Livro Pediatria Consulta Rapida

March 27, 2017 | Author: Guilherme Pinheiro Machado | Category: N/A
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P371

Pediatria [recurso eletrônico] : consulta rápida / Paula Xavier Picon ... [et al.]. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2010. Editado também como livro impresso em 2010. ISBN 978-85-363-2235-3 1. Pediatria. I. Picon, Paula Xavier. CDU 616-053.2

Catalogação na publicação: Renata de Souza Borges CRB-10/1922

Reimpressão

2010

© Artmed Editora S.A., 2010

Capa e ilustração de capa: Tatiana Sperhacke – TAT Studio Ilustrações do Capítulo 25.3: Tabita Smarzaro Wachholz Preparação de originais: Sandra da Câmara Godoy Leitura final: Mariana Medeiros Lenz Editora Sênior – Biociências: Letícia Bispo de Lima Editora Júnior – Biociências: Laura Ávila de Souza Projeto gráfico e editoração eletrônica: TIPOS design editorial

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED® EDITORA S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 - Pavilhão 5 - Cond. Espace Center Vila Anastácio 05095-035 São Paulo SP Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL

AUTORES

Paula Xavier Picon. Médica Pediatra. Residente do Serviço de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Paulo José Cauduro Marostica. Professor Associado do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Médico Responsável pela Emergência Pediátrica do HCPA. Preceptor da Residência de Pneumologia Pediátrica do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutor em Pneumologia pela UFRGS. Pós-Doutor em Pneumologia Pediátrica pela Indiana University. Elvino Barros. Professor Associado do Departamento de Medicina Interna da UFRGS. Médico do Serviço de Nefrologia do HCPA. Doutor em Nefrologia pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM).

Adriano Taniguchi. Médico Pediatra. Hematologista Pediátrico do Hospital Regina de Novo Hamburgo. Ana Beatriz Lima Marins. Professora Adjunta (aposentada) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora de Medicina da Fundação Educacional Serra dos Órgãos (UNIFESO). Professora Adjunta da Universidade Iguaçu. Mestre em Medicina pela UFF. Ana Cristina Duarte Duprat. Médica Pediatra. Residência em Gastroenterologia Pediátrica no HCPA. Ana Paula Pearson. Médica Residente de Pediatria do HCPA. Ana Paula Pereira da Silva. Médica Intensivista Pediátrica do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS). Pediatra Plantonista da Emergência Pediátrica do HCPA. Mestre em Pediatria pela PUCRS. Andréia Ferreira Laranjeira. Médica Oftalmologista do HCPA. Fellowship do Setor de Córnea e Doenças Externas do Serviço de Oftalmologia do HCPA. Angela Dal Ross. Médica Pediatra. Residente de Neonatologia do HCPA.

Antonio Milton Lima Garcia. Médico Pediatra. Residência em Neurologia Pediátrica no HCPA. Camila dos Santos El Halal. Médica Residente do Serviço de Pediatria do HCPA. Carla Di Giorgio. Médica Pediatra. Intensivista Pediátrica da UTI de Pediatria do HCPA. Carla Rosane de Moraes Silveira. Nutricionista do Serviço de Nutrição e do Serviço de Nutrologia do HCPA. Mestre em Ciências Médicas pela UFRGS. Carlos Oscar Kieling. Médico Pediatra e Gastroenterologista Pediátrico. Contratado do setor de Gastroenterologia Pediátrica e Hepatologia do HCPA. Carolina Albanese Neis. Médica Pediatra. Residência em Gastroenterologia Pediátrica no HCPA. Carolina Damé Osório Lopes. Médica Pediatra. Residente de Oncologia Pediátrica do HCPA. Carolina Fischinger Moura de Souza. Médica Geneticista Contratada do Serviço de Genética do HCPA. Doutora em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS. Cassiana Parise. Médica Residente de Oftalmologia do HCPA. Cecília Korb. Médica Pediatra. Residente de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital São Lucas da PUCRS. Clarissa Araujo Pinto Papaleo. Médica Pediatra. Residência em Neurologia Infantil no HCPA. Cláudia Eneida Feldens. Médica Pediatra. Contratada da Emergência Pediátrica do HCPA. Cláudia Ferri. Médica Pediatra. Residente do Serviço de Neonatologia do HCPA. Claudia Hallal Alves Gazal. Médica Pediatra. Contratada do Serviço de Nutrologia do HCPA. Mestre em Pediatria pela UFRGS. Cláudia Schweiger. Fellowship em Laringologia do Serviço de Otorrinolaringologia do HCPA. Mestranda em Ciências Médicas pela UFRGS. Cristiane Franco de Oliveira. Médica Pediatra. Residente de Nutrologia Pediátrica do HCPA.

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Cristina Brinckmann Oliveira Netto. Médica Geneticista do Serviço de Genética Médica do HCPA. Doutora em Bioquímica pela UFRGS. Cristina Helena Targa Ferreira. Médica Pediatra e Gastroenterologista Pediátrica. Contratada do setor de Gastroenterologia e Hepatologia do HCPA. Doutora em Gastroenterologia pela UFRGS. Cristine Sortica da Costa. Médica Pediatra e Neonatologista. Fellowship em Neonatologia do Addenbrooke’s Hospital, Cambridge, UK. Daniel Barbosa. Médico Pediatra. Mestrando em Pediatria pela UFRGS. Danilo Blank. Médico Pediatra. Professor do Departamento de Pediatria e Puericultura da UFRGS. Membro do Departamento Científico de Segurança da Sociedade Brasileira de Pediatria. Denise Manica. Médica Residente de Otorrinolaringologia do HCPA. Diego Santana Chaves Geraldo Miguel. Médico Residente de Genética Médica do HCPA. Edson Procianoy. Professor Adjunto do Setor de Estrabismo da UFRGS. Doutor em Oftalmologia pela UFRGS. Eduardo Antonio Rhoden de Araujo. Médico Pediatra. Residente de Neurologia Pediátrica do HCPA. Eduardo Corrêa Costa. Médico Cirurgião Pediátrico. Mestrando em Cirurgia pela UFRGS. Eliana de Andrade Trotta. Professora Adjunta do Departamento de Pediatria e Puericultura da UFRGS. Chefe da UTI Pediátrica do HCPA. Mestre em Pediatria pela UFRGS. Elza Daniel de Mello. Médica Pediatra e Nutróloga. Professora Adjunta de Pediatria da UFRGS. Doutora em Pediatria pela UFRGS. Fabiana da Silva Durães. Médica Pediatra. Residente em Pneumologia Pediátrica do Hospital São Lucas da PUCRS. Felipe Almeida Picon. Psiquiatra da Infância e da Adolescência. Pesquisador do Ambulatório de Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade em Adultos do HCPA. Felipe Cezar Cabral. Médico Pediatra. Residente de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital São Lucas da PUCRS. 7

Felipe Colombo de Holanda. Médico Cirurgião Geral. Residente do Serviço de Cirurgia Pediátrica do HCPA. Fernanda Cristina Scarpa. Médica Pediatra. Residente de Intensivismo Pediátrico do HCPA. Fernanda Menezes Rubin. Médica Intensivista Pediátrica da UTI Pediátrica do HPS. Médica Intensivista Pediátrica da UTI Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/RS). Mestre em Pediatria pela UFRGS. Fernanda Treichel Kohls. Médica Pediatra. Residente de Gastroenterologia Pediátrica do HCPA. Geniara da Silva Conrado. Médica Pediatra e Intensivista Pediátrica. Mestranda em Pediatria e Saúde da Criança pela PUCRS. Graziele Viapiana. Médica Pediatra. Residente de Pneumologia Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio – Complexo Hospitalar Santa Casa. Helena Breier Bonato. Médica Pediatra. Cursista de Nefrologia Pediátrica no Hospital da Criança Santo Antônio – Complexo Hospitalar Santa Casa. Médica da Emergência Pediátrica do Hospital São Lucas da PUCRS. Janine Dequi Deliberari. Médica Pediatra. Residente de Cardiologia Pediátrica do Instituto de Cardiologia – Fundação Universitária de Cardiologia. Jefferson Pedro Piva. Professor do Departamento de Pediatria da UFRGS. Professor do Departamento de Pediatria da PUCRS. Chefe da UTI Pediátrica do Hospital São Lucas da PUCRS. Jiseh Fagundes Loss. Médica Contratada do Serviço de Oncologia Pediátrica do HCPA. Mestre em Oncologia Pediátrica pela UFRGS. Joana Coeli Lima Marins. Médica Pediatra. Residência Médica em Pediatria no HCPA. Jorge Luiz dos Santos. Médico Contratado do HCPA. Coordenador do Laboratório Experimental de Hepatologia e Gastroenterologia do Centro de Pesquisas do HCPA. Doutor em Pediatria pela UFRGS. José Carlos Soares de Fraga. Professor Associado de Cirurgia da UFRGS. Cirurgião Pediátrico dos Hospitais HCPA, Mãe de Deus e Moinhos de Vento. Doutor em Pneumologia pela UFRGS. Pós-Doutor em Cirurgia Torácica Infantil pela UFRGS.

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Josiane Ranzan. Médica Neuropediatra Contratada do Setor de Neurologia Infantil do HCPA. Mestre em Pediatria pela UFRGS. Doutora em Pediatria pela UFRGS. Juarez Cunha. Médico Pediatra e Intensivista Pediátrico do HCPA. Médico do Núcleo de Pesquisa em Vacinas (NUCLIVAC) do HCPA. Diretor da Previne Centro de Vacinação. Juliana Costa Maia. Médica Residente de Pediatria do HCPA. Juliana Ghisleni de Oliveira. Médica Gastroenterologista Pediátrica do Instituto do Aparelho Digestivo do RS. Mestranda em Pediatria pela UFRGS. Julio Cesar Loguercio Leite. Médico Geneticista do Serviço de Genética Médica do HCPA. Doutor em Pediatria pela UFRGS. Karina Lorenzi Marramarco Mazzucco. Médica Hematologista Pediátrica. Médica Contratada da Emergência Pediátrica do Hospital da Criança Santo Antônio – Complexo Hospitalar Santa Casa. Lenita Simões Krebs. Médica Pediatra do Núcleo de Pesquisa em Vacinas (NUCLIVAC) do HCPA. Médica da Previne Centro de Vacinação. Mestranda em Saúde da Criança e do Adolescente pela UFRGS. Letícia Remus Moraes. Médica Pediatra. Residência em Gastroenterologia Pediátrica no HCPA. Liane Esteves Daudt. Médica Hematologista Pediátrica. Chefe do Serviço de Hematologia Clínica e Transplante de Medula Óssea do HCPA. Doutora em Pediatria pela UFRGS. Lívia da Rosa Pauletto. Médica Intensivista Pediátrica. Residente de Cardiologia Pediátrica do Instituto de Cardiologia – Fundação Universitária de Cardiologia. Lucia Campos Pellanda. Professora do Departamento de Saúde Coletiva da UFCSPA. Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Ciências Cardiovasculares do Instituto de Cardiologia – Fundação Universitária de Cardiologia. Doutora em Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia – Fundação Universitária de Cardiologia. Lúcia Gutheil Gonçalves. Médica Pediatra. Residência Médica em Gastroenterologia Pediátrica no HCPA. Luciana Alonzo Heidemann. Médica Pediatra e Neonatologista. Mestranda em Pediatria pela UFRGS. Luciana Friedrich. Médica Contratada do Serviço de Neonatologia do HCPA. Doutora em Pediatria UFRGS. 9

Luciana Mendes Johann. Médica Pediatra e Gastroenterologista Pediátrica. Médica Pediatra do Hospital Municipal de Foz do Iguaçu. Luciana Teixeira Fonseca. Médica Pediatra e Neonatologista. Mestranda em Pediatria pela UFRGS. Luciano Isolan. Médico Psiquiatra da Infância e Adolescência. Mestre em Psiquiatria pela UFRGS. Doutorando em Psiquiatria pela UFRGS. Lygia Ohlweiler. Preceptora Responsável pela Residência Médica em Neuropediatria do HCPA. Doutora em Pediatria pela UFRGS. Márcio Abelha Martins. Cirurgião Geral pelo Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. Médico Residente de Cirurgia Pediátrica do HCPA. Márcio Pereira Mottin. Médico Pediatra. Cursista em Gastroenterologia Pediátrica do HCPA. Maria Isabel Bragatti Winckler. Médica Neuropediatra do HCPA e do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Mestre e Doutora em Pediatria pela UFRGS. Mariana Magnus Smith. Médica Otorrinolaringologista Contratada do Serviço de Otorrinopediatria do HCPA. Mestre em Pediatria pela UFRGS. Marina Rossato Adami. Médica Pediatra. Residente de Gastroenterologia Pediátrica do HCPA. Marsal Lerner. Médico Pediatra dos Ambulatórios de AIDS Pediátrica e Bebê Exposto ao HIV do HCPA. Diretor Técnico do Hospital de Alvorada/RS. Matias Epifanio. Médico Gastroenterologista Pediátrico com Área de atuação em Terapia Nutricional Parenteral e Enteral. Membro do Serviço de Gastroenterologia Pediátrica e da Equipe Multidisciplinar em Fibrose Cística do Hospital São Lucas da PUCRS. Mestre e Doutorando em Pediatria pela PUCRS. Melissa Fernanda Steigleder. Médica Pediatra. Residente de Pneumologia Pediátrica do Hospital São Lucas da PUCRS. Michel Georges dos Santos El Halal. Médico Pediatra. Residente de Intensivismo Pediátrico do HCPA. Mirella Cristiane de Souza. Médica Pediatra. Residente de Gastroenterologia Pediátrica do HCPA.

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Nicolle Gollo Mazzotti. Médica Dermatologista. Professora Adjunta da Disciplina de Semiologia Médica e da Disciplina de Dermatologia do Curso de Medicina da ULBRA. Mestranda em Ciências Médicas pela UFRGS. Noemia Perli Goldraich. Professora Associada do Departamento de Pediatria da UFRGS. Nefrologista Pediátrica do HCPA. Norma Martins de Menezes Morais. Médica Pediatra. Residência em Neurologia Infantil no HCPA. Patrícia Martins Moura Barrios. Médica Cardiologista Pediátrica do HCPA. Doutora em Cardiologia pela UFRGS. Patricia Miranda Lago. Membro do Grupo de Pesquisa da PG Saúde da Criança da PUCRS. Pediatra Intensivista do HCPA. Doutora em Pediatria pela PUCRS. Patricia Rodrigues Lemos. Médica Pediatra. Residente de Cardiologia Pediátrica do Instituto de Cardiologia – Fundação Universitária de Cardiologia. Paulo Roberto Antonacci Carvalho. Professor Associado do Departamento de Pediatria e Puericultura da UFRGS. Médico Assistente da UTI Pediátrica do HCPA. Doutor em Pediatria pela UFRGS. Paulo Zielinsky. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria e Puericultura da UFRGS. Chefe da Unidade de Cardiologia Fetal do Instituto de Cardiologia. Doutor em Cardiologia pela UFRGS. Pedro Dornelles Picon. Médico Pneumologista e Tisiologista. Pesquisador do Hospital Sanatório Partenon da Secretaria Estadual da Saúde do RS. Doutor em Pneumologia pela UFRGS. Rafaela Ferreira Herman. Médica Pediatra Neonatologista. Rebeca Smarzaro Wachholz. Médica Pediatra. Especializanda em Cardiologia Pediátrica no Hospital da Criança Santo Antonio, Complexo Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Pediatra Plantonista do Hospital de Pronto Socorro de Canoas, do Hospital de Sapiranga e da Uniair/RS. Regina Helena Elnecave. Médica Endocrinologista Pediátrica. Professora do Programa de Pós-Graduação em Endocrinologia da UFRGS. Doutora em Ciências Médicas pela UFRGS. Renata Rostirola Guedes. Residente de Pediatria do HCPA.

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Renato George Eick. Especialista em Nefrologia. Médico Contratado do HCPA. Membro Serviço de Nefrologia do Hospital Moinhos de Vento e Instituto de Cardiologia. Rudimar dos Santos Riesgo. Médico Neuropediatra. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria e Puericultura da UFRGS. Doutor em Pediatria pela UFRGS. Samuel Rymer. Professor Adjunto do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da UFRGS. Doutor em Oftalmologia pela UNIFESP. Sandra Helena Machado. Professora da Universidade Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Médica Contratada da Emergência Pediátrica do HCPA. Mestre em Pediatria pela UFRGS. Sandra Maria Gonçalves Vieira. Médica Pediatra e Gastroenterologista Pediátrica Contratada do setor de Gastroenterologia Pediátrica e Hepatologia do HCPA. Professora do Curso de Pós-Graduação em Gastroenterologia da UFRGS. Doutora em Gastroenterologia pela UFRGS. Sérgio Roberto Canarim Danesi. Médico Traumatologista Responsável pela Ortopedia Pediátrica do HCPA e do Hospital Cristo Redentor. Sócrates Salvador. Médico Pediatra. Residente de Neurologia Pediátrica do HCPA. Sônia Domingues Lueska. Médica Pediatra. Professora Adjunta do Departamento de Pediatria e Puericultura da UFRGS. Tanira Gatiboni. Médica Pediatra. Residente de Oncologia Pediátrica do HCPA. Tatiane de Campos. Médica Pediatra. Mestranda em Endocrinologia pela UFRGS. Têmis Maria Félix. Médica do Serviço de Genética Médica do HCPA. Doutora em Pediatria pela UFRGS. Pós-Doutora em Genética pela Universidade de Iowa, EUA. Themis Reverbel da Silveira. Professora de Pós-Graduação em Gastroenterologia e Pediatria da UFRGS. Doutora em Genética pela UFRGS. Tiago Chagas Dalcin. Médico Residente de Pediatria do HCPA. Tiago Rodrigues Nava. Médico Pediatra. Residente de Hematologia Pediátrica do HCPA. Vanessa Santos Cunha. Médica Dermatologista do HCPA. Mestre e Doutoranda em Ciências Médicas pela UFRGS.

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PREFÁCIO

Pediatria: consulta rápida surgiu da necessidade de um livro que respondesse, de forma objetiva e concisa, às inúmeras dúvidas que surgem no dia a dia da prática pediátrica. O resultado é a presente obra, que reúne as informações necessárias ao bom atendimento do paciente pediátrico, tanto no contexto hospitalar quanto no ambulatorial. Entre os colaboradores que participaram desta edição encontram-se jovens médicos, que trouxeram todo seu entusiasmo ao projeto, e também profissionais renomados, que contribuíram com sua experiência e prestígio. Os capítulos são organizados de modo a contemplar os conteúdos das diferentes subespecialidades que integram a pediatria. Além disso, os apêndices incluem informações farmacológicas dos principais medicamentos usados em pediatria, bem como curvas de crescimento, CIDs e valores de referência de exames laboratoriais mais usados. Esperamos que este livro alcance seu principal objetivo, que é o de ser uma ferramenta prática e com conteúdo acessível para estudantes, residentes e clínicos. OS ORGANIZADORES

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SUMÁRIO

PARTE I

ATENÇÃO PRIMÁRIA E PUERICULTURA

1

A CONSULTA PEDIÁTRICA / 29 Joana Coeli Lima Marins, Paulo José Cauduro Marostica

2

CRESCIMENTO / 34 Juliana Costa Maia, Paula Xavier Picon, Paulo José Cauduro Marostica

3

DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR / 39 Antonio Milton Lima Garcia, Norma Martins de Menezes Morais, Rudimar dos Santos Riesgo

4

DESENVOLVIMENTO PUBERAL / 46 Cecília Korb, Paula Xavier Picon

5

ABORDAGEM AO ADOLESCENTE / 52 Juliana Costa Maia, Paulo José Cauduro Marostica

6

SAÚDE BUCAL EM PEDIATRIA / 57 Daniel Barbosa

7

PREVENÇÃO DE INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS / 59 Mirella Cristiane de Souza, Danilo Blank

8

MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA / 67 Cláudia Ferri, Sônia Domingues Lueska

9

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA / 70 Juarez Cunha, Lenita Simões Krebs

PARTE II

NEONATOLOGIA

10 ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO NORMAL / 121 Luciana Friedrich 11 ICTERÍCIA NEONATAL / 131 Cristine Sortica da Costa, Luciana Friedrich 12 INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS / 139 Luciana Friedrich 13 SEPSE NEONATAL / 158 Luciana Alonzo Heidemann, Luciana Friedrich 14 CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO / 164 Cristine Sortica da Costa, Luciana Friedrich 15 REANIMAÇÃO NEONATAL / 171 Angela Dal Ross, Cláudia Ferri, Luciana Friedrich 16 DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DA GLICOSE NO RECÉM-NASCIDO / 178 Luciana Teixeira Fonseca, Luciana Friedrich 17 DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS DO RECÉM-NASCIDO / 183 Luciana Teixeira Fonseca, Luciana Alonzo Heidemann, Luciana Friedrich 18 DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO RECÉM-NASCIDO / 192 Luciana Alonzo Heidemann, Luciana Friedrich 19 APNEIA DA PREMATURIDADE / 198 Rafaela Ferreira Herman, Luciana Friedrich 20 DISPLASIA BRONCOPULMONAR / 202 Cláudia Ferri, Luciana Friedrich 21 ASFIXIA PERINATAL / 206 Luciana Teixeira Fonseca, Luciana Friedrich 22 HIPERTENSÃO PULMONAR PERSISTENTE NO RECÉM-NASCIDO / 211 Angela Dal Ross, Cláudia Ferri, Luciana Friedrich 23 VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO / 215 Cristine Sortica da Costa, Luciana Friedrich

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24 ALTERAÇÕES NEUROLÓGICAS NEONATAIS DETECTÁVEIS POR ULTRASSOM CEREBRAL / 226 Rafaela Ferreira Herman, Luciana Friedrich

PARTE III PEDIATRIA GERAL 25 CARDIOLOGIA 25.1 AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA PRÉ-NATAL / 233 Rebeca Smarzaro Wachholz, Paulo Zielinsky 25.2

SOPRO CARDÍACO NA INFÂNCIA / 240 Patricia Rodrigues Lemos, Lucia Campos Pellanda, Janine Dequi Deliberali, Lívia da Rosa Pauletto

25.3

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS / 244 Rebeca Smarzaro Wachholz, Ana Paula Pearson, Patrícia Martins Moura Barrios

25.4

DISLIPIDEMIA NA CRIANÇA / 259 Janine Dequi Deliberali, Lucia Campos Pellanda, Lívia da Rosa Pauletto, Patricia Rodrigues Lemos

25.5

HIPERTENSÃO ARTERIAL / 261 Janine Dequi Deliberali, Lucia Campos Pellanda, Lívia da Rosa Pauletto, Patricia Rodrigues Lemos

25.6

ENDOCARDITE INFECCIOSA / 263 Rebeca Smarzaro Wachholz, Patrícia Martins Moura Barrios

25.7

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA / 269 Lívia da Rosa Pauletto, Janine Dequi Deliberali, Patricia Rodrigues Lemos, Lucia Campos Pellanda

25.8

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA / 285 Patricia Rodrigues Lemos, Lucia Campos Pellanda, Janine Dequi Deliberali, Lívia da Rosa Pauletto

25.9

MIOCARDITES E PERICARDITES / 290 Rebeca Smarzaro Wachholz, Patrícia Martins Moura Barrios

26 CIRURGIA PEDIÁTRICA 26.1 PRÉ-OPERATÓRIO / 297 Márcio Abelha Martins, José Carlos Soares de Fraga

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26.2

ALTERAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL / 303 Eduardo Corrêa Costa, José Carlos Soares de Fraga

26.3

MALFORMAÇÕES CIRÚRGICAS DO SISTEMA DIGESTÓRIO / 309 José Carlos Soares de Fraga, Eduardo Corrêa Costa

26.4

ABDOME AGUDO / 320 Eduardo Corrêa Costa, Márcio Abelha Martins, José Carlos Soares de Fraga

26.5

DOENÇAS CIRÚRGICAS DO TÓRAX E DA VIA AÉREA / 329 José Carlos Soares de Fraga, Felipe Colombo de Holanda, Eduardo Corrêa Costa

26.6

UROLOGIA PEDIÁTRICA / 342 Eduardo Corrêa Costa, José Carlos Soares de Fraga

27 DERMATOLOGIA 27.1 AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA / 362 Nicolle Gollo Mazzotti, Sócrates Salvador, Vanessa Santos Cunha 27.2

PIODERMITES / 383 Sócrates Salvador, Nicolle Gollo Mazzotti, Vanessa Santos Cunha

28 EMERGÊNCIAS E TERAPIA INTENSIVA 28.1 PARADA CARDIOPULMONAR EM PEDIATRIA / 388 Fernanda Cristina Scarpa, Patricia Miranda Lago

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28.2

SEQUÊNCIA RÁPIDA DE ENTUBAÇÃO / 392 Cecília Korb, Jefferson Pedro Piva

28.3

CHOQUE / 395 Michel Georges dos Santos El Halal, Paulo Roberto Antonacci Carvalho

28.4

SEPSE / 399 Michel Georges dos Santos El Halal, Camila dos Santos El Halal, Paulo Roberto Antonacci Carvalho

28.5

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS / 403 Michel Georges dos Santos El Halal, Camila dos Santos El Halal, Paulo Roberto Antonacci Carvalho

28.6

HIPERTENSÃO INTRACRANIANA / 412 Michel Georges dos Santos El Halal, Paulo Roberto Antonacci Carvalho

28.7

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA / 415 Geniara da Silva Conrado, Jefferson Pedro Piva

28.8

CETOACIDOSE DIABÉTICA / 422 Michel Georges dos Santos El Halal

28.9

VENTILAÇÃO MECÂNICA CONVENCIONAL / 425 Michel Georges dos Santos El Halal, Paulo Roberto Antonacci Carvalho

28.10 SEDAÇÃO E ANALGESIA / 429 Fernanda Cristina Scarpa, Patricia Miranda Lago 28.11 COMA / 434 Michel Georges dos Santos El Halal, Paulo Roberto Antonacci Carvalho 28.12 ANAFILAXIA / 437 Cláudia Eneida Feldens 28.13 TRAUMA PEDIÁTRICO / 442 Fernanda Menezes Rubin, Ana Paula Pereira da Silva 28.14 AFOGAMENTO / 456 Ana Paula Pereira da Silva 28.15 INTOXICAÇÕES EXÓGENAS / 459 Ana Paula Pereira da Silva 28.16 QUEIMADURAS / 470 Ana Paula Pereira da Silva, Fernanda Menezes Rubin 28.17 MORTE ENCEFÁLICA / 482 Cláudia Ferri, Paulo Roberto Antonacci Carvalho 29 ENDOCRINOLOGIA 29.1 DIABETE MELITO / 486 Tatiane de Campos, Regina Helena Elnecave 29.2

HIPOTIREOIDISMO NA INFÂNCIA / 490 Paula Xavier Picon, Regina Helena Elnecave

29.3

BAIXA ESTATURA / 494 Paula Xavier Picon, Regina Helena Elnecave

29.4

TELARCA / 497 Tatiane de Campos, Regina Helena Elnecave

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30 GASTRENTEROLOGIA 30.1 REFLUXO GASTRESOFÁGICO / 500 Carolina Albanese Neis, Luciana Mendes Johann, Lúcia Gutheil Gonçalves, Cristina Helena Targa Ferreira 30.2

DIARREIAS / 505 Juliana Ghisleni de Oliveira, Cristina Helena Targa Ferreira, Sandra Maria Gonçalves Vieira, Themis Reverbel da Silveira

30.3

DOR ABDOMINAL CRÔNICA / 517 Ana Cristina Duarte Duprat, Márcio Pereira Mottin, Jorge Luiz dos Santos, Themis Reverbel da Silveira

30.4

CONSTIPAÇÃO CRÔNICA / 521 Lúcia Gutheil Gonçalves, Carlos Oscar Kieling, Carolina Albanese Neis, Juliana Ghisleni de Oliveira

30.5

PANCREATITES / 525 Fernanda Treichel Kohls, Marina Rossato Adami, Carlos Oscar Kieling, Cristina Helena Targa Ferreira

31 GENÉTICA 31.1 ANOMALIAS CONGÊNITAS / 531 Diego Santana Chaves Geraldo Miguel, Têmis Maria Félix, Julio Cesar Loguercio Leite 31.2

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS / 534 Diego Santana Chaves Geraldo Miguel, Julio Cesar Loguercio Leite, Têmis Maria Félix

31.3

ERROS INATOS DO METABOLISMO / 543 Diego Santana Chaves Geraldo Miguel, Carolina Fischinger Moura de Souza, Cristina Brinckmann Oliveira Netto

32 HEMATOLOGIA 32.1 DIAGNÓSTICO DE ANEMIAS / 555 Karina Lorenzi Marramarco Mazzucco, Liane Esteves Daudt

20

32.2

DISTÚRBIOS DA COAGULAÇÃO / 564 Tiago Rodrigues Nava, Liane Esteves Daudt

32.3

PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNOLÓGICA (PTI) / 568 Adriano Taniguchi, Liane Esteves Daudt

32.4

LEUCEMIAS AGUDAS / 570 Adriano Taniguchi, Liane Esteves Daudt

32.5

TRANSFUSÃO DE HEMOCOMPONENTES / 575 Adriano Taniguchi, Liane Esteves Daudt

33 HEPATOLOGIA 33.1 HEPATITES VIRAIS AGUDAS / 580 Carolina Albanese Neis, Letícia Remus Moraes, Cristina Helena Targa Ferreira, Themis Reverbel da Silveira 33.2

COLESTASE NO LACTENTE / 589 Lúcia Gutheil Gonçalves, Carlos Oscar Kieling, Jorge Luiz dos Santos, Themis Reverbel da Silveira

33.3

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA / 593 Marina Rossato Adami, Fernanda Treichel Kohls, Sandra Maria Gonçalves Vieira, Themis Reverbel da Silveira

33.4

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO HEPÁTICA / 602 Márcio Pereira Mottin, Ana Cristina Duarte Duprat, Carlos Oscar Kieling, Themis Reverbel da Silveira

34 INFECTOLOGIA 34.1 FEBRE / 608 Ana Paula Pearson, Eliana de Andrade Trotta 34.2

PARASITOSES INTESTINAIS / 617 Paula Xavier Picon, Marsal Lerner

34.3

AIDS PEDIÁTRICA / 622 Paula Xavier Picon, Marsal Lerner

34.4

DOENÇAS EXANTEMÁTICAS / 629 Daniel Barbosa, Paula Xavier Picon

34.5

SÍNDROME MONONUCLEOSE / 636 Joana Coeli Lima Marins

34.6

DOENÇAS TROPICAIS / 638 Joana Coeli Lima Marins, Ana Beatriz Lima Marins

34.7

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS / 652 Sócrates Salvador

34.8

TUBERCULOSE / 659 Paula Xavier Picon, Pedro Dornelles Picon

21

34.9

QUIMIOPROFILAXIA / 665 Joana Coeli Lima Marins, Ana Beatriz Lima Marins

35 NEFROLOGIA 35.1 AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL / 672 Carla Di Giorgio, Helena Breier Bonato, Renato George Eick 35.2

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO / 675 Cecília Korb, Noemia Perli Goldraich

35.3

HEMATÚRIA / 678 Helena Breier Bonato, Carla Di Giorgio, Renato George Eick

35.4

SÍNDROME NEFRÓTICA / 684 Cecília Korb, Noemia Perli Goldraich

35.5

SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA / 689 Felipe Cezar Cabral, Cecília Korb

35.6

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA / 692 Camila dos Santos El Halal, Carla Di Giorgio, Michel Georges dos Santos El Halal

35.7

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA / 698 Helena Breier Bonato, Carla Di Giorgio, Renato George Eick

36 NEUROLOGIA 36.1 CONVULSÕES E EPILEPSIA / 702 Clarissa Araujo Pinto Papaleo, Eduardo Antonio Rhoden de Araujo, Maria Isabel Bragatti Winckler

22

36.2

CEFALEIAS / 712 Clarissa Araujo Pinto Papaleo, Eduardo Antonio Rhoden de Araujo, Lygia Ohlweiler

36.3

PARALISIA CEREBRAL E RETARDO DO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR / 721 Eduardo Antonio Rhoden de Araujo, Clarissa Araujo Pinto Papaleo, Lygia Ohlweiler

36.4

MENINGITES E ENCEFALITES / 727 Eduardo Antonio Rhoden de Araujo, Clarissa Araujo Pinto Papaleo, Josiane Ranzan

36.5

ATAXIAS AGUDAS / 734 Antonio Milton Lima Garcia, Norma Martins de Menezes Morais, Josiane Ranzan

36.6

DISTÚRBIOS DO SONO / 740 Norma Martins de Menezes Morais, Antonio Milton Lima Garcia, Rudimar dos Santos Riesgo

36.7

PARALISIA FACIAL / 747 Norma Martins de Menezes Morais, Antonio Milton Lima Garcia, Maria Isabel Bragatti Winckler

37 NUTROLOGIA 37.1 ALEITAMENTO MATERNO / 752 Cristiane Franco de Oliveira, Elza Daniel de Mello 37.2

ALIMENTAÇÃO DO LACTENTE / 755 Cristiane Franco de Oliveira, Elza Daniel de Mello

37.3

ALIMENTAÇÃO DO ESCOLAR E DO PRÉ-ESCOLAR / 758 Cristiane Franco de Oliveira, Elza Daniel de Mello

37.4

ALIMENTAÇÃO DO ADOLESCENTE / 760 Juliana Costa Maia, Elza Daniel de Mello

37.5

NUTRIÇÃO PARENTERAL / 766 Claudia Hallal Alves Gazal, Elza Daniel de Mello

37.6

NUTRIÇÃO ENTERAL / 776 Carla Rosane de Moraes Silveira, Claudia Hallal Alves Gazal, Elza Daniel de Mello

37.7

MANEJO AMBULATORIAL E HOSPITALAR DO DESNUTRIDO / 797 Claudia Hallal Alves Gazal, Elza Daniel de Mello

37.8

OBESIDADE INFANTIL / 804 Paula Xavier Picon, Elza Daniel de Mello

37.9

SUPLEMENTAÇÃO VITAMÍNICA / 807 Cristiane Franco de Oliveira, Elza Daniel de Mello

37.10 FÓRMULAS E DIETAS / 811 Paula Xavier Picon, Elza Daniel de Mello

23

38 OFTALMOLOGIA 38.1 CONJUNTIVITES / 816 Cassiana Parise, Andréia Ferreira Laranjeira, Samuel Rymer 38.2

ESTRABISMO / 821 Cassiana Parise, Andréia Ferreira Laranjeira, Edson Procianoy

38.3

TRAUMA OCULAR / 824 Cassiana Parise, Andréia Ferreira Laranjeira, Samuel Rymer

38.4

LEUCOCORIA / 827 Andréia Ferreira Laranjeira, Cassiana Parise, Samuel Rymer

38.5

LACRIMEJAMENTO / 832 Andréia Ferreira Laranjeira, Cassiana Parise, Samuel Rymer

39 ONCOLOGIA 39.1 LINFOMAS / 838 Tanira Gatiboni, Jiseh Fagundes Loss, Carolina Damé Osório Lopes 39.2

TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA / 841 Carolina Damé Osório Lopes, Jiseh Fagundes Loss, Tanira Gatiboni

40 ORTOPEDIA 40.1 ORTOPEDIA PEDIÁTRICA / 850 Tiago Chagas Dalcin, Sérgio Roberto Canarim Danesi 41 OTORRINOLARINGOLOGIA 41.1 INFECÇÕES DA VIA AÉREA SUPERIOR / 859 Cláudia Schweiger, Denise Manica, Mariana Magnus Smith

24

41.2

EPISTAXE / 862 Cláudia Schweiger, Denise Manica, Mariana Magnus Smith

41.3

TONSILITES / 865 Cláudia Schweiger, Denise Manica, Mariana Magnus Smith

41.4

RINOSSINUSITE / 869 Cláudia Schweiger, Denise Manica, Mariana Magnus Smith

41.5

ESTRIDOR / 873 Cláudia Schweiger, Denise Manica, Mariana Magnus Smith

41.6

OTITES / 877 Cláudia Schweiger, Denise Manica, Mariana Magnus Smith

42 PNEUMOLOGIA 42.1 BRONQUIOLITE VIRAL AGUDA / 884 Daniel Barbosa, Paulo José Cauduro Marostica 42.2

LACTENTE SIBILANTE / 886 Fabiana da Silva Durães, Melissa Fernanda Steigleder, Paulo José Cauduro Marostica

42.3

ASMA / 889 Fabiana da Silva Durães, Melissa Fernanda Steigleder, Paulo José Cauduro Marostica

42.4

PNEUMONIA / 897 Fabiana da Silva Durães, Melissa Fernanda Steigleder, Paulo José Cauduro Marostica

42.5

FIBROSE CÍSTICA / 903 Fabiana da Silva Durães, Melissa Fernanda Steigleder, Matias Epifanio, Paulo José Cauduro Marostica

43 PSIQUIATRIA 43.1 TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE / 909 Felipe Almeida Picon 43.2

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES / 921 Felipe Almeida Picon, Luciano Isolan

44 REUMATOLOGIA 44.1 DOR ARTICULAR NA INFÂNCIA / 936 Sandra Helena Machado, Graziele Viapiana, Angela Dal Ross 44.2

ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL / 939 Sandra Helena Machado, Angela Dal Ross, Graziele Viapiana

44.3

FEBRE REUMÁTICA / 945 Angela Dal Ross, Graziele Viapiana, Sandra Helena Machado

44.4

VASCULITES COMUNS NA INFÂNCIA / 950 Angela Dal Ross, Graziele Viapiana, Sandra Helena Machado

44.5

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO / 954 Angela Dal Ross, Graziele Viapiana, Sandra Helena Machado

25

APÊNDICES 1

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA / 961 Paula Xavier Picon

2

TABELAS E FÓRMULAS / 1033 Renata Rostirola Guedes

3

CURVAS DE CRESCIMENTO / 1053 Paula Xavier Picon, Renata Rostirola Guedes

4

CIDs MAIS USADAS EM PEDIATRIA / 1065 Renata Rostirola Guedes

5

VALORES DE REFERÊNCIA DE EXAMES LABORATORIAIS / 1073 Renata Rostirola Guedes, Paula Xavier Picon

ÍNDICE / 1082

26

PARTE I

ATENÇÃO PRIMÁRIA E PUERICULTURA

CAPÍTULO 1

A CONSULTA PEDIÁTRICA JOANA COELI LIMA MARINS PAULO JOSÉ CAUDURO MAROSTICA

A consulta pediátrica é a etapa do processo diagnóstico e terapêutico que envolve procedimentos técnicos, associados a um conjunto de ações comportamentais, cognitivas, humanas, de atitudes e de interações que compõem a relação médico-paciente-família. Essa relação é bem peculiar na pediatria, pois se trata de uma relação a três: o médico, a criança e o responsável. A consulta em pediatria deve buscar a atenção integral à saúde da criança, que se expressa em diversas ações, em especial: Q Q Q Q

Acompanhar o processo de crescimento e desenvolvimento Identificar situações de risco a que as crianças estão submetidas Evidenciar processos mórbidos Estabelecer condutas gerais de seguimento da criança

Em cada período da vida da criança, as características do processo de seu desenvolvimento, os riscos a que estão submetidas e a existência de condições mórbidas determinam a necessidade e a periodicidade do atendimento médico (Tab. 1.1).

Tabela 1.1 INTERVALO ENTRE AS CONSULTAS DE SEGUIMENTO DE ROTINA SEGUNDO A IDADE Idade

Intervalo

0 a 5 meses 6 a 11 meses 12 a 23 meses 2 a 5 anos 6 a 9 anos

Mensal Bimestral Trimestral Semestral Anual

A CONSULTA PEDIÁTRICA

Considerando-se a atuação da pediatria junto à população, os profissionais devem desempenhar um importante papel com relação à atenção dispensada à criança em todos os níveis de complexidade. Desse modo, embora de forma limitada, o pediatra deve influenciar na definição das políticas públicas, com o objetivo de adequar as ações na área, destacando-se as medidas de promoção e prevenção da saúde. A evolução tecnológica não tem sido suficiente para resolver os enormes problemas, conflitos e sofrimentos gerados por uma má estruturação econômica, social e cultural, que, em nosso meio, caracteriza-se por extremas diferenças de direitos e estratos sociais. A identificação de fatores de risco e de proteção e o estabelecimento de prioridades e estratégias de intervenção devem constituir etapas do processo de trabalho do pediatra para a resolução dos principais problemas de saúde da população. Para uma nova concepção de intervenção em saúde, devem-se considerar as determinantes do processo saúde-doença. Nesse sentido, torna-se de fundamental importância o envolvimento de outras áreas do conhecimento: a intersetorialidade, que representa a confluência de diversos saberes para a resolução de problemas de maior complexidade, assim como a promoção de uma nova organização do processo de trabalho em saúde. Isso significa que, além de uma visão ampliada da questão saúde, é necessária a reorganização do sistema de prestação de serviço, incluindo atividades de interconsultas e terapias em grupo, entre outras. Outro aspecto importante refere-se à redefinição da absorção e da utilização de tecnologias e à recomposição da equipe de trabalho. Deve-se, ainda, buscar a integralidade das ações de saúde: atuação biopsicossocial que atenda o indivíduo e a coletividade nos vários níveis de atenção, nos aspectos preventivos e curativos, com enfoque na produção social da saúde. A abordagem integral da criança, de sua família, em um mundo em constante transformação, exige do pediatra e da equipe de saúde um enfoque interdisciplinar, com a possibilidade de superar a fragmentação do conhecimento em disciplinas ou departamentos, assim como romper o aprisionamento deste em áreas circunscritas. Convém enfatizar as questões éticas que devem pautar a relação do pediatra com a criança, em especial, considerando a situação de vulnerabilidade orgânica, psicológica e social dela. Deve-se entender e respeitar as etapas de desenvolvimento, quer seja nas manifestações de ansiedade e medo, quer seja nas manifestações de pudor. O exame da criança deve ser acompanhado de uma conversa, explicando o que está sendo feito e dizendo-lhe a verdade, de uma forma adaptada à idade. Tem que se buscar o consentimento explícito, marco ético fundamental. A opção do médico de entrevistar os genitores e a criança ou o adolescente juntos ou separadamente depende das queixas. Em muitos casos, o médico pode entrevistar inicialmente os genitores e a criança juntos, e, depois, entrevistá-los separadamente. As decisões precisam sempre ser compartilhadas com os pais e com a criança. Não se deve menosprezar a capacidade da criança de decidir e de ser ela própria uma educadora, repassando para a família estilos de vida mais saudáveis. 30

ANAMNESE

Q Q Q

Q Q Q Q

Q Q

Q

Q

Identificação: nome, data de nascimento, sexo, raça, nomes dos pais. Lista de problemas. História perinatal: número de consultas pré-natais, sorologias, intercorrências durante a gestação, tipo de parto, idade gestacional, peso e comprimento ao nascer, Apgar, tempo de permanência na unidade neonatal. História da doença atual: resumo cronológico do problema, duração, progressão, intervenção e procedimentos. História patológica pregressa: resumo das doenças significativas, traumatismos, internações, alergias e procedimentos. História alimentar: período de amamentação exclusivo, início do processo de desmame, aceitação dos alimentos pela criança, padrão alimentar atual. História vacinal e procedimento de triagem: devem ser anotados o número de doses e a idade em que foram aplicadas as vacinas, assim como possíveis efeitos adversos; e os resultados da triagem neonatal, triagem da visão e da audição. História familiar: informação sobre doenças de parentes. História social: perfil socioeconômico, característica da habitação (quantas pessoas residem, condições de saneamento básico, umidade, ventilação, animais domésticos), formação educacional dos pais, lazer (quais brincadeiras, com quem brinca, frequência de passeios). Desenvolvimento: conquista de marco do desenvolvimento, marcos sociais (controle esfincteriano, disciplina, relacionamentos, períodos do sono, despertar noturno, onde dorme), processo escolar. Revisão dos sistemas: geral (febre, cefaleia, irritabilidade, ganho ou perda ponderal), olhos (secreção, hiperemia), nariz (coriza, obstrução nasal), ouvi31

A CONSULTA PEDIÁTRICA

A discussão seguinte, relacionada à técnica de entrevista, inclui alguns princípios gerais e reconhece que o processo depende, em grande parte, da personalidade e da experiência do médico, que deve, inicialmente, apresentar-se e explicar seu objetivo. O interesse do profissional habilidoso é mostrado pela sua expressão facial e pelo seu tom de voz. O nome do paciente e o dos genitores e irmãos devem ser usados nos momentos adequados durante a entrevista, como forma de personalizar ou individualizar o procedimento. Convém ressaltar que a anamnese é o momento fundamental no qual os pais ou a própria criança fornecem informações que irão definir a história daquele paciente. A compreensão integral requer o conhecimento e a avaliação dos principais sistemas e aparelhos, bem como de todos os fatores do cotidiano e socioculturais que podem interferir no processo saúde-doença e no desenvolvimento socioafetivo seguro. A extensão e a direção da história, porém, dependem das circunstâncias que cercam cada caso. Em situações de emergência, naturalmente a tomada da história limita-se à obtenção dos dados essenciais ao diagnóstico e tratamentos imediatos. Diante de crianças com enfermidades agudas, muitas vezes a exploração além dos fatos imediatamente pertinentes é inadequada. Os componentes do conjunto de dados da anamnese pediátrica são:

do (otalgia, acuidade auditiva), respiratório (tosse, expectoração), digestório (vômito, dor abdominal, diarreia, constipação, eliminação de vermes), geniturinário (disúria, hematúria, enurese, polaciúria), sitema nervoso (tremores, convulsões, desmaios).

EXAME FÍSICO O exame começa desde o instante em que a criança entra no consultório. A simples observação dela fornece informações valiosas sobre seu desenvolvimento, postura e relacionamento. O médico deve oferecer à criança alguns momentos para que ela se familiarize com ele e com o ambiente. A ordem em que os sistemas orgânicos são examinados deve levar em conta a necessidade de o paciente estar tranquilo, o grau de confiança estabelecido e a iminência de dor ou de uma resposta emocional. Os procedimentos dolorosos ou desagradáveis devem ser deixados para o fim do exame. Q

A CONSULTA PEDIÁTRICA

Q Q

Q Q Q Q Q Q

Geral: peso, estatura, índice de massa corpórea, temperatura axilar, perímetro cefálico, frequências cardíaca e respiratória, pressão arterial, estado geral e nutricional, coloração de mucosas e hidratação. Pele e anexos. Cabeça: olhos (pupilas, conjuntiva, presença ou ausência de secreção), nariz (obstrução, epistaxe), ouvido (conduto externo, membrana timpânica), orofaringe (hiperemia, placas, lesões petequiais). Neurológico: fontanela anterior (até 18 meses), reflexos e motricidade. Cardiovascular: ausculta cardíaca (determinar se há sopros ou estalidos, aspecto das bulhas), palpação de pulsos. Respiratório: expansibilidade torácica, ausculta murmúrio-vesicular e ruídos adventícios (crepitantes, sibilos, estridores). Abdome: inspeção, ausculta de ruídos hidroaéreos, palpação superficial e profunda, determinação da presença ou ausência de visceromegalia. Região genital e perianal: genitália feminina (inspeção da vulva), genitália masculina (retração de prepúcio e palpação do testículo). Membros: deformidades, simetria.

ORIENTAÇÕES GERAIS Ao final de cada consulta, o pediatra deve dar todas as orientações necessárias para promover cuidados adequados à saúde da criança. As áreas de preocupação incluem alimentação, prevenção de acidentes, questões ligadas ao desenvolvimento e comportamento e promoção de saúde. As orientações precisam ser verbais para facilitar a compreensão, porém, devem, também, ser fornecidas por escrito para o responsável. Revistas, livretos e outros instrumentos podem ser distribuídos como estratégia de educação em saúde. 32

REFERÊNCIAS Corrêa EJ, Coelho MCR, Mota JAC, Gonzalez CO, Campos MK. Atendimento pela equipe de saúde. In: Leão E, Corrêa EJ, Mota JA, Viana MB, organizadores. Pediatria ambulatorial. Belo Horizonte: COOPMED; 1998. p. 71-94. Marcondes E, Vaz FAC, Ramos JLA, Yassuhiko O. Pediatria básica: pediatria clínica geral. 9. ed. São Paulo: Savier; 2003. t. 2.

A CONSULTA PEDIÁTRICA

Lopez FA, Campos Júnior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. Sociedade Brasileira de Pediatria.

33

CAPÍTULO 2

CRESCIMENTO JULIANA COSTA MAIA PAULA XAVIER PICON PAULO JOSÉ CAUDURO MAROSTICA

Definição. O crescimento, um dos indicadores de saúde mais importantes da criança, do ponto de vista biológico refere-se à alteração da forma e do tamanho das células. Crescimento e desenvolvimento são dois processos interligados, sendo o primeiro um processo quantitativo, e o segundo, qualitativo, definido como a capacidade do indivíduo de realizar funções mais complexas (detalhado no Cap. 3). O crescimento sofre influência dos fatores que seguem.

CRESCIMENTO

FATORES EXTRÍNSECOS Ambientais. Influenciam no período pré e pós-natal. No período pré-natal, o crescimento ocorre pelo conteúdo genético do organismo e é influenciado por fatores externos, como nutrição materna, fatores mecânicos e endócrinos, irradiações, infecções maternas, tabagismo ou ainda pelo uso de drogas pela mãe. No período pós-natal, podemos citar os seguintes fatores: estimulação física e psicossocial, exposição à irradiação e uso de drogas, traumas físicos, exposição a doenças infecciosas, estresse agudo, doenças que causam restrição ao leito e doenças crônicas (cardiopatia, desnutrição, etc.). Nutricionais. A energia da dieta tem 40% de aproveitamento no primeiro ano de vida, caindo para 20% no final desse período. Os carboidratos e os lipídeos são as fontes mais importantes dessa energia, sendo que os carboidratos representam cerca de 50% ou mais das calorias oferecidas. Os lipídeos, além da função energética, veiculam vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K) e ácidos graxos essenciais, e são responsáveis pela formação de membranas celulares, pela síntese de hormônios esteroides e também pela saciedade e pelo sabor da dieta. Dentre as proteínas fundamentais para o crescimento na infância, principalmente no primeiro ano de vida, as mais importantes são aquelas de origem animal (quantidade recomendada: 50-75%). Os minerais de maior importância para o crescimento são cálcio, fósforo, magnésio (metabolismo ósseo), potássio, ferro e iodo, assim como as vitaminas C, A e D.

34

Atividade física. Promove avanço na idade óssea em relação à cronológica e atua tanto no crescimento quanto no desenvolvimento. Lembrar que esportes competitivos devem ser estimulados a partir da adolescência, com idade óssea superior a 14 anos. Sono. Durante o sono, são produzidos alguns hormônios que desempenham papéis vitais no crescimento e no funcionamento do nosso organismo. Por exemplo, o pico de produção do hormônio do crescimento (GH) ocorre durante a primeira fase do sono profundo, aproximadamente meia hora após uma pessoa dormir. A leptina, hormônio capaz de controlar a sensação de saciedade, também é secretada durante o sono. Pessoas que permanecem acordadas por períodos superiores ao recomendado produzem menores quantidades de leptina. Resultado: o corpo sente necessidade de ingerir maiores quantidades de carboidratos.

FATORES INTRÍNSECOS Genéticos. Determinados pela herança genética e pela constituição de cada organismo (normossômico, hipossômico, hipersômico, longilíneo, brevilíneo).

CRESCIMENTO

Neuroendócrinos. Lesões hipotalâmicas – como hipotireoidismo hipotalâmico –, puberdade precoce, hipogonadismo hipogonadotrófico e baixa estatura por déficit ou resistência ao GH alteram a função hipotalâmica de regulação dos principais hormônios envolvidos no crescimento, alterando também o desenvolvimento.

FORMAS DE CRESCIMENTO Nas fases iniciais de crescimento, observa-se uma retenção hídrica, intracelular, representando 70% do ganho ponderal nesse período. Em seguida, proteínas e sais minerais passam a ser incorporados pelas células, ocasionando aumento da massa tecidual, sendo, então, as proteínas as principais responsáveis pelo processo de crescimento do organismo, divisão e hipertrofia celular. A Figura 2.1 mostra um gráfico de crescimento percentual, após o nascimento, de cada tecido humano. Observar o crescimento do tecido nervoso acelerado nos primeiros 3 a 4 anos de vida, sendo que carências nutricionais nessa fase podem levar a danos irreversíveis. A melhor forma de avaliação do tecido neural é a monitoração do perímetro cefálico. O crescimento somático não ocorre de forma homogênea, sendo que a fase rápida se estende da vida intrauterina até os 2 anos de idade, determinada pela nutrição da criança. Nessa fase, o peso é um bom avaliador isolado do crescimento. Dos 2 anos até a puberdade, tem-se uma fase de crescimento regular e homogêneo (aumento de 2 kg/ano e 6 cm/ano). O potencial genético e o hormônio do crescimento são os principais determinantes dessa fase: a criança entra no seu canal de desenvolvimento. Na puberdade, outra fase rápida de crescimento se instala, sendo responsáveis os hormônios sexuais.

35

CRESCIMENTO

Figura 2.1 Principais tipos de crescimento em termos percentuais.

CRESCIMENTO FÍSICO Alguns parâmetros são analisados pelo pediatra para avaliação do crescimento, entre eles, peso, estatura, medidas do segmento inferior (sínfise púbica até o chão) e do segmento superior (estatura menos segmento inferior), relação entre o tamanho do tronco e dos membros inferiores, perímetro cefálico, perímetro torácico e presença de caracteres sexuais secundários. O peso e a estatura são os parâmetros mais importantes, sendo a estatura o indicador mais confiável, por não sofrer tantas alterações quanto o peso. Alguns padrões de crescimento podem ser memorizados para sua melhor avaliação: Q

36

Peso: – Há perda de 10% do peso após o nascimento (urina+mecônio+jejum). – O peso ao nascer é alcançado por volta do 10o ao 14o dia. – 1o mês: o recém-nascido (RN) aumenta 30 g/dia. – 0-2 meses: período de maior velocidade de crescimento pós-natal. – 1o trimestre: 700 g/mês; 2o trimestre: 600 g/mês; 3o trimestre: 500 g/mês; 4o trimestre: 400 g/mês. – 5o mês: o dobro do peso ao nascer. – 12o mês: o triplo do peso ao nascer. – Após os 2 anos de idade: ganho de 2 kg/ano até os 8 anos.

– Fórmula do peso médio aproximado – de 3-11 anos: Peso (kg) = Idade × 2 + 8 Q

Estatura: – RN = estatura em torno de 50 cm. – 1o semestre de vida = crescimento de 15 cm. – 2o semestre de vida = crescimento de 10 cm. – No final do primeiro ano, o crescimento corresponde a 50% da estatura ao nascimento. – Criança com 4 anos = estatura em torno de 1 metro. – Entre 2-5 anos: cresce 7 cm/ano. – Entre 6-12 anos: 6 cm/ano. – Fórmula da estatura média aproximada – de 3-11 anos:

Q

Perímetro cefálico: é aferido passando uma fita métrica da proeminência occipital até o sulco orbitário. Nos primeiros meses de vida, é mais útil para identificação de anomalias cerebrais do que para avaliação do desenvolvimento. – Crescimento médio = 0,5 cm/sem de 0-2 meses e 0,25 cm/sem de 2-6 meses. – Crescimento cefálico total médio: • 5 cm nos primeiros 3 meses; • 4 cm de 3-6 meses; • 2 cm de 6-9 meses; • 1 cm de 9 meses a 1 ano.

AVALIAÇÕES E CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES Após aferidas, as medidas são colocadas em tabelas padronizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), onde é fornecida uma definição estatística da normalidade, comparando-se o paciente com crianças do mesmo sexo e idade, de acordo com o percentil que este se encontra no gráfico. Por exemplo, se o paciente está no percentil 75 para o peso, significa dizer que ele tem um peso superior a 75% das crianças do mesmo sexo e idade. O peso é considerado insuficiente se: Q Q

for menor que o percentil 3 no gráfico; a velocidade de ganho de peso for menor que 20 g/dia de 0-3 meses e menor que 15 g/dia de 3-6 meses; Q houver desvio na curva, cruzando 2 percentis para baixo, isto é, saindo do seu canal de crescimento.

37

CRESCIMENTO

Estatura (cm) = (idade – 3 ) × 6 + 95

Quando a linha que une os pontos assinalados no gráfico de peso tende à horizontal ou desce, ela representa desnutrição primária ou secundária ao maior gasto calórico ou a estados hipermetabólicos. Na presença de desnutrição recente, as curvas de estatura e perímetro cefálico não se alteram; porém, quando a alteração nutricional é prolongada, a estatura também fica comprometida. Nas causas endócrinas, a idade óssea poderá apresentar atraso superior a 3 anos e alteração da velocidade de crescimento. Na baixa estatura de origem genética ou baixa estatura familiar, a estatura final é inferior à média, mas a idade óssea é compatível com a idade cronológica. No caso de curvas abaixo do percentil 3 na altura, peso e perímetro cefálico, deve-se considerar a possibilidade de crescimento intrauterino retardado e anomalias genéticas. Na adolescência, o crescimento é mais acelerado, sendo que, nas meninas, o pico de crescimento ocorre aos 11,5 anos na velocidade máxima de 8,3 cm/ano e decresce até parar aos 16 anos. Nos meninos, o estirão do crescimento inicia em torno de 13,5 anos, com velocidade máxima de 9,5 cm/ano e, após, decresce até parar aos 18 anos. A massa muscular também aumenta, seguida, seis meses depois, de um acréscimo de estatura; meninos têm taxas de crescimento maiores que meninas em ambos os aspectos descritos.

REFERÊNCIAS CRESCIMENTO

Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson textbook of pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007. Lopez FA, Campos Júnior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2006. Sociedade Brasileira de Pediatria.

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CAPÍTULO 3

DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR ANTONIO MILTON LIMA GARCIA NORMA MARTINS DE MENEZES MORAIS RUDIMAR DOS SANTOS RIESGO

“O filhote humano é um dos seres mais prematuros do reino animal. Depende quase que exclusivamente de outro ser para se desenvolver” (Coitinho; Brant; Albuquerque, 2002).

Quando nascemos, apresentamos apenas habilidades básicas para assegurar a sobrevivência, como ingestão, respiração, excreção e crescimento, além de potencial para continuar o nosso desenvolvimento, já iniciado durante a etapa intrauterina. A infância representa a grande transição da evolução da espécie humana, passando da atitude passiva em decúbito dorsal à posição ortostática, em que ocorre a aquisição da linguagem e desenvolve-se a capacidade cognitiva, atributos dos seres superiores. Evoluímos de seres com funções basicamente reflexas para criaturas com capacidades complexas e voluntárias. A criança é um ser em pleno desenvolvimento. A definição de desenvolvimento é, portanto, multiconceitual e multidisciplinar, correspondendo à capacidade de realizar funções (motoras, verbais, psíquicas e cognitivas) cada vez mais complexas. Esse encadeamento de aquisições, chamado de marco do desenvolvimento, não ocorre de maneira arbitrária, mas obedece a etapas direcionais e temporais previsíveis, que ocorrem nos sentidos cefalocaudal e proximal-distal. A progressão dessa aquisição de habilidades está intimamente relacionada à maturação do desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC). Há uma estreita relação entre a sequência de desenvolvimento das funções neuropsicomotoras e a sequência de mielinização das estruturas neurológicas funcionalmente correlacionadas.

CONDIÇÕES BÁSICAS PARA O DESENVOLVIMENTO A perfeita interação entre o meio ambiente e as condições físicas da criança é peça-chave para um desenvolvimento ideal. Assim, fatores intrínsecos, como condições adequadas de meio interno (nutrição e equilíbrio metabólico) e boas condições de estruturas efetoras (cordas vocais, ossos e músculos) são essenciais. Além disso, influenciam no aprimoramento das habilidades funcionais: fatores extrínsecos pré-natais, como condições de saúde materna durante a gestação, e pós-natais, como vínculo afetivo mãe-filho, estímulos e alimentação. A figura materna é fundamental no processo do desenvolvimento da criança. Sua influência cardinal inicia-se já durante a formação intrauterina do seu filho. Suas fantasias, crenças e emoções estimulam o início do desenvolvimento do psiquismo do bebê. Após o nascimento, as conversas, os toques, os olhares e as brincadeiras são de significado primordial no desenvolvimento como um todo. Cabe à mãe a tarefa da estimulação.

DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR

EPIDEMIOLOGIA A incidência de crianças brasileiras com suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) na literatura varia entre 30 e 40%. Entre os fatores de risco, podemos apontar: condições socioeconômicas precárias, baixa escolaridade materna, baixo peso ao nascer, prematuridade, desmame precoce e existência de mais de três irmãos.

QUANDO AVALIAR O DESENVOLVIMENTO INFANTIL? A avaliação do DNPM é essencial na atenção global à saúde da criança por ser uma estratégia de promoção de saúde. Segundo o Ministério da Saúde (MS), o acompanhamento do desenvolvimento deve fazer parte de toda a consulta geral da criança. Gesell (1996) propõe idades-chave para consultas de seguimento específico do desenvolvimento: 4, 16, 28 e 40 semanas e 12, 18, 24, 36, 48 e 60 meses.

O QUE AVALIAR NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL? Como mencionado anteriormente, o DNPM segue um padrão previsível de aquisições. A cada idade, a criança apresenta um conjunto de habilidades a serem adquiridas, às quais se convencionou chamar de “marcos do desenvolvimento”. Esses são o alicerce da avaliação do desenvolvimento infantil. A evolução maturacional da criança ocorre em múltiplos campos de conduta, que são interdependentes e desenvolvem-se basicamente em um mesmo ritmo. Em 2002, Coitinho, Brant e Albuquerque dividiram essas manifestações evolutivas de conduta em quatro setores: maturativo, psicomotor, social e psíquico. A partir do conhecimento dos marcos do desenvolvimento de cada idade, foi elaborado 40

Abre e fecha os braços em resposta à estimulação (Reflexo de Moro) Postura: barriga para cima, pernas e braços fletidos, cabeça lateralizada Olha para a pessoa que a observa Dá mostras de prazer e desconforto Fixa e acompanha objetos em seu campo visual

Colocada de bruços, levanta a cabeça momentaneamente Arrulha e sorri espontaneamente Começa a diferenciar dia/noite Postura: passa da posição lateral para linha média Colocada de bruços, levanta e sustenta a cabeça apoiando-se no antebraço

Emite sons – balbucia Conta com a ajuda de outra pessoa mas não fica passiva Rola de posição supina para prona

DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR

Levantada pelos braços, ajuda com o corpo Vira a cabeça na direção de uma voz ou objeto sonoro Reconhece quando se dirigem a ela Senta-se sem apoio Segura e transfere objetos de uma mão para a outra Responde diferentemente a pessoas e/ou familiares Imita pequenos gestos ou brincadeiras Arrasta-se ou engatinha Pega ojetos usando o polegar e o indicador Emprega pelo menos uma palavra com sentido Faz gestos com a mão e a cabeça (tchau, não, bate palmas, etc.)

Anda sozinha, raramente cai Tira sozinha qualquer peça do vestuário Combina pelo menos 2 ou 3 palavras Distancia-se da mãe sem perdê-la de vista Leva os alimentos á boca com sua própria mão Corre e/ou sobe degraus baixos Aceita a companhia de outras crianças mas brinca isoladamente Diz seu próprio nome e nomeia objetos como sendo seus Veste-se com auxílio Fica sobre um pé, momentaneamente Usa frases Começa o controle esfincteriano Reconhece mais de duas cores Pula sobre um pé só Brinca com outras crianças Imita pessoas da vida cotidiana (pai, mãe, médico, etc.) Veste-se sozinha Pula alternadamente com um e outro pé Alterna momentos cooperativos com agressivos Capaz de expressar preferências e ideias próprias

Figura 3.1 Ficha de Acompanhamento do Desenvolvimento. Fonte: Adaptada de Coitinho; Brant; Albuquerque (2002).

41

um roteiro de observação e identificação de crianças com prováveis problemas de desenvolvimento. Esse modelo é usado em forma de uma Ficha de Acompanhamento do Desenvolvimento (FAD), como recomenda o MS (Fig. 3.1). O profissional de saúde deve estar atento, durante a consulta, às evidências de possíveis fatores de risco para atraso do DNPM, principalmente às alterações no vínculo mãe-filho. Deve-se atentar também para a presença de algumas características físicas, como macrocrania, disostoses, visceromegalias e dismorfias, que podem fazer parte de síndromes genéticas ligadas ao retardo do DNPM.

DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR

COMO AVALIAR O DESENVOLVIMENTO INFANTIL? O exame do desenvolvimento inicia-se por meio da observação. O profissional deve analisar a atitude da criança ao entrar no consultório, seu comportamento, sua marcha, sua fala, sua interação com a mãe. Um ambiente silencioso, com temperatura agradável e boa luminosidade é importante para evitar situações como medo e sonolência, prejudicando o exame. O colo da mãe transmite sensação de segurança. A criança examinada no colo materno, muitas vezes, é mais cooperativa e tranquila, tornando o exame mais fidedigno. Deve-se também evitar examinar os lactentes nos períodos próximos às mamadas. A aplicação da FAD do MS (ou escalas de triagem e acompanhamento do DNPM, como os Testes de Baley, Denver I, Denver II, Sheridan ou Gesell), aliada à anamnese e ao exame físico, permite a vigilância adequada na detecção dos desvios mais grosseiros do DNPM. A Tabela 3.1 retrata as situações com as quais o profissional de saúde pode se deparar ao aplicar a FAD e indica como classificar a criança dentro do contexto proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e MS, além da conduta mais adequada. É importante ressaltar que a prematuridade é um fator de confusão na avaliação do DNPM e pode levar a uma falsa suspeita de atraso, já que as habilidades dos prematuros estão, normalmente, adequadas à sua idade gestacional corrigida e não à cronológica. Deve-se corrigir a idade cronológica de prematuros com base na sua idade gestacional até que atinjam 12 meses de idade gestacional corrigida. Após os 7 anos de idade, deve-se realizar a avaliação por meio do exame das funções neuropsicológicas superiores, que devem coincidir, estas, com o desempenho formal em relação à aprendizagem. É notório observar que os pacientes com deficiência cognitiva mais importante geralmente apresentam história de retardo acentuado das habilidades psicomotoras na infância precoce, enquanto aqueles com deficiência cognitiva leve tendem a apresentar apenas história de atraso na linguagem. Estudos recentes têm demonstrado que problemas de aprendizagem vinculados à linguagem (dislexia, transtornos do processamento auditivo central) estão relacionados a uma imaturidade no desenvolvimento de habilidades perceptuais.

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Tabela 3.1 AVALIAR E CLASSIFICAR O DESENVOLVIMENTO, SEGUNDO O CONTEXTO DA ATENÇÃO INTEGRADA ÀS DOENÇAS PREVALENTES NA INFÂNCIA (AIDPI) Classificação

Conduta

Presença dos marcos do desenvolvimento esperados para a idade.

Desenvolvimento normal

– Elogiar a mãe pelo desenvolvimento do filho. – Orientar a mãe a continuar estimulando o filho.

Ausência de um ou mais marcos do desenvolvimento para a idade.

Possível atraso no desenvolvimento

– Verificar a situação ambiental da criança. – Verificar a relação com a mãe. – Orientar a mãe sobre a estimulação do filho. – Marcar retorno em 30 dias.

Ausência de um ou mais marcos do desenvolvimento para a idade por mais de duas consultas.

Provável atraso no desenvolvimento

– Encaminhar para serviço de maior complexidade.

DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR

Situação

Fonte: Adaptada de OMS (1981).

COMO ESTIMULAR O DESENVOLVIMENTO? Estimular é oferecer à criança situações, pessoas e objetos que tenham significado, despertando assim o desejo de agir ou reagir aos estímulos que lhe são oferecidos. A intervenção precoce nas áreas sensório-motoras é de suma importância para se atingir o mais rápido possível um desenvolvimento que ainda está com toda a sua plasticidade e capacidade de receber as sensações normais e integrá-las. É reforçando movimentos e posturas normais que se evita a formação anômala de circuitos neuronais de comportamentos anormais no desenvolvimento motor e sensorial. Orientações aos pais sobre métodos domiciliares de estimulação são fundamentais, pois o DNPM processa-se no dia a dia. O manuseio, realizado por meio

43

DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR

da movimentação passiva, é uma das formas de estimulação motora. Colocar a criança em posição prona, estimulá-la a manter-se sentada com apoio ou em ortostase (dependendo da sua idade) são exemplos de estimulação motora ativa. Estímulos visuais, como o balançar de brinquedos de cores vivas ou o rolamento linear de uma bola pequena, instigam o sistema vestibular e o estado de alerta. Estímulos sonoros, como conversar com a criança, cantar ou ouvir músicas, contribuem para o desenvolvimento da linguagem. Estímulos proprioceptivos e táteis profundos, como abraços e carinhos, promovem, em geral, um comportamento calmo e autorregulatório. Uma alternativa na estimulação do desenvolvimento comportamental e cognitivo é a realização de atividades lúdicas, visando à assimilação abstrata do comportamento ideal. As crianças classificadas como tendo provável atraso de desenvolvimento de acordo com o Quadro 3.1 devem ser encaminhadas para avaliação do neurologista infantil e para estimulação do desenvolvimento com profissionais especializados, como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e psicopedagogos. O estímulo ambiental é essencial. Não estimular a criança significa não desenvolver suas potencialidades. Entretanto, para ser efetivo, o estímulo precisa ser oportuno, ou seja, estar adequado às etapas já superadas e aos marcos atuais do desenvolvimento. A estimulação muito precoce pode gerar tensões na criança e na família. A estimulação tardia talvez leve a resultados apenas parciais.

REFERÊNCIAS Coitinho DC, Brant JAC, Albuquerque ZP. Saúde da criança: acompanhamento do crescimento e desenvolvimento. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2002. (Série Cadernos de Atenção Básica; 11). Gesell A. A criança de 0 a 5 anos. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes; 1996. Halpern R, Barros FC, Horta BL, Victora CG. Desenvolvimento neuropsicomotor aos 12 meses de idade em uma coorte de base populacional no Sul do Brasil: diferenciais conforme peso ao nascer e renda familiar. Cad Saúde Pública. 1996;12 suppl. 1:21-5. Halpern R, Giugliani ERJ, Victora CG, Barros FC, Horta BL. Fatores de risco para suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor aos 12 meses de vida. Rev Child Pediatr. 2002;73(5):529-39. Organización Mundial de la Saude. Evaluación de los programas de salud. Geneva: Author; 1981. Rotta NT. Desenvolvimento neuropsicomotor. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo RS. Rotinas em neuropediatria. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 11-16. Rtliffe KT. A típica criança em desenvolvimento. In: Fisioterapia clínica pediátrica. São Paulo: Santos; 2000. p. 23-68. Sheahan MS, Brockway NF, Tecklin JS. A criança de alto risco. In: Tecklin JS. Fisioterapia pediátrica. São Paulo: Artmed; 2002. p. 69-97.

44

Silva RK, Gaetan ESM. A importância da estimulação ambiental e da intervenção fisioterapêutica precoce na habilitação de crianças com paralisia cerebral: uma visão neurofisiológica. Reabilitar. 2004;22(6):49-57. Telg EK. Intervenção precoce na prática. Rev Fisiot. 1991;4:107-11. Trezza EMC, Rizzato ABP, Faleiros FTV, Prearo AY, Uliana, MRP. Assistência à criança normal. In: Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP). Condutas em pediatria. 4. ed. Rio de Janeiro: EPUB; 1999. p. 1-15.

DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR

Wright BA, Zecker SG. Learning problems, delayed development, and puberty. PNAS. 2004;101(26):9942-6.

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CAPÍTULO 4

DESENVOLVIMENTO PUBERAL CECÍLIA KORB PAULA XAVIER PICON

DESENVOLVIMENTO PUBERAL

A puberdade compreende a etapa de maturação cognitiva, biológica e psicossocial ocorrida na adolescência. A mudança biológica envolve o aparecimento dos caracteres sexuais secundários e o estirão do crescimento, secundário à ativação dos eixos hipotálamo-hipofisário, suprarrenal e gonadal.

MATURAÇÃO SEXUAL Determina o aparecimento dos caracteres sexuais secundários. A gonadarca ocorre pela ação do estrogênio nas meninas e de androgênios nos meninos, havendo aumento das mamas (telarca), útero e ovários, e pênis e testículos, respectivamente. A adrenarca ocorre pela ação dos androgênios suprarrenais, havendo surgimento dos pelos pubianos (pubarca), axilares e faciais. Puberdade feminina. O evento inicial é a telarca, que ocorre entre 8 e 12 anos de idade, geralmente começando de modo unilateral, levando à assimetria mamária temporária. A pubarca ocorre em seguida, em torno dos 10 anos. A menarca ocorre cerca de 2 anos e meio após a telarca, em média aos 12 anos de idade, mas variando entre 9 e 16 anos, geralmente no estágio 4 de Tanner. Puberdade masculina. O evento inicial é o aumento do volume testicular (acima de 3 mL, medido com orquidômetro), que ocorre entre 9 e 14 anos de idade, seguido pela pubarca e pelo aumento do pênis. Os pelos axilares e faciais surgem em média entre 12 e 14 anos. A espermarca (primeira ejaculação) ocorre quando o volume testicular atinge 10-12 mL, por volta dos 14-15 anos, e se manifesta pela polução noturna (ejaculação durante o sono). Por fim, há a mudança no timbre de voz.

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ESTÁGIOS DE TANNER Classificam de maneira temporal a maturação sexual: mamas nas meninas, genitais nos meninos e pelos pubianos em ambos os sexos (ver Tabs. 4.1, 4.2, 4.3, e Figs. 4.1, 4.2, 4.3 e 4.4).

Estágio

Caracteres sexuais

P1

Pelos pubianos ausentes

P2

Pelos esparsos e finos ao longo dos grandes lábios/base do pênis

P3

Pelos mais pigmentados, espessos e enrolados, atingindo a sínfise púbica

P4

Pelos do tipo adulto, mas em menor quantidade

P5

Pelos do tipo adulto, em grande quantidade, estendendo-se até a raiz das coxas

DESENVOLVIMENTO PUBERAL

Tabela 4.1 ESTÁGIOS DE TANNER NO DESENVOLVIMENTO DOS PELOS PUBIANOS EM AMBOS OS SEXOS

Tabela 4.2 ESTÁGIOS DE TANNER NO DESENVOLVIMENTO DAS MAMAS Estágio

Caracteres sexuais

M1

Mamas infantis

M2

Surgimento do broto mamário, elevação da papila e aumento do diâmetro areolar

M3

Aumento das mamas e aréola, sem separação dos contornos

M4

Aréola e papila em projeção, formando monte secundário sobre a mama

M5

Mamas adultas, aréola retorna ao contorno da mama

47

DESENVOLVIMENTO PUBERAL

Figura 4.1 Estágios de maturação sexual feminina – mamas. Fonte: Chipkevitch (2001).

48

Estágio

Caracteres sexuais

G1

Pênis, testículos e bolsa escrotal do tipo infantil

G2

Aumento do volume testicular, pele escrotal fina e avermelhada

G3

Aumento progressivo dos testículos e do comprimento do pênis

G4

Aumento do diâmetro do pênis e da glande, pigmentação da pele escrotal

G5

Pênis, testículos e bolsa escrotal tipo adulto

G1

G2

G4

G5

DESENVOLVIMENTO PUBERAL

Tabela 4.3 ESTÁGIOS DE TANNER NO DESENVOLVIMENTO DOS GENITAIS MASCULINOS

G3

Figura 4.2 Estágios de maturação sexual masculina – genitais. Fonte: Chipkevitch (2001).

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P1

P2

P4

P5

P3

Figura 4.3 Estágios de maturação sexual feminina – pelos pubianos.

DESENVOLVIMENTO PUBERAL

Fonte: Chipkevitch (2001).

P1

P2

P4

P5

P3

Figura 4.4 Estágios de maturação sexual masculina – pelos pubianos. Fonte: Chipkevitch (2001). 50

ESTIRÃO DO CRESCIMENTO Meninas. Inicia com o surgimento do broto mamário e ocorre entre os estágios 2 e 3 de Tanner. O pico de velocidade ocorre entre os estágios 3 e 4. A menarca é o indicador de que o pico de crescimento já foi atingido. Meninos. Inicia com o aumento peniano e ocorre entre os estágios 3 e 4 de Tanner. O pico de velocidade de crescimento é atingido entre os estágios 4 e 5.

OUTRAS MUDANÇAS Além da maturação sexual e do estirão do crescimento, a puberdade também engloba outros eventos físicos e de ordem psicossocial que devem ser abordados pelo pediatra, como ganho de peso (devido à alteração da composição corporal), início da atividade sexual e riscos relacionados (doenças sexualmente transmissíveis, gravidez), acne, possibilidade de ginecomastia no sexo masculino, mudanças comportamentais e de humor, aquisição de independência (física, emocional, financeira).

Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson textbook of pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007. Chipkevitch E. Avaliação clínica da maturação sexual na adolescência. J Pediatr (Rio J). 2001;77(Supl. 2):s135-s42. Chipkevitch E. Avaliação clínica da matural sexual na adolescência. J Pediatria. 2001; 77(Supl. 2):s135-s42. Lopez FA, Campos Júnior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. Sociedade Brasileira de Pediatria. Styne DM, Grumbach MM. Puberty: ontogeny, neuroendocrinology, physiology and disorders. In: Kronenberg HM, Melmed, S, Polonsky KS, Larsen PR, editors. Williams textbook of endocrinology. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2008. Cap. 24.

51

DESENVOLVIMENTO PUBERAL

REFERÊNCIAS

CAPÍTULO 5

ABORDAGEM AO ADOLESCENTE

ABORDAGEM AO ADOLESCENTE

JULIANA COSTA MAIA PAULO JOSÉ CAUDURO MAROSTICA

A atenção à saúde do adolescente desafia a medicina e demanda um novo enfoque de abordagem do sujeito, de forma a preencher as suas necessidades biopsicossociais emergentes. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência corresponde à segunda década da vida (de 10 a 19 anos), e a juventude, ao período de 15 a 24 anos. No entanto, essas faixas se ajustam a investigações epidemiológicas, sendo importante não ignorar os fatos individuais determinados pela maturação sexual e pelo desenvolvimento psicossocial e outras características dos adolescentes, porque eles mostram a diversidade humana e o risco da rigidez dos marcos conceituais. Nessa perspectiva, os primeiros indícios de puberdade assinalam o início da adolescência (nas meninas, a protusão do mamilo; nos meninos, o aumento do volume testicular), ocorrendo em tempo individual e regulados principalmente por mecanismos genéticos, neuroendócrinos e ambientais, podendo iniciar-se antes dos 10 anos de idade. As transformações físicas ocorridas envolvem o desenvolvimento dos caracteres sexuais primários e secundários, as modificações metabólicas e a composição corpórea, além do aumento da velocidade do crescimento pôndero-estatural, seguindo uma sequência quase invariável de maturação sexual, sistematizada por Tanner em 1962 – os Estágios de Tanner. O final da puberdade coincide com a aquisição da capacidade reprodutiva, a fusão das epífises ósseas e o completo crescimento do indivíduo.

A CONSULTA MÉDICA DO ADOLESCENTE A consulta do adolescente apresenta muitas particularidades, devido às dificuldades próprias de seu momento evolutivo. O médico de adolescentes (hebiatra) precisa estar preparado e motivado para esse trabalho, em qualquer circunstância do atendimento. Os problemas trazidos são muito variados dependendo da idade e da maturação sexual; divide-se a abordagem em três grupos para facilitar a condução da consulta: 52

De 10 a 14 anos: início da puberdade; em geral surgem dúvidas referentes ao crescimento e desenvolvimento, às transformações corporais, aos desafios em lidar com a imagem de um corpo sexuado, que perde suas características infantis, além de questões psicológicas e sociais que a condição incipiente determina. Nesse grupo, as mortes violentas representam mais de 30% do total de óbitos em adolescentes brasileiros, sendo os acidentes de transporte os mais prevalentes, seguidos de afogamentos e homicídios. Q De 15 a 20 anos: aqueles que já enfrentaram as dificuldades iniciais da adolescência preocupam-se principalmente com as vicissitudes impostas pela escolarização, o projeto vocacional e as relações sociais com os companheiros do mesmo sexo e do sexo oposto. A autoimagem pode sofrer transtornos por problemas orgânicos como acne, micoses, deficiências visuais e de arcada dentária, incluindo uso de óculos e aparelhos ortodônticos, respectivamente. Problemas relativos ao exercício da sexualidade são frequentes e necessitam ser conduzidos com perícia para prevenção de danos orgânicos e psicológicos. Os comportamentos de risco e o uso de drogas lícitas e ilícitas desestabilizam as relações sociais e familiares e o êxito escolar, podendo levar ao aumento da morbidade e da mortalidade. Nesse grupo, os eventos violentos são responsáveis por mais de 70% dos óbitos, com prevalência dos homicídios, seguidos de acidentes de transporte. Entre as mulheres, as mortes decorrentes de complicações de parto e puerperais ocupam o terceiro lugar. Q De 20 a 24 anos: alguns são considerados “jovens com adolescência prolongada”, ainda sofrendo as mesmas dificuldades que os adolescentes de 15 a 19 anos. Os transtornos psicológicos ganham extensão notável na consulta e constituem a primeira demanda para todos os sujeitos. A AIDS aparece nas estatísticas de óbitos por enfermidades orgânicas entre os jovens de 20 a 24 anos como a quinta causa de mortalidade e com diferença estatística não significativa entre os sexos (Brasil, 2001). O quadro de violência é qualitativamente semelhante ao da faixa etária de 15 a 19 anos, mas quantitativamente tem maior gravidade, destacando-se os homicídios, seguidos dos acidentes de transporte e dos suicídios. É importante ressaltar que a mortalidade é maior para o sexo masculino nos três grupos etários.

PRINCIPAIS MOTIVOS DA CONSULTA São três os principais motivos que levam o adolescente à consulta médica: Q

queixas “físicas”, como, por exemplo, dores musculares, cefaleia, tontura, cansaço, distúrbios digestivos ou quadros clínicos definidos, como rinossinusites, pneumonias, etc; Q dificuldades de ajustamento social na escola, no trabalho ou com os companheiros, transtornos da conduta ou mau rendimento escolar – problemas, na maioria das vezes, trazidos pelos pais;

53

ABORDAGEM AO ADOLESCENTE

Q

Q

dificuldades na área da sexualidade ou por queixas psicológicas, tais como preocupações, tensão e nervosismo, distúrbios do sono, etc.

CARACTERÍSTICAS DA ANAMNESE Roteiro de anamnese HEADS-SS (“descobrindo a cabeça dos adolescentes”): Q

Q Q Q Q

ABORDAGEM AO ADOLESCENTE

Q Q

H (home) Habitação e família: situação de moradia, relações e estrutura familiar, incluindo valores, hábitos, condições socioeconômicas, doenças e violência na família. E (education) Educação (ou trabalho): frequência às aulas, repetições e evasão escolar, condições de trabalho e horários de serviço (no caso de já trabalhar). A (activity) Atividades: hábitos alimentares, de sono, de repouso, atividades de lazer fora de casa, esportes, amigos, projetos de vida. D (drugs) Drogas: uso lícito e ilícito, uso eventual, uso na família, drogradição. S (sexuality) Sexualidade: orientação sexual, namoro, relações sexuais, doenças sexualmente transmissíveis, preferências de gênero, número de parceiros, métodos contraceptivos, masturbação. S (suicide) Suicídio (alterações psíquicas): depressão, tentativa de suicídio. S (savagery) Violência: participação ativa/passiva, grupos (gangues), delitos, etc.

O EXAME FÍSICO As características individuais do médico e do adolescente e as circunstâncias do atendimento determinarão se o adolescente será examinado sozinho ou acompanhado de pessoas da família. Em todos os casos, faz-se necessário que constem no prontuário os seguintes aspectos: Q

dados de medida de crescimento e desenvolvimento, avaliação da maturação sexual de Tanner e inspeção, a mais completa possível, de todos os aparelhos; Q avaliação do estado nutricional; Q exame ginecológico/andrológico e um exame psiquiátrico mais acurado dependerão da especificidade dos motivos da consulta.

O PAPEL DA FAMÍLIA NA CONSULTA DO ADOLESCENTE A demanda objetiva dos pais do adolescente pode divergir das necessidades subjetivas do adolescente, e a experiência do profissional revelará a melhor forma de conduzir essa consulta médica. A primeira consulta sempre constará de uma primeira entrevista com a família, junto com o adolescente ou não, seguida de um encontro individual com o paciente e um retorno com a presença de todos para as orientações necessárias e uma melhor apreciação da dinâmica familiar. Mesmo nas situações de divergências de interesses no atendimento, faz-se necessário refletir e debater as questões explícitas que preocupam a família e 54

não importam ao adolescente e, do mesmo modo, aquelas condições implícitas que transtornam o adolescente e que a família ignora, nega ou pelas quais não se interessa. O adolescente deve ser esclarecido de que ele tem direito a um tempo disponível, com garantia de privacidade e sigilo profissional (que pode ser rompido em situações de risco para o paciente), durante o qual poderá confidenciar as suas preocupações e os medos relativos à própria saúde, além daqueles concernentes ao seu mundo interno e externo. Jamais se deve esquecer que o adolescente costuma construir, no imaginário, hipertrofias deformadoras de suas dificuldades, demandando gastos inúteis de energia, sofrimento e consequências catastróficas para si próprio. Para evitar a perpetuação de erros e preconceitos vividos de geração em geração, o médico deve pedir aos pais para se remeterem à sua época de adolescentes, lembrarem-se de quando tinham a idade de seu filho e repensarem as situações críticas que enfrentaram nessa fase da vida.

O momento mais importante da consulta é a construção do vínculo. O pediatra deve acolher o adolescente com respeito, carinho, preocupação, zelo e desprovido de preconceitos, visto que à sua frente alguém com medo de se expor, com dúvidas e passando por um processo de grandes transformações biopsicossociais. O pediatra deve inicialmente abordar o adolescente junto com os pais, para depois prosseguir a consulta individual. Informações discutidas durante a consulta não serão repassadas para os pais sem a permissão do paciente, com exceção de situações especiais de risco de vida do adolescente ou de terceiros, estando prevista, nessas situações, a quebra do sigilo médico. O pediatra deve utilizar uma linguagem de fácil entendimento, sem gírias, porque o adolescente deseja, à sua frente, um profissional, e não um de seus pares; não utilizar linguagem diminutiva ou infantil que o remeta à infância e evitar comentários que interfiram na autoestima do adolescente. O ideal é que o pediatra reserve horários para atender adolescentes, separadamente das crianças, e que não haja interrupções ou telefonemas durante a consulta, que podem interferir no vínculo criado. O médico, em sintonia com a família e a escola, deve ser um gerador de orientação, segurança, afeto e diálogo, estimulando a independência e a construção de um adulto saudável.

ÉTICA NO ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE Muitas vezes, o médico se depara com condições em que a distinção entre o bem e o mal o coloca em situações sem regras teóricas de identificação, por serem extremamente complexas as atitudes humanas, sendo o seu discernimento, aqui, o fator mais importante. O Código de Ética Médica, Capítulo IX (Segredo Médico), no artigo 103, refere que: “É vedado ao médico: revelar segredo profis55

ABORDAGEM AO ADOLESCENTE

RELAÇÃO PEDIATRA-ADOLESCENTE-FAMÍLIA

sional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzirse por seus próprios meios para solucioná-lo, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente”. Portanto, ficam garantidas ao paciente adolescente a confidencialidade, a privacidade e a sua autonomia. Sem esses direitos, a medicina do adolescente ficaria impraticável. O adolescente fica informado do limite da confidencialidade, que deverá ser quebrada em casos de risco de morte para ele ou para terceiros, como: risco de suicídio, doenças, procedimentos de informação de notificação compulsória (como maus tratos), intenção de abortar, gravidez, abuso de drogas, anorexia e bulimia nervosa; ferimentos, quando há suspeita de que a lesão seja resultado de um ato criminoso, e ameaça de cometer homicídios. Procedimentos invasivos, como biópsias e intervenções cirúrgicas, não devem ser realizados na ausência dos pais ou dos representantes legais.

ABORDAGEM AO ADOLESCENTE

CONSIDERAÇÕES FINAIS O profissional que atua com adolescentes deve ter sempre presente que lida com indivíduos em pleno desenvolvimento biopsicossocial, na construção de sua identidade. Portanto, é fundamental que o médico aprecie sua tarefa e, além da sua capacitação técnica, desenvolva habilidades pessoais, como ser firme, mas não ser autoritário; ser tolerante sem ser omisso; ser empático, mas não sedutor ou liberal permissivo.

REFERÊNCIAS Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Mortalidade, 2001. Ferreira JP. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre, Artmed; 2005. Lopez FA, Campos Júnior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2006. Sociedade Brasileira de Pediatria.

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CAPÍTULO 6

SAÚDE BUCAL EM PEDIATRIA DANIEL BARBOSA

O pediatra tem um papel fundamental na promoção da saúde bucal da criança. Como promotor da saúde, deve fornecer medidas educativas e preventivas sobre esse tema desde a primeira consulta do recém-nascido, evitando encaminhamentos apenas quando a cárie já está instalada, uma vez que dados da literatura demonstram que essa doença dental se inicia muito cedo e que sua prevalência aumenta com a idade. Estudos no Brasil revelaram que quase a totalidade das crianças já haviam consumido açúcar até a época de erupção do primeiro dente, sendo que mais da metade ainda no primeiro mês (principalmente com o uso de chás). Sabe-se que a cárie dental é uma doença infecciosa multifatorial, e um dos principais fatores é a presença da bactéria Streptococcus mutans, na placa cariogênica. A contaminação do bebê se dá por práticas como beijo ou uso compartilhado de copos e talheres, bastante comuns especialmente com as mães. Os dados sobre a primeira visita ao odontopediatra são discordantes. Embora a Academia Americana de Odontopediatria recomende a primeira consulta por volta dos 12 meses de idade, é prudente que o pediatra encaminhe seu paciente antes dos 6 meses. Na Tabela 6.1 são apresentadas as idades médias da erupção da dentição. As orientações básicas que o pediatra deve fornecer aos pacientes são: Q Q Q

Q

Q

Estimular o aleitamento materno e, se outro alimento for oferecido, deve-se evitar o açúcar. Orientar sobre alimentos, evitando-se a ingestão de doces, balas, chicletes, principalmente longe das refeições, após as quais deverá ser feita a higiene. Estimular a higiene bucal, iniciando, no bebê, com uma gaze úmida; após a erupção do primeiro dente, usar escovas macias. Ficar atento quanto ao uso de dentifrício (creme dental), pois a maioria dos destinados para crianças contém flúor e não são indicados para crianças menores de 4 anos; Orientar a suspensão da mamadeira por volta dos 12 meses, pois a cárie da mamadeira é uma patologia que afeta precocemente a dentição decídua em crianças de 1-3 anos. Lembrar de fazer higiene oral após a última ingestão antes de dormir. Atenção quanto ao uso de flúor, principalmente sistêmico. As fontes desse mineral são a água fluoretada e o uso inadvertido de dentifrícios ingeridos

Tabela 6.1 IDADES MÉDIAS DA ERUPÇÃO DA DENTIÇÃO Dentes

Idade de erupção da dentição decídua

Idade média de troca pela dentição permanente

Inferiores Incisivo central

6-8 meses

6-7 anos

Incisivo lateral

10-14 meses

7-8 anos

Canino

17-22 meses

9-11 anos

Primeiro molar

14-18 meses

10-11 anos

Segundo molar

24-30 meses

11-12 anos

Incisivo central

8-10 meses

7-7,5 anos

Incisivo lateral

9-11 meses

7,5-8 anos

Canino

16-20 meses

11-12 anos

Primeiro molar

14-19 meses

10-11 anos

Segundo molar

24-30 meses

10,5-12 anos

SAÚDE BUCALEM PEDIATRIA

Superiores

pelas crianças. A fluorose é um distúrbio que ocorre na formação da dentição permanente, caracterizada por manchas nos dentes, que vão de brancas a escurecidas, e relacionada à ingestão excessiva de flúor.

REFERÊNCIAS Geepferd SJ. Infant oral health: a rationale. J Dent Child. 1986;53(4):257-60. Griffen AL, Geepferd SJ. Preventive oral health care for the infant, child and adolescent. Pediat Clin N Am. 1991;38(5):1209-26. Guedes-Pinto AC. Odontopediatria. São Paulo: Santos; 1990. Schalka MMS, Rodrigues CRMD. A importância do médico pediatra na promoção da saúde bucal. Rev Saúde. 1996;30(2):179-86. Walter LRF, Ferelle A, Hokama N, Pelanda VLG, Franco MPS, Iega R. Cárie em criança de 0 a 30 meses de idade e sua relação com hábitos alimentares. Encicl Bras Odont. 1987;5(1):129-36. 58

CAPÍTULO 7

PREVENÇÃO DE INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS MIRELLA CRISTIANE DE SOUZA DANILO BLANK

As injúrias não intencionais não são eventos exclusivos do nosso século. Há muito conhecidas, eram tratadas inapropriadamente como acidentes, e não como doença. Os acidentes eram vistos como algo inevitável, como obra do destino. Sendo assim, por muito tempo, o objetivo era ensinar aos cuidadores formas de evitá-los. Não se conseguindo isso, a culpa recaía sobre o cuidador, que era tido como desatento; ou sobre a criança, tida como “acidentável”. A partir de 1960, com os estudos epidemiológicos de William Haddon Jr., a ideia de acidente tem dado lugar progressivamente à de injúria. O termo acidente nos remete a um evento que ocorre ao acaso, imprevisível, controlável somente se for possível evitá-lo. Já o termo injúria dá a ideia de um processo de dano corporal final, que pode ser evitado não só antes que ocorra, mas em todos os níveis de assistência até a reabilitação. Progressivamente, tem se estudado mais essa questão, e o enfoque sai do cuidador e da criança e se volta para a sociedade e os níveis de assistência médica. Com o crescente conhecimento nessa área, desmistificou-se a “criança acidentável” por não se encontrar nela características que se associem a um aumento de risco; e o “cuidador desatento”, por não se achar redução comprovada de morbimortalidade nessa proteção ativa. Por tais motivos, o consenso acadêmico preconiza o uso do termo “evento causador de injúria não intencional” em detrimento do termo “acidente”. Epidemiologia. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde – OMS (2008), anualmente 950 mil crianças e adolescentes com até 18 anos morrem de injúrias não intencionais e violência, sendo que as injúrias não intencionais somam mais de 90% dos casos. Além de mortes, essas injúrias são causadoras de defi-

ciências. Seu impacto é mundialmente desigual: crianças de países em desenvolvimento e crianças pobres de países desenvolvidos são mais vulneráveis. Mais de 95% das mortes por injúrias não intencionais e violência ocorrem em países em desenvolvimento. No entanto, em países desenvolvidos, números não deixam de ser significativos, correspondendo a 40% das mortes em crianças. No mundo todo, injúrias não intencionais e violência lideram o ranking de causas de morte em menores de 9 anos. As injúrias associadas a trânsito e afogamentos são responsáveis por 50% de todas as injúrias não intencionais. No Brasil, dados do Datasus nos dão a magnitude do problema:

PREVENÇÃO DE INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS

Q

Proporção de óbitos (%) relacionados a causas externas por faixa etária no ano de 2005: menores de 1 ano, 2,29%; de 1-4 anos, 22,7%; de 5-9 anos, 39,21%; de 10-19 anos, 70,01%. Q As causas externas foram responsáveis por 7% de todas as internações no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2006. Q Do total de internações por causas externas no ano de 2006, 0,96% foram em menores de 1 ano; 4,15%, de 1-4 anos; 12,53%, de 5-9 anos; 9,5%, de 10-19 anos. Q Dentre as internações por causas externas no ano de 2006, 41,64% foram por quedas; 15,93% por injúrias associadas ao trânsito; 2,42% por intoxicação; 5,59% por agressão; 1,18% por lesões autoprovocadas, e 33,24% por outros motivos.

MEDIDAS PREVENTIVAS Podemos classificar as medidas preventivas em primárias, secundárias e terciárias. Na prevenção primária, as intervenções são destinadas a evitar o acidente ou, quando isso não for possível, evitar que a transferência de energia exceda o que a criança pode tolerar. Na prevenção secundária, as intervenções são destinadas ao efetivo tratamento pré-hospitalar e hospitalar com o objetivo de reduzir sequelas e óbitos. Na prevenção terciária, as intervenções são destinadas à reabilitação do paciente com o objetivo de minimizar o seu grau de incapacidade e torná-lo o mais próximo possível do seu potencial físico pré-acidente. As intervenções realizadas na prevenção de injúrias são agrupadas em ativas, passivas e mistas. As ativas são aquelas que exigem uma ação cada vez que a criança for exposta ao risco. É uma intervenção que tem potencial de falha, pois depende da responsabilidade, da cultura e da persistência dos indivíduos. Já as intervenções passivas são mais efetivas, pois são elaboradas na sociedade para protegerem sem a necessidade de ação dos indivíduos. Um exemplo de proteção passiva é a fabricação de medicamentos com tampas de segurança. Quando, em um mesmo ato de prevenção, se age ativa e passivamente, temos uma intervenção mista, como o uso do cinto de segurança, que tem o componente ativo – a necessidade de ser colocado – e o passivo – a normalização pela legislação.

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MEDIDAS PREVENTIVAS PRIMÁRIAS NOS PRINCIPAIS TIPOS DE INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS QUEDAS As quedas são causas importantes de trauma craniencefálico (TCE) e abdominal na infância. A gravidade está relacionada à altura da queda, à região do corpo acometida e à capacidade do organismo da criança de absorver ou dissipar a energia relacionada ao evento. As medidas preventivas podem ser estratificadas por idade:

1 a 4 anos instalar telas ou grades em janelas; instalar grades nos acessos às escadas; desencorajar a criança quando ela desejar subir em locais altos (muros, estantes); Q não deixar objetos espalhados pelo chão, evitando que a criança tropece. Q Q Q

5 anos ou mais recomendações anteriores são válidas também para essa faixa etária; evitar brincadeiras próximas a buracos e fossos; usar material de segurança em atividades como andar de bicicleta (o uso de capacete, p. ex., reduz o risco de TCE em ciclistas de qualquer idade em 6388%, de severidade do TCE em 72% e de morte em 39%).

Q Q Q

QUEIMADURAS As queimaduras são causas importantes de morbimortalidade e acontecem, em sua maioria, dentro do próprio domicílio. Grande parte das que ocorrem em crianças menores de 5 anos são causadas por líquidos quentes. À medida que a criança vai crescendo, aumenta a incidência de queimaduras por chamas. São medidas preventivas: Q testar a temperatura da água do banho do bebê; Q não fazer refeições com a criança no colo;

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PREVENÇÃO DE INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS

0 a 1 ano Q não deixar a criança sozinha em cima de cama, trocador ou sofá; Q não usar andadores; Q não deixar que outras crianças carreguem o bebê no colo; Q quando a criança já estiver sentando sem apoio, não deixar objetos no berço que sirvam de apoio para o pé dela, e erguer o estrado quando se afastar do berço; Q limitar a distância entre as grades do berço a 6 cm, para que o bebê não passe entre elas.

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bloquear a passagem da criança para a cozinha por meio de grades; não deixar líquidos quentes, alimentos quentes e recipientes que os contenham ao alcance da criança; usar as bocas de trás do fogão para cozinhar e voltar os cabos das panelas para dentro; não passar roupas com a criança por perto; manter objetos com chama longe da criança; não permitir que a criança brinque com álcool, fósforo, isqueiro; não comprar álcool líquido; manter protetores nas tomadas.

INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS ASSOCIADAS A BRINQUEDOS

PREVENÇÃO DE INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS

A maioria dos brinquedos é projetada levando em consideração o desenvolvimento e a segurança da criança. No entanto, quando são usados brinquedos não compatíveis com a idade, eles se tornam perigosos. Brinquedos de locomoção estão associados a um maior número de injúrias. Também merecem atenção as injúrias causadas pela aspiração de brinquedos em menores de 3 anos, pelo hábito que as crianças nessa idade têm de levar objetos à boca. São medidas preventivas: Q no momento da compra do brinquedo, certificar-se de que ele é compatível com a idade e com o desenvolvimento da criança; Q no momento da compra do brinquedo, certificar-se de que ele tem o selo do Inmetro; Q em animais de pelúcia, peças como olhos devem ser firmemente aderidas ou costuradas; Q evitar brinquedos com alças superiores a 15 cm; Q evitar brinquedos muito barulhentos; Q evitar brinquedos que tenham a forma de alimentos; Q evitar o uso de brinquedos de locomoção perto de escadas, ruas e piscinas; Q não deixar crianças brincarem com balões.

ASPIRAÇÃO E INGESTÃO DE CORPO ESTRANHO Crianças nos primeiros anos de vida estão mais expostas à aspiração e à ingestão de corpos estranhos. Na aspiração, os alimentos são os maiores causadores de eventos; na ingestão, os metais, as espinhas de peixes e os ossos. As manifestações variam de assintomáticas a eventos ameaçadores à vida. São medidas preventivas: Q não alimentar a criança quando ela estiver em movimento ou brincando; Q não oferecer alimentos duros; Q cuidar sementes de frutas; Q não usar travesseiro e colchão muito macios;

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Q Q

não usar cordões amarrados a chupetas; não deixar objetos pequenos ao alcance da criança.

SUBMERSÃO

São medidas preventivas: Q manter portas de acesso aos banheiros fechadas; Q colocar cerca de proteção ao redor de piscinas com porta de acesso com trancas, altura de 1,50 m e distância entre as grades de até 12 cm; Q não deixar a criança sozinha em banheiras, piscinas, baldes ou tanques (a altura de 3-5 cm de água em um recipiente já pode ser fatal); Q obedecer à sinalização nas praias; Q não nadar próximo a rochas e marinas; Q não saltar em águas desconhecidas; Q usar coletes salva-vidas quando for nadar ou fazer passeios de barco; Q estimular aulas de natação após os 4 anos de idade (as aulas de natação são importantes, mas não garantem a sobrevivência nos episódios de submersão); Q não ingerir álcool em brincadeiras aquáticas.

FERIMENTOS POR ARMAS Podem ocorrer intencional ou acidentalmente em brincadeiras. As habilidades da criança já permitem que ela puxe o gatilho com 3 anos, mas não permitem que ela possa distinguir com clareza armas de brinquedo de armas de verdade. Ocorrem mais no sexo masculino. São medidas preventivas: Q não ter armas em casa; Q estimular a criança a ver programas educativos na TV em vez de programas que mostrem violência; Q não estimular brincadeiras com armas e jogos violentos.

INTOXICAÇÃO EXÓGENA Acontece mais frequentemente em menores de 4 anos e implica grande morbidade e baixa mortalidade. Pensar como uma causa possível quando subitamente uma criança hígida apresentar convulsões, diminuição do nível de consciência e sonolência excessiva. São medidas preventivas: Q guardar produtos tóxicos e remédios fora do alcance da criança, em local trancado;

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PREVENÇÃO DE INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS

A submersão, na infância, acontece mais em água doce e em finais de semana, férias e feriados. No adolescente, frequentemente se associa ao uso de álcool.

Q Q Q Q Q Q Q Q

evitar reutilizar embalagens; não oferecer remédios no escuro; evitar remédio com gosto atrativo; dar preferência a remédios que contenham lacre de segurança; não automedicar; não preparar remédios caseiros sem auxílio médico; não ter plantas tóxicas em casa; não tomar medicação na frente de crianças, pois elas tendem a imitar o comportamento dos adultos; Q não usar descongestionante nasal tópico.

PREVENÇÃO DE INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS

INJÚRIAS NO TRÂNSITO Mundialmente, são a principal causa de morte e traumas graves em crianças a partir de 1 ano e adolescentes. Atropelamentos ou injúrias em pedestres são os mais frequentes e ocorrem em situações como atravessar a rua ou correr para a rua para buscar uma bola, por exemplo. Importantes também são os traumas e o risco de morte associados à ejeção da criança do veículo. Na maioria dos casos, isso ocorre nas proximidades da casa, indicando que, mesmo para roteiros curtos, deve-se transportar a criança corretamente. São medidas preventivas: Q não deixar a criança sozinha dentro do carro; Q usar travas nas portas traseiras; Q evitar que crianças trafeguem com a cabeça para fora da janela, principalmente os vidros elétricos, que podem causar estrangulamento; Q manter os bancos de trás travados para impedir que a criança passe ao portamalas e lá fique presa; Q educar as crianças sobre o trânsito; Q fazer um transporte seguro das crianças em automóveis.

TRANSPORTE SEGURO DE CRIANÇAS EM AUTOMÓVEIS Crianças devem sentar nos bancos traseiros até os 12 anos, usando dispositivos compatíveis com a idade (Tab. 7.1).

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Estágio 1 Assento de lactente voltado para trás

Da maternidade até 1 ano e até 10 kg

Banco traseiro

Estágio 2 Assento infantil voltado para frente

A partir de 1 ano e 10 kg até 20-22 kg, por volta dos 5 anos

Banco traseiro

Estágio 3 Dispositivo posicionador de cinto de segurança (assento de elevação ou booster)

A partir de 20-22 kg até a estatura de 1,45 m

Banco traseiro

Estágio 4 Cinto de segurança

Altura mínima de 1,45 m e peso de 36 kg. As costas devem apoiar-se no encosto do assento, os joelhos devem estar dobrados confortavelmente, os pés no chão e o cinto passando pelo tórax.

Banco traseiro até 10 anos; recomendável até 12 ou mais

REFERÊNCIAS Bevilaqca CC. Emergências pediátricas. São Paulo: Atheneu; 2004. Blank D. Injury control in South America: the art and science of disentanglement. Inj Prev. 2004;10(6):321-4. Brasil. Ministério da Integração Nacional. Secretaria Nacional de Defesa Civil. Redução das vulnerabilidades aos desastres e acidentes na infância. Brasília, DF: Author; 2002. Langley J, Brenner R. What is an injury? Inj Prev. 2004;10:69-71. Lima E. Pediatria ambulatorial. Rio de Janeiro: Medbook; 2008. Moraes MB. Guia de pediatria. Barueri: Manole; 2005. Passaporte para a segurança: prevenção de acidentes na infância e adolescência: 0 a 3 anos. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2003. Passaporte para a segurança: prevenção de acidentes na infância e adolescência: de 3 anos a 12 anos. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2003.

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PREVENÇÃO DE INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS

Tabela 7.1 TRANSPORTE SEGURO DE CRIANÇAS EM AUTOMÓVEIS

Peden M, Oyegbite K, Ozanne-Smith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AKMF, et al. World report on child injury prevention. Geneva: WHO; 2008. Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. Pless IB, Hagel BE. Injury prevention: a glossary of terms. J Epidemiol Community Health. 2005;59(3):182-5. Rivara FP. Introduction: the scientific basis for injury control. Epidemiol Rev. 2003;25:20-3. Runyan CW. Introduction:back to the future: revisiting Haddon´s conceptualization of injury epidemiology and prevention. Epidemiol Rev. 2003;25:60-4.

PREVENÇÃO DE INJÚRIAS NÃO INTENCIONAIS

Saluja G, Brenner R, Morrongiello BA, Haynie D, Rivera M, Cheng TL. The role of supervision in child risk: definition, conceptual and measurements issues. Inj Control Saf Promot. 2004;11(1):17-22.

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CAPÍTULO 8

MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA CLÁUDIA FERRI SÔNIA DOMINGUES LUESKA

Definição. “Define-se o abuso ou maus-tratos pela existência de um sujeito em condições superiores (idade, força, posição social ou econômica, inteligência, autoridade) que comete um dano físico, psicológico ou sexual, contrariamente à vontade da vítima ou por consentimento obtido a partir de indução ou sedução enganosa.” (Deslandes, 1994). São divididos em: Q

Q

Q Q

Q

Maus-tratos físicos: uso de força física, intencional, não acidental, praticado por pais ou responsáveis com o objetivo de ferir ou danificar a criança ou o adolescente, deixando ou não marcas. Exemplo: síndrome do bebê sacudido (criança menor de 6 meses com lesões cerebrais por ser sacudida por um adulto) ou síndrome da criança espancada (ferimentos inusitados, fraturas, queimaduras de diferentes idades sem explicação plausível ou história não compatível com a clínica). Síndrome de Munchausen por procuração: sinais e sintomas criados ou inventados pelos pais (especialmente pela mãe) ou responsáveis, que levam a procedimentos desnecessários para a criança (uso de medicamentos, realização de exames, internação). Abuso sexual: todo ato ou jogo sexual cujo agressor está em estágio psicossexual mais adiantado. Tem a intenção de estimulação ou satisfação sexual. Maus-tratos psicológicos: toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobrança ou punição que exponha a criança ou o adolescente às necessidades psíquicas dos adultos. Negligência: todo ato de omissão às necessidades básicas do desenvolvimento da criança ou adolescente.

ABORDAGEM

MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA

Anamnese. Deve-se sempre suspeitar quando a história não condiz com a apresentação clínica, as lesões são incompatíveis com o estágio de desenvolvimento da vítima, os relatos dos responsáveis são discordantes, a procura de atendimento se dá muito tempo após o ocorrido, ou quando um acidente se repete muitas vezes da mesma forma. Devem chamar a atenção famílias sem uma estrutura estável, filhos que sejam indesejados e especialmente os pais que foram maltratados na infância. É fundamental uma postura isenta, sem acusação ou censura por parte da equipe de saúde, particularmente do pediatra. Exame físico. Ordenado pela frequência em que ocorrem: pele (hematomas, arranhões, contusões, hiperemia, queimaduras, arrancamento de cabelos ou dentes), mucosas, esqueleto, sistema nervoso central, tórax e abdome. A localização das lesões deve ser observada. Há áreas mais expostas (pernas, braços) e outras em que é mais difícil observar-se uma lesão acidental, como dorso, genitais e coxas. Lesões em vários estágios de evolução, lesões que não foram descritas na anamnese, lesões presentes em vários locais do corpo, lesões em forma de luva ou meia e lesões nas nádegas ou genitais são sugestivas de agressão. Lesões ósseas, em diferentes estágios de consolidação, sugerem maus-tratos, especialmente quando localizadas em membros ou costelas. O tipo de fratura pode indicar se houve torção ou impacto. Lesões na costela em lactentes ou em região posterior do tórax são altamente sugestivas de compressão ou impacto. Trauma craniencefálico (TCE) pode ocorrer de forma externa (fraturas) ou interna (hemorragias). Criança menor de 3 anos com hemorragia retiniana sugere o diagnóstico da síndrome do bebê sacudido. Exame complementares. Deve-se realizar coagulograma completo para excluir coagulopatias; raio X de corpo inteiro em crianças menores de 3 anos e em algumas com menos de 6 anos; tomografia computadorizada ou ressonância magnética de crânio para excluir hemorragias intracranianas; exame de fundo de olho, realizado por oftalmologista.

COMO PROCEDER Registrar a suspeita em prontuário, com anamnese, exame físico e exames complementares. A notificação é responsabilidade do profissional da saúde, de caráter compulsório, feita ao Conselho Tutelar, mesmo que não haja certeza do diagnóstico (a suspeita é suficiente). A família deve ser informada sobre a notificação da suspeita e deve ser dada a ela e à criança o devido acompanhamento por uma equipe multidisciplinar (pediatra, assistente social, enfermeira, psicólogo, psiquiatra e outras especialidades que se façam necessárias). Assim que informado, o Conselho Tutelar passa a fazer uma avaliação da família e da situação em que a criança se encontra. Em casos de risco grave e iminente, a criança deve ser internada ou mesmo afastada, por ordem judicial,

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do agressor e mantida sob proteção de outro responsável ou de instituições destinadas para esse fim. Casos de abuso sexual devem ser avaliados por um médico perito do Departamento Médico Legal.

REFERÊNCIAS American Academy of Pediatrics. Guidelines for the evaluation of sexual abuse of children: subject review. Pediatrics. 1999;103(1):186-91. Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência. Maus tratos contra crianças e adolescentes. Proteção e prevenção. Guia para orientação para profissionais da saúde. Petrópolis: Autores & Agentes & Associados; 1997. Deslandes SF. Prevenir a violência: um desafio para profissionais de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz; 1994.

MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA

Sociedade Brasileira de Pediatria. Guia de atuação frente aos maus-tratos na infância e na adolescência. Rio de Janeiro: SBP; 2001.

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CAPÍTULO 9

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA JUAREZ CUNHA LENITA SIMÕES KREBS

CONCEITOS Antígenos. Partículas ou moléculas capazes de provocar uma resposta imune. Exemplos: cápsulas, fímbrias, flagelos e toxinas de bactérias, e componentes de células virais, como capsídeos, envoltórios e componentes internos.

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Vacinação. Administração de qualquer vacina. Imunização. Processo de indução de imunidade por meio da administração de antígenos (imunização ativa) ou anticorpos (imunização passiva). Q Imunização ativa: situação na qual a pessoa é estimulada a desenvolver anticorpos por meio da administração de antígenos. Algumas vezes, a proteção alcançada é permanente; em outras, parcial, necessitando de reforços. Q Imunização passiva: transferência de anticorpos produzidos de maneira exógena para proteção temporária. O indivíduo exposto ou com probabilidade de entrar em contato com certos agentes infecciosos recebe anticorpos já formados, de origem humana ou animal, com o objetivo de prevenção ou atenuação da doença em potencial. Vacina atenuada. Composta por bactérias ou vírus vivos que perderam a virulência após cultivo sob condições adversas, mas que retiveram as propriedades imunogênicas. A resposta imunológica obtida é, em geral, intensa e de longa duração, semelhante à originada pela infecção natural. Vacina inativada. Composta por bactérias ou vírus mortos, inteiros ou em partes, inativados por procedimentos químicos ou físicos. Em geral, esse tipo de vacina induz uma resposta imunológica de intensidade e duração menores do que as obtidas com vacinas atenuadas, sendo necessárias várias doses para a primovacinação e dose(s) de reforço para manter uma concentração adequada de anticorpos séricos. Imunidade humoral. Sistema de defesa mediado por anticorpos específicos que atuam contra bactérias e vírus; nestes últimos, antes de penetrarem nas células. 70

Imunidade celular. Sistema de defesa direto mediado por linfócitos T, que atuam contra microrganismos que penetram nas células hospedeiras, onde os anticorpos não podem alcançar. Aqui estão incluídas todas as infecções virais e algumas bacterianas, como a tuberculose. Vacina combinada. Vacina composta por antígenos de vários agentes infecciosos diferentes na mesma apresentação. Vacina conjugada. Vacina de antígeno polissacarídico ao qual se une (conjuga) uma proteína com capacidade de estimular a resposta imune timo-dependente, tornando-a, assim, capaz de induzir memória imunológica, inclusive em lactentes. Vacina recombinante. Vacina obtida por engenharia genética por meio da inserção do gene que produz a proteína imunogênica em um microrganismo. Soroconversão. Aparecimento no soro de anticorpos específicos em resposta à vacinação.

Eficácia. Proteção conferida pela vacina em condições ideais. Apenas são considerados os dados dos pacientes que permaneceram no estudo até o final, realizando as visitas conforme o protocolo, descartando aqueles que desistiram ou que foram perdidos. É, em geral, o objetivo dos estudos clínicos randomizados e controlados (estudos de fase III). Não confundir com imunogenicidade. Efetividade. Proteção conferida pela vacina em condições reais, nas quais múltiplos fatores podem interferir na resposta. Os modelos de estudos que têm esse objetivo são ensaios clínicos de efetividade e estudos de fase V. Esses modelos analisam por intenção de tratar, ou seja, os dados dos pacientes que não seguiram o tratamento designado ou que abandonaram o estudo são analisados em conjunto com os dados dos pacientes que completaram o período de observação. Eficiência. É a confirmação da efetividade sob custos razoáveis; é sinônimo de custo-efetividade.

MANUTENÇÃO DAS VACINAS O controle rigoroso da temperatura à qual as vacinas estão expostas desde sua origem, no laboratório fabricante, até o consumidor final, incluindo todo o manuseio e transporte, é essencial para a preservação desses produtos. Esse processo é chamado de rede de frio. As vacinas com componentes vivos são mais sensíveis a temperaturas elevadas, enquanto outras podem perder eficácia com o 71

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Imunogenicidade. Capacidade de uma vacina estimular o sistema imune induzindo resposta imunológica, que pode ser avaliada pela detecção de anticorpos específicos contra o antígeno administrado. Não deve ser confundida com eficácia.

calor ou o congelamento. Como regra geral, os produtos devem ser mantidos entre 2°C e 8°C.

CALENDÁRIO DE IMUNIZAÇÃO A Tabela 9.1 apresenta o calendário de imunização da criança e do adolescente. As indicações e contraindicações de cada vacina podem, muitas vezes, alterar a forma de uso preconizada no calendário de rotina. Ver, nos textos específicos, as particularidades de cada uma delas.

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

LOCAIS DE APLICAÇÃO DE IMUNOBIOLÓGICOS É recomendado que se utilize o músculo ântero-lateral da coxa para as aplicações intramusculares (IM) em menores de 2 anos, e, a partir dessa idade, o músculo deltoide. Evita-se, em qualquer faixa etária, a administração de vacinas no glúteo, principalmente a vacina contra a hepatite B, pois a absorção pode ser menor em decorrência da maior quantidade de gordura nesse local, com consequente diminuição da imunogenicidade. Já para as imunoglobulinas, que devem ser aplicadas em grandes músculos, prefere-se a região glútea. As vacinas de uso subcutâneo (SC) são aplicadas, em geral, na região do deltoide, podendo ser utilizado qualquer outro local. As vacinas e imunoglobulinas abordadas neste capítulo não podem ser aplicadas pela via intravenosa.

INTERCÂMBIO DE VACINAS Produtos de diferentes laboratórios podem ser utilizados para completar o esquema de imunização de qualquer vacina. A exceção, segundo o Center for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos, é a tríplice bacteriana acelular contra difteria, tétano e coqueluche (DTPa), para a qual existem poucos estudos mostrando a segurança, a eficácia e a imunogenicidade no uso de vacinas de diferentes fabricantes para as doses subsequentes. Sempre que possível, a mesma marca de vacina deve ser utilizada em todas as doses do esquema vacinal. Caso essa informação não seja conhecida, a vacinação não deve ser atrasada e pode-se utilizar o produto que estiver disponível.

INTERVALOS NA ADMINISTRAÇÃO DE VACINAS As vacinas inativadas e as de vírus vivos atenuados podem ser aplicadas simultaneamente, em locais diferentes, sem aumento de eventos adversos ou diminuição de eficácia. Quando não são aplicadas no mesmo dia, as vacinas de vírus vivos atenuados devem ser aplicadas com um intervalo mínimo de quatro semanas. Se esse intervalo não for respeitado, repetir a segunda vacina aplicada. Após a ad72

Tabela 9.1 CALENDÁRIO DE IMUNIZAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Idade

Vacina

RN

BCGa, hepatite Bb

1 mês

Hepatite Bb

2 meses

Poliomielitec, difteria, tétano e coqueluched, Hibe, rotavírusf, pneumococo 7-valenteg

3 meses

Meningococo Ch

4 meses

Poliomielitec, difteria, tétano e coqueluched, Hib e, rotavírusf, pneumococo 7-valenteg

5 meses

Meningococo Ch

6 meses

Poliomielitec, difteria, tétano e coqueluched, Hibe, hepatite Bb, pneumococo 7-valenteg, influenza i

9 meses

Febre amarelaj

12 meses

Sarampo, caxumba e rubéolak, varicelal, hepatite Am, meningococo Ch

15 meses

Poliomielitec, difteria, tétano e coqueluched, Hibe, pneumococo 7-valenteg

18 meses

Hepatite Am

4-6 anos

Difteria, tétano e coqueluched, sarampo, caxumba e rubéolak e varicelal

9-19 anosn

Febre amarelaj, difteria, tétano e coquelucheo, HPVp

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

As indicações e contraindicações de cada vacina podem, muitas vezes, alterar a forma de uso preconizada no calendário de rotina. Ver, nos textos específicos, as particularidades de cada uma delas.

Vacinas recomendadas como rotina pelo Ministério da Saúde (MS). Obs.: São utilizados, como principais referências, os calendários vacinais preconizados para a infância e adolescência pelo MS, Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e Centers for Disease Control and Prevention (CDC). a

b

c d

Vacina contra a tuberculose (BCG): RN com peso < 2.000 g; aguardar completar esse peso para vacinar. Vacina contra a hepatite B: aplicar a primeira dose da vacina dentro das primeiras 12 horas de vida. Se a mãe for comprovadamente negativa para o teste de detecção do antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg), a primeira dose da vacina contra a hepatite B pode, com autorização médica, ser administrada aos 2 meses de idade. Nesses casos, existe a possibilidade de utilizar as apresentações combinadas que contenham a vacina contra a hepatite e outras recomendadas para a idade. Vacinas contra a poliomielite: utilizar, de preferência, a vacina inativada (IPV). Vacina tríplice bacteriana acelular contra difteria, tétano e pertússis (coqueluche): utilizar, de preferência, a apresentação acelular (DTPa). (Continua)

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Tabela 9.1 (continuação) CALENDÁRIO DE IMUNIZAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE e

f

g

h

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

i

j

k

l

m n

o

p

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Vacina contra o Haemophilus influenzae tipo b (Hib): o MS disponibiliza a vacina tetravalente (DTP+Hib) nas três primeiras doses (2, 4 e 6 meses) e não indica a dose de reforço. A SBP e a SBIm recomendam que, se forem utilizadas, no primeiro ano de vida, vacinas combinadas que contenham DTPa e Hib, deve ser aplicada uma dose de reforço da Hib aos 15 meses de vida. O CDC indica o reforço para todos, entre 12 e 15 meses de idade. Vacina contra o rotavírus: administrada VO, em duas doses. A idade máxima para aplicação da primeira dose é de 3 meses e 7 dias (14 semanas) e, para a segunda dose, de 5 meses e meio (24 semanas). Apesar de ser acondicionada em seringa, não pode ser administrada de forma injetável, somente por via oral. A vacina da Merck Sharp & Dohme (MSD), já licenciada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), será aplicada no esquema de três doses, aos 2, 4 e 6 meses de idade. Vacina conjugada 7-valente contra o pneumococo: o número de doses depende da idade de início do esquema vacinal (ver texto específico na p. 103). Vacina conjugada contra o meningococo do tipo C: é recomendada em duas doses no primeiro ano de vida, com uma dose de reforço entre 12 e 18 meses. Quando iniciada a partir de 1 ano de idade, administrar em dose única. Avaliar situação epidemiológica local. Vacina contra o vírus influenza (gripe): recomendada pela SBP, anualmente, no outono, para crianças saudáveis entre 6-24 meses de idade, e pelo CDC, dos 6 meses aos 18 anos de idade. Crianças menores de 9 anos de idade, no primeiro ano de aplicação, recebem duas doses com um mês de intervalo. Vacina contra a febre amarela: indicada para pessoas que residem ou que irão viajar para área endêmica (estados AP, TO, MA, MT, MS, RO, AC, RR, AM, PA, GO e DF), área de transição (alguns municípios dos seguintes estados: PI, BA, MG, SP, PR, SC e RS) e área de risco potencial (alguns municípios dos seguintes estados: BA, ES e MG). Verificar atualizações no site do MS. Vacinar 10 (dez) dias antes da viagem. Reforços a cada 10 anos. Vacina tríplice viral contra sarampo, caxumba e rubéola (SCR) ou dupla viral contra sarampo e rubéola: recomendada pelo MS para mulheres de 12-49 anos e para homens até os 39 anos de idade que não tiverem comprovação de vacinação anterior. Vacina contra a varicela: é recomendada como rotina a partir de 1 ano de idade, com um reforço entre 4 e 6 anos de idade. Vacina contra a hepatite A: é recomendada como rotina a partir de 1 ano de idade. O início da adolescência é um momento importante para revisar a suscetibilidade/ imunidade à hepatite B, varicela, sarampo, rubéola e caxumba e atualizar o calendário vacinal. Conforme fatores de risco e epidemiologia local, também se deve avaliar a indicação das vacinas contra hepatite A e meningococo C. Vacina tríplice bacteriana acelular contra difteria, tétano e pertússis (coqueluche) para uso em adolescentes e adultos (dTPa): vacina preconizada como rotina no reforço da adolescência, entre 14 e 16 anos, como alternativa à vacina dupla para adultos contra difteria e tétano (dT). Vacina contra o papilomavírus humano (HPV): a vacina da MSD é administrada nos intervalos 0, 2 e 6 meses, na faixa etária de 9-26 anos de idade, e a da GlaxoSmithKline (GSK), aos 0, 1 e 6 meses, de 10-25 anos de idade. Até o momento, está liberada apenas para mulheres.

ministração da primeira vacina, há liberação de interferon como resposta à replicação do vírus vacinal, o que interfere na replicação viral e na imunogenicidade da segunda vacina administrada. Já as vacinas inativadas podem ser administradas com qualquer intervalo, tanto entre elas, como em relação às de vírus vivos.

ATRASO OU ESQUECIMENTO DE DOSES Independentemente do período de atraso, não é necessário reiniciar os esquemas vacinais, somente completá-los.

ESTADO IMUNOLÓGICO NÃO SABIDO OU DUVIDOSO Em geral, o estado imune em relação à determinada doença pode ser avaliado laboratorialmente. Se não for possível, a vacinação de uma pessoa já imune não apresenta riscos adicionais além dos possíveis eventos adversos descritos após a administração de vacinas.

A vacina contra o sarampo (monovalente ou combinada) pode suprimir temporariamente a resposta tuberculínica. O teste, quando necessário, deve ser realizado antes da administração da vacina, no mesmo momento ou 4-6 semanas após.

EVENTOS ADVERSOS Após o uso de imunobiológicos, podem ocorrer eventos adversos de leves a graves (raros). Os mais frequentes, comuns à maioria dos produtos, são dor local, edema, eritema, enduração e febre, que podem se manifestar algumas horas após a administração da vacina e persistir por 48 horas ou mais. Independentemente da gravidade, os eventos adversos devem ser notificados para o serviço de saúde onde a vacina foi aplicada. A síncope, também chamada de reação vasovagal, é uma situação de início súbito que pode ocorrer após a aplicação de qualquer produto injetável. É causada por uma reação emocional que estimula o sistema nervoso neurovegetativo, levando à hipotensão com perda temporária de consciência. Recomenda-se cuidados gerais até a recuperação. A equipe que administra produtos imunobiológicos tem que estar capacitada para reconhecer e tratar reações alérgicas, principalmente a anafilaxia, que é rara.

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IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

INTERFERÊNCIA COM TESTE TUBERCULÍNICO

PRECAUÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES Em geral, reação alérgica grave ou anafilaxia após a aplicação de algum imunobiológico contraindicam seu uso posterior. Uma exceção à regra é a vacina da raiva, para a qual, pela gravidade do quadro, não existem contraindicações. Evitase aplicar qualquer imunobiológico na presença de doenças agudas e febre alta. Nas pessoas imunodeprimidas, as vacinas com componentes vivos atenuados, em geral, são contraindicadas. Pessoas com severa trombocitopenia ou distúrbio da coagulação, que possam contraindicar injeções IM, devem receber os imunobiológicos por via SC, desde que essa forma de administração seja liberada pelo fabricante (ver a bula do produto). As indicações e contraindicações de cada vacina estão descritas no texto específico de cada uma delas.

SITUAÇÕES ESPECIAIS

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

PREMATUROS A maioria das vacinas deve ser utilizada, nos prematuros, nas doses usuais e na idade cronológica. Exceções à regra são as vacinas BCG e contra a hepatite B, para as quais se deve aguardar até a criança atingir 2 kg. No caso da vacina contra a hepatite B, esse adiamento só é possível se o teste materno para detecção do antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HBsAg) for comprovadamente negativo; nesse caso, a vacina pode ser administrada na alta hospitalar ou aos 2 meses de idade, juntamente às vacinas recomendadas para essa idade, nas apresentações combinadas. Se a mãe for HBsAg-positivo, o recém-nascido (RN), independentemente do seu peso, deve receber a vacina e a imunoglobulina humana da hepatite B (HBIG) nas primeiras 12 horas de vida, completando o esquema posteriormente. No caso do resultado do HBsAg materno ser desconhecido e não houver condições de determiná-lo rapidamente, o RN deve receber a primeira dose da vacina nas primeiras 12 horas de vida. Se o HBsAg materno resultar positivo, o RN deve receber também HBIG o mais cedo possível, dentro dos primeiros 7 dias de vida. Caso o RN tenha menos de 2 kg ou menos de 33 semanas de idade gestacional ao receber a primeira dose da vacina, deve receber mais três nos intervalos 1, 2 e 6 meses, totalizando quatro doses. Sempre que a mãe for HBsAg-positivo, deve-se realizar testes no lactente entre os 9 e os 18 meses de idade, após o término do esquema vacinal. A finalidade é detectar a presença de anticorpos contra o antígeno de superfície (anti-HBs), ou seja, a resposta vacinal, ou a presença do HBsAg, que identifica aqueles que foram infectados. Em relação à vacina contra a poliomielite, se a criança ainda estiver hospitalizada aos 2 meses de idade, utilizar a vacina inativada em substituição à vacina oral (vírus vivos) para evitar a transmissão nosocomial do vírus vacinal. Tanto os prematuros que desenvolvem doença crônica de pulmão como seus contatos devem receber a vacina contra o vírus influenza anualmente, a partir dos 6 meses de idade.

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CONVULSÕES PRÉVIAS OU HISTÓRIA DE CONVULSÕES NA FAMÍLIA É relatada uma maior possibilidade de convulsões após a realização da vacina tríplice bacteriana de células inteiras contra difteria, tétano e coqueluche (DTP), tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), dupla viral (sarampo e rubéola) e sarampo monovalente. As convulsões, em geral, são de origem febril e não deixam sequelas. As vacinas posteriores somente são contraindicadas quando a convulsão tiver sido causada por um quadro neurológico em progressão. Para diminuir a possibilidade de ocorrência de eventos adversos com a vacina tríplice bacteriana de células inteiras, pode-se indicar o uso de paracetamol profilático para febre ou, idealmente, a utilização da vacina tríplice bacteriana acelular.

Como regra geral, as vacinas inativadas e as imunoglobulinas não oferecem riscos para pessoas com imunodepressão, porém a resposta imunológica das vacinas pode ser inadequada. As vacinas com componentes vivos atenuados são contraindicadas para a maioria dos pacientes com alteração da imunidade humoral e para todos com deficiência na imunidade celular. Nas doenças potencialmente imunodepressoras, as vacinas costumam ser mais imunogênicas no início do quadro, portanto, tanto a revisão do status vacinal quanto a da imunidade devem fazer parte da avaliação inicial do paciente. Quando for possível, deve-se testar laboratorialmente a imunidade desses pacientes em relação à hepatite B, sarampo, rubéola, caxumba e varicela, vacinando os suscetíveis. Para candidatos a transplante de órgãos sólidos (TOS), que podem ter uma evolução rápida da sua doença de base, alguns serviços recomendam iniciar todas as vacinas de forma precoce, respeitando as idades mínimas e os intervalos mínimos entre as doses preconizados pelo CDC. Outros autores sugerem iniciar a vacinação mesmo antes desses prazos, sem avaliação sorológica, já que esta, em menores de 1 ano de idade, pode ser afetada pelos anticorpos maternos circulantes. Recomendam, por exemplo, administrar já a partir dos 6 meses de idade, e no mínimo um mês antes do transplante, vacina contra sarampo, rubéola, caxumba e varicela. As pessoas que apresentam esquema vacinal incompleto por ocasião do transplante ou terapia imunossupressora devem completá-los posteriormente. O CDC sugere aguardar seis meses após o TOS para reiniciar a vacinação, quando a imunodepressão se torna menos intensa. Para os receptores de transplante de célulastronco hematopoiéticas (TCTH), que perdem a memória imune acumulada durante a vida, adquirida por meio do contato com agentes infecciosos, antígenos ambientais e vacinas, o CDC preconiza a revacinação com as vacinas inativadas um ano após o procedimento e, com as atenuadas, dois anos após, desde que a pessoa não esteja recebendo terapia imunossupressora e não apresente doença do enxerto versus hospedeiro (GVHD). Em relação ao uso de corticoides, doses altas de prednisona (≥ 2 mg/kg/dia, ou ≥ 20 mg/dia, se > 10 kg) ou equivalente, administradas diariamente ou em dias alternados, por 14 dias ou mais, contrain-

77

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

IMUNODEFICIÊNCIAS

dicam o uso de vacinas contendo agentes vivos por até um mês após o término do tratamento. O uso de corticoide tópico (cutâneo, aerossol, ocular ou intraarticular) não resulta em imunossupressão. Além disso, a utilização de corticoide sistêmico em doses baixas, moderadas ou altas (diárias ou em dias alternados), mas por menos de 14 dias, também não resulta em imunossupressão. Nesses casos, essas vacinas podem ser seguramente utilizadas. Os contatos suscetíveis de indivíduos imunodeprimidos devem receber vacinas contra o vírus influenza, sarampo, rubéola e caxumba, hepatite A e varicela. As vacinas recomendadas para imunodeprimidos e não oferecidas na rede básica de saúde encontram-se disponíveis nos Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIEs) (ver indicações das vacinas na Tab. 9.2).

ASPLENIA

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Os pacientes asplênicos funcionais ou anatômicos têm maior risco de bacteremia fulminante por germes encapsulados, com altas taxas de mortalidade. Recomendase, portanto, além das vacinas de rotina, a imunoprevenção com as vacinas contra o pneumococo, Haemophilus influenzae tipo b e meningococo C. Em caso de esplenectomia eletiva, as vacinas devem ser aplicadas, de preferência, 14 dias antes da cirurgia (ver indicações das vacinas na Tab. 9.2).

PESSOAS COM DOENÇAS CRÔNICAS SEM IMUNODEPRESSÃO Essas pessoas devem receber as vacinas de rotina. Além delas, podem estar indicadas outras vacinas, dependendo da doença de base (ver indicações das vacinas na Tab. 9.2). Esta tabela e as notas de rodapé detalham as vacinas recomendadas em situações especiais. A forma de administrá-las está detalhada nos textos específicos de cada vacina. O CRIE disponibiliza todas as vacinas comentadas, mas as indicações, mesmo que citadas aqui, nem sempre são as mesmas da literatura (ver site do CRIE).

IMUNIZAÇÃO PÓS-EXPOSIÇÃO A DOENÇAS As imunoglobulinas, se administradas no prazo adequado, podem evitar ou atenuar as manifestações clínicas de diversas doenças. Pode-se utilizar imunização ativa e/ou passiva na pós-exposição de tétano (Tab. 9.3), hepatite A, sarampo, rubéola e varicela (Tab. 9.4), hepatite B (Tab. 9.5) e raiva (Tab. 9.6). Pacientes que apresentem história de eventos adversos ao utilizarem imunoglobulinas somente devem recebê-las (qualquer delas) sob supervisão médica direta e em local onde a anafilaxia possa ser tratada.

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Tabela 9.2 CALENDÁRIO DE IMUNIZAÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS POR VACINAS E INDICAÇÕES MÉDICAS Indicação/ Vacinas

Diabete, doença cardíaca ou pulmonar crônica

Hemoglobinopatias, asplenia, incluindo asplenia eletiva e deficiência do complemento terminal

Doença hepática crônica, incluindo alcoolismo crônico

Insuficiência renal crônica, hemodiálise e receptores de fatores de coagulação

Vacinas com agentes inativados Hepatite Bb IPVc DTP/DTPa/DT/dTd Hibe

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PCV-7f

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

HIV + Classificação N1, N2, A1, A2, B1 e B2 do CDCa

HIV + Classificação N3, A3, B3 e C3 do CDCa

Leucemia, linfoma, doença maligna generalizada, anemia aplástica grave, terapia imunossupressora, imunodeficiência congênita

Póstransplante de órgãos sólidos (TOS)

Póstransplante de célulastronco hematopoiéticas (TCTH)

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

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Tabela 9.2 (continuação) CALENDÁRIO DE IMUNIZAÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS POR VACINAS E INDICAÇÕES MÉDICAS Meningococo Cg Influenza h Hepatite Ai PPV-23f Vacinas com agentes atenuados BCGj OVPc Febre amarelak SCRl

Varicelam

Recebe conforme rotina

Indicado

Contraindicado

Não indicado

Indicado com ressalvas

Tabela 9.2 (continuação) CALENDÁRIO DE IMUNIZAÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS POR VACINAS E INDICAÇÕES MÉDICAS a

b

c

Classificação do CDC para HIV: N – sem sinais e sintomas; A – sinais e sintomas leves; B – sinais e sintomas moderados; C – sinais e sintomas graves. 1 – sem evidência de imunossupressão (CD4+ ≥ 25%); 2 – evidência de imunossupressão moderada (CD4+ 15-24%); 3 – evidência de imunossupressão grave (CD4+ < 15%). Vacina contra a hepatite B. O MS recomenda que: (1) RN de mãe HIV-positivo, sem evidência clínica ou laboratorial de imunodeficiência, receba o esquema vacinal de rotina, nas doses usuais para a idade, e, caso se torne infectado pelo HIV, uma quarta dose deve ser administrada 6-12 meses após a última dose recebida; (2) criança com evidência de imunodeficiência e adolescente ou adulto HIV-positivo, mesmo sem apresentarem evidência clínica ou laboratorial de imunodeficiência, recebam o dobro da dose usual para a idade, em um esquema de quatro doses, aos 0, 1, 2 e 6-12 meses. Esse mesmo esquema está indicado em todas as situações de imunodepressão. Teste sorológico rotineiro (anti-HBs) é recomendado 1-2 meses após a última dose, e se os títulos forem menores do que 10 mUI/mL, a revacinação está indicada, com até três doses adicionais. Verificar novamente o anti-HBs após a primeira dose adicional; se não houve resposta, administrar as outras duas doses e repetir o exame. Se após a sexta dose (três de rotina e três adicionais) não houver resposta, o indivíduo é considerado como não respondedor, devendo receber HBIG em caso de exposição. Nos pacientes em hemodiálise, está indicada a dosagem anual do anti-HBs e revacinação, se necessário. Após TCTH, o MS recomenda administrar o dobro da dose usual para a idade, em um esquema de quatro doses, 12, 14, 16 e 24 meses após o procedimento. Já o CDC recomenda revacinar aos 12, 14 e 24 meses após o transplante; os adultos recebem doses duplas, e as crianças recebem as doses de rotina. Em caso de acidente percutâneo ou em mucosa em paciente pós-TCTH em fase de imunossupressão, aplicar duas doses de HBIG, com intervalo de 30 dias, independentemente da situação e da resposta vacinal do exposto. Vacina oral contra a poliomielite (OPV) e vacina inativada contra a poliomielite (IPV). Os CRIE disponibilizam a IPV para crianças imunodeprimidas, inclusive com AIDS e filhos de mães HIV-positivo antes da definição diagnóstica. Salientam, contudo, que, na indisponibilidade da vacina inativada, as crianças infectadas pelo HIV, sintomáticas ou não, podem receber a OPV. Caso o esquema vacinal tenha sido iniciado com OPV e haja indicação posterior para IPV, pode-se completar o esquema com esta, em um total de quatro doses. Já o CDC recomenda utilizar apenas a IPV para todas as crianças HIV-positivo e seus contatos. O MS recomenda que os pacientes pós-TCTH sejam revacinados com quatro doses aos 12, 14, 16 e 24 meses após o procedimento. Já o CDC preconiza três doses, aos 12, 14 e 24 meses após o transplante.

81

(Continua)

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

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Tabela 9.2 (continuação) CALENDÁRIO DE IMUNIZAÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS POR VACINAS E INDICAÇÕES MÉDICAS d

e

Vacina tríplice bacteriana de células inteiras contra difteria, tétano e pertússis (coqueluche) (DTP), vacina tríplice bacteriana contra difteria, tétano e pertússis (coqueluche) acelular do tipo infantil (DTPa), vacina dupla infantil contra difteria e tétano (DT), vacina dupla para adultos contra difteria e tétano (dT). Recomenda-se que, de preferência, seja utilizada a vacina DTPa para crianças com imunodepressão. Até o momento, não há estudos liberando o uso da vacina dTpa para adolescentes e adultos após transplantes e outras situações de imunodepressão, mas seus contatos devem recebê-la para minimizar a possibilidade de transmissão de coqueluche para o paciente. Após TCTH, o MS recomenda administrar quatro doses de DTPa, DT ou dT, conforme a idade, aos 12, 14, 16 e 24 meses após o procedimento. Já o CDC indica a revacinação aos 12, 14 e 24 meses após o transplante. Os reforços com dT a cada 10 anos devem ser mantidos. Caso ocorra ferimento suspeito, a administração de Ig humana contra o tétano (TIG) está recomendada para os pacientes HIV-positivo e dentro do primeiro ano após TCTH, independentemente de vacinação anterior. Vacina contra o Haemophilus influenzae tipo b (Hib). Segundo o CDC, não existem dados na literatura evidenciando o benefício de doses adicionais de vacina contra o Hib para crianças completamente vacinadas (incluindo a dose de reforço) e que apresentem asplenia, hipoesplenia, deficiência de IgG2, ou que sejam HIV-positivo, ou que tenham recebido tratamento quimioterápico. Aquelas que serão submetidas à esplenectomia, contudo, podem se beneficiar de uma dose extra da vacina, no mínimo 7-10 dias antes da cirurgia. Crianças entre 12-59 meses, não vacinadas, ou que receberam apenas uma dose antes dos 12 meses, recebem duas doses da vacina com dois meses de intervalo; caso tenham recebido duas doses antes dos 12 meses, recebem apenas uma. Crianças > 59 meses, na mesma situação, recebem uma dose e, especificamente no caso de deficiência de IgG2 ou HIV-positivo, recebem duas doses com dois meses de intervalo. Ainda segundo o CDC, não existem dados de eficácia que apoiem a recomendação da vacina para crianças > 5 anos de idade com doenças crônicas que predisponham a infecções pelo Hib, mas alguns estudos sugerem boa imunogenicidade; portanto, a administração da vacina não está contraindicada. Já o MS recomenda a vacina, naqueles não vacinados previamente, para (1) pessoas entre 5 e 19 anos com doença cardíaca ou pulmonar crônica, em dose única, e (2) pessoas < 19 anos, imunocomprometidas, asplênicas, com hemoglobinopatias, antes de esplenectomia eletiva, ou com infecção assintomática pelo HIV, em duas doses com intervalo de dois meses. Transplantados de medula óssea, de qualquer idade e independentemente de vacinação prévia, recebem a vacina aos 12, 14, 16 e 24 meses após o transplante. O CDC recomenda aos 12, 14 e 24 meses após o TCTH. Todas as crianças que sejam contato de pessoas pós-TCTH devem estar adequadamente vacinadas contra o Hib.

(Continua)

Tabela 9.2 (continuação) CALENDÁRIO DE IMUNIZAÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS POR VACINAS E INDICAÇÕES MÉDICAS f

g

h

i

Vacinas contra o pneumococo. Nas crianças menores de 2 anos, utiliza-se a vacina PCV-7 de acordo com a rotina (ver texto específico). Segundo o MS e o CDC, crianças na faixa de 24-59 meses de idade e com alto risco de adquirir infecção pneumocócica devem receber as duas vacinas, PCV-7 e PPV23. Esquema: (1) se a criança recebeu quatro doses de PCV-7 previamente, administrar uma dose de PPV-23 aos 24 meses, pelo menos 6-8 semanas após a última PCV-7; (b) se recebeu 1-3 doses de PCV-7, administrar uma PCV-7 e uma PPV-23 após 6-8 semanas; (c) se recebeu uma dose de PPV23, administrar, no mínimo 6-8 semanas após, duas doses de PCV-7, com 6-8 semanas de intervalo; (d) se não recebeu nenhuma vacina pneumocócica anteriormente, recebe duas doses de PCV-7, com 6-8 semanas de intervalo, e uma dose de PPV-23, 6-8 semanas após. Crianças a partir dos 5 anos, adolescentes e adultos recebem uma dose da PPV-23. Todos recebem uma dose de reforço com PPV-23; se a primeira dose foi aplicada antes dos 10 anos de idade, a revacinação é realizada após 3-5 anos; se após os 10 anos de idade, a revacinação deve ocorrer após cinco anos. Após TCTH, o MS recomenda a PCV-7, até os 59 meses de idade, e a PPV-23, a partir dos 24 meses, conforme o esquema citado. Já o CDC, por falta de dados sobre segurança e imunogenicidade da PCV-7 para esses pacientes, recomenda apenas a PPV-23 aos 12 e 24 meses após o transplante. Vacina conjugada contra o meningococo C. Em caso de esplenectomia eletiva, a vacina deve ser aplicada pelo menos 14 dias antes da cirurgia. Os pacientes com diagnóstico de doença de Hodgkin, independentemente de esplenectomia, devem ser vacinados 10-14 dias antes do início do tratamento. O CRIE fornece a vacina para imunodeprimidos conforme a situação epidemiológica local. Vacina contra o influenza. É utilizada a partir dos 6 meses de idade. O MS preconiza iniciar a vacinação três meses após o término de terapia imunossupressora, três meses após TOS e um ano após TCTH. O CDC recomenda reiniciar a vacinação contra o vírus influenza seis meses após o TCTH e indica a vacina mesmo em vigência de quimioterapia ou radioterapia, mas salienta que a vacina deve ser repetida após três meses do término da terapia, já que a resposta de anticorpos pode ser subótima. Além das situações descritas nesta tabela, o MS recomenda, também, a vacina para doadores de órgãos sólidos e de medula óssea e para comunicantes domiciliares de imunodeprimidos. Vacina contra a hepatite A. É utilizada a partir de 1 ano de idade. Os pacientes que serão submetidos à esplenectomia e candidatos e doadores de qualquer tipo de transplante devem ser vacinados antes do procedimento. Segundo o CDC, em caso de exposição ou risco após o TCTH ou imunodepressão, deve-se administrar a Ig humana, mesmo em pacientes vacinados. Já grupos europeus recomendam a vacina contra a hepatite A após o TCTH para pessoas que residam ou viajem para áreas endêmicas.

83

(Continua)

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

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Tabela 9.2 (continuação) CALENDÁRIO DE IMUNIZAÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS POR VACINAS E INDICAÇÕES MÉDICAS j

k

l

m

BCG. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o MS recomendam administrar a BCG em RN de mães HIV-positivo o mais precocemente possível após o nascimento e em crianças soropositivas assintomáticas, sem imunodepressão. Adolescentes e adultos HIV-positivo assintomáticos e com indicação de BCG devem ter seu status imunológico avaliado para a tomada de decisão; aqueles que apresentarem contagem de linfócitos CD4+ < 200 cél/mm3 não devem ser vacinados. A vacina BCG está contraindicada após TOS, e não existem dados sobre o seu uso após TCTH. Vacina contra a febre amarela. É utilizada a partir dos 9 meses de idade. A eficácia e a segurança da vacina para os portadores do HIV não está estabelecida. O MS recomenda o seu uso, levando em consideração o estado imunológico da pessoa e o grau de risco de exposição à doença de acordo com a região do país. A decisão de administrar a vacina deve ser tomada em bases individuais, pesando riscos e benefícios, e considerando outros métodos de proteção. No paciente imunodeprimido grave, independentemente do risco de exposição, a vacina está contraindicada. A maioria dos países que solicitam a realização da vacina aceita documento oficial com justificativa médica para o não recebimento dela. Não existem dados sobre o uso da vacina após TCTH. Vacina tríplice viral contra sarampo, caxumba e rubéola (SCR). É utilizada a partir dos 12 meses de idade. Os pacientes HIV-positivo sem imunodepressão, ou com imunodepressão leve a moderada (categorias 1 e 2 do CDC), podem receber a vacina tríplice viral ou seus componentes (sarampo, caxumba e rubéola), em duas doses, com intervalo mínimo de 28 dias, sem necessidade de doses adicionais. Em caso de terapia imunossupressora, aguardar três meses após a sua suspensão para utilizar a vacina ou vacinar duas semanas antes do seu início. Após TCTH, em pacientes imunocompetentes e sem GVHD, a vacina deve ser administrada em duas doses, aos 24 e 36 meses. Na profilaxia pós-exposição ao sarampo, administrar Ig dentro de seis dias, na dose de 0,5 mL/kg (dose para imunodeprimidos), até o máximo de 15 mL. Para a prevenção da rubéola pós-exposição, aplicar 0,55 mL/kg, IM, na dose máxima de 20 mL. Apesar de dados limitados que indicam uma diminuição da infecção clinicamente aparente, da replicação viral e da viremia com a utilização de Ig, seu uso pode ser considerado em pessoas suscetíveis expostas à rubéola, principalmente em grávidas, se o término da gestação não for uma opção. Vacina contra a varicela. É utilizada a partir dos 12 meses de idade. Entre as indicações da Tabela 9.4, o MS ressalta que a vacina só pode ser administrada na ausência de pacientes com leucemia linfocítica aguda e tumores sólidos em remissão (pelo menos 12 meses), radioterapia e em pessoas que apresentem, no mínimo, 1.200 linfócitos/mm3; caso estejam em quimioterapia, esta deve ser suspensa de 7 dias antes a 7 dias depois da vacinação. O MS também recomenda a vacina para: (1) doadores de órgãos sólidos e de medula óssea; (2) TCTH em protocolos de pesquisa, após dois anos do transplante, imunocompetentes e sem GVHD; (3) pessoas que serão submetidas à quimioterapia, em protocolos de pesquisa; (4) contatos (Continua)

Tabela 9.2 (continuação) CALENDÁRIO DE IMUNIZAÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS POR VACINAS E INDICAÇÕES MÉDICAS domiciliares ou hospitalares de pacientes imunodeprimidos, e (5) pessoas infectadas pelo HIV sem imunossupressão (categoria A1 e N1 do CDC). Em relação ao HIV, o Comitê Assessor de Práticas de Imunização dos Estados Unidos (ACIP) ampliou a recomendação da vacina, indicando-a também para crianças e adolescentes com moderada imunossupressão (categoria N, A ou B com CD4+ ≥ 15). Após o TCTH, o CDC recomenda vacinar os contatos hospitalares e domiciliares suscetíveis, além de avaliar a suscetibilidade do paciente à doença e o risco de aquisição desta. Se a decisão for de vacinar, a vacina deve ser administrada, no mínimo, 24 meses após o transplante, e o paciente deve estar imunocompetente. A imunoglobulina humana antivaricela-zóster (VZIG) é recomendada na prevenção pós-exposicão à varicela ou ao herpes-zóster de pessoas imunodeprimidas, sem história de doença ou de vacinação (Tab. 9.4). Quando a vacina está indicada, em situação de imunodepressão, ela é administrada no esquema de duas doses com intervalo de três meses.

85 IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Tabela 9.3 GUIA PARA PROFILAXIA DO TÉTANO NO MANEJO DE FERIMENTOS Número de doses Ferimentos limpos prévias do toxoide tetânico Desconhecido ou < 3 doses

Vacinarb: Idade < 7 anos – DPT ou DTaP ou DT Idade ≥ 7 anos – dT ou dTapc Não usar SATd ou TIGe

Vacinarb: Idade < 7 anos – DPT ou DTaP ou DT Idade ≥ 7 anos – dT ou dTapc Aplicar SATd ou TIGe

3 doses ou mais

Vacinado há menos de 10 anos, não vacinar. Vacinado há 10 anos ou mais: vacinar Não usar SATd ou TIGe

Vacinado há menos de 5 anos: não vacinar. Vacinado há 5 anos ou mais: vacinar Não usar SATd ou TIGe

a

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Ferimentos suspeitosa

b

c

d

e

86

São considerados ferimentos suspeitos: aqueles contaminados com sujeira, fezes, terra e saliva; os puntiformes; aqueles com perda de substância, e os resultantes de arma de fogo, trituração, queimadura e congelamento. Vacinar dentro de três dias a partir do ferimento. Não vacinados ou com história vacinal desconhecida recebem três doses no esquema 0, 2 e 4 meses ou 0, 2 e 8 meses (intervalo mínimo de um mês entre as doses). Aqueles com vacinação incompleta não necessitam reiniciar o esquema, apenas completá-lo. Vacina tríplice bacteriana acelular contra difteria, tétano e coqueluche para uso em adolescentes e adultos (dTpa): o CDC passou a indicar, em 2006, o reforço no início da adolescência (11-12 anos) com a vacina dTpa e reforços posteriores com a dT de 10 em 10 anos. Adolescentes e adultos não vacinados (até os 64 anos de idade) podem receber a primeira dose de dTpa e a segunda e terceira doses com dT. O MS liberou a vacina dTpa para todas as faixas etárias, a partir da adolescência. Soro antitetânico equino (SAT): solução purificada de imunoglobulinas específicas obtidas do plasma equino hiperimunizados com toxoide e toxina tetânica. A rede pública utiliza o SAT como primeira escolha para a profilaxia passiva do tétano. A dose é de 5.000 UI, via IM, após a realização do teste de sensibilidade. Imunoglobulina humana antitetânica (TIG): administrar 250 UI, IM, dentro de três dias a partir do ferimento. Pacientes com ferimento suspeito e HIV-positivo, ou dentro do primeiro ano pós-TCTH, recebem TIG, independentemente do estado vacinal.

Produto

Indicação

Prazo para uso, dose e duração de proteção

Ig humana

Para prevenção de hepatite A

Pré-exposição1 Proteção por menos de 3 meses, 0,02 mL/kg, IM. Proteção por 3-5 meses, 0,06 mL/kg, IM. Repetir a cada 5 meses se permanecer em risco. Pós-exposição2 Aplicar dentro de 14 dias a partir do contato 0,02 mL/kg, IM. Proteção 80-90%. Imunocompetente (inclusive HIV assintomático) Aplicar entre 3-6 dias do contato 0,25 mL/kg, IM, dose máxima 15 mL. Até três dias do contato, administrar somente a vacina. Imunodeprimido Aplicar, dentro de 6 dias do contato, 0,5 mL/kg, IM, dose máxima 15 mL. Aplicar 0,55 mL/kg, IM , dose máxima 20 mL.

Para prevenção de sarampo na pós-exposição

Para a prevenção da rubéola na pós-exposição3 VZIG

1

Para prevenção de varicela na pós-exposição

Aplicar, dentro de 4 dias do contato, 125 U/10 kg ou 1,25 mL/10 kg, IM, dose máxima 625 U. Proteção por, no máximo, 3 semanas. Até 5 dias do contato, nos imunocompetentes, administrar somente a vacina.

Na pré-exposição, a vacina contra a hepatite A é a melhor opção para a prevenção da doença. Segundo o CDC, pacientes pós-TCTH com exposição ao vírus da hepatite A, ou que apresentam risco de exposição, devem receber Ig, pois não existem dados sobre o uso da vacina nessa situação. (Continua)

87

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Tabela 9.4 RECOMENDAÇÃO PARA A PROFILAXIA DE HEPATITE A, SARAMPO, RUBÉOLA E VARICELA

Tabela 9.4 (continuação) RECOMENDAÇÃO PARA A PROFILAXIA DE HEPATITE A, SARAMPO, RUBÉOLA E VARICELA 2

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

3

Na pós-exposição, também a vacina contra a hepatite A é a melhor opção para a prevenção da doença. A Ig apenas é recomendável nas seguintes situações: crianças < 12 meses, pessoas com imunodepressão, pessoas com doença hepática crônica e pessoas que apresentam fatores que contraindicam o uso da vacina. Em pessoas saudáveis de 1-40 anos é preferível administrar a vacina contra a hepatite A e, para pessoas > 40 anos, é preferível administrar Ig, com a opção de utilizar a vacina caso a Ig não esteja disponível (CDC, 2007). Apesar de dados limitados que indicam uma diminuição da infecção clinicamente aparente, da replicação viral e da viremia com a utilização de Ig, seu uso pode ser considerado em pessoas suscetíveis expostas, principalmente em grávidas, se o término da gestação não for uma opção.

Tabela 9.5 GUIA PARA PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO PERCUTÂNEA OU DE MUCOSAS AO VÍRUS DA HEPATITE B Situação da pessoa exposta: vacinação/ resposta de anticorpos

Situação da fonte de transmissão

Manejo da pessoa exposta

Não vacinada ou vacinação incompleta

HBsAg-positivo HBsAg-negativo Desconhecida ou HBsAg não testadoc

HBIGa 1 dose e vacinab Vacinab Se fonte de alto risco, tratar como HBsAgpositivo

Vacinada (3 doses) com resposta adequadad

HBsAg-positivo HBsAg-negativo Desconhecida ou HBsAg não testado

Nenhum tratamento

Vacinada (3 doses) sem resposta adequadad

HBsAg-positivo HBsAg-negativo Desconhecida ou HBsAg não testadoc

HBIGa 1 dose e revacinare Revacinare Se fonte de alto risco, tratar como HBsAgpositivo (Continua)

88

Tabela 9.5 (continuação) GUIA PARA PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO PERCUTÂNEA OU DE MUCOSAS AO VÍRUS DA HEPATITE B Situação da pessoa exposta: vacinação/ resposta de anticorpos

Situação da fonte de transmissão

Manejo da pessoa exposta

Vacinada (3 ou mais doses) sem resposta conhecida

HBsAg-positivo

Dosar anti-HBsd: Se adequado: nenhum tratamento Se inadequado: HBIGa e revacinare Nenhum tratamentof Dosar anti-HBsd: Se adequado: nenhum

HBsAg-negativo Desconhecida ou HBsAg não testadoc tratamento

Vacinada (6 doses) e não respondedora

a

b

c d e f

HBsAg-positivo HBsAg-negativo Desconhecida ou HBsAg não testadoc

HBIGa 2 doses Nenhum tratamento Se fonte de alto risco, tratar como HBsAgpositivo

HBIG: dose de 0,06 mL/kg, IM, de preferência dentro de 24 horas a partir da exposição. No contato sexual, aplicar, no máximo, dentro de 14 dias; nos outros tipos de exposição, dentro de sete dias. Na pessoa exposta não respondedora em contato com fonte HBsAg-positivo, aplicar duas doses de HBIG, com intervalo de 30 dias. Em caso de acidente percutâneo ou em mucosa em paciente pós-TCTH em fase de imunossupressão, aplicar duas doses de HBIG, com intervalo de 30 dias, independentemente da resposta vacinal. Vacina contra a hepatite B: IM, em três doses nos não vacinados, ou atualizar naqueles com esquema incompleto. Os intervalos mais utilizados são 0, 1 e 6 meses. Se possível, realizar o HBsAg na fonte de transmissão. Anti-HBs: título protetor ≥ 10 mUI/mL. Administrar uma segunda série de vacina contra a hepatite B de até três doses. Dosar anti-HBs se a pessoa exposta for de alto risco (ver texto específico da vacina).

89

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Se inadequado: HBIGa e revacinare

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Tabela 9.6 GUIA PARA PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO À RAIVAa PARA PESSOAS NÃO IMUNIZADASb Espécie animal

Situação do animal na exposição

Manejo da pessoa exposta

Cães e gatos

Saudável e com possibilidade de observação por 10 dias

Tratamento local da feridac Ao primeiro sinal de doença no animal: – iniciar vacinação – iniciar SARd ou IGHARe se acidente gravef

Animal com suspeita clínica de raiva e com possibilidade de observação por 10 dias se acidente gravef

Tratamento local da feridac – iniciar vacinaçãog – iniciar SARd ou IGHARe

Desconhecido, fugitivo, Tratamento local da feridac raivoso ou morto – iniciar vacinação – iniciar SARd ou IGHARe se acidente gravef Mico (sagui), macaco, Considerar como guaxinim, quati, gambá, infectados morcegoh, raposa, roedores silvestres e outros carnívoros, e animais de criação (bovinos, bubalinos, caprinos, ovinos, equinos, suínos e outrosi)

Tratamento local da feridac – iniciar vacinação – iniciar SARd ou IGHARe se acidente gravef

Ratazanas de esgoto, Considerar como rato de telhado, animais de baixo risco camundongo, cobaia ou porquinho-da-índia, hamster e coelho

Tratamento local da feridac Não indicado tratamento profilático antirrábico

a

b

Consultar o departamento de saúde local para obter informações sobre os riscos de raiva na área do acidente (hábitos/procedência do animal, etc.). São considerados previamente vacinados os indivíduos que receberam vacina de cultivo celular no regime pré ou pós-exposição, ou aqueles que receberam outros tipos de vacina e desenvolveram títulos adequados de anticorpos neutralizantes. (Continua)

90

c

d

e

f

g

h

i

Lavar o ferimento imediatamente com água corrente, sabão e álcool iodado a 1%. Se em mucosa, lavar com soro fisiológico ou água corrente. De preferência não suturar; se necessário, aproximar as bordas. Lembrar da profilaxia antitetânica. Soro heterólogo antirrábico (SAR): é utilizado como primeira escolha na rede pública. É uma solução concentrada e purificada de anticorpos de equinos imunizados contra a raiva. A dose indicada é de 40 UI/kg, IM. É necessário teste de sensibilidade préutilização. Imunoglobulina humana antirrábica (IGHAR): é uma solução concentrada de anticorpos neutralizantes obtidos de plasma humano. É mais segura que o soro heterólogo, mas tem produção limitada e, por isso, alto custo. É fornecida pelo CRIE para as pessoas que apresentam teste de sensibilidade positivo ao soro heterólogo, que não completaram o esquema antirrábico por apresentar evento adverso, e para indivíduos imunodeprimidos na pós-exposição. São considerados acidentes graves: lambedura em mucosas, mordedura na cabeça, face, pescoço e mãos ou planta dos pés, mordeduras múltiplas e/ou profundas em qualquer parte do corpo, ferimentos profundos provocados por unhas de gato ou de outros felinos. O CDC não valoriza, para definir a conduta pós-exposição, o local e o tipo de ferimento, mas o tipo de animal e a possibilidade de observá-lo, e orienta administrar, também, a IGHAR em todas as situações em que a vacina esteja recomendada. Suspender a vacinação se, após o 10o dia de observação, o animal estiver saudável e a raiva for descartada. As agressões por morcegos são sempre consideradas graves, portanto, além da vacina contra a raiva, a administração de SAR ou IGHAR está indicada, independentemente da gravidade da lesão. Considerar todos os animais desse grupo como de risco, mesmo que domiciliados e/ou domesticados, pois a evolução da raiva, nesses animais, não é bem conhecida.

USO RECENTE DE IMUNOGLOBULINAS OU DE SANGUE E SEUS DERIVADOS O uso de imunoglobulinas, sangue e seus derivados pode interferir na resposta às vacinas de vírus vivos, principalmente à do sarampo. Não há relato de interferência na resposta das vacinas contra febre amarela, febre tifoide ou pólio oral. A Tab. 9.7 relaciona o uso dos produtos e o intervalo recomendado para a administração das vacinas contra sarampo (monovalente ou combinada) e varicela. Se as vacinas forem administradas antes do intervalo recomendado, devem ser repetidas na época adequada. No caso das vacinas serem administradas primeiro, as imunoglobulinas só deverão ser administradas três semanas após a aplicação da vacina contra a varicela e duas semanas após a vacina contra o sarampo (monovalente ou combinada). Se esses intervalos não forem respeitados, as vacinas devem ser repetidas após o intervalo recomendado. 91

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Tabela 9.6 (continuação) GUIA PARA PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO À RAIVAa PARA PESSOAS NÃO IMUNIZADASb

Tabela 9.7 INTERVALOS SUGERIDOS ENTRE O USO DE IMUNOGLOBULINAS, SANGUE E DERIVADOS E POSTERIOR APLICAÇÃO DA VACINA CONTRA SARAMPO (MONOVALENTE OU COMBINADA) OU VARICELA Produto

Via

Dose

IM

0,02-0,06 mL/kg 3

IM

0,25 mL/kg 0,50 mL/kg

5 6

IG hiperimune do tétano (TIG)

IM

250 UI

3

IG hiperimune da hepatite B (HBIG)

IM

0,06 mL/kg

3

IG hiperimune da raiva (RIG)

IM

20 UI/kg

4

IG hiperimune da varicela-zóster (VZIG)

IM

125 U/10kg

5

IG endovenosa (IGIV)

EV

300-2.000 mg/kg 8-11

Anticorpo monoclonal VRS – palivizumabe

IM

15 mg/kg

0

Hemácias lavadas

EV

10 mL/kg

0

Concentrado de hemácias

EV

10 mL/kg

5

Sangue total

EV

10 mL/kg

6

Plasma

EV

10 mL/kg

7

Plaquetas

EV

1 U/5 kg

7

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Imunoglobulina humana (IG)

Para prevenção de hepatite A Para prevenção de sarampo

Intervalo em meses

VACINAS ESPECÍFICAS VACINA CONTRA A TUBERCULOSE (BCG) Composição. Após diluição, cada dose de 0,1 mL contém bacilos vivos atenuados da cepa Moreau-Rio de Janeiro, glutamato de sódio e solução fisiológica. Uso e eficácia. Proteção contra tuberculose. Apresenta, no primeiro ano de vida, eficácia de 46-100%, principalmente na disseminação hematogênica e em suas 92

manifestações mais graves, como a meningoencefalite. A eficácia contra a tuberculose pulmonar é questionável (de 0-80%). Indicações. A vacina BCG está indicada para todas as crianças, a partir do nascimento, que apresentam peso mínimo de 2 kg, sendo obrigatória para menores de 1 ano por determinação do MS. A vacina também está indicada para profissionais da área da saúde que tenham contato direto com pacientes portadores de tuberculose e sejam não reatores ou reatores fracos ao teste tuberculínico. A OMS e o MS recomendam a vacinação de RNs de mães HIV-positivo e de crianças soropositivas assintomáticas, sem imunodepressão. Adolescentes e adultos HIV-positivo assintomáticos, com indicação de BCG, devem ter seu status imunológico avaliado para a tomada de decisão. Os pacientes sintomáticos ou assintomáticos, com contagem de linfócitos CD4+ < 200 cél/mm3, não devem ser vacinados.

Eventos adversos. Em geral, não provoca reações sistêmicas. Reações anafiláticas são raras. Evolução esperada da reação local: nódulo, úlcera, crosta e cura espontaneamente entre 6 e 10 semanas (raramente até o sexto mês), deixando cicatriz. Algumas vezes, pela resposta exagerada à vacinação BCG, pela técnica imperfeita ou por dose maior que a recomendada, a cicatrização poderá ser retardada ou poderá ocorrer enfartamento dos gânglios linfáticos, que podem supurar. Em algumas dessas situações, é necessário investigar doença e/ou utilizar isoniazida até regressão completa da lesão. Em caso de dúvidas, consulte o Manual de Vigilância Epidemiológica dos Eventos Adversos Pós-Vacinação do MS. Contraindicações. Temporárias: RNs com peso inferior a 2 kg, presença de afecções dermatológicas extensas em atividade e uso de corticosteroides em doses imunossupressoras ou outras drogas imunossupressoras. Definitivas: imunodeficiências congênitas ou adquiridas. Observações. Por meio da nota técnica no 66/CGPNI/DEVEP/SVS/MS, de 24 de maio de 2006, o MS retirou a segunda dose da vacina BCG do calendário de vacinação da criança.

VACINA CONTRA A HEPATITE B Composição. Vacina de DNA recombinante que contém uma suspensão de antígenos de superfície do vírus da hepatite B nas concentrações de 5, 10, 20 e 40 µg, adsorvidos em hidróxido de alumínio. Algumas apresentações ainda contêm timerosal em sua formulação.

93

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Doses, via e esquema. Dose de 0,1 mL, intradérmico (ID), no braço direito, na altura da inserção do músculo deltoide, o mais precocemente possível após o nascimento. Crianças que não tenham desenvolvido cicatriz vacinal seis meses após a primeira dose devem ser revacinadas, sem necessidade de realização prévia do teste tuberculínico.

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Uso e eficácia. Prevenção de hepatite B e D. Eficácia de até 95% em crianças e adolescentes. Alguns fatores podem diminuir a eficácia da vacina: imunodepressão, diabete, obesidade, tabagismo, insuficiência renal, aplicação no glúteo e aumento da idade. A profilaxia pós-exposição de RNs de mães HBsAg-positivo e HBeAg-positivo (antígeno e da hepatite B), com administração de HBIG associada à vacina, dentro das primeiras 12-24 horas do nascimento, é 85-95% eficaz em prevenir infecção aguda e crônica pelo vírus da hepatite B (VHB). Essa proteção só é alcançada se o RN receber as outras duas doses de vacina contra a hepatite B até os 6 meses de idade. Já com a vacina utilizada isoladamente (sem a HBIG), nessa mesma situação, a eficácia fica entre 70 e 95%. Indicações. Na pré-exposição, o MS recomenda a vacina para todas as crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos e para as seguintes pessoas, independentemente da idade: (1) profissionais da área da saúde, inclusive aqueles que atuam em áreas administrativas; (2) pacientes com nefropatias crônicas e em hemodiálise; (3) pacientes que necessitam transfusões frequentes; (4) de contatos domésticos e sexuais de portadores do VHB; (5) doadores e transplantados; (6) doadores regulares de sangue; (7) pacientes HIV-positivo; (8) pessoas com neoplasia sólida, leucemia, linfoma e anemia aplástica grave; (9) pessoas com doenças de depósito, e (10) fibrose cística. O CDC também recomenda em: (1) equipe de instituições de doentes mentais e presídios; (2) pessoas que tiveram mais de um parceiro sexual nos últimos seis meses; (3) pessoas com história de doenças sexualmente transmissíveis; (4) homossexuais; (5) bissexuais; (6) usuários de drogas injetáveis, e (7) viajantes para áreas de risco que planejam ficar mais de seis meses nesses locais ou menos tempo, mas com contato sexual. Na pós-exposição, a vacina e a HBIG estão indicadas para: (1) RNs de mães HBsAg-positivo; (2) pessoas com exposição percutânea ou de mucosa à sangue contendo ou passível de conter o VHB (Tab. 9.5), e (3) após contato sexual com indivíduo apresentando um quadro agudo de hepatite B. A vacina, isoladamente, é recomendada para os contatos domésticos e parceiros sexuais de pessoa portadora do VHB. Doses, via e esquema. O MS, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o CDC preconizam iniciar a vacinação do RN dentro das primeiras 12-24 horas de vida. O esquema mais utilizado, em qualquer idade, é o de três doses, com intervalos de 0, 1 e 6 meses entre elas, mas vários outros esquemas podem ser utilizados, desde que a segunda dose não seja aplicada com intervalo menor que um mês da primeira, e que a última dose não seja administrada antes de 24 semanas de idade. Até os 19 anos, administrar três doses da formulação pediátrica, via IM. Após os 19 anos, administrar doses de adulto no mesmo esquema. As vacinas não devem ser administradas no glúteo. Situações especiais: RNs de mães HBsAgpositivo devem receber, além da vacina no esquema habitual, a HBIG nas primeiras 12 horas de vida. No caso de o resultado do HBsAg materno ser desconhecido ou de não haver condições de determiná-lo rapidamente, o RN deve receber a primeira dose da vacina nas primeiras 12 horas de vida. Se o HBsAg materno resultar positivo, o RN deve receber também HBIG o mais cedo possível, dentro

94

Eventos adversos. Podem ocorrer dor local, febre, reações alérgicas, anafilaxia, fadiga, vertigem, síncope, hipotensão, artrite, artralgia, linfadenopatia, rash, urticária, cefaleia, mialgias, dor abdominal, vômitos, diarreia e testes de função hepática anormais. Parestesias, paralisias, neuropatias, neurites e lesões de pele, como eritema multiforme, são raros. Contraindicações. Hipersensibilidade a qualquer componente da vacina ou doença febril aguda. Observações. Segundo o CDC, podem ser administradas quatro doses da vacina contra a hepatite B, quando são utilizadas vacinas combinadas (com IPV, DTPa e Hib), aos 2, 4 e 6 meses de idade, após a dose monovalente ao nascimento. A vacina combinada contra as hepatites A e B é aplicada em três doses no esquema de 0, 1 e 6-12 meses. Essa combinação já está liberada para uso em duas doses (0 e 6-12 meses) na faixa etária de 1-15 anos, utilizando-se a apresentação de adultos. 95

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

dos primeiros sete dias de vida. RNs de mães HBsAg-negativo podem ser vacinados na alta hospitalar ou aos 2 meses de idade, juntamente às vacinas recomendadas para essa idade, nas apresentações combinadas. Em todas as situações nas quais o RN tenha menos de 2 kg ou menos de 33 semanas de gestação ao receber a primeira dose da vacina, ele deve receber mais três doses nos intervalos 1, 2 e 6 meses, totalizando quatro doses. O MS recomenda que (1) RN de mãe HIV-positivo, sem evidência clínica ou laboratorial de imunodeficiência, receba o esquema vacinal de rotina, nas doses usuais para a idade, e, caso se torne infectado pelo HIV receba uma quarta dose 6-12 meses após a última dose recebida, (2) crianças com evidência de imunodeficiência e adolescentes ou adultos HIV-positivo, mesmo sem apresentarem evidência clínica ou laboratorial de imunodeficiência, recebam o dobro da dose usual para a idade, em um esquema de quatro doses, aos 0, 1, 2 e 6-12 meses. Esse mesmo esquema está indicado em todas situações de imunodepressão. Teste sorológico rotineiro (anti-HBs) é recomendado 1-2 meses após a última dose para as seguintes pessoas: (1) em hemodiálise, (2) HIV-positivo, (3) com risco ocupacional de exposição ao VHB, (4) imunodeprimidas com risco de exposição ao VHB, (5) em contato sexual regular com indivíduo HBsAg-positivo. Sempre que a mãe for HBsAg-positivo, deve-se realizar testes no lactente entre 9-18 meses de idade, após o término do esquema vacinal. A finalidade é detectar a presença de anticorpos contra o antígeno de superfície (anti-HBs), ou seja, a resposta vacinal, ou a presença do HBsAg, que identifica aqueles que foram infectados. Em todas as situações citadas, se os títulos do anti-HBs forem menores do que 10 mUI/mL, a revacinação está indicada, com até três doses adicionais. Verificar novamente o anti-HBs após a primeira dose adicional; se não houver resposta, administrar as outras duas doses e repetir o exame. Se após a sexta dose (três de rotina e três adicionais) não houver resposta, o indivíduo é considerado como não respondedor, devendo receber HBIG em caso de exposição. Nos pacientes em hemodiálise, está indicada a dosagem anual do anti-HBs e revacinação, se necessário.

VACINA ORAL ATENUADA CONTRA A POLIOMIELITE (OPV) E VACINA INATIVADA CONTRA A POLIOMIELITE (IPV) Composição. OPV: cada dose contém uma suspensão trivalente de poliovírus vivos atenuados dos tipos 1, 2 e 3, água destilada, antibióticos (eritromicina, estreptomicina, canamicina ou neomicina), cloreto de magnésio, L-arginina e vermelho fenol. IPV: cada dose contém uma suspensão estéril dos três tipos de poliovírus inativados com formaldeído, fenoxietanol, neomicina, estreptomicina e polimixina B.

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Uso e eficácia. Prevenção da poliomielite. Soroconversão em 95% dos vacinados após duas doses e 99-100% após três doses. Imunidade prolongada, talvez por toda a vida. A IPV promove imunidade em mucosa, mas de menor intensidade do que a OPV. Indicações. A vacina contra a poliomielite é recomendada para todas as crianças a partir dos 2 meses de idade. Os CRIEs disponibilizam a IPV para todas as crianças HIV-positivo e seus contatos. Por meio do CRIE, o MS disponibiliza a IPV nas seguintes situações: (1) RNs que permaneçam internados em unidade neonatal na idade da vacinação; (2) crianças imunodeprimidas suscetíveis, inclusive com AIDS, ou incompletamente vacinadas; (3) filhos de mães HIV-positivo antes da definição diagnóstica; (4) crianças que necessitem receber a vacina contra a poliomielite, mas que tenham contato domiciliar ou hospitalar com pessoa imunodeficiente, e (5) pessoas submetidas a transplante de medula óssea ou de órgãos sólidos. O MS salienta que, na indisponibilidade da vacina inativada, as crianças infectadas pelo HIV, sintomáticas ou não, podem receber a OPV. O CDC recomenda utilizar apenas a IPV nessa situação, tanto para o paciente como para seus contatos. Recomenda a IPV, também, para os seguintes grupos de pessoas não imunizadas e em risco de exposição à poliomielite: (1) viajantes com destino a áreas endêmicas ou epidêmicas; (2) membros de comunidades ou grupos específicos em que a doença é endêmica; (3) funcionários de laboratórios que trabalham com poliovírus selvagem, e (4) profissionais da área da saúde em contato íntimo com pacientes que possam estar excretando o poliovírus. Quando a vacinação do adulto estiver indicada, deve-se utilizar a IPV para reduzir o risco de paralisia associada ao vírus vacinal, maior nessa faixa etária. Doses, via e esquema. Esquema de vacinação infantil com OPV: quatro doses, aos 2, 4, 6 e 15 meses de idade, VO. Esquema de vacinação infantil com IPV: quatro doses de 0,5 mL, IM ou SC (na forma isolada), administradas no mesmo esquema da OPV, ou aos 2, 4, 6-18 meses e 4-6 anos de idade. Vacinação para adultos: administrar preferencialmente a IPV, em três doses, no esquema 0, 1-2 e 6-12 meses. Se o esquema vacinal foi iniciado com OPV e surgir indicação para IPV, completá-lo com esta, administrando um total de quatro doses. Eventos adversos. OPV: Paralisia associada à vacina, cuja severidade é semelhante à doença pelo vírus selvagem, é rara e ocorre mais em adultos e em imunodeprimidos. O risco é maior nas primeiras duas doses. IPV: eritema, enduração 96

e dor dentro de 48 horas a partir da aplicação da vacina. Sonolência, choro e diminuição do apetite também têm sido descritos. Contraindicações. Reação anafilática a qualquer componente da vacina. A OPV é contraindicada em gestantes, imunodeprimidos e contatos de pessoas imunodeprimidas. Observações. Em caso de vômitos dentro de 10 minutos após administração da OPV, repetir a dose apenas uma vez. A presença de diarreia não contraindica a utilização da vacina. Se a OPV for administrada inadvertidamente a familiares de pessoa com imunodepressão, o contato físico com o paciente deve ser evitado por 4-6 semanas.

Composição. A vacina de rotavírus humano vivo atenuado da GSK é monovalente, derivada da cepa mais comum em humanos. Cada dose contém vírus humano atenuado do sorotipo G1[P8] da cepa RIX4414, sacarose, adipato dissódico, meio Eagle modificado Dubelcco e água estéril. A vacina pentavalente contra o rotavírus da MSD é composta por quatro RV humanos (G1 a G4) e 1 bovino (P1), de vírus vivo atenuado. Além disso, contém sacarose, citrato de sódio, fosfato de sódio monobásico monohidratado, hidróxido de sódio, polisorbato 80 e meio de cultura tecidual. Traços de soro fetal bovino podem ser encontrados. Não tem timerosal ou preservativos. Uso e eficácia. Prevenção da diarreia causada por RV, do sorotipo G1 e não G1 (G2, G3, G4 e G9). Segundo os estudos realizados na Finlândia, no México e em 10 países latino-americanos, após a administração de duas doses de vacina, a eficácia, para gastrenterite grave causada por RV, variou de 68,5-90%, e, para hospitalização devido a doença causada por RV, de 65,4-93%. Indicações. A vacina contra o rotavírus é recomendada para todas as crianças até 24 semanas de idade. Doses, via e esquema. Doses de 1,5 mL, VO. São administradas duas doses, aos 2 e 4 meses de idade. A primeira pode ser administrada entre 6-14 semanas de vida, e a segunda, entre 14-24 semanas, com intervalo mínimo de quatro semanas entre elas. A primeira dose não pode ser administrada após os 3 meses e 7 dias de idade, e a segunda dose, após os 5 meses e meio de idade (24 semanas). Eventos adversos. Podem ocorrer irritabilidade, febre, fadiga, choro, perda de apetite, diarreia e vômitos. Nas pesquisas clínicas realizadas, não há relato de aumento de casos de intussuscepção com o uso da vacina. Contraindicações. Reação anafilática prévia a qualquer componente da vacina. A vacina é contraindicada para indivíduos com história de doença gastrintestinal 97

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

VACINA CONTRA O ROTAVÍRUS (RV)

crônica, inclusive má formação congênita do trato gastrintestinal, imunodeprimidos, contatos de pessoas imunodeprimidas e gestantes. Precaução: postergar a vacina se a criança apresentar alguma doença grave, vômitos ou diarreia. Observações. Em caso de vômitos, cuspe ou regurgitação, não repetir a dose. A amamentação não interfere na absorção da vacina. A vacina da MSD foi recentemente liberada pela Anvisa e é aplicada em três doses, aos 2, 4 e 6 meses de idade. Segundo as mais recentes recomendações do CDC, essa vacina, independentemente do laboratório produtor, não deve ser iniciada após 14 semanas e 6 dias de idade, e a última dose deve ser aplicada no máximo até 8 meses.

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

VACINA TRÍPLICE BACTERIANA CONTRA DIFTERIA, TÉTANO E COQUELUCHE DE CÉLULAS INTEIRAS (DTP); VACINA TRÍPLICE BACTERIANA CONTRA DIFTERIA, TÉTANO E COQUELUCHE ACELULAR DO TIPO INFANTIL (DTPa); VACINA DUPLA INFANTIL CONTRA DIFTERIA E TÉTANO (DT) Composição. DTP: cada dose contém suspensão de células de Bordetella pertussis, antígenos diftérico, 30 UI, e tetânico, 10 a 20 UI, hidróxido de alumínio, timerosal e solução fisiológica. DTPa: cada dose contém no mínimo 30 UI de toxoide diftérico, 40 UI de toxoide tetânico purificados, fração pertússis, composta por 3 ou 5 componentes altamente purificados e adsorvidos em fosfato de alumínio, 2-fenoxietanol e água para injeção. DT: cada dose contém no mínimo 30 UI de toxoide diftérico e 40 UI de toxoide tetânico purificados, hidróxido de alumínio, timerosal e solução fisiológica. Uso e eficácia. Proteção contra coqueluche, tétano e difteria. Eficácia da vacina contra coqueluche: três doses conferem proteção de 50-90%, por no mínimo três anos. Quadros atípicos podem ocorrer pela queda natural no nível de anticorpos, mesmo em pessoas vacinadas ou que apresentaram a doença. Eficácia da vacina contra o tétano: três doses conferem proteção na maioria das pessoas (96%) por, no mínimo, 10 anos. Eficácia da vacina contra a difteria: existem apenas evidências epidemiológicas mostrando a eficácia da vacina. O reforço com as vacinas DTP/DTPa/DT provoca efeito booster em relação a todos os componentes da vacina com níveis persistentes, que geralmente excedem os 10 anos. As diversas DTPa, com 2, 3 ou 5 frações do componente pertússis, têm a mesma eficácia clínica. Indicações. As vacinas DTP, DTPa e DT são recomendadas para todas as crianças entre 2 meses e 7 anos incompletos. Na rede pública, a DTP é a primeira escolha. O MS disponibiliza a DTPa para (1) crianças que apresentaram reações importantes à DTP, (2) crianças que apresentam doença neurológica crônica incapacitante ou doença convulsiva crônica, (3) RNs que permaneçam internados em unidade neonatal na época de vacinação, (4) RNs prematuros extremos (menores de 1.000 g ou 31 semanas) na primeira dose da tetravalente e (5) menores de 2 anos que apresentam doença cardiopulmonar crônica com risco de descompen98

sação em vigência de febre. OMS recomenda também que, de preferência, seja utilizada a DTPa em crianças com neoplasias, anemia aplástica grave e pós-transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH). O MS disponibiliza a DT infantil para a imunização de crianças menores de 7 anos para as quais o componente pertússis esteja contraindicado.

Eventos adversos. Eritema, edema, enduração, febre, sonolência, mal-estar e irritabilidade podem ocorrer nas primeiras 24-48 horas após as vacinas DTP e DT. São pouco frequentes: choro prolongado e incontrolável, febre de 40,5°C ou mais, convulsões, síndrome hipotônico-hiporresponsiva, abscesso bacteriano ou estéril, reações alérgicas e neurite braquial. Anafilaxia e síndrome de GuillainBarré são raras. Profilaxia antipirética, com administração de paracetamol no momento da aplicação da vacina, e de 4/4 horas por 24 horas, pode ser recomendada para crianças que apresentaram hipertermia importante em doses anteriores. Tanto as reações locais como as sistêmicas ocorrem com menor frequência após a vacina DTPa. Contraindicações. Reação anafilática imediata à administração prévia de qualquer um dos seus componentes contraindica o uso posterior dessas vacinas. Encefalopatia dentro de sete dias, caracterizada por distúrbio do SNC agudo, severo, sem outra causa aparente, que pode se manifestar por alteração importante da consciência ou por convulsão focal ou generalizada, persistente, sem recuperação dentro de 24 horas, contraindicam o uso posterior das vacinas DTP e DTPa. Precauções: convulsão, com ou sem febre, ocorrendo dentro de três dias; gritos ou choro persistente, inconsolável, por três ou mais horas dentro de 48 horas após a vacinação; colapso ou estado semelhante a choque (episódio hipotônico-hiporresponsivo) dentro das primeiras 48 horas; temperatura de 40,5°C ou mais dentro de 48 horas, sem outra causa aparente – todas essas reações não contraindicam doses posteriores de qualquer das vacinas, mas a decisão de administrar doses adicionais deve ser considerada cuidadosamente, utilizando-se preferencialmente a DTPa. A repetição dessas reações pode justificar a interrupção da imunização contra a coqueluche. 99

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Doses, via e esquema. Doses de 0,5 mL, IM. São administradas aos 2, 4, 6 meses, aos 15 meses e entre 4 e 6 anos de idade. O MS utiliza a vacina tetravalente (DTP combinada com Hib) somente nas primeiras três doses. Caso sejam iniciadas após o primeiro ano de vida, administrar três doses com intervalo de um mês entre elas; a quarta dose, seis meses após a terceira, e a quinta, entre 4 e 6 anos de idade. Se a quarta dose for administrada após os 4 anos de idade, não é necessário aplicar a quinta. O MS preconiza que pessoas com neoplasia sólida, leucemia, linfoma de Hodgkin e não Hodgkin e anemia aplástica grave completem o esquema vacinal até 14 dias antes do início de terapia imunossupressora, ou o reiniciem após três meses do término desta, utilizando-se, de preferência, a DTPa naqueles < 7 anos. Nos pacientes HIV-positivo e no primeiro ano após TCTH, caso ocorra ferimento suspeito, está recomendada a administração de IG humana contra o tétano (TIG), independentemente de vacinação anterior. Para a profilaxia do tétano no manejo de ferimentos, ver a Tab. 9.3.

Observações. Se a administração da vacina contra a coqueluche é adiada temporariamente no primeiro ano de vida, não há necessidade de administrar a vacina antidiftérica e antitetânica, pois o risco de adquirir essas doenças, nessa faixa etária, é remoto. Posteriormente, quando a criança começar a caminhar, deve-se reavaliar a causa do adiamento e, se persistir a contraindicação, imunizar com DT.

VACINA TRÍPLICE BACTERIANA CONTRA DIFTERIA, TÉTANO E COQUELUCHE ACELULAR PARA USO EM ADOLESCENTES E ADULTOS (DTPA); VACINA CONTRA DIFTERIA E TÉTANO (DT) DO TIPO ADULTO

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Composição. dTpa: cada dose contém, no mínimo, 20 UI de toxoide tetânico, 2 UI de toxoide diftérico, fração pertússis com 3 componentes altamente purificados e adsorvidos em fosfato de alumínio, 2-fenoxietano, formaldeído, polissorbato 80, cloreto de sódio e água para injeção. dT: cada dose contém não menos que 20 UI de toxoide tetânico e 2 UI de toxoide diftérico purificados, hidróxido de alumínio, timerosal e solução fisiológica. Uso e eficácia. Vacina contra o tétano: três doses conferem proteção na maioria das pessoas por, no mínimo, 10 anos. Eficácia da vacina contra a difteria: existem apenas evidências epidemiológicas mostrando a eficácia da vacina. Vacina contra a coqueluche: é relatada uma eficácia de 85% em adolescentes e adultos após uma dose da vacina dTpa. Indicações. Tanto a dT quanto a dTpa podem ser utilizadas para a vacinação de pessoas não imunizadas, ou parcialmente imunizadas, e para reforços. A dT é recomendada para uso a partir dos 7 anos. A dTpa é recomendada para o reforço de adolescentes e para adultos, de 10-64 anos de idade, quando pode ser utilizada em lugar de uma das doses de reforço da dT. Na profilaxia do tétano, no manejo de ferimentos, ambas as vacinas podem ser utilizadas (Tab. 9.3). Segundo o CDC, a dTpa está particularmente recomendada para adultos que têm ou terão contato com crianças menores de 12 meses de idade, para profissionais da área da saúde em contato com pacientes e, quando possível, para mulheres que planejam engravidar. Quando não administrada antes de engravidar, vacinar no período pós-parto, antes da alta. A dT é a única vacina indicada para gestantes que necessitarem ser imunizadas contra o tétano. Embora o CDC não contraindique o uso da dTpa durante a gestação, ainda não a indica como vacina de rotina nessa situação. Até o momento, não há estudos liberando o uso da dTpa para adolescentes e adultos após transplantes, mas seus contatos devem recebêla para minimizar a possibilidade de transmissão de coqueluche para o paciente. Doses, via e esquema. Doses de 0,5 mL, IM, no deltoide. dT: em pessoas não vacinadas, administrar três doses a partir dos 7 anos de idade. Os intervalos entre as doses variam conforme a referência: o MS recomenda o esquema 0, 2 e 4 meses, e o CDC, 0, 2 e 8 meses. Pessoas com vacinação incompleta não necessitam reiniciar o esquema, apenas completá-lo. Está recomendada uma dose de 100

Eventos adversos. Dor, edema e eritema são as reações mais frequentes; linfadenopatia e febre podem estar associadas à reação local importante. Se aplicada por via subcutânea, pode ocorrer abscesso estéril. Febre, cefaleia e mal-estar são pouco frequentes. Doença do soro, neuropatia periférica, neurite braquial, convulsões, reação local tipo Arthus, síndrome de Guillain-Barré e reação anafilática ocorrem muito raramente. Neuropatia periférica e reação local grave estão relacionadas a doses repetidas. Contraindicações. Reações anafiláticas ou alérgicas aos componentes das vacinas, neuropatia periférica e síndrome de Guillain-Barré após vacinação anterior contraindicam o uso da vacina (usar TIG se o estado vacinal for desconhecido e a ferida for suspeita). Precaução: respeitar o intervalo de 10 anos entre as doses de reforço naqueles que apresentaram reação local grave. Observações. Segundo o CDC, a substituição de uma dose de dT, dos reforços, por dTpa reduz a morbidade associada à pertússis em adultos e pode reduzir a transmissão de pertússis a pessoas com risco aumentado para a doença e suas complicações, como, por exemplo, os lactentes.

VACINA CONTRA O HAEMOPHILUS INFLUENZAE TIPO B (HIB) Composição. PRP-T: contém o polissacarídeo capsular do Hib conjugado à proteína tetânica, fenoxietanol, sacarose ou lactose e NaCl. Existem vacinas com outras composições que nem sempre estão disponíveis comercialmente no Brasil: vacina 101

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

reforço a cada 10 anos, antecipada para cinco anos em caso de gravidez ou ferimento suspeito de causar tétano (Tab. 9.3). Na gravidez, a vacinação está recomendada a partir da primeira consulta do pré-natal, segundo o MS, ou a partir do segundo trimestre de gestação, segundo o CDC, e, no máximo, até 15 dias antes da data provável do parto, para possibilitar uma adequada proteção para o RN. As gestantes que receberam o esquema completo há mais de cinco anos, com no mínimo três doses do componente tetânico, devem receber somente uma dose de reforço. Mulheres grávidas não vacinadas previamente devem receber três doses, duas durante a gestação, com 4-8 semanas de intervalo entre elas, e a terceira após o parto. Se parcialmente vacinadas previamente, com uma ou duas doses, independentemente do tempo transcorrido, devem apenas completar o esquema de três doses. Nos pacientes HIV-positivo e no primeiro ano após TCTH, caso ocorra ferimento suspeito, está recomendada a utilização da TIG, independentemente de vacinação anterior. Para profilaxia do tétano no manejo de ferimentos, ver Tab. 9.3. dTpa: o CDC indica o primeiro reforço após a infância, no início da adolescência (11-12 anos), com a vacina dTpa, e reforços posteriores com a dT de 10 em 10 anos. Em um deles é recomendada a utilização de dTpa em substituição à dT. Adolescentes e adultos não vacinados (até os 64 anos de idade) devem receber um esquema de três doses. A primeira, preferencialmente, na forma de dTpa, e as outras, de dT. A dTpa, até o momento, não está liberada para uso em imunodeprimidos.

conjugada à proteína diftérica (HBOC) e vacina conjugada à proteína meningocócica (PRP-OMP).

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Uso e eficácia. Prevenção das doenças causadas pelo Hib, principalmente as invasivas. Eficácia de 93-100%. Apresenta impacto epidemiológico importante, pois diminui o estado de portador por inibição da colonização, reduzindo a transmissão. Indicações. Indicada para crianças de 2-59 meses. O MS preconiza a vacina contra o Hib para transplantados de medula óssea de qualquer idade e para pessoas < 19 anos com (1) doença cardíaca ou pulmonar crônica, (2) imunodepressão, (3) asplenia, (4) hemoglobinopatias, (5) esplenectomia programada, (6) infecção pelo HIV, (7) diabete, (8) doença renal crônica, (9) trissomias e doenças de depósito e (10) fístula liquórica. Segundo o CDC, não existem dados na literatura evidenciando o benefício de doses adicionais de vacina contra o Hib para crianças completamente vacinadas, inclusive com dose de reforço, e portadoras de asplenia, hipoesplenia, que tenham recebido tratamento quimioterápico, que tenham deficiência de IgG2 ou que sejam HIV-positivo. Aquelas que serão submetidas à esplenectomia por doença de Hodgkin, esferocitose, trombocitopenia autoimune ou hiperesplenismo podem se beneficiar de uma dose extra da vacina, no mínimo 7-10 dias antes da cirurgia. Ainda segundo o CDC, não existem dados de eficácia que apoiem a recomendação da vacina para pessoas > 5 anos de idade com doenças crônicas que predisponham a infecções pelo Hib, mas alguns estudos sugerem boa imunogenicidade em pacientes com anemia falciforme, leucemia, infecção pelo HIV e esplenectomizados. Portanto, a administração da vacina, para esses pacientes, não está contraindicada. Doses, via e esquema. Dose de 0,5 mL, IM. Iniciando o esquema vacinal entre 2 e 6 meses de idade, administrar três doses, com intervalos de dois meses entre elas. Caso inicie entre 7 e 11 meses, aplicar duas doses, com intervalo de dois meses. Nessas duas situações, administrar uma dose de reforço entre 12 e 15 meses de idade. Iniciando a vacinação entre 12-14 meses, administrar duas doses com intervalo de, pelo menos, dois meses entre elas; caso inicie entre 15 e 59 meses, aplicar uma única dose. O MS preconiza o esquema de três doses (2, 4 e 6 meses, com a vacina tetra), no primeiro ano de vida, sem a dose de reforço. Atualmente está sendo questionada a não aplicação do reforço, já que ocorreram casos de meningites por Hib em países que utilizaram o esquema vacinal semelhante ao do Brasil. A American Academy of Pediatrics (AAP) recomenda esse reforço entre 12 e 15 meses. A SBP preconiza que, se for utilizada uma vacina combinada que contenha DTPa e Hib no esquema básico, deve ser aplicada uma quarta dose da Hib aos 15 meses de vida. O MS recomenda a vacina, naqueles não vacinados previamente, para (1) pessoas entre 5 e 19 anos com doença cardíaca ou pulmonar crônica, em dose única, e (2) pessoas < 19 anos, imunocomprometidas, asplênicas, com hemoglobinopatias, antes de esplenectomia eletiva, ou com infecção assintomática

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pelo HIV, em duas doses, com intervalo de dois meses. Também recomenda para transplantados de medula óssea de qualquer idade, independentemente de vacinação prévia, aos 12, 14, 16 e 24 meses após o transplante. Todas as crianças que sejam contato de pessoas pós-TCTH devem estar adequadamente vacinadas contra o Hib. Eventos adversos. Podem ocorrer dor local, rubor, edema, febre, irritabilidade e sonolência. Mais raramente, vômito, diarreia e perda de apetite. Anafilaxia é extremamente rara. Contraindicações. Hipersensibilidade a algum dos componentes da vacina, principalmente à proteína tetânica, quando for utilizada a vacina PRP-T. Observações. Crianças menores de 2 anos de idade que apresentam doenças invasivas causadas por Hib não desenvolvem imunidade e devem ser vacinadas. Crianças vacinadas que desenvolvem doenças invasivas devem ser avaliadas quanto à sua situação imunológica.

Composição. A PCV-7 é conjugada com 20 µg da proteína diftérica CRM197 e contém sacarídeo dos sorotipos 4, 6B, 9V, 14, 18C, 19F e 23F, fosfato de alumínio, cloreto de sódio e água para injeção. Não contém conservantes. A PPV-23 contém polissacarídeo capsular de 23 sorotipos de pneumococos (1, 2, 3, 4, 5, 6B, 7F, 8, 9N, 9V, 10A, 11A, 12F, 14, 15B, 17F, 18C, 19A, 20, 22F, 23F e 33F), fenoxietanol ou timerosal e solução isotônica salina. Uso e eficácia. Prevenção de doenças causadas pelo pneumococo. PCV-7: protege contra infecções causadas pelos 7 sorotipos constantes na vacina, responsáveis por 73% das infecções pneumocócicas do nosso meio. É relatada uma eficácia de 89-97% para doenças invasivas (meningite e bacteremia), de até 70% para pneumonia e de 6-56% para otites causadas pelos pneumococos presentes na vacina. Por ser uma vacina conjugada, pode ser utilizada já a partir dos 2 meses de idade. Dos 7 sorotipos presentes, 6 são os mais frequentemente relatados como resistentes à penicilina. Além disso, a vacina possui impacto epidemiológico importante, pois diminui o estado de portador do pneumococo pela inibição da colonização, reduzindo, assim, a transmissão e a ocorrência da doença, principalmente em adultos jovens e idosos. PPV-23: protege contra infecções causadas pelos 23 sorotipos de pneumococos constantes na vacina, responsáveis por 8590% das infecções pneumocócicas invasivas (meningite e bacteremia) ocorridas em adultos e crianças. Eficácia de 56-81%, dependendo da idade e das condições de saúde da pessoa. Idosos, pacientes com diabete, cirróticos, imunodeprimidos, entre outros, têm resposta diminuída. O papel protetor da PPV-23 em outros tipos de infecções pneumocócicas (pneumonias, otites e sinusites) ainda não está totalmente esclarecido. Não é eficaz antes dos 2 anos de idade.

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IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

VACINAS CONTRA O PNEUMOCOCO

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Indicações. A PCV-7 é indicada, pelo CDC, para todas as crianças de 2-23 meses de idade, e para aquelas entre 24 e 59 meses que estão em risco de doença pneumocócica. A SBP recomenda a vacina aos 2, 4, 6 e 15 meses. O CRIE disponibiliza a vacina PCV-7 até os 59 meses de idade, e a PPV-23 a partir dos 24 meses de idade, para pessoas (1) HIV-positivo/AIDS, (2) imunodeprimidas, (3) com asplenia congênita ou adquirida, (4) transplantadas de órgãos sólidos e medula óssea, (5) com hemoglobinopatias, (6) com doença pulmonar crônica, inclusive asma grave com uso de corticoide em dose imunossupressora, (7) com cardiopatia, hepatopatia e nefropatia crônicas (inclusive síndrome nefrótica), (8) com diabete melito, (9) com fístula liquórica, (10) com doença neurológica crônica incapacitante, (11) com doenças de depósito, (12) com trissomia, (13) com implante de cóclea e (14) crianças menores de 1 ano de idade nascidas com menos de 35 semanas de gestação e submetidas à assistência respiratória. Segundo o CDC, as crianças, de 24-59 meses que estão em creches também são consideradas de risco e devem receber a PCV-7. Além das indicações supracitadas, o CDC recomenda a PPV-23 na presença de alcoolismo e para pessoas que residam em locais com risco de epidemias de infecção pneumocócica (casas de saúde, asilos, etc.). O MS disponibiliza a PPV-23 para pessoas a partir dos 60 anos, hospitalizadas e institucionalizadas durante a Campanha Nacional de Vacinação do idosos. Doses, via e esquema. PCV-7: dose de 0,5 mL, administrada por via IM a partir dos 2 meses de idade. Se o esquema da PCV-7 for iniciado entre 2 e 6 meses de idade, aplicar três doses com 6-8 semanas de intervalo. Caso seja iniciado entre 7 e 11 meses, aplicar duas doses com 6-8 semanas de intervalo. Nessas duas situações, administrar uma dose de reforço entre 12 e 15 meses de idade. Iniciando entre 12 e 23 meses, aplicar duas doses com 6-8 semanas de intervalo, e, se iniciar entre 24 e 59 meses, administrar uma única dose se a criança for hígida, e duas doses com dois meses de intervalo em caso de doença crônica ou imunodepressão. PPV-23: dose de 0,5 mL, via IM ou SC, administrada como rotina a partir dos 65 anos e em situações especiais a partir dos 2 anos de idade. A pessoa hígida que recebeu uma dose da PPV-23 com menos de 65 anos deve receber uma segunda dose após os 65 anos, respeitando um intervalo mínimo de cinco anos entre essas duas doses. Adultos imunocompetentes, com 65 anos ou mais, recebem uma única dose. Pessoas com alto risco de adquirir infecção pneumocócica recebem as duas vacinas, PCV-7 e PPV-23. Esquemas: < 24 meses recebem a vacina PCV-7 conforme a rotina para a idade e a PPV-23 ao completar 24 meses. Dos 24-59 meses de idade recebem as duas vacinas, PCV-7 e PPV-23, conforme o seguinte esquema: (1) caso tenham recebido quatro doses de PCV7 previamente, administrar uma dose de PPV-23 aos 24 meses, pelo menos 6-8 semanas após a última PCV-7; (2) se receberam 1-3 doses de PCV-7 anteriormente, administrar uma PCV-7 e uma PPV-23 após 6-8 semanas; (3) se receberam uma dose de PPV-23, administrar, no mínimo, 6-8 semanas após, duas doses de PCV-7 com 6-8 semanas de intervalo; (4) se não receberam nenhuma vacina pneumocócica anteriormente, recebem duas doses de PCV-7, com 6-8 semanas de intervalo, e uma dose de PPV-23, 6-8 semanas após. Crianças a partir dos 5 anos, adolescentes e adultos recebem uma dose da PPV-23. Todos devem receber 104

uma dose de reforço de PPV-23: caso a primeira dose tenha sido aplicada antes dos 10 anos de idade, essa revacinação é realizada após 3-5 anos; se foi aplicada após os 10 anos de idade, a revacinação deve ocorrer após cinco anos. Eventos adversos. PCV-7: as reações mais comuns são locais, como dor, edema e eritema. Também podem ocorrer febre, vômitos, diarreia, irritabilidade e distúrbio de sono. Todas as reações são transitórias. PPV-23: dor, edema, eritema, febre, mialgias, cansaço e exantema podem ocorrer e são mais frequentes em pessoas que recebem uma segunda dose com intervalos menores do que quatro anos. Anafilaxia é extremamente rara. Contraindicação. PCV-7: é contraindicada para pacientes hipersensíveis a qualquer componente da vacina, incluindo o toxoide diftérico. PPV-23: alergia importante a algum componente da vacina contraindica seu uso. Observações. Existe uma grande confusão em relação à revacinação com a PPV23. Quando o reforço está indicado, ele é administrado uma única vez.

Composição. Vacina meningocócica do grupo C conjugada com a proteína diftérica – CRM 197: contém 10 µg do oligossacarídeo meningocócico do grupo C conjugados com aproximadamente 15 µg de proteína CRM 197 do Corynebacterium diphtheriae e fosfato de alumínio, NaCl e água para injeção. Vacina meningocócica do grupo C conjugada com o toxoide tetânico (TT): contém o polissacarídeo meningocócico do grupo C 10 mg, 10-20 µg do toxoide tetânico, hidróxido de alumínio, NaCl e água para injeção. Nenhuma delas contém conservantes. Vacina meningocócica A/C: polissacarídeo capsular purificado da Neisseria meningitidis do grupo A e do grupo C, lactose, fosfato dibásico de sódio, fosfato monobásico de sódio, NaCl e água para injeção. Uso e eficácia. Prevenção da doença meningocócica causada pelo tipo C. A eficácia da vacina conjugada do grupo C é de até 100%. É imunogênica a partir dos 2 meses de idade e induz a formação de memória imunológica. Na vacina polissacarídica, o componente A é imunogênico acima de 3 meses de idade, por pelo menos um ano, com eficácia de 95%. Já em relação ao componente C, a vacina polissacarídica somente é imunogênica em crianças acima de 2 anos de idade, por 3-5 anos, com eficácia de 85-100%. Indicações. A vacina meningocócica conjugada C é indicada como rotina a partir dos 3 meses de idade pela SBP. Já pelo MS, é indicada para pessoas com asplenia congênita ou adquirida (anemia falciforme, talassemia e esplenectomizados), imunodeficiências congênitas (deficiências do complemento e agamaglobulinemia), doenças de depósito, para aqueles que realizaram transplante de medula óssea e implante de cóclea, e para menores de 13 anos com HIV/AIDS. Se a vacina conjugada não estiver disponível, utilizar a vacina polissacarídica. As 105

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

VACINA CONTRA O MENINGOCOCO C

vacinas polissacarídicas não são recomendadas como vacinas de rotina e são utilizadas em situações de surto, para viajantes com destino a áreas de risco (p. ex., África na região subsaariana) e para pessoas expostas a Neisseria meningitidis (laboratoristas, pesquisadores, etc.). Nos EUA são utilizadas as vacinas meningocócicas quádruplas (grupos A/C/Y/W135), tanto conjugadas quanto polissacarídicas, não disponíveis no Brasil.

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Doses, via e esquema. Vacina menigocócica conjugada C: doses de 0,5 mL, aplicadas via IM. As vacinas conjugadas com o toxoide tetânico ou com a proteína diftérica são aplicadas em duas doses na faixa etária de 2-12 meses, com dois meses de intervalo entre elas e uma dose de reforço, com qualquer delas, entre 12 e 18 meses de idade. A partir de 1 ano de idade são administradas em dose única. Em caso de esplenectomia eletiva, a vacina deve ser aplicada pelo menos 14 dias antes da cirurgia. Os pacientes com diagnóstico de doença de Hodgkin, independentemente de esplenectomia, devem ser vacinados 10-14 dias antes do início do tratamento. Vacina meningocócica polissacarídica A/C: doses de 0,5 mL, SC ou IM. Em crianças com 3-18 meses de idade, aplicar duas doses com intervalo de três meses entre elas. Nas maiores de 2 anos, dose única. Se persistir o risco, reforços a cada 2-3 anos naquelas que receberam a vacina polissacarídica pela primeira vez com menos de 4 anos e, se foi acima dessa idade, reforços a cada 3-5 anos. Nos adultos, se estiver sendo utilizada a vacina polissacarídica, repete-se a cada cinco anos. Eventos adversos. As vacinas conjugadas têm um baixo índice de eventos adversos, mas podem ocorrer hiperemia e dor no local da aplicação, febre leve a moderada, irritabilidade e, em raros casos, vômitos e diarreia. Após a vacina meningocócica polissacarídica A/C podem ocorrer dor local, eritema, febre, irritabilidade e fadiga. Contraindicações. As vacinas meningocócicas são contraindicadas para quem apresenta hipersensibilidade a qualquer componente da vacina. Observações. Estudos recentes demonstraram a necessidade de ser realizada uma dose de reforço após 1 ano de idade para crianças que receberam a vacina no primeiro ano de vida.

VACINA CONTRA A INFLUENZA (GRIPE) Composição. Cepas de vírus influenza, fracionados e inativados, duas do tipo A e uma do tipo B. A composição é revisada e modificada semestralmente pela OMS, em função da prevalência mundial do vírus, com uma recomendação para o hemisfério norte e outra para o sul. São desenvolvidas em ovos de galinha embrionados, portanto podem conter proteínas de ovo. Contêm, além disso, fenoxietanol e traços de neomicina ou gentamicina, dependendo do laboratório fabricante. Alguns fabricantes ainda mantêm o timerosal na composição da vacina.

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Uso e eficácia. Prevenção da gripe. Eficácia de 45-90%, dependendo da idade e das condições de saúde do vacinado. Idosos e imunodeprimidos têm resposta menor, mas, apesar disso, a indicação é reforçada pela maior morbimortalidade nesses casos.

Doses, via e esquema. Aplicada anualmente, via IM, de preferência no outono. As gestantes devem ser vacinadas antes da estação de gripe, de preferência a partir do segundo trimestre da gestação. Se a gestante for portadora de alguma condição de risco, vacinar a partir do primeiro trimestre. O MS preconiza iniciar a vacinação três meses após o término de terapia imunossupressora, três meses após TOS e um ano após TCTH. O CDC recomenda vacinar mesmo em vigência de quimioterapia ou radioterapia, mas salienta que a vacina deve ser repetida após três meses do término da terapia, já que a resposta de anticorpos pode ser subótima antes desse período. O CDC recomenda reiniciar a vacinação contra o vírus influenza seis meses após o TCTH. O esquema vacinal contra a influenza na infância depende da idade e do uso prévio da vacina (Tab. 9.8).

Tabela 9.8 GUIA PARA O USO DA VACINA DA GRIPE Idade

Dose

Nº de doses

Intervalo

Via

6-35 meses 3-8 anos 9 anos ou mais

0,25 mL 0,5 mL 0,5 mL

1-2* 1-2* 1

1 mês 1 mês –

IM IM IM

Fonte: Modificada de AAP, 2006. *Obs.: São aplicadas duas doses somente no primeiro ano em que a criança é vacinada. No caso de vacinação incompleta no primeiro ano de aplicação, aplicar, no ano seguinte, duas doses.

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IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Indicações. É indicada pela SBP, anualmente, para crianças saudáveis de 6-24 meses de idade, e pelo CDC, dos 6-59 meses de idade. O CDC também recomenda para contatos de crianças saudáveis de 0-59 meses de idade, pessoas com mais de 50 anos e gestantes, pela maior incidência de hospitalizações causadas pelo vírus influenza nesses grupos. Além disso, indica como uso opcional para pessoas saudáveis com o objetivo de diminuir o risco de contrair gripe. É recomendada pelo MS e CDC, a partir dos 6 meses de idade, para portadores de doenças crônicas, especialmente imunodeprimidos, pneumopatas, cardiopatas, nefropatas, hepatopatas, asplênicos, neuropatas com doença incapacitante, usuários crônicos de ácido acetilsalicílico, doadores e receptores de órgãos sólidos e de medula óssea, pessoas que realizaram implante de cóclea, comunicantes domiciliares de imunodeprimidos e trabalhadores da área da saúde.

Eventos adversos. Reações locais, febre, mialgias, cefaleia, sonolência ou sensação de cansaço podem ocorrer nas primeiras 48 horas. Síndrome de GuillainBarré foi temporalmente relacionada à vacina, mas a relação causal é questionada. Anafilaxia é extremamente rara. Contraindicações. Reação anafilática à proteína do ovo de galinha e à neomicina contraindicam o uso da vacina, assim como história anterior de síndrome de GuillainBarré ou outras doenças neurológicas relacionadas à dose prévia. Observações. A idade preconizada pelo MS para o uso da vacina contra o vírus influenza na Campanha Nacional de Vacinação do Idoso é a partir dos 60 anos.

VACINA CONTRA A FEBRE AMARELA

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Composição. Após diluição, cada dose contém, no mínimo, 1.000 LD50 (dose letal em camundongo) ou o equivalente em UFP (unidades formadoras de placas) de vírus vivos atenuados da febre amarela da cepa 17D, cultivada em ovos embrionados. Contém ainda sacarose, glutamato de sódio, sorbitol, gelatina bovina hidrolisada, eritromicina e canamicina. Uso e eficácia. Prevenção da febre amarela. A soroconversão ocorre em 90% dos vacinados a partir do 10o dia após a aplicação, e em 99% após 30 dias, durando, no mínimo, 10 anos. Indicações. Pela Portaria no 1.602 do MS, de 17 de julho de 2006, a vacina contra a febre amarela está indicada para pessoas a partir dos 9 meses de idade que residam ou que irão viajar para áreas endêmicas, de transição e de risco potencial, no Brasil ou no exterior. Informações atualizadas sobre essa doença no Rio Grande do Sul, no Brasil e no mundo podem ser encontradas nos sites listados no final do capítulo. A Portaria 1.986 do MS, de 25 de outubro de 2001, adota a vacinação obrigatória para trabalhadores de áreas de risco (portuárias, aeroportuárias, etc.) e exige o certificado internacional de vacinação válido para os viajantes que chegam de países com transmissão de febre amarela. A eficácia e a segurança da vacina para os portadores do HIV não está estabelecida. O MS recomenda o uso da vacina levando em consideração o estado imunológico da pessoa e o grau de risco de exposição à doença de acordo com a região do país. No imunodeprimido grave, independentemente do risco de exposição, a vacina é contraindicada. A decisão de administrá-la em imunodeprimidos e em outras situações especiais deve ser tomada em bases individuais, pesando riscos e benefícios e considerando outros métodos de proteção. A maioria dos países que solicita a realização da vacina aceita documento oficial com justificativa médica para o não recebimento dela. Não existem dados sobre o uso da vacina após TCTH. Doses, via e esquema. Dose única de 0,5 mL, SC. Vacinar 10 dias antes da possibilidade de contato (viagem). Reforços a cada 10 anos se houver risco de exposição.

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Eventos adversos. Podem ocorrer febre, mal-estar, cefaleia e dor muscular 5-10 dias após a vacinação, por 1-2 dias. Reações de hipersensibilidade imediata com erupção cutânea e urticária são raras e ocorrem principalmente em pessoas com histórico de alergia a ovo ou gelatina. É extremamente rara a ocorrência de eventos adversos graves como encefalite pós-vacinal e insuficiência de múltiplos órgãos, quadro denominado doença viscerotrópica associada à vacina contra a febre amarela. Contraindicações. A vacina é contraindicada para crianças menores de 6 meses (risco aumentado de encefalite) e para pessoas com alergia grave a ovo. É contraindicada na gestação e para pessoas imunodeprimidas, exceto se houver alto risco de transmissão e se o estado clínico do paciente permitir. Considerar outros métodos de proteção. Precauções: a vacina não está recomendada entre 6 e 8 meses de idade, exceto durante epidemias. Observações. Em vista das frequentes alterações das regiões/municípios onde está indicada a vacinação, sugerimos o acesso ao site do Ministério da Saúde (www.saude.gov.br), que traz informações sobre vacinas para viajantes.

Composição. As vacinas tríplices virais contêm vírus vivos atenuados das seguintes cepas: Schwars ou Edmonston-linhagem Enders do sarampo, Wistar RA 27/3 da rubéola e RIT 4385-derivada da cepa Jeryl Lynn, Urabe AM9 ou Jeryl Lynn-nível B da caxumba. As cepas do sarampo e da caxumba são cultivadas em células de embrião de galinha. A composição varia de acordo com o laboratório produtor. As vacinas dos diferentes produtores podem conter proteínas de ovo, aminoácidos, albumina humana, lactose, manitol, neomicina, sorbitol e gelatina hidrolisada, e é utilizada água estéril como diluente. Uso e eficácia. Utilizadas para a prevenção do sarampo, da caxumba e da rubéola. A eficácia, quando administradas duas doses após 1 ano de idade e com intervalo mínimo de um mês entre elas, é superior a 99% para as três doenças. Indicações. Indicadas para todas as crianças a partir de 1 ano de idade. Também indicadas para adolescentes e adultos não imunizados ou sem evidência médicolaboratorial de imunidade para as três doenças. Recomendadas em controle de epidemias de sarampo. Em todas as situações expostas e em crianças maiores de 1 ano, utilizar, preferencialmente, a vacina tríplice viral. Em situação de surto de sarampo, pode-se aplicar a vacina a partir dos 6 meses de idade, embora, nessa faixa etária, os anticorpos maternos possam interferir na resposta imune à vacina. Pessoas já vacinadas com duas doses não precisam receber doses adicionais. Os pacientes HIV-positivo sem imunodepressão, ou com imunodepressão leve a moderada (categorias 1 e 2 do CDC), podem receber a vacina tríplice viral ou seus componentes (sarampo, caxumba e rubéola). Após o TCTH, a vacina tríplice

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IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

VACINA TRÍPLICE VIRAL CONTRA SARAMPO, CAXUMBA E RUBÉOLA

viral ou seus componentes (sarampo, caxumba e rubéola) estão indicados para pacientes imunocompetentes e sem GVHD. Doses, via e esquema. Dose de 0,5 mL, preferencialmente SC, aplicada no braço esquerdo por convenção. O MS recomenda a primeira dose com 1 ano de idade, e a segunda entre 4 e 6 anos. Essa segunda dose pode ser administrada quatro semanas após a primeira, em caso de necessidade. Aqueles que não receberam a segunda dose na idade recomendada devem ser vacinados no início da adolescência ou em qualquer idade. No adulto, a vacina é administrada em dose única se o objetivo é imunizar contra a rubéola ou a caxumba. Já em relação ao sarampo, são considerados imunes aqueles que receberam duas doses da vacina, após 1 ano de idade, com um intervalo mínimo de um mês entre elas. Os pacientes HIV-positivo, categorias 1 e 2 do CDC, devem receber duas doses da vacina com intervalo mínimo de um mês. Em caso de terapia imunossupressora, aguardar três meses após a sua suspensão para utilizar a vacina, ou vacinar duas semanas antes do seu início.

IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Eventos adversos. Podem ocorrer febre, rash transitório, encefalite, encefalopatia, panencefalite esclerosante subaguda, linfadenopatias, artrites, artralgias, trombocitopenia, neurite periférica transitória, surdez, parotidite, orquite e convulsões febris. Reações alérgicas, atribuídas à proteína do ovo e aos traços de neomicina são raras. Contraindicações. A vacina está contraindicada para gestantes e pessoas que apresentam reação anafilática com uso de neomicina e portadores de imunodepressão. Já as dermatites de contato com neomicina e reações de hipersensibilidade (mesmo choque anafilático) ao ingerir ovo de galinha não são contraindicações para vacinação, mas sugerem precauções. Nos pacientes HIV-positivo, a vacina está contraindicada na presença de imunossupressão grave (categoria 3 do CDC). Observações. A vacinação de pessoas já imunizadas, por causa da doença ou por vacina, não está associada ao aumento de eventos adversos.

VACINA CONTRA A VARICELA Composição. As vacinas dos diferentes laboratórios contêm 1.000 UFP ou mais de vírus vivo atenuado da varicela da cepa OKA, neomicina, canamicina ou eritromicina, sacarose, gelatina, glutamato de sódio, cloreto de sódio ou de potássio, fosfato de sódio, fosfato de potássio e água para injeção. Também podem conter lactose, aminoácidos e albumina humana. Uso e eficácia. Prevenção da varicela. Na pré-exposição, foi verificado que, em criança, na faixa etária de 1-12 anos, a vacina previne infecção leve em 70-85% e quadros moderados ou graves em 99%. A partir dos 13 anos de idade, a resposta imune ocorreu em 78% das pessoas que receberam uma dose da vacina e em 99% dos que receberam uma segunda dose. Na pós-exposição, a eficácia 110

Indicações. Pré-exposição: indicada pela SBP para todas as crianças a partir dos 12 meses de idade e para todos os adolescentes suscetíveis. A vacinação de adultos suscetíveis é encorajada, principalmente daqueles com alto risco de exposição, como profissionais da área da saúde, pessoas em contato com crianças pequenas e mulheres em idade fértil. Essa vacina não faz parte do calendário de rotina do MS, porém o CRIE a disponibiliza para suscetíveis nas seguintes situações: (1) leucemia linfocítica aguda e tumores sólidos em remissão (pelo menos 12 meses), desde que apresentem, no mínimo, 700 linfócitos/mm3 e > 100.000 plaquetas/mm3, sem radioterapia; caso estejam em quimioterapia, suspendê-la sete dias antes e sete dias depois da vacinação; (2) doadores e candidatos a transplante de órgãos sólidos; (3) doadores de medula óssea; (4) transplantados de medula óssea, imunocompetentes e sem GVHD, em protocolos de pesquisa, após dois anos do transplante; (5) pessoas que serão submetidas à quimioterapia, em protocolos de pesquisa; (6) pessoas e familiares em convívio domiciliar ou hospitalar com pacientes imunodeprimidos; (7) pessoas com nefropatias crônicas e (8) síndrome nefrótica, em uso de doses baixas de corticoide ou com corticoide suspenso duas semanas antes da vacinação; (9) infectados pelo HIV sem imunossupressão (categorias A1 e N1 do CDC); (10) pessoas com doenças dermatológicas crônicas graves; (11) pessoas em uso crônico de AAS; (12) pessoas com asplenia anatômica ou funcional; (13) portadores de trissomias, e (14) profissionais de saúde. Na pós-exposição, a vacina está recomendada para pessoas imunocompetentes, aplicando-se o mais cedo possível após o contato, dentro dos primeiros 3-5 dias. Nessa situação, o MS somente disponibiliza a vacina para pessoas imunocompetentes comunicantes de casos em enfermarias. Em relação ao HIV, o CDC ampliou a recomendação da vacina também para crianças e adolescentes com moderada imunossupressão (categorias N, A ou B com CD4+ ≥ 15). Após o TCTH, o CDC recomenda vacinar os contatos hospitalares e domiciliares suscetíveis e também avaliar a suscetibilidade do paciente à doença e o risco de aquisição desta. Se a decisão for pela vacina, ela deve ser administrada no mínimo 24 meses após o transplante, e o paciente deve estar imunocompetente. Doses, via e esquema. Dose de 0,5 mL, SC. A SBP e o CDC recomendam a primeira dose com 1 ano de idade e uma segunda dose entre 4 e 6 anos. O CDC também recomenda que crianças, adolescentes e adultos que receberam apenas uma dose recebam a segunda com um intervalo mínimo de três meses após a primeira. Em caso de necessidade, um intervalo mínimo de 28 dias também é aceitável. O CRIE disponibiliza, nas situações descritas no item “Indicações”, uma dose da vacina para os menores de 13 anos e duas doses posteriormente. A exceção é o paciente HIV-positivo, nas categorias A1 e N1 do CDC, que, independentemente da idade, recebe duas doses da vacina, com intervalo mínimo de três meses. Eventos adversos. As reações mais frequentes são dor, edema, eritema, febre e rash variceliforme (5-26 dias após a imunização). Raramente ocorrem herpes111

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é de até 80%, desde que a vacina seja aplicada dentro dos primeiros 3-5 dias do contato.

-zóster, encefalite, ataxia, eritema multiforme, síndrome de Stevens-Johnson, trombocitopenia, convulsão e neuropatia. Contraindicações. Alergia severa a algum componente da vacina, doença ou terapia imunossupressora e gestação. A vacina está contraindicada em pacientes pós-TCTH, a não ser em protocolos de pesquisa, após 24 meses do transplante, em imunocompetentes sem GVHD. Precaução: em crianças em terapia com salicilato, pesar o risco teórico do desenvolvimento da síndrome de Reye na associação dessa medicação com o vírus da varicela. Observações. A vacina quádrupla viral (sarampo, rubéola, caxumba e varicela), já licenciada pelo Food and Drug Administration (FDA) para uso dos 12 meses aos 12 anos, é recomendada em duas doses, no mesmo esquema utilizado para a vacina tríplice viral.

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VACINA CONTRA A HEPATITE A Composição. As vacinas contêm uma suspensão de vírus da hepatite A inativados com formaldeído. Não há um padrão de referência internacional, então o conteúdo de antígeno é expresso de acordo com a referência do próprio laboratório. Doses pediátricas/adolescentes de 0,5 mL com 25 U, 80 U ou 720 U.EL; doses para adultos de 0,5 mL com 160 U e de 1 mL com 50 U ou 1.440 U.EL. Podem conter hidróxido de alumínio, borato de sódio, NaCl, 2-fenoxietanol, polissorbato 20, suplemento de aminoácidos, fosfato dissódico, fosfato monopotássico, KCl, formaldeído, traços de neomicina e água para injeção. Uso e eficácia. Níveis de anticorpos contra o vírus da hepatite A (anti-VHA) protetores são observados 30 dias após a primeira dose em 95-100% dos vacinados e, em 100% deles, 30 dias após a segunda dose. Testes sorológicos pós-imunização não são indicados, pois as taxas de anticorpos alcançadas como resposta ao esquema vacinal podem estar abaixo da sensibilidade dos kits disponíveis comercialmente. Em populações em que a doença é endêmica, os testes sorológicos pré-imunização podem ser considerados, sempre avaliando o custo-benefício dessa prática. Segundo alguns estudos, os anticorpos maternos circulantes podem interferir na resposta imunológica da vacina, se esta for aplicada antes de 1 ano de idade. Indicações. Pré-exposição: a vacina é recomendada pela SBP e pelo CDC para todas as crianças a partir de 1 ano. O CDC também indica para determinados grupos considerados de risco: (1) atendentes de creches e de asilos, (2) manipuladores de lixo e de alimentos, (3) viajantes para áreas de alta endemicidade, (4) pacientes em hemodiálise, (5) pacientes HIV-positivo suscetíveis que apresentam risco de adquirir a doença, (6) homossexuais, (7) hemofílicos, (8) usuários de drogas endovenosas e (9) pessoas que vivem em comunidades fechadas. O MS disponibiliza a vacina para algumas das situações supracitadas e para (1) portadores crônicos do VHB e outras hepatopatias crônicas, (2) receptores e doadores de medula óssea, (3) receptores e doadores de órgãos sólidos, (4) imu112

nodeficientes por neoplasia ou terapêutica, (5) crianças HIV-positivo menores de 13 anos, (6) portadores de trissomias e (7) portadores de doenças de depósito. Pós-exposição: o CDC publicou uma atualização, em outubro de 2007, com as seguintes recomendações em relação à profilaxia pós-exposição à hepatite A: (1) para pessoas saudáveis de 1-40 anos é preferível administrar somente a vacina contra a hepatite A; (2) para pessoas > 40 anos, é preferível administrar IG, com a opção de utilizar a vacina caso a IG não esteja disponível, e (3) nas seguintes situações, apenas a IG é recomendável: crianças < 12 meses, pessoas com imunodepressão, pessoas com doença hepática crônica e pessoas que apresentem fatores que contraindiquem o uso da vacina.

Eventos adversos. Podem ocorrer dor local, cefaleia, febre, fadiga, náuseas e inapetência. A possibilidade de ocorrência desses efeitos tende a diminuir na segunda dose. Contraindicações. Hipersensibilidade a qualquer componente da vacina. Observações. Alguns trabalhos demonstram a eficácia da vacina contra a hepatite A no controle de surtos da doença. Pacientes que serão submetidos à esplenectomia, candidatos a receber transplante autólogo de medula óssea e demais doadores devem ser vacinados antes do procedimento.

VACINAS CONTRA O PAPILOMAVÍRUS HUMANO Composição. Duas vacinas estão licenciadas no Brasil: a vacina da MSD e a da GSK. Apresentam-se na forma líquida, em seringas preenchidas, com doses individuais de 0,5 mL. Ambas contêm proteínas inativas purificadas de papilomavírus humano na forma de partículas virais semelhantes à principal proteína L1 do capsídeo (VLP) produzidas em células de levedura (Saccharomyces cerevisiae) por meio de tecnologia de DNA recombinante. Vacina quadrivalente contra HPV tipos 6, 11, 16 e 18 (MSD): cada dose contém proteína L1 de HPV dos tipos 6, 11, 16 e 18. Contém também sulfato de hidroxifosfato de alumínio amorfo, cloreto de sódio, L-histidina, polissorbato 80, borato de sódio e água para injeção. Conservantes e antibióticos não fazem parte da composição. Vacina contra HPV oncogênico (GSK): cada dose contém proteína L1 de HPV dos tipos 16 e 18. Contém, também, adjuvante AS04, alumínio, cloreto e fosfato de sódio e água para injetáveis. 113

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Doses, via e esquema. Vacina contra a hepatite A: dose infantil (0,5 mL), para crianças e adolescentes de 1-18 anos, e dose de adulto (1 mL), a partir dos 19 anos, aplicadas IM. O esquema vacinal consiste em duas doses, aplicadas com intervalo de 6-12 meses. Vacinas combinadas contra hepatite A e B: dose infantil para crianças e adolescentes de 1-15 anos, e dose de adulto, a partir de 16 anos, administradas em três doses, com intervalos de 0, 1 e 6 meses. Essa combinação já está liberada para uso em duas doses (0 e 6-12 meses), na faixa etária de 1-15 anos, utilizando-se a apresentação de adultos.

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Uso e eficácia. Proteção contra a infecção pelos HPV. Ambas as vacinas (MSD e GSK) são recomendadas para fornecer proteção contra os HPV oncogênicos tipos 16 e 18. Para proteção também de verrugas genitais, a vacina quadrivalente (MSD) deve ser utilizada. Mulheres já infectadas com algum dos tipos de HPV cobertos pelas vacinas podem se beneficiar adquirindo proteção contra os outros tipos. A eficácia é de 90-100% contra os HPV oncogênicos e de 99% contra verrugas genitais. A duração da imunidade ainda não é conhecida, mas os estudos clínicos, com acompanhamento de mais de cinco anos, têm demonstrado que os anticorpos vêm se mantendo em níveis protetores em mais de 98% dos participantes. Há relatos de que ambas as vacinas podem proporcionar proteção para outros tipos de HPV, principalmente o 31 e o 45, também oncogênicos. Rambout e colaboradores (2007), em revisão sistemática, concluem que foi demonstrada a alta eficácia da vacina contra o HPV em prevenir a infecção e a doença cervical pré-cancerosa causadas pelos tipos de HPV presentes na vacina, especialmente em mulheres entre 15 e 25 anos, sem anormaliades prévias no Papanicolaou e que não tenham tido mais do que seis parceiros sexuais durante a vida. A potencial efetividade da vacina em reduzir a carga global do câncer cervical virá dos estudos de fase IV, atualmente sendo desenvolvidos. Os autores salientam que a interpretação dos resultados dos estudos analisados pode ter sido afetada pela heterogeneidade destes em relação ao status basal dos participantes e precisa considerar as limitações quanto à validade externa e à qualidade metodológica de alguns deles. Indicações. Indicadas pela SBP para uso em crianças, adolescentes e mulheres adultas de 9-26 anos. O CDC recomenda administrar entre 11 e 12 anos (idade mínima de 9 anos) nos adolescentes e para todas as mulheres até os 26 anos de idade. Vacina quadrivalente (MSD): a vacina está licenciada para mulheres na idade de 9-26 anos, com o objetivo de prevenir câncer de colo de útero, précânceres cervicais (neoplasia intraepitelial cervical 2/3 e adenocarcinoma in situ) pré-cânceres vulvares e vaginais (neoplasia intraepitelial vulvar e vaginal 2/3) causados pelos subtipos 16 e 18 e verrugas genitais causadas pelos subtipos 6 e 11. Estudos estão sendo realizados para avaliar a segurança e a eficácia em homens, em casos de imunodepressão e em outras faixas etárias. Vacina contra o HPV oncogênico (GSK): está licenciada para mulheres de 10-25 anos para prevenção de eventos que possam evoluir para câncer cervical causados pelos HPV dos tipos 16 e 18. Doses, via e esquema. Vacina quadrivalente (MSD): é administrada em três doses, por via IM, nos intervalos de 0, 60 e 180 dias. Vacina contra HPV oncogênico (GSK): administrada em três doses, via IM, nos intervalos 0, 30 e 180 dias. Estudos de eficácia de longa duração estão sendo realizados para avaliar a necessidade de reforços. Eventos adversos. Os eventos adversos mais observados nos estudos pré-liberação foram reação local com hiperemia, eritema, dor e febre. Mais raramente ocorreram cefaleia, náuseas, vômitos, dor abdominal, mialgia e tonturas. Não foi observada 114

diferença significativa na ocorrência de eventos adversos entre o grupo vacinado e o grupo-controle. Contraindicações. Hipersensibilidade aos componentes da vacina. Precaução: administrar com cautela em pacientes com trombocitopenia ou qualquer distúrbio da coagulação. Observações. A realização periódica do exame Papanicolaou deve ser mantida e estimulada, independentemente da utilização da vacina.

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IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

Mejías A, Chávez-Bueno S, Raynor MB, Connolly J, Kiener PA, Jafri HS, et al. Motavizumab, a neutralizing anti-Respiratory Syncytial Virus (Rsv) monoclonal antibody significantly modifies the local and systemic cytokine responses induced by Rsv in the mouse model. Virol J. 2007;25(4):109.

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IMUNIZAÇÕES NA PEDIATRIA

World Health Organization. Typhoid vaccines: WHO position paper. WER. 2008;6(83):4960.

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PARTE II

NEONATOLOGIA

CAPÍTULO 10

ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO NORMAL LUCIANA FRIEDRICH

ROTINA DE ADMISSÃO DO RECÉM-NASCIDO (RN) NORMAL Q

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Receber o RN em campos estéreis e aquecidos, em ligeiro Trendelenburg, com a cabeça lateralizada em caso de muita secreção na orofaringe. O clampeamento do cordão deve ser feito a uma distância de 2-3 cm da pele. Após o contato inicial mãe-bebê, colocá-lo em um berço aquecido, secá-lo delicadamente e aspirar as vias aéreas superiores com uma sonda de aspiração traqueal no 6 ou 8 (vácuo em até 100 cmH2O). Realizar um exame físico sumário, pesar e identificar o RN. Medir o comprimento e os perímetros cefálico, torácico e abdominal. Manusear o RN com luvas até o primeiro banho, em que serão limpos os resíduos de sangue e mecônio. Não retirar totalmente o vérnix caseoso. Administrar vitamina K, 1 mg, intramuscular (IM), para prevenção da doença hemorrágica do RN. Realizar profilaxia da conjuntivite gonocócica com colírio de nitrato de prata 1% colírio (método de Credé), 1 gota em cada olho, na primeira hora após o nascimento. Vacinar contra hepatite B, 0,5 mL, IM, todos os RNs > 1.500 kg, nas primeiras 12 horas de vida. A realização de aspirado gástrico de rotina é ainda polêmica, pois pode ocasionar arritmias cardíacas por estímulo vagal e traumatismos locais. O lavado gástrico com soro fisiológico deve ser realizado naqueles RNs com muita secreção, vômitos, polidrâmnio, líquido amniótico com mecônio ou sangue, muito sangue na orofaringe, e naqueles com suspeita de obstrução do trato digestivo. A impossibilidade de passar a sonda pela narina ou de alcançar o estômago leva à suspeita de atresia de coanas ou de esôfago, respectivamente. Observar o aspecto e o volume do aspirado gástrico. Se for > 20 mL, suspeitar de obstrução intestinal alta. Se bilioso, a obstrução deve ser inferior ao esfíncter de Oddi.

ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RN NORMAL

O primeiro exame do RN deve ser feito na própria sala de parto, no berço aquecido onde ocorre o atendimento inicial do RN, buscando-se alterações cardiorrespiratórias (palidez, cianose, perfusão, pulsos fracos), malformações evidentes e presença de tocotraumatismo, e observando o choro, a atividade motora, o grau de nutrição e a maturidade. Assim, distinguem-se os RNs aparentemente normais e hígidos, que podem ser encaminhados ao alojamento conjunto, daqueles que serão admitidos à unidade de RNs de risco ou UTI neonatal. A determinação da idade gestacional pediátrica deve ser realizada nas primeiras 24 horas de vida, pelo método de Capurro, para RNs a termo. O RN é, então, classificado em adequado (AIG), pequeno (PIG) ou grande (GIG) para a idade gestacional, de acordo com a curva de referência utilizada. Consideram-se AIG os RNs que se encontram entre os percentis 10-90 da curva; os PIG situam-se abaixo do percentil 10, e os GIG, acima do percentil 90. Um exame mais detalhado deverá ser realizado mais adiante, na presença dos pais, em local de boa iluminação, com o bebê completamente despido, à temperatura de cerca de 26-30°C. Nesse momento, pode-se mostrar aos pais pequenos achados normais ao exame físico, que serão descritos adiante. O exame físico completo deve ser repetido diariamente até a alta do RN, de preferência na presença dos pais.

EXAME FÍSICO COMPLETO DO RN Dados antropométricos. O peso e o tamanho médios de um RN a termo é de 2,950 kg e 49,2 cm (meninos), e 2,850 kg e 45,5 cm (meninas). A média do perímetro cefálico para o RN a termo é de 32-36 cm, podendo ser menor nas primeiras horas de vida devido ao cavalgamento de suturas cranianas após o parto vaginal. Deve ser 2-3 cm maior do que o perímetro torácico. Cor. A acrocianose (cianose de extremidades) é considerada normal. As mucosas de RNs negros são melhores indicadoras de cianose do que a pele. Filhos de mães diabéticas e pré-termos são mais pletóricos do que a média, e os pós-termos são mais pálidos. Classificação em relação à idade gestacional. Pequeno (PIG), normal (AIG) ou grande (GIG) para a idade gestacional, de acordo com as curvas correntemente utilizadas em cada centro de referência. O PIG clássico (assimétrico) tem uma cabeça aparentemente grande em relação ao resto do corpo, com alargamento das suturas e fontanelas. O PIG simétrico (resultante de desnutrição intrauterina mais prolongada, comprometendo o perímetro cefálico) apresenta perda importante de subcutâneo, com pele pregueada, ressecada e descamativa, fácie envelhecida e hiperalerta, porém boa maturidade neurológica. Os GIG são vítimas frequentes de trauma obstétrico por distocia, apresentando maior incidência de luxação de ombro, fratura de clavícula, lesão de plexo braquial e injúria do sistema nervoso central (SNC).

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Sinais vitais. Temperatura (36,5-37,5°C), frequência respiratória (40-60 mpm), frequência cardíaca (120-160 bpm), padrão de eliminações (RNs amamentados ao seio evacuam 8-10 vezes ao dia, enquanto que os RNs em amamentação artificial, 1-2 vezes ao dia). A diurese deve ser abundante e com densidade inferior a 1.015.

Q Q

Q Q Q Q

Q

Reflexos de sucção: colocar a própria mão do RN na sua cavidade oral, estimulando a sucção. Reflexo dos pontos cardeais: estimular a região perioral do RN com o dedo do examinador, tocando os 4 quadrantes, levando o RN a procurá-lo com voracidade, como que tentando abocanhá-lo. Reflexo de preensão palmoplantar: colocar o dedo do examinador entre as falanges dos pés e das mãos, estimulando a preensão simétrica e forte. Reflexo do apoio plantar: a manutenção do RN em posição ortostática apoiado pelas axilas faz com que ele se sustente pelas suas pernas. Marcha reflexa: andar esboçado e irregular quando o RN é flexionado para frente, como que o estimulando a andar. Reflexo cutâneo-plantar: aplicar pressão suave com uma caneta na face externa de cada planta do pé, deslizando-a no sentido calcanhar-dedos, aparecendo uma reação de hiperextensão em leque dos dedos, iniciada pelo hálux. Reflexo de Moro: elevam-se os braços do RN, estando ele em posição supina, seguido de uma retirada da sustentação. Isso provoca de forma simétrica uma abdução e extensão dos braços, seguida de adução, lembrando um abraço. Geralmente estimula o choro.

Pele e anexos. A pele do RN a termo é vermelha nas primeiras horas, clareando em 24-48 horas, quando surge a descamação fisiológica. Q Q

Q Q Q Q Q

A icterícia fisiológica ocorre após as 36 horas de vida, no sentido crânio-caudal. Cianose localizada em extremidades ou perioral é normal nos primeiros dias de vida, desaparecendo espontaneamente. Cianose generalizada pode ocorrer em RNs policitêmicos, em cardiopatias, infecções, alterações metabólicas e doenças respiratórias. A impregnação meconial da pele e anexos é frequente em RNs pélvicos, PIG, com sofrimento fetal ou pós-termo. Eritema tóxico: pápulas puntiformes sobre base eritematosa, semelhantes a picadas de insetos, mais no tronco do que nas extremidades. Milium: pequenos pontos brancos na face, nariz, testa ou queixo, por obstrução e intumescimento de glândulas sebáceas. Miliária: pequenas pápulas/vesículas transparentes/róseas por obstrução de glândulas sudoríparas. Mancha mongólica: manchas azuladas extensas na região lombossacra e glúteos, em placas. De etiologia racial (negros, asiáticos e índios), desaparecem com o tempo.

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ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RN NORMAL

Exame neurológico sumário. Observar a hipertonia fisiológica do RN normal.

Q

Máscaras equimóticas, com petéquias e púrpuras por fragilidade capilar na face, decorrentes de apresentação de face ou circular de cordão. Q Nevos vasculares de coloração salmão, planos, em pálpebras, supercílios, glabela e nuca são chamados de nervo flâmeo e desaparecem com o passar dos meses. Q Lanugo em dorso e ombros, mais comum em pré-termos, tem desaparecimento espontâneo. Segmento cefálico. Observar o perímetro cefálico. Cavalgamento de suturas pode ocasionar deformidades cranianas transitórias. Se houver associação de fontanelas grandes com aumento de perímetro cefálico, deve-se descartar a possibilidade de hidrocefalia. O fechamento precoce de alguma sutura (craniossinostose) pode levar a deformidades cranianas, que devem sempre ser investigadas. Não há necessidade de maior preocupação com fontanelas aparentemente demasiado grandes ou pequenas, desde que o perímetro cefálico seja normal e que haja mobilidade das suturas cranianas.

ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RN NORMAL

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Bossa serossanguínea: edema do couro, presente desde a sala de parto; desaparece após 24 horas de vida. Seus limites são indefinidos e não respeitam as linhas de suturas. Geralmente associados ao trabalho de parto prolongado. Cefaloematoma: derrame sanguíneo subperiósteo. Moderadamente doloroso à palpação, de consistência cística, não cruza a linha de suturas. Desaparece em semanas ou calcifica, levando a uma deformidade assimétrica localizada. Pode acentuar icterícia. Crânio: pesquisar implantação baixa dos cabelos (Turner, Down), afundamentos de crânio, encefaloceles e abaulamento de fontanela. Face: pesquisar fácies sindrômica, hiper ou hipotelorismo, paralisia facial, ponte nasal atípica, alterações de mandíbula (micro/retrognatia), epicanto, implantação das orelhas. Olhos: hemorragias conjuntivais, conjuntivite química (pelo nitrato de prata) e movimentos oculares incoordenados (estrabismo fisiológico transitório) são comuns. Pesquisar assimetria pupilar, microftalmia, catarata, opacidade corneana, lacrimejamento anormal. Nos primeiros dias, há edema palpebral que pode dificultar o exame do RN. Orelhas: observar forma e implantação, bem como presença de apêndices ou fossetas pré-auriculares. Malformações do pavilhão auditivo estão associadas a malformações renais e do trato urinário. Nariz: obstrução nasal e espirros são comuns. Secreção nasal sanguinolenta sugere sífilis congênita. Boca: cistos de retenção pequenos e brancos, na transição dos palatos duro e mole, são chamados pérolas de Epstein, fisiológicas e transitórias. Pesquisar dentes precoces, cistos orais, fissura labial ou palatina, macroglossia (hipotireoidismo, síndrome de Down). Freio lingual curto não requer cirugia.

Pescoço. Pescoço alado (excesso de pregas) é comum nas síndromes de Down e Turner. Mobilidade reduzida sugere anomalias vertebrocervicais (luxação, torcicolo 124

congênito). Massas tumorais laterais podem caracterizar higroma cístico, hematoma do esternocleidomastóideo, teratoma cervical ou adenomegalias (infecções congênitas). Se anteriores, sugerem cisto por persistência do conduto tireoglosso ou bócio congênito. Tórax. O apêndice xifoide pode ser saliente. A hipertrofia mamária bilateral é normal e decorrente de hormônios maternos. A palpação das clavículas é importante. A respiração é do tipo abdominal, com ritmo irregular, mas retrações são sempre patológicas. Sopros transitórios ocorrem em cerca de 50% dos RNs a termo nas primeiras 24 horas de vida, devendo apenas ser investigados se permanecerem por além desse período, ou se houver sinais de descompensação, como cianose, taquipneia, pulsos fracos, choque. Q

Abdome. Se escavado, sugere hérnia diafragmática. Distensão abdominal ocorre na presença de sepse, ascite, obstrução intestinal e tumorações. Massas abdominais devem ser investigadas (neuroblastoma, rins policísticos, hidronefrose, tumor de Wilms, cistos ovarianos). O fígado é geralmente palpável 2 cm abaixo do rebordo costal direito, e o baço não é normalmente palpável. A fina parede abdominal facilita o aparecimento de diátese de retos, hérnia umbilical e inguinal, especialmente nos pré-termos. Genitália masculina. É frequente a hidrocele, que persiste por semanas ou meses, sem necessidade de nenhum tratamento. Avaliar a presença dos testículos na bolsa ou canal inguinal. Criptorquidia bilateral sugere genitália ambígua e síndrome de Klinefelter. Fimose é normal nos RNs. Observar meato uretral e jato urinário (pesquisar hipo e epispádia). Testículo duro, arroxeado e doloroso sugere torção, que deve ser corrigida cirurgicamente em caráter de urgência. O tamanho normal do pênis é acima de 2,5 cm. Genitália feminina. RNs pré-termo podem apresentar hipertrofia do clitóris e dos pequenos lábios. Secreção mucoide ou sangramento vaginal discreto são comuns devido à ação hormonal materna. Ânus. Observar permeabilidade. O retardo na eliminação de mecônio (> 48 horas) exige investigação. Coluna. Com o RN em decúbito ventral, percorrer os dedos ao longo da coluna para evidenciar defeitos vertebrais. Hipertricose ou fosseta lombossacra podem sugerir espinha bífida. Tumorações em qualquer segmento da coluna sugerem meningocele ou meningomielocele. Pesquisar cifose, escoliose, agenesia de sacro ou cóccix. 125

ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RN NORMAL

Observar sinais de insuficiência respiratória (cianose, gemência, batimentos de asa de nariz, taquipneia). Q Examinar atividade pré-cordial, frequência e ritmo cardíacos, bulhas, sopros. RNs a termo ou pós-termo podem apresentar frequência cardíaca abaixo de 100, que aumenta quando eles são estimulados.

Extremidades. Observar simetria dos membros. Contar os dedos das mãos e pés. Polidactilia séssil pós-axial é de herança autossômica dominante. Prega palmar única (simiesca) bilateral associada à falta de uma falange no 5o dedo sugerem síndrome de Down. Prega simiesca unilateral está presente em 5-10% da população normal. Pesquisar pé torto congênito (geralmente simétrico, bilateral, de caráter poligênico) e diferenciar do posicional (geralmente assimétrico, unilateral, decorrente de posição anormal intrauterina). Palpar pulsos femorais para afastar coarctação da aorta.

ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RN NORMAL

Q

Paralisia braquial: estiramento exagerado das raízes nervosas do plexo braquial nas inserções cervicais. Pode ser do tipo Duchenne-Erb (braço e antebraço paralisados, em rotação interna e pronação da mão), do tipo Klumpke (atinge apenas a mão, com dificuldade para fechar os dedos no estímulo da preensão palmar) ou uma associação de ambos. A paralisia de Klumpke está associada à lesão do nervo frênico ipsilateral, podendo haver paralisia diafragmática e alterações simpáticas, como midríase no lado afetado. Q Luxação congênita do quadril: displasia do acetábulo, com dificuldade em manter a cabeça do fêmur em posição normal. Detectada pela manobra de Ortolani (flexão das coxas sobre o abdome e posterior abdução forçada). Encontra-se um clique característico ou uma dificuldade na abdução da coxa. É uma herança poligênica, 7-8 vezes mais comum em meninas. A presença de assimetria nas pregas cutâneas da coxa, proeminência lateral do grande trocanter femoral ou aparente encurtamento do fêmur são sinais de lesão grave e tardia.

TÓPICOS RELEVANTES NO ALOJAMENTO CONJUNTO Alimentação. Reforçar os cuidados com as mamas, a pega e o posicionamento corretos. Pode-se utilizar óleo vegetal (Dersani®) nos mamilos para evitar e tratar fissuras. Na presença de fissuras importantes e dor, pode-se utilizar um corticosteroide tópico de baixa potência por um período curto, como a fludroxicortida, 3 vezes ao dia, por 5 dias (Drenison®). As fissuras mamilares importantes podem causar vômitos borráceos ou com raias de sangue nos primeiros dias de vida, podendo ser realizado lavado gástrico quando isso ocorrer. Nos primeiros três dias de vida, o RN perde cerca de até 10% do peso de nascimento, recuperandoo em torno dos 7 dias (RN a termo) a 14 dias (pré-termo). Banho. A temperatura do ambiente deve estar em cerca de 26°C. A água deve estar próxima de 37°C, devendo ser testada com o dorso da mão ou cotovelo. Evitar o excesso de sabão para não irritar nem ressecar a pele do RN. É desaconselhado o uso de cotonetes pelo risco de trauma e impactação de cerúmen no conduto auditivo. Nunca deixar o bebê sozinho na banheira. Evitar talcos e perfumes pelo risco de alergia cutânea ou respiratória. Óleos minerais ou vegetais, bem como uma loção hidratante neutra, podem ser usados nos bebês de pele

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seca e descamativa. Um creme protetor contra assaduras é recomendável, mas deve-se realizar antes a limpeza dos resíduos de urina e fezes com algodão embebido em água morna ou óleo. Evacuações. As primeiras evacuações do RN são verde-escuras e pegajosas (mecônio). A partir do 3o dia, já estão verde-amareladas e bem amolecidas (fezes de transição), tornando-se amarelo-ouro, explosivas, semilíquidas e com grumos. Bebês em aleitamento exclusivo apresentam fezes mais líquidas e frequentes. O atraso na eliminação de mecônio pode ser devido a alterações, como ânus imperfurado, atresias ou estenoses do trato digestivo inferior, doença de Hirschsprung, fibrose cística, distúrbios metabólicos ou infecção. Nenhum RN pode receber alta hospitalar sem ter eliminado mecônio.

Eructações e regurgitações. A maioria dos bebês devolve um pouco de leite deglutido logo após as mamadas, junto com o ar eructado, o que não traz nenhuma repercussão sobre a curva ponderal do RN. Para reduzir a frequência e o volume das regurgitações, recomenda-se não alimentar o RN deitado, não esperar que o bebê esteja muito faminto para alimentá-lo (poderá engolir muito ar se estiver muito ansioso), colocar o RN em posição dorsal ou lateral direita após a mamada e com a cabeceira elevada, após ter ficado 5-10 minutos em posição vertical para arrotar, mesmo que sem sucesso. Se o bebê for alimentado por mamadeira, essa deve ser oferecida inclinada, de forma que o bico esteja sempre preenchido com leite, evitando que o RN sugue o ar. O orifício não deve ser pequeno nem grande demais, permitindo apenas o gotejamento do leite quando a mamadeira é virada para baixo. Soluços. São normais, principalmente após as mamadas ou quando os RNs estão despidos ou molhados. Umbigo. Aplicar álcool 70% em toda a circunferência e na base, 3 vezes ao dia. A queda do coto umbilicar ocorrerá entre 7 e 14 dias. Pode ocorrer um pequeno sangramento na cicatriz após a queda. Alertar aos pais a procurar assistência médica se sangramento abundante, secreção purulenta, mau cheiro ou hiperemia periumbilical. Obstrução nasal. Roncos, espirros e dificuldade para mamar secundários à obstrução nasal são frequentes. Orienta-se a limpeza das narinas com solução fisiológica (3-4 gotas em cada narina) antes das mamadas. Olhos. Deve-se realizar o teste do olhinho ou teste do reflexo vermelho. O ambiente deve ser escuro, focalizando-se com o oftalmoscópio o centro da pupila do

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ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RN NORMAL

Micções. Alertar para a possibilidade de eliminação de cristais de urato, que podem deixar manchas róseo-avermelhadas na fralda, simulando sangue. Nenhum bebê receberá alta sem a observação de micções adequadas.

RN, que deve apresentar um brilho homogêneo de cor vermelho-alaranjada, semelhante ao obtido em fotografias com flash. Na ausência do brilho, o RN deve ser avaliado pelo oftalmologista para excluir-se catarata, coloboma, coriorretinite, retinoblastoma, etc. Ouvidos. Não introduzir cotonetes. Realizar a triagem auditiva (teste da orelhinha) de preferência antes da alta do RN.

ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RN NORMAL

O cartão do RN deve conter informações sobre o tipo de parto, condições de nascimento, escore de Apgar, manobras de reanimação necessárias, sexo, idade gestacional, classificação do RN (AIG, PIG, GIG), pesos de nascimento e de alta, comprimento e perímetro cefálico. Devem constar, também, as hipóteses diagnósticas e tratamentos realizados, a evolução clínica, os resultados de exames complementares, o tipo de alimentação no hospital e na alta, a presença e a intensidade de icterícia.

OUTRAS RECOMENDAÇÕES PARA A ALTA DO RN Os pais devem ser orientados a procurarem um serviço de emergência se ocorrer algum dos seguintes sinais de alerta: Q Q Q Q Q Q Q Q

Anorexia, sucção débil ou ausente; Vômitos frequentes e volumosos; Diarreia com fezes líquidas, fétidas, com muco ou sangue, e comprometimento do estado geral; Febre (temperatura axilar > 37,8°) – sempre deve ser investigada; Hipotermia, prostração, adinamia; Sonolência ou irritabilidade intensa; choro fraco ou estridente, gritado; Dificuldade respiratória, tosse, gemência, estridor, palidez, cianose, icterícia; Alterações no coto umbilical: sangramento (pequenas gotas de sangue logo antes ou após a queda são normais), mau cheiro, secreção purulenta, hiperemia periumbilical, secreção com aspecto de fezes ou urina (persistência do canal onfalomesentérico ou do úraco), dor à manipulação.

Teste do pezinho. Os pais devem ser orientados a realizar o teste do pezinho entre 5-7 dias (máximo 30 dias) no posto de saúde. A triagem básica inclui a detecção de hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria e hemoglobinopatias. Em alguns estados, também é feita a triagem de fibrose cística. Testes mais abrangentes, para detecção de um número maior de doenças, podem ser obtidos na rede privada. Síndrome da morte súbita do lactente (SMSL). Ocorre em bebês menores de 12 meses e está associada a alguns fatores de risco.

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Posição para dormir: utilizar sempre o decúbito dorsal. Não utilizar a posição prona (de bruços) ou o decúbito lateral. Há forte recomendação de não se colocar os bebês de lado, pois muitos dos casos de óbitos por SMSL encontrados de bruços haviam sido colocados para dormir de lado. Colchão e travesseiros: evitar colchão e travesseiros macios. Manter o lençol bem preso sob o colchão. Não cobrir a face e a cabeça do bebê. Evitar colocar a cabeça do bebê sobre almofadas e edredons. Superaquecimento: evitar. Fumo: bebês expostos ao fumo na gravidez e após o nascimento têm maior risco. Alimentação: bebês em aleitamento materno exclusivo têm menor risco. Leito compartilhado: as diretrizes da Academia Americana de Pediatria (AAP) não recomendam esse hábito, que demonstrou estar associado à maior incidência de SMSL em bebês, principalmente até as 11 semanas de vida. Uso de chupetas: o uso de chupetas à noite esteve associado à menor incidência de SMSL, de acordo com as diretrizes da AAP. O mecanismo exato ainda não está definido.

Cólica do lactente. Ocorre em 20-70% dos bebês normais. Definida como paroxismos de irritabilidade, agitação ou choro por pelo menos 3 horas, em mais de 3 dias por semana, por pelo menos 3 semanas seguidas. Ocorre geralmente ao anoitecer, com início no final da segunda semana de vida, intensificando-se entre a 3a e a 7a semana e desaparecendo após os 3 meses. Durante a crise, o lactente chora, fica com a face congesta, contrai os músculos abdominais, encolhe e estica as pernas e braços, fecha as mãos, elimina flatos, o que traz um alívio temporário até iniciar nova crise. O choro é inconsolável e inexplicável, trazendo grande ansiedade para toda a família. Deve-se rever a técnica de alimentação, colocar o lactente de bruços sobre o abdome da mãe. Os movimentos e sons repetitivos podem acalmar (balançar suave, conversar, música ou movimento respiratório, ruídos cardíacos e peristálticos). Massagear suavemente o abdome, dar um banho morno e relaxante, colocar calor local (bolsa de água morna ou pano passado a ferro). O uso de antiespasmódicos e antiflatulentos não está baseado em evidências. No entanto, estes seguem bastante utilizados.

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ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RN NORMAL

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sudden infant death syndrome. The changing concept of sudden infant death syndrome: Diagnostic coding shifts, controversies regarding the sleeping environment, and new variables to consider in reducing risk. Pediatrics. 2005;116(4):1245-55. Cochran WD, Lee KG. Assessement of The Newborn: history and physical examination of the Newborn. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of neonatology care. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2004. p. 35-42.

ALOJAMENTO CONJUNTO E CUIDADOS COM O RN NORMAL

Keefer CH. Nursery Care of the Well Newborn. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of neonatology care. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2004. p. 71-8.

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CAPÍTULO 11

ICTERÍCIA NEONATAL CRISTINE SORTICA DA COSTA LUCIANA FRIEDRICH

ICTERÍCIA FISIOLÓGICA A icterícia do recém-nascido (RN) é um processo benigno, mas, devido à sua potencial toxicidade, deve ser monitorada. Entre 25-50% dos RNs a termo e uma maior porcentagem de pré-termos irão desenvolver icterícia clínica. O RN a termo apresenta icterícia visível com bilirrubina > 7 mg/dL, alcançando um pico de 6-8 mg/dL em torno do 3o dia de vida. Nos pré-termos, o pico é de até 10-12 mg/dL no 5o dia de vida, podendo alcançar 15 mg/dL sem nenhuma alteração específica no metabolismo da bilirrubina.

HIPERBILIRRUBINEMIA NÃO FISIOLÓGICA Os seguintes fatores sugerem icterícia não fisiológica, devendo ser sempre investigados: Q Q Q

Início da icterícia antes de 24 horas de vida Aumento da bilirrubina sérica > 0,5 mg/dL/hora Sinais de doença subjacente, como vômitos, letargia, recusa alimentar, perda de peso, apneia, taquipneia ou instabilidade térmica Q Icterícia persistente após 8 dias de vida no RN a termo e após 14 dias no prétermo Q Investigar: – História familiar de icterícia, anemia, esplenectomia ou litíase biliar: sugere anemia hemolítica hereditária – História familiar de doença hepática: sugere galactosemia, deficiência de α-1-antitripsina, tirosinose, doença de Gilbert ou de Crigler-Najjar, fibrose cística – Irmão com icterícia ou anemia: sugere incompatibilidade sanguínea ou icterícia do leite materno – Doença materna durante a gestação: sugere infecções congênitas do grupo STORCH

– Drogas maternas que interferem na conjugação da bilirrubina (p. ex., sulfonamidas) – Tocotraumatismo: associado a sangramento extravascular – Atraso na eliminação de mecônio ou eliminações infrequentes: sugere icterícia por baixo aporte ou obstrução intestinal com aumento da circulação êntero-hepática

ICTERÍCIA ASSOCIADA À FALTA DE LEITE MATERNO A incidência de um pico de bilirrubina > 12 mg/dL em RNs a termo amamentados ao seio é de 12-13%. O principal fator responsável por esse tipo de icterícia é o baixo aporte inicial de leite, que leva ao aumento da circulação êntero-hepática.

ICTERÍCIA NEONATAL

ICTERÍCIA CAUSADA PELO LEITE MATERNO Incidência de 2-4% em RNs a termo. Tem início tardio, podendo chegar a níveis de 20-30 mg/dL em torno dos 14 dias de vida, com redução gradual até as 12 semanas de vida. Se a ingestão de leite materno é suspensa, os níveis caem rapidamente em 48 horas e não retornam aos valores prévios quando este é reintroduzido. Esses RNs apresentam um bom ganho de peso, função hepática normal e não há evidência de hemólise. O mecanismo exato é desconhecido, mas parece ser devido a fatores presentes no leite materno que interferem na conjugação da bilirrubina. Apesar de raros, existem relatos de kernicterus em RNs anteriormente saudáveis, sem fatores de risco e amamentados ao seio.

AVALIAÇÃO E MANEJO DO RN ICTÉRICO Exame físico. A icterícia pode ser visualmente detectada por meio da digitopressão na pele do RN, e apresenta uma progressão craniocaudal. Os mais altos níveis de bilirrubina estão associados à icterícia abaixo dos joelhos e nas mãos. No entanto, a inspeção visual não costuma ser fidedigna do nível sérico de bilirrubina. Pesquisar. Prematuridade, pequenos para a idade gestacional (policitemia, STORCH), microcefalia (STORCH), sangramentos extravasculares (cefaloematomas), palidez (hemólise), petéquias (STORCH, sepse, hemólise), hepatoesplenomegalia (hemólise, STORCH, doenças hepáticas). Laboratório Q Bilirrubina total e frações. Bilirrubina direta > 2 mg/dL ou > 15% da bilirrubina total indicam colestase, devendo esta ser prontamente investigada. Q Tipagem sanguínea, fator Rh, Coombs direto: devem ser realizados de rotina em mães Rh-negativo.

132

Q

Esfregaço de sangue periférico (avaliar morfologia da série vermelha) e contagem de reticulócitos: para detectar causas de doença hemolítica com Coombs direto negativo. Reticulocitose > 6% sugere hemólise, principalmente se acompanhada de anemia. Q Hemograma: detectar policitemia ou anemia. A hemoglobina normal do RN varia de 13,7-20,1 g/dL. Q Testes de função hepática, STORCH, triagem para sepse, doenças metabólicas e hipotireoidismo em casos de icterícia prolongada. Pesquisa de deficiência de G6PD é útil, principalmente em etnias específicas.

ICTERÍCIA NEONATAL

Um screening pré-alta com dosagem sérica de bilirrubinas ou utilização da medida de bilirrubina transcutânea (TcB) e a plotagem em um normograma específico se mostraram úteis em determinar RNs em risco de desenvolver hiperbilirrubinemia não fisiológica (Fig. 11.1). Se o valor estiver na faixa de alto risco, o RN deve ser reavaliado 24 horas após a alta. Quando o nível de bilirrubina estiver na faixa de baixo risco, a probabilidade do RN ter icterícia severa é pequena. A medida de bilirrubina transcutânea é um método não invasivo de estimar os níveis séricos de bilirrubina por meio de espectrofotometria direta sobre a pele do RN. Esse pequeno aparelho portátil (bilirrubinômetro) serve como triagem para selecionar aqueles RNs com níveis mais altos, que necessitarão de confirmação dos níveis de bilirrubinas por meio de coleta sanguínea periférica. Esse método independe da cor da pele do RN, da idade gestacional ou da exposição prévia à fototerapia.

Figura 11.1 Gráfico de Bhutani – Indicação de risco para desenvolver hiperbilirrubinemia. Fonte: adaptado de American Academy Pediatrics Subcommittee on Hyperbilirubinemia (2004). 133

Fatores de risco maiores para desenvolver hiperbilirrubinemia Q Icterícia nas primeiras 24 horas de vida Q Incompatibilidade sanguínea com Coombs direto positivo Q Prematuridade (idade gestacional < 37 semanas) Q Filho anterior que necessitou de fototerapia Q Cefaloematoma ou hematomas extensos Q RNs amamentados exclusivamente no seio materno, particularmente se há dificuldades na amamentação e a perda de peso inicial é excessiva Q Raça asiática oriental

FOTOTERAPIA Q Q

Indicação de fototerapia para RNs < 2.500 gramas (ver Tab. 11.1). Indicação de fototerapia para RNs > 2.500 gramas (ver Fig. 11.2).

Técnica A irradiância deve ser superior a 5 µW/cm2 em um comprimento de onda luminosa de 425-475 nm. Q Manter o RN despido, exceto por uma proteção ocular, e trocá-lo de decúbito a cada 2 horas. Se o RN estiver em incubadora, a fototerapia deve ser mantida a uma distância de 5-8 cm para prevenir superaquecimento. Monitorar a temperatura corporal do RN. Q O RN deve ser pesado diariamente, e deve haver uma compensação na oferta hídrica de 10-20% devido ao aumento das perdas insensíveis. Q A cor da pele e a TcB não são parâmetros durante o uso de fototerapia, mas a bilirrubina sérica deve ser medida periodicamente. Quando o nível de bilirrubina estiver próximo dos valores de indicação de exsanguineotransfusão, devem-se solicitar controles a cada 2-4 horas. Com níveis < 20 mg/dL, os interva-

ICTERÍCIA NEONATAL

Q

Tabela 11.1 INDICAÇÃO DE FOTOTERAPIA PARA RNS Peso de nascimento

Fototerapia

Exsanguineotransfusão

< 1.000 gramas

Iniciar com 24 horas de vida

10-12 mg/dL

1.000-1.500 gramas

7-9 mg/dL

12-15 mg/dL

1.500-2.500 gramas

0,5% do peso de nascimento 10-12 mg/dL

1% do peso de nascimento 15-18 mg/dL

134

Figura 11.2 Indicações de fototerapia conforme a faixa de risco (usar valor da bilirrubina total. Fatores de risco: doença hemolítica isoimune, deficiência de G6PD, asfixia, letargia, instabilidade térmica, sepse, acidose, albumina < 3 g/dL).

los dos controles podem ser de 6-12 horas. Quando os níveis estiverem em queda, coletar a cada 12-24 horas. Quando suspender a fototerapia. Quando a bilirrubina total for próxima de 13 mg/ dL em RNs a termo e próxima de 10-11 mg/dL nos pré-termos. Após a suspensão da fototerapia, a bilirrubina sérica deve ser verificada entre 12-24 horas. Principais efeitos adversos da fototerapia Aumento das perdas insensíveis Diarreia e aumento das perdas insensíveis fecais Hipocalcemia Dano à retina Aumento da pigmentação cutânea em RNs negros, bem como eritema cutâneo por aumento do fluxo sanguíneo

Q Q Q Q Q

EXSANGUINEOTRANSFUSÃO (EXT) Indicações gerais (Fig. 11.3) Q Falha da fototerapia em prevenir o aumento da bilirrubina a níveis tóxicos Q Corrigir a anemia e melhorar a insuficiência cardíaca em bebês hidrópicos 135

ICTERÍCIA NEONATAL

Fonte: adaptada de American Academy of Pediatrics Subcommittee on Hyperbiliburinemia (2004).

Q

Interromper a hemólise e a produção de bilirrubinas pela remoção dos anticorpos e das hemácias sensibilizadas

Indicações de EXT imediata em doença hemolítica Bilirrubina de cordão > 4,5 mg/dL e/ou Hb de cordão < 11g/dL Bilirrubina sérica com aumento > 1 mg/dL/h apesar da fototerapia Hemoglobina 11-13 mg/dL e bilirrubina com aumento > 0,5 mg/dL/h apesar da fototerapia Q Bilirrubina > 20 mg/dL Q Progressão da anemia apesar do controle adequado da bilirrubina com fototerapia Q Sinais de encefalopatia bilirrubínica Q Q Q

Técnica O volume de sangue para EXT equivale a duas volemias (160 mL/kg), substituindo, assim, 87% da volemia do RN. É realizada com sangue total com menos de 7 dias, irradiado, aquecido em temperatura de 37°C, tipo O negativo, geralmente com plasma AB (para evitar a presença de anticorpos anti-A e anti-B). Q O RN deve permanecer em berço aquecido, monitorado. O cateter deve ser inserido na veia umbilical apenas o suficiente para possibilitar refluxo de sangue. As alíquotas devem ser de 5 mL (para RNs < 1.500 gramas), 10 mL (1.500ICTERÍCIA NEONATAL

Q

Figura 11.3 Indicações de exsanguineotransfusão conforme faixa de risco. Fonte: adaptada de American Academy of Pediatrics Subcommittee on Hyperbilirubinemia (2004). 136

2.000 g), 15 mL (2.500-3.500 g) e 20 mL (RNs > 3.500 g) e a duração do procedimento deve ser de aproximadamente 1 hora. Complicações. Hipocalcemia, hipomagnesemia, hipoglicemia, hipercalemia, distúrbio ácido-básico, sangramentos (trombocitopenia e distúrbios de coagulação), infecções, doença doador-versus-hospedeiro, hemólise (hemoglobinúria e hipercalemia devido ao superaquecimento do sangue), efeitos cardiovasculares (perfuração de vasos, embolização, vasoespasmo, trombose, infarto, arritmias), enterocolite necrotizante.

GAMAGLOBULINA Altas doses (0,5-1 g/kg, EV, em 2-4 horas) podem ser usadas em doença hemolítica grave. O mecanismo é incerto.

KERNICTERUS

ENCEFALOPATIA BILIRRUBÍNICA O risco de toxicidade pela bilirrubina em RNs a termo com doença hemolítica é reduzido se os níveis são mantidos < 20 mg/dL. Em RNs hígidos sem doença hemolítica, há pouca evidência de desfechos neurológicos com níveis abaixo de 25-30 mg/dL. Os pré-termos são mais suscetíveis à toxicidade com níveis menores, principalmente se associados à anoxia, sepse, hipercapnia e outros fatores que aumentam a permeabilidade da barreira hematencefálica. Aguda. Encontrada em RNs com doença hemolítica e bilirrubinas > 20 mg/dL, com kernicterus à necropsia. Tem classicamente três fases: Q Q

Hipotonia, letargia, choro agudo e sucção débil. Hipertonia extensora com opistótono, rigidez, crises oculogíricas, convulsões e febre. Muitos RNs evoluem para óbito nessa fase. Todos os sobreviventes desenvolvem encefalopatia crônica. Q Hipotonia após uma semana de evolução. Crônica. Atetose, surdez neurossensorial, displasia dentária e déficits intelectuais.

137

ICTERÍCIA NEONATAL

Diagnóstico patológico referente à coloração amarelada do cérebro (principalmente gânglios da base, núcleos de nervos cranianos, núcleos do tronco e cerebelo, hipocampo e células anteriores da medula espinal) pela bilirrubina, associada a danos neuronais secundários à toxicidade pela bilirrubina.

REFERÊNCIAS American Academy of Pediatrics Subcommittee on Hyperbilirubinemia. Management of hyperbilirubinemia in the newborn infant 35 or more weeks of gestation. Pediatrics. 2004;114(1):297-316. Erratum in: Pediatrics. 2004;114(4):1138.

ICTERÍCIA NEONATAL

Martin CR, Cloherty JP. Neonatal Hyperbilirubinemia. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR Manual of Neonatal Care. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2008. p. 185-221.

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CAPÍTULO 12

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS LUCIANA FRIEDRICH

As infecções maternas contribuem de forma importante para o aumento da morbimortalidade perinatal. As infecções do grupo STORCH (sífilis, toxoplasmose, outras [HIV, varicela, hepatites, etc.], rubéola, citomegalovírus, herpes) ocupam lugar de destaque, tanto pela sua frequência quanto pela gravidade do acometimento fetal. Seu rastreamento objetiva diagnosticá-las precocemente e iniciar, quando possível, o tratamento durante a gestação, a fim de reduzir o risco potencial de acometimento fetal.

TOXOPLASMOSE Etiologia. Causada pelo protozoário Toxoplasma gondii, um parasita intracelular, e transmitida pelo contato com fezes de gatos infectados e pela ingestão de vegetais contaminados ou carne mal-cozida. Epidemiologia. Na América Latina, 70-80% da população adulta é soropositiva. Certas áreas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina apresentam uma prevalência ainda maior, de até 98%. A incidência de infecção aguda na gestação varia entre 0,2-1%. Estima-se que, a cada ano, cerca de 18 mil gestantes adquiram a doença, e que o número de crianças apresentando a forma grave da doença seja de 400 casos/ano. No Brasil, estudos têm encontrado uma prevalência de 1-2 recém-nascidos (RNs) infectados para cada 1.000 nascidos vivos. Transmissão materno-fetal. O acometimento fetal ocorre via transplacentária após primoinfecção materna durante a gestação. A reativação ou reinfecção não costuma causar doença fetal. A primoinfecção leva à infecção fetal em cerca de 40% dos casos, a qual aumenta no decorrer da gestação, variando de 15% (1o trimestre) a 60% (3o trimestre). A gravidade da doença é inversamente proporcional à idade gestacional. Infecções maternas precoces podem levar a abortamento, natimortalidade ou doença fetal grave. Infecções tardias geralmente levam a nascimento de RNs com infecção subclínica.

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Rastreamento pré-natal Q As sorologias (IgG e IgM) devem ser solicitadas na primeira consulta prénatal. Há quatro situações possíveis, conforme mostra a Figura 12.1. Q Se houver toxoplasmose materna aguda confirmada, deve-se iniciar o tratamento com espiramicina. Seu uso reduz em 40-60% o risco de transmissão da doença ao feto. Q O diagnóstico pré-natal de infecção fetal se faz por PCR (reação em cadeia pela polimerase), IgM ou IgA em líquido amniótico ou sangue de anexo fetal e pela pesquisa de malformações congênitas por ultrassom (US). Se a PCR for negativa, deve-se manter a espiramicina até o parto. Em fetos comprovadamente afetados (PCR+ ou alterações ecográficas características), alterna-se a espiramicina com o esquema tríplice (pirimetamina + sulfadiazina + ácido folínico) até a 36a semana de gestação para reduzir a gravidade da doença fetal. Q Um diagnóstico fetal negativo não exclui infecção fetal, devendo a criança ser acompanhada durante o 1o ano de vida para confirmar ou excluir o diagnóstico de toxoplasmose congênita. Quadro clínico. A doença pode se manifestar no período neonatal, nos primeiros meses de vida ou, ainda, durante o período escolar, adolescência ou vida adulta. Cerca de 70-80% dos RNs afetados são assintomáticos ao nascimento, mas mesmo esses podem, se não tratados, desenvolver lesões oftalmológicas ou neurológicas posteriores. As manifestações neonatais podem ser neurológicas, generalizadas ou ambas. A forma generalizada normalmente ocorre quando a doença foi transmitida no 3o trimestre de gestação. A mortalidade da doença manifesta no período neonatal é de 12%. Principais manifestações neonatais: Q

Hidrocefalia, microcefalia, convulsões, opistótono, paralisias, calcificações cerebrais Q Icterícia, anemia, pneumonite, miocardite Q Prematuridade Q Retinocoroidite (lesão aguda ou cicatrizada) Diagnóstico. A presença de IgM ou IgA específica confirma a infecção do RN. No entanto, a maioria das crianças afetadas antes de 20 semanas apresentará resultados negativos. Títulos de IgG quatro vezes maiores do que os maternos são fortemente sugestivos de infecção congênita, o mesmo ocorrendo com a persistência dos títulos ou com a sua elevação em controles sucessivos. A PCR é positiva em apenas 50% dos infectados. Q

Hemograma: anemia, trombocitopenia, leucocitose ou leucopenia, eosinofilia > 30%. Q Líquido cerebrospinal: hiperproteinorraquia, pleocitose com predomínio de mononucleares. 140

141

Figura 12.1 Sorologias maternas pré-natais para toxoplasmose e seu manejo durante a gestação. INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Q

Tomografia de crânio: calcificações cerebrais, atrofia cortical, dilatação ventricular. Q Fundoscopia: coriorretinite característica. Tratamento. Todos os RNs com infecção clínica ou subclínica devem ser tratados para reduzir a frequência e a gravidade das sequelas. Q

Pirimetamina: 1 mg/kg/dia, VO, 1 ×/dia, por 6 meses. Após, a mesma dose, 3 ×/semana, até 1 ano. (Daraprim® – comprimidos de 25 mg). Q Sulfadiazina: 80-100 mg/kg/dia, VO, de 12/12 horas, por 1 ano (Sulfadiazina® – comprimidos de 500 mg). Q Ácido folínico: 5-10 mg, VO, 3 ×/semana, por 1 ano (Leucovorin® – comprimidos de 15 mg).

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Se coriorretinite aguda, utiliza-se prednisona, 1 mg/kg/dia, VO, de 12/12 horas. Avaliação dos efeitos adversos das drogas: solicitar periodicamente hemograma, plaquetas e exame qualitativo de urina (EQU). Se neutropenia < 1.000/mm3 aumentar o ácido folínico para 10-20 mg diariamente. Se neutrófilos < 500/mm3, interromper a pirimetamina até normalização do quadro. Prognóstico. Manter acompanhamento periódico com pediatra, oftalmologista e neurologista. Realizar avaliação auditiva no primeiro ano de vida. O seguimento sorológico durante o tratamento deve ser realizado apenas nas crianças em que não foi possível confirmar o diagnóstico, devendo ser realizado a cada 2-3 meses. Se o tratamento é iniciado quando a síntese de anticorpos já está bem estabelecida, ele não altera a evolução dos títulos, que podem permanecer altos, não indicando falha terapêutica. Se o tratamento foi iniciado precocemente, quando a síntese de anticorpos é baixa, ele suprime a formação de anticorpos, que deve iniciar mais tardiamente, após 6-12 meses, geralmente após o término do tratamento. As principais sequelas são oculares (microftalmia, atrofia do globo ocular, estrabismo, nistagmo, catarata, atrofia óptica) ou neurológicas (hidrocefalia, convulsões, retardo do crescimento neuropsicomotor – RDNPM, microcefalia, hipertonia, paralisias). Mesmo as crianças nascidas assintomáticas podem desenvolver sequelas. O prognóstico é pior quando houver manifestações clínicas precoces. Prevenção. Mães soronegativas devem manter gatos fora de casa, manusear as eliminações com luvas, esvaziar dejetos todos os dias e só alimentá-los com comida seca, enlatada ou cozida. Deve-se evitar a ingestão de carne malpassada ou malcozida e de vegetais crus, usar luvas para manusear carne crua e vegetais e lavar bem utensílios de cozinha e superfícies. Usar luvas também ao fazer jardinagem.

CITOMEGALOVÍRUS Etiologia. O citomegalovírus (CMV) é um herpes-vírus que tem o homem como seu único hospedeiro. Após a infecção aguda, o vírus não é eliminado do organis-

142

mo e permanece latente, podendo ser reativado em diferentes circunstâncias (gestação, uso de imunossupressores, AIDS).

Transmissão materno-fetal. Estima-se em 2,1% o risco de primoinfecção em gestantes. O risco de contaminação fetal é de 30-50%. A transmissão pode ocorrer em qualquer período da gestação (transplacentária), pela secreção vaginal contaminada (periparto), ou no período pós-natal (pelo leite materno). Após uma reativação, o risco de contaminação fetal é de 0,15-3%. As crianças são normalmente assintomáticas ao nascimento, mas entre 7 e 8% desenvolverão sequelas neurossensoriais. As consequências para o feto são mais graves quando a doença ocorre antes de 20 semanas de gestação. A infecção aguda no 1o trimestre apresenta um risco de sequelas neurossensoriais entre 35 e 45%, que se reduz para 8-25% e 0-7% no 2o e no 3o trimestre, respectivamente. Rastreamento pré-natal. O rastreamento universal não é recomendado, devendo-se limitá-lo às gestantes com quadro sugestivo de CMV (sintomas mononucleose-like em gestantes suscetíveis), imunodeprimidas e mulheres em atividades de risco (babás, professoras e profissionais da saúde). Q

IgG(-) e IgM(-): gestante suscetível. Adotar medidas profiláticas para evitar o contato com o vírus. Não há consenso sobre repetir a sorologia. Q IgG(+) e IgM(-): gestante imune. Embora possa estar suscetível à reativação, não se recomenda repetir a sorologia. Q IgG(-) e IgM(+): repetir a sorologia em duas semanas. – IgG(-) e IgM(+): IgM falso (+). Gestante suscetível. – IgG(+) e IgM(+): infecção aguda. Se < 16 semanas, solicitar teste de avidez para determinar se a infecção ocorreu antes ou durante a gestação. Avidez alta sugere infecção há mais de três meses, e avidez baixa sugere infecção recente. Se > 16 semanas, considerar infecção aguda e encaminhar para avaliação fetal.

143

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Epidemiologia. Infecção congênita mais frequente, acometendo entre 0,2 e 2,2% dos RNs. Em populações de baixo nível socioeconômico, a prevalência de soropositividade é alta (85-100%) e a incidência de infecção primária (4%) e de infecção congênita (0,98%) são também elevadas. Em populações de nível socioeconômico mais elevado, cerca de 50-65% das mulheres são soropositivas, a taxa de soroconversão na gestação é de cerca de 1,6%, e 0,39% apresentarão infecção congênita. Estima-se, no Brasil, que cerca de 15 mil crianças nasçam anualmente com sintomas da infecção, das quais 1.800 (12%) morrem no primeiro ano de vida, e as sobreviventes apresentarão sequelas a médio e longo prazo. Outras 2.100 crianças que apresentam infecção subclínica ao nascimento desenvolverão déficits mentais e auditivos em um período de até 7 anos.

Para o diagnóstico de infecção fetal, o teste mais sensível e específico é o PCR em líquido amniótico após as 21 semanas de gestação. A US fornece informações sobre a gravidade do comprometimento fetal. Pode-se realizar, ainda, detecção de IgM específica por meio de cordocentese ou cultura viral em qualquer fluido corporal do RN. Alterações ecográficas na gestação sugestivas de infecção fetal: retardo do crescimento intrauterino (RCIU), ascite, anasarca, poli ou oligoidrâmnio, calcificações hepáticas, microcefalia, calcificações periventriculares, hiperecogenicidade intestinal, derrame pericárdico ou pleural.

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Quadro clínico. Cerca de 90-95% dos infectados são assintomáticos ao nascimento. Entre os sintomáticos, a maioria apresenta doença generalizada, sendo que 30% morrem em dias a semanas. A síndrome completa com envolvimento multissistêmico ocorre em menos de 1:3.000 nascimentos, com púrpura e petéquias (79%), hepatoesplenomegalia (74%), icterícia (63%), microcefalia (48%), anemia, alteração de função hepática e estrabismo. Cerca de um terço dos acometidos é prematuro e outro terço é pequeno para a idade gestacional. As crianças afetadas excretam o vírus na urina, saliva e nasofaringe por vários meses, constituindo fonte importante de transmissão horizontal. Diagnóstico Q Laboratorial: anemia hemolítica, plaquetopenia, linfocitose atípica, alteração de função hepática. Líquido cerebrospinal com pleocitose às custas de mononucleares e aumento de proteínas. Q Testes específicos: – Cito e histopatológico: células de inclusão típicas podem ser encontradas em qualquer fluido orgânico ou amostra de tecidos. Apresenta muitos falsonegativos. – Imunoistoquímica e imunocitologia: detecção do antígeno específico em fluidos orgânicos ou amostras de tecidos. Mais sensível do que o histopatológico, mas ainda não utilizado rotineiramente. – PCR: bastante sensível e específico, pode ser realizado em urina, sangue, líquido cerebrospinal e saliva. – Isolamento viral: em tecidos ou fluidos corporais. Necessita de quatro semanas de cultura para o resultado. – Sorologias: IgG e IgM específicas. A repetição periódica das sorologias pode mostrar aumento nesses títulos ou a detecção de IgM. – Imagem: raio X, ecografia ou tomografia de crânio podem mostrar calcificações periventriculares, hidro ou microcefalia. – Fundo de olho: para detectar a coriorretinite típica. – Potencial evocado auditivo de tronco cerebral: para verificar a deficiência auditiva. Tratamento. Ganciclovir apenas em RNs sintomáticos. Dose de 10 mg/kg/dia, de 12/12 horas, por 21-28 dias. Contraindicado quando há neutropenia, insuficiência hepática ou renal. Realizar controles hematológicos, renais e hepáticos rigorosos. 144

Prognóstico. Na forma multissistêmica da doença, a mortalidade é de 30%. Os sobreviventes apresentam sequelas, como microcefalia, retardo mental, alterações oculares, déficits motores, defeitos dentários, convulsões, surdez neurossensorial, distúrbios de linguagem e de aprendizado em até 90% dos casos. Nas formas subclínicas, 5-15% apresentarão sequelas neurológicas, oftalmológicas e auditivas. A surdez é a sequela mais comum (10%), sendo bilateral em 50% dos casos. Entre os infectados após reativação da doença materna, 5-15% apresentarão sequelas, como RDNPM, surdez, coriorretinite, defeitos motores, retardo mental, microcefalia e defeitos dentários.

RUBÉOLA Etiologia. RNA vírus da família togaviridae, gênero rubivírus, que tem o homem como único hospedeiro. Tem alta infectividade, e pode permanecer nos tecidos por período prolongado, acarretando alterações anos após o nascimento. Epidemiologia. Na idade reprodutiva, 75-85% da população é imune, devido principalmente às infecções subclínicas. Estima-se que, em uma população com 90% de mulheres imunizadas, a incidência de rubéola congênita seja de 4:10.000 gestações. Transmissão materno-fetal. A infecção materna pode levar a abortamento espontâneo, morte fetal, infecção placentária isolada ou com acometimento fetal, provocando lesões e malformações variadas. A idade gestacional no momento da exposição é o maior determinante do acometimento fetal. A infecção do feto ocorre via transplacentária. O risco de infecção fetal existe em qualquer estágio da gestação, mas é mais alto quando a infecção ocorre no 1o trimestre (principalmente antes de 8 semanas) ou no final da gestação. Nas primeiras 12 semanas, mais de 80-90% das infecções maternas são transmitidas ao feto, com um risco de abortamento de 20% e um risco superior a 90% de malformações congênitas. Entre 12 e 18 semanas, o acometimento fetal manifesta-se exclusivamente por surdez, e, após as 18 semanas, a infecção fetal é assintomática. O risco de transmissão fetal volta a aumentar após as 36 semanas, com taxas de infecção fetal de 60-100%. Os RNs afetados excretam o vírus pelas secreções respiratórias, urina e saliva por mais de 1 ano, devendo ser mantidos afastados de gestantes. 145

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Prevenção. Reduzir a exposição das gestantes ao CMV por meio de cuidados de higiene, lavagem de mãos, utensílios e brinquedos, principalmente daquelas que trabalham em hospitais, escolas ou creches com crianças abaixo de 2 anos. Evitar contato com urina e saliva. Exames sorológicos de rotina não são recomendados, pois mesmo com primoinfecção materna comprovada não se pode prever o comprometimento fetal, não existe tratamento eficaz, a presença de anticorpos maternos não protege o RN da transmissão durante a reativação e 90% dos RNs são assintomáticos.

A vacina contra a rubéola, por vezes administrada inadvertidamente a gestantes, pode causar infecção fetal em alguns casos, mas não existe, até o momento, relato de embriopatia causada pelo vírus vacinal. Rastreamento pré-natal. A sorologia deve ser realizada na 1a consulta do pré-natal. Q

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

IgG(-) e IgM(-): gestante suscetível. Repetir sorologia se contato com pessoa contaminada ou rash sugestivo. Encaminhar para vacinação após o parto. Q IgG(+) e IgM(-): gestante imune. Q IgG(-) e IgM(+): repetir sorologia em duas semanas. – IgG(-) e IgM(+): IgM falso(+). Repetir sorologia se contato com pessoa contaminada ou rash sugestivo. – IgG(+) e IgM(+): infecção aguda. Encaminhar para avaliação fetal. Q IgG(+) e IgM(+): Se < 16 semanas, realizar teste de avidez para determinar se a infecção ocorreu antes ou durante a gestação. Se > 16 semanas, considerar infecção aguda e encaminhar para avaliação fetal. O diagnóstico pré-natal de infecção fetal é realizado por meio de PCR no líquido amniótico. Realizar US para pesquisa de malformações sugestivas e cordocentese para pesquisa de sinais de comprometimento sistêmico (alteração de provas de função hepática, anemia, trombocitopenia, pesquisa de IgM específica). Quadro clínico. A apresentação mais frequente é a inicialmente silenciosa, tornando-se sintomática em até 70% das crianças até 5 anos. Q

Manifestações precoces: presentes ao nascimento, refletem infecção viral maciça com envolvimento sistêmico. Hepatoesplenomegalia, icterícia, hepatite, trombocitopenia, petéquias, púrpura, exantema, adenopatia, hemólise, meningoencefalite, miosite, pneumonia intersticial, catarata, alterações ósseas, cardiopatia, alterações urinárias (hipospádia, rins policísticos ou agenesia renal). A mortalidade está relacionada à cardiopatia grave, alterações hematológicas, encefalite e pneumonia intersticial fulminante. Q Defeitos estruturais: resultantes de alterações na organogênese, destruição tecidual ou reações cicatriciais, e podem se manifestar até 1 ano de idade. – Prematuridade, baixo peso ao nascer, RCIU (50% dos afetados). – Lesões auditivas: presentes em 75-80% das crianças infectadas. – Cardiopatias congênitas: presentes em mais de 50% dos fetos infectados até a 8a semana de gestação. Persistência do canal arterial, estenose de artéria pulmonar, estenose de válvula aórtica, defeitos septais e tetralogia de Fallot são as mais frequentes. Pode haver miocardite. – Lesões oculares (20-30%): retinopatia em “sal com pimenta”, catarata, glaucoma, hipoplasia ocular. – Lesões do sistema nervoso central (SNC) (25%): meningoencefalite (em até 10-20%), retardo mental e motor, microcefalia, calcificações cerebrais.

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– Lesões ósseas: micrognatia, osteopatia das metáfises, alterações em extremidades. – Alterações hematológicas: púrpura trombocitopênica, anemia hemolítica. – Alterações viscerais: hepatite e pneumonia intersticial. Q Manifestações tardias e do desenvolvimento: manifestam-se até a idade escolar. Decorrem de doença progressiva ocasionada por infecção viral persistente, reativação viral, alterações imunológicas e vasculares. Diabete insulinodependente (em 20% dos adultos infectados durante a vida fetal), disfunções da tireoide e do hormônio do crescimento, puberdade precoce, surdez neurossensorial, glaucoma, ceratite, ceratocone, retinopatia, retardo mental, distúrbios do comportamento e de aprendizagem, autismo. As lesões vasculares podem causar hipertensão e doenças coronarianas e cerebrais. Diagnóstico Isolamento do vírus em cultura de tecidos, cultura conjuntiva, líquido cerebrospinal, urina ou sangue. Q Hemograma (plasmocitose, plaquetopenia). Q Líquido cerebrospinal: se meningoencefalite, haverá pleocitose com aumento de proteínas. Ecografia cerebral ou tomografia podem mostrar calcificações cerebrais. Q Raio X de ossos longos: atraso no centro de ossificação dos joelhos, lesões de osteopatia das metáfises. Q Avaliação oftalmológica: coriorretinite “sal com pimenta”. Q Avaliação auditiva: perda auditiva neurossensorial. Q Sorologias: ELISA IgG e IgM têm sensibilidade e especificidades altas. Na ausência de IgM (+), a IgG com títulos quatro vezes superiores aos maternos é um forte indício de infecção congênita. A persistência ou aumento desses títulos em avaliações seriadas, após os 6-12 meses de idade, é indício de infecção. Tratamento. Não existe tratamento específico, e o curso da doença não parece ser alterado com os agentes terapêuticos disponíveis. Tentativas com amantadina, interferon e isoprinosina não conseguiram resultados favoráveis. Prognóstico. Haverá sequelas em 80-90% dos casos, principalmente surdez. Manter acompanhamento neurológico (risco de autismo e retardo mental), oftalmológico e auditivo. Associação com doenças crônicas, principalmente diabete tipo 1 (20-40% aos 35 anos) e distúrbios da tireoide (5%). Prevenção. A vacina confere proteção em 90% dos suscetíveis e possui duração de 15 anos em 95% dos vacinados. Deve-se aguardar 30 dias para engravidar. A vacinação no pós-parto deve ser encorajada. Em gestantes suscetíveis expostas, é discutível o uso de imunoglobulina (20 mL, IM, até 72 horas), mas a ação na prevenção da infecção fetal não está definida.

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INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Q

HEPATITE B Transmissão materno-fetal. A principal forma de transmissão vertical é a perinatal (90%), pela ingestão de secreções no momento do parto. Os demais 10% são decorrentes de passagem transplacentária. A transmissão fetal é maior na hepatite aguda (48%) em relação à crônica (20%). O risco de infecção crônica após transmissão vertical é de 90% em RNs. Nos casos de infecção materna crônica, o risco de transmissão fetal está associado à presença de alguns marcadores virais, conforme demonstra a Figura 12.2.

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Rastreamento pré-natal. Em mais de 90% dos casos, as portadoras crônicas são assintomáticas, sendo identificadas apenas por meio do rastreamento sorológico de rotina.

Figura 12.2 Manejo de gestantes HBsAg (+) e o prognóstico fetal. HBe, indica replicação viral; Anti-HBe, indica ausência de replicação viral. 148

Prognóstico. Sem tratamento preventivo, 88% dos RNs de mães portadoras evoluirão para a forma crônica da doença após 10-30 anos. Estima-se que 25% dessas crianças morrerão por complicações da doença hepática (cirrose ou carcinoma), com uma sobrevida média de 50 anos. Prevenção. O pediatra deve utilizar avental, máscara, óculos e luvas ao atender o RN no parto. As vias aéreas devem ser aspiradas delicadamente para evitar traumatismo. Deve-se realizar aspirado e lavado gástrico e banho precoce para remover sangue, secreções e líquido amniótico contaminados do contato com o RN. As medicações intramusculares ou endovenosas devem ser evitadas antes do primeiro banho. A vacina para hepatite B e a HBIG (imunoglobulina humana anti-hepatite B) devem ser aplicadas nas primeiras 12 horas de vida e conferem proteção contra a doença em 95% dos casos. A dose é de 0,5 mL (cada), via IM, em lugares separados. Existe transmissão pelo leite materno, porém o risco é desprezível após a administração da vacina e da HBIG.

Transmissão materno-fetal. Varia de 3,3-5%. Pode aumentar até 70% se a carga viral materna for elevada e em mães HIV-positivo. A transmissão é transplacentária e perinatal. Não existe consenso sobre a melhor via de parto em gestantes portadoras de hepatite C. A amamentação parece não aumentar os riscos de transmissão fetal. Rastreamento pré-natal. Se o anti-HCV materno é positivo, deve-se solicitar o PCR para o vírus da hepatite C (HCV) para a mãe, pois somente mães com PCR(+) podem transmitir o vírus para seus filhos. Prevenção. Os mesmos cuidados referentes à hepatite B devem ser aplicados. Encaminhar o RN para pesquisar o PCR para HCV a partir dos 2 meses de idade e seguimento do anti-HCV até 1 ano de idade.

SÍFILIS Etiologia. Doença causada por um espiroqueta, o Treponema pallidum, que provoca doença apenas em humanos. Epidemiologia. No Brasil, estima-se que 4% das gestantes atendidas na rede pública apresentem evidências sorológicas de sífilis e que pelo menos 40% de seus bebês sejam gravemente acometidos pela doença, ocorrendo mais de 900 mil novos casos de sífilis congênita a cada ano. 149

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

HEPATITE C

Transmissão materno-fetal. Ocorre por via transplacentária em qualquer momento da gestação, sendo mais comum após as 16 semanas. A taxa de transmissão é de 50-100% na sífilis primária e secundária, 40% na sífilis latente precoce e 20% na sífilis latente tardia.

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Rastreamento pré-natal Q Teste não treponêmico (VDRL): utilizado para rastreamento e monitoração da atividade da doença. Sensibilidade de 62-76% na sífilis primária, 100% na secundária e < 75% na tardia. Os títulos diminuem ou negativam após o tratamento e podem negativar mesmo sem tratamento na sífilis latente e terciária. Podem ocorrer falso-positivos (geralmente títulos < 1:8, decorrentes da própria gestação, além do uso de drogas injetáveis, doenças do tecido conjuntivo, doenças crônicas e neoplasias). Q Testes treponêmicos: o FTA-ABS é um teste confirmatório com sensibilidade de 84% na sífilis primária e 100% nos outros estágios da doença. Devido à possibilidade de cicatriz sorológica, um teste positivo não indica atividade da doença. Conforme orientação do Ministério da Saúde, o diagnóstico de sífilis na gestação é confirmado em todas as gestantes com VDRL = 1:8, independentemente do resultado do FTA-ABS. O rastreamento de sífilis na gestação deve ser realizado conforme mostra a Figura 12.3. Vários métodos podem ser utilizados para diagnóstico de infecção fetal: Q Q Q

Q Q Q

PCR no líquido amniótico: apresenta baixa sensibilidade (64%). Cordocentese: alteração de função hepática, anemia, leucocitose e presença de IgM específica. US: alterações ecográficas podem ser observadas em 70% dos fetos contaminados, com hepatomegalia (mais comum), ascite, edema de subcutâneo e polidrâmnio. A evolução da infecção fetal não tratada é variável. Morte intrauterina ocorre em cerca de 25% dos casos, e morte perinatal pode ocorrer em outros 25%. O tratamento materno deve ser realizado com penicilina, com doses de acordo com o estágio da doença, apresentando eficácia superior a 98%. O VDRL deve ser repetido mensalmente nos primeiros seis meses após o tratamento.

Quadro clínico. Dois terços das crianças infectadas são assintomáticas ao nascimento, apresentando as manifestações características mais tarde. Q

Sífilis precoce (sintomas dentro dos primeiros 2 anos de vida): parece ocorrer quando a infecção fetal é mais tardia na gestação. – Mucocutâneo: exantema maculopapular, pênfigo palmoplantar, rinorreia piossanguinolenta, condiloma plano. – Reticuloendotelial: hepatoesplenomegalia (50%), linfadenopatia generalizada (50%), hepatite (30%).

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– Hematológico: anemia hemolítica, hidropisia, coagulação intravascular disseminada (CIVD), trombocitopenia. – Esqueléticas: periostite, osteocondrite, osteomielite, pseudoparalisia de Parrot. – Neurológico: meningite aguda ou crônica progressiva, hidrocefalia. – Outras: atrofia ungueal, paroníquia, diarreia, miocardite, pneumonia, hipertensão pulmonar, neurite óptica, coriorretinite, glaucoma, uveíte, glomerulonefrite, síndrome nefrótica. Q Sífilis tardia: fronte olímpica, maxila curta, palato em ogiva, nariz em sela, alterações dentárias (dentes de Hutchinson), tíbia em sabre, rágades periorais, ceratite, irite, coriorretinite, surdez neurossensorial, retardo mental, hidrocefalia, convulsões, problemas motores, paralisia de nervos cranianos, meningoencefalite, fibrose hepática. Diagnóstico Inespecífico: hemograma (anemia, linfocitose, trombocitopenia), líquido cerebrospinal (pesquisa de VDRL, pleocitose, aumento de proteínas), raio X de ossos longos, exame da placenta, avaliação oftalmológica e auditiva, provas de função hepática e renal, tomografia computadorizada (TC) de crânio.

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Q

Figura 12.3 Rastreamento da sífilis na gestação. 151

Q

Específico: – Teste não treponêmico (VDRL): é considerado positivo quando superior a 1:2. Os infectados apresentam títulos 3-4 vezes maiores do que os maternos. Pode ser falso-negativo se a infecção materna foi tardia. – Testes treponêmicos: o FTA-ABS IgM tem 10% de falso-positivos e 2040% de falso-negativos. O ELISA IgM por captura tem sensibilidade de 88%. A PCR tem 96% de especificidade e 74% de sensibilidade.

Tratamento. Confome a Figura 12.4. Q Q

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Esquema A: penicilina benzatina, 50.000 UI/kg/dia, IM, dose única. Esquema B: penicilina G cristalina, 50.000 UI/kg/dose, a cada 6, 8 ou 12 horas (dependendo da idade e da maturidade do RN), EV, quando houver comprovação de envolvimento liquórico. Tratar 10-14 dias. Q Esquema C: penicilina procaína, 50.000 UI/kg/dia, IM, dose única diária, por 10 dias. Seguimento. VDRL com 1-3-6-12-18-24 meses. O VDRL costuma negativar até os 12 meses em 70% dos casos. Se líquido cerebrospinal alterado, repetir aos 6 meses e, se necessário, a cada semestre até os 24 meses. Manter acompanhamento neurológico, auditivo e oftalmológico.

HERPES SIMPLES Etiologia. O herpes congênito pode ser causado pelo vírus herpes simples (VHS) 1 ou VHS 2. O tipo 2 é responsável pela doença neonatal em 75% dos casos. Epidemiologia. Oitenta por cento da população adulta é soropositiva para o VHS 1 (responsável pelas lesões orolabiais recorrentes) e 40% para o VHS 2 (responsável pelas lesões genitais). Transmissão materno-fetal. Cerca de 95% das infecções ocorrem no momento do parto, pelas secreções contaminadas na cérvice e na vulva. O risco de transmissão é relacionado à quantidade de inóculo presente, sendo de 33-50% após primoinfecção e de 3-5% se infecção recorrente ativa no momento do parto. A transmissão transplacentária é rara, mas já foi documentada. Pode causar aborto em primoinfecções antes de 20 semanas. Quadro clínico. As lesões vesiculares iniciam 6-11 dias após o nascimento. A apresentação clínica pode ser localizada em pele e mucosas (45% dos casos), encefalite (35%) ou doença disseminada (20%). A infecção disseminada apresenta quadro clínico semelhante à sepse, associada a erupções vesiculares, ceratoconjuntivite e úlceras orais. Dois terços dos casos apresentam encefalite, e 20% não apresentam o rash característico. A taxa de mortalidade é elevada (60-90%). A encefalite caracteriza-se por sintomas neurológicos (letargia, irritabilidade, sinais 152

153

Figura 12.4 Organograma de tratamento da sífilis congênita. INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

piramidais, convulsões, hipotonia) iniciados após 15 dias de vida. Cerca de 40% dos casos não têm o rash cutâneo característico.

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Diagnóstico. A ausência de lesões genitais na mãe não afasta a infecção herpética, pois até 70% das infecções maternas são assintomáticas. Hemograma (neutropenia, trombocitopenia); líquido cerebrospinal (normal ou com aumento de células mononucleares e proteínas), alteração de provas de função hepática. Detecção do vírus: em casos suspeitos, pode-se isolar o vírus em material retirado de vesículas ou na oro/nasofaringe, conjuntiva, urina, fezes, sangue e líquido cerebrospinal. Sorologia: a IgM só é detectada após 7-10 dias de evolução, não tendo valor para o diagnóstico precoce. A PCR tem sensibilidade de 75-100% e especificidade de 100%. O eletrencefalograma (EEG) é alterado nos casos com comprometimento neurológico, com alterações principalmente em lobos temporais. A TC de crânio pode demonstrar hemorragia, edema, infarto, encefalomalacia e alterações na mielinização. Tratamento. Iniciar o tratamento precocemente, mesmo nos casos localizados, pois ele reduz a mortalidade, nos casos sistêmicos, de 90 para 70%, e nos casos localizados (incluindo encefalite), de 50 para 15%. Q

Aciclovir, 10-15 mg/kg/dose, de 8/8 horas, por 10-14 dias (doença mucocutânea localizada) ou 21 dias (envolvimento multissistêmico ou do SNC).

Prevenção. Mães com primoinfecção herpética na gestação devem receber aciclovir por 10 dias, após o 1o trimestre de gestação. Se a mãe apresenta lesões ativas no momento do parto, está indicada cesariana com bolsa rota menor que 4 horas. Se esse RN nascer por via baixa, deve-se mantê-lo em isolamento de contato e coletar material de oro/nasofaringe e conjuntivas e observar a evolução. Iniciar tratamento se sintomas ou swab (+). No caso de lesões maternas não genitais, deve-se proteger o RN com medidas de isolamento de contato. Se as lesões forem orais, a mãe deverá usar máscara e, se as lesões forem nas mamas, está indicada a interrupção temporária da amamentação. Prognóstico. As formas localizadas apresentam até 100% de sobrevida com tratamento, e 5% dos afetados terão complicações neurológicas a longo prazo. A encefalite tem sobrevida de 85% com tratamento, mas 65% dos afetados apresentarão sequelas neurológicas. Os 40% de sobreviventes da doença disseminada apresentarão sequelas neurológicas a longo prazo em 40% dos casos.

SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA PERINATAL Etiologia. Retrovírus denominado HIV (vírus da imunodeficiência humana). 154

Q

Identificação no pré-natal das gestantes contaminadas e encaminhamento para pré-natal de alto risco. Q Uso de AZT pela mãe na gestação e intraparto. Q Evitar trabalho de parto prolongado; não romper membranas artificialmente; evitar episiotomia; promover ligadura precoce do cordão; limpar imediatamente o RN das secreções e sangue materno; aspirar suavemente as secreções da orofaringe e do estômago. Q Contraindicar aleitamento materno. Tratamento. AZT para o RN a partir das primeiras 6-12 horas de vida. Dose de 2 mg/kg/dose, VO, de 6/6 horas. AZT xarope: 1 mL = 10 mg. Se houver impossibilidade de VO, usar AZT injetável na dose de 1,5 mg/kg/ dose, nos intervalos que seguem: ≤ 29 semanas: – 0-28 dias: 12/12 horas – > 28 dias: 8/8 horas Q 30-34 semanas: – 0-14 dias: 12/12 horas – > 14 dias: 8/8 horas Q ≥ 35 semanas: – para todas as idades, de 6/6 horas. Q

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INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Transmissão materno-fetal. Pode ocorrer intraútero, peri ou pós-natal. A transmissão perinatal é responsável por 60-75% das infecções perinatais, e a via transplacentária, por 25-40%. O aleitamento materno é o principal meio de transmissão pós-natal, com risco adicional de 14%. A taxa de transmissão global sem tratamento é, em média, de 25%, variando de 15-35%. A primípara transmite com maior frequência devido ao maior tempo de trabalho de parto. O primeiro gêmeo tem mais chance de se infectar (maior tempo no canal de parto, maior frequência de exposição a procedimentos e maior exposição da mucosa à infecção ascendente). A ruptura de membranas superior a 4 horas aumenta muito a chance de transmissão vertical. O nascimento por cesariana pode reduzir em até 50% a chance de transmissão da doença. A administração de zidovudina (AZT) à parturiente, associada à cesariana eletiva, reduz a taxa de transmissão para 2,5%. Fatores associados à maior transmissão vertical: estágio da doença materna, infecção placentária ou de membranas, presença de doença sexualmente transmissível (DST), trabalho de parto prolongado, exposição maciça ao sangue materno durante o parto, ruptura prolongada de membranas, aleitamento materno, CD4 materno < 200. Estratégias para redução da transmissão vertical:

VARICELA Etiologia. Doença transmitida pelo vírus varicela-zóster.

INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

Transmissão materno-fetal. A síndrome da varicela fetal ocorre em até 25% dos fetos após primoinfecção durante a gestação. A chance de abortamento é de 3-8% nos primeiros trimestres, e o diagnóstico fetal se dá por alterações ecográficas. A varicela materna de aparecimento dentro dos 21 dias que antecedem o parto associa-se à doença neonatal em 25-50% dos casos (a chamada varicela congênita), podendo ser mais grave se ocorrer entre 5 dias antes e 48 horas após o parto. Há risco de doença disseminada com comprometimento multissistêmico, com 20% de óbitos decorrentes de acometimento pulmonar. Quadro clínico. O quadro clínico da síndrome da varicela fetal consiste em baixo peso ao nascer, lesões cicatriciais na pele, acometimento de membros (hipoplasia, equinovarismo, ausência ou alterações de dedos), alterações neurológicas (atrofia cortical, hidranencefalia, convulsões, síndrome de Horner, íleo ou bexiga neurogênica), oftalmológicas (coriorretinite, estrabismo, catarata, microftalmia, nistagmo, anisocoria) e gastrintestinais (microcólon, estenose duodenal, atresia de sigmoide, disfunção esficteriana). Não há necessidade de isolamento desses RNs, pois a replicação viral ocorre nas fases precoces da gestação. A varicela congênita não apresenta malformações, e sim quadro clínico multissistêmico semelhante à sepse e aos quadros generalizados das outras infecções do grupo STORCH. Diagnóstico. PCR(+), IgM(+), IgG persistentemente elevado após os 7 meses. O aparecimento de zóster na infância sem varicela prévia sugere infecção. Tratamento. Apenas para a varicela congênita. O aciclovir reduz a incidência das formas disseminadas. Usar 30 mg/kg/dia, de 8/8 horas, iniciando até 24 horas após o aparecimento do rash. Aplicar VZIG (imunoglobulina humana antivaricelazóster) até 96 horas após o nascimento. O RN deve ser isolado por, no mínimo, 10 dias. Prevenção. RNs de mães que adquiriram varicela entre 5 dias antes e 48 horas após o parto devem receber VZIG na dose de 125 UI (= 1,25 mL), IM, nas primeiras 72-96 horas após a exposição. Gestantes no primeiro trimestre devem receber a imunização passiva se tiverem contato domiciliar contínuo ou se tiverem permanecido junto ao caso-índice por mais de 1 hora em ambiente fechado. A vacina é contraindicada na gestação, embora não se tenha relatos de casos de varicela congênita em gestantes inadvertidamente vacinadas nos primeiros trimestres.

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PARVOVIROSE

REFERÊNCIAS Couto JCF, Leite JM, Ferreira QTM. Infecções perinatais crônicas (TORCHS). In: Alves Filho NA, Corrêa MD, Alves Jr JMS, Corrêa Jr MDC. Perinatologia básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 315-80. Goulart AL, Santos AMN. Infecções perinatais. In: Kopelman BI, Santos AMN, Goulart AL, Almeida MFB; Miyoshi MH; Guinsburg R, et al. Diagnóstico e tratamento em neonatologia. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 425-76. Manual of Neonatal Care. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2004. Cap. 23, p. 255-341.

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INFECÇÕES CONGÊNITAS E PERINATAIS

O parvovírus B19 causa a doença infecciosa infantil chamada eritema infeccioso que, se adquirida por uma gestante suscetível, pode levar ao quadro de parvovirose congênita. Cinquenta por cento dos adolescentes aos 15 anos são soropositivos para o vírus, e estudos demonstram uma soroconversão anual de 2% em mulheres em idade reprodutiva. O risco de transmissão é de 30%, com risco de morte fetal em 9%, principalmente no 2o trimestre de gestação. Pode ocorrer, após a infecção da gestante, abortamento ou desenvolvimento de hidropisia fetal não imune, com anasarca, derrame pleural e pericárdico e ascite. Há insuficiência cardíaca congestiva devido à anemia severa causada pela pancitopenia e aplasia medular induzida pelo vírus, além de miocardiopatia. O diagnóstico laboratorial consiste na detecção de DNA viral por PCR em líquido amniótico, sangue ou tecidos fetais. A prevenção da doença em gestantes suscetíveis é complicada, pois o contágio pode ocorrer até uma semana antes do rash característico, e não há imunização ativa contra o vírus. Uma vez surgido o exantema em uma gestante, realiza-se a confirmação pela detecção de IgM específica e acompanha-se o feto por meio de US seriada.

CAPÍTULO 13

SEPSE NEONATAL LUCIANA ALONZO HEIDEMANN LUCIANA FRIEDRICH

Definição. A sepse neonatal é uma síndrome clínica caracterizada por sinais sistêmicos de infecção e acompanhada de bacteremia no primeiro mês de vida. É dividida em sepse precoce (nas primeiras 72 horas de vida) e sepse tardia (após 72 horas). A sepse é considerada comprovada quando a hemocultura é positiva. Denomina-se sepse clínica, provável ou suspeita, naqueles recém-nascidos (RNs) tratados como sepse mas com hemocultura negativa.

SEPSE NEONATAL

Epidemiologia. A incidência de sepse comprovada é de 1-8:1.000 nascidos vivos, podendo atingir até 300:1.000 nascidos vivos em pré-termos com peso < 1.500 g. Cerca de 25% dos neonatos com sepse comprovada apresentam meningite. Fisiopatologia Q Sepse precoce: relacionada a fatores maternos e periparto. A infecção pode ocorrer ainda no ambiente intrauterino (transmissão por via hematogênica ou transplacentária), na passagem pelo canal de parto (colonização com agentes da flora vaginal materna) ou após o nascimento. Fatores obstétricos, como o tempo de trabalho de parto, o número de toques vaginais e o tempo de ruptura de membranas, associam-se à infecção intrauterina, além de procedimentos como cerclagem cervical, cordocentese e transfusão intrauterina. – Fatores de risco maternos: febre intraparto, corioamnionite, bolsa rota > 18 horas, infecção do trato urinário, colonização por Streptococcus do grupo B. – Fatores de risco do RN: prematuridade, baixo peso ao nascer, asfixia perinatal, sexo masculino. – Agentes mais comuns: Streptococcus do grupo B, Escherichia coli, Ureaplasma urealyticum, Chlamydia trachomatis, Listeria monocytogenes. Q

Sepse tardia: associada à colonização dos RNs internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) neonatais. Os patógenos são geralmente de origem hospitalar. – Fatores de risco: procedimentos invasivos, como entubação traqueal, ventilação mecânica prolongada, cateteres centrais, nutrição parenteral, pun-

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Quadro clínico. A sepse precoce ocorre até 72 horas após o nascimento, apresenta transmissão vertical, é mais comum em prematuros e na situação de ruptura prematura de membranas. Ocasiona doença grave e multissistêmica, podendo ser fulminante. A sepse tardia ocorre em RNs de alto risco, em cuidados intensivos, agredidos por procedimentos invasivos, que adquirem a flora do ambiente hospitalar. A maioria dos RNs apresenta sinais inespecíficos em diversos sistemas: Q Q

Q

Q Q Q Q

Temperatura: instabilidade térmica, hipotermia ou febre, extremidades frias. Sistema nervoso central: letargia ou irritabilidade, contrações ou hiporreflexia, tremores, convulsões, coma, fontanelas abauladas, movimentos oculares anormais, hipo ou hipertonia, sucção débil, secreção inapropriada de hormônio antidiurético. Trato intestinal: recusa alimentar, vômitos, diarreia, distensão abdominal, edema ou eritema da parede abdominal, hepatomegalia, aumento de resíduo gástrico. Aparelho respiratório: cianose, gemência, apneia, taquipneia, retrações. Aumento da necessidade de O2 em pré-termos. Aparelho cardiovascular: palidez, cianose, pele fria e viscosa, arritmia, edema, taquicardia, hipotensão, acidose metabólica. Pele e subcutâneo: palidez, cútis marmórea, petéquias, equimoses, pústulas, onfalite, ectima, escleredema, má perfusão, pele seca e desidratada. Sistema hematopoiético: icterícia, aumento de bilirrubina direta, hemorragia, púrpura, equimoses, esplenomegalia.

A hipótese de meningite é aventada na presença de irritabilidade, alteração da consciência, hipotonia ou tremores. As convulsões acontecem em 40% dos casos. Os sinais focais incluem hemiparesia, desvio horizontal dos olhos e aco159

SEPSE NEONATAL

ções vasculares periféricas e sondas gástricas. O uso de antibióticos de amplo espectro, a superlotação das unidades e o tempo de hospitalização prolongado também são fatores de risco. – Agentes mais comuns: Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Pseudomonas sp., Proteus sp., Serratia sp., Klebsiella sp., Enterococcus sp., anaeróbios e fungos. – Para neonatos que procuram a emergência pediátrica procedentes do domicílio com quadro de sepse, deve-se coletar material para hemograma, proteína C reativa, glicemia, líquido cerebrospinal, hemocultura, urocultura, raio X de tórax e pesquisa de vírus respiratórios (se sintomas respiratórios), coprocultura e pesquisa de leucócitos fecais (se diarreia). O tratamento empírico é realizado com ampicilina e gentamicina até a liberação dos culturais. Lembrar que, em lactentes, não há relação entre a magnitude da febre e a infecção bacteriana, e que, em lactentes com febre, o risco de bacteremia persistente é de 30%; de infecção bacteriana localizada, de 10%, e de meningite, de 5-10%. Nesses pacientes, febre que ultrapassa 72 horas provavelmente não é viral.

SEPSE NEONATAL

metimento do sétimo, terceiro e sexto pares cranianos (nessa ordem de frequência). O abaulamento de fontanela é raro devido ao afastamento de suturas, e a rigidez de nuca é pouco frequente no período neonatal. Diagnóstico Q Hemocultura: padrão-ouro, porém apresenta baixa sensibilidade. Deve ser obtida por meio de punção vascular com assepsia rigorosa. O sangue coletado pelos cateteres pode apresentar contaminação, e a coleta de vasos umbilicais fornece maior número de resultados falso-positivos. No entanto, pode-se realizar coleta através de cateter em artéria umbilical até 9 horas de vida, quando introduzido logo após o nascimento. – Duas ou três hemoculturas fornecem mais informação do que uma única amostra. – Positividade em 96% dos casos até 48-72 horas. – Há possibilidade de o resultado representar contaminação quando o tempo para crescimento ultrapassa 48 horas; a coleta do cateter intravascular é positiva com hemocultura periférica negativa; há crescimento de múltiplas espécies em 1 cultura ou espécies diferentes em 2 culturas; há ausência de sinais clínicos na presença de hemocultura positiva com organismo da flora cutânea. Q Outras culturas: o crescimento de microrganismos em cultura nasal, orofaríngea, cutânea, umbilical, fecal, traqueal e gástrica indica colonização e não estabelece a presença de infecção sistêmica ativa. – Urocultura: apenas indicada se há suspeita de anomalia congênita e/ou infecção do trato urinário, principalmente em sepse tardia. Deve ser realizada por meio de punção suprapúbica. – Cultura de aspirado gástrico: a presença de bactérias e neutrófilos mostra apenas inflamação no líquido amniótico, placenta e outros tecidos do canal de parto. Não é bom indicador de infecção. Q Leucograma: a contagem de neutrófilos, neutrófilos imaturos e a relação imaturos/totais (relação I/T) pode auxiliar no diagnóstico. Leucopenia (< 5.000), leucocitose (> 20.000), polimorfonucleares imaturos > 1.500, relação I/T > 0,18, desvio à esquerda (bastões > 10%) e granulações tóxicas são achados importantes. Lembrar que neutropenia e neutrofilia podem estar presentes em outras condições, como hipertensão materna, asfixia, hemorragia periventricular, febre materna, etc., e podem perdurar por 48-72 horas, apresentando, assim, uma baixa especificidade. A leucocitose fisiológica ocorre nas primeiras 72 horas de vida. A plaquetopenia é um bom indicador de doença grave, mas apresenta baixa sensibilidade e especificidade. Q Líquido cerebrospinal: cerca de 25% dos neonatos com sepse comprovada apresentam meningite. A coleta deve ser realizada assim que o RN apresentar condições clínicas, mesmo após o início do tratamento. Bacilos Gram-negativos podem ser detectados ainda no 3o dia após o início do tratamento. Q PCR: apresenta valores máximos de normalidade de 10 mg/L no período neonatal e pico entre 2 e 3 dias do início do processo infeccioso. A sensibilidade encontra-se em torno de 50 e 90%, e a especificidade, entre 60 e 90% no 160

início dos sinais de sepse, mas a determinação seriada durante 1-3 dias eleva a sensibilidade para 75-98%, e o valor preditivo negativo, para 99%. Assim, a dosagem seriada parece ter valor na exclusão da infecção sistêmica. Seu valor eleva-se também na ruptura prematura de membranas, hemorragia intracraniana, asfixia perinatal, doença da membrana hialina e síndrome de aspiração de mecônio. Q Medição de citocinas: alta sensibilidade, porém ainda não é usada como rotina. Diagnóstico diferencial. Taquipneia transitória, síndrome de aspiração de mecônio, hemorragia intracraniana, doenças virais congênitas, cardiopatia congênita, erros inatos do metabolismo. Tratamento Medidas de suporte: monitoração da frequência cardíaca e respiratória, saturação de oxigênio, temperatura corporal, pressão arterial, diurese, hematócrito (manter acima de 40% em RNs criticamente doentes), glicemia, gasometria arterial, eletrólitos plasmáticos. Suporte ventilatório e cardiovascular, controle das manifestações hemorrágicas. NPO quando repercussões hemodinâmicas e/ou íleo séptico, devendo ser mantido por 24-48 horas após a estabilização do quadro. Q Antibioticoterapia na sepse precoce: germes geralmente maternos, sendo necessária cobertura para cocos Gram-positivos (Streptococcus B) e bacilos Gramnegativos (E. coli) e Listeria. Utiliza-se, como primeira escolha, uma penicilina (geralmente ampicilina) associada a um aminoglicosídeo (gentamicina). Q Antibioticoterapia na sepse tardia: cobrir germes hospitalares como Staphylococcus aureus e Staphylococcus epidermidis, e bacilos Gram-negativos (Enterobacter spp., Klebsiella spp., Proteus spp. e Pseudomonas aeruginosa). Geralmente utiliza-se vancomicina e um aminoglicosídeo (amicacina). Em germes resistentes aos aminoglicosídeos, utilizar cefalosporinas de terceira (cefotaxima) ou quarta (cefepima) geração. Para cobrir bacilos Gram-negativos produtores de β-lactamase: aztreonam, meropenem, ciprofloxacino, piperacilina-tazobactan. Para Pseudomonas aeruginosa multirresistentes, utiliza-se ceftazidima. Em casos de Stenotrophomonas maltophilia, utilizar sulfametoxazol-trimetoprima. Q Tempo de tratamento: na sepse com evolução clínica favorável, 10-14 dias de antibiótico. Na presença de meningite, 14-21 dias. Coletar líquido cerebrospinal no terceiro dia e no final do tratamento. Acometimento de cavidades fechadas (artrite, abscessos parenquimatosos) deve ser tratado por 21 dias. Nos casos de endocardite, prolongar o tratamento por 4-6 semanas. Em RNs com infecções por Staphylococcus epidermidis, se o ATB não for suficiente para o tratamento, devem ser retirados cateteres vasculares. Tratamento adjuvante Transfusão de sangue e plasma: quando há anemia (Hb < 8) com repercussão hemodinâmica, pré-choque, acidose metabólica persistente.

Q

161

SEPSE NEONATAL

Q

Q

SEPSE NEONATAL

Fatores estimulantes da colônia de granulócitos: melhora a neutropenia e diminui a incidência de infecção hospitalar. Dose: Filgrastima (Granulokine®): 10 µg/kg/dia, EV ou SC, por 3-5 dias. Q Imunoglobulina humana: vários estudos demonstraram não ter indicação na prevenção da sepse, mas pode ser usada nos casos graves de sepse tardia com choque séptico e neutropenia grave (< 500), na dose de 750 mg/kg, em 2-4 horas. Q Exsanguinotransfusão e transfusão de granulócitos: não têm eficácia comprovada. Q Estudos experimentais: fibronectina, imunização ativa de gestantes contra antígenos polissacarídeos de membrana de cocos Gram-positivos, imunoglobulinas hiperimunes contra patógenos prevalentes na sepse neonatal, agentes moduladores da resposta inflamatória do hospedeiro. Prognóstico. A mortalidade da sepse precoce é de 30-70%, e da sepse tardia, 10-15% (germes Gram-positivos), 40% (Gram-negativos) e 60% (Pseudomonas spp.). Cerca de 60% dos óbitos ocorrem na sepse precoce, e 80-90% dos neutropênicos vão a óbito caso haja depleção medular de neutrófilos. Podem ocorrer necroses de extremidades, abscessos parenquimatosos, ressecções intestinais com consequente síndrome do intestino curto, perdas visuais e auditivas, cirurgias de drenagem, artrites sépticas, osteomielite. As principais sequelas estão relacionadas à presença de meningite por Gramnegativos, presentes em 20-50% dos sobreviventes. As complicações agudas incluem hidrocefalia, coleção subdural, ventriculite e amaurose. Tardiamente podem aparecer deficiência motora e mental, convulsões, perda auditiva e alterações na linguagem. Nos casos de abscesso cerebral, 50% dos pacientes evoluem para óbito e 75% dos sobreviventes permanecem com sequelas. Neonatos que receberam aminoglicosídeos ou vancomicina e os sobreviventes de meningite devem ser submetidos à testagem auditiva.

PREVENÇÃO DA SEPSE POR STREPTOCOCCUS DO GRUPO B (SGB) Devem receber ATB profilático intraparto: gestantes com bacteriúria assintomática ou sintomática por SGB em qualquer momento da gestação; gestantes com neonato prévio com doença invasiva por SGB. Nas demais gestantes: coletar swab vaginal e retal entre 35-37 semanas. Se cultura positiva, administrar ATB profilático intraparto. Se cultura desconhecida no momento do parto, administrar ATB profilático se: idade gestacional < 37 semanas, bolsa rota > 18 horas ou temperatura materna > 38°C. A profilaxia é realizada com penicilina G cristalina, 5.000.000 UI, dose inicial, e, após, 2.500.000 UI, a cada 4 horas, até o nascimento. 162

REFERÊNCIAS Almeida MFB. Sepse e meningite bacteriana. In: Kopelman BI, Santos AMN, Goulart AL, Almeida MFB; Miyoshi MH; Guinsburg R, et al. Diagnóstico e tratamento em neonatologia. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 481-94. Alves Filho N. Septicemia neonatal. In: Alves Filho NA, Corrêa MD, Alves Jr JMS, Corrêa Jr MDC. Perinatologia básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 463-71. Puopolo KM. Bacterial and fungal infections. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of neonatal care. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2008. p. 274300.

SEPSE NEONATAL

Schelonka RL, Freiji BJ, McCracken Jr GH. Bacterial and fungal infections. In: MacDonald MG, Mullet MD, Seshia MMK. Avery’s Neonatology: pathophysiology & management of the newborn. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p. 1235-73.

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CAPÍTULO 14

CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO

CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO

CRISTINE SORTICA DA COSTA LUCIANA FRIEDRICH

É considerado pré-termo (PT) o bebê que nasce antes de 37 semanas de idade gestacional, segundo a Organização Mundial da Saúde. Esses pacientes (em especial os PTs extremos) apresentam um risco maior de complicações no período neonatal se comparados aos recém-nascidos (RNs) a termo. Dessa forma, toda gestante em trabalho de parto prematuro que apresente condições clínicas e obstétricas para o transporte deve ser transferida para um hospital que disponha de UTI neonatal, neonatologistas e obstetras especializados na assistência à gestante e ao RN de alto risco. O transporte posterior do RN para uma unidade de cuidados intensivos aumenta o risco de complicações e óbito.

CUIDADOS ESPECÍFICOS NO ATENDIMENTO EM SALA DE PARTO Há necessidade da presença de pediatra treinado ou neonatologista. Esses RNs apresentam risco maior de asfixia perinatal. Os cuidados na ressuscitação são semelhantes aos aplicados em RNs a termo. Devem ser evitadas manobras bruscas, pressão excessiva na ventilação e administração inadequada de fluidos, que podem causar lesão pulmonar e de sistema nervoso central. Evitar hipotermia colocando o RN em local aquecido, secando-o rapidamente e removendo os campos úmidos. Os PTs com peso de nascimento inferior a 1.500 g podem ser envolvidos em saco plástico estéril para evitar a perda rápida de calor. É indicado o uso de surfactante profilático, ainda em sala de parto, para PT < 1.000 g ao nascimento.

CUIDADOS GERAIS NA UTI NEONATAL A vacina contra a hepatite B somente deve ser administrada em RN > 2.000 g ao nascimento. Administrar vitamina K, 1 mg, intramuscular, para profilaxia da doença hemorrágica do RN. 164

RNs < 2.000 g devem ser, assim que possível, colocados em incubadora para propiciar um ambiente termoneutro e minimizar o gasto energético. Preconizase o uso de incubadoras umidificadas ou com parede dupla, principalmente na primeira semana de vida dos PTs < 1.000 g para diminuir as perdas insensíveis. Realizar monitoração contínua de sinais vitais, oximetria de pulso, controle de diurese e hemoglicotestes (durante o primeiro dia de vida, isso deve ser realizado de 4/4 horas em PTs instáveis e/ou que não estejam recebendo dieta enteral).

Praticamente todos os PTs < 24 semanas de idade gestacional necessitam de suporte ventilatório; entre 25 e 26 semanas, essa proporção cai para 80-90%, e entre 27 e 28 semanas, é de 50-60%. Os PTs apresentam um risco aumentado de doença da membrana hialina (DMH), apneias e displasia broncopulmonar (DBP). A DMH é tratada com suporte ventilatório e reposição de surfactante exógeno. Manter uma posição de decúbito ventral ou dorsal com coxim sobre os ombros para prevenir apneias obstrutivas. Tratam-se as apneias com o uso de xantinas e suporte ventilatório. Deve-se prevenir a DBP por meio da manutenção de suporte ventilatório mínimo, controle da sobrecarga hídrica, fechamento precoce do canal arterial, uso de diuréticos quando indicados, além do controle e tratamento de processos infecciosos e nutrição adequada. A utilização de surfactante é recomendada para RNs ventilados com uma pressão média de vias aéreas > 7 cmH2O e necessitando de uma FiO2 > 0,3 nas primeiras 2 horas após o nascimento. Quando necessária ventilação mecânica, usa-se preferencialmente o modo sincronizado, com volume corrente pequeno e menor tempo inspiratório possível. Deve-se manter a FiO2 mínima necessária para manter a saturação entre 85 e 93%. Evitar hiperoxia.

ACESSOS VASCULARES Assim que possível, deve-se estabelecer um acesso central. O cateter umbilical arterial está indicado quando há necessidade de suporte ventilatório com coletas frequentes de gasometrias, permitindo também a monitoração invasiva da pressão arterial (manter de 7-10 dias). O cateter umbilical venoso é indicado para RNs de muito baixo peso ou instáveis, para a administração de fluidos até que seja obtido um acesso venoso central definitivo (manter de 7-14 dias). Se houver previsão de necessidade prolongada de acesso venoso, um cateter percutâneo (PICC) é indicado, devendo ser colocado no 2o ou 3o dia de vida.

MANEJO DE FLUIDOS E ELETRÓLITOS A necessidade de fluidos aumenta quanto menor for a idade gestacional. As perdas insensíveis são aumentadas devido à grande superfície corporal relativa e 165

CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO

MANEJO VENTILATÓRIO

CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO

à imaturidade da barreira cutânea, e a imaturidade renal leva a uma perda grande de líquidos e eletrólitos. Esses fatores provocam um maior risco de desidratação e hipertonicidade, que podem causar hemorragia intracraniana. No entanto, a sobrecarga hídrica pode ter repercussões graves. A ração hídrica diária dos PTs encontra-se na Tabela 14.1, de acordo com a faixa de peso de nascimento. A hipoglicemia é frequente devido às baixas reservas de glicogênio. A hiperglicemia também é comum, sobretudo nos pré-termos extremos. Manter uma taxa de infusão de glicose (TIG) entre 4 e 10 mg/kg/min ou o suficiente para manter os níveis de glicose acima de 40-50 mg/dL. Se houver hiperglicemia persistente acima de 180 mg/dL, sem melhora após a redução da TIG até níveis fisiológicos entre 4 e 5 mg/kg/min, deve-se iniciar infusão contínua de insulina entre 0,01 e 0,1 UI/kg/hora. Não reduzir a TIG abaixo de níveis fisiológicos para não prejudicar o metabolismo cerebral, dependente exclusivamente de glicose. A hipernatremia é geralmente resultante da perda excessiva de água ou da administração exagerada de sódio. A hiponatremia pode ser dilucional por sobrecarga hídrica ou decorrente da perda renal de sódio agravada pelo uso de diuréticos. A oferta inicial de sódio deve ser de 3-4 mEq/kg/dia, sendo iniciada após as primeiras 24 horas, quando o sódio sérico estiver < 135 mEq/L. A hiperpotassemia pode ser decorrente da imaturidade renal e endócrina. A administração de potássio é iniciada quando os níveis séricos estão < 4,5 mEq/L, na dose de 1-3 mEq/kg/dia.

SUPORTE CARDIOVASCULAR Em geral, usa-se o valor da idade gestacional como o valor/medida de PAM aceitável em PTs (p. ex., PT com 30 semanas, PAM mínima aceitável de 30 mmHg). Nesses RNs, a hipotensão precoce se deve mais à alteração de vasorreatividade

Tabela 14.1 RAÇÃO HÍDRICA TOTAL DE PREMATUROS (RHT mL/kg/dia) Peso

0-2 dias de vida

3 dias de vida

15-20 dias de vida

750-1.000 g

105

140

140

1.001-1.250 g

100

130

140

1.251-1.500 g

90

120

130

1.501-1.750 g

80

110

130

1.751-2.000 g

80

110

130

166

do que à hipovolemia. Por isso se limita a terapia com bolus de volume ao máximo de 10-20 mL/kg de solução salina e, se não houver resposta, inicia-se com dopamina 5 µg/kg/min.

PERSISTÊNCIA DO CANAL ARTERIAL (PCA)

INFECÇÕES Os PTs podem apresentar sepse precoce de aquisição intrauterina ou intraparto (principalmente por Streptococcus do grupo B e Gram-negativos), e as infecções hospitalares são comuns devido à imaturidade do sistema imune, associada a fatores de risco, como ventilação mecânica, nutrição parenteral, cateterismos e sondagens. Os principais germes hospitalares são Staphylococcus coagulase-negativos, germes Gram-negativos e fungos. A mortalidade é alta, principalmente devido aos Gram-negativos. Os sinais clínicos são inespecíficos, incluindo hipoatividade, hipotermia, resíduo gástrico, distensão abdominal, apneias, distúrbios metabólicos e cardiovasculares e manifestações hemorrágicas. Na suspeita de sepse, devem ser coletados materiais para hemograma, hemocultura e líquido cerebrospinal, iniciada antibioticoterapia empírica de amplo espectro e instituídas as medidas de suporte metabólico, respiratório, hidreletrolítico e cardiovascular necessárias. A prevenção deve incluir a lavagem das mãos, aspiração de tubo endotraqueal com sistema fechado, preparo cuidadoso da nutrição parenteral, início precoce de alimentação enteral e extubação precoce.

NUTRIÇÃO Os PTs apresentam perda de proteína e balanço nitrogenado negativo logo após o nascimento. Deve-se iniciar com nutrição parenteral assim que as condições metabólicas sejam estáveis. Os aminoácidos são iniciados na dose de 1,5 g/kg/ dia e aumentados até 3,5 g/kg/dia. Os lipídeos são iniciados no 2o dia e aumentados até 3 g/kg/dia. 167

CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO

A incidência de PCA é mais alta quanto menor o PT, sendo de cerca de 70% nos RNs < 1.000 g. Manifesta-se geralmente entre 24 e 72 horas após o nascimento, com uma maior necessidade de suporte ventilatório. Pode haver sopro, precórdio hiperdinâmico e pulsos periféricos amplos, podendo evoluir para insuficiência cardíaca. A PCA aumenta o risco de acidose metabólica, hemorragia peri-intraventricular, enterocolite necrotizante, DBP e insuficiência renal. O tratamento é realizado com restrição hídrica, diuréticos e indometacina. Na falha do tratamento clínico, há indicação de fechamento cirúrgico. O uso profilático de indometacina em PTs extremos demonstrou reduzir a incidência e a severidade da PCA. No entanto, como não há evidências de alteração no desfecho neurológico a longo prazo, seu uso rotineiro ainda é discutível.

CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO

Quando houver condições clínicas, inicia-se dieta enteral mínima, preferencialmente com leite materno, na quantidade de 10-20 mL/kg/dia, em intervalos de 3-6 horas. Cateteres arteriais umbilicais não são contraindicação para a dieta trófica. O volume é aumentado até atingir uma oferta calórica de 120-140 kcal/ kg/dia e proteica de 3-4 gramas de aminoácidos/kg/dia. A dieta deve ser administrada via sonda gástrica, de modo intermitente e por gavagem, em intervalos de 2-3 horas. Crianças com idade gestacional > 34 semanas e peso > 1.500 g com boa vitalidade estão aptas para receber dieta via oral. A nutrição parenteral deve ser suspensa quando o volume enteral alcançar 100 mL/kg/dia. Os fortificantes do leite materno devem ser acrescentados quando o RN estiver recebendo dieta enteral plena, a partir dos 15 dias de vida. As vitaminas devem ser iniciadas a partir do 7o dia de vida sob forma de polivitamínicos, na dose de 400 UI de vitamina D por dia. A suplementação de ferro é iniciada com 28 dias, na dose de 2-4 mg/kg/dia. O crescimento deve ser avaliado diariamente. A perda máxima não deve ultrapassar 15% do peso de nascimento, e o período de perda e estabilização varia de 7-21 dias. Após, segue a fase de ganho de peso, com um aumento de 15-30 g/dia. As medidas de comprimento e perímetro cefálico devem ser realizadas 1×/semana.

PELE A manutenção da integridade da pele merece atenção especial devido à sua imaturidade. Emolientes não devem ser utilizados, mas curativos semipermeáveis podem ser necessários em áreas de quebra de barreira.

ICTERÍCIA O PT pode apresentar icterícia mais precoce, intensa e prolongada devido à imaturidade hepática, à menor meia-vida das hemácias, ao extravasamento de sangue e ao aumento da circulação êntero-hepática de bilirrubina. A capacidade de ligação da bilirrubina também é diminuída pela menor albumina sérica, acarretando maior risco de toxicidade neurológica.

SISTEMA HEMATOLÓGICO A anemia da prematuridade se deve à espoliação por múltiplas coletas, perdas por hemorragia, baixos depósitos de ferro e crescimento rápido. As coletas de sangue devem ser limitadas, realizando-se exames laboratoriais para controle da anemia 2-3 vezes por semana em RNs em fases intermediárias, e semanalmente nas crianças em fase de crescimento. A eritropoietina associada à suplementação de ferro acelera a eritropoiese, mas não demonstrou reduzir as necessidades de transfusões. 168

AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA As complicações e sequelas são inversamente relacionadas à idade gestacional, sendo a hemorragia peri-intraventricular (HPIIV) e a leucomalacia periventricular (LPV) as mais prevalentes. As ecografias cerebrais devem ser realizadas no 3o, 7o e 30o dia de vida. Se houver HPIIV, devem ser repetidas a cada 2-3 dias até a sua estabilização. A LPV é associada a sequelas tardias, como paresia espástica, comprometimento visual, atraso de desenvolvimento e convulsões. O diagnóstico é feito por ecografia por meio da visualização de cistos ecogênicos, mas a ressonância magnética é o padrão-ouro para a sua detecção.

A retinopatia da prematuridade (ROP) é uma doença vasoproliferativa exclusiva do PT. Sua incidência é inversamente proporcional ao peso e à idade gestacional. Todos os RNs < 1.500 g ao nascimento ou com idade gestacional < 32 semanas devem ser submetidos à avaliação de fundo de olho com 4-6 semanas de vida. Se o exame é normal, deve ser repetido a cada duas semanas até a vascularização completa da retina. Quando alterado, a avaliação deve ser repetida semanalmente para se observar a progressão da doença e avaliar a necessidade de tratamento invasivo.

AVALIAÇÃO AUDITIVA Os PTs apresentam maior incidência de intercorrências e procedimentos associados a risco de deficiência auditiva (asfixia, hiperbilirrubinemia, uso de medicações ototóxicas, infecções, exposição a ruídos). Os métodos recomendados para a triagem auditiva são a audiometria de respostas elétricas do tronco cerebral e as emissões otoacústicas transitórias. Esses exames devem ser realizados próximos à alta hospitalar do RN.

PROGRAMAS DE INTERVENÇÃO NAS UTIS NEONATAIS Durante a permanência na UTI, os PTs são expostos a estímulos externos – como ruídos, luz, manipulações e dor – totalmente diferentes daqueles experimentados intraútero. Essa sobrecarga sensorial pode afetar as vias cerebrais e interferir na maturação e na organização neurológica. Essas preocupações levaram muitas UTIs à implantação de programas de cuidados individualizados que objetivam reduzir as manipulações e os ruídos, propiciar períodos de redução de luminosidade e estimular a participação dos pais nos cuidados do RN. O cuidado Mãe-Canguru (contato pele a pele precoce, prolongado e contínuo, conforme as condições clínicas permitam) melhora a oxigenação, reduz a frequência de apneias, previne hipotermia e infecções, aumenta a prevalência e a duração do aleitamento materno, estimula o vínculo e melhora o desempenho neurológico da criança. 169

CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO

AVALIAÇÃO OFTALMOLÓGICA

REFERÊNCIAS Goulart AL. Assistência ao recém-nascido pré-termo. In: Kopelman BI, Santos AMN, Goulart AL, Almeida MFB; Miyoshi MH; Guinsburg R, et al. Diagnóstico e tratamento em neonatologia. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 17-23.

CUIDADOS COM O RECÉM-NASCIDO PRÉ-TERMO

Ringer AS. Care of the extremely low-birth-weight infant. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of neonatology care. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2004. p. 79-86.

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CAPÍTULO 15

REANIMAÇÃO NEONATAL ANGELA DAL ROSS CLÁUDIA FERRI LUCIANA FRIEDRICH

Introdução e fisiopatologia. O sucesso da transição da vida intrauterina para a extrauterina depende das mudanças fisiológicas que ocorrem no período perinatal. Aproximadamente 90% dos recém-nascidos (RNs) realizam esse processo sem dificuldade, 10% necessitam de alguma assistência por parte do pediatra para começar a respirar e 1% precisa de manobras agressivas de reanimação. Antes do nascimento, o oxigênio utilizado pelo feto provém da mãe por meio da placenta, os alvéolos pulmonares estão preenchidos por líquido e há constrição dos vasos que perfundem os pulmões (resistência vascular pulmonar aumentada). Além disso, o sangue que flui da artéria pulmonar em direção aos pulmões é desviado para a aorta por meio do canal arterial. Após o nascimento, com as primeiras respirações, o líquido alveolar é absorvido e substituído por ar, ocasionando aumento do oxigênio nos alvéolos e relaxamento dos vasos sanguíneos pulmonares (redução da resistência vascular pulmonar). A elevação da PaO2 de 25 mmHg (intrauterina) para 70-80 mmHg (após o nascimento) está associada a (1) redução na resistência vascular pulmonar, (2) diminuição do shunt direita-esquerda através do canal arterial, (3) aumento do retorno venoso para o átrio esquerdo, (4) aumento na pressão do átrio esquerdo e (5) cessação do shunt direita-esquerda pelo forame oval. Os vasos umbilicais são clampeados, aumentando a pressão sanguínea sistêmica. O fechamento do canal arterial promove a passagem do sangue pelos pulmões e a sua consequente oxigenação. O papel do pediatra é estar preparado para intervir nos casos em que a transição não ocorre de forma adequada, sendo necessários, para isso, a presença de uma equipe treinada em reanimação neonatal e equipamento adequado e funcionando (a checagem do material deve ser rotina em todas as salas de parto). Deve-se ter em mente que a ação mais importante da reanimação neonatal é oxigenar os pulmões do bebê!

OBJETIVOS DO ATENDIMENTO Q Q

Diminuir perda de calor Estabelecer respiração normal/expansão pulmonar

Q Q

Aumentar a PaO2 Promover débito cardíaco

MATERIAL NECESSÁRIO

REANIMAÇÃO NEONATAL

Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q

Fonte de calor Material para cateterismo umbilical Fonte de oxigênio umidificado Material de proteção pessoal Aspirador com manômetro Estetoscópio Sondas para aspiração traqueal e gástrica Saco plástico para RNs pré-termo Balão autoinflável Relógio com contador de segundos Máscaras faciais para RN pré-termo e a termo Aparato de sucção funcionando Laringoscópio com lâminas retas nos 0 e 1 Pilhas sobressalentes Tubos endotraqueais nos 2,5 – 3,0 – 3,5 Medicações: adrenalina, naloxone, bicarbonato e NaCl 0,9%

CONDIÇÕES DE ALTO RISCO Maternas Q Sinais de infecção: febre, ruptura prolongada de membranas, líquido amniótico fétido. Q Outras condições maternas: diabete melito gestacional, hipertensão (crônica ou específica da gestação), abuso de substâncias, história prévia de morte fetal ou neonatal, oligoidrâmnio/polidrâmnio, anormalidades placentárias, patologias clínicas (cardíaca, renal, tireoidiana ou neurológica). Fetais. Prematuridade (< 36 semanas), pós-maturidade (> 42 semanas), anomalias congênitas, gestações múltiplas, hidropisia. Relacionadas ao parto. Apresentação fetal anômala, parto prolongado ou com instrumentação, líquido amniótico meconial, alteração do padrão dos batimentos cardíacos fetais, asfixia antenatal, administração de narcóticos à mãe até 4 horas antes do nascimento, prolapso de cordão.

PASSOS DO ATENDIMENTO INICIAL AO RN EM SALA DE PARTO Q

Colocar fonte de calor radiante sob berço aquecido (retirar campos úmidos assim que possível)

172

Q Q

Posicionar a cabeça (leve extensão do pescoço) Aspirar boca e narinas – Evitar estimulação faríngea profunda, que pode desencadear reflexo vagal com apneia e arritmias cardíacas. Aspirar primeiro a boca e, após, as narinas. Q Secar, estimular e reposicionar – Se houver líquido amniótico meconial e o RN nascer deprimido (não vigoroso = hipotônico, sem movimentos respiratórios efetivos ou bradicárdico), há necessidade de aspiração diretamente da traqueia. Nesse caso, a estimulação deve ser evitada.

Avaliar a cada 30 segundos Respiração Frequência cardíaca (FC) Cor

Q Q Q

Se a resposta a qualquer uma dessas questões for “não”, os passos iniciais da reanimação devem ser seguidos. O RN deve ser reavaliado a cada 15-30 segundos quanto à (1) respiração, (2) frequência cardíaca e (3) cor.

SITUAÇÕES DE REANIMAÇÃO NEONATAL Situação no 1. O RN respira espontaneamente, tem FC > 100 bpm e está rosado. Q Após os passos iniciais, levar o RN à mãe. Situação no 2. O RN respira espontaneamente, tem FC > 100 bpm, mas apresenta cianose central. Q Oferecer oxigênio inalatório. Situação no 3. O RN está em apneia. Realizar estímulo tátil (piparotes nas plantas dos pés e/ou fricção no dorso). Se o RN não responder após duas tentativas de estímulo tátil ou se apresentar bradicardia < 100 bpm, realizar ventilação com pressão positiva com balão e máscara (VPP).

Q Q

Situação no 4. O RN permanece em apneia e com FC < 100 bpm apesar de 30 segundos de VPP. 173

REANIMAÇÃO NEONATAL

Perguntas importantes Q Há líquido amniótico meconial? Q O RN está vigoroso (o RN é considerado vigoroso quando apresentar tônus muscular adequado [flexão de extremidades], FC > 100 bpm [batimentos por minuto] e movimentos respiratórios espontâneos)? Q O tônus é adequado? Q O RN está rosado? Q A gestação é a termo?

Q

Conferir adequação da ventilação: observar movimentos torácicos e auscultar entrada de ar, conferir fonte de oxigênio, vedação da máscara na face do RN, posicionamento da cabeça e presença de secreções em vias aéreas. Q Se FC > 60 bpm, manter VPP e reavaliar em 15-30 segundos. Do contrário, considerar entubação traqueal. Situação no 5. A FC se mantém < 60 bpm após 30 segundos de VPP com o RN entubado. Q Iniciar massagem cardíaca externa (MCE). Reacessar a FC a cada 30 segundos e cessar a MCE quando esta for > 60 bpm. Situação no 6. A FC se mantém < 60 bpm apesar de 30-60 segundos de VPP efetiva e MCE. Q Administrar drogas para a reanimação. Importante. As medidas de reanimação podem ser interrompidas apenas após 15 minutos de assistolia em vigência de reanimação adequada.

REANIMAÇÃO NEONATAL

TÉCNICAS DE REANIMAÇÃO NEONATAL Oxigênio inalatório. Quando FC > 100 bpm, respiração eficaz ou choro forte, apesar da presença de cianose central. Utilizado por máscara ou látex a uma distância de 1 cm da face, em fluxo de 5 L/min (100% de O2). Conforme a melhora da cor, o oxigênio deve ser gradualmente reduzido até a sua suspensão. Ventilação com balão e máscara. Quando apneia, FC < 100 bpm e/ou cianose persistente após 30 segundos de oxigênio inalatório. O balão deve ter cerca de 750 mL de capacidade e deve ser conectado a uma fonte de oxigênio a um fluxo de 5-8 L/min, para oferecer uma concentração de cerca de 100%. A pressão de inflação deve ser suficiente para elevar o tórax. As primeiras ventilações devem ter pressões mais elevadas, de até 30-40 mmHg, e as ventilações subsequentes serão de 15-20 mmHg em RNs sem patologias pulmonares e de 20-40 mmHg se houver doença pulmonar subjacente. Deve-se estar atento à vedação da máscara (ela deve encobrir nariz, boca e ponta do queixo), à permeabilidade das vias aéreas e à pressão adequada para expansão torácica. O ritmo imposto pode ser mentalizado: “aperta, solta, solta” ou “aperta, dois, três”, aproximando-se de uma frequência de 40-60 movimentos por minuto. Entubação traqueal. Indicações principais: hérnia diafragmática confirmada ou suspeita, VPP ineficaz, necessidade de administração de drogas pelo tubo endotraqueal (TET), necessidade de transporte do RN. O tamanho da cânula é determinado conforme a Tabela 15.1 Regra rápida para definição da distância da cânula em relação ao lábio superior: peso (em kg) + 6, conforme a Tabela 15.2. 174

Tabela 15.1 TAMANHO DA CÂNULA DE ACORDO COM O PESO E A IDADE GESTACIONAL Tamanho da cânula (mm)

Peso (g)

Idade gestacional (semanas)

2,5

< 1.000

< 28

3,0

1.000-2.000

28-34

3,5

2.000-3.000

34-38

3,5-4,0

> 3.000

> 38

Peso (kg)

Marca no lábio superior

1

7

2

8

3

9

4

10

REANIMAÇÃO NEONATAL

Tabela 15.2 DISTÂNCIA DA CÂNULA EM RELAÇÃO AO LÁBIO SUPERIOR

MCE. Iniciada sempre que a FC estiver < 60 bpm após 30 segundos de VPP efetiva. Deve ser sincronizada com a ventilação quando a criança não estiver entubada, na sequência mental “um, dois, três, ventila” (aproximadamente 90 compressões e 30 ventilações em 1 minuto), ou realizada simultaneamente à ventilação na criança entubada. A pressão é aplicada no terço inferior do esterno (entre o apêndice xifoide e a linha intermamilar), deve ser suficiente para deprimir aproximadamente um terço do diâmetro ântero-posterior do tórax e pode ser realizada de duas maneiras: pela técnica dos dois dedos (massagem com a ponta dos dedos médio e indicador ou anular e apoio do dorso com a outra mão) ou pela técnica dos polegares (utilizar os polegares para comprimir o esterno enquanto os outros dedos fornecem suporte para o dorso). Esta última pode não ser efetiva se o RN for grande ou quando há necessidade de acesso ao cordão umbilical. 175

REANIMAÇÃO NEONATAL

Figura 15.1 Algoritmo de reanimação neonatal. Fonte: Textbook of neonatal resuscitation (2006). 176

Reacessar a FC a cada 30 segundos de MCE. Esta deve ser interrompida quando a FC superar 60 bpm. Se isso não ocorrer, deve-se iniciar a administração de drogas para reanimação. Medicações. Algumas medicações podem ser aplicadas pelo tubo endotraqueal e são memorizadas pela sigla ANEL (atropina, naloxone, epinefrina e lidocaína). A adrenalina está indicada após 30 segundos de ventilação e MCE sem resposta. O uso de expansores fica restrito aos RNs que não respondem às manobras por possível perda sanguínea. O bicarbonato é opção em caso de acidose metabólica grave, e seu uso é excepcional. O naloxone é usado quando há história materna de uso de opioides até 4 horas antes do nascimento. A melhor via para a administração rápida de drogas durante a reanimação é a veia umbilical. O cateter deve ser inserido 2-3 cm apenas até o ponto de refluxo de sangue. Doses: – Adrenalina EV/ET: 0,1-0,3 mg/kg da solução 1:10.000. Pode ser repetida a cada 3-5 minutos. – Bicarbonato (uso exclusivo EV): 2 mL/kg, diluído em água destilada e administrado lentamente. – SF 0,9% (EV): 10 mL/kg. – Naloxone (EV/ET): 0,1 mg/kg (= 0,25 mL/kg).

REFERÊNCIAS Ringer SA. Resuscitation in the delivery room. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of neonatology care. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2004. p. 57-69. Textbook of neonatal resuscitation. 5th ed. Dallas: American Academy of Pediatrics and American Heart Association, 2006.

177

REANIMAÇÃO NEONATAL

Q

CAPITULO 16

DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DA GLICOSE NO RECÉM-NASCIDO LUCIANA TEIXEIRA FONSECA LUCIANA FRIEDRICH

DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DA GLICOSE NO RN

HIPOGLICEMIA Definição. A hipoglicemia é o distúrbio metabólico mais frequente do recémnascido (RN). É definida como uma concentração plasmática de glicose inferior a 40 mg/dL, embora o grau de restrição de glicose necessário para causar lesão cerebral não seja conhecido. Esse valor arbitrário é utilizado porque se acredita que monitorando os RNs de risco e tratando os que apresentam glicemia abaixo desse ponto de corte, sintomáticos ou não, consiga-se prevenir os potenciais danos causados. A meta é manter a glicemia > 45 mg/dL no primeiro dia de vida e > 50 mg/dL nos dias subsequentes. Fisiopatologia. Aproximadamente 60-70% da energia utilizada pelo feto provém da glicose, que é também a principal fonte de energia cerebral. A capacidade do RN de manter a homeostase da glicose é bem menos desenvolvida que a do adulto ou da criança maior, visto que ele se encontra em um período de transição metabólica. Trata-se de uma abrupta mudança da vida intrauterina, em que o aporte de glicose é contínuo e regular, para a vida extrauterina, em que as refeições são intermitentes e há necessidade de regulação da glicose exógena e produção de glicose endógena (a partir de reservas estocadas durante a gestação). Quando o cordão umbilical é clampeado, o RN deve ser capaz de manter sua glicemia por meio de dois mecanismos: Q

Glicogenólise: quebra do glicogênio (armazenado no fígado, musculatura estriada e coração) em glicose. Q Gliconeogênese: produção de glicose a partir de outros produtos que não o glicogênio; realizada apenas nos casos de falta no seu estoque.

178

Alguns eventos intrauterinos podem alterar o desenvolvimento das capacidades glicorreguladoras do feto e os estoques de glicose disponíveis. A hipoglicemia do RN ocorre basicamente por dois motivos: Produção inadequada de glicose: – RN pré-termo: o depósito hepático de glicogênio ocorre basicamente no final da gestação; assim, quanto mais prematuro o RN, menor a quantidade de substrato disponível para glicogenólise. Além disso, esses RNs apresentam massa cerebral relativamente maior, ocasionando maior consumo de glicose, além de uma maior incidência de sepse, hipotermia e dificuldades na alimentação, que podem levar à hipoglicemia. – RN PIG (pequeno para idade gestacional): a causa da restrição de crescimento intrauterino é, na grande maioria das vezes, um aporte insuficiente de nutrientes através da placenta. Assim, os nutrientes disponíveis na vida intrauterina são utilizados para o crescimento, restando pouco para o estoque de glicogênio. Além da falta de estoque, há também limitada capacidade de realizar gliconeogênese (por deficiência enzimática), fazendo com que os PIGs apresentem hipoglicemia mais prolongada, devendo ser monitorados por um período maior, de 72 horas. – RN que sofreu estresse intrauterino: a hipoxia, a acidose e as alterações de fluxo sanguíneo e pressão arterial fetais estimulam a produção de catecolaminas, que mobilizam as reservas hepáticas de glicogênio. Além disso, a hipoxia aumenta a glicólise anaeróbica e a utilização de glicose. – Doenças perinatais: sepse, hipotermia, cardiopatias congênitas, erros inatos do metabolismo podem causar hipoglicemia por ingestão calórica inadequada, aumento na taxa metabólica, redução da gliconeogênese e aumento da utilização periférica de glicose. – Doenças de depósito do glicogênio: causa rara de hipoglicemia, em que esta ocorre por defeito intrínseco na síntese, depósito ou degradação do glicogênio. – Inadequada ingestão calórica ou atraso no início da alimentação. Q Aumento da utilização da glicose: – RN filho de mãe diabética: por estarem habituados a receber aporte excessivo de glicose durante o período intrauterino, esses RNs nascem com concentrações elevadas de insulina plasmática e liberam-na rapidamente mediante uma sobrecarga de glicose. Por isso correm alto risco de hipoglicemia, que costuma ser mais grave e precoce. – RN GIG (grande para a idade gestacional): RNs GIGs filhos de mães não diabéticas também estão em risco para hipoglicemia neonatal, especialmente os filhos de mães obesas. Os mecanismos causais não são bem conhecidos nesses casos (parecem não estar associados à hiperinsulinemia). – Distúrbios pancreáticos: tumores produtores de insulina, hiperplasia ou hiperfunção das ilhotas pancreáticas, nesidioblastose e adenoma pancreático podem cursar com elevada produção de insulina e hipoglicemia. – Eritroblastose fetal: está associada à hiperplasia das células das ilhotas pancreáticas e à produção excessiva de insulina (mecanismo causal incerto). 179

DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DA GLICOSE NO RN

Q

DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DA GLICOSE NO RN

– Pós-exsanguinotransfusão: desencadeada pela hiperinsulinemia secundária ao estímulo pancreático da dextrose contida no anticoagulante utilizado para conservar o sangue. – Policitemia: consumo aumentado de glicose mediante maior massa de hemácias. – Síndrome de Beckwith-Wiedemann: caracteriza-se por macrossomia, macroglossia, microcefalia, onfalocele e hipertrofia das células ß pancreáticas, gerando hiperinsulinemia e hipoglicemia. – Uso materno de medicações: agentes ß-agonistas, clorpropamida, corticosteroides, propranolol, hipoglicemiantes orais e diuréticos tiazídicos utilizados pela mãe antes do parto podem ser responsáveis por hipoglicemia no RN. – Causas iatrogênicas: interrupção abrupta de infusão de soluções com altas taxas de glicose, infusão de altas concentrações de glicose em cateter umbilical mal posicionado (entre T11 e L1, estimulando diretamente o tronco celíaco que irriga o pâncreas, aumentando assim a liberação de insulina pancreática), exsanguinotransfusão com sangue com altas concentrações de glicose. Quadro clínico. O desenvolvimento de sintomas pode ser um sinal tardio de hipoglicemia. A grande maioria dos RNs não apresenta sintomas de hipoglicemia. Quando presentes, eles variam de tremores leves ou letargia até convulsões francas. Abalos, apneia, taquicardia, cianose, irritabilidade, recusa alimentar e vômitos também podem ser sintomas de hipoglicemia no RN. Diagnóstico. Screening: controle seriado por meio de HGT (hemoglicoteste) é indicado em todo RN que apresentar qualquer fator de risco para hipoglicemia neonatal ou sintoma compatível com hipoglicemia. Deve iniciar na primeira hora de vida, principalmente nos casos de diabete materna (em que a hipoglicemia tende a ser precoce), e deve se estender até o 3o ou 4o dia de vida (principalmente nos prematuros e PIGs, nos quais a hipoglicemia pode ser tardia). A medida da glicemia com fita reagente, o HGT, é amplamente utilizada por sua praticidade e rápido resultado; entretanto, consiste em dosagem de glicose no sangue total, que é 15% mais baixa do que a dosagem plasmática e está sujeita a falso-positivos e falso-negativos. Embora o diagnóstico deva ser confirmado por dosagem da glicemia plasmática, o tratamento não deve ser adiado para confirmação laboratorial. A dosagem plasmática da glicemia também está sujeita a erro se não for prontamente enviada ao laboratório e analisada. O atraso resulta em glicogenólise pelos eritrócitos e resultados falsamente baixos de glicemia. Exames adicionais só são indicados na hipoglicemia refratária ou severa, ou que necessite de infusão intravenosa de glicose por mais de sete dias. Nesses casos, as causas raras de hipoglicemia devem ser consideradas, e o acompanhamento com endocrinologista é recomendado. Tratamento. Deve-se manter a glicemia plasmática acima de 50-60 mg/dL. Uma vez diagnosticada, a hipoglicemia requer tratamento imediato:

180

Q Q

Q Q Q

Q

Q

Infusão endovenosa em push de 200 mg/kg de glicose (2 mL/kg de soro glicosado a 10%), em um minuto. Instalação de soro glicosado com TIG (taxa de infusão de glicose) de 8 mg/kg/min. (Cálculo rápido: 5 × peso = gotejo em mL/h de SG 10%). Redução da TIG lentamente, controlada por HGT a cada 1 ou 2 horas. Devese reduzir 1 mg/kg/min por vez, conforme o esquema abaixo: – HGT > 80: diminuir TIG – HGT de 40-80: manter TIG – HGT < 40: repetir push e aumentar TIG A infusão endovenosa é suspensa quando o RN estiver mamando bem e recebendo TIG fisiológica (4-5 mg/kg/min), com HGTs estáveis. Respeitar o volume hídrico recomendado para cada RN, bem como os limites de concentração de glicose para veia periférica (12,5%) ou central (20%). O uso de hidrocortisona (5-10 mg/kg/dia, EV, 12/12h) deve ser considerado nos casos de hipoglicemia refratária com TIG > 12 mg/kg/min. A hidrocortisona reduz a utilização periférica de glicose e aumenta a gliconeogênese e os efeitos do glucagon. Diazóxido: vasodilatador periférico que reduz a liberação de insulina, melhorando a hipoglicemia por hiperinsulinismo. Dose de 15 mg/kg/dia, EV, de 8/ 8 horas (Tensuril® 300 mg/20 mL). Os efeitos adversos, como acidose metabólica, retenção hídrica, trombocitopenia, leucopenia, hipotensão, podem limitar o seu uso. Somatostatina, glucagon e hormônio do crescimento: podem ser utilizados em casos refratários.

Prognóstico. A taxa de mortalidade e de sequelas está associada à rapidez do início do tratamento adequado e à presença de sinais neurológicos, como convulsão. Associação entre maior incidência de alterações motoras e mentais foi encontrada em pré-termos com episódios de hipoglicemia por 5 ou mais dias. As sequelas incluem alterações do desenvolvimento neurológico e intelectual, deficiências motoras, especialmente ataxia e espasticidade, e convulsões. Nos casos que chegam a se manifestar com convulsão, o risco de sequela chega a 50%. Não se sabe ao certo se a ausência de sintomas exclui o risco, daí a importância de identificar os RNs de risco, monitorar com HGTs seriados e tratar imediatamente os casos identificados. Prevenção. A monitoração dos RNs de risco é essencial para prevenir dano neurológico, que pode ocorrer silenciosamente nos casos assintomáticos. Amamentação precoce e frequente (a cada 2 ou 3 horas nos primeiros dias de vida) é medida simples e eficaz na maioria dos casos. Se o aleitamento materno precoce não for possível (mãe sem colostro, com muita dor, mãe na UTI, dificuldades na amamentação, uso de medicações que contraindiquem a amamentação), a alimentação não deve ser adiada nos RNs em risco para hipoglicemia, podendo ser feita utilizando-se fórmula láctea. Essas mães devem, no entanto, ser acompanhadas para que se possa promover a amamentação o mais breve possível.

181

DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DA GLICOSE NO RN

Q

HIPERGLICEMIA Definição e epidemiologia. A hiperglicemia no RN é definida como HGT > 125 mg/dL ou glicemia plasmática > 145 mg/dL. É comum em prematuros que recebem glicose parenteral, mas pode ser vista também em bebês a termo doentes. Sepse é uma causa frequente de hiperglicemia em RN. Outras causas de estresse neonatal (ventilação mecânica, procedimentos dolorosos, hipoxia, pós-operatório, etc.) também podem cursar com hiperglicemia devido à liberação de catecolaminas. Diabete melito neonatal é bastante raro, mas devemos lembrar essa possibilidade, bem como as causas iatrogênicas (administração excessiva de soluções glicosadas). Algumas drogas que estimulam a gliconeogênese devem ser lembradas, como teofilina, cafeína e corticoides. Pré-termos extremos também podem apresentar hiperglicemia decorrente da elevação dos níveis de hormônios relacionados ao estresse e da pouca oferta proteica nos primeiros dias de vida.

DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DA GLICOSE NO RN

Quadro clínico. A hiperglicemia não apresenta sintomatologia específica, mas está associada à hiperosmolaridade e diurese osmótica, podendo levar à desidratação e, eventualmente, à acidose metabólica. Pode causar hemorragia intracraniana devido ao efeito hiperosmolar. Tratamento. Deve ser direcionado para a causa básica. A utilização de insulina é indicada quando a glicemia é > 250 mg/dL após redução da TIG, que não deve ser reduzida abaixo de 4 mg/kg/min em RN em NPO (insuficiente aporte calórico). A infusão contínua de insulina regular é preferencial, com taxas de infusão de 0,01-0,2 UI/kg/h (pode ser diluída em SG 5%). Após início da insulina, deve-se dosar HGT a cada 30 minutos até estabilização da glicemia. Se permanecer > 180 mg/dL, aumenta-se a infusão em 0,01 UI/kg/h por vez. Se ocorrer hipoglicemia, suspende-se a insulina e administra-se push de SG 10%, 2 mL/kg (200 mg/kg de glicose). Recomenda-se iniciar nutrição parenteral precoce em pré-termos extremos para reduzir a quebra de glicogênio hepático e aumentar a liberação de insulina. Prognóstico. Depende da doença de base e da ocorrência ou não de hemorragia cerebral.

REFERÊNCIAS Avery’s neonatology: pathophysiology & management of the newborn. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. Cloherty J, Eichenwald E, Stark A. Manual of neonatal care. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. Draque C, Almeida MFB. Distúrbios metabólicos. In: Alves Filho NA, Corrêa MD, Alves Jr JMS, Corrêa Jr MDC. Perinatologia básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 598-603. Fanaroff and Martin’s neonatal-perinatal medicine. 8th ed. St. Louis: Elsevier Mosby; 2005. 182

CAPÍTULO 17

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS DO RECÉM-NASCIDO LUCIANA TEIXEIRA FONSECA LUCIANA ALONZO HEIDEMANN LUCIANA FRIEDRICH

Água corporal total. É a soma dos líquidos intra e extracelular, sendo este último composto por líquido intravascular e intersticial. Durante os primeiros dias de vida, ocorre uma perda fisiológica de 5-10% do peso em recém-nascidos (RNs) a termo e de até 15% em pré-termos. Essa perda é basicamente composta de água corporal, sendo a maior parte de líquido extracelular (LEC), e ocorre principalmente por meio da pele, das fezes e do sistema respiratório (perdas insensíveis). Sinais clínicos de desidratação. Não são fidedignos no RN. Alterações no turgor cutâneo, nas mucosas e fontanelas são pouco sensíveis; taquicardia pode ocorrer tanto por excesso de LEC (congestão pulmonar) quanto por hipovolemia. O débito urinário nem sempre é um preditor confiável de boa hidratação, pois neonatos com função renal imatura podem não reduzir seu débito urinário apesar da depleção de LEC. Alterações na pressão arterial são sinais tardios de hipovolemia e de redução do débito cardíaco. Sinais como aumento do sódio sérico e perda ponderal acentuada podem ocorrer. O objetivo do manejo hidreletrolítico inicial do RN é permitir sua perda fisiológica de LEC, mantendo normais o volume e a tonicidade do líquido intravascular. São usadas tabelas para iniciar a reposição hídrica de acordo com o peso de nascimento e o número de dias de vida (Tabs. 17.1 e 17.2). Deve-se sempre levar em conta as perdas insensíveis, que devem ser adicionadas à reposição hídrica (Tab. 17.3).

Tabela 17.1 RAÇÃO HÍDRICA DIÁRIA (RHD) NO RN A TERMO

RHD (mL/Kg/dia)

1 dia de vida

2 dias de vida

3 dias de vida

≥ 4 dias de vida

70

80

100

120-150

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS DO RECÉM-NASCIDO

Tabela 17.2 RAÇÃO HÍDRICA DIÁRIA NO RN PRÉ-TERMO (mL/kg/dia) Peso

0-2 dias de vida

3 dias de vida

15-20 dias de vida

750-1.000 g

105

140

140

1.001-1.250 g

100

130

140

1.251-1.500 g

90

120

130

1.501-1.750 g

80

110

130

1.751-2.000 g

80

110

130

Tabela 17.3 PERDAS INSENSÍVEIS DO RN PRÉ-TERMO EM INCUBADORA (mL/kg/dia)* Peso ao nascer Idade

500750 g

7501.000 g

1.0001.250 g

1.2501.500 g

1.5001.750 g

1.7502.000 g

0-7 dias

100

65

55

40

20

15

7-14 dias

80

60

50

40

30

20

* As perdas insensíveis são aumentadas pela fototerapia (em até 40%), pelo uso de aquecedor radiante (em até 50%) e por hipertermia. São diminuídas pelo uso de gases umidificados nos respiradores e pela proteção do calor em incubadoras.

184

METABOLISMO DO SÓDIO

Distúrbios isonatrêmicos Q Desidratação: – Fatores predisponentes: perda equivalente de água e sódio (toracostomia, drenagem por sonda gástrica ou ventriculostomia) ou perdas para o terceiro espaço (peritonite, gastrosquise, onfalocele). Levam à hipovolemia com tonicidade normal. – Diagnóstico: perda de peso, redução do débito urinário e aumento da densidade urinária. Pré-termos < 32 semanas podem não apresentar oligúria como resposta à hipovolemia. Pode-se observar redução do turgor, taquicardia, hipotensão e acidose metabólica. Uma EF-Na baixa (< 1%) pode ser encontrada em RNs > 32 semanas. – Tratamento: administrar água e sódio para corrigir os déficits e, após, ajustar a manutenção somada às perdas posteriores. Infusões rápidas (bolus) de soro fisiológico (SF) 10 mL/kg se houver sinais de baixo débito ou perda de peso > 10%. Q Edema: – Fatores predisponentes: administração excessiva de fluidos isotônicos, insuficiência cardíaca, sepse e paralisia neuromuscular. – Diagnóstico: edema periorbitário e de extremidades, aumento de peso e hepatomegalia. – Tratamento: restrição de sódio (para reduzir o sódio corporal total) e de água. Hiponatremia. É definida como concentração plasmática de sódio inferior a 130 mEq/L. Q

Hiponatremia com depleção de LEC: – Fatores predisponentes: uso de diuréticos, diurese osmótica (p.ex., glicosúria), perda renal de sódio e água em pré-termos extremos, distúrbios adrenais ou tubulares renais, gastrintestinais (vômitos ou diarreia) ou perda para o terceiro espaço (enterocolite necrotizante). – Diagnóstico: perda de peso, redução do turgor cutâneo e taquicardia. Acidose metabólica é frequente. Pode haver redução do débito urinário se a função renal for madura, com EF-Na baixa. – Tratamento: reduzir as perdas de sódio quando possível, administrar sódio e água para repor os déficits e ajustar manutenção acrescida das perdas posteriores. Q Hiponatremia com LEC normal: – Fatores predisponentes: administração excessiva de líquido e SIADH (secreção inapropriada de hormônio antidiurético). Esta última pode ser causada 185

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS DO RECÉM-NASCIDO

Excreção fracionada de sódio (EF-Na). Reflete o balanço entre a filtração glomerular e a reabsorção tubular de sódio. Quando < 1% reflete oligúria secundária a fatores pré-renais (hipovolemia ou baixo débito cardíaco). Valores > 2,5% ocorrem em falências renais agudas e em RNs recebendo diuréticos.

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS DO RECÉM-NASCIDO

por dor, uso de opioides, hemorragia intraventricular, asfixia, meningite, pneumotórax e ventilação com pressão positiva. – Diagnóstico de SIADH: ganho de peso sem edema. Há diminuição do débito urinário com osmolaridade urinária elevada. – Tratamento: a restrição hídrica costuma ser suficiente, exceto se o sódio sérico estiver abaixo de 120 mEq/L ou se houver sinais neurológicos, como convulsões. Nesses casos, utiliza-se furosemida, 1 mg/kg, até de 6/6 horas, enquanto se repõe o sódio com NaCl 3% (1-3 mL/kg). Essa estratégia leva à perda de água livre sem alteração no sódio corporal total. Quando a concentração de Na for > 120 mEq/L e os sinais neurológicos cessarem, o tratamento deve prosseguir apenas com restrição hídrica. Q Hiponatremia com LEC aumentado: – Fatores predisponentes: sepse com débito cardíaco reduzido, enterocolite necrotizante, insuficiência cardíaca congestiva, drenagem linfática anômala e paralisia neuromuscular. – Diagnóstico: aumento de peso e edema. Pode haver oligúria e aumento da densidade urinária com EF-Na baixa quando a função renal for madura. – Tratamento: restringir a oferta de água e tratar a doença de base. Aumentar o débito cardíaco quando necessário. Restrição de sódio também pode ser útil. Q Hiponatremia fictícia: pode ocorrer na presença de hiperlipidemia ou de agentes hiperosmolares (hiponatremia hipo-osmolar). Q Correção da hiponatremia: [Na infundido] – [Na sérico] – Mudança no sódio (Na) sérico = _________________________ 0,6 × peso + 1 – mEq de Na a infundir = [Na desejado (130)] – [Na encontrado] × 0,6 × peso – A correção deve ser somada ao sódio de manutenção – Quando Na 6 mEq/L. Lembrar sempre que falsas hipercalemias podem ocorrer devido à hemólise da amostra de sangue analisada. Q

Fatores predisponentes: administração excessiva de potássio, situações de destruição tecidual e lise celular (trauma, hemólise, isquemia, cefaloematoma, sangramento, hipotermia), falha na excreção de potássio (insuficiência renal, 187

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS DO RECÉM-NASCIDO

METABOLISMO DO POTÁSSIO

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS DO RECÉM-NASCIDO

hiponatremia, hiperplasia adrenal congênita), desidratação, transfusão sanguínea, pré-termos < 1.500 g. Q Diagnóstico: dosagem sérica de eletrólitos e do pH. A hipercalemia pode ser assintomática ou causar arritmias cardíacas, instabilidade ou colapso cardiovascular. Alterações no ECG podem ser a primeira indicação de hipercalemia (onda T apiculada, onda P achatada, aumento do intervalo PR e alargamento do QRS). Q Tratamento: – Remoção de fontes exógenas de K – Estabilizar tecidos de condução com gluconato de cálcio 10% (1-2 mL/kg, EV, em 1 hora) – Promover a entrada do potássio nas células por meio de: • Bicarbonato de sódio 8,4% (1-2 mEq/kg/hora, EV). Evitar administração rápida em pré-termos < 34 semanas devido ao risco de hemorragia intracraniana. • Solução de glicoinsulina (0,05 UI/kg de insulina regular + 2 mL/kg de glicose 10% em bolus, seguidos de infusão contínua de 2-4 mL/kg/ hora de glicose 10% + 1 mL/kg/hora de insulina 10 UI/100 mL) • β2-adrenérgicos: nebulização com salbutamol de 1/1 hora ou 4 µg/kg, EV, em 20 minutos. Não deve ser a primeira escolha na população pediátrica. – Promover aumento da excreção de K com: • Furosemida (1 mg/kg, EV) • Resinas trocadoras de K (Sorcal® – poliestireno de cálcio ou Kayexelate® – poliestireno de sódio): 1 g/kg diluído em SF ou glicose 10%. Diluir 1 g em 4 mL e administrar via oral/sonda ou via retal em 30 minutos. O enema deve ser inserido 1-3 cm por meio de uma sonda. Uso controverso em RNs pelo risco potencial de enterocolite. – Nos casos de insuficiência renal, está indicada diálise peritoneal ou exsanguinotransfusão.

METABOLISMO DO CÁLCIO O cálcio é essencial para atividades de contração e excitação neuromusculares, secreção de hormônios e neurotransmissores, ativação enzimática, divisão celular, coagulação sanguínea e estabilidade da membrana celular e da estrutura óssea. Existem três frações de cálcio no soro: o cálcio ionizado (50% do total), o cálcio ligado a proteínas séricas (40%) e o cálcio na forma de complexos com ânions séricos (40%). Apenas o cálcio ionizado é biologicamente disponível. Os principais hormônios reguladores do cálcio que aumentam seu nível sérico são o paratormônio e o calcitriol. Já o principal hormônio com efeito hipocalcemiante é a calcitonina. Os órgãos-alvo desses hormônios são os rins, o intestino e os ossos. Hipocalcemia. É definida como concentração plasmática de cálcio total inferior a 7 mg/dL ou cálcio iônico inferior a 4 mg/dL. 188

Fatores predisponentes: – Precoce (< 3 dias de vida): prematuridade, filhos de mãe diabética, asfixia. – Tardia (geralmente no final da 1a semana de vida): dietas ricas em fosfato, hipotireoidismo, hipoparatireoidismo, hiperfosfatemia, RNs pequenos para a idade gestacional, deficiência de vitamina D, hipoalbuminemia, alcalose, infusão de lipídeos, furosemida, sepse/choque, infusão rápida de albumina, fototerapia. Q Diagnóstico: dosagem de cálcio plasmático. O eletrocardiograma (ECG) pode mostrar aumento do intervalo QT. As manifestações clínicas consistem em apneias, convulsões, tremores, clônus, hiper-reflexia, estridor (laringoespasmo). A forma precoce é geralmente assintomática. – Para o diagnóstico etiológico da forma tardia: dosagem de fósforo, magnésio, albumina, cálcio urinário, paratormônio, vitamina D3 e função renal. Q Tratamento da hipocalcemia precoce: – RN assintomático: tratar apenas se cálcio total < 6,5 mg/dL. Gluconato de cálcio a 10%, 6 mL/kg/dia (= 3 mEq/kg/dia) por 24 horas. Após, reduzir para 3 mL/kg/dia (= 1,5 mEq/kg/dia), que corresponde à dose de manutenção. – Crise hipocalcêmica com convulsões, apneia ou tetania: 1-2 mL/kg de gluconato de cálcio a 10%, EV, em 5 minutos, seguido da correção acima. Repetir a dose em 10 minutos se não houver resposta. Monitorar frequência cardíaca. Se crise não responsiva, considerar concomitância de hipomagnesemia. – Riscos da infusão rápida de cálcio: bradicardia, necrose hepática (se administração pela veia umbilical), vasoespasmo e necrose intestinal (se administração pela artéria umbilical), extravasamento da solução com necrose subcutânea. Esta pode ser tratada com injeção de hialuronidase subcutânea na periferia do local de extravasamento – dose de 150 unidades/mL de SF, injetadas em alíquotas de 0,2 mL em 5 locais nas bordas da infiltração. Hipercalcemia. É definida como concentração plasmática de cálcio total superior a 11 mg/dL ou cálcio ionizado superior a 5 mg/dL. Considerada grave se cálcio total > 14 mg/dL. Q

Fatores predisponentes: reabsorção óssea elevada (hiperparatireoidismo, hipertireoidismo, hipervitaminose A, depleção de fosfato), aumento da absorção intestinal de cálcio (hipervitaminose D), redução da depuração renal de cálcio (diuréticos tiazídicos, hipercalcemia hipocalciúrica familiar), síndrome de Williams, necrose de gordura subcutânea, insuficiência renal aguda, insuficiência suprarrenal aguda. Q Diagnóstico: hipotonia, letargia, irritabilidade, convulsões, hipertensão, disfunção respiratória, recusa alimentar, vômitos, constipação, anemia, hepatoesplenomegalia, poliúria e calcificações extraesqueléticas, incluindo nefrocalcinose. Manifestações mais sutis incluem dificuldades alimentares e retardo no crescimento linear. 189

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS DO RECÉM-NASCIDO

Q

– Pesquisar história materna e familiar de distúrbios de tireoide e paratireoide, uso de medicações e suplementos alimentares, bem como uso de dietas para pré-termos pobres em fosfato ou com excesso de cálcio. – Solicitar níveis de cálcio total e iônico, fósforo, relação cálcio/creatinina urinários, fosfatase alcalina, dosagens hormonais para diagnóstico etiológico. Q Tratamento: suspender infusão exógena. Tratamento de emergência (expansão com SF, 10-20 mL/kg, e furosemida, 1 mg/kg, de 6/6 ou 8/8 horas para promover calciúria) é realizado se o cálcio total for > 14 mg/dL. O tratamento deve ser dirigido às causas específicas.

METABOLISMO DO MAGNÉSIO

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS DO RECÉM-NASCIDO

O magnésio é um cátion presente em quase todas as rotas metabólicas. Está envolvido nas atividades enzimáticas intracelulares e, no meio extracelular, atua no controle neuronal e no tônus muscular. Sua necessidade diária é de 0,3 mEq/ kg/dia. Hipomagnesemia. É definida como concentração plasmática abaixo de 1,6 mg/dL. Q

Fatores predisponentes: RNs filhos de mães insulinodependentes ou com hiperparatireoidismo, RNs pequenos para a idade gestacional, diminuição na absorção (ressecção intestinal, principalmente de jejuno e íleo) ou aumento das perdas (diarreia, distúrbios hepatobiliares, diminuição da reabsorção tubular renal). Q Diagnóstico: os principais sintomas são apneia e hipotonia. Q Tratamento: 50-100 mg/kg (1-2 mL/kg) de sulfato de magnésio a 50%, EV, em 1-2 horas (500 mg ou 4 mEq/mL). Hipermagnesemia. É definida como concentração plasmática acima de 3 mg/dL. Q

Fatores predisponentes: administração de magnésio exógeno que exceda a capacidade de excreção renal (p. ex., filhos de mães que receberam sulfato de magnésio para controle de hipertensão e/ou pré-eclâmpsia), prematuridade e asfixia (por diminuição da excreção). Excesso de magnésio na nutrição parenteral, uso de antiácidos contendo magnésio. Q Diagnóstico: os sinais clínicos são apneia, depressão respiratória, letargia, hipotonia, hiporreflexia, sucção débil, motilidade intestinal reduzida e retardo na eliminação do mecônio. Costumam ser evidentes com níveis séricos > 6 mg/dL. Q Tratamento: remover a fonte exógena, quando possível. Em sintomas severos, pode-se administrar cálcio endovenoso, que atua como antagonista do magnésio. Exsanguinotransfusão, hemodiálise e diálise peritoneal geralmente não são necessárias.

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REFERÊNCIAS Bell EF, Oh W. Fluid and electrolyte management. In: MacDonald MG, Mullet MD, Seshia MMK. Avery’s neonatology: pathophysiology & management of the newborn. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p. 362-79.

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS DO RECÉM-NASCIDO

Doherty EG, Simmons Jr CF. Fluid and electrolyte management. In: Cloherty J, Eichenwald E, Stark A. Manual of neonatal care. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. p. 100-13.

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CAPÍTULO 18

DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO RECÉM-NASCIDO

DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO RECÉM-NASCIDO

LUCIANA ALONZO HEIDEMANN LUCIANA FRIEDRICH

As doenças respiratórias são as principais causas de morbidade e mortalidade durante o período neonatal, representando o principal motivo de internação nessa faixa etária. Existe uma grande variedade de causas de distúrbios respiratórios, mas a maioria se manifesta clinicamente por taquipneia, retração subcostal e esternal, batimento de asa de nariz, gemência, cianose e apneia. Os parâmetros gasométricos ideais nos recém-nascidos (RNs) são: pH > 7,25; PaO2 > 50-70; PaCO2 45-60. As medidas de suporte geral são semelhantes para todas as patologias e incluem: oximetria contínua; monitoração cardíaca; medida seriada de pressão arterial média; monitoração da diurese e da temperatura corporal; estabilização hemodinâmica, eletrolítica e ácido-básica; suporte metabólico e nutricional; jejum oral na presença de repercussão hemodinâmica ou frequências respiratórias superiores a 80 movimentos respiratórios por minuto, e manutenção da oferta calórica por meio de nutrição parenteral.

SÍNDROME DA ANGÚSTIA RESPIRATÓRIA (SAR) Epidemiologia. Ocorre em cerca de 50% dos RNs pré-termos com menos de 1,5 kg, sendo sua ocorrência inversamente proporcional à idade gestacional. Além da idade gestacional, outros fatores de risco são conhecidos, como baixo nível socioeconômico, diabete materno, asfixia perinatal, placenta prévia, descolamento prematuro de placenta, parto cesáreo, gêmeos monozigóticos (principalmente o 2o gemelar), raça branca e sexo masculino. Fisiopatologia. Antigamente era chamada de doença da membrana hialina. A imaturidade pulmonar é a principal contribuinte para o desenvolvimento da SAR. Entre os fatores relacionados à imaturidade pulmonar, destacam-se a deficiência 192

e inatividade do surfactante, o desenvolvimento pulmonar incompleto e a complacência exagerada da caixa torácica. A deficiência de surfactante leva ao colapso alveolar com a formação de atelectasias e consequente redução na complacência pulmonar e na capacidade residual funcional, além de ocasionar shunt intrapulmonar (alteração ventilação/ perfusão), levando à hipercapnia, hipoxemia e acidose. Estas últimas levam à vasoconstrição e à menor perfusão pulmonar, com aumento da pressão nas artérias pulmonares e, consequentemente, shunt direita-esquerda pelo forame oval ou canal arterial, com piora da hipoxemia e da acidose iniciais, estabelecendo-se um círculo vicioso. À medida que esse processo progride, observa-se extravasamento de líquidos e proteínas para a luz alveolar, inativação do surfactante e piora da instabilidade alveolar.

Diagnóstico. Quadro clínico característico e raios X de tórax com infiltrado reticulogranular difuso e uniforme (aspecto de “vidro moído”), broncogramas aéreos, infiltrado intersticial bilateral difuso, principalmente em região medular, pulmões de baixo volume. Em casos de má evolução, podem-se observar sinais de congestão pulmonar, enfisema intersticial, pneumotórax ou pneumomediastino, e até evidências de displasia broncopulmonar. Tratamento Estabilização inicial: reanimação imediata e eficiente do RN. Evitar altas pressões na reanimação. Manutenção da temperatura corporal entre 36 e 37°C. Evitar hipo e hipertermia. Q Equilíbrio metabólico: restrição hídrica inicial (70-90 mL/kg). Manter débito urinário acima de 1 mL/kg/h, pressão arterial média entre 30 e 50 mmHg, hematócrito acima de 40% e sódio entre 135 e 145 mEq/L. Se hipotensão, expansores de volume, dopamina, dobutamina ou adrenalina contínua. Q Nutrição: NPO e taxa de infusão de glicose de 4-6 mg/kg/minuto enquanto houver instabilidade. Iniciar o mais precocemente possível com nutrição parenteral e enteral mínima. Q Infecção: coletar triagem para sepse. Se situação materna de risco, suspeita clínica ou laboratorial de sepse, iniciar antibioticoterapia. Q CPAP nasal: seu uso precoce diminui as atelectasias, preserva a capacidade residual funcional, aumenta a complacência e a dinâmica do surfactante, reduz o esforço respiratório, melhora a relação ventilação/perfusão e a hipoxemia, reduzindo a necessidade de ventilação mecânica (VM). Usar PEEP de 4-6 cmH2O e fluxo de 5-10 L/minuto. Monitoração gasométrica. Retirada gradual, reduzindo-se primeiro a FiO2 e, após, a PEEP. Suspender quando PEEP entre 3 e 4 cmH2O e FiO2 < 0,4. Q

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DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO RECÉM-NASCIDO

Quadro clínico. Taquipneia, gemido expiratório, batimento de asa de nariz, retração da caixa torácica e cianose de início precoce, logo após o nascimento. Piora progressiva, com pico em 36-48 horas, e melhora gradativa após 72 horas. Nos prematuros extremos, a expressão clínica de desconforto respiratório é muito pobre, sendo mais comuns as crises de cianose e apneias.

Q

VM: se PaO2 < 50 mmHg ou saturação < 89% com FiO2 > 0,4, acidose respiratória ou apneias recorrentes. Ver detalhes no Capítulo 23. Q Surfactante exógeno: aumenta a capacidade residual funcional (recrutamento alveolar), melhora a relação ventilação/perfusão, diminui o shunt intrapulmonar e corrige a hipoxemia. Melhora também a complacência pulmonar. Reduz a incidência de pneumotórax e hemorragia intracraniana, diminuindo óbitos em 30-40%. Administrar por meio de tubo endotraqueal na dose de 100 mg/kg. Pode ser repetido a cada 6 horas (máximo de 3 doses), quando se mantiver necessidade de FiO2 ≥ 0,4 para manter PaCO2 ≥ 50. Surfactantes disponíveis no nosso meio: Curosurf® (porcino – 100 mg/kg = 1,25 mL/kg) e Survanta® (bovino – 100 mg/kg = 4 mL/kg). Q Óxido nítrico inalatório: até o momento, somente indicado em RNs > 34 semanas com SAR grave, com hipertensão pulmonar, que mantêm índice de oxigenação > 25 em VM convencional. Prevenção Adequada assistência pré-natal com a finalidade de reduzir a incidência de nascimentos prematuros. Não indicar cesarianas eletivas sem comprovação da maturidade fetal. Q Reanimação neonatal adequada. Q Corticoterapia antenatal: betametasona, 12 mg, 2 doses, com intervalo de 24 horas nas gestações entre 24 e 34 semanas. Comprovadamente reduz morbimortalidade em RNs pré-termo. A dexametasona está associada à maior incidência de leucomalacia periventricular. Q Surfactante profilático: indicado em RNs ≤ 27 sem ou ≤ 1.000 g (alta incidência de SAR), 100 mg/kg, já na sala de parto, sem retardar os procedimentos de reanimação do RN.

DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO RECÉM-NASCIDO

Q

TAQUIPNEIA TRANSITÓRIA DO RECÉM-NASCIDO Definição e epidemiologia. Distúrbio leve e autolimitado que ocorre em RNs a termo ou próximos ao termo. Afeta cerca de 1-2% dos nascidos vivos. RNs de mães diabéticas têm uma incidência três vezes maior. Outros fatores de risco: trabalho de parto prolongado, cesariana, sedação materna, administração excessiva de líquidos à mãe, uso materno de β-miméticos, asfixia fetal, clampeamento tardio do cordão umbilical, asma materna, sexo masculino. Fisiopatologia. Reabsorção lenta do líquido pulmonar após o parto, levando à distensão dos espaços intersticiais e ao aprisionamento de ar nos alvéolos, reduzindo a complacência pulmonar. Há também uma leve imaturidade do sistema surfactante. Quadro clínico. Disfunção respiratória leve a moderada, com início logo após o nascimento, com taquipneia, batimento de asas de nariz, tiragem intercostal, cianose e gemência, crepitação. A necessidade de O2 não excede 40%, e a resolução do quadro ocorre de poucas horas até 3-5 dias. 194

Diagnóstico. Quadro clínico característico associado a raio X de tórax com hiperinsuflação, infiltrado peri-hilar radiado e simétrico, espessamento e presença de líquido nas cissuras interlobares (“cissurite”), aumento da área cardíaca, derrame pleural. Tratamento. Medidas gerais de suporte e oxigenoterapia (aquecida e umidificada) por campânula para manter saturação > 90%. Fluxo de 5-10 L/minuto. Iniciar com FiO2 entre 40-60% e manter controle gasométrico. Não há evidências do benefício de diuréticos. Casos mais graves podem se beneficiar do uso de surfactante. O CPAP pode auxiliar na distribuição de líquido, melhorando os distúrbios da relação ventilação/perfusão. No entanto, pode também aumentar a resistência das vias aéreas e ocasionar hiperdistensão alveolar, aumentando os riscos de escape de ar e repercussões hemodinâmicas (hipotensão), não sendo essa modalidade utilizada de rotina.

Definição e epidemiologia. Desconforto respiratório presente em RNs com líquido amniótico meconial (LAM) ao nascimento, com quadro radiológico compatível, podendo variar desde formas leves até quadros de insuficiência respiratória grave, com hipertensão pulmonar persistente. A incidência varia de 1,5-36% dos neonatos com LAM (que ocorre em 5-25% das gestações). Mais comum em RNs a termo e pós-termo com presença de asfixia ante ou intraparto, no sexo masculino e na raça negra. Fisiopatologia. O mecônio causa uma obstrução das vias aéreas com mecanismo valvular (atelectasias e áreas hiperinsufladas); também provoca uma pneumonite química, com lesão tecidual pulmonar, edema e vasoconstrição arterial, além da facilitação do crescimento bacteriano, resultando em alterações na ventilação/ perfusão, hipoxia, hipercapnia e acidose. Podem ocorrer escapes aéreos e persistência da circulação fetal. Quadro clínico. Desconforto respiratório progressivo, hiperinsuflação torácica, crepitação à ausculta. Pode culminar em hipertensão pulmonar. Diagnóstico. Impregnação meconial em pele, unhas e cordão umbilical; sinais clínicos de desconforto respiratório; gasometria com hipoxia, hipercapnia e acidose (inicialmente respiratória e, após, mista); leucocitose e desvio à esquerda (situação de estresse); plaquetopenia; raio X com áreas de atelectasia e áreas de hiperinsuflação, infiltrado alveolar grosseiro (opacidades irregulares) e consolidações. Há aumento do risco de pneumotórax e pneumomediastino. Tratamento. Medidas gerais de suporte; restrição hídrica; oxigênio por campânula ou ventilação mecânica (se PaO2 < 60 com O2 a 100% ou PaCO2 > 65). A ventilação de alta frequência está indicada nos casos de falha da ventilação con195

DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO RECÉM-NASCIDO

SÍNDROME DE ASPIRAÇÃO DE MECÔNIO (SAM)

vencional ou em casos graves de escapes aéreos. O uso do surfactante está indicado quando há deterioração clínica e hipoxia acentuada (inibição do surfactante endógeno). Antibioticoterapia de amplo espectro deve ser iniciada. Prevenção. Aspiração traqueal sob laringoscopia direta de todos os RNs deprimidos com líquido amniótico meconial, através de cânula conectada ao adaptador e à fonte de vácuo. Prognóstico. Mortalidade de 4-37% (dependendo da gravidade do comprometimento pulmonar); aumento de complicações neurológicas e pulmonares a longo prazo; risco de paralisia cerebral, displasia broncopulmonar, hiper-reatividade brônquica e função pulmonar alterada.

DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO RECÉM-NASCIDO

PNEUMONIA CONGÊNITA Definição e epidemiologia. Processo inflamatório dos pulmões, que pode ocorrer no feto ou RN de qualquer idade gestacional, resultante de infecção. Incidência de 10% em UTIs neonatais, com mortalidade de 20%. O Streptococcus do grupo B é o patógeno mais importante. Outros: Listeria monocytogenes, Escherichia coli, Chlamydia trachomatis, Ureaplasma urealyticum. Fisiopatologia. Transmissão vertical transplacentária, infecção ascendente do trato genital ou aspiração de secreções ou de líquido amniótico contaminados durante o parto, em função de movimentos tipo gasping durante o nascimento, resultantes de processo asfíxico. Quadro clínico. Nos casos de pneumonia adquirida via transplacentária, os sinais podem estar presentes já ao nascimento. Se a infecção ocorreu durante o parto, os sintomas iniciam-se após algumas horas. Taquipneia, gemência, batimento de asa de nariz, retrações, cianose, respiração irregular, crepitação, febre/hipotermia, letargia. Diagnóstico. A identificação do germe é difícil, podendo este ser encontrado em hemocultura, líquido cerebrospinal ou aspirado traqueal precoce. O raio X apresenta áreas opalescentes difusas uni ou bilaterais. A pneumonia por Streptococcus tipo B é radiologicamente semelhante à da SAR, com infiltrado bilateral difuso e broncogramas aéreos. Tratamento. Medidas de suporte geral, assistência ventilatória adequada, antibioticoterapia (a mesma utilizada na sepse precoce) após coleta dos culturais. Tratamento de 10-14 dias quando evolução favorável.

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REFERÊNCIAS Alves Filho NA, Corrêa MD, Alves Jr JMS, Corrêa Jr MDC. Perinatologia básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. Cloherty J, Eichenwald E, Stark A. Manual of neonatal care. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. Kopelman BI, Santos AMN, Goulart AL, Almeida MFB; Miyoshi MH; Guinsburg R, et al. Diagnóstico e tratamento em neonatologia. São Paulo: Atheneu; 2004. Lopez FA, Campos Júnior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2006. Sociedade Brasileira de Pediatria.

DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS DO RECÉM-NASCIDO

MacDonald MG, Mullett MD, Seshia MMK. Avery neonatologia, fisiopatologia e tratamento do recém-nascido. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007.

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CAPÍTULO 19

APNEIA DA PREMATURIDADE RAFAELA FERREIRA HERMAN LUCIANA FRIEDRICH

APNEIA DA PREMATURIDADE

Definição. Apneia da prematuridade é uma pausa respiratória superior a 20 segundos ou de menor duração se acompanhada de cianose ou bradicardia. Comum em recém-nascidos (RNs) pré-termo, não pode ser considerada fisiológica em RNs a termo. Epidemiologia. A incidência é inversamente proporcional à idade gestacional. Cerca de 54% dos RNs menores de 34 semanas e até 78% daqueles com 26-27 semanas de idade gestacional apresentam episódios que necessitam de intervenção. Fisiopatologia. A apneia pode ser desencadeada por diversos mecanismos: Q Q Q Q Q Q

Imaturidade do sistema nervoso central: menor número de sinapses e mielinização incompleta, retardando a propagação do estímulo nervoso. Imaturidade do centro respiratório: atividade reduzida dos reflexos e dos receptores que determinam o ritmo respiratório. Características próprias da caixa torácica e musculatura respiratória do RN pré-termo, com tendência ao colabamento das vias aéreas. Resposta reduzida à hipoxia/hipercapnia (não manutenção da hiperventilação em situações de hipoxia e menor sensibilidade à hipercapnia). Influência do sono: maior tempo de sono REM nos pré-termos, com irregularidade do padrão respiratório, da frequência respiratória e do volume corrente. Desbalanço entre neuromoduladores e neurotransmissores excitatórios e inibitórios, com predomínio dos últimos (p. ex., adenosina e β-endorfinas).

Classificação Central (10-25%): apneia com ausência de movimentos respiratórios e de fluxo gasoso nas vias aéreas. Q Obstrutiva (12-20%): ocorre por interrupção do fluxo na via aérea com persistência de movimentos respiratórios. Q

198

Q

Mista (53-71%): ocorre quando ambos os componentes (obstrução do fluxo aéreo e parada dos movimentos respiratórios) estão presentes.

Diagnóstico. O diagnóstico de apneia da prematuridade é de exclusão. Portanto, antes de aceitá-lo, deve-se fazer uma investigação clínica, laboratorial e de imagem das possíveis causas. É importante observar (1) o número de episódios em 24 horas; (2) a duração de cada episódio; (3) a repercussão (bradicardia ou cianose); (4) a associação com algum procedimento (aspiração de vias aéreas ou alimentação) ou posicionamento do neonato, e (5) as manobras necessárias para a reversão do episódio. Q

Oxímetro de pulso e monitor de frequência cardíaca: não detectam os episódios de apneia, e sim as quedas de saturação e bradicardia delas decorrentes. Q Monitor de apneia: registra os movimentos respiratórios. Útil no diagnóstico das apneias central e mista. Pouca utilidade nas apneias obstrutivas. Diagnóstico diferencial Doenças que levam à hipoxemia: doença da membrana hialina, persistência do canal arterial, anemia, choque, displasia broncopulmonar, pneumonia. Q Doenças infecciosas: sepse, meningite, enterocolite necrotizante. Q Alterações neurológicas: hemorragia peri-intraventricular, leucomalacia, encefalopatia hipóxico-isquêmica, síndromes convulsivas, malformações cerebrais. Q Distúrbios metabólicos: hipoglicemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, encefalopatia bilirrubínica, hipertermia. Q Refluxo gastresofágico. Q Postural: flexão exagerada do pescoço com obstrução das vias aéreas. Q Drogas: fármacos associados à depressão do sistema nervoso central (opioides, benzodiazepínicos, anticonvulsivantes, etc.). É importante também diferenciar apneia da prematuridade da respiração periódica do pré-termo. Na respiração periódica, ocorrem pausas curtas (5-10 segundos) sem cianose ou bradicardia, e ela pode ser considerada normal no RN pré-termo. Tratamento. O tratamento deve ser direcionado para a causa, se determinada. Um suporte adequado deve ser oferecido, com oximetria contínua e aporte de oxigênio se necessário, posicionamento que evite flexão ou extensão acentuada do pescoço e regulação térmica do ambiente. A retirada do oxigênio deve ser gradual, e deve-se atentar também para a hiperoxia. CPAP (continuous positive airway pressure) nasal reduz o número de episódios de apneia obstrutiva ou mista, melhorando a permeabilidade da via aérea, o ritmo respiratório, a estabilidade da caixa torácica e a capacidade residual funcional. Deve ser utilizada por meio de pronga nasal, com pressões de 4-5 cmH2O e frações de oxigênio mínimas para manter a saturação adequada. A CPAP traqueal não deve ser utilizada em pré-termos, pois aumenta a resistência das vias aéreas e o trabalho respiratório. 199

APNEIA DA PREMATURIDADE

Q

APNEIA DA PREMATURIDADE

Ventilação mecânica: quando a CPAP não se mostrou eficaz. Em pacientes sem patologia pulmonar, recomenda-se fluxo de 6-8 L/min, pressão inspiratória suficiente para elevar a caixa torácica em 0,5 cm, pressão expiratória de 4-5 cmH2O, frequência respiratória baixa, de 15-30 ciclos por minuto (suficiente para manter pCO2 entre 45 e 60 mmHg, estando o pH acima de 7,25), e tempo inspiratório de 0,4-0,45 segundos. As metilxantinas são os fármacos de escolha. Atuam na estimulação do centro respiratório, antagonizam neurotransmissores depressores do sistema nervoso central, melhoram a contratilidade diafragmática, estimulam o reflexo de HeringBreuer e aumentam a sensibilidade dos quimiorreceptores centrais ao CO2. As mais utilizadas são o citrato de cafeína e aminofilina (ou teofilina) (ver Tab.19.1): Os principais efeitos colaterais das metilxantinas são taquicardia, hipoglicemia e alterações gastrintestinais (náuseas, vômitos, distensão abdominal, intolerância alimentar). A cafeína parece estar menos relacionada a efeitos adversos que a aminofilina. A retirada das metilxantinas é realizada quando o RN atinge 34-36 semanas de idade gestacional, não havendo episódios de apneia por sete dias. Algum efeito da medicação pode permanecer por até uma semana após a retirada. O doxapram, um estimulante respiratório, algumas vezes é utilizado em casos refratários. Administra-se em infusão contínua, inicialmente na dose de 0,5 mg/ kg/h, em associação ao uso de metilxantina. A dose pode ser aumentada a cada 12 h se persistirem os episódios, até 2,5 mg/kg/h. O nível sérico terapêutico é inferior a 5 µg/mL, e deve ser determinado 48 horas após o início do tratamento. Por estar relacionado a possível retardo mental posterior, devendo ser a última escolha no tratamento da apneia. A retirada do doxapram deve ser gradual (25% a cada 24 h), após sete dias de estabilização do ritmo respiratório.

Tabela 19.1 USO DE METILXANTINAS

Dose de ataque

Citrato de cafeína

Aminofilina

20 mg/kg (10 mg/kg cafeína) VO ou EV, em 30 min, a cada 24 horas

5 mg/kg, EV, em 30 min

Dose de manutenção 5-8 mg/kg, 1 ×/dia

1,5-2 mg/kg/dose, de 6/6 h ou de 8/8 h

Nível sérico

5-25 µg/mL

7-12 µg/mL

Nível tóxico

40-50 µg/mL (descontinuar)

> 20 µg/mL

200

Prevenção Q Decúbito ventral e elevado: favorece a estabilização da caixa torácica e a sincronia dos músculos respiratórios, levando à menor ocorrência de fadiga muscular, além de aumentar a proporção de sono não REM e propiciar um melhor controle da mecânica ventilatória. Q Ambiente termoneutro. Q Aspiração cuidadosa da vias aéreas: evitar reflexo laríngeo. Q Nutrição: evitar a desnutrição e, com isso, a apneia decorrente de fadiga muscular. Prognóstico. Em neonatos que apresentam episódios de apneia com duração superior a 20 segundos, observa-se uma maior incidência de hemorragia periintraventricular, leucomalacia, hidrocefalia, necessidade de suporte ventilatório prolongado e alterações do desenvolvimento neurológico no primeiro ano de vida. Estudos apontam também para a correlação de apneia da prematuridade com a síndrome da morte súbita do lactente.

Barros MCM. Apneia da prematuridade. In: Kopelman BI, Santos AMN, Goulart AL, Almeida MFB, Miyoshi MH, Guinsburg R, et al. Diagnóstico e tratamento em neonatologia. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 127-34. Barros MCM, Costa HPF. Apnéia do recém-nascido. In: Procianoy RS, Leone CR, organizadores. Programa de Atualização em Neonatologia (PRORN). Porto Alegre: Artmed; 2004. p. 103-48. Lopes JMA. Apnéia da prematuridade. In: Alves Filho NA, Corrêa MD, Alves Jr JMS, Corrêa Jr MDC. Perinatologia básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 520-3. Stark AR. Apnea. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of neonatology care. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkings; 2004. p. 388-93.

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APNEIA DA PREMATURIDADE

REFERÊNCIAS

CAPÍTULO 20

DISPLASIA BRONCOPULMONAR CLÁUDIA FERRI LUCIANA FRIEDRICH

DISPLASIA BRONCOPULMONAR

Definição. Há displasia broncopulmonar (DBP) em RNs < 32 semanas de idade gestacional com necessidade de O2 suplementar com a idade corrigida de 36 semanas e/ou RNs > 32 semanas que ainda necessitem de O2 suplementar após 28 dias de vida. A etiologia é multifatorial. Epidemiologia. É inversamente relacionada à idade gestacional. A incidência é de 22% em pré-termos de 500-1.500 gramas, aumentando para 33% se considerados apenas aqueles < 1.000 gramas. Fisiopatologia Imaturidade pulmonar: o pulmão imaturo apresenta características estruturais e bioquímicas que o tornam suscetível à lesão aguda, podendo afetar o processo de reparação tecidual e alterar o potencial de crescimento e desenvolvimento pulmonar. Q Baro e volutrauma: a lesão celular provocada pela pressão ou pelo volume excessivo desencadeia a cascata inflamatória, aumentando ainda mais os danos ao parênquima pulmonar em desenvolvimento. Q Toxicidade do oxigênio: a deficiência dos sistemas antioxidantes nos pré-termos faz com que os radicais livres promovam alterações celulares irreversíveis no pulmão em desenvolvimento, além de desencadear a cascata inflamatória, atuando, assim, tanto na fase aguda como na função reparadora do tecido pulmonar. Q Mediadores inflamatórios: responsáveis pela lesão pulmonar aguda, caracterizada pelo acúmulo de macrófagos e neutrófilos, aumento de citocinas, lesão oxidativa, aumento da permeabilidade alveolocapilar e desequilíbrio proteaseantiprotease (aumento na elastase). Esses fatores ocasionam a degradação do tecido conjuntivo, alterando a função de reparação do tecido pulmonar. Q Infecção: associação entre corioamnionite, colonização das vias aéreas (principalmente pelo Ureaplasma urealyticum) e infecções sistêmicas com o desenvolvimento de DBP. Q

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Q Q

Persistência do canal arterial (PCA): fator de risco independente para DBP. Desnutrição: aumenta a suscetibilidade pulmonar à lesão induzida pela hiperoxia. Os lipídeos (principalmente os ricos em PUFAs – ácidos graxos poliinsaturados) aumentam a defesa antioxidante do organismo. A deficiência de vitamina A (comum em pré-termos) altera o desenvolvimento pulmonar e leva à maior suscetibilidade das vias aéreas à ação de radicais livres e infecção. Q História familiar de asma: evidências dessa associação ainda estão em estudo. Quadro clínico Forma “clássica” ou DBP grave: pouco comum atualmente, após a introdução do uso do surfactante e de técnicas gentis de ventilação mecânica (VM). São RNs com doença inicial grave, necessitando de altos parâmetros de VM, com complicações como pneumotórax, enfisema intersticial, PCA com edema pulmonar e infecções hospitalares. Apresentam hipoxemia, edema pulmonar, crises de sibilância, infecções pulmonares, atelectasias de repetição e broncomalacia, podendo evoluir para cor pulmonale. Q Forma “leve” ou “nova DBP”: RNs < 30 semanas e 1.000 gramas, com doença respiratória inicial mais leve, necessitando de suporte ventilatório posterior apenas por apneias ou drive respiratório insuficiente devido à prematuridade extrema. Necessitam de baixas pressões e pouco O2. Geralmente, após a doença inicial, passam por um período de alguns dias sem precisar de O2 (“lua-de-mel”) e apresentam deterioração progressiva após, com taquipneia e retrações. A piora clínica geralmente é secundária à infecção ou à descompensação secundária à PCA. Q Gasometria: acidose respiratória, hipoxemia e hipercapnia. Q Raio X de tórax: DBP leve – linhas finas de opacificação (doença intersticial), discreta hiperinsuflação. DBP moderada – linhas de opacificação do hilo para a periferia, hiperinsuflação mais pronunciada. DBP grave – linhas mais densas de opacificação (fibrose ou atelectasias), áreas enfisematosas alternando-se com atelectasias. Áreas císticas, traves fibrosas e edema pulmonar. Tratamento Q Oxigenoterapia: os episódios de hipoxia contribuem para o desenvolvimento de cor pulmonale, broncoconstrição e redução do crescimento somático e cerebral. O O2 deve ser administrado por cateter nasal, mantendo a saturação entre 92 e 95% e a PaO2 entre 60 e 80 mmHg. Se cor pulmonale, manter saturação entre 95 e 96%, inclusive no sono e nas mamadas. A suspensão do O2 deve se dar após a retirada dos diuréticos, da restrição hídrica e do corticoide. Se houver redução do crescimento somático após a suspensão do O2, considerar a sua reintrodução, pois pode ser secundária a episódios intermitentes de hipoxemia. – Se necessária ventilação mecânica, utilizar baixos volumes e pressões, tolerando PaCO2 entre 55 e 60 mmHg, se pH > 7,25. Q Diuréticos: reduzem o edema pulmonar, facilitam trocas gasosas e melhoram a mecânica pulmonar. Na fase aguda, utiliza-se a furosemida, 1-2 mg/kg/dia, de 12/12 horas, EV ou VO. Posteriormente, troca-se para diuréticos que cau203

DISPLASIA BRONCOPULMONAR

Q

Q

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Q Q

sem menos hipercalciúria, como a hidroclorotiazida (2-4 mg/kg/dia, de 12/ 12h) e a espironolactona (1-2 mg/kg/dia, de 24/24h). Esses costumam ser mantidos até se poder suspender o oxigênio suplementar, reduzindo-se a dose gradualmente. Broncodilatadores: apesar da melhora transitória na função pulmonar e nas trocas gasosas, não apresentam efeito sobre a evolução da doença, e seu benefício a longo prazo não está comprovado. Devem ser utilizados apenas nos episódios de exacerbação das crises de sibilância. Utiliza-se o salbutamol spray com espaçador (aerocâmara), 1-2 jatos, via inalatória, a cada 6 horas. Nebulização com salbutamol ou fenoterol, associados ou não ao brometo de ipratrópio é outra opção. Aminofilina EV ou VO também pode ser utilizada nas doses usuais. Corticoterapia: reduz, a curto prazo, o processo inflamatório, o edema e a fibrose pulmonar, e induz broncodilatação. Aumenta a complacência e reduz a resistência das vias aéreas, acelerando a extubação. No entanto, estudos recentes demonstraram risco aumentado de alterações neurológicas e paralisia cerebral, sendo seu uso, atualmente, restrito a pacientes dependentes de VM por mais de 14 dias, com FiO2 > 0,4 e pressão média de vias aéreas > 8 cmH2O, além de sinais radiológicos de DBP. Utilizar dexametasona, 0,2 mg/kg/dia, por 3 dias. Se não melhorar, suspender. Se melhorar e a extubação for possível, fazer retirada rápida: 0,1 mg/kg/dia, por 3 dias, e 0,05 mg/kg/dia, por mais 3 dias. – Os corticoides inalatórios não propiciam modificação na incidência ou na gravidade da DBP, tampouco na mortalidade ou no prognóstico a longo prazo. Nutrição: necessidade calórica entre 120 e 180 kcal/kg/dia, com ganho de peso ideal de 20-30 g/dia. Limitar aporte hídrico ao mínimo necessário (140150 mL/kg/dia). Se necessário, dieta hipercalórica e hiperproteica, podendose adicionar polímeros de glicose. Tratamento agressivo de PCA. Transfusões sanguíneas para manter hemoglobina > 8-10 g/dL.

Prevenção Evitar o nascimento pré-termo por meio de cuidados pré-natais adequados. O uso de antibioticoterapia em gestantes com ruptura prematura de membranas não é consenso. Q Administrar corticoide pré-natal em gestantes de 24-34 semanas em risco de parto pré-termo. Q Surfactante: não diminui a incidência, porém diminui a combinação de DBP grave e morte. Q Vitamina A: a suplementação com altas doses (5.000 UI, 3 vezes por semana, nas primeiras 4 semanas de vida) em RNs de risco parece apresentar uma pequena, mas significativa, redução na mortalidade ou DBP. Q Superóxido dismutase recombinante: enzima antioxidante; em nível experimental, exerce papel na prevenção da DBP se utilizadas múltiplas doses via intratraqueal em RNs < 27 semanas. Q

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Q

Óxido nítrico: diminui a inflamação pulmonar quando usado em pré-termos com desconforto respiratório. Há dados sugestivos, porém, do aumento do risco de hemorragia intraperiventricular. Q Estratégias ventilatórias: hipercapnia permissiva (PaCO2, 65-70 mmHg) e ventilação gentil têm sido recomendadas. A ventilação sincronizada e de alta frequência não parece alterar a incidência de DBP. Prognóstico Q Dificuldades de alimentação via oral com redução no crescimento somático. Q Infecções respiratórias de repetição nos primeiros 2 anos de vida, principalmente virais. Q Função pulmonar alterada até a adolescência nos quadros graves, melhorando por volta dos 3 anos de idade nos casos mais leves. Maior incidência de sibilância. Q Maior risco de sequelas neurológicas, como paralisia cerebral (principalmente diplegia espástica) e retardo de desenvolvimento. Q Mortalidade de 10-20% (até 30-40% nos casos graves), geralmente no primeiro ano de vida, secundária à insuficiência respiratória, sepse ou cor pulmonale.

Adams JM, Stark AR. Bronchopulmonary dysplasia. In: Rose BD, editor. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate; 2008. Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Displasia broncopulmonar. In: Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson Tratado de pediatria. 17. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. p. 580-1. Lopes JMA, Ramos JR, Carvalho M. Displasia broncopulmonar: novos conceitos. In: Alves Filho NA, Corrêa MD, Alves Jr JMS, Corrêa Jr MDC. Perinatologia básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 507-11. Nascimento SD. Displasia broncopulmonar. In: Kopelman BI, Santos AMN, Goulart AL, Almeida MFB, Miyoshi MH, Guinsburg R, et al. Diagnóstico e tratamento em neonatologia. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 115-26. Parad R. Bronchopulmonary dysplasia / chronic lung disease. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of neonatology care. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2004. p. 393-402.

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DISPLASIA BRONCOPULMONAR

REFERÊNCIAS

CAPÍTULO 21

ASFIXIA PERINATAL LUCIANA TEIXEIRA FONSECA LUCIANA FRIEDRICH

ASFIXIA PERINATAL

Definição. Asfixia perinatal é a agressão ao feto ou ao recém-nascido (RN) decorrente da falta de oxigênio (hipoxia) e/ou de perfusão (isquemia) em um ou mais órgãos, com gravidade e duração suficientes para produzir alterações funcionais e/ou bioquímicas. Embora o escore de Apgar seja um critério importante para identificar a depressão neonatal (e a asfixia perinatal é apenas uma entre as diversas causas de depressão ao nascer), a asfixia implica hipoxemia e hipercapnia fetal ou neonatal que, ao se prolongarem, levam à acidose. São critérios para definição de asfixia intraparto: Q Q Q Q

Acidose metabólica ou mista profunda (pH < 7,0), medida na artéria umbilical; Persistência de um escore de Apgar de 0-3 por mais de 5 minutos; Manifestações neurológicas neonatais (convulsões, coma, hipotonia); Disfunção multiorgânica (cardiovascular, renal, gastrintestinal, hematológica, pulmonar).

Epidemiologia. Incidência de 1-1,5% dos nascidos vivos, sendo inversamente proporcional à idade gestacional e ao peso de nascimento. A Organização Mundial da Saúde estima que, dos 5 milhões de óbitos neonatais/ano no mundo, 19% sejam consequentes à asfixia perinatal. No Brasil, 10% dos óbitos neonatais precoces têm a asfixia perinatal notificada como causa. Etiologia. Os fatores de risco incluem diabete ou toxemia materna, retardo de crescimento intrauterino, apresentação não cefálica e pós-datismo. Em RNs a termo, 90% dos eventos asfíxicos ocorrem no período anteparto ou intraparto por distúrbios que levam à inadequada provisão de O2 e à remoção de CO2 e H+ fetais. Esses distúrbios podem ocorrer por problemas maternos (hiper/ hipotensão, infecção, diabete, uso de drogas, hipoxia), por fatores que reduzam o fluxo placentário ou as trocas gasosas entre placenta e feto (descolamento prematuro de placenta, ruptura uterina, prolapso, nó ou compressão de cordão, anomalia dos vasos umbilicais) ou por problemas fetais (anemia, infecção, cardiopatia, hidropisia, retardo de crescimento, pós-maturidade). Os 10% restantes ocorrem no período pós-parto, geralmente secundários à anormalidade pulmonar, cardio-

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Fisiopatologia. Eventos normais que ocorrem durante o trabalho de parto fazem com que a maioria dos bebês nasça com baixa reserva de O2. Esses eventos incluem redução do fluxo placentário e algum grau de compressão do cordão umbilical pelas contrações uterinas, em um momento em que o consumo de O2 está aumentado tanto pela mãe como pelo feto. A desidratação e a alcalose respiratória maternas por hiperventilação, frequentes nesse período, podem também propiciar diminuição do fluxo sanguíneo placentário. A convergência desses fatores leva a uma queda da saturação fetal de oxigênio. O feto saudável resiste muito bem a esse estresse. Diante de uma ameaça hipóxico-isquêmica, alguns mecanismos de proteção são disparados, levando a uma redistribuição do fluxo sanguíneo fetal que privilegia o cérebro, o coração e as adrenais, com prejuízo para pulmões, rins, intestino, baço, ossos, musculatura esquelética e pele (fenômeno conhecido como reflexo de mergulho ou diving reflex). Na hipoxia leve, ocorre uma queda na frequência cardíaca com aumento na pressão arterial (PA), com o objetivo de manter a perfusão cerebral, estando o débito cardíaco praticamente inalterado. Com a progressão da lesão asfíxica, há piora da hipoxia e da acidose, com queda acentuada da frequência cardíaca, do débito cardíaco e da PA. O fluxo sanguíneo cerebral torna-se dependente da pressão arterial sistêmica, por perda do mecanismo de autorregulação vascular cerebral. O decréscimo no débito cardíaco resulta em metabolismo anaeróbio e produção de ácido lático. Os efeitos combinados de hipoxia e acidose deprimem a função miocárdica e reduzem ainda mais o fluxo sanguíneo para os órgãos vitais. A morte neuronal pode ser imediata (por sobrecarga osmótica intracelular) ou tardia (por ativação incontrolada de enzimas e citocinas, geração de radicais livres ou depleção do estoque de energia). A reperfusão de áreas previamente isquêmicas também pode causar injúria pela produção excessiva de radicais livres e citocinas pró-inflamatórias. Quadro clínico. A apresentação clínica é muito variável e depende da intensidade do evento asfíxico e das condições e reservas do feto ou RN. Caracteriza-se principalmente por sinais de disfunção cerebral (denominada encefalopatia hipóxico-isquêmica): letargia, estupor, coma, hipotonia, alteração de reflexos, apneia e convulsões. As convulsões ocorrem em 20-50% dos casos e geralmente iniciam 6-24 horas após o insulto isquêmico. Podem ser sutis, tônicas ou clônicas multifocais. Em RNs em ventilação mecânica recebendo bloqueadores neuromusculares, as convulsões podem se manifestar por alterações súbitas de pressão arterial, frequência cardíaca e saturação de oxigênio. Apesar da encefalopatia hipóxicoisquêmica ser a consequência mais lembrada e temida, geralmente ocorre disfunção de múltiplos órgãos, que, assim como o cérebro, também podem mostrar evidências de dano asfíxico:

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ASFIXIA PERINATAL

vascular ou neurológica do RN, que causam hipoxemia severa (cardiopatia congênita cianótica, hipertensão pulmonar persistente do RN, choque séptico, etc.).

Q

Q

Q Q

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Coração: isquemia miocárdica transitória com alterações eletrocardiográficas e aumento de CKMB. Ecocardiograma com hipocontratilidade e insuficiência ventricular esquerda, hipertensão pulmonar persistente com shunt direitaesquerda e insuficiência tricúspide. Rins: necrose tubular aguda (NTA) e síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SSIADH). O quadro de insuficiência renal geralmente dura 24 horas, manifestado por oligúria. Quadros persistentes associam-se a lesões de múltiplos órgãos e mau prognóstico. Trato gastrintestinal: risco de isquemia intestinal e enterocolite necrotizante. Sistema hematológico: coagulação intravascular disseminada secundária a dano endotelial, somada à reduzida produção de fatores de coagulação por disfunção hepática e coagulopatia de consumo. Plaquetopenia e anemia são comuns. Leucocitose com predomínio de formas jovens, que regride em 72 horas, deve ser diferenciada de quadros sépticos. Fígado: elevação de enzimas hepáticas, acompanhada ou não de insuficiência hepática. Pulmões: hemorragia e edema pulmonar, redução da produção de surfactante e pneumonia por aspiração de mecônio. Pode haver aumento da resistência vascular pulmonar, levando à hipertensão pulmonar persistente do RN.

ASFIXIA PERINATAL

Diagnóstico. RN deprimido ao nascer e com necessidade de reanimação em sala de parto sugere o diagnóstico de asfixia perinatal quando associado aos seguintes fatores: Q Q

Bradicardia fetal e acidose prolongada (pH em sangue de cordão umbilical < 7). Necessidade de ventilação com pressão positiva acima de 1 minuto ou primeiro choro após o 5o minuto de vida. Q Exame neurológico compatível com encefalopatia hipóxico-isquêmica: – Fase inicial (primeiras 12 horas) com sinais de disfunção cerebral: estupor ou coma, esforço respiratório irregular, hipotonia e hiporreflexia. Crises convulsivas ocorrem entre 6 e 12 horas em 50% dos neonatos moderada ou severamente asfixiados. Os reflexos pupilares encontram-se normais. – Os neonatos severamente asfixiados apresentam uma deterioração progressiva do quadro neurológico após 24-72 horas, com coma, apneias prolongadas, anormalidades de tronco cerebral (alterações da reatividade pupilar, perda das respostas oculomotoras e calóricas, perda de função bulbar). Q Convulsões nas primeiras 24-48 horas de vida (lembrar que metade das convulsões neonatais não é de etiologia asfíxica). Q A avaliação laboratorial dos efeitos da isquemia nos diferentes órgãos pode auxiliar no diagnóstico: gasometria arterial com acidose e aumento das enzimas cardíacas (troponina, CK, CKMB) são as alterações mais características. Alterações no coagulograma (TP, TTPA, plaquetas, fibrinogênio) e na função hepática (bilirrubinas, transaminases, albumina e amônia) podem ser encontradas. Tomografia computadorizada e ressonância magnética de encéfalo são úteis

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Tratamento. Manuseio mínimo: os procedimentos dolorosos podem alterar a pressão arterial e, consequentemente, a perfusão cerebral. Manutenção da temperatura corporal entre 36,5 e 37,5°C. Monitoração e tratamento dos distúrbios ácido-básicos, hidreletrolíticos e metabólicos. Hipocalcemia, hipoglicemia e hiponatremia por SSIADH são distúrbios frequentemente encontrados em RNs asfixiados. Iniciar com soro com taxa de infusão de glicose de 4-6 mg/kg/min e gluconato de cálcio a 10% na dose de 2 mL/kg/dia. Monitorar pressão arterial, pressão venosa central e diurese. Iniciar restrição hídrica. RNs com choque cardiogênico necessitam de expansões de volume (quando sinais de hipovolemia) e vasopressores como dopa e/ou dobutamina (2,5-20 µg/kg/min). Manter PAM 30-35 mmHg (em < 1 kg), 35-40 (em RNs com 1-2 kg) e 45-50 (em > 2 kg). A manutenção da pressão arterial normal é indispensável para manter adequada perfusão cerebral. Adrenalina contínua pode ser usada se choque refratário (0,05-1 µg/kg/min). Manter PaO2 entre 45 e 70 mmHg, PaCO2 entre 45 e 60 mmHg e pH entre 7,25 e 7,40. A hiperventilação não é recomendada. Tanto hiper quanto hipocapnia e tanto hiperoxia quanto hipoxia podem causar dano neurológico adicional. Em casos de apneias, não utilizar xantinas, pois elas reduzem a perfusão cerebral. Os anticonvulsivantes são indicados após outras causas de convulsão, como hipoglicemia, hipocalcemia e hiponatremia, terem sido excluídas. A primeira escolha é o fenobarbital (ataque: 20-40 mg/kg; manutenção: 3-5 mg/kg/dia, de 12/12 horas), associando-se fenitoína (ataque: 15-20 mg/kg; manutenção: 4-8 mg/kg/dia, de 8/8 ou 12/12 horas) em crises refratárias. Midazolam contínuo pode ser utilizado em casos de mal convulsivo. O aumento da pressão intracraniana e o edema cerebral são mais comumente efeitos do que causas da injúria cerebral, e seu tratamento não modifica a evolução. Assim, drogas antiedema não têm sido recomendadas. Se houver oligúria (diurese < 0,5 mL/kg/h), determinar se a origem é prérenal (hipovolemia, hipotensão) ou renal (SSIADH ou NTA). Determinar fração de excreção de sódio (FeNa = 100 × Na urinário x creatinina plasmática/creatinina urinária x Na plasmático). Se 0,9 ± 0,6, a causa é pré-renal, e se 4,3 ± 2,2, a causa é renal intrínseca. Geralmente as causas pré-renais respondem à expansão volumétrica (soro fisiológico, 10-15 mL/kg, em 1 hora + furosemida, 1-2 mg/kg), ao contrário das renais. Em caso de SSIADH ou NTA, iniciar restrição hídrica. Monitorar potássio, e não incluí-lo na reposição hídrica se oligúria com níveis séricos > 4,5 mEq/L. Diálise peritoneal está indicada em casos refratários. NPO por 48-72 horas, dependendo da gravidade do quadro. Hemoderivados: concentrado de plaquetas se < 50.000 em pacientes instáveis ou se sangramento. Concentrado de hemácias se hematócrito < 40%. Plasma fresco se alteração de TTPa e crioprecipitado se redução de fibrinogênio.

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ASFIXIA PERINATAL

para determinar a extensão do edema cerebral, além de excluir outras causas de sintomas neurológicos (lembrar que alterações nos exames de imagem só costumam aparecer 2-4 dias após o insulto).

ASFIXIA PERINATAL

Prognóstico. A mortalidade geral varia de 10-30%, e a frequência de sequelas, de 15-45% entre os sobreviventes. O grau de comprometimento neurológico é extremamente variado e consiste em dificuldades escolares, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, epilepsia, déficit motor e paralisia cerebral. O acometimento dos outros órgãos costuma resolver-se totalmente e raramente deixa sequelas. Cabe lembrar que paralisia cerebral costuma ser muito confundida com asfixia perinatal, frequentemente tomadas como sinônimos. Nem a paralisia cerebral nem qualquer outro distúrbio neurológico diagnosticado mais tarde na infância podem ser atribuídos à asfixia perinatal se não houver evidência de anormalidades neurológicas ou de severa disfunção multiorgânica no período neonatal precoce. Além disso, a maioria das crianças com paralisia cerebral não sofreu asfixia ao nascimento. Fatores preditivos de pior prognóstico incluem ausência de respiração espontânea no 5o minuto de vida, início das convulsões nas primeiras 12 horas de vida (especialmente se refratárias ao tratamento), encefalopatia profunda prolongada, eletrencefalograma alterado com 5-7 dias de vida e incapacidade de alimentação oral adequada com 7 dias de vida. Prevenção. As medidas mais efetivas na prevenção da asfixia perinatal são simples e consistem em pré-natal adequado, monitoração do trabalho de parto e atendimento na sala de parto realizado por pediatra treinado em reanimação neonatal. Na prevenção da morte neuronal tardia, estudos têm testado drogas, como inibidores de cálcio, inibidores de radicais livres, bloqueadores de neurotransmissores, e também a hipotermia (geral ou seletiva), no controle da lesão cerebral na fase da reperfusão. Até o momento, essas estratégias são apenas experimentais.

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CAPÍTULO 22

HIPERTENSÃO PULMONAR PERSISTENTE NO RECÉM-NASCIDO ANGELA DAL ROSS CLÁUDIA FERRI LUCIANA FRIEDRICH

Definição. A hipertensão pulmonar persistente (HPP) é o resultado da disrupção na transição da circulação fetal para a neonatal, caracterizada pela persistência de elevada resistência vascular pulmonar (RVP), ocorrendo shunt direita-esquerda através do forame oval ou do canal arterial, acarretando um desequilíbrio da relação ventilação-perfusão e importante hipoxemia. A HPP é uma síndrome clínica que ocorre em associação com diversas doenças neonatais, tais como: aspiração de mecônio, cardiopatias congênitas, sepse neonatal, pneumonias, síndrome da angústia respiratória aguda, asfixia perinatal, hérnia diafragmática e hipoplasia pulmonar. Epidemiologia. Ocorre em 1-2:1.000 nascidos vivos e é mais comum entre os recém-nascidos (RNs) a termo e pós-termo. Os fatores de risco incluem líquido amniótico meconial e doenças neonatais, como febre, anemia e patologias pulmonares, além de condições maternas, como diabete melito, infecção urinária, febre e uso de anti-inflamatórios não esteroidais durante a gestação. Fisiopatologia. A transição da circulação perinatal é caracterizada por uma queda rápida na RVP, que ocorre após as primeiras ventilações do RN, e por um marcado aumento na resistência vascular sistêmica após o clampeamento do cordão. Esses mecanismos fazem com que a resistência sistêmica se sobreponha à RVP, acarretando o fechamento do canal arterial e do forame oval. A HPP simula a permanência da circulação fetal, onde a RVP é maior do que a sistêmica, com shunt direita-esquerda através do canal arterial e do forame oval. O desenvolvimento da HPP em RNs engloba vários possíveis mecanismos: Q

Remodelamento vascular pulmonar: muscularização anormal das artérias intra-acinares (usualmente não musculares) e aumento da espessura das arterío-

Q

Q

Q

HIPERTENSÃO PULMONAR PERSISTENTE NO RN

Q

las musculares, ocasionando diminuição da luz desses vasos e aumento da resistência vascular pulmonar. Apesar de não se ter total esclarecimento a respeito desse processo, sabe-se da significativa influência da hipoxemia fetal no remodelamento vascular pulmonar. Hipoplasia pulmonar: afeta tanto o desenvolvimento alveolar quanto o arteriolar e pode se manifestar isoladamente ou associada a malformações, com destaque para a hérnia diafragmática congênita. Vasoespasmo pulmonar reversível: o quadro de hipoxia induz uma vasoconstrição pulmonar severa, exacerbada pela acidemia e pela ação de vasoconstritores, como endotelina 1, tromboxano A2 e fator ativador de plaquetas. A asfixia perinatal é o diagnóstico neonatal mais comumente associado à HPP e o mecanismo mais frequente entre os casos de hipertensão pulmonar não fatal. Disfunção miocárdica: o fechamento intrauterino do canal arterial pode causar disfunção do ventrículo direito e shunt atrial direita-esquerda. Fatores mecânicos: a hiperviscosidade associada à policitemia pode acarretar uma redução da perfusão na microvasculatura pulmonar.

Diagnóstico O primeiro sinal clínico é a cianose. No exame físico, podemos encontrar precórdio hiperdinâmico, desdobramento de segunda bulha cardíaca ou sopro por regurgitação tricúspide. Q Pode haver um gradiente de oxigenação pré (membro superior direito) e pósductal (extremidades inferiores). Ele pode ser detectado por meio de gasometria ou saturação. Um gradiente maior ou igual a 10% na saturação (na ausência de doença cardíaca estrutural) é patognomônico de HPP. Entretanto, a ausência desse gradiente não exclui o diagnóstico, visto que este só ocorre quando o shunt se dá através do canal arterial (em casos de shunt pelo forame oval, o gradiente não acontece). Q No raio X de tórax, observa-se fluxo sanguíneo normal ou diminuído, e a silhueta cardiotímica é limítrofe. Pode haver doença parenquimatosa ou escape aéreo. O diagnóstico definitivo se dá por ecocardiograma, que também detecta cardiopatia estrutural e avalia a presença de shunt e a função ventricular, além de quantificar a pressão da artéria pulmonar. Q Nos diagnósticos diferenciais de HPP em RNs, constam as cardiopatias congênitas, as doenças parenquimatosas pulmonares severas e a sepse. Q

Tratamento. O manejo imediato deve ser instituído a fim de que sejam evitados ou minimizados os danos hipóxico-isquêmicos aos órgãos-alvo. Deve-se reverter a hipoxemia, visto que ela é um potente vasoconstritor, e uma oxigenação normal facilita a transição circulatória. Os objetivos específicos do tratamento da HPP são reduzir a RVP, melhorar a oxigenação e otimizar a pressão arterial sistêmica. Q

Oxigênio suplementar: deve ser administrado a 100%, com controles gasométricos frequentes. A ventilação mecânica é instituída quando a hipoxemia se mantém apesar da suplementação de oxigênio a 100%. Quando o quadro

212

Q

Q

Q

Q

213

HIPERTENSÃO PULMONAR PERSISTENTE NO RN

Q

de HPP não está acompanhado de doença pulmonar, o uso de pressões médias de vias aéreas (MAP) muito altas pode piorar o débito cardíaco e elevar a RVP. Nesses casos, opta-se por manter pressão inspiratória mais baixa (20-25 mmHg), menor tempo inspiratório (0,3-0,4 s) e maior frequência (30-60 mpm). Geralmente altos fluxos (20-30 L/min) são necessários, e tubos endotraqueais de maior diâmetro são utilizados para manter a PEEP baixa (3-4 mmHg) na presença de altos fluxos. Se houver doença pulmonar severa associada, podese recorrer à ventilação de alta frequência para promover o recrutamento alveolar. – Gasometria: o pH deve ser mantido em 7,35-7,45; a PaCO2 entre 35 e 45 mmHg, e a PaO2, acima de 80 mmHg. Após 12 horas de estabilidade, os parâmetros ventilatórios podem ser gradualmente reduzidos. Alcalinização: a alcalose metabólica reduz a RVP, mas o bicarbonato de sódio deve ser administrado com cautela devido aos seus possíveis efeitos adversos. Ele pode ser utilizado em bolus ou em infusão contínua de 0,5-1 mEq/kg/ hora, para manter o pH entre 7,35 e 7,55. Inotrópicos: a pressão arterial e a perfusão sanguínea devem ser mantidas acima da pressão da artéria pulmonar para reduzir ou eliminar o shunt direita-esquerda. Deve-se manter a pressão arterial média entre 50 e 60 mmHg. A dopamina, na dose de 7,5-20 µg/kg/min, é mais indicada em casos de prétermos com doença respiratória. Já a dobutamina, na dose de 10-20 µg/kg/min, está indicada quando há insuficiência cardíaca associada à hipotensão, devido ao seu efeito inotrópico. Sedação e paralisia: a sedação está indicada, visto que a liberação de catecolaminas ativa os receptores α-adrenérgicos pulmonares, aumentando, assim, a RVP. As drogas mais comumente usadas são a morfina e o fentanil (este preferencialmente, visto que a morfina pode ocasionar vasoconstrição pulmonar, aumentando a RVP), podendo ser utilizadas em bolus ou, preferencialmente, em infusão contínua (fentanil, 1-5 µg/kg/h, e morfina, 10-15 µg/kg/h). O uso de drogas paralisantes ainda é controverso, devendo ser limitado aos pacientes que “competem” com o ventilador. Utiliza-se o pancurônio na dose de 0,1 mg/kg/dose (0,25 mL/kg/dose) a cada 1-4 horas, conforme movimentação do paciente. Cuidar hipotensão sistêmica causada por essa droga. Vasodilatadores: vasodilatadores sistêmicos como a tolazolina melhoram a HPP, mas podem causar hipotensão na metade dos pacientes tratados. Com o uso do óxido nítrico inalatório (NOi), obtém-se vasodilatação pulmonar específica sem os efeitos sistêmicos indesejados. A dose inicial é de 20 ppm (pode-se aumentar até 40 ppm se não houver resposta), havendo melhora da oxigenação em poucos minutos nos pacientes que respondem à terapêutica. O NOi deve ser reduzido quando a FiO2 estiver < 0,6, lentamente, para evitar hipoxemia rebote (reduzir 5 ppm a cada 4-6 horas até atingir 5 ppm; após, 1 ppm a cada 6 horas até a suspensão). Os efeitos adversos do uso de NO são a falha na adesão plaquetária e a metemoglobinemia (em doses muito altas). Surfactante: seu uso tem sido indicado em casos de HPP em RNs associada à síndrome de aspiração de mecônio (SAM).

Q

Outras modalidades terapêuticas: há métodos ainda não utilizados no Brasil, como a ventilação líquida com perfluorocarbono e a ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea). Além disso, estão sendo realizados estudos com outras drogas vasodilatadoras (dipirimidol, sildenafil e zaprinast).

Prognóstico. A utilização do NOi e da ECMO reduziu significativamente a mortalidade da HPP de 25-50% para 10-15%. No entanto, os sobreviventes permanecem em risco de sequelas clínicas e neurológicas, independentemente do tratamento utilizado. O risco de re-hospitalização em 1 ano é de 20%, e o risco de déficits audiológicos, cognitivos ou no neurodesenvolvimento é de 20-46%.

REFERÊNCIAS Kinsella JP, Truog WE, Walsh WF, Goldberg RN, Bancalari E, Mayock DE, et al. Randomized, multicenter trial of inhaled nitric oxide and high-frequency oscillatory ventilation in severe, persistent pulmonary hypertension of the newborn. J Pediatr. 1997;131(1 Pt 1):55-62.

HIPERTENSÃO PULMONAR PERSISTENTE NO RN

Suguihara C. Tratamento da hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido. J Pediatr (Rio J). 2001;77(Suppl 1):S17-S24. Van Marten LJ. Persistent pulmonary hypertension of the newborn. In: Cloherty J, Eichenwald E, Stark A. Manual of neonatal care. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. p. 377-83. Walsh-Sukys MC, Tyson JE, Wright LL, Bauer CR, Korones SB, Stevenson DK, et al. Persistent pulmonary hypertension of the newborn in the era before nitric oxide practice variations and outcomes. Pediatrics 2000;105(1 Pt 1):14-20.

214

CAPÍTULO 23

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO CRISTINE SORTICA DA COSTA LUCIANA FRIEDRICH

A ventilação mecânica no recém-nascido (RN) tem como objetivo otimizar as trocas gasosas com os menores parâmetros possíveis, por meio de um gradiente de pressão que deve superar as propriedades elásticas do parênquima pulmonar e da parede torácica (complacência) e a resistência ao fluxo aéreo (resistência).

MECÂNICA PULMONAR – PRINCIPAIS CONCEITOS Complacência. Rigidez ou distensibilidade dos pulmões e da parede torácica. É a mudança de volume (∆V) produzida por uma mudança de pressão (∆P). Q Reduzida na deficiência de surfactante, edema e fibrose pulmonar e na hiperexpansão pulmonar. Resistência. Força de impedimento ao fluxo aéreo. Aumentada nas doenças obstrutivas, como aspiração de mecônio e displasia broncopulmonar (DBP). Aumenta também com o excesso de secreção em vias aéreas ou com tubo endotraqueal (TET) obstruído.

Q

Constante de tempo. É o produto da complacência e da resistência. Medida do tempo necessário para equilibrar as pressões entre as vias aéreas proximais e o alvéolo. Q Aumentada na aspiração de mecônio. Capacidade Residual Funcional (CRF). Medida do volume nos alvéolos no final da expiração. Q Reduzida em doenças com colapso alveolar, como a deficiência de surfactante. Distúrbios ventilação/perfusão (V/Q). Doenças que reduzem a superfície alveolar (atelectasia, exsudatos, obstrução) permitem shunt intrapulmonar de sangue dessaturado. O oposto ocorre na hipertensão pulmonar, quando o shunt extrapul-

monar dificulta o fluxo sanguíneo dos alvéolos ventilados. Ambos os mecanismos resultam em recirculação de sangue dessaturado. Trabalho respiratório. Importante em pré-termos extremos e em doença pulmonar crônica, quando a alta resistência e a baixa complacência pulmonar com parede torácica muito complacente, associadas à fraqueza muscular, podem aumentar a demanda energética necessária e impedir o crescimento.

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO

Tabela 23.1 PARÂMETROS DA VENTILAÇÃO MECÂNICA CONVENCIONAL Fração inspirada de oxigênio (FiO2)

– Interfere na oxigenação alveolar e arterial. – Usar a FiO2 necessária para manter a PaO2 entre 50-70 mmHg e a saturação de oxigênio (SatO2) entre 90-94%. – Cuidar FiO2 elevadas em pré-termos, devido ao risco de retinopatia da prematuridade e toxicidade pulmonar.

Pressão inspiratória de pico (PIP)

– Objetivo de reexpandir as áreas atelectásicas, aumentar PaO2 e diminuir PaCO2. – Pressões excessivas podem causar escapes aéreos, aumento da resistência vascular pulmonar e do débito cardíaco e, a longo prazo, doença pulmonar crônica.

Pressão expiratória positiva final (PEEP)

– Promove um recrutamento pulmonar homogêneo, evitando o aparecimento de áreas atelectásicas e corrigindo a hipoxemia. – PEEP excessiva dificulta o retorno venoso e pode reduzir o débito cardíaco.

Tempo inspiratório (Ti)

– Se a complacência for baixa, utilizam-se Tis pequenos (0,3-0,5 s). – Se a complacência for normal, utilizam-se Tis maiores (0,5-0,7 s).

Tempo expiratório (Te)

– Pacientes com atelectasias devem manter Tes maiores que 0,3 s. – Em doenças com componente obstrutivo ou misto, como na aspiração de mecônio, deve-se manter Te acima de 0,5 s. (Continua)

216

Frequência respiratória (FR)

– Deve ser suficiente para diminuir a PaCO2. – FRs menores ou iguais a 40 ciclos/min são mais fisiológicas. – Frequências muito elevadas (> 60) podem predispor à hipoventilação e à PEEP inadvertente (auto-PEEP).

Pressão média de vias aéreas (MAP)

– MAP de 5 cmH2O pode ser suficiente em RN sem doença pulmonar, enquanto MAP de até 20 cmH2O pode ser necessária em RN com doença pulmonar grave. – Se MAP > 8-10 cmH2O, considera-se que o RN necessita de suporte ventilatório intensivo. – MAPs excessivas dificultam o retorno venoso e podem reduzir o débito cardíaco. – MAP ótima é o resultado do equilíbrio entre otimizar a oxigenação, minimizar o barotrauma, obter uma ventilação adequada e minimizar os efeitos adversos cardiovasculares.

(PIP × Ti) + (PEEP × Te) _______________________ Ti + Te

MANIPULAÇÕES NO VENTILADOR PARA MELHORAR A OXIGENAÇÃO Para aumentar a PaO2 pode-se aumentar a FiO2 ou a MAP. Para aumentar a MAP, pode-se aumentar a PEEP, a PIP, o Ti ou a FR (todos esses métodos melhoram a oxigenação, mas têm efeitos diferentes sobre a ventilação [PCO2]) (Tab. 23.2).

MANIPULAÇÕES NO VENTILADOR PARA MELHORAR A VENTILAÇÃO A eliminação do CO2 depende da ventilação-minuto (Tab. 23.3). Q Q

Ventilação-minuto = FR × VC (volume corrente) VC = depende da diferença entre PIP e PEEP (PIP-PEEP)

217

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO

Tabela 23.1 (continuação) PARÂMETROS DA VENTILAÇÃO MECÂNICA CONVENCIONAL

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO

Tabela 23.2 MANIPULAÇÕES NO VENTILADOR PARA MELHORAR A OXIGENAÇÃO Parâmetro

Vantagem

Desvantagem

↑ FiO2

– Fácil de administrar – Minimiza barotrauma

– Toxicidade direta se > 0,6 – Não afeta desbalanço V/Q

↑ PIP

– Melhora V/Q

– Barotrauma, escapes aéreos, DBP

↑ PEEP

– Melhora CRF – Impede colapso alveolar – Recrutamento alveolar

– Piora complacência – Obstrui o retorno venoso – Aumenta trabalho respiratório e PaCO2 – Aumenta espaço morto

↑ Ti

– Aumenta MAP sem aumentar PIP

– Requer FR menor e PIP maior – Reduz ventilação-minuto

↑ Fluxo

– Maximiza MAP

– Aumenta barotrauma e resistência de vias aéreas

↑ FR

– Aumenta MAP usando menor PIP

– PEEP inadvertente com FRs altas ou constantes de tempo longas

TIPOS DE VENTILAÇÃO MECÂNICA CPAP Fluxo contínuo de ar aquecido e umidificado que circula através da via aérea do RN, geralmente com uma pressão de 3-8 cmH2O, mantendo um volume expiratório pulmonar final elevado, enquanto o RN respira espontaneamente. Administrado por meio de prongas nasais ou tubo nasofaríngeo. Este último não deve ser usado de forma prolongada, pois sua alta resistência aumenta o esforço respiratório, principalmente em pré-termos. O tamanho adequado da pronga nasal para cada faixa de peso encontra-se na Tabela 23.4. Efeitos fisiológicos. Aumento da pressão transpulmonar, CRF e complacência pulmonar; redução do shunt intrapulmonar, resistência pulmonar e trabalho respiratório. Proteção do sistema surfactante e estabilização da caixa torácica. Associado à menor necessidade de VM, tempo menor de oxigenoterapia e redução da mortalidade. 218

Tabela 23.3 MANIPULAÇÕES NO VENTILADOR PARA MELHORAR A VENTILAÇÃO Vantagem

Desvantagem

↑ FR

– Fácil – Minimiza barotrauma

– Mantém o mesmo espaço morto e VC – Pode levar à PEEP inadvertente

↑ PIP

– Melhora espaço morto e VC – Mais barotrauma – Piora complacência

↓ PEEP

– Reduz espaço morto – Melhora complacência

– Reduz MAP – Reduz recrutamento e permite mais colapso alveolar – Reduz oxigenação

↑ Fluxo

– Permite Ti mais curto e Te mais longo

– Mais barotrauma

↑ Te

– Permite mais tempo para expiração passiva pela constante de tempo mais prolongada

– Reduz Ti – Reduz MAP – Reduz oxigenação

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO

Parâmetro

Tabela 23.4 TAMANHO DA PRONGA PARA CPAP NASAL DE ACORDO COM A FAIXA DE PESO Peso (g)

Pronga (no)

< 700

0

700-1.000

1

1.000-2.000

2

2.000-3.000

3

> 3.000

4

219

Indicações Q Tratamento precoce de pré-termos com disfunção respiratória mínima e pouca necessidade de oxigênio suplementar, a fim de prevenir atelectasias Q Apneias obstrutivas ou mistas Q Após extubação (aumenta o sucesso da extubação em 20-50%) Q Desmame de RNs crônicos dependentes de VM prolongada Q Pré-termos necessitando de FiO2 = 0,3-0,4 na campânula Vantagens Q Menos invasivo Q Previne colapso alveolar e de vias aéreas, reduzindo a necessidade de VM Q Reduz episódios de apneias obstrutivas e mistas Desvantagens Pode piorar a ventilação (retenção de CO2) Tecnicamente difícil em RNs grandes e ativos O ar deglutido pode elevar o diafragma e deve ser removido por meio de descompressão gástrica com sonda Q Possibilidade de traumatismo à mucosa e ao septo nasal, incluindo necrose da columela Q Aumenta a incidência de pneumotórax

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO

Q Q Q

VENTILAÇÃO MECÂNICA CONVENCIONAL (IMV) Limitada à pressão, ciclada a tempo e com fluxo contínuo. É a mais usada em RNs com insuficiência respiratória. Indicações absolutas Q Apneias prolongadas Q PaO2 < 50 mmHg ou FiO2 > 0,8 (não se aplica a RN com cardiopatia cianótica) Q PaCO2 > 60 mmHg com acidemia persistente Q Anestesia geral Indicações relativas Apneias frequentes não responsivas à terapia medicamentosa Terapia ventilatória precoce devido à deterioração gasométrica Disfunção respiratória significativa Após administração de surfactante em RNs com doença da membrana hialina

Q Q Q Q

Vantagens Permite ao RN respirar espontaneamente entre os movimentos do respirador Controle adequado sobre as pressões oferecidas Adequado para qualquer forma de doença respiratória em RNs

Q Q Q

Desvantagens Controle pobre do volume corrente

Q

220

Q

O sistema não responde às mudanças da resistência e à complacência do sistema respiratório do RN Q RNs que respiram espontaneamente de modo assíncrono com o ventilador (“competindo”) podem receber uma ventilação inadequada, com maior risco de escapes aéreos

ESTRATÉGIAS INICIAIS NA VENTILAÇÃO MECÂNICA CONVENCIONAL Se complacência pulmonar normal (apneia da prematuridade, encefalopatia hipóxico-isquêmica, RNs cujas mães receberam depressores do sistema nervoso central no trabalho de parto): PIP de 15-20 cmH2O ou suficiente para expansão torácica de 0,5-1,0 cm PEEP fisiológico de 3-4 cmH2O Ti em torno de 0,5 s e Te > 0,6 s FR de 20-40 ciclos/min (em RNs com apneias prolongadas, FRs baixas, de 12-15 mpm, podem ser suficientes) Q FiO2 a menor possível Q Fluxo de 6-8 L/min Se complacência pulmonar baixa (doença da membrana hialina ou outras doenças que cursam com atelectasias difusas [p. ex., pneumonia] – essas patologias apresentam aumento do trabalho respiratório e desbalanço V/Q): Q Q Q Q Q Q Q Q

PIP de 20-30 cmH2O ou suficiente para expandir o tórax em 0,5-1,0 cm PEEP de 4-6 cmH2O Ti de 0,3-0,5 s e Te > 0,3 s FR de 20-40 ciclos/min FiO2 de 0,4-0,6 L/min Fluxo de 7-12 L/min (fluxos maiores são necessários quando PIP > 35 cmH2O) Desmame: reduzir inicalmente PIP e FiO2; extubar com FR < 15 mpm Importante: essa estratégia ventilatória maximiza o recrutamento alveolar, mas tem potencial para baro e volutrauma; deve-se evitar grandes mudanças no VC para reduzir dano pulmonar

Se resistência das vias aéreas elevada (síndrome de aspiração de mecônio ou outras pneumonias aspirativas, patologias que cursam com obstrução de vias aéreas, atelectasias, desbalanço V/Q e efeito de válvula/hiperexpansão): Q Q Q Q Q

PIP de 20-40 cmH2O (usar PIP moderada – cuidar risco de barotrauma) PEEP de 3-4 cmH2O (PEEP baixa para evitar hiperinsuflação) Ti de 0,4-0,6 s e Te > 0,5 s FR de 30-60 ciclos/min (preferir FR baixa) FiO2 de 0,4-0,6 221

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO

Q Q Q Q

Q Q

Fluxo de 6-8 L/min Há vantagem em utilizar VM sincronizada para evitar “competição” com a ventilação e maior risco de barotrauma; a ventilação de alta frequência pode ser usada em casos refratários à VM convencional Q Sedação e relaxantes musculares podem ser necessários Displasia broncopulmonar. Patologia com baixa complacência, alta resistência, desbalanço V/Q (atelectasia + hiperinsuflação) e aumento do trabalho respiratório. Q

Q Q Q Q

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO

Q

PIP conforme expansão. PIPs mais altas (20-30 cmH2O) podem ser necessárias pela baixa complacência. Em casos de broncoespasmo e edema intersticial, deve-se aumentar PIP PEEP até 7-8 cmH2O nas crises de dessaturação Ti mais longo: 0,4-0,6 s para manter CRF FR baixa: 10-15 ciclos/min (evitar FR muito baixas, < 10-15, pois aumentam o trabalho respiratório) Nas pioras agudas por redução da CRF (choro, movimentação), aumentar FiO2 ou PEEP O desmame deve ser lento

Enfisema pulmonar Reduzir MAP e aumentar FiO2 se necessário. Se não puder reduzir a MAP, usar FRs altas (até 60 mpm) Q A ventilação de alta frequência é a melhor escolha, com MAP baixa (a mesma usada na IVM), com FR em 15 Hz Q

Apneia Ventilação convencional fisiológica com PEEP e fluxos baixos Frequências baixas para evitar hiperventilação

Q Q

OUTROS MODOS DE VENTILAÇÃO MECÂNICA Ventilação sincronizada (SIMV). Produz PIP intermitente em uma frequência fixa em sincronia com o esforço respiratório do paciente. Durante apneia, segue ventilando por meio da frequência preestabelecida. Reduz a “briga” com o ventilador, diminuindo o risco de escapes aéreos, de hemorragia intracraniana, e a necessidade de sedação, e auxiliando no desmame. É o modo de ventilação mais adequado em RNs ventilando espontaneamente, mas pode ser inadequado em pré-termos extremos com padrão irregular de ventilação e apneias frequentes pelo risco de muita variabilidade na ventilação. Ventilação ciclada a volume. Pouco usada em RNs, embora existam alguns estudos com boa resposta em determinadas situações de rápidas mudanças de complacência, como na doença da membrana hialina pós-surfactante. Volume corrente (VC): 4-6 mL/kg. No entanto, como os VCs em RNs são pequenos, a maior parte selecionada é perdida no circuito do ventilador ou ao redor do tubo endotraqueal. 222

Ventilação de alta frequência (VAF). Aplica frequências extremamente rápidas (300-1.500 movimentos respiratórios por minuto ou 5-25 Hz [1 Hz = 60 mpm]) associadas a baixos VCs (próximos ou iguais ao espaço morto) e pressão de distensão contínua. Pode ser útil em síndromes de escape aéreo, principalmente enfisema intersticial. Melhora a relação V/Q e o recrutamento alveolar usando uma MAP elevada. No entanto, não existem ainda evidências de benefícios significativos sobre a ventilação convencional, e alguns estudos demonstraram um risco aumentado de hemorragia intraventricular. Não é a primeira escolha de suporte ventilatório em RNs. Principais indicações: – Falha da ventilação convencional. – Síndromes de escape aéreo como enfisema intersticial pulmonar. – Pode se considerar a VAF como primeira opção na hipoplasia pulmonar (hérnia diafragmática congênita, hipoplasia pulmonar por oligoidrâmnio grave, hidropisia ou idiopática), principalmente quando há necessidade de óxido nítrico inalatório para o controle da hipertensão pulmonar. Q Parâmetros da VAF: – MAP: é o que determina a oxigenação arterial, por meio do controle do volume pulmonar, promovendo o recrutamento alveolar. É avaliada de acordo com a expansão pulmonar (ideal entre 8 e 9 espaços intercostais no raio X de tórax) e a oxigenação arterial. Inicia-se com uma MAP de 2-5 cmH2O maior do que a que vinha sendo usada na ventilação convencional. Cuidar hiperinsuflação. – Amplitude: determina o VC e, consequentemente, a ventilação e a eliminação de CO2. Controla-se a amplitude observando a vibração da caixa torácica e do abdome, que deve ser bem visível até a linha da cicatriz umbilical. Determinações gasométricas do PaCO2 são importantes. – FR: a frequência é dada em Hz (1 Hz = 60 mpm) e define o volume/ minuto. O aumento da FR diminui o volume, enquanto a sua redução aumenta o volume oscilatório efetivo. Geralmente é iniciada entre 10 e 15 Hz, e o tempo inspiratório deve ser de 33%. – Fluxo: manter entre 10 e 15 L/min no RN pré-termo e entre 15 e 20 L/min no RN a termo. – Desmame: em geral, a FiO2 é reduzida primeiro, seguida por reduções da MAP de 1-2 cmH2O quando FiO2 < 0,6. A amplitude é determinada de acordo com a gasometria, e a frequência não necessita ser ajustada.

MONITORAÇÃO DURANTE A VENTILAÇÃO Q

Observar continuamente a atividade motora espontânea, a cor, a frequência cardíaca, a frequência respiratória espontânea, a pressão arterial média, a saturação e o registro dos parâmetros do ventilador. Q Gasometria: a monitoração dos gases arteriais é o padrão-ouro para acessar a adequação da oxigenação, da ventilação e do pH. Pode ser coletada via 223

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO

Q

periférica ou por meio de cateter arterial. Ajustar os parâmetros a fim de manter os seguintes valores séricos dos gases: – pH: 7,25-7,35 – PaO2: 50-70 mmHg – PaCO2: 40-50 mmHg (em RNs imaturos ou com escapes aéreos, pode-se tolerar PaCO2 de 50-60 mmHg, desde que o pH seja > 7,25) – SatO2: 90-93% Q Não invasiva: a oximetria de pulso é útil para uma avaliação rápida nas mudanças no estado clínico, e também oferece um feedback imediato após alterações nos parâmetros ventilatórios. No entanto, pouco distingue as PaO2 normais (80-100 mmHg) das hiperóxicas (> 200 mmHg), existindo risco de hiperoxia com saturação > 94%. A função da oximetria pode ser reduzida em casos de má perfusão ou edema importante.

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO

COMPLICAÇÕES DA VENTILAÇÃO MECÂNICA Barotrauma, volutrauma e toxicidade pelo oxigênio. A DBP é relacionada a altas pressões e a mudanças de volume, com contribuição da imaturidade pulmonar e suscetibilidade individual. As síndromes de escapes aéreos são relacionadas a altas pressões, principalmente com MAP acima de 14 cmH2O. Mecânicas. Obstrução do TET pode causar hipoxemia e acidose. Complicações da monitoração invasiva. Oclusão arterial com infarto, trombose arterial pelo cateter umbilical, podendo levar à disfunção renal e à hipertensão. Embolizações para as extremidades inferiores, leito esplâncnico ou sistema nervoso podem ocorrer. Anatômicas. Estenose subglótica, danos às cordas vocais e ao palato ogival após ventilação prolongada.

REFERÊNCIAS Eichenwald EC. Mechanical ventilation. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of neonatology care. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2004. p. 348-61. Fiori RM. Ventilação mecânica no recém-nascido. In: Alves Filho NA, Corrêa MD, Alves Jr JMS, Corrêa Jr MDC. Perinatologia básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 532-6. Greenough A, Donn SM. Matching ventilatory support strategies to respiratory pathophysiology. Clin Perinatol. 2007;34(1):35-53. Jackson MR, Chuo J. Blood gas and pulmonary graphic monitoring. In: Cloherty JP, Eichenwald EC, Stark AR. Manual of neonatology care. 5th ed. Philadelphia: Lippincott Williams &Wilkings; 2004. p. 361-4. 224

Kopelman B, Miyoshi M, Guinsburg R. Distúrbios respiratórios no período neonatal. São Paulo: Atheneu; 1998. Pt 6, Cap. 38-39, p. 41-43.

VENTILAÇÃO MECÂNICA NO RECÉM-NASCIDO

Luz JH, Fiori AH, Pereira MR. Pressão positiva contínua nas vias aéreas. In: Alves Filho NA, Corrêa MD, Alves Jr JMS, Corrêa Jr MDC. Perinatologia básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 429-532.

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CAPÍTULO 24

ALTERAÇÕES NEUROLÓGICAS NEONATAIS DETECTÁVEIS POR ULTRASSOM CEREBRAL

ULTRASSOM CEREBRAL

RAFAELA FERREIRA HERMAN LUCIANA FRIEDRICH

O ultrassom transfontanelar é o método utilizado para rastreamento de alterações como hemorragia peri-intraventricular (HPIV) e leucomalacia periventricular (LPV). Permite avaliação à beira do leito, sem necessidade de sedação e sem emissão de radiação. A introdução do Doppler, permitindo exame simultâneo do parênquima e do fluxo sanguíneo cerebral, proporcionou um rastreamento ainda mais completo.

HEMORRAGIA PERI-INTRAVENTRICULAR (HPIV) Introdução e epidemiologia. As hemorragias constituem uma das mais importantes complicações neurológicas de recém-nascidos de muito baixo peso (RNMBP) no período neonatal, relacionadas a altas taxas de mortalidade e à possibilidade de sequelas posteriores. A incidência desse distúrbio é estimada em 50-75% dos prematuros abaixo de 26 semanas, com uma redução importante após a 30a semana. A incidência global é de 15% em RNs com peso inferior a 1,5 kg em países desenvolvidos. A ocorrência é inversamente proporcional ao peso de nascimento e à idade gestacional. Fisiopatologia. Os RNMBP apresentam uma fragilidade capilar da matriz germinativa, estrutura formada por células proliferantes frouxamente organizadas que dão origem aos neurônios e à glia. O leito vascular é exuberante e constitui a região mais perfundida do cérebro em desenvolvimento. Associada a essas características, existe uma deficiência na autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral em resposta a variações da pressão arterial sistêmica. Dessa forma, as flutuações hemodinâmicas globais se refletem imediatamente no fluxo sanguíneo cerebral. A matriz germinativa é o local de maior ocorrência de processos hemorrágicos

226

em prematuros. Esses vasos podem se romper e causar hemorragia, que pode ser restrita à região da matriz ou se estender para os ventrículos laterais e para todo o sistema ventricular. As principais condições associadas a essa alteração são a asfixia perinatal, o estresse respiratório, o pneumotórax, a expansão rápida de volume, os procedimentos realizados em pacientes ventilados (aspiração, entubação, etc.), a presença de ductus arterioso patente e a sepse neonatal precoce. Quadro clínico. Cerca de 50% dos pacientes apresentam hemorragia com 24 horas de vida, 75% em até 48 horas e 90% em até 72 horas. A progressão das lesões ocorre em 20-40% dos acometidos, com extensão máxima em 3-5 dias. A apresentação clínica pode variar de assintomática a quadros devastadores. Geralmente se manifesta por meio de três síndromes distintas: Catastrófica: deterioração clínica em minutos a horas, com estupor, coma, anormalidades respiratórias (hipoventilação ou apneia), convulsões, descerebração, rigidez pupilar, quadriparesia flácida e olhos fixos. Encontram-se também queda no hematócrito, abaulamento da fontanela, hipotensão, bradicardia, instabilidade térmica, acidose metabólica e alteração da glicemia. Q Saltatória: alterna períodos de estabilidade com períodos de alteração dos níveis de consciência e da motricidade espontânea, hipotonia, alterações oculares, distúrbios respiratórios e irritação meníngea. Esse padrão pode durar horas ou dias. Q Silenciosa: é a mais frequente. Os sinais neurológicos são discretos, e o achado mais importante é a queda do hematócrito inexplicada. Diagnóstico. O ultrassom é o método de escolha para o diagnóstico, apresentando uma acurácia de 91%, com sensibilidade de 85% e especificidade de 93%. Sugere-se que todos os RNs com peso de nascimento abaixo de 1,5 kg devam ser acompanhados com exames seriados. Uma sugestão para seguimento por ultrassom é apresentada na Figura 24.1. Há dois tipos de classificação para a hemorragia (ver Quadro 24.1). O exame do líquido cerebrospinal apresenta elevado número de eritrócitos, hiperproteinorraquia e hipoglicorraquia. Esse exame só se justifica quando há outra indicação para sua realização. Tomografia computadorizada e ressonância magnética: não são indicadas como rotina, reservando-se seu uso aos casos mais graves, outras variedades de hemorragias intracranianas e no acompanhamento neurológico dos pacientes durante a infância. Tratamento. Como não há tratamento específico para a hemorragia já instalada, esforços devem ser direcionados no sentido de prevenir o evento ou diminuir sua extensão. Fatores como uso antenatal de corticoide, cuidados na reanimação neonatal, estabilização cardiorrespiratória, diminuição da dor e do estresse estão relacionados à diminuição da ocorrência de hemorragia. Devem-se evitar excessos

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ULTRASSOM CEREBRAL

Q

Figura 24.1 Sugestão para seguimento por ultrassom.

ULTRASSOM CEREBRAL

nos procedimentos que possam causar flutuações bruscas no fluxo sanguíneo cerebral, como aspiração, manipulação excessiva e procedimentos dolorosos. Prevenção Q Transporte de gestantes em iminência de trabalho de parto prematuro antes do nascimento a centros especializados: a incidência de hemorragia é três vezes maior nos neonatos transportados após o nascimento. Q Administração de corticosteroide antenatal às gestantes em iminência de trabalho de parto prematuro: medida comprovada. Acelera a maturação dos vasos da matriz germinativa, reduzindo em 50% a incidência de hemorragia.

Quadro 24.1 CLASSIFICAÇÕES DA HEMORRAGIA Papile (mais utilizada) Grau 1: hemorragia na matriz germinativa Grau 2: hemorragia intraventricular Grau 3: hemorragia intraventricular com dilatação dos ventrículos Grau 4: hemorragia intraparenquimatosa Volpe Grau 1: hemorragia da matriz germinativa ou sangue em menos de 10% da área do ventrículo lateral em corte parassagital Grau 2: hemorragia intraventricular ocupando 10-50% dos ventrículos, em corte parassagital Grau 3: hemorragia intraventricular ocupando mais de 50% dos ventrículos, em corte parassagital

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Q

Q Q Q

Q Q

Q

Cuidados na reanimação neonatal: evitar expansões rápidas de volume e soluções hipertônicas. Ventilação cuidadosa, evitando hiperventilação, hipoxia e hipercapnia. Correção e prevenção de distúrbios ventilatórios, hemodinâmicos e de coagulação. Evitar flutuação da pressão arterial, hipercapnia, hipoxemia, acidose, uso de solução hiperosmolar, expansão rápida de volume e pneumotórax. Posição da cabeça: manter centralizada na primeira semana de vida. Tratar a dor e outras causas de estresse: manuseio mínimo, reduzir o excesso de ruído e de luminosidade na unidade. Óxido nítrico inalatório: estudos demonstram provável menor incidência de casos graves de hemorragia. No entanto, seu uso ainda não é corriqueiro em neonatos pré-termo. Vitamina E: ainda experimental, com resultados controversos. Fenobarbital: administrado para proteção do sistema nervoso em relação às mudanças bruscas no fluxo sanguíneo cerebral, demonstrou estar associado a uma maior incidência de hemorragia em estudos recentes. Indometacina: uma metanálise demonstrou redução da incidência de hemorragia, mas sem diferenças na incidência de paralisia cerebral ou de retardo cognitivo posterior. Sugere-se seu uso apenas quando a mãe não recebeu corticoide antenatal ou quando houver corioamnionite.

Prognóstico. A incidência de hidrocefalia e a mortalidade estão relacionadas à severidade da hemorragia. A letalidade é de 50% nos casos graves, 15% nos moderados e 5% nos leves. No seguimento a longo prazo, 50% dos pacientes com graus 3 e 4 apresentam paralisia cerebral, com sequelas motoras graves em 86% e distúrbios cognitivos em 64%. Mesmo aqueles com hemorragias leves apresentam maior frequência de transtornos cognitivos. Portanto, o seguimento multidisciplinar desses RNs de risco com ênfase no desenvolvimento é fundamental.

LEUCOMALACIA PERIVENTRICULAR (LPV) Lesão secundária a infarto isquêmico na área da substância branca cerebral adjacente aos ventrículos laterais. É em geral simétrica. Inicialmente pode aparecer como uma área de ecogenicidade periventricular aumentada que pode progredir para lesões císticas (necróticas). Pode ser preditora de paralisia cerebral no RNMBP. Os fatores determinantes da LPV ainda não são estabelecidos. A prematuridade, a perfusão cerebral insuficiente e condições inflamatórias e infecciosas pré-natais estão possivelmente associadas ao surgimento de LPV. Assim como nos casos de HPIV, não há tratamento específico. Os RNs acometidos devem ter seu desenvolvimento acompanhado por equipe multidisciplinar.

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ULTRASSOM CEREBRAL

Q

REFERÊNCIAS Leijser LM, Vries LS, Cowan FM. Using cerebral ultrasound effectively in the newborn infant. Early Hum Dev. 2006;82(12): 827-35. Leviton A, Paneth N, Reuss L. Maternal infection, fetal inflammatory response, and brain damage in very low birth weigth infants. Pediatr Res. 1999;46(5):566-75. Leviton A, Paneth N. White matter damage in preterm newborns– epidemiologic perspective. Early Hum Dev. 1990;24(1):1-22. Meneguel JF, Almeida, MFB. Hemorragia Periintraventricular. In: Kopelman BI, Santos AMN, Goulart AL, Almeida MFB, Miyoshi MH, Guinsburg R, et al. Diagnóstico e tratamento em neonatologia. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 573-6. Meneguel, JF; Guinsburg R. Hemorragia peri-intraventricular: fatores e conduta. In: Procianoy RS, Leone CR, organizadores. Programa de Atualização em Neonatologia (PRORN). Porto Alegre: Artmed; 2004. p. 59-83. Papile LA, Burstein J, Burstein R, Koffler H. Incidence and evolution of subependymal and intraventricular hemorrhage: a study of infant with birth weights less than 1500gm. J Pediatr. 1978; 92(4):529-34.

ULTRASSOM CEREBRAL

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PARTE III

PEDIATRIA GERAL

CAPÍTULO 25

CARDIOLOGIA 25.1

AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA PRÉ-NATAL

REBECA SMARZARO WACHHOLZ PAULO ZIELINSKY

A avaliação cardiológica pré-natal por meio do ecocardiograma constituiu-se em um marco dentro da cardiologia pediátrica, pois viabilizou, mediante o diagnóstico precoce, o estabelecimento de condutas salvadoras antes do nascimento e no período neonatal imediato. O feto habitualmente chega ao cardiologista para avaliação devido a fatores de risco para alterações cardíacas identificados no pré-natal, tais como aumento da transluscência nucal (TN), anormalidades cromossômicas, alterações do ritmo cardíaco fetal, história familiar de cardiopatias congênitas (CC), uso de drogas teratogênicas, uso de indometacina no terceiro trimestre, colagenoses maternas, restrição do crescimento intrauterino (RCIU), oligoidrâmnio ou polidrâmnio. Entretanto, deve ser ressaltado que 90% das malformações cardíacas (MFC) ocorrem em fetos sem qualquer fator de risco; portanto, o rastreamento durante a ecografia pré-natal de rotina é o início do caminho para o diagnóstico das CC, em se tratando de atenção primária à saúde. Considerando-se a importância prognóstica do diagnóstico intrauterino de CC e arritmias graves, todos os esforços devem ser mobilizados para que a avaliação do coração fetal seja realizada em todas as gestações por meio do ecocardiograma fetal. A partir da 18a semana de gestação até o termo, é possível identificar todas as alterações estruturais ou funcionais do coração fetal. Por meio do ecocardiograma fetal, acompanhado da utilização do sistema Doppler, podem-se avaliar os fluxos nas grandes artérias, válvulas e cavidades cardíacas, bem como nos vasos relacionados funcionalmente ao coração (ducto arterial, ducto venoso, veias pulmonares, sistema venoso abdominal, artérias e veia umbilicais e artéria cerebral média). Avaliam-se também a simetria, o desenvolvimento e a contratilidade das câmaras cardíacas. A ecocardiografia fetal apresenta alta sensibilidade e especificidade no diagnóstico de malformações cardíacas fetais (Tab. 25.1.1).

AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA PRÉ-NATAL

Tabela 25.1.1 INDICAÇÕES DA ECOCARDIOGRAFIA FETAL Indicação

Classe

Detecção ou exclusão de anormalidades cardíacas fetais como rotina da avaliação pré-natal, independentemente da presença de fatores de risco para cardiopatias

I

Transluscência nucal aumentada no 1o trimestre

I

Detecção ou suspeita de alterações cardíacas à ultrassonografia obstétrica

I

Alterações do ritmo cardíaco

I

Fatores de risco materno-familiar para cardiopatias

I

Cariótipo alterado

I

Diabete materno

I

Lúpus eritematoso sistêmico ou outra colagenose materna

I

Exposição a agentes teratogênicos

I

Uso materno de indometacina, aspirina, anti-inflamatórios e outros medicamentos que interfiram no metabolismo da prostaglandina

I

Anormalidades extracardíacas detectadas à ultrassonografia obstétrica

I

História de perdas fetais anteriores

I

Retardo de crescimento intrauterino

I

Oligoidrâmnio ou polidrâmnio

I

Hidropisia fetal não imunológica

I

Idade materna avançada

I

Uso materno de substâncias com potencial efeito deletério sobre o coração fetal (álcool, fumo e drogas com ação sobre o SNC)

I

Infecções virais ou parasitárias maternas

I

Avaliação do coração no 1o trimestre de gestação por ecocardiografia transvaginal

IIb

Classe I: consenso unânime sobre indicação do exame, com valor diagnóstico comprovado. Classe IIb: divergência, com divisão de opiniões.

234

Epidemiologia. A prevalência de malformações cardíacas varia de 3,5-13,7:1.000 nativivos, sendo 10 vezes maior em natimortos. As anormalidades do coração fetal ocorrem em mais de 50:1.000 gestações. Novamente, é importante ressaltar que 90% das MFC ocorrem em fetos sem qualquer fator de risco e, portanto, na população geral.

CARDIOPATIAS FETAIS Tais CC não costumam se apresentar com disfunção durante o período intrauterino nem gerar risco no período neonatal imediato. Trata-se de CC cuja apresentação pós-natal se dá com hiperfluxo pulmonar pela presença de curtos-circuitos esquerda-direita, como comunicação interventricular (CIV), comunicação interatrial (CIA), patência do canal arterial (PCA) e defeito do septo atrioventricular (DSAV). Também pertencem a esse grupo malformações complexas cianóticas sem estenose pulmonar, como dupla via de saída do ventrículo direito (DVSVD), truncus arteriosus e drenagem venosa pulmonar anômala não obstrutiva. Conexões atrioventriculares univentriculares que se manifestam precocemente mas não requerem intervenção imediata também podem ser consideradas como de apresentação tardia, bem como cardiopatias fetais obstrutivas leves, tais como tetralogia de Fallot (TF) e estenose aórtica ou pulmonar não críticas. CIV e DSAV são facilmente detectados no ecocardiograma fetal, ao contrário da CIA, que é de difícil detecção, já que o feto normal possui naturalmente o forame oval, cuja membrana, o septo primum, abaula para o átrio esquerdo (AE) devido ao fluxo direita-esquerda fisiológico. A PCA é impossível de ser predita pelo ecocardiograma fetal, já que a patência do ducto arterioso é um pré-requisito para uma dinâmica circulatória normal e está presente fisiologicamente. A DVSVD pode ser identificada quando a ecocardiografia mostrar que a aorta e a artéria pulmonar emergem preferencialmente do ventrículo direito. O diagnóstico de truncus arteriosus se dá ao identificar-se um único grande vaso acavalgando o septo trabecular sobre uma ampla CIV. A drenagem venosa pulmonar anômala não obstrutiva é difícil de ser diagnosticada com ecocardiograma pré-natal, pois o fluxo pulmonar na vida intrauterina é baixo. A visualização das veias pulmonares e da drenagem em uma câmara venosa posterior para o AE aumenta o grau de suspeita do diagnóstico. Se há seio coronário dilatado, deve-se pensar em drenagem venosa anômala. Conexões atrioventriculares univentriculares podem ser vistas ao corte de quatro câmaras, quando se identifica uma cavidade ventricular rudimentar abaixo de uma conexão ausente ou quando os dois átrios se conectam com apenas um ventrículo. Na TF, vê-se uma grande CIV subaórtica com aumento do calibre da aorta ascendente que acavalga o septo trabecular. O septo infundibular apresenta desvio ântero-superior. 235

AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA PRÉ-NATAL

CARDIOPATIAS FETAIS COM COMPROMETIMENTO FUNCIONAL TARDIO

AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA PRÉ-NATAL

Na estenose aórtica e pulmonar, o diagnóstico pré-natal irá apontar a severidade da lesão e a necessidade de terapêutica neonatal imediata ou até intervenção intrauterina.

CARDIOPATIAS FETAIS COM COMPROMETIMENTO FUNCIONAL NEONATAL São cardiopatias complexas e graves, mas não costumam apresentar repercussão funcional significativa na vida intrauterina.

Cardiopatias com circulação pulmonar dependente do canal arterial Há obstruções severas ao fluxo arterial sistêmico, como hipoplasia de coração esquerdo, coarctação da aorta (CoA) e interrupção do arco aórtico. Em comum, tais MFC apresentam dependência da circulação sistêmica à patência do ducto arterioso. Após o nascimento, com a constrição fisiológica do canal arterial, os neonatos apresentam congestão pulmonar e falência circulatória, evoluindo para o óbito; por isso, o diagnóstico pré-natal constitui o principal fator de modificação do prognóstico, propiciando o uso precoce de prostaglandina e o tratamento cirúrgico de emergência. A síndrome de hipoplasia do coração esquerdo é de fácil diagnóstico, já que há importante diminuição do ventrículo esquerdo (VE). Há também atresia aórtica e mitral, com aorta descendente de calibre diminuto e ausência de fluxo anterógrado por meio das valvas aórticas e mitral. No período neonatal, as alternativas são a cirurgia de Norwood, o procedimento híbrido (stent no canal arterial e bandagem das artérias pulmonares) ou o transplante cardíaco. A CoA é de difícil diagnóstico pré-natal, mas há desproporção do tamanho dos ventrículos, pois o ventrículo direito (VD) é mais hipertrófico. A aorta ascendente é mais calibrosa que a descendente. Na interrupção do arco aórtico pela patência do canal arterial, os sinais de repercussão funcional só se manifestam após a constrição do ducto. Em geral, há uma grande CIV na via de saída, na maioria das vezes com mau alinhamento septal por desvio posterior do septo infundibular.

Cardiopatias com obstrução crítica ou completa do fluxo do ventrículo venoso para a artéria pulmonar O diagnóstico pré-natal é essencial para o planejamento da cesariana e da infusão de prostaglandina E, que objetiva manter a permeabilidade ductal, e para a organização cirúrgica e do suporte de UTI neonatal. Na atresia pulmonar com septo intacto, há VD hipoplásico, átrio direito (AD) aumentado e valva tricúspide anormal. Na estenose valvular pulmonar crítica, encontramos, no ecocardiograma, VD diminuído com severa hipertrofia das paredes, aumento do AD e valva tricúspide insuficiente. No pós-natal imediato, é necessária dilatação valvular percutânea com balão. 236

Na atresia pulmonar com CIV, há uma imagem ecocardiográfica semelhante à da TF, com aumento do calibre da aorta ascendente, valva aórtica acavalgando o septo trabecular, CIV subaórtica e desvio ântero-superior do septo infundibular. Cardiopatias complexas com atresia pulmonar e obstrução crítica ou completa do fluxo pulmonar dependem da patência do canal arterial para perfusão pulmonar. Logo após o nascimento, deve ser realizado o uso de prostaglandina, cateterismo precoce e cirurgia paliativa a curto prazo.

Cardiopatias com circulação pulmonar e sistêmica em paralelo

CARDIOPATIAS FETAIS COM COMPROMETIMENTO FUNCIONAL INTRAUTERINO Esse grupo é o que tem maior perspectiva de ser beneficiado com o avanço das técnicas invasivas de terapêutica pré-natal e do tratamento via transplacentária ou por cordocentese. A anomalia de Ebstein da valva tricúspide é uma das malformações de pior prognóstico durante a vida fetal. Há displasia e deslocamento caudal da valva tricúspide e cardiomegalia. São frequentes os sinais de insuficiência cardíaca (IC) fetal, com hidropisia, caracterizada por ascite, derrame pleural e pericárdico e infiltração tecidual. A evolução para o óbito fetal intrauterino é frequente, devendo ser abordado esse risco com os pais. A terapêutica constitui-se em transplante cardíaco ou no fechamento do anel tricúspide e da artéria pulmonar com derivação cavopulmonar parcial. O prognóstico é muito reservado. Pode ser acompanhada de arritmias, sendo utilizados digitálicos, amiodarona e sotalol via transplacentária. Na estenose aórtica crítica, há um alto risco de morte intrauterina por IC e baixo débito. Há também hidropisia fetal. Existe a possibilidade de dilatação percutânea da valva aórtica com cateter balão, introduzido por meio de uma agulha posicionada junto ao anel aórtico após a punção do ápice do VE, guiada por eco. Malformações complexas com bloqueio atrioventricular total apresentam mortalidade de 85%, especialmente quando há hidropisia fetal secundária. Deve-se planejar a interrupção da gestação para colocação do marcapasso no período neonatal imediato. Forame oval restritivo pode causar IC grave. Há dilatação das câmaras direitas, geralmente com insuficiência tricúspide significativa. O tratamento é feito com altas doses de diuréticos para resolver a hidropisia. 237

AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA PRÉ-NATAL

A transposição de grandes vasos (TGV) é uma CC em que há discordância ventriculoatrial com conexão AV concordante. A saturação sistêmica depende exclusivamente da mistura entre a circulação arterial e venosa, ou seja, da magnitude da CIA, da patência do canal arterial ou de uma eventual CIV. O recém-nascido (RN) apresenta hipoxia e necessita de suporte imediato com prostaglandina, eventual atriosseptostomia com balão e preparação para a cirurgia de Jatene. Na ecocardiografia, deve-se identificar a artéria pulmonar como vaso posterior, com sua caraterística bifurcação, originando-se do VE, e a aorta como vaso anterior, com origem no VD.

AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA PRÉ-NATAL

A constrição do ducto arterioso cursa com IC fetal, causa sobrecarga pressórica do VD e gera hidropisia. A causa mais comum é o uso de inibidores da prostaglandina E, como anti-inflamatórios não esteroidais. Recentemente, foi demonstrado que alimentos ricos em flavonoides tambem inibem a prostaglandina e podem causar constrição ductal. É muito comum a presença de insuficiência tricúspide. O tratamento baseia-se na suspensão da droga envolvida na sua gênese e na administração de diuréticos para combater a hidropisia.

ARRITMIAS CARDÍACAS FETAIS Para identificar o ritmo cardíaco fetal, deve-se determinar a sequência de eventos que caracteriza as relações entre as sístoles atriais e as ventriculares. Se a frequência cardíaca estiver entre 100 e 200 batimentos por minuto (bpm), o ritmo é usualmente sinusal.

ARRITMIAS SINUSAIS Taquicardia sinusal ocorre quando o ritmo de condução atrioventricular é de 1:1 e a frequência cardíaca encontra-se acima de 160 e abaixo de 200 bpm. A bradicardia sinusal é, em geral, secundária à modificação no tono vagal por hipoxia ou compressão do cordão com ritmo com sequência AV de 1:1 e frequência cardíaca abaixo de 100 bpm.

EXTRASSÍSTOLES As extrassístoles supraventriculares são muito mais frequentes que as ventriculares. O diagnóstico baseia-se na identificação da onda atrial precoce seguida por atividade ventricular. Deve-se reconhecer a presença de bi ou trigeminismos, de pausas compensadoras ou salvas. A grande maioria dos casos de extrassístoles durante a vida fetal não tem indicação de tratamento, devido ao curso autolimitado e à ausência de repercussão hemodinâmica.

TAQUIARRITMIAS SUPRAVENTRICULARES A taquicardia atrial sustentada decorre, em 95% das vezes, da reentrada ao nível da junção AV e se dá pela presença de condução AV de 1:1, com frequência em geral ao redor de 240 bpm. Comumente há hidropisia fetal associada. No flutter atrial ocorre um movimento circular nos átrios, caracterizado por frequência atrial em torno de 400-500 bpm, com condução AV normalmente 2:1, sendo a frequência ventricular de 200-250 bpm. O tratamento, tanto do flutter atrial quanto da taquicardia atrial sustentada, é feito pela administração materna de digitálicos e sotalol. Caso não haja resposta

238

satisfatória e o feto apresente IC, está indicada a administração via cordocentese de amiodarona; se o feto for maduro, interrompe-se a gestação para cardioversão elétrica neonatal.

TAQUICARDIA VENTRICULAR A frequência ventricular é variável, de 100-400 bpm, mas existe atividade atrial independente. O tratamento baseia-se no uso de procainamida e mexiletina via transplacentária.

O BAVT cursa com alta taxa de mortalidade, sendo a mortalidade fetal em torno de 40%. Geralmente é secundário à presença de colagenose materna. O diagnóstico é feito pela detecção da dissociação completa entre a atividade atrial e ventricular, sendo geralmente a frequência ventricular menor do que a atrial. O tratamento consiste na interrupção da gestação de fetos hidrópicos maduros para o implante neonatal imediato de marcapasso. Em casos de imaturidade pulmonar, pode ser usado salbutamol via transplacentária ou via cordocentese. O marcapasso fetal pode ser uma alternativa, mas ainda constitui uma conduta de caráter experimental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A triagem pré-natal de malformações cardíacas e arritmias, feita por meio do ecocardiograma fetal, inegavelmente aumenta as chances de sobrevida dos fetos afetados, quer propiciando a possibilidade de tratamento intrauterino, quer otimizando o atendimento perinatal, sendo, assim, de extrema relevância.

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AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA PRÉ-NATAL

BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR TOTAL (BAVT)

SOPRO CARDÍACO NA INFÂNCIA

Zielinsky P, Piccoli Jr AL, Gus EI, Mânica JL, Satler F, Nicoloso LH, et al. Dynamics of the pulmonary venous flow in the fetus and its association with vascular diameter. Circulation. 2003;108(19):2377-80. Zielinsky P. Avaliação cardiológica pré-natal. In: Ferreira J, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 465-78. Zielinsky P. Distúrbios do ritmo cardíaco fetal: detecção e conduta pré-natal. Arq Bras Cardiol. 1996;66(2)83-6. Zienlinsky P, Scheid MM, Nicoloso LHS, Franjndlich R, Picoli Jr AL, Mânica JL, et al. Comportamento do fluxo pelo forame oval em fetos de mães diabéticas com hipertrofia miocárdica. Eco. 2006;18(4):15-21.

25.2

SOPRO CARDÍACO NA INFÂNCIA

PATRICIA RODRIGUES LEMOS LUCIA CAMPOS PELLANDA JANINE DEQUI DELIBERALI LÍVIA DA ROSA PAULETTO

Os sopros são sons gerados por ondas sonoras turbulentas originadas do coração e/ou do sistema vascular e constituem as alterações da ausculta cardíaca mais comuns na infância. Diante da detecção de sopro cardíaco durante consulta de rotina e no paciente assintomático, tem-se a possibilidade de existência de uma cardiopatia ainda não diagnosticada, de sopro inocente ou que outra doença esteja causando a alteração da ausculta, de forma transitória ou não. Avaliação clínica. A avaliação geral da criança é tão importante quanto a específica do sistema cardiovascular. Aspectos importantes da avaliação: Q

Uma alteração no padrão de crescimento e/ou desenvolvimento, embora inespecífica, sugere uma doença grave, cardíaca e/ou em outros sistemas, e não sopro inocente. O comprometimento ponderal pode ocorrer nas disfunções ventriculares com baixo débito e nos grandes shunts esquerda-direita com hipertensão pulmonar, esses também associados a quadro de pneumonia de repetição e/ou a crises recorrentes de sibilância pulmonar. Já o acometimento pôndero-estatural e do desenvolvimento podem ocorrer nas cardiopatias cianogênicas com hipofluxo pulmonar, que levam à hipoxemia grave. Q Aspecto geral da criança: pode indicar uma síndrome genética ou doença hereditária. Q Antecedentes mórbidos: 240

– Vômitos e regurgitações frequentes, sugerindo malformações vasculares compressivas. – Artrite e/ou artralgia, sugerindo cardiopatias adquiridas, como febre reumática e miocardites infecciosas. – Anemia, que pode causar alterações transitórias da ausculta cardíaca. Sinais de alerta na avaliação para a presença de doenças cardiovasculares na criança com sopro: Arritmias cardíacas Cianose Crises hipoxêmicas Síncope Dor torácica Dificuldade para se alimentar e/ou sudorese excessiva de polo cefálico Intolerância aos exercícios Hipertensão arterial Taquidispneia Edema Hepatoesplenomegalia

As medições habituais das frequências cardíaca e respiratória, pressão arterial, peso, altura e outras devem ser feitas repetidas vezes, com a criança tranquila, e interpretadas de acordo com os padrões por faixa etária.

SOPRO INOCENTE O sopro cardíaco inocente é a alteração da ausculta que ocorre na ausência de anormalidade anatômica e/ou funcional do sistema cardiovascular. Sabe-se que 50-70% das crianças terão, em algum momento da infância e adolescência, uma alteração auscultatória que será reconhecida como sopro, a maioria na idade escolar. Sopro de Still. É o mais frequente; detectado na maioria das vezes em escolares e raramente presente em crianças menores ou adolescentes. É melhor detectado na borda esternal esquerda média ou entre a borda esternal baixa e o apêndice xifoide, na posição supina; ocorre no começo da sístole com características vibratórias, baixa intensidade e nunca é rude ou muito intenso. Pode desaparecer com a pressão do aparelho sobre o tórax, e a sua intensidade diminui com a posição ereta. Sopro de ejeção pulmonar. É encontrado em crianças, adolescentes e adultos jovens, sendo mais frequente entre 8 e 14 anos de idade; melhor audível na borda esternal esquerda alta, protossistólico, ejetivo e de baixa intensidade. É

241

SOPRO CARDÍACO NA INFÂNCIA

Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q

SOPRO CARDÍACO NA INFÂNCIA

Quadro 25.2.1 CARACTERIZAÇÃO DOS SOPROS CARDÍACOS INOCENTES – – – – – – – – – –



Facilmente audíveis nos estados circulatórios hipercinéticos; Sistólicos ou contínuos; Curta duração dentro da sístole; Ocorrência nunca isolada na diástole; Timbre suave, musical ou vibratório; Curta duração e baixa intensidade (1+/4+); Não associação a frêmito ou a ruídos acessórios (estalidos, cliques); Localização em uma área pequena e bem definida; Não associação a alterações de bulhas; Ocorrência na ausência de história prévia de sopro (mudanças de caráter de sopros preexistentes indicam maior probabilidade de patologia) ou de evidências compatíveis com doença cardíaca adquirida; Radiografia de tórax e eletrocardiograma normais.

melhor auscultado na posição supina e exacerbado na presença de pectus excavantum, tórax plano ou cifoescoliose. Sopro de ramos pulmonares. Ocorre com frequência em recém-nascidos, principalmente nos prematuros e naqueles com baixo peso ao nascer; origina-se de uma hipoplasia relativa dos ramos pulmonares direito e esquerdo, e sua persistência após os 6 meses de idade sugere uma estenose de ramos pulmonares patológica. É melhor auscultado na borda esternal esquerda alta, sendo ejetivo, sistólico, de baixa intensidade e irradiando-se para ambos os lados do tórax, axilas e dorso.

Quadro 25.2.2 CARACTERIZAÇÃO DOS SOPROS PATOLÓGICOS – – – – – –

242

Ocorrência isolada na diástole ou sopro contínuo; Maior intensidade (2+/4+) ou timbre rude; Irradiação bem nítida e fixa para outras áreas; Associação com sons cardíacos anormais (hiperfonese de bulhas, cliques e estalidos) e/ou frêmitos; Associação com sintomatologia sugestiva de cardiopatia; Exames alterados: presença de tamanho e/ou silhueta cardíaca anormais, presença de anormalidades vasculares pulmonares na radiografia de tórax e alterações no eletrocardiograma.

Sopro carotídeo ou sistólico supraclavicular. Pode ser ouvido em crianças normais de qualquer idade, sendo melhor auscultado acima das clavículas, na fossa supraclavicular e/ou unilateralmente no pescoço, sobre as artérias carótidas. Tem timbre baixo, início abrupto, na metade ou em dois terços da sístole, e diminui de intensidade ou desaparece com a hiperextensão dos ombros. Zumbido venoso. É o único sopro inocente contínuo; ocorre nas crianças entre 3 e 6 anos de idade e é audível na parte anterior baixa do pescoço, região supraclavicular, podendo-se estender para a área infraclavicular da parede torácica anterior, bilateralmente. Pode ser alterado ou desaparecer quando o paciente vira a cabeça para o lado oposto ao sopro, ou então quando se faz pressão digital sobre a veia jugular.

Q Q

Q

Q

Q

Q Q

Q

Quando o sopro cardíaco ou qualquer outra alteração auscultatória tem as características que foram descritas como patológicas. Quando um sopro com características auscultatórias consideradas inocentes é acompanhado de sintomatologia e/ou alterações de exame físico sugestivas de doença cardiovascular. Quando as crianças pertencerem a grupos de risco para doenças cardiovasculares, especialmente famílias nas quais é elevada a incidência de cardiopatias congênitas e morte súbita e/ou precoce, mesmo que não tenham alterações no exame físico. Quando alterações de ausculta cardíaca e/ou sintomatologia sugestiva de doença cardiovascular são detectadas em crianças menores de 1 ano, especialmente no período neonatal. Quando os pacientes que tiveram diagnóstico inicial de sopro inocente mostram, durante o seguimento pediátrico, modificações na ausculta cardíaca e/ou na história clínica que possam sugerir uma doença cardiovascular. Quando os exames solicitados sugerirem alterações cardiovasculares. Crianças com sinais e sintomas que possam sugerir insuficiência cardíaca devem ser encaminhadas com urgência, mesmo que não tenham alterações auscultatórias. Aqueles casos nos quais o diagnóstico foi feito na vigência de um estado hipercinético, mas as alterações clínicas e/ou auscultatórias persistem após a resolução do problema de base, especialmente quando se tratar de doenças infecciosas.

REFERÊNCIAS Allen HD, Driscoll DJ, Shaddy RE, Feltes TF. Moss and Adam’s heart disease in infants children, and adolescents: including the fetus and young adults. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. 243

SOPRO CARDÍACO NA INFÂNCIA

QUANDO ENCAMINHAR AO ESPECIALISTA?

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS

Keane JF, Fyler DC, Lock JE. Nada’s pediatric cardiology. 2nd ed. Philadelphia: Elsevier; 2006. Kobinger MEBA. Avaliação do sopro cardíaco na infância. J Pediatr. 2003;79 Suppl 1:87-96. Santana MVT. Cardiopatias congênitas no recém-nascido diagnóstico e tratamento: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Atheneu; 2005. The Auscultation Assistant [homepage on the Internet]. Disponível em: www.wilkes.med.ucla. edu/intro.html

25.3

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS

REBECA SMARZARO WACHHOLZ ANA PAULA PEARSON PATRÍCIA MARTINS MOURA BARRIOS

Definição. Há diversas classificações para as cardiopatias congênitas (CC), porém a classificação baseada na presença de cianose e no tipo de vascularização pulmonar é a mais utilizada. As CC são divididas em: Q

Acianóticas: – vascularização pulmonar normal: lesões obstrutivas – estenose aórtica, coarctação de aorta, miocardiopatias – vascularização pulmonar diminuída: nenhuma – vascularização pulmonar aumentada: shunts direita-esquerda, CIA, CIV, DA, DSAV Q Cianóticas: – vascularização pulmonar normal: nenhuma – vascularização pulmonar diminuída: obstrução do fluxo pulmonar associada a shunt intracardíaco, tetralogia de Fallot e anomalia de Ebstein – vascularização pulmonar aumentada: transposição de grandes vasos, truncus arterioso, retorno venoso pulmonar anômalo

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS ACIANÓTICAS COMUNICAÇÃO INTERVENTRICULAR (CIV) (ver Fig. 25.3.1) Prevalência. É a CC mais comum; está presente em 25% das crianças com CC e é o componente de outras malformações cardíacas (MFC) em 50% dos casos. É a CC mais encontrada em cromossomopatias. Patologia. Lembramos que o septo é constituído de uma pequena porção perimembranosa e de uma grande porção muscular. O septo muscular tem três por244

ções: via de entrada, porção infundibular e trabecular. As CIVs perimembranosas são as mais comuns.

Q

Q

Q Q Q Q Q

Eletrocardiograma (ECG): – Em CIV pequena: normal. – Em CIV moderada: sobrecarga de ventrículo esquerdo (VE) e esporadicamente atrial esquerda (AE). – Em CIV grande: sobrecarga de VE e AE. Raio X de tórax: – Em CIV pequena: normal. – Em CIV moderada: cardiomegalia, aumento das cavidades esquerdas e hiperfluxo pulmonar. – Em CIV grande: cardiomegalia com aumento biventricular e hiperfluxo pulmonar. – Em CIV com DPVO: dilatação do tronco da artéria pulmonar e aumento das cavidades direitas. Ecocardiograma: padrão-ouro para o diagnóstico. Evolução: 40-60% das CIVs fecham-se espontaneamente, o que ocorre em até 95% das CIVs musculares trabeculares. Manejo clínico: deve-se tratar a insuficiência cardíada congestiva (ICC) – digoxina, diuréticos, inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECAs). Fechamento por cateter: classicamente é realizado em CIVs musculares e trabeculares. Manejo cirúrgico: A bandagem pulmonar raramente é indicada. Realiza-se o fechamento direto com circulação extracorpórea (CEC), hipotermia e abordagem via átrio direito (AD) ou ventrículo direito (VD). Está indicado em lactentes com ICC sem resposta ao tratamento clínico, sendo tal procedimento realizado já nos primeiros dias de vida. Em CIVs grandes, sem resposta ao tratamento clínico, deve-se realizar a intervenção cirúrgica com 12-18 meses.

COMUNICAÇÃO INTERATRIAL (CIA) (ver Fig. 25.3.2) Prevalência Q A: tipo septum secundum: 5-10% das CC Q B: tipo septum primum: 1-2% das CC Q C: tipo seio venoso: 0,5-1% das CC É três vezes mais prevalente em meninas. 245

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS

Manifestações clínicas. Em CIVs pequenas, há desenvolvimento e crescimento normais; já em grandes CIVs, há retardo de crescimento e insuficiência cardíaca (IC), podendo ainda haver cianose e intolerância ao exercício em casos de doença pulmonar vascular obstrutiva (DPVO). Há sopro holossistólico 2 a 5+, com epicentro em rebordo esternal esquerdo inferior (REEI). Em CIVs pequenas, pode haver frêmito sistólico. Se há hipertensão pulmonar, há hiperfonese de B2 e diminuição do sopro.

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Figura 25.3.1 CIV.

Figura 25.3.2 CIA.

Patologia. A presença de shunt E-D pelo defeito causa sobrecarga de volume no AD e no VD e hiperfluxo pulmonar. Manifestações clínicas. É geralmente assintomática. Há sopro sistólico de ejeção 2 a 3+, com epicentro em borda esternal esquerda e desdobramento fixo de B2. Defeitos graves podem gerar rolar diastólico em REEI. ECG. Desvio do eixo para a direita; sobrecarga do VD. Em CIAs de septum primum, há desvio do eixo para a esquerda. Raio X de tórax. Cardiomegalia, com aumento das cavidades esquerdas e hiperfluxo pulmonar e proeminência do tronco da artéria pulmonar. Ecocardiograma. Visualiza o tamanho e a localização do defeito e as suas consequências hemodinâmicas. Evolução. 40% das CIAs fecham-se espontaneamente até 1 ano de vida. Em 80% dos casos de CIAs pequenas, há fechamento até os 18 meses. CIAs grandes evoluem para hipertensão pulmonar, IC e arritmia aos 30-40 anos. Fechamento por cateter. Indicada em septum secundum, sendo a primeira escolha em casos de defeitos com boa margem para fixação; tal indicação é para pacientes com cerca de 4 anos. Manejo cirúrgico. Realiza-se o fechamento direto com CEC, sendo realizada sutura ou colocação de enxerto de pericárdio bovino ou material sintético em pacientes 246

com média de 3-5 anos. Está indicado em pacientes com CIA tipo septum primum e seio venoso. A mortalidade é menor que 1%, e arritmias ocorrem em 7-20% dos pacientes em pós-operatório.

DUCTO ARTERIOSO PATENTE (DAP) (ver Fig. 25.3.3) Prevalência. A prevalência é de 1:2.000 nascidos vivos a termo. Constitui 5-10% das CC. É mais frequente em recém-nascidos (RNs) do sexo feminino, com trisssomia do 21 e em RNs prematuros. É a cardiopatia congênita mais comum em rubéola congênita no primeiro trimestre. Dados da literatura mostram que a prevalência de ductus arterioso patente (DAP) é 30 vezes maior em bebês nascidos em grandes altitudes, enfatizando o papel do O2 no fechamento do ducto.

ECG. Normal ou com sobrecarga do VE em DAPs pequenos a moderados. Sobrecarga biventricular nos DAPs grandes. Raio X de tórax. Normal em DAPs pequenos, e, em casos de DAPs moderados a grandes, há cardiomegalia, com aumento das cavidades esquerdas e hiperfluxo pulmonar. Ecocardiograma. Visualiza o ducto, shunt aórtico e pulmonar. Tratamento clínico. Indometacina para RN prematuro, não havendo efeito no RN a termo. Usam-se diuréticos e digoxina em ICC por ducto patente. Fechamento por cateter. Primeira escolha, exceto em RNs prematuros. Manejo cirúrgico. Realiza-se o fechamento com ligamento e divisão do vaso por toracotomia, com CEC. Está indicado em RNs prematuros que não respondem ao tratamento clínico com indometacina. A mortalidade é menor que 1%.

DEFEITO DO SEPTO ATRIOVENTRICULAR (DSAV) (Ver Fig. 25.3.4) Prevalência. É de 1,9:10.000 nascidos vivos. Cerca de 30% dos DSAVs ocorrem em pacientes com trissomia do 21. A prevalência é igual em ambos os sexos. Patologia. CIA de septum primum + CIV tipo via de entrada e válvula atrioventricular (AV) única, que permite conexão entre os dois átrios e ventrículos. 247

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Manifestações clínicas. Ausência de sintomas em DAPs pequenos e evolução para ICC em DAPs grandes. Sopro sistólico 1 a 4+, com epicentro em rebordo esternal esquerdo superior ou região infraclavicular, pulsos amplos e fortes em DAPs com shunt grande E-D.

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Figura 25.3.3 Ducto arterioso patente.

Figura 25.3.4 DSAV.

Manifestações clínicas. Ocorre retardo de crescimento intrauterino, infecções respiratórias de repetição e ICC. Há precórdio hiperativo com hiperfonese de B2, sopro holossistólico de regurgitação 3 a 4+, com epicentro em REEI. Ritmo de galope pode estar presente. ECG. Hemibloqueio superior E com sobrecarga do VD ou biventricular. Raio X de tórax. Cardiomegalia e hiperfluxo pulmonar. Ecocardiograma. Visualiza o DSAV, afere a gravidade do defeito, bem como o comprometimento hemodinâmico. Tratamento clínico. Dá-se com digoxina, diuréticos e IECAs em lactentes pequenos com ICC, sendo realizado quando o risco da cirurgia é grande. Deve-se realizar profilaxia para endocardite bacteriana. Manejo cirúrgico. Realiza-se o fechamento da CIA e da CIV e valvuloplastia atrioventricular se necessário, sempre com CEC. A mortalidade varia de 1-5%.

ESTENOSE PULMONAR (EP) Prevalência. Constitui 5-20% das CC. Patologia. Pode ser valvar, sub ou supravalvar. Manifestações clínicas. É geralmente assintomática se leve a moderada, sendo, nesses casos, acianótica. 248

As grandes EPs podem ser cianóticas e cursar com taquipneia, devido ao shunt E-D pelo forame oval patente. Há sopro sistólico 2 a 5+, em foco pulmonar, podendo ser hiperfonética. Há estalido de ejeção no REES. ECG. Normal em EP leve; com sobrecarga de VD e AD em EP moderada ou grave. Raio X de tórax. Proeminência do tronco da artéria pulmonar, e, em EP grave, há aumento do VD. Ecocardiograma. Mostra espessamento dos folhetos da válvula pumonar com restrição da abertura e dilatação do tronco pulmonar. Evolução. Cursa com ICC e até com morte súbita nos casos críticos. Tratamento clínico. Está indicada restrição a exercícios em EP grave. Intervenção por cateter: é realizada valvuloplastia por cateter balão, sendo esse o tratamento de escolha.

ESTENOSE AÓRTICA (EAO) Prevalência. É responsável por 5% de todas as CC. É quatro vezes mais prevalente no sexo masculino. Patologia. Pode ser valvar, subvalvar ou supravalvar. Manifestações clínicas. EAos precordial leves a moderadas costumam ser assintomáticas. Pode ocorrer dor, síncope e morte súbita em estenoses graves. Estenoses críticas cursam com ICC. Há frêmito sistólico no REES e sobre as carótidas. Há estalido de ejeção sobre a válvula aórtica. Ocorre sopro sistólico 2 a 4+, com epicentro no segundo e terceiro espaços intercostais e transmissão para o pescoço e para a região apical. ECG. Normal em EAo leve; hipertrofia de VE em EAos moderadas a graves. Ecocardiograma. Visualiza a anatomia da válvula e o local da obstrução. Evolução. EAos críticas evoluem com ICC neonatal e pós-neonatal. Ocorre óbito em 1-2% dos casos. Tratamento clínico. Deve-se indicar restrição ao exercício físico.

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Manejo cirúrgico. Está indicado quando a valvuloplastia por cateter balão falhar e houver estenoses subvalvares.

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Manejo por cateter. O resultado não é definitivo e pode levar à regurgitação aórtica. Manejo cirúrgico. Valvotomia fechada com dilatadores ou cateteres com balão sem CEC. Em pacientes graves, está indicado o uso de CEC. Realiza-se a substituição da válvula ou comissurectomia.

COARCTAÇÃO DE AORTA (CoA) (ver Fig. 25.3.5) Prevalência. Constitui 8-10% das CC. É cinco vezes mais prevalente no sexo feminino. Patologia. Ocorre o estreitamento da aorta, mais comumente entre a aorta torácica após a origem da subclávia E. Oitenta a 85% dos pacientes tem válvula aórtica bicomissural ou bicúspide. Manifestações clínicas. Sintomáticos. Cursa com ICC, infecções respiratórias e choque nos primeiros dias ou semanas de vida. Há ritmo de galope, pulsos periféricos diminuídos ou ausentes em membros inferiores. ECG. Taquicardia sinusal e sobrecarga de VD. Raio X de tórax. Cardiomegalia acentuada e edema pulmonar. Ecocardiograma. Visualiza o local da obstrução. Evolução. Óbito precoce se o ducto arterial não for mantido patente até a correção. Tratamento clínico. É feito com inotrópicos de ação rápida, diuréticos e O2, além de prostaglandina E1 para abrir ou manter pérvio o ducto. Manejo cirúrgico. Deve ser realizado de urgência. Há risco de recoarctação. Manifestações clínicas. Assintomáticos Podem apresentar-se com dor nos membros inferiores. Os pulsos periféricos estão diminuídos ou ausentes em membros inferiores. Há sopro sistólico de ejeção 2-3+ no REES. Sempre que houver sopro em dorso deve-se suspeitar de CoA. ECG. Normal ou com sobrecarga do VE. Raio X de tórax. Normal ou com leve aumento da área cardíaca. Há o sinal do 3 invertido. Ecocardiograma. Visualiza o local da obstrução da aorta.

250

Evolução. Válvula aórtica bicúspide pode causar estenose ou regurgitação posteriormente. Tratamento clínico. Deve-se tratar hipertensão arterial sistêmica. Manejo por cateter. Pode realizar-se dilatação por balão e colocar-se stent em CoA curtas. Manejo cirúrgico. Ressecção da área de coartação e anastomose término-terminal.

INTERRUPÇÃO DO ARCO AÓRTICO Prevalência. Constitui cerca de 1% de todos os RNs com CC grave. É mais prevalente em meninos. Patologia. Ausência de segmento do arco aórtico. Há defeitos associados: DAP, CIV e válvula aórtica bicúspide. Manifestações clínicas. Há sofrimento respiratório com cianose, má perfusão, pulsos periféricos diminuídos ou choque cardiogênico nos primeiros dias de vida.

Raio X de tórax. Cardiomegalia, edema ou hiperfluxo pulmonar. Tratamento clínico. Prostaglandina E1 EV, ventilação mecânica, oxigenoterapia. Deve-se afastar síndrome de DiGeorge. Manejo cirúrgico. É uma urgência e deve ser realizado com CEC.

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS CIANÓTICAS Prevalência geral. Afetam 8:1.000 nascidos vivos, com frequência maior em natimortos e abortos. Em 25%, há malformações em outros órgãos, e 3% dos casos estão associados a defeitos genéticos. A recorrência em próximas gestações varia de 1-4%, e pais com cardiopatia congênita têm risco 4-5% maior de terem filhos acometidos. A literatura descreve que 2-4% das cardiopatias cianóticas envolvem fatores maternos/ambientais. Diagnóstico. A detecção de cianose pode ser mais difícil no RN pela presença de hemoglobina (Hb) fetal, que é mais ávida por O2. Quanto menor o nível de Hb, menor será a saturação em que a cianose aparecerá. As cardiopatias cianóticas podem ter transporte de O2 prejudicado, sendo assim benéfica a policitemia.

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ECG. Há sobrecarga do VD.

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Crises hipoxêmicas: hiperpneia, irritabilidade, choro prolongado, diminuição do sopro, aumento da cianose, hipotermia. Tratamento. Pernas dobradas sobre o tronco, uso de O2, bicarbonato, morfina, podendo haver indicação de cirurgia imediata. O propranolol pode ser usado na profilaxia e crises e pressão arterial (PA) estável. Evitar vasodilatadores periféricos e temperatura elevada.

TETRALOGIA DE FALLOT (ver Fig. 25.3.6) Prevalência. É a cardiopatia cianótica mais frequente (10%). Definição. Associação de comunicação interventricular (larga e não restritiva) e obstrução/estenose da via de saída do ventrículo direito (variando de leve a completa), cavalgamento da aorta sobre o septo interventricular e hipertrofia ventricular direita. Essas alterações são subsequentes a um desvio ântero-superior do septo infundibular. Geram uma obstrução subpulmonar, com artéria pulmonar e ramos frequentemente hipoplásicos. Coronárias anômalas também estão presentes em 5%. Manifestações clínicas/diagnóstico. Dependem do grau de obstrução à passagem do ventrículo direito (VD) para as artérias pulmonares. Cianose progressiva após período neonatal – se a obstrução à saída do VD é leve, há chegada do sangue às artérias pulmonares, e a cianose é mais leve; se a obstrução é grave, o sangue desoxigenado do VD passa pela CIV para a circulação sistêmica, gerando cianose grave e presente logo ao nascimento. As crises paroxís-

Figura 25.3.5 Coarctação de aorta. 252

Figura 25.3.6 Tetralogia de Fallot.

ticas de cianose são piores no primeiro ano de vida e ocorrem pelo aumento do shunt de sangue desoxigenado pela CIV, decorrente de aumento da resistência vascular periférica (RVP) ou diminuição da resistência vascular sistêmica (RVS), ou ambas. Pode haver taquipneia. Há sopro ejetivo audível ao nascimento, com 2a bulha única se obstrução completa do VD. ECG. Hipertrofia ventricular direita. Raio X de tórax. Coração em “bota” devido à hipertrofia do VD; há hipofluxo pulmonar e arco aórtico em 25% dos casos. Ecocardiograma. Efetua o diagnóstico. Estudo hemodinâmico. Pode avaliar ramos pulmonares e coronárias.

Tratamento. Crises de cianose prolongadas – posição de joelhos no peito, O2, morfina, drogas que aumentam a RVS. Prostaglandina para manutenção da patência do ducto arterioso, para estabilização no início. Manejo cirúrgico Q Remoção da obstrução na via de saída; Q Oclusão da comunicação interventricular. Devem ser realizadas precocemente ou após o shunt sistêmico-pulmonar paliativo (Blalock-Taussig).

ATRESIA TRICÚSPIDE Prevalência. Corresponde a 1-3% das malformações cardíacas. Definição. Junção entre átrio e VD ausente na maioria dos casos, podendo a valva ser imperfurada. Shunt direita-esquerda através do forame oval ou da comunicação interatrial, determinando AD e VE dilatados. Há mistura de sangue venoso e arterial com comunicação interventricular associada ou não. Manifestações clínicas. Há cianose evidente ao nascimento, retardo do crescimento e fadiga, além de história de crises hipoxêmicas. Na ausculta à 2a bulha única, pode não haver sopro. ECG. Eixo superior e à esquerda; onda P em pico ou bifásica; hipertrofia ventricular esquerda e atrial direita. 253

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Complicações. Trombose cerebral e isquemia decorrentes de hemoconcentração; hipoxemia; abscesso cerebral; endocardite bacteriana e ICC.

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Raio X de tórax. AD aumentado; circulação pulmonar habitualmente diminuída. Ecocardiograma. Efetua o diagnóstico. Tratamento Q Prostaglandina deve ser usada naqueles sem CIV como tratamento paliativo; Q Septostomia atrial, quando a comunicação interatrial é inadequada; Q Pode ser realizada diminuição por balão de Hashkind. Cirurgia definitiva. Procedimento de Fontan, que direciona o retorno venoso direto para os pulmões através do átrio ou de shunt extra cardíaco. É contraindicado em crianças muito pequenas, com RVP aumentada ou hipoplasia de artéria pulmonar.

DUPLA VIA DE ENTRADA Prevalência. Corresponde a 1% dos pacientes com cardiopatia congênita. Definição. Ambos os átrios conectam-se ao mesmo ventrículo, que pode ser o direito, o esquerdo ou ventrículo solitário. O mais comum é um arranjo atrial para o ventrículo esquerdo. Comumente é associada à transposição de grandes vasos, estenose ou atresia pulmonar, e à coarctação ou interrupção do arco aórtico. Manifestações clínicas. Varia de congestão pulmonar até cianose grave; 95% terão cianose. ECG. QRS similar nas precordiais, arritmias e bloqueio AV. Ecocardiograma. Efetua o diagnóstico. Tratamento. Clínico com prostaglandinas e medidas anticongestivas até o procedimento cirúrgico de anastomose sistêmico-pulmonar ou cavopulmonar.

DUPLA VIA DE SAÍDA Prevalência. Menor que 1%. Definição. Mais da metade da circunferência dos grandes vasos está ligada ao mesmo ventrículo. A posição da comunicação interventricular (subaórtica/subpulmonar/duplamente relacionada ou não relacionada aos vasos) e a presença de estenose pulmonar é que determinarão a sintomatologia.

ATRESIA PULMONAR COM CIV Definição. Forma extrema da tetralogia de Fallot, ocorrendo atresia pulmonar e distorções anatômicas das artérias pulmonares distais. A circulação pulmonar depende do canal arterial (70%), das colaterais aortopulmonares (30%) ou de ambos. 254

Manifestações clínicas. Há cianose/taquipneia que surge ao nascimento e cujo grau depende de o canal estar patente e da amplitude das colaterais aorta pulmonares. Há sopro contínuo (do canal ou das colaterais), e a 2a bulha é única e hiperfonética. Raio X e ECG. São semelhantes ao da tetralogia de Fallot. Estudo hemodinâmico. Em geral, é necessário para delinear a anatomia das artérias pulmonares, pois há associação com hipoplasia e não confluência dos ramos pulmonares. Tratamento. Prostaglandina para manter a patência do canal arterial nos casos hipoxêmicos, até realização de anastomose aortopulmonar. Cirurgia. É corretiva quando os ramos pulmonares forem de bom tamanho; senão, pode-se unifocalizar segmentos pulmonares. Anatomias mais complicadas podem necessitar de transplante pulmonar.

ATRESIA PULMONAR COM SEPTO VENTRICULAR INTACTO Definição. Atresia pulmonar que pode ser por valva imperfurada ou obliteração muscular na junção ventrículo arterial, habitualmente associada a VD hipoplásico. Ocorrem também anormalidades de coronária e malformação de Ebstein (25%). A comunicação interatrial, o forame oval e o canal arterial patente são imprescindíveis à vida, pois são a única via de saída do sangue do coração direito. Manifestações clínicas. Ocorre taquipneia/cianose, pois há mistura completa do sangue oxigenado vindo dos pulmões e do não oxigenado da circulação sistêmica; dispneia progressiva. Ausculta-se a 2a bulha única e o sopro contínuo do canal arterial. ECG. Hipertrofia atrial direita e ventricular esquerda, onda P apiculada e eixo sempre entre 0 e 90%. Raio X de tórax. Ausência da proeminência da artéria pulmonar, diminuição da circulação pulmonar e volume cardíaco variável. Ecocardiograma. Efetua o diagnóstico. Tratamento. Paliativo – prostaglandinas para manter o canal arterial até a realização de anastomose aortopulmonar, de preferência ainda no período neonatal. Cirurgia definitiva. Envolve a criação de ligação entre VD e artéria pulmonar quando possível, ou cirurgia de Fontan, que consiste no direcionamento do retorno venoso direto para as artérias pulmonares. 255

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Prevalência. Corresponde a 1% das malformações cardíacas.

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TRONCO ARTERIOSO COMUM Prevalência. Menos de 1% das cardiopatias congênitas. Definição. Um único vaso supre as circulações sistêmica, pulmonar e coronariana. É classificada em quatro tipos de acordo com a origem da artérias pulmonares. Apresenta CIV grande e subtruncal. Alterações coronarianas são comuns. Arco aórtico à direita em 30%, e interrompido em 10%. É bastante associado à síndrome de DiGeorge. Manifestações clínicas. Há cianose ao nascimento, cuja intensidade depende da RVP; IC em dias/semanas; pulsos amplos. Ausculta-se 2a bulha única e hiperfonética. ECG. Hipertrofia biventricular. Raio X de tórax. Aumento do volume cardíaco; ausência do segmento arterial pulmonar; hiperfluxo pulmonar. Ecocardiograma. Efetua o diagnóstico. Tratamento. Digitálicos e diurético até cirurgia corretiva.

SÍNDROME DA HIPOPLASIA DO VENTRÍCULO ESQUERDO Definição. Graus variados de hipoplasia do VE e aorta ascendente, bastante associados com estenose grave ou atresia aórtica e/ou mitral. Cerca de 50% têm coarctação de aorta. É ducto dependente, sendo que possuidores de CIV ampla têm sobrevida maior. Manifestações clínicas. Há cianose precoce e IC com rápida evolução para choque, sendo, portanto, diagnóstico diferencial para choque no período neonatal. Ausculta inalterada. Raio X de tórax. Rápido aumento do volume cardíaco; congestão pulmonar. ECG. Hipertrofia ventricular e atrial direitas; ausência de onda Q em V6. Ecocardiograma. Efetua o diagnóstico. Tratamento. Prostaglandina; ventilação com hipercapnia e hipoxia; aumento da viscosidade sanguínea, até cirurgia ou transplante cardíaco. O prognóstico é ruim.

TRANSPOSIÇÃO COMPLETA DE GRANDES VASOS (ver Fig. 25.3.7) Prevalência. É a segunda cardiopatia cianótica mais comum, correspondendo a 5%. Afeta 2-3 vezes mais meninos, com bom peso ao nascimento.

256

Definição. A aorta conecta-se ao VD, bombeando sangue desoxigenado, e a artéria pulmonar ao VE, o que determina o paralelismo entre circulação pulmonar e sistêmica. A comunicação interventricular/interatrial é essencial para a vida. Manifestações clínicas. Há cianose precoce moderada a grave e sinais de ICC no neonato. O sopro depende dos defeitos associados (canal arterial, CIV, CIA); a 2a bulha é única e hiperfonética. ECG. Hipertrofia ventricular direita. Raio X de tórax. Cardiomegalia; mediastino superior estreito; aumento de vasculatura pulmonar. Ecocardiografia. Efetua o diagnóstico. O prognóstico é melhor se realizada a ecocardiografia fetal e planejado o parto em centro especializado.

DRENAGEM VENOSA ANÔMALA PULMONAR TOTAL Prevalência. corresponde a 1% das cardiopatias congênitas. Definição. As veias pulmonares não se conectam ao átrio esquerdo, drenando de maneira anômala para o átrio direito. Depende de forame oval pérvio ou de comunicação interatrial para que o fluxo chegue ao átrio esquerdo e atinja a circulação sistêmica. Existem quatro tipos: Q Q

supracardíaca: 50% dos casos, drena na veia cava superior; intracardíaca: artérias pulmonares drenam no seio coronariano ou direto no átrio direito; Q infracardíaca/subdiafragmática: drena na veia porta (é o caso mais grave); Q mista.

ANOMALIA DE EBSTEIN (ver Fig. 25.3.8) Definição. Há displasia e deslocamento caudal da valva tricúspide e cardiomegalia. Trata-se de uma das malformações de pior prognóstico durante a vida fetal. Manifestações clínicas. IC com hidropisia, ascite, derrame pleural e pericárdico e infiltração tecidual.

257

CARDIOPATIAS CONGÊNITAS

Tratamento. Manejo de distúrbios hidreletrolíticos e prostaglandinas. Septostomia pode ser alternativa para garantir mistura do sangue. Até pode-se realizar cirurgia definitiva de troca dos vasos (cirurgia de Jatene é a mais comum).

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Figura 25.3.7 Tranposição completa de grandes vasos.

Figura 25.3.8 Anomalia de Ebstein.

Tratamento. Transplante cardíaco ou fechamento do anel tricúspide e artéria pulmonar com derivação cavopulmonar parcial. O prognóstico é muito reservado.

REFERÊNCIAS Allen HD, Gutgesel HP, Clark EB, editors. Moss and Adams: heart disease in infants, children and adolescent, including fets and young adult. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams and Wikins; 2001. p. 687-930, 1087-133. Anderson RH, Baker EJ, MaCartney FJ, Rigby ML, Shinebourne EA, Tynan M, et al., editors. Pediatric cardiology. 2nd ed. London: Churchill Livingstone; 2000. Barrios PMM. Cardiopatias congênitas cianóticas. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 457-64. Barrios PMM. Cardiopatias congênitas. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 441-56. Castañeda AR, Jonas RA, Mayer JE, Hanley FL, editors. Cardiac surgery of the neonate an infant. Philadelphia: WB Saunders; 1994. Moller JH, Hoffman JIE, editors. Pediatric cardiovascular medicine. New York: Churchill Livingstone; 2000. Oliveira RG. Blackbook. 3. ed. Belo Horizonte: Blackbook; 2005. Taketomo CK, Holding JH, Kraus DM. Pediatric dosage handbook. 15th ed. Hudson: LexoComp; 2008-2009.

258

25.4

DISLIPIDEMIA NA CRIANÇA

JANINE DEQUI DELIBERALI LUCIA CAMPOS PELLANDA LÍVIA DA ROSA PAULETTO PATRICIA RODRIGUES LEMOS

Definição. A dislipidemia é um quadro clínico caracterizado por concentrações anormais de lipídeos ou lipoproteínas no sangue. A probabilidade de que uma criança com colesterol total acima do percentil 95 mantenha-se assim na vida adulta é bastante elevada, chegando até a 80% em alguns estudos.

Etiologia. As causas podem ser primárias ou secundárias (obesidade, diabetes, hipotireoidismo, síndrome nefrótica). Mais frequentemente, encontram-se as dislipidemias primárias, como hipercolesterolemia ou hipertrigliceridemia ambientais ou comuns, isto é, causadas por múltiplos fatores genéticos e/ou ambientais. Diagnóstico. Os valores de referência para crianças e adolescentes encontram-se na Tabela 25.4.1. Investigação. Recomenda-se determinar o perfil lipídico (CT, TG, HDL, LDL) em crianças e adolescentes nas seguintes situações: Parentes de 1o grau com aterosclerose precoce (antes dos 55 anos para o sexo masculino e dos 65 anos para o sexo feminino); Q Parentes de 1o grau com dislipidemias graves (CT ≥ 300 mg/dL ou TG ≥ 400 mg/dL); Q Presença de xantomatose, obesidade, hipertensão arterial, diabete melito, sedentarismo, tabagismo, pancreatite aguda. Q

Além dessas situações, todas as crianças devem ter determinado seu nível de colesterol total em jejum até os 10 anos de idade. Se alterado, o perfil lipídico deve ser dosado duas vezes, com intervalo de 8-15 dias, mantendo-se as mesmas condições de coleta. Tratamento. O tratamento dietético deve ser iniciado após os 2 anos de idade, priorizando as necessidades energéticas e vitamínicas próprias da idade. Deve-se encorajar a ingestão de fibras e desestimular os alimentos ricos em colesterol e 259

DISLIPIDEMIA NA CRIANÇA

Epidemiologia. Sobrepeso e obesidade são fatores de risco maiores para o desenvolvimento de doenças crônicas como diabete, doença cardiovascular, hipertensão arterial e certos tipos de câncer. No Brasil, os estudos demonstram a prevalência do excesso de peso, variando de 11-34%. Será considerado sobrepeso o caso em que o índice de massa corporal (IMC) estiver entre percentil 85 e 95 para idade e sexo, e obesidade o caso em que o IMC for superior ao percentil 95.

DISLIPIDEMIA NA CRIANÇA

Tabela 25.4.1 VALORES DE REFERÊNCIA DE VARIÁVEIS DO PERFIL LIPÍDICO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES (ENTRE 2 E 19 ANOS) Lipídeos

Valores (mg/dL) Desejáveis

Limítrofes

Aumentados

CT

< 150

150-169

≥ 170

LDL

< 100

100-129

≥ 130

HDL

≥ 45

TG

< 100

100-129

≥ 130

CT, colesterol total; LDL, colesterol LDL; HDL, colesterol HDL; TG, triglicerídeos.

gordura saturada. Havendo refratariedade a essas medidas, o uso de drogas hipolipemiantes para crianças acima dos 10 anos pode ser considerado nas seguintes situações: dislipidemia familiar com LDL > 190 mg/dL; antecedentes familiares de doença aterosclerótica prematura; 2 ou mais fatores de risco (fumo, obesidade, hipertensão arterial, diabete, HDL < 35) com LDL > 160 mg/dL; na vigência de aterosclerose manifesta, com LDL > 130 mg/dL. A colestiramina é a droga recomendável. As estatinas podem ser usadas em casos de hipercolesterolemia familiar grave (CT > 300 mg/dL). A hipertrigliceridemia e a quilomicronemia requerem apenas tratamento dietético. Prevenção. É importante abordar, na consulta pediátrica, a importância de manter-se um estilo de vida saudável desde a infância, envolvendo toda a família em uma alimentação equilibrada e em atividade física regular.

REFERÊNCIAS I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência. Arq Bras Cardiol. 2005; 85(Suppl 6):1-36. III Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemia e Diretriz de Prevenção da Aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2001;77 (Suppl 3):1-48. Giuliano ICB, Caramelli B. Dislipidemias na infância e adolescência. Pediatr (São Paulo). 2008;29(4):275-85.

260

Haney EM, Huffman LH, Bougatsos C, Freeman M, Steiner RD, Nelson HD. Screening and treatment for lipid disorders in children and adolescents: systematic evidence review for the US Preventive Services Task Force. Pediatrics. 2007;120(1): e189-214. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Obesidade na infância e na adolescência: manual de orientação. São Paulo: Author; 2008. p. 1-116.

25.5

HIPERTENSÃO ARTERIAL

JANINE DEQUI DELIBERALI LUCIA CAMPOS PELLANDA LÍVIA DA ROSA PAULETTO PATRICIA RODRIGUES LEMOS

Epidemiologia. É a doença crônica que apresenta maior prevalência no mundo. No Brasil, 15-20% da população é hipertensa. Em crianças, a prevalência é de 113%. É fator de risco para doença cardiovascular, acidente vascular cerebral e doença renal. Etiologia. Varia conforme a faixa etária. Em menores de 6 anos, a HA tem maior chance de ser secundária (60-70% dos casos por doença renal parenquimatosa). Adolescentes geralmente têm hipertensão arterial primária (85-95% dos casos). Diagnóstico. Toda criança acima de 3 anos deve ter medida sua PA durante a consulta com o pediatra, pelo menos uma vez por ano. Se a PA encontra-se em estágio de pré-hipertensão, aferir no prazo máximo de seis meses. Forma de medir a PA: deixar a criança calma, em ambiente agradável, por 5-10 minutos de repouso, sentada, com o braço direito na altura do coração. Colocar o manguito firmemente cerca de 2-3 cm acima da fossa antecubital, centralizando a bolsa de borracha sobre a artéria braquial. A largura da bolsa de borracha do manguito deve corresponder a 40% da circunferência do braço, e seu comprimento, envolver 80-100% do braço. Se não tiver o manguito adequado, devese optar pelo maior. O estetoscópio é colocado sobre a artéria braquial; insuflase o manguito até 30 mmHg acima do desaparecimento do pulso radial e se esvazia lentamente (2-3 mmHg/s). O primeiro som é a PA sistólica, e o último (ou 5o som), a PA diastólica. A monitoração ambulatorial da pressão arterial (MAPA) apresenta boa tolerabilidade e reprodutibilidade na faixa etária pediátrica. As principais indicações 261

HIPERTENSÃO ARTERIAL

Definição. Hipertensão arterial (HA) é uma síndrome caracterizada por níveis tensionais elevados associados a alterações metabólicas, hormonais e a fenômenos tróficos (hipertrofia de ventrículo esquerdo). Os limites para a pressão arterial (PA) em crianças são definidos segundo sexo, idade e percentil de altura. A Tabela 25.5.1 mostra a classificação da pressão arterial na infância e na adolescência.

HIPERTENSÃO ARTERIAL

Tabela 25.5.1 CLASSIFICAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES Nomenclatura

Critério

Normal

PAS e PAD em percentis* < 90

Pré-hipertensão

PAS e/ou PAD em percentis* < 90 e > 95 ou sempre que PA > 120/80 mmHg

HA estágio 1

PAS e/ou PAD em percentis* entre 95 e 99 acrescido de 5 mmHg

HA estágio 2

PAS e/ou PAD em percentis* > 99 acrescido de 5 mmHg

* Para idade, sexo e percentil de altura, em três ocasiões diferentes. HA, hipertensão arterial; PAS, pressão arterial sistólica; PAD, pressão arterial diastólica.

são suspeita de hipertensão do jaleco branco, hipotensão, avaliar a eficácia do tratamento anti-hipertensivo ou hipertensão resistente. Investigação Q História pré-natal e parto Q Sintomas (cefaleia, vômitos, escotomas) Q Doenças urinárias e urológicas Q Uso de medicações (vasoconstritor nasal ou oral, corticoide, anticoncepcionais) Q Sintomas e/ou sinais sugestivos de doença endócrina, renal ou genética Q História familiar de HA Q Medir PA nos membros superiores e inferiores Q Palpar pulsos Q Verificar presença de sopros Q Realizar os seguintes exames em toda criança hipertensa: hemograma completo, uroanálise e urocultura, ureia, creatinina, eletrólitos, ácido úrico, glicemia de jejum, perfil lipídico, ultrassonografia renal e ecocardiograma Tratamento. Visa a reduzir a PA para abaixo do percentil 90 e prevenir complicações. Q

Não farmacológico: prevenir a obesidade (perda de peso de 10% reduz a PA em 8-12 mmHg em adultos), reduzir a ingestão de sal (1,2 g por dia de 4-8 anos e 1,5 g por dia após essa idade; reduz de 1-3 mmHg) e bebidas alcoóli-

262

cas, estimular a prática de exercícios (1 h por dia) e evitar o tabagismo (inclusive o passivo). Q Farmacológico: há incerteza quanto à idade e ao momento para o início do tratamento medicamentoso. Deve-se evitar associação de medicações. Indicações: HA secundária, HA sintomática, HA com lesão em órgão-alvo, HA grave (estágio 2) e HA estágio 1 que não melhora somente com medidas não farmacológicas. São utilizados medicamentos dentro das seguintes classes: inibidores da enzima de conversão da angiotensina, antagonistas dos canais de cálcio, betabloqueadores e diuréticos. A escolha da medicação é feita conforme a experiência do médico.

REFERÊNCIAS I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e na Adolescência. Arq Bras Cardiol. 2005; 85(Suppl 6):1-36. III Diretrizes Brasileiras para MAPA/MRPA. Arq Bras Cardiol. 2003;80(2):225-33. Luma GB, Spiotta RT. Hypertension in children and adolescents. Am Fam Physician. 2006;73(9):1158-68.

25.6

ENDOCARDITE INFECCIOSA

Salgado CM, Carvalhaes JTA. Hipertensão arterial na infância. J Pediatr (Rio J). 2003;79(Suppl 1):115-24.

ENDOCARDITE INFECCIOSA

REBECA SMARZARO WACHHOLZ PATRÍCIA MARTINS DE MOURA BARRIOS

Definição. A endocardite infecciosa (EI) é um processo inflamatório endocárdico que pode ser causado por infecção fúngica, viral ou bacteriana, sendo a última a mais prevalente. É sabido que pacientes com cardiopatias congênitas (CC) ou pós-procedimentos intracardíacos são mais suscetíveis à EI. Etiologia. Os agentes etiológicos típicos são: Streptococcus viridans, Streptococcus bovis, Staphylococcus aureus, HACEK (Haemophilus, Actinobacillus actinomycetum comitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella, Kingella kingae), Enterococcus, Coxiella burnetti, Candida. O agente etiológico mais prevalente em EIs associadas à infecção por cateteres e próteses é o Staphylococcus aureus. Em crianças maiores de 1 ano, o agente mais comum é o Streptococcus viridans. 263

ENDOCARDITE INFECCIOSA

Epidemiologia. Estudos estimam que cerca de 0,2-0,5% das internações pediátricas ocorrem por EI, sendo mais frequentes em pacientes menores de 2 anos. É importante ressaltar que 10% das EIs ocorrem em pacientes sem fatores de risco. Manifestações clínicas. Dividimos as endocardites infecciosas de acordo com suas apresentações clínicas: Q Q

Aguda: toxemia e sepse. Subaguda: insidiosa, com febre prolongada e duração a partir de 6 semanas.

Os fatores de risco são: Uso de drogas injetáveis em adolescentes Valvas prostéticas mecânicas ou biológicas Doença cardíaca estrutural (CC ou secundária à febre reumática)

Q Q Q

Fatores de risco. Ultimamente vem aumentando a prevalência de EI devido a procedimentos invasivos, como: Q Q Q Q Q Q

Cirurgias cardíacas Imunossupressão Infecção por HIV Hemodiálise Shunt ventriculoatrial para o manejo de hidrocefalia Cateter venoso central

Além desses fatores de risco, a história prévia de EI aumenta o risco de novo episódio. Estudos demonstram que 2-10% dos pacientes com EI já apresentaram quadro prévio. Diagnóstico. O diagnóstico é feito pela história, exame físico, hemocultura (HMC), resultados laboratoriais, eletrocardiograma (ECG), raio X de tórax e ecocardiografia. No diagnóstico, deve-se atentar para uso de drogas injetáveis em adolescentes, uso de cateter intravascular, sinais de bacteremia ou fungemia, sopro sugestivo de valvulite, fenômenos vasculares e imunológicos. O quadro clássico é de início insidioso, com febre prolongada, anorexia, mialgia, sudorese, artralgia e astenia. Ressaltamos que achados prevalentes na EI em adultos, como manchas de Roth, lesões de Janeway, petéquias e nódulos de Osler, são raros em crianças. Observar: HMC positiva; VSG e PCR elevados; Em 50% dos casos há fator reumatoide; Anemia normocrômica ou normocítica pode ser encontrada;

Q Q Q Q

264

Q Q Q Q Q Q

Q

Exame qualitativo de urina com hematúria e proteinúria em até 50% dos casos; Leucocitose em EI por Staphylococcus; Hiperglobulinemia, crioglobulinas e diminuição de C3 e C4 em alguns pacientes; ECG: pode haver sobrecarga atrial ou ventricular, arritmias e até fibrilação atrial; Raio X de tórax: raramente mostra calcificação da valva cardíaca; Ecocardiograma: detecta e caracteriza vegetação nas valvas e em outros sítios, detecta disfunção valvar com gravidade hemodinâmica e anomalias associadas a shunt, abscessos ou derrame pericárdico; RMN: deve ser realizada em complicações para melhor esclarecimento diagnóstico, como fístulas cavitárias, abscessos perivalvares e aneurisma de parede aórtica.

Critérios diagnósticos. O diagnóstico de EI baseia-se nos critérios de DUKE. O diagnóstico é feito se há: Q Q Q

2 critérios clínicos maiores 1 critério maior e 3 menores 5 critérios clínicos menores e 1 patológico

Critérios patológicos: Evidência direta de endocardite com base em achados patológicos, ou seja, lesões patológicas, vegetação ou abscesso intracardíaco confirmado por exame histológico mostrando EI ativa. Q Cultura positiva ou peça com germe Gram-positivo obtida no exame histológico da vegetação ou na amostra do abscesso cardíaco. Critérios maiores: HMC positiva para microrganismos típicos causadores de endocardite em duas amostras (Streptococcus viridans, Streptococcus bovis, Staphylococcus aureus, HACEK ou Enterococcus na ausência de foco primário). Q HMC positiva persistentemente para microrganismos típicos de EI (no mínimo duas amostras coletadas com intervalo de 12 horas, ou três amostras, ou ainda a maioria de quatro amostras coletadas com intervalo de 1 hora entre a primeira e a última coleta). Q HMC positiva para Coxiella burnetti. Q Achado típico de endocardite presente no ecocardiograma: massa intracardíaca móvel na valva ou em estruturas subvalvares com jato regurgitante ou em material implantado na ausência de explicação anatômica, ou abscesso, ou nova deiscência parcial da prótese, ou nova regurgitação valvar. Q

Critérios menores: Febre acima de 38°C. Presença de condição valvar predisponente, ou seja, valva cardíaca prostética, ou lesão valvar com fluxo sanguíneo turbulento, ou regurgitação significativa, ou ainda abuso de droga endovenosa.

Q Q

265

ENDOCARDITE INFECCIOSA

Q

ENDOCARDITE INFECCIOSA

Q

Fenômenos vasculares, como embolização arterial, infarto pulmonar séptico, aneurisma micótico, hemorragia intracraniana, hemorragia conjuntival e lesão de Janeway. Q Fenômenos imunológicos, como glomerulonefrite, manchas de Roth na retina, nódulos de Osler em dedos, fator reumatoide positivo e HMC positiva que não se encaixa nos critérios maiores. Complicações. A frequência e o tipo de complicação têm mudado com o avanço do diagnóstico e do tratamento. Q

Q Q Q Q Q Q

Complicações cardíacas: falha da bomba cardíaca pode ocorrer em pacientes com insuficiência cardíaca secundária a dano valvar grave. O risco de abscessos perivalvares está aumentado em adolescentes usuários de drogas endovenosas. Podem raramente ocorrer pericardite ou fístulas cavitárias. Embolização: complicação comum da EI. Deve ser tratada com antiplaquetários. O risco se reduz com o tratamento antimicrobiano adequado. Complicações neurológicas: embolia cerebral, encefalopatia aguda, meningoencefalite, meningite, abscesso cerebral e convulsões. Aneurisma micótico. Doença renal: infarto renal, glomerulonefrite. Abscessos metastáticos: são raros. Podem ser renais, esplênicos, cerebrais ou de tecidos moles. Complicação muscular: osteomielite é rara.

Tratamento. O tratamento é realizado visando a erradicar o agente infeccioso com antibioticoterapia por 4-6 semanas. O tratamento empírico é feito em: Pós-operatório tardio de EI em valva nativa adquirida na comunidade: usa-se penicilina cristalina + gentamicina ou ceftriaxona + gentamicina. Em suspeita de Staphylococcus, deve-se associar oxacilina. Q EI nosocomial: pós-operatório recente ou cateter central; deve-se utilizar vancomicina + gentamicina. Q

O tratamento específico é realizado da seguinte maneira: EI por Streptococcus: penicilina cristalina ou ampicilina, por 4-6 semanas, associada à gentamicina por 5 dias. Q EI por Staphylococcus: oxacilina por 6 semanas e gentamicina por 5 dias. Q EI por Staphylococcus resistente à oxacilina: vancomicina por 6-8 semanas, associada à gentamicina por 5 dias. Q EI por Gram-negativo HACEK: ceftriaxona, ampicilina-sulbactam ou ciprofloxacino por 4-6 semanas. Q Em próteses: sendo o germe mais comum o Staphylococcus epidermidis, devese usar vancomicina + rifampicina. Q Fungos: anfotericina B por 8 semanas. Q

266

O tratamento cirúrgico deve ser realizado em: Q Abscessos valvares ou miocárdicos Q Embolia nas primeiras 21 semanas após o início do tratamento Q Insuficiência valvar aguda com insuficiência cardíaca (IC) que não responde ao tratamento clínico Q HMC positiva após a primeira semana de tratamento Profilaxia. Em 2007, a American Heart Association (AHA) publicou um novo guideline sobre profilaxia para EI que demonstrou evidências de que o benefício da profilaxia é limitado, porém tal guideline tem sido questionado. A recomendação da AHA limita a profilaxia a pacientes com condição cardíaca de alto risco para EI, contrariando o guideline de 2005, que recomendava a profilaxia também para pacientes de moderado e baixo risco. Pacientes de alto risco: Valvas cardíacas prostéticas História prévia de EI CC cianótica não corrigida CC corrigida cirurgicamente ou com intervenção por cateter 6 meses após o procedimento Q CC corrigida com defeitos residuais Q Valvulopatia em pós-transplante cardíaco Deve-se realizar profilaxia em: Procedimentos dentários: extração dentária e cirurgias dentárias. Profilaxia com amoxicilina, ampicilina e, em alérgicos, azitromicina ou clindamicina. Q Procedimentos do trato respiratório: cirurgias que envolvam a mucosa respiratória, como amidalectomia, adenoidectomia e fibrobroncoscopia com broncoscópio rígido. Profilaxia com amoxicilina, ampicilina. Q Procedimentos geniturinários: dilatação uretral, cistoscopia e, na vigência de infecção, sondagem uretral. Profilaxia com ampicilina + gentamicina e, em alérgicos, vancomicina + gentamicina. Q Procedimentos do trato de digestivo: endoscopia, dilatação esofágica, escleroterapia de varizes esofágicas, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica ou cirurgia do trato biliar. Profilaxia com ampicilina + gentamicina e, em alérgicos, vancomicina + gentamicina. Q Procedimentos em infecção de pele ou infecção musculoesquelética. Profilaxia com clindamicina ou vancomicina. Q

Regime de antibioticoterapia para profilaxia de procedimentos dentários e do trato respiratório:

267

ENDOCARDITE INFECCIOSA

Q Q Q Q

ENDOCARDITE INFECCIOSA

Q

Profilaxia-padrão: amoxicilina, 50 mg/kg, 1 hora antes do procedimento, sendo 2 g a dose máxima. Q Impossibilidade de via oral: ampicilina, 50 mg/kg, IM ou EV, 30 minutos antes do procedimento, sendo 2 g a dose máxima. Q Alergia à penicilina: clindamicina, 20 mg/kg, VO, 1 h antes do procedimento, sendo 600 mg a dose máxima, ou azitromicina, 15 mg/kg, sendo 500 mg a dose máxima. Q Alergia à penicilina e impossibilidade de via oral: clindamicina, 20 mg/kg, EV, sendo 600 mg a dose máxima, ou cefazolina, 25 mg/kg, IM ou EV, sendo 1 g a dose máxima. Regime de antibioticoterapia para profilaxia de procedimentos do trato gastrintestinal e geniturinário: Q Profilaxia-padrão: ampicilina, 50 mg/kg, + gentamicina, 1,5 mg/kg, IM ou EV, 30 minutos antes do procedimento, sendo a dose máxima de ampicilina 2 g e de gentamicina 120 mg e, ainda, ampicilina ou amoxicilina, 50 mg/kg, 6 horas após o procedimento, sendo 2 g a dose máxima de amoxicilina. Q Alergia à penicilina: vancomicina, 20 mg/kg, EV, 1-2 horas antes do procedimento, sendo 1 g a dose máxima, associada à gentamicina, 1,5 mg/kg, IM ou EV, 30 minutos antes do procedimento, sendo 120 mg a dose máxima. Ressaltamos, entretanto, que a decisão de indicar a profilaxia apenas para pacientes de alto risco é ainda uma recomendação recente, devendo o pediatra avaliar caso a caso.

REFERÊNCIAS Bayer AS. Infective endocarditis. Clin Infect Dis. 1993; 17(3):313-20. Berlin JA, Abrutyn E, Strom BL, Kinman JL, Levison ME, Korzeniowski OM, et al. Incidence of infective endocarditis in the Delaware Valley, 1988-1990. Am J Cardiol. 1995;76(12):933-6. Bonow RO, Carabello BA, Chatterjee K, de Leon AC Jr, Faxon DP, Freed MD, et al. ACC/ AHA 2006 guidelines for the management of patients with valvular heart disease. A report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing committee to revise the 1998 guidelines for the management of patients with valvular heart disease). J Am Coll Cardiol. 2006;48(3):e1-148. Carvalho MFC, Lucas E. Endocardite infecciosa. In: Lopez FA, Campo Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. p. 591-5. Sociedade Brasileira de Pediatria. Griffin MR, Wilson WR, Edwards WD, O’Fallon WM, Kurland LT. Infective endocarditis Olmsted County, Minnesota, 1950 through 1981. JAMA. 1985;254(9):1199-202. Hickey AJ, MacMahon SW, Wilken DEL. Mitral valve prolapse and bacterial endocarditis: when is antibiotic prophylaxis necessary? Am Heart J. 1985;109(3 Pt 1):431-5. Lepidi H, Coulibaly B, Casalta JP, Raoult D. Autoimmunohistochemistry: a new method for the histologic diagnosis of infective endocarditis. J Infect Dis. 2006;193(12):1711-7. 268

Lepidi H, Durack DT, Raoult D. Diagnostic methods: current best practices and guidelines for histologic evaluation in infective endocarditis. Infect Dis Clin North Am. 2002;16(12):33961, ix. Smith RH, Radford DJ, Clark RA, Julian DG. Infective endocarditis: a survey of cases in the South-East region of Scotland, 1968-1972. Thorax. 1976;31(4):373-9. Tleyjeh IM, Steckelberg JM, Murad HS, Anavekar NS, Ghomrawi HM, Mirzoyev Z, et al. Temporal trends in infective endocarditis: a population-based study in Olmsted County, Minnesota. JAMA. 2005;293(24):3022-8.

25.7

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Os distúrbios do ritmo cardíaco variam de benignos a ameaçadores à vida. Podem ser atribuídos a anormalidades de formação do impulso (automaticidade), propagação do impulso (bloqueios ou atrasos de condução), circuitos de reentrada ou a fatores anatômicos. Apresentação e avaliação. Deve-se suspeitar de arritmia quando a frequência cardíaca (FC) estiver abaixo ou acima de limites específicos (Tab. 25.7.1). Ao contrário dos adultos, nas crianças, as arritmias são mais comumente secundárias a uma doença grave, sobretudo as que cursam com acidose, choque ou hipoxemia.

Tabela 25.7.1 VALORES LIMITES DA FC CONFORME IDADE E ATIVIDADE Grupo etário

Limites – paciente acordado

Limites – paciente dormindo

Média normal

Menores de 3 meses 3 meses a 2 anos 2-10 anos Maiores de 10 anos

85-205 100-190 60-140 60-100

80-160 75-190 60-90 50-90

140 130 80 75

269

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

LÍVIA DA ROSA PAULETTO JANINE DEQUI DELIBERALI PATRICIA RODRIGUES LEMOS LUCIA CAMPOS PELLANDA

BRADICARDIA Ritmo que com mais frequência precede a parada cardíaca. A bradicardia está associada a condições como hipoxemia, hipotensão e acidose. É clinicamente significativa quando há sinais de má perfusão. Uma FC inferior a 60 batimentos por minuto (bpm) associada a má perfusão é indicação para iniciar compressões torácicas (exceto em recém-nascidos). Os sintomas são inespecíficos, como alteração do nível de consciência, tontura, cansaço, síncope; são mais evidentes quando há exigência de uma resposta cronotrópica ao exercício ou ao estresse; pode haver sinais de instabilidade hemodinâmica. A avaliação da bradicardia no eletrocardiograma é realizada considerando-se os dados apresentados na Tabela 25.7.2.

BRADICARDIA SINUSAL

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Achado incidental comum em pessoas saudáveis; resultado de baixa demanda metabólica ou aumento do débito cardíaco (p. ex., atletas). A causa mais comum de bradicardia sinusal sintomática é a hipoxia. Outras causas patológicas: distúrbios eletrolíticos, infecção, apneia do sono, efeito de drogas, hipoglicemia, hipotireoidismo, aumento da pressão intracraniana. A Figura 25.7.1 apresenta um exemplo de bradicardia sinusal.

Figura 25.7.1 Bradicardia sinusal.

Tabela 25.7.2 CARACTERÍSTICAS DA BRADICARDIA NO ELETROCARDIOGRAMA (ECG) FC

Lenta para idade

Ondas P

Visíveis ou não

Complexo QRS

Estreito ou largo

Ondas P e QRS

Podem estar relacionados ou não (p. ex., BAV)

270

BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR As características do bloqueio atrioventricular (BAV) de acordo com o tipo são apresentadas na Tabela 25.7.3. As Figuras 25.7.2, 25.7.3 e 25.7.4 apresentam exemplos de bloqueio de segundo e terceiro graus.

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Manejo do BAVT em paciente hemodinamicamente instável Q Atropina e/ou agentes adrenérgicos ou reanimação até que o implante do marcapasso possa ser realizado. Q Marcapasso temporário via transcutânea ou transvenosa. Q Todos os pacientes sintomáticos em resultado de um BAV deveriam ter um marcapasso permanente implantado. BAVT pós-operatório persistente e BAVT

Figura 25.7.2 BAV segundo grau – Mobitz tipo 1.

Figura 25.7.3 BAV segundo grau – Mobitz tipo 2.

Figura 25.7.4 BAVT. 271

272

– – – – – – – –

– – – –

– Resultado de lesão orgânica no sistema de condução – Raramente causado por tônus parassimpático aumentado ou drogas – Síndrome coronariana aguda

– Doença extensa do sistema de condução (em geral pós-operatória) – Infarto do miocárdio – BAV congênito – Miocardite – Aumento do tônus parassimpático ou efeito de drogas

Primeiro grau

Segundo grau – Mobitz tipo 1 (Wenckebach)

Segundo grau – Mobitz tipo 2

Terceiro grau – BAV total (BAVT)

Drogas (bloqueadores do cálcio, betabloqueadores, digoxina) Condições que simulem tônus parassimpático Infarto do miocárdio Pode ocorrer em pessoas saudáveis

Doença do nó atrioventricular (AV) intrínseca Tônus vagal aumentado Miocardites Distúrbios eletrolíticos (p. ex., hipercalemia) Infarto do miocárdio Drogas (bloqueadores do cálcio, betabloquadores, digoxina) Cardite reumática Pode ocorrer em pessoas saudáveis

Causa

Tipo

Tabela 25.7.3 BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR (BAV)

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Sem relação entre ondas P e QRS; os impulsos atriais não atingem os ventrículos; ritmo ventricular mantido por marcapasso subsidiário

Algumas ondas P (não todas) são conduzidas ao ventrículo (intervalo PR é tipicamente prolongado, mas constante); em geral, há um bloqueio 2:1

Prolongamento progressivo do PR até o bloqueio de uma onda P e repetição de toda a sequência

Intervalo PR prolongado

Características

Sintomático; mais frequente: – Fadiga – Pré-síncope – Síncope

Pode causar: – Palpitações – Pré-síncope – Síncope

Raramente causa tonturas

Assintomático

Sintomas

com QRS largo são situações de risco suficientes para indicação de marcapasso definitivo mesmo na ausência de sintomas.

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Tratamento. A avaliação e o tratamento da bradicardia com pulso, que causa comprometimento cardiorrespiratório é feita conforme apresentado na Figura 25.7.5.

Figura 25.7.5 Algoritmo de bradicardia do Pediatric Advanced Life Support – PALS. 273

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

EXTRASSÍSTOLES EXTRASSÍSTOLES SUPRAVENTRICULARES – ATRIAIS OU JUNCIONAIS Q Q

Podem cursar com QRS normal ou aberrante (Fig. 25.7.6). Podem ser bloqueadas na junção AV, resultando em pausa aparente (simulam bradicardia). Q São mais frequentes em neonatos, diminuindo sua incidência com a idade. Q Não predispõem a arritmias sintomáticas. Q O tratamento das extrassístoles supraventriculares (ESSVs) não é indicado.

EXTRASSÍSTOLES VENTRICULARES (ESVs) Q Q Q

QRS aberrante e prematuro não precedido por despolarização atrial (Fig. 25.7.7). Tipicamente seguidas de pausa compensatória completa. Marcadoras de doença subjacente. Isoladas, podem ocorrer em neonatos saudáveis e adolescentes. Predominam em FCs mais baixas e são suprimidas com o exercício. Q Não há indicação de tratamento de pacientes assintomáticos; em sintomáticos, o tratamento deve ser direcionado à causa. O prognóstico, na maioria dos casos, é excelente.

TAQUIARRITMIAS Representam uma variedade de ritmos anormais rápidos originados nos átrios ou nos ventrículos; podem ser uma resposta normal a condições de estresse ou

Figura 25.7.6 Extrassístole supraventricular.

Figura 25.7.7 Extrassístoles ventriculares típicas. 274

febre; podem causar comprometimento hemodinâmico ou não. Alguns ritmos podem levar a choque e deteriorar até parada cardiorrespiratória (PCR). Sinais e sintomas. São inespecíficos conforme a idade do paciente. Podem incluir palpitações, tonturas, fadiga e síncope. Em lactentes, a taquiarritmia pode não ser reconhecida por longos períodos, até que o débito cardíaco esteja gravemente comprometido. Os sinais cardinais de instabilidade são: falência respiratória, má perfusão/hipotensão, alteração do nível de consciência e colapso súbito. Quando a FC aumenta a níveis críticos, não há tempo suficiente para o enchimento diastólico, com consequente diminuição do débito cardíaco e da perfusão coronária, além do aumento da demanda miocárdica de oxigênio. Classificação. Ver Tabela 25.7.4.

TAQUICARDIA SINUSAL

TAQUICARDIA SUPRAVENTRICULAR Mais comumente causada por mecanismo de reentrada que envolve uma via acessória ou o sistema de condução AV; é a taquiarritmia que com maior frequência produz comprometimento cardiovascular na infância (Fig. 25.7.9 e Tabela 25.7.5). Tratamento Q Pacientes instáveis: algoritmo de taquicardia. Q Pacientes estáveis:

Tabela 25.7.4 CLASSIFICAÇÃO DAS TAQUIARRITMIAS QRS estreito (< 0,08 s ou “2 quadrados pequenos”)

QRS largo (> 0,08 s ou “2 quadrados pequenos”)

TS TSV Flutter atrial

TV TSV com condução aberrante

TS, taquicardia sinusal; TSV, taquicardia supraventricular.

275

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

É definida como uma FC maior que a habitual para a idade; é uma resposta fisiológica à demanda metabólica. Sofre interferência de fatores como choro, estresse, febre, dor, desidratação, hipovolemia. Existe variabilidade da FC com o tônus autonômico (Fig. 25.7.8).

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Figura 25.7.8 TS com FC = 125.

Figura 25.7.9 TSV iniciada por ESSV (seta).

– Manobras vagais (aplicação de água gelada na face, com luva ou saco plástico contendo gelo picado com água; massagem do seio carotídeo ou manobra de Valsalva, que pode ser realizada orientando-se a criança a soprar por um canudinho obstruído). – Adenosina: escolha para cardioversão medicamentosa em qualquer idade; produz bloqueio AV; bolus rápido de 0,1-0,2 mg/kg (máximo de 12 mg)

Tabela 25.7.5 CARACTERÍSTICAS DA TAQUIARRITMIA NO ECG FC

Variabilidade – tônus autonômico < 220 bpm em lactentes < 180 bpm em crianças

Ondas P

Normais

Intervalo PR

Constante, duração normal

Complexo QRS

Estreito

Intervalo R-R

Variável

276

FC

Sem variabilidade > 220 bpm em lactentes > 180 bpm em crianças

Ondas P

Ausentes ou anormais

Intervalo PR

Não visível ou PR curto

Complexo QRS

Estreito (90% dos casos)

Intervalo R-R

Constante



– –



em sistema de três vias, com flush de solução fisiológica após (meia-vida inferior a 10 s). Verapamil: apenas em maiores de 1 ano de idade, muito eficaz em adultos; produz bloqueio AV; dose de 0,1-0,3 mg/kg EV em 2 min; repetir após 30 min se necessário. Procainamida: eficaz; bloqueia a condução retrógrada pela via anômala; 5-15 mg/kg EV em 15 min. Digoxina: é uma opção se afastada a presença de Wolff-Parkinson-White e a possibilidade de taquicardia ventricular – TV (pode induzir fibrilação ventricular – FV); ataque: 40 μg/kg divididos em 3 doses: 20 μg/kg e, após, 10 μg/kg a cada 8 h. Amiodarona: impregnação tecidual lenta; ataque: 5-10 mg/kg EV em 1 h, pode ser repetida a cada 6 ou 12 h.

FLUTTER ATRIAL Caracterizado por circuito de reentrada atrial, o que permite que uma onda de despolarização se propague em círculo nos átrios, produzindo as ondas F (padrão de serra ao ECG); a frequência atrial é regular, em torno de 350-400/min (Fig. 25.7.10). Uma proporção constante desses estímulos é transmitida através do nó AV, resultando em despolarização ventricular com uma FC de 130-400 bpm, dependendo do grau de BAV. A frequência ventricular pode ser irregular. Pode haver trombo atrial. Tratamento. A cardioversão elétrica em geral tem sucesso; pode-se optar pela redução da frequência ventricular com digoxina, betabloqueador, bloqueador do cálcio ou pela conversão com amiodarona, procainamida, flecainida e sotalol. 277

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Tabela 25.7.6 CARACTERÍSTICAS DA TAQUICARDIA SUPRAVENTRICULAR NO ECG

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Figura 25.7.10 Flutter atrial.

Após a conversão, bloquear o nó AV pelo risco de recorrência (ablação, sotalol, amiodarona, marcapasso atrial antitaquicardia, cirurgia – técnica de Maze ou labirinto).

FIBRILAÇÃO ATRIAL Despolarizações atriais caóticas; pode ser secundária a doença aórtica e mitral, hipertireoidismo, cirurgia, miocardiopatias, Wolff-Parkinson-White. Os sintomas dependem da frequência ventricular, que varia de 80-150 bpm (Fig. 25.7.11). Tratamento Q Duração < 48 h – Controlar frequência ventricular – digoxina, esmolol, verapamil – Cardioversão elétrica – CVE (1-2 J/kg), procainamida EV, amiodarona, sotalol Q Duração > 48 h – Risco de trombo intra-atrial – Sintomas leves: bloquear nó AV e anticoagular por três semanas antes de converter – Sintomas graves: ecografia transesofágica para descartar trombo Q Prevenção de recorrência: ablação, sotalol, amiodarona

TAQUICARDIA VENTRICULAR Taquicardia de complexo QRS largo originada nos ventrículos. É incomum em crianças. A frequência ventricular pode variar de normal até 200 bpm (Fig. 25.7.12

Figura 25.7.11 Fibrilação atrial. 278

Figura 25.7.12 Taquicardia ventricular.

e Tab. 25.7.7). Em geral, há comprometimento do débito cardíaco; pode haver deterioração para TV sem pulso ou FV. Há associação com cardiopatias: cirurgia cardíaca, QT longo, miocardite, cardiomiopatia. Outras causas incluem distúrbios eletrolíticos (hipercalemia, hipocalcemia, hipomagnesemia) e toxicidade por drogas (tricíclicos, cocaína).

FIBRILAÇÃO VENTRICULAR É uma forma de parada cardíaca sem pulso, em que o coração não tem ritmo organizado nem contrações coordenadas. A atividade elétrica é caótica (Fig. 25.7.13). O coração não exerce a função de bomba. Em geral, é precedida por breve período de TV. FV primária é incomum em crianças. Causas de FV no ambiente pré-hospitalar incluem doença cardíaca subjacente, queimaduras elétricas, acidentes por submersão e trauma. A sobrevida em pacientes com FV como ritmo inicial de parada é maior que em pacientes com assistolia.

Tabela 25.7.7 CARACTERÍSTICAS DA TAQUICARDIA VENTRICULAR NO ECG FC

Ao menos 120 bpm e regular

Complexo QRS

Largo (> 0,08 s)

Ondas P

Não identificáveis; se presentes, podem estar dissociadas do QRS

Ondas T

Tipicamente têm polaridade oposta ao QRS

279

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Tratamento. A Figura 25.7.14 apresenta algoritmo de taquicardia com perfusão inadequada.

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Figura 25.7.13 Fibrilação ventricular.

Figura 25.7.14 Algoritmo de taquicardia do PALS. 280

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Tratamento. A Figura 25.7.15 apresenta algoritmos de parada cardiorrespiratória.

Figura 25.7.15 Algoritmo de parada sem pulso do PALS. 281

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

PRINCÍPIOS GERAIS DE TRATAMENTO INTERVENÇÕES AUTONÔMICAS Bradicardias sintomáticas causadas por BAV ou disfunção do nó sinusal (DNS) são responsivas a atropina, epinefrina e isoproterenol até que um marcapasso (MP) temporário esteja disponível. Cafeína e teofilina podem ser usadas. Estímulo vagal em TSV, como Valsalva ou manobra de imersão (gelo na face), produz BAV transitório suficiente para o término de taquicardias reciprocantes ou para a alternância da relação AV, permitindo o reconhecimento de outras taquicardias. Bloqueio beta pode ser útil para a supressão da taquicardia aguda. O estímulo beta (aumentando a FC e melhorando a repolarização) é útil no manejo da torsade de pointes induzida por drogas.

Tabela 25.7.8 AGENTES ANTIARRÍTMICOS – CLASSIFICAÇÃO (VAUGHAN – WILLIANS) Classe

Efeitos principais e indicações

Drogas

Classe I Bloqueadores dos canais de sódio

Reduzem a velocidade de condução no miocárdio.

Classe IA

Recuperação intermediária do bloqueio, o QRS é levemente prolongado em frequências normais e mais marcadamente em frequências mais altas. Há efeitos anticolinérgicos com prolongamento do QT (devido a bloqueio dos canais de potássio). Contribui para ação anti e pró-arrítmica.

Quinidina, procainamida, disopiramida

Classe IB

Recuperação rápida do bloqueio, há prolongamento do QRS apenas em frequências altas. QT pode estar pouco diminuído. Afetam mais o tecido ventricular que o atrial.

Lidocaína, fenitoína, mexiletina

Classe IC

Recuperação lenta do bloqueio, prolongamento do QRS mesmo em FCs normais. Potencial pró-arrítmico. Podem agravar a insuficiência cardíaca congestiva (ICC).

Flecainamida, propafenona, etmozina e encainida (Continua)

282

Tabela 25.7.8 (continuação) AGENTES ANTIARRÍTMICOS – CLASSIFICAÇÃO (VAUGHAN – WILLIANS) Efeitos principais e indicações

Drogas

Classe II Betabloqueadores

Inibem a condução no nó sinusal e nó Propranolol, atrioventricular, resultando em menor FC esmolol, e prolongamento do P-R. Efeitos protetores nadolol, em relação à isquemia ou tônus simpático. metoprolol Vários agentes, de ação curta (esmolol) ou prolongada e específicos para receptores β2 cardíacos (atenolol, nadolol, metoprolol). Úteis no tratamento de taquicardias reciprocantes usando o nó AV, síndrome do QT longo, taquicardias automáticas, arritmias de reperfusão. Outros agentes antiarrítmicos com propriedades de bloqueio β2 seletivas incluem o sotalol, amiodarona (classe III) e propafenona (classe IC).

Classe III Bloqueadores dos canais de potássio

Produzem prolongamento do QT e da duração do potencial de ação cardíaco. Atraso na repolarização com prolongamento do período refratário. A amiodarona também bloqueia, em algum grau, canais de sódio, canais de cálcio e receptores β2. Seu uso é complicado pela sua lenta captação tissular, início de ação e clearance, além de alta incidência de efeitos adversos. A amiodarona e o sotalol atrasam a condução AV. Preocupação: prolongamento excessivo do QT, principalmente se hipocalemia ou hipomagnesemia – torsade de pointes.

Amiodarona, sotalol, dofetilida

Classe IV Bloqueadores dos canais de cálcio

Deprimem a despolarização do NS e nó AV, prolongando o PR e diminuindo a FC. Lentificam a resposta ventricular nas taquicardias atriais pela inibição AV, mas não devem ser usados para esse propósito no Wolff-Parkinson-White (pois pode haver aumento da condução pela via anterógrada acessória durante fibrilação atrial). Podem deprimir a função miocárdica, reduzir a pressão arterial, a FC e aumentar o BAV, principalmente em lactentes.

Verapamil, diltiazem

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Classe

(Continua)

283

ARRITMIAS CARDÍACAS NA INFÂNCIA

Tabela 25.7.8 (continuação) AGENTES ANTIARRÍTMICOS – CLASSIFICAÇÃO (VAUGHAN – WILLIANS) Classe

Efeitos principais e indicações

Drogas

Outros – Digoxina

Prejudica a condução AV, tem ação inotrópica positiva, sendo usada como primeira linha para TSV em lactentes. Pode haver aumento da condução pela via anterógrada acessória durante fibrilação atrial em pacientes com WPW. Quando usada com outras drogas, deve ter sua dose reduzida (amiodarona, flecainamida, propafenona e verapamil); pode ter sua eficácia reduzida pela fenitoína.

Digoxina

Outros – Adenosina

Produz BAV transitório, permitindo que o NS assuma. Mesmo sem o término da arritmia, a alteração na relação AV fornece informações diagnósticas. Deve ser usada com cuidado em pacientes com DNS severa ou broncoespasmo.

Adenosina

CARDIOVERSÃO E DESFIBRILAÇÃO Realizar sob sedação; no paciente inconsciente, realizar manobras de reanimação até a descarga. Taquicardias organizadas: sincronizar a descarga elétrica para evitar FV secundária ao fenômeno R sobre T. Para cardioversão, usar de 0,5-2 J/kg. Para FV ou TV polimórficas, é necessário descarga não sincronizada (ou o choque atrasará enquanto aguarda um complexo QRS consistente). Usar 2-4 J/kg. Um registro de ECG deve ser realizado durante e após a descarga.

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatria. 17. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. Fish F, Kannankeril P. Disorders of cardiac rhythm and conduction. In: Allen HD, Driscoll DJ, Shaddy RE, Feltes TF, editors. Moss and Adams heart diseases in infants, children, and adolescents: including the fetus and young adults. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. Cap. 14. Garson A, Gillette P. Clinical pediatric arrhythmias. Philadelphia: Saunders; 1999. Ralston M, Hazinski MF, Zaritsky AL, Schexnayder SM, Kleinman M. Provider manual from pediatric advanced life support. Dallas: American Heart Association; 2006. 284

25.8

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

PATRICIA RODRIGUES LEMOS LUCIA CAMPOS PELLANDA JANINE DEQUI DELIBERALI LÍVIA DA ROSA PAULETTO

Etiologia. Em um grupo, encontram-se neonatos cujas condições adversas ao nascimento são responsáveis pela IC – caso da hipoxia ou isquemia por asfixia neonatal, doenças do trato respiratório (alto ou baixo), distúrbios metabólicos e infecciosos (miocárdicos ou sistêmicos), anemia grave (incompatibilidade Rh, transfusão feto-fetal gemelar). Em outro grupo, encontram-se os portadores de defeitos anatômicos no coração ou nos grandes vasos, que geram sobrecargas de volume ou pressão. Após o primeiro ano de idade, a IC pode, também, resultar de miocardiopatias, febre reumática, outras doenças vasculares do colágeno, endocardite e arritmias cardíacas graves (Tab. 25.8.1). Fisiopatologia. A IC é uma incapacidade no fornecimento adequado de oxigênio para o metabolismo tecidual. Quando isso ocorre, são desencadeados diversos mecanismos compensatórios, agudos e crônicos, para minimizar a redução de substrato energético tecidual (Fig. 25.8.1). Quando a insuficiência grave se instala agudamente, não há tempo suficiente para reequilíbrio, e a evolução, em geral, é para baixo débito cardíaco ou mesmo choque cardiocirculatório. Com evolução crônica, os mecanismos compensatórios tentam fornecer substrato mínimo para a subsistência, protegendo áreas metabolicamente críticas, como cérebro e miocárdio, em detrimento da circulação periférica e da demanda metabólica para o crescimento. Nos neonatos, os mecanismos compensatórios são menos eficazes pela maior demanda basal de substrato metabólico e de oxigênio. Além disso, ocorre pequena adaptação cardiocirculatória ao aumento das necessidades basais. O miocárdio neonatal encontra-se próximo do seu limite funcional. Neonatos são mais dependentes da frequência cardíaca (FC) elevada do que da pré-carga para manutenção do DC adequado. Quadro clínico Q História clínica. A história clínica, em geral, engloba irritabilidade, sudorese, dificuldade para alimentação, desconforto respiratório, aumento rápido do 285

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica na qual o coração mostra-se incapaz de manter a oferta sanguínea necessária às demandas metabólicas orgânicas basais e de crescimento. A função cardíaca depende da normalidade estrutural do coração, da contratilidade miocárdica e do ritmo. Por sua vez, a função circulatória ou cardiovascular depende da integração entre as funções cardíaca e vascular. O débito cardíaco (DC) é um indicador integrado da função cardiovascular.

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

Tabela 25.8.1 CAUSAS DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA Causas da IC

Exemplos

Comprometimento da função miocárdica (redução da função sistólica)

– – – –

Miocardites Miocardiopatias Alterações metabólicas Origem anômala da artéria coronária esquerda a partir da artéria pulmonar

Sobrecarga de trabalho imposto ao músculo cardíaco (pressórica ou volumétrica)



Cardiopatias congênitas com shunt esquerdadireita, que se manifestam de maneira gradual após a 2a ou a 3a semana de vida, depois do início da redução da pressão arterial pulmonar (acianogênicas: persistência do canal arterial, janela aortopulmonar, comunicação interventricular e fístulas arteriovenosas; cianogênicas: defeito do septo atrioventricular, truncus arteriosus e drenagem venosa anômala da artéria pulmonar) Obstrução nas vias de saída ventriculares (estenose aórtica, coarctação da aorta e estenose pulmonar) Hipertensão pulmonar primária e hipertensão persistente do recém-nascido Obstruções das vias de entrada ventriculares (estenose mitral, cor triatriatum e síndrome da hipoplasia do ventrículo direito)



– –

Redução do relaxamento ventricular (sobrecarga diastólica)

– – –

Miocardiopatias hipertróficas Taquiarritmias Fibrose miocárdica

peso pelo edema e, muitas vezes, palidez cutânea, redução da temperatura nas extremidades e perda do tônus muscular. O padrão alimentar do neonato é um dos pontos mais relevantes. O tempo de mamada aumentado, a necessidade de interrupção para descansar ou o desconforto respiratório associado à sudorese, mesmo em temperaturas amenas, são informações que necessitam ser investigadas. A congestão venosa sistêmica, responsável pela hepatomegalia, pela diminuição da motilidade gástrica e pela má absorção alimentar, provoca náuseas, vômitos e anorexia, contribuindo para a desnutrição proteico-calórica. 286

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

Figura 25.8.1 Fisiopatologia da insuficiência cardíaca congestiva.

Q

Exame físico – Taquicardia: a presença da terceira bulha pode refletir o fluxo aumentado através das valvas atrioventriculares por shunts esquerda-direita ou pelo enchimento rápido em um ventrículo pouco complacente, desaparecendo após a compensação do quadro. – Pressão arterial e pulsos periféricos: a hipotensão arterial global, aliada à redução na amplitude dos pulsos, à palidez cutânea e à hipotermia em extremidades pode refletir um estado de baixo débito sistêmico grave. No entanto, níveis pressóricos dentro da normalidade não são necessariamente indicativos de um débito cardíaco adequado; a elevação da resistência vascular sistêmica, secundária à função inadequada, pode estar sendo compensatória. Porém, a diminuição isolada de pulsos nos membros inferiores, muitas vezes com hipertensão nos superiores, levanta forte suspeita de coarctação da aorta. 287

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

– Alterações pulmonares: taquipneia e disfunção respiratória; na ausculta, podem ser encontrados estertores crepitantes ou sibilos decorrentes de edema intersticial. A cianose pode estar presente mesmo em cardiopatias que não tenham shunt direita-esquerda, somente pela acentuação do edema pulmonar e pelo comprometimento das trocas gasosas. – Hepatomegalia: é um dos sinais mais significativos de congestão venosa sistêmica. – Edema. Q Exames complementares – Raio X de tórax: pode demonstrar cardiomegalia nas situações de dilatação cardíaca por sobrecarga de volume ou dilatação secundária nas cardiopatias hipertróficas descompensadas. A silhueta cardíaca deve ser analisada considerando-se o formato específico das câmaras cardíacas, das veias cavas e do arco aórtico. Também deve ser analisado o tipo de vascularização pulmonar, global e segmentar, e a presença de congestão venosa. – Eletrocardiograma (ECG): não é um exame específico ou elucidativo na IC. Pode auxiliar no esclarecimento diagnóstico do defeito estrutural cardíaco ou de alguma arritmia que possa estar causando a IC. – Ecocardiograma: a função cardíaca global pode ser estimada por meio de índices, como fração de encurtamento e fração de ejeção ventricular esquerda, que variam diretamente com a pré-carga e a contratilidade, e inversamente, com a pós-carga. – Cateterismo cardíaco. – Holter – 24 horas. – Ressonância magnética cardíaca. – Cintilografia radioisotópica – Exames de sangue: gasometria, função tireoidiana, função renal e eletrólitos (hiponatremia por retenção hídrica; hipercalemia e hipocalcemia secundárias à acidose; hipocalemia, hipocloremia e elevação de bicarbonato sérico pela ação diurética). Classificação. A IC em crianças é classificada de acordo com o proposto por Ross (Tab. 25.8.2). Tratamento. O sucesso do tratamento da IC na criança depende do reconhecimento do defeito cardíaco específico e de suas consequências fisiológicas. Os princípios fundamentais do tratamento são melhorar a contratilidade cardíaca, diminuir a pós-carga e diminuir a ativação neuro-hormonal compensatória. Agravantes da IC devem ser rapidamente tratados (febre, arritmias e anemia). Deve ser avaliada a necessidade de correção cirúrgica ou cateterismo cardíaco para as lesões anatômicas cardíacas. Atenção deve ser dada para a nutrição do paciente, que necessitam de dieta hiperproteica e hipercalórica. Restrição hídrica e de sal precisam ser prescritas na presença de história de descompensação clínica por sobrecarga de volume. Evidências para o tratamento farmacológico da IC crônica na criança são escassas, sendo adaptadas de estudos em adultos. As medicações utilizadas são as seguintes: 288

Classe

Sintomas

I

Leve

– Assintomáticos – Noradrenalina plasmática normal

II

Leve

– Taquipneia leve ou sudorese ao mamar (no caso de lactentes) sem repercussão no ganho de peso – Dispneia ao realizar esforços (em crianças maiores) – Noradrenalina plasmática levemente aumentada

III

Moderada

– Taquipneia acentuada ou sudorese intensa ao mamar, aumento do tempo para mamar – Perda ponderal – Dispneia ao realizar esforços – Noradrenalina plasmática moderadamente aumentada

IV

Severa

– Taquipneia, retrações, sudorese em repouso – Noradrenalina plasmática muito elevada

Fonte: Ross e colaboradores (1987).

Q Q

Q Q

Q

Diuréticos (furosemida, hidroclorotiazida e espironolactona): diminuem a précarga. Inibidores da enzima conversora da angiotensina – IECA (enalapril e captopril): diminuem a hipertrofia, o estresse da parede e o remodelamento, e são especialmente efetivos por regurgitação valvar e shunts sistêmico-pulmonares, por reduzirem também a pós-carga. Bloqueadores dos receptores da angiotensina: podem ser utilizados nos casos em que o paciente tolera mal os IECAs. Betabloqueadores (carvedilol, propranolol, metoprolol, atenolol e esmolol): melhoram a fração de ejeção e a tolerância ao exercício. Utilizar somente em pacientes após otimização do tratamento clínico e compensação do quadro agudo. Monitorar cuidadosamente os pacientes; o uso deve ser cauteloso em asmáticos. Digoxina: na presença de disfunção ventricular severa e para controle da FC. Seu uso é menos indicado nos casos de shunt esquerda-direita, nos quais a contratilidade está preservada. 289

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA

Tabela 25.9.2 CLASSIFICAÇÃO DE ROSS PARA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA EM CRIANÇAS

MIOCARDITES E PERICARDITES

Conforme a evolução, avaliar a necessidade de ácido acetilsalicílico, anticoagulante oral, antiarrítmico, desfibrilador cardíaco implantável, ressincronização e transplante cardíaco.

REFERÊNCIAS Allen HD, Driscoll DJ, Shaddy RE, Feltes TF. Moss and Adam’s heart disease in infants children, and adolescents: including the fetus and young adults. 7th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. Keane JF, Lock JE, Fyler DC. Nada’s pediatric cardiology. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 2006. Kobinger MEBA. Avaliação do sopro cardíaco na infância. J Pediatr. 2003;79(Suppl 1):87-96. Ross RD, Daniels SR, Schwartz DC, Hannon DW, Shukla R, Kaplan S. Plasma norepinephrine levels in infants and children with congestive heart failure. Am J Cardiol. 1987 Apr 1;59(8):911-4. Santana MVT. Cardiopatias congênitas no recém-nascido: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Atheneu; 2005.

25.9

MIOCARDITES E PERICARDITES

REBECA SMARZARO WACHHOLZ PATRÍCIA MARTINS MOURA BARRIOS

MIOCARDITES Definição. A miocardite é uma condição que resulta da inflamação muscular. O dano miocelular provoca a disfunção do miocárdio, que leva à falha do funcionamento cardíaco, e, assim, à insuficiência cardíaca. Ao contrário dos adultos, a maioria das crianças com miocardite apresenta-se com doença aguda ou fulminante. Etiologia. As causas da miocardite são infecciosa, tóxica e autoimune. A etiologia infecciosa, especialmente a viral, é mais comum em crianças. Dentre os agentes virais, os mais prevalentes são o enterovírus (Coxsackie B) e o adenovírus. Epidemiologia. A incidência é desconhecida, pois a maioria dos casos pode ser assintomática. Estudos retrospectivos estimam a prevalência em 0,5 casos por 10.000 consultas às emergências pediátricas. Manifestações clínicas. O quadro clínico é variável, apresentando-se como agudo, fulminante ou crônico, e pode ser concomitante à pericardite.

290

Na miocardite viral classicamente há pródromos, como febre e mialgia, enquanto a miocardite autoimune vem acompanhada de sintomas da doença sistêmica. Na miocardite aguda há sintomas da falha da bomba cardíaca, como dispneia em repouso, anorexia, taquipneia, taquicardia e hepatomegalia. Nos casos de miocardite fulminante ocorre grave comprometimento hemodinâmico, como hipotensão, pulsos finos e má perfusão periférica, que pode evoluir para colapso cardíaco. Exame físico Taquipneia e retrações subcostais Terceira bulha e ritmo de galope podem estar presentes Hipotensão, pulsos finos, má perfusão e alteração do estado geral em miocardites aguda e fulminante Q Atrito pericárdico em miopericardite Q Q Q

Diagnóstico Raio X de tórax: cardiomegalia ou rxt normal. Pode haver congestão pulmonar. Eletrocardiograma (ECG): normal ou com inversão da onda T ou com taquicardia sinusal. Q Enzimas cardíacas: aumento de CKMB e troponina T por necrose miocárdica. Q Ecocardiograma: avalia disfunção ventricular e se há efusão pericárdica. Q Ressonância nuclear magnética (RNM): avalia localização e extensão da inflamação. Q Biópsia endomiocárdica: padrão-ouro para diagnóstico de miocardites. Etiologia Viral: Coxsackie A e B, citomegalovírus (CMV), herpes simples, vírus sincicial respiratório (VSR), HIV, vírus da hepatite C, vírus Epstein-Barr (EBV), parvovírus, influenza, pós-varicela, poliomielite e rubéola Q Bacteriana: meningococo, leptospirose, tuberculose e klebsiella Q Protozoário: Trypanossoma cruzi e toxoplasma Q Autoimune: febre reumática, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, colite ulcerativa e esclerodermia Q Drogas: sulfonamidas, fenilbutazona, ciclofosfamida, indometacina, tetraciclina, fenitoína, isoniazida, metildopa, dopamina Q Tóxica: veneno de escorpião Q Outras causas: sarcoidose e idiopática Q

Tratamento. Antes de definir-se o diagnóstico de miocadite, deve-se iniciar o tratamento para insuficiência cardíaca, que se baseia em monitoramento e suporte em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), redução da pré e pós-carga, uso de diuréticos e drogas inotrópicas, como dopamina, dobutamina e milrinona, visando a prevenir colapso circulatório em casos de miocardites agudas e fulminantes. Em casos de choque cardiogênico, podem ser necessárias sedação, entubação e ventilação mecânica para diminuir a demanda metabólica.

291

MIOCARDITES E PERICARDITES

Q Q

MIOCARDITES E PERICARDITES

Antiarrítmicos devem ser usados com cautela, pois o efeito inotrópico negativo pode agravar a insuficiência cardíaca. Terapia imunossupressora atua diretamente no dano provocado pelo vírus e na resposta imune à infecção, porém a resposta pode ser limitada. Corticoide deve ser usado em miocardite autoimune, pois nas demais miocardites o resultado é inconsistente. Imunoglobulina atua no mecanismo imunomediado da miocardite, porém sua recomendação é apenas para pacientes com miocardite aguda demonstrada por biópsia endomiocárdica e em etiologia autoimune. Prognóstico. É sabido que a evolução e o prognóstico dependem do grau de agressão do agente etiológico. Se a agressão for extensa, pode levar à morte por falência ventricular. Há limitações para estimar precisamente o prognóstico devido ao pequeno número de miocardites confirmadas por biópsia e à dificuldade para distinguir entre miocardites agudas e miocardites fulminantes. Na literatura, estima-se que a miocardiopatia dilatada é precedida por miocardite em 27-40%, e cerca de 25% das miocardites brandas cursam com recuperação total.

PERICARDITES As doenças do pericárdio se apresentam clinicamente por uma das quatro maneiras seguintes: Q Q Q Q

Pericardite fibrinosa aguda Efusão pericárdica sem maior comprometimento hemodinâmico Tamponamento cardíaco Pericardite constritiva Neste capítulo, serão abordadas a pericardite aguda e a constritiva.

PERICARDITE AGUDA A pericardite é uma manifestação comum em diversas doenças sistêmicas e pode ser a primeira manifestação de tais doenças. Etiologia. Neoplasias, tuberculose, infecções bacterianas, infecções virais, uremia, doenças autoimunes idiopáticas. Epidemiologia. Estudos demonstram que a prevalência pode chegar a 0,1% em pacientes hospitalizados e 5% em pacientes admitidos em emergências. Quadro clínico. Cursa com dor pré-cordial e atrito pericárdico. Deve-se suspeitar de pericardite se houver:

292

Q Q Q

Febre persistente em pacientes com efusão pericárdica Cardiomegalia sem etiologia definida Deterioração hemodinâmica sem etiologia após procedimentos cardíacos

Critérios diagnósticos. O diagnóstico é feito na presença de dois dos seguintes itens, lembrando que a ausência de efusão pericárdica não exclui pericardite. Q Q Q Q

Dor pré-cordial Atrito pericárdico ECG com elevação de ST e depressão de PR Efusão pericárdica

Diagnóstico Raio X de tórax: cardiomegalia ou rxt normal. ECG: supra de ST, podendo haver elevação do segmento PR nos primeiros dias com normalização posterior, e, após a fase inicial, inversão da onda T. Q Enzimas cardíacas: aumento moderado de CKMB; a troponina T pode estar aumentada em alguns casos, principalmente em miopericardites. Q Ecocardiograma: frequentemente é normal; permite avaliar se há tamponamento ou efusão pericárdica. Q Exames laboratoriais: há aumento de VSG e reação em cadeia pela polimerase (PCR). Q Investigação complementar: FAN, fator reumatoide, anti-HIV, Mantoux, hemocultura. Fatores de risco para hospitalização Sintomas subagudos com evolução de vários dias ou semanas Febre acima de 38,5°C e leucocitose Evidências sugestivas de tamponamento Efusão pericárdica ampla Imunossupressão Anticoagulação Falha de resposta após 7 dias de tratamento com anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) Q Aumento da troponina sugestivo de miopericardite Q Trauma agudo Q Q Q Q Q Q Q

Tratamento. Deve-se identificar se a etiologia é viral para implementar terapêutica específica. Em casos de pericardite idiopática ou viral, o tratamento visa a prevenir sequelas ou agravamento do quadro, como tamponamento ou constrição. Q

AINEs: AAS, indometacina e ibuprofeno. O fato de o paciente não responder a essa terapêutica em 7 dias sugere que a etiologia não é viral nem idiopática. Q Colchicina: estudos sugerem que previna a recorrência de pericardite viral ou idiopática.

293

MIOCARDITES E PERICARDITES

Q Q

MIOCARDITES E PERICARDITES

Q

Glicocorticoide: pode ser considerado o seu uso em pacientes com resposta refratária a AINEs. Está recomendado em pericardite aguda associada à doença do tecido conjuntivo, pericardite imunomediada e em pericardite urêmica. A pericardiocentese está indicada se houver:

Q Q Q

Moderado ou severo tamponamento Suspeita de pericardite tuberculosa, purulenta ou neoplásica Efusão pericárdica sintomática persistente

Prognóstico. O prognóstico é favorável em pericardite idiopática ou viral. Há evolução para tamponamento em casos de pericardite aguda ou idiopática em 5-28%. O tamponamento pode ocorrer em até 98% dos casos em pericardite neoplásica, tuberculosa ou purulenta. Cerca de 1% dos casos de pericardite idiopática evolui para pericardite constritiva. A recorrência varia de 15-30% em pacientes com pericardite idiopática aguda que não foram tratados com colchicina.

PERICARDITE CONSTRITIVA A pericardite constritiva resulta de uma perda da elasticidade do saco pericárdico, sendo que a cavidade pericárdica é obliterada. Não há aumento do retorno venoso com a inspiração. É tipicamente crônica, mas há as variantes subaguda, transitória e oculta. O exame patológico demonstra inflamação crônica e, em alguns casos, calcificações. A espessura pericárdica é normal em 80% dos casos. É importante diferenciá-la das seguintes patologias: Q

Tamponamento cardíaco: caracterizado pelo acúmulo de fluido pericárdico, podendo ser agudo ou subagudo. O espaço pericárdico é aberto, transmitindo variações respiratórias na pressão cardíaca, e o retorno venoso é aumentado. Q Pericardite efusiva-constritiva: coexiste com efusão pericárdica e usualmente com tamponamento. Achados comuns entre pericardite constritiva e tamponamento cardíaco: Q Q Q

Disfunção diastólica e fração de ejeção preservada Pulso paradoxal Aumento das pressões venosa central, pulmonar venosa e ventricular diastólica Q Hipertensão pulmonar Etiologia. As causas mais comuns são idiopática ou viral. As demais etiologias são pós-radioterapia, follow de cirurgias cardíacas, colagenoses e pós-infecciosas (tuberculose e pericardite infecciosa).

294

Quadro clínico Q Pulso paradoxal não é comum na ausência de fluido pericárdico. Q O sinal de Kussmaul, que é a distensão jugular durante a inspiração, pode estar presente, mas não serve para distinguir constrição severa de doença da valva tricúspide. Q Pode haver edema, ascite, hepatomegalia pulsátil, efusão pleural e caquexia. Diagnóstico Raio X de tórax: pode haver um anel calcificado ao redor do coração. ECG: não é específíco, podendo haver alterações do segmento ST e da onda T. Ecocardiograma: essencial para o diagnóstico, pois mede a espessura do pericárdio e avalia a constrição. Q Tomografia computadorizada (TC) de tórax: útil para demonstrar a espessura e a calcificação do pericárdio. Q RNM: visualiza o tecido fibroso, a espessura do pericárdio e a dilatação da VCI. Q Q Q

REFERÊNCIAS Bertog SC, Thambidorai SK, Parakh K, Schoenhagen P, Ozduran V, Houghtaling PL, et al. Constrictive pericarditis: etiology and cause-specific survival after pericardiectomy. J Am Coll Cardiol. 2004;43(8):1445-52. Camargo PR, Snitcowsky R, da Luz PL, Mazzieri R, Higuchi ML, Rati M, et al. Favorable effects of immunosuppressive therapy in children with dilated cardiomyopathy and active myocarditis. Pediatr Cardiol. 1995;16(2):61-8. Cameron J, Oesterle SN, Baldwin JC, Hancock EW. The etiologic spectrum of constrictive pericarditis. Am Heart J. 1987;113(2 Pt 1):354-60. English RF, Janosky JE, Ettedgui JA, Webber SA. Outcomes for children with acute myocarditis. Cardiol Young. 2004;14(5):488-93. Tatani SB, Carvalho ACC. Miocardiopatias. In: Lopez FA, Campo Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. p. 573-8. Sociedade Brasileira de Pediatria. Forcada P, Beigelman R, Milei J. Inapparent myocarditis and sudden death in pediatrics. Diagnosis by immunohistochemical staining. Int J Cardiol. 1996;56(1):93-7. Horowitz ESK. Cardiomiopatias. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 427-39. Ling LH, Oh JK, Schaff HV, Danielson GK, Mahoney DW, Seward JB, et al. Constrictive pericarditis in the modern era: evolving clinical spectrum and impact on outcome after pericardiectomy. Circulation. 1999;100(13):1380-6.

295

MIOCARDITES E PERICARDITES

Tratamento. A minoria dos pacientes com pericardite constritiva apresenta um quadro transitório e reversível; a maioria, portanto, necessita de tratamento cirúrgico – uma pericardiectomia.

Maisch B, Ristic AD. The classification of pericardial disease in the age of modern medicine. Curr Cardiol Rep. 2002;4(1):13-21. Mounts AW, Amr S, Jamshidi R, Groves C, Dwyer D, Guarner J, et al. A cluster of fulminant myocarditis cases in children, Baltimore, Maryland, 1997. Pediatr Cardiol. 2001;22(1):34-9. Spodick DH. Acute cardiac tamponade. N Engl J Med. 2003;349(7):684-90. Strikas RA, Anderson LJ, Parker RA. Temporal and geographic patterns of isolates of nonpolio enterovirus in the United States, 1970-1983. J Infect Dis. 1986;153(2):346-51. Towbin JA. Cardiomyopathies. In: Moller JH, editor. Pediatric cardiovascular medicine. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2000. p. 753-8.

MIOCARDITES E PERICARDITES

Troughton RW, Asher CR, Klein AL. Pericarditis. Lancet 2004; 363(9410):717-27.

296

CAPÍTULO 26

CIRURGIA PEDIÁTRICA 26.1

PRÉ-OPERATÓRIO

MÁRCIO ABELHA MARTINS JOSÉ CARLOS SOARES DE FRAGA

A avaliação pré-operatória de pacientes pediátricos tem evoluído muito nos últimos 20 anos devido aos novos conhecimentos médicos e aos custos cada vez maiores dos exames. Grande número de procedimentos são agora realizados ambulatorialmente, sendo que a minoria necessita de internação dos pacientes. Isso fez com que o preparo pré-operatório fosse realizado no consultório médico em vez de ser feito com a criança internada. Os objetivos do preparo pré-operatório são identificar e manejar doenças coexistentes à doença cirúrgica, bem como orientar e preparar a criança e os pais para a realização da cirurgia. O preparo psicológico difere de acordo com a idade da criança, mas, em geral, ela e os pais devem saber a indicação, os riscos e as complicações do procedimento a que a criança irá se submeter. No momento da indicação de cirurgia na criança, seja via internação ou ambulatorial, em procedimento de caráter urgente ou eletivo, deve-se estar atento às peculiaridades da idade e à afecção do paciente a fim de minimizar as consequências orgânicas e psicológicas do procedimento cirúrgico. Na avaliação pré-operatória, é necessário determinar as condições clínicas da criança e o perfil psicológico dela e dos pais. A condição clínica é determinada pela realização de história e exame físico detalhados. Na história, deve-se obter o motivo da avaliação cirúrgica, a presença de doenças ou cirurgias prévias, bem como a história familiar de alguma outra doença. No exame clínico, devem ser avaliadas as reações da criança e o seu estado nutricional, assim como examinar os sistemas respiratório e cardiovascular, abdome, genitália e períneo. É importante observar lesões de pele, tipo dermatites ou piodermites, que possam contraindicar um procedimento cirúrgico eletivo. Na presença de infecções de vias aéreas superiores, o ideal é aguardar no mínimo duas semanas após a melhora do quadro para agendar cirurgia eletiva. A observação das reações da criança e dos pais durante a anamnese e o exame físico, e especialmente após a confirmação da necessidade de procedimento cirúrgico, é importante, porque, às vezes, pode haver necessidade de uma

PRÉ-OPERATÓRIO

avaliação emocional antes do procedimento cirúrgico. No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), mantém-se uma relação muito próxima com o Serviço de Psicologia Cirúrgica, com discussão de todos os casos encaminhados e avaliados pela psicologia, procurando determinar o melhor momento para a realização de um procedimento cirúrgico eletivo. As crianças que necessitam de avaliação emocional pré-operatória são avaliadas por meio de consultas semanais com o Serviço de Psicologia, com preparo para o procedimento. O preparo pré-operatório, bem como a presença da psicóloga no momento da realização da cirurgia, tem diminuído muito o trauma psicológico decorrente da realização do procedimento. Em algumas crianças, dependendo de cada caso avaliado, pode ser necessária a realização de algum exame diagnóstico antes de definir a indicação da cirurgia. Além de exames específicos, em geral se solicita hemograma para todas as crianças que irão se submeter à cirurgia e provas de coagulação para crianças menores de 6 meses ou para aquelas que apresentam história prévia de sangramento não usual. Após definida a necessidade de procedimento cirúrgico, o cirurgião explica à criança e aos pais como este será realizado. Informações a respeito da anestesia, dos riscos, das complicações e dos cuidados da equipe médica com a analgesia trans e pós-operatória são detalhadas, bem como a necessidade de autorização por escrito dos pais para a realização da cirurgia na criança (consentimento informado). É preferível a realização de desenho, a fim de fornecer detalhes da cirurgia em uma linguagem adequada à compreensão da criança. Como normalmente os procedimentos cirúrgicos realizados em crianças são sob anestesia geral, é fundamental a orientação de jejum antes da cirurgia. Nada por via oral (NPO, nil per os) tem como objetivo orientar o tempo mínimo de horas de jejum, a fim de prevenir vômitos na indução anestésica e consequente aspiração pulmonar maciça e/ou pneumonias de aspiração. A Tabela 26.1.1 discrimina o tempo de jejum de acordo com a idade da criança e o tipo de alimento ingerido. Os cuidados pré-operatórios específicos devem levar em consideração basicamente a faixa etária dos pacientes e o tipo de cirurgia. De acordo com a idade, os procedimentos cirúrgicos podem ser realizados em recém-nascidos (RNs), lac-

Tabela 26.1.1 JEJUM POR FAIXA ETÁRIA Idade (meses)

Leite/sólidos

Líquidos claros

36

8h

3h

298

tentes, pré-escolares, escolares e adolescentes. A seguir, serão descritos os principais cuidados de algumas doenças específicas que ocorrem mais comumente em determinadas faixas etárias.

RECÉM-NASCIDOS

CUIDADOS BÁSICOS DO RN Aqueles que apresentam patologias no tubo digestivo e/ou não evacuam, portanto na maioria incapazes de serem alimentados, deveriam iniciar soro de manutenção com glicose 10%, não sendo necessário sódio no primeiro dia de vida. Monitoração da hidratação. O RN pode perder até 10% do peso de nascimento e, em geral, começa a recuperá-lo após 7 dias de vida. A diurese nas primeiras 24h é de 1-3 mL/kg/h, com densidade urinária de 1.005-1.010. Controles de sódio, potássio e hematócrito, se necessários, podem ser realizados, mas a dosagem de ureia e creatinina nas primeiras 24h correspondem aos índices maternos. No PIG e/ou pré-termo, a reposição hídrica deve ser alterada de acordo com as condições em que se encontra o paciente: Q

Condições de restrição: edema, insuficiência cardíaca, meningite, distúrbio respiratório grave, ganho de peso nos primeiros três dias de vida, diurese ≥ 4 mL/kg/h, densidade urinária < 1.005. Q Condições de aumento da oferta: fototerapia, sódio plasmático elevado, gastrenterocolite, desidratação, calor irradiante, densidade urinária > 1.010, fístulas, ostomias, obstrução intestinal, perdas por sondas e drenos, gastrosquise. Bilirrubinas. Índices > 10 mg/dL de bilirrubina indireta podem interferir na cicatrização cirúrgica na primeira semana de vida. Cirurgias eletivas devem aguardar 299

PRÉ-OPERATÓRIO

O prematuro tem maior tendência à síndrome do desconforto respiratório (deficiência de surfactante e imaturidade alveolar), icterícia por imaturidade hepática no metabolismo das bilirrubinas, maior perda insensível de água (maior superfície corpórea e pouco subcutâneo) e hipocalcemia por falta do depósito no final da gestação. O PIG (pequeno para idade gestacional) tem maior frequência de aspiração meconial e pneumonia por deficiência imunológica, de hipoglicemia devido ao baixo teor de glicogênio hepático e de policitemia, que dificulta o fluxo capilar. O GIG (grande para idade gestacional), geralmente filho de mãe diabética, apresenta maior tendência à hipoglicemia. O RN de maior risco é aquele que, além de prematuro, é PIG, em geral com menos de 1.500 g ao nascer, com altíssimo risco cirúrgico. Naqueles com necessidade de procedimentos cirúrgicos eletivos, como herniorrafia inguinal, deve-se, se possível, postergar a cirurgia até a criança atingir o peso de 2 kg.

redução desses níveis; nos casos de obstrução intestinal, os níveis de bilirrubina estão mais elevados devido ao ciclo êntero-hepático das bilirrubinas. Aquecimento. O berço aquecido e a incubadora são fundamentais durante a manipulação do RN, assim como no transporte entre áreas hospitalares. No centro cirúrgico, devem ser utilizados colchões térmicos ou mantas, com enfaixamento de membros e touca na cabeça; lembrar também de aquecer as soluções usadas na antissepsia. Antibióticos. Com cobertura de germes de pele como Gram-positivos, além de germes Gram-negativos. A escolha do antibiótico deve ser realizada pelo neonatologista e pelo cirurgião, sempre que possível em conjunto. Malformações. A grande maioria das afecções cirúrgicas são malformações que podem ter associações. É importante sempre determinar a necessidade da realização pré-operatória de ecografias cardíaca, urinária ou abdominal. Lembrar que as malformações são quatro vezes mais frequentes em RNs de mães diabéticas.

PRÉ-OPERATÓRIO

Complicações do RN. Hipoglicemia, hipocalcemia, hipomagnesemia, trombose de veia renal e doença hemorrágica do RN, todas com potencial para aumentar os riscos cirúrgicos e anestésicos. Elas devem ser corrigidas antes do procedimento cirúrgico.

AFECÇÕES CIRÚRGICAS COMUNS NO RN Higromas e hemangiomas. Deve haver cuidados com a compressão das vias aéreas nas lesões cervicais e alterações hemodinâmicas ou ainda de discrasias sanguíneas (síndrome de Kasabach-Merritt). Extrofia vesical. Realizar proteção da placa vesical com compressas umedecidas e pesquisa de malformações do trato urinário, além de radiografia pélvica para avaliar a distância da diástase púbica (avaliação ortopédica). Hipospádias ou anomalias da diferenciação sexual. Nunca dar alta hospitalar sem diagnóstico e definição do sexo, e nunca registrar a criança antes da definição do sexo. É importante a reunião multidisciplinar do neonatologista com as especialidades envolvidas no atendimento dessas crianças: genética, endocrinologia infantil, psicologia e urologia pediátrica. Atresia de esôfago. Posicionar o RN em decúbito elevado, no mínimo 45°, com aspiração contínua de coto proximal ou superior. Caso seja atresia de esôfago sem fístula (ausência de ar no tubo digestivo em radiografia do abdome), a posição ideal é a de Trendelenburg. Nos casos de RNs com atresia de esôfago com fístulas de alto débito, se houver necessidade de entubação, a ponta do tubo deve ser posicionada abaixo da fístula, para diminuir a distensão gástrica e o risco de perfuração. No esofagograma pré-operatório, é importante que seja usado contraste baritado, com volume não superior a 0,5 mL, o suficiente para contrastar apenas o 300

fundo do segmento atrésico, evitando o risco de aspirações de contraste para a via aérea. O ecocardiograma é fundamental na definição do momento da cirurgia, além de ajudar a definir a posição do arco aórtico (95% à direita). Isso é importante, já que a toracotomia é realizada no lado contralateral do arco aórtico. Obstruções congênitas do tubo digestivo. É mandatória a descompressão gástrica com sonda calibrosa (no 8 ou 10), evitar a desidratação e distúrbios hidreletrolíticos e, sempre que possível, proteger as vias aéreas da possibilidade de aspirações. Onfalocele e gastrosquise. Pesquisa de malformações associadas é fundamental nos RNs com onfalocele. Manter sonda nasogástrica aberta em ambas as anormalidades. Na gastrosquise, ensacar o conteúdo eviscerado com compressas secas e estéreis, com cuidado para não haver torção do mesentério.

Nesse grupo de crianças, é importante a realização de história e exame físico cuidadosos. Ênfase nos antecedentes familiares, cirúrgicos e anestésicos, bem como em processos alérgicos e respiratórios. O hemograma é útil para avaliar a quantidade de hemoglobina. Antigamente se usava como parâmetro para a anestesia hemoglobina ≥ 10 mg/dL; atualmente esse número não é mais valorizado, podendo a cirurgia ser realizada com valores inferiores, dependendo das condições do paciente e do tipo de cirurgia. O exame de coagulação tem baixa sensibilidade e deve ser solicitado somente em crianças menores ou com alguma história pessoal ou familiar de sangramento. As infecções de vias aéreas superiores aumentam em cinco vezes a incidência de laringoespasmo e em 10 vezes de broncoespasmo, devendo-se, de preferência, postergar qualquer procedimento cirúrgico eletivo. Nas rinorreias, mesmo que claras, deve-se avaliar a criança cuidadosamente no dia da cirurgia. Crianças com hiper-reatividade brônquica (asma) e em recuperação de bronquiolite devem aguardar de 2-3 semanas e, de preferência, serem avaliadas pelo pediatra antes do procedimento cirúrgico. Lembrar que muitos desses pacientes necessitarão de anestesia com entubação traqueal (laparotomia, toracotomia ou videocirurgia) e, muitas vezes, em caráter de urgência. Às vezes, dependendo da extensão da cirurgia, haverá necessidade de reserva de sangue (CHAD) de 10-20 mL/kg, seja pelo risco aumentado de sangramento ou por anemia prévia em uma cirurgia de médio a grande porte. Deve-se dar especial atenção às lesões cutâneas, que aumentam o risco de infecção de ferida operatória e deiscência desta, não se justificando fazer procedimento eletivo na presença de escabiose, impetigo, candidíase ou dermatites na área a ser operada, principalmente quando estes estão presentes nas afecções inguinoescrotais. As afecções mais comuns nessa faixa são hérnia inguinal, criptorquia, estenose hipertrófica do piloro, obstruções intestinais, invaginação intestinal, anomalias urinárias até então não diagnosticadas e empiema e derrames pleurais complicados. 301

PRÉ-OPERATÓRIO

AFECÇÕES CIRÚRGICAS MAIS COMUNS NOS LACTENTES

AFECÇÕES CIRÚRGICAS MAIS COMUNS EM PRÉ-ESCOLARES E ESCOLARES

PRÉ-OPERATÓRIO

Também há necessidade de especial atenção na história e exame físico nos procedimentos eletivos. Nessa faixa etária predominam as urgências e os traumas, em que o risco e o benefício devem ser sempre levados em conta pelo cirurgião e pelo pediatra. As urgências mais frequentes são os abdomes agudos inflamatórios (apendicite aguda), o escroto agudo e as neoplasias. A presença e a participação familiar são fundamentais a fim de estreitar a relação de confiança, desmitificar alguns medos e tornar real o entendimento dos riscos e benefícios de uma intervenção cirúrgica. Especialmente nessa faixa etária, a criança não deve ser deixada de fora dos fatos: ela deve saber o que vai acontecer, seja por meio de uma conversa ou de explicações com bonecos e desenhos. O importante é tratar a criança de acordo com sua idade cronológica e psíquica. Uma atenção especial deve ser dada à criança pré-escolar do sexo feminino, já que o diagnóstico diferencial pré-operatório é importante nos casos de abdome agudo. É importante obter o histórico menstrual e sexual, pois patologias anexiais e vulvovaginais podem simular abdome agudo cirúrgico. Isso evita laparotomias desnecessárias ou mesmo exames invasivos com irradiações desnecessárias, como as observadas nas tomografias computadorizadas.

AFECÇÕES CIRÚRGICAS MAIS COMUNS NO ADOLESCENTE Nessa faixa etária também predominam as urgências e o trauma. A urgência mais frequente é o abdome agudo inflamatório (apendicite aguda). A doença inflamatória intestinal (colite ulcerativa e doença de Crohn) é mais comum nessa faixa de idade. Também é a idade ideal para a correção cirúrgica dos defeitos congênitos graves da cavidade torácica (pectus carinatum e excavatum). É importante estar atento para os distúrbios emocionais típicos dessa faixa de idade, que podem aparecer ou mesmo intensificar-se no momento da realização de qualquer cirurgia.

REFERÊNCIAS Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica. 2. ed. São Paulo: Revinter; 2003. v. 1. Martins JL, Cury EK, Pinus J. Temas de cirurgia pediátrica. São Paulo: Atheneu; 1997. Mastroti RA, Chiara NV. Clínica cirúrgica e urológica em pediatria. São Paulo: Editoria; 1997. Souza JCK. Cirurgia pediátrica: teoria e pratica. São Paulo: Rocca; 2008.

302

26.2

ALTERAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL

EDUARDO CORRÊA COSTA JOSÉ CARLOS SOARES DE FRAGA

GASTROSQUISE E ONFALOCELE Definição Q Gastrosquise: é um defeito da parede abdominal localizado à direita e lateralmente ao cordão umbilical intacto. As estruturas evisceradas não são cobertas por saco peritoneal. Q Onfalocele: é uma alteração da parede abdominal em que as vísceras saem por meio da base do cordão umbilical, herniando para dentro de um saco (âmnio e peritônio). Embriologia Gastrosquise: defeito resultante de uma ruptura na base do cordão umbilical em uma área enfraquecida pela involução prematura da veia umbilical direita. Q Onfalocele: falha na fusão central das quatro pregas abdominais (duas laterais, uma caudal e uma cefálica). Epidemiologia Onfalocele e gastrosquise: 1:3.000 nascidos vivos Estudos mais recentes demonstram que a gastrosquise é mais comum do que a onfalocele, especialmente pela diminuição da idade materna Q Predisposição sexual: – Gastrosquise: 1:1 – Onfalocele: meninos – 1,5-2:1 Q Prematuridade: – Gastrosquise: 50-65% – Onfalocele: 10-15% Q Fatores de risco (gastrosquise): – Idade materna < 20 anos – Primípara – Baixo nível escolar e social – Abuso de drogas (tabaco, álcool, cocaína) – Aspirina, ibuprofeno, pseudoefedrina, acetaminofen Q Q

Anomalias congênitas associadas Gastrosquise: somente 15% dos pacientes apresentam alguma malformação, sendo que, destes, três quartos dos casos são malformações intestinais; entre elas, estenose, atresia e perfuração intestinal, geralmente consequência da isquemia mesentérica provocada pelo estrangulamento, tração e volvo do mesentério. É importante lembrar que esses pacientes apresentam vícios de não rotação intestinal.

Q

303

ALTERAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL

Q

Q

Onfalocele: esses pacientes apresentam uma maior associação com malformações, podendo chegar até mais de 50% dos casos. Podem ser estruturais ou cromossômicas. Entre as estruturais, as mais frequentes são as cardiovasculares (20%), mas existem também as de tubo neural, divertículo de Meckel e musculoesqueléticas. Já as cromossômicas são responsáveis por 15-20%, sendo as mais frequentes: trissomias 13, 15, 18, 21; síndrome de BeckwithWiedemann; pentalogia de Cantrell; extrofia de cloaca.

Ecografia pré-natal. Após a 13a semana gestacional, é possível visualizar o defeito da parede abdominal. Também é importante para verificar os possíveis defeitos estruturais associados. É indicado manter-se um acompanhamento ecográfico. Existe a recomendação de que pacientes que têm o diagnóstico pré-natal devem ser encaminhados ainda in utero para um centro terciário.

ALTERAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL

Tipo de nascimento. Apesar da tendência de submeter à cesariana as gestantes cujo diagnóstico pré-natal indica a presença de malformação da parede abdominal anterior, só deve ser evitado o parto vaginal nas pacientes com indicações obstétricas para isso: onfalocele com fígado extracorpóreo e gastrosquise com complicações. Manejo pós-natal imediato Q Gastrosquise: receber o recém-nascido (RN) em um ambiente asséptico e aquecido, envolver o intestino exteriorizado em compressas secas e esterilizadas; assim que possível, envolvê-lo em bolsa plástica estéril; transferir o paciente para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal; passar sonda nasogástrica (SNG) para evacuar ar e líquidos intestinais; iniciar com antibiótico de amplo espectro, hidratação adequada e agressiva (2-3× a manutenção); providenciar e preparar a correção cirúrgica. Q Onfalocele: manejo local do defeito similar ao da gastrosquise. Necessita de uma reposição hídrica menor que a gastrosquise (1,5× a manutenção). Por não se tratar de uma urgência cirúrgica como a gastrosquise, deve-se realizar toda a investigação em busca das malformações potencialmente associadas antes do procedimento cirúrgico (Tab. 26.2.1). Tratamento cirúrgico Q Gastrosquise: geralmente consegue-se fechamento primário. Pode-se aumentar o defeito aponeurótico para facilitar a entrada das alças intestinais. Utilizase o streching, que é a distensão da parede abdominal para aumentar o tamanho da cavidade abdominal e permitir a redução do conteúdo exteriorizado. O uso de enemas com solução fisiológica via retal esvazia o conteúdo do cólon e facilita a redução. Após fechamento da parede abdominal, são avaliadas as condições clínicas do RN, como restrição da ventilação, perfusão dos membros inferiores e medida da pressão intra-abdominal. Se a última estiver < 18 mmHg, pode-se realizar o fechamento primário do defeito da parede abdominal. Quando não se consegue atingir esses parâmetros, lança-se mão do tratamento estagiado com silo. O silo corresponde a uma tela de silicone 304

Gastrosquise

Onfalocele

Tamanho

Pequenos (< 4 cm)

Grandes

Posição

Lateral, à direita do umbigo

Central

Cobertura

Ausente

Fusão âmnio/peritônio

Condição das alças

Intensa serosite (geralmente)

Protegidas do líquido amniótico

Defeitos associados

Intestinais

Estruturais e cromossômicos

Prematuridade

Sim

Menos associada

Baixo peso

Sim

Menos associado

fixada na aponeurose envolvendo as alças, que serão gradualmente reduzidas na UTI neonatal, com posterior fechamento da cavidade abdominal. Q Onfalocele: quando temos um defeito pequeno ou médio, normalmente o fechamento primário é possível, como na gastrosquise, sendo necessário remover previamente o saco que recobre as alças. Os defeitos maiores que não puderem ser corrigidos com fechamento primário podem ser tratados com silo ou fechamento estadiado, que corresponde ao fechamento da pele sem fechamento da aponeurose abdominal, criando uma hérnia ventral, postergando-se o fechamento da cavidade abdominal para 6-12 meses. Nos RNs que estão hemodinamicamente instáveis para se submeterem à anestesia e correção cirúrgica, pode-se usar a sulfadiazina de prata no saco para produzir uma epitelização deste, sendo possível o fechamento posterior. Essa técnica está em desuso. Manejo pós-operatório. A maioria dos RNs necessita de ventilação mecânica com sedação e relaxante muscular. Em geral, esta pode ser suspensa em 48-72 horas. A hidratação deve se manter de forma adequada. O uso de antibióticos deve ser mantido por 72 horas após o fechamento. A nutrição parenteral somente será interrompida após boa aceitação via oral; sabe-se que o íleo normalmente é mais prolongado, podendo chegar a seis semanas nas gastrosquises e em torno de cinco dias nas onfaloceles. Está indicado o uso de alimentação trófica, para estimular o intestino ao contato com dieta. 305

ALTERAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL

Tabela 26.2.1 COMPARAÇÃO ENTRE GASTROSQUISE E ONFALOCELE

Prognóstico. A mortalidade na onfalocele varia de 5-30%, sobretudo devido às malformações associadas. Já em crianças com gastrosquise, a mortalidade é de 4-6%. O refluxo gastresofágico pós-operatório chega a 50%. Há grande associação de gastrosquise com intestino curto pelo encurtamento anatômico.

HIDROCELE E HÉRNIA INGUINAL Definição Q Hidrocele: acúmulo de líquido peritoneal dentro da túnica vaginal. Pode ser não comunicante, quando há somente líquido residual, ou comunicante, quando há persistência do conduto peritoneovaginal. Q Hérnia inguinal: saída de víscera ou conteúdo do abdome por meio de persistência do conduto (indireta) ou defeito da parede (direta). Pode ser completa (inguinoescrotal), quando há contato com a túnica vaginal do testículo, ou incompleta, quando não há contato com a túnica. Epidemiologia Prevalência: 0,8-4,4% – Prematuros (< 1.000 g): 5-25% Q Mais comum em meninos (6-8:1) Q Lado: – Direito: 60% – Esquerdo: 30% – Bilateral: 10% • Prematuros: 40% Q Maioria: hérnia inguinal indireta Q Hérnia inguinal direta: 0,5% Q Hérnia femoral: 0,2% Q 15% das crianças com hérnia encarceram – 70% no primeiro ano de vida Q Meninas: 15-20% hérnia deslizada – 50%: ovário – 12%: tuba uterina – 15%: ovário e tuba uterina

ALTERAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL

Q

Quadro clínico. Os pais ou responsáveis buscam atendimento por abaulamento na região inguinoescrotal, geralmente aos esforços e facilmente redutível. Quando não é possível visualizar ou palpar essa massa, pode-se palpar o espessamento do cordão espermático, sinal da seda de Gross. Sempre que, no exame físico, não forem evidenciados os sinais de hérnia inguinal, o paciente deve ser avaliado novamente em outra ocasião, pois a taxa de ausência de hérnia inguinal na exploração cirúrgica pode chegar até 12%, se levarmos em consideração somente a história clínica relatada pelos pais.

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Tratamento. A indicação é de correção cirúrgica no momento do diagnóstico, pelo alto índice de encarceramento. As exceções são a hidrocele não comunicante, em que o líquido pode ser reabsorvido espontaneamente em até 18-24 meses; quando a criança apresenta alguma doença aguda intercorrente que impeça a cirurgia, e os RNs internados com menos de 2 kg. A correção cirúrgica ocorre por meio de uma inguinotomia, em que é realizada a ligadura alta do saco herniário, tendo em vista que, na grande maioria dos casos, há somente hérnia inguinal indireta. Nos casos especiais, pode-se realizar outras técnicas, como o reparo à Marcy, nos casos em que o anel inguinal interno está alargado; sutura do saco herniário em bolsa, em hérnias deslizadas; reparo à McVay nas hérnias femorais; reparo à Bassini, McVay ou uso de tela de Marlex nas hérnias inguinais diretas. Sempre salientando que o uso de material protético em crianças é temerário por não acompanhar o crescimento do paciente. Um ponto sempre controverso é a exploração contralateral da hérnia inguinal. Existem algumas situações em que a indicação é justificada, como nos pacientes com aumento da pressão abdominal, nos prematuros, nos pacientes com risco anestésico aumentado e naqueles com doenças hematológicas. Apesar de ser considerada uma cirurgia ambulatorial, nos RNs que ainda não completaram 45 semanas pós-concepção, opta-se por mantê-los internados por 24 horas devido ao risco aumentado de apneia. Em alguns casos, a cirurgia deve ser apressada: após a redução de um encarceramento, pois o risco de recidiva é de 40%, e nas meninas que apresentam o ovário encarcerado dentro do saco herniário. Assim como em adultos, tem aumentado o número de herniorrafias por videolaparoscopia. Ainda é muito polêmico esse tipo de abordagem na criança, com relação a seus benefícios e complicações, especialmente por haver necessidade de um maior tempo de seguimento pós-operatório. Complicações. O encarceramento, que é o aprisionamento do conteúdo abdominal dentro do saco herniário, é a complicação mais frequente. Felizmente, em 80% dos casos, é possível reduzir o conteúdo encarcerado. Essa redução é realizada com a sedação e analgesia do paciente, elevação dos membros inferiores e compressão gentil e constante da massa. Se houver sucesso, o ideal é manter o paciente

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ALTERAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL

Na hidrocele, é sempre importante realizar a transiluminação da bolsa escrotal para descartar a presença de tumores sólidos que possam ser a causa desse acúmulo de líquido, principalmente se apresentar-se de forma abrupta e nunca ter sido notada. Outra causa seria o trauma da bolsa escrotal. Deve-se ressaltar que algumas doenças estão mais associadas com a hérnia inguinal, seja por aumento da pressão abdominal, alteração do colágeno ou pela própria embriogênese; são elas: criptorquidia, fibrose cística, pacientes com derivação ventriculoperitoneal, malformações pélvicas (extrofias), síndrome de Hunter, síndrome de Ehlers-Danlos, anomalias da parede abdominal e luxação congênita de quadril.

sob supervisão e esperar em torno de 24-48 horas para submetê-lo à correção cirúrgica. Nos casos de insucesso, deve-se operar o paciente imediatamente. Nos casos de estrangulamento, nos quais, além do aprisionamento, existe ainda sofrimento isquêmico do conteúdo abdominal, em alguns casos – em torno de 1,4% – é necessário submeter o paciente à ressecção intestinal. É importante ressaltar que, se levarmos em consideração a relação do saco herniário com o cordão espermático, outra complicação do encarceramento é a lesão vascular do testículo, que pode levar à atrofia testicular. Essa é a complicação mais comum de hérnia inguinal encarcerada no menino. Felizmente a taxa de recorrência após a correção cirúrgica é baixa (1%). Devese salientar que essa recorrência pode estar relacionada à prematuridade, encarceramento, distúrbios do colágeno ou má técnica operatória.

HÉRNIA UMBILICAL

ALTERAÇÕES DA PAREDE ABDOMINAL

Definição. Protrusão do conteúdo abdominal pelo defeito de fechamento do anel na cicatriz umbilical. Epidemiologia. Em torno de 20% dos RNs a termo apresentam fechamento incompleto. Em 80% dos casos ocorre o fechamento completo do anel umbilical. Em prematuros com baixo peso (1-1,5 kg), encontra-se uma incidência de até 85%. Entre os pacientes negros, a incidência é de 40%. Quadro clínico. Geralmente o paciente chega referindo protrusão assintomática da hérnia umbilical. Raramente apresenta-se com encarceramento. Entre os mitos ligados à hérnia umbilical, encontra-se o uso de faixas e moedas, bem como a fantasia de que o cateter umbilical pode provocá-la. Tratamento. O tratamento deve ser expectante até em torno dos 5 anos de idade, momento em que se espera que, na maioria dos casos, o anel já deva ter fechado espontaneamente. Nos casos em que não houve fechamento ou nos quais o anel apresenta um diâmetro > 2 cm, está indicada a correção cirúrgica, que consiste no fechamento do anel.

OUTRAS HÉRNIAS DA PAREDE ABDOMINAL ANTERIOR HÉRNIA EPIGÁSTRICA Consiste no defeito da aponeurose entre o apêndice xifoide e a cicatriz umbilical, que decorre da falha de fixação das bordas mediais dos músculos retos abdominais. Geralmente o defeito é pequeno e sintomático. É importante diferenciar da diástase dos retos abdominais, que corresponde ao afastamento dos músculos. O tratamento sempre é cirúrgico e consiste no fechamento do defeito aponeurótico.

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HÉRNIA DE SPIEGEL Consiste na protrusão do conteúdo abdominal na intersecção da linha semilunar, bordo lateral do músculo reto abdominal e linha semicircular, na porção caudal do músculo reto abdominal. Envolve também os músculos transverso e oblíquo interno. Sua apresentação geralmente é sintomática, mais à direita e de difícil diagnóstico. Por ser um defeito pequeno com saco herniário grande, em 20% dos casos apresenta-se com estrangulamento. O uso de exames de imagem como ecografia e tomografia computadorizada pode ser útil. O tratamento é cirúrgico, sendo realizado o fechamento do defeito.

REFERÊNCIAS Garcia VF. Umbilical and other abdominal wall hernias. In: Ashcraft KW, Holcomb GW, Murphy JP. Pediatric surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier; 2005. p. 659-69.

Souza JCK. Hérnia epigástrica. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 332. Souza JCK. Hérnia inguinal. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 321-9. Souza JCK. Hérnia umbilical. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 330-1. Souza JCK. Onfalocele e gastrosquise. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 333-41. Weber TR, Tracy Jr TF, Keller MS. Groin hernias and hydroceles. In: Ashcraft KW, Holcomb GW, Murphy JP. Pediatric surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier; 2005. p. 697-705.

26.3

MALFORMAÇÕES CIRÚRGICAS DO SISTEMA DIGESTÓRIO

JOSÉ CARLOS SOARES DE FRAGA EDUARDO CORRÊA COSTA

As malformações cirúrgicas do abdome compreendem uma grande quantidade de defeitos cujo diagnóstico e tratamentos dependem da perfeita interação entre o pediatra e o cirurgião pediátrico. Elas compreendem principalmente defeitos da parede abdominal e lesões obstrutivas do trato gastrintestinal. A obstrução intestinal é responsável por 90% dos casos de abdome agudo cirúrgico no recém-nascido (RN) e se constitui na urgência cirúrgica mais comum

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MALFORMAÇÕES CIRÚRGICAS DO SISTEMA DIGESTÓRIO

Klein MD. Congenital abdominal wall defects. In: Ashcraft KW, Holcomb GW, Murphy JP. Pediatric surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier; 2005. p. 659-69.

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nessa faixa etária. Ela é completa, quando o obstáculo obstrui totalmente a luz, impedindo a passagem de líquidos e ar; na obstrução parcial ou incompleta, apesar de haver dificuldade e retardo na passagem do conteúdo intestinal, alguma quantidade de ar ou líquido consegue passar. Na obstrução completa, as manifestações clínicas são precoces, usualmente presentes no primeiro dia de vida; na obstrução parcial, as manifestações são mais tardias, podendo ocorrer na internação ou após a alta hospitalar. No RN, a presença de polidrâmnio materno, resíduo gástrico aumentado, vômitos biliosos, distensão abdominal e alteração na eliminação de mecônio é sugestiva de doença obstrutiva cirúrgica abdominal. Outro achado evidente de doença abdominal nessas crianças é o defeito na formação e no fechamento da parede abdominal, com visualização das vísceras abdominais. A presença de polidrâmnio no período pré-natal pode indicar alteração na capacidade do feto em deglutir líquido amniótico ou uma obstrução no trato gastrintestinal. Embora não haja anormalidade materna ou fetal identificável em cerca da metade das gestações com polidrâmnio, sua presença pode ser decorrente das seguintes anormalidades fetais: lesões do sistema nervoso central que ocasionam diminuição da deglutição; obstrução intestinal primária, com redução da ingestão do líquido amniótico, e distúrbios neuromusculares que ocasionam diminuição da deglutição. A passagem de sonda gástrica em RNs com polidrâmnio materno é frequentemente realizada para medir o resíduo gástrico. Se o volume de aspirado gástrico inicial for maior do que 30-50 mL, e especialmente do tipo bilioso, deve-se considerar fortemente a possibilidade de obstrução intestinal. O vômito, especialmente o bilioso, deve ser sempre encarado como sinal de alerta, sendo seguro e prudente pensar que um RN que apresenta vômito bilioso tem obstrução intestinal até prova em contrário. O vômito pode ser claro nas obstruções que ocorrem até a ampola de Vater e bilioso nas obstruções além da ampola de Vater. Quanto mais alta for a obstrução, mais precoces serão os vômitos; nas obstruções baixas (intestino grosso), o vômito ocorre mais tardiamente. A distensão abdominal é outro sinal sugestivo de doença cirúrgica abdominal no período neonatal, e sua presença habitualmente indica obstrução de intestino delgado distal ou cólon. As alças intestinais com movimentos peristálticos podem ser visualizadas através da parede abdominal, sendo usualmente uma indicação de obstrução intestinal. A eliminação de mecônio normal, tipo espesso com coloração verde-escura, ocorre geralmente nas primeiras 24 horas de vida; entretanto, em prematuros e em pequeno número de RNs normais, pode ocorrer um atraso na eliminação de mecônio devido à hipotonia muscular do intestino ou da parede abdominal. É importante estar atento para a eliminação tardia de mecônio, especialmente em pequena quantidade e de cor acinzentada, pois isso deve levantar a suspeita de doença cirúrgica abdominal.

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MALFORMAÇÕES OBSTRUTIVAS A atresia de esôfago acomete 1:3.000 a 1:4.500 nascidos vivos. Embora existam vários tipos de classificação anatômica, a mais usada é aquela que divide a malformação traqueoesofágica em cinco tipos. As lesões do tipo A (7,8%) compreendem atresia de esôfago isolada, sem fístula; a do tipo B (0,8%) é atresia de esôfago com fístula proximal; a do tipo C é a anormalidade congênita mais comum (86%), com atresia de esôfago superior com fístula traqueoesofágica distal; no tipo D (1,4%), há atresia de esôfago com duas fístulas traqueais: uma com o esôfago superior e outra com o inferior; no tipo E (4,2%), há fistula traqueoesofágica isolada sem atresia de esôfago. A atresia de esôfago pode ser suspeitada em ecografia pré-natal pela ausência de bolha gástrica, polidrâmnio e distensão do esôfago superior durante a deglutição. Após o nascimento, a criança com atresia de esôfago apresenta salivação excessiva, eliminação de muco pelo nariz ou boca e respiração ruidosa com episódios de obstrução ventilatória e cianose. No exame físico, deve-se avaliar a condição pulmonar e pesquisar malformações associadas, tais como cardiovascular, gastrintestinal, musculoesquelética e geniturinária, bem como anormalidades cromossômicas. Mais do que 50% dos RNs com atresia de esôfago apresentam outra malformação, e a presença e o tipo delas determinam a sobrevida e a melhor abordagem cirúrgica. Elas podem ocorrer isoladamente ou como parte de associações bem definidas: VACTERL (vertebral e vascular, anal, cardíaca, traqueoesofágica, renal e membros) ou CHARGE (colobomas, cardíaca, atresia de coanas, retardo mental, hipoplasia genital e anormalidades da orelha, com surdez). São ainda observadas malformações de costelas, atresia duodenal, má rotação, estenose hipertrófica de piloro, hidrocefalia e atresia de coanas. Graus variáveis de traqueomalacia e distúrbios na motilidade esofágica estão presentes em todos os pacientes com atresia de esôfago. O diagnóstico é fortemente sugerido pela impossibilidade de passagem de sonda número 8 ou 10 pelo nariz ou pela boca até o estômago (ela não progride após 10-12 cm). A radiografia simples toracoabdominal mostra: 1) estimativa da altura do coto esofágico superior de acordo com a localização da ponta da sonda nasal ou oral dentro dele; 2) presença de gás no abdome, confirmando fístula traqueoesofágica distal; na ausência de gás, há grande probabilidade de atresia esofágica sem fístula; 3) anormalidades das vértebras; 4) suspeita de malformações cardíacas e posição do arco aórtico; 5) gás em todo o abdome e ausência do sinal de dupla bolha exclui atresia duodenal; 6) e também avalia a presença de pneumonia e doença da membrana hialina no RN prematuro. A radiografia contrastada com 0,5 mL de bário diluído colocado na sonda esofágica pode mostrar o comprimento do esôfago superior, bem como a presença de fístula traqueoesofágica proximal ou fenda laringotraqueoesofágica. É importante que seja colocada uma pequena quantidade de contraste, e que ele seja aspirado após a realização do exame. Depois de confirmado o diagnóstico de atresia de esôfago, realiza-se

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MALFORMAÇÕES CIRÚRGICAS DO SISTEMA DIGESTÓRIO

ATRESIA DE ESÔFAGO

MALFORMAÇÕES CIRÚRGICAS DO SISTEMA DIGESTÓRIO

ecocardiografia (malformação cardíaca e posição do arco aórtico) e ecografia abdominal (malformação renal). O tratamento inicial inclui medidas para reduzir aspiração e pneumonia. Uma sonda é mantida no coto superior do esôfago para aspiração contínua ou intermitente de saliva. O RN é colocado em decúbito dorsal, semissentado, para reduzir refluxo gastresofágico e aspiração, e antibióticos parenterais são iniciados. A entubação traqueal não deve ser realizada de rotina, pois o ar sob pressão entra na fístula traqueoesofágica, com risco de perfuração gástrica e piora da dificuldade respiratória pelo aumento da distensão abdominal. A abordagem cirúrgica depende do tipo de malformação. Em todos os tipos de atresia de esôfago, preconizamos a realização de broncoscopia imediatamente antes da correção cirúrgica. O exame é muito útil para excluir fístula traqueoesofágica proximal e outras malformações, tipo fenda laringotraqueoesofágica, membrana laríngea ou estenose subglótica, bem como avaliar a localização da fístula traqueoesofágica, podendo-se prever a distância entre os cotos esofágicos e a dificuldade para realização da anastomose esofágica. Na doença do tipo C, o procedimento ideal é a divisão e o fechamento da fístula com anastomose primária do esôfago. A cirurgia é realizada por toracotomia póstero-lateral no quarto espaço intercostal à direita, com abordagem extrapleural; se o arco aórtico estiver anormalmente localizado à direita, é preferível a abordagem cirúrgica por meio de toracotomia à esquerda. No RN com doença do tipo A, sem fístula traqueoesofágica, realiza-se inicialmente gastrostomia e manutenção da aspiração do coto superior, com realização da cirurgia de preferência após 2-3 meses de idade. Esse é o período suficiente para ocorrer crescimento dos cotos esofágicos e facilitar a realização da anastomose esofágica. Já que não existe órgão que substitua o esôfago e funcione tão eficientemente como ele, toda tentativa é válida para mantê-lo. Nos casos em que isso não é possível, a substituição de esôfago por estômago ou cólon é realizada futuramente.

OBSTRUÇÕES GÁSTRICAS A obstrução congênita da saída gástrica é uma causa rara de obstrução intestinal no RN. O polidrâmnio está presente em cerca de 50% dos pacientes. O tipo de obstrução pode variar desde uma membrana bloqueando a saída do estômago até uma separação completa entre o estômago e o duodeno. Em raras ocasiões, a atresia de piloro pode estar associada à epidemólise bolhosa. O RN com obstrução pilórica completa apresenta vômito não bilioso persistente logo após o nascimento, com distensão epigástrica. Excessiva salivação e baixo ganho de peso também podem ocorrer. O diagnóstico de obstrução da saída gástrica é habitualmente realizado pela radiografia simples de abdome, que mostra distensão gástrica (sinal da bolha única), sem qualquer ar distal. O tratamento consiste inicialmente na descompressão do estômago por sonda, com hidratação e correção de anormalidades eletrolíticas. O manejo cirúrgico pode incluir a excisão da membrana com piloroplastia ou, no caso de haver atresia completa, anastomose tipo gastroduodenostomia término-terminal.

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A estenose hipertrófica de piloro é ocasionada pela hipertrofia gradativa da musculatura pilórica, especialmente da camada circular. A incidência é de 1-3:1000 nascidos vivos, sendo mais comum no sexo masculino (4:1) e no primogênito, podendo haver história da doença nos pais. Malformações associadas ocorrem em 7%, sendo as mais comuns má rotação, uropatia obstrutiva, atresia de esôfago e hérnia de hiato. A manifestação clínica característica é de RN de 2-6 meses de idade que inicia com vômito não bilioso, em jato, progressivo, geralmente pósalimentar. Pode ocorrer icterícia em 2-5% dos pacientes. O achado diagnóstico no exame clínico é a palpação do piloro hipertrofiado (denominado oliva) no epigástrio ou no quadrante superior direito. Também pode ser observado peristaltismo visível no epigástrio, com movimentos intestinais da esquerda para a direita. Exames laboratoriais mostram alcalose metabólica hipoclorêmica e hipocalêmica. A radiografia de abdome demonstra distensão gástrica (bolha única) com pequena quantidade de ar distal. Se não for possível a palpação da oliva pilórica, a ecografia é o exame diagnóstico com maior sensibilidade, demonstrando espessamento da musculatura pilórica e alongamento do canal pilórico. A piloromiotomia é realizada somente após a correção da alcalose e do distúrbio hidreletrolítico.

OBSTRUÇÕES DUODENAIS As obstruções duodenais congênitas são usualmente classificadas como extrínsecas ou intrínsecas. As principais obstruções extrínsecas são as bridas de Ladd (má rotação), o pâncreas anular, a duplicação duodenal e a veia porta preduodenal. Elas geralmente determinam obstrução parcial do duodeno. O pâncreas anular é resultado da fusão embriológica anormal das porções ventral e dorsal do pâncreas sobre a terceira porção do duodeno, criando um anel que estreita significativamente ou obstrui completamente a luz duodenal. O tecido do anel é histologicamente normal, e há usualmente um grande ducto que se conecta ao ducto de Wirsung ou diretamente à luz intestinal. O pâncreas anular geralmente está associado a estenose intrínseca ou atresia duodenal. Atresia/estenose de duodeno. O diagnóstico de atresia de duodeno é mais comumente realizado no pré-natal pela ecografia obstétrica, em que se observa polidrâmnio (descrito em até 60% dos fetos), com duas imagens císticas cheias de líquidos, que representam o estômago dilatado e primeira porção do duodeno obstruído (dupla bolha), bem como diminuição da quantidade de mecônio no intestino distal. A maioria dos neonatos com atresia duodenal é prematuro e de baixo peso ao nascimento, e, após poucas horas de vida, apresenta vômitos. Na maioria deles, o vômito é bilioso, já que a obstrução ocorre distal à ampola de Vater em 85% dos casos. Entretanto, o vômito pode não ser bilioso naqueles casos em que a obstrução ocorre acima da ampola de Vater (15%). Geralmente não há distensão do abdome, já que a obstrução é alta. A radiografia de abdome mostra dilatação do estômago e da primeira porção do duodeno (sinal da dupla

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ESTENOSE HIPERTRÓFICA DE PILORO

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bolha). A não ser que haja dúvida diagnóstica, não é necessário realizar estudo contrastado. O diagnóstico diferencial mais importante deve ser feito com má rotação, em que há necessidade de exploração cirúrgica de emergência pelo risco de volvo com necrose e perda do intestino médio. Anomalias associadas ocorrem com grande frequência na atresia de duodeno, chegando a até 70% dos casos. As mais comuns são má rotação (40%), pâncreas anular (40%), síndrome de Down (30%), cardiopatia congênita (20%), atresia de esôfago (10%), ânus imperfurado (8%) e divertículo de Meckel (8%). O tratamento inicial do RN com atresia duodenal é a colocação de sonda nasogástrica, reposição hidreletrolítica, manutenção térmica e início de antibióticos parenterais. A seguir, realiza-se investigação cuidadosa de malformações associadas. A abordagem cirúrgica é realizada por laparotomia supraumbilical direita, com revisão da cavidade e definição da causa da obstrução duodenal. Na presença de atresia ou estenose duodenal por pâncreas anular, deve-se realizar uma anastomose duodeno-duodenal sobre a área de obstrução. A anastomose ideal é a do tipo “diamante”, no qual se anastomosa o duodeno proximal, aberto transversalmente, com o duodeno distal, aberto longitudinalmente. O tecido pancreático no local da obstrução não deve ser dividido, já que geralmente contém ducto pancreático calibroso, que, quando seccionado, tem grande risco de formação de fístula. Na presença de obstrução completa ou parcial por membrana duodenal, o duodeno é aberto longitudinalmente sobre o local da obstrução. Após remoção da membrana, com o cuidado de não lesar a ampola de Vater, a abertura duodenal é fechada transversalmente. Independentemente da causa da obstrução, é importante sempre testar a permeabilidade do intestino distal para excluir outras obstruções. Má rotação intestinal. Má rotação intestinal ou rotação intestinal incompleta engloba as múltiplas alterações da rotação e da fixação do intestino. Esse grupo de afecções congênitas inclui desde a ausência total de rotação até o simples ceco móvel. As alterações anatômicas da rotação intestinal podem ser assintomáticas ou se manifestar clinicamente com intensidade variável, até a forma mais grave de volvo intestinal. As anomalias de rotação intestinal podem ser divididas didaticamente em quatro tipos. No tipo mais comum, o duodeno se posiciona atrás da artéria mesentérica superior ou não cruza a linha média, mantendo-se à direita da artéria. O ceco permanece sobre o duodeno, ou ligeiramente à esquerda, com a formação de aderências que unem o ceco ao peritônio parietal no hipocôndrio direito. São as chamadas bridas de Ladd ou bridas peritoneais, que passam sobre a segunda porção do duodeno e podem causar obstrução duodenal por compressão extrínseca. Com a aproximação do duodeno e do ceco, com perda de fixação, torna-se possível a ocorrência de torção do intestino e meso correspondentes, denominado volvo intestinal. As anomalias associadas são muito frequentes, ocorrendo em torno de 30-60% dos pacientes. As anomalias de rotação podem estar presentes na atresia duodenal, na atresia de delgado, na síndrome de prune-belly, na gastrosquise, na onfalocele e na hérnia diafragmática. A má rotação pode se apresentar clinicamente de várias maneiras, entretanto, os sintomas e sinais podem ser agrupados para definir as manifestações caracterís314

ATRESIA JEJUNOILEAL Embora seja rara, a atresia jejunoileal é uma das causa mais comuns de obstrução intestinal no RN. Ela ocorre com incidência variável de 1:330 a 1:1.500 nascidos vivos, afeta igualmente ambos os sexos e é decorrente de isquemia intestinal oriunda de oclusão intraútero de toda ou parte da artéria mesentérica superior. Diferentemente da atresia duodenal, a atresia jejunoileal não tem outra anomalia extraintestinal associada. O diagnóstico de atresia intestinal é suspeitado pela ecografia obstétrica. Polidrâmnio é observado em 16% dos pacientes, especialmente naqueles com atresia proximal. Ocasionalmente são observadas alça intestinais dilatadas que sugerem 315

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ticas de volvo súbito, obstrução duodenal e dor abdominal crônica ou intermitente. A má rotação pode ser também achado acidental em paciente assintomático. Embora a maioria dos pacientes apresente manifestações clínicas no primeiro mês ou antes do primeiro ano de vida, a má rotação pode ser silenciosa até a idade adulta. O quadro clínico da má rotação sintomática, em que predominam os vômitos biliosos e graus variados de distensão abdominal, não permite a diferenciação com outros tipos de obstrução intestinal alta, especialmente no período neonatal. No RN ou em criança com menos de 1 ano de idade, a presença de vômitos biliosos indica má rotação intestinal até prova em contrário. Embora a radiografia simples de abdome não seja diagnóstica, a presença de distensão gástrica com bolha duodenal discreta, com algum ar no intestino distal, é altamente sugestiva de má rotação. Entretanto, na criança em choque e com evidência de peritonite, esse exame é suficiente para a indicação de exploração cirúrgica. A radiografia contrastada de estômago e duodeno é o exame de escolha para o diagnóstico de má rotação, mostrando distensão gástrica e duodenal, duodeno dilatado e torcido, obstrução duodenal entre a segunda e a terceira porções, segmento da porção duodenojenunal no quadrante superior direito e demais alças intestinais à direita. O enema opaco não é mais o exame de eleição para o diagnóstico de má rotação, pois pode haver má rotação da junção duodenojejunal, com obstrução duodenal e volvo, com ceco bem rotado e em posição normal. A ecografia também tem sido usada para sugerir o diagnóstico de má rotação pela observação da relação dos vasos mesentéricos: na má rotação, a veia mesentérica superior está localizada à esquerda da artéria mesentérica superior. Entretanto, a relação normal entre os vasos mesentéricos não exclui a presença de má rotação. O tratamento cirúrgico está sempre indicado na má rotação e deve ser realizado de emergência, a fim de evitar a possibilidade de volvo, com isquemia e necrose intestinal, e consequente síndrome do intestino curto. Após abordagem abdominal por laparotomia transversa supraumbilical à direita, a cirurgia da má rotação envolve seis etapas bem distintas: 1) exteriorização de todas as alças intestinais para fora da cavidade abdominal; 2) na presença do volvo, este deve ser destorcido na direção anti-horária; 3) divisão das bridas de Ladd; 4) alargamento da base do mesentério; 5) alívio da obstrução duodenal; 6) retirada do apêndice cecal. O apêndice é removido porque, no final da cirurgia, ele fica localizado no hemiabdome esquerdo, local de difícil diagnóstico em caso de apendicite aguda.

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a presença de obstrução. Entretanto, em termos gerais, a acuidade diagnóstica da ecografia fetal para atresia jejunoileal é baixa (média de 42%). O diagnóstico é realizado após as primeiras horas do nascimento, com o RN apresentando graus variáveis de distensão abdominal e vômitos biliosos, que tipicamente ocorrem após a alimentação. A maioria das crianças não elimina mecônio; entretanto, a eliminação deste não exclui o diagnóstico. Icterícia ocorre em 33% dos pacientes com atresia jejunal e em 20% com atresia ileal. A radiografia de abdome mostra alças intestinais proximais dilatadas, sem ar no reto; às vezes, quando se visualiza alça intestinal muito dilatada, sem gás distal, o diagnóstico é estabelecido. O enema opaco revela microcólon ou cólon de desuso, e exclui atresia no intestino grosso. Após estabilização clínica do RN, com colocação de sonda nasogástrica e antibióticos parenterais, ele é submetido à laparotomia transversa supraumbilical à direita. Após confirmação do diagnóstico, injeta-se soro fisiológico no intestino distal para excluir a presença de outras atresias. A seguir, realiza-se ressecção da porção mais dilatada do coto atrésico proximal (se possível 10-15 cm) e anastomose término-terminal de ambas as porções do intestino. Na atresia intestinal proximal, em que não é possível a ressecção de boa parte do intestino dilatado, realiza-se uma plástica na borda antimesentérica da alça proximal, a fim de reduzir seu calibre antes de realizar a anastomose.

ÍLEO MECONIAL O íleo meconial é a obstrução do intestino delgado distal do RN ocasionada por mecônio espesso. Na maioria das vezes, está associado à fibrose cística, sendo que até 20% dos RNs com fibrose cística apresentam íleo meconial. Acredita-se que a deficiência enzimática ocasione o aumento da viscosidade do mecônio, que não consegue passar pelo íleo terminal. Como outras formas de obstrução intestinal, o íleo meconial pode ocasionar volvo, isquemia e perfuração intraútero, resultando no íleo meconial “complicado”, aquele que se apresenta com atresia intestinal, síndrome do intestino curto ou peritonite meconial. Dificilmente se realiza o diagnóstico de íleo meconial pela ecografia obstétrica; entretanto, na presença do íleo meconial complicado, a ecografia pode mostrar polidrâmnio ou alças intestinais dilatadas na atresia intestinal proximal, ou ascite em casos de peritonite meconial. O íleo meconial deve ser considerado como diagnóstico diferencial de qualquer RN com obstrução intestinal ou que não elimine mecônio nos primeiros dias de vida. A criança geralmente se apresenta com vômitos biliosos e distensão abdominal progressiva. Alça intestinal repleta de mecônio pode ser palpada, apresentando consistência pastosa. A obstrução quase sempre é total, não havendo eliminação de mecônio. A história familiar é positiva para fibrose cística em apenas um terço dos pacientes. A radiografia simples de abdome mostra distensão heterogênea das alças intestinais, com quantidade menor de gás e níveis líquidos, como observado em quadros obstrutivos decorrentes de outras patologias. Essa imagem característica é descrita como “miolo de pão” ou “bolha de sabão”, e é visualizada normalmente na fossa ilíaca direita, e as alças intestinais dilatadas são observadas a montante. Se o paciente está clinicamente estável, sem evidência de perfuração 316

ATRESIA DE CÓLON A atresia de cólon é uma anormalidade rara do RN, com incidência estimada de 1:20.000 a 1:40.000 nascidos vivos. Entre as atresias intestinais, a de cólon é a menos frequente. O RN apresenta, nas primeiras 24 horas de vida, distensão abdominal, vômitos biliosos e ausência de eliminação de mecônio. As alças intestinais podem ser visíveis e palpáveis no abdome. Nos casos sem diagnóstico, a apresentação clínica pode ser de perfuração intestinal, com peritonite e piora do estado geral. A atresia de cólon tem sido referida em RNs com doença de Hirschsprung, atresia jejunoileal, defeitos da parede abdominal, malformações anorretais, malformações maiores do coração, renal e ocular, bem como associadas à polidactilia e sindactilia. A radiografia de abdome mostra obstrução intestinal baixa, com alças dilatadas e contendo níveis hidroaéreos característicos de obstrução mecânica, sem gás no reto. O enema opaco demonstra microcólon que termina abruptamente no local da obstrução. O tratamento é realizado por laparotomia, com identificação de ambas as alças intestinais proximal e distal. É importante realizar biópsias seriadas para descartar a possibilidade de doença de Hirschsprung. Na presença dessa doença, realiza-se colostomia na zona com inervação intestinal normal; na ausência dela e dependendo das condições do transoperatório, pode-se realizar anastomose término-terminal ou colostomia.

DOENÇA DE HIRSCHSPRUNG A doença de Hirschsprung ou megacólon congênito é caracterizada pela ausência de células nervosas nos plexos da submucosa e muscular da parede intestinal, 317

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ou isquemia intestinal, às vezes pode ser necessária a realização de enema opaco para diagnóstico. O enema mostra microcólon, e, quando há passagem de contraste pela válvula ileocecal, pode-se evidenciar o íleo terminal estreitado e repleto de nódulos meconiais. O exame também descarta a possibilidade da síndrome da rolha meconial, doença de Hirschsprung e síndrome do cólon esquerdo. No RN com íleo meconial não complicado, pode-se tentar a desobstrução intestinal pela realização de enema com substância hiperosmolar (Hypaque, gastrografina) e pelo uso de acetilcisteína a 10% pela sonda nasogástrica. O enema, às vezes, necessita ser repetido uma ou duas vezes. Caso não haja alívio da obstrução intestinal, deve-se proceder ao tratamento cirúrgico. Íleo meconial simples, sem evidência de perfuração, volvo ou atresia, pode ser tratado com enterotomia e irrigação intestinal com soro fisiológico e/ou acetilcisteína diluída a 4%. Após lavagem e remoção de todo o mecônio espesso obstrutivo, a alça intestinal é fechada transversalmente. Na cirurgia do íleo meconial complicado, deve-se liberar as aderências e avaliar cuidadosamente as alças intestinais que necessitam de ressecção e remoção do mecônio espesso e obstrutivo. Caso seja necessária ressecção intestinal, pode-se realizar, conforme avaliação transoperatória, anastomose intestinal ou ileostomia.

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ocasionando distúrbios de motilidade do intestino. A incidência é de 1:5.000 nascidos vivos, com predominância do sexo masculino (4:1). Mesmo que possa acometer qualquer porção do tubo digestivo desde a boca até o ânus, a maioria (75%) ocorre na região retossigmoide; em 8-10% dos pacientes a doença ocorre em todo o cólon e íleo terminal. A doença associada mais comum na doença de Hirschsprung é a síndrome de Down, que ocorre em 8-16% das crianças. Aproximadamente 5% das crianças com síndrome de Down apresentam a doença de Hirschsprung. Aproximadamente 80-90% dos pacientes com doença de Hirschsprung são diagnosticados durante o período neonatal. Eles apresentam obstrução intestinal total, caracterizada por distensão abdominal, vômitos biliosos e ausência de eliminação de mecônio: 94% dos RNs a termo eliminam mecônio nas primeiras 24 horas, e 94% daqueles com doença de Hirschsprung não o fazem. A história familiar é importante, já que a doença é familiar em 4-8% dos pacientes. No exame físico, o abdome encontra-se distendido, mas flácido à palpação. O exame retal pode provocar evacuação explosiva de mecônio, com alívio temporário da obstrução. O diagnóstico diferencial inclui outras causas de obstrução intestinal baixa do RN, como atresia intestinal, íleo meconial, peritonite meconial, rolha meconial, síndrome do cólon esquerdo e ânus imperfurado. A radiografia de abdome mostra um padrão de obstrução intestinal baixa, e o enema opaco mostra a chamada zona de transição, definida como o local em que ocorre a mudança do calibre entre o intestino menor sem células ganglionares e o intestino dilatado normal. Entretanto, no RN, esse exame às vezes pode não mostrar a zona de transição. Mesmo que os exames radiológicos possam sugerir a presença da doença, o diagnóstico somente é realizado pela demonstração da aganglionose e da hipertrofia das fibras nervosas em estudo histológico obtido por biópsia retal. Se as condições clínicas do RN permitirem um abaixamento intestinal primário, e a doença estiver limitada à porção distal do cólon, o tratamento inicial é a descompressão intestinal por meio de enemas com soro fisiológico (20 mL) três vezes ao dia. Após 2-3 meses, realiza-se o abaixamento em um único tempo, sem necessidade de colostomia. Se o RN for prematuro, apresentar enterocolite, doença de todo o cólon ou tiver outros problemas clínicos ou sociais que impossibilitem as lavagens intestinais diárias, o manejo inicial é a realização de colostomia na região com células ganglionares. O abaixamento definitivo é realizado após 6-8 meses ou até que a criança adquira 8-10 kg.

MALFORMAÇÃO ANORRETAL A incidência do ânus imperfurado é de 1:5.000 nascidos vivos, com leve predominância do sexo masculino (58%) sobre o feminino (42%). Antigamente o RN com ânus imperfurado era classificado de acordo com a relação entre o final do reto e a musculatura pélvica; atualmente a classificação é realizada conforme a necessidade ou não de colostomia no momento do diagnóstico da malformação. As manifestações clínicas mais frequentes são ausências da abertura anal e da evacuação de mecônio. Embora a maioria dos neonatos seja saudável, é comum 318

REFERÊNCIAS Ashcraft KW, Holcomb III GW, Murphy JP. Pediatric surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2005. Dalla Vecchia LK, Grosfeld JL, West KW, Rescorla FJ, Scherer LR, Engum SA. Intestinal atresia and stenosis: a 25-year experience with 277 cases. Arch Surg. 1998;133(5):490-6. 319

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a presença de malformações associadas. Elas incluem malformações sacrais e vertebrais, anormalidades dos membros, defeitos cardíacos e síndrome de Down. As malformações cardíacas mais comuns são tetralogia de Fallot e defeito septal ventricular. Atresia duodenal e doença de Hirschsprung são eventualmente associadas à malformação anorretal. Defeitos geniturinários (hidronefrose e outras uropatias obstrutivas) ocorrem em 20-50% dos pacientes. É, portanto, fundamental a realização de ecocardiografia, ecografia abdominal e radiografia de toda a coluna vertebral antes de qualquer procedimento cirúrgico. Na presença de cloaca, deve-se realizar avaliação urgente do aparelho urinário. O diagnóstico do ânus imperfurado é clínico e realizado, na maioria das vezes, pela inspeção do períneo e procura de mecônio ou fístula. Em mais de 80% dos meninos é possível fazer o diagnóstico da necessidade ou não de colostomia apenas com a inspeção perineal. Fístula perineal, malformação em “alça de balde”, estenose anal e membrana anal não necessitam de colostomia e podem ser tratadas com anoplastia ainda no período neonatal. A presença de nádegas achatadas ou mecônio na urina é indicação de colostomia, com abaixamento intestinal realizado com 6-12 meses de idade. Se não for possível chegar a nenhuma decisão apenas com o exame clínico, o RN deve ser reexaminado após 24 horas de vida. Se, nesse momento, persistir a dúvida de fazer ou não a colostomia, deve-se realizar o invertograma (após colocar marcador radiopaco no lugar onde deveria estar o ânus, obtém-se radiografia simples com o RN de cabeça para baixo, com as pernas e coxas fletidas). Se o intestino estiver mais distante do que 1 cm da borda anal, está indicada a realização de colostomia; se o reto estiver a 1 cm ou menos do botão anal, está indicada a realização da anoplastia perineal. Em RNs do sexo feminino, o exame perineal fornece mais informações, já que é possível observar somente pela inspeção uma fístula perineal, vestibular ou cloaca em cerca de 95% dessas pacientes. Naquelas sem anormalidades perineais, também se realiza invertograma, e a decisão baseada na altura do reto em relação ao botão anal é a mesma do sexo masculino. A anoplastia perineal é realizada durante a internação do RN, por meio da abordagem sagital posterior mínima. Quando for necessária a colostomia, opta-se pela colostomia dividida, que é feita na porção proximal da junção retossigmoide. O abaixamento por via sagital posterior é realizado com 6-12 meses de idade. Nessa técnica cirúrgica, realiza-se um afastamento da musculatura esfincteriana na linha média, sem secção muscular. O reto é identificado e aberto, com fechamento da fístula urinária; a seguir, ele é liberado, remodelado para reduzir sua largura e abaixado dentro da musculatura esfincteriana (elevadores do ânus, complexo muscular e esfincter externo).

Fraga JC. Urgências cirúrgicas no recém-nascido: detecção e conduta. In: Procianoy RS, Leone CR. Programa de Atualização em Neonatologia (PRORN) – Sistema de Educação Médica Continuada a Distância. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 149-215. Grosfeld JL, O´Neill JA, Coran AG, Fonkalsrud EW, Caldamone AA. Pediatric surgery. 6th ed. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2006. Kimura K, Mukorara N, Nishijima E, Muraji T, Tsugawa C, Matsumoto Y. Diamond-shaped anastomosis for duodenal atresia: an experience with 44 patients over 15 years. J Pediatr Surg. 1990;25(9):977-9. Lewis NA, Glick PL. Prenatal diagnosis and counseling. In: Mattei P. Surgical directives: pediatric surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2003. p. 13-8. Rescorla FJ. Emergências cirúrgicas no recém-nascido. In: Polin RA, Yoder MC, Burg FD. Neonatologia prática. Porto Alegre: Artes Médicas; 1996. p. 398-435. Ziegler MM, Azizkhan RG, Weber TR. Operative pediatric surgery. New York: McGraw-Hill Professional; 2003.

ABDOME AGUDO

26.4

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EDUARDO CORRÊA COSTA MÁRCIO ABELHA MARTINS JOSÉ CARLOS SOARES DE FRAGA

APENDICITE AGUDA (AA) Definição. É o processo inflamatório do apêndice cecal ocasionado pela obstrução do seu lúmen. Em dois terços dos casos, essa obstrução ocorre por hiperplasia linfoide; em 10%, por coprólito, e, menos frequentemente, por corpo estranho ou vermes. A perfuração do apêndice cecal é o curso natural, sendo evidenciada em 7% das crianças nas primeiras 24 horas, em 38% entre 24 e 48 horas, e em mais de 65% após 48 horas. Epidemiologia Q Mais comum em meninos (3:2) Q Pico de frequência: 12 anos Q Prevalência: 0,2% Q Raro em lactentes, incomum em menores de 5 anos Q AA em recém-nascidos (RNs): 95% apresentam-se com perfuração Q AA complicada: 30-50% Q AA bloqueada: 2-7% Q Morbidade: 10% Q Mortalidade: 0,1-10%

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Localização Q Retrocecal: 55-60% Q Pélvica: 35-40% Q Descendente ou subcecal: 2% Q Laterocecal: 2% Q Mesocecal pós-ileal: 1% Q Pré-ileal: 1% Q Outras: 1%

Quadro clínico. A anamnese e o exame físico são os pontos mais importantes para o diagnóstico da AA; quando bem realizados, diagnosticam a maioria dos casos. A dor abdominal é o sintoma mais comum, estando presente em 95-100% dos casos. Geralmente começa periumbilical, migrando, em algumas horas, para a fossa ilíaca direita (FID). Essa migração da dor abdominal ocorre em torno de 50-60% dos casos. A dor depende muito da localização do apêndice cecal e de como o processo inflamatório deste estimula o peritônio. Os vômitos são frequentes, ocorrendo em 80% das crianças com AA. Eles iniciam normalmente com restos alimentares e, a seguir, ficam com aspecto bilioso. A anorexia está presente de forma variada entre 45 e 75% das vezes. Já as náuseas, em 30-90% dos casos. O hábito intestinal pode permanecer inalterado, bem como apresentar diarreia ou constipação, o que pode atrapalhar o diagnóstico. As queixas urinárias, quando presentes, ocorrem quando o apêndice inflamado tem contato com o aparelho urinário. Q

No exame físico devemos estar atentos ao estado geral do paciente, à piora progressiva do quadro clínico e à presença de febre (temperatura > 38°C). É importante reparar na deambulação do paciente e na presença de posição antálgica. O exame físico deve procurar sinais de irritação peritoneal, o que pode ser evidenciado pela percussão ou palpação do abdome. O sinal clássico é o de Blumberg, em que o paciente apresenta dor à descompressão súbita da FID, observado em 35-65% dos pacientes. Existem outros sinais menos frequentes e dependentes da posição do apêndice cecal inflamado, como os sinais de Rovsing (dor na fossa ilíaca direita à palpação da fossa ilíaca esquerda), do psoas (dor à extensão do membro inferior direito) e do obturador (dor à rotação externa do membro inferior direito fletido). 321

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Classificação. Existe mais de uma classificação. A mais utilizada leva em consideração o estado do apêndice cecal: edematosa ou flegmonosa, quando o apêndice cecal apresenta-se com hiperemia e edema; supurativa, quando o apêndice cecal e seu mesoapêndice estão edemaciados e com exsudatos fibrinopurulentos; gangrenosa, em que existem microperfurações e gangrena na parede do apêndice cecal; perfurada, quando o apêndice apresenta ao menos uma perfuração macroscópica. Atualmente, existe uma tendência de simplificar essa classificação, considerando-se AA inicial nos dois primeiros tipos e AA avançada nos últimos. Na AA bloqueada, a perfuração é bloqueada por estruturas abdominais adjacentes.

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Exames subsidiários Q Laboratoriais: o leucograma é o mais fidedigno, apresentando leucocitose em torno de 80% dos casos, geralmente com desvio à esquerda. É importante salientar que em 10% dos casos a contagem dos leucócitos pode estar normal. O exame qualitativo de urina justifica-se no diagnóstico diferencial com pielonefrite aguda; entretanto, se o apêndice cecal inflamado estiver próximo à bexiga ou ao ureter, podem estar presentes hematúria e leucocitúria. Q Raio X de abdome agudo: não acrescenta muita informação. Pode ser útil no diagnóstico diferencial de uma pneumonia e/ou derrame pleural na radiografia de tórax. Já nas incidências abdominais, pode-se evidenciar a presença do coprólito em 10% dos casos ou sinais sugestivos, como escoliose para a direita, líquido livre abdominal, borramento do psoas, massa na FID e padrão obstrutivo intestinal. Q Ecografia abdominal: foi o exame que mais alterou a rotina do diagnóstico. Os achados são estrutura tubular em fundo cego, não compressível, aperistáltica, com mais de 6 mm. O estudo com Doppler mostra aumento do fluxo na periferia; coprólitos são visualizados em até 30% dos casos, além de plastrão do bloqueio do apêndice inflamado. A sensibilidade do exame é de 85-90%; a especificidade, em torno de 95%, com uma acurácia de aproximadamente 87%. É um exame altamente confiável para o diagnóstico de AA quando realizado por ecografista experiente e analisado em conjunto com o quadro clínico. Q Tomografia computadorizada abdominal: apresenta alta sensibilidade e especificidade, em torno de 96 e 94%, respectivamente. É muito realizada nos Estados Unidos. Apesar das altas taxas de especificidade e sensibilidade, apresenta desvantagens importantes, como alto custo, necessidade do uso de contraste e altas doses de radiação ionizante, que é extremamente preocupante em crianças. No Brasil, sua indicação é discutível, restringindo-se a casos excepcionais, nos quais o diagnóstico diferencial com outras patologias abdominais seja importante. Tratamento. Na apendicite aguda inicial, é indicada cirurgia de urgência, após antibioticoterapia de amplo espectro, abrangendo principalmente germes Gramnegativos e anaeróbios, como ampicilina + gentamicina + metronidazol. A técnica cirúrgica indicada depende da preferência do cirurgião, mas há uma tendência atualmente para a laparoscopia; os trabalhos, porém, mostram que as duas abordagens apresentam bons resultados. Na laparotomia, em geral realiza-se incisão transversa na FID, conhecida como Davis, em que o apêndice cecal é retirado após ligadura simples ou dupla da sua base, podendo o coto apendicular ser invaginado com uma sutura em bolsa. A laparoscopia apresenta uma variedade de técnicas. A cirurgia pode ser toda realizada dentro da cavidade abdominal (técnica intra-abdominal); pode ser localizado o apêndice e exteriorizado por um dos portais, sendo realizada a apendicectomia (técnica videoassistida), ou, ainda, uma técnica mista, em que o apêndice cecal é dissecado do seu mesoapêndice dentro da cavidade e depois exteriorizado para ressecção. 322

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As vantagens da laparoscopia são menor trauma cirúrgico, melhor visualização, ferida operatória (FO) com melhor resultado estético, menor taxa de infecção de FO, menos aderências, menos dor e menor tempo de internação no pósoperatório. Já as desvantagens são dor ocasionada pelo pneumoperitônio, custo mais elevado e maior taxa de abscesso intra-abdominal em todas as técnicas. Os cuidados pós-operatórios incluem sonda nasogástrica (SNG) quando necessário, administração de sintomáticos, hidratação endovenosa e deambulação precoce. O uso de antibióticos deve ser individualizado para cada caso. Na AA complicada, é fundamental que seja realizada uma correção hidreletrolítica antes da cirurgia. A técnica pode ser via laparoscópica ou por laparotomia. O uso de antibióticos deve ser continuado por, no mínimo, cinco dias, ou até a melhora clínica. Os critérios que devem ser levados em consideração para o tempo de uso de antibióticos são ausência de febre por 24 horas, melhora do íleo pós-operatório e normalização da contagem de leucócitos. A AA bloqueada apresenta-se como uma massa inflamatória na FID com sintomas há pelo menos três dias, com o restante da cavidade abdominal sem irritação peritoneal. Em torno de 80% dos pacientes apresenta febre, e 75%, leucocitose importante. Essa massa pode ser palpada no exame do abdome, bem como visualizada na ecografia abdominal. Nesses casos, é indicado o tratamento conservador inicial. A cirurgia está indicada nos casos de insucesso do tratamento antibiótico, ou após oito semanas de forma eletiva, conforme fluxograma mostrado na Figura 26.4.1.

Figura 26.4.1 Manejo da apendicite bloqueada. 323

INVAGINAÇÃO INTESTINAL Definição. Acontece quando um segmento de alça proximal penetra em um distal. Também conhecida como intussuscepção. Em cerca de 90-95% dos casos, não há causa aparente; os outros 5-10% apresentam uma causa anatômica. Epidemiologia Q Prevalência: 1,5-4:1.000 nascidos vivos; meninos: 3:1 Q Pico de frequência: 3-12 meses; 3 meses a 2 anos: em torno de 80% dos casos; após 2 anos: 20% Q Quando recorrente: 50% têm uma causa anatômica; um terço após os 2 anos tem uma causa anatômica Classificação Ileocecocólica: 60% dos casos Ileocólica: 25% Ileoileal: 10% Colocólica: menos de 2% Outras: 3%

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Q Q Q Q Q

Quadro clínico. Geralmente a criança chega à emergência em bom estado nutricional, com uma história de infecção de vias aéreas superiores antes do quadro abdominal. Há relato de dor abdominal intermitente (em cólicas), de forte intensidade. Durante as crises de dor, o paciente apresenta palidez cutânea, sudorese e contrações dos membros inferiores. Essa dor acontece pela cólica provocada pelo intestino na tentativa de desfazer a invaginação. No período de acalmia, entre os episódios de dor, a criança permanece assintomática. Esses períodos tornam-se menores e até deixam de existir, com a dor passando a ser contínua. O paciente torna-se inquieto e irritável, apresentando vômitos. Normalmente apresenta um sinal clássico, que é a eliminação de muco com sangue pelo ânus, “geleia de morango”, como é descrito. Com a evolução, a criança torna-se apática, com palidez persistente, e desidratada. Com a progressão da doença, o intestino invaginado torna-se edemaciado, e a evolução natural é a obstrução intestinal com consequente necrose do segmento intestinal, perfuração e choque séptico. Somente 30% dos pacientes apresentam a tríade clássica: dor em cólicas, vômitos e eliminação de sangue pelo ânus. Exames de imagem Raio X de abdome agudo: por apresentar uma sensibilidade baixa, em torno de 25%, não auxilia no diagnóstico. Pode ser útil nos casos de obstrução franca (25%), imagem com efeito de massa (50%) e nas complicações, como perfuração intestinal, em que se visualiza o pneumoperitônio. Q Ecografia abdominal: é considerado o exame de escolha, principalmente por ser rápido, não invasivo, de baixo custo e com boa taxa de diagnóstico. Sua sensibilidade é 98-100%, e a especificidade, de 88-100%, sendo importante salientar que é um exame operador-dependente. Além do diagnóstico, auxilia na descoberta de outras anomalias que podem ser a causa da invaginação. As Q

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imagens clássicas visualizadas são a lesão em “alvo” (Fig. 26.4.2), em que as alças intestinais invaginadas são vistas em um corte transversal, e a lesão em “pseudorrim” (Fig. 26.4.3), em que há um corte longitudinal. Atualmente já há espaço para a ecografia no campo da terapêutica, como discutiremos a seguir. Q Raio X enema opaco: com o advento da ecografia, é um exame que foi reservado para os casos de dúvidas ou para terapêutica, pelos riscos de perfuração intestinal. Q Tomografia computadorizada abdominal: não apresenta nenhuma vantagem, tanto pelos riscos como pelos custos; nela visualizam-se os mesmos achados da ecografia. Q Colonoscopia: é contraindicada pelos riscos de perfuração intestinal.

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Tratamento. O manejo inicial deve incluir NPO, passagem de SNG, ressuscitação volêmica, administração de antibióticos de amplo espectro e preparo para a redução hidrostática/pneumática ou cirurgia. A redução hidrostática/pneumática por meio de enema pode ser realizada com contraste, água ou ar. Apresenta uma taxa de 70-90% de sucesso, quando bem indicada. Só deve ser realizada na presença do cirurgião pediátrico, que deve estar em contato permanente com o bloco cirúrgico, em virtude da possibilidade de laparotomia de emergência. Quando realizada com água (solução fisiológica) ou ar, o controle da redução deve ser realizado com ecografia. Quando realizada com contraste, a fluoroscopia é utilizada. Existe uma discussão em relação

Figura 26.4.2 Invaginação intestinal: ecografia com lesão em “alvo”.

Figura 26.4.3 Invaginação intestinal: alças intestinais invaginadas são vistas em um corte transversal e lesão em “pseudorrim”. 325

ABDOME AGUDO

ao tipo de contraste utilizado, se baritado ou hidrossolúvel. A favor do bário existe uma maior viscosidade que resultaria em melhor redução, mas, em caso de perfuração intestinal e extravasamento do meio de contraste para a cavidade abdominal, o hidrossolúvel provoca menos aderências intestinais. Independentemente da escolha da solução, a técnica é muito semelhante. Sonda tipo Foley calibrosa é introduzida no reto, e seu balonete é insuflado. A solução é então instilada por um sistema em que a pressão não pode ultrapassar 120 mmHg, correspondente a uma coluna de 1 metro de água, ou seja, a coluna do sistema pode atingir no máximo 1 metro de altura. O uso de seringas está contraindicado, pela dificuldade de controle da pressão. O controle da redução é realizado com os aparelhos já descritos. Se a solução utilizada não progredir após 10 minutos, o procedimento deve ser interrompido, pois a chance de perfuração aumenta muito. A sedação do paciente durante o procedimento é discutível, pois a força realizada por ele ajuda no processo de redução. Os índices de perfuração intestinal, seguindo-se essas recomendações, são baixos, em torno de 0,4-0,7%. Ao contrário do que se pensa, a presença de sangue nas fezes não contraindica a redução hidrostática. São considerados contraindicações para a redução a presença de sinais clínicos e radiológicos de perfuração intestinal e um estado geral muito comprometido (séptico). Quando há falha, contraindicação ou complicação na redução hidrostática/ pneumática, está indicada a laparotomia. É realizada a “ordenha” retrógada das alças intestinais, sendo importante ressaltar que estas nunca devem ser tracionadas. Após a redução manual, deve ser avaliada a viabilidade do intestino. A necessidade de ressecção intestinal fica em torno de 30% nos casos que evoluem para cirurgia. A vantagem da laparotomia é a de que, quando houver uma causa para a invaginação, está indicada sua correção. Sabe-se que os casos recorrentes costumam ser secundários. A recorrência pós-operatória é de 6%. A incidência de obstrução intestinal pós-operatória é em torno de 3-6%. Já a mortalidade fica em torno de 1%. Hoje em dia, discute-se o papel da laparoscopia nessa doença, o que permanece discutível. Não existem disponíveis pinças adequadas para realizar a “ordenha” do intestino. Pode ser útil na confirmação diagnóstica, principalmente em crianças maiores.

DIVERTÍCULO DE MECKEL Definição. É a anomalia congênita mais frequente (90%) do trato gastrintestinal, derivada do conduto onfalomesentérico. Sua causa advém da obliteração incompleta do ducto, que deveria ocorrer em torno da 7a ou 8a semana de gestação. Encontrado na borda antimensentérica do íleo terminal, a uma distância média da válvula ileocecal de 50-60 cm, com aproximadamente 3-5 cm de comprimento em média e um diâmetro que pode variar em torno de 0,5-3 cm, é considerado um divertículo verdadeiro por possuir as quatro camadas da parede intestinal. Pode ser livre em 75% dos casos ou aderido nos outros 25%.

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Quadro clínico. Em se tratando de uma anomalia, sua manifestação decorre das complicações que o envolvem. Entre elas, a obstrução intestinal é a mais comum, depois o sangramento intestinal, a diverticulite, a perfuração e sua apresentação dentro da hérnia inguinal (hérnia de Littré). Na obstrução intestinal, geralmente é um achado incidental durante a laparotomia, mas pode ser visualizado por exames de imagens. Sua apresentação mais comum é em torno dos 7 meses de vida. Quando o divertículo é aderido, a obstrução decorre de uma hérnia interna ou volvo. Já quando é livre, pode ocorrer invaginação intestinal, hérnia de Littré ou torção dele. Os casos de sangramento intestinal decorrentes do divertículo de Meckel ocorrem em torno dos 2 anos, sendo os mais frequentes da infância. São causados pela ulceração péptica da mucosa intestinal próxima à mucosa gástrica ectópica. Costumam ser significativos, agudos e indolores. Sua coloração é vermelho-viva em 35% dos casos, marrom em 40% e melena em apenas 7%. A cintilografia com tecnécio-99m costuma ser eficaz, pois 95% dos divertículos que sangram têm mucosa ectópica gástrica; visualiza-se captação fora do estômago e bexiga. É necessário um preparo com pentagastrina ou cimetidina. Com menos acurácia, a angiografia da artéria mesentérica superior pode demonstrar sangramentos quando o fluxo de perda sanguínea for maior que 1 mL/min. Já a diverticulite de Meckel é muito difícil de diferenciar da apendicite aguda. Sua frequência é menor porque a base é mais larga e tem menos tecido linfoide, porém sua apresentação é mais grave e rápida, com índices maiores de perfuração e peritonite generalizada. Tratamento. É sempre cirúrgico nas complicações. A via de acesso pode ser tanto por laparotomia quanto por laparoscopia. A técnica indicada é a ressecção em cunha na base do divertículo, reservando a ressecção do segmento ileal para quando a base for larga ou inflamada, gangrenosa ou houver doença intestinal. Quando há o achado incidental durante uma cirurgia por outra causa, permanece a discussão. Como rotina, não deve ser ressecado, a menos que palpe-se

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ABDOME AGUDO

Epidemiologia Q Frequência: 2% da população Q Sexo masculino: 2:1 Q Complicações: mais comum em meninos (75%) Q Mucosa ectópica: – Gástrica (75%); pancreática (5%); gástrica e pancreática (5%); duodenal (2%); jejunal (2%); colônica (1%); outros (10%) – Sintomáticos: 75-80% dos casos Q Complicações: risco cumulativo – Crianças: 4,2% – Adultos: < 3% – Idosos: 0% Q Entre 50 e 60% das complicações ocorrem antes de 1 ano de vida Q Associação com outras malformações: onfalocele (25%)

massa em seu interior, houver história de dor crônica ou sangramento, ou, ainda, potencial para complicação, como base estreita e comprimento longo.

OBSTRUÇÃO INTESTINAL POR BOLO DE ÁSCARIS Definição. Obstrução do intestino delgado, causada pela infestação maciça de Ascaris lumbricoides. Essa infestação é causada pela ingestão de alimentos contaminados. Epidemiologia. Aproximadamente 25% da população mundial apresenta ascaridíase. É mais comum em locais de clima quente e úmido, sem saneamento básico. Seu pico ocorre de 1-6 anos. Entre as complicações, as mais comuns são as intestinais (60%), as biliares (40%) e as pancreáticas (4%). Somente em 15% é necessário cirurgia de urgência.

ABDOME AGUDO

Classificação. Existem duas formas, a subaguda, responsável por 85% dos casos, em que a criança apresenta-se em bom estado geral e um quadro de suboclusão intestinal; e a complicada (15% dos casos), com febre alta, abdome distendido, dor abdominal localizada e sinais de irritação peritoneal. Quadro clínico. A eliminação de vermes por via oral e/ou anal está presente na história de 55% dos casos. A dor abdominal é queixa de todos os pacientes, e os vômitos, de 90%. No exame físico, além da distensão abdominal, uma massa abdominal é palpável em 70% dos casos. Já nos pacientes com quadro mais avançado, a irritação peritoneal também está presente. Exames de imagem Q Raio X de abdome agudo: auxilia no diagnóstico de obstrução. Existem sinais indiretos sugestivos de “bolo” de áscaris, como uma imagem de novelo com aspecto de “miolo de pão”. Q Ecografia abdominal: fica prejudicada pela distensão abdominal. Visualiza-se as paredes intestinais espessadas e a massa de áscaris. De maior utilidade quando há presença de complicações, como migração para a via biliar. Tratamento. Está indicado iniciar o tratamento clínico com NPO, SNG, reposição hidreletrolítica, administração de antiespasmódicos e uso de enemas diários. O uso de óleo mineral é controverso, principalmente na presença de vômitos, pelo risco de aspiração. Já o uso de vermífugos está indicado somente após se desfazer a obstrução. Os mais utilizados são piperazina, mebendazol e albendazol. Com a falha do tratamento clínico, em casos de complicações ou dúvida diagnóstica, está indicada a cirurgia. A abordagem é feita por meio de uma laparotomia. Na presença de intestino viável, deve-se tentar fragmentar o “bolo” e ordenhá-lo; no caso de estar inviável, opta-se por ressecção intestinal e ostomia.

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REFERÊNCIAS Fallat ME. Intussusception. In: Ashcraft KW, Holcomb III GW, Murphy JP. Pediatric surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2005. p. 533-42. Morrow SE, Newman KD. Appendicitis. In: Ashcraft KW, Holcomb III GW, Murphy JP. Pediatric surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2005. p. 577-83. Schropp KP. Meckel’s diverticulum. In: Ashcraft KW, Holcomb III GW, Murphy JP. Pediatric surgery. 4th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2005. p. 553-7. Souza JCK. Apendicite aguda. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 496-506. Souza JCK. Invaginação intestinal. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca, 2007. p. 476-83. Souza JCK. Obstrução intestinal por bolo de áscaris. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 484-7.

26.5

DOENÇAS CIRÚRGICAS DO TÓRAX E DA VIA AÉREA

JOSÉ CARLOS SOARES DE FRAGA FELIPE COLOMBO DE HOLANDA EDUARDO CORRÊA COSTA

Quando um recém-nascido (RN) apresenta cianose e/ou dificuldade respiratória, sinais sugestivos de insuficiência respiratória aguda, deve-se realizar imediata investigação para determinar a causa dessas manifestações. Dependendo da etiologia, costumam ainda estar presentes retração intercostal e/ou esternal, e salivação excessiva. A insuficiência respiratória pode ser decorrente de obstrução nas vias aéreas, doenças do pulmão, compressão pulmonar ou malformações traqueoesofágicas. Dependendo da doença causadora da insuficiência respiratória, essas manifestações podem ocorrer logo ao nascimento ou após a alta hospitalar.

OBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS O manejo da obstrução da via aérea no RN é desafiador. Nessas crianças, qualquer alteração mínima no calibre da via aérea provoca diminuição significativa na área total de ventilação. A etiologia da obstrução da via aérea neonatal é variada, observando-se desde anormalidades congênitas, como agenesia da laringe e compressão traqueal por vaso anômalo, até estenose subglótica iatrogênica ocasionada

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DOENÇAS CIRÚRGICAS DO TÓRAX E DA VIA AÉREA

Souza JCK. Patologias do Conduto Onfalomesentérico. In: Maksoud JG, organizador. Cirurgia pediátrica: teoria e prática. São Paulo: Rocca; 2007. p. 460-6.

por entubação traqueal prévia ou lesão de corda vocal por parto traumático. O mais importante para o manejo dessas crianças é o preparo e a antecipação da equipe médica.

ATRESIA DE COANAS A atresia de coana pode ser membranosa ou óssea, uni ou bilateral. A unilateral pode passar despercebida por muito tempo; a bilateral apresenta sintomatologia mais precoce e exuberante, com crises de sufocação e impossibilidade de respiração durante as mamadas. A suspeita diagnóstica surge pela impossibilidade da passagem de sonda para a orofaringe pelo nariz; o diagnóstico é realizado por estudo contrastado, tomografia computadorizada ou nasofibroscopia. A correção cirúrgica é realizada pela via transnasal ou transpalatal. Nas obstruções ósseas, há maior dificuldade cirúrgica, em geral necessitando de ressecção do osso e cobertura das áreas cruentas com retalhos mucosos.

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LARINGOMALACIA A laringomalacia é definida como o distúrbio caracterizado pelo colapso das cartilagens laríngeas durante a inspiração, com obstrução da glote. É a anomalia mais comum da laringe, bem como a causa mais frequente de estridor na criança. O estridor surge nas duas primeiras semanas de vida e é tipicamente do tipo inspiratório, exacerbando-se durante choro, agitação, alimentação e posição supina. A intensidade do estridor aumenta gradativamente até o 6o mês de vida e, após, vai melhorando progressivamente até desaparecer, em torno de 18-24 meses. O diagnóstico definitivo é realizado por meio de endoscopia, com a criança em respiração espontânea: o colapso pode ser decorrente de aritenoide redundante uni ou bilateral, epiglote aumentada (forma de ômega) ou ligamentos ariepiglóticos curtos. O tratamento é usualmente conservador, visto que a maioria das crianças apresenta melhora do estridor aos 2 anos de idade. Entretanto, 10% das crianças com laringomalacia apresentam obstrução ventilatória importante, com cianose, apneia, dificuldade de alimentação com disfagia e perda de peso, e obstrução respiratória completa intermitente, com surgimento de pectus excavatum e cor pulmonale. Atualmente estamos realizando oximetria e estudo polissonográfico para quantificar o grau de obstrução ventilatória e avaliar o resultado cirúrgico no pós-operatório. Até alguns anos atrás, a traqueostomia era indicada para esses pacientes; entretanto, devido aos riscos e complicações, a laringoplastia endoscópica tornou-se a primeira opção para o tratamento de crianças com manifestações graves. Na laringoplastia endoscópica, dependendo da causa da obstrução, realiza-se remoção da mucosa exuberante das cartilagens aritenoides, incisão das pregas ariepiglóticas e/ou ressecção parcial da epiglote.

ESTENOSE SUBGLÓTICA A estenose subglótica é definida como o estreitamento da região laríngea compreendida entre as cordas vocais verdadeiras e a margem inferior da cartilagem 330

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cricoide. As estenoses da região subglótica podem ser congênitas ou adquiridas. As adquiridas são responsáveis pela maioria dos casos de estreitamento subglótico em crianças, sendo geralmente secundárias à entubação traqueal prévia. As complicações da entubação traqueal na criança ocorrem mais na região subglótica, pois esse é o local mais estreito da via aérea nessa faixa etária. A estenose subglótica congênita ocorre devido à inadequada recanalização do lúmen da laringe na fase embrionária, podendo variar desde atresia, estenose e membrana até malformação da cartilagem cricoide. De acordo com os achados endoscópicos, a estenose subglótica é classificada em quatro tipos: 1) estreitamento de até 50% da luz; 2) estenose de 51-70% do lúmen; 3) obstrução de 71-99% da luz; 4) obstrução completa, com ausência de qualquer orifício subglótico. Essa classificação é importante para o planejamento terapêutico. A principal manifestação clínica de crianças com estenose subglótica é o estridor inspiratório e expiratório; também podem estar presentes dispneia, retrações esternais e intercostais e batimentos de asas do nariz. Laringites recorrentes ou persistentes podem ser manifestações de estenose subglótica menos grave. Exame radiológico da região cervical, em perfil, pode mostrar estreitamento da região subglótica. A tomografia computadorizada pode ser útil para demonstrar a extensão da estenose. A endoscopia respiratória rígida e flexível caracteriza a espessura e a extensão da estenose, bem como avalia o colapso supraglótico ou da base da língua, a mobilidade das cordas vocais e a presença de outras malformações concomitantes. A avaliação da presença de refluxo gastresofágico e distúrbios da deglutição são também importantes em crianças com estenose subglótica, já que o refluxo gastresofágico ou o gastrolaringofaringiano têm um papel importante no desenvolvimento e na exacerbação da estenose subglótica e podem comprometer o resultado da laringotraqueoplastia cirúrgica. O tratamento da estenose subglótica na criança é difícil e deve ser individualizado conforme a etiologia, a extensão, a idade e as condições gerais do paciente. A preferência é pela realização de um reparo cirúrgico em um único tempo, sem a necessidade de traqueostomia. Estenose congênita com obstrução leve deve ser observada, já que o diâmetro da região subglótica aumenta gradativamente com o crescimento, permitindo melhora da obstrução. Estenoses graves têm indicação de tratamento cirúrgico. Estenoses adquiridas menores, decorrentes da presença de tecido inflamatório, sem fibrose, podem responder bem à dilatação endoscópica ou aplicação de laser. Fissura cricoide anterior pode ser uma alternativa em RNs de baixo peso que não conseguem ser extubados, na tentativa de evitar a traqueostomia. Nos casos graves (graus 2 e 3), com presença de tecido fibroso, prefere-se a laringotraqueoplastia com interposição de cartilagem na região anterior e/ou posterior da cricoide. Estenoses grau 3 graves e grau 4, especialmente quando associadas à malacia significativa da traqueia proximal, são melhores tratadas pela ressecção cricotraqueal. Para realização dessa técnica cirúrgica, é fundamental que a estenose não comprometa a região subglótica imediatamente abaixo das cordas vocais. A traqueostomia é realizada na falência de todas as alternativas anteriores ou em crianças sem condições para o procedimento cirúrgico. Entretanto, deve-se evitar ao máximo sua realização devido às suas complicações imediatas e tardias.

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TRAQUEOMALACIA A traqueomalacia é definida como a oclusão do lúmen traqueal durante a ventilação, que ocorre devido a uma flacidez anormal da parede traqueal. A traqueomalacia está frequentemente associada à atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica e a outras anormalidades torácicas, tais como anéis vasculares e tumores. Ela também pode resultar de uma anormalidade congênita da estrutura cartilaginosa da traqueia, de doenças do tecido conectivo (condroplasias e policondrites) ou de defeitos cartilaginosos resultantes de infecção ou ventilação mecânica com altas pressões. As principais manifestações da traqueomalacia são o estridor expiratório e a tosse metálica. Muitas crianças não apresentam manifestações até 2 ou 3 meses de idade. Entretanto, em algumas, a evidência de traqueomalacia grave já é observada logo após a correção cirúrgica de atresia de esôfago devido à impossibilidade de extubação. As manifestações clínicas são classificadas em leve, moderada e grave. Nos casos leves, o colapso na expiração impede a eliminação adequada das secreções, sendo responsável por episódios ocasionais de infecção respiratória. Nos casos moderados, estridor e/ou sibilância estão associados com infecções respiratórias mais frequentes; algumas vezes, episódios de sufocação também estão presentes. Nos casos graves, as crianças apresentam obstrução respiratória, com cianose, estridor expiratório e quadros de apneia (dying spells). A obstrução pode ser aliviada somente após a entubação traqueal. Os episódios de sufocação são as manifestações mais graves desse grupo, geralmente ocorrendo 5-10 minutos após a alimentação. A criança continua a engolir apesar da cianose; se a alimentação não for interrompida, a sintomatologia progride para apneia, bradicardia, parada respiratória e cardíaca. O diagnóstico de traqueomalacia deve ser suspeitado pela história clínica de respiração ruidosa, sibilância, tosse metálica, episódios de sufocação, pneumonia recorrente ou impossibilidade de extubação devido à obstrução expiratória da via aérea. Em crianças com episódio de sufocação, devem-se realizar avaliações cardíaca, neurológica e esofágica para excluir outras anormalidades. Estreitamento traqueal pode ser notado na radiografia de tórax em perfil. Estudo contrastado de esôfago é fundamental não somente para avaliar a compressão da traqueia pelo esôfago, mas também para excluir estenose esofágica, fístula traqueoesofágica recorrente e refluxo gastresofágico, que podem produzir manifestações semelhantes. A broncoscopia rígida continua sendo fundamental para o diagnóstico definitivo da traqueomalacia, pois permite informações precisas do lúmen traqueal durante a ventilação. O exame é usualmente realizado sob anestesia, com a criança em respiração espontânea e não paralisada. Na criança com traqueomalacia, o lúmen traqueal apresenta uma forma elíptica, com a porção membranosa aumentada e colapso à expiração. Nos casos graves, observa-se colapso total do lúmen. A maioria das crianças com traqueomalacia pode ser tratada conservadoramente, visto que ocorre uma resolução espontânea das manifestações clínicas após 1 ano de idade. A correção cirúrgica deve ser realizada em crianças com ataques obstrutivos com risco de vida, pneumonias repetidas (mais do que três episódios em um ano) e impossibilidade de extubação. Em criança com essas manifestações, 332

deve-se realizar cuidadosa distinção entre traqueomalacia, fístula traqueoesofágica recorrente e refluxo gastresofágico grave. Traqueomalacia e refluxo gastresofágico podem estar presentes concomitantemente. Nesses pacientes, caso os sintomas respiratórios predominem, deve-se realizar inicialmente a correção cirúrgica da traqueomalacia. A aortopexia é reconhecida como o procedimento cirúrgico padrão para correção de traqueomalacia. A tração e fixação da aorta junto ao esterno possibilitam maior espaço no mediastino, tanto que o segmento de traqueia com malacia não é mais comprimido pelo esôfago ou pelas estruturas vasculares adjacentes. Em crianças cuja aorta já está localizada anteriormente, ou em casos de traqueomalacia de longa extensão, a aortopexia não é suficiente, devendo-se considerar a colocação de órteses na via aérea. Vários tipos de materiais foram colocados externamente e no interior da traqueia. Atualmente, prefere-se a colocação de órtese de Palmaz intraluminal.

Os estreitamentos congênitos da traqueia são geralmente ocasionados pela ausência de toda ou da maior parte da membranosa traqueal. A predominância da porção cartilaginosa da traqueia ocasiona a formação de uma traqueia circunferencial, com diâmetro reduzido. As estenoses congênitas da traqueia estão frequentemente associadas a outras malformações da árvore traqueobrônquica; a malformação mais comum, presente em cerca de 50% dos pacientes, é a presença de artéria pulmonar esquerda anômala, que se origina da artéria pulmonar direita e passa para o lado esquerdo por trás da traqueia, ocasionando algum grau de estreitamento desta. Outras malformações observadas são agenesia ou hipoplasia pulmonar unilateral, e brônquios lobares médio e inferior esquerdo originandose do brônquio principal. As crianças, ainda nos primeiros meses de vida, apresentam estridor, pneumonia ou ambos. Também podem apresentar sibilância, episódios de cianose, deficiência de crescimento, taquipneia ou tosse. A manifestação depende da gravidade da obstrução. Estenoses leves podem ocasionar sintomatologia obstrutiva apenas durante o exercício; estreitamentos graves ocasionam obstrução importante desde o nascimento, com risco de vida iminente. Radiografia simples do pulmão e da região cervical permite avaliação inicial da via aérea. Esofagograma com contraste é útil para excluir anel vascular, anomalia da artéria pulmonar e tumores esofágicos ou traqueais. A tomografia computadorizada com reconstrução tridimensional é o melhor exame, pois possibilita avaliar a severidade e a extensão da estenose, bem como a presença de anormalidades da artéria pulmonar, ramos traqueobrônquicos anormais, anormalidades do arco aórtico e a maioria de outras causas raras de obstrução traqueal. Uma avaliação cardíaca completa deve ser realizada em crianças com defeitos cardíacos associados. Não se preconiza mais a realização de traqueobroncografia nessas crianças devido ao risco de piora da obstrução respiratória. A broncoscopia somente é realizada quando há dúvida diagnóstica, sendo útil para confirmar o local e a gravidade da obstrução na porção superior da traqueia. Como o aparelho usualmente não pode ultrapassar a área estreitada, ele não permite a avaliação de toda a estenose. Diagnósticos diferenciais dessa 333

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ESTENOSE TRAQUEAL

lesão são a traqueomalacia, anel vascular completo, hemangioma ou tumores traqueais, cistos e infecção. A indicação de procedimento cirúrgico depende da gravidade da dificuldade respiratória, da extensão do estreitamento e da experiência do cirurgião com a técnica a ser utilizada. Os procedimentos cirúrgicos mais utilizados no tratamento da estenose traqueal congênita são dilatação com balão, ressecção com anastomose e traqueoplastia.

MALFORMAÇÕES PULMONARES

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ENFISEMA LOBAR CONGÊNITO O enfisema lobar congênito é definido como a hiperinsuflação isolada de um lobo pulmonar na ausência de compressão brônquica extrínseca. Acredita-se que, na maioria dos casos, a doença seja decorrente do colapso do brônquio correspondente. As manifestações clínicas incluem dificuldade respiratória, com taquipneia, retrações costais e sibilância. O exame físico mostra redução do murmúrio e hipertimpanismo no local correspondente. A radiografia de tórax mostra hiperinsuflação do lobo afetado, com desvio do mediastino e atelectasia dos lobos adjacentes. A tomografia de tórax é útil para descartar lesão extrínseca com compressão do brônquio lobar acometido. O lobo superior esquerdo é o mais comumente afetado. Ventilação com pressão positiva pode causar aumento da insuflação do lobo acometido, maior desvio do mediastino e piora da dificuldade ventilatória. Na cirurgia, após abertura do tórax, o pulmão hernia para fora da cavidade torácica. O mediastino deve ser inspecionado para se descartar obstrução brônquica extrínseca. Na ausência desta, realiza-se lobectomia da região acometida.

CISTO BRONCOGÊNICO O cisto broncogênico desenvolve-se como resultado de anormalidade na formação da árvore traqueobrônquica e pode ser encontrado no hilo pulmonar, no mediastino e dentro do parênquima pulmonar. Ele pode conter ar ou muco. Os cistos do mediastino ocasionam compressão da via aérea, originando manifestações de dificuldade ventilatória e sibilância; os cistos localizados no parênquima pulmonar ocasionam infecção pulmonar. A radiografia de tórax pode mostrar cisto dentro do parênquima pulmonar; a tomografia computadorizada mostra os cistos mediastinais e próximos ao hilo pulmonar. O tratamento é a remoção cirúrgica do cisto; nos intrapulmonares, pode ser necessária a lobectomia.

MALFORMAÇÃO ADENOMATOIDE CÍSTICA A malformação adenomatoide cística, de etiologia desconhecida, representa uma combinação de componentes sólidos e císticos, com crescimento exagerado dos bronquíolos terminais e perda da maturidade alveolar. A ecografia pré-natal pode demonstrar a lesão. Com o crescimento, ela pode determinar dificuldade respira334

tória no RN ou lactente. A radiografia de tórax pode ser diagnóstica, mas algumas vezes pode haver confusão com hérnia diafragmática congênita ou cisto broncogênico. A tomografia computadorizada ajuda a definir o diagnóstico. Dez por cento dos tumores malignos de pulmão têm origem dessa malformação. Quando a lesão é detectada intraútero e ocasiona hidropisia fetal, deve ser manejada no interior do útero materno, por meio de punção esvaziadora do cisto, colocação de dreno toracoamniótico ou lobectomia fetal. Lesões que não comprometem o desenvolvimento do feto e aquelas com diagnóstico mais tardio, mesmo que assintomáticas, devem ser removidas cirurgicamente, por meio de ressecção da lesão ou lobectomia.

A grande maioria das hérnias diafragmáticas ocorre na região posterolateral (hérnia de Bochdalek), com 85-90% delas no lado esquerdo. Defeitos anteriores (hérnia de Morgagni) são mais raros e geralmente não necessitam de manejo de urgência. Mesmo com todos os avanços de cuidados neonatais e opções de tratamento, a mortalidade da hérnia de Bochdalek continua elevada (40-50%). A fisiopatologia da hérnia diafragmática congênita envolve hipoplasia pulmonar, hipertensão pulmonar e deficiência de surfactante. O diagnóstico pode ser realizado por ecografia intraútero, tão precoce quanto 25 semanas de gestação, pela ausência da bolha gástrica intra-abdominal. A mesma hernia é identificada dentro do tórax, com ou sem desvio do mediastino. Podem ser também observados polidrâmnio e hidropisia fetal. Depois de realizado o diagnóstico intraútero de hérnia de Bochdalek, está indicada a realização de amniocentese para determinação do cariótipo. Cerca de 30% dos fetos com hérnia de Bochdalek são natimortos. Se nascerem vivos, eles geralmente apresentarão dificuldade respiratória grave logo ao nascimento ou após 24-48 horas. Somente 10% das crianças com hérnia diafragmática apresentam sintomatologia fora do período neonatal. O neonato apresenta taquipneia, retração costal, cianose e palidez. O exame físico revela abdome escavado, desvio lateral dos batimentos cardíacos à ausculta e ruídos intestinais no interior do tórax. O murmúrio vesicular está diminuído bilateralmente, mas é ainda menor no lado da hérnia. O diagnóstico é confirmado pela radiografia de tórax, que mostra alças intestinais com nível hidroaéreo dentro do tórax e desvio de mediastino. A disparidade entre oximetria de pulso pré-ductal e pós-ductal confirma a comunicação direita-esquerda e a manutenção da circulação fetal. Quase metade dos pacientes com hérnia diafragmática congênita têm outras malformações associadas, que muitas vezes contribuem para a morbidade e a mortalidade. São comuns defeitos cromossômicos (trissomias 13, 18 e 21), defeitos cardíacos, hipoplasia ventricular, anormalidades renais, urogenitais e defeitos do tubo neural. O tratamento da hérnia diafragmática congênita depende do momento do diagnóstico e da apresentação clínica. A intervenção fetal (reparo fetal, oclusão traqueal, etc.) e o transplante pulmonar são tratamentos atualmente experimentais, disponíveis em poucos centros especializados. Em contraste com o tratamento realizado no passado, que focava o reparo cirúrgico da hérnia diafragmática como 335

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HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA

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medida inicial, atualmente o tratamento dessa malformação prioriza o manejo da hipoplasia pulmonar, hipertensão pulmonar e deficiência de surfactante. Logo após o nascimento, o RN é entubado (evitando-se a ventilação com máscara) e recebe a administração de surfactante. Uma sonda nasogástrica é passada para descomprimir o estômago e prevenir distensão intestinal. Realiza-se, a seguir, cateterismo da artéria e veia umbilicais, monitoração cardíaca, sondagem vesical e obtenção da medida da pressão arterial sistêmica, gasometria arterial e oximetria de pulso pré e pós-ductal. Antibióticos parenterais são também iniciados. A radiografia de tórax é realizada para confirmação diagnóstica. A investigação posterior inclui ecocardiografia (avaliar malformações cardíacas, função e massa ventricular e grau do shunt direita-esquerda) e ecografia abdominal (malformação renal). A ventilação mecânica convencional deve ser realizada com baixas pressões, mantendo a saturação de oxigênio acima de 90%. O pico de pressão inspiratória deve estar preferentemente abaixo de 30 cm H2O, a fim de reduzir barotrauma. Hipercapnia é permitida, desde que se mantenha o pH, com ou sem uso de bicarbonato, acima de 7,2. A utilização de sedação com narcóticos e relaxantes musculares é útil para controlar a ventilação e reduzir as pressões na via aérea. Mesmo com a ventilação convencional, alguns RNs desenvolvem grave dificuldade respiratória, que pode ser manejada por ventilação de alta frequência, uso de óxido nítrico inalatório ou oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO). O reparo cirúrgico da hérnia diafragmática congênita é realizado após estabilização clínica da criança e controle da hipertensão pulmonar. Em geral, isso é obtido após 24-48 horas de tratamento clínico, mas, às vezes, a estabilização é obtida após tempo mais longo. Por meio de laparotomia se realiza avaliação e redução cuidadosa das vísceras de dentro do tórax, remoção do saco herniário, se presente, e fechamento do diafragma pela aproximação de suas bordas com fio não absorvível. Se o defeito for grande, com impossibilidade de fechamento primário, o orifício é fechado com material sintético, sendo o ideal a tela de PTFE (Gore-Tex®). Não é mais necessária a colocação de dreno torácico no pós-operatório, a não ser que seja esperado grande sangramento local.

PNEUMOTÓRAX O pneumotórax é definido pelo acúmulo anormal de ar no espaço pleural, com consequente colapso secundário do pulmão. O ar origina-se mais comumente da ruptura do pulmão e da pleura visceral, embora também possa ser secundário à perfuração de esôfago ou à perda da integridade da parede torácica. O pneumotórax espontâneo ocorre mais frequentemente no RN; o pneumotórax adquirido é mais comumente iatrogênico. A apresentação clínica do pneumotórax é diretamente relacionada ao grau de colapso pulmonar. No período neonatal, frequentemente manifesta-se por cianose súbita, diminuição do murmúrio vesicular e abaulamento do hemitórax afetado. Naqueles RNs entubados, deve-se suspeitar de pneumotórax quando ocorre dificuldade ventilatória súbita, com redução do murmúrio vesicular e neces-

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sidade de aumento dos parâmetros ventilatórios. Alguns autores têm preconizado a transiluminação do tórax para detecção rápida do pneumotórax em neonatos. Se o estado clínico da criança permitir, o diagnóstico de pneumotórax deve ser preferentemente confirmado por meio de radiografia torácica. É importante lembrar que crianças com pneumotórax hipertensivo não devem aguardar a realização da radiografia de tórax para confirmação diagnóstica, mas submeter-se à drenagem torácica de urgência. Pneumotórax grande, sintomático, com aumento progressivo ou com impassibilidade de reexpansão pulmonar deve ser drenado. Indicamos a drenagem torácica fechada e apenas raramente optamos pela punção esvaziadora. O pneumotórax espontâneo assintomático do RN, com comprometimento de menos de 20% da cavidade torácica, não necessita de tratamento. Entretanto, o RN deve ser cuidadosamente monitorado, com observação da cor, dificuldade respiratória e frequências cardíaca e respiratória. Se ocorrer dificuldade respiratória importante (taquipneia, retrações esternais ou intercostais, cianose), o pneumotórax deve ser drenado. É necessário cuidado com o pneumotórax espontâneo bilateral. Se o RN não puder ser monitorado e observado constantemente, é prudente a drenagem de pelo menos um dos lados para evitar o risco de insuficiência respiratória decorrente de pneumotórax bilateral. O pneumotórax hipertensivo é condição emergencial devido ao risco de vida imediato, devendo ser drenado de emergência. No RN com piora súbita, especialmente naquele em ventilação mecânica que necessita de aumento dos parâmetros ventilatórios e em que se suspeita de pneumotórax hipertensivo, deve-se realizar drenagem torácica de emergência. Na impossibilidade de colocação de dreno torácico tubular definitivo, deve-se introduzir uma agulha calibrosa (butterfly 19 ou 21, ou abocath 16 ou 18) no segundo espaço intercostal, na linha hemiclavicular correspondente, e aspirar o ar com uma seringa. Após a retirada da maior quantidade possível de ar, a agulha, por meio de um cateter plástico, deve ser conectada a um frasco de drenagem. O tratamento definitivo do pneumotórax é realizado, assim que possível, pela colocação de um dreno torácico, que é mantido em aspiração contínua. A recorrência do pneumotórax durante a drenagem torácica do pneumotórax hipertensivo não é incomum. Nessa circunstância, se o tubo estiver comprovadamente obstruído, ele deve ser trocado; se o tubo não estiver ocluído, outro dreno mais calibroso deve ser introduzido. Pneumotórax decorrente de barotrauma deve ser drenado, pois a criança em ventilação mecânica já está com comprometimento pulmonar, e esse tipo de pneumotórax tem alta tendência de evolução para o pneumotórax hipertensivo. A drenagem de pneumotórax é realizada pela colocação de dreno tubular no 4o espaço intercostal, na linha axilar anterior. Usa-se como guia para a drenagem o ponto de cruzamento entre a linha intermamilar e a linha axilar anterior. Nesse local, a cicatriz não fica visível, e a inserção do tubo é facilitada, já que o espaço intercostal se localiza logo abaixo da pele e do tecido subcutâneo. O dreno é fixado à pele com fio não absorvível, com ponto de fixação em forma de “U” e amarrado de maneira que possa ser utilizado para fechar o orifício de drenagem no momento da retirada do dreno.

DEFORMIDADES CONGÊNITAS DA PAREDE TORÁCICA As deformidades congênitas da parede torácica são comumente divididas em cinco categorias: pectus excavatum, pectus carinatum, síndrome de Poland, defeitos esternais e desordens difusas do esqueleto acompanhadas por deformidades do tórax. Embora tenha um espectro variado de apresentação, a maioria das deformidades torácicas não é ameaçadora à vida e, em geral, ocasiona nenhum ou um mínimo impacto fisiológico.

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PECTUS EXCAVATUM É a deformidade mais comum da parede torácica anterior, decorrente de depressão do esterno e das cartilagens costais inferiores. É mais frequente em meninos do que em meninas (3:1), ocorrendo em aproximadamente 1:1.000 crianças. Compreende 88% de todas as patologias. Em 90% dos casos, é notado no primeiro ano de vida. A etiologia ainda permanece incerta, mas a associação com escoliose (incidência de 15%) e síndrome de Marfan sugere que algum defeito do tecido conjuntivo possa estar envolvido. As crianças mostram-se com um espectro variado de apresentações, desde casos com depressão leve até aqueles em que o esterno localiza-se próximo aos corpos vertebrais. As consequências da depressão do esterno na função cardiopulmonar ainda são discutíveis, embora alguns pacientes refiram melhora da tolerância ao exercício após a correção cirúrgica. Na avaliação inicial, todos os pacientes são submetidos a anamnese e exame físico completo, de preferência com documentação fotográfica. Aqueles com defeitos leves ou moderados são tratados com exercícios e atividades posturais; aqueles com defeitos severos são submetidos a exames objetivos (tomografia computadorizada de tórax e ecocardiografia) para avaliar a necessidade de cirurgia. A tomografia é extremamente útil, pois demonstra o grau de compressão e deslocamento cardíaco e pulmonar (atelectasias), assimetria do tórax e torção do esterno. Ela também é útil para determinar o índice obtido dividindo o diâmetro transverso pelo diâmetro ântero-posterior do tórax. A cirurgia é indicada nas crianças com índice maior que 3,25, quando a compressão estiver ocasionando doença obstrutiva ou restritiva das vias aéreas ou alterações cardíacas (sopros, prolapso mitral ou anormalidades de condução ou de ritmo cardíaco), ou ainda quando o defeito estiver ocasionando problemas psicológicos. A idade para realizar a cirurgia depende do tipo de procedimento cirúrgico. No reparo minimamente invasivo por meio da colocação de barras metálicas retroesternais (cirurgia de Nuss), o procedimento pode ser feito em qualquer idade, preferindo-se a cirurgia após os 6 anos de idade. As cirurgias que envolvem ressecção de cartilagens costais (cirurgia de Ravitch) devem ser realizadas preferentemente após 10-12 anos de idade, já que esse tipo de cirurgia em crianças menores pode estar associado à perda de crescimento das cartilagens removidas e resultante restrição do crescimento e desenvolvimento pulmonar.

PECTUS CARINATUM Menos comum que a deformidade anterior, o pectus carinatum é responsável por somente 5% das deformidades torácicas congênitas. Afeta mais meninos do 338

que meninas (4:1) e, em quase metade dos pacientes, não é notado ao nascimento, mas somente após o início da puberdade. A apresentação mais frequente é a protrusão simétrica da porção inferior do esterno, bem como das cartilagens costais, denominada protrusão condrogladiolar. Pela apresentação clínica mais tardia, a maioria dos pacientes procura atendimento já na adolescência. A técnica cirúrgica preconiza a remoção das cartilagens mal posicionadas bilaterais, a fratura do esterno, que é deslocado inferiormente, e a manutenção do pericôndrio para orientação do crescimento das novas cartilagens.

É uma síndrome de ocorrência esporádica, estimada em 1:30.000 nascidos vivos. Várias causas têm sido sugeridas, incluindo migração anormal de tecidos embrionários envolvidos na formação da musculatura peitoral ou hipoplasia da artéria subclávia, mas nenhuma dessas teorias tem sido uniformemente aceita. Pode apresentar uma variedade muito grande de apresentação clínica, com um ou mais dos seguintes achados: ausência dos músculos peitoral maior ou menor, serrátil anterior, reto abdominal e grande dorsal; atelia, amastia ou deformidades do mamilo; deformidades de membros (sindactilia ou braquidactilia); ausência de pelos e tecido subcutâneo anormal na axila. O tratamento cirúrgico é raramente necessário, estando indicado naqueles pacientes que apresentam ausência de costelas ou severa concavidade do tórax ipsilateral.

DEFEITOS ESTERNAIS Os defeitos esternais são bastante raros quando comparados aos defeitos torácicos de compressão e protrusão. De fato, os relatos de casos desses tipos remontam a séculos passados, quando os anciões acreditavam que o nascimento de uma criança com o “coração aberto, sem nenhuma pele”, prediria tempos de calamidade. Apresentações dramáticas como essas, desde aquele tempo, vêm permeando a literatura médica em relatos esporádicos. Por isso, por diversas maneiras, temse, ao longo do tempo, tentado uma classificação anatômica e prognóstica mais fiel à realidade. Atualmente, classificam-se as malformações esternais em: ectopia cordis torácica, ectopia cordis cervical, ectopia cordis toracoabdominal e fenda esternal; essa última a menos severa, na qual raramente há anomalias cardíacas intrínsecas ou associação com outras malformações.

DISTÚRBIOS ESQUELÉTICOS DIFUSOS COM DEFORMIDADES TORÁCICAS São doenças osteocondrais com envolvimento da caixa torácica. As mais comuns são a distrofia torácica asfixiante (síndrome de Jeune) e a displasia espondilotorácica (síndrome de Jarcho-Levin). Clinicamente, os RNs apresentam tórax estreito, rígido, em forma de sino, e um abdome protuberante. As costelas são curtas e alargadas, e a cartilagem costal é abundante e irregular. Essas síndromes têm extensão variável na função pulmonar; entretanto, as tentativas cirúrgicas de 339

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SÍNDROME DE POLAND

aumentar-se a cavidade torácica são muito pobres e acabam resultando em hospitalização prolongada e falência respiratória.

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HIPERIDROSE É definida como a secreção de suor pelas glândulas écrinas em quantidades maiores que as necessárias para a termorregulação. É comumente uma condição crônica idiopática (primária); contudo, condições médicas secundárias ou uso de medicações devem ser excluídos. Estima-se que a hiperidrose ocorra em 0,6-1% da população. A incidência é maior entre crianças, adolescentes e adultos jovens. Os sexos são acometidos da mesma forma, mas as mulheres toleram menos e procuram atendimento com maior frequência. Ansiedade e estresse são comuns em 70% dos casos. Existe um importante componente genético, pois os pacientes apresentam uma história familiar positiva em torno de 30-65% das vezes. Pacientes com hiperidrose primária geralmente têm envolvimento focal da face, mãos, pés ou axilas. O surgimento de hiperidrose generalizada sugere outro diagnóstico. Pode ocasionar embaraço, frustrações, afastamento pessoal e baixa autoestima. Nas crianças, esse aumento da sudorese, além das alterações emocionais, traz prejuízos no aprendizado escolar, como dificuldade na escrita e até mesmo perdas de trabalhos, que acabam molhados, diminuindo, inclusive, a qualidade de vida. A investigação começa por anamnese e exame físico completos. Devemos dar atenção especial aos seguintes fatores: localização da sudorese, severidade, idade de início, quando ocorre, em qual situação, existência de fatores precipitantes, existência de outros sintomas, uso de medicações e história psicossocial, mórbida pregressa e familiar. Raramente existe necessidade de propedêutica complementar. O tratamento pode ser clínico ou cirúrgico, dependendo da severidade dos sintomas e do êxito de cada tratamento proposto. Em casos leves, propõe-se o uso de antitranspirantes à base de sais de alumínio ou zircônio. O tratamento elétrico (ou iontoforese) consiste na introdução de solutos de sais com uma corrente elétrica através da pele. Causa o bloqueio dos ductos sudoríparos ao nível do estrato córneo pela ação de corrente elétrica leve. Para aumentar a efetividade, pode-se adicionar ao tratamento agentes anticolinérgicos; estes últimos, no entanto, têm tido efeito apenas temporário. Aos pacientes refratários a esses tratamentos têm se advogado o uso de toxina botulínica intradérmica na região das axilas como última tentativa antes da cirurgia. Seu grande limitador é o custo e a necessidade de repetir o procedimento a cada seis meses, em média. A cirurgia proposta (simpatectomia toracoscópica) prevê a eletrocauterização com retirada do gânglio aos níveis do gânglio simpático da terceira (T3) e da quarta (T4) vértebras torácicas. A resposta à correção cirúrgica normalmente já é evidenciada na sala de recuperação e até mesmo na sala cirúrgica pela palpação das mãos dos pacientes, que já estão secas e quentes. Além das complicações inerentes ao procedimento cirúrgico (risco menor que 1%), os efeitos colaterais mais comuns são a sudorese compensatória e gustatória.

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DOENÇAS CIRÚRGICAS DO TÓRAX E DA VIA AÉREA

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UROLOGIA PEDIÁTRICA

EDUARDO CORRÊA COSTA JOSÉ CARLOS SOARES DE FRAGA

FIMOSE Definição. Impossibilidade de retração do prepúcio sobre a glande, impedindo de expô-la, por aderências balanoprepuciais ou estenose do meato prepucial. Classificação. Divide-se em fisiológica e não fisiológica, sendo que a última pode ser complicada ou não complicada. É considerada fisiológica a que ocorre em meninos recém-nascidos (RNs) até 4 anos de idade sem complicações, em que há persistência das aderências balanoprepuciais. Já a não fisiológica acontece por estenose do meato prepucial, sendo complicada quando ocorre balanite, balanopostite, obstrução urinária, infecção urinária e parafimose.

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Embriologia. A formação do prepúcio ocorre a partir do 3o mês de gestação nos sentidos distal e ventral, encerrando em torno do 5o mês, após o fechamento da uretra glandular. Após, inicia-se uma epitelização da glande, que acarreta a separação da glande do prepúcio, e que geralmente se completa após o nascimento. Epidemiologia Q 5% dos RNs retraem completamente o prepúcio Q em 46% dos RNs, visualiza-se o meato uretral Q 20% retraem o prepúcio aos 6 meses Q 50% o fazem na idade de 1 ano Q 80% aos 2 anos Q 90% aos 4 anos Tratamento. Até os 4 anos, se o paciente não apresentar nenhuma complicação, não há indicação para se realizar retração forçada do prepúcio, fato que pode provocar lesões com consequentes fibrose e fimose permanente. A higiene adequada é a única conduta até os 4 anos. Após essa idade, ou em casos com complicações, o tratamento clínico pode ser adotado com uso de cremes de esteroides tópicos por 1-2 meses. Existem, à disposição, cremes com betametasona a 0,05%, hidrocortisona a 1 ou 2% ou triancinolona a 0,1-1%. Nos pacientes refratários ao uso de corticoides tópicos, é necessária intervenção cirúrgica, com realização de postoplastia ou postectomia. Postoplastia é a incisão longitudinal do anel prepucial estreitado com sutura transversal da pele, realizando-se, assim, um “relaxamento” da estenose do meato prepucial. Sua indicação é reservada para pacientes com anel estreito e para aqueles que se mostram cooperativos em realizar higiene diária após a cirurgia. É a técnica indicada nos casos de parafimose.

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A postectomia consiste na retirada total ou parcial do prepúcio. Na reduzida, opta-se pela retirada da porção do prepúcio que contém o anel fimótico, mantendo-se a glande parcialmente encoberta pelo prepúcio. Já na postectomia clássica, ou circuncisão, todo o prepúcio é removido, expondo, assim, permanentemente, o sulco balanoprepucial. Esse último procedimento é indicado nos pacientes com infecção urinária. Na cirurgia, podem ser utilizados dispositivos para facilitar a técnica cirúrgica, tais como Plastibell, Gomco e Mogen. Complicações. São as mais variadas possíveis. As agudas são sangramento, remoção excessiva de pele, amputação peniana, necrose peniana, lesão uretral, infecções, retenção urinária e deiscência de sutura. As tardias são fístula uretrocutânea, estenose meatal e pênis embutido.

TESTÍCULOS NÃO DESCIDOS Definição. Ocorre quando o testículo não é palpado dentro da bolsa escrotal ou quando ele não pode ser trazido para dentro dela durante o exame físico. Também conhecido como síndrome do escroto vazio. Embriologia. Os testículos se formam abaixo do rim na crista geniturinária. Sua descida acontece em dois estágios, um intra-abdominal (do 1o ao 7o mês de gestação) e outro inguinoescrotal (do 7o ao 9o mês). Essa migração finaliza-se em torno da 35a semana e depende de vários fatores hormonais e mecânicos ainda não completamente compreendidos. Classificação. Clinicamente a diferenciação é feita entre testículos palpáveis e impalpáveis. Os palpáveis podem ser ectópicos ou criptorquídicos. Os ectópicos apresentam uma descida normal até o anel inguinal e, depois, uma migração para fora do trajeto usual de descida, podendo se localizar na região inguinal, pré-peniana, femoral ou mesmo perineal. Os criptorquídicos são aqueles que pararam sua descida durante a migração embriológica, sendo encontrados no trajeto usual de descida testicular. Os testículos impalpáveis podem ser decorrentes de ausência ou atrofia, ou estar em localização intra-abdominal. Os testículos

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Controvérsias. Realizar ou não a circuncisão é um dos temas mais controversos da urologia. Excluindo-se as razões religiosas da circuncisão, existem os que advogam que a postectomia está indicada para diminui a incidência de infecção urinária, câncer peniano, doenças sexualmente transmissíveis e câncer cervical. Apesar desses benefícios médicos, a Academia Americana de Pediatria considera que não haja indícios suficientes para indicar-se a circuncisão de rotina no período neonatal. Existe também a tendência de se evitar a postectomia em pacientes que apresentam fimose não fisiológica não complicada, ao menos durante o período de suscetibilidade emocional do conflito edipiano (2-4 anos), na tentativa de evitar uma sequela emocional após o procedimento cirúrgico.

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retráteis não são considerados não descidos e são funcionalmente normais, não necessitando, portanto, de tratamento. Eles podem estar, em algum momento, ausentes da bolsa escrotal, mas, durante o exame físico (criança sentada, com pernas fletidas e dobradas), eles são colocados na bolsa e lá permanecem após o término do exame. Epidemiologia Q Criptorquídicos: 95% dos casos – 20% deles são impalpáveis – Somente 25% são ausentes Q Ectópicos: 5% dos casos Q RNs: 3-5% nascem com testículos não descidos – 15% são bilaterais Q Prematuros: os casos aumentam para 33% – < 1.500 g: 60-70% Q 1 ano de vida: em 1%, ainda não desceram e não descerão mais – Estudo de série mostra descida testicular dos 3 aos 9 meses Q História familiar: corresponde a 12-15% dos casos Q Anomalias associadas: – Persistência do conduto peritoneovaginal, anomalias do epidídimo, hipospádia, válvula de uretra posterior, anomalias do trato urinário superior, defeitos da parede abdominal, defeitos do tubo neural, extrofia de bexiga, artrogripose múltipla congênita, síndrome de prune-belly, distúrbios com deficiência da gonadotrofina, retardo mental. Complicações. A infertilidade é uma complicação comum e está associada à temperatura maior a que é submetido o testículo não descido. Essa temperatura elevada está associada a alterações progressivas tanto nas células germinativas como nas de Leydig; por isso, a cirurgia é indicada precocemente. Ainda existem as alterações congênitas intrínsecas do testículo criptorquídico, mas essas não podem ser alteradas. Dos pacientes com criptorquidia unilateral, 50% apresentam contagem anormal de espermatozoides no sêmen, já daqueles com bilateral, 75% apresentam essa contagem. Existe uma associação aumentada com hérnia inguinal, uma vez que a persistência do conduto peritoneovaginal está presente em torno de 90% dos casos. A torção do testículo criptorquídico é maior que no testículo normal, pois ele tem uma maior mobilidade por alterações da fixação. O risco de trauma está levemente aumentado, uma vez que o testículo fica mais exposto a traumas diretos na região inguinal. O risco de malignidade está aumentado de 25-30 vezes nos pacientes com criptorquidia, sendo que 11% dos cânceres de testículos ocorrem em pacientes com testículos criptorquídicos. Apesar ter uma ocorrência rara (em 1% dos pacientes com criptorquidia), infelizmente a cirurgia não pode evitar esse risco, mas pode facilitar a palpação e o diagnóstico precoce da lesão. Além disso, acredita-se que pacientes com criptorquidia que desenvolvem câncer de testículo apresentem tipo histológico mais agressivo quanto mais tarde for realizada a cirurgia. Deve-se levar ainda em consideração os fatores psicológicos promovidos 344

pela ausência dos testículos na bolsa, como baixa autoestima e “brincadeiras” indesejadas dos amigos, fora a ansiedade com relação a uma possível infertilidade.

Exames subsidiários. os exames subsidiários não são importantes na avaliação da criptorquidia. Em alguns casos, eles podem ser úteis não para localizar o testículo, mas sim para ajudar na elucidação do diagnóstico. Em pacientes com testículo impalpável, uma ecografia abdominal pode evidenciar a ausência renal do mesmo lado. Já nos testículos impalpáveis bilaterais, as dosagens, bem como os testes de estímulos hormonais, ajudam na diferenciação dos casos de anorquia daqueles com testículos não descidos. Dentre todos os exames, somente a laparoscopia mostrou ser efetiva e fundamental nas crianças com testículos impalpáveis, pois permite a confirmação da presença ou da ausência deles por meio da visualização direta. Além disso, possui, como vantagem, a possibilidade de corrigir a anormalidade ainda durante a realização da laparoscopia. Tratamento. O uso de terapia hormonal ainda é controverso. Não está indicado em pacientes com hérnia inguinal associada, nem em testículos ectópicos. A hormonoterapia mais utilizada no Brasil é o HCG. Alguns estudos demonstraram um sucesso de 12% na descida com o uso de hormônio; além disso, sugerem que o uso após a orquidopexia pode aumentar a contagem de células germinativas. Entretanto, não há dados suficientes para comprovar a relevância clínica. O tratamento cirúrgico está indicado após os 6 meses e antes de completar 1 ano de idade, pois, além dos benefícios clínicos, é melhor que o paciente tenha uma cirurgia na genitália antes dos 18 meses, por haver menos ansiedade de separação e medos de castração. Quando o testículo for palpável, estará indicada a orquidopexia realizada por meio de exploração inguinal. Além da fixação do testículo na bolsa escrotal, é importante corrigir a persistência do conduto peritoneovaginal. Nos meninos com testículo impalpável, está indicada a laparoscopia. Dela advém um leque importante de possíveis condutas que dependerão da existência 345

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Quadro clínico. A anamnese e o exame físico são muito importantes. Na história, é importante perguntar desde quando os pais notaram a bolsa escrotal vazia, se, em algum momento, o testículo aparece na bolsa e se há alguma tumoração na região inguinal. No exame físico, deve-se atentar para a inspeção da bolsa escrotal, pois como ela nunca foi habitada, provavelmente será hipotrófica. Na palpação, é importante examinar a bolsa escrotal e a região inguinal, lembrando sempre que o testículo pode ser ectópico, sendo necessário exame do períneo, da região femoral e pubiana. Uma vez palpado o testículo na região inguinal, deve-se ordenhá-lo até a bolsa escrotal. Aqueles que permanecem sem dificuldade na bolsa e que não retraem no mesmo momento são os considerados retráteis; já aqueles que não descem facilmente ou que não permanecem na bolsa são os criptorquídicos. Existem manobras para facilitar a descida do testículo, por meio do relaxamento do músculo cremaster, tais como examinar a criança sentada, com as costas eretas e com os calcanhares próximos ao períneo (manobra de Bunce).

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e da posição do testículo. Quando os vasos testiculares estiverem entrando no anel inguinal, deve-se interromper a laparoscopia e realizar uma exploração inguinal. Quando os vasos testiculares acabarem em fundo cego, provavelmente o testículo não existe ou involuiu, podendo ser interrompida a cirurgia. Se o testículo estiver realmente dentro da cavidade abdominal, pode-se realizar a sua liberação por videocirurgia com orquidopexia no mesmo tempo cirúrgico. Já nos casos intra-abdominais em que os vasos espermáticos são curtos, é realizada a ligadura destes por videocirurgia em um tempo cirúrgico, e, após 6-12 meses, é realizado o segundo tempo, quando se traz o testículo para a bolsa preservando a circulação colateral, principalmente do gubernáculo e da artéria deferencial. Esse procedimento é conhecido por Fowler-Stephens. Há relato de microcirurgia, com anastomose vascular usando microscópio, para os casos em que o testículo era considerado muito alto, porém essa experiência não pode ser reproduzida em outros centros. A realização de biópsia testicular não está indicada de rotina para avaliação da fertilidade. Outro tópico muito controverso é quando realizar a orquiectomia. Algumas indicações são: paralisia cerebral com testículo intra-abdominal, anormalidades genéticas, testículo atrófico ou disgenético. Existe uma outra indicação de orquiectomia ainda mais controversa: em pacientes com criptorquidia unilateral que não foram operados até o período pós-puberal.

HIPOSPÁDIA Definição. Interrupção no desenvolvimento normal da uretra, do prepúcio e da área ventral do pênis. Além da posição do meato, pode existir encurvamento do pênis e alteração de prepúcio, geralmente em “capuz”. Apesar de ser mais frequente no sexo masculino, não é exclusiva, podendo se apresentar no sexo feminino. Embriologia. No final do 1o mês de gestação, a genitália não apresenta definição em relação ao sexo. A testosterona influencia a masculinização da genitália externa em torno da sétima semana. No final do primeiro trimestre (18 semanas) a uretra peniana e o prepúcio já estão formados. Qualquer alteração antes desse período pode levar à hipospádia. Classificação. As hipospádias são classificadas de acordo com a localização do meato uretral em distais, médias e proximais. As distais podem se subdividir em glandulares, coronais e subcoronais. As médias são aquelas que se implantam no trajeto do corpo do pênis; as proximais dividem-se em penoescrotal, escrotal e perineal. É importante também levarmos em consideração o grau de encurvamento do pênis e a posição do meato após sua correção. Epidemiologia Q 1:125 meninos nascidos vivos Q 14% de incidência nos descendentes 346

Q Q

8% de incidência nos ascendentes Em gêmeos homozigóticos, há um aumento de 8,5 vezes na chance de ocorrer hipospádia Q Nos Estados Unidos, nascem 6 mil meninos por ano com hipospádia Q Houve uma duplicação da prevalência nos últimos 20 anos Anomalias associadas. Existe uma associação com testículos não descidos de 9%, sendo que essa incidência aumenta para 30% nos casos mais proximais, e severos, portanto. Há associação com hérnia inguinal em torno de 9% também. Outras alterações do sistema urinário são infrequentes. É importante salientar que os pacientes com hipospádia e com gônadas impalpáveis bilateralmente devem sem avaliados como anormalidade do desenvolvimento sexual, segundo protocolo já existente. Quadro clínico. Na anamnese, informações como história familiar e uso de medicações durante a gestação podem orientar uma causa, apesar de essas informações só servirem como aconselhamento para uma próxima gestação, uma vez que o tratamento é meramente cirúrgico. No exame físico, devemos atentar para a posição do meato, grau de encurvamento peniano, formato do prepúcio e implantação da bolsa escrotal na base do pênis.

Tratamento. Está indicado o tratamento cirúrgico para todos os pacientes. A idade para a correção cirúrgica é variável, mas há um consenso de que ela deva ser realizada após os 6 meses de vida e antes dos 18 meses, para evitar o período de treinamento esfincteriano e da suscetibilidade emocional diante do conflito edipiano. Os principais objetivos da correção cirúrgica devem ser criar um meato uretral e glandes normais, pênis reto, uretra normal, com cobertura de pele e posição normal da bolsa escrotal em relação ao pênis. A realização precoce da cirurgia e o mínimo período de internação levam à diminuição da ansiedade de separação e dos medos em relação à cirurgia genital. Existem numerosas técnicas descritas para a correção da hipospádia; muitas delas podem ser usadas, inclusive, concomitantemente de acordo com a severidade do caso. Sua grande variedade impede a descrição de todas. Nos casos distais, a cirurgia em um só tempo é preferida, mas, em casos mais proximais ou em reoperações, cirurgias estagiadas podem ser necessárias. Na maioria dos casos, é deixada uma sonda uretral no pós-operatório, que tem como função drenar a urina, bem como servir como molde da neouretra. Um curativo compressivo é realizado no pós-operatório, sendo deixado em torno de 24-48 horas. Complicações. Houve um tempo em que as hipospádias eram acompanhadas de altas taxas de complicações. Com o avanço das técnicas e o refinamento dos 347

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Exames subsidiários. Somente são relevantes na investigação de anomalias associadas.

materiais cirúrgicos, as complicações foram reduzidas para 10-15%. As mais frequentes são fístula uretrocutânea, estenose de meato, persistência de encurvamento, hematomas, infecção e deslocamento da sonda uretral. Cada complicação deve ser tratada de forma individualizada, mas se espera em torno de seis meses para reoperação, pois há, nesse tempo, uma diminuição da resposta inflamatória gerada pela primeira cirurgia.

ENURESE NOTURNA Definição. Persistência da micção involuntária após o tempo esperado para o controle esfincteriano durante a noite. Pode ser monossintomática quando a incontinência é o único sintoma; primária, quando nunca houve controle esfincteriano, ou secundária, quando as perdas acontecem após 6 meses da obtenção do controle. Epidemiologia Ocorre em 15-25% das crianças com 5 anos 15% é a taxa de cura espontânea por ano É mais comum em meninos (3:2) 2-3% dos adolescentes ainda a apresentam Nos adultos, ocorre em somente 1%

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Etiologia. É considerada um sintoma, não uma doença. Existem várias causas para esse sintoma, mas as evidências sugerem que a causa é multifatorial. Q

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Genética: há um aumento da incidência em crianças cujos pais também apresentaram enureses. Em gêmeos homozigóticos, a concordância é de 68%; em heterozigóticos, de 36%. Foi identificado, em estudos de DNA, o gene ENUR 1, ligado à enurese. Retardo do desenvolvimento: é a hipótese mais popular, uma vez que a maioria das crianças melhora com o tempo. Esse atraso da maturação faz com que a criança perca a habilidade de inibir o esvaziamento vesical durante a noite. Existe também a possibilidade de capacidade funcional vesical diminuída nessas crianças. Alterações do sono: há relatos de que essas crianças apresentariam um sono mais profundo, porém os estudos demonstram uma variabilidade ampla no padrão de sono dessas crianças. Obstrução da via aérea superior: em pacientes com apneia obstrutiva do sono, a tonsilectomia e adenoidectomia demonstram um índice de melhora de 76%. Entretanto, essas taxas são baseadas em relatos de casos. Fatores psicológicos: durante muito tempo, a enurese noturna foi atribuída a fatores psicológicos. Hoje se sabe que, na verdade, os problemas psicológicos advêm da enurese, como baixa autoestima. Em casos secundários, porém, esses fatores psicológicos apresentam maior relevância. Também é importante atentar-se para a possibilidade de abuso sexual quando um fator psicológico for considerado como causa.

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Q

Quadro clínico. Na primeira consulta, é necessário um inquérito completo com relação aos hábitos alimentares, rotinas diárias, hábitos intestinal e urinário das crianças. É importante o conhecimento de quantas noites por semana ela urina, quantos episódios por noite, em qual horário, qual o volume aproximado, se houve controle esfincteriano prévio; quantas micções apresenta por dia, qual o horário da última micção, como é o jato urinário; se o paciente é constipado e se trata a constipação; qual é a ingestão hídrica diária, qual é o último horário, quais são os tipos de bebida que consome; que tipos de comida ingere; se há história familiar, qual a história pregressa; se existem fatores predisponentes, história de abuso sexual, como a família se comporta frente aos episódios. Já no exame físico, deve-se palpar o abdome para avaliar fezes endurecidas ou palpáveis, bem como o tamanho da bexiga. Na genitália, deve-se observar a saída do meato, estar atento a sinais de abuso sexual, se o períneo permanece sempre molhado (sinal de ureter ectópico). Realizar palpação da coluna lombossacra para pesquisar sinais de disrafismo espinal, observar deambulação do paciente, tono anal e sensação perineal, força e tono dos membros inferiores. Observar também o jato urinário, seu fluxo e o resíduo pós-miccional. Exames subsidiários. O exame comum de urina pode demonstrar baixa concentração urinária; a presença de glicose pode sugerir diabete; presença de leucócitos sugere infecção. A urocultura deve ser solicitada para descartar infecção quando houver sintomas ou exame comum com leucócitos. A ecografia abdominal está indicada quando houver suspeita de alteração anatômica, infecção, sintomas diurnos, exame neurológico anormal e jato fraco. A radiografia de coluna lombossacra apresenta as mesmas indicações da ecografia abdominal. A uretrocistografia miccional retrógrada só está indicada quando há suspeita de infecção ou alteração anatômica. Essas indicações são raras. O estudo urodinâmico raramente é solicitado, somente em pacientes com problemas neurogênicos ou anatômicos importantes. Já a cistoscopia só é realizada em poucos pacientes com alterações anatômicas. Tratamento. Na primeira consulta, deve ser iniciada a correção dos vícios do paciente. Acertar os erros alimentares, com introdução de fibras e tratamento da constipação. Diminuir o consumo de substâncias que contenham xantinas (refrigerantes à base de cola, café, chá preto, chimarrão, chocolate), restringir a ingestão líquida à noite. É importante solicitar um diário miccional em que constem a 349

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Infecção do trato urinário: o fato de a criança apresentar-se molhada ser o único sintoma de uma infecção urinária acontece somente em 1% dos casos. No passado, essas crianças eram classificadas com bacteriúria assintomática. Q Poliúria noturna: resulta da deficiência noturna da secreção do hormônio antidiurético (ADH). Em crianças normais, durante a noite, há um aumento da secreção do ADH, resultando em diminuição do débito urinário e aumento da concentração urinária. Em crianças com enurese noturna, pode não haver esse aumento na secreção de ADH, sendo assim, apresentam maiores volumes urinários noturnos, com produção de urina menos concentrada.

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ingestão líquida diária, a hora e o número das micções, quando e quantas vezes houve perdas e se algo pode ser relacionado. Existem várias opções de tratamento, mas a combinação das medidas comportamentais, psicológicas e farmacológicas é a mais utilizada. Mesmo assim, existem famílias que esperam a melhora espontânea, que é de 15% ao ano. A terapia comportamental é baseada na motivação por meio do encorajamento e reforço positivo com o paciente, podendo ser oferecidos prêmios para os objetivos alcançados. O paciente assume a responsabilidade do tratamento. Sua taxa de cura é de 25%, tendo uma taxa de recidiva de 5%, sendo que 70% apresentam uma melhora significativa. O condicionamento também faz parte dessa medida e envolve a utilização de alarmes que despertam a criança quando fica molhada. A duração do tratamento pode levar de 2-3 meses. Sua taxa de sucesso inicial é de 70%, mas com uma recidiva em torno de 30-50%, porém sua reintrodução pode ser bem-sucedida, com sucesso de 50% a longo prazo. Despertar a criança à noite é uma técnica muito utilizada, mas não demonstrou efetividade a longo prazo. A psicoterapia está indicada nos casos secundários e nos casos mais graves associados a alterações psicológicas. Não é indicada para todos os pacientes. O reforço positivo, no entanto, deve ser realizado em todos os pacientes. A terapia farmacológica não cura a enurese, somente controla o problema. Os anticolinérgicos não são eficazes, a menos que associada frequência e urgência diurna ou nos pacientes com bexiga pequena funcional. Os antidepressivos tricíclicos apresentam efeitos adversos graves; sua overdose pode ser fatal; sua dose inicial é de 1 mg/kg/dia, 1 hora antes de dormir, podendo ser duplicada se necessário; o sucesso inicial é de 50%, mas a taxa de cura, após a suspensão do medicamento, é de 25% a longo prazo. O acetato de desmopressina é um análogo sintético do ADH, que reduz o débito urinário noturno; existe na forma de spray (10-40 µg) ou comprimido (0,1-0,6 mg); seu único risco é hiponatremia se houver ingestão de líquido aumentada; a resposta completa acontece em 25% dos casos, mas há algum grau de melhora em até 91%.

ESCROTO AGUDO Definição. A dor escrotal aguda pode ser causada por torção testicular, torção do apêndice testicular ou epididimite. O grande desafio é a dificuldade de diferenciar esses diagnósticos, uma vez que os achados não são exuberantes e o dano espermatogênico secundário à torção de testículo inicia com 6 horas de evolução. Q

Torção testicular: corresponde à torção do cordão espermático sobre o testículo, interrompendo seu aporte sanguíneo, o que pode levar à necrose. Q Torção do apêndice testicular: corresponde à torção dos restos embrionários da regressão dos ductos de Muller e Wolff. Q Epididimite: é o processo inflamatório ou infeccioso do epidídimo, que pode também afetar o testículo (orquite/orquiepididimite).

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Quadro clínico. Nos casos de torção testicular, o paciente apresenta-se com dor súbita, sendo que, muitas vezes, a indicação do local pode ser precisa. Usualmente não há relatos de sintomas urinários ou corrimento uretral. No exame físico, evidencia-se o testículo elevado em relação ao contralateral, e ausência do reflexo cremastérico. O paciente geralmente encontra-se desconfortável e sem posição de repouso, podendo apresentar vômitos. Quando ocorre a torção do apêndice testicular, usualmente a dor também é súbita, mas o paciente localiza a dor em apenas um ponto específico do testículo, que normalmente é no seu ápice. Não se acompanha de náuseas ou vômitos. No exame físico, encontramos esse ponto de dor localizado e, na transiluminação, evidencia-se uma “mancha azulada”, que corresponde ao apêndice testicular torcido. Já nos pacientes com epididimite, o início da dor geralmente é insidioso. Nos adolescentes sexualmente ativos, usualmente há uma infecção sexualmente transmissível associada. Nesses casos, são comuns o corrimento uretral e sintomas urinários. Quando não há infecção associada, o diagnóstico fica prejudicado. Não costuma apresentar-se com náuseas ou vômitos. O exame físico do paciente com epididimite, no estágio inicial, evidencia uma massa aumentada e macia posterior ao testículo. Com a evolução, torna-se mais difícil diferenciar o epidídimo do testículo, ficando, assim, muito semelhante à apresentação da torção testicular. Exames subsidiários. Um exame comum de urina geralmente é normal no paciente com torção testicular, assim como no paciente com torção do apêndice testicular; já no paciente com epididimite com causa infecciosa, pode haver numerosos leucócitos. Nesses casos, um cultural também pode auxiliar. É muito importante esclarecer o fluxo testicular para se diferenciar entre torção testicular e epididimite. Existem dois exames capazes de aferir o fluxo testicular: a ecografia testicular com Doppler a cores e a cintilografia testicular. Ambos apresentam uma sensibilidade em torno de 90%, mas, em casos avançados, pode haver falso-positivos, tanto que nenhum deles é acurado o suficiente para diferenciar as duas causas de escroto agudo nesses quadros avançados. Quando a realização dos exames retardar a cirurgia, ultrapassando o prazo de risco de lesão testicular, eles não devem ser realizados. Durante a ecografia testicular com Doppler a cores, podem ser diferenciados os dois tipos de torção. Tratamento. Em casos de dúvidas sobre a causa da dor testicular, a exploração testicular está indicada, com o intuito de preservar o testículo. Quando houver o diagnóstico de torção testicular, pode-se realizar uma manobra de distorção manual antes da cirurgia para alívio dos sintomas, mesmo

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Epidemiologia. A torção testicular é responsável por 50-60% dos casos de escroto agudo em adolescentes e por 25-30% de todos os casos pediátricos. A torção do apêndice testicular é mais comum entre 7 e 10 anos, e a distribuição é a mesma entre os dois lados. A epididimite é causa de 20% dos casos em adolescentes e menos de 1% em meninos pré-púberes.

assim a cirurgia está indicada. Essa manobra consiste em rotar o testículo no sentido medial para lateral, quantas vezes forem necessárias para o alívio dos sintomas. A exploração testicular é realizada por incisão na rafe escrotal, com abordagem inicial do lado torcido, realizando-se a destorção e aquecendo-se o testículo com compressas mornas. Se, após 30 minutos, o testículo não se recuperar, deve ser realizada a orquiectomia. Quando há recuperação, deve-se fixar esse testículo com fio não absorvível. Independentemente disso, é necessária a fixação do testículo contralateral. Nos casos de torção do apêndice testicular, em geral o uso de analgésicos e anti-inflamatórios, e algumas vezes de antibiótico, é suficiente. Em casos mais avançados, a exploração testicular pode ser indicada para diferenciar da torção testicular. Em pacientes com epididimite, também o uso de analgésicos e anti-inflamatórios é suficiente. Nos adolescentes sexualmente ativos ou quando há diagnóstico etiológico, é indicado tratar a causa específica. Um suspensório escrotal pode ajudar no alívio dos sintomas.

VARICOCELE UROLOGIA PEDIÁTRICA

Definição. É a dilatação do plexo venoso pampiniforme e da veia espermática interna. Epidemiologia Q Ocorre em 19-26% dos adolescentes – 90% dos casos do lado esquerdo Q 6% aos 10 anos Q 85% são férteis, apesar do risco Q Em adultos inférteis, 19-41% apresentam varicocele Etiologia. Usualmente é causada pela incompetência das válvulas venosas. Por isso é mais comum à esquerda, já que, nesse lado, a veia espermática interna esquerda desemboca em ângulo reto na veia renal esquerda, que causa a dificuldade de drenagem da veia. Quando há varicocele somente à direita ou quando ela é bilateral, deve-se excluir causa orgânica (massa abdominal). Fisiopatologia. Existem três causas envolvidas no desenvolvimento da disfunção testicular em pacientes portadores de varicocele: aumento da temperatura testicular, hipoxia secundária à estase venosa e refluxo de metabólitos renais e adrenais. Quadro clínico. Quando existe uma queixa, é de aumento indolor no lado do testículo após a puberdade. Usualmente é um achado incidental no exame físico e não costuma ser acompanhado de dor. Ao exame físico, pode ser visualizada ou palpada a dilatação do plexo. Quando só é possível palpar a dilatação à manobra de Valsalva, a varicocele é de grau I; 352

quando ela é palpável independentemente das manobras, é de grau II, e quando é visível independentemente da palpação, é chamada de grau III.

Tratamento. Independentemente do grau, os pacientes com varicocele devem se submeter a um exame físico anual para avaliar o tamanho do testículo. Nos casos de grau III, em que há atrofia testicular, a cirurgia está indicada. Apesar de ser controverso, existem autores que indicam cirurgia para pacientes com dor testicular recorrente. Também há indicação de cirurgia para pacientes com espermocitograma alterado. Quando indicada, a correção cirúrgica pode ser realizada pela exploração inguinal com ligadura das veias, pela abordagem retroperitoneal alta por laparoscopia ou pela abordagem subinguinal com microcirurgia. Em pacientes com varicocele recorrente, a embolização por angiografia pode ser indicada.

SINÉQUIAS DE PEQUENOS LÁBIOS Definição. Fusão dos pequenos lábios por aderências, que ocorrem da fúrcula posterior em direção ao clitóris. Epidemiologia. Acomete mais meninas entre o período neonatal e os 2 anos de idade e após entre os 6 e 7 anos. Etiologia. Nas meninas pré-púberes, pela baixa quantidade de estrogênios, há tendência de aderência entre os pequenos lábios após trauma ou infecções com dermatite. Quadro clínico. Geralmente são assintomáticas. Quando apresentam sintomas, eles podem ser decorrentes de infecção urinária associada, com disúria, polaciúria ou dificuldade na micção. Tratamento. Nas sinéquias incompletas, o tratamento inicial é conservador, uma vez que a maioria delas regride espontaneamente na puberdade. Nos casos de sinéquia completa ou sintomáticos, pode-se usar cremes de estrógenos conjugados a 1%, aplicados 2×/dia entre 2 e 4 semanas. É importante salientar que o uso 353

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Exames subsidiários. O exame físico é suficiente para o diagnóstico, porém uma ecografia de bolsa escrotal pode auxiliar nos casos duvidosos, podendo ser útil para avaliar o tamanho do testículo, uma vez que diferenças maiores do que 3 mL entre os testículos indica cirurgia. Uma ecografia abdominal pode ser necessária nos casos de suspeita de a varicocele ser secundária a uma massa abdominal. Em adultos, o espermograma é muito utilizado para avaliar a função exócrina testicular, auxiliando, assim, na indicação de cirurgia. Em adolescentes, porém, a coleta de esperma, bem como os valores de referência, não são ainda bem definidos.

prolongado de estrógeno pode causar pigmentação da vulva, hiperestesia e crescimento mamário. Nos casos de sinéquias densas que não respondem ao uso de estrógeno, está indicada a secção cirúrgica sob sedação e no âmbito ambulatorial. Os cuidados pós-operatórios devem acrescentar, além do estrógeno, banhos de assento e cremes com vitamina A e D.

ANOMALIAS DA DIFERENCIAÇÃO SEXUAL (ADS)

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Definição. É o distúrbio da diferenciação sexual que resulta na ambiguidade genital ou na não diferenciação da genitália. Suas causas são as mais diversas, desde alterações cromossômicas, mau desenvolvimento sexual ou na função de certos hormônios. Os pacientes com ADS são aqueles que se apresentam como um recémnascido com genitália ambígua, um paciente com desenvolvimento puberal inadequado, com retardo no desenvolvimento puberal ou, ainda, com infertilidade na vida adulta. Causas. Anomalias do sexo cromossômico resultam na alteração do número ou estrutura dos cromossomos sexuais (X ou Y) que podem causar diferenciação gonadal anormal e produção hormonal deficiente. Exemplos: síndrome de Klinefelter, síndrome de Turner, disgenesia gonadal mista, hermafroditismo verdadeiro. Anomalias do sexo gonadal resultam de alterações no desenvolvimento gonadal, como insensibilidade parcial ou total androgênica. Os exemplos são disgenesia gonadal pura e síndrome dos testículos ausentes. Anomalias do sexo fenotípico resultam de alterações da produção ou atividade hormonal. Essas alterações podem levar desde a hipovirilização de um feto masculino até uma hipervirilização de um feto feminino. Como exemplos existem o pseudo-hermafrodita masculino, o pseudo-hermafrodita feminino e as variações de ambos. Quadro clínico. Uma história familiar deve ser obtida, não só de alterações semelhantes na família, mas também óbito sem causa na infância, infertilidade, amenorreia e hirsutismo. No exame físico, é importante examinar calmamente o abdome à procura de massa na linha média, que pode corresponder ao útero, avaliar o estado nutricional e o grau de hidratação, além de outras anomalias associadas. No exame da genitália, é importante medir o tamanho do falo, pesquisar a presença de gônadas e a posição do meato uretral. Pode-se avaliar, também, a hiperpigmentação das aréolas e dos grandes lábios. Exames subsidiários. O cariótipo é importante para avaliar a presença e o número dos cromossomos sexuais X e Y, além dos seus mosaicismos e anormalidades estruturais. No estudo metabólico, é importante investigar 17-hidroxiprogesterona, 17-cetosteroides, pregnanetriol e testosterona, tanto na criança quanto na 354

Classificação Q Anomalia da diferenciação sexual 46XX – Hiperplasia adrenal congênita: causa mais comum de genitália ambígua. Provoca a virilização do feto feminino e seu aspetro é o mais variado possível. A genitografia é importante para determinar o tamanho do seiourogenital. • Deficiência de 21-hidroxilase: responsável por 90% dos casos. Em 75% dos casos, é tipo perdedora de sal. Pode se apresentar como choque, que melhora com o uso de esteroides. Os níveis de 17- hidroxiprogesterona são 50-100 vezes maior que o normal. • Deficiência de 17β-hidroxilase: responsável por 10% dos casos. Em 66% ocorre hipertensão. Há elevação de 17-hidroxiprogesterona, desoxicorticosterona e 11-desoxicortisol. • Deficiência da 3β-hidroxiesteroides desidrogenase: doença rara que leva a um bloqueio precoce na rota da síntese de esteroides. – Ingestão materna de compostos com atividade androgênica – Tumores maternos secretores de andrógenos Q Anomalia da diferenciação sexual ovotesticular: a genitália se apresenta de forma muito variada, mas a maioria parece masculinizada com hipospádia grave, encurvamento peniano e assimetria labioescrotal. Em 70% dos casos, o cariótipo é 46XX, nos demais, 46XY e mosaicismo. A biópsia gonadal é mandatória, sendo a presença de tecidos ovarianos e testiculares com o ovotéstis a combinação mais comum. Q Disgenesia gonadal – Disgenesia gonadal mista: o cariótipo é 46XX/45XO, com testículo histologicamente normal ou disgenético de um lado e traços de gônadas do outro. A maioria apresenta genitália masculina normal, mas vai necessitar de suplementação hormonal na puberdade. Muitos apresentam deficiência de aprendizado importante. – Disgenesia gonadal pura: o cariótipo é 46XX, genitália feminina normal e restos gonadais bilaterais. O diagnóstico ocorre quando há retardo da puberdade ou amenorreia primária. – Síndrome de Turner: o cariótipo é 45XO ou 45XO/46XX, com restos gonadais bilaterais. Outros achados são baixa estatura, pescoço alado, tórax em escudo, genitália externa normal e mamilos amplamente separados. 355

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mãe. Em suspeita de hiperplasia adrenal congênita, esteroides urinários auxiliam no diagnóstico. Em outros casos específicos, pode ser necessário teste de estimulação com β-HCG ou testosterona exógena. A ecografia abdominal avalia a presença de útero, gônadas intra-abdominais, hidrocolpos, hidronefrose e adrenais aumentadas. Quando a ecografia não é elucidativa o suficiente, uma genitografia pode auxiliar na caracterização da anatomia da uretra, sua relação com a vagina nas meninas e a presença de utrículo aumentado nos meninos. Quando o diagnóstico não é possível por meio de exames laboratoriais, é necessária uma biópsia das gônadas, que pode ser realizada por laparoscopia ou laparotomia.

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– Disgenesia gonadal XY: também conhecida com síndrome de Swyer, tem cariótipo 46XY, mas fenótipo feminino normal e restos gonadais bilaterais. Suas gônadas têm 60% de chance de malignização. Q Anomalia da diferenciação sexual 46XY: os testículos são histologicamente normais, a hipovirilização é resultado da insensibilidade dos tecidos-alvo ou da deficiência da produção dos andrógenos. – Hiperplasia adrenal congênita: pode resultar da deficiência na 3β- hidroxilase, 17β-hidroxilase/17,20-liase e 20,22-desmolase. A produção testicular de testosterona é afetada. – Agenesia da células de Leydig: é uma doença rara, em que há ausência das células de Leydig; pode haver ambiguidade genital. – Deficiência da 5α-redutase: apresenta-se com pênis pequeno, hipospádia escrotal, testículos não descidos e utrículo aumentado. Por essas características, alguns pacientes são criados como meninas, porém, na puberdade, iniciam a desenvolver caracteres secundários masculinos. É importante, portanto, a investigação precoce e que sejam criados como meninos. – Insensibilidade androgênica completa: não apresenta ambiguidade genital, pois o diagnóstico usualmente é feito na correção cirúrgica de uma hérnia inguinal de um paciente fenotipicamente feminino no qual se encontra um testículo. A orquiectomia bilateral está indicada, porém o momento de realizá-la é controverso. – Insensibilidade androgênica parcial: é uma decisão muito complicada, pois, quando criados como meninos, é difícil prever o grau de virilização na puberdade (um fator é a resposta a estímulos com testoterona). Quando criados como meninas, será necessária cirurgia extirpadora. – Síndrome dos ductos müllerianos persistentes: é uma doença rara, em que há falta de regressão dos ductos müllerianos nos meninos. O achado ocorre na correção cirúrgica de hérnia inguinal e está indicada sua remoção. Tratamento. É individualizado para cada doença. No entanto, alguns pontos são importantes em todas elas: Q

Evitar a escolha do sexo antes da avaliação por todos os especialistas. O manejo em centro com equipe multidisciplinar experiente é fundamental. Todos os indivíduos devem receber uma designação sexual antes da alta. Uma comunicação aberta com os pacientes e pais é essencial, sendo encorajada a participação deles nas decisões. As preocupações dos pacientes e pais devem ser respeitadas e mantidas em sigilo. Q A equipe multidisciplinar deve ser formada por: endocrinologista pediátrico, cirurgião/urologista pediátrico, psicólogo/psiquiatra infantil, ginecologista, geneticista, neonatologista, assistente social, enfermeira e equipe de ética médica. Essa equipe deve se reunir e, após discussão e avaliação, designar o sexo do paciente. Q Além do tratamento clínico e medicamentoso, esses pacientes necessitam geralmente de vários procedimentos cirúrgicos, além de acompanhamento ambulatorial prolongado. 356

HIDROURETERONEFROSE

Causas. A estenose da junção ureteropélvica (JUP) é uma das causas mais comuns de hidronefrose. É definida como o estreitamento da transição do sistema coletor renal, através da pelve com o ureter. Geralmente é causada por um segmento adinâmico ou por uma cicatriz interna, mas, em alguns casos, pode ser decorrente de uma compressão extrínseca, como, por exemplo, um vaso anômalo. O megaureter congênito é causa de hidroureteronefrose. Não é necessária a dilatação da pelve renal. Existem quatro tipos: o não refluxivo e obstrutivo, o refluxivo e não obstrutivo, o refluxivo e obstrutivo e o não refluxivo e não obstrutivo. As ureteroceles também são causa de hidroureteronefrose. Definidas como dilatação cística do segmento intravesical terminal do ureter, elas são classificadas como intravesical ou ectópica. Outra causa é o ureter ectópico, que se define como o ureter que se implanta em uma posição mais caudal que o habitual, no trígono vesical ou até mesmo fora dele. Epidemiologia. Em torno de 1,4% dos fetos apresentam hidronefrose, porém somente 0,7% a mantém após o nascimento. Quadro clínico. A maioria dos casos de estenose da JUP é diagnosticada ainda no útero; após o nascimento, apresenta-se como massa abdominal ou infecção urinária. Nas crianças maiores, pode se apresentar com dor abdominal ou no flanco, hematúria após traumas leves ou infecção urinária. Nos casos de megaureter congênito, o diagnóstico acontece de forma incidental na ecografia pré-natal. Após o nascimento, pode se manifestar por infecção urinária, hematúria, dor ou massa abdominal e uremia. Nos pacientes com ureterocele, observa-se infecção urinária nos primeiros meses de vida. Pode ser um achado incidental na ecografia pré-natal ou uma massa abdominal palpável ao exame físico logo após o nascimento. É uma das causas mais comuns de obstrução uretral em meninas. Já nos casos de ureter ectópico, a infecção urinária é um achado comum. Nos meninos, não é comum a incontinência, muito frequente em meninas. Se o orifício é obstruído, pode haver hidronefrose. Exames subsidiários. A ecografia abdominal é o exame inicial mesmo nos pacientes com suspeita de alteração pré-natal. É ideal que se espere passar a primeira semana de vida para se evitar o período de maior desidratação, no qual não se 357

UROLOGIA PEDIÁTRICA

Definição Q Hidronefrose: dilatação ou aumento anatômico do sistema coletor renal. Q Hidroureteronefrose: além da dilatação do sistema coletor, apresenta dilatação do ureter. Q Obstrução: é a restrição do fluxo urinário. Pode ser completa, levando ao dano renal, ou incompleta, que se divide em fisiológica ou patológica. Não é necessário que um sistema dilatado seja obstruído.

UROLOGIA PEDIÁTRICA

pode estimar adequadamente a dilatação. O exame pode demonstrar dilatação da pelve renal de, no mínimo, 7-10 mm na estenose de JUP, ureter de, no mínimo, 7 mm no megaureter congênito, massa cística intravesical e duplicação ureteral em ureteroceles, dilatação ureteral, posição anômala do meato e displasia renal nos casos de ectopia ureteral. A uretrocistografia miccional retrógada faz parte da investigação, mesmo em pacientes com estenose de JUP, e é importante para descartar a presença de refluxo vesicoureteral, que ocorre em 33% dos casos. Nos casos de megaureter congênito, é importante para a classificação se há refluxo e/ou obstrução. Das crianças com ureterocele, metade apresenta refluxo vesicoureteral ipsilateral e 25% delas apresentam refluxo para o lado contralateral. A ureterocele pode ser vista durante o exame; pode haver refluxo nos pacientes com ureter ectópico. A urografia excretora não acrescenta muita informação aos outros exames. Pode ser útil durante crise de dor na estenose de JUP, demonstrar a ureterocele e o trajeto do ureter ectópico. A tomografia computadorizada de abdome pode auxiliar nos casos de dor abdominal pela estenose de JUP e quando não há dilatação do ureter ectópico, pois ajuda a localizar a posição do meato ureteral. A cistoscopia não é fundamental, mas visualiza a ureterocele e pode auxiliar na localização do meato ureteral. Existem três tipos de radiofármacos utilizados na cintilografia renal: o DMSA, que mede as funções absoluta e relativa dos rins, o DTPA, que mede a excreção renal e usa diurético, e o MAG 3, que avalia a função e a excreção com uso de diurético, sendo, por isso, preferido. A cintilografia é importante na ureterocele para avaliar a função relativa entre os diferentes polos renais. Na ectopia ureteral, ela é importante, na avaliação da displasia renal. Já nos casos de estenose de JUP, é o exame mais importante, não só para o diagnóstico como também para a avaliação do dano renal. Deve ser dada atenção à curva de excreção após o uso de diuréticos: quando o tempo de lavagem for maior que 20 minutos, há diagnóstico de estenose. Se o rim afetado apresentar menos de 40% da função total, é sinal de obstrução patológica. Tratamento. Nos casos assintomáticos de estenose de JUP, pode-se realizar acompanhamento ambulatorial anual com ecografia abdominal e cintilografia renal até estabilização da função do rim afetado. Caso haja dilatação muito importante e função menor que 40%, sugere-se a intervenção cirúrgica, principalmente se houver tempo de lavagem aumentado. Nos casos sintomáticos, não há dúvidas sobre o benefício da cirurgia, que não deve ser retardada. As taxas de sucesso de pieloplastia desmembrada atingem 90-95%. Pode ser realizada por via retroperitoneal ou via laparoscópica. Após 4-6 semanas da cirurgia, deve ser realizada ecografia para avaliar o resultado. Se este não for satisfatório, deve-se submeter o paciente a uma cintilografia com uso de diurético. Os exames de controle devem ser realizados inicialmente a cada ano, e depois a cada 2 ou 3 anos. Nos pacientes com megaureter congênito assintomático, realiza-se acompanhamento também com controle ecográfico e cintilográfico. Se ocorrer aumento da dilatação ou diminuição da função, a cirurgia estará indicada. Nos pacientes 358

sintomáticos, a cirurgia está indicada. Deve-se ressecar a porção estenosada do ureter, realizar uma diminuição da porção dilatada e reimplantar o ureter utilizando uma técnica antirrefluxo. A maioria dos pacientes com ureterocele necessita de cirurgia. De acordo com a classificação, é decidido o procedimento, que pode variar desde uma drenagem por perfuração da ureterocele por cistoscopia até uma cirurgia com reconstrução. A drenagem usualmente é o primeiro procedimento para aliviar o rim. Quando há falha, a reconstrução está indicada. Quando não há função do polo afetado, está indicada a heminefrectomia, que pode ser por via laparoscópica ou a céu aberto. Já nos casos de ureter ectópico, quando há duplicação associada, está indicada a heminefrectomia da porção relativa ao segmento duplicado do ureter. Nos pacientes sem duplicação com função renal preservada, deve ser realizado reimplante ureteral. Já naqueles sem função, a nefroureterectomia está indicada.

VÁLVULAS DE URETRA POSTERIOR Definição. São membranas que obstruem o lúmen uretral, do veromontano em direção distal.

UROLOGIA PEDIÁTRICA

Epidemiologia Q Incidência de 1:5.000-8.000 meninos Q Incidência de 1:1.250 em ecografia pré-natal Q Só ocorre em meninos Q Refluxo vesicoureteral ocorre em 33-50% dos casos – 1/3 resolve-se espontaneamente – 1/3 segue sem alterações – 1/3 apresenta complicações e necessita de intervenção Q Principal causa congênita de obstrução urinária Q Primeira causa congênita de falência renal e transplante renal pediátrico Q Não há predisposição genética Quadro clínico. Na apresentação pré-natal, ocorre oligoidrâmnio, hidronefrose e bexiga distendida com paredes espessas. O diagnóstico, nesse momento, pode auxiliar no preparo do tratamento após o nascimento. Após o nascimento, pode haver sintomatologia imediatamente ou mais tarde, dependendo do espectro da doença. Pode se apresentar como dificuldade respiratória devido à hipoplasia pulmonar decorrente do oligoidrâmnio ou como massa abdominal palpável decorrente da distensão vesical. Algumas vezes, pode ocorrer sepse pela obstrução urinária ou até mesmo pela alteração do jato urinário. Existe um mecanismo de defesa natural quando há refluxo importante: um dos ureteres funciona como uma válvula (mecanismo de pop-off), com destruição do rim deste lado (displasia) e proteção do rim contralateral. Exames subsidiários. A ecografia do aparelho urinário pode demonstrar hidroureteronefrose, distensão vesical e, em alguns pacientes, as válvulas podem ser 359

visualizadas. O exame-padrão, porém, é a uretrocistografia miccional retrógrada. Seus achados são bexiga com paredes espessadas e trabeculadas, dilatação da uretra prostática e defeito de enchimento ao nível do veromontano. O exame também demonstra a presença de refluxo vesicoureteral.

UROLOGIA PEDIÁTRICA

Tratamento. O alívio da obstrução cirúrgica está sempre indicado após o diagnóstico. O procedimento é realizado por cistoscopia, com ablação da válvula com eletrocautério ou ressectoscópio. Em pacientes muito pequenos, quando o equipamento não é compatível com o tamanho do paciente, uma vesicostomia cutânea deve ser realizada para desobstruir o sistema urinário. Seguimento. É necessário acompanhamento ambulatorial a longo prazo. Todos devem se submeter à uretrocistografia miccional após dois meses da cirurgia para avaliar a correção do defeito. É importante a avaliação da função renal com níveis séricos de creatinina, ecografia do aparelho urinário e cintilografia renal. Pelo alto índice de disfunção vesical, um estudo urodinâmico pode ser necessário em pacientes que não evoluem bem clinicamente. De acordo com as alterações encontradas, pode estar indicado o uso de cateterismo intermitente e até mesmo de anticolinérgicos. Essas manifestações são chamadas de síndrome de bexiga de válvula. O refluxo vesicoureteral usualmente regride espontaneamente, mas quando há pielonefrite de repetição pode haver necessidade de correção cirúrgica. Apesar de controversa, a ampliação vesical pode ser necessária em pacientes com bexiga de muito baixa capacidade que não respondem bem às medidas clínicas.

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UROLOGIA PEDIÁTRICA

Nguyen HT. Abnormalities of sexual differentiation. In: Baskin LS, Kogan BA. Handbook of pediatric urology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p. 30-50.

CAPÍTULO 27

DERMATOLOGIA 27.1 AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA NICOLLE GOLLO MAZZOTTI SÓCRATES SALVADOR VANESSA SANTOS CUNHA

ACNE VULGAR A acne vulgar é uma das dermatoses mais frequentes e caracteriza-se por lesões que variam de quase imperceptíveis até evidentes, interferindo na qualidade de vida do paciente. Patogênese. É uma doença multifatorial, e são quatro os processos que contribuem para sua patogênese: hiperqueratinização, estímulo andrógeno, infecção bacteriana e inflamação. Ocorre uma obstrução da unidade pilossebácea com formação do microcomedo (acúmulo de células queratinizadas no infundíbulo do pelo). Devido ao aumento progressivo desse acúmulo de células, ocorre a formação do comedo fechado ou cravo branco. A secreção sebácea é estimulada por andrógenos e aumenta, chegando a níveis máximos no fim da adolescência. O acúmulo de células queratinizadas e sebo formam o comedo aberto ou cravo preto. O processo inflamatório da acne inicia-se com a proliferação do Propionibacterium acnes, um organismo anaeróbico residente que se prolifera com a retenção sebácea, ocorrendo produção de fatores quimiotáticos e mediadores pró-inflamatórios. Acredita-se que outros fatores possam desencadear a acne vulgar; entre eles, o estresse (possivelmente via ativação do eixo hipotálamo-pituitário-adrenal, com aumento da produção de andrógeno) e fatores mecânicos, que podem contribuir para a obstrução física da unidade pilossebácea (como medicações aplicadas topicamente). Além disso, algumas medicações podem desencadear erupções acneiformes, como lítio, isoniazida, rifampicina, etionamida, vitaminas (B1, B6, B12), fenobarbitúricos, hidantoína e corticoides. O papel da dieta na patogênese da acne vulgar é controverso.

362

Manifestações clínicas. A acne geralmente começa na puberdade. Apresenta-se como uma combinação de lesões: comedos, pápulas, pústulas, cistos, nódulos, cicatrizes e despigmentação (Fig. 27.1.1). Pode ser classificada em estágios: Q Q Q Q

A acne neonatal inicia nas primeiras semanas de vida, podendo ser secundária a andrógenos maternos. A acne do lactente apresenta-se geralmente entre 3 e 6 meses de vida, relacionada aos andrógenos das gônadas ou adrenais, com uma tendência a ser mais grave e persistente. A apresentação clínica é similar àquela da acne vulgar, com envolvimento geralmente limitado à face. A acne neonatal tende a regredir após alguns meses. No entanto, a acne do lactente pode durar até vários anos. Tratamento. O tratamento pode ser tópico ou sistêmico. Para a acne leve, as terapias tópicas são a primeira escolha de tratamento. Entre as opções estão: Q

Peróxido de benzoíla: ação antimicrobiana, atua reduzindo a colonização de P. acnes e parece apresentar efeito comedolítico e anti-inflamatório. Q Retinoides tópicos: normalizam o processo de queratinização dentro dos folículos, reduzindo a obstrução e a formação de comedos. Principais efeitos colaterais: irritação da pele, ressecamento e sensibilidade ao sol.

Figura 27.1.1 Acne grau I com comedos abertos em uma adolescente. 363

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Acne grau I – comedos Acne grau II – comedos + pápulas e pústulas Acne grau III – comedos + pápulas e pústulas + nódulos e cistos Acne grau IV – conglobata (comedos + pápulas e pústulas + nódulos e cistos + traves fibrosas e cicatrizes) Q Acne grau V – fulminans (forma rara e grave, início agudo de lesões dolorosas, ulceradas e nodulares, com febre, leucocitose e dor musculoesquelética)

Q

Antibióticos tópicos (eritromicina ou clindamicina): diminuem a população de P. acnes.

O tratamento sistêmico é reservado para acne de moderada a grave e pode ser realizado com antibióticos orais (tetraciclina, minociclina, doxiciclina, eritromicina, clindamicina ou sulfametoxazol-trimetoprim) ou isotretinoína (derivado da vitamina A). Em casos leves de acne neonatal ou do lactente, a terapia é geralmente desnecessária, sendo indicada somente limpeza com um sabonete suave. Quando o tratamento for necessário, ele é similar ao da acne leve.

DERMATITE ATÓPICA

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

A dermatite atópica é uma dermatose eczematosa recorrente, frequentemente associada a outras formas de atopia (asma e rinite). É uma doença multifatorial, havendo correlação genética e com fatores imunológicos e fisiológicos. Epidemiologia. É uma das dermatoses mais comuns em lactentes e crianças, afetando aproximadamente 17% da população pediátrica. Início: Q Q Q

durante os primeiros 6 meses de vida: 45% durante o primeiro ano de vida: 60% antes dos 5 anos: 85%

É frequentemente a primeira manifestação de atopia. O diagnóstico de asma está associado em até 50% das crianças, e o de rinite alérgica, em 50-80% delas. Ocorre com maior frequência em classes socioeconômicas mais altas e em áreas urbanas. Patogênese. Parece resultar da interação complexa entre alterações imunológicas, disfunção da barreira epidérmica e anormalidades fisiológicas. Ocorrem alterações da imunidade humoral e celular (linfócitos T e células de Langerhans epidérmicas hiper-responsivas). Nas lesões agudas, os linfócitos T ativados são do tipo T helper 2, levando à expressão aumentada de interleucinas 4, 5 e 13. Essas interleucinas estimulam células B a produzir IgE. Além disso, a epiderme do atópicos evidencia um conteúdo diminuído de ceramidas que afetam a função de barreira da pele. Manifestações clínicas. As lesões de dermatite atópica caracterizam-se por intenso prurido e xerose cutânea, podendo apresentar também ceratose pilar, hiperlinearidade palmar, dupla prega infrapalpebral (sinal de Dennie-Morgan), rarefação da porção distal das sobrancelhas (sinal de Hertog) e dermografismo branco. Didaticamente são divididas em três fases:

364

Q

Fase do lactente: prurido intenso, lesões eczematosas que acometem as regiões zigomáticas, couro cabeludo e faces extensoras das extremidades, poupam a região inguinal e a área da fralda. Q Fase pré-puberal: placas secas com maior tendência à cronicidade e liquenificação, envolvendo punhos, tornozelos, regiões antecubitais e poplíteas. O prurido é importante. Q Fase adulta: placas liquenificadas e pruriginosas. Acometem preferencialmente as dobras flexurais, face e pescoço, porção superior dos braços e tórax posterior, dorso das mãos, pés e dedos.

Complicações. A complicação mais comum da dermatite atópica é a infecção secundária das lesões, particularmente pelo Staphylococcus aureus e, ocasionalmente, pelo Streptococcus pyogenes. Em contraste com uma prevalência de estade portador de 10% nos indivíduos não atópicos, o S. aureus é encontrado em 93% dos pacientes com dermatite atópica no exame de suas lesões, 76% no exame da pele não acometida e em 79% dos pacientes no exame de suas narinas. As lesões com infecção secundária nos pacientes com dermatite atópica geralmente caracterizam-se por eritema com exsudação e crostas melicéricas e hemáticas. Sua presença deve ser considerada sempre que não houver resposta adequada à terapêutica instituída. O S. aureus exacerba a dermatite atópica por produzir superantígenos que desencadeiam a ativação de células T e aumentam a expressão de um receptor alternativo de glucocorticoide, contribuindo para a resistência aos corticosteroides tópicos. Esse fato endossa a prática de adicionar tratamento antibiótico na suspeita de infecção secundária ou se o paciente não responder às terapias convencionais. Uma maior disseminação cutânea de certas infecções virais também foi observada em crianças com dermatite atópica, como o molusco contagioso (ver adiante) e o eczema herpético. O eczema herpético, ou erupção variceliforme de Kaposi, é causado pelo vírus Herpes simplex e caracteriza-se por uma erupção vesicopustulosa agrupada, frequentemente com umbilicação central nas vesículas. O diagnóstico pode ser realizado por meio do teste de Tzanck (exame citológico das lesões). Diagnóstico diferencial Dermatite seborreica Dermatite de contato Eczema numular Psoríase Escabiose Histiocitose de células de Langerhans

Q Q Q Q Q Q

365

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Crianças com dermatite atópica apresentam uma maior incidência de pitiríase alba, dermatite numular, eczema disidrótico, queilite e queratoconjuntivite alérgica (caracterizada por prurido ocular e fotofobia).

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Tratamento Q Orientações gerais: banhos diários, porém não demorados, e evitar água muito quente; usar roupas leves (algodão), que devem ser lavadas somente com sabão de coco ou glicerina; evitar perfumes em contato direto com a pele; evitar sabonetes ásperos, detergentes e produtos com fragrância. O fumo nas casas também deve ser evitado. Q Emolientes (1-4 vezes ao dia): creme com óleos vegetais a 10%. Evitar emoliente com ureia se houver lesões com solução de continuidade, pela potencial ardência. Q Prurido: anti-histamínicos de primeira geração, com potencial sedante (hidroxizina, 1-2 mg/kg/dia, dividido em 2, 3 ou 4 doses diárias). Q Inflamação aguda: corticosteroides tópicos por curto período de tempo (7-14 dias) e inibidores da calcineurina (tacrolimo e pimecrolimo) em crianças maiores de 2 anos. Q Dermatite atópica grave: considerar o uso de corticosteroides sistêmicos, ciclosporina e fototerapia. A hospitalização está indicada em casos graves e resistentes.

DERMATITE PERIORAL A dermatite perioral é uma condição relativamente comum relacionada ao uso prévio de corticoide fluorado. Manifestações clínicas. Caracteriza-se por pústulas e pápulas eritematosas distribuídas nas regiões perioral, nasolabial e periocular. Podem ocorrer eritema difuso e escamas. Diagnóstico diferencial Q Acne vulgar Q Erupção acneiforme Q Rosácea (mais em adultos) Tratamento. Se estiver sendo feito uso de corticoide fluorado, ele deve ser suspenso. O tratamento inclui antibióticos tópicos (eritromicina ou metronidazol), e, em casos mais graves, indica-se o tratamento sistêmico com eritromicina ou tetraciclinas (em pacientes com mais de 8 anos de idade). Também pode-se usar ácido azelaico a 15% em gel e inibidores da calcineurina, como tacrolimo e pimecrolimo.

DERMATITE SEBORREICA A dermatite seborreica é uma erupção eritematodescamativa cuja causa não é bem compreendida, sendo atribuída à levedura Malassezia sp., em adolescentes e adultos. No entanto, a relação entre a dermatite seborreica em lactentes e aquela de adolescentes e adultos é controversa. A observação de que muitos 366

casos de lactentes melhoram com cetoconazol tópico sugere que essa levedura possa desempenhar um papel na patogênese desse distúrbio. Está associada a fatores desencadeantes, como a alteração do metabolismo dos ácidos graxos essenciais e fatores hormonais.

Diagnóstico diferencial Q Psoríase Q Pitiríase rósea Q Eczema atópico Q Candidíase Q Histiocitose de células de Langerhans Q Doença de Leiner (quadro grave de eritrodermia, acompanhado por mau estado geral, diarreia, vômitos, anemia e febre; relatada associação com deficiência de complemento C3 e C5) Tratamento. Baseia-se no uso de antifúngicos tópicos ou corticoides tópicos de baixa potência (hidrocortisona ou desonida em creme), 1 ou 2 vezes ao dia, por

Figura 27.1.2 Dermatite seborreica: placas eritematodescamativas acometendo a face, tronco e área da fralda em um lactente. 367

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Manifestações clínicas. As lesões caracterizam-se por placas com escamas untuosas sobre base eritematosa e acometem regiões ricas em glândulas sebáceas (couro cabeludo, face, pescoço, axilas e dobras). Acometem também a área da fralda, o que auxilia na diferenciação dessa patologia com a dermatite atópica (Fig. 27.1.2). O prurido é leve ou ausente. O quadro geralmente inicia-se nas primeiras semanas de vida. Entre a puberdade e a meia-idade, a dermatite seborreica pode aparecer no couro cabeludo como uma escamação seca e fina ou graxenta. Nessa fase, eritema e escamas podem também envolver as áreas da glabela, sobrancelhas, sulco nasolabial e regiões retroauriculares.

curto período de tempo. Para adolescentes com dermatite seborreica no couro cabeludo, pode-se utilizar cetoconazol xampu a 2%, xampu de sulfeto de selênio a 2,5%, xampu com ácido salicílico ou piritionato de zinco a 1-2%. O prognóstico é bom: o problema pode desaparecer em 3-4 semanas, mesmo sem tratamento. As recidivas são características.

DERMATOZOOSES ESCABIOSE

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

A escabiose é causada por um ácaro, o Sarcoptes scabiei, caracterizando-se por dermatose extremamente pruriginosa e contagiosa, frequente na infância. É transmitida por contato pessoal, com um tempo de incubação de aproximadamente 20-30 dias. Manifestações clínicas. Caracteriza-se por pápulas e vesículas diminutas, com crostículas hemorrágicas e presença de sulcos (escavados pelo parasita). Nos lactentes, as lesões encontram-se nas palmas, plantas, face e região periumbilical. Nas crianças maiores, ocorrem nas axilas, abdome, genitais, glúteos, punhos e regiões interdigitais. Diagnóstico diferencial Estrófulo Farmacodermia Eczema

Q Q Q

Tratamento. A permetrina em loção a 5% é o tratamento eletivo pela sua baixa ou inexistente resistência ao S. scabiei. Recomenda-se a aplicação de uma fina camada na pele, deixando a medicação por 8-14 horas, com especial atenção para a aplicação nas áreas interdigitais, umbigo, sulco interglúteo e genitais, e cuidado para evitar a região ao redor dos olhos e a boca. As unhas devem ser cortadas. Recomenda-se repetir a aplicação por 2 dias consecutivos e realizar um novo tratamento após uma semana. Crianças menores que 2 meses e gestantes (classe B na gestação) não devem utilizar a permetrina. O tratamento de todos os contactantes é recomendado. Outras opções terapêuticas incluem o enxofre, que possui odor forte, porém é seguro em lactentes e gestantes, e o benzoato de benzila, que é efetivo, mas pode causar dermatite irritativa. O lindano apresenta potencial toxicidade neurológica, não sendo indicado em lactentes e gestantes. A ivermectina é uma opção de tratamento sistêmico para a escabiose.

TUNGÍASE A tungíase (bicho-de-pé) ou “batata” é causada pela Tunga penetrans, uma pulga que vive em currais, chiqueiros e terrenos arenosos, cujos hospedeiros usuais são o homem e os suínos. 368

Manifestações clínicas. A lesão característica é uma pápula amarelada, com ponto escuro central (correspondendo ao parasita), única ou múltipla, com prurido associado. Geralmente ocorre nos pés (Fig. 27.1.3). Diagnóstico diferencial Q Verruga plantar Q Corpo estranho Tratamento. O tratamento consiste na remoção com agulha de toda a pápula e desinfecção. No caso de infestação maciça, podem ser associados a ivermectina ou o tiabendazol, por via oral.

PEDICULOSE

Manifestações clínicas e tratamento Q Pediculose de couro cabeludo: caracteriza-se por intenso prurido, onde se visualizam os ovos (lêndeas), que são brancos ou acinzentados, e localizamse, preferencialmente, na região occipital, aderidos lateralmente à haste do cabelo. O parasita é o Pediculus humanus capitis. O tratamento é realizado com loção de permetrina a 5%, aplicada por 5-10 minutos e, após, enxaguada, repetindo-se após uma semana. Deve-se remover as lêndeas com pente fino após a aplicação de vinagre diluído em 50% com água.

Figura 27.1.3 Tungíase: diversas lesões na planta. No detalhe, pápula amarelada com centro enegrecido (parasita). 369

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

A pediculose é causada pelos Anoplura, ou piolhos, pequenos ectoparasitas. É uma infecção de transmissão interpessoal ou por fomites, sendo mais comum em crianças.

Q

Pediculose pubiana, ou fitiríase: é a infecção causada pelo gênero Phthirus, que acomete os pelos pubianos. O parasita é encontrado na pele com a cabeça parcialmente introduzida no folículo piloso, e as lêndeas, aderidas à haste do pelo. O tratamento também é realizado com a aplicação de permetrina. Q Pediculose do corpo: caracteriza-se por urticas, que podem apresentar pontos purpúricos centrais, acometendo preferencialmente as regiões interescapular, ombro, axilas e glúteos. É causada pelo Pediculus humanus corporis. A higiene e lavagem da roupa são suficientes para tratar as lesões.

DISIDROSE

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

A disidrose (eczema disidrótico) ou ponfolix é uma erupção aguda, crônica ou recorrente, de etiologia desconhecida. Manifestações clínicas. É caracterizada por lesões inflamatórias, que variam de vesículas até bolhas pruriginosas e que acometem preferencialmente palmas, plantas e face lateral dos dedos. A distribuição de lesões é geralmente bilateral e simétrica. A erupção é frequentemente seguida por descamação, resultando em melhora do prurido. Diagnóstico diferencial Q Dermatite de contato Q Tinhas Q Dermatose plantar juvenil Tratamento. O tratamento pode ser feito com corticosteroides tópicos de média a alta potência que, embora não curativos, ajudam a aliviar os sintomas. Alguns autores sugerem o uso de tacrolimo tópico a 0,1% como uma alternativa à terapia com corticosteroide. Quando ocorre infecção secundária, antibióticos tópicos ou sistêmicos podem ser administrados. O curso natural das lesões é a recorrência frequente.

ESTRÓFULO O estrófulo é uma erupção que ocorre por reação de hipersensibilidade à picada de insetos, sendo comum na infância. Manifestações clínicas. Caracteriza-se por lesões de início abrupto, papulovesiculosas, de até 1 cm de diâmetro, muito pruriginosas. Evolui em surtos. As lesões acometem preferencialmente as superfícies de extensão dos membros. A picada do inseto geralmente precede as lesões em horas. Os principais insetos relacionados são mosquitos, pernilongos, formigas e pulgas. A hipersensibilidade tende a diminuir ou desaparecer após a puberdade. Escoriações, liquenificação e infecção

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secundária podem ser observadas. Podem resultar em hipercromias pós-inflamatórias e até cicatrizes. Diagnóstico diferencial Q Urticária Q Escabiose Tratamento. O fator mais importante é a prevenção da picada de insetos com o uso de repelentes, mosquiteiros e medidas higiênicas. O tratamento sintomático para o prurido pode ser realizado com anti-histamínicos e loções com mentol e cânfora. Está indicado o uso de corticoide tópico de média potência por até 7 dias após a picada. Nos casos com infecção secundária, deve-se associar antibióticos tópicos ou sistêmicos.

Os hemangiomas são tumores decorrentes de um desequilíbrio na angiogênese, o que resulta em uma proliferação desordenada de elementos vasculares. A etiologia é desconhecida. Epidemiologia. Ocorre em 1,1-2,6% dos neonatos a termo e está presente em até 10-12% das crianças de até 1 ano de idade. É mais comum em meninas (3-5:1) e em prematuros. Manifestações clínicas. Na maioria das vezes está ausente ao nascimento, tornando-se aparente nos primeiros dias de vida. Os hemangiomas mais profundos podem se tornar aparentes mais tardiamente. O crescimento das lesões é rápido. A maioria dos pacientes (80%) apresenta lesões únicas, sendo rara a presença de mais de quatro lesões. Os locais mais acometidos são face e pescoço. As lesões são classificadas em: Q

Superficiais: bem delimitadas, de róseas a vermelho-vivo, nodulares ou em placas (Fig. 27.1.4). Correspondem a 50% dos casos. Q Profundas: massas volumosas, moles, cor da pele ou azuladas, algumas vezes com telangiectasias na superfície. Correspondem a 15% dos casos. Q Combinadas: são tumorações de cor vermelho-violáceas com componente superficial e profundo (Fig. 27.1.5). Correspondem a 35% dos casos. Complicações Ulceração (5-13% dos casos) Insuficiência cardíaca por alto débito – principalmente associada a lesões hepáticas. Hipotireoidismo – a enzima 3-iodotironina deiodinase pode ser encontrada nos tecidos formadores do hemangioma. Em hemangiomas gigantes, pela alta vascularidade, pode ocorrer inativação do hormônio tireoidiano por essa enzima.

Q Q Q

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AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

HEMANGIOMA

Figura 27.1.4

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Hemangioma superficial em um lactente.

Figura 27.1.5 Hemangioma combinado em uma menina de 5 anos.

Q Q Q

Alteração da visão. Obstrução das vias aéreas. Comprometimento auditivo (obstrução do conduto auditivo externo).

Evolução Fase de crescimento rápido: 3-6 meses até o primeiro ano de vida. Fase de estabilização: alguns meses. Fase de involução lenta: pode haver regressão completa entre os 5 e os 12 anos de vida. Há uma taxa estimada de involução de 10% dos hemangiomas por ano. Assim, 50% involuem até os 5 anos de idade, 70% até os 7 anos e 90% até os 9 anos. Após, apenas 5% podem involuir até os 12 anos de idade.

Q Q Q

372

Tratamento. O tratamento deve levar em consideração a idade do paciente, o tamanho, o número e a localização das lesões. A conduta expectante é adotada na maioria dos casos, sendo, em casos selecionados (especialmente naqueles que comprometem vias aéreas, olhos, boca e ouvidos), realizado o tratamento com corticoterapia sistêmica, crioterapia, exérese cirúrgica, laser e interferon-α.

MALFORMAÇÃO VASCULAR São alterações congênitas decorrentes de erro na morfogênese vascular, sendo classificadas de acordo com o vaso proeminente. Presentes ao nascimento em 90% dos casos. Mancha salmão: manchas únicas ou múltiplas de coloração rósea ou vermelha, localizadas preferencialmente no pescoço, couro cabeludo e região central da face. É a lesão vascular mais comum da infância, acometendo cerca de 3040% dos recém-nascidos. Não é necessário tratamento, uma vez que 95% das lesões da face desaparecem até o primeiro ano de vida. Lesões do pescoço e couro cabeludo podem persistir, porém, pela sua localização, não representam um problema estético importante na maioria dos casos. Q Mancha “vinho-do-porto”, ou nevus flammeus: mancha bem delimitada de coloração rósea a vermelho-escuro, que pode evoluir para uma coloração vinhosa com a idade. Acomete preferencialmente a face, sendo frequentemente unilateral e segmentar, aumentando proporcionalmente ao crescimento da criança (Fig. 27.1.6). Apresenta uma pequena tendência à involução espontânea. O tratamento com laser é descrito.

Figura 27.1.6 Mancha vinho-do-porto na face: destaca-se a característica unilateral e segmentar da lesão. 373

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Q

São relatadas síndromes associadas às malformações vasculares: síndrome de Sturge-Weber (angiomatose encefalotrigêmea), síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber e facomatose pigmento-vascular.

MICOSES SUPERFICIAIS As micoses superficiais são aquelas em que os fungos restringem-se ao estrato córneo, com disseminação sistêmica rara ou excepcional. As principais micoses superficiais compreendem as dermatofitoses, as candidíases e a pitiríase versicolor.

DERMATOFITOSES Causadas por fungos dermatófitos, que utilizam a queratina como fonte de alimento. Entre eles estão o Microsporum, o Epidermophyton e o Trichophyton. A transmissão é por contato direto ou por meio de fomites. São classificadas em:

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Q

Tinea corporis: é a tinha do corpo ou da pele glabra. O contato com outros indivíduos (p. ex., na escola) e animais domésticos é uma forma comum de transmissão da doença em crianças. É caracterizada por placas eritematodescamativas, com bordas vesicocrostosas e centro com tendência à regressão central, podendo ser isoladas ou coalescentes e pruriginosas (Fig. 27.1.7). Q Tinea capitis: afecção comum em crianças, adquirida por contato com indivíduos infectados, com a terra ou com animais doentes ou portadores. São dois os principais tipos:

Figura 27.1.7 Tinha da face: placa eritematodescamativa, com bordas elevadas e bem delimitadas. 374

CANDIDÍASES Conhecida como “sapinho” ou monilíase, a candidíase é uma doença infecciosa fúngica frequente na infância, causada por leveduras do gênero cândida, sendo

Figura 27.1.8 Tinha do couro cabeludo por Microsporum. 375

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

– Tinea tonsurans: caracterizada por placas de alopecia com pelos tonsurados e superfície descamativa. Quando causada por Trichophyton, geralmente caracteriza-se por diversas áreas de alopecia, enquanto o Microsporum geralmente é associado com placa única (Fig. 27.1.8). A forma aguda e inflamatória é conhecida como quérion (kerion Celsi). – Tinha favosa: causada pelo Trichophyton schoenleinii, ocorre principalmente sob a forma de microendemias, podendo deixar cicatriz. É a forma mais grave das tinhas do couro cabeludo. Q Tinea pedis: afecção relativamente incomum em crianças pequenas, mas frequente em adolescentes. Os agentes mais comuns são o Trichophyton rubrum, o Trichophyton mentagrophytes e, menos frequentemente, o Epidermophyton floccosum; e, especialmente em crianças, o Trichophyton tonsurans. Possui três apresentações clínicas: – Forma vesicobolhosa: apresenta eritema, vesículas e até mesmo bolhas. É mais comum no verão. – Forma intertriginosa: é a forma mais comum. Caracteriza-se por maceração e descamação, podendo ocorrer fissuras e prurido. Pode ser também causada por Candida albicans. – Tipo escamosa: lesões descamativas, de evolução crônica. Q Tinea cruris: infecção fúngica da região inguinal e raiz das coxas muito comum, vista primariamente em adolescentes e adultos do sexo masculino. Apresentase como lesão eritematosa, bem delimitada, com bordas elevadas com escamação, pústulas ou vesículas, geralmente bilaterais. Deve ser feito o diagnóstico diferencial com psoríase invertida e eritrasma.

a mais frequente a Candida albicans. A C. albicans é de distribuição universal, saprófita e eventualmente patógena. Ela habita a superfície da pele, a mucosa oral, vaginal e o intestino. Na presença de fatores predisponentes, como imunodepressão, antibioticoterapia, corticoterapia prolongada, diabete, umidade e maceração (como ocorre na dermatite de fraldas), ela costuma proliferar-se além do normal, causando a infecção. As formas de apresentação clínica são: Q

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Candidíase oral: comum em lactentes, caracterizada por placas e grumos esbranquiçados na mucosa oral, superficiais, circulares ou ovais, que deixam uma superfície cruenta quando removidos. Q Candidíase da região genital: a região genital costuma ser acometida durante o primeiro ano de vida, geralmente acompanhando a dermatite de fraldas. Caracteriza-se por eritema com bordas bem delimitadas, com descamação branca e lesões-satélite. Tratamento. O tratamento para a Tinea Corporis e tinea cruris é semelhante. O tratamento com antifúngico tópico para lesões localizadas é geralmente suficiente. Antifúngicos como o cetoconazol, ciclopirox, miconazol, oxiconazol e a terbinafina devem ser aplicados 1 ou 2 vezes ao dia. Apesar da melhora clínica e do prurido já na primeira semana, o tratamento deve ser mantido por 2-4 semanas para assegurar a resolução completa das lesões. A Tinea capitis requer tratamento sistêmico, uma vez que a droga precisa penetrar no folículo piloso. O uso da griseofulvina foi o tratamento de escolha por décadas, porém novos agentes surgiram como alternativas. O cetoconazol, um antifúngico com boa atividade contra dermatófitos, tem seu uso restrito pela potencial hepatotoxicidade. O itraconazol demonstrou-se eficaz para o tratamento da Tinea capitis na maioria dos estudos, porém não em todos. O fluconazol e a terbinafina são agentes eficazes, e alguns estudos demonstram a mesma eficácia desses agentes com menor tempo de uso em relação à griseofulvina. Independentemente do esquema de tratamento sistêmico adotado, é indicado a associação com um xampu antifúngico, como cetoconazol ou sulfeto de selênio, uma vez que esses agentes auxiliam na remoção das escamas e na erradicação dos esporos, diminuindo a disseminação da doença. O tratamento ideal para a Tinea pedis é o antifúngico tópico, porém para pacientes com lesão muito inflamatória ou com doença de base, como diabete e imunodepressão, o tratamento oral deve ser considerado. No tratamento das candidíases, o importante é a correção dos fatores desencadeantes. O tratamento para formas localizadas é realizado com antifúngicos tópicos, como a nistatina e o clotrimazol. A doença extensa pode ser tratada com antifúngico sistêmico, como o fluconazol.

PITIRÍASE VERSICOLOR É uma infecção fúngica comum exclusiva da camada córnea. É causada pela Malassezia sp., componente natural da biota cutânea (encontrada em até 90% da população). Torna-se patológica sob fatores predisponentes (calor, umidade, 376

má nutrição, imunodepressão e transpiração excessiva). A levedura é lipofílica e converte ácidos graxos em ácido azelaico, que causa a hipocromia. A pitiríase versicolor é mais evidente no verão (pela maior discrepância na pigmentação cutânea entre as áreas acometidas e poupadas) e acomete predominantemente adolescentes. Manifestações clínicas. Manchas e placas ovaladas, finamente descamativas, que inicialmente podem ser lenticulares e coalescer em grandes placas de bordas irregulares. A cor varia (por isso o nome versicolor) desde a hipocromia até a coloração rósea e acastanhada (Figs. 27.1.9 e 27.1.10). Acomete mais frequentemente o tórax, as porções proximais dos membros superiores e, ocasionalmente, o pescoço e a face. São assintomáticas ou ligeiramente pruriginosas. Ao estiramento da lesão, as escamas se tornam mais evidentes (sinal de Zileri ou sinal de Zireli).

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Diagnóstico diferencial Q Pitiríase alba Q Dermatite seborreica Q Pitiríase rósea Q Vitiligo Q Tinha Q Psoríase Tratamento Tópico: indicado se acometimento cutâneo restrito. Antifúngicos imidazólicos: 1 vez ao dia por 30 dias.

Q

Figura 27.1.9 Pitiríase versicolor: máculas e pápulas lenticulares, acastanhadas, agrupadas, formando grandes placas, na porção medial da face anterior do tórax. 377

Figura 27.1.10

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Pitiríase versicolor: lesões hipocrômicas levemente descamativas e bem delimitadas no abdome.

Q

Sistêmico: indicado se acometimento extenso, doença grave ou recorrente. Cetoconazol, itraconazol ou fluconazol. Q Podem ser associados ao tratamento e/ou à manutenção: xampu de sulfeto de selênio a 2,5% (seguro, indicado especialmente para crianças menores) ou xampu de cetoconazol a 2%. Após o tratamento, pode haver permanência da hipopigmentação de aspecto residual. A repigmentação deve ser estimulada pela exposição à luz solar.

MOLUSCO CONTAGIOSO O molusco contagioso é uma infecção cutânea frequente, causada pelo Parapoxvirus, cuja transmissão ocorre pelo contato direto. A disseminação pode ser secundária à autoinoculação. É uma infecção de distribuição universal, sendo mais comum em crianças, especialmente os casos atópicos. Manifestações clínicas. As lesões são caracteristicamente pápulas semiesféricas, de 2-5 mm de diâmetro, cor da pele, róseas ou peroladas, translúcidas e com uma depressão central. Geralmente são assintomáticas, podendo ocorrer dor se houver infecção secundária. As lesões variam de um número pequeno até centenas de lesões. Em imunodeprimidos, as lesões são mais abundantes. Acometem preferencialmente tronco, axilas, membros e região da fralda, porém, excepcionalmente, as mucosas. Em adultos, as lesões genitais são em geral transmitidas sexualmente. 378

Pode ocorrer uma dermatite (eczema do molusco) em torno da lesão, que desaparece após a eliminação do molusco contagioso. Evolução. Sem tratamento, as lesões permanecem por meses, podendo apresentar involução espontânea, sem deixar sequelas. As recorrências são frequentes. Tratamento. O procedimento de eleição é a curetagem das lesões. Outras opções são a crioterapia e o hidróxido de potássio em solução a 5%. O imiquimod pode ser indicado para casos resistentes e recidivantes, especialmente em imunodeprimidos.

PITIRÍASE ALBA

Manifestações clínicas. Manchas hipopigmentadas assintomáticas, ovaladas, de tamanho variável, que podem apresentar uma descamação fina. Geralmente localizam-se na face, pescoço e extremidades proximais (Fig. 27.1.11). Costuma iniciar na infância e piora com a exposição solar devido ao contraste que resulta entre as áreas hipocrômicas da pitiríase alba e as áreas de pele normal que pigmentam em resposta à radiação ultravioleta.

Figura 27.1.11 Pitiríase alba: lesões hipocrômicas mal delimitadas na face. 379

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

A pitiríase alba é um quadro cutâneo comum que apresenta associação com antecedentes atópicos, sendo que a maioria dos casos aparece após o verão. Não há consenso sobre a etiologia, mas parece estar relacionada à pele seca.

Diagnóstico diferencial Q Dermatite seborreica Q Pitiríase versicolor Q Hanseníase Q Linfoma cutâneo de células T Q Hipopigmentação pós-inflamatória Tratamento. O tratamento constitui-se de proteção solar e da aplicação de emolientes. O uso de corticoides tópicos não parece ser melhor do que o uso de hidratantes. Alguns autores sugerem o uso de corticosteroides tópicos leves ou inibidores da calcineurina por algumas semanas. A hidratação da pele ajuda a prevenir a recorrência das lesões.

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

PITIRÍASE RÓSEA A pitiríase rósea é um distúrbio benigno, não contagioso e autolimitado, mais observado no outono e no verão. Acomete mais frequentemente adolescentes, sendo que 50% dos casos ocorrem antes dos 20 anos de idade. A etiologia é desconhecida, sendo considerada uma reação imunológica do tipo tardio. Alguns autores sugerem uma correlação com o Herpesvirus 7. Manifestações clínicas. A maioria dos pacientes apresenta uma lesão inicial única e isolada, ovalada, de até 5 cm de diâmetro, com bordas bem definidas e levemente elevadas, com escamas finas, chamada de medalhão inicial. Após um intervalo de 2-30 dias, surgem lesões semelhantes menores (0,2-1 cm), em grande número, no tronco, pescoço e raiz dos membros. Alguns pacientes podem apresentar cefaleia, mal-estar, linfadenopatia e sintomas constitucionais prodrômicos leves. O prurido pode variar de inexistente a intenso. Diagnóstico diferencial Q Dermatofitoses Q Dermatite seborreica Q Pitiríase versicolor Q Farmacodermia Q Sífilis secundária Q Psoríase Tratamento. As lesões desaparecem, espontaneamente, dentro de 3-6 semanas. A maioria dos pacientes não requer tratamento. Há relatos de uso de corticoide tópico, fototerapia ou a simples exposição à luz solar, na tentativa de diminuição do tempo de doença. Já foi relatada a administração precoce, no curso da doença, de eritromicina oral, em casos mais extensos e duradores.

380

VERRUGAS As verrugas são infecções virais comuns da pele e das mucosas, causadas pelo papilomavírus humano (HPV). São lesões benignas, comuns em crianças. A transmissão ocorre por inoculação direta.

Q

Q

Q

Q Q

Verruga vulgar: é a forma clínica mais comum, caracterizada por pápula ou nódulo de consistência firme e superfície dura com ceratose e pontos escuros. Pode ser isolada ou agrupada e pode ocorrer em qualquer local da pele, mas predomina no dorso das mãos e dedos. Verruga plantar: lesão mais profunda e dolorosa, sendo pouco saliente em função da pressão. Apresenta-se como pápula amarelada, com pontos enegrecidos, em áreas de pressão (Fig. 27.1.12). Verruga plana: ocorre preferencialmente na face, dorso das mãos e antebraços, geralmente apresentando-se como pápulas planas, de 2-5 mm de diâmetro, cor da pele ou levemente amareladas, podendo ser numerosas. Verruga filiforme: pápulas filiformes, mais comuns na face. Verruga genital: mais comum em adultos, pois são sexualmente transmissíveis.

Tratamento. Geralmente apresentam resolução espontânea após meses ou anos, porém causam dor e podem significar um estigma social negativo. O tratamento pode ser realizado com aplicação de colódio com ácido salicílico e ácido lático

Figura 27.1.12 Verruga plantar. 381

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Manifestações clínicas. Existem cinco formas clínicas principais: verruga vulgar, verruga plana, verruga filiforme, verruga plantar e verruga genital:

AFECÇÕES DERMATOLÓGICAS MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Quadro 27.1.1 LESÕES DERMATOLÓGICAS ELEMENTARES Mácula

Alteração da cor da pele, sem relevo, menor que 1 cm.

Mancha

Alteração da cor da pele, sem relevo, maior que 1 cm.

Pápula

Elevação circunscrita da pele com até 1 cm.

Placa

Elevação circunscrita da pele maior que 1 cm.

Vesícula

Elevação circunscrita da pele com conteúdo líquido com até 1 cm.

Bolha

Elevação circunscrita da pele com conteúdo líquido maior que 1 cm.

Pústula

Elevação circunscrita da pele com conteúdo purulento.

Erosão

Perda superficial epidérmica, cura sem cicatriz.

Úlcera

Perda de substância mais profunda, acometendo até a derme ou até o tecido subcutâneo.

Atrofia

Diminuição da espessura e elasticidade da pele por perda de seus constituintes.

Esclerose

Endurecimento da pele persistente.

Escama

Desprendimento de lamínulas da camada córnea.

Ceratose

Acúmulo compacto da camada córnea.

Liquenificação Espessamento da epiderme com exagero das linhas da pele.

associados à oclusão, nitrogênio líquido, imiquimod e eletrocoagulação. Em alguns casos, pode-se realizar o tratamento com ácido nítrico fumegante ou tretinoína tópica.

REFERÊNCIAS Bruckner AL, Frieden IJ. Hemangiomas of infancy. J Am Acad Dermatol. 2003;48(4):47793.

382

Chuh AA, Dofitas BL, Comisel GG, Reveiz L, Sharma V, Garner SE, et al. Interventions for pityriasis rosea. Cochrane Database Syst Rev. 2007;18(2):CD005068. Gontijo B, Silva CMR, Pereira LB. Hemangioma da infância. An Bras. Dermatol. 2003;78(6):651-73. Hanifin JM, Cooper KD, Ho VC, Kang S, Krafchik BR, Margolis DJ, et al. Guidelines of care for atopic dermatitis. J Am Acad Dermatol. 2004;50(3):391-404. Krakowski AC, Stendardo S, Eichenfield LF. Practical considerations in acne treatment and the clinical impact of topical combination therapy. Pediatr Dermatol. 2008;25(Suppl 1):114. Lowy G, Alonso FJF, Cestari SCP, Cestari TF, Oliveira ZNP. Atlas de dermatologia pediátrica: topográfico e morfológico. Rio de Janeiro: MEDSI Ed. Médica e Científica; 2000. Paller AS, Mancini AJ. Hurwitz clinical pediatric dermatology. A textbook of skin disorders of childhood and adolescence. 3th ed. Philadelphia: Elsevier Saunders; 2006. Ramos-e-Silva M, Castro MCR. Fundamentos de dermatologia. Rio de Janeiro: Atheneu; 2008. Romiti R, Ribeiro AP, Romiti N. Evaluation of the effectiveness of 5% potassium hydroxide for the treatment of molluscum contagiosum. Pediatr Dermatol. 2000;17(6):495.

27.2

PIODERMITES

Schwartz RA. Superficial fungal infections. Lancet. 2004;364:1173-82.

PIODERMITES

SÓCRATES SALVADOR NICOLLE GOLLO MAZZOTTI VANESSA SANTOS CUNHA

Definição. Piodermites são infecções bacterianas da pele e de seus anexos. São causadas, em sua maioria, por cocos Gram-positivos (Staphylococcus ou Streptococcus). As piodermites são classificadas como primárias, nas quais a infecção ocorre em pele previamente saudável, e secundárias, que ocorrem em lesões preexistentes da pele. Entre as piodermites, podemos destacar as que apresentam maior relevância do ponto de vista pediátrico: impetigo, ectima, foliculite, furunculose, erisipela e celulite.

IMPETIGO São infecções bacterianas primárias da pele. Existem duas formas clínicas: o impetigo não bolhoso (crostoso) e o impetigo bolhoso.

383

IMPETIGO NÃO BOLHOSO Principais agentes. Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes. Corresponde a mais de 70% dos casos de impetigo. Muito prevalente em crianças, porém raramente encontrado em menores de 2 anos. Apresentação clínica. As lesões normalmente surgem na face (ao redor do nariz e da boca) ou em extremidades, após trauma. A lesão inicial é uma vesícula em base eritematosa. A seguir, a vesícula se rompe, e a ulceração resultante é recoberta por uma crosta aderente e amarelada (crosta melicérica). A linfadenopatia-satélite é comum.

IMPETIGO BOLHOSO Principal agente. S. aureus. É mais comum em crianças de 2-5 anos de idade.

PIODERMITES

Apresentação clínica. As lesões costumam acometer a face, mas podem estar presentes em qualquer região da pele. A lesão inicial ocorre por meio de pequenas vesículas que depois se transformam em bolhas flácidas de até 2 cm, com conteúdo inicialmente límpido, passando a turvo. A bolha se rompe, evidenciando uma base eritematosa e úmida com o remanescente da bolha, na periferia da lesão. A linfadenopatia-satélite é incomum. Tratamento. Consiste, basicamente, em limpeza do local com remoção das crostas e aplicação de antibiótico tópico (mupirocina, ácido fusídico ou neomicina+ bacitracina). O uso de antibiótico sistêmico está reservado para casos selecionados de acometimento mais profundo, infecções disseminadas, pacientes com linfadenomegalias, sintomas constitucionais ou lesões em couro cabeludo. Os antibióticos sistêmicos de escolha são as cefalosporinas de primeira geração, eritromicina e amoxicilina associada a clavulanato.

ECTIMA A lesão de ectima inicia-se como uma vesícula com base eritematosa que evolui para uma ulceração recoberta por crosta aderente e circundada por halo eritematoso. Diferente do impetigo, além da epiderme, acomete também a derme, produzindo uma lesão mais profunda. A localização mais frequente é nos membros inferiores. Está relacionada, principalmente, a condições precárias de higiene. Após a cura, deixará cicatriz como sequela. O tratamento e os germes causadores são os mesmo descritos para o impetigo.

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FOLICULITE São as piodermites que se originam no folículo piloso, podendo ser classificadas em superficiais (ostiofoliculites) e profundas.

FOLICULITES SUPERFICIAIS Principal agente. Streptococcus coagulase-positivo. Apresentam alterações inflamatórias limitadas ao óstio folicular. Apresentação clínica. Pequena pústula no óstio do folículo piloso. O couro cabeludo e as extremidades são os locais mais acometidos. Áreas de atrito, falta de higiene e uso de cremes ou pomadas para o tratamento de outras dermatoses são fatores predisponentes. Tratamento. Higiene local com posterior aplicação de antibiótico tópico (eritromicina a 4% ou clindamicina a 1%). Em casos extensos, é preconizado o uso de antibiótico sistêmico, tendo como opção a eritromicina 30-50 mg/kg/dia divididos em 4 tomadas.

FOLICULITES PROFUNDAS Apresentação clínica Q Sicose da barba: acomete homens após a puberdade, não interfere no crescimento do pelo e é caracterizada por pústulas foliculares agrupadas, podendo cronificar se não tratadas adequadamente. São diagnósticos diferenciais importantes a tinha da barba e a pseudofoliculite, comuns na raça negra. O tratamento é semelhante ao do impetigo. Q Foliculite decalvante: o processo ocorre de forma centrífuga, sendo área central com alopecia e lesões em atividade na periferia. Apresenta-se comumente no couro cabeludo e nos membros inferiores. O tratamento é semelhante ao do impetigo. Q Hordéolo: conhecido como terçol, é uma infecção profunda dos folículos ciliares e glândulas tarsais, sendo caracterizado por edema, dor e pústula central junto ao pelo. O tratamento é calor local e antibiótico tópico oftalmológico. Em casos selecionados, é necessária a drenagem da lesão.

FURUNCULOSE O furúnculo é definido como uma infecção estafilocócica do aparelho pilossebáceo (constituído pelo folículo piloso e glândula sebácea anexa).

385

PIODERMITES

Principais manifestações. Sicose da barba, foliculite decalvante e hordéolo.

Manifestação clínica. Inicia-se como um nódulo eritematoso, quente, doloroso e profundo. Posteriormente, esse nódulo torna-se flutuante, rompendo-se e eliminando conteúdo necrótico e pus. Acomete, principalmente, áreas pilosas submetidas ao atrito ou à sudorese importante, como face, pescoço, axilas, nádegas e porção inferior do abdome. A multiplicidade de lesões ou recidivas frequentes é denominada furunculose, e a confluência de vários furúnculos com comunicações mais profundas e infiltradas é denominada antraz. Diagnóstico diferencial. Acne cística, hidrosadenite, miíase e abscesso. Tratamento. Calor local, drenagem (se ela não ocorrer espontaneamente) e antibiótico tópico. Pacientes que apresentarem sintomas constitucionais associados (febre, mal-estar, etc.) devem ser tratados com antibióticos sistêmicos, como eritromicina, penicilina ou cefalosporina. Em casos redicivantes (mais do que 3, em 3 meses), deve-se pesquisar patologias predisponentes (doenças neoplásicas, diabete, imunodeficiências e discrasias sanguíneas), orientar para higiene adequada e solicitar exame bacteriológico para tratamento antimicrobiano mais específico.

ERISIPELA

PIODERMITES

A erisipela é uma infecção que envolve as camadas mais superficiais da pele e vasos linfáticos do tecido subcutâneo. Principal agente. Streptococcus do grupo A. Manifestação clínica. Surge de maneira súbita e acompanhada de sinais e sintomas sistêmicos importantes (febre alta, indisposição, calafrio, artralgias e adenopatias). A área comprometida torna-se eritematosa, edemaciada, quente e dolorosa, podendo ter bolhas associadas e até mesmo necrose. As áreas mais acometidas são pernas e face. Uma solução de continuidade próxima normalmente é encontrada, funcionando como porta de entrada. Tratamento. Medidas gerais de higiene, repouso e elevação dos membros quando a erisipela acometer esses locais. O uso de antibiótico sistêmico é fundamental, sendo que, em casos mais graves, deve-se optar por via parenteral. O antibiótico de escolha ainda é a penicilina. Nos casos de suspeita de infecção por estafilococos (especialmente na presença de bolhas), opta-se pelo uso da oxacilina ou vancomicina endovenosas. Com relação à terapêutica por via oral, está indicado o uso de penicilina V, cefalexina ou eritromicina.

CELULITE Infecção de caráter agudo que atinge tecidos mais profundos da pele, especialmente o subcutâneo. 386

Principal agente. Streptococcus do grupo A, porém, dependendo da faixa etária, da localização e da imunidade, outras bactérias Gram-positivas, negativas e anaeróbias podem estar implicadas. Em crianças menores de 3 anos, a celulite da face pode ser causada pelo Haemophilus influenzae. Manifestação clínica. A lesão caracteriza-se por edema, eritema difuso e dor à palpação, sendo a delimitação entre a pele sã e a pele comprometida imprecisa. Se não tratada, tende à disseminação rápida. Tratamento. Semelhante ao da erisipela. Pacientes com sinais de toxicidade sistêmica, comprometimento da face e imunocomprometidos devem ser hospitalizados e receber tratamento endovenoso.

REFERÊNCIAS França ER. Piodermites. In: Ramos-e-Silva M, Castro MCR. Fundamentos de dermatologia. Rio de Janeiro: Atheneu; 2008. p. 895-906.

Muller LFB, Kraemer CK. Piodermites. In: Duncan BB, Schmidt MI, Giugliani ERJ. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2004. p. 1013-7. Pereira LB, Gontijo B. Piodermites. In: Lopez FA, Campos Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007 p. 615-24.

387

PIODERMITES

Lee PK, Weinberg NA, Swartz MN, Johnson RA. Pyodermas: Staphylococcus aureus, Streptococcus, and other gram-positive bacterias. In: Freedberg IM Eisen AZ, Wolff K, Austen KF, Goldsmith LA, Katz SI, et al, editors. Fitzpatrick’s dermatology in general medicine. 6th ed. Nova York: MacGraw-Hill; 2003. p. 1856-78.

CAPÍTULO 28

EMERGÊNCIAS E TERAPIA INTENSIVA 28.1

PARADA CARDIOPULMONAR EM PEDIATRIA

FERNANDA CRISTINA SCARPA PATRICIA MIRANDA LAGO

Em pediatria, as causas mais frequentes de parada cardíaca são a hipoxemia e a acidose, que podem ser decorrentes da evolução de um quadro de insuficiência respiratória ou de choque, sendo mais prevalentes em lactentes e crianças pequenas. As causas cardíacas primárias, como as arritmias causando colapso súbito, são mais raras. O prognóstico para insuficiência respiratória e choque em crianças é geralmente bom, porém, se ocorrer parada cardíaca, o prognóstico é mais reservado. Uma criança em falência cardiopulmonar está cianótica, com respiração irregular ou agônica e bradicárdica, o que pode ser resolvido prontamente com ação rápida e correta; entretanto, se essa criança evoluir para parada cardíaca, será muito mais difícil reverter o quadro. Mediante um paciente com insuficiência cardiopulmonar, é fundamental procurar e tratar as causas usando o modelo de avaliação primária: Q

Q Q

Q Q

A (vias aéreas): obstrução de via aérea alta devido a corpo estranho ou a queda da língua por diminuição do nível de consciência e angioedema de glote secundário a choque anafilático. B (respiração): avaliar a movimentação torácica procurando por assimetrias, inspiração superficial, ritmo irregular, lento ou agônico. C (circulação): sinais de perfusão inadequada, como bradicardia, tempo de enchimento capilar prolongado, pulsos periféricos ausentes e centrais fracos, pele cianótica ou mosqueada, extremidades frias e hipotensão. D (disfunção): redução do nível de consciência. E (exposição): sinais de perda volêmica e alteração na temperatura corporal.

388

Uma criança em parada cardiopulmonar está em apneia ou com respiração agônica, sem pulsos palpáveis e não responsiva. O primeiro passo no atendimento é ofertar oxigênio com pressão positiva por bolsa-valva-máscara, seguido de compressões torácicas rápidas e fortes. Se o atendimento estiver sendo por uma única pessoa, esta deve fazer 30 compressões para 2 ventilações, independentemente da idade do paciente. No atendimento em dupla, a relação deve ser de 15:2 para lactentes e crianças até 8 anos; após essa idade, a relação é sempre de 30:2. As ventilações devem durar 1 segundo cada, e as compressões devem ter um ritmo de 100/minuto; o tórax deve ser deslocado em um terço a metade do seu diâmetro, retornando à posição inicial após cada compressão. Para as compressões, usam-se as duas mãos, uma sobre a outra, comprimindo-se o tórax com o calcanhar de uma mão, exceto para lactentes (menores de 1 ano), para os quais se emprega a técnica dos dois dedos, quando houver apenas um socorrista, e a técnica dos polegares sobre o tórax com mãos circundando a criança, quando houver duas pessoas atendendo. Após a entubação, as compressões torácicas não são mais interrompidas, e a frequência das ventilações fica em 8-10/minuto. Manter ciclos de compressão/ventilação até que o monitor cardíaco seja instalado para avaliação do ritmo; a partir desse ponto, o atendimento é direcionado conforme o eletrocardiograma (ECG). Os ritmos são separados em não chocáveis e chocáveis. Ritmo não chocável Q Assistolia: traçado isoelétrico no ECG (Fig. 28.1.1). Q Atividade elétrica sem pulso (AESP): qualquer ritmo, organizado ou não, quando não há pulsos palpáveis, o que significa que o coração não está bombeando. Ritmo chocável Fibrilação ventricular (FV): traçado desorganizado com ondas de alta amplitude, com forma, tamanho e ritmo diverso; não se identificam as ondas P, QRS ou T (Fig. 28.1.2).

Q

Figura 28.1.1 Traçado de ECG mostrando assistolia. 389

PARADA CARDIOPULMONAR EM PEDIATRIA

MANEJO DA PARADA CARDIOPULMONAR NO HOSPITAL

Figura 28.1.2 Traçado de ECG mostrando fibrilação ventricular.

– Taquicardia ventricular sem pulso (TVSP): o ritmo ventricular é rápido e regular, com ondas QRS largas, sem despolarização atrial (Fig. 28.1.3).

PARADA CARDIOPULMONAR EM PEDIATRIA

MANEJO DA PARADA CARDIOPULMONAR COM RITMO NÃO CHOCÁVEL Se o monitor cardíaco mostrar assistolia ou AESP, as manobras de reanimação cardiopulmonar (RCP) devem ser prontamente reiniciadas e adrenalina deve ser administrada (ver dose mais adiante, na p. 392), podendo ser repetida a cada 35 minutos. O ritmo é checado após 2 minutos de RCP.

MANEJO DA PARADA CARDIOPULMONAR COM RITMO CHOCÁVEL Se o ECG mostrar FV ou TVSP, aplicar um choque com carga de 2 J/kg, seguido imediatamente de RCP. O ritmo deve ser reavaliado em 2 minutos; se persistir chocável, a RCP deve ser reiniciada até o desfibrilador ser carregado com 4 J/kg. Após aplicar o segundo choque, reiniciar a RCP e administrar adrenalina. Se não

Figura 28.1.3 Traçado de ECG mostrando taquicardia ventricular. 390

Figura 28.1.4 Traçado de ECG mostrando ritmo em torsades de pointes. 391

PARADA CARDIOPULMONAR EM PEDIATRIA

houver mudança no ritmo, um antiarrítmico deve ser considerado, como lidocaína ou amiodarona (ver dose mais adiante, na p. 392). Sulfato de magnésio é a opção se o ritmo mudar para torsades de pointes (Fig. 28.1.4). Se um acesso venoso não puder ser estabelecido, um acesso intraósseo pode ser facilmente conseguido em tíbia, fêmur ou ilíaco. A zona de crescimento deve ser evitada, e ossos fraturados não podem ser utilizados. Todas as drogas e fluidos, incluindo hemoderivados, podem ser administrados por essa via com segurança na mesma dose intravenosa. Não é recomendado manter esse acesso por mais de 24 horas. A punção intraóssea em crianças pode ser realizada com uma agulha comum de injeção, tamanho 25 × 12, agulha para raquianestesia ou com trepano para biópsia de medula óssea. Idealmente deve-se utilizar material específico para esse procedimento. A punção geralmente é realizada na face interna da tíbia, por ser um osso plano e de fácil acesso, mas também é possível puncionar o esterno ou o ilíaco. A agulha deve ser inserida a 3 cm da tuberosidade tibial a fim de evitar a cartilagem de crescimento. Sabe-se que a agulha está bem posicionada na cavidade medular ao sentir-se diminuição da resistência óssea, ao aspirar-se substância sanguinolenta (medula óssea) e ao infundir-se facilmente líquidos sem haver infiltração subcutânea. Não se realiza esse procedimento em ossos fraturados. A via endotraqueal também pode ser usada, mas só é recomendada quando outra via não é possível, pois a absorção é errática e não há dose bem estabelecida para as drogas usadas por essa via. As drogas que podem ser administradas pelo tubo endotraqueal são adrenalina, atropina, naloxone e lidocaína. Durante o atendimento, é importante manter manobras de RCP eficazes com compressões fortes e rápidas na frequência de 100/minuto, comprimindo adequadamente o tórax e permitindo seu retorno completo à posição neutra. As compressões são interrompidas apenas para se verificar o ritmo e para se ventilar enquanto o paciente não está entubado. Evitar hiperventilação. Os profissionais envolvidos na reanimação devem trocar de função a cada 2 minutos, durante a análise do ritmo, pois já está provado que, após esse tempo, as compressões torácicas não são bem realizadas por cansaço do profissional.

É muito importante tratar as causas que podem contribuir para a manutenção da parada. São os Hs e os Ts: Q Q Q Q Q Q

Hipovolemia Hipoxia Hidrogênio (acidose) Hipo/hiperpotassemia Hipoglicemia Hipotermia

Q Q Q Q Q

Toxinas Tamponamento cardíaco Tensão no tórax (pneumotórax) Trombose (coronária ou pulmonar) Trauma

As doses das drogas usadas na reanimação são as seguintes: Q Q Q Q

Adrenalina: 0,01 mg/kg (0,1 mL/kg da diluição 1:10.000) Amiodarona: 5 mg/kg Lidocaína: 1 mg/kg Sulfato de magnésio: 50 mg/kg

REFERÊNCIAS

SEQUÊNCIA RÁPIDA DE ENTUBAÇÃO

Fuchs S, Simon W. SAVP Livro do profissional de saúde. Dallas: American Heart Association; 2006. PALS. Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. Taketomo CK, Holding JH, Kraus DM. Pediatric dosage handbook. 14th ed. Hudson: LexoComp; 2007.

28.2

SEQUÊNCIA RÁPIDA DE ENTUBAÇÃO

CECÍLIA KORB JEFFERSON PEDRO PIVA

Definição. A sequência rápida de entubação é uma técnica de entubação traqueal que utiliza agentes farmacológicos visando a sedação, analgesia, relaxamento muscular e bloqueio das respostas autonômicas da criança. Tais efeitos facilitam o procedimento em situação de emergência e reduzem seus possíveis efeitos adversos, como dor, traumatismo das vias aéreas, trauma psicológico, hipoxemia, arritmias, aumento da pressão arterial sistêmica e da pressão intracraniana, morte. Indicações Q Lesão grave do sistema nervoso: trauma cerebral ou medular, intoxicações, infecções do SNC, edema cerebral, hipertensão intracraniana Q Obstrução das vias aéreas Q Perda dos reflexos protetores de tosse e náusea 392

Q Q Q

Insuficiência respiratória Situações de função alveolar dependentes de PIP ou PEEP elevadas Garantir via aérea segura durante procedimentos ou exames diagnósticos com sedação profunda Q Transporte de paciente com potencial ocorrência de qualquer um dos itens supracitados Contraindicações Parada cardiorrespiratória Coma profundo Ausência de tônus muscular Edema, trauma ou deformidade anatômica facial e laríngea Respiração espontânea com adequada ventilação

Q Q Q Q Q

Anamnese e exame físico. Deve-se realizar uma rápida anamnese para obter informação quanto a alergias, uso de medicações, história médica pregressa, tempo transcorrido desde a última refeição e ingestão de líquidos, indicação da entubação. Uma dica para a realização da anamnese é a aplicação da regra mnemônica AMPLE: Alergias, Medicações, Passado médico, Líquidos e última refeição, Evento desencadeante da necessidade de entubação. No exame físico, é preciso avaliar a presença de traumatismos e deformidades ou variantes anatômicas da face, cavidade oral, região cervical e das vias aéreas que possam interferir no sucesso da entubação. Preparação. Todo o material e medicações necessários para a entubação traqueal devem ser preparados e testados com antecedência, deixando-os facilmente acessíveis durante o procedimento. Monitoração. Inclui monitoração cardíaca e oximetria de pulso contínuas e medidas de pressão arterial. Pré-oxigenação. Aumenta a saturação de oxigênio da hemoglobina e do plasma, permitindo uma reserva de oxigênio para ser utilizada no período de apneia provocada durante o procedimento. O risco de aspiração do conteúdo gástrico secundário à distensão gástrica pode ser reduzido por meio da aplicação de pressão sobre a cartilagem cricoide (manobra de Sellick) antes de iniciar a ventilação com pressão positiva e através da passagem de sonda nasogástrica para descompressão. Pré-medicação. Tem a finalidade de reduzir a ocorrência de respostas fisiológicas desfavoráveis durante a laringoscopia, como hipertensão intracraniana e intraocular, taquicardia e estimulação vagal. Q Atropina: minimiza o risco de bradicardia e assistolia decorrentes de estimulação vagal, reduz a salivação. Indicada em lactentes menores de 1 ano, pacien393

SEQUÊNCIA RÁPIDA DE ENTUBAÇÃO

PASSO A PASSO

tes que receberam succinilcolina e todos aqueles que estejam bradicárdicos. Administrar 1-2 minutos antes da entubação. Dose: 0,01-0,02 mg/kg IV (mínimo: 0,1 mg, máximo: 1 mg). Q Lidocaína: minimiza o aumento da hipertensão intracraniana; utilizada em casos com risco de hipertensão intracraniana. Administrar 2-5 minutos antes da laringoscopia. Dose: 1-2 mg/kg, IV, em bolus rápido. Sedação. Visa a permitir o posicionamento adequado do paciente e facilitar as primeiras medidas. A finalidade não é obter relaxamento muscular. Q

Q

Q Q

SEQUÊNCIA RÁPIDA DE ENTUBAÇÃO

Q

Q

Benzodiazepínicos: sedativos sem ação analgésica. Administrar 2-4 minutos antes do bloqueador neuromuscular. Midazolam ou diazepam: 0,1-0,2 mg/kg, IV (máximo 4 mg). Fentanil: promove a sedação e analgesia, podendo ser utilizado em associação ou isoladamente. Administrar 1-3 minutos antes da entubação. Dose: 2-4 µg/kg IV lento. Cetamina: analgésico, sedativo e amnésico. Dose: 1-2 mg/kg, IV. Tiopental: sedativo-hipnótico não analgésico. Reduz o metabolismo cerebral e a pressão intracraniana. Dose: 2-4 mg/kg, IV. Propofol: sedativo-hipnótico, anestésico. Pode causar hipotensão e dor no momento da administração. Dose: 2 mg/kg IV. Causa acentuada hipotensão, não devendo ser utilizado em choque ou instabilidade cardiovascular. Etomidato: sedativo-hipnótico não analgésico. Este medicamento não está indicado, pois mesmo em dose única, causa supressão no eixo suprarrenal hipofisário.

Bloqueio neuromuscular. Deve proporcionar ausência de movimentos e de ventilação espontânea e relaxamento da mandíbula. Q

Succinilcolina: é o padrão-ouro para a obtenção de relaxamento muscular rápido e eficiente. Início de ação em 30-60 segundos e duração de 3-5 minutos. Efeitos adversos potencialmente graves. Dose: 2 mg/kg para lactentes e 1-1,5 mg/kg para crianças IV. Q Rocurônio: aminoesteroide não despolarizante, com início de ação em 60 segundos e duração de 30-60 minutos. Dose: 0,6-1,2 mg/kg, IV. Q Vecurônio: mesma categoria do rocurônio, porém mais potente. Início de ação em 90-120 segundos e duração de 30-90 minutos. Dose: 0,1-0,2 mg/kg, IV. Entubação traqueal. Realizada após todas as etapas anteriores, com o paciente sedado e com bloqueio neuromuscular. A escolha do tubo traqueal adequado para o paciente pode ser determinada pela fórmula idade/4+4, devendo-se separar um número acima e um abaixo do estipulado. A confirmação da entubação pode ser feita pela observação da expansão torácica e ausculta pulmonar simétricas, presença de vapor no interior do tubo traqueal, ausência de murmúrio na ausculta da região gástrica durante a ventilação, saturação de oxigênio adequada na oximetria de pulso, medição do CO2 exalado, laringoscopia direta e raio X de tórax. 394

REFERÊNCIAS Amantéa S, Zanella M, Piva JP, Garcia PCR. Acesso à via aérea: sequência rápida de intubação. In: Piva J, Garcia PC, editores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter, 2006. p.15-41. American Heart Association. Guidelines for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation 2005;112(24 Suppl):IV1-203. American Heart Association. Pediatric advanced life support provider manual. Dallas: Author; 2006. Bingham RM, Proctor LT. Airway Management. Pediatr Clin N Am. 2008;55:873-86. Murphy MF, Hung OR, Law JA. Tracheal intubation: tricks of the trade. Emerg Med Clin N Am. 2008;26:1001-14. Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2006.

28.3

CHOQUE

CHOQUE

MICHEL GEORGES DOS SANTOS EL HALAL PAULO ROBERTO ANTONACCI CARVALHO

Conceito. O choque é uma síndrome clínica caracterizada por incapacidade do sistema circulatório em fornecer substrato para os tecidos e remover metabólitos deles, resultando em metabolismo anaeróbico e acidose tecidual. Classificação Q Distributivo: quando ocorre diminuição da extração de oxigênio pelos tecidos. Acontece na sepse, na anafilaxia e com o uso de vasodilatadores. Há queda de resistência vascular sistêmica (pós-carga) e diminuição do retorno venoso (pré-carga). Portanto, a pressão venosa central (PVC) e a pressão arterial (PA) são baixas. Q Quantitativo: quando ocorre diminuição da oferta de oxigênio. Acontece em situações de hipovolemia absoluta (hemorragia, desidratação) ou relativa (sepse, anafilaxia, agentes vasodilatadores) e quando há falha de bomba. Na hipovolemia absoluta, há diminuição do débito cardíaco decorrente de uma menor pré-carga. O tônus adrenérgico aumentado eleva a frequência cardíaca e a resistência vascular sistêmica. Na hipovolemia relativa, há aumento da capacidade vascular em relação ao volume intravascular. Quando o choque é cardiogênico (falha de bomba), há um aumento da PVC e da resistência vascular periférica. 395

Manifestações clínicas e achados laboratoriais. Os sinais de choque são taquicardia, taquipneia, hipotermia, vasodilatação periférica (choque quente), vasoconstrição periférica (choque frio), alteração do estado mental, diminuição do débito urinário, acidose metabólica e lactato sérico elevado. A presença de hipertermia sugere choque séptico. Quando disponível, a saturação venosa central de oxigênio (saturação de oxigênio na veia cava superior) é útil na monitoração indireta do débito cardíaco. Se o índice cardíaco for > 3,3 L/min/m², a hemoglobina de 10 g/dL e a saturação arterial de oxigênio de 100%, a saturação venosa central será aproximadamente 70% em um paciente com consumo normal de oxigênio de 150 mL/min/m². Portanto, valores inferiores a 70% podem representar, indiretamente, baixo débito cardíaco. Entretanto, não é raro que a extração de oxigênio pelos tecidos esteja diminuída no choque séptico, casos em que a saturação venosa central pode estar alta. O índice cardíaco também pode ser monitorado de forma invasiva, com a colocação de um cateter arterial pulmonar. Manejo. Os objetivos do tratamento do choque são normalizar a pressão arterial média (PAM) e a PVC, manter a saturação venosa central acima de 70%, reverter a acidemia lática, restabelecer a diurese acima de 1 mL/kg/hora e normalizar o estado mental.

CHOQUE

Q

Monitoração: os pacientes devem ser monitorados com eletrocadiografia contínua, oximetria de pulso, aferição da pressão arterial invasiva ou não invasiva frequente e sondagem vesical para aferir débito urinário. Um cateter venoso central é útil para medir a PVC e para coleta de exames, mas não é obrigatório. Dois acessos venosos calibrosos são suficientes para o manejo inicial. A via intraóssea pode ser utilizada para administrar líquidos e drogas na impossibilidade de obter-se acesso venoso. Q Oxigenioterapia: a relação oferta/consumo de oxigênio está diminuída no choque, portanto é indicada a oferta de oxigênio com o objetivo de manter a saturação de hemoglobina acima de 95%. A entubação endotraqueal e a ventilação mecânica precoce garantem menor gasto de energia e de consumo de oxigênio com a mecânica respiratória, além de possibilitar maior oferta de oxigênio. Q Ressuscitação volumétrica: nos casos de choque com hipovolemia absoluta ou relativa, como na sepse e na anafilaxia, a expansão com cristaloides é indicada. No choque séptico, o objetivo é administrar 40-60 mL/kg de solução cristaloide ou coloide em 15 minutos por via intravenosa ou intraóssea. Se a PVC estiver abaixo de 5-10 mmHg, pode-se repetir expansões de soro fisiológico 10-20 mL/kg. Q Drogas vasoativas e inotrópicas: na primeira hora de manejo do choque séptico, é indicado o uso de dopamina se não houver resposta à ressuscitação volumétrica. A dopamina estimula receptores β-1 adrenérgicos em doses de 3-10 µg/kg/min. Doses maiores estimulam receptores α-1 adrenérgicos. A dose inicial é de 5 µg/kg/min, podendo ser aumentada gradativamente. 396

Se não houver melhora após a administração da dopamina, considerase o choque refratário a volume e dopamino-resistente. Nos casos de choque frio, associa-se a adrenalina, por seu efeito inotrópico; nos de choque quente, a noradrenalina, por sua atividade vasopressora. No choque frio refratário com pressão arterial normal, pode-se associar um vasodilatador à adrenalina. No choque frio com hipotensão, escalonar a dose de adrenalina e administrar o volume. Nos casos de choque com diminuição da contratilidade miocárdica, está indicado o uso de dobutamina associada a nitroprussiato, com o objetivo de melhorar o débito cardíaco ao aumentar a contratilidade cardíaca e diminuir a pós-carga. Uma alternativa é o uso de milrinona, uma droga inodilatadora, inibidora da fosfodiesterase tipo III. As doses e tipos de ação das drogas vasoativas e inotrópicas mais comumente utilizadas estão listadas na Tabela 28.3.1. Q Hidrocortisona: no choque séptico refratário à terapia com dopamina/dobutamina, naqueles com uso crônico de corticoide, com infecção do sistema nervoso central e com púrpura fulminante, está indicado o uso de hidrocortisona 2 mg EV a cada 6 horas para tratar possível insuficiência adrenal associada. Q Hemotransfusão: manter a hemoglobina acima de 10 mg/dL para otimizar oferta de oxigênio aos tecidos.

CHOQUE

Tabela 28.3.1 DOSES E AÇÃO DAS DROGAS MAIS COMUMENTE UTILIZADAS Droga

Dose (μg/kg/m)

Ação

Dopamina

5-20

Inotrópico em baixas doses e vasopressor em altas doses

Dobutamina

5-20

Inotrópico com diminuição de pós-carga e cronotrópico em altas doses

Adrenalina

0,05-2

Inotrópico potente

Noradrenalina

0,05-2

Vasopressor potente

Milrinona

0,25-0,75

Inodilatador

Nitroprussiato

0,5-10

Vasodilatador arterial sistêmico

397

CHOQUE

Figura 28.3.1 Algoritmo para manejo do choque séptico em lactentes e crianças. Milrinona, amrinone e enoximona; PALS, suporte avançado de vida em pediatria; VCS O2, saturação de oxigênio na veia cava superior; PDE, fosfodiesterase; IC, índice cardíaco; ECMO, oxigenação por membrana extracorpórea. Fonte: Adaptada de Carcillo e colaboradores (2002).

REFERÊNCIAS Carcillo JA, Martha VF, Garcia PCR. Inotrópicos, vasodilatadores e vasopressores. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2006. p. 147-62. 398

Carcillo JA, Joseph A, Fields AI. Parâmetros de prática clínica para suporte hemodinâmico. J Pediatr (Rio J). 2002;78(6):449-66. Garcia PCR, Piva JP, Casartelli CH, Branco RG. Condutas práticas para o tratamento do choque séptico. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2006. p. 163-77. Garcia PCR, Piva JP, Martha VF, Osório Jr E. Ressuscitação volumétrica no choque. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2006. p. 135-45. Nadel S, Kissoon N “Tex”; Ranjit S. Recognition and initial management of shock. In: Nichols DG. Rogers´s textbook of pediatric intensive care. 4. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. Cap. 26, p. 372-83.

28.4

SEPSE

Definições Q Infecção: fenômeno caracterizado por uma resposta inflamatória à presença de microrganismos (bactérias, vírus ou parasitas) ou à invasão de tecido outrora estéril do hospedeiro por esses microrganismos. Q Bacteremia: presença de bactérias viáveis no sangue. Q Síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS): resposta sistêmica a uma variedade de insultos clínicos (infecção, trauma, queimaduras, neoplasias). A resposta se manifesta por meio de dois ou mais dos seguintes sintomas: – Temperatura > 38°C ou < 36°C (medida via oral, retal, urinária ou cateter central). – Frequência cardíaca (FC) > 2 DP (desvios-padrão) acima do normal para a idade na ausência de estímulo externo, estímulo doloroso ou drogas de uso crônico; ou elevação persistente inexplicada da FC por 0,5 a 4 horas ou em menores de 1 ano: bradicardia definida com FC abaixo do percentil 10 para a idade na ausência de estímulo vagal externo, uso de β-bloqueadores ou doença cardíaca congênita; ou depressão da FC inexplicável por 0,5 h. – Frequência respiratória > 2 DP acima do normal para a idade ou necessidade de ventilação mecânica para um processo agudo não relacionado à doença neuromuscular ou anestesia geral. – Número de leucócitos aumentados ou diminuídos para a idade ou > 10% de formas jovens. Q Sepse: é a SIRS somada à infecção, ou seja, é a resposta sistêmica a uma infecção. 399

SEPSE

MICHEL GEORGES DOS SANTOS EL HALAL CAMILA DOS SANTOS EL HALAL PAULO ROBERTO ANTONACCI CARVALHO

Q

Sepse grave: sepse associada à disfunção orgânica, hipotensão ou hipoperfusão; manifesta-se por diminuição do nível de consciência, diminuição do débito urinário e/ou elevação do lactato sérico. Q Choque séptico: sepse associada à hipotensão (PAS < 2 DP abaixo da média para a idade), apesar de adequada reposição hidreletrolítica, acompanhada de a) necessidade de suporte inotrópico ou vasopressores ou b) qualquer um dos critérios diagnósticos de sepse grave (ver Cap. 27.5). Q Síndrome da disfunção múltipla de órgãos: presença de disfunção de dois ou mais sistemas.

SEPSE

Fisiopatologia. A partir do momento em que um micróbio tem acesso ao meio intravascular, o organismo hospedeiro ativa mecanismos de defesa. Consequentemente, na maioria das vezes, a bacteremia resulta em quadro autolimitado. Em determinadas situações, uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica se estabelece e pode progredir independentemente da infecção. Considera-se sepse a presença de resposta sistêmica a uma possível infecção, sem necessidade de evidência de bacteremia ou foco infeccioso específico. Essa resposta inflamatória causa danos ao próprio organismo do hospedeiro, podendo resultar em disfunção cardíaca, vasodilatação, lesão capilar e trombose micro e macrovasculares. A maioria das consequências fisiopatológicas da síndrome séptica resulta de um descontrole entre mediadores pró e anti-inflamatórios somados a toxinas microbianas. Além da liberação de citocinas, ocorre ativação e mobilização leucocitária, ativação da cascata de coagulação, inibição da fibrinólise e aumento da apoptose. Etiologia. A etiologia da sepse varia com a idade, estado imunológico, procedência do paciente e presença de drenos e cateteres. As bactérias Gram-positivas, principalmente Staphylococcus, são as mais comuns em todas as faixas etárias. Nos neonatos, Staphylococcus coagulase-negativo é a bactéria mais comum, refletindo o impacto de infecções nosocomiais nesse grupo. Streptococcus agalactiae, Escherichia coli, Listeria monocytogenes, Enterococcus e Haemophilus influenzae não tipável são comuns. Nas crianças de 1 a 3 meses, tanto os organismos típicos de infecções neonatais quanto os de infecções comunitárias são comuns. Nas crianças maiores e saudáveis, é rara a ocorrência de sepse sem foco primário definido. Quando ocorre, deve-se principalmente à infecção por Neisseria meningitidis, responsável por infecções graves. A introdução de vacinas mudou a incidência de algumas infecções. Nos países em que as vacinações contra Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae tipo B e Neisseria meningitidis foram introduzidas, a incidência de sepse por esses microrganismos caiu significativamente. Algumas doenças predispõem a infecções por bactérias específicas. Na anemia falciforme, por exemplo, há predisposição a infecções por Salmonella e Streptococcus pneumoniae. Na asplenia e na síndrome nefrótica, também há predisposição a infecções por Streptococcus pneumoniae. Infecções nosocomiais são predominantemente causadas por bactérias Gram-positivas, principalmente Staphylococcus coagulase-negativo. Em pacientes 400

Achados clínicos e exames laboratoriais. O achado clínico mais precoce de infecção é a alteração da temperatura corporal, que pode se apresentar como hipertermia ou hipotermia, dependendo da idade e do estado imunológico do paciente. Febre associada à apatia após controle térmico sinaliza uma infecção grave. Nos estágios iniciais da sepse (fase hiperdinâmica), o débito cardíaco aumenta, em uma tentativa de manter uma oxigenação tecidual adequada na vigência de aumento da demanda metabólica. Com a progressão do quadro, diversos mediadores levam à redução do débito cardíaco. Em função da necessidade desse aumento no débito cardíaco, a taquicardia caracteriza-se como sinal útil na suspeita de sepse, assim como a taquipneia. Outros sinais importantes são hipotonia, palidez ou cianose cutânea, aumento do tempo de enchimento capilar e dificuldade em se alimentar ou mamar. Lesões cutâneas podem estar presentes e incluem petéquias, eritema difuso, equimoses, ectima gangrenoso e gangrena periférica simétrica. A icterícia pode ser um sinal de infecção ou de disfunção múltipla de órgãos. Apesar de inespecíficos, achados laboratoriais possíveis na sepse incluem anemia, neutrofilia com desvio à esquerda, neutropenia, presença de granulações grosseiras e/ou vacuolização nos neutrófilos, hipocalcemia, hipoalbuminemia, acidose metabólica, acidose lática, alterações no tempo de protrombina e tempo parcial de tromboplastina ativado (aumentados), diminuição dos níveis de fibrinogênio e comprometimento das funções renal e hepática em casos mais graves. A investigação laboratorial deve ser constituída de exames diretos e culturais de sangue, urina, líquido cerebrospinal, fezes, secreções, sufusões e exsudatos, com o objetivo de orientar o tratamento farmacológico. Exames radiológicos (radiografia, ecografia e tomografia) podem ajudar na identificação do foco infeccioso. Tratamento. Enquanto as medidas iniciais para estabilização do paciente estão sendo tomadas, a terapia antimicrobiana deve ser iniciada, levando em consideração a procedência do paciente (se vindo da comunidade ou apresentando infecção de início hospitalar), condições imunológicas, idade da criança, presença de doença de base, cirurgia ou procedimento recente, foco aparente de infecção, possíveis contraindicações a determinados agentes antimicrobianos e dados da instituição acerca da prevalência de germes e sua sensibilidade aos diversos medicamentos. A instituição de antibioticoterapia não deve ser postergada pela espera dos resultados de exames, tendo em vista que o início precoce do tratamento está diretamente ligado a um melhor desfecho.

401

SEPSE

criticamente doentes, a pneumonia associada à ventilação mecânica é causada principalmente por Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Enterobacter spp., Acinetobacter spp. e Haemophilus influenzae. As principais bactérias causadoras de infecção urinária em pacientes hospitalizados são Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae. Infecções fúngicas são frequentes, principalmente em pacientes imunossuprimidos.

Antibioticoterapia empírica sugerida para infecções comunitárias Q Recém-nascido – Pneumonia: ampicilina + (gentamicina ou cefotaxima) – Meningite: ampicilina + Cefotaxima – Sem foco: ampicilina + (gentamicina ou cefotaxima) – Foco urinário: ampicilina + gentamicina Q Crianças de 1 a 3 meses – Pneumonia: oxacilina + (gentamicina ou cefotaxima) – Meningite: ampicilina + (ceftriaxona ou cefotaxima) – Sem foco: ampicilina + (gentamicina ou cefotaxima) – Foco urinário: ampicilina + gentamicina Q Crianças acima de 3 meses – Pneumonia: ceftriaxona – Meningite: ceftriaxona – Sem foco: ceftriaxona – Foco urinário: ampicilina + gentamicina Antibioticoterapia empírica sugerida para infecções nosocomiais Pneumonia ou sem foco: vancomicina + (cefepime ou amicacina) Foco urinário: cefepime + amicacina

SEPSE

Q Q

Na suspeita de foco intra-abdominal, deve ser incluída no esquema cobertura contra anaeróbios, como metronidazol ou clindamicina. Piperacilina/tazobactam e Imipenem têm boa cobertura contra anaeróbios. Também são úteis nas infecções por Gram-negativos resistentes a cefalosporinas e aminoglicosídeos. A vancomicina deve ser incluída nos casos de hemocultura positiva para cocos Gram-positivos em aglomerado (principalmente se há suspeita de infecção por S. aureus resistente à meticilina) e em pacientes com cateteres de inserção central de longa duração.

REFERÊNCIAS Enrione MA, Powell KR. Sepsis, septic shock, and systemic inflammatory response syndrome. In: Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson textbook of pediatrics. 17th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2004. Goldstein B, Giroir B, Randolph A. International pediatric sepsis consensus conference: Definitions for sepsis and organ dysfunction in pediatrics. Pediatr Crit Care Med. 2005;6(1):2-8. Guzman-Cottrill J, Nadel S, Goldstein B. The Systemic Inflamatory Response (SIRS), sepsis, and septic shock. In: Long S, Pickering L, Prober C. Principles and practice of pediatric infectious diseases. 3rd ed. Philadelphia: Sunders; 2007. Cap. 12. Simon L, Lacroix J, Farrel C, Proulx F, Toledanoi B, Piva J. Sepse e Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS). In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2006. p. 103-34. 402

28.5

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS

MICHEL GEORGES DOS SANTOS EL HALAL CAMILA DOS SANTOS EL HALAL PAULO ROBERTO ANTONACCI CARVALHO

HIDRATAÇÃO Crianças saudáveis são capazes de tolerar amplas variações de consumo e perda de água e eletrólitos devido aos vários mecanismos que ajustam a sua absorção e excreção. A terapia hídrica endovenosa de manutenção, contudo, costuma ser necessária em pré e pós-operatórios ou em casos de doenças graves em que a via oral não pode ser utilizada. O objetivo é evitar desidratação, distúrbios eletrolíticos, cetoacidose e degradação proteica; para isso, a terapia hídrica costuma ser composta por água, glicose, sódio e potássio.

Holliday-Segar. Estima o gasto calórico baseado no peso corporal, presumindo que, para cada 100 calorias metabolizadas, serão necessários 100 mL de água (Tab. 28.5.1). Baseado na superfície corporal. Baseia-se na ideia de que o consumo calórico é proporcional à superfície corporal. Não deve ser aplicado em crianças que pesem menos de 10 kg. O volume e os eletrólitos de manutenção utilizados são: Q Q Q

Água: 1.800 mL/m²/dia Sódio: 50 mEq/m²/dia Potássio: 40 mEq/m²/dia

Tabela 28.5.1 GASTO CALÓRICO BASEADO NO PESO CORPORAL Peso corporal

Água (mL/kg/dia)

Sódio

Potássio

1-10 kg

100

3 mEq/kg

2 mEq/kg

11-20 kg

1.000 + 50 mL/kg para cada kg acima de 10

30 + 2 mEq/kg para cada kg acima de 10

20 + 1 mEq/kg para cada kg acima de 10

> 20 kg

1.500 + 20 mL/kg para cada kg acima de 20

50 + 1 mEq/kg para cada kg acima de 20

30 + 0,5 mEq/kg para cada kg acima de 20

403

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS

MÉTODOS PARA CÁLCULO DE LÍQUIDOS DE MANUTENÇÃO EM PEDIATRIA

Lembrar que: 1 mL de NaCl a 20% = 3,4 mEq de sódio 1 mL de KCl a 10% = 1,34 mEq de potássio

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS

DESIDRATAÇÃO A diarreia é uma causa comum de desidratação e distúrbios eletrolíticos em crianças. Perdas provenientes do trato gastrintestinal são acompanhdas por perdas de potássio e bicarbonato (a composição média da diarreia consiste em 55 mEq/L de sódio, 25 mEq/L de potássio e 15 mEq/L de bicarbonato), o que predispõe à acidose metabólica. Os vômitos também são causa de desidratação devido ao impedimento da via oral para o consumo de líquidos. Como a sua composição é predominantemente de cloreto (90 mEq/L), pacientes com quadro de vômitos estão mais suscetíveis à alcalose metabólica. O primeiro passo no tratamento de reposição é a avaliação do grau de desidratação. Suas características dependem da velocidade das perdas, do volume e da composição do líquido perdido (Tab. 28.5.2). O grau de desidratação costuma ser subestimado na desidratação hipertônica (sódio > 150 mEq/L), porque a distribuição de água do intra para o extracelular ajuda a manter o volume intravascular. O contrário ocorre com a hipotônica (sódio < 130 mEq/L), que costuma acometer pacientes desnutridos. Quando o sódio sérico se encontra entre 130 e 150 mEq/L, o organismo consegue ajustar e compensar as perdas, causando a chamada desidratação isonatrêmica, que ocorre em cerca de 80% dos casos. Pacientes com grau I de desidratação e, em alguns casos, de grau II, devem ser reidratados pelo uso da via oral com sais de reidratação, recebendo de 50 (quadros leves) a 100 mL/kg (quadros mais intensos) da solução em 4 a 6 horas. Os sais de reidratação oral contêm 90 mEq/L de sódio. Com exceção dos alimentados em seio materno, durante o período de reidratação, as crianças devem receber somente os sais de reidratação. O volume total deve ser oferecido com frequência e em pequenos volumes de cada vez. Pacientes com desidratação grau III; grau II impossibilitados de usarem a via oral, ou ainda os menores de 3 meses, devem receber tratamento parenteral, que precisa seguir duas fases distintas: Q

Fase de expansão volumétrica: utiliza-se soro fisiológico a 0,9%, 20 mL/kg a cada 20-30 minutos (40-60 mL/kg/hora), podendo ser repetido quantas vezes forem necessárias até que se tenham sinais de resposta hemodinâmica (diurese, melhora dos pulsos). Q Fase de recuperação: deve ser constituída da oferta de 1-1,5 vezes o volume de manutenção diário. Utilizar preferencialmente a via oral; porém, a via endovenosa frequentemente se faz necessária, uma vez que os pacientes podem apresentar contraindicações ao uso da via oral. 404

Sinal

Leve

Moderado

Grave

Perda de peso

Até 5%

Até 10%

Acima de 10%

Mucosas

Levemente secas

Secas

Secas

Turgor cutâneo

Diminuído

Pastoso

Prega persistente

Perfusão

Tempo de enchimento capilar < 2 s

Tempo de enchimento capilar 2-4 s

Tempo de enchimento capilar > 4 s

Cor da pele

Palidez leve

Palidez intensa

Cianose/ moteada

Olhos

Levemente encovados

Encovados

Gravemente encovados

Fontanela

Normal

Deprimida

Muito deprimida

Diurese

Diminuída

Oligúria

Oligoanúria

Sede

Pouca sede

Sede moderada

Muita sede ou letárgico para beber

Frequência cardíaca

Normal

Aumentada

Taquicardia ou bradicardia

Pressão arterial

Normal

Discreta diminuição

Hipotensão

Pulsos

Normal

Discreta diminuição

Débeis

Estado mental

Normal

Normal para apatia

Letárgico até comatoso

ACIDOSE E ALCALOSE Na avaliação de um paciente com sinais de distúrbios metabólicos, a gasometria arterial é o exame mais importante para se ter em mãos. Os valores normais de pH, pressão parcial do CO2 (pCO2) e de bicarbonato (HCO3) são:

405

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS

Tabela 28.5.2 AVALIAÇÃO DO GRAU DE DESIDRATAÇÃO

Q Q Q

pH: 7,35-7,45 pCO2: 35-45 HCO3: 20-24 Lembrar que:

Q

O pH sempre nos indicará o fenômeno primário que está ocorrendo: acidose ou alcalose. Nunca há hipercorreção do pH pelo organismo. Por exemplo, em uma acidose metabólica, a diminuição da pCO2 se dará até que o pH se aproxime de 7,35, nunca se elevando acima de 7,4. Q A acidose decorre do aumento da pCO2 e/ou da diminuição de bicarbonato, e a alcalose, do aumento de bicarbonato e/ou da diminuição da pCO2. Q Para cada 10 mmHg modificados na pCO2, há uma alteração no pH de 0,08. Q Para cada 10 mEq/L modificados no HCO3, há uma alteração no pH de 0,15.

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS

ACIDOSE METABÓLICA pH arterial < 7,35 com bicarbonato sérico < 20 mEq/L. A acidose metabólica pode ocorrer em função da perda de bicarbonato ou do aumento de ácidos orgânicos. Para ajudar na definição de qual dos dois mecanismos originou determinado quadro de acidose metabólica, pode-se calcular o ânion gap (AG), definido como a quantidade de íons (menos o bicarbonato e o cloreto) necessários para o balanço da carga positiva do sódio. O AG mostra de forma indireta qual é a proporção dos ácidos orgânicos que, assim como o bicarbonato e o cloreto, têm cargas negativas. Se houver aumento no AG, isso significa que há uma proporção maior que a normal de ácidos orgânicos. O cálculo do AG é o seguinte: AG = Na+ – (Cl– + HCO3) (normal 12 ± 2 mEq/L) Acidose metabólica com AG normal (acidose hiperclorêmica). Ocorre decorrente de perdas gastrintestinais de bicarbonato (diarreia secretora, ileostomia, drenagem pancreática) ou de perdas renais de bicarbonato (acidose tubular renal tipos 1, 2 e 4). Acidose metabólica com AG aumentado. Ocorre por aumento na produção de ácidos (jejum prolongado, intoxicação por etanol, cetoacidose diabética, sepse, acidose lática, cirrose, pancreatite, alguns erros inatos do metabolismo) ou por redução da excreção de ácidos orgânicos (insuficiência renal aguda ou crônica). O manejo da acidose metabólica envolve principalmente a identificação e o tratamento da doença ou da condição subjacente. A indicação da administração de bicarbonato de sódio para correção de acidose metabólica está cada vez mais restrita. Na cetoacidose diabética, por exemplo, a administração de insulina corrige a acidose. Nos casos de choque em que há acidose lática, a correção das anormalidades perfusionais também corrige a acidose. Além disso, a administração de 406

bicarbonato de sódio não é livre de efeitos colaterais, e há indícios de que ele possa diminuir o pH intracelular apesar de elevar o pH sanguíneo. Entretanto, em situações nas quais há acidose grave (pH abaixo de 7,1 ou HCO3 abaixo de 10 mEq/L), principalmente se a acidose for secundária à perda primária de bicarbonato, a administração de bicarbonato se justifica. Quando se opta por administrar bicarbonato de sódio em uma acidose metabólica, pode-se estimar o déficit de bicarbonato por meio do seguinte cálculo: Déficit de bicarbonato = (15-HCO3 encontrado) × Peso × 0,6 Ou Déficit de bicarbonato = Excesso de base × Peso × 0,3 Após estimado o déficit de bicarbonato, ele pode ser reposto da seguinte forma: 1/3 do valor total a ser reposto diluído em 1 mL de bicarbonato a 8,4% para cada 5 mL de SG5% em bolus; Q 1/3 diluído em SG5% ou no soro de hidratação para ser reposto em 6-8 horas; Q 1/3 desprezado.

ALCALOSE METABÓLICA pH arterial > 7,45 com bicarbonato > 26 mEq/L. Dentre suas causas, encontram-se o hiperaldosteronismo primário, a síndrome de Cushing, a alcalose hipoclorêmica na estenose hipertrófica de piloro e a fibrose cística. Como tratamento, deve-se repor o volume com solução fisiológica e interromper a administração exógena de bicarbonato, além de tratar a causa primária da alcalose.

ACIDOSE RESPIRATÓRIA pH arterial < 7,35 e pCO2 > 45 mmHg. As causas incluem doenças respiratórias obstrutivas, doenças que levam à hipoventilação, a pneumopatias crônicas e a defeitos congênitos. Nas doenças respiratórias hipoxêmicas agudas, a hipercapnia é um achado tardio, uma vez que inicialmente há hiperventilação na tentativa de melhorar a oxigenação. À medida que o paciente entra em fadiga respiratória, começa a retenção de CO2. O tratamento da acidose respiratória inclui tratamento de broncoespasmo, quando presente, e suporte ventilatório. O uso de bicarbonato é contraindicado.

ALCALOSE RESPIRATÓRIA pH > 7,45 e pCO2 < 35 mmHg. 407

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS

Q

As causas são ansiedade, pneumopatias, doenças do sistema nervoso central, doenças iatrogênicas (associadas à ventilação mecânica com parâmetros excessivos). O tratamento é direcionado para a causa básica. Na ventilação mecânica convencional, deve-se diminuir a frequência respiratória e a PIP (ver Cap. 14).

DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS

SÓDIO Hiponatremia (Na+ sérico < 130 mEq/L). A causa mais comum é a perda gastrintestinal do sódio na diarreia. Insuficiência renal aguda, insuficiência adrenal, cirrose hepática, insuficiência cardíaca, síndrome da secreção excessiva do hormônio antidiurético, uso de diuréticos, administração endovenosa de grandes volumes de fluidos hipotônicos, polidipsia psicogênica e síndrome de perda de sal cerebral são outras causas possíveis do distúrbio. O quadro clínico da hiponatremia se deve ao desvio de água para dentro das células e ocorre quando a natremia é inferior a 125 mEq/L. Os sintomas mais comuns são cefaleia, vômitos, cãibras musculares e agitação. Em casos graves, ocorrem crises convulsivas e coma, podendo evoluir para morte. Pacientes com sintomas leves de hiponatremia necessitam apenas de restrição hídrica para correção do quadro. Aqueles com quadro grave (convulsões, letargia, osmolaridade urinária = 200 mOs/kg de água) necessitam de reposição com solução hipertônica, não excedendo uma velocidade de correção de 10 mEq/L por dia, uma vez que a correção rápida da hiponatremia traz o risco de desmielinização osmótica. A correção com solução salina hipertônica deve ser suspensa no momento em que o sódio sérico atingir o valor de 125 mEq/L. A monitoração laboratorial deve ser feita a cada 2-3 horas até que haja redução dos sintomas. Hipernatremia (Na+ sérico > 150 mEq/L). As causas da hipernatremia são aumento na ingestão de sódio, síndrome de Cushing, hiperaldosteronismo, diabete insípido, doenças renais, perdas gastrintestinais, cetoacidose diabética e aumento das perdas insensíveis de água livre. A sede e a liberação de ADH são mecanismos que impedem a ocorrência de hipernatremia, que ocorre quando há inibição de um ou ambos os mecansimos. A hiperglicemia pode diminuir falsamente o Na+ sérico, uma vez que o aumento da osmolaridade sérica pode levar à passagem de água livre do meio intra para o extracelular. A fórmula para calcular o Na+ sérico em vigência de hiperglicemia é a seguinte: Na+ corrigido = Na+ medido + [0,016 × glicemia (mg/dL)] A hipernatremia manifesta-se principalmente por irritabilidade, alteração do estado mental, fadiga, diminuição dos reflexos tendinosos e insuficiência respiratória. Sempre que os sinais de desidratação grave e instabilidade hemodinâmica estiverem presentes, o manejo inicial deverá ser feito com expansões volumétricas utilizando-se solução fisiológica a 0,9%. 408

A correção deve ser feita até que se atinja o nível sérico de 145 mEq/L, usando-se soro glicosado a 5% ou água destilada, com redução do sódio sérico em uma velocidade aproximada de 0,5 mEq/L/h, não ultrapassando 10 mEq/L por dia. A correção rápida pode levar a edema cerebral e convulsões. No diabete insípido central, além das medidas já relatadas, a administração de vasopressina está indicada. A fórmula mais utilizada para correção dos distúrbios do sódio calcula a mudança esperada na natremia após infusão de 1 litro de solução hipotônica (na hipernatremia) ou hipertônica (na hiponatremia). Mudança no Na+ sérico = (Na+ infundido – Na+ sérico) / [(0,6 × peso) + 1] Exemplo: menino de 15 kg, com Na+ sérico de 115 mEq/L. Nesse caso, infundiremos solução salina a 3%, que oferece 513 mEq de sódio por litro de solução. Usando a fórmula, chegaremos à conclusão de que usando 1 litro de solução salina hipertônica, o aumento do sódio sérico nesse paciente será de 39,8 mEq.

Como explicado anteriormente, é contraindicado um aumento na natremia em mais de 10 mEq/L/dia. Portanto, não se pode infundir 1 litro dessa solução em 24 horas. Fazendo uma regra de três, chegaremos à conclusão de que a infusão de 251 mL dessa solução em 24 horas aumentará a natremia em 10 mEq, chegando ao objetivo de 125 mEq/L. De qualquer forma, após o início da infusão da solução, deve-se dosar a natremia a intervalos regulares a fim de evitar correção muito rápida do distúrbio.

POTÁSSIO Hipocalemia (K+ sérico < 3,5 mEq/L). Causada por acidose tubular renal, síndrome de Fanconi, abuso de enemas e laxativos, síndrome de Cushing, uso de diuréticos ou outras drogas espoliadoras de potássio, diarreia, entre outros. Manifesta-se por fraqueza ou paralisia muscular, íleo paralítico, depressão do segmento ST ao eletrocardiograma, bem como aumento da amplitude das ondas U e diminição da amplitude das ondas T. O tratamento por via endovenosa deve ser estabelecido nos casos graves (K+ sérico < 2,5 mEq/L), com a reposição de 0,4-0,5 mEq/kg/hora por 4-8 horas, diluído em solução fisiológica. Em veias periféricas, não se deve ultrapassar a concentração de 80 mEq/L para evitar irritação venosa e dor local. O aporte de potássio deve ser aumentado. Diuréticos poupadores de potássio (espironolactona 1-3 mg/kg/dia) podem ser usados, mas esse efeito poupador pode demorar alguns dias para iniciar. Na hipocalemia refratária, a administração de magnésio pode corrigir o distúrbio, como mencionado posteriormente. Hipercalemia (K+ sérico > 5,5 mEq/L). Causada principalmente por perda de função renal, lise celular importante e deficiência de mineralocorticoides. Na acidose meta409

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS

Mudança de Na+ sérico = (513 – 115) / [(0,6 × 15) + 1] = 39,8 mEq/L

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS

bólica, há hipercalemia, uma vez que a diminuição do pH em 0,1 eleva o potássio em 0,3-0,6 mEq/L. Deve-se fazer diagnóstico diferencial com pseudo-hipercalemia, que ocorre por hemólise na coleta de sangue, leucocitose e trombocitose. Os sintomas iniciam com debilidade muscular, que progride para paralisia ascendente e culmina com parada cardiorrespiratória. No eletrocardiograma, veem-se ondas T espiculadas, estreitas e simétricas. Há alargamento do complexo QRS e aumento da amplitude da onda S. Nos estágios finais, o eletrocardiograma apresenta desaparecimento da onda P, desvio do segmento S, taquiarritmia ventricular, bloqueios atrioventriculares, fibrilação ventricular e, finalmente, assistolia. A primeira medida na hipercalemia é a suspensão do aporte de potássio. Havendo níveis de potássio superiores a 6 mEq/L, deve-se preconizar a proteção miocárdica com gluconato de cálcio a 10%, 0,5 mL/kg, em 5 minutos. Concomitantemente, com o objetivo de deslocar rapidamente o potássio para o meio intracelular, infunde-se bicarbonato de sódio 1-2 mEq/kg diluído em SG5%, na proporção de 1:5. Uma alternativa é o uso da glicoinsulina a 25%, na dose de 0,5-1 g de glicose por kg e insulina regular 1 U para cada 5 g de glicose infundida. Também pode-se usar salbutamol endovenoso na dose de 4 µg/kg em 20 minutos. Todas essas medidas promovem apenas o deslocamento de K+ para o meio intracelular, mantendo o K+ corporal total estável. As resinas trocadoras de potássio removem o excesso do íon através da troca de potássio por sódio (sulfonato de poliestireno de sódio) ou pelo cálcio (sulfonato poliestireno de cálcio). A dose é de 1g/kg, diluído em SG 10%, sorbitol ou manitol, por via oral ou retal. O uso de furosemida também pode ajudar na espoliação de potássio pelos rins. Com essas medidas, o K+ corporal total diminui. A diálise está indicada nos casos de hipercalemia refratária e insuficiência renal grave.

CÁLCIO Hipocalcemia (cálcio total < 8,5 mEq/L; cálcio iônico < 4,2 mg/dL). Ocorre na deficiência de vitamina D, no hipoparatireoidismo, em doenças agudas graves ou em situações em que o cálcio é quelado por ânions, como na pancreatite, na administração de lipídeos, na hiperfosfatemia e na transfusão de hemácias. Manifesta-se por parestesias, alterações do estado mental, laringoespasmo, fadiga, cãibras (tetania), convulsões e arritmias cardíacas. No eletrocardiograma, o intervalo QT pode estar prolongado. O tratamento dos casos graves é feito com 1-2 mL/kg de gluconato de cálcio a 10% (100-200 mg/kg) em 10-20 minutos. A manutenção é feita com 50 mg/kg/dia de cálcio elementar, dividido em três ou quatro doses. Pacientes com hiperfosfatemia devem receber quelantes de fósforo enterais, uma vez que há risco de deposição de fosfato de cálcio nos tecidos se o produto entre o cálcio sérico total (mg/dL) e o fósforo sérico (mg/dL) exceder 80 em lactentes, 60 em crianças pequenas e 40 em adolescentes e adultos. Hipercalcemia (cálcio total > 10,8 mEq/L; cálcio iônico > 5,5 mg/dL). Causada por imobilização prolongada, intoxicação por vitamina D, hiperparatireoidismo, doenças malignas ou uso de diuréticos tiazídicos. 410

Apresenta-se clinicamente por diminuição do nível de consciência, convulsões, fadiga, irritabilidade, anorexia, náuseas, vômitos e arritmias. O eletrocardiograma pode apresentar encurtamento do intervalo QT. Níveis que ultrapassam 15 mEq/L devem ser emergencialmente tratados com expansão volumétrica com soro fisiológico e furosemida a 1-2 mg/kg. A melhor forma de medir a calcemia é a dosagem do cálcio iônico. Se for dosado o cálcio total, deve-se corrigir o valor encontrado de acordo com a albumina sérica do paciente, com a seguinte fórmula: Ca total corrigido = Ca total medido + [0,8 × (4 – albumina sérica em g/dL)]

Hipomagnesemia (magnésio sérico < 1,5 mEq/L). As causas são desnutrição grave, diarreia, síndrome do intestino curto, diabete melito, diminuição da reabsorção renal por desordens adquiridas ou uso de medicações, suplementação inadequada do íon em paciente internado e redistribuição do meio extracelular para o intracelular (insulinoterapia, pancreatite, alcalose respiratória, hiperaldosteronismo, administração de catecolamina). Apresenta-se com hiper-reflexia, convulsões e arritmias cardíacas. O tratamento é feito com sulfato de magnésio a 50%, 0,2-0,4 mEq/kg (25-50 mg/kg) endovenoso a cada 6 horas nos casos sintomáticos e 0,3-0,4 mEq/kg/dia por via oral quando assintomático. Nas hipocalcemias e hipocalemias refratárias, a administração de magnésio pode ajudar a corrigir o distúrbio. Hipermagnesemia (magnésio sérico > 2,8 mEq/L). Pode ocorrer na insuficiência renal ou nos casos de administração excessiva do íon na dieta, via parenteral ou nos enemas e laxativos. Trauma, choque e queimaduras aumentam a liberação celular do magnésio. Apresenta-se por letargia, náuseas, vômitos, íleo adinâmico, retenção urinária, hipotensão, paralisia de músculos esqueléticos, depressão dos reflexos tendinosos, bradicardia, depressão respiratória, coma e parada cardíaca nos casos mais graves. O tratamento é feito com gluconato de cálcio a 10%, 1 mL/kg e furosemida. Deve-se interromper a administração de magnésio. A terapia dialítica está indicada em casos graves.

FÓSFORO Hipofosfatemia. As causas principais são hiperparatireoidismo, raquitismo, desnutrição, má absorção intestinal, uso de diuréticos e redistribuição do meio extracelular para o intracelular (insulinoterapia, alcalose respiratória, administração de teofilina ou catecolamina). Os sintomas são cansaço e irritabilidade. Casos graves manifestam-se por insuficiência respiratória, arritmias, fraqueza e alteração do estado mental. O tratamento consiste no aumento da ingestão de fósforo nos casos leves. A doença de base deve ser tratada. Nos casos com P de 0,5-1 mg/dL, recomenda411

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICOS

MAGNÉSIO

se 0,25-0,5 mEq/kg/dose de fósforo endovenoso em 4 a 6 horas. Quando o P está abaixo de 0,5 mg/dL, usa-se 0,5-1 mEq/kg em 6 horas. Hiperfosfatemia. É causada por aumento do aporte de fósforo, lise celular maciça, hipoparatireoidismo, perda de função renal, uso de enemas contendo fósforo e acidose respiratória crônica. Normalmente, há hipocalcemia associada, que é responsável pela sintomatologia. O tratamento inclui hidratação, diminuição da oferta de fósforo na dieta e uso de quelantes enterais de fósforo (carbonato de cálcio ou hidróxido de alumínio). Não administrar alumínio a pacientes com perda de função renal. A diálise pode ser indicada em casos graves.

REFERÊNCIAS Andrade OV, Ihara FO, Troster EJ. Metabolic acidosis in childhood: why, when and how to treat. J Pediatr (Rio J). 2007;83(2 Suppl):S11-21.

HIPERTENSÃO INTRACRANIANA

Banasiak KJ, Carpenter TO. Disorders of calcium, magnesium and phosphate. In: Nichols DG. Roger´s textbook of pediatric intensive care. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. Cap. 94, p. 1635-48. Bruno F, Santana JCB, Lago P, Loch L, Garcia PCR, Piva JP. Distúrbios hidroeletrolíticos na criança. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2006. p. 487-508. Galloway E, Doughty L. Electrolyte emergencies and acute renal failure in pediatric critical care. Clin Pediatr Emerg Med. 2007;8:176-89. Greenbaum L. Pathophysiology of body fluids and fluid therapy. In: Behrman, Richard; Kliegman, Robert; Jenson, Hal. Nelson textbook of pediatrics. 17th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2004. p. 191-252.

28.6

HIPERTENSÃO INTRACRANIANA

MICHEL GEORGES DOS SANTOS EL HALAL PAULO ROBERTO ANTONACCI CARVALHO

A hipertensão intracraniana (HIC) é uma causa comum de lesão cerebral secundária em crianças. Ela instala-se quando os mecanismos de adaptação fisiológicos são incapazes de compensar um aumento na pressão intracraniana (PIC). O reconhecimento precoce e o manejo adequado dessa condição são importantes para diminuir a morbidade e a mortalidade relacionadas a ela.

412

Conceitos básicos e padrões de normalidade Q Pressão intracraniana: em adultos e adolescentes, a PIC normal é inferior a 15 mmHg. Em crianças pequenas, varia entre 6 e 15 mmHg e, em neonatos e lactentes, é inferior a 5 mmHg. O crânio admite um volume fixo em seu interior. A maior parte desse volume é ocupada pelo cérebro, e o restante, por líquido cerebrospinal e sangue. A presença de massas, edema ou o acúmulo de líquido cerebrospinal pode levar a um aumento da PIC. Isso, porém, nem sempre ocorre, já que, quando há uma nova estrutura ocupando o espaço intracraniano, o volume de líquido cerebrospinal e de sangue venoso pode diminuir, mantendo a PIC, assim, dentro do normal. Q Pressão de perfusão cerebral (PPC): é a diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pressão intracraniana. Em recém-nascidos, espera-se uma PPC mínima de 30-40 mmHg; em crianças, de 50-60 mmHg e, em adultos, de 60-70 mmHg. Assim, mantém-se um fluxo sanguíneo cerebral adequado. Se a PIC elevar-se, a PAM cair ou ambas as situações ocorrerem de forma simultânea, a ponto de haver queda de PPC abaixo dos níveis normais, haverá diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, com consequente hipoxia e lesão neuronal. Causas de hipertensão intracraniana Intracranianas: tumor cerebral, trauma, acidente vascular cerebral (AVC), hidrocefalia, pseudotumor cerebral, abscessos, causas idiopáticas. Q Extracranianas: obstrução de vias aéreas, hipoxia ou hipercarbia, hipo ou hipertensão arterial sistêmica, convulsões prolongadas, drogas, insuficiência hepática, causas metabólicas. Manifestações clínicas. A hipertensão craniana aguda normalmente se manifesta com cefaleia, vômitos, confusão, agitação, sonolência ou coma. Os sinais, nem sempre presentes, são papiledema, tríade de Cushing (bradicardia, hipertensão e respirações irregulares), fontanela tensa e sinais de compressão do terceiro (ptose, anisocoria) ou do sexto (paralisia do músculo reto lateral) par de nervos cranianos. Coma pode preceder herniação cerebral, que pode se manifestar com rigidez de decorticação, pupilas puntiformes e respiração de Cheyne-Stokes. Ainda pode evoluir com pupilas médias não reativas, descerebração e taquipneia. Com a evolução do quadro, há flutuação da pressão arterial e da frequência cardíaca, hipoventilação, e, então, apneia. Herniação uncal pode ocorrer se o aumento da pressão ocorrer em um dos hemisférios cerebrais. No caso de aumento de pressão em ambos os hemisférios cerebrais, pode ocorrer herniação central. Investigação e monitoração. Uma tomografia computadorizada (TC) de crânio está indicada para diagnóstico etiológico e topográfico de eventuais lesões. Indica-se a monitoração da PIC nos casos de TCE grave, em que o escore na escala de Glasgow for igual ou inferior a 8 (ver Cap. 27.9) e a TC identificar hematomas, contusões, edema ou cisternas basais comprimidas. Um cateter de drenagem ventricular externa (DVE) acoplado a um transdutor de pressão é o 413

HIPERTENSÃO INTRACRANIANA

Q

HIPERTENSÃO INTRACRANIANA

melhor método para monitorar a PIC. Além da monitoração, o cateter de DVE oferece a possibilidade terapêutica de drenagem liquórica. Manejo Q Manter a cabeça elevada a 30 graus, sem lateralização. O objetivo é manter a drenagem venosa pelas veias jugulares, sem que haja diminuição da perfusão cerebral por estar com a cabeceira elevada demais. Q Monitorar a pressão arterial média (PAM) e a pressão venosa central (PVC). Tolerar hipertensão arterial sistêmica leve para manter uma PPC adequada. Q Evitar hiponatremia dilucional. Preferencialmente, manter o sódio sérico próximo ao limite superior da normalidade. Q Entubar o paciente e iniciar ventilação mecânica. Assim, é possível evitar a hipoxemia e a hipercarbia, que causam dilatação dos vasos cerebrais, aumentando o fluxo sanguíneo cerebral, o que pode elevar a PIC. O objetivo é manter SaO2 > 95% e paCO2 entre 35-40 mmHg. A hiperventilação é apenas indicada em casos de sinais de herniação (anisocoria ou midríase fixa), pois paCO2 abaixo de 30 mmHg pode levar à vasoconstrição das artérias cerebrais, podendo piorar áreas de isquemia. É importante tentar evitar altas pressões expiratórias finais (PEEP), uma vez que estas podem levar a colapso capilar pulmonar. Quando altas PEEP são usadas, há diminuição do retorno venoso, levando à congestão venosa cerebral, o que eleva a PIC. A diminuição do retorno venoso ainda aumenta o fluxo arterial para manter perfusão, o que também eleva a PIC. Na entubação, administrar lidocaína, 1,5 mg/kg, e tiopental, 3-5 mg/kg. Sempre que for aspirado o tubo endotraqueal, utilizar dose de lidocaína antes, acompanhada de dose de bloqueador neuromuscular ou tiopental. Q Sedar o paciente, pois agitação e dor podem aumentar a PAM e a PIC. Os benzodiazepínicos diminuem o consumo metabólico cerebral de oxigênio e o fluxo sanguíneo cerebral sem alterar a PIC. É recomendado associar um analgésico (fentanil). O uso de relaxantes musculares (vecurônio e atracúrio) também pode ser indicado. Q Controlar hipertermia, pois há aumento da taxa metabólica em aproximadamente 10% a cada elevação em 1°C da temperatura corporal. Há também vasodilatação, com aumento do fluxo sanguíneo cerebral e da PIC. Uma hipotermia leve está sendo estudada e pode ser benéfica durante as primeiras 24 a 36 horas em casos de HIC refratária a outras medidas, uma vez que diminui a taxa metabólica. Q Tratar anemia, com o objetivo de manter os níveis de hemoglobina em torno de 10 g/dL. Q Prevenir e tratar convulsões, pois estas aumentam o consumo cerebral de oxigênio e podem levar a edema cerebral. É recomendado o uso de fenitoína profilática durante a primeira semana nos casos de HIC após traumatismo craniano. Q Se um cateter intraventricular estiver presente, deve-se realizar drenagem liquórica. Q Iniciar terapia hiperosmolar com manitol ou solução salina hipertônica. O objetivo é absorver edema cerebral após aumento da osmolaridade plasmática. 414

O manitol diminui a PIC em 1-5 minutos. Tem efeito de 1,5-6 horas. A dose de ataque é de 0,25-1 g/kg. Pode-se repetir, a cada 2-6 horas, doses de 0,25-0,5 g/kg. Há diurese osmótica e perda de grandes volumes de líquidos pela urina, que devem ser repostos. Pode-se associar furosemida ao manitol. A solução salina hipertônica pode ser usada em pacientes hipotensos ou hipovolêmicos, mas ainda necessita ser melhor estudada para que se avalie a sua segurança. Está indicada em casos refratários a todas as medidas terapêuticas disponíveis. Objetiva-se, com infusão contínua de NaCl a 3%, uma natremia de 160 mEq/L. Deve-se evitar elevar o sódio em mais de 15 mEq/L/dia. Q Induzir coma barbitúrico se a hipertensão intracraniana for refratária e o paciente estiver hemodinamicamente estável. Pode-se usar tiopental na dose de 46 mg/kg (ataque), seguida de 1-5 mg/kg/hora (manutenção). O mecanismo de ação dos barbitúricos ainda não é claro e seu uso está associado a diversas complicações, como hipotensão, hipocalemia e disfunção hepática e renal. Q Usar corticoides (dexametasona) apenas nos casos de edema vasogênico associado a tumores cerebrais. Nas outras situações, os efeitos do corticoide podem ser deletérios.

Barbosa, Arnaldo Prata. Trauma de crânio. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2006. Cap. 30, p. 581-609. Frankel, Lorry R; Dicarlo, Joseph V. Stabilization of the critically ill child: neurologic stabilization. In: Behrman, Richard; Kliegman, Robert; Jenson, Hal. Nelson textbook of pediatrics. 17th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2004. p. 303-6. Giugno KM, Maia TR, Kunrath CL, Bizzi JJ. Tratamento da hipertensão intracraniana. J Pediatr (Rio J). 2003;4(79):287-96. Lescot T, Abdennour L, Boch AL, Puybasset L. Treatment of intracranial hypertension. Curr Opin Crit Care. 2008;14(2):129-34.

28.7

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA

GENIARA DA SILVA CONRADO JEFFERSON PEDRO PIVA

Definição. A insuficiência respiratória caracteriza-se por uma incapacidade do sistema respiratório em atender às demandas metabólicas do organismo em relação à oxigenação, associada ou não a uma dificuldade na eliminação de dióxido de carbono. Também pode ser definida como uma pressão parcial de oxigênio 415

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA

REFERÊNCIAS

arterial (PaO2) abaixo de 50 mmHg, associada ou não a uma pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO2) acima de 50 mmHg. Classificação. A insuficiência respiratória aguda pode ser subdividida em hipoxêmica ou hipercápnica.

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA HIPOXÊMICA Ocorre uma diminuição no conteúdo de oxigênio arterial (PaO2) menor que 60 mmHg (exceto em cardiopatia cianótica), e o conteúdo de CO2 encontra-se normal ou reduzido devido à hiperventilação pelo estímulo hipoxêmico nos centros respiratórios. Pode decorrer de problemas com a difusão de oxigênio, de alterações da relação ventilação-perfusão (V/Q) e/ou de shunt intrapulmonar.

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA

Relação V/Q. Essa relação é determinada pela quantidade de ventilação e perfusão pulmonares, e a troca gasosa será ótima se elas forem distribuídas na mesma proporção em toda a extensão pulmonar (V/Q = 1). No entanto, sabe-se que, mesmo em pulmões normais, não há uniformidade na distribuição de ventilação e perfusão, sendo o índice V/Q = 0,8. Nos ápices pulmonares, V/Q > 1 e, nas bases, V/Q < 1. Q

Aumento da relação V/Q: a perfusão é diminuída, e a ventilação torna-se insuficiente para alterar a oxigenação. Temos, como exemplos, a hipertensão pulmonar primária ou secundária e o tromboembolismo pulmonar. Q Diminuição da V/Q: nesse caso, o fluxo sanguíneo alveolar é normal, mas a ventilação está parcialmente diminuída para os alvéolos, ocasionando queda da PaO2 e, consequentemente, do conteúdo de O2. Ocorre em doenças obstrutivas com obliteração incompleta das vias aéreas (asma, bronquite) ou com diminuição do volume alveolar (preenchimento por exsudato inflamatório, como em pneumonias ou edema pulmonar). Q Relação V/Q = 0: nesse caso, os alvéolos são perfundidos, mas não ventilados, atuando como shunt intrapulmonar venoarterial, sem realização de trocas gasosas. Isso ocorre na síndrome da angústia respiratória aguda, nas pneumonias, nas atelectasias, no edema ou na hemorragia pulmonar. Distúrbios de difusão. Nesses casos, a diferença alvéolo-arterial de oxigênio encontra-se aumentada. A velocidade de difusão depende de vários aspectos. Qualquer acúmulo de substâncias na membrana alveolar, no fluido intersticial, na membrana capilar, no plasma ou nas hemácias leva a uma diminuição da velocidade de difusão, atuando como uma barreira a difusão. O coeficiente de solubilidade e o gradiente de pressão gasosa também alteram a difusão. O O2 tem peso molecular menor que o CO2, sendo sua difusão mais rápida na fase gasosa; o CO2 é mais solúvel em meio líquido, sendo sua difusão 20 vezes mais rápida que a do O2 pela membrana alvéolo-arterial. O oferecimento de O2 complementar aumenta o gradiente de pressão e a velocidade de difusão de oxigênio. 416

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA HIPERCÁPNICA Ocorre uma PaO2 diminuída com uma PaCO2 aguda maior que 50 mmHg. O gradiente alvéolo-arterial de O2 é normal, pois não há alteração na difusão gasosa. A hipoventilação é a causa mais comum de hipercapnia. Patologias neuromusculares, depressão do centro respiratório e obstrução de vias aéreas superiores podem ser algumas das causas de hipoventilação.

ÍNDICES PARA AVALIAÇÃO DA GRAVIDADE DO COMPROMETIMENTO DA TROCA GASOSA

FiO2 é a fração inspirada de oxigênio; PB é a pressão barométrica (760 mmHg ao nível do mar); PH2O é a pressão de vapor d’água (47 mmHg); PaCO2 é a pressão arterial de CO2, e R é o coeficiente respiratório (relação entre a produção/minuto de CO2 e o consumo/minuto de O2 = VCO2/VO2), que é cerca de 0,8. Uma forma de estimar a PAO2 quando não se dispõe de tempo para realização dos cálculos citados é multiplicar-se a FiO2 (expressa em porcentagem) por 5. Assim, a PAO2 estimada em um paciente recebendo FiO2 de 21% será de 100 mmHg. Relação entre PaO2/FiO2. Doenças com grave comprometimento da V/Q apresentarão essa relação em níveis inferiores a 250. Na síndrome do desconforto respiratório agudo, esse índice é menor que 200. Saturação de hemoglobina. Medida de forma indireta por oxímetros, nos fornece valor aproximado da saturação. Sua utilidade maior encontra-se na avaliação da hipoxemia (faixa inferior a 95-97% de saturação), em que existe certa correlação entre a saturação da hemoglobina e a PO2. Na avaliação de hiperoxia é pouco sensível, pois uma pequena oscilação na saturação (de 98% para 99%) pode representar uma enorme variação na PO2 de 100 mmHg para 300 mmHg, por exemplo. Má perfusão e frio prejudicam a avaliação por oximetria. Alguns pontos-chave da curva de saturação merecem ser memorizados: 9060-60-30, que são traduzidos como uma saturação de 90% correspondendo a uma PO2 de 60 mmHg, enquanto uma saturação de 60% corresponde a uma PO2 de 30 mmHg. Epidemiologia. A real incidência de insuficiência respiratória no Brasil é difícil de ser definida, pois estudos mostram que é o diagnóstico principal em cerca de 30% das crianças admitidas em unidades de cuidados intensivos, mas que, du417

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA

O gradiente alvéolo-arterial de oxigênio é expresso pela fórmula [D(A-a)O2 = PAO2 – PaO2], e seu valor normal situa-se entre 5 e 20 mmHg. A PaO2 (pressão arterial de oxigênio) é obtida na gasometria, enquanto a PAO2 (pressão alveolar de oxigênio) é obtida a partir da seguinte fórmula: PAO2 = [FiO2 × (PB – PH2O)] – (PaCO2/R), em que:

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA

Tabela 28.7.1 CAUSAS DE INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA Comprometimento de vias aéreas superiores

Malformações, laringomalacia, traqueomalacia, epiglotite, estenose subglótica, laringite, corpo estranho, compressão extrínseca (p. ex., tumores), trauma.

Comprometimento de vias aéreas inferiores

Asma, bronquiolite, síndrome do desconforto respiratório agudo, contusão pulmonar, pneumotórax, coqueluche, bronquiectasia, mucoviscidose, pneumonias, displasia broncopulmonar, embolia, tuberculose, edema pulmonar, atelectasias, doença da membrana hialina, aspiração de mecônio, taquipneia transitória do recém-nascido (RN).

Alteração da anatomia torácica

Cifoescoliose, pneumotórax, pneumomediastino, hidrotórax, empiema, fadiga muscular, paralisia do nervo frênico, hérnia diafragmática, eventração diafragmática, tórax instável.

Alteração do centro respiratório

Trauma, medicamentos, agentes tóxicos, apneia, infecção, tumores.

Acometimentos neuromusculares

Trauma, poliomielite, polirradiculoneurite, drogas curarizantes, atrofia medular espinal, tétano, síndrome de Guillain-Barré, miastenia grave, miopatias.

Cardiológicas

Insuficiência cardíaca, hipertensão pulmonar, embolia pulmonar.

Outros

Sepse, choque, distúrbios eletrolíticos, estado de mal convulsivo, acidose metabólica, restrição torácica por distensão abdominal, tumores.

rante a internação, cerca de 70% dos pacientes acabam apresentando insuficiência respiratória, muitas vezes de causa secundária. É uma causa comum de parada cardiopulmonar em crianças. Vários fatores anatômicos e fisiológicos, como características da caixa torácica, menor calibre das vias aéreas e imaturidade do sistema respiratório, contribuem para que a insuficiência respiratória seja mais comum na infância. Diagnóstico. O diagnóstico pode ser feito por meio da história e do exame clínico e auxiliado por exames complementares. A insuficiência respiratória grave pode necessitar de tratamento imediato antes da realização de testes diagnósticos. 418

Exames complementares Q Gasometria arterial: pode mostrar alterações que devem ser interpretadas com cautela, já que o distúrbio encontrado guiará o tratamento. Na maioria dos casos em que há distúrbios mistos, como acidose metabólica compensada por alcalose respiratória, o pH definirá qual foi o evento principal. Portanto, para a interpretação, iniciamos com a análise do pH, que oscila, em situações normais, entre 7,35-7,45 mmHg (pH < 7,35: acidose; pH > 7,45: alcalose), seguida pela PaCO2 (> 45 mmHg: acidose respiratória; < 35 mmHg: alcalose respiratória) e pelo HCO3 (< 22 mEq/L: acidose metabólica; > 26 mEq/L: alcalose metabólica). Q Raio X de tórax: de grande utilidade para identificação de processos pulmonares como causa de insuficiência respiratória (consolidações, atelectasias, hiperinsuflação); aumento de área cardíaca sugerindo insuficiência cardíaca; processos pleurais, como derrames, hemotórax, pneumotórax e até presença de corpo estranho radiopaco. Q Hemograma: pode mostrar anemia e necessidade de transfusão para um melhor transporte de O2 para os tecidos; o leucograma está alterado nos casos infecciosos. Q Eletrólitos: hipofosfatemia, hipomagnesemia e hipocalemia podem estar relacionadas ao comprometimento da musculatura respiratória. Q ECG: pode mostrar distúrbios do ritmo cardíaco, alterações por isquemia, distúrbios eletrolíticos ou hipertensão pulmonar. Q Ecocardiografia: em casos que necessitem de melhor elucidação por alterações eletrocardiográficas ou clínicas. Q Culturais: exames culturais podem auxiliar no diagnóstico posteriormente, principalmente quando há suspeita de infecção. Q Laringoscopia e broncoscopia: principalmente na retirada de corpo estranho e nos casos com necessidade de biópsia. Tratamento. Tem como objetivo evitar a hipoxia tecidual e seus efeitos nos diferentes órgãos afetados. Q ABC. O tratamento deve iniciar com medidas padronizadas do suporte avançado ABC (vias aéreas/respiração/circulação) para deixar vias aéreas pérvias, garantir a ventilação e a perfusão de órgãos vitais. 419

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA

Exame clínico. Devemos observar alguns sinais e sintomas de hipoxemia, de esforço ou obstrução respiratória, como taquipneia, cianose, palidez, gemência, sudorese, taquicardia, esforço respiratório (tiragem), batimento de asa nasal e o nível de consciência (sonolência/agitação). Algumas patologias apresentam sinais e sintomas característicos: estridor, taquipneia e retração supraesternal são sugestivos de comprometimento de vias aéreas superiores, enquanto sibilância, tempo expiratório prolongado e uso de musculatura acessória sugerem doença de vias aéreas inferiores. Observar diminuição do murmúrio vesicular em doenças parenquimatosas e macicez à percussão em casos de derrame pleural; frequência respiratória muito baixa ou respiração superficial e hiporreatividade nos casos de depressão do sistema nervoso central.

Q

Oxigenoterapia. Administração de oxigênio umidificado e aquecido que pode ser feita de várias formas, sempre levando em conta o conforto do paciente para que não haja piora do seu quadro clínico. O oxigênio pode ser administrado de várias maneiras, como com cateteres ou cânulas nasais (em que a concentração de O2 ou de FiO2 pode atingir 44%); máscaras faciais com e sem reservatório (atingem 100% e 60% de FiO2 respectivamente); campânulas (FiO2 até 70%); tendas de oxigênio (FiO2 até 40%); oxigênio na incubadora (FiO2 até 80%) ou BIPAP/CPaP nasal (FiO2 até 100%). Deve-se monitorar a concentração de oxigênio por meio de oxímetro ou, na ausência deste, calcular pela fórmula: FiO2 = (no litros O2 × 1) + (no litros ar × 0,21) / no total de litros.

Medidas gerais Manter o paciente na posição de maior conforto possível; Manter o paciente monitorado – sinais vitais, padrão respiratório e oximetria – e em Unidade de Terapia Intensiva; Q Manejo hidreletrolítico – evitar desidratação por aumento de perdas insensíveis; Q Diminuir consumo metabólico (febre, agitação); Q Suporte nutricional – o mais precoce possível, levando em consideração que, no início do quadro, há necessidade de jejum pelo quadro respiratório e risco de aspiração, que é evitado utilizando-se sonda gástrica aberta. INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA

Q Q

VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA (VNI) Ainda hoje existem poucos estudos controlados e com número significativo de pacientes para avaliação do uso do CPAP – pressão contínua de vias aéreas. A recomendação é que lactentes menores de 3 meses que apresentam disfunção respiratória moderada a intensa (p. ex., bronquiolite viral aguda) devem utilizar CPAP nasal com pressões entre 5 e 12 mmHg. Nos pacientes maiores, a VNI (EPAP ou BIPAP) é sugerida na maioria dos trabalhos (apesar de limitações e problemas metodológicos) para evitar ou reduzir a necessidade de ventilação mecânica.

VENTILAÇÃO MECÂNICA (VM) Indicada em paciente que apresenta uma PaO2 inferior a 60 mmHg e que estiver recebendo uma FiO2 maior ou igual a 0,6 e/ou com um PH menor que 7,2. Entretanto, esses valores devem ser avaliados de acordo com a evolução clínica do paciente. Existem algumas situações clínicas nas quais a VM é indicada: Q Q Q

Apneia e/ou parada cardiorrespiratória – indicação absoluta; Pacientes em pós-operatório que estejam sob efeitos anestésicos; Comprometimento neurológico agudo (Glasgow ≤ 8; traumatismo craniencefálico com necessidade de hiperventilação);

420

Q Q

Insuficiência respiratória evoluindo para falência respiratória (fadiga muscular); Choque grave, com necessidade de aumento da oferta de O2 tecidual.

INVESTIGAR E TRATAR CAUSA BÁSICA Conforme a causa básica, existe uma série de tratamentos específicos para a insuficiência respiratória, que serão abordados em outros capítulos.

REFERÊNCIAS Amantea S, Piva J. Asma aguda grave. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. p. 363-89. Anas NG. Respiratory failure. In: Levin DL, Morriss, FC. Essentials of pediatric intensive care. 2nd ed. Baltimore: WB Saunders; 1997. p. 69-101. Carvalho W, Oliveira N, Santana J. Insuficiência respiratória. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. p. 363-89.

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421

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA AGUDA

Einloft PR, Garcia PC, Piva JP, Bruno f, kipper DJ, Fiori RM. A sixteen-year epidemiological profile of a pediatric intensive care unit, Brazil. Rev Saude Publica. 2002;36(6):728-33.

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28.8

CETOACIDOSE DIABÉTICA

MICHEL GEORGES DOS SANTOS EL HALAL

CETOACIDOSE DIABÉTICA

A cetoacidose diabética (CAD) é a principal causa de morbidade e mortalidade em crianças com diabete melito (DM) tipo 1. Comumente, a CAD é a manifestação inicial de um quadro de DM na criança. Os principais fatores desencadeantes da CAD são infecções, má adesão à dieta, uso incorreto da insulina, pancreatite, trauma, uso de altas doses de glicocorticoides e de outros medicamentos. A complicação da CAD mais associada à morte é o edema cerebral, que ocorre em 0,5-1% dos casos e tem alta taxa de letalidade. Além disso, as sequelas neurológicas são comuns nos pacientes que sobrevivem a um quadro de edema cerebral. Fisiopatologia. A deficiência absoluta ou relativa de insulina associada à elevação do nível sérico dos hormônios contrarreguladores da insulina (glucagon, glicocorticoides, catecolaminas, hormônio de crescimento) leva à diminuição da utilização periférica da glicose e ao aumento da sua produção por parte do fígado e dos rins, o que origina hiperglicemia, aumentando a osmolaridade sérica. As alterações hormonais também levam à lipólise e à produção de cetonas, gerando acidose metabólica. A hiperglicemia e a acidose causam diurese osmótica, manifestada por poliúria, que pode levar à desidratação. Quanto mais desidratado estiver o paciente, menor será a taxa de filtração glomerular e maior será a glicemia, pois a filtração da glicose nos glomérulos também estará diminuída. Distúrbios eletrolíticos ocorrem na CAD em função da perda urinária por poliúria, dos vômitos associados e da acidose metabólica. A hiponatremia dilucional é causada por aumento da secreção de hormônio antidiurético, perdas urinárias de sódio e aumento da osmolaridade sérica secundária à hiperglicemia, que ocasiona saída de água do meio intracelular. A diminuição do potássio corporal total é a regra em função da deficiência de insulina e das perdas urinárias e por vômitos. Na presença de acidose metabólica, contudo, é possível que o potássio sérico esteja normal ou até aumentado, uma vez que, havendo acidose, há saída de potássio das células. Com o uso de insulina e a correção da acidose, a tendência é que os níveis de potássio caiam rapidamente. Além disso, podem ocorrer hipocalcemia e hipofosfatemia.

422

A gravidade da cetoacidose é definida conforme o pH sanguíneo, sendo leve quando ele estiver entre 7,2 e 7,3, moderada quando entre 7,1 e 7,2 e grave quando abaixo de 7,1. Diagnóstico. As manifestações clínicas da CAD são poliúria, polidipsia, sinais de desidratação, taquipneia, hálito cetônico, náuseas, vômitos, dor abdominal, anorexia, febre e sonolência. Os critérios diagnósticos de CAD são: Q

Acidose metabólica com ânion gap aumentado (pH < 7,3; bicarbonato sérico < 15) Q Hiperglicemia (glicemia > 200 mg/dL) Q Cetose (cetonemia; cetonúria) Q Desidratação A fórmula para cálculo do ânion gap é Na + K – (Cl + HCO3–) e o valor normal é 12 ± 2 mEq/L. A hiperglicemia pode não estar presente, principalmente em gestantes, em crianças pequenas e em pacientes parcialmente tratados. Manejo Monitoração. A frequência cardíaca, a frequência respiratória, a pressão arterial, o volume total de líquidos administrados e eliminados e o hemoglicoteste (HGT) devem ser monitorados a cada hora. Os exames laboratoriais a serem solicitados incluem hemograma, sódio, potássio, cálcio, fósforo, cloro, glicemia, gasometria, função renal e amostra de urina para cetonúria. A dosagem de eletrólitos e a gasometria devem ser repetidas a cada 2-4 horas. A presença de leucocitose é comum mesmo na ausência de infecções. Q Hidratação. O primeiro passo no tratamento da CAD é a correção das alterações hemodinâmicas. Os objetivos com a reidratação são restaurar o volume circulatório, repor água e sódio e aumentar a taxa de filtração glomerular, melhorando a excreção de glicose e cetonas. Já nessa fase deve haver, portanto, uma queda da glicemia. Administra-se 20 mL/kg de cloreto de sódio a 0,9% (SF) ou Ringer lactato em 20 minutos, repetindo conforme a necessidade. Após a estabilização, inicia-se uma solução de manutenção com SF, com aproximadamente 1,5-2 vezes o volume de manutenção usual para idade, peso ou superfície corporal. Adiciona-se 40 mEq/L de potássio na forma de cloreto de potássio a partir do momento em que o paciente apresentar diurese. Metade da dose de potássio pode ser administrada na forma de fosfato de potássio se ocorrer hipofosfatemia importante (< 1mg/dL), que pode ocasionar fraqueza muscular. Q Insulina. Com a infusão de insulina, objetiva-se reduzir a glicemia e interromper a lipólise e a produção de cetonas. Após a fase de expansão volumétrica, inicia-se infusão endovenosa de 0,1 UI/kg/h de insulina regular, objetivando uma queda de 50-100 mg/dL/h na glicemia. A insulina é administrada em uma solução de 25 UI de insulina regular em 250 mL de SF. Se a queda da 423

CETOACIDOSE DIABÉTICA

Q

glicemia for pequena, a dose de insulina pode ser aumentada para 0,15-0,2 UI/kg/h. No entanto, se a queda for exagerada ou se a glicemia cair até 300 mg/dL, associa-se uma solução com SG 10%, contendo 150 mEq/L de sódio e 40 mEq/L de potássio. Nesse momento, metade do volume de manutenção é oferecida com a solução de SF previamente administrada e a outra metade com a solução de SG 10%, sendo administrada, na prática, glicose a 5%. Conforme a variação do HGT, o gotejo de cada uma das soluções vai sendo alterado, a fim de aumentar ou diminuir a taxa de infusão de glicose. Se houver necessidade de aumentar a taxa de infusão de glicose, pode-se administrar solução de glicose com concentração máxima de 12,5%. Se o paciente for muito sensível à infusão de insulina, pode-se reduzir a dose de insulina para 0,05 UI/kg/h, desde que a acidose esteja sendo corrigida. Entretanto, é preferível aumentar a taxa de infusão de glicose a diminuir a dose de insulina, já que esta última é fundamental para a reversão do estado catabólico e da acidose.

INTERRUPÇÃO DA INSULINA CONTÍNUA

CETOACIDOSE DIABÉTICA

Os critérios para interrupção da insulina contínua são: Q Q Q

correção da acidose (pH > 7,3 e bicarbonato ≥ 18) glicemia < 200 mg/dL aceitação de dieta

Aplica-se insulina subcutânea de ação rápida 15-60 minutos antes da interrupção da insulina contínua. Se a insulina utilizada for a regular, deve ser administrada 1-2 horas antes. Se o paciente já fazia uso prévio de insulina, o mesmo esquema deve ser iniciado. Caso contrário, um esquema com dose total de insulina de 0,75-1 UI/kg/dia nos pré-púberes e 1-1,2 UI/kg/dia nos púberes deve ser iniciado.

EDEMA CEREBRAL O edema cerebral é uma complicação grave da CAD. Manifesta-se clinicamente por cefaleia, recorrência dos vômitos, queda inapropriada da frequência cardíaca, hipertensão, sonolência, agitação, irritabilidade, alterações pupilares, paralisias de nervos cranianos e alterações posturais. Os sintomas iniciam tipicamente 4-12 horas após o início do tratamento, porém podem aparecer antes ou até 2428 horas após. A tomografia de crânio inicial pode ser normal em 40% dos casos. Exames subsequentes podem mostrar hemorragias, infartos ou edema. O mecanismo do edema cerebral ainda não está esclarecido, mas suspeita-se que uma queda acentuada na osmolaridade plasmática e a administração excessiva de fluidos possam estar associadas. Dados recentes sugerem que o edema pode ser vasogênico, e não citotóxico. A hipoperfusão cerebral ou a lesão das células endoteliais da barreira hematencefálica por citocinas inflamatórias ou pela cetose 424

podem ativar transportadores iônicos na barreira hematencefálica, levando à entrada de água no cérebro. O tratamento consiste na administração de manitol, 0,25-1 g/kg, ou solução salina hipertônica (3%), 5-10 mL/kg, em 30 minutos. A entubação traqueal pode estar indicada para proteção da via aérea, porém não está indicada uma hiperventilação maior do que a esperada para compensar a acidose metabólica.

REFERÊNCIAS Dunger DB, Sperling MA, Acerini CL, Bohn DJ, Daneman D, Danne TP, et al. European Society for Paediatric Endocrinology/Lawson Wilkins Pediatric Endocrine Society consensus statement on diabetic ketoacidosis in children and adolescents. Pediatrics. 2004;113(2):e133-e140. Piva JP. Current perspectives for treating children with diabetic ketoacidosis. J Pediatr (Rio J). 2007;83(5 Suppl):S119-27.

28.9

VENTILAÇÃO MECÂNICA CONVENCIONAL

MICHEL GEORGES DOS SANTOS EL HALAL PAULO ROBERTO ANTONACCI CARVALHO

Indicações. A ventilação mecânica (VM) é um tratamento de suporte utilizado em diversas situações clínicas com o objetivo de promover trocas gasosas da maneira mais fisiológica possível. Não objetiva, no entanto, tratar diretamente a causa da doença ou a condição clínica que levou à necessidade de suporte ventilatório. A VM está indicada em: Q Q

doenças pulmonares com hipoxemia e insuficiência respiratória; casos de hipoventilação, como doenças neuromusculares com fraqueza muscular e situações clínicas diversas que cursam com depressão respiratória por lesão do sistema nervoso central; Q choque, pois, com a VM, diminui-se o gasto energético e o consumo de O2; Q hipertensão intracraniana, em que se objetiva a hiperventilação ou a manutenção de níveis normais de PaCO2; Q pós-operatório de cirurgias de grande porte ou cirurgias em que houve manipulação de via aérea. É importante ressaltar que, apesar de extremamente útil, a VM não é isenta de riscos. A presença de um tubo endotraqueal na laringe pode levar a lesões traumáticas, como estenose subglótica, por exemplo. A oferta de oxigênio em 425

VENTILAÇÃO MECÂNICA CONVENCIONAL

Wolfsdorf J, Glaser N, Sperling MA. Diabetic ketoacidosis in infants, children and adolescents: a consensus statement from the American Diabetes Association. Diabetes Care. 2006;29(5):1150-9.

VENTILAÇÃO MECÂNICA CONVENCIONAL

altas concentrações por períodos prolongados está associada à lesão pulmonar iatrogênica. Também estão associados à VM o barotrauma, o volutrauma, o atelectrauma e o biotrauma. Conceitos Q Pressões – Pressão inspiratória de pico (PIP): ocorre durante inspiração máxima. – Pressão expiratória positiva final (PEEP): mantém o volume pulmonar residual ao final da expiração, através da manutenção de uma pressão expiratória final mínima, determinada pelo médico. Tem as vantagens de recrutar alvéolos colapsados, evitar colapso pulmonar progressivo em pulmões com diminuição da complacência, reduzir o consumo de surfactante endógeno e melhorar a PaO2. Uma alta PEEP, porém, pode levar ao colapso capilar pulmonar, diminuindo o retorno venoso ao coração esquerdo, com consequente queda do débito cardíaco. Pode também aumentar o espaço morto e formar edema pulmonar. Pacientes que necessitam de altas taxas de oxigênio durante a ventilação mecânica provavelmente se beneficiam de PEEP mais alta, justamente pela capacidade de recrutamento alveolar. – Gradiente máximo de pressão: diferença entre PIP e PEEP. – Pressão média de via aérea: medida da pressão a qual os pulmões estão expostos durante todo o ciclo respiratório. Pode-se aumentar a pressão média elevando a PEEP, a PIP, a relação tempo inspiratório/expiratório e/ou o fluxo inspiratório. Q Componentes do ciclo respiratório – Ti: tempo inspiratório. – Te: tempo expiratório. – Ti + Te: duração de cada ciclo respiratório. – Frequência respiratória (FR): número de ciclos por minuto. O valor normal varia com a idade. – Volume corrente (VC): mudança de volume pulmonar durante o período inspiratório (volume pulmonar ao final da inspiração-volume pulmonar no final da expiração). O volume corrente normal é de 5-7 mL/kg em crianças. Q Ventilação controlada por pressão versus controlada por volume – Por pressão: PIP e PEEP determinadas pelo médico. A PIP é mantida por todo o Ti. O volume pulmonar aumenta até atingir toda a capacidade naquela PIP ou até o ventilador iniciar a expiração. O volume corrente é determinado pelo gradiente de pressão e pela mecânica pulmonar do paciente. Nesse modo de ventilar, há menor chance de barotrauma, mas há risco de hipo ou hiperventilação, porque a PIP é constante, mas o VC não. – Por volume: o volume corrente é predeterminado pelo médico. Portanto, nesse método, a PIP é que é resultado da relação entre o volume corrente e a mecânica pulmonar do paciente. Há menor risco de hipo ou hiperventilação. Q Modos de ventilação – Ventilação assistida-controlada: o médico determina as pressões e/ou o volume corrente e os demais componentes do ciclo respiratório; o paciente não ventila espontaneamente. 426

ESTRATÉGIAS PARA MELHORAR A OXIGENAÇÃO E A VENTILAÇÃO Q

Melhorar a oxigenação: aumentar a pressão média da via aérea e/ou a oferta de O2. Q Melhorar a ventilação e diminuir a pCO2: aumentar a frequência respiratória e/ou a PIP.

PARÂMETROS INICIAIS DE VM EM DIFERENTES SITUAÇÕES CLÍNICAS Pulmões normais. Utiliza-se PEEP de 3-5 cm H2O, PIP ao redor de 25 cm H2O, Ti de acordo com a idade (0,6-1,0 s), Te prolongado e FR adequada para a idade. Esses pacientes não estão em ventilação mecânica por doença pulmonar e sim por circunstâncias clínicas diversas, como pós-operatório ou doenças neuromusculares que levam à hipoventilação. Doenças obstrutivas de vias aéreas inferiores. PIP alta, PEEP baixa, Ti longo, Te prolongado, FR baixa. Nessas situações (asma brônquica, fibrose cística, bronquiolite viral aguda), a resistência pulmonar está elevada; por isso, usa-se PIP alta. Evitar, porém, PIP acima de 35-40 cm H2O. Há aprisionamento aéreo em alvéolos levando a aumento de capacidade residual funcional (os pulmões estão hiperexpandidos), a PEEP, portanto, deve ser baixa.

427

VENTILAÇÃO MECÂNICA CONVENCIONAL

– Ventilação mandatória intermitente (IMV): é um tipo de ventilação assistidacontrolada, porém o paciente ventila espontaneamente nos intervalos dos ciclos predeterminados. – Ventilação mandatória intermitente sincronizada (SIMV): o ventilador permite que o paciente dê início a um ciclo respiratório espontaneamente se o esforço inspiratório dele ocorrer no período chamado de janela. A janela é um período de tempo imediatamente anterior à nova inspiração predeterminada. Se o paciente fizer um esforço inspiratório suficiente durante a janela, o ventilador irá disparar uma ventilação mandatória. Se o paciente não apresentar esforço inspiratório durante a fase de janela, o próprio ventilador iniciará o ciclo após o término desta. A FR mínima é indicada pelo médico, e o paciente não controla o tempo inspiratório. Se o paciente apresentar esforço inspiratório fora da janela, receberá um volume de gás sem assistência do ventilador, ou seja, não irá disparar um ciclo mandatório. – Pressão de suporte: o paciente ventila espontaneamente. A cada esforço inspiratório, o ventilador fornece uma pressão de suporte acima da PEEP (essa pressão é determinada pelo médico). Vários ventiladores permitem tanto pressão de suporte quanto SIMV.

VENTILAÇÃO MECÂNICA CONVENCIONAL

Doenças que diminuem a complacência pulmonar. PEEP alta para recrutar alvéolos, PIP aproximadamente 20 cm H2O acima da PEEP, Ti curto, FR normal. A síndrome do desconforto respiratório agudo (SARA) é a principal representante desse grupo. Trata-se de uma condição clínica de múltiplas etiologias, em que os pulmões estão reduzidos em volume e atelectásicos, com áreas de menor complacência, porém com outras áreas de complacência próxima ao normal. Essas áreas mais complacentes tendem a ser ventiladas mesmo com pressões baixas. A estratégia ventilatória nesse grupo é a de manter uma “ventilação protetora”, tentando evitar lesão pulmonar associada à VM. Objetiva-se, portanto, um VC de 6-8 mL/kg, o que é possível com um gradiente de pressão de até 20 cm H2O. Gradientes de pressão maiores tendem a resultar em VCs maiores, aumentando a chance de lesão alveolar em áreas mais complacentes, para onde o volume tende a ser distribuído. PEEP alta é usada para tentar um recrutamento de alvéolos colapsados. Altas taxas de oxigênio têm efeito comprovadamente tóxico ao parênquima pulmonar, portanto deve-se evitar FiO2 superior a 0,6. Para se conseguir ventilar pacientes com SARA dessa forma “protetora”, ou seja, tentando evitar lesão pulmonar iatrogênica, é necessário tolerar SaO2 entre 8088%.

DESMAME E EXTUBAÇÃO Considera-se o paciente apto a ser extubado quando: Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q

a doença que levou à entubação estiver resolvida ou apresentar melhora; o reflexo da tosse estiver presente; a quantidade de secreção traqueobrônquica não for abundante; o estado de consciência estiver normal; os agentes sedativos forem interrompidos ou diminuídos; houver estabilidade hemodinâmica, com mínima ou nenhuma necessidade de drogas vasoativas; os sinais vitais estiverem estáveis; a oxigenação for adequada (SaO2 > 90% com FiO2 ≤ 0,4 e PEEP ≤ 8); o paciente apresentar ventilação espontânea adequada; não houver acidose metabólica significativa.

Os parâmetros do respirador podem ser, então, gradativamente diminuídos. Quando a frequência respiratória for inferior a 10, a PIP inferior a 30, com pressão de suporte não maior do que 7, e a FiO2 menor do que 0,5, o paciente pode ser extubado.

REFERÊNCIAS Boles J-M, Bion J, Connors A, Herridge M, Marsh B, Melot C, et al. Weaning from mechanical ventilation. Eur Respir J. 2007;29(5):1033-56. 428

Frankel LR. Stabilization of the critically ill child: mechanical ventilation. In: Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson tratado de pediatria. 17th ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005. p. 303-6. Piva JP, Garcia PCR, Amantéa S. Ventilação mecânica em pediatria. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2006. p. 487-508.

28.10 SEDAÇÃO E ANALGESIA

Durante muito tempo, poucas drogas analgésicas eram utilizadas em pediatria, pois se acreditava que as crianças e, principalmente, os recém-nascidos não sentiam dor. Hoje sabemos que essa impressão é completamente errada, pois, a partir da 26a semana de gestação, há importante maturação do sistema de condução de dor. Atualmente, o controle da dor e da ansiedade das crianças faz parte de todo tratamento clínico, devendo estar o pediatra familiarizado com as drogas disponíveis. Sabe-se que o estresse aumenta o consumo de oxigênio, desencadeia hipertensão, taquicardia, alterações da coagulação, imunossupressão, alterações emocionais e mantém catabolismo persistente. Contudo, o uso excessivo de drogas sedativas e analgésicas também ocasiona problemas para a criança, levando a trombose, hipotensão, aumento no tempo de internação e ventilação mecânica, maior morbidade e mortalidade e abstinência. A seguir, estão descritas as drogas mais usadas para sedação e analgesia. As doses devem ser tituladas conforme avaliação repetida e uso de escalas de dor e protocolos assistenciais próprios de cada serviço.

BENZODIAZEPÍNICOS São drogas com propriedades sedativas, hipnóticas, ansiolíticas, anticonvulsivantes e relaxantes musculares. Têm atividade específica nos receptores GABA, com ação inibitória no sistema nervoso central (SNC). Apresentam efeito dependente da saturação dos receptores, ou seja, são mais depressores do SNC quanto maior for a dose administrada, podendo desenvolver depressão e parada respiratória. O flumazenil é o antídoto, devendo ser evitado em pacientes epilépticos. A dose inicial é de 0,01 mg/kg (no máximo 0,2 mg por dose), podendo ser repetida a cada minuto até reversão dos sintomas ou se eles recorrerem (dose máxima cumulativa de 1 mg). Como o flumazenil apresenta meia-vida mais curta em 429

SEDAÇÃO E ANALGESIA

FERNANDA CRISTINA SCARPA PATRICIA MIRANDA LAGO

relação aos benzodiazepínicos, doses repetidas ou até mesmo infusão contínua podem ser necessárias.

MIDAZOLAM Q

Q

Q Q Q Q Q

SEDAÇÃO E ANALGESIA

Q Q

Pico de ação em 5-10 minutos, com duração de 30-120 minutos. Se usado em infusão contínua por mais de uma semana, a sedação pode persistir por mais de 48 horas após sua suspensão. Dose: 0,1-0,3 mg/kg em bolus para procedimentos, podendo ser usado até 0,5 mg/kg para procedimentos mais agressivos que exijam maior relaxamento. Infusão contínua: 0,05-0,5 mg/kg/h, sendo, geralmente, usado em associação com opioide para pacientes em ventilação mecânica. Quatro vezes mais potente que o diazepam. Hipotensão pode ocorrer em pacientes hipovolêmicos mesmo com doses baixas. Metabolismo hepático. Efeito sedativo prolongado em obesos, insuficientes renais e hipoalbuminêmicos por acúmulo de metabólitos. Uso prolongado pode desenvolver tolerância e abstinência. Pode ser usado por via oral, sublingual, nasal, intramuscular e endovenosa.

DIAZEPAM Q Q Q Q

Pico de ação em 1 hora. Duração prolongada (até 50 horas). Metabolismo hepático. Dose EV: 0,25-0,5 mg/kg lento. Infusão rápida pode causar depressão respiratória e hipotensão. Q Dose VO: até 0,3 mg/kg, de 6/6 horas (máximo 10 mg).

LORAZEPAM Q Q Q

Pico de ação em 1 hora. Meia-vida entre 4 e 8 horas. Dose VO: 0,05-0,1 mg/kg, usado para tolerância e abstinência na retirada do midazolam.

OPIOIDES Agem nos receptores opioides, periféricos e centrais, mu, kappa, delta e sigma, provocando analgesia e sedação sem amnésia. Induzem tolerância com poucos dias de uso e abstinência com a suspensão abrupta após uso prolongado ou doses cumulativas elevadas. O naloxone é um antagonista que compete diretamente pelos receptores opioides, podendo ser usado para reverter sedação excessiva, porém, sua utiliza430

ção precisa ser cuidadosa, pois também ocorre algum grau de reversão da analgesia. A dose recomendada para menores de 5 anos ou abaixo de 20 kg é de 0,1 mg/kg; para maiores de 5 anos ou acima de 20 kg, usam-se 2 mg/dose, repetindo-se a dose em 1-2 minutos até a reversão dos sintomas. Pode ser administrado via endovenosa (preferencial), intramuscular, subcutânea e intratraqueal. Tem meia-vida mais curta do que os opioides, por isso pode ser necessário repetir a aplicação em 20-60 minutos. Em recém-nascidos, pode ser usado para reverter depressão respiratória naqueles bebês em que a mãe recebeu opioide até 4 horas antes do parto. Nessas situações, usa-se 0,01 mg/kg/dose.

Q Q Q Q Q Q Q Q

Analgésico potente muito usado em pós-operatório e para pacientes em ventilação mecânica. Ação em 10-15 minutos quando administrado endovenoso, com meia-vida entre 2 e 4 horas. Dose: 0,1-0,2 mg/kg. Infusão contínua: 10-60 µg/kg/h. Risco maior de depressão respiratória em neonatos. O metabólito ativo é excretado por via renal. Pode liberar histamina, que ocasiona broncoespasmo, prurido e hipotensão, o que dificilmente contraindica sua utilização. Administração por via oral, subcutânea, intramuscular e endovenosa.

FENTANIL Q Q Q Q Q Q Q Q Q

Q

Opioide sintético 100 vezes mais potente que a morfina. Início de ação rápido. Meia-vida de 30-60 minutos para doses intermitentes; porém, após infusão contínua prolongada, a meia-vida pode atingir 21 horas. Dose: 1-5 µg/kg. Infusão contínua: 1-10 µg/kg/h. Não desencadeia instabilidade cardiovascular relevante. Metabolismo hepático. A excreção é mais rápida em crianças do que em adultos, fazendo com que ocorra menos depressão respiratória em pacientes pediátricos. O efeito adverso mais temido é a rigidez torácica, que pode ocorrer com doses maiores do que 5 µg/kg e infusão rápida. Usa-se naloxone e relaxante muscular para antagonizar esse efeito; por exemplo, pancurônio, 0,15 mg/kg, que tem aproximadamente a mesma meia-vida do fentanil. Pode ser usado em anestesia epidural.

REMIFENTANIL Q

Muito usado em neuroanestesia devido ao seu rápido início e término de ação. 431

SEDAÇÃO E ANALGESIA

MORFINA

Q Q

Dose: 1 mg/kg, seguida de 3-12 µg/kg/h. Alto risco de depressão respiratória, devendo apenas ser usado em pacientes entubados.

METADONA Q Q

Usada VO para abstinência. Dose: 0,1-0,2 mg/kg, até de 4/4 horas; se ocorrer sedação prolongada, devese suspendê-la até melhora e, então, aumentar o intervalo entre as doses.

OUTRAS DROGAS CETAMINA Q Q

SEDAÇÃO E ANALGESIA

Q Q Q Q Q Q Q Q

Anestésico dissociativo com propriedades amnésicas. Em crianças maiores, pode desencadear alucinações (associar, quando necessário, um benzodiazepínico). Rápido início de ação. Dose: 1-2 mg/kg para procedimentos dolorosos; infusão contínua de 10-60 µg/kg/minuto. Ação broncodilatadora com dose entre 20 e 40 µg/kg/minuto. Na dose de 5 µg/kg/minuto, tem boa ação analgésica. Não ocorre instabilidade hemodinâmica com seu uso. Metabolismo hepático. Aumenta a produção de secreção em via respiratória, o que pode ser controlado com atropina ou glicopirrolato. Seu uso em pacientes com hipertensão intracraniana é bastante controverso.

PROPOFOL Q

Anestésico de ação ultrarrápida, muito útil para procedimentos curtos (punção lombar, cardioversão, endoscopia, etc.) em pacientes monitorados em Unidade de Tratamento Intensivo Pediátrica (UTIP). Q Dose de indução de 1-2 mg/kg, seguida de doses intermitentes menores ou infusão contínua de 50-150 µg/kg/min. Q Seu uso prolongado não é mais indicado devido à possível associação com a síndrome do propofol, que consiste em acidose metabólica, lipemia, insuficiência cardíaca, arritmias e parada cardíaca.

CLONIDINA Agonista α 2-adrenérgico com importante efeito hipotensor e de sedação e analgesia. Q Dose VO: 3-5 µg/kg, de 8/8 horas, com rápida absorção e meia-vida de 9-12 horas. Q

432

Q Q Q Q

Metabolismo hepático e renal. Pode ser somada a outras drogas. Seu uso não está indicado como droga única para sedação e analgesia. Também usada para tratar abstinência por opioides.

TIOPENTAL Q Q Q

Anestésico potente, com início de ação imediata. Dose: 2-5 mg/kg para indução anestésica. Infusão contínua de 1-5 mg/kg/h, apenas para pacientes com suporte ventilatório. Q Efeitos adversos: hipotensão e depressão respiratória. Q Também usado para crises convulsivas refratárias até que as drogas anticonvulsivantes atinjam nível sérico adequado. Q Observa-se longo período de sedação após sua suspensão em pacientes obesos e com insuficiência hepática, após uso prolongado.

Q Q Q Q Q Q

Efeito hipnótico e sedativo, sem efeito analgésico. Usado como indutor do sono ou como sedativo auxiliar para crianças em ventilação mecânica ou com crises de tosse com cianose por coqueluche. Dose VO: 20-75 mg/kg. Efeito adverso: aumenta a secreção brônquica. Doses cumulativas induzem bradicardia, sedação profunda e depressão respiratória. Pode ser usado por via oral ou retal.

TOLERÂNCIA E ABSTINÊNCIA Tolerância é a diminuição do efeito da droga com o passar do tempo, sendo necessário aumentar a dose da medicação para se ter o mesmo efeito. Esse aumento de dose e o uso prolongado podem levar à abstinência, que é a suspensão abrupta dessas medicações com consequente aparecimento dos sintomas. Os sinais e sintomas físicos da abstinência são taquicardia, sudorese, agitação, tremores, febre, alucinação, recusa alimentar, salivação, insônia, diarreia, hipertonias, distonias e crises convulsivas. Para evitar a abstinência, devem ser reduzidas gradativamente as doses das medicações sedativas e analgésicas com a associação de medicações equivalentes por via oral.

REFERÊNCIAS Knight G, Duncan L, Lago PM. Analgesia e sedação em UTIP. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. p. 733. 433

SEDAÇÃO E ANALGESIA

HIDRATO DE CLORAL

Lago P, Piva J, Garcia PC. Analgesia e sedação em situações de emergência e unidades de tratamento intensivo pediátrico. J pediatr (Rio J). 2003:79 Suppl 2:233-9. Playfor S, Jenkins I, Boyles C, Choonara I, Davies G, Haywood T, et al. Consensus guidelines on sedation and analgesia in critically ill children. Intensive Care Med. 2006;32(8):1125-36. Taketomo CK, Holding JH, Kraus DM. Pediatric dosage handbook. 14th ed. Hudson: LexoComp; 2007.

28.11 COMA MICHEL GEORGES DOS SANTOS EL HALAL PAULO ROBERTO ANTONACCI CARVALHO

COMA

Conceitos. Coma é uma manifestação inespecífica de insulto ao sistema nervoso central. Caracteriza-se por um estado patológico sustentado de perda da capacidade de acordar e de manter a consciência sobre si mesmo e sobre o ambiente. Entre a consciência normal e o coma, há os estágios de letargia, obnubilação e estupor. O paciente letárgico está sonolento e com déficit de atenção. Na obnubilação, o paciente responde a questionamentos de forma lenta e confusa e perde o interesse pelo ambiente. O estupor difere do coma na capacidade do paciente de acordar após um estímulo doloroso vigoroso. Etiologia Q Estrutural: lesão parenquimatosa, hemorragia intracraniana, lesão axonal difusa, massas cerebrais, vasculites. Q Não estrutural: encefalopatia hipóxico-isquêmica, toxinas (medicações, substâncias ilícitas e toxinas ambientais), distúrbios metabólicos (hipoglicemia, insuficiência hepática, insuficiência renal, distúrbios eletrolíticos e ácido-básicos, cetoacidose diabética, erros inatos do metabolismo), infecções do sistema nervoso central, doenças autoimunes, mal convulsivo, encefalopatia hipertensiva.

ESCALA DE COMA DE GLASGOW PARA ADULTOS E ADAPTADA PARA CRIANÇAS Ver Tabela 28.11.1.

PUPILAS NO COMA Q Q

Mióticas e reativas: causa metabólica ou hipotalâmica. Puntiformes: intoxicação por opioides, lesão pontina.

434

Tabela 28.11.1 ESCALA DE COMA DE GLASGOW PARA ADULTOS E ADAPTADA PARA CRIANÇAS Adultos

Crianças

Abertura ocular

Espontânea Ao comando À dor Nenhuma

Espontânea Ao som À dor Nenhuma

Resposta verbal

Orientada

Verbalização adequada para a idade, orientada, fixa olhar, sorriso social Choro consolável Irritada, não cooperativa, conectada ao ambiente Choro inconsolável, não conectada ao ambiente ou aos pais, agitada, inquieta Nenhuma

Confusa Palavras inadequadas Sons ininteligíveis

Nenhuma Resposta motora

Obedece Localiza dor Retira Flexão anormal Extensão anormal Nenhuma

Escore total

Q Q Q

Obedece a comandos, movimentos espontâneos Localiza dor Retira Flexão anormal Extensão anormal Nenhuma

Escore 4 3 2 1

5 4 3

2 1

6 5 4 3 2 1 15

Midríase unilateral fixa: herniação uncal, lesão de nervo oculomotor. Médias e fixas: lesão de mesencéfalo. Dilatadas bilaterais, fixas: encefalopatia hipóxico-isquêmica, intoxicação por anticolinérgicos.

SÍNDROMES DE HERNIAÇÃO Ver Tabela 28.11.2.

435

COMA

Sinal

COMA

436

Tabela 28.11.2 SÍNDROMES DE HERNIAÇÃO Pupilas

OC/OV

Resposta motora à dor

Outros achados

Uncal

Dilatada fixa unilateral

Desvio mínimo dos olhos



Hemiparesia

Diencefálica

Mióticas ou médias reagentes

Desvio completo dos olhos

Flexora e/ou decorticação

Hipertonia e/ou hiper-reflexia com extensão plantar

Mesencefálica/ pontina alta

Médias fixas

Desvio ocular mínimo

Extensora ou descerebração Hiperventilação

Pontina baixa

Puntiformes fixas

Ausência de resposta

Ausência ou apenas flexão das pernas

Flacidez com extensão plantar, respiração superficial ou atáxica

Medular

Dilatadas fixas

Ausência de resposta

Ausência

Respirações lentas, irregulares ou gasping

OC/OV, reflexo oculocefálico/oculovestibular.

REFERÊNCIAS Abend NS. Evaluation of the comatose child. In: Nichols DG. Rogers´s textbook of pediatric intensive care. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. Cap. 53, p. 846-61. Kirkham F J. Non-traumatic coma in children. Arch Dis Child. 2001;85(4):303-12.

28.12 ANAFILAXIA CLÁUDIA ENEIDA FELDENS

Conceitos. Anafilaxia ou reação anafilática é uma reação alérgica do tipo I (classificação de Gell e Coombs). Assim, é mediada por anticorpos da classe IgE, com rápida liberação de potentes mediadores inflamatórios de mastócitos e basófilos. É uma reação grave e potencialmente fatal, caracterizada por sintomas cutâneos, respiratórios, cardiovasculares e/ou digestivos. Pode ocorrer na primeira exposição a um alérgeno, ou iniciar após exposições repetidas.

437

ANAFILAXIA

Avaliação inicial e manejo Q Garantir ventilação e oxigenação adequadas. Q Manejar pressão arterial. Diminuir pressão arterial apenas nos casos de encefalopatia hipertensiva ou hemorragia intracraniana. Nos demais, uma pressão arterial elevada pode garantir pressão de perfusão cerebral adequada. Q Tratar hipoglicemia, se presente, com infusão de glicose endovenosa. Q Coletar sangue para hemograma, glicose, cultura, eletrólitos, gasometria, amônia, função renal e hepática, lactato e screening toxicológico. Q Realizar exame neurológico. Pesquisar convulsões, sinais de hipertensão intracraniana, de herniação e de doença neurológica focal. Aplicar a Escala de Coma de Glasgow adaptada para crianças. Q Tratar hipertensão intracraniana, se presente (ver Cap. 27.8). Q Tratar infecções bacterianas, virais ou fúngicas empiricamente, quando houver suspeita. Q Utilizar antídotos se houver exposição a tóxicos: naloxone para opioides, flumazenil para benzodiazepínicos e fisostigmina para overdose de anticolinérgicos. Q Tratar convulsões. Q Realizar tomografia de crânio. Q Considerar punção lombar, eletrencefalograma, ressonância nuclear magnética, triagem metabólica, testes autoimunes e testes de função da tireoide de acordo com quadro clínico.

A reação anafilactoide compreende a reação também decorrente da liberação de mediadores de mastócitos e basófilos, mas não é dependente de IgE. A urticária e o angioedema (edema da derme profunda, de tecidos subcutâneos e submucosos) também são reações do tipo I. O angioedema pode estar presente em até metade dos casos de urticária aguda ou vir isolado, mas constitui a mesma entidade nosológica. Quando a urticária for grave, ou seja, quando além da pele existir o acometimento de outro sistema, deve ser considerada e tratada de imediato como anafilaxia. Fisiopatologia. As reações anafiláticas ocorrem como consequência de sensibilização alergênica com formação de anticorpos específicos da classe IgE. As razões por que alguns indivíduos irão produzir uma resposta de IgE a certos antígenos (alérgenos) não são claras. A interação de duas moléculas de IgE com o antígeno fixadas à membrana de mastócitos e basófilos ativa vários eventos bioquímicos, resultando na liberação de mediadores pró-inflamatórios (histamina, prostaglandinas, interleucinas, leucotrienos e o fator ativador de plaquetas). Epidemiologia. A real incidência e prevalência da anafilaxia são desconhecidas. Ocupação, sexo, raça, estação do ano e área geográfica não se constituem fatores predisponentes. Alguns fatores estão associados a uma maior incidência de anafilaxia:

ANAFILAXIA

Q

A administração parenteral de um medicamento apresenta maior risco para a anafilaxia que a administração oral. Q História de atopia está associada a uma incidência maior de anafilaxia ou reação anafilactoide por látex, exercício e radiocontraste. Q Cursos repetidos de tratamento com drogas com longa interrupção entre eles aumenta o risco de anafilaxia. Q Pacientes em uso de betabloqueadores têm maior risco em frequência e em gravidade para reações anafiláticas. Etiologia. A maioria das substâncias que podem desencadear reações anafiláticas são proteínas, embora polissacarídeos possam atuar como alérgenos. Assim, temos muitas substâncias capazes de desencadear anafilaxia, dependentes de IgE ou não (reação anafilactoide). Os principais desencadeantes de anafilaxia são: Q Q Q Q Q Q Q Q Q

Fármacos (incluindo hormônios e enzimas) Imunizações Alimentos Picadas de insetos Látex Extratos alergênicos Radiocontrastes Exercício físico Anafilaxia idiopática

438

FÁRMACOS Os fármacos são os agentes que mais frequentemente acarretam reação anafilática e reação anafilactoide. Os mais comuns são os antimicrobianos, os anti-inflamatórios não hormonais, os analgésicos e os antitérmicos. Entre os antibióticos, salienta-se a penicilina e outros antibióticos β-lactâmicos, que, algumas vezes, causam reações cruzadas entre si. Deve-se valorizar toda informação de medicamentos ingeridos momentos ou horas antes do fenômeno anafilático, pois muitas drogas podem causar anafilaxia. Quanto à anafilaxia durante o período perioperatório, os relaxantes musculares (succinilcolina, rocurônio, atracúrio), principalmente, e o látex de borracha natural (luvas, torniquetes, cateteres) são os grupos mais envolvidos nessas reações.

IMUNIZAÇÕES

ALIMENTOS Os alérgenos alimentares são glicoproteínas de baixo peso molecular, solúveis e geralmente resistentes à degradação pelo cozimento e pela digestão. Salienta-se proteínas existentes no leite de vaca, na clara do ovo, no amendoim, nas nozes, em peixes e crustáceos. A identificação dos alérgenos alimentares e sua eliminação da dieta associamse à perda da hipersensibilidade com o passar do tempo. Alergia a peixes e crustáceos são mais duradouras e até mesmo perenes.

PICADAS DE INSETOS A picada de inseto do gênero Hymenoptera pode causar anafilaxia, sendo mais frequentes os casos de anafilaxia por picada de abelhas e vespas.

LÁTEX Têm risco aumentado à reação ao látex os pacientes pediátricos que são ou já foram submetidos a procedimentos hospitalares. Pode também ocorrer alergia após exposição a balões, luvas e preservativos. É importante lembrar que pessoas com hipersensibilidade ao látex podem desenvolver reações alérgicas com certas frutas (banana, kiwi, abacate e maracujá).

439

ANAFILAXIA

A imunização passiva por soro equino apresenta risco elevado de anafilaxia. A imunização passiva conferida por imunoglobulinas humanas só raramente provocam reações de hipersensibilidade. Quanto à imunização ativa, as reações do tipo I podem ser relacionadas a determinadas substâncias presentes em certas vacinas, como resíduos de proteínas do ovo. As reações alérgicas em pessoas com alergia ao ovo são mais frequentes quando as vacinas são preparadas em embrião de pinto, como é o caso da vacina contra a influenza e, principalmente, contra a febre amarela.

EXTRATOS ALERGÊNICOS Imunoterapia com extratos alergênicos administrados em um indivíduo sintomático no momento de exposição natural elevada do alérgeno pode aumentar o risco de anafilaxia.

RADIOCONTRASTES Os radiocontrastes hiperosmolares (p. ex., diatrizoato) podem causar reação anafilactoide. Essas reações são mais comuns em adultos que em crianças. Com a introdução de contrastes hipo-osmolares, diminuiu muito a incidência de reações adversas.

EXERCÍCIO FÍSICO A anafilaxia induzida por exercício é uma síndrome descrita em 1980. Geralmente ocorre após exercício vigoroso e pode produzir perda de consciência ou choque. Pode ocorrer durante ou logo após o exercício e após ingestão de determinado ou de qualquer alimento. Vários alimentos têm sido implicados, como trigo, camarão, maçã, cereais, nozes e galinha. É um evento raro, mas pode ser grave.

ANAFILAXIA

ANAFILAXIA IDIOPÁTICA Foi descrita em 1978. Não se consegue identificar o fator etiológico da anafilaxia. Os sintomas mais comuns são urticária, edema ou eritema generalizado, podendo ocorrer também broncoespasmo e diarreia. Quadro clínico. Geralmente a anafilaxia ocorre nos primeiros 30 minutos e até 2 horas após contato com o desencadeante. A liberação de histamina, por si só, é responsável por muitos dos sinais e sintomas, incluindo broncoconstrição, vasodilatação, secreção de muco e edema de pequenos vasos – causado pelo extravasamento de proteínas plasmáticas. Os leucotrienos, a prostaglandina PGD2 e o PAF (fator agregador plaquetário) são broncoconstritores potentes, aumentam a permeabilidade vascular e são quimiotáticos para células inflamatórias. Q

Liberação de mediadores inflamatórios: mediadores atingem vasos sanguíneos e a musculatura lisa, ocasionando: – na pele: urticária e angioedema – nas mucosas: edema – nas vias aéreas superiores: edema (p. ex., edema de glote) e hipersecreção – nas vias aéreas inferiores: broncoespasmo – no sistema cardiovascular: vasodilatação, hipotensão e choque

O início da reação pode ser de prurido leve e sensação de mal-estar e/ou náuseas e vômitos ou instalação direta de choque. Não há ordem de apareci-

440

mento dos sintomas, podendo o quadro se instalar de forma gradativa ou catastrófica.

Q

Anti-histamínicos: após o uso da adrenalina e da estabilização dos quadros de hipotensão e choque, está indicado o uso de anti-histamínicos H1, como a prometazina intramuscular. Essas drogas contribuem para a redução da urticária, do angioedema e do prurido. Q Corticoides: apesar do início da ação demorar algumas horas, os corticoides estão indicados para reduzir as reações tardias e a anafilaxia prolongada. Usa-se hidrocortisona (5 mg/kg) ou metilprednisolona (1-2 mg/kg), a cada 6 horas, até o paciente estabilizar. Q β2-agonista inalatório: pode ser usado para tratar o broncoespasmo. Q Glucagon: está indicado nos pacientes em uso crônico de betabloqueadores (em crianças seu uso é incomum) que apresentam anafilaxia “resistente” à ação da adrenalina. A dose EV é de 0,1 mg/kg (máximo de 1 mg) a cada 30 minutos. Deve-se acompanhar a glicemia. A observação dos pacientes que fizeram anafilaxia após estabilização do quadro deve ser de 12-24 horas. Atenção especial deve ser dada a crianças e adolescentes que já desenvolveram anafilaxia. Aconselha-se o uso de pulseira com alerta ao uso de determinada droga ou fator desencadeante quando o paciente fizer viagens e passeios. Esses pacientes devem ser treinados na autoadministração de adrenalina subcutânea.

441

ANAFILAXIA

Tratamento. Reações anafiláticas e anafilactoides têm tratamento similar e são sempre condições de absoluta emergência. O objetivo do tratamento é a manutenção da oxigenação e a perfusão de órgãos vitais pelo bloqueio da ação dos mediadores já liberados e do impedimento da liberação de mais mediadores. A adrenalina é a droga de primeira linha e deve ser imediatamente usada (adrenalina 1:1.000, 0,01 mL/kg, mínimo de 0,1 e máximo de 0,5 mL), sendo preferencial a via subcutânea, pois diminui-se o risco de arritmias e faz-se a administração mais rapidamente. Essa dose pode ser repetida a cada 10 minutos, em um total de 3 aplicações, e a cada 4 horas, se necessário. Há evidências de que a administração intramuscular também seja efetiva. As ações da adrenalina podem causar hipertensão, sangramento intracraniano, isquemia miocárdica e arritmias, mas as crianças têm alguma proteção contra esses efeitos colaterais por não terem habitualmente doenças degenerativas cardiovasculares. Além da adrenalina, devem-se aplicar as medidas iniciais de qualquer emergência, ou seja, a aplicação do ABC: vias aéreas, respiração e circulação. Oferta-se oxigênio e providencia-se um ou mais acessos venosos. Na abordagem do choque anafilático (distributivo), além da restauração do tônus vascular, faz-se a reposição volêmica com soro fisiológico, inicialmente 20 mL/kg. Se o paciente mantiver a clínica de choque após as 3 doses de adrenalina e volume, deverá ser iniciada droga para choque em infusão contínua, como adrenalina ou dopamina (ver Cap. 28.3).

REFERÊNCIAS Lopez FA, Campo Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2008. Sociedade Brasileira de Pediatria. Prado E, Silva MJB. Anafilaxia e reações alérgicas. J Pediatr (Rio J). 1999;75 (Suppl 2):S259S267. Roit I, Rabson A. Imunologia básica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003.

28.13 TRAUMA PEDIÁTRICO

TRAUMA PEDIÁTRICO

FERNANDA MENEZES RUBIN ANA PAULA PEREIRA DA SILVA

O trauma continua sendo a causa mais frequente de morte e invalidez na infância, sendo o problema mais sério de saúde pública e de cuidados com a saúde nessa população. Mais de 10 mil crianças vítimas de trauma grave morrem a cada ano nos Estados Unidos. As causas mais frequentes de morte na infância são as ocorrências com veículos automotores. Seguem, em ordem decrescente de frequência, os homicídios, os afogamentos, os incêndios domésticos, os suicídios, as asfixias e outros (Tab. 28.13.1). As quedas são a principal causa de todas as lesões traumáticas na infância, porém raramente resultam em morte. Na infância, predomina o trauma fechado, sendo responsável por mais de 90% das internações. Na adolescência, aumenta a frequência de trauma penetrante, que tem uma taxa de mortalidade maior. As lesões multissistêmicas são comuns na infância, portanto deve-se avaliar todos os órgãos e sistemas da criança, considerando-os comprometidos até prova em contrário. As crianças com trauma multissistêmico podem deteriorar rapidamente e desenvolver sérias complicações. Assim, esses doentes devem ser transferidos rapidamente para um hospital de referência que esteja capacitado a tratá-los adequadamente. A criança tem características peculiares anatômicas, fisiológicas e psicológicas que devem ser levadas em consideração no atendimento do trauma pediátrico. Por exemplo: Q

o tamanho menor do corpo da criança permite que a energia de um impacto, como no acidente automobilístico ou numa queda, resulte na aplicação de uma força maior por unidade de superfície corpórea, resultando na frequência elevada de lesões em múltiplos órgãos; Q a cabeça é proporcionalmente maior em crianças menores, o que resulta numa frequência mais elevada de lesões cerebrais contusas e de coluna; Q a criança também tem uma maior perda de calor, podendo a hipotermia instalar-se rapidamente e aumentar a morbidade do quadro; 442

Tabela 28.13.1 CAUSAS DE MORTES POR TRAUMA EM CRIANÇAS DE 1 A 14 ANOS NOS ESTADOS UNIDOS – 2004 Etiologia



%

Acidentes com veículos automotores

2.026

38,2

Homicídios

706

13,3

Afogamento*

699

13,2

Fogo/Queimadura*

484

9,1

Suicídio

285

5,4

Asfixia*

238

4,5

Outras

860

16,3

Q

os órgãos internos são mais suscetíveis a lesões por serem mais próximos entre si e terem menos massa muscular e tecido subcutâneo; Q nas vias aéreas superiores, a cavidade oral é menor e a língua é proporcionalmente maior, predispondo à obstrução mecânica e dificultando a entubação; Q o tórax é mais elástico, oferecendo pouca proteção aos órgãos internos, motivo pelo qual as fraturas de costelas são menos frequentes; Q a criança pode ser pouco colaborativa ao exame, dificultado a avaliação.

AVALIAÇÃO E ATENDIMENTO INICIAIS O Colégio Americano de Cirurgiões recomenda uma abordagem sistematizada no tratamento de uma vítima com trauma grave, incluindo os exames primário e secundário. Durante o exame primário, o médico rapidamente avalia e trata simultaneamente as condições que implicam em risco de vida. Os protocolos “ABC”, consagrados nos programas de reanimação (ver Cap. 28.1), acrescidos do “DE” são utilizados na avaliação e no tratamento inicial dos pacientes pediátricos, onde:

443

TRAUMA PEDIÁTRICO

*Não intencional. Fonte: Adaptada de Avarello JT, Cantor, RM. Pediatric Major Trauma: An Approach to Evaluation and Management. Emerg Med Clin N Am 2007; 25: 803-836.

A = Vias aéreas com proteção da coluna cervical B = Respiração e ventilação (breathing) C = Circulação e controle da hemorragia D = Incapacidade, estado neurológico (disability) E = Exposição/controle do ambiente É fundamental que a equipe que oferece o primeiro atendimento tenha todos os equipamentos necessários em tamanho e especificações adequadas às diversas faixas etárias. Escores para avaliar a gravidade do trauma têm sido pouco utilizados na pediatria. Um dos mais conhecidos é o Escore de Trauma Pediátrico (ETP), que é a soma dos graus de gravidade de cada componente. Tem se mostrado muito eficiente na avaliação do potencial de morte ou de sequelas graves e incapacitantes (Tab. 28.13.2). O escore máximo tem 12 pontos que correspondem ao trauma mínimo. Orienta-se que todo paciente com escore abaixo de 8 deva ser transferido para um centro de referência.

A – VIA AÉREA E COLUNA CERVICAL

TRAUMA PEDIÁTRICO

As vias aéreas devem ser avaliadas em primeiro lugar para assegurar a sua permeabilidade, estabelecendo uma via aérea pérvia a fim de oferecer oxigenação tecidual adequada. A causa mais comum de parada cardíaca em criança é a incapa-

Tabela 28.13.2 ESCORE DE TRAUMA PEDIÁTRICO Componente da avaliação

Escore +2

+1

-1

Peso

> 20 kg

10-20 kg

< 10 kg

Via aérea

Normal

Mantida/O2

Insustentada/entubada

Pressão sistólica*

> 90 mmHg

50-90 mmHg

< 50 mmHg

Nível de consciência

Acordado

Confuso

Coma

Ferimento

Ausente

Mínimo

Grave ou penetrante

Fratura

Normal

Fechada

Exposta ou múltipla

*Se PA não for mensurável, utilizar os pulsos: +2 = pulsos palpáveis; + 1 = pulso femoral palpável; -1 = pulsos impalpáveis. Fonte: Adaptada de Tepas e colaboradores (1987).

444

B – RESPIRAÇÃO A respiração é avaliada pela contagem da frequência respiratória, visualizando a movimentação torácica e auscultando o fluxo de ar dos pulmões na região axilar. Também a percussão poderá revelar a presença de ar ou sangue no tórax, e a inspeção e palpação poderão detectar lesões da parede do tórax capazes de comprometer a ventilação. A monitoração com oximetria de pulso também é importante na avaliação inicial. Se a respiração é inadequada, deve ser iniciada ventilação bolsa-válvula-máscara com 100% de oxigênio, seguido de entubação orotraqueal com proteção contínua da coluna cervical. A ventilação pode estar comprometida por obstrução das vias aéreas, por alterações na mecânica ventilatória ou por depressão do sistema nervoso central. O trauma craniano é a causa mais comum de insuficiência respiratória. As lesões que podem prejudicar de imediato a ventilação são o pneumotórax hipertensivo, o tórax instável com contusão pulmonar, o hemotórax maciço e o pneumotórax aberto (ver Tab. 28.13.4). Tais lesões devem ser identificadas e tratadas no exame primário.

C – CIRCULAÇÃO E CONTROLE DA HEMORRAGIA Nessa etapa, os objetivos são avaliar o estado hemodinâmico, controlar hemorragias e estabelecer acesso vascular seguro para o paciente. 445

TRAUMA PEDIÁTRICO

cidade de estabelecer e/ou manter a via aérea pérvia, com consequente falta de oxigenação e ventilação. Deve-se suspeitar de lesão de coluna cervical em toda criança politraumatizada. A proteção da medula do doente deve ser feita e mantida com uso de dispositivos apropriados de imobilização. Para se evitar a flexão passiva da coluna cervical, é necessário que o plano da face encontre-se paralelo a uma prancha de imobilização rígida na “posição de cheirar”. Em razão do grande occípto, é necessário que se coloque um acolchoamento sob todo o tronco das crianças nos primeiros anos de vida para preservar o alinhamento neutro da coluna. Quando o paciente consegue ventilar espontaneamente com essas manobras, um suplemento de oxigênio através de máscara deve ser instalado. Pode ser necessário limpeza de secreções ou de fragmentos de corpos estranhos presentes na boca e na orofaringe. A cânula orofaríngea (Guedel) pode ser utilizada somente quando a criança estiver inconsciente. A cânula deve ser introduzida de forma delicada, diretamente na orofaringe. O uso de abaixador de língua para abaixar a língua pode ser útil. Nos pacientes com esforço respiratório inadequado, com permeabilidade da via aérea comprometida ou em coma (Escala de Coma de Glasgow igual ou inferior a 8), está indicada a entubação orotraqueal, mantendo imobilizada e protegendo a coluna cervical com o auxílio de um segundo socorrista. A cricotireoidostomia de urgência é necessária em menos de 1% das vítimas. O método preferido é a cricotireoidostomia por punção, com agulha, mas apenas em caráter temporário.

TRAUMA PEDIÁTRICO

O choque é um estado de oferta insuficiente de oxigênio para as células, podendo levar a lesões importantes em órgãos vitais conduzindo o paciente à morte. O tipo mais comum de choque no trauma é o hipovolêmico devido à hemorragia. Os sinais clínicos precoces de choque no paciente politraumatizado são a taquicardia e a redução do enchimento capilar (superior a dois segundos). A hipotensão é um sinal tardio, que só é detectado após uma perda superior a 25% do volume circulante. A letargia ou coma, o desaparecimento dos pulsos periféricos e a oligúria são outros sinais mais tardios de choque. Perdas superiores a 50% do volume sanguíneo causam hipotensão grave, que, se prolongada, pode ser irreversível. A insuficiência circulatória deve ser tratada por meio do controle de perdas sanguíneas e da reposição rápida de volume. Deve ser realizada pressão manual direta sobre os ferimentos sangrantes identificados para controlar a hemorragia externa. Pinças hemostáticas não devem ser utilizadas pelo risco de danificar as estruturas adjacentes. O acesso vascular em veias de grosso calibre, como a veia antecubital, é geralmente a maneira mais rápida de se obter via venosa para a ressuscitação volumétrica. É preferível iniciar por punções periféricas nos membros superiores, tendo como objetivo principal a obtenção de dois acessos vasculares. A velocidade máxima dos fluidos administrados é determinada pelo diâmetro interno do cateter e é inversamente proporcional ao seu comprimento, portanto é preferível o uso de cateteres calibrosos e curtos. Se a via venosa for difícil, pode ser inserido um cateter intraósseo; todas as medicações e líquidos podem ser administrados por essa via. Outras alternativas incluem acesso venoso central, usando a técnica de Seldinger (veia femoral) ou dissecção venosa (veia safena). Assim que a veia for puncionada ou cateterizada, deve ser retirada amostra de sangue para tipagem sanguínea e prova cruzada e para os exames laboratoriais de rotina, incluindo teste para gravidez nas adolescentes em idade fértil. Na reanimação inicial, são utilizadas soluções cristaloides isotônicas aquecidas, como o Ringer lactato e a solução salina fisiológica. O volume de líquido inicial é administrado tão rapidamente quanto possível, infundindo-se 20 mL/kg. Pode-se repetir mais duas vezes essa etapa rápida, mas, ao iniciar a terceira infusão de 20 mL/kg ou se as condições da criança piorarem, deve-se considerar a conveniência de administrar concentrado de hemácias 10 mL/kg. Quando o choque persiste apesar dessas medidas, está indicada intervenção cirúrgica para interromper hemorragia interna. O débito urinário, medido por meio de uma sonda vesical, auxilia para avaliar se a reposição de volume foi suficiente. Espera-se que o débito urinário retorne ao normal uma vez que o volume de sangue circulante tenha sido restaurado.

D- INCAPACIDADE (AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA) No atendimento inicial, realiza-se uma avaliação neurológica rápida. Considera-se o nível de consciência, assim como o tamanho da pupila e sua reação. O método AVDI é utilizado para determinar a presença e a gravidade de déficits neurológicos evidentes, descrevendo o nível de consciência do paciente: 446

alerta (A), resposta ao estímulo verbal (V), só responde à dor (D) e inconsciente (I). A escala de coma de Glasgow (Tab. 28.13.3) é um método rápido, simples e quantitativo para determinar o nível de consciência e pode prognosticar a evolução do doente. O rebaixamento do nível de consciência pode representar diminuição na oxigenação e/ou na perfusão cerebral ou ser resultado de um trauma direto ao cérebro. A alteração do nível de consciência implica em necessidade imediata de reavaliação da ventilação, da oxigenação e da perfusão.

Tabela 28.13.3 ESCALA DE COMA DE GLASGOW

1.

2.

3.

Escore

Abertura ocular (O) Espontânea A estímulo verbal A estímulo doloroso Sem resposta

4 3 2 1

Melhor resposta motora (M) Obedece comandos Localiza dor Flexão normal (retirada) Flexão anormal (decorticação) Extensão (descerebração) Sem resposta (flacidez)

6 5 4 3 2 1

Resposta verbal (V)* Orientado Confuso Palavras inapropriadas Sons incompreensíveis Sem resposta

5 4 3 2 1

TRAUMA PEDIÁTRICO

Área de avaliação

* Em lactentes e crianças que não falam, substituir resposta verbal: 4. Resposta verbal em crianças que não falam (V) Reconhece as palavras 5 Geme ou chora 2 Ausência de resposta 1

Glasgow = (O+M+V); melhor escore possível = 15; pior escore possível = 3.

447

E – EXPOSIÇÃO E CONTROLE DO AMBIENTE

TRAUMA PEDIÁTRICO

Devem ser retiradas todas as roupas do doente para evidenciar todos os possíveis traumas. Cortá-las é mais rápido e diminui a movimentação desnecessária do paciente. As crianças geralmente chegam ao atendimento hipotérmicas, podendo ser aquecidas com calor radiante, cobertor térmico e líquidos intravenosos aquecidos. É muito importante a monitoração da temperatura, porque sua queda eleva o consumo de oxigênio e causa grande vasoconstrição periférica, com aumento na resistência vascular sistêmica e pulmonar, além de comprometer a função do sistema nervoso central e prolongar o tempo de coagulação. Medidas auxiliares ao atendimento inicial Q Monitoração eletrocardiográfica: necessária em todo paciente traumatizado para avaliar presença de arritmias. Q Sonda urinária: para monitorar débito urinário, que deve ser mantido, no mínimo, de 1 mL/kg/h em crianças e 0,5 mL/kg/h em adolescentes. Está contraindicada nos casos em que se suspeita de lesão uretral. Q Sonda gástrica: para reduzir a distensão gástrica e diminuir os riscos de aspiração. A sonda também contribui para diagnosticar lesões traumáticas na via digestiva. Se houver suspeita de fratura de base de crânio, deve ser passada por via oral. Q Monitoração da frequência respiratória e gasometria arterial para monitorar o processo respiratório. Q Oximetria de pulso. Q Pressão arterial: o limite inferior da pressão arterial sistólica na criança é de 70 mmHg mais o dobro da idade em anos, enquanto a diastólica deve ser igual a dois terços da pressão sistólica. Q Radiografias: devem ser utilizadas de maneira racional e de modo a não retardar a reanimação do doente. Podem ser solicitadas as radiografias ânteroposteriores do tórax e pelve e lateral da coluna cervical, mas podem ser postergadas para a avaliação secundária. Q Ultrassonografia abdominal: pode ser útil para a detecção rápida de sangramento oculto intra-abdominal.

AVALIAÇÃO E ATENDIMENTO SECUNDÁRIOS Durante a avaliação secundária, o médico realiza uma história clínica e exame físico completos e detalhados da cabeça aos pés. São providenciados, nessa fase, uma reavaliação de todos os sinais vitais, exame neurológico completo, radiografias indicadas ou específicas e estudos laboratoriais. A utilização do código “AMPLA” é uma fórmula mnemônica útil para lembrar itens importantes a serem detalhados na história: A – Alergia M – Medicações 448

P – Passado médico, prenhez L – Líquidos e alimentos ingeridos recentemente (last meal) A – Ambiente e eventos relacionados ao trauma

O TCE ocupa um lugar de destaque no trauma pediátrico, seja como trauma isolado ou como um componente do politraumatismo. Nos pacientes considerados críticos, observam-se sinais e sintomas de comprometimento do sistema nervoso central em 96% dos casos. A mortalidade das crianças com TCE grave varia de 25-52%. A avaliação secundária inclui a realização do ECG, avaliação do diâmetro pupilar e reatividade, procura de fístula liquórica e sinais de fraturas, exames dos olhos, nariz, ouvidos, orofaringe e pele, exame motor (tônus, força, postura e assimetrias). Pacientes com ECG baixos após 6-24 h do trauma têm piores prognósticos. A maioria dos doentes que chega ao serviço de emergência com TCE são classificados como portadores de TCE leve (ECG 14-15). Cerca de 3% desses doentes apresentam piora inesperada que resulta em disfunção neurológica grave, a menos que a deterioração do estado mental seja identificada precocemente. Deve-se considerar tomografia computarizada (TC) nos casos de TCE com perda de consciência por mais de 5 minutos, amnésia, cefaleia grave, ECG < 15 ou déficit neurológico focal que pode ser atribuído ao cérebro. No caso de se observarem anormalidades na TC, se o paciente se mantém sintomático ou neurologicamente anormal, deverá ser hospitalizado e um neurocirurgião deve ser consultado. Se o paciente estiver assintomático, completamente acordado e alerta e neurologicamente normal, poderá ser observado por algumas horas, reexaminado e, se estiver ainda normal, receber alta com segurança. Sugere-se também que se oriente um responsável pela criança a observá-la nas próximas 24 horas, dandolhe um protocolo de instruções para retornar se houver sinais ou sintomas neurológicos. Os pacientes com ECG 9-13 são considerados como apresentando TCE moderado. Cerca de 10-20% evoluem para piora clínica. Na admissão, deve-se realizar uma história breve e assegurar a estabilidade cardiopulmonar. Realiza-se a TC de crânio sem contraste e um neurocirurgião é contatado. Essas crianças devem ser hospitalizadas em UTI pediátrica. Na suspeita de TCE grave (ECG 3-8), deve-se prevenir a lesão cerebral secundária, sendo importante a adequada oxigenação e a manutenção de pressão arterial suficiente para garantir a perfusão do cérebro. A hipotensão secundária à hipovolemia constitui-se no pior fator isolado de risco. Após o atendimento inicial (ABCDE), é importante que se identifiquem lesões que necessitam de intervenção cirúrgica, por meio da realização de uma TC de crânio sem contraste. Em trauma grave, é frequente a presença de edema cerebral difuso. Lesões hemorrágicas cirúrgicas (como o hematoma epidural) são menos comuns, mas necessitam intervenção imediata. Monitoração da pressão intracraniana (PIC) é feita com frequência na criança com TCE grave (ECG de 8 ou menos). A pressão de perfusão 449

TRAUMA PEDIÁTRICO

TRAUMA CRANIENCEFÁLICO (TCE)

cerebral (pressão arterial média menos a PIC) deve ser mantida em 40 mmHg ou mais. Comparativamente aos adultos com lesões semelhantes, a criança tem melhor prognóstico funcional.

TRAUMA PEDIÁTRICO

TRAUMA RAQUIMEDULAR As lesões de coluna cervical ocorrem em menos de 2% das crianças com trauma multissistêmico, mas são associadas à alta morbimortalidade. Lesões ósseas em crianças com menos de 8 anos de idade ocorrem principalmente entre C1 e C4. Em crianças mais velhas, ocorrem na mesma frequência nas porções superiores e inferiores da coluna. Lesão medular cervical sem anormalidades radiológicas (LMSAR) ocorre em aproximadamente 20% das crianças com lesões da coluna cervical. Pacientes com LMSAR têm sintomas neurológicos persistentes e alterações na coluna cervical observadas na ressonância magnética. Portanto, se houver suspeita de lesão medular com base na anamnese e no exame neurológico, ela deve ser tratada mesmo que as radiografias não evidenciem alterações. Aproximadamente 30% de todos os pacientes com lesão na medula cervical tem dano neurológico permanente. Desde que a coluna do doente esteja devidamente protegida, o exame e avaliação da coluna podem ser postergados sem riscos, especialmente na presença de alguma instabilidade sistêmica. O paciente com exame neurológico normal, ausência de dor e de hipersensibilidade ao longo da coluna vertebral, virtualmente exclui a presença de lesões significativas na coluna. Entretanto, se o paciente tiver alteração da consciência, deve-se realizar as radiografias pertinentes para excluir lesões traumáticas da coluna. Quando as radiografias são inconclusivas, a coluna do doente deve ser protegida até que se possam realizar outros exames. Choque neurogênico. Uma lesão medular pode provocar hipotensão por perda do tônus simpático. O quadro clássico do choque neurogênico é hipotensão sem taquicardia e sem vasoconstrição cutânea. O doente com suspeita de choque neurogênico deve ser tratado inicialmente como se estivesse hipovolêmico. O insucesso no restabelecimento da perfusão orgânica com a reposição volêmica sugere a presença de hemorragia contínua ou de choque neurogênico. Habitualmente a pressão sanguínea pode ser restaurada no choque neurogênico com o uso cauteloso de vasopressores, após reposição moderada de volume. A atropina pode ser usada para corrigir bradicardia que acarrete repercussões hemodinâmicas significativas. O tratamento usual e aceito nos Estados Unidos em casos de lesão comprovada não penetrante de medula espinal é a administração de altas doses de metilprednisolona, administradas nas primeiras 8 horas após o trauma. A metilprednisolona é administrada em doses de 30 mg/kg nos primeiros 15 minutos, seguidas de 5,4 mg/kg/hora. Nos doentes que recebem o medicamento durante as primeiras 3 horas após o trauma, administra-se durante 24 horas. Caso o tratamento seja 450

iniciado entre 3 e 8 horas após o trauma, ele deve ser continuado por 48 horas, a menos que existam condições médicas desfavoráveis. Não foi demonstrado benefício com o início de utilização de esteroides após 8 horas do trauma.

TRAUMA TORÁCICO

TRAUMA PEDIÁTRICO

A grande maioria das lesões torácicas na infância é devida a mecanismos fechados, causadas principalmente por veículos motorizados. Contusões pulmonares ocorrem com frequência em crianças com trauma torácico fechado. A criança tem uma parede torácica relativamente flexível, portanto menos força é absorvida pela caixa torácica e mais força é transmitida para os pulmões. Fraturas de costela resultam de uma força externa significativa. São observadas em pacientes com lesões mais graves e estão associadas a uma mortalidade maior. O tórax instável, causado por fraturas múltiplas de costelas, é raro em crianças. Na Tabela 28.13.4 temos a descrição das principais lesões torácicas que comprometem a respiração e a circulação observadas no exame primário e a conduta a ser tomada.

Tabela 28.13.4 LESÕES COM RISCO DE VIDA NO TRAUMA TORÁCICO QUE COMPROMETEM A RESPIRAÇÃO E A CIRCULAÇÃO Problema

Sintomas/diagnóstico

Tratamento

Pneumotórax hipertensivo

Dor torácica, dispneia, Descompressão imediata (não taquicardia, hipotensão, esperar confirmação desvio de traqueia, ausência radiológica). Inicialmente inserir de murmúrio vesicular uma agulha no segundo espaço unilateral, distensão das intercostal na linha veias do pescoço e cianose, hemiclavicular do hemitórax timpanismo à percussão afetado. O tratamento do tórax envolvido definitivo é geralmente feito com a inserção de um dreno de tórax

Pneumotórax aberto

Ferimento aberto em tórax, quadro clínico semelhante ao pneumotórax hipertensivo

Fechamento imediato da lesão com um curativo oclusivo quadrangular estéril (como gaze vaselinada ou lâmina de (Continua)

451

Tabela 28.13.4 (continuação) LESÕES COM RISCO DE VIDA NO TRAUMA TORÁCICO QUE COMPROMETEM A RESPIRAÇÃO E A CIRCULAÇÃO Problema

Sintomas/diagnóstico

Tratamento

TRAUMA PEDIÁTRICO

plástico), do tamanho suficiente para cobrir todo o ferimento e fixado com fita adesiva em três de seus lados. Posterior drenagem com dreno inserido longe do ferimento. Tórax instável

Dispneia, movimento torácico assimétrico e descoordenado. Palpação de crepitação decorrente de fratura de costelas. Radiografia com múltiplas fraturas de costelas. Insuficiência respiratória com hipoxia.

Correção da hipoventilação, oxigênio e reposição volêmica. Analgesia. Alguns pacientes podem ser tratados sem o uso de ventilação mecânica.

Hemotórax maciço

Acúmulo de um terço ou mais do volume sanguíneo do paciente. Choque com ausência do murmúrio vesicular e/ou macicez à percussão de um dos hemitórax.

Reposição do volume sanguíneo e descompressão da cavidade torácica. Toracotomia conforme perdas e instabilidade hemodinâmica.

Tamponamento Tríade de Beck: distensão cardíaco venosa cervical, diminuição da pressão arterial e abafamento das bulhas cardíacas. Pulso paradoxal. Atividade elétrica sem pulso, na ausência de hipovolemia e pneumotórax hipertensivo. Ultrassonografia e/ou pericardiocentese.

Pericardiocentese (embora não consista no tratamento definitivo). Reposição hídrica. Cirurgia para inspeção e tratamento do coração.

No exame secundário, deve-se realizar exame físico mais detalhado, radiografia de tórax ântero-posterior se a condição do paciente permitir, gasometria arterial, oximetria de pulso e monitoração cardíaca. Tomografia de tórax pode também 452

se realizada nessa etapa. Deve-se avaliar a presença de lesões que habitualmente não são diagnosticadas no período pós-traumático inicial, como pneumotórax simples, hemotórax, contusão pulmonar, lesões da árvore traqueobrônquica e traumatismo cardíaco contuso. Quando não são diagnosticadas, essas lesões podem resultar em perda de vidas.

A maioria dos traumas abdominais na criança é decorrente de trauma fechado, geralmente envolvendo veículos automotores e quedas de altura. As lesões mais frequentes no trauma fechado abdominal são as contusões, hematomas e lacerações de fígado e baço. Embora o exame físico seja essencial, com frequência se mostra difícil, em razão de situações como distensão gástrica por choro ou um lactente não cooperativo. Achados importantes incluem distensão, presença de contusões, abrasões e hematomas, dor à palpação. Os sinais de lesão abdominal podem, no entanto, estar ausentes. O mecanismo do trauma, bem como sinais e sintomas específicos, podem dar uma ideia das possíveis lesões. Dor nos ombros ou no hemitórax esquerdo podem ser encontrados no trauma esplênico. As lesões do fígado podem se apresentar com dor no ombro direito, dor no quadrante superior direito à palpação e alteração das enzimas hepáticas. Marca de cinto de segurança no abdome pode sugerir lesão intestinal ou mesentérica. Somente nos casos em que o paciente se apresenta hemodinamicamente estável podemos recorrer ao diagnóstico por imagem, sendo a tomografia abdominal com duplo ou triplo contraste o exame preferencial. Tem excelente sensibilidade e especificidade para lesões esplênicas, hepáticas e renais, mas não deve ser o único exame para excluir lesões intestinais, diafragmáticas ou pancreáticas. A ecografia abdominal direcionada para trauma ajuda a detectar hemoperitônio; a sua variável sensibilidade em crianças sugere que não deveria ser utilizada para excluir lesão intra-abdominal. Pode ser realizada nos pacientes que não apresentam condições clínicas de serem transportados para realização de tomografia. Também a lavagem peritoneal pode ser usada na criança hemodinamicamente instável sem condições de transporte ou que está no bloco cirúrgico para outro procedimento, situações em que não foi possível a realização de tomografia computadorizada. Tanto a ecografia como a lavagem peritoneal podem detectar a presença de sangue intraperitoneal, mas somente essa informação não indica necessariamente a realização de laparotomia. Tratamento não operatório tem sido habitualmente adotado na criança hemodinamicamente estável com lesões em baço, fígado e rins no trauma abdominal fechado. Essa conduta evita complicações perioperatórias, diminui a necessidade de transfusões de sangue e diminui o tempo de hospitalização. Podemos citar como indicações de laparotomia no trauma abdominal fechado: instabilidade hemodinâmica apesar da ressuscitação volumétrica, clínica de hemorragia contínua, necessidade de reposição sanguínea acima da metade do volume sanguíneo, pneumoperitônio, indícios de irritação peritoneal e sinais de lesão 453

TRAUMA PEDIÁTRICO

TRAUMA ABDOMINAL

significativa em intestino, pâncreas, bexiga, ureter, vasculatura renal e reto. Reparação esplênica, se possível, é preferível à esplenectomia. No trauma aberto, podemos ter como indicações de laparotomia: maioria dos ferimentos por arma de fogo, perda de sangue inexplicada, evisceração, achados clínicos de irritação peritoneal, entre outros.

TRAUMA GENITURINÁRIO BAIXO O períneo deve ser inspecionado e verificada a estabilidade dos ossos da pelve. O trauma uretral é mais frequente em pacientes do sexo masculino. Achados sugestivos de lesão uretral incluem equimose escrotal ou em grandes lábios, sangue no meato uretral, hematúria grosseira e próstata em posição superior no exame retal (em adolescente masculino). A fratura de pelve é também um fator de risco para uma potencial lesão geniturinária. Qualquer desses achados contraindica a inserção de cateter uretral e deve ser solicitada uma consulta com um urologista. A uretrocistografia e a tomografia computadorizada de pelve e abdome são utilizadas para determinar a extensão da lesão.

TRAUMA PEDIÁTRICO

TRAUMA DE EXTREMIDADES O exame detalhado das extremidades é essencial, já que fraturas de extremidades são as lesões mais frequentemente não diagnosticadas na criança com trauma múltiplo. Todos os membros devem ser inspecionados para detectar deformidades, edema e equimoses, palpados para verificar presença de dor à palpação e avaliados os movimentos ativos e passivos, a função sensorial e a perfusão. Fraturas de extremidades podem inicialmente não serem observadas em pacientes com trauma grave, situação em que o médico preocupa-se mais com as lesões que implicam risco de vida. Antes de obter-se radiografias, suspeitas de fraturas fechadas e deslocamentos devem ser reduzidos e imobilizados, fornecendo analgesia adequada ao paciente. As fraturas expostas, amputações de membros, síndrome compartimental ou comprometimento neurovascular requerem imediata intervenção cirúrgica.

DISTÚRBIOS DA COAGULAÇÃO E HEMOSTASIA A ressuscitação volumétrica, a necessidade de transfusões de sangue e derivados e a hipotermia contribuem para os distúrbios de coagulação imediatamente após o trauma. As anormalidades hematológicas não relacionadas à diluição pela reposição podem ocorrer devido ao consumo excessivo dos hemocomponentes e por estarem associadas à coagulação intravascular disseminada (CIVD). O manejo da CIVD é complexo e envolve o tratamento da causa básica, estabilidade hemodinâmica, normotermia e tratamento com hemocomponentes. Recomenda-se a transfusão de plaquetas quando estiverem abaixo de 50.000/mm³ em pacientes com risco de sangramento ou apresentando hemorragia (1 unidade para cada 10 kg de peso), de crioprecipitado quando o fibrinogênio estiver abaixo de 100 454

mg/dL (1 unidade para cada 10 kg de peso) e de plasma fresco após três transfusões de concentrado de hemácias (10 mL/kg por vez).

SUPORTE NUTRICIONAL É prioritário o suporte nutricional adequado na criança traumatizada. A maioria das crianças rapidamente reassume a ingesta oral normal. Os pacientes que se apresentam mais gravemente enfermos também devem ser tratados com nutrição enteral na maior brevidade possível (através de sonda, se necessário) ou, se não for possível por essa via, com nutrição parenteral. O objetivo do suporte nutricional precoce é a preservação da função intestinal, evitando assim a atrofia, que favorece a translocação e o crescimento bacteriano, causando prejuízo ao sistema imunológico. Nos pacientes politraumatizados, as necessidades calóricas e energéticas podem dobrar devido ao intenso estado de catabolismo.

O controle da dor deve ser instituído precocemente. O uso de analgésicos e sedativos precisa ser cauteloso nos pacientes não entubados (principalmente nos primeiros meses de vida), com instabilidade hemodinâmica ou de vias aéreas e com acometimento neurológico ou com alterações ventilatórias. Pacientes com dor leve a moderada e via oral preservada podem ser medicados com paracetamol (máximo 15 mg/kg/dose, até de 4/4h, no máximo de 4 g/dia) associado ou não à codeína (0,5-1 mg/kg/dose, até de 4/4h). Os opioides são os analgésicos de escolha para o manejo da dor moderada a grave, como o fentanil (2-5 µg/kg/dose) e a morfina (0,1 mg/kg/dose), que também podem ser utilizados em infusão contínua. A associação com benzodiazepínicos, como o midazolam (0,1 a 0,5 mg/kg/dose), pode ser necessária nos pacientes muito agitados ou ventilados. A decisão de usar opióides e benzodiazepínicos deve ser compartilhada com o neurocirurgião e o cirurgião, para prejudicar o mínimo possível o acompanhamento do paciente criticamente enfermo.

ABUSO INFANTIL Resulta das agressões intencionais cometidas pelos pais, responsáveis ou conhecidos. Deve-se suspeitar se houver discrepância entre a história e o trauma, longo tempo até procurar atendimento médico, repetidos traumas tratados em diferentes emergências, respostas inapropriadas dos responsáveis às perguntas médicas e diferença entre a história do trauma contada pelos pais ou pelos guardiões da criança. No exame físico, podemos ter como lesões sugestivas de abuso: múltiplos hematomas subdurais, hemorragia de retina, trauma perianal e genital, marcas de mordidas e queimaduras de cigarros e outros. Após o tratamento inicial, devese notificar as autoridades competentes. O abuso infantil é abordado no Capítulo 8.

455

TRAUMA PEDIÁTRICO

DOR E ANSIEDADE

SUPORTE PSICOLÓGICO E SOCIAL O politraumatismo grave pode resultar em dificuldades psicológicas e sociais significativas a longo prazo para a criança e a família, especialmente quando há um trauma craniano significativo. As crianças têm risco de sintomas de depressão e estresse pós-traumático. Os cuidadores enfrentam estresse persistente e também apresentam outros sintomas psicológicos. Apoio psicológico e social é extremamente importante.

REFERÊNCIAS Avarello JT, Cantor, RM. Pediatric major trauma: an approach to evaluation and management. Emerg Med Clin N Am. 2007;25(3):803-36. Colégio Americano de Cirurgiões. ATLS: suporte avançado de vida no trauma para médicos. 7. ed. Chicago: Author; 2004. Dayan PS, Klein BL. Acute care of the victim of multiple trauma. In: Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson tratado de pediatria. 18th ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2007. p. 312. Iñón AE, Soler SS, Iglesias N, Boscarino G, Mrad A, Fontana A, et al. Manual del curso atención inicial en trauma pediátrico. 2. ed. Buenos Aires: Jacc; 1998.

AFOGAMENTO

Nunes ML. Trauma. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. Tepas JJ 3rd, Mollitt DL, Talbert JL, Bryant M. The pediatric trauma score as a predictor of injury severity in the injured child. J Pediatric Surg. 1987;22(1):14-8.

28.14 AFOGAMENTO ANA PAULA PEREIRA DA SILVA

Definição. O termo “quase afogado” é utilizado para caracterizar o sobrevivente, pelo menos temporariamente, após submersão associada à aspiração de líquido para o pulmão ou asfixia secundária a laringoespasmo. As últimas diretrizes sobre ressuscitação sugerem que o termo afogamento deveria se referir à submersão mortal em que a vítima morre nas primeiras 24 horas, enquanto o termo lesão por submersão deveria ser usado antes do momento da morte relacionada ao afogamento. Epidemiologia. O afogamento é a segunda maior causa de morte acidental nos Estados Unidos. A distribuição de acordo com a faixa etária possui dois picos. O primeiro pico de idade ocorre entre as crianças menores de 5 anos inadequadamente supervi456

sionadas em piscinas ou banheiras. O segundo ocorre em homens entre 15-25 anos que sofrem afogamento em rios, lagos ou praias.

Fisiopatologia. O afogamento geralmente começa com um período de pânico e perda do padrão ventilatório normal. A hipoxemia, que pode ocorrer por aspiração ou reflexo de laringoespasmo, afeta vários órgãos, sendo a maior morbimortalidade relacionada à hipoxia cerebral. A literatura enfatiza a distinção entre afogamento em água salgada e em água doce. Acreditava-se que a hipertonicidade da água salgada causaria a perda de líquido para o interstício pulmonar e para o alvéolo, levando a edema pulmonar maciço e hipertonicidade sérica. Já o afogamento em água doce poderia criar um efeito oposto, com aspiração de líquido hipotônico, rapidamente passando através do pulmão para o compartimento intravascular, levando à sobrecarga hídrica e ao efeito dilucional nos eletrólitos séricos. Entretanto, observou-se que essa distinção é mais evidente nas pessoas mortas do que nas que chegam vivas ao hospital. A aspiração de mais de 11 mL/kg pode ocorrer antes que ocorra alteração de volume sanguíneo, e mais de 22 mL/kg, antes que ocorra alteração eletrolítica. Como não é comum ocorrer aspiração superior a 3-4 mL/kg, a distinção entre água salgada e água doce não é considerada importante. Durante a submersão, a hipoxia e a hipercapnia desenvolvem-se rapidamente, levando à acidose mista. A aspiração líquida resultará em persistência das alterações gasosas, podendo estas serem bastante significativas em aspirações tão pequenas quanto 1-3 mL/kg de peso. Manifestações clínicas Pulmonar: A aspiração de líquido resulta em diversos graus de hipoxemia. Tanto a água salgada quanto a água doce lavam o surfactante, produzindo um edema pulmonar não cardiogênico e síndrome da desfunção respiratória aguda. A insuficiência respiratória pode se desenvolver insidiosamente ou rapidamente; sinais e sintomas incluem taquipneia, retrações e sibilância. O raio X de tórax e a tomografia computadorizada podem apresentar-se normais ou com edema pulmonar localizado, peri-hilar ou generalizado, na apresentação inicial. Q Neurológico: A hipoxemia e a isquemia levam a dano neuronal, que pode produzir edema cerebral e elevação da pressão intracraniana. Alguns autores Q

457

AFOGAMENTO

Fatores de risco Q Inabilidade para nadar ou superestimação da capacidade de nadar Q Comportamento de risco Q Uso de álcool ou drogas ilícitas Q Supervisão de adulto inadequada Q Hipotermia, que pode levar à rápida exaustão ou à arritmia cardíaca Q Trauma concomitante, acidente cerebrovascular ou infarto miocárdico Q Arritmia cardíaca primária sem diagnóstico

consideram que o aumento gradual da pressão intracraniana nas primeiras 24 horas pode refletir a severidade do dano neurológico. Q Cardiovascular: Pode ocorrer arritmias associadas à hipotermia e à hipoxemia. Q Distúrbio eletrolítico e ácido-básico: Acidose respiratória e/ou metabólica é comum. A maioria dos sobreviventes de quase-afogamento não aspira quantidade suficiente de líquido capaz de produzir distúrbios eletrolíticos. Q Renal: Insuficiência renal raramente ocorre após submersão, e é geralmente devida à necrose tubular aguda resultante de hipoxemia, choque, hemoglobinúria ou mioglobinúria. Manejo Cuidados pré-hospitalares: o tempo de hipoxia é o principal fator determinante prognóstico. Portanto, o tratamento inicial visa à rápida reversão da hipoxemia com reanimação cardiopulmonar vigorosa. Deve-se descartar a possibilidade de trauma cervical associado. Se houver dúvida, deve-se manter estabilização da coluna cervical durante o suporte básico e avançado de vida, até a lesão ser descartada de forma definitiva. Q Atendimento hospitalar: – Todo paciente pediátrico vítima de submersão deve ser hospitalizado e observado por pelo menos 6-12 horas, mesmo se estiver assintomático na apresentação inicial no departamento de emergência. Entre as crianças assintomáticas ou minimamente sintomáticas, aproximadamente 50% podem sofrer deterioração respiratória ou hipoxemia nas primeiras 4-8 horas após a submersão. – O oxigênio administrado de forma invasiva ou não é parte fundamental do tratamento de pacientes quase-afogados. Se a pessoa encontra-se em apneia, gasping, com escala de coma de Glasgow < 8 (ver Cap. 28.11) ou com taquidispneia significativa, deve ser entubada e receber oxigênio por ventilação pulmonar mecânica. – As crianças com broncoespasmo podem se beneficiar com terapia β2-agonista. Entretanto, o edema pulmonar e a aspiração de corpo estranho podem causar sibilância e devem ser considerados. – Uma complicação grave é a síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). O manejo é discutido no Capítulo 28.9. – Os pacientes com quadro de choque devem receber fluidoterapia inicial e suporte inotrópico ou vasopressor se houver perpetuação da hipoperfusão ou hipotensão. – Os pacientes com edema cerebral por trauma craniencefálico ou com lesão cerebral secundária à hipoxia ou à isquemia devem receber medidas de suporte gerais, como decúbito elevado, cabeça em posição neutra, evitar hipertermia após reaquecimento, evitar hipoxia e hipotensão. Existe pouca evidência de que a monitoração da pressão intracraniana possa alterar a evolução desses pacientes. – O uso de terapêutica neurológica intensiva convencional, como agentes osmóticos, diuréticos, restrição hídrica, hiperventilação e barbitúricos, não demonstrou benefício nas vítimas de quase-afogamento. Entretanto, existe al-

AFOGAMENTO

Q

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guma evidência de que essas terapias possam diminuir a mortalidade, mas aumentar o número de sobreviventes com morbidade neurológica severa. – Quanto à antibioticoterapia profilática, não existe evidência que indique sua utilização de rotina, sendo mais adequado o controle clínico com monitoração da contagem de leucócitos, febre e presença de novo infiltrado radiológico. Também não existe indicação na literatura para uso de corticoide nas vítimas de quase afogamento.

REFERÊNCIAS Ibsen LM, Koch T. Submersion and asphyxial injury. Crit. Care Med. 2002;30 (Suppl 11):S4028. Kallas HJ. Drowning and submersion injury. In: Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson tratado de pediatria. 18th ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2007. p. 438-49.

28.15 INTOXICAÇÕES EXÓGENAS ANA PAULA PEREIRA DA SILVA

Epidemiologia. As intoxicações exógenas são frequentes no atendimento dos serviços de emergência pediátrica. As crianças, em seu processo natural de crescimento e desenvolvimento, apresentam fases de descobertas, sendo atraídas por tudo com o que mantêm contato. Dessa forma, o potencial para envenenamento está presente. Além disso, a negligência familiar e o hábito de automedicação contribuem para esses acidentes. No Brasil, a epidemiologia das intoxicações não é bem definida devido à imprecisão das notificações e dos registros dos casos. As intoxicações são mais frequentes em crianças de 0 a 4 anos. Os medicamentos e os produtos sanitários domiciliares são os principais responsáveis por essas intoxicações. A letalidade é baixa (0,56% do total de casos). Manejo geral para o paciente intoxicado. As etapas no atendimento da criança vítima de acidente tóxico consistem em: Q Q Q

Estabilização Reconhecimento da síndrome tóxica e identificação do agente causal Remoção do agente tóxico 459

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

Voort E, Vitola L, Garcia PCR, Piva JP. Afogamento. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. p. 531-44.

Q Q

Terapêutica sintomática de suporte Antídotos

ESTABILIZAÇÃO A estabilização inicial consiste no ABC da reanimação, abordado no Capítulo 28.1 Durante o atendimento inicial, deve-se instalar acesso venoso e realizar hemoglicoteste.

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

RECONHECIMENTO DA SÍNDROME TÓXICA E IDENTIFICAÇÃO DO AGENTE CAUSAL A anamnese e o exame físico são fundamentais para o diagnóstico diferencial das síndromes tóxicas e para a identificação do agente causal. Na avaliação dos sinais vitais, deve-se determinar controle de frequência cardíaca e respiratória, pressão arterial e temperatura axilar. Durante a anamnese, é importante obter o máximo de informações sobre o possível agente intoxicante (nome, dose ingerida, horário da exposição) e sobre a evolução dos sintomas. Quando não existe história específica de intoxicação, são considerados casos suspeitos aqueles com sintomatologia aguda, estado mental alterado e excesso de medicamento no domicílio. Durante o exame físico, devem-se remover roupas e objetos contaminados; atentar para pele, odor e hálito; realizar exame neurológico cuidadoso (nível de consciência, avaliação pupilar, ataxia); e observar padrão ventilatório e circulatório. As síndromes tóxicas consistem em um complexo de sinais e sintomas produzidos por doses tóxicas de substâncias químicas com efeito semelhante. As principais síndromes tóxicas estão detalhadas na Tabela 28.15.1. A identificação laboratorial por meio do screening toxicológico é importante na identificação de um agente desconhecido ou suspeito, mas apresenta valor limitado devido à escassez de métodos adequados de detecção e à demora na obtenção de resultados.

REMOÇÃO DO AGENTE TÓXICO Descontaminação gastrintestinal Indução de vômitos com xarope de ipeca. Não deve ser utilizada rotineiramente. Sua eficácia tem sido questionada pela insuficiência de evidências científicas apropriadas. É contraindicada no paciente com alteração do nível de consciência; quando a substância ingerida for um cáustico forte ou hidrocarboneto; em pacientes com menos de 6 meses, nos quais o risco de aspiração está aumentado; na doença cardíaca ou respiratória grave; em pacientes com diátese hemorrágica, e na ingestão concomitante de materiais sólidos e afiados (vidro, agulha, etc.).

460

Tabela 28.15.1 PRINCIPAIS SÍNDROMES TÓXICAS Sintomatologia

Principais agentes

Anticolinérgica

Rubor de face, pele e mucosas secas, hipertermia, taquicardia, midríase, retenção urinária, agitação psicomotora, alucinações, delírio, insuficiência respiratória.

Atropina e derivados, anti-histamínicos, antiparkinsonianos, antidepressivos tricíclicos, antiespasmódicos, midriáticos.

Anticolinesterásica ou colinérgica

Sudorese, lacrimejamento, salivação, aumento das secreções brônquicas, vômitos, diarreia, miose, bradicardia, fibrilações e fasciculações musculares.

Inseticidas organofosforados, inseticidas carbamatos, fisostigmina, algumas espécies de cogumelos, nicotina.

Narcótica

Depressão respiratória, depressão neurológica, miose, bradicardia, hipoventilação, hipotermia, hipotensão, hiporreflexia.

Opiáceos, heroína, difenoxilato.

Barbitúrica

Sonolência, torpor, coma, depressão respiratória, cianose, hiporreflexia, hipotensão.

Barbitúricos, benzodiazepínicos, etanol.

Simpaticomimética

Midríase, hiper-reflexia, agitação, convulsão, hipertensão, taquicardia, piloereção, hipertermia, sudorese.

Cocaína, anfetaminas, descongestionantes nasais, cafeína, teofilina.

Extrapiramidal

Distúrbios do equilíbrio, Fenotiazídicos, hipertonia, distonia orofacial, butirofenonas, mioclonias, trismo, fenciclidina, lítio. opistótono.

Metemoglobinêmica

Cianose de pele e mucosas, confusão mental, depressão neurológica.

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

Síndrome

Acetanilida, azuldemetileno, dapsona, doxorrubicina, fenazopiridina, nitratos, nitritos, nitrofurantoína, piridina, sulfametoxazol.

461

Lavagem gástrica. Também de uso controverso, devido à falta de evidência científica. Consiste na inserção de uma sonda gástrica pela qual se faz a administração de líquido (água ou soro fisiológico, no volume de 500 mL para recém-nascidos, 2-3 litros para lactentes até 2 anos, 4-5 litros para pré-escolares, 5-6 litros para escolares e 6-10 litros para adultos) retirando-a a seguir. Possui eficácia limitada se feita após 4 horas da ingestão de substâncias rapidamente absorvidas. É contraindicada na ingestão de cáusticos e derivados do petróleo, na diátese hemorrágica e nas convulsões. Carvão ativado. Os tóxicos adsorvidos são firmemente retidos durante a sua passagem pelo estômago. A eficácia é melhor se administrado na primeira hora após a ingestão do tóxico. A administração de doses múltiplas deve ser considerada nos pacientes que ingeriram doses elevadas de carbamazepina, dapsona, fenobarbital, quinino, digoxina, ácido valproico ou teofilina, por reduzir à meia-vida e acelerar a depuração dessas drogas.

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

Q

Contraindicação: o principal efeito adverso é a aspiração. É contraindicado nos pacientes comatosos e nos que ingeriram cáusticos ou hidrocarbonetos. Não é efetivo para cianetos, ácidos minerais, bases fortes, ácido bórico, sulfato ferroso e lítio. Q Dose em crianças: 1 g/kg (máximo de 60 g) diluído em 100 a 200 mL de água, via oral ou por sonda gástrica. Pode ser administrado a cada 4 h se houver indicação de doses múltiplas.

Descontaminação cutânea Lavagem corporal com água corrente nos casos de tóxicos absorvidos pela pele, como os inseticidas organofosforados.

Excreção urinária Consiste em aumentar a diurese por meio do uso de diurético osmótico (furosemida 0,5-1 mg/kg ou manitol 20%, 0,5-1 g/kg) e hiperidratação (volume de 20-30% acima do recomendado para manutenção). Utilizada para tóxicos com eliminação renal sem metabolismo. A alcalinização urinária também pode alterar a reabsorção tubular renal de alguns tóxicos, como fenobarbital, salicilatos e antidepressivos tricíclicos. Administra-se 1-2 mEq/kg de bicarbonato de sódio em 3-4h, controlando-se o pH urinário, que deve ser mantido em 7,5 ou mais, monitorizando-se gases e eletrólitos sanguíneos.

Depuração extrarrenal Diálise peritoneal. É mais simples do que as outras medidas, mas é relativamente menos eficaz. Indicada quando os outros métodos de remoção extracorpórea forem impraticáveis. 462

Hemoperfusão. É o método mais rápido de remoção de drogas, mas os distúrbios ácido-básicos ou eletrolíticos não podem ser simultaneamente corrigidos. Nos quadros tóxicos, em que essas manifestações predominam, a hemodiálise passa a ser o procedimento de eleição. A hepoperfusão é usada nas intoxicações graves e letais por barbitúricos, diquat, fenitoína, fenotiazídicos, paraquat e teofilina. Hemodiálise. A eficácia desse método depende do peso molecular, da ligação às proteínas plasmáticas, do fluxo através do circuito e da membrana de diálise, de polaridade e da solubilidade da toxina na água.

TERAPÊUTICA SINTOMÁTICA DE SUPORTE Ver Tabela 28.15.2.

ANTÍDOTOS

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

Ver Tabela 28.15.2.

463

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

464

Tabela 28.15.2 PRINCIPAIS AGENTES TÓXICOS E TRATAMENTO ESPECÍFICO Tóxico

Manifestações clínicas

Tratamento

Antídoto

Acetominofen

Náusea, vômitos, hipertermia, delírio, coma, necrose hepática, necrose tubular renal

– Lavado gástrico – Carvão ativado dose única se < 4 horas da ingestão

N-acetilcisteína: usar se dose desconhecida ou ingestão significativa (> 150 mg/kg para criança e > 7,5 g para adulto). Dose inicial de 140 mg/kg, seguida de 70 mg/kg a cada 4 h até 17 doses

Ácido valproico

Tremor, nistagmo, miose, confusão, irritabilidade, coma, icterícia, acidose metabólica, hiperglicemia

– Lavado gástrico – Carvão ativado em doses múltiplas

Naloxone para reverter efeito depressor neurológico

Anti-histamínicos, antidepressivos tricíclicos, atropina, anticolinérgicos

Coma, alucinações, taquicardia, retenção urinária, midríase, arritmias

– Lavado gástrico – Carvão ativado em doses múltiplas – Diazepam na crise convulsiva a cada 15-20 minutos

Fisostigmina se arritmia com risco de vida ou convulsões. 0,01-0,03 mg/kg/dose, EV, a lentamente. Máximo de 2 mg

Anticolinesterásicos

Sudorese, lacrimejamento, salivação, aumento das secreções brônquicas,

– Descontaminação da pele

Atropinização: 0,01-0,02 mg/kg/dose, podendo ser (Continua)

Tabela 28.15.2 (continuação) PRINCIPAIS AGENTES TÓXICOS E TRATAMENTO ESPECÍFICO Tóxico

Manifestações clínicas

Tratamento

vômitos, diarreia, miose, bradicardia, fibrilações e fasciculações musculares

Antídoto necessário até 0,05 mg/kg a cada 15 minutos até sinais de atropinização. Após, a cada 1-4 h por 24 h. Adultos: dose inicial de 1 mg, podendo aumentar para 2-5 mg/dose. Pralidoxina: em intoxicações severas. 25-50 mg/kg/dose, EV lento (máximo 2 g), repetindo em 1-2 h se fraqueza muscular persistir e após 10-12 h se sinais colinérgicos recorrerem

465

Barbitúricos

Sonolência, torpor, coma, depressão respiratória, cianose, hiporreflexia, hipotensão

– Lavado gástrico Não existe – Carvão ativado em doses múltiplas – Hidratação e alcalinização urinária – Hemoperfusão

Benzodiazepínicos

Depressão respiratória, hipotensão, sonolência, coma, hipotermia

– Lavado gástrico – Carvão ativado em doses múltiplas

Flumazenil: dose inicial de 0,01 – 0,02 mg/kg (dose (Continua)

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

466

Tabela 28.15.2 (continuação) PRINCIPAIS AGENTES TÓXICOS E TRATAMENTO ESPECÍFICO Tóxico

Manifestações clínicas

Tratamento

Antídoto cumulativa máxima de 0,04 mg/kg ou 2 mg). Repetir 0,01 mg/kg ou infusão contínua de 0,004 mg/kg/h por 2-6 h se necessário

Broncodilatadores: Aminofilina/ teofilina

– Lavado gástrico Náusea, vômitos, irritabilidade, – Carvão ativado em doses taquicardia, convulsão, fibrilação atrial. múltiplas Agitação, diplopia, hipertensão, – Diazepam se crise convulsiva taquicardia, arritmia, convulsão, hipocalemia

Não existe

Carbamazepina

Ataxia, movimentos involuntários, opistótono, convulsão, agitação, nistagmo, náusea, vômitos, retenção urinária, depressão respiratória, taquicardia, Stevens-Johnson

– Lavado gástrico – Carvão ativado em doses múltiplas – Diazepam se crise convulsiva

Não existe

Chumbo

Fadiga, mialgia, sonolência, cefaleia, tremor, vômitos, alteração da consciência, convulsão, coma

– Lavado gástrico

Dimercaprol: intoxicação moderada: 4 mg/kg uma vez

Salbutamol

(Continua)

Tabela 28.15.2 (continuação) PRINCIPAIS AGENTES TÓXICOS E TRATAMENTO ESPECÍFICO Tóxico

Manifestações clínicas

Tratamento

Antídoto Após, 3 mg/kg/dose a cada 4 h, por 2-7 dias. Intoxicação severa com encefalopatia: 4 mg/kg/dose a cada 4 h, com EDTA cálcio (30-50 mg/kg/dia a cada 12 h), por 72 h, podendo ser usado por até 5 dias

Cianetos

Tontura, ataxia, ansiedade, cefaleia, confusão mental, convulsão opistótona, coma, taquicardia seguida por bradicardia, arritmias cardíacas e hipotensão arterial

Nitrito de amila (inalação de 1-2 ampolas em 30 segundos a 1 minuto) + nitrito de sódio 0,3 ml/kg da solução a 3%, EV

Fenitoína

Náusea, vômitos, nistagmo, ataxia, coma, arritmias

Fenotiazinas (metoclopramida)

Miose, tremor, hipertermia, convulsão, – Lavado gástrico extrapiramidalismo, agitação, – Carvão ativado metemoglobinemia

– Lavado gástrico Não existe – Carvão ativado (múltiplas doses)

467

Biperideno: 0,04 mg/kg. Repetir se necessário. Adultos: 2 mg. Repetir até melhora clínica (Continua)

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

468

Tabela 28.15.2 (continuação) PRINCIPAIS AGENTES TÓXICOS E TRATAMENTO ESPECÍFICO Tóxico

Manifestações clínicas

Tratamento

Antídoto

Ferro

Náusea, vômitos, hemorragia digestiva, – Lavado gástrico hipotensão, acidose metabólica, coma, necrose hepática, insuficiência renal

Deferoxamina EV, 15 mg/kg/h, nas intoxicações graves (Fe sérico > 350 µg/mL). Manter tratamento por 24 h após excreção de urina com coloração normal

Heparina

Hemorragia severa

Tratamento de suporte

Protamina: 1 mg para cada 100 U heparina dado nas primeiras 3-4 h anteriores (máximo de 50 mg). Uma segunda dose de 0,5 mg por 100 U de heparina pode ser administrada se TTP permanecer prolongado 2-4 h após a primeira dose

Monóxido de carbono

Cefaleia, vômitos, fadiga, taquicardia, síncope, hematúria, dispneia, cianose, coma

Nível de COHb > 25% (internação em UTI)

FiO2 100%

(Continua)

Tabela 28.15.2 (continuação) PRINCIPAIS AGENTES TÓXICOS E TRATAMENTO ESPECÍFICO Tóxico

Manifestações clínicas

Tratamento

Antídoto

Nitritos (metemoglobinemia)

Choque, cianose, convulsão, coma, insuficiência respiratória, cefaleia

– Lavado gástrico

Azul de metileno a 1%, 1-2 mg/kg, EV lento. Repetir em arritmia, taquicardia 1 h se necessário

Opiáceos

Depressão respiratória, depressão neurológica, miose, bradicardia, hipoventilação, hipotermia, hipotensão, hiporreflexia

Naloxone, 0,1 mg/kg (máximo de 2 mg). Repetir se necessário. Pode ser necessário o uso de infusão contínua, já que a duração de ação o opiáceo é superior à do naloxone

Raticidas (cumarínicos)

Distúrbios hemorrágicos

Vitamina K ,2 – 10 mg IM/EV. Doses repetidas conforme TP

Salicilatos

Náusea, vômito, alcalose respiratória, hipertermia, desidratação, acidose metabólica, hiperglicemia

– Lavado gástrico – Carvão ativado – Hidratação endovenosa (alcalinização urinária) – Diálise ou hemoperfusão

469 INTOXICAÇÕES EXÓGENAS

Não existe

REFERÊNCIAS Eldridge DL, Eyk JV, Kornegay C. Pediatric toxicology. Emerg Med Clin N AM. 2007;15:208-308. Sinitox. Casos registrados de intoxicação humana por agente tóxico e faixa etária no Brasil [homepage in the Internet]. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2005 [capturado em 2009 Sep 23]. Disponível em: http://www.fiocruz.br/sintox/2005/brasil2005.htm Taketomo CK, Holding JH, Kraus DM. Pediatric dosage handbook. 14th ed. Hudson: LexoComp; 2007.

28.16 QUEIMADURAS ANA PAULA PEREIRA DA SILVA FERNANDA MENEZES RUBIN

QUEIMADURAS

Definição. Queimaduras são lesões dos tecidos orgânicos decorrentes de trauma de origem térmica resultante da exposição a chamas, líquidos quentes, superfícies quentes, frio, substâncias químicas, radiação, atrito ou fricção. Epidemiologia. As lesões por queimadura constituem importante causa de morbimortalidade no paciente pediátrico. Nos Estados Unidos, 1,2 milhão de pessoas por ano são vítimas de queimadura, sendo que 30-40% são menores de 15 anos. A queimadura com líquidos quentes é responsável por 85% das lesões térmicas e é a mais prevalente em crianças menores de 4 anos. Os fatores de risco envolvendo a faixa etária pediátrica são: crianças do sexo masculino, menores de 4 anos e família com baixo nível socioeconômico e cultural. Fisiopatologia. A quebra da barreira natural da pele causa alterações fisiológicas que são proporcionais à gravidade da lesão. A queimadura na pele pode ser caracterizada por três zonas de lesão: Q

Zona de coagulação: é a área mais central da queimadura, a que permaneceu em contato máximo com a fonte de calor. As células da zona de coagulação apresentam dano permanente (necrose), necessitando de desbridamento. Q Zona de estase: localizada na periferia da zona central. As alterações ocorrem na microcirculação, levando a dano celular por diminuição do fluxo sanguíneo. As células da zona de estase sempre requerem a reposição volumétrica nas primeiras 24-48 horas para aumentar a chance de sobrevivência. Sem um manejo adequado, essa zona pode progredir de uma queimadura superficial para uma queimadura profunda. Q Zona de hiperemia: mais perifericamente, existe a zona de hiperemia, onde as células apresentam lesão mínima e recuperam-se espontaneamente em 7-10 dias. 470

Diagnóstico Diagnóstico quanto à profundidade: algumas lesões podem evoluir em profundidade devido às complicações, principalmente hipoperfusão e infecção (Tab. 28.16.1). Q Diagnóstico quanto à superfície corporal queimada: a quantidade de líquido necessária para reposição é calculada por meio da estimativa da extensão e da profundidade da SCQ. A mortalidade e a morbidade também dependem da extensão e da profundidade da queimadura. As fórmulas mais usadas são: – Esquema de Lund e Brower: é a fórmula mais utilizada. Considera as diferentes proporções entre as várias regiões do corpo de acordo com a idade (Fig. 28.16.1). – Regra da mão espalmada: método prático para uso externo ao ambiente hospitalar. A palma da mão da criança corresponde a 1% de sua área corpórea. Q

TRIAGEM São consideradas queimaduras graves, necessitando de internação, as que apresentam um dos seguintes critérios: 471

QUEIMADURAS

A lesão dos vasos sanguíneos nas zonas de estase e hiperemia resultam no aumento da pressão hidrostática secundária à vasodilatação e no aumento da permeabilidade capilar. Existe perda de água, proteínas e eletrólitos. Com a perda de líquido para o espaço intersticial, ocorre edema nas primeiras 12-24 horas, atingindo o máximo em 24-48 horas. O edema nas extremidades pode causar síndrome compartimental. As queimaduras maiores que 15-20% de superfície corporal queimada (SCQ) causam uma resposta sistêmica significativa que requer reconhecimento e tratamento adequados. A liberação de mediadores vasoativos da lesão, a hipoproteinemia devida ao catabolismo e a diminuição de resistência a infecções podem contribuir para a disfunção sistêmica. Imediatamente após a queimadura, ocorre diminuição do débito cardíaco devido à hipovolemia, à resistência vascular periférica alta e à presença de substâncias depressoras miocárdio-circulantes. A falha da restauração do débito cardíaco com reposição hídrica adequada resulta em perfusão tecidual inadequada, disfunção orgânica progressiva, colapso circulatório e morte. Apesar de a disfunção sistêmica comprometer vários órgãos, o rim é especialmente vulnerável à reposição hídrica inadequada. Os rins podem ser afetados pela hipoperfusão renal ou por uma significativa lesão muscular que resulta em mioglobinúria. A destruição de células musculares, ou rabdomiólise, aumenta a circulação de mioglobina, que oclui os túbulos renais, levando à insuficiência renal. Uma resposta hipermetabólica ocorre nas primeiras 24-72 horas após a queimadura. O hipermetabolismo resulta em gliconeogênese, resistência à insulina e catabolismo proteico. Consequentemente, há diminuição de peso, balanço nitrogenado negativo e diminuição dos estoques energéticos.

Tabela 28.16.1 CLASSIFICAÇÃO DAS QUEIMADURAS QUANTO À PROFUNDIDADE Grau

Profundidade

Sinais

Cicatrização

1 ou superficial

Lesões da epiderme

Eritema e edema. É dolorosa. Não é considerada no cálculo da SCQ para conduta terapêutica.

Cicatriza sem sequelas em 3-6 dias.

2o ou de espessura parcial

Lesões da epiderme e de parte da derme

Eritema e edema + bolha. São dolorosas ao toque. Nas mais superficiais, o tecido subjacente empalidece à digitopressão. Nas mais profundas, isso não ocorre.

As mais superficiais cicatrizam em 10-15 dias; as mais profundas, em 3-4 semanas, ou podem necessitar de enxerto.

3o ou de espessura total

Lesões da epiderme e da derme

Pálidas, endurecidas e secas. São indolores.

Não são capazes de reepitelizar, podendo cicatrizar a partir da periferia, com retração das bordas. Requerem enxertos cutâneos.

QUEIMADURAS

o

Q Q Q Q Q Q

SCQ > 10-15% de espessura parcial SCQ > 10% de espessura total Envolvimento de face, olhos, orelhas, mãos, pés ou períneo Queimadura elétrica Associação com trauma significativo ou lesão por inalação Situação social desfavorável

As indicações para transferência para centros especializados no tratamento de queimados estão listadas no Quadro 28.16.1. Tratamento. A abordagem do paciente queimado consiste em: Q Q

ABC da ressuscitação Reposição hídrica

472

QUEIMADURAS

Figura 28.16.1 Folha para determinação da superfície corporal queimada.

Q Q Q Q Q

Suporte nutricional Controle da dor Prevenção de infecção Manejo cirúrgico e uso de curativos sintéticos ou biológicos para cicatrização Suporte emocional e psicológico

ABC DA RESSUSCITAÇÃO No local do acidente Q Após determinar que a via aérea está patente, deve-se remover as roupas queimadas ou com líquido quente. Colares, pulseiras e anéis também devem ser removidos para prevenir a constrição e o comprometimento vascular durante a fase de edema nas primeiras 24-72 horas após a queimadura. 473

Quadro 28.16.1 CRITÉRIOS PARA INTERNAÇÃO EM UNIDADE DE QUEIMADOS – – – – – – – – –

Queimadura de espessura parcial envolvendo > 10% de SCQ Queimaduras que envolvam face, mãos, pés, genitália, períneo ou articulações maiores Queimaduras de 3o grau em qualquer idade Queimaduras elétricas Queimaduras químicas Lesão por inalação Queimaduras em paciente com comorbidade que possa complicar o manejo, prolongar a recuperação ou afetar a mortalidade Qualquer paciente com queimadura e trauma concomitante Criança que esteja em hospitais sem equipe especializada e equipamentos adequados para o seu cuidado

QUEIMADURAS

Q

Recomenda-se lavar a queimadura com água corrente fria (15°C) por 20 minutos para aliviar a dor e interromper a lesão tecidual. Não há benefício se aplicado uma hora após a queimadura. O procedimento não deve ser realizado em pacientes com queimaduras extensas devido ao risco de hipotermia, principalmente em lactentes. Devem-se cobrir as queimaduras com toalha limpa, e o paciente deve ficar aquecido com cobertores. Q Administrar analgésico. Q A história clínica deve incluir um breve interrogatório sobre doenças e alergias preexistentes. Também deve ser investigado o estado de imunização do doente contra o tétano. No setor de emergência. A reanimação cardiorrespiratória segue os princípios do ABC (Fig. 28.16.2). Q A permeabilidade da via aérea é a primeira prioridade. Deve-se manter uma via aérea adequada e oferecer oxigênio por máscara ou entubação endotraqueal. A entubação pode ser necessária nas crianças que apresentam queimadura facial ou queimadura por chamas em espaço fechado, antes que o edema facial e laríngeo tornem-se evidentes. Os marcadores clínicos de lesão por inalação incluem: insuficiência respiratória, hipoxemia, estridor ou rouquidão, sibilância, queimadura em orofaringe, edema de língua, escarro carbonáceo, chamuscamento de cílios e pelos nasais. Se houver suspeita de hipoxia ou intoxicação por monóxido de carbono, deve-se oferecer oxigênio a 100%. Q Acesso venoso: as crianças com queimadura ≥ 15% da SCQ necessitam de reposição hídrica endovenosa. Toda lesão por inalação, independentemente da extensão da queimadura, necessita de acesso venoso para controle da 474

Figura 28.16.1 Folha para determinação da superfície corporal queimada.

475 QUEIMADURAS

Q

Q

Q

Q

QUEIMADURAS

Q Q

Q Q Q Q

oferta hídrica. Nas queimaduras elétricas com lesão muscular importante, devese induzir diurese alcalina por meio da hiperidratação endovenosa para evitar mioglobinúria e lesão renal. Após identificar e tratar as lesões que implicam risco de vida, deve ser providenciado um acesso venoso com um cateter de grande calibre introduzido em uma veia periférica. Se a extensão da queimadura não permitir a punção através de pele íntegra, pode-se puncionar uma veia através da pele queimada. Inicialmente, deve-se administrar uma solução de Ringer-lactato 20-30 mL/kg/h (pode-se utilizar solução fisiológica a 0,9%) até que o cálculo da reposição hídrica seja feito. Quando a criança for transferida para centro especializado, deve-se fazer contato para coordenar a terapia hídrica, o tipo de líquido administrado e a fórmula de preferência para cálculo. A criança deve ser avaliada para lesões associadas, especialmente se há história de queda de altura. Podem ocorrer lesões de coluna, ossos, torácicas e de órgãos intra-abdominais. Nas queimaduras > 15% de SCQ, pode ocorrer distensão gástrica. Deve-se introduzir uma sonda nasogástrica e manter o paciente em NPO. Além disso, nos grandes queimados pode ocorrer úlcera gastroduodenal devido à diminuição do fluxo sanguíneo intestinal e ao estresse, sendo indicada a profilaxia (geralmente com antagonista histamínico como a ranitidina na dose de 3-4 mg/kg/dia EV, a cada 6 ou 8 horas). As crianças que recebem reposição hídrica necessitam de sondagem vesical de demora para controle do débito urinário. Todas as feridas devem ser cobertas com tecido estéril. Para prevenção de aderência à queimadura, as gazes são impregnadas com vaselina e cobertas com faixas absorventes. Os dedos de mãos e pés também são separados por gazes. A face usualmente é mantida exposta ao ar ambiente. As queimaduras circulares relacionadas à alteração de perfusão periférica e restrição respiratória devem ser submetidas à escarotomia. Suspeitar de maus tratos quando houver história inconsistente, queimadura em “luva”, arredondada ou com contorno de objetos. Fazer profilaxia de tétano quando indicado. Verificar lesões de córnea com colírio de fluoresceína antes que o edema palpebral impossibilite o exame. As queimaduras corneanas superficiais devem ser tratadas com irrigação vigorosa, pomada oftálmica antibiótica e vedação ocular.

REPOSIÇÃO HÍDRICA Crianças com queimadura maior que 10-15% da SCQ necessitarão de reposição hídrica, pois podem evoluir para choque hipovolêmico. Se a queimadura exceder 30% da SCQ, recomenda-se a colocação de um cateter central. Não existe uma fórmula que possa determinar com exatidão o volume necessário para cada paciente. O ajuste da infusão deve ser individualizado de acordo com a resposta clínica. Índices fisiológicos, como débito urinário (0,5-1 mL/kg/h em adultos e 1-1,5 mL/kg/h em crianças), pressão arterial, pulso e estado de 476

consciência, são bons indicadores de perfusão tecidual. O parâmetro mais sensível é o débito urinário. A fórmula de Parkland (Quadro 28.16.2) é a mais usada em pediatria para determinar o volume inicial de infusão. As crianças menores de 5 anos podem necessitar da adição de glicose nas primeiras 24 horas de reposição hídrica. O uso de coloide nas primeiras 24 horas ainda é controverso. A integridade capilar inicia sua restauração apenas após 24-48 horas, e a albumina pode acumular-se no interstício, piorando o edema. Geralmente o coloide é utilizado em 8-24 horas após a queimadura em pacientes com SCQ superior a 30% e albumina sérica < 3 g/dL, na forma de albumina a 5%: Q Q Q

30-50% de SCQ: 0,3 mL/kg/%SCQ/24h 50-70% de SCQ: 0,4 mL/kg/%SCQ/24h 70-100% de SCQ: 0,5 mL/kg/%SCQ/24h

A transfusão com concentrado de hemácias é recomendada com hematócrito < 24% (hemoglobina 8 g/dL), ou com hematócrito < 30% (hemoglobina < 10 g/dL) nos pacientes com manifestações sistêmicas. O plasma fresco é indicado quando há distúrbios de coagulação.

A queimadura produz uma resposta hipermetabólica com catabolismo de proteínas e gorduras. Crianças com queimadura > 40% da SCQ necessitam de um suporte calórico maior que 50-100% da necessidade basal. A dieta deve ser instituída precocemente nas primeiras 12-24 horas após a estabilização. A via preferencial é a enteral. A nutrição parenteral somente deve ser instituída na impossibilidade de uso da via enteral, devendo ser suspensa assim que possível. Para pacientes com > 20% da SCQ, deve ser colocada uma sonda nasoenteral para otimizar a oferta de dieta. As calorias são administradas em aproximadamente 1,5 vez a taxa metabólica basal, com 3-4 g/kg de proteína/dia.

Quadro 28.16.2 FÓRMULA DE PARKLAND Primeiras 24 horas: 2-4 mL/kg/%SCQ de Ringer-lactato + volume de manutenção de 1.500 mL/m²/dia de solução de Ringer-lactato. A metade do volume é administrada nas primeiras 8 horas, e o restante, nas 16 horas a seguir. Ajustar a infusão de acordo com a resposta clínica. Próximas 24 horas: fluido de manutenção.

477

QUEIMADURAS

SUPORTE NUTRICIONAL

CONTROLE DA DOR As queimaduras são os traumatismos mais dolorosos. A dor pode ser exacerbada durante a manipulação com curativos e fisioterapia. É importante o uso de analgésicos, ansiolíticos e suporte psicológico para diminuir o estresse metabólico. O medicamento mais utilizado é a morfina e seus derivados. Nos grandes queimados, inicialmente é administrada via endovenosa em infusão contínua na dose de 0,01-0,04 mg/kg/h. Essa dose geralmente é eficaz e não causa depressão respiratória. Pequenas doses de 0,05-0,1 mg/kg podem ser administradas até que se atinja a analgesia adequada. Com o início da alimentação enteral, pode-se substituir a infusão endovenosa por codeína via oral na dose de 0,5-1 mg/kg/ dose a cada 4 ou 6 horas. Os analgésicos não opioides, como dipirona e acetominofen, podem ser úteis para suprimir a dor de leve intensidade. Durante os curativos, é importante a sedação e a analgesia. Pode-se utilizar midazolam na dose de 0,1-0,2 mg/kg (adultos: 5 mg) EV ou IM, sendo que aumentos para até 0,5 mg/kg têm sido usados com segurança, em crianças, para sedação. Associado ao midazolam, para promover analgesia, pode-se utilizar um opioide (morfina na dose de 0,1-0,2 mg/kg ou fentanil na dose de 1-2 mg/kg), ou cetamina na dose de 1-2 mg/kg. Os anti-histamínicos podem ser utilizados para alívio do prurido que ocorre durante a fase de cicatrização.

QUEIMADURAS

PREVENÇÃO DE INFECÇÃO As infecções são a principal causa de morbidade e mortalidade em pacientes queimados depois de superada a fase aguda. Os fatores que predispõem à infecção são: ferida queimada como porta de entrada para bactérias e fungos e diminuição da imunidade celular e humoral. A febre elevada pode ocorrer no paciente queimado como parte da resposta inflamatória sistêmica. Deve-se monitorar a infecção periodicamente por meio de avaliação clínica, avaliação da ferida cirúrgica durante os curativos e laboratorialmente (cultura quantitativa da ferida, hemoculturas e hemogramas seriados). Não está indicado o uso profilático de antibiótico. As infecções mais frequentes são aquelas relacionadas à ferida cirúrgica e a sepse relacionada ao cateter. Os agentes mais frequentes são o Staphylococcus aureus e o Staphylococcus coagulase-negativo, principalmente relacionado ao cateter; a Pseudomonas aeruginosa e outros bacilos Gram-negativos, principalmente na ferida cirúrgica. Os Gram-negativos normalmente colonizam a ferida cirúrgica após a segunda semana. Com o uso continuado de antibióticos de largo espectro, é comum emergirem infecções por agentes multirresistentes e fungos. Portanto, o uso criterioso de antibiótico é muito importante. O uso de antimicrobiano tópico tem como objetivo diminuir o número de organismos que colonizam a ferida. Esse uso, associado a procedimentos cirúrgicos agressivos, incluindo enxertia precoce, e a um suporte nutricional adequado, constitui a melhor profilaxia para controle de infecção da ferida. Os antimicrobianos tópicos mais utilizados são: 478

Q

Sulfadiazina de prata a 1%: é eficaz in vitro contra Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella sp., Escherichia coli, Proteus sp. e Candida albicans. É aplicada 1-2 vezes ao dia. Pode causar leucopenia, reação alérgica de hipersensibilidade e anemia hemolítica nas crianças com deficiência de G6PD. Q Acetato de mafenide a 0,3%: é eficaz contra Gram-negativos, Gram-positivos, Clostridium e P. aeruginosa. Tem excelente penetração na escara, mas seu uso é limitado, porque pode inibir a anidrase carbônica, levando à acidose metabólica. Q Gluconato de clorexidina: apresenta amplo espectro, mas sua eficácia é inferior à sulfadiazina de prata.

MANEJO CIRÚRGICO E USO DE CURATIVOS SINTÉTICOS E BIOLÓGICOS PARA A CICATRIZAÇÃO Escarotomia. Pode ser necessária nas queimaduras de espessura total (3o grau) circunferenciais de membros ou do tronco.

Excisão. Está indicada nas lesões de 3o grau ou de 2o grau profundas que evoluíram para 3o grau ou infecção. O objetivo é remover o tecido queimado até que se atinja tecido viável. É geralmente realizada em etapas de 10-15% da área corporal, iniciando-se 48-72 horas após a queimadura e o controle agudo do paciente. Enxerto. O enxerto de pele é realizado para se obter o fechamento da ferida de 3o grau. Pode ser realizado imediatamente após a excisão, ou mais tardiamente, em feridas que evoluíram com tecido de granulação. Curativo biológico. Utilizado quando não se dispõe de pele autógena suficiente para a cobertura da ferida. Essas membranas podem ser humanas (pele, membrana amniótica) ou de animais (pele de rã, pele de porco). Curativo sintético. Existem vários materiais sintéticos, ou produtos de bioengenharia, que podem substituir a pele temporariamente, sem uso de pele autógena imediatamente depois da excisão.

SUPORTE EMOCIONAL E PSICOLÓGICO O envolvimento de uma equipe multidisciplinar com psicólogos, fisioterapeutas e terapeuta ocupacional no acompanhamento de curto a longo prazo é fundamental para a recuperação desses pacientes. 479

QUEIMADURAS

Desbridamento cirúrgico. Indicado praticamente em todos os casos de queimaduras de 2o e 3o graus. Envolve a retirada mecânica de todo o tecido necrótico, além da remoção de contaminantes, como restos de roupas, e a limpeza meticulosa da ferida queimada. O desbridamento é seguido por curativos em intervalos de 12 até 24-36 horas, dependendo da extensão e da gravidade da lesão.

QUEIMADURA ELÉTRICA A lesão elétrica inclui tecidos superficiais e profundos, além de mudanças fisiopatológicas decorrentes do fluxo de corrente elétrica através de estruturas vitais (Tab. 28.16.2). Toda criança com queimadura elétrica de alta-tensão deve ser internada para observação independentemente da extensão da área queimada.

Tabela 28.16.2 LESÕES ELÉTRICAS E CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS Manifestações clínicas Geral

Manejo – ABC da ressuscitação – Imobilização cervical – Anamnese: voltagem, tipo de corrente – Laboratório: hemograma, plaquetas, eletrólitos, ureia, creatinina, glicemia

Arritmias: assistolia, fibrilação ventricular, taquicardia sinusal, fibrilação atrial

– Tratar arritmias – Monitoração cardíaca, ECG, defeitos de condução, raio X de tórax (se suspeita de lesão torácica) – CPK com isoenzimas se indicado

Pulmonar

Parada respiratória, síndrome da angústia respiratória, síndromes aspirativas

– Proteger e manter a via aérea – Ventilação mecânica quando necessário – Raio X de tórax, gasometria arterial

Renal

Insuficiência renal aguda, mioglobinúria

– Hiperidratação com 1,5× a manutenção, procurando manter um débito urinário > 1-2 mL/kg/h – Alcalinização urinária: utiliza-se bicarbonato de sódio a 8,4%, 30-100 mEq/L de solução endovenosa, para manter um pH urinário > 7,0

QUEIMADURAS

Cardíaco

(Continua)

480

Tabela 28.16.2 (continuação) LESÕES ELÉTRICAS E CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS Manifestações clínicas

Manejo

Neurológico Imediato: perda de consciência, paralisia motora, distúrbio visual, amnésia, agitação, hemorragia intracraniana Secundário: dor, paraplegia, lesão de plexo braquial, síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético, distúrbios autonômicos, edema cerebral Tardio: paralisia, convulsão, cefaleia, neuropatia periférica

– Tratar convulsões – Restrição hídrica se indicado – Raio X de coluna cervical – Tomografia de crânio se indicado

Cutâneo/ oral

Lesão de queimadura na pele e na cavidade oral

– Procurar por lesão de entrada e saída da queimadura – Tratar queimadura cutânea – Verificar vacinação antitetânica

Abdominal

Lesão de vísceras maciças e do íleo

– Sonda nasogástrica aberta no paciente com comprometimento de via aérea ou íleo – Laboratório: função hepática, amilase, ureia, creatinina, exame radiológico quando indicado

Musculoesquelético

Síndrome compartimental devido à queimadura de membros com necrose subcutânea, fratura de ossos longos, lesão cervical

– Monitorar síndrome compartimental – Raio X quando indicado

Ocular

Alterações visuais, neurite óptica, catarata

– Avaliação oftalmológica quando indicado

Fonte: Hall e Sills (1997).

481

QUEIMADURAS

– Laboratório: mioglobina na urina, exame qualitativo de urina, ureia, creatinina

REFERÊNCIAS Antoon AY, Donovan MK. Burn injuries. In: Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson tratado de pediatria. 18th ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2007. p. 450-8. Duffy BJ, McLaughlin PM, Eichelberger MR. Assessment, triage, and early management of burns in children. Ped Emerg Med. 2006;7:82-93. Gómez R, Cancio LC. Management of burn wounds in the emergency department. Emerg Med Clin N Am. 2007;25:135-46. Ipaktchi K, Arbani S. Advances in burn critical care. Crit Care Med. 2006;34(Suppl.):S23944. Maciel KL. Queimaduras. In: Carvalho WB, Souza N, Souza RL. Emergência e terapia intensiva pediátrica. 2. ed. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 655-62. Sapolnik R, Rodrigues A, Tavares F. Grande queimado. In: Piva JP, Garcia PCR, organizadores. Medicina intensiva em pediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2005. p. 611-33. Sheridan RL. Burns. Crit Care Med. 2002;30(11):S500-14.

MORTE ENCEFÁLICA

28.17 MORTE ENCEFÁLICA CLÁUDIA FERRI PAULO ROBERTO ANTONACCI CARVALHO

Definição. Morte encefálica é definida como a parada irreversível do funcionamento de todo o cérebro. Seu diagnóstico é clínico e se manifesta por coma profundo, apneia e ausência de reflexos supraespinais. No Brasil, de acordo com a lei dos transplantes e a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), a morte encefálica deve ser atestada por dois médicos experientes, mediante exame clínico a intervalos determinados pela idade. Não poderão participar dessas avaliações médicos participantes de equipes de transplantes de órgãos. Um dos exames deverá ser realizado por neurologista ou neurocirurgião. Também deverá(ão) ser realizado(s) obrigatoriamente exame(s) complementar(es) que demonstre(m) a completa ausência de função cerebral, por ausência de atividade elétrica, ou ausência de fluxo cerebral ou ausência de atividade metabólica cerebral. Exame clínico. Presença de coma aperceptivo (com causa definida e comprovadamente irreversível), excluídas situações que o possam confundir (presença de fármacos depressores do sistema nervoso central ou hipotermia), e testes que demonstrem a ausência de atividade supraespinal. Esses testes incluem presença de pupilas fixas e arreativas, ausência dos reflexos córneo-palpebral, oculocefálico (prova calorimétrica) e de tosse, além de irresponsividade ao teste de apneia (Fig. 28.17.1). 482

Fonte: Adaptada de Eelco e Wijdicks (2001).

O reflexo oculovestibular deve ser aferido pela injeção de soro fisiológico gelado nos condutos auditivos direito e esquerdo com a cabeça do paciente inclinada em 30°. Observar se há movimentos oculares. O teste de apneia deve ser feito no paciente eutérmico, com pressão arterial adequada para a idade e balanço hídrico positivo por 6 horas. Ventilar o paciente por 5-10 minutos com oferta de 100% de oxigênio. Desconectá-lo da ventilação mecânica, instalar cateter traqueal com fluxo de oxigênio a 6 L/minuto. Observar a ausência de movimentos respiratórios por 10 minutos ou medir a PaCO2 até que atinja 55 mmHg por gasometria arterial. Exames complementares Q Medida da atividade elétrica. O eletrencefalograma (EEG) é o exame complementar mais usado em diversos países, porém pode apresentar artefatos pela dificuldade de ser realizado dentro de Unidade de Terapia Intensiva (UTI); o resultado confirmatório deve ser de traçado isoelétrico. Q Medida de fluxo cerebral. Pela ecografia transcraniana com Doppler pode-se observar a falta de fluxo ou pequena quantidade de fluxo sistólico. Na arteriografia cerebral, não haverá preenchimento a partir da entrada das carótidas 483

MORTE ENCEFÁLICA

Figura 28.17.1 Fluxograma de certificação clínica de morte encefálica.

ou artérias vertebrais no crânio. Pela cintilografia cerebral também observamos a captação do marcador radioativo por meio da circulação cerebral, o que não ocorre na morte cerebral. Tempo. Conforme a idade da criança, torna-se necessário um tempo mínimo entre os dois exames clínicos/complementares. Assim sendo: Q

Dos 7 dias de vida aos 2 meses de idade: período de 48 horas e necessidade de dois EEGs, no início e no final do protocolo. Q Maior que 2 meses até 1 ano de idade: período de 24 horas e necessidade de dois exames complementares (no caso do Brasil, dois EEGs), no início e no final do protocolo. Q Maior que 1 ano até 2 anos de idade: período de 12 horas e apenas um exame complementar (em geral, medida de fluxo cerebral). Q Maior de 2 anos até a idade adulta: período de 6 horas e apenas um exame complementar (em geral, medida de fluxo cerebral).

MORTE ENCEFÁLICA

Lembrar que, em neonatos (até 7 dias) e prematuros, pode não haver desenvolvimento neurológico firmado, o que justifica a falta de critérios estabelecidos.

ESTADOS NEUROLÓGICOS QUE MIMETIZAM A MORTE CEREBRAL Algumas situações clínicas mimetizam a morte cerebral, tais como: síndrome de locked-in, hipotermia, síndrome de Guillain-Barré (envolvendo os nervos periféricos) ou intoxicação por drogas. Nesse último caso, conhecendo-se a substância, deve-se observar o paciente por um tempo equivalente a pelo menos 4 vezes a meia-vida de eliminação da droga. Se a droga for desconhecida, deve-se observar o paciente por 48 horas, para então aplicar o protocolo.

COMO PROCEDER EM CASOS CONFIRMADOS Depois de confirmada a morte cerebral, o protocolo deve ficar arquivado no prontuário do paciente, preenchido pelos dois diferentes médicos que a atestaram. O diretor clínico do hospital, ou outra pessoa designada para isso, deverá informar o centro de captação de órgãos, o paciente sendo ou não potencial doador de órgão. A notificação de morte encefálica é compulsória. Quando certificada e atestada, a morte encefálica deve ser comunicada à família, sendo, então, retirados a terapêutica e os aparelhos de suporte pelo médico. A exceção ocorre em casos de doação de órgãos, quando as medidas devem ser mantidas até o posicionamento da central de captação. Do ponto de vista legal, o horário da morte é aquele do fechamento do protocolo, ou seja, após a realização de todos os procedimentos do protocolo estabelecido pelo CFM, independentemente do seu ordenamento. 484

REFERÊNCIAS Conselho Federal de Medicina. Resolução 1.480, de 24 de outubro de 2007 [homepage in the Internet]. Brasília, DF: Author; 2007 [capturado em 2008 Oct]. Disponível em: http:// www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2007/1826_2007.htm Eelco FM, Wijdicks MD. The diagnosis of brain death. NEJM. 2001;344(16):1244-6.

MORTE ENCEFÁLICA

Lago PM, Piva J, Garcia PC, Troster E, Bousso A, Sarno MO, et al. Brain death: medical management in seven Brazilian pediatric intensive care units. J Pediatr (Rio J). 2007;83(2):13340.

485

CAPÍTULO 29

ENDOCRINOLOGIA 29.1

DIABETE MELITO

TATIANE DE CAMPOS REGINA HELENA ELNECAVE

Definição. O diabete melito é uma doença crônica marcada por hiperglicemia secundária à secreção inadequada de insulina ou à falta de ação desse hormônio. Classifica-se em: diabete melito tipo 1 (DM1), caracterizado pela destruição das células β pancreáticas com deficiência absoluta de insulina, e diabete melito tipo 2 (DM2), relacionado ao excesso de peso e a graus variáveis de deficiência e resistência insulínica. Epidemiologia. A incidência do DM1 varia, conforme a região geográfica, de 0,1-37 casos por 100.000 crianças dependendo da série. Ela tem aumentado principalmente em crianças mais jovens, sendo mais comum em brancos e menos incidente em asiáticos. O risco de desenvolver DM1 é maior quando parentes próximos têm a doença, não havendo diferença quanto ao gênero. A idade de apresentação tem uma distribuição bimodal, com picos dos 4-6 anos, e no início da puberdade, dos 10-14 anos. Com o aumento da obesidade na infância, observa-se um aumento concomitante do DM2. A média de idade de apresentação é de 13,5 anos. Ser negro, do gênero feminino, ter história familiar positiva e ter nascido com baixo peso constituem fatores de risco para esse tipo de diabete. Etiologia Q DM1: resulta da destruição das células β pancreáticas, sendo, na maioria das vezes, um processo autoimune. O dano celular pode ser facilitado pela suscetibilidade genética (principalmente genes relacionados ao complexo maior de histocompatibilidade). A presença de autoanticorpos, como contra o citoplasma das células beta (ICA), contra a enzima ácido glutâmico descarboxilase (GAD), contra a tirosina fosfatase (IA2) e contra a insulina (IAA), evidencia a importância dos autoantígenos no dano celular, bem como marca uma aceleração nesse processo. Fatores ambientais, como alguns vírus (p. ex., Coxsackie) e dieta (p. ex., uso precoce de leite de vaca e cereais), também podem estar envolvidos no desenvolvimento da doença. 486

Q

DM2: multifatorial e complexa, envolvendo predisposição poligênica (genes que controlam a secreção e a ação da insulina) e fatores ambientais. A obesidade determina resistência insulínica por mecanismos pouco entendidos, os quais podem estar relacionados à liberação de certas substâncias nocivas pelos adipócitos. A própria hiperglicemia pode ser tóxica para as células β e contribuir para a patogenia.

Diagnóstico Diabete tipo 1 e tipo 2 – Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL em duas ocasiões – Sintomas de hiperglicemia e glicose plasmática ≥ 200 mg/dL – Teste oral de tolerância à glicose anormal (TOTG): glicemia ≥ 200 mg/dL, 2 horas após sobrecarga oral de glicose de 1,75 g/kg (máximo 75 g) Q Observações – A maioria das crianças com DM1 são sintomáticas ao diagnóstico e têm glicemia de jejum e/ou ocasional elevadas, sendo raramente necessária a solicitação de TOTG. – Realizar TOTG se houver forte suspeita da doença mesmo com glicemia de jejum normal ou se glicemia de jejum entre 100-125 mg/dL. – Glicosúria e autoanticorpos são sugestivos, mas não determinam o diagnóstico. Q

Diagnóstico diferencial. Algumas condições clínicas podem cursar com diabete secundário, como: fibrose cística, pancreatite crônica, síndrome de Cushing, excesso de hormônio de crescimento, tumor secretor de glucagon, excesso de catecolaminas no feocromocitoma e uso de medicamentos (glicocorticoides, inibidores da protease do HIV, ciclosporina, tacrolimo). A diferenciação é baseada na apresentação clínica, na história e em dados laboratoriais.

487

DIABETE MELITO

Quadro clínico Q Início clássico: hiperglicemia sem acidose é o mais comum. Os sintomas consistem em poliúria (que pode apresentar-se como noctúria e incontinência urinária em uma criança previamente continente), polidipsia, perda de peso (apesar de aumento inicial do apetite), visão turva e letargia. Q Cetoacidose diabética: náuseas, vômitos, dor abdominal, respiração rápida, hálito cetônico, desidratação, sonolência, torpor e coma. Corresponde à apresentação inicial do DM1 em 15-67% dos pacientes. Crianças menores de 6 anos e com baixas condições socioeconômicas são mais suscetíveis; é menos comum em pacientes com DM2. Q Infecção prolongada por Candida sp. na área da fralda e genital pode estar presente em portadores da doença. Q Assintomático: hiperglicemia em exame laboratorial ocasional. Q O curso clínico do DM1 é mais agudo em relação ao DM2, e história de perda de peso é menos frequente em pacientes com DM2.

DIABETE MELITO

Tratamento Q DM1 – Insulina: a dose requerida é baseada na idade, no peso corporal e no estágio puberal. Geralmente inicia-se com 0,5-1UI/kg/dia. – Vários esquemas de uso estão disponíveis. Todos têm em comum a combinação de uma insulina de ação rápida ou ultrarrápida e uma insulina de ação intermediária ou lenta, administradas pela via subcutânea (Tab. 29.1.1). Os locais adequados para aplicação são abdome, deltoide, coxas e glúteos. A administração da medicação geralmente requer múltiplas injeções diárias (bolus de insulina pré-refeição associados a doses para manter níveis basais), exceto se a terapia com bomba de insulina estiver disponível. A bomba libera uma taxa basal de insulina rápida ou ultrarrápida através de um cateter subcutâneo, e doses adicionais pré-refeição podem ser programadas (esse dispositivo tem uso limitado no Brasil pelo alto custo). – O plano nutricional deve ser individualizado. A ingestão calórica total deve ser aquela que satisfaça as necessidades nutricionais para a idade da criança, com o objetivo de garantir crescimento adequado e evitar hipoglicemia e cetoacidose. Deve-se preferir a ingestão de carboidratos de absorção prolongada (p. ex., amido), evitando mudanças rápidas no padrão metabólico. – Os exercícios devem ser estimulados (os habituais para a faixa etária da criança), lembrando que consistem em situação de risco para hipoglicemia.

Tabela 29.1.1 INSULINAS MAIS UTILIZADAS Tipo

Início de ação

Pico de ação

Duração

Exemplo/nomes comerciais

Ultrarrápida

5-15 min

1-2 h

2-4 h

Lispro e Aspart/Humalog e NovoLog

Rápida

30 min

2-4 h

5-8 h

Regular/Humulin – Novolin – Insuman

Intermediária

2h

6-10 h

18-24 h

NPH/Humulin N – Novolin N – Insuman N

Lenta

2h

não há

20-24 h

Glargina* e Detemir**/ Lantus e Levemir

* A insulina Glargina não pode ser misturada na mesma seringa com outras formas de insulina. ** A insulina Detemir tem duração mais curta que a Glargina: varia de 6-24 horas.

488

Prevenção Q DM1: Até o momento, não há medidas preventivas disponíveis.

Tabela 29.1.2 VALORES DE REFERÊNCIA PARA O CONTROLE GLICÊMICO Glicemia capilar

Ao deitar

Antes das refeições

HbA1C

< 6 anos

110-200

100-180

7,5-8,5%

6-12 anos

100-180

90-180

≤ 8%

13-19 anos

90-150

90-130

≤ 7,5%

489

DIABETE MELITO

Idealmente, a glicemia deve ser verificada antes e depois da atividade para ajuste da dose de insulina ou aumento da ingestão alimentar. – Realizar pelo menos 4 glicemias capilares ao dia (antes das refeições e ao deitar). Níveis mais altos são tolerados nas crianças pelo maior risco de hipoglicemia. – Metas: ver Tabela 29.1.2. – Um bom controle glicêmico reduz as complicações microvasculares a longo prazo. A melhor maneira de monitorá-lo é por meio da hemoglobina glicosilada (HbA1C). Deve-se dosar a HbA1C a cada três meses e realizar microalbuminúria e avaliação oftalmológica anualmente a partir dos 10 anos de idade e após cinco anos de duração da doença. Teste de função da tireoide está indicado a cada um ou dois anos ou se houver sinais sugestivos de hipotireoidismo. Q DM2 – Redução e/ou manutenção do peso (dependendo do potencial de crescimento do paciente) e aumento da atividade física de acordo com a idade. Restrição de tempo em atividades sedentárias. Uma meta aceitável para crianças com relação à perda de peso seria uma média de 0,5 kg por mês, objetivando um índice de massa corporal normal para a idade. – Manter dieta saudável com 45-50% de carboidratos, 15% de proteínas e 30% de lipídeos, incluindo diminuição das porções ingeridas, estímulo para consumo de frutas e vegetais e redução de refeições fora do domicílio. – Pacientes assintomáticos sem resposta à mudança de estilo de vida em três meses e os sintomáticos no momento do diagnóstico devem receber insulina ou metformina (dose inicial: 500 mg/dia), dependendo da gravidade da hiperglicemia (se cetoacidose ou glicemia ≥ 200 mg/dL, deve-se iniciar com insulina).

Q

DM2: Evitar estilo de vida sedentário, minimizando a influência dos fatores de risco modificáveis para a instalação da doença.

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatria. 17. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. Laffel L, Svoren B, Levitsky LL, Misra M, McCulloch DK. Diabetes in children. In: UpToDate. Waltham, 2007. Larsen PR, Kronenberg HM, Melmed S, Polonsky KS. Williams- textbook of endocrinology. 10th ed. Philadelphia: Saunders; 2003. McCulloch DK. Insulin therapy in type 1 diabetes mellitus. In: UpToDate. Waltham, 2008.

HIPOTIREOIDISMO NA INFÂNCIA

29.2

HIPOTIREOIDISMO NA INFÂNCIA

PAULA XAVIER PICON REGINA HELENA ELNECAVE

Definição. O hipotireoidismo ocorre pela deficiência absoluta ou relativa da produção dos hormônios tireoidianos no período neonatal. Esses hormônios têm papel fundamental no desenvolvimento do sistema nervoso central nos primeiros dois anos de vida, sendo o hipotireoidismo congênito a principal causa evitável de deficiência mental.

HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO Epidemiologia. Ocorre em 1:3.500 nascidos vivos. Etiologia. O hipotireoidismo congênito pode ser transitório, em 5-10% dos casos, quando decorre de uso materno de medicamentos antitireoidianos, exposição materna ou neonatal a agentes iodados (antissépticos, antitussígenos, contrastes) ou passagem transplacentária de anticorpos maternos antitireoidianos. Aproximadamente 85% dos casos ocorrem por disgenesia da glândula tireoide, e 10% na presença da glândula com forma e localização habitual (defeito de síntese ou secreção dos hormônios tireoidianos). Os defeitos de síntese são geralmente distúrbios hereditários autossômicos recessivos. O hipotireoidismo central ocorre mais raramente, e é causado por deficiência no eixo hipotálamo-hipofisário, geralmente associado a outras deficiências hor490

monais, o que só seria identificado pela medida combinada de TSH + T4 no soro.

Diagnóstico. Como os achados clínicos são ausentes ou pouco específicos, e o atraso no início do tratamento pode ter consequências sérias sobre o desenvolvimento neuropsicomotor, é essencial a realização da triagem neonatal. Em nosso meio, o procedimento é realizado por meio da dosagem de TSH em amostra de sangue colhido em papel filtro, idealmente entre o terceiro e o quinto dia de vida, após a diminuição do pico fisiológico do TSH. As crianças com nível > 20 mUI/L necessitam de exames confirmatórios no soro (Fig. 29.2.1). Cerca de 5% dos casos de hipotireoidismo congênito apresentam elevação tardia do TSH e não são identificados pela triagem neonatal, por isso, perante a suspeita clínica, deve-se dosar TSH sérico e T4 mesmo com a triagem neonatal normal. Na presença de sintomas evidentes, não se deve aguardar a triagem. Exames complementares podem ser necessários para determinar a etiologia do hipotireoidismo: cintilografia, ecografia de tireoide, tireoglobulina e T4 na suspeita de hipotireoidismo central. Tratamento. O tratamento deve ser iniciado tão logo se tenha a confirmação laboratorial do diagnóstico, preferencialmente antes dos 14 dias de vida. Iniciase a reposição de levotiroxina na dose de 10-15 µg/kg, 1×/dia. Acompanhamento. A dosagem de TSH e T4 deve ser realizada 4 semanas após o início do tratamento, a cada 1-2 meses no primeiro ano de vida, a cada 2-3 meses entre 1 e 3 anos de idade, e a cada 3-12 meses a partir de 3 anos. É importante acompanhar o crescimento e o desenvolvimento neuropsicomotor.

HIPOTIREOIDISMO ADQUIRIDO Etiologia. O hipotireoidismo adquirido pode se desenvolver em qualquer idade, apresenta início insidioso e tem diversas causas: tireoidite de Hashimoto, exposição 491

HIPOTIREOIDISMO NA INFÂNCIA

Quadro clínico. É extremamente variável, sendo que, na maioria dos casos, não há sintomas característicos. Nos casos mais graves de apresentação neonatal, podem ocorrer sintomas como hipoatividade, choro fraco, dificuldade alimentar, icterícia prolongada, sonolência, pele e cabelos secos, livedo reticular, extremidades frias, constipação, distensão abdominal, hérnia umbilical, fontanela ampla, macroglossia e base nasal achatada. Aproximadamente 10% dos pacientes apresentam malformações associadas, com predomínio de malformações cardíacas. Nos lactentes, pode haver persistência da fontanela posterior. Em crianças mais velhas, observa-se baixa estatura com desproporção do segmento superior/ inferior, retardo mental e fácies características. Cretinismo é o termo utilizado para casos de hipotireoidismo congênito associado a retardo mental, baixa estatura, edema da face e das mãos, surdo-mudez e sinais neurológicos de anormalidade do trato piramidal e extrapiramidal.

HIPOTIREOIDISMO NA INFÂNCIA

Figura 29.2.1 Triagem neonatal de hipotireoidismo.

a substâncias bociogênicas, uso de medicamentos contendo lítio e carência de iodo na dieta. Crianças com diagnóstico de diabete melito tipo 1, síndrome de Down, síndrome de Turner, síndrome de Klinefelter e outras doenças autoimunes estão mais sujeitas a apresentar hipotireoidismo por Hashimoto e devem ser avaliadas para função tireoidea periodicamente. A causa mais frequente de hipotireoidismo adquirido em regiões não carentes de iodo é a tireoidite de Hashimoto, que cursa com um processo inflamatório do tecido tireoidiano desencadeado por autoanticorpos antitireoidianos (antitireoglobulina e antiperoxidase). É mais prevalente no sexo feminino, sendo que 30-40% dos pacientes têm antecedentes familiares de doença tireoidiana. Quadro clínico. Varia de acordo com o grau de deficiência hormonal e com o tempo de evolução da doença. Na criança, o achado principal é o atraso de crescimento e de idade óssea. A presença de bócio exige pesquisa diagnóstica. Outras manifestações poderão ocorrer no adulto: sonolência, hipoatividade, palidez, pele seca, hipotermia, bradicardia, constipação e mixedema. Diagnóstico. O diagnóstico é feito pela dosagem de TSH e T4. Visto que não há estudos adequados para determinação de valores normais de TSH em crianças, esses valores por faixa etária são controversos. Usamos convencionalmente os seguintes valores: 492

Q Q Q Q

Prematuros até 36 semanas: 0,7-27 mUI/L Até 4 dias de vida: 1-39 mUI/L 2-20 semanas: 1,7-9,1 mUI/L 20 semanas a 15 anos: 0,6-6,4 mUI/L

Exames complementares podem ser necessários para determinar a etiologia do hipotireoidismo: ecografia de tireoide e anticorpos antiperoxidase. Tratamento. A dose inicial de levotiroxina varia de acordo com a idade (Tab. 29.2.1). Acompanhamento. O controle de TSH e T4 deve ser realizado bimensalmente até a normalização do TSH e, após, a cada seis meses ou um ano. Na tireoidite de Hashimoto, a evolução é lenta e pode progredir tanto para a destruição completa do tecido tireoidiano quanto para a remissão espontânea, que é mais observada em adolescentes.

Idade

µg/kg/dia) Dose (µ

0-6 meses

10-15

7-12 meses

6-10

1-5 anos

5-6

6-12 anos

4-5

> 12 anos

2-4

HIPOTIREOIDISMO NA INFÂNCIA

Tabela 29.2.1 DOSE DE LEVOTIROXINA DE ACORDO COM A IDADE

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson textbook of pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007. Gross JL, Silveiro SP, organizadores. Rotinas diagnósticas em endocrinologia. Porto Alegre: Artmed; 2004. Lopez FA, Campos Júnior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2006. Sociedade Brasileira de Pediatria. Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Projeto Diretrizes, Hipotireoidismo Congênito, 2005. São Paulo: AMB/CFM; 2005. 493

29.3

BAIXA ESTATURA

PAULA XAVIER PICON REGINA HELENA ELNECAVE

A baixa estatura é uma situação frequente na prática pediátrica, estando poucas vezes associada a doenças sistêmicas. A causa mais comum de baixa estatura nos países subdesenvolvidos é a desnutrição, enquanto nos países desenvolvidos ou em desenvolvimento a maioria das crianças apresenta atraso constitucional do crescimento ou baixa estatura familiar. O pediatra é o profissional indicado para avaliação inicial da baixa estatura, visto que poucos casos necessitam da opinião de especialista. Definição. Considera-se que uma criança apresenta baixa estatura quando: Q Q

BAIXA ESTATURA

A altura é menor que o percentil 3 da curva de estatura para idade e sexo; Apresenta dois ou mais desvios-padrão abaixo da curva de crescimento da altura-alvo; Q A velocidade de crescimento está abaixo do percentil 25 ou é menor do que 5 cm/ano; Q Há desaceleração da altura correspondente a 2 percentis na curva de crescimento. Cálculo da altura-alvo (cm) Meninos: [altura paterna + (altura materna +13)] / 2 Meninas: [(altura paterna – 13) + altura materna] / 2

Q Q

Causas. O diagnóstico diferencial deve principalmente distinguir o atraso constitucional do crescimento e a baixa estatura familiar de causas patológicas de baixa estatura. O atraso constitucional de crescimento é tipicamente caracterizado por atraso no início da puberdade e na maturação esquelética, seguido de período de catch-up do crescimento (ver Cap. 2, “Crescimento”); há história familiar de atraso puberal, e o raio X de idade óssea encontra-se atrasado para a idade. Já a baixa estatura familiar é caracterizada pela baixa taxa de crescimento nos primeiros 2-3 anos de vida, seguida por velocidade de crescimento normal, raio X de idade óssea normal e baixa estatura dos pais. Alguns sinais ou sintomas podem indicar a ocorrência de causas patológicas de baixa estatura: Q

Desaceleração ou crescimento linear sem déficit nutricional pode sugerir deficiência de hormônio de crescimento, hipotireoidismo ou excesso de corticoide. Q Perda de peso inicial seguida por diminuição da velocidade de crescimento sugere doença sistêmica, incluindo desnutrição e influências psicossociais. Q Características dismórficas podem indicar variante genética, como trissomia do 21 e síndrome de Turner. 494

Q

Características desproporcionais ou anormalidades esqueléticas são consistentes com displasias esqueléticas ou doença metabólica óssea. Q Na presença de obesidade, embora a maioria não tenha etiologia endócrina, duas doenças devem ser avaliadas: hipotireoidismo e doença de Cushing. Avaliação diagnóstica. A anamnese deve ser ampla, com ênfase nos seguintes tópicos:

Q Q

Q Q Q

Momento em que se notou a baixa estatura e/ou a diminuição da velocidade de crescimento. Sintomas associados: anorexia, diarreia, dor abdominal, baixo peso, retardo de desenvolvimento neuropsicomotor e sintomas de hipotireoidismo. Antecedentes perinatais: enfatizar a história pregressa da saúde materna e hábitos durante a gravidez, duração da gestação, peso e estatura ao nascimento. Antecedentes mórbidos: doenças da infância e uso crônico de medicações. Anamnese nutricional: avaliar a quantidade e variedade de alimentos do cardápio; avaliar a nutrição e o padrão de crescimento da criança. História familiar de baixa estatura ou atraso puberal, altura dos pais, doenças endócrinas ou genéticas e história de consanguinidade.

No exame físico, deve-se avaliar o crescimento conforme descrito no Capítulo 2, “Crescimento”, e enfatizar a procura de sinais de doença sistêmica: avaliar sistema cardiovascular, respiratório e abdominal. É importante também observar o desenvolvimento puberal. A altura dos pais para o cálculo da altura-alvo deve ser aferida e não questionada. Outro dado importante no exame físico de crianças maiores é a medida dos segmentos corporais (segmento superior, inferior e envergadura), podendo auxiliar no diagnóstico de displasias ósseas. O segmento inferior é aferido com a criança em posição ortostática, com ligeiro afastamento dos pés, por meio da distância entre a sínfise púbica e o solo. O segmento superior é calculado pela diferença entre estatura e segmento inferior. A razão entre o segmento superior e inferior considerada normal está em torno de 1, a partir dos 10 anos de idade. A envergadura pode ser obtida com a abdução dos membros superiores, formando um ângulo de 90° com o eixo corporal. O valor correspondente refere-se à distância entre o terceiro dedo de cada mão e deve sobrepor-se ao valor da estatura. Avaliação laboratorial. Uma avaliação completa deve ser realizada pelo pediatra, direcionada conforme mostra a Figura 29.3.1. Exames de screening iniciais devem avaliar função hepática, renal e trato gastrintestinal, enquanto alguns mais específicos podem ser necessários dependendo do caso. Todas as crianças devem ser testadas para função tireoide e todas as meninas para o cariótipo, independentemente de terem estigmas de síndrome de Turner. Os exames iniciais incluem hemograma, glicemia, albumina, eletrólitos, velocidade de sedimentação globular, função hepática, função renal, EQU, TSH, EPF e raio X de idade óssea.

495

BAIXA ESTATURA

Q

BAIXA ESTATURA

Figura 29.3.1 Avaliação da baixa estatura.

A idade óssea é avaliada pela maturação esquelética mediante a ossificação da epífise, geralmente através de raio X de mãos e punho, ajudando a estimar a altura potencial. É considerada atrasada se está dois desvios-padrão abaixo do normal para a idade.

TRATAMENTO A maioria das crianças não necessitará de tratamento especializado, visto que as principais causas de baixa estatura incluem a baixa estatura familiar e o atraso constitucional de crescimento. Na suspeita de causa sistêmica ou genética de atraso de crescimento, o tratamento deve ser dirigido à causa específica e os pacientes, encaminhados para geneticista ou endocrinologista. É importante obter 496

o registro do crescimento em período de no mínimo seis meses, uma vez que medidas de altura isoladas fornecem poucos dados para o diagnóstico.

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson textbook of pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007. Custer J W. The harriet lane handbook. 18th ed. Philadelphia: Elsevier; 2009. Gross JL, Silveiro SP, organizadores. Rotinas diagnósticas em endocrinologia. Porto Alegre: Artmed; 2004. Lopez FA, Campos Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2006. Sociedade Brasileira de Pediatria. Nwosu BU, Lee MM. Evaluation of short and tall stature in children. Am Fam Physician. 2008;78(5):597-604.

29.4

TELARCA

Definição. Telarca é o crescimento uni ou bilateral das mamas, secundário ao início do desenvolvimento da glândula mamária. Pode ter diferentes significados clínicos, dependendo do período em que ocorre e da concomitância ou não de outras características físicas. Costuma ser a primeira manifestação de puberdade verdadeira nas meninas, ocorrendo normalmente entre os 8 e os 13 anos de idade (em média aos 10 anos). É considerada precoce quando ocorre antes dos 8 anos e, nesse caso, pode corresponder à apresentação inicial de puberdade precoce ou ser uma alteração benigna do desenvolvimento. A incidência de telarca benigna, observada em um estudo americano, foi de 20:100.000 meninas. Etiologia. Estimulação da glândula mamária por estrogênio, que pode ser decorrente da ativação do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, de produção hormonal ovariana independente de ativação central ou do uso de substâncias exógenas contendo estrógenos. Quadro clínico/diagnóstico diferencial A telarca é considerada benigna quando o início do desenvolvimento mamário ocorre nos dois primeiros anos de vida (mais comumente entre 6 meses e 2 anos) e quando não há outros sinais de maturação sexual associados. Também é necessário que a idade óssea esteja de acordo com a idade cronológica

Q

497

TELARCA

TATIANE DE CAMPOS REGINA HELENA ELNECAVE

e o crescimento seja adequado para a faixa etária. Nessa condição, o crescimento da mama geralmente é lento e não progressivo (desenvolve-se até o estágio M3 de Tanner). Diante desses achados, a telarca representa uma variante normal do desenvolvimento. Q Quando a telarca inicia entre 3 e 8 anos e evolui de forma rápida e/ou quando estão presentes outros caracteres sexuais, manchas café-com-leite, aumento da velocidade de crescimento e da maturação óssea para a idade, é mais provável que seja decorrente de uma patologia, determinando puberdade precoce. Q Início de telarca após os 8 anos faz parte do processo puberal normal (fisiológica). Diagnóstico. A solicitação de exames adicionais para confirmar a etiologia da telarca deve ser guiada pelas características clínicas da paciente.

TELARCA

Q

Se o quadro clínico é compatível com telarca benigna, realizar inicialmente raio X de mão e punho para confirmar que não há avanço da idade óssea. Pode-se considerar dosagem sérica de estradiol (seus níveis estarão ligeiramente aumentados para a idade) e ecografia pélvica, pois, nesse exame, é frequente o aparecimento de cisto único ou pequenos cistos ovarianos, que apresentam aumento e regressão espontânea. No entanto, o volume ovariano total é pré-puberal (menor que 1 cm³), assim como o volume uterino, que deve ser menor que 3 cm³ (geralmente menor que 1,8 cm³). Nesse caso, não há indicação para realizar dosagem dos hormônios luteinizante (LH) e folículo estimulante (FSH) basais, nem após estímulo com hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRh) – Teste do GnRh. Q Na presença de sinais de virilização ou pubarca, inclui-se avaliação hormonal adrenal. Q Considerar dosagem de TSH em meninas com telarca e retardo de crescimento, pois o hipotireoidismo primário pode causar puberdade precoce. Tratamento Telarca benigna: requer somente acompanhamento clínico a cada três meses para avaliar o desenvolvimento puberal e a velocidade de crescimento. Geralmente é autolimitada. Em 18% das meninas, pode haver evolução para puberdade precoce. Q Se a telarca faz parte de um quadro de puberdade precoce, o tratamento depende de sua etiologia, visando a evitar alterações adaptativas, bem como a prejuízo no potencial de crescimento da criança. Q

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatria. 17. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005.

498

Herter LD, Golendziner E, Flores JA, Moretto M, Di Domenico K, Becker E Jr, et al. Ovarian and uterine findings in pelvic sonography: comparison between prepubertal girls, girls with isolated thelarche, and girls with central precocious puberty. J Ultrasound Med. 2002;21(11):1237-46. Larsen PR, Kronenberg HM, Melmed S, Polonsky KS. Williams- textbook of endocrinology. 10th ed. Philadelphia: Saunders; 2003.

TELARCA

Saenger P. Overview of precocious puberty. In: UpToDate. Waltham, 2008.

499

CAPÍTULO 30

GASTRENTEROLOGIA 30.1

REFLUXO GASTRESOFÁGICO

CAROLINA ALBANESE NEIS LUCIANA MENDES JOHANN LÚCIA GUTHEIL GONÇALVES CRISTINA HELENA TARGA FERREIRA

O refluxo gastresofágico (RGE) é uma condição muito comum que acomete o esôfago, principalmente na faixa etária pediátrica. É definido como a passagem involuntária do conteúdo gástrico para o esôfago, sendo, portanto, apenas um termo descritivo para um fenômeno fisiológico, que ocorre em todos os indivíduos. Já o termo doença do refluxo gastresofágico (DRGE) refere-se ao RGE patológico, ou seja, quando a presença desse refluxo ocasiona sintomas e/ou alterações relacionadas à nutrição, ao esôfago, ao trato respiratório ou ao aparecimento de sintomas neurocomportamentais. Manifestações clínicas. O quadro clínico da DRGE é bastante variado, podendo ocorrer desde vômitos até condições que ameaçam a vida do paciente. As manifestações clínicas estão relacionadas às complicações esofágicas ou extraesofágicas. Na Tabela 30.1 são apresentados os sinais e sintomas que predominam em cada faixa etária e os fatores de risco para a DRGE. Diagnóstico. A anamnese detalhada e o exame físico completo do paciente são fundamentais na avaliação da DRGE, pois o diagnóstico, muitas vezes, é estabelecido nessa etapa da investigação. Os vários exames diagnósticos disponíveis atualmente permitem detectar e mesmo quantificar a DRGE nas crianças sintomáticas e também naquelas que apresentam um refluxo silencioso. A determinação clínica da relação causa-efeito entre o RGE e outras alterações, entretanto, é muito difícil e deve ser contemplada com cuidado. Vários exames não diferenciam o RGE fisiológico da DRGE, e isso constitui-se em dificuldade diagnóstica importante. No Quadro 30.1.1 estão as principais entidades para diagnóstico diferencial e os sinais de alerta nos lactentes com vômitos.

500

Tabela 30.1 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS NAS DIFERENTES FAIXAS ETÁRIAS E FATORES DE RISCO Faixa etária

Lactentes

Idade pré-escolar

Crianças maiores e adolescentes

Manifestações clínicas

– Regurgitação/vômito – Atraso no crescimento e pouco ganho de peso – Irritabilidade/choro excessivo – Crises de engasgos, aspiração ou apneia – Sibilância recorrente secundária à aspiração/esofagite – Distúrbios do sono – Síndrome de Sandifer (rotação do pescoço e cabeça para o lado e para cima, esofagite e anemia)

– – – – –

Fatores de risco

Neuropatas, portadores de doenças respiratórias crônicas, portadores de hérnia hiatal, uso de dieta por gastrostomia, crianças operadas de atresia esofágica, pacientes submetidos à quimioterapia, uso de xantinas, narcóticos e anticolinérgicos

Vômito – Sintomas otolaringológicos: Dor epigástrica (rouquidão, estridor, otites de Distúrbios alimentares/recusa alimentar repetição) Sintomas respiratórios – Sintomas respiratórios: Sintomas dos lactentes (broncoespasmo, pneumonias de repetição) – Dor epigástrica/retroesternal/azia – Disfagia/odinofagia – Recusa alimentar

501 REFLUXO GASTRESOFÁGICO

REFLUXO GASTRESOFÁGICO

Quadro 30.1.1 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL E SINAIS DE ALERTA EM LACTENTES COM VÔMITOS Diagnóstico diferencial

– Causas infecciosas (enterites, infecção urinária, sepse e hepatite) – Neurológicas (meningite, encefalite, hidrocefalia, sequela de asfixia neonatal) – Obstrução intestinal (estenose duodenal, má rotação, duplicação intestinal, intussuscepção, pâncreas anular) – Doenças metabólicas (fenilcetonúria, galactosemia) – Intolerância alimentar (alergia à proteína do leite de vaca, parasitose, doença celíaca, fibrose cística) – Estenose hipertrófica do piloro (piora progressiva, vômito claro e em jato, perda de peso, oliva palpável, alcalose hipoclorêmica [diagnóstico por ecografia abdominal])

Sinais de alerta no lactente com vômitos

– Vômitos biliosos, em jato ou com início após o 6o mês de vida, diarreia e/ou constipação, hematêmese e/ou melena, febre, letargia, falência do desenvolvimento, hepatoesplenomegalia, convulsões

Exames complementares Q Radiografia contrastada do esôfago, estômago e duodeno (RxEED): sua principal indicação é avaliar a presença de anormalidades anatômicas, congênitas ou adquiridas. Detecta também presença de hérnia hiatal, do próprio refluxo e de suas complicações, como a estenose esofágica. – Os problemas desse exame: não diferencia o RGE da DRGE, ou seja, o RxEED demonstra que há refluxo, mas não diz se esse refluxo ocasiona sintomas. Além disso, é realizado em curto período de tempo e somente após ingestão de contraste (período pós-prandial imediato). Q Cintilografia gastresofágica: mais fisiológica, pois a dieta é a normal da criança. Identifica o RGE mesmo após dieta com pH neutro (geralmente a dos lactentes). Também possibilita o estudo do esvaziamento gástrico e a detecção de aspiração pulmonar, quando ela ocorre exatamente no momento do exame. – Problemas: tempo muito curto de exame e baixa sensibilidade para o estudo do refluxo pós-prandial tardio. Q pHmetria: a sua grande vantagem é avaliar o paciente em condições mais fisiológicas e por longos períodos. Esse exame pode diferenciar refluxo fisiológico do patológico e quantificá-lo. Suas principais indicações são avaliação de sintomas atípicos, particularmente respiratórios, presença de sintomas extradigestivos da DRGE, pesquisa de RGE oculto, avaliação da resposta ao tratamen502

Tratamento. Os objetivos principais do tratamento são o alívio dos sintomas, a cicatrização das lesões teciduais e a prevenção da recorrência, a promoção do crescimento e do ganho de peso adequados e a prevenção das complicações respiratórias e/ou outras associadas à DRGE. Além disso, é importante diferenciar as crianças com RGE daquelas com DRGE. Os lactentes portadores de RGE, que vomitam, mesmo que sejam vômitos intensos, mas que crescem normalmente e que não apresentam outras complicações decorrentes dele, não devem ser tratados com medicamentos. Esses pacientes não necessitam ser submetidos à investigação diagnóstica, nem ao tratamento farmacológico. Se necessário, os pais devem ser orientados apenas com mudanças posturais e orientações dietéticas. Também é importante informá-los de que, na grande maioria dos casos, com o crescimento e o desenvolvimento da criança, a resolução espontânea é frequente, o curso geralmente é benigno e a porcentagem de complicações é baixa. Tratamento conservador Q Evitar o tabagismo (ativo ou passivo), roupas apertadas e uso de drogas que piorem o RGE. Q Evitar refeições volumosas e altamente calóricas (alimentos gordurosos), além de xantinas, como chocolate, café e refrigerantes de cola. 503

REFLUXO GASTRESOFÁGICO

to clínico em pacientes portadores de esôfago de Barrett ou de DRGE de difícil controle e avaliação pré e pós-operatória do paciente com doença do refluxo. – Problemas: falta de reprodutibilidade, ou seja, quando repetido em um mesmo paciente, apresenta resultados discordantes. Além disso, muitas vezes não há associação entre a gravidade do exame e o quadro clínico. Q Impedanciometria intraluminal: é o método que detecta o movimento retrógrado de fluidos e de ar no esôfago para qualquer nível, em qualquer quantidade, independentemente do pH. A combinação dessa técnica com a pHmetria poderá ser a melhor maneira de investigar e estudar a DRGE e suas complicações. – Problemas: muito recente – não se conhece ainda as indicações exatas e suas principais vantagens. Inexistência de valores de referência em pediatria. Q Manometria esofágica: avalia a motilidade do esôfago. Utilizada nos casos em que há suspeita de distúrbios motores do esôfago, cujos principais sintomas são disfagia e odinofagia. – Problemas: não há muitos padrões de referência para crianças e só é realizado em poucos centros. Q Endoscopia digestiva alta: permite a avaliação macroscópica da mucosa esofágica e a coleta de material para estudo histopatológico. Ela possibilita o diagnóstico das complicações esofágicas da DRGE, importantes para orientar a terapêutica adequada e o prognóstico do paciente. Além disso, também apresenta papel fundamental no diagnóstico diferencial com outras doenças pépticas e não pépticas, como a úlcera duodenal e a esofagite eosinofílica. – Problemas: além de ser invasivo e de alto custo, não avalia refluxo, e sim a consequência da DRGE, que é a esofagite. Pode haver pacientes com DRGE, com sintomas importantes e sem esofagite.

Q Q

Não comer algumas horas antes de dormir (3-4 horas), na criança maior. A posição prona é, comprovadamente, a postura anti-RGE mais adequada e eficaz. No entanto, sua relação com morte súbita do lactente gerou muitas controvérsias. Assim, essa posição só deve ser recomendada quando o risco de morte pela DRGE supera o risco de morte súbita do lactente. Q A elevação da cabeceira da cama é muito recomendada, mas não se mostrou benéfica em estudos controlados. Q As fórmulas “AR” são antirregurgitações e não antirrefluxo, portanto não estão recomendadas na DRGE. Tratamento medicamentoso Agentes procinéticos: são frequentemente utilizados nas crianças que têm predomínio dos sintomas de alteração de motilidade e que apresentam mais regurgitações do que dor. Principais opções terapêuticas: metoclopramida, domperidona e eritromicina em casos extremos. Q Antagonistas do receptor H2 da histamina (ranitidina): são drogas eficazes em diminuir a acidez gástrica. – As falhas terapêuticas podem ser devidas às doses usadas em pediatria. Doses de 5 mg/kg/dose de ranitidina de 12/12 horas, ou 3 mg/kg/dose, 3× ao dia, têm sido recomendadas em crianças. Q Inibidores da bomba de prótons (IBP): são indicados nos casos de esofagite erosiva, estenose péptica ou esôfago de Barrett, bem como para as crianças que necessitam de um bloqueio mais efetivo da secreção ácida (como falha no uso de antagonistas H2). – O omeprazol é a droga mais estudada na faixa etária pediátrica e reduz drasticamente a secreção ácida. Ele pode ser utilizado em qualquer idade, na dose de 0,7-3,5 mg/kg/dia. A dose máxima utilizada em crianças nos estudos existentes foi de 80 mg/kg/dia, baseada em sintomas ou em pHmetria esofágica. – O lansoprazol também já foi estudado em crianças e deve ser utilizado na dose de 15 mg para as crianças menores de 15 kg e 30 mg para as maiores. – As formulações MUPS (multiple unit pellets system), por serem dispersíveis e conterem um grande número de microesferas com proteção entérica individual, permitem o uso do omeprazol em qualquer idade e por sonda, pois possibilita a forma líquida. O comprimido pode ser disperso em meio copo de água sem gás ou em suco de fruta, mexendo até o comprimido se desintegrar. Não se deve utilizar leite para dispersar o comprimido. A dispersão deve ser ingerida ou administrada por meio de sonda nasogástrica (SNG) em até 30 minutos. Se persistirem microgrânulos aderidos à parede do copo, adicionar um pouco de líquido, mexer e ingerir ou administrar por SNG o seu conteúdo. – Os IBP devem ser administrados imediatamente antes ou juntamente à primeira refeição do dia.

REFLUXO GASTRESOFÁGICO

Q

Em resumo, os agentes procinéticos são recomendados para os pacientes portadores de DRGE que apresentem regurgitações ou vômitos, lembrando-se 504

de que eles não influenciam na cicatrização da esofagite. Os antagonistas do receptor H2 da histamina devem ser utilizados no tratamento das esofagites leves; na esofagite erosiva, na estenose péptica e no esôfago de Barrett, os IBP são mais indicados. Os antiácidos são recomendados apenas como sintomáticos, para sintomas esporádicos ou para quebra ácida noturna. O custo-benefício e os efeitos colaterais dos medicamentos prescritos devem sempre ser levados em conta. Tratamento cirúrgico. O tratamento cirúrgico para a DRGE é indicado nas crianças portadoras de estenose péptica, esôfago de Barrett e naqueles pacientes que não respondem ou respondem apenas parcialmente ao tratamento medicamentoso e continuam a apresentar complicações graves do RGE, como apneia ou esofagite erosiva grave. Várias técnicas cirúrgicas têm sido utilizadas, mas a fundoplicatura de Nissen é a mais frequentemente realizada na faixa etária pediátrica.

REFERÊNCIAS Chawla S, Seth D, Mahajan P, Kamat D. Gastroesophageal reflux disorder: a review for primary care providers. Clin Pediatr (Phila). 2006;45(1):7-13.

Omari TI, Haslam RR, Lundborg P, Davidson GP. Effect of omeprazole on acid gastroesophageal reflux and gastric acidity in preterm infants with pathological acid reflux. J Pediatr Gastroenterol Nutr. (2007);44(1):41-4 Rudolph CD, Mazur LJ, Liptak GS, Navarro J. Guidelines for evaluation and treatment of gastroesophageal reflux in infants and children. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2001;32 (Suppl 2):S1-S31. Vandenplas Y, Salvatore S, Hauser B. The diagnosis and management of gastro-oesophageal reflux in infants. Early Hum Dev. 2005;81(12):1011-24.

30.2

DIARREIAS

JULIANA GHISLENI DE OLIVEIRA CRISTINA HELENA TARGA FERREIRA SANDRA MARIA GONÇALVES VIEIRA THEMIS REVERBEL DA SILVEIRA

Definição. Define-se diarreia como a alteração do hábito intestinal relacionada ao aumento da frequência e do volume das evacuações, com diminuição da consistência fecal. 505

DIARREIAS

Ferreira CT, Carvalho E. Refluxo gastroesofágico. In: Ferreira CT, Carvalho E, Silva LR. Gastroenterologia e hepatologia em pediatria: diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: Medsi; 2003. p. 3-29.

Classificação. De acordo com o tempo de duração da diarreia, costuma-se classificar os episódios em agudos, quando a sua duração é menor ou igual a 14 dias; persistentes, quando têm duração entre 14-30 dias; e crônicos, quando os episódios são superiores a 30 dias ou quando há três ou mais episódios nos últimos 60 dias. Diagnóstico. Como em outras situações clínicas, os pilares diagnósticos são a história clínica e os dados do exame físico, que poderão servir tanto para o direcionamento de causas específicas quanto para a avaliação da repercussão do processo diarreico sobre o estado geral do paciente.

DIARREIAS

História clínica. Deverá ser detalhada com ênfase no início da diarreia, no tempo de evolução, nas características das fezes (frequência, consistência, presença de elementos patológicos – sangue, muco ou pus – e presença de restos alimentares), na relação com a alimentação ou com a ingestão de alimento específico, no uso de medicações (atual e prévio), nas características da dieta atual, bem como nas possíveis modificações desta, dentre outros aspectos. Comprometimento sistêmico, como a presença de febre, prostração, vômitos e comorbidades, não deve ser esquecido e é um fator relacionado à gravidade do caso. Deverão ainda ser pesquisadas a história de contato com pessoas com quadro clínico semelhante, bem como as condições sociais e de habitação. No Quadro 30.2.1 estão indicados alguns dados da história clínica que poderão apontar para determinados agentes causais da diarreia, além de estimar grosseiramente o prognóstico.

Quadro 30.2.1 DADOS DA HISTÓRIA CLÍNICA QUE PODERÃO SUGERIR CAUSAS DE DIARREIA EM CRIANÇAS E ESTIMAR O PROGNÓSTICO Maior fator de risco para infecção de etiologia viral: contato prévio com pessoa sintomática nas últimas duas semanas. Maior fator de risco para infecções bacterianas: baixo nível socioeconômico e viagem a lugares onde há alto risco de infecções bacterianas. O aleitamento materno diminui a frequência de episódios de diarreia. Está associado à doença de evolução menos grave e à menor necessidade de hospitalização. Pacientes imunodeprimidos têm maior chance de desenvolver episódios de diarreia crônica. Não há um único sinal ou sintoma que seja indicativo de etiologia bacteriana. Sintomas respiratórios sugerem etiologia viral.

506

Exame clínico. Completo e detalhado, com destaque para o grau de hidratação, nos casos de diarreia aguda, e para a avaliação do estado nutricional, nos casos de diarreias persistente e crônica. Causas da diarreia. São várias as causas de diarreia no paciente pediátrico. Uma classificação propõe que estas sejam agrupadas em: dietéticas, anatômicas, medicamentosas, imunológicas, endocrinológicas, infecciosas, funcionais e tumorais, como apresentado no Quadro 30.2.2.

Dietéticas

– Sorbitol, frutose, intolerâncias alimentares (lactose, feijão, frutas, pimenta, etc.)

Infecciosas

– Bacterianas: Salmonella, Shigella, Campylobacter, Yersinia, Escherichia coli – Virais: rotavírus, adenovírus. – Protozoários: ameba, Giardia lamblia, Cryptosporidium – Supercrescimento bacteriano

Medicamentosas

– Antibióticos, laxativos

Alérgicas/autoimunes

– – – – – – –

Funcionais

– Síndrome do cólon irritável

Anatômicas

– Linfangiectasia intestinal – Intestino curto – Má rotação intestinal

Endocrinológicas

– Hipertireoidismo – Diabete – Hiperplasia adrenal congênita

Tumorais

– Vipoma – Somatostatinoma – Gastrinoma

DIARREIAS

Quadro 30.2.2 ALGUMAS CAUSAS DE DIARREIA NO PACIENTE PEDIÁTRICO

Alergia à proteína do leite de vaca e/ou soja Enterite eosinofílica Púrpura de Henoch-Schönlein Síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) Deficiência seletiva de IgA Imunodeficiência combinada Doença inflamatória intestinal (DII) (doença de Crohn, retocolite ulcerativa)

(Continua)

507

Quadro 30.2.2 (continuação) ALGUMAS CAUSAS DE DIARREIA NO PACIENTE PEDIÁTRICO Outras

– – – – – – –

Má absorção de sais biliares Doença celíaca Fibrose cística Atrofia vilositária Miopatia holovisceral Diarreia pós-infecciosa Disfunção pancreática: pancreatite crônica, síndrome de Schwachman – Intoxicação por metais pesados

DIARREIA AGUDA

DIARREIAS

A Organização Mundial da Saúde define diarreia aguda como a passagem de fezes amolecidas ou líquidas, em uma frequência de, no mínimo, três evacuações por dia, com duração inferior a duas semanas. Epidemiologia. Corresponde a 16% dos atendimentos nas emergências pediátricas e a 9% das internações de menores de 5 anos. No Brasil, é responsável por 30% das mortes em menores de 1 ano no Nordeste. No Rio Grande do Sul, houve uma diminuição na mortalidade infantil por diarreia aguda. Segundo dados do Datasus, no ano de 2005, houve 3.142 hospitalizações por esse motivo, que corresponderam a 36 óbitos. Para o ano de 2007, esses números foram 1.734 e 4, respectivamente. A mortalidade está inversamente relacionada ao nível socioeconômico: quanto menor o nível socioeconômico, maior a mortalidade. Causas. As causas mais comuns de diarreia aguda são as infecciosas e, dessas, 74% correspondem a agentes virais, 20% a bacterianos e 6% a protozoários. Dentre os agentes virais, o rotavírus é o mais frequente, sendo mais prevalente em menores de 5 anos, havendo um pico de incidência entre 6 e 24 meses. Os meses nos quais se observa maior acometimento são os compreendidos entre maio e setembro, conferindo ao agente certa sazonalidade. Outros vírus responsáveis por quadros de diarreia aguda são: adenovírus, calicivírus (norovírus e sapovírus) e astrovírus. Transmissão. Ocorre por via fecal-oral predominantemente, mas também por secreção respiratória, contato pessoa-pessoa e fômites (brinquedos, superfícies).

508

A infecção por Salmonella é comum em aves domésticas e em ovos. O cozimento incorreto de alimentos naturais ou o descongelamento incompleto também têm sido apontados como responsáveis pela transmissão dessa infecção. Clostridium difficile pode colonizar o trato gastrintestinal por modificação da microflora pelo uso de antibioticoterapia. A transmissão do rotavírus ocorre desde antes do início dos sintomas até 10-12 dias após, com pico de eliminação no terceiro dia.

Tratamento. Visa a estimar o grau de desidratação e repor ou corrigir as perdas (ver Cap. 28.5). A terapia de reidratação oral é o tratamento preferido para crianças com doença diarreica aguda. Medicações (antieméticos, antidiarreicos) não são recomendadas para uso de rotina. Nos pacientes com vômitos persistentes ou incoercíveis, deve-se considerar hidratação parenteral. Estudos com probióticos do tipo Lactobacillus GG e Saccharomyces boulardii têm demonstrado uma redução no tempo de duração da diarreia, especialmente naquelas causadas por rotavírus. A alimentação precoce reduz o volume das evacuações e a duração da diarreia. O Quadro 30.2.3 apresenta algumas recomendações em relação à dieta. Antibióticos não são necessários rotineiramente.

Quadro 30.2.3 RECOMENDAÇÕES EM RELAÇÃO À DIETA – – – – –

Estimular o aleitamento materno Manter a dieta habitual Não diluir o leite Oferecer volumes pequenos em intervalos curtos Utilizar alimentos com alta densidade energética e alta concentração de nutrientes

509

DIARREIAS

Diagnóstico. Exames subsidiários em geral são desnecessários. A coprocultura pode ser útil em casos de diarreia persistente e na suspeita de diarreia invasiva, em que se prevê o uso de antibióticos (p. ex., em pacientes imunocomprometidos ou com disenteria – sangue + pus nas fezes). Os eletrólitos devem ser coletados em todos os pacientes que têm necessidade de hidratação parenteral e na suspeita de desidratação hipernatrêmica. O lactente, após desmame, com diarreia aguda, precedida de febre e vômitos, com fezes volumosas, sem sangue ou leucócitos, tem diarreia por rotavírus até que se prove o contrário.

As principais indicações para uso de antibióticos são: infecção por Shighella (Tab. 30.2.1); paciente portador de Salmonella com imunodeficiência (asplenia funcional ou anatômica, uso crônico de corticosteroides ou imunossupressores, doença inflamatória intestinal, neonatos ou lactentes < 3 meses); infecção por Campylobacter em presença de disenteria ou para reduzir transmissão em crianças que frequentam creches, institucionalizadas ou hospitalizadas. Neste último caso, somente haverá benefício se o antibiótico for instituído até três dias após o início dos sintomas. Antibióticos não devem ser utilizados em pacientes saudáveis com gastrenterite por Salmonella, pois este pode induzir o status de portador assintomático. Prevenção. Atualmente, existem duas vacinas disponíveis para rotavírus: Q

Monovalente: eficácia de 85-100%, via oral, duas doses a partir de 6-14 semanas de vida (podendo ser administrada com até 24 semanas de vida). Q Pentavalente: eficácia de 98-100%, via oral, três doses a partir de 6-12 semanas de vida (podendo ser administrada com até 32 semanas de vida).

DIARREIAS

As principais contraindicações à vacina são: presença de imunodeficiência primária/secundária e hipersensibilidade conhecida aos componentes da vacina ou à dose anterior.

Tabela 30.2.1 ANTIBIÓTICOS PARA TRATAMENTO DE SHIGELOSE EM CRIANÇAS Antibiótico

Administração*

Dose diária

Doses por dia

Duração

Ampicilina

EV

100 mg/kg

4

5d

Azitromicina

VO

Dia 1: 12 mg/kg Dias 2-5: 6 mg/kg

1

5d

Ceftriaxona

EV, IM

50 mg/kg

1

2-5 d

Ácido nalidíxico

VO

55 mg/kg

4

5d

Sulfametoxazol/ Trimetoprim

VO

50 ou 10 mg/kg

2

5d

EV, endovenoso; VO, via oral; IM, intramuscular.

510

DIARREIA CRÔNICA Definição. Diarreia por um período superior a 30 dias ou três ou mais episódios de diarreia nos últimos 60 dias. Para aqueles episódios diarreicos com duração maior ou igual a duas semanas, o termo mais frequentemente utilizado é diarreia persistente. A síndrome de má absorção é classicamente definida pela presença de diarreia crônica, distensão abdominal e alteração do crescimento, estando essa última associada ao baixo peso e/ou à diminuição da velocidade de crescimento. Fisiopatologia. De uma maneira geral, admite-se que os seguintes mecanismos estejam envolvidos nos casos de diarreia crônica: Q

Causas. Existe uma grande diversidade de situações clínicas que podem causar diarreia crônica. A etiologia varia conforme a faixa etária e fatores genéticos, sociais, econômicos e culturais (Tab. 30.2.2). A diarreia crônica no período neonatal é um evento muito raro e deverá chamar a atenção do pediatra para as possibilidades de erros inatos do metabolismo, deficiência congênita de glicose-galactose, atrofia congênita de microvilos e enteropatia autoimune, sendo essas últimas situações associadas à diarreia intratável de prognóstico muito reservado. A alergia alimentar é definida como uma reação adversa a um componente alimentar específico desencadeada por quaisquer dos tipos de resposta imunológica. A reação tardia (mediada por ativação de linfócitos T) é a responsabilizada pela grande maioria dos sintomas gastrintestinais observados no paciente acometido. Tipicamente acomete pacientes no primeiro ano de vida com história familiar de atopia, especialmente asma e eczema atópico, expostos precocemente à proteína heteróloga. Os principais alérgenos capazes de desencadear sintomas são o leite de vaca (especialmente a α e a β caseína), a soja e o ovo. Na Tabela 30.2.3 estão listadas algumas das principais manifestações clínicas. O teste de provocação duplo-cego e controlado por placebo é o padrão-ouro para o diagnóstico, embora seja rara sua utilização na prática clínica. Habitualmente, optamos pelo teste de provocação aberto. A detecção de anticorpos IgE alérgeno-específicos não está indicada nas reações não mediadas por IgE. São ainda desvantagens desses testes: indicam unicamente a presença de sensibilização e fornecem resultados falso-positivos em indivíduos com dermatite atópica. O tratamento consiste na eliminação de alérgenos específicos por um período que varia de 6 meses (casos de colite alérgica) a 12 meses. Admite-se que cerca de 70% dos pacientes estarão tolerantes em até três anos.

511

DIARREIAS

Interrupção na hidrólise e na solubilização intraluminais (insuficiência pancreática exócrina, diarreia associada à colestase). Q Interrupção na hidrólise em nível do enterócito (deficiências de dissacaridases). Q Má absorção enterocitária (doença celíaca, alergia alimentar, doença de Crohn). Q Prejuízo no transporte enterócito-sangue-linfa (linfangiectasia intestinal, abetalipoproteinemia).

Tabela 30.2.2 PRINCIPAIS CAUSAS DE DIARREIA CRÔNICA – Alergia à proteína do leite de vaca – Doença celíaca – Intolerância à lactose

Doenças imunes/inflamatórias

– Doença inflamatória intestinal (doença de Crohn, retocolite ulcerativa) – Enteropatia autoimune – Doença do enxerto versus hospedeiro

Alterações da microflora intestinal

– Enteropatia ambiental

Alterações da motilidade intestinal

– Síndrome do cólon irritável – Aganglionose

Doenças genéticas

– Fibrose cística

Infecciosas

– Síndrome da imunodeficiência adquirida – Colite pseudomembranosa

Outras

– Drogas, radiação – Insuficiência pancreática exócrina

DIARREIAS

Alergias/intolerâncias alimentares

Tabela 30.2.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS SUGESTIVAS DE ALERGIA ALIMENTAR Sinais e sintomas gerais

Sinais e sintomas digestivos

Anemia Perda ponderal Déficit de crescimento Recusa alimentar Irritabilidade Choro

Dor abdominal Diarreia (fezes com muco e/ou sangue) Náuseas Vômitos Hematêmese/Melena Enterorragia

A intolerância à lactose é uma síndrome clínica caracterizada por dor abdominal, diarreia, náusea, flatulência e/ou borborismos após a ingestão de lactose ou alimentos contendo lactose. A quantidade de lactose que desencadeia os sintomas 512

513

DIARREIAS

varia de acordo com a quantidade de lactose consumida e a capacidade de absorção intestinal do açúcar. Existem formas primárias e secundárias de intolerância à lactose descritas (Tab. 30.2.4). O tratamento consiste na restrição dietética de alimentos contento lactose, na substituição enzimática (β-galactosidase: 400 U/refeição contendo lactose) e na suplementação de cálcio. A doença celíaca é uma intolerância permanente ao glúten, componente dietético presente nos alimentos à base de trigo, centeio e cevada. Acomete indivíduos geneticamente suscetíveis (0,5-1% da população geral) e manifesta-se como uma enteropatia imunomediada, de apresentação clínica muito variada. No grupo pediátrico, habitualmente apresenta-se como um quadro mal-absortivo, onde se observa diarreia, distensão abdominal e perda ponderal. Podem ainda estar presentes: vômitos, irritabilidade, anorexia e até mesmo constipação. As manifestações extraintestinais (anemia, baixa estatura, dermatite herpetiforme) são mais comuns nos escolares e adolescentes e mesmo na população adulta. Alguns indivíduos são assintomáticos e descobertos em testes de triagem por pertencerem à população de risco (parentes de primeiro grau de acometidos pela doença, portadores de síndrome de Down, deficientes seletivos de IGA, diabéticos tipo 1, portadores de doença autoimune da tireoide, pacientes com infertilidade). Os testes diagnósticos devem ser realizados antes do início da restrição dietética e incluem avaliações sorológicas (antiendomísio ou antitransglutaminase, ambos da classe IGA) e coleta de fragmentos de mucosa da segunda porção do duodeno via endoscopia digestiva alta, com posterior análise anatomopatológica (presença de linfócitos intraepiteliais com graus variados de lesão vilositária e hiperplasia de criptas). O diagnóstico é também associado a uma resposta positiva à restrição dietética. O tratamento consiste na retirada permanente do glúten da dieta. A doença inflamatória intestinal é definida como um distúrbio inflamatório crônico e recidivante caracterizado pela presença de diarreia, dor abdominal e desnutrição. No grupo pediátrico, as alterações nutricionais (baixo peso, baixa estatura, retardo na velocidade de crescimento) são os principais eventos clínicos. Distinguem-se três principais formas clínicas: colite ulcerativa (inflamação limitada ao cólon – 61%: pancolite), doença de Crohn (inflamação de quaisquer segmentos do intestino – 42%: ileocolônica, caracterizada histologicamente por envolvimento transmural e presença de granuloma) e colite indeterminada. Cerca de 20-25% dos casos se apresentam na infância, havendo um predomínio da doença de Crohn sobre as outras formas. O fenótipo clínico parece ser mais grave na infância, havendo extenso envolvimento intestinal com desenvolvimento precoce de doença estenosante e/ou penetrante. O tratamento tem o objetivo de induzir remissão clínica e histológica e inclui: suporte nutricional, uso de aminossalicilatos (para doenças leves), corticoterapia sistêmica (para induzir remissão em doenças consideradas moderadas a graves), seguidos de imunomoduladores (azatioprina, 6mercaptopurina) para manutenção da remissão. A terapia biológica tem sido utilizada com sucesso nos pacientes refratários ao esquema convencional. O equivalente à síndrome do cólon irritável do adulto também pode acometer a criança, especialmente o pré-escolar, e manifestar-se como episódios de evacuações frequentes, alternados com períodos de constipação. Caracteristicamente esses pacientes apresentam-se com seu estado nutricional preservado.

Tabela 30.2.4 INTOLERÂNCIA À LACTOSE: CLASSIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Características clínicas

Primária • Deficiência congênita de lactase

– – – –

• Hipolactasia do tipo adulto (intolerância ontogenética à lactose)

– Frequente: 70% da população geral, sendo mais comum em negros e orientais (90%) e permanente – Idade de acometimento: ≥ 3 anos – Clínica: dor abdominal, náuseas, diarreia e borborismos, dependendo da quantidade de lactose ingerida – Diagnóstico: identificação de ausência das mutações genéticas C/T e G/A no gene da enzima lactase-fluorizina-hidrolase – Boa resposta à restrição dietética

Secundária

– Implica na existência de um mecanismo fisiopatológico subjacente promovendo lesão vilositária (rotavírus, giárdia, Cryptosporidium, doença celíaca) – Grupo de risco: lactentes pequenos desnutridos, com diarreia infecciosa – Quadro clínico semelhante ao da hipolactasia do tipo adulto – Acometimento transitório – Boa resposta à restrição dietética

DIARREIAS

Classificação

Rara Herança autossômica recessiva Idade de acometimento: período neonatal Clínica: diarreia intratável nas primeiras horas de vida em bebês alimentados no seio materno ou com fórmulas contendo lactose – Diagnóstico: demonstração de grande perda de lactose nas fezes, identificação de uma das cinco mutações genéticas – Pronta resposta à retirada de lactose da dieta

As principais consequências da diarreia crônica referem-se ao estado nutricional, podendo-se observar, além das alterações nas medidas antropométricas, anemia carencial (deficiência de ferro, vitamina B12, folato), deficiências de oligoelementos e vitaminas, osteopenia, raquitismo, edema e imunodeficiência secundária. 514

Diagnóstico. Inicia pela história clínica cuidadosa, com ênfase na época do surgimento dos sintomas, nas repercussões no estado geral, nos distúrbios hidreletrolíticos e metabólicos presentes ou pregressos, no estado nutricional, nos alimentos ingeridos e na idade de introdução destes, história familiar e evolução do quadro clínico. A escolha dos métodos diagnósticos a serem empregados dependerá dos dados colhidos na anamnese e no exame físico, que orientarão as hipóteses diagnósticas mais prováveis. Avaliação laboratorial. A avaliação laboratorial deverá contemplar exames gerais e específicos, estando os primeiros indicados na identificação da repercussão da diarreia sobre o estado geral do paciente. Deverá incluir: hemograma, coagulação, concentração sérica de albumina e proteínas totais, eletrólitos, imunoglobulinas, provas de atividade inflamatória e exame parasitológico de fezes. Nos pacientes maiores de 2 anos com alteração na estatura, recomenda-se a avaliação da idade óssea através do raio X de mãos e punhos. Alguns exames laboratoriais disponíveis poderão auxiliar no entendimento do mecanismo da diarreia crônica. São eles: Pesquisa do pH fecal e de substâncias redutoras: a determinação do pH fecal é realizada em fita de papel especial, devendo ser feita com fezes aquosas e recém-emitidas. Em lactentes alimentados com leite materno, os valores normais do pH estão entre 4,6-6; naqueles em aleitamento artificial, entre 5,58,5. Já nas crianças maiores, os valores oscilam entre 6,5-7,5. Resultados inferiores aos considerados normais são indicativos de má absorção de hidratos de carbono. A presença de substâncias redutoras nas fezes sugere má absorção dos carboidratos glicose e lactose. Para a pesquisa de má absorção de sacarose, um açúcar não redutor, adiciona-se ácido clorídrico ao teste. Também aqui se faz necessário o exame de fezes recém-emitidas. Q Teste do hidrogênio expirado: atualmente é o melhor método para avaliação da má absorção de carboidratos. Parte do princípio de que um determinado carboidrato não absorvido submete-se no lúmen intestinal à fermentação bacteriana, a qual induz a formação de H2, que poderá ser recuperado no ar expirado. No caso dos dissacarídeos, oferece-se ao paciente em jejum 2 g/kg (até 50 g) do açúcar em estudo e mede-se, em aparelho específico, o H2 expirado nos tempos 0, 30, 60, 90 e 120 minutos. Valores de H2 superiores a 20 ppm são diagnósticos da má absorção do carboidrato oferecido. Q Pesquisa de sangue oculto e leucócitos fecais: sugerem presença de processos inflamatórios. No entanto, esses testes apresentam baixa sensibilidade e especificidade. Q Pesquisa de gordura fecal: o teste padrão-ouro para o diagnóstico de má absorção de gorduras é o teste de van de Kammer, que mede a quantidade de gordura perdida nas fezes acumuladas de três dias após a ingestão de uma quantidade-padrão de gordura ingerida pelo paciente. Valores de até 3 g de gordura fecal/24 h são considerados normais. Testes menos sensíveis e específicos são a pesquisa qualitativa de gordura pelo Sudan e o esteatócrito, 515

DIARREIAS

Q

que é um teste semiquantitativo, de baixa reprodutibilidade. Nas diarreias secundárias à insuficiência pancreática exócrina, a atividade da elastase-1 fecal tem mostrado resultados promissores. Q Pesquisa de proteínas fecais: alguns testes são utilizados no diagnóstico de enteropatia perdedora de proteínas, como o balanço nitrogenado, a dosagem de quimiotripsina fecal e a medida da α-1-antitripsina fecal. Esse último é o mais utilizado na rotina e tem, como valor de referência, concentrações de α-1-antitripsina menores ou iguais a 0,7 mg/g/fezes secas. A discussão de testes específicos foge dos objetivos deste capítulo. Tratamento. Depende da doença de base, conforme discutido anteriormente. Como a diarreia crônica está comumente associada à desnutrição e/ou aos baixos peso e estatura, a recuperação nutricional deve ser instituída tão logo seja possível.

REFERÊNCIAS Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de informática do SUS. Disponível em: . Fleisher GR. Evaluation of diarrhea in children. In: Rose BD, editor. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate, 2007.

DIARREIAS

Green PHR, Cellier C. Celiac disease. N Engl J Med. 2007; 357:1731-43. Guarino A, Albano F, Ashkenazi Y, Gendrel D, Hoekstra JH, Shamir R, et al. European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition/European Society for Paediatric Infectious Diseases Evidence-based Guidelines for the Management of Acute Gastroenteritis in Children in Europe. JPGN. 2008;46 Supll 2:S81–S122. Heyman MB. Lactose intolerance in infants, children and adolescents. Pediatrics. 2006;118(3):1279-86. Kellermayer R, Shulman RJ. Overview of the causes of chronic diarrhea in children. In: Rose BD, editor. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate; 2008. Hellermayer R, Shulman RJ. Approach to the diagnosis of chronic diarrhea in children in developed countries. In: Rose BD, editor. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate; 2008. Van Limbergen J, Russel RK, Drummond HE, Aldhous MC, Round NK, Nimmo ER, et al. Definition of phenotypic characteristics of childhood-onset inflammatory bowel disease. Gastroenterol. 2008;135(4):1114-22. Oliva CAG, Neto AFC. Diarréia persistente e crônica. In: Gastroenterologia e hepatologia em pediatria diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: MEDSI; 2003. p. 145-52. Vandenplas Y, Koletzko S, Isolauri E, Hill D, Oranje AP, Brueton M, et al. Guidelines for the diagnosis and management of cow´s milk protein in allergy. Arch Dis Child. 2007;92(10):902-8. Zim MCA, Neto AFC. Diarréia aguda. In: Gastroenterologia e hepatologia em pediatria diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: MEDSI; 2003. p. 115-32. 516

30.3

DOR ABDOMINAL CRÔNICA

ANA CRISTINA DUARTE DUPRAT MÁRCIO PEREIRA MOTTIN JORGE LUIZ DOS SANTOS THEMIS REVERBEL DA SILVEIRA

Quadro clínico. A anamnese e o exame físico são os parâmetros fundamentais para a abordagem da DAC. A dor funcional pode ser periumbilical ou no epigástrio (em geral, a criança coloca a mão espalmada sobre a região), de duração e frequência variáveis. A dor abdominal que interrompe o sono deve ser vista com atenção, pois não é obrigatoriamente orgânica; se as demais características não são sugestivas, esse tipo de dor também pode ser funcional. O paciente pode ter dificuldade de descrever o caráter da dor – se em aperto, pontada ou queimação – não sendo capaz, muitas vezes, de defini-la com exatidão. Estudos sobre a DAC funcional na infância durante a década de 1950 definiram características básicas dessa condição clínica: o padrão recorrente, o efeito prejudicial à qualidade de vida da criança e a sua localização, observando que, quanto mais longe da cicatriz umbilical, mais provável é a existência de doença orgânica. Na avaliação de um paciente com DAC, é importante pesquisar outros sintomas associados à dor e proceder a um exame físico detalhado, incluindo medições de peso e estatura. Deve-se procurar pelos sinais de alerta que nos levam a pensar em causas específicas para a dor (Quadro 30.3.1). Etiologia. As causas mais frequentes de DAC, envolvendo tanto doença orgânica como distúrbio funcional, incluem: Q

Parasitoses: são frequentes na população brasileira. A giardíase, por exemplo, caracteriza-se por DAC, podendo associar-se com alteração do hábito intestinal. Recomenda-se solicitar exames parasitológicos de fezes (três amostras coletadas em três dias distintos). Segundo alguns autores, devido à dificuldade do diagnóstico da giardíase, o tratamento empírico é também uma opção adequada. Q Constipação: corresponde a cerca de 25% das consultas ao gastrenterologista pediátrico e, na grande maioria das vezes, constitui distúrbio funcional. Alguns pacientes apresentam também escape fecal ou encoprese, consequentes à constipação. Ao exame, pode-se palpar fezes endurecidas na fossa ilíaca esquerda e pode haver distensão abdominal gasosa. O toque retal deve ser sempre reali517

DOR ABDOMINAL CRÔNICA

Conceito. A dor abdominal crônica (DAC) na infância é definida como dor abdominal recorrente ou contínua em crianças de 4-18 anos, por um período de, pelo menos, dois meses, e que afeta suas atividades habituais. Grande parte dos pacientes apresenta uma doença funcional, cuja abordagem inclui o esclarecimento sobre o significado de um distúrbio desse tipo e a tranquilização dos pais e das crianças. Eventualmente, porém, exige seguimento com equipe multidisciplinar e medidas terapêuticas.

Quadro 30.3.1 SINAIS DE ALERTA PARA PRESENÇA DE DOENÇA ORGÂNICA EM PACIENTES PEDIÁTRICOS COM DOR ABDOMINAL CRÔNICA

DOR ABDOMINAL CRÔNICA

Dor persistente, bem localizada, afastada do umbigo História familiar de doença inflamatória intestinal, celíaca ou péptica Episódios de dor de início súbito, de duração variável Perda ponderal involuntária Retardo puberal Desaceleração da curva estatural Disfagia Febre Vômitos persistentes Sonolência após os episódios de dor Sangramento digestivo Incontinência fecal intermitente Diarreia noturna Anorexia Artrite Doença perirretal

zado. O uso de laxantes e as orientações para o desenvolvimento e a manutenção do hábito intestinal adequado têm excelente resposta terapêutica. Q Intolerância à lactose (IL): a IL do tipo adulto, de ordem ontogenética, ocorre a partir dos 3 ou 4 anos de idade, com sintomas associados de distensão abdominal, diarreia e vômitos. Sua prevalência varia com a raça, em ordem decrescente: asiáticos, negros, hispânicos e brancos. O diagnóstico pode ser feito por teste terapêutico com dieta isenta de lactose ou por teste genético, se disponível. Não se indica mais a realização do teste de tolerância à lactose (TTL) pela sua baixa acurácia. Se a IL é comprovada, mantém-se uma dieta com redução de lactose e indica-se o uso da enzima sintética, lactase, para refeições com lactose. É importante esclarecer os pais e os pacientes de que a IL é uma condição geneticamente determinada e, portanto, para toda a vida, como também é benigna, produzindo sintomas incômodos, mas sem complicações graves. Q Dispepsia e doença do refluxo gastresofágico: as queixas incluem náuseas, vômitos e epigastralgia em queimação e pirose, que ocorrem no período pósprandial, ao acordar ou durante a noite. História familiar de doença péptica é um dado sugestivo. O tratamento é feito com medicamentos anti-H2 ou inibidores da bomba de prótons. Ainda não há consenso se, primeiramente, 518

deve-se realizar endoscopia digestiva alta com pesquisa de Helicobacter pylori ou se é indicado o teste terapêutico com as medicações, seguido de endoscopia se não houver resposta. Essa dúvida deve-se ao fato de haver pacientes com dispepsia funcional, na qual a endoscopia é normal mesmo na presença de sintomas típicos e com resposta ao tratamento. Entretanto, o Helicobacter pylori não é considerado uma causa importante de DAC na infância. Diagnóstico e tratamento. Os critérios diagnósticos e a classificação das doenças gastrintestinais (GIs) funcionais na infância e adolescência foram reunidos em consensos denominados “critérios de Roma”. Em 2006, foi feita a última revisão, gerando o Roma III, que apresentou algumas modificações em relação aos anteriores. A principal mudança relacionou-se à duração mínima da dor para ser incluída no conceito de DAC, que passou de três para dois meses, tornando mais ágeis o diagnóstico e o tratamento. O Roma III incluiu diversas síndromes clínicas associadas à dor abdominal, considerando suas características em dois grupos etários: lactentes/crianças menores de 5 anos; crianças com 5 anos ou mais/adolescentes (ver Quadros 30.3.2 e 30.3.3).

Para melhor entendimento do assunto, recomenda-se a leitura do texto completo do Roma III (Hyman et al., 2006; Rasquin et al., 2006). A realização de exames complementares para a investigação da DAC deve ser criteriosa, visando a identificar aqueles com doença grave e, ao mesmo tempo, não submeter os pacientes com doença funcional e benigna a exames invasivos e dolorosos. Para os pacientes com sinais de alerta, a triagem mínima inclui: hemograma, plaquetas, velocidade de sedimentação globular, proteína C reativa, exames parasitológicos de fezes, exame qualitativo de urina, urocultura. Outros exames que podem ser solicitados incluem coprocultura, perfil hepático e renal e exames específicos de acordo com a hipótese diagnóstica. Os exames de imagem devem ser feitos também de acordo com a suspeita clínica, tendo em mente que não são considerados obrigatórios para a DAC funcional.

Quadro 30.3.2 DOENÇAS GIS FUNCIONAIS DO LACTENTE E DA INFÂNCIA G1. Regurgitação infantil G2. Síndrome da ruminação infantil G3. Síndrome dos vômitos cíclicos G4. Cólica do lactente G5. Diarreia funcional G6. Disquezia do lactente G7. Constipação funcional

519

DOR ABDOMINAL CRÔNICA

Q Q

Quadro 30.3.3 DOENÇAS GIS FUNCIONAIS DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA

DOR ABDOMINAL CRÔNICA

H1. Vômitos e aerofagia H1a. Síndrome da ruminação do adolescente H1b. Síndrome dos vômitos cíclicos H1c. Aerofagia H2. DGIF relacionadas à dor abdominal: H2a. Dispepsia funcional H2b. Síndrome do intestino irritável H2c. Enxaqueca abdominal H2d. Dor abdominal funcional da infância H2d1. Síndrome da dor abdominal funcional da infância H3. Constipação e incontinência H3a. Constipação funcional H3b.Incontinência fecal não retensiva

A DAC funcional é uma condição comum na infância, e, como dito anteriormente, a terapêutica inclui a orientação sobre seu significado, confortando os pais e as crianças e, se necessário, acompanhamento psicológico e também multidisciplinar. Não se deve esquecer que um paciente com doença orgânica adequadamente diagnosticada e tratada também pode apresentar sintomas funcionais, que devem ser abordados em seu acompanhamento médico.

REFERÊNCIAS AAP subcommittee and NASPGHAN committee in chronic abdominal pain. Chronic abdominal pain in children: a technical report of American Academy of Pediatrics and the North American Society of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2005;40(3):249-61. Heyman MB. Lactose intolerance in infants, children, and adolescents. Pediatrics. 2006;118(3):1279-86. Hyman PE, Milla PJ, Benninga MA, Davidson GP, Fleisher DF, Taminiau J. Childhood functional gastrointestinal disorders: neonate/toddler. Gastroenterol. 2006;130(5):1519-26. Rasquin A, Di Lorenzo C, Forbes D, Guiraldes E, Hyams JS, Staiano A, et al. Childhood functional gastrointestinal disorders: child/adolescent. Gastroenterol. 2006;130(5):152737.

520

30.4

CONSTIPAÇÃO CRÔNICA

LÚCIA GUTHEIL GONÇALVES CARLOS OSCAR KIELING CAROLINA ALBANESE NEIS JULIANA GHISLENI DE OLIVEIRA

A constipação crônica é um problema muito prevalente em pediatria. Em estudos brasileiros, a prevalência de constipação na infância variou de 14-36%.

A doença de Hirschsprung é um dos principais diagnósticos diferenciais de constipação funcional (Tab. 30.4.1). Trata-se de um defeito do desenvolvimento do sistema nervoso entérico, caracterizado pela ausência de células ganglionares nos plexos mioentérico e submucoso do tubo digestivo. O defeito na migração dos precursores das células ganglionares pode ter extensão variável em cada caso. O tratamento é cirúrgico. Os critérios diagnósticos para constipação funcional foram definidos no consenso de Roma III, conforme a seguir. Q

Definição de constipação funcional para crianças menores de 4 anos: um mês com, pelo menos, dois dos seguintes sintomas: – ≤ 2 evacuações por semana – Ao menos um episódio de incontinência fecal após atingir o controle esfincteriano – História de retenção fecal – Dor ou dificuldade para evacuar – Presença de grande massa fecal no reto – Fezes grandes, que obstruem o vaso sanitário Q Definição de constipação funcional para crianças maiores de 4 anos: pelo menos dois sintomas, por mais de dois meses: – ≤ 2 evacuações por semana – Ao menos um episódio de incontinência fecal por semana – História de retenção fecal – Dor ou dificuldade para evacuar

521

CONSTIPAÇÃO CRÔNICA

Causas orgânicas de constipação Q Causas intestinais ou anorretais: imperfuração anal, estenose anal, doença de Hirschsprung, ânus ectópico Q Defeitos da medula espinal: espinha bífida, meningomielocele Q Doenças endocrinológicas e metabólicas: hipotireoidismo, hipercalcemia, hipocalcemia, hipopotassemia Q Doenças musculares: paralisia cerebral, distrofia muscular Q Medicamentosa: anticonvulsivantes, codeína, morfina, anticolinérgicos Q Doenças sistêmicas: fibrose cística, doença celíaca

CONSTIPAÇÃO CRÔNICA

Tabela 30.4.1 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE CONSTIPAÇÃO FUNCIONAL COM DOENÇA DE HIRSCHSPRUNG Constipação funcional

D. Hirschsprung

Idade de início

Variável

Ao nascer

Eliminação de mecônio

Nas primeiras 24h de vida

Retardada

Distensão abdominal

Rara

Frequente

Escape fecal

Pode estar presente

Raro

Toque retal

Ampola cheia

Ampola vazia

Enema opaco

Distensão retal

Estreitamento no segmento distal com dilatação proximal

Manometria anorretal

Reflexo retoanal normal

Não ocorre relaxamento do esfincter anal com a distensão retal

Biópsia retal

Presença de células ganglionares

Ausência de células ganglionares

– Presença de grande massa fecal no reto – Fezes grandes, que obstruem o vaso sanitário Avaliação do paciente. Na maioria dos casos, uma anamnese e um exame físico detalhados, incluindo toque retal, são suficientes para definir o diagnóstico de constipação crônica funcional, ou então para indicar exames complementares. Nos casos de falha terapêutica em vigência de tratamento adequado, assim como nos casos com distensão abdominal, anorexia, vômitos, curva estacionária ou perda de peso, febre, sangue nas fezes, nádegas planas ou estenose anal, está indicada a investigação de causas orgânicas de constipação. Sinais de alerta para causas orgânicas Hábito intestinal anormal ao nascimento Hipodesenvolvimento Neuropatia

Q Q Q

522

Q Q Q Q Q

Distensão abdominal Sinais/sintomas obstrutivos Malformações lombossacrais e/ou perineais Ânus anteriorizado Sangramento retal

Exames complementares Hemograma Cálcio Potássio Hormônios tireóideos Anticorpo antitransglutaminase: investigação de doença celíaca Radiografia de abdome simples: presença de fecaloma, malformação sacral Enema opaco: investigação de doença de Hirschsprung Eletrólitos no suor: investigação de fibrose cística Manometria anorretal: avalia a presença do reflexo retoanal Biópsia retal: indicada na suspeita da doença de Hirschsprung

Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q

Tratamento da constipação funcional. O tratamento da constipação é composto por três etapas: esvaziamento da ampola retal, manutenção e reeducação. Esvaziamento retal – Enema via oral: • Óleo mineral: 15-30 mL por ano de vida, até 240 mL, dose única • Polietilenoglicol (PEG): 1-1,5 g/kg por 3 dias (Muvinlax®) – Enema via retal: • Fosfato de sódio (Phosfoenema®) ou sorbitol: 10 mL/kg/dia por 3 dias Q Manutenção: pode ser necessária por muitos meses. Observar o medicamento de preferência da criança, já que todos são igualmente eficazes e seguros (Tab. 30.4.2). O óleo mineral não deve ser usado em crianças com distúrbios de deglutição, encefalopatas ou em menores de 1 ano de idade pelo risco de aspiração. Q Reeducação: – Orientar a família sobre o problema: explicar a patogênese; discutir as etapas do tratamento e a expectativa de resposta ao tratamento – Criar hábito intestinal: rotina de evacuar no mesmo horário do dia – Responder ao estímulo evacuatório – Reforço positivo e apoio da família – Manter os pés apoiados ao sentar no vaso sanitário Q Dieta – Principal tratamento na constipação não complicada do lactente: aumentar ingestão de líquidos, carboidratos (glicose de milho) e fibras. – Não há consenso na literatura quanto ao uso de suplementos com fibras para o tratamento da constipação.

523

CONSTIPAÇÃO CRÔNICA

Q

Tabela 30.4.2 TRATAMENTO MEDICAMENTOSO DA CONSTIPAÇÃO Medicamento

Idade de indicação

Posologia

> 1 mês

1-3 mL/kg/dia em 1 ou 2 vezes

Óleo mineral

> 1 ano

1-3 mL/kg/dia em 1 ou 2 vezes

Lactulose

> 1 mês

1-3 mL/kg/dia em 1 ou 2 vezes

Leite de magnésia

®

PEG 3350 (Muvinlax® – macrogol+Na+K)

0,8 g/kg/dia, 1 vez ao dia

CONSTIPAÇÃO CRÔNICA

REFERÊNCIAS Baker SS, Gregory SL, Colleti RB, Croffie JM, Di Lorenzo C, Ector W, et al. Constipation in Infants and Children: Evaluation and Treatment. JPGN. 1999 29(5):612-26. Hyman PE, Milla PJ, Benninga MA, Davidson GP, Fleisher DF, Taminiau J. Childhood functional gastrointestinal disorders: neonate/toddler. Gastroenterol. 2006;130(5):1519-26. Morais MB, Maffei HV. Constipação intestinal. J Pediatria. 2000;76(2):S147-56. North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. Evaluation and treatment of constipation in children: summary of updated recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. JPGN. 2006;43(3):405-7. Benninga M, Candy DC, Catto-Smith AG, Clayden G, Loening-Baucke V, Di Lorenzo C, et al. The Paris Consensus on Childhood Constipation Terminology (PACCT) Group. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2005;40(3):273-5. Rasquin A, Di Lorenzo C, Forbes D, Guiraldes E, Hyams JS, Staiano A, et al. Childhood functional gastrointestinal disorders: child/adolescent. Gastroenterol. 2006;130(5):152737.

524

30.5

PANCREATITES

FERNANDA TREICHEL KOHLS MARINA ROSSATO ADAMI CARLOS OSCAR KIELING CRISTINA HELENA TARGA FERREIRA

Definição. A pancreatite é um processo inflamatório do pâncreas que se caracteriza habitualmente por dor abdominal e elevação acentuada das enzimas pancreáticas. Epidemiologia. As taxas de incidência e de prevalência na população pediátrica ainda são desconhecidas. Classificação. Conforme simpósio internacional (International Symposium on Acute Pancreatitis,1984, 1992), a pancreatite é classificada em: Q

PANCREATITES

Aguda: – leve ou intersticial (80-90%) – grave ou necrosante (10-20%) Q Crônica: – calcificante – obstrutiva – inflamatória

PANCREATITE AGUDA Processo inflamatório agudo, autolimitado, de diversas causas (Quadro 30.5.1) e que se apresenta por dor abdominal, náuseas, vômitos e elevação acentuada das enzimas pancreáticas. Ao final, a morfologia pancreática é restaurada e as funções exócrina e endócrina estão normais. Conforme a gravidade, a pancreatite é classificada em: Q

Leve ou intersticial: processo restrito ao pâncreas, de evolução favorável e baixa morbimortalidade. Q Grave ou necrosante: necrose do pâncreas e da gordura peripancreática, com repercussão sistêmica e mortalidade de 5-30%.

PANCREATITE CRÔNICA É considerada uma doença inflamatória progressiva do pâncreas, cuja etiologia em crianças frequentemente é desconhecida (Quadro 30.5.2), e que se caracte-

525

PANCREATITES

Quadro 30.5.1 CAUSAS DE PANCREATITE AGUDA Trauma (13-20%)

Trauma abdominal, lesão iatrogênica pós-operatória ou pós-CPER (esfincterectomia), entre outras

Infecções (3-15%)

Virais: hepatites A e B, citomegalovírus, Epstein-Barr, caxumba, HIV, varicela, Coxsackie B Bacterianas: Mycoplasma sp., Campylobacter, Legionella, Leptospira, E.coli, Versinia Parasitárias: Ascaris lumbricoides, Toxoplasma gondii, entre outras

Obstrutivas (10-14%)

Colelitíase, tumores ampulares ou pancreáticos, estenose ampular, constrição ou obstrução duodenal, corpo estranho ou parasita

Drogas e toxinas (11-13%)

Acetaminofen, ácido valproico, álcool, azatioprina, cálcio, carbamazepina, corticoides, eritromicina, estrogênios, furosemida, metronidazol, nitrofurantoína, opiáceos, organofosforados, penicilina, ranitidina, rifampicina, salicilatos, sulfassalazina, tetraciclina, anti-inflamatórios não esteroidais

Genéticas (7-10%)

Fibrose cística, deficiência de α-1-antitripsina, síndrome de Shwachman-Diamond ou outras mutações genéticas

Congênitas (5%)

Coledococele, pancreas divisum

Metabólicas (1-3%)

Hiperlipidemia, hipercalcemia, hipertrigliceridemia, cetoacidose diabética, doença de Crohn, retocolite ulcerativa, hipotermia, entre outras

Vasculares (1-3%)

Vasculites (poliarterite nodosa, lúpus eritematoso sistêmico, doença de Kawasaki), isquemias

Idiopáticas (16-40%)

Sem etiologia definida

CPER, colangiopancreatografia endoscópica retrógada; HIV, vírus da imunodeficiência adquirida. Fonte: Ferreira; Carvalho; Silva (2003).

riza por alterações morfológicas irreversíveis que resultam em insuficiência exócrina e/ou endócrina da glândula. A maioria dos pacientes apresenta dor abdominal recorrente, que pode evoluir para persistente. Mais raramente, os pacientes 526

Quadro 30.5.2 CAUSAS DE PANCREATITE CRÔNICA Obstrutivas

Obstrução ductal (tumor), esfincter de Oddi, pancreas divisum

Tóxicas/metabólicas

Hipercalcemia, hiperlipidemia, IRC, uso crônico de medicamentos

Genéticas

Mutação no gene do tripsinogênio catiônico (SPINK1), fibrose cística

Autoimunes

Pancreatite crônica autoimune, doença inflamatória intestinal (Crohn), síndrome de Sjögren, cirrose biliar primária

Aguda recorrente

Pancreatite aguda recorrente, doenças vasculares e isquêmicas, pós-necrótica

Idiopática

podem ser assintomáticos ou ter mínimos sintomas até desenvolver sinais de doença avançada, tais como diabete melito ou má absorção de gorduras e proteínas. Três formas morfológicas são descritas: Q Q Q

Calcificante: lesão progressiva fibrosante, irreversível. Obstrutiva: alterações funcionais reversíveis. Inflamatória: crônica, progressiva e reversível, se tratada.

Sinais e sintomas clínicos Dor abdominal (em até 66%): pode ser aguda/súbita ou constante, de localização epigástrica, quadrante superior direito ou periumbilical, ou estar ausente (até 33%) Q Náuseas/vômitos Q Anorexia Q Distensão abdominal Q Febre baixa Q Ascite/derrame pleural Q Posição antálgica Q Hipotensão e taquicardia Q

527

PANCREATITES

IRC, Insuficiência renal crônica. Fonte: Miqdady; Kiagawa (2008).

Q

Sinal de Grey Turner (coloração azul nos flancos) e/ou sinal de Cullen (coloração azul periumbilical): significam presença de sangue nos planos fasciais, mas não são patognomônicos de pancreatite aguda.

Diagnóstico Enzimático – Amilase sérica elevada: aumenta nas primeiras 2-12 horas e permanece elevada por 2-5 dias; valores > 3 × o valor normal são sugestivos de pancreatite; sem valor prognóstico. Lembrar que existem outras causas de aumento da amilase sérica, como apendicite, perfuração intestinal, pneumonia, infecções, trauma, patologias tubovarianas, cetoacidose diabética, acometimento de glândulas salivares, entre outras. – Lipase sérica elevada: aumenta nas primeiras 4-8 horas e persiste elevada por 8-14 dias; mais específica (pedida para confirmar origem pancreática da amilase sérica elevada); também sem valor prognóstico. Q Radiológico – Raio X de abdome: borramento na margem do psoas, halo ao redor do rim esquerdo e obstrução intestinal são sinais sugestivos de pancreatite. – Ecografia abdominal: escolha para avaliação inicial. – Tomografia computadorizada (TC) de abdome: indicada quando a ecografia não for esclarecedora e para avaliação de complicações. – Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE): diagnóstico e tratamento de causas obstrutivas. PANCREATITES

Q

Prognóstico. A avaliação do comprometimento do paciente na admissão hospitalar pode estimar a gravidade da pancreatite, prever a mortalidade e orientar o tratamento. Os critérios prognósticos de Ranson (1974) estimam a mortalidade (Tab. 30.5.1). Tratamento. Inicial (primeiras 48-72 horas): suporte e monitoração; hidratação; analgesia; NPO (“repouso pancreático”); avaliação da gravidade, e esclarecimento etiológico (ver Quadro 30.5.3). Complicações Q Sepse: por translocação bacteriana do intestino delgado ou grosso; germes mais associados: Escherichia coli, Klebsiella sp. e outros germes Gram-negativos entéricos Q Abscesso Q Pseudocisto: até 25% se resolvem espontaneamente Q Necrose infectada: debridamento cirúrgico Q Diabete melito Q Insuficiência exócrina Q Insuficiência de múltiplos órgãos: cirurgia urgente Q Óbito

528

Tabela 30.5.1 CRITÉRIOS PROGNÓSTICOS DE RANSON Pancreatite não biliar

Pancreatite biliar

> 55 > 16,0 > 200 > 350 > 250

> 70 > 18,0 > 220 > 400 > 250

> 10 >5 4 >6

> 10 >2 5 >4

Na admissão Idade (anos) Leucócitos totais (x10/L) Glicemia (mg/dL) LDH TGO

Durante as 48 horas iniciais Queda do hematócrito (%) Aumento do BUN (ureia sérica/18) Calcemia (mg/dL) PO2 arterial (mmHg) Déficit de base (mEq/L) Déficit estimado de fluido (L)

PANCREATITES

BUN, nitrogênio da ureia sanguínea. Mortalidade (de acordo com os critérios): até 2: 0,9%; 3-4: 15%; 5-6: 50%; 7-8: > 50%. Fonte: Ferreira; Carvalho; Silva (2003).

Quadro 30.5.3 TRATAMENTOS INDICADOS PARA OS TIPOS DE PANCREATITE Leve ou intersticial

Grave ou necrosante

– NPO 3-5 dias; – Hidratação; – Analgesia: meperidina (induz menos espasmo do esfincter de Oddi que a morfina); – Realimentar quando cessar a dor e o íleo paralítico; – Dieta: inicialmente sem lipídeos; – > 5 dias NPO – dieta enteral com sonda além do ângulo de Treitz é preferível à nutrição parenteral total (NPT).

– – – – – –

Monitoração em UTI; Reposição volêmica; Drogas vasoativas; Analgesia: meperidina; NPO prolongado (30-60 dias); Sonda nasogástrica aberta se vômitos ou distensão abdominal; – NPT com lipídeos (exceto se triglicerídeos > 500 mg/dL) – Antibioticoterapia, se sepse associada com cobertura para germes Gram-negativos.

529

REFERÊNCIAS Benifla M, Weizman Z. Acute pancreatitis in childhood: analysis of literature data. J Clin Gastroenterol. 2003;37(2):169-72. Bhatia M, Wong FL, Cao Y, Lau HY, Huang J, Puneet P, et al. Pathophysiology of acute pancreatitis. Pancreatol. 2005;5(2-3):132-44. Bradley EL III. A clinically based classification system for acute pancreatitis. Summary of the International Symposium on Acute Pancreatitis, Atlanta, Ga, September 11 through 13, 1992. Arch Surg. 1993;128:586-90. DeBanto JR, Goday PS, Pedroso MR, Iftikhar R, Fazel A, Nayyar S, et al. Acute pancreatitis in children. Am J Gastoenterol. 2002,97(7):1726-31. Ferreira CT, Carvalho E, Silva LR. Gastroenterologia e hepatologia em pediatria. Cidade: Medsi; 2003. Marik PE, Zaloga GP. Meta-analysis of parenteral nutrition versus enteral nutrition in patients with acute pancreatitis. BMJ. 2004;328(7453):1407. Meier R, Beglinger C, Layer P, Gullo L, Keim V, Laugier R, et al. ESPEN guidelines on nutrition in acute pancreatitis. European Society of Parenteral and Enteral Nutrition. Clin Nutr. 2002;21(2):173-83.

PANCREATITES

Miqdady M, Kiagawa S. Etiology of etiology of chronic pancreatitis in children. [2008]. Disponível em: Singer MV, Gyr K, Sarles H. Revised classification of pancreatitis. Report of the Second International Symposium on the Classification of Pancreatitis in Marseille, France, March 2830, 1984. Gastroenterology. 1985 Sep;89(3):683-5. Toouli J, Brooke-Smith M, Bassi C, Carr-Locke D, Telford J, Freeny P, et al. Guidelines for the management of acute pancreatitis. Gastroenterol Hepatol. 2002;17 Suppl:S15-39. Werner J, Feuerbach S, Uhl W, Buchler MW. Management of acute pancreatitis: from surgery to interventional intensive care. Gut. 2005;54(3):426-36. Working Party of the British Society of Gastroenterology; Association of Surgeons of Great Britain and Ireland; Pancreatic Society of Great Britain and Ireland; Association of Upper GI Surgeons of Great Britain and Ireland. UK guidelines for the management of acute pancreatitis. Gut. 2005;54 Suppl 3:iii1-9.

530

CAPÍTULO 31

GENÉTICA 31.1

ANOMALIAS CONGÊNITAS

DIEGO SANTANA CHAVES GERALDO MIGUEL TÊMIS MARIA FÉLIX JULIO CESAR LOGUERCIO LEITE

Conceito. O termo anomalia congênita engloba qualquer alteração funcional ou estrutural no desenvolvimento do feto, expressando-se, clinicamente, interna ou externamente, como defeito em um órgão, em parte de um órgão ou mesmo em uma região do corpo. Suas causas podem ser genéticas, ambientais ou ambas. Mesmo quando o defeito não é aparente ao nascimento, sendo diagnosticado mais tarde, e desde que sua etiologia seja pré-natal, ele é considerado congênito. Uma subespecialidade em genética médica, a dismorfologia, cujo termo foi cunhado em 1960 por David Smith, é a ciência que estuda as alterações da morfogênese humana e reconhece os padrões de associação entre as anomalias congênitas identificadas. Epidemiologia. Aproximadamente 8 milhões de crianças, a cada ano, e ao redor de 6% de todos os neonatos do mundo têm algum defeito congênito, facilmente identificável, de causa genética ou parcialmente genética. Estudos demonstram que, se mantivermos o acompanhamento de todas as crianças, essa frequência pode dobrar, pois anomalias internas serão diagnosticadas ao longo da vida. Tem sido relatado também que essa incidência aumenta de 2 a 3 vezes em gêmeos monozigóticos (Jones, 2006). Entre 1980 e 2000, os defeitos congênitos passaram da quinta para a segunda causa de mortalidade infantil no Brasil. Em Porto Alegre, são responsáveis por 28% das mortes no primeiro ano de vida. Isso ocorre pela melhoria nos indicadores de saúde da população. Além da sua importância na mortalidade, os defeitos congênitos são patologias de grande morbidade e, na sua grande maioria, crônicas, devendo ser um importante alvo de futuras políticas de saúde pública em todo o mundo. A existência de registros e programas de vigilância, como o Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas (ECLAMC) na América Latina, o Estudo Colaborativo Espanhol de Malformações Congênitas (ECEMC) na Espanha e o da área metropolitana de Atlanta na América do Norte (adminis-

trado pelo Center for Diseases Control and Prevention (CDC), permite a adequada adoção de medidas preventivas. Tipos de anomalias congênitas Q Malformação: toda alteração estrutural ou funcional de um órgão, parte de um órgão ou de uma região do corpo cujo primórdio de desenvolvimento já estava alterado. Ex.: comunicação interventricular ou interatrial e polidactilia. Q Deformidade: toda alteração estrutural de um órgão, parte de um órgão ou de uma região do corpo ocasionada pela ação de uma força física externa (oligo-hidrâmnio) ou interna (edema). Ex.: pés tortos tipo dorso fletido, desvio da ponte nasal, defeitos observados na sequência de oligo-hidrâmnio (Potter). Q Disrupção (ruptura): alteração observada como consequência da destruição de estruturas previamente normais que, em determinado período de seu desenvolvimento, sofreram a ação de um agente físico (radiação ionizante), químico (drogas ou medicamentos) ou mesmo biológico (vírus, bactéria e protozoários). Ex.: anomalias de membros devido a bandas amnióticas por interrupção do fluxo sanguíneo. Padrões de apresentação Anomalia isolada: termo utilizado quando apenas um defeito congênito é encontrado no paciente. Q Síndrome: padrão reconhecido de anomalias como resultado de uma única etiologia (Fig. 31.1.1). Ex.: síndrome de Down. Q Sequência: padrão de anomalias que ocorrem em cascata secundárias a um defeito congênito primário (Fig. 31.1.2). Ex.: agenesia renal  oligoidramnia severa  micrognatia, pés tortos e hipoplasia pulmonar. Q Associação: conjunto de anomalias que não representam uma sequência ou uma síndrome e que frequentemente ocorrem juntas, não podendo ser sim-

ANOMALIAS CONGÊNITAS

Q

Figura 31.1.1 Representação esquemática de uma síndrome. Círculo preto, etiologia; círculos verdes, anomalias observadas. 532

Figura 31.1.2 Representação esquemática de uma sequência. Círculo preto, etiologia; círculos verdes, anomalias observadas.

É importante ressaltar que uma sequência pode ser encontrada dentro de uma síndrome, de uma associação ou até mesmo dentro de uma outra sequência (Fig. 31.1.3). Ex.: em torno de 15% dos pacientes com sequência de Robin têm a síndrome de Stickler.

Figura 31.1.3 Representação esquemática de uma sequência dentro de uma síndrome. Círculo preto, etiologia; círculos verdes, anomalias observadas.

533

ANOMALIAS CONGÊNITAS

plesmente explicado pelo acaso. Ex.: associação VACTERL (defeitos vertebrais – atresia anal – anomalia cardíaca – anomalias traqueoesofágicas – anomalias renais – defeitos de membros). Q Displasia: organização celular anormal que resulta em alterações estruturais restritas a um determinado tecido. Ex.: displasias esqueléticas, displasia renal.

REFERÊNCIAS Buyse ML. Birth defects encyclopedia. Cidade: Balckwell Scientific; 1990. Carey JC, Viskochil DH. Status of the human malformation map: 2007. AJMG Part A. 2007;143A:2868-85. Hunter AGW. Medical genetics: 2. The diagnostic approach to the child with dysmorphic signs. CMAJ. 2002;167 (4):367-72. Jones KL, Smith´s recognizable patterns of human malformation. 6th ed. Philadelphia: WB Saunders; 2006. Merks JHM, van Karnebeek CD, Caron HN, Hennekam RC. Phenotypic abnormalities: terminology and classification. AJMG. 2003;123A(3):211-230. Reardon W, Donnai D. Dysmorphology demystified. Arch Dis Child. 2007;92(3):225-9.

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS

Thompson MW, Mc Innes RR, Willard HF. Genética médica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1993.

31.2

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS

DIEGO SANTANA CHAVES GERALDO MIGUEL JULIO CESAR LOGUERCIO LEITE TÊMIS MARIA FÉLIX

CROMOSSOMOPATIAS COMUNS SÍNDROME DE DOWN (SD) A SD é o padrão de malformações mais frequentemente observado nos recém-nascidos, correspondendo a um terço das anomalias cromossômicas detectadas. A incidência gira em torno de 1:1.000 nativivos. Aproximadamente 75% das concepções com SD evoluem para abortamento espontâneo. A expectativa de vida média de um paciente com SD é de 35 anos, sendo a infância o período de maior mortalidade, devido às cardiopatias, às leucemias e às doenças respiratórias. Na vida adulta, o quadro demencial e a deterioração imunológica são os principais fatores que levam ao aumento da morbi-mortalidade desses pacientes. A idade materna avançada é um fator que aumenta a possibilidade de erros na disjunção meiótica, aumentando o risco de ocorrência dessa síndrome.

534

Achados clínicos Q Manifestações gerais. Hipotonia (80%), língua protrusa, hiperflexibilidade das articulações (80%), diástase dos retos abdominais. Q Crescimento. Baixa estatura (estatura final em torno de 1,41 m nas meninas e 1,51 m nos meninos). Q Sistema nervoso central. Retardo mental (QI variando entre 30 e 50), demência precoce tipo Alzheimer, distúrbios emocionais e transtornos psiquiátricos. Q Anomalias craniofaciais. Braquicefalia, perfil facial achatado (90%), fontanelas amplas, manchas de Brushfield na íris, pregas epicânticas, opacificação de cristalino, fendas palpebrais oblíquas para cima (80%), pescoço curto com excesso de pele na nuca (80%). Q Alterações hematológicas. Policitemia, leucemias, doenças autoimunes e suscetibilidade a infecções. Q Anomalias cardíacas (45%). Defeitos de septo atrial e ventricular, tetralogia de Fallot e ducto arterial patente. Q Anomalias gastrintestinais (18%). Fístula traqueoesofágica, estenose hipertrófica de piloro, atresia duodenal, pâncreas anular, doença de Hirschsprung e ânus imperfurado. Q Outras alterações. Convulsões (5%), criptorquidia (27%), estrabismo (33%), prega palmar única (45%), displasia de pelve (70%) e distúrbios da tireoide.

SÍNDROME DE TURNER Incidência. Estima-se que aproximadamente 1:2.500 meninas nascidas vivas possuam a síndrome de Turner. A grande maioria dos fetos com monossomia do cromossomo X morrem precocemente.

Tabela 31.2.1 ETIOLOGIA DA SÍNDROME DE DOWN Alteração cromossômica

Exemplos

Frequência

Trissomia livre do cromossomo 21

47, XY + 21

94%

Translocação do 21 com qualquer outro cromossomo

46, XY t(15, 21)

3,5%

Mosaicismo normal/trissomia do 21

47, XY + 21/46, XY

2,5%

535

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS

Etiologia. Ver Tabela 31.2.1.

Etiologia. Monossomia total ou parcial do cromossomo X. Vários casos são observados com mosaicismo. Idade materna avançada não está associada ao aumento da incidência. Achados clínicos. Ver Tabela 31.2.2. Prognóstico. O prognóstico é bom, sendo o tratamento cirúrgico necessário para correção das possíveis cardiopatias ou do pescoço alado. A remoção das gônadas é indicada nos casos de mosaicismo em que uma das linhagens cromossômicas possui algum material originado do cromossomo Y. Problemas psicológicos podem surgir pela baixa estatura e pelo infantilismo gonadal. Nessas pacientes está indicada a terapia de reposição hormonal (TRH) com estrogênios, podendo ser iniciada com baixas doses, aumentando-se progressivamente a dosagem até chegar a níveis séricos observados em mulheres adultas. A TRH pode ser realizada de forma cíclica para que ocorra menstruação.

SÍNDROME DE KLINEFELTER

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS

Incidência. Afeta aproximadamente 1 em cada 500 indivíduos do sexo masculino. Etiologia. O diagnóstico é confirmado com 47, XXY na análise cromossômica. É a causa genética mais comum de hipogonadismo e infertilidade em homens.

Tabela 31.2.2 ACHADOS CLÍNICOS DA SÍNDROME DE TURNER Características

%

Disgenesia ovariana com hipoplasia de elementos germinais Linfedema congênito do dorso das mãos e pés Tórax largo com hipertelorismo mamário Baixa implantação posterior dos cabelos Pescoço alado Valgismo cubital Quarto metacarpo ou metatarso curtos Anomalias renais (rim em “ferradura”, duplicação da pelve) Válvula aórtica bicúspide Coarctação de aorta Prejuízo da percepção auditiva Baixa estatura com tendência à obesidade QI médio em torno de 90 – performance mais prejudicada

> 90 > 80 > 80 > 80 50 > 70 > 50 > 60 30 10 > 50

536

Achados clínicos Q Performance. QI médio em torno de 85-90. Tendem a apresentar problemas comportamentais como imaturidade, insegurança, timidez, etc. Problemas de ajuste psicossocial são observados. Q Crescimento. Membros longos com altura média em torno do percentil 75. Q Hipogonadismo. Micropênis e micro-orquidia. Na adolescência, os testículos permanecem pequenos, frequentemente menores que 2,5 cm. Na grande maioria dos casos, há inadequada produção de testosterona, levando à virilização parcial e inadequada, com a ginecomastia ocorrendo em um terço dos casos. Infertilidade é a regra, sendo observada a hialinização e fibrose dos túbulos seminíferos.

SÍNDROME DE EDWARDS Incidência. 1:5.000 nativivos. Etiologia. Trissomia de todo ou de grande parte do cromossomo 18. Pode ocorrer em mosaicismo, apresentando aumento na sobrevida e expressão fenotípica mais leve. Achados clínicos Q Crescimento. Baixo peso ao nascer (média de 2.240 g) e retardo de crescimento. Q Alterações do sistema nervoso central (SNC). Deficiência mental grave, choro fraco, holoprosencefalia, hidrocefalia, anencefalia, mielomeningocele. Q Anomalias craniofaciais. Occipital proeminente, diâmetro bifrontal estreito, anomalias de orelha, microcefalia, micrognatia. Q Anomalias cardiovasculares (85%). Doença polivalvular, defeito do septo ventricular, ducto arterial patente, coarctação de aorta. Q Alterações de membros. Mãos com tendência à sobreposição do segundo quirodáctilo sobre o terceiro e do quinto quirodáctilo sobre o quarto, unhas hipoplásicas, hálux dorsofletido, pé “em mata-borrão”. Prognóstico. A expectativa média de vida é de cinco dias, com uma variação de 1 hora a 18 meses. Aproximadamente 30% dos afetados morrem no primeiro mês, 50% no segundo mês e menos de 10% vivem até completar 1 ano de idade. Os que possuem um período de vida maior apresentam retardo mental grave com déficit importante do crescimento. 537

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS

Prognóstico. A maioria desses indivíduos entra na puberdade espontaneamente, apenas apresentando insuficiência na produção de testosterona mais tardiamente. A terapia de reposição de testosterona está indicada a partir dos 11-12 anos, melhorando a autoestima e a irritabilidade, aumentando a libido, a força e a densidade mineral óssea. A quase totalidade desses homens afetados irá necessitar de algum auxílio na escola, principalmente no aprendizado da leitura e da soletração.

SÍNDROME DE PATAU Incidência. 1:15.000 nativivos. Etiologia. Trissomia completa ou de grande parte do cromossomo 13. Em geral, sua ocorrência é de novo, porém pode ser causada por translocações, o que aumenta o risco de recorrência em caso de um progenitor portador de uma translocação balanceada. Achados clínicos. Ver Tabela 31.2.3.

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS

Prognóstico. A expectativa média de vida é de dois dias e meio, sendo que 82% das crianças morrem no primeiro mês e apenas 5% sobrevivem durante os primeiros seis meses. A sobrevida de três anos é excepcional; nesses casos, verifica-se retardo mental grave e déficit de crescimento. A realização de procedimentos cirúrgicos corretivos deve sempre ser questionada devido ao grave comprometimento do SNC, levando em consideração as circunstâncias de cada criança afetada e respeitando os sentimentos dos pais.

Tabela 31.2.3 ACHADOS CLÍNICOS DA SÍNDROME DE PATAU Características

%

Retardo mental grave Fronte olímpica Criptorquidia Defeitos do septo atrial Retardo de crescimento Microcefalia Micrognatia Hipotelorismo Ducto arterial patente Anomalias de orelhas Pescoço curto Polidactilia Microftalmia Defeitos do couro cabeludo Defeitos do septo ventricular

100 100 100 91 87 86 84 83 82 80 79 76 76 75 73

538

DOENÇAS GÊNICAS SÍNDROME DE MARFAN Incidência. Varia de 1 a 3 casos para cada 10.000 nascidos vivos. Etiologia. Mutações no gene FBN1, localizado na região 15q21.1. O gene FBN1 codifica para proteína estrutural fibrilina 1, encontrada em tecidos elásticos. Possui herança de caráter autossômico dominante, com penetrância incompleta e expressividade variável. Em torno de 30% dos casos não são hereditários e resultam de mutações novas.

Tratamento. A assistência multidisciplinar é importante com acompanhamento rotineiro com cardiologista e oftalmologista. O pediatra deve sempre estar atento à possibilidade desse diagnóstico, pois tais pacientes têm uma maior tendência a apresentar pneumotórax espontâneo, endocardites e rompimento de aneurismas, inclusive de aorta. Prognóstico. A expectativa média de vida é de 60-65 anos. Os avanços das técnicas de cirurgia cardíaca são os principais responsáveis pelo aumento da sobrevida desses pacientes nas últimas décadas.

SÍNDROME DO X FRÁGIL É a causa mais comum de deficiência mental hereditária. A frequência tem sido estimada em aproximadamente 1:4.000 homens e 1:8.000 mulheres. O termo X frágil é usado devido a uma manifestação citogenética caracterizada por uma falha no braço longo do cromossomo X. Nessa região, Xq27.3, foi identificado o gene FMR1 (Fragile Mental Retardation 1), que codifica a proteína FMRP. Nos casos de síndrome do X frágil, há ausência da proteína FMRP devido à presença de uma expansão e metilação da sequência de trinucleotídeos CGG. O diagnóstico é realizado por estudo molecular, no qual observa-se a expansão dos trinucleotídeos CGG. Caracteriza-se pela presença de deficiência mental, em geral moderada a grave, associada à face longa e estreita, orelhas grandes e proeminentes e macro-orquidia. Convulsões podem ocorrer em 20% dos casos, apesar de 50% terem alguma alteração eletrencefalográfica. As manifestações clínicas costumam ser mais 539

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS

Achados clínicos Q Sistema musculoesquelético. Alta estatura, membros longos, cifoescoliose, aracnodactilia, pectus excavatum, frouxidão ligamentar com hiperelasticidade articular. Q Sistema cardiovascular. Prolapso de vávula mitral, regurgitação aórtica, coarctação da aorta, dilatação de raiz de aorta e aneurisma aórtico, provavelmente devido a uma degeneração da túnica média da referida artéria. Q Sistema oftalmológico. Afilamento de esclera, rompimento de fibrina de zônula, ectopia temporal do cristalino, vícios de refração e frequência aumentada de descolamento de retina.

graves nos meninos. O tratamento é sintomático, com estimulação precoce, educação especial, fonoterapia e medicamento para controle das alterações de comportamento.

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS

ACONDROPLASIA É a displasia óssea não letal mais comum, com frequência estimada de 1:16.000 a 1:35.000 nascidos vivos. É uma patologia de herança autossômica dominante, entretanto 80% dos casos ocorrem de forma esporádica em uma família, resultantes de uma mutação de novo. Duas mutações no gene do receptor do fator de crescimento de fibroblasto 3 (FGFR3) são causadoras dessa doença em 99% dos casos. Ambas ocorrem no nucleotídeo 1.138 deste, promovendo a mesma troca de aminoácidos. O comprimento médio ao nascimento é de 47,7 cm para o sexo masculino e de 47,2 cm para o sexo feminino. Indivíduos adultos possuem estatura em torno de 1,27-1,30 m. Os pacientes com acondroplasia costumam apresentar macrocefalia relativa associada à bossa frontal e à raiz nasal baixa. Dilatação de ventrículos cerebrais é observada em alguns casos, sendo necessária a realização de tomografia computadorizada (TC) de crânio. O diagnóstico é baseado nos achados radiográficos de esqueleto: incisura isquiática aguda, acetábulos horizontalizados, membros curtos com rizomelia e estreitamento dos espaços interpediculares da coluna lombossacra.

OSTEOGÊNESE IMPERFEITA É um distúrbio generalizado do tecido conjuntivo que envolve ossos, pele, ligamentos, tendões, escleras e ouvido. Ocorre devido a mutações nos dois genes que codificam as cadeias de colágeno tipo I, COL1A1 e COL1A2. A manifestação clínica mais comum é a fragilidade óssea, determinando fraturas de repetição. Possui ampla variabilidade clínica, sendo classificada atualmente em sete tipos, de acordo com as características clínicas observadas nos diferentes órgãos afetados. A grande maioria dos tipos são herdados de modo autossômico dominante, exceto pelo tipo VII, que possui herança autossômica recessiva. Os pacientes com osteogênese imperfeita moderada a grave têm indicação de tratamento com bifosfonados, observando-se melhora da densidade óssea e consequente diminuição da frequência de fraturas, melhora do peso, da estatura, das dores e das deformidades ósseas.

DOENÇAS CAUSADAS POR MICRODELEÇÕES SÍNDROME DE PRADER-WILLI A síndrome de Prader-Willi (SPW) apresenta frequência de 1:10.000-15.000 indivíduos. Ao nascimento, apresentam, em geral, baixo peso, hipotonia e dificuldades de alimentação. Aproximadamente 7% são prematuros e 40% têm apresentação 540

pélvica. Criptorquidia e hipogenitalismo são observados no sexo masculino. Em torno dos 2 anos, iniciam com significativo ganho de peso, desenvolvendo obesidade importante associada à compulsão alimentar. Evoluem com alterações do comportamento e deficiência mental. Durante a adolescência, podem apresentar problemas cardiorrespiratórios e diabete melito. A SPW ocorre devido à alteração na região cromossômica 15q11.2. Em 70% dos indivíduos afetados, encontra-se a deleção dessa região no cromossomo herdado do pai. Em 20% dos casos, ocorre a dissomia uniparental materna envolvendo essa região. No restante dos casos, observa-se alteração de imprinting nessa região.

A frequência da síndrome de Angelman (SA) tem sido estimada em 1:10.00020.000 nascimentos. O perímetro cefálico é normal ao nascimento, tornando-se microbraquicefálico no período pós-natal. Outras características tornam-se mais evidentes com o decorrer do tempo: prognatismo (80%), hipoplasia de face média (70%), protrusão de língua (70%), lábio superior fino (80%), macrostomia (75%) e baixa estatura (70%). Apresentam ainda deficiência mental grave, com pobre desenvolvimento da fala. Apresentam ataques de riso prolongados e inapropriados, ataxia e deambular característico com os braços levantados. Convulsões são comuns em 80% dos casos e também eletrencefalograma (EEG) característico com ponta onda lenta de 2-3 ciclos/segundo. Em 65% dos casos, a SA ocorre devido à deleção na região 15p11.13. Essa deleção é semelhante à observada na SPW, porém ocorre no cromossomo herdado da mãe. Isso é resultado do imprinting genômico, isto é, a expressão diferenciada de genes de acordo com a origem parental. Em 3-5% dos casos de SA, observa-se como causa a dissomia uniparental paterna (DUPpat). Os casos restantes são devidos a alterações no centro de imprinting ou à mutação no gene UB3A. Nos casos de deleção e DUPpat, o risco de recorrência é de aproximadamente 1%. Nos casos de alteração do centro de imprinting ou mutação, quando herdada da mãe, o risco de recorrência é de 50%.

SÍNDROME DE WILLIAMS A frequência dessa síndrome tem sido estimada em 1:10.000-20.000 nascimentos. Caracteriza-se por alterações faciais distintas com hipoplasia de face média, raiz nasal baixa, narinas antevertidas, filtro longo, lábios grossos, fissuras palpebrais curtas, epicanto, região periorbitária saliente e estrabismo. Entre 50-75% dos pacientes com olhos claros apresentam um padrão estrelar da íris. Retardo de crescimento intrauterino é frequentemente observado, e o crescimento é próximo do percentil 3 em torno dos 10 anos. A menarca pode ser precoce. Oitenta por cento dos casos apresentam defeitos cardíacos congênitos, sendo os mais frequentes a estenose aórtica supravalvar (64%) e a estenose da artéria pulmonar (24%). Anomalias do trato urinário também são comuns. Hipercalcemia tem sido relatada em 15% dos casos na infância. 541

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS

SÍNDROME DE ANGELMAN

A síndrome de Williams ocorre devido à deleção na região 7q11.23, região cromossômica que inclui o gene da elastina (ELN). Essa microdeleção é visualizada por técnica de hibridização in situ por fluorescência. A maioria dos casos ocorre de forma esporádica.

SÍNDROMES SECUNDÁRIAS A FATORES AMBIENTAIS EMBRIOPATIA POR ÁLCOOL

SÍNDROMES GENÉTICAS COMUNS

O uso do álcool durante a gestação é a causa mais comum de retardo de crescimento e desenvolvimento na infância. Em caso de consumo moderado a alto de álcool, isto é, mais de seis doses por dia, o risco é considerado alto, ocasionando a síndrome alcoólica fetal (SAF). Em doses menores, podemos observar efeitos relacionados ao álcool e distúrbios neuropsicomotores. A SAF caracteriza-se por baixo peso ao nascimento, anormalidades craniofaciais, como microcefalia, epicanto, fissuras palpebrais curtas, ptose palpebral, estrabismo, nariz curto com narinas antevertidas, hipoplasia de face média, filtro longo e apagado, lábio superior fino e micrognatia. Anomalias do SNC e cardiopatias congênitas também são achados comuns.

EMBRIOPATIA PELO MISOPROSTOL O misoprostol é um análogo da prostaglandina E1. Essa medicação aumenta a contratilidade uterina, levando a sangramentos e perdas gestacionais, sendo muito utilizada como indutor de abortamento, principalmente no Brasil. Por ser um indutor pouco efetivo, em torno de 80% das gestações expostas ao misoprostol são levadas a termo. Os bebês nascidos após exposição ao misoprostol podem apresentar várias anomalias, como a sequência de Moebius (paralisia bilateral do VI e VII nervos cranianos, defeito de redução de membros, pé torto congênito e pobre abertura da boca, que ocasiona dificuldade na alimentação), anomalias digitais e do SNC.

EMBRIOPATIA PELA HIDANTOÍNA Pacientes que usam hidantoína durante a gestação para controle de crises convulsivas apresentam risco de 5 a 10% de terem filhos com a síndrome de hidantoína fetal. Essas crianças têm ainda um risco de 30% de apresentarem apenas alguma anomalia associada a essa síndrome, que se caracteriza por retardo de crescimento pré e pós-natal (45%), microcefalia (30%), deficiência mental (25%), espessamento de suturas cranianas (10%), fissural labial e/ou palatina (5%), nariz pequeno com raiz nasal baixa (20%), ptose palpebral (10%), epicanto (15%), boca grande, anomalias cardíacas (10%), anomalias digitais (15%) e polegar digitalizado (10%). Tumores embrionários também podem fazer parte do quadro clínico.

542

REFERÊNCIAS Buyse ML. Birth defects encyclopedia. Cambridge: Balckwell Scientific Publications; 1990. Ferreira JP. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2005. Gorlin RJ, Cohen MM, Hennekam RCM. Syndromes of the head and neck. 4th ed. Oxford: Oxford University; 2001. Jones KL, Smith´s recognizable patterns of human malformation. 6th ed. Philadelphia: WB Saunders; 2006. Lopes AC. Diagnóstico e tratamento Barueri: Manole; 2007. v. 3. Sanseverino MTV, Spritzer DT, Schüuler-Faccini L. Manual de teratogênese. Porto Alegre: UFRGS; 2001. Schinzel A. Catalogue of unbalanced chromosome aberration in man. New York: Walter de Gruyter; 1984.

31.3

ERROS INATOS DO METABOLISMO

DIEGO SANTANA CHAVES GERALDO MIGUEL CAROLINA FISCHINGER MOURA DE SOUZA CRISTINA BRINCKMANN OLIVEIRA NETTO

Definição. Erros inatos do metabolismo (EIM) são doenças causadas por defeitos genéticos que afetam o funcionamento normal de proteínas envolvidas em reações químicas que ocorrem como parte do processo contínuo de degradação e renovação de moléculas necessárias para o funcionamento do organismo (Fig. 31.3.1). São patologias de manifestação clínica heterogênea, cujos primeiros sinais e sintomas ocorrem geralmente durante o período neonatal e a infância, podendo também afetar jovens e adultos. Epidemiologia. Os EIM são condições individualmente raras, incluindo doenças com baixa frequência (p. ex., tirosinemia hereditária, com 1:500.000 nascimentos) e outras bem mais frequentes (como a fenilcetonúria, com 1:12.000 nascimentos). Embora raras, em função do seu grande número (mais de 500 diferentes condições, 10% do total das doenças genéticas), sua frequência em conjunto estimada é maior do que 1:1.000 nascimentos. Etiologia. Os EIM são condições herdadas; a determinação do padrão de herança pode auxiliar na elucidação diagnóstica e, principalmente, no aconselhamento 543

ERROS INATOS DO METABOLISMO

Thompson MW, Mc Innes RR, Willard HF. Genética médica. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1993.

ERROS INATOS DO METABOLISMO

Figura 31.3.1 Reação enzimática. A manifestação clínica dos EIM decorre do acúmulo do substrato (A) e/ou deficiência do produto (B) da reação, secundários à deficiência da enzima envolvida e/ou de seu cofator. Em muitos casos, há o desvio para uma rota alternativa, e o produto dessa rota (C) poderá ser o responsável pelos danos matabólicos.

genético. O modo de herança é, na maioria dos casos, autossômico recessivo, em que encontramos uma frequência maior em filhos de casais consanguíneos. O padrão de herança pode ser dominante, podendo ser mutação nova ou não. Os principais exemplos dessa forma de herança são a porfiria intermitente aguda e a hipercolesterolemia familiar. Na forma de herança ligada ao X, a mutação é transmitida por uma mulher portadora (geralmente sadia) para os seus filhos homens. A mucopolissacaridose tipo 2, a doença de Fabry e a adrenoleucodistrofia ligada ao X são exemplos dessa forma de herança. Ainda há a herança mitocondrial, seguindo o padrão de herança não tradicional, em que o genoma mitocondrial é passado exclusivamente pela mãe. O efeito fenotípico de uma mutação mitocondrial depende da localização da mutação, da proporção de mitocôndrias afetadas e da suscetibilidade dos tecidos ao efeito metabólico, quase sempre relacionado ao déficit de produção energética. Principais sinais e sintomas clínicos sugestivos de EIM. A seguir, são descritas algumas situações que elevam o risco para EIM quando o pediatra está avaliando uma criança agudamente enferma ou mesmo com um quadro sugestivo de patologia metabólica (Fig. 31.3.2): Q Q Q

Morte neonatal ou infantil sem causa definida Consanguinidade entre os pais Encefalopatia inexplicável que ocorre em qualquer idade e de uma forma recorrente Q Episódios de hipoglicemia em jejum, acidose metabólica ou alcalose respiratória Q Regressão neurológica Q Retardo mental progressivo 544

Moléculas pequenas – Início: súbito (mais frequentemente) – Curso: agudo, intermitente ou crônico – Regressão neurológica: pouco frequente (a não ser após “crises”) – Manifestações clínicas desencadeadas por estados catabólicos ou farmacológicos: frequentes – Manifestações clínicas ou laboratoriais do tipo “intoxicação” ou “déficit de energia” (hipoglicemia, acidose metabólica, hiperamonemia, hiperlactemia, coma): frequentes – Evidência de acúmulo intracelular do substrato (organomegalia, cardiomiopatia hipertrófica, opacificação de córnea, achados histopatológicos): ausente – Envolvimento ósseo: pouco frequente – Miopatia: frequente – Malformação cerebral: pode ocorrer – Dismorfias faciais: pouco frequentes – Resposta a tratamento dietético ou suplementação vitamínica: presente

Moléculas maiores – Início: gradual – Curso: crônico e progressivo – Regressão neurológica: frequente – Manifestações clínicas desencadeadas por estados catabólicos ou farmacológicos: pouco frequentes – Manifestações clínicas ou laboratoriais do tipo “intoxicação” ou “déficit de energia” (hipoglicemia, acidose metabólica, hiperamonemia, hiperlactemia, coma): pouco frequentes – Evidência de acúmulo intracelular do substrato (organomegalia, cardiomiopatia hipertrófica, opacificação de córnea, achados histopatológicos): presente – Envolvimento ósseo: frequente – Miopatia: pouco frequente – Malformação cerebral: ausente – Dismorfias faciais: frequentes – Resposta a tratamento dietético ou suplementação vitamínica: ausente

Investigação específica para: – Aminoacidopatias – Doenças do ciclo da ureia – Acidúrias orgânicas – Doenças do metabolismo dos carboidratos – Doenças mitocondrais – Doenças do metabolismo dos ácidos graxos – Doenças do metabolismo das purinas e pirimidinas – Doenças do metabolismo do colesterol – Doenças do metabolismo de vitaminas e cofatores – Doenças da síntese do heme – Doenças do metabolismo de cobre e ferro

Investigação específica para: – Esfingolipidoses – Glicoproteinoses – Mucopolissacaridoses – Lipofuscinoses – Glicogenoses – Doenças peroxissomais

Figura 31.3.2 Diagnóstico diferencial de acordo com os achados observados.

545

ERROS INATOS DO METABOLISMO

Paciente com suspeita de EIM

Q Q

Hepato e/ou esplenomegalia, icterícia colestática sem causa aparente Déficit de crescimento e/ou alterações osteoarticulares

É importante ressaltar que podemos encontrar manifestações típicas e atípicas nas diversas doenças e nas suas fases de apresentação. Classificação GRUPO 1 – doenças que levam à intoxicação. Esse grupo inclui os erros inatos do metabolismo intermediário que levam à intoxicação aguda e progressiva pelo acúmulo de compostos próximos ao bloqueio metabólico e tóxicos ao organismo e à célula. Nesse grupo temos os EIM de aminoácidos (fenilcetonúria, doença da urina em xarope do bordo, homocistinúria, tirosinemia, etc.), a maioria das acidemias orgânicas (metilmalônica, propiônica, isovalérica, etc.), os defeitos do ciclo da ureia, a intolerância aos açúcares (galactosemia, intolerância hereditária à frutose), a intoxicação por metais (doença de Wilson, síndrome de Menkes, hemocromatose) e as profirias. A característica principal do grupo é a presença de um intervalo livre de manifestações clínicas (Quadro 31.3.1), que geralmente são desencadeadas por catabolismo, febre, infecções e dieta inadequada. Muitos desses distúrbios são tratáveis, e o diagnóstico precoce evita a progressão dos sintomas e melhora consideravelmente o prognóstico. O tratamento consiste em restrição do acúmulo do substrato por meio da dieta (p. ex., fenilcetonúria, homocistinúria), remoção dos metabólitos tóxicos por diálise, hemodiálise ou hemofiltração (p. ex., acidemias orgânicas, defeitos do ciclo da ureia) e uso de cofatores vitamínicos para remover o metabólito ou promover o estímulo da atividade enzimática residual (Tab. 31.3.1). Dependendo da localização do bloqueio enzimático em uma determinada rota metabólica, recomenda-se o uso de cofatores específicos. Q GRUPO 2 – distúrbios do metabolismo energético. São EIM que interferem no funcionamento normal do metabolismo intermediário levando a uma deficiência parcial na produção ou utilização de energia pelo fígado, miocárdio, músculos, cérebro e outros tecidos. Esse grupo pode ainda ser subdividido

ERROS INATOS DO METABOLISMO

Q

Quadro 31.3.1 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO GRUPO 1 Agudas

Crônicas

Vômitos Letargia e coma Falência hepática Complicações tromboembólicas Hiperamonemia

Cardiomiopatia Luxação de cristalino Déficit de crescimento Atraso de desenvolvimento

546

Vitamina

Dose

Via

Biotina

10 mg/dia

Oral

Tiamina

200 mg/dia

Oral

Ácido lipoico

100 mg/dia

Oral

L-carnitina

25 mg/kg a cada 6 horas

Oral ou intravenosa

Coenzima Q10

5 mg/kg/dia

Oral

Vitamina C

100 mg/kg/dia

Oral

Riboflavina

100-300 mg/dia

Oral

Piridoxina

50-500 mg/dia

Oral

Piridoxal fosfato

20 mg/kg/dia

Oral

Ácido folínico

20 mg/dia

Oral

Fonte: Adaptada de Walter & Wraith.6

em distúrbios energéticos mitocondriais ou citoplasmáticos. As patologias mitocondriais geralmente são mais graves e de difícil resposta ao tratamento, e os principais exemplos são as acidemias láticas (p. ex., defeitos do transportador de piruvato, da piruvato-carboxilase, da piruvato-desidrogenase e do ciclo de Krebs), os distúrbios da cadeia respiratória mitocondrial, da oxidação de ácidos graxos (p. ex., deficiência de acil-CoA de cadeia média [MCAD]) e os defeitos dos corpos cetônicos. Os defeitos energéticos citoplasmáticos incluem distúrbios da glicólise, do metabolismo do glicogênio e da gliconeogênese, hiperinsulinismo, distúrbios do metabolismo da creatina e da pentose-fosfato (p. ex., glicogenoses, deficiência de frutose 1,6 difosfatase, deficiência de cetotiolase). Os principais sinais e sintomas estão descritos no Quadro 31.3.2. Q GRUPO 3 – distúrbios de moléculas complexas. Esse grupo envolve patologia de organelas celulares e inclui doenças que alteram a síntese ou o catabolismo de moléculas complexas. Os sintomas costumam ser permanentes, progressivos, independentes de intercorrências clínicas e não relacionados à dieta do paciente (Quadro 31.3.3). Aqui estão incluídos todos os distúrbios lisossômicos 547

ERROS INATOS DO METABOLISMO

Tabela 31.3.1 COFATORES VITAMÍNICOS GERALMENTE UTILIZADOS

Quadro 31.3.2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO GRUPO 2 Hipoglicemia Hepatomegalia Miopatia Déficit de crescimento Morte súbita

Hiperlactatemia Hipotonia Cardiomiopatia Insuficiência cardíaca

Quadro 31.3.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO GRUPO 3

ERROS INATOS DO METABOLISMO

Encefalopatia crônica Alterações osteoarticulares Regressão neurológica Alterações retinianas

Convulsões Hepatoesplenomegalia Dismorfias

de depósito (mucopolissacaridoses, mucolipidoses, gangliosidoses, etc.), doenças peroxissomais (síndrome de Zellweger, adrenoleucodistrofia ligada ao X), distúrbio do tráfego intracelular, defeitos congênitos da glicosilação e erros inatos da síntese de colesterol (doença de Wolman). Para esse grupo de doenças, não há sintomas relacionados à ingestão de alimentos, ou seja, a progressão da doença é independente da dieta. O tratamento proposto, quando não há sério envolvimento do sistema nervoso central, é terapia de reposição enzimática, transplante de medula óssea, terapia de redução de substrato, entre outras estratégias. O tratamento geralmente é de custo elevado e disponível somente para algumas patologias. Importância da suspeita clínica Necessidade de aconselhamento genético da família devido ao alto risco de recorrência – geralmente 25% para cada novo filho do casal. Q Instituição precoce do tratamento específico pode evitar graves sequelas no crescimento e no desenvolvimento das crianças afetadas. Q

Diagnóstico. O pediatra deve ter uma visão crítica de alguns achados laboratoriais de rotina, pois, mesmo sendo inespecíficos, podem auxiliar na suspeita e em uma investigação diagnóstica mais direcionada a um determinado EIM. A Tabela 548

31.3.2 lista alguns exames rotineiros que podem estar alterados em pacientes com EIM. A confirmação do diagnóstico de um EIM requer exames específicos, sendo geralmente necessária a demonstração de redução significativa da atividade da enzima que se supõe deficiente. Esses exames são feitos em plasma, leucócitos

Achados

Possibilidade de diagnóstico

Anemia (macrocítica)

Distúrbios do metabolismo da cobalamina e ácido fólico

Reticulócitos

Defeitos da glicólise

Linfócitos vacuolados

Doença lisossômica de depósito

↑ Fosfatase alcalina

Defeitos da síntese de ácidos biliares

↓ Colesterol

Defeitos da síntese do colesterol (Smith-Lemli-Opitz), doença do metabolismo das lipoproteínas

↑ Triglicerídeos

Glicogenoses, doença do metabolismo das lipoproteínas

↑ CPK

Doenças mitocondriais, defeitos da oxidação dos ácidos graxos, glicogenose tipo 2 e 3, defeitos da glicólise

↑ α-fetoproteína

Tirosinemia hepatorrenal

↑ Ácido úrico

Glicogenoses, doenças do metabolismo das purinas, defeitos da oxidação dos ácidos graxos, doença mitocondrial

↓ Ácido úrico

Doenças do metabolismo das purinas, deficiência do cofator molibdênio

↑ Ferro, transferrina

Hemocromatose, doença dos peroxissomos

↑ Cobre na urina ou fígado

Doença de Wilson, doença dos peroxissomos

Hipotireoidismo, hipoparatireoidismo

Doença mitocondrial, defeitos da glicosilação (CDG)

549

ERROS INATOS DO METABOLISMO

Tabela 31.3.2 EXAMES LABORATORIAIS DE ROTINA QUE PODEM ESTAR ALTERADOS NOS EIM

Figura 31.3.3 Idade de manifestação dos erros inatos do metabolismo no primeiro ano de vida.

ERROS INATOS DO METABOLISMO

Fonte: Adaptada de Hoffman e cols., 2002.

ou fibroblastos; entretanto, algumas vezes, é necessária a sua execução em tecido hepático ou muscular (Tab. 31.3.3). Alguns EIM, como a fenilcetonúria clássica, contudo, podem ter o seu diagnóstico confirmado mediante a demonstração do acúmulo do substrato da enzima deficiente (nesse caso, da fenilalanina), não sendo necessária a medida da atividade da enzima. Os diagnósticos baseados em acúmulo do substrato e/ou falta do produto devem ser realizados em amostras de sangue/urina coletadas no momento da crise metabólica e antes de ser iniciado o tratamento específico (Tab. 31.3.4); esse tipo de cuidado permite a diminuição dos resultados falso-negativos. Tratamento. As estratégias utilizadas para o tratamento dependem do tipo de EIM e podem envolver manipulação dietética, uso de vitaminas e reposição da enzima deficiente. Estima-se que, atualmente, para cerca de um terço dos EIM, o único tratamento que pode ser oferecido é o de suporte. A maioria dos EIM chamados “tratáveis” responde a medidas de reposição do produto (20%) ou da limitação da disponibilidade do substrato (20%). O transplante de medula óssea é utilizado em 3% dos casos, e a terapia de reposição enzimática em cerca de 1%.

550

Tabela 31.3.3 ENZIMAS CUJA ATIVIDADE PODE SER MENSURADA Local de mensuração

Enzima deficiente

Diagnóstico

Tecido hepático

– Frutose-1,6-difosfatase – Glicose-6-fosfatase

– Deficiência de frutose1,6-difosfatase – Glicogenose tipo 1

Eritrócitos

– Galactose-1-fosfato-uridil transferase – α-iduronidase – α-galactosidase A – Arilsulfatase A – β-glicuronidase

– – – –

Plasma

– Hexosaminidases A e B – Hexosaminidase A – Iduronato sulfatase

– Doença de Sandhoff – Doença de Tay-Sachs – Mucopolissacaridose tipo 2 – Doença de Schindler – Mucopolissacaridose tipo 3 B – Doenças lisossômicas

Leucócitos/ fibroblastos

– – – – – – – – – – – – – – – – –

Acetil-CoA glicosaminide N-acetiltransferase α-fucosidase α-glicosidase α-manosidase α-galactosidase A Arilsulfatase A Arilsufatase B Arilsulfatase C β-galactosidase β-glicosidase β-manosidase Esfingomielinase Galactocerebrosidase Galactose-6-sulfatase Heparan-sulfamidase N-acetilglicosamina-6sulfatase – Neuraminidase

– – – – – –

Mucopolissacaridose 3 C Fucosidose Doença de Pompe Manosidose Doença de Fabry Leucodistrofia metacromática

– – – – – – – – –

Mucossulfatidose Mucopolissacaridose 6 Mucossulfatidose Ictiose ligada ao X Gangliosidose GM1 Mucopolissacaridose 4 B Doença de Gaucher β-Manosidose Doença de Niemann-Pick A ou B Doença de Krabbe Mucopolissacaridose 4 A Mucopolissacaridose 3 A Mucopolissacaridose 3 D Sialidose

– – – – –

551

ERROS INATOS DO METABOLISMO

– α-galactosidase 1 – N-acetilglicosaminidase – Quitotriosidase ↑

Galactosemia Mucopolissacaridose tipo 1 Doença de Fabry Leucodistrofia metacromática – Mucopolissacaridose tipo 7

ERROS INATOS DO METABOLISMO

Tabela 31.3.4 TESTES QUALITATIVOS Exame

EIM associado

Prova de Benedict Teste de cloreto férrico Teste da dinitrofenilidrazina Teste do nitrosonaftol Teste do cianeto-nitroprussiato Teste da p-nitroanilina Teste do brometo de CTMA Teste do azul de toluidina Teste de Watson-Schwartz Teste do nitroprussiato de prata Teste para alcaptonúria Teste de Millon Teste do sulfito Cromatografia de aminoácidos

Doenças do metabolismo de glicídeos Fenilcetonúria Acidúrias orgânicas Tirosinemia Cistinúria/homocistinúria Acidúria metilmalônica Mucopolissacaridose Mucopolissacaridose Porfirias Homocistinúria Alcaptonúria Tirosinemia Deficiência do cofator molibdênio Aminoacidopatias Gangliosidose GM1 Doença de Sandhoff Doença de Tay-Sachs α-manosidose β-manosidose Fucosidose Sialidose (mucolipidose 1) Aspartilglicosaminúria Galactosialidose Deficiência da adenilsuccinatoliase

Cromatografia de oligossacarídeos e de sialoligossacarídeos

Cromatografia de Saiccar

TRIAGEM NEONATAL NO BRASIL Toda criança nascida em território nacional tem o direito à triagem neonatal (teste do pezinho). A triagem neonatal é uma ação preventiva que possibilita o diagnóstico de algumas doenças congênitas, assintomáticas no período neonatal, permitindo, dessa forma, a instituição do tratamento precoce específico e a diminuição ou eliminação das sequelas associadas a cada doença. O Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) prevê o diagnóstico de quatro doenças: hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, hemoglobinopatias e fibrose cística; entretanto, nem todos os estados brasileiros realizam os exames para todas essas doen552

Tabela 31.3.5 TESTES QUANTITATIVOS Material de análise

EIM associado

Análise de ácidos orgânicos na urina por cromatografia gasosa acoplada ao espectrômetro de massa – CG/MS

Urina

Acidemias orgânicas, doenças do metabolismo energético, aminoacidopatias

Dosagem quantitativa de aminoácidos por HPLC, autoanalisador ou fluorimetria (fenilalanina e tirosina)

Urina, sangue e líquido cerebrospinal

Aminoacidopatias, acidemias orgânicas, doença de neurotransmissores

Ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFA)

Sangue

Doença dos peroxissomos (adrenoleucodistrofia, síndrome de Zelweger)

Dosagem de ácido orótico

Urina

Defeitos do ciclo da ureia

Dosagem de succinil-acetona

Sangue e urina

Tirosinemia tipo 1

Dosagem de ácido siálico

Urina

Sialidose

Dosagem de glicosaminoglicanos

Urina

Mucopolissacaridoses

ERROS INATOS DO METABOLISMO

Exame

ças, seguindo as fases de implantação orientadas pelo Ministério da Saúde. O teste do pezinho é apenas um exame de triagem. Um resultado alterado não implica diagnóstico definitivo de qualquer uma das doenças, necessitando de exames confirmatórios. O momento para a coleta, preferencialmente, não deve ser inferior a 48 horas da alimentação proteica (amamentação) e nunca superior a 30 dias, sendo o ideal entre o terceiro e o sétimo dia de vida.

REFERÊNCIAS Burton BK. Inborn error of metabolism in infancy: a guide to diagnosis. Pediatrics. 1998;102(6):e69. Clarke JTR. A clinical guide to inherited metabolic diseases. Cambridge: Cambridge University Press; 2002. 553

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ERROS INATOS DO METABOLISMO

Soliz A, Chandler BD, Vasconcellos E. The enigmatic baby: a practical approach to the diagnosis of inborn errors of metabolism. Int Pediatr. 2007;22(4):192-6.

554

CAPÍTULO 32

HEMATOLOGIA 32.1

DIAGNÓSTICO DE ANEMIAS

KARINA LORENZI MARRAMARCO MAZZUCCO LIANE ESTEVES DAUDT

A anemia nas crianças é uma preocupação frequente dos pais, sendo motivação para muitas consultas pediátricas. A definição de anemia segue o ponto de corte do Center of Disease Control and Prevention (CDC)/EUA de 1998, sendo considerada o valor de hematócrito (Ht) e hemoglobina (Hb) abaixo do percentil 5 em uma população saudável, de acordo com o sexo e a faixa etária (Tab. 32.1.1). Várias são as causas de anemia. A Figura 32.1.1 é uma tentativa de elucidar o diagnóstico diferencial entre elas, norteando a investigação clínica do pediatra a partir do VCM (volume corpuscular médio), ou seja, a partir do tamanho médio das hemácias de uma amostra de sangue periférico. O esfregaço de sangue periférico, por sua vez, permite avaliar a morfologia das células eritroides, sendo possível visualizar células anormais, como células em alvo, esferócitos, eliptócitos, entre tantas outras. Na investigação da anemia, é importante estabelecer se o problema compromete apenas a série eritroide ou também as outras linhagens celulares (leucócitos

Tabela 32.1.1 VALORES DE REFERÊNCIA PARA ANEMIA Idade

Hb (< g/dL)

Ht (< %)

VCM (< fL)

RDW (> %)

6 meses a 2 anos

11

32,9

77

14

2-5 anos

11,1

33

79

14

5-8 anos

11,5

34,5

80

14

8-12 anos

11,9

35,4

80

14

DIAGNÓSTICO DE ANEMIAS

Figura 32.1.1 Diagnóstico diferencial das causas de anemia.

e plaquetas). Por isso, devemos sempre solicitar um hemograma completo (com leucograma e plaquetas) e contagem de reticulócitos, além de bilirrubinas e teste de Coombs se houver icterícia e suspeita de hemólise. A reticulocitose indica perda crônica de sangue ou hemólise, enquanto a diminuição da contagem de reticulócitos associa-se à diminuição da eritropoiese. A alteração em mais de uma linhagem celular sugere envolvimento da medula óssea, doença sistêmica ou destruição celular periférica, como, por exemplo, na aplasia de medula, leu556

cemia, síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), púrpura trombocitopênica idiopática, hiperesplenismo. É difícil estudarmos as anemias sem conhecer as grandes variedades dessa patologia, que se torna, por vezes, intrigante e envolvente no seu diagnóstico diferencial. Tentaremos, então, ressaltar e individualizar os tipos de anemia mais prevalentes da infância em nosso meio, sem a pretensão de esgotarmos o assunto para o médico pediatra.

ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE FERRO A ferropenia é a deficiência nutricional mais comum em todo o mundo. Estimase que, atualmente, cerca de 2,15 bilhões de pessoas no mundo sejam anêmicas por carência de ferro, o que torna essa patologia um problema de saúde pública. A deficiência de ferro em crianças é capaz de causar retardo de desenvolvimento (redução de QI, dificuldades de aprendizado) e distúrbios de comportamento (redução da atividade motora e da atenção às atividades e, até mesmo, violência). Os principais fatores envolvidos na gênese da anemia ferropriva são: Aporte inadequado de ferro na dieta: o leite de vaca e o leite materno são pobres em ferro, entretanto, a absorção do ferro do leite materno é em torno de 49% do ingerido, em contraste com os 10% do leite de vaca. Os bebês amamentados ao seio estão relativamente protegidos contra a deficiência de ferro nos primeiros meses de vida, quando comparados a recém-nascidos alimentados com fórmulas não enriquecidas em ferro ou leite de vaca. A introdução precoce do leite de vaca (antes de 1 ano de idade) e o consumo de mais de 700 mL de leite de vaca por dia (em crianças maiores de 1 ano de idade) são fatores de risco para a deficiência de ferro, uma vez que o leite de vaca, além da baixa biodisponibilidade de ferro, substitui alimentos ricos em ferro na dieta (como as carnes) e pode causar microssangramentos intestinais. Após o desmame, é essencial uma dieta rica em ferro associada aos facilitadores da absorção do ferro (alimentos ricos em vitamina C). Q Crescimento: nos primeiros 2 anos de vida e na puberdade, ocorre uma aceleração rápida do crescimento, aumentando a demanda de ferro no organismo devido à necessidade de aumentar a produção de células vermelhas e de massa muscular. Por isso o risco de deficiência de ferro nessas fases do desenvolvimento é maior. Q Perda sanguínea: pode ocorrer por má absorção intestinal, hipersensibilidade ao leite de vaca ou, ainda, devido às parasitoses intestinais. Diagnóstico. A deficiência de ferro varia desde a depleção de ferro – na qual as reservas de ferro estão diminuídas, mas a quantidade funcional pode estar preservada, não causando nenhuma alteração funcional – até a anemia por deficiência de ferro, em que não há ferro a ser disponibilizado caso o organismo necessite, afetando o funcionamento de vários órgãos. As manifestações clínicas sistêmicas da ferropenia surgem muito antes do diagnóstico de anemia ser estabelecido, 557

DIAGNÓSTICO DE ANEMIAS

Q

DIAGNÓSTICO DE ANEMIAS

tornando-se mais evidentes quando a hemoglobina encontra-se abaixo de 7,0 g/dL. Entre outras, pode-se destacar: palidez, anorexia, pica, glossite atrófica, disfagia, síndrome de má absorção, irritabilidade, fraqueza, diminuição da performance cognitiva e física, hipertrofia cardíaca. Os achados laboratoriais são de uma anemia microcítica (VCM baixo), hipocrômica (CHCM baixo), com índice de anisocitose aumentado (RDW), além da diminuição da ferritina, ferro sérico, saturação da transferrina e aumento da protoporfirina eritrocitária livre. Tratamento Q Aconselhamento nutricional: manter o aleitamento materno exclusivo pelo menos até o 6o mês de vida; utilizar fórmulas lácteas fortificadas com ferro até o 1o ano de vida em vez de leite de vaca; utilizar cereais/farinhas enriquecidos com ferro dos 6 meses a 1 ano de idade; suplementar ferro em bebês com baixo peso ao nascimento; incluir facilitadores da absorção intestinal do ferro na dieta (alimentos ricos em vitamina C, carnes, aves, peixes); não consumir alimentos inibidores da absorção do ferro (chás, fosfatos e fitatos – verduras verdes, cereais integrais, soja, clara de ovo, beterraba) em associação com alimentos ricos em ferro. Q Profilaxia da anemia ferropriva: o Programa Nacional de Suplementação de Ferro (PNSF), criado por meio da Portaria no 730 de 13 de maio de 2005, do Ministério da Saúde, juntamente com a fortificação obrigatória das farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico e a orientação nutricional adequada, constituem um conjunto de estratégias voltadas para o controle e a redução da anemia ferropriva no nosso país. A profilaxia com suplementação de ferro deve ser feita em todas as crianças entre 6 e 18 meses de idade, na dose de 25 mg de ferro elementar, 1x/semana. Q Tratamento da anemia ferropriva: suplementar ferro elementar na dose de 4,5-6 mg/kg/dia em 2-3 tomadas, sob a forma de sulfato ferroso ou gluconato ferroso (as preparações ferrosas são melhor absorvidas que as férricas). A duração do tratamento deve ser individualizada para cada paciente, devendo-se mantê-lo ainda por 3-4 meses após a normalização da hemoglobina, a fim de repor as reservas de ferro do organismo. Como resposta adequada ao tratamento, espera-se um aumento na contagem dos reticulócitos 5-10 dias após o início do tratamento. Seguindo esse pico, a Hb deve aumentar cerca de 0,25-0,4 g/dL/dia ou o Ht 1% ao dia nos primeiros 7-10 dias. Após, a Hb tende a aumentar mais lentamente, cerca de 2 g/dL a cada três semanas. Devemos considerar, entre as falhas de tratamento: má adesão ao tratamento devido aos efeitos adversos do sulfato ferroso, como náuseas, diarreia, constipação; dose inadequada de ferro; perda sanguínea persistente; diagnóstico incorreto; deficiências concomitantes (vitamina B12 e ácido fólico). No caso de efeitos adversos importantes, pode-se fracionar a dose e aumentá-la gradualmente até atingir a dose terapêutica ou, ainda, trocar a formulação do ferro. Cabe lembrar que a anemia ferropriva associa-se comumente à trombocitose, não requerendo esta nenhuma abordagem diferenciada, uma vez que a correção da hemoglobina estabiliza os níveis normais de plaquetas.

558

ANEMIA MEGALOBLÁSTICA

Achados clínicos. Início insidioso de palidez, letargia, fadiga, anorexia, glossite e diarreia. Na deficiência de vit B12, podem ocorrer manifestações neurológicas, como retardo de desenvolvimento, irritabilidade, parestesias, marcha atáxica. Achados laboratoriais. Diminuição da Hb e aumento do VCM (entre 110 e 140) e do RDW. Pode ocorrer discreta redução na contagem de leucócitos e plaquetas, sendo que os neutrófilos apresentam-se hipersegmentados. A dosagem de vit B12 e ácido fólico costuma estar diminuída. Vale ressaltar que a anemia ferropriva associada à deficiência de vit B12 e ácido fólico (anemia multicarencial) se apresenta tipicamente como uma anemia normocítica. Tratamento Deficiência de vit B12: reposição de vit B12, 100-1.000 µg, intramuscular, 1×/dia, por 5-7 dias; após, repete-se a mesma dose, 2-3×/semana, por mais 7-14 dias e, por fim, chega-se à dose de manutenção de até 1.000 µg de vit B12 a cada 3 meses. Q Deficiência de ácido fólico: reposição de ácido fólico, 1-5 mg/dia, por 4 meses. Q

O tratamento da anemia megaloblástica deve se adequar à sua causa: se esta não for devido à ingestão inadequada dos nutrientes, a reposição deverá ser feita a longo prazo e, em alguns casos, durante toda a vida. Utiliza-se ácido fólico profilático em pacientes com anemia hemolítica severa, como na anemia falciforme, nas talassemias e na anemia hemolítica autoimune. Lembrar que a reposição de folato pode reverter as manifestações hematológicas da deficiência de vit B12, enquanto as manifestações neurológicas podem progredir, sendo obriga-

559

DIAGNÓSTICO DE ANEMIAS

A anemia megaloblástica é uma anemia macrocítica (VCM > 95), que se caracteriza pela presença de megaloblastos na medula óssea e macrócitos no sangue periférico; em mais de 95% dos casos, resulta de deficiência de ácido fólico e vitamina (vit) B12. A megaloblastose da medula óssea reflete o atraso na maturação do núcleo em relação ao citoplasma causado por síntese defeituosa de DNA. A vit B12 e o ácido fólico são importantes cofatores nessa síntese de DNA. A vitamina B12 provém basicamente da ingestão de alimentos de origem animal (carne, peixe e laticínios), não sendo encontrada em frutas, cereais e verduras. Cerca de 99% da absorção da vit B12 se dá ligada ao fator intrínseco. No duodeno, a vit B12 é captada pelo fator intrínseco, seguindo até o íleo distal, onde é então absorvida. A causa mais comum de deficiência de vit B12 em lactentes é o leite materno deficitário em tal nutriente, devido à pobre ingestão materna de alimentos de origem animal. As demais causas de deficiência de vit B12 referem-se a defeitos na sua absorção, transporte ou metabolismo (congênitos ou adquiridos). Já o ácido fólico tem como principal fonte os vegetais verdes frescos (crus), fígado, aveia e algumas frutas, sendo absorvido no duodeno e no jejuno proximal. Os sinais clínicos da deficiência de folato se desenvolvem cerca de 4-5 meses após o início das perdas (por ingestão inadequada, má absorção ou utilização exagerada).

tória a exclusão da deficiência de vit B12 do diagnóstico de anemia megaloblástica antes de repor-se apenas ácido fólico.

TALASSEMIAS A talassemia é uma anemia hereditária na qual ocorre uma deficiência na síntese das cadeias de globina (α ou β). Apresenta-se como uma anemia microcítica e hipocrômica, sob um grande espectro clínico, variando da ausência de sintomatologia a pacientes com anemia grave, deformidades ósseas importantes e hemólise acentuada tensa. O traço α-talassêmico deve ser suspeitado, especialmente quando não ocorrer a melhora esperada da hemoglobina com o uso de sulfato ferroso no tratamento de uma suposta anemia ferropriva (já descartadas as possíveis falhas terapêuticas, como a má adesão ao tratamento e a dose inadequada de reposição do sulfato ferroso).

DIAGNÓSTICO DE ANEMIAS

β-TALASSEMIA É a forma mais comum de talassemia no Brasil, sendo a maioria dos pacientes descendente de italianos ou gregos (zona do Mediterrâneo). Caracteriza-se por uma diminuição ou ausência na síntese de cadeias beta de globina, estando envolvidos mais de 200 tipos de mutações. Essas diversas mutações podem determinar dois tipos de gene β-talassêmico: um gene totalmente incapaz de produzir a cadeia beta (gene β0) e um gene que produz pequena quantidade de cadeia beta (gene β+). Como possuímos 2 alelos (um paterno e um materno), podemos encontrar os seguintes genótipos: β β → pessoa normal; β0β0 / β+β+ → homozigotos; β0β+ → duplo heterozigoto; β0β → β+β → heterozigotos. Clinicamente, esses pacientes se apresentarão da seguinte forma:

β-talassemia major (anemia de Cooley) Esses pacientes não produzem cadeia beta de globina ou produzem pouquíssima quantidade dela; é o caso dos genótipos β0β0 e β0β+. São praticamente assintomáticos até os 3-6 meses de idade devido à presença da Hb F (hemoglobina fetal); a partir de então, instala-se uma anemia grave (Hb entre 3,0 e 5,0 g/dL) e hemólise periférica e medular. Devido a essa eritropoiese ineficaz, ocorre “expansão da medula”, levando às deformidades ósseas (proeminência dos maxilares, aumento da arcada dentária superior, com separação dos dentes e bossa frontal). Observa-se ainda palidez, irritabilidade, retardo de crescimento, hepatoesplenomegalia e icterícia, indicando a presença de anemia hemolítica severa. No hemograma, observa-se anemia microcítica (VCM entre 48 e 72 fL) e hipocromia (CHCM entre 23 e 32 g/dL), além de poiquilocitose e morfologia bizarra dos eritrócitos (células em alvo, corpúsculos de Heinz). No aspirado de medula óssea, observa-se intensa hiperplasia eritroide. O tratamento da β-talassemia major baseia-se na hipertransfusão crônica a fim de controlar a hiperplasia eritroide desordenada; transfunde-se concentrado de hemácias 5-10 mL/kg a cada 3-5 560

semanas, objetivando-se manter a Hb entre 10 e 12 g/dL. A esplenectomia deve ser cuidadosamente recomendada em crianças. Devido às tranfusões crônicas, faz-se necessária a terapia de quelação do ferro (desferoxamina, 1,0-2,5 g/dia, subcutâneo, em bomba de infusão, em 12 horas); a quelação oral do ferro já está sendo desenvolvida e utilizada em alguns casos. O transplante alogênico de células-tronco hematopoiéticas apresenta ótimos resultados quando bem indicado.

β-talassemia intermédia

É um quadro mais brando que o da β-talassemia major. Esses pacientes geralmente apresentam genótipo β+β+; podem ser assintomáticos até a adolescência, pois não requerem transfusões nos primeiros 5 anos de vida, sendo capazes de chegar à segunda década de vida sem necessidade de terapia de hipertransfusão crônica. Os pacientes são cronicamente anêmicos (Hb entre 6 e 9 g/dL) e podem apresentar deformidades ósseas, icterícia intermitente, litíase biliar e esplenomegalia moderada. Tratamento: consiste em acompanhamento periódico de acordo com a sintomatologia, função cardíaca e sobrecarga de ferro. Reposição com ácido fólico diário está indicada; terapia transfusional, conforme a evolução da doença.

O paciente é assintomático, pois apresenta, pelo menos, um gene capaz de produzir cadeia beta de globina normalmente; são os genótipos heterozigotos β0β e β+β. Geralmente, o diagnóstico é feito por acaso em algum hemograma de rotina. Alguns pacientes podem apresentar anemia discreta (Hb 10 g/dL), associada a microcitose, hipocromia e hemácias em alvo e pontilhado basofílico. Não requer nenhum tipo de tratamento, apenas aconselhamento genético para o casal.

α-TALASSEMIA

Os pacientes com α-talassemia apresentam deficiência na síntese da cadeia alfa de globina devido à deleção de um, dois, três ou quatro alelos estruturais. Genotipicamente, podemos encontrar: αα / α_ → 1 deleção = carreador assintomático; αα / _ _ ou α_ / α_ → 2 deleções = α-talassemia minor; α_ / _ _ → 3 deleções = doença da hemoglobina H; _ _ / _ _ → 4 deleções = hidropisia fetal (hemoglobina de Bart). A Hb de Bart é incompatível com a vida extrauterina; o resultado é um natimorto ou um recém-nascido com hidropisia fetal que evoluirá rapidamente para o óbito. A ausência de 3 genes na doença da Hb H permite o nascimento de um bebê sadio, porém já com anemia, podendo apresentar icterícia no período neonatal devido ao quadro de anemia hemolítica. A doença da Hb H assemelha-se à β-talassemia intermédia, na qual o paciente pode ser assintomático nos primeiros anos de idade e, ao longo da segunda ou terceira década de vida, geralmente vem a necessitar de transfusões ou de esplenectomia. Na α-talassemia minor (deleção de 2 alelos), os pacientes são assintomáticos, mas apresentam anemia microcítica e hipocrômica, células em alvo e eletroforese de hemoglobina normal, 561

DIAGNÓSTICO DE ANEMIAS

β-talassemia minor (traço talassêmico)

podendo ocorrer apenas discreta elevação da HbF. Os carreadores assintomáticos, também conhecidos como portadores do traço α-talassêmico, têm eletroforese de hemoglobina normal e discreta microcitose e hipocromia. O aconselhamento genético é importante. Diagnóstico de talassemia. Conforme já citado, é possível observarmos, no hemograma simples, anemia com microcitose, hipocromia e hemácias em alvo. A eletroforese de hemoglobina é o único exame capaz de confirmar o diagnóstico de talassemia. Na β-talassemia, ocorre aumento da HbA2 e da HbF, esta última podendo chegar até 90% em pacientes com β-talassemia major e diminuição dos níveis de HbA. Na α-talassemia, a eletroforese de hemoglobina confirma o diagnóstico de hidropisia fetal, evidenciando a presença de Hb de Bart e ausência completa de HbA. Na doença da Hb H, detecta-se entre 5 e 30% de Hb H; também é possível solicitar pesquisa de agregados de Hb H para elucidação diagnóstica. A HbA2 e a HbF estão proporcionalmente normais ou reduzidas, ao contrário do que ocorre na β-talassemia.

DIAGNÓSTICO DE ANEMIAS

DOENÇA FALCIFORME A doença falciforme é um termo genérico para um grupo de doenças que inclui os homozigotos para anemia falciforme (HbSS), doença falciforme com hemoglobina C (HbSC), doença falciforme com talassemia (HbS/talassemia) e outras condições heterozigotas. O traço falcêmico (HbAS) é uma condição benigna, um estado de carreador, não sendo classificado como doença falciforme. A prevalência do traço falcêmico na África chega a 40%; nos afro-americanos, o traço ocorre em até 8% da população, enquanto a doença falciforme atinge 1:600 afro-americanos. É transmitida como um traço autossômico dominante incompleto e se caracteriza por uma mutação pontual no códon 6 do gene da β-globina, que resulta na substituição da glutamina pela valina. A HBS resultante polimeriza quando desoxigenada; esses polímeros distorcem a forma normal do eritrócito, deformando a estrutura da sua membrana celular; ocorre a desidratação do eritrócito devido a alterações nos fluxos de sódio, potássio e cálcio na membrana celular, o que propicia, finalmente, a conformação de foice do eritrócito. A célula em foice resulta em aumento da viscosidade sanguínea e diminuição do fluxo sanguíneo, com formação de trombos (doença vaso-oclusiva) e destruição precoce (anemia hemolítica). Diagnóstico. Baseia-se na concentração de HbS maior que 90%, podendo ser detectada por meio da eletroforese de hemoglobina, exame facilmente disponível em nosso meio, e no teste do pezinho convencional (realizado nos primeiros 30 dias de vida do bebê). Ainda dispomos da biologia molecular, na qual o DNA é estudado. Cabe lembrar que, ao nascimento, a HbF (Hb fetal) compõe cerca de 80% da Hb, e a HbA, os demais 20%. No decorrer dos meses, a HbF vai sendo substituída pela HbA. No caso da doença falciforme, a HbA é indetectável, e a 562

HbF é substituída gradativamente pela HbS, por isso, os achados clínico-laboratoriais podem ser percebidos apenas ao longo do primeiro ano de vida. Achados laboratoriais. Anemia normocrômica e normocítica moderada a severa, reticulocitose, neutrofilia e trombocitose são comuns. Presença de HbS na eletroforese de hemoglobina, células em foice no esfregaço de sangue periférico.

Tratamento. Os pacientes com doença falciforme devem ser acompanhados por equipe multidisciplinar o mais precocemente possível, com o objetivo de diminuir a morbimortalidade da doença. A profilaxia de infecções bacterianas com penicilina ou amoxicilina demonstrou diminuição de mortalidade por sepse bacteriana, principalmente nos primeiros anos de vida. A vacinação contra pneumococo, hemófilo e meningococo deve ser realizada precocemente. Os episódios vaso-oclusivos, em especial as crises álgicas, devem ser tratados com repouso, hidratação endovenosa e analgesia potente. A hidroxiureia (15-20 mg/kg/dia) aumenta os níveis de HbF e melhora a evolução clínica dos pacientes com crises de vaso-oclusão. As transfusões sanguíneas e as exsanguinotransfusões são reservadas para casos refratários, no intuito de diminuir a concentração de HbS. Atentar para a sobrecarga de ferro e aloimunização contra os eritrócitos doados nesses casos. O transplante alogênico de células-tronco hematopoiéticas vem sendo estudado e realizado com cautela, estando ainda reservado para os casos mais graves.

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DIAGNÓSTICO DE ANEMIAS

Achados clínicos. As manifestações clínicas da doença falciforme podem ser estudadas em três grandes grupos: as decorrentes de hipoesplenismo e infecção; as decorrentes da anemia (hemolítica com icterícia e hiperbilirrubinemia indireta, ou aplásica); as decorrentes dos eventos vaso-oclusivos (crise álgica, sequestro esplênico/hepático, infarto intestinal, litíase biliar, síndrome torácica aguda, hipertensão pulmonar, insuficiência renal aguda/crônica, priapismo, úlceras de perna, acidente vascular cerebral).

32.2

DISTÚRBIOS DA COAGULAÇÃO

TIAGO RODRIGUES NAVA LIANE ESTEVES DAUDT

DISTÚRBIOS DA COAGULAÇÃO

O fluxo adequado de sangue por milhares de metros de veias, artérias e capilares depende de um conjunto de vasos intactos e de um sistema capaz de estancar sangramentos e reparar possíveis danos dessa rede condutora de nutrientes e oxigênio. Para tal, um equilíbrio discreto deve ocorrer entre os sistemas de coagulação, anticoagulação e fibrinólise. Distúrbios em um ou mais desses sistemas podem predispor a criança a sangramentos ou a coágulos indesejados, levando à interrupção do fluxo distal com sofrimento isquêmico do órgão afetado. Por motivos didáticos, chamaremos o conjunto desses sistemas de coagulação. As patologias que cursam preponderantemente com predisposição a coágulos são chamadas de trombofilias e não serão abordadas neste capítulo. Epidemiologia. Não se limitando a casos pediátricos, 26 a 45% de pacientes sadios relatam história de epistaxe e equimoses com facilidade ou sangramento gengival em algum momento da vida. Já entre as mulheres em idade fértil, 10 a 15% referem menorragia. No entanto, o distúrbio da coagulação inato mais prevalente, independentemente de fatores raciais, a doença de von Willebrand (DvW), tem uma prevalência estimada de 1% na população mundial, seguida da hemofilia A (1:10.000) e da hemofilia B (1:50.000 habitantes). Na prática clínica, cabe ao pediatra a capacidade de avaliar uma história de sangramento, seja agudo ou recorrente, a fim de que possa solicitar e interpretar corretamente os exames laboratoriais, sendo capaz de discernir entre um sangramento usual e uma coagulopatia inata ou adquirida. História clínica. Apesar da quantidade de fatores a serem investigados na cascata da coagulação, a principal ferramenta diagnóstica para uma avaliação adequada de uma criança com sangramento é a história clínica. O primeiro passo é questionar sobre a incidência, a frequência e a gravidade dos sangramentos, principalmente sobre aqueles que ocorrem em dois locais distintos, dentre eles: pele (equimose, petéquias), nariz, gengivas, vagina, trato gastrintestinal, trato geniturinário, assim como história de sangramento prolongado durante ou após cirurgias, procedimentos dentários, gestação, parto ou trauma. O sangramento é dito significativo se requerer transfusão de concentrado de hemácias. O uso de medicamentos como varfarina, heparina, ácido acetilsalicílico (AAS) ou anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) deve ser sempre pesquisado. Com esses questionamentos, algumas “pistas” podem sugerir distúrbios inatos e adquiridos durante a anamnese: Q Q

Icterícia, acolia e sangramento gastrintestinal podem sugerir doença hepática. Quadros de diarreia crônica, má absorção e esteatorreia, como fibrose cística, por exemplo, podem indicar deficiência de vitamina K.

564

Q

Q Q

Q Q

História familiar de sangramento aumenta a suspeita para hemofilias (principalmente se meninos) e DvW. Sangramento de pele e mucosas, como menorragia, epistaxe, gengivorragia e equimoses, sugerem plaquetopenia, disfunção plaquetária ou DvW, obviamente descartando-se fatores predisponentes locais. Hemartroses e hematomas intramusculares são mais associados a deficiências de fatores, principalmente hemofilias A e B. Em caso de trauma, sangramentos imediatos estão mais associados a distúrbios quantitativos e qualitativos de plaquetas e DwV, enquanto sangramentos tardios são mais associados à deficiência de fatores da coagulação. Perda de peso e outros sintomas constitucionais podem indicar leucemias, outras neoplasias não hematológicas ou outro processo crônico, como AIDS. Em crianças gravemente doentes, sépticas ou pós-cirúrgicas complicadas, devese atentar sempre para a possibilidade de coagulação intravascular disseminada (CIVD). Mais frequentemente associada a quadros de infecção bacteriana, também pode ser desencadeada por sangramento importante, trauma, grandes queimaduras, hepatopatia e diversos outros fatores. Caracterizada por lesão endotelial sistêmica, classicamente cursa com consumo de fatores de ambas as vias da coagulação (Tab. 32.2.1), hipofibrinogenemia, plaquetopenia, eritrofragmentação e aumento dos produtos da fibrinólise (d-dímeros).

DISTÚRBIOS DA COAGULAÇÃO

Q

Tabela 32.2.1 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL EM CASO DE SANGRAMENTO TP

TTPa

Diagnóstico diferencial

Prolongado

Normal

Deficiência de fator VII; deficiência de vitamina K; doença hepática e uso de varfarina

Normal

Prolongado

Deficiência de fator VIII, IX, XII. DvH; uso de heparina

Prolongado

Prolongado

Deficiência de fator V ou X; deficiência de protrombina; deficiência de fibrinogênio; CIVD e uso combinado de varfarina e heparina

Normal

Normal

Defeitos de agregação plaquetária, DvW, uso de AAS ou AINE

Fonte: Platt A. (2007).

565

DISTÚRBIOS DA COAGULAÇÃO

Avaliação laboratorial Q Uma avaliação laboratorial correta começa com uma coleta adequada. Dificuldades na coleta, volume inadequado e coleta de cateteres podem comprometer a interpretação. Sugere-se sempre a confirmação de um resultado alterado, estando sempre atento à qualidade da coleta. Q Hemograma com contagem de plaquetas obviamente é capaz de evidenciar anemia microcítica (possível sinal de sangramento crônico), leucose ou leucopenia (p. ex., suspeita de leucemia) e principalmente plaquetopenia ou alteração da morfologia das plaquetas. A presença de plaquetopenia com macroplaquetas pode sugerir destruição ou consumo periférico de plaquetas, como na púrpura trombocitopênica idiopática (PTI), por exemplo, ou mesmo alterações hereditárias, como as megaplaquetas na doença de Bernard-Soulier, associadas a um defeito de agregação plaquetária. Q Bioquímica é muito válida em crianças aparentemente doentes: transaminases (podem indicar lesão hepática aguda), bilirrubinas (a fração indireta pode indicar hemólise). LDH (desidrogenase lática) é uma ferramenta interessante na prática clínica em hematologia, estando elevada em estados de turn over aumentado de células sanguíneas (PTI, leucemias, hemólise), porém pode estar aumentada em outras diversas patologias não relacionadas. Q Coagulograma é como podem ser chamados o tempo de protrombina (TP) e o tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa ou kTTP), que abordam as duas vias da cascata da coagulação: a extrínseca e a intrínseca, respectivamente. – A via extrínseca é ativada pela ligação do fator tecidual liberado no plasma pelo endotélio lesado ao fator VII, que, ativado, dá início à via comum. É abordada pelo TP, expresso em segundos, porém tem maior validade de interpretação quando expresso conforme o international normalized ratio (INR), para a qual o valor 1 é normal, e, entre 2-3, indica o nível terapêutico para quem usa varfarina. INR menor que 1,3 reflete níveis adequados dos fatores I, II, V, VII e X. – A via intrínseca é mais complexa; é iniciada a partir do contato entre cargas negativas do colágeno abaixo do endotélio lesado e o fator XII até a ativação do fator VIII, que ativará a via comum. É abordada pelo TTPa, que tem um valor-controle para cada laboratório. Os valores até 1,5 vezes – o limite máximo do controle – indicam níveis adequados dos fatores XII, XI, X, IX, VIII, V e protrombina. É utilizado para monitorar paciente em uso terapêutico de heparina. Q A curva de agregação plaquetária a diversos estímulos (epinefrina, ADP, ristocetina) é útil em casos com história de sangramento evidente, mas sem alteração nos tempos de coagulação, porém nem sempre é disponível. O tempo de sangria (normal entre 3-8 minutos), apesar de muito sujeito a imprecisões na técnica, pode indicar alterações qualitativas das plaquetas e DvW. Q Níveis de fibrinogênio baixos (100-300 mg/dL) podem tanto identificar patologias inatas como disfibrinogenemia, como CIVD e insuficiência hepática. Q Após avaliação inicial, conforme Tabela 32.2.1, pode-se pesquisar a atividade de coagulação de cada um dos fatores citados. 566

Q

Lembrar que o tempo de meia-vida dos fatores da coagulação contidos no plasma fresco varia de 3 horas a 10 dias, e esse período deve ser levado em consideração durante a investigação de qualquer coagulopatia presumida.

Manejo da criança que sangra Em casos de CIVD, o principal manejo, além do tratamento do fator desencadeante, ainda são as transfusões de concentrado de hemácias (10-15 mL/kg), se houver necessidade clínica, e concentrado de plaquetas (1 U/7-10 kg) se < 50.000/mL e sangramento ativo. Plasma fresco (10-20 mL/kg) deve ser usado em caso de sangramento agudo ou de necessidade de procedimento invasivo, e não somente para correção de tempos de coagulação se não houver sangramento. Para as mesmas situações, está disponível também o crioprecipitado (1 U/5-10 kg) para os casos de hipofibrinogenemia (< 100 mg/dL). Q O prolongamento do TP indica um prejuízo na via extrínseca, dependente de vitamina K. Sugere-se uma avaliação minuciosa das causas da má absorção. Um teste terapêutico pode ser realizado com vitamina K via oral, se houver absorção adequada, ou de forma parenteral, antes das investigações. Plasma fresco pode ser usado para reversão imediata do efeito da varfarina em paciente com sangramento grave. Q Sangramentos agudos ou necessidade de cirurgia em pacientes conhecidamente hemofílicos (A ou B) devem ser tratados com concentrados específicos do fator VIII (A) ou do fator IX (B). O cálculo de reposição de concentrados é feito baseado no nível plasmático desejado, que varia de acordo com a gravidade do sangramento ou com o tipo de cirurgia a ser realizada. O tempo de uso também varia de acordo com a situação. Q Assim como nas hemofilias leves, os portadores de DvW podem ser manejados com medicações antifibrinolíticas, como ácido tranexâmico (10-25 mg/kg/ dose de 8/8 h) e ácido aminocaproico (100-200 mg/kg/dose de 6/6 h), isoladamente ou associados à desmopressina (0,3 µg/kg endovenosa – dose máxima 20 µg), em casos de sangramentos leves a moderados. Procedimentos dentários maiores ou cirurgias, trauma ou sangramento com risco de morte são as únicas indicações de concentrado de fator VIII rico em multímeros de fator von Willebrand ou de pureza intermediária – fator VIII (y) (preferível, já que, na maior parte das vezes, há deficiência de fator VIII associada) ou concentrado de fator von Willebrand em pacientes com DvW moderada a grave. O cálculo da dose de reposição é o mesmo para hemofilia com base no fator VIII (incremento desejado de fator VIII × peso em kg × 0,4), a cada 12-24 horas, de acordo com a situação. Q Crioprecipitado pode ser usado em casos de DvW que não tenham resposta à desmopressina somente quando concentrados específicos não forem disponíveis. Pode ser usado em deficiência de fator XIII, na falta do fator industrial e em casos de deficiência de fibrinogênio. É vedado o uso em hemofilias pelo risco aumentado de transmissão de doenças virais em relação aos concentrados específicos que sofrem pasteurização. Q Pacientes usuários de AAS ou AINE devem descontinuar a medicação uma semana antes de cirurgias maiores. Em indivíduos que não respeitarem esse 567

DISTÚRBIOS DA COAGULAÇÃO

Q

período, agentes como antifibrinolíticos e desmopressina podem ser usados em caso de sangramento. Q Concentrado de plaquetas (1 U a cada 7-10 kg) pode ser usado para correção de sangramento em indivíduos portadores de disfunção plaquetária inata ou adquirida. Q Pacientes pós-cirúrgicos que se submeteram a bypass cardiopulmonar podem sofrer de disfunção plaquetária nas primeiras 4-6 horas e necessitar de transfusão de concentrado de plaquetas em caso de sangramento importante. Já naqueles com circulação extracorpórea, pelos mesmos motivos, sugere-se manter contagem de plaquetas > 100.000/mL. Q Se houver dúvidas quanto à interpretação das provas diagnósticas ou incoerência entre a história de sangramento e os achados laboratoriais, principalmente em avaliação pré-operatória, um hematologista pediátrico deve ser consultado.

REFERÊNCIAS

PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNOLÓGICA (PTI)

Arceci RJ, Hann IM, Smith OP. Pediatric hematology. 3rd ed. Massachusets: Blackwell Publishing; 2006. Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução – RDC Nº 23, de 24 de janeiro de 2002. Brasília, DF, 2002. Lichtman MA, Beutler E, Seligsohn U, Kaushansky K, Kipps TO. Williams hematology. 17th ed. Nova York: McGraw-Hill Medical; 2007. Platt A. Understanding and treating disorders of the clotting system. JAAPA. 2007;20(12):21-6.

32.3

PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNOLÓGICA (PTI)

ADRIANO TANIGUCHI LIANE ESTEVES DAUDT

A púrpura trombocitopênica imunológica (PTI) é uma doença autoimune caracterizada pela destruição de plaquetas mediada por autoanticorpos pelo sistema fagocítico-mononuclear. Na infância, tem maior incidência na idade pré-escolar, com distribuição igual entre os sexos. Nas formas crônicas, encontra-se uma maior incidência em meninas adolescentes e pré-adolescentes, como em outras doenças autoimunes em geral. Classificação. A PTI pode ser aguda, quando tem recuperação em menos de seis meses; crônica, quando persiste por mais de seis meses; ou recorrente, quando há reativação da doença após períodos de remissão de mais de três meses. Pode 568

Quadro clínico e diagnóstico. A PTI ocorre geralmente cerca de 2-3 semanas depois de uma infecção (viral ou bacteriana) ou vacinação. As manifestações clnicas mais comuns são cutâneas (hematomas e petéquias) e sangramento em mucosas, ambas características de distúrbios plaquetários e de hemostasia. Pode haver sangramentos importantes em todos os sistemas quando as contagens estiverem mais baixas. Sangramentos no sistema nervoso central são raros (< 0,1%), mas, quando acontecem, a morbidade é alta. Outras manifestações clínicas são incomuns. A presença de visceromegalias, linfonodomegalias e sintomas B sugerem outro diagnóstico. No perfil laboratorial, há plaquetopenia, com macroplaquetas no sangue periférico, não sendo estas essenciais para o diagnóstico. O leucograma é normal, e a presença de anemia não deve ser avaliada como um achado anormal, indicando sangramento maciço ou atentando para outro diagnóstico diferencial. O TP e o TTPA estão dentro da normalidade. O exame de medula óssea revela hiperplasia megacariocítica. O dianóstico é baseado na plaquetopenia, no sangue periférico em leucócitos e eritrócitos e no quadro clínico característico. Não é essencial para o diagnóstico o exame de medula óssea; ele está indicado quando o quadro clínico e o perfil laboratorial divergem da normalidade, e também quando uma PTI é refratária ao tratamento após três meses de evolução. Não há consenso entre hematologistas, mas algumas escolas preferem fazer o exame de medula em todos os casos ou sempre antes de iniciar tratamento com corticoide, visto que o principal diagnóstico diferencial são as leucemias agudas, que podem ter como primeira manifestação a plaquetopenia, podendo ser “mascaradas” com o uso dessa medicação. Em um estudo realizado com 127 crianças no Canadá, 4% tiveram diagnóstico clínico errôneo de PTI, baseado apenas no quadro clínico, quando comparado aos resultados do exame de medula óssea. Exames para avaliar diagnósticos diferenciais estão indicados quando há suspeita de outras patologias – por algumas escolas, sempre no ínicio do quadro, e por outras, quando há refratariedade ao tratamento ou quando a doença cronifica. São os exames de infecções do grupo STORCH, incluindo anti-HIV e anti-HCV, FAN e fator reumatoide. Diagnósticos diferenciais. Distúrbios de agregação plaquetária, aplasia de medula óssea, doenças reumatológicas, leucemias, hiperesplenismo, plaquetopenias congênitas, infecções, coagulopatias de consumo. Tratamento. O tratamento é indicado sempre que as plaquetas estiverem abaixo de 20.000. Quando isso ocorre e há queda na hemoglobina ou sangramento importante, a Sociedade Britânica recomenda o uso de imunoglobulina humana G (IVIG); transfusões devem ser evitadas ao máximo. O tratamento-padrão para PTI aguda é com predinisolona, 2 mg/kg/dia, por 2-3 semanas, com posterior redução gradual até que a dose ideal para manter as plaquetas acima do nível de 569

PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNOLÓGICA (PTI)

ser dividida também em primária e secundária. As formas secundárias geralmente estão associadas a imunodeficiências, infecções, outras doenças reumatológicas e, mais raramente, a neoplasias.

tratamento seja encontrada. Tem a mesma eficácia que o corticoide na PTI aguda o uso de IVIG (0,8 g/kg D.U.; 0,4 g/kg/dia por 5 dias; 1 g/kg/dia por 2 dias). Predinisolona e imunoglobulina humana em ensaios clínicos demonstraram o mesmo tempo de resposta. A esplenectomia deve ser evitada em crianças com menos de 6 anos de idade e tem indicação consensual em pacientes com PTIs refratárias após um ano de tratamento, com pelo menos seis sangramentos importantes nesse período. Antes da esplenectomia, devem ser realizadas as vacinas contra Haemophilus influenzae b, meningococo e pneumococo, e recomenda-se penicilinoprofilaxia até o início ou o fim da adolescência. A profilaxia é feita com amoxicilina (20 mg/kg/dia), penicilina G benzatina (a cada 21 dias: 600.000 UI IM para pacientes com menos de 27 kg e 1.200.000 UI IM para pacientes com peso superior a 27 kg) ou fenoximetilpenicilina potássica (100.000 UI VO de 12/12 horas até 3 anos de idade e 200.000 UI VO para maiores). Outras opções de tratamento, ainda sem ensaios clínicos em crianças, são o uso de pulsos de dexametasona, ciclosporina, vincristina, micofenolato e outros imunossupressores. A γ-globulina anti-Rh endovenosa é indicada no tratamento de primeira linha, mas não está disponível no Brasil.

LEUCEMIAS AGUDAS

Evolução. Setenta por cento das PTIs da infância entram em remissão nos primeiros seis meses, e 20%, nos seis meses subsequentes. Cinco por cento cronificam e 5% são a forma recorrente. Os casos crônicos e recorrentes geralmente estão associados a outras doenças e ocorrem mais em crianças mais velhas.

REFERÊNCIAS Halperin DS, Doyle JJ. Is bone marrow examination justified in idiopathic thrombocytopenic purpura? Am J Dis Child. 1998;142(5):508-11. Howard AL, Stasi R. Secondary immune thrombocytopenic purpura. Curr Opin Hematol. 2007;14(5):557-73. Michael DT, Paula HBB-M. Update on the management of immune thrombocytopenic purpura in children. Curr Opin Hematol. 2007;14(5):526-34.

32.4

LEUCEMIAS AGUDAS

ADRIANO TANIGUCHI LIANE ESTEVES DAUDT

As leucemias agudas são as neoplasias malignas mais comuns da infância, correspondendo a cerca de 40% dos cânceres nessa faixa etária. As mais frequentes são a leucemia linfoblástica aguda (LLA) e a leucemia mieloblástica aguda (LMA), correspondendo a 70% e 15% respectivamente. As LLAs têm pico de incidência 570

nas idades de 2-5 anos. As LMAs têm maior incidência nas idades adultas; correspondem a um terço das leucemias em crianças de até 1 ano de idade, diminuem no restante da infância e têm incidência semelhante na adolescência. São caracterizadas pela proliferação clonal de precursores mieloides ou linfoides (blastos) no organismo.

Diagnóstico. As leucemias podem se apresentar, embora seja menos comum, sem alteração no hemograma, por isso, sempre que houver suspeita, deve-se fazer exame de medula óssea. O diagnóstico é baseado na contagem medular de mais de 25% de blastos. Esses blastos são classificados quanto à sua morfologia por meio da microscopia e da análise de marcadores celulares por imunofenotipagem e/ou PCR. A citogenética também é importante para orientar o tratamento. Conforme a análise morfológica e de imunofenotipagem, as LLAs podem ser classificadas em pró-B, pré-B, B, pré-T e T. Há uma classificação morfológica em que os blastos linfoides se diferenciam em L1, L2 e L3. As LMAs são classificadas rotineiramente em M0 (minimamente diferenciada), M1 (mieloblástica sem maturação), M2 (mieloblástica com maturação), M3 (hipergranular promielocítica), M4 (mielomonocítica), M4Eo (mielomonocítica com aumento de eosinófilos), M5 (monocítica), M6 (eritroleucemia) e M7 (megacarioblástica). Fatores prognósticos. Ver Tabelas 32.4.1 e 32.4.2. Tratamento. A abordagem inicial visa à prevenção e ao manejo de complicações decorrentes da síndrome de lise tumoral: hipercalemia, hiperuricemia, hiperfosfatemia com hipocalcemia secundária. Essas alterações podem levar à insuficiência renal aguda e, menos comumente, cursar com coagulopatia. As principais medidas são a hiperidratação (3.000 mL/m2/dia), o uso de inibidores da xantina oxidase (alopurinol na dose de 100 mg/m2/dose de 8/8 horas) ou uricase recombinante (não disponível no Brasil) para prevenir a hiperuricemia e a alcalinização da urina e manter o pH entre 7-7,5. Para a alcalinização da urina se acrescenta à solução parenteral glicosada 60-100 mEq/L de bicarbonato de sódio sem acrescentar potássio e, quando há hipocalcemia ou hiperfosfatemia, reduz-se a alcalinização para evitar a precipitação de cristais de fosfato de cálcio. Leucoaferese é considerada em pacientes com mais de 100.000 leucócitos/mm³ (LMA) e mais de 400.000 leucócitos/mm³ (LLA). 571

LEUCEMIAS AGUDAS

Quadro clínico Q Sinais de consumo medular: tendência a sangramentos devido à plaquetopenia e/ou à coagulação intravascular disseminada (CIVD) – essa última principalmente na LMA-M3: hematomas, petéquias, sangramento gengival. Suscetibilidade a infeções: neutropenia, doenças febris. Anemia: fadiga, palidez, inapetência. Q Sinais de infiltração de órgãos: dores ósseas, hepatoesplenomegalia, linfadenopatias, massa mediastinal, infiltração cutânea, manifestações no sistema nervoso central (SNC), aumento de testículos. Q Sinais sistêmicos: febre, perda de peso, sudorese noturna.

Tabela 32.4.1 FATORES PROGNÓSTICOS EM LLA Fator

Favorável

Desfavorável

Idade

> 1 a < 6 anos

Restante

< 20.000

> 100.000

Blastos após 1 semana de tratamento no sangue periférico

< 1.000/mm³

> 1.000/mm³

Medula óssea no D14 da indução

Remissão

Sem remissão

Número de cromossomos (cariótipo)

> 50

< 45

Translocações cromossômicas

t(12;21)

t(9;22), t(4;11)

Leucometria no diagnóstico a

LEUCEMIAS AGUDAS

Tabela 32.4.2 FATORES PROGNÓSTICOS EM LMA Fator

Favorável

Desfavorável

Tipo

M1, M2, M3 (prognóstico muito bom) e M4Eo

M4, M5, M6 e M7

Citogenética

t(15;17)(q22;q12), t(8;21)(q22;q22), inv(16)(p13;q22), translocações do cromossomo 11 (11q23)*

Monossomias dos cromossomos 7 e 5, deleções dos cromossomos 7e5

Medula óssea no D15 da indução

< 5% de blastos

> 5% de blastos

* Têm prognóstico intermediário.

O manejo transfusional, a prevenção de infecções e o manejo destas, principalmente nos períodos de neutropenia, são importantes durante todo o tratamento. Há protocolos específicos de quimioterapia para cada tipo de leucemia, e o tratamento deve ser conduzido por um especialista em hemato-oncologia. A sobrevida geral em cinco anos para pacientes com LLA em primeiro protocolo é de cerca de 80%; para pacientes com LMA, 50%. 572

O transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) alogênico na LLA pode ser indicado para pacientes em primeira remissão, quando o prognóstico for ruim; em segunda remissão, quando houver recaída precoce (< 6 meses após o término do tratamento), quando a citogenética for desfavorável ou nos casos de LLA de linhagem T; e, a partir da terceira remissão, em todos os pacientes. Nos pacientes com LMA, o TCTH alogênico é reservado para os pacientes em segunda remissão em geral. Não há resultados diferentes da quimioterapia intensiva para TCTH autólogo em LLA e em LMA.

QUIMIOTERÁPICOS USADOS EM LLA E LMA CORTICOSTEROIDES Juntamente aos alcaloides da vinca, são as medicações mais importantes na indução de remissão em LLA. Os paraefeitos são amplamente conhecidos: causam hipertensão, diabete, imunossupressão, obesidade centrípeta, entre outros.

ALCALOIDES DA VINCA

L-ASPARAGINASE Usada no tratamento da LLA, a l-asparaginase causa inibição da síntese proteica e, consequentemente, da síntese de fatores de coagulação, favorecendo a ocorrência de eventos trombóticos e hemorragias. Outro efeito adverso importante é a anafilaxia. No Brasil, a asparaginase usada é a sintetizada a partir da Escherichia coli; quando o paciente apresenta anafilaxia, deve-se tentar fazer dessensibilização com a mesma droga. Na ocorrência de anafilaxia grave, deve-se trocar para a derivada de Erwinia carotovora ou, de preferência, para a asparaginase peguilada. Recomenda-se o uso de pré-medicação anti-histamínica antes da administração da droga, e muitas vezes as reações ocorrem apenas em fases tardias do tratamento, pois, nas fases iniciais, os pacientes estão pancitopênicos, o que diminui a resposta alérgica. A medicação pode causar também hiperglicemia e pancreatite.

ANTRACICLINAS Principal quimioterápico usado no tratamento da LMA, juntamente à citarabina, tem papel importante no tratamento da LLA. As antraciclinas são mielossupressores potentes e cardiotóxicos. A dose necessária para se causar cardiopatia é cumulativa, devendo-se não ultrapassar uma dose total de 300-400 mg/m2 de daunorrubicina. As doses de cada antraciclina não são equivalentes, necessitando de conversão ao equivalente da daunorrubicina para se fazer o cálculo. 573

LEUCEMIAS AGUDAS

A vincristina é importante no tratamento da LLA. É usada em doses semanais na indução de remissão, podendo causar neurotoxicidade importante, principalmente quando usada em intervalos menores e doses maiores que 1,5 mg/m2/dose.

ANTIMETABÓLITOS DO FOLATO Na LLA, o metotrexate é usado em altas doses nas intensificações, em baixas doses na manutenção e na quimioterapia intratecal. O metotrexate tem como principais paraefeitos mucosite, nefrotoxicidade e hepatotoxicidade. Quando usado em altas doses, são previstas nos protocolos a alcalinização da urina, a hiperidratação e doses de resgate com ácido folínico.

INIBIDORES DA TOPOISOMERASE Têm, como representantes, o teniposide e o etoposide, ambos usados no tratamento da LLA. São medicações relacionadas ao desenvolvimento de “leucemia secundária” pós-tratamento.

ALQUILANTES

LEUCEMIAS AGUDAS

A ciclofosfamida e a ifosfamida são os alquilantes mais usados no tratamento da LLA. Podem causar cistite hemorrágica quando em altas doses; para a prevenção, recomenda-se hiperidratação e profilaxia com o uso de mesna. Estão relacionados também ao desenvolvimento de neoplasias. Diferentemente dos inibidores da topoisomerase, quando causam leucemia pós-tratamento, esta é secundária à mielodisplasia causada por esses agentes. Já a leucemia secundária causada pelos inibidores da topoisomerase não se apresentam com mielodisplasia prévia. São cardiotóxicos sem dose cumulativa, principalmente em doses altas.

CITARABINA Causa supressão medular importante. É usada no tratamento da LLA e da LMA. Regimes de altas doses estão associados com toxicidade gastrintestinal, pulmonar, no SNC e ocular. Também pode causar miocardiopatia. Quando usada em altas doses, deve-se usar colírio com corticoide para a prevenção de conjuntivite hemorrágica.

INIBIDORES DE PURINA Têm papel importante no tratamento de manutenção das LLAs. A tioguanina e a mercaptopurina são as mais utilizadas. Causam toxicidade hepática e renal mais comumente.

REFERÊNCIAS Daudt LE, Fogliatto L. Problemas hematológicos comuns. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre; 2005. p. 517-20. Smith OP, Hann IM. Clinical features and therapy of lymphoblastic leukemia. 3th ed. Oxford: Blackwell; 2006. Cap. 20, p. 450-81.

574

32.5

TRANSFUSÃO DE HEMOCOMPONENTES

ADRIANO TANIGUCHI LIANE ESTEVES DAUDT

SANGUE TOTAL (ST) Contém todos os elementos sanguíneos em concentração semelhante inicialmente. Também é usado o termo sangue total para o concentrado de hemácias quando misturado com plasma. Cada bolsa contém cerca de 510 mL (450 de sangue total mais 60-70 de solução anticoagulante/aditiva). Indicações: em transfusões autólogas, geralmente em procedimentos eletivos. O sangue total reconstituído é indicado em casos de exsanguinotransfusão total para repor os fatores de coagulação que são retirados no procedimento.

O hematócrito varia entre 50-70 mL, e o volume, entre 250-350 mL, dependendo da solução anticoagulante/preservativa e do método de preparo. Dose usual: 10-15 mL/kg. Indicações Q Na hemorragia aguda, se o paciente permanece instável após a ressuscitação volêmica. Q Crianças abaixo de 4 meses: Hb < 12 nas primeiras 24 horas de vida. Perda sanguínea de 10% da volemia no período de uma semana em paciente necessitando de tratamento intensivo. Hb < 11 em pacientes dependentes de oxigênio. Hb < 7 em paciente estável. Q Na anemia crônica: pacientes com anemia que pode ser corrigida por medicações geralmente suportam um período transitório de anemia importante, sendo a transfusão necessária conforme critério clínico, não bastando apenas ter sinais de insuficiência cardíaca, mas sim havendo ou tendo risco de descompensação hemodinâmica. Para pacientes com prostração não explicada por outras causas além da anemia, também está indicada a transfusão de CHAD. Pacientes com anemia por déficit de produção de eritrócitos geralmente necessitam de um nível de Hb em torno de 6-7 g/dL para manter um desenvolvimento e uma qualidade de vida adequados. Pacientes com hemólise aguda devem ser transfundidos somente se houver descompensação clínica (as mesmas citadas no início do parágrafo). Q Terapia intensiva: para pacientes graves com descompensação clínica, mas com pressão arterial menor que 2 desvios-padrão abaixo da média, com síndrome do desconforto respiratório agudo (SARA), choque ou em ventilação mecânica (VM), é recomendado um nível de Hb de 7g/dL. Manter níveis de Hb maiores não demonstrou benefícios em um ensaio clínico recente. A indi575

TRANSFUSÃO DE HEMOCOMPONENTES

CONCENTRADO DE HEMÁCIAS (CHAD)

cação de manter níveis de Hb maiores nesses pacientes deve ser discutida caso a caso, desde que não se torne uma prática rotineira. Q Situações específicas: pacientes com talassemia maior têm indicação de fazer hipertransfusão para suprimir a alta produção eritroide característica da doença e suas consequências (deformidades ósseas, osteoporose, maior acúmulo de ferro). Pacientes com anemia falciforme têm indicação de CHAD quando em crise aplástica e sequestro esplênico. Devem entrar em programas de transfusão crônica os pacientes que tiveram acidente vascular cerebral (AVC), os que têm risco para desenvolvê-lo e os que tiveram síndrome torácica aguda por tempo indeterminado.

CONCENTRADO DE PLAQUETAS (CP) Cada unidade contém 50-70 mL e 5,5×1010 plaquetas em unidades de pool e 3×1011 em unidades de aférese. Dose usual: 1 U/10 kg. Indicações Rotina: transfundir quando plaquetas < 10.000/µL; < 20.000/µL se sangramento; ou < 50.000/µL antes de procedimentos. Q PTI: somente devem transfundir plaquetas se houver sangramento incontrolável importante ou sangramento no sistema nervoso central (SNC). Q Neonatos: < 30.000/µL se houver trombocitopenia aloimune ou falha na produção; < 50.000/µL se houver sangramento ativo com falha na produção antes de procedimentos invasivos; < 100.000/µL se houver sangramento ativo com coagulação intravascular disseminada (CIVD) antes de procedimentos invasivos.

TRANSFUSÃO DE HEMOCOMPONENTES

Q

PLASMA FRESCO CONGELADO (PFC) Contém concentrações semelhantes de todas as proteínas plasmáticas; bolsa com volume de 200-250 mL. Dose usual: 10-15 mL/kg. Indicações. Na prevenção ou tratamento de sangramento em pacientes com deficiência de fatores de coagulação em que não haja possibilidade de reposição de fatores específicos, nos casos de uso de cumarínicos, doença hepática grave, CIVD, transfusão maciça e antes de procedimentos invasivos para corrigir INR a 1,5 e tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) a 1,5 em relação ao controle. A transfusão de PFC como reexpansor de volume ou para prevenção e correção de desnutrição é condenada.

CRIOPRECIPITADO Cada unidade contém cerca de 10-20 mL. É rico em fatores VIII, von Willebrand, fibronectina e fibrinogênio. Dose usual: 1 U/10 kg. 576

Indicações. No controle e prevenção de sangramento em pacientes com CIVD.

PREPARAÇÃO DOS COMPONENTES Aférese. Coleta feita em máquina que filtra determinado hemocomponente que se quer produzir de um único doador. É principalmente usada na coleta de plaquetas por conseguir uma quantidade seis vezes maior do que a coleta convencional. Diminui a transmissão de doenças infecciosas e as chances de aloimunização. É indicada principalmente para pacientes submetidos a transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) ou candidatos a TCTH que tenham aplasia de medula óssea.

Componentes irradiados. Indicados em pacientes com imunodeficiências e em quimioterapia em geral e em prematuros extremos, para a prevenção de doença do enxerto versus hospedeiro. Pacientes com HIV não têm indicação para irradiar, pois não fazem essa reação. Componentes lavados. O processo de lavagem retira parte do plasma do CHAD. Está indicado em pacientes com reações febris ou alérgicas de repetição. Pacientes com deficiência de IgA devem sempre transfundir hemoderivados lavados, pois boa parte desses pacientes têm anticorpos anti-IgA, prevenindo assim reações alérgicas graves.

COMPLICAÇÕES REAÇÕES AGUDAS Reação hemolítica aguda. Geralmente devida à incompatibilidade ABO, mas pode ser provocada por qualquer aloanticorpo produzido pelo receptor. Pode ocorrer náusea, sibilos, dor lombar e torácica, hipotensão, CIVD e insuficiência renal aguda devido a microtrombo e hemoglobinúria. Se suspeitada, a transfusão precisa ser parada imediatamente e deve-se iniciar manejo hídrico agressivo suficiente para manter o volume intravascular e garantir a diurese, que idealmente deve ser de 3 mL/kg/hora para crianças até 10 kg e de 90 mL/m2/hora para crianças mais velhas. A maioria dos casos se deve à confusão na tipagem do paciente ou hemoderivado, ou à impressão errônea do rótulo. A melhor forma de prevenir é fazendo tipagem confirmatória ABO sempre antes das transfusões. Injúria pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI). Quadro semelhante à SARA; inicia 1-6 horas após a transfusão de qualquer hemoderivado contendo 577

TRANSFUSÃO DE HEMOCOMPONENTES

Filtração. Visa à redução do número de leucócitos. Filtros mais recentes, de terceira geração, reduzem em torno de 99-99,9% o número de leucócitos. A leucodepleção diminui as reações febris não hemolíticas, a transmissão de citomegalovírus e a aloimunização contra antígenos do sistema HLA.

plasma; cursa com melhora 2-3 dias após o início do quadro. O tratamento é de suporte e não há maneiras práticas de prevenção. Reações alérgicas. Cursa com sintomas desde reações locais até anafilaxia. A leucorredução não previne. Hemoderivados lavados diminuem reações desse tipo. Reações febris não hemolíticas. São comuns e diretamente proporcionais à presença de IL-1 e IL-6 no hemoderivado. São preveníveis com a leucorredução pré-estocagem do composto. Transfusões maciças. Têm, como principais complicações, hipercalemia, discrasias sanguíneas e diminuição da função das hemácias e das plaquetas. Contaminação bacteriana. Deve-se suspeitar quando ocorre a presença de qualquer indício de sepse que não seja apenas febre durante a transfusão.

REAÇÕES ADVERSAS TARDIAS

TRANSFUSÃO DE HEMOCOMPONENTES

Aloimunização. Ocorre raramente em crianças até os 4 meses de idade e é mais comum em pacientes que necessitam de transfusões de repetição. Pode ser diminuída por leucodepleção e irradiação dos compostos. Transmissão de infecções. As doenças infecciosas mais comuns transmitidas por transfusão são HIV, HCV, HBV, HAV, HTLV, sífilis, malária, doença de Chagas e CMV. Há uma legislação rigorosa no Brasil quanto à seleção e à testagem para infecções dos doadores, o que diminuiu muito a transmissão dessas infecções; esses métodos, entretanto, não previnem 100% a transmissão, pois muitas infecções podem estar no período de janela imunológica. Por isso essa complicação não é incomum. A principal maneira de evitá-la é analisar criteriosamente a indicação de transfusão de hemoderivados. Púrpura pós-transfusional. Complicação rara em que ocorre plaquetopenia profunda 5-10 dias após a transfusão de hemoderivados. A destruição é aloimune em indivíduos previamente sensibilizados; esses aloanticorpos acabam destruindo as plaquetas autólogas também. O quadro clínico é autolimitado. Doença do enxerto versus hospedeiro. Resulta da transfusão de linfócitos T em indivíduos cujo sistema imune é incapaz de rejeitá-los. Aparece agudamente 4-30 dias depois da transfusão, com manifestações principalmente cutâneas, hepáticas e no trato gastrintestinal; cursa com febre e supressão medular. A mortalidade é de quase 100% com um curso rápido. O tratamento é inefetivo, portanto, deve-se fazer a prevenção primária transfundindo-se hemoderivados irradiados em pacientes imunossuprimidos (com exceção para AIDS) e prematuros extremos principalmente.

578

REFERÊNCIAS Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução – RDC Nº 153, 14 de junho de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 jun. 2004. Luban NLC, Wong ECC. Hazards of transfusion. In: Robert JA, Ian MH, Owen PS. Pediatric hematology. 3rd ed. Cambridge: Blackwell Publishing; 2006. p. 724-44.

TRANSFUSÃO DE HEMOCOMPONENTES

Robitaille N, Hume HA. Blood components and fractionated plasma products: preparation, indications and administration. In: Robert JA, Ian MH, Owen PS. Pediatric hematology. 3rd ed. Cambridge: Blackwell Publishing; 2006. p. 693-723.

579

CAPÍTULO 33

HEPATOLOGIA 33.1

HEPATITES VIRAIS AGUDAS

CAROLINA ALBANESE NEIS LETÍCIA REMUS MORAES CRISTINA HELENA TARGA FERREIRA THEMIS REVERBEL DA SILVEIRA

As hepatites agudas representam um processo inflamatório difuso no parênquima hepático, secundário à resposta imunológica a um agente agressor. Elas representam as causas mais frequentes das hepatopatias agudas e crônicas, tendo uma incidência variável de acordo com a região geográfica considerada. Os principais causadores das hepatites virais agudas são os vírus hepatotrópicos. Eles representam 90% dos casos de hepatite aguda, portanto, o termo “hepatite viral” habitualmente se refere à hepatite causada pelos vírus A, B, C, D e E. Menos comumente, os vírus não hepatotrópicos também podem determinar quadros de hepatite, dentre os quais estão o herpes-vírus, o citomegalovírus, o Epstein-Barr, o adenovírus, o Coxsackie e os vírus da dengue, da varicela, da rubéola, da febre amarela, da caxumba e do sarampo. Na anamnese, é sempre importante questionar sobre a área de procedência, a exposição a indivíduos infectados e a presença de fatores de risco, como contato com portadores de hepatite, transfusão sanguínea ou procedimentos invasivos prévios, quadro anterior de icterícia, doenças prévias, uso de medicamentos, comportamento sexual e uso de drogas. Manifestações clínicas. As hepatites virais agudas podem apresentar-se clinicamente de forma anictérica, ictérica, colestática, com manifestações extra-hepáticas, de forma prolongada e recorrente; e grave, com insuficiência hepática (fulminante). Na maioria dos pacientes pediátricos, as hepatites agudas são assintomáticas. Na forma sintomática, a criança pode apresentar pródromos, antes do aparecimento da icterícia e da colúria, como mal-estar, astenia, febre, náuseas, vômitos, diarreia, anorexia, cefaleia, desconforto abdominal, mialgia e artralgia. O período prodrômico dura, geralmente, uma semana, mas pode estender-se por até três semanas.

580

A febre tende a desaparecer com o início da icterícia. Acolia ou hipocolia fecal, colúria e prurido também podem ser observados. A fase ictérica pode variar de alguns dias até uma semana, principalmente em crianças, mas poderá estenderse por 4-8 semanas. Além disso, na hepatite aguda, em geral, há hepatomegalia dolorosa, associada a alterações da consistência e da borda hepática. A esplenomegalia pode estar presente, e raramente o paciente apresenta edema e ascite, que, quando presentes, sugerem evolução grave. Outras manifestações pouco frequentes são anemia aplástica, trombocitopenia, púrpura, síndrome de Guillain-Barré, pancreatite, artrite e vasculite, mais comumente encontradas no curso da hepatite B. Quando a icterícia e as aminotransferases estão em declínio, o paciente tornase assintomático. O fígado aumentado começa a diminuir, o prurido melhora e a sensação de bem-estar retorna. Devemos ficar atentos à evolução da hepatite viral, com possibilidade de agravamento e desenvolvimento da forma fulminante; quando o fígado diminui rapidamente de tamanho, ocorrem mudanças no comportamento e no ritmo de sono, além de prolongamento do tempo de protrombina (TP). Diagnóstico laboratorial O diagnóstico específico das hepatites virais é fornecido com a positividade para os marcadores sorológicos dos vírus pesquisados (Tab. 33.1.1). No entanto, em conformidade a nossa rotina diária, sugerimos iniciar a investigação solicitando primeiramente anti-HVA IgM e, se necessário, seguir investigando aqueles pacientes com história clínica sugestiva, evolução não usual do quadro e os casos em que o anti-HVA IgM for negativo. Q As alterações laboratoriais baseiam-se no aumento das aminotransferases, que revelam a lesão dos hepatócitos, associadas a alterações das bilirrubinas e, em algumas situações, da albumina, da fosfatase alcalina, da leucograma e do tempo de protrombina. Q As aminotransferases começam a elevar-se antes do início dos sintomas, tanto no paciente ictérico quanto no anictérico. Tipicamente, seus níveis atingem 8-10 vezes o limite superior da normalidade, embora possam chegar a níveis muito altos, como 50-100 vezes. Q As aminotransferases (AST = aspartato-aminotransferase ou TGO = transaminase glutâmico-oxalacética e ALT = alanino-aminotransferase ou TGP = transaminase glutâmico-pirúvica) persistem alteradas por cerca de 3-19 dias na hepatite A e por cerca de 35-200 dias na hepatite B. Q O nível da elevação das enzimas não se relaciona com a gravidade, e mesmo os assintomáticos podem ter altos títulos de AST e ALT. Q As bilirrubinas podem ou não estar elevadas, mas raramente se encontrarão superiores a 15 ou 20 mg/dL. Q O leucograma apresenta vários padrões, sendo o mais frequente o aparecimento de linfocitose. Q Pode haver um padrão colestático evidente, geralmente com aumento da fosfatase alcalina. 581

HEPATITES VIRAIS AGUDAS

Q

HEPATITES VIRAIS AGUDAS

Tabela 33.1.1 TESTES DIAGNÓSTICOS SOROLÓGICOS NAS HEPATITES POR VÍRUS HEPATOTRÓPICOS Fator a ser testado

Significado

Uso

Anti-HVA IgM

Anticorpo contra o vírus A

Detectado em infecção aguda

Anti-HVA Total

Anticorpo contra o vírus A

Identifica imunidade por vacinação ou infecção prévia

Anti-HCV

Anticorpo contra o vírus C

Detectado em infecção aguda ou crônica

HBsAg

Antígeno de superfície do vírus B

Detectado em infecção aguda ou crônica

Anti-HBs

Anticorpo contra o antígeno de superfície do vírus B

Identifica imunidade por vacinação ou infecção curada

HBeAg

Antígeno E do vírus B

Identifica replicação viral e alto potencial de contágio

Anti-HBe

Anticorpo para HBeAg do vírus B

Identifica portador de HBsAg com baixo risco de transmissão

Anti-HBc

Anticorpo contra o core do vírus B

Identifica infecção aguda ou passada

Anti-HBc IgM

Anticorpo contra o antígeno do core do vírus B

Identifica infecção aguda recente pelo vírus B e, eventualmente, infecção crônica (baixos títulos)

Q

A ecografia ou a tomografia abdominal podem ser solicitadas para excluir a possibilidade da existência de obstrução biliar, particularmente nas formas colestáticas. Q A biópsia hepática não é realizada de rotina, a não ser quando há dúvida diagnóstica. 582

HEPATITE VIRAL A (HVA)

Quadro 33.1.1 HEPATITE VIRAL A HVA

Hepatopatia causada pelo vírus da hepatite A. Pode ocorrer em qualquer pessoa. Ocorre em surtos, epidemias ou casos esporádicos. Está relacionada a condições socioeconômicas desfavorecidas e más condições de higiene. A transmissão é fecal-oral e pode ocorrer de pessoa para pessoa ou por meio de alimentos contaminados. Doença prevenível por vacina.

Quadro clínico

Os adultos apresentam sintomas mais frequentemente que as crianças, que podem ser assintomáticas. Icterícia, dor abdominal, fadiga, anorexia, náuseas, hipocolia e colúria, febre e diarreia são sintomas comuns. Pode ocorrer em uma forma fulminante, com alta mortalidade.

Diagnóstico

Anti-HVA IgM significa infecção aguda, e anti-HVA total significa infecção prévia e proteção.

Efeitos a longo prazo

Hepatite A não cronifica. O indivíduo que tem a doença está protegido por toda a vida. Apenas 15% dos pacientes apresenta doença prolongada ou recidivante, durando até 6-9 meses. (Continua)

583

HEPATITES VIRAIS AGUDAS

O vírus da hepatite A foi descoberto há quase 30 anos, nas fezes de voluntários humanos infectados, e, nos dias atuais, a hepatite viral A (HVA) permanece sendo uma doença infecciosa muito registrada em todo o mundo. É mais prevalente nas áreas em que as condições sanitárias e de higiene são precárias e onde há pessoas mais desfavorecidas do ponto de vista socioeconômico. Ocorre, frequentemente, na forma de surtos, epidemias ou casos esporádicos nos países desenvolvidos. Embora a infecção pelo vírus da hepatite A não evolua para a cronicidade, é uma importante causa de morbidade e de eventual mortalidade nas populações, por meio de sua forma fulminante. A cura ocorre, na maioria dos pacientes, em 30-40 dias. Apenas 15% das pessoas acometidas vão apresentar um quadro prolongado ou sintomas recorrentes, que podem durar por um período, em geral, não superior a seis meses. A eliminação do vírus da hepatite A (VHA) nas fezes inicia-se 2-3 semanas antes do início dos sintomas e desaparece 1-2 semanas após esse início; o vírus pode também ser encontrado em outros fluidos corpóreos, embora em níveis baixos. O período de incubação varia de 15 a 45 dias (média de 30 dias). Veja no Quadro 33.1.1 o resumo das principais características da HVA.

Quadro 33.1.1 (continuação) HEPATITE VIRAL A Grupos de risco

Pessoas, especialmente crianças, que vivem em países endêmicos. Pessoas que moram na mesma casa ou que convivem com pessoas que têm HVA. Contatos sexuais; drogaditos. Pessoas que viajam para países ou zonas endêmicas. Pessoas que têm contato com alimentos contaminados, principalmente em países endêmicos.

Prevenção

A vacina anti-HVA está indicada na prevenção pré e pós-exposição. Imunoglobulina anti-HVA está indicada na pós-exposição, mas está sendo substituída pela vacina.

HEPATITES VIRAIS AGUDAS

Indicações de vacinação A vacina está indicada a partir de 1 ano de idade em todas as crianças que vivem em áreas endêmicas ou em qualquer pessoa que faça parte de grupos de risco.

HEPATITE VIRAL B (HVB) A hepatite pelo vírus B representa uma das infecções virais mais frequentes no mundo. Admite-se que atualmente 350 milhões de pessoas são portadores crônicos desse agente, apesar de, há cerca de 20 anos, já estar disponível uma vacina eficaz. O vírus B pode determinar um espectro de doença bastante amplo, de infecções aguda e crônica. As infecções agudas podem ser sintomáticas ou assintomáticas, e raramente ocorre evolução fulminante. A partir da infecção assintomática ou do quadro de hepatite aguda, uma parcela de indivíduos se cura e outro segmento torna-se portador do vírus, podendo evoluir para hepatite crônica, com diferentes graus de intensidade da doença, e progredir para cirrose, hipertensão porta, insuficiência hepática terminal e hepatocarcinoma. Veja no Quadro 33.1.2 as principais características da HVB. O período de incubação é de 30-180 dias (média em torno de 60-90 dias).

HEPATITE VIRAL C (HVC) Depois do isolamento do vírus B e do vírus A, tornou-se evidente que havia quadros clínicos da doença viral que não apresentavam etiologia definida. A grande maioria desses casos ocorria após transfusão de produtos hemoderivados ou em usuários de drogas. Esses casos eram denominados “hepatite não-A e não-B”. Em 1989/1990, foi identificado o principal desses agentes – o vírus C. No Quadro 33.1.3 encontram-se as principais características da HVC. 584

HVB

Hepatopatia causada pelo vírus da hepatite B. Ocorre tanto em casos esporádicos, como em epidemias e surtos. Atualmente, as infecções agudas são raras devido à vacinação em massa das populações. Pode ser diagnosticada na fase aguda ou na crônica. Pode causar hepatopatia crônica, cirrose e carcinoma hepatocelular. A transmissão ocorre por sangue e secreções sexuais contaminados.

Quadro clínico

Pode ocorrer icterícia, dor abdominal, fadiga, anorexia, náuseas, febre, diarreia, colúria e hipocolia.

Diagnóstico

HBsAg associado a anti-HBc IgM são diagnósticos de infecção aguda. HBsAg associado a anti-HBc total são diagnósticos de infecção crônica. Anti-HBc IgM pode persistir em baixos níveis em infecções crônicas, juntamente com anti-HBc total e HBsAg. HBeAg é indicador de infectividade. PCR, genótipos e quantificação viral são pedidos somente em casos de tratamento.

Efeitos a longo prazo

Hepatite B cronifica e pode evoluir para câncer de fígado. Infecção crônica ocorre em 90% das crianças infectadas ao nascer; 30% das crianças infectadas entre 1 e 5 anos de idade; 6% das infectadas após os 5 anos de idade. Morte pode decorrer da doença hepática em 15-25% das pessoas cronicamente infectadas.

Grupos de risco

Crianças que nascem de mães contaminadas ou portadoras de HVB. Pessoas que têm múltiplos parceiros sexuais. Contatos sexuais de pessoas com HVB. Pessoas ou crianças, não vacinadas, que moram na mesma casa ou que convivem com portadores de vírus B. Drogaditos; hemodialisados. Crianças provenientes de zonas endêmicas. Trabalhadores da saúde.

Prevenção

A vacina da hepatite B existe desde 1982. A vacina é indicada rotineiramente de 0-18 anos de idade. As crianças de mães positivas devem receber vacina e imunoglobulina hiperimune nas primeiras 12 horas de vida, além de outras duas doses nos meses 1 (ou 2) e 6. Todas as pessoas de risco, de qualquer idade, devem ser vacinadas.

585

HEPATITES VIRAIS AGUDAS

Quadro 33.1.2 HEPATITE VIRAL B

HEPATITES VIRAIS AGUDAS

Quadro 33.1.3 HEPATITE VIRAL C HVC

Hepatopatia causada pelo vírus da hepatite C. Ocorre geralmente em casos esporádicos. A grande maioria das pessoas que entra em contato com o vírus da hepatite C torna-se portadora crônica, podendo ou não apresentar doença ou sintomas. Raramente ocorre doença aguda. O vírus C pode causar hepatopatia crônica, cirrose e carcinoma hepatocelular. A transmissão ocorre por sangue contaminado. Indivíduos que apresentam risco para infecção por HVC apresentam também risco para HVB e HIV. Atualmente, a maioria das infecções novas está ligada a drogas injetáveis. O número estimado de novas infecções por ano está declinando em todo o mundo. O risco de transmissão perinatal é de 4% e aumenta para 19% se a mãe for também HIV-positivo. Mesmo assim, as crianças são mais comumente infectadas por mães portadoras ao nascimento. As crianças infectadas ao nascer têm chance (30%) de ficarem livres do vírus até os 3 anos de idade.

Quadro clínico

80% dos infectados não apresentam sinais e sintomas. Icterícia, dor abdominal, fadiga, anorexia, náuseas, febre, diarreia, colúria e hipocolia são sintomas que podem ocorrer.

Efeitos a longo prazo

Hepatite C cronifica e pode evoluir para câncer de fígado. Infecção crônica ocorre em 75-85% das pessoas infectadas. 20% das pessoas cronicamente infectadas terão cirrose. 1-5% das pessoas infectadas morrerão de doença hepática. É a principal indicação de transplante de fígado em adultos.

Diagnóstico

Anti-HVC significa contato com o vírus C. PCR positivo significa vírus circulante. Genótipo e quantificação viral são pedidos quando se vai tratar o paciente com infecção crônica.

Grupos de risco

Pessoas que usam drogas injetáveis (alto risco). Pacientes que recebem fatores da coagulação (antes de 1990). Hemodialisados. Receptores de órgãos sólidos e de transfusões. Indivíduos com hepatopatia sem causa esclarecida. Crianças que nascem de mães infectadas (risco intermediário – após 12-18 meses). Trabalhadores da saúde (baixo risco). Pessoas com múltiplos parceiros sexuais e com parceiros infectados (baixo risco). (Continua)

586

Quadro 33.1.3 (continuação) HEPATITE VIRAL C Prevenção

Não há vacina contra a HVC. Devem ser tomadas medidas de prevenção.

O vírus D da hepatite é um vírus RNA, defectivo, que infecta o vírus B e, a partir de então, penetra nos hepatócitos para causar lesão. O período de incubação é de aproximadamente 2-10 semanas. A transmissão é semelhante à do vírus B, por meio de via parenteral, uso de hemoderivados, contato sexual e, em um menor número de casos, via vertical, além da transmissão inaparente, talvez pela transmissão percutânea ou mucosa. O início do quadro clínico é abrupto, com sinais e sintomas semelhantes aos da hepatite B. O quadro pode ser grave e sempre necessita de uma infecção concomitante pelo vírus B, que pode ser autolimitada ou evoluir para hepatite crônica. O diagnóstico é confirmado pela identificação do vírus da hepatite D no soro ou no fígado. Os marcadores utilizados são anti-VHD IgM (infecção aguda) e IgG (infecção passada). O indivíduo vacinado contra o vírus B está protegido da infecção delta.

HEPATITE VIRAL E (HVE) O vírus da hepatite E (VHE) apresenta algumas semelhanças epidemiológicas com o vírus A. A hepatite E é autolimitada, não causa doença crônica e a taxa de letalidade é semelhante à da hepatite A, exceto nas gestantes, nas quais a mortalidade, na forma fulminante, pode atingir 20%, sobretudo no último trimestre da gravidez. A hepatite E aguda acomete sobretudo adultos jovens, e possivelmente sua transmissão seja exclusivamente oral-fecal, estando frequentemente associada à contaminação da água. O período de incubação varia de 2-9 semanas. O diagnóstico é feito por meio da determinação dos anticorpos por Elisa ou western blot, do anti-VHE IgM na fase aguda, que surge no fim do período prodrômico com o início dos sintomas, e da detecção do anti-VHE IgG, que traduz a infecção pregressa. Diagnóstico diferencial. É fundamental associar dados da história clínica, exame físico, alterações laboratoriais e os marcadores virais para o diagnóstico das hepatites virais agudas. No diagnóstico diferencial, várias condições devem ser afastadas, como hepatite por outros agentes virais ou por droga, coledocolitíase, colecistite, mononucleose, infecção por citomegalovírus, leptospirose, febre amarela, 587

HEPATITES VIRAIS AGUDAS

HEPATITE VIRAL D (DELTA)

HEPATITES VIRAIS AGUDAS

febre tifoide, malária, abscesso hepático, hepatite alcoólica, hepatite autoimune, doença de Wilson, deficiência de α-1-antitripsina, colagenoses, insuficiência cardíaca congestiva e infecções respiratórias e gastrintestinais. Tratamento. A conduta terapêutica para os pacientes com quadro de hepatites agudas virais baseia-se principalmente nas medidas de suporte, no afastamento de agentes lesivos ao fígado e na observação da evolução do quadro, a fim de detectar precocemente os casos que evoluem para hepatite fulminante. A maioria dos pacientes pode ser tratada em casa, e os familiares devem ser alertados para detectar as alterações no comportamento ou no ritmo do sono. Deve-se proibir o uso de drogas, especialmente os narcóticos, analgésicos e tranquilizantes, assim como o álcool, por causa da lesão difusa apresentada pelo fígado, já que quase todas as drogas têm uma passagem hepática no seu metabolismo. Vômitos repetidos podem necessitar do emprego de antieméticos e hidratação parenteral. Quando o prurido é muito intenso, pode-se utilizar a colestiramina ou o ácido ursodesoxicólico. Os pacientes com evolução grave devem ser hospitalizados e, quando necessário, transferidos para uma unidade de transplante, dependendo da análise de cada caso. Além disso, não se deve esquecer a obrigatoriedade sistemática de notificar todos os casos de hepatites agudas. Finalmente, é importante lembrar que, em algumas situações, as doenças crônicas do fígado podem apresentar-se inicialmente como uma hepatite aguda. Essa suspeita deve ser feita quando houver recaída, persistência muito prolongada dos sintomas, parada no crescimento, sinais de atividade de doença, sinais periféricos de hepatopatia e relato de icterícia prolongada no período neonatal à custa de bilirrubina direta, além de aumento de imunoglobulinas, marcadores virais de fase aguda negativos, presença de autoanticorpos, níveis anormais de cobre e de ceruloplasmina. As formas crônicas de hepatite B e C apresentam tratamentos específicos com antivirais.

REFERÊNCIAS Davison SM, Mieli-Vergani G, Sira J, Kelly DA. Perinatal hepatitis C virus infection: diagnosis and management. Arch Dis Child. 2006;91(9):781-5. Ferreira CT, Carvalho E. Hepatite A. In: Ferreira CT, Carvalho E, Silva LR. Gastroenterologia e hepatologia em pediatria: diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: Medsi; 2003. p. 47991. Ferreira CT, Carvalho E. Hepatite B e C em crianças. In: Ferreira CT, Carvalho E, Silva LR. Gastroenterologia e hepatologia em pediatria: diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: Medsi; 2003. p. 533-49. Ferreira CT, Vieira SMG, Kieling CO, Silveira TR. Hepatitis A acute liver failure: follow-up of paediatric patients in southern Brazil. J Viral Hepat. 2008;15 (Suppl. 2):66-8. Zein NN. Hepatitis C in children: recent advances. Curr Opin Pediatr. 2007;19(5):570-4.

588

33.2

COLESTASE NO LACTENTE

LÚCIA GUTHEIL GONÇALVES CARLOS OSCAR KIELING JORGE LUIZ DOS SANTOS THEMIS REVERBEL DA SILVEIRA

Colestase é a retenção do fluxo biliar independentemente da causa. A presença da colestase é estabelecida quando o nível sérico de bilirrubina direta for: Q Q

Todo lactente que estiver ictérico após duas semanas de vida deve ter uma dosagem de bilirrubinas. Se for identificada colestase, a investigação diagnóstica precisa ser iniciada imediatamente. Nas causas tratáveis de colestase, com sepse ou galactosemia, o tratamento deve ser instituído o mais precocemente possível. A colestase pode ser classificada como obstrutiva ou hepatocelular, conforme mostra o Quadro 33.2.1, e a frequência da colestase neonatal varia de 1:1.000 a 1:2.500 nascidos. As principais causas de colestase neonatal são a hepatite neonatal idiopática (35-40%), seguida pela atresia biliar (25-30%), além das doenças infecciosas e metabólicas (Quadro 33.2.2).

Quadro 33.2.1 PRINCIPAIS CAUSAS DA COLESTASE Colestase obstrutiva

Colestase hepatocelular

– – – – – – – –

– – – – – – – – – – –

Atresia biliar Cisto de colédoco Cálculo biliar Síndrome de Alagille Fibrose cística Colangite esclerosante neonatal Fibrose hepática congênita Síndrome da bile espessa

Hepatite neonatal idiopática Citomegalovírus HIV Infeção do trato urinário Sepse Sífilis Deficiência de α-1-antitripsina Tirosinemia Galactosemia Hipotireoidismo Colestase familiar intra-hepática progressiva (PFIC) – Pan-hipopituitarismo – Colestase associada à nutrição parenteral

589

COLESTASE NO LACTENTE

superior a 1 mg/dL, quando a bilirrubina total é menor do que 5 mg/dL; superior a 20% da bilirrubina total, quando essa é maior ou igual a 5 mg/dL.

Quadro clínico. Icterícia, prurido, acolia, colúria, hepatoesplenomegalia, ascite, coagulopatia. Avaliação do lactente com colestase. O objetivo da avaliação é obter um diagnóstico em até 45-60 dias de vida, pois esse é o período limite para se ter um melhor prognóstico nos casos de atresia biliar. Q

COLESTASE NO LACTENTE

Anamnese e exame físico completo: – Consanguinidade, outros casos parecidos na família: doenças genéticas – Infecções maternas: infecções do grupo STORCH – Colestase na gestação: associada com PFIC – História de incompatibilidade ABO ou Rh: doença hemolítica – Evolução de ganho ponderal: hepatite neonatal, doenças metabólicas e pan-hipopituitarismo cursam com baixo ganho de peso – Irritabilidade, sonolência: podem indicar doença metabólica – Urina escura – Fezes claras, esbranquiçadas Q Hemograma

Quadro 33.2.2 DOENÇAS QUE CURSAM COM COLESTASE NEONATAL Via biliar

Infecções

Doenças metabólicas

– – – – – –

– – – – – – – – – – – – –

– Hipotireoidismo – Fibrose cística – Deficiência de α-1antitripsina – Pan-hipopituitarismo – Galactosemia – Frutosemia – Glicogenose tipo IV – Tirosinemia – Doença de Gaucher – Hemocromatose – Doença de Wolman – Doenças mitocondriais

Atresia biliar Coledocolitíase Doença de Caroli Doença policística Cisto de colédoco Perfuração espontânea de ducto biliar – Colangite esclerosante neonatal

Sepse bacteriana Infecção urinária Listeriose Sífilis Toxoplasmose Tuberculose Citomegalovírus Herpes Rubéola HIV Parvovírus B19 Hepatite B Hepatite C

Doenças intra-hepáticas – Hepatite neonatal idiopática – Síndrome de Alagille – Colestase intra-hepática familiar progressiva – Colestase familiar benigna recorrente – Colestase associada à nutrição parenteral

590

Q Q

Q Q Q Q Q Q

Bilirrubina total e frações TGO, TGP, GGT, fosfatase alcalina: elevados Coagulograma Colesterol Albumina Glicemia Sorologias: herpes, citomegalovírus, rubéola, HIV, parvovírus, hepatites B e C, toxoplasmose, listeriose, sífilis T4, TSH: hipotireoidismo Triagem para erros inatos do metabolismo: substâncias redutoras e ácidos orgânicos na urina (galactosemia, frutosemia), succinil-acetona na urina (tirosinemia), galactose-1-fosfato-uridiltransferase sérica (galactosemia) Ferro, ferritina: hemocromatose Proteinograma, α-1-antitripsina sérica: deficiência de α-1-antitripsina Eletrólitos no suor: fibrose cística Ecografia abdominal: cisto de colédoco, coledocolitíase Raio X da coluna vertebral: vértebra em asa de borboleta na síndrome de Alagille Avaliação oftalmológica: doenças infecciosas e metabólicas, embriotoxo posterior na síndrome de Alagille

SÍNDROME DE ALAGILLE Síndrome genética de transmissão autossômica dominante, cuja colestase é causada pela rarefação de ductos biliares intra-hepáticos. Outras características da síndrome incluem cardiopatias, como estenose pulmonar ou tetralogia de Fallot, malformações da coluna vertebral (vértebra em asa de borboleta), anomalias oculares (embriotoxo posterior). Laboratorialmente, apresentam aumento de fosfatase alcalina, GGT e ácidos biliares, hipercolesterolemia e aumento de bilirrubinas.

HEPATITE NEONATAL IDIOPÁTICA Hepatite neonatal idiopática ou hepatite de células gigantes é caracterizada histologicamente pela presença de gigantócitos na biópsia hepática. Esse achado não é específico, podendo estar associado a infecções virais e a doenças metabólicas. O prognóstico é favorável, com resolução da icterícia em 90% dos casos no primeiro ano de vida.

DEFICIÊNCIA DE α-1-ANTITRIPSINA Corresponde a 5-15% dos casos de colestase no lactente. É a causa genética mais comum de colestase neonatal. A α-1-antitripsina é uma enzima inibidora de protease produzida pelo fígado. Mutações genéticas causam a deficiência enzimática, e o fenótipo varia de acordo com o tipo de mutação. Os homozigotos 591

COLESTASE NO LACTENTE

Q Q Q Q Q Q Q

PiZZ são os mais acometidos com colestase neonatal e enfisema pulmonar na vida adulta. A doença hepática ocorre por acúmulo da enzima defeituosa no fígado. O diagnóstico pode ser suspeitado quando há um nível baixo de fração α-1 no proteinograma, e confirmado com a dosagem sérica de α-1-antitripsina e detecção da mutação.

ATRESIA BILIAR Doença em que ocorre progressiva obliteração dos ductos biliares. A história natural da doença é a evolução para hepatopatia crônica, sendo a principal causa de transplante hepático na infância (50-60%). Q

Forma congênita (10-35%): icterícia precoce, já nas primeiras semanas de vida. Malformações podem estar associadas, como poliesplenia, cardiopatia, situs inversus abdominal, má rotação intestinal e anomalias vasculares. Q Forma adquirida (65-90% dos casos): o quadro clínico típico é um recém-nascido que nasceu bem, a termo, com bom peso e com fezes coradas nas primeiras semanas de vida. Icterícia e acolia progressivas ficam evidentes entre 4 e 8 semanas de vida, com desenvolvimento de hepatoesplenomegalia.

COLESTASE NO LACTENTE

Na suspeita clínica, os exames indicados são: Q

Cintilografia hepatobiliar: o material radiativo injetado é excretado para o intestino através da via biliar. Quando isso não ocorre, pode ser por obstrução de via biliar ou por disfunção hepatocelular. Esse exame avalia, portanto, a permeabilidade da via biliar, porém não define o diagnóstico de atresia biliar. Se a idade do lactente for avançada, deve-se realizar apenas a colangiografia para não atrasar o tratamento. Q Colangiografia transoperatória: a vesícula biliar é cateterizada e é injetado contraste radiopaco, possibilitando a visualização da anatomia da árvore biliar. Q Biópsia hepática: acurácia de até 95% quando a amostra contém entre 5 e 7 espaços porta. Na histologia, ocorre edema de espaços porta, proliferação de ductos biliares, coleções biliares nos ductos e colestase canalicular. Ao se confirmar o diagnóstico, o tratamento cirúrgico deve ser imediato. A cirurgia realizada é a portoenterostomia – a via biliar extra-hepática é retirada, e uma alça de intestino é anastomosada junto ao hilo hepático para que possa ocorrer drenagem biliar. O sucesso da drenagem é maior quanto menor for o tempo e a idade do paciente. Apesar da portoenterostomia, 60-85% dos pacientes evoluem para cirrose com necessidade de transplante hepático.

REFERÊNCIAS Bezerra JA. Colestase neonatal. In: Ferreira CT, Carvalho E, Silva LR. Gastroenterologia e hepatologia em pediatria: diagnóstico e tratamento. Rio de Janeiro: MEDSI; 2003. p. 581-97. 592

Kelly DA, Davenport M. Current management of biliary atresia. Arch Dis Child. 2007;92(12);1132-5. Moyer V, Freese DK, Whitington PF, Olson AD, Brewer F, Colletti RB, et al. Guidelines for the evaluation of cholestatic jaundice in infants: recommendation of the North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition. J Pediatr Gatroenterol Nutr. 2004;39(2):115-28. Venigalla S, Gourley GR. Neonatal cholestasis. Semin Perinatol. 2004;28(5):348-55.

33.3

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA

Considerações gerais. A incidência de doença hepática crônica na criança é de aproximadamente 1:2.500 nascidos vivos, sendo a atresia de vias biliares a patologia de maior prevalência nos lactentes, seguida de doenças genético-metabólicas, doenças autoimunes e hepatites virais nos pacientes maiores. O impacto do acometimento crônico do fígado na faixa etária pediátrica difere pouco daquele observado no paciente adulto, destacando-se as importantes repercussões da hepatopatia sobre o estado nutricional, acarretando déficits vitamínicos e retardo do crescimento. Definição. Segundo Mowat (1994), define-se hepatopatia crônica com base em critérios clínicos, laboratoriais e histológicos, como apresentados na Tabela 33.3.1. Quando suspeitar de hepatopatia crônica? Sugere o diagnóstico de doença hepática crônica a presença de: Q Q Q Q Q

Colestase neonatal História prévia de hepatites (B e C) Familiares com doenças hepáticas autoimunes ou genéticas Recaídas de quadros agudos Persistência das alterações clínicas ou laboratoriais de “hepatite” por mais de três meses

Causas. São várias as entidades clínicas responsáveis pelo desenvolvimento da doença hepática crônica na infância. No setor de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, as principais causas de hepatopatia crônica são: atresia de vias biliares, síndrome de Alagille, hepatite autoimune, fibrose cística, deficiência de α-1-antitripsina e, menos frequentemente, colangite es593

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA

MARINA ROSSATO ADAMI FERNANDA TREICHEL KOHLS SANDRA MARIA GONÇALVES VIEIRA THEMIS REVERBEL DA SILVEIRA

Tabela 33.3.1 CRITÉRIOS PARA O DIAGNÓSTICO DE HEPATOPATIA CRÔNICA NA INFÂNCIA Critérios clínicos

Critérios laboratoriais

Critérios histológicos

Fígado endurecido com lobo esquerdo aumentado

Aspartato-aminotransferase (AST) persistentemente elevada

Presença de infiltrado inflamatório linfoplasmocitário confinado à tríade portal ou extendendo-se desta ao parênquima hepático subjacente e causando necrose celular

Esplenomegalia

Albumina sérica ≤ 3,5 g/dL

Ascite

Tempo de protrombina > 15 s após vitamina K parenteral

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA

Shunts cutâneos portossistêmicos Retardo do desenvolvimento Fonte: Mowat (1994).

clerosante, hepatites virais B e C, galactosemia, tirosinemia tipo 1, dentre outras. A cirrose criptogênica responde por aproximadamente 14% dos casos. Algumas dessas entidades estão sumariamente apresentadas abaixo: Q

Atresia biliar: é a causa mais comum de colestase neonatal e a mais frequente indicação para transplante de fígado pediátrico. Parece ser o resultado de uma colangiopatia fibroinflamatória progressiva, de causa ainda não identificada. Estudos mais recentes sugerem haver uma interação entre fatores genéticos e ambientais relacionados à patogênese da doença. A icterícia habitualmente aparece até a segunda semana de vida, associada à colúria, acolia e hepatomegalia de consistência firme. Habitualmente, os pacientes estão bem nutridos e em bom estado geral. O desenvolvimento de esplenomegalia e de

594

outras evidências de hipertensão do sistema porta aparecem a partir do segundo mês de vida e indicam progressão da doença (Quadro 33.3.1). Não existem exames bioquímicos específicos, mas são frequentes o aumento do colesterol e da γ-glutamiltransferase, sendo que a hiperbilirrubinemia às custas de bilirrubina direta está sempre presente. A visualização da vesícula biliar ao exame ultrassonográfico não exclui o diagnóstico. O diagnóstico é feito com base nas manifestações clínicas e na demonstração de alterações anatomopatológicas características, tais como presença de plugs biliares, proliferação ductal, edema portal e/ou fibrose. Q Deficiência de α-1-antitripsina: doença genética, autossômica codominante, que afeta 1:2.000-5.000 indivíduos, sendo a principal indicação metabólica de transplante hepático pediátrico. Caracteriza-se pela ausência ou redução das concentrações séricas da proteína α-1-antitripsina e perfis fenotípicos PiS, PiZ e Pi null. O fenótipo PiZ em homozigose causa doença hepática crônica em 10-20% das crianças afetadas. A patogênese da doença hepática ainda não está totalmente elucidada. No lactente, a doença se apresenta já nos primeiros meses de vida como icterícia às custas de hiperbilirrubinemia direta,

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA

Quadro 33.3.1 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS SUGESTIVAS DE ATRESIA BILIAR Quadro típico no momento do diagnóstico – Icterícia às custas de hiperbilirrubinemia direta – Acolia fecal – Graus variados de hepatoesplenomegalia Sinais clínicos sugestivos de manifestações extra-hepáticas – Equimoses, hemorragia do SNC – coagulopatia por deficiência de vitamina K – Baixo ganho ponderal – cardiopatia congênita associada – Vômitos – malformação do aparelho digestivo Sinais clínicos sugestivos de doença crônica avançada – Moderada a importante esplenomegalia – Desnutrição – Ascite – Circulação colateral visível – Coagulopatia não responsiva à vitamina K Fonte: Adaptado de Bezerra (2005).

595

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA

frequentemente associada à hepatomegalia. A colestase pode ser grave, com acolia persistente e clinicamente indistinguível de atresia biliar. Não é rara a história de baixo peso ao nascimento. Têm sido descritos quadros de hepatoesplenomegalia, ascite, diátese hemorrágica e até insuficiência hepática aguda em lactentes pequenos. Em alguns indivíduos, o diagnóstico é feito mais tardiamente, no curso da avaliação de um quadro de cirrose descompensada. Testes que podem ser usados para verificar o estado de deficiência de α-1-antitripsina incluem: a mensuração da concentração sérica de α-1-antitripsina, a determinação fenotípica da migração anormal da proteína em análise de isoeletrofocalização, a determinação do genótipo PiZZ por biologia molecular e a avaliação histológica do fígado. A valorização dos resultados da concentração sérica de α-1-antitripsina requer a exclusão de estados inflamatórios e a elevação de estrogênios. Valores de α-1-antitripsina sérica inferiores a 85 mg/dL parecem ser muito sugestivos da deficiência. Na nossa experiência, de sete pacientes avaliados nos últimos cinco anos, os valores de α-1-antitripsina sérica variaram de 19-87 mg/dL. A determinação fenotípica é ainda o padrão-ouro para o diagnóstico. O achado histopatológico de glóbulos eosinofílicos, positivos para o ácido periódico de Schiff (PAS) e resistentes à diástase, nos retículos endoplasmáticos, predominantemente em hepatócitos periportais, substanciam o diagnóstico de deficiência de α-1-antitripsina, mas são raramente vistos antes das 16 semanas de vida e não são específicos da doença. Não existe tratamento específico para a doença hepática secundária à deficiência de α-1-antitripsina. O transplante hepático está indicado nos pacientes com cirrose descompensada ou hipertensão porta grave. Q Hepatite autoimune (HAI): doença crônica geralmente progressiva, de causa desconhecida, que acomete crianças e adultos de todas as idades, sendo mais prevalente no sexo feminino. As manifestações clínicas são variáveis, e o curso clínico é caracterizado por períodos de aumento e diminuição da atividade da doença. Os pacientes podem apresentar desde sintomas inespecíficos como fadiga, mal-estar, anorexia, náuseas e dor abdominal, até manifestações claras de hepatopatia crônica descompensada, como icterícia, ascite e hemorragia digestiva. A hepatite fulminante pode ser a primeira manifestação da doença. Na criança, é comum a apresentação com sintomas compatíveis com hepatite aguda. Manifestações extra-hepáticas podem estar presentes: anemia, artralgia (com ou sem artrite), alopecia, tireoidite, albuminúria, hematúria, glomerulonefrite, iridociclite e outros. Do ponto de vista laboratorial, observa-se elevação das aminotransferases, da GGT e da fosfatase alcalina. Nos casos crônicos, existe prolongamento do tempo de protrombina, hiperbilirrubinemia importante e hipoalbuminemia. A presença de hipergamaglobulinemia em pacientes com hepatopatia crônica sugere HAI. Existem dois tipos principais de HAI, classificados com base na presença de autoanticorpos séricos não específicos: a HAI tipo 1 e a HAI tipo 2. A primeira é caracterizada pela presença de anticorpo antimúsculo-liso positivo (AML) ou antinuclear (ANA). Tem dois picos de incidência, entre as idades de 596

597

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA

10-20 anos e 45-70 anos, e o curso é habitualmente o de uma hepatopatia crônica benigna, com boa resposta ao tratamento imunossupressor. A HAI tipo 2 é reconhecida pela positividade ao anticorpo antimicrossomal fígadorim tipo 1 (anti-LKM-1). Ocorre na infância, e o curso é mais grave, sendo frequente a progressão para cirrose a despeito da instituição de tratamento adequado. O diagnóstico baseia-se na presença de quadro clínico compatível; ausência de marcadores para hepatite viral A, B e C; elevação de aminotransferases; hipergamaglobulinemia; altos níveis de imunoglobulinas e presença dos autoanticorpos descritos. A hipergamaglobulinemia pode não estar presente na HAI tipo 2, e cerca de 10% de todos os pacientes com HAI podem não apresentar autoanticorpos circulantes. Um sistema de escore visando sistematizar o diagnóstico de HAI foi proposto em 1993 e revisado em 1999. A biópsia de fígado é importante na determinação da atividade da doença e no estadiamento da fibrose. O tratamento anti-inflamatório e imunossupressor com prednisona (ou prednisolona) em monoterapia ou em combinação com azatioprina está indicado em todos os pacientes com HAI. Q Hepatite crônica viral: as hepatites virais B e C são as principais causas de hepatopatia crônica infecciosa tanto em crianças e adolescentes quanto em adultos (esse tema será discutido no Cap. 32.1) Q Fibrose cística (FC): doença multissistêmica, autossômica recessiva, que afeta cerca de 1:2.000-2.500 nascidos vivos, na população branca. O comprometimento do fígado e das vias biliares nessa doença é mais prevalente no grupo de adolescentes e adultos. A doença tem caráter multifatorial e parece resultar do acúmulo de ácidos biliares nos ductos intra-hepáticos, levando gradualmente ao desenvolvimento de fibrose portal e cirrose. A forma sintomática aparece em menos de 5% dos acometidos e é bem variável. A icterícia é rara, afora no período neonatal e nas fases mais avançadas da hepatopatia crônica. A hepatomegalia pode ser o primeiro sinal clínico de doença e a forma isolada está presente em cerca de 30% dos pacientes com fibrose cística. A diminuição de tamanho do fígado pode significar a progressão da doença. A esplenomegalia é sempre um achado anormal e exige investigação de hipertensão porta. Segundo a maioria dos autores, as atividades das enzimas hepáticas não mostram uma boa correlação com a gravidade ou progressão da doença hepática. A ultrassonografia abdominal com Doppler é o método de imagem mais utilizado para a detecção do comprometimento hepatobiliar da fibrose cística. Habitualmente utiliza-se o sistema de escore proposto por Williams et al., que, por meio do estudo da ecogenicidade do parênquima hepático, da nodularidade da borda hepática e do aumento da ecogenicidade periportal, classifica esses pacientes em doença hepática leve (escore 3), doença hepática moderada (escore 4-6) e portadores de cirrose (escore > 6). A biópsia de fígado é de limitada utilidade devido ao caráter focal das lesões, acarretando a possibilidade de erro de amostragem, e ao alto risco de complicações, incluindo pneumotórax e sangramentos. O tratamento tem por objetivo reduzir a esteatose e a progressão da doença por implementos nutricionais adequados, diminuir a viscosidade da bile e da

retenção de ácidos biliares hepatotóxicos e prevenir ou tratar as complicações da hipertensão porta. O uso de ácido ursodesoxicólico tem como justificativa os seus efeitos relacionados à citoproteção direta sobre as membranas biológicas, à estimulação da secreção de cloretos e à substituição hepática dos ácidos biliares hidrofóbicos retidos na bile. A dose ideal é de 20 mg/kg/dia, administrada regularmente e por tempo indeterminado. O transplante de fígado deve ser considerado nos pacientes com síntese hepática defeituosa e/ou hipertensão porta grave e que apresentem função pulmonar razoavelmente preservada.

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA

COMO INVESTIGAR? Anamnese. Deverá ser minuciosa e precisa, com ênfase na cronologia dos eventos clínicos, na história pré-natal e no detalhamento das condições de nascimento da criança e na caracterização da história mórbida familiar. Na criança ictérica, o tempo de surgimento, a duração e especialmente a evolução do quadro ictérico poderão ser uma pista clínica importante no diagnóstico diferencial das síndromes colestáticas. Os lactentes com atresia biliar, por exemplo, nascem mais frequentemente, a termo, com peso adequado para a idade gestacional e apresentam um padrão de icterícia colestática (associada à colúria) com acolia persistente. A história pré-natal detalhada é necessária ao diagnóstico das infecções congênitas. Menção à consanguinidade parenteral e/ou membros da família acometidos poderá apontar para doenças genético-metabólicas. Nesse grupo de pacientes também há de ser valorizado o relato de regressão neurológica, vômitos, diarreia, dificuldade de ganho ponderal, convulsões, infecção bacteriana neonatal ou coma recorrente. Exame físico. Os principais sinais clínicos do acometimento crônico do fígado na faixa etária pediátrica são icterícia e hepatoesplenomegalia. Outros sinais: hipocolia ou acolia fecal, colúria, ascite, circulação colateral, hemorragia digestiva alta, telangiectasias, aranhas vasculares, eritema palmoplantar, desnutrição, perda da massa muscular, alteração do sono, distensão abdominal e letargia. São sinais sugestivos de doença metabólica: retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, hipotonia, alterações oculares ou ósseas. O aparecimento de ascite pode ser lento e insidioso ou súbito. Esse último está habitualmente associado às situações que determinam queda súbita da função hepática, como hemorragia digestiva, choque, infecção ou trombose venosa aguda. Na maioria das vezes, o evento segue o curso progressivo da doença primária. Diferentemente do que é observado no cirrótico adulto, crianças com ascite raramente terão edema periférico associado, e a primeira indicação da existência de ascite poderá ser ganho de peso inapropriado. Presença de área de macicez móvel ou do sinal de piparote (palpação de onda líquida) podem ser sinais de difícil avaliação no paciente muito pequeno e com volumes moderados de ascite. 598

Nos hepatopatas crônicos, a presença de encefalopatia, hemorragia por ruptura de varizes gastresofágicas, icterícia progressiva, diminuição brusca do tamanho do fígado e ascite são sinais clínicos que sugerem gravidade. Exames laboratoriais. Os exames laboratoriais usados na triagem ou na confirmação da suspeita de doença hepática incluem medições dos níveis séricos de bilirrubinas, atividades de aminotransferases, γ-glutamiltransferase, fosfatase alcalina e concentrações séricas de proteínas totais, albumina, tempo de protrombina e fatores de coagulação (discutidos no Cap. 33.4). Na coleta da triagem de erros inatos, deve-se ter o cuidado de garantir que o paciente esteja em dieta livre e habitual, sem soluções parenterais e sem transfusão sanguínea nos últimos 90 dias.

Q

Q

Q Q Q

Ultrassonografia: método rápido, não invasivo, relativamente barato e capaz de identificar lesões hepáticas focais ou difusas e doenças que envolvem a árvore biliar. A adição do Doppler permite ainda a avaliação da vasculatura hepática e do sistema venoso porta. Cintilografia com radionuclídeo: baseia-se na captação seletiva de um agente radiofarmacocinético. Os agentes comumente usados incluem: coloide de enxofre marcado com tecnécio-99m, para detectar lesões focais maiores de 2 cm; agentes de ácido iminodiacético marcado com tecnécio-99m, para a distinção das colestases intra e extra-hepática, e gálio-67, que se concentram em células inflamatórias e neoplásicas. Tomografia computadorizada: indicada para a identificação e caracterização de massas, estadiamento de tumores e avaliação de doença infiltrativa difusa. Ressonância magnética: indicada na diferenciação de lesões focais ou infiltrativas e na avaliação da anatomia biliar, vascular e hemodinâmica. Angiografia seletiva: a angiografia das artérias celíaca, mesentérica superior ou hepática é útil no estudo dos pacientes com hipertensão porta conhecida ou suspeitada.

O estudo anatomopatológico é o padrão-ouro para avaliar a gravidade da atividade necroinflamatória e o grau de fibrose. Em lactentes e crianças, a biópsia hepática percutânea é facilmente realizada e é um método seguro. As contraindicações são prolongamento do tempo de protrombina e trombocitopenia não corrigível; lesões vasculares, císticas ou infectadas no trajeto possível da agulha, e ascite volumosa. Na suspeita de neoplasia maligna, deverá ser precedida de uma meticulosa investigação para doença metastática. Nas doenças metabólicas, biópsias de fígado, medula óssea, pele e músculos são os materiais mais utilizados para o diagnóstico. A análise sérica/plasmática da atividade enzimática é uma alternativa à biópsia de fígado nas seguintes doenças metabólicas: doença de Wolman, doença de Gaucher; sialidose tipo II, gangliosidose GM1 e mucopolissacaridose VII. 599

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA

Exames de imagem. Várias técnicas ajudam a definir o tamanho, a forma e a arquitetura do fígado e do baço.

Complicações. Algumas das principais complicações do hepatopata crônico com sugestões diagnósticas e terapêuticas estão apresentadas na Tabela 33.3.2.

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA

Tabela 33.3.2 COMPLICAÇÕES RELACIONADAS À HEPATOPATIA CRÔNICA DA INFÂNCIA E OPÇÕES TERAPÊUTICAS Complicações

Opções terapêuticas

Desnutrição, baixa estatura e atraso no desenvolvimento

Suporte nutricional adequado

Prurido

– Medidas gerais de hidratação da pele – Ácido ursodesoxicólico (20-30 mg/kg/dia divididos em 2 ou 3 doses – comprimidos de 150 mg e 300 mg)

Ascite

– Passo 1: restrição salina – Passo 2: espironolactona (3-6 mg/kg/dia) – Passo 3: espironolactona + furosemida (1-2 mg/kg/dia) – Passo 4: paracentese terapêutica

Peritonite bacteriana espontânea > 250 células µ/L

– Cefotaxima (100 mg/kg/dia por 5-7 dias) – Repetir paracentese 48 h após instituição do tratamento (critério de controle da infecção: queda de 25% no número de polimorfonucleares ou diminuição da leucocitose periférica + melhora clínica)

Hiponatremia dilucional (sódio sérico < 120 mEq/L)

Restrição hídrica: 70-80% RDA Só repor sódio se sódio sérico < 115 mEq/L

Hemorragia digestiva alta

– Excluir outras causas de sangramento: epistaxe, hemoptise, uso de medicamentos ou alimentos que coram as fezes (ferro, beterraba, bismuto, amoras, etc.) – Estimar perda sanguínea – Passar sonda orográstrica aberta em frasco para monitorar perdas e intensidade do sangramento – Acesso venoso, ressuscitação volumétrica, controle de pulso e tensão arterial até estabilização do paciente (Continua)

600

Tabela 33.3.2 (continuação) COMPLICAÇÕES RELACIONADAS À HEPATOPATIA CRÔNICA DA INFÂNCIA E OPÇÕES TERAPÊUTICAS Complicações

Opções terapêuticas – Tratamento medicamentoso da fase aguda: octreotide (análogo da somatostatina): 1-2 mcg/kg em bolus, seguido de infusão contínua de 1 a 3 mcg/kg/hora, mantido por 2-5 dias; omeprazol: 1,5-2,0 mg/kg/dia

Encefalopatia hepática

– Identificação e remoção dos fatores precipitantes (sangramento gastrintestinal, infecção, hipocalemia, uso de diuréticos, desidratação, constipação, uso exagerado de proteínas e uso de drogas que atuam no SNC) – Redução da produção de produtos nitrogenados do intestino (lavagem intestinal, lactulose, dieta hipoproteica: 1 g/proteína/kg/dia)

REFERÊNCIAS Bezerra JA. Potential etiologies of biliary atresia. Pediatr Transplant. 2005;9(5):646-51 Carvalho E, Seixas RBPM, Neto JTA. Doença hepática crônica: abordagens diagnóstica e terapêutica. In: Lopez FA, Campos Júnior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. Sociedade Brasileira de Pediatria. Chardot C. Biliary Atresia. Orphan J Rare Dis. 2006;1(28):1-11. Krawitt EL. Autoimmune hepatitis. N Engl J Med. 2006;354(1):54-66 Moore KP, Aithal GP. Guidelines on the management of ascites in cirrhosis. Gut. 2006;55(Suppl 6):vi1-12. Mowat AP. Hepatitis and cholestasis in infancy: intrahepatic disorders. In: Mowat AP. Liver disorders in childhood. London: Butterworth; 1994. p. 43-78 Shneider B, Emre S, Groszmann R, Karani J, McKiernan P, Sarin S, et al. Expert pediatric opinion on the Report of the Baveno IV Consensus Workshop on Methodology of Diagnosis and Therapy in Portal Hipertension. Pediatr Transplant. 2006;10(8):893-907. 601

DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA

A endoscopia digestiva alta deverá ser realizada o mais breve possível após admissão hospitalar (entre 12 e 24 horas após o início do sangramento)

Vieira SMG, Silveira TR. Ascite e peritonite bacteriana espontânea. In: Ferreira CT, Carvalho E, Silva LR. Gastroenterologia e Hepatologia em Pediatria Diagnóstico e Tratamento. 2003. p. 709-21. Wong CL, Holroyd-Ledue J, Thorpe KE, Straus SE. Does this patient have bacterial peritonitis or portal hypertension? how do I perform a paracentesis and analyze the results? JAMA. 2008;299(10):1166-78.

33.4

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO HEPÁTICA

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO HEPÁTICA

MÁRCIO PEREIRA MOTTIN ANA CRISTINA DUARTE DUPRAT CARLOS OSCAR KIELING THEMIS REVERBEL DA SILVEIRA

Os testes hepáticos incluem aqueles utilizados para avaliar a lesão hepática, o estado funcional dos hepatócitos, a permeabilidade das vias biliares e o leito vascular do fígado. Frequentemente considerados provas de função hepática, nem sempre medem a função do fígado diretamente. Eles permitem a diferenciação entre lesões predominantemente colestáticas ou obstrutivas e lesões predominantemente hepatocelulares. São divididos em duas categorias: Q

Os que indicam dano celular, como a liberação das enzimas intracelulares, sendo testes de atividade bioquímica ou testes enzimáticos séricos. Q Os que mensuram ou refletem a função hepática.

TESTES DE ATIVIDADE BIOQUÍMICA/ TESTES ENZIMÁTICOS SÉRICOS Aminotransferases. Incluem a alanina aminotransferase (ALT, anteriormente TGP) e a aspartato aminotransferase (AST, anteriormente TGO). São enzimas intracelulares sensíveis para avaliar a necrose hepatocelular. O aumento de seus níveis ocorre por lesão ou destruição dos tecidos ricos nessas enzimas ou quando há alteração da permeabilidade celular, persistindo sua saída para o soro. O nível normal é até 40 UI/L. A AST está presente no fígado, nos músculos cardíaco e esqueléticos, rins, cérebro, pâncreas, pulmões, leucócitos e hemácias, em ordem decrescente de concentração. A ALT, por sua vez, é mais específica para hepatopatia em relação a AST, pois está presente principalmente no fígado e, em segundo lugar, nos músculos. A determinação seriada dessas enzimas é útil para monitorar a atividade clínica da doença hepática parenquimatosa, avaliar a resposta terapêutica e orientar critério de alta nas hepatites virais e crônicas. 602

Na maioria das hepatopatias, a relação AST/ALT é usualmente menor ou igual a 1. Entretanto, uma relação aumentada ocorre na hepatite fulminante relacionada à doença de Wilson e em situações de hemólise. Nas hepatites virais, ocorre aumento precoce das aminotransferases, caindo durante a fase de recuperação. O aumento secundário ou elevação persistente pode indicar recrudescência da hepatite aguda ou evolução para hepatite crônica. Flutuações das aminotransferases ocorrem na hepatite C. Níveis elevados podem ocorrer com o uso de eritromicina e de ácido acetilsalicílico; níveis baixos, na deficiência de piridoxina/vitamina B6 (ver Quadro 33.4.1). Na doença hepatobiliar, os níveis de AST e ALT estão moderadamente elevados, salvo em situações de colangite, quando os níveis podem estar mais elevados. Na Tabela 33.4.1 estão indicadas algumas situações associadas às alterações de tais enzimas.

Fosfatase alcalina. Enzima encontrada em vários órgãos e tecidos (membrana canalicular do fígado, ducto biliar, osteoblastos, borda em escova dos enterócitos do intestino delgado, túbulo proximal do rim, placenta e leucócitos). No adulto, cerca de 80% da fosfatase alcalina reflete a isoforma hepática. Na infância e na gravidez, as formas óssea e placentária predominam, respectivamente. No Quadro 33.4.2, estão arroladas as causas de elevação da fosfatase alcalina. Já a sua diminuição ocorre na deficiência de zinco e na doença de Wilson. No diagnóstico diferencial do aumento hepático dessa enzima, a mensuração de gamaglutamiltransferase (GGT) será de utilidade.

Quadro 33.4.1 ALGUNS MEDICAMENTOS QUE PODEM ELEVAR OS NÍVEIS DAS TRANSAMINASES – – – – – – – – –

Paracetamol Ibuprofeno Omeprazol/lanzoprazol Cimetidina/ranitidina Amoxicilina-clavulanato Macrolídeos Cefalosporinas Gentamicina Imipenem/meropenem

– – – – – – – – –

Anfotericina B Tetraciclina Cetoconazol/fluconazol Mebendazol/tiabendazol Heparina Diclofenaco/nimesulida Cetirizina/desloratadina Oxacilina Quinolonas

603

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO HEPÁTICA

Desidrogenase láctica. Enzima citoplasmática presente em todo o organismo. Seu nível está geralmente elevado na doença hepática, mas não contribui para o diagnóstico devido à sua baixa especificidade. Pode estar aumentada em situações de lise celular, incluindo hemólise.

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO HEPÁTICA

Tabela 33.4.1 NÍVEIS DE AST E ALT NAS HEPATOPATIAS Aumento acentuado (20× o normal)

Aumento moderado (3-20× o normal)

Aumento discreto (3× o normal)

Hepatite aguda

Hepatite aguda ou crônica

Esteatose hepática

Hepatoxicidade induzida por drogas

Hepatite alcoólica

Ingestão de drogas ou álcool

Isquemia hepática ou choque

Doença hepatobiliar

Hepatite viral crônica

Quadro 33.4.2 CAUSAS DA ELEVAÇÃO DA FOSFATASE ALCALINA – – – – – – – – – – – – – –

Cirrose biliar primária Doença hepatobiliar colestática Colestase induzida por drogas Doenças granulomatosas do fígado (tuberculose, sífilis, sarcoidose) Tumores primários (linfomas, leucemias) ou metastáticos Colestase intra-hepática da hepatite viral Hepatite alcoólica Rejeição hepática Abscesso hepático (piogênico ou amebiano) Patologias ósseas (doença de Paget, osteomalacia) Durante o rápido crescimento infantil Estágio final da gravidez Insuficiência renal crônica Doenças parenquimatosas do fígado (hepatites e cirrose)

Como a sua meia-vida é de aproximadamente uma semana, seus níveis podem permanecer elevados por dias a semanas após a resolução da obstrução biliar. Gamaglutamiltransferase (GGT). É uma enzima microssomal encontrada no epitélio de dúctulos biliares e nos hepatócitos, túbulos renais, pâncreas, vesículas seminais, baço, cérebro, mamas e intestino delgado. Seu nível sérico é um dos indicadores mais sensíveis da doença hepatobiliar. No entanto, como está eleva604

Bilirrubinas (Bb). Pigmento tetrapirrólico amarelo formado pela degradação do grupo heme, encontrado em grande quantidade nas hemácias, na mioglobina e em enzimas como peroxidases e nos citocromos. O aumento da bilirrubina pode ser decorrente de aumento da produção (hemólise), redução da captação hepática (doença parenquimatosa do fígado), diminuição da conjugação (doença de Gilbert), quando há diminuição da excreção biliar (obstrução do ducto biliar) e regurgitação da bilirrubina não conjugada ou conjugada dos hepatócitos lesados ou dos ductos biliares. Define-se hiperbilirrubinemia conjugada como o aumento de Bb direta > 2 mg/dL ou mais que 20% de bilirrubina total; sempre indica presença de doença hepatobiliar, pois há dano da secreção biliar. É sinal tardio de colestase, pois só aparece quando 80% da capacidade excretora do fígado está comprometida. Nas doenças colestáticas, a hiperbilirrubinemia não ajuda a diferenciar a colestase intra da extra-hepática. Já a hiperbilirrubinemia não conjugada reflete comprometimento na conjugação, como em condições não hepáticas (p. ex., anemia hemolítica e eritropoese ineficaz) e em poucas hepatopatias (como as doenças de Gilbert e de CriglerNajjar). Amônia. É removida do sangue pelo fígado e convertido em ureia, sendo excretada pelos rins. No shunt porto-sistêmico, em cirróticos e na disfunção hepática grave (p. ex., insuficiência hepática fulminante), seu nível aumenta. A amônia sérica é geralmente solicitada para diagnosticar encefalopatia hepática e para monitorar o sucesso da terapia. Seus níveis também estão elevados quando há aumento da sua produção pela flora intestinal (após refeição de alto conteúdo proteico ou sangramento do trato gastrintestinal) e pelo rim, em resposta à alcalose metabólica ou à hipocalemia.

Quadro 33.4.3 MEDICAMENTOS QUE ELEVAM O NÍVEL DE GGT – – – –

Fenitoína Fenobarbital Ácido valproico Carbamazepina

– – – –

Contraceptivos Antidepressivos tricíclicos Acetaminofeno Cumarínicos

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AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO HEPÁTICA

do em 90% das hepatopatias primárias, não auxilia no diagnóstico diferencial das colestases intra e extra-hepáticas. Costuma estar elevado também nas doenças neuromusculares e pancreáticas (até mesmo na ausência de obstrução biliar), nas pneumopatias, na insuficiência renal, no diabete, na doença pulmonar obstrutiva crônica, no infarto agudo do miocárdio e com o uso de certos medicamentos, como os citados no Quadro 33.4.3.

TESTES DE FUNÇÃO SINTÉTICA

AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO HEPÁTICA

Albumina. É definida como uma proteína sérica sintetizada exclusivamente no retículo endoplasmático rugoso dos hepatócitos, sendo sua concentração plasmática definida pelo balanço entre sua taxa de síntese (100-200 mg/kg/dia) e sua meia-vida, que é de aproximadamente 20 dias. É considerada uma proteína fundamental para a manutenção da pressão oncótica intravascular e para o transporte de bilirrubina, cálcio e drogas. Em situações em que ocorre acúmulo de ascite, sua concentração sérica decresce devido à diluição. Sua síntese é afetada pelo estado nutricional, por hormônios tireoidianos e glicocorticoides, pela pressão coloidosmótica plasmática, por exposição a hepatotoxinas e pela presença de doenças sistêmicas ou hepatopatias. O nível sérico de albumina é um dos principais indicadores da capacidade sintética residual do fígado. Por causa de sua meia-vida longa, associa-se a hipoalbuminemia à doença hepática crônica. Na cirrose com ascite, indica síntese diminuída ou redistribuição no líquido de ascite. Outras situações que levam à hipoalbuminemia são enteropatia perdedora de proteínas, síndrome nefrótica, queimaduras severas, dermatite exfoliativa e sangramento do trato gastrintestinal. Tempo de protrombina (TP). O tempo de protrombina avalia a síntese extrínseca da coagulação e mede o tempo necessário para a protrombina (fator II) ser convertida em trombina na presença de tromboplastina, íon cálcio, fatores V, VII e X ativados, refletindo, portanto, a concentração plasmática desses fatores e do fibrinogênio. TP prolongado resulta da deficiência da vitamina K, hepatopatia, deficiência congênita de fatores de coagulação e condições adquiridas, como consumo dos fatores de coagulação e uso de drogas que afetam o sistema protrombínico. Pode ser expresso em segundos ou em porcentagem (valores normais de 70-100%). Seu alargamento ≥ 2 segundos é considerado anormal, e valores > 4 segundos sugerem risco de sangramento. Se, após 24 horas da administração parenteral de vitamina K, o TP voltar ao normal ou houver aumento de pelo menos 30%, isso sugere que a função parenquimatosa está preservada e que a hipovitaminose é a responsável pelo TP aumentado. Diferente da albumina, o TP reflete rapidamente as alterações da função sintética hepática devido à meia-vida curta dos fatores de coagulação (3-5 horas para fator VII, por exemplo). Pode ser normal ou estar um pouco aumentado mesmo na cirrose, não sendo, portanto, um teste sensível de hepatopatia. Em pacientes com hepatopatia, deve-se atentar para a interpretação de TP ou TTPA (tempo de tromboplastina parcial ativado) alargados, pois fatores não hepáticos, como a coagulação intravascular disseminada (CIVD), podem estar contribuindo para essas situações, o que pode ser diferenciado pela mensuração do fator VIII, que costuma estar normal na hepatopatia e diminuído na CIVD. Globulinas séricas. São calculadas pela diferença da quantidade de proteína total e a concentração de albumina. São separadas por eletroforese em: 606

fração α1: formada por α-1-antitripsina, ceruloplasmina, α1-glicoproteína – são proteínas de fase aguda que aumentam tanto na hepatopatia como em doenças inflamatórias. Q fração α2: haptoglobulina, α2-macroglobulina e α2-lipoproteína. Q fração β: transferrina e lipoproteína β. Q fração γ: imunoglobulina (IgA, IgG e IgM sintetizadas pelos plasmócitos). Q

Lipídeos. O fígado é a maior fonte de síntese e metabolismo de lipídeos e lipoproteínas. A alteração dos seus níveis pode ser vista na doença hepática, podendo ocorrer formação de lipoproteínas de composição anormal. Elevação de colesterol, triglicerídeos, fosfolipídeos e surgimento de lipoproteínas anormais pode se verificar nas colestases. Níveis de colesterol cinco vezes maiores que o limite superior são associados a xantomas cutâneos. Na cirrose, o nível de colesterol sérico total geralmente está normal. Em situações de descompensação ou desnutrição, costuma haver diminuição de seu nível, sendo este considerado marcador prognóstico significativo em crianças com cirrose avançada que se encontram em avaliação para transplante hepático.

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AVALIAÇÃO LABORATORIAL DA FUNÇÃO HEPÁTICA

O aumento das globulinas séricas pode ser visto em hepatopatias crônicas, como na cirrose e na hepatite autoimune, havendo um aumento policlonal das gamaglobulinas e diminuição da albumina. O aumento monoclonal ocorre no carcinoma hepatocelular. Em geral, as α-globulinas encontram-se elevadas nas colestases, e a diminuição das α2-globulinas ocorre nas doenças hepatocelulares crônicas e em processos hemolíticos.

CAPÍTULO 34

INFECTOLOGIA 34.1

FEBRE

ANA PAULA PEARSON ELIANA DE ANDRADE TROTTA

Caracterização. Febre é o aumento na temperatura corporal, resultante de uma resposta organizada e controlada a uma doença ou agressão. As causas mais comuns de febre são as infecções; doenças inflamatórias, neoplásicas e imunológicas também podem ter febre como apresentação inicial. É a queixa mais comum em consultas pediátricas. A temperatura normal retal, oral e timpânica situa-se em torno de 37°C (temperatura central). A temperatura axilar é até 1°C mais baixa do que a temperatura retal. A medida axilar, por ser prática e poder ser usada em crianças de todas as idades, é a forma de medição mais difundida, embora seja a menos precisa. Considera-se como febre a temperatura retal ou timpânica acima de 38°C, oral acima de 37,5°C ou axilar acima de 37,2°C. Fisiopatologia. A febre é uma resposta desencadeada pelas citocinas pirogênicas, sintetizadas e liberadas por estímulos, como infecções bacterianas, fúngicas e virais, por trauma, produção de complexos antígeno-anticorpo e inflamação. As citocinas circulantes no hipotálamo induzem um aumento na síntese de prostaglandinas, especialmente a PGE2, que estimula o ponto estabilizador (set up) da regulação da temperatura, provocando o estabelecimento de um novo ponto de referência, mais alto. Para elevar a temperatura, entram em ação os mecanismos de aumento de calor, como aumento da taxa metabólica, atividade muscular e diminuição da perda de calor pela vasoconstrição da pele. O conhecimento da fisiopatologia da febre é importante para explicar por que os medicamentos antipiréticos, que são inibidores das prostaglandinas, não reduzem a temperatura de pessoas não febris. A manutenção da temperatura normal é regulada por outros neuromediadores, como noradrenalina, acetilcolina e serotonina. A febre tem um limite máximo quando não tratada de 42,2°C, medida no reto, provavelmente pela ação de neuropeptídeos hipotalâmicos (antipiréticos endógenos). A febre, por si só, não é letal, e, até o momento, não existem dados para indicar se ela é capaz de causar lesões teciduais em crianças normais. A febre não deve ser confundida com a hipertermia, fenômeno no qual a temperatu608

ra se eleva apesar dos esforços do corpo em reduzi-la (sudorese, vasodilatação e diminuição do tônus muscular). É o que ocorre na insolação e na intermação. Nesses casos, a temperatura pode se elevar até 46°C e pode ser letal. Tratamento sintomático. Apesar de ser uma resposta adaptativa, há alguns argumentos a favor do tratamento sintomático da febre: Q Q

Q Q Q Q Q

desconforto do paciente; aumento da taxa metabólica (10-12% para cada °C) com consequente aumento no consumo de oxigênio, produção de CO2 e maiores necessidades hídricas e calóricas; proteinúria; aumento do débito cardíaco e da ventilação alveolar, que podem ser danosos em pacientes com doenças prévias desses sistemas; precipitação de convulsões em crianças suscetíveis; aumento da mortalidade no choque séptico; diminuição na motilidade gástrica, com retardo no esvaziamento do estômago. Os argumentos contrários à supressão da febre incluem os seguintes:

A maioria dos episódios febris é de curta duração e autolimitada. A febre diminui o ferro sérico (que é substrato para crescimento de alguns microrganismos) e aumenta a transferrina, que é uma proteína de defesa de fase aguda. Q A sensação de febre pode fazer com que o paciente repouse. Q O tratamento da febre pode mascarar o quadro clínico e dificultar o diagnóstico ou a avaliação da terapêutica. Em geral, febre de grau moderado parece melhorar a resposta imunológica. Em altas temperaturas, esses efeitos podem desaparecer ou mesmo ser revertidos. Apesar dos argumentos incompletos e conflitantes, há algumas indicações razoáveis para o tratamento sintomático da febre nos pacientes com as seguintes condições: Q Q Q Q Q Q Q Q Q

temperatura > 40°C idade entre 6 meses e 3 anos idade < 6 anos com história de convulsões doença cardiopulmonar, renal, neurológica aguda ou metabólica distúrbios hidreletrolíticos sepse, com ou sem choque anemia falciforme deterioração da termorregulação (por meios físicos) hipertermia por fator ambiental (por meios físicos) As seguintes situações são consideradas indicações relativas:

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FEBRE

Q Q

FEBRE

Q Q Q Q

temperatura entre 39 e 40°C idade < 5 anos doença neurológica crônica desconforto do paciente

A febre pode ser reduzida com o uso de drogas antipiréticas e/ou com resfriamento externo. A droga mais usada é o acetaminofen, inibidor da síntese de PGE2. É bem absorvida pelo tubo digestivo, tem efeito em 30-60 minutos e pico em 3 horas. A dose usual para crianças menores de 12 anos de idade é de 10-15 mg/kg, a cada 4 a 6 horas, não excedendo 5 doses em 24 horas. O ibuprofeno, um anti-inflamatório não esteroidal, tem o mesmo mecanismo de ação do acetaminofen. Em doses comparáveis, tem o mesmo tempo de início de ação e duração mais prolongada (6-8 horas). A dose para crianças de 6 meses a 12 anos é 5-10 mg/kg, a cada 6 a 8 horas, não devendo ultrapassar 40 mg/kg/ dia. O ácido acetilsalicílico, cada vez menos usado, tem o mesmo mecanismo de ação do acetaminofen. Está relacionado a várias complicações, entre elas gastrite, hemorragia digestiva, redução da agregação plaquetária, redução da protrombina sérica, redução da excreção renal de sódio, edema pulmonar, broncoespasmo, lesão hepática, reações de hipersensibilidade e supressão imunológica. Talvez a complicação mais grave seja a síndrome de Reye, relacionada ao uso de ácido acetilsalicílico em crianças infectadas por certos vírus, como o da varicela e o da influenza. A dipirona não é recomendada pelo Food and Drug Administration para o tratamento da febre em crianças pelo risco de causar anemia aplástica. Seu uso fica restrito ao manejo da febre nos casos de impossibilidade de uso da via digestiva, por ser a única droga antipirética para uso parenteral em nosso meio. Tem ação mais duradoura do que o acetaminofen e o mesmo mecanismo de ação. Doses recomendadas: 10 mg/kg/dose para lactentes e 10-25 mg/kg/dose para crianças, a cada 6 h; para adolescentes, 500 mg/dose a cada 6 h, até 1,2 g/dia; dose IV: 1015 mg/kg/dose. Não é recomendada para crianças < 3 meses ou < 5 kg. Uma conduta comum é o uso de duas drogas, alternadas a cada 2 horas, para febres resistentes. Não existem dados controlados que demonstrem a superioridade terapêutica dessa associação sobre o uso das drogas isoladamente, em doses adequadas. Também não há comprovação de que haja resposta com uma droga se não houve com a outra, considerando-se que o mecanismo de ação é o mesmo. Pelo risco de intoxicação e de se somarem os paraefeitos, não se recomenda alternar antipiréticos dessa forma. O resfriamento externo (esponjamento) é uma medida não fisiológica de redução da febre porque, uma vez que seja empregado, o corpo se esforça mais para manter a temperatura indicada pelo ponto estabilizador hipotalâmico. É desconfortável, mas pode efetivamente reduzir a temperatura, especialmente em lactentes e crianças pequenas que têm uma superfície corporal relativamente ampla, de forma rápida mas fugaz, com efeito que não ultrapassa 30 minutos. São recomendadas compressas de água morna (30°C) ou esponjamento, que

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consiste na fricção da pele com esponja ou tecido embebidos em água morna (30ºC), até o ponto de rubor, por 30 minutos, podendo ser repetido em 2 horas. Compressas com álcool são contraindicadas. A simples retirada de roupas não mostrou efeito sobre a temperatura nos casos de febre. É eficaz nos recémnascidos quando o aumento da temperatura é causado por excesso de roupas (mesma fisiopatologia da hipertermia). Algumas medidas auxiliares podem ser usadas na redução da febre, como uma boa hidratação, repouso, roupas leves e ambiente fresco. Todas as medidas descritas têm, como finalidade, a diminuição da temperatura, não sendo meta do tratamento sintomático a normalização da temperatura. A hipertermia não responde a antipiréticos, sendo indicadas as medidas de resfriamento. O mesmo ocorre em febres por lesão do sistema nervoso (febre de origem central). Causas de febre de início recente. As infecções agudas localizadas, principalmente as viroses de vias aéreas superiores, e a fase prodrômica de doenças infecciosas benignas são a causa mais comum de febre em crianças. Causas infecciosas – Sistema nervoso central: meningite, encefalite, ventriculite, abscessos epidural e peridural, derivação ventricular infectada. – Intratorácicas: traqueobronquite, bronquite, pneumonia, abscesso pulmonar, pleurisia, mediastinite, endocardite, miocardite, pericardite. – Cabeça e pescoço: estomatite, nasofaringite, faringite, tonsilite e peritonsilite, abscessos peritonsilar e retrofaríngeo, tireoidite purulenta, endoftalmite, otite média, sinusite. – Intra-abdominais e pélvicas: cistite, pielonefrite, abscesso perinefrético, enterite e gastrenterite, enterocolite e colite, hepatite, colangite, pancreatite, abscessos intra-abdominal e hepático, peritonite, adenite mesentérica, abscesso pélvico, doença inflamatória pélvica, prostatite, epididimite. – Extremidades: celulite e erisipela, linfangite, infecção de ferimentos, abscesso subcutâneo, miosite piogênica, osteomielite, artrite séptica. Q Causas não infecciosas – Neurológicas: lesão intracraniana e/ou hemorragia, trombose cerebral, trombose sinocavernosa. – Intra-abdominais: obstrução intestinal, intussuscepção, apendicite, peritonite, colecistite, pancreatite, hepatite química. – Pulmonares: pneumonia química por aspiração, pneumonia por hipersensibilidade, embolia pulmonar ou infarto. – Hipersensibilidade: febre devido a drogas, eritema multiforme, eritema multiforme exsudativo, doença do soro, reação enxerto-hospedeiro. – Hematológicas: reação à transfusão, episódio hemolítico agudo, crise de anemia falciforme. – Intoxicação e envenenamento: intoxicação por aspirina, atropina, organofosforado, sal, solanina, hidrocarbonados, antidepressivos tricíclicos; picada de aranha.

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FEBRE

Q

– Outras: trauma maior, queimaduras, tromboflebite, febre reumática aguda, síndrome hemolítico-urêmica, púrpura anafilactoide, pós-vacinação.

FEBRE

Algumas doenças crônicas podem se apresentar inicialmente como doenças febris agudas, como: bronquiectasias, colecistite, doenças do tecido conjuntivo (dermatomiosite, artrite reumatoide juvenil, lúpus eritematoso, poliarterite nodosa), fibrose cística, diabete insípido, diabete melito, disautonomia familiar, hepatite crônica ativa, hepatite granulomatosa, histiocitose, hipertireoidismo, hipoadrenalismo, infecções crônicas (blastomicose, malária, tuberculose, larva migrans visceral), dano imunológico (agamaglobulinemia, doença granulomatosa crônica, neutropenia), pancreatite, hemossiderose pulmonar, enterite regional, sarcoidose, anemia falciforme, tumores, síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Investigação da febre. A maioria das causas comuns de febre pode ser diagnosticada por anamnese e exame físico rotineiros. Na investigação da febre, é necessário fazer a distinção entre febre sem sinais de localização e febre de origem obscura. A primeira refere-se a uma situação aguda (menos de sete dias de duração); a segunda, à febre prolongada (2-3 semanas), sem sinais de localização. Quando não há sinais de localização, a anamnese precisa ser mais minuciosa, incluindo contato com pessoas doentes, viagens, exposição a animais e histórico de vacinação. Também é importante precisar a temperatura máxima atingida, uma vez que há dados consideráveis demonstrando que a incidência de bacteremia aumenta com a magnitude da febre, tanto em crianças sem sinais de localização como naquelas com infecções específicas localizadas, como pneumonia ou otite. Como norma prática, recomenda-se, na avaliação da criança com febre, avaliar imediatamente se a criança: Q Q Q Q Q Q Q Q Q

é menor do que 3 meses de idade; tem temperatura > 40,6°C; está queixosa ou tem choro inconsolável; tem aspecto de doente (toxêmica); está com dificuldade para ser acordada; tem rigidez de nuca e/ou petéquias ou manchas purpúricas na pele; tem dificuldade respiratória, mesmo depois de desobstruídas as narinas; está salivando e não consegue engolir; teve ou está tendo crise convulsiva. Avaliar dentro de 24 horas se a criança:

Q Q Q Q

tem entre 3 e 6 meses de idade; tem temperatura > 40°C (principalmente em menores de 3 anos de idade); tem disúria; tem febre há mais do que 24 horas sem que tenha aparecido uma causa óbvia ou sinal de localização, ou a febre desapareceu por mais de 24 horas e retornou; Q tem febre há mais do que 72 horas, mesmo com sinais de localização.

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FEBRE AGUDA SEM SINAIS DE LOCALIZAÇÃO (FASSL) EM CRIANÇAS MENORES DE 3 ANOS FASSL em menores de 36 meses de idade representa maior risco de bacteremia oculta (crescimento de germe patogênico em hemocultura mesmo sem sinais de localização) e de infecções graves. Por isso, alguns conceitos são importantes nessa faixa etária: Q

Lactente toxêmico: aquele com sinais de sepse (letargia, sinais de má perfusão, hipo ou hiperventilação marcadas, cianose). Q Lactente febril de baixo risco: não parece toxêmico, estava previamente hígido, não tem infecção localizada e tem uma triagem laboratorial para infecção negativa: – contagem de leucócitos periféricos entre 5.000 e 15.000 cél/mm3 – contagem absoluta de bastonados < 1.500/mm3 – ≤ 5 leucócitos por campo de grande aumento (× 40) à microscopia de sedimento de urina, ou fita de urina negativa para nitritos e esterase leucocitária – ≤ 5 leucócitos por campo de grande aumento (× 40) à microscopia de fezes em crianças com diarreia – Raio X de tórax sem alterações em crianças com dispneia, taquipneia, diminuição de murmúrio ou estertores Com relação ao manejo dessas crianças, recomenda-se o seguinte: Manejo de lactentes e crianças até 36 meses toxêmicos: devem ser hospitalizados, submetidos à avaliação para sepse e tratados com antibióticos empíricos para possível sepse ou meningite. Q Manejo de neonatos de baixo risco: devem ser hospitalizados em sala de observação, submetidos à avaliação para sepse e receber antibioticoterapia expectante para possível sepse ou meningite, enquanto aguardam o resultado das culturas. Uma alternativa é manter o paciente no hospital, em observação, e não iniciar antibioticoterapia até o resultado das culturas. A avaliação para sepse inclui hemograma e hemocultura, exame completo de líquido cerebrospinal, urinálise e urocultura, radiografia de tórax (especialmente se febre alta e sintomas respiratórios) e coprocultura (se houver diarreia). Q Manejo de lactentes de 28 dias a 3 meses de baixo risco: devem ser hospitalizados em sala de observação e submetidos à triagem laboratorial e avaliação para sepse. Se a triagem for positiva, são considerados de risco e devem ser mantidos hospitalizados, observados e receber antibioticoterapia expectante enquanto aguardam o resultado das culturas. Se a triagem laboratorial for negativa, são considerados de baixo risco e podem ser observados em domicílio, com ou sem antibioticoterapia expectante, como uma alternativa para a hospitalização. Se a opção for manejo ambulatorial, os pacientes devem ser reexaminados em 18-24 horas e deve-se verificar os resultados das culturas. Q Manejo de crianças de 3-36 meses de baixo risco: se a criança não parecer toxêmica e a temperatura axilar for menor que 38,6°C, não há necessidade 613

FEBRE

Q

de avaliação laboratorial ou antibioticoterapia. Ela deve receber antipiréticos e ser reavaliada em qualquer momento se houver deterioração clínica, ou em 24-48 horas. No entanto, a probabilidade de bacteremia oculta em uma criança dessa idade com temperatura axilar ≤ 38,6°C é de 4,3%. Portanto, nessa circunstância, a criança deve ser submetida à triagem laboratorial para infecção supracitada.

FEBRE

Não estão definitivamente estabelecidos os critérios para iniciar antibioticoterapia expectante enquanto se aguarda os resultados dos culturais, e recomendase que cada caso seja analisado individualmente em função da idade e do estado geral da criança, do calendário vacinal contra Haemophilus influenzae, assim como da situação social da família. Nas crianças completamente imunizadas contra H. influenzae e considerando-se a prevalência de 90% de Streptococcus pneumoniae em bacteremia oculta, recomenda-se o uso de ceftriaxona por via IM, na dose de 50 mg/kg, em dose única diária, ou amoxicilina em altas doses – 60-80 mg/kg/dia, divididos a cada 8 horas. Na reavaliação desses pacientes, em 24-48 horas, se houver crescimento de S. pneumoniae na hemocultura, mas a criança estiver clinicamente bem e afebril, poderá receber uma segunda dose de ceftriaxona IM, e o restante do tratamento será com penicilina oral ou amoxicilina. Se apenas a urocultura for positiva e a criança estiver bem, poderá ser tratada em domicílio, com antibiótico adequado de acordo com antibiograma. Se o paciente ainda estiver febril, não estiver clinicamente bem ou houver crescimento de outro germe que não S. pneumoniae nas culturas, deve ser hospitalizado, com realização de nova coleta de culturas e início de antibioticoterapia adequada.

FEBRE DE ORIGEM INDETERMINADA É definida por febre prolongada (mais de duas semanas) sem etiologia discernível pela anamnese, exame físico e investigação laboratorial inicial. A causa mais comum em crianças menores de 6 anos de idade são as doenças infecciosas sistêmicas, bacterianas ou virais, seguidas das doenças do tecido conjuntivo e das neoplasias (principalmente linfomas e leucemias); de 6-16 anos de idade, aumenta a prevalência das doenças do tecido conjuntivo. Nos casos renitentes, lembrar os distúrbios factícios (síndrome de Munchausen) ou distúrbios factícios por procuração. A investigação pode ser assim dividida: observação do padrão da temperatura, anamnese, exame físico, exames laboratoriais iniciais, procedimentos não invasivos e procedimentos invasivos. A observação do padrão pode mostrar que muitos pacientes têm apenas temperatura normal acima da média, dentro do ritmo circadiano, e não febre. Febre que não responde a antipiréticos pode ser indicativa de lesão do sistema nervoso central ou febre provocada (distúrbio factício). A anamnese deve ser minuciosa, principalmente a revisão dos sistemas. Questionamentos sobre procedência, viagens, exposição a animais, contato com outros doentes, transfusão de hemoderivados e uso de medicamentos são importantes. Exames físicos completos repetidos podem mostrar achados que estavam ausentes em uma primeira avaliação. Podem ser úteis exames oftalmológicos, como exame 614

da retina (fundo de olho) e exame com lâmpada de fenda, pois muitas doenças sistêmicas têm manifestações oculares, tais como colagenoses e doenças infecciosas (tuberculose, sífilis, histoplasmose, leptospirose, entre outras). Sempre que possível, testes diagnósticos deveriam ser orientados pelo raciocíno clínico oriundo da anamnese e do exame físico criteriosos. Quando os indícios clínicos não são suficientes, uma abordagem razoável é organizar, por fases, uma bateria de exames disponíveis, passando à fase seguinte somente depois do resultado da anterior. O esquema inicial sugerido consiste de hemograma, velocidade de sedimentação globular (VSG), exame qualitativo de urina, urocultura, reação de Mantoux, Monoteste, radiografia de tórax, hemocultura, anti-HIV, dosagem das enzimas hepáticas e fosfatase alcalina, ureia e creatinina. A partir dessa fase, recomenda-se o encaminhamento da criança para um centro de cuidados secundários para a realização de exames laboratoriais ou testes mais elaborados, como hemoculturas seriadas, análise de líquido cerebrospinal, proteínas de fase aguda, imunoeletroforese, titulagens de anticorpos (para infecções virais), anticorpos antinucleares (para doenças reumáticas), PCR (reação em cadeia pela polimerase) e proteinograma, entre outros. Muitas vezes são necessárias hemoculturas seriadas (até 6) para detecção de infecções como endocardite e osteomielite. No centro de cuidados secundários, poderão ser realizados procedimentos não invasivos, como cintilografias, ecografias, tomografias e outros. A última etapa, a de procedimentos invasivos, compreende, entre outros, biópsia e laparoscopia.

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FEBRE

REFERÊNCIAS

Evidence based clinical protocol guideline for fever of uncertain source in infants 60 days of age or less [homepagem in the Internet]. Cincinnati (OH): Cincinnati Children´s Hospital Medical Center; 1998 [capturado em 2002 Dec 14]. http://www.guideline.gov/FRAMESETS/ guideline_fs.asp?guideline=001879&sSearch_string=fever Gelfand JA, Wolff SM. Fever of unknown origin. In: Mandell GL, Bennett JE, Dolin R, editors. Principles and practice of infectious diseases. New York: Churchil Livinstone; 1995. p. 53649. Hughes WT, Buescher ES. Pediatric procedures. Philadelphia: W B Saunders; 1980. Johnson CF. Abuse and neglect of children. In: Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB, editors. Nelson textbook of pediatric. Philadelphia: WB Saunders; 2000. p. 118. Kinmonth AL, Fulton Y, Campbell MJ Management of feverish children at home. BMJ. 1992;305(6862):1134-6 Klassen TP, Rowe PC. Selecting diagnostic tests to identify febrile infants less than 3 months of age as being at low risk for serious bacterial infection: a scientific overview. J Pediatr. 1992;121(5 Pt 1):671-6. Lorin MI, Feigin RD. Fever of unknown origin. In: McMillan JA, De Angelis CD, Feigin RD, Warshaw JB, editors. Oski‘s pediatrics: principles and practice. Philadelphia: Lippincot Williams and Wilkins; 1999. p. 844-8. Lorin MI, Feigin RD. Fever without localizing signs and fever of unknown origin. In: Feigin RD, Cherry JD, editors. Textbook of pediatric infectious diseases. Philadelphia: WB Saunders; 1998. p. 820-30. FEBRE

Lorin MI. A criança febril. Rio de Janeiro: Medsi; 1987. Lorin MI. Pathogenesis of fever and its treatment. In: McMillan JA, De Angelis CD, Feigin RD, Warshaw JB, editors. Oski‘s pediatrics: principles and practice. Philadelphia: Lippincot Williams and Wilkins; 1999. p. 848-50. Mazur LJ, Jones T, Kosinetz CA. Temperature response to acetaminophen and risk of occult bacteremia: a case control study. J Pediatr. 1989;115(6):888-91. McCarthy CA, Powell KR, Jaskiewicz JA, Carbrey CL, Hylton JW, Monroe DJ, et al. Outpatient management of selected infants younger than two months of age evaluated for possible sepsis. Pediatr Infect Dis J. 1990;9(6):385-9. McCarthy PL, Sharpe MR, Spiesel SZ, Dolan TF, Forsyth BW, DeWitt TG, et al. Observation scales to identify serious illness in febrile children. Pediatrics. 1982;70(5):802-9. Mofenson HC, McFee R, Caraccio T, Greensher J. Combined antipyretic therapy: another potential source of chronic acetaminophen toxicity. J Pediatr. 1998;133(5):712-4. Slater M, Krug SE. Evaluation of the infant with fever without source: an evidence based approach. Emerg Med Clin North Am. 1999;17(1):97-126, viii-ix. Taketomo CK, Hodding JH, Kraus DM. Pediatric doosage handbook. 7th ed. Hudson: LexiComp Inc; 2001.

616

Trotta EA, Gilio AE. Febre aguda sem sinais de localização em crianças menores de 36 meses de idade. J Pediatr. 1999;75 (Supp 2):S214-S222. Wong A, Sibbald A, Ferrero F, Plager M, Santolaya ME, Escobar AM, et al. Antipyretic effects of dipyrone versus ibuprofen versus acetaminophen in children: results of a multinational, randomized, modified double-blind study. Clin Pediatr (Phila). 2001;40(6):313-24.

34.2

PARASITOSES INTESTINAIS

Devido à sua alta prevalência, as infecções parasitárias intestinais são um grave problema de saúde pública no Brasil, particularmente na população infantil. As crianças são mais suscetíveis às infestações parasitárias quando comparadas aos adultos, principalmente devido ao seu comportamento oral e à inabilidade de evitarem as picadas dos vetores, além de ainda não terem desenvolvido uma competência imunológica adequada. Muitas vezes o tratamento é imposto empiricamente em indivíduos com sintomas gastrintestinais, entretanto, deve-se, sempre que possível, proceder ao diagnóstico etiológico das parasitoses intestinais, e, mesmo tendo baixa sensibilidade, o exame parasitológico de fezes continua sendo considerado padrão-ouro. O esquema de tratamento deve obedecer à escolha criteriosa das drogas antiparasitárias, levando em conta a eficácia e a tolerabilidade, além do custo e da disponibilidade em nosso meio. As medidas profiláticas devem visar à melhoria das condições socioeconômicas e investimentos em saneamento básico. Na Tabela 34.2.1, estão apresentados as manifestações clínicas e o tratamento das principais parasitoses intestinais.

617

PARASITOSES INTESTINAIS

PAULA XAVIER PICON MARSAL LERNER

PARASITOSES INTESTINAIS

618

Tabela 34.2.1 PRINCIPAIS PARASITORES INTESTINAIS Parasita

Quadro clínico

Tratamento

Observações

Ancylostoma duodenale e Necator americanus

– Dermatite pruriginosa – Diarreia, melena, perda de peso – Síndrome de Loeffler

– Albendazol, 400 mg, dose única – Mebendazol, 100 mg, 2×/dia, por 3 dias – Pamoato de pirantel, 10-11 mg/kg/dia, 1× dia, por 3 dias

– É prevalente em áreas quentes e úmidas – A infecção é percutânea – Anemia ferropriva, eosinofilia

Ascaris lumbricoides

– – – –

Maioria assintomática Náusea, vômitos, dor abdominal Desnutrição Síndrome de Loeffler (tosse, dispneia, sibilância, pneumonia intersticial) – Oclusão intestinal, migração para via biliar e apêndice

– – – –

Albendazol, 400 mg, dose única Mebendazol, 100 mg, 2×/dia, por 3 dias Levamisol, 2,5-5 mg/kg, dose única Pamoato de pirantel, 10-11 mg/kg/dia, 1×/dia, por 3 dias – Ivermectina, 200 µg/kg/dia, dose única – Piperazina, 75 mg/kg, (máx. 3,5 mg), 1×/dia, por 2 dias

Em caso de invasão da via biliar ou oclusão intestinal: piperazina é o medicamento de escolha após administração de óleo mineral

Balantidium coli

– Maioria assintomática – Diarreia intermitente intercalada por constipação, colite, dor abdominal, vômitos

– Metronidazol, 5-20 mg/kg/dia, 3×/dia, por 7 dias

Maior ocorrência em área rural e de suinocultura

Blastocystis hominis

– Maioria assintomática – Colite, diarreia autolimitada, dor abdominal, vômitos, fadiga, anorexia, prurido anal, flatulência

– Metronidazol, 35-50 mg/kg/dia, 3×/dia, por 7-10 dias

Patogenicidade controversa

(Continua)

Tabela 34.2.1 (continuação) PRINCIPAIS PARASITORES INTESTINAIS Parasita

Quadro clínico

Tratamento

Observações

– Infecção oportunista em imunodeprimidos

619

Cryptosporidium sp.

– Maioria assintomática – Espiramicina, 100 mg/kg/dia, 2×/dia – Diarreia aguda aquosa, pancreatite – Azitromicina, 10 mg/kg/dia e hepatite em imunodeprimidos – Diarreia autolimitada e diarreia do viajante

Cyclospora cayetanensis

– Diarreia autolimitada e diarreia do – Sulfametoxazol + trimetoprim, viajante 50 mg/kg/dia (SMZ) + 10 mg/kg/dia – Diarreia intensa e má absorção em (TMP), por 4 semanas imunodeprimidos

Enterocytozoon bieneusi e Encephalitozoon intestinalis

– Em imunodeprimidos: diarreia aguda aquosa, perda de peso, má absorção

Entamoeba histolytica

– Maioria assintomática – Metronidazol, 35-50 mg/kg/dia, 3×/dia, – Dor abdominal, diarreia com muco por 7-10 dias e sangue, febre, anorexia, – Tinidazol, 50 mg/kg/dia, por 2 dias tenesmo, perda de peso – Secnidazol, 30 mg/kg, dose única – Abscesso hepático

Tratamento eficaz não bem definido

– Albendazol, 400 mg, 14 dias

PARASITOSES INTESTINAIS

Espécies de amebas não patogênicas: E. coli, E. dispar, Endolimax nana (Continua)

PARASITOSES INTESTINAIS

620

Tabela 34.2.1 (continuação) PRINCIPAIS PARASITORES INTESTINAIS Parasita

Quadro clínico

Tratamento

Observações

Enterobius vermiculares (Oxyuris vermicularis)

– Prurido anal noturno – Vulvovaginite

– – – –

– Não tem relação com o nível socioeconômico – Maior prevalência em clima temperado

Giardia lamblia

– Maioria assintomática – Diarreia e dor abdominal intermitente, má absorção, anorexia, vômitos, baixo ganho ponderal

– Tinidazol, 50 mg/kg/dia, dose única – Secnidazol, 30 mg/kg, dose única – Metronidazol, 5-20 mg/kg/dia, 3×/dia, por 7 dias – Albendazol, 400 mg, por 5 dias

– Surtos por contaminação de água – Localiza-se nas criptas do duodeno e do jejuno

Hymenolepis nana e H. diminuta

– Maioria assintomática – Anorexia, diarreia e vômitos

– Praziquantel, 20-25 mg/kg, dose única

É difícil erradicar o verme

Isospora belli

– Maioria assintomática – Sulfametoxazol + trimetoprim, – Diarreia aguda autolimitada, febre 50 mg/kg/dia (SMZ) + 10 mg/kg/dia e vômitos (TMP), por 4 semanas – Diarreia crônica em imunodeprimidos

Mebendazol, 100 mg, 2×/dia, por 3 dias Albendazol, 400 mg, dose única Pamoato de pirvínio, 10 mg/kg, dose única Pamoato de pirantel, 10-11 mg/kg/dia, 1×/dia, por 3 dias

Eosinofilia

(Continua)

Tabela 34.2.1 (continuação) PRINCIPAIS PARASITORES INTESTINAIS Parasita

Quadro clínico

Tratamento

Observações

Strongyloides stercoralis

– Diarreia aguda ou crônica, sintomas dispépticos, mimetiza úlcera péptica – Sintomas de hipersensibilidade (tosse, urticária) – Formas graves de disseminação em imunodeprimidos

– – – –

Taenia solium e T. saginata

– Assintomática ou diarreia, dor abdominal, anorexia – Neurocisticercose

– Praziquantel, 10 mg/kg, dose única – Albendazol, 400 mg, 5 dias

Contágio maior por carne crua

Trichuris trichiura

– Maioria assintomática – Diarreia, dor abdominal periumbilical, enterorragia, prolapso retal – Urticária

– Mebendazol, 100 mg, 2x/dia, por 3 dias – Albendazol, 400 mg, por 3 dias

– Regiões quentes e úmidas – Idade escolar – Anemia

Ivermectina, 200 µg/kg/dia, por 2 dias – Infecção percutânea Albendazol, 400 mg, por 5 dias – Anemia, eosinofilia Tiabendazol, 50 mg/kg, dose única (máx. 3 g) Cambendazol, 5 mg/kg, dose única

621 PARASITOSES INTESTINAIS

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson textbook of pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007. Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto alegre: Artmed; 2005. Lopez FA, Campos Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2006. Sociedade Brasileira de Pediatria.

34.3

AIDS PEDIÁTRICA

AIDS PEDIÁTRICA

PAULA XAVIER PICON MARSAL LERNER

A transmissão vertical é a principal categoria de exposição ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) em crianças, respondendo, no período intraparto, por 70% das chances de transmissão, no intraútero, por 20%, e, no pós-parto, por 10%. O aleitamento materno tem uma taxa de transmissão de 7-22% dos bebês expostos que foram amamentados. Sabe-se que a evolução da síndrome da imunodeficiência humana (AIDS) pediátrica varia entre crianças rapidamente progressoras até não progressoras. Múltiplos são os fatores que contribuem para os diferentes padrões de progressão da doença em crianças, incluindo: época da infecção, carga viral no estado de equilíbrio, genótipo e fenótipo viral, resposta imune e constituição genética individual. Portanto, o acompanhamento clínico e a avaliação imunológica e virológica seriadas são fundamentais para avaliar o prognóstico, orientar as decisões terapêuticas e monitorar a eficácia do tratamento.

RECÉM-NASCIDO EXPOSTO AO HIV Cuidados com o recém-nascido (RN): Q Q

imediamente após o parto, lavar o RN com água e sabão; aspirar delicadamente as vias aéreas se necessário, evitando trauma de mucosas; Q o aleitamento materno é contraindicado no Brasil; Q os RNs devem receber solução de zidovudina (AZT) por seis semanas, administrado preferentemente nas primeiras duas horas de vida (não há estudos que comprovem o beneficio de iniciar quimioprofilaxia após 48 horas de vida). Prescrição – zidovudina xarope: Q

IG ≥ 34 semanas. Durante internação: 2 mg/kg/dose, 6/6h, VO; 1,5 mg/kg/ dose, 6/6h, se uso IV. Na alta: 4mg/kg/dose, 12/12h, VO.

622

Q

IG = 30-34 semanas: 2 mg/kg/dose, 12/12 h, VO, por 2 semanas e, após, 2 mg/kg/dose, 8/8 h; 1,5 mg/kg/dose, de 8/8 h, se uso IV. Q IG < 30 semanas: 2 mg/kg/dose, 12/12 h, por 4 semanas e, após, 2 mg/kg/ dose, 8/8 h; 1,5 mg/kg/dose, de 8/8 h, se uso IV.

AIDS PEDIÁTRICA

Diagnóstico. Os testes deverão ser iniciados a partir do 1o mês de vida. Caso a criança tenha sido amamentada, o algoritmo da Figura 34.3.1 deve ser iniciado dois meses após a suspensão do aleitamento materno. Manter o acompanhamento clínico nas crianças consideradas não infectadas e fazer sorologia anti-HIV acima dos 12 meses. A detecção de anticorpos anti-

Figura 34.3.1 Algoritmo para detecção da infecção pelo HIV em crianças com idade entre 1 e 18 meses, nascidas de mães infectadas pelo HIV (utiliza a carga viral). Fonte: Adaptada de Brasil (2207). 623

HIV em crianças com menos de 18 meses não caracteriza infecção devido à transferência de anticorpos maternos. Níveis de carga viral abaixo de 10.000 cópias/mL devem ser cuidadosamente analisados porque podem ser falso-positivos. Considera-se não infectada a criança menor de 18 meses que tiver, como resultado, duas amostras abaixo do limite de detecção, por meio dos seguintes métodos: Q Q

quantificação da carga viral do HIV; detecção do DNA pró-viral e carga viral entre 1 e 6 meses, sendo uma delas após o 4 o mês de vida.

A criança maior de 18 meses será considerada infectada por meio de um teste de triagem para detecção de anti-HIV 1 e anti-HIV 2 e pelo menos um teste confirmatório. Em caso de resultado positivo, uma nova amostra deverá ser coletada para confirmar a positividade da primeira amostra. Classificação. Categorias clínicas:

AIDS PEDIÁTRICA

Q

Categoria N – Assintomática: ausência de sinais e/ou sintomas ou com apenas uma das condições da categoria A. Q Categoria A – Sinais e/ou sintomas leves: presença de duas ou mais das condições a seguir, porém sem nenhuma das condições das categorias B e C: – linfadenopatia (> 0,5 cm em mais de duas cadeias diferentes); – hepatomegalia; – esplenomegalia; – parotidite; – infecções persistentes ou recorrentes de vias aéreas superiores (otite média ou sinusite). Q Categoria B – Sinais e/ou sintomas moderados: – anemia (Hb < 8 g/dL), neutropenia (< 1.000/mm3) ou trombocitopenia (< 100.000/mm3) por mais de 30 dias; – meningite bacteriana, pneumonia ou sepse; – tuberculose pulmonar; – candidíase oral persistindo por mais de dois meses; – miocardiopatia; – infecção por citomegalovírus (CMV) antes de 1 mês de vida; – diarreia recorrente ou crônica; – hepatite; – estomatite pelo vírus herpes simples (HSV) recorrente (mais do que 2 episódios/ano); – pneumonite ou esofagite por HSV, com início antes de 1 mês de vida; – herpes-zóster, com 2 episódios ou mais de um dermátomo; – pneumonia intersticial linfocítica; – nefropatia; – nocardiose; 624

Quadro 34.3.1 CLASSIFICAÇÃO DA AIDS PEDIÁTRICA Alteração imunológica – Ausente (1) N1 A1 B1 C1

Ausência de sinais e/ou sintomas clínicos Sinais e/ou sintomas clínicos leves Sinais e/ou sintomas clínicos moderados Sinais e/ou sintomas clínicos graves

Alteração imunológica – Moderada (2) N2 A2 B2 C2

Ausência de sinais e/ou sintomas clínicos Sinais e/ou sintomas clínicos leves Sinais e/ou sintomas clínicos moderados Sinais e/ou sintomas clínicos graves

Alteração imunológica – Grave (3) Ausência de sinais e/ou sintomas clínicos Sinais e/ou sintomas clínicos leves Sinais e/ou sintomas clínicos moderados Sinais e/ou sintomas clínicos graves AIDS PEDIÁTRICA

N3 A3 B3 C3

– febre persistente (> 1 mês); – toxoplasmose antes de 1 mês de vida; e – varicela disseminada ou complicada. Q Categoria C – Sinais e/ou sintomas graves: crianças com quaisquer das condições listadas a seguir: – infecções bacterianas graves, múltiplas ou recorrentes (confirmadas por cultura, dois episódios em intervalo de um ano): sepse, pneumonia, meningite, infecções osteoarticulares, abscessos de órgãos internos; – candidíase esofágica ou pulmonar; – coccidioidomicose disseminada; – criptococose extrapulmonar; – criptosporidiose ou isosporíase com diarreia (> 1 mês); – CMV em locais além do fígado, baço ou linfonodos, a partir de 1 mês de vida; – encefalopatia pelo HIV (achados que persistem por mais de dois meses), em razão de: • déficit do desenvolvimento neuropsicomotor; • evidência de déficit do crescimento cerebral ou microcefalia adquirida identificada por medidas de perímetro cefálico ou atrofia cortical mantida 625

– – – – – – – – –

AIDS PEDIÁTRICA

– – –

em tomografias computadorizadas ou ressonâncias magnéticas sucessivas de crânio; e • déficit motor simétrico com dois ou mais dos seguintes achados: paresias, reflexos patológicos, ataxia e outros; infecção por HSV, úlceras mucocutâneas com duração maior do que 1 mês ou pneumonite ou esofagite (crianças > 1 mês de vida); histoplasmose disseminada; Mycobacterium tuberculosis disseminada ou extrapulmonar; Mycobacterium, outras espécies ou não identificadas, disseminadas; Mycobacterium avium ou Mycobacterium kansasii disseminados; pneumonia por Pneumocystis jiroveci; salmonelose disseminada recorrente; toxoplasmose cerebral com início após o 1o mês de vida; síndrome da caquexia, manifestada por: • perda de peso > 10% do peso anterior; ou • queda de dois ou mais percentis nas tabelas de peso para a idade; ou • peso abaixo do percentil 5, em duas medidas sucessivas; e • diarreia crônica (duração maior que 30 dias); ou • febre por 30 dias ou mais, documentada. leucoencefalopatia multifocal progressiva; sarcoma de Kaposi; e linfoma primário do cérebro ou outros linfomas.

Tratamento antirretroviral. Os objetivos do tratamento antirretroviral são prolongar a sobrevida, reduzir a morbidade e melhorar a qualidade de vida de crianças infectadas; assegurar crescimento e desenvolvimento adequados; reduzir a ocorrência de infecções oportunistas; suprimir a replicação do HIV, preferencialmente a níveis indetectáveis, e utilizar regimes que facilitem a adesão e com baixa toxicidade.

Tabela 34.3.1 CATEGORIAS IMUNOLÓGICAS Alteração imunológica

Contagem de LT-CD4+

< 12 meses

1-5 anos

6-12 anos

Ausente (1)

> 1.500 (> 25%)

≥ 1.000 (≥ 25%)

≥ 500 (≥ 25%)

Moderada (2)

750-1.499 (15-24%) 500-999 (15-24%) 200-499 (15-24%)

Grave (3)

< 750 (< 15%)

626

< 500 (< 15%)

< 200 (< 15%)

As indicações de início de tratamento dependem da classificação da criança. Nas categorias N1 e A1, a recomendação é acompanhamento clínico e laboratorial regular, sem tratamento. Nas categorias N2 e B1, a introdução da terapia específica dependerá da evolução clínica e laboratorial. Nas demais categorias, está indicado o início imediato de terapia antirretroviral. Em pacientes menores de um ano “progressores rápidos”, o tratamento deverá ser instituído precocemente e com terapia tríplice, se possível incluindo um inibidor da protease. Atualmente, existe a recomendação de se iniciar o tratamento antirretroviral em todos os menores de 12 meses, independentemente de sintomatologia, classificação imunológica ou carga viral devido ao elevado risco de progressão da doença e á evidência de eficácia do tratamento precoce. Essa recomendação ainda é discutível e deve ser avaliada e prescrita por um médico especialista em AIDS pediátrica. Esquema inicial para terapia antirretroviral em pediatria: Q

2 ITRN (preferencialmente AZT + 3TC ou D4T + 3TC ou ABC + 3TC) associados a Q 1 ITRNN (NVP se < 3 anos / NVP ou EFZ se > 3 anos) ou 1 IP (LPV/r) Siglas dos antirretrovirais de uso pediátrico ITRN = inibidor da transcriptase reversa análogo de nucleosídeo (AZT = zidovudina; ddI= didanosina; d4T = estavudina; 3TC = lamivudina; ABC = abacavir) Q ITRNN = inibidor da transcriptase reversa não análogo de nucleosídeo (NVP = nevirapina; EFZ = efavirenz) Q IP = inibidor da protease (APV = amprenavir; ATV = atazanavir; NFV = nelfinavir; RTV= ritonavir; IDV = indinavir; LPV/r = lopinavir + ritonavir; SQV = saquinavir) Q IF = inibidor de fusão (T-20 = enfuvirtida) Efeitos adversos dos principais antirretrovirais AZT: Frequentes: anemia, neutropenia, intolerância gastrintestinal, cefaleia. Infrequentes: miopatia, miosite, toxicidade hepática, acidose láctica, insuficiência hepática fulminante. Raro: toxicidade mitocondrial. Q 3TC: Frequentes: cefaleia, fadiga, náusea, diarreia, exantema e dor abdominal. Infrequentes: pancreatite (mais em crianças em fases avançadas usando outras medicações), neuropatia periférica, potencialização da anemia pelo AZT, ↑ enzimas hepáticas, neutropenia, toxicidade mitocondrial. Q ddI: Frequentes: diarreia, dor abdominal, náusea, vômito. Infrequentes: pancreatites (menos comum em crianças), toxicidade hepática, toxicidade mitocondrial. Raros: neuropatia periférica, distúrbios de eletrólitos e elevação de ácido úrico e enzimas hepáticas, e despigmentação retiniana. Q EFZ: Frequentes: erupção cutânea, sintomas neurológicos, pesadelos, alucinações, ↑ transaminases. Q LPV/r: Frequentes: diarreia, cefaleia, astenia, náusea e vômito; erupção cutânea em pacientes em uso de LPV/r com outros antirretrovirais. Infrequentes: Q

627

AIDS PEDIÁTRICA

Q

síndrome lipodistrófica. Raros: sangramento espontâneo em hemofílicos, pancreatites, hiperglicemia, cetoacidose, diabete e hepatite. Profilaxia primária de infecções oportunistas. A pneumonia por Pneumocystis jiroveci é a mais frequente infecção oportunista em crianças infectadas pelo HIV,

Tabela 34.3.2 PROFILAXIA PRIMÁRIA DE INFECÇÕES OPORTUNISTAS Patógeno

Indicação

Regime de 1a escolha

Pneumocystis jiroveci



SMX-TMP (200 + 40 mg) 0,5 mL/kg/dose 12/12 h, 3×/semana



AIDS PEDIÁTRICA



Crianças de 4-6 semanas a 12 meses de idade Crianças 1-5 anos: CD4 < 500 (15%) Crianças 6-12 anos: CD4 < 200 (15%)

Mycobacterium tuberculosis

Mantoux > 5 mm, ou contato intradomiciliar com doença ativa

Isoniazida, 10-15 mg/kg/ dia, por 9 meses

Varicela-zóster/ herpes-zóster

Exposição, sem história de varicela

VZIG, 1,25 mL (1 amp)/ 10 kg, IM, até 96 h do contágio; melhor nas primeiras 48 horas, se possível; máx. 5 ampolas

Sarampo

Exposição, paciente suscetível

IMIG4 a 16%, 0,5 mL/kg, IM, até 6 dias do contato

Toxoplasma gondii

Sorologia positiva (IgG) para toxoplasmose e imunossupressão severa

SMX-TMP (200 + 40 mg), 0,5 mL/kg/dose, 12/12 h, diariamente

Doença bacteriana invasiva (diversos agentes)

Hipogamaglobulinemia ou déficit funcional de produção de anticorpos

Imunoglobulina humana, EV, 400 mg/kg/mês

Micobacteriose atípica (MAI)

< 12 meses: CD4 < 750 1-2 anos: CD4 < 500 2-6 anos: CD4 < 75 ≥ 6 anos: CD4 < 50

Claritromicina, 15 mg/kg/dia, 2×/dia; ou azitromicina, 20 mg/kg/dia, 1×/semana

Fonte: Adaptada de Brasil (2007).

628

sendo a faixa de maior risco aquela compreendida no primeiro ano de vida, quando o diagnóstico definitivo da infecção pelo HIV, na maioria das crianças expostas, ainda não pode ser feito. Causa insuficiência respiratória aguda com alta letalidade, justificando a indicação de profilaxia primária. Em crianças menores de 12 meses, a contagem de células CD4 não é marcador do risco de doença. Após seis semanas do uso de AZT: suspender e iniciar SMZ/TMP (200 + 40 mg/5 mL) – 1 mL/kg/dia, de 12/12 h, 3×/semana, que deve ser mantido até a exclusão da infecção por HIV (2 cargas virais indetectáveis) ou até completar um ano de vida, quando a indicação será orientada pela contagem de CD4.

REFERÊNCIAS Brasil. Ministério da Saúde. Guia de tratamento clínico da infecção pelo HIV. 3. ed. Brasília, DF: Autor; 2007. Brasil. Ministério da Saúde. Recomendações para terapia antirretroviral em crianças e adolescentes infectados pelo HIV. Brasília, DF: Autor; 2009.

34.4

DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

DANIEL BARBOSA PAULA XAVIER PICON

Doenças exantemáticas são moléstias infecciosas nas quais a erupção cutânea é a característica principal. O exantema pode ter diferentes tipos de apresentações: Q

Morbiliforme: pápulas de tamanho variável (3-10 mm), contorno pouco regular, cor avermelhada, com pele sã de permeio, podendo confluir. Q Escarlatiforme: áreas extensas de vermelhidão difusa sem solução de continuidade, poupando a região perioral. A hipertrofia de folículos pilosos causa a sensação de lixa. Q Rubeoliforme: assemelha-se ao morbiliforme, porém de coloração rósea e constituído de pápulas. Q Urticariforme: erupção eritematosa e presença de pápulas de localização variável e contorno irregular. As doenças exantemáticas clássicas são sarampo, rubéola, exantema súbito, eritema infeccioso e escarlatina. Na Tabela 34.4.1, são apresentadas as características de tais doenças e de outras que fazem parte do diagnóstico diferencial: varicela, Kawasaki e mononucleose infecciosa.

629

DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto alegre: Artmed; 2005.

DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

630

Tabela 34.4.1 CARACTERÍSTICAS DAS DOENÇAS EXANTEMÁTICAS Idade mais comum

Período de incubação

Pródromos

Apresentação clínica

Característica do exantema

Sarampo Lactentes Vírus do até adultos Sarampo Morbillivirus

10-14 dias

Sintomas gripais, prostração e febre alta acompanhados de conjuntivite (3-5 dias)

Pico de febre até o início do exantema (3o dia) Manchas de Koplick surgem antes do exantema

Rubéola Vírus da rubéola – Rubivírus

Adolescentes

14-21 dias

– Pródromos semelhantes a um quadro gripal – Febrícula

Exantema súbito Herpesvírus 6

6 meses a 3 anos

7-10 dias

– 3-4 dias de febre, sem outros sinais ou sintomas

Diagnósticos

Tratamento

Transmissibilidade

Clínico, Morbiliforme, maculopapular, sorologia IF com distribuição IGM específica céfalo-caudal. Atinge o pico no 3o dia

Sintomático

Do início da coriza até o 5o dia do exantema

Pode ocorrer artralgia, linfonodomegalia suboccipital, retroauricular e petéquias em palato

Maculopapular, Sorologia IgM rosado, com específica progressão mais rápida que o sarampo (pico entre 1 e 2 dias)

Sintomático

4 dias antes do exantema até 4 dias após

– Lactentes de 6-24 meses (mais comum no primeiro ano)

– Rendilhado, de início no tronco – Evolui rapidamente

Sintomático

Desconhecida

Clínico, sorologia específica

(Continua)

Tabela 34.4.1 (continuação) CARACTERÍSTICAS DAS DOENÇAS EXANTEMÁTICAS Idade mais comum

Eritema infeccioso Parvovírus B19

2-12 anos

Escarlatina Crianças de Strepto2-10 anos coccus pyogenes (β-hemolítico grupo A)

Característica do exantema

Diagnósticos

Tratamento

Transmissibilidade

– Mais comum em escolares – Padrão de “face esbofeteada” – Exantema pode permanecer em face extensora por semanas

Maculopapular, com áreas de palidez central (rendilhado), que se inicia na face, com padrão característico nas bochechas

Clínico, sorologia especifica

Sintomático

Maior transmissibilidade ocorre antes do aparecimento do exantema

Amigdalite com placas, língua saburrosa e, após, em framboesa

– Escarlatiforme, vermelho intenso, que esmaece à pressão

Clínico

Antibioticoterapia (penicilinas)

Até o desaparecimento da febre ou após 24 horas de antibioticoterapia

Pródromos

Apresentação clínica

– Criança em bom estado geral

– Febre cede ao início do exantema

4-14 dias

Geralmente sem pródromos

2-4 dias

– Febre e dor de garganta – O exantema surge 24-48 horas após o início dos sintomas

Período de incubação

631 DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

632

Tabela 34.4.1 (continuação) CARACTERÍSTICAS DAS DOENÇAS EXANTEMÁTICAS Idade mais comum

Período de incubação

Pródromos

Apresentação clínica

Característica do exantema

Diagnósticos

Tratamento

Transmissibilidade

– Sintomático na maioria dos casos – Atenção aos pacientes

Até as lesões tornarem-se encrostadas (geralmente 5o dia do exantema)

– Inicia-se em superfícies flexoras – Padrão em lixa – Sinais de Pastia (linhas em dobras articulares) e de Filatow (palidez perioral) – Descamação lamelar em luvas e botas Varicela Vírus varicelazóster

1-14 anos

12-21 dias

Geralmente não há

Evolução rápida, – Exantema Clínico pruriginoso, acompanhada de de distribuição febre e prurido centrípeta intenso – Lesões maculares,

(Continua)

Tabela 34.4.1 (continuação) CARACTERÍSTICAS DAS DOENÇAS EXANTEMÁTICAS Idade mais comum

Kawasaki Etiologia desconhecida

Menores que 5 anos

Período de incubação

Pródromos

Apresentação clínica

633

Desconhecido Febre alta por – Febre por mais de 5 dias, mais de 5 dias linfonodomegalia, associada a 4 conjuntivite dos fatores abaixo ou a três fatores, quando associada a aneurisma de coronárias – Conjuntivite não exsudativa

DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

Característica do exantema

Diagnósticos

Tratamento

Transmissibilidade

que evoluem para pápulas, vesículas e se rompem, formando crostas – Encontra-se lesões em diversos estágios

imunossuprimidos e RNs – Quadro de febre prolongada pode indicar infecção bacteriana secundária

Ver Capítulo Polimorfo, 44.4 geralmente entre o 2o e o 4o dia de febre

– ImunogloDesconhecida bulina, AAS em dose alta até a remissão da febre e manutenção durante o tempo de acompanhamento (Continua)

DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

634

Tabela 34.4.1 (continuação) CARACTERÍSTICAS DAS DOENÇAS EXANTEMÁTICAS Idade mais comum

Período de incubação

Pródromos

Diagnósticos

Apresentação clínica

Característica do exantema

– Alterações orais (língua em framboesa, fissuras labiais, hiperemia) – Exantema polimorfo – Alterações de extremidades (eritema e edema em mãos e pés e descamação na fase subaguda) – Linfonodomegalia cervical, geralmente unilateral, com diâmetro de 1,5-7 cm

Ver Capítulo Polimorfo, 44.4 geralmente o o entre o 2 e o 4 dia de febre

Tratamento

Transmissibilidade

– Acompanhar e investigar aneurismas coronários (principal complicação)

Desconhecida

(Continua)

Tabela 34.4.1 (continuação) CARACTERÍSTICAS DAS DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

Mononucleose infecciosa vírus EpsteinBarr

Idade mais comum

Período de incubação

Pródromos

Apresentação clínica

Característica do exantema

Adolescentes

4-14 dias

Febrícula, calafrios, mal-estar, sudorese

– Febre alta e amigdalite, que não responde ao tratamento usual para amigdalite bacteriana – Linfonodomegalia cervical – Cerca de metade dos casos apresentam esplenomegalia

– Rubeoliforme Clínico, – Acomete a sorologia IgM minoria dos específica pacientes e costuma aparecer associado ao uso de penicilinas

635 DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

Diagnósticos

Tratamento

Transmissibilidade

– Tratamento Pode durar 1 sintomático ano ou mais e de suporte – O diagnóstico pode ser confirmado por testes séricos

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson textbook of pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007 Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto alegre: Artmed; 2005. Lopez FA, Campos Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2006. Sociedade Brasileira de Pediatria.

34.5

SÍNDROME MONONUCLEOSE

JOANA COELI LIMA MARINS

SÍNDROME MONONUCLEOSE

Definição. A mononucleose infecciosa corresponde a um quadro agudo ou subagudo de febre e adenomegalia generalizada, acompanhada ocasionalmente de visceromegalia, alterações hematológicas e exantema. Etiologia. Tem várias causas: vírus Epstein-Barr (EBV) em 80% dos casos (doença da qual a síndrome retira o nome), infecção recente por citomegalovírus (CMV), Toxoplasma gondii e vírus da imunodeficiência humana (HIV). Muitos outros agentes produzem formas incompletas da síndrome, entre os quais o vírus da rubéola, o herpes-vírus humano tipo 6, o Treponema pallidum, o Trypanosoma cruzi, a Bartonella henselae. A síndrome também pode ser causada por drogas, como a difenilidantoína, a carbamazepina, a isoniazida e o ácido paraminossalicílico. Quadro clínico. Cursa com febre, linfadenopatia (90%), esplenomegalia (50%), sinais de disfunção hepatocelular e exantema. A febre é de padrão irregular, pode ter início insidioso, com duração de 7-14 dias e acompanhar-se de cefaleia e mal-estar indefinido. A faringite pelo EBV é mais exuberante, dolorosa e, em 50% dos casos, acompanhada de exsudato; já nas síndromes determinadas por outros agentes, a faringite tende a ser mais leve, podendo não existir. O exantema pode ser maculopapular, petequial ou urticariforme e ocorre em pequeno percentual de casos (3%), embora a administração inadvertida de ampicilina ou amoxicilina possa elevar esse percentual para 90%. A adenopatia é, com frequência, generalizada, porém mais proeminente na região cervical. A infecção pelo EBV pode provocar petéquias no palato; edema de pálpebras ou periorbitário (sinal de Hoagland); obstrução de vias aéreas superiores pelo aumento de tonsilas e das adenoides, por se tratar de um vírus linfoproliferativo, anemia hemolítica (3%) e, em uma minoria de casos (5%), icterícia (hepatite monocítica). Na toxoplasmose, a manifestação clínica mais frequente é a linfadenopatia, podendo acompanhar-se de febre, mialgia, hepatoesplenomegalia, exantema e icterícia.

636

Já na infecção pelo CMV há preponderância de mialgias e de febre elevada. Nas infecções por EBV, CMV e HIV, pode haver meningite viral asséptica, paralisia de Bell, síndrome de Guillan-Barré e encefalite. Raramente, pode ocorrer ruptura esplênica. Diagnóstico. O quadro clínico de mononucleose infecciosa permite apenas o diagnóstico sindrômico. Os exames laboratoriais são necessários para distinção entre as várias etiologias. Exames inespecíficos: o hemograma apresenta linfocitose com células atípicas (células de Downey) e trombocitopenia. Há discreta elevação de transaminases. Q Exame específico: – EBV: pesquisa de anticorpos heterófilos (monoteste e reação de Paul-Bunnell-Davidsohn), cuja positividade é pequena na infância. O exame mais específico é a dosagem de anticorpos IgM anti-VCA (capsídeo) ou detecção sequencial de IgG anti-VCA, que surgem precocemente, e anti-EBNA, anticorpo contra antígenos nucleares, que surge tardiamente e, ainda, teste de avidez nos anticorpos da classe IgG. É importante ressaltar que a dosagem simultânea de anti-VCA IgG e anti-EBNA pode traduzir infecção remota, já que ambos os anticorpos podem durar por toda a vida. – CMV: reação de PCR quantitativas no sangue, dosagem de IgM e IgG contra CMV. – Toxoplasmose: dosagem de IgM e IgG contraToxoplasma gondii, teste de avidez dos anticorpos IgG, ou dosagem de IgE e IgA específica. – HIV: Elisa. Convém ressaltar que os testes imunoenzimáticos para detecção de anticorpos podem estar ainda não reativos, portanto devem ser repetidos 1-6 meses após. Tratamento. Na mononucleose de etiologia viral, o tratamento consiste em repouso relativo e uso de sintomáticos. Não está indicado o uso de drogas antivirais, pois elas não alteram a evolução clínica da doença. A obstrução respiratória alta pode indicar o uso de corticosteroides. A síndrome de mononucleose causada pelo Toxoplasma gondii geralmente caminha para a cronicidade, sob a forma de cistos no músculo esquelético, no sistema nervoso central, nos olhos, no miocárdio e em outros locais, quando se torna ou se mantém assintomática, não estando, portanto, indicado tratamento específico na maioria dos casos. Entretanto, o tratamento da toxoplasmose está indicado nos casos agudos e nas reagudizações, especialmente nas gestantes, nos imunodeprimidos e nos pacientes imunocompetentes quando há manifestações clínicas mais graves (febre alta e adinamia intensa) ou se há comprometimento visceral, como pneumonite e/ou miocardite. Na forma linfoglandular, está indicado o uso de cotrimoxazol, 50 mg/kg/dia, de 12/12 horas. Na forma visceral, é empregado o uso de sulfadiazina (75-100 mg/kg/dia, de 6/6 h) associada à pirimetamina (2 mg/kg/dia, por 2 dias, e 1 mg/kg/dia após) e ao ácido folínico (15 mg/dia) por 4-8 semanas.

637

DOENÇAS EXANTEMÁTICAS

Q

REFERENCIAS Lopez FA, Campos Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2006. Sociedade Brasileira de Pediatria. Marcondes E, Vaz FAC, Ramos JLA, Yassuhiko O. Pediatria básica: pediatria clínica geral. 9. ed. São Paulo: Savier; 2003. t. 2. Tavares W, Marinho LAC. Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias. 2. ed São Paulo: Atheneu; 2007.

34.6

DOENÇAS TROPICAIS

JOANA COELI LIMA MARINS ANA BEATRIZ LIMA MARINS

DENGUE

DOENÇAS TROPICAIS

Definição. Doença infecciosa febril aguda, transmitida pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti infectado, que pode ter curso benigno ou grave, dependendo da forma como se apresenta, como resultado de mecanismos complexos entre o vírus, a resposta imune do hospedeiro, aspectos epidemiológicos e comorbidades de risco. Epidemiologia. No Brasil, é uma doença endêmica, particularmente nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste; tem picos epidêmicos intimamente relacionados com períodos de chuvas nas regiões. Etiologia. Arbovírus (RNA) do gênero Flavivirus, com quatro sorotipos conhecidos: 1, 2, 3 e 4. Os sorotipos conferem imunidade específica duradoura, mas a imunidade simultânea é efêmera, em torno de 3-6 meses; após esse período, já se pode adoecer por outro sorotipo. Quadro clínico. A incubação da doença é de 2-7 dias com período virêmico de um dia antes da febre até o 6o dia do início dos sintomas, quando os pacientes apresentam risco de transmissão. Alguns indivíduos não apresentam sintomatologia, apenas viragem sorológica, outros exibem quadro clínico que pode variar de discretas e efêmeras manifestações comuns à maioria das viroses (formas oligossintomáticas), passando pela forma clássica, até quadros potencialmente graves da forma hemorrágica e da síndrome do choque da dengue. A dengue clássica, em geral, inicia-se abruptamente com febre alta, acompanhada de cefaleia, mialgia, prostração, artralgia, anorexia, astenia, dor retroorbitária, náuseas, vômitos, exantema, dor abdominal generalizada (principalmente em crianças). As manifestações hemorrágicas são geralmente leves e, quando espontâneas, ocorrem sob a forma de petéquias, epistaxe, gengivorragia e 638

hematúria; não raro o sangramento só é observado mediante a prova do laço. Dura cerca de 5-7 dias, quando, então, há regressão dos sinais e sintomas, podendo persistir a fadiga. Na febre hemorrágica da dengue e na síndrome do choque da dengue, os sintomas iniciais são semelhantes aos da dengue clássica, mas entre o 3o e o 8o dia, surge evidência de extravasamento plasmático (hemoconcentração) e plaquetopenia (< 100.000/mm³), o quadro se agrava com dor abdominal, sinais de debilidade profunda, agitação ou letargia, palidez de face, pulso rápido e débil, hipotensão, manifestações hemorrágicas espontâneas (petéquias, equimoses, púrpura, sangramento do trato gastrintestinal), derrames cavitários, cianose e diminuição brusca da temperatura. Na evolução do curso da doença, faz-se necessária a busca dos sinais de alerta (Quadro 34.6.1), que precedem a gravidade do quadro. O choque é decorrente do aumento de permeabilidade vascular, seguida de falência circulatória. Diagnóstico. Na dengue clássica, o diagnóstico é clínico e laboratorial nos primeiros casos e, em seguida, clínico-epidemiológico. Específico: isolamento viral: realizado a partir de amostras de sangue, coletadas nos primeiros cinco dias após o início da febre, sendo importante para a identificação do sorotipo viral circulante. Sorológico: anticorpos IgM (MacElisa) a partir do 6o dia de doença. DOENÇAS TROPICAIS

Q

Quadro 34.6.1 SINAIS DE ALERTA DA DENGUE HEMORRÁGICA Dor abdominal intensa e contínua Vômitos persistentes Hipotensão postural Hipotensão arterial Pressão diferencial < 20 mmHg (PA convergente) Hepatomegalia dolorosa Hemorragias importantes (hematêmese e/ou melena) Pulso rápido e fino Extremidades frias, cianose Agitação e/ou letargia Diminuição da diurese Diminuição repentina da temperatura corpórea ou hipotermia Aumento repentino do hematócrito Desconforto respiratório

639

Q

Inespecíficos: alterações laboratoriais: dengue clássica: leucopenia, linfocitose com atipia linfocitária e plaquetas normais ou diminuídas. Dengue hemorrágica: aumento do hematócrito e plaquetopenia. Ocorrem, também, aumento do tempo de protrombina, tromboplastina parcial e trombina, com diminuição do fibrinogênio, diminuição da albumina e alterações das enzimas hepáticas.

Diagnóstico diferencial. Dengue clássica: gripe, rubéola, sarampo. Dengue hemorrágica: infecções virais e bacterianas, choque endotóxico, leptospirose, febre amarela, hepatites infecciosas e outras febres hemorrágicas. Tratamento. Sintomáticos (não usar ácido acetilsalicílico) e hidratação oral. Pacientes que apresentarem um ou mais dos sinais de alerta, acompanhados de evidências de hemoconcentração e plaquetopenia, devem ser reidratados e permanecer sob observação médica até melhora do quadro.

DOENÇAS TROPICAIS

Q

Prova do laço: desenhar um quadrado de 2,5 cm de lado (ou uma área ao redor do polegar) no antebraço da pessoa e verificar a pressão arterial – PA (deitada ou sentada); calcular o valor médio = (PAS + PAD)/2; insuflar novamente o manguito até o valor médio e manter por 5 minutos (em crianças, 3 minutos), verificando o aparecimento das petéquias; contar o número de petéquias no quadrado. A prova é positiva se houver mais de 20 petéquias em adultos e 10 em crianças.

DOENÇA DE CHAGAS Definição. É uma doença grave e de evolução crônica, constituindo um problema de saúde pública, cuja forma de infecção pode ser vetorial, pela passagem do Trypanosoma cruzi das excretas de triatomíneos (barbeiro ou chupões) pela pele lesada ou mucosas durante ou logo após o repasto sanguíneo; transfusional, por meio de hemoderivados ou órgãos/tecidos de doadores contaminados; vertical, pela passagem do protozoário de mães para seus filhos durante a gestação ou parto; oral, pela ingestão de alimentos contaminados com T. cruzi. Epidemiologia. No Brasil, é encontrada, sobretudo, nos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia, Goiás, Pernambuco e Paraíba. Etiologia. Trypanosoma cruzi, protozoário parasita do homem e de outros mamíferos, como gatos, cães, porcos, sendo também relevantes: tatus, gambás e primatas. Quadro clínico. O período de incubação varia com a forma de transmissão. Na forma vetorial é de 5-15 dias; na transfusional, de 30-40 dias; na vertical, pode ocorrer em qualquer período da gestação ou durante o parto, e na oral, de 3-22 dias. O T. cruzi determina uma infecção tecidual, que se desenvolve em uma fase aguda, assintomática na maioria dos indivíduos, de curta duração e com parasitemia elevada, e uma fase crônica, com baixa parasitemia, duração permanente, 640

Diagnóstico Q Fase aguda: exames parasitológicos diretos de sangue periférico (exame a fresco, esfregaço, gota espessa); quando houver sintomas por mais de 30 dias, são recomendados métodos de concentração devido ao declínio da parasitemia (teste de Strout); exames sorológicos com dosagem de anticorpos IgM anti-T. cruzi. Q Fase crônica: presença de IgG anti-T. cruzi detectada por dois testes sorológicos de princípios distintos (hemoaglutinação, imunofluorescência indireta ou Elisa). Diagnóstico diferencial. Na fase aguda, o diagnóstico diferencial é feito com leishmaniose visceral, hantavirose, toxoplasmose, febre tifoide, mononucleose infecciosa, leptospirose, miocardites virais e esquistossomose aguda. As formas congênitas devem ser diferenciadas daquelas causadas pelas infecções STORCH (sífilis, toxoplasmose, citomegalovirose, rubéola, herpes, outras). A miocardite crônica e as megalias viscerais devem ser diferenciados de formas causadas por outras etiologias. Tratamento Específico: benznidazol (comp. de 100 mg – disponível no Brasil), na dose de 7,5-10 mg/kg/dia, de 12/12 h, por 60 dias, ou nifurtimox (120 mg – disponível na América Central), dose 8-10 mg/kg/dia, de 8/8 h, por 60 dias. Essas medicações são contraindicadas em gestantes. Indicação de tratamento: todos os casos agudos e congênitos; quimioprofilaxia em transplante de órgão; pacientes com infecção recente, e crônicos de baixa idade (menores de 12 anos).

Q

641

DOENÇAS TROPICAIS

que pode ser assintomática ou ter manifestações clínicas relacionadas principalmente com cardiopatia, megacolo e megaesôfago. Na fase aguda, estima-se que, em 90% dos casos, apresenta-se assintomática ou oligossintomática e, em cerca de 10%, existem manifestações clínicas de uma síndrome similar à mononucleose infecciosa, em que predominam febre, astenia, cefaleia e adenomegalia generalizada. As manifestações agudas são mais evidentes em crianças, em função da imaturidade imunológica, sendo a miocardite aguda responsável pela maior morbidade e letalidade. Na transmissão vetorial, há sinal de porta de entrada, destacando-se o sinal de Romaña, que consiste em edema bipalpebral elástico e indolor, e o chagoma de inoculação, pequena lesão maculopapular eritematosa e pouco dolorosa que evolui para regressão. Meningoencefalite pode ocorrer em lactentes ou em casos de reativação (imunodeprimidos). Manifestações digestivas (diarreia, vômito e epigastralgia) são comuns na transmissão oral. Na forma congênita, a doença pode manifestar-se ao nascimento ou após alguns meses. Pode haver prematuridade, baixo peso, hepatoesplenomegalia, icterícia, equimoses, meningoencefalite e convulsões. A fase crônica, indeterminada, constitui a forma clínica mais frequente, que pode persistir por toda a vida ou, após cerca de 10 anos, evoluir para a forma de cardiopatia crônica (30-40%) ou para formas digestivas – esofagopatias e colopatia – (megavísceras) ou formas associadas.

Q

Critério de cura: sorologia que persiste negativa em três ou mais exames subsequentes.

ESQUISTOSSOMOSE

DOENÇAS TROPICAIS

Definição. É uma doença sistêmica, sendo a mais problemática causada por um helminto, em que a localização preferencial do verme adulto é em veias do sistema porta. O principal agravo dessa enfermidade é a morbidade crônica, que se deve a repetidas infecções e ao desenvolvimento de sequelas que debilitam o indivíduo. Convém ressaltar, todavia, que o ovo parece ter o principal papel patogênico na esquistossomose. Epidemiologia. No Brasil, é considerada uma endemia, estimando-se uma prevalência de 10-12 milhões de casos existentes, principalmente do Maranhão até Minas Gerais. A transmissão da esquistossomose se dá no meio hídrico, sendo o risco inversamente relacionado à disponibilidade de saneamento básico. O ciclo de evolução inicia-se quando o indivíduo infectado deposita suas fezes, contendo os ovos do Schistosoma mansoni, em coleções hídricas. Na água, os ovos eclodem, liberando uma larva ciliada denominada miracídio, que infecta o caramujo. Após 4-6 semanas, abandonam o caramujo do gênero Biomphalaria, na forma de cercária, ficando livres nas águas naturais. Ao encontrar um hospedeiro suscetível, as cercárias penetram ativamente através da pele e das mucosas. Etiologia. O helminto Schistosoma mansoni. Quadro clínico. O período de incubação é 2-6 semanas após a infecção. A fase aguda pode ser assintomática ou apresentar-se como dermatite cercariana com erupção papuloeritematosa e pruriginosa; após cerca de 3-7 semanas da exposição, surge, subitamente, febre, acompanhada de anorexia, cefaleia, dor abdominal, diarreia, náuseas, vômitos ou tosse seca. Após seis meses de infecção, há risco de evolução para a fase crônica, que pode ser subdividida conforme a intensidade dos sintomas e a gravidade de sua manifestação. A forma intestinal pode ser assintomática ou caracterizada por diarreias repetidas, mucossanguinolentas, com dor ou desconforto abdominal. A forma hepatointestinal é a mais comum entre crianças e adultos jovens, apresentando sintomas gastrintestinais (náuseas, vômitos, anorexia, pirose, diarreia) associados à hepatomegalia. A forma hepatoesplênica compensada caracteriza-se por envolvimento hepático (volumoso ou contraído devido à fibrose) e esplenomegalia com sinais de hipertensão portal, como a formação de varizes de esôfago. A forma hepatoesplênica descompensada apresenta complicações devido à hipertensão portal, como sangramento das varizes esofagianas e encefalopatia portossistêmica. Outras complicações podem ocorrer secundárias ao depósito ectópico de ovos, como o comprometimento do sistema nervoso central com quadro de mielite transversa. 642

Diagnóstico. É feito pelo exame parasitológico de fezes com o método de KatoKatz. Diagnóstico diferencial. A forma intestinal tem como diagnóstico diferencial as diarreias por outros parasitas. As formas graves devem ser diferenciadas de leishmaniose visceral, febre tifoide, hepatoma e esplenomegalia tropical. Tratamento. Praziquantel, via oral. Crianças: 70 mg/kg, em 2 tomadas, com intervalo de 4-12 horas; adultos: 50-60 mg/kg, dose única. Como segunda escolha, oxamniquina, via oral. Para adultos, recomenda-se 15-20 mg/kg, em dose única; para crianças, 20-25 mg/kg, em 2 tomadas (produto em fase de retirada do mercado).

FEBRE AMARELA

Epidemiologia. No Brasil, as áreas endêmicas são as regiões Norte, Centro-Oeste e o Estado do Maranhão. A doença é de notificação compulsória internacional. Etiologia. RNA vírus do gênero Flavivirus. Quadro clínico. O período de incubação varia de 3-6 dias, e o sangue dos doentes é infectante 24-48 horas antes do aparecimento dos sintomas e até 3-5 dias após. A forma leve ou oligossintomática ocorre mais frequentemente em crianças e em adultos que têm anticorpos adquiridos, de forma passiva ou ativa, caracterizada por aumento discreto da temperatura e cefaleia com evolução no máximo de dois dias. A forma moderada manifesta-se com síndrome febril ictérica, de início súbito, associada a náuseas, vômitos, mialgias e artralgias, com duração de até dois dias. A forma grave tem evolução bifásica com início abrupto, febre alta e dissociação pulso/temperatura (sinal de Faget), cefaleia intensa, mialgias, prostração, náuseas e vômitos, durando cerca de três dias, após os quais se observa remissão da febre e melhora dos sintomas, o que pode durar algumas horas ou, no máximo, dois dias. Após, a temperatura volta a elevar-se, intensificam-se as manifestações clínicas iniciais, aparecem icterícia e hemorragias (hematêmese, melena, epistaxe, sangramento vestibular e da cavidade oral, hematúria), com instalação de insuficiência hepática e renal, além de comprometimento do sensório, com obnubilação mental e torpor, e evolução para coma. 643

DOENÇAS TROPICAIS

Definição. É uma arbovirose febril aguda de curta duração (máximo 12 dias), com sintomatologia variável. A doença pode se apresentar sob duas formas distintas: febre amarela urbana (FAU) e febre amarela silvestre (FAS), diferenciando-se uma da outra apenas pela localização geográfica, pela espécie vetorial e pelo tipo de hospedeiro. Os hospedeiros silvestres são os primatas não humanos. O principal vetor da FAS no Brasil é o mosquito do gênero Haemagogus; já na FAU, é o mosquito Aedes aegypti.

Diagnóstico. O diagnóstico é feito por isolamento do vírus de amostras de sangue ou de tecido hepático, por detecção de antígeno em tecido (imunofluorescência e imunoperoxidase) ou por sorologia. O MAC-Elisa permite o diagnóstico presuntivo com uma única amostra de soro, pois é bastante sensível para detecção de IgM. A história vacinal deve ser considerada. Técnicas de biologia molecular para detecção de antígenos virais e/ou ácido nucleico viral (reação em cadeia de polimerase, imunofluorescência, imunoistoquímica e hibridização in situ), embora não utilizadas na rotina, são de grande utilidade. As aminotransferases estão elevadas, em geral acima de 1.000 U. As bilirrubinas também se elevam nos casos graves, especialmente a fração direta. A VHS é muito baixa ou quase zero. Há alteração de provas de coagulação. Diagnóstico diferencial. As formas leves e moderadas se confundem com outras síndromes febris indiferenciadas. As formas graves clássicas ou fulminantes devem ser diferenciadas de hepatites graves fulminantes, leptospirose, malária, febre hemorrágica da dengue, febre maculosa brasileira e septicemias.

DOENÇAS TROPICAIS

Tratamento. A terapêutica limita-se à utilização de medicamentos sintomáticos, repouso e controle das complicações. Profilaxia. A vacinação é a mais importante medida de controle. Deve ser realizada a partir dos 9 meses de idade, com reforço a cada 10 anos, nas zonas endêmicas, bem como para todas as pessoas que se deslocam para essas áreas. Em situações de surto ou epidemia, vacinar a partir dos 6 meses de idade.

LEISHMANIOSE VISCERAL/CALAZAR Definição. É uma antropozoonose endemoepidêmica, que atinge países tropicais e subtropicais, sendo transmitida pela picada da fêmea de insetos flebotomíneos (mosquito-palha ou birigui) da espécie Lutzomya longipalpis, infectados pelo protozoário Leishmania por picada em cães ou raposas infectados. Outras vias de transmissão incluem o uso de seringas contaminadas, a transfusão de hemoderivados e a via transplacentária. Epidemiologia. No Brasil, predomina no Nordeste (90% dos casos nacionais), frequentemente em menores de 4 anos (60% dos casos). O calazar tem forte sazonalidade nas áreas endêmicas, com pico de incidência no início da estação chuvosa após os meses de seca, quando aumenta a população de mosquitos. A leishmaniose clássica tem letalidade de 75-95% em 1-2 anos se não tratada. Etiologia. Protozoário Leishmania (no Brasil, é L.donovani chagasi ). Quadro clínico. O calazar caracteriza-se por amplo espectro clínico, observandose as formas assintomática, subclínica e clássica, tendo período de incubação de 2-6 meses. 644

As manifestações clínicas da leishmaniose visceral refletem o desequilíbrio entre a multiplicação dos parasitos nas células do sistema fagocítico mononuclear, a resposta imunitária do indivíduo e o processo inflamatório subjacente. A maioria dos casos (85%) da forma assintomática e subclínica tem resolução espontânea ao final de alguns meses, e apenas 15% evoluem para calazar clássico. No período de instalação da forma clássica, predominam sinais inespecíficos, tais como febre irregular, emagrecimento progressivo, anorexia e palidez cutaneomucosa, associados a tosse e manifestações entéricas, evoluindo de forma arrastada. O período de estado do calazar é caracterizado por febre intermitente, esplenomegalia, hepatomegalia com fígado de consistência endurecida e sem nodulações, com tamanho menor que o baço; micropoliadenopatia generalizada pode estar presente, porém o acometimento da cadeia cervical é mais frequente. A progressão da doença conduz o paciente à desnutrição acentuada, aparecendo edema periférico, abdome volumoso, queda de cabelo e alterações da pele e unha. Nessa fase, podem ocorrer sangramentos de graus variados (epistaxe, gengivorragia, petéquias e equimoses), o que agrava a anemia instalada paulatinamente. Nesses pacientes, o óbito é determinado por infecções bacterianas cuja evolução pode ser dramática devido à neutropenia acentuada e/ou a sangramentos. Diagnóstico Pesquisa direta (padrão-ouro): realizado preferencialmente por aspirado de medula óssea (positividade de 75-85%), já que o aspirado esplênico, embora com positividade de 95%, apresenta risco elevado de hemorragia. Q Exame sorológico: imunofluorescência (sensibilidade e especificidade superiores a 85%) e Elisa. Q Exames inespecíficos: o hemograma pode evidenciar pancitopenia. A anaeosinofilia é achado típico, não ocorrendo quando há associação com outras patologias, como a esquistossomose ou a estrongiloidíase. Há aumento da velocidade de hemossedimentação. Na dosagem de proteínas, há inversão da relação albumina/globulina (albumina normal ou diminuída e elevação policlonal das globulinas, à custa de fração gama). Discreta elevação de transaminases está quase sempre presente. Diagnóstico diferencial. Destaca-se a enterobacteriose de curso prolongado (associação de esquistossomose com salmonela ou outra enterobactéria). A diferenciação também deve ser feita com malária, brucelose, febre tifoide, esquistossomose hepatoesplênica, forma aguda da doença de Chagas, histoplasmose disseminada, doenças mieloproliferativas, anemias hemolíticas e doença de depósito lisossômico. Tratamento. A primeira escolha são os antimoniais pentavalentes, na apresentação de 81 mg/mL, na dose de 20 mg/kg/dia, IV ou IM, com limite máximo de 2 ampolas/dia, por 20-40 dias. Os paraefeitos devem ser monitorados durante o uso da medicação em função da cárdio-hepatonefrotoxicidade (hemograma, ureia, creatinina, TGO/TGP e eletrocardiograma). 645

DOENÇAS TROPICAIS

Q

A anfotericina B é uma alternativa terapêutica na dose de 0,5-1 mg/kg/dia, com doses escalonadas, não ultrapassando 50 mg/dia (20 mg/kg), por 7-10 dias. Os critérios para avaliação da resposta terapêutica incluem melhora clínica, interrrupção da febre após 10-21 dias do tratamento, regressão da hepatoesplenomegalia, ganho ponderal e melhora dos parâmetros hematológicos. Vale ressaltar que alguns pacientes podem apresentar retorno dos sintomas em 2- 3 meses, necessitando de novo tratamento.

LEPTOSPIROSE

DOENÇAS TROPICAIS

Definição. É uma doença infecciosa aguda sistêmica, sendo uma zoonose cuja ocorrência está frequentemente relacionada a condições climáticas, ambientais e socioeconômicas, já que a transmissão se dá pela penetração da leptospira no organismo humano através da pele ou da mucosa, pelo contato com água contaminada pela urina de roedores. Epidemiologia. No Brasil, nos meses chuvosos, o número de casos aumenta, pois enchentes e chuvas fortes contribuem para o contato do homem com água e lama contaminadas pela urina de roedores, favorecendo a infecção. Toda a população é suscetível, e a faixa de 20-49 anos é o principal grupo etário afetado. A menor incidência em crianças provavelmente se dá porque, nessa faixa etária, a doença geralmente apresenta-se nas formas leves ou subclínicas, podendo passar despercebida. É doença de notificação compulsória. Etiologia. Bactéria do gênero Leptospira. Existem 250 sorotipos, sendo a espécie patogênica mais frequente a L. interrogans. Quadro clínico. Doença febril de início abrupto, que pode variar desde um processo inaparente até formas graves com alta letalidade. O período de incubação é de 1-30 dias (em média de 7-14 dias). As formas anictérica e subclínica acometem 90-95% dos casos. Já a forma ictérica ou doença de Weil, caracterizada por icterícia, insuficiência renal aguda e hemorragias, está presente em 5-10%, tem duração de 1-3 semanas e letalidade de 5-10%. Está dividida em duas fases. Na fase septicêmica, ocorre disseminação da bactéria pelo sangue por aproximadamente 4-7 dias, com pancapilarite e aumento da permeabilidade capilar, associados a febre alta e calafrios. O início da doença é abrupto. Cursa com cefaleia e mialgias (principalmente em panturrilhas e musculatura paravertebral). Náuseas, vômitos e dor abdominal ocorrem em cerca de 50% dos casos. Ocorre hiperemia de mucosas em decorrência da vasodilatação e podem ocorrer hemorragias, epistaxe, escarros hemópticos e até hematêmese. Podem surgir exantemas mobiliforme, escarlatiforme ou, às vezes, petequial, localizados no tronco, na região glútea e nos membros inferiores. A icterícia surge entre o 3o e o 7o dia de doença, intensificando-se com rapidez, podendo se apresentar com tom amarelo-avermelhado ou rúbeo. Na fase imune, ocorre o aparecimento de anticorpos específicos. Essa fase caracteriza-se por 646

cefaleia intensa e meningoencefalite e uveíte. Na meningite asséptica, a principal manifestação nessa fase, apresenta pressão liquórica normal, e 75% dos pacientes têm menos de 500 células/mm³ no líquido cerebrospinal, com predomínio de células linfomononucleares. Tem duração de 1-3 semanas. As complicações são próprias da capilarite. O comprometimento renal é representado por oligúria com retenção nitrogenada, devido à insuficiência renal aguda (necrose tubular aguda) e à desidratação; ocorre em 60% dos casos, sendo, no entanto, um quadro reversível. Podem ocorrer também outras complicações, como hemorragia digestiva, colapso cardiocirculatório e insuficiência cardíaca congestiva. A forma pulmonar grave da leptospirose (FPGL), caracterizada por hemorragia pulmonar maciça, acompanhada de insuficiência respiratória aguda, evolui em mais de 50% para óbito em 48-72 horas após o início dos sintomas.

Diagnóstico diferencial Forma anictérica – síndrome gripal, dengue, influenza, hantaviroses, febre amarela, apendicite aguda, pielonefrite aguda, riquetsioses, meningites. Q Forma ictérica – hepatites virais, febre amarela, malária grave, riquetsioses, colangite, colecistite aguda, coledocolitíase, síndrome hemolítico-urêmica grave, síndrome hepatorrenal e hantavirose. Q

Tratamento. Tratar preferencialmente antes do 5o dia. A droga de escolha é a Penicilina cristalina (adultos: 6.000.000-12.000.000 U/dia, por 7-10 dias; crianças: 50.000-100.000 U/kg/dia pelo mesmo período). Drogas alternativas: tetraciclina ou doxiciclina e ceftriaxona. A tetraciclina e a doxiciclina são contraindicadas em gestantes, menores de 9 anos e pacientes com insuficiência renal aguda ou insuficiência hepática. Quando há insuficiência renal, a diálise peritoneal precoce reduz o dano renal e a letalidade da doença.

MALÁRIA Definição. Doença infecciosa, endêmica e veiculada por vetores artrópodes. Apresenta-se com febre alta, que ocorre em intervalos regulares, e pode apresentar evolução variável dependendo do tipo de parasita infectante e do estado imune específico do hospedeiro. 647

DOENÇAS TROPICAIS

Diagnóstico Q Laboratorial: leucocitose e neutrofilia, VHS elevado, aminotransferases podem estar normais ou elevar-se, bilirrubinas elevadas, CPK elevada de acordo com agressão muscular, raios X de tórax podem apresentar infiltrado intersticial bilateral segmentar ou difuso. Q Sorologia: os métodos mais utilizados em nosso meio são o teste Elisa-IgM e a microaglutinação. Esses testes de pesquisa indireta podem ser realizados na primeira semana da doença, porém, se o resultado for negativo, terão de ser repetidos no 30o dia da doença. O teste de Elisa-IgM tem especificidade de 100% e sensibilidade de até 94,6%.

Epidemiologia. No Brasil, 99,8% dos casos estão concentrados na Amazônia legal (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Tocantins e oeste do Maranhão). Cerca de 75% dos casos no Brasil acometem pessoas economicamente ativas, por essa doença estar muitas vezes associada a atividades profissionais como extrativismo, construção de estradas ou urbanização desordenada. A malária é responsável por cerca de 1 milhão de mortes no mundo, a maioria de crianças.

DOENÇAS TROPICAIS

Etiologia. No Brasil, existem três espécies de Plasmodium que causam malária: P. malariae, P. vivax (mais comum – 55%) e P. falciparum (mais grave – acomete 25% dos casos). A malária é quase sempre transmitida de forma vetorial, sendo, no Brasil, o principal vetor o mosquito Anopheles darlingi. Os esporozoítos, formas infectantes do parasita, são inoculados no homem sadio pela picada da fêmea do mosquito Anopheles (popularmente conhecido por carapanã, muriçoca, sovela, mosquitoprego, bicuda). Esses mosquitos, ao se alimentarem em indivíduos infectados, ingerem as formas sexuadas do parasita – gametócitos –, que se reproduzem no interior do hospedeiro invertebrado, eliminando esporozoítos durante a picada. O período de incubação da malária varia conforme a espécie do parasita: no P. falciparum, é de 7-12 dias; no P. vivax, de 12-17 dias, e no P. malariae, de 18-30 dias. O período de transmissibilidade do P. falciparum pode ser de até um ano; do P. vivax, de até três anos, e do P. malariae, de mais de três anos. Quadro clínico. Na maior parte dos casos, a malária não grave manifesta-se clinicamente como uma síndrome febril aguda indiferenciada. As características imunológicas individuais de cada paciente definem quadros clínicos mais ou menos exuberantes. Em crianças com idade superior a 5 anos, a malária tem a mesma evolução que em adultos. Uma fase sintomática inicial, caracterizada por mal estar, cefaleia, cansaço e mialgia, geralmente precede a clássica febre da malária. Com a lise das hemácias, fase paroxística, há um aumento brusco da temperatura do corpo (febre alta de até 40°C), apresentando-se clinicamente por frio intenso, calafrios, tremores generalizados, pulso fino e acelerado e cianose de extremidades. Após, a febre se mantém em um platô, o paciente então sente calor intenso, rubor de face, pulso cheio e amplo, pele quente e seca. A diminuição da febre é acompanhada de sudorese profusa. Após a fase inicial, a febre assume um caráter intermitente, dependente do tempo de duração dos ciclos eritrocíticos de cada espécie de plasmódio: 48 horas para P. falciparum e P. vivax (malária terçã) e 72 horas para P. malariae (malária quartã). Entretanto, a constatação dessa regularidade é pouco comum nos dias atuais. Nas malárias mistas, os acessos febris perdem a regularidade. As formas graves apresentam-se geralmente no indivíduo não imune, gestantes e crianças, e observa-se, na maioria dos casos, em infecções por P. falciparum. As complicações mais frequentes estão relacionadas ao comprometimento renal (oligúria), dos pulmões (dispneia, respiração acidótica), do cérebro (prostração, rebaixa648

mento do nível de consciência, convulsões múltiplas), do fígado (colestase) e hematológico (anemia grave, coagulação intravascular disseminada), além de hipoglicemia. Os lactentes geralmente não apresentam paroxismos típicos, frequentemente se tornam flácidos e sonolentos e perdem o apetite, podendo apresentar convulsões, dores abdominais, vômitos e diarreia, e a febre pode ser contínua, intermitente ou irregular. Em regiões endêmicas, as crianças, nos primeiros meses de vida, se encontram protegidas por anticorpos maternos. Na malária gestacional, podem ocorrer complicações, como retardo do crescimento intrauterino, parto prematuro, óbito fetal e sangramento retroplacentário. Na malária congênita, o recém-nascido pode apresentar febre discreta, irritabilidade e anorexia.

Diagnóstico diferencial. Nos primeiros três dias de doença, manifesta-se por síndrome febril aguda indiferenciada, podendo ser confundida com doenças infecciosas que se apresentam com febre/bacteremia, como dengue clássica, febre tifoide, sepse e infecção urinária. Tratamento. O tratamento visa principalmente à interrupção da esquizogonia sanguínea, responsável pela patogenia e manifestações clínicas da infecção. Entretanto, pela diversidade do seu ciclo biológico, é também objetivo da terapêutica proporcionar a erradicação de formas latentes do parasita no ciclo tecidual (hipnozoítas) do P. vivax, evitando-se, assim, as recaídas tardias. Além disso, a abordagem terapêutica de pacientes residentes em áreas endêmicas pode também visar à interrupção da transmissão pelo uso de drogas que eliminam as formas sexuadas dos parasitas. Plasmodium vivax: cloroquina por 3 dias + primaquina por 7 dias (Tab. 34.6.1) Dose máxima de cloroquina: 600 mg no primeiro dia e 450 mg nos demais. A primaquina é utilizada para tratamento anti-hipnozoíta em infecções por P. vivax (antirrecaída). Para a infecção por P. vivax, a primaquina deve ser administrada a partir do primeiro dia de tratamento. Pacientes com deficiências de G6PD, com episódio prévio de hemólise após uso de primaquina, devem receber tratamento-padrão com cloroquina e iniciar quimioprofilaxia com cloroquina (5 mg/kg), com tomada única por semana, por três meses. Quando houver suspeita de resistência à cloroquina (em caso de recidiva antes de 28 dias), deve-se optar pelo uso de mefloquina ou algum derivado de artemisinina, nas mesmas doses recomendadas para o tratamento de malária falcípara. 649

DOENÇAS TROPICAIS

Diagnóstico Q Gota espessa: essa técnica baseia-se na visualização do parasita por meio de microscopia ótica, após coloração com azul de metileno e Giemsa. Trata-se do método de melhor custo-benefício. Q Testes rápidos: testes imunocromatográficos que detectam antígenos parasitários em fitas, dispensam pessoas treinadas e microscópios, têm sensibilidade superior a 95%, com parasitemia superior a 100 parasitas/Ml. Não são capazes de diagnosticar a malária mista.

Tabela 34.6.1 TRATAMENTO PLASMODIUM VIVAX Cloroquina 1° dia

2° dia

3º dia

10 mg/kg, 1×/ dia

5 mg/kg, 1×/dia

5 mg/kg, 1×/dia

1° dia

2° dia

3º dia

4º a 7º dia

0,5 mg/kg, 1×/dia

0,5 mg/kg, 1×/dia

0,5 mg/kg, 1×dia

0,5 mg/kg, 1×/dia

DOENÇAS TROPICAIS

Primaquina

Plasmodium falciparum Q Infecções não graves: – Artemeter (20 mg) + lumefantrina (120 mg) (Tab. 34.6.2). No primeiro dia, a segunda dose pode ser administrada em intervalos de 8-12 horas. Para crianças pequenas, esmagar o comprimido para facilitar a administração, podendo também ingeri-lo com água ou leite. A absorção é aumenta-

Tabela 34.6.2 DOSES DE ARTEMETER + LUMEFANTRINA

Artemeter + Lumefantrina

Peso

1º dia

2º dia

3º dia

> 35 kg

4 comp. 12/12 h 3 comp. 12/12 h 2 comp. 12/12 h 1 comp. 12/12 h

4 comp. 12/12 h 3 comp. 12/12 h 2 comp. 12/12 h 1 comp. 12/12

4 comp. 12/12 h 3 comp. 12/12 h 2 comp. 12/12 h 1 comp. 12/12 h

25-34 kg 15-24 kg < 15 kg

Fonte: FUNASA.

650

da na alimentação. Não administrar a gestantes durante o primeiro trimestre de gravidez nem a menores de 6 meses (nesses casos, usar o esquema de quinina isolada ou quinina + clindamicina). – Quinina, 30 mg/kg/dia, durante 3 dias + doxiciclina, 3,3 mg/kg/dia (Tab. 34.6.3). A doxiciclina é contraindicada para crianças com menos de 8 anos de idade, durante a gravidez e para hepatopatas; nesse casos, usar clindamicina (Tab. 34.6.4).

Tabela 34.6.3 DOSES DE QUININA + DOXICICLINA 1º dia Quinina

2º dia

10 mg/kg, 10 mg/kg, 8/8 h 8/8 h

3º dia

4º dia

10 mg/kg, – 8/8 h

5º dia

6º dia





Doxiciclina 1,7 mg/kg 1,7 mg/kg 12/12 h 12/12 h

1,7 mg/kg 1,7 mg/kg 1,7 mg/kg 12/12 h 12/12 h 12/12 h



Primaquina –



0,5-0,75 mg/kg, 1×/dia





DOENÇAS TROPICAIS



Fonte: FUNASA.

Tabela 34.6.4 DOSES DE QUININA + CLINDAMICINA

Quinina

1º dia

2º dia

3º dia

4º dia

10 mg/kg, 8/8 h

10 mg/kg, 10 mg/kg, – 8/8 h 8/8 h

5º dia

6º dia





Clindamicina 10 mg/kg, 12/12 h

10 mg/kg, 10 mg/kg, 10 mg/kg, 10 mg/kg, – 12/12 h 12/12 h 12/12 h 12/12 h

Primaquina











0,5-0,75 mg/kg, 1×/dia

Fonte: FUNASA.

651

Q

Infecção grave ou com parasitemia igual ou superior a +++ (Tab. 34.6.5): – Primaquina: medicamento gametocitocida em infecções por P. falciparum (bloqueador de transmissão). A dose gametocitocida de primaquina para adultos e crianças é de 0,5-0,75 mg de base/kg, em uma única dose, isto é, 30-45 mg de base para um adulto. Não deve ser empregada enquanto não se estabilizar a condição do paciente. Assim, recomenda-se que seja administrada no 5o dia após o início do tratamento.

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

Tabela 34.6.5 TRATAMENTO DA INFECÇÃO GRAVE OU COM PARASITEMIA ≥ +++ 1º dia

2º dia

3º dia

Artemeter (IM) ou artesunato (IV)

1,5 mg/kg, 12/12 h

1,5 mg/kg, 12/12 h

1,5 mg/kg, 12/12 h

Mefloquina





20 mg/kg/dia, dose única

REFERÊNCIAS Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 6. ed. rev. Brasília, DF: Author; 2005. Lopez FA, Campos Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. Sociedade Brasileira de Pediatria. Marcondes E, Vaz FAC, Ramos JLA, Yassuhiko O. Pediatria básica: pediatria clínica geral. 9. ed. São Paulo: Savier; 2003. t. 2. Tavares W, Marinho LAC. Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias. 2. ed São Paulo: Atheneu; 2007.

34.7

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

SÓCRATES SALVADOR

Conceito. A expressão doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) compreende as infecções disseminadas pelo contato interpessoal, de foro íntimo e sexual, desencadeadas por bactérias, vírus, fungos e protozoários. 652

Epidemiologia. As DSTs se revelam um problema cada vez mais grave no âmbito da saúde pública do Brasil e do mundo, à medida que se tornam a principal causa de doenças infecciosas na população de adolescentes e jovens de 10-24 anos, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. O notável aumento na prevalência e incidência é causado por uma série de fatores, entre os quais se pode destacar a precocidade sexual, a falha na educação sexual dos jovens, o uso de drogas ilícitas, além da exploração sexual infanto-juvenil. Classificação e agentes etiológicos. Conforme o Ministério da Saúde, para promover avaliação, diagnóstico e terapêutica corretos, a melhor maneira de classificar as DSTs é de acordo com suas apresentações sindrômicas, as quais se dividem em: vulvovaginites; cervicites e uretrites; úlceras genitais, e doenças virais.

VULVOVAGINITES

VAGINOSE BACTERIANA Tem como agentes etiológicos bactérias anaeróbicas, principalmente a Gardnerella vaginalis. A maior parte das mulheres (em torno de 50%) é assintomática. As sintomáticas geralmente referem o odor desagradável, semelhante a peixe, e corrimento em pequena quantidade, acinzentado, cremoso e, às vezes, bolhoso. O odor é mais acentuado durante o período menstrual e após o coito. O diagnóstico é feito pelas características da leucorreia mencionadas, pela presença de clue cells no esfregaço vaginal, pela positividade do teste de whiff (a adição de gota de KOH ao esfregaço) e pelo pH vaginal > 4,5. O tratamento é feito apenas em pacientes sintomáticas, preferencialmente com metronidazol, 500 mg, VO, 12/12 h, por 7 dias. Outras opções terapêuticas: metronidazol gel a 0,75%, 5 g (1 aplicação), 1×/dia, por 5 dias; metronidazol, 2 g, VO, dose única; clindamicina, 300 mg, VO, 12/12 h, por 7 dias. Administra-se o tratamento dos parceiros apenas em recorrências.

CANDIDÍASE Tem como agente etiológico principal a Candida albicans. A relação sexual não é a forma mais importante de transmissão, pois o agente causador é um fungo comensal da mucosa vaginal, que se prolifera quando o habitat torna-se favorável (uso de antibióticos, diabete, gravidez, hábitos de higiene inadequados). Os sintomas são prurido, ardor, disúria e dispareunia associados a corrimento branco, grumoso, inodoro e aderido à mucosa vaginal. O diagnóstico é feito pelas características da leucorreia mencionadas, pelo exame a fresco com solução KOH a 10% e pH vaginal < 4,5. O tratamento se faz apenas em pacientes sintomáticas, podendo tanto ser utilizado tópico vaginal (clotrimazol creme 1%, 5 g/dia, por 7 653

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

As vulvovaginites são causadas frequentemente por três tipos de agentes: Gardnerella vaginalis, Candida albicans e Trichomonas vaginalis.

dias; miconazol óvulo, 200 mg, 1×/dia, por 3 dias), como via oral (fluconazol, 150 mg, dose única; cetoconazol, 200 mg, 12/12 h, por 5 dias). Administra-se o tratamento dos parceiros apenas em recorrências e nos casos sintomáticos.

TRICOMONÍASE Tem como agente etiológico o protozoário Trichomonas vaginalis. Os sintomas são, de regra, corrimento abundante, purulento, malcheiroso e bolhoso. Pode surgir irritação vulvar, hiperemia e “colo em framboesa” (hemorragias puntiformes no colo do útero). O diagnóstico é feito pelas características da leucorreia mencionadas, pela presença do protozoário no exame a fresco com SF 0,9% e pelo pH vaginal > 4,5. O tratamento é feito, preferencialmente, com metronidazol, 2 g, VO, dose única. Outras opções terapêuticas: metronidazol, 500 mg, VO, 12/12 h, por 7 dias; tinidazol, dose única. O tratamento de parceiros deve ser feito sempre.

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

CERVICITES E URETRITES A cervicite é definida como inflamação da mucosa endocervical. A maioria das pacientes é assintomática (em torno de 60%). Pode se apresentar com sangramento pós-coito, disúria, sangramento anormal, corrimento e dispareunia. Muitas vezes, o exame ginecológico revela colo friável, com corrimento endocervical purulento. As possíveis complicações são: síndrome uretral aguda, uretrite, bartolinite, doença inflamatória pélvica, periepatite (síndrome de Fitz-Hugh e Curtis), artrite reativa e infertilidade. A uretrite é definida como presença de secreção uretral anterior, que pode ser mucoide ou francamente purulenta, acompanhada, por vezes, de disúria ou desconforto uretral. As possíveis complicações são: balanopostite, prostatite, epididimite e estenose uretral. Ambas as apresentações clínicas têm, como principais agentes etiológicos, a Neisseria gonorrhoeae, na maioria das vezes responsável por quadro mais agudo, com secreção purulenta, e a Chlamydia trachomatis, na maioria das vezes desencadeadora de quadro mais brando, insidioso, mas que pode levar a mais complicações a longo prazo. O diagnóstico se faz a partir da clínica mencionada, pela presença de fatores de risco (parceiro com corrimento uretral, múltiplos parceiros), podendo ser usadas, como diagnóstico complementar, bacterioscopia de secreção cervical ou uretral, cultura ou PCR. Devido à grande presença de infecção combinada entre gonococo e clamídia, o tratamento empírico deve cobrir ambos os agentes. O parceiro sempre deve ser tratado. Para cobertura de gonococo, temse, como principais alternativas: ceftriaxona, 125 mg, IM, dose única; cefixima, 400 mg, VO, dose única, e ciprofloxacino, 500 mg, VO, dose única; já para a cobertura da clamídia, tem-se, como principais alternativas: azitromicina, 1 g, VO, dose única, ou doxiciclina, 100 mg, VO, 12/12 h, por 7 dias.

654

ÚLCERAS GENITAIS A etiologia das úlceras genitais é bem variável, compreendendo doenças infecciosas, doenças sistêmicas e neoplásicas; na maioria dos casos, porém, ela está relacionada a DSTs. Para avaliação da úlcera genital, deve-se atentar para os seguintes preceitos: o aspecto, a consistência e o grau de acometimento da úlcera; presença de linfodenopatia relacionada, sua consistência e presença de supuração. Entre as principais etiologias das úlceras genitais, temos herpes genital, cancro mole, linfogranuloma venéreo, sífilis e donovanose.

É definida como doença de caráter incurável e recorrente. Das DSTs ulcerativas, é a mais frequente. Pode ser causada tanto pelo sorotipo HSV-2 (mais comum), como pelo HSV-1 (mais relacionado com herpes labial). Em muitos casos, a infecção pode ser assintomática. A apresentação típica é caracterizada pelo surgimento de sintomas prodrômicos locais, como prurido, ardência, parestesia ou queimação, com surgimento posterior de lesões vesiculares ou ulcerativas múltiplas, dolorosas, com bases avermelhadas e pruriginosas. Sabe-se que, na infecção primária, normalmente os sintomas são mais intensos e, nas recorrências, as apresentações são mais brandas, com menos complicações e menor duração. No homem, as localizações mais frequentes são glande e prepúcio; já na mulher, os locais mais frequentes são pequenos lábios, clitóris e grandes lábios. Em geral, está associada à adenopatia regional bilateral. O diagnóstico se faz a partir do aspecto das lesões e na presença de recorrência. Para diagnóstico complementar ou em casos duvidosos, pode-se utilizar diagnóstico laboratorial, como citodiagnóstico de Tzanck, sorologia, imunofluorescência direta, cultura ou biópsia. O tratamento baseia-se em encurtar o curso da doença, diminuir a intensidade e, em alguns casos, suprimir as recorrências. Com relação ao tratamento com antiviral tópico, conforme os estudos, ele não altera o curso da doença e, por isso, não é recomendado. O tratamento do primeiro episódio é diferenciado com relação à recorrência: enquanto o primeiro se faz em 7-10 dias, o segundo se dá em 3-5 dias. Os fármacos mais utilizados são: aciclovir, 400 mg, VO, de 8/8 h; fanciclovir, 125 mg, VO, de 12/12 h, e valaciclovir, 500 mg, VO, de 12/12 h. O tratamento supressivo é feito em pacientes que apresentam recorrências frequentes (6 ou mais por ano), sendo utilizados os mesmos fármacos aqui citados, porém em períodos mais longos (6-12 meses).

CANCRO MOLE É a infecção bacteriana aguda causada pelo bacilo Gram-negativo Haemophilus ducreyi. A apresentação típica ocorre 3-5 dias após o contato com lesão durante o coito. Inicia-se com uma pápula dolorosa, que torna-se uma pústula e, por fim, úlcera. As úlceras são geralmente múltiplas, de borda irregular, contorno eritematoso, fundo irregular recoberto de exsudato necrótico. Os sintomas dependem da localização (disúria, sangramento retal, dispareunia). No homem, as localizações mais frequentes são no frênulo e sulco balanoprepucial; já na mulher, os locais 655

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

HERPES GENITAL

mais frequentes são fúrcula e a face interna dos pequenos lábios e grandes lábios. Está associado à adenopatia regional unilateral em 50% dos casos (exclusividade dos homens), com possibilidade de fistulização. O diagnóstico se faz a partir do aspecto das lesões. Para diagnóstico complementar, pode-se utilizar o diagnóstico laboratorial, como bacterioscopia com coloração de Gram, PCR, cultura ou biópsia. O tratamento visa à resolução da infecção, à cura dos sintomas e à prevenção da transmissão. Os principias esquemas terapêuticos são: azitromicina, 1 g, VO, dose única; ciprofloxacino, 500 mg, VO, de 12/12 h, por 3 dias, ou ceftriaxona, 250 mg, IM, dose única. O tratamento do parceiro deve sempre ser feito.

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

LINFOGRANULOMA VENÉREO É uma infecção de transmissão exclusivamente sexual, causada pela Chlamydia trachomatis, sorotipos L1, L2, L3, sendo mais frequente em mulheres (3× mais). A doença tem três fases: lesão de inoculação, disseminação linfática e sequela. A apresentação típica inicia-se com uma pápula indolor, que depende do local de inoculação (pênis, reto, ânus, grandes e pequenos lábios). A evolução para úlcera é insidiosa, sendo esta geralmente indolor e frequentemente ignorada. A disseminação linfática ocorre entre 1-6 semanas da fase de inoculação, com presença de adenopatia inguinal unilateral (70% dos casos). Os gânglios se fundem com supuração e fistulização por orifícios múltiplos (bico de regador). Os sintomas gerais associados são febre, mal-estar, anorexia, emagrecimento, artralgia, sudorese noturna e meningismo. Como sequela, ocorre a elefantíase genital, estenose retal e/ou vaginal. O diagnóstico é feito a partir do aspecto das lesões e pela presença das sequelas já descritas. Para diagnóstico complementar, pode-se utilizar o diagnóstico laboratorial, como teste de fixação do complemento, imunofluorescência, cultura ou biópsia. O tratamento visa à resolução da infecção, à cura dos sintomas e à prevenção da transmissão. Os principais esquemas terapêuticos são: doxiciclina, 100 mg, VO, de 12/12 h; eritromicina, 500 mg, VO, de 6/6 h, por 21 dias.

SÍFILIS Doença infectocontagiosa sistêmica causada por um espiroqueta, o Treponema pallidum, de evolução crônica, sujeita a surtos de agudização e períodos de latência. Na maior parte dos casos, é transmitida pela via sexual e apresenta fácil detecção e terapêutica simples, barata e com alta eficácia. A sífilis é classificada, inicialmente, em sífilis congênita (melhor explicada no Capítulo 12 – Infecções congênitas e perinatais) e sífilis adquirida. A sífilis adquirida é subdividida em sífilis primária, secundária, latente e terciária. A sífilis primária é caracterizada pela presença do cancro duro, lesão de coloração rósea, ulcerada, geralmente única (mas pode ser múltipla), indolor, de bordas bem delimitadas, fundo limpo, liso e brilhante, sendo acompanhada de adenopatia regional unilateral. O cancro duro ocorre no local do contato (genitália, ânus, lábio e orofaringe), após 21 dias. A sífilis secundária manifesta-se cerca de 6-8 semanas após o surgimento do cancro duro, apresentando-se sob forma de lesões mucocutâneas (sifílides, 656

roséolas, condiloma plano, madarose, alopecia irregular, placas em mucosa) e linfadenopatia generalizada (ocorrem em 85% dos casos). A sífilis latente é o período após a sífilis secundária, caracterizado por ausência de sintomas, sendo o diagnóstico feito apenas por sorologia. A sífilis terciária se desenvolve em torno de 5-20 anos após a sífilis primária, em pacientes não tratados, e tem como principais apresentações as anomalias cardiovasculares (aneurisma aórtico por aortite sifilítica), neurológicas (tabes dorsalis, demência), articulares (artropatia de Charcot) e lesões mucocutâneas, tipo gomas ou tubérculos. A neurossífilis pode ocorrer em qualquer fase. O diagnóstico se faz pelo aspecto das lesões associado ao diagnóstico laboratorial. Entre os testes laboratoriais, podemos destacar a pesquisa direta por campo escuro das lesões cutâneas, PCR e sorologias (VDRL e FTA-Abs). VDRL é um teste não treponêmico, com alta sensibilidade, utilizado para screening, acompanhamento do tratamento e sinal de reinfecção. FTA-Abs é um teste treponêmico, com alta especificidade, que detecta presença de anticorpos contra espiroquetas, sendo o primeiro a tornar-se positivo, em torno de 15 dias de infecção; porém, como em alguns casos nunca vai se tornar negativo, não deve ser utilizado para avaliar reinfecção ou evolução do tratamento. O tratamento da sífilis adquirida deve ser específico para cada período: Sífilis primária: penicilina G benzatina (2,4 milhões UI, IM), dose única, 1,2 milhões UI em cada glúteo. Q Sífilis secundária: penicilina G benzatina (2,4 milhões UI, IM), duas doses, com intervalo de 1 semana. Q Sífilis terciária ou de tempo desconhecido: penicilina G benzatina (2, 4 milhões UI, IM), três doses, com intervalo de 1 semana, podendo-se utilizar, em vez da penicilina G benzatina, a eritromicina, a tetraciclina ou a doxiciclina. Q Neurossífilis: penicilina G cristalina (2, 4 milhões UI, EV), de 4/4 h, por 10-14 dias, tendo, como alternativa, o uso de penicilina G, procaína IM ou ceftriaxona EV. O parceiro deve ser sempre tratado. No caso de gestante, a única terapêutica com eficácia documentada é a penicilina G. O seguimento para avaliação da cura é feito com VDRL trimestral no primeiro ano, e semestral após o primeiro ano até a queda das titulações. Se houver aumento ou persistência dos títulos, deve-se tratar novamente.

DONOVANOSE É uma doença crônica progressiva de baixa incidência no Brasil, causada pela Calymmatobacterium granulomatis, bacilo Gram-negativo, imóvel. Sua transmissão, provavelmente, não é somente sexual, pois pode ocorrer em crianças e jovens inativos sexualmente, além de ser rara nos profissionais de sexo. A apresentação típica inicia-se com uma pápula indolor que ocorre no local de inoculação (pênis, reto, ânus, grandes e pequenos lábios). Logo após, manifesta-se como uma ulceração de borda plana ou hipertrófica, bem delimitada, com fundo granulomatoso, vermelho-vivo e friável, que evolui lentamente para lesão vegetante ou úlcero-vegetante. Não há adenite, embora raramente formem-se pseudobu657

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

Q

bões na região inguinal, quase sempre unilateral. Como sequela, pode ocorrer elefantíase genital e retite estenosante. O diagnóstico se faz a partir do aspecto das lesões e pela presença de corpúsculos de Donovan em esfregaço, ou biópsia da lesão, corado com Giemsa ou Wright. O tratamento é de longa duração, devendo-se avaliar a evolução clínica semanalmente. Os principais esquemas terapêuticos são: doxiciclina, 100 mg, VO, de 12/12 h; eritromicina, 500 mg, VO, de 6/6 h; ciprofloxacino, 750 mg, VO, 12/ 12 h. O tratamento deve ser mantido por, no mínimo, três semanas, ou até a resolução das lesões. Se houver baixa resposta a essas drogas nos primeiros dias, deve-se associar aminoglicosídeo EV (gentamicina, 1 mg/kg, de 8/8 h). Devido à baixa infectividade, o parceiro só deve ser tratado se tiver lesões.

DOENÇAS VIRAIS

DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS

A maioria das doenças virais de transmissão sexual (HIV, hepatite B) serão abordadas em capítulos específicos deste livro. Neste capítulo, será abordado apenas o papilomavírus humano (HPV).

PAPILOMAVÍRUS HUMANO (HPV) Doença infecciosa, de transmissão frequentemente sexual, cuja lesão clínica também é conhecida como condiloma acuminado, verruga genital ou crista de galo. O HPV tem mais de 70 sorotipos, sendo alguns deles mais associados ao carcinoma cervical (subtipos 16 e 18), e outros, a condilomas (subtipos 6 e 11). Acomete principalmente a população sexualmente ativa, porém pode estar presente também em crianças. A presença de lesões associadas ao vírus em região genital de crianças levanta a suspeita de abuso sexual. O quadro clínico é divido em três tipos de apresentação: Q

Forma subclínica: área branca após aplicação de ácido acético sob visão colposcópica; é a forma mais comum. Q Infecção latente: só pode ser diagnosticada por determinação de DNA viral. Q Infecção clínica: recidiva por ativação de reservatórios. Na mulher, as lesões estão localizadas principalmente na vulva, no períneo, na vagina e no colo uterino. No homem, localizam-se na glande, no sulco balanoprepucial e na região perianal. Também podem ser encontradas lesões em conjuntivas, mucosa nasal, laríngea, oral, assim como em toda a extensão da epiderme. O diagnóstico do HPV subclínico (acometimento do colo uterino) se faz a partir de esfregaço citológico, aplicação de acido acético, biologia molecular e colposcopia. Já o diagnóstico do condiloma é clínico. O tratamento do acometimento cervical se faz por meio de acompanhamento, fazendo-se conização ou histerectomia em casos de neoplasia endocervical. Com relação ao condiloma acuminado, as principais medidas terapêuticas são: aplicação de podofilina 25%, ácido tricloroacético a 80-90%, 5-fluoracil creme, interferon α, imiquimod, bem como técnicas de exérese com eletrocauterização, crioterapia 658

ou cirurgia. Com relação à prevenção, o desenvolvimento das vacinas contra infecção pelo HPV possui o benefício de reduzir a incidência do câncer cervical e de suas lesões precursoras. Já estão sendo comercializadas na iniciativa privada, com resultados promissores.

REFERÊNCIAS Brasil. Ministério da Saúde. Manual de controle das doenças sexualmente transmissíveis DST. 4. ed. Brasília, DF: Author; 2006. Centers for Disease Control and Prevention, Workowski KA, Berman SM. Sexually transmitted diseases treatment guideline, 2006. MMWR Recomm Rep. 2006;55(RR-11):1-94. Erratum in: MMWR Recomm Rep. 2006;55(36):997.

34.8

TUBERCULOSE

Epidemiologia. Em 2006, a incidência de tuberculose no Brasil foi cerca de 60:100.000 habitantes; no Rio Grande do Sul, 47; e, em Porto Alegre, 112,4 (5.176 casos novos). Nesses locais, com alta prevalência da doença, a curva de incidência por idade apresenta, caracteristicamente, um pico na primeira infância e outro nos adultos jovens. No período em que não havia vacinação com BCG dos recém-nascidos (RNs), a porcentagem de casos de tuberculose na faixa etária abaixo de 15 anos era de aproximadamente 15%, reduzindo-se para menos de 4% quando os RNs passaram a ser vacinados, nos locais com cobertura vacinal próxima de 100%. Reduziuse a frequência de todas as formas de apresentação da tuberculose. Etiologia. O Mycobacterium tuberculosis é comumente transmitido por via aérea, de um indivíduo com tuberculose pulmonar bacilífera para outro. Em se tratando do primeiro contato com o bacilo, o foco pneumônico é acompanhado de comprometimento de gânglios linfáticos mediastinais (complexo primário tuberculoso), seguindo-se a disseminação sanguínea e linfática dos bacilos para outros órgãos. Com o desenvolvimento da imunidade celular, os bacilos implantados nesses órgãos são eliminados ou permanecem em estado de latência em mais de 90% dos casos. Quando há progressão das lesões, tem-se um caso de tuberculose primária. O risco maior de desenvolver tuberculose primária ocorre nos dois primeiros anos de vida, particularmente no primeiro ano. Por outro lado, a infecção, quando contraída entre os 5-6 anos de idade e o início da puberdade, dificilmente evolui para doença. 659

TUBERCULOSE

PAULA XAVIER PICON PEDRO DORNELLES PICON

TUBERCULOSE

Quadro clínico. Por ser a tuberculose uma doença de evolução crônica ou subaguda, a sintomatologia tende a ser insidiosa e de intensidade crescente, podendo apresentar períodos de remissão e relativo bem-estar, fazendo com que a procura por atendimento médico seja retardada. A tosse é o sintoma mais frequente. A presença de tosse e de expectoração por mais do que três semanas caracteriza o que se convencionou chamar de sintomático respiratório, grupo prioritário para a investigação da doença. Pode haver ainda escarro hemático ou hemoptise franca. Outros sintomas locais são dor torácica e dispneia. Entre as manifestações sistêmicas, destacam-se: febre, geralmente ao entardecer e de baixa intensidade, sudorese noturna profusa, calafrios, anorexia, astenia e emagrecimento. No exame físico do tórax, pode-se detectar estertores na região das lesões pulmonares, geralmente apicais e posteriores, sinais de consolidação e/ou de derrame pleural, além de outros achados semiológicos. Nas formas disseminadas pode haver adenomegalias superficiais, hepatoesplenomegalia, ascite, lesões na pele, na cavidade oral e outras. Em casos de hipersensibilidade a componentes do bacilo, a doença pode se manifestar como eritema nodoso, eritema endurado ou ceratoconjuntivite flictenular. Diagnóstico Q Radiografia simples de tórax: na radiografia simples de tórax, as lesões variam com o tipo de tuberculose. Na tuberculose primária, os achados mais frequentemente encontrados são adenomegalias hilares e/ou mediastinais, acompanhadas ou não de consolidação pulmonar ou de outras lesões intratorácicas (infiltração micronodular difusa, derrame pleural e outras). Na tuberculose pós-primária, vista em adultos e em crianças de mais idade, as lesões geralmente localizam-se nos segmentos apicoposterior do lobo superior ou superior do lobo inferior e apresentam ou não cavidade, de acordo com o tempo de evolução da doença. A radiografia pode ainda mostrar outros padrões de lesões, na tuberculose miliar (infiltração pulmonar difusa, geralmente micronodular), na pneumonia tuberculosa (consolidação alveoloductal), no tuberculoma (nódulo), no derrame pleural e/ou pericárdico e no comprometimento de gânglios linfáticos intratorácicos. Q Microscopia do escarro: pesquisa direta de BAAR no escarro (baciloscopia), em duas amostras coletadas em dias diferentes, preferentemente pela manhã em jejum, permite o diagnóstico de 95% dos casos bacilíferos. A positividade do exame depende da riqueza de bacilos no escarro, que, por sua vez, está diretamente relacionada à existência de lesão pulmonar cavitária. Nas crianças, pode-se pesquisar o bacilo no lavado gástrico, técnica de baixo rendimento (são recomendados três exames) e que exige internação do paciente. O conteúdo gástrico deve ser colhido logo após a criança acordar, antes de ingerir alimentos ou líquidos. Por meio de sonda nasogástrica, inicialmente aspira-se o conteúdo do estômago. A seguir, injeta-se cerca de 50 mL de água destilada estéril e procede-se nova aspiração. No material obtido, além da pesquisa direta de bacilo, deve ser realizada cultura de micobactérias. Quando a pesquisa do bacilo em qualquer espécime resultar positiva, indica, com grande segurança, 660

Q

Q

Q

Tratamento. O esquema de tratamento para os casos novos de tuberculose utilizado no Brasil ainda é o RHZ (Esquema I), constituído por rifampicina (R), isoniazida 661

TUBERCULOSE

Q

a presença de tuberculose, pois outras micobactérias e bactérias inespecíficas que são BAAR-positivo no exame direto são pouco prevalentes no Brasil. Teste tuberculínico: o teste tuberculínico é um método que não distingue infecção de doença. O teste é interpretado como: não reator, de 0-4 mm; reator fraco, de 5-9 mm; reator forte, de 10 mm ou mais. Em pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), considera-se positivo um teste com enduração de 5 mm ou mais. Nas crianças vacinadas, alguns pesquisadores aceitam que uma enduração de 15 mm ou mais representa infecção pelo bacilo selvagem e não pelo BCG. O resultado pode ser falsonegativo nas fases agudas da tuberculose miliar, das tuberculoses de serosas e da pneumonia tuberculosa ou em condições/doenças associadas, como mau estado clínico, desnutrição, desidratação, idade avançada, hipoproteinemia, uso de corticoides e de imunossupressores, hipotireoidismo, sarcoidose, neoplasias malignas, infecções virais (como sarampo, rubéola, caxumba), vacinas com vírus vivos e síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Cultura de micobactérias e teste de sensibilidade: o padrão-ouro para o diagnóstico da tuberculose é a identificação do Mycobacterium tuberculosis em cultivo. O meio de cultura mais utilizado é o de Loewenstein-Jensen, com resultado que pode demorar até dois meses. Em locais onde estão disponíveis, pode-se lançar mão de métodos fenotípicos automatizados (Bactec, MGIT, MB/BacT), com tempo de cultivo reduzido para cerca de duas semanas. Os testes de sensibilidade são indicados em todos os casos de retratamento, para auxiliar na escolha dos fármacos antituberculose, e para os casos com suspeita de resistência primária, como nos adoecimentos de contatos de pacientes com tuberculose multirressistente (TBMR). Exame histopatológico: exige procedimentos invasivos, tais como biópsias pleurais, de gânglios linfáticos, endobrônquicas e outras. A presença de granuloma tuberculoide com necrose caseosa não permite um diagnóstico definitivo, apenas sugere a possibilidade de tuberculose, tendo-se em vista que essa enfermidade, pela sua grande prevalência no Brasil, é a principal causa desse achado histopatológico. O exame deve ser complementado com pesquisa de BAAR e de fungos, pois as micoses são outras causas frequentes de granuloma tuberculoide. Outros exames – Reação de polimerase em cadeia (PCR): os estudos realizados para comparar as técnicas diagnósticas convencionais com a técnica da PCR mostraram grande variação na sensibilidade e especificidade, dependente de fatores como o tipo de amplificação usado e a carga bacilar na amostra clínica. – Adenosina deaminase (ADA): embora sem especificidade absoluta, a avaliação da atividade da ADA, associada a dados como idade, quadro clínico, resultado do teste tuberculínico e outras características do líquido pleural, mostrou boa correlação com o padrão-ouro no diagnóstico da tuberculose pleural (valor discriminatório > 40 Ul e relação desoxiadenosina/adenosina < 0,45).

TUBERCULOSE

(H) e pirazinamida (Z) nos dois primeiros meses (fase intensiva), seguido de R e H por mais quatro meses (fase de manutenção). Diferentemente de outros países que recomendam a adoção de etambutol (M) ou de estreptomicina (S) como um quarto fármaco na fase inicial, no Brasil optou-se por utilizar apenas três fármacos, porque a taxa de resistência primária à H era inferior a 5%. No entanto, com base nos resultados do II Inquérito Nacional de resistência aos fármacos antituberculose conduzido entre 2007 e 2008 no país, os responsáveis pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose do Ministério da Saúde (PNCT/MS) decidiram modificar o esquema, acrescentando o M na fase intensiva. Essa modificação (Esquema 2RHZM/4RH) será implantada possivelmente ainda no decorrer do ano de 2009, de acordo com cronograma a ser estabelecido entre o PNCT e os Estados. Na modificação pretendida pelo MS, os comprimidos serão formulados com doses reduzidas de isoniazida e pirazinamida em relação às atualmente utilizadas no Brasil, e os quatro fármacos serão veiculados em comprimido único (4 em 1), contendo 150 mg de R, 75 mg de H, 400 mg de Z e 275 mg de M. Com essa nova formulação, as doses máximas de H e de Z, para um paciente de 60 kg, serão 300 e 1.600 mg respectivamente. Essas mudanças serão aplicadas aos indivíduos com 10 anos ou mais. Naqueles com menos idade, será mantido o esquema atual. Permanecerão disponíveis as formulações individualizadas de fármacos, para utilização em esquemas especiais. O esquema será preconizado para os casos novos (sem tratamento anterior ou com tratamento por menos de 30 dias), infectados ou não pelo HIV, de todas as formas de tuberculose (exceto a meningoencefálica). Também será indicado nos casos de recidiva e de alta por abandono do RHZM, tendo-se o cuidado, no entanto, de excluir a possibilidade de falência do esquema anterior, quando deverá ser utilizado o esquema de reserva, para multirresistência. Entretanto, em todos os casos de retratamento, antes de prescrição do esquema, deve-se solicitar cultura de micobactérias com teste de sensibilidade aos fármacos (esses exames também devem ser realizados nos casos em tratamento que continuem com baciloscopia positiva ao final do segundo mês de uso do RHZM). Nos casos de tuberculose meningoencefálica, os fármacos R e H deverão ter seu uso prolongado até o 9o mês. Recomenda-se ainda o uso de corticosteroides (prednisona, dexametasona ou outros), por um período de 1-4 meses. As doses recomendadas dos fármacos podem ser vistas na Tabela 34.8.1. Verifica-se que, na fase de manutenção, é mantida a formulação de RH atualmente disponível. Nas falências, o Esquema III (SEMZ) não será mais recomendado: passa-se a usar cinco fármacos, associando-se S, levofloxacina (L), terizidona (T) (fármacos não utilizados) com Z e M (fármacos potencialmente eficazes) por um período maior de tratamento (18 meses) do que o antes recomendado no Esquema III (12 meses). No caso de uso anterior da S, esse fármaco deve ser substituído por amicacina (A). Esse novo esquema, para multirresistência, deverá ser aplicado somente em serviços de referência definidos pelos Estados.

662

Peso < 20 kg

Peso 20-35 kg

Peso 36-50 kg

Peso > 50 kg

Fase RHZ intensiva R = 10 mg/kg H = 10 mg/kg Z = 15-30 mg/kg

RHZM 2 comprimidos (dose fixa combinada: 150/75/400/ 275)

RHZM 3 comprimidos (dose fixa combinada: 150/75/400/ 275)

RHZM 4 comprimidos (dose fixa combinada: 150/75/400/ 275)

Fase de manutenção

RH 1 cápsula 300/200

RH 1 cápsula 300/200 + 1 cápsula 150/100

RH 2 cápsulas 300/200

RH R = 10 mg/kg H = 10 mg/kg

Efeitos adversos dos tuberculostáticos. São de frequência variável, ocorrem em menos de 30% dos pacientes e, na maioria dos casos, cedem espontaneamente ou com o auxílio de medicação sintomática. Menos de 5% dos pacientes necessitam interromper o tratamento ou modificar o esquema em uso. Geralmente isso ocorre por hepatotoxicidade, intolerância digestiva, manifestações cutâneas ou articulares e, raramente, por efeitos adversos graves, como insuficiência renal, púrpuras, aplasia da medula óssea ou reações anafilactoides. Q

Intolerância digestiva. São os mais frequentes, apresentando-se geralmente como anorexia, náuseas, vômitos, pirose e epigastralgia. Em geral, são pouco importantes, necessitando, no máximo, de medicação sintomática para o seu controle. Quando presentes, podem suscitar dúvida se decorrem de uma hepatopatia medicamentosa incipiente ou se são apenas efeitos adversos digestivos. Q Erupções cutâneas e outras reações de hipersensibilidade. Habitualmente ocorrem nas quatro primeiras semanas do tratamento. Mais frequentemente manifestam-se sob a forma de máculas ou pápulas eritematosas e pruriginosas e/ou febre. As reações leves representam a maioria dos casos e cedem espontaneamente ou com o uso de anti-histamínicos, sem a necessidade de interrupção do tratamento.

663

TUBERCULOSE

Tabela 34.8.1 DOSES DIÁRIAS DOS FÁRMACOS NOS ESQUEMAS RHZ, PARA INDIVÍDUOS COM MENOS DE 10 ANOS DE IDADE, E DE RHZM, PARA AQUELES COM 10 OU MAIS, DE ACORDO COM O PESO CORPORAL

Q

TUBERCULOSE

Artrite e artralgia. A artrite e a artralgia são efeitos adversos na maioria das vezes relacionados à pirazinamida, afetam grandes e pequenas articulações e geralmente mais de uma. São, de modo geral, pouco importantes e cedem espontaneamente ou respondem bem ao tratamento sintomático. Q Neuropatia periférica. Geralmente decorrente do uso da isoniazida. É mais frequente em pacientes desnutridos, na hepatopatia crônica, em diabéticos e em pacientes com AIDS usando antirretrovirais (ddI e ddC). Nos grupos de risco, a neuropatia pode ser prevenida utilizando-se 10 mg/dia de piridoxina e prescrevendo-se doses baixas de isoniazida. No tratamento de caso de neuropatia, a dose de piridoxina deve ser maior, de 100-200 mg/dia. Q Hepatotoxicidade. A literatura internacional registra proporção pequena e aceitável de casos de hepatotoxicidade por esquemas contendo R, H e Z. Nos últimos anos, no Rio Grande do Sul, a incidência de hepatotoxicidade pelo RHZ aumentou, passando de cerca de 2,5% para mais de 4% em pacientes de ambulatório, fundamentalmente em decorrência da AIDS e da infecção pelo vírus da hepapite C. Ocorrendo hepatotoxicidade, o tratamento deve ser descontinuado pelo risco de severa necrose hepática e óbito por encefalopatia portossistêmica. Com essa conduta, na maioria dos casos as lesões regridem, o paciente torna-se rapidamente assintomático e as provas de função hepática normalizam em média duas semanas após a suspensão dos fármacos, quando, então, deve-se retomar o tratamento da tuberculose. Prevenção. A forma mais eficaz de prevenir a tuberculose é pelo diagnóstico precoce, retirando-se a fonte de infecção da comunidade. Isso se tornou mais importante após o surgimento da epidemia de infecção pelo HIV, pois pacientes HIV-positivo, em contato com pacientes bacilíferos, ao se infectarem com o bacilo, facilmente desenvolvem tuberculose. Outro modo eficiente de prevenção é a indicação de quimioprofilaxia com isoniazida nos pacientes infectados com o bacilo e em risco de adoecimento, como os usuários de medicação imunossupressora, os portadores de neoplasias e de insuficiência renal e, principalmente, os infectados pelo HIV. Quanto à vacinação BCG, embora existam controvérsias com relação à sua eficácia, a soma de indícios existentes aponta para um poder protetor adequado, especialmente em crianças de zero a 4 anos, protegendo-as contra todas as formas de tuberculose, diminuindo, assim, a incidência de meningite tuberculosa e de tuberculose miliar. Isso ficou bem demonstrado no Rio Grande do Sul por ocasião da mudança da estratégia de vacinação a partir de agosto de 1989, quando o BCG passou a ser aplicado em RNs em vez de crianças na idade escolar (entre 6-7 anos). Há evidências de que a proteção tenha duração de até 15 anos. Não há contraindicações para o BCG, à exceção de imunossupressão ocasionada por doença ou pelo uso de fármacos. As contraindicações relativas são a prematuridade, a presença de afecções dermatológicas extensas na área de aplicação e de enfermidades graves que exijam hospitalização, quando se recomenda retardar sua aplicação.

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REFERÊNCIAS Brasil. Ministério da Saúde. Comitê Técnico-Científico de Assessoramento à Tuberculose e Comitê Assessor para a Co-Infecção HIV-Tuberculose. Tuberculose: guia de vigilância epidemiológica. Brasília, DF: Author; 2002. Brasil. Ministério da Saúde. Comitê Técnico-Científico de Assessoramento à Tuberculose. Plano Nacional de Controle da Tuberculose. Nota técnica sobre as mudanças no tratamento da tuberculose no Brasil para adultos e adolescentes. Brasília, DF: Author; 2009. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional da Saúde. Centro de Referência Professor Hélio Fraga / Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Controle da tuberculose: uma proposta de integração ensino-serviço 5. ed. Rio de Janeiro: Author; 2002. II Diretrizes Brasileiras para Tuberculose. J Pneumol. 2004;30(1):S4-S85. Petri Jr. W. Drugs used in the chemotherapy os tuberculosis, mycobacterium avium complex disease, and leprosy. In: Hardman JG, Limbird LE, editors. Goodman & Gilman’s: the pharmacological basis of therapeutics. New York: McGraw-Hill Medical Publishing Division; 2001. p. 1273-94. Picon PD, Rizzon CFC, Ott WP. Tuberculose: epidemiologia, diagnóstico e tratamento em clínica e saúde pública. Rio de Janeiro: MEDSI; 1993.

34.9

QUIMIOPROFILAXIA

Sant’Anna CC. Tuberculose na infância e na adolescência. Rio de Janeiro: Atheneu; 2002

QUIMIOPROFILAXIA

JOANA COELI LIMA MARINS ANA BEATRIZ LIMA MARINS

A quimioprofilaxia refere-se ao uso de fármacos não para tratar, mas sim para prevenir a ocorrência de uma doença. Geralmente, a profilaxia envolve o uso de antimicrobianos por um período curto e específico de tempo. A seguir, é discutida a profilaxia para as principais doenças infectocontagiosas. Para profilaxia com uso de vacinas ver Capítulo 9.

COQUELUCHE Quando fazer. Indivíduos suscetíveis em contato com pacientescom coqueluche. O antibiótico reduz a possibilidade da infecção e diminui a gravidade nas crianças que vierem a desenvolver a doença.

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Profilaxia Q Eritromicina, 30-40 mg/kg/dia, 6/6 h, por 10 dias Q Claritromicina, 15 mg/kg/dia, de 12/12 ou 24/24 h, durante 7 dias Q Azitromicina, 10 mg/kg, durante 3 dias

DIFTERIA Quando fazer. Crianças não imunes comunicantes com pacientes diftéricos. Profilaxia. Eritromicina, 30-40 mg/kg/dia, por 7 dias.

QUIMIOPROFILAXIA

ENDOCARDITE Quando fazer Q Condições de alto risco: cardiopatias complexas (ventrículo único, transposição de grandes vasos, tetralogia de Fallot), próteses valvares, shunts sistêmicos pulmonares ou condutos e pós-operatório com shunt residual. Q Condições de moderado risco: cardiopatias congênitas que não estão incluídas nos demais grupos, valvulopatia reumática, miocardiopatia hipertrófica, prolapso de válvula mitral com regurgitação e/ou espessamento dos folhetos. Q Condições em que a profilaxia não está indicada: CIA com ostium secundum, CIV, CIA ou PCA com correção cirúrgica há mais de 6 meses, bypass coronariano, prolapso de válvula mitral sem regurgitação, doença de Kawasaki sem disfunção valvar, marca-passo cardíaco, desfibrilador implantável e stents. Profilaxia Tratamento dentário (extrações, obturações, tratamento de canal), trato respiratório (amigdalectomia) ou procedimentos esofágicos: – Recomendação geral para pacientes de risco: • Amoxicilina, 50 mg/kg, VO, 1 hora antes do procedimento • Ampicilina, 50 mg/kg, IM ou EV, 30 min antes do procedimento • Clindamicina, 20 mg/kg, VO, 1 hora antes do procedimento, ou EV, 30 min antes (em alérgicos à penicilina) Q Procedimentos gastrintestinais (endoscopia) e geniturinários (citoscopia, dilatação uretral) – Pacientes de alto risco: • Ampicilina, 50 mg/kg, + Gentamicina (ou amicacina), 1,5 mg/kg, IM ou EV, 30 min antes do procedimento, seguido de ampicilina EV, 25 mg/kg, 6 h após • Amoxicilina, 25 mg/kg, VO • Vancomicina, 20 mg/kg, EV, 1 ou 2 horas antes do procedimento + Gentamicina, 1,5 mg/kg, IM ou EV, 30 min antes do procedimento (em alérgicos à penicilina) Q

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– Pacientes com risco moderado • Amoxicilina, 25 mg/kg, VO • Ampicilina, 50 mg/kg, IM ou EV, 30 min antes do procedimento • Vancomicina, 20 mg/kg, EV, 1 ou 2 horas antes do procedimento

ESPLENECTOMIA Quando fazer. Crianças esplenectomizadas (cirugia indicada em casos de púrpura trombocitopênica idiopática, esferocitose, tumor esplênico e outros) e na impossibilidade de empregar a vacina antipneumocócica. Profilaxia Q Penicilina G Benzatina na dose 600.000 UI em < 25 kg e 1.200.000 UI, IM, a cada 3 semanas, por 2 anos após a cirurgia Q Penicilina V, 200.000 a 400.000 UI, VO, 12/12 h Q Amoxicilina, 20 mg/kg/dia, 12/12 h (melhor em crianças menores de 5 anos por sua atividade anti-hemófilos)

Quando fazer Q Profilaxia primária: tratamento de qualquer faringoamigdalite estreptocócica, antes do primeiro episódio de febre reumática, visando à erradicação do Streptococcus pyogenes da orofaringe Q Profilaxia secundária: após diagnóstico de febre reumática, em qualquer uma das suas formas clínicas, ou na presença de cardiopatia reumática crônica Profilaxia Profilaxia primária: Penicilina Benzatina, 1.200.000 UI, IM, dose única, e 600.000 UI na criança < 25 kg – Alternativas: Penicilina V oral, 250 mg, 8/8 h, VO, por 10 dias; Eritromicina, 40 mg/kg/dia, 2-4× ao dia, por 10 dias; Cefalexina, 50 mg/kg/dia, 6/6 h, VO, por 10 dias Q Profilaxia secundária: Penicilina Benzatina, 1.200.000 UI, IM, 21/21 dias, e 600.000 UI na criança < 25 kg – Alternativas: Penicilina V oral, 250 mg, 12/12 h, VO, diariamente; Eritromicina, 40 mg/kg/dia, 12/12 h, diariamente Q Duração: – FR sem cardite → mínimo 5 anos (pelo menos até a idade de 21 anos) – FR com cardite, sem doença valvar residual → mínimo de 10 anos após o último episódio (pelo menos até a idade de 25 anos) – FR com cardite + lesão valvar residual → tempo indefinido (no mínimo, até a idade de 40 anos) Q

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QUIMIOPROFILAXIA

FEBRE REUMÁTICA

HIV – EXPOSIÇÃO VERTICAL Quando fazer Q Recém-nascidos de mulheres infectadas pelo HIV, independentemente de as mães terem recebido antirretrovirais na gestação ou no parto Q A quimioprofilaxia deverá ser administrada, de preferência, imediatamente ou nas primeiras 8 horas de vida. Não há estudos que comprovem o benefício do início da profilaxia com AZT após 48 h do nascimento. A indicação da quimioprofilaxia após esse período fica a critério médico Profilaxia. Zidovudina (AZT) Via oral – Neonatos a termo: 4 mg/kg, de 12/12h, ou 2 mg/kg, de 6/6 h, por 6 semanas (42 dias) – Prematuros: • > 30 sem: 2 mg/kg, 12/12 h, por 2 semanas, e, após, 2 mg/kg, 8/8 h • < 30 semanas: 2 mg/kg, 12/12 h, por 4 semanas, e, após, 2 mg/kg, de 8/8 h Q Via parenteral: – A termo: 1,5 mg/kg, de 6/6 h – Prematuro: 1,5 mg/kg, de 12/12 h

QUIMIOPROFILAXIA

Q

HIV – BEBÊ EXPOSTO – PROFILAXIA PRIMÁRIA DE PNEUMOCYSTIS JIROVECI Quando fazer. Crianças nascidas de mães infectadas pelo HIV. Profilaxia Q Nascimento até 4-6 semanas à não indicar profilaxia Q 6 semanas a 4 meses à Profilaxia com Sulfametoxazol + Trimetropim Q 4 a 12 meses: – Crianças infectadas pelo HIV ou infecção indeterminada → manter profilaxia – Infecção excluída → suspender

HIV – ACIDENTE OCUPACIONAL Quando fazer Q Exposição percutânea: – Grave: agulha com lúmen, agulha em artéria ou veia, sangue visível, lesão profunda – Não grave: agulha sem lúmen, lesão superficial (escoriação) Q Exposição de mucosa ou pele não íntegra: – Grande volume: contato prolongado ou grande quantidade de material biológico de risco – Pequeno volume: poucas gotas de material biológico de risco; curta duração 668

A realização do teste anti-HIV no paciente-fonte deve ser feita sempre que possível, mesmo após o início da quimioprofilaxia, com o objetivo de suspender a medicação antirretroviral caso a sorologia seja negativa. Profilaxia Fonte HIV-positivo + infectividade baixa (fase assintomática, carga viral < 1.500 cópias/mL): – Grave: regime expandido – Não grave: regime básico – Grande volume: regime básico – Pequeno volume: considerar regime básico Q Fonte HIV-positivo + infectividade alta (carga viral > 1.500 cópias/mL): – Grave: regime expandido – Não grave: regime expandido – Grande volume: regime expandido – Pequeno volume: regime básico Q Fonte ou sorologia desconhecida: à princípio não fazer antirretrovirais. A terapia, entretanto, pode ser considerada em caso de exposição de alto risco (percutânea grave) ou se a fonte estava em um hospital com alta prevalência de indivíduos HIV-positivo ou sabidamente com história epidemiológica compatível com DST prévia Q Fonte HIV-negativo: não fazer antirretrovirais Q Regime básico: AZT, 600 mg + 3TC, 150 mg, 12/12 h, durante 4 semanas Q Regime expandido: AZT, 600 mg + 3TC, 150 mg, 12/12 h + Indinavir, 800 mg, 8/8 h, ou Nelfinavir, 750 mg, 8/8 h, durante 4 semanas

LEPTOSPIROSE Quando fazer. Indivíduos expostos a águas contaminadas. Profilaxia. Penicilina G benzatina, 1.200.000 UI, em 2 injeções IM aplicadas com intervalo de 5 dias, ou Doxicilina, 100 mg, 2×/dia, durante 3-5 dias.

MENIGOCOCCEMIA (NEISSERIA MENIGITIDIS) Quando fazer Q Contatos domiciliares, creches, para as crianças que permaneceram no mesmo ambiente e adultos com contato íntimo com caso-índice Q O esquema de erradicação do meningococo também está indicado no paciente de doença meningocócica tratados com penicilina ou cloranfenicol, considerando-se que esse fármacos não erradicam o microrganismo na nasofaringe Q Não está indicada rotineiramente para profissionais de saúde, a não ser os que tiveram contato íntimo com caso-índice (participando de manobras de reanimação) 669

QUIMIOPROFILAXIA

Q

Profilaxia. Rifampicina, 10mg/kg, 1×/dia, por 4 dias, ou 20 mg/kg/dose, 2×/dia, por 2 dias (máximo de 600 mg/dia).

MENINGITE POR HAEMOPHILUS INFLUENZAE Quando fazer Q Contatos domiciliares, creches, para as crianças que permaneceram no mesmo ambiente e adultos com contato íntimo com caso-índice, porém somente quando esses têm contato com crianças menores que 5 anos ou idosos maiores de 65 anos Q Não está indicada rotineiramente para profissionais de saúde, a não ser os que tiveram contato íntimo com caso-índice (participando de manobras de reanimação) Q Atenção: se a criança portadora de meningite não for tratada com ceftriaxona ou cefotaxima, deverá, na alta, fazer esquema profilático Profilaxia. Rifampicina, 10 mg/kg, 1×/dia, por 4 dias.

OFTALMIA NEONATAL QUIMIOPROFILAXIA

Quando fazer. Exposição no canal de parto por infecção materna ao gonococo. Profilaxia. Instilação de nitrato de prata a 1% nos olhos do recém-nascido ou aplicação de pomada contendo eritromicina ou tetraciclina.

TUBERCULOSE Quando fazer. Contato direto com pacientes bacilíferos. Profilaxia Q Recém-nascido coabitante de foco bacilífero (profilaxia primária): Isoniazida por 3 meses e, depois, fazer PPD. Se positivo, tratar mais 3 meses. Se negativo, fazer BCG. Q Menor de 15 anos (profilaxia secundária): – Não vacinado com BCG – assintomáticos: se PPD > 10 mm, raio X de tórax normal e sem clínica, fazer profilaxia com isoniazida por 6 meses. Se PPD negativo, repetir o exame em 40 a 60 dias. Se persistir negativo, manter observação. Se positivar o exame e o raio X de tórax estiver normal, profilaxia com isoniazida por 6 meses. – Vacinado com BCG – assintomáticos: Se PPD > 15 mm, fazer quimioprofilaxia. Se PPD < 15 mm, acompanhar clinicamente. Q Indivíduo com viragem do PPD nos últimos 12 meses: Se houver aumento da resposta de, no mínimo, 10 mm, fazer profilaxia com isoniazida por 6 meses. 670

VIOLÊNCIA SEXUAL – PROFILAXIA AO HIV Quando fazer Q Crianças subjugadas a abuso sexual. Quando há exposição oral com ejaculação, vaginal ou anal. Q Deve ser iniciada o mais precocemente possível, no máximo em 72 h, e mantida por 28 dias. Profilaxia 1a escolha: – AZT + 3TC+ NELFINAVIR – AZT + 3TC + INDINAVIR/R – AZT + 3TC + LOPINAVIR/R Q Alternativa (contraindicação ao AZT): – D4T +3TC+ NELFINAVIR – D4T +3TC + INDINAVIR/R – D4T + 3TC + LOPINAVIR/R Q (Doses: ver Cap. 34.3) – AZT = Zidovudina – 3TC = Lamivudina – D4T = Estavudina Q Efavirenz não deve ser usado em adolescentes devido ao potencial teratogênico desse fármaco.

VIOLÊNCIA SEXUAL – PROFILAXIA DE DSTs (SÍFLIS, CANCRO MOLE E GONORREIA) Quando fazer. Contato sexual de alto risco de transmissão dessas enfermidades, como nas vítimas de violência sexual. Profilaxia. Azitromicina (10 mg/kg) + Ceftriaxona (50 mg/kg IM) ou Cefixima (8 mg/kg, VO) + Penicilina Benzatina → Esquema em dose única.

REFERÊNCIAS Lopez FA, Campos Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. Sociedade Brasileira de Pediatria. Marcondes E, Vaz FAC, Ramos JLA, Yassuhiko O. Pediatria básica: pediatria clínica geral. 9. ed. São Paulo: Savier; 2003. t. 2. Tavares W, Marinho LAC. Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias. 2. ed São Paulo: Atheneu; 2007.

671

QUIMIOPROFILAXIA

Q

CAPÍTULO 35

NEFROLOGIA 35.1

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL

CARLA DI GIORGIO HELENA BREIER BONATO RENATO GEORGE EICK

A avaliação da taxa de filtração glomerular (TFG) é útil clinicamente para avaliar o grau de comprometimento da função renal e acompanhar a progressão da doença quando o diagnóstico já está estabelecido. O valor normal da TFG depende da idade (Tab. 35.1.1), do sexo e da superfície corporal. Não há correlação exata entre a perda de massa renal e a perda da função renal. O rim se adapta à perda de massa funcional com hiperfiltração e aumento de reabsorção tubular nos néfrons remanescentes.

CREATININA A creatinina é derivada do metabolismo da creatina no músculo esquelético e da ingestão de carne vermelha. É liberada na circulação em taxa relativamente constante e mantém concentração sérica estável. A produção de creatinina é menor em pessoas com menor massa muscular (desnutridos, hepatopatas) e com ingestão diminuída de carne vermelha (vegetarianos).

Tabela 35.1.1 VALORES NORMAIS DE TFG CONFORME A IDADE Recém-nascido 1-2 semanas 6-12 meses 1-3 anos Adultos

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26 ± 2 mL/min/1,73m2 54 ± 8 mL/min/1,73m2 77 ± 14 mL/min/1,73m2 96 ± 22 mL/min/1,73m2 118 ± 18 mL/min/1,73m2

A creatinina não é o marcador ideal para avaliação da função renal. É livremente filtrada e não sofre reabsorção e metabolismo tubular, entretanto 10-40% da creatinina urinária é derivada de secreção tubular. Logo, o cálculo da TFG baseado tanto na excreção renal de creatinina (clearence medido) quanto na sua concentração sérica (clearence estimado) pode superestimar a filtração glomerular em 10-15%. Em pacientes com TFG mais baixa, esse efeito é ainda mais importante. A creatinina sérica só pode ser usada adequadamente para calcular a TFG em pacientes com função renal estável (Tab. 35.1.2). Nos casos de insuficiência renal aguda grave, a TFG pode estar marcadamente reduzida antes que a creatinina sérica tenha se elevado.

CLEARENCE MEDIDO CLEARENCE DE CREATININA – DCE

MARCADORES RADIATIVOS A TFG pode ser medida mais precisamente com o uso de marcadores radiativos como o EDTA-Cr 51 e o 99TC-DTPA. No entanto, esses exames têm custo elevado, menor disponibilidade e expõem o paciente a material radiativo. Q

99TC-DTPA é excretado na sua maioria por filtração glomerular, mas ocorre uma taxa de eliminação extrarrenal que pode ser significativa. Q 51Cr-EDTA é um marcador glomerular semelhante ao DTPA. Também superestima a filtração glomerular. O clearence plasmático do DTPA excede em 6 mL/min o clearence renal, podendo ser mais pronunciado quanto menor for a TFG.

Tabela 35.1.2 VALORES NORMAIS DE CREATININA CONFORME A IDADE < 2 anos 2-8 anos 9-18 anos

0,4-0,5 mg/dL 0,5-0,7 mg/dL 0,6-0,9 mg/dL

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AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL

É necessário coleta de urina de 24 h e coleta sérica, sendo de difícil realização em crianças pequenas. A qualidade da coleta pode ser avaliada pela creatinúria medida (entre 20-25 mg/kg em homens < 50 anos e 15-20 mg/kg em mulheres < 50 anos) e pelo volume urinário. O resultado deve ser corrigido pela superfície corporal de 1,73 m2.

CLEARENCE ESTIMADO Na prática, o clearence estimado da creatinina é o mais utilizado. Em adultos, as fórmulas mais usadas são Cockcroft-Gault e MDRD. Em crianças e adolescentes, a fórmula de Schwartz é a mais utilizada, com resultado já corrigido pela superfície corporal. Fórmula de Schwartz CrCl (mL/min/1,73 m2) = k × Altura (cm) ÷ Cr sérica k = 0,33 em RNs prematuros k = 0,45 em RNs a termo k = 0,55 em crianças e adolescentes femininas k = 0,7 em adolescentes masculinos

AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL

CISTATINA C A cistatina C é uma proteína de baixo peso molecular, produzida em ritmo constante e eliminada por filtração glomerular e metabolismo tubular. O nível sérico de cistatina C parece ter melhor correlação com a TFG do que a creatinia sérica e vem sendo apontado como alternativa para avaliação da função renal. A elevação da cistatina C sérica é precoce, tornando-a um marcador mais sensível do que a creatinina. Os cálculos da TFG estimada baseados na cistatina C parecem ser mais adequados do que os baseados na creatinina sérica em populações com menor produção de creatinina, como idosos, crianças e cirróticos. A presença de hiper ou hipotireoidismo e o uso de corticoide afetam os níveis séricos de cistatina C, limitando seu uso em pacientes transplantados.

REFERÊNCIAS Avner ED, Harmon WE, Niaudet P. Pediatric nephrology. 5th ed. Lippincott Williams & Wilkins; 2004. Stevens L, Perrone RD. Assessment of kidney function: serum creatinine; BUN; and GFR. In: UpToDate. Waltham; 2008. Toporovski J, de Mello VR, Filho DM, Benini V, Andrade OVB. Nefrologia pediátrica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006.

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35.2

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO

CECÍLIA KORB NOEMIA PERLI GOLDRAICH

Epidemiologia. Em crianças menores de 2 anos, a prevalência global de ITU na vigência de episódio febril é de 7,3% em meninas e 8% em meninos (20,1% em meninos não circuncisados), havendo decréscimo significativo ao longo do primeiro ano no sexo masculino (1,7% versus 7,3% no sexo feminino aos 12 meses). A raça branca também é fator de risco em lactentes (8% versus 4,7% em negros). A prevalência é de 7,8% nas crianças maiores de 2 anos que apresentam sintomas urinários e/ou febre. Etiologia. O agente etiológico mais comum é a Escherichia coli. Outros patógenos: Klebsiella, Proteus, Enterobacter e Enterococcus. Menos frequentemente, pode ocorrer infecção por vírus e fungos. Fatores de risco. Idade (meninos < 1 ano, meninas < 4 anos), sexo feminino, meninos não circuncisados, raça branca, constipação, incontinência e retenção urinária, obstrução e malformação do trato urinário, sondagem vesical e manipulação do trato urinário, refluxo vesicoureteral (RVU). Os fatores que aumentam o risco de cicatriz renal são: atraso no início do tratamento, idade menor que 2 anos no momento da ITU, ITU de repetição, constipação, RVU e malformações obstrutivas do trato urinário. Quadro clínico. Crianças menores de 2 anos apresentam sinais e sintomas inespecíficos, como febre alta, irritabilidade, recusa alimentar, perda de peso, desconforto suprapúbico. A ocorrência de febre nesses pacientes, mesmo com foco infeccioso identificado, indica a necessidade de coleta de urina, pois há concomitância com ITU em cerca de 3% dos casos. Há dois quadros clínicos distintos: Q

Febre e dor abdominal ou, a partir da idade escolar, dor lombar e/ou suprapúbica, muitas vezes acompanhadas por calafrios, indicam a presença de ITU febril, sugerindo a ocorrência de pielonefrite aguda. 675

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO

As infecções do trato urinário (ITU) ocupam o segundo lugar entre as infecções bacterianas mais comuns na infância e, em países que adotam vacinação universal para Haemophilus influenzae tipo B e para pneumococo, são a primeira causa de infecção grave em lactentes e em pré-escolares. Têm potencial de causar sequelas irreversíveis, como cicatrizes renais, hipertensão arterial e insuficiência renal. Casos não diagnosticados de ITU também podem levar a baixo ganho ponderal e até mesmo à baixa estatura, quando recorrentes. Portanto, é importante o diagnóstico correto e precoce, bem como o tratamento adequado e o seguimento clínico.

Q

Sintomas urinários, como disúria, urgência, incontinência urinária diurna e/ou noturna em criança previamente continente, sem febre ou com febre de baixa intensidade (até 37,5oC), sugere a ocorrência de ITU baixa ou cistite. Eventualmente pode ser acompanhada de hematúria, mas esta é pouco frequente.

Diagnóstico. O diagnóstico definitivo é realizado por meio de cultura de urina. A coleta por jato médio deve ser reservada para crianças maiores com adequado controle esfincteriano. Nos menores, utiliza-se punção suprapúbica (PSP) ou sondagem vesical (SV), embora a SV possa resultar em falso-positivo pela contaminação da amostra. O uso de saco coletor estéril deve ser evitado devido às altas taxas de resultados falso-positivos (até 85%). Na ocorrência de febre em pacientes com episódio prévio de ITU, é mandatória a coleta de urina para descartar recorrência. Q

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO

Fita teste: esterase leucocitária é sugestiva de ITU, mas não é determinante. Nitrito positivo é altamente específico, mas sua ausência não descarta ITU. Q Microscopia: identifica bacteriúria, definida conforme o método de coleta – acima de 100.000 UFC/mL por jato médio, acima de 10.000-50.000 UFC/ mL na SV e presença de qualquer patógeno na PSP. Q Cultura: é o padrão-ouro e deve ser realizada mesmo quando a fita-teste e a microscopia são negativas em pacientes com alto grau de suspeição de ITU. Exames de imagem. A investigação morfológica e funcional do trato urinário é realizada por meio de exames de imagem, podendo-se identificar RVU, malformações e obstruções no trato urinário. Atualmente houve uma alteração significativa nos exames indicados para a investigação por imagem do trato urinário de crianças nas quais se faz o diagnóstico de ITU. A conduta mais aceita em centros de referência com mais experiência no manejo de crianças com ITU é realizar, na investigação inicial de crianças com ITU febril, apenas: Q

Ecografia do trato urinário: deve ser realizada por ecografista experiente. É necessário dispensar especial atenção à ocorrência de patologias obstrutivas do trato urinário. Pode ser realizada na fase aguda da doença. Q Cintilografia com DMSA: permite avaliação morfológica dos rins e identifica pielonefrite aguda quando realizada na fase aguda da doença, o que permite programar o seguimento do paciente. Q Uretrocistografia miccional retrógrada (UCM): não é mais indicada para todos os pacientes com ITU, mas apenas a um grupo restrito de pacientes com ITU recorrentes. Sua indicação deve ser individualizada. Não deve ser realizada na vigência de ITU. Tratamento. O antibiótico inicial da ITU febril deve ser empírico, já que a demora no tratamento é um dos fatores associados ao aparecimento de cicatrizes renais. A escolha do antimicrobiano varia conforme o perfil de sensibilidade dos germes mais comuns em cada centro. Atualmente as drogas de primeira escolha incluem 676

REFERÊNCIAS Conway PH, Cnaan A, Zaoutis T, Henry BV, Grundmeier RW, Keren R. Recurrent urinary tract infections in children: risk factors and association with prophylactic antimicrobials. JAMA. 2007;298(2):179-86. Doganis D, Mavrikou M, Delis D, Stamoyannou L, Siafas K, Sinaniotis K. Timing of voiding cystourethrography in infants with first time urinary infection. Pediatr Nephrol. 2009;24(2):319-22. Ferreira JP. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Atrmed; 2005. Goldraich NP, Manfroi A. Escherichia coli: susceptibility to oral antimicrobials. Pediatr Nephrol. 2002;17(3):173-6. Hansson S, Dhamey M, Sigstrom O, Sixt R, Stokland E, Wennerström M, et al. Dimercaptosuccinic acid scintigraphy instead of voiding cystourethrography for infants with urinary tract infection. J Urol. 2004;172(3):1071-3. Hoberman A, Charron M, Hickey RW, Baskin M, Kearney DH, Wald ER. Imaging studies after a first febrile urinary tract infection in young children. N Engl J Med. 2003;348(3):195-202. Lopez FA, Campos Júnior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. Sociedade Brasileira de Pediatria. Marks SD, Gordon I, Tullus K. Imaging in childhood urinary tract infection: time to reduce investigations. Pediatr Nephrol. 2008;23(1):9-17. 677

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO

aminoglicosídeos (gentamicina), nitrofurantoína e ácido nalidíxico. O uso de amoxicilina e ampicilina deve ser evitado devido à alta prevalência de cepas de Escherichia coli resistentes. Já estão surgindo cepas de E. coli resistentes às cefalosporinas; por isso, recomenda-se cautela na prescrição desses antibióticos no tratamento empírico. A duração do tratamento deve ser de 7-10 dias. A via preferencial de administração dos antibióticos é oral, exceto no primeiro mês de vida, idade que ainda não foi alvo de estudos clínicos randomizados. Atualmente o tratamento preferencial da ITU é ambulatorial. Entretanto, eventualmente, exceções podem surgir, dependendo da idade do paciente (menores de 1 mês), do seu estado geral (pacientes sépticos ou em mau estado geral), da presença de comorbidades e da não aceitação de medicação por via oral (quando estiver indicado, iniciar tratamento por via parenteral e, assim que a via oral estiver restabelecida, passar para tratamento oral – terapêutica de substituição). O uso de profilaxia está contraindicado, já que evidências recentes vêm se acumulando na literatura, mostrando que tal prática, anteriormente consagrada, em estudos controlados atuais não evita a recorrência de ITU em alguns casos e, quando ela ocorre, está associada a germes resistentes aos antibióticos que o paciente estava usando. Outro dado importante é que a prevalência de recorrência de ITU, mesmo em crianças com RVU de graus mais intensos, é muito baixa, não justificando a prescrição de profilaxia a todos os pacientes nos quais foi identificada uma ITU febril ou um RVU de qualquer grau.

Nelson textbook of pediatrics: urinary tract infections. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007. Preda I, Jodal U, Sixt R, Stokland E, Hansson S. Normal dimercaptosuccinic acid scintigraphy makes voiding cystourethrography unnecessary after urinary tract infection. J Pediatr. 2007;151(6):581-4. Shaikh N, Morone NE, Bost JE, Farrell MH. Prevalence of urinary tract infection in childhood: a meta-analysis. Pediatr Infect Dis J. 2008;27(4):302-8. Shaw KN, Gorelick M, McGowan KL, Yakscoe NM, Schwartz JS. Prevalence of urinary tract infection in febrile young children in the emergency department. Pediatrics. 1998;102(2):e16. Tseng MH, Lin WJ, Lo WT, Wang SR, Chu ML, Wang CC. Does a normal DMSA obviate the performance of voiding cystourethrography in evaluation of young children after their first urinary tract infection? J Pediatr. 2007;150(1):96-9. Verrier Jones K. Time to review the value of imaging after urinary tract infection in infants. Arch Dis Child. 2005;90(7):663-4. Westwood ME, Whiting PF, Cooper J, et al. Further investigation of confirmed urinary tract infection (UTI) in children under five years: a systematic review. BMC Pediatr. 2005;5(1):2.

HEMATÚRIA

35.3

HEMATÚRIA

HELENA BREIER BONATO CARLA DI GIORGIO RENATO GEORGE EICK

Hematúria é a presença de sangue na urina. Pode ser: Q Q

Microscópica: visível apenas no exame qualitativo de urina (EQU). Macroscópica: visível a olho nu.

Urina de cor avermelhada, rósea ou marrom com “Hb: não reagente” no EQU pode significar: Q

Ingestão de beterraba (antocianina): a urina de cor avermelhada é mais frequente quando há deficiência de ferro, o que é resolvido com a reposição; também pode ser causada por corantes alimentares. Q Uso de medicações: doxorrubicina, cloroquina, desferroxamina, ibuprofeno, nitrofurantoína, fenazopiridina, rifampicina, fenitoína. Q Metabólitos: porfirina (a urina tende a escurecer progressivamente na presença de luz natural) e meta-hemoglobina (pode ocorrer com o uso de fenazopiridina).

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Causas de “Hb reagente” na fita, porém sem hematúria: Q

Mioglobinúria: urina com supernadante (após centrifugação) de cor clara, com “Hb: reagente” no EQU, causada por rabdomiólise. Q Hemoglobinúria: urina com supernadante (após centrifugação) de cor avermelhada, com “Hb: reagente” no EQU e sem hemácias visíveis na microscopia, causada por hemólise. Epidemiologia. Em crianças na idade escolar, a prevalência é de 3-4% quando é feita apenas uma amostra de urina e 1% quando são consideradas 2 ou mais amostras de urina. Entre aquelas com 2 ou mais amostras positivas, somente um terço persiste com hematúria, considerando-se “hematúria persistente” como um teste positivo seis meses após o inicial. A American Academy of Pediatrics recomenda screening com EQU para crianças a partir dos 5 anos de idade.

HEMATÚRIA GLOMERULAR VS. NÃO GLOMERULAR PROTEINÚRIA

PESQUISA DE HEMÁCIAS DISMÓRFICAS Q Q

Dismorfismo > 30% e/ou acantócitos > 5% sugerem origem glomerular. Cilindros hemáticos ≥ 1: define hematúria de origem glomerular (mas são difíceis de encontrar).

Obs.: atenção ao laboratório para onde for encaminhado o exame, pois poucos têm experiência. Resultados como “+” ou “-” não têm significado! Etiologia Hematúria macroscópica. As causas mais comuns são infecção do trato urinário (ITU), irritação do meato uretral ou do períneo e trauma. Causas menos comuns incluem nefrolitíase, anemia falciforme ou traço falcêmico, coagulopatia, tumores (Wilms), cistite hemorrágica (ciclofosfamida). Entre as causas glomerulares, estão glomerulonefrite pós-infecciosa e nefropatia por IgA. Q

Pós-exercício: geralmente pouco investigada na história; é benigna. É mais frequente em atletas de nível competitivo. Sua causa não é conhecida. Especula-se como causa possível o trauma da bexiga no assoalho pélvico. Repetir EQU em “repouso”.

679

HEMATÚRIA

Proteinúria 24 h > 0,5 g/1,73 m2 ou IPC (índice proteinúria/creatinúria) > 0,5 mg/mg sugerem origem glomerular. Proteinúria em amostra deve ser colhida pela manhã para evitar o achado de proteinúria ortostática.

Q

Hemangiomas/hamartomas da bexiga: geralmente associados à síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber e à síndrome de Proteus (extremamente raros). Diagnóstico por cistoscopia. O tratamento é com laser via endoscópica. Q Pós-traumática: geralmente o diagnóstico é óbvio pela história e confirmado por exames de imagem (ecografia/tomografia computadorizada). Q Tumor de Wilms: detectável nos exames de imagem. Q Avaliação diagnóstica: urocultura, ecografia, C3, índices cálcio/creatinina e proteínas/creatinina na urina em amostra, EQU dos parentes em primeiro grau.

HEMATÚRIA

Quando indicar a cistoscopia. É um procedimento invasivo que requer anestesia/ sedação, mas deve ser comparado ao risco de deixar de diagnosticar um tumor de bexiga (raro na infância) não detectado na ecografia. Não há consenso quanto à indicação desse procedimento. Em uma análise de 342 crianças com hematúria macroscópica ao longo de 10 anos, 4 tinham uma neoplasia como causa da hematúria; todos foram diagnosticados por ecografia. Portanto, parece de bom senso reservar o procedimento para os casos em que haja uma forte suspeita de neoplasia como causa subjacente após esgotados os exames de imagem disponíveis, ou quando esses apontarem para uma massa na bexiga, ou em casos de suspeita de deformidades anatômicas da uretra nos casos pós-traumáticos. Hematúria microscópica. Em crianças, é comum e geralmente transitória. Uma causa subjacente é encontrada em < 20% dos casos (adultos: > 90%). Hipercalciúria é a causa mais frequente (22-30%). Critérios diagnósticos: – Calciúria 24 h: > 4 mg/kg/dia (incluir sempre depuração da creatinina endógena (DCE) na coleta para certificar-se de que o volume de urina não foi colhido a mais ou a menos; na dúvida, repetir. A calciúria pode variar de um dia para o outro; a DCE, não). – Cálcio/creatinina em amostra de urina: ideal para crianças que ainda não têm continência urinária ou sem condições de completar uma coleta de 24 h confiável. • Ca/Cr (mg/mg) • 0-24 meses: > 0,5 mg/mg • > 2 anos: > 0,2 mg/mg Q

Glomerulonefrite pós-infecciosa: a hematúria resolve-se de 3-6 meses após o episódio da apresentação inicial. Na fase aguda, vem acompanhada de edema, hipertensão arterial sistêmica e consumo de complemento (C3), que normaliza após 6-8 semanas. Q Nefropatia por IgA: geralmente causa hematúria macroscópica intermitente, precedida em 1-3 dias por infecção respiratória ou gastrenterite ou hematúria microscópica persistente, às vezes acompanhada de proteinúria leve a moderada. Raramente evolui com aumento da proteinúria, perda da função renal e

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hipertensão arterial. Nesse caso, indica-se biópsia renal para confirmação diagnóstica e tratamento. Q Doença da membrana fina (hematúria familiar benigna): condição autossômica dominante; causa hematúria microscópica persistente, quase sempre sem proteinúria associada e sem perda de função renal. Geralmente há outros membros da família com quadro semelhante. O diagnóstico é feito por biópsia renal, na microscopia eletrônica (pouco disponível no nosso meio). Habitualmente não é indicada a biópsia para seu diagnóstico, exceto quando há suspeita de outra patologia em que haja risco de progressão da doença. Q Síndrome do quebra-nozes (nutcracker syndrome): compressão da veia renal esquerda entre a aorta e a artéria mesentérica superior. Geralmente assintomática mas pode causar dor no flanco esquerdo. O diagnóstico é feito por Eco Doppler, pelas medidas do diâmetro da veia renal e pela sua velocidade de pico. Pode ser causa de hematúria macroscópica ou microscópica. Também pode causar proteinúria ortostática. Q Síndrome de Alport (nefrite hereditária): doença recessiva ligada ao cromossomo X. É vista em homens e acompanhada por perda auditiva (neurossensorial), anormalidades oculares (lenticone anterior) e perda progressiva da função renal. As mulheres (heterozigotas) podem apresentar hematúria, mas não têm perda de função renal. A avaliação diagnóstica e o acompanhamento dependem da apresentação clínica, geralmente uma das que seguem: Hematúria microscópica isolada assintomática Hematúria microscópica isolada sintomática Hematúria microscópica assintomática com proteinúria

HEMATÚRIA

Q Q Q

Hematúria microscópica isolada assintomática. Durante 6-12 meses, deve-se: Q Q

Medir a pressão arterial; Realizar EQU com urocultura e medidas dos índices em amostra para detecção de hipercalciúria e proteinúria a cada 2-3 meses (tratar se urocultura: +); Q Testar parentes de primeiro grau para a presença de hematúria. Se persistir por > 12 meses: Q Q Q

Eletroforese da hemoglobina (traço falcêmico); Doppler da veia renal esquerda (Nutcracker); Encaminhamento para nefrologista.

Hematúria microscópica isolada sintomática. Nesses casos, o sintoma direciona os exames subsequentes: Q Q

Dor, disúria e febre: pielonefrite aguda. Dor, sem disúria, sem febre: cálculo renal, nutcracker syndrome.

681

Q

História de infecção respiratória ou impetigo recente, 2-3 semanas, edema, hipertensão arterial: glomerulonefrite pós-infecciosa.

HEMATÚRIA

Hematúria microscópica assintomática com proteinúria. A combinação de hematúria e proteinúria é bem menos comum, mas carrega um risco significativo de doença renal intrínseca. Pode estar relacionada à nefropatia por IgA ou à outra glomerulopatia. Se a proteinúria/creatinúria em amostra (primeira urina da manhã) for < 0,2 mg/mg (crianças > 2 anos) ou < 0,5 mg/mg (crianças < 2 anos), o paciente pode ser acompanhado a cada 2-3 meses até o desaparecimento das alterações laboratoriais. Quando os níveis de proteinúria são maiores que esses ou ocorrer aumento progressivo ou elevação da creatinina sérica na apresentação ou em exames subsequentes, o paciente deve ser encaminhado para o nefrologista para discutir a indicação de biópsia renal. Biópsia renal. Normalmente não é indicada para hematúria microscópica isolada, exceto em casos em que haja parentes de primeiro grau com perda precoce da função renal. É reservada para aqueles pacientes com aumento de creatinina (na apresentação ou ao longo do acompanhamento), proteinúria significativa ou aumento progressivo, hipertensão arterial de início recente não explicada por outra causa ou aumento recente junto às demais alterações laboratoriais. Em crianças com hematúria microscópica isolada, a biópsia renal tem demonstrado: Q Q Q

Biópsia renal normal: 47% Doença da membrana fina: 34% Nefropatia por IgA: 16% (nos casos de nefropatia por IgA em que não há perda de função renal, proteinúria ou hipertensão arterial, o tratamento não é indicado, portanto a falta da biópsia renal, nesses casos, não teria alterado a conduta de qualquer forma)

Em crianças com hematúria microscópica + proteinúria, a biópsia renal tem demonstrado: Q Q Q

Biópsia renal normal: 25% Doença da membrana fina: 18% Nefropatia por IgA: 46%

Resumo dos exames utilizados para diagnosticar a etiologia de pacientes com hematúria e que devem ser usados criteriosamente de acordo com a apresentação e a evolução clínica do paciente: Q Q

Ecografia Tomografia computadorizada

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EQU/urocultura Pesquisa de hemácias dismórficas (urina) Índice proteinúria/creatinúria em amostra Índice cálcio/creatinúria em amostra Depuração da creatinina endógena (DCE) Proteinúria 24h Calciúria 24h Creatinina sérica Albumina Hemograma Plaquetas Protrombina Antiestreptolisina (ASLO) Colesterol total e frações, triglicerídeos Velocidade de sedimentação glomerular (VSG) Complemento (C3, C4) Autoanticorpos (p. ex., fator antinuclear) Eletroforese da hemoglobina EQU dos parentes em primeiro grau Doppler da veia renal Cistoscopia Biópsia renal

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HEMATÚRIA

Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q

Tiebosch AT, Frederik PM, van Breda Vriesman PJ, Mooy JM, van Rie H, van de Wiel TW, et al. Thin-basement-membrane nephropathy in adults with persistent hematuria. N Engl J Med. 1989;320(1):14-8.

35.4

SÍNDROME NEFRÓTICA

SÍNDROME NEFRÓTICA

CECÍLIA KORB NOEMIA PERLI GOLDRAICH

A síndrome nefrótica (SN) é caracterizada por edema de intensidade variável, proteinúria maciça (≥ 40 mg/m2/h em crianças), hipoalbuminemia (< 2,5 g/L) e hiperlipidemia. Apresenta uma evolução prolongada com um elevado índice de recorrências que podem ou não estar associadas a infecções intercorrentes e fenômenos alérgicos. Essas recorrências podem se estender até a idade adulta em até 42% dos pacientes acompanhados a longo prazo. O fator desencadeante comum é o aumento na permeabilidade da membrana glomerular, que leva ao aparecimento da proteinúria. O mecanismo exato que causa essa anormalidade não é conhecido. Em pediatria, a SN ocorre muito mais frequentemente associada a condições que comprometem apenas o rim (forma primária ou idiopática) e muito mais raramente naquelas em que é envolvido durante doenças sistêmicas (forma secundária). Na SN primária (85%), os tipos histológicos mais frequentes são as lesões mínimas, seguidas pela glomerulosclerose focal e segmentar. Epidemiologia. Estima-se que 1 em cada 6.000 crianças apresente SN na forma idiopática. A maioria dos casos (80%) ocorre nas idades entre 2 e 6 anos (a mediana é 2,5 anos para as lesões mínimas e 6 anos para a glomerulosclerose). Nessa faixa etária, ocorre mais em meninos (relação 3:2), tendendo à igualdade entre os sexos na adolescência. Embora a incidência de SN tenha permanecido estável nas três últimas décadas, a partir da década de 1990 houve um aumento no número de casos de glomerulosclerose segmentar e focal em todos os grupos étnicos. O tipo étnico pode influenciar no tipo histológico e na resposta ao tratamento: hispênicos e negros costumam ser mais corticorresistentes que os brancos e asiáticos. Etiologia. A SN idiopática associa-se a lesões mínimas (85% dos casos), glomeruloesclerose segmentar e focal (10%) ou proliferação mesangial (5%). Essas mesmas formas histológicas podem ser encontradas na SN secundária, na qual as biópsias renais também podem mostrar glomerulonefrite proliferativa, nefropatia membranosa, glomeruloesclerose mesangial ou glomerulonefrite membranoproligerativa. Na SN secundária, identifica-se um fator causal associado, que poderão ser infecções (sífilis, malária, toxoplasmose, HIV, mononucleo684

se, hepatite B e C, CMV, Streptococcus β-hemolítico do grupo A, endocardite infecciosa), doenças sistêmicas (lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, púrpura de Henoch-Schönlein, granulomatose de Wegener, amiloidose, anemia falciforme), neoplasias (linfomas, leucemias, tumor de Wilms), fármacos (captopril, anti-inflamatórios) e outros (picada de abelha). Q

Quadro clínico. A principal manifestação clínica é o edema, que inicialmente pode ser periorbitário e de membros inferiores, podendo progredir para anasarca com ascite e derrame pleural. Entretanto, o edema não é essencial para o diagnóstico de SN. Podem ocorrer dor abdominal por ascite ou peritonite, disfunção respiratória por restrição devido a derrame pleural ou ascite importante, diarreia, anorexia, irritabilidade, cefaleia e fadiga. Associação com atopia é frequente (34-60%). Hipertensão e hematúria são incomuns. A SN também cursa com hipercoagulabilidade (aumento da síntese hepática de fatores de coagulação e perda renal de antibrombina III), podendo resultar em fenômenos tromboembólicos. O paciente com SN é muito vulnerável a infecções, especialmente celulites e peritonites, comumente causadas por Streptococcus pneumoniae e bacilos Gramnegativos. Apesar de bem menos frequentes, a avaliação inicial deverá afastar a presença de causas secundárias de SN, como doenças sistêmicas, infecções, neoplasias e uso de fármacos. Diagnóstico laboratorial. Os critérios para o diagnóstico de SN incluem a presença concomitante de: proteinúria maciça: 40 mg/m2/hora ou relação proteína/creatinina em amostra isolada de urina > 20 Q hipoalbuminemia: < 2,5 g/dL Q hiperlipidemia: hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia Q

A creatinina e o complemento (C3 e C4) geralmente encontram-se normais para a faixa etária. Complicações. As complicações associadas a SN em pacientes pediátricos podem ser classificadas em três grandes subgrupos: 685

SÍNDROME NEFRÓTICA

SN primária: ocorre na ausência de doença sistêmica. Esse grupo inclui basicamente a forma idiopática, responsável por cerca de 80-90% dos casos de SN na infância. Geralmente acomete menores de 6 anos. Q SN secundária: quando associada à doença sistêmica ou glomerular, corresponde a cerca de 10-20% dos casos. Q SN congênita ou infantil: ocorre em crianças menores de 1 ano de idade, podendo ser primária ou secundária, e geralmente associada a mutações genéticas.

Q

Complicações agudas relacionadas ao estado nefrótico: aumento do risco de infecções bacterianas (especialmente celulite, peritonite espontânea, sepse) e fenômenos tromboembólicos. A peritonite espontânea (Streptococcus pneumoniae, Streptococcus hemoliticus, Streptococcus α-hemoliticus e, muito raramente, Gram-negativos) ocorre em 2-6% dos pacientes e se associa com uma mortalidade de 1,5%. Em relato recente, enfatiza-se que a maioria dos casos de peritonite espontânea em crianças com SN pode ser a forma de apresentação inicial. O diagnóstico diferencial com quadro de abdome agudo cirúrgico deve ser feito. É importante que se conheça que os germes mais frequentes são Gram-positivos. O tratamento empírico dessa condição com antibióticos de amplo espectro tem risco de aumentar a resistência bacteriana e de predispor a infecções por fungos. As complicações tromboembólicas, principalmente trombose venosa, ocorrem em 1,8-5% dos pacientes pediátricos e podem ser graves. Além do estado nefrótico, contribuem para sua ocorrência o uso de diuréticos, corticoterapia, imobilização e a presença de cateteres venosos. Q Sequelas tardias da SN e do seu tratamento: efeitos sobre ossos, crescimento, adiposidade e sistema cardiovascular. Q Impacto emocional e social sobre a criança e a família. Tratamento. O tratamento da SN baseia-se em medidas gerais e específicas. Os objetivos do tratamento incluem:

SÍNDROME NEFRÓTICA

Q

Induzir a remissão da proteinúria o mais rápido possível, uma vez que o estado nefrótico se associa com um índice elevado de complicações graves e até mesmo fatais, tais como infecções e acidentes tromboembólicos. Q Prevenir ao máximo a ocorrência de recorrências. Q Ser o menos tóxico possível e com o menor índice de efeitos colaterais, porque a SN iniciada na infância costuma ter um curso muito prolongado, o que potencializa os efeitos adversos do tratamento. Medidas gerais Dieta hipossódica com restrição hídrica concomitante. Dieta hipocalórica para prevenção da obesidade associada a corticoterapia. Deve ser prescrita desde o início, porque é exatamente nesse período que são administradas doses altas desse fármaco. Como há restrição de sal, os pacientes tendem a ingerir alimentos com excesso de açúcar. Q Evitar repouso e restrição ao leito (risco de tromboembolismo). Q Diurético: reservado para os casos de edema importante, sua prescrição deve ser feita com extrema cautela, porque pode levar a hipovolemia e precipitar uma insuficiência renal aguda. Deve-se lembrar que o edema está no espaço intersticial, e não intravascular, portanto NÃO USAR diurético em pacientes com sinais de depleção de volume intravascular. Além disso, quando os pacientes são corticossensíveis, há aumento significativo da diurese por efeito da corticoterapia em 48 a 72 horas, sem necessidade do uso de diuréticos. Furosemida 1-2 mg/kg/dia; eventualmente pode-se associar espironolactona 2-5 mg/kg/dia ou hidroclorotiazida 2-5 mg/kg/dia para potencializar o efeito. Q Q

686

Q

Albumina: reservada para os casos muito raros em que há sinais de hipovolemia e edema refratário. Utilizar albumina 20% na dose de 0,5-1,0 g/kg IV seguida de furosemide. Q Anticoagulante: não há estudo controlado que indique o uso profilático de anticoagulante na SN. Q Antibiótico: deve ser iniciado sempre que há suspeita de infecção, conforme o foco e o germe mais comum. Q Vacinas para pneumococo e varicela: poderão ser prescritas assim que o paciente estiver sem uso de corticoide ou com dose mínima a cada 48h. Importante: deve-se evitar ao máximo a hospitalização de crianças com SN. Preferencialmente, elas devem ser tratadas em ambulatório e estimuladas a frequentar normalmente as aulas e outras atividades.

Q

Corticoterapia no tratamento inicial: o tratamento específico da SN baseia-se na corticoterapia, que induz remissão da proteinúria em cerca de 90% dos casos. O tratamento inicial com corticoides está indicado para todas as crianças com SN sem sinais atípicos. A resposta ao tratamento com corticoides é o melhor indicador prognóstico a longo prazo da função renal, superando até mesmo a histologia renal. Utiliza-se prednisona em dose inicial de 60 mg/m2/dia, sendo a dose máxima de 80 mg/dia, por 4-6 semanas. Confirmada a remissão após esse período, a dose passa a ser administrada em dias alternados com redução

Quadro 35.1.1 CLASSIFICAÇÃO DA SÍNDROME NEFRÓTICA DE ACORDO COM A RESPOSTA AO TRATAMENTO COM CORTICOIDES Corticossensível: remissão induzida exclusivamente por tratamento com corticoides Corticodependente: 2 recidivas consecutivas durante tratamento com corticoide ou até 14 dias após sua suspensão. Corticorresistente: ausência de remissão após 4 semanas de tratamento com 60 mg/m2/dia de prednisona. Pode ser divida em: – Precoce: resistência aos corticoides no episódio inicial. – Tardia: resistência aos corticoides que se desenvolve em paciente que era previamente corticossensível.

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SÍNDROME NEFRÓTICA

Medidas específicas. Inicialmente é baseado no uso de corticoides, reservando-se o uso drogas imunossupressoras (ciclosporina, micofenolato) para casos reservados.

SÍNDROME NEFRÓTICA

gradativa mensal, sempre testando a resposta da proteinúria, até completar o tratamento. A duração do tratamento deve ser de pelo menos 3 meses, preferencialmente até 7 meses, sendo 4 semanas de dose diária, seguidas por até 6 meses em dias alternados. O risco de recidiva após tratamento por 8 semanas foi de 68 %, com uma estimativa de redução adicional de 7,5 % para cada mês de tratamento além das 8 semanas até 7 meses. Na revisão de 2007 da Cochrane, que incluiu 1.726 crianças de 24 séries, observou-se que o uso prolongado de doses reduzidas de corticoide por vários meses após o episódio inicial tem a capacidade de reduzir os riscos de recorrência do SN sem efeitos colaterais significativos. Assim, o risco de recorrência diminui de 60% com tratamento por 60 dias para 33% com corticoterapia com dose diária por 4 semanas, seguida por dose a cada 48h, por 6 meses. Q Tratamento das recidivas: cerca da metade dos pacientes cursam com recidiva da doença durante o tratamento, geralmente associada à redução da dose de prednisona. Caso ocorra, deve-se retornar à dose prévia de prednisona e administrá-la diariamente até que haja remissão por 3 dias consecutivos, retomando novamente a sequência de redução da corticoterapia em dias alternados. Os pacientes que não apresentam remissão após 4 semanas de corticoterapia devem ser encaminhados para avaliação com nefrologista pediátrico, que orientará sobre as etapas seguintes. Eles podem ser corticodependentes ou corticorresistentes, e o tratamento deverá ser baseado em pulsoterapia com metilprednisolona, agentes alquilantes (ciclofosfamida e clorambucil) ou imunossupressores (ciclosporina, micofenolato, tacrolimus, azatioprina), necessitando acompanhamento específico com nefrologista. Biópsia renal. Atualmente preconizam-se as seguintes indicações: Antes do tratamento: – Recomendadas: • Idade de início em menores de 6 meses • Hematúria macroscópica • Hematúria microscópica associada a hipertensão arterial persistente • Complemento plasmático (C3) baixo • Insuficiência renal não causada por hipovolemia – Questionáveis: • Idade de início entre 6 e 12 meses • Hipertensão arterial persistente • Idade de início > 12 anos Q Após o tratamento: – Recomendada: • Corticorresistência – Questionável: • Recorrências frequentes: não é necessária antes do uso de ciclofosfamida, mas pode ser indicada antes do uso de imunossupressores como a ciclosporina. Q

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REFERÊNCIAS Fakhouri F, Bocquet N, Taupin P, Presne C, Gagnadoux MF, Landais P, et al. Steroid-sensitive nephrotic syndrome: from childhood to adulthood. Am J Kidney Dis. 2003;41(3):550-7. Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento: síndrome nefrótica. Porto Alegre: Artmed; 2005. Hodson EM, Willis NS, Craig JC. Corticosteroid therapy for nephritic syndrome in children. Cochrane Database of Syst Rev. 2007(4):CD001533. Kerlin BA, Blatt NB, Fuh B, Zhao S, Lehman A, Blanchong C, et al. Epidemiology and risk factors for thromboembolic complications of childhood nephrotic syndrome: a Midwest Pediatric Nephrology Consortium (MWPNC) study. J Pediatr. 2009;155(1):105-10. Lopez FA, Campos Júnior D, editores. Tratado de pediatria: glomerulopatias e síndrome nefrótica idiopática na infância. Barueri: Manole; 2007. Sociedade Brasileira de Pediatria. Nelson textbook of pediatrics: nephrotic syndrome. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007. Tabel Y, Mungan I, Karakurt C, Kocak G, Gungor S. Is edema in minimal change disease of childhood really hypovolemic? Int Urol Nephrol. 2008;40(3):757-61.

35.5

SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA

Uncu N, Bülbül M, Yýldýz N, Noyan A, Koþan C, Kavukçu S, et al. Primary peritonitis in children with nephrotic syndrome: results of a 5-year multicenter study. Eur J Pediatr. 2009. [Epub ahead of print].

SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA

FELIPE CEZAR CABRAL CECÍLIA KORB

A síndrome hemolítico-urêmica (SHU) é a causa glomerular vascular mais comum de insuficiência renal aguda na criança. É uma doença da lactância e do início da segunda infância que se assemelha muito à púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) pelo tipo de lesão arteriolar renal e achados laboratoriais. Em muitos casos, a doença é precedida por uma infeção gastrentérica, o que sugere causa infecciosa ou mediada por imunocomplexos. A taxa de mortalidade em crianças varia em torno de 5-20%, o que torna importante um diagnóstico precoce e correto pelo pediatra. Definição. A SHU é uma coagulopatia de consumo que se caracteriza pela ocorrência simultânea de anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia e lesão renal aguda. Pode ser dividida em dois grupos:

689

Q

SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA

SHU associada à toxina semelhante à Shiga (SHU Stx): é a forma mais comum em crianças, ocorrendo em cerca de 90% dos casos. Usualmente ocorre após quadro de diarreia sanguinolenta causada por Escherichia coli (principalmente E. coli 0157:H7), e acredita-se que a produção de toxinas semelhantes à Shiga lesa as células endoteliais da vasculatura renal. Podem também ocorrer, menos comumente, casos de SHU Stx associados à infecção do trato urinário por E. Coli e disenteria por Shigella sorotipo 1. Q SHU não associada à toxina semelhante à Shiga (SHU NStx): é um grupo heterogêneo de doenças que se distinguem clinicamente por não apresentarem diarreia ou produção de toxinas semelhantes à Shiga. É responsável por apenas 10% dos casos e pode estar associada à infecção por Streptococcus pneumoniae, vírus Coxsackie, HIV, Epstein-Barr, influenza, entre outros. Tem início insidioso, sem pródromos gastrentéricos, e apresenta pior prognóstico em comparação à SHU Stx, com a maior parte dos pacientes evoluindo para sequela renal permanente. Epidemiologia. É uma doença que afeta principalmente crianças menores de 5 anos de idade, sendo sua incidência aproximada de 2-3:100.000 crianças nessa faixa etária. Apesar de poder ser encontrada em outros animais, o boi é o vetor preferencial de E. coli 0157:H7, e sua transmissão se dá pelo consumo de carne não cozida, leite não pasteurizado, água, frutas e vegetais mal lavados. A transmissão secundária homem para homem também é possível. É uma doença sazonal, ocorrendo preferencialmente nos meses de verão, além de atingir principalmente a população rural. Somente 6-9% dos pacientes com infecção por E. coli enterohemorrágica evoluem para SHU. Achados clínicos e laboratoriais. A forma mais comum de SHU apresenta, aproximadamente três dias após a ingestão do patógeno, pródromo de dor abdominal, diarreia, febre e vômito. Após três dias, a diarreia se torna sanguinolenta (raramente no primeiro dia) e, somente entre o quinto e o décimo dias de doença o paciente apresenta palidez, irritabilidade, fraqueza, letargia e oligúria, exames laboratoriais com anemia hemolítica com eritrócitos fragmentados, trombocitopenia e aumento de creatinina sérica. Hipertensão e crise convulsiva são complicações mais tardias e ocorrem especialmente em pacientes com insuficiência renal severa e sobrecarga hídrica. Q

Anemia hemolítica microangiopática: geralmente com hemoglobina abaixo de 8 g/dL e alta contagem de reticulócitos pela hemólise. Há eritrócitos fragmentados, com presença de células em capacete, esferócitos e esquizócitos, e ainda teste de Coombs negativo, hiperbilirrubinemia indireta e LDH aumentada. Não existe relação comprovada entre a severidade da anemia e a severidade da doença renal. Q Trombocitopenia: ocorre em mais de 90% dos pacientes, geralmente com plaquetas abaixo de 40.000/mm3, mas sangramento ativo e púrpura são raros, já que não ocorrem outros distúrbios de coagulação na maioria dos casos, exceto pela elevação dos produtos de degradação do fibrinogênio e fibrina. 690

A severidade da plaquetopenia também não está relacionada à severidade da doença renal. Q Lesão renal aguda: hematúria e proteinúria ocorrem com frequência, podendo evoluir com oligoanúria e insuficiência renal severa. Hipertensão é uma complicação tardia e ocorre após sobrecarga hídrica. Apesar de grande parte dos pacientes necessitarem de diálise durante a fase aguda da doença, o prognóstico renal é geralmente favorável.

Tratamento. Não existe terapia eficaz para evitar a progressão para síndrome hemolítico-urêmica. Em crianças com diagnóstico confirmado de infecção por E. coli 0157:H7, o uso de antibióticos e drogas antimotilidade está contraindicado pelo risco aumentado de desenvolver SHU (grau de evidência 1C). O manejo inicial de fluidos tem como objetivo a estabilidade hemodinâmica e o retorno ao estado euvolêmico. Após essa fase, deve-se repor somente as perdas insensíveis e o débito urinário até a resolução da insuficiência renal. O tratamento de suporte com correção de distúrbios hidreletrolíticos, controle de hipertensão, nutrição agressiva e diálise precoce reduziu a mortalidade dessa doença para menos de 10% nos últimos anos. O tratamento da anemia varia em cada instituição; objetivar uma hemoglobina acima de 7 g/dL, contudo, parece reduzir complicações como sobrecarga hídrica e disfunção cardíaca e melhorar o prognóstico. A hipertensão deve ser manejada com restrição hídrica, drogas anti-hipertensivas, como bloqueador de canal de cálcio (grau de evidência 2C) e diálise, se refratária. A transfusão de plaquetas somente é necessária em caso de sangramento ativo ou necessidade de procedimento invasivo (grau de evidência 2C). A plasmaférese ou a administração de plasma fresco podem ser consideradas em pacientes com SHU sem pródromos diarreicos ou com comprometimento severo do sistema nervoso central. A diálise está indicada em pacientes com sinais e sintomas de uremia, azotemia, sobrecarga hídrica, hipercalemia e hiperfosfatemia severas sem resposta à terapia medicamentosa, além de oligoanúria e necessidade de suporte nutricional agressivo.

REFERÊNCIAS Ake JA, Jelacic S, Ciol MA, Watkins SL, Murray KF, Christie DL, et al. Relative nephroprotection during Escherichia coli O157:H7 infections: association with intravenous volume expansion. Pediatrics. 2005;115(6):e673-80. Caletti MG, Lejarraga H, Kelmansky D, Missoni M. Two different therapeutic regimes in patients with sequelae of hemolytic-uremic syndrome. Pediatr Nephrol. 2004;19(10):1148-52. 691

SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA

Complicações. Geralmente decorrem da insuficiência renal, havendo acidose, hipercalemia, sobrecarga hídrica e uremia. Pode ocorrer crise convulsiva secundária a distúrbios hidreletrolíticos, hipertensão ou doença vascular. Colite, perfuração intestinal e hepatite constituem manifestações gastrintestinais. Sangramentos graves com necessidade de transfusões frequentes e infecções associadas também podem ocorrer.

Current pediatric diagnosis & treatment: kidney & urinary tract. 18th ed. New York: The McGraw-Hill; 2003. Garg AX, Suri RS, Barrowman N, Rehman F. Long-term renal prognosis of diarrhea-associated hemolytic uremic syndrome: a systematic review, meta-analysis, and meta-regression. JAMA. 2003;290(10):1360-70. Harrison’s Principles of Internal Medicine. Anemias hemolíticas e hemorragias agudas. 15th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. Nelson Textbook of Pediatrics. Síndrome hemolítico-urêmica. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007. Noris M, Remuzzi G. Hemolytic uremic syndrome. J Am Soc Nephrol. 2005;16(4):1035-50. Slavicek J, Puretic Z, Novak M, Sarnavka V. The role of plasma exchange in the treatment of severe forms of hemolytic-uremic syndrome in childhood. Artif Organs. 1995;19(6):506-10. Tarr PI, Gordon CA, Chandler WL. Shiga-toxin-producing Escherichia coli and haemolytic uraemic syndrome. Lancet. 2005;365(9464):1073-86.

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

Trachtman H. Does parenteral volume expansion improve outcomes in children infected with Escherichia coli O157:H7?. Nat Clin Pract Nephrol. 2005;1(1):14-5.

35.6

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

CAMILA DOS SANTOS EL HALAL CARLA DI GIORGIO MICHEL GEORGES DOS SANTOS EL HALAL

Definição. A insuficiência renal aguda (IRA) é definida como o declínio súbito da função renal, resultando na perda do equilíbrio hidreletrolítico e ácido-básico. A oligúria, definida como débito urinário menor do que 0,5-1 mL/kg/h em crianças, está presente em 30-70% dos indivíduos que se apresentam com quadro de IRA. Na tentativa de unificar a definição da IRA, um grupo composto por nefrologistas e intensivistas (Acute Dialysis Initiative) propôs uma definição de consenso chamada RIFLE.(1) Os critérios são baseados na creatinina sérica e no débito urinário. Recentemente, várias publicações validaram o critério de RIFLE pediátrico (Tab. 35.6.1). A incidência precisa da IRA na pediatria não é sabida, mas parece estar crescendo, principalmente em pacientes hospitalizados em centros terciários, com o aumento do número de transplantes de órgãos e cirurgias complexas. Etiologia. As causas de IRA podem ser divididas da seguinte forma (Quadro 35.6.1).

692

Tabela 35.6.1 RIFLE PEDIÁTRICO Depuração estimada de creatinina (DEC)

Débito urinário

Risco

Diminuição da DEC em 25%

< 0,5 mL/kg/h por 8 horas

Lesão

Diminuição da DEC em 50%

< 0,5 mL/kg/h por 16 horas

Insuficiência

Diminuição da DEC em 75%

< 0,3 mL/kg/h por 24 horas ou anúria por 12 horas

Perda

Insuficiência por mais de 4 semanas

Terminal

Insuficiência por mais de 3 meses

Pré-renal: resulta da depleção de volume. – Absoluta: sangramento, perdas gastrintestinais, urinárias (uso de diuréticos, diabete insípido) ou cutâneas (queimaduras). – Relativa: diminuição do volume circulante por insuficiência cardíaca congestiva (ICC), choque ou cirrose. Q Renal intrínseca: – Vascular: trombose de artéria ou veia renal, síndrome hemolítico-urêmica (SHU), vasculites e hipertensão maligna. – Glomerular: glomerulonefrites agudas. A glomerulonefrite pós-infecciosa é uma causa comum de IRA em crianças. – Doenças tubulares e intersticiais: necrose tubular aguda (NTA) – isquemia por diminuição da perfusão renal ou lesão tubular por nefrotoxinas. Todas as causas de azotemia pré-renal podem evoluir para necrose tubular aguda se não revertidas. A administração de drogas nefrotóxicas, como aminoglicosídeos, anfotericina B e contrastes, são causas comuns de lesões tubulares. Q Pós-renal: causada por obstrução renal bilateral ou unilateral em rim único. Em neonatos, a causa pós-renal mais comum é a válvula de uretra posterior. Apresentação clínica e laboratorial. Uma história clínica detalhada e o exame físico podem frequentemente auxiliar na identificação da causa da IRA. Q

História de vômitos e diarreia, hemorragia ou sepse com hipovolemia sugerem IRA pré-renal ou NTA.

693

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

Q

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

Quadro 35.6.1 CLASSIFICAÇÃO E CAUSAS DE INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA (IRA) IRA pré-renal

Desidratação Queimaduras Hemorragia Gastrenterite Sepse Diabete insípido Obstrução intestinal Choque cardiogênico Tamponamento cardíaco Hipoalbuminemia Síndrome nefrótica Insuficiência hepática

IRA renal intrínseca

Necrose tubular aguda Glomerulonefrite Púrpura de Henoch-Schönlein Síndrome hemolítico-urêmica AINEs Antimicrobianos nefrotóxicos Rabdomiólise Trombose de veia renal Síndrome de lise tumoral Displasia renal congênita

IRA pós-renal

Válvula de uretra posterior Obstrução ureteral bilateral Tumor Bexiga neurogênica Trauma

AINEs, anti-inflamatórios não esteroidais.

Q

Diarreia com sangue, oligoanúria e anemia e plaquetopenia estão presentes na síndrome hemolítico-urêmica. Q História de faringite ou impetigo semanas antes da IRA com hematúria sugere GNDA. Q Oligúria ou anúria em recém-nascido sugerem malformações do trato urinário ou doenças autossômicas recessivas. Q Em pacientes hospitalizados, NTA resultante de hipotensão (sepse ou eventos transoperatórios) ou de administração de medicações nefrotóxicas é a causa mais comum de IRA. 694

Q

Púrpuras, petéquias e comprometimento articular sugerem vasculites sistêmicas, como lúpus.

Q Q Q Q

Q

Q

Exame qualitativo de urina (EQU) sem proteinúria ou hematúria ocorre na IRA pré-renal, nas doenças obstrutivas e, algumas vezes, na NTA. Cilindros granulosos e cilindros de células epiteliais são fortemente sugestivos de NTA. A presença de hematúria, cilindros hemáticos e proteinúria está comumente associada à IRA secundária a glomerulonefrites. A proteinúria pode ser quantificada em amostra urinária pelo índice de proteinúria/creatinúria. Valores < 0,5 são normais em crianças de até 2 anos de idade, e < 0,2, em crianças maiores. Índice > 3 é considerado proteinúria nefrótica. A fração de excreção de Na menor que 1% é relacionada à IRA pré-renal. O uso de diurético de alça aumenta a excreção de Na, comprometendo a interpretação desse resultado. Em recém-nascidos, devido à limitada capacidade de concentração urinária, podem ser observados valores elevados de fração de excreção de Na mesmo em casos de IRA pré-renal. Uma fração de excreção de Na baixa não é exclusiva de IRA pré-renal e ocorre em doenças com função tubular preservada e diminuição da filtração glomerular, como glomerulonefrites agudas, vasculites e obstruções agudas do trato urinário. Osmolalidade urinária > 500 mOsm/L sugere IRA pré-renal.

A coleta de outros exames laboratoriais, como hemograma e eletrólitos, é útil para o diagnóstico e o manejo inicial da IRA. Q

Hemograma: anemia microangiopática e plaquetopenia estão presentes na SHU. Hemólise severa pode levar à NTA por hemoglobinúria. Eosinofilia e eosinofilúria podem ser vistas na nefrite intersticial. Q Níveis séricos marcados de ácido úrico (frequentes na lise tumoral) podem levar à IRA. 695

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

Além da história clínica, a avaliação inicial inclui uma estimativa da taxa de filtração glomerular pela dosagem da creatinina sérica, análise da urina e ecografia renal. Mesmo que os valores absolutos estejam dentro dos limites normais, um aumento sequencial da concentração sérica de creatinina sugere uma diminuição da taxa de filtração glomerular. A creatinina sérica só aumenta quando a taxa de filtração glomerular já caiu para aproximadamente 70 mL/min/1,73 m2. Por isso, recentemente, marcadores mais precoces de perda da função renal têm sido estudados, tais como a cistatina C, a interleucina 18, o neutrophil gelatinase-associates lipocalin (NGAL) e a Kidney Injury Molecule (KIM-1). Um aumento desproporcional da ureia em relação à creatinina é visto na IRA pré-renal, por reabsorção passiva da ureia em túbulos proximais. A análise da urina pode fornecer informações importantes, como:

Q

Hipercalemia, hiperfosfatemia, hipocalcemia e acidose metabólica geralmente estão presentes.

Todo o paciente com IRA sem etiologia definida deve fazer uma ecografia renal, que pode identificar a presença de rim único, medir o tamanho do rim (rins pequenos sugerem doença crônica agudizada) e avaliar o parênquima renal. Pode ainda identificar causas obstrutivas e oclusão de artéria ou veia renais. A biópsia renal pode ser obtida quando métodos não invasivos não esclareceram o diagnóstico. Tratamento. O tratamento da insuficiência renal aguda é basicamente de suporte e consiste em:

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

Q Q Q Q Q Q Q

Tratar a causa da IRA quando identificada Corrigir anormalidades eletrolíticas Evitar e manejar a sobrecarga de volume Prevenir novas lesões renais Prover nutrição adequada Ajustar as drogas conforme a função renal Iniciar a terapia de substituição renal (TSR) quando indicado

O paciente deve ser mantido euvolêmico. A hipovolemia agrava a perda de função renal, e a hipervolemia está diretamente associada a uma maior mortalidade. A hipotensão e os sinais de má perfusão, se presentes, devem ser manejados com expansões volumétricas com soluções cristaloides e drogas vasoativas, a fim de manter uma pressão de perfusão renal adequada. O controle hídrico rígido com início precoce de diuréticos e TSR para prevenir aumento > 10% de sobrecarga hídrica pode levar a uma menor mortalidade em pacientes com IRA póstransplante de medula óssea. O uso do diurético pode ser útil no manejo da congestão circulatória, porém não deve ser mantido na ausência de resposta clínica. Em IRA pré-renal, o uso de furosemida está contraindicado. A hipercalemia é tratada com a retirada da oferta de potássio e com o uso de gluconato de cálcio para proteção miocárdica, de drogas que promovem o fluxo de potássio para dentro das células (glicoinsulina, salbutamol inalatório ou endovenoso, bicarbonato de sódio) e de drogas que espoliam potássio (furosemida e poliestirenossulfonato de cálcio). A hipocalcemia deve ser tratada com cuidado, especialmente na presença de hiperfosfatemia importante, pelo risco de calcificações metastáticas quando o produto Ca X P é > 65 em crianças de até 12 anos e > 55 em maiores de 12 anos. A acidose metabólica está presente tanto pela diminuição da excreção como pelo aumento da produção de ácidos secundários a comorbidades como choque e sepse. A administração de bicarbonato está indicada quando o pH é < 7,2 e bicarbonato < 14 mEq/L. A infusão de bicarbonato deve ser usada com cautela, uma vez que pode acentuar a hipocalcemia por diminuir o Ca ionizado. 696

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

O uso de drogas nefrotóxicas deve ser evitado, mas, quando usadas, as concentrações séricas devem ser monitoradas sempre que possível. Além disso, as doses de todas as medicações usadas devem ser ajustadas para a função renal. Quando necessário o uso de drogas sabidamente nefrotóxicas, como anfotericina B, recomenda-se administrar 10-15 mL/kg de solução fisiológica antes da administração da droga para proteção renal com uma pré-carga de sódio. Quando contrastes endovenosos precisarem ser utilizados, recomenda-se a hidratação do paciente e o uso de n-acetilcisteína e bicarbonato. A diálise está classicamente indicada quando há sinais de congestão, uremia grave, hipercalemia e/ou acidose que não respondam ao tratamento inicial e quando há intoxicação por droga dialisável. O momento ideal para iniciar o tratamento dialítico não está definido, mas os estudos atuais sugerem que a indicação precoce pode estar associada a melhor prognóstico. Dados do ppCRRT registry (The Prospective Pediatric Continuous Renal Replacement Terapy Registry) demonstram melhora significativa da sobrevida quando a CRRT é iniciada quando a sobrecarga hídrica é < 20% contra > 20% (59% vs. 40%). Os métodos dialíticos disponíveis são a diálise peritoneal, a hemodiálise convencional e as terapias de substituição renal contínuas (hemodiálise, hemofiltração e hemodiafiltração). O método a ser escolhido depende do estado clínico e hemodinâmico do paciente, da disponibilidade do método no serviço e da experiência da equipe (Tab. 35.6.2).

Tabela 35.6.2 DIFERENTES MÉTODOS DE DIÁLISE Método

Vantagens

Desvantagens

Diálise peritoneal

Efetiva, fácil manejo, não causa instabilidade hemodinâmica

Correção lenta das anormalidades, risco de peritonite, hiperglicemia, dor abdominal, restrição respiratória, obstrução do cateter

Hemodiálise convencional

Correção rápida da hipervolemia e das anormalidades eletrolíticas e ácido-básicas

Necessidade de acesso venoso adequado, instabilidade hemodinâmica

Terapias contínuas

É a escolha para pacientes hemodinamicamente instáveis

Necessidade de equipe treinada e materiais especiais e de acesso venoso adequado

697

REFERÊNCIAS Akcan-Arikan A, Zappitelli M, Loftis LL, Washburn KK, Jefferson LS, Goldstein SL. Modified RIFLE criteria in critically ill children with acute kidney injury. Kidney Int. 2007;71(10):102835. Crowley ST, Peixoto A. Acute kidney injury in the intensive care unit. Clin Chest Med. 2009;30(1):29-43. Ghani AA, Al Helal B, Hussain N. Acute renal failure in pediatric patients: etiology and predictors of outcome. Saudi J Kidney Dis Tansplant. 2009;20(1):69-76. Hackbarth RM, Maxvold NJ, Bunchman TE. Acute renal failure and end-stage renal disease. In: Nichols DG, Ackerman AD, carcillo JA, Dalton HJ, editors. Roger´s textbook of pediatric intensive care. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008. p. 1661-75 Imam A. Clinical presentation, evaluation and diagnosis of acute kidney injury (acute renal failure) in children. In: UpToDate. Waltham; 2009. Imam A. Prevention and management of acute renal failure in children. In: UpToDate. Waltham; 2009. Michael M, Kuehnle I, Goldstein SL. Fluid overload and acute renalfailure in pediatric stem cell transplant patients. Pediatr Nephrol. 2004;19(1):91-5.

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA

Zappitelli M, Goldstein SL. Management of acute kidney failure. In: Pediatric Nephrology. Wisconsin: Springer; 2009. p. 1619-28.

35.7

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA

HELENA BREIER BONATO CARLA DI GIORGIO RENATO GEORGE EICK

Definição. A insuficiência renal crônica é a perda progressiva e irreversível da função renal, como resultado de um dano renal. Há uma redução gradual da taxa de filtração glomerular (TFG), levando ao acúmulo, no organismo, de solutos tóxicos não voláteis e ao desequilíbrio ácido-base e hidreletrolítico. De maneira geral, o termo insuficiência renal crônica (IRC) tem sido utilizado para definir o estágio da doença renal associado à TFG menor do que 75 mL/min/1,73 m2, sendo o melhor indicador do nível de função renal. Epidemiologia. A incidência da IRC em estágio terminal tem aumentado progressivamente, a cada ano, em “proporções epidêmicas” no Brasil e em todo o mundo. A prevalência de pacientes em diálise, no Brasil é de, aproximadamente, 500 pacientes por milhão da população, sendo 91% em hemodiálise e 9% em diálise peritoneal. Do total de pacientes em diálise, 1,6% tem menos de 20 anos. 698

Etiologia. Dentre as patologias que levam à IRC em crianças e neonatos estão: Q Q Q Q Q Q Q Q Q Q

anormalidades congênitas: rins multicísticos, adisplasia/displasia renal; uropatias obstrutivas: atresia uretral, válvula de uretra posterior, obstrução da junção pielocalicinal; doenças císticas renais: doença policística renal autossômica recessiva/dominante, glomerulocísticas; disgenesias renais: disgenesia tubular renal autossômica recessiva (Finnish type), esclerose mesangial difusa, síndrome de Denys-Drash; dano renal neonatal agudo: asfixia, trombose venosa renal; glomerulonefrites: lúpus eritematoso sistêmico, nefropatia por IgA, púrpura de Henoch-Schönlein, crescênticas, síndrome de Alport; síndrome nefrótica: glomeruloesclerose segmentar e focal, glomerulonefrite membranoproliferativa, glomerulonefrite membranosa; síndrome hemolítico-urêmica; glomerulopatia diabética, glomerulopatia hipertensiva; doenças tubulointersticiais: cistinose, oxalose primária, nefronoftise, pielonefrite e as causadas por medicações e/ou infecções.

Q Q Q Q Q

TFG > 90 mL/min/1,73 m2: lesão renal crônica, sem insuficiência renal TFG 60-89 mL/min/1,73 m2: IRC leve (leve diminuição da TFG) TFG 30-59 mL/min/1,73 m2: IRC moderada TFG 15-29 mL/min/1,73 m2: IRC severa (sintomas urêmicos iniciais) TFG < 15 mL/min/1,73 m2: falência renal crônica (uremia grave/diálise) Na criança, utiliza-se a fórmula de Schwartz para calcular a TFG: K × estatura (cm)/creatinina sérica (md/dL), onde a constante K = 0,55

A síndrome urêmica inclui os seguintes sinais e sintomas: náusea, vômitos, anorexia, hálito urêmico, pancreatite, hipertensão arterial, edema agudo de pulmão, insuficiência cardíaca, pele seca, prurido, calcificações distróficas, amenorreia/menorragia, hiperglicemia, infertilidade, anemia, sangramentos, maior suscetibilidade a infecções, acidose metabólica, perda de peso, atraso de crescimento, irritabilidade, tremores, coma, síndrome da perna inquieta, cãibras, polineuropatia urêmica, etc. Anormalidades metabólicas na IRC Hiponatremia: pode ocorrer pelo excesso de água ingerida em paciente com TFG reduzida ou pela redução da ingestão de sal em uma nefropatia perdedora de sal. Q Hipercalemia: resulta de redução da TFG, acidose metabólica, ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECAs). Q

699

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA

Quadro clínico. Didaticamente, pode-se dividir a IRC em 5 estágios:

Q

Q Q

Q

Q

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA

Q

Acidose metabólica: pode ser resultado da perda de bicaronato no túbulo proximal e, mais comumente, da diminuição da excreção de hidrogênio devido à redução do número de néfrons. A acidose metabólica provoca perda da massa muscular e balanço nitrogenado negativo. Hipocalcemia: causada pela alteração no eixo cálcio-paratireoide-calcitriol. Hiperfosfatemia: é resultado da diminuição da TFG, diminuindo a excreção de fosfato. Isso resulta em hiperparatireoidismo secundário, contribuindo para a osteodistrofia renal. Hiperparatireoidismo secundário: a retenção de fósforo suprime a produção de calcitriol, diminuindo a absorção de cálcio pelo trato gastrintestinal (hipocalcemia). A hipocalcemia, acompanhada de diminuição do calcitriol e aumento do fósforo, ocasiona o aumento na liberação de PTH (paratormônio), resultando em hiperparatireoidismo secundário. Anemia: pode ser resultado da redução na síntese de eritropoietina, inibição da eritropoiese, perda sanguínea, diminuição na síntese de hemoglobina ou hemólise, deficiência de vitamina B12 e folato, deficiência de ferro. Osteodistrofia renal: decorrente do hiperparatireoidismo secundário, o qual provoca aumento da atividade osteoblástica, aumentando o turnover ósseo e diminuindo a cortical óssea (risco de fraturas).

Diagnóstico. Alguns achados antenatais são sugestivos de alterações do sistema urinário, como oligo/polidrâmnios, achados ecográficos (cistos, malformações, obstruções, dilatações). Neonatos com anormalidades pré-natais, cuja creatinina sérica aumenta rapidamente após o nascimento, têm IRC iniciada intraútero. Toda a criança sindrômica deve ter o trato urinário investigado. As crianças podem não apresentar sinais e sintomas da IRC até que tenha havido perda significativa da função renal. Tratamento. É de extrema importância o diagnóstico e o tratamento precoce das complicações relacionadas com a IRC, pois somente assim é possível melhorar a qualidade de vida das crianças com essa condição crônica. Q

Q Q Q

Q

Nutrição: a desnutrição é causa importante de déficit de crescimento ponderoestatural; assim, a dieta para as crianças não tem restrição e deve ser hipercalórica. A restrição hídrica deve ser indicada apenas se houver edema, insuficiência cardíaca congestiva ou hiponatremia dilucional. Se houver hipercalemia, deve-se evitar alimentos ricos em potássio (banana, feijão, derivados do leite). Cuidar com IECAs e espironolactona, pois provocam hipercalemia em pacientes com diminuição da TFG. Acidose metabólica: corrige-se com bicarbonato de sódio. Hiperfosfatemia: dá-se quelantes de fosfato (carbonato de cálcio, sevelamer). Anemia: se houver deficiência de ferro, prefere-se ferro endovenoso. Se a anemia for secundária à deficiência de eritropoiese, eritropoietina humana. Pode-se acrescentar ao tratamento complexo B e ácido fólico. Osteodistrofia renal: faz-se restrição de fosfato na dieta, correção do cálcio e da acidose metabólica e administração de calcitriol.

700

Q

Déficit de crescimento: pode-se usar hormônio do crescimento com acompanhamento endocrinológico. A correção de todas as alterações mencionadas auxilia muito a manutenção do crescimento.

Se mesmo com o tratamento correto, não for possível corrigir as anormalidades metabólicas e a uremia, deve-se iniciar terapia de substituição renal, como hemodiálise ou diálise peritoneal (a segunda é sempre preferível em pacientes pediátricos).

REFERÊNCIAS Kaplan BS, Meyers KEC. Pediatric nephrology and urology. Philadelphia: Elsevier; 2007. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo 2008 (homepage in the Internet]. São Paulo: Author; 2008. [capturado em 2009 Sept 18]. Disponível em: http://www.sbn.org.br/ ultnews2008.htm Toporovski J, de Mello VR, Filho DM, Benini V, Andrade OVB. Nefrologia pediátrica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006.

INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA

Wesseling K, Bakkaloglu S, Salusky I. Chronic kidney disease mineral and bone disorder in children, Pediatric Nephrology, 2008.

701

CAPÍTULO 36

NEUROLOGIA 36.1

CONVULSÕES E EPILEPSIA

CLARISSA ARAUJO PINTO PAPALEO EDUARDO ANTONIO RHODEN DE ARAUJO MARIA ISABEL BRAGATTI WINCKLER

Definições Q Crise epiléptica: é o resultado de uma descarga neuronal súbita, refletindo disfunção temporária de um conjunto de neurônios de parte do encéfalo (crises focais) ou de área mais extensa, envolvendo simultaneamente os dois hemisférios (crises generalizadas), com manifestação motora, sensitiva, autonômica, com ou sem perturbação da consciência. Os sintomas dependem das partes do cérebro envolvidas na disfunção. Q Convulsão: é o termo utilizado para descrever uma crise com atividade muscular, que pode ser tônica (contração muscular mantida com duração de poucos segundos a minutos), clônica (cada contração muscular é seguida de relaxamento, originando abalos musculares sucessivos), mioclônica (contrações musculares muito breves, semelhantes a choques) ou tônico-clônica. Q Crises epilépticas nem sempre são convulsivas, como as crises sutis do neonato, as crises de ausência, as crises parciais complexas e as crises com sintomas sensitivos, vegetativos e psíquicos. Q Estado epiléptico: é definido como uma crise prolongada, de 30 minutos ou mais de duração, ou crises repetidas, sem que o paciente recupere o estado de consciência entre elas. Alguns autores têm proposto menor tempo de duração como critério diagnóstico, baseados no fato de que a maioria das crises que cedem espontaneamente o fazem nos primeiros 5-10 minutos. Q Epilepsia: é um distúrbio crônico do sistema nervoso central, caracterizado pela predisposição à recorrência de crises epilépticas não provocadas e pelas consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais dessa condição. Atualmente, a definição de epilepsia requer a ocorrência de pelo menos uma crise epiléptica em um substrato anatômico alterado. Q Síndrome epiléptica: é um complexo de sinais e sintomas que define uma condição epiléptica única, baseado na semelhança de tipos de crise, idade de início, sinais clínicos e eletrencefalográficos, história familiar e prognóstico.

702

Classificação. No intuito de uniformizar mundialmente a nomenclatura utilizada, em 1981 a Liga Internacional contra a Epilepsia (ILAE) elaborou uma classificação das crises epilépticas (Quadro 36.1.1). Posteriormente, sentiu-se a necessidade de padronizar as epilepsias e síndromes, e modificou a classificação em 1989 (Quadro 36.1.2). Desde 2001, tem sido proposta uma nova classificação baseada em eixos e no tipo de crise. As crises parciais ou focais são as que têm origem em uma determinada região do córtex. Podem ser parciais simples, quando há preservação da consciência, ou parciais complexas, quando há perda de contato com o meio, com consequente amnésia pós-crítica. Para que haja o comprometimento da consciência, é necessário o envolvimento das estruturas mesiais. As crises parciais do lobo temporal são as crises parciais complexas mais comuns, caracterizando-se pela perda de contato com o meio, por automatismos oroalimentares, automatismos manuais ipsilaterais e distonia contralateral. Em 30-60% das vezes é precedida por uma crise parcial simples do lobo temporal (aura epigástrica), quando o paciente avisa que terá a crise, demonstrando-se consciente. As crises generalizadas são aquelas que envolvem ambos os hemisférios cerebrais desde o início, compreendendo eventos com fenômenos motores ou não: tônico-clônicas, clônicas, tônicas, mioclônicas e ausências. As crises parcias com generalização secundária apresentam um início focal, seguindo-se de difusão para os dois hemisférios cerebrais. Um exemplo é uma crise parcial motora com clonias no membro superior direito, que evolui para uma crise tônico-clônica generalizada. Há uma tendência de os familiares valorizarem e referirem apenas a crise generalizada. É importante lembrar que crises primariamente tônico-clônicas generalizadas não são frequentes; é essencial perguntar, na anamnese dirigida, sobre o início do episódio, com o objetivo de tentar diagnosticar o local de origem das crises epilépticas. O tipo de crise apresentado pela criança depende do estado de desenvolvimento e organização funcional do sistema nervoso central (SNC). Os recém-nascidos terão crises tônicas, clônicas focais ou multifocais e crises fragmentárias; as crianças maiores terão, mais frequentemente, crises generalizadas tônico-clônicas e, na idade escolar, crises parciais. Etiologia. Na maioria dos casos, é impossível determinar a causa da epilepsia. Vários fatores genéticos, ambientais, anatômicos ou fisiológicos podem estar 703

CONVULSÕES E EPILEPSIA

Epidemiologia. Estima-se que 3-10% das crianças com até 5 anos de idade tenham pelo menos uma crise epiléptica. Cerca de 50 milhões de pessoas têm epilepsia no mundo; o distúrbio é observado em qualquer idade, etnias e situações sociais, em ambos os sexos. A grande maioria dos casos se inicia na infância, sendo que, até os 20 anos, 90% dos indivíduos epilépticos já iniciaram suas crises; entre as crianças, 60% tiveram a sua primeira crise até os 3 anos, sendo a maior parte no primeiro ano de vida. Crises epilépticas ocasionais também são frequentes na população infantil. Em recém-nascidos, ocorrem em 0,2-1,4% dos casos, enquanto crises febris ocorrem em 5% das crianças de 3 meses a 5 anos de idade.

Quadro 36.1.1 CLASSIFICAÇÃO DAS CRISES EPILÉPTICAS Crises parciais (ou focais) Crises parciais simples (CPS) – com sinais motores – com sinais sensitivos somatossensoriais ou especiais – com sinais ou sintomas autonômicos – com sintomas psíquicos Crises parciais complexas (CPC) – início de crise parcial simples seguida de alteração da consciência – alteração de consciência no início Secundariamente generalizadas – CPS evoluindo para crises tônico-clônicas generalizadas (CTCG) – CPC evoluindo para CTCG – CPS evolunido para CPC e então para CTCG

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Crises generalizadas (desde o início) CTCG Crises de ausência Crises de ausência atípica Crises mioclônicas Crises tônicas Crises clônicas Crises atônicas Crises não classificáveis (informações incompletas ou inadequadas) Fonte: Adaptado de Comission on Classification and Terminology of the International League Against Epilepsy (c2009).

envolvidos na sua gênese, como problemas pré, peri e pós-natais imediatos, doenças cerebrovasculares, malformações cerebrais, infecções e neoplasias do SNC, traumatismo craniencefálico, facomatoses e erros inatos do metabolismo. Fisiopatologia. Praticamente todos os tipos de crises ocorrem por predominância da excitação sobre a inibição no SNC. O principal neurotransmissor excitatório parece ser o ácido L-glutamato, derivado do metabolismo da glicose, e o inibitório, o ácido γ-aminobutírico (GABA). O efeito mais proeminente dos neurotransmissores excitatórios é a abertura dos canais de sódio e cálcio, que penetram na célula e a despolarizam. Em contraste, o principal neurotransmissor inibitório 704

Quadro 36.1.2 CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DAS EPILEPSIAS, SÍNDROMES EPILÉPTICAS E CONDIÇÕES RELACIONADAS Síndromes e epilepsias localizadas (locais, focais ou parciais) Idiopática (início relacionado à idade) Epilepsia benigna da infância com espícula centro-temporal Epilepsia da infância com paroxismos occipitais Epilepsia primária da leitura Sintomática Epilepsia parcial contínua progressiva crônica Síndromes com quadros específicos de manifestação – Epilepsia do lobo temporal – Epilepsia do lobo frontal – Epilepsia do lobo parietal – Epilepsia do lobo occipital Criptogênica Síndromes e epilepsias generalizadas CONVULSÕES E EPILEPSIA

Idiopática (início relacionado à idade) Convulsão familiar neonatal benigna Convulsão neonatal benigna Epilepsia mioclônica benigna do lactente Epilepsia de ausência da infância Epilepsia de ausência juvenil Epilepsia mioclônica juvenil Epilepsia com crises tônico-clônicas ao despertar Outras epilepsias idiopáticas generalizadas Epilepsias desencadeadas por modos específicos de ativação Criptogênica ou sintomática Síndrome de West Síndrome de Lennox-Gastaut Epilepsia astática mioclônica Epilepsia com ausências mioclônicas Sintomática – Etiologia inespecífica Encefalopatia mioclônica precoce Encefalopatia epiléptica infantil precoce com surtossupressão Outras epilepsias generalizadas sintomáticas – Síndromes específicas Crises epilépticas complicando outras doenças (Continua)

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Quadro 36.1.2 CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DAS EPILEPSIAS, SÍNDROMES EPILÉPTICAS E CONDIÇÕES RELACIONADAS Síndromes e epilepsias indeterminadas se focais ou generalizadas Com crises focais e generalizadas Crises neonatais Epilepsia mioclônica grave do lactente Epilepsia com espícula-onda lenta contínua durante sono lento Afasia epiléptica adquirida Outras epilepsias indeterminadas Sem inequívocas características focais ou generalizadas Síndromes especiais

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Crises circunstanciais Convulsões febris Crises isoladas ou estado de mal isolado Crises ocorrendo somente em evento tóxico ou metabólico Fonte: Adaptado de Comission on Classification and Terminology of the International League Against Epilepsy (c2009).

aumenta a entrada de cloro no neurônio, elevando o potencial negativo da membrana intracelular, deixando a célula refratária à excitação ou, ainda, hiperpolarizada. A descarga epiléptica provém da excitação de um neurônio ou de uma população de neurônios mediante fenômenos neuroquímicos. As descargas neuronais se propagam até outras zonas do mesmo hemisfério ou do contralateral, através de sinapses e mediante a ação de neurotransmissores e neurorreceptores, provocando diferentes tipos de crises, cujos fenômenos dependem das vias que seguem as descargas. Diagnóstico e diagnóstico diferencial. O diagnóstico é principalmente clínico e está baseado na descrição da crise fornecida pelo paciente ou acompanhante, especialmente quando há perda de consciência. A história deve ser detalhada, enfocando o início da crise, se focal, com ou sem generalização posterior, ou se generalizada desde o início. O eletrencefalograma (EEG) isoladamente não faz diagnóstico de epilepsia, mesmo que se detecte atividade inequivocamente epileptiforme, devendo ser utilizado como complemento aos dados da história clínica, dentro de um contexto apropriado. Uma vez firmado o diagnóstico, o ECG é útil para auxiliar na melhor compreensão da natureza e etiologia da epilepsia ou síndrome epiléptica, associado a outros exames, especialmente a neuroimagem. Já o EEG ictal pode fornecer 706

Avaliação e tratamento. Segundo as últimas recomendações da American Academy of Neurology (AAN), o EEG está indicado após uma primeira crise não provocada (não associada a fatores precipitantes agudos, espontânea) em crianças, sendo o melhor preditor de recorrência de crises em crianças normais, embora o exame neurológico anormal e a etiologia também sejam fortes preditores de recorrência. A punção lombar, em uma primeira crise não febril, tem valor questionável e deve ser realizada em crianças menores de 6 meses e na suspeita de encefalite ou meningite. Exames laboratoriais devem ser realizados principalmente na presença de vômitos, diarreia, desidratação e alteração do sensório, e toxicológicos, se existir suspeita de exposição a drogas. Não existem evidências suficientes que sustentem a recomendação da realização de neuroimagem de rotina após uma primeira crise. Na emergência, ela deve ser realizada: Q

se houver evidência de déficit neurológico focal pós-ictal (paresia de Todd) que não reverta rapidamente; Q se a criança não retornou ao seu estado neurológico basal horas após a crise. Sabe-se que a recorrência após uma primeira crise epiléptica não provocada está em torno de 40%. Após a segunda crise, pelo menos de 80%. Estudos mostram que existem fatores de risco para a recorrência, como história familiar, 707

CONVULSÕES E EPILEPSIA

subsídios valiosos a respeito da natureza das crises, sendo de extrema utilidade no diagnóstico diferencial entre epilepsia e pseudocrises. No entanto, um EEG ictal normal não exclui definitivamente o diagnóstico de epilepsia. Um pequeno percentual de crianças normais têm atividade epileptiforme no EEG e nunca apresentaram crise, e até 40% das crianças com epilepsia nunca demonstraram descargas nos EEGs interictais. Para a caracterização de uma síndrome epiléptica em particular, o EEG pode ser decisivo. A presença de anormalidades na ressonância magnética aumenta a chance da ocorrência de crises e, dependendo da natureza da alteração, aumenta a probabilidade de determinada síndrome. Por exemplo, lesões típicas de esclerose tuberosa no primeiro ano de vida aumentam o risco de a criança apresentar síndrome de West. A tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (SPECT), uma técnica que permite demonstrar alterações no fluxo sanguíneo cerebral durante crises epilépticas, e tem sido utilizada como forma de localização de zonas epileptogênicas, tendo grande implicação na área de cirurgia de epilepsia. Entretanto, não é um exame utilizado para diagnóstico. Várias situações médicas podem ser confundidas com a epilepsia: crises de perda de fôlego, síncope pálida infantil, terror noturno, sonambulismo, jactatio capitis noturno, síndrome do Q-T longo, mioclonia hipnagógica fisiológica, mioclonia infantil benigna do sono, migrânea, vertigem paroxística benigna, acidente isquêmico transitório, pseudocrise, transtorno de tique. Algumas crises de agressividade episódica podem ser, na realidade, crises originárias dos lobos temporais do cérebro; contudo, via de regra, a agressividade na criança costuma ser reacional, e não endógena.

CONVULSÕES E EPILEPSIA

crise parcial e EEG focal. Não há indicação de iniciar medicação antiepiléptica após uma primeira crise, principalmente na ausência desses fatores, pois essa conduta não altera o risco de recorrência. A frequência das crises e o diagnóstico sindrômico devem ser considerados para se iniciar o tratamento medicamentoso. As crises da epilepsia benigna da infância com pontas centrotemporais e da epilepsia benigna da infância com paroxismos occipitais de início precoce exibem um excelente prognóstico, desaparecem durante a segunda década e geralmente não requerem nenhum tipo de tratamento. Ao contrário, em casos como o da síndrome de West, de Lennox-Gastaut e epilepsia tipo ausência, o início da medicação deve ser imediato. Nos casos de epilepsia em que se opta pelo tratamento, 60-70% dos pacientes podem ter as crises controladas com monoterapia, usando-se um fármaco de primeira linha (Tab. 36.1.1). Inicia-se, então, em doses baixas, aumentando-se gradualmente até que as crises tenham sido controladas ou até que surjam efeitos tóxico-medicamentosos. Deve-se evitar ao máximo a introdução rápida da medicação, pois esta favorece o aparecimento da toxicidade. Cerca de 10-15% dos pacientes necessitarão de duas drogas para o controle das crises. A politerapia tem sido reservada para epilepsias de difícil controle, como nas parciais sintomáticas, que têm como etiologia as displasias corticais ou a síndrome de Lennox-Gastaut. Em ambos os casos, o tratamento deve ser orientado por um neurologista infantil. Segundo as diretrizes da ILAE de 2006, para tratamento das crises epilépticas em crianças, apenas no caso da oxcarbazepina existem estudos de nível A para tratamento das crises parciais. Para os outros tipos de crise, só há estudos de nível C. Os antiepilépticos mais utilizados na criança são fenobarbital (3-5 mg/kg/ dia), fenitoína (5-7 mg/kg/dia), carbamazepina (20-30 mg/kg/dia), valproato de sódio (30-60 mg/kg/dia), primidona (10-25 mg/kg/dia), oxcarbazepina (3040 mg/kg/dia), vigabatrina (50-150 mg/kg/dia), lamotrigina (5-7 mg/kg/dia), topiramato (5-7 mg/kg/dia), clobazam (2,5-30 mg/dia) e clonazepam (0,1-0,2 mg/kg/dia). No período neonatal e no primeiro ano de vida, as escolhas recaem sobre o fenobarbital e a fenitoína. Tratamento cirúrgico. Dos 20-30% dos casos de epilepsia refratária ao tratamento clínico, cerca de metade pode beneficiar-se de tratamento cirúrgico, sendo este curativo ou paliativo. A epilepsia deve ser considerada refratária quando as crises não são controladas com duas drogas antiepilépticas nas doses máximas toleradas. Nesses casos, as crianças podem ser encaminhadas a centros especializados para avaliação da possibilidade de intervenção cirúrgica. Alguns tipos de epilepsia cursam com excelentes resultados cirúrgicos, como a epilepsia do lobo temporal decorrente da esclerose hipocampal. Outras lesões epileptogênicas, como malformações do desenvolvimento cortical, tumores indolentes e malformações vasculares também cursam com prognóstico excelente quando passíveis de remoção completa da zona epileptogênica, principalmente quando indicada precocemente. Outros tratamentos. A piridoxina (vitamina B6), na dose de 20-50 mg/kg/dia, e os corticosteroides, como a prednisolona, 1-2 mg/kg/dia, são utilizados no trata708

Tabela 36.1.1 PRINCIPAIS INDICAÇÕES DAS DROGAS ANTIEPILÉPTICAS DE ACORDO COM OS TIPOS DE CRISE Crises focais

Crises focais secundariamente generalizadas

Crises generalizadas Tônico-clônicas

Ausências

Mioclônicas

Atônicas/Tônicas

Drogas de primeira escolha

Carbamazepina

Carbamazepina

Valproato

Etossuximida Valproato

Valproato Clonazepam

Valproato

Drogas de segunda escolha

Fenitoína Fenobarbital Gapapentina Lamotrigina Levetiracetam Oxcarbazepina Topiramato Valproato Vigabatrina

Fenitoína Fenobarbital Lamotrigina Levetiracetam Oxcarbazepina Topiramato Valproato Vigabatrina

Carbamazepina Fenitoína Fenobarbital Lamotrigina Levetiracetam Oxcarbazepina Topiramato

Clonazepam Lamotrigina Topiramato

Fenobarbital Lamotrigina Levetiracetam Topiramato

Clonazepam Nitrazepam Lamotrigina Topiramato

Fonte: Adaptada de Melo, Yacubian e Nunes (2206).

709 CONVULSÕES E EPILEPSIA

mento da síndrome de West. Dieta cetogênica, rica em gorduras e pobre em carboidratos e proteínas (na proporção de 4:1) é uma alternativa terapêutica para o tratamento de lactentes e crianças com epilepsias graves refratárias às drogas antiepilépticas. Manejo das crises e estado epiléptico. A maioria das crises dura de 1-2 minutos, terminando espontaneamente. Geralmente o paciente chega ao hospital em estado pós-crise, não necessitando de terapêutica farmacológica naquele momento. O estado epiléptico é considerado uma emergência médica e requer pronta intervenção. As principais metas do tratamento são: Q

CONVULSÕES E EPILEPSIA

Manutenção das funções vitais: prioriza a estabilização cardiopulmonar do paciente. As rotinas do ABC da reanimação devem ser realizadas, mantendo as vias aéreas pérvias, provendo ventilação e oxigenação e providenciando acesso venoso seguro para administração de medicações e coleta de exames. Monitorar sinais vitais. Q Tratamento das crises: é realizado com fármacos específicos, com o objetivo de tratar e prevenir a recorrência das crises. As três drogas consideradas de primeira linha para o tratamento do estado epiléptico são os benzodiazepínicos, a fenitoína e o fenobarbital. Crises febris. A definição atualmente utilizada para as crises febris, proposta pela ILAE em 1993, é de que a crise febril é um evento que ocorre na infância, na ausência de infecção do SNC ou distúrbio hidreletrolítico, em criança maior de 1 mês de idade, sem história de crises afebris prévias. Geralmente ocorre entre 3 meses e 5 anos, com pico aos 18 meses. As crises podem ser classificadas em simples ou complexas. A crise febril simples é autolimitada, generalizada, tem duração breve (não mais que 10-15 minutos), não cursa com sinais neurológicos associados e não se repete nas próximas 24 horas. A crise febril é considerada complexa se for focal, tiver duração de mais de 10 minutos, se for múltipla ou apresentar sinais neurológicos pós-ictais. A recorrência média das crises é de 30-35%, variando conforme a idade da primeira crise, sendo de até 50-65% em crianças que tiveram a primeira crise com menos de 1 ano de idade e de 20% nas crianças que tiveram a primeira crise em idades maiores. Outros fatores que também influenciam na recorrência são história de crises febris na família, baixo grau de febre na chegada à emergência e curta duração entre o início da febre e a crise. Estudos demonstraram diminuição das recorrências de crises febris com o uso contínuo de fenobarbital ou valproato de sódio, ou intermitente de benzodiazepínicos, apesar de esse tratamento não diminuir o risco de epilepsia no futuro. A Academia Americana de Pediatria e a AAN não recomendam o uso de medicações para tratamento de crises febris, devido ao risco potencial de toxicidade associado ao relativo baixo risco de complicações dessas crises. Em casos de excessiva ansiedade paterna com relação às crises, o diazepam por via oral ou retal, usado no início do episódio febril, pode ser efetivo na prevenção das recorrências. 710

CONVULSÕES E EPILEPSIA

Figura 36.1.1 Manejo do estado epiléptico. DAE, drogas antiepilépticas; VAS, vias aéreas superiores; IO, intraóssea; EV, endovenosa; IM, intramuscular; IN, intranasal; VR, via retal; UTIP, unidade de tratamento intensivo pediátrico; EE, estado epiléptico; IC, infusão contínua. Fonte: Riesgo e Freire (2005).

711

REFERÊNCIAS Camfield PR, Camfield CS. Pediatric epilepsy: an overview. In: Swaiman K, Ashwal S, Ferriero DM. Pediatric neurology: principles and practice. Philadelphia: Elsevier; 2006. p. 981-9. Commission on Classification and Terminology of the International League Against Epilepsy. Brussels: Author; c2009. Disponível em: < http://www.ilae-epilepsy.org/Visitors/Centre/ ctf/ctfoverview.cfm>. Glauser T, Menachem EB, Bourgeois B, Cnaan A, Chadwick D, Guerreiro C, et al. ILAE treatment guidelines: evidence-based analysis of antiepileptic drug efficacy and effectiveness as initial monotherapy for epileptic seizures and syndromes. Epilepsia. 2006;47(7):1094-120. Guerreiro CAM, Guerreiro MM, Cendes F, Cendes IL. Epilepsia. São Paulo: Lemos; 2000. Hirtz D, Ashwal S, Berg A, Bettis D, Camfield D, Camfield P, et al. Practice parameter: evaluating a first nonfebrile seizure in children. Report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology, the Child Neurology Society, and the American Epilepsy Society. Neurology. 2000;55(5):616-23. Melo NA, Yacubian EMT, Nunes ML. Crises epilépticas e epilepsias ao longo da vida: 100 questões práticas. São Paulo: Segmento Farma; 2006. Riesgo RS, Freire CF. Convulsões. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo RS. Rotinas em neuropediatria. Porto Alegre: Artmed; 2005. p 61-76.

CEFALEIAS

Rotta NT, Winckler MIB. Epilepsia. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 489-95. Steering Committee on Quality Improvement and Management, Subcommittee on the Child With Simple Febrile Seizures. Febrile seizures: clinical practice guideline for the long-term management of the child with simple febrile seizures. Pediatrics. 2008;121(6):1281-6. Yacubian EMT. Proposta de classificação das crises e síndrome epilépticas: correlação videoeletrencefalográfica. Rev Neurocie. 2002;10(2):49-65.

36.2

CEFALEIAS

CLARISSA ARAUJO PINTO PAPALEO EDUARDO ANTONIO RHODEN DE ARAUJO LYGIA OHLWEILER

Epidemiologia. A cefaleia é a dor mais frequente na infância após as dores musculoesqueléticas e as abdominais. A prevalência varia de 37-51% aos 7 anos, chegando até 82% aos 15 anos. Dores recorrentes chegam a 2,5% aos 7 anos e a 15% aos 15 anos. Antes da puberdade, os meninos são mais acometidos; após, as cefaleias são mais frequentes em meninas. Classificação. As cefaleias podem ser divididas em primárias e secundárias, de acordo com a etiologia. Atualmente são consideradas primárias: 712

Q Q Q Q

Migrânea Cefaleia do tipo tensional Cefaleia em salvas e outras cefaleias trigêmino-autonômicas Outras cefaleias primárias

As cefaleias secundárias são provocadas por doenças demonstráveis aos exames clínicos ou laboratoriais e são consequência de uma agressão sistêmica ou neurológica. Exemplos são a cefaleia pós-traumática, a hipertensão intracraniana idiopática (ou pseudotumor cerebral) e a cefaleia causada por tumor cerebral. Além da diferenciação etiológica, uma classificação clinicamente útil é a referente ao tempo: Aguda: início súbito em uma criança previamente hígida. Geralmente se deve a infecções virais. Se acompanhada de sinais focais, cogitar hemorragia por malformação vascular ou coagulopatia. Q Aguda recorrente: crises separadas por intervalos livres de sintomas. Enxaqueca e cefaleia tensional são os principais exemplos. Q Crônica progressiva: ocorre aumento progressivo em intensidade e frequência. A patologia pode relacionar-se com aumento da pressão intracraniana (PIC). Exemplos: tumor, hidrocefalia, pseudotumor, meningite crônica, abscesso cerebral e coleção subdural. Q Crônica não progressiva (ou cefaleia crônica diária): cefaleia muito frequente ou quase constante. Muitos adolescentes têm dor contínua que interfere significativamente na rotina diária. O exame neurológico é geralmente normal, e frequentemente há fatores psicológicos e ansiedade relacionada a fatores não conhecidos. Avaliação da criança com cefaleia Anamnese e exame neurológico completos devem ser realizados com o objetivo de diferenciar cefaleias primárias e secundárias, além de detectar a presença de sinais de alerta. Os sinais de alerta são preditivos de patologia possivelmente grave subjacente à cefaleia. Mesmo que preencha critérios para cefaleia primária, sua presença é determinante de investigação complementar. Q O diário de cefaleia é um instrumento fundamental na avaliação e no acompanhamento do paciente. Trata-se de um calendário que exibe espaços a serem preenchidos pelos pais ou pacientes conforme as principais características da dor: graduação de intensidade, horário do dia, localização, tipo, sintomas associados, uso de medicação e fatores desencadeantes. Q O eletrencefalograma (EEG) de rotina não é recomendado pela Academia Americana de Neurologia (AAN) como parte da avaliação da cefaleia. Vários estudos comprovaram que ele não serve para definir etiologia ou distinguir tipos. Entre as crianças com cefaleia recorrente com paroxismos no EEG, o risco de crises futuras é desprezível. Entretanto, é um exame importante quando houver sinais neurológicos focais paroxísticos, crises convulsivas ou a presença de afasia associada. Q

713

CEFALEIAS

Q

Q

O papel da neuroimagem está bem estabelecido, não sendo recomendado de rotina em crianças com cefaleia recorrente com exame neurológico normal (Quadro 36.2.1).

MIGRÂNEA É a causa mais comum de cefaleia aguda recorrente. Fisiopatologia da migrânea. A fisiopatologia ainda não foi completamente elucidada. É considerada um processo neuronal primário. O principal fenômeno envolvido é a hiperexcitabilidade do córtex em pessoas geneticamente suscetíveis, que diminui o limiar para que uma variedade de estímulos desencadeiem uma depressão “alastrante”. Isso inicia um processo de inflamação neurogênica com liberação de adrenalina e serotonina, com consequentes sintomas precedentes (aura). Essa depressão é acompanhada de uma inflamação estéril dos vasos meníngeos, sendo a dor transmitida ao sistema nervoso central (SNC) por aferências nociceptivas via nervo trigêmeo.

CEFALEIAS

Diagnóstico. A partir de 1992, vários estudos comprovaram que os critérios diagnósticos utilizados para adultos eram muito restritivos para crianças pequenas, tendo baixa sensibilidade diagnóstica. Dessa forma, em 2004, a International Headache Society publicou os seguintes critérios modificados para crianças:

Quadro 36.2.1 INDICAÇÃO FORMAL DE NEUROIMAGEM – A primeira ou pior cefaleia da vida do paciente, particularmente se de instalação súbita – Alteração na frequência, intensidade ou características clínicas da cefaleia – Exame neurológico anormal – Cefaleia progressiva ou crônica diária de início súbito – Sintomas neurológicos persistentes – Evidência, ao EEG, de lesão cerebral focal – Hemicrania persistente sempre do mesmo lado, com sintomas neurológicos contralaterais – Ausência de resposta à terapia de rotina Fonte: Adaptado de Ohlweiler L, Sebben G. Cefaleias. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo RS. Rotinas em Neuropediatria. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 93.

714

MIGRÂNEA SEM AURA EM CRIANÇAS Q Q Q

Cinco ou mais episódios com as características abaixo: Crises durando de 1-72 horas Pelo menos duas das seguintes características: – Localização bi ou unilateral (frontal/temporal) – Pulsátil (ou latejante) – Intensidade moderada a severa – Agravada pela atividade física (pode ser inferido pelo comportamento da criança) Q Pelo menos uma das seguintes características concomitantes: – Náuseas e/ou vômitos – Fotofobia e fonofobia (pode ser inferido pelo comportamento da criança) A cefaleia da migrânea é geralmente bilateral em crianças; um padrão semelhante ao do adulto, unilateral, geralmente emerge no final da adolescência. Na maioria das vezes, a dor é frontotemporal. Em crianças, a cefaleia occipital é rara e requer cautela no diagnóstico; muitos casos são atribuíveis à lesão estrutural.

Entre 14 e 30% das crianças relatam distúrbios visuais, distorções ou obscurecimento antes de iniciar a cefaleia. Tipicamente é um fenômeno visual, mas fisiopatologicamente a depressão responsável pela aura pode perturbar qualquer região cortical, incluindo as áreas sensitiva e da linguagem. Os sintomas são reversíveis, se desenvolvem gradualmente em 5-20 minutos e duram menos de 60 minutos. Q Q

Pelo menos duas crises preenchendo os critérios B a D Aura consistindo em pelo menos um dos seguintes sintomas, mas sem nenhuma paresia: – Sintomas visuais reversíveis com características positivas (luzes tremulantes, manchas ou linhas) e/ou negativas (perda de visão) – Sintomas sensitivos reversíveis, incluindo características positivas (formigamento) e/ou negativas (dormência) – Disfasia completamente reversível Q Pelo menos dois dos seguintes sintomas: – Sintomas visuais homônimos e/ou sensitivos unilaterais – Pelo menos um sintoma desenvolve-se gradualmente em > 5 minutos e/ ou diferentes sintomas de aura ocorrem em sucessão em > 5 minutos – Cada sintoma dura > 5 minutos e < 60 minutos Q Cefaleia preenchendo os critérios de migrânea sem aura Q Não atribuída a outro transtorno

Migrânea hemiplégica familiar Migrânea com aura que inclui paresia e pelo menos um parente de primeiro ou segundo grau apresentando aura migranosa que inclui a paresia. Pode ser difícil distinguir paresia de alteração sensitiva. Subtipos genéticos específicos já foram 715

CEFALEIAS

MIGRÂNEA COM AURA

identificados, como mutações no gene CACNA1A do cromossomo 19 e no gene ATP1 A2 do cromossomo 1.

Migrânea hemiplégica esporádica Migrânea com aura que inclui paresia, mas nenhum parente de primeiro ou segundo grau apresenta aura migranosa incluindo paresia.

Migrânea do tipo basilar Manifesta-se por uma cefaleia occipital que pode preceder ou coexistir com déficits neurológicos por insuficiência da artéria vertebrobasilar, com consequente disfunção do tronco cerebral, cerebelo e córtex parietoccipital e temporal inferior. Os sintomas são vertigem, zumbido, hipoacusia, ataxia, diplopia, disartria, hemianopsia transitória e até perda de consciência. Náuseas e vômitos são frequentes. Importante diferenciar de epilepsia occipital benigna e dissecção de artéria vertebral.

SÍNDROMES PERIÓDICAS DA INFÂNCIA COMUMENTE PRECURSORAS DE MIGRÂNEA

CEFALEIAS

Q

Migrânea abdominal. Episódios recorrentes de dor epigástrica moderada a grave, com duração de 1-72 horas, associada a sintomas vasomotores, como náuseas e vômitos. Q Síndrome de vômitos cíclicos. Episódios recorrentes, intensos (> 4 por hora) com duração de 24-48 horas, acompanhados de palidez, anorexia, dor abdominal, cefaleia e fotofobia. Diferenciar de obstrução intestinal, aumento da PIC e distúrbios metabólicos. Q Vertigem paroxística benigna da infância. Em crianças de 2-6 anos, episódios breves e sucessivos de desequilíbrio, com quedas laterais, sem comprometimento da consciência. A presença de nistagmo é comum, e os sintomas desaparecem após alguns minutos. Complicações da migrânea. São todos eventos raros, sendo o mais comum deles a migrânea crônica, que apresenta prevalência menor que 1% na infância. Q Q Q Q Q

Migrânea crônica. Migrânea ocorrendo em 15 ou mais dias por mês, por mais de três meses. Estado migranoso. Crise debilitante durando mais de 72 horas. Aura persistente sem infarto. Sintomas de aura persistindo por mais de uma semana, sem evidência de infarto na neuroimagem. Infarto migranoso. Um ou mais sintomas de aura associados à lesão cerebral isquêmica, demonstrada por exame de neuroimagem. Crise epiléptica desencadeada por migrânea. Crise desencadeada por uma aura de migrânea.

Tratamento de crise Não farmacológico: repouso em ambiente confortável, restrição de ruídos, luz e odores. Compressas frias nas regiões frontal e temporal.

Q

716

Farmacológico – Paracetamol (15 mg/kg de 6/6 h, se necessário) e ibuprofeno (7,5-10 mg/ kg de 8/8 h, se necessário): são ambos superiores ao placebo, sendo que o ibuprofeno tem melhor resposta em 2 horas (diferença não significativa), maior redução do escore de dor e duração mais prolongada. Nenhum dos dois apresentou efeitos adversos significativos (Recomendação Grau A). – Triptanos (agonistas dos receptores serotoninérgicos tipo 5-HT1b/1d): reduzem a vasodilatação meníngea, com diminuição da liberação de neuropeptídeos e redução da transmissão sináptica nas terminações trigeminais. Devem ser usados nos primeiros minutos da dor e repetidos 2 horas depois se a dor persistir. Os mais estudados são o sumatriptano (recomendação Grau A para o spray nasal) (Imigran®, Sumax®), zolmitriptano (Zomig®) e rizatriptano (Maxalt®). A maioria dos estudos com triptanos são com pacientes entre 8-17 anos, sendo que a maior parte mostrou resultados superiores ao placebo, e o principal efeito adverso é o gosto ruim. A vantagem do sumatriptano em relação aos demais é a apresentação em spray nasal, devido à diminuição da motilidade gastrintestinal que pode ocorrer durante a crise, que contribui para menor absorção das medicações por via oral, além das náuseas e vômitos. É usado na dose de 10-20 mg intranasal (IN) no início da crise. Pode ser repetido após 2 horas, com dose máxima de 40 mg/dia. Na apresentação oral, é usado na dose de 25-100 mg, podendo ser repetido após 2 horas, com dose máxima de 200 mg/dia. E, na apresentação subcutânea (SC), a dose é de 6 mg logo no início da dor, podendo ser repetida após 1 hora, com dose máxima de 12 mg/dia. – Diidroergotamina (agonista dos receptores serotoninérgicos arteriais e bloqueador dos receptores α-adrenérgicos): postula-se que provoca uma vasoconstrição na artéria carótida externa e seus ramos e atua em vias neurais mediadas por receptores serotoninérgicos. Apenas um estudo de boa qualidade compara diidroergotamina oral com placebo, não sendo encontrada diferença estatisticamente significativa na melhora clínica da cefaleia, provavelmente pelo baixo poder estatístico da amostra. Dose IN: 0,5 mg em cada narina, dose máxima de 2 mg/dia. Dose intramuscular (IM) ou SC: 1 mg no início da dor, repetida após 1 hora, com dose máxima de 3 mg/dia. Os sintomas associados da migrânea, como náuseas e vômitos, podem ser tão incapacitantes quanto a própria cefaleia. A administração precoce dos analgésicos na crise promove maior alívio das náuseas e da cefaleia. Os antagonistas dopaminérgicos, como a metoclopramida (0,5 mg/kg/dia divididos em 3 tomadas), podem melhorar os sintomas da migrânea pelas suas propriedades antieméticas, antisserotoninérgicas, antiadrenérgicas e anticolinérgicas. Podem ser usados para alívio das náuseas e vômitos, embora não existam estudos controlados sobre seu uso na migrânea nessa faixa etária. Q Tratamento profilático: considerar inicialmente tratamentos não medicamentosos, tentando estabelecer fatores desencadeantes (ansiedade, período pré-menstrual, alimentos como queijos, vinhos, enlatados e chocolates) e eliminá-los; se 717

CEFALEIAS

Q

for o caso, encaminhar à psicoterapia. A Sociedade Brasileira de Cefaleia recomenda certos critérios para introdução da profilaxia: – Frequência: três ou mais crises por mês – Grau de incapacidade importante – mesmo quando a frequência for menor que a citada – Falência da medicação abortiva – Subtipos especiais de enxaqueca – basilar, hemiplégica, com aura prolongada, com auras frequentes e atípicas (enxaquecas complicadas) – Ineficácia da profilaxia não medicamentosa

CEFALEIAS

As drogas tradicionalmente utilizadas no tratamento profilático são: bloqueadores de canais de cálcio (flunarizina, 5 mg/dia), antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, 5-25 mg à noite), anticonvulsivantes (topiramato, 1-10 mg/kg/ dia de 12/12 horas), divalproato de sódio (15-45 mg/kg/dia) e β-bloqueadores (propranolol, 2-4 mg/kg/dia). Entretanto, drogas cuja eficácia foi provada em adultos em geral ainda não foram adequadamente testadas em crianças ou têm estudos conflitantes. Um ensaio clínico randomizado duplo-cego controlado por placebo publicado em 2007 por Lakshmi e colaboradores, que avaliou o uso de topiramato em pacientes de idade entre 8 e 14 anos, mostrou redução significativa na frequência da dor e melhora na qualidade de vida, com boa tolerabilidade. Recomendações (AAN, dezembro de 2004) A flunarizina é efetiva e deve ser considerada para o tratamento (Grau B). Não existem evidências suficientes para recomendação do uso de ciproeptadina, amitriptilina, divalproato ou levetiracetam (Grau U – Dados inadequados ou conflituosos. Baseado nos conhecimentos atuais, o tratamento não está provado). Q Recomendações não podem ser feitas quanto ao uso de propranolol ou trazodona, tendo em vista evidências conflitantes (Grau U). Q Pizotifeno, nimodipina e clonidina não mostraram eficácia e não são recomendados (Grau B). Q Q

CEFALEIA DO TIPO TENSIONAL É a mais comum das cefaleias primárias. Fisiopatologicamente deve ser similar à migrânea, havendo crescente impressão de especialistas de que estejam dentro do mesmo espectro, sendo a cefaleia tensional mais leve e menos debilitante. A clínica se caracteriza pela ausência de pródromos e geralmente é bilateral. Não é pulsátil, nem acompanhada de sinais neurológicos focais, náuseas ou vômitos. Vertigem ou alucinações visuais dependem da hiperventilação desencadeada pela ansiedade. Frequentemente é acompanhada de distúrbios como ansiedade, estresse, medo, fadiga e irritabilidade.

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CEFALEIA TENSIONAL POR FOBIA ESCOLAR OU DEPRESSÃO. É desencadeada por tarefas ou obrigações fora das possibilidades de adaptação psíquica da criança ou adolescente. O tratamento inclui técnicas de relaxamento, biofeedback, acupuntura, fisioterapia ou psicoterapia, antidepressivos tricíclicos e miorrelaxantes (tizanidina).

CEFALEIA PSICOGÊNICA DE CONVERSÃO Localização imprecisa e não raramente migratória, dor praticamente permanente, em peso. Geralmente associam-se sintomas neuróticos. Tratamento: psicoterapia, benzodiazepínicos.

CEFALEIA CRÔNICA DIÁRIA (PERSISTENTE E DIÁRIA DESDE O INÍCIO – CPDI)

Tratamento. Adequar regularidade do sono, abordar o uso abusivo de medicação (mais do que 9 dias por mês), atividade física regular (20-30 minutos por dia), controle do estresse, alimentação balanceada e ingestão hídrica adequada. Profilático. Antidepressivos tricíclicos, topiramato, valproato de sódio, β-bloqueadores e agentes serotoninérgicos, embora nenhuma dessas drogas tenha sido submetida a estudos controlados. Associar com naproxeno (250-500 mg de 12/ 12 h) fixo por 4-6 semanas.

CEFALEIA EM SALVAS Dor forte unilateral orbitária, supraorbitária e/ou temporal, durando de 10 minutos a 3 horas (média de 45 minutos). Associada a congestão conjuntival, edema palpebral, lacrimejamento, sudorese frontal e facial ipsilateral. As crises são recorrentes durante o dia (várias vezes ao dia ou várias vezes por semana para, então, cessar e só reaparecer em anos). Tratamento. O2 a 100% por 10-15 minutos, sumatriptano, 6 mg SC ou 20 mg IN, e diidroergotamina, 0,5-1 mg SC, EV ou IM no início da dor.

719

CEFALEIAS

Atualmente classificada em “Outras cefaleias primárias”, é um transtorno que evolui da cefaleia do tipo tensional episódica. A dor é crônica, não progressiva, diária ou quase diária, durando pelo menos quatro meses (com pelo menos 15 episódios por mês) e duração de mais de 4 horas por dia. A prevalência em adolescentes é de 1%.

OUTRAS CEFALEIAS TRIGÊMINO-AUTONÔMICAS HEMICRANIA PAROXÍSTICA Ataques de dor ocular unilateral de curta duração e alta frequência durante o dia, acompanhados de alterações autonômicas, como lacrimejamento ipsilateral, rinorreia, ptose, miose e eritema conjuntival. Responde à indometacina na dose inicial de 25-50 mg/dia, até 150 mg/dia por 3-4 dias.

ENXAQUECA OFTALMOPLÉGICA Oftalmoparesia e cefaleia, embora essa última possa ser relatada como desconforto retro-orbital. Ocorre disfunção do nervo oculomotor, geralmente sem envolvimento pupilar, podendo haver também disfunção do abducente e do troclear, levando a estrabismo transitório, ptose e diplopia. Diferenciar de aneurisma da artéria comunicante posterior. Tratamento: naproxeno, 250-500 mg/dia, por 4-8 semanas.

CEFALEIAS

CEFALEIA PRÉ E PÓS-CRISE EPILÉPTICA Embora a maioria das cefaleias associadas a convulsões seja pós-ictal, Lewis (2006) acredita que a cefaleia tipo pulsátil, de curta duração, possa ser a única expressão clínica de foco convulsivo situado no sistema límbico e em algumas outras regiões do córtex cerebral. Como são acompanhadas de náuseas e vômitos, são facilmente confundidas com enxaqueca. A cefaleia pós-ictal pode persistir por várias horas e tem características pulsáteis; acredita-se que isso se deva à dilatação das artérias cerebrais que ocorre no final da crise.

REFERÊNCIAS Arruda MA, Guidetti V. Cefaleia na infância e adolescência. Ribeirão Preto: Instituto Glia; 2007. Ferreira VJA. Cefaleias. In: Diament A, Cypel S. Neurologia infantil. São Paulo: Atheneu; 2005. p.1475-500. Lakshmi CVS, Singhi S, Malhi P, Ray M. Topiramate in the prophylaxis of pediatric migraine: a double-blind placebo-controlled trial. J Child Neurology. 2007;22(7):829-35. Lewis D, Ashwal S, Hershey A, Hirtz D, Yonker M, Silberstein S, et al. Practice parameter: pharmacological treatment of migraine headache in children and adolescents: report of the American Academy of Neurology Quality Standards Subcommittee and the Practice Committe of Child Neurology Society. Neurology 2004;63(12):2215-24. Lewis DW. Headaches in infants and children. In: Swaiman K, Ashwal S, Ferriero DM. Pediatric neurology: principles and practice. Philadelphia: Elsevier; 2006. p. 1183-202.

720

Ohlweiler L, Sebben G. Cefaleias. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo RS. Rotinas em neuropediatria. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 87-103. Sociedade Internacional de Cefaleia. Subcomitê de Classificação das Cefaléias. Classificação internacional das cefaléias. 2. ed. São Paulo: Alaúde; 2006.

36.3

PARALISIA CEREBRAL E RETARDO DO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR

EDUARDO ANTONIO RHODEN DE ARAUJO CLARISSA ARAUJO PINTO PAPALEO LYGIA OHLWEILER

Conceitos. A Academia Americana de Neurologia, em 2004, definiu PC como um distúrbio com controle aberrante do movimento e da postura, que aparece precocemente na vida, secundário a uma lesão ou disfunção no sistema nervoso central (SNC), não sendo resultante de doença progressiva ou degenerativa. A(s) anormalidade(s) pode(m) ocorrer no período pré, peri ou pós-natal. Características essenciais Q A etiologia não pode ser de caráter progressivo ou evolutivo. Q A sintomatologia principal é motora. Q A semiologia pode modificar com a idade, mesmo sem ser doença progressiva. Q O dano ocorre no SNC em desenvolvimento; não há consenso sobre limite de idade para a definição, mas a maior parte dos diagnósticos é dada antes dos 2 anos de idade. Incidência EUA: 2,5:1.000 nascidos vivos; 10.000 bebês por ano recebem o diagnóstico de PC. Q Países nórdicos: 1,7:1.000 nascidos vivos. Q Brasil: desconhecida. Q

Etiologia Fatores pré-natais – Genéticos ou hereditários: cromossomopatias (p. ex., síndrome do X frágil), doenças metabólicas (p. ex., fenilcetonúria). – Maternos: hemorragias (ameaça de aborto), distúrbios placentários e do cordão (descolamentos e má posição), circulatórios (hipertensão, eclâmpsia), infecções congênitas, metabólicos (diabete, desnutrição), tóxicos (drogas), físicos (radiação).

Q

721

PARALISIA CEREBRAL E RETARDO

PARALISIA CEREBRAL (PC)

– Malformações congênitas do SNC: esquizencefalia, polimicrogiria, defeito de migração neuronal, hidranencefalia. – Gemelaridade: maior risco em fetos múltiplos e gêmeos monozigóticos. Q Fatores perinatais – Encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI) – Hemorragia no SNC – Prematuridade – Baixo peso ao nascer Q Fatores pós-natais – Infecções no SNC – Trauma craniencefálico (TCE) – Epilepsia – Doença cerebrovascular Tipos clínicos Forma espástica ou piramidal: tetra, hemi ou diplégica. As formas espásticas correspondem a 75% dos casos de PC. Estudos de prevalência realizados nos países nórdicos e na América do Norte mostram resultados semelhantes, com aproximadamente 44% com forma diplégica, 33% hemiplégica e 6% tetraplégica. – Forma tetraplégica: as crianças com esta forma têm atraso no desenvolvimento motor. Não usam adequadamente os membros para praxias e manipulação, têm dificuldade para deglutir e mastigar, sialorreia, lalação pobre, são irritáveis e têm sono agitado. Ao exame neurológico, percebe-se hipertonia extensora e adutora em membros inferiores (MMII) e flexora em membros superiores (MMSS), com persistência de reflexos arcaicos, hiperreflexia dos miotáticos fásicos com clônus e aumento de área reflexógena. Microcefalia é frequente. – Forma hemiplégica: é menos sintomática, usualmente relacionada a eventos vasculares. – Forma diplégica: predomínio de distúrbios motores e do tônus nos MMII, por vezes também nos MMSS, mas com menor intensidade. Ocorre em prematuros ou em crianças a termo que tiveram insulto precoce no périodo pré-natal. Q Forma coreoatetósica ou extrapiramidal: representa menos de 20% dos casos. Pode ocorrer naqueles pacientes asfixiados que tenham concomitantemente icterícia neonatal; a barreira hematencefálica imatura e o dano neuronal facilitam a impregnação bilirrubínica nos gânglios da base, em especial no globo pálido. Icterícia neonatal grave sem asfixia também pode ocasionar esta forma. A evolução desses pacientes mostra que, ao atingirem 2 anos de vida, costumam aparecer distonias e hipercinesias difusas, que geralmente são mais intensas na face; pode haver distúrbios da mastigação e deglutição e, ainda, disartria importante. Nos casos mais leves, pode haver somente alteração do tônus. Q Forma atáxica: forma menos frequente; marcada hipotonia, marcha atáxica, fala disártrica e escandida, incoordenação motora. O quociente de inteligência (QI) encontra-se pouco abaixo da média.

PARALISIA CEREBRAL E RETARDO

Q

722

Q

Forma mista: pode ser pirâmido-atáxica, pirâmido-extrapiramidal ou extrapirâmido-atáxica.

Problemas associados Desnutrição, crescimento ponderal deficiente Patologias dentárias, sialorreia Refluxo gastresofágico, constipação Distúrbios comportamentais e de humor Patologias ósseas posicionais (escoliose) e/ou metabólicas (osteopenia e osteoporose) Q Infecções respiratórias (pneumonias, sinusites e otites) Q Patologias de pele (assaduras, escaras) Q Patologias oculares (baixa acuidade, infecções) Q Surdez Q Q Q Q Q

Q

Q Q Q Q Q

Sempre realizar neuroimagem o mais precocemente possível, sendo a ressonância nuclear magnética preferível à tomografia computadorizada (evidência nível IA). Avaliação genética: nas situações em que possa haver casos familiares ou em que a etiologia não é definida pela história e pela evolução do paciente (IIB). Avaliação vascular e triagem para trombofilias nas formas hemiplégicas (IIB). Eletrencefalograma (EEG): somente na ocorrência de crises epilépticas; o EEG não é recomendado para investigar a etiologia da PC (IA). Avaliação oftalmológica e auditiva em todos os casos (IA). Testagem psicométrica naqueles que aparentarem atraso cognitivo (IIA).

Tratamento É sempre multidisciplinar. Acompanhamento regular com pediatra visando principalmente aos problemas associados. Q Prevenção de infecções: vacinas do calendário básico e imunológicos especiais. Q Acompanhamento com neurologista pediátrico, abordando as comorbidades existentes e tratamento medicamentoso das alterações motoras (Tab. 36.3.1). Q Reabilitação: fisioterapia motora, fonoaudiologia (deglutição e fala), terapia ocupacional (estimular praxias), nutricionista, acompanhamento pedagógico. Q Q

RETARDO DO DESENVOLVIMENTO NEUROPSICOMOTOR (RDNPM) Conceitos. Progresso lento na aquisição dos marcos do desenvolvimento. Pode ser causado por encefalopatia estática ou progressiva. 723

PARALISIA CEREBRAL E RETARDO

Avaliação. Aproximadamente 70% dos pacientes com PC têm comorbidades; desses, o retardo mental (RM) ocorre em 50%, seguido pela epilepsia, com 40%. Recomendações da Academia Americana de Neurologia para avaliação de PC:

Tabela 36.3.1 TRATAMENTO DAS ALTERAÇÕES MOTORAS Indicação

Formulação

Apresentação comercial

Doses usuais

Espasticidade

Diazepam

Valium® cp 10 mg

0,1-1,0 mg/kg/dia, 2-3 tomadas diárias

Baclofeno

Lioresal® cp 10 mg

0,5-2 mg/kg/dia, 2-4 tomadas em vigília

Tizanidina

Sirdalud® cp 2 mg

0,3-0,5 mg/kg/dia, 2-4 tomadas diárias

Triexifenidil

Artane® cp 2 e 5 mg

2,0-60,0 mg/dia

L-dopa + benzerazida ou carbidopa

Prolopa® cp 250 mg; cap 125 mg; cp dispersível 125 mg

12,5-250 mg, 2 a 3 tomadas diárias

Clonazepam

Rivotril® cp 0,5 e 2 mg; gotas 2,5 mg/mL

0,01 mg/kg/dia a 6 mg/dia, 2-4 tomadas diárias

Haloperidol

Haldol® cp 1 e 5 mg; gotas 2 mg/mL

0,01-0,15 mg/kg/dia, 1-3 tomadas diárias

PARALISIA CEREBRAL E RETARDO

Distonia

Movimentos involuntários

O retardo, chamado também de atraso, pode ser global ou estar restrito a áreas específicas: motricidade, linguagem ou cognição. É necessário cuidado na avaliação do RDNPM. Pode haver apenas atraso ou também regressão do desenvolvimento. Uma vez que esteja evidente que marcos previamente atingidos tenham sido perdidos ou que déficits neurológicos estejam piorando, deverá ser considerada a hipótese de doença progressiva. No entanto, pacientes com encefalopatias estáticas (p. ex., PC), podem passar a apresentar novos sintomas (p. ex., movimentos involuntários). Nem sempre a criança com RDNPM tem doença neurológica; o quadro clínico pode ser consequência de estimulação inadequada, doenças crônicas, hospitalismo ou núcleo familiar desestruturado.

724

RETARDO MOTOR Para identificá-lo, é necessário primeiramente conhecer os principais marcos do desenvolvimento (ver Cap. 3), considerando a idade corrigida para prematuros para não se tratar de um falso atraso. Lactentes com atraso motor, mas linguagem e habilidades sociais adequadas, podem ser hipotônicos (p. ex., doença neuromuscular), atáxicos (PC atáxica) ou hipertônicos (PC espástica). A perspectiva de tratamento depende basicamente da etiologia, porém podendo-se indicar estimulação precoce e/ou fisioterapia e/ou psicomotricidade.

RETARDO NA LINGUAGEM

RETARDO MENTAL (RM) Refere-se ao funcionamento intelectual significativamente abaixo da média para a idade da criança. Por definição, manifesta-se durante o período de desenvolvimento e é acompanhado por deficiência no comportamento adaptativo. O grau de RM é definido por meio de testes psicométricos para as faixas etárias, sendo classificado em quatro níveis de gravidade (Tab. 36.3.2). As causas podem ser pré, peri ou pós-natais. Q

Pré-natais: alterações cromossômicas ou gênicas, malformação no SNC, teratógenos, radiação, infecção congênita, alcoolismo materno. Q Perinatais: encefalopatia hipóxico-isquêmica (EHI), prematuridade, baixo peso, infecções. Q Pós-natais: infecções no SNC, trauma craniencefálico (TCE), doenças desmielinizantes, desnutrição, intoxicações exógenas, epilepsia.

RETARDO GLOBAL A maioria das crianças deste grupo tem encefalopatia estática de origem pré ou perinatal, porém uma minoria, mesmo sem quadro de regressão neurológica, tem doença genética subjacente. As malformações do SNC, idiopáticas ou secundárias a infecção ou teratógenos, também contribuem para esse grupo. As infecções congênitas e a asfixia perinatal são responsáveis pelo restante dos casos.

725

PARALISIA CEREBRAL E RETARDO

É o mais comum dos atrasos do desenvolvimento (aproximadamente 10% das crianças). As principais causas são a pouca estimulação e o comprometimento auditivo isolado. Esse último pode ser insidioso e ocorrer com outros atrasos (p. ex., secundários a infecção congênita e kernicterus). A avaliação e o manejo devem ter abordagem multidisciplinar (neurologista pediátrico, otorrinolaringologista, fonoaudiólogo). No transtorno global do desenvolvimento (TGD), dentro do espectro do autismo, o atraso na aquisição da linguagem é frequente. Sua expressão é bem mais complexa, pois, além de atraso na linguagem, há comprometimento das relações interpessoais e repertório restrito de atividades e interesses.

Tabela 36.3.2 CLASSIFICAÇÃO DO RETARDO MENTAL Categoria

Desviospadrão

QI

Capacidade educacional

Suporte necessário

Leve

2-3

50-55 a 70

Educável

Intermitente

Moderado

3-4

35-40 a 50-55

Treinável

Limitado

Grave

4-5

20-25 a 35-40

Muito comprometido

Extenso

Profundo

>5

< 20-25

Muito comprometido

Global

Fonte: Adaptada de Rotta, Bianchi e Silva (2005).

PARALISIA CEREBRAL E RETARDO

REFERÊNCIAS Ashwal S, Russman BS, Blasco PA, Miller G, Sandler A, Shevell M, et al. Practice parameter: diagnostic assessment of the child with cerebral palsy: report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology and the Practice Committee of the Child Neurology Society. Neurology. 2004;62(6):851-63 Diament A. Encefalopatias crônicas da infância e deficiência mental. In: Diament A, Cypel S. Neurologia infantil. São Paulo: Atheneu; 2005. p. 901-40. Fenichel GM. Neurologia pediátrica: sinais e sintomas. 3. ed. Rio de Janeiro: Revinte; 2000. Fonseca LF, Lima CLA. Paralisia cerebral: neurologia, ortopedia e reabilitação. Rio de Janeiro: Medbook; 2008. Rotta NT, Bianchi MA, da Silva AR. Retardo do desenvolvimento neuropsicomotor. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo RS. Rotinas em neuropediatria. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 1725. Sherr EH, Shevell MI. Mental retardation and global development delay. In: Swaiman KF, Ashwal S, Ferriero DM. Pediatric neurology principles and practice. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2006. p. 799-820. Wood E. The child with cerebral palsy: diagnosis and beyond. Semin Pediatr Neurol. 2006;13(4):286-96.

726

36.4

MENINGITES E ENCEFALITES

EDUARDO ANTONIO RHODEN DE ARAUJO CLARISSA ARAUJO PINTO PAPALEO JOSIANE RANZAN

Meningite é um processo inflamatório purulento no sistema nervoso central (SNC), envolvendo a pia-máter, a aracnoide e o espaço subaracnóideo, definida pelo achado laboratorial de germes e/ou aumento da quantidade de leucócitos no líquido cerebrospinal. Encefalite é a inflamação do encéfalo, podendo ser diagnosticada com exatidão somente por análise histopatológica, mas que, na prática, é definida pelo quadro clínico (ver Cap. 36.4). A análise do líquido cerebrospinal é fundamental para o diagnóstico diferencial entre as diversas formas de meningites, encefalites e meningoencefalites. Destacamos, na Tabela 36.4.1, as principais etiologias e as características liquóricas que as caracterizam.

Conceito e epidemiologia. Doença quase sempre fatal se não manejada como quadro emergencial, independentemente da faixa etária. Na era pré-antibiótico, sua mortalidade atingia 100%. Estudos epidemiológicos brasileiros mostraram a meningite bacteriana como causa de óbito em 20% dos casos na faixa etária de 0-7 anos. Etiologia. De um modo geral, Streptococcus pneumoniae e Neisseria meningitidis são as bactérias mais prevalentes. Estratificando por faixa etária, temos, no período neonatal, uma variada gama de germes, já que as vias transplacentária e vertical durante o parto podem transmitir seus germes (Tab. 36.4.2). É importante ressaltar o papel do Haemophilus influenzae tipo B (Hib) nas meningites. Antes um patógeno muito prevalente e com alta morbimortalidade, após a introdução da vacina anti-Hib na rede pública, em 1999, suas taxas caíram drasticamente, tendo sua incidência reduzida em 97%. Quadro clínico. Está diretamente relacionado à idade do paciente. No período neonatal, a meningite costuma estar associada à sepse; sendo assim, os sinais sistêmicos (febre, hipotermia, sucção débil, irritabilidade, hipoatividade, bradi/ taquipneia, má perfusão, distensão abdominal, vômito, icterícia) são de extrema importância. Irritação meníngea é muito rara, podendo ser pesquisada pelo sinal de Lesage, que consiste em suspender o lactente pelos ombros como se fôssemos proceder a manobra do reflexo de apoio plantar; nos quadros de irritação meningorradicular, o paciente flexiona o pescoço e as pernas, no sentido de diminuir a sensação de dor. Os lactentes também apresentam sinais e sintomas muitas vezes inespecíficos (febre, vômito, irritabilidade, recusa alimentar), acompa727

MENINGITES E ENCEFALITES

MENINGITE BACTERIANA

Tabela 36.4.1 ACHADOS LIQUÓRICOS E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS MENINGITES APÓS O PERÍODO NEONATAL Diagnóstico

Leucócitos totais

Citológico diferencial

Glicose

Proteína

Bacteriana

10-100.000

PMNs

Baixa

Normal a 600

Tuberculosa

25-500

Linfócitos

Baixa

Elevada

Viral

10-2.000

Inicialmente PMNs; Normal após, linfócitos

Normal a 100

Fúngica

10-1.000

Linfócitos

Elevada

Baixa ou normal

MENINGITES E ENCEFALITES

PMN, polimorfonuclear. Fonte: Adaptada de Ohlweiler, Segatto e Sebben (2005).

Tabela 36.4.2 PATÓGENOS MAIS PREVALENTES POR FAIXA ETÁRIA E FATOR DE RISCO Idade e fator de risco

Germes

Imunocompetentes < 3 meses

Escherichia coli; Streptococcus grupo B; Listeria monocytogenes; Streptococcus pneumoniae; Haemophilus influenzae tipo B

Imunocompetentes entre 3 meses e 18 anos

Streptococcus pneumoniae; Neisseria meningitidis

Imunodeficientes

Listeria monocytogenes; germes Gram-negativos

Patologias neurocirúrgicas

Staphylococcus aureus; germes Gram-negativos

Fonte: Adaptada de Ohlweiler, Segatto e Sebben (2005).

nhados, em alguns casos, de sinais de hipertensão intracraniana, como abaulamento das fontanelas. Da idade pré-escolar em diante, o quadro clínico costuma ser mais característico: sinais e sintomas de síndrome infecciosa (febre e toxemia) e/ 728

ou síndrome de hipertensão intracraniana (cefaleia, vômitos, fotofobia) e/ou síndrome de irritação meningorradicular (sinais de Kernig, Brudzinski e Lasègue). Diagnóstico. O diagnóstico definitivo depende da análise do líquido cerebrospinal, e sua realização deve ser efetuada o mais precocemente possível. Ressalta-se que, embora a coleta de líquido cerebrospinal deva ser adiada em algumas situações, o tratamento antimicrobiano jamais pode ser postergado esperando a coleta de exames. Na grande maioria das vezes, a coleta do líquido cerebrospinal é realizada por punção lombar, havendo poucas contraindicações: instabilidade ventilatória ou hemodinâmica, infecção no local da punção ou sinais de hipertensão intracraniana, sendo que, na última situação, é altamente recomendável neuroimagem de urgência antes da punção. A plaquetopenia é uma contraindicação relativa se a contagem estiver entre 10.000 e 70.000. Idealmente devemos realizar a punção lombar com raquimanometria e coletar glicemia e hemoculturas concomitantes.

Tratamento. A antibioticoterapia deve ser iniciada precocemente. Para cada faixa etária há um esquema preconizado. No período neonatal, recomenda-se ampicilina + cefalosporina de 3a geração (de preferência, cefotaxima). Na faixa de 1-3 meses de vida, a associação ampicilina + ceftriaxona é a preferida. Após os 3 meses, terapia empírica com ceftriaxona é a recomendação geral. Lembrar de casos especiais, como pacientes internados, prematuros e com comorbidades, nos quais germes menos prevalentes podem incidir e outros esquemas antimicrobianos (vancomicina, gentamicina) podem, portanto, ser necessários. O tratamento deve ser individualizado após a identificação do germe na cultura e avaliação do antibiograma. A principal preocupação nesse sentido atualmente reside na incidência de pneumococos resistentes à penicilina. Pacientes afebris após 24-48 horas do início do uso do antibiótico não necessitam de nova punção lombar. O tempo de tratamento varia para cada germe: 14 dias para meningites neonatais e listeriose, 21 dias para enterobactérias, 5-7 dias para meningococo e 10-14 dias para pneumococo. O uso de corticoides permanece controverso. Apesar de alguns estudos terem demonstrado seu benefício quando usados até 1 hora antes dos antimicrobianos, outros verificaram que podem diminuir a penetração do antibiótico nas meninges. Devemos sempre lembrar da quimioprofilaxia. A preferência é pela rifampicina (20 mg/kg/dia até o máximo de 600 mg/dia, 1-2 vezes ao dia, por 4 dias), tendo como alternativas o ciprofloxacino (500 mg, dose única, somente para maiores de 12 anos) e o ceftriaxona (125 mg, dose única, para menores de 12 anos, e 250 mg, dose única, para maiores), sendo esse último o preferencial para gestantes. Indicações: casos de Haemophilus e meningococo. Meningococo: todos 729

MENINGITES E ENCEFALITES

Complicações. O paciente com diagnóstico de meningite deve ser constantemente reavaliado. O choque é a mais grave e uma das mais frequentes complicações, principalmente nos casos de doença meningocócica. Convulsões podem estar presentes em até um terço dos casos. Abscessos estão geralmente presentes nas meningites causadas por infecções contíguas, pós-trauma ou após neurocirurgia.

os casos-índice que não tenham sido manejados com cefalosporina, contato domiciliar, creche ou maternal, exposição direta às secreções do paciente, ressuscitação boca a boca. Haemophilus: todos os casos-índice que não tenham sido manejados com cefalosporina, todos os contatos domiciliares onde exista criança com esquema vacinal anti-Hib incompleto e contatos de enfermaria.

MENINGITE VIRAL E ASSÉPTICA Conceito. Processo inflamatório da meninge, podendo ser causado por inúmeros agentes etiológicos. Na grande maioria dos casos, o líquido cerebrospinal apresenta pleocitose, mas a glicorraquia e a proteinorraquia são normais, e a bacterioscopia/ bacteriologia é negativa. É definida como viral quando são encontrados genoma do agente infectante ou achados histopatológicos nas meninges e/ou no líquido cerebrospinal. Na ausência de qualquer germe ou vírus, é chamada asséptica.

MENINGITES E ENCEFALITES

Etiologia. Nos casos definidos como de origem viral, os enterovírus são os mais comuns (mais de dois terços dos pacientes), mantendo relação com a sazonalidade (mais comuns na primavera e no verão), seguidos pelos herpes-vírus. Quadro clínico e tratamento. Os sintomas costumam seguir a divisão etária mostrada no item das meningites bacterianas, porém com curso mais brando, com exceção das infecções herpéticas (ver adiante), que requerem manejo agressivo.

ENCEFALITES E MENINGOENCEFALITES Conceito e etiologia. Processo inflamatório do encéfalo, sendo denominado meningoencefalite quando acomete as meninges adjacentes. Seus agentes etiológicos são os mais variados vírus, com destaque novamente para os enterovírus e os herpes-vírus; com menor prevalência, adenovírus e H. influenzae. Quadro clínico e diagnóstico. Podem variar em função da área encefálica acometida, embora normalmente os lobos temporais e frontais sejam os mais envolvidos. Manifestações clínicas mais comuns: distúrbios do comportamento, alterações da consciência, convulsões, febre, cefaleia e vômitos. Sinais focais também podem estar presentes. Vale ressaltar que, exceto nos casos em que as meninges adjacentes encontram-se acometidas, as encefalites têm líquido cerebrospinal com características normais. Nos casos herpéticos, podem ser utilizados exames complementares, como eletrencefalograma (EEG) e cintilografia perfusional, ambos mostrando alterações precoces na doença e com boa sensibilidade diagnóstica. No EEG, aparecem ondas lentas nas regiões temporal (mais comum) e frontal (mais raro) com características únicas, chamadas de surtos de lentificação semiperiódicas. Já na cintilografia perfusional, há um aumento de captação de contraste nas áreas acometidas, em função de lesão na barreira hematencefálica. 730

Tratamento. Aciclovir nos casos herpéticos (60 mg/kg/dia para neonatos e 1.500 mg/m² para lactentes e maiores) por, no mínimo, 14 dias. Suporte nos demais casos.

MENINGITE E MENINGOENCEFALITE TUBERCULOSA

Quadro clínico. Há diversas fases na evolução da meningite tuberculosa. Inicialmente pode haver sinais sistêmicos inespecíficos (febre, apatia, cefaleia ocasional); após poucas semanas, evolui com sintomas mais francos de hipertensão intracraniana e sinais meníngeos. Nessa etapa, já está consolidada a hidrocefalia, e seu manejo deve ser sempre considerado. A fase tardia, geralmente quando o paciente encontra-se em grau importante de deterioração, já manifesta alterações de tônus e de consciência, muitas vezes irreversíveis. Diagnóstico. Devemos sempre incluir no diagnóstico diferencial das infecções do SNC a tuberculose, já que é uma doença de alta prevalência no nosso país. A anamnese deve ser focada na evolução clínica do paciente e nos antecedentes, buscando sempre detalhes dos contactantes e de doenças adjacentes. Lembrar também do diagnóstico em meningites que parecem ser bacterianas e que não estão tendo a evolução esperada. A Figura 36.4.1 apresenta os achados característicos na ressonância magnética. Tratamento. Esquema tríplice com rifampicina (10 mg/kg/dia), isoniazida (10 mg/kg/dia) e pirazinamida (35 mg/kg/dia) – esquema RHZ – por dois meses, seguidos por sete meses de esquema RH. Associação com corticoide sistêmico (prednisolona, 1-2 mg/kg/dia) por 4-6 semanas é recomendável.

MENINGITE CRIPTOCÓCICA Conceito. É a meningite mais prevalente nas crianças imunocomprometidas, especialmente nas portadoras de AIDS, podendo eventualmente acometer também imunocompetentes. O fungo Cryptococcus neoformans é um saprófita na nature731

MENINGITES E ENCEFALITES

Conceito. Forma subaguda ou crônica de meningite, podendo eventualmente haver acometimento encefálico (abscesso, vasculite, tuberculoma), caracterizando uma meningoencefalite. Ressalta-se, no entanto, que pode apresentar-se de modo agudo, mimetizando um quadro de meningite bacteriana, especialmente na população pediátrica. É uma das formas de meningite com maior morbimortalidade, mesmo com disponibilidade de tuberculostáticos eficazes, em função do seu diagnóstico ser, na maioria das vezes, tardio. Assim como outras formas de tuberculose, a infecção no SNC pode ocorrer em indivíduos imunocompetentes, embora seja de grande preocupação sua incidência em pacientes imunocomprometidos, como aqueles portadores de síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).

Figura 36.4.1

MENINGITES E ENCEFALITES

Ressonância nuclear magnética (RNM) de encéfalo de paciente com 1 ano e 4 meses de idade, com 14 dias de evolução da doença. Imagem ponderada em T1 com contraste, evidenciando dilatação ventricular (seta preta), hipersinal nas leptomeninges da base do encéfalo (seta branca) e extensa área de hipossinal no segmento anterior do lobo temporal esquerdo, visualizando-se ainda captação de contraste na corticalidade (seta verde). Tais achados são característicos da meningoencefalite tuberculosa.

za e infecta o paciente a partir da inalação das leveduras. É 100% fatal se não tratada. Quadro clínico. Tem usualmente evolução subaguda, em poucas semanas, com sintomas inicialmente inespecíficos e brandos para, a seguir, tornar-se bastante sintomática, com febre, vômitos, cefaleia, irritabilidade e letargia, podendo cursar ainda com sinais de irritação meningorradicular, hipertensão intracraniana (HIC) e ataxia. Diagnóstico. Os exames de neuroimagem podem ser normais em até 50% dos casos, mesmo nas fases mais avançadas. No entanto, quando alterados, costumam ter as mesmas alterações encontradas na meningite tuberculosa: espessamento das leptomeninges, hidrocefalia tetraventricular e atrofia cerebral. O exame do líquido cerebrospinal é crucial para o diagnóstico. A pressão de abertura costuma ser bastante elevada, e a análise liquórica deve incluir, além da bioquímica e da bacteriologia-padrão, a pesquisa do antígeno criptocócico (sensibilidade de 90%) e a pesquisa direta do fungo com tinta da China (sensibilidade entre 70 e 90%). O exame cultural costuma ser positivo em menos de 50% dos casos.

732

Tratamento. A HIC costuma persistir por dias a semanas; para atenuá-la, punções lombares de alívio ou até mesmo colocação de sistemas valvulares podem ser necessárias. A terapia antifúngica, em crianças imunocompetentes, costuma ser: Q

Anfotericina B (0,7-1,0 mg/kg/dia) associada à flucitosina (100 mg/kg/dia), por duas semanas, no mínimo, ou até diminuição das titulações do antígeno criptocócico no líquido cerebrospinal. Q Após essa fase, utilizar fluconazol, 400-800 mg/dia, por 10-12 semanas.

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MENINGITES E ENCEFALITES

Fraga AMA, dos Reis MC. Meningites bacterianas. In: Riccetto AGL, Zambon MP. Urgências e emergências pediátricas. Campinas: Revinter; 2005. p. 17-24

36.5

ATAXIAS AGUDAS

ATAXIAS AGUDAS

ANTONIO MILTON LIMA GARCIA NORMA MARTINS DE MENEZES MORAIS JOSIANE RANZAN

Definição. O termo “ataxia” vem do grego, ataktos, que significa “desprovido de comando”. É uma anormalidade da organização ou da modulação do movimento, ou seja, um distúrbio do controle fino cinético-postural. O órgão-chave responsável por essa função é o cerebelo, que funciona como um “relé” intermediário entre as informações sensitivas (tônus muscular e noção de posicionamento no espaço) e os estímulos motores para a realização de um movimento harmônico. Dessa forma, o cerebelo recebe informações de estruturas sensitivas, como os nervos periféricos, os cordões posteriores da medula e o sistema vestibular, além de estruturas motoras, como o córtex do lobo frontal. Lesões em qualquer ponto desse complexo circuito neuronal podem culminar em ataxia, associando-se ou não a outros sintomas motores ou sensitivos, dependendo do nível da lesão. Existem duas formas de apresentação da ataxia: a cerebelar e a sensitiva. A primeira tem como principais sintomas a incoordenação dos movimentos voluntários (erros de direção, dismetria, disartria e marcha atáxica), a perda do equilíbrio (alargamento da base de sustentação) e a hipotonia. Na segunda, além desses, ocorrem o sinal de Romberg positivo (queda da posição em ortostase após fechamento ocular) e a ausência dos reflexos. Podemos classificar a ataxia como congênita ou adquirida, ou, ainda, aguda, recorrente ou crônica. A ataxia aguda é a forma mais comum de apresentação na infância e pode ser definida como instabilidade da marcha e do controle motor fino, com menos de 72 horas de duração, em uma criança previamente hígida. Quadro clínico. A principal queixa em uma criança atáxica é a recusa para deambular ou marcha ebriosa. Além dessas, são também frequentemente observadas disartria, instabilidade axial e apendicular. Entretanto, em crianças menores, a irritabilidade pode ser o único sintoma referido. A maior preocupação é afastar causas graves de ataxia aguda. Por isso, é muito importante averiguar a presença de nuanças de história e sintomas associados para se estabelecer um raciocínio clínico quanto à etiologia. Deve-se indagar sobre a presença de sinais infecciosos, como febre, rash e sintomas gastrintestinais, e investigar com cautela a possibilidade de abuso de drogas ilícitas, álcool, ingestão de medicações ou de outras substâncias tóxicas. História de infecção recente e uso de vacinas podem sugerir doenças desmielinizantes. Cefaleia com sinais de alerta para aumento da pressão intracraniana podem ser secundários a hidrocefalia obstrutiva ou a processo expansivo intracraniano, principalmente tumores infratentoriais. Alterações do comportamento ou do nível de consciência podem sugerir intoxicações, infecções do sistema nervoso central, hemorragias, entre outros.

734

Etiologia. As patologias mais frequentemente implicadas como causa de processos atáxicos agudos na infância são a ataxia aguda cerebelar (cerebelite) e as síndromes cerebelares tóxicas. Essas correspondem a aproximadamente três quartos de todas as ataxias agudas na faixa etária pediátrica. Outras causas menos frequentes de ataxia estão descritas no Quadro 36.5.1. Não é raro observarmos ataxia em crianças muito pequenas apenas durante picos febris. Essa apresentação benigna e autolimitada deve-se à imaturidade do sistema cerebelar até os 2 anos de idade. Outra forma de apresentação não rara é a chamada ataxia funcional, ou marcha histérica, mais frequente entre adolescentes do sexo feminino e que pode ser diferenciada pela evidência de sinais clínicos incompatíveis, como marcha sem alargamento da base e quedas pouco frequentes.

ATAXIA CEREBELAR AGUDA (CEREBELITE) Corresponde a cerca de 40% dos casos de ataxia aguda na criança e pode ser de etiologia infecciosa, secundária à ação direta de um microrganismo no parênquima cerebelar ou, mais frequentemente, pós-infecciosa, secundária à reação autoimune indireta contra epítopos cerebelares, podendo levar a processos desmielinizantes. O agente etiológico mais frequentemente relacionado é o vírus da varicela-zóster, responsável por 26% dos casos. Outras causas de cerebelite na infância estão relacionadas no Quadro 36.5.2. Acomete mais comumente crianças entre 2 e 4 anos de idade, e em quase 70% dos casos pós-infecciosos há antecedentes de sintomas virais entre 5 e 21 dias antes do início da ataxia. As manifestações clínicas são de instalação abrupta e de maior intensidade em seu início. A ataxia tem maior comprometimento axial do que apendicular, acompanhado ou não por paralisias de nervos cranianos, sinais neurológicos focais, alterações de comportamento, febre ou crises convulsivas. Em geral, o nível de consciência é preservado.

735

ATAXIAS AGUDAS

Outros sintomas, como otalgia e vertigens, além de história de episódios prévios e antecedentes familiares de ataxia, podem fomentar a existência de processos subagudos ou crônicos, como labirintite, enxaqueca, doenças metabólicas ou hereditárias. A irritabilidade e a pouca cooperação de algumas crianças atáxicas tornam difícil a diferenciação entre fraqueza e ataxia. A observação cautelosa dos movimentos, postura e interação social da criança muitas vezes nos fornece informações importantes. Sinais vitais alterados, como bradicardia, hipertensão, disfunção respiratória e febre, devem ser prontamente reconhecidos. Outros sinais de alerta no exame físico para causas graves de ataxia são: abaulamento de fontanela anterior, papiledema, meningismo, rebaixamento do nível de consciência, déficits motores focais e disfunções de nervos cranianos.

Quadro 36.5.1 CAUSAS DE ATAXIA AGUDA NA INFÂNCIA Doenças cerebelares infecciosas/ imunomediadas – Ataxia cerebelar aguda – Encefalomielite desmielinizante aguda – Infecções sistêmicas – Encefalite de tronco – Esclerose múltipla Tóxica – Álcool e drogas Lesões com efeito de massa – Tumores – Lesões vasculares – Abscessos

ATAXIAS AGUDAS

Hidrocefalia Trauma – Contusões ou hemorragias cerebelares – Hematoma de fossa posterior – Síndrome pós-concussão – Dissecção vertebrobasilar Acidente vascular cerebral – Dissecção ou tromboembolismo vertebrobasilar – Hemorragia cerebelar

Doenças paraneoplásicas – Síndrome opsoclono-mioclônica Ataxia sensorial – Síndrome de Guillain-Barré – Síndrome de Miller-Fisher Ataxia parética – Neurônio motor superior • Lesões do lobo frontal e das vias corticoespinhais – Neurônio motor inferior • Medula espinal: mielite transversa, lesões vasculares e compressivas • Nervos periféricos: síndrome de Guillain-Barré, síndrome de Miller-Fisher, paralisia funcional Outros transtornos neurológicos – Erros inatos do metabolismo – Enxaqueca basilar e vertigem paroxística benigna – Crises não convulsivas – Mielinólise pontina central – Encefalopatia de Wernicke Ataxia funcional

Fonte: Adaptado de Ryan e Engle (2003).

O líquido cerebrospinal pode apresentar pleocitose linfomonocitária em 2050% dos casos e a proteinorraquia pode se encontrar elevada. A neuroimagem está indicada em caso de comprometimento da consciência, sinais neurológicos focais, marcada assimetria da ataxia ou sintomas de hipertensão intracraniana. A maioria dos quadros virais infecciosos ou pós-infecciosos é autolimitada, raramente ocorrendo complicações. Os sintomas atáxicos podem persistir por até três meses. 736

Quadro 36.5.2 CAUSAS DE CEREBELITE NA INFÂNCIA Infecção direta – Ecovírus tipo 9 – Varicela-zóster – Meningite bacteriana (meningocócica, pneumocócica) – Enterovírus – Coxsackie vírus Infecções associadas a cerebelites pós ou parainfecciosas

– – – – – – – – – –

Herpes-vírus simples tipo 1 Coxsackie A Ecovírus tipo 6 Enterovírus tipo 71 Malária Poliovírus tipo 1 Vírus da encefalite japonesa B Parvovírus B19 Rubéola Mycoplasma pneumoniae

Infecções sistêmicas – – – – – –

Varicela-zóster Vírus Epstein-Barr Sarampo Legionella pneumophila Hepatite A Influenza A e B

– – – – –

Febre tifoide Escarlatina Mycoplasma pneumoniae Difteria Leptospirose

ATAXIAS AGUDAS

Fonte: Adaptado de Ryan e Engle (2003).

INTOXICAÇÕES EXÓGENAS Cerca de 32% das ataxias agudas na infância são atribuídas à ingestão de drogas e substâncias tóxicas. Intoxicações pelo uso de drogas anticonvulsivantes, benzodiazepínicos, álcool, anti-histamínicos e piperazina são as mais habitualmente relacionadas a sintomas cerebelares. Os sintomas atáxicos são predominantemente axiais e comumente acompanhados de nistagmo, além de alterações da consciência, como mudanças de comportamento, letargia, confusão e coma. Uma boa anamnese e um screening toxicológico na urina e no sangue são essenciais para o diagnóstico.

POLIRRADICULONEUROPATIAS INFLAMATÓRIAS AGUDAS Principais representantes das ataxias agudas sensitivas, a síndrome de GuillainBarré e sua variante, Miller-Fisher, são enfermidades cuja fisiopatologia está relacionada à desmielinização e/ou degeneração axonal do sistema nervoso periférico como resposta a uma reação inflamatória imunomediada pós-infecciosa ou 737

ATAXIAS AGUDAS

pós-vacinal. Gastrenterites causadas pela bactéria Campylobacter jejuni representam a sua mais frequente etiologia. Suas manifestações clínicas são decorrentes de uma ausência de informações sensitivas periféricas ao cerebelo, levando a ataxia, disestesias, paralisia flácida, sinal de Romberg positivo, sintomas autonômicos e arreflexia profunda. A síndrome de Miller-Fisher apresenta, como tríade clássica: ataxia, arreflexia e oftalmoplegia. São peças-chave para o diagnóstico a presença de dissociação proteinocitológica liquórica e a detecção, à eletroneuromiografia (ENMG), de uma diminuição na velocidade de condução nervosa periférica sensitiva e/ou motora. Em 96% dos casos, são encontrados anticorpos séricos contra gangliosideos GQ1b (componentes da mielina). O tratamento baseia-se na administração de imunoglobulina humana ou plasmaferese, sempre acompanhadas de reabilitação multidisciplinar. Investigação diagnóstica. Os dados da história e do exame físico devem guiar os profissionais na solicitação dos exames mais indicados na investigação (Fig. 36.5.1). Podem fazer parte da avaliação laboratorial: leucograma, glicose sérica, screening toxicológico sérico e urinário, além de testes para avaliação metabólica, como função hepática, gasometria, análise qualitativa dos aminoácidos séricos e urinários, lactato, piruvato e amônia séricos e ácidos orgânicos na urina. O exame do líquido cerebrospinal é importante para o diagnóstico diferencial da ataxia aguda, embora possa ser absolutamente normal. A presença de importantes pleocitose e hiperproteinorraquia pode indicar reação inflamatória desmielinizante, meningite ou encefalite. Dissociação proteinocitológica liquórica sugere o diagnóstico de síndrome de Guillain-Barré. Bandas oligoclonais e IgG elevada fazem parte da investigação de encefalomielite desmielinizante aguda (EMDA) e esclerose múltipla. Estudos eletrofisiológicos, como ENMG e eletrencefalograma, também podem ser de grande valor e têm indicações restritas, como na suspeita de polineuropatias inflamatórias agudas ou de crises epilépticas respectivamente. A tomografia computadorizada (TC) de encéfalo está indicada como exame de urgência para afastar a presença de tumorações e hemorragias intracranianas. A ressonância magnética de encéfalo é primordial na investigação de encefalites de tronco, EMDA e encefalites pós-infecciosas. Tratamento. O tratamento varia conforme a causa da ataxia aguda, não existindo uma conduta universal. O uso de medicações como clonazepam, amantadina, lamotrigina, ondansetron, buspirona ou gabapentina para tratamento da incoordenação não é eficaz na maioria dos casos. Não existe evidência de que o uso de terapia imunossupressiva melhore o desfecho das ataxias agudas pós-infecciosas. Fisioterapia motora, terapia ocupacional e fonoaudiologia podem contribuir para a reabilitação de doenças graves, como tumores, acidentes vasculares cerebrais e traumas craniencefálicos. Prognóstico. As ataxias agudas em geral têm curso benigno e transitório. Os sintomas podem perdurar de 15 dias a 3 meses no caso de ataxias pós-infecciosas, ou 738

ATAXIAS AGUDAS

Figura 36.5.1 Fluxograma para investigação das ataxias agudas na infância. * Papiledema, cefaleia e/ou vômito; • punção lombar deve ser considerada; ∆ este é um diagnóstico de exclusão. Considerar TC de crânio.

entre 6 meses e 1 ano em casos de polineuropatias inflamatórias. Raramente ocorrem recorrências ou sequelas. Dificuldades de aprendizagem e de comportamento podem ocorrer em 20% durante a fase de recuperação, melhorando em até 6 meses. 739

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DISTÚRBIOS DO SONO

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36.6

DISTÚRBIOS DO SONO

NORMA MARTINS DE MENEZES MORAIS ANTONIO MILTON LIMA GARCIA RUDIMAR DOS SANTOS RIESGO

Os distúrbios do sono na faixa etária pediátrica são comuns, afetam cerca de 2540% das crianças e adolescentes e podem comprometer de forma significativa o desenvolvimento da criança, incluindo aprendizado, crescimento, comportamento e controle emocional. A sonolência diurna excessiva é comum em algumas dessas desordens, mas ainda pouco reconhecida nas crianças. Ela pode ser aparente quando há sinais como bocejos, atividade diminuída, dificuldade de concentração, coçar ou fechar dos olhos. Entretanto, especialmente nos pré-puberes, esses sinais podem se manifestar sob a forma de desatenção, hiperatividade ou problemas comportamentais. A segunda edição da Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono, publicada em 2005 pela Academia Americana de Medicina do Sono, divide os distúrbios do sono em (1) insônia, (2) distúrbios do sono relacionados à respiração, (3) hipersonias de origem central, (4) distúrbios do ritmo circadiano, (5) parassonias, (6) distúrbios do movimento relacionados ao sono, (7) sintomas isolados e variantes normais e (8) outros.

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ABORDAGEM DAS QUEIXAS RELACIONADAS AO SONO

Q Q Q Q Q Q

Q Q Q Q Q Q

Os horários de sono da criança (hora de deitar, latência para início do sono, hora de acordar e variações desses horários nos fins de semana e feriados); Rotina e ambiente do sono (inclusive presença de coleito e aparelhos eletrônicos no quarto, como TV); Posição de dormir; Necessidades habituais para iniciar o sono (chupeta, embalo, palmadinhas); Sensação de pernas inquietas antes de dormir, pensamentos e preocupações que interferem no início do sono; Comportamento durante o sono, como presença de roncos, respiração bucal, apneias, sudorese, refluxo gastresofágico (RGE), pesadelos, terror noturno, enurese, frequência e duração dos despertares, comportamentos anormais sugestivos de crises convulsivas; Comportamento durante o dia (irritabilidade, desatenção, hiperatividade, sonolência); Rendimento escolar; Número de “sonecas” durante o dia e sua duração; Uso de substâncias ou medicações que podem interferir na função sono-vigília (cafeína, estimulantes, sedativos); Intervenções feitas pelos pais para melhorar o sono; História psicossocial (morte na família, separação dos pais, nascimento de um novo irmão) e história familiar de distúrbios do sono.

O exame físico deve incluir peso, altura, índice de massa corporal e pressão arterial, pois a apneia obstrutiva do sono pode estar associada a baixo ganho ponderal na infância, obesidade na adolescência e hipertensão arterial nos casos graves. Deve-se avaliar a presença de anormalidades craniofaciais, como micrognatia, má oclusão dentária, macroglossia, fácies miopática. Também é importante detectar se há respiração bucal, desvio de septo, hipertrofia de amígdalas e adenoides, edema dos cornetos inferiores, com possível necessidade de encaminhamento ao otorrinolaringologista. A apneia obstrutiva do sono pode ser decorrente de anormalidades do sistema nervoso central, como malformações de Arnold-Chiari tipos I e II. Doenças neuromusculares, como a distrofia miotônica, podem estar relacionadas com hipoventilação obstrutiva crônica. A polissonografia noturna é útil para monitorar vários parâmetros fisiológicos durante o sono na avaliação de distúrbios intrínsecos do sono, como narcolepsia, apneia obstrutiva do sono, síndrome de resistência das vias aéreas superiores e distúrbio do movimento periódico dos membros. Ela consiste na monitoração simultânea de dois ou quatro canais de eletrencefalograma, movimentos oculares, eletromiografia das pernas e queixo, fluxo aéreo nasal, esforço respiratório torácico e abdominal, eletrocardiograma e saturação de oxigênio. Se há suspeita de RGE, pode-se monitorar o pH esofágico simultaneamente.

741

DISTÚRBIOS DO SONO

A história do sono é crucial para se chegar ao diagnóstico. As perguntas relevantes incluem dados sobre:

DISTÚRBIOS DO SONO

INSÔNIA A insônia é definida como a dificuldade de iniciar ou manter o sono e apresenta características diversas durante o desenvolvimento. Pode ocorrer tanto em crianças sadias como ser secundária a diversas doenças orgânicas e emocionais. O reconhecimento da causa da insônia é o primeiro passo para uma abordagem adequada. As doenças orgânicas, tanto crônicas como agudas, podem causar insônia. As doenças agudas, como infecções respiratórias, otites, traumatismos, geralmente causam insônia relacionada ao início do problema e por tempo limitado à duração da enfermidade. Entretanto, a insônia é mais frequentemente causada por alterações ambientais, comportamentais ou emocionais. São causas comuns o medo e a ansiedade, como a ansiedade de separação nos lactentes e o medo de ficar sozinho, mais comum entre 2 e 3 anos, associado a eventos assustadores ou estresse pós-traumático. Existe uma associação importante dos distúrbios do sono na infância com depressão e ansiedade, principalmente em adolescentes e préadolescentes. As causas comportamentais de insônia incluem aquelas relacionadas a hábitos e associações inadequados para iniciar o sono, como a necessidade de embalo, presença dos pais, tapinhas nas costas, TV ligada e andar de carro. Essas são consideradas associações negativas, pois durante os despertares fisiológicos, que ocorrem tipicamente de 2-6 vezes por noite, a criança vai precisar das mesmas condições para voltar a dormir. Associações positivas são aquelas em que a criança consegue se acalmar sem a necessidade de terceiros, como a presença dos chamados objetos de transição (p. ex., boneca ou fralda preferida). Outra causa comportamental é a falta do estabelecimento de limites pelos pais, comum em pré-escolares, que se manifesta pela recusa ou tentativa de prorrogar o horário de ir para cama. Isso faz parte do desenvolvimento da criança, que testa limites e tenta exercer sua independência. Após o diagnóstico da insônia e de suas causas, o manejo inclui a remoção dos fatores relacionados (tratamento específico da doença ou correção de fatores ambientais). A higiene do sono é fundamental e refere-se ao estabelecimento de condições adequadas a um sono saudável e efetivo, tendo como base três aspectos fundamentais: ambiente, horário e atividades prévias ao sono. O ambiente deve ser escuro ou ter pouca luminosidade, ser silencioso e com temperatura agradável. Os horários de dormir e acordar, inclusive os horários de sesta durante o dia, precisam ser consistentes e regulares. A rotina de atividades antes de dormir também deve ser bem estabelecida, como na sequência banho, jantar, escovar os dentes, colocar o pijama, ir ao banheiro, ouvir música calma ou história suave. É necessário que o método de colocar a criança na cama também seja consistente, podendo-se utilizar objetos de transição. Devem ser evitadas atividades estimulantes antes de dormir, como exercícios físicos ou programas de TV. A utilização de fármacos no tratamento da insônia deve ser feita em casos muito bem selecionados, após o diagnóstico e como coadjuvante das técnicas comportamentais. As opções disponíveis para crianças saudáveis são limitadas a dois grupos de medicação: anti-histamínicos (como a difenidramina, 0,5 mg/kg) ou hidrato de cloral (dose de 25-50 mg/kg) nos casos mais graves. Seu uso deve ocorrer de forma transitória, nas primeiras três semanas de utilização das técnicas 742

comportamentais. Há também relatos de que a melatonina, na dose de 5 mg/kg, é eficaz em crianças com idade entre 6 e 12 anos.

A apneia obstrutiva do sono é caracterizada por oclusão completa ou parcial das vias aéreas superiores, associada à queda de saturação de cerca de 4%, transitória, apesar do esforço torácico e abdominal. Os sintomas noturnos incluem roncos, sono agitado, frequência aumentada de parassonias, respiração bucal, sudorese excessiva, sons de engasgos e apneias. Os sintomas diurnos são desatenção, baixo rendimento escolar, sonolência excessiva, hiperatividade, irritabilidade, ganho ponderal inadequado e, nos casos graves, cor pulmonale por hipoxia crônica. Quando se confirma o diagnóstico de hipertrofia de amígdalas e adenoides, a investigação pode se restringir à monitoração de oximetria noturna. Quando houver dessaturações recorrentes, indica-se, como procedimento inicial, a adenoamigdalectomia. A polissonografia fica reservada aos casos com etiologia e sintomas menos óbvios, em pacientes com déficits neurológicos múltiplos, nos casos em que se considera uso de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) ou quando há clínica sugestiva de hipertrofia de amígdalas e adenoides com oximetria normal, uma vez que pode ocorrer hipoventilação sem dessaturação. Deve-se orientar redução de peso em pacientes obesos e encaminhar pacientes com prolapso de língua e retrognatia para avaliação odontológica. A CPAP está indicada naqueles casos em que o procedimento cirúrgico não está indicado ou não foi eficaz. O ronco primário na infância caracteriza-se pela presença de ronco noturno não associado à apneia, hipoxemia ou hipercarbia, e sem sinais de sonolência diurna. A polissonografia não preenche critérios para apneia obstrutiva do sono, e a necessidade de tratamento é controversa.

HIPERSONIAS DE ORIGEM CENTRAL Essa categoria inclui distúrbios em que a queixa principal é a sonolência diurna sem relação com sono agitado ou com alteração do ritmo circadiano. Os principais diagnósticos são a narcolepsia (com ou sem cataplexia) e a hipersonia idiopática. A tétrade narcoléptica inclui sonolência diurna excessiva, crises de cataplexia (episódio súbito de perda de tônus muscular global ou localizado em determinado segmento, com preservação da consciência), paralisia do sono (incapacidade de se mover ou falar na transição entre o sono e o despertar) e alucinações hipnagógicas (experiência vívida e semelhante ao sonho, que surge no início do sono ou durante o despertar). Apenas cerca de 16% das crianças e adolescentes narcolépticos apresentam os quatro sintomas reunidos. O tratamento é feito com estimulantes, como o metilfenidato, e antidepressivos tricíclicos, quando há crises intensas de cataplexia. 743

DISTÚRBIOS DO SONO

DISTÚRBIOS DO SONO RELACIONADOS À RESPIRAÇÃO

DISTÚRBIOS DO RITMO CIRCADIANO O distúrbio do ritmo circadiano do tipo denominado atraso de fase ocorre com maior frequência na adolescência. O quadro começa com a tendência de iniciar o sono cada dia mais tarde (em fins de semana ou férias) e, consequentemente, acordar mais tarde, o que leva a conflitos com as atividades da vida diária. Esse distúrbio é multifatorial, incluindo causas genéticas, biológicas e psicossociais. A diferença da insônia é que o sono se inicia rapidamente quando chega o horário habitual de dormir. Uma das abordagens utilizadas é estabilizar gradualmente o horário de sono, devendo o paciente dormir 15 minutos mais cedo a cada noite, até atingir o horário compatível com as atividades diárias. O horário de dormir/ acordar deve ser mantido o mais estável possível, incluindo fins de semana.

PARASSONIAS As parassonias são eventos indesejáveis ou desagradáveis que perturbam o sono, sem alterar a quantidade ou qualidade dele. São comuns na infância, frequentemente benignas, autolimitadas e tipicamente se resolvem na adolescência. São subdivididas em três grupos, conforme a seguir.

DISTÚRBIOS DO SONO

PARASSONIAS DO SONO NREM São caracterizadas por percepção alterada do ambiente, dificuldade de acordar durante o evento, ativação autonômica, comportamento semi-intencional, graus variáveis de confusão, desorientação e amnésia seguindo o episódio. Ocorrem com frequência em 15-20% das crianças pré-adolescentes e são decorrentes de imaturidade da estrutura do sono. Aparecem geralmente no primeiro terço do sono. Vários fatores têm influência nos mecanismos determinantes dessas parassonias, como predisposição genética, privação de sono, horário irregular de sono, estresse emocional, febre e a presença de outros distúrbios do sono. Os despertares confusionais são caracterizados por despertar súbito, com desorientação, confusão, agitação motora e gemidos, às vezes associados a comportamentos semipropositais, como chorar, gritar e bater. Podem ser de rápida duração, durando de 1-2 minutos, ou prolongados, podendo chegar a até 40 minutos. Tentativas de acordar ou consolar a criança podem ser inefetivas ou até piorar o quadro. Ocorrem tipicamente no primeiro terço da noite, mas também podem ocorrer mais tarde ou mesmo no sono diurno. O diagnóstico diferencial inclui crises epilépticas parciais noturnas, sonambulismo e terror noturno. O sonambulismo é caracterizado por comportamento estereotipado e caminhar noturno, com estado de consciência alterado e olhos abertos. Pode ser calmo (o mais comum) ou agitado, com graus variáveis de duração e complexidade. Ocorre geralmente no primeiro terço ou na metade do período de sono, e raramente no sono diurno. Amnésia do episódio é comum. O sonambulismo não é propriamente perigoso, mas é bom lembrar que a criança pode se envolver em situações perigosas, como sair de casa ou subir em janelas.

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PARASSONIAS ASSOCIADAS AO SONO REM Os distúrbios comportamentais do sono REM caracterizam-se por perda da atonia fisiológica do sono REM, com aumento da atividade muscular, resultando em atuação motora dos conteúdos do sonho. Os pacientes podem apresentar movimentos complexos, às vezes violentos, com risco de machucar a si mesmo ou outra pessoa com chutes e socos. É muito raro em crianças e geralmente ocorre como parte da narcolepsia ou em associação com algumas doenças orgânicas. Os pesadelos são caracterizados por sonhos vívidos recorrentes, com intensa sensação de terror ou morte, que tipicamente acordam o paciente do sono. Após acordar, a criança pode parecer ansiosa e contar com detalhes o sonho. Inicia-se tipicamente entre 3 e 6 anos, com pico de ocorrência entre 6 e 10 anos, e diminuição posterior. Os distúrbios psiquiátricos são três vezes mais prevalentes em crianças com pesadelos em relação às que não o apresentam. Esse distúrbio pode ser também um marcador de estresse pós-traumático ou de história de abuso sexual em crianças e adolescentes.

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DISTÚRBIOS DO SONO

O terror noturno é um dos distúrbios mais dramáticos, com despertar súbito associado a gritos, choro, confusão e ativação autonômica (midríase, diaforese, taquicardia, rubor facial), com duração de até 10 minutos. Os pacientes parecem agitados, sentam na cama e não respondem a estímulos externos. Se forem acordados, ficam confusos e desorientados. Durante os episódios, podem relatar a presença de monstros, aranhas, cobras e tentar se defender destes. Geralmente ocorre amnésia. Ocorre em crianças de 4-12 anos e tende a se resolver espontaneamente na adolescência. A principal dificuldade é diferenciar tais episódios de crises parciais complexas e epilepsia do lobo frontal. Esses eventos geralmente são leves e autolimitados, mas, em alguns casos, o potencial para acidentes torna imperativo o diagnóstico precoce e a intervenção rápida. Deve-se tranquilizar os pais e instituir medidas de segurança para evitar acidentes, como trancar portas e janelas, colocar sinos nas portas para sinalizar quando a criança deixar o quarto, etc. Também é importante avisar os pais para não tentar conter ou acordar a criança durante o episódio, pois isso pode piorálo ou prolongá-lo. Outras abordagens necessárias incluem higiene do sono e tratamento de eventuais distúrbios do sono associados, que podem estar predispondo a parassonias, como apneia obstrutiva do sono e síndrome das pernas inquietas. Quando os episódios ocorrem frequentemente e em um horário previsível, pode-se fazer despertares programados alguns minutos antes do episódio esperado ocorrer. O tratamento medicamentoso é usado somente se os episódios são frequentes e/ou estão causando algum tipo de dano ao paciente. Os benzodiazepínicos geralmente são efetivos: clonazepam em baixas doses (iniciar com 0,25 mg 1 hora antes de deitar, aumentando gradativamente até o controle dos sintomas, não devendo exceder 0,05 mg/kg/dia) por 3-6 semanas. Eliminar o consumo de bebidas contendo cafeína também pode ajudar.

OUTRAS PARASSONIAS O sonilóquio é a emissão de palavras ou outros sons com significado durante o sono, sem reconhecimento simultâneo e crítico. Pode ocorrer durante o sono NREM (voz monótona, conteúdo relacionado a eventos recentes da vida diária, sem lembrança do episódio se for acordado no momento) ou durante o sono REM (voz mais afetiva, mostrando conflitos internos, com lembrança do episódio quando acordado). É um dos distúrbios mais prevalentes, considerado benigno, de ocorrência ocasional, autolimitado, não necessitando de investigação ou tratamento específico.

DISTÚRBIOS DO SONO

DISTÚRBIOS DO MOVIMENTO RELACIONADOS AO SONO A síndrome das pernas inquietas é um distúrbio sensório-motor, autossômico dominante, caracterizado por sensação desagradável nas pernas, associada a desejo incontrolável de movimentá-las, interferindo no início e na manutenção do sono. Pode levar a sonolência diurna e desatenção e parece ter associação com o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Na infância, é comum ser confundida com dor do crescimento. A história e exame físico devem excluir causas secundárias da síndrome, como doenças neurológicas (polineuropatias, radiculopatia lombossacra), anemia, hipotireoidismo e uso de medicações (antidepressivos, anti-histamínicos e neurolépticos). As medicações usadas no tratamento são sulfato ferroso (quando há baixos níveis de ferritina sérica, usar 3 mg/kg/dia de ferro elementar por 3 meses), agonistas dopaminérgicos (como carbidopa-levodopa), clonazepam e gabapentina. O bruxismo, ou ranger de dentes associado ao sono, é um distúrbio no qual o padrão rítmico de atividade muscular não funcional do masseter, pterigóideo interno e temporal leva a contato forçado das superfícies de oclusão dos dentes, emitindo sons de alto ranger. Pode ter evolução transitória e benigna, mas, nos casos crônicos, leva a lesão dos dentes, partes moles, osso alveolar e articulação temporomandibular. Pode ser deflagrado por estímulos externos, e sua etiologia ainda é pouco conhecida, mas a má oclusão dentária e a tensão emocional parecem estar envolvidas. A terapêutica inclui correção da má oclusão dentária e uso de aparelhos dentários de acrílico. Psicoterapia e medicações têm sido empregadas sem melhora significativa.

REFERÊNCIAS Bruni O, Finotti E, Noveli L, Ferri R. Parasomnias in children. Somnol. 2008;12:14-22. Diament A, Riesgo R. Distúrbios paroxísticos não-epilépticos. In: Diament A, Cypel S. Neurologia infantil. São Paulo: Atheneu; 2005. p. 1223-9. Judd BG, Satela MJ. Classification of sleep disorders. In: Uptodate [homepage in the Internet]. Waltham: Author; 2008 [capturado em 2008 Sept]. Disponível em: http:// www.uptodateonline.com/online/content/topic.do?topicKey= sleepdis/5730&selectedTitle= 1~150&source=search_result. 746

Kotagal S. Sleep-wake disorders. In: Swaiman K, Ashwal S, Ferriero DM. Pediatric neurology: principles and practice. Philadelphia: Elsevier; 2006. p. 1225-37. Meltzer LJ, Mindell JA. Behavioral sleep disorders in children and adolescents. Sleep Med Clin. 2008;3(2):269-79. Nunes ML, Cavalcante V. Avaliação clínica e manejo da insônia em pacientes pediátricos. J Pediatr (Rio J). 2005;81(4):277-86. Nunes ML. Distúrbios do sono. J Pediatr (Rio J). 2002;78 (Suppl 1):S63-71. Reimão R. Sono normal e seus distúrbios na criança. In: Diament A, Cypel S. Neurologia infantil. São Paulo: Atheneu; 2005. p. 1335-44. Riesgo RS, Figueira P. Distúrbios paroxísticos não-epilépticos. In: Rotta NT, Ohlweiler L, Riesgo RS. Rotinas em neuropediatria. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 77-86.

36.7

PARALISIA FACIAL

A paralisia ou paresia facial é, respectivamente, a ausência ou a diminuição da movimentação dos músculos da mímica facial, que pode ser bi ou unilateral, sendo essa última a mais frequente. A distinção entre paralisia facial periférica (PFP) e central (PFC) é o primeiro passo na avaliação de uma criança que apresenta tal alteração. A porção superior da face recebe inervação motora das áreas corticais dos dois hemisférios cerebrais. Portanto, na PFC, a motricidade da porção superior da face está poupada, enquanto na PFP ocorre paralisia da motricidade voluntária em toda a hemiface acometida (Fig. 36.7.1). Todas as crianças com paresia facial unilateral aguda devem ser inteiramente examinadas para determinar se tal achado é uma anormalidade isolada.

PARALISIA FACIAL CENTRAL (SUPRANUCLEAR) Lesões supranucleares unilaterais causam PFC. Nesta, apenas a motricidade da parte inferior da hemiface contralateral à lesão é afetada. Isso ocorre porque a mímica da porção superior recebe inervação cortical de ambos os hemisférios cerebrais. Sua etiologia mais frequente são os acidentes vasculares cerebrais (AVCs) em nível do córtex ou cápsula interna. A avaliação de um especialista e os exames de imagem, como tomografia computadorizada de crânio (TCC) ou ressonância nuclear magnética (RNM) de encéfalo, estão indicados para esclarecimento etiológico. 747

PARALISIA FACIAL

NORMA MARTINS DE MENEZES MORAIS ANTONIO MILTON LIMA GARCIA MARIA ISABEL BRAGATTI WINCKLER

Nerônios corticobulbares

Córtex motor

Ponte Lesão causando paralisia facial no andar inferior da hemiface contralateral

Núcleo do nervo facial

Lesão causando paralisia facial completa ipsilateral

PARALISIA FACIAL

Nervo facial Musculatura que recebe inervação corticobulbar bilateral

Enrugar a testa Fechar os olhos Abrir as narinas

Musculatura que recebe inervação corticobulbar contralateral

Funções normais dos músculos da mímica facial

Sorrir/mostrar os dentes

Figura 36.7.1 Adaptada de White (2008).

PARALISIA FACIAL PERIFÉRICA (INFRANUCLEAR) A lesão do nervo facial (VII nervo craniano), em qualquer parte do trajeto desde seu núcleo no tronco cerebral, causa PFP. Ocorre paralisia de toda a musculatura mímica de uma hemiface, levando a apagamento do sulco nasolabial ipsilateral, desvio da comissura labial para o lado são, impossibilidade de fechar o olho do 748

lado afetado e incapacidade de franzir a testa no lado acometido. Dependendo do local da lesão, podem também ocorrer diminuição da produção de lágrimas e de saliva, hiperacusia e alteração do paladar. A forma mais comum de PFP é a idiopática (paralisia de Bell), entretanto, existem várias patologias infecciosas, traumáticas, sistêmicas, genéticas, congênitas e neoplásicas associadas à PFP (Quadro 36.7.1). Em crianças, uma das principais causas é a otite média, sendo de fundamental importância a realização de otoscopia. Em áreas endêmicas, a doença de Lyme é a principal causa de paralisia facial.

Quadro 36.7.1 CAUSAS DE PARESIA FACIAL NA CRIANÇA Congênitas/estruturais Malformação de Arnold-Chiari Ausência do músculo depressor do ângulo da boca (síndrome cardiofacial) Malformação do nervo facial ou da orelha interna Síndrome de Möbius Siringobulbia PARALISIA FACIAL

Genéticas Distrofia facioescapuloumeral Doença de Fazio-Londe Miastenia grave (não imunomediada) Distrofia miotônica Miopatia nemalínica Infecciosas/inflamatórias Meningite basilar Paralisia de Bell Mononucleose infecciosa Síndrome de Guillain-Barré Síndrome de Miller-Fisher Infecção por Mycoplasma pneumoniae Doença de Lyme Otite média e mastoidite Parotidite Poliomielite Síndrome de Ramsay Hunt (herpes-zóster) Sarcoidose Triquinose Tuberculose (Continua)

749

Quadro 36.7.1 (continuação) CAUSAS DE PARESIA FACIAL NA CRIANÇA

Traumáticas/compressão nervosa Pressão por fórceps durante o parto Pressão do sacro materno Disostose cleidocranial Histiocitose X Hiperostose craniana interna Hipertensão intracraniana Fratura do osso petroso Metabólicas Hiperparatireoidismo Hipotireoidismo Hipercalcemia idiopática infantil Osteopetrose Neoplásicas Glioma de tronco Tumor de parótida

PARALISIA FACIAL

Vasculares Hipertensão arterial Síndromes vasculares dos nervos cranianos Outras Síndrome de Melkersson-Rosenthal Esclerose múltipla Miastenia grave (imunomediada) Miastenia grave neonatal transitória Fonte: Adaptado de Smith e Ouvrier (2006).

A paralisia de Bell é a patologia mais comum associada ao nervo facial, sendo responsável por cerca de 50% dos casos. É definida como paralisia facial aguda de causa desconhecida, resultante de edema e inflamação do nervo, quase sempre imunomediados. A incidência anual é de cerca de 3:100.000 na primeira década de vida, 10:100.000 na segunda década e 25:100.000 nos adultos. Raramente ocorre envolvimento bilateral (somente 1% dos casos). Frequentemente há uma história de infecção viral, geralmente respiratória superior, indicando desmielini750

REFERÊNCIAS Chapman K, Clark GD. Facial nerve palsy in children. In: UptoDate [homepage in the Internet]. Waltham: Author; 2007 [capturado em 2008 Sept]. Disponível em: http:// w w w. u p t o d a t e o n l i n e . c o m / o n l i n e / c o n t e n t / t o p i c . d o ? t o p i c Ke y = p e d _ n e u r / 4780&selectedTitle=7~150&source=search_result. Chen WX, Wong V. Prognosis of bell’s palsy in children – analysis of 29 cases. Brain Development 2005;27(7):504-8. Fenichel GM. Disfunção do tronco cerebral inferior e dos nervos cranianos. In: Fenichel GM. Neurologia pediátrica: sinais e sintomas. Rio de Janeiro: Revinter; 2000. p. 375-6. Nitrini R. Princípios fundamentais. In: Nitrini R, Bacheschi LA. A neurologia que todo médico deve saber. 2. ed. São Paulo: Maltese; 1993. p. 35-6. Smith SA, Ouvrier R. Peripheral neuropaties. In: Swaiman K, Ashwal S, Ferriero DM. Pediatric neurology: principles and practice. Philadelphia: Elsevier; 2006. p. 1887-90. Trentin GA, El Ammar G. Facial. In: Nunes ML, Marrone ACH. Semiologia neurológica. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2002. p. 223-31. White JS. USMLE road map: neuroscience. 2. ed. California: Lange; 2008. p. 116. 751

PARALISIA FACIAL

zação pós-infecciosa. Os sintomas iniciais da neurite costumam ser dor ou parestesia de localização retroauricular ou no canal auditivo ipsilateral à paralisia facial. Esta aparece posteriormente, evoluindo de forma rápida e tornando-se máxima em algumas horas. O diagnóstico baseia-se no envolvimento difuso de todos os ramos distais do nervo facial, de início agudo (em um dia ou dois), precedido de pródromo (disacusia, dor auricular), com curso progressivo em até três semanas e recuperação da função motora em algum grau em até seis meses. As possíveis causas subjacentes, como infecção e trauma, devem ser excluídas antes de ser considerado o diagnóstico de paralisia de Bell. Exames diagnósticos como TCC ou RNM não estão indicados para todas as crianças. Deve-se observar a criança e prosseguir a investigação somente se ocorrerem novas alterações neurológicas, como acometimento de nervos cranianos adjacentes, ou se a função motora não começar a melhorar em um mês. O tratamento com corticoides é controverso, principalmente em crianças, pois o prognóstico é bom e a maioria apresenta recuperação espontânea. Alguns estudos mostraram benefício na redução da desnervação e melhora no grau de recuperação da função motora, mas não houve influência no tempo de recuperação. A medicação recomendada é a prednisolona, na dose de 2 mg/kg/dia por 7 dias, com retirada gradual nos 7 dias seguintes. Seu uso é aceito se iniciado até 7 dias a partir do início dos sintomas. A recuperação geralmente começa em 2-4 semanas, atingindo o máximo em 6-12 meses. A córnea deve ser protegida pelo uso de lágrimas artificiais várias vezes ao dia e da oclusão ocular quando a criança estiver brincando e durante o sono. Os pacientes podem se beneficiar de fisioterapia motora, e os pais devem ser orientados a estimular o exercício da musculatura facial da criança em casa, por meio do uso de canudos, “língua de sogra” e enchimento de balões.

CAPÍTULO 37

NUTROLOGIA 37.1

ALEITAMENTO MATERNO

CRISTIANE FRANCO DE OLIVEIRA ELZA DANIEL DE MELLO

A Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil, com o apoio do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, recomendam a amamentação exclusiva por seis meses e complementada até os 2 anos ou mais. Demograficamente, o uso das fórmulas infantis e o consequente desmame são mais comuns entre as mulheres com menos estudo, nas mais jovens, nas solteiras e entre as multíparas. Embora a amamentação seja um processo biologicamente determinado, não é um ato totalmente instintivo no ser humano e, portanto, deve ser aprendida. Logo, os profissionais da saúde devem estar capacitados para ajudar as mães a superar todas as dificuldades encontradas, proporcionando uma amamentação bem-sucedida. É também de fundamental importância o apoio oferecido em casa pelo pai da criança e os demais familiares, sobretudo as avós.

CARACTERÍSTICAS DA FUNÇÃO GASTRINTESTINAL DO LACTENTE O leite humano tem uma composição nutricional dinâmica, ou seja, seus componentes podem mudar durante a amamentação, ao longo do dia, e até mesmo a cada mamada. O leite, ao ser digerido, divide-se em uma parte sólida, o coágulo (composto basicamente por paracaseinato de cálcio e gordura), e uma parte líquida, o soro (composto por lactoalbumina, lactoglobulina, gordura, lactose, vitaminas e água). O coágulo do leite materno é fino em comparação com o do leite de vaca, que é grosso e de difícil digestão.

752

PRODUÇÃO DO LEITE MATERNO Evidências indicam que a capacidade de produção de leite é adequada para proporcionar o crescimento normal da criança, mesmo quando o estado nutricional da mãe é limitado. No entanto, para uma adequada produção de leite, em quantidade e qualidade, é essencial uma ingestão de cálcio regular. Crianças em aleitamento de mães vegetarianas estão em risco de deficiência de vitamina B12, portanto, nessa situação, esse nutriente deve ser suplementado. A insegurança da mãe e, por vezes, dos demais familiares, pode fazer com que o choro da criança e as frequentes mamadas (comportamento habitual em lactentes pequenos) sejam interpretados como sinal de fome. Nesse momento, se a suplementação for iniciada, o lactente passará a sugar menos o seio materno, havendo menor produção de leite, o que, com frequência, leva ao desmame. O melhor indicativo de que a criança está mamando um volume adequado é o ganho de peso, bem como o número de evacuações e micções diárias.

Para o lactente Q Transferência direta de fatores de defesa do organismo materno, como imunoglobulina A, lactoferritina, linfócitos B e T, macrófagos e lisozima. Q A flora intestinal das crianças amamentadas é diferente das alimentadas com fórmulas infantis. Essa flora diferente diminui o pH colônico, dificultando a proliferação do Clostridium botulinum. Q Redução das doenças gastrintestinais no primeiro ano de vida (como diarreia). Q Redução na incidência e gravidade de doenças respiratórias (como sibilância). Q Naquelas amamentadas, exclusivamente, por um período mínimo de quatro meses, há redução dos episódios de otite média aguda em 50% quando comparadas às não amamentadas. Q Alto efeito protetor contra infecção causada por Haemophilus influenzae tipo B. Q Dados observacionais sugerem que doenças crônicas, como doença de Crohn, linfoma, diabete melito tipo 1, e inúmeras condições alérgicas teriam uma incidência reduzida em crianças amamentadas. Q Proteção contra obesidade infantil. Para a mãe Melhor vínculo mãe-bebê; Involução uterina mais rápida; Perda de peso pós-parto mais cedo; Retorno aos ciclos ovarianos normais mais rapidamente; Proteção anticoncepcional nos primeiros meses; Proteção contra câncer de ovário e mama; Proteção contra o desenvolvimento da osteoporose.

Q Q Q Q Q Q Q

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ALEITAMENTO MATERNO

VANTAGENS DO ALEITAMENTO MATERNO

COMO CONSERVAR O LEITE HUMANO Em geladeira comum, o leite humano não pausterizado pode ser conservado por 24 horas. Quando congelado apropriadamente no freezer, o leite pode ser estocado de 3-6 meses. O descongelamento deve ser feito por imersão do recipiente em água morna, jamais no forno de micro-ondas. Após descongelado, o leite não deve ser novamente levado ao freezer e deve ser consumido em um período máximo de 24 horas.

SUPLEMENTAÇÃO A criança em aleitamento materno exclusivo precisa ser exposta ao sol por cerca de 2 horas por semana ou receber suplementação de vitamina D na dose de 200 UI/dia a partir do 2o mês.

IMPACTO SOCIAL DA AMAMENTAÇÃO

ALEITAMENTO MATERNO

Redução dos gastos com fórmulas infantis no orçamento familiar. Além disso, em comparação com crianças não amamentadas, aquelas amamentadas por três meses ou mais visitam menos emergências e consultórios médicos e, consequentemente, ocasionam menos gastos com medicações e hospitalizações.

CONTRAINDICAÇÕES AO ALEITAMENTO MATERNO Existem poucas contraindicações ao aleitamento materno, tais como: Q Q

Q Q Q Q Q

Recém-nascidos portadores de galactosemia; Mães com vírus da imunodeficiência humana (HIV) e/ou HTLV I (é uma contraindicação relativa, já que devem ser avaliados os riscos à saúde do lactente – país subdesenvolvido, situação nutricional – ao não ser amamentado em relação ao risco de adquirir os vírus); Mães com lesões herpéticas ativas no seio; Mães em tratamento com quimioterápicos; Usuárias de drogas, como anfetamina, cocaína, maconha e heroína; Mães com sarampo (nesse caso, suspender amamentação temporariamente); Mães com varicela (não amamentar se as lesões foram adquiridas entre 5 dias antes e 3 dias após o parto).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Mesmo com todo o conhecimento científico sobre a amamentação e sua divulgação, ainda há muitas crenças populares e mitos relacionados ao aleitamento materno.

754

Fortes evidências continuam demonstrando que o leite materno é a nutrição mais adequada para o completo e eficiente desenvolvimento global do lactente, impedindo, inclusive, o aparecimento precoce de doenças infecciosas graves e doenças crônico-degenerativas.

REFERÊNCIAS Giugliani ERJ. Aleitamento materno. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 131-40. Giugliani ERJ. Tópicos básicos em aleitamento materno. In: Lopez FA, Campos Junior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. p. 267-78. Lamounier JA, Moulin ZS, Xavier CC. Recomendações quanto à amamentação na vigência de infecção materna. J Pediatr Soc Bras Pediatr. 2004;80(5):181-8. Ronald EK. Pediatric nutrition handbook. 5th ed. Elk Grove: American Academy of Pediatrics; 2004. p. 55-85. Webster-Gandy J, Madden A. Breast versus bottle feeding. In: Oxford handbook of nutrition and dietetics. Oxford: Oxford University Press; 2006. p. 226-8.

37.2

ALIMENTAÇÃO DO LACTENTE

Webster-Gandy J, Madden A. Promoting and establishing breastfeeding. In: Oxford handbook of nutrition and dietetics. Oxford: Oxford University Press; 2006. p. 230-3.

ALIMENTAÇÃO DO LACTENTE

CRISTIANE FRANCO DE OLIVEIRA ELZA DANIEL DE MELLO

A alimentação complementar é definida como a alimentação no período em que outros alimentos são oferecidos à criança em aleitamento materno. A Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil recomendam a introdução dos alimentos complementares em torno dos 6 meses, época na qual as necessidades nutricionais do lactente não podem ser supridas apenas pelo leite humano. É a partir dessa idade que a maioria das crianças atinge o estágio de desenvolvimento geral, inclusive neurológico, o que a torna capaz de realizar satisfatoriamente todas as etapas da ingestão, digestão e excreção.

OS ALIMENTOS E AS QUANTIDADES A criança possui um mecanismo de autorregulação de ingestão diária de energia muito eficaz. Portanto, o frequente questionamento dos pais de que a criança 755

não está comendo o suficiente só deveria ser valorizado se o crescimento dela não fosse adequado. É recomendada a introdução lenta e gradual de novos alimentos a cada 3-7 dias. É comum a criança apresentar aversão, variável em cada indivíduo, aos novos alimentos oferecidos. É observada preferência pelo sabor doce e uma certa indiferença pelo salgado, é claro, com variações individuais. Em média, a criança precisa ser exposta a um novo alimento de 8-10 vezes para uma boa aceitação. Quanto ao volume a ser oferecido no primeiro ano de idade, observar a capacidade gástrica, que é de 25-30 mL/g/kg. Segundo o Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, a alimentação complementar deve ser oferecida sem rigidez de horários, com alimentos variados, respeitando-se sempre a vontade da criança e as características culturais e socioeconômicas de cada família e região. Sempre que possível, o leite de vaca deve ser evitado antes de 1 ano de idade, oferecendo-se, quando o desmame for inevitável, fórmulas infantis com preparação e volume adequados. Também deve-se evitar administrar mel antes dessa idade, prevenindo-se, assim, o botulismo.

ALIMENTAÇÃO DO LACTENTE

APRESENTAÇÃO DOS ALIMENTOS É importante lembrar que o lactente, ao longo do seu desenvolvimento, não precisa usar mamadeira e/ou chupetas, uma vez que elas podem ser uma potencial fonte de contaminação (responsáveis pela maioria dos quadros diarreicos nessa faixa etária), prejudicar a dinâmica oral e confundir o ato de sugar (sendo uma das causas de desmame precoce). Os alimentos devem ser amassados, evitando-se triturar ou liquidificar, e oferecidos com colher. Os líquidos devem ser oferecidos em copos. Os sucos devem ser evitados, uma vez que perdem suas propriedades após 30 minutos em temperatura ambiente se não ingeridos após, aproximadamente, 10 minutos de seu preparo. Uma alimentação complementar adequada deve conter alimentos ricos em energia e micronutrientes, ser colorida, sem excesso de sal, açúcar e condimentos e, de preferência, preparada especialmente para a criança.

SUPLEMENTAÇÃO Crianças em aleitamento materno devem receber 1 mg/kg/dia de suplementação de ferro dos 6 meses até os 2 anos de idade. Crianças em risco aumentado para desenvolvimento de anemia (prematuros) devem receber complementação com 2 mg/kg/dia desde 1 mês até 6 meses e 1 mg/kg/dia até os 2 anos de idade. O Ministério da Saúde/OPAS e a Sociedade Brasileira de Pediatria estabeleceram, para crianças menores de 2 anos, 10 passos para uma alimentação saudável. São eles:

756

Q Q

Q Q

Q Q Q Q Q

Passo 1. Dar somente leite materno até os 6 meses, sem oferecer água, chás ou quaisquer outros alimentos. Passo 2. A partir dos 6 meses, introduzir, de forma lenta e gradual, outros alimentos, mantendo o leite materno até os 2 anos de idade ou mais. Passo 3. Após os 6 meses, dar alimentos complementares (cereais, tubérculos, carnes, leguminosas, frutas, legumes) três vezes ao dia, se a criança receber leite materno, e cinco vezes ao dia, se estiver desmamada. Passo 4. A alimentação complementar deverá ser oferecida sem rigidez de horários, respeitando-se sempre a vontade da criança. Passo 5. A alimentação complementar deve ser espessa desde o início e oferecida com colher; começar com consistência pastosa (papas/purês) e, gradativamente, aumentar a consistência até chegar à alimentação da família. Passo 6. Oferecer à criança diferentes alimentos durante o dia. Uma alimentação variada é, também, uma alimentação colorida. Passo 7. Estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições. Passo 8. Evitar açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas nos primeiros anos de vida. Usar sal com moderação. Passo 9. Cuidar da higiene no preparo e manuseio dos alimentos; garantir o seu armazenamento e conservação adequados. Passo 10. Estimular a criança doente e convalescente a se alimentar, oferecendo sua alimentação habitual e seus alimentos preferidos, respeitando a sua aceitação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A alimentação da criança desde o nascimento e nos primeiros anos de vida tem repercussão ao longo de toda a vida do indivíduo. Portanto, a introdução da alimentação complementar é um período crucial para o adequado desenvolvimento global da criança, devendo sempre ser iniciado e acompanhado pelo pediatra.

REFERÊNCIAS Mello ED. Dieta saudável em pediatria. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 147-52. Norton RC, Weffort VRS, Dantas Filho S, Fisberg M. Alimentação do lactente à adolescência. In: Lopez FA, Campos Junior D. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. p. 1473-84. Ronald EK. Complementary feeding. In: Ronald EK. Pediatric nutrition handbook. 5th ed. Elk Grove: American Academy of Pediatrics; 2004. p. 103-15. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento Científico de Nutrologia. Manual de orientação. Cidade: Author; 2006. Webster-Gandy J, Madden A. Oxford handbook of nutrition and dietetics. Oxford: Oxford University Press; 2006. p. 238-41.

757

ALIMENTAÇÃO DO LACTENTE

Q

37.3

ALIMENTAÇÃO DO ESCOLAR E DO PRÉ-ESCOLAR

CRISTIANE FRANCO DE OLIVEIRA ELZA DANIEL DE MELLO

A idade de 1 ano até a puberdade é um período de crescimento lento em comparação ao primeiro ano de vida, quando a criança triplica seu peso de nascimento. Em vista dessa desaceleração fisiológica do crescimento, é esperada a redução na ingestão alimentar nessa fase do desenvolvimento. Embora o padrão de crescimento seja bastante individualizado, crianças com 2 anos de idade até a puberdade ganham em torno de 2-3 kg ao ano e crescem de 5-8 cm ao ano.

ALIMENTAÇÃO DO ESCOLAR E DO PRÉ-ESCOLAR

PRÉ-ESCOLAR Nessa fase, a criança começa a desenvolver habilidades que permitem coordenação motora para levar a colher com o alimento à boca e beber líquidos em copo sozinha. Mamadeiras devem ser evitadas, por serem fonte de contaminação e para evitar cáries e outras alterações dentárias. É nessa fase que a criança começa a formar suas preferências alimentares, de acordo com a exposição aos mais variados alimentos, constituindo, assim, os hábitos alimentares para as próximas fases do seu desenvolvimento. As refeições devem ser realizadas em horários e períodos preestabelecidos de acordo com a rotina familiar, em um ambiente silencioso, agradável, de preferência na presença de toda a família, sendo que a criança deve estar acomodada em uma cadeira adequada e confortável para o seu tamanho. Essas práticas tornam as refeições momentos prazerosos do dia. As crianças devem ser estimuladas para o consumo de uma dieta composta por alimentos coloridos com equilíbrio em macronutrientes (proteínas: 5-15%, gorduras: 25-35% e carboidratos: 45-65% da dieta) e micronutrientes (cálcio, magnésio, zinco, ferro, vitaminas) para cada faixa etária. Também devem participar da escolha dos alimentos a serem ingeridos, sempre com a supervisão de um adulto e de acordo com as suas preferências.

ESCOLAR Essa é a fase em que a criança praticamente estabelece seus hábitos alimentares para a vida adulta. Época em que desenvolve e intensifica suas relações pessoais e passam a frequentar ambientes diferentes do próprio lar. Os amigos, os colegas, assim como a televisão, podem influenciar negativa ou positivamente as atitudes e escolhas alimentares. Às vezes, há contrariedade por parte da criança na escolha da merenda escolar feita pelos pais ou cuidadores, o que gera um impasse entre o que seria um lanche saudável e o culturalmente aceito pelos colegas na escola.

758

As crianças nessa idade tendem a comer o que o grupo de amigos come, logo, é importante evitar que a ingestão de alimentos artificiais, como salgadinhos, refrigerantes, bolachas recheadas e demais guloseimas, tornem-se rotina, embora não devam ser completamente proibidos. Assim como na idade pré-escolar, a quantidade de alimentos ingeridos é muito variada para cada criança e depende do metabolismo basal, taxa de crescimento, atividade física diária, sexo e estágio de desenvolvimento puberal.

Os pediatras devem estar preparados para fornecer todo o suporte à família da criança, encorajando-a a enfrentar todas as expectativas em relação à ingestão alimentar e suportar possíveis frustrações, como recusas. Deve-se deixar claro que recompensas, chantagens, subornos, punições ou castigos para forçar a criança a comer devem ser evitados, pois podem reforçar a recusa alimentar. O médico pediatra deve expor e demonstrar o crescimento do seu paciente, tranquilizando os pais ou cuidadores quando esse estiver adequado. Quando inadequado, mostrar-se preocupado com o padrão alimentar, o crescimento e o desenvolvimento da criança e oferecer ajuda para a reversão do quadro.

REFERÊNCIAS Mello ED. Dieta saudável em pediatria. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 147-52. Ronald EK. Cultural considerations in feeding children. In: Ronald EK. Pediatric nutrition handbook. 5th ed. Elk Grove: American Academy of Pediatrics; 2004. p. 137-48. Ronald EK. Feeding the child. In: Ronald EK. Pediatric nutrition handbook. 5th ed. Elk Grove: American Academy of Pediatrics; 2004. p. 119-36. Webster G, Madden A. Infants and preschool children. In: Oxford handbook of nutrition and dietetics. Oxford: Oxford University Press; 2006. p. 221-5. Webster G, Madden A. School-aged children and adolescents. In: Oxford handbook of nutrition and dietetics. Oxford: Oxford University Press; 2006. p. 255-66.

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ALIMENTAÇÃO DO ESCOLAR E DO PRÉ-ESCOLAR

CONSIDERAÇÕES FINAIS

37.4

ALIMENTAÇÃO DO ADOLESCENTE

ALIMENTAÇÃO DO ADOLESCENTE

JULIANA COSTA MAIA ELZA DANIEL DE MELLO

A alimentação inadequada na adolescência pode levar ao risco imediato ou a longo prazo de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão arterial, doença arterial coronariana, dislipidemias, obesidade, diabete e osteoporose. Sabe-se que consiste em hábito comum, entre os adolescentes, não realizar refeições, especialmente o café da manhã, e que o almoço e o jantar são substituídos por lanches ou refeições rápidas, compostos principalmente por embutidos, doces e refrigerantes. Alguns estudos demonstraram esse padrão alimentar na adolescência, caracterizado pela ingestão excessiva de açúcares, sódio e gorduras saturadas. Há simultaneamente carência do consumo de frutas, grãos, fibras e produtos lácteos. O risco potencial desse excesso e erro alimentar pode ser modificado pela adoção de estilo de vida e hábitos alimentares mais saudáveis, incluindo o aumento do consumo de leguminosas, cereais integrais, legumes, verduras e frutas, paralelamente à limitação da ingestão de gorduras, colesterol e açúcares. A atitude em relação aos problemas nutricionais na adolescência há de ser flexível, uma vez que esses hábitos alimentares fazem parte da evolução sociocultural dos países ocidentais. Sua origem traz uma série de fatores difíceis de serem modificados e que se fazem atrativos para os jovens, pois os alimentos mais consumidos (fast e junk food) apresentam boa apresentação, bom paladar, baixo custo e fácil acesso. No entanto, deve-se limitar seu consumo e compensar os possíveis desequilíbrios de distintos nutrientes com uma alimentação adequada. Outra medida útil seria recomendar que, dentro dos menus fast food, escolham-se aqueles mais equilibrados e de menor tamanho, que se restrinja o uso de molhos e que se alterne esse tipo de alimento com saladas e frutas. A melhor forma de evitar déficit e excessos alimentares é promover o consumo de uma dieta variada, que inclua porções adequadas de cada um dos grupos principais de alimentos.

COMPOSIÇÃO CORPORAL A nutrição tem papel crítico no desenvolvimento do adolescente, e o consumo de dieta inadequada pode influir negativamente sobre o crescimento somático e a maturação, que estão em ritmo elevado nessa fase. As necessidades nutricionais são influenciadas pelos eventos da puberdade e pelo estirão do crescimento, que varia, sobretudo, em função do gênero e do momento em que ocorre o estirão puberal. A escolha dos alimentos nessa fase é potencialmente determinada por fatores psicológicos, socioeconômicos e culturais, que irão interferir diretamente na formação dos hábitos alimentares. Cinco eventos têm influência direta sobre o equilíbrio nutritivo: 760

Q Q Q Q Q

Início da transformação puberal Aceleração do crescimento longitudinal Aumento da massa corporal Modificação da composição corporal Variações individuais quanto à atividade física

As modificações corporais importantes resultam em aumento da massa magra, alterações na quantidade e distribuição da gordura, existindo grande diferença entre os sexos: Meninos: – aumento maior de peso e de massa muscular; – crescimento ósseo por período mais longo; – maior incremento de massa magra (aumento de 35 kg entre 10 e 20 anos); – massa gorda aos 10 anos = 13,7%; – pico de percentual de gordura no início da adolescência e diminuição na fase de estirão puberal; percentual de gordura corporal total aos 18 anos = 18%. Q Meninas: – aumento maior da gordura corporal; – menor incremento de massa magra (aumento de 18 kg entre 10 e 20 anos); – massa gorda aos 10 anos = 19,4%; – diminuição inicial do percentual de gordura corporal e, após, crescimento constante até os 18 anos de idade; percentual de gordura corporal total aos 18 anos = 25%. Considerando que a massa magra é a parte metabólica ativa, e que alguns nutrientes encontram-se principalmente na massa magra, a diferença entre os gêneros, durante a fase do estirão, resultará em diferenças importantes nas necessidades nutricionais na adolescência, que serão maiores para os meninos. Em relação à massa gorda, na puberdade há aumento substancial no tamanho e no número total de adipócitos, e há mudança centrípeta na distribuição de gordura, que ocorre de forma acentuada nos meninos. Nesse período, ocorre também aumento da densidade mineral óssea, alcançando o pico no final da adolescência, correspondendo ao estágio 4 de Tanner e evoluindo gradativamente até a idade de adulto jovem.

NECESSIDADES NUTRICIONAIS Energia. As necessidades energéticas aumentam de acordo com a atividade física, a velocidade de crescimento estatural e o sexo. As diferenças entre o sexo masculino e o feminino, evidentes no início da puberdade, acentuam-se ao longo da adolescência. Proteínas. O rápido crescimento da massa magra durante o estirão puberal exige elevada oferta proteica. Uma dieta para esse período de rápido crescimento pode 761

ALIMENTAÇÃO DO ADOLESCENTE

Q

requerer cerca de 10-14% da ingestão total de energia em proteína de alta qualidade.

ALIMENTAÇÃO DO ADOLESCENTE

Vitaminas. As vitaminas hidrossolúveis, como tiamina, niacina e riboflavina, cumprem relevantes funções no metabolismo energético. As necessidades de tiamina aumentam com o consumo de altas doses de açúcares refinados, padrão alimentar comum na adolescência. Adolescentes fumantes e adolescentes que utilizam contraceptivos orais podem apresentar deficiência de vitamina C. As necessidades de vitamina B12 são também elevadas, e o risco de carência é alto nos casos de dietas radicais ou vegetarianos exclusivos. O ácido fólico é importante durante os períodos de grande replicação celular e crescimento; de acordo com as DRIs, houve aumento nas recomendações de folato para adolescentes na idade reprodutiva, para ambos os sexos – 300-400 µg/dia. Entre as vitaminas lipossolúveis, a necessidade de vitamina A aumenta consideravelmente nos períodos de crescimento acelerado. A vitamina D está envolvida no metabolismo do cálcio, fósforo e mineralização óssea, sendo necessários até 10 µg no período de maior velocidade do crescimento ósseo. Cálcio. Suas necessidades estão aumentadas, pois 99% do cálcio do organismo encontra-se na massa óssea. Nessa fase é comum dieta pobre nesse mineral, e sua absorção é variada, sendo afetada por diversos fatores (nutrientes, proteínas, fósforo). A aquisição de massa óssea é gradual durante a infância e acelerada durante a adolescência, quando o acúmulo de cálcio é triplicado e quase 50% da massa óssea é adquirida, até ser atingida a maturidade sexual. Contudo, a idade do pico de formação óssea permanece controversa na literatura (em geral entre 9 e 17 anos de idade). Recomenda-se que 60% das necessidades de cálcio sejam fornecidas sob a forma de produtos lácteos, devido à sua alta biodisponibilidade por estarem organicamente ligados à caseína. Segundo as DRIs, a necessidade diária de cálcio é de 1.300 mg (3-5 porções de derivados lácteos, sendo 1 porção = 250 mL de leite/iogurte ou 2 fatias de queijo – 40 g). Ferro. Há maior demanda de ferro devido à expansão do volume plasmático para disposição de maior massa eritrocitária e de maior quantidade de mioglobina, importante no desenvolvimento da massa muscular. Durante o estirão puberal, o adolescente masculino chega a aumentar 33% das suas células eritrocitárias. Entretanto, nas meninas, após a menarca, a necessidade de ferro é três vezes maior que a dos meninos, devido às perdas menstruais, que podem representar até 1,4 mg/dia. As recomendações de ferro, segundo as DRIs, são de 8 mg/dia para ambos os sexos nas idades entre 9 e 13 anos e 11 mg/dia e 15 mg/dia, respectivamente, para os meninos e meninas entre 14 e 18 anos. Ressalta-se a maior biodisponibilidade do ferro heme (origem animal), devendo-se orientar adolescentes adeptos à dieta vegetariana sobre isso, ou mesmo fazer suplementação medicamentosa de ferro. Zinco. Está relacionado à regeneração osteomuscular, ao desenvolvimento ponderal e à maturação sexual. Atraso de crescimento e hipogonadismo têm sido 762

relatados em adolescentes masculinos com deficiência de zinco. As recomendações diárias são de 8-11 mg/dia. Na Tabela 37.4.1, estão as recomendações de energia e micronutrientes de acordo com sexo e idade do adolescente.

SUGESTÕES DE PORÇÕES DIÁRIAS (BASEADAS NA PIRÂMIDE ALIMENTAR)

Masculino (11-14 anos = 2.500 kcal; 15-18 anos = 3.000 kcal) Pães e cereais: 8 porções/9 porções Verduras e legumes: 4,5 porções/5 porções Frutas: 4 porções/5 porções Leguminosas: 1 porção/1 porção Carnes e ovos: 2 porções/2 porções Leite e produtos lácteos: 3 porções/3 porções Açúcar e doces: 2 porções/2 porções Óleo e gorduras: 2 porções/2 porções

Q Q Q Q Q Q Q Q

Descrição das quantidades de 1 porção dos grupos alimentares, em medidas caseiras, segundo a pirâmide dos alimentos para adolescentes Q Pães e cereais – Arroz branco cozido: 4 colheres de sopa – Batata cozida: 3 colheres de servir – Macarrão: 3 colheres de servir – Pão francês: 1 unidade – Pão de forma: 2 unidades – Farinha de mandioca: 3 colheres de sopa Q Grupo de verduras e legumes: – Legumes cozidos: 1 colher de sopa, picados – Legumes crus: 2 colheres de sopa – Verdura: folhas cruas = 3 médias/6 pequenas; folhas cozidas = 1 colher de sopa Q Grupo de frutas: – banana nanica, mamão papaia pequeno, maçã média: meia unidade – suco de laranja: meio copo de requeijão 763

ALIMENTAÇÃO DO ADOLESCENTE

Feminino (11-18 anos = 2.200 kcal) Q Pães e cereais: 7 porções Q Verduras e legumes: 4,5 porções Q Frutas: 4 porções Q Leguminosas: 2 porções Q Carnes e ovos: 2 porções Q Leite e produtos lácteos: 3 porções Q Açúcar e doces: 1,5 porção Q Óleo e gorduras: 1,5 porção

ALIMENTAÇÃO DO ADOLESCENTE

764

Tabela 37.4.1 RECOMENDAÇÕES ATUAIS DE ENERGIA E ALGUNS MICRONUTRIENTES Sexo

Energia kcal/dia

Proteína g/dia

Ferro mg/dia

Zinco mg/dia

Cálcio mg/dia

Vit. A µg/dia

Vit. C µg/dia

Vit. D µg/dia

Vit. E µg/dia

9-13 anos

2.500

27

8

8

1.300

600

45

5

11

14-18 anos

3.000

44

11

11

1.300

900

75

5

15

9-13 anos

2.200

28

8

8

1.300

600

45

5

11

4-18 anos

2.200

38

15

9

1.300

700

65

5

15

Masculino

Feminino

Q

Grupo de leguminosas: – feijão cozido, lentilha ou ervilha cozida: 2 colheres de sopa ou ½ concha média Q Grupo de carnes: – carne bovina cozida/grelhada: 3 colheres de sopa ou 1 bife pequeno (100 g) – carne de frango grelhada: 2 sobrecoxas pequenas ou 1 filé médio (100 g)

Vegetarianismo. Vários são os motivos do adolescente para escolher uma dieta vegetariana, entre eles: benefícios para a saúde, sociopolíticos, ecológicos e éticos. As dietas vegetarianas são muito variadas e têm importantes implicações no crescimento e desenvolvimento do adolescente, pois, em geral, são acompanhadas de hábitos saudáveis, como praticar exercício físico, evitar fumo, álcool e drogas. Algumas variações são a semivegetariana (em que há ingestão de peixe e galinha), lacto-ovovegetariana (há ingestão de ovo, leite e derivados), macrobiótica (rica em grãos; algumas vezes há ingestão de peixe), vegan (todos os produtos de origem animal são proibidos, inclusive o uso de lã, couro). Os adolescentes vegetarianos devem ter sua dieta avaliada e orientada quanto à energia e à ingestão de proteínas, ferro, zinco, cálcio (1.300 mg/dia com alimento enriquecido ou suplementação), vitamina D (alimento enriquecido ou exposição solar adequada), vitamina B12 (alimento enriquecido, como cereal ou suplemento, para quem não ingere nada de origem animal). Anorexia nervosa e bulimia. Essas duas síndromes são as mais encontradas entre os transtornos alimentares da adolescência, época de preocupação excessiva com o peso e com o formato do corpo. Na bulimia, o alimento é ingerido em quantidade excessiva e depois eliminado pelo vômito, ao passo que, na anorexia – a mais prevalente –, predominam a recusa alimentar e a preocupação com o exercício físico, afetando adolescentes de melhor situação socioeconômica e com baixa autoestima. Pressões psicológicas e da mídia estigmatizam a obesidade e associam a magreza ao sucesso, contribuindo para o aumento da prevalência dessas doenças. Quando a anorexia nervosa se manifesta durante a puberdade, ela retarda de forma significativa a progressão do desenvolvimento endócrino e o estirão puberal, sendo esses aspectos recuperados após o tratamento. A detecção na fase inicial da doença pode ser compatível com tratamento ambulatorial. Alguns casos necessitam de internação hospitalar para tratamento, de acordo com os seguintes critérios: peso < 80% do peso esperado para a altura, desidratação, hipercalemia e falência circulatória periférica; vômitos persistentes, e evidências de características psiquiátricas complicadoras (em geral, depressão). A conduta deve ser interdisciplinar, devendo os pais estarem inseridos no contexto do tratamento. Ortorexia e vigorexia. Distúrbios de descrição recente, mas frequentes na consulta do adolescente. A ortorexia refere-se à preocupação exagerada com o tipo de alimento consumido e à crença de que somente as comidas naturais (cereais, 765

ALIMENTAÇÃO DO ADOLESCENTE

PROBLEMAS NUTRICIONAIS MAIS COMUNS NA ADOLESCÊNCIA

vegetais) fazem bem ao organismo. A vigorexia é a adicção ou dependência extrema ao exercício físico, causando riscos à saúde. Hábito de não tomar café da manhã. Café da manhã e almoço, em geral, são esquecidos, devido aos horários irregulares dos adolescentes, e esse hábito pode comprometer o desempenho escolar e toda a qualidade alimentar. Quando essa refeição está presente, ocorre aumento da ingestão calórica em torno de 25%; além das calorias, ocorre maior ingestão de frutas, pães, cálcio e ferro. São as meninas que mais comumente não ingerem o café da manhã com o objetivo de emagrecer, mas acabam ingerindo essas calorias “poupadas” na refeição seguinte ou durante a noite.

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: textbook of pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Elsevier; 2007. Oliveira JED; Marchini JS. Ciências nutricionais: aprendendo a aprender. 2. ed. São Paulo: Sarvier; 2008.

NUTRIÇÃO PARENTERAL

Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Manual de orientação: alimentação do lactente, pré-escolar, adolescente e alimentação na escola. São Paulo: Author; 2006.

37.5

NUTRIÇÃO PARENTERAL

CLAUDIA HALLAL ALVES GAZAL ELZA DANIEL DE MELLO

A nutrição parenteral (NP) deve ser prescrita para crianças que não podem ser adequadamente nutridas por via oral ou enteral. O momento em que a NP deve ser iniciada dependerá tanto das características individuais quanto da idade e do peso da criança. Quando possível, a NP deve ser combinada com nutrição enteral (mesmo que mínima). A solução de NP visa a ministrar todos os nutrientes necessários para a completa manutenção da vida e os crescimentos celular e tecidual. Fornecimento energético abaixo das necessidades induz a déficit de crescimento, mas um aporte excessivo (“hiperalimentação”) deve ser evitado, já que pode determinar distúrbios metabólicos, dano hepático e, na presença de desnutrição, síndrome da realimentação.

766

COMPONENTES DA NUTRIÇÃO PARENTERAL Aminoácidos (AA). Os AA devem representar 10-15% das calorias totais da NP. As proteínas contêm em torno de 16% de nitrogênio, portanto, para calcular a quantidade de nitrogênio (N), divide-se a quantidade em gramas de proteína por 6,25. Um grama de proteína fornece 4 kcal. O organismo utiliza 18-20 aminoácidos (AA) para sintetizar as diferentes proteínas. São classificados em (a) AA dispensáveis: glicina, asparagina, glutamato, aspartato e alanina; (b) AA indispensáveis: isoleucina, leucina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina, triptofano e valina; (c) AA condicionalmente dispensáveis: histidina, arginina, cisteína e tirosina.

Lipídeos. As gorduras são imprescindíveis na nutrição porque constituem um substrato energético necessário, representando 30-35% dos requerimentos calóricos não proteicos. Os lipídeos são fonte de ácidos graxos essenciais, têm alta densidade calórica, baixa osmolaridade e têm grande influência sobre o sistema imune e a síntese de eicosanoides. As emulsões lipídicas de 10 e 20% estão em dispensões aquosas com triglicerídeos dos óleos de soja, girassol e açafrão, fosfolipídeos derivados da gema do ovo e da soja – emulsificada, e glicerol; ajuste de tonicidade com o plasma de emulsão lipídica a 10% fornece 1,1 kcal/mL e, a 20%, 2 kcal/mL. Oligoelementos. São elementos químicos que se encontram presentes na matéria biológica em quantidades muito pequenas e cuja deficiência pode produzir anormalidades fisiológicas e estruturais. Os oligoelementos atualmente considerados essenciais são cobre, cromo, ferro, manganês, molibdênio, zinco, selênio e iodo. Vitaminas. O aporte de vitaminas é muito importante para o aproveitamento dos demais nutrientes. As vitaminas são classificadas em hidrossolúveis (complexo B – B1, B2, B6 e B12 –, ácido fólico e vitamina C) e lipossolúveis (vitaminas A, D, E e K). As quantidades recomendadas para indivíduos sadios de diversas idades estão descritas nas Dietary Reference Intakes (DRIs) – Ingestão Dietética de Referência. As reservas corporais de vitaminas são rapidamente esgotadas, em especial das hidrossolúveis. Estima-se que um período de 1-2 semanas de supressão da ingestão seja suficiente para ocasionar alterações funcionais clínicas importantes. Já as vitaminas lipossolúveis requerem, em geral, meses de supressão de sua ingestão para o esgotamento de suas reservas corporais. Entretanto, o estado de desnutrição dos pacientes que recebem NP diminui o período das reservas. Eletrólitos. Os eletrólitos podem ser adicionados à NP se houver necessidade de controle hídrico do paciente; do contrário, é melhor que seja infundido separadamente. 767

NUTRIÇÃO PARENTERAL

Carboidratos (CHO). Os CHO devem representar 50-55% das calorias totais da NP. A glicose constitui o hidrato de carbono mais acessível, econômico e seguro para a NP. Um grama de glicose fornece 3,4 kcal.

PRESCRIÇÃO DA NUTRIÇÃO PARENTERAL Para se prescrever a NP deve-se seguir alguns passos, visando à otimização dessa terapia nutricional.

PASSO 1: OBJETIVAR A INDICAÇÃO DA NP O objetivo principal da NP é o de prevenir complicações, como balanço nitrogenado negativo prolongado, diminuição das reservas de proteínas somática (músculo) e visceral (tecidos) e imunossupressão, mesmo antes de determinar crescimento celular e anabolismo. No recém-nascido (RN) de muito baixo peso, o objetivo nutricional é fornecer substratos e calorias para mimetizar o crescimento intrauterino.

NUTRIÇÃO PARENTERAL

PASSO 2: AVALIAR O ESTADO CLÍNICO DO PACIENTE É importante avaliar o estado clínico do paciente e a fase de sua doença (características metabólicas) para determinar a melhor abordagem da terapia nutricional. Os objetivos terapêuticos da primeira fase (instabilidade hemodinâmica, hipoxia, acidose) são de obtenção e manutenção da estabilidade hemodinâmica, correção dos distúrbios hidreletrolíticos e ácido-base e terapêutica específica para a doença de base. Na fase da resposta aguda ou catabólica, ocorre um aumento dos hormônios relacionados ao estresse, como aumento da liberação de catecolaminas e cortisol, que leva a alterações metabólicas próprias: (a) metabolismo da glicose: aumento da glicemia (aumento da glicólise) e da produção (gliconeogênese), diminuição da captação periférica e da sensibilidade à insulina. Esse metabolismo gera um estado de diabete “símile” com hiperglicemia; (b) metabolismo das proteínas: aumento da degradação proteica e das perdas urinárias de nitrogênio; (c) metabolismo dos lipídeos: aumento da lipólise e da trigliceridemia. A terapia nutricional ajustada à situação clínica presente evita a hiperalimentação, controlando e evitando perdas aumentadas de reservas proteicas visceral e somática. No início da recuperação orgânica (convalescença), ocorre uma diminuição dos hormônios catabólicos, ou seja, o início da fase de anabolismo, em que há síntese proteica e recuperação dos depósitos energéticos. Nessa fase, o objetivo é a recuperação das reservas energéticas, com aumento do aporte calórico-proteico.

PASSO 3: AVALIAR O GASTO ENERGÉTICO DIÁRIO (GED) E AS NECESSIDADES CALÓRICAS Determinar o GED previsto, ou seja, quantas calorias são gastas e devem ser supridas diariamente para a manutenção das funções orgânicas, de acordo com a faixa etária do paciente e o estado clínico. A determinação preferencial é por meio de calorimetria indireta no paciente criticamente doente ou, na prática diária, por referências teóricas de GED para a faixa etária e o sexo (Tab. 37.5.1). É importante avaliar o estado clínico do paciente, grau de atividade física, uso de sedação e relaxantes musculares, trabalho ventilatório (ventilação mecânica) e tipo de doença (p. ex., queimaduras, cardiopatia, pneumopatia), pois esses 768

Tabela 37.5.1 VALORES PREVISTOS DA GED DE ACORDO COM A FAIXA ETÁRIA Faixa etária

Necessidade calórica diária (GED)

RN prematuro

90-125 kcal/kg/dia

RN a termo

75-125 kcal/kg/dia

Lactente até 10 kg

90-100 kcal/kg/dia

Criança (11-20 kg)

1.000 kcal + 50 kcal/kg de peso acima de 10 kg ou 80 kcal/kg/dia

Criança (20-40 kg)

1.500 kcal + 20 kcal/kg de peso acima de 20 kg ou 55 kcal/kg/dia

Adolescente

2.000-2.500 kcal/dia

aspectos podem aumentar ou diminuir o GED previsto. Lembrar que as calorias fornecidas pela NP podem ser 20% menores que as calorias necessárias pela via enteral (efeito poupador devido ao não gasto energético para digestão e absorção dos nutrientes).

PASSO 4: DETERMINAR O VOLUME HÍDRICO DIÁRIO DESEJADO E O DA NP É importante determinar o volume hídrico de manutenção diário desejado de acordo com a faixa etária, o peso e a situação clínica. Devemos contabilizar todos os líquidos infundidos tanto para diluição de medicamentos intermitentes (p.ex., antimicrobianos), contínuos (drogas vasoativas, sedativos), quanto para manutenção de linhas arteriais e venosas. Após a soma desses volumes, determinar o volume hídrico que resta para a NP dentro do volume hídrico diário desejado para o paciente. Deve-se monitorar rigorosamente o balanço hídrico e o peso diários. A Tabela 37.5.2 mostra as necessidades hídricas diárias de manutenção.

PASSO 5: NECESSIDADES DE NUTRIENTES Proteínas. Deve-se suprir as proteínas de acordo com a faixa etária e o estado clínico do paciente. É recomendado iniciar e aumentar gradativamente até obter769

NUTRIÇÃO PARENTERAL

RN prematuro extremo 3o dia de vida: 50-55 kcal/kg/dia 4o dia de vida: 65-75 kcal/kg/dia 7o dia de vida: 85-90 kcal/kg/dia

Tabela 37.5.2 NECESSIDADE HÍDRICA DIÁRIA DE MANUTENÇÃO Estado clínico

Volume hídrico por dia

NUTRIÇÃO PARENTERAL

o

RN doente (1 dia)

40-80 mL/kg

RN doente (1a semana)

100-150 mL/kg

Anúria, oligoanúria

45 mL/kg

Peso de 1-10 kg

100 mL/kg

Peso de 11-20 kg

1.000 mL + 50 mL/kg acima 10 kg

Peso > 20 kg

1.500 mL + 20 mL/kg acima 20 kg

Área da superfície corporal

1.500-1.800 mL/m²

Adulto jovem fisicamente ativo

40 mL/kg/dia

18-55 anos

35 mL/kg/dia

55-65 anos

30 mL/kg/dia

> 65 anos

25 mL/kg/dia

-se a quantidade desejada. As soluções de AA padrão pediátrico são bem toleradas e mimetizam o perfil dos AA contidos no leite materno. A recomendação depende da faixa etária: Q Q Q

Prematuro = 2,5-3,5 g/kg/dia RN a termo = 2,5-3,5 g/kg/dia 1-18 anos = 1,5-2,5 g/ kg/dia

Também é importante observar a relação calorias não proteicas/g nitrogênio (CNP/g N): Q Q

Estresse agudo/catabólico = 80:1 a 150:1 Normocatabólico = 150:1 a 200:1

Diferentemente das necessidades energéticas, as de proteína não diminuem durante a fase aguda da doença. A administração de AA, o mais breve possível após o nascimento, permite alcançar as necessidades energéticas basais, ajuda a 770

Lipídeos. Os lipídeos devem ser prescritos diariamente para evitar que ocorra a síndrome da deficiência de ácidos graxos essenciais (AGE). A administração de NP total sem lipídeos por cinco dias na criança e por mais de três semanas no adulto leva a alterações bioquímicas com a carência de AGE (ácido linoleico, araquidônico e linolênico). As manifestações clínicas dessa situação são descamação da pele, queda dos cabelos, dificuldade de cicatrização de feridas, maior sensibilidade a infecções, eczema de difícil controle, diminuição da pressão intraocular e hepatomegalia. As alterações laboratoriais são aumento da fragilidade das hemácias, anemia, trombocitopenia e diminuição do índice das prostaglandinas. Cerca de 4% das calorias totais diárias fornecidas sob a forma de lipídeos ou 0,5 g/kg/dia de lipídeos são suficientes para prevenir a deficiência de AGE. A vantagem do uso de lipídeos é um menor quociente respiratório (QR = 0,8), ou seja, menor produção de CO2 durante seu metabolismo, gerando menor esforço ventilatório e gasto energético. Portanto, seu uso em proporção maior é benéfico em pacientes pneumopatas, desnutridos e cardíacos em ventilação mecânica. Tem menor osmolaridade e maior densidade calórica. É fundamental, também, manter a relação calorias fornecidas por carboidrato (CHO) e lipídeo (LIP): CHO:LIP 70:30; 60:40 ou 50:50 (situações especiais). O clareamento dos lipídeos pode se modificar com o estresse (infecção, inflamação e cirurgia), sendo mandatório o controle de triglicerídeos. É tolerado, em crianças, maiores níveis séricos de triglicerídeos de até 250 mg/dL sendo, em RNs, até 160 mg/dL. Deve-se coletar amostra de sangue com um intervalo de, no mínimo, 4-6 horas sem infusão de lipídeos. A ESPGHAN recomenda tolerar níveis de triglicerídeos coletados durante a infusão dos lipídeos até 250 mg/dL em RNs e até 300-400 mg/dL na criança maior. É recomendado o início do aporte de lipídeos com quantidades menores e aumentos progressivos, conforme tolerância do paciente. No RN prematuro, devese iniciar após 48 horas de vida, quando o paciente está mais estável clinicamente, com controle da insuficiência respiratória aguda. Começar com 0,25 g/kg/dia e aumentar 0,25 g/kg/dia, conforme tolerância e situação clínica, até 3 g/kg/dia. Para crianças maiores, deve-se iniciar com 0,5 g/kg/dia e aumentar progressivamente até o máximo de 3 g/kg/dia. Em crianças, deve-se observar rigorosamente a velocidade de infusão: Q Q Q

RN prematuro = 0,04-0,08 g/kg/hora (idealmente infundir em 24 horas) Criança = 0,08-0,15 g/kg/hora (preferentemente em 18-24 horas) Adulto = 1-2 g/kg/hora (20-40% das calorias totais)

Carboidratos. Representam a maior fonte calórica da dieta (cerca de 50-55% das calorias totais). São o principal combustível para o cérebro. A taxa de infusão de glicose (TIG) deve aumentar gradativamente conforme a tolerância clínica até atingir o objetivo nutricional. TIG menor de 3 mg/kg/min não previne a cetose (Tab. 37.5.3). 771

NUTRIÇÃO PARENTERAL

manter a concentração plasmática de AA normal, aumenta a retenção de nitrogênio e estimula a secreção de insulina endógena, que otimiza a tolerância à glicose.

NUTRIÇÃO PARENTERAL

Tabela 37.5.3 PROGRESSÃO DA INFUSÃO RECOMENDADA DE GLICOSE NA NP Faixa etária

Quantidade de glicose recomendada

RN prematuro (< 1.000 g)

Iniciar com 4 mg/kg/min Aumentar até 9 mg/kg/min

RN prematuro (1.000-1.500 g)

Iniciar com 5-6 mg/kg/min Aumentar raramente excedendo 12 mg/kg/min

RN a termo

Iniciar com 6-8 mg/kg/min Aumentar até 12-14 mg/kg/min

Criança

Iniciar com 5-6 mg/kg/min Aumentar até 12-14 mg/kg/min

Adolescente e adulto

< 5 mg/kg/min (máximo 5g/kg/dia) – 40-60% calorias totais

Sempre calcular a concentração de glicose da solução de NP prescrita (com e sem lipídeos) para determinar se pode ser infundida em acesso periférico (< 12,5%) ou central (12,5-22%). Micronutrientes. Deve-se suplementar vitaminas e oligoelemetos diariamente conforme tabelas estabelecidas de acordo com a faixa etária (DRIs). É importante lembrar que, na doença, geralmente há um aumento das necessidades devido à maior utilização e ao aumento das perdas pelo estresse metabólico. Cabe ressaltar que, na colestase, cobre e manganês não devem ser administrados devido ao fato de serem excretados pelo fígado. Eletrólitos. Os eletrólitos devem ser prescritos conforme as necessidades basais previstas para idade/peso (Anexo 2). As perdas anormais têm que ser corrigidas utilizando-se, preferencialmente, uma linha venosa paralela à da NP, para que sejam evitadas alterações frequentes da NP (aumento de custo e contaminação) e aumento da osmolaridade da solução da NP. Lembrar que a desnutrição e a realimentação podem estar associadas a alterações no balanço hidreletrolítico. No desnutrido, há perda de potássio, magnésio e fósforo, e ganho de sódio e água. No RN a termo e, especialmente, em prematuros, devemos aumentar a oferta de cálcio e fósforo na NP. Contudo, deve-se atentar para a incompatibilidade físico-química entre os sais desses íons. Doses de fósforo são frequentemente dadas na proporção ao cálcio de 1:1 molar ou 1,3:1 relação cálcio/fósforo pelo peso. 772

Heparina. O uso da heparina é controverso devido ao efeito não comprovado em melhorar a tolerância nos prematuros. Baixas doses (0,5 UI/mL) têm a ação de liberar a lipase hepática e lipoproteína para a circulação, sem alterar a coagulação. Também é referido que há melhoria na durabilidade das veias com o seu uso. As soluções de NP podem ser 2:1 (infusão de aminoácidos e glicose juntos e lipídeos em separado) ou 3:1 (todos os nutrientes são infundidos em conjunto). As principais diferenças da solução 3:1 para a solução 2:1 baseiam-se na estabilidade da solução (2:1 é mais estável), osmolaridade (3:1 é menor), durabilidade (2:1 é maior) e contaminação (3:1 é menor). Deve-se, portanto, ponderar e particularizar a opção do preparo de acordo com as rotinas de cada instituição.

Deve-se avaliar rotineiramente todo paciente em NP com medidas laboratoriais para determinar o estado metabólico e eletrolítico, as medidas antropométricas, o balanço hídrico e o exame clínico. Deve-se traçar o perfil basal dessas variáveis antes e durante a NP de forma regular, para que seja possível precocemente detectar alterações metabólicas e adequar a NP a elas. Os protocolos de monitoração laboratorial podem variar de acordo com cada paciente, devendo-se considerar coletas de amostras de sangue menores no paciente pediátrico (uso de microtécnica, se possível). A Tabela 37.5.4 mostra uma monitoração laboratorial sugerida.

COMPLICAÇÕES As complicações podem ser divididas em quatro grupos principais: 1) relacionadas ao cateter venoso, 2) estabilidade da NP e interações com drogas, 3) metabólicas e nutricionais e 4) em outros órgãos. Complicações relacionadas ao cateter venoso incluem infecção, oclusão, trombose venosa central, embolismo pulmonar e dano ou remoção acidental. Complicações metabólicas e nutricionais incluem deficiência ou excesso de componentes da NP, incluindo eletrólitos, minerais, glicose, ácidos graxos essenciais, vitaminas e oligoelementos e a presença de contaminantes. A síndrome da realimentação pode ser observada em pacientes gravemente desnutridos que recebem NP com aporte calórico excessivo. Isso pode acarretar complicações potencialmente letais, devendo o aporte calórico ser avaliado cuidadosamente, e o paciente, monitorado adequadamente. Para controle dessa síndrome, deve ser evitada a sobrecarga hídrica e de sódio. Cuidar os ganhos excessivos de peso, traduzindo uma retenção hídrica na fase inicial da NP. Deve ser objetivada a manutenção ou mesmo pequena diminuição do peso na fase inicial da NP (2 a 3 dias). A correção da depleção de potássio e fósforo deve ser feita progressivamente, observando-se a função renal e o estado neurológico. Cuidar aporte excessivo de proteínas na fase inicial, evitando hiperamonemia e acidose metabólica causada pelo aporte acima da capacidade de clareamento 773

NUTRIÇÃO PARENTERAL

PASSO 6: MONITORAÇÃO

NUTRIÇÃO PARENTERAL

Tabela 37.5.4 MONITORAÇÃO LABORATORIAL SUGERIDA Exame laboratorial

Fase inicial

Paciente estável

Glicose

Diária

Diária a 3×/semana

Estado ácido-base

Diária a semanal

Semanas alternadas

Eletrólitos Sódio, potássio, cloro, CO2

Diária

Semanal ou quinzenal

Perfil químico Proteína total, albumina, ureia, creatinina, cálcio, fósforo, magnésio, triglicerídeo

Semanal

Mensal

Perfil hepático Bilirrubina total e frações, fosfatase alcalina, GGT, transaminases, tempo de protrombina

Semanal

Mensal

Perfil hematológico Hemograma, plaquetas

Basal

Semanal

Leucograma

Semanal

Mensal ou conforme clínica

Urina Glicose, densidade, pH

2-4×/dia

Diária ou semanal

renal. É essencial a monitoração intensiva desses pacientes (temperatura corporal, função respiratória e cardíaca, débito urinário, peso), assim como da infusão da NP (velocidade de infusão e via). Outros órgãos podem ser afetados pela solução de NP. Essas complicações incluem doença hepatobiliar, doença metabólica óssea e déficit de crescimento. Crianças que requerem uso prolongado de NP são de maior risco para o desenvolvimento de doença hepática. Ausência de alimentação oral, síndrome do intestino curto, infecções recorrentes (tanto relacionadas ao cateter quanto ao trato gastrintestinal) podem contribuir para a lesão hepática. Prematuridade é um fator associado especiamente quando ocorre enterocolite necrotizante ou sepse. Deve-se monitorar a função hepática durante a NP com o intuito de minimizar ou corrigir fatores relacionados. 774

REFERÊNCIAS American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. Guidelines for the use of parenteral and enteral nutritional in adults and pediatric patients. J Parenter Enter Nutr. 1993;17 (suppl):27AS-52AS. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria 272 de 08 de abril de 1999. Aprova o regulamento Técnico para Fixação de Requisitos Mínimos Exigidos para Terapia de Nutrição Parenteral. Diário Oficl [Rep Fed Brasil] 1998 Apr 23. Cox JH, Melbardis IM. Parenteral nutrition. In: Samour PQ, Helm KK, Lang CE. Handbook of pediatric nutrition. 2nd ed. Maryland: ASPEN; 1999. p. 551-87. Gazal CHA, Carvalho PRA. Complicações da terapia nutricional: metabólicas. In: Mario Telles Jr.; Heitor Pons Leite, organizadores. Terapia nutricional no paciente pediátrico grave. São Paulo: Atheneu; 2005. v. 1, p. 401-8. Koletzko B, Goulet O, Hunt J, Krohn K, Shamir R; Parenteral Nutrition Guidelines Working Group, et al. Guidelines on Paediatric Parenteral Nutrition of the European Society of Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) and the European Society for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN), Supported by the Eurpean Society of Paediatric Research (ESPR). J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2005;41 Suppl 2:S1-S87. Koletzko B. Parenteral nutrition support. In: Koletzko B. Pediatric nutrition in practice. Basel: S. Karger; 2008. p. 147-50.

Silva MLT, Waitzberg DL. Complicações da nutrição parenteral total. In: Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 3. ed. São Paulo; editora; 2001. p. 855-61. Silveira CR, Schaan CN, Gazal CHA, Mello ED, Martinbiancho J, Schmitt J, et al. Manual de nutrição parenteral. Porto Alegre: HCPA-Hospital de Clínicas de Porto Alegre; 2003. Taketomo CK, Hodding JH, Kraus DM. Pediatric dosage handbook. 12th ed. Chicago: Lexicomp; 2006-2007. Waitzberg DL. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 3. ed. São Paulo: Atheneu; 2000. Cap. 15. p. 808-15.

775

NUTRIÇÃO PARENTERAL

Leite PH, Iglesias SBO. Nutrição parenteral In: Lopez FA, Sigulem DM, Taddei JAC. Fundamentos da terapia nutricional em pediatria. São Paulo: Sarvier; 2002.

37.6

NUTRIÇÃO ENTERAL

CARLA ROSANE DE MORAES SILVEIRA CLAUDIA HALLAL ALVES GAZAL ELZA DANIEL DE MELLO

NUTRIÇÃO ENTERAL

Indicação de nutrição enteral em pediatria. As necessidades calóricas são um somatório das necessidades metabólicas basais, atividade e crescimento. Em uma criança sadia, a taxa metabólica basal representa 50% do total do gasto energético, e a atividade/crescimento, os outros 50%. Embora o fornecimento de nutrientes por via oral seja ideal, alguns pacientes não conseguem ingerir o volume necessário. Nesses casos, um suporte nutricional adicional é necessário. A nutrição enteral (NE), quando comparada à nutrição parenteral, possui inúmeras vantagens, incluindo redução de complicações infecciosas, diminuição da translocação bacteriana, redução de problemas hepáticos associados à nutrição parenteral e baixo custo. A indicação da nutrição enteral varia com a idade do paciente. No período neonatal, os pacientes são comumentes alimentados por sonda como resultado da prematuridade e falta de reflexo de deglutição e sucção. Além disso, ocorrem altas demandas metabólicas associadas à imaturidade gastrintestinal e à restrição hídrica. Quando um ou mais dos seguintes fatores são identificados, a nutrição enteral deve ser considerada: Q Q Q Q Q Q

Consumo por via oral inferior a 80% das necessidades energéticas. Crescimento ou ganho de peso inadequado por mais de um mês para aquelas crianças com idade igual ou menor que 2 anos. Perda de peso ou peso estacionado por três meses para as crianças com idade acima de 2 anos. Mudança de canal na curva de crescimento, nos índices peso/idade (P/I) ou peso/estatura (P/E). Prega cutânea triciptal (PCT) abaixo do percentil 5 para a idade. Períodos longos – acima de 4 horas por dia – sem alimentar-se por via oral.

Necessidades energéticas. As necessidades energéticas variam de acordo com o estado nutricional e a idade do paciente; para as crianças, recomenda-se a utilização de equações (Tab. 37.6.2) ou de tabelas de referência segundo a idade e o gênero, como a da FAO/OMS (Tabs. 37.6.3 a 37.6.5) ou a Dietary Reference Intakes – DRI (Tabs. 37.6.6 a 37.6.18). Deve-se ter um cuidado na oferta deficiente ou em excesso, pois ambos podem causar prejuízo à criança. Classificação das fórmulas enterais Poliméricas. São compostas por proteínas, carboidratos e lipídeos intactos. Exige trato gastrintestinal funcionante. Como possui um alto peso molecular, a osmolaridade é menor. Exemplos: caseína, proteína isolada de soja, lactoalbumina, extrato de soja, soro de leite.

Q

776

Q

Escolha da fórmula enteral. As fórmulas enterais pediátricas variam de acordo com a idade e o tamanho da criança. Para crianças menores de 10 anos, fórmulas especializadas estão disponíveis e diferem das formulações para adultos. Crianças requerem uma carga de soluto renal reduzida e um aumento da concentração de vitaminas e minerais para promover crescimento e desenvolvimento adequados. A recomendação de proteínas das dietas enterais pediátricas deve ser entre 7-18% do valor energético total (VET), já os lipídeos devem aparecer entre 30 a, no máximo, 60% do VET. A concentração de triglicerídeos de cadeia média (TCM) não deve exceder 50% do total de lipídeos, uma vez que não possuem ácidos graxos essenciais. Para crianças a partir de 1 ano, estão disponíveis fórmulas contendo 1 kcal/mL e versões hipercalóricas com 1,5 kcal/mL, podendo ou não conter fibras. Crianças acima de 10 anos ou pesando mais de 50 kg podem utilizar fórmulas de adulto. Fórmulas especializadas estão disponíveis para várias condições clínicas, em geral, essas fórmulas fornecem 1 kcal/mL e podem ser diluídas. As dietas podem ser encontradas nas apresentações em pó, para reconstituição, ou líquidas, prontas para o uso. A escolha da dieta a ser fornecida ao paciente requer avaliação dos seguintes critérios: idade da criança (adequar a fórmula à faixa etária da criança); estado nutricional (determinando kcal/kg); necessidades metabólicas e clínicas do paciente; capacidade digestiva e absortiva do trato gastrintestinal; necessidade hídrica; localização e diâmetro da sonda; osmolaridade da dieta; densidade calórica (kcal/ mL); carga de soluto renal (quantidade de proteína e sódio) e concentração de vitaminas e minerais. Volume e densidade calórica. A densidade calórica de uma dieta corresponde à quantidade de calorias totais fornecidas por mililitro de dieta pronta. Para crianças, densidades entre 0,8-1,0 kcal/mL são bem toleradas. Densidades calóricas maiores podem ser utilizadas, mas devem-se observar os sinais de intolerância, como diarreia osmótica, alterações hidreletrolíticas, incapacidade de tolerar sobrecarga de solutos e retardo de esvaziamento gástrico (Tab. 37.6.1). Osmolaridade. A osmolaridade é uma medida da pressão osmótica exercida por uma fórmula quando em contato com as membranas semipermeáveis do trato gastrintestinal. É a medida da concentração das partículas osmoticamente ativas da solução. Quanto menor a partícula, maior a osmolaridade. 777

NUTRIÇÃO ENTERAL

Oligoméricas ou fórmulas à base de proteína extensamente hidrolisada. Compostas de proteínas extensamente hidrolisadas. As fontes de proteína são dipeptídeos ou peptídeos e aminoácidos livres. O objetivo dessas fórmulas é fornecer nutrientes de fácil absorção. No entanto, deve-se estar atento à diarreia osmótica, pois são fórmulas com osmolaridades maiores. Q Monoméricas ou fórmulas à base de aminoácidos. Fórmulas em que as proteínas são compostas exclusivamente por aminoácidos. Q Modulares. Fornece somente um tipo de nutriente. Nutricionalmente incompleta.

Tabela 37.6.1 CONTEÚDO DE ÁGUA DE FÓRMULAS ENTERAIS, COM BASE NA DENSIDADE CALÓRICA Densidade calórica kcal/mL

Conteúdo de água (mL de H2O/1.000 mL fórmula)

%

1,0

800

80

1,2

860

86

1,5

760-780

76-78

2,0

690-710

69-71

Fonte: Ideno (1993).

NUTRIÇÃO ENTERAL

A Academia Americana de Pediatria recomenda que fórmulas infantis tenham osmolaridade menor do que 460 mOsm/L. Carga de soluto renal. A carga de soluto renal é a medida da concentração das partículas de uma solução que o rim deve excretar. Quanto maior a carga de soluto renal, maior a exigência sobre a função renal. Proteínas, sódio, potássio e cloreto são os que mais interferem nesse processo.

778

Tabela 37.6.2 EQUAÇÕES PARA CALCULAR GER E TMB (kcal/dia) Faixa etária

Fonte

Sexo

Equação

0-3 anos

OMS

Masculino Feminino

GER = 60,9 × Peso – 54 GER = 61 × Peso – 51

Schofield (peso/altura)

Masculino Feminino

TMB = 0,167 × Peso + 1517,4 × Altura – 617,6 TMB = 16,25 × Peso + 1023,2 × Altura – 413,5

OMS

Masculino Feminino

GER = 22,7 × Peso + 495 GER = 22,4 x Peso + 499

Schofield (peso/altura)

Masculino Feminino

TMB = 19,6 × Peso + 130,3 × Altura + 414,9 TMB = 16,97 × Peso + 161,8 × Altura + 371,2

OMS

Masculino Feminino

GER = 12,2 × Peso + 746 GER = 17,5 × Peso + 651

Schofield (peso/altura)

Masculino Feminino

TMB = 16,25 × Peso + 137,2 × Altura + 515.5 TMB = 8,365 × Peso + 465 × Altura + 200

3-10 anos

10-18 anos

Fonte: Koletzko e colaboradores (2005).

779 NUTRIÇÃO ENTERAL

NUTRIÇÃO ENTERAL

Tabela 37.6.3 NECESSIDADES ENERGÉTICAS – FAO/OMS/UNU – DURANTE O PRIMEIRO ANO DE VIDA Idade (meses)

Peso (kg)

Ganho peso (gramas/dia)

kcal/dia

kcal/kg/dia

Meninos 0-1

4,58

35,2

518

113

1-2

5,50

30,4

570

104

2-3

6,28

23,2

596

95

3-4

6,94

19,1

569

82

4-5

7,48

16,1

608

81

5-6

7,93

12,8

639

81

6-7

8,30

11,0

653

79

7-8

8,62

10,4

680

79

8-9

8,89

9,0

702

79

9-10

9,13

7,9

731

80

10-11

9,37

7,7

752

80

11-12

9,62

8,2

775

81

Meninas 0-1

4,35

28,3

464

107

1-2

5,14

25,5

517

101

2-3

5,82

21,2

550

94

3-4

6,41

18,4

537

84

4-5

6,92

15,5

571

83

5-6

7,35

12,8

599

82

6-7

7,71

11,0

604

78

7-8

8,03

9,2

629

78

8-9

8,31

8,4

652

78

9-10

8,55

7,7

676

79

10-11

8,78

6,6

694

79

11-12

9,00

6,3

712

79

Fonte: Human energy requirements (2001).

780

Idade (anos)

Peso (kg)

kcal/dia

kcal/kg/dia

1-2

11,5

948

82,4

2-3

13,5

1.129

83,6

3-4

15,7

1.252

79,7

4-5

17,7

1.360

76,8

5-6

19,7

1.467

74,5

6-7

21,7

1.573

72,5

7-8

24,0

1.692

70,5

8-9

26,7

1.830

68,5

9-10

29,7

1.978

66,6

10-11

33,3

2.150

64,6

11-12

37,5

2.341

62,4

12-13

42,3

2.548

60,2

13-14

47,8

2.770

57,9

14-15

53,8

2.990

55,6

15-16

59,5

3.178

53,4

16-17

64,4

3.322

51,6

17-18

67,8

3.410

50,3

NUTRIÇÃO ENTERAL

Tabela 37.6.4 NECESSIDADES NUTRICIONAIS – FAO/OMS/UNU – MENINOS (1-18 ANOS )

Fonte: Human energy requirements (2001).

781

NUTRIÇÃO ENTERAL

Tabela 37.6.5 MENINAS (1-18 ANOS) Idade (anos)

Peso (kg)

kcal/dia

kcal/kg/dia

1-2

10,8

865

80,1

2-3

13,0

1.047

80,6

3-4

15,1

1.156

76,5

4-5

16,8

1.241

73,9

5-6

18,6

1.330

71,5

6-7

20,6

1.428

69,3

7-8

23,3

1.554

66,7

8-9

26,6

1.698

63,8

9-10

30,5

1.854

60,8

10-11

34,7

2.006

57,8

11-12

39,2

2.149

54,8

12-13

43,8

2.276

52,0

13-14

48,3

2.379

49,3

14-15

52,1

2.449

47,0

15-16

55,0

2.491

45,3

16-17

56,4

2.503

44,4

17-18

56,7

2.503

44,1

Fonte: Human energy requirements (2001).

782

Tabela 37.6.6 VALORES DE INGESTÃO DIETÉTICA DE REFERÊNCIA SEGUNDO IDAADE E GÊNERO – DIETARU REFERENCE INTAKES (DRI) Lactentes Lactentes Lactentes Crianças (0-6 m) (7-12 m) (1-2 a) (3-8 a)

Adolescentes Adolescentes (M) (9-13 a) (M) (14-18 a)

Adolescentes Adolescentes Gravidez (F) (9-13 a) (F) (14-18 a) (14-18 a)

Lactação (14-18 a) 1o s 6 m 2.698 2o s 6 m 2.768

(16 a)

1o trim. 2.368 2o trim. 2.708 3o trim. 2.820 (16 a)

130 26 — 11

175 28 — 13

210 29 — 13

1,0

1,1

1,4

1,3

0,95 600 45 5* 11 60* 0,9 0,9 12 1,0 300

0,85 700 65 5* 15 75* 1,0 1,0 14 1,2 400

750 80 5* 15 75* 1,4 1,4 18 1,9 600

1.200 115 5* 19 75* 1,4 1,6 17 2,0 500

Gasto energético (kcal/d)

M=570 F=520

M=743 F=676

M=1.046 M=1.742 2.279 F=992 F=1.642

3.152

2.071

2.368

(3 m)

(9 m)

(24 m)

(6 a)

(11 a)

(16 a)

(11 a)

Carboidratos Fibras totais (g/dia) Gordura (g/dia) Ácidos graxos polinsaturados W6 (linoleico) (g/dia) Ácidos graxos polinsaturados W3 (α-linoleico) (g/dia) Proteína (g/kg/dia) Vitamina A (µg/dia)a Vitamina C (mg/dia) Vitamina D (µg/dia)b,c Vitamina E (mg/dia) Vitamina K (µg/dia) Tiamina (mg/dia) Riboflavina (mg/dia) Tiacina (mg/dia)e Vitamina B6 (mg/dia) Folato (µg/dia)f

— — 31 4,4

— — 30 4,6

130 19 — 7

130 25 — 10

130 31 — 12

130 48 — 16

130 26 — 10

0,5

0,5

0,7

0,9

1,2

1,6

— 400* 40* 5* 4* 2,0* 0,2* 0,3* 2* 0,1* 65*

1,5 500* 50* 5* 5* 2,5* 0,3* 0,4* 4* 0,3* 80*

1,10 300 15 5* 6 30* 0,5 0,5 6 0,5 150

0,95 400 25 5* 7 55* 0,6 0,6 8 0,6 200

0,95 600 45 5* 11 60* 0,9 0,9 12 1,0 300

0,85 900 75 5* 15 75* 1,2 1,3 16 1,3 400

783

(Continua)

NUTRIÇÃO ENTERAL

NUTRIÇÃO ENTERAL

784

Tabela 37.6.6 (continuação) VALORES DE INGESTÃO DIETÉTICA DE REFERÊNCIA SEGUNDO IDAADE E GÊNERO – DIETARU REFERENCE INTAKES (DRI) Lactentes Lactentes Lactentes Crianças (0-6 m) (7-12 m) (1-2 a) (3-8 a) Gasto energético (kcal/d)

Adolescentes Adolescentes Gravidez (F) (9-13 a) (F) (14-18 a) (14-18 a)

Lactação (14-18 a)

(6 a)

(11 a)

(16 a)

(11 a)

(16 a)

1o trim. 2.368 2o trim. 2.708 3o trim. 2.820 (16 a)

0,1* 0,1*

0,3* 0,3*

0,5 0,5

0,6 0,6

1,0 1,0

1,3 1,3

1,0 1,0

1,2 1,2

1,9 1,9

2,0 2,0

5* 125* 210* 0,2* 200* 0,01* 110* 0,27* 30* 0,003* 28 100* 15* 2*

6* 125* 270* 5,5* 220* 0,5* 130* 11 75* 0,6* 3* 275* 20* 3

8* 200* 500* 11* 340 0,7* 90 7 80 1,2* 17 460 20 3

12* 150* 800* 15* 440 1* 90 10 130 1,5* 22 500 30 5

20* 375* 1.300* 25* 700 2* 120 8 240 1,9* 34 1.250 40 8

25* 550* 1.300* 35* 890 3* 150 11 410 2,2* 43 1.250 55 11

20* 375* 1.300* 21* 700 2* 120 8 240 1,6* 34 1.250 40 8

25* 400* 1.300* 24* 890 2* 150 15 360 1,6* 43 1.250 55 9

30* 450* 1.300* 29* 1.000 3* 220 27 400 2,0* 50 1.250 60 13

35* 550* 1.300* 44 1.300 3* 290 10 360 2,6* 50 1.250 70 14

M=570 F=520 (3 m)

Vitamina B12 (mg/dia) Ácido pantotênico (mg/dia) Biotina (mg/dia) Colina (mg/dia) Cálcio (mg/dia) Cromo (mg/dia) Cobre (µg/dia) Flúor (mg/dia) Iodo (µg/dia) Ferro (mg/dia) Magnésio (mg/dia) Manganês (mg/dia) Molibdênio (µg/dia) Fósforo (mg/dia) Selênio (µg/dia) Zinco (mg/dia)

Adolescentes Adolescentes (M) (9-13 a) (M) (14-18 a)

M=743 F=676 (9 m)

M=1.046 M=1.742 2.279 F=992 F=1.642

3.152

2.071

2.368

(24 m)

1o s 6 m 2.698 2o s 6 m 2.768

1 equivalente de retinol = 1 µg retinol ou 12 µg betacaroteno ou 24 µg alfacaroteno em alimentos; b,c colecalciferol 1 µg = 40 UI de vitamina D; e como equivalente de niacina: 1 mg de niacina = 60 mg de triptofano; 0 a 6 meses = niacina pré-formada; f como equivalente de folato (EF), 1 EF = 1 µg folato no alimento = 0,6 µg de ácido fólico em alimento fortificado; * = adequate intake (AI). Fonte: Institute of Medicine (1997).

a

Tabela 37.6.7 FÓRMULA PARA PREMATURO OU RECÉM-NASCIDOS DE BAIXO PESO Produto

Laboratório Diluição-padrão

Densidade calórica e Osm/L

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Aptamil Pré (com LC Pufas)

Support

15,6% 1 medida (5,2 g de pó) – 30 mL

0,80 e 290 80,0

Pré-Nan (com LC Pufas)

Nestlé

16% 1 medida (5,3 g de pó) – 30 mL

0,80 e 320 80,0

Lipídeos Fonte – g/100 mL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

2,4 4,4 óleos caseína/soro vegetais 40:60 (93%), gordura láctea (7%)

7,7 lactose (83%), maltodextrina (17%)

100

53

0,9

0,7

40

187:1

2,3 4,2 óleos caseína/soro vegetais 30:70 (97,3%), gordura láctea (2,7%)

8,6 lactose (65%), maltodextrina (35%)

99

54

1,2

1,0

29

196:1

785 NUTRIÇÃO ENTERAL

NUTRIÇÃO ENTERAL

786

Tabela 37.6.8 FÓRMULA INFANTIL DE PARTIDA – 0-6 M Produto

Laboratório Diluição-padrão

Densidade calórica e Osm/L

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Aptamil 1 (adicionado de prebióticos)

Support

15,3% 1 medida (4,6 g de pó) – 30 mL

0,66 e 290

66,0

Bebelac 1

Support

15% 1 medida 0,65 e (4,5 g de pó) 238 – 30 mL

Nan 1 Pro

Nestlé

12,9% 1 medida (4,3 g de pó) – 30 mL

13,3% 1 medida (4,43 g de pó) – 30 mL

Nestogeno 1 Nestlé

Lipídeos Fonte – g/100 mL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

1,5 3,3 óleos 7,5 lactose caseína/soro vegetais (100%) 40:60 (98%), gordura láctea (2%)

56

28

0,8

0,5

18

253:1

65,0

1,4 2,9 óleos 8,5 lactose caseína/soro vegetais (100%) 40:60 (80%), gordura láctea (20%)

53

35

0,85

0,47

28

271:1

0,67 e 275

67,0

1,2 3,6 óleos 7,5 lactose caseína/soro vegetais (100%) 30:70 (95%), gordura láctea (0,5%)

41

21

0,8

0,5

15

327:1

0,67 e 244

67,0

1,7 3,4 óleos caseína/soro vegetais 77:23 (95%), gordura láctea (0,5%)

63

55

0,8

0,51

25

222:1

7,4 lactose (34%), maltodextrina (66%)

Tabela 37.6.9 FÓRMULA INFANTIL DE SEGUIMENTO – 7-12 M Produto

Laboratório Diluição-padrão

Densidade calórica e Osm/L

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Aptamil 2 (adicionado de prebióticos)

Support

15,8% 0,71 e 1 medida 290 (5,3 g de pó) – 30 mL

71,0

Bebelac 2

Support

14% 1 medida (4,8 g de pó) – 30 mL

0,69 e 285

Nan 2 Pro

Nestlé

12,9% 1 medida (4,3 g de pó) – 30 mL

Nestogeno 2 Nestlé

14,1% 1 medida (4,7 g de pó) – 30 mL

Lipídeos Fonte – g/100 mL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

2,4 3,0 óleo de caseína/soro de milho 80:20 (29%), gordura láctea (71%)

8,6 lactose (50%), maltodextrina (50%)

94

63

1,2

0,7

42

161:1

69,0

2,2 2,8 óleos caseína/soro vegetais 50:50 (62%), gordura láctea (38%)

8,7 lactose (84%) maltodextrina (16%)

72

54

1,2

1,0

43

174:1

0,67 e 275

67,0

1,2 3,6 óleos 7,5 lactose caseína/soro vegetais (100%) 30:70 (95%), gordura láctea (0,5%)

41

21

0,8

0,5

15

327:1

0,67 e 264

67,0

2,8 3,0 óleos caseína/soro vegetais 77:23 (95%), gordura láctea (0,5%)

101

82

1,1

0,8

39

126:1

787 NUTRIÇÃO ENTERAL

7,2 lactose (56%), maltodextrina (44%)

NUTRIÇÃO ENTERAL

788

Tabela 37.6.10 FÓRMULA INFANTIL ANTIRREGURGITAÇÃO Produto

Laboratório Diluição-padrão

Densidade calórica e Osm/L

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Lipídeos Fonte – g/100 mL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

Aptamil AR

Support

14,1% 1 medida (4,25 g de pó) – 30 mL

0,67 e 144

67,0

1,7

3,1

8,1 lactose (75%), maltodextrina (25%) agente espessante goma jataí 0,4 g/100 mL

78

44

0,8

0,8

26

222:1

Nan AR

Nestlé

13,6% 1 medida (4,5 g de pó) – 30 mL

0,67 e 279

67,0

1,8 3,1 óleos caseína/soro vegetais 70:30 (98,5%), gordura láctea (1,5%)

7,9 lactose (75%), amido de milho pré gelatinizado (24%)

62

50

0,80

0,50

24

Tabela 37.6.11 FÓRMULA INFANTIL COM PROTEÍNA ISOLADA DE SOJA SEM LACTOSE E SEM SACAROSE Produto

Laboratório Diluição-padrão

Densidade calórica e Osm/L

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Aptamil soja 1

Support

14% 1 medida (4,25 g de pó) – 30 mL

0,66 e 144

66,0

Aptamil soja 2

Support

16% 1 medida (4,8 g de pó) – 30 mL

0,72 e 179

Nan Soy

Nestlé

13,9% 1 medida (4,4 g de pó) – 30 mL

Enfamil ProSobee

Mead Johnson

14,3% 1 medida (4,3 g de pó) – 30 mL

Lipídeos Fonte – g/100 mL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

1,8 proteína 3,6 óleos isolada de vegetais soja + (100%) metionina (100%)

6,7 maltodextrina (100%)

54

27

0,8

0,6

18

202:1

72,0

2,2 proteína 3,6 óleos isolada de vegetais soja + (100%) metionina (100%)

7,6 maltodextrina (100%)

93

63

1,2

0,8

34

178:1

0,67 e 275

67,0

1,8 proteína 3,4 óleos isolada de vegetais soja + (100%) metionina (100%)

7,4 maltodextrina (100%)

69

42

0,92

0,84

24

213:1

0,7 e 170

70,0

2,0 proteína 3,5 óleos isolada de vegetais soja + (100%) metionina (100%)

7,0 Polímeros de glicose (100%)

64,2

50,7

1,2

789 NUTRIÇÃO ENTERAL

193:1

NUTRIÇÃO ENTERAL

790

Tabela 37.6.12 FÓRMULA INFANTIL COM PROTEÍNA ISOLADA DE SOJA SEM LACTOSE E COM SACAROSE Produto

Laboratório Diluição-padrão

Densidade calórica e Osm/L

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Isomil

Abbott

1 medida (8,7 g de pó) – 60mL

0,7 e 225

70,0

Nursoy

Wyeth

1 medida (8,8 g de pó) – 60 mL

0,67 e 220

67,0

Lipídeos Fonte – g/100 mL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

1,8 proteína 3,69 óleos isolada de vegetais soja + (100%) metionina (100%)

6,9 xarope de milho (80%), sacarose (20%)

70

50

1,0

1,8 proteína 3,6 óleos isolada de vegetais soja + (100%) metionina, taurina e carnitina (100%)

6,9 xarope de milho (75%), sacarose (25%)

60

42

1,2

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

32

224:1

213:1

Tabela 37.6.13 FÓRMULA INFANTIL À BASE DE HIDROLISADO PROTEICO Produto

Laboratório Diluição-padrão

Densidade calórica e Osm/L

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Lipídeos Fonte – g/100 mL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

Alfaré

Nestlé

14,2% 1 medida (4,73 g de pó) – 30 mL

0,7 e 194

70,0

2,1 peptídeos (80%), aa livres (20%)

3,6 TCM (40%), óleos vegetais (59%), óleo de peixe (1%)

7,7 maltodextrina (88%), amido de batata (12%) teor residual lactose 0,1 g/100 mL

50

34

0,80

0,70

35

186:1

Pregomin

Support

15% 1 medida (5 g de pó) – 30 mL

0,75 e 180

75,0

2,0 proteína 3,6 óleos extensavegetais mente (100%) hidrolisada de colágeno (40%) e soja (40%) aa livres (20%)

8,6 maltodextrina (82,5%), amido de milho prégelatinizado (17,5%)

63

37

1,0

0,64

33

205:1

791 NUTRIÇÃO ENTERAL

NUTRIÇÃO ENTERAL

792

Tabela 37.6.14 FÓRMULA INFANTIL COM 100% DE AMINOÁCIDOS LIVRES Produto

Laboratório Diluição-padrão

Densidade calórica e Osm/L

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Lipídeos Fonte – g/100 mL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

Neocate

Support

15% 1 medida (5 g de pó) – 30 mL

0,71 e 325

71,0

2,0 aa livres (100%)

3,5 óleos vegetais (100%)

8,1 maltodextrina (88%), amido (12%)

49

35

1,05

0,75

18

184:1

Amino Med

ComidaMed

15% 1 medida (5 g de pó) – 30 mL

0,73 ou 295

73,0

2,3 aa livres (100%)

3,7 óleos vegetais (100%)

7,9 maltodextrina (100%)

74

40

0,87

0,79

18

177:1

Tabela 37.6.15 FÓRMULA DE NUTRIENTES PARA RECÉM-NASCIDOS DE ALTO RISCO – ADICIONADA AO LEITE MATERNO Produto

Laboratório Diluição-padrão

FM 85

Nestlé

1 g em 20 mL de leite materno ou 5%

Densidade calórica e Osm/L

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL 3,47

Lipídeos Fonte – g/100 mL

0,2 soro 0,004 leite (100%)

793 NUTRIÇÃO ENTERAL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

0,7 maltodextrina (100%)

15

9,0

0,26

0,16

4

83:1

NUTRIÇÃO ENTERAL

794

Tabela 37.6.16 FÓRMULA INFANTIL COMPLETA E BALANCEADA EM PÓ – PARA CRIANÇAS DE 1-10 ANOS Produto

Laboratório Diluição-padrão

Densidade calórica e kcal/mL

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Lipídeos Fonte – g/100 mL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

Nutren Junior

Nestlé

0,8-2,0

100,0

3,0 caseinato K (50%), proteína do soro (50%)

3,9 TCM (20%), óleos vegetais (88%), gordura láctea (2%)

13 maltodextrina (66%), sacarose (34%)

89

59

1,0

1,0

48

183:1

Nutricomp ADN pediátrico

B Braun

22%

0,8-2,0

107,4

2,9 caseinato de cálcio e sódio (100%)

4,9 TCM, 12,8 óleos vegetais maltodextrina gordura láctea (100%)

96,6

75,1

Pediasure

Abbott

21%

1,0

105,0

3,15 caseinato Na (82%), proteína do soro (18%)

5,25 TCM (20%), óleos vegetais (80%)

102

83,37

1,45

1,26

48,3

183:1

11,34 xarope milho (70%), sacarose (30%)

Tabela 37.6.17 FÓRMULA INFANTIL COMPLETA E BALANCEADA LÍQUIDA – PARA CRIANÇAS DE 1-12 ANOS Produto

Laboratório Faixa etária

Densidade calórica e kcal/mL

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Nutrini energy multi fiber

Support

1-6 anos

1,5

150

4,0 caseinato 6,7 óleos de cálcio e vegetais sódio (100%) (100%)

Nutrini multi fiber

Support

1-6 anos

1,0

100

Nutrini Standard

Support

1-6 anos

1,0

Tentrini multi fiber

Support

7-12 anos

1-10 anos

Nutren Junior Nestlé

Lipídeos Fonte – g/100 mL

795

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

18 90 maltodextrina (100%) FIBRA – 7,5 g/L fibras solúveis: 49% fibras insolúveis: 51%

75

1,5

1,5

90

206:1

2,7 caseinato 4,4 óleos de cálcio e vegetais sódio (100%) (100%)

12 60 maltodextrina (100%) FIBRA – 7,5 g/L fibras solúveis: 49% fibras insolúveis:51%

50

1,0

1,0

60

206:1

100

2,7 caseinato 4,4 óleos de cálcio e vegetais sódio (100%) (100%)

12 maltodextrina (100%)

50

1,0

1,0

60

206:1

1,0

100

3,2 caseinato 4,2 óleos de cálcio vegetais e sódio (100%) (100%)

12 70 maltodextrina (100%) FIBRA – 11 g/L fibras solúveis: 49% fibras insolúveis: 51%

60

1,3

1,1

80

171:1

1,0

100

3,0 soro leite (37%), prot. concentrada LV (63%)

11 sacarose (33%), maltodextrina (57%), outras (9%)

80

1,4

1,5

46

183:1

5,0 TCM (4,8%), óleos vegetais (92,9%), gordura láctea (2,3%)

NUTRIÇÃO ENTERAL

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

60

100

NUTRIÇÃO ENTERAL

796

Tabela 37.6.18 FÓRMULA INFANTIL À BASE DE PEPTÍDEOS EM PÓ – PARA CRIANÇAS DE 1-10 ANOS Produto

Laboratório Diluição-padrão

Densidade calórica e kcal/mL

kcal/ Proteína 100 mL Fonte – g/100 mL

Peptamen Junior

Nestlé

0,8-2,0

100,0

7 medidas = 55 g

Lipídeos Fonte – g/100 mL

3,0 3,9 TCM Proteína do (60%), óleos soro (100%) vegetais (37%), gordura láctea (3%)

Carboidratos Fonte – g/100 mL

Cálcio mg/ 100 mL

14 92 polissacarídeos (77%), sacarose (23%)

Fósforo mg/ 100 mL

Ferro mg/ 100 mL

Zinco mg/ 100 mL

Sódio mg/ 100 mL

kcal não prot/g N

61

1,0

1,0

66

183:1

REFERÊNCIAS Axelrold D, Kazmerski K, Lyer K. Pediatric enteral nutrition. J Parenter Enteral Nutr. 2006;30(21):21-S26. Human energy requirements: Report of a Joint FAO/WHO/UNU Expert Consultation [homepage in the Internet]; 2001 Oct 17-24; Rome. Rome: FAO; 2004 [capturado 2009 Sep 23]. p. 27 (table 4.3). FAO Food and Nutrition Technical Report Series 1. Disponível em: ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/007/y5686e/y5686e00.pdf Ideno KT. Enteral nutrition. In: Gottschlich MM, Matarese LE, Shronts EP, editors. Nutrition support dietetics core curriculum. 2nd ed. Maryland: Silver Springs; 1993. p. 71-104. American Society for Parenteral and Enteral Nutrition. Institute of Medicine. Dietary reference intakes for calcium, phosphorus, magnesium, vitamin D, and fluoride. Washington (DC): National Academy Press; 1997.

Stroud M, Duncan H, Nightingale J. Guidelines for enteral feeding in adult hospital patients. Gut. 2003;52 (suppl 7):vii 1–vii 12.

37.7

MANEJO AMBULATORIAL E HOSPITALAR DO DESNUTRIDO

CLAUDIA HALLAL ALVES GAZAL ELZA DANIEL DE MELLO

A desnutrição é uma doença multifatorial de natureza tanto clínica como social. Ela pode ser classificada, de acordo com a causa, em primária e secundária. Entre as causas de desnutrição primária estão interrupção precoce do aleitamento materno; introdução inadequada da alimentação complementar nos primeiros 2 anos de vida; privação alimentar ao longo da vida, tanto em quantidade quanto em qualidade; ocorrência de episódios repetidos de doenças infecciosas (diarreias e doenças respiratórias); fraco vínculo mãe-filho. A desnutrição secundária pode ocorrer devido ao inadequado aproveitamento funcional e biológico dos nutrientes disponíveis e/ou à elevação do gasto energético associada a alguma doença de base, como cardiopatias congênitas, neuropatias e síndrome do intestino curto. Ainda hoje a desnutrição é uma das causas de morbidade e mortalidade mais comuns entre as crianças de todo o mundo. Apesar de a prevalência da desnutrição na infância, inclusive no Brasil, ter caído nas últimas décadas, segundo o Ministério da Saúde, o percentual de óbitos por desnutrição grave em nível hospitalar mantém-se em 20%, o que é considerado alto para os níveis recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – inferiores a 5%. 797

MANEJO AMBULATORIAL E HOSPITALAR DO DESNUTRIDO

Koletzko B, Goulet O, Hunt J, Krohn K, Shamir R; Parenteral Nutrition Guidelines Working Group, et al. Guidelines on Paediatric Parenteral Nutrition of the European Society of Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) and the European Society for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN), Supported by the European Society of Paediatric Research (ESPR). J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2005 Nov;41 Suppl 2:S1-87.

O Ministério da Saúde publicou, em 2005, o Manual de Atendimento da Criança com Desnutrição Grave em Nível Hospitalar. Para classificar o estado nutricional da criança, é necessário seguir as seguintes etapas: Q Q

MANEJO AMBULATORIAL E HOSPITALAR DO DESNUTRIDO

Pesquisar sinais clínicos de edema e classificar de acordo com a Tabela 37.7.1. Pesar, medir a estatura (altura ou comprimento) e registrar, respectivamente, em gramas e centímetros. Deve-se atentar para a técnica correta (Brasil, 2009). Q Classificar a desnutrição pelos indicadores antropométricos de acordo com a Tabela 37.7.1. Quanto aos referenciais, pode-se utilizar o padrão/referencial de crescimento da OMS 2006 para crianças de 0-2 anos e OMS 2007 para 5-19 anos (World Health Organization, 2009). Existem outros referenciais internacionais, como NCHS 1977 e CDC/NCHS 2000 (Centers for Disease Control and Prevention, 2009). A desnutrição edematosa inclui o kwashiorkor e o kwashiorkor marasmático das classificações antigas. Nela há maior déficit proteico. O kwashiorkor típico é caracterizado clinicamente por alterações da pele (lesões hipocrômicas ao lado de hipercrômicas, com descamação), alterações dos cabelos (textura, coloração e facilidade em se soltar do couro cabeludo), hepatomegalia (decorrente da esteatose), ascite, face de lua (edema de face) e/ou anasarca. Geralmente acomete crianças mais velhas, que podem apresentar apatia e/ou irritabilidade. Já o marasmo acomete mais frequentemente lactentes jovens e caracteriza-se pelo comportamento apático, cabelos finos e escassos, tamanho pequeno para a idade, atrofia muscular e subcutânea, abdome globoso e, raramente, hepatomegalia.

Tabela 37.7.1 CLASSIFICAÇÃO DA DESNUTRIÇÃO SEGUNDO O MINISTÉRIO DA SAÚDE – 2005 Desnutrição moderada

Desnutrição grave

Edema simétrico

NÃO Desnutrição não edematosa

SIM Desnutrição edematosa

Peso/altura

-3 < DP < -2 Emagrecimento moderado

< -3 DP Emagrecimento grave

Altura/idade

-3 < DP < -2 Nanismo moderado

< -3 DP Nanismo grave

Fonte: Modificada do Manual de Atendimento da Criança com Desnutrição Grave em Nível Hospitalar 2005.

798

Sabe-se hoje da importância dos micronutrientes – e não apenas dos macronutrientes – na fisiopatologia da desnutrição grave, sendo proposta a modificação do termo desnutrição energético-proteica para síndrome pluricarencial.

Passo 1 – Tratar/prevenir a hipoglicemia. É uma importante causa de morte na criança com desnutrição grave nos primeiros dias de tratamento (hipoglicemia = glicemia sérica < 54 mg/dL). Deve ser sistematicamente avaliada em toda criança hospitalizada com desnutrição grave. Pode ser causada por infecção sistêmica grave ou por período prolongado de jejum (p.ex., período de 4 horas ou mais decorridos no transporte da criança até o hospital e/ou na espera na fila de atendimento). O quadro clínico é inespecífico e, na maioria das vezes, expressa-se como baixa temperatura corporal (temperatura axilar < 36,5°C); provável presença de letargia, dificuldades de coordenação motora e perda de consciência. Sonolência, crises convulsivas e coma são sinais de gravidade que podem levar à morte. Sudorese e palidez habitualmente não ocorrem em crianças com desnutrição grave e hipoglicêmicas, como frequentemente ocorre nas crianças eutróficas. Se há suspeita de hipoglicemia, deve-se tratar imediatamente, mesmo que ainda sem confirmação laboratorial. O esquema proposto pelo Ministério da Saúde é: Q

Se a criança estiver consciente, pode ser levantada e é capaz de deglutir: dar o que estiver acessível mais rapidamente – solução de glicose a 10% ou sacarose a 10% ou preparado alimentar inicial (ver Passo 7). Repetir a determinação de glicose 30 minutos depois. Começar e manter a alimentação de 2/2 horas durante o dia e à noite por um período mínimo de 24 horas, para prevenir a reincidência da hipoglicemia. Quando houver dificuldade de deglutição, administrar o esquema por sonda nasogástrica. Q Se a criança está perdendo a consciência, tem dificuldade de deglutição ou tem convulsão: dar 5 mL de solução de glicose a 10% intravenosa para cada kg de peso da criança. Manter a infusão venosa de glicose com velocidade entre 4 e 6 mg/kg/minuto. Repetir a determinação de glicose sanguínea 30 minutos depois. Se a criança já estiver consciente e sem convulsão, começar com a solução de glicose a 10% ou sacarose a 10% ou alimento por sonda nasogástrica ou por via oral. Para prevenir a hipoglicemia, assegurar via oral de 2/2 horas, pela ausência de glicogênio hepático e muscular. Passo 2 – Tratar/prevenir a hipotermia. Considera-se que a criança com desnutrição grave tem hipotermia (temperatura axilar < 35°C ou temperatura retal < 35,5°C). Deve-se manter a criança adequadamente aquecida e associar outras condutas, como o tratamento da hipoglicemia (Passo 1), alimentar a criança imediatamente 799

MANEJO AMBULATORIAL E HOSPITALAR DO DESNUTRIDO

OS 10 PASSOS NO TRATAMENTO DA CRIANÇA COM DESNUTRIÇÃO GRAVE

(Passo 7) ou reidratar (Passo 3) e tratar adequadamente infecções associadas (Passo 5).

MANEJO AMBULATORIAL E HOSPITALAR DO DESNUTRIDO

Passo 3 – Tratar a desidratação e o choque séptico. Na criança desnutrida grave, é difícil diagnosticar a desidratação e o seu grau de gravidade, porque muitos sinais clínicos não são confiáveis. Sinais clínicos diretos, como frequência cardíaca, débito urinário e peso devem ser avaliados. A via oral é a preferencial para a hidratação da criança com desnutrição grave. Usar a via intravenosa (IV) apenas quando há sinais evidentes de choque. A infusão IV na criança com desnutrição grave tem riscos de causar hiperidratação e levar à insuficiência cardíaca congestiva. O Ministério da Saúde sugere o uso do Soro de Reidratação Oral para Crianças com Desnutrição Grave (RESOMAL). O objetivo dessa solução é prover as quantidades adequadas de sódio e potássio e adicionar magnésio, zinco e cobre para corrigir a deficiência desses minerais. Na hidratação do desnutrido grave, deve-se utilizar menos sódio. Há a possibilidade de adaptação do soro de reidratação oral convencional: 1 pacote diluído em 2 litros de água, acrescido de 50 g de sacarose (925 g/L) e 40 mL de solução de eletrólitos e minerais da OMS. Passo 4 – Corrigir os distúrbios hidreletrolíticos. Todas as crianças com desnutrição grave têm deficiências de potássio e magnésio que podem demorar duas ou mais semanas para serem corrigidas. Embora o sódio plasmático possa ser baixo, existe excesso de sódio corporal. O edema da desnutrição nunca deve ser tratado com diurético, já que ele é devido a deficiências nutricionais. Passo 5 – Tratar a infecção. Na criança com desnutrição grave, frequentemente ocorrem infecções sem sinais clínicos evidentes, como febre, inflamação e dispneia. Assim, deve ser presumido que toda criança com desnutrição grave tenha infecção, que frequentemente é subclínica (oculta), e deve receber antibioticoterapia desde o início do tratamento. Passo 6 – Corrigir as deficiências de micronutrientes. Todas as crianças com desnutrição grave têm deficiências de vitaminas e sais minerais. A mais importante deficiência é a de vitamina A, que representa risco de vida e de cegueira para a criança. É importante realizar um exame cuidadoso dos olhos da criança com desnutrição grave para identificação da presença ou ausência de manifestações clínicas oculares decorrentes da hipovitaminose A. As crianças com desnutrição grave também apresentam deficiência de zinco, cobre, selênio, ferro e vitaminas (especialmente vitamina A e ácido fólico). A suplementação de zinco reduz a incidência de diarreia e pneumonia e melhora o crescimento. A suplementação de vitamina A tem demonstrado impacto positivo na redução da morbidade e mortalidade por diarreia e sarampo. A suplementação de ferro previne/corrige a deficiência desse micronutriente e melhora a cognição e o crescimento da criança, mas não é recomendada na fase de estabilização inicial de tratamento da criança com desnutrição grave, porque pode piorar a infecção que ocorre nesse período. 800

MANEJO AMBULATORIAL E HOSPITALAR DO DESNUTRIDO

Passo 7 – Reiniciar a alimentação cautelosamente. Na fase de estabilização (1-7 dias) é fundamental cuidar o tipo e quantidade dos alimentos. A via oral é preferencial. O objetivo é suprir calorias e proteínas suficientes para manter os processos fisiológicos básicos da criança. É recomendado fornecer no máximo 100 kcal/kg de peso/dia (mínimo aceitável de 80 kcal/kg) e 1-1,5 g/kg de proteína/kg de peso/dia. Deve-se evitar a síndrome da realimentação. A dieta deve ter uma baixa osmolaridade (280 mmol/litro) e baixo teor de lactose (13 g/L) (Tab. 37.7.2). Inicialmente, a dieta deve ser oferecida em pequenos volumes e em intervalos mais frequentes (a cada 2 horas) na criança de maior risco. Devem ser mantidas as refeições noturnas. Deve-se monitorar o peso diário, a ocorrência de vômitos, as evacuações e a quantidade da dieta que foi ingerida pela criança. Caso apresente diarreia sustentada, pensar em intolerância à lactose. Considerar o uso de sondas se a ingestão energética for inferior ao gasto energético basal estimado (lactente: cerca de 55 kcal/kg). Crianças edemaciadas, nos primeiros dias de tratamento, costumam perder peso à medida que o edema diminui. Isso não significa que o tratamento não está funcionando.

Tabela 37.7.2 PREPARADOS ALIMENTARES PARA CRIANÇAS COM DESNUTRIÇÃO GRAVE EM TRATAMENTO Fase inicial (Passo 7): Preparado alimentar da fase inicial de estabilização – 0,9 g proteína/100 mL 75 kcal/100 mL 130 mL/kg

Fase de crescimento rápido (Passo 8): preparado alimentar para recuperação nutricional – 2,9 g proteína/100 mL 100 kcal/100 mL

Ingredientes

Quantidade (%)

Quantidade (%)

Leite em pó integral

35 g

110 g

Açúcar

100 g

50 g

Óleo vegetal

20 g

30 g

Solução de eletrólitos/minerais

20 mL

20 mL

Complete com água para

100 mL

100 mL

Fonte: Adaptada do Manual de Atendimento da Criança com Desnutrição Grave em Nível Hospitalar. Ministério da Saúde, 2005.

801

MANEJO AMBULATORIAL E HOSPITALAR DO DESNUTRIDO

Passo 8 – Reconstruir os tecidos perdidos (fase de reabilitação ou de crescimento rápido). Fase de reabilitação. O retorno do apetite é o indicador de que a criança está entrando nessa fase, que ocorre geralmente depois de, no máximo, uma semana de internação. O objetivo é a recuperação nutricional. É necessário objetivar um ganho de peso maior que 10 g/kg/dia (Tab. 37.7.2). O aumento do aporte calórico deve ser progressivo até atingir 1,5-2 vezes a recomendação de nutrientes para a sua idade. Deve-se aumentar a oferta calórica gradualmente para evitar a sobrecarga cardíaca e o risco de hiperalimentação. As preparações sem lactose não são necessárias para a maioria das crianças desnutridas graves. Apesar dos níveis de lactase estarem reduzidos nessas crianças, raramente a diarreia ocorre devido à intolerância à lactose, e o intestino se recupera rapidamente uma vez iniciada a alimentação e que as deficiências de macro e micronutrientes sejam corrigidas. Na presença de um ganho de peso insuficiente ou moderado, deve ser investigado se a alimentação está sendo adequada em aceitação, volume e composição, se há infecção, se há má absorção dos nutrientes (intolerância à lactose) ou problemas psicológicos associados (vínculo mãe-filho). É importante lembrar que pode ocorrer a síndrome da realimentação, que é caracterizada por hipofosfatemia, que contribui para a elevação da morbidade e mortalidade nessa fase do tratamento por levar a alterações neurológicas, renais e cardíacas. São recomendadas, na criança com desnutrição grave, a monitoração intensiva e a correção dos distúrbios do fósforo. O ferro só pode ser utilizado nessa fase de reabilitação. Devem ser repostos micronutrientes visando à recuperação nutricional e à melhora do sistema imunológico e redução do estresse oxidativo. É recomendada a suplementação de multivitamínicos (2 vezes a dose recomendada – DRI 1999-2006), ferro 3 mg/kg/ dia, zinco 2 mg/kg, cobre 0,2 mg/kg e ácido fólico 1 mg. Podem ser utilizadas megadoses de vitamina A (a cada 4-6 meses) em regiões de alta prevalência dessa deficiência (idade inferior a 6 meses – 1 cápsula = 50.000 UI; entre 6 e 12 meses – 2 cápsulas = 100.000 UI; e entre 1 e 5 anos – 4 cápsulas = 200.000 UI). Passo 9 – Afetividade, estimulação, recuperação e cuidado. É importante assegurar que a criança seja exposta a cuidados e estímulos afetivos e a ambientes lúdicos que favoreçam a sua completa recuperação. É fundamental a atuação integrada da equipe de saúde mental; a estimulação é fundamental, devendo iniciar pelo apoio e conscientização da mãe. Passo 10 – Preparar para a alta e para o acompanhamento posterior. Fase de acompanhamento. A criança com desnutrição grave é considerada recuperada quando seu peso/altura atinge 85-90% da mediana do padrão (-1 DP). Essa meta é atingida em torno de 4-8 semanas de internação. Não é recomendado manter a criança hospitalizada durante todo esse período. A criança pode ter alta antes da completa recuperação desde que seja garantido o seu acompanhamento ambulatorial.

802

TRATAMENTO AMBULATORIAL O tratamento ambulatorial da desnutrição energético-proteica destina-se a crianças que apresentam desnutrição nas formas leve a moderada. Como a desnutrição pode ser de etiologia multifatorial, a criança com desnutrição deve ser avaliada por uma equipe multidisciplinar. Anemia ferropriva, parasitoses intestinais, enteropatia ambiental, diarreias agudas e persistentes são algumas das doenças frequentes associadas à desnutrição e que devem ser tratadas. É recomendada a suplementação de micronutrientes, como vitaminas e oligoelementos. É importante avaliar os hábitos alimentares da criança e da família para avaliar a quantidade e qualidade dos nutrientes ingeridos e para que se faça o diagnóstico de erros alimentares. A partir dessa informação, é possível a educação nutricional para melhor aproveitamento dos alimentos e recursos da família.

Allan NH, Hamadani JD, Dewan N, Fuchs GJ. Efficacy and safety of a modified oral rehydration solution (RESONAL) in the treatment of severely malnourished children with watery diarrhea. J Pediatr. 2003;143(5):614-9. Ashworth A. Treatment of severe malnutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2001;32(5):526-8. Brasil. Ministério da Saúde [homepage in the Internet]. Brasília, DF: Author; 2009 [capturado em 2009 Sep 23]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/ Brasil. Ministério da Saúde. Secretraria de Atenção à Saúde. Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Manual de atendimento da criança com desnutrição grave em nível hospitalar. Brasília, DF: Author; 2005. Centers for Disease Control and Prevention. CDC growth charts [homepage in the Internet]. Atlanta: Author; 2009 [capturado em 2009 Sep 23]. Disponível em:http://www.cdc.gov/ growthcharts/ Hemalatha P, Bhaskaram P, Khan MM. Role of zinc supplementation in the rehabilitation of severelyl malnourished children. Eur J Clin Nutr. 1993;47(6):395-9. Sarni ROS, Mattos AP, Maranhão HS. Desnutrição energético-proteica: abordagem hospitalar, hospital-dia e ambulatorial. In: Lopez FA, Campus Júnior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. p. 1517-28. Sociedade Brasileira de Pediatria. Sarni RS, Munekata RV. Terapia nutricional na desnutrição and enerégico-proteica grave. In: Lopez FA, Sigulem DM, Taddei JAAC. Fundamentos da terapia nutricional em pediatria. São Paulo: Sarvier; 2002. p. 115-32. Waterlow JC. Malnutriciòn proteico-energética. Washington: Organizaciòn Panamericana de la Salud (OPS); 1996. World Health Organization. Growth reference data for 5-19 years [homepage in the Internet]. Geneva: Author; 2009 [capturado em 2009 Sep 23]. Disponível em: http://www.who.int/ growthref/en/ World Health Organization. The WHO Child Growth Standards [homepage in the Internet]. Geneva: Author; 2009 [capturado em 2009 Sep 23]. Disponível em: http://www.who.int/ childgrowth/standards/en/ Worley G, Claerhout SJ, Combs SP. Hypophosphatemia in malnourished children during refeeding. Clin Pediatr. 1998;37(6):347-52. 803

MANEJO AMBULATORIAL E HOSPITALAR DO DESNUTRIDO

REFERÊNCIAS

37.8

OBESIDADE INFANTIL

PAULA XAVIER PICON ELZA DANIEL DE MELLO

OBESIDADE INFANTIL

Epidemiologia. A atual situação no Brasil de transição epidemiológica mostra uma mudança nos modos de vida e hábitos alimentares, alterando o perfil demográfico nutricional da população com o aumento da obesidade, inclusive em crianças. Estudos nacionais demonstram prevalências de excesso de peso que variam entre 10,8 e 33,8% na faixa etária pediátrica. Alguns fatores têm associação comprovada com a obesidade exógena na infância. São eles: interrupção precoce do aleitamento materno, alimentação complementar inapropriada, uso de fórmulas lácteas diluídas de modo incorreto, distúrbios do comportamento alimentar e inadequada relação ou dinâmica familiar. Sabe-se também que, até os 3 anos, o maior fator de risco para obesidade na infância é a obesidade dos pais. A importância desse tema decorre da associação da obesidade na infância com maior risco de obesidade futura, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia e mortalidade em adolescentes. Etiologia. A obesidade é uma doença crônica, de etiologia multifatorial, causada geralmente pela associação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais. Causas secundárias correspondem a, no máximo, 6% dos casos; entre elas, podemos citar: distúrbios hipotalâmicos (tumor, doença inflamatória, trauma), usualmente com sintomas neurológicos associados; causas endócrinas (síndrome de Cushing, hipotireoidismo, insulinoma, pseudo-hipoparatireoidismo); síndromes genéticas associadas à obesidade; obesidade monogênica (rara). Diagnóstico Q Anamnese: avaliar a história da obesidade, dados perinatais e história mórbida pregressa, uso de medicamentos, história familiar de obesidade e doenças associadas, inquérito alimentar, comportamento e estilo de vida. Q Exame físico: peso e estatura, índice de massa corporal (IMC), circunferência abdominal, estadiamento puberal, pressão arterial sistêmica (cerca de 30% das crianças e adolescentes obesos são hipertensos). O melhor método de avaliação da obesidade é o IMC (peso dividido pela altura ao quadrado) (ver Apêndice 3). São considerados como sobrepeso os valores acima do percentil 85 e como obesidade os valores acima do percentil 97. Q A avaliação laboratorial inicial deve incluir: glicemia de jejum, perfil lipídico, ALT, AST, creatinina, hemograma e, em alguns casos, TSH, T4 livre, ácido úrico, insulina em jejum e ecografia abdominal. Morbidades associadas Síndrome metabólica: não há consenso sobre a definição da síndrome metabólica na infância. Sugere-se o uso dos critérios da Federação Internacional de Diabetes entre 10 e 16 anos: aumento da circunferência abdominal ≥ p90 (Tab.

Q

804

37.8.1), associado a outras duas anormalidades (triglicerídeos ≥ 150 mg/dL, HDL ≤ 40 mg/dL, pressão sistólica ≥ 130 mmHg e diastólica ≥ 85 mmHg, glicemia de jejum ≥ 100 mg/dL ou diabete melito tipo 2). A síndrome metabólica na infância está associada a risco de evento cardiovascular em adultos jovens. Q Outras morbidades associadas são hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, alterações do metabolismo glicídico, doença gordurosa hepática não alcoólica, alterações ortopédicas, apneia obstrutiva do sono, síndrome dos ovários policísticos e alterações do metabolismo ósseo.

Tabela 37.8.1 CIRCUNFERÊNCIA DA CINTURA POR SEXO E IDADE (PERCENTIS) Percentis para meninos

Percentis para meninas

10

25

50

75

90

10

25

50

75

90

2

43,2

45

47,1

48,8

50,8

43,8

45

47,1

49,5

52,2

3

44,9

46,9

49,1

51,3

54,2

45,4

46,7

49,1

51,9

55,3

4

46,6

48,7

51,1

53,9

57,6

46,9

48,4

51,1

54,3

58,3

5

48,4

50,6

53,2

56,4

61,0

48,5

50,1

55,0

59,1

64,4

6

50,1

52,4

55,2

59,0

64,4

50,1

51,8

55,0

59,1

64,4

7

51,8

54,3

57,2

61,5

67,8

51,6

53,5

56,9

61,5

67,5

8

53,5

56,1

59,3

64,1

71,2

53,2

55,2

58,9

63,9

70,5

9

55,3

58,0

61,3

66,6

74,6

54,8

56,9

60,8

66,3

73,6

10

57,0

59,8

63,3

69,2

78,0

56,3

58,6

62,8

68,7

76,6

11

58,7

61,7

65,4

71,7

81,4

57,9

60,3

64,8

71,1

79,7

12

60,5

63,5

67,4

74,3

84,8

59,5

62,0

66,7

73,5

82,7

13

62,2

65,4

69,5

76,8

88,2

61,0

63,7

68,7

75,9

85,8

14

63,9

67,2

71,5

79,4

91,6

62,6

65,4

70,6

78,3

88,8

15

65,6

69,1

73,5

81,9

95,0

64,2

67,1

72,6

80,7

91,9

16

67,4

70,9

75,6

84,5

98,4

65,7

68,8

74,6

83,1

94,9

17

69,1

72,8

77,6

87,0

101,8

67,3

70,5

76,5

85,5

98,0

18

70,8

74,6

79,6

89,6

105,2

68,9

72,2

78,5

87,9

101,0

805

OBESIDADE INFANTIL

Idade (anos)

Tratamento. Envolve abordagem dietética, modificação do estilo de vida, ajustes na dinâmica familiar, incentivo à prática de atividade física e apoio psicossocial. O envolvimento de toda a família é fundamental. A abordagem multidisciplinar é a melhor forma de tratamento, principalmente na obesidade grave ou na presença de morbidades associadas. Os resultados esperados são a redução gradativa do peso em adolescentes, a manutenção do peso em pré-puberes e a redução das morbidades. A perda de peso, quando indicada, deve ocorrer de forma gradual em adolescentes que já completaram o estirão puberal. O tratamento medicamentoso é limitado na infância. Alguns fármacos que podem auxiliar no tratamento com medidas não farmacológicas em casos específicos são a fluoxetina (na obesidade associada à depressão, aprovada a partir dos 8 anos) e a sertralina (na associação com compulsão alimentar, aprovada a partir dos 6 anos).

OBESIDADE INFANTIL

Prevenção. Prevenção é a maneira mais segura de controlar a obesidade. Devese verificar os fatores de risco familiares, como diabete, doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, dislipidemia, câncer, entre outros. É importante o papel do pediatra de monitorar o ganho ponderal e a velocidade de crescimento, estimular o aleitamento materno exclusivo, orientar sobre a alimentação de acordo com a faixa etária e estimular a rotina familiar de alimentação com horários regulares e hábitos saudáveis. As estratégias de prevenção do ganho de peso excessivo compõem-se principalmente de: Q

Atividade física: deve ser estimulada sempre de acordo com as condições físicas da criança e do adolescente. Para adolescentes, combinar exercícios de resistência com atividade aeróbica. A atividade física para crianças deve ser lúdica e não necessariamente sistemática. Q Alimentação: combinar a mudança do hábito alimentar de acordo com a faixa etária; aumentar a ingestão de frutas e verduras; orientar a ingestão de café da manhã; evitar ou limitar o consumo de refrigerantes, Q Ambiental: envolve toda a família – diminuir o sedentarismo, assistir à televisão por no máximo 2 horas por dia, evitar o hábito de comer em frente à TV, mudar o hábito de comemorar com refeições.

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: textbook of pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Elsevier; 2007. Duncan BB, Giugliani ERJ, Schimidt MI. Medicina ambulatorial. Porto Alegre; Artmed; 2004. Lopez FA, Campos Junior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2006. Sociedade Brasileira de Pediatria. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamento de Nutrologia. Obesidade na infância e adolescência: manual de orientação. São Paulo: Author; 2008. The IDF consensus definition of the metabolic Syndrome in children and adolescents. Brussels: IDF; 2007. 806

37.9

SUPLEMENTAÇÃO VITAMÍNICA

CRISTIANE FRANCO DE OLIVEIRA ELZA DANIEL DE MELLO

Recomendações para grupos de risco: Q Vegetarianos estritos ou filhos de mães vegetarianas estritas em aleitamento materno exclusivo: vitamina B12 Q Desnutridos moderados ou graves: polivitamínicos (2x DRI), ácido fólico (1 mg/dia), zinco (2-3 mg/dia) e vitamina A Q Pacientes em uso de NPT Q Síndrome de má absorção, especialmente esteatorreia: vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K) Q Sarampo: vitamina A Q Corticoterapia prolongada: vitaminas C, B6 e ácido fólico Q Síndrome do intestino curto (sem íleo terminal): vitamina B12 Q Pacientes usuários de anticonvulsivantes: – Barbitúricos: vitaminas B6, B12 e C, folato – Fenitoína: vitaminas B12, D e K, folato – Fenobarbital: vitamina D Q Hepatopatia crônica: vitaminas A, D, E, K, B1, B6, C e ácido fólico (2× DRI) Q Insuficiência renal crônica: DRI + vitamina D Q AIDS: multivitamínicos, especialmente A, D, E, K, B12 e ácido fólico

807

SUPLEMENTAÇÃO VITAMÍNICA

As vitaminas são elementos nutritivos essenciais para a vida. A maioria possui, na sua estrutura, compostos nitrogenados (aminas), os quais o organismo não é capaz de sintetizar e que, se faltarem na nutrição, provocarão manifestações de carência (avitaminose ou hipovitaminose). Em condições normais, o seu aporte ao organismo faz-se, basicamente, pela ingestão de alimentos (ver Tab. 37.9.1).

SUPLEMENTAÇÃO VITAMÍNICA

808

Tabela 37.9.1 VITAMINAS ESSENCIAIS Vitamina

Funções

Fontes alimentares

Deficiência

Necessidades diárias

A (retinol)

Importante para o crescimento, diferenciação celular, embriogênese e resposta imune

Fígado, leite e derivados, gema de ovo, óleo de peixe, vegetais verdes e amarelos, frutas amarelas

Cegueira noturna, fotofobia, Lactentes: 1.500-2.000 UI mancha de Bitot, defeito do Crianças: 1.500-3.000 UI esmalte dentário, deformidades ósseas, acne, queratinização e hipertrofia de mucosa e pele, crescimento retardado, infecções

B1 (tiamina)

Metabolismo das gorduras e carboidratos; catabolismo dos aminoácidos (leucina, isoleucina, metionina e valina)

Fígado, carne (especialmente de porco), leite, cereais integrais, legumes e vegetais, germe de trigo, nozes

Anorexia, cefaleia, fadiga, neuralgia, irritabilidade, diminuição do tônus muscular cardíaco

Lactentes: 0,3-0,4 mg Crianças: 0,7-1,0 mg

B2 (ribloflavina)

Promoção do crescimento normal; auxilia na absorção do ferro, na manutenção da pele, olhos e sistema nervoso central

Leite e derivados, vísceras, carnes, ovo, grãos integrais, folhas verdes

Crescimento deficiente, queilite e queilose, lesões na mucosa oral, dermatite seborreica

Lactentes: 0,4-0,5 mg Crianças; 0,8-1,2 mg

B3 (niacina ou ácido nicotínico)

Metabolismo dos ácidos graxos; desintoxicação; manutenção do tecido respiratório

Carnes, fígado, grãos integrais, vegetais verdes, frutas, amendoim, nozes, batata, cenoura, massas, queijo, leite, ovo

Demência, dermatites, anorexia, fadiga, cefaleia, perda de memória, diarreia

Lactentes: 5-6 mg Crianças: 9-13 mg

(Continua)

Tabela 37.9.1 (continuação) VITAMINAS ESSENCIAIS Vitamina

Funções

Fontes alimentares

Deficiência

Necessidades diárias

B5 (ácido pantotênico)

Estimula a secreção de cortisona pelas suprarrenais; atua no metabolismo de lipídeos e carboidratos

Germe de trigo, gema de ovo, frutas e vegetais verdes, carne

Depressão, fadiga, vômito, dor muscular

Lactentes e crianças: 5-10 mg

B6 (piridoxina) Atua no metabolismo hormonal e Leite, carnes, vísceras, grãos na conversão de glicogênio em integrais, soja, vegetais verdes glicose nos músculos

Irritabilidade, dermatite, queilose, glossite, seborreia facial

Lactentes; 0,3-0,6 mg Crianças: 1,0-1,4 mg

B7 (biotina)

Dermatite e seborreia, Lactentes e crianças: sonolência, queda de cabelo, 100-200 µg hipercolesterolemia, depressão, anorexia

Metabolismo das proteínas e Sintetizada por bactérias intestinais; gorduras; atua na gliconeogênese ovo, carnes, vísceras, leite, fígado

Essencial para a síntese de RNA B9* (ácido fólico) e DNA, participa da síntese das purinas, pirimidina, glicina e metionina

Vísceras, vegetais verdes e amarelos, Anemia megaloblástica, frutas, cereais, leite e derivados, glossite, distúrbios feijão imunológicos, diarreia

Lactentes: 25-50 µg Crianças: 100-300 µg

Mielinização nervosa; síntese B12 (cobalamina) dos glóbulos vermelhos

Carnes, vísceras, peixes e frutos do mar, leite e derivados, ovo

Lactentes: 0,3-0,5 µg Crianças: 0,7-2 µg

Anemia perniciosa, anemia megaloblástica, distúrbios neurológicos, neuropatias

809

(Continua)

SUPLEMENTAÇÃO VITAMÍNICA

SUPLEMENTAÇÃO VITAMÍNICA

810

Tabela 37.9.1 (continuação) VITAMINAS ESSENCIAIS Vitamina

Funções

Fontes alimentares

Deficiência

Necessidades diárias

C (ácido ascórbico)

Agente oxidante, essencial para a manutenção dos músculos e tecido conjuntivo

Leite, frutas cítricas, vegetais verdes crus, nozes, pimenta vermelha

Astenia, irritabilidade, anorexia, dor nas pernas, hemorragias cutâneas, escorbuto

Lactentes 30-40 mg Crianças: 40-50 mg

D** (calciferol)

Mineralização óssea; sistema imune; para a sua absorção, necessita-se da exposição solar

Carnes, vísceras, leite e derivados, ovo, soja

Deformidades ósseas Lactentes e crianças: 10 µg (inclusive cranianas), raquitismo, dor muscular, hipofosfatemia, hipocalcemia, alargamento das articulações

E (tocoferol)

Antioxidante; integridade da membrana celular; regulação da síntese das prostaglandinas; síntese de DNA

Legumes, soja, arroz, ovo, óleos vegetais, abacate, carne

Neuropatia periférica, fraqueza muscular, ataxia cerebral (incoordenação motora)

K***

Participa da síntese dos fatores de coagulação

Soja, leite e derivados, fígado, gema Hemorragia, de ovo, carnes, vegetais verdes hipoprotrombinemia

Lactentes: 3-4 mg Crianças: 6-7 mg

Recém-nascidos: 0,5-1 mg/kg Crianças: 1-5 µg

* Há necessidade de suplementação para crianças usuárias de leite de cabra e em situações de aumento da hematopoiese, como nas crises de hemólise na anemia falciforme. ** Sua concentração no leite materno é pequena – há recomendação de suplementar 200 UI/dia para crianças em aleitamento materno (AM) sem exposição solar adequada, para prevenir raquitismo. Indicada também para crianças sem AM e ingerindo menos de 500 mL de fórmula infantil. Exposição solar adequada: 30 minutos/semana com fralda ou 2 horas/semana com roupa e sem chapéu. *** Todo recém-nascido deve recebê-la ao nascimento, na dose de 0,5-1 mg, IM, para prevenir a doença hemorrágica (carência de fatores de coagulação dependentes da vitamina K).

REFERÊNCIAS Ronald EK. Vitamins. In: Pediatric nutrition handbook. Elk Grove: America Academy of Pediatrics; 2004. p. 339-65. Webster G, Madden A. Vitamins: introduction. In: Webster-Gandy J, Madden A, Holdsworth M, editors. Oxford handbook of nutrition and dietetics. Oxford: Oxford University Press; 2006. p. 90-119.

37.10 FÓRMULAS E DIETAS PAULA XAVIER PICON ELZA DANIEL DE MELLO

Q

Lipídeos: redução da quantidade de gordura animal saturada e acréscimo de óleos vegetais (gorduras polinsaturadas de melhor qualidade). Algumas contêm ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa, chamados de LC-PUFA (long-chain polyunsaturated fatty acids). Os principais LC-PUFAS são o ácido araquidônico, derivado do ácido linoleico, e o ácido docosahexaenoico, derivado do ácido α-linoleico, importantes para o processo de mielinizacão e maturação do sistema nervoso central e da retina. O benefício é melhor comprovado em prematuros. Q Carboidratos: acréscimo de lactose ou amido (maltodextrina), não necessitando de adição de açúcar ou farinha. Q Proteínas: modificação na composição quantitativa e qualitativa de proteínas, objetivando melhor perfil plasmático de aminoácidos. A redução da ingestão de proteínas nos primeiros anos de vida é um importante fator na prevenção da obesidade. A redução da quantidade de proteínas e a desnaturação proteica (quebra da caseína em cadeias menores, formando proteínas solúveis) também favorecem a digestão e a absorção. Foi demonstrado que a relação caseína/ proteína solúvel do soro 50:50 produz um perfil de aminoácidos plasmático mais semelhante ao leite materno. Fórmulas com predomínio de caseína determinam níveis altos de tirosina e fenilalanina e níveis baixos de triptofano, enquanto o predomínio de proteína solúvel do soro leva a níveis altos de

811

FÓRMULAS E DIETAS

O aleitamento materno constitui a forma ideal de alimentação da criança nos primeiros meses de vida, devendo sempre ser incentivado pelos profissionais de saúde. Quando a amamentação não é possível, preconiza-se a utilização de fórmulas infantis de acordo com a idade e/ou indicação terapêutica específica. Os nutrientes das fórmulas infantis são originados de fontes de leite não humanas e de processamento biossintético. Ao longo dos anos, as fórmulas de nutrição infantil sofreram algumas modificações em sua composição para melhor adequação às necessidades do lactente:

treonina. Além disso, algumas fórmulas são enriquecidas com α-lactoalbumina, proteína rica em triptofano, limitando a quantidade de outros aminoácidos em uma fórmula com baixa quantidade de proteínas. O leite humano é rico em triptofano, precursor da serotonina e da melatonina, sendo ele essencial para o desenvolvimento cerebral, para a indução de saciedade e para a regulação do ritmo circadiano. Q Minerais: modificações nas concentrações dos minerais, tentando aproximar os seus teores às necessidades do lactente, como melhora da relação cálcio/ fósforo, favorecendo a mineralização óssea. Q Vitaminas: acréscimo de vitaminas para adequação às necessidades do lactente. Q Osmolaridade: é a medida da concentração das partículas osmoticamente ativas na solução expressa em número de osmoles de soluto por litro de solução. Fórmulas contendo partículas menores de aminoácidos ou monossacarídeos tendem a ter maior osmolaridade. A osmolaridade ideal é entre 275 e 325 mOsm/L. As fórmulas hipertônicas podem levar a retardo do esvaziamento gástrico, náuseas, vômitos, diarreia osmótica e desidratação, além de favorecer o desenvolvimento de enterocolite necrotizante em neonatos. Sabe-se que o aleitamento materno está associado a melhor defesa imunológica e menor incidência de infecções; em vista disso, algumas modificações nas fórmulas infantis visam a melhorar a resposta imunológica dos lactentes:

FÓRMULAS E DIETAS

Q

Probióticos e prebióticos: probióticos são microrganismos com efeitos benéficos no hospedeiro; prebióticos são substratos probióticos indigeríveis. As bifidobactérias e os lactobacilos representam os organismos mais usados como probióticos, e os prebióticos consistem principalmente em oligossacarídeos indigeríveis. O objetivo é modular a flora intestinal; eles estimulam o crescimento e a atividade de bactérias presentes no organismo, particularmente no cólon. Há evidências de que diminuem a quantidade de Escherichia coli e Clostridium no intestino. Também estão associados à regularização da frequência das evacuações e a fezes mais macias. Q Nucleotídeos: têm o potencial de estimular a resposta imune. Estão associados com a defesa imune gastrintestinal, reduzem o risco de diarreia, aumentam a resposta de anticorpos após a vacinação contra Haemophilus influenzae tipo B e aumentam a atividade das células natural killer. Q Acidificação da fórmula: objetiva prevenir a infecção intestinal local.

FÓRMULAS PARA O PRIMEIRO SEMESTRE DE VIDA As fórmulas de partida são indicadas para lactentes nos primeiros 6 meses de vida, garantindo a totalidade das necessidades nutricionais dessa faixa etária, não sendo necessária a complementação alimentar com outros alimentos sólidos ou líquidos.

812

FÓRMULAS PARA O SEGUNDO SEMESTRE Fórmulas de seguimento são indicadas para lactentes com idade superior a 6 meses, mas é necessário associá-las à alimentação complementar. Ingeridas em volume de 500 mL/dia, proporcionam aproximadamente 60% das necessidades nutricionais da criança nessa faixa etária.

FÓRMULAS PARA PREMATUROS Objetiva manter, no ambiente externo, a velocidade de crescimento intrauterino. São fórmulas com maior densidade calórica, níveis aumentados de proteínas e minerais, menores teores de lactose e diferenciado perfil lipídico (maior quantidade de triglicerídeos de cadeia média).

FORTIFICANTES DO LEITE MATERNO

FÓRMULAS HIPOALERGÊNICAS São fórmulas indicadas para prevenção da alergia alimentar. Devem ser receitadas, na impossibilidade de aleitamento materno, para RNs sadios com história familiar de atopia.

FÓRMULAS ANTIRREFLUXO São fórmulas à base de leite de vaca, mas modificadas quanto à composição de carboidratos, com a finalidade de obter-se maior viscosidade, sem alteração do volume. É realizada a substituição da lactose por amido de milho ou arroz prégelatinizado e açúcares que, ao entrarem em contato com o pH ácido do estômago, sofrem processo de gelatinização, dificultando o refluxo. Mantêm a proporção dos macronutrientes, o que não ocorre quando fórmulas convencionais recebem adição de espessantes, excedendo a recomendação de carboidratos e aumentando o risco de obesidade.

FÓRMULAS SEM LACTOSE Diferem das fórmulas-padrão pela composição de carboidratos, pois têm maltodextrose em vez de lactose. Indicadas na alactasia congênita, na galactosemia e na intolerância secundária à lactose. 813

FÓRMULAS E DIETAS

Indicados para recém-nascidos (RNs) prematuros, em ambiente hospitalar. A dose preconizada do fortificante de leite humano comercializado no Brasil é de 1 g do produto para cada 20 mL de leite humano. Pode haver aumento no volume do resíduo gástrico e na frequência dos episódios de estase gástrica no início do uso.

FÓRMULAS À BASE DE PROTEÍNA ISOLADA DE SOJA Contêm proteína da soja purificada (isolada) e suplementada com outros nutrientes; têm menor potencial alergênico. Indicadas para tratamento da alergia à proteína do leite de vaca após os 6 meses de idade e nas crianças com alergia não IgE mediada.

HIDROLISADOS PROTEICOS São fórmulas nutricionalmente completas, semielementares, hipoalergênicas, com proteína hidrolisada em pequenos peptídeos e aminoácidos livres de fácil absorção. Disponíveis em hidrolisados de caseína, de proteínas do soro de leite e de proteínas da soja e colágeno. Indicadas nos casos de alergia simultânea à proteína do leite de vaca e de soja, na alergia à proteína do leite de vaca nos primeiros 6 meses de idade e em alguns casos de sintomas disabsortivos graves.

FÓRMULAS À BASE DE AMINOÁCIDOS

FÓRMULAS E DIETAS

São fórmulas completas, elementares e hipoalergênicas, nas quais a proteína se encontra totalmente na forma de aminoácidos livres. Indicadas em situações de alergia alimentar grave, refratária à formula de hidrolisado proteico.

FÓRMULAS À BASE DE EXTRATO DE PROTEÍNA DE SOJA Não são consideradas uma formulação. Contêm todos os componentes da soja (são resultado da expressão do grão inteiro da soja), acrescidas de nutrientes para aproximarem-se das recomendações para lactentes. Não são adequadas para o uso no primeiro ano de vida.

MÓDULOS DE MALTODEXTRINA Compostos exclusivamente por maltodextrina, fornecem aumento energético quando acrescentados às fórmulas tradicionais. Têm menor risco de fermentação intestinal, não induzem a preferência de sabores e têm menor efeito sobre a osmolalidade.

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatira. 17th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. Bhatia J, Greer F; American Academy of Pediatrics Committee on Nutrition. Use of soy protein-based formulas in infant feeding. Pediatrics. 2008;121(5):1062-8. 814

Koletzko B, von Kries R, Closa R, Escribano J, Scaglioni S, Giovannini M, et al. Lower protein in infant formula is associated with lower weight up to age 2 y: a randomized clinical trial. Am J Clin Nutr. 2009;89(6):1836-45. Lopez FA, Campos Junior D, editores. Tratado de pediatria. Barueri: Manole; 2007. Sociedade Brasileira de Pediatria.

FÓRMULAS E DIETAS

Verduci ER, Agostoni C, Giovannini M. Closer to the gold standard: an appraisal of formulae available in Italy for use in formula-fed infants. J Int Med Res. 2005;33(6):595-611.

815

CAPÍTULO 38

OFTALMOLOGIA 38.1

CONJUNTIVITES

CASSIANA PARISE ANDRÉIA FERREIRA LARANJEIRA SAMUEL RYMER

Definição. A conjuntivite é um processo inflamatório da conjuntiva que pode ter origem bacteriana, viral, por Chlamydia ou alérgica.

CONJUNTIVITES INFECCIOSAS CONJUNTIVITE BACTERIANA SIMPLES Epidemiologia. Doença comum e normalmente autolimitada, que afeta comumente crianças. A disseminação se dá em geral pelo contato direto com secreções infectadas. Etiologia. Os principais responsáveis pelas conjuntivites bacterianas são o Staphylococcus epidermidis, Staphylococcus aureus, Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae. Apresentação clínica. Hiperemia conjuntival, sensação de “areia nos olhos”, queimação, fotofobia e secreção ocular. Pálpebras aderidas e com dificuldade de abertura pela manhã pelo acúmulo de secreção. Geralmente é bilateral, com intervalo de 1-2 dias de aparecimento dos sintomas em cada olho. Não há alteração na acuidade visual. Diagnóstico. Presença de crostas nos cílios, as pálpebras podem apresentar edema. A secreção ocular é mucopurulenta, diferenciando-se da conjuntivite viral, que apresenta secreção aquosa. A hiperemia conjuntival é mais intensa na periferia e menos intensa junto à córnea. A conjuntiva tarsal tem aspecto vermelho-vivo, com poucas papilas. Pode ocorrer erosão corneana punctata associada.

816

Tratamento Q Higiene de pálpebras e cílios com soro fisiológico. Q Uso de colírio antibiótico de amplo espectro, instilando 1 gota, 6x/dia, por 57 dias. Opções mais usadas: ciprofloxacina, ofloxacina, tobramicina. Em caso de queixa de alteração na acuidade visual, o paciente deve ser avaliado por um oftalmologista.

CONJUNTIVITE GONOCÓCICA Epidemiologia. A gonorreia é uma infecção venérea do trato geniturinário que é capaz de invadir o epitélio corneano intacto. Pode ser transmitida ao recémnascido durante o parto vaginal. Etiologia. É causada pelo diplococo Gram-negativo Neisseria gonorrhoeae.

Diagnóstico. O início dos sintomas ocorre 12-24 horas após o contato. A secreção purulenta é mais abundante que nas conjuntivites bacterianas simples. Apresenta quemose importante, hiperemia conjuntival mais intensa e frequente formação de pseudomembranas conjuntivais. Pode ocorrer envolvimento corneano com ulceração marginal, podendo evoluir para ulceração central, perfuração e endoftalmite. Tratamento Exame oftalmológico completo, com atenção especial às possíveis alterações corneanas. Q Coleta de material para investigação laboratorial (coloração de Gram e cultura). Q Higiene abundante para evitar o acúmulo de secreção (mínimo de 4×/dia). Q

O tratamento é feito com antibioticoterapia via oral com penicilina ou cefalosporinas de terceira geração durante 7 dias. Como é frequente a infecção concomitante por Chlamydia, é indicado tratamento conjunto.

CONJUNTIVITE VIRAL Epidemiologia. É a conjuntivite mais frequente. É extremamente contagiosa, e a disseminação se faz pelo contato com a secreção ocular ou por via respiratória. Geralmente há história de infecção respiratória do trato superior recente ou contato com alguém com olho vermelho. O período de incubação do vírus é de 4-10 dias. Após instalado o quadro, o vírus pode ser transmitido por até 12 dias.

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CONJUNTIVITES

Apresentação clínica. Apresenta-se com secreção conjuntival aguda, purulenta e copiosa. Apresenta edema palpebral importante e hiperemia conjuntival intensa. Ocorre também linfadenopatia pré-auricular proeminente.

Etiologia. Geralmente é causada pelo adenovírus. Apresentação clínica. Lacrimejamento, hiperemia conjuntival, fotofobia, prurido ocular, sensação de corpo estranho. Geralmente inicia em um olho e, após alguns dias, acomete o outro. Diagnóstico. Ao exame oftalmológico, verifica-se a presença de folículos na conjuntiva tarsal, secreção aquosa e edema palpebral. Pode apresentar hemorragias subconjuntivais puntiformes, quemose e pseudomembranas nos casos mais graves. É frequentemente acompanhada de linfadenopatia pré-auricular. Infiltrados corneanos subepiteliais podem se desenvolver 1-2 semanas após o início da conjuntivite.

CONJUNTIVITES

Tratamento Q Agentes antivirais são ineficazes. Q Uso de lágrimas artificiais com frequência (até de 1/1hora). Q Compressas geladas várias vezes ao dia durante 1-2 semanas. Q Se houver o surgimento de membranas ou pseudomembranas conjuntivais, elas devem ser removidas delicadamente. Nesses casos, pode ser associado um corticoide tópico (dexametasona 0,1%) 4×/dia, por uma semana, com redução lenta e gradual após. Q Afastamento do trabalho ou escola por 7-10 dias. Q Corticoides e antibióticos tópicos não devem ser usados rotineiramente.

CONJUNTIVITE NEONATAL POR CHLAMYDIA TRACHOMATIS Epidemiologia. É a causa mais comum de conjuntivite bacteriana neonatal, podendo estar associada à infecção sistêmica, com quadro de otite, rinite ou pneumonia. Etiologia. A conjuntivite é causada pela Chlamydia trachomatis. É transmitida pela mãe no momento do parto, sendo importante investigar infecção genital nos pais. Apresentação clínica. A doença se manifesta entre 5 e 19 dias após o parto, com secreção conjuntival abundante e edema palpebral. Diagnóstico. O diagnóstico é feito pela presença de secreção mucopurulenta associada à reação conjuntival papilar. Os recém-nascidos não formam folículos na conjuntiva tarsal até os 3 meses de vida. Se não tratada, a conjuntivite pode evoluir com a formação de um pannus corneano superior (tecido fibrovascular subepitelial). Tratamento. É realizado com o uso tópico de pomada de tetraciclina e uso oral de eritromicina, 25 mg/kg, 2×/dia, durante duas semanas.

818

TRACOMA Etiologia. É uma infecção causada pelos sorotipos A, B, Ba e C da Chlamydia trachomatis, ocorrendo com maior frequência em locais com más condições de higiene. O principal vetor é a mosca doméstica. Apresentação clínica. Ocorre durante a infância com quadro de conjuntivite folicular e papilar. Comumente apresenta-se como um quadro de conjuntivite crônica. Diagnóstico. A doença pode se apresentar em diferentes estágios, dependendo do tempo de evolução e da gravidade do quadro. A inflamação conjuntival crônica leva à cicatrização e fibrose da conjuntiva tarsal, podendo causar distorções palpebrais como triquíase (inversão dos cílios) e entrópio (inversão da pálpebra). Pode apresentar folículos na região limbar, que posteriormente cicatrizam, formando uma superfície irregular. A ceratite (acometimento corneano) é principalmente epitelial ou com infiltrados estromais anteriores, podendo evoluir com a formação de pannus (vascularização na periferia corneana). Em estágios mais avançados de comprometimento corneano, pode ocorrer ulceração e opacificação da córnea.

CONJUNTIVITES

Tratamento. O tratamento é feito com dose única de azitromicina, 1 g VO em adolescentes e 20 mg/kg VO em crianças; eritromicina 25 mg/kg, 2×/dia, durante duas semanas; ou doxiciclina, 100 mg VO, 2×/dia, durante duas semanas.

OUTRAS CONJUNTIVITES CONJUNTIVITE ALÉRGICA Epidemiologia. É uma forma frequente de conjuntivite na infância. Possui três formas de apresentação: rinoconjuntivite alérgica, ceratoconjuntivite vernal e ceratoconjuntivite atópica. Etiologia. São conjuntivites causadas por reação de hipersensibilidade a determinados antígenos. Apresentação clínica e diagnóstico Q Rinoconjuntivite alérgica. É a forma mais comum de alergia ocular e nasal. Pode se manifestar de forma sazonal (forma mais comum, ocorrendo mais no verão), com o principal alérgeno sendo o pólen, ou de forma perene, tendo, como principais alérgenos, a poeira e os fungos. Apresenta-se com ataques transitórios de hiperemia conjuntival, lacrimejamento, prurido ocular, edema palpebral, papilas na conjuntiva tarsal, associados a espirros e coriza. Q Ceratoconjuntivite vernal. É uma inflamação ocular extensa, bilateral e recorrente, que afeta principalmente meninos e adultos jovens, raramente persistindo após os 25 anos. Ocorre predominantemente em clima quente e seco.

819

CONJUNTIVITES

Nessa forma de apresentação, há importante papel da imunidade celular e da IgE. A maioria dos pacientes tem atopia ou história familiar de atopia. Manifesta-se com prurido ocular intenso, lacrimejamento, fotofobia, queimação ocular e secreção mucosa. Ao exame, verificam-se papilas hipertróficas na conjuntiva tarsal (até papilas gigantes), nódulos gelatinosos ao redor do limbo e acometimento corneano, que pode variar de ceratite punctata até ulceração e formação de placas. Os pacientes também apresentam maior incidência de ectasias corneanas (ceratocone, degeneração marginal pelúcida e ceratoglobo). Q Ceratoconjuntivite atópica. Doença rara e potencialmente grave que afeta principalmente homens jovens portadores de dermatite atópica. O quadro clínico é semelhante ao da ceratoconjuntivite vernal, porém perdura por muitos anos e tem alto índice de morbidade visual. Ocorrem alterações crônicas, como espessamento e fissuras nas pálpebras, blefarite, infiltração e palidez conjuntival, ceratite punctata, defeito epitelial e até ulceração corneana. Nas exacerbações há quemose, hiperemia conjuntival, hipertrofia papilar e ceratite punctata. Tratamento. O tratamento depende da gravidade do quadro clínico. Para todos os pacientes são utilizados colírios lubrificantes várias vezes ao dia. O uso tópico de estabilizadores de mastócitos (cromoglicato, lodoxamida) e anti-histamínicos (levocabastina, emedastina) é feito com frequência, de 2-4×/dia. Nas crises pode ser necessário o uso tópico de anti-inflamatórios esteroides, devendo-se dar preferência a fluormetolona pelo menor efeito hipertensivo ocular. Nos casos mais graves, pode-se utilizar dexametasona e prednisolona, sendo usados em altas doses e com redução progressiva rápida assim que estabilizado o quadro. Para defeitos e ulcerações corneanas deve ser prescrito colírio de antibiótico. Esses casos precisam sempre ser acompanhados por um oftalmologista pelo risco de complicações.

CONJUNTIVITE POR INTOLERÂNCIA QUÍMICA Epidemiologia e etiologia. As conjuntivites infecciosas do recém-nascido devem ser diferenciadas da conjuntivite por intolerância química, que ocorre principalmente pelo uso do nitrato de prata, maior causa de conjuntivite no recém-nascido. Apresentação clínica e diagnóstico. Ocorre geralmente 24 horas após o uso do colírio de nitrato de prata, com edema palpebral bilateral, hiperemia conjuntival e lacrimejamento. Apresenta resolução espontânea.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DAS CONJUNTIVITES O diagnóstico diferencial deve ser feito com as principais causas de olho vermelho: Q

Glaucoma agudo: quadro de importante dor ocular, midríase média paralítica, hiperemia conjuntival mais intensa no limbo, ausência de secreção ocular. O

820

paciente pode referir que visualiza halos ao redor das luzes; refere piora da acuidade visual ou visão embaçada. Q Uveíte: hiperemia conjuntival mais intensa no limbo, dor ocular, visão embaçada, fotofobia, lacrimejamento, discreta miose ou pupila irregular pela formação de sinéquias posteriores (aderência da íris no cristalino).

REFERÊNCIAS Kanski JJ. Oftalmologia clínica: uma abordagem sistemática. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004. Kunimoto DY, Kanitkar KD, Makar MS, Friedberg MA, Rapuano CJ. Manual das doenças oculares “wills eye hospital”. 4. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2007. Laage de Meux P. Oftalmologia pediátrica. São Paulo: Tecmedd; 2007.

ESTRABISMO

CASSIANA PARISE ANDRÉIA FERREIRA LARANJEIRA EDSON PROCIANOY

Definição. O estrabismo é uma doença caracterizada pelo não-alinhamento ou pela tendência ao desalinhamento ocular. Chamamos de heterotropia os desvios manifestos. Esses desvios causam visão dupla quando aparecem após os 6 anos de idade, e há supressão da segunda imagem nas crianças com menos de 6 anos. O desvio é chamado intermitente quando ora os olhos parecem alinhados, ora existe desvio (na situação de desvio há supressão da segunda imagem). Quando as crianças apresentam tendência ao desvio, mas ele só é observado no exame (condição em que o alinhamento é mantido pelo esforço visual), chamamos de heteroforia. Dizemos que há ortoforia quando não há desvio nem tendência a ele. É uma condição rara, uma vez que a maior parte das pessoas apresenta algum grau de heteroforia. Epidemiologia. A incidência de estrabismo (desvio manifesto) ocorre em torno de 2-4% da população. A ortoforia (alinhamento normal, sem esforço) é rara, sendo muito prevalente a heteroforia (alinhamento mantido com esforço). Etiologia. Os estrabismos que aparecem dentro do primeiro ano de vida são em geral idiopáticos. Entre as crianças em torno dos 3 anos de idade, a causa mais 821

ESTRABISMO

38.2

frequente é o estrabismo relacionado à hipermetropia (chamado estrabismo acomodativo). A hereditariedade nos estrabismos se expressa de forma não dominante. Existem também causas adquiridas que podem gerar estrabismo por interferirem na visão binocular, entre elas, opacidades (córnea, cristalino ou vítreo), doenças da coroide e da retina. Traumatismos e tumores podem ser causas dos estrabismos chamados paralíticos.

ESTRABISMO

Apresentação clínica. Frequentemente o desvio ocular é verificado pelo paciente ou pelos familiares. Em crianças, o estrabismo pode ser verificado desde os primeiros meses de vida, podendo ser constante ou intermitente. Os estrabismos constantes podem ser alternantes (quando a criança ora desvia um olho, ora outro) ou monoculares (quando desvia sempre o mesmo olho), quando, então, a visão não se desenvolve no olho que está sempre desviado, causando ambliopia, que é uma baixa acuidade visual em um olho com estrutura normal e via óptica preservada. Os estrabismos intermitentes são aqueles em que a criança ora mantém alinhamento, ora desvio, sendo mais frequentes nos estrabismos divergentes (costumam ser observados em situação de bastante claridade, quando a criança fecha o olho que desvia). Os estrabismos intermitentes convergentes são, em geral, associados à falta de correção de uma hipermetropia de grau médio ou elevado e costumam aparecer em torno de 3 anos de idade (existem casos em que aparecem com 1 ano). As heteroforias não são observadas pelas outras pessoas (não se vê a criança desviar os olhos e são causas frequentes de cefaleia). Outras formas “mascaradas” são aquelas em que a criança adota uma posição viciosa de cabeça (rota e/ou inclina a cabeça) para manter os olhos alinhados. Diagnóstico. O diagnóstico de estrabismo constante pode ser feito facilmente por meio de dois testes: teste de Hirschberg e cover test simples. Q

Teste de Hirschberg – Posição do reflexo corneano: A luz de uma lanterna é direcionada para os olhos do paciente, e pede-se que este olhe para o foco de luz. Em olhos sem desvio, o reflexo da luz estará localizado simetricamente na pupila de ambos os olhos. Em olhos com esotropia (desvio convergente), o reflexo estará localizado temporalmente à pupila do olho desviado, e, em olhos com exotropia (desvio divergente), o reflexo estará localizado nasalmente à pupila do olho desviado. Esse teste também permite uma estimativa do ângulo de desvio manifesto. O reflexo situado na margem pupilar corresponde a um desvio de aproximadamente 30 dioptrias prismáticas e, quando situado na região limbar (periferia da íris), corresponde a um desvio de aproximadamente 80 dioptrias prismáticas. Q Cover test simples – Teste de oclusão: Solicita-se que o paciente fixe um objeto em frente; ocluindo o olho que aparentemente é o normal, verifica-se um movimento do olho desviado para a posição central a fim de fixar-se no objeto. Se o olho mover-se da posição temporal para o centro, é um indicativo de exotropia; se mover-se da posição medial para o centro, indica a presença de esotropia. Em olhos sem desvio, não verificamos movimento do olho contralateral no teste de oclusão. 822

Diagnóstico diferencial Q Epicanto: pregas verticais da pele, bilaterais, no canto medial do olho, que podem ser confundidas com esotropia. O reflexo de Hirschberg é normal. Q Telecanto: distância aumentada entre os cantos mediais; pode ser confundida com exotropia. Tratamento. Após a suspeita de estrabismo, o paciente deve ser encaminhado a um oftalmologista para confirmação do diagnóstico e início do tratamento. Primeiramente, deve-se avaliar a causa do estrabismo. Havendo necessidade de correção óptica, o primeiro passo é a prescrição de óculos. Só é operado o desvio que resta com a correção dos óculos. Havendo ambliopia, devemos tratá-la antes de fazer a correção cirúrgica. Se for decorrente de opacidade de meios (catarata, opacidade corneana ou vítrea), deve-se avaliar a possibilidade de tratamento cirúrgico para esta e a seguir, estimular a visão do olho afetado. Tratamento da ambliopia: a estimulação da visão pode ser feita de duas formas: Q

Tratamento cirúrgico: o objetivo da cirurgia é corrigir o desalinhamento ocular e, se possível, restaurar a visão binocular. Havendo indicação cirúrgica, os estrabismos devem ser corrigidos dentro de 12 meses a partir do seu aparecimento para que se tenha maior chance de resultados funcionais. Por cosmética, os estrabismos podem ser operados em qualquer idade (procurando-se fazer a correção antes que a criança comece a frequentar a escola). Podem ser realizados procedimentos que alteram a força do músculo ou que alteram a direção da ação muscular.

REFERÊNCIAS Kanski JJ. Oftalmologia clínica: uma abordagem sistemática. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004. Rosenbaum AL, Santiago AP. Clinical strabismus management. Philadelphia: WB Saunders; 1999. Souza-Dias CR, Almeida HC. Estrabismo. São Paulo: Roca; 1998. Conselho Brasileiro de Oftalmologia.

823

ESTRABISMO

Oclusão do olho normal para estimular o uso do olho amblíope. É o tratamento mais efetivo. O tempo de oclusão depende do grau de ambliopia e da idade do paciente. Q “Penalização” do olho normal por meio da instilação de colírio de atropina, tornando a visão borrada. É um método alternativo, podendo ser usado para tratamento de ambliopias moderadas. Quando a diferença de visão é pequena, podemos usar a penalização óptica, que consiste em usar uma lente que deixa a visão do olho dominante pior do que a do olho com ambliopia.

38.3

TRAUMA OCULAR

CASSIANA PARISE ANDRÉIA FERREIRA LARANJEIRA SAMUEL RYMER

Definição. O trauma ocular pode se apresentar de diferentes formas, com lesão palpebral, lesão óssea, lesão do globo ocular, queimaduras oculares ou combinações destes.

TRAUMA PALPEBRAL

TRAUMA OCULAR

Etiologia e apresentação clínica. O trauma palpebral pode se apresentar como um hematoma, secundário a um trauma contuso, ou com laceração palpebral, nos traumas corto-contusos. Diagnóstico. Durante o exame, é importante verificar a extensão da lesão, atento à possibilidade de dano ao globo ocular e à órbita. A presença de hemorragia subconjuntival sem limite posterior visível pode ser sinal de fratura do teto da órbita; hematoma palpebral anelar bilateral pode ser sinal de fratura de base do crânio. A laceração palpebral pode vir acompanhada de erosão e mesmo laceração do globo ocular, assim como laceração da via lacrimal. Tratamento. O hematoma palpebral apresenta resolução espontânea, porém devese excluir o comprometimento das estruturas adjacentes. Todo defeito palpebral deve ser reparado por fechamento direto e por planos, sempre que possível, com vistas a um melhor resultado estético e funcional. A sutura deve se realizada preferencialmente pelo oftalmologista ou por profissional com experiência com as estruturas e planos da pálpebra, pois uma sutura inadequada pode levar a dano à via lacrimal, ptose ou retração palpebral, entrópio ou ectrópio, perda da função palpebral, exposição corneana, erosão e até ulceração corneana por irregularidade na face conjuntival.

FRATURAS ORBITÁRIAS Etiologia e apresentação clínica. A fratura orbitária é causada por trauma contuso direcionado apenas à órbita ou, em traumatismos mais graves, acometendo ossos da face, crânio e juntamente a órbita. A fratura localizada mais comum é a blow-out, que ocorre quando um objeto (com mais de 5 cm de diâmetro) causa um aumento súbito na pressão orbitária, levando mais comumente à fratura do assoalho da órbita e, em segundo lugar, à fratura da parede medial. A fratura do teto da órbita e a da parede lateral (a mais resistente) ocorrem apenas em traumas 824

maiores, com dano significativo de outros ossos craniofaciais, e geralmente não são manejadas por oftalmologistas.

Tratamento. O tratamento envolve a liberação do tecido encarcerado e o reparo do tecido ósseo. O paciente deve ser encaminhado para avaliação especializada. Sempre se deve realizar um exame cuidadoso do globo ocular em busca de outras lesões.

TRAUMA DO GLOBO OCULAR Etiologia e apresentação clínica. O trauma do globo ocular pode se apresentar de diferentes formas, como uma contusão, levando a diferentes danos às estruturas intraoculares, ou como trauma penetrante, pela presença de corpo estranho extra ou intraocular. Diagnóstico e tratamento Q Trauma contuso: trauma grave, que causa diminuição do diâmetro ânteroposterior com expansão do plano equatorial, associado ao aumento transitório da pressão intraocular. Dependendo da gravidade, podem ocorrer lesões em diferentes estruturas do globo ocular. Podemos observar dano à córnea com erosão e até edema pelo aumento da pressão intraocular. Hifema (hemorragia na câmara anterior) por sangramento da íris ou corpo ciliar geralmente apresenta resolução espontânea, mas o paciente deve ser observado pelo risco de sangramento secundário. Pode ocorrer iridodiálise (deiscência da íris em relação ao corpo ciliar), sendo muitas vezes necessário um tratamento cirúrgico. O corpo ciliar pode reagir com diminuição da produção de humor aquoso, levando à hipotonia ocular, que pode ser temporária ou definitiva. O cristalino 825

TRAUMA OCULAR

Diagnóstico Q Fratura blow-out do assoalho da órbita. Os sinais mais evidentes são equimose palpebral, edema e enfisema subcutâneo. Pode ocorrer anestesia da região malar por lesão do nervo infraorbitário. Outro achado característico é a restrição da elevação do olho acometido e diplopia, devido ao encarceramento mecânico do reto inferior. Em fraturas mais graves, pode-se verificar enoftalmia (afundamento do olho na órbita). Deve ser realizado exame oftalmológico completo pelo risco de dano ao globo ocular. Q Fratura blow-out da parede medial da órbita. Comumente associada à fratura do assoalho da órbita. Os principais sinais são enfisema subcutâneo (tipicamente aumenta quando o paciente assoa o nariz) e restrição à abdução pelo acometimento do músculo reto medial. Q Fratura do teto e da parede lateral da órbita. Podem se apresentar com hematoma da pálpebra superior e equimose periocular. Na fratura de base de crânio, a equimose pode se estender para o outro olho. Grandes fraturas podem estar associadas à pulsação do olho devido à transmissão da pulsação do líquido cerebrospinal.

TRAUMA OCULAR

pode sofrer subluxação ou até deslocamento para o vítreo e, com frequência, desenvolve catarata (opacificação), sendo também necessário tratamento cirúrgico. Em traumas mais graves, pode ocorrer até ruptura do globo ocular, que ocorre geralmente no segmento anterior, com extrusão de estruturas intraoculares. Dano ao segmento posterior pode ocorrer por descolamento ou rupturas da retina ou da coroide, ou dano ao nervo óptico por compressão ou avulsão. Q Trauma penetrante: a extensão da lesão vai depender do tamanho do objeto e da sua velocidade ao atingir o olho. É importante ficar atento ao risco de endoftalmite (infecção do globo ocular), que pode levar à perda do olho. No trauma penetrante, pode ocorrer perda de vítreo e seu encarceramento na ferida, provocando tração retiniana com posterior descolamento da retina. Em perfurações no segmento anterior, pode ocorrer encarceramento ou extrusão da íris e do cristalino, sempre com tratamento cirúrgico. A laceração corneana, quando pequena e com câmara anterior formada, pode ser manejada com uso de lente de contato terapêutica; lacerações maiores exigem sutura. Q Corpo estranho extraocular: o corpo estranho pode ficar alojado na conjuntiva bulbar, causando apenas desconforto, na conjuntiva tarsal, podendo causar abrasão corneana e desconforto importante, ou na córnea, apenas no epitélio ou até no estroma profundo, podendo ocasionar dor muito importante, fotofobia e dificuldade para abrir o olho. Em todos os casos, o paciente deve ser submetido ao exame em lâmpada de fenda para avaliação da lesão e retirada do corpo estranho. Em caso de suspeita de corpo estranho ocular feita por médico não oftalmologista, deve-se ocluir o olho do paciente e encaminhá-lo com brevidade para exame oftalmológico. Q Corpo estranho intraocular: um corpo estranho intraocular pode causar dano mecânico às estruturas oculares, desencadear uma infecção ou ainda causar toxicidade pela sua composição. Um corpo estranho ferroso leva ao depósito de ferro nas estruturas intraoculares, com efeito tóxico sobre o cristalino e a retina, também influenciando os sistemas enzimáticos oculares. Um corpo estranho com alto conteúdo de cobre leva a um quadro grave semelhante à endoftalmite, geralmente progredindo para phthisis bulbi (atrofia do globo ocular). Com menores concentrações de cobre, pode ocorrer apenas depósito dele nas estruturas oculares, levando a um quadro semelhante à doença de Wilson (anel de Kayser-Fleischer, catarata e depósitos retinianos). O tratamento é sempre por meio da retirada cirúrgica do corpo estranho com profilaxia para endoftalmite.

QUEIMADURA QUÍMICA Etiologia e apresentação clínica. Lesões químicas podem variar em gravidade, acarretando desde discreto desconforto ocular até cegueira. Queimaduras por álcalis são mais frequentes e muito mais graves que por ácidos. A gravidade da lesão está relacionada com o produto químico, com a área de superfície ocular

826

afetada, com a duração da exposição e com os efeitos relacionados ao dano térmico. Na tentativa de minimizar os danos causados, a conduta mais importante é a lavagem abundante e imediata do olho. Os álcalis penetram mais profundamente nos tecidos e levam à coagulação das proteínas na superfície, resultando em uma barreira protetora após curto período, o que diminui o benefício da lavagem depois de transcorrido certo tempo da queimadura. O paciente irá referir desconforto ocular importante, fotofobia, lacrimejamento e dificuldade em abrir os olhos. É importante saber qual o produto químico que ocasionou a lesão.

REFERÊNCIAS Kanski JJ. Oftalmologia clínica: uma abordagem sistemática. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004. Kunimoto DY, Kanitkar KD, Makar MS, Friedberg MA, Rapuano CJ. Manual das doenças oculares “wills eye hospital”. 4. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2007.

38.4

LEUCOCORIA

ANDRÉIA FERREIRA LARANJEIRA CASSIANA PARISE SAMUEL RYMER

Definição. O termo leucocoria significa “pupila branca” (do grego, leukos, que significa branco, e kore, que significa pupila) e é o nome dado ao achado clínico de ausência de reflexo pupilar (Fig. 38.4.1).

827

LEUCOCORIA

Diagnóstico e tratamento. Assim que for diagnosticada a queimadura química, a primeira medida a ser realizada é a lavagem abundante, a fim de minimizar o contato do produto e normalizar o pH do olho. Deve-se preferencialmente utilizar soro fisiológico, irrigando o olho por 15-30 minutos ou até o pH ser normalizado. As pálpebras devem ser evertidas para que partículas depositadas no fundo de saco conjuntival também sejam removidas. Depois da lavagem abundante, o paciente deve ser encaminhado com urgência para avaliação oftalmológica. Devese realizar o desbridamento das áreas necróticas da conjuntiva e epitélio corneano para permitir a reepitelização adequada. O tratamento posterior irá depender do grau de acometimento ocular, podendo variar de uso de colírios lubrificantes, antibióticos e anti-inflamatórios esteroides até a necessidade de cirurgias complexas, como recobrimento conjuntival e até uso de ceratopróteses.

Figura 38.4.1

LEUCOCORIA

Leucocoria.

Etiologia. A leucocoria pode ser causada por anomalias do cristalino (catarata), do vítreo (persistência do vítreo primário hiperplásico) e da retina (retinoblastoma), entre outras. Toda criança com diagnóstico de leucocoria deve ser urgentemente encaminhada a um oftalmologista, para excluir a possibilidade de retinoblastoma e outras condições que coloquem em risco sua vida ou visão.

RETINOBLASTOMA Epidemiologia. É o tumor intraocular mais comum da infância, ocorrendo em 1:15.000 nascidos vivos, e corresponde a cerca de 3% de todos os cânceres da infância. Genética. O retinoblastoma é resultado da transformação maligna de células retinianas primitivas, que desaparecem nos primeiros anos de vida, razão pela qual esse tumor raramente é visto após os 3 anos de idade. O retinoblastoma hereditário corresponde a 40% dos casos. Nesses pacientes, um alelo do RPE1 (um gene de supressão tumoral) é modificado em todas as células do corpo. Quando uma nova mutação ocorre no segundo alelo, acontece a transformação maligna. Como todas as células retinianas contêm a mutação inicial, as crianças desenvolvem tumores bilaterais e multifocais. Esses casos familiares apresentam predisposição para cânceres não oculares, principalmente pinealoma e osteossarcoma. O risco de transmitir o gene mutante é de 50%, e, devido à elevada penetrância, 40% dos filhos de um sobrevivente de retinoblastoma hereditário desenvolverão o tumor. 828

Pais não afetados de uma criança com retinoblastoma bilateral apresentam probabilidade de 40% de terem outro filho acometido. O retinoblastoma não hereditário (somático) ocorre em 60% dos casos. O tumor é unilateral, não transmissível e não predispõe o paciente a risco aumentado de cânceres não oculares. Oitenta e cinco por cento dos pacientes com retinoblastoma unilateral pertencem a essa categoria. Apresentação clínica. A idade média no momento do diagnóstico é de 2 anos nos casos unilaterais e de 1 ano nos bilaterais. A apresentação mais comum é a leucocoria (60%), seguida pelo estrabismo (20%); portanto, é mandatório o exame de fundo de olho de toda criança com estrabismo. Também podem ocorrer glaucoma secundário, inflamação orbitária, acometimento da órbita e metástase. Diagnóstico. Toda criança com leucocoria, que pode ser identificada no teste do olhinho, deve ser imediatamente encaminhada ao oftalmologista. O diagnóstico de retinoblastoma é realizado por exame de fundo de olho, ecografia ocular ou tomografia de órbita.

CATARATA CONGÊNITA Definição. A catarata é uma opacidade do cristalino que pode estar presente ao nascimento ou surgir na infância precoce. Quando não diagnosticada e tratada precocemente, principalmente se unilateral, pode levar à cegueira parcial ou total. Epidemiologia. A catarata congênita ocorre em aproximadamente 3 a cada 10.000 nascidos vivos e é bilateral em dois terços dos casos. A catarata hereditária ocorre em 25% dos casos, e a herança mais comum é autossômica dominante, mas pode ser autossômica recessiva ou ligada ao X. A catarata congênita hereditária isolada, quando não associada a malformações sistêmicas, apresenta um melhor prognóstico visual. Em países mais pobres, as infecções intrauterinas como rubéola, toxoplasmose, sífilis, citomegalovírus e herpes ainda são responsáveis pela maioria das cataratas congênitas. Outras causas menos comuns incluem doenças metabólicas, como a galactosemia e a síndrome de Lowe, alterações sistêmicas associadas com as síndromes de Turner e Down, e alterações oculares como aniridia (ausência de íris), coloboma e uveíte. Quadro clínico. A apresentação da catarata congênita depende da intensidade da catarata e da idade de surgimento. Cataratas densas podem ser percebidas mesmo à luz natural como um reflexo esbranquiçado na área pupilar. Opacidades menores podem ser diagnosticadas quando se procura o reflexo vermelho no 829

LEUCOCORIA

Tratamento. Tumores pequenos podem ser tratados com termoterapia transpupilar com laser ou crioterapia, enquanto tumores maiores podem necessitar de quimioterapia, radioterapia e, frequentemente, enucleação do globo ocular.

“teste do olhinho” ou no exame biomicroscópico realizado pelo oftalmologista. Estrabismo e nistagmo são sinais que frequentemente podem indicar catarata.

LEUCOCORIA

Manejo e prognóstico. Tendo em vista as causas, a não ser que exista uma história familiar bem estabelecida, toda criança com catarata congênita deve ser investigada com STORCH, exame de urina para pesquisa de aminoácidos (Lowe) e após a ingestão de leite para a pesquisa de galactosemia. Crianças com características dismórficas ou com outras alterações sistêmicas devem ter o seu cariótipo investigado. Cataratas unilaterais, quando densas, devem ser operadas idealmente nos primeiros quatro meses de vida para que, juntamente ao tratamento de oclusão do olho contralateral no pós-operatório, possa ser revertida a ambliopia desse olho. Cirurgias mais tardias, quando unilaterais, mesmo com um bom tratamento pós-operatório, apresentam um prognóstico visual reservado, pois a ambliopia presente tende a ser muito profunda. Cataratas bilaterais, quando não associadas a nistagmo, podem apresentar um melhor prognóstico visual mesmo quando operadas um pouco mais tarde. Como a opacidade cristaliniana pode se desenvolver gradualmente, e uma vez que a privação visual é bilateral e geralmente simétrica, há possibilidade de, com a cirurgia e uma boa correção visual no pós-operatório, o paciente apresentar uma boa acuidade visual.

PERSISTÊNCIA DA VASCULATURA FETAL (PERSISTÊNCIA DO VÍTREO PRIMÁRIO HIPERPLÁSICO) É resultado de uma falha na involução do vítreo primário embrionário e do sistema vascular hialóideo durante a gestação. É caracterizado por uma projeção que parte do nervo óptico e pode alcançar a superfície posterior do cristalino. Tipicamente ocorre em um olho microftálmico e quase sempre é unilateral. Essas crianças estão em risco de desenvolver glaucoma, catarata, hemorragia intraocular e descolamento de retina. O olho acometido, além da baixa acuidade visual, tende a desenvolver-se menos que o outro, podendo se tornar atrófico.

RETINOPATIA DA PREMATURIDADE A retinopatia da prematuridade (ROP) é uma doença vasoproliferativa retiniana que se desenvolve na retina ainda não completamente vascularizada de prematuros geralmente abaixo de 32 semanas gestacionais. Essa doença aumenta sua incidência quanto menor a idade gestacional e menor o peso ao nascimento. Outros fatores de risco são necessidade de ventilação mecânica por mais de uma semana, terapia com surfactante pulmonar, transfusão sanguínea, sepse, displasia broncopulmonar e saturação de oxigênio sanguíneo elevada. A ROP só causa leucocoria quando ocorre descolamento de retina ou fibroplasia retrolental, o que ocorre semanas a meses após o nascimento. 830

DOENÇA DE COATS A doença de Coats caracteriza-se por telangiectasias retinianas e exsudatos subretinianos que podem levar ao descolamento de retina. Acomete mais a população masculina (3:1) e é clinicamente unilateral em 80% ou mais dos casos. Aproximadamente dois terços dos casos juvenis são diagnosticados antes dos 10 anos de idade. A apresentação clínica é geralmente com perda visual, estrabismo ou leucocoria. Ao exame do fundo de olho, identificam-se telangiectasias retinianas e exsudação amarelada intra e sub-retiniana. Podem desenvolver complicações como descolamento exsudativo de retina, rubeose de íris, glaucoma, uveíte e atrofia bulbar. A conduta envolve apenas observação nos casos de doença leve que não ameaça a visão ou nos casos sem possibilidade de recuperação visual, e fotocoagulação, crioterapia e cirurgia vitreorretiniana nos olhos com potencial de recuperação ou manutenção visual.

Uveítes são inflamações da porção pigmentada do olho, a úvea. Acomete crianças normalmente em idade pré-escolar e escolar. Pode ocorrer após trauma ocular contuso e está frequentemente associada a doenças reumatológicas (artrite reumatoide juvenil) e infecciosas (toxoplasmose). As principais manifestações são fotofobia, dor ocular, hiperemia ciliar, lacrimejamento e diminuição da acuidade visual. A etiologia sempre deve ser investigada para o tratamento local e sistêmico de doenças que, muitas vezes, manifestam-se primeiramente nos olhos para, anos após, desenvolverem um quadro sistêmico.

TOXOCARÍASE A toxocaríase é uma infecção causada pelo Toxocara canis, que geralmente acomete crianças entre 1 e 5 anos. O acometimento ocular pode ser a única manifestação da doença, frequentemente não apresentando história concomitante ou antecedente de larva migrans visceral. A lesão ocular é causada por uma resposta inflamatória à larva localizada no globo ocular. Apresenta-se mais frequentemente como um granuloma esbranquiçado sub-retiniano em qualquer localização retiniana. Essa lesão pode causar leucocoria mesmo sem uveíte importante. Uma reação inflamatória difusa no globo ocular (endoftalmite) também pode ser a apresentação da toxocaríase.

OUTRAS CAUSAS DE LEUCOCORIA Hemorragia vítrea por trauma, discrasias, ROP avançada ou doença hemorrágica do recém-nascido, displasia retiniana, anomalias do disco óptico, entre outras.

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LEUCOCORIA

UVEÍTES

REFERÊNCIAS Kanski JJ. Oftalmologia clínica: uma abordagem sistemática. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004. Kunimoto DY, Kanitkar KD, Makar MS, Friedberg MA, Rapuano CJ. Manual das doenças oculares “wills eye hospital”. 4. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2007. The eyes. In: Green M, editor. Pediatric diagnosis: interpretation of symptoms and signs in children and adolescents. 6th ed. Philadelphia: WB Saunders; 1998. p. 15. Traboulsi EI. Pediatric ophthalmology. In: McMillan JA, Feigin RD, DeAngelis C, Jones MD, editors. Oski’s pediatrics: principles and practice. 4th ed. Philadelphia: Lippincott, Williams & Wilkins; 2006. p. 801.

38.5

LACRIMEJAMENTO

LACRIMEJAMENTO

ANDRÉIA FERREIRA LARANJEIRA CASSIANA PARISE SAMUEL RYMER

Definição. Apesar do uso genérico do termo lacrimejamento, deve-se inicialmente fazer uma diferenciação entre epífora e lacrimejamento. A epífora é o extravasamento da lágrima para fora do globo ocular por estreitamento ou obstrução em algum ponto das vias lacrimais. O lacrimejamento é definido como uma produção excessiva de lágrimas, por diferentes causas, como glaucoma congênito, conjuntivites, corpo estranho ocular e outros distúrbios irritativos.

OBSTRUÇÃO CONGÊNITA DA VIA LACRIMAL Epidemiologia. A obstrução da via lacrimal ocorre em 20% dos recém-nascidos normais e causa sintomas em até 6% das crianças durante o primeiro ano de vida. Etiologia. A obstrução pode ocorrer em qualquer local da via lacrimal (Fig. 38.5.1), mas geralmente é causada por uma membrana congênita imperfurada distal no ducto nasolacrimal, ao nível da válvula de Hasner. Outras causas menos frequentes são a atresia de ponto lacrimal e malformações da via lacrimal. Apresentação clínica. Os bebês apresentam-se com epífora crônica ou intermitente em um ou ambos os olhos (Fig. 38.5.2) e, ocasionalmente, episódios recorrentes de dacriocistite, que se manifesta por secreção purulenta drenando pelo ponto

832

Ponto lacrimal Canalículos lacrimais

Saco lacrimal

Válvula de Rosenmüller

Ducto lacrimonasal Meato nasal inferior

Concha nasal inferior

Válvula de Hasner

lacrimal. Deve-se notar que a produção lacrimal aumenta com a idade e, portanto, o início dos sintomas pode ocorrer apenas no segundo ou terceiro mês de vida. A obstrução da via lacrimal apresenta resolução espontânea do quadro até o primeiro ano de vida em 90% dos casos. Entretanto, menos de 1% das crianças com epífora após 1 ano de idade apresentará resolução espontânea do quadro.

Figura 38.5.2 Obstrução congênita da via lacrimal. 833

LACRIMEJAMENTO

Figura 38.5.1 Anatomia da via lacrimal.

Diagnóstico. O exame no consultório frequentemente é limitado. Deve-se primeiro afastar outras causas de lacrimejamento (triquíase – inversão dos cílios –, doenças da superfície ocular, conjuntivites). O canto medial deve ser inspecionado para quaisquer sinais de dacriocistite, e a área do saco lacrimal deve ser comprimida à procura de secreção retida, purulenta ou não, que reflui pelo ponto lacrimal. Em casos inconclusivos ao exame oftalmológico, a realização de uma dacriocistografia com contraste revelará o local da obstrução. Tratamento. Pelo fato de 90% dos casos se resolverem espontaneamente por volta do primeiro ano de idade, o tratamento inicial deve ser conservador. Os pais precisam ser orientados acerca da massagem do saco lacrimal (de baixo para cima para esvaziar o saco lacrimal e de cima para baixo para pressionar a válvula). A massagem deve ser feita o mais frequentemente possível ou, pelo menos, em três repetições 2×/dia. A sondagem das vias lacrimais (Fig. 38.5.3) deve ser realizada em torno do primeiro ano de vida. No entanto, crianças com dacriocistite de repetição têm indicação de sondagem da via lacrimal mesmo antes de 1 ano de idade. Até os 2 anos de idade, esse procedimento ainda pode ser efetivo em alguns casos. Deve-se realizar os seguintes procedimentos: Q

LACRIMEJAMENTO

Q Q Q Q

Até 1 ano: massagem para esvaziamento do saco lacrimal e pressão sobre a membrana. Dacriocistites de repetição ou 1 ano completo ainda com epífora: sondagem da via lacrimal sob anestesia geral (90% de sucesso). 10% permanecem com epífora após a primeira sondagem: repetição da sondagem. Epífora após a segunda sondagem: entubação do ducto nasolacrimal com tubo de silicone. Epífora após stent em via lacrimal: dacriocistorrinostomia.

Figura 38.5.3 Sondagem das vias lacrimais. 834

GLAUCOMA CONGÊNITO Epidemiologia. O glaucoma congênito ocorre em cerca de 1:10.000 nascimentos. Vinte e cinco por cento dos casos são diagnosticados ao nascimento, e mais de 60% até os 6 meses de idade. A incidência entre homens e mulheres é de 3:2, sem diferença entre raças. Hereditariedade. Apenas 10% dos glaucomas infantis são familiares, geralmente transmitidos por herança autossômica recessiva. Os demais casos são esporádicos. Os pais de crianças com glaucoma congênito devem ser orientados sobre a chance de 3% de terem outro filho com a doença se não houver outros casos na família. Essa chance sobe para 25% se dois filhos tiverem a doença (considerando a herança recessiva).

Apresentação clínica. O glaucoma congênito é bilateral em 65-80% dos casos e caracterizado pela tríade lacrimejamento, fotofobia (hipersensibilidade à luz) e blefaroespasmo (oclusão forçada das pálpebras repetidamente). Casos com surgimento muito precoce ou mesmo intraútero geralmente apresentam também opacificação corneana, aumento do globo ocular (buftalmo) e do diâmetro corneano (resultantes da pressão elevada em um globo ocular ainda distensível) (Fig. 38.5.4). Diagnóstico. Ao exame oftalmológico, observam-se roturas na membrana de Descemet – estrias de Haab –, diâmetro corneano > 12-13 mm, edema corneano,

Figura 38.5.4 Glaucoma congênito. 835

LACRIMEJAMENTO

Etiologia. A elevação da pressão é secundária a um desenvolvimento anormal do ângulo da câmara anterior, que leva à dificuldade de escoamento do humor aquoso. Não há consenso sobre a natureza do surgimento dessa alteração. Por muito tempo, atribuiu-se essa obstrução a uma membrana sobre o ângulo, a qual nunca foi demonstrada histopatologicamente.

pressão intraocular elevada para a idade, inserção mais anterior da íris vista à gonioscopia, escavação do nervo óptico aumentada à fundoscopia e diâmetro ântero-posterior do globo ocular aumentado. Tratamento. O tratamento do glaucoma congênito é sempre cirúrgico e deve ser realizado o mais precocemente possível após o diagnóstico. Em olhos com boa transparência corneana, a goniotomia (incisão ao longo do trabeculado sob visualização direta) pode ser realizada. Nos casos de opacidade corneana, optase pela trabeculotomia (canalização do canal de Schlemm com uma espátula e rotação dessa para a câmara anterior, rompendo o trabeculado). Os colírios hipotensores têm papel adjuvante após a realização do procedimento cirúrgico.

LACRIMEJAMENTO

CONJUNTIVITES A inflamação da conjuntiva – conjuntivite – pode ser causada por infecção, alergia, exposição química ou dano mecânico. A apresentação clínica e o tratamento dependem da etiologia. A conjuntivite bacteriana dificilmente é diagnóstico diferencial de lacrimejamento, pois a secreção normalmente é mucopurulenta. Já a conjuntivite viral pode iniciar apenas com lacrimejamento, mas rapidamente outros sinais e sintomas, como hiperemia, dor, fotofobia e aumento de linfonodos, tornam-se perceptíveis. Ao contrário das anteriores, a conjuntivite alérgica pode apresentar um quadro mais prolongado, mas o principal achado é o prurido manifestado pela criança. Mais detalhes podem ser encontrados no Capítulo 38.1.

CORPO ESTRANHO OU ABRASÃO CORNEANA A criança normalmente apresenta fotofobia, lacrimejamento, hiperemia unilateral e história sugestiva de dano corneano. O corpo estranho pode estar na superfície ocular ou sob a pálpebra, o que pode levar a abrasões lineares na córnea. Assim, a pálpebra superior sempre precisa ser evertida quando não se localiza o corpo estranho na superfície ocular. Esse procedimento deve ser realizado por um médico oftalmologista.

ALTERAÇÕES PALPEBRAIS Anomalias anatômicas das pálpebras podem causar lacrimejamento, hiperemia e sensação de corpo estranho. A triquíase, cílios em contato com a superfície ocular (Fig. 38.5.5), pode causar irritação corneana, levando a lacrimejamento reflexo e hiperemia. Os mesmo sinais e sintomas são causados pelo entrópio (inversão da pálpebra inferior que deixa os cílios todos direcionados para o globo ocular) e pelo epibléfaro (prega excessiva de pele abaixo dos cílios que se estende sobre o tendão medial, causando o contato dos cílios com a superfície ocular). 836

Figura 38.5.5 Epibléfaro com triquíase.

Uveítes são inflamações da porção pigmentada do olho, a úvea. Acometem crianças normalmente em idade pré-escolar e escolar. Podem ocorrer após trauma ocular contuso e estão frequentemente associadas a doenças reumatológicas (artrite reumatoide juvenil) e infecciosas (toxoplasmose). As principais manifestações são fotofobia, dor ocular, hiperemia ciliar, lacrimejamento e diminuição da acuidade visual. A etiologia sempre deve ser investigada para o tratamento local e sistêmico de doenças que, muitas vezes, manifestam-se primeiramente nos olhos para, anos após, desenvolverem um quadro sistêmico.

REFERÊNCIAS Kanski JJ. Oftalmologia clínica: uma abordagem sistemática. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2004. Kunimoto DY, Kanitkar KD, Makar MS, Friedberg MA, Rapuano CJ. Manual das doenças oculares “wills eye hospital”. 4. ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2007. MacEwen CJ, Young JD. Epiphora during the first year of life. Eye. 1991;5 (Pt 5):596-600. Newell FW. The lacrimal apparatus. In: Ophthalmology: Principles and Concepts. 6th ed. St. Louis: CV Mosby; 1986. p. 254. Robb RM. Congenital nasolacrimal duct obstruction. Ophthalmol Clin North Am. 2001;14(3):443-6. Wagner RS. Management of congenital nasolacrimal duct obstruction. Pediatr Ann. 2001;30(8):481-8.

837

LACRIMEJAMENTO

UVEÍTES

CAPÍTULO 39

ONCOLOGIA 39.1

LINFOMAS

TANIRA GATIBONI JISEH FAGUNDES LOSS CAROLINA DAMÉ OSÓRIO LOPES

LINFOMA DE HODGKIN Definição e epidemiologia. Neoplasia linfoide definida histologicamente pela presença de células de Reed-Sternberg (células gigantes com citoplasma abundante, contendo múltiplos núcleos ou multilobuladas). Apresenta curva bimodal de distribuição etária. Em países industrializados, ocorrem dois picos de incidência: um em adultos jovens e outro em pacientes maiores de 50 anos. Nos países em desenvolvimento, o pico de incidência ocorre em crianças mais jovens, antes da adolescência. Há três formas identificadas de doença de Hodgkin (DH): uma forma infantil (< 15 anos de idade); uma forma em adultos jovens (de 15-34 anos), e uma forma em adultos mais velhos (> 55 anos de idade). A DH clássica é dividida em quatro subtipos: DH rica em linfócitos, esclerose nodular, celularidade mista e depleção linfocitária. O vírus Epstein-Barr (EBV) está presente na maioria dos pacientes com DH, podendo ser confirmado por exames sorológicos e pela presença frequente do seu genoma no material da biópsia, o que favorece a hipótese de que esse vírus está relacionado com a patogênese dessa neoplasia. Manifestações clínicas. A apresentação inicial mais comum é a presença de linfadenomegalia, indolor, firme, cervical, supraclavicular ou, menos frequentemente, axilar ou inguinal. Pelo menos em dois terços dos casos, encontramos massa de mediastino anterior, que pode causar sintomas de compressão de traqueia ou brônquios, como tosse não produtiva, estridor, dispneia e disfagia e síndrome da veia cava superior. Hepatoesplenomegalia pode ser encontrada em pacientes com doença avançada. Disfunção hepática ou invasão da medula óssea (anemia, neutropenia ou trombocitopenia) podem estar presentes dependendo da extensão e da localização da doença. Doença primariamente localizada subdiafragmática é rara e ocorre em aproximadamente 3% dos casos. 838

Sintomas sistêmicos inespecíficos, como perda de peso, febre inexplicável e sudorese noturna (conhecidos como sintomas B e úteis no estadiamento da doença), além de fadiga, anorexia e prurido, são comumente observados em pacientes com DH. As alterações imunológicas presentes na DH tornam os pacientes suscetíveis a infecções oportunistas e virais. Diagnóstico. Deve incluir anamnese e exame físico detalhado. Qualquer paciente com linfadenopatia persistente e inexplicável (não associada a um processo inflamatório ou infeccioso subjacente), deve realizar raio X de tórax, para identificação de massa no mediastino, antes de realizar biópsia do linfonodo. A biópsia excisional é o procedimento de eleição. Com o diagnóstico de linfoma de Hodgkin estabelecido, é necessário determinar a extensão da doença (estadiamento), que consiste em: hemograma completo, proteína C reativa, β2-microglobulina, provas de função hepática e renal, LDH, ferritina, cobre, biópsia e aspirado de medula óssea, tomografia computadorizada de tórax e abdome e cintilografia com gálio. Casos suspeitos de DH devem ser encaminhados ao serviço de referência em tratamento de câncer infantil.

Tratamento e prognóstico. O tratamento requer uma abordagem multidisciplinar e deve ser realizado em um centro de referência em oncologia pediátrica. É determinado pelo estádio da doença, pela idade do paciente, pela presença ou ausência de sintomas sistêmicos e pelo volume de doença nodular. A maioria dos tratamentos inclui poliquimioterapia, combinada à radioterapia local em casos selecionados. Em caso de recidiva precoce (menos de 12 meses do final do tratamento), está indicada quimioterapia mieloablativa seguida de transplante de células-tronco hematopoiéticas. A maioria dos protocolos terapêuticos obtém sobrevida livre de doença superior a 60% com taxas globais de cura superiores a 90% nos casos iniciais.

LINFOMA NÃO HODGKIN Definição e epidemiologia. O linfoma não Hodgkin (LNH) resulta da proliferação de clones malignos de linfócitos T, B ou células de origem indeterminada. São responsáveis por 10-15% das neoplasias na infância, sendo o mais comum depois das leucemias e tumores cerebrais. Ao contrário do que ocorre com o linfoma de Hodgkin, a incidência aumenta gradativamente durante a vida, sendo maior na segunda década de vida e rara antes dos 3 anos de idade. Os países da África e do Oriente Médio apresentam incidências maiores.

839

LINFOMAS

Diagnóstico diferencial. Linfoma não-Hodgkin, adenopatia metastática de outros tumores primários e doenças infecciosas, como toxoplasmose, doença da arranhadura do gato e micobacteriose atípica, entre outras, devem ser excluídas.

LINFOMAS

A maior parte dos LNH na infância consiste em tumores difusos de alto grau. Há três subtipos histológicos: linfoblástico (em geral de células T), linfoma de pequenas células não clivadas (LPCNC), com origem nas células B (Burkitt e nãoBurkitt), e linfoma de grandes células (LGC), com origem nas células B, T ou indeterminada. A etiologia é desconhecida, mas alguns fatores podem estar associados, como as imunodeficiências congênitas e adquiridas, os tratamentos quimioterápicos e radioterápicos prévios e as infecções virais, como AIDS e EBV. Manifestações clínicas. Variam de acordo com a extensão e o local da doença. Os locais mais frequentemente envolvidos são: intra-abdominal (células B) e intratorácico (células T precursoras). O LNH linfoblástico apresenta-se frequentemente como um tumor intratorácico (massa mediastinal), causando dispneia, disfagia, dor torácica, derrame pleural e síndrome da veia cava superior. Linfadenopatia cervical ou axilar ocorre em 80% dos casos. Pode haver envolvimento primário do osso, da medula óssea, do testículo, da pele e do sistema nervoso central (SNC). O LPCNC se apresenta como um tumor abdominal em 80% dos casos, manifestando-se com dor e distensão abdominal, obstrução intestinal e sangramento. É a causa mais frequente de intussuscepção em crianças maiores de 6 anos. Também pode acometer o SNC, a medula óssea e os linfonodos periféricos. O LGC pode manifestar-se no abdome, no mediastino, na pele e nos ossos. Sintomas sistêmicos, como os sintomas B, acometem cerca de 40% dos pacientes, sendo mais comum em pacientes com doença de histologia agressiva, principalmente naqueles com envolvimento hepático ou extranodal. Menos frequentemente, os pacientes são acometidos por sintomas como fadiga e prurido. Cerca de dois terços dos pacientes apresentam linfadenopatias periféricas envolvendo a cabeça e o pescoço. O comprometimento do anel de Waldeyer é mais frequente em pacientes com LNH do que naqueles com linfomas de Hodgkin (LH). Envolvimento intratorácico, embora muito menos comum que no LH, está presente em aproximadamente 20% dos pacientes. Diagnóstico. Inclui anamnese e exame físico detalhado. Deve-se obter uma boa amostragem de tecido por meio de biópsia da lesão. O diagnóstico definitivo é feito com exame anatomopatológico e perfil imunoistoquímico. O estadiamento inclui hemograma, bioquímica, LDH, função hepática e renal, sorologias para hepatite B e C, AIDS, raio X de tórax, tomografia de tórax e abdome, cintilografia com gálio, cintilografia óssea, aspirado e biópsia de medula óssea e citopatológico do líquido cerebrospinal. O estadiamento considera o volume tumoral, a extensão da doença, o comprometimento das funções orgânicas e os distúrbios bioquímicos. Os pacientes com suspeita de LNH devem ser encaminhados para um serviço de referência em tratamento de câncer pediátrico.

840

Tratamento e prognóstico. O tratamento de escolha consiste em quimioterapia. As drogas utilizadas e a duração variam de acordo com o estadiamento e o tipo histológico do tumor. Em adição à quimioterapia sistêmica, a quimioterapia intratecal é parte integrante da terapia para a prevenção ou tratamento de doença no SNC. A radioterapia raramente é necessária. Transplante de medula óssea alogênico ou autólogo pode ser considerado em caso de recidiva ou refratariedade ao tratamento inicial. Pode ser necessário manejo de emergência em alguns pacientes com LNH pediátrico, devido ao rápido crescimento tumoral. As complicações mais frequentes são: síndrome da veia cava superior, compressão medular e obstrução e/ou perfuração intestinal. Deve ser enfatizado que todas as complicações só podem ser definitivamente resolvidas com o início da terapia específica. O tratamento requer uma abordagem multidisciplinar e deve ser realizado em um centro de referência em oncologia pediátrica. As taxas de sobrevida variam de acordo com o estadiamento e o tipo histológico do LNH. Nos estágios iniciais, cerca de 90% dos casos são curados.

Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson, tratado de pediatria. 17th ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005 National Cancer Institute. Physician data query: cancer information summaries: pediatric reatment [homepage in the Internet]. Bethesda: Author; 2008 [capturado em 2009 Sep 22]. Disponível em: http://www.nci.nih.gov/cancertopics/pdq/pediatrictreatment. Pizzo PA, Polack DG, editors. Principles and practice of pediatric oncology. 5th ed. Philadelphia: Lippincott-Williams & Wilkins; 2006.

39.2

TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

CAROLINA DAMÉ OSÓRIO LOPES JISEH FAGUNDES LOSS TANIRA GATIBONI

TUMORES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Definição e epidemiologia. São as neoplasias sólidas mais comuns na infância, correspondendo a 20% de todos os tumores pediátricos. Apesar dos avanços na terapêutica, continua sendo o grupo de tumores com maior morbimortalidade na faixa etária pediátrica.

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TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

REFERÊNCIAS

Tem seu pico de incidência na primeira década de vida, predominantemente em meninos, sem distinção entre raças. Os tipos histológicos mais frequentes são: astrocitoma pilocítico juvenil, meduloblastoma, astrocitoma difuso, ependimoma e craniofaringioma, que juntos correspondem a 80% de todos os tumores cerebrais na infância. A localização predominante é infratentorial, seguida pela localização supratentorial e medular.

TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Manifestações clínicas. Os sinais e sintomas dependem da idade do paciente e da localização da lesão. Nos primeiros anos de vida, dificilmente os pacientes irão apresentar a tríade clássica de hipertensão intracraniana (vômitos matinais, cefaleia e papiledema). Nessa idade, os sintomas são geralmente mais inespecíficos, como irritabilidade, anorexia e retardo no desenvolvimento neuropsicomotor. O olhar de “sol poente” é um sinal que pode ser observado nessa faixa etária. Crianças em idade escolar podem apresentar alteração súbita de comportamento, crise convulsiva, cefaleia recorrente com piora progressiva da intensidade, alteração de marcha, perda de equilíbrio, queixas visuais e acometimento dos pares cranianos. Diagnóstico. A avaliação inicial deve incluir história detalhada, exame físico e avaliação neurológica completa. A tomografia de crânio ou a ressonância magnética são fundamentais para mostrar a localização e a extensão da lesão. Os pacientes devem coletar exames laboratoriais para avaliação hematológica, função renal, hepática e marcadores tumorais séricos específicos. As dosagens de β-HCG e α-fetoproteína no sangue e no líquido cerebrospinal podem ajudar no diagnóstico de tumores germinativos. A avaliação do neuroeixo com ressonância magnética e a cintilografia óssea serão realizadas dependendo da neoplasia. Embora os exames de imagem sugiram o tipo mais comum de neoplasia de acordo com a localização, a biópsia é fundamental para confirmação histológica e planejamento terapêutico. Em raros casos, quando o tumor acomete o tronco cerebral, a biópsia está contraindicada pela alta mortalidade do procedimento. Nesses pacientes, pode-se iniciar o tratamento com quimioterapia e radioterapia sem o diagnóstico histológico. Os casos suspeitos devem ser encaminhados para um serviço de referência em tratamento de câncer pediátrico. Tratamento. O objetivo principal do tratamento é a ressecção completa do tumor. A maioria dos tumores cerebrais será tratada com uma combinação de cirurgia, quimioterapia e radioterapia. Alguns tipos específicos de tumores podem se beneficiar de altas doses de quimioterapia seguidos da infusão de células progenitoras hematopoiéticas. O prognóstico depende do tipo histológico, da localização tumoral e da idade do paciente, sendo mais favoráveis os casos em que a ressecção é completa.

842

NEUROBLASTOMA Definição e epidemiologia. É uma neoplasia que se origina das células ganglionares simpáticas primitivas. A glândula suprarrenal é o local mais atingido (40%), seguida pelos gânglios simpáticos paravertebrais abdominais (25%) e torácicos (15%). É o tumor sólido extracraniano mais frequente na infância. O diagnóstico, em 90% dos casos, é feito antes dos 5 anos de idade, sendo mais frequente no sexo masculino.

Q Q Q Q Q Q Q Q

Dor e massa abdominal endurecida, palpável no flanco ou na linha média Massa em mediastino posterior (localização mais comum em menores de 1 ano) Equimose periorbitária (olhos de guaxinim) Diminuição de força e dor nas extremidades (por compressão vertebral, nos casos de tumores paravertebrais) Nódulos subcutâneos Diarreia secretora (por secreção de peptídeo intestinal vasoativo – VIP) Hipertensão arterial e sudorese (por produção de catecolaminas) Anemia, irritabilidade, cansaço (por envolvimento da medula óssea)

Diagnóstico O neuroblastoma geralmente é visto na tomografia como uma massa heterogênea com calcificações e/ou necrose no seu interior. Q Os níveis de ácido vanilmandélico (VMA) e ácido homovanílico (HVA) na urina estão aumentados em 95% dos casos e ajudam a confirmar o diagnóstico. Q O diagnóstico definitivo é feito pela biópsia da lesão. Q O estadiamento completo inclui tomografia de tórax e abdome, cintilografia com metaiodobenzilguanidina (MIBG), cintilografia óssea, biópsia de medula óssea e dosagem de VMA urinário. Os pacientes devem coletar exames laboratoriais para avaliação hematológica, função renal, hepática e marcadores tumorais séricos específicos, como ferritina e desidrogenase lática (LDH). Q O estadiamento, juntamente à idade do paciente ao diagnóstico e aspectos da biologia tumoral (presença do proto-oncogene N-myc e histologia segundo Shimada), classificam os pacientes em grupos de baixo, intermediário e alto risco. Q Os pacientes com suspeita de neuroblastoma devem ser encaminhados para um serviço de referência em tratamento de câncer pediátrico. Q

Tratamento. O tratamento inclui quimioterapia para redução do volume tumoral e cirurgia. Nos estádios mais avançados, estão indicados radioterapia, ácido transretinoico e transplante autólogo de medula óssea. 843

TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Manifestações clínicas. Os sintomas estão relacionados à localização tumoral e podem compreender:

A sobrevida livre de doença depende do grupo de risco de cada paciente, variando entre 50 e 90%, nos grupos de alto e baixo risco, respectivamente.

TUMOR DE WILMS (NEFROBLASTOMA) Definição e epidemiologia. É uma neoplasia que surge a partir do desenvolvimento anormal de células embrionárias renais. É a neoplasia renal mais comum na infância e compreende aproximadamente 6% dos tumores pediátricos. Incide em crianças com idade inferior a 5 anos. Em 10% dos casos, pode estar associado a síndromes genéticas, como DenysDrash, WAGR e Beckwith-Wiedemann.

TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Manifestações clínicas. Q Geralmente se apresenta como uma massa abdominal assintomática, descoberta ao acaso pelos pais, em um paciente com bom estado geral e idade inferior a 5 anos. Q Hipertensão arterial sistêmica está presente em 25% dos casos (devido ao aumento de secreção de renina), e hematúria é descrita em 12-25% dos pacientes. Diagnóstico A tomografia abdominal permite confirmar a localização e a extensão tumoral, além de avaliar a integridade do rim contralateral. Q A investigação de metástases pulmonares é feita pelo raio X de tórax, e a tomografia de tórax não é realizada de rotina. Q Os pacientes devem coletar exames laboratoriais para avaliação hematológica, função renal e hepática. Q Os casos suspeitos devem ser encaminhados para um serviço de referência em tratamento de câncer pediátrico, antes mesmo de realizar biópsia renal. É importante salientar que, quando indicada, a biópsia deve ser realizada por um cirurgião experiente, utilizando uma abordagem posterior, para não modificar o estadiamento do paciente. Q

Tratamento. Os pilares do tratamento são a quimioterapia e a cirurgia. A radioterapia abdominal é usada nos estádios mais avançados, e a radioterapia pulmonar, nos casos de metástase pulmonar que não respondem à quimioterapia. A sobrevida está entre 70 e 80% nos casos não metastáticos.

RABDOMIOSSARCOMA Definição e epidemiologia. É uma neoplasia que se origina das células precursoras da musculatura estriada. É o sarcoma de partes moles pediátrico mais comum e corresponde a 5-8% dos tumores da infância.

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São encontrados com maior frequência na região da cabeça e pescoço, como nasofaringe, órbita e orelha média (40% dos casos), podendo envolver ainda o sistema geniturinário, como próstata, bexiga, útero e vagina (20%), extremidades (20%) e tronco (10%). Manifestações clínicas. Dependem da localização do tumor primário e são causadas por deslocamento ou obstrução de estruturas normais. Os principais sinais e sintomas são:

Q Q Q Q

Obstrução nasal, coriza mucopurulenta, epistaxe e dificuldade de deglutição (nos tumores de nasofaringe) Proptose e estrabismo (tumores de órbita) Perda de audição, otorreia crônica, massa visível no canal do ouvido (tumores de orelha média) Abaulamento e destruição dos ossos da face Massa abdominal palpável, obstrução urinária, disúria, hematúria, aumento de volume testicular (tumores do trato geniturinário)

Diagnóstico. A suspeita diagnóstica deve ser levantada em crianças com as manifestações clínicas supracitadas. Há necessidade de realização de tomografia ou ressonância magnética para avaliação do local do tumor primário. O diagnóstico definitivo será estabelecido pela biópsia. O estadiamento completo inclui tomografia de tórax e abdome, cintilografia óssea e biópsia de medula óssea. Exames laboratoriais para avaliação hematológica e função renal e hepática também devem ser realizados. Os casos suspeitos devem ser encaminhados para um serviço de referência em tratamento de câncer pediátrico. Tratamento. O tratamento geralmente inicia-se com quimioterapia, na tentativa de reduzir o volume tumoral, seguida de cirurgia. A radioterapia é utilizada em casos selecionados, dependendo da localização e do tipo histológico. Nos casos de tumores parameníngeos, com extensão intracraniana, a radioterapia se faz necessária imediatamente após o diagnóstico. Pacientes com doença localizada têm sobrevida de 80%; nos casos metastáticos, a sobrevida cai para 25%.

SARCOMAS ÓSSEOS OSTEOSSARCOMA Definição e epidemiologia. É a neoplasia óssea primária mais comum na infância. O pico de incidência ocorre na segunda década de vida, atingindo principalmente adolescentes e adultos jovens.

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TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Q

Manifestações clínicas. As manifestações mais frequentes são dor e tumoração óssea com mais de um mês de evolução. Podem ocorrer limitação do movimento, derrame articular e fratura patológica associada. Acometem principalmente os ossos longos, como fêmur, úmero e tíbia.

TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Diagnóstico. O raio X do osso comprometido geralmente mostra uma lesão mista, com componentes osteolíticos e osteoblásticos, e apresenta, como sinal radiológico clássico, o aspecto de sol irradiante. O diagnóstico definitivo é feito pela biópsia da lesão. O estadiamento completo inclui ressonância magnética do osso comprometido, tomografia de tórax e cintilografia óssea. A ressonância é fundamental não só para avaliar a extensão da doença, como também para evidenciar a presença de lesões-satélite (skip metástases). Exames laboratoriais para avaliação hematológica, função renal e hepática também estão indicados. Os casos suspeitos devem ser encaminhados para um serviço de referência em tratamento de câncer pediátrico, antes mesmo de fazer a biópsia para confirmação diagnóstica. Tratamento. O tratamento consiste em quimioterapia pré e pós-operatória. O planejamento cirúrgico deve ocorrer antes da biópsia e, de preferência, esta deve ser feita pelo mesmo cirurgião que fará a cirurgia definitiva, para que não haja comprometimento para uma abordagem conservadora no futuro. A radioterapia não está indicada, uma vez que esses tumores são resistentes a essa modalidade terapêutica. A sobrevida está entre 65 e 75% para as formas não metastáticas e em torno de 20% para a doença metastática.

SARCOMA DE EWING Definição e epidemiologia. É um sarcoma ósseo indiferenciado que também pode surgir em partes moles. É a segunda neoplasia óssea mais comum na infância. Tem seu pico de incidência na segunda década de vida e é extremamente raro em crianças negras. Manifestações clínicas. Mais da metade dos pacientes se apresenta com dor óssea localizada, associada à tumoração e hiperemia dos tecidos moles adjacentes. Esse tipo de sarcoma pode estar associado a manifestações sistêmicas como febre e perda de peso. Muitas vezes, esses pacientes estão em tratamento para outras doenças, como osteomielite, tendinite e lesões relacionadas ao esporte, o que acaba por atrasar o diagnóstico correto. Os principais sítios acometidos são: ossos da pelve (26%), ossos longos das extremidades inferiores (38%) e ossos da parede torácica (16%). Diagnóstico. O raio X do sítio acometido mostra uma lesão osteolítica, com tumefação de partes moles adjacentes e reação periosteal – triângulo de Codman. O aspecto radiológico característico é do tipo casca de cebola. 846

O estadiamento completo inclui ressonância magnética do membro afetado, tomografia de tórax, cintilografia óssea e biópsia de medula óssea. Os pacientes devem coletar exames laboratoriais para avaliação hematológica, função renal, hepática e marcadores tumorais séricos específicos, como fosfatase alcalina e LDH. Os casos suspeitos devem ser encaminhados para um serviço de referência em tratamento de câncer pediátrico, antes mesmo de fazer a biópsia para confirmação diagnóstica.

TUMOR DE CÉLULAS GERMINATIVAS Definição e epidemiologia. São neoplasias que se originam de células germinativas progenitoras primordiais. Podem ocorrer em sítios gonadais (testículos [9%] e ovários [29%]) ou extragonadais (sacrococcígeo [42%] e mediastinal [7%]). A incidência é maior em pacientes com menos de 20 anos de idade. Manifestações clínicas. Os sinais e sintomas dependem do tipo histológico e do sítio primário envolvido. Os tumores de ovário geralmente se apresentam como uma massa abdominal ou pélvica dolorosa, podendo estar associada a sangramento vaginal ou amenorreia. O aumento indolor do volume testicular é a principal manifestação dos tumores germinativos nessa localização. Já os teratomas sacrococcígeos apresentam-se como uma tumoração sacrococcígea indolor, geralmente observada em crianças mais jovens. Os tumores de localização mediastinal (como os teratomas) são geralmente assintomáticos e aparecem, na maioria dos casos, como uma massa em mediastino anterior descoberta ao acaso no raio X de tórax. Diagnóstico. O diagnóstico definitivo é feito pela biópsia da lesão. Como os tumores germinativos podem conter elementos benignos e malignos em diferentes áreas, é importante a avaliação de vários cortes histológicos para estabelecer o diagnóstico correto. O estadiamento inclui tomografia de tórax e abdome e cintilografia óssea. Os pacientes devem coletar exames laboratoriais para avaliação hematológica, função renal, hepática e marcadores tumorais séricos específicos, como LDH, α-fetoproteína e β-HCG. 847

TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Tratamento. O tratamento inicia com quimioterapia, seguida de cirurgia. A radioterapia adjuvante é utilizada em alguns casos. O transplante autólogo de medula óssea é outra opção terapêutica que vem sendo utilizada para os pacientes com alto risco de recidiva. Assim como no osteossarcoma e pelo mesmo motivo já descrito, a biópsia deve ser feita pelo cirurgião que fará a cirurgia definitiva. Os pacientes com tumores de extremidades e de fácil ressecção têm melhor prognóstico, com sobrevida livre de doença em torno de 70%. Já nos casos de tumores grandes, de difícil abordagem, como tumores pélvicos, a sobrevida fica em torno de 20%. Pacientes com doença metastática têm pior prognóstico.

Os casos suspeitos devem ser encaminhados para um serviço de referência em tratamento de câncer pediátrico. Tratamento. O tratamento está baseado na cirurgia para ressecção completa do tumor. A quimioterapia é utilizada nos casos de doença maligna, residual ou metastática. Nos casos de teratoma maduro, mesmo com ressecção parcial, a quimioterapia não está indicada. A taxa global de cura para crianças portadoras de tumores germinativos é superior a 80%.

TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

RETINOBLASTOMA Definição e epidemiologia. É uma neoplasia que se origina das células da retina. Corresponde a 3% dos tumores na infância. O diagnóstico geralmente é feito antes dos 2 anos de idade, sendo que 95% dos casos são diagnosticados até os 5 anos. A apresentação pode ser unilateral, bilateral ou, mais raramente, trilateral, quando há comprometimento da glândula pineal. Pode ocorrer de forma hereditária (40% dos casos) ou aleatória (60% dos casos). Os casos bilaterais são hereditários, incidem em crianças mais jovens e tornam obrigatório o aconselhamento genético dos pais. Manifestações clínicas. O principal sinal é a leucocoria (reflexo pupilar esbranquiçado), presente em 70% dos casos. O estrabismo é a segunda manifestação mais comum. Hiperemia conjuntival e alteração de acuidade visual também são achados frequentes. Os casos mais avançados podem apresentar sinais e sintomas de hipertensão intracraniana, devido ao comprometimento do nervo óptico e posterior disseminação para o sistema nervoso central. Diagnóstico. O diagnóstico não exige a realização de biópsia e é feito pela avaliação de um oftalmologista experiente. O estadiamento é realizado com tomografia de crânio e órbitas. Nos casos de doença extraocular, cintilografia óssea e exame de líquido cerebrospinal também são necessários. Os pacientes devem coletar exames laboratoriais para avaliação hematológica, função renal e hepática. Os casos suspeitos devem ser encaminhados para um serviço de referência em tratamento de câncer pediátrico. Tratamento. O tratamento depende da extensão da doença e pode incluir cirurgia (enucleação ou exenteração), quimioterapia, radioterapia, crioterapia, braquiterapia ou fotocoagulação, sendo indicados separadamente ou em associação de acordo com o estadiamento. O aconselhamento genético é fundamental.

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Pacientes com tumor intraocular têm uma sobrevida de 90%; já os casos extraoculares apresentam um prognóstico mais reservado.

HEPATOBLASTOMA Definição e epidemiologia. É a neoplasia hepática mais comum na infância, ocorrendo predominantemente em crianças menores de 3 anos. Cerca de 60% dos tumores hepáticos em crianças são malignos, sendo que mais de 65% deles são hepatoblastomas.

Diagnóstico. A ecografia abdominal revela a origem hepática da lesão e ajuda a diferenciar tumores malignos de malformações vasculares. O diagnóstico definitivo é estabelecido pela biópsia hepática. O estadiamento é feito com tomografia de tórax e abdome e cintilografia óssea. Os pacientes devem coletar exames laboratoriais para avaliação hematológica, função renal, hepática e marcadores tumorais séricos específicos, como α-fetoproteína (aumentada em 90% dos casos). Os casos suspeitos devem ser encaminhados para um serviço de referência em tratamento de câncer pediátrico. Tratamento. O tratamento é iniciado com quimioterapia para redução do volume tumoral, seguida por cirurgia e quimioterapia pós-operatória. A ressecção cirúrgica completa é o fator prognóstico mais importante; as taxas de sobrevida podem chegar a 90% nos estádios iniciais.

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatira. 17th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. Brodeur GM, Pritchard J, Berthold F, Carlsen NL, Castel V, Castelberry RP, et al. Revisions of the international criteria for neuroblastoma diagnosis, staging, and response to treatment. J Clin Oncol. 1993;11(8):1466-77. National Cancer Institute. Physician data query: cancer information summaries: pediatric reatment [homepage in the Internet]. Bethesda: Author; 2008 [capturado em 2009 Sep 22]. Disponível em: http://www.nci.nih.gov/cancertopics/pdq/pediatrictreatment. Pizzo PA, Polack DG, editors. Principles and practice of pediatric oncology. 5th ed. Philadelphia: Lippincott-Williams & Wilkins; 2006.

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TUMORES MAIS COMUNS EM PEDIATRIA

Manifestações clínicas. Geralmente se apresenta como uma massa abdominal extensa, única e assintomática, localizada no hipocôndrio direito. Dor abdominal, náusea, vômitos, anorexia e perda de peso são encontrados nos casos de doença avançada.

CAPÍTULO 40

ORTOPEDIA 40.1

ORTOPEDIA PEDIÁTRICA

TIAGO CHAGAS DALCIN SÉRGIO ROBERTO CANARIM DANESI

ORTOPEDIA

O crescimento é o grande diferencial entre a ortopedia pediátrica e a do adulto. Esse complexo e bem sincronizado fenômeno traz um grande número de modificações na criança, a maior parte delas fisiológicas. Outras são patológicas e acidentais e devem ser avaliadas com critério e atenção na respectiva fase de desenvolvimento da criança.

RECÉM-NASCIDO Nessa fase, é importante a ênfase nas alterações posicionais dos membros inferiores, assim como nas doenças osteometabólicas, congênitas e nos traumatismos. Lesões traumáticas. Nesse período, as fraturas de clavícula, úmero, fêmur e tíbia são as de maior frequência e costumam acontecer em decorrência de manobras obstétricas em partos laboriosos ou como consequência de quedas e/ou maus-tratos após o nascimento. Não há necessidade de intervenções para redução anatômica das fraturas, tampouco controle radiológico rígido, pois elas costumam consolidar-se em 2-3 semanas (o calo ósseo é visto depois de 8-10 dias), e a deformidade residual é corrigida espontaneamente em poucos meses. Deve-se ter atenção especial ao alinhamento do membro afetado e controle clínico. Lesões do plexo braquial. Podem resultar da tração da cabeça durante o parto. A lesão das raízes nervosas de C5-C6 é a mais comum e resulta na paralisia de Duchenne-Erb, na qual o braço fica hipotônico, aduzido e rotado internamente, extendido e pronado no cotovelo e flexionado no pulso. Se as raízes de C8-T1 estiverem envolvidas, ocorre a paralisia de Klumpke. O tratamento é conservador com fisioterapia, pois a função do membro afetado normalmente retorna em

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algumas semanas. Na maioria dos casos, aguarda-se o retorno da atividade do bíceps e do deltoide até os 3 meses. Artrogripose múltipla congênita. Sempre deve ser pesquisada na presença de fraturas de fêmur e tíbia ao nascimento, pois a rigidez articular que ocorre nessa doença determina maior estresse sobre o tecido ósseo.

Pé torto congênito (PTC). O mais comum (1:1.000) é o tipo equinovaro; acontece mais no sexo masculino e pode ser uni ou bilateral (50% dos casos); pode aparecer isoladamente ou associado a outras deformidades congênitas. É importante diferenciá-lo das deformidades posturais. No PTC, há quebra das linhas do pé. Quando se olha a planta do pé, ela é curva, em “forma de feijão”. O tratamento é lento e deve iniciar na primeira semana de vida, com participação ativa dos pais, pois o sucesso dependerá da colaboração deles. Manipulações seriadas e aplicação de gesso são a primeira linha de tratamento. Se os aparelhos gessados não resolverem o problema depois de 12 semanas, deve-se reavaliar o diagnóstico e o tratamento para mudança de conduta. O raio X do pé torto congênito serve para acompanhar o tratamento, já que o diagnóstico é essencialmente clínico. O prognóstico é bom, dependendo do tipo inicial e do seguimento adequado do tratamento. Luxação congênita do quadril ou displasia do desenvolvimento do quadril (DDQ). A incidência é de 1:1.000; é mais comum nas crianças do sexo feminino, e sua causa é multifatorial. Estudos indicam fatores raciais e genéticos como fundamentais; a história familiar está presente em 12-33% dos pacientes portadores de DDQ. Fatores de alto risco para DDQ: apresentação pélvica, sexo feminino, história familiar, deformidades de membros inferiores, torcicolo congênito, metatarso aduto, oligoidrâmnio, assimetria persistente dos quadris. O exame das articulações coxofemorais do recém-nascido deve ser realizado de rotina no 1o dia de vida e no dia da alta hospitalar. Deve ser feito com a criança sem roupa, em uma superfície plana, firme e confortável; o bebê deve encontrar-se tranquilo, não oferecendo resistência ao exame. Sinal de Ortolani: pela flexão das coxas sobre o abdome e posterior abdução forçada encontra-se um ressalto ou pulo, palpável e não audível, característico (sinal positivo) das situações em que há DDQ. O sinal de Barlow é o oposto: o ressalto é obtido com a adução e força posterior. Não deve ser usado o termo “clique”, pois ele tem origem em traduções equivocadas para língua inglesa; foi descrito por Ortolani e LeDamany como ressault ou scotto, que significa ressalto.

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Osteogênese imperfeita (OI). Devemos levantar suspeitas todas as vezes que nos depararmos com recém-nascidos portadores de fraturas múltiplas. OI é uma doença óssea genética de caráter autossômico dominante, e o tratamento é direcionado ao fortalecimento ósseo para prevenção de fraturas e manutenção da mobilidade.

Esta suspeita indica o tratamento imediato e o acompanhamento continuado até o início da marcha. O tratamento varia de acordo com a idade do diagnóstico, sendo as crianças categorizadas em 0-6 meses, 6-15 meses, 15 meses a 2 anos e maiores de 2 anos. Em qualquer faixa etária, o objetivo do tratamento é obter a redução concêntrica da cabeça femoral no acetábulo, permitindo, com isso, melhor desenvolvimento da articulação. Até os 6 meses pode-se utilizar o aparelho de Pavlik. Nas crianças acima de 6 meses e antes da idade da marcha, o tratamento é preferencialmente feito com redução incruenta e aparelho gessado. Nas crianças em que a redução incruenta não é bem-sucedida, está indicado o tratamento cirúrgico. Pés planos. Ou ausência do arco longitudinal do pé. O pé plano existente nos três primeiros anos de vida é, na maioria das vezes, fisiológico, o que faz com que não se institua qualquer medida terapêutica nesse período. Muitas vezes não existe uma verdadeira retificação do arco plantar, e sim um coxim de gordura no pé, que determina esse aspecto, assim como a flexibilidade articular característica da idade. O importante é a função e o equilíbrio do pé, e não a forma anatômica.

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DOR NO QUADRIL Na avaliação da dor no quadril é importante ouvir a queixa do paciente e saber quando começou o sintoma e se o início foi espontâneo ou após algum trauma. Durante o exame físico, deve-se pesquisar, por meio de palpação, se existe algum ponto doloroso, alterações de temperatura ou aumento de volume, e verificar a mobilidade articular do quadril ao pé. É importante fazer a comparação do membro afetado com o membro sadio. O exame deve incluir a avaliação da força muscular, dos reflexos e a medida do comprimento dos membros. Causas frequentes de claudicação e dor no quadril em crianças: do início da marcha até o final do terceiro ano, luxação congênita do quadril e coxa vara congênita; dos 4 aos 10 anos, doença de Legg-Calvé-Perthes e artrites infecciosas; dos 10 anos até o final da adolescência, epifisiólise proximal do fêmur e tumores da região do joelho (em particular o osteossarcoma). Sinovite transitória do quadril. É uma afecção benigna, autolimitada, que costuma cursar com febre baixa, associada à claudicação, e aparecer entre 2 e 10 anos. Mais da metade dos casos apresenta antecedente de infecção do trato respiratório superior ou trauma leve. Doença de Legg-Calvé-Perthes. É uma necrose avascular idiopática da cabeça femoral; é mais comum em meninos e costuma ocorrer entre 4 e 10 anos. Apresenta claudicação e dor ao movimentar o quadril (geralmente unilateral), podendo iniciar-se, em muitos casos, na articulação do joelho (a dor pode ser referida na coxa ou no joelho). Ao exame, a dor no quadril é aumentada pelo movimento

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da perna, sobretudo a rotação, e pode haver diminuição da mobilidade da perna afetada, que, aliada a um mecanismo de defesa (a criança apoia-se menos na perna afetada para evitar a dor), pode levar à atrofia muscular. Geralmente não há dor no quadril na apresentação do quadro. Quanto mais cedo ocorrer, melhor é o prognóstico (o prognóstico é pior principalmente após os 8 anos de idade). O tratamento é longo e necessita da colaboração dos pais. Epifisiólise proximal do fêmur (EPF). É o descolamento do fêmur proximal, que pode ser agudo, subagudo ou crônico. A cabeça do fêmur fica no acetábulo, e o fêmur desloca-se anterior e lateralmente. O biótipo mais comum é o do adolescente, do sexo masculino e obeso. O pico de incidência em meninos é aos 13 anos e, em meninas, aos 11 anos. A avaliação do quadril é necessária em toda a criança com 9-15 anos com dor no joelho: crianças com EPF têm perda da rotação interna do quadril e obrigatoriamente da rotação externa com flexão do quadril. O raio X é diagnóstico na maioria dos casos: a posição “em rã” é a mais útil (incidência de Lowenstein). Atenção: quando ocorrer fora dessa faixa etária, deve-se investigar osteodistrofia renal, doenças endócrinas ou outras causas secundárias. Lembrete: todo adolescente que claudica e sente dor no quadril e/ou no joelho deve ser radiografado na articulação coxofemoral para melhor investigação das doenças que acometem essa articulação.

Artrite piogênica e osteomielite hematogênica aguda. Infecção bacteriana do tecido ósseo, que ocorre normalmente via hematogênica por bacteremia. Pode ocorrer também por inoculação direta: ferimentos no pé, ferimentos articulares, punções diagnósticas, acessos venosos. O diagnóstico deve ser clínico, com os sinais clássicos de inflamação: calor, rubor, tumor e dor. Os melhores exames para diagnóstico são: proteína C reativa e punção articular e/ou óssea para identificação do agente etiológico. Os exames de imagem têm a sua utilidade, porém é importante lembrar que o raio X somente se apresentará alterado em sete dias; a ecografia é útil basicamente para quadril, porém é examinador-dependente; a cintilografia é um bom exame, mas seu preparo e execução podem retardar o tratamento. É importante lembrar que a artrite piogênica é uma emergência médica. O paciente com esse diagnóstico deve imediatamente ser encaminhado a um centro capacitado, pois o tratamento necessita de procedimento cirúrgico de emergência. Pronação dolorosa (subluxação da cabeça do rádio). Pode ocorrer quando as crianças são puxadas pela mão. A criança apresenta-se com o antebraço totalmente pronado e doloroso. Os achados radiológicos são normais. Quando o cotovelo é colocado em supinação completa e lentamente movido de flexão completa para extensão completa, um clique pode ser palpável na cabeça do rádio. O alívio da dor costuma ser imediato, e a criança normalmente para de chorar imediatamente. Em geral, o cotovelo não necessita de imobilização.

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Q

DEFORMIDADES DA COLUNA VERTEBRAL EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES A idade mais recomendada para se fazer o exame de coluna é próxima ao estirão, entre 10 e 14 anos, já que é nessa idade que ocorre o maior número de casos. Alterações posturais. São inúmeras as causas de alterações posturais e quase sempre acontecem simultaneamente. Entre elas estão as seguintes: atividades físicas básicas insuficientes no desenvolvimento, deficiência proteica na alimentação, alterações respiratórias, vícios posturais, excesso de peso corporal, alongamento ou encurtamento muscular exagerados, anomalias ósseas congênitas ou adquiridas. Escoliose e cifose congênitas. Defeitos de formação ou segmentação de vértebras. Devem ser avaliadas continuamente para detectar progressão, pois, com o crescimento, o aumento da curva pode ser significativo.

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Escoliose. É o desvio lateral da coluna. Vista no plano frontal, tem como característica principal o desnivelamento dos ombros, das escápulas, a acentuação da prega lombar e a inclinação lateral da pelve. A escoliose idiopática do adolescente é a mais frequente e pode evoluir até o crescimento se completar; as mulheres são as mais acometidas. A escoliose NÃO é dolorosa. Cifose. É o aumento da curva posterior convexa da coluna (aumento da curvatura fisiológica existente). Avaliar no lactente e, após, em adolescentes com história familiar de cifose. Lordose. É a curva fisiológica da região lombar. Quando essa curva está aumentada, chama-se hiperlordose. Deve-se prestar atenção em meninas que praticam esportes, pois podem desenvolver escorregamento vertebral (espondilolistese). Lombalgias. Ao contrário da coluna do adulto, a da criança e do adolescente é muito flexível e se adapta bem a diversas situações funcionais a que é submetida. Portanto, a queixa frequente de dor na região da coluna lombar deve ser investigada cuidadosamente. Atenção para as infecções do disco (discite). Algumas características devem ser observadas cuidadosamente (sinais de alerta e lembretes): Q Q Q Q Q

Dor: quando persistente e de intensidade crescente, que não tem modificação significativa mesmo com o repouso. Deve-se excluir infecção ou tumor. Dor lombar que perturba o sono: merece investigação cuidadosa. Dor após esforço excessivo: ocorre em pacientes que estão em fase de crescimento rápido e costuma responder bem a repouso e uso de analgésico. Dor que aumenta com manobras de Valsalva (espirro, tosse): sugere patologia intra-raquidiana e necessita de investigação neurológica. Dor com história de trauma prévio: pode ser indício de fratura do corpo vertebral.

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A intensidade da dor deve ser investigada. Não se deve esquecer que algumas alterações de patologias viscerais, como as de via urinária, podem desencadear com dor lombar. Apofisites de tração Osgood-Schlatter: é uma inflamação da cartilagem de crescimento na tuberosidade tibial, geralmente associada ao esforço excessivo sobre o tendão patelar, e pertence a um grupo de doenças coletivamente chamado de osteocondroses. Ocorre entre 10 e 15 anos de idade. Nas meninas ocorre dois anos antes que nos meninos. Geralmente é unilateral e ocorre em 10-20% das crianças que participam de esportes e que apresentam dor anterior no joelho. Tem resolução espontânea, e somente 10% ficam com proeminência do tubérculo tibial. Quando sintomático, o tratamento é com analgésicos e alongamentos. Deve-se evitar o uso do termo doença e adotar o termo condição ou distúrbio. Q Síndrome Sinding-Larsen-Johansson: apofisite de tração do polo inferior da patela. Comum em meninos pré-puberes e púberes. Tem resolução espontânea em 6-12 meses. Q Doença de Sever: osteocondrose da apófise calcaneana. É causa de dor no calcanhar.

ALGUMAS DEFORMIDADES POSTURAIS COMUNS NA INFÂNCIA Torção interna dos membros inferiores. Versão tibial interna e anteversão do colo femoral: fisiologicamente corrigem com o crescimento (ao final do crescimento estão corrigidos). Os casos assimétricos devem ser avaliados sistematicamente. Desvio do eixo longitudinal dos membros inferiores Q Genuvalgo: caracteriza-se por ter os joelhos muito próximos com desvio da perna para fora e projeção dos pés para fora (membros em tesoura). Quando fisiológico, é simétrico, associado com estatura normal e história familiar negativa, geralmente entre 2 e 6 anos. Não necessita de tratamento. Q Genuvaro: caracteriza-se pelo arqueamento dos membros inferiores com concavidade interna da coxa e da perna e saliência do joelho para fora. Quando fisiológico, é simétrico, e a criança tem estatura normal, história familiar negativa, idade entre 1 e 2 anos. Corrige-se espontaneamente, assim que a criança começa a andar. Não necessita de tratamento. Dor nos membros inferiores ou dor do crescimento. Essa queixa está presente em 15-30% das crianças e sempre é um diagnóstico de exclusão. É mais comum em meninas, costuma ocorrer à noite e afeta os membros inferiores. Sua etiologia é desconhecida. Sempre que houver a queixa, os pais devem ser orientados a atender e observar sinais associados à dor, usando o outro membro para comparação,

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pois existem lesões ósseas que têm, por característica, dor noturna (sarcoma de Ewing, osteoma osteoide). Se persistente, deve ser investigada.

ALTERAÇÕES OSTEOARTICULARES DECORRENTES DE MAUS-TRATOS Deve-se ter toda a atenção quando atendemos uma criança com padrões de fratura diferente do usual para a faixa etária, como, por exemplo, fratura de ossos longos no lactente sadio, e também quando houver lesões epífiso-metafisárias ou múltiplas lesões (Quadro 40.1.1). Devemos ter em mente que a criança deve ser protegida e, portanto, deve ser internada e realizada a investigação.

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ATIVIDADE FÍSICA NA INFÂNCIA A atividade física é desejável para o ser humano em todas as idades, devendo, portanto, ser estimulada. O lactente deve ter liberdade para se mover de acordo com o seu nível de desenvolvimento. A partir dos 6 meses, já existem exercícios que estimulam o desenvolvimento; um cercado permite à criança observar o ambiente, brincar e se apoiar para ficar em pé; a partir dos 10 meses, a criança deve ter espaço para engatinhar e depois começar a andar com apoio; na criança de 1-3 anos, a atividade física deve ser estimulada. No pré-escolar de 4-7 anos, as atividades indicadas são: andar, correr, pular, subir, nadar. Isso pode ser feito por meio de jogos que visam a aperfeiçoar a coordenação motora.

Quadro 40.1.1 ESPECIFICIDADE DAS LESÕES NA SUSPEITA DE MAUS-TRATOS Alta especificidade

Lesões metafisárias, fraturas de costelas, região posterior, fraturas escapulares, esternais e dos processos espinhosos

Moderada especificidade

Fraturas múltiplas bilaterais, fraturas em diferentes estados de consolidação, descolamento epifisários, fraturas da coluna (corpo), dedos das mãos e dos pés, crânio

Comuns, mas com baixa especificidade

Fraturas de clavícula, de ossos longos e de crânio lineares

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O direcionamento para um esporte pode privar o desenvolvimento de certos grupos musculares. A atividade física desenvolve a força muscular, a flexibilidade e a resistência, aperfeiçoa a coordenação motora, estimula o metabolismo ósseo, aumenta a capacidade respiratória e cardíaca, melhora o humor e o apetite, previne a obesidade e, a longo prazo, diminui o risco de hipertensão, diabete e cardiopatia isquêmica (arteriosclerose). Não há nenhuma contraindicação para a atividade física, mesmo na criança doente ou com problemas físicos. Basta adaptar a atividade à etapa do desenvolvimento e às condições de cada criança. A natação, que é uma excelente atividade física, pode não ser indicada, temporariamente, para crianças com rinite-sinusite crônica. Entende-se por esporte a atividade física que está associada à competição e visa a resultados. O esporte é importante na formação do caráter, porque desenvolve a sociabilidade (função do conjunto), o respeito a regras (limites), o empenho (essencial para o sucesso) e o modo de lidar com a vitória e a derrota. Entretanto, acarreta riscos de lesões físicas (luxação, fratura, rompimento de ligamentos, entorses), desidratação (pelo calor) e sobrecarga psicológica (conflito emocional). Entre 8 e 11 anos já se pode indicar um esporte favorito sem dar ênfase no aspecto competitivo. Trata-se de uma associação de ginástica e jogos. A partir dos 12 anos, já se pode iniciar treinamento visando a resultados. É importante respeitar a maturidade biológica da criança e evitar sobrecarga nos exercícios. Cumpre advertir que, nessa faixa etária, existem grandes diferenças de maturação entre crianças da mesma idade. Por isso é preciso identificar o ritmo de crescimento e de maturidade pubertária, não levando em conta apenas a idade cronológica (a idade óssea pode ser um dado de orientação). Cabe aos pais estimular essa prática, o que não significa fazer cobranças excessivas, que podem fazer a ideia de derrota ser associada ao fracasso, provocar aversão ao esporte quando adulto e até causar transtornos de caráter. Se aos pais cabe encorajar e estimular, ao técnico e professor cabe controlar a intensidade do treinamento, levando em conta a idade adequada (individualizar, e não se basear apenas na idade cronológica) e o sexo, fazer introdução gradativa, aumento gradual sem forçar, acompanhar o desenvolvimento e evitar cobrança excessiva de resultados. A criança deve aprender a atividade e executá-la da melhor forma possível. A atividade física deve ser programada para ter uma continuidade; 2 a 3 vezes por semana é adequado. A musculação pode ser iniciada na adolescência, desde que com cargas baixas e com muitas repetições para um bom condicionamento antes de se aumentar essa carga. Cabe aos técnicos estimular uma alimentação adequada (orientada pelo médico) e advertir que os suplementos alimentares, hoje tão em voga, não têm eficácia comprovada, e que os anabolizantes são prejudiciais à saúde. O treinador deve aproveitar sua respeitada posição para doutrinar as crianças contra fumo, bebidas e drogas. O esporte pode e deve ser um aliado da saúde da criança, respeitando-se, no entanto, a sua maturidade biológica e evitando-se a sobrecarga nos exercícios.

REFERÊNCIAS Buckwalter JA, Ehrlich MG, Sandell LJ, Trippel SB, editors. Skeletal growth and development: clinical issues and basic sciences advances. Rosemont, IL: Americam Academy of Orthopaedic Surgeosn; 1997. Connolly LP, Connolly SA. Skeletal scintigraphy in the multimodality assesment of young children with aute skeletal symptoms. Clin Nucl Med. 2003;28(9):746-54. Hay Jr WW, Levin MJ, Sondheimer JM, Deterding RR. Current diagnosis and treatment in pediatrics. 19th ed. New York: McGrawHill; 2007. Murahovschi J. Atividade física na infância [homepage in the Internet]. São Paulo: Sociedde Brasileira de Pediatria; 2009 [capturado em 2009 Apr 06]. Disponível em: http:// www.sbp.com.br/show_item2.cfm?id_categoria=24&id_detalhe=1242&tipo_detalhe=s Kleinman PK. Diagnostic imaging of child abuse. 2nd ed. St Louis: Mosby; 1998. Oliveira MIF. Problemas ortopédicos em pediatria [homepage in the Internet]. São Paulo: SOPAPE, 2008 [capturado em 2009 Apr 06]. Disponível em: http://www.sopape.com.br/ SPP%20SociedadeParaense%20de%20Pediatria_arquivos/dicas21.htm Skinner HB, Fitzpatrick M. Current essentials orthopedics. Source: McGrawHill; 2008. Staheli LT, editor. Practice of pediatric orthopaedics. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2008.

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Zawin JK, Hoffer FA, Rand FF, Teele RL. Joint effusion in children with irritable hip: US diagnosis and aspiration. Radiology. 1993;187(2):459-63.

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CAPÍTULO 41

OTORRINOLARINGOLOGIA 41.1

INFECÇÕES DA VIA AÉREA SUPERIOR

CLÁUDIA SCHWEIGER DENISE MANICA MARIANA MAGNUS SMITH

Definição. As infecções da via aérea superior (IVAS) são processos infecciosos, virais ou bacterianos, que podem acometer, isoladamente ou em associação, nariz, seios paranasais, orelha média, faringe (rinofaringe, orofaringe e/ou hipofaringe) e laringe. Epidemiologia. A incidência de IVAS na população pediátrica é elevada, sendo uma das maiores causas de procura por consulta médica. Estima-se que uma criança em fase pré-escolar possa apresentar uma média de 6-7 episódios de IVAS anualmente, sendo que 10-15% apresentam 12 ou mais episódios ao ano. Crianças que frequentam creches no primeiro ano de vida apresentam 50% mais IVAS virais do que as que não frequentam. Aproximadamente 75% das prescrições de antimicrobianos em nível ambulatorial são creditadas a algum diagnóstico de IVAS. Esse dado é alarmante, uma vez que é sabido que a maior parte das IVAS são de etiologia viral (como discutido a seguir) e que o uso indiscriminado de antibióticos têm levado a um aumento acentuado na indução de resistência bacteriana. Etiologia. A maior parte dos quadros de IVAS é causada por vírus e este será o foco deste capítulo, uma vez que as infecções bacterianas das vias aéreas superiores estão contempladas em outros capítulos (Caps. 41.3, 41.4 e 41.6). Os vírus que mais acometem a via aérea superior são os rinovírus, coronavírus, adenovírus, vírus influenza e o vírus sincicial respiratório (VSR). Fisiopatogenia. Muitas crianças, mesmo em contato com vírus, não apresentam infecção viral. A infecção depende da aderência do vírus às células do aparelho respiratório do hospedeiro, de sua invasão e posterior replicação. A infecção viral em atividade causa lesão à mucosa respiratória, gerando uma resposta inflamatória mediada por citocinas, e é desse processo que se originam os sintomas apresentados pelos pacientes.

Diversos fatores, intrínsecos e extrínsecos, podem frear ou acelerar o processo de infecção no caso de exposição viral, variando de acordo com o estado imunológico do indivíduo. Os pacientes atópicos parecem apresentar maior facilidade de aderência de vírus nas células da mucosa nasal.

INFECÇÕES DA VIA AÉREA SUPERIOR

RESFRIADO COMUM É a IVAS viral mais comum na infância, causada, em geral, pelo rinovírus (integrante da família Picornaviridae). Pode ser causada, mais raramente, por coronavírus, VSR e adenovírus. A transmissão do rinovírus ocorre pelo contato direto e por gotículas de saliva. O primeiro contato é com a mucosa nasal anterior, mas a infecção com replicação viral mais intensa em geral ocorre na rinofaringe. Os sintomas se iniciam entre 1 e 3 dias após a infecção viral e duram entre 5 e 7 dias. Os sintomas mais proeminentes são obstrução nasal, rinorreia hialina e dor de garganta. Em 30% dos quadros há tosse, em geral não produtiva. Geralmente não leva à disfunção respiratória, não sendo observadas taquipneia, tiragem ou retração intercostal. O diagnóstico é clínico, não havendo necessidade de exames laboratoriais. Não há tratamento específico para esse vírus; são utilizadas medidas para alívio sintomático: antipiréticos e analgésicos se dor ou febre e lavagem nasal abundante para alívio da obstrução nasal.

INFECÇÃO POR INFLUENZA A apresentação clínica da infecção por influenza varia de acordo com a faixa etária, em geral após 4-5 dias de incubação. O quadro clínico é mais intenso que o do resfriado comum, em geral com obstrução nasal, rinorreia, tosse não produtiva, dor de garganta, mialgia, mal-estar, calafrios e febre. Em lactentes jovens, a febre sem localização pode ser uma das únicas manifestações clínicas. Devido à facilidade de disseminação e à alta taxa de mutação dos antígenos de superfície viral, anualmente ocorrem surtos da infecção. Estima-se que a taxa anual de infecção varie entre 15 e 42% entre escolares e pré-escolares. No sul do Brasil, a época de maior circulação do vírus é entre abril e setembro. A maior parte dos quadros é autolimitado, durando em média 10 dias. Entretanto, eventualmente a infecção por influenza pode causar complicações mais graves, como miosite, encefalite, miocardite, rabdomiólise e síndrome de Reye, associada ao uso concomitante de ácido acetilsalicílico. Atualmente encontra-se disponível o teste rápido para detecção de influenza por meio de swab nasal, permitindo diferenciar, nas síndromes gripais, os quadros de resfriados comuns de infecções por esse agente etiológico. Com a confirmação diagnóstica, pode-se optar pelo uso de antivirais hoje disponíveis para o tratamento do influenza. O uso de antiviral no início do processo infeccioso parece diminuir

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o tempo de doença, e acredita-se que possa estar associado à diminuição das complicações, mas as evidências a esse respeito ainda são escassas. A constatação de que a infecção por influenza causa significativa morbidade em crianças previamente saudáveis levou o Comitê de Práticas de Imunização da Academia Americana de Pediatria a recomendar, a partir de 2002, a vacinação para lactentes entre 6 e 24 meses. A vacinação em massa das crianças para influenza parece diminuir a incidência de hospitalização e óbito por doença respiratória em idosos.

Quando se utiliza o termo laringite, em geral se está fazendo referência à laringotraqueobronquite viral aguda, chamada, na literatura internacional, de crupe. O agente etiológico em geral é o parainfluenza tipo 1, sendo também possível identificar casos de parainfluenza 2 e 3, VSR, adenovírus e influenza 2 e 3. O quadro clínico típico é de tosse ladrante, disfonia e estridor inspiratório (eventualmente, em casos de maior obstrução, estridor bifásico), tendo sido precedido por quadro de sintomas nasais e febre baixa por 2 ou 3 dias. Os sintomas laríngeos são causados pelo edema subglótico, gerado pelo processo inflamatório local, e podem ser bastante assustadores para os cuidadores. O diagnóstico é clínico e o manejo do paciente varia de acordo com a intensidade dos sintomas. Quadros leves podem ser observados no próprio domicílio. O manejo medicamentoso do paciente com laringite aguda em geral requer utilização de corticoide e nebulização com adrenalina. Ensaios clínicos já demonstraram que o corticoide pode ser utilizado em dose única, não havendo diferença entre prednisona (1-2 mg/kg) e dexametasona (0,3-0,6 mg/kg). Prefere-se sempre a via oral para evitar maior agitação do paciente e a consequente piora respiratória. A nebulização com adrenalina pode ser repetida até a cada 20 minutos, dependendo da gravidade da obstrução. Crianças que necessitem de 3 nebulizações seguidas sem alívio dos sintomas devem ser observadas cuidadosamente porque apresentam maior risco de necessitarem de entubação endotraqueal (1-2% dos casos atendidos em âmbito hospitalar). Os pacientes com laringite devem ser mantidos em um ambiente o mais calmo possível mesmo dentro de uma emergência, pois a agitação aumenta o turbilhonamento do ar na via aérea estreitada e pode piorar muito a obstrução respiratória. Não há qualquer evidência de que a umidificação do ar possa trazer qualquer benefício.

USO DE ANTIBIÓTICOS EM IVAS É fundamental, quando se discute IVAS, que se enfatize que essas infecções são, na grande maioria das vezes, virais e, portanto, não devem ser tratadas com antibióticos. Essa informação parece óbvia, mas estima-se que 40-75% de IVAS

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INFECÇÕES DA VIA AÉREA SUPERIOR

LARINGITES

virais são tratadas com antimicrobianos, dependendo do local do estudo. As razões creditadas para essa conduta são diversas, entre elas a falta de conhecimento do médico sobre a evolução dos quadros virais (como febre persistente em alguns casos), pouco tempo de atendimento, pressão dos pais pelo tratamento e expectativa de prevenir infecção bacteriana iniciando antibióticos mais precocemente. Nenhuma dessas razões é sequer razoável para justificar o uso indevido de antimicrobianos em uma era de resistência bacteriana crescente.

REFERÊNCIAS Arnold S, To T, McIsaac W, Wang E. Antibiotic prescribing for upper respiratory tract infection: the importance of diagnostic uncertainty. J Pediatr. 2005:146(2):222-6. Bricks L. Crianças saudáveis devem receber vacina contra influenza? Pediatr. 2004:26(1):4958. Paunio M, Paltola H, Virtanen M, Leinikki P, Makela A, Heinonen O. Acute infections, infection pressure and atopy. Clin E Allergy. 2006:36(5):634-9. Pilcher O. Infecções virais das vias aéreas superiores. In: Otorrinolaringologia: princípios e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006.

EPISTAXE

Zucherman I, Perencevich E, Harris A. Concurrent acute illness and comorbid conditions poorly predict antibiotic use in upper respiratory tract infections: a cross-sectional analysis. BMC Inf Dis. 2007:7:47.

41.2

EPISTAXE

CLÁUDIA SCHWEIGER DENISE MANICA MARIANA MAGNUS SMITH

A epistaxe, ou sangramento nasal, é comum em crianças, estimando-se que cerca de 10% delas apresentarão esse sinal em algum momento da vida. A maioria dos casos de sangramento nasal são autolimitados, causados por patologias do septo anterior e respondem completamente a medidas conservadoras. Outros casos, porém, podem ser o indício de uma doença mais grave, como um tumor da fossa nasal ou do cavo, demandando avaliação especializada. Avaliação. O primeiro passo para se avaliar uma epistaxe é determinar se ela é anterior ou posterior/superior. Isso pode ser feito geralmente por meio de uma simples rinoscopia anterior, uma vez que a maioria dos sangramentos origina-se do septo anterior, uma área facilmente visualizada no exame físico básico.

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É importante questionar os pais sobre sinais e sintomas de vias aéreas associados, como rinorreia, obstrução nasal, espirros e prurido nasal, além de manipulação digital constante por parte da criança e presença de coagulopatias e sangramentos em outros locais. É importante também determinar se o sangramento é unilateral ou bilateral.

Cerca de 80-90% das epistaxes são originadas no plexo de Kiesselbach, que corresponde à área anterior do septo bilateralmente. Esse sangramento costuma ser causado por manipulação digital ou infecções. Os cornetos inferiores também podem sangrar, por serem estruturas bem vascularizadas e que costumam estar bastante inflamadas nas patologias nasais, como rinite alérgica, e infecções virais, como gripes e resfriados. Crianças com rinite alérgica, em função do prurido causado por essa patologia e da consequente manipulação digital do nariz, são um grupo particularmente suscetível à epistaxe. Além disso, a fragilidade da mucosa inflamada na rinite predispõe a sangramentos. A grande maioria dos casos consiste em sangramentos de pequena quantidade e demanda apenas tratamento conservador e controle da rinite alérgica para evitar novos episódios, mas alguns podem necessitar de medidas específicas. As patologias virais nasais, como gripes e resfriados, também causam sangramentos nasais em pequena quantidade, que, em geral, cessam completamente após o término da infecção. A presença de corpos estranhos nasais pode causar ulcerações na mucosa e sangramentos. A manipulação digital é comum em crianças em idade escolar, e o sangramento geralmente ocorre na fossa nasal do mesmo lado da mão dominante. A orientação da criança e dos pais para evitarem a manipulação nasal geralmente é suficiente para a prevenção de novos episódios.

SANGRAMENTO POSTERIOR O sangramento posterior e o superior costumam ser em quantidade maior que o anterior, em função de originarem-se em áreas mais vascularizadas e com vasos de maior calibre, como a artéria esfenopalatina e a etmoidal anterior. Devem ser sempre avaliados por especialista, principalmente se recorrentes, pois podem ser o indício de uma patologia mais grave, como tumores. A avaliação com um otorrinolaringologista consiste em uma endoscopia nasal para avaliação completa das fossas nasais e do cavo. O tumor nasal mais comum em crianças e, principalmente, em adolescentes, é o angiofibroma juvenil, que costuma cursar com epistaxes recorrentes e obstrução nasal limitadas à fossa nasal em que a lesão se encontra.

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EPISTAXE

SANGRAMENTO ANTERIOR

CONDUTA

EPISTAXE

SANGRAMENTO ATIVO A criança que chega a um pronto-atendimento com epistaxe deve ser sempre avaliada sistemicamente. Determinar sinais de choque é sempre o primeiro passo, principalmente em crianças pequenas, em que a volemia é menor e os sangramentos em qualquer área podem ocasionar hipotensão e choque precocemente. Algumas requerem suporte cardiocirculatório imediato, mas isso é raro. Transfusão sanguínea é necessária eventualmete. Também é importante avaliar a presença de coagulopatias. Muitas epistaxes ocorrem em crianças plaquetopênicas ou com alterações nos fatores da coagulação, necessitando de medidas sistêmicas para a cessação do sangramento, como transfusão de plaquetas ou de fatores específicos da coagulação. A grande maioria dos casos, que consiste em sangramentos anteriores e de leve a moderada intensidade, responde à compressão manual do septo. Se o sangramento for em grande quantidade e/ou não responder a essa medida, a cauterização química com ácido tricloroacético ou nitrato de prata pode ser útil. A cauterização elétrica também pode ser utilizada, mas é raramente realizada em crianças em função do desconforto causado. O tamponamento nasal é muitas vezes necessário para controle agudo do sangramento, principalmente se houver sangramento posterior. Utiliza-se tampão com esponja, que se molda bem à fossa nasal, envolto em dedo de luva ou preservativo. Retira-se o tampão em 24-48 horas, quando o sangramento já está controlado. A cirurgia é raramente necessária em crianças. Utiliza-se esse recurso quando o tamponamento nasal não está sendo efetivo ou quando o sangramento em grande quantidade recorre, o que geralmente só ocorre nas epistaxes posteriores. Faz-se, então, a cauterização elétrica ou a ligadura das artérias esfenopalatinas e etmoidal anterior.

EPISTAXES RECORRENTES A maioria das crianças com história de epistaxe é vista em consultório e não em fase ativa do sangramento. Assim, avaliamos os sintomas associados e os sinais de alerta para uma patologia mais grave. Exames laboratoriais, como hemograma e coagulograma completo, são sempre solicitados. A endoscopia de via aérea é sempre realizada, procurando-se alterações septais, ulcerações da mucosa dos cornetos e presença de corpos estranhos e tumores nas fossas nasais e cavo. O tratamento de rinites e infecções de vias aéreas superiores geralmente controlam os sangramentos que podem resultar delas. Vasos salientes em septo anterior podem ser cauterizados quimicamente com ácido tricloroacético ou nitrato de prata. Pode ser necessária mais de uma cauterização para o controle do sangramento a longo prazo. Os tumores demandam conduta específica, geralmente cirúrgica.

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REFERÊNCIAS Andrade NA, Neto AF. Epistaxe grave. In: Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Rocca; 2003. v. 3, p. 209-15. Brown NJ, Berkowitz RG. Epistaxis in healthy children requiring hospital admission. Int J Ped Otorhinolaryngol. 2004;68(9):1181-4. Damrose JF, Maddalozzo J. Pediatric epistaxis. Laryngoscope. 2006;116(3):387-93. Link TR, Conley SF, Flanary V, Kerschner JE. Bilateral epistaxis in children: efficacy of bilateral septal cauterization with silver nitrate. Int J Ped Otorhinolaryngol. 2006;70(8):1439-42.

41.3

TONSILITES

As infecções do anel faríngeo de Waldeyer são extremamente comuns em nosso meio. Estima-se que cada criança tenha quatro episódios de infecções de via aérea superior por ano e que, a cada quatro anos, tenha uma tonsilite estreptocócica (Piltcher; Piltcher; Petrillo, 2006). De fato, o termo correto seria faringotonsilite, uma vez que dificilmente o paciente terá uma tonsilite isolada. Geralmente, é o anel linfático como um todo que está comprometido, pois, na faringe, há cordões laterais com o mesmo tipo de tecido que compõe o anel (Sih et al., 2006). Os processos infecciosos agudos da faringe caracterizam-se por dor de garganta, principalmente à deglutição, e pela presença de hiperemia associada a exsudatos que podem recobrir as tonsilas e a parede posterior da orofaringe. Esses sintomas e sinais podem estar presentes tanto em infecções virais quanto em bacterianas, o que dificulta bastante o diagnóstico diferencial. Isso tem uma importância muito grande em uma era de surgimento de resistência aos antibióticos, em que o uso desnecessário dessas medicações é bastante indesejável. Mesmo com febre e exsudatos na faringe, a maioria das infecções são virais. Apenas uma pequena parcela tem, como agente etiológico, o Streptococcus pyogenes do grupo A, considerado o vilão das infecções faringotonsilares por suas complicações supurativas e não supurativas.

INFECÇÕES VIRAIS A predominância de infecções virais é especialmente grande em crianças menores de 3 anos de idade, um grupo etário em que dificilmente ocorre a faringotonsilite causada pelo Streptococcus pyogenes do grupo A. Os vírus mais comumente causadores dessa patologia são rinovírus, adenovírus, influenza, parainfluenza, 865

TONSILITES

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vírus respiratório sincicial, Coxsackie, citomegalovírus e Epstein-Barr (Endo; Carvalho, 2000; Sih et al., 2006). Os sinais e sintomas das faringotonsilites virais se sobrepõem muito aos das bacterianas, mas alguns sinais e sintomas levam ao diagnóstico do tipo viral (Quadro 41.3.1). Crianças com infecções virais muitas vezes têm sinais e sintomas extrafaríngeos, como secreção nasal, conjuntivite, tosse e rouquidão. A febre não costuma passar de 38°C; temperaturas mais elevadas nos fazem pensar em infecção por influenza ou superinfecção bacteriana. Alguns sinais e sintomas sugerem agentes etiológicos específicos, como faringotonsilite exsudativa prolongada com conjuntivite (febre faringoconjuntival – adenovírus); linfadenopatia generalizada e esplenomegalia (mononucleose – Epstein-Barr); presença de faringite com estomatite (Coxsackie e herpes simples). No exame físico, vê-se hiperemia de orofaringe e tonsilas, com ou sem exsudato sobre elas. A mucosa nasal está edemaciada e com rinorreia hialina ou mucoide. Os sintomas costumam melhorar em 5-7 dias. O tratamento é sintomático, podendo-se usar analgésicos comuns ou anti-inflamatórios não esteroidais. É importante também o tratamento dos sintomas associados, com lavagens nasais e hidratação via oral.

TONSILITES

INFECÇÕES BACTERIANAS Um diagnóstico correto de infecção por Streptococcus pyogenes do grupo A é importante porque é a única forma comum de faringotonsilite para a qual a antibioticoterapia está formalmente indicada (Bisno et al., 2002). A antibioticoterapia pode encurtar o curso clínico da faringotonsilite bacteriana, diminuir a taxa de transmissão e prevenir complicações supurativas e não supurativas, como febre reumática e abscesso peritonsilar (Brook; Dohar, 2006). As infecções bacterianas ocorrem principalmente em crianças de 5-15 anos, durante o inverno e a primavera. Os sintomas geralmente incluem dor de garganta intensa, odinofagia e febre. Cefaleia, náuseas, vômitos e dor abdominal podem estar presentes, principalmente em crianças mais jovens (Quadro 41.3.2).

Quadro 41.3.1 SINAIS E SINTOMAS SUGESTIVOS DE INFECÇÃO VIRAL – Conjuntivite – Tosse – Estomatites – Lesões ulcerativas discretas na mucosa oral – Diarreia – Sintomas nasais (rinorreia, obstrução)

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Quadro 41.3.2 SINAIS E SINTOMAS SUGESTIVOS DE INFECÇÃO BACTERIANA Idade do paciente: 5-15 anos Época do ano: inverno e primavera Ausência de sintomas virais (tosse e rinorreia) Leucograma: leucocitose com desvio à esquerda Febre alta Linfadenopatias anteriores dolorosas Tonsilas com exsudatos

O exame físico mostra eritema e hipertrofia das tonsilas, geralmente com exsudato, e linfonodos cervicais anteriores aumentados (linfadenite). Outros achados incluem rash cutâneo e petéquias no palato. Quando a infecção por Streptococcus pyogenes é suspeitada, um teste laboratorial deve ser realizado para confirmação. A cultura da orofaringe com swab é considerada o padrão-ouro, mas geralmente é demorada. Assim, surgiram testes rápidos, como o ELISA e o IOP, com sensibilidades entre 80 e 90% e especificidades de mais de 95%. Em função da sensibilidade relativamente baixa, há falso-negativos, e a Infectious Disease Society of America (IDSA) recomenda que crianças com suspeita de faringotonsilite bacteriana e teste rápido negativo devem ser submetidas à cultura de orofaringe (Bisno et al., 2002). O tratamento da faringotonsilite estreptocócica é com penicilina via oral (por 10 dias) ou parenteral (benzilpenicilina IM dose única), havendo poucos relatos de resistência bacteriana. Nos pacientes alérgicos a amoxicilina, deve ser usado um macrolídeo, como eritromicina ou claritromicina. As cefalosporinas também se mostram eficazes, com um período de tratamento mais curto (7 dias) e posologia mais cômoda. Cabe lembrar que, quando houver dúvida quanto à etiologia, há tempo para reavaliar o paciente em relação às complicações não supurativas até nove dias após o início dos sintomas (Gerber et al., 1998).

TONSILITES BACTERIANAS RECORRENTES Os guidelines da IDSA recomendam tratamento com cefalosporinas de segunda (cefuroxima) ou terceira geração (cefpodoxima) para pacientes que apresentam novo episódio de faringotonsilite em menos de 30 dias pós-tratamento com penicilina ou amoxicilina. Além disso, se houver alguma suspeita de resistência bacteriana, esses antibióticos também devem ser usados. A indicação cirúrgica é muito individual e deve levar em conta características de cada paciente. A indicação clássica (critérios de Paradise) consiste em sete 867

TONSILITES

– – – – – – –

episódios em um ano, cinco por ano nos últimos dois anos ou três por ano nos últimos três anos.

TONSILITES

COMPLICAÇÕES DAS TONSILITES ESTREPTOCÓCICAS As complicações podem ser divididas em supurativas (abscesso peritonsilar) e não supurativas (febre reumática e glomerulonefrite aguda). O abscesso peritonsilar é a complicação mais comum de um episódio de faringotonsilite aguda. Os sintomas aparecem alguns dias após o início da tonsilite. Existe uma piora da odinofagia, que se torna mais grave e unilateral. A voz torna-se mais abafada e geralmente ocorre trismo. Ao exame, observa-se edema dos tecidos da faringe, com abaulamento da porção lateral e superior à tonsila. A punção aspirativa é diagnóstica e terapêutica, mas deve ser acompanhada de analgesia potente e antibioticoterapia, geralmente optando-se por associar um anaerobicida à penicilina (penicilina cristalina+metronidazol ou amoxicilina+clavulanato ou clindamicina). A tonsilectomia “a quente” vem caindo em desuso pela maior chance de complicações. Entretanto, após um episódio de abscesso peritonsilar, a maioria dos otorrinolaringologistas já indica tonsilectomia (Piltcher et al., 2006). A incidência de febre reumática em casos endêmicos é de apenas 0,3%, mas, devido à sua morbimortalidade, é a complicação mais temida. O uso de antibióticos diminui muito a incidência dessa complicação. A glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica pode se apresentar como síndrome nefrítica ou como hematúria ou proteinúria isolada. Os sintomas iniciamse cerca de 10 dias após o episódio de tonsilite. O uso de antibióticos não tem papel na prevenção dessa complicação.

REFERÊNCIAS Bisno AL, Gerber MA, Gwaltney JM, Kaplan EL, Schwartz RH. Infectious Disease Society of America. Practice guidelines for the diagnosis and management of group A streptococcal pharyngitis. Clin Infect Dis. 2002;35(2):113-25. Brook I, Dohar JE. Management of group A Streptococcal pharyngotonsillitis in children. J Fam Pract. 2006;55(12):S1-11; quiz S12. Endo LH, Carvalho DS. Microbiologia das faringotonsilites no Brasil. In: Sih T. Infectologia em otorrinopediatria. Rio de Janeiro: Revinter; 2000. p. 45-6. Gerber MA. Diagnosis and treatment of group A streptococcal pharyngitis. Seminars Ped Infect Dis. 1998;9:42-9. Piltcher SL, Piltcher OB, Petrillo VF. Patologias do anel linfático de Waldeyer. In: Otorrinolaringologia: princípios e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 784-93. Sih T, Chinski A, Eavey R, Godinho R. Tonsilite viral ou bacteriana? In: IV Manual de Otorrinolaringologia Pediátrica da IAPO. São Paulo: Lis; 2006. p. 57-78.

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41.4

RINOSSINUSITE

CLÁUDIA SCHWEIGER DENISE MANICA MARIANA MAGNUS SMITH

A rinossinusite é uma infecção respiratória comum na infância definida como a inflamação de um ou mais seios paranasais. O uso indiscriminado de antibióticos para infecções respiratórias altas que, na sua grande maioria, são de etiologia viral tem resultado em resistência bacteriana crescente. Assim, é de grande importância o diagnóstico adequado de uma rinossinusite e sua provável etiologia, a fim de, por um lado, minimizar as consequências do uso abusivo de antibióticos e, por outro lado, das possíveis complicações clínicas associadas a essa patologia.

Epidemiologia. As crianças apresentam cerca de 6-8 infecções virais do trato respiratório superior por ano, das quais aproximadamente 0,5-5% podem ser complicadas por uma infecção secundária bacteriana dos seios paranasais (Ramadan, 2005). Etiologia. A grande maioria das infecções são de etiologia viral. Os principais agentes bacterianos que causam rinossinusites são Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis (Costa Carvalho et al., 2005). A incidência de Moraxella é cerca de cinco vezes maior na criança do que no adulto (Sakano; Navarro, 2003). Sinais e sintomas. A grande maioria dos casos de rinossinusite na infância representa uma infecção bacteriana secundária a uma infecção viral das vias aéreas superiores. Os sintomas da rinossinusite bacteriana são geralmente indistinguíveis dos sintomas virais. Rinorreia mucopurulenta, obstrução nasal, tosse diurna ou noturna, febre, dor na face e prostração podem estar presentes em rinossinusites de ambas as etiologias. Muitas vezes, a febre pode ser o único sintoma em crianças (Sakano; Navarro, 2003). Assim, o critério mais importante para o diagnóstico clínico de uma rinossinusite bacteriana é o tempo de permanência dos sintomas: considera-se a etiologia bacteriana quando os sintomas nasossinusais perduram por mais de 7-10 dias ou quando pioram após o 5o dia do quadro. Crianças com sintomas graves, como

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RINOSSINUSITE

Definições Q Rinossinusite aguda: infecção dos seios paranasais com duração menor do que 30 dias. Q Rinossinusite subaguda: infecção dos seios paranasais com duração entre 30 dias e 3 meses. Q Rinossinusite crônica: infecção dos seios paranasais com duração maior do que 3 meses (American Academy of Pediatrics, 2001).

febre maior que 39° e prostração intensa, já podem ser tratadas para rinossinusite bacteriana após o 3o dia de rinorreia purulenta (Esposito et al., 2007). O exame físico em geral não ajuda muito no diagnóstico etiológico. Em ambos os casos, a mucosa nasal mostra-se eritematosa e edemaciada, com aumento das conchas inferiores e secreção purulenta nas fossas nasais. O exame da garganta, membranas timpânicas e linfonodos não ajuda no diagnóstico diferencial. Pode haver secreção purulenta na faringe posterior, drenando do nariz. A transiluminação dos seios paranasais mostrou-se de pouca ajuda em crianças menores de 10 anos. Em crianças maiores, pode ser usada para excluir casos de rinossinusite bacteriana se o exame for normal (Slavin et al., 2005). A endoscopia nasal pode ser de grande ajuda, pois pode detectar secreção purulenta drenando do meato médio.

RINOSSINUSITE

Diagnóstico. O exame padrão-ouro para diagnóstico da rinossinusite é a cultura de secreção dos seios paranasais, coletada de maneira estéril por meio de punção via fossa canina dos seios maxilares. Porém, sendo esse um exame invasivo, não é recomendado para diagnóstico de rotina em crianças com suspeita de rinossinusite aguda. O diagnóstico deve ser baseado na história clínica, principalmente, e no exame físico. Exames de imagem não são necessários para o diagnóstico de rinossinusite na infância (Slavin et al., 2005), sendo que a radiografia apresenta baixa sensibilidade e especificidade, pelos seguintes motivos: Q Q

o posicionamento correto da criança é difícil; a radiografia com incidência lateral é de valor limitado em crianças menores de 4 anos (não apresentam desenvolvimento dos seios frontais); Q a radiografia ântero-posterior não mostra as células etmoidais; Q a radiografia não diferencia alterações virais de bacterianas. A tomografia computadorizada, além de ser um exame caro, também apresenta altas taxas de falso-positivos e deve ser reservada para os casos crônicos, em que a definição anatômica é necessária no caso de uma cirurgia, e para a avaliação de rinossinusites com complicações orbitárias ou intracranianas (McAlister et al., 2006). Deve-se lembrar que a exposição de crianças à radiação deve ser evitada sempre que possível. Tratamento. Os sinais e sintomas de uma infecção viral do trato respiratório superior podem ainda estar presentes no 10o dia do início do quadro e se resolvem sem tratamento específico. De acordo com esse fato, Garbutt e colaboradores (2001) realizaram um ensaio clínico em crianças com rinossinusite aguda clinicamente diagnosticada, que foram randomizadas para receber amoxicilina isolada, amoxicilina/clavulanato ou placebo. Seus resultados mostram que todas as crianças apresentaram melhora dos sintomas nos 14 dias de uso da medicação, sem diferença estatisticamente significativa entre os três grupos (Garbutt et al., 2001). Assim, a decisão de usar ou não antibiótico em um quadro de rinossinusite aguda ainda é controverso. Há muitos autores que recomendam fortemente o 870

Quadro 41.4.1 FATORES DE RISCO PARA RINOSSINUSITE POR PNEUMOCOCO RESISTENTE – Idade < que 2 anos – Crianças que frequentam creches e berçários – Uso de antibióticos nos 3 meses anteriores Fonte: Novembre e colaboradores (2007).

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RINOSSINUSITE

uso de antibióticos nessa patologia, com o objetivo principal de prevenir complicações orbitárias e intracranianas, embora essa questão também seja controversa. Quando se opta pelo uso de antibióticos, a amoxicilina na dose de 45 mg/ kg/dia continua sendo a primeira escolha em casos de rinossinusite aguda em crianças sem fatores de risco para resistência pneumocócica (ver Quadro 41.4.1). Sua dose pode ser dobrada (90 mg/kg/dia) se houver algum fator de risco para resistência (Novembre et al., 2007). A amoxicilina/clavulanato pode ser usada em casos de suspeita de infecção por Haemophilus ou Moraxella (Novembre et al., 2007). Sulfametoxazol/trimetoprim, muito usada no passado, não deve ser mais utilizada, em função da resistência pneumocócica. As cefalosporinas são comumente usadas. As de primeira geração (cefalexina e cefadroxila) não atuam contra infecções por H. influenzae. Cefaclor (segunda geração) tem pobre cobertura para M. catarrhalis e algumas cepas de H. influenzae. Outras cefalosporinas de segunda geração, como a cefuroxima (30 mg/kg/dia) e o cefprozil, têm boa eficácia contra agentes produtores de β-lactamase e podem ser usadas 2×/dia. Uma dose única de ceftriaxona (50 mg/kg/ dia), administrada por via endovenosa ou intramuscular, pode ser usada em crianças com vômitos (American Academy of Pediatrics, 2001) ou em pacientes que não respondem a um segundo curso de antibiótico (Anon, 2003). Em caso de alergia à penicilina, recomenda-se o uso de macrolídeos, como azitromicina e claritromicina, mas deve-se levar em consideração a falha de até 25% com esses antibióticos. Corticoides orais podem ser adicionados ao tratamento de crianças que não respondem ao tratamento inicial somente com antibióticos, apresentam pólipos nasais ou edema de mucosa nasal acentuado (Slavin et al., 2005). A maioria dos autores recomenda que o uso do antibiótico deve se prolongar por mais sete dias após a resolução dos sintomas, em um total de 10-14 dias de tratamento. Se não houver melhora nos três primeiros dias, o antibiótico deve ser trocado (Taylor, 2006) (ver Fig. 41.4.1).

RINOSSINUSITE

Figura 41.4.1 Esquema de tratamento para rinossinusite bacteriana aguda. Fonte: Adaptada de Novembre e colaboradores (2007).

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41.5

ESTRIDOR ESTRIDOR

CLÁUDIA SCHWEIGER DENISE MANICA MARIANA MAGNUS SMITH

Estridor é um sinal frequentemente encontrado em pacientes pediátricos, indicando uma passagem de ar por um segmento estreitado da via aérea superior, isto é, uma obstrução da via aérea intra ou extratorácica. O estridor pode ser um sinal agudo ou crônico, congênito ou adquirido, e o médico deve sempre procurar fazer o diagnóstico da patologia que o está causando. O estridor agudo muitas vezes representa uma emergência pediátrica, sendo as causas mais comuns a laringite viral, a obstrução por corpo estranho, a epiglotite e o abscesso retrofaríngeo. Por outro lado, o estridor crônico geralmente é causado por laringomalacia, estenose subglótica, paralisia de pregas vocais, papilomatose respiratória recorrente ou hemangioma subglótico. O estridor pode ser inspiratório (geralmente causado por patologias faríngeas ou de supraglote), bifásico (patologias glóticas, subglóticas ou traqueia extratorácica) ou expiratório (patologias da traqueia e brônquios). Avaliação. Em uma criança com estridor, a avaliação clínica deve ser precoce para determinar a gravidade do caso, levando-se em consideração o grau de desconforto respiratório. 873

ESTRIDOR

A anamnese e o exame clínico e otorrinolaringológico completo são essenciais. O tipo de estridor e as circunstâncias em que ele aparece (diurno/noturno, associado à agitação ou não, associado a alguma posição específica, etc.) são a chave para o diagnóstico. É importante questionar os pais também sobre sinais e sintomas associados, como disfonia, febre, patologias pulmonares prévias, roncos noturnos e alterações na alimentação (disfagia, engasgos). A história de entubação endotraqueal prévia deve ser sempre averiguada. O uso de radiografias do pescoço pode ser útil em locais com poucos recursos. Pode-se utilizá-las para avaliação da adenoide, tamanho e forma da epiglote, espaço retrofaríngeo e anatomia da traqueia e subglote. Corpos estranhos radiopacos podem ser visualizados. Na maioria dos casos, o exame endoscópico detalhado das vias aéreas faz-se necessário para o diagnóstico, podendo ser realizado por meio de fibronasolaringoscopia ou por laringoscopia direta e traqueobroncoscopia. A fibronasolaringoscopia pode ser feita sem sedação e é útil na avaliação de cavidade nasal, faringe, região supraglótica e glótica. Além disso, algumas doenças, como a laringomalacia, só são diagnosticadas com a criança em ventilação espontânea. Entretanto, pela pouca colaboração das crianças e pela elevada incidência de lesões sincrônicas das vias aéreas, principalmente as congênitas, o exame de fibronasolaringoscopia sob anestesia geral e a laringoscopia direta passam a ter indicações precisas em determinados casos, possibilitando a avaliação mais detalhada da região subglótica e de toda a extensão traqueobrônquica. As indicações de exame sob anestesia geral são cianose e dessaturações, história de entubação prévia, alterações da deglutição (engasgos, aspirações), dificuldade para ganhar peso, piora dos sintomas ao longo do tempo e sintomas piores ou somente durante o sono. Etiologias Laringomalacia: é a causa mais comum de estridor crônico em crianças menores de 2 anos de idade. Decorre de defeito intrínseco (imaturidade neurológica) ou retardo na maturação das estruturas de suporte da laringe (imaturidade das cartilagens) nas crianças com anatomia propícia, isto é, com pregas ariepiglóticas curtas e epiglote longa. Ocorre o colapso da epiglote, das aritenoides e das pregas ariepiglóticas durante a inspiração. O estridor inspiratório é pior geralmente quando a criança está em posição supina, durante choro ou agitação ou na vigência de infecções das vias aéreas. A maioria das crianças necessita apenas de observação, uma vez que o quadro se resolve em mais de 90% dos casos até os 2 anos de idade. Crianças com obstrução respiratória grave, causando déficits de crescimento e desenvolvimento, alterações na alimentação, apneias e cianose, necessitam de tratamento específico. O tratamento de escolha é a supraglotoplastia, em que se seccionam as pregas ariepiglóticas e parte da epiglote (porção superior e laterais), bem como tecidos posteriores redundantes da laringe. A criança permanece na Unidade de Tratamento Intensivo Pediátrica (UTIP) no pós-operatório para observação por 24 horas, em ventilação espontânea, podendo-se reiniciar a alimentação logo que

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estiver recuperada da anestesia. Trata-se de uma cirurgia que mostra grande sucesso, com poucas complicações. Laringotraqueobronquite viral : acomete crianças de 1-5 anos e é causada principalmente pelo vírus parainfluenza I. As crianças apresentam-se com tosse seca (tosse em latido), que piora à noite, e desconforto respiratório em decorrência do edema subglótico, que pode levar ao estridor. O tratamento, além do suporte ventilatório quando necessário, inclui o uso de adrenalina inalatória e corticoide (dexametasona 0,15-0,6 mg/kg em dose única, via oral) para evitar a progressão do edema. A grande maioria das crianças, porém, não necessita nem de internação nem de suporte ventilatório.

Epiglotite: acomete crianças de 2-4 anos e é causada pelo Haemophilus influenzae tipo B. É uma infecção extremamente grave, mas atualmente rara graças às vacinas específicas contra esse agente. As crianças apresentam inicialmente dor de garganta e febre, que progridem rapidamente para toxemia, estridor, sialorreia e odinofagia. O diagnóstico é baseado principalmente na história clínica, uma vez que qualquer tentativa de manipulação das vias aéreas pode levar à piora do edema e à obstrução rápida da mesma. O tratamento é realizado com antibioticoterapia endovenosa (ceftriaxona, 80-100 mg/kg/dia, em 2 doses, ou ampicilina/ sulbactam, 200 mg/kg/dia, em 4 doses) e hidratação. O uso de corticoides é controverso. Muitas vezes, é necessária a entubação orotraqueal, que geralmente é difícil em virtude do edema, até a melhora do quadro. Papilomatose laríngea juvenil: Os papilomas são tumores benignos da via aérea, causados pelo papilomavírus humano (HPV). Há forte evidência de que o papiloma laríngeo esteja associado ao condiloma vaginal, sendo provável a contaminação da criança durante o parto, apesar de haver crianças com papilomatose nascidas de cesárea. A idade de aparecimento vai desde o nascimento até o início da idade adulta, porém a maior incidência ocorre entre os 2 e 3 anos de vida, e a regressão geralmente acontece entre 6 e 7 anos de idade. As manifestações iniciais são a rouquidão e o choro anormal, seguidos de tosse, dispneia e estridor. Os sintomas são geralmente de aparecimento lento e progressivo, mas há casos de evolução rápida e de obstrução da via aérea. Não são raras as lesões traqueais, brônquicas e faríngeas concomitantes. O tratamento dessa patologia consiste na remoção das lesões com instrumentos frios ou com laser de CO2. O uso de interferon por via intramuscular 875

ESTRIDOR

Laringite aguda espasmódica: caracteriza-se por episódio súbito de dificuldade respiratória noturna, acompanhada de tosse rouca paroxística, estridor, retração supraesternal e vômitos. Geralmente acomete crianças entre 1 e 4 anos de idade, em episódios isolados ou repetindo-se durante duas ou três noites. A grande maioria das crianças, ao chegar à emergência, já se encontra assintomática, pois a simples saída de casa e a inalação de ar úmido da rua já melhora o quadro. O manejo da crise na sala de emergência inclui nebulização com adrenalina e dose única de corticoide via oral, como na laringotraqueobronquite viral.

(100.000 UI/kg, 3×/semana, diminuindo-se gradativamente até 50.000 UI/kg, 1×/semana, por 1 ano) é preconizado por alguns autores, mas mostrou-se pouco eficaz a longo prazo e com muitos efeitos adversos. Mais recentemente, o uso de cidofovir intralesional tem se mostrado promissor na redução das lesões laríngeas, mas ainda não se sabe sobre a evolução a longo prazo. Apesar dos avanços na identificação dos vírus, da ação mais efetiva das medicações e dos avanços nas técnicas de remoção das lesões, ainda não existe um método que controle, com eficiência, a papilomatose laríngea, sendo que o desenvolvimento de imunidade por parte do paciente é a única chance de cura definitiva.

ESTRIDOR

Paralisia de prega vocal: apresenta como sintomas associados rouquidão, cianose, tosse, choro fraco e aspiração. Cerca de 30-50% dos casos de paralisia congênita são idiopáticos, ocorrendo regressão espontânea em grande parte. A maior causa de paralisia unilateral em RNs é o tocotraumatismo, por provável lesão mecânica do nervo recorrente. A causa neurológica mais frequente de paralisia bilateral é a síndrome de Arnold-Chiari. O tratamento pode ser específico para a doença de base ou, então, quando necessário, pode-se realizar aritenoidectomia endoscópica ou mesmo traqueostomia. Estenose laríngea: pode ser congênita ou adquirida. A causa mais comum de estenose adquirida é a entubação endotraqueal. As principais manifestações são estridor e esforço ventilatório, mas podem ocorrer também disfonia e disfagia. O tratamento depende do grau de obstrução da via aérea, podendo variar de observação (graus leves e assintomáticos) até laringotraqueoplastia (reconstrução da laringe com enxerto de cartilagem), ressecção cricotraqueal (remoção da área de estenose com anastomose término-terminal) ou cirurgia endoscópica com laser, além de se ter sempre a opção de traqueostomia. Hemangioma subglótico: na maioria dos casos, está presente desde o nascimento, mas sofre uma fase de grande proliferação durante os primeiros meses de vida. Metade das crianças com hemangioma subglótico também apresenta hemangiomas cutâneos. O estridor é geralmente bifásico. A história natural é a involução espontânea gradual na idade de 2-3 anos. O tratamento é conservador, uma vez que a grande maioria tende a regredir espontaneamente. Pode ser necessária a traqueostomia para estabilizar a via aérea. O tratamento consiste em corticoides em altas doses (prednisolona, até 4 mg/kg/dia). Corpos estranhos: mais comumente de localização traqueal ou brônquica, podem causar estridor acompanhado de tosse e dispneia. Devem ser sempre suspeitados em crianças com estridor agudo. A laringotraqueobroncoscopia deve ser realizada para diagnóstico e tratamento. Outros: mais raramente, o estridor é causado por alterações congênitas estruturais, como diafragma laríngeo, cisto laríngeo, laringocele, entre outros.

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REFERÊNCIAS Campos CAH, Costa HOO, editores. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 2003. v. 4. Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia. Martins RHG, Dias NH, Castilho EC, Trindade SHK. Achados endoscópicos em crianças com estridor. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006,72(5):649-54. Sakakura K, Chikamatsu K, Toyoda M, Kaai M, Yasuoka Y, Furuya N. Congenital laryngeal anomalies presenting as chronic stridor: a retrospective study of 55 patients. Auris Nasus Larynx. 2008;35(4):527-33. Zoumalan R, Maddalozzo J, Holinger LD. Etiology of stridor in infants. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2007;116(5):329-34.

41.6

OTITES

CLÁUDIA SCHWEIGER DENISE MANICA MARIANA MAGNUS SMITH

OTITE MÉDIA

Classificação. No presente capítulo, o foco será a otite média aguda (OMA) (Fig. 41.6.1). Epidemiologia. Há um pico de prevalência entre 6 e 24 meses de idade por imaturidade imunológica e características anatômicas da tuba auditiva, que parece ter papel central na patogênese de todas as formas de otite média. Estima-se que 95% de todas as crianças apresentem pelo menos um episódio de OMA antes dos 5 anos e que 10% daquelas em idade escolar apresentem líquido na OM. A incidência de OMA é maior no inverno e no outono. Etiologia. A bacteriologia da OMA é igual para todas as faixas etárias e inclui Streptococcus pneumoniae (40-50%), Haemophilus influenzae não tipável (3040% do total; 30-50% das cepas produzem β-lactamase) e Moraxella catarrhalis (10-15% do total; 90% produzem β -lactamase) como agentes mais frequentes. Cepas de pneumococo resistente à penicilina são a causa mais comum de OMA resistente e recorrente. Com os avanços das técnicas microbiológicas, os vírus têm sido cada vez mais encontrados nos fluidos da OM, isolados ou associados às infecções bacterianas.

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OTITES

Definição. Processo inflamatório, agudo ou crônico, infeccioso ou não, localizado focal ou generalizadamente na orelha média (OM).

OTITES

Figura 41.6.1 Classificação das otites médias.

Fatores de risco Q Predisposição familiar Q Uso de chupeta Q Permanência em creches Q Tabagismo no domicílio Q Sexo masculino (diferença leve) Q Aleitamento materno por menos de 3 meses Q Primeiro episódio de OMA antes dos 9 meses Q Rinite alérgica e outras causas de obstrução nasal Q Síndromes de imunodeficiência, incluindo deficiência de IgA e IgG Q Malformações craniofaciais e doenças ciliares Q Fatores socioeconômicos Quadro clínico. Sintomas de OMA incluem otalgia, febre e hipoacusia, sendo a otalgia a manifestação mais comum. Esse quadro de instalação rápida frequentemente é precedido por uma infecção da via aérea superior. Em crianças menores, a OMA geralmente se apresenta de forma inespecífica, com febre, irritabilidade, choro prolongado, vômitos, anorexia e diarreia. A otorreia é uma manifestação de OMA supurada, que geralmente alivia a dor. Excluídas otite externa, otite média crônica (OMC) ou tubo de ventilação prévio, a otorreia purulenta estabelece o diagnóstico de OMA. A perfuração pós-OMA costuma ser pequena e nem sempre é visualizada. Quando se identifica perfuração ampla e precoce da membrana timpânica (MT), alertar para OMA necrotizante, geralmente causada por Streptococcus pyogenes, no curso de uma doença sistêmica aguda e tóxica, como sarampo, escarlatina ou pneumonia. Quando há conjuntivite associada, há maior probabilidade de se tratar de H. influenzae como agente causador. Nos pacientes menores de 2 anos com doença bilateral, o curso clínico da OMA costuma ser mais prolongado. 878

O exame físico, por meio de otoscopia, apesar de nem sempre ser fácil de realizar em crianças, é o que oferece a melhor evidência diagnóstica (Fig. 41.6.2). O abaulamento é o sinal mais indicativo de OMA. A simples hiperemia da MT não é critério confiável, já que pode ser causada por choro, febre alta, infecção de via aérea ou trauma. A presença de bolhas associada à otalgia intensa é sugestiva de miringite bolhosa, infecção da MT, que ocorre geralmente associada à OMA ou à otite externa, e tem etiologia incerta. Alguns trabalhos sugerem como causa patógenos com distribuição semelhante à OMA, outros, sugerem para vírus respiratórios ou Mycoplasma pneumoniae. A diferenciação entre OMA e otite média com efusão (OME) é fundamental. Na otite média serosa, há visualização de líquido com MT translúcida e nível hidroaéreo. Já na secretora, a MT encontra-se espessada com aumento da vascularização. Tratamento. O principal aspecto na orientação terapêutica é o diagnóstico correto. A simples presença de líquido na OM sem sinais e sintomas de doença aguda, na maioria das vezes, não requer tratamento antibacteriano. Além disso, 70-90% das OMA têm resolução espontânea. Portanto, antibióticos não devem ser prescritos inicialmente de rotina na OMA. Essa reserva na prescrição de antibióticos em crianças selecionadas diminui custos, evita efeitos adversos e minimiza o surgimento de cepas resistentes (Fig. 41.6.3). A terapia antibacteriana deve ser prescrita nos seguintes casos: qualquer criança menor de 6 meses, independentemente do grau de certeza do diagnóstico; Q crianças entre 6 meses e 2 anos, se houver certeza do diagnóstico ou se o diagnóstico for incerto, mas a doença for severa (otalgia moderada a grave ou febre ≥ 39°C nas últimas 24 horas). A observação é uma opção, portanto, se o diagnóstico for incerto e a doença for leve/moderada;

Figura 41.6.2 Diferenciação das otites médias por meio da otoscopia. Da esquerda para a direita: otite média aguda, otite serosa, otite secretora. Fonte: Costa; Cruz; Oliveira (2006).

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OTITES

Q

OTITES

Figura 41.6.3 Fluxograma para tratamento de OMA. 880

crianças maiores de 2 anos se houver certeza do diagnóstico e a doença for grave. A observação é uma opção, portanto, se o diagnóstico for certo com doença leve/moderada ou se o diagnóstico for incerto.

Vale lembrar que a observação só é recomendada quando há certeza do acompanhamento do paciente e que a antibioticoterapia deve ser iniciada se houver persistência ou piora dos sintomas. É importante ressaltar que a recomendação do uso inicial de amoxicilina em dose alta provém de guidelines norte-americanos, onde a prevalência de pneumococo de resistência intermediária e plena é em torno de 40%. Em nosso meio, apesar de poucos estudos e das variações locais, essa prevalência parece ser menor (em torno de 20%), o que justifica o uso de amoxicilina, 50 mg/kg/dia, como primeira escolha. A timpanocentese com cultura do fluido da OM está indicada nos casos de quadro toxêmico, complicações, otite persistente apesar do tratamento adequado, imunodeficientes ou neonatos (quando um microrganismo não usual pode estar presente). O manejo da dor também é fundamental, principalmente nos primeiros dois dias. As opções incluem paracetamol, 15 mg/kg, a cada 4-6 horas, ou ibuprofeno, 10 mg/kg, a cada 6 horas. Anti-histamínicos e descongestionantes não têm valor no tratamento da OMA, exceto se houver doença alérgica associada. Líquido na OM pós-OMA persiste por duas semanas em 70% das crianças, por 1 mês em 40% e por 3 meses em 10%, não devendo, portanto, ser interpretado como falência do tratamento. Prescrever antibiótico visando a evitar a permanência da efusão não é uma prática recomendada. A profilaxia para OMA recorrente (mais de três episódios em 6 meses ou quatro em 12) deve ser evitada pelo aumento do risco de resistência bacteriana. Quanto ao papel da vacinas na prevenção das otites, a vacina antipneumocócica heptavalente, apesar de não provocar grande queda na incidência geral de otite média, mudou o perfil de seus microrganismos causadores, diminuindo os episódios de otite média com efusão e recorrente e aumentando as otites causadas por H. influenzae, M. catarrhalis e por sorotipos do pneumococo inexistentes na vacina (sorotipos com menor resistência). A vacina anti-influenza com vírus inativado mostrou-se efetiva na redução da OMA nos períodos de maior incidência desse vírus. A vacina contra H. influenzae tipo B não previne contra otite média. Nos casos de OMA recorrente, suspeita de hipoacusia, efusão persistente ou OMC, deve-se encaminhar para consulta especializada para avaliação de necessidade de tratamento cirúrgico. Complicações. A propagação do germe infeccioso da OM para o osso temporal e/ou para o encéfalo pode ocorrer tanto na OMA quanto na OMC. Apesar de raras, a gravidade das complicações intratemporais (mastoidite, fístula labiríntica, labirintite, petrosite, paralisia facial periférica) e intracranianas (abscesso, empiemas, meningite, trombose do seio sigmoide, hidrocéfalo otítico) 881

OTITES

Q

exige suspeição clínica para que o diagnóstico seja feito o mais precocemente possível. Os exames de imagem são fundamentais se houver suspeita de complicação, e a abordagem deve ser multidisciplinar, com antibioticoterapia de amplo espectro e resolução do foco primário (OM).

OTITES

OTITE EXTERNA DIFUSA Apesar de existirem vários tipos de otite externa – inflamação do conduto auditivo externo (CAE) ou do pavilhão auricular –, neste capítulo será abordada apenas a otite externa difusa, também conhecida como “orelha do nadador”, que é o subtipo mais comum. Ela acomete principalmente orelhas traumatizadas por uso de cotonoides com algodão, introdução de objetos (incluindo aparelho de amplificação sonora e protetor auricular) ou lavagens excessivas (a incidência aumenta no verão, coincidindo com o aumento das atividades aquáticas). Nessas situações, ocorre remoção da camada protetora de cerúmen, aumento do pH local, maceração da pele e acúmulo de restos epiteliais. Tais condições, somadas à umidade e à temperatura elevada, predispõem à infecção. Os agentes etiológicos mais comuns são Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus. Os fungos são responsáveis por 2-10% dos casos de otite externa e frequentemente ocorrem após tratamento antibacteriano ou mesmo coexistem com a infecção bacteriana. O curso clínico é dividido em três estágios: 1) Pré-inflamatório: remoção da camada lipídica-ácida, que provoca congestão leve e prurido. 2) Inflamatório agudo: pela proliferação bacteriana, ocorre edema e hiperemia do CAE. Dependendo da intensidade do quadro, o edema oclui totalmente a luz do CAE, levando à hipoacusia condutiva, prurido e otalgia intensa. O exame otoscópico, a mastigação, a manipulação do CAE e do pavilhão auricular são extremamente desconfortáveis, tornando, muitas vezes, impossível ver a MT. 3) Inflamatório crônico: espessamento e descamação da pele do CAE, provocando mais prurido do que otalgia. O primeiro passo no tratamento é a limpeza do CAE para avaliar adequadamente o próprio CAE e a MT, e também para permitir o contato do tratamento tópico com a pele doente. A escolha das gotas depende do estágio da doença. Na fase pré-inflamatória, soluções acidificantes, como ácido acético a 2%, podem ser suficientes. No estágio inflamatório agudo, deve ser usada antibioticoterapia tópica. Gotas otológicas com fluoroquinolonas são preferíveis às com neomicina e polimixina. As associações com corticoides ajudam a diminuir o edema. Uma opção é a associação de ciprofloxacino com hidrocortisona ou dexametasona, que deve ser utilizada 2-3 vezes ao dia e mantida por dois dias após a melhora do quadro. Em casos em que a infecção ultrapassa os limites do CAE ou é resistente ao tratamento tópico, e em pacientes imunodeprimidos, associar antibiótico via oral à gota otológica anti-Pseudomonas. Uma das escolhas são as cefalosporinas de primeira geração, como cefalexina, 50 mg/kg/dia, em 4 doses. A fase crônica é de mais difícil tratamento. A limpeza do CAE torna-se ainda mais importante, 882

além do uso de gota otológica. Se tal tratamento não obtiver resposta satisfatória, indica-se tratamento cirúrgico. Cuidados locais, como evitar a entrada de água no CAE por meio do uso de touca ou de algodão com óleo e evitar sua manipulação, são fundamentais no tratamento em qualquer estágio.

REFERÊNCIAS Costa SS, Cruz OLM, Oliveira JAA, organizadores. Otorrinolaringologia: princípios e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. Di Fabio JL, Castaneda E, Agudelo CI, La Hoz F, Hortal M, Camou T, et al. Evolution of Streptococcus pneumoniae serotypes and penicillin susceptibility in Latin America, SiveraVigía Group, 1993-1999. Ped Infect Dis J. 2001:20(10):959-67. Felix F, Gomes GA, Cabral GAPS, Cordeiro JR, Tomita S. O papel das novas vacinas na prevenção da otite média. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008;74(4):613-6. Goguen LA. External otitis. In: Rose BD, editor. UpToDate. Waltham: UpToDate; 2008. Klein JO, Pelton S. Epidemiology, pathogenesis, clinical manifestations, and complications of acute otitis media. In: Rose BD, editor. UpToDate. Waltham: UpToDate; 2008.

Musher DM. Resistence of Streptococcus pneumoniae to beta-lactam antibiotics. In: Rose BD, editor. UpToDate. Waltham: UpToDate; 2008. Ramakrishnan K, Sparks RA, Berryhill WE. Diagnosis and treatment of otitis media. Am Fam Phy. 2007;76(11):1650-8. Wald ER. Diagnosis of acute otitis media. In: Rose BD, editor. UpToDate. Waltham: UpToDate; 2008.

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Mantese OC, Paula A, Moraes AB, Moreira TA, Guerra MLLS, Brandileone MCC. Prevalence of serotypes and antimicrobial resistane of invasive strains of Streptococcus pneumoniae. J Pediatr. 2003;79(6):537-42.

CAPÍTULO 42

PNEUMOLOGIA 42.1

BRONQUIOLITE VIRAL AGUDA

DANIEL BARBOSA PAULO JOSÉ CAUDURO MAROSTICA

Definição. A bronquiolite viral é uma doença do trato respiratório que cursa com obstrução inflamatória dos bronquíolos. É considerada o primeiro episódio de sibilância aguda do lactente precedido de sintomas do trato respiratório superior, relacionados à infecção pelo vírus respiratório sincicial (VRS) principalmente. Epidemiologia. Tem maior prevalência em menores de 2 anos. Oitenta por cento dos casos ocorrem no primeiro ano de vida, com pico entre 2 e 6 meses. É mais frequente no sexo masculino e em prematuros. Apresenta distribuição sazonal (mais comum no outono e no inverno). O contágio se dá por meio de partículas do vírus através das mãos, secreção ventilatória e fomites. Deve-se adotar precauções de contato mediante um caso suspeito (uso de avental, luvas, lavagem das mãos) durante a internação, independentemente do resultado da pesquisa viral. Etiologia. O VRS é o agente mais comum (50-90% dos casos), mas também pode ser causada por parainfluenza tipos 1, 2 e 3, influenza, rinovírus, Mycoplasma pneumoniae, metapneumovírus e adenovírus (observado em casos de maior gravidade). Quadro clínico. Após um período de incubação de 4-6 dias (VRS, após contato com adulto ou criança mais velha com IVAS), surgem sintomas relacionados às vias aéreas superiores (coriza hialina, obstrução nasal, irritabilidade, anorexia e febre). Posteriormente, surgem tosse, sibilância e disfunção respiratória, com evolução gradual e pico em torno do terceiro dia (na maioria dos casos). Ao exame, o lactente apresenta taquipneia, tempo expiratório prolongado, sibilos, retrações intercostal, subcostal e furcular e, em casos mais graves, cianose (sinal tardio de hipoxemia).

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Diagnóstico diferencial. Pneumonias, asma, insuficiência cardíaca, fibrose cística, síndromes aspirativas (distúrbios da deglutição, doença do refluxo gastresofágico, fístula traqueoesofágica), compressão das vias aéreas (anel vascular, cistos congênitos, linfonodomegalias), aspiração de corpo estranho. O maior dilema é diferenciar entre os casos de bronquiolite e apresentação inicial de asma, visto que muitos dos pacientes diagnosticados com bronquiolite apresenta sibilância posterior, refletindo um estado de hiper-reatividade brônquica pós-viral. Tratamento Q A maioria dos pacientes requer apenas observação, hidratação oral e amamentação materna. Q Manter o paciente em decúbito dorsal e elevado (30°). Q Oxigênio inalatório é a principal forma de tratamento dos casos mais graves da bronquiolite, reservado aos casos com disfunção respiratória ou diminuição da SaO2. Guidelines orientam seu uso quando a saturação em ar ambiente está abaixo de 90%. Entretanto, é prudente instalar oxigênio inalatório para manter uma saturação acima de 90-94%. Escolher a forma com maior conforto e efetividade de acordo com a faixa etária (lactentes menores toleram mais o cateter extranasal). Também pode ser usada a campânula ou máscara de Venturi, quando se deseja atingir uma FiO2 maior Q Embora os broncodilatadores inalatórios (β2-agonistas, como salbutamol e fenoterol e adrenalina) sejam muito usados na prática, não há evidências suficientes que recomendem seu uso. Além disso, a maioria dos pacientes situa-se na faixa etária menor de 6 meses, na qual o resultado é duvidoso. Lembrar que o mecanismo responsável pela obstrução dos bronquíolos é o edema, e não o broncoespasmo. Quando os β2-agonistas forem utilizados, lembrar que, devido às diferenças anatômicas e do volume de ar corrente do lactente menor, a dose mínima é fixa abaixo de 10 kg (3-5 gotas).

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BRONQUIOLITE VIRAL AGUDA

Diagnóstico Q O quadro clínico é imperativo para o diagnóstico de bronquiolite viral aguda. Q Imunofluorescência indireta e cultura viral (esta, pouco disponível em nosso meio) são utilizadas para identificação do agente etiológico (identificado em 60-80% dos casos). Q Radiografia de tórax é útil na avaliação das complicações (atelectasias, broncoaspiração, infecções bacterianas secundárias). Os achados usuais são atelectasias (em mais de 30% dos casos) e hiperinsuflação, com retificação das hemicúpulas diafragmáticas. Q Hemograma, eletrólitos e marcadores inflamatórios (VSG e PCR) não são indicados na maioria dos casos. Q Oximetria de pulso é útil na avaliação da gravidade, reservando a gasometria arterial aos casos mais graves, com suspeita de hipercapnia, acidose metabólica ou hipoxemia.

Q

Os corticoides sistêmicos (oral e endovenoso) são contraindicados em casos de bronquiolite. Mesmo quando se observa resposta aos broncodilatadores, os estudos mostram que não há benefício em associar corticoides sistêmicos. Q O uso da ribavirina é controverso e tem indicação em casos selecionados (cardiopatas, prematuros, imunossuprimidos) e confirmados com infecção pelo VRS. Prevenção. A melhor maneira de prevenir a doença é por meio dos cuidados com a transmissão (lavagem de mãos, principalmente entre profissionais de saúde, uso de luvas e aventais) e evitando contatos do lactente com suspeitos de infecções de vias aéreas superiores (principalmente em estações de frio, com aglomerados de pessoas em locais fechados). O uso de anticorpo monoclonal (palivizumabe) e a imunoglobulina contra o VRS são indicados na prevenção da doença (em prematuros selecionados e pacientes com displasia broncopulmonar), mas não para o tratamento das infecções agudas.

REFERÊNCIAS

LACTENTE SIBILANTE

American Academy of Pediatrics Subcommittee on Diagnosis and Management of Bronchiolitis. Diagnosis and management of bronchiolitis. Pediatrics. 2006;118(4):1774-93. Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatira. 17th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. Piedra PA, Stark AR. Bronchiolitis. In: Rose BD, editor. UpToDate. Waltham: UpToDate; 2007.

42.2

LACTENTE SIBILANTE

FABIANA DA SILVA DURÃES MELISSA FERNANDA STEIGLEDER PAULO JOSÉ CAUDURO MAROSTICA

A sibilância no lactente é encontrada com muita frequência na clínica pediátrica. Sua prevalência varia entre 4 e 32%. Existem várias razões para explicar essa síndrome tão frequente, principalmente relacionadas à anatomia e à fisiologia das vias aéreas nessa faixa etária, e talvez outras ainda não totalmente esclarecidas. Fatores de risco. Na história clínica, devem ser avaliados os possíveis fatores de risco associados à sibilância. Em uma das conclusões do clássico estudo de Tucson, liderado por Fernando Martinez, constatou-se que aproximadamente 40% das 886

crianças com sibilância durante os primeiros anos de vida mantiveram sibilância persistente quando avaliadas aos 6 anos. O mesmo trabalho evidenciou que as crianças com sibilância persistente aos 6 anos eram aquelas que tinham mães com história de asma e que tinham níveis elevados de imunoglobulina E (IgE) aos 9 meses de idade. Fatores de risco conhecidos para sibilância no início da vida são: tabagismo gestacional, hipertensão materna durante a gestação, baixo peso ao nascer, história de prematuridade, história familiar de atopia, infecções respiratórias virais, exposição a antígenos da poeira domiciliar, introdução precoce em creches. Diagnóstico diferencial. O diagnóstico etiológico da síndrome do lactente sibilante baseia-se na história familiar e ambiental, no exame clínico e em provas laboratoriais e radiológicas, de acordo com a hipótese diagnóstica (Quadro 42.2.1). Alguns exames se fazem necessários e são extremamente importantes, entre eles: raio X de tórax, hemograma, sorologia e cultura para vírus, eletrólitos no suor, imunoglobulinas, anti-HIV, pHmetria esofágica, estudo de deglutição, teste de Mantoux, ecocardiograma, tomografia computadorizada de tórax, avaliação da função pulmonar (espirometria de lactente), broncoscopia. Em geral, a investigação se dá de acordo com os dados da história e do exame físico.

LACTENTE SIBILANTE

Tratamento. O tratamento vai depender dos fatores desencadeantes ou dos eventos clinicopatológicos envolvidos.

Quadro 42.2.1 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL NO LACTENTE SIBILANTE Asma

– História familiar de asma ou rinite alérgica – Diagnóstico de dermatite atópica e/ou rinite alérgica – Sibilância controlada com broncodilatador e corticoide – Assintomático entre crises

Sibilância associada à virose (transitório)

– – – –

Ausência de história familiar ou pessoal de atopia Frequente em crianças que ficam em creches Presença de sibilância relacionada a viroses Tendência a apresentar episódios somente no inverno, com redução expressiva no verão

Doença do refluxo gastresofágico

– – – –

História de piora noturna Crise de choro de causa inexplicável Piora dos sintomas durante ou após mamadas Vômitos podem estar presentes (nem sempre) (Continua)

887

LACTENTE SIBILANTE

Quadro 42.2.1 (continuação) DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL NO LACTENTE SIBILANTE Aspiração de corpo estranho

– – – –

Episódio de sufocação com alimento ou objeto Sibilância de início súbito Assimetria na ausculta Tosse persistente por períodos prolongados

Displasia broncopulmonar

– Prematuridade – Uso de ventilação mecânica ou oxigenoterapia prolongada – Sintomas contínuos desde período neonatal

Imunodeficiência

– História de infecções respiratórias de repetição e de resolução lenta mesmo com o uso de antibióticos – História materna de AIDS

Tuberculose

– História de contágio domiciliar com tuberculose – Sintomas constantes sem um início preciso

Bronquiolite obliterante

– Quadro de infecção respiratória grave que, após hospitalização, determina sintomas contínuos de caráter obstrutivo (mais frequentemente associada à infecção por adenovírus) – Necessidade de oxigenoterapia por período prolongado durante o primeiro episódio de sibilância

Fibrose cística

– História de íleo meconial, suor salgado, tosse prolongada com secreção e esteatorreia – História familiar de fibrose cística ou óbito em irmão de causa respiratória ou não esclarecida – História de baixo ganho de peso

Malformações

– História de pneumonia tratada sem melhora das imagens do raio X de tórax – Sintomatologia que se altera com mudança de posição

Cardiopatia

– – – –

Malacia brônquio ou traqueal

– Sibilância persistente ou frequente – Ausência de resposta a broncodilatadores

História de cansaço nas mamadas História de baixo ganho de peso e altura Crises de cianose Percepção de “respiração rápida”

(Continua)

888

Quadro 42.2.1 (continuação) DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL NO LACTENTE SIBILANTE – Pode estar presente desde o nascimento e melhora com o passar do tempo, na maioria das vezes – Pode estar associada a anel vascular ou a fístulas traqueoesofágicas – Pode haver estridor e episódios de cianose – Evolução favorável nos casos não associados a outras doenças

REFERÊNCIAS Eid NS, Morton RL. Rational approach to the wheezy infant. Paediatr Respir Rev. 2004;5 Suppl A:S77-9. Fisher G. Lactente Sibilante (bebê chiador) [homepage in the internet]. Penumoatual; 2002. [capturado em 2009 Sep 23]. Disponível em: www.pneumoatual.com.br Morton RL, Sheikh S, Corbett ML, Eid NS. Evaluation of the wheezy infant. Ann Allergy Asthma Immunol. 2001;86(3):251-6.

ASMA

Prado EA, Costa DA. Lactente sibilante: diagnóstico diferencial. In: Lopez FA, Campos Júnior D, editores. Tratado de pediatria. São Paulo: Manole; 2007. p. 477-80. Sociedade Brasileira de Pediatria.

42.3

ASMA

FABIANA DA SILVA DURÃES MELISSA FERNANDA STEIGLEDER PAULO JOSÉ CAUDURO MAROSTICA

Definição. Asma é uma doença inflamatória crônica, caracterizada por hiperresponsividade das vias aéreas inferiores e por limitação variável ao fluxo aéreo, reversível espontaneamente ou com tratamento, manifestando-se clinicamente por episódios recorrentes de sibilância, dispneia, aperto no peito e tosse, particularmente à noite e pela manhã ao despertar. Resulta de uma interação entre genética, exposição ambiental à alérgenos e irritantes, e outros fatores específicos que levam ao desenvolvimento e à manutenção dos sintomas. Epidemiologia. Anualmente ocorrem cerca de 350 mil internações por asma no Brasil, constituindo-se na quarta causa de hospitalizações pelo Sistema Único de 889

Saúde (2,3% do total) e sendo a terceira causa entre crianças e adultos jovens. Embora existam indícios de que a prevalência da asma esteja aumentando em todo o mundo, no Brasil ela parece estável; ainda assim, os índices de prevalência aqui permanecem elevados, em torno de 20% em escolares e adolescentes. A mortalidade por asma ainda é baixa, mas apresenta uma magnitude crescente em diversos países e regiões. Estudos epidemiológicos, principalmente aqueles advindos do acompanhamento de uma coorte de pacientes no Arizona, descreveram diferentes fenótipos de sibilância, clinicamente idênticos, mas com características próprias de história e de evolução. Assim, um grupo de pacientes com sintomas precoces tinha função pulmonar comprometida logo após o nascimento e havia sido frequentemente exposto a fumo na gestação. Esse grupo costumava evoluir favoravelmente em termos de remissão dos sintomas na idade escolar. O segundo grupo, embora nascesse com função pulmonar normal, era exposto a vírus nos primeiros meses de vida e passava a ter sibilância recorrente a partir daí. Um outro grupo era formado por pacientes atópicos que mais frequentemente iniciavam a sibilar após o primeiro ano, mas que, sendo atópicos, continuavam a apresentar sintomas ao longo da vida, apresentação clássica de asma.

ASMA

Quadro 42.3.1 DIAGNÓSTICO CLÍNICO DE ASMA Sibilância Histórico de algum dos seguintes sintomas: Q Tosse, particularmente pior à noite Q Sibilância recorrente Q Dificuldade de respirar recorrente Q Desconforto torácico recorrente Os sintomas ocorrem, ou pioram, à noite Os sintomas ocorrem, ou pioram, dentro de um padrão sazonal O paciente também tem eczema, rinite alérgica ou história familiar de asma ou doenças atópicas Os sintomas ocorrem, ou pioram, na presença de: Q Aeroalérgenos Q Mudança de temperatura Q Medicamentos (aspirina e β-bloqueador) Q Esforço físico Q Infecções respiratórias (virais) Q Emoção forte Os sintomas respondem ao tratamento da asma

890

Diagnóstico diferencial. Anel vascular, fístula traqueoesofágica, apneia obstrutiva do sono, distúrbio da deglutição, fibrose cística, bronquiolite, infecções virais e bacterianas, aspergilose broncopulmonar alérgica, obstrução mecânica das vias aéreas, doença respiratória crônica da prematuridade, refluxo gastresofágico, síndrome de Löeffler, insuficiência cardíaca, entre outros. Classificação. A asma pode ser classificada quanto à gravidade (Tab. 42.3.1) em intermitente e persistente leve, moderada e grave. Estima-se que 60% dos casos de asma sejam intermitentes ou persistentes leves, 25-30% moderados e 510% graves. A principal meta do tratamento da asma é a obtenção e a manutenção do seu controle. Esse controle pode ser caracterizado de acordo com parâmetros clínicos e funcionais em três diferentes níveis: asma controlada, asma parcialmente controlada e asma não controlada (Tab. 42.3.2).

891

ASMA

Diagnóstico. O diagnóstico de asma é clínico (Quadro 42.3.1), devendo ser baseado na anamnese, no exame clínico e, sempre que possível, nas provas de função pulmonar e avaliação da alergia. As medidas de função pulmonar oferecem uma avaliação da gravidade, reversibilidade e variabilidade da limitação do fluxo aéreo, além de ajudar a confirmar o diagnóstico de asma. A espirometria é o método de escolha para determinação da limitação ao fluxo de ar e para estabelecimento do diagnóstico de asma. São indicativos de asma: obstrução das vias aéreas, caracterizada por redução do volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) para abaixo de 80% do previsto, e da relação do VEF1 com a capacidade vital forçada (CVF) para abaixo de 86% em crianças; obstrução ao fluxo aéreo, que desaparece ou melhora significativamente após o uso de broncodilatador (BD) (aumento do VEF1 de 7% em relação ao valor previsto e de 200 mL em valor absoluto); aumento no VEF1 superior a 20% e excedendo a 250 mL de modo espontâneo no decorrer do tempo ou após intervenção com medicação controladora. O pico de fluxo expiratório (PFE) é importante para o diagnóstico, a monitoração e o controle da asma. São indicativos de asma: aumento de pelo menos 20% no PFE após inalação de um BD ou após um curso de corticoide oral; variação diurna no PFE maior que 20% (diferença entre a maior e a menor medida do período), considerando medidas feitas pela manhã e à tarde, ao longo de um período de 2-3 semanas. Para pacientes com sintomas compatíveis com asma, mas função pulmonar normal, as medições das respostas das vias aéreas a metacolina, histamina, manitol e teste de broncoprovocação ao exercício, demonstrando queda do VEF1 acima de 10-15%, podem ajudar a estabelecer um diagnóstico de asma. A presença de atopia aumenta a probabilidade do diagnóstico de asma e pode ajudar a identificar os fatores de risco causadores dos sintomas da asma nos pacientes, podendo ser identificada por meio de teste cutâneo com alérgenos ou dosagem de imunoglobulina E (IgE) específica no soro.

ASMA

Tabela 42.3.1 CLASSIFICAÇÃO DA ASMA QUANTO À GRAVIDADE Intermitente

Persistente leve

Persistente moderada

Persistente grave

Sintomas

Raros

Semanais

Diários

Diários ou contínuos

Sintomas noturnos

Raros

Mensais

Semanais

Quase diários

Necessidade de BD para alívio

Rara

Eventual

Limitação de atividades

Nenhuma

Presente nas exacerbações

Presente nas exacerbações

Contínua

Exacerbações

Raras

Afeta as atividades e o sono

Afeta as atividades e o sono

Frequentes

VEF1 ou PFE

≥ 80% do previsto

≥ 80% do previsto

60-80% do previsto

≥ 60% do previsto

Variação de VEF1 ou PFE

< 20%

< 20-30%

> 30%

> 30%

Diária

Diária

Obs.: Pacientes com asma intermitente, mas com exacerbações graves, devem ser classificados como tendo asma persistente moderada.

Tratamento de manutenção. O tratamento atual é dirigido para controlar os sintomas e prevenir exacerbações. A introdução precoce do tratamento anti-inflamatório com corticoides inalados (CI) resulta em melhor controle dos sintomas, podendo preservar a função pulmonar a longo prazo e, eventualmente, prevenir ou atenuar o remodelamento das vias aéreas (Tab. 42.3.3). Atualmente, para o uso de medicação, a via inalatória é a preferida, uma vez que proporciona efeitos terapêuticos com risco mínimo de paraefeitos. Algumas medicações, no entanto, como os antagonistas de leucotrienos, não são disponíveis por essa via. O uso de medicações sob a forma de spray com espaçadores tem sido preferido pela praticidade e pela sua comprovada eficácia. Utilizam-se espaçadores de pequeno volume (cerca de 200 mL) com máscara para lactentes e espaçadores de maior volume (500-700 mL) para crianças maiores, que inclu892

Tabela 42.3.2 NÍVEIS DE CONTROLE DO PACIENTE COM ASMA Parâmetro

Controlado

Parcialmente controlado (pelo menos 1 sintoma em qualquer semana)

Não controlado

Sintomas diurnos

Nenhum ou mínimo

2 ou mais por semana

3 ou mais parâmetros presentes em qualquer semana

Sintomas noturnos

Nenhum

Pelo menos 1

Necessidade de BD para alívio

Nenhuma semana

2 ou mais por

Limitação de atividades

Nenhuma

Presente em qualquer momento

Exacerbações

Nenhuma

1 ou mais por ano

VEF1 ou PFE

Normal ou próximo do normal

< 80% do previsto ou do melhor individual, se conhecido

ASMA

1 em qualquer semana

sive podem utilizar dispositivos sem máscara, se forem capazes de ocluir o bocal com os lábios. A partir da idade escolar, e mesmo um pouco antes, pode-se recomendar os dispositivos de pó seco, que possibilitam a inalação dos fármacos sem a necessidade de um espaçador. Os pacientes que, em uma consulta de revisão, encontram-se controlados com determinado patamar de tratamento, por um período de pelo menos três meses, são candidatos a descerem um degrau, tentando-se manter o controle com o mínimo de medicação de controle. Quando o controle é parcial, deve-se pesar os riscos e os benefícios de se subir um degrau, enquanto os casos não controlados indicam incremento da medicação. Embora ainda careçam de comprovação, as medidas ambientais, especialmente aquelas direcionadas ao controle da exposição a ácaros, como a limpeza frequente do domicílio, são recomendadas pela maioria dos especialistas. O tratamento com dessensibilização alérgica mostrou-se pouco efetivo na maioria dos ensaios, não devendo ser recomendado rotineiramente. 893

Quadro 42.3.3 TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO INICIAL BASEADO NA GRAVIDADE Alívio

Primeira escolha

Alternativa

Uso de corticoide oral (CO)

Intermitente

BD de curta duração

Sem necessidade de medicação de manutenção

Sem necessidade de medicação de manutenção

Sem necessidade de medicação de manutenção

Persistente leve

BD de curta duração

CI em dose baixa

Montelucaste, cromonas

Nas exacerbações graves

Persistente moderado

BD de curta duração

CI em dose moderada a alta ou CI em dose baixa a moderada, associado a LABA

CI em dose Nas baixa a exacerbações moderada graves associado a antileucotrieno ou teofilina

Persistente grave

BD de curta duração

CI em dose alta sozinho ou associado a LABA

CI dose alta associado a LABA, associados a antileucotrieno ou teofilina

ASMA

Gravidade

Cursos de CO a critério médico, na menor dose para se atingir o controle

LABA, β2-agonista de longa duração.

Tratamento da crise aguda. As exacerbações da asma (crise de asma) são episódios que apresentam um aumento progressivo da falta de ar, tosse, sibilância ou desconforto torácico. O tratamento deve ser baseado no quadro clínico e, quando possível, na avaliação objetiva da limitação ao fluxo aéreo, pela espirometria (medida do PFE), ou da saturação de oxigênio no sangue arterial, quando possível. Doses adequadas e repetidas de β2-agonistas de curta duração por via inalatória, a cada 10-30 minutos, na primeira hora, constituem a medida inicial de tratamento. O uso de spray com espaçadores mostrou-se tão eficiente quanto a nebulização e deve ser encorajado pela maior aceitação das crianças e pelo seu menor 894

ASMA

custo. Seu uso endovenoso pode ser uma alternativa na tentativa de evitar-se a evolução para insuficiência respiratória, sendo reservado para casos graves, que não respondem à terapêutica inalatória. O tratamento com a combinação de β2-agonistas de curta duração com anticolinérgico (brometo de ipratrópio) está relacionado a índices mais baixos de internações hospitalares e melhoria do PFE e VEF1 e está indicado na crise aguda grave. Os COs (1 mg de prednisolona/kg ou equivalente), introduzidos logo no início de uma crise moderada ou grave, ajudam a reverter a inflamação e a acelerar a recuperação. O uso de corticoide por via oral ou endovenosa tem efeito equivalente, reservando-se esse último para casos em que a via oral está comprometida ou contraindicada. Nas crises moderadas e graves, o oxigênio deve ser utilizado com o objetivo de manter a saturação de oxigênio no sangue arterial ≥ 95% em crianças. A aminofilina não tem indicação como tratamento inicial. Em pacientes muito graves, pode ser considerada como tratamento adjuvante. Os tratamentos não recomendados para crise de asma incluem sedativos, medicamentos mucolíticos, fisioterapia respiratória, hidratação com grandes volumes de líquidos, antibióticos e epinefrina/adrenalina. O emprego de exames complementares, como radiografia de tórax ou gasometria arterial, não adicionou benefício ao tratamento habitual, não estando indicado rotineiramente. O exame radiológico está indicado na suspeita de complicações, como pneumonia, atelectasia ou pneumotórax. Na Figura 42.3.1, é apresentado um algoritmo para o tratamento de crises de asma em crianças.

ASMA DE DIFÍCIL CONTROLE A asma de difícil controle (ADC) acomete menos de 5% dos asmáticos e é definida como a falta de controle da doença, quando são usadas as doses máximas recomendadas dos fármacos inalatórios prescritos. O diagnóstico de ADC só deve ser estabelecido após período variável de 3-6 meses de minuciosa avaliação clinicofuncional, sendo essencial descartar doenças concomitantes ou que simulam asma. O tratamento da ADC baseia-se em: certificar-se do diagnóstico correto; identificar, controlar e tratar os problemas que dificultam o controle da asma, como fatores desencadeantes (ambientais, medicamentos, tabagismo), comorbidades (doença do refluxo gastresofágico, rinossinusite, distúrbios psicossociais), má adesão ao tratamento e técnica inadequada de uso dos aerossóis; otimização do esquema de tratamento. Complicações. Falência respiratória, atelectasias, pneumotórax, pneumomediastino, infecção, secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIHAD), problemas cardiovasculares (arritmias, hipotensão, toxicidade miocárdica), paralisia motora flácida. 895

ASMA

Figura 40.3.1 Algoritmo de tratamento da crise de asma da criança no pronto-socorro. FR, frequência respiratória; FC, frequência cardíaca; PFE, pico de fluxo expiratório; SatO2, saturação de oxigênio no sangue arterial; UTI, unidade de terapia intensiva. Fonte: IV Diretrizes brasileiras para o manejo da asma (2006).

896

Prognóstico. O prognóstico é bom se tratada adequadamente (tanto a exacerbação aguda quanto o manejo intercrise). Daí a importância da educação e de um acompanhamento médico continuado.

REFERÊNCIAS Amantea SL, Vitola L, Camargos PAM. Asma brônquica. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 321-31. Global Initiative for Asthma (GINA) [homepage in the Internet]. [USA]: Author; 2009 [capturado em 2009 Sep 23]. Disponível em: www.ginasthma.com IV Diretrizes brasileiras para o manejo da asma 2006. J Bras Pneumol. 2006;32 (Suppl 7):S447-74. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. I Consenso Brasileiro de Educação em asma. J Pneumol. 1996,22 (Supl 1):1-24. Stein RT, Martinez FD. Asthma fenotypes in childhood: lessons from an epidemiological approach. Paediatr Respir Rev. 2004;5(2):155-61.

PNEUMONIA PNEUMONIA

42.4

FABIANA DA SILVA DURÃES MELISSA FERNANDA STEIGLEDER PAULO JOSÉ CAUDURO MAROSTICA

Definição. Pneumonia é uma inflamação do parênquima dos pulmões, causada por um agente microbiológico, mais comumente vírus, bactéria e fungo. Por razões práticas, a maioria dos especialistas define pneumonia como a associação de achados clínicos e evidência radiológica de infiltrado. Em países em desenvolvimento, o termo preferido é infecção do trato respiratório inferior, possivelmente pela dificuldade de obtenção da radiografia de tórax. Epidemiologia. A maioria das crianças tem 4-6 infecções respiratórias agudas (IRA) por ano. Dessas, apenas 2-3% evoluem para pneumonia. Entretanto, 80% dos óbitos por IRA são devidos à pneumonia. A incidência de pneumonia é 5-10 vezes mais elevada em países em desenvolvimento, sendo responsável por uma alta taxa de hospitalização e óbitos, sobretudo em crianças menores de 5 anos. No Brasil, tal patologia é responsável por 11% das mortes em crianças com idade inferior a 1 ano e por 13% na faixa etária entre 1-4 anos. São vários os fatores de risco para as IRA de uma maneira geral e para a pneumonia em particular. Os mais importantes são a desnutrição, a baixa idade 897

e as comorbidades, que, juntamente à gravidade da doença, podem concorrer para o desfecho letal. Infecções por vírus sincicial respiratório e influenzae ocorrem no final do outono e no inverno, e esses patógenos podem predispor lactentes e crianças jovens à pneumonia bacteriana adquirida na comunidade (PAC), especialmente se existirem outros fatores de risco. Etiologia. O Streptococcus pneumoniae é a causa mais comum de pneumonia bacteriana em crianças. A idade é um bom preditor do patógeno mais provável: os vírus são mais comumente encontrados como causa em lactentes e crianças jovens; em crianças mais velhas, S. pneumoniae, seguida por Mycoplasma e Chlamydia pneumoniae (chamadas de bactérias atípicas) é a causa bacteriana mais comum. Uma proporção significativa de casos de PAC (8-40%) representa uma infecção mista. Em 20-60% dos casos, o patógeno não é identificado. A Tabela 42.4.1 apresenta a etiologia das pneumonias de acordo com a faixa etária.

PNEUMONIA

Tabela 42.4.1 ETIOLOGIA DAS PNEUMONIAS SEGUNDO A FAIXA ETÁRIA Idade

Agente etiológico

< 2 meses

– – – –

S. aureus Enterobactérias Streptococcus dos grupos A e B Chlamydia trachomatis, Ureaplasma urealyticum, Mycoplasma hominis, citomegalovírus, Pneumocystis carinii , vírus respiratórios

2 meses-4 anos

– – – – –

S. pneumoniae H. influenzae tipo B* Vírus respiratórios S. Aureus Enterobactérias (raro)

> 5 anos

– S. pneumoniae – Mycoplasma pneumoniae – Chlamydia pneumoniae

* Com o advento da vacinação difundida contra o H. influenzae tipo B, houve uma acentuada diminuição desse agente.

898

Diagnóstico. O exame mais importante no diagnóstico da pneumonia é a radiografia de tórax nas projeções póstero-anterior e perfil, com a ressalva de que ele não é obrigatório nos casos de infecções respiratórias inferiores leves que podem ser manejadas ambulatorialmente. Os achados radiológicos não são indicadores precisos da etiologia, embora achados como consolidações homogêneas e derrames pleurais extensos sejam mais frequentes nas pneumonias bacterianas, enquanto os infiltrados intersticiais são mais comuns nos quadros virais e naqueles causados por agentes atípicos (Figs. 42.4.1 e 42.4.2). O controle radiológico deve ser realizado nas seguintes situações: atelectasias, a pneumonia redonda e na persistência de sintomas. A resolução radiológica depois de uma pneumonia pode durar até três meses.

Tabela 42.4.2 LIMITES SUPERIORES DA FREQUÊNCIA RESPIRATÓRIA CONFORME A FAIXA ETÁRIA Faixa etária

Frequência respiratória

< 2 meses 2-12 meses 1-5 anos

60 mpm 50 mpm 40 mpm

mpm, movimentos por minuto.

899

PNEUMONIA

Quadro clínico. Crianças com pneumonia podem se apresentar com febre, calafrios, dor torácica e abdominal e tosse produtiva, os quais sugerem pneumonia bacteriana típica. Um quadro clínico insidioso com cefaleia, prostração, tosse seca e febre baixa é mais associado à infecção causada por patógenos atípicos. Sibilância é mais frequentemente associada a infecções virais, Mycoplasma e Chlamydia, tornando a pneumonia bacteriana uma causa improvável nesse quadro. A taquipneia (Tab. 42.4.2) é um sinal útil para o diagnóstico de pneumonia em crianças, mais específico e mais reprodutível que os achados da ausculta pulmonar. Esse pode ser o único achado clínico, particularmente em lactentes. A presença de retração intercostal é um sinal de gravidade da doença, e seu achado é indicativo de internação, conforme norma da Organização Mundial da Saúde (OMS) para controle das IRA. Em crianças, é frequente o comprometimento brônquico com estertores finos, médios e grossos. À ausculta, o murmúrio vesicular poderá estar diminuído na condensação por pneumonia, como também nas grandes atelectasias e nos derrames pleurais. O frêmito toracovocal estará aumentado nos casos de consolidação, e diminuído nos derrames pleurais. À palpação e à percussão, é possível identificar macicez nas condensações e derrames extensos.

PNEUMONIA

Figura 42.4.1

Figura 42.4.2

Radiografia de tórax com consolidação alveolar no lobo superior direito, onde se observa imagem homogênea, com broncogramas aéreos. A hemocultura evidenciou Streptococcus pneumoniae.

Radiografia de tórax de escolar evidenciando broncopneumonia intersticial bilateral. PCR positiva para Mycoplasma pneumoniae. Boa evolução com o uso de macrolídeo.

Não há indicação de investigação microbiológica em crianças com PAC tratadas ambulatorialmente. Os reagentes de fase aguda (PCR e VSG) não distinguem entre infecção bacteriana e viral em crianças e não devem ser realizados rotineiramente. Para pacientes hospitalizados, o hemograma e a hemocultura devem ser sempre realizados. Embora o hemograma não diferencie claramente infecções virais de bacterianas, pode ser útil no caso de algumas etiologias específicas, como a eosinofilia nas infecções por Chlamydia trachomatis. A taxa de isolamento do germe na hemocultura é, em média, 10%. A sorologia para agentes como Mycoplasma e Chlamydia pneumoniae é pouco útil na prática clínica, pois estes somente são diagnósticos retrospectivamente, quando se pode documentar uma queda dos títulos na convalescença. Métodos como PCR (reação em cadeia pela polimerase) são muito sensíveis, mas podem estar positivos nas secreções nasofaríngeas de portadores não doentes. Aspirado nasofaríngeo deve ser realizado em todas as crianças menores de 18 meses para detecção de antígenos virais, usualmente com imunofluorescência indireta. Diagnóstico diferencial. Bronquiolite, asma, taquipneia de causa cardiogênica, doença pulmonar intersticial, pneumonite química, tuberculose, malformações congênitas, massas torácicas. Sinais de gravidade. Indicações de internação hospitalar em crianças: Q Q Q

Saturação de O2 < 92%, cianose; Taquipneia; Dificuldade respiratória;

900

Apneia intermitente, gemência; Recusa alimentar ou sinais de desidratação; Família sem condições apropriadas de fornecer tratamento domiciliar.

Tratamento. Lactentes e crianças com infecção do trato respiratório inferior (ITRI) leve a moderada podem ser submetidos a tratamento domiciliar. Nessa situação, a criança usualmente deve ser reexaminada dentro de 48 horas a partir do início do tratamento. Medidas gerais para pacientes internados incluem oxigênio para manter saturação acima de 92-94%, antitérmicos e hidratação endovenosa. Essa última, quando necessário, deve fornecer 80% da necessidade hídrica diária. O benefício da alimentação por sonda nasogástrica deve ser avaliado em relação ao seu potencial comprometimento respiratório, devido à obstrução de uma narina ou à piora do refluxo gastresofágico. Fisioterapia respiratória não tem benefício e não deve ser realizada em crianças com pneumonia. Alguns estudos têm demonstrado aumento da duração da febre com essa prática. Crianças jovens com sintomas leves de ITRI não devem ser tratadas com antibióticos. Amoxicilina é a primeira escolha de antibiótico via oral em crianças menores de 5 anos, por ser efetiva contra a maioria dos patógenos que causam PAC nesse grupo, bem tolerada e de baixo custo. As alternativas são: cefuroxima, eritromicina, claritromicina e azitromicina. A troca de amoxicilina por amoxicilina-clavulanato não é recomendada quando se está considerando a possibilidade de Streptococcus pneumoniae tolerante ou resistente à penicilina, pois o mecanismo de resistência desse agente não consiste na produção de β-lactamase, mas sim na redução da afinidade da proteína ligadora a β-lactâmicos. Uma alternativa, nessa situação, seria aumentar a dose da penicilina ou da amoxicilina. Em crianças maiores de 5 anos, o tratamento empírico de primeira escolha pode ser com macrolídeo, pois a pneumonia por Mycoplasma é mais prevalente nessa faixa etária, principalmente se os achados radiológicos forem sugestivos (infiltrado intersticial). Se dados clínicos, radiológicos (consolidações alveolares, derrame pleural extenso) e microbiológicos sugerirem que S. pneumoniae é o agente causador, amoxicilina, ampicilina ou penicilina podem ser utilizadas isoladamente. A dose de amoxicilina sugerida é de 30-50 mg/kg/dia e a de penicilina, de 100.000-200.000 UI/kg/dia. Caso haja dados epidemiológicos, microbiológicos ou clínicos de resistência, as doses podem ser dobradas. Antibióticos intravenosos poder ser utilizados no tratamento de pneumonia em crianças com dificuldade em absorver antibiótico via oral (p. ex., devido a vômitos) ou com presença de sinais e sintomas graves. Em pacientes com idade inferior a 5 anos e presença de pneumonia extensa, de evolução rápida e com comprometimento importante do estado geral, devese optar pela introdução de oxacilina devido à possibilidade de infecção por Staphylococcus aureus. A mudança de via parenteral para via oral deve ser realizada após o segundo dia de estabilização clínica. No paciente sem complicação, o uso do antibiótico 901

PNEUMONIA

Q Q Q

PNEUMONIA

Tabela 42.4.3 ESCOLHA DO TRATAMENTO ANTIBIÓTICO DA PAC DE ACORDO COM A IDADE E O QUADRO CLÍNICO Idade/clínica

Ambulatorial

Hospitalar

Recém-nascido



Ampicilina + Gentamicina

3 semanas-3 meses, infiltrado intersticial e não tóxico

Macrolídeo

Macrolídeo

4 meses-4 anos

Amoxicilina adicionar

Penicilina ou ampicilina, macrolídeo se não resposta

≥ 5 anos, infiltrado alveolar, efusão pleural, aparência tóxica

Macrolídeo, amoxicilina

Penicilina ou ampicilina, adicionar macrolídeo se não resposta

≥ 5 anos, infiltrado intersticial

Macrolídeo

Macrolídeo; considerar adicionar β-lactâmico se não resposta

não precisa ser prolongado, podendo ser suspenso entre 3 e 5 dias após o desaparecimento dos sintomas clínicos. Complicações e falha terapêutica. Se a criança permanece com febre ou clinicamente instável 48-96 horas após a admissão hospitalar por PAC, deve-se pesquisar complicações, sendo a mais frequente o derrame pleural. Os derrames parapneumônicos não complicados apresentam evolução clínica favorável com antibioticoterapia apropriada e serão reabsorvidos à medida que a pneumonia regredir. Nos casos de empiema, indica-se a drenagem do espaço pleural, algumas vezes acompanhada de lise das aderências por toracoscopia, quando presentes. Outras complicações da PAC são: atelectasia, abscesso pulmonar, pneumatocele, pneumonia necrosante, pneumotórax, fístula broncopleural, hemoptise, septicemia e bronquiectasia. Questões que ainda devem ser avaliadas são: se o diagnóstico de pneumonia está correto, se o curso clínico é mais prolongado que o habitual, se o tratamento instituído está adequado ou se a etiologia é por um patógeno atípico ou resistente ao tratamento. Prevenção. A prevenção da desnutrição, do baixo peso ao nascer e do desmame precoce, além da redução do tabagismo passivo, ocupam papel de destaque entre as medidas preventivas da pneumonia. 902

As vacinas têm papel inquestionável como medida de prevenção em saúde. A imunização básica deve ser realizada para todas as crianças e adolescentes. Além disso, a sociedade brasileira de pediatria recomenda para crianças saudáveis a vacinação contra o vírus influenzae e antipneumocócica. A vacina contra o Haemophilus influenza tipo B tem eficácia de 93-100% contra doenças invasivas. A vacina anti-influenza tem eficácia entre 45-80% e está indicada para crianças a partir dos 6 meses, reservando-se seu uso, até o momento, para pacientes portadores de doenças crônicas. A vacina pneumocócica polissacarídica, com 23 tipos de pneumococos, tem o seu uso limitado em crianças menores de 2 anos, e sua eficácia é definida contra infecções invasivas graves (meningite e bacteremia). A vacina polissacarídica conjugada com 7 sorotipos é imunogênica a partir dos 2 meses de vida, com eficácia de 97% contra doença invasiva, além de reduzir dos episódios de pneumonia. Essa vacina está indicada em crianças de 2 meses a 5 anos.

REFERÊNCIAS British Thoracic Society of Standards of Care Committee. BTS Guidelines for the Management of Community Acquired Pneumonia in Childhood. Thorax. 2002;57 Suppl 1:1-24.

Diretrizes brasileiras em pneumonias adquiridas na comunidade em pediatria - 2007. J Bras Pneumol. 2007;33 (Suppl 1):S31-S50. Renato TS, Paulo JCM. Community: acquired bacterial pneumonia. Kendig’s disorders of the respiratory tract in children. 7th ed. Philadelphia: Sauders Elsevier; 2006. p. 441-52.

42.5

FIBROSE CÍSTICA

FABIANA DA SILVA DURÃES MELISSA FERNANDA STEIGLEDER MATIAS EPIFANIO PAULO JOSÉ CAUDURO MAROSTICA

Definição. Fibrose cística (FC), ou mucoviscidose, é a doença genética autossômica recessiva mais comum na raça branca. É causada pela presença de mutações em um gene situado no braço longo do cromossomo 7, que codifica um polipeptídeo que funciona como um canal de cloro nas membranas dos órgãos epiteliais (regulador da condutância transmembrana da FC – RTFC). Mais de 1.500 mutações 903

FIBROSE CÍSTICA

Canani SF, John AB, Noal RB. Pneumonia. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2005. p. 301-19.

foram descritas no gene da FC, porém a mais frequente delas ocasiona a deleção do aminoácido fenilalanina na posição 508 (∆F508) da proteína RTFC. Essa doença caracteriza-se por defeito no transporte de eletrólitos através de membranas celulares epiteliais do organismo, resultando em secreções mucosas muito espessas e viscosas, que causam obstrução no nível de ductos e canalículos glandulares (Fig. 42.5.1). Epidemiologia. A incidência estimada de doentes é de 1:2.000 a 1:2.500 recémnascidos vivos, na população branca. Acomete também outras raças, mas com incidências inferiores. É mais rara em orientais.

FIBROSE CÍSTICA

Quadro clínico. O defeito básico acomete células de vários órgãos epiteliais (Tab. 42.5.1), e nem todos os indivíduos expressam comprometimento clínico semelhante. As manifestações clínicas podem ser muito variáveis e ocorrer precocemente ao nascer, em idades mais avançadas e até na vida adulta. O acometimento do trato respiratório associa-se a uma maior morbidade e é causa de morte em mais de 90% dos pacientes. O acometimento do aparelho respiratório é progressivo e de intensidade variável. Os pulmões são praticamente normais intraútero e nos primeiros meses. As bronquiectasias vão desenvolver-se a partir do segundo ano de vida. A manifestação respiratória mais comum é a tosse crônica persistente, que pode ocorrer desde as primeiras semanas de vida.

Figura 42.5.1 Fisiopatogenia da FC. 904

Idade

Manifestações

0-2 anos

Íleo meconial Icterícia neonatal prolongada Hiponatremia/anemia Déficit do ganho ponderoestatural Esteatorreia Prolapso retal Edema/hipoproteinemia Pneumonias/bronquite/bronquiolite Sangramentos

2-12 anos

Infecções respiratórias recorrentes e “asma” Baqueteamento digital Bronquiectasias Pólipos nasais e sinusite Obstrução intestinal crônica/intussuscepção Esteatorreia

13 anos ou mais

Azoospermia Sinusite crônica Bronquiectasias Pancreatite aguda ou crônica Aspergilose broncopulmonar alérgica Cirrose biliar focal Diabete melito Hipertensão porta Colestase/litíase biliar

FIBROSE CÍSTICA

Tabela 42.5.1 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA FC

Na FC, ocorre uma interação significativa entre processos inflamatórios e infecção sinopulmonar por um número relativamente restrito de germes. Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae não tipável e Pseudomonas aeruginosa são os patógenos mais frequentes. O complexo Burkholderia cepacia (inclui diferentes espécies do mesmo gênero) tem sido encontrado com maior frequência nos últimos anos, e algumas dessas espécies se associam à rápida deterioração pulmonar. As exacerbações caracterizam-se por redução de apetite, peso estacionário, dispneia mais acentuada, tosse mais produtiva e intensa, piora da ausculta, cianose mais evidente e queda da função pulmonar, enquanto a febre nem sempre está presente. 905

FIBROSE CÍSTICA

A radiografia de tórax apresenta apenas hiperinsulflação nos casos iniciais, acompanhada ou não de atelectasias, evoluindo com espessamento brônquico e, finalmente, bronquiectasias, que costumam ser mais evidentes nos lobos superiores. A doença pulmonar evolui na maioria dos casos para cor pulmonale. As complicações incluem hemoptises recorrentes, pneumotórax, impactações mucoides brônquicas, atelectasias, raramente empiemas, enfisema progressivo e osteopatia hipertrófica. As manifestações digestivas são, na sua maioria, secundárias à insuficiência pancreática (IP), que determina má digestão e má absorção. Causa também diarreia crônica com esteatorreia e, finalmente, desnutrição caloricoproteica. A IP está presente em cerca de 75% dos fibrocísticos ao nascimento, em 80-85% até o final do primeiro ano e em 90% na idade adulta. Os parâmetros de avaliação nutricional mais indicados para pacientes com FC são: peso, comprimento, perímetro cefálico, relação peso/estatura, índice de massa corporal, circunferência média do braço e pregas cutâneas. Esses parâmetros, avaliados de acordo com gráficos de crescimento padronizados para idade e sexo, são essenciais para um adequado acompanhamento nutricional. A primeira manifestação da IP na FC é o íleo meconial, que aparece em 1520% dos pacientes. A maioria dos diagnósticos de íleo meconial (90%) é secundária à FC. Existem múltiplos fatores inter-relacionados que afetam o estado nutricional dos pacientes com FC e, por conseguinte, deterioram a função pulmonar: o fenótipo, a IP, as ressecções intestinais secundárias ao íleo meconial, o refluxo gastresofágico, a inflamação crônica das vias aéreas, as infecções de repetição, o diabete, a perda de sais e ácidos biliares e os fatores psicológicos. O diabete melito é mais frequente na segunda década de vida, e essa prevalência aumenta com a idade. O crescimento e a função pulmonar declinam 1-3 anos antes do aparecimento dessa complicação. Demais manifestações clínicas estão representadas na Tabela 42.5.2. Diagnóstico Os critérios diagnósticos para FC encontram-se no Quadro 42.5.1. O teste do suor, que utiliza a iontoforese da pilocarpina para coletar o suor e a análise química do conteúdo de cloro, continua sendo a abordagem-padrão para o diagnóstico. Para que os resultados sejam confiáveis, devem ser coletados pelo menos 75 mg de suor durante um período de coleta não superior a 30 minutos. Uma dosagem de cloreto no suor superior a 40 mEq/L é sugestiva e, acima de 60 mEq/L em duas ocasiões, é diagnóstica. A maioria dos recém-nascidos com FC pode ser identificada por meio da determinação do tripsinogênio imunorreativo em amostras de sangue, juntamente a um teste confirmatório do suor ou do DNA. Um teste de triagem neonatal negativo não exclui o diagnóstico. A identificação de duas mutações conhecidas confirma o diagnóstico de FC, sendo decisiva naquele paciente que apresenta quadro clínico compatível e teste do suor não conclusivo. Tratamento. Devido ao seu caráter multissistêmico e crônico, o tratamento deve ser realizado em centros de referência com equipe multidisciplinar. É necessário 906

Tabela 42.5.2 DIAGNÓSTICO DE FC Presença de características clínicas típicas (respiratórias, gastrintestinais ou geniturinárias) OU História de FC em um irmão OU Teste de screening positivo em recém-nascido MAIS Duas concentrações elevadas de cloro obtidas em dias separados OU Identificação de duas mutações no gene da FC OU

estabelecer um programa de tratamento vigoroso e contínuo, visando à profilaxia das infecções e das complicações. Deve ser iniciado o mais precocemente possível e ser individualizado, levando-se em conta a gravidade e os órgãos acometidos. O tratamento precoce retarda a progressão das lesões pulmonares, melhora o prognóstico e aumenta a sobrevida. Medicamentos e procedimentos que podem ser necessários no tratamento da FC constam no Quadro 42.5.1. Os antibióticos formam a base da terapia e se destinam a controlar a progressão da infecção pulmonar. O tratamento antibiótico varia de intermitente a quase contínuo, com um ou mais antibióticos. Enquanto a indicação do tratamento de exacerbações pulmonares com antimicrobianos é uma unanimidade, a antibiotico-

Quadro 42.5.1 MEDICAMENTOS E PROCEDIMENTOS NECESSÁRIOS NO TRATAMENTO DA FC Antibioticoterapia Anti-inflamatórios Broncodilatadores Mucolíticos Fisioterapia respiratória Reposição de enzimas digestivas

Suporte nutricional Oxigenoterapia Suporte psicológico e social Transplante pulmonar Terapia gênica

907

FIBROSE CÍSTICA

Uma medida de diferença de potencial nasal anormal (pouco realizada no nosso meio)

FIBROSE CÍSTICA

terapia endovenosa programada eletiva em pacientes colonizados por Pseudomonas aeruginosa não é utilizada em todos os centros. O uso de antibióticos a partir da primeira identificação tem sido indicado na maioria dos serviços, tanto no tratamento de Staphylococcus aureus quanto no de Pseudomonas aeruginosa. A erradicação desse último germe, nessa fase, adia o surgimento da colonização crônica por cepas mucoides e pode ser realizada com o uso de quinolonas orais e antibióticos inalatórios. Essa conduta está associada a melhores desfechos do quadro pulmonar. Outro ponto fundamental no manejo dos pacientes com FC é a abordagem nutricional. Os principais objetivos da terapia nutricional são: diagnosticar precocemente e tratar os déficits nutricionais, prevenir a progressão da doença e manter nutrição e crescimento adequados. Em função da má absorção intestinal e do alto gasto calórico, a dieta deve ser hipercalórica, oferecendo 20-50% a mais do que o usual para aquela faixa etária. Como a maioria das crianças apresenta má absorção, secundária à IP, utiliza-se reposição de enzimas pancreáticas e complementação com preparados de vitaminas lipossolúveis. A dose usual de enzimas é de 500-2.000 UI/kg/tomada, antes de cada refeição, não ultrapassando a dose total diária de 10.000 UI/kg. Prognóstico. O prognóstico de FC relaciona-se à herança genética, à presença de IP, ao sexo, à idade de início e à gravidade das manifestações clínicas respiratórias. A sobrevida desses pacientes nas últimas décadas tem melhorado enormemente. Vários fatores têm contribuído para essa melhora da sobrevida e da qualidade de vida; entre eles, podemos citar: o manejo multidisciplinar em centros especializados, o aprimoramento das técnicas de clearence das vias aéreas, o uso judicioso, mas apropriado, de antibióticos, o diagnóstico precoce (teste do pezinho) e o manejo nutricional mais intenso. A sobrevida mediana dos pacientes em centros de países desenvolvidos está por volta dos 38 anos.

REFERÊNCIAS Boat TF. Fibrose cística. In: Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatria. Rio de Janeiro: Elsevier; 2005. p. 1531-44. Marostica PJC. Fibrose cística: aspectos gerais e conhecimento atual. In: Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Artmed; 2005. p. 302-7. Ribeiro JD, Ribeiro MAGO, Ribeiro AF. Controvérsias na fibrose cística: do pediatra ao especialista. J Pediatr (Rio J). 2002;78 (Suppl 2):S171-S186. Wallis C. Diagnosis of cystic fibrosis. In: Guedes DM, Hudson ME. Cystic fibrosis. 3th ed. [United States of America]: Heather Fyle; 2007. p. 99-108.

908

CAPÍTULO 43

PSIQUIATRIA 43.1

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

FELIPE ALMEIDA PICON

Definição. O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), segundo os critérios diagnósticos do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR), é um transtorno psiquiátrico caracterizado pela ocorrência persistente de sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade mais frequentes e graves dos que podem ser observados em crianças e adolescentes normais. Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID), o mesmo transtorno é classificado em Distúrbios da atividade e da atenção (CID F90) e apresenta critérios diagnósticos semelhantes (CID-10, 2002). O TDAH interfere em muitas áreas do desenvolvimento e do funcionamento normal e, se não tratado adequadamente, pode predispor a criança e o adolescente a outros transtornos psiquiátricos e a problemas sociais no decorrer da vida (Connor; Meltzer, 2006). Epidemiologia. Estudos em diversos países em todo o mundo mostram prevalências que vão de 1-20% entre crianças em idade escolar. Essas prevalências variam de acordo com a população estudada em cada estudo, com a idade dos sujeitos estudados, com os critérios diagnósticos utilizados (DSM-IV ou CID-10), com os subtipos de TDAH e com os instrumentos diagnósticos utilizados (entrevistas categóricas ou escalas de sintomas de TDAH). Contudo, recente metanálise desses estudos publicados com populações dos mais diversos países do mundo demonstrou prevalência de 5,29% em crianças e adolescentes (Polanczyk et al., 2007). Etiologia. O TDAH é frequentemente conceitualizado como um transtorno decorrente de uma hipoatividade catecolaminérgica com uma desregulação dopaminérgica e noradrenérgica do sistema nervoso central (SNC). Estudos de neuroimagem revelaram o envolvimento de diversas regiões cerebrais: córtex pré-frontal, estriado (núcleo caudado, putame) e cerebelo (envolvido na cognição assim como na coordenação e equilíbrio) (Polanczyk et al., 2007). Contudo, as causas do TDAH ainda seguem sendo intensamente estudadas. Aceita-se amplamente, porém, a influência de fatores genéticos e ambientais. Como ocorre na maioria dos transtornos psiquiátricos, a suscetibilidade ao transtorno decorre de

vários genes de pequeno efeito em conjunto com fatores ambientais. Vários estudos mostram uma influência genética forte com uma herdabilidade ultrapassando 0,70 (Connor; Meltzer, 2006; Rohde, 2002).

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

Quadro clínico. Há relatos de sintomas de TDAH em crianças tão jovens quanto 3 anos de idade, contudo, a hiperatividade, principalmente, deve sempre ser observada levando-se em consideração a etapa do desenvolvimento normal em que a criança se encontra. Atualmente, o TDAH vem sendo conceitualizado como um transtorno crônico que persiste para além da puberdade na maioria dos indivíduos. Estudos mostram que 30-70% das crianças com TDAH serão adultos com TDAH. As diversas faixas etárias apresentam quadros clínicos diversos (Tab. 43.1.1). Diagnóstico. O diagnóstico de TDAH, até o presente momento, é clínico. A criança ou o adolescente deve ser avaliado extensamente tanto para os sintomas de TDAH quanto para outros transtornos psiquiátricos, já que desatenção, hiperatividade e impulsividade são sintomas que podem estar presentes em outras condições psiquiátricas e médicas. Além disso, é muito importante o diagnóstico de possíveis transtornos psiquiátricos comórbidos. Idealmente, o paciente também deve ser avaliado do ponto de vista neurológico e psicológico, a fim de que sejam excluídas outras causas neurológicas e para que se tenha uma aferição do QI e, se possível, um perfil psicológico por meio de outros testes. Com a obtenção de informação de diversas fontes (pais, professores, babás e outras pessoas com bastante contato com a criança), consegue-se uma melhor descrição dos sintomas e, assim, um diagnóstico mais preciso. É de grande importância uma avaliação de como a criança se comporta nos diversos ambientes nos quais transita, a fim de se ter um panorama o mais completo possível sobre sua rotina, relacionamentos, habilidades e dificuldades (Quadro 43.1.1). Assim, o clínico que está recém conhecendo a criança, o que se configura como uma situação nova, pode ter dificuldade em presenciar os sintomas em uma primeira avaliação. Atualmente o diagnóstico de TDAH é feito com base nos critérios definidos no DSM-IV-TR, como segue no Quadro 43.1.2. O TDAH é dividido em três subtipos: Q Q Q

Subtipo predominantemente hiperativo/impulsivo Subtipo predominantemente desatento Subtipo combinado (apresenta características de ambos subtipos)

Diagnóstico diferencial. Na infância, pode ser difícil distinguir entre os sintomas do TDAH e comportamentos próprios da idade de crianças ativas normais (p. ex., correrias, barulho excessivo). O TDAH deve ser diferenciado do retardo mental, já que crianças com baixo QI podem se apresentar desatentas em uma aula com exigência acima de seu potencial. Crianças muito inteligentes, por sua vez, em aulas pouco estimulantes, também podem ficar desatentas. Os sintomas de oposição a algumas tarefas que exijam maior esforço mental devem ser diferenciados de um transtorno desafiador de oposição. A hiperatividade motora do TDAH deve ser diferenciada de um transtorno de movimento estereotipado. O 910

Etapa do desenvolvimento

Quadro clínico

Idade pré-escolar

Os sintomas de TDAH são dominados pela hiperatividade motora, falta de medo, dificuldade em seguir comandos dados pelos pais, crises de birra excessivas, brincadeiras vigorosas e frequentemente destrutivas e agressividade (mordidas, batidas).

Idade escolar

Os sintomas de TDAH incluem pobre organização com trabalhos escolares, erros por descuido em testes e provas, distratibilidade, interrupção impulsiva, dificuldade em seguir comportamentos dentro das regras (na sala de aula ou fila na escola) e agressividade. Habilidades sociais pobres podem começar a causar problemas, e baixa autoestima pode começar a desenvolver-se devido à experiência de inúmeros conflitos no dia a dia.

Adolescência

Os sintomas de TDAH de hiperatividade motora podem diminuir nessa faixa etária, porém uma sensação interna de inquietação persiste; trabalhos e tarefas escolares apresentam-se desorganizados; há inabilidade para terminar independentemente tarefas escolares e deveres de casa; relacionamento com outros adolescentes pode ser fraco ou pobre e ocorrem conflitos com figuras de autoridade. Nessa faixa etária, podem se desenvolver comportamentos de risco, como uso de álcool, tabaco e drogas, e outras situações em que a impulsividade prevalece sobre o controle.

TDAH não pode ser diagnosticado se os sintomas são melhor explicados por outro transtorno psiquiátrico (p. ex., transtorno bipolar, transtorno depressivo, transtorno de ansiedade, transtorno relacionado a uso de substâncias) ou se ocorrem exclusivamente durante o curso de um transtorno psicótico ou transtorno global do desenvolvimento (TGD), ou, ainda, se são decorrentes do uso de medicações (broncodilatadores, isoniazida, acatisia por neurolépticos) (DSM-IV-TR, 2002). Outra situação de atenção específica e que deve ser investigada é a de possíveis transtornos do sono estarem causando os sintomas de hiperatividade e desatenção. Tratamento. O manejo clínico do TDAH requer idealmente uma abordagem multimodal que combine intervenções psicoeducativas sobre o transtorno e suas 911

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

Tabela 43.1.1 DIFERENTES APRESENTAÇÕES CLÍNICAS

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

Quadro 43.1.1 APRESENTAÇÕES CLÍNICAS Situações nas quais os sintomas de TDAH podem não ser observados

Situações nas quais os sintomas de TDAH podem piorar

– Atividades bastante estruturadas/organizadas – Situações novas e desconhecidas – Atividades que capturem o interesse e a curiosidade – Situações em que a criança recebe atenção individual de um adulto (aula particular, terapia, etc.) – Situações com prêmios frequentes por bom comportamento social

– Situações pouco ou nada estruturadas/organizadas – Situações muito estimulantes – Situações com muitas pessoas, ambientes lotados – Ambientes muito barulhentos ou muito entediantes – Situações nas quais a criança não receba supervisão ou estrutura/ organização

repercussões, uma abordagem psicoterapêutica com a criança ou adolescente que abarque as repercussões emocionais do transtorno e uma abordagem psicofarmacológica (Tabs. 43.1.2, 43.1.3 e 43.1.4). Crianças que apresentem sintomas leves de TDAH e que tenham uma família suficientemente bem estruturada podem não utilizar medicação se tiverem acesso às outras modalidades. Os estimulantes (medicações de primeira escolha), contudo, são a intervenção disponível mais efetiva a curto prazo para os sintomas nucleares do TDAH (Connor; Meltzer, 2006). O tratamento farmacológico conta com o uso de estimulantes como a primeira linha (metilfenidato, comercialmente no Brasil: Ritalina®, Ritalina LA® e Concerta®), alguns antidepressivos como segunda linha (imipramina e bupropiona), além de outras medicações (clonidina e modafinil). Em outros países, encontramos formulações diferentes das disponíveis em nosso meio. Alguns exemplos são: metilfenidato em adesivo, compostos de outras anfetaminas e atomoxetina (outro antidepressivo), que podem tornar-se disponíveis no futuro. A decisão por medicar é baseada na presença do diagnóstico de TDAH e na persistência de sintomas-alvo que sejam suficientemente causadores de prejuízo em dois ou mais contextos (casa, escola, amigos, etc.). Em crianças com sintomatologia leve, consideramos primeiramente uma abordagem psicossocial e deixamos o uso de medicação como um segundo passo, no caso de não resolução ou melhora dos sintomas. Já em casos com sintomatologia moderada ou grave, iniciamos o uso de medicação em associação com as abordagens psicossociais descritas (ver Tab. 43.1.2). Antes do início da medicação, é importante termos uma medida de base dos sintomas, a fim de melhor avaliarmos o desempenho da medicação. Uma escala utilizada frequentemente, tanto clinicamente quanto em ambiente de pesquisa, é a SNAP-IV, que pode ser respondida por pais e professores (Mattos, 2006). 912

Quadro 43.1.2 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE A. Ou (1) ou (2)

(1) Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram pelo período mínimo de 6 meses, em grau mal adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento

Desatenção

(a) (b) (c) (d)

(e) (f)

(g) (h) (i) (2) Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade/ impulsividade persistiram pelo

Hiperatividade

(a) (b) (c)

Frequentemente não presta atenção a detalhes ou comete erros por omissão em atividades escolares, trabalho ou outras Com frequência tem dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas Com frequência parece não ouvir quando lhe dirigem a palavra Com frequência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais (não devido a comportamento de oposição ou incapacidade de compreender instruções) Com frequência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades Com frequência evita, demonstra ojeriza ou reluta em envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante (como tarefas escolares ou deveres de casa) Com frequência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (p. ex., brinquedos, tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais) É facilmente distraído por estímulos alheios à tarefa Com frequência apresenta esquecimento em atividades diárias Frequentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira Frequentemente abandona sua cadeira na sala de aula ou em outras situações nas quais se espera que permaneça sentado Frequentemente corre ou escala em demasia, em situações impróprias (em adolescentes e adultos pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação)

913

(Continua)

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

914

Quadro 43.1.2 (continuação) CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE período mínimo de 6 meses, em grau mal adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento

(d) (e) (f) Impulsividade

(g) (h) (i)

Com frequência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer Está frequentemente “a mil” ou muitas vezes age como se estivesse “a todo vapor” Frequentemente fala em demasia Frequentemente dá respostas precipitadas antes que as perguntas tenham sido completamente formuladas Com frequência tem dificuldade para aguardar a sua vez Frequentemente interrompe ou se intromete em assuntos alheios (p. ex., em conversas ou brincadeiras)

B. Alguns sintomas de hiperatividade/impulsividade ou desatenção causadores de comprometimento estavam presentes antes dos 7 anos de idade C. Algum comprometimento causado pelos sintomas está presente em dois ou mais contextos (p.ex., na escola [ou trabalho] e em casa) D. Deve haver claras evidências de um comprometimento clinicamente importante no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de um transtorno global do desenvolvimento, esquizofrenia ou outro transtorno psicótico, nem são melhor explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno do humor, transtorno de ansiedade, transtorno dissociativo ou transtorno de personalidade) Fonte: DSM-IV-TR (2002).

Tabela 43.1.2 ABORDAGENS PSICOSSOCIAIS Tipo de intervenção

Foco

Características

Detalhamento

Intervenções psicossociais

Família

Educação sobre TDAH Grupos de apoio

– Palestras educativas, panfletos, livros e outras fontes de informação – Grupos de pais, palestras educativas

Treinamento de manejo parental (Parent management training)

– Treinamento dos pais no uso de técnicas comportamentais para reduzir o estresse do ambiente familiar e sintomas de oposição da criança – Utilização de tabela de pontos para combinações comportamentais – Treinamento para comunicação mais efetiva com a escola e o paciente

Abordagens focando especificamente:

– Desempenho acadêmico – Comportamento em sala de aula – Relacionamento com os colegas

Modificações em sala de aula

– – – – – – – –

Escola

Colocar a criança em uma sala de aula o mais estruturada possível Colocar a criança na frente da professora Preferência por turma menores Assegurar uma rotina organizada e estável Assegurar regras e consequências claras em aula Prover um ritmo mais lento de novas tarefas Permitir provas e testes sem tempo limite Estabelecer tutores para realização de dever de casa

915

(Continua)

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

916

Tabela 43.1.2 (continuação) ABORDAGENS PSICOSSOCIAIS Tipo de intervenção

Foco

Características

Detalhamento – Permitir o uso de dispositivos eletrônicos que auxiliem a criança a se organizar (laptops, PDAs) – Estimular comunicação diária entre pais e professores sobre o comportamento na aula e os deveres de casa

Paciente

Psicoterapia

Fonte: Adaptada de Connor e Meltzer (2006).

– – – – – – –

Controle de impulsos Manejo da raiva Construção de habilidades sociais Avaliação e manejo de comorbidades (depressão, ansiedade, outras) Educação sobre TDAH Melhoria da autoestima Construção de habilidades para resolução de conflitos sociais

Etapa

Características

Escolhendo um estimulante

– Os estimulantes ainda permanecem como a primeira escolha no tratamento do TDAH. – No Brasil, ainda não encontramos disponíveis todas as apresentações de estimulantes, assim nos restringimos ao metilfenidato de liberação imediata (Ritalina®) e às duas apresentações de ação mais prolongada (Ritalina LA® e Concerta®). – Essas três apresentações têm, respectiva e aproximadamente, 4, 8 e 12 horas de duração de efeito.

Antes do início do tratamento

– Obter medidas de sintomas de TDAH enquanto a criança ainda estiver sem a medicação, usando, por exemplo, a escala SNAP-IV (ver referências) com pais, professores e outros cuidadores importantes. – Obter também relatos prévios ao tratamento relacionados aos efeitos colaterais mais comuns do uso de estimulantes para fins de comparação após o uso; o objetivo é verificar apenas os reais efeitos adversos do estimulante. – Obter peso e altura antes do uso e a posição na curva de crescimento. – Educar os pais e as crianças sobre como utilizar a medicação e sobre o que esperar em termos de benefício e de possíveis efeitos colaterais. – Determinar se a criança apresenta psicose, transtorno de tique ou qualquer outra contraindicação relativa ao uso de estimulante. – Determinar a existência ou não de história de doença ou sintomas cardíacos.

Titulação de doses

– Iniciar sempre com a menor dosagem possível. – Para metilfenidato de liberação imediata: iniciar com uma dosagem após o café da manhã no primeiro dia, depois uma dosagem após o café da manhã e outra após o almoço. É possível utilizar uma terceira dosagem, com aproximadamente 4 horas de intervalo entre as dosagens de liberação imediata (às 16h). Contudo. essa posologia demonstra-se muitas vezes complicada pela dificuldade de administração durante o turno da tarde na escola ou pela possibilidade de prolongar o período de vigília da criança à noite se a terceira dose for dada no final da tarde ou no início da noite. – Para metilfenidato de ação prolongada: utiliza-se uma dosagem após o café da manhã. – Titular doses semanalmente. (Continua)

917

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

Tabela 43.1.3 ESTIMULANTES NO TRATAMENTO DO TDAH

Tabela 43.1.3 (continuação) ESTIMULANTES NO TRATAMENTO DO TDAH – Verificar com os pais efeitos adversos semanalmente. – Titulações semanais: Baixa dosagem: 0,3 mg/kg/dose Média dosagem: 0,4-0,6 mg/kg/dose Alta dosagem: 0,9-1,2 mg/kg/dose – Determinar dosagem ótima baseando-se na maximização da eficácia e na minimização dos efeitos adversos.

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

Avaliação da resposta

– Comparar os escores verificados previamente ao uso com os escores obtidos após o uso com a mesma escala. – Obter avaliações completas de pais e professores para comparação com as avaliações prévias. – Realizar essas comparações semanalmente, enquanto a titulação de doses está sendo realizada. – Avaliar junto ao paciente e sua família a resposta da medicação e a necessidade de outra titulação ou outra intervenção. – Manter acompanhamento com, no mínimo, uma consulta por mês.

Fonte: Adaptada de Connor e Meltzer (2006).

Tabela 43.1.4 EFEITOS COLATERAIS AO USO DE ESTIMULANTES Efeito adverso

Manejo

Geral

– Avaliar em todas as consultas com os pais e pacientes a ocorrência ou remissão de efeitos colaterais. – Obter escores em escalas de efeitos colaterais do paciente. – Obter escores em escala de efeitos colaterais dos pais (Barkley, 2008). – Atentar para o horário de início de efeitos colaterais, já que aqueles que iniciam até duas horas depois da tomada da medicação, em geral, são realmente decorrentes do uso, porém aqueles que começam no final da tarde, em geral, são decorrentes de sintomas de TDAH que estão retornando com a chegada do horário de término do efeito do estimulante. – Em geral, a maioria dos efeitos colaterais que incidem no início do tratamento tende a diminuir em 1-2 semanas. (Continua)

918

Efeito adverso

Manejo

Diminuição de peso

– Manter registros das medidas de peso nas avaliações. – Diminuições de peso são esperadas no tratamento com estimulantes. – Não há evidências nos estudos de efeitos permanentes sobre o peso em tratamentos de longo prazo. – O apetite retorna ao término do efeito da medicação, em geral, à noite ou no final da tarde. – Um manejo possível é oferecer uma refeição com maior aporte calórico nesse horário, se houve diminuição importante de ingestão durante o resto do dia. – Não forçar a criança a comer. – O peso retornará ao nível prévio, quando o estimulante for suspenso. – Se o peso da criança diminuir abaixo do percetil 25 na curva de peso, considerar parada do estimulante durante os finais de semana ou durante as férias escolares. – Se não surtir o efeito desejado, considerar a troca de medicação para as outras classes (p. ex., antidepressivos).

Diminuição da estatura

– Alguns, mas não todos os estudos avaliando estatura e estimulantes, demonstraram pequenas diminuições na estatura. – O efeito parece pequeno, em torno de 0,8 cm por ano de tratamento. – Outros estudos não mostram interferência dos estimulantes na estatura final na idade adulta. – Outros estudos, ainda, sugerem que as diminuições no crescimento representam um atraso no crescimento devido ao próprio TDAH e não ao uso de estimulantes. – Um manejo possível é deixar o paciente sem medicação nos finais de semana e nas férias escolares, caso a diminuição da estatura seja muito significativa e os riscos de ficar com sintomas de TDAH sejam manejáveis.

Sintomas gastrintestinais

– Fornecer a medicação junto com as refeições pode ajudar nos sintomas de anorexia, náusea e dor abdominal. – Se essa abordagem não surtir efeito, considerar a troca de estimulante ou de classe.

Insônia

– É importante definir se as causas para insônia são realmente decorrentes do uso de estimulantes ou se são devidas a sintomas do TDAH ou mesmo se são devidas a transtorno do sono exclusivamente. Sabe-se que crianças com TDAH tem maiores dificuldades para dormir, mesmo sem uso de estimulantes. – Se for realmente um efeito adverso do uso de estimulantes, fornecer o estimulante mais cedo durante o dia, evitar formulações de ação prolongada e evitar doses no final da tarde ou início da noite.

(Continua)

919

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

Tabela 43.1.4 (continuação) EFEITOS COLATERAIS AO USO DE ESTIMULANTES

Tabela 43.1.4 (continuação) EFEITOS COLATERAIS AO USO DE ESTIMULANTES

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE

– Considerar a associação de outras medicações para auxiliar na indução do sono: clonidina, imipramina ou mirtazapina. Tonturas

– É importante aferir pulso e pressão arterial para descartar outras causas cardiovasculares para esse sintoma. – Um manejo possível pode ser diminuir a dosagem do estimulante de ação imediata ou trocar para uma formulação de ação prolongada, que tende a não apresentar picos de dosagem sérica e, assim, diminuem as tonturas.

Rebote

– Ocorre retorno dos sintomas de TDAH quando o efeito da medicação está diminuindo. – O rebote pode ser evitado com uma nova dosagem uma hora antes do término da ação do metilfenidato de ação imediata. Outra possibilidade é passar para uma apresentação de metilfenidato de ação mais prolongada, evitando as diminuições do nível de medicação em atividade. – Pode-se considerar a troca para outras classes que não tem efeito tão curto até em associação com metilfenidato.

Irritabilidade e labilidade emocional

– Determinar se são decorrentes do uso de estimulantes (ocorrem 1-2 horas após a tomada) ou se representam efeitos de rebote (quando já terminou ou efeito da medicação). – Um transtorno do humor deve ser considerado e avaliado caso esses sintomas sigam persistentes e graves. – Se forem decorrentes do estimulante, considerar a troca de classe de medicação (imipramina, bupropiona).

Tolerância ao estimulante

– Ainda não é clara a possibilidade de desenvolvimento de tolerância com uso crônico de estimulantes. – As pesquisas mostram que a falha em uma certa dosagem tende a ocorrer mais com o uso de dosagens altas e depois de seis meses de uso crônico. – É possível que algum outro evento estressor possa estar contribuindo para a piora dos sintomas e, então, não seja realmente uma ineficácia daquela dosagem de estimulante. Assim, devemos reavaliar o contexto geral da criança. – Se não há outros fatores, considerar aumento da dosagem ou a troca de classe de medicação (imipramina, bupropiona).

Tiques

– Tiques podem ser exacerbados com o uso de estimulantes. – Devemos discutir com a família se os possíveis benefícios do tratamento com estimulantes valem o risco da possibilidade do aparecimento de tiques. – Se os tiques aparecem e seguem sendo problemáticos, pode-se associar clonidina. – Outra possibilidade é a troca do estimulante para outra classe de medicação (imipramina, bupropiona, modafinil).

Fonte: Adaptada de Connore Meltzer (2006).

920

Prevenção. Apesar de não termos uma abordagem formal para a prevenção do TDAH, sabe-se que o uso de cigarros durante a gestação está significativamente associado a uma maior ocorrência de TDAH. Assim, o aconselhamento às gestantes para que não fumem durante sua gestação poderia estar contribuindo para a prevenção do TDAH, assim como para a prevenção de outras patologias causadas por essa exposição intrauterina.

REFERÊNCIAS Barkley R. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: exercícios clínicos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. Escala de avaliação dos efeitos colaterais. CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças. São Paulo: EdUSP; 2002. v. 3. Connor DF, Meltzer BM. Pediatric Psychopharmacology: fast facts. New York: W.W.Norton; 2006.

Mattos P. Apresentação de uma versão em português para uso no Brasil do instrumento MTA-SNAP-IV de avaliação de sintomas de transtorno do déficit de atenção/hiperatividade e sintomas de transtorno desafiador e de oposição. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul [periódico online]. 2006 [capturado 2009 Sept 22];28(3). Disponível em: 10.1590/S010181082006000300008. Polanczyk G, de Lima MS, Horta BL, Biederman J, Rohde LA. The worldwide prevalence of ADHD: a systematic review and metaregression analysis. Am J Psychiatry. 2007;164(6):942-948. Rohde LA. Princípios e práticas Em TDAH. Porto Alegre: Artmed; 2002.

43.2

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

FELIPE ALMEIDA PICON LUCIANO ISOLAN

TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR Definição. Transtorno depressivo maior (TDM) é um transtorno mental caracterizado por humor triste ou irritável, perda de interesse ou prazer, alterações do apetite e do sono, diminuição de energia, sentimento de desvalia e de culpa exagerada, dificuldade para pensar, se concentrar ou tomar decisões, pensamentos recorrentes de morte ou de suicídio, planos ou tentativas de suicídio. O quadro clínico em crianças pode diferir do que normalmente é visto em adultos. 921

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

DSM-IV-TR: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2002.

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

Epidemiologia. A incidência varia de acordo com a faixa etária. É raramente encontrado em pré-escolares, porém, em crianças em idade escolar, encontramos uma incidência de 1-2%, tanto em meninos quanto em meninas. Em adolescentes, as taxas podem chegar até 15%, sendo duas vezes mais frequente no sexo feminino. Há evidências de que a depressão está se tornando mais prevalente em crianças menores de 10 anos. Quadro clínico. O quadro clínico pode variar com a idade da criança. Crianças entre 3 e 4 anos podem apresentar comportamentos disruptivos (agressividade, crises de birra, hiperatividade, comportamento opositor e negativista), sintomas somáticos (cefaleias, dores abdominais), enurese, encoprese, isolamento social, dificuldades para dormir, para se alimentar e para se separar dos pais. Dos 5-8 anos podem apresentar tristeza, isolamento social, baixa autoestima, culpa excessiva, autoacusação, sintomas somáticos inexplicáveis, enurese e encoprese. Podem se tornar mais propensas a acidentes, a mentiras e a comportamentos opositores e agressivos. Dos 9-12 podem apresentar tristeza, queixas somáticas, dificuldade de concentração, problemas escolares, ansiedade de separação, isolamento social, apatia, anedonia, desesperança, irritabilidade e ideação suicida. Adolescentes tendem a apresentar mais comumente piora no desempenho escolar, irritabilidade, ansiedade e raiva. Outros sintomas são mais similares aos encontrados em adultos: mudanças no padrão de sono e de apetite, retraimento social, sintomas somáticos, anedonia, comportamento antissocial e abuso de substâncias. O risco de suicídio entre os adolescentes é alto (até 32% realizarão tentativa de suicídio e 2,5-7% conseguirão morrer). Diagnóstico. O diagnóstico de TDM é clínico. É necessário diferenciá-lo de períodos normais de tristeza e apatia por meio da ocorrência de prejuízo no funcionamento social e escolar e também de respostas normais ao luto de pessoas amadas. Pelos critérios diagnósticos do DSM-IV-TR (2002), ocorre quando há presença de pelo menos cinco dos seguintes sintomas do critério (A). São eles: (1) humor irritável ou deprimido, (2) acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia quase todos os dias, (3) perda ou ganho significativo de peso, (4) insônia ou hipersonia, (5) agitação ou retardo psicomotor, (6) fadiga ou perda da energia quase todos os dias, (7) sentimento de inutilidade ou culpa excessiva, (8) capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se ou indecisão e (9) pensamentos de morte recorrentes, ideação, plano ou tentativa de suicídio. Os sintomas não podem satisfazer critérios para um episódio misto (transtorno bipolar), devem causar sofrimento clinicamente significativo e não podem ser decorrentes de uso de substâncias e medicamentos ou decorrentes de luto normal. Diagnóstico diferencial. Diferenciar de um episódio depressivo causado por outra condição médica (p. ex., hipotireoidismo), induzido por substâncias (drogas, medicamentos) ou de um episódio depressivo dentro de um transtorno bipolar. Alguns sintomas (p. ex., dificuldade de concentração) podem estar presentes também em outros transtornos (p. ex., transtorno de déficit de atenção/hiperatividade – TDAH). 922

Tratamento. A depressão pode ser tratada com uso de psicofármacos, psicoterapia, terapia familiar ou uma combinação destes. Em casos leves a moderados, devese primeiro considerar tratamento não farmacológico (psicoterapia). Em seguida, inicia-se com um antidepressivo, conforme Tabela 43.2.1. Em casos crônicos e refratários, recomenda-se uma abordagem combinada incluindo psicoeducação, psicofarmacoterapia e intervenções psicossociais. Em crianças, encontramos uma alta resposta ao placebo (até 50%), o que pode tornar difícil detectar um efeito terapêutico do tratamento proposto. É comum utilizarem-se doses mais baixas de antidepressivos, considerando o peso corporal. Contudo, as crianças frequentemente possuem taxas altas de metabolismo, que podem levar a níveis subterapêuticos das medicações. Isso, por sua vez, pode dar a falsa impressão de que a criança não está respondendo ao fármaco escolhido e, assim, levar a uma troca precipitada de fármaco ou a uma avaliação negativa da eficácia do tratamento.

Definição. Transtorno bipolar é um transtorno mental caracterizado por oscilações do humor entre os polos depressivo e maníaco/eufórico. Alguns autores o consideram um transtorno em espectro, devido às inúmeras formas de apresentação em relação à gravidade, à intensidade e às características das alterações de humor. Epidemiologia. A incidência em adolescentes pode chegar a 1%. A ocorrência em crianças pequenas não é tão rara quanto se pensava antigamente, e a apresentação pode ser atípica e de difícil identificação. A idade média de início é 18 anos, contudo, pode haver início dos sintomas em idade pré-escolar. Quadro clínico. O diagnóstico pode ser de difícil reconhecimento até a adolescência. Geralmente o primeiro episódio é depressivo no sexo feminino, enquanto no masculino geralmente inicia com mania. Aproximadamente pode-se dizer que um terço apresenta-se primeiramente com depressão, outro terço com mania e outro com estado misto. Episódios maníacos podem não ser bem reconhecidos devido a sua apresentação atípica em relação à descrição do quadro em adultos. Caracterizam-se por curtos períodos de labilidade do humor com irritabilidade, impulsividade, imprudência, agressividade, automutilação e hipersexualidade. Pode ocorrer confusão com diagnóstico de esquizofrenia em casos graves de mania ou confusão com TDAH, transtorno desafiador de oposição, transtorno da conduta e transtorno da personalidade borderline. Diagnóstico. O diagnóstico é clínico e vem sendo intensamente estudado para as populações de crianças e adolescentes, já que os critérios oficialmente em uso ainda são para populações de adultos. Os critérios para um episódio maníaco, segundo o DSM-IV-TR (2002), são os seguintes: período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável com duração mínima de uma semana (ou qualquer duração, se uma hospitalização for necessária). Durante o episódio, três (ou mais) dos seguintes sintomas estão presentes significativa923

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

TRANSTORNO BIPOLAR

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

924

Tabela 43.2.1 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Transtorno

Escolha psicofarmacológica

Depressão

– ISRS são os fármacos de primeira escolha nessa faixa etária – Fluoxetina, sertralina e citalopram têm pelo menos um ensaio clínico randomizado que dá suporte ao seu uso nessa faixa etária – Fluoxetina segue ainda sendo a primeira escolha: tem aprovação do FDA e de mais estudos – Paroxetina ainda conta com pouco suporte na literatura, sendo deixada para casos de falha terapêutica com os anteriores – Efeito terapêutico pode levar de 2-4 semanas para iniciar – Crianças metabolizam mais rápido do que adultos, o que pode levar à necessidade de doses mais elevadas – Iniciar com doses baixas e ir aumentando, ao mesmo tempo em que se monitoram os efeitos adversos (ativação, agitação, sintomas gastrintestinais, cefaleia, ideação suicida)

Bipolar

– Carbonato de lítio tem aprovação pelo FDA a partir dos 12 anos de idade (observar nível sérico de 0,8-1,2 mEq/mL) – Ácido valproico, valproato ou divalproato e carbamazepina também são escolhas como estabilizadores do humor – Observar que todos os estabilizadores possuem efeitos colaterais potencialmente graves e exigem monitoramento constante – Também considera-se o uso de lamotrigina, oxcarbazepina e antipsicóticos atípicos (risperidona, olanzapina e outros)

Desafiador de oposição e da conduta

– – – – – –

Geralmente não respondem robustamente ao uso de psicofármacos O uso de psicofármacos geralmente tem como alvo os transtornos comórbidos Antipsicóticos atípicos diminuem hostilidade, impulsividade, hiperatividade e agressividade Antipsicóticos típicos também podem ser utilizados, porém atentar para a maior incidência de efeitos extrapiramidais Risperidona é o fármaco mais estudado em agressividade excessiva de crianças e adolescentes Carbonato de lítio é efetivo para explosões de raiva no transtorno da conduta, assim como outros estabilizadores do humor (Continua)

Tabela 43.2.1 (continuação) TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Transtorno

Escolha psicofarmacológica – Clonidina também é útil no controle da agressividade do transtorno da conduta

Ansiedade

– – – –

Os antidepressivos ISRS são os fármacos de escolha nos diversos transtornos de ansiedade Benzodiazepínicos são utilizados com tempo-limite em ansiedade para procedimentos médicos ou odontológicos Imipramina pode ser utilizada quando há comorbidade com TDAH, enurese ou insônia Iniciar com a menor dose possível; realizar ECG antes do início de imipramina

Obsessivocompulsivo

– O tratamento de escolha são os ISRS em doses mais altas do que para os outros transtornos – Atentar para o tempo de tratamento adequado, já que os efeitos terapêuticos podem demorar até mais de 12 semanas de uso em doses máximas (não considerar falha terapêutica do fármaco se não houve efeito em quatro semanas) – Fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e sertralina possuem pelo menos um ensaio clínico randomizado positivo – Clomipramina deve ser deixada para um segundo momento, se houver falha das opções anteriores – Realizar ECG antes do início de clomipramina

Enurese

– Imipramina e desmopressina têm sido os agentes mais utilizados – O tempo de início de ação é mais curto, e as doses de imipramina são menores do que as utilizadas para o tratamento da depressão

Encoprese

– Não há evidências consistentes para o uso de psicofármacos

925

ISRS, inibidores seletivos da recaptação de serotonina; FDA, Food and Drug Administration; TDAH, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade; ECG, eletrocardiograma. Fonte: Adaptada de Connor e Meltzer (2006).

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

mente: (1) autoestima inflada, grandiosidade, (2) redução da necessidade de sono, (3) loquacidade ou pressão por falar, (4) fuga de ideias, (5) distratibilidade, (6) aumento da atividade dirigida a objetivos, (7) envolvimento excessivo em atividades prazerosas. Há prejuízo social ou ocupacional (escolar), e os sintomas não são melhor explicados pelo uso de substâncias.

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

Diagnóstico diferencial. Diferenciar de um episódio maníaco/depressivo causado por outra condição médica (p. ex., hipotireoidismo, hipertireoidismo, síndrome de Cushing), induzido por substâncias (drogas, medicamentos), ou de TDAH. Tratamento. O tratamento psicofarmacológico é a principal modalidade terapêutica para transtorno bipolar de início precoce (crianças e adolescentes), entretanto, essa abordagem não deve ser utilizada sem considerar as demais. Faz-se de grande utilidade abordagens psicossocias: terapia individual, terapia de família, grupos de familiares e grupos psicoeducacionais. Recomenda-se que o tratamento multimodal seja prolongado e que as condições comórbidas (TDAH, ansiedade) sejam tratadas apenas após a estabilização do transtorno bipolar, já que estimulantes e antidepressivos podem piorar um quadro ainda instável. Salienta-se a importância da mudança de hábitos de vida: redução do estresse, hábitos regulares de sono, integração na escola e evitação de cafeína, álcool e drogas. Os guidelines recomendam iniciar o tratamento farmacológico com um estabilizador do humor (lítio, ácido valproico, carbamazepina) e associar algum antipsicótico atípico caso ocorra mania ou estado misto. Considerar o uso de eletroconvulsoterapia (ECT) apenas como última escolha.

TRANSTORNO DESAFIADOR DE OPOSIÇÃO Definição. O transtorno desafiador de oposição (TDO) caracteriza-se por um padrão recorrente de comportamento negativista (teimosia persistente, resistência a ordens, relutância em conciliar ou negociar), desafiador, desobediente e hostil para com figuras de autoridade. Epidemiologia. A prevalência do transtorno varia de acordo com a idade (mais novos > mais velhos) e com a população estudada (amostras clínicas > amostras comunitárias). A prevalência em amostras comunitárias fica em 2-16% e, em amostras clínicas psiquiátricas de crianças e adolescentes, até 50%. Famílias disfuncionais são um fator de risco importante para o desenvolvimento do transtorno. Quadro clínico e diagnóstico. Para se realizar o diagnóstico, há necessidade de um período de pelo menos seis meses no qual ocorra um padrão persistentemente negativista, desafiador, desobediente e hostil, e a ocorrência de pelo menos quatro dos seguintes comportamentos: descontrolar-se emocionalmente, discutir com adultos, desafiar ativamente e recusar-se a obedecer a solicitações ou regras dos adultos, deliberadamente agir com o intuito de aborrecer outras pessoas, responsabilizar outros por seus próprios erros ou mau comportamento, ser suscetível 926

ou facilmente aborrecido pelos outros, mostrar-se enraivecido e ressentido ou ser rancoroso ou vingativo. Esses comportamentos devem ocorrer com frequência maior do que a encontrada em crianças e adolescentes da mesma faixa etária e nível de desenvolvimento e deve acarretar comprometimento significativo do funcionamento social, acadêmico ou ocupacional. Não é possível o diagnóstico no curso de um transtorno psicótico ou do humor ou se houver critérios para transtorno da conduta. Comumente os pais são os maiores alvos desses comportamentos, porém estes também são vistos com professores e outras figuras de autoridade, no ambiente doméstico, escolar ou na comunidade. Encontra-se alta comorbidade com TDAH e transtorno bipolar.

Tratamento. O tratamento do transtorno desafiador de oposição deve ser multimodal, já que a resposta aos psicofármacos não é tão robusta como em outros transtornos, e as abordagens psicossociais, se realizadas individualmente, não abarcam a amplitude dos possíveis problemas decorrentes do transtorno. Entre as abordagens psicossociais, há treinamento de pais, terapia familiar, abordagens nas escolas, grupos psicoeducacionais e abordagens comunitárias. Em relação aos psicofármacos, pode-se utilizar antipsicóticos e estabilizadores do humor para diminuição da hostilidade e agressividade e outros fármacos para o tratamento das comorbidades.

TRANSTORNO DA CONDUTA Definição. O transtorno da conduta (TC) caracteriza-se por um padrão repetitivo e persistente de comportamentos no qual são violados os direitos individuais dos outros ou normas ou regras sociais importantes, e está altamente correlacionado com comportamentos agressivos. Epidemiologia. A prevalência difere de acordo com a população estudada, idade, gênero e local de procedência (urbano, rural). Na população geral, as taxas variam de 1,5-3,4% e, em amostras clínicas, de 30-50%. Ocorre mais em meninos do que em meninas. O TC resulta de uma complexa combinação entre fatores biológicos, familiares e sociais. Quadro clínico e diagnóstico. O diagnóstico é clínico, apresentando-se com história de um padrão repetitivo e persistente de comportamento que viola as regras sociais e direitos dos outros, com a presença de três ou mais dos seguintes compor927

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

Diagnóstico diferencial. É necessário diferenciar os comportamentos opositores dos disruptivos próprios do TDAH, que resultam de desatenção e impulsividade, de um prejuízo na compreensão da linguagem (p. ex., perda auditiva) e também de comportamentos opositores normais (que não atinjam níveis de prejuízo significativos) de acordo com a faixa etária e o nível de desenvolvimento da criança e do adolescente (p. ex., na adolescência o aparecimento de comportamentos opositores pode ser devido ao processo normal de individuação).

tamentos nos últimos 12 meses (pelo menos um deles nos últimos seis meses): provocações, ameaças e intimidações frequentes; lutas corporais frequentes; utilização de arma capaz de provocar graves lesões corporais; crueldade física com pessoas ou animais; roubo em confronto com a vítima; coação para atividade sexual; envolvimento deliberado em incêndios; destruição deliberada de patrimônio alheio; arrombamento de residência; prédio ou automóveis alheios; mentiras frequentes para obter bens ou favores; roubo de objetos; frequente permanência na rua à noite, contrariando proibições dos pais e iniciando antes dos 13 anos de idade; pelo menos duas fugas à noite da casa dos pais ou lar adotivo, e frequentes ausências escolares antes dos 13 anos de idade. Deve existir comprometimento clínico significativo do ponto de vista social, acadêmico ou ocupacional.

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

Diagnóstico diferencial. Há alguma sobreposição de comportamentos com o TDO, porém o TC apresenta-se com formas mais graves de violação das regras e agressividade. Deve-se distinguir de comportamentos devido à impulsividade e hiperatividade decorrentes do TDAH, de comportamentos decorrentes de um episódio de transtorno de humor ou de um transtorno de adaptação, ou mesmo da ocorrência episódica de um evento antissocial, que pode ocorrer em crianças e adolescentes sem que exista de fato o diagnóstico de transtorno da conduta. Tratamento. Assim como ocorre no TDO, a resposta às medicações não é tão robusta, e utilizam-se psicofármacos visando aos sintomas-alvo (hostilidade, agressividade, impulsividade) e/ou tratamento das comorbidades. É necessária intervenção multimodal com abordagens psicossociais na família (geralmente são famílias desestruturadas), na escola e na comunidade.

TRANSTORNOS DE ANSIEDADE Definição. Diferentemente de sintomas de ansiedade, os transtornos de ansiedade (TA) são síndromes que causam prejuízos significativos para a vida e podem ter um componente de herdabilidade familiar. A ansiedade por si só é uma resposta emocional humana normal, assim como o medo; contudo, nos transtornos de ansiedade, essas emoções estão em níveis muito elevados e ocorrem em situações que mais prejudicam do que beneficiam o indivíduo. Epidemiologia. Considerado o transtorno mais comum em crianças e adolescentes, acomete de 5-18% em amostras comunitárias, ficando entre 0,3 e 13% em pré-adolescentes e entre 0,6 e 7% em adolescentes. Em amostras não encaminhadas, os transtornos mais comuns são fobia específica, ansiedade generalizada (TAG) e ansiedade de separação (Tab. 43.2.2). Já em amostras encaminhadas para atendimento pediátrico, 8-15% podem apresentar algum transtorno de ansiedade. São mais comuns em meninas, com exceção do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), mais frequente em meninos. É comum comorbidade com depressão, mas também ocorre com TDAH e TC.

928

Tabela 43.2.2 TRANSTORNOS DE ANSIEDADE (TA)

929

Transtorno

Incidência

Quadro clínico

Tratamentos

Ansiedade de separação

2,4-5,4%; transtorno de ansiedade mais comum em crianças

– Ansiedade excessiva e medo de separação de casa ou dos cuidadores inapropriados para a etapa do desenvolvimento – Pode aparecer como recusa em ir à escola ou queixas somáticas, e podem ocorrer ataques de pânico

– A maioria dos casos leves são tratados com psicoterapia – Psicofarmacoterapia é reservada para casos mais graves e presença de complicações (depressão)

TOC

Até 3%

– Similar a quadro em adultos – Obsessões (ideias persistentes) e compulsões (comportamentos persistentes e repetitivos) gerando ansiedade

– Tratamento com terapia cognitivo-comportamental – Psicofarmacoterapia (Tab. 43.2.1)

TAG

2,7-4,6%

– Frequentemente inicia na infância ou na adolescência – Medo frequente, persistente e intenso, incongruente com a circunstância e com a etapa do desenvolvimento – Sintomas incluem recusa em ir à escola, queixas somáticas, fadiga, insônia e tensão muscular

– A maioria dos casos leves são tratados com psicoterapia – Psicofarmacoterapia é reservada para casos mais graves

Fobia social

0,6-4,7%

– Ansiedade intensa em situações de exposição nas quais o indivíduo pode passar vergonha (falar na sala de aula, comer em público) – Medo intenso de situações específicas ou de contato social

– A maioria dos casos leves são tratados com psicoterapia – Psicofarmacoterapia é reservada para casos mais graves (Continua)

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

930

Tabela 43.2.2 (continuação) TRANSTORNOS DE ANSIEDADE (TA) Transtorno

Incidência

Quadro clínico

Tratamentos

Pânico

2-3,3%

– Ataques de pânico inesperados e repetidos, com medo – Melhores respostas com intenso e desconforto, associado aos sintomas: combinação de psicoterapia e taquicardia, sensação de que algo horrível irá acontecer, psicofarmacoterapia tontura, sensação de falta de ar, tremores, medo de – Uso de ISRS e BZDs morrer, sensação de desrealização

TEPT

3-15%

– Desenvolve-se com a ocorrência de sintomas – Intervenção o mais breve possível característicos após a exposição a um evento após o trauma traumatizante extremo. Ocorrem sintomas de revivência – Abordagem multimodal: pais, do trauma (sonhos, flashbacks, reencenação), evitação escola, colegas, psicoterapia e (de pensamentos, locais) e hiperexcitabilidade psicofarmacoterapia (dificuldade para dormir, hipervigilância)

TOC, transtorno obsessivo-compulsivo; TAG, transtorno de ansiedade generalizada; TEPT, transtorno de estresse pós-traumático; ISRS, inibidores seletivos da recaptação de serotonina; BZDs, benzodiazepínicos. Fonte: Adaptada de Bezchilbnyk-Butler (2007).

ENURESE Definição. Caracteriza-se pela falta de controle da emissão de urina na cama ou na roupa em uma idade cronológica em que se espera que haja maturidade neurológica para tal, sem evidência de lesão orgânica das estruturas responsáveis. Admite-se como normal a aquisição da capacidade retentiva vesical no período de 18-36 meses, mas não se considera fora do padrão ocorrências ocasionais até os 5 anos de idade. Dois tipos de enurese foram descritos: um tipo “primário”, no qual o indivíduo jamais estabeleceu continência urinária, e um tipo “secundário”, no qual a perturbação se desenvolve após um período de continência urinária.

Quadro clínico e diagnóstico. Caracteriza-se pela presença repetida de emissão de urina na cama ou na roupa. O comportamento é clinicamente significativo, manifestado por uma frequência de duas vezes por semana, por um período mínimo de 3 meses consecutivos, ou pela presença de sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, acadêmico ou em outras áreas importantes da vida. A idade cronológica mínima para se fazer o diagnóstico é de 5 anos (ou nível de desenvolvimento equivalente). O comportamento não se deve exclusivamente ao efeito fisiológico direto de alguma substância ou de alguma condição médica geral. Deve-se especificar o subtipo da enurese em: exclusivamente noturna, exclusivamente diurna ou noturna e diurna. Diagnóstico diferencial. O diagnóstico não é feito na presença de bexiga neurogênica ou de uma condição médica geral que cause poliúria ou urgência urinária durante uma infecção aguda do trato urinário. Entretanto, um diagnóstico de enurese poderá ser compatível com essas condições se a incontinência urinária tiver estado regularmente presente antes do desenvolvimento da condição médica geral ou se persistir após a instituição do tratamento adequado. Tratamento. O tratamento poderá envolver tanto abordagens farmacológicas quanto comportamentais. Dentre as abordagens farmacológicas, a imipramina, um antidepressivo tricíclico, é amplamente utilizado. Vários estudos demonstram uma eficácia de 40-60%, embora a taxa de recaída, após a cessação da medicação, seja em torno de 50%. O mecanismo de ação da imipramina no tratamento da enurese é pouco conhecido. Devido à possibilidade de arritmias cardíacas com o uso de antidepressivos tricíclicos, um eletrocardiograma deve ser solicitado antes de se iniciar a medicação. As doses costumam ser mais baixas do que as utilizadas para o tratamento da depressão. Outra medicação utilizada é o antidiurético sintético acetato de desmopressina. Sua administração poderá ser intranasal ou oral. Esse medicamento funciona possivelmente reduzindo o volume urinário para abaixo daquele que deflagra a 931

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

Epidemiologia. A prevalência da enurese é de 5-10% nas crianças de 5 anos de idade, 3-5% nas de 10 anos e de quase 1% entre os indivíduos com idade acima dos 15 anos. A maioria das crianças com enurese torna-se continente na adolescência, mas, em aproximadamente 1% dos casos, o transtorno persiste até a idade adulta.

contração da bexiga. Estudos têm demonstrado eficácia em 10-65% dos casos, porém as taxas de recaída são altas, em torno de 80%, após a descontinuação da medicação. Mais recentemente, têm sido observados casos de hiponatremia e convulsões associadas ao uso da desmopressina intranasal. Dentre as medidas comportamentais, destacam-se o colchão com alarme, no qual um alarme é disparado quando a urina que molha o colchão fecha um circuito elétrico. Essa medida tem uma taxa de cura de 80%, e de recaídas de 30%. Outras medidas que podem ser utilizadas incluem a educação (esclarecimento aos pais sobre a prevalência da enurese e a alta taxa de cura espontânea), a desmitificação, a orientação para que os pais não punam os filhos pelos episódios de enurese, a redução da ingestão de líquidos à noite e o despertar noturno para ir ao banheiro.

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

ENCOPRESE Definição. Encoprese é um transtorno da excreção caracterizado pela repetida eliminação de fezes em locais inadequados (roupas, chão). Com maior frequência, trata-se de um ato involuntário, mas ocasionalmente pode ser intencional. Dois tipos de evolução foram descritos: um tipo “primário”, no qual o indivíduo jamais estabeleceu a continência fecal, e um tipo “secundário”, no qual a perturbação se desenvolveu após um período de continência fecal. Epidemiologia. Estima-se que aproximadamente 1% das crianças com 5 anos de idade tenham encoprese, sendo esta mais comum em meninos. Quadro clínico e diagnóstico. O diagnóstico é clínico e só pode ser feito após a criança ter atingido idade cronológica e mental (para aqueles com atraso do desenvolvimento) de 4 anos. O diagnóstico ocorre quando há repetida eliminação de fezes em locais inapropriados (roupas, chão) involuntária ou intencionalmente. O evento deve ocorrer pelo menos uma vez por mês pelo período mínimo de três meses, e não deve ser decorrente de efeitos fisiológicos de medicações (laxantes) ou de outra condição médica, exceto por meio de mecanismo envolvendo constipação. Diagnóstico diferencial. Quando há incontinência fecal relacionada a outras causas médicas (diarreia crônica, espinha bífida, estenose anal), o diagnóstico de encoprese não pode ser feito. Tratamento. No tratamento da encoprese, há poucas evidências relativas à utilização de psicofármacos. Caso a criança tenha reto e colón cheios, é provável que o seu reto seja insensível à distensão. Portanto, deve-se proceder a uma lavagem e à utilização de laxantes e emolientes, até que não seja possível palpar fecalomas e a criança esteja evacuando fezes de consistência normal. A utilização de medidas comportamentais tem sido utilizada. Deve-se instruir os pais a seguirem um pro932

Tabela 43.2.3 DOSAGENS DOS PSICOFÁRMACOS Psicofármaco

Dose inicial

Dose terapêutica

Fluoxetina

– Crianças e adolescentes: 5 mg

– 5-40 mg (ate 80 mg)

Sertralina

– Crianças: 25 mg – Adolescentes: 50 mg

– 50-200 mg

Imipramina

– Crianças: 10 mg – Adolescentes: 10-25 mg

– Até 250 mg – Uso em TDAH: 2-5 mg/kg/dia

Clomipramina

– Crianças: 10 mg – Adolescentes: 10-25 mg

– 3-5 mg/kg/dia

Bupropiona

– Crianças e adolescentes: 100 mg

– 3-6 mg/kg/dia

Risperidona

– Crianças e adolescentes: 0,25 mg bid, aumento gradual

– Crianças: 1-2 mg – Adolescentes: 2,5-4 mg

Haloperidol

– Crianças e adolescentes: 0,5 mg

– Crianças: 1-4 mg – Adolescentes: 2-10 mg

Clorpromazina

– Crianças e adolescentes: 0,5 mg/kg

– Crianças: 150-200 mg – Adolescentes: 225-375 mg

Tioridazina

– Crianças de 1-5 anos: 1 mg/kg/dia – Maiores de 5 anos: 75-150 mg/dia

– Crianças: 100-250 mg – Adolescentes: 225-325 mg

933

(Continua)

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

934

Tabela 43.2.3 (continuação) DOSAGENS DOS PSICOFÁRMACOS Psicofármaco

Dose inicial

Dose terapêutica

Carbamazepina

– Menores de 5 anos: 10-20 mg/kg/dia – Crianças de 6-12 anos: 100-200 mg/dia

– Máx: 35 mg/kg/dia – 200-600 mg/dia – Adolescentes: 300-1.200 mg/dia

Valproato

– Crianças: dose-teste 125 mg, depois 125 mg bid ou tid gradualmente – Adolescentes: dose-teste 250 mg, depois 250 mg bid ou tid gradualmente

– Crianças: 1.000-1.200 mg/dia – Adolescentes: 1.000-2.500 mg/dia em doses divididas

Lítio

– 150-300 mg como dose-teste, aumento gradual para minimizar efeitos colaterais

Abaixo de – 25 kg de peso: 600 mg/dia – 40-50 kg: 1200 mg/dia – de 25-39 kg: 900 mg/dia Acima de 50 kg: 1.500 mg/dia Dose final deve ser monitorada pelo nível sérico conforme abaixo: – Tratamento agudo: 0,8-1,2 mmol/L – Manutenção: 0,6-1,0 mmol/L

Clonazepam

– Crianças abaixo de 30 kg: 0,01-0,03 mg/kg em 2-3 doses/dia – Adolescentes e crianças acima de 30 kg: 0,5-1 mg/dia

– Adolescentes e crianças acima de 30 kg: máx: 3 mg/dia

TDAH, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Fonte: Adaptada de Bezchilbnyk-Butler (2007).

grama comportamental, no qual coerção, punição e críticas devem ser evitadas. Deve-se incentivar a criança a adquirir um padrão evacuatório normal. A experiência de ir ao banheiro deve ser destituída de qualquer tensão. Os pais não devem fazer nenhum comentário, caso não tenha ocorrido evacuação; em contraste, a criança deverá receber elogios caso a ida ao banheiro tenha sido bem sucedida. Em alguns casos, a psicoterapia individual é indicada.

REFERÊNCIAS Bezchilbnyk-Butler K. Clinical handbook of psychotropic drugs for children and adolescents. 2nd ed. Cambridge: Hogrefe & Huber Publishing; 2007. CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças. São Paulo: EdUSP; 2002. v. 3. Connor DF, Meltzer BM. Pediatric Psychopharmacology: fast facts. New York: W.W.Norton; 2006.

Martins A. Lewis’s child and adolescent psychiatry: a comprehensive textbook. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2007.

935

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS MAIS FREQUENTES

DSM-IV-TR: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2002.

CAPÍTULO 44

REUMATOLOGIA 44.1

DOR ARTICULAR NA INFÂNCIA

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA

SANDRA HELENA MACHADO GRAZIELE VIAPIANA ANGELA DAL ROSS

A dor articular é uma queixa frequente em consultórios pediátricos, causa de grande ansiedade por parte de familiares e, muitas vezes, de difícil caracterização por parte dos profissionais da saúde. Dessa forma, uma abordagem inicial abrangente torna-se essencial para o diagnóstico diferencial desse quadro. A investigação deve incluir, inicialmente, uma anamnese detalhada e um exame físico minucioso (Quadro 44.1.1) A evidência de sintomas constitucionais (anorexia, perda de peso, fadiga) associados ao quadro deve ser valorizada pelo pediatra em virtude de sua relação com quadros infecciosos, lúpus eritematoso sistêmico (LES) ou até mesmo neoplasias. Pacientes com febre reumática aguda, púrpura de Henoch-Schönlein (PHS) e artrite idiopática juvenil – forma sistêmica – podem apresentar rash associado. História recente de infecções deve ser questionada: infecções do trato geniturinário e gastrintestinal podem preceder quadro de artrite reativa, enquanto PHS ocorre tipicamente após infecção do trato respiratório superior. O caráter da dor é importante para a elucidação diagnóstica. Dores articulares traumáticas e mecânicas (como torção de menisco ou Legg-Calvé-Perthes), mais comumente de evolução aguda, tendem a apresentar piora ao longo do dia. Por outro lado, quadros secundários a processos inflamatórios caracterizam-se geralmente por dor e rigidez que melhoram com o uso da articulação. A dor do crescimento é mais comum no final do dia e à noite; tumores ósseos usualmente causam dor noturna. A presença de febre, persistente ou intermitente, deve remeter não apenas a processos infecciosos, mas também a doenças inflamatórias. A artrite idiopática juvenil está associada a picos febris diários. Os casos de artrite séptica e osteomielite tipicamente apresentam febre alta persistente, enquanto a febre presente no LES costuma ser baixa e intermitente. Quando caracterizada a presença de artrite, o número de articulações acometidas poderá direcionar a investigação diagnóstica. Monoartrites podem ser causa-

936

Quadro 44.1.1 AVALIAÇÃO INICIAL DA DOR ARTICULAR Anamnese

Exame físico

Localização e caráter da dor

Estado geral

Número de articulações envolvidas

Inspeção e palpação das articulações

História de trauma

Extensão do movimento articular

Presença de febre

Presença de sinais flogísticos

Tempo de evolução dos sintomas

Sinais ou sintomas extra-articulares (rash, hepatoesplenomegalia, linfadenomegalias)

das por artrite séptica, espondiloartropatias soronegativas ou artrite idiopática juvenil oligoarticular. Artrite simétrica afetando mais de uma articulação está associada a doenças inflamatórias, como LES, doenças do tecido conjuntivo ou artrite idiopática juvenil poliarticular. As chamadas “dores do crescimento”, cuja fisiopatologia permanece desconhecida, acometem principalmente crianças na faixa etária de 4-6 anos, podendo ocorrer até os 19 anos de idade. São caracterizadas por dor que ocorre no final do dia ou à noite, podendo interromper o sono da criança, e que tipicamente desaparece pela manhã. Um exame físico completo deve fazer parte da avaliação inicial do paciente, com ênfase na inspeção e palpação da articulação acometida. Sinais como edema, calor, eritema, dor e limitação à mobilização, fraqueza muscular e anormalidades ortopédicas são úteis na busca pela etiologia da dor. Exames complementares. Exames laboratoriais e de imagem podem confirmar uma suspeita clínica, entretanto isoladamente não apresentam a mesma significância (ver Tab. 44.1.1). Embora a etiologia da dor articular na infância continue a ser um desafio aos pediatras, uma avaliação inicial detalhada pode direcionar o processo investigativo e permitir ao profissional o diagnóstico e manejo de um amplo espectro de patologias. Casos que permanecem indefinidos devem ser encaminhados a um especialista.

937

DOR ARTICULAR NA INFÂNCIA

História familiar

Tabela 44.1.1 EXAMES COMPLEMENTARES Exame

Indicação/interpretação

Punção articular (glicose, proteínas, citológico diferencial, bacterioscópico e bacteriológico)

Monoartrite aguda Investigação artrite séptica

Hemograma completo, biópsia medular

Exclusão de leucemia, de outras neoplasias e de possíveis infecções

VSG/PCR

Marcadores inflamatórios

LDH

Valores elevados podem ser indicativos de neoplasia maligna

FAN/ANA- anticorpo antinuclear

Auxiliam no diagnóstico diferencial de artrite crônica

Fator reumatoide HLA – B27

DOR ARTICULAR NA INFÂNCIA

Exames radiológicos

Exclusão de fraturas e doenças malignas

REFERÊNCIAS American Family Physician. Kansas City: American Academy of General Practice. Vol. 74, No. 1, 2006. American Family Physician. Kansas City: American Academy of General Practice. Vol. 74, No. 2, 2006. Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatria. 17. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. Cassidy JT, Petty RE. Textbook pediatric rheumatology. 4th ed. Philadelphia: WB Saunders Company; 2001. Ferreira JP, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto alegre: Artmed; 2005. Oliveira SKF. Reumatologia para pediatras. Rio de Janeiro: Revinter; 2003.

938

44.2

ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

SANDRA HELENA MACHADO ANGELA DAL ROSS GRAZIELE VIAPIANA

Definição. A artrite idiopática juvenil (AIJ) – classificação proposta pelo Comitê de Pediatria da Liga Internacional contra o Reumatismo (ILAR) – engloba um grupo de patologias que têm em comum o envolvimento articular inflamatório (edema ou limitação e dor aos movimentos) em crianças menores de 16 anos e por um período mínimo de seis semanas, excluídos demais diagnósticos.

Etiologia. A origem dessa patologia permanece desconhecida. Por se tratar de uma doença autoimune, acredita-se na influência de fatores genéticos, além de uma possível relação com fatores infecciosos, trauma e estresse, que poderiam desencadear a cascata de eventos observada na AIJ. Classificação. Para tentar padronizar a nomenclatura e a classificação da doença, em 1997 a ILAR adotou o termo artrite idiopática juvenil, o qual inclui também a artrite psoriática, conforme descrito no Quadro 44.2.1. Manifestações clínicas Q Artrite sistêmica: – Responsável por 10-20% dos quadros de AIJ. – Mais frequente em meninos, entre 1 e 6 anos de idade, ocorrendo raramente na adolescência (doença de Still do adulto). – Presença de picos febris diários (> 38,5°, 1 ou 2 vezes ao dia) por mais de duas semanas. Nos períodos em que a criança está febril, apresenta quadro clínico importante que regride completamente quando a temperatura normaliza. Artralgia e mialgia podem acompanhar a febre nas fases iniciais da doença, quando a artrite pode ainda não estar presente. – Artrite geralmente em grandes articulações (joelhos, punhos e carpos, tornozelos e tarsos). Diferentemente dos subtipos poliarticular e oligoarticular, pode se manifestar precocemente em quadris; – Exantema reumatoide: erupção cutânea maculopapular de coloração róseosalmão, não pruriginosa, comportamento fugaz migratório e incidência frequente. 939

ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

Epidemiologia. A AIJ é mais comum em meninas (2:1), e sua incidência anual é de 2,6-10 para cada 100 mil habitantes. Apresenta distribuição bimodal com picos entre 1 e 4 anos e entre 8 e 10 anos. Sua prevalência varia de 16-150 para cada 100 mil habitantes, mas estima-se que seja maior, visto que, em muitos casos, é diagnosticada erroneamente como dor articular inespecífica ou dor do crescimento. A doença não apresenta predominância de raça. No Brasil, não existem estudos epidemiológicos.

Quadro 44.2.1 PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO DAS ARTRITES IDIOPÁTICAS JUVENIS Artrite sistêmica Poliartrite com fator reumatoide positivo Poliartrite com fator reumatoide negativo Oligoartrite persistente Oligoartrite estendida Artrite psoriática Outras artrites (não classificáveis em outra categoria ou classificáveis em mais de uma categoria)

ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

Fonte: Durban (1997).

– Envolvimento visceral: hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, pericardite, pleurite e serosites. – Associada à maior frequência de cistos sinoviais. – Em aproximadamente 30% dos pacientes, manifestações sistêmicas podem preceder a artrite (semanas ou até anos). – Laboratório: hemograma com leucocitose, trombocitose, anemia e neutrofilia. Velocidade de sedimentação glomerular (VSG) e proteína C reativa muito elevadas. Q Artrite oligoarticular: – Responde por 50% das AIJs. – Envolvimento de quatro ou menos articulações (edema, calor, dor e pouco eritema) nos primeiros seis meses. – Predomínio em meninas, pico de incidência entre 1 e 3 anos de idade. – Caracterizada por limitação ao movimento, principalmente após repouso prolongado (rigidez matinal), mantendo-se afebril ou com febrícula. – Envolvimento mais comum de joelhos, tornozelos e cotovelos; poupa quadris e ombros na maioria dos casos. – Oligoartrite persistente: acomete até quatro articulações por mais de seis meses (em 50% dos casos envolve apenas uma articulação) – é a mais comum. – Oligoartrite estendida: acomete 1-4 articulações durante os primeiros seis meses e, após, afeta mais articulações. Apresenta pior prognóstico, evoluindo em aproximadamente metade dos casos para artrite ativa ou limitações motoras na vida adulta. 940

941

ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

– Comprometimento extra-articular: uveíte (em 20% dos casos de oligoartrite persistente). Em fases tardias, podem ser diagnosticados catarata, glaucoma e ceratopatia em faixa. Maior incidência em meninas com FAN reagente. – Exames laboratoriais normais. – Nos casos de monoartrite com febre, está indicada punção articular para elucidação diagnóstica. Q Artrite poliarticular: – Responsável por aproximadamente 40% das AIJs. – Envolvimento de mais de quatro articulações de forma progressiva e geralmente simétrica. – Em muitos casos, a criança não refere dor, mas apresenta redução da atividade física ou edema articular, claudicação ou “movimentos de defesa”. – Fadiga, anorexia e perda de peso ocorrem na metade dos casos, mas febre é rara. – Em 5-10% dos casos está associada à presença de nódulos reumatoides firmes, móveis e indolores sobre as articulações. – Laboratório: FAN reagente em 40-50% dos casos, leucocitose e aumento de VSG e PCR. – Poliartrite com fator reumatoide negativo: ocorre na maior parte dos casos de poliartrite; é o subtipo mais heterogêneo. – Poliartrite com fator reumatoide positivo: para esse diagnóstico, faz-se necessária a positividade do fator reumatoide pela prova do látex em duas ocasiões, com intervalo mínimo de três meses. – Meninas maiores de 6 anos com positividade do fator reumatoide apresentam artrite de instalação mais rápida e com pior prognóstico, podendo apresentar limitação do movimento articular e atraso no crescimento. Nesses casos, o tratamento deve ser mais agressivo. Q Artrite com entesite: – Acomete na maioria meninos maiores de 8 anos de idade. – Oligoartrite assimétrica com entesite (inflamação das estruturas que se inserem no osso, como tendões, ligamentos, cápsula e fáscia), predominando em membros inferiores; tarsite (envolvimento do tarso, inflamação das bainhas sinoviais, bursas, tendões, enteses e articulações do pé) é um achado comum. – Pode afetar inicialmente as articulações dos quadris. – Forte associação com HLA B-27. – A principal manifestação extraocular é a iridociclite aguda (dor, hiperemia e fotofobia), com duração média de duas semanas e que responde a corticoide tópico. – Há relação com espondilite anquilosante. Q Artrite psoriática: – Mais frequente em meninas entre 7 e 10 anos de idade. – Oligoartrite assimétrica associada a diagnóstico clínico ou história familiar de psoríase, além de associação com alterações ungueais (aspecto de “dedal”) e dactilite (“dedo em salsicha”). – Fator reumatoide negativo.

ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

942

Tabela 44.2.1 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA AIJ Classe

Medicamentos

Benefícios

Efeitos colaterais

Observações

AINEs

Ibuprofeno: 10-15 mg/kg/dose, 3-4×/dia Piroxicam: 0,3 mg/kg/dose, 1×/dia Naproxeno: 5-7,5 mg/kg/dose, 2-3×/dia Diclofenaco: 1 mg/kg/dose, 2-3×/dia Indometacina: 0,5-1 mg/kg/dose, 3×/dia

– Diminuem a dor e a rigidez articular – Têm boa tolerância

– Cefaleia, alterações de humor e comportamento – Alterações hepáticas (pseudoporfiria) – Sintomas gastrintestinais (náuseas, diarreia e dor abdominal)

– Necessitam de várias doses diárias – Baixa concentração – Realizar exames periódicos (HMG, EQU, transaminases e provas de coagulação) – Administrar indometacina quando febre persistente

Corticoide intra-articular

Hexacetonida de triancinolona

Tratamento seguro e rápido na sinovite

– Atrofia subcutânea com despigmentação da pele – Múltiplas administrações podem produzir absorção sistêmica e seus efeitos colaterais

– Quando associado a AINEs na oligoartrite, auxilia na prevenção de comorbidades, como alterações de crescimento articular

Primeira linha

Corticosteroides Pulsoterapia: sistêmicos 30 mg/kg/dia (3 dias) dose máx: 1.000 mg

– Necessitam de altas doses – Déficit de crescimento – Prevenção da osteoporose via parenteral/pulsoterapia – Osteoporose com uso de vitamina D e na artrite sistêmica ou – Suscetibilidade a infecções cálcio poliarticular severa aumentada – Não administrar vacinas com – Via oral é usada enquanto organismos vivos atenuados aguarda resposta às drogas durante o tratamento modificadoras da doença (Continua)

Tabela 44.2.1 (continuação) TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DA AIJ Classe

Medicamentos

Benefícios

Efeitos colaterais

Observações

Metotrexato: 10-15 mg/m2/dose, 1×/semana

– Impacto positivo significativo – Seguro e eficaz – Boa tolerância, uso VO ou SC

– Náuseas e/ou vômitos – – Aumento das transaminases – Úlceras orais 3-6 meses – para produção de resposta clínica evidente

Sulfassalazina: 30-50 mg/kg/dia, divididos em 3-4 vezes

Empregada nos casos de artrite com entesite

– Náuseas, cefaleia e vertigens – Leucopenia, plaquetopenia e aumento das transaminases

Segunda linha Drogas modificadoras da doença

Ciclosporina: 2-5 mg/kg/dia, divididos em 2 doses diárias

Nefropatia, hiperplasia de gengiva, distúrbios gastrintestinais, aumento das transaminases, trombocitopenia

Hidroxicloroquina: 5-7 mg/kg/dia

Retinopatia, neuropatia

Agentes Etanercepte: biológicos 0,4 mg/kg, SC, inibidores da 2×/semana ação do FNT alfa

O etanercepte mostrou-se eficaz nos casos refratários ou intolerantes ao metotrexato

Efeitos colaterais em crianças ainda em estudo

943

EQU, exame qualitativo de urina; AINEs, anti-inflamatórios não esteroidais; FNT, fator de necrose tumoral.

ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

Uso de ácido fólico para as úlceras orais Monitorar sinais de supressão medular e função hepática

Os efeitos colaterais tendem a limitar seu uso

Efeitos registrados 3 semanas após o início do tratamento

Diagnóstico diferencial. O diagnóstico de AIJ deve ser firmado após a exclusão de outras causas de artrite, como artrite reativa pós-viral (influenza, rubéola, hepatite B, enterococo) e relacionada a traumatismo e sepse. Deve-se investigar também neoplasias (leucemia, neuroblastoma) e doenças autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico). Tratamento. O tratamento da AIJ é de suporte e visa a aliviar a dor, preservar a função da articulação (permitindo crescimento e desenvolvimento normais), prevenir deformidades e minimizar os efeitos extra-articulares da patologia (como o comprometimento ocular). Para isso, a abordagem deve ser multidisciplinar, visto que a fisioterapia ocupa papel de destaque na terapêutica, bem como a ortopedia, a oftalmologia e a psicologia. Mesmo diante de um arsenal terapêutico significativo, um terço dos pacientes manifestará doença crônica quando adulto e mais de 60% apresentará limitação às atividades diárias. Por esse motivo, não só a equipe médica, mas também a família e a própria criança devem estar cientes da cronicidade da doença e das maneiras de manejá-la de forma a reduzir os danos físicos, sociais e emocionais.

ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson, HB. Nelson: tratado de pediatria. 17. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. Cassidy JT, Petty RE. Textbook pediatric rheumatology. 4th ed. Philadelphia: WB Saunders Company; 2001. Ferreira, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artmed; 2005. Oliveira SKF. Reumatologia para pediatras. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. Rovelli A, Martini A. Juvenile idiopathic arthritis. Lancet. 2008;3(369):767–78. Wallace CA. Current management of juvenile idiopathic arthritis. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2006;20(2):279-300.

944

44.3

FEBRE REUMÁTICA

ANGELA DAL ROSS GRAZIELE VIAPIANA SANDRA HELENA MACHADO

Definição. Febre reumática (FR) é a manifestação tardia de infecção na orofaringe (eventualmente oligo ou assintomática) causada pelo estreptococo β-hemolítico do grupo A (pyogenes). Apenas 1-3% das infecções por cepa reumatogênica evoluem para FR. Epidemiologia. A FR é a enfermidade reumática mais frequente na criança brasileira, podendo gerar danos irreversíveis. Ocorre em indivíduos geneticamente predispostos (observar casos na família), na idade de 5-15 anos, sendo rara em < 3 anos. Está relacionada a uma resposta imune humoral nas manifestações da fase aguda e a uma resposta imune celular na fase de cardiopatia crônica.

história prévia de tonsilite 50% casos

Critérios de Jones Q Manifestações clínicas de FR surgem 2-3 semanas após faringotonsilite. Q O diagnóstico é clínico, porém deve-se ressaltar que nem todos têm sintomas articulares, ou febre, ou tonsilite. – Sinais maiores • Artrite – 75% • Cardite – 40-50% • Coreia – 25% • Eritema marginado – 1-5% • Nódulos subcutâneos – 2-10% – Sinais menores • Artralgia • Febre • ↑VSG • ↑ PCR • ↑ intervalo PR Q Associada a ↑ASLO (antiestreptolisina O) ou cultura para estreptococo na orofaringe. Q Alta probabilidade (se apoiados pela evidência de infecção estreptocócica): – 2 sinais maiores – 1 sinal maior + 2 sinais menores Quadro clínico Sinais maiores

Q

945

FEBRE REUMÁTICA

Diagnóstico Idade + predisposição genética + (5-15 anos) história familiar 30% casos

FEBRE REUMÁTICA

Tabela 44.3.1 CRITÉRIOS PARA DIAGNÓSTICO DE FEBRE REUMÁTICA E CARDITE REUMÁTICA SEGUNDO A OMS – 2002/3 (BASEADOS NOS CRITÉRIOS DE JONES) Primeiro episódio de febre reumática estreptocócica

Dois critérios maiores ou dois critérios menores e um maior + evidência de infecção

Episódio recorrente em paciente sem cardite estreptocócica reumática

Dois critérios maiores ou dois critérios menores e um maior + evidência de infecção

Episódio recorrente em paciente com cardite reumática

Duas manifestações menores + evidências de infecção estreptocócica recente ou evidências de infecção estreptocócica + escarlatina

Coreia reumática ou cardite de início insidioso

Não necessitam de evidências de infecção estreptocócica recente ou outro sinal maior

Lesão valvular crônica de cardite reumática (pacientes apresentando-se, na primeira vez, com estenose de mitral somente ou com doença da válvula mitral e da válvula aórtica)

Não necessitam de evidências de infecção estreptocócica recente ou outro sinal maior

– Artrite: ocorre poliartrite (total aproximado de seis articulações), migratória, assimétrica, envolvendo grandes articulações, com duração de 1-3 semanas. Há pouco edema ou eritema, mas dor significativa, com rápida resposta aos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e salicilatos (em 24 h reduzem a dor, em 48-72h, reduzem sinais inflamatórios). A entesopatia pode se associar à artrite mais duradoura (com pior resposta aos salicilatos). • Diagnóstico diferencial: artrite reativa pós-estreptocócica (ausência de outros sinais maiores, menor período de latência, maior duração da artrite, pior resposta aos AINEs), artrite idiopática juvenil (crônica, mais de seis semanas), púrpura de Henoch-Schönlein, lúpus eritematoso sistêmico (LES), hemoglobinopatias SS e SC, doença do soro, causas infecciosas e malignas (13% têm artrite). – Cardite: complicação mais grave, podendo ser notada por meio de sopro ou alterações no eletrocardiograma (ECG) ou ecocardiograma. Em geral, ocorre endocardite, sendo as válvulas mais acometidas a mitral (sopro holodiastólico) e a aórtica (sopro protodiastólico), determinando lesão de re946

De acordo com os critérios de Jones, o diagnóstico de FR requer comprovação de infecção por estreptococo por meio de cultural de orofaringe (Streptococcus pyogenes) ou ASLO com resultado elevado. Deve-se lembrar, contudo, que 50% dessas tonsilites são assintomáticas, e quando realizada a cultura (às vezes após os 7-21 dias de latência da FR), esta só é positiva em 20% dos casos (não podendo diferenciar ainda a situação de portador). 947

FEBRE REUMÁTICA

gurgitação. Determina sequela em 30% dos casos (estenose leva anos para aparecer). A fase aguda dura em torno de 1-3 meses. • Diagnóstico diferencial: endocardite bacteriana. – Coreia de Sydenham: também conhecida como dança de São Vito. Apresenta período de latência de 1-6 meses, podendo ser a única manifestação da doença. Podem estar associados sintomas comportamentais, como labilidade emocional, hiperatividade, desatenção, comportamento obsessivo compulsivo com movimentos rápidos, incoordenados, arrítmicos e involuntários. A coreia se acompanha de hipotonia muscular. Pode se iniciar em um hemicorpo e generalizar depois. É autolimitada e desaparece no sono. A duração varia de algumas semanas até seis meses em geral, podendo, em alguns casos, tornar-se crônica ou recorrer com infecções. Ocorrem movimentos na face, como caretas, disartria, disfagia e movimentos da língua. Nas extremidades, há movimentos incontrolados dos dedos dos pés e mãos, e movimentos amplos dos membros superiores e inferiores. A flexão do punho e a hiperextensão das metacarpofalangianas e interfalangianas é o “sinal da colher”. • Diagnóstico diferencial: LES, tiques (transtorno obsessivo-compulsivo [TOC]). – Nódulos subcutâneos: raros e associados apenas à cardite grave. São de número variável, consistência firme, indolores, com distribuição assimétrica, tamanho de 0,5-2 cm de diâmetro, com localização na superfície extensora das articulações, coluna, escápula e couro cabeludo. O aparecimento é tardio – após semanas; e duram de 1-2 semanas. – Eritema marginado: também associado à cardite; é raro. São máculas circulares, róseo-pálidas, com área central clara e margem serpiginosa. Expandem-se centrifugamente e não são pruriginosas. Podem seguir por meses, em geral no tronco e na porção proximal de membros superiores e inferiores, não ocorrendo na face. Q Sinais menores – Febre: alta no início da doença (38-39°C), contínua, associada a mal-estar, palidez, prostração. Ao longo dos dias, costuma reduzir e desaparece em 2-3 semanas espontaneamente. – Artralgia: não conta como critério menor se há artrite associada. Em geral, acompanha a febre, sendo a dor articular bem significativa, podendo ocasionar incapacidade funcional. – O aumento do intervalo PR no ECG (> 0,18 em crianças e > 0,2 em adultos) ocorre em 22-33% dos casos, mas é muito inespecífico, bem como o aumento do VSG e da PCR, que ocorrem em uma série de condições inflamatórias e infecciosas.

Apenas 80% apresentam ASLO elevada, que começa a subir na 1a semana após a infecção e alcança o pico em 3-4 semanas, normalizando em torno de três meses após, mas podendo persistir elevada por anos. Exames complementares Q Avaliação cardíaca: o ECG pode revelar aumento do intervalo PR, aumento do intervalo QT (presença de cardite) ou ainda buscar achados de miocardite, como alterações na repolarização, ou alertas para pericardite, como supra-

FEBRE REUMÁTICA

Tabela 44.3.2 TRATAMENTO DA FEBRE REUMÁTICA Erradicar o estreptococo

– Penicilina benzatina IM – dose única < 25 kg – 600. 000 UI > 25 kg – 1.200. 000 UI – Penicilina VO 10 dias – 50.000 UI/kg/dia, 6/6h – Eritromicina – 10 d – Cefalosporina – 10 d – Azitromicina – 5 d

Artrite

– Ácido acetilsalicílico 80 mg/kg/dia (máximo de 3 g/dia), em 4-5 tomadas, junto às refeições – Manter dose plena por 2 semanas e reduzir gradualmente (cuidar hepatite medicamentosa) – Repouso relativo (2-4 semanas), liberação gradual

Cardite

– Corticosteroides (nesse caso, AINEs podem se tornar desnecessários): prednisona, 2 mg/kg/dia (até 60 mg/dia), em 2-3 tomadas. Manter dose plena por 3 semanas, reduzir 20% a cada semana; após, em dose única pela manhã, suspendendo em 8-12 semanas quando provas de atividade inflamatória estiverem normalizando. Casos graves: metilprednisolona EV – Repouso absoluto se intensa, até controle da insuficiência cardíaca

Coreia

– Haloperidol 1 mg (com aumento de 0,5 mg a cada 3 dias – máx. de 6 mg) até a remissão ou ácido valproico, 20-30 mg/kg/dia – As doses podem ser reduzidas após 3 semanas sem sintomas – Discute-se ainda que o uso de corticoides também possa abreviar o curso da coreia, mas há controvérsias – Repouso absoluto se intensa

948

desnível de ST. Raio X de tórax e ecocardiograma com Doppler também são úteis. Q Avaliação da atividade inflamatória: recomenda-se acompanhamento evolutivo dos marcadores, incluindo α1-glicoproteína. Tratamento. Existem dois focos de tratamento: o primeiro consiste em erradicar o estreptococo, e o segundo baseia-se em tratar as manifestações clínicas da doença (ver Tab. 44.3.2). Profilaxia Primária: tratamento adequado das tonsilites estreptocócicas. A faringite estreptocócica apresenta-se geralmente com febre, dor de garganta e linfonodos cervicais anteriores aumentados e dolorosos. Quando há sintomas de tosse, rouquidão e coriza associados, há maior chance do processo ser uma infecção de vias aéreas superiores de etiologia viral, e, portanto, o uso de antibióticos deve ser poupado. O tratamento de escolha é feito com penicilina benzatina em dose única intramuscular (< 25 kg: 600.000 UI; > 25 kg: 1.200.000 UI), tratamento que tem a melhor adesão nos serviços de saúde. Reações alérgicas são raras e raramente graves. Se há alergia à penicilina, deve-se tratar o indivíduo com eritromicina. Q Secundária: impede nova estreptococcia no indivíduo que já apresentou FR. Pode-se utilizar penicilina benzatina IM a cada três semanas nas mesmas doses orientadas acima, ou ainda optar por penicilina VO, 250.000 UI, de 12/12h, todos os dias. Nos casos de alergia à penicilina, pode ser prescrita a sulfadiazina em dose única diária (< 25 kg: 500 mg; >25 kg: 1.000 mg). Quando o indivíduo não apresentou cardite no curso da FR, a profilaxia deve ser mantida até os 18 anos de idade, mantendo, no mínimo, cinco anos de profilaxia. Quando a cardite se associou ao quadro, a profilaxia deveria ser mantida por toda a vida, mas, na prática, é realizada até os 35-45 anos de vida, pois, daí em diante, o risco de outras doenças cardiovasculares é bem maior que o risco de FR.

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatria. 17. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. Cassidy JT, Petty RE. Textbook pediatric rheumatology. 4. ed. Philadelphia: WB Saunders Company; 2001. Oliveira SKF. Reumatologia para pediatras. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. World Health Organization. Rheumatic fever and rheumatic heart disease: report of a WHO expert consultation [homepage in the Internet]. Geneva; 29 Oct to Nov, 2001 [capturado em 2009 Sept. 10]. WHO Tech Rep Ser; 923. Disponível em: www.who.int/ cardiovascular_diseases/resources/trs923/en/

949

FEBRE REUMÁTICA

Q

44.4

VASCULITES COMUNS NA INFÂNCIA

ANGELA DAL ROSS GRAZIELE VIAPIANA SANDRA HELENA MACHADO

PÚRPURA DE HENOCH-SCHÖNLEIN Definição. A púrpura de Henoch-Schönlein (PHS) – também conhecida como púrpura anafilactoide ou púrpura alérgica – é o tipo mais comum de vasculite no universo pediátrico e envolve vasos sanguíneos de pequeno calibre (arteríolas, vênulas e capilares) com deposição de imunocomplexos com IgA e caráter autolimitado (geralmente duas semanas). Epidemiologia. Ocorre entre 5 e 15 anos de idade, sendo mais comum entre 4 e 8 anos. Apresenta predomínio discreto em meninos.

VASCULITES COMUNS NA INFÂNCIA

Etiologia. A origem dessa patologia permanece desconhecida, mas há indícios da relação com infecções de vias aéreas superiores (Streptococcus β-hemolíticos, Mycoplasma) e alérgenos. Quadro clínico Q Geralmente precedida por infecção de vias aéreas superiores. Q A lesão típica é a púrpura palpável (não plaquetopênica) principalmente em nádegas, pernas, tornozelos e braços (Fig. 44.4.1). Inicialmente o exantema pode ser urticariforme, evoluindo, em algumas horas, para exantema maculopapular elevado.

Figura 44.4.1 Lesões de púrpura palpável, características da PHS. 950

Q

Há envolvimento de poucas articulações (principalmente joelhos e tornozelos), com dor, edema articular e limitação dos movimentos. Apresenta duração de alguns dias, sem sequelas. Q Sintomas gastrintestinais, como dor abdominal em cólica (presente em 50% dos casos), vômitos, hematêmese e melena, podem preceder as demais manifestações clínicas em até uma semana. Q Há envolvimento renal na forma de hematúria, proteinúria, síndromes nefrítica ou nefrótica, IRA ou hipertensão arterial sistêmica (HAS). Diagnóstico. Para definição diagnóstica, faz-se necessária a presença de dois dos critérios a seguir, propostos pelo Colégio Americano de Reumatologia (1990): Q Q Q Q

Púrpura palpável; Idade menor que 20 anos; Dor abdominal difusa; Biópsia de pele revelando vasculite com depósitos de IgA e C3 (realizada se houver dúvida diagnóstica ou comprometimento renal significativo).

Q Q Q Q Q Q Q

Hemograma com leucocitose discreta a moderada; Plaquetas e provas de coagulação normais; Proteína C reativa e velocidade de sedimentação globular (VSG) discretamente aumentadas (esta última em um terço dos casos); Componentes do complemento sem alteração; Fator de Von Willebrand aumentado (marcador de lesão endotelial); Tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) pode estar discretamente elevado; Biópsia de pele (realizada por punção): vasculite leucocitoclástica; imunofluorescência, se realizada nas primeiras 24-48 horas de doença, pode revelar depósitos de IgA na parede dos vasos.

Diagnóstico diferencial. Entre as patologias a serem investigadas diante desse quadro clínico, encontram-se: púrpura trombocitopênica autoimune, glomerulonefrite estreptocócica, sepse, síndrome hemolítico-urêmica, lúpus eritematoso sistêmico e febre reumática. Também devem ser excluídas causas de abdome agudo. Tratamento. O tratamento é essencialmente de suporte, com repouso, hidratação e controle da dor (evitar o uso de ácido acetilsalicílico [AAS] pela ação antiplaquetária). O uso de corticoides fica restrito aos casos de dor abdominal severa e hemorragia gastrintestinal.O uso de corticosteroides na doença renal e do sistema nervoso central é controverso; estaria indicado nas manifestações graves. Prognóstico. Por se tratar de uma doença autolimitada com curso de, em média, quatro semanas, há recuperação completa na grande maioria dos casos. A 951

VASCULITES COMUNS NA INFÂNCIA

Os achados laboratoriais encontrados na PHS são os seguintes:

recorrência acontece em 10-20% dos casos em um período de 4-6 semanas após o quadro inicial. A morbidade e a mortalidade estão intimamente relacionadas ao envolvimento renal e gastrintestinal quando este ocorre de forma grave.

DOENÇA DE KAWASAKI Definição. A doença de Kawasaki – também conhecida como síndrome mucocutânea ganglionar – é a segunda vasculite mais frequente em crianças e envolve artérias de pequeno e médio calibres. Apresenta caráter autolimitado e ganha destaque pelo envolvimento de artérias coronárias e pelo risco de aneurisma desses vasos. Epidemiologia. Essa patologia acomete geralmente lactentes e pré-escolares, sendo que aproximadamente 80% dos pacientes têm menos de 5 anos de idade. Há discreto predomínio em meninos.

VASCULITES COMUNS NA INFÂNCIA

Etiologia. Apesar de não haver evidências concretas, a presença de surtos epidêmicos em diversos países corrobora a hipótese de haver relação dessa patologia com exposição a microrganismo ou toxina ainda não identificados. Quadro clínico. O diagnóstico da doença de Kawasaki baseia-se na presença de cinco dos seis critérios clínicos a seguir: Q Q Q Q Q Q

Febre sem foco definido com duração maior que 5 dias (geralmente elevada e em dois picos diários); Hiperemia conjuntival bilateral sem exsudato (comum no início do quadro, podendo se prolongar por até um mês); Alterações de mucosa oral (eritema difuso de orofaringe; lábios fissurados, secos e sangrantes, “língua em framboesa”); Adenomegalia uni ou bilateral maior que 1,5 cm (critério diagnóstico de menor frequência); Exantema polimorfo (sem prurido, vesículas, bolhas ou crostas); Alterações de extremidades como hiperemia de palmas e plantas, edema duro de mãos e pés (doloroso, limitando mobilização) e descamação da pele dos dedos. A doença evolui em três fases:

Q

Fase aguda: febril, com duração de 10 dias, geralmente com presença de critérios suficientes para o diagnóstico. Q Fase subaguda: período de aproximadamente 3-4 semanas, quando a febre, o exantema e a linfadenopatia desaparecem, restando a descamação dos dedos. É nessa fase em que são detectados os aneurismas coronarianos e a trombocitose. 952

Q

Fase de convalescença: prolonga-se por meses e caracteriza-se pela normalização dos marcadores inflamatórios, mas podem permanecer sequelas de manifestações clínicas iniciais.

Cerca de 30% dos pacientes apresentam envolvimento articular que se caracteriza, na fase aguda, por artrite poliarticular de pequenas e grandes articulações. Já na fase subaguda, manifesta-se por artrite oligoarticular, afetando principalmente os membros inferiores. Os achados não cronificam. Deve-se estar atento ao quadro de doença de Kawasaki atípica, quando há envolvimento cardíaco sem a presença dos cinco critérios diagnósticos. Ocorre principalmente em crianças menores de 2 anos de idade (de forma mais frequente em menores de 6 meses), com grau de morbidade e mortalidade maior (risco de formação de aneurismas em 50% dos casos). Desse modo, assume vital importância a investigação (inclusive cardiológica) de lactentes com febre prolongada (mais de cinco dias de duração) de origem desconhecida, principalmente se houver posterior descamação dos dedos.

Q Q Q Q Q Q

Hemograma com leucocitose e desvio à esquerda na fase aguda (pode ocorrer também anemia); Trombocitose presente na fase subaguda; Provas inflamatórias aumentadas; Piúria estéril; Líquido cerebrospinal revelando meningite asséptica; Eletrocardiograma e ecocardiograma: essenciais na investigação de áreas isquêmicas e presença de aneurismas (o ecocardiograma deve ser realizado no momento do diagnóstico e 3-8 semanas após o início do quadro).

Tratamento. O tratamento na fase aguda visa à redução do processo inflamatório nos vasos e à anticoagulação. As drogas de escolha são o AAS e a gamaglobulina. Q

Ácido acetilsalicílico: esse medicamento é eficaz na fase aguda em dose anti-inflamatória (80-100 mg/kg/dia, divididos em 4 doses) e na fase subaguda (3-5 mg/kg/dia, 1 vez ao dia) em dose antiplaquetária (iniciar quando cessar a febre). Não reduz a incidência de aneurisma, mas diminui o risco de infarto do miocárdio por trombose. Nos casos que cursaram com aneurisma, o AAS em doses baixas deve ser mantido, no mínimo, por 2 anos ou enquanto persistir a doença coronariana. Q Gamaglobulina venosa: sua eficácia na prevenção de aneurismas de coronárias está diretamente associada ao uso precoce, preferencialmente nos primeiros nove dias de evolução da doença. Mesmo assim, em virtude de sua atuação também na redução da dilatação do vaso, deve ser usada mesmo que o diagnóstico tenha sido firmado após esse período inicial. Pode ser administrada em quatro doses (400 mg/kg/dose, em 4 dias) ou em dose única (2 g/kg/ 953

VASCULITES COMUNS NA INFÂNCIA

Achados laboratoriais/exames complementares. Não há exames que confirmem o diagnóstico de doença de Kawasaki, mas alguns achados são esperados:

dose), nesse caso, observando-se que, eventualmente, pode haver necessidade de uma segunda dose na persistência de febre após a primeira infusão. Após o tratamento, recomenda-se que a criança permaneça 11 meses sem receber vacinas com vírus vivos. Os pacientes refratários ao tratamento com gamaglobulina podem se beneficiar de pulsoterapia com metilprednisolona, 30 mg/kg/dose, em 1-3 doses. O seguimento com realização de ecocardiograma (3 e 8 semanas após o início do quadro) é fundamental para a avaliação da resposta ao tratamento. Após seis semanas a chance de formação de aneurismas é remota.

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

Prognóstico. A doença de Kawasaki apresenta taxa de mortalidade muito pequena e que se tornou ainda menor após a introdução de terapia com gamaglobulina. Com exceção das alterações cardiovasculares, todas as demais manifestações são benignas e autolimitadas. Recidivas ocorrem em 3% dos casos, sem aumento na incidência de envolvimento coronariano. A característica dos aneurismas reflete no prognóstico: aneurismas pequenos tendem a regredir em alguns anos; já os aneurismas maiores que 8 mm, saculares ou de morfologia mais complexa apresentam risco de estenose ou obstrução completa.

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatria. 17. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. Cassidy JT, Petty RE. Textbook pediatric rheumatology. 4. ed. Philadelphia: WB Saunders Company; 2001. Ferreira, organizador. Pediatria: diagnóstico e tratamento. Porto alegre: Artmed; 2005. Oliveira SKF. Reumatologia para pediatras. Rio de Janeiro: Revinter; 2003.

44.5

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

ANGELA DAL ROSS GRAZIELE VIAPIANA SANDRA HELENA MACHADO

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença crônica autoimune de manifestações sistêmicas. É característica do lúpus a produção de autoanticorpos e a formação de imunocomplexos, com consequente processo inflamatório. 954

Epidemiologia e etiopatogenia. Trata-se de uma doença incomum em crianças, rara em menores de 5 anos (mais frequente após os 10 anos), com predomínio no sexo feminino e na raça negra. O LES apresenta etiologia ainda desconhecida, contudo, diversos fatores podem colaborar para o seu surgimento. Há certamente uma predisposição genética conhecida (maior incidência em parentes de 1o grau e em pessoas com HLA DR2 e DR3); há associação com infecções prévias (vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, vírus da varicela-zóster e retrovírus) e alterações hormonais (aumento de prolactina), bem como uma correlação descrita com luz ultravioleta e determinadas drogas (procainamida, hidralazina, isoniazida, sulfonamidas, anticonvulsivantes).

Q Q

Q Q

Q

Q

Q

Q

Febre: relatada em 60-90% dos pacientes no momento do diagnóstico. Artrite/artralgia: ocorre em 70-80% dos casos. Acomete, em geral, as pequenas articulações das mãos, punhos e joelhos, de modo simétrico. Pode apresentar curso agudo, migratório ou persistente. Em geral, não cronifica ou deixa deformidades. Essas manifestações musculoesqueléticas respondem bem aos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). Lesões em mucosas: ocorrem no palato; úlceras em mucosa nasal e oral são consideradas critério diagnóstico. Manifestações cutâneas: em 70-90% dos casos. Erupção malar (“asa de borboleta”) ocorre em 50% na fase ativa, sendo precedida ou exacerbada pela exposição solar. Lesões cutâneas subagudas (pápulas eritematocrostosas ou lesões anulares em face e tronco) também podem ocorrer, bem como lesão discoide (mais rara em crianças), vasculites (digital, palmar ou plantar), nódulos subcutâneos (em pequenas articulações), urticária, fenômeno de Raynaud e livedo reticular, petéquias e equimoses (pela trombocitopenia). Alopecia significa que a doença está em atividade. Manifestações musculoesqueléticas: mialgia e fraqueza são descritas (miosite ou miopatia secundária à corticoterapia). A osteoporose relatada ocorre, em geral, devido ao uso prolongado de corticoides. Lembrar que necrose óssea avascular em quadris e/ou em joelhos é uma complicação possível da doença ou do uso crônico de corticoides (havendo maior risco quando síndrome do anticorpo antifosfolipídeo – SAF – estiver associada). Manifestações renais: em aproximadamente dois terços das crianças com LES. Pode haver nefrite em diversos graus, proteinúria > 0,5 g/24 h (ou mais de 3+) e presença de cilindros granulares. Manifestações do sistema nervoso central (SNC): em 20-45% dos casos, determinando maior morbimortalidade. Podem ocorrer cefaleia, alterações de comportamento e redução da capacidade cognitiva, bem como coreia, alterações psiquiátricas, crises convulsivas ou ainda neuropatia periférica. Manifestações pulmonares: pleurite, pneumonia lúpica, pneumonia intersticial crônica, hemorragia pulmonar, hipertensão pulmonar ou alterações tromboembólicas podem ocorrer. Há envolvimento pleuropulmonar em 60% dos casos. 955

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

Quadro clínico. A clínica é variável, mas o quadro mais comum inclui fadiga, febre, perda de peso e mal-estar no momento do diagnóstico.

Q

Manifestações cardiovasculares: em 30-40% dos casos. Pericardite é a alteração mais comum; miocardite pode levar à insuficiência cardíaca; endocardite de Libman-Sacks ou doença coronariana com isquemia podem ocorrer. Q Manifestações digestivas: não são comuns. Vasculites ou irritação por medicamentos podem ser causa de dor abdominal. Esplenomegalia e adenomegalias são comuns. Hepatomegalia leve e aumento de transaminases são transitórios, em geral. Q Manifestações oculares: conjuntivite, episclerite, hemorragia subconjuntival ou retiniana e uveíte podem ser observadas, mas não são achados comuns.

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

Diagnóstico. O diagnóstico deve ser feito a partir da suspeita clínica dos critérios já estabelecidos, somando-se quatro ou mais critérios simultâneos ou em um dado intervalo de observação. O início pode ser insidioso ou abrupto. É preciso ressaltar que, na criança, diversas vezes não são preenchidos os quatro critérios necessários ao diagnóstico nas primeiras avaliações, devendo esse paciente fazer acompanhamento laboratorial periódico. Q Q Q Q Q Q Q Q Q

Exantema malar Lesão discoide Fotossensibilidade Úlcera oral ou em nasofaringe Artrite não erosiva em duas ou mais articulações Serosite (pleurite e/ou pericardite) Lesão renal (proteinúria > 0,5 g/24 h ou 3+ ou cilindros celulares) Manifestações neurológicas (convulsão ou psicose) Manifestações hematológicas (anemia hemolítica com reticulocitose; leucócitos < 4.000 em duas ocasiões; linfócitos < 1.500 em duas ocasiões; plaquetas < 100.000) Q Manifestações imunológicas (presença de anticardiolipinas ou anticoagulante lúpico ou VDRL falso-positivo por seis meses; anti-DNA+; ou anti-SM+) Q Fator antinuclear (FAN) positivo Exames complementares. O hemograma é importante para a constatação de citopenias. A velocidade de sedimentação glomerular (VSG), em geral elevada, e a reação em cadeia pela polimerase (PCR), que pode ser normal ou até mesmo baixa, são exames muito inespecíficos. Pode-se observar tempo de tromboplastina (TTPa) prolongado quando houver a presença associada de anticoagulante lúpico. A avaliação complementar deve incluir os órgãos comprometidos, sendo importantes os seguintes exames: eletrocardiograma (ECG), ecocardiograma, testes de função pulmonar, provas de função renal, exame qualitativo de urina, bem como eletrencefalograma e tomografia computadorizada de crânio, dependendo do caso. Dentre as dosagens de anticorpos, destacam-se: Q

FAN: apesar de não ser específico, deve ser realizado e quantificado, podendo apresentar quatro padrões: homogêneo, periférico, pontilhado ou nucleolar.

956

Q Q

Q Q Q

Q

Anti-DNA: é característico de LES e está presente em 70% dos casos, podendo ser utilizado para monitoração da atividade da doença. Anti-SSM (anti-Ro): é altamente específico, mas presente apenas em 30-40% dos casos de LES. Anti-SSM, em geral, está correlacionado a fotossensibilidade, lúpus discoide ou subagudo cutâneo, doença renal, trombocitopenia ou pneumonite intersticial. Anti-SSB: é observado em torno de 14% dos casos; não está associado à doença renal. Anticorpo antiproteína P ribossomal: associa-se a comprometimento psiquiátrico. SAF: é encontrada em 50% dos casos; está relacionada à presença de trombose de artéria renal, trombose venosa profunda (TVP), coreia e crises convulsivas (evidenciada pela presença de anticorpo anticardiolipina ou anticoagulante lúpico, ou ainda VDRL falso-positivo para sífilis). Fator reumatoide: é positivo em 10-30% dos casos.

Tratamento. O tratamento do LES baseia-se no controle dos seus sintomas, sendo individualizado de acordo com a clínica de cada paciente. É fundamental que o manejo inclua as medidas possíveis para a prevenção da lesão dos órgãos que podem ser acometidos ao longo da evolução da doença. Alguns cuidados gerais devem ser observados por todos os pacientes, como o uso de fotoprotetores, alimentação balanceada e realização regular de exercícios físicos, visando à redução de osteoporose e dislipidemias. Quanto ao tratamento medicamentoso, ver Tab. 44.5.1.

Tabela 44.5.1 TRATAMENTO MEDICAMENTOSO Medicação

Indicação

Anti-inflamatórios não esteroidais

Febre, mialgia, artralgia, artrite (evitar se lesão renal)

Antimaláricos

Lesões cutâneas, rash malar, fotossensibilidade (deve-se realizar controle oftalmológico a cada 3-6 meses de uso)

Dose

Hidroxicloroquina: 5-6,5 mg/kg/dia

(Continua)

957

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

Ainda pode-se perceber aumento de imunoglobulinas G e M e redução nos níveis de complemento C3, C4 e CH50 (principalmente se houver nefrite).

Tabela 44.5.1 (continuação) TRATAMENTO MEDICAMENTOSO Medicação

Indicação

Dose

Corticosteroides

Via oral: citopenias ou envolvimento de órgãos importantes, ou resposta inadequada com as medicações acima Via intravenosa: pacientes agudamente doentes no início da terapia ou casos graves – pulsoterapia

Prednisona: 0,5-2 mg/kg/dia, de acordo com a gravidade Metilprednisolona: 30 mg/kg/dia, até o máximo de 1 g/dia

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

Imunossupressores Ausência de resposta à corticoterapia, ou efeitos colaterais inaceitáveis com ela, ou doença renal grave

Azatioprina Ciclofosfamida Metotrexate Micofenolato

Quando houver SAF com acidentes tromboembólicos prévios, inicialmente heparina e varfarina são indicadas como manutenção; na ausência de trombose, deve-se utilizar ácido acetilsalicílico (3-5 mg/kg/dia) na tentativa de preveni-la. Quando há falhas no tratamento do LES com as medicações aqui indicadas, tentativas com tacrolimo, pentoxifilina e imunoglobulina têm sido válidas. Deve-se lembrar ainda que, nesse contexto de doença crônica e possivelmente grave, torna-se essencial reforçar as informações aos pacientes e a seus familiares, esclarecendo as dúvidas e fornecendo suporte emocional sempre que necessário.

REFERÊNCIAS Berhman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson: tratado de pediatria. 17. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. Cassidy JT, Petty RE. Textbook pediatric rheumatology. 4. ed. Philadelphia: WB Saunders Company; 2001. Oliveira SKF. Reumatologia para pediatras. Rio de Janeiro: Revinter; 2003. World Health Organization. Rheumatic fever and rheumatic heart disease: report of a WHO expert consultation [homepage in the Internet]. Geneva; 29 Oct to Nov, 2001 [capturado em 2009 Sept. 10]. WHO Tech Rep Ser; 923. Disponível em: www.who.int/ cardiovascular_diseases/resources/trs923/en/

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APÊNDICES

APÊNDICE 1

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA PAULA XAVIER PICON

ACICLOVIR Nomes comerciais. Acibio®, Aciclofar®, Aciclor®, Aciclovan®, Aciveral®, Acivirax®, Anclomax®, Aviral®, Exavir®, Herpesil®, Hervirax®, Uni vir®, Virotin®, Zovirax®. Apresentações. Cpr de 200 e 400 mg; fr-amp com 250 mg. Doses. VO: crianças < 2 anos: 100 mg, 5×/dia, com intervalos de 4 h, omitindo-se a dose noturna; > 2 anos: 200 mg, 5×/dia, com intervalos de 4 h, omitindo-se a dose noturna. Adultos: 200 mg/dose, 4×/dia. Via IV; prematuros: 20 mg/kg/dose, 2×/dia; < 1 ano: 30 mg/kg/dia, 3-5×/dia; > 1 ano: 1.500 mg/m²/dia, 3-5×/dia. Efeitos adversos. Sensação de queimação (uso tópico), flebite, exantema, diaforese, hematúria, hipotensão, cefaleia, náuseas e vômitos. Com a administração de doses elevadas e intravenosas: encefalopatia, letargia, obnubilação, tremores, confusão, alucinações, delírio, síndrome extrapiramidal, convulsões ou coma (associados à insuficiência renal [IR] e a níveis séricos elevados, revertidos com a suspensão da droga). Disfunção renal, que é dose-dependente. Infusão IV rápida pode ocasionar IR aguda.

ÁCIDO ACETILSALICÍLICO Nomes comerciais. AAS®, Aasedatil®, Acetil®, Analgesin®, Antifebrim®, As-med®, Ascedor®, Asetisin®, Aspirina prevent®, Bufferin®, CAAS®, CardioAAS®, Cibalena A®, Salicil®, Salicin®, Sifass®, Somalgin®. Apresentações. Cpr revestidos de 81, 100, 162, 200 e 500 mg; cpr de 81, 85, 100, 165, 300, 325 e 500 mg. Doses. Como antipirético ou analgésico: 30-65 mg/kg/dia, VO, de 4/4 ou 6/6 h. Como anti-inflamatório: 65-130 mg/kg/dia, de 6/6 ou 8/8 h. Dose média: 10-15 mg/kg/dose. Dose máxima: 4 g/dia. Efeitos adversos. Náusea, diarreia, dispepsia, úlcera péptica, hemorragias do trato gastrintestinal (TGI), hemorragias ocultas, broncoespasmo, reações anafiláticas, disfunção plaquetária, aumento das transaminases, hepatite, rabdomiólise, piora da IR aguda, síndrome de Reye (uso em < 20 anos com doença viral).

ÁCIDO FÓLICO (VITAMINA B9)

Nomes comerciais. Acfol®, Acifólico®, Afopic®, Endofolin®, Enfol®, Folacin®, Folantine®, Folin®, Folital®, Materfolic®, Neo folic®. Apresentações. Cpr de 2 e 5 mg; sol de 2 mg/5 mL com 100 mL; gts de 5 mg/mL com 10 mL. Doses. Profilaxia em lactentes: 280 µg/dia. Anemia megaloblástica: 5-10 mg/dia, VO. Efeitos adversos. Rubor discreto, irritabilidade, insônia, confusão, mal-estar, prurido, rash, anorexia, náusea, distensão abdominal, flatulência, reações de hipersensibilidade.

ÁCIDO NALIDÍXICO Nomes comerciais. Naturil®, Wintomylon®. Apresentações. Cpr de 500 mg e susp com 250 mg/5 mL.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Acima de 3 meses: 50-55 mg/kg/dia, de 6/6 h. Para terapia de longo prazo: 30 mg/kg/dia, de 12/12 h. Adultos: 500-1.000 mg/dose, de 6/6 h. Efeitos adversos. Náuseas, vômitos, dor abdominal, colestase, prurido, urticária, fotossensibilidade, eosinofilia, febre, cefaleia, sonolência, mal-estar, vertigem, transtornos visuais, astenia e mialgias. Pode haver convulsão em pessoas com doença vascular cerebral, parkinsonismo ou epilepsia. Trombocitopenia, leucopenia e anemia hemolítica podem ocorrer. Na intoxicação por excesso de dose pode ocorrer acidose metabólica.

ÁCIDO URSODESOXICÓLICO Nomes comerciais. Ursacol®. Apresentações. Cpr de 50, 150 e 300 mg. Doses. Crianças: 10-30 mg/kg/dia, divididos em até 2 doses. Adultos: 300 mg, 2×/dia. Efeitos adversos. Cefaleia, insônia, fadiga, depressão, rash, coceira, tosse, rinite, náusea, vômito, dor abdominal, estomatite, constipação, diarreia, artralgia, mialgia.

ÁCIDO VALPROICO Nomes comerciais. Depakene® (ácido valproico), Depakote® (divalproato sódico), Epilenil® (ácido valproico), Torval® (ácido valproico + valproato de sódio), Valpakine® (ácido valproico), Valprene® (valproato de sódio). Apresentações. Cpr de 200, 250, 300 e 500 mg; fr de 100 mL com 250 mg/5 mL. Doses. Crianças, dose inicial: 15 mg/kg/dia, de 8/8 ou 12/12 h. Quando necessário, aumentar semanalmente 5-10 mg/kg/dia, até 60 mg/kg/dia, de 8/8 h; dose média: 30-60 mg/kg/dia. Adultos: iniciar com 250 mg, 1×/dia. Pode ser aumentada para 250 mg, 3×/dia, no curso de 3-6 dias. Dose máxima: 60 mg/kg/dia. O divalproato pode ser usado em duas doses diárias. 962

Efeitos adversos. Os efeitos mais comuns (> 1%) incluem sonolência, tontura, insônia, nervosismo, alopecia, náusea, vômito, diarreia, dor abdominal, dispepsia, anorexia, trombocitopenia, tremor, fraqueza, infecções do trato respiratório superior, hipertensão, palpitação, edema, taquicardia, amnésia, depressão, ganho de peso, visão borrada. Menos comuns (< 1%): agranulocitose, trombocitopenia, alteração no tempo de coagulação, alteração da função hepática, hepatotoxicidade, pancreatite, anemia aplásica, alucinações, síndrome dos ovários policísticos, ataxia, alterações cognitivas, hiperglicemia, amenorreia, dismenorreia, incontinência urinária, retenção urinária.

ADENOSINA Nome comercial. Adenocard®. Apresentação. Amp de 6 mg/2 mL. Doses. Crianças: 0,1 mg/kg em bolus rápido, seguido de flush 3-5 mL de soro fisiológico (SF), podendo ser repetida uma vez na dose de 0,2 mg/kg. Adultos (ataque): 6 mg, em bolus IV.

ADRENALINA (EPINEFRINA) Nomes comerciais. Drenalin®, Epinefrina®. Apresentação. Amp de 1 mL (1 mg/mL). Doses. 0,01 mg/kg/dose (0,1 mL/kg 1:10.000 – 1 amp em 9 mL de SF) até 0,1 mg/kg nos casos refratários. Efeitos adversos. Angina, arritmias cardíacas, precordialgia, flush, hipertensão, aumento do consumo de oxigênio miocárdico, palidez, palpitações, morte súbita, taquicardia, vasoconstrição, ectopias ventriculares. Ansiedade, tonturas, cefaleia, insônia, vertigem. Xerostomia, náusea, vômitos. Retenção urinária aguda em pacientes com obstrução do fluxo vesical. Tremores, astenia. Dor ocular, irritação ocular, precipitação ou exacerbação de glaucoma de ângulo fechado. Fluxo sanguíneo renal e esplâncnico reduzido. Dispneia, sibilos. Diaforese.

ALBENDAZOL Nomes comerciais e apresentações. Zolmin® (susp 4%, 10 mL), Zolben® (1 cpr de 400 mg, 5 cpr de 400 mg e susp com 10 mL), Zentel® (2 cpr de 200 mg, 1 cpr de 400 mg, 5 cpr de 400 mg e susp com 10 mL), Vermital® (susp com 10 mL). Doses. 400 mg/dia, por 1-5 dias. Efeitos adversos. Em dose única, geralmente é bem tolerado. No uso prolongado, podem ocorrer hepatite e icterícia obstrutiva, que são reversíveis com a suspensão do tratamento. Diarreia, dor abdominal e migração ectópica de Ascaris lumbricoides são achados ocasionais. Raramente, podem ocorrer leucopenia e alopecia. Podem ocorrer, ainda, náuseas, vômitos, cefaleia, xerostomia, febre e prurido. Contraindicação relativa com história de hipersensibilidade aos benzimidazólicos e em crianças menores de 2 anos (risco de toxicidade). 963

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Efeitos adversos. Rubor facial, palpitações, vertigem, parestesias, dor torácica, dispneia, bloqueio atrioventricular (AV) e assistolia transitórios, fibrilação atrial.

ALBUMINA Nomes comerciais. Albumina humana 20%®, Albuminar alb hum®, Alburex 20®, Beribumin®, Blaubimax®, Plasbumin 20®. Apresentação. Fr-amp de 50 mL (200 mg/mL). Doses. Crianças e adultos: 0,5-1 g/kg, em infusão lenta. Efeitos adversos. Congestão, edema agudo de pulmão, broncoespasmo, hipersensibilidade, anafilaxia, hipernatremia, febre, calafrios, náusea, vômito, prurido, urticária, rash, cefaleia, hipo ou hipertensão, taquicardia.

AMICACINA Nome comercial. Novamin®.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Fr-amp com 100, 250, 500 e 1.000 mg. Doses. 15-22,5 mg/kg/dia, divididos de 8/8 h, ou em dose única diária em maiores de 1 ano, IV ou IM; máximo de 1,5 g/dia. Se forem utilizadas doses fracionadas, aplicar dose de ataque de 7,5-15 mg/kg. Na fibrose cística, usar 30-40 mg/kg/dia, divididos de 8/8 h, pois há diminuição da meia-vida; pode-se também utilizar dose única diária. Nos esquemas que compõem o tratamento da tuberculose multirresistente, administrar 500 mg, IM, em dose única diária, para pacientes com peso inferior a 50 kg, e 1 g, IM, para pacientes com mais de 50 kg. Efeitos adversos. Nefrotoxicidade (menos frequente nos esquemas de dose única diária); ototoxicidade, predominantemente coclear, com diminuição da audição (principalmente para altas frequências); bloqueio neuromuscular, de forma mais pronunciada com o uso intrapleural ou intraperitoneal e em pacientes sob efeito de outros agentes neuromusculares ou anestésicos; anafilaxia e exantema (incomuns), eosinofilia, febre, discrasias sanguíneas, angioedema, dermatite esfoliativa e estomatite.

AMINOFILINA Nomes comerciais. Aminofilina®, Asmapen®, Minoton®. Apresentações. Amp de 10 mL (24 mg/mL); gts de 10 mL (12 mg/gota); cpr de 100 e 200 mg. Doses. VO: crianças de 1-12 anos: 6 mg/kg/dose, de 6/6 h; 12-16 anos: 5 mg/kg/dose, de 6/6 h; iniciar com 4 mg/kg/dose, qualquer que seja a idade, e ir aumentando gradativamente a cada 3 dias até atingir a dose apropriada. Via IV: 4 mg/kg/dose, de 6/6 h. Nebulização: 8-10 gts hora. Efeitos adversos. Cefaleia, tontura, agitação, irritabilidade, convulsão, náusea, vômito, diarreia, refluxo gastresofágico, taquicardia, arritmias, aumento da diurese.

AMIODARONA Nomes comerciais e apresentações. Amiobal® (cpr de 100 ou 200 mg), Ancoron® (cpr de 100 e 200 mg; amp de 3 mL com 150 mg; gts 200 mg/mL com 30 mL), Atlasil® (amp de 3 964

mL com 150 mg), Cor mio® (cpr de 200 mg), Miocor® (cpr de 200 mg), Miocoron® (cpr de 200 mg), Miodaron® (cpr de 200 mg).

Efeitos adversos. Hipotensão (refratária em raros casos), insuficiência cardíaca (IC), bradicardia, bloqueio do nó AV, anormalidades de condução cardíaca, disfunção do nó AV, arritmias, flush, edema. Efeitos adicionais relacionados à administração IV incluem: assistolia, parada cardíaca, atividade elétrica sem pulso (AESP), taquicardia ventricular e choque cardiogênico. Ataxia, anormalidades de marcha, tonturas, fadiga, cefaleia, mal-estar, comprometimento de memória, movimentos involuntários, insônia, déficit de coordenação, neuropatia periférica, distúrbio do sono, tremores. Fotossensibilidade, coloração discretamente azulada da pele. Hipotireoidismo, redução da libido. Náusea, vômitos, anorexia, constipação. Alteração de transaminases (> 2-3× o limite superior → considerar ajuste na dose ou até mesmo descontinuar o medicamento). Microdepósitos corneanos (pode causar distúrbios visuais), visão em halo (principalmente durante a noite), neurite óptica. Toxicidade pulmonar: pode apresentarse na forma de pneumonite por hipersensibilidade, fibrose pulmonar (tosse, febre, mal-estar), inflamação pulmonar, pneumonite intersticial, pneumonite alveolar. A ocorrência de síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) tem sido reportada em até 2% dos pacientes recebendo amiodarona e em pós-operatório de pacientes recebendo amiodarona VO. Efeitos adversos raros (< 1%): hipertensão intracraniana aguda (IV), IR aguda, agranulocitose, alopecia, anafilaxia, angioedema, anemia aplásica, bronquiolite obliterante, broncoespasmo, confusão, desorientação, dispneia, encefalopatia, epididimite, disfunção erétil, eritema multiforme, síndrome de Stevens-Johnson, sintomas parkinsonianos, prurido, massas pulmonares, edema pulmonar, trombocitopenia e outros.

AMOXICILINA Nomes comerciais. Amoxifar®, Amoxil®, Amoxil BD®, Amoxi-ped®, Cibramox®, Hiconcil®, Novocilin®, Novoxil®, Polimoxil®. Apresentações. Susp oral com 125, 250, 400 ou 500 mg/5 mL; cpr de 500, 875 e 1.000 mg. Doses. 20-50 mg/kg/dia, VO, divididos de 8/8 ou de 12/12 h; máximo de 3.000 mg/dia. Infecções graves e infecções por pneumococos de sensibilidade reduzida à penicilina: 75100 mg/kg/dia, de 8/8 h. 40 mg/kg/dia = 1 mL para cada 4 kg/dose suspensão 250 mg/ 5 mL. Efeitos adversos. Em geral, é bem tolerada. Náuseas, vômitos, diarreia, prurido e irritação gastrintestinal são mais frequentes com doses maiores. Podem ocorrer febre, eritema cutâneo, reações anafiláticas e convulsões.

AMOXICILINA + SULBACTAM Nome comercial. Trifamox IBL®. Apresentações. Susp com 125 mg de amoxicilina + 125 mg de sulbactam/5 mL; 250 mg de sulbactam + 250 mg de amoxicilina/5 mL; susp para uso a cada 12 h com 1.000 mg de 965

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Ataque: 5 mg/kg, EV, em bolus rápido, podendo ser repetida até a dose total de 20 mg/kg/dia; VO, 10-20 mg/kg/dia, de 12/12 ou 24/24 h, por 7 dias e, após, ajustar para dose de manutenção. Manutenção: VO, 5-10 mg/kg/dia, de 24/24 h, com dose mínima de 2,5 mg/kg/dia; EV, 3-10 mg/kg/dia, de 24/24 h.

amoxicilina + 250 mg de sulbactam/5 mL; cpr com 250 mg de amoxicilina + 250 mg de sulbactam ou 500 mg de cada componente. Fr-amp com 750 mg de amoxicilina + 250 mg de sulbactam ou 1.000 mg de amoxicilina + 500 mg de sulbactam. Doses. Calcular a partir do componente amoxicilina: 40-50 mg/kg/dia, VO, a cada 8 h, ou, no caso da suspensão para uso, a cada 12 h, 70-100 mg/kg/dia, IV ou IM. Acima de 12 anos: 1 fr-amp (1.500 mg) de 8/8 h, IM ou EV. Efeitos adversos. Náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal são os efeitos adversos mais comuns.

AMOXICILINA + CLAVULANATO DE POTÁSSIO

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais. Clavoxil®, Clavulin®, Clavulin BD®, Novamox®. Apresentações. Susp oral: amoxicilina 125 mg + 31,25 mg de ácido clavulânico/5 mL; amoxicilina 200 mg + 28,5 de ácido clavulânico/5 mL (formulação para uso a cada 12 h); amoxicilina 250 mg + ácido clavulânico 62,5 mg/5 mL; amoxicilina 400 mg + ácido clavulânico 57 mg/5 mL (para uso a cada 12 h); amoxicilina 600 mg + ácido clavulânico 42,9 mg/5 mL (para uso a cada 12 h no caso de suspeita de pneumococos resistentes à penicilina; chamada de ES). Cpr: amoxicilina 250 mg + ácido clavulânico 125 mg; amoxicilina 500 mg + ácido clavulânico 125 mg; amoxicilina 875 mg + ácido clavulânico 125 mg (para uso a cada 12 h). Amp: 500 mg de amoxicilina + 125 mg de ácido clavulânico ou 1 g de amoxicilina + 250 mg de ácido clavulânico. Doses. Dose de 20-40 mg/kg/dia, VO, considerando a amoxicilina, divididos de 8/8 ou de 12/12 h. Adultos e crianças com mais de 40 kg, 250-500 mg, de 8/8 h, ou 875 mg, a cada 12 h. Efeitos adversos. Diarreia, dor abdominal e náuseas são os efeitos adversos mais comuns; as reações são mais frequentes em formulações com maior concentração de ácido clavulânico. Urticária, febre, candidíase vaginal e colite pseudomembranosa também podem ocorrer.

AMPICILINA Nomes comerciais. Ampicil®, Ampicilas®, Ampifar®, Amplacilina®, Amplitor®, Binotal®, Cilipen®. Apresentações. Cpr ou cps com 250, 500 ou 1.000 mg; fr-amp com 250, 500 ou 1.000 mg, e susp oral com 125 e 250 mg/5 mL. Doses. Parenteral: crianças com menos de 20 kg: 100-200 mg/kg/dia, de 6/6 h; infecções mais graves: até 8 g/kg/dia. Oral: crianças com menos de 20 kg: 50-100 mg/kg/dia, de 6/6 h. Acima de 20 kg (oral ou parenteral): 250-500 mg, de 6/6 h; nas infecções graves, 1-2 g, de 4/4 h. Efeitos adversos. Náuseas, vômitos, diarreia, prurido, irritação gastrintestinal, febre, eritema cutâneo, reações anafiláticas e convulsões (se a aplicação for IV e rápida).

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AMPICILINA + SULBACTAM Nomes comerciais. Sulbacter®, Unasyn®. Apresentações. Cpr revestidos de 375 mg; susp oral com 250 mg de sultamicilina (equivalente a 125 mg de ampicilina e 125 mg de sulbactam) 5 mL; fr com 1.000 mg de sulbactam + 500 mg de ampicilina e diluente 10 mL; fr com 2.000 mg de sulbactam + 1.000 mg de ampicilina e diluente 10 mL. Amp com 1,5 g (1 g de ampicilina + 0,5 g de sulbactam) e 3 g (2 g de ampicilina + 1 g de sulbactam). Doses. VO/EV: 50-200 mg/kg/dia, com base no componente ampicilina, a cada 4-6 h. Doses de até 400 mg/kg/dia podem ser usadas em casos de meningite. A dose máxima é de 12 g/dia e deve ser utilizada em infecções por Acinetobacter sp. Efeitos adversos. Diarreia, dor abdominal, náuseas e vômitos são os efeitos adversos mais comuns. Urticária, febre e candidíase vaginal podem ocorrer menos frequentemente. Enterocolite e colite pseudomembranosa são raras.

ANFOTERICINA B CONVENCIONAL Nomes comerciais. Anforicin B®, Fungi B®, Fungizon®.

Doses. Para a maioria dos casos, usa-se 0,5-1 mg/kg/dia (0,25 em neonatos), ou 1-1,5 mg/kg, em dias alternados. Em infecções graves por fungos pouco sensíveis (como na aspergilose e na mucormicose) ou em infecções do sistema nervoso central, pode-se usar 1,5 mg/kg/dia. Efeitos adversos. Variam com a via de administração. Se for intratecal: febre, mielite transversa e cefaleia; intra-articular: irritação e dor; intraperitoneal: irritação, dor e fibrose peritoneal; intraocular: lesão retiniana. No uso IV, pode haver reação de hipersensibilidade, com febre (80%), calafrios, broncoespasmo e anafilaxia. Toxicidade renal é um fenômeno praticamente universal; pode ocorrer de forma idiossincrásica com necrose tubular aguda (rara) ou com o acúmulo de dose (mais de 80% no uso prolongado), acidose tubular renal, espoliação renal de potássio e de magnésio, anemia hipocrômica e normocítica, trombocitopenia, leucopenia, eosinofilia, cefaleia e prostração. Mais raramente, sensação de queimadura plantar (raro), convulsões, náuseas, vômitos, gastrenterite hemorrágica, insuficiência hepática (IH) aguda, gosto metálico na boca, toxicidade cardíaca direta, hipotensão ou hipertensão, deterioração da função pulmonar e edema pulmonar, perda auditiva, diabete insípido e flebite.

ATROPINA Nome comercial. Atropion®. Apresentação. Amp de 1 mL (0,25 ou 0,5 mg/mL). Doses. Antiarrítmico: crianças: 0,02 mg/kg/dose (pode ser repetida); dose máxima de 0,1 mg/kg. Adultos: 0,5-1,0 mg, IV, a cada 3-5 min. 0,02 mg/kg/dose = peso x 0,04 mL (amp 0,5 mg/mL). Efeitos adversos. Confusão, inquietação, ataxia, delírio, desorientação, tontura, febre, cefaleia, nervosismo, tremores, boca seca, constipação, íleo paralítico, midríase (com reatividade à 967

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentação. Fr-amp com 50 mg.

luz), visão borrada, retenção urinária, urticária, rash, arritmia, flush, hipotensão, palpitação, taquicardia.

AZITROMICINA Nomes comerciais. Azitromin®, Zitromax®. Apresentações. Cps com 250, 500 ou 1.000 mg; susp oral com 40 mg/mL (fr com 600, 900 ou 1.500 mg); fr-amp com 500 mg. Doses. VO: crianças: 10-12 mg/kg/dia, em dose única diária no primeiro dia, e 5 mg/kg/dia nos dias seguintes; máximo de 500 mg/dia. Efeitos adversos. Náuseas, diarreia, dor abdominal, cefaleia e tonturas podem ocorrer, mas são pouco frequentes. Pode ocorrer perda auditiva com o uso de doses elevadas.

AZTREONAM Nome comercial. Azactam®.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Fr-amp com 0,5 ou 1 g. Doses. EV: crianças: 90-120 mg/kg/dia, de 6/6 ou de 8/8 h. Nas infecções graves, 120-150 mg/kg/dia, de 6/6 ou de 8/8 h. Máximo de 8 g/dia. Efeitos adversos. Excelente tolerabilidade. As principais reações adversas são cutâneas e gastrintestinais (como diarreia, náuseas e vômitos). A colite pseudomembranosa é rara. Pode causar aumento das transaminases e fosfatase alcalina, mas sintomas de disfunção hepatobiliar são incomuns. A nefrotoxicidade é rara, mas há registro de elevação dos níveis séricos de creatinina. Não há descrição de sangramento e de anormalidades plaquetárias, mas pode ocorrer alteração no tempo de protrombina e no tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa). Pode haver eosinofilia, teste de Coombs positivo e reações de hipersensibilidade.

BECLOMETASONA Nomes comerciais. Aldecina®, Beclosol Spray®, Clenil®, Miflasona®. Apresentações. Aerossol 250 µg/jato; cps de 200 e 400 µg; spray 50 µg/dose (200 doses). Doses. Dose baixa: 200-500 µg; dose média: 500-1.000 µg; dose elevada: > 1.000 µg. Crianças < 5 anos: 50 µg/dose, de 12/12 h; de 6-12 anos: 100-800 µg/dia, de 12/12 até de 6/6 h; > 12 anos: 200-1.000 µg/dia. Efeitos adversos. Agitação, depressão, tontura, disfonia, cefaleia, lesões acneiformes, angioedema, prurido, estrias, rash, urticária, redução da velocidade de crescimento em crianças e adolescentes, irritação/secura da boca, nariz e garganta, rouquidão, gosto ruim na boca, náusea, vômito, ganho de peso, catarata, glaucoma, aumento da pressão intraocular, tosse, broncoespasmo paradoxal, faringite, sinusite, sibilância e reações anafiláticas.

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BETAMETASONA Nomes comerciais. Beta-long®, Betaprostan®, Betnelan®, Biproslan®, Celestone®, Celestrat®, Dextamine®, Diprobeta®, Diprocort®, Duoflan®. Apresentações. Cpr de 0,5 e 2 mg; fr elixir de 120 mL com 0,5 mg/5 mL; fr sol de 15 mL com 0,5 mg/mL (gts); amp de 1 mL para sol injetável com 4 mg; amp de 1 mL de ação prolongada com 5 mg de dipropionato e 2 mg de fosfato de betametasona (Betaprostan®). Doses. Crianças: 0,5-6 mg/dia; adultos: 0,6-9 mg/dia, 1 ou 2×/dia. Efeitos adversos. Incluem insônia, pesadelos, nervosismo, ansiedade, euforia, delírio, alucinações, psicose, cefaleia, tontura, aumento do apetite, hirsutismo, hiper ou hipopigmentação, osteoporose, petéquias, equimoses, artralgia, catarata, glaucoma, epistaxe, amenorreia, síndrome de Cushing, insuficiência adrenal, hiperglicemia, diabete melito, supressão do crescimento, retenção de água e sódio, edema, aumento da pressão arterial, convulsão, perda de massa muscular, fraqueza, fadiga, miopatia, redistribuição da gordura corporal, aumento dos ácidos graxos livres, hipocalemia, alcalose, policitemia, leucocitose, linfopenia, aumento da suscetibilidade a infecções, reativação de tuberculose latente, osteonecrose.

BIOTINA (VITAMINA B7) Doses. 5-20 mg/dia, VO. Efeitos adversos. Dermatite, seborreia, sonolência, alucinações, hiperestesia, acúmulo de ácidos orgânicos.

BROMOPRIDA Nomes comerciais. Digecap®, Digesan®, Pangest®, Plamet®, Pridecil®. Apresentações. Sol 10 mL (4 mg/mL), cpr 10 mg; gts 4 mg/mL (0,17 mg/gt); sol oral 5 mg/ 5 mL, cps 10 mg; amp 10 mg/2 mL. Doses. VO: 0,2-0,3 mg/kg/dose, de 8/8h; gotas 4 mg/mL = 1 gt/kg/dose; sol oral 5 mg/ 5 mL = 1 mL para cada 5 kg/dose. Efeitos adversos. Sonolência, cefaleia, astenia, calafrios, distúrbios de acomodação ocular, espasmos musculares localizados, hipotensão, diarreia, cólicas intestinais, sintomas extrapiramidais.

BUDESONIDA INALATÓRIA Nomes comerciais. Alenia® (formoterol + budesonida 6/100, 6/200 e 12/400 µg), Busonid®, Foraseq® (formoterol + budesonida 12/200 e 12/400 µg), Miflonide®, Symbicort® (formoterol + budesonida 6/100, 6/200 e 12/400 µg). Apresentações. Cps de 100, 200 e 400 µg; spray 50 e 200 µg/dose.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais e apresentações. Disponível apenas em associações.

Doses. Dose baixa: 200-400 μg; dose média: 400-800 μg; dose elevada: > 800 μg. Crianças: 100-400 μg/dia, de 12/12 h. Adultos: 200-600 μg/dia, de 12/12 h. Efeitos adversos. > 10%: cefaleia, náusea, infecção respiratória, rinite. 1-10%: dor torácica, edema, hipertensão, palpitação, síncope, taquicardia, tontura, disfonia, labilidade emocional, fadiga, febre, insônia, catarata.

CAMBENDAZOL Nome comercial. Camben®. Apresentações. Cpr de 180 mg; susp com 30 mg/5mL. Doses. Crianças: 5 mg/kg, em dose única, em uma só tomada após o jantar. Adultos: 2 cpr. Efeitos adversos. Dores abdominais, cefaleia, astenia, tonturas, diarreia e náuseas.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

CAPTOPRIL Nomes comerciais e apresentações. Capoten® (cpr de 12,5, 25 e 50 mg), Capotrat® (cpr de 12,5, 25 e 50 mg), Captolin® (cpr de 12,5 e 25 mg), Captomed® (cpr de 12,5, 25 e 50 mg), Captopiril® (cpr de 12,5, 25 e 50 mg), Captopron® (cpr de 12,5, 25 e 50 mg), Captotec® (cpr de 12,5, 25 e 50 mg), Cardilom® (cpr de 25 e 50 mg), Catoprol® (cpr de 12,5, 25 e 50 mg), Hipoten® (cpr de 25 e 50 mg). Doses. Na hipertensão em crianças – doses iniciais: neonatos: 0,01 mg/kg/dose, de 8/8 h; lactentes até 6 meses: 0,01-0,05 mg/kg/dose, de 8/8 h; > 6 meses: 0,15-0,5 mg/kg/dose, de 8/8h. Doses de manutenção: neonatos: 0,15 mg/kg/dia, de 12/12, 8/8 ou de 6/6h; crianças: 1-2 mg/kg/dia, de 8/8 ou de 6/6h. Doses máximas: neonatos: 2 mg/kg/dia, de 8/ 8 ou 6/6h; lactentes: 3 mg/kg/dia, de 8/8 ou 6/6h; crianças: 6 mg/kg/dia, de 8/8 ou 6/6h. Na insuficiência cardíaca: neonatos: 0,1-0,4 mg/kg/dose, de 24/24, 12/12, 8/8 ou 6/6 h; lactentes ou crianças menores: 1-6 mg/kg/dia, de 24/24, 12/12, 8/8 ou 6/6 h; crianças maiores: 6,25-12,5 mg/dose, de 24/24 ou 12/12h. Adultos: na hipertensão arterial sistêmica (HAS), dose de 25-100 mg, 2×/dia. Em urgências hipertensivas, 12,5-25 mg, repetidos a cada hora, conforme resposta. Em insuficiência cardíaca congestiva e infarto agudo do miocárdio, inicia-se com doses mais baixas (6,25-12,5 mg), 2-3×/dia. Dose máxima de 150 mg/dia. Efeitos adversos. Tosse seca, hipotensão postural, cefaleia, tontura, fadiga, sonolência, hipercalemia, aumento do ácido úrico, náuseas, aumento da creatinina sérica. Raramente, neutropenia, leucopenia e angioedema.

CARBAMAZEPINA Nomes comerciais. Tegretard®, Tegretol®, Tegretol CR divitabs®, Tegrex®, Tegrezin®, Uni carbamaz®. Apresentações. Cpr ou cps de 200 e 400 mg; susp oral 20mg/mL com 100 mL.

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Doses. Crianças < 6 anos: iniciar com 10-20 mg/kg/dia; dose máxima de 35 mg/kg/dia, de 8/8 ou 12/12 h. Crianças > 6 anos: pode-se iniciar com 200 mg/dia, de 12/12 h; manutenção usual: 400-800 mg/dia; máximo de 1.000 mg/dia, de 8/8 ou 12/12 h. Efeitos adversos. Os mais comuns (> 1%) incluem náusea, vômitos, mal-estar epigástrico, constipação, diarreia, anorexia, ataxia, diplopia e sonolência. Mais raramente podem ocorrer edema, síncope, bradicardia, hipotensão, hipertensão, bloqueio AV, arritmias, sedação, tontura, fadiga, cefaleia, ganho de peso, aumento do apetite, rash, urticária, necrólise epidérmica tóxica, síndrome de Stevens-Johnson, alterações de pigmentação, eritema multiforme, alopecia, hiponatremia, síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético, pancreatite, retenção urinária, aumento da frequência urinária, azotemia, IR, impotência, agranulocitose, trombocitopenia, anemia aplásica, hepatite, icterícia, elevação das transaminases hepáticas, aumento do colesterol.

CEFACLOR Nomes comerciais. Ceclor®, Ceclor AF®, Clorcin-Ped®. Apresentações. Cpr ou cps com 250 ou 500 mg; susp com 125, 250 ou 375 mg/5 mL.

Efeitos adversos. Hipersensibilidade (exantema maculopapular, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo, anafilaxia). Alguns pacientes alérgicos à penicilina também o são às cefalosporinas. Teste de Coombs positivo, raramente hemólise, granulocitopenia e trombocitopenia. Diarreia, necrose tubular aguda e nefrite intersticial (raras) e doença do soro.

CEFADROXILA Nomes comerciais. Cedroxil®, Cefamox®. Apresentações. Cps e cpr com 500 mg e cpr de 1.000 mg; susp com 250 ou 500 mg/5 mL. Doses. Crianças: 25-50 mg/kg, 12/12 h. Adultos: 500-1.000 mg, de 12/12 h. Efeitos adversos. Hipersensibilidade (exantema maculopapular, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo, anafilaxia). Alguns pacientes alérgicos à penicilina também o são às cefalosporinas. Teste de Coombs positivo, raramente hemólise, granulocitopenia e trombocitopenia. Diarreia, necrose tubular renal e nefrite intersticial (raras), aumento das transaminases.

CEFALEXINA Nomes comerciais. Cefanal®, Celexin®, Keflex®, Primacef®. Apresentações. Cps e drg com 250 mg e 500 mg; susp oral com 125 mg ou 250 mg/5 mL. Doses. Crianças: 25-50 mg/kg/dia, de 6/6 h; para infecções graves e crônicas: 100 mg/kg/ dia (máximo: 4 g/dia). Adultos e crianças acima de 40 kg: 250 mg-1 g, a cada 6-8 h, dose máxima de 4 g/dia.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. VO: 20 mg/kg/dia, de 8/8 h; infecções mais graves: 40 mg/kg/dia, de 12/12 h; não ultrapassar 2 g/dia.

Efeitos adversos. Hipersensibilidade (exantema maculopapular, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo, anafilaxia). Alguns pacientes alérgicos à penicilina também o são às cefalosporinas. Teste de Coombs positivo, raramente hemólise, granulocitopenia e trombocitopenia. Diarreia, necrose tubular renal e nefrite intersticial (raras), aumento das transaminases.

CEFALOTINA Nomes comerciais. Cefalotil®, Cefariston®, Ceflen®. Apresentação. Fr-amp com 1 g. Doses. EV: crianças: 80-160 mg/kg/dia, de 4/4 ou 6/6 h. Adultos e crianças acima de 40 kg: 0,5-2 g, IV, de 4/4 ou de 6/6 h; dose máxima de 12 g/dia. Efeitos adversos. Hipersensibilidade (exantema maculopapular, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo, anafilaxia). Alguns pacientes alérgicos à penicilina também o são às cefalosporinas. Tromboflebites, teste de Coombs positivo, raramente hemólise, granulocitopenia e trombocitopenia. Diarreia, necrose tubular renal e nefrite intersticial (raras), aumento das transaminases.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

CEFAZOLINA Nomes comerciais. Ceftrat®, Cellozina®. Apresentações. Fr-amp de 250, 500 e 1.000 mg. Doses. Crianças: 40-100 mg/kg/dia, de 6/6 ou 8/8 h. Adultos e crianças acima de 40 kg: 0,5-1,5 g, IV ou IM, de 6/6 ou 8/8 h; dose máxima de 6 g/dia. Efeitos adversos. Hipersensibilidade (exantema maculopapular, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo, anafilaxia). Alguns pacientes alérgicos à penicilina também o são às cefalosporinas. Tromboflebites, teste de Coombs positivo, raramente hemólise, granulocitopenia e trombocitopenia, alterações na coagulação em pacientes urêmicos. Diarreia, necrose tubular aguda e nefrite intersticial (raras), aumento das transaminases.

CEFEPIMA Nome comercial. Maxcef®. Apresentações. Fr-amp de 0,5, 1 ou 2 g. Doses. Crianças > 2 meses de idade e peso < 40 kg: 50 mg/kg, de 8/8 ou 12/12 h. Crianças com peso > 40 kg: 500 mg-1 g/dose, de 8/8 ou 12/12 h; dose máxima de 6 g/dia. Efeitos adversos. Reações alérgicas (urticária, prurido, febre). Mal-estar, diarreia, náuseas, vômitos, dispepsia, visão turva, sensação de “cabeça leve”, alterações nas provas de função hepática. O uso prolongado pode levar à colite pseudomembranosa e à superinfecção. Pessoas com história de anafilaxia à penicilina não devem utilizar cefepima. Pode ocorrer encefalopatia em pacientes com IR.

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CEFOTAXIMA Nomes comerciais. Claforan®, Clafordil®. Apresentações. Fr-amp com 500 mg ou 1 g. Doses. Crianças < 12 anos: 50-100 mg/kg/dia, de 6/6 ou 8/8 h; infecções severas: 150-200 mg/kg/dia, de 6/6 ou 8/8 h. Adultos: 1-2 g, IV ou IM, de 6/6 ou 8/8 h. Doses de 2 g, até de 4/4 h, têm sido sugeridas para pacientes graves. Efeitos adversos. Hipersensibilidade (exantema maculopapular, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo, anafilaxia). Alguns pacientes alérgicos à penicilina também o são à cefotaxima e a outras cefalosporinas. Tromboflebites, teste de Coombs positivo, raramente hemólise, granulocitopenia e trombocitopenia. Diarreia, necrose tubular aguda e nefrite intersticial (raras). Aumento das transaminases, superinfecção e colite pseudomembranosa.

CEFOXITINA Nomes comerciais. Cefton®, Mefoxin®.

Doses. > 3 meses: 20-40 mg/kg/dose, de 6/6 ou 8/8 h. Adultos: 1-2 g/dose, de 6/6 ou 8/ 8 h; dose máxima: 12 g/dia. Efeitos adversos. Hipersensibilidade (exantema maculopapular, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo, anafilaxia). Alguns pacientes alérgicos à penicilina também o são às cefalosporinas. Tromboflebites, teste de Coombs positivo, raramente hemólise, granulocitopenia e trombocitopenia. Diarreia, necrose tubular aguda e nefrite intersticial (raras) e alterações das provas de função hepática.

CEFPODOXIMA Apresentações. Cpr de 100 e 200 mg; fr de 100 mL com susp de 40 mg/5 mL. Doses. Até 12 anos: 8-10 mg/kg/dia, VO, de 12/12 h (até 200 mg/dia); > 12 anos e adultos: 200-400 mg/dia, divididos em 2 doses. Efeitos adversos. Reações alérgicas (exantema maculopapular, prurido, púrpura, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo e anafilaxia). Podem ainda ocorrer mal-estar, vômitos, náuseas. Alterações nas provas hepáticas.

CEFPROZIL Nome comercial. Cefzil®. Apresentações. Cpr de 500 mg; susp reconstituída de 250 mg/5 mL. Doses. Dose usual: < 12 anos: 15-30 mg/kg/dia, divididos em duas tomadas; > 12 anos: 250-500 mg, a cada 12 horas, ou 500 mg, a cada 24 horas (máximo de 1 g/dia).

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Fr-amp de 1 g ou 2 g.

Efeitos adversos. Rash, prurido, urticária, cefaleia, tontura, hiperatividade, insônia, confusão, diarreia, náusea, vômito, dor abdominal, leucopenia, trombocitopenia, eosinofilia, aumento das transaminases, icterícia colestática, aumento da creatinina.

CEFTAZIDIMA Nomes comerciais. Cetaz®, Fortaz®. Apresentações. Fr-amp com 1 ou 2 g. Doses. Crianças: 100-150 mg/kg/dia, de 8/8 h ou 12/12 h; casos graves e meningites: 150200 mg/kg/dia, de 8/8 h; máximo de 6 g/dia. Adultos: 1-2 g/dose, de 8/8 h ou 12/12 h. Efeitos adversos. Reações de hipersensibilidade (exantema maculopapular, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo, anafilaxia). Alguns pacientes alérgicos à penicilina também o são às cefalosporinas. Tromboflebites, teste de Coombs positivo, raramente hemólise, granulocitopenia e trombocitopenia. Diarreia, necrose tubular renal e nefrite intersticial (raras). Aumento das transaminases, superinfecção e colite pseudomembranosa. Há um caso relatado de meningite asséptica induzida por ceftazidima.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

CEFTRIAXONA Nome comercial. Rocefin®. Apresentações. Fr-amp para uso IM (250, 500 ou 1.000 mg) ou IV (0,5, 1 ou 2 g). Doses. Lactentes e crianças < 12 anos: 50-80 mg/kg/dia, dose única diária; casos graves, sepse, meningite: 80-100 mg/kg/dia, divididos em duas doses. Adultos: 0,5-2 g, IV ou IM, de 12/12 ou de 24/24 h; dose máxima de 4 g/dia. Efeitos adversos. Hipersensibilidade (exantema maculopapular, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo, anafilaxia). Alguns pacientes alérgicos à penicilina também o são às cefalosporinas. Tromboflebites, teste de Coombs positivo, raramente hemólise, granulocitopenia e trombocitopenia. Diarreia, necrose tubular aguda e nefrite intersticial (raras). Aumento das transaminases, superinfecção, colite pseudomembranosa e formação de barro biliar, podendo levar a um quadro semelhante à colelitíase.

CEFUROXIMA Nomes comerciais. Cefunorth®, Zencef®, Zinacef®, Zennat®. Apresentações. Fr-amp com 750 mg; cpr de 250 ou 500 mg; susp oral de 125 mg/5 mL ou 250 mg/5 mL. Doses. Crianças (VO): 15-30 mg/kg/dia, de 12/12 h. Crianças (IV): 75-150 mg/kg/dia, de 8/ 8 h. Adultos: 0,5-1,5 g, IV, de 8/8 h, dose máxima de 9 g/dia; 125-500 mg, VO, a cada 12 h. Efeitos adversos. Hipersensibilidade (exantema maculopapular, urticária, febre, eosinofilia, broncoespasmo, anafilaxia). Alguns pacientes alérgicos à penicilina também o são às cefalosporinas. Tromboflebites, teste de Coombs positivo, raramente hemólise, granulocitopenia e

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trombocitopenia. Diarreia, necrose tubular aguda e nefrite intersticial (raras), aumento das transaminases, fosfatase alcalina e desidrogenase lática.

CETAMINA Nomes comerciais. Clortamina®, Ketamin S®. Apresentação. Fr de 10 mL com 50 mg/mL. Doses. Sedação em crianças: 0,25-2 mg/kg/dose, IV. Analgesia: 2 mg/kg/dose, IM, máximo 7 mg/kg. Adultos: 3-8 mg/kg, IM, ou 1-4,5 mg/kg, IV. Efeitos adversos. Hipertensão, aumento do débito cardíaco, depressão miocárdica paradoxal, taquicardia, disforia, aumento da salivação, aumento da pressão intracraniana, alucinações visuais, pesadelos, tremores, movimentos tônico-clônicos, bradicardia, hipotensão, anorexia, náusea, vômito, diplopia, nistagmo, aumento da pressão intraocular, depressão respiratória, apneia, laringoespasmo.

CETIRIZINA

Doses. De 6 meses a 1 ano: 2,5 mg/dose, 1×/dia. De 1-2 anos: 2,5 mg/dose, 1 ou 2×/dia. De 2-5 anos: 2,5-5 mg/dose, 1×/dia. Acima de 6 anos: 5-10 mg, 1×/dia. Efeitos adversos. Sedação (mais do que com os outros anti-histamínicos de segunda geração), cefaleia, tontura, agitação, fadiga, boca seca, desconforto gastrintestinal, diarreia, constipação, náusea, vômito. Menos comumente podem ocorrer reações anafiláticas, angioedema, ataxia, alteração do paladar, confusão, irritabilidade, convulsão, parestesias, hipertonia, tremores, cãibras, zumbido, taquicardia, palpitação, hipertensão, epistaxe, erupção cutânea, fotossensibilidade, retenção urinária, visão borrada. Apesar da descrição de ausência de efeitos anticolinérgicos, estes constam na lista dos possíveis efeitos adversos.

CETOCONAZOL Nomes comerciais. Candoral®, Cetomizol®, Cetonax®, Cetoneo®, Cetonil®, Cetonin®, Nizoral®. Apresentação. Cpr de 200 mg. Doses. Crianças até 20 kg: 50 mg, 1×/dia; de 20-40 kg: 100 mg, 1×/dia; > 40 kg: 200 mg, 1×/dia. Efeitos adversos. Os mais comuns são náuseas, vômitos, anorexia e dor abdominal (até 10-20%). Aumento de transaminases (5-10%), hepatite (1:10.000 pacientes) e necrose hepática fatal podem ocorrer. Prurido (2%), exantema alérgico (4-10%) e febre ocorrem menos comumente. Depressão e alterações endócrinas (diminuição do cortisol e testosterona), são reversíveis com a parada da droga (principalmente com doses mais elevadas, tempo de tratamento prolongado e uso associado ao inibidor do CIP3A4). Supressão adrenal (diminuição do ACTH) também está descrita nesse cenário clínico.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais e apresentações. Alerzin®, Aletir®, Zetalerg® (cpr 10 mg, susp com 5 mg/ 5 mL), Cetrizin® (cpr 10 mg, susp com 10 mg/mL), Cetihexal®, Zinetrin® (cpr 10 mg).

CETOPROFENO Nomes comerciais. Artrinid®, Artrosil®, Bi-profenid®, Flamador®, Profenid®. Apresentações. Amp de 2 mL com 50 mg/mL; cps de 50 mg; pó liofilizado com 100 mg; cps LP de 160 e 320 mg; cpr de 150 mg; cpr retard de 200 mg; cpr (entérico) de 100 mg; sol oral gts de 20 mL com 20 mg/mL (1gt = 1mg); supositório de 100 mg. Doses. > 1 ano: 1 gt/kg, de 6/6 ou 8/8 h; 7-11 anos: 25 gts, de 6/6 ou 8/8 h; > 11 anos: 50 gotas, de 6/6 ou 8/8 h; adultos: 50-75 mg, 3-4×/dia (máximo de 300 mg/dia). Efeitos adversos. Cefaleia, dor abdominal, dispepsia, náusea, constipação, flatulência, edema, hipertensão, tontura, sonolência, vertigem, úlcera péptica, sangramento do TGI. Menos comumente: erupção cutânea, prurido, broncoespasmo, disfunção renal, nefrite tubulointersticial, IR aguda, visão anormal, reações anafiláticas, convulsão, hepatite, IH, síndrome de Stevens-Johnson.

CETOTIFENO Nomes comerciais. Asdron®, Asmofen®, Broncoton®, Zaditen®.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Cpr liberação lenta de 2 mg, cpr sulcado de 1 mg, xpe com 1 mg/5 mL, sol oral com 1 mg/mL (1 mL = 30 gts). Doses. De 6 meses a 3 anos: 1 gt/kg/peso, de 12/12 h; > 3 anos: 1 mg, de 12/12 h. Adultos: 2 mg à noite ou 1 mg 2×/dia. Efeitos adversos. Sedação; raramente, boca seca e tontura, que tendem a desaparecer com a continuação do tratamento. Ocasionalmente, excitação, irritabilidade, insônia, nervosismo, aumento de peso, aumento de enzimas hepáticas e casos isolados de reações cutâneas.

CIANOCOBALAMINA (VITAMINA B12)

Nomes comerciais. Bedozil®, Cronobê®, Rubranova® (hidroxicobalamina). Apresentação. Amp de 1.000 e 5.000 mg de 2 mL. Doses. Dose profilática em lactentes: 2,6 µg/dia. Anemia perniciosa sem complicações: neonatos: 1.000 µg/dia, por 14 dias; manutenção: 50 µg/mês; crianças: 100 µg/dia até acumular 1.000-5.000 µg/dia; manutenção: 100 µg/mês. Anemia perniciosa com manifestações neurológicas: 1.000 µg, IM, 1×/semana. Efeitos adversos. Trombose vascular periférica, prurido, urticária, exantema, hipocalemia, diarreia, rinite (cianocobalamina gel nasal), reações de hipersensibilidade, dor no local da injeção.

CIMETIDINA Nomes comerciais. Carbostride®, Cimedax®, Cimetetax®, Cimetidina®, Cimetinax®, Cimetival®, Cintidina®, Cinton®, Climatidine®, Gastidin®, Prometidine®, Tagamet®, Ulcedine®, Ulcerac®, Ulcerase®, Ulcimet®, Ulcinax®.

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Apresentações. Cpr de 200, 400 e 800 mg; amp de 300 mg; sol oral de 200 mg/5 mL. Doses. Neonatos: VO, IM ou IV: 5-10 mg/kg/dia, divididos a cada 8-12 h. Lactentes: VO, IM ou IV: 10-20 mg/kg/dia, divididos a cada 6-12 h. Crianças: VO, IM ou IV: 20-40 mg/kg/ dia dividido a cada 6-12 h. Adultos: úlcera duodenal e úlcera gástrica: 800 mg/dia, VO, dose única à noite, ou 400 mg, 2×/dia; uso parenteral de 300 mg, a cada 6 h ou 37,5 mg/h em infusão contínua. Prevenção de úlcera de estresse: 50 mg/h, IV, em infusão contínua. Estados hipersecretores: 300-600 mg, a cada 6 h, VO, IM ou IV (não exceder 2,4 g/dia). Doença do refluxo gastresofágico: 400 mg, 4×/dia, VO, ou 800 mg, 2×/dia. Efeitos adversos. Cefaleia, vertigem, sonolência, agitação, náusea, vômito, erupções cutâneas e ginecomastia são os mais frequentes. Aumento dos níveis de transaminases e creatinina, hepatite, pancreatite aguda, estados confusionais, depressão, trombocitopenia, leucopenia, agranulocitose, pancitopenia, anemia aplásica, febre, mialgia, artralgia, taquicardia, bradicardia, vasculite, anafilaxia, alopecia, impotência.

CIPROEPTADINA Nomes comerciais. Periactin®, Cobactin®, Cobavit®, Cobaglobal® e Cobavital®.

Doses. Crianças de 2-6 anos: 2 mg/dose, de 8/8 ou 12/12 h; máximo de 12 mg/dia; de 7-14 anos: 4 mg/dose, de 8/8 ou 12/12 h; máximo de 16 mg/dia. Adultos: condições alérgicas: 4-20 mg/dia ÷ 3. Enxaqueca: 4-8 mg/dia ÷ 3. Espasticidade pós-lesão medular: 4 mg/dose, 3-4×/dia. Orexígeno: 2-8 mg/dose × 4. Efeitos adversos. Sedação, sonolência, cefaleia, tontura, agitação, fadiga, diarreia, constipação, náusea, vômito, artralgia, aumento de peso e do apetite. Menos comumente podem ocorrer broncoespasmo, epistaxe, depressão do SNC, anemia hemolítica, aumento das transaminases, hepatite, leucopenia, convulsão, trombocitopenia, erupção cutânea, fotossensibilidade, urticária, angioedema, taquicardia, edema, palpitação, retenção urinária, visão borrada.

CLARITROMICINA Nomes comerciais. Claricid UD®, Klaricid®, Klaritril®. Apresentações. Cpr de 250 e 500 mg; susp com 125 ou 250 mg/5 mL. Doses. Crianças: 15 mg/kg/dia, VO ou IV, divididos de 12/12 h. Adultos: 250-500 mg, VO ou IV, de 12/12 h. Efeitos adversos. São pouco frequentes, incluindo náuseas, vômitos, dor abdominal, cefaleia e tonturas. Pode ocorrer perda auditiva relacionada ao uso de doses elevadas. A infusão IV pode causar dor e flebite.

CLEMASTINA Nome comercial. Agasten®. Apresentações. Cpr de 1 mg; xpe com 0,25 mg/5 mL. 977

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Cpr de 4 mg ou xpe com 2 mg/5 mL.

Doses. Crianças até 1 ano: 0,125 mg/dose, de 12/12 h; 1-3 anos: 0,125-0,250 mg/dose, de 12/12 h; 3-6 anos: 0,250 mg/dose, de 12/12 h; 6-12 anos: 0,375 mg/dose, de 12/12 h; > 12 anos: 0,75-1mg/dose, de 12/12 h. Efeitos adversos. Sedação, sonolência, cefaleia, tontura, agitação, fadiga, diarreia, constipação, náusea, vômito, artralgia, mialgia, aumento de peso e do apetite, broncoespasmo, epistaxe, depressão do SNC, ataxia, agitação, parestesias, aumento das transaminases, hepatite, erupção cutânea, fotossensibilidade, urticária, angioedema, bradicardia, edema, palpitação, retenção urinária, visão borrada.

CLINDAMICINA Nomes comerciais. Clindamin C®, Dalacin T®, Dalacin V®, Clindarix®, Dalacin C®. Apresentações. Amp de 300, 600 ou 900 mg; cps com 300 mg.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças (VO): 10-30 mg/kg/dia, em 3 ou 4 doses diárias; máximo de 2.000 mg/dia. Crianças (via parenteral): 25-40 mg/kg/dia, em 3 ou 4 doses diárias. Adultos: 150-450 mg, VO, de 6/6 h; 600-900 mg, IV ou IM, de 8/8 h. Efeitos adversos. Anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, gosto metálico, aumento das enzimas hepáticas, colite pseudomembranosa, granulocitopenia, trombocitopenia, discrasias sanguíneas, bloqueio neuromuscular, exantema cutâneo, febre e eritema multiforme exsudativo (síndrome de Stevens-Johnson). Se usada IV, pode causar tromboflebites.

CLOBAZAM Nomes comerciais. Frisium®, Urbanil®. Apresentações. Cpr de 10 e 20 mg. Doses. Crianças: 0,5-1,5 mg/kg/dia, VO, em 2-3 tomadas. Adultos: dose usual: 10-60 mg/kg/dia, fracionados em 2 tomadas. Efeitos adversos. Mais comumente, podem ocorrer déficit de atenção, sedação, sonolência, impulsividade, irritação. Também podem ocorrer amnésia anterógrada, ansiedade de rebote, agressividade, déficit de memória e de cognição, dependência, confusão, despersonalização, desrealização, desinibição, anorgasmia, diminuição da libido, depressão, aumento ou diminuição do apetite, hipersensibilidade aos estímulos, retenção urinária, boca seca, visão borrada, palpitação, rash, prurido, aumento da salivação, diarreia, constipação, alteração da função hepática, icterícia, disartria, apneia, sudorese, tontura, bradicardia, hipotensão, tontura, convulsão.

CLONAZEPAM Nomes comerciais. Clonotril®, Rivotril®, Uni clonazepax®. Apresentações. Cpr de 0,25, 0,5 e 2 mg; fr de 20 mL com 2,5 mg/mL.

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Doses. Crianças: dose inicial: 0,01-0,03 mg/kg/dia, de 8/8 ou 12/12 h; dose de manutenção: 0,1-0,2 mg/kg/dia, de 8/8 h; dose máxima: 0,5 mg/dia. Em adultos, iniciar com 0,25-0,5 mg, até 3×/dia, aumentando 0,5 mg a cada 3 dias se necessário. Efeitos adversos. Mais comumente (> 1%), ocorrem sonolência, tontura, incoordenação motora, ataxia, disartria, depressão, distúrbios de memória, fadiga, dermatite, reações alérgicas, diminuição da libido, anorexia, constipação, diarreia, boca seca. Menos comumente, podem ocorrer abstinência, agitação, agressividade, alteração das enzimas hepáticas, amnésia anterógrada, anorgasmia, irregularidades menstruais, bradicardia, convulsões, déficit cognitivo, dependência, depressão, desinibição, despersonalização, desrealização, diplopia, disartria, disforia, distonia, ganho de peso, gosto metálico, hiperacusia, icterícia, incontinência urinária, impotência, insônia de rebote, parestesias, pesadelos, retenção urinária, vertigens, visão borrada, diminuição das células sanguíneas (rara).

CLORANFENICOL Nomes comerciais. Quemicetina®, Sintomicetina®. Apresentações. Cps com 250 ou 500 mg; fr-amp com 1 g; xpe com 156 mg/5 mL, 100 mL.

Efeitos adversos. Aplasia de medula pode ocorrer durante ou após o tratamento e independe da via de administração; depressão medular reversível (leucopenia e/ou anemia e/ou trombocitopenia) relacionada a níveis séricos elevados. Síndrome cinzenta (distensão abdominal, cianose e colapso vasomotor) ocorre em prematuros e em recém-nascidos e está relacionada a níveis séricos altos. Reações de hipersensibilidade (eritema, febre e anafilaxia). Náuseas, vômitos, diarreia, glossite, estomatite, irritação peritoneal. Neurite óptica, cefaleia, neurite periférica, depressão, oftalmoplegia, confusão mental e diátese hemorrágica podem ocorrer após uso prolongado (diminuição da produção de fatores de coagulação dependentes da vitamina K).

CLOROQUINA Nomes comerciais. Diclokin®, Palustar®, Quinacris®. Apresentações. Cloroquina: cpr de 150 mg e 250 mg; difosfato de cloroquina: cpr de 250 mg. Doses. VO: dose inicial de 10 mg/kg, seguir com 5 mg/kg, 6, 24 e 48 h após a dose inicial. Uso profilático (VO): 5 mg/kg, 1×/semana (máximo de 300 mg). Efeitos adversos. Cefaleia, náuseas, vômitos, visão turva, tonturas, fadiga e confusão mental. Raramente, despigmentação dos cabelos, opacidade corneana, perda de peso, insônia, leucopenia, mialgias, prurido, piora da psoríase, discrasias sanguíneas, psicose e fotofobia.

CLORPROMAZINA Nomes comerciais. Amplictil®, Clopsina®, Clorpromaz®, Clorpromazina®, Longactil®.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças: 50-100 mg/kg/dia, de 6/6 ou 8/8 h. Adultos: 12,5-25 mg/kg/dose, VO = IV, de 6/6 h; dose máxima de 4,8 g/dia.

Apresentações. Cpr de 25 e 100 mg; amp de 5 mL com 25 mg; fr com 40 mg/mL (1 gt = 1 mg). Doses. Antiemético: crianças > 2 anos: 1-4 mg/kg/dia, VO, de 8/8 h. Psicose: 0,5-1 mg/ kg/dose, IM; adultos: 25 mg/dose. Dose máxima: 75 mg/dia. Efeitos adversos. Os efeitos adversos mais comuns são aumento do apetite e do peso, boca seca, constipação, hipotensão postural, sedação, taquicardia, tonturas e alterações não específicas no eletrocardiograma (ECG). Menos comumente, podem ocorrer acatisia, pseudoparkinsonismo, síndrome extrapiramidal, discinesia tardia, síndrome neuroléptica maligna, convulsões, fotossensibilidade, descoloração da pele, aumento da secreção de prolactina, retenção urinária, distúrbios da ejaculação, impotência, agranulocitose, eosinofilia, leucopenia, anemia hemolítica, trombocitopenia, icterícia, retinopatia pigmentar, depósitos pigmentares na córnea e na conjuntiva.

CLORTALIDONA Nome comercial. Higroton®.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Cpr de 12,5, 25 e 50 mg. Doses. Crianças: dose inicial de 0,5-1 mg/kg/48 h; dose máxima de 1,7 mg/kg/48 h. Adultos: 12,5-50 mg/dia, em dias alternados ou 3×/semana. Efeitos adversos. São muito comuns: hipocalemia, hiperuricemia e aumento dos lipídeos sanguíneos. Comumente ocorrem: hiponatremia, hipomagnesemia, hiperglicemia, impotência, rash cutâneo e urticária. Raramente, podem ocorrer: glicosúria, piora do estado metabólico do DM. Está também associada à fotossensibilidade, hipotensão postural, arritmias cardíacas, anorexia, náuseas e vômitos, parestesias, cefaleia, nefrite intersticial aguda, edema pulmonar.

CODEÍNA Nomes comerciais. Codein ®, Tylex® (associada com paracetamol). Apresentações. Amp de 2 mL (30 mg/mL); cps com 30 e 60 mg; cps de 7,5 mg quando associada ao paracetamol; xpe com 3 mg/mL. Doses. VO: crianças de 2-6 anos: 0,5-1 mg/kg/dose, 4-6×/dia (máximo de 30 mg/dia); > 6 anos: 5-10 mg/dose, 4-6×/dia (máximo de 60 mg/dia); adultos: 30-60 mg/dose, 4-6×/dia. Efeitos adversos. > 10%: tontura, constipação. 1-10%: taquicardia ou bradicardia, hipotensão, cefaleia, confusão, rash, urticária, boca seca, anorexia, náusea, vômito, aumento de TGO/TGP, fraqueza, visão borrada, dispneia. < 1%: convulsões, alucinações, insônia, depressão do SNC, pesadelos.

CROMOGLICATO DE SÓDIO Nome comercial. Intall®.

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Apresentações. Cps com pó para inalação de 20 mg; fr de 5 mL a 4%; aerossol com 5 mg/ jato. Doses. Cps com pó para inalação: 1 cps, de 6/6 h. Spray: 5 mg/dose, de 6/6 h. Sol para inalação a 2%: 2 mL por inalação, de 6/6 h. Efeitos adversos. Tosse após inalação, dor de garganta, gosto ruim na boca.

DEFLAZACORT Nomes comerciais. Calcort®, Deflaimmun®, Deflanil®, Denacen®. Apresentações. Cpr de 6, 7,5 e 30 mg; fr de 6,5 ou 13 mL com 22,75 mg/mL.

Efeitos adversos. Incluem insônia, pesadelos, nervosismo, ansiedade, euforia, delírio, alucinações, psicose, cefaleia, tontura, aumento do apetite, hirsutismo, hiper ou hipopigmentação, osteoporose, petéquias, equimoses, artralgia, catarata, glaucoma, epistaxe, amenorreia, síndrome de Cushing, insuficiência adrenal, hiperglicemia, DM, supressão do crescimento, retenção de água e sódio, edema, aumento da PA, convulsão, perda de massa muscular, fraqueza, fadiga, miopatia, redistribuição da gordura corporal (acúmulo na face, região escapular [giba] e abdome), aumento dos ácidos graxos livres, hipocalemia, alcalose, policitemia, leucocitose, linfopenia, aumento da suscetibilidade a infecções, reativação de tuberculose latente, osteonecrose (necrose avascular ou séptica).

DESLORATADINA Nome comercial. Desalex®. Apresentações. Cpr 5 mg; xpe com 2,5 mg/5 mL. Doses. Crianças de 2-5 anos: 1,25 mg, dose única diária. Crianças de 6-12 anos: 2,5 mg, dose única diária. Adultos: 5 mg, dose única diária. Efeitos adversos. Cefaleia, fadiga, sonolência, tontura, dismenorreia, boca seca, náusea, dispepsia, mialgia, faringite. Menos comumente, podem ocorrer anafilaxia, aumento das enzimas hepáticas, aumento das bilirrubinas, edema, reações de hipersensibilidade, prurido, urticária, palpitação, taquicardia.

DEXAMETASONA Nomes comerciais. Adrecon®, Decadron®, Deflaren®, Dexa-citoneurin®, Dexacobal®, Dexacronobê®, Dexaden®, Dexador®, Dexagil®, Dexaneurin®, Dexazona®, Metaxon®, Vitatonus dexa®. Apresentações. Cpr de 0,5, 0,75 e 4 mg; fr elixir com 100 e 120 mL com 0,1 mg/mL; amp de 1 mL com 2 mg; amp de 2,5 mL com 10 mg.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças: 0,22-1,65 mg/kg/dia. Adultos: dose inicial de 120 mg; dose de manutenção de 6-90 mg/dia.

Doses. Anti-inflamatório: 0,08-0,3 mg/kg/dia ou 2,5-10 mg/m2/dia, a cada 6-12 h. Edema cerebral: dose inicial de 1-2 mg/kg; após, 1-1,5 mg/kg/dia, de 6/6h. Meningite: 0,15 mg/kg/dose. Edema de glote: 0,6 mg/kg/dose. Efeitos adversos. Incluem insônia, pesadelos, nervosismo, ansiedade, euforia, delírio, alucinações, psicose, cefaleia, tontura, aumento do apetite, hirsutismo, hiper ou hipopigmentação, osteoporose, petéquias, equimoses, artralgia, catarata, glaucoma, epistaxe, amenorreia, síndrome de Cushing, insuficiência adrenal, hiperglicemia, DM, supressão do crescimento, retenção de água e sódio, edema, aumento da PA, convulsão, perda de massa muscular, fraqueza, fadiga, miopatia, redistribuição da gordura corporal, aumento dos ácidos graxos livres, hipocalemia, alcalose, policitemia, leucocitose, linfopenia, aumento da suscetibilidade a infecções, reativação de tuberculose latente, osteonecrose.

DEXCLORFENIRAMINA Nomes comerciais. Polaramine®, Alergonil®, Alergyo®, Alermine®, Dexclorgel®, Dexmin®, Histamin®, Lestamil®, Polaryn®, Polaren®, Descoflan®, Hystin®, Celestamine®, Celerg®, Celergin®, Celetil®, Celestamed®.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Drg de liberação lenta de 6 mg; cpr de 2 mg; xpe com 2 mg/5 mL. Doses. Crianças: 0,15 mg/kg/dia, de 6/6 h. De 2-5 anos: 0,5 mg/dose, de 6/6 h; de 6-12 anos: 1 mg/dose, de 6/6 h; > 12 anos: 2 mg, de 6/6 h. Efeitos adversos. Sedação intensa, sonolência, cefaleia, agitação, fadiga, diarreia, constipação, náusea, vômito, aumento de peso e do apetite, erupção cutânea, fotossensibilidade, urticária, palpitação, retenção urinária, poliúria, visão borrada, diplopia, hepatite, convulsão, depressão.

DIAZEPAM Nomes comerciais. Ansilive ®, Calmociteno®, Diazefast®, Diazepam NQ ®, Dienpax ®, Menostress®, Noan®, Uni diazepax®, Valium®. Apresentações. Cpr de 5 e 10 mg; amp de 2 mL com 10 mg. Doses. Sedação, relaxamento muscular e ansiedade: crianças: 0,05-0,3 mg/kg/dose, VO, em 3-4 tomadas. Dose média: 0,1-0,8 mg/kg/dose. Adultos: iniciar com 5-10 mg, 1×/dia, VO, à noite, aumentando progressivamente quando necessário; dose usual de 20 mg/dia, em 2-4 tomadas. Anticonvulsivante: crianças: 0,05-0,3 mg/kg/dose, IV. Adultos: 10 mg, IV. Dose fácil: 0,3 mg/kg/dose = peso x 0,06 = mL da ampola de 10 mg/2 mL . Efeitos adversos. Os efeitos adversos mais comuns (> 1%) são abstinência, sonolência, sedação, déficit de atenção, ataxia. Também podem ocorrer hipotensão, amnésia anterógrada, agitação, agressividade, insônia, cefaleia, ansiedade, depressão, vertigem, confusão, rash, diminuição da libido, anorgasmia, constipação, náusea, vômitos, boca seca, incontinência, retenção urinária, bradicardia, icterícia, alteração da função hepática, disartria, tremor, visão borrada, diplopia, diminuição da frequência respiratória, apneia, déficit cognitivo, desrealização, despersonalização, desinibição, convulsões.

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DICLOFENACO Diclofenaco sódico Nomes comerciais. Artren®, Alginac®, Belfaren ®, Biofenac®, Clofenid ®, Deltaflogin ®, Desinflex®, Diclac®, Diclofenaco®, Diclonatrium®, Diclonax®, Diclosod®, Difenan®, Dioxaflex®, Dinaren®, Fenaren®, Flexamina®, Flodin duo®, Hiclofen®, Infladoren®, Inflamax®, Kindaren®, Olfen®, Optamax®, Ortoflan®, Prodofenaco®, Reuflen®, Voltaflan®. Apresentações. Cpr de 50 mg; cpr retard de 100 mg; cpr SR de 75 mg; amp de 3 mL com 25 mg/mL; supositório de 50 mg.

Diclofenaco potássico Nomes comerciais. Abiflan®, Benevran®, Cataflam®, Cataflexym®, Cataren®, Clofen K®, Diclo P®, Diclokalium®, Diclonil®, Dicloton®, Doriflan®, Fenaflan®, Fisioren®, Flanakin®, Flogan®, Globaren®, Lisopan®, Neotaflan®, Poltax®, Reumadil®, Voltrix®. Apresentações. Cpr ou drg de 50 mg; cpr dispersíveis de 50 mg; cpr AP de 100 mg; fr-gts de 20 mL com 15 mg/mL; amp de 3 mL com 25 mg/mL; supositório de 12,5 e 75 mg; susp oral de 120 mL com 2 mg/mL.

Diclofenaco resinato Apresentação. Fr-gts de 20 mL com 15 mg/mL. Doses. Crianças > 1 ano: 2-3 mg/kg/dia, VO, de 8/8 ou 12/12 h. > 12 anos: 50 mg, de 8/ 8 ou 12/12 h. As apresentações orais retard podem ser usadas na dose de 100 mg/dose, de 12/12 h ou 1×/dia. Efeitos adversos. Cefaleia, tontura, náusea, prurido, rash, retenção hídrica, dor abdominal, constipação, diarreia, dispepsia, flatulência, edema, alterações de visão, úlcera péptica, sangramento do TGI, aumento das transaminases, agranulocitose, anemia, hemólise, trombocitopenia, meningite asséptica, broncoespasmo, hepatite, nefrite intersticial, insuficiência renal aguda, síndrome nefrótica, pancreatite, eritema multiforme, síndrome de Stevens-Johnson.

DIFENIDRAMINA Nome comercial e apresentação. Difenidrin® (amp de 1 mL com 50 mg). Doses. Crianças: 1-2 mg/kg/dose, EV, a cada 6 horas (a dose máxima é 50 mg). Adultos: 5 mg/dose, EV. Efeitos adversos. Sedação intensa (é o anti-histamínico de primeira geração de maior efeito sedativo), sonolência, cefaleia, tontura, agitação, fadiga, tremores, diarreia, constipação, náusea, vômito, artralgia, mialgia, aumento de peso e do apetite, broncoespasmo, erupção cutânea, fotossensibilidade, urticária, taquicardia, hipotensão, palpitação, retenção urinária, disúria, visão borrada, anemia hemolítica, leucopenia, plaquetopenia.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais. Biofenac®, Cataflam®, Cataflexym®, Diclofenaco®, Voltrix®.

DIGOXINA Nomes comerciais. Cimecard®, Darrowcor®, Digox®, Digoxen®, Lanoxin®, Valoxin®. Apresentações. Cpr com 0,25 mg; elixir com 50 µg/mL. Doses. Digitalização: prematuro: 10-20 µg/kg; neonato a termo: 25-35 µg/kg; lactentes: 40-50 µg/kg; pré-escolares: 30-40 µg/kg; escolares: 20-40 µg/kg; adolescentes e adultos: 10-15 µg/kg ou 0,25 mg/dose, de 12/12 h. Manutenção: prematuro: 5-7,5 µg/kg/dia, de 12/12 h; neonato a termo: 6-10 µg/kg/dia, de 12/12 h; lactentes (1 mês a 2 anos): 10-15 µg/kg/dia, de 12/12 h; pré-escolares (2-5 anos): 7,5-10 µg/kg/dia, de 12/12 h; escolares (5-10 anos): 5-10 µg/kg/dia, de 12/12 h; > 10 anos: 2,5-5 µg/kg ou 0,25 mg/dose, de 12/12 h; adolescentes e adultos: 0,125-0,25 mg de 24/24 h ou 12/12 h; dose máxima: 0,5 mg/dia. A dose EV é 60-75% da dose VO (nível sérico ideal antes da próxima dose: entre 0,8 e 2 ng/mL). Efeitos adversos. Gastrintestinais (anorexia, náuseas, vômitos, diarreia), neurológicos (malestar, fadiga, confusão, vertigem, xantopsia), cardiológicos (palpitações, arritmias, síncope), sanguíneos (nível sérico de digoxina elevado; pode estar normal quando o potássio está baixo e causar toxicidade).

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

DIMENIDRINATO Nomes comerciais. Dramavit®, Dramin®, Neodrin®. Associados com piridoxina: Dimenidrin®, Dramavit B6®, Dramin B6®, Nausicalm®, Nausilon B6®. Apresentações. Cpr de 50 e 100 mg; amp 30 mg/10 mL (para uso IV) e 50 mg/mL (para uso IM); gts com 1 mg/gota. Doses. 5 mg/kg/dia, de 6/6h. Dose máxima até 6 anos: 75 mg/dia; de 6-12 anos: 150 mg/ dia; > 12 anos: 300 mg/dia. Adultos: 50-100 mg/dose, a cada 4-6 h, não ultrapassando 400 mg/dia. Efeitos adversos. Sonolência, sedação, insônia, tontura, borramento visual, nervosismo, retenção urinária, disúria, acufenos, febre, fotofobia, diplopia, hipotensão, taquicardia, xerostomia, diarreia, desconforto abdominal, náusea, vômitos, anemia.

DIMETICONA Nomes comerciais. Anflat®, Dimetiliv®, Dimetiliv max®, Dimezin®, Finigas®, Flagass®, Flatex®, Flatol®, Flatol max®, Flu colic®, For gás®, Freegas®, Gastroflat®, Gastroflat max®, Gazyme®, Luftal max®, Luftal®, Luftcona®, Luftrin®, Mylicon®, Neo dimeticon®, Sanagas®, Sintaflat®. Apresentações. Cpr de 40, 125 e 150 mg; fr-gts com 10 ou 15 mL com 75 mg/mL (2,5 mg/ gt). Doses. Lactentes: 4-6 gts/dose (até 8 gts), 3×/dia. Até 12 anos: 6-12 gts/dose, 3×/dia. >12 anos: 40-125 mg/dose, 3-4×/dia. Dose máxima de 500 mg/dia. Efeitos adversos. Pode ocorrer constipação.

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DIPIRONA Nomes comerciais. Algirona®, Anador®, Analgesil®, Apiron®, Baralgin®, Conmel®, Difebril®, Dipima®, Dipigina®, Dipigima®, Dipiran®, Dipirona®, Doralex®, Dorfebril®, Dorilan®, Dornal®, Dorona®, Dorostil®, Dorpinon®, DS500®, Findor®, Lombor®, Magnopyrol®, Maxiliv®, Nofebrin®, Novagreen®, Novalex®, Novalgina®, Pirofebran®, Prodopirona®, Termopirona®. Apresentações. Sol gts de 10 ou 20 mL com 500 mg/mL; amp de 2 mL com 500 mg/mL; cpr de 500 mg; sol oral de 100 mL com 50 mg/mL; supositório infantil de 300 mg; supositório adulto com 1.000 mg. Doses. Sol 50 mg/mL = 25 mg/gt. Lactentes: 10 mg/kg/dose (0,4 gt/kg/dose), VO, a cada 6 h. Pré-escolar: 15 mg/kg/dose (0,6 gt/kg/dose), VO, a cada 6 h. Escolar: 25 mg/kg/dose, VO, a cada 6 h (1 gt/kg/dose). EV: 15 mg/kg/dose = 0,03 mg/kg/dose. Crianças < 6 anos: não ultrapassar 1,5 g/dia; 6-12 anos: não ultrapassar 3 g/dia. > 12 anos não ultrapassar 4 g/dia. Dose máxima da preparação em gotas: 40 gts, 4×/dia. Adultos: 500-1.000 mg, VO, a cada 6 h.

DOMPERIDONA Nomes comerciais. Domperol®, Motilium®, Peridal®, Peridona®. Apresentações. Cpr de 10 mg; susp oral de 1 mg/mL. Doses. Crianças: 0,25-0,4 mg/kg/dose, 3×/dia; susp 1 mg/mL = 2,5 mL para cada 10 kg/ dose. Adultos: 1 cpr de 10 mg, 3×/dia. Efeitos adversos. Cefaleia, enxaqueca, xerostomia, tontura, sintomas extrapiramidais, insônia, irritabilidade, nervosismo, prurido cutâneo, galactorreia, ginecomastia, aumento dos níveis séricos de prolactina, irregularidade menstrual, amenorreia, impotência.

DOXICICLINA Nome comercial. Vibramicina®. Apresentação. Drg de 100 mg. Doses. Crianças > 8 anos e < 45 kg: 5 mg/kg/dia, no 1o dia; após, 2,5 mg/kg/dia, de 24/ 24 h. Crianças > 8 anos e > 45 kg: 100 mg/kg/dose, de 12/12 h, no 1o dia; após, 100 mg/ dia. Efeitos adversos. Podem ocorrer náuseas, vômitos, úlceras e pancreatite. Causa descoloração do esmalte dos dentes, que apresentam cor cinza ou marrom, e retardo do desenvolvimento ósseo nos fetos e nas crianças com menos de 8 anos. Pode haver superinfecção por Candida sp., bem como diarreia por alteração da microbiota intestinal. Raramente, é causa de colite pseudomembranosa. Pode haver leucocitose, presença de linfócitos atípicos, de granulações

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Efeitos adversos. Náusea, vômito, dor abdominal, diarreia, rash, urina de coloração avermelhada, broncoespasmo, reações anafiláticas, neutropenia, anemia, agranulocitose, depressão medular, trombocitopenia, proteinúria, síndrome nefrótica, insuficiência renal aguda, hemorragia do TGI, síndrome de Stevens-Johnson.

tóxicas e de púrpura trombocitopênica. Hipersensibilidade é rara. Causa fotossensibilidade, com queimadura excessiva se houver exposição ao sol. Onicólise e pigmentação das unhas.

EBASTINA Nome comercial. Ebastel®. Apresentações. Cpr de 10 mg; xpe com 1 mg/mL. Doses. De 2-5 anos: 2,5 mL, 1×/dia; 6-12 anos: 5 mL, 1×/dia; > 12 anos: 1 cpr (10 mg), 1×/dia. Efeitos adversos. Cefaleia, boca seca, sonolência, insônia, faringite, epistaxe, dispepsia, dor abdominal, náusea. Apesar da descrição de ausência de efeitos anticolinérgicos, estes constam na lista dos possíveis efeitos adversos.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

ENALAPRIL Nomes comerciais e apresentações. Angiopril® (cpr de 5, 10 e 20 mg), Enalabal® (cpr de 5, 10 e 20 mg), Enalamed® (cpr de 5, 10 e 20 mg), Enaprotec® (cpr de 5, 10 e 20 mg), Enatec® (cpr de 5, 10 e 20 mg), Eupressin® (cpr de 2,5, 5, 10 e 20 mg), Renitec® (cpr de 5, 10 e 20 mg; amp de 5 mL com 1 g/mL), Sanvapress® (cpr de 5, 10 e 20 mg), Vasopril® (cpr de 5, 10 e 20 mg). Doses. Crianças: 0,1-0,15 mg/kg/dia, de 24/24 ou 12/12 h; dose máxima: 0,5 mg/kg/dia, de 24/24, 12/12 ou 8/8 h. Dose EV lento (correr em 5 minutos): 8-20 µg/kg/dia, de 8/8, 12/12 ou 24/24 h, ou 5-10 µg/kg/dose, de 12/12 ou 8/8 h. Dose em neonatos: 0,1 mg/ kg/dose, EV. Nas emergências: 0,04-0,8 mg/kg/dose, EV. Na insuficiência cardíaca da criança: 0,1 mg/kg/dose, de 24/24 ou 12/12 h. Adultos: em HAS, a dose diária usual varia de 2,540 mg/dia, VO, em 1 ou 2×. Em hipertensão renovascular, iniciar com 2,5-5 mg. Em ICC, a dose inicial é 2,5-5 mg, 1 ou 2×/dia. Dose máxima: 40 mg/dia. Efeitos adversos. Tosse seca, hipotensão postural, cefaleia, tontura, fadiga, sonolência, hipercalemia, aumento do ácido úrico, náuseas, aumento da creatinina sérica. Raramente, neutropenia, leucopenia e angioedema.

EPINASTINA Nome comercial. Talerc®. Apresentações. Cpr de 10 e 20 mg, xpe de 50 mL com 10 mg/5 mL. Doses. De 6-12 anos: 5 mg, 1×/dia; > 12 anos: 10 mg/dia. Efeitos adversos. Sonolência, cefaleia, tontura, fadiga, náusea, elevação das transaminases, icterícia, estomatite, erupção cutânea, urticária, palpitação, edema, epistaxe, rinite, boca seca, polaciúria, hematúria.

ERITROMICINA Nomes comerciais. Eritrex®, Ilosone®, Lisotrex®, Pantomicina®. 986

Apresentações. Cps com 250 ou 500 mg; susp com 125 ou 250 mg/5 mL; fr-amp com 1.000 mg; sol tópica. Doses. Crianças: 30-50 mg/kg/dia, de 6/6 h, não ultrapassando 4 g/dia. Adultos: 250 mg1 g, VO, de 6/6 h, e 500 mg-1 g, IV, de 6/6 h. Efeitos adversos. Irritação gástrica, diarreia, hepatite colestática (infrequente e associada ao estolato de eritromicina). Exantema, febre, eosinofilia e anemia hemolítica. O uso IV, pelas doses elevadas, pode causar arritmias cardíacas e ototoxicidade, além de flebites.

ESCOPOLAMINA (HIOSCINA) Nomes comerciais. Buscopan®, Hiospan®, Uni Hioscin®. Associados com Dipirona: Atrovex®, Binospan®, Buscopan composto®, Buscoveran®, Dorspan composto®, Escopen®, Espasmodid composto®, Hioariston®, Hiospan composto®, Kindpasm®, Neocopan®.

Doses. VO: lactentes: 3-5 gts/dose, de 8/8 h; crianças > 1 ano: 5-10 gts/dose, de 8/8 h; crianças em idade escolar: 10-20 gts/dose de 8/8 h; adultos: 20-40 gts/dose, de 8/8 h. Via IM, EV: lactentes e crianças pequenas: 5 mg/dose, de 8/8 h; crianças em idade escolar: 10 mg/dose, de 8/8 h; adultos: 20 mg/dose, de 8/8 h. Efeitos adversos. Cefaleia, confusão, ataxia, fadiga, amnésia, delírio, insônia, agitação, psicose, tremores, febre, diminuição do leite na lactação, hipotensão ortostática, fibrilação ventricular (FV), palpitação, taquicardia, constipação, disfagia, disúria, xerostomia, visão borrada, dor ocular, midríase, ciclopegia, fotofobia, pele seca, rash cutâneo, urticária, fraqueza muscular.

ESPIRAMICINA Nomes comerciais. Rovamicina®, Periodontil® (associada com metronidazol). Apresentações. Cps com 250 ou 500 mg (1.500.000 UI). Doses. Crianças: 40-50 mg/kg/dia, de 6/6 h. Adultos: 2-3 g/dia, divididos de 8/8 ou 12/12 h. Efeitos adversos. Náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, reações alérgicas.

ESPIRONOLACTONA Nomes comerciais e apresentações. Aldactone® (cpr de 25, 50 e 100 mg), Aldosterin® (cpr de 25, 50 e 100 mg), Spiroctan® (cpr de 25 e 100 mg). Doses. Neonatos: 1-3 mg/kg/dia, a cada 12-24 h, VO. Crianças: 1,5-3,3 mg/kg/dia ou 60 mg/m2/dia, a cada 6-24 h, VO. Adultos: 25-200 mg/dia, VO, em 1-2 doses/dia. Dose máxima: 200 mg/dia. Efeitos adversos. Hipercalemia; dor mamária e ginecomastia, impotência, hirsutismo; fraqueza; anorexia, gosto metálico, náuseas, vômitos; confusão, sonolência.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Drg de 10 mg; amp com 20 mg/mL e 20 mg/5 mL; gts com 10 mg/mL (0,5 mg/gota).

ETAMBUTOL Nome comercial. Não é comercializado, estando disponível somente nas unidades sanitárias dos Serviços de Saúde Pública. Apresentação. Cpr com 400 mg. Doses. 15-20 mg/kg, 1×/dia. Efeitos adversos. A neurite óptica, uni ou bilateral, é o principal efeito adverso, clinicamente caracterizada pela perda da capacidade de diferenciar as cores verde e vermelha. É dose-dependente, ocorrendo em 15% dos pacientes que recebem 15 mg/kg/dia e em menos de 1% daqueles que usam dose de 15 mg/dia. Esse efeito adverso, embora muito raro em crianças, pode ser de difícil diagnóstico pela impossibilidade de a criança relatar o distúrbio visual, principalmente aquelas com menos de 5 anos. O dano visual é geralmente reversível após a suspensão do fármaco. Reações adversas menos frequentes incluem febre, erupções cutâneas, prurido, artralgias, sintomas gastrintestinais, hiperuricemia, cefaleia, tontura, confusão mental, desorientação e alucinações.

FENITOÍNA MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais. Epelin®, Fenital®, Fenitoína®, Hidantal®, Unifenitoin®. Apresentações. Cps de 100 mg; susp com 120 mL; amp de 5 mL com 50 mg/mL. Doses. Dose de manutenção oral ou IV: 4-10 mg/kg/dia, de 8/8 ou 12/12 h, usualmente 5-7 mg/kg/dia; dose máxima: 300 mg/dia. Dose de ataque injetável: neonatos: 15-20 mg/kg, IV, máx. de 30 mg/kg; crianças: 10-15 mg/kg, IV. Efeitos adversos. Os efeitos adversos que podem ocorrer após administração IV são hipotensão, bradicardia, arritmias cardíacas, irritação venosa e dor, tromboflebite. Os efeitos adversos tóxicos relacionados são nistagmo, ataxia, sonolência, náuseas, vômitos, visão borrada, rash, prejuízo cognitivo, hiperglicemia. Os efeitos idiossincráticos são arritmias cardíacas, reações cutâneas, leucopenia, trombocitopenia, agranulocitose, anemia aplásica, febre, hiperplasia linfoide, lúpus eritomatoso sistêmico (LES), osteomalacia, hepatite, hiperplasia gengival, hirsutismo, acne, hipocalcemia, deficiência de vitamina B12 e folato, polineuropatia, atrofia cerebral.

FENOBARBITAL Nomes comerciais. Barbitron®, Fenocris®, Edhanol®, Gardenal®, Unifenobarb®. Apresentações. Cpr de 50 e 100 mg; fr para sol oral de 20 mL com 40 mg/mL (1 gt = 1 mg); amp de 1 mL com 50 µg. Doses. Dose de ataque: 20 mg/kg/dose, IV, máx. de 1g. Manutenção IV ou VO: 3-5 mg/ kg/dia, dose única ou fracionada. Adultos: 50-100 mg, VO, 2-3×/dia. Efeitos adversos. Sedação, náuseas, vômitos, constipação, ataxia, nistagmo, irritabilidade e hiperatividade em crianças, agitação paradoxal em idosos, cefaleia, disfunção cognitiva, reações cutâneas, anemia megaloblástica, agranulocitose, osteomalacia, apneia, artrite, hipoventilação. 988

FENOTEROL Nomes comerciais. Berotec®, Duovent® (com brometo de ipratrópio). Apresentações. Aerossol pressurizado com 100 µg por jato (2 mg/mL, 10 mL, 200 doses) e 200 µg (4 mg/mL, 15 mL, 300 doses), e sol para nebulização (5 mg/mL, 0,25 mg/gt). Doses. Gotas para nebulização: 1 gt/3 kg de peso, diluídas em 2-5 mL de soro fisiológico, de 4/4 a 8/8 h, máximo 10 gts/dose. Aerossol pressurizado: 100-200 µg, a cada 4-6 h. Efeitos adversos. Cefaleia (até 12%), tremor (32%) e taquicardia (até 21%) são frequentemente observados. Frequência > 10%: hiperglicemia, hipocalemia. Frequência de 1 a 10%: palpitações, tontura, nervosismo, cãibras, irritação faríngea, tosse. Frequência < 1%: agitação, reação alérgica, arritmia, broncoespasmo paradoxal, hipertensão, prurido, rash, distúrbios do sono, urticária, vômitos.

FEXOFENADINA Nomes comerciais. Allegra®, Fexodane®, Allexofedrin®, Altiva®.

Doses. De 6 meses a 2 anos: 15 mg/dose, 1 ou 2×/dia (2,5 mL). De 2-11 anos: 30 mg/ dose, 1 ou 2×/dia (5 mL). > 12 anos: 60 mg, 2×/dia, ou 120-180 mg, 1×/dia. Efeitos adversos. Cefaleia, febre, tontura, vertigem, fadiga, dismenorreia, náusea, dispepsia, dor de garganta, mialgia, otite média, tosse, sinusite, infecção das vias aéreas superiores. Menos comumente podem ocorrer reações de hipersensibilidade (anafilaxia, urticária, edema, dispneia), insônia, nervosismo, distúrbios do sono.

FLUCONAZOL Nomes comerciais. Candizol®, Fresolcan®, Flucanil®, Pantec®, Zoltec®. Apresentações. Cps com 50, 100 ou 150 mg; sol para infusão com 200 mg/100 mL. Doses. Candidíase de mucosa: 3 mg/kg/dia, 1×/dia. Uma dose de ataque de 6 mg/kg pode ser utilizada no 1o dia. Adultos: 100-400 mg/dia. Candidíase sistêmica e infecções criptocócicas: 6-12 mg/kg/dia, 1×/dia. Adultos: 200-800 mg/dia. Prevenção de infecções fúngicas em pacientes imunocomprometidos: 3-12 mg/kg/dia. Efeitos adversos. São pouco frequentes. Náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, alteração do gosto; alteração transitória das provas de função hepática, colestase hepática e necrose hepática (casos raros), hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia e hipopotassemia; cefaleia e trombocitopenia, particularmente em pacientes com AIDS; exantema alérgico (1%) e eosinofilia; muito raramente, síndrome de Stevens-Johnson, necrólise epidérmica tóxica e anafilaxia.

FLUMAZENIL Nomes comerciais. Flumazen®, Flumazil®, Lanexat®. 989

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Cps de 30 e 60 mg; cpr revestido de 120 e 180 mg; susp oral com 60 mL 6 mg/mL.

Apresentação. Amp de 5 mL (0,1 mg/mL). Doses. 0,01-0,02 mg/kg, EV, até a dose máxima de 0,05 mg/kg ou 1 mg. Efeitos adversos. Os mais comuns são náusea, vômito, sensação de frio, palpitação, cefaleia, ansiedade, nervosismo, insônia, crise de choro, euforia, depressão, agitação, tontura, labilidade emocional, ataxia, despersonalização, paranoia, vertigem, boca seca, tremor, fraqueza, parestesia, visão borrada. Menos comumente, podem ocorrer arritmias, hipotensão, dor torácica, bradicardia, convulsões.

FLUTICASONA Nomes comerciais. Fluticaps®, Flixotide®, Seretide® (com salmeterol). Apresentações. Aerossol, cps e discos com 50 e 250 µg; Seretide Diskus® (50 µg de salmeterol + 100, 250 ou 500 µg de fluticasona) e Seretide spray® (25 µg de salmeterol + 50, 125 ou 250 µg de fluticasona).

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças > 4 anos: 50-100 µg, 2×/dia. Adultos: dose baixa: 100-250 µg; dose média: 250-500 µg; dose elevada: > 500 µg. Efeitos adversos. > 10%: cefaleia, infecção do trato respiratório superior. 1-10%: tontura, febre, pele seca, prurido, irritação da pele, irritação na garganta, disfonia.

FORMOTEROL Nomes comerciais. Alenia® (formoterol + budesonida 6/100, 6/200 e 12/400 µg), Fluir®, Foradil®, Foraseq® (formoterol + budesonida 12/200 e 12/400 µg), Formocaps®, Formare®, Oxis turbo®, Symbicort® (formoterol + budesonida 6/100, 6/200 e 12/400 µg). Apresentações. Spray 6-12 µg/jato, cps de 12 µg para inalação. Doses. 6-12 µg, a cada 12 h. Efeitos adversos. > 10%: infecção viral (17%). 1-10%: dor torácica, ansiedade, tontura, febre, insônia, disfonia, rash, dor abdominal, dispepsia, gastrenterite, náusea, xerostomia, exacerbação de asma, bronquite, faringite, sinusite, dispneia. < 1%: reações anafiláticas, angina, arritmia, hiperglicemia, hipertensão, hipocalemia, acidose metabólica.

FURAZOLIDONA Nomes comerciais. Giarcid®, Giarlam®. Apresentações. Cpr de 200 mg; susp com 50 mg/5 mL. Doses. 7 mg/kg/dia, em 2-4 doses, por 7-10 dias. Adultos: 100 mg, VO, de 12/12 h, por 7-10 dias. Efeitos adversos. Náuseas, vômitos, diarreia, reações alérgicas (hipotensão, urticária, infiltrado pulmonar, febre e exantema cutâneo), hipoglicemia, cefaleia e, raramente, anemia hemolítica (em pacientes com deficiência de G6PD e em neonatos) e polineuropatia. 990

FUROSEMIDA Nomes comerciais e apresentações. Furosan® (cpr de 40 mg), Furosem® (cpr de 40 mg), Furosemida halex istar® (cpr de 40 mg; amp de 2 mL com 20 mg), Furosemide® (cpr de 40 mg; amp de 2 mL com 20 mg), Furosetron® (cpr de 40 mg; amp de 2 mL com 20 mg), Furozix® (cpr de 40 mg), Lasix® (cpr de 40 mg; amp de 2 mL com 10 mg), Urasix® (cpr de 40 mg). Doses. Neonatos: 1-4 mg/kg/dose, 1-2×/dia, VO; 1-2 mg/kg/dose, a cada 12-24h, EV. Lactentes e crianças: 1-6 mg/kg/dia, a cada 6-12 h, VO; 1-2 mg/kg/dose, a cada 6-12 h, EV; infusão contínua: 0,05 mg/kg/h – regular a dose de acordo com a resposta clínica. Adultos: 40-320 mg/dia, VO, 1-3×/dia. Dose injetável (IM ou EV): 20-40 mg/dose. Efeitos adversos. Distúrbios do equilíbrio hidreletrolítico (principalmente hipocalemia), hipovolemia, distúrbios circulatórios, hiperuricemia (raramente sintomática), distúrbios gastrintestinais (raramente), exantemas, redução dos elementos figurados do sangue, parestesias, nefrite intersticial alérgica, ototoxicidade. Doses muito altas, principalmente em pacientes com IR, podem causar necrose hepática.

GENTAMICINA Nomes comerciais. Garamicina®, Gentagran®, Gentamicil®, Gentamil®, Gentaron®, Gentax®.

Doses. Crianças até 12 anos: 6-7,5 mg/kg/dia, de 8/8 h ou dose única diária. Adultos: 3-5 mg/kg/dia, máximo de 300 mg/dia. Efeitos adversos. Nefrotoxicidade e ototoxicidade, com diminuição, principalmente, da função vestibular; bloqueio neuromuscular, em especial com o uso intrapleural ou intraperitoneal e em pacientes com miastenia grave ou sob efeito de agentes neuromusculares ou anestésicos; neurite óptica e periférica; anafilaxia e exantema (incomuns); eosinofilia, febre, discrasias sanguíneas, angioedema, dermatite esfoliativa e estomatite. Pode haver inflamação local e radiculite no uso intratecal ou intraventricular.

GRISEOFULVINA Nomes comerciais. Fulcin®, Sporostatin®. Apresentação. Cpr de 500 mg. Doses. Crianças: 10 mg/kg/dia, 1 ou 2×/dia. Adultos: 500-1.000 mg/dia, 1 ou 2×/dia. Efeitos adversos. Cefaleia (15%), algumas vezes intensa, que desaparece com a continuação do tratamento; neurite periférica, letargia, confusão mental, diminuição do desempenho em atividades diárias, fadiga, síncope, vertigem, visão borrada, edema macular transitório e acentuação dos efeitos do álcool. Pode haver psicose, insônia, perda auditiva transitória, náuseas, vômitos, pirose, diarreia, flatulência, xerostomia, albuminúria e cilindrúria sem IR e hepatotoxicidade. Leucopenia, neutropenia e agranulocitose também já foram relatados. Urticária, fotossensibilidade, eritema e exacerbação do lúpus, líquen plano e eritema multiforme (esses últimos são raros). Relato esporádico de doença do soro e angioedema (raros). Também possui efeito tipo estrógeno em crianças. Existe chance de reação cruzada com a penicilina e seus derivados. 991

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Amp com 10, 20, 40, 60, 80, 120, 160 e 280 mg.

HIDRATO DE CLORAL Nome comercial. Cloral Hidratado®. Apresentações. Fr de 100 mg/mL e de 200 mg/mL. Doses. Como sedativo: neonatos: 20-40 mg/kg/dose, VO, a cada 6-8 h; crianças: 25-100 mg/kg/dose, VO, 2-4×/dia. Adultos: 250-1.000 mg/dose, 3×/dia. Efeitos adversos. Depressão respiratória, apneia obstrutiva durante o sono, agitação paradoxal, delírio, ataxia, cefaleia, confusão, febre, hepatotoxidade, irritação gástrica, náusea, vômito, diarreia, rash, leucopenia, eosinofilia.

HIDROCLOROTIAZIDA Nomes comerciais e apresentações. Clorana® (cpr de 25 e 50 mg), Clorizin® (cpr de 25 e 50 mg), Drenol® (cpr de 50 mg), Hidrofall® (cpr de 50 mg), Hidromed® (cpr de 25 e 50 mg), Mictrin® (cpr de 50 mg).

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Neonatos e lactentes < 6 meses: 2-4 mg/kg/dia, VO, de 12/12 h, máximo de 37,5 mg/dia. Crianças e lactentes > 6 meses: 2 mg/kg/dia, VO, de 12/12 h, máximo de 200 mg/ dia. Adultos: 12,5-50 mg/dia, VO, a cada 24 h. Dose máxima de 200 mg/dia. Efeitos adversos. Hiperuricemia e aumento de crises de gota são os efeitos mais comuns. Hipotensão postural, hipotensão, hipocalemia, fotossensibilidade, anorexia, distúrbios epigástricos, náuseas, vômitos, constipação, hiperglicemia, icterícia colestática, pancreatite, cefaleia, vertigens, nefrite intersticial aguda.

HIDROCORTISONA Nomes comerciais. Cortisonal®, Cortiston®, Hidrocortex®, Hidrosone®, Solu-cortef®. Apresentações. Fr-amp com 100 e 500 mg + diluente. Doses. Anti-inflamatório ou imunossupressor: 1-5 mg/kg/dia, IV, a cada 12 ou 24 h; 2-10 mg/kg/dia, VO, a cada 8 ou 6 h. Adultos: 15-240 mg/dose, de 12/12 h, IV. Asma grave: 4-8 mg/kg/dia (máximo de 250 mg) como dose de ataque, e, após, 2 mg/kg/dose, a cada 6 h. Adultos: 100-500 mg/dose, de 6/6 h. Efeitos adversos. Incluem insônia, pesadelos, nervosismo, ansiedade, euforia, delírio, alucinações, psicose, cefaleia, tontura, aumento do apetite, hirsutismo, hiper ou hipopigmentação, osteoporose, petéquias, equimoses, artralgia, catarata, glaucoma, epistaxe, amenorreia, síndrome de Cushing, insuficiência adrenal, hiperglicemia, DM, supressão do crescimento, retenção de água e sódio, edema, aumento da PA, convulsão, perda de massa muscular, fraqueza, fadiga, miopatia, redistribuição da gordura corporal, aumento dos ácidos graxos livres, hipocalemia, alcalose, policitemia, leucocitose, linfopenia, aumento da suscetibilidade a infecções, reativação de tuberculose latente, osteonecrose.

HIDROXICLOROQUINA Nomes comerciais. Plaquinol®, Reuquinol®.

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Apresentação. Cpr de 400 mg. Doses. Artrite reumatoide e LES: 6,5 mg/kg/dia, 1-2×/dia; adultos: 200-400 mg/dia, 2×/dia. Malária: > 3 anos: 10-12 mg/kg na primeira dose, 5 mg/kg após 8h; após, 5 mg/kg/dia. Profilaxia: 6,5 mg/kg/semana; não ultrapassar 400 mg/semana. Efeitos adversos. Opacificação da córnea, retinopatia, ceratopatia, visão borrada, agranulocitose, anemia aplásica, neutropenia, trombocitopenia, alterações emocionais, psicose, neuromiopatia, ototoxicidade, convulsão, miocardiopatia, diarreia, anorexia, náusea, vômito, epigastralgia, cólicas, cefaleia, prurido, alopecia, descoloração do cabelo e da pele, hiperpigmentação, coloração azulada reversível no palato e nas unhas, tontura, nervosismo, rash, disfunção hepática.

HIDRÓXIDO DE MAGNÉSIO Nomes comerciais. Leite de magnésia®, Leite de magnésia de phillips®. Apresentações. Sol com 80 mg/mL e com 400 mg/mL.

Efeitos adversos. Hipermagnesemia, diarreia, dor abdominal, hipotensão, fraqueza muscular, depressão respiratória.

HIDROXIZINA Nomes comerciais. Hidroxine®, Hixizine®, Prurizin®. Apresentações. Cpr de 10 e 25 mg; sol oral com 10 mg/5 mL. Doses. De 0-2 anos: 0,5 mg/kg/dose ou 0,25 mL/kg, de 6/6 h; 2-6 anos: 25-50 mg/dia ou 12,5- 25 mL/dia, de 6/6 h; 6-12 anos: 50-100 mg/dia ou 25-50 mL/dia, de 6/6 h; > 12 anos: 25-100 mg/dose, 3-4×/dia. Efeitos adversos. Sedação, cefaleia, tontura, fadiga, alucinações, fraqueza, hipotensão, xerostomia, urticária, rash cutâneo, convulsões, tremores, visão borrada, reações alérgicas.

IBUPROFENO Nomes comerciais. Advil®, Algiflex®, Algy-Flanderil®, Alivium®, Artril®, Dalsy®, Doraplax®, Dorigren®, Ibufram®, Ibupril®, Ibuprofan®, Motrin®, Parartrin®, Spidufen®. Apresentações. Cpr de 200, 300, 400 e 600 mg; susp oral com 100 mg/5 mL; susp oral com 200 mg/mL; gts com 200 mg/mL; gts com 50 mg/mL; cpr revestidos de 200 e 400 mg; env granulado com 400 e 600 mg. Doses. Preparações em gotas têm usualmente 5-10 mg/gt = 1 gt/kg/dose. Analgésico: 4-10 mg/kg/dose, VO, de 6/6 ou 8/8 h. Na febre, 5-10 mg/kg/dose, até de 6/6 h. Máx. de

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças: antiácido: 2,5-5 mL/kg/dose, 4×/dia; laxativo: < 2 anos: 0,5 mL/kg/ dose; 2-5 anos: 5-15 mL/dia; 6-11 anos: 15-30 mL/dia. Adultos: dispepsia: 5-15 mL, 4×/dia; laxativo: 30-60 mL/dia.

40 mg/kg/dia. Adultos: anti-inflamatório: 400-800 mg, 3-4×/dia (máximo de 3,2 g/dia). Analgesia, antipirético: 200-400 mg, 4-6×/dia. Efeitos adversos. Edema, tontura, cefaleia, nervosismo, prurido, rash, dispepsia, náusea, vômito, dor abdominal, diarreia, constipação, flatulência, diminuição do apetite. Menos comumente, podem ocorrer delírio, meningite asséptica, alterações visuais, depressão, úlcera péptica, sangramento do TGI, eritema multiforme, síndrome de Stevens-Johnson, broncoespasmo, dispneia, aumento das transaminases, hepatite, IH, hematúria, IR aguda, hipertensão, edema, arritmias, neutropenia, inibição da ativação plaquetária, anemia aplásica, agranulocitose, hemólise, reações anafiláticas, pancreatite.

IMIPENEM/CILASTINA Nome comercial. Tienam®. Apresentação. Fr-amp com 500 mg de imipenem + 500 mg de cilastatina sódica.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Criança: 60-100 mg/kg/dia, de 6/6 h; máximo de 2 g/dia. Adulto: 1-2 g/dia, de 6/6 ou 8/8 h; máximo de 4 g/dia ou 500 mg/kg/dia. Efeitos adversos. Náuseas, principalmente se a infusão for rápida. Diarreia, reação cutânea, febre e superinfecção (por bactérias e por fungos). Pode haver reação de sensibilidade cruzada à penicilina. Também convulsão e outras manifestações de neurotoxicidade, ocorrendo com maior frequência em pacientes com lesão no SNC, história prévia de convulsões, IR e quando são administradas doses excessivas. Podem ocorrer elevação das transaminases, eosinofilia, positivação do teste de Coombs, trombocitopenia e diminuição no tempo de protrombina.

INDOMETACINA Nome comercial. Indocid®. Apresentações. Cps de 25 e 50 mg; fr-amp 1 mg. Doses. Anti-inflamatório: crianças > 2 anos: 2-4 mg/kg/dia, de 8/8 h; dose máxima: 150200 mg/dia. Persistência do canal arterial prematuro: EV primeira dose 0,2 mg/kg/dose, seguida de 2 doses 0,1 mg/kg/dose com intervalo de 12 horas. Efeitos adversos. Cefaleia, dor abdominal, dispepsia, náusea, constipação, flatulência, edema, hipertensão, tontura, sonolência, vertigem, úlcera péptica, sangramento do TGI. Menos comumente: erupção cutânea, prurido, broncoespasmo, disfunção renal, nefrite tubulointersticial, IR aguda, visão anormal, reações anafiláticas, convulsão, hepatite, IH, síndrome de Stevens-Johnson.

IPRATRÓPIO, BROMETO Nomes comerciais e apresentações. Alvent®, Ares®, Atrovent® (aerossol com 20 µg/jato), Bromovent®, Ipraneo® (sol para nebulização com 0,25 mg/mL – 20 mL), Iprabon® (sol para nebulização 0,25 mg/mL – 20 mL), Combivent® (ipratrópio/salbutamol: 20/120 µg – 10 mL), Duovent® (ipratrópio/fenoterol: 0,8/2 mg/mL – 15 mL).

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Doses. Spray: crise aguda – crianças: até 4 jatos; adultos: até 8 jatos por dose. Manutenção: até 4 anos: 2 jatos/dose, 3×/dia; 5-12 anos: 1-2 jatos/dose, 4×/dia; > 12 anos: 2-4 jatos/ dose, 4-6×/dia. Nebulização: crise aguda – crianças: até 20 gts/dose; adultos: até 50 gts/ dose. Manutenção: até 2 anos: 5-12 gotas/dose, 3-4×/dia; > 2 anos: 12-25 gotas/dose, 3-4×/dia; adultos: 40 gotas/dose, 3-4×/dia. Efeitos adversos. Relataram-se reações alérgicas, tais como rash cutâneo, angioedema de língua, de lábios e de face, urticária, laringoespasmo e reações anafiláticas com recorrência positiva, em alguns casos. Muitos pacientes têm um histórico de alergia a outras drogas e/ ou alimentos, incluindo a soja. Além disso, observaram-se as seguintes reações: aumento da frequência cardíaca, palpitações, taquicardia supraventricular e fibrilação atrial, distúrbios na acomodação visual, enjoo e retenção urinária. O risco de retenção urinária pode estar aumentado em pacientes com uropatia obstrutiva preexistente. Como ocorre com outras terapias, observou-se a ocorrência de tosse, de irritação local e de broncoespasmo induzido por inalação. As reações desagradáveis não respiratórias mais comuns foram constipação, diarreia e vômito, cefaleia e boca seca.

IVERMECTINA Nomes comerciais. Ivermec®, Revectina®, Vermectil®.

Doses. Crianças 15-24 kg: ½ cpr; 25-35 kg: 1 cpr; 36-50 kg: 1½ cpr; 51-65 kg: 2 cpr; 66-79 kg: 2½ cpr; > 80 kg: 200 µg/kg, dose única. Efeitos adversos. No início do tratamento, ocorrem sintomas provavelmente decorrentes da destruição maciça de parasitas: febre, cefaleia, tontura, prurido, edema cutâneo, adenopatias e hipotensão.

LACTULOSE Nomes comerciais. Colonac®, Farlac®, Lactulona®, Pentalac®. Apresentação. Xpe com 667 mg/mL (120 mL). Doses. Constipação em crianças: 0,3-0,5 mL/kg/dia, divididos em 1 ou 2 doses. Constipação em adultos: 15-30 mL/dia, máximo de 60 mL/dia. Efeitos adversos. Diarreia, flatulência, dor abdominal, cólicas, náuseas, vômitos.

LAMOTRIGINA Nomes comerciais. Lamictal®, Lamitor®, Neural®. Apresentações. Cpr ou cps de 25, 50 e 100 mg. Doses. Crianças < 12 anos: dose inicial: 0,15 mg/kg/dia, 1 ou 2×/dia; manutenção: 1-5 mg/kg/dia. Crianças > 12 anos: dose inicial de 25 mg, em dias alternados; dose de manutenção: 100-200 mg/dia, em 2 tomadas ou 1 ×/dia.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentação. Cpr de 6 mg.

Efeitos adversos. Os mais comuns (> 1%) incluem cefaleia, tontura, ataxia, sonolência, náusea, vômito, dor abdominal, diarreia, constipação, anorexia, diplopia, visão borrada, rinite, depressão, ansiedade, irritabilidade, confusão, dificuldade de concentração, descoordenação, amnésia, rash, tremor. Menos comuns (< 1%) são acne, IR aguda, agranulocitose, reações alérgicas, alopecia, anemia, anemia aplásica, fibrilação atrial, eritema multiforme, síndrome de Stevens-Johnson.

LEVAMISOL Nome comercial. Ascaridil®. Apresentações. Cpr de 80 ou 150 mg. Doses. Dose única diária: < 2 anos: 20 mg; 2-8 anos: 40 mg; > 8 anos: 80 mg; adultos: 150 mg. Efeitos adversos. Náuseas, vômitos, desconforto abdominal, fadiga, cefaleia, tonturas, insônia e confusão. Podem ocorrer, ainda, agranulocitose reversível, exantema cutâneo e febre.

LEVODROPROPIZINA MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais. Antux®, Percof®, Zyplo®. Apresentações. Xpe com 120 mL – 30 mg/5 mL; sol oral com 1 mg/gt ou 2 mg/gt. Doses. Crianças > 2 anos: 1 mg/kg/dose, até 3×/dia. Adultos: 10 mL ou 20 gts, até 3×/dia. Efeitos adversos. Náusea, vômito, pirose, desconforto abdominal, diarreia, cansaço, sonolência, diminuição da consciência, torpor, vertigem, cefaleia, palpitações, reações alérgicas cutâneas.

LEVOFLOXACINO Nomes comerciais. Levaquim®, Levaquin®, Levotac®, Levoxin®, Tamiram®, Tavanic®. Apresentações. Cpr revestidos de 250 ou 500 mg; fr-amp com 500 mg, bolsas com 50 mL da sol diluída em glicose a 5%, com 250 mg, e bolsas com 100 mL da sol diluída em glicose a 5%, contendo fr-amp pronto para uso com 5 mg/mL. Doses. Uso adulto: de 250-500 mg/dose de 12/12 ou 24/24 h. Efeitos adversos. Em geral, é bem tolerada. As reações adversas mais comuns incluem diarreia, náuseas, vômitos, dor abdominal, prurido, exantema, vaginite. Da mesma forma que outras quinolonas, pode provocar efeitos neurológicos adversos, como vertigem e tonturas. O paciente deve ser aconselhado a não dirigir automóvel, não operar máquinas, ou seja, não realizar atividades que exijam coordenação e alerta mental, até que se conheça sua reação à droga. Também pode provocar cefaleia, artralgias, rash, trombocitopenia, leucopenia, aumento de enzimas hepáticas.

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LIDOCAÍNA Nomes comerciais e apresentações. Lidojet® (amp de 5 mL com 100 mg; amp de 20 mL com 400 mg), Lidoston® (amp de 20 mL com 400 mg), Xylestesin 2% sem conservante – isobárica® (amp de 5 mL com 100 mg). Doses. Crianças: ataque: 1 mg/kg, a cada 5 ou 10 minutos, até 3 doses; manutenção: de 2050 µg/kg/min, EV. Adultos: ataque: 1 mg/kg, IV; repetir bolus de 0,5 mg/kg, a cada 8-10 min, até 3 mg/kg; ou 3 mg/kg, via endotraqueal, com lidocaína 4%; manutenção: 2-4 mg/min, IV. Efeitos adversos. Toxicidade de sistema nervoso central (parestesias, tremor, confusão, fala arrastada, convulsão). Bradicardia, hipotensão, bloqueio cardíaco, arritmias.

LINCOMICINA Nomes comerciais. Frademicina®, Lincoflan®, Lincomiral®, Lincomyn®, Lincoplax®, Lincotax®, Lincovax®, Lindemicina®. Apresentações. Amp com 300, 600 ou 1.000 mg.

Efeitos adversos. Colite pseudomembranosa, exantema cutâneo, reação anafilactoide, neutropenia e, talvez, hepatotoxicidade e bloqueio neuromuscular.

LINEZOLIDA Nome comercial. Zyvox®. Apresentações. Sol para infusão com 2 mg/mL; bolsas com cpr revestidos de 600 mg. Doses. Crianças > 5 anos: 10 mg/kg, de 12/12 h, até a dose máxima de 600 mg/dose, de 12/12 h. Adultos: 400-600 mg, a cada 12 h. Efeitos adversos. Cerca de 22% dos pacientes apresentam reações adversas; a maior parte dessas reações é leve e não obriga a interrupção do tratamento. As reações mais comuns são cefaleia, diarreia, náuseas, vômitos, sabor metálico, testes de função hepática anormais e candidíase vaginal. Podem ocorrer anemia, eosinofilia, trombocitopenia, neutropenia, tonturas, insônia, parestesias, visão turva, zumbidos, hipotensão ou hipertensão arterial, prurido, urticária, sudorese, exantema, dor abdominal, boca seca, dispepsia, gastrite, glossite e estomatite. O uso prolongado pode causar neuropatia periférica e supressão medular.

LORATADINA Nomes comerciais. Alergaliv®, Atinac®, Claritin®, Clistin®, Cloratadd®, Histadin®, Histamix®, Lergitec®, Loralerg®, Loranil®, Loratamed®, Loremix®, Clarilerg®, Loradine®, Lorasc®, Histalor®, Neo loratadin®. Apresentações. Cpr 10 mg, cpr 5 mg, sol/xpe com 5 mg/5 mL.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças: 10 mg/kg/dia, IM, e, em infecções graves, 10-20 mg/kg/dia, divididos de 12/12 h, IV. Se VO, usar 30-60 mg/kg/dia, divididos de 6/6 ou de 8/8 h. Adultos: 600 mg/ dia, IM; 600 mg, IV, de 8/8 ou 12/12 h, e 500 mg, VO, de 6/6 ou 8/8 h.

Doses. Crianças de 2-5 anos com menos de 30 kg: 5 mg, 1×/dia. Adultos e crianças ≥ 6 anos ou 30 kg: 10 mg, 1×/dia. Efeitos adversos. Cefaleia, sonolência, fadiga, xerostomia. Menos comumente, podem ocorrer confusão mental, amnésia, ansiedade, nervosismo, hiperatividade, dificuldade de concentração, depressão, insônia, impotência, parestesias, tremor, visão borrada, erupção cutânea, fotossensibilidade, alopecia, hipotensão, hipertensão, palpitação, alteração das enzimas hepáticas, hepatite, náusea, vômito, gastrite, dor abdominal, epistaxe, broncoespasmo, artralgia, mialgia, cãibras, dismenorreia, descoloração da urina, ganho de peso, vaginite. Apesar da descrição de ausência de efeitos anticolinérgicos, eles constam na lista dos possíveis efeitos adversos.

MANITOL Nomes comerciais e apresentações. Equiplex solução de manitol a 20%®, Manitol 20%®, Solução de manitol a 20%®, Solução de manitol a 3%®.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças: dose-teste para avaliar função renal adequada: 200 mg/kg, EV (máximo 12,5 g). Edema cerebral: dose inicial: 0,5-1 g/kg; manutenção: 0,25-0,5 g/kg, a cada 4-6 h. Adultos: Dose inicial: 0,5-1 g/kg, EV, durante 3-5 min. Manutenção: 0,25-0,5 g/kg, EV, cada 4-6 h, durante 3-5 min. Dose-teste em pacientes com oligúria: 200 mg/kg, EV, em 3-5 min. Edema cerebral: 1,5-2 g/kg/dose, EV, durante 20-30 min. Efeitos adversos. Em mais de 10% dos casos ocorrem náuseas, vômitos, dores de cabeça e poliúria. Podem ocorrer tonturas, visão borrada, convulsões, hiponatremia, desidratação e hipovolemia. Devido ao aumento de volume extracelular, ICC e edema pulmonar podem ser observados.

MEBENDAZOL Nomes comerciais. Necamin®, Novelmin®, Panfugan®, Pantelmin®, Paraverm®, Sirben®, Vermiben®, Vermoplex®. Apresentações. Cpr de 100 ou 500 mg; susp oral de 100 mg/5 mL com 30 mL. Doses. 100 mg, de 12/12 h, durante 3 dias. Efeitos adversos. Diarreia, dor abdominal, leucopenia, agranulocitose e hipospermia.

MEPERIDINA (PETIDINA) Nomes comerciais. Dolantina®, Dolosal®, Dornot®, Petinan®. Apresentação. Amp de 2 mL com 100 mg. Doses. Crianças: 1-1,5 mg/kg/dose, EV, a cada 3-4 h (dose máxima de 100 mg). Adultos: 50-150 mg, a cada 3-4 h, conforme necessário (dose máxima diária de 500 mg). Efeitos adversos. Cardiovasculares: hipotensão, taquicardia, depressão da contratilidade miocárdica; SNC: fadiga, fraqueza, tontura, sonolência, nervosismo, cefaleia, confusão, depressão do SNC, alucinações, estimulação paradoxal do SNC, aumento da pressão intracraniana, 998

convulsão e maior possibilidade de adição entre todos os opioides. Também pode causar rash, urticária, náusea, vômito, anorexia, constipação, boca seca, íleo paralítico, retenção urinária.

MEROPENEM Nomes comerciais. Mepenox IV®, Meropenen IV®, Meropenem®. Apresentações. Fr-amp de 0,5 ou 1 g. Doses. Crianças: 60 mg/kg/dia, de 8/8 h, para a maioria das indicações. Para meningite: 120 mg/kg/dia, de 8/8 h. Adultos: 0,5-1 g, IV, de 8/8 h, podendo chegar a 6 g/dia em meningites e em infecções graves por Pseudomonas aeruginosa. Efeitos adversos. Semelhantes às reações do imipenem, com exceção do risco de convulsões, que é menor.

METILPREDNISOLONA Nomes comerciais. Alergolon®, Depo-medrol®, Predmetil®, Solu-medrol®, Solupren®, Unimedrol®.

Doses. Anti-inflamatório: VO ou IM é de 0,5-1,7 mg/kg/dia, a cada 6-12 h. Adultos, IV ou IM: 60-90 mg/dose 2×/dia. Asma grave: 1 mg/kg/dose, IV, a cada 6 h, por 48 h e, após, 1-2 mg/kg/dia, dividido em 2 doses. Adultos, IV: 30-60 mg/dose 4×/dia. Efeitos adversos. Incluem insônia, pesadelos, nervosismo, ansiedade, euforia, delírio, alucinações, psicose, cefaleia, tontura, aumento do apetite, hirsutismo, hiper ou hipopigmentação, osteoporose, petéquias, equimoses, artralgia, catarata, glaucoma, epistaxe, amenorreia, síndrome de Cushing, insuficiência adrenal, hiperglicemia, DM, supressão do crescimento, retenção de água e sódio, edema, aumento da PA, convulsão, perda de massa muscular, fraqueza, fadiga, miopatia, redistribuição da gordura corporal, aumentos dos ácidos graxos livres, hipocalemia, alcalose, policitemia, leucocitose, linfopenia, aumento da suscetibilidade a infecções, reativação de tuberculose latente, osteonecrose.

METOCLOPRAMIDA Nomes comerciais. Aristopramida®, Enzilon®, Eucil®, Fluccil®, Metoclosan®, Neolasil®, Plabel®, Plagex®, Plamidasil®, Plamivon®, Plasil®, Pramil®. Apresentações. Cpr de 10 mg; amp de 10 mg/2 mL; gts adulto de 10 mg/mL; gts ped de 4 mg/mL; supositório adulto de 10 mg; supositório ped de 5 mg. Doses. VO/IM/IV: 0,1-0,2 mg/kg/dose, de 6/6 ou 8/8 h; não ultrapassar 0,5 mg/kg/dia; crianças < 6 anos não devem receber mais do que 0,1 mg/kg por dose. Dose fácil: IV: amp 10 mg/2 mL = 0,03 mL/kg/dose = 0,15 mg/kg/dose; VO: gts 4 mg/mL = 0,6 gts/kg/ dose = 0,12 mg/kg/dose. Efeitos adversos. Diarreia, náusea, hepatotoxicidade, bloqueio AV, bradicardia, hipotensão, hipertensão, retenção hídrica, sonolência, fadiga, reações distônicas agudas, confusão, de999

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Cpr de 4 mg; fr-amp de 40, 80, 125, 500 e 1.000 mg + diluente.

pressão, tontura, acatisia, alucinações, insônia, sintomas Parkinson-like, convulsões, discinesia tardia, síndrome neuroléptica maligna, broncoespasmo, agranulocitose, leucopenia, neutropenia, amenorreia, ginecomastia, rash cutâneo, urticária.

METRONIDAZOL Nomes comerciais. Dazolston®, Flagyl®, Gelmin®, Metrodax®, Metronil®, Metronin®, Metrotix®, Metroval®, Metrozol®. Apresentações. Cpr de 250, 400 ou 500 mg; susp oral com 40 mg/mL; injetável com 5 mg/ mL em 100 mL. Doses. EV ou VO: 20-30 mg/kg/dia, de 8/8 h; dose máxima de 4 g/dia. Efeitos adversos. Diarreia, dor epigástrica, náuseas, neutropenia reversível, gosto metálico na boca, urina de coloração escura, urticária, exantema, queimação uretral e vaginal, ginecomastia e, raramente, neuropatia periférica, colite pseudomembranosa, pancreatite, convulsões, encefalopatia, disfunção cerebelar e ataxia.

MIDAZOLAM MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais. Dormire®, Dormium®, Dormonid®, Induson®, Midadorm®. Apresentações. Amp de 3 mL/15 mg, 5 mL/5 mg, 10 mL/50 mg, 3 mL/15 mg; cpr de 7,5 e 15 mg. Doses. Pré-medicação anterior a procedimentos cirúrgicos ou diagnósticos (IM/EV): crianças: 0,1-0,15 mg/kg, completar com nova dose se necessário; dose total de 0,4 mg/kg para > 6 anos ou 0,6 mg/kg para < 6 anos. Dose máxima: 10 mg. Adultos: 0,07-0,1 mg/kg, IM. Via nasal: 0,2-0,3 mg/kg/dose = 0,04-0,06 mL da solução parenteral (ampola 5 mg/mL); podese administrar mais duas doses de 0,02 mL/kg com 10 minutos de intervalo. Efeitos adversos. Os mais comuns (> 1%) são depressão respiratória, apneia, hipotensão, tontura, sonolência, cefaleia, náusea, vômitos, dor e reações locais no sítio de injeção, amnésia anterógrada, ataxia, confusão, déficit de atenção e memória. Menos comumente, podem ocorrer dependência, agitação, inquietude, irritabilidade, relaxamento muscular, delírio, euforia, alucinações, sonambulismo, depressão e parada respiratória (com uso IV).

MONTELUCASTE Nomes comerciais. Singulair®, Singular Baby®. Apresentações. Cpr de 4, 5 e 10 mg; sachês com grânulos de 4 mg. Doses. De 1-5 anos: 1 cpr de 4 mg, 1×/dia, ao deitar; 6-14 anos: 1 cpr de 5 mg, 1×/dia, ao deitar. >15 anos: 1 cpr de 10 mg, 1×/dia, ao deitar. Efeitos adversos. São raros. Tontura, fadiga, febre, rash, dor abdominal, dispepsia, gastrenterite, tosse. A síndrome de Churg-Strauss, inicialmente associada ao uso dos antileucotrienos, parece estar mais relacionada à suspensão do corticoide oral. Lesão hepática foi descrita apenas com antileucotrienos não cisteínicos. 1000

MORFINA Nomes comerciais. Dimorf®, Dolo moff®, Morfenil®. Apresentações. Cps de 10 e 30 mg; sol oral com 10 mg/mL; cps de 30, 60 e 100 mg de liberação prolongada; amp de 1 mL com 10 mg/mL (para uso parenteral). Doses. Recém-nascidos: 0,05-0,1 mg/kg, IV, IM ou SC, a cada 4-8 h. Lactentes e crianças: 0,1-0,2 mg/kg, IV, IM ou SC, a cada 2-4 h. Dose máxima: 15 mg/dia. Adultos: dor aguda: 10-30 mg, VO, a cada 4 h ou a cada 12 h (para as formulações de liberação controlada); ou 0,05-0,1 mg/kg, IV, a cada 4 h (pacientes em uso prévio de opioides podem necessitar de doses maiores). Efeitos adversos. Palpitação, hipotensão, bradicardia, sonolência, tontura, confusão, prurido (pela liberação de histamina), náusea, vômito, constipação, boca seca, retenção urinária, fraqueza, cefaleia, anorexia, íleo paralítico, tremores, problemas de visão, depressão respiratória, dispneia, euforia. Menos comumente (< 1%), podem ocorrer anafilaxia, espasmo do trato biliar ou urinário, alucinações, insônia, obstrução intestinal, aumento da pressão intracraniana, aumento das transaminases, depressão do SNC, miose, rigidez muscular, estimulação paradoxal do SNC, vasodilatação periférica, convulsão (em recém-nascidos).

Nome comercial. Narcan®. Apresentação. Amp com 1 mL (0,4 mg/mL). Doses. 0,1 mg/kg, EV; máx. de 2 mg. Efeitos adversos. Náusea, vômito, diarreia, sudorese, nervosismo, inquietação, irritabilidade, tremor, hipo/hipertensão, taquicardia, arritmias ventriculares, dispneia, edema pulmonar. Crise aguda de abstinência: vômito, taquicardia, hipo/hipertensão, taquipneia, aumento dos ruídos intestinais, piloereção, midríase.

NAPROXENO Nomes comerciais. Flanax®, Napronax®, Naprosyn®, Naprox®. Apresentações. Susp 125 mg/5 mL; cpr de 250, 275, 500 e 550 mg. Os cpr de 500 mg (naproxeno base) são equivalentes aos de 550 mg (naproxeno sódico); o mesmo valendo para os cpr de 250 e 275 mg. Doses. Artrite reumatoide juvenil: 5 mg/kg, 2×/dia, VO. Febre e analgesia em crianças > 2 anos: 10 mg/kg como dose inicial, seguidos de 2,5-5 mg/kg, de 8/8 h. A dose não deve exceder 15 mg/kg/dia após o primeiro dia. Adultos: condições reumatológicas: 250500 mg, 2×/dia (máx. de 1,5 g/dia). Dismenorreia e analgesia: iniciar com 500 mg e, então, 250 mg, 3-4×/dia (dose máxima de 1.250 mg em 24 h). Efeitos adversos. Cefaleia, nervosismo, tontura, vertigem, sonolência, prurido, rash, edema, desconforto abdominal, náusea, vômito, constipação, úlcera péptica, diarreia, dispepsia, alterações da visão. Menos comumente: agranulocitose, anemia, depressão de medula, trombocitopenia, broncoespasmo, meningite asséptica, nefrite tubulointersticial, IR aguda, hiper1001

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

NALOXONA

tensão, reações anafiláticas, hepatite, IH, síndrome de Stevens-Johnson, necrólise epidermoide, eritema multiforme.

NIACINA (VITAMINA B3)

Nomes comerciais. Acinic®, Metri®. Apresentações. Cpr de 250, 500 e 750 mg. Doses baixas apenas em associações. Doses. Profilaxia: 20 mg/dia. Tratamento da pelagra: 50-100 mg, 3-4×/dia (máx. de 500 mg/dia). Efeitos adversos. A reação mais comum é o flush (pele vermelha, sensação de calor e coceira), que pode ser acompanhada de tonturas, palpitação, dispneia, sudorese, calafrios e/ ou inchaço. Outros efeitos adversos possíveis são cefaleia, dor abdominal, dispepsia, diarreia, náuseas, elevação das transminases, hiperglicemia, vômitos, rinite e exantema, principalmente em doses mais elevadas. Aumenta os níveis de ácido úrico e pode reativar a gota. O uso de ácido acetilsalicílico 30 min antes do ácido nicotínico reduz o flush.

NICLOSAMIDA MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nome comercial. Atenase®. Apresentação. Cpr de 500 mg. Doses. Crianças < 2 anos: 500 mg, dose única; crianças de 2-8 anos: 1.000 mg; adultos e crianças > 8 anos: 2 g (é necessário o uso de laxantes). Efeitos adversos. Dor abdominal e náuseas.

NIMESULIDA Nomes comerciais. Arflex®, Deflogen®, Deataflan®, Fasulide®, Flogilid®, Inflalid®, Maxsulid®, Nimalgex®, Nimesilam®, Nimesubal®, Nimesulin®, Nimesulix®, Nimesulon®, Nisalgen®, Nisulid®, Optaflan®, Scaflam®, Scaflogin®, Scalid®, Sintalgin®. Apresentações. Cpr de 100 mg; cpr dispersível, de 100 mg; supositórios de 50-100 mg; granulado-envelope de 2 g; fr para susp oral de 60 mL com 10 mg/mL; fr-gts de 15 mL com 50 mg/mL. Doses. Crianças de 1-10 anos, 5 mg/kg/dia, VO, de 12/12 h; > 10 anos: 50-100 mg/dose, de 12/12 h. Gotas: 2,5 mg/gt = 1 gt/kg/dose. Supositórios: de 3-9 anos: 50 mg, de 12/12 h; > 9 anos: 100 mg, de 12/12 h. Efeitos adversos. Cefaleia, sonolência, tontura, urticária, prurido, aumento das transaminases, icterícia, febre, dispepsia, náusea, vômito, diarreia, púrpura, plaquetopenia, oligúria, urina escura, hematúria, edema, IR aguda, nefrite tubulointersticial, asma, úlcera, hemorragia do TGI, reações alérgicas, hepatite aguda fulminante, síndrome de Stevens-Johnson.

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NISTATINA Nomes comerciais. Albistin®, Canditrat®, Fungistatina®, Kolpazol®, Micostatin®, Neo mistatin®, Nicostan®, Nicostat®, Nidazolin®, Nifatin®, Nistacina®, Nistagen®, Nistax®, Tricocet®. Apresentações. Susp oral com 100.000 UI/mL com 40 ou 50 mL; drg com 500.000 UI. Doses. Prematuros: 100.000 UI (1 mL), de 6/6 h; lactentes: 200.000 UI (2 mL), de 6/6 h; crianças: 400.000 UI (4 mL), de 6/6 h; adultos: 500.000-1.000.000 UI, de 6/6 h. Efeitos adversos. Náusea, vômito, diarreia, epigastralgia.

NITROFURANTOÍNA Nomes comerciais. Hantina®, Macrodantina®. Apresentações. Cps com 100 mg; susp oral com 5 mg/mL.

Efeitos adversos. Pode causar náuseas, vômitos e diarreia. Há três graus de toxicidade pulmonar: aguda, subaguda e crônica. Aguda, com febre, calafrios, mialgias, tosse, dispneia e crepitantes nas bases; no raio X de tórax, pode haver infiltrado pulmonar. Subaguda, com febre e eosinofilia; é mais comum quando se usa a droga por períodos superiores a um mês. Crônica, com pneumonite intersticial difusa e fibrose, é rara, sendo frequente em pacientes com IR crônica. Há casos raros de toxicidade hepática, com icterícia colestática e dano hepatocelular. Pode haver alterações neurológicas reversíveis, como cefaleia, vertigem, tonturas, mialgias e nistagmo. Há casos de polineuropatia, com desmielinização de nervos sensoriais e motores, sinais de denervação e de atrofia muscular. Causa anemia hemolítica em pacientes com deficiência de G6PD. Pode causar leucopenia, granulocitopenia e anemia megaloblástica.

OCTREOTIDE Nomes comerciais e apresentações. Sandostatin® (amp de 1 mL com 0,05, 0,1, ou 0,5 mg), Sandostatin LAR® (fr-amp de 10, 20 ou 30 mg; forma de depósito). Doses. Bolus EV inicial de 1 µg/kg e infusão de 1 µg/kg/h. Adultos – inicial: 25-50 µg; manutenção: 25-50 µg/h. Efeitos adversos. Os mais comuns são bradicardia sinusal, dor torácica, fadiga, tontura, cefaleia, febre, hiperglicemia, diarreia, desconforto abdominal, flatulência, constipação, náusea, colelitíase, dilatação do ducto biliar, vômito, dispneia, infecções do trato respiratório superior, convulsão, redução das secreções do TGI.

ÓLEO MINERAL Nomes comerciais. Nujol®, Óleo Mineral®. Apresentações. Fr com 100, 120 e 1.000 mL.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças: 5-7 mg/kg/dia, de 6/6 h; profilaxia: 1-2,5 mg/kg/dia, 1×/dia. Adultos: 100 mg, de 6/6 h; profilaxia, 50-100 mg, VO, de 24/24 h.

Doses. Crianças: 5-20 mL/dia, divididos em até 2 doses. Adultos: 15-45 mL/dia, divididos em até 2 doses. Dose máxima de 150 mL/dia. Efeitos adversos. Pneumonite lipídica (aspiração), incontinência anal, prurido anal, vômitos, diarreia, dor abdominal, náuseas.

OMEPRAZOL Nomes comerciais. Elprazol®, Estomepe®, Eupept®, Gasec Gastrocaps®, Gaspiren®, Gastrium®, Gastrocimet®, Gastrozol®, Loprazol®, Losaprol®, Losar®, Losec®, Meprazan®, Meprazol®, Mesopran®, Neoprazol®, Novoprazol®, Omegastrol®, Omenax®, Omep®, Omepamp®, Omepramed®, Omeprasec®, Omeprazin®, Omeprazolex®, Omeprazon®, Omeprotec®, Oprazon®, Peprazol®, Pepsicaps®, Prazolex®, Prazonil®, Ulcevit®, Ulcozol®, Ulgastrin®, Uniprazol®, Victrix®. Apresentações. Cps de 10, 20 e 40 mg; fr-amp de 40 mg.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças: 0,7-3,5 mg/kg/dia, 1 ou 2×/dia. Adultos: 20 mg/dia; máximo de 60 mg/dia. Efeitos adversos. O fármaco em geral é bem tolerado, sendo os efeitos adversos pouco frequentes. São eles: cefaleia, tontura, hipotensão, hipertensão, fibrilação atrial, taquicardia, agitação, rash cutâneo, hipomagnesemia, hipocalcemia, hipofosfatemia, hipoglicemia, hiponatremia, hipernatremia, hipercalemia, dor abdominal, diarreia, constipação, náuseas, vômitos, flatulência, anemia, trombocitopenia, fraqueza, distúrbio do paladar.

ONDANSETRONA Nomes comerciais. Injetrax®, Modifical®, Nausedron®, Ondanles®, Ondantril®, Ontrax®, Setronax®, Vonau®, Vonau flash®, Zofran®. Apresentações. Cpr de 4 e 8 mg; amp de 4 mg/2 mL e 8 mg/4 mL. Doses. VO < 4 anos: até 0,3 m2 : 1 mg/dose, de 8/8 h; de 0,3-0,6 m2 : 2 mg/dose, de 8/8 h; de 0,6-1 m2 : 3 mg/dose, de 8/8 h. VO, de 4-12 anos: 4 mg/dose, 8/8 h. VO, > 12 anos: 8 mg/dose, de 8/8 h. IV: > 3 anos: 0,15 mg/kg/dose; adultos: 8 mg/dose. Efeitos adversos. Cefaleia, fadiga e constipação apresentam uma incidência maior de 10%. Reações menos comuns incluem febre, tontura, ansiedade, parestesia, sensação de frio, diarreia, elevação das enzimas hepáticas, retenção urinária, prurido, hipoxia. Raramente ocorrem angina, arritmia, bradicardia, alterações no ECG, palpitação, taquicardia supraventricular, hipotensão, choque, síncope, anafilaxia, angioedema, urticária, visão borrada, broncoespasmo, dispneia, sintomas extrapiramidais, convulsões, hipocalemia.

OXACILINA Nomes comerciais. Bactocilin®, Oxanon®, Oxapen®, Staficilin N®. Apresentação. Sol injetável com 500 mg.

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Doses. Crianças: 100-150 mg/kg/dia, de 6/6 h; infecções graves: 150-200 mg/kg/dia, de 6/6 h. Adultos: 4-12 g/dia, IV, de 4/4 ou 6/6 h. Efeitos adversos. Eritema, urticária, febre, anafilaxia, diminuição da hemoglobina, neutropenia, hematúria transitória e, raramente, nefropatia.

OXAMNIQUINA Nome comercial. Mansil®. Apresentações. Cps com 250 mg; susp com 50 mg/mL. Doses. Crianças até 30 kg: dose única: 20-25 mg/kg. Adultos: 15-20 mg/kg. Máx. 1.500 mg/dia. Efeitos adversos. Vertigens, sonolência, aumento das transaminases, eosinofilia e, raramente, convulsões.

OXCARBAZEPINA Nomes comerciais. Auram®, Oleptal®, Oxcarb®, Trileptal®.

Doses. Crianças > 3 anos: iniciar com 10 mg/kg/dia; manutenção: 30 mg/kg/dia, administrados de 8/8 ou 12/12 h. Adultos: iniciar com 300 mg, 2×/dia; a dose usual é de 1.200 mg/ dia, divididos em 2 doses. Efeitos adversos. Mais comumente (> 1%), ocorrem tontura, sonolência, cefaleia, ataxia, fadiga, vertigem, vômitos, náuseas, dor abdominal, tremor, diplopia, nistagmo, alterações de visão, hipotensão, nervosismo, amnésia, agitação, rash, hiponatremia, diarreia, gastrite. Menos comumente (< 1%), ocorrem reações agressivas, alopecia, ganho de peso, diminuição da libido, hepatotoxicidade, pancitopenia, trombocitopenia, tremores, sangramentos.

PAMOATO DE PIRANTEL Nome comercial. Ascarical®. Apresentações. Cpr de 250 mg; susp com 250 mg/5 mL. Doses. 10-20 mg/kg, por 3 dias. Dose máxima de 1 g. Efeitos adversos. Distúrbios gastrintestinais, cefaleia, exantema, tonturas e febre.

PANTOTENATO (VITAMINA B5) Nomes comerciais e apresentações. Disponível apenas em associações com outras vitaminas do complexo B. Doses. 5-10 mg/dia, VO. Efeitos adversos. Raros.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Cpr de 300 e 600 mg; susp oral com 300 mg/5 mL.

PARACETAMOL (ACETAMINOFENO) Nomes comerciais. Acetamil ®, Acetilol®, Acetofen ®, Analgisen®, Anatyl ®, Cefabrina®, Cetafrin®, Cyfenol®, Dorfen®, Dorfenol®, Dórico®, Fervex®, Gripotermon®, Pacemol®, Paracen®, Paracetrex®, Paratermol®, Piramin®, Resprin®, Sonridor®, Termo-ped®, Termol®, Tilekin®, Trifen®, Tylacetamol®, Tylaflex®, Tylagin®, Tylephen®, Tylenol®. Apresentações. Cpr de 500 e 750 mg; fr gts de 15 mL com 100 e 200 mg/mL; sol oral de 60 mL com 32 mg/mL; sachês com pó de 500 mg para chás com sabor; cpr infantil de 160 mg; cpr efervescente de 500 mg; cpr revestidos de 650 mg. Doses. 10-15 mg/kg/dose, VO, a cada 4-6 h. Dose máxima: 65 mg/kg/dia ou 4 g/dia. Sol com 200 mg/mL → 10 mg/gota → 1 gt/kg/dose. Sol com 100 mg/mL → 5 mg/gota à 2 gt/ kg/dose. Efeitos adversos. Tontura, cansaço, sedação, rash, náusea, vômito, dor de garganta, febre, reações anafiláticas, hepatotoxicidade, anemia, discrasias sanguíneas, nefrotoxicidade (com o uso crônico em altas doses).

PENICILINA G BENZATINA MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais. Benzatron®, Benzetacil®, Longacilin®. Apresentações. Fr-amp com 600.000 ou 1.200.000 UI. Doses. Crianças < 25 kg: 50.000 UI/kg, dose única. Crianças > 25 kg: 1.200.000 UI em dose única. Efeitos adversos. Podem ocorrer reações de hipersensibilidade com qualquer dose. As reações mais comuns incluem exantema maculopapular, urticária, febre, broncoespasmo, dermatite esfoliativa, síndrome de Stevens-Johnson e anafilaxia. Anemia hemolítica também é relatada. Nefrotoxicidade é rara.

PENICILINA G CRISTALINA Nome comercial. Megapen®. Apresentações. Fr-amp com 1.000.000, 5.000.000 ou 10.000.000 UI. Doses. Crianças: 100.000-300.000 UI/kg/dia, a cada 4 ou 6 h; máx. de 400.000 UI/kg/dia. Adultos: 6-20 milhões de UI/dia, IV, divididas de 4/4 ou de 6/6 h. Efeitos adversos. As reações de hipersensibilidade são as mais comuns e independem da dose. Essas reações incluem exantema maculopapular, urticária, febre, broncoespasmo, dermatite esfoliativa, síndrome de Stevens-Johnson e anafilaxia. Convulsões, parestesias e irritabilidade neuromuscular podem ser observadas com altas doses. Anemia hemolítica também é relatada. Nefrotoxicidade é rara.

PENICILINA G PROCAÍNA Nomes comerciais. Benapen®, Despacilina®, Wycillin®, Wycillin R®.

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Apresentação. Fr-amp com 400.000 UI. Doses. Crianças: 25.000-50.000 UI/kg/dia, IM, de 12/12 h ou de 24/24 h. Adultos: 400.000 UI, de 12/12 h. Efeitos adversos. As reações de hipersensibilidade são as mais comuns. As manifestações de alergia à penicilina incluem exantema maculopapular, urticária, febre, broncoespasmo e anafilaxia.

PENICILINA V Nomes comerciais. Meracilina®, Pen-V-cil®, Pen-Ve-Oral®. Apresentações. Cpr com 500.000 UI e 1.200.000 UI; susp com 400.000 UI/5 mL. Doses. Crianças: 40.000-90.000 UI/kg/dia, VO, divididas de 8/8 h. Profilaxia: 200.000 UI/ dose, VO, de 12/12 h. Adultos: 500.000/dose, VO, de 4/4 ou de 6/6 h.

PIMETIXENO Nomes comerciais. Muricalm®, Ansiotex®, Sonin®. Apresentações. Gts com 1 mg/mL; xpe com 0,5 mg/5 mL. Doses. Crianças de 1-5 anos: 0,5-0,75 mg/dose, de 8/8 h; 5-10 anos: 0,75-1 mg/dose, de 8/8 h; acima de 10 anos: 1-1,5 mg/dose, de 8/8 h. Efeitos adversos. Sonolência intensa, torpor, xerostomia, midríase, taquicardia, tontura. Raro: hiperglicemia.

PIPERAZINA Nomes comerciais. Ascarinase®, Veroverme®. Apresentação. Susp com 500 mg/5mL. Doses. Semiobstrução por áscaris: Dose de ataque: 100 mg/kg; dose de manutenção: 50 mg/kg dose, de 8/8 ou 12/12 h. Máximo de 3 g/dia. Efeitos adversos. Distúrbios neurológicos transitórios, urticária, distúrbios gastrintestinais e, raramente, exacerbação de epilepsias, distúrbios visuais, ataxia e hipotonia.

PIRIDOXINA (VITAMINA B6)

Nomes comerciais e apresentações. Neuri B6® (cpr de 40 mg), Seis-B® (cpr de 100 ou 300 mg). Associações. AFBM® (assoc com vit A e E), Alginac® (assoc com vit B1 e B12).

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Efeitos adversos. As reações de hipersensibilidade são as mais comuns e independem da dose. Elas incluem exantema maculopapular, urticária, febre, broncoespasmo, dermatite esfoliativa, síndrome de Stevens-Johnson e anafilaxia. Anemia hemolítica também é relatada. Nefrotoxicidade é rara.

Doses. Dosagem profilática: 2 mg/dia. Anemia hipocrômica ou megaloblástica refrátaria: 100-200 mg/dia, VO ou IM. Convulsões pirodoxina-dependentes: 100-200 mg/dia, VO, IM ou IV. Neurite periférica induzida por drogas: 100-200 mg/dia, VO, IM ou IV. Estados de deficiência: 10-50 mg/dia, VO, geralmente com outras vitaminas do complexo B. Efeitos adversos. Neuropatia periférica, parestesias, náuseas, acidez estomacal, convulsões (com doses muito altas), aumento das transaminases, anafilaxia (com o uso IV).

PIRIMETAMINA Nomes comerciais. Daraprim®, Fansidar®. Apresentação. Cpr de 25 mg. Doses. Crianças: 2 mg/kg/dia, 2×/dia (máx. 25 mg/dia). Efeitos adversos. Discrasias sanguíneas, deficiência de ácido fólico e, raramente, exantema, vômitos, convulsões, choque e eosinofilia pulmonar.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

PIROXICAM Nomes comerciais. Anartrit®, Anflene®, Brexin®, Cicladol®, Farmoxicam®, Feldanax®, Feldene®, Feldox®, Feldran®, Flamadene®, Flamostat®, Floxicam®, Inflamene®, Inflanan®, Inflax®, Lisedema®, Piroflam®, Pirogreen®, Piroxam®, Piroxene®, Piroxil®, Piroxin®, Piroxinid®. Apresentações. Cps, cpr ou drg de 10 ou 20 mg; cpr solúvel SL de 20 mg; amp de 2 mL com 40 mg; susp oral gts com 15 mL; susp oral gts de 10 mL com 10 mg/mL; supositório de 20 ou 30 mg. Doses. > 1 ano: 0,2-0,5 mg/kg/dia, de 24/24 h = 0,5-1 gt/kg/dose. Máximo de 20 mg/dia. Efeitos adversos. Edema, cefaleia, tontura, sonolência, vertigem, prurido, rash, anorexia, náuseas, vômitos, dispepsia, constipação, desconforto abdominal, flatulência, diarreia, estomatite, úlcera do TGI, hemorragia do TGI, confusão mental, convulsões, depressão, hipertensão, anemia, hemólise, leucopenia, trombocitopenia, poliúria, IR aguda, nefrite tubulointersticial, broncoespasmo, hepatite, hiperglicemia, hipoglicemia, aumento das transaminases, icterícia, síndrome de Stevens-Johnson.

POLIETILENOGLICOL Nome comercial. Muvinlax®. Apresentação. Sachê contendo 14 g de macrogol (adicionado de bicarbonato, cloreto de potássio e cloreto de sódio). Doses. Crianças: desimpactação: 1-2 g/kg; manutenção: 0,7-1 g/kg/dia. Adultos: 1-2 sachês por dia, máximo de 8 sachês/dia. Efeitos adversos. Diarreia, flatulência, dor abdominal, cólicas.

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PRAZIQUANTEL Nomes comerciais. Cestox®, Cisticid®. Apresentações. Cpr de 150 ou 500 mg. Doses. Esquistossomose (Schistosoma mansoni): 40 mg/kg/dia, dose única; teníase: 10-15 mg/kg, dose única; cisticercose: 30 mg/kg/dia, divididos de 8/8 h, por 14 dias. Efeitos adversos. Náuseas, vômitos, tonturas, dor abdominal, cefaleia, urticária. Pode haver aumento da pressão intracraniana e edema cerebral no tratamento da neurocisticercose pela resposta inflamatória desencadeada.

PREDNISOLONA Nomes comerciais. Prednisolon®, Predsim®, Prelone®. Apresentações. Fr sol oral de 60 ou 100 mL com 1 ou 3 mg/mL; cpr de 5 e 20 mg.

Efeitos adversos. Incluem insônia, pesadelos, nervosismo, ansiedade, euforia, delírio, alucinações, psicose, cefaleia, tontura, aumento do apetite, hirsutismo, hiper ou hipopigmentação, osteoporose, petéquias, equimoses, artralgia, catarata, glaucoma, epistaxe, amenorreia, síndrome de Cushing, insuficiência adrenal, hiperglicemia, DM, supressão do crescimento, retenção de água e sódio, edema, aumento da PA, convulsão, perda de massa muscular, fraqueza, fadiga, miopatia, redistribuição da gordura corporal, aumento dos ácidos graxos livres, hipocalemia, alcalose, policitemia, leucocitose, linfopenia, aumento da suscetibilidade a infecções, reativação de tuberculose latente, osteonecrose.

PREDNISONA Nomes comerciais. Becortem®, Flamacorten®, Meticorten®, Prednison®, Predson®, Predval®. Apresentações. Cpr ou cps de 5 e 20 mg. Doses. 1-2 mg/kg/dia, dose única diária. Adultos: 2,5-60 mg, 1×/dia ou em dias alternados. Efeitos adversos. Incluem insônia, pesadelos, nervosismo, ansiedade, euforia, delírio, alucinações, psicose, cefaleia, tontura, aumento do apetite, hirsutismo, hiper ou hipopigmentação, osteoporose, petéquias, equimoses, artralgia, catarata, glaucoma, epistaxe, amenorreia, síndrome de Cushing, insuficiência adrenal, hiperglicemia, DM, supressão do crescimento, retenção de água e sódio, edema, aumento da PA, convulsão, perda de massa muscular, fraqueza, fadiga, miopatia, redistribuição da gordura corporal, aumento dos ácidos graxos livres, hipocalemia, alcalose, policitemia, leucocitose, linfopenia, aumento da suscetibilidade a infecções, reativação de tuberculose latente, osteonecrose.

PRIMAQUINA Nome comercial. Primaquina®. Apresentação. Cpr de 15 mg. 1009

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. 1-2 mg/kg/dia, 1 ou 2×/dia. Adultos: 2,5-60 mg, 1×/dia ou em dias alternados.

Doses. 0,3 mg/kg/dia, 1×/dia, por 14 dias, não ultrapassando 15 mg; profilaxia: 0,9 mg/ kg/semana, por 8 semanas, não ultrapassando 45 mg/semana. Efeitos adversos. Cólicas abdominais, dor epigástrica, náuseas, anemia, cirrose (metemoglobinemia), leucocitose, hemólise em pacientes com deficiência de G6PD e, raramente, hipertensão e arritmias.

PROCAINAMIDA Nome comercial. Procamide®. Apresentações. Cpr de 300 mg; amp de 5 mL com 500 mg. Doses. Emergência: ataque: 15 mg/kg, EV, em 30 minutos; manutenção: 15-50 mg/kg/dia, de 4/4 ou 6/6 h, VO; 5-15 mg/kg/dose, em 30 minutos, de 4/4 ou 6/6 h, EV. Adultos: VO: ataque: 900-1.200 mg; manutenção: 1.000-6.000 mg/dia, a cada 6 h. IV: ataque: 10-14 mg/kg, com dose máxima de 1.000 mg e taxa de infusão de 50 mg/min; manutenção: 2-6 mg/min.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Efeitos adversos. Síndrome lúpica, náuseas, vômitos, diarreia, anorexia, agranulocitose, pró-arritmia.

PROMETAZINA Nomes comerciais. Fenergan®, Pamergan®, Prometazol®. Apresentação. Cpr de 25 mg; amp de 50 mg/2 mL. Doses. VO: 0,1 mg/kg/dose, de 6/6 h, ou até 1 mg/kg/dia, de 6/6 h; adultos: 12,5-25 mg/ dose, de 6/6h. IM: 0,5 mg/kg/dose; adultos: 25 mg/dose. Efeitos adversos. Sedação intensa, sonolência, agitação paradoxal, alucinações, manifestações extrapiramidais, distonia, convulsões, tremores, incoordenação motora, hipotensão, arritmias, hipertensão, náusea, vômitos, diarreia, constipação, xerostomia, hepatite, colestase, artralgia, mialgia, trombocitopenia, leucopenia, anemia hemolítica, retenção urnária, fotossensibilidade, rash, eritema, eczema, angioedema, anaflaxia.

PROPRANOLOL Nome comercial e apresentações. Ayerst propranolol® (cpr de 10, 40 e 80 mg; amp de 1 mL com 1 mg), Inderal® (cpr de 10, 40 e 80 mg), Pronol® (cpr de 40 mg), Propacor® (cpr de 10, 40 e 80 mg), Propranolol® (cpr de 40 mg), Propranolon® (cpr de 40 e 80 mg), Rebaten LA® (cps de ação prolongada de 80 e 160 mg), Sanpronol® (cpr de 40 mg). Doses. Na hipertensão em crianças: doses iniciais em neonatos: 0,25 mg/kg/dose, de 8/8 ou 6/6 h, VO, ou 0,01 mg/kg, EV lento; crianças: 0,5-1 mg/kg/dia, de 12/12 ou de 6/6 h, VO, ou 0,1 mg/kg/dose, de 6/6 ou 8/8 h, EV; doses máximas em neonatos: 0,15 mg/kg/ dose, EV. Na arritmia em crianças: EV: ataque de 0,01-0,1 mg/kg, em 10 minutos, repetindo a cada 6 ou 8 h se necessário; VO: dose inicial de 0,5-1 mg/kg/dia, de 6/6 ou 8/8 h. Doses máximas: EV: 1 mg até 1 ano e 3 mg acima de 1 ano; VO: 16 mg/kg/dia ou 60 mg/dia. Na crise de hipoxia: EV: 0,15-0,25 mg/kg/dose, podendo-se repetir 1 x após 15 minutos; VO: 1010

1-2 mg/kg/dose, de 6/6 h. Adultos: dose inicial: 10-20 mg, a cada 8-12 h. Aumentar a dose a cada 2-4 semanas. Dose usual: 40-160 mg, a cada 12 h. Arritmias: ataque: 1-10 mg, IV; manutenção: 40-360 mg, VO, a cada 6 ou 12 h. Efeitos adversos. Broncoespasmo, bradicardia, bloqueios AV, depressão miocárdica, insônia, pesadelos, depressão psíquica, astenia, impotência, intolerância à glicose, hipertrigliceridemia, redução do colesterol HDL, HAS rebote.

PROSTAGLANDINA E1 Nome comercial. Bedfordalprost®. Apresentação. Fr-amp (1 mL) 500 µg/mL. Doses. Dose inicial: 0,05-0,1 µg/kg/minuto (corresponde a 50-100 ng/kg/min), reduzida após resposta favorável para 10 ng/kg/min.

RANITIDINA Nomes comerciais. Antak®, Antidin®, Aziliv®, Label®, Logat®, Neosac®, Pylorid®, Ranidin®, Ranidina®, Ranidine®, Raniflex®, Ranilup®, Ranitil®, Ranition®, Ranitrat®, Ranytisan®, Ulcerit®, Ulcerocin®, Ulcoren®, Zadine®, Zylium®. Apresentações. Cpr de 150 e 300 mg; cpr efervescente de 150 e 300 mg; amp de 50 mg; sol oral de 75 mg/5 mL; xpe de 75 mg/5 mL. Doses. Neonatos: oral, 2 mg/kg/dia, 2×/dia; IV, 1,5 mg/kg/dose como ataque, após, 1,52 mg/kg/dia, de 12/12 h. Crianças > 1 mês a 16 anos: até 5 mg/kg/dose, 2×/dia, ou 3 mg/kg/dose, 3×/dia (máx. 300 mg/dia); IV, 2-4 mg/kg/dia, a cada 6 ou 8 h (máx. 200 mg/ dia). Adultos: 100-150 mg, 1 ou 2×/dia ou 300 mg, 1×/dia . Efeitos adversos. Vertigem, cefaleia, alucinações, sonolência, confusão mental, anemia hemolítica, anemia aplásica, leucopenia, pancitopenia, eritema multiforme, rash cutâneo, anafilaxia, vasculite, arritmias, pancreatite, falência hepática.

RIBOFLAVINA (VITAMINA B2) Nomes comerciais e apresentações. Disponível apenas em associações. Doses. Profilaxia (crianças e adultos): 1,8 mg/dia. Tratamento: crianças, 5-10 mg/dia; adultos, 5-30 mg/dia, em 2-3 tomadas. Efeitos adversos. Coloração da urina (amarela ou laranja).

RIFAMPICINA Nomes comerciais. Rifacin®, Rifaldin®, Rifan®. 1011

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Efeitos adversos. Apneia, hipotensão, taquicardia, bradicardia, vasodilatação, rubor, parada cardíaca, hiperpirexia, convulsões, hipoglicemia, hipocalcemia, edema, diarreia, obstrução pilórica funcional, indução de estenose hipertrófica do piloro, sangramento.

Apresentações. Cpr com 150 e 300 mg de rifampicina, associados a 100 e 200 mg de isoniazida, respectivamente; cps de 300 mg; susp com 100 mg/5 mL e sol gts com 150 mg/mL. Doses. 10 mg/kg (máx. de 600 mg/dia). Efeitos adversos. As mais comuns são manifestações digestivas (epigastralgia, náuseas e vômitos, dor abdominal e diarreia) e dermatológicas (erupções urticariformes e prurido cutâneo). Podem ocorrer, ainda, eosinofilia, irritação faríngea e oral, febre, sonolência, cefaleia, tontura, ataxia, perda da concentração, dores nas extremidades, fadiga, leucopenia, anemia, trombocitopenia, hemólise, hematúria e IR aguda. A hepatotoxicidade, embora pouco frequente, é um efeito adverso importante, podendo levar à morte por IH, especialmente pacientes com hepatopatia prévia e aqueles que usam, concomitantemente, outros fármacos hepatotóxicos. Quando usada em esquemas intermitentes, raramente prescritos no tratamento da tuberculose, ou em doses diárias superiores a 1.200 mg, pode provocar uma síndrome semelhante à gripe, com febre, tremores e mialgias. Às vezes, é associada à nefrite intersticial, à necrose tubular aguda, à trombocitopenia, à anemia hemolítica e ao choque.

ROXITROMICINA Nomes comerciais. Floxid®, Rotram®, Roxitrom®, Rulid®.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentações. Cpr com 150 mg ou 300 mg; cpr solúveis de 50 mg. Doses. Crianças: 5-10 mg/kg/dia, de 12/12 h; adultos: 150 mg, de 12/12 h, ou 300 mg, 1×/dia. Efeitos adversos. Hipersensibilidade, náuseas, vômitos, epigastralgia, diarreia, aumento das transaminases, podendo evoluir raramente para hepatite colestática. De forma geral, a droga é bem tolerada.

SALBUTAMOL Nomes comerciais. Aerolin®, Aerodini®, Aerojet®, Teoden®, Combivent® (com brometo de ipratrópio). Apresentações. Aerossol pressurizado (100 µg por jato, fr com 200 doses); sol para nebulização (10 mL com 5 mg/mL). Doses. Spray – manutenção: 100-200 µg/dose (1-2 jatos). Nos lactentes, em crise aguda, mínimo de 5 jatos. Adultos: 2-3 jatos/dose; máximo de 20 jatos/dia ou 8 jatos/dose. Nebulização – 1 gt/para cada 5 kg/dose. EV contínuo: 2 µg/kg/min (1 amp = 500 µg). Efeitos adversos. Os efeitos adversos mais comuns são tremores, taquicardia e palpitações. Outros efeitos são menos frequentes. Cardiovasculares: angina, fibrilação atrial, desconforto torácico, extrassístoles, hipertensão; SNC: tontura, cefaleia, insônia, irritabilidade, nervosismo, pesadelos; dermatológicos: angioedema, eritema multiforme, rash, síndrome de StevensJohnson, urticária; endocrinológicos e metabólicos: hipocalemia, hiperglicemia; gastrintestinais: diarreia, boca seca, gastrenterite, náusea, vômitos; geniturinário: dificuldade de micção; neuromuscular: cãibras, fraqueza; respiratórios: broncoespasmo paradoxal, tosse, epistaxe, laringite, irritação/edema da orofaringe; outros: reações alérgicas, linfadenopatia, otite média, vertigem. 1012

SALMETEROL Nomes comerciais. Serevent®, Serevent Diskus®, Seretide® (com fluticasona). Apresentações. Aerossol com 25 µg com 60 doses (Serevent®) e 50 µg com 60 doses (Serevent Diskus®). Doses. Crianças > 4 anos: 25-50 µg, a cada 12 h. Efeitos adversos. > 10%: cefaleia (13-17%), dor muscular/articular (1-12%). 1-10%: hipertensão, edema, tontura, distúrbio do sono, febre, ansiedade, rash, dermatite de contato, eczema, urticária, fotodermatite, hiperglicemia, náusea, dispepsia, candidíase orofaríngea, xerostomia, cãibras, parestesias, artralgias, traqueíte/bronquite, faringite, tosse, sinusite, rinite, congestão nasal, asma. < 1%: exacerbação da asma, reação anafilática, angioedema, arritmia, fibrilação atrial, broncoespasmo, catarata, síndrome de Cushing, depressão, dispneia, equimose, edema (facial, orofaringe), glaucoma, redução da velocidade de crescimento em crianças/adolescentes, hipertensão, hipocalemia, hipotireoidismo, aumento da pressão intraocular, irritação laríngea, irregularidade menstrual, osteoporose, taquicardia supraventricular, síncope, tremor, candidíase vaginal, taquicardia ventricular.

SECNIDAZOL Apresentações. Cpr de 500 mg ou 1.000 mg; sol com 150 mg/5 mL. Doses. Amebíase intestinal: crianças < 12 anos – dose única de 30 mg/kg/dia, máximo de 2 g (1 mL/kg/dia); > 12 anos: 4 cpr de 500 mg ou 2 cpr de 1 g, dose única. Amebíase hepática: crianças < 12 anos: 30 mg/kg/dia, máximo de 2 g, por 5-7 dias; > 12 anos: 1 cpr de 500 mg, 3×/dia, por 5-7 dias. Efeitos adversos. Náuseas, gastralgia, gosto metálico, glossites, estomatites, erupções urticariformes, leucopenia (reversível com a suspensão do tratamento), vertigens, incoordenação, ataxia, parestesias e polineuropatias sensitivo-motoras.

SULFADIAZINA Nomes comerciais. Triglobe®, Triglobe F®. Apresentação. Cpr de 500 mg. Doses. Toxoplasmose congênita: 100 mg/kg/dia, a cada 12 h, associados a pirimetamina, 1 mg/kg/dia, e ácido folínico, 5 mg. Toxoplasmose em crianças: 120-200 mg/kg/dia, em quatro administrações, + pirimetamina, 2 mg/kg/dia, a cada 12 h, nos primeiros três dias; depois, 1 mg/kg/dia (máx. 25 mg/dia) com suplementação de ácido folínico. Adultos: 2-8 g/dia, VO, de 6/6 h, + pirimetamina, 25 mg/dia, e ácido folínico, 5-10 mg, 3×/semana. Para o tratamento supressivo da toxoplasmose, usar 1 g, de 12/12 h. Efeitos adversos. Em crianças prematuras, pode deslocar a bilirrubina da albumina plasmática. Pode haver cristalúria em pacientes desidratados, anemia hemolítica (fenômeno de sensibilização, deficiência de G6PD), agranulocitose (reversível na maioria dos casos) e anemia aplástica (muito rara, e, provavelmente, pelo efeito direto sobre a medula). Hipersensibilidade, 1013

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais. Deprozol®, Secnidal®, Secnizol®, Tecnid®, Unigyn®.

como eritema multiforme, urticária, febre, síndrome de Stevens-Johnson, síndrome de Behçet, fotossensibilidade, reações penfigoides e purpúricas, exantemas petequiais, morbiliformes e escarlatiformes. Necrose focal ou difusa do fígado, que pode evoluir para atrofia amarela e morte. Pode haver anorexia, náuseas e vômitos, de provável origem central.

SULFAMETOXAZOL + TRIMETOPRIMA Nomes comerciais. Bacfar®, Bactrim®, Bactrim F®, Infectrin®, Infectrin F®, Metoprin®. Apresentações. Cpr com sulfametoxazol 400 mg, + trimetoprima 80 mg, ou 800 mg de sulfametoxazol, + 160 mg de trimetoprima; susp oral com 200 mg de sulfametoxazol mais 40 mg de trimetoprima em 5 mL, ou 400 mg de sulfametoxazol, + 80 mg de trimetoprima em 5 mL; amp com 400 mg de sulfametoxazol, + 80 mg de trimetoprima.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças: VO: 40/8 mg/kg/dia, de 12/12 h, equivalente a 1 mL/kg/dia, de 12/12 h da suspensão 200 + 40 mg/5 mL. IV: 40/8-50/10 mg/kg/dia, de 6/6 a 12/12 h. Infecções graves: 75/15 a 100/20 mg/kg/dia, de 8/8 h. Adultos: 800 mg de sulfametoxazol, + 160 mg de trimetoprima, VO ou IV, de 12/12 h. Profilaxia pneumocistose: 50/10 mg/kg/dia, de 12/12 h, 3×/semana. Efeitos adversos. Anemia aplástica, anemia hemolítica, anemia macrocítica, alterações de coagulação, granulocitopenia, agranulocitose, púrpura, púrpura de Henoch-Schönlein, trombocitopenia, leucopenia e sulfemoglobinemia. Os receptores de transplante renal podem sofrer grave toxicidade hematológica. A maioria dos paraefeitos envolve a pele, podendo causar dermatite esfoliativa; a síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise epidérmica tóxica (síndrome de Lyell) são raras e ocorrem, principalmente, em indivíduos idosos. Náuseas e vômitos são as reações gastrintestinais mais frequentes. Diarreia é rara; glossite e estomatite são relativamente comuns. Também ocorrem hepatite alérgica colestática, cefaleia, alucinações, depressão e vertigem. Em pacientes com doença renal prévia, pode haver diminuição permanente da função renal e cristalúria. Pode haver acidose tubular renal e anafilaxia.

SULFATO FERROSO Nomes comerciais e apresentações. Sulfato ferroso: Anemiplus® (drg de 60 mg de ferro; sol oral com 35 mg de ferro/5 mL), Fer-in-sol® (gts com 1 mg/gt [25 mg/mL] de ferro), Ferrotal® (gts com 1 mg/gota [25 mg/mL] de ferro; cpr revestidos de 40 mg de ferro), Ferrotron® (drg com 60 mg de ferro), Hematofer® (cpr de 22 mg de ferro), Lomfer® (gts com 1 mg/gt [25 mg/mL] de ferro; xpe com 25 mg de ferro/5 mL; drg de 50 mg de ferro), Sulfatofer® (gts com 1 mg/gt [25 mg/mL] de ferro; xpe com 30 mg de ferro/5 mL; dr de 50 mg de ferro), Sulferrol® (gts de 1 mg/gt [25 mg/mL] de ferro; cpr revestidos de 40 mg de ferro), Vitafer® (gts de 1 mg/gt (25 mg/mL) de ferro; cpr revestidos de 40 mg de ferro). Ferro polimaltosado: Noripurum® (cpr de 100 mg de ferro; xpe com 50 mg de ferro/5 mL; gts com 50 mg de ferro/mL), Ultrafer® (gts com 50 mg de ferro/mL). Gluconato ferroso: Ferrini® (gts com 20 mg de ferro/mL; líquido com 25 mg de ferro/5 mL; cpr com 50 mg de ferro). Ferro quelato glicinato: Neutrofer® (cpr de 150 ou 300 mg de ferro; cpr mastigáveis com 500 mg; gts com 250 mg/mL [20 gts]; flaconetes com 50 mg/5 mL). Doses. Crianças. Anemia ferropriva grave: 4-6 mg/kg de ferro por dia, divididos em 2 doses. Profilático: 1-2 mg/kg de ferro/dia em dose única. Adultos. Anemia ferropriva: 3-5 mg/kg/ dia ou 60-240 mg de ferro (corresponde a 300-1.200 mg de sulfato ferroso)/dia, divididos em 1-3 doses, por 4-6 meses. 1014

Efeitos adversos. Dor epigástrica, pirose, náuseas e vômitos, diarreia, cólicas, constipação, mal-estar, fezes escurecidas, irritação gastrintestinal; escurecimento dos dentes. Náusea e dor abdominal superior são as manifestações que aumentam com dosagens mais altas, mas a constipação e a diarreia, que são associadas a alterações na flora bacteriana intestinal induzidas pelo ferro, bem como a pirose, não são mais prevalentes em dosagens mais elevadas. O escurecimento das fezes, quando não ocorre com doses terapêuticas, indica que a medicação não está sendo tomada corretamente; o escurecimento dos dentes ocorre transitoriamente quando uma apresentação líquida é administrada, é removido pela escovação e pode ser evitado administrando-se a solução com um conta-gotas na parte posterior da língua ou usando-se drágeas.

TECLOZAM Nome comercial. Falmonox®. Apresentações. Cpr de 100 ou 500 mg; susp com 50 mg/5 mL. Doses. Crianças até 40 kg: 20 mg (2 mL/dose), de 8/8 h; > 40 kg: 100 mg/dose, de 8/8 h.

TEICOPLANINA Nomes comerciais. Bactomax®, Targocid®, Teiconin®, Teicozid®. Apresentações. Fr-amp com 200 mg ou 400 mg. Doses. Crianças: dose inicial (para as primeiras 3 doses) de 12 mg/kg/dia, a cada 24 ou 12 h, sendo as doses subsequentes de 6 mg/kg, em dose única diária. Adultos: 200-400 mg, IM ou IV, de 12/12 h, nos primeiros quatro dias; depois, administrar de 24/24 h. Em infecções graves, administrar 400 mg, de 12/12 h, ou 800 mg, de 24/24 h, durante todo o tratamento. Efeitos adversos. Ototoxicidade, hipersensibilidade (eritema, prurido, febre, broncoespasmo, anafilaxia), náuseas, vômitos, diarreia, eosinofilia, neutropenia, trombocitopenia e trombocitose, aumento das transaminases, tonturas e cefaleia.

TEOFILINA Nomes comerciais. Talofilina®, Teolong®, Teofilab®. Apresentações. Cps de 100, 200 e 300 mg; sol oral com 100 mg/15 mL. Doses. Crianças até 30 kg: 5 mg/kg/dose 4×/dia ou 6-11 mg/kg/dose 2×/dia com liberação lenta; dose máxima de 20 mg/kg/dia. Adultos: 100-200 mg/dose 4×/dia ou 300 mg/dose 2×/dia com liberação lenta. Efeitos adversos. Os efeitos adversos não ocorrem necessariamente de acordo com os níveis séricos, entretanto, os efeitos mais observados com concentrações de 15-25 µg/mL são: intolerância gastrintestinal, diarreia, náusea/vômitos, dor abdominal, tremor, nervosismo, cefaleia, insônia, agitação, tontura, cãibras. 25-35 µg/mL: taquicardia. > 35 µg/mL: taquicardia ventricular, convulsões. 1015

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Efeitos adversos. Náusea, desconforto gástrico, meteorismo.

TERBINAFINA Nomes comerciais. Funtyl®, Lamisil®. Apresentações. Cpr de 125 e 250 mg. Doses. Crianças < 20 kg: 62,5 mg/dia, 1×/dia; entre 20 e 40 kg: 125 mg/dia; > 40 kg: 250 mg/dia. Efeitos adversos. Podem ocorrer, em até 10% dos casos, cefaleia, fadiga, tontura, vertigem e anormalidade visual. Desconforto gastrintestinal, náuseas, vômitos, diarreia e perversão do paladar. Erupções cutâneas, com rash, prurido e raros casos de síndrome de StevensJohnson. Elevação de enzimas hepáticas e disfunção hepatobiliar (inclusive caso de falência hepática). Menos comumente, linfocitopenia e neutropenia.

TERBUTALINA Nomes comerciais. Bricanyl®, Terbutil®.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Apresentação. Injeção de 0,5 mg; cpr de 2,5 mg; xpe com 1,5 mg/5 mL, nebulizador com 10 mg/mL; turbuhaler dose de 0,5 mg. Doses. VO: 0,05-0,075 mg/kg/dose 3×/dia ou 0,25 mL do xarope/kg/dose. Nebulização: 1 gt/3 kg/dose 4×/dia, máx. 10 gts/dose. Adultos: 2,5 mg/dose, 3-4×/dia. Efeitos adversos. > 10%: nervosismo, hiperglicemia, hipocalemia. 1-10%: taquicardia, hipertensão, tontura, cefaleia, insônia, boca seca, náusea, vômito, cãibras, fraqueza, sudorese. < 1%: arritmia, dor torácica, hipocalemia, broncoespasmo paradoxal.

TETRACICLINA Nomes comerciais. Ambra-sinto®, Aurecilina®, Cinatrex®, Tetrex®. Apresentações. Cps com 250 e 500 mg; susp com 125 mg/5 mL. Doses. VO: adultos: 250-500 mg, de 6/6 h; > 8 anos doses de 25-50 mg/kg/dia, divididos em 6/6 h. Efeitos adversos. Náuseas, vômitos, úlceras, pancreatite, descoloração do esmalte dos dentes, que apresentam cor cinza ou marrom, e retardo do desenvolvimento ósseo nos fetos e nas crianças. Pode haver superinfecção por Candida sp., bem como diarreia por alteração da microbiota intestinal. Raramente, é causa de colite pseudomembranosa. Pode haver leucocitose, presença de linfócitos atípicos, de granulações tóxicas e de púrpura trombocitopênica. Hipersensibilidade é rara. Causa fotossensibilidade, com queimadura excessiva se houver exposição ao sol. Onicólise e pigmentação das unhas.

TIABENDAZOL Nome comercial. Thiaben®. Apresentações. Cpr de 500 mg; susp com 250 mg/5 mL.

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Doses. 25-50 mg/kg/dia, a cada 12 h, máximo de 3 g/dia. Efeitos adversos. Náuseas, vômitos, vertigens, anorexia, diarreia, dor abdominal, leucopenia, cristalúria, alucinações, distúrbios olfatórios, eritema multiforme, síndrome de Stevens-Johnson e, raramente, choque, zumbidos, colestase intra-hepática, convulsões, edema angioneurótico e adenopatias.

TIAMINA (VITAMINA B1)

Nomes comerciais. Benerva®, Beneum®, Neurivit®. Apresentações. Cpr de 100 ou 300 mg. Doses. Profilaxia: crianças: 0,3-1 mg/dia; adultos: 1-2 mg/dia. Tratamento do beribéri: 5-10 mg/dose, 3×/dia. Anemia megaloblástica: 20 mg/dia. Efeitos adversos. Com o uso IV, foram relatados colapso cardiovascular e morte; parestesias, angioedema e rash.

TINIDAZOL Apresentações. Cpr ou drg de 200 e 500 mg, susp oral com 500 mg/5 mL. Doses. 50 mg/kg, dose única (máx 3 g/dia). Efeitos adversos. Náusea, vômito, gosto metálico, cólica, erupção cutânea, convulsão, ataxia, leucopenia, depressão medular.

TIROXINA (LEVOTIROXINA) Nomes comerciais. Euthyrox®, Puran T4®, Synthroid®. Apresentações. Cpr de 25, 50, 75, 88, 100, 112, 125, 150, 175 e 200 µg. Doses. Crianças de 0-6 meses: 10-15 µg/kg/dia; 6-12 meses: 6-10 µg/kg/dia; de 1-5 anos: 5-6 µg/kg/dia; de 6-12 anos: 4-5 µg/kg/dia; > 12 anos: 2-4 µg/kg/dia. Adultos: dose inicial de 50 µg/dia. Efeitos adversos. Na superdosagem: agravamento da cardiopatia preexistente (angina, arritmias), sinais de tireotoxicose (taquicardia, insônia, excitabilidade, cefaleia, sudorese, tremor, febre, emagrecimento rápido, diarreia), perda de massa óssea. Em casos de subdosagem: apatia, cansaço, sonolência, cefaleia, fraqueza, ganho de peso.

TOBRAMICINA Nomes comerciais. Tobramina®. Apresentações. Amp com 75 e 150 mg; sol concentrada para uso inalatório com 300 mg.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais. Amplium®, Facyl®, Pletil®, Tinoral®.

Doses. Crianças: 6-7 mg/kg/dia, IV ou IM, divididos de 8/8 h; adultos: 3-6 mg/kg/dia, de 8/8 h; máximo de 300 mg/dia. Efeitos adversos. Nefrotoxicidade e ototoxicidade, com diminuição, principalmente, da função vestibular; bloqueio neuromuscular, em especial com o uso intrapleural ou intraperitoneal, e em pacientes com miastenia grave ou sob efeito de agentes neuromusculares ou de anestésicos; neurite óptica e periférica, anafilaxia e exantema (incomuns); eosinofilia, febre, discrasias sanguíneas, angioedema, dermatite esfoliativa e estomatite.

TOPIRAMATO Nomes comerciais. Topamax®, Topamax sprinkle®. Apresentações. Cpr de 25, 50 e 100 mg; cps de 15 e 25 mg.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doses. Crianças: iniciar com 1-3 mg/kg/dia, 1 ou 2×/dia; dose média de manutenção de 59 mg/kg/dia, 2×/dia; doses de até 30 mg/kg/dia foram toleradas. Adultos: iniciar o tratamento com a dose de 25 mg, à noite. A dose média usual é de 200-600 mg/dia. Efeitos adversos. Os efeitos adversos mais comuns (> 1%) incluem tontura, ataxia, sonolência, retardo psicomotor, déficit cognitivo, nervosismo, dificuldade de memória, anorexia, fadiga, náusea, parestesia, tremor, anormalidades de visão. Menos comumente (< 1%) podem ocorrer cálculos renais, hepatite, fotossensibilidade.

TRAMADOL Nomes comerciais. Anangor®, Dorless®, Sensitram®, Sylador®, Timasen®, Tramadon®, Tramal®, Zamadol®. Apresentações. Cps de 50 mg; cps SR de 50 e 100 mg; cpr retard de 100 mg; amp de 50 e 100 mg com 1 e 2 mL, respectivamente; fr de 10 mL com 50 mg/mL ou 100 mg/mL. Doses. Crianças 5 mg/kg/dia, VO, divididos em 2-3 administrações. Máximo: 400 mg/dia. Adultos: 50-100 mg, 4-6×/dia. Dose máxima de 400 mg/dia. Efeitos adversos. Tontura, cefaleia, sonolência, vertigem, constipação, náusea, vasodilatação, agitação, ansiedade, confusão, diminuição da coordenação motora, labilidade emocional, euforia, alucinações, nervosismo, distúrbios do sono, tremor, prurido, rash, anorexia, diaforese, diarreia, vômitos, retenção urinária, hipertonia, espasticidade, fraqueza, miose, distúrbios da visão. Menos comumente (< 1%) podem ocorrer reações alérgicas, anmésia, broncoespasmo, disfunção cognitiva, depressão, convulsão.

VANCOMICINA Nomes comerciais. Vancoplus®, Vancoson®, Vancotrat®. Apresentações. Fr-amp com 500 ou 1.000 mg. Doses. Crianças: 10 mg/kg, de 6/6 h, até 60 mg/kg/dia. Adultos: 1 g, IV, de 12/12 h, ou 500 mg, IV, de 6/6 h. Doses máximas de 3-4 g/dia têm sido empregadas para o tratamento de meningites pneumocócicas ou estafilocócicas graves. 1018

Efeitos adversos. Ototoxicidade, hipersensibilidade (exantema cutâneo, febre e anafilaxia), síndrome do homem vermelho (prurido, exantema eritematoso na face, no pescoço e na cintura escapular, hipotensão), geralmente relacionada à administração rápida da droga. Espasmos e dores cervicais também são reações relacionadas à administração rápida do medicamento; tromboflebites, neutropenia reversível, eosinofilia, nefrotoxicidade e náuseas.

VARFARINA Nomes comerciais e apresentações. Coumadin® (cpr de 1, 2,5 e 5 mg), Marevan® (cpr de 5 mg), Warfarin® (cpr de 5 mg). Doses. Crianças: dose inicial de 0,2 mg/kg (máx. 10 mg), ajustar pelo INR. Adultos: dose inicial de 10-15 mg, 2-3×/dia. Efeitos adversos. Hemorragias e necrose da pele e outros tecidos são os efeitos adversos importantes. Podem ocorrer reações de hipersensibilidade, hepatite, elevação das transaminases, dor abdominal, edema, febre, rash cutâneo, astenia, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, prurido, alopecia, mal-estar, tontura, intolerância ao frio.

Nomes comerciais e apresentações. Arovit® (sol oral 150.000 UI/mL = 30 gts; amp com 300.000 UI/1 mL; drg com 50.000 UI), Beta-caroteno® (cps com 2.200 UI = 4 mg), Retinar® (drg de 50.000 UI). Doses. Dose profilática: lactentes: 1.400-2.000 UI/dia; crianças: 1.500-3.500 UI/dia; adultos: 5.000 UI/dia. Tratamento: < 1 ano: 5.000-10.000 U/dia; crianças: 5.000-15.000 U/dia; adultos: 50.000-100.000 UI/dia. Efeitos adversos. Irritabilidade, vertigem, letargia, mal-estar, febre, cefaleia, pele seca e quebradiça, perda de peso, hipervitaminose A (hipertensão intracraniana, fadiga, mal-estar, letargia, desconforto abdominal, anorexia, vômito, hepatotoxicidade, hipomenorreia, icterícia, leucopenia).

VITAMINA C Nomes comerciais e apresentações. Cebion® (cpr efervescentes de 1 ou 2 g; gts de 30 mL com 100 mg/mL), Cenevit® (cpr efervescentes de 1 ou 2 g), Cetivit® (cpr efervescentes de 500 mg; gts com 20 mL com 10 mg/gt), Cevita® (cpr de 500 mg; gts de 20 mL com 200 mg), Ceviton® (amp de 5 mL com 1 g), Cewin® (cpr efervescente de 500 mg, 1 ou 2 g; gts de 20 mL), Citroplex® (amp de 5 mL com 500 mg; cpr de 500 mg; gts de 20 mL), Efervit C® (cpr efervescentes de 1 ou 2 g), Energil C® (cpr efervescentes de 1 ou 2 g; cps de 500 mg; gts de 20 mL com 200 mg), Energrip C® (cpr de 500 mg; gts de 20 mL com 200 mg), Redoxon® (cpr efervescentes de 1 ou 2 g; sol oral de 20 mL com 200 mg), Vitamina C® (cpr de 500 mg), Vitamice® (cpr de 500 mg; gts de 20 mL com 200 mg), Vitergyl C® (cpr de 1 ou 2 g; cpr de 500 mg; gts de 20 mL com 200 mg). Doses. Suplemento para lactentes: 35-50 mg/dia, VO. Tratamento do escorbuto: 300 mg a 1 g por dia, VO, IM ou IV, por cerca de 2 semanas. Tratamento dos estados de deficiência: 200-500 mg/dia, VO, IM ou IV. Tratamento da avitaminose e das hipovitaminoses C: 500 mg/dia. 1019

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

VITAMINA A

Efeitos adversos. Hiperoxalúria, litíase renal, tontura, fadiga, cefaleia, pirose, edema, rubor, diarreia, disúria, síncope (IV rápido).

VITAMINA D3 (CALCITRIOL)

Nomes comerciais. Calcijex®, Ostriol®, Rocaltrol®, Sigmatriol®. Apresentações. Cps 0,25 µg; amp com 1 µg/mL. Doses. Profilaxia para crianças e adultos: 400 UI/dia. Osteodistrofia e insuficiência renal crônica: crianças: 0,01-0,05 µg/kg/dose de calcitriol, 3×/semana; adultos: 0,25 µg de calcitriol. Raquitismo carencial: 50-150 µg/dia de calcitriol. Efeitos adversos. Fraqueza, cefaleia, retardo mental, anorexia, constipação, náusea, perda de peso, acidose, hiperfosfatemia, retardo de crescimento em crianças, calcificação de tecidos moles, anemia, mialgia, dor óssea, polidipsia, poliúria, hipertensão, azotemia, nefrocalcinose, hipercalciúria, disfunção renal.

VITAMINA E (TOCOFEROL) MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Nomes comerciais. Emama®, Ephynal®, E-radicaps®, E-tabs®, Fonto-vit E®, Teutovit E®, Vieta®, Vita-E®, Vitamina E®. Apresentações. Cps de 400 mg; cps gelatinosas de 1.000 UI. Doses. Tratamento de anemia do recém-nascido: 25 U/dia, VO, 1×/dia. Fibrose cística: 100-400 mg/dia. Má absorção e colestase: 100 mg/dia ou 400 mg a cada 4 dias. β-talassemia: 700 mg/dia. Efeitos adversos. Fadiga, cefaleia, fraqueza, dermatite de contato com preparações tópicas, disfunção gonadal, ginecomastia, diarreia, náusea, flatulência.

VITAMINA K (FITONADIONA) Nomes comerciais. Kanakion MM®, Vikatron®, Vita K®. Apresentações. Amp de 1 mL com 10 mg; amp pediátrica de 0,2 mL com 2 mg. Doses. Profilaxia da hemorragia do recém-nascido: 0,5-1 mg/kg, IM, em dose única e até a primeira hora de vida. Distúrbios hemorrágicos: 1-5 mg, IV ou IM. Antagonismo dos cumarínicos: 2,5-5 mg/dia, VO, ou 1-2 mg, IV ou IM; adultos: 10 mg, IV ou IM. Efeitos adversos. Dor no sítio de injeção, cianose, hipotensão, flushing, tontura, hiperbilirrubinemia, alterações do sabor, náusea, hemólise, dispneia, anafilaxia.

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USO DERMATOLÓGICO ACETATO DE HIDROCORTISONA (corticoide de baixa potência): Berlison®, Nutracort®, Therasona®. Apresentações: creme, pomada 1%. ACICLOVIR: Acibio®, Aciclomed®, Aciclovan®, Aciveral®, Acivirax®, Antivirax®, Aviral®, Aziclovir®, Ciclavix®, Clovir®, Ductovirax®, Exavir®, Ezapen®, Herpesil®, Ziclovir®, Zovirax®. Apresentação: creme 5%. Uso tópico a cada 3 horas, por 7 dias. ÁCIDO FUSÍDICO: Verutex®. Apresentação: creme 2%. ÁCIDO UNDECILÊNICO: Andriodermol®. Apresentações: líquido, pó. BENZOATO DE BENZILA: Arcasan®, Benzibel®, Benzoax®, Benzocid®, Benzoclin®, Benzolon®, Benzotisan®, Miticoçan®, Parasimed®, Plurizan®, Sarnasar®, Sarplex®, Zilaben®, Pruridol®, Sarnezan®, Sarnodex®, Scabioid®. Apresentações: solução 25%, pomada 15%, sabonete. Aplicar à noite após o banho, deixar secar, fazendo logo nova aplicação e, sem enxugar, vestir-se ou deitar-se. Tomar banho na manhã seguinte.

CETOCONAZOL+BETAMETASONA: Betanazol®, Candicort®, Cetocort®, Cetocorten®, Trok®. Apresentações: pomada, creme. CICLOPIROX: Fungirox®, Loprox®, Micolamina®. Apresentações: creme, solução, esmalte. CLINDAMICINA: Clinagel®, Clindacne®, Dalacin T®. Apresentações: gel 3%, solução tópica. CLOBETASOL (corticoide de muito alta potência): ClobX®, Clobesol®, Cortalen®, Dermacare®, Psorex®, Therapso®. Apresentações: 0,05% creme, pomada, loção capilar. CLORANFENICOL-COLAGENASE: Iruxol®, Kollagenase®. Apresentação: pomada. CLORANFENICOL-FIBRINOLISINA-DESOXIRRIBONUCLEASE: Fibrase®. Apresentação: pomada. CLOTRIMAZOL-DEXAMETASONA: Baycuten-N®. Apresentação: creme. CLOTRIMAZOL: Canasten®, Clotrimix®, Dermobene®, Micosten®, Clomazen®, Clomazol®, Clotigen®, Clotren®, Clotriderm®, Dermazol®, Kinasten®, Miclonazol®, Neo Clotrimazyl®, Clotrizan®. Apresentações: creme 1%, solução 1%, spray e pó. DELTAMETRINA: Deltacid®, Deltalab®, Deltametril®, Deltamitren®, Deotrin®, Escabin®, Escabron®, Pediderm®, Pilensar®, Hexafen®. Apresentações: loção 20 mg/100 mL, xampu 20 mg/100 mL, sabonete. Pediculose: aplicar por 4 dias, repetindo, após 7 dias, por mais 4 dias. Escabiose: aplicar por 4 dias. DESONIDA (corticoide de baixa potência): Desonol®, Desowen®, Steronide®. Apresentações: creme, pomada, loção. DEXAMETASONA (corticoide de baixa potência): Cortitop®, Decazol®, Deflaren®, Dexaden®, Dexadermil®, Dexagreen®, Dexamex®, Dexason®, Dexaze®, Dexametason®. Apresentação: creme.

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MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

CETOCONAZOL: Arcolan®, Canderm®, Cetozaz®, Cetoconalab®, Cetomed®, Cetomizol®, Cetonax®, Cetoneo®, Cetonil®, Cetonin®, Cetozol®, Fungoral®, Fungonazol®, Ketomicol®, Ketonan®, Ketonazol®, Lozan®, Minconan®, Micoral®, Noriderm®, Tonazox®, Zanoc®. Apresentações: creme 20 mg/g, xampu 20 mg/mL.

DIPROPIONATO DE BETAMETASONA (corticoide de alta potência): Diprosone®. Associado com cetoconazol: Betanazol®, Candicort®, Cetocort®, Cetocorten®. Associado com gentamicina: Diprogenta®. Apresentações: 0,05% creme, pomada, loção. ERITROMICINA: Eritrex A®, Eryacnen®, Ilosone®, Pantomicina®, Stiemycin®. Apresentações: solução tópica 2%, creme 2 %, gel 2% e 4%. FLUDROXICORTIDA (corticoide de média potência): Drenison®. Apresentações: creme, pomada. FLUOCINOLONA (corticoide de baixa potência): Dermoxin®. Apresentação: pomada 0,01%. GENTAMICINA-BETAMETASONA-TOLNAFTATO-IODOCLORODROXIQUININA: Dermatisan ®, Quadriderm®, Quadrihexal®, Qualiderm®, Poliderms®, Tetraderm®. Apresentações: creme, pomada. GENTAMICINA: Garamicina®. Apresentação: creme. GENTAMICINA-BETAMETASONA: Diprogenta®. Apresentações: creme, pomada. GRAMICIDINA-TRIANCINOLONA-NEOMICINA-NISTATINA: Omcilon-AM®. Apresentações: creme, pomada.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

ISOCONAZOL: Icaden®, Isomax®. Apresentações: creme, solução, spray. LIDOCAÍNA-PRILOCAÍNA: EMLA®, Medicaína®. Colocar na pele 1 hora antes do procedimento. Apresentações: pomada 5%, discos adesivos. MICONAZOL: Ciclonazol®, Dakgran®, Daktarin®, Daktozol®, Ginotarim®, Micofim®, Mycosin®, Micotarin®, Micozen®, Vodol®. Apresentações: gel oral 2%, loção, creme, pó. MOMETASONA (corticoide de média potência): Elocom®, Topison®. Apresentações: creme, pomada 0,1%. MONOSSULFIRAM: Sarfiran®, Sulfiram®, Sulfitrat®, Tetmosol®, Valfiran®. Apresentações: loção 25%, sabonete. Diluir uma parte em três partes de água; aplicar na pele deixando secar. MUPIROCINA: Bacrocin®, Bactroban®, Bactroneo®, Dermoban®. Apresentação: creme 2%. NEOMICINA-BACITRACINA: Bacidermina®, Bacigen®, Bacina®, Bacinantrat ®, Bacineo®, Bactoderm®, Bracimicin®, Cicatrene®, Epicitrin®, Ferid®, Katrizan®, Kindcetin®, Nebacetin®, Nebaciderme®, Nebactrina®, Nebalon®, Neobacipan®, Neotricin®, Teutomicina®. Apresentações: creme 20 g, pomada 5 mg + 250 UI/g, spray. NISTATINA-ÓXIDO DE ZINCO: Benzevit®, Dermodex®, Dermokin®. Apresentações: creme, pomada. OXICONAZOL: Micotin®, Oceral®, Oxitrat®. Apresentações: creme, solução. PENCICLOVIR: Famvir®, Vectavir®, Herpigran®, Penvir Labia®. Apresentação: creme 1%. Uso tópico a cada 3 h, por 4 dias. PERMETRINA: CleanHair®, Keltrina®, Kwell®, Pediletan®, Permetrix®, Permetril®, Permitrat® Piodrex®, Piosidim®, Permetel®, Pioletal®, Wellcid®. Apresentações: loção 5%, xampu 1%, sabonete. Deixar agir por 8-12 h (6 h em menores de 1 mês). POLIMIXINA B-BACITRACINA: Polysporin®. Apresentação: pomada 14,2 g. RIFAMPICINA: Rifocina®. Apresentações: pomada, spray.

1022

RIFAMPICINA-PREDNISOLONA: Rifocort®. Apresentação: pomada. SERTACONAZOL: Zalain® . Apresentações: pó, creme, solução, xampu. TERBINAFINA: Binafin®, Funtyl®, Lamisil®, Micosil®. Apresentações: creme, solução, spray, gel 1%. TIOCONAZOL: Tioconax®, Tinazol®, Tionazen®, Tralen®. Apresentações: creme, pó, loção, spray. TOLCICLATO: Tolmicol®. Apresentações: pó, loção, creme. TOLNAFTATO-BETAMETASONA-GENTAMICINA-IODO CLORIDROXIQUINOLINA: Dermatisan®, Quadriderm®, Quadrihexal®, Quadrineo®, Qualiderm®, Poliderms®, Tetraderm®. Apresentações: creme, pomada. TRIANCINOLONA (corticoide de média potência): Theracor®. Apresentação: creme 0,025%. TROMANTADINA: Herpex®. Apresentação: gel 1%. VALERATO DE BETAMETASONA (corticoide de alta potência): Benevat®, Betaderm®, Betnolon®, Betsona®, Betnovate®, Dermonil®. Apresentações: pomada 0,1%, creme, loção capilar.

USO OFTALMOLÓGICO ACICLOVIR: Antivirax®, Zovirax®. Apresentação: pomada 3%. Aplicar no olho 5×/dia. CARBOXIMETILCELULOSE: Frech Tears®. Apresentações: colírio 2 e 4%. 1 gt em cada olho quantas vezes for necessário. CIPROFLOXACINO: Biamotil®, Ciloxan®. Associado com dexametasona: Biamotil D®, Cilodex®. Apresentações: colírio e pomada. Administrar 1 ou 2 gts a cada 4 h ou aplicar a pomada 34×/dia. CLORANFENICOL: Clorafenil®, Feniclor®, Fenicloran ®. Associado com dexametasona: Dexafenicol®. Associado com vitamina A: Epitezan®. Associado com dexametasona e tetrazolina: Fenidex®. Associado com sulfacetamida: Sulnil®. Apresentações: colírio e pomada. Administrar 1 ou 2 gts a cada 4 h ou aplicar a pomada 3-4×/dia. CROMOGLICATO DISSÓDICO: Cromalerg®, Maxicron®. Apresentação: colírio 4%. Acima de 4 anos: 1-2 gts em cada olho 4-6×/dia. DEXAMETASONA: Dexacilina®, Dexaminor®, Maxidex®, Minidex®. Apresentação: colírio. 1-2 gts em cada olho 4×/dia. DEXTRANO-HIPROMEL: Lacrima Plus®. Apresentação: colírio 0,5%. 1 gota em cada olho quantas vezes for necessário. EMEDASTINA: Emadine®. Apresentação: colírio 0,05%. Maiores de 3 anos: 1 gt em cada olho 2×/dia. FLUORMETOLONA: Florate®, Flumex®. Apresentação: colírio. 1-2 gts em cada olho 4×/dia.

1023

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

VITAMINA B5 (dexpantenol): Bepantol® . Apresentações: pomada, solução.

GATIFLOXACINO: Zymar®. Apresentação: colírio. Administrar 1 ou 2 gts a cada 4 h. GENTAMICINA: Gentamicina®, Gentagran®. Associado com betametasona: Garasone®, Gentacort®. Apresentações: colírio e pomada. Administrar 1 ou 2 gts a cada 4 h ou aplicar a pomada 3×/dia. LODOXAMIDA: Alomide®. Apresentações: colírio 0,1%. Maiores de 2 anos: 1-2 gts em cada olho 4×/dia. NEOMICINA: Associado com dexametasona: Decadron ®, Neocrotin ®. Associado com fluorometolona: Flumex-N®. Associado com fluocinolona, nafazolina e sulfato de zinco: Fluo-vaso®. Associado com polimixina e prednisolona: Polipred®. Apresentação: colírio. Administrar 1 ou 2 gts a cada 4 h. OFLOXACINA: Oflox®. Apresentação: colírio. Administrar 1-2 gts a cada 4 h nos dois primeiros dias; após, administrar 4×/dia. RIMEXOLONA: Vexol®. Apresentação: colírio 1%. 1-2 gts em cada olho 4×/dia. SULFACETAMINDA: Associado com cloranfenicol: Sulnil®. Administrar 2-3 gts, 4-5×/dia.

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

TETRACICLINA: Cinatrex®, Prociclina®, Tetracilil®. Apresentação: pomada. Aplicar a pomada 3×/dia. TOBRAMICINA: Tobragan®, Tobrex®, Toflamixina®. Associado com dexametasona: Tobradex®. Apresentações: colírio e pomada. Administrar 1 ou 2 gts a cada 4 h ou aplicar a pomada 3×/ dia.

GOTAS OTOLÓGICAS BORATO DE HIDROXIQUINOLINA: Cerumin®, Oto-cer gts®. Administrar 5 gts em cada ouvido 3×/dia. CIPROFLOXACINO: Biamotil®, Ciloxan®, Ofoxin®. Administrar 3 gts 3-5×/dia. CLORANFENICOL-LIDOCAÍNA: Otomicina®, Ouvidonal®. Administrar 4-5 gts, 2-3×/dia. NEOMICINA-LIDOCAÍNA-HIALURONIDASE: Oto-xilodase®. Administrar 3-4 gts, 2-4×/dia. NEOMICINA-POLIMIXINA: Associado com fluocinolona e lidocaína: Elotin®, Otenol®, Otocort®, Otomixyn®, Otosynalar®. Associado com fludrocortisona: Otodol ®. Associado com hidrocortisona: Otosporin®. Associado com nitrofurazona, fludocortisona e lidocaína: Panotil®. Oto-xilodase®. Administrar 3-4 gts 3-5×/dia. Administrar 2-4 gts 2-4×/dia. POLIMIXINA: Associado com lidocaína: Lidosporin®. Administrar 3-4 gts 2-4×/dia. TIROTRICINA: Associado com procaína, ácido salicílico, ácido bórico: Ortuga®. Administrar 3-4 gts 2-4×/dia.

1024

USO TÓPICO NASAL AZELASTINA: Rino-lastin®, Rino Azetin®. Apresentação. spray nasal com 1 mg/mL. 1 aplicação em cada narina 2×/dia. BECLOMETASONA: Beclosol®, Clenil®. Apresentação: spray com 50 µg/dose. Crianças acima de 6 anos: 1 jato em cada narina, até de 8/8 h. BUDESONIDA: Busonid®, Budecort®. Apresentações: aquoso nasal com 50 e 100 µg/dose, spray 32 e 64 µg/dose. Crianças acima de 6 anos: dose inicial de 2 aplicações de 64 µg ou 4 aplicações de 32 µg em cada narina, divididos em 2 administrações. A dose de manutenção deve ser reduzida à menor dose necessária ao controle dos sintomas. CLORETO DE SÓDIO: Salsep®, Rinosoro®. Apresentações: spray 0,9% e 3%. Aplicar 1-3 jatos em cada narina sempre que necessário. CLORETO DE SÓDIO-BENZALCÔNIO: Hyponasal®, Narisoro®, Nasolac®, Nasolina®, Novo Rino®, Multisoro®, Rinoben®, Rino-ped®, Rinosoro®, Sorine infantil®, Soroliv®, Soroneo®, Soripan®. Apresentações: spray e gotas. Aplicar 1-3 jatos ou meio conta-gotas em cada narina sempre que necessário.

FLUTICASONA: Flixonase®, Plurair®. Apresentação: spray 50 µg/dose. Crianças acima de 4 anos: 2 doses em cada narina, 1×/dia. MOMETASONA: Nasonex®. Apresentação: spray nasal. Acima de 2 anos: 1 aplicação em cada narina 1×/dia. TRIANCINOLONA: Airclina®, Nasacort®. Apresentação: spray 55 µg/dose. Crianças acima de 4 anos: 2 doses em cada narina, 1×/dia.

FÓRMULAS NUTRICIONAIS INFANTIS FÓRMULAS PARA PRIMEIRO SEMESTRE Aptamil 1®, Bebelac 1®, Isomil®, Nan 1 Pró®, Nestogeno 1®, Nestogeno Plus®, Similac Advance 1®. FÓRMULAS PARA SEGUNDO SEMESTRE Aptamil 2®, Bebelac 2®, Isomil®, Nan 2 Pró®, Nestogeno 2®, Nestogeno Plus®, Similac Advance 2®. FÓRMULA HIPOALERGÊNICA Nan HA®. FÓRMULAS À BASE DE PROTEÍNA ISOLADA DE SOJA Aptamil soja®, Enfamil Pro Sobee®, Isomil®, Nansoy®, Nursoy®. FÓRMULA SEM LACTOSE Nan sem Lactose®.

1025

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

CROMOGLICATO DE SÓDIO: Cromocato®, Intal®, Rilan®. Apresentações: solução nasal a 2 e 4%. Uma aplicaçao em cada narina 2-4×/dia.

FÓRMULAS ANTIRREFLUXO Aptamil AR®, Nan AR®. HIDROLISADOS PROTEICOS Alfaré®, Alergomed®, Pregestimil Premium®, Pregomin®. FÓRMULAS À BASE DE AMINOÁCIDOS Aminomed®, Neocate®.

DOSES DE ANTIBIÓTICOS EM NEONATOLOGIA (PMA = Idade Gestacional + Idade Pós-Natal)

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

AMPICILINA – 300 mg/kg/dia, EV, lento PMA (semanas)

Dias de vida

Intervalo (horas)

≤ 29

0-28 > 28 0-14 > 14 0-7 >7 Todos

12 8 12 8 12 8 6

30-36 37-44 ≥ 45

GENTAMICINA PMA (semanas)

Dias de vida

Dose (mg/kg)

Intervalo (horas)

≤ 29 *

0-7 8-28 > 28 0-7 >7 Todos

5 4 4 4,5 4 4

48 36 24 36 24 24

30-34 ≥ 35

* Ou asfixia importante, perda de função renal, PCA ou uso de indometacina.

VANCOMICINA Q meningite: 15 mg/kg/dose, EV, em 60 min. Q bacteremia: 10 mg/kg/dose, EV, em 60 min.

1026

PMA (semanas)

Dias de vida

Intervalo (horas)

≤ 29

0-14 > 14 0-14 > 14 0-7 >7 Todos

18 12 12 8 12 8 6

30-36 37-44 ≥ 45

AMICACINA Q EV em 30 min Dias de vida

Dose (mg/kg)

Intervalo (horas)

≤ 29 *

0-7 8-28 > 28 0-7 >7 Todos

18 15 15 15 18 15

48 36 24 36 24 24

30-34 ≥ 35

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

PMA (semanas)

* Ou asfixia importante, perda de função renal, PCA ou uso de indometacina.

CEFOTAXIMA Q 50 mg/kg/dose EV. Q oftalmia gonocóccica: 100 mg/kg/dose, EV, em 30 min, 1×. Q infecção gonocóccica: 25 mg/kg/dose, EV, em 30 min. PMA (semanas)

Dias de vida

Intervalo (horas)

≤ 29

0-28 > 28 0-14 > 14 0-7 >7 Todos

12 8 12 8 12 8 6

30-36 37-44 ≥ 45

MEROPENEM Q sepse: 20 mg/kg/dose, de 12/12 h, EV Q meningite e infecção por Pseudomonas sp.: 40 mg/kg/dose, EV, 8/8 h.

1027

METRONIDAZOL Q ataque: 15 mg/kg, VO ou EV, em 30 min. Q manutenção: 7,5 mg/kg/dose, VO ou EV. PMA (semanas)

Dias de vida

Intervalo (horas)

≤ 29

0-28 > 28 0-14 > 14 0-7 >7 Todos

48 24 24 12 24 12 8

30-36 37-44 ≥ 45

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

OXACILINA Q sepse: 25 mg/kg/dose, EV, em 10 min. Q meningite: 50 mg/kg/dose, EV. PMA (semanas)

Dias de vida

Intervalo (horas)

≤ 29

0-28 > 28 0-14 > 14 0-7 >7 Todos

12 8 12 8 12 8 6

30-36 37-44 ≥ 45

DROGAS CONTÍNUAS Adrenalina

1.000 µg/mL

µg/kg/min

Dobutamina

12.500 µg/mL

µg/kg/min

Dopamina

5.000 µg/mL

µg/kg/min

Cetamina

50.000 µg/mL

µg/kg/min

Fentanil

50 µg/mL

µg/kg/h

Furosemida

10 mg/mL

mg/kg/h

Midazolam

5 mg/mL

mg/kg/h

Milrinona

1.000 µg/mL

µg/kg/min

Morfina

10.000 µg/mL

µg /kg/h

Salbutamol

500 µg/mL

µg/kg/min

Octreotide

50 µg/mL

µg/kg/h

Prostaglandina

500 µg/mL

µg/kg/min

Noradrenalina

1.000 µg/mL

µg/kg/min

1028

Tabela 1 PRINCIPAIS POLIVITAMÍNICOS Nome comercial

Apresentação

Vit A (UI)

Ad-til®

Fr-gt com 10 mL (cada mL)

50 mil

10 mil

Adeforte®

Fr-gt com 15 mL (cada mL)

50 mil

5 mil

Amp com 3 mL

100 mil

50 mil 30

Fr-gt com 10 mL (cada mL)

55 mil

22 mil

Amp de 3 mL

13,2 mil

66 mil

Aderogil D3®

®

1029

Belexa

Xpe com 150 mL

Biofructose®

Amp de 10 ou 20 mL

Carnabol®

Fr com 120 mL (10 mL)

Cedozelin® CPT

Amp

Vit B1 (mg)

Vit B2 (mg)

Vit B3 (mg)

15

2

45

4,8

1

10

Vit B5 (mg)

13

Vit B6 (mg)

Vit B7 (mg)

Vit B9 (mg)

Vit B12 µg) (µ

5

50

2

6

Vit C (mg)

Vit D (UI)

Vit E (UI)

Outros

30

Buclizina

(Continua)

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

1030

Tabela 1 (continuação) PRINCIPAIS POLIVITAMÍNICOS Nome comercial

Apresentação

Vit A (UI)

Cetiva AE®

Fr-gt com 30 mL

5 mil

Citoneurin®

Amp de 3 mL

Clusivol composto®

Fr com 240 mL (cada mL)

Combiron®

Fr com 120 mL (cada 10 mL)

Vit B1 (mg)

Vit B2 (mg)

Vit B3 (mg)

Vit B5 (mg)

Fr-gt com 30 mL (cada mL)

Vit B7 (mg)

Vit B9 (mg)

Vit B12 µg) (µ

Vit C (mg)

Vit D (UI)

65 100

2,5 mil

Vit B6 (mg)

100

5 mil

1

3

32,5

Vit E (UI)

Outros

30

0,75

1,2

10

6

200

Ca, I, Mn, Zn, Mg

4

1

10

1

25

50

Fe

0,75

1

10

4,6

3

32,5

Fe

Complevitam®

Fr 100 mL

10

1,5

3

5

Complexo B

Sol de 20 mL (cada mL)

5

2

20

3

2

10

4

40

6

4

1,5

1,7

20

6,25

Amp de 10 mL

30

0,2

12,5

5

300

Glicose 25%

Amp de 20 mL

50

0,5

25

10

500

Glicose 25%

Amp Gaduol®

Fr-gt com 10 mL

5 mil

Gevral®

Fr com 120 mL (cada 5 mL)

5 mil

Gliplex®

10 mg vit PP 0,25

1 mil 5

400

Ca, Fl

(Continua)

Tabela 1 (continuação) PRINCIPAIS POLIVITAMÍNICOS Nome comercial

Apresentação

Iberol®

Vit A (UI)

Vit B1 (mg)

Vit B2 (mg)

Vit B3 (mg)

Vit B5 (mg)

Vit B6 (mg)

Fr com 120 mL (cada 5 mL)

1,5

1,7

20

10

2

Kiddi pharmaton®

Xpe com 120 mL (cada 5 mL)

1

1,1

6,6

3,3

2

Novofer®

Fr com 120 mL (cada 10 mL)

4

1

10

6

45

Fe

Fr-gt com 30 mL (cada mL)

4

1

10

6

45

Fe

Protovit®

Fr com 20 mL (cada mL = 24 gts)

3 mil

2

1,5

15

10

Rarical®

Suspensão com 120 mL (cada 5 mL)

5 mil

4

2

15

2

Revitam®

Fr com 120 mL (cada 5 mL)

6 mil

2

2,5

30

15

Thiaminose®

Vit B7 (mg)

Vit B9 (mg)

Vit B12 µg) (µ

Vit C (mg)

6

65

1

80

0,18

0,25

175

Amp de 10 mL

15

250

Amp de 20 mL

30

500

Vit E (UI)

Outros

Fe

200

2

3

Vit D (UI)

5

900

15

500

2,25

400

20

Ca, P, lisina

Fl

1031

(Continua)

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

MEDICAMENTOS MAIS USADOS EM PEDIATRIA

1032

Tabela 1 (continuação) PRINCIPAIS POLIVITAMÍNICOS Nome comercial

Apresentação

Vit A (UI)

Tri-vi-fluor®

Fr-gt com 30 mL (cada 12 gt)

3 mil

Tri-vi-sol®

Fr-gt com 30 mL (cada 12 gt)

2 mil

Vi-ferrin®

Fr com 150 mL

Vitadesan®

Fr-gt com 10 mL (cada mL)

3 mil

Vitaler®

Fr com 120 mL (cada mL)

2 mil

Vita-ped®

Fr com 30 mL (cada mL)

5 mil

Vit B1 (mg)

Vit B2 (mg)

Vit B3 (mg)

Vit B5 (mg)

Vit B6 (mg)

Vit B7 (mg)

Vit B9 (mg)

0,5

Vit B12 µg) (µ

Vit C (mg)

Vit D (UI)

35

400

35

400

Vit E (UI)

15

Outros

Fe 800

1,5

1,7

20

10

2

0,5

2

65

400

65

667

10

Glutamina, lisina, Ca

APÊNDICE 2

TABELAS E FÓRMULAS RENATA ROSTIROLA GUEDES

ANTICOAGULAÇÃO Ajuste da dose de heparina intravenosa de acordo com o tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) TTPa (s)

Ajuste da dose de infusão de heparina

Repetir TTPa

≤ 50

Bolus de 50 UI/kg e aumentar 10%

Após 4 horas

50-59

Aumentar 10%

Após 4 horas

60-85

Manter a mesma dose

Após 24 horas

86-95

Diminuir 10%

Após 4 horas

96-120

Parar a infusão por 30 min e diminuir 10%

Após 4 horas

> 120

Parar a infusão por 60 min e diminuir 15%

Após 4 horas

Fonte: Taketomo, Hodding e Kraus (2000).

Ajuste de varfarina de acordo com INR Q

Ajuste da dose dos dias 2-4*: INR

Dose

1,1-1,3

Repetir dose inicial

1,4-1,9

50% da dose inicial

2-3

50% da dose inicial

3,1-3,5

25% da dose inicial

> 3,5

Manter sem a medicação até INR < 3,5; após, reiniciar com uma dose 50% menor do que a dose anterior

* Início do uso da medicação = dia 1.

Q

Ajuste da dose a partir do dia 5: INR

Dose

1,1-1,4

Aumentar 20% da dose prévia

1,5-1,9

Aumentar 10% da dose prévia

2-3

Não alterar

3,1-3,5

Diminuir 10% da dose prévia

> 3,5

Manter sem a medicação, realizando controles diários de INR até que esse seja < 3,5; após, reiniciar com uma dose 20% menor do que a dose anterior

Fonte: Taketomo, Hodding e Kraus (2000).

EQUIVALÊNCIA DOS CORTICOSTEROIDES Doses equivalentes para o mesmo efeito clínico

TABELAS E FÓRMULAS

Droga

Efeito anti-inflamatório glicocorticoide

Efeito mineralocorticoide

Cortisona

100 mg

100 mg

Hidrocortisona

80 mg

80 mg

Prednisona

20 mg

100 mg

Prednisolona

20 mg

100 mg

Metilprednisolona

16 mg

Sem efeito

Triancinolona

16 mg

Sem efeito

Fludrocortisona

5 mg

0,2 mg

Dexametasona

2 mg

Sem efeito

Acetato desoxicorticosterona

Sem efeito

2 mg

Fonte: Carvalho e colaboradores (1993) e Piva e Garcia (2004).

1034

DISTÚRBIOS HIDRELETROLÍTICOS NA CRIANÇA Necessidades hidreletrolíticas segundo o peso e a superfície corpórea Manutenção

Água (mL)

Sódio (mEq)

Potássio (mEq)

1-10 kg

100 mL/kg

3 mEq/kg

2 mEq/kg

11-20 kg

1.000 + 50 mL/kg >10 kg

30 + 2 mEq/kg > 10 kg

20 + 1 mEq/kg > 10 kg

> 20 kg

1.500 + 20 mL/kg > 20 kg

50 + 1 mEq/kg > 20 kg

30 + 0,5 mEq/kg > 20 kg

Superfície (m²)

1.800

50

40

Peso

Fonte: Piva e Garcia (2004).

Normal

Variação

Acidose

Alcalose

pH

7,4

4,35-7,45

< 7,35

> 7,45

PCO2

40

35-45

> 45

< 35

HCO3

24

20-24

< 20

> 24

TABELAS E FÓRMULAS

Valores normais do equilíbrio ácido-base

Fonte: Piva e Garcia (2004).

Correção de bicarbonato na acidose metabólica Déficit de bicarbonato = (15 – HCO3 encontrado) × peso × 0,6 ou Déficit de bicarbonato = Excesso de base × peso × 0,3

1035

Composição das perdas externas anormais Líquidos

Na

K mEq/L

Cl

Proteínas g%

Gástrico

20-80

5-20

100-150



Pancreático

120-140

5-15

90-120



Intestino delgado

100-140

5-15

90-130



Bile

120-140

5-15

80-120



Ileostomia

45-135

3-15

20-115



Diarreia

10-90

10-80

10-110



Normal

10-30

3-10

10-35



Fibrose cística

50-130

5-25

50-110



Queimaduras

140

5

110

3-5

Suor*

TABELAS E FÓRMULAS

*As concentrações de sódio no suor aumentam progressivamente com as taxas crescentes de fluxo do suor. Fonte: Behrman, Kliegman e Jenson (2000) e Piva e Garcia (2004).

Fórmula da correção de hiponatremia e hipernatremia Mudança no Na sérico =

Na infundido – Na sérico ________________________ (0,6 × peso) + 1

(projeta-se um aumento de Na sérico em 10 mEq/L em 24h)

LÍQUIDO PLEURAL Relação líquído pleural/soro Transudato

Proteína

< 3 g/dL

< 0,5

LDH

200 UI/L

< 0,6

Glicose

< 60 mg/dL

1,0

Contagem de leucócitos

< 1.000



Exsudato com indicação de drenagem pleural: pH < 7,0, glicose < 40 mg/dL e LDH >1.000 UI/L Fonte: Adaptada de Poe e colaboradores (1991) e Piva e Garcia (2004).

1036

NEFROLOGIA Clearance de creatinina Q

altura (cm) × k Equação de Schwartz: Cl. Cr (mL/min/1,73 m²) = ____________________ Cr plasmática (mg/dL)

Idade

k

Prematuros < 1 ano

0,33

Lactentes a termo < 1 ano

0,45

Crianças de 1-12 anos e meninas adolescentes

0,55

Meninos adolescentes – 13 a 17 anos

0,70

Essa fórmula pode não ser acurada em menores de 6 meses, pacientes com edema ou desnutridos graves. Fonte: Piva e Garcia (2005) e Schawartz, Brian e Spitzer (1987).

(140 – idade) × Peso (kg) Equação de Cockcroft: Cl Cr = _______________________ 72 x Cr plasm

(× 0,85 para mulheres) TABELAS E FÓRMULAS

Q

Taxa de filtração glomerular (TFG) normal em crianças Idade

TFG mL/min/1,73m² (média ± DP)

1 semana

40,6 ± 14,6

2-8 semanas

65,8 ± 24,8

> 8 semanas

95,7 ± 21,7

2-12 anos

133 ± 27

13-21 anos (mulheres)

126 ± 22

13-21 anos (homens)

140 ± 30

Fonte: Coulthard (1985), Heilborn e colaboradores (1991), Piva e Garcia (2004) e Schwartz, Feld e Langford (1984).

1037

Fórmula ânion gap Ânion gap = Na – (HCO3 + Cl) Fonte: Taketomo, Hodding e Kraus (2000).

Osmolaridade sérica Glicose Osmolaridade (mOsm/mL) = 2 × Na (mEq/L) + _______ + 18

Ureia _____ 5,6

Correção do Na sérico com relação à glicemia Na dosado + 1,6 × (glicemia – 100) Na corrigido = _______________________________ 100

Relação ureia/creatinina sérica

TABELAS E FÓRMULAS

Ureia/creatinina sérica ____________________ Cr sérica Q Q Q

Normal: 10-15 > 20: sugere azotemia pré-renal ou estados de excessiva produção de ureia (p. ex., sangramento do trato gastrintestinal – TGI) < 5: alteração da biossíntese da ureia (hepatite, deficiências enzimáticas do ciclo da ureia)

Ajuste de antibióticos em pacientes com insuficiência renal Antibióticos

Meia-vida

Ajuste conforme falência renal (taxa de filtração glomerular – mL/min) > 50

10-50

< 10

Amicacina

2-3 horas

dose: 60-90% intervalo: 12 horas

30-80% 12-18 horas

23-30% 24-48 horas

Azitromicina

12-66 horas

dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

Aztreonam

2 horas

dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

dose: — intervalo: 24 horas

— 24 horas

— 24-36 horas

Anfotericina B 24 horas

(Continua)

1038

Antibióticos

Meia-vida

Ajuste conforme falência renal (taxa de filtração glomerular – mL/min) > 50

10-50

< 10

2,5 horas

dose: 100% intervalo: 8 horas

100% 12-24 horas

50% 24 horas

Amoxicilina

1 hora

dose: — intervalo: 8 horas

— 8-12 horas

— 24 horas

Ampicilina

1 hora

dose: — intervalo: 6 horas

— 6-12 horas

— 12-24 horas

Cefazolina

1,9 hora

dose: — intervalo: 8 horas

— 12 horas

— 24-48 horas

Cefepima

2,2 horas

dose: — intervalo: 12 horas

— 16-24 horas

— 24-48 horas

Cefotaxima

1,7 hora

dose: — intervalo: 8-12 horas

— 12-24 horas

— 24 horas

Cefoxitina

0,8 hora

dose: — intervalo: 8 horas

— 12 horas

— 24-48 horas

Ceftazidima

1,8 hora

dose: — intervalo: 8-12 horas

— 24-48 horas

— 48 horas

Ceftriaxona

8 horas

dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

Ciprofloxacino 4 horas

dose: 100% intervalo: —

74-50% —

50% —

Claritromicina 5-7 horas

dose: 100% intervalo: —

75% —

75-50% —

Clindamicina

dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

Cloranfenicol 1,5-3,5 horas dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

Doxiciclina

18 horas

dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

Didanosina

1,6 hora

dose: — intervalo: 12 horas

— 24 horas

— 48 horas

Eritromicina

1,4 hora

dose: 100% intervalo: —

100% —

75-50% —

Estavudina

1,7 hora

dose: 100% intervalo: 12 horas

100% 12-24 horas

2,4 horas

TABELAS E FÓRMULAS

Aciclovir

(Continua)

1039

Antibióticos

Meia-vida

Ajuste conforme falência renal (taxa de filtração glomerular – mL/min)

TABELAS E FÓRMULAS

> 50

10-50

< 10

Etambutol

4 horas

dose: — intervalo: 24 horas

— 24-36 horas

— 48 horas

Etionamida

2,1 horas

dose: 100% intervalo: —

100% —

50% —

Flucitosina

3-6 horas

dose: — intervalo: 12 horas

— 16 horas

— 24 horas

Fluconazol

37 horas

dose: 100% intervalo: —

100% —

50% —

Foscarnet

3 horas

dose: 50% intervalo: —

25% —

10% —

Ganciclovir

2,9 horas

dose: — intervalo: 12 horas

— 24-48 horas

— 48-96 horas

Gentamicina, 2-3 horas Tobramicina

dose: 60-90% intervalo: 8-12 horas

30-70% 12 horas

23-30% 24-48 horas

Imipeném

1 hora

dose: — intervalo: 6 horas

— 8 horas

— 12 horas

Itraconazol

21 horas

dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

Isoniazida

1,4-3,3 horas dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

Meropenem

1 hora

dose: — intervalo: —

50% 12/12 horas

50% 24 horas

Metronidazol 6-14 horas

dose: 100% intervalo: —

100% —

50% —

Penicilina G

0,5 hora

dose: 100% intervalo: —

75% —

20-50% —

Piperacilina

1 hora

dose: — intervalo: 4-6 horas

— 6-8 horas

— 8 horas

Pirazinamida

8 horas

dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

2,1-3,9 horas dose: 100% intervalo: —

100% —

100% —

Pirimetamina 80 horas Rifampicina

(Continua)

1040

Antibióticos

Meia-vida

Ajuste conforme falência renal (taxa de filtração glomerular – mL/min) > 50

10-50

< 10

Teicoplanina

45 horas

dose: — intervalo: 24 horas

— 48 horas

— 72 horas

Ticarcilina

1,2 hora

dose: 70% intervalo: 4 horas

50-70% 8 horas

50% 12 horas

Trimetropim

11 horas

dose: — intervalo: 12 horas

— 18 horas

— 24 horas

Vancomicina

6 horas

dose: — — intervalo: 12-24 horas 1-4 dias

— 4-7 dias

Zidovudina

0,5-1,7 hora

dose: 100% intervalo: —

50% —

100% —

Fonte: Gilbert, Moellering e Sande (2003), Piva e Garcia (2004) e Taketomo, Hoelding e Kraus (2000).

Escala de Coma de Glasgow (modificada) Categoria

Resposta

Lactente

Escore

Abertura ocular

Espontânea À voz À dor Ausente

Espontânea À voz À dor Ausente

4 3 2 1

Resposta verbal

Orientada Confusa Palavras inapropriadas Incompreensível Ausente

Balbucia Choro irritado Chora à dor Geme Ausente

5 4 3 2 1

Resposta motora

Segue o comando Localiza a dor Flexão normal Flexão anormal Extensão anormal Flácida

Movimentos espontâneos Retirada ao toque Retirada à dor Flexão anormal Extensão anormal Nenhuma

6 5 4 3 2 1

Fonte: Adaptada de Andrews e Hammer (1997) e Piva e Garcia (2004).

1041

TABELAS E FÓRMULAS

NEUROLOGIA

Escala de Duncan (escala de coma neonatal) Categoria

Resposta

Escore

Melhor resposta a sons (sino)

Movimentos faciais e de extremidades Mímica/piscar Aumento FC/FR Mioclonias/posturas extensoras Sem resposta

5 4 3 2 1

Melhor resposta à luz

Pisca e faz movimentos faciais e de extremidades Pisca Convulsões/posturas extensoras Sem resposta

4 3 2 1

Melhor resposta motora Espontânea – Períodos de atividade alternando com sono – Movimentos espontâneos ocasionais Fricção esternal – Movimentos de extremidades – Mímica/movimentos faciais – Convulsões/posturas extensoras – Sem resposta

6 5 4 3 2 1

TABELAS E FÓRMULAS

FC, frequência cardíaca; FR, frequência respiratória. Total: 3-15 pontos. Fonte: Cypel e Diament (2004).

Líquido cerebrospinal Leucócitos

Leuc PMN¹

Proteína

Glicose

Glic LCR/ sangue

0-29 (9)

57%

65-200 (115)

24-63 (50)

55-105 (74%)

Recém-nascido* 0-32 (8,2)

61%

20-170 (90)

34-119 (52)

44-248 (81%)

Criança*

0%

5-40 (< 40)

40-80 (> 40)

40-60 (50%)

100-30.000

> 90%

> 100

< 40

< 1.000

Predomínio de linfócitos²

Normal ou pouco elevada

Normal

Prematuro*

Meningite bacteriana Meningite viral

0-7 (0)

(Continua)

1042

Leucócitos

Leuc PMN¹

Proteína

Glicose

Meningite tuberculosa

50-500

Predomínio de linfócitos²

> 100

< 40

Encefalite viral

50-2.000

Predomínio de linfócitos²

Normal ou pouco elevada

Normal ou pouco diminuída

Glic LCR/ sangue

* Valores normais. Valores em parênteses: média. ¹ Leuc PMN, leucócitos polimorfonucleares. ² Pode haver predomínio inicial de leuc PMN. Fonte: Adaptada de Levin e Morris (1997) e Piva e Garcia (2004).

Valores normais de pressão intracraniana Q Q Q Q

Recém-nascido: 2 mmHg Lactente: até 5 mmHg Até 7 anos: 6-13 mmHg Criança maior/adulto: 15 mmHg TABELAS E FÓRMULAS

Fonte: Matsumoto, Carvalho e Hirschheimer (1997) e Piva e Garcia (2004).

CONVERSÃO DE MEDIDAS Q Q Q Q Q Q

1 g = 0,001 kg = 0,01 hg = 0,1 dag = 10 dg = 100 cg = 1.000 mg 1 mg = 1.000 mg = 100.000 ng 1 lb = 454 g 100 mL = 3,38 oz 1 inch = 2,54 cm 1 mmHg = 1,36 cmH2O

1043

TAMANHO DE TUBOS ENDOTRAQUEAIS Idade

Peso (kg)

Diâmetro do tubo (mm)

Lâmina

Cateter de sucção

RN prematuro

1

2,5 3

0

5 5-6

RN termo

2-3

3-3,5

1

6-8

6 meses

7

3,5

1

8

1 ano

10-13

4

1

8

3 anos

14-16

4,5

2

8-10

5 anos

16-20

5

2-3

10 10

6 anos

18-25

5,5

2-3

8 anos

24-32

6 com balonete

2-3

10-12

10 anos

30

6,5 com balonete

3

12

12 anos

32-54

6,5-7 com balonete

3

12

7-8,5 com balonete

3

12-14

TABELAS E FÓRMULAS

16 anos-adulto 50

Fórmulas: Q

Número do tubo endotraqueal (TET) para crianças > 1 ano sem balonete: idade em anos no TET (mm) = ______________ + 4 4

Q

Número TET para crianças > 1 ano com balonete: idade em anos no TET (mm) = ______________ + 3 4

Q

Distância orotraqueal TET: Distância (cm) = no TET (mm) × 3 ou para > 2 anos: idade distância (cm) = ______ 2

1044

+ 12

INTERPRETAÇÃO DE VALORES HEMODINÂMICOS ANORMAIS PVC

POCP

RVS

IC

Comentários

Hipovolemia









Confirmar diagnóstico com desafio hídrico

Choque cardiogênico









Se POCP baixa falência isolada de coração D

Choque séptico





↓ ou ↑

Variável

A fração de ejeção diminui; o volume sistólico e o débito cardíaco são mantidos pela dilatação do VE e aumento da FC

Tamponamento









Equalização da pressão diastólica

PVC, pressão venosa central; POCP, pressão de oclusão do capilar pulmonar; RVS, resistência vascular sistêmica; IC, índice cardíaco; VE, ventrículo esquerdo; FC, frequência cardíaca.

TABELAS E FÓRMULAS

Fonte: Adaptada de Piva e Garcia (2004) e Roger e Nichols (1996).

VARIÁVEIS RESPIRATÓRIAS Principais valores da função pulmonar Estatura (cm)

Masculino

Feminino

TFPE (L/min) CV (L)

VEF1 (L)

TFPE (L/min)

CV (L)

VEF1 (L)

120

195

1,6

1,4

199

1,5

1,3

125

220

1,8

1,5

225

1,7

1,5

130

251

2,0

1,7

252

1,9

1,7

135

279

2,2

1,9

279

2,1

1,9

140

307

2,4

2,1

305

2,3

2,1

145

335

2,7

2,3

332

2,5

2,2

150

363

2,9

2,4

359

2,8

2,4

155

390

3,2

2,7

385

3,0

2,6

160

418

3,4

3,0

412

3,3

2,7

(Continua)

1045

Estatura (cm)

Masculino

Feminino

TFPE (L/min) CV (L)

VEF1 (L)

TFPE (L/min)

CV (L)

VEF1 (L)

165

446

3,8

3,3

438

3,6

3,0

170

474

4,0

3,6

465

3,8

3,1

175

502

4,3

3,8

492

4,1

3,3

180

530

4,8

4,3

518

4,3

3,5

TFPE, taxa de fluxo do pico expiratório; CV, capacidade vital; VEF1, volume expiratório forçado em 1 segundo. Fonte: Adaptada de Phelan, Landau e Olinsky (1982) e Piva e Garcia (2004).

TABELAS E FÓRMULAS

Variáveis respiratórias fisiológicas na criança e no adulto Criança

Adulto

Volume corrente (VC)

6-8 mL/kg

6-8 mL/kg

VC em ventilação mecânica

6-15 mL/kg

6-15 mL/kg

Volume de reserva respiratória (VRJ)

27 mL/kg

45 mL/kg

Volume de reserva expiratória (VRE)

7 mL/kg

14 mL/kg

Volume residual (VR)

23 mL/kg

16 mL/kg

Volume do espaço morto

2-2,3 mL/kg

2-2,5 mL/kg

Capacidade pulmonar total (CPT)

63 mL/kg

82-86 mL/kg

Capacidade vital (CV)

33-40 mL/kg

52-66 mL/kg

Capacidade respiratória (VRI + VC)

33 mL/kg

52 mL/kg

Capacidade residual funcional (CRF)

30 mL/kg

30-34 mL/kg

Volume/minuto (L/min) = Volume corrente (VC) × Frequência respiratória (FR) Volume alveolar = (Volume corrente [VC] – Espaço morto) × Frequência respiratória (FR) Fonte: Adaptada de Carvalho (1993) e Piva e Garcia (2004).

FÓRMULA DA SUPERFÍCIE CORPORAL (Peso × 4) + 7 SC = ______________ Peso + 90

1046

FÓRMULA DA ALTURA-ALVO Alt mãe + Alt pai – 13 Meninas = ______________________ 2 Alt mãe + Alt pai + 13 Meninos = ______________________ 2

FÓRMULA DO CÁLCULO DA TIG (TAXA DE INFUSÃO DE GLICOSE) EM NEONATOS peso (kg) × TIG x horas (24) × min (60) gramas de glicose = ___________________________________ 1.000 Q Q Q

TABELAS DE NÍVEIS DE PRESSÃO ARTERIAL (PA) SEGUNDO IDADE E PERCENTIL DA ALTURA Meninos Idade Percentil PA

1

2

3

PA sistólica percentil da altura

PA diastólica percentil da altura

5

95

5

89

10

25

50

75

90 88

10

25

50

75

90

95

50

80

81

83

85

87

34

35

36

37

38

39

39

90

94

95

97

99

100 102

103 49

50

51

52

53

53

54

95

98

99

101 103 104 106

106 54

54

55

56

57

58

58 66

99

105 106 108 110 112 113

114 61

62

63

64

65

66

50

84

85

87

92

39

40

41

42

43

44

44

90

97

99

100 102 104 105

106 54

55

56

57

58

58

59

95

101 102 104 106 108 109

110 59

59

60

61

62

63

63 71

88

90

92

99

109 110 111 113 115 117

117 66

67

68

69

70

71

50

86

95

44

44

45

46

47

48

48

90

100 101 103 105 107 108

109 59

59

60

61

62

63

63

87

89

91

93

94

(Continua)

1047

TABELAS E FÓRMULAS

SG 5%: 5 g glicose em 100 mL SG 10%: 10 g glicose em 100 mL SG 50%: 50 g glicose em 100 mL

Idade Percentil PA

4

5

TABELAS E FÓRMULAS

6

7

8

9

10

PA sistólica percentil da altura

PA diastólica percentil da altura

5

95

10

25

50

75

90

5

10

25

50

75

90

95

95

104 105 107 109 110 112

113 63

63

64

65

66

67

67

99

111 112 114 116 118 119

120 71

71

72

73

74

75

75

50

88

97

47

48

49

50

51

51

52

90

102 103 105 107 109 110

111 62

63

64

65

66

66

67

95

106 107 109 111 112 114

115 66

67

68

69

70

71

71

99

113 114 116 118 120 121

122 74

75

76

77

78

78

79

89

91

91

90

50

51

52

53

54

55

55

104 105 106 108 110 111

112 65

66

67

68

69

69

70

95

108 109 110 112 114 115

116 69

70

71

72

73

74

74

99

115 116 118 120 121 123

123 77

78

79

80

81

81

82

50

91

100 53

53

54

55

56

57

57

90

105 106 108 110 111 113

113 68

68

69

70

71

72

72

95

109 110 112 114 115 117

117 72

72

73

74

75

76

76 84

96

96

96

50

94

95

95

90

92

93

93

98

98

99

98

99

116 117 119 121 123 124

125 80

80

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86

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94

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119 73

73

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78

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115 116 117 119 121 122

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78

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80

81

81

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99

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130 85

86

86

88

88

89

90

(Continua)

1048

11

12

13

14

15

16

17

PA sistólica percentil da altura

PA diastólica percentil da altura

5

10

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25

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75

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5

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25

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59

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63

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74

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78

78

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117 118 119 121 123 124

125 78

78

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80

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82

82

99

124 125 127 129 130 132

132 86

86

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88

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90

90

50

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110 59

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63

64

90

115 116 118 120 121 123

123 74

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75

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78

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95

119 120 122 123 125 127

127 78

79

80

81

82

82

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126 127 129 131 133 134

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90

90

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50

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60

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64

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117 118 120 122 124 125

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75

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79

95

121 122 124 126 128 129

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79

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81

82

83

83

99

128 130 131 133 135 136

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87

88

89

90

91

91

50

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65

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120 121 123 125 126 128

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79

80

95

124 125 127 128 130 132

132 80

80

81

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84

84

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66

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80

81

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125 127 129 131 133 134

135 81

81

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85

85

99

134 135 136 138 140 142

142 88

89

90

91

92

93

93

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111 112 114 116 118 119

120 63

63

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65

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67

90

125 126 128 130 131 133

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78

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81

82

82

95

129 130 132 134 135 137

137 82

83

83

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90

91

92

93

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66

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127 128 130 132 134 135

136 80

80

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84

95

131 132 134 136 138 139

140 84

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87

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139 140 141 143 145 146

147 92

93

93

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95

96

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1049

TABELAS E FÓRMULAS

Idade Percentil PA

Meninas Idade Percentil PA

1

2

3

TABELAS E FÓRMULAS

4

5

6

7

8

PA sistólica percentil da altura

PA diastólica percentil da altura

5

10

25

50

75

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95

5

10

25

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75

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50

83

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38

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39

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41

41

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90

97

97

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103 52

53

53

54

55

55

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95

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107 56

57

57

58

59

59

60

99

108 108 109 111 112 113

114 64

64

65

65

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67

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50

85

85

87

43

44

44

45

46

46

47

90

98

99

100 101 103 104

105 57

58

58

59

60

61

61

95

102 103 104 105 107 108

109 61

62

62

63

64

65

65

99

109 110 111 112 114 115

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69

70

70

71

72

72

50

86

93

47

48

48

49

50

50

51

90

100 100 102 103 104 106

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62

62

63

64

64

65

95

104 104 105 107 108 109

110 65

66

66

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74

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50

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50

50

51

52

52

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101 102 103 104 106 107

108 64

64

65

66

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67

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95

105 106 107 108 110 111

112 68

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112 113 114 115 117 118

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76

76

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79

50

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96

52

53

53

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55

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90

103 103 105 106 107 109

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67

67

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107 107 108 110 111 112

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73

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99

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78

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68

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70

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108 109 110 111 113 114

115 72

72

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74

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115 116 117 119 120 121

122 80

80

80

81

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83

50

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56

56

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106 107 108 109 111 112

113 69

70

70

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72

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116 73

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117 118 119 120 122 123

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81

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50

95

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57

57

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60

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74

(Continua)

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9

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16

PA sistólica percentil da altura

PA diastólica percentil da altura

5

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10

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50

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5

10

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95

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118 75

75

75

76

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119 120 121 122 123 125

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83

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58

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61

90

110 110 112 113 114 116

116 72

72

72

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74

75

75

95

114 114 115 117 118 119

120 76

76

76

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78

79

79

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127 83

83

84

84

85

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50

98

100 102 103 104

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59

59

60

61

62

62

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73

73

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77

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80

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84

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114 114 116 117 118 119

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74

74

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82

82

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81

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108 108 110 111 112 114

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97

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98

(Continua)

1051

TABELAS E FÓRMULAS

Idade Percentil PA

Idade Percentil PA

17

PA sistólica percentil da altura

PA diastólica percentil da altura

5

95

10

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5

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99

132 133 134 135 137 138

139 90

90

90

91

92

93

93

50

108 109 110 111 113 114

115 64

65

65

66

67

67

68

90

122 122 123 125 126 127

128 78

79

79

80

81

81

82

95

125 126 127 129 130 131

132 82

83

83

84

85

85

86

99

133 133 134 136 137 138

139 90

90

91

91

92

93

93

SINAIS VITAIS EM CRIANÇAS

TABELAS E FÓRMULAS

Frequência cardíaca (freq/min) Idade

FC acordado

FC dormindo

< 3 meses

85-205

80-160

3 meses a 2 anos

100-190

75-160

2-10 anos

60-140

60-90

> 10 anos

60-100

50-90

Frequência respiratória (respirações/min) Idade

FR

Lactente

30-60

Criança pequena

24-40

Pré-escolar

22-34

Escolar

18-30

Adolescente

12-16

Definição de hipotensão por pressão arterial sistólica e idade Idade

Pressão arterial sistólica

RN a termo

< 60 mmHg

Lactente

< 70 mmHg

1-10 anos (5o percentil de PA)

< 70 mmHg + (idade × 2)

> 10 anos

< 90 mmHg

1052

APÊNDICE 3

CURVAS DE CRESCIMENTO PAULA XAVIER PIXON RENATA ROSTIROLA GUEDES Altura para idade e peso para idade MENINAS 2 a 20 anos

Idade (anos) A L T U R A

A L T U R A

P E S O

P E S O Idade (anos)

Fonte: Center for Disease Control and Prevention (2009)

Altura para idade e peso para idade MENINOS 2 a 20 anos

Idade (anos) A L T U R A A L T U R A

CURVAS DE CRESCIMENTO

P E S O

P E S O Idade (anos)

Fonte: Center for Disease Control and Prevention (2009)

1054

IMC MENINOS 2 a 20 anos IMC

CURVAS DE CRESCIMENTO

IMC

Idade (anos)

Fonte: Center for Disease Control and Prevention (2009)

1055

IMC MENINAS 2 a 20 anos

IMC

CURVAS DE CRESCIMENTO

IMC

Idade (anos)

Fonte: Center for Disease Control and Prevention (2009)

1056

Altura para idade MENINAS

Altura (cm)

2 a 5 anos (percentis)

Meses

2 anos

3 anos

4 anos

5 anos

Idade

CURVAS DE CRESCIMENTO

Fonte: World Health Organization (2009).

Comprimento para idade MENINAS

Comprimento (cm)

Nascimento a 2 anos (percentis)

Meses

Nascimento

1 ano

2 ano

Idade

Fonte: World Health Organization (2009).

1057

Perímetro cefálico MENINAS

Perímetro cefálico (cm)

Nascimento a 5 anos (percentis)

Meses

Nascimento

1 ano

2 anos

3 anos

4 anos

5 anos

Idade

CURVAS DE CRESCIMENTO

Fonte: World Health Organization (2009).

Peso para idade MENINAS

Peso (kg)

Nascimento a 2 anos (percentis)

Meses

Nascimento

Fonte: World Health Organization (2009).

1058

1 ano Idade

2 ano

Peso para idade MENINAS

Peso (kg)

2 a 5 anos (percentis)

Meses

2 anos

3 anos

4 anos

5 anos

Idade

CURVAS DE CRESCIMENTO

Fonte: World Health Organization (2009).

Altura para idade MENINOS

Altura (cm)

2 a 5 anos (percentis)

Meses

2 anos

3 anos

Fonte: World Health Organization (2009).

4 anos

5 anos

Idade

1059

Comprimento para idade MENINOS

Comprimento (cm)

Nascimento a 2 anos (percentis)

Meses

Nascimento

1 ano Idade

Fonte: World Health Organization (2009).

Perímetro cefálico MENINOS Nascimento a 5 anos (percentis)

Perímetro cefálico (cm)

CURVAS DE CRESCIMENTO

2 ano

Meses

Nascimento

1 ano

Fonte: World Health Organization (2009).

1060

2 anos

3 anos Idade

4 anos

5 anos

Peso para idade MENINOS

Peso (kg)

Nascimento a 2 anos (percentis)

Meses

1 ano

Fonte: World Health Organization (2009).

2 ano

Idade

CURVAS DE CRESCIMENTO

Nascimento

Peso para idade MENINOS

Peso (kg)

2 a 5 anos (percentis)

Meses

2 anos

3 anos

Fonte: World Health Organization (2009).

4 anos

5 anos

Idade

1061

CURVAS DE CRESCIMENTO

1062

Perímetro cefálico MENINOS com Síndrome de Down 0 a 3 anos

Perímetro cefálico (cm)

Perímetro cefálico (cm)

Perímetro cefálico MENINAS com Síndrome de Down 0 a 3 anos

Idade (meses)

Idade (meses)

Crescimento MENINAS com síndrome de Down 1 a 36 meses

Crescimento MENINAS com síndrome de Down 2 a 18 anos Idade (anos)

Idade (meses) A L T U R A

C O M P R I M E N T O

1063

Idade (meses)

P E S O

P E S O

Idade (anos)

CURVAS DE CRESCIMENTO

CURVAS DE CRESCIMENTO

1064

Crescimento MENINOS com síndrome de Down 1 a 36 meses

Crescimento MENINOS com síndrome de Down 2 a 18 anos Idade (anos)

Idade (meses) A L T U R A

C O M P R I M E N T O

Idade (meses)

P E S O

P E S O Idade (anos)

APÊNDICE 4

CIDs MAIS USADOS EM PEDIATRIA RENATA ROSTIROLA GUEDES

Doença

CID

Abscesso cutâneo, furúnculo e antraz de localização não especificada

L02.9

Acidose

E87.2

Acne vulgar

L70.0

AIDS causando doença infecciosa ou parasitária não especificada

B20.9

Alcalose

E87.3

Alergia não especificada

T78.4

Amigdalite aguda não especificada

J03.9

Amigdalite estreptocócica

J03.0

Anafilaxia

T78.2

Anemia aplásica não especificada

D61.9

Anemia carencial não especificada

D53.9

Anemia por deficiência de ácido fólico não especificada

D52.9

Anemia por deficiência de B12 não especificada

D51.9

Anemia falciforme

D57

Anemia ferropriva

D50

Anemia hemolítica adquirida não especificada

D59.9

Anemia hemolítica autoimune

D59.1

Anemia não especificada

D64.9

Anorexia nervosa

F50.0

Anoxia cerebral

G93.1

Apendicite aguda

K35.9

Arritmia cardíaca não especificada

I49.9

Artrite inflamatória

M13.9 (Continua)

CIDs MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doença

CID

Artrite reumatoide juvenil

M08.0

Artrite séptica

M00.8

Asfixia neonatal

P21

Asma brônquica

J45.9

Aspiração neonatal de mecônio

P24.0

Atelectasia pulmonar

J98.1

Autismo infantil

F84.0

Balanopostite

N48.1

Broncopneumonia de aspiração

J69.0

Bronquiectasia

J47

Bronquiolite

J21.9

Candidíase cutânea ou de unhas

B37.2

Cardiopatia congênita sem especificação de câmaras/comunicações

Q20.0

Caxumba

B26

Cefaleia

R51

Cefaleia tensional

G44.2

Celulite

L03

Choque anafilático de causa não especificada

T78.2

Choque hipovolêmico

R57.1

Choque não especificado

R57.9

Cianose

R23.0

Cirrose hepática

K74.6

Cistite

N30

Coagulação disseminada do feto ou do RN

P60

Coagulação intravascular disseminada

D65

Colangite

K83.0

Conjuntivite mucopurulenta

H10.0

Conjuntivite não especificada

H10.9

Conjuntivite viral

B30

Constipação intestinal

K59.0

Consulta de rotina da criança

Z00.1

Convulsão

R56.8

Convulsões do recém-nascido

P90

Coqueluche

A37.0

Dermatite alérgica de contato

L23.9 (Continua)

1066

CID

Dermatite atópica não especificada

L20.9

Dermatite de fraldas

L22

Dermatite seborreica não especificada

L21.9

Derrame pleural

J90

Desidratação, depleção de volume

E86

Desidratação no recém-nascido

P74.1

Desnutrição proteico-calórica não especificada

E46

Diabete melito insulino-dependente

E10

Diabete melito não insulino-dependente

E11.0

Diarreia ou enterite por rotavírus

A08.0

Diarreia/gastrenterite presumivelmente infecciosa

A09

Diarreia/infecção intestinal bacteriana não especificada

A04.9

Diarreia/infecção intestinal virótica não especificada

A08.4

Dificuldade escolar e transtornos de aprendizagem

F80

Dispepsia

K30

Displasia broncopulmonar iniciada no período neonatal

P27.1

Distensão abdominal

R14

Doença cardíaca reumática não especificada

I09.0

Doença celíaca

K90.0

Doença de Crohn

K50

Doença hemolítica do RN por incompatibilidade ABO

P55.1

Doença hemolítica do RN por incompatibilidade Rh

P55.0

Doença pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) não especificada

B24

Doença reumática sem comprometimento cardíaco

I00

Doença sexualmente transmissível não especificada

A64

Dor abdominal

R10.4

Dor lombar baixa

M54.5

Dor torácica não especificada

R07.4

Efeito adverso não especificado de droga/medicamento

T88.7

Encefalite herpética

B00.4

Encefalite por varicela

B01.1

Encefalite virótica não especificada

A86

Endocardite aguda e subaguda

I33

Enterocolite do recém-nascido

P77

Enurese de causa não orgânica

F98.0 (Continua)

1067

CIDs MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doença

CIDs MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doença

CID

Enxaqueca

G43

Epilepsia

G40

Epilepsia não especificada

G40.9

Erisipela

A46

Eritema infeccioso

B08.3

Escabiose

B86

Escarlatina

A38

Esferocitose

D58

Estenose hipertrófica de piloro

K31.1

Estomatite por cândida

B37.0

Exantema súbito

B08.2

Exantema viral

B09

Febre não especificada

R50.9

Febre reumática

I02

Ferimentos na cabeça e pescoço

T01.0

Fibrose cística

E84.9

Fratura do membro inferior em nível não especificado

T11

Fratura do membro superior em nível não especificado

T10

Gastrite e duodenite

K29

Gengivoestomatite/ faringoamigdalite herpética

B00.2

Giardíase

A07.1

Gripe (influenza) com outras manifestações devida a vírus não identificado

J11.8

Hematêmese

K92.0

Hematúria recidivante e persistente – outras

N02.8

Hepatite aguda A

B15.-

Hepatite aguda B

B16.-

Hepatite aguda C

B17.1

Hepatite crônica sem outra especificação

K73.9

Hepatite viral crônica C

B18.2

Hepatite viral crônica não especificada

B18.9

Hepatite viral não especificada

B19

Hérnia inguinal

K40

Herpes congênito

P35.2

Herpes simples cutâneo

B00.1

Hidrocefalia não especificada

G91.9 (Continua)

1068

CID

Hiperatividade e déficit de atenção

F90

Hiperpotassemia

E87.5

Hipertensão arterial essencial

I10

Hipertensão arterial secundária

I15

Hipertensão portal

K76.6

Hipoglicemia

E16.2

Hipopotassemia

E87.6

Hipotireoidismo não especificado

E03.9

Icterícia neonatal não especificada

P59.9

Icterícia do leite materno

P59.3

Impetigo

L01

Infecção bacteriana não especificada

A49.9

Infecção estafilocócica não especificada

A49.0

Infecção estreptocócica não especificada

A49.1

Infecção urinária de localização não definida

N39.0

Infecção viral não especificada

B34.9

Insuficiência adrenal

E27.4

Insuficiência cardíaca

I50.9

Insuficiência hepática aguda e subaguda

K72.0

Insuficiência hepática crônica

K72.1

Insuficiência renal aguda não especificada

N17.9

Insuficiência renal crônica

N18.9

Insuficiência respiratória aguda

J96.0

Insuficiência respiratória do recém-nascido

P28.5

Intolerância alimentar

K90.4

Intoxicação exógena

T65.9

Invaginação intestinal

K56.1

Laringite aguda

J04.0

Laringite obstrutiva aguda ou epiglotite

J05

Leucemia linfoblástica aguda

C91.0

Leucemia mieloide aguda

C92.0

Linfadenite aguda

L04

Linfoma de Hodgkin

C81

Linfoma não Hodgkin

C82

Malformação congênita não especificada do trato urinário

Q64.9 (Continua)

1069

CIDs MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doença

CIDs MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doença

CID

Mastoidite

H70

Maus-tratos

T74.9

Meduloblastoma

C71.6

Melena

K92.1

Membrana hialina (neonatal)

P22.0

Meningite bacteriana não especificada

G00.9

Meningite meningocócica

A39.0

Meningite tuberculosa

A17.0

Meningite virótica não especificada

A87.9

Meningoencefalite viral

A86

Micose superficial não especificada

B36.9

Miíase

B87

Miocardiopatia dilatada

I42.0

Miocardiopatia hipertrófica obstrutiva

I42.1

Miocardite aguda não especificada

I40.9

Molusco contagioso

B08.1

Mononucleose

B27

Náuseas e vômitos

R11

Neoplasia maligna de ossos ou cartilagens

C40

Neoplasia maligna do encéfalo

C71

Neoplasia maligna renal

C64

Obesidade

E66

Obstrução intestinal

K56.6

Osteomielite não especificada

M86.9

Otite externa

H60

Otite média aguda não supurativa

H65.1

Otite média serosa aguda

H65.0

Otite média serosa crônica

H65.2

Oxiuríase

B80

Pancreatite aguda

K85

Parada cardíaca com reanimação bem-sucedida

I46.0

Parada respiratória

R09.2

Paralisia cerebral infantil

G80

Parasitose intestinal não especificada

B82.9

Pediculose

B85.0 (Continua)

1070

CID

Perfuração timpânica

H72

Persistência do canal arterial

Q25.0

Piodermites

L08.0

Pitiríase versicolor

B36.0

Pneumonia bacteriana não especificada

J15.9

Pneumonia congênita

P23

Pneumonia por Haemophilus influenzae

J14

Pneumonia por Staphylococcus

J15.2

Pneumonia por Streptococcus pneumoniae

J13

Pneumonia viral não especificada

J12.9

Pneumotórax não especificado

J93.9

Raiva

A82

Refluxo gastresofágico

K21

Resfriado comum (nasofaringite aguda)

J00

Retardo mental grave

F72

Retardo mental leve

F70

Retardo mental moderado

F71

Rinite alérgica não especificada

J30.4

Rubéola

B06

Rubéola congênita

P35.0

Sarampo

B05

Sepse meningocócica ou meningococcemia aguda

A39.2

Sepse neonatal por bactéria não especificada

P36.9

Sepse neonatal por Escherichia coli

P36.4

Sepse neonatal por estreptococo B

P36.0

Sepse neonatal por Staphylococcus aureus

P36.2

Septicemia estafilocócica não especificada

A41.2

Septicemia estreptocócica não especificada

A40.9

Septicemia não especificada

A41.9

Septicemia por anaeróbios

A41.4

Septicemia por cândida

B37.7

Septicemia por Haemophilus influenzae

A41.3

Septicemia por outros Gram-negativos

A41.5

Shigelose não especificada

A03.9

Sífilis congênita – forma clínica não especificada

A50.9 (Continua)

1071

CIDs MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doença

CIDs MAIS USADOS EM PEDIATRIA

Doença

CID

Sífilis não especificada

A53.9

Sífilis precoce – forma clínica não especificada

A51.9

Sífilis tardia – forma clínica não especificada

A52.9

Síndrome aguda de infecção por HIV

B23.0

Síndrome do cólon irritável sem diarreia

K58.9

Síndrome nefrítica não especificada – outras

N05.8

Síndrome nefrótica não especificada

N04

Sinusite aguda não especificada

J01.9

Supervisão e cuidado de saúde de crianças assistidas

Z76.1

Supervisão de cuidados de saúde de outras crianças ou recém-nascidos sadios

Z76.2

Taquicardia paroxística não especificada

I47.9

Taquipneia transitória do recém-nascido

P22.1

Teníase

B8

Tétano

A35

Tétano neonatal

A33

Tocotraumatismo com lesão de nervo periférico

P14

Tocotraumatismo com lesão do couro cabeludo

P12

Tocotraumatismo com lesão intracraniana

P10

Tocotraumatismo com lesão não especificada

P15.9

Tocotraumatismo com lesão óssea

P13

Toxoplasmose – forma clínica não especificada

B58.9

Tricomoníase

A59

Tuberculose pulmonar confirmada de forma não especificada

A15.3

Tuberculose respiratória não especificada e não confirmada

A16.9

Úlcera duodenal

K26

Úlcera gástrica

K25

Úlcera péptica não especificada

K27

Unha encravada

L60.0

Urticária alérgica

L50.0

Varicela sem complicações

B01.9

Verruga (viral)

B07

Vitiligo

L80

Vulvovaginite aguda

N76.0

Vulvovaginite por cândida

B37.3

Fonte: Classificação Internacional de Doenças.

1072

APÊNDICE 5

VALORES DE REFERÊNCIA DE EXAMES LABORATORIAIS RENATA ROSTIROLA GUEDES PAULA XAVIER PICON

Teste

Material da amostra Valores de referência

Ácido úrico

Soro

RN Adulto

2,0-6,2 mg/dL H M 4,5-8,2 3,0-6,5

ALT (TGP)

Soro

RN/lactente > 1 ano

5-25 U/I 8-20 U/I

AST (TGO)

Soro

RN/lactente > 1 ano

15-60 U/I 8-20 U/I

Albumina

Soro

Prematuro RN Lactente > 1 ano

3,0-4,2 g/dL 3,6-5,4 g/dL 4,0-5,0 g/dL 5,3-5,0 g/dL

Líquido cerebrospinal

100-300 mL/l

Urina

Quantitativo Qualitativo

< 80 mg/dL < 200 mg/dL

Soro

RN > 1 ano

5-65 U/I 25-125 U/I

Amilase

Urina

1-17 U/h

Antiestreptolisina O

Soro

≤ 166 U Todd 170-330 U Todd (crianças em idade escolar)

α-1 antitripsina

Soro

RN > 1 mês

145-270 mg/dL 105-200 mg/dL

Bicarbonato

Soro

Arterial Venoso

21-28 mmol/L 22-29 mmol/L (Continua)

Teste

Material da amostra Valores de referência

Cálcio ionizado

Soro, plasma ou sangue total

RN (3-24 h) RN (24-48 h) > 1 mês

4,3-5,1 mg/dL 4,0-4,7 mg/dL 4,48-4,92 mg/dL

Cálcio total

Soro

RN (3-24 h) RN (14-48 h) 4-7 dias Criança Adulto

9,0-10,5 mg/dL 7,0-12,0 mg/dL 9,0-10,9 mg/dL 8,8-10,8 mg/dL 8,4-10,2 mg/dL

Urina (24 h)

Baixo a médio Teor médio

50-150 mg/dL 100-300 mg/dL

Soro ou plasma

RN > 1 mês

97-110 mmol/L 98-106 mmol/L

Suor

Normal Marginal Fibrose cística

0-35 mmol/L 30-60 mmol/L 60-200 mmol/L

Colesterol total

Soro ou plasma

RN Lactente Criança Adolescente Adulto

53-153 mg/dL 70-175 mg/dL 120-200 mg/dL 120-210 mg/dL 140-250 mg/dL (valores recomendados)

C3

Soro

RN Adulto

61-130 mg/dL 111-171 mg/dL

C4

Soro

RN Adulto

16-39 mg/dL 14-45 mg/dL

Corpos cetônicos

Soro

Qualitativo Quantitativo

Negativo 0,5-3,0 mg/dL

VALORES DE REFERÊNCIA DE EXAMES LABORATORIAIS

Cloreto

Urina (amostra)

Qualitativo

negativo

Cortisol

Soro ou plasma

RN Adulto 8 h 16 h 20 h

1-24 µg/dL 5-23 µg/dL 3-15 µg/dL < 50% do valor obtido às 8 h

Cortisol livre

Urina (24 h)

Criança Adolescente Adulto

2-27 µg/dL 5-55 µg/dL 10-100 µg/dL

Creatinina

Soro ou plasma

RN Lactente Criança

0,3-1,0 mg/dL 0,2-0,4 mg/dL 0,3-0,7 mg/dL (Continua)

1074

Material da amostra Valores de referência Adolescente Adulto H M

0,5-1,0 mg/dL 0,6-1,2 mg/dL 0,5-1,1 mg/dL

Creatinina, depuração da (mL/min/1,73 m²)

Soro, plasma ou urina

RN < 40 anos H M

40-65 97-137 88-128

Eritrócitos, contagem de (milhões de céls./mm³ [µL])

Sangue total

1-3 dias 1 semana 2 semanas 1 mês 2 meses 3-6 meses 6 m a 2 anos 2-6 anos 6-12 anos 12-18 anos H M 18-49 anos H M

4,0-6,6 3,9-6,3 3,6-6,2 3,0-5,4 2,7-4,9 3,1-4,5 3,7-5,3 3,9-5,3 4,0-5,2 4,5-5,3 4,1-5,1 4,5-5,9 4,0-5,2

Eritropoetina Soro – Radioimunoensaio – Hemaglutinação – Bioensaio

VALORES DE REFERÊNCIA DE EXAMES LABORATORIAIS

Teste

< 5-20 U/I 25-125 U/I 5-18 U/I

Ferritina

Soro

1 mês 2-5 meses 6 m a 15 anos Adulto H M

200-600 ng/mL 50-200 ng/mL 7-140 ng/mL 15-200 ng/mL 12-150 ng/mL

Ferro

Soro

RN Lactente Criança Adulto H M Criança intoxicada Criança com intoxicação fatal

100-250 µg/dL 40-100 µg/dL 50-120 µg/dL 50-160 µg/dL 40-150 µg/dL 280-2.550 > 1.800 µg/dL

Ferro, capacidade total de ligação

Soro

Lactente > 1 ano

100-400 µg/dL 250-400 µg/dL

Fibrinogênio

Sangue total

RN Adulto

125-300 mg/dL 200-400 mg/dL

Folato

Soro

RN > 1 mês

7,0-32 ng/mL 1,8-9 ng/mL

Eritrócitos

150-450 ng/mL de céls. (Continua)

1075

Teste

Material da amostra Valores de referência

Fosfatase alcalina

Soro

Lactente Criança Adulto

50-155 U/I 20-150 U/I 20-70 U/I

Glicose

Soro

Prematuro RN Criança Adulto

> 30 mg/dL 40-60 mg/dL 60-100 mg/dL 60-100 mg/dL

Líquido cerebrospinal

Adulto

40-70 mmol/L

Urina

Quantitativo Qualitativo

< 0,5 g/dL Negativo

Soro

< 120 mg/dL

VALORES DE REFERÊNCIA DE EXAMES LABORATORIAIS

Glicose pós-prandial, 2 h

Glicose, teste de Soro tolerância (TTG) – Dose para adulto: 75 g – Criança: 1,75 g/kg do peso ideal até máx. de 75 g HDL – colesterol (mg/dL)

Soro ou plasma

Hematócrito

Sangue total

Hemoglobina

Sangue total

Jejum

Normal (mg/dL) 70-105

Diabético (mg/dL) > 115

60 min 90 min 120 min

120-170 100-140 70-120

≥ 200 ≥ 200 ≥ 140

H Média 0-14 anos 15-19 anos 20-29 anos 30-39 anos ≥ 40 anos

M 45 30-65 30-65 30-70 30-70 30-70

55 30-65 30-70 30-75 30-80 30-85

% de papa de hemácias (V de hemácias/ V de sangue total × 100) 1 dia 48-69 2 dias 48-75 3 dias 44-72 2 meses 28-42 6 m a 12 anos 35-45 12-18 anos H 37-49 M 36-46 18-49 anos H 41-53 M 36-46 1-3 dias 2 meses 6 m a 12 anos

g/dL 14,5-22,5 9,0-14,0 11,5-15,5 (Continua)

1076

Material da amostra Valores de referência

Hemoglobina corpuscular média (HCM)

Sangue total

Hemoglobina, eletroforese da

Sangue total

Hormônio Plasma adrenocorticotrópico

12-18 anos H M 18-49 anos H M

13,0-16,0 12,0-16,0 13,5-17,5 12,0-16,0

Nascimento 1-3 dias 1 semana a 1 mês 2 meses 3-6 meses 6 m a 2 anos 2-6 anos 6-12 anos 12-18 anos 18-49 anos

pg/céls. 31-37 31-37 28-40 26-34 25-35 23-31 24-30 25-33 25-35 26-34

Hb > 95% HbA2 =1,5-3,5% HbF < 2%

1-7 dias Adulto 8h 18 h Prematuro 28-36 sem RN até 4 dias 2-20 semanas 21 semanas a 20 anos

pg/mL 100-140 25-100 < 50

Hormônio estimulante da tireoide (TSH)

Soro ou plasma

IgA

Soro

RN 30 dias a 6 meses 6 m a 1 ano 2-6 anos 6-12 anos 12-16 anos > 16 anos

0-2,2 mg/dL 3-82 mg/dL 14-108 mg/dL 23-190 mg/dL 29-270 mg/dL 81-232 mg/dL 60-380 mg/dL

Insulina (12 h de jejum)

Soro ou plasma

RN > 1 mês

3-20 µU/mL 7-24 µU/mL

Lactato

Sangue total Venoso Arterial Pacientes internados Venoso Arterial

VALORES DE REFERÊNCIA DE EXAMES LABORATORIAIS

Teste

0,7-27 mUI/L 1-39 mUI/L 1,7-9,1 mUI/L 0,6-6,4 mUI/L

mmol/l 0,5-2,2 0,5-1,6 0,9-1,7 < 1,25 (Continua)

1077

VALORES DE REFERÊNCIA DE EXAMES LABORATORIAIS

Teste

Material da amostra Valores de referência

LDH (lactato desidrogenase)

Soro

RN Lactente Criança Adulto

LDL colesterol

Soro ou plasma

mg/dL H M 0-19 anos 60-140 60-150 20-29 anos 60-175 60-160 30-39 anos 80-190 70-170 40-49 anos 90-205 80-190 Valores recomendados para adultos: 65-175

Leucócitos, contagem de

Sangue total

× 1.000 céls./mm³ (µL) Nascimento 9,0-30,0 24 horas 9,4-34 1 mês 5,0-19,5 1-3 anos 6,0-17,5 4-7 anos 5,5-15,5 8-13 anos 4,5-13,5 Adulto 4,5-11,0

Leucócitos, Sangue total contagem diferencial – mielócitos – neutrófilos (bastões) – neutrófilos (segmentados) – linfócitos – monócitos – eosinófilos – basófilos

160-450 U/L 170-580 U/L 150-500 U/L 120-230 U/L

% 0 3,5 54-62 25-33 3-7 1-3 0-0,75

Lipase

Soro

< 140 U/L

Metemoglobina

Sangue total

0,06-0,24 g/dL ou 0,78-0,37% de Hb total

Mioglobina

Soro

6-85 ng/mL

Urina (amostra)

negativo

Monóxido de carbono

Sangue total

Não fumantes Fumantes Letal

Plaquetas, contagem (× 10³/mm³ [µL] )

Sangue total

RN 84-478 Após 1 semana, os níveis se tornam semelhantes aos dos adultos Adulto 150-400

< 2% HbCO < 10% > 50%

(Continua)

1078

Teste

Material da amostra Valores de referência

Potássio

Soro

RN Lactente Criança Adulto

Plasma

3,5-4,5 mmol/L

Urina (24 h)

2,5-125 mmol/dL

Soro

g/dL Prematuro 4,3-7,6 RN 4,6-7,4 Criança 6,2-8,0 Adulto (em repouso) 6,0-7,8 Níveis 0,5 g mais elevados em pacientes ambulatoriais

Urina (24 h)

1-14 mg/dL 50-80 mg/dL (em repouso) < 250 mg/dL após exercício intenso

Renina (atividade da renina plasmática)

Plasma

Reticulócitos, contagem

Sangue total

Sódio

Soro ou plasma

0-3 anos 3-6 anos 6-9 anos 9-12 anos 12-15 anos 15-18 anos Adulto

RN Lactente Criança Adulto

Tempo de protrombina (TP)

ng/mL/h < 16,6 < 6,7 < 4,4 < 5,9 < 4,2 < 4,3 0,5-1,5% da hematimetria ou 25.000-75.000/mm³ (µL) mmol/L 134-146 139-146 138-145 136-146

Urina (24 h)

40-220 (depende da dieta)

Suor

10-40 Fibrose cística > 70

Sangue total

11-15 s (varia de acordo com o tipo de tromboplastina) Em RN, o tempo é prolongado: 2-3 s

Tempo de Sangue total tromboplastina parcial ativada (TTPa)

25-35 s (difere de acordo com o método) Lactentes: < 90 seg (atinge os valores de adulto em torno de 2-6 meses) (Continua)

1079

VALORES DE REFERÊNCIA DE EXAMES LABORATORIAIS

Proteína total

3,9-5,9 mmol/L 4,1-5,3 mmol/L 3,4-4,7 mmol/L 3,5-5,1 mmol/L

VALORES DE REFERÊNCIA DE EXAMES LABORATORIAIS

Teste

Material da amostra Valores de referência

Tiroxina (T4)

Soro

RN Neonato Lactente 1-5 anos 5-10 anos > 10 anos

11,5-24 µg/dL 9-18 µg/dL 7-15 µg/dL 7,3-15 µg/dL 6,4-13,3 µg/dL 5-12 µg/dL

Tranferrina

Soro

RN Adulto

130-275 mg/dL 200-400 mg/dL

Triglicerídeos

Soro (após 12 h de jejum) 0-5 anos 6-11 anos 12-15 anos 16-19 anos 20-29 anos Valores recomendados para adultos

mg/dL H 30-86 31-108 36-138 40-163 44-185 40-160

M 32-99 35-114 41-138 40-128 40-128 35-135

Velocidade de Sangue total hemossedimentação (VHS)

Criança Adulto (< 50 anos)

0-10 mm/h H M 0-15 0-20

Volume corpuscular médio (VCM)

1-3 dias 6 meses-2 anos 6-12 anos 12-18 anos

95-121 µm³ 70-86 µm³ 77-95 µm³ H M 78-98 78-102 H M 80-100 80-100

Sangue total

18-49 anos

Fonte: Piva e Garcia (2004) e Kliegman e colaboradores (2007).

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1081

VALORES DE REFERÊNCIA DE EXAMES LABORATORIAIS

Matsumoto T, Carvalho WB, Hirschheimer MR, editores. Terapia intensiva pediátrica. 2.ed. São Paulo: Atheneu; 1997.

ÍNDICE

ÍNDICE

AA ver Apendicite aguda Abdome agudo (Cirurgia pediátrica), 320-329 apendicite aguda, 320-323 Abrasão corneana (Lacrimejamento) – oftalmologia, 836 Abuso infantil (Emergência e terapia intensiva), 455 Acidose (Emergências e terapia intensiva) distúrbios hidreletrolíticos e ácido-básicos, 405-408 metabólica (Distúrbios hidreletrolíticos e ácido-básicos), 406-407 respiratória (Distúrbios hidreletrolíticos e ácido-básicos, 407 Acne vulgar (Afecções pediatria), 363-364 Acondroplasia (Síndromes genéticas comuns), 540 Adenomatoide cística (Malformações pulmonares), 334-335 Adolescência abordagem ao adolescente (Consulta médica), 52-56 alimentação, 760-766 consulta médica, 52-54 anamnese, 54 ética, 55-56 exame físico, 54 família, papel da, 54-55 motivo da, 53-54 injúrias não intencionais (Prevenção), 59-66 ADS ver Anomalias da diferenciação sexual Afecções cirúrgicas adolescentes, 302 lactentes, 301 pré-escolares e escolares, 302 recém-nascido, 300-301 Afetividade (Desnutrição grave – criança), 802 Afogamento (Emergência e terapia intensiva), 456-459 Agente tóxico (Emergência e terapia intensiva), 460, 462-469 AIDS pediátrica (Infectologia), 622-629 Alcaloides da vinca (Quimioterápicos em LLA e LMA), 573 Alcalose (Distúrbios hidreletrolíticos e ácido-básicos), 405-408 metabólica, 407 respiratória, 407-408 Aleitamento materno ver Desmame conservação, 754 contraindicação, 754

1082

impacto social, 754 nutrologia, 752-755 produção, 753 suplementação, 754 vantagens, 753 Alergia alimentar, 511 Alimentação Adolescente, 760-766 composição corporal, 760-761 necessidades corporais, 761-763 porções diárias, 763-765 problemas nutricionais, 765 escolar e pré-escolar, 758-759 lactente (Quantidade), 755-756 Alimentos (Anafilaxia), 439 Alojamento conjunto, 121-130 recém-nascido normal alta, 128-129 tópicos relevantes, 126-128 Alterações neurológicas neonatais, 226-230 Altura-alvo (Fórmula), 1047 Amamentação ver Aleitamento materno Ambiente (Exposição e controle – trauma pediátrico), 448 Aminoácidos (Fórmulas), 814 Anafilaxia (Emergência e terapia intensiva), 437-442 alimentos, 439 exercício físico, 440 extratos alergênicos, 440 fármacos, 439 imunizações, 439 insetos, Picadas de, 439 látex, 439 radiocontrastes, 440 Anafilaxia idiopática (Emergência e terapia intensiva), 440 Analgesia ver também Sedação emergência e terapia intensiva, 429-434 analgesia e sedação benzodiazepínicos, 429-430 opioides, 430-432 Anamnese adolescência (Consulta médica), 54 anamnese (Consulta pediátrica), 31-32 Anemia diagnóstico, 555-563 falciforme, 562 megaloblástica (Diagnóstico), 559-560 por deficiência de ferro, 557

pulmonar com CIV (Cardiopatias congênitas cianóticas), 254-255 pulmonar com septo ventricular intacto (Cardiopatias congênitas), 255 tricúspide (Cardiopatias congênitas cianóticas), 253-254 Avaliação auditiva (Recém-nascido pré-termo), 169 cardiológica pré-natal, 233-240 neurológica recém-nascido pré-termo, 169 trauma pediátrico (Avaliação e atendimento iniciais), 446-447 oftalmológica (Recém-nascido pré-termo), 169

Baixa estatura (Endocrinologia), 494-497 BAVT ver Bloqueio atrioventricular total BCG ver Tuberculose Benzodiazepínicos (Sedação e analgesia), 429-430 Bloqueio atrioventricular (Arritmias cardíacas na infância), 271-273 atrioventricular total (Arritmias cardíacas na infância), 239 Bradicardia arritmias cardíacas na infância, 270-273 sinusal (Arritmias cardíacas na infância), 270 Brinquedos (Injúrias não intencionais – criança e adolescente), 62 Bronquite viral aguda (Pneumologia), 884-886

Cálcio distúrbio eletrolítico (Emergências e terapia intensiva), 410-411 metabolismo do (Recém-nascido), 188-190 Cálculo de líquidos (Manutenção em pediatria), 403-404 Calendário (Imunização pediátrica), 72-74, 79-85 Cancro mole (Úlceras genitais), 655-656 Candidíase vulvovaginites, 653-654 micoses superficiais (Afecções dermatológicas), 375-376 Cardiologia arritmias cardíacas na infância, 269-284 avaliação cardiológica pré-natal, 233-240 cardiopatias congênitas, 244-258 dislipidemia, 256-261 endocardite infecciosa, 263-269 hipertensão arterial, 261-263 insuficiência cardíaca congestiva, 285-290 miocardites, 290-292 pediatria, 233-296 pericardite, 292-296 aguda, 292-294 constritiva, 294-295 sopro cardíaco (Infância), 240-244 Cardiopatias congênitas, 244-258 acianóticas, 244-251 atresia pulmonar com CIV, 254-255 coarctação de aorta, 250-251 comunicação interatrial, 245-247

1083

ÍNDICE

talassêmica, 560 Anomalia congênita, 431-434 da diferenciação sexual (Cirurgia pediátrica), 354-356 de Ebstein (Cardiopatias congênitas cianóticas), 257-258 Ansiedade (Emergência e terapia intensiva), 455 Antibiótico doses, 1026-1032 infecção via aérea superior, 861-862 Antimetabólicos do folato (Quimioterápicos em LLA e LMA), 574 Antirrefluxo (Fórmulas – nutrição), 813 Antitripsina (Colestase do lactente), 591-592 Antraciclinas (Quimioterápicos em LLA e LMA), 573 Apendicite aguda (Abdome agudo) cirurgia pediátrica, 320-323 invaginação intestinal, 324-326 Apneia da prematuridade, 198-201 Arritmias cardíacas (Infância) bradicardia, 270-273 bloqueio atrioventricular, 271-273 extrassístoles, 274 supraventriculares (Atriais ou juncionais), 274 ventriculares, 274 princípios gerais de tratamento, 282-284 cardioversão, 284 desfibrilação, 284 intervenções autonômicas, 282-284 taquiarritmias, 274-281 fibrilação atrial, 278 fibrilação ventricular, 279-281 flutter atrial, 277-278 taquicardia sinusal, 275 taquicardia supraventricular, 275-277 taquicardia ventricular, 278-279 Arritmias cardíacas fetais, 238-239 arritmias sinusais, 238 bloqueio atrioventricular total, 239 extrassístoles, 238 taquiarritmias supraventriculares, 238-239 taquicardia ventricular, 239 Arritmias sinusais, 238 Artrite idiopática juvenil (Reumatologia), 939-944 Asfixia perinatal, 206-210 Asma (Pneumonia), 889-897 Asplenia (Imunização pediátrica), 78 Ataxia aguda (Neurologia), 734-740 intoxicação exógena, 737 polirradiculoneuropatias inflamatórias agudas, 737-740 Ataxia cerebelar aguda – neurologia, 735-737 Atenção primária, 28-125 Atividade física (Ortopedia pediátrica), 856-857 Atresia biliar (Colestase do lactente), 592 de coanas (Cirurgia pediátrica), 330 de cólon (Cirurgia pediátrica), 317 de esôfago (Cirurgia pediátrica), 311,312 jejunoileal (Cirurgia pediátrica), 315-316

ÍNDICE

comunicação interventricular, 244-245 defeito do septo atrioventricular, 247-248 ducto arterioso patente, 247 estenose aórtica, 249-250 estenose pulmonar, 248-249 interrupção do arco aórtico, 251 anomalia de Ebstein, 257-258 cianóticas, 251-258 atresia pulmonar com septo ventricular intacto, 255 cianóticas – atresia tricúspide, 253-254 cianóticas – Síndrome da hipoplasia do ventrículo esquerdo, 256 dupla via de saída, 254 dupla via de entrada, 254 tetralogia de Fallot, 252-253 tronco arterioso comum, 256 drenagem venosa anômala pulmonar total, 257 transposição completa de grandes vasos, 256-257 Cardiopatias fetais, 235-238 comprometimento funcional intrauterino, 237-238 comprometimento funcional neonatal, 236-237 comprometimento funcional tardio, 235-236 Cardioversão (Princípios gerais de tratamento), 284 Catarata congênita (Leucocoria), 829-830 Caxumba (Imunização pediátrica), 109-110 Cefaleia (Neurologia), 712-721 crônica diária, 719 em salvas, 719 migrânea, 714-718 pré e pós-crise epiléptica, 720 tipo tensional, 718-719 depressão, 719 psicogênica de conversão, 719 tipo tensional (Fobia escolar), 719 trigêmino-autonômicas, 720 enxaqueca oftalmoplégica, 720 hemicrania paroxística, 720 Celulite (Piodermites), 386 Cerebelite ver Ataxia cerebelar aguda Cervicites (Doenças sexualmente transmissíveis), 654 Cetamina (Sedação e analgesia), 432 Cetoacidose diabética edema cerebral, 424-425 emergência e terapia intensiva, 422-425 insulina contínua (Interrupção), 424 CHAD ver Concentrado de hemácias Choque (Pediatria) emergências e terapia intensiva, 395-399 séptico (desnutrição grave), 800 CIA ver Comunicação interatrial Cicatrização (Manejo cirúrgico e curativo), 479 CID (Pediatria), 1065-1075 Cirurgia pediátrica, 297- 361 abdome agudo, 320-329 gastrosquise, 303-306 hérnia de Spiegel, 309 hérnia diafragmática congênita, 335-336

1084

hérnia epigástrica, 308 hérnia inguinal, 306-308 hérnia umbilical, 308 hidrocele, 306-308 hiperidrose, 340-341 malformações pulmonares, 334-335 onfalocele, 303-306 parede abdominal (Alterações), 303-309 parede torácica (Deformidades congênitas), 338-340 pneumotórax, 336-337 pré-operatório, 297-302 recém-nascido, 299-301 afecções cirúrgicas em lactente, 301 afecções cirúrgicas em pré-escolares e escolares, 302 sistema digestivo – malformação, 309-320 tórax, 329-341 urologia, 342-361 anomalias da diferenciação sexual, 354-356 enurese noturna, 348-350 escroto agudo, 350-352 fimose, 342-343 hidroureteronefrose, 357-359 hipospádia, 346-348 sinéquias de pequenos lábios, 353-354 testículos não descidos, 343-346 válvulas de uretra posterior, 359-361 varicocele, 352-353 via áerea, 329-341 Cistatina C (Função renal – avaliação), 674 Cisto broncogênico (Malformações pulmonares), 334 Citarabina (Quimioterápicos em LLA e LMA), 574 Citomegalovírus (Infecção congênita e perinatal), 142-145 CIV ver Comunicação interventricular Clearence de creatina (Função renal – avaliação), 672-673 estimado (Função renal – avaliação), 674 medido (função renal – avaliação), 672-673 Clonidina (Sedação e analgesia), 432-433 Coagulação, Distúrbio de (Hematologia), 564-568 Coarctação de aorta (Cardiopatias congênitas acianóticas), 250-251 Colestase do lactente (Hepatologia), 589-593 antitripsina, 591-592 atresia biliar, 592 hepatite neonatal idiopática, 591 síndrome de Alagille, 591 Coluna cervical (Trauma pediátrico), 444-445 Coluna vertebral (Criança e adolescente), 854-855 Coma (Emergência e terapia intensiva), 434-437 escala de Glasgow, 434-435 pupilas, 434-435 síndrome de herniação, 435-437 Componentes, Preparação dos (Transfusão de hemocomponentes), 577 Comunicação interatrial (Cardiopatias congênitas acianóticas), 245-247 Comunicação interventricular (Cardiopatias congênitas acianóticas), 244-245

DCE ver Clearence de creatina Defeito do septo atrioventricular (Cardiopatias congênitas acianóticas), 247-248 Defeitos esternais (Cirurgia pediátrica), 339 Deficiência de ferro (Diagnóstico de anemia), 557-558 Deformidade postural (Ortopedia – infância), 855-856 Deformidades congênitas (Cirurgia pediátrica), 338-340 Delta ver Hepatite viral D Dengue (Doenças tropicais), 638-640 Depressão (Cefaleia tipo tensional), 719 Dermatite (Afecções pediatria) atópica, 364-366 perioral, 366 seborreica, 366-368 Dermatofitoses (Afecções pediátricas), 374-375 Dermatologia, 363-387 afecções pediátricas, 363-383 acne vulgar, 363-364 dermatite atópica, 364-366 dermatite perioral, 366 dermatite seborreica, 366-368 dermatozooses (Escabiose), 368 dermatozooses (Pediculose), 369-370 dermatozooses (Tungíase), 368-369 dermatozooses, 368 disidrose, 370 estrófulo, 370-371 hemangioma, 371-373 malformação vascular, 373-374 micoses superficiais, 374-378 molusco contagioso, 378-379 pitiríase alba, 379-380 pitiríase rósea, 380 verrugas, 381-382 medicamentos – pediatria, 1021-1023 piodermites, 383-387 Dermatozooses (Afecções pediatria), 368 Desenvolvimento infantil (Psicomotricidade – avaliação), 40-43 Desenvolvimento neuropsicomotor, 39-44 condições para desenvolvimento, 40 epidemiologia, 40 estimulação, 43-44 infância, 40 Desenvolvimento puberal, 46-51 estágio de Tunner, 47-50 estirão, 51 maturação sexual, 46 Desfibrilação (Arritmias cardíacas na infância), 284 Desidratação desnutrição grave (Criança), 799 distúrbios hidreletrolíticos e ácido-básicos, 404-405 Desnutrição grave (Criança), 799-803 tratamento ambulatorial, 803 Desnutrido (Manejo ambulatorial e hospitalar), 797-798

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ÍNDICE

Concentrado de hemácias (Transfusão de hemocomponentes), 575-576 Concentrado de plaquetas (Transfusão de hemocomponentes), 576 Conjuntivite, 816-821 alérgica, 819-820 bacteriana simples, 816-817 diagnóstico diferencial, 820-821 gonocócica, 817 infecciosa, 816-819 lacrimejamento, 836 neonatal por chlamydia trachomatis, 818 por intolerância química, 820 tracoma, 819 viral, 817-818 Constipação crônica (Gastrenterologia), 521-524 Consulta médica adolescência, 52-55 pediátrica, 29-33 anamnese, 31-32 exame físico, 32 orientações gerais, 32 Convulsões neurologia, 702-712 prévias ou na família (Imunização), 77 Coqueluche imunização pediátrica, 98-101 quimioprofilaxia, 665-666 Corpo estranho ingestão de (Injúrias não intencionais), 62-63 lacrimejamento, 836 Corticosteroide equivalência (Tabelas e fórmulas), 1034 quimioterápicos em LLA e LMA, 573 CP ver Crioprecipitado CPAP (Tipo de ventilação mecânica), 218-220 CPDI ver Cefaleia crônica diária Creatinina (Função renal – avaliação), 672-673 Crescimento, 34-38 avaliações e considerações, 37-38 curvas de, 1053-1064 estirão, 51 fatores extrínsecos, 34-38 fatores intrínsecos, 35 físico, 36-37 formas de crescimento, 35-36 Criança ver também Infância dislipidemia, 256-261 injúrias não intencionais (Prevenção), 59-66 Crioprecipitado (Transfusão de hemocomponentes), 576-577 Crise epiléptica (Cefaleia), 720 Cromossomopatias comuns (Síndromes genéticas comuns), 534-538 síndrome de Turner, 535-536 síndrome de Klinefelter, 536-537 síndrome de Edwards, 537 síndrome de Patau, 538 síndrome de Down, 534-535 Curativo (Cicatrização – queimaduras), 479

ÍNDICE

Desordens esqueléticas difusas (Cirurgia pediátrica), 339-340 Diabete melito (Endocrinologia), 486-490 Diarreia (Gastrenterologia), 505-516 aguda, 508-510 crônica, 511-516 Diazepam (Sedação e analgesia), 430 Dieta (Nutrologia), 811-815 Diferenciação sexual (Anomalias – cirurgia pediátrica), 354-356 Difteria imunização pediátrica, 98-100 quimioprofilaxia (Infectologia), 666 Disidrose (Afecções pediátricas), 370 Dislipidemia, 256-261 Displasia broncopulmonar, 202-205 Distúrbio hidreletrolíticos (Criança) desnutrição grave, 800 recém-nascido, 183-191 tabelas e fórmulas, 1035-1036 Distúrbios da coagulação (Trauma pediátrico), 454-455 do metabolismo (Glicose – recém-nascido), 178-182 do movimento, 746 do sono hipersonias, 743 insônia, 742-743 neurologia, 740-747 parassonias, 744-746 queixas, 741 respiração, 743 ritmo circadiano, 744 eletrolíticos (Emergências e terapia intensiva), 408-412 hidreletrolíticos e ácido-básicos (Emergências e terapia intensiva), 403-412 acidose, 404-408 alcalose, 405-408 desidratação, 404-405 hidratação, 403-404 respiratórios (Recém-nascido), 192-201 Divertículo de Meckel, 326-328 Doença celíaca, 513 crônica sem imunodepressão (Imunização pediátrica), 78 de Chagas, 640-642 de Coats (Leucocoria), 831 de Hirschsprung (Malformações obstrutivas – cirurgia), 317-318 de Kawasaki (Vasculites comuns – infância), 952-954 falciforme (Diagnóstico de anemia), 562-563 hepática crônica (Hepatologia), 593-602 inflamatória intestinal, 513 exantemática (Infectologia), 629-636 gênica (Síndromes genéticas comuns), 539-540 acondroplasia, 540 osteogênese imperfeita, 540 síndrome de Marfan, 539

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síndrome do X frágil, 539-540 por microdeleção (Síndromes genéticas comuns), 540-542 síndrome de Angelamn, 541 síndrome de Prader-Willi, 540-541 síndrome de Williams, 541-542 sexualmente transmissível cancro mole, 655-656 candidíase, 653-654 cervicites, 654 doenças virais, 658-659 donovanose, 657-658 herpes genital, 655 infectologia, 652-659 linfogranuloma venéreo, 656 papilomavírus humano, 658-659 sífilis, 656-657 tricomoníase, 654 úlceras genitais, 655-658 uretrites, 654 vaginose bacteriana, 653 vulvovaginites, 653-654 doenças tropicais (Infectologia), 638-652 dengue, 638-640 doença de Chagas, 640-642 equistossomose, 642-643 febre amarela, 643-644 leishmaniose visceral (calazar), 644-646 leptospirose, 646-647 malária, 647-652 Donovanose (Úlceras genitais), 657-658 Dor abdominal crônica (Gastrenterologia), 517-520 articular (Reumatologia – infância), 936-938 articular (Reumatologia – infância), 936-938 controle da (Queimaduras), 478 emergência e terapia intensiva (Pediatria), 455 quadril (Ortopedia), 850-858 Drenagem venosa anômala pulmonar total, 257 DSAV ver Defeito do septo atrioventricular Ducto arterioso patente (Cardiopatias congênitas acianóticas), 247 Dupla via de saída (Cardiopatias congênitas cianóticas), 254

EAO ver Estenose aórtica Ectima (Piodermites), 384 Edema cerebral (Cetoacidose diabética), 424-425 Embriopatia pela hidantoína, 542 pelo misoprostol, 542 por álcool, 542 Emergência e terapia intensiva afogamento, 456-459 anafilaxia, 437-442 analgesia, 429-434 cetoacidose diabética, 422-425 choque (Pediatria), 395-399 coma, 434-437 distúrbios eletrolíticos – cálcio, 410-411 fósforo, 411-412

Esquistossomose (Doenças tropicais), 642-643 Erisipela (Piodermites), 386 Escabiose (Afecções pediátricas – dermatozooses), 368 Escroto agudo (Cirurgia pediátrica), 350-352 Esplenectomia (Quimioprofilaxia), 667 Estágio de Tunner (Desenvolvimento puberal), 47-50 Estatura (Endocrinologia), 494-497 Estenose aórtica (Cardiopatias congênitas acianóticas), 249-250 hipertrófica de piloro (Cirurgia pediátrica), 313 pulmonar (Cardiopatias congênitas acianóticas), 248-249 subglótica (Cirurgia pediátrica), 330-331 traqueal (Cirurgia pediátrica), 333-334 Estirão do crescimento, 51 Estrabismo (Oftalmologia), 821-823 Estratégias iniciais (Ventilação mecânica convencional), 221-223 Estridor (Otorrinolaringologia), 873-877 Estrófulo (Afecções pediátricas), 370-371 ESVs ver Extrassístoles ventriculares Ética (Consulta médica – adolescência), 55-56 Exame físico consulta médica na adolescência, 54 pediatria, 32 laboratorial (Valores de referência), 1080 recém-nascido normal, 122-126 Exercício físico (Anafilaxia), 440, ver também Atividade física Exsanguineotransfusão (Icterícia fisiológica), 135-137 EXT ver Exsanguineotransfusão Extrassístoles, 238, 274 Extratos alergênicos (Anafilaxia), 440 Extubação (Ventilação mecânica convencional), 428

Fármacos (Anafilaxia), 439 Febre aguda sem sinais de localização (Infectologia), 613-614 amarela (Doenças tropicais), 643-644 amarela (Imunização pediátrica), 108-109 de origem indeterminada, 614-615 infectologia, 608-616 reumática, 945-949 quimioprofilaxia, 667 Fentanil (Opioides), 431 Ferimentos por arma (Injúrias não intencionais – criança e adolescente), 63 Ferro, Deficiência de (Diagnóstico de anemia), 557-558 Fibrilação atrial (Taquiarritmias – infância), 278 Fibrilação ventricular (Taquiarritmias – infância), 279-281 Fibrose cística (Pneumologia), 903-908 Fimose (Cirurgia pediátrica), 342-343 Flutter atrial (Taquiarritmias – infância), 277-278 Fobia escolar (Cefaleia tipo tensional), 719 Folato, Antimetabólicos do (Quimioterápicos em LLA e LMA), 574

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magnésio, 411 potássio, 409-410 sódio, 408-409 hipertensão intracraniana, 412-415 insuficiência respiratória aguda, 415-422 intoxicação exógena, 459-470 morte encefálica, 482-485 parada cardiopulmonar manejo no hospital, 389-392 pediatria distúrbios hidreletrolíticos e ácido-básicos, 403-412 entubação, Sequência rápida de, 392-395 sepse, 399-402 queimaduras, 470-482 sedação, 429-434 trauma pediátrico, 442-456 abuso infantil, 455 ansiedade, 455 avaliação e atendimento secundários, 448-456 distúrbios da coagulação, 454-455 dor, 455 hemostasia, 454-455 nutrição, 455 psicologia (Apoio), 456 trauma abdominal, 453-454 trauma craniencefálico, 449-450 trauma de extremidades, 454 trauma geniturinário baixo, 454 trauma raquimedular, 450-451 trauma torácico, 451-453 ventilação mecânica convencional, 425-429 Encefalite (Neurologia), 730-731 Encefalopatia bilirrubínica (Icterícia fisiológica), 137 Encoprese (Psiquiatria), 932, 935 Endocardite (Quimioprofilaxia), 666-667 Endocardite infecciosa, 263-269 Endocrinologia, 486-499 baixa estatura, 494-497 diabete melito, 486-490 hipotireoidismo – infância, 490-494 telarca, 497-499 Enfisema lobar congênito (Cirurgia pediátrica), 334 Entubação, Sequência rápida de (Pediatria), 392-395 Enurese noturna (Cirurgia pediátrica), 348-350 psiquiatria, 931-932 Enxaqueca oftalmoplégica (Cefaleia trigêminoautonômicas), 720 Enzimáticos séricos, Testes de (Avaliação laboratorial), 602-605 EP ver Estenose pulmonar Epidemiologia (Desenvolvimento neuropsicomotor), 40 Epilepsia (Neurologia), 702-712 Epistaxe (Otorrinolaringologia), 862-865 conduta – sangramento ativo, 864 conduta, 864-865 recorrentes (Conduta), 864-865 sangramento anterior, 862 sangramento posterior, 862-865

Foliculite piodermites, 384-385 profunda, 385 superficial, 385 Fórmulas, 1033-1072 nutrologia, 811-815 hipoalergênicas, 813 nutricionais infantis (Medicamento), 1025-1026 Fósforo (Distúrbio eletrolítico), 411-412 Fototerapia (Icterícia fisiológica), 134-135 Fraturas orbitárias (Oftalmologia), 824-825 FASSL ver Febre aguda sem sinais de localização Função hepática (Avaliação laboratorial) hepatologia, 602-607 testes de atividade bioquímica, 602-605 testes de enzimáticos séricos, 602-605 testes de função sintética, 602-605 renal (Avaliação) cistatina C (Nefrologia), 674 clearence estimado, 674 clearence medido de creatina, 673 nefrologia, 672-674 sintética, Testes de, 602-605 Furunculose – piodermites – dermatologia, 385-386

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Gamaglobulina (Icterícia fisiológica), 137 Gastrenterologia, 500-530 constipação crônica, 521-524 diarreia aguda, 508-510 diarreia crônica, 511-516 dor abdominal crônica, 517-520 pancreatite aguda, 525 pancreatite crônica, 525-529 pancreatite, 525-530 refluxo gastresofágico, 500-505 Gastrosquise – cirurgia pediátrica, 303-306 Genética, 531-554 anomalias congênitas, 531-534 metabolismo, Erros inatos do, 543-554 síndromes genéticas comuns, 534-543 Glasgow, Escala de coma de (Emergência e terapia intensiva), 434-435 Glaucoma congênito (Lacrimejamento), 835-836 Glicose (Distúrbios do metabolismo – recém-nascido), 178-182 Gotas otológicas (Medicamentos), 1024-1025

Haemophilus influenzae tipo B (Imunização), 101-103 Hemácias dismórficas (Pesquisa), 679-683 Hemácias, Concentrado de (Transfusão de hemocomponentes), 575-576 Hemangioma (Afecções pediatria), 371-373 Hematologia, 555-579 anemias, Diagnóstico de, 555-563 distúrbio de coagulação, 564-568 leucemias agudas, 570-574 púrpura trombocitopênica imunológica, 568-570 transfusão de hemocomponentes, 575-579 Hematúria glomerular vs. Não glomerular pesquisa de hemácias dismórficas, 679-683

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Hematúria (Nefrologia), 678-684 Hemicrania paroxística – cefaleia trigêminoautonômicas – neurologia, 720 Hemocomponentes, Transfusão de preparação dos componentes, 577 concentrado de plaquetas, 576 crioprecipitado, 576-577 hematologia (Sangue total), 575 hematologia, 575-579 plasma fresco congelado, 576 Hemorragia circulação e controle (Pediatria), 445-446 peri-intraventricular, 226-229 Hemostasia (Trauma pediátrico), 454-455 Hepatite A (Imunização pediátrica), 112-113 B (Imunização pediátrica), 93-95 B (Infecção congênita e perinatal), 148-149 C (Infecção congênita e perinatal), 149 neonatal idiopática (Colestase do lactente), 591 viral aguda (Hepatologia), 580-588 hepatite viral A, 583-584 hepatite viral B, 583-585 hepatite viral C, 583-584, 586-587 hepatite viral D, 587 hepatite viral E, 587-588 Hepatologia, 580-606 doença hepática crônica, 593-602 função hepática (Avaliação laboratorial), 602-607 hepatites virais agudas, 580-588 colestase do lactente, 589-593 Hérnia (Cirurgia pediátrica) de Spiegel, 309 diafragmática congênita, 335-336 epigástrica, 308 inguinal, 306-308 umbilical, 308 Herpes genital (Úlceras genitais), 655 simples (Infecção congênita e perinatal), 152-154 HIB ver Haemophilus influenzae tipo B Hidratação (Distúrbios hidreletrolíticos e ácidobásicos), 403-404 Hidrato de cloral (Sedação e analgesia), 433 Hidrocele (Cirurgia pediátrica), 306-308 Hidrolisados proteicos, 814 Hidroureteronefrose (Cirurgia pediátrica), 357-359 Hiperatividade (Psiquiatria), 909-921 Hiperbilirrubinemia não fisiológica, 131-132 Hiperglicemia (Recém-nascido), 182 Hiperidrose – cirurgia pediátrica, 340-341 Hipersonias – sono, Distúrbios do – neurologia, 473 Hipertensão arterial, 261-263 Hipertensão intracraniana (Emergências e terapia intensiva), 412-415 pulmonar persistente (Recém-nascido), 211-214 Hipoglicemia desnutrição grave (Criança), 799 recém-nascido, 178-181 Hipospádia – cirurgia pediátrica – urologia, 346-348

Icterícia recém-nascido pré-termo, 168 fisiológica, 131-137 encefalopatia bilirrubínica, 137 exsanguineotransfusão, 135-137 fototerapia, 134-135 gamaglobulina, 137 hiperbilirrubinemia não fisiológica, 131-132 kernicterus, 137 neonatal, 131-138 Íleo meconial – Sistema digestivo (Cirurgia pediátrica) – malformações obstrutivas, 316 Impetigo (Dermatologia) piodermites, 383-384 bolhoso, 384 não bolhoso, 384 Imunização adolescência e adulto coqueluche, 100-101 difteria, 100-101 tétano, 100-101 pediatria, 70-117 asplenia, 78 calendário, 72 caxumba, 109-110 conceitos, 70-71 convulsões prévias ou na família, 77 coqueluche, 98-100 difteria, 98-100 doença crônica sem imunodepressão, 78 dose (Atraso ou esquecimento), 75 estado não sabido ou duvidoso, 75 eventos adversos, 75 febre amarela, 108-109 haemophilus influenzae tipo B, 101-103 hepatite A, 112-113 hepatite B, 93-95 imunobiológicos (local de aplicação), 72 imunodeficiências, 77-78 imunoglobulinas (Uso recente), 91-92 influenza (Gripe), 106-108 meningococo C, 105-106 papilomavírus humano A, 113-115 pneumococo, 103-105 poliomielite, 96-97

pós-exposição a doenças, 78 precaução e contraindicações, 76 prematuros, 76-77 rotavírus, 97-98 rubéola, 109-110 sangue e seus derivados (Uso recente), 91-92 sarampo, 109-110 situações especiais, 76-92 tétano, 98-100 tríplice viral, 109-110 tuberculose, 92-93 vacina (Manutenção), 71-72 vacina tríplice bacteriana, 98-100 vacinas (Intercâmbio), 72 varicela, 110-112 Imunizações (Anafilaxia), 439 Imunobiológicos (Imunização pediátrica), 72 Imunodeficiências (Imunização pediátrica), 77-78 Imunoglobulinas (Imunização pediátrica), 91-92 IMV ver Ventilação mecânica convencional Índices (Gravidade do comprometimento da troca gasosa), 417-420 Infância dor articular, 936-938 infância (Sopro cardíaco), 240-244 Infância ver também Criança Infecção bacteriana (Otorrinolaringologia) tonsilites bacterianas recorrentes, 867-868 tonsilites estreptocócicas, 868 tonsilites, 866-867 congênita e perinatal, 139-157 citomegalovírus, 142-145 hepatite B, 148-149 hepatite C, 149 herpes simples, 152-154 parvovirose, 157 rubéola, 145-147 sífilis, 149-152 síndrome da imunodeficiência adquirida perinatal, 154-155 toxoplasmose, 139-142 varicela, 156 desnutrição grave (Criança), 800 otorrinolaringologia (Resfriado comum), 860 prevenção (Queimaduras), 478-479 recém-nascido pré-termo, 167 via aérea superior, 859-862 viral (Tonsilites), 865-866 Infectologia, 608-671 AIDS pediátrica, 622-629 doenças exantemáticas, 629-636 doenças sexualmente transmissíveis, 652-659 doenças tropicais, 638-652 febre, 608-616 parasitoses intestinais, 617-622 quimioprofilaxia, 665-671 síndrome mononucleose, 636-638 tuberculose, 659-665 Influenza (Imunização pediátrica), 106-108 Influenza, Infecção por, 860-861

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Hipotermia – desnutrição grave – criança, 799 Hipotireoidismo adquirido – infância, 492-493 congênito – infância, 490-492 infância – endocrinologia, 490-494 HIV (Quimioprofilaxia), 668-669 HIV (Exposição vertical – quimioprofilaxia), 668 HIV perinatal ver Síndrome da imunodeficiência adquirida perinatal HPIV ver Hemorragia Peri-intraventricular HPV ver Papilomavírus humano HVA ver Hepatite viral A HVB ver Hepatite viral B HVC ver Hepatite viral C HVE ver Hepatite viral E

ÍNDICE

Injúrias não intencionais (Criança e adolescente) aspiração/ingestão de corpo estranho, 62-63 brinquedos, 62 ferimentos por arma, 63 intoxicação exógena, 63-64 medidas preventivas primárias, 61-65 prevenção, 59-66 quedas, 61 queimaduras, 61-62 submersão, 63 trânsito, 64 transporte seguro em automóvel, 64-65 Insetos, Picadas de (Anafilaxia), 439 Insônia (Distúrbios do sono), 742-743 Insuficiência cardíaca congestiva, 285-290 renal aguda, 692-698 crônica, 698-701 respiratória aguda emergência e terapia intensiva, 415-422 hipercápnica, 415-422 insuficiência respiratória hipoxêmica, 415-422 ventilação mecânica, 420-421 ventilação não invasiva, 420 respiratória hipercápnica, 417 respiratória hipoxêmica, 415-422 Insulina contínua (Cetoacidose diabética), 424 Intercâmbio de vacinas (Imunização pediátrica), 72 Internação UTIs neonatais (Recém-nascido pré-termo), 169 Interrupção do arco aórtico (Cardiopatias congênitas acianóticas), 251 Intervenções autonômicas (Tratamento – infância), 282-284 Intolerância à lactose, 512 Intoxicação exógena ataxia aguda (Neurologia), 737 exógena emergência e terapia intensiva, 459-470 estabilização, 460 injúrias não intencionais, 63-64 síndrome tóxica, 460-461 terapêutica sintomática de suporte, 463-464 Invaginação intestinal (Cirurgia pediátrica) apendicite aguda, 324-326 divertículo de Meckel, 326-328 obstrução intestinal, 328-329 IPV ver Vacina inativada contra a poliomielite IVAS ver Infecção da via aérea superior

Kernicterus (Icterícia fisiológica), 137 Lacrimejamento (Oftalmologia), 832-837 abrasão corneana, 836 conjuntivites, 836 corpo estranho, 836 glaucoma congênito, 835-836 pálpebras (Alterações), 836-837 uveítes, 836-837 via lacrimal, 832-834

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Lactente alimentação do, 755-757 função gastrintestinal, 752-753 suplementação, 756-757 sibilante (Pneumologia), 886-889 Lactose (Fórmula sem), 813 Laringites, 861 Laringomalacia (Cirurgia pediátrica), 330 L-asparaginase (Quimioterápicos em LLA e LMA), 573 Látex – Anafilaxia – emergência e terapia intensiva, 439 Leishmaniose visceral (Infectologia/calazar), 644-646 Leite materno icterícia fisiológica, 132 fórmulas (Nutrição), 813 Leptospirose doenças tropicais, 646-647 quimioprofilaxia, 669 Lesão infranuclear (Paralisia facial), 748-751 supranuclear (Paralisia facial), 747-748 Leucemias agudas (Hematologia), 570-574 Leucocoria (Oftalmologia), 827-832 catarata congênita, 829-830 oftalmologia (Doença de Coats), 831 retinoblastoma, 828-829 retinopatia da prematuridade, 830 toxocaríase, 831 uveítes, 831 vasculatura fetal (Persistência), 830 Leucomalacia periventricular, 229 Linfogranuloma venéreo (Úlceras genitais), 656 Linfoma (Oncologia), 838-841 de Hodgkin, 838 não Hodgkin, 839-841 Linguagem (Desenvolvimento neuropsicomotor – retardo), 725 Líquido pleural (Tabelas e fórmulas), 1036 Lorazepam (Sedação e analgesia), 430 LPV ver Leucomalacia periventricular Lúpus eritematoso sistêmico (Vasculites comuns – infância), 954-958

Magnésio (Distúrbio eletrolítico) – Emergências e terapia intensiva, 411 Magnésio, Metabolismo do (Recém-nascido), 190 Malária (Infectologia), 647-652 Malformação anorretal (Cirurgia pediátrica), 318-319 pulmonar (Cirurgia pediátrica), 334-335 adenomatoide cística, 334-335 cisto broncogênico, 334 enfisema lobar congênito, 334 vascular (Dermatologia) afecções pediatria, 373-378 candidíases, 375-376 dermatofitoses, 374-375 pitiríase versicolor, 376-378 Maltodextrina, Módulos de, 814

Nefrologia, 672-701 função renal (Avaliação), 672-674 hematúria, 678-684 insuficiência renal aguda, 692-698 insuficiência renal crônica, 698-701

síndrome hemolítico-urêmica, 689-692 síndrome nefrótica, 684-689 tabelas e fórmulas, 1037-1041 trato urinário (Infecção), 675-678 tumor – pediatria, 844 Neisseria menigitidis – quimioprofilaxia – infectologia, 669-670 Neonatologia, 119-230 antibióticos (doses), 1026-1032 Neuroblastoma (Tumor – pediatria), 843-844 Neurologia, 702-751 ataxias agudas, 734-740 cefaleia, 712-721 convulsões, 702-712 distúrbios do sono, 740-747 encefalite, 730-731 epilepsia, 702-712 meningite, 727-733 paralisia cerebral (Desenvolvimento neuropsicomotor), 721-723 paralisia facial, 747-751 tabelas e fórmulas, 1041-1043 Nutrição emergência e terapia intensiva (Trauma pediátrico), 455 enteral (Pediatria), 776-797 parental (Nutrologia), 766-775 parental composição, 767 prescrição, 768-773 queimaduras (Emergência e terapia intensiva), 477 recém-nascido pré-termo, 167-168 Nutrologia, 752-815 aleitamento materno, 752-755 alimentação (Escolar e pré-escolar), 758-759 fórmulas e dietas, 811-815 lactente, Alimentação do, 755-757 nutrição enteral (Pediatria), 776-797 nutrição parental, 766-775 obesidade infantil, 804-806 vitamina (Suplementação – obesidade infantil), 807-811

Obesidade infantil nutrologia, 804-806 vitamina (Suplementação), 807-811 Obstrução intestinal (Invaginação intestinal), 328-329 Obstruções (Cirurgia pediátrica) duodenais, 313-315 gástricas, 312 Oftalmia neonatal (Quimioprofilaxia), 670 Oftalmologia, 816-837 conjuntivites, 816-821 estrabismo, 821-823 lacrimejamento, 832-837 medicamentos – pediatria, 1023-1024 Oncologia, 838-849 linfomas, 838-841 tumor (Pediatria), 841-849 Onfalocele (Cirurgia pediátrica), 303-306

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ÍNDICE

Manejo ambulatorial e hospitalar (Desnutrido), 797-798 Manejo cirúrgico (Cicatrização – queimaduras), 479 Marcadores radioativos (Função renal – avaliação), 672-673 Maturação sexual (Desenvolvimento puberal), 46 Maus tratos abordagem, 68 alterações osteoarticulares (Ortopedia), 856 infância e adolescência, 67-69 procedimento, 68-69 Mecânica pulmonar (Recém-nascido), 215-217 Medicamento antibióticos (doses – neonatologia), 1026-1032 dermatologia, 1021-1023 fórmulas nutricionais infantis, 1025-1026 gotas otológicas, 1024-1025 pediatria, 962-1032 uso oftalmológico, 1023-1024 uso tópico nasal, 1025 Medidas (Conversão), 1043 Menigococcemia (Quimioprofilaxia), 669 Meningite (Neurologia) bacteriana, 727-730 criptocócica, 731 meningoencefalites, 730-731 neurologia, 727-733 por haemophilus influenzae (Quimioprofilaxia), 670 tuberculosa, 731 viral e asséptica, 730-731 viral e asséptica, 730-731 Meningococo C – Imunização – pediatria, 105-106 Meningoencefalites – neurologia, 730-731 Metabolismo (Recém-nascido) do cálcio, 188-190 do magnésio, 190 do potássio, 187-188 do sódio, 185-187 Metabolismo, Erros inatos do (Genética), 542-554 Metadona (Opioides), 432 Micronutrientes, Deficiências de (Desnutrição grave – criança), 800 Midazolam (Sedação e analgesia), 430 Migrânea cefaleias – neurologia, 714-718 com aura (Crianças – cefaleias), 714-718 sem aura (Crianças – cefaleias), 714-718 síndromes periódicas (Neurologia), 716-718 Miocardite, 290-292 Módulos de maltodextrina, 814 Molusco contagioso (Afecções pediátricas), 378-379 Morfina (Sedação e analgesia), 431 Morte encefálica (Emergência e terapia intensiva), 482-485 Motricidade (Retardo neuropsicomotor), 725

Opioides (Sedação e analgesia), 430-432 OPV ver Vacina oral atenuada contra a poliomielite Orientações gerais (Consulta pediátrica), 32 Ortopedia pediátrica, 850-858 Osteogênese imperfeita (Síndromes genéticas comuns), 540 Osteossarcoma (Tumor – pediatria), 845-846 Otite (Otorrinolaringologia), 877-883 Otorrinolaringologia, 859-883 epistaxe, 862-865 estridor, 873-877 otites, 877-883 rinossinusite, 869-873 tonsilites, 865-868 via aérea superior (Infecções), 859-862 Oxigenação estratégias para melhoria, 427 ventilação mecânica (Recém-nascido), 217

ÍNDICE

Pálpebras (Alterações – lacrimejamento), 836-837 Pancreatite (Gastrenterologia), 525-530 aguda, 525 crônica, 525-529 Papilomavírus humano (Imunização pediátrica), 113-115 Parada cardiopulmonar (Pediatria), 388-392 manejo no hospital com ritmo não chocável, 390 com ritmo chocável, 390-392 Paralisia (Neurologia) cerebral (Desenvolvimento neuropsicomotor), 721-723 facial central, 747-748 periférica, 748-751 parasitoses intestinais (Infectologia), 617-622 Parassonias (Distúrbios do sono), 744-746 do sono NREM, 744-745 do sono REM, 744-745 Parede torácica (Cirurgia pediátrica), 338-340 desordens esqueléticas difusas, 339-340 defeitos esternais, 339 pectus carinatum, 338-339 pectus excavatum, 338 síndrome de Poland, 339 Parvovirose (Infecção congênita e perinatal), 157 PC ver Paralisia cerebral PCA ver Persistência do canal arterial Pectus carinatum (Parede torácica – cirurgia pediátrica), 338-339 Pectus excavatum (Parede torácica – cirurgia pediátrica), 338 Pediatria cardiologia, 233-296 CID, 1065-1075 dermatologia, 363-387 emergências e terapia intensiva, 388-485 geral, 231-958 imunização, 70-117

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nutrição enteral, 776-797 oncologia (Tumores), 841-849 saúde bucal, 57-58 Pediculose (Afecções pediátricas), 369-370 Pele (Recém-nascido pré-termo), 168 Pericardite, 292-296 aguda, 292-294 constritiva, 294-295 Persistência do canal arterial (Recém-nascido pré-termo), 167 Pesquisa (Hemácias dismórficas), 679-683 PFC ver Plasma fresco congelado Piodermites (Dermatologia), 383-387 celulite, 386 ectima, 384 erisipela, 386 foliculite profunda, 385 foliculite superficial, 385 furunculose, 385-386 impetigo, 383-384 impetigo bolhoso, 384 impetigo não bolhoso, 384 Pitiríase (Afecções pediátricas) alba, 379-380 Pitiríase rósea, 380 versicolor, 376-378 Plaquetas, Concentrado de (Transfusão de hemocomponentes), 576 Plasma fresco congelado (Transfusão de hemocomponentes), 576 Pneumococo (Imunização pediátrica), 103-105 Pneumologia, 884-908 asma, 889-897 bronquite viral aguda, 884-886 congênita (Recém-nascido), 196 fibrose cística, 903-908 lactente sibilante, 886-889 pneumonia, 897-903 Pneumotórax (Cirurgia pediátrica), 336-337 Poliomielite (Imunização pediátrica), 96-97 Polirradiculoneuropatias inflamatórias agudas (Ataxia aguda), 737-740 Postura (Deformidade – infância), 855-856 Potássio (Distúrbio eletrolítico), 409-410 Potássio, Metabolismo do (Recém-nascido), 187-188 Prematuros fórmulas (Dieta), 813 imunização pediátrica, 76-77 Pressão arterial, Níveis de (Tabelas), 1047-1052 Propofol (Sedação e analgesia), 4321 Proteinúria (Hematúria glomerular vs. Não glomerular), 679-683 Psicologia (Apoio) trauma pediátrico, 456 queimaduras, 479 Psiquiatria, 909-935 hiperatividade, 909-921 transtorno de déficit de atenção, 909-921 transtornos psiquiátricos mais frequentes, 921-935

Quadril (Dor – ortopedia), 850-858 Quedas (Injúrias não intencionais – criança e adolescente), 61 Queimadura elétrica (Emergência e terapia intensiva), 480-482 emergência e terapia intensiva, 470-482 dor, Controle da, 478 infecção (Prevenção), 478-479 nutrição, 477 queimadura elétrica, 480-482 reposição hídrica, 476-477 ressuscitação, 473-476 triagem, 471-479 injúrias não intencionais (Criança e adolescente), 61-62 queimadura química (Oftalmologia), 826-827 queimaduras (Manejo cirúrgico e curativo), 479 Quimioprofilaxia (Infectologia), 665-671 coqueluche, 665-666 difteria, 666 endocardite, 666-667 esplenectomia, 667 febre reumática, 667 HIV, 668-669 leptospirose, 669 menigococcemia, 669 meningite por haemophilus influenzae, 670 neisseria menigitidis, 669-670 oftalmia neonatal, 670 tuberculose, 670 violência sexual, 671 Quimioterápicos em LLA e LMA (Leucemias agudas), 573-574 alcaloides da vinca, 573 antimetabólicos do folato, 574 antraciclinas, 573 citarabina, 574 corticosteroides, 573 L-asparaginase, 573 purina, Inibidores da, 574 topoisomerase, Inibidores da, 574

Rabdomiossarcoma (Tumor – pediatria), 844-845 Radiocontrastes (Anafilaxia), 440 RDNPM ver Retardo do desenvolvimento neuropsicomotor Reanimação neonatal, 171-177 sala de parto, 172-173 técnicas, 174-177 Recém-nascido afecções cirúrgicas (Cirurgia pediátrica), 300-302 em escolares e pré-escolares, 302

em lactente, 301 AIDS pediátrica (Infectologia), 622-629 cirurgia pediátrica, 299-301 cuidados básicos (Cirurgia pediátrica), 299-300 distúrbios hidreletrolíticos, 183-191 respiratórios, 192-201 glicose (Distúrbios do metabolismo), 178-182 hiperglicemia, 182 hipertensão pulmonar persistente, 211-214 hipoglicemia, 178-181 ictérico (Avaliação e manejo), 132-134 mecânica pulmonar, 215-217 metabolismo do cálcio, 188-190 do magnésio, 190 do potássio, 187-188 do sódio, 185-187 normal alojamento conjunto (Alta), 128-129 alojamento conjunto (Tópicos relevantes), 126-128 cuidados, 121-130 exame físico, 122-126 rotina de admissão, 121-122 ortopedia, 850-858 pneumonia congênita, 196 pré-termo acessos vasculares, 165 avaliação auditiva, 169 avaliação neurológica, 169 avaliação oftalmológica, 169 cuidados, 164-170 icterícia, 168 infecções, 167 internação nas UTIs neotatais (Programa), 169 manejo de fluidos e eletrólitos, 165-166 manejo ventilatório, 165 nutrição, 167-168 pele, 168 persistência do canal arterial, 167 sala de parto, 164 sistema hematológico, 168 suporte cardiovascular, 166-167 UTI neonatal, 164-165 síndrome de aspiração de mecônio, 195-196 taquipneia transitória, 194-195 ventilação mecânica, 215-225, 425-429 convencional, 220-221 Refluxo gastresofágico (Gastrenterologia), 500-505 Remifentanil (Opioides), 431-432 Reposição hídrica (Queimaduras), 476-477 Resfriado comum (Infecção da via aérea superior), 860 Respiração (Distúrbios do sono), 743 Respiração (Trauma pediátrico), 445 Ressuscitação (Queimaduras), 473-476 Retardo desenvolvimento neuropsicomotor, 723-726 global, 725-726 linguagem, 725-726

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PTI ver Púrpura trombocitopênica imunológica Puericultura, 28-125 Pulmão (Malformação – pediatria), 334-335 Pupilas (Coma), 434-435 Purina, Inibidores da (Quimioterápicos em LLA e LMA), 574 Púrpura de Henoch-Schönlein (Vasculites comuns – infância), 950-952 Púrpura trombocitopênica imunológica, 568-570

mental, 725 motor, 725 Retinoblastoma leucocoria, 828-829 tumor (Pediatria), 848-849 Retinopatia da prematuridade (Leucocoria), 830 Reumatologia, 936-958 artrite idiopática juvenil, 939-944 dor articular (Infância), 936-938 febre reumática, 945-949 vasculites comuns (Infância), 950-954 Rinossinusite (Infância), 869-873 Ritmo circadiano (Distúrbio do sono), 744 RM ver Retardo mental RN ver Recém-nascido Rotavírus (Imunização pediátrica), 97-98 Rubéola (Imunização pediátrica), 109-110 Rubéola (Infecção congênita e perinatal), 145-147 RV ver Rotavírus

ÍNDICE

Sala de parto (Reanimação), 172-173 Sala de parto (Recém-nascido pré-termo), 164 SAM ver Síndrome de aspiração de mecônio Sangramento ativo (Epistaxe – conduta), 864 Sangue e seus derivados (Uso recente – imunização pediátrica), 91-92 Sangue total (Transfusão de hemocomponentes), 575 SAR ver Síndrome da angústia respiratória Sarampo (Imunização pediátrica), 109-110 Sarcoma de Ewing (Tumor – pediatria), 845-846 Sarcomas ósseos (Tumor – pediatria), 845-847 Saúde bucal (Pediatria), 57-58 SD ver Síndrome de Down Sedação (Emergência e terapia intensiva), 429-434 Sedação e analgesia abstinência, 433 benzodiazepínicos, 429-430 diazepam, 430 lorazepam, 430 midazolam, 430 cetamina, 432 clonidina, 432-433 hidrato de cloral, 433 opioides, 430-432 fentanil, 431 metadona, 432 morfina, 431 remifentanil, 431-432 propofol, 432 tiopental, 433 tolerância, 433 Sepse (Emergências e terapia intensiva), 399-402 Sepse neonatal, 158-163 SGB ver Streptococcus do Grupo B Sífilis úlceras genitais, 656-657 infecção congênita e perinatal, 149-152 Sinais vitais (Criança), 1052 Síndrome da angústia respiratória – recém-nascido, 192-194

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da hipoplasia do ventrículo esquerdo, 256 da imunodeficiência adquirida perinatal, 154-155 de Alagille (Colestase do lactente), 591 de Angelman, 541 de aspiração de mecônio (Recém-nascido), 195-196 de Down, 534-535 de Edwards, 537 de herniação (Coma), 435-437 de Klinefelter, 536-537 de Marfan, 539 de Patau, 538 de Poland (Cirurgia pediátrica), 339 de Prader-Willi, 540-541 de Turner, 535-536 de Williams, 541-542 do cólon irritável, 513 genéticas comuns, 534-543 cromossomopatias comuns, 534-538 doenças gênicas, 539-540 hemolítico-urêmica (Nefrologia), 689-692 mononucleose (Infectologia), 636-638 nefrótica (Nefrologia), 684-689 secundária a fator ambiental, 542-543 secundária a fator ambiental embriopatia pelo misoprostol, 542 embriopatia por álcool, 542 embriopatia pela hidantoína, 542 tóxica (Intoxicação exógena), 460-461 X frágil – doenças gênicas – síndromes genéticas comuns, 539-540 Sinéquias de pequenos lábios, 353-354 Sistema digestivo (Cirurgia pediátrica) malformação, 309-320 malformações atresia de cólon, 317 atresia de esôfago, 311-312 atresia jejunoileal, 315-316 doença de Hirschsprung, 317-318 estenose hipertrófica de piloro, 313 íleo meconial, 316-317 malformação anorretal, 318-319 obstruções duodenais, 313-315 obstruções gástricas, 312 obstrutivas, 311-320 hematológico (Recém-nascido pré-termo), 168 nervoso central (Tumor), 841-842 Sódio (Distúrbio eletrolítico), 408-409 Sódio, Metabolismo do (Recém-nascido), 185-187 Soja, Proteína de (Fórmula), 814 Sono, Distúrbios do (Neurologia), 740-747 distúrbios do movimento, 746 hipersonias, 743 parassonias, 744-746 queixas, 741 ritmo circadiano (Distúrbio), 744 Sopro cardíaco – infância, 240-244 Sopro inocente – infância, 241-242 ST ver Sangue total

Tabelas, 1033-1072 Talassemias (Diagnóstico de anemia), 560-562 Taquiarritmias arritmias cardíacas na infância, 274-281 supraventriculares, 238-239 Taquicardia sinusal (Arritmias cardíacas na infância), 275 supraventricular (Arritmias cardíacas na infância), 275-277 ventricular (Arritmias cardíacas na infância), 239, 278-279 Taquipneia transitória (Recém-nascido), 194-195 Taxa de infusão de glicose (Fórmula do cálculo), 1047 TCE ver Trauma craniencefálico Tecidos perdidos (Reconstituição – desnutrição grave), 802 Telarca (Endocrinologia), 497-499 Terapêutica sintomática de suporte (Intoxicação exógena), 463-464 Testes (Função hepática – avaliação laboratorial) de atividade bioquímica, 602-605 de enzimáticos séricos, 602-605 de função sintética, 602-605 Testículos não descidos (Cirurgia pediátrica), 343-346 Tétano adolescência e adulto (imunização), 100-101 pediátrica (imunização), 98-100 Tetralogia de Fallot (Cardiopatias congênitas cianóticas), 252-253 Tiopental (Sedação e analgesia), 433 Tonsilites bacteriana recorrente, 867-868 estreptocócicas, 868 infecção bacteriana, 866-867 infecção viral, 865-866 otorrinolaringologia, 865-868 Topoisomerase, Inibidores da (Quimioterápicos em LLA e LMA), 574 Tórax (Cirurgia pediátrica), 329-341 Toxocaríase (Leucocoria), 831 Toxoplasmose, 139-142 Tracoma (Conjuntivite), 819 Transfusão de hemocomponentes, 575-579 Trânsito (Injúrias não intencionais – criança e adolescente), 64 Transposição completa de grandes vasos (Cardiopatias congênitas cianóticas), 256-257 Transtorno bipolar (Psiquiatria), 923-926 Transtorno (Psiquiatria) da conduta, 927-928 de ansiedade, 928-930 de déficit de atenção, 909-921

depressivo maior, 921-923 desafiador de oposição, 926-927 psiquiátrico encoprese, 932, 935 enurese, 931-932 mais frequente, 921-935 transtorno bipolar, 923-926 transtorno da conduta, 927-928 transtorno de ansiedade, 928-930 transtorno depressivo maior, 921-923 transtorno desafiador de oposição, 926-927 Traqueomalacia (Obstrução das vias aéreas), 332-333 Trato urinário (Infecção), 675-678 Trauma abdominal (Emergência e terapia intensiva), 453-454 craniencefálico (Trauma pediátrico), 449-450 de extremidades (Trauma pediátrico), 454 do globo ocular (Oftalmologia), 825-826 geniturinário baixo (Trauma pediátrico), 454 ocular (Oftalmologia), 824-827 palpebral (Oftalmologia), 824 pediátrico ambiente (Exposição e controle), 448 avaliação e atendimento iniciais, 443-448 avaliação neurológica, 446-447 coluna cervical, 444-445 emergência e terapia intensiva, 442-456 hemorragia (circulação e controle), 445-446 respiração, 445 via aérea, 444-445 raquimedular (Trauma pediátrico), 450-451 torácico (Trauma pediátrico), 451-453 Triagem queimaduras, 471-479 neonatal (Brasil), 552-553 Tricomoníase – doenças sexualmente transmissíveis – vulvovaginites, 654 Tríplice bacteriana (Imunização pediátrica), 98-100 Tríplice viral (Imunização), 109-110 Troca gasosa (Índices para avaliação), 417-420 Tronco arterioso comum (Cardiopatias congênitas cianóticas), 256 Tuberculose imunização pediátrica, 92-93 infectologia, 659-665 quimioprofilaxia, 670 Tubos endotraqueais (Tamanho), 1044 Tumor de células germinativas (Pediatria), 847-848 de Wilms (Pediatria), 844 oncologia pediatria, 841-849 sistema nervoso central, 841-842 pediatria nefrologia, 844 neuroblastoma, 843-844 rabdomiossarcoma, 844-845 retinoblastoma, 848-849 sarcoma de Ewing, 845-846 sarcomas ósseos, 845-847

1095

ÍNDICE

Streptococcus do Grupo B (Prevenção da sepse), 162 Submersão (Injúrias não intencionais – criança e adolescente), 63 Superfície corporal (Fórmula), 1046 Suplementação vitamínica (Obesidade infantil), 807-811 Suplementação, 756-757

Tungíase (Afecções pediátricas), 368-369

Úlceras genitais, 655-658 Ultrassom cerebral, 226-230 Uretrites, 654 Urologia pediátrica (Cirurgia), 342-361 UTI neonatal (Recém-nascido pré-termo), 164-165 Uveítes lacrimejamento, 836-837 leucocoria, 831

ÍNDICE

Vacina (Imunização) asplenia, 78 caxumba, 109-110 convulsões prévias ou na família, 77 coqueluche, 98-101 difteria, 98-101 doença crônica sem imunodepressão, 78 febre amarela, 108-109 haemophilus influenzae tipo B, 101-103 hepatite A, 112-113 hepatite B, 93-95 imunodeficiências, 77-78 inativada contra a poliomielite, 96-97 influenza (Gripe), 106-108 intercâmbio, 72, 74 intervalo de administração, 72-73 manutenção, 71-72 meningococo C, 105-106 oral atenuada contra a poliomielite, 96-97 papilomavírus humano, 113-115 pediatria, 70-117 dose (Atraso ou esquecimento), 75 estado não sabido ou duvidoso, 75 eventos adversos, 75 precaução e contraindicações, 76 situações especiais, 76-92 pneumococo, 103-105 poliomielite, 96-97 pós-exposição a doenças, 78 prematuros, 76-77 rotavírus, 97-98 rubéola, 109-110 sarampo, 109-110 tétano, 98-101 tríplice bacteriana, 98-100 tríplice viral, 109-110 tuberculose, 92-93 varicela, 110-112 Vaginose bacteriana, 653 Valores hemodinâmicos anormais (Interpretação), 1045 Válvulas de uretra posterior (Cirurgia pediátrica), 359-361

1096

Variáveis respiratórias (Tabela), 1045-1046 Varicela infecção congênita e perinatal, 156 imunização pediátrica, 110-112 Varicocele (Cirurgia pediátrica), 352-353 Vasculatura fetal (Persistência – leucocoria), 830 Vasculites comuns (Infância) doença de Kawasaki, 952-954 lúpus eritematoso sistêmico, 954-958 púrpura de Henoch-Schönlein, 950-952 reumatologia, 950-954 doença de Kawasaki, 952-954 lúpus eritematoso sistêmico, 954-958 púrpura de Henoch-Schönlein, 950-952 Ventilação mecânica complicações, 224 convencional desmame, 428 emergência e terapia intensiva, 425-429 estratégias iniciais, 221-223 estratégias para melhorar oxidação e ventilação, 427 extubação, 428 parâmetros iniciais, 427-428 recém-nascido, 220-221 CPAP, 218-220 insuficiência respiratória aguda, 420-421 monitoração, 223-224 não invasiva (Insuficiência respiratória aguda), 420 recém-nascido, 215-225 tipos, 218-221 Ventilador (Manipulação – recém-nascido), 217-217 Verrugas (Afecções pediátricas), 381-382 Via aérea (Trauma – pediatria), 444-445 Via aérea superior (Infecções), 859-862 resfriado comum, 860 Via lacrimal (Obstrução congênita), 832-834 Vias aéreas (Cirurgia pediátrica), 329-341 Vias aéreas, Obstrução das (Cirurgia pediátrica), 329-334 atresia de coanas, 330 estenose subglótica, 330-331 estenose traqueal, 333-334 laringomalacia, 330 traqueomalacia, 332-333 Violência sexual (Profilaxia ao HIV, DSTS), 671 Vitamina (Suplementação), 807-811 VM ver Ventilação mecânica VNI ver Ventilação não invasiva Vulvovaginites, 653-654

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