até o infinito. Vai encarar? .83.
Como desincentivo, nem mesmo os livros-texto conseguiram determinar a maneira preferida do homo economicus fazer julgamentos e formar expectativas em contextos de incerteza. Num torto exercício metalinguístico, os economistas tentam há anos predizer o comportamento intertemporal dos agentes econômicos, sem muito sucesso. A tentativa mais simples nesse sentido resulta no que chamamos de expectativas estáticas. Por essa ótica, esperamos que o próximo período seja rigorosamente igual ao período corrente. Os dias se repetem, os meses se repetem, os anos se repetem. Todo dia ela faz tudo sempre igual, te sacode às seis horas da manhã, te sorri um sorriso pontual e te beija com a boca de hortelã. Assim, o melhor a fazer como investidor é repetir também. Parece ingênuo, mas de fato muita gente age assim no mercado. Traders “arrojados” projetam que a ação que lucrou em janeiro subirá também em fevereiro, e março – no que é tecnicamente conhecido como momentum trading, em alusão ao momento de inércia.
Triste também que – no mundo todo – investidores de varejo só apostem com ênfase na Bolsa depois que o negócio já bombou. Não raro, eles entram no momento mais caro possível e saem realizando prejuízos, ficando traumatizados demais para aproveitar quando as ações voltam a se tornar atrativas. Lamentável, mas é sempre assim. E se não fosse? E se não fosse sempre do mesmo jeito? Como alternativa à monotonia estática, pensou-se noutro modelo, de expectativas adaptati vas, muito usado inclusive em programas de inteligência artificial. Agora, em vez de bater só numa tecla, as pessoas podem ir ajustando suas expectativas conforme os erros e acertos dos palpites anteriores. Com isso, vamos .84.
aperfeiçoando o método até atingirmos um estado ótimo em que os erros são minúsculos e os acertos predominam. Isso funciona razoavelmente bem no aprendizado de tarefas elementares – como as de coordenação motora, por exemplo. Chutamos fraco, a bola não chega no gol. Chutamos forte, ela passa por cima da trave. Chute a chute, vamos alternando entre dois extremos, até alcançarmos a verdade aristotélica num meio-termo. Assim como o momentum trading deriva das expectativas estáticas, podemos associar as expectativas adaptativas a uma estratégia de investimento denominada “reversion to mean”, ou simplesmente reversão à média. Existe uma média – um centro de alvo – na qual estamos mirando e tentando acer tar. Se ocorre um desvio acima da média, corrigimos a rota do barco para baixo. Já se o desvio é para baixo, ajustamos para cima. Infelizmente, na prática, alguns graves problemas depõem contra essa estratégia. Ninguém sabe qual é a média; quando achamos que descobrimos, ela muda de lugar sem avisar ninguém. O preço de uma ação pode ficar longe da média (o valor intrínseco da empresa) por muitíssimo tempo, sem que a rota do navio-mercado seja devidamente corrigida. E mesmo se você estiver 100% certo sobre qual é a “verdadeira” média, os outros participantes do concurso de beleza keynesiano podem jamais concordar com você. Ok, ok, já deu pra entender que não é fácil. Vamos então para a terceira empreitada, aquela que conquistou o coração dos economistas mais ortodoxos: a hipótese das expectativas racionais. Nesta concepção, o homo economicus ganha um pouco mais de jogo de cintura no trato do futuro. Ele forma expectativas baseado (i) na compreensão perfeita das leis que .85.
regem o ambiente econômico-financeiro e (ii) em todas as informações disponíveis até o momento em que as projeções são construídas. Quanto à compreensão das leis, é razoável supor que os investidores saibam como se comporta o mercado. No entanto, até que se atinja um nível próximo à “perfeição”, esse entendimento demanda tempo, muita experiência. Não basta enxergar demanda e oferta nas ordens de compra e venda, nem basta diferenciar ONs de PNs. Há vários outros compo nentes da engrenagem de Bolsa muito menos óbvios, que não cabem nos dicionários financeiros. Uma ação subindo forte dentro do Ibovespa pode espelhar a contrapartida de um movimento pesado de venda do índice futuro. Uma small cap pode subir 200% em um ano, mesmo dissociada de qualquer fundamento, desde que seu free float esteja sequestrado por lobos disfarçados de carneiros. Ninguém debuta em Bolsa com esse grau de senso crítico trazido do berço. No tocante às informações, a hipótese de expectativas racionais prevê que os agentes econômicos incorporam rapidamente todas as notícias, fatos relevantes e comunicados ao mercado. Incorporar significa ler o conteúdo, processá-lo e comprar/vender ações conforme as respectivas interpretações. Nada passa despercebido por mais do que alguns minutos, toda informação relevante entra automaticamente nos preços. Você já deve ter se assustado ao ver uma breaking news sobre a possível venda do Fleury se transformar instantaneamente em 8,95% de valorização para FLRY3. Reconhecendo os méritos da hipótese, muita coisa evoluiu desde os tempos de Benjamin Graham. Este é o mundo moderno pós-Gutenberg, com iPhone, Twitter e Facebook. Se algo acontece, realmente ficamos sabendo em questão de segundos. .86.
Mesmo assim, os adventos tecnológicos (atuais e futuros) não garantem que essa tonelada de informações chegará aos preços de maneira eficiente, sem ruídos. Quem afirma que a possível venda do Fleury implica 8,95% de valorização, e não 5% ou 15%? Quanto mais nos afogamos em informações, menos fôlego temos para compreendê-las adequadamente. Se elas de fato alcançam as cotações, o fa zem com timidez ou exagero, mas dificilmente na medida certa. Por isso, os analistas da Empiricus trabalham com o mínimo possível de inputs, muito bem selecionados, a partir de fontes oficiais ou de conversas com pessoas de carne e osso. Em nosso ofício, menos é mais. Como 90% das informações de mercado que caem em nossas cabeças são inúteis (confundem, em vez de esclarecer), o desafio está em jogar fora os comunicados, não em acumulá-los. Somos melhores investidores na medida em que apren demos a negar, cortar, excluir, ignorar.
O fenômeno conhecido como “big data” promete um oceano de da dos para navegarmos e gerenciarmos tudo nos mínimos detalhes. No entanto, quanto maior o número de informações, maior também o número de correlações espúrias. Hoje temos subsídios para achar explicação para tudo, só que de forma absolutamente arbitrária. Em Bolsa, isso é perigosíssimo. No caminho informacional típico, o fato é a causa e a variação da ação é o efeito. Petrobras encontra o pré-sal, torna pública a descoberta e PETR dispara em consonância. Esses são ventos raros, de alto impacto e cuja causalidade merece reconhecimento.
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Frequentemente, porém, investidores percorrem a trajetória inversa: primeiro olham para a variação do papel no home broker e depois saem por aí, procurando justificativas. A imprensa corrobora essa atitude pouco científica, sobretudo num dia em que a Bolsa começa caindo e depois passa a subir (ou vice-versa).
Segundo as manchetes, a Bolsa cai porque as estatísticas de emprego nos EUA vieram abaixo do esperado. Uma hora depois, a Bolsa sobe porque as estatísticas de emprego nos EUA vieram abaixo do esperado, e isso induz o Banco Central americano a injetar mais liquidez na economia. Em tese, do ponto de vista lógico, uma varíavel não pode assumir direções opostas (alta/ baixa) por conta de um mesmo motivo (emprego abaixo do esperado). Mas no mercado torturam-se as causas conforme o gosto do freguês – um freguês que nunca tem razão. Aliás, voltemos ao nosso freguês predileto, o modelo de Fluxo de Caixa Descontado. Para estimarmos os fluxos de caixa futuros de modo robusto, dependemos idealmente das expectativas racionais traçadas pelo homo economicus. Com isso, estamos automaticamente supondo que todas as informações são instantaneamente incorporadas aos preços. Mas peraí… Não estamos montando o DCF de uma empresa justamente para acessar seu valor intrínseco e compará-lo com o valor de mercado, derivando de eventuais desvios as oportunidades de compra ou venda? Uai, se todas as informações estão nos preços, não pode haver desvio algum: valor intrínseco e valor de mercado teriam de ser os mesmos. Ou somos racionais do começo ao fim ou não somos racionais.
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o Que vem é grato Sejam expectativas estáticas, adaptativas ou racionais, até o momento nada parece se encaixar ao modo como efetivamente vislumbramos o futuro. Não me espanta, porque em vez de adotarem uma atitude empírica, os economistas preferiram “deduzir” o algoritmo de expectativas usado pelo homo economicus. Em vez disso – por mais absurdo que pareça aos economistas – não seria mais fácil simplesmente perguntar ao homo sapiens como ele lida na prática com as incertezas futuras? E só então tentar elaborar algum tipo de modelo? Felizmente, fomos salvos por dois psicólogos que entenderam isso e resolveram atacar o problema com uma postura empírica. Desde os trabalhos seminais de Amos Tversky e Daniel Kahneman, vários outros psicólogos e economistas se aprofundaram no tema, estabelecendo um novo campo de estudos denominado Economia Comportamental – e que tem as Finanças Comportamentais como subsidiárias. Comos fãs de Kahneman e Tversky, poderíamos citar dezenas de contribuições que ambos trouxeram à maneira geral com que encaramos e entendemos expectativas. Mas dado o escopo deste livro, daremos apenas um exemplo, suficiente para provar o ponto. Lembrando do falseacionismo de Karl Popper no Capítulo II, uma única exceção basta para violarmos a proposição de que enxergamos o futuro sem viés.
O exemplo que escolhemos alude a um estudo feito por Craig Fox – aluno de Amos Tversky. Esse estudo ressalta dois pontos (i) esperamos o que queremos esperar e (ii) subestimamos a importância dos cenários .89.
alternativos com os quais nos deparamos. O primeiro ponto remete ao que a língua inglesa chama de “wishful thinking”, posto que existe uma linha tênue entre a torcida e a expectativa. Já o segundo ponto escancara nossa enorme dificuldade de pensar em várias coisas ao mesmo tempo, que atrapalha em especial os julgamentos estatísticos. Craig reuniu fãs do basquete americano e arquitetou várias perguntas a respeito dos playoffs da NBA, e de quem venceria o mata-mata. Em particular, os torcedores foram questionados sobre a probabilidade de cada um dos oito times restantes ganhar a competição. Como evidência do wishful thinking, os fãs do Chicago Bulls atribuíram chances bem maiores à vitória dos Bulls – e o mesmo viés de confirmação ocorreria com torcedores do Heat, Bucks, Nets, Pacers, Hawks, Knicks e Celtics. Embora permeado por estatísticas, análises táticas e habilidades individuais dos jogadores, esporte é – acima de tudo – paixão. Até aí tudo bem. O viés é inquestionável, mas já imaginávamos que o torcedor chutaria com o coração na ponta da chuteira. A surpresa maior vem do fato de que mesmo os demais times, sempre avaliados caso a caso, sequestravam uma atenção excepcional dos participantes. É como se cada respondente da pesquisa conseguisse pensar só no time daquela rodada de perguntas, e não nos demais. No fim das contas, sob efeito de ambos os desvios, a probabilidade média dos oito times vencerem o torneio totalizou 240%! Esse percentual é completamente absurdo, já que as chances de cada concorrente ao título deveriam somar necessariamente 100%.
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Craig Fox ficou tão impressionado com o resultado do estudo que resolveu levá-lo adiante. Convocou os fãs de basquete a fazer apostas financeiras em cima de suas expectativas, escolhendo o provável ganhador da competição. A hipótese era de que, eventualmente, ao colocar dinheiro vivo, os participantes levariam mais a sério o desafio e forneceriam estimativas aprimoradas. Porém, a essa altura você já deve imaginar que não foi isso o que aconteceu…
O torcedor que acertasse o time campeão levaria US$ 160. Craig per guntou aos participantes quanto eles topariam gastar no máximo para entrar em cada uma das oito apostas possíveis. Recolhidas as intenções, a soma dos gastos máximos (que espelha as respectivas impressões de probabilidade) alcançou US$ 287! Ou seja, se alguém apostasse em todos os oito times, perderia com certeza US$ 127 – o que viola quaisquer preceitos de racionalidade. Os participantes sabiam que havia apenas oito times disputando os playoffs e sabiam que o acerto renderia US$ 160. Mesmo assim, eles to param implicitamente pagar bem mais do que US$ 160 para entrar nessa aposta, transformando-a em um péssimo negócio. Os homo sapiens estudados empiricamente por Craig Fox não só sobreavaliaram as probabilidades de vitória como botaram grana nessa sobreavaliação. Qualquer semelhança com as apostas feitas diariamente na Bolsa não é mera coincidência. Nossa racionalidade é limitada por vieses. A despeito disso, enquanto pessoas e investidores, temos que lidar racionalmente com as incertezas inerentes ao futuro. Como conciliar as duas condições? Precisamos abandonar o vício de previsão em nome de uma virtude, a virtude de se posicionar de maneira antifrágil em relação às nuances vindouras. .91.
O escritor Fernando Pessoa não só sabia encarar diferentes cenários prospectivos como teve a astúcia de se transformar ele mesmo em tipos diversos. Na pele de Ricardo Reis, escreveu uma estrofe assim: “Aos que a felicidade É sol, virá a noite. Mas ao que nada espera Tudo que vem é grato”.
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iv. BuFFett vale mais O que você vai ser quando crescer? Eu nunca fui uma criança típica. Não tentava ser jogador de futebol. Também não era uma espécie de Lulu Santos, que queria ir tocar guitarra na TV. Eu estava mais para o Tom Hanks, no fil me Big : eu só queria ser grande mesmo. Aquela coisa de ter de me rotular de algum jeito me incomodava desde os tempos mais pueris. Eu tinha mesmo que me enquadrar em alguma caixa? Fui me apertando entre as laterais, esperando fecharem a tampa, lá pelos 12 ou 13 anos. Sem motivo aparente, comecei a vomitar com frequência absurda (desculpem-me pela imagem escatológica). Na média, duas ou três vezes por dia, lá estava eu de joelhos sobre os azulejos brancos e frios, abra.95.
çado à privada igualmente branca, com cobertura caramelo. Numa quarta-feira, cheguei a bater o recorde: foram dez visitas ao banheiro para sentir aquele aperto horrível nas costelas, gosto de bile na boca. Conheci os melhores gastroenterologistas do Brasil. Dos simpáticos aos arrogantes. Fiz todos os exames possíveis e imagináveis – conheci cada fun cionária do Fleury. Tudo isso para descobrir o seguinte: não havia nada de errado com meu sistema digestório. Minhas conversas com a privada eram despertadas exclusivamente por questões psicológicas. Adultos à minha volta tentaram arrumar as mais variadas explicações. A culpa seria de uma namoradinha da escola. “Ah, não, ele não gosta dela tanto assim”. Na verdade, é a pressão dos pais pela disciplina. “Imagina, os pais falam até para ele parar de estudar!” Até dúvidas sobre minha opção sexual foram trazidas à mesa. Com minha educação costumeira, convidei a moça para sair e verificar ela mesma se a tese faria sentido.
Sem descobrir a causa real para os vômitos, lá fui eu bater à porta dos psi cólogos. Não me entenda mal, por favor. Sou grande fã da análise da psique. Inclusive, tenho em Daniel Kahneman meu Nobel de Economia favorito. Mas a psicologia não funcionou pra mim. Passei por cinco consultórios diferentes, sem sucesso. Era estranho, porque o processo me forçava a definir coisas que para mim eram indefiníveis. Eu não poderia saber exatamente questões a meu respeito e, mesmo assim, era obrigado a responder, ciente da imprecisão com que as palavras saiam da minha boca. Por maior que fosse meu esforço, era insuficiente para transmitir quem eu realmente era. E o pior: o doutor ia formar uma ideia a meu respeito baseado nas palavras que eu lhe falava, em grande parte mentirosas, sem querer querendo. .96.
Vira exatamente o problema da Clarice Lispector que citamos lá no começo, sabe? “É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.”
Quando você lê um livro sobre Warren Buffett e seu processo de in vestimento, está diante do mesmo problema. As decisões financeiras são muito mais complexas do que os livros de value investing, mesmo os autobiográficos. Esse capítulo é uma espécie de pedido, misturado com esclarecimento: por favor, não entenda esse livro como uma crítica a Warren Buffett e Benjamin Graham. Com efeito, a obra é escrita por dois fãs de carteirinha desses monstros sagrados.
Em nenhum momento, questionamos as virtudes de Warren Buffett e de seu método prático. Os questionamentos fazem referência às teorias e aos fatos estilizados que se formaram em torno dessa sábia figura de Omaha. Ademais, o capítulo pode ser lido como uma resposta à pergunta que até há pouco pairava no ar: “se há tantos problemas com o value investing, como Buffett pode ser tão bem sucedido”? Ninguém aqui é louco de negar a utilidade da Escola de Valor, mesmo em seu mais simples conceito. São milhares de estudos ao longo de décadas mostrando como métodos apoiados nos princípios do investimento em valor renderam resultados consistentes e impediram maior perda de dinheiro em situações de crise.
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Como alternativa, porém, acho que a abordagem antifrágil (tal como proposta por Nassim Taleb) vence a briga tanto por sua superioridade epistemológica quanto pela prática. O fato de Ayrton Senna ter superado Alain Prost em nada diminui o piloto francês.
A questão central aqui: Warren Buffett é muito mais complexo e interes sante do que qualquer coisa já escrita sobre ele. Um olhar de fora escrevendo sobre o megainvestidor incorre no clássico problema da não tradução; transcrições desse tipo sempre incorrem em grandes perdas de conhecimento. Nada substitui o original. Mas o entrave é ainda maior, pois nem mesmo o próprio Buffett poderia se autodescrever. Como para qualquer fenômeno social, o processo de investimento envolve muito conhecimento tácito e heurístico – ou seja, incapaz de formalização. Ninguém consegue descrever com precisão, “passo a passo”, um algoritmo bem-sucedido de investimento. Tacitus em latim refere-se a calado, silencioso. Um conhecimento acumulado ao longo da vida, associado às experiências e às habilidades individuais, sem ser passível de definição explícita. Quem estudou muito isso foi o filósofo austríaco Michael Polanyi, que descreveu o conhecimento tácito como: “espontâneo, intuitivo, experimen tal, conhecimento cotidiano, do tipo revelado pela criança que joga um bom jogo de basquete, (…) ou que toca ritmos complicados no tambor, apesar de não saber fazer operações aritméticas elementares. Tal como uma pessoa que sabe entregar troco mas não sabe somar números. Se o professor quiser se familiarizar com este tipo de saber, tem que prestar atenção, ser curioso, ouvi-lo, surpreender-se, e atuar como uma espécie de detetive que procura .98.
descobrir as razões que levam as crianças a dizer certas coisas”. É uma espé cie de representação das forças dionisíacas de Nietzsche. O argumento ficou resumido na famosa frase de que podemos conhecer mais do que podemos explicitar. Um conhecimento integralmente explícito é inconcebível. Conhecimento tácito é importante por ser inclusive mais relevante do que a parte formalizável do saber. Conforme Polanyi, há mais valor naquilo que tem difícil captura, registro e divulgação, justamente por estar atrelado ao indivíduo.
Para o nosso caso, Buffett – em sua completude – não cabe nos livros. O que vaza pra fora das páginas é o que faz toda a diferença. Não adianta querer se tornar um Mini-Buffett lendo as incontáveis biografias a respeito do guru. Você vai deixar de ser o investidor que é, e não ganhará nada em troca. Acho que Pérsio Arida entenderia o ponto. Pegando emprestados os ensinamentos de Arida sobre a importância da Retórica na Economia, notaríamos que o value investing é sim associado à fronteira do conhecimento em análise de ações, mas não por representar a técnica mais rentável. Sua pretensa superação não veio de resultados empíricos mostrando que Buffett aplicou, de fato, os elementos da Escola de Valor e ganhou dinheiro com isso. A rigor, o value investing ganhou a tradição em finanças por seguir fielmente as regras de retórica, que é, em última instância, a responsável pela vitória das mais variadas teorias em Economia, conforme bem definiram Deirdre McCloskey e Persio Arida – não necessariamente nessa mesma ordem.
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A Escola de Valor é simples, coerente, abrangente; oferece generalidade e poucas metáforas; permite formalização e resgate da tradição. Ou seja, atende com precisão cirúrgica às sete regras de retórica contidas no brilhante artigo “A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica”, de Arida. Corrobora o argumento o fato de que Buffett pratica algo muito além do que supõe o value investing tradicional. Artigo de Gerald Martin (American University – Kogod School of Business) e John Puthenpurackal (University of Nevada – Department of Finance), de abril de 2008 e título Imitation is the Sincerest Form of Flattery: Warren Buffett and Berkshire , mostra como, contrariando o fato estilizado, o bilionário seguiu preceitos mais associados ao growth investing do que propriamente ao value investing. O resumo do trabalho diz mais ou menos assim (desculpem eventuais erros na tradução livre): “Nós analisamos os portfólios de ações da Berkshire Hathaway (empresa de Buffett) entre 1976 e 2006 e exploramos potenciais ex- plicações para sua performance acima da média. Contrariamente à crença popular, descobrimos que a Berkshire investe, primeiramente, em large caps de crescimento, em vez de ações tradicionalmente as- sociadas aos conceitos de valor. Ao longo desse período, o portfólio bateu seu benchmark em 27 de 31 anos, na média superando o S&P 500 em 11,14%. A carteira bateu o índice que contempla a média ponderada de todas as ações em 10,92% e um portfólio montado a partir de um modelo Fama & French em 8,56% ao ano. Embora estar à frente do mercado em 27 de 31 anos possa acontecer estatistica- mente apenas por conta da sorte, quando incorporamos a magnitude .100.
da superioridade, a explicação por meio da simples sorte sugere algo bastante improvável, mesmo se ponderarmos pelo viés de seleção ex post. Identificamos que a carteira da Berkshire Hathaway é altamente concentrada em poucas ações, com os cinco maiores representantes respondendo por 73% do valor do portfólio. Embora o aumento de volatilidade seja tradicionalmente associado à maior concentração, nós mostramos que a volatilidade do compêndio é derivada dos re- tornos positivos, e não das variações para baixo. (...) Nossa evidência sugere que Warren Buffett, Charles Munger e Lou Simpson possuem habilidades de investimento incapazes de serem explicadas pela Teo- ria dos Mercados Eficientes”.
Breve digressão: quem mereceria o Nobel, Eugene Fama, um dos precursores da hipótese de mercados eficientes, ou Warren Buffett? Voltando ao raciocínio... citamos Polanyi e Arida para questões metodológicas, mas poderíamos ir um pouco além, resgatando as ideias de Lakatos sobre validação ou não de teorias. Para o físico/matemático/filó sofo, os pacotes de conhecimento são compostos por um miolo forte, um pressuposto básico que acaba não sendo efetivamente testado. Esse miolo estaria circundado por teorias de suporte, e somente essas viriam a ser testadas, estando suscetíveis à refutação.
Quando pensamos na associação entre Warren Buffett e value investing, qual é o miolo da coisa? Ora, o miolo é o valor – como defini-lo e como formalizá-lo. Teorias de suporte (como a análise de múltiplos, por exemplo) nos interessam menos.
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um Caso PrátiCo Matéria da Bloomberg de 18 de fevereiro de 2011 trazia o seguinte primeiro parágrafo: “As ações da BR Foods subiram para o valor mais alto já registrado na Bovespa, em meio a notícias de que a Berkshire Hathaway, em - presa do bilionário Warren Buffett, começou a comprar ações da fabricante brasileira de alimentos. A Brasil Foods, maior exportadora mundial de frango, subia 2,5 por cento, para R$ 29,44 às 12:30. Mais cedo, o papel chegou à cotação de R$ 29,98, maior valor desde o início das negociações da empresa, conhecida anteriormente como Perdigão, em 1997. O Ibovespa subia 0,3 por cento”.
Um pouco mais à frente, a reportagem diz: “Buffett começou a comprar as ações depois que gestores de fundos da Berkshire visitaram unidades da Brasil Foods – disse hoje o Valor Econômico, citando investidores não iden tificados que conversaram com executivos da companhia”. A esta altura, nem preciso dizer que foi mais uma aposta acertada de Buffett e sua trupe – assumindo aqui a veracidade das informações publicadas na mídia (nunca houve confirmação oficial do investimento). Foi caso claro em que o sábio de Omaha desviou-se dos pilares mais tradicionais do value investing e ganhou muito dinheiro. O múltiplo Valor da Empresa sobre Ebitda (proxy para a geração de caixa) superava 10x à época, enquanto demais empresas do setor de alimentos negociavam a 7x. Em adição, estávamos às vésperas da decisão do Cade a respeito da fusão Perdigão .102.
& Sadia, o que retirava visibilidade sobre as sinergias a serem colhidas pela união e impunha risco adicional ao case. A determinação do tal valor intrínseco é muito mais complexa do que este ou aquele múltiplo. Olhar métricas quantitativas friamente poderia ser profícuo quando da época de Benjamin Graham, quando o acesso à informação era precário. Com o advento do Google, não existe mais burro nem leigo. Precisamos de referências também qualitativas e não foi por acaso a visita à fábrica da BR Foods pelos analistas da Berkshire. Buffett pagou prêmio pelas ações nas mais variadas métricas de valuation e viu seu capital simplesmente dobrar em pouco mais de dois anos. Para mim, está ótimo.
Como ler então? Este capítulo termina sugerindo uma forma de interpretação do instrumental analítico de value investing, que acaba unindo os ensinamentos de Benjamin Graham e Warren Buffett à filosofia antifrágil de Nassim Taleb. O Investimento de Valor não deve ter uma veste mecanicista, supostamente capaz de revelar o Santo Graal financeiro (também conhecido como valor intrínseco). Esta verdade aristotélica, se existir, é indeterminável. Como já afirmado no conceito de conflation, ações não são rigorosamente empresas; são ativos financeiros que guardam relação com as .103.
companhias. É aí que deve entrar o value investing. Uma ferramenta de ajuda para entender como as ações estão se comunicando com as empresas, e vice-versa. O que está sendo dito para a firma naquela cotação? O que pode acontecer de maneira a justificar um preço mais alto? Quais as opcionalidades envolvidas? Nem Buffett, nem Graham, nem ninguém pode revelar a verdade aristotélica. Eles “apenas” oferecem instrumentos para tentar reduzir nossas perdas ou sugerir altos retornos. Trazem-nos referências de quanto a coisa pode ficar melhor ou pior, servindo de elemento adicional num processo complexo e recheado de incertezas.
Se você vê uma ação abaixo do caixa, por exemplo, pode ser um belo pri meiro incentivo, pois temos a noção de que há um colchão capaz de limitar nossas perdas. Simultaneamente, se esse caixa for bem empregado, a ação estará preparada para subir. Com um olho no peixe e outro no gato, você tenta diminuir sua perda a partir de uma referência de “preço justo mínimo” e se expõe a potenciais eventos positivos. Essa é a leitura que gostaríamos de dar ao value investing. Em se entendendo dessa forma, Buffett passa a conversar em harmonia com Taleb. Veja que isso está totalmente alinhado à Regra 1, proposta pelo sábio de Omaha: “nunca perder dinheiro”. E também à Regra 2: “não esquecer a Regra 1”. As preocupações estão inicialmente em evitar as perdas, e não em determinar com precisão para quanto vai a ação. Usamos as métricas clássicas de valuation para limitar prejuízos. Assim, podemos beber dos acontecimentos futuros, desconhecidos por natureza, como trampolins para alçar-nos a preços mais altos. .104.
Não adianta rezar para um Deus das finanças achando que ele vai lhe trazer a verdade. Eu mesmo tenho tentado há 30 anos. Eu falo, falo, falo. Ele ainda não respondeu nada. Esta aí um Sujeito introspectivo.
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v. um PouCo de muito risCo Gilmar Fubá foi jogador de futebol. Talvez você se lembre dele, meio-campo. Primeiro volante, marcador implacável. Atuou profissionalmente entre 1995 e 2011, com maior destaque pelo Corinthians. Hoje está no showball. Pelo preparo físico, era um grande jogador. Do ponto de vista técnico, era uma tragédia. Marcava muito, passava ou driblava pouco. Apesar da parca habilidade, eu adorava o Fubá. Ele tinha o que a torcida queria: amor à camisa e muita raça, além de um carisma garantido por humildade superior ao seu 1,80m de largura. Passou a ser particularmente especial quando fez uma partida impecável na final do Brasileirão de .107.
1999 contra o Atlético Mineiro, ajudando a trancar a defesa alvinegra paulista, mesmo jogando com a camisa 9 que originalmente pertencia ao artilheiro Luizão. Não podemos negligenciar também sua presença no título Mundial, em 2000 – a primeira vez a gente nunca esquece. O Corinthians bateu o Vasco nos pênaltis e levou a taça. Gilmar Fubá, como todos os integrantes do elenco, ganhou um belo prêmio financeiro pela conquista. Para o seu caso, foram R$ 190 mil. À época, uma fortuna para o volante nascido em São Mateus, zona leste (bem leste) de São Paulo. Diz-se que, ao receber a grana, Gilmar Fubá não sabia o que fazer. Esta va indeciso quanto ao destino do dinheiro. Tinha receio de que o banco poderia roubá-lo em caso de aplicar o montante em algum investimento. Então, decidiu: compraria duas BMWs, idênticas. Ao menos é assim que a lenda conta. Olha, eu realmente não tenho nada contra carros alemães. Nem poderia, né? Mas comprar dois iguais já é muito para mim. Fubá não entendeu os ganhos advindos da diversificação. Diversificar é aquela história: não colocar todos os ovos na mesma cesta. Em Finanças, o clichê foi formalizado a partir do instrumental de Harry Markowitz, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 1989. A ideia básica de Markowitz é de que o investidor pode montar um portfólio com menos risco e mesmo retorno potencial a partir da diversificação de ativos. E como, em tese, o indivíduo gosta de retorno e não gosta de risco, estaria em vantagem. .108.
Se Benjamin Graham e Warren Buffett são os representantes clássicos da análise de ações, Harry Markowitz assume o protagonismo na ortodoxia financeira quando o intuito não é escolher um ativo especificamente, mas sim a montagem de todo o portfólio. Este capítulo começa apresentando as ideias de Markowitz. O mote do arcabouço analítico é demonstrar como a diversificação pode levar a ganhos na montagem de portfólio, através de carteiras supostamente eficientes (máximo retorno potencial para um determinado nível de risco ou mínimo risco para um dado nível de retorno potencial). Num segundo momento, revelaremos as fragilidades desse modelo. Markowitz é apenas uma tentativa platônica de construir portfólios ótimos. Através de métodos altamente sofisticados (e inócuos) tentam-se definir retornos esperados e patamares de risco, quando isso se trata apenas de um esforço pseudocientífico de, mais uma vez, domesticar a incerteza e simplificar a realidade. Por fim, o capítulo termina com uma proposta prática de montagem de portfólios superiores aos sugeridos pela ortodoxia – cujos hábitos derivam de uma arrogância epistemológica gigantesca. O novo método prescinde do conhecimento do futuro, não reduz a realidade a um vídeogame, é mais simples e consegue capturar bons potenciais de valorização, sob perfil de risco efetivamente conhecido e baixo.
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A
FRONTEIRA EFICIENTE
Markowitz simboliza o asset allocation (alocação de ativos) ortodoxo. Damos atenção ao caso justamente por simbolizar mais um fiel ícone do acréscimo desnecessário de tecnicidade à prática dos investimentos. A ideia inicial parte de uma visão crítica da tese de doutorado de John Burr Williams, que, conforme já descrito, basicamente expõe as raízes do Mo delo de Fluxo de Caixa Descontado. A leitura questionadora de Markowitz é de que a proposição de Williams não contempla uma análise de risco. Filosoficamente, o insight de Markowitz teria partido de seus estudos de filosofia em David Hume (embora possivelmente Hume, se lesse a proposta de Markowitz, não concordaria). O pilar de Markowitz é a noção de que o princípio da diversificação poderia levar a uma redução de risco, sem perda de rendimento potencial. Ao comprar dois ou mais ativos que não se movem exatamente na mesma direção, o investidor conseguiria, para o mesmo nível de retorno esperado, encontrar um perfil de risco menor.
Sob a hipótese de aversão a risco, o sujeito gosta de mais retorno e não gosta de risco. Portanto, aplicando a noção de diversificação e observando de forma correta as covariâncias (como os ativos se comportam juntos), poderíamos selecionar ativos de maneira ótima: o menor risco possível para um dado retorno esperado; ou, analogamente, o maior retorno esperado a partir de um dado nível de risco. Nesse contexto, a medida de risco é definida a partir do desvio-padrão (ou variância) dos ativos, contempladas as respectivas covariâncias.
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Note que, para cada nível de retorno esperado predeterminado, estaria associada uma combinação de ativos que daria o mínimo de risco possível. A relação de todos os casos de menor risco para um dado retorno dá origem à chamada Fronteira Eficiente de Markowitz, marcada na linha azul em negrito abaixo (o maior retorno esperado possível para cada nível de risco pré-acordado):
Em resumo, o investidor escolherá uma cesta que: 1) Oferece o máximo retorno esperado para diferentes níveis de risco; e 2) Oferece o mínimo risco para diferentes níveis de retorno esperado. .111.
Qual portfólio exatamente será escolhido dentro daqueles da fronteira eficiente depende da preferência individual, de quanto o investidor quer combinar entre risco e retorno. Qualquer um, desde que esteja na linha azul em negrito, será eficiente.
m atematizando Aos que desejam ver os argumentos técnicos pormenorizados, o investidor se depara com um problema simples de maximização do retorno esperado para um dado nível de risco. Ou, de forma análoga, de minimização do risco para um dado nível de retorno esperado. A restrição é de que a soma dos pesos investidos em cada ativo deve ser igual a 100%. O risco da carteira é definido pelo desvio-padrão do portfólio:
, onde:
wi é o peso a ser alocado no ativo i, wj é o peso a ser alocado no ativo j, é a covariância entres os ativos i e j (quando i = j, temos a própria variância).
A restrição, no caso, é representada pela hipótese de que não há alavancagem e que todo o capital é investido:
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0 < w i < 1
E agregamos também a restrição de que o retorno esperado não é uma variável, mas sim uma constante. Lembre-se que estamos minimizando o risco para um “dado retorno”, que é dado por:
O retorno esperado do portfólio é a soma dos retornos esperados individuais, ponderados pelo peso aplicado em cada ativo.
Assim, assumindo que conhecemos o retorno esperado e o nível de risco (hipótese de Markowitz), chegamos a um problema clássico de otimização. Minimiza-se o risco do portfólio, sob as restrições de que a soma dos pesos é unitária e o retorno esperado é um parâmetro exógeno definido a priori.
m arkowitz leu hume? Hoje completa um mês exato desde que fui pela última vez ao médico do convênio. Normalmente, tolero calado esse tipo de coisa, mas aquela situação foi demais para mim. No momento preciso em que eu cruzava a porta do consultório, ainda quando entrava com meu pé direito na sala e mantinha a outra perna para fora, o sujeito já preenchia minha receita. .113.
Eu nem sequer havia cumprimentado o doutor e ele passava a prescrição, sem nenhum tipo de diagnóstico. Não resisti e disparei: - Doutor, o senhor me desculpe, mas essa daí é a minha receita? Eu ainda nem fiz ‘aaaaa’. O senhor não olhou a minha garganta… Ao que ele prontamente esclareceu: - Não, não, caríssimo. Fique tranquilo. Esta prescrição aqui é do próximo paciente. A sua já está pronta faz tempo. Pode levar. Pega aqui, ó. Não dá para fazer medicina com pressa e superficialidade. Idem para investimentos. Por isso fico perplexo com a falta de profundidade de Markowitz. Entregamos um Nobel à toa. Para falar a verdade, foi o primeiro prêmio concedido por uma derivada de primeira ordem, algo que se estuda no primeiríssimo ano da faculdade (aquele em que vamos a todas as festas e a nenhuma aula). Em seu estudo seminal sobre a Fronteira Eficiente, Markowitz começa assim: “assuma que o retorno esperado e o risco (variância) dos ativos são conhecidos”. A partir daí, faz toda a derivação matemática do artigo, sob a ideia de que retorno esperado e risco são de fato conhecidos. Qual é o grande problema? Essas coisas não são parâmetros conhecidos a priori. Ao contrário, são variáveis que precisam ser estimadas! E como vari ável estimada, deve vir acompanhada de um erro ou intervalo de confiança. Markowitz simplesmente despreza esse ponto e desafia um dos pilares mais triviais da estatística.
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E o pior: se reconhecêssemos o óbvio, que os tais parâmetros precisariam ser estimados e acompanhados de um erro nas equações, então seria impossível derivar as coisas da forma como fez Markowitz. Não haveria artigo, Nobel ou Fronteira Eficiente. O modelo é muito frágil em relação às premissas.
Indo além, estamos diante de um sério – e comum – viés metodológico, em que as hipóteses do modelo são escolhidas justamente para permitir a formalização matemática desejada, e não para retratar a realidade de maneira verossímil. Ao final de seu trabalho clássico, Markowitz reconhece que retorno esperado e variância precisam ser estimados, por meio de uma combinação de técnicas estatísticas e do “julgamento do homem prático”. Ênfase para essa segunda parte. Depois de toda a atematização, precisamos recorrer ao julgamento do homem, ou seja, à subjetividade. Em outras palavras, se assumirmos conhecer o retorno esperado e o risco, então vira um exercício de cálculo diferencial trivial. O problema é que não conhecemos. E a maior dificuldade está justamente na estimação. Essa crítica não é apenas nossa. O argumento, em outras palavras, aparece formulado no Apêndice II do livro de Nassim Taleb sobre antifragilidade. Mas isso é somente parte da dificuldade de aceitar Markowitz. Podemos acrescentar outros elementos indigestos. Ficarei um pouco técnico agora, mas vai passar rápido. Apenas dois parágrafos e volto a falar português.
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A ideia de Fronteira Eficiente decorre de um modelo apoiado apenas nos dois primeiros momentos da distribuição de probabilidade: na média (retorno esperado) e na variância (risco). Ocorre, porém, que o preço dos ativos em longo prazo depende ainda mais substancialmente dos próximos momentos, como a curtose (grosso modo, dos eventos raros, aqueles bem distantes da média – já vimos isso anteriormente com o Cisne Negro). Esse argumento passa a ser aceito até mesmo pela ortodoxia em Finanças. Robert Barro, por exemplo, que é um dos grandes expoentes desse pessoal, em seu artigo Rare Events and Equity Premium , demonstra a importância dos eventos raros no apreçamento das ações. Quando Markowitz trabalha apenas com média e variância, despreza elementos essenciais da gestão de risco. De novo, não estamos apenas simplificando a realidade, mas sim distorcendo a danada. Outro ponto importante é que variância não é risco. Lembre-se do caso do Geraldo, nosso querido peru de natal. Ele foi alimentado por 360 dias, sem nenhuma variância. Se tomássemos o desvio-padrão de sua saú de como proxy para sua vitalidade no 25 de dezembro, teríamos inferido que ele acordaria feliz e sadio, quando, em verdade, o bicho se tornara o próprio jantar. Como exemplos claros do argumento, podemos citar o lucro dos bancos às vésperas de setembro de 2008 (marco da crise subprime), a estabilidade das torres gêmeas do WTC na primeira semana de setembro de 2011, o comportamento da indústria de Fukushima dias antes do desastre, a evolução das ações do setor elétrico brasileiro antes do anúncio da MP 579, que mudou uma série de regras do segmento, e por aí vai. Os maiores riscos não são precedidos por maiores variâncias. Eles acontecem de súbito. .116.
As porradas e derretimentos do mercado acabam sendo uma das representações canônicas em finanças do problema de indução proposto por David Hume (lembra dele?). Markowitz, que estudara filosofia e se dizia muito interessado em Hume, parece não ter entendido bem a coisa. Para esgotar as críticas, temos algo ainda mais traumático. Quem desperta os tais ganhos da diversificação propostos por Markowitz são as covariâncias. Grosso modo, covariâncias descrevem como um ativo se mexe em relação a outro. Em tese, você combina ativos que não se movem na mesma direção e, com isso, consegue preservar retorno esperado e reduzir seu risco. Acontece que, nas crises, exatamente quando você está mais precisando do dinheiro, as correlações entre os ativos vão todas para perto de 100%. Tudo se move na mesma direção e rompe os históricos padronizados. Como bem definiu Guimarães Rosa, Deus é traiçoeiro. Ele faz é na lei do mansinho. Mas o diabo é às brutas. Vem a crise e toda a construção da Fronteira Eficiente é arruinada no primeiro sopro.
alFred noBel BiPolar Markowitz não é apenas um mapa incompleto ou impreciso. É um mapa errado. E, como diria Taleb, um mapa errado é pior do que não ter mapa nenhum. Por isso, precisamos abandonar essa ideia. Quando você mais precisar dela, estará sozinho e perdido. Não há como combinar ativos de risco médio achando que isso vai resultar numa diminuição do risco total do portfólio, justamente porque os .117.
padrões históricos de correlação são quebrados. Assim como para qualquer outra variância financeira, o futuro das covariâncias também é incerto. Portanto, só há um caminho confiável para termos portfólio de baixo risco: alocar grande parte da carteira num ativo de alta segurança. Isso é bem diferente do que combinar papéis que, em teoria, se mexem em direções opostas, porque, em várias situações, eles vão caminhar juntos. Um portfólio pouco arriscado há de trazer necessariamente algo como 90% a 95% em papéis de baixíssimo risco, e que pagam acima da inflação. Exemplos clássicos em títulos do Tesouro americano, poupança ou mesmo notas soberanas brasileiras (assumindo aqui o carregamento do título até o final do vencimento, sem exposição às nuances da marcação a mercado diária). Somente assim você poderá ter certeza da preservação da parte mais expressiva do seu patrimônio. E como fazer isso sem abrir mão de retorno potencial? Use o restante (5% a 10%) em aplicações altamente arriscadas, com a óbvia contrapartida de elevado retorno potencial. Falamos isso sem a pretensão de conhecer probabilidades e todos os cenários possíveis para esses ativos de risco. Assuma sua ignorância e adote a postura mais humilde/simples entre todas: pegue essa pequena fatia de seu portfólio e divida equitativamente pelos mais arriscados ativos que encontrar (inteligentemente arriscados), exigindo em troca um belo retorno potencial.
Formalmente, a estratégia é conhecida por 1/N. Repartimos o montante total da parcela dedicada a risco (1) por N (número de ativos). .118.
A seleção de ativos deve atender justamente ao ponto nevrálgico deste livro: quanto eu perco em caso de estar errado (deve ser pouco) e quanto eu ganho estando certo (deve ser muito). Representação canônica da antifragilidade. Leve N o mais perto do infinito que puder. Isso vai maximizar suas chances de acerto. Por construção, apenas um ou outro tiro certeiro será suficiente para sobrepujar vários pequenos erros. No próximo capítulo, apresentaremos exemplos práticos para compor essa fatia arriscada da carteira – inclusive com resultados reais de sucesso.
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vi. oPCionalidades Chegamos enfim ao capítulo mais pragmático do livro – isso o torna especialmente interessante para os leitores sedentos por exemplos reais e aplicações depois de tanta teoria. Em causa própria, argumentamos que nossa teoria também se faz prática, à medida que mata a cobra e mostra o pau. Logo, o que veremos aqui é apenas o sacramentar dos conceitos explorados desde o início desta jornada em prol do investimento em Bolsa. Antes, porém, devo contar uma história pessoal. Quando estávamos ainda a imaginar esta mesma escrita que agora o alcança, a editora deu uma sugestão: por que vocês não misturam com os insights financeiros algumas histórias pessoais? .121.
Ao contrário de outros editores, a Renata até que foi gentil nesse sentido, pois não nos obrigou a nada. Tínhamos o direito de compartilhar essas idiossincrasias, mas nunca o dever. É assim que tem de ser a escrita: direitos em vez de deveres. Eu escolho as coisas que quero contar sobre investimentos, você escolhe se quer ouvir ou não. Ao leitor – principalmente – cabe a prerrogativa de fechar o livro ou seguir adiante, ansioso pelo desfecho da história, para logo depois lamentar que acabou. E quando acaba, começa outra. Nesta eu tinha uns cinco anos, estava começando a me apaixonar pela clássica Coleção Vagalume da Editora Ática. Pensando bem, mentira – eu já tinha me apaixonado faz tempo, estava agora reconhecidamente viciado. De olhos vermelhos, fechei o Escaravelho do Diabo, fui tomar groselha (naquela época, as crianças gostavam de groselha) e na volta me aguardava A Ilha Perdida. Minha mãe começou a desconfiar daquela situação. Era fato que eu abria os livros, folheava cada página, movimentando os olhos linha por linha, da esquerda para a direita, cima pra baixo. Fazia isso na frente de todos, sem pudor algum, tamanho era meu grau de dependência. Mas e daí? Que garantia a Dona Márcia tinha de que eu estava entendendo a Coleção Vagalume? Ler é uma coisa, interpretar e assimilar são outras bem adiante. Ler a gente faz com a parte rápida do cérebro, e o resto cabe à parte devagar. Não era tanto uma preocupação, era curiosidade. Minha mãe estava curiosa de saber se aquilo era real, ou se era um simulacro. Depois, como analista de ações, herdei essa mesma curiosidade, sem a qual não posso trabalhar.
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Antes de dormir, ela se sentou na ponta da minha cama e pediu para eu ler um pouco em voz alta aquela história de uma ilha perdida. Segundo me consta, foi um pedido natural, ao qual eu nunca questionei. Dois meninos estavam passando férias em uma fazenda, à beira de um rio, e dali podiam enxergar uma ilha, do outro lado do rio. Obviamente, não lhes bastava contemplar a ilha à distância: queriam ir até lá.
aQueCendo os motores Num curso tradicional de Finanças (MBA também vale), os alunos normalmente ouvem muito sobre ações, opções e demais ativos financeiros – mas pouco sobre opcionalidades. E raramente aprendem a pensar em opcionalidades de investimento. Talvez porque seja algo que transborde a sala de aula, assimilável apenas com prática e experiência. E, mesmo assim, não qualquer tipo de experiência. Opcionalidades só se tornam nítidas para as pessoas que acumulam experiência cogitando (i) o que foi, mas poderia não ter sido e (ii) o que não foi, mas poderia ter sido. Essa atitude quântica em relação ao passado, de várias possibilidades, ajuda você a contemplar o futuro de forma mais humilde e plural. Por conseguinte, o ajuda a investir melhor. Por meio de um livro, não há como exercitar essa experiência diretamente. Por isso, recomendamos: faça você mesmo. Comece colocando muita grana na poupança e pouca grana em ações. Ou, com algo mais de arrojo, invista bastante em NTN-Bs e um bocadito em opções. As lições de alocação apresentadas ao fim do Capítulo V servem tanto ao profissional quanto ao iniciante. .123.
Investir em renda variável não é coisa de expert nem coisa arriscada, se feita na dose certa. Nada substituirá essa prática para a qual o convocamos. Todavia, um aquecimento antes de começar pode sim tornar o movimento mais fluido. É o que faremos aqui, a partir de agora. Vamos aquecer os motores por meio de três exemplos reais. Como primeiro passo, apresentarei uma tese geral de investimento amparada nas eleições presidenciais de 2014. Estou ciente de que algum incauto lendo este livro depois do pleito poderá julgar essa abordagem inicial como inútil e ultrapassada. Porém, a essência epistemológica e didática continuará a mesma até o final dos tempos, independentemente de já sabermos que Dilma ganhou, foi impedida, e muita coisa mudou desde então. Numa segunda etapa, adentraremos ao investimento em ações através de dois casos opostos: o de uma empresa que oferece retornos frágeis, e o de outra que oferece retornos antifrágeis. Veremos como a primeira pode ser comparada ao peru de Natal de Bertrand Russell, enquanto a segunda é exatamente o que buscamos enquanto adeptos de uma nova escola de value investing. Por fim, detalharei aquele que é talvez o instrumental financeiro mais afinado ao conceito de antifragilidade: o mercado de opções. Vamos conferir estratégias antifrágeis montadas na Carteira de Opções da Empiricus – algu mas com ganhos e outras com perdas. Se os portfólios são sempre pensados de modo a ter pequenos prejuízos e grandes lucros, o agregado acaba se tornando bem vantajoso.
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De A a Z, o investidor iniciante poderá replicar facilmente configurações tais quais as sugeridas pelo exemplo eleitoral. Ao intermediário, o discernimento entre ações frágeis e antifrágeis haverá de se tornar habitual. E aquele investidor mais avançado não terá problemas ao desbravar o mercado de opções, desde que munido dos preceitos de perdas limitadas face a ganhos ilimitados. Voilà!
Q uem vai ganhar a eleição? Evocada como provocação, esta é justamente a pergunta que você não vai querer formular – e muito menos responder! – num investimento em ano de corrida presidencial. Você não quer nem pode saber quem vai ganhar uma eleição.
Sempre que a tentação de vidente ameaçar tomar conta do seu cérebro (ou estômago), lembre-se do que aprendemos desde o início do livro: quase sempre ficamos pobres ambicionando prever o futuro, mas podemos nos tornar milionários analisando diferentes cenários, com respectivas probabilidades e impactos. Pouco importa quem vai ganhar a eleição – pode ser o PT, o PSDB, o PMDB, a REDE etc. Não entraremos em qualquer mérito político. Nosso esforço será no sentido de imaginar o que ocorreria com o mercado brasileiro em cada uma das hipóteses. Obviamente, faremos isso aqui de maneira simples, mas já suficientemente ponderada a ponto de captarmos as ideias essenciais.
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Aproximadamente um ano antes do pleito de 2014, as pesquisas de intenção de voto apontavam Dilma como favorita. Esses números podiam mudar radicalmente até a ida às urnas, de modo que não vamos nos ater a percentuais específicos. Para efeito deste exercício, consideraremos tão somente que Dilma Rousseff, até aquele momento, era a líder do páreo, com PSDB e PSB figurando como concorrentes. Fosse eu analista político, faria distinções elaboradas entre tucanos e pessebistas. Mas como sou analista financeiro, não vou me aventurar por aquelas bandas. A mim, basta a impressão de que PSDB e PSB representavam alternativas mais amigáveis ao ambiente de mercado. Em caráter ilustrativo, diria que a Faria Lima preferia Aécio ou Marina. Depois de tantas rixas com o setor privado, canetadas regulatórias e pedaladas nos gastos públicos, Dilma perdeu moral com os empresários e financistas, brasileiros ou gringos. Nossa avaliação, portanto, era de que a reeleição de Dilma Rousseff tenderia a gerar estresse adicional. Grosso modo, essa indisposição seria traduzida em menor crescimento do PIB, valorização do dólar frente ao real, elevação dos juros futuros e queda da Bolsa. Assim chegávamos a duas situações possíveis. No cenário mais provável, Dilma seria reeleita e o mercado brasileiro aprofundaria os sintomas de estresse já sinalizados: Bolsa pra baixo, juros futuros pra cima, dólar pra cima. No cenário menos provável, a oposição venceria a disputa e o mercado agradeceria com Bolsa pra cima, juros futuros pra baixo e dólar pra baixo. Como investidor, o que você faria diante dessa encruzilhada? Ficar 100% alocado em ações, por exemplo, era uma escolha péssima, já que a conjuntura mais provável se mostrava bem capaz de derrubar o Ibovespa. Nessas .126.
horas, eu coloco minha paixão por Bolsa em standby, não adianta ser fanático ou teimoso. Ao mesmo tempo, não gostaria de estar 0% posicionado em ações, pois quero ter alguma exposição ao futuro em que a oposição vence as eleições, mesmo que as chances de isso acontecer sejam menores.
Logo, a parte mais arriscada da minha carteira total (10% a 15%) poderia ser preenchida por ações – e também opções, conforme veremos adiante. Essa dose modesta não nos machuca muito no cenário-base, e pode trazer um ganho interessante no cenário alternativo. Em paralelo, o grosso das aplicações estaria religiosamente distribuído em ativos de baixo risco. Diante da perspectiva predominante de elevação dos juros, eu gostaria de carregar uma boa posição (65% a 70%) em títulos pós-fixados ou em instrumentos simples de renda fixa que sigam o DI. Essa é uma escolha defensiva por si só, que preserva meu poder de compra, mas também capaz de trazer lucros substanciais caso os juros disparem. Por outro lado, se Dilma ficar para titia, acho difícil que ocorra uma queda drástica dos juros, a ponto de provocar prejuízos substanciais. Complementando o conservadorismo dos pós-fixados, soa astuta uma aposta em ativos denominados em dólar (15% a 25%). A moeda americana nos protegeria razoavelmente bem da inflação e poderia tirar vantagem de um evento cambial extremo. Para boa parte das pessoas (e sobretudo dos turistas), a esticada do dólar é traumatizante. Mas alguns poucos investidores perspicazes encheram os bolsos em 2008, quando o dólar disparou rapidamente de R$ 1,50 para R$ 2,50. Entendíamos que se o dólar viesse a subir no cenário pró Dilma, subiria bastante; já se viesse a cair, não cairia tão intensamente num primeiro momento.
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Com isso, formamos um portfólio tão simples quanto possível – qual quer investidor poderia replicá-lo numa boa. Um pouco de ações, um pouco de dólar e bastante renda fixa pós. De modo trivial, esse mix poderia ser traduzido em 15% de ETF de Ibovespa (fundo de índice que replica a Bolsa brasileira), 20% de fundo cambial e 65% de um fundo DI. Se o cenário de maior probabilidade se confirmasse, você estaria devi damente protegido e poderia inclusive ganhar com o estresse do mercado, graças à sua estratégia antifrágil. Em contrapartida, se triunfasse o cenário remoto, talvez você deixaria de ganhar algo, mas não sofreria tanto e teria tempo para se ajustar a um panorama mais otimista. Percebe como nada disso tem a ver com boca de urna?
ações assimétriCas Fundamos a Empiricus em novembro de 2009. Dizem que são necessárias pelo menos 10 mil horas dedicadas a um mesmo ofício até que se comece a desenvolver verdadeira aptidão. Com base em 252 dias úteis por ano, 8 horas de labuta por dia útil, esse ponto de inflexão ocorreu em novembro de 2014.
Legal para quem passou a acompanhar nosso research de 2015 em diante, mas e quanto aos leitores da Empiricus até 2014 – aqueles que permitiram que nosso trabalho florescesse, e que mais mereceriam recomendações lucrativas em troca do voto original de confiança?
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Para nosso bem e felicidade geral da nação, esses primeiros assinantes corajosos receberam centenas de dicas de investimento que pouco dependiam de nossa pretensa aptidão. Pois preferimos, desde o início, privilegiar ações de assimetria favorável. O que chamamos aqui de PPGN: Pequenas Perdas, Grandes Negócios. Em sua concepção rigorosa, o value investing não deve estar preocupado apenas com ações baratas. E daí se a ação está barata? Pode ser um Monza detonado com cara de novo, não pode? Por isso, o genuíno investidor de valor tem que abrir mão da obsessão pelo zero absoluto. Sozinho, o valor é uma armadilha. Assimetria favorável funciona assim: você não se importa de perder pouco com uma ação se estiver jogando também a contrapartida de um possível ganho estrondoso. Sob essa ótica, despontam duas alternativas sedutoras: (i) Ações muito descontadas, cujo preço já considera o pior cenário possível. O chão está perto e o teto está longe. Quanto mais volatilidade, melhor. Nesses casos, o acionista pode ficar feliz de antemão ao saber que sua empresa saiu no jornal, mesmo antes de verificar se a notícia é boa ou ruim. (ii) Ações não necessariamente descontadas (podem inclusive parecer caras), mas que guardam cartas na manga alheias à percepção do investidor comum. Talvez haja uma probabilidade ínfima de 1% da empresa ganhar um novo contrato que dobrará suas receitas. Na prática, ninguém liga para probabilidades de 1%. Mas pense só o que seria dobrar as receitas numa tacada só…
Lógico que não dá pra acertar sempre. Porém, na média, se selecionarmos várias ações com assimetrias favoráveis, a lei dos grandes números acabará .129.
por consolidar um resultado vantajoso. Normalmente demora, exige paciência, mas a passagem do tempo só ajuda. Em 2009, estudando Valid (então denominada ABNote), identificamos um raro caso de assimetria favorável. Na época, a empresa tinha valor de mercado de R$ 970 milhões e fazia lucros anuais da ordem de R$ 80 milhões. Grosso modo, portanto, encontrávamos uma relação Preço sobre Lucro de 12x. Não era exatamente um exemplão de desconto em Bolsa. Cadê a parte favorável da assimetria?
Uai, nas opcionalidades! Foram elas que nos motivaram a ir adiante com a recomendação de compra, mesmo sem respaldo externo (praticamente nenhum analista do sell side cobria ABNote). A empresa fechou 2009 com pequena elevação anual das receitas (+4,1%), queda do Ebitda (-12,4%), mas aumento considerável dos lucros (+9,3%). Por si só, não é uma configuração muito animadora, mas notamos que os resultados foram alcançados mesmo num ano bem difícil para seus negócios. Ao mesmo tempo em que a ABNote lamentava o declínio do segmento de cartões indutivos utilizados nos orelhões (lembra deles?), já assentava as bases para uma nova aposta nos SIM Cards hoje amplamente usados em ce lulares e smartphones. Para isso, contou com a aquisição da Microeletrónica, uma empresa espanhola com baita know-how de cartões chipados e uma carteira de clientes com os principais players de telecom. Aliás, a tecnologia de cartões chipados ajudaria também a substituir o velho modelo de cartões magnéticos empregados pelos bancos.
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Em paralelo, a parte de Serviços Gráficos passava por uma profunda reestruturação, livrando-se de custos excessivos com impressos e dando um choque de gestão via concentração na planta de Sorocaba. Os benefícios dessa reestruturação ainda não eram evidentes, mas indicavam no mínimo um bom corte de custos. Ademais, do ponto de vista societário, o antigo controlador (American Banknote Corp) havia acabado de zerar sua participação, transformando ABNote numa autêntica corporation listada, com 100% das ações em circulação. Prato cheio para investidores institucionais que enxergassem valor ali, e quisessem montar participações relevantes – como veio a ser o caso da Vinci e da Aberdeen. Então tínhamos três opcionalidades interessantes em vista: (i) Forte crescimento de cartões chipados. (ii) Reestruturação de serviços gráficos. (iii) Institucionais atraídos por um float livre, leve e solto.
Como lastro concreto a essas opcionalidades, sabíamos que o business reloginho de Sistemas de Identificação – responsável por metade do Ebi tda consolidado – não deixaria a peteca cair caso as inovações falhassem. Logo, era como se comprássemos Sistemas de Identificação por R$ 18,90 (cotação de ABNB na época) e levássemos junto algumas oportunidades valiosas, dadas praticamente de graça. Baixo downside frente a uma chance de upside significativa.
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No final de 2013, Valid respondia por um valor de mercado acima de R$ 2 bilhões, mais que o dobro dos R$ 970 milhões que marcaram o início de nossa recomendação. Ou seja, ganho superior a 100% para o acionista que conferiu na pele a velha ABNote se transformando nessa nova Valid. Parece o fim da história, mas não é. Identificamos novas opcionalidades em pauta, capazes de levar a ação a outro salto emblemático nos próximos três anos. Particularmente, o ramp up de certificação digital e da subsidiária americana.
Por justiça equânime, não vamos falar aqui só de uma história que deu certo. Afinal, opcionalidades também podem dar errado. O importante não é comprá-las com chance nula de fracasso, mas sim de forma que os ganhos potenciais superem muito as perdas potenciais. Fazendo isso em vários casos (o 1/N do Capítulo V), a média lhe será agradável.
Em 2011, meses depois do IPO, iniciamos cobertura de HRT, uma em presa pré-operacional de petróleo. HRT captou R$ 2,5 bilhões em recursos junto ao mercado visando desenvolver concessões já obtidas na Bacia do Solimões e nas águas profundas da Namíbia. Com essa grana, a empresa teve bala para fazer 14 perfurações, sendo 11 no Solimões e 3 na Namíbia. Segundo estudos feitos pela D&M – principal certificadora global de recursos de óleo & gás –, a probabilidade a priori de su cesso comercial em cada um desses furos era de aproximadamente 25%. Isso posto, a probabilidade complementar de fracasso era, naturalmente, de 75%. Compondo as chances de fracasso nas 14 perfurações, chegamos a uma probabilidade de 1,8% (0,75^14). De modo complementar, havia uma chan .132.
ce de 98,2% da empresa alcançar sucesso comercial com hidrocarbonetos em ao menos um dos 14 eventos. Para nós, esse mapa estatístico oferecia óbvias oportunidades de destravar valor. Por conseguinte, recomendamos compra de HRTP lá em 2011, quando ação valia R$ 27,70.
Ao final de 2013, as ações de HRT não valiam mais do que R$ 1 em Bolsa. Absolutamente nenhuma das perfurações deu certo – aquele 1,8% se transformou em 100% dois anos depois. Somou-se a isso a queima de caixa no meio do caminho, com gastos exagerados e um fundador se empolgando nas expectativas passadas ao mercado (o que parece ser um denominador comum para junior oils). Já a Valid era a oitava melhor indicação de nosso track record, com ganhos acumulados de 168%, incluídos aí os proventos. Na outra ponta, HRT ocupava a lanterninha da Empiricus, com prejuízo de 97%. Se o investidor tivesse colocado R$ 10.000 divididos igualmente em cada uma das ações, teria chegado a R$ 13.550 – valorização de 35,5% no período. Embora simplificado, este é um exemplo real dos benefícios da assimetria enquanto repartida entre diversos casos.
antiFrágil na veia Opções constituem a própria materialização do conceito de antifragilidade. Opções na terra, antifragilidade no céu. Contudo, é preciso manusear bem essa ferramenta, que pode ser tão virtuosa quanto nociva no tocante ao gerenciamento de riscos.
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Em nossas estratégias de derivativos, limitamo-nos a indicar apenas a compra de opções, nunca operamos vendidos em opções. Recomendamos compra de calls (opções de compra) e de puts (opções de venda). Quem compra uma opção detém um direito. Quem vende uma opção assume uma obrigação. Deter direitos é antifrágil, assumir obrigações é frágil. A cada semana, atualizamos a Carteira de Opções da Empiricus com oportunidades baratas de calls e puts fora do dinheiro. Aos menos familiarizados com o vernáculo, isso quer dizer que recomendamos opções relativamente distantes de seus preços de exercício, e cuja precificação corrente implica perdas. Se nada diferente acontecer, essas opções viram pó (valem zero). Em contrapartida, se houver eventos extremos, elas podem disparar num curto intervalo de tempo, por vezes mais que dobrando de valor. Desse modo, a volatilidade está a nosso favor, e temos perdas limitadas (o custo da opção) versus ganhos potencialmente ilimitados. Assim como na seção sobre ações assimétricas, ilustraremos aqui uma performance positiva da Carteira de Opções, e outra performance negati va. Ambas efetivamente ocorreram, foram sugeridas e reportadas aos nossos assinantes. Começando pelo lado bom (a carne é fraca), nosso primeiro exemplo se refere a uma valorização semanal de 83,27%. Contudo, o que mais nos deixa contentes neste exemplo é a maneira com que essa valorização foi atingida, consoante com uma típica manifestação de antifragilidade. Vejamos:
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Carteira de 29 de julho a 2 de agosto Opção
Vencimento Entrada
Saída
Var
Aplicado
Recebido
BvmFi14 (Call )
16/set
0.04
0.04
0.00%
R$200
R$200
ituBh32 (Call )
19/ago
0.04
0.02
-50.00%
R$200
R$100
ogxPi75 (Call )
16/set
0.10
0.06
-40.00%
R$200
R$120
oiBri5 (Call )
16/set
0.12
0.12
0.00%
R$200
R$200
valeh32 (Call )
19/ago
0.06
0.51
750.00%
R$200
R$1,700
Pdgrt 17 (Put )
19/ago
0.05
0.04
-20.00%
R$200
R$160
Petrt 16 (Put )
19/ago
0.07
0.03
-57.14%
R$200
R$86
83.27%
R$1,400
R$2,566
AGREGADO
O que aconteceu com as sete componentes dessa carteira? Temos que separar a resposta em duas partes bem discrepantes. Para seis das opções relacionadas, os resultados foram estáveis ou negativos. Enquanto isso, uma – e apenas uma – das opções registrou alta impressionante de 750%. Não me importo de perder um pouco com seis opções se lucrar muito com a sétima.
Em termos gerais, é fácil perceber que uma opção pode – na pior das hi póteses – cair 100%; e pode – na melhor das hipóteses – subir infinitamente. Isso é assimetria favorável na veia. Partindo agora para o lado ruim, lembramo-nos do mês de setembro, quando uma reunião especial do Federal Reserve prometia assombrar o mercado. No dia 18 de setembro de 2013, o Banco Central dos EUA poderia anunciar passos concretos para reduzir seu programa de estímulos quantitativos. Graças às declarações prévias de Ben Bernanke, um anúncio desse tipo era largamente esperado, e poderia machucar bastante a Bolsa brasileira. .135.
Pensando nisso, fugimos um pouco do script e montamos um portfólio de opções bem defensivo para a semana de 16 a 20 de setembro, quase que inteiramente concentrado em puts. Usamos a carteira para um outro fim além da ganância: o de proteção. Opções também podem funcionar como ótimos instrumentos de seguro. E seguro é assim: você reclama de pagar o prêmio sem ter que usá-lo, mas esse é o melhor cenário possível. Ninguém fica feliz porque bateu o carro e poderá, enfim, acionar o benefício da seguradora. Bernanke veio a público no dia 18, mas não falou nada, nenhuma no vidade acerca de mudanças nos estímulos. Em resposta, a Bolsa brasileira disparou 2,64%, detonando nossas puts.
Carteira de 16 a 20 de setembro Opção
Vencimento
Entrada
Saída
Var
Aplicado
Recebido
PetrJ21 (Call )
21/out
0.08
0.1
25.00%
R$200
R$250
valeJ37 (Call )
21/out
0.16
0.08
-50.00%
R$200
R$100
BBasv 23 (Put )
21/out
0.15
0.05
-66.67%
R$200
R$67
BBdCv 27 (Put )
21/out
0.11
0.06
-45.45%
R$200
R$109
BvmFv 12 (Put )
21/out
0.17
0.18
5.88%
R$200
R$212
Petrv 15 (Put )
21/out
0.08
0.04
-50.00%
R$200
R$100
valev 27 (Put )
21/out
0.06
0.04
-33.33%
R$200
R$133
-30.65%
R$1400
R$971
AGREGADO
.136.
Uma queda acumulada de 30,65% foi o preço que pagamos para dormir tranquilos naqueles dias agitados. Olhando depois, à distância, parece apenas um prejuízo de 30%. Na hora, porém, as perdas (indiscutíveis) tiveram sua razão de ser – o que é mais do que podemos dizer sobre a maioria das perdas em Bolsa.
.137.
ePílogo Você já comeu tutu de feijão? Olha, se você nunca provou esse prato feito pela minha cozinheira, então me desculpe, pois você nunca comeu. A Solange, que é mineira, faz o me lhor, o único e o verdadeiro tutu do Planeta Terra.
Ela não tem uma teoria para cozinhar. Simplesmente vai lá e faz. E não adianta tentar explicar isso. No geral, a irmã da Solange tem dotes culinários mais sofisticados. Mas tutu de feijão, não. A Solange já tentou “ensinar” a Sélia, mas não fica a mesma coisa. Não adianta.
.139.
A diferença entre um bom tutu e “O Tutu da Solange” é inexplicável; entra justamente na parte do conhecimento tácito. Há algo na Solange relacionado à sua propria competência e às experiências individuais que ela já viveu. Ler uma receita e tentar reproduzir com fidelidade um determinado prato é industrializar uma arte. Não existem teorias sobre como cozinhar. Basicamente, cozinhamos. Essa arte pertence aos praticantes do fogão, e não aos teóricos do livro de receitas. Imagine-se precisando escolher entre provar um prato feito por uma pessoa que cozinha com gosto há 30 anos ou conferir uma suposta delícia elaborada por um recém-formado na faculdade de gastronomia, com excelentes notas no boletim. Responda honestamente: você fica com qual? Tenho 200% mais confiança em quem, de fato, cozinha do que em quem estuda culinária. Em finanças, é exatamente o mesmo, e com o agravante de que as receitas estão confusas; o mapa carregado no bolso dos financistas profissionais oferece direções erradas. Não dispor de mapa é melhor do que ter um mapa errado. Entendemos, portanto, que a arte de investir pertence aos investidores, e não aos teóricos sobre investimentos. Isso é mais ético também, pois uma opinião sem exposição vale zero. Só o investidor – e não o teórico de finan ças – coloca o dele na reta. Ele acha o ativo bom, vai lá e compra. Expõe-se aos mesmos riscos que recomendaria a um terceiro. Se eu recomendo para você e não compro, então minha sugestão não serve. .140.
Por isso, aprenda a investir investindo. Limite suas perdas, mas erre. Para acertar em cheio, você precisará ter errado muito. Isso é parte do processo. Felizmente, tudo o que você precisa é de poucos grandes acertos em meio a vários pequenos erros. A sabedoria oriental é muito superior à nossa. Os japoneses dizem: caia sete vezes, levante oito. A arrogância de supostamente adivinhar o futuro e querer acertar sempre é apenas uma questão de ego. Terminamos quase da mesma forma com que começamos. Não com o pai de Kafka, mas sim com Clarice: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”.
Você não precisa estar certo, e muito menos de um ego milionário. Você só precisa entrar em campo. Não há um sujeito sequer que tenha enriquecido em Bolsa sem tentar enriquecer.
.141.